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A tradução ao português da conversa que tivemos – Pedro Meira Monteiro, Fermín Rodríguez e eu – com o escritor argentino Ricardo Piglia, em novembro de 2010, me levou recentemente a recordar o tom daquela reunião. Convém lembrar que, com aquela sessão, encerrávamos uma longa etapa de colaborações com Piglia. Ele havia decidido deixar a academia nos Estados Unidos e voltar a Buenos Aires, depois de mais de dez anos como professor na Universidade de Princeton. A viagem iminente e o final próximo são em grande parte responsáveis pelo tom e por certas derivações, talvez as mais importantes, de nossa conversa. Mas não foi, de maneira alguma, uma reunião melancólica. Pelo contrário, entre o sotaque argentino de Ricardo e Fermín, o espanhol finíssimo e ligeiramente aportuguesado de Pedro e minha fala do Peru, recordo que a noite se encheu de matizes linguísticos, de agudezas e de humor. Lembro particularmente desses detalhes porque esta versão em português me faz pensar que, de fato, a língua de Camões – como dizíamos com seriedade e ironia nos seminários bilíngues que Pedro e eu ensinávamos na universidade – nunca foi uma presença estranha naquela conversa. Nossa amizade com Piglia durante os anos de Princeton felizmente esteve sempre acompanhada de amigos e textos, em espanhol e português.
A conversa, como forma, merece também algumas palavras. Na parte inicial de Respiração artificial (1980), o primeiro romance de Ricardo Piglia, lê-se uma carta de Emilio Renzi – seu alterego – a seu tio Marcelo. Entre outras coisas, Renzi escreve ali sobre a formação de um escritor, sobre o desencanto das experiências e aventuras, diante do peso das leituras e da atividade crítica, e passa depois a refletir sobre o gênero epistolar, essa forma perversa, diz, de conversa diferida, que se alimenta da distância, e que evidentemente o fascina: “confesso a você – escreve a seu tio – que uma das ilusões da minha vida é algum dia escrever um romance feito de cartas”.
O gênero epistolar se aproxima muito da “conversación”, tal e qual Piglia a trabalhava: é um acontecimento da linguagem, um lugar para as ideias, mas também uma forma que prospera ou se enriquece com a distância, graças à rescrita e à edição dialogada por meios eletrônicos. A conversa é um dos gêneros prediletos de Piglia para a interseção entre a crítica e a ficção, e para buscar, de alguma forma, escapar do lugar de enunciação da academia e das autoridades. Sendo assim, tais conversas, logo convertidas em textos de crítica, configuram também os capítulos imaginários de algum romance epistolar entre amigos.
Poderíamos dizer, como quem conversa, que os acontecimentos nas ficções de Piglia são fatos textuais ou de linguagem. No centro de seus contos ou romances são narradas conversas, despontam livros e documentos, aparecem cartas e fotografias. Na base de seu universo ficcional se encontra o problema dos textos no mundo ou do mundo como texto; e em tal universo há sempre um ou vários personagens que são leitores obsessivos ou profissionais, decifradores de códigos, mas também produtores de textos, codificadores, urdidores de situações, máquinas que cifram o mundo. A ficção de Piglia pode ser pensada como uma grande cena, muitas vezes transfigurada, com personagens que leem ou escrevem, que ditam e recebem mensagens que poderiam transformar a ordem da sociedade moderna. Os personagens vivem apaixonadamente suas ideias, são heróis que defendem suas posições, mas se enfrentam com o desconcerto do sentido e das disciplinas da modernidade. A ficção de Piglia é, entre outras coisas, uma forma de intervenção nos debates teóricos e intelectuais, a partir da lógica de certos gêneros literários como o romance policial, a novela ou o conto breve.
Nesse sentido, se entendemos a ficção de Piglia como uma maneira de trabalhar, por exemplo, com a história argentina ou a cultura de massas, o espaço das “conversas” seria mais uma forma desse mesmo trabalho, sempre em tensão com os discursos oficiais e acadêmicos. A conversa constrói “naturalmente” uma cena que, para dizê-lo de algum modo, baixa o tom da enunciação do discurso crítico, como que o situando num contexto humano concreto. Trata-se, sobretudo, de uma forma que dialoga a partir de um espaço fora do discurso acadêmico. A conversa é também o ensaio de uma solução ao problema de como intervir – e de onde falar – nos debates. É um trabalho com o tom, no registro da crítica.
Ricardo Piglia utiliza a forma da conversa como poucos escritores, integrando-a claramente ao conjunto de sua obra. Em 1986 ele publicou uma coleção de conversas notáveis (chamadas então “entrevistas” ou “reportagens”) sob o título de Crítica y ficción. O volume foi reeditado com vários textos novos em 1990 e no ano 2000. Também em 1990 publicou-se o hoje célebre Diálogo Piglia-Saer. As entrevistas, reportagens ou diálogos foram preferencialmente tomando a forma de “conversas” desde 1988, no contexto dos intercâmbios intelectuais e da amizade entre professores, alunos e escritores que trabalhavam e visitavam a comunidade universitária de Princeton, em Nova Jersey.
Diferentemente das entrevistas ou reportagens, as conversas supõem uma relação mais próxima entre os interlocutores. Os diálogos se conectam com velhas tradições letradas e acadêmicas, como nos Diálogos filosóficos, enquanto as conversas evocam cumplicidade, cotidianidade e familiaridade. Contrariamente às entrevistas, nas quais uma voz é dominante, a conversa é mais polifônica e dialógica. Permite além disso que o registro crítico não perca sua conexão com o local e as formas afetivas e pessoais, movendo-se entre as convenções da oralidade e da cultura escrita.
A conversa a que dei o título de “Meios e finais” foi publicada pela primeira vez em La forma inicial (2015), livro que organizei com Arcadio Díaz-Quiñones. A transcrição da gravação digital foi o ponto de partida de uma cuidadosa reelaboração textual, ou seja, um processo meticuloso de correções, adições e mudanças coordenadas por escrito entre as “vozes” da conversa e dos organizadores. Não se tratava de mudar o tom nem as verdades do que foi dito, mas sim acomodar a conversa ao registro da escrita. Em outras palavras, esse gênero também prospera na distância.
Em todo esse processo, a conversa inicial funciona como uma estrutura de base para o desenvolvimento de uma escrita crítica nova. A forma final se aproxima assim do ensaio e da ficção, embora sempre mantendo o tom e a verdade do intercâmbio de ideias e da dinâmica próprio de cada encontro. A conversa, em sua forma escrita, pode ser pensada como uma reconstrução ou uma restauração. Sua forma se aproxima do texto teatral, do roteiro de algum filme possível ou talvez de um romance epistolar imaginário. Do mesmo modo, as páginas de vários romances de Piglia evocam também conversas perdidas.
Acredito que, em Meios e finais, prevaleça o tom de uma conversa num café, capaz de distingui-la de outras conversas que compõem o cânone de Crítica y ficción. Como as demais, apresenta reflexões sobre o romance, o cinema, a política, embora incida mais na problemática dos “meios”, seja como tema narrativo na sua relação com inícios e finais, seja na sua relação com as tecnologias de transmissão textual, de leitura e controle social. Ao longo de boa parte de nossa conversa, movia-me o desejo de falar sobre “literatura e velocidade”, porque tanto a carta quanto o gênero do diário propõem o problema da velocidade e da distância entre a escrita, o referente e a recepção. Se recordamos, por exemplo, os antigos diários de navegação, notaremos que o gênero pretendia quase fazer sumir a brecha – inapagável – entre os fatos e a escrita. E sabemos que Piglia, desde a adolescência, cultivou o gênero do diário – e inúmeras vezes assinalou seu interesse pelos diários de escritores –, mas também sabemos que na recente edição de Los diarios de Emilio Renzi, desde a primeira parte, Los años de formación (1957-1967), assistimos, como leitores, a um gênero que se alimenta da imediatez e da distância. Poderíamos, sem abandonar o tom da conversa, especular que toda a obra de Piglia explora as formas da carta e do diário.
Por fim, o leitor descobrirá na conversa que, em não poucas páginas, estávamos pensando coletivamente sobre problemas de literatura e de pedagogia, num sentido amplo, e que a própria conversa adquire também certo caráter pedagógico. Acredito que Meios e finais ofereça aos leitores um passeio pelos grandes tópicos da obra de Ricardo Piglia, podendo, portanto, servir de introdução à sua obra ou como um convite para relê-la e estudá-la.
* * *
Meus agradecimentos a Beba Eguía, Luisa Fernández, Pedro Meira Monteiro, Fermín Rodríguez, Tiago Ferro e a todos os que tornaram possível esta tradução e a edição brasileira. A Ricardo Piglia, meu agradecimento profundo por sua amizade e generosidade intelectual.
Stony Brook, Nova York, setembro de 2016
Conversa com Paul Firbas, Pedro Meira Monteiro e Fermín A. Rodríguez, novembro de 2010.
Uma casa em Princeton, Nova Jersey: Ricardo Piglia chega atrasado, após dar voltas de carro para achar o endereço. Chega à noite com os notários que cuidam de seu testamento, que será assinado por ele e por nós, as testemunhas. Após uma breve cerimônia burocrática, dispensamos os notários e subimos ao segundo andar, onde nos esperava Fermín Rodríguez, na tela do computador, conectado da Califórnia. Começamos a conversa.
1.
Testamento
Paul Firbas: Talvez venha a calhar começar pelo que aconteceu hoje aqui com a presença dos notários e a assinatura de seu testamento, cuidando dos trâmites de aposentadoria da Universidade de Princeton. Quer dizer, em nosso início está a noção de testamento, de final. Ao mesmo tempo, quero convidá-lo a refletir sobre sua experiência universitária nos Estados Unidos, agora que faltam poucas semanas para que você a encerre e volte a Buenos Aires.
Ricardo Piglia: Os finais sempre condensam os sentidos. É como se nos víssemos obrigados a refletir sobre o que aconteceu até este momento. Por um lado, há a sensação de que termino uma etapa aqui em Princeton, onde estou dando um seminário sobre poéticas do romance. É como se um discurso que começou há muito tempo encontrasse também seu ponto final. Uma questão que a literatura nos ensina imediatamente é que o final define o sentido. Por isso a questão do final é sempre tão complexa. Poderíamos dizer que o final define o sentido e também a forma. Me parece que toda a discussão sobre a forma tem a ver com a possibilidade de conseguir um final que dê alguma ilusão de fechamento ou de unidade. O testamento parece ser um texto adiantado no que diz respeito a essa situação. Lembro, por um lado, de estudos que historiadores franceses fizeram sobre os testamentos. O texto de Phillipe Ariès sobre A história da morte no Ocidente [1975] é uma leitura dos testamentos. Ariès constrói uma história da concepção cultural do que pressupõe morrer, sobretudo a partir da cena do testamento e a quem se deixam os bens e como certos protocolos vão mudando ao longo do tempo. Acho que na cultura latino-americana o testamento não existe ou existe de uma maneira muito lateral. Não tenho memória de testamentos ao meu redor.
PF: Será que é porque há menos possibilidade de que o indivíduo decida? O Estado hoje tem bastante claro o que uma pessoa pode fazer com seus bens.
RP: Acho que sim. Sempre me fascinou a história dos testamentos de Alberdi. Sabemos que Alberdi viveu no exílio por quase quarenta anos. Então volta a Buenos Aires, se equivoca e acontece uma série de desgraças políticas, porque tinha perdido o distanciamento em relação à realidade, que tinha como intelectual. Volta para a França e se psicotiza, por assim dizer. A prova disso é que começa a fazer testamentos e a deixar coisas para amigos que já tinham morrido, porém não tinha nada para dar: dá um tinteiro para um, coisas assim, e um testamento anula o anterior. Mas, em relação ao que queremos conversar, o testamento seria a escrita do fim.
PF: Ou de como se negocia o fim, porque parece que há uma forma já dada.
RP: Claro, o que deixamos àqueles que deixamos.
Pedro Meira Monteiro: Há um tom severo no que você diz, como se quase não houvesse melancolia. Ao mesmo tempo, discutimos a ideia de que há um ponto final. Lembro que há uns dias falávamos sobre “O narrador” de Walter Benjamin e o finis, essa finitude mesma que nos constitui. É um texto absolutamente melancólico, porque é algo que tem a ver com enfrentar a ideia de que a revelação é o fim, nos dois sentidos, o da literatura e o do autor. Você poderia falar um pouco sobre isso?
RP: Tenho uma sensação – como chamá-la? – eufórica ou negadora da morte. Minha ideia é de que na vida não há finais. Quer dizer, que não somos conscientes da cena final. E quando há finais, são sempre trágicos; se não, há um fluir de acontecimentos de que nos recordamos depois, retrospectivamente, como se tivessem sido um final. Mas não vivemos o final. Com exceção da morte de alguém ou do fim de um relacionamento em que um dos dois fica com a sensação de que queria continuar. Tenho a impressão de que o sistema dos finais é um sistema estruturado. Sabemos que existem horários que nos levam a cortar as coisas não no momento em que a situação implicitamente pede. Por exemplo, esta conversa: talvez pudéssemos continuar por três dias se nos deixássemos levar pela lógica da própria conversa. Mas sabemos que em algum momento há uma coisa externa que nos diz que é preciso cortar. O outro exemplo são as aulas. Há uma maneira de ordenar os sistemas estruturados de finais. Quer dizer, que os finais seriam exteriores ao fato. Seriam impostos de fora, e o sujeito não teria por que vivê-los como um final pessoal, ou de algo que acabou. Por exemplo, quando estamos dando aula e os estudantes se levantam e se vão. Este seria um final que não está dedicado ao sujeito. No entanto, parece existir uma lógica social que organiza os finais. Por isso na arte se experimenta com os finais: os finais dos romances, dos filmes, das séries.
PMM: Mas então as aulas seriam uma espécie de simulação de tudo o que vem antes do final, certo? Pergunto porque vivemos num mundo, e talvez especialmente num país, onde as finalidades são absolutamente fundamentais. Agora mesmo estávamos nessa cena incrível de lavrar seu testamento. Mas ao mesmo tempo vivemos com a ideia dos goals, dos objetivos, de que chegamos à universidade, estudamos e nos formamos com a finalidade fundamental de saber e de chegar ao que queremos, o que é antipoético e antiliterário no sentido mais profundo. Mas o que você está sugerindo é que, de alguma maneira, a aula é um exercício para que nos mantenhamos artificialmente antes disso, antes de chegarmos ao objetivo.
RP: Isso. E poderíamos encontrar outros exemplos.
PF: Eu entendi que a arte era uma forma de intervir e de fazer cortes. A experiência é um fluxo, e a arte consistiria em como inserir cortes nesse devir. É no corte que se joga com o sentido.
RP: Exatamente, e tenho a impressão de que uma das coisas centrais da arte é a experiência de um final que parece muito elegante e que teria a ver com uma lógica reparadora em relação à brutalidade do final na experiência real. Não quero dizer que seja reparadora no mau sentido, mas no sentido de produzir a experiência de um acontecimento que costuma ser trágico. Há também a questão levantada pelo Pedro, que é a ideia da finalidade; quer dizer, como imaginamos a finalidade de nossa própria vida e até onde ela vai, e sociedades onde isso parece estar organizado desde a infância. Isso também tem a ver com o fato de que a noção clássica de destino – da existência de um destino que se aceita – foi deslocada. Isso também é um alívio.
Fermín Rodríguez: Essa lógica “testamentária” do final é também o momento da assinatura, não? Essa espécie de recrudescimento da presença que a assinatura impõe, mas que ao mesmo tempo não alcança: é preciso testemunhas que também assinem, que testemunhem e garantam o ato da presença, ou a presença em ato. Este lugar é também o lugar do autor: a assinatura como o lugar do autor e a leitura como contra-assinatura. Nesse sentido, na linha de Derrida, não estou completamente seguro de que o que estamos pensando como encerramento na realidade não seja apenas a primeira de uma cadeia de assinaturas.
RP: Certamente. Porque em relação ao autor, e jogando aqui com a ideia da assinatura do autor que sacramenta a propriedade do texto, quisera eu que os textos literários exigissem testemunhos de qualidade literária, que justificaria a assinatura do sujeito que escreveu o livro. Um escritor se autodesigna. Bem mais que um professor, que precisa de uma legitimidade. Até um pintor ou um músico precisam da legitimidade de uma aprendizagem artesanal. Um escritor, por sua vez, se autodesigna como tal porque trabalha com uma matéria que é a própria língua. Então, seria muito bom se, numa sociedade futura, os escritores fossem obrigados, sempre que terminassem um livro e o assinassem, a ter três testemunhas que o autorizassem, que atestassem que foi ele quem escreveu o livro e que o livro vale a pena.
PF: Era esse, de alguma forma, o velho sistema das censuras por que passavam os livros do século XVI em diante, quando diferentes instâncias da igreja e do poder civil tinham que autorizar a impressão e defender que valia a pena que circulasse porque estava repleto de verdades...
RP:Indo por aí, pode-se pensar na assinatura como o final da carta, por exemplo.
2.
Cartas e circulação
PF:Que bom que você mencionou a carta porque, de fato, queria perguntar sobre as velocidades dos textos. Tenho a impressão de que você sempre se interessou pela correspondência e pela situação epistolar como uma forma de gerar histórias. Respiração artificial(1980) é, talvez, o primeiro romance epistolar argentino. Mas não podemos desatrelar o sentido de uma carta da velocidade da comunicação. E é um meio que está quase em processo de desaparecer ou de cair em desuso.
RP: Na correspondência havia uma pausa. Por isso era uma cena de escrita interessantíssima. Em primeiro lugar, porque não se sabia como estaria a pessoa que leria a carta. Ou seja, escrevia-se uma carta e o destinatário não estava no mesmo estado de espírito de quem a escreveu. Era preciso imaginar como seria essa situação. Havia um tempo entre a escrita endereçada a alguém e o momento em que se lia. E isso foi desaparecendo.
PF: Por exemplo, em alguma ocasião na época colonial, enquanto na América se celebrava o aniversário do príncipe, este já havia falecido na Europa. Passavam-se meses até que as cartas chegassem e, claro, aconteciam coisas nesses intervalos.
RP: Outro dia li uma coisa lindíssima. Me impressionou. O modo como irrompeu a Primeira Guerra Mundial, que na verdade não se sabe por que se desencadeou. Vem alguém com uma hipótese marxista e diz: “bem, os impérios lutavam”, mas isso não era o que se via. O que se viu foi que mataram alguém e que isso desencadeou uma guerra que de uma hora para outra era absolutamente monstruosa e que ninguém podia controlar. A guerra fazia o que queria com os soldados e já não era possível estabelecer ordem alguma. Um italiano que escreve sobre a guerra na Itália diz que a velocidade da diplomacia à época não estava preparada para a velocidade com que se desenrolavam as questões a partir do surgimento do telégrafo. Os diplomatas estavam acostumados a certo tempo das decisões, que nesse caso foi muito difícil de controlar porque a informação chegava demasiadamente rápido, e eles tiveram que tomar decisões que, se tivessem podido pensar um pouco mais, não teriam tomado. Digo isso em relação ao modo como mudamos o tempo da decisão, o tempo de poder refletir sobre algo para que conte num determinado momento. As cartas são um exemplo: você recebia uma carta e tinha um tempo para responder. Ao passo que o e-mail nos coloca em uma situação instantânea.
PMM: Fermín, mande sua próxima pergunta por carta, por favor.
RP: Sim, assim tenho tempo para pensar um pouco...
FR: Estou aqui pensando, três horas antes de vocês, na Califórnia, nessas lentas cartas do correio colonial das quais falava Paul. Elas abrem um campo de ausência tão amplo quanto o Atlântico, onde o destinatário não tem nenhuma garantia de que, nos meses em que o barco demora a chegar, o remetente, aquele que assinou a carta, siga vivo (algo disso sobrevive hoje nas burocracias). Me pergunto se a assinatura é justamente o lugar no qual o autor recobra o sentido ou se, ao contrário, é um lugar muito precário, falsificável, tomado pela lógica da ficção – digamos, um lugar onde a presença, a respiração, é artificial e fictícia – e a assinatura, por definição, está contaminada de incerteza.
RP: Tende a ser assim.
FR: É falsificável. Pode-se copiá-la, falsificá-la.
RP: Sempre me interessei por algo que Borges faz muito bem. Não vou dizer que eu o inventei, quisera eu: a ficção do nome. Construir algo a partir da ficção do nome. Alguém diz que se chama de um modo diferente do que se chama: a lógica da falsificação, das identidades trocadas. E também o que carregam os nomes como relato. O nome não seria apenas uma marca do sujeito, mas seria – não quero dizer um enigma – a cifra de uma história que está inscrita. Porque os nomes sempre têm uma história de por que alguém se chama de tal maneira. Mais além de como nos deparamos com isso em textos e experiências sociais, a questão da ficção do nome sempre me pareceu muito importante para a relação entre a verdade e a ficção. Ou seja, também ali onde seria o lugar da autenticidade se poderia construir um espaço de incerteza.
PF: O nome falso.
RP: Exato, Nome falso.
PMM: No limite, o escritor é sempre fictício, no momento em que pode por finis a si mesmo e se inventar como personagem. Acho que isso é algo que está muito claro no seu lado borgeano, Ricardo, em suas reflexões e inclusive em sua ficção. Mas quero voltar à questão da velocidade, porque acho que a ideia da conversa de hoje partiu de uma urgência de falar sobre a velocidade. Vivemos a tragédia de ser parte de uma geração que não sabe exatamente o que fazer com as telas que se colocam entre nós e os alunos durante as aulas. Este é o cenário clássico em nossas aulas agora em Princeton. Gostaria de saber quais são as potencialidades, o que pode haver de produtivo nesta nova cena que de alguma forma nos rouba um tempo, que também não deixa der ser idealizado: o tempo da carta. Porque a velocidade traz consigo a ideia de que as coisas se aceleram, de que estão fora de controle. Sempre lembro das belas sentenças sobre o tempo de La Rochefoucauld, Madame de Sévigné, etc., que depois de escrever uma máxima, que é uma condensação de sentido, no momento em que a enviavam pelo correio com o lacaio, agregavam: “dès que le courier sera parti... ou seja, já não sei se gostarei da máxima que acabo de escrever quando o lacaio partir com a carta...” Havia então uma espécie de jogo muito interessante e uma consciência da circulação da leitura e da velocidade. Estamos num extremo em que o normal ou o mais fácil é dizer que a aceleração contemporânea é o fim, é a barbárie, não existe mais nem intervalo nem tempo para que tenhamos nossas dúvidas e possamos dar nossas aulas. Assim, como lidar com esses quinze rostos de alunos que estão ali diante da tela?
RP: Há várias entradas possíveis. Uma questão importante é a noção de interrupção, que trazemos também da experiência com a literatura. Poderíamos registrar muitas cenas de interrupção como cenas conflitivas nos textos. Mas, também numa experiência cotidiana qualquer, a aparição de uma interrupção pode funcionar como um elemento ameaçador. Por um lado, teríamos que pensar a noção de interrupção, qual é sua virtude e como nos defendemos dessa interrupção. Ou como se defende uma determinada ordem, não sei como chamá-la, não quero dizer ordem social, ou uma determinada sociabilidade. Por exemplo, os argentinos quando vêm aos Estados Unidos sempre se queixam porque as pessoas avisam com muita antecedência que virão a sua casa, ao passo que a amizade seria o direito de interromper. Um amigo é aquele que a qualquer momento vem a sua casa e bate na porta, o que não quer dizer que sempre fiquemos contentes quando isso acontece.
PF: Mas admitimos a interrupção.
3.
Interrupção
RP: Porque se estamos em uma dada situação, não precisa ser uma situação erótica extrema, mas uma situação qualquer, a lógica social obriga a que aceitemos a interrupção do amigo e digamos “que bom que você veio, que sorte você ter tido esta ideia!” Lembro de uma época em que vivia na Montevideo com a Sarmiento, e acabei me mudando, porque, é claro, estava disponível para todo mundo. Então, qualquer um que estivesse por ali, dizia “vou lá ver o Ricardo”. Há um tipo de interrupção que tem a ver com um funcionamento desordenado e que aparece sempre como contraponto aos modelos muito estruturados. Voltemos à questão dos alunos. Sempre falo disso com Beba. Eles vão à aula, depois ao violino e à esgrima, então vão estudar trapézio e não há tempo para que possam se dedicar a fazer o que têm vontade.
PF: Também existem forças maiores. Têm 25 anos e uma dívida de milhares de dólares para pagar em trinta anos. Há uma pressão enorme para que entrem num sistema que não admite a interrupção.
RP: Porque eu tinha visto... mas não sei se não estou falando demais.
PMM: Você é o convidado, tem direito!
PF: Não queria interromper...
RP: Li por aí que estão muito preocupados porque em alguns trabalhos os empregados já não são tão eficazes, já que, segundo seus estudos, 40% do trabalho é gasto com os e-mails que chegam. Então os engenheiros de computação estão tratando de inventar o que chamam de “a interrupção perfeita”. É um conceito genial. É a interrupção necessária.
PF: É a anti-interrupção.
RP: Estão vendo se conseguem organizar um sistema de e-mail com a interrupção perfeita, no qual, se uma mensagem muito importante chega, essa sim você precisa ler. E os outros ficam muito educados, à espera. Quer dizer, não somos os únicos que estão pensando nos jovens com a tela...
PF: Claro, as corporações estão muito preocupadas. Mas talvez seja uma preocupação de outro gênero. Por exemplo, você está falando sobre Sarmiento numa aula, de como no final de sua vida ele estava mal de saúde e irá morrer em Assunção. E um aluno na segunda fileira diz “perdão, professor, mas não foi em Assunção, foi nesta outra cidade”, porque ele está vendo na Wikipédia. A aula se abriu a um mundo em que o aluno está jogando para verificar a sentença do professor e a autoridade está na internet.
PMM: Mas esse é o plano da “informação” no sentido de Benjamin, que está pensando em como reagir a esse mundo e resgatar a experiência.
PF:E que a informação anula ou mata a narração.
RP: Aí há uma contradição que é muito importante levar em consideração. A narração seria um relato com um final, enquanto a informação não tem fim. É uma cadeia interminável de possibilidades, que aspira a ter mais informação. O fato de que existe um encerramento não faz parte do conceito de informação.
PF: Segundo Benjamin, o romance também é um relato com um final, porque a modernidade afastou a morte da vida cotidiana e o romance de alguma forma a restitui.
RP: Eu acho que, se queremos trabalhar com essa questão, é preciso ver qual lógica de final tem o relato, a forma breve, o conto, que tipo de final há na nouvelle e quais são as formas possíveis do final no romance. Assim, poderíamos diferenciar esses gêneros.
FR: Vou voltar um pouco ao que propunha Pedro, de pensar seu trabalho como professor, o ensino, em tensão com sua escrita. Por um lado, se a lógica da experiência universitária norte-americana é a não-interrupção, a academia como repetição mecânica e gestão burocrática do saber, a clausura e o encerramento como condição da formação, a literatura não seria justamente a interrupção? Ela é feita de interrupções: o que corta, o que rompe, o que vem de fora e obriga a pensar. Como você vê esta tensão?
RP: As grandes poéticas contemporâneas insistem muito na necessidade da interrupção, no sentido de ir à vida. Há o modelo do sujeito que vive em sua biblioteca e o do sujeito que viveu e se foi On the Road, como Kerouac e todas as tendências que tentam, digamos, enfrentar a cultura como um sistema muito fechado, que não deixa lugar para que irrompa a paixão, a sexualidade, a política. A partir deste conceito seria preciso estabelecer um registro para podermos nos aproximar e ver em que condições funciona. E, por outro lado, supõe-se que a literatura deveria ser uma prática que coloca quem lê sempre na situação de que pode aparecer algo que não se espera. Se a literatura confirma tudo o que se está esperando, me parece que não atinge seu efeito. Acho que isso já está na ideia de Poe da surpresa final, que é muito sutil – cada vez valorizamos mais Poe –, porque é uma teoria da leitura, definitivamente.
PMM: Mas que pressupõe a não-interrupção.
RP: Exato, para deixar apenas uma. A irrupção deste final inesperado.
PMM: Esse é um grande problema. Volto ao que dizia Fermín e penso em termos de filosofia pedagógica. Me pergunto: que fazer? Sempre brinco com meus alunos que o grande desafio pedagógico é fazer com a aula o que fazem os analistas: fechar a porta como se fosse um consultório, como se fosse algo que não se pode interromper... Mas no momento mesmo em que eles abrem a tela, isso se acaba, se produz o momento da interrupção, e acabou o jogo delicado com a revelação final que tenta recuperar outros tempos, tempos da narração oral. Em suma, o que o romance trabalha tragicamente como uma perda: já não existe mais a continuidade da história a partir da existência da comunidade, mas sim da individualidade.
RP:Para continuar, como argentino, com a metáfora psicanalítica, a relação de ensino é uma relação de transferência. Não foi Freud quem inventou a transferência. Ele reconheceu as relações de transferência nas paixões, nas relações amorosas, nas relações religiosas e nas relações pedagógicas. Você não acha?
PMM: Tem um pouco de tudo. As relações pedagógicas são uma mescla de tudo isso.
RP: Mas há um elemento de transferência, acho. É preciso imaginar que em algum momento deve ter existido uma cena de transferência. Em que consiste? A transferência consiste em uma pessoa dar a outra o saber. Então, quando eles olham para a tela, não estão lhe dando o saber. O saber dessa transferência, que diz “é o outro que sabe”. Eles questionam esse saber com o que veem na tela.
PF: Quebra-se o pacto de leitura, ou ele fica ameaçado. Por exemplo, quando dou aulas numa sala no primeiro andar com uma janela muito grande e chega a primavera e a vida começa a passar intensamente pela janela, caminhando, sempre brinco que é impossível continuar com a aula...
RP: Bem, disso eu sei pouco... Mas também podemos dar o exemplo das tradições e discussões nos diálogos platônicos. No sentido de que a experiência da educação não pode ser uma questão isolada.
PF: Sem dúvida. A janela é uma necessidade. A arte está em se manter aqui, sabendo que o desejo está lá fora. Mas o computador que se abre na aula é uma janela de outra natureza, que tem a ver com a própria pedagogia e com o conflito entre informação e narração. Talvez a literatura seja sempre uma grande interrupção. E as aulas colocam em cena essa tensão: a demanda de informação, por um lado; e nós como narradores orais, voltando aos contos e às histórias, por outro.
RP: Porque também precisamos recordar, ao menos os de minha geração, que sempre havia uns garotos que colocavam no livro que estávamos discutindo as Memórias de uma princesa russa ou um quadrinho. Sempre havia um jogo de que alguém fazia de conta que estava seguindo a aula ou o manual. Aí poderíamos falar da noção de entretenimento em contraposição à possibilidade do tédio. Mas me parece que vocês tocam em algo mais profundo. Não se trata apenas de eles olharem para a tela porque querem se entreter.
PF: Ainda que isso também seja parte do problema. Porque o tédio é uma condição necessária para se pensar uma experiência e produzir uma narração.
PMM: Isso pressupõe que existe uma fantasia necessária para sustentar a voz autoral ou a voz pedagógica, fantasia na qual o que se está dizendo é mais interessante do que o que está na tela.
RP: E mais interessante do que o que está no mundo, também.
PF: É a fantasia que sustenta o pacto pedagógico.
FR: Mas vocês não acham que o ensino multiplica relações e desfaz essa possibilidade de autonomia da transmissão? Deixando de lado o fetichismo tecnológico, não consigo ver uma ruptura nessa cena. Conectar, disseminar saberes, multiplicar planos de análise, expandir redes, abrir mundos virtuais, constitui o núcleo virtual da nossa prática. Ensinar é destituir um pouco o lugar da transferência. Estamos em rede no sentido de que transmitimos, repetimos, somos legatários de testamentos: herdamos. Não consigo ver o corte, na verdade.
RP: Claro. Falo da minha ideia do que seria essa função, porque nunca tenho a sensação de que acontece comigo. Se tivesse que pensar em que constitui essa relação de transferência, diria que ela está em transmitir um interesse por algo que não tem a ver com quem está ensinando, mas com algo que se supõe que deva ser interessante. O interesse é o que se deve transmitir. O interesse por aprender física atômica, por exemplo. Então nisso estou com você. Esse interesse tem a ver com o fato de que seríamos apenas uma espécie de rede de conexão.
PF: Mas acho que há certas instâncias, como o professor, que comunicam uma experiência, e os alunos percebem. É uma presença humana na cena da aula. A relação com um professor é um caminho diferente de encontrar ou facilitar a informação.
RP: Por um lado, seria preciso ver se podemos dizer que essa tensão entre informação e experiência pode ser traduzida por uma tensão entre informação e algo que não sabemos como chamar. Mas que poderíamos chamar educação, pedagogia ou “fachada”, como diria Gombrowicz, “alguém faz a fachada”, “põe a facha”, dizia, e faz de conta que está ensinando algo que não sabe completamente. Nesse registro, teríamos que começar talvez a construir uma série de relações entre a informação, como um tipo de experiência, e a narração e outras.
PF: Agora me lembrei de algo que falávamos no café faz uns meses. Você me dizia que hoje alguns tipos de aula já não fazem sentido. Há alguns anos era comum dar uma aula para reunir informação dispersa, não acessível: o professor cumpria essa função de facilitador. Mas agora em três minutos isso se resolve pela internet. Temos um compromisso de não reproduzir o que os alunos podem fazer na tela. Isso exige que façamos outra coisa com a aula.
4.
Corpo
RP:Não sei se vocês viram isso, mas outro dia li o texto de um seminário de Foucault, não me lembro como se chamava, algo sobre o corpo [“O corpo utópico”, conferência de 1966]. O que ele diz lá é extraordinário. Ele opõe a utopia ao corpo. Diz que o corpo é a única coisa que não se pode transpor a um espaço imaginário perfeito. Eu acordo todas as manhãs e me olho, vejo que sou calvo, que algo está acontecendo no meu corpo que não tem nada a ver com o modo como imagino todas as minhas construções. Nessa linha, o corpo seria um lugar da presença, para retomar esta palavra. Então, a educação ou a pedagogia é uma prática com os corpos, no sentido de que os corpos estão lá, ou pode ser convertida em uma prática que se realiza por outras vias? Me parece superinteressante a questão, o que poderíamos chamar de mundos virtuais, as vidas possíveis, as redes alternativas às quais as pessoas podem se conectar, e o peso do corpo, ao que Foucault, me parece, se referia dizendo “não se pode transpor o corpo”. E o corpo tem uma velocidade...
PF: Humana.
RP: Claro. Poderíamos falar da impossibilidade da velocidade extrema que o corpo tem. Podemos subir num avião, mas é muito mais lento. Qualquer máquina que o leve a um lugar será muito mais lenta do que a velocidade da luz que têm os computadores, que atuam de maneira instantânea. Não se pode colocar o corpo: vemos Fermín aqui, mas ele está em São Francisco. Você está ou não em São Francisco? São Francisco, Córdoba?
FR: Me pergunto se essa relação entre corpo, palavra e desejo que articula a aula se mantém no cenário de uma aula “virtual”. Como fazer análise por Skype? Transferência versus transmissão de dados e bytes. A presença do corpo e da carga aurática da voz, ainda que passível de repetição e disseminação, me é necessária, ou ao menos específica. E por falar no espelho de Foucault, Ricardo, você tem dimensão da sua gestualidade em sala?
RP: Não, imagine, porque os alunos parecem que riem um pouco. Por isso trato de não investigar muito, sobretudo no caso dos undergrads.
PF: Tudo isso faz parte da experiência em sala de aula.
RP: claro. Mas veja bem, não poderia falar de meus gestos. Isso aprendi com meu pai, sei lá, que faz parte de minha história.
PF: Há um ritmo biológico, humano, da aula, digamos: você anda, se move, respira. Quero pensar, já nem sei se faz sentido, que isso é importante no processo de ensino. E não duvido que seja possível aprender muito a partir da tela.
RP: Se aprende muitíssimo. Talvez isso da presença do corpo seja arcaico.
PF: É, mas se começamos definindo a literatura como interrupção, então, bem, eu lutaria por seguir interrompendo com um fluxo que me leva ao arcaico.
RP: Acho que uma das lições mais extraordinárias de Benjamin vai nessa linha do que Fitzgerald disse, que uma inteligência de primeira qualidade é aquela capaz de pensar duas coisas contraditórias ao mesmo tempo. E Benjamin tem essa capacidade. Por um lado, fica feliz que a aura tenha terminado, por outro, lhe parece terrível que a experiência esteja em crise. São elementos que vão e vêm. Então eu acho que diante dessa situação teríamos que ter esta dupla articulação.
PF: Temos Fermín na tela, felizes de tê-lo aqui graças à rede.
PMM: Totalmente, mas falta algo...
RP: Fermín fala como deveria. Tudo o que Fermín diz é como o que dizem os que estão na rede absoluta!
PF: Seria absurdo Fermín defender o corpo neste momento!
RP: Não, não se sabe o que ele defende, porque está todo ali, e chegamos em casa e dizemos “Fermín me disse isto e não havia me dado conta!” [risos]
FR: A voz e o éter. O corpo é o estilo.
5.
Instituto de leitura dinâmica
RP: Me interessa muito, em relação ao tema da velocidade, a relação com a leitura. Bem, com certeza vocês já me ouviram dizer isso. O que se acelerou foi a circulação dos textos, temos acesso de forma instantânea a um registro muito amplo de possibilidades de leituras. Mas digo, de brincadeira, que seguimos lendo na mesma velocidade que líamos no tempo de Aristóteles. Ou seja, quando se diz que uma imagem vale mais que mil palavras o que se quer dizer é que uma imagem é mais rápida que as palavras. Leva um tempo ler mil palavras, porque é preciso ler um signo, e outro signo, e outro signo. Ao passo que decifrar uma imagem é algo absolutamente imediato e instantâneo. Este é o ponto para mim. Por mais que haja, como sabemos, uma quantidade de informação e de textos que circulam na rede de maneira incrível, sempre haveremos de esperar o tempo necessário para ler uma página e depois outra. E não conseguiram fazer nada a este respeito, colocar-nos um chip. Vocês devem se lembrar da idiotice dos institutos de leitura dinâmica. Em Buenos Aires havia muitos. Tranquilamente te ensinavam a ler como Macedonio Fernández: um leitor salteado, você salta uma parte e vai mais rápido, mas isso não quer dizer nada.
PF: O leitor salteado, digamos, é muito eficiente agora com a máquina.
RP: É o leitor atual.
PF: Além do quê, o computador lhe permite saltar a lugares concretos. É assim que lemos todos quando estamos em busca de uma informação. Acho que já são poucos os que leem a página toda, é uma forma de ler que vai se perder. Macedonio se impôs.
RP: Quer dizer, poucos alteram a velocidade, se partimos da hipótese de que, não importa a quantidade de textos que leiam, a leitura lhes tomará um certo tempo, que é um tempo que depende do corpo e da relação entre a linguagem e a temporalidade. A linguagem nos ensina o que é o tempo, afinal nos ensina, antes de mais nada, a articulação verbal, e, portanto, trata-se de uma experiência com as relações que temos com a temporalidade; e, por outro lado, com o relato, que seria o próprio exemplo desse procedimento. Então, a relação entre o tempo e a linguagem pode ser acelerada ou mudar do ponto de vista da difusão, distribuição e circulação dos textos. Mas é muito difícil modificar a relação que podemos ter com a linguagem, em termos, para nós, da leitura.
PMM: Ricardo, quando você postula as coisas assim, isso significa que você se aproxima de uma sacralização da leitura, não é? De alguma forma, sigo com minhas preocupações pedagógicas. Às vezes, tenho a fantasia de que o que ensinamos, ou tentamos ensinar, é a ler, ou seja, tentamos oferecer aos alunos uma espécie de marco contra-ideológico da leitura, o que significa roubar tempo da máquina produtiva e dá-lo à leitura, à aula etc. E o que você propõe talvez seja uma sacralização deste espaço contra-ideológico, o que é um problema fascinante.
RP: Lembrei agora de algo que dizia Bellow e que confirma o que você está dizendo. A arte é uma pausa, um momento de pausa, e por isso se parece à oração, dizia ele. Há algo disso, no sentido do tempo que faz falta, essa espécie de tempo pessoal, diria; porque é possível achar muitas relações nesse momento em que a leitura ocupa um espaço determinado. Por um lado, está o que também Benjamin percebeu muito bem, o que ele chama de “percepção distraída”, o modo de percepção do sujeito contemporâneo. Não é que nós não funcionemos com a percepção distraída. Sempre conto que, quando fui ver Manuel Puig, ele estava na cozinha de sua casa vendo uma telenovela, escrevendo e falando com sua mãe, que estava cevando um mate para ele, uma cena totalmente contrária à cena de escrita que encontramos em Flaubert, em Faulkner, em Hemingway ou em quem quer que seja. Estava na escritura distraída. Minha ressalva é que, se pudéssemos deixar claro que a leitura da literatura supõe um – não sei bem como chamá-lo – artesanato, uma qualidade que também permite ler bem qualquer outro texto, sem que nos detenhamos ao registro literário, mas que existe aí uma forma particular de decifrar o sentido, se o que ensinamos é este procedimento de leitura, o sujeito poderá ler muito bem a publicidade, os discursos políticos, tudo o que está na rede. Esse seria o modo mais elegante, mais sutil, de praticar esta arte de uma temporalidade pessoal que não faz outra coisa que repetir uma experiência de longuíssima duração que consiste em ler um signo depois de outro, e que é algo que não foi possível mudar, seja quando lemos um e-mail ou qualquer outro tipo de texto.
FR: Não há aí uma utopia de um tipo de palavra capaz de intervir no presente, como uma pontada de duração? E volto à questão da assinatura, que seria o momento em que a escrita toca o presente, quando a matéria da escrita é o presente da presença. Não há aí uma relação do romance ou da escrita com o presente, e a velocidade da escrita que, na verdade, só poderia dizer no presente: “eu, aqui, agora, escrevo-assino”?
RP: Sim. Isso é a lírica. A lírica é “eu estou aqui e vejo”, e podemos dizer também “e escrevo”. Ela trata de captar o presente. Este é outro assunto. A relação com o presente, eu a vejo mais, se me perdoam a citação, na linha do intempestivo de Nietzsche. Está no presente aquele que não está no presente, aquele que tem com o presente uma relação de distância e de pensamento. Do contrário, seria fácil estar no presente. Das duas uma: ou estar no presente é uma condenação que não podemos evitar, e certamente é assim, então somos sempre homens do presente ainda que queiramos evitá-lo, como muitos amigos que tratam de ser aristocratas do século XVIII – conhecemos vários deles –, que tratam de ver se podem ser considerados homens finíssimos, que funcionam em um tempo próprio; ou há aqueles que tratam de mudar rapidamente para ver se o presente não lhes escapa. Este seria um modo espontâneo de estar no presente. Ou então teríamos de pensar o que significa estar no presente. César Aira, por exemplo: você acha que Aira está no presente? Agora sou eu quem lhe pergunta, Fermín, agora eu o interrompo, falo de suas referências.
FR: A fuga para a frente dos romances de Aira e esse mito de escrita do escritor que “não corrige”, dissolvendo, relaxando a mediação da forma, parece que tem a ver com essa velocidade da escrita – uma aceleração que, distanciando-se da “lentidão” reflexiva, busca a utopia de parear escrita e pensamento. Estou pensando que sua resposta nos anos 1980 à questão de relatar os fatos, de forma tática, foi,: não é possível, é preciso fazê-lo de outro modo, construir mediações, dar-lhes forma. Me pergunto se você ainda daria essa mesma resposta.
6.
O presente
RP: Acho que quem se ocupa do presente é o jornalismo. E certamente há muitas conexões entre literatura e jornalismo. No caso de Aira, ele está trabalhando com uma expansão da noção de diário. Essa é a poética interessante de Aira. Ele faria desta situação um romance, e, imediatamente, outro com a situação do testamento, e então sai daqui, encontra um cachorro e escreve.
PMM: É a lógica do blog.
RP: Não sei se do blog. Quero dizer, captar um instante. Ele diz uma coisa que me parece interessante – e por isso seus discípulos são um pouco patéticos – que é “não precisamos de nada para escrever um romance”. Posso escrever um romance sobre essas sandálias lindíssimas. Encontro umas sandálias vermelhas na casa de uma amiga e começo um romance, como não? Tenho a impressão de que é isso que faz Aira. E então cada um se posiciona a respeito dessa forma de entender a narração. Aí, o que importa é o sujeito que escreve, e não tanto o que acontece. Agora, o fato de que o que importa é o sujeito que escreve tem a ver com certa ideia do presente sobre o que é um sujeito, o que é um sujeito rápido, que está na superfície, que não se preocupa com a forma nem com o estilo como marcas de uma densidade: poderíamos dizer que é um sujeito ágil. Mas eu estou na oposição absoluta a essa poética, por isso fiz a piada e a apresentei como um problema a Fermín. Se ele estivesse aqui, não teria dito nada. Mas como está longe...
PMM: Eu perguntava sobre o blog porque acredito que o suporte disso que você atribui a Aira está em parte nessa forma. No blog, no twitter, há uma espécie de multiplicação absoluta da escrita, e de fato 99% dos blogs e dos twittes são simplesmente a banalidade trazida à tela. Mas minha pergunta é: o que acontece com este 1%? O que se pode fazer literariamente com essa forma que pressupõe a publicação imediata? É como se o problema dos muralistas, a exibição absoluta, fosse levado ao extremo.
RP: O mais parecido a isso. Aira publica seus romances e tem uma posição de escritor tradicional. Não sei se tem um blog. Me refiro ao que ele publica e conecta com o diário. Porque eu tenho a experiência de escrever diários, se escrevem no instante. Nunca sei quando vou escrever, nem por que ou em que situação. Não é que tenha uma ideia deliberada de como o diário tem que estar escrito, algo chama minha atenção e escrevo. Então me parece que poderíamos recorrer a essa forma na experiência do diário. O que vejo em relação ao blog e, em certo sentido, a certas correntes atuais da literatura, é algo que vejo muito desenvolvido na cultura atual, nas novas tecnologias e na cultura de massa, que é a vontade de ser interpretado. Chamo isso de a vontade de ser interpretado. Escreve-se para ser interpretado, não mais para ser lido, que é algo que tem a ver com a tradição mais clássica. Eu vejo isso muito claramente quando estamos aqui nos Estados Unidos e vemos séries de televisão, como Lost ou The Wire, e no dia seguinte há uma quantidade absoluta de interpretações que faz com que quando vemos o segundo capítulo sejamos leitores preparados para ver o que já está preparado. É possível que haja uma conexão entre o blog e tudo o que ele pressupõe, inclusive o twitter – que conheço menos –, onde também a resposta do outro chega imediatamente, que é, na verdade, o que deseja o sujeito que escreve.
PF: E o sentido do texto é uma composição entre vários. É uma obra colaborativa, feita em diálogo com a imediatez.
RP: Podemos conectar isso a duas coisas. Por um lado, com a narração oral. É algo muito tradicional, eu lhe conto o que me aconteceu e você me conta o que lhe aconteceu. Não é a forma da conceitualização ou da discussão, mas alguém que conta uma história e outro que conta outra. Por outro lado, a outra forma que vejo como relação entre narração e interpretação é o futebol, que seria o relato de massa por excelência. Há uma pessoa que conta o jogo e outra que o interpreta ao mesmo tempo. Ou seja, a cultura de massa tende a estabelecer uma relação entre um relato e sua interpretação. Alguém diz “o jogo está assim”, e o outro diz “não, estão jogando 4-3-3 e logo vem o meia-extremo pelo centro”. O jogo vem interpretado. Então essa vontade de ser interpretado tem de ser pensada em relação às novas tecnologias.
PF: No conceito de presente que Fermín empregava e no diálogo que vocês estavam tendo ao redor de Aira estaria implícito que certas poéticas são mais fiéis ao presente enquanto outras seriam mais mediadas pela forma ou pela alta cultura? Você reconhece este debate aí?
RP: Definitivamente. Porque já sou um homem de idade e tenho vários debates em minha história literária. Isso me faz lembrar do debate sobre o realismo. Um escritor tinha de representar a realidade social e deixar de sacanagem. Ou seja, sempre há uma exigência. Sempre troçávamos, eu e Germán García: “os jornalistas nos pedem que façamos o trabalho por eles”. Aí vinha o jornalista e dizia “por que é que você não reflete a realidade política?” E nós: “mas se é você quem tem de fazê-lo”. Deixávamos os jornalistas um pouco putos com isso. “Não venha me pedir para fazer o seu trabalho por você...” A questão do presente me parece um pouco a mesma coisa. Agora, posso dizer a vocês o que sinto e fazer uma confissão. Todos os romances que escrevi foram sobre o presente. Alvo Noturno é um romance sobre o conflito com o campo, do que está acontecendo com o campo na Argentina. Mas eu acho que a literatura não tem que dizer as coisas diretamente. O único romance que escrevi sobre o presente deslocado foi Respiração artificial, que escrevi na época mesma da ditadura, mas não disse que estava escrevendo um romance sobre a ditadura. E para mim Dinheiro queimado é um romance sobre o menemismo, sobre a corrupção política, a polícia e o dinheiro dissipado. Então, não acho que minha poética, que é uma poética da elipse e da distância em relação ao presente, não seja uma forma de intervenção naquele sentido. Isso em relação ao presente. De modo que o que teríamos de fazer para chegar a uma posição conciliadora – conciliadora porque você, Fermín, está aí, do contrário seguiríamos brigando – seria dizer que cada um faz o que pode com o presente, alguns de um modo mais visível e outros menos. Não acho que seja possível escapar disso.
FR: No entanto, pensando em Alvo noturno, concordo que sua forma de se relacionar com o presente seja lateral. Mas o presente se define em relação a coordenadas históricas, imaginárias, desejantes, que se transformam. No imaginário e nos debates dos anos 1980, era o relato do Estado. Teríamos que ver qual é o relato agora, em relação a que presente e em que tipo de sociedade se coloca o problema da tensão e da autonomia. Do ponto de vista do final, não há em Alvo noturno – para voltar ao começo da nossa conversa – um afrouxamento, uma distensão da forma? É um romance policial sem final, aberto, inconcluso, como o próprio presente.
RP: Essas coisas nunca precisam ser ditas. Eu digo por que estamos aqui, entre nós. Nunca devemos explicar o que pensamos quando escrevemos um romance, ou que este romance é uma forma de intervenção. Parece-me tautológico. Não devemos fazê-lo. Mas sei que agora há uma cena crítica que tende a colocar o presente como uma questão, antes era o realismo ou o fato de ser latino-americano.
PF: Mas aqui o conceito de presente remete à noção de imediatez, me parece. Nós, que não trabalhamos com textos contemporâneos, temos um conceito mais elástico ou extenso do presente.
RP: Bem, sim, porque nós, os marxistas – se me perdoam este “nós” –, pensamos o presente como história. Não podemos imaginar um presente que não tenha um detrás ou que não atualize a história. E há outro tema que circula no debate literário também nos Estados Unidos, não apenas na Argentina, que são as duas literaturas que conheço mais. Vem uma geração e trata de dizer o que faz em relação à geração anterior. É uma lógica que podemos chamar de geracional ou como queiram. Nós fazíamos o mesmo quando aparecemos. Não nos interessava em definitivo que nos confundissem com a banda dos que estavam instalados ali. Então, me parece que a ideia de uma série de jovens escritores que estão muito interessados e conectados ao presente é algo compreensível.
7.
Velocidades narrativas
PF: Imagino, por exemplo – ainda que possa ser um conflito completamente falso –, um leitor de vinte anos, muito enredado na imediatez dos meios eletrônicos, diante de um romance de Juan José Saer, que exige outra velocidade de leitura. Como ele o lê? Coloco Saer sobre a mesa, como material de trabalho.
RP: Sempre há um conflito com a literatura de Saer nesse ponto. Me refiro aos autores como se fossem figurinhas ou materiais de trabalho, que representam questões que estão mais além do que eles mesmos queriam fazer. Eu desloco o problema de Saer. Para mim, a questão de Saer é a descrição: é lento narrativamente porque está muito interessado na descrição. Qualquer um que narra, e Saer mais que todos, sabe que a única forma de acelerar um relato é: que faço com a descrição? A única coisa que põe freio à narração é a descrição. Nada que tenha a ver com o assunto põe freio à narração, como se pensava em outra época. Não é uma questão de conteúdo. É uma tensão entre narrar e descrever, para retomar a fórmula de Lukács. E me parece que Saer, como tem no horizonte de sua literatura a lírica – e quer estabelecer uma conexão entre o romance e a lírica –, escreve no presente, que tampouco acelera a narração, e normalmente sua imagem básica de começo de narração é: “agora estou aqui, e vejo”. Assim começa um romance de Saer.
PF: Isso para você é uma cena lírica.
RP: Claro. E ele a repete como cena narrativa. Isso aparece muitíssimas vezes, não é algo que se descubra, está visível no que ele escreve. Por isso eu sempre o coloco em relação, para seguir com essa questão de materiais, a Walsh e Puig, que são escritores contemporâneos a ele. Então Walsh tem uma velocidade narrativa notável, sem perder a elegância e a eficácia da prosa. E é interessante pensar a coisa com Puig, porque há momentos em que Puig freia essa aceleração da narração, como por exemplo em The Buenos Aires Affair.
PF: Ou no uso das notas de rodapé, a que você também recorre em Alvo noturno. Pode falar um pouco sobre isso? Por que o narrador de Alvo noturno tem essa necessidade de estabelecer esse segundo diálogo com o leitor através da nota de rodapé?
RP: Na verdade, comecei a escrever essas notas em um documento à parte, como se diz agora, sem estar muito seguro se chegaria a usá-las. Já havia usado notas em Nome falso, em 1975, portanto era uma forma conhecida. E logo comecei a pensar que muitas das que tinha escrito poderiam funcionar. Cuidei para que pudessem ser lidas independentemente, selecionei as que tinha ali e comecei a distribuí-las no texto. Aqui dou, outra vez, uma explicação que não deveria ser levada em conta, porque a explicação do autor não importa. Tinha a impressão de que o romance se fechava demasiadamente, como costuma ocorrer no gênero policial, quando temos a ilusão de que tudo está no interior do relato. Então comecei a colocar uma série de notas que abriam para questões que estavam implícitas no livro, de forma que, com a nota, eu dava ao leitor a impressão de que era preciso investigar mais se quisesse captar essa questão. Esse foi o motor do assunto.
PF: Não se trata de alguma forma de repensar a instância de autoridade, ou do autor, como se houvesse no texto também um editor?
RP: Mas isso aconteceu pelo tipo de nota que eu tinha escrito, e tive de usar esse sistema. Uma nota que queria colocar era a que explicava o título, porque o título sempre me pareceu muito enigmático. De fato, tinha acontecido comigo quando lia os jornais ingleses e pensei na terrível situação da mirada dos raios ultravioletas que se veem à noite, e pensei que iriam matar os meninos imediatamente. Então me veio a ideia do alvo noturno, e coloquei essa nota. Como essa nota me remetia a 1983, pelo menos, comecei a trabalhar com a ideia de que as notas não estão no mesmo tempo do romance. E isso produz um efeito inusitado.
PF: Como outra presença, outra instância na narração.
RP: Aparece como um momento futuro. Então eu quis deixar isso mais nítido e acrescentei “três anos depois desta crônica”.
PMM: O autor lendo a si mesmo.
PF: Ou outra instância.
RP: Porque às vezes aparecem citadas as notas.
PMM: Mas isso não pressupõe a cena de leitura? É um tema bem seu. De alguma forma, uma nota de rodapé pressupõe uma cena de leitura, o que novamente reforça a ideia de um autor ficcional. Trata-se de um trabalho de autoria porque você está buscando uma espécie de coerência impossível. As notas são uma intervenção no sentido dessa busca.
8.
Democracia e meios
PMM: Proponho uma pequena mudança, e pergunto algo pessoal, de que já falamos algumas vezes. Inclusive, tenho a sensação de que é um ponto delicado, difícil de falar, e, por isso mesmo, talvez seja importante: o aspecto democrático do ato pedagógico. Volto a uma questão “moralista”, ou pelo menos “jesuítica”, em relação ao que fazemos, quem vamos converter, como e qual é a mensagem. Porque tudo o que você dizia quando reagiu a essa ideia da sacralização do momento da leitura, das possibilidades que há na sala de aula, de alguma forma reproduz essa ideia da unicidade, do momento em que estamos diante do texto – é você e o texto e mais nada ou ninguém. Há um compromisso com algo muito reduzido – eu e o texto – que não é democrático. E aí estamos diante do grande fantasma de que o desejo – voltamos aos corpos – está de alguma forma atualizado numa boa aula, e ele vai na contramão de um desejo coletivo. Mas o desejo coletivo é uma definição possível da democracia. Já a leitura contém algo muito – queria evitar esta palavra – aristocrático, ainda que o seja no bom sentido nietzschiano, de uma máxima exigência do espírito.
RP: É um bom ponto, muito importante para a discussão política. Eu o associo a duas questões. Por um lado, o obstáculo que têm tanto as utopias como os sistemas das sociedades alternativas (realizadas ou não) é o desejo dos indivíduos, que não se pode socializar. Há um indivíduo que se apaixona por uma almofada e outro que gosta de mulheres loiras. Então você não pode dizer “nesta sociedade, todos aqueles que desejam mulheres loiras as terão”, porque há os que não gostarão delas. Nunca gostei desse tipo de citação, mas este problema já está na República. O que fazer com as pessoas? Sejamos solteiros para que as relações sexuais possam ser controladas pelo Estado e então, dizia Platão, façamos uma artimanha para que as pessoas que queremos realmente que fiquem juntas, fiquem juntas. Eis aí um obstáculo forte, que questiona o socialismo e a democracia política, no sentido de que é muito difícil uniformizar as paixões e os motivos pelos quais os sujeitos se interessam por outros sujeitos. Não tenho a resposta para isso, mas me parece que é uma questão. Os que tentaram responder são os que começaram a criar essas sociedades conspiratórias, como Bataille, Klossowski, Michel Leiris, que começaram a pensar em modelos de pequenos lugares onde o desejo podia funcionar como cada um deles gostaria, a orgia ligada à festa, e isso em algum sentido ligado também à revolução, com Sade, enfim: aí há toda uma linhagem. Por outro lado, minha outra resposta seria que a experiência que tenho na universidade, inclusive em Buenos Aires, onde as coisas são muito mais massivas, é que o espaço acadêmico é o único que resiste à cultura de massas. Podemos passar um semestre falando de Julián Martel. Vamos fazer um seminário sobre La bolsa [A bolsa], de Julián Martel – ninguém tem a menor ideia sobre Julián Martel – e fazemos uma leitura muito eficaz da economia dos judeus que aparecem no romance. Mas isso não tem nada a ver com o que a cultura de massa considera importante, atual, que deva ser estudado no presente. Me incomodam os professores que tratam de adaptar suas aulas ao que circula na cultura de massa, porque acho que eles estão fazendo uma coisa que não se deve fazer. Mas esta é minha opinião. Não gosto dos que ensinam aos alunos aquilo que eles já leem por sua conta. Porque daria um seminário sobre Mafalda se eles já leem Mafalda? Temos que dar um seminário sobre aquilo que eles não leem. Isso pode ser aristocrático. Eu me senti super-cômodo na academia norte-americana porque vinha de uma experiência duríssima em Buenos Aires com a cultura de massa, para chamá-la assim, com o jornalismo cultural, os roteiros de cinema que tinha escrito, um bando de coisas. Qualquer um na Argentina que queira ganhar a vida no universo cultural tem de lidar com a cultura de massa – não com nenhuma outra coisa –, tem que ver se o que está vendendo é o que a cultura de massa diz que vale a pena vender, se não ninguém acredita em você. A academia é um dos últimos lugares onde é possível construir uma discussão política, cultural ou de qualquer registro, sem dar ouvidos ao rumor que vem da cultura de massa. Com algumas exceções. Por isso a cultura de massa se irrita tanto com o mundo acadêmico.
PMM: Mas, Ricardo, você não está inventando uma utopia agora mesmo? Onde é essa universidade? Eu dou aula aqui, em Princeton.
RP: E você vê a cultura de massa funcionar aqui?
PMM: Com certeza. Bem, entendo que estamos de alguma forma numa espécie de trincheira. Mas há um desejo coletivo que vai de encontro aos discursos demasiadamente alternativos.
PF: Além do mais, bastante protegidos em uma universidade particular, como Princeton. O cenário é outro nas universidades públicas.
PMM: Mas tampouco estamos protegidos em Princeton.
RP: Isso é interessante.
PMM: Os títulos dos cursos, por exemplo: que atire a primeira pedra quem nunca pôs uma palavra fancy no título do seu curso, uma palavra que responda ao suposto “desejo” dos alunos, mesmo inconscientemente.
PF: Porque existe uma economia interna das faculdades e dos cursos, e o professor precisa atrair alunos.
PMM: Talvez possamos abandonar a falsa oposição aristocracia e democracia, mas a questão do número de alunos que você vai conseguir é central.
PF: Este é um problema mais visível em Princeton do que nas grandes universidades públicas, onde os números são outros. Muitas vezes, na universidade pública, você não precisa seduzir com um título mercadológico porque de qualquer forma haverá alunos demais inscritos. O número máximo de alunos numa sala é definido pelas pessoas responsáveis pela segurança ou pelos bombeiros.
RP: Ainda assim é interessante isso que o Pedro diz, porque o toque aí se daria pela economia, não da qualidade do saber, mas a partir do alto, da administração que diz “o financiamento depende de vocês terem tantos majors ou tantos alunos”.
PF: E essa dinâmica em Princeton é diferente das universidades públicas, ao menos nos cursos de espanhol, por enquanto. Francês ou russo é outra história.
RP: Isso deveria ser discutido com os colegas. Deveríamos fazer um colóquio. Quais são as exigências que vêm de fora da própria dinâmica? Não estou falando de autonomia da universidade, mais além do que isso significa na tradição da Reforma Universitária [que na Argentina teve início em Córdoba, em 1918]. Não me parece que a universidade invente seus temas do nada, que esteja isolada e que possa dizer o que lhe dá na telha. Ao contrário, talvez haja mais política, mais discussão cultural sobre diferença sexual ou sobre todas as questões que vocês quiserem nas discussões gerais da academia que nos meios de comunicação, onde essa discussão é sempre banalizada. Não digo que a universidade dê as costas aos verdadeiros problemas. Essas seriam minhas duas questões, mas isso não responde à pergunta do Pedro e ao que estamos discutindo, que as novas mídias estariam democratizando uma experiência que foi tradicionalmente uma experiência aristocrática, vamos chamar assim, se pensamos nas velhas tradições de Julián Sorel, essa velha tradição belíssima que nós perdemos, dos que iam como instrutores ou preceptores e ficavam com as famílias.
FR: Talvez o que possamos pensar e articular coletivamente seja não uma forma de elitismo, mas de singularidade, ou o que chamamos há pouco de estilo: um ritmo de pensamento, um ritmo de escrita, um modo de desejar, que é um modo de relação e um eros específico relacionado ao saber.
RP: E essa singularidade, como você diz, também poderia ser encontrada na cultura de massa, nas novas tecnologias? Com isso eu estou de acordo. Quer dizer, que essa singularidade não é exclusiva; é distinta, quiçá, como singularidade.
9.
Indústria cultural
FR: Ricardo, há pouco tempo reeditaram sua obra na Espanha, acompanhada de entrevistas, imagens e publicidade, conforme as pautas de circulação e venda de livros próprias do mercado editorial. Como é sua relação com essas novas condições, tão distantes da imagem do escritor dos anos 1970 e 1980?
RP: Aqui novamente tenho duas respostas. Uma tem a ver com uma experiência absolutamente autobiográfica. Eu vim aos Estados Unidos para dar aulas e estabeleci uma conexão com a Anagrama quando aconteceu o escândalo em torno do Prêmio Planeta [por Dinheiro queimado, em 1997], porque me dei conta de que havia algo que não funcionava como eu imaginava, para além do que cada um pensa do direito, mas falo do que aconteceu comigo. Foi então que me conectei com o Jorge Herralde e a Anagrama, e aqui há uma questão que me parece importante: as grandes multinacionais que editam livros em castelhano balcanizam o mercado. A única editora que publica em Barcelona, que publica autores argentinos, mexicanos, chilenos ou peruanos e os faz circular por toda a América Latina e pela Espanha é a Anagrama. Porque os outros grandes grupos, Planeta, Alfaguara, Random House Mondadori, balcanizam o mercado. Publicam um bom escritor equatoriano que circula apenas no Equador. Saer, por exemplo, a Planeta não o publicava na Espanha. Por que fazem isso? Porque querem ganhar o mercado de livros escolares, que são mercados nacionais. Eles colocam os escritores numa vitrine elegante e sofisticada e dizem “viemos aqui editar os escritores”. Mas não vêm para isso. Eles colocam os escritores na vitrine e por baixo liquidam com todas as antigas editoras que lideravam o mercado didático em qualquer país da América Latina.
PF: A Planeta fez isso?
RP: Claro, a Planeta, a Santillana, não sei os nomes técnicos das casas que publicam os livros didáticos.
PF: O que antes fazia a Kapelusz.
RP: A Kapelusz ou a Estrada, todas elas desapareceram. Ninguém diz isso. Todos falam sobre a grande indústria e eu digo: “muito bem, vejamos como ela funciona”. Não é porque dá dinheiro publicar, digamos, Sergio Chejfec pela Alfaguara. Não é Sergio Chejfec quem sustenta a indústria editorial. Chejfec aparece aqui, como todos nós, naquele tempo, quando estava com eles, como o emblema de uma política cultural que esconde uma política pirata de usurpação dos mercados nacionais. Porque eles não podem fazer livros diretamente para as escolas latino-americanas, já que o ensino, por enquanto, não está localizado no mercado. A única editora que tem uma política de que seus escritores circulem por toda a América Latina, o que deveria ser a norma, o mais lógico, é a Anagrama. Herralde é o único editor que não está em uma corporação, e já sabemos que as corporações são ao mesmo tempo donas de aviões e de cortadores de grama, sei lá eu. Me parece que, se um escritor escreve em castelhano, deveria ser lido em toda a região. Além do mais, há procedimentos de construção de escritores em toda a região, e isto é outro assunto. Há – digamos – quinze escritores que publicam nestas grandes multinacionais e que, quando lançam um livro, circulam por todos os lados. Mas os escritores estão atados a seu mercado local, e não conseguem que os mesmos editores que têm sede em Barcelona os publiquem no México. Por outro lado, como eu me sinto com isso de me fazer de escritor? Bem, me incomoda. Porque, é fato, os escritores precisam estar mais presentes do que para mim seria interessante. E sobre isso tenho uma política, na medida do possível, pessoal. Brinco que minha relação com o mercado é estar ausente. Faz treze anos que não publico um romance. E não publico um romance há treze anos por muitos motivos, mas também porque os editores me pedem para publicar. Não porque seja um best-seller, mas porque eles sempre querem que publiquemos um romance. Minha estratégia de resistência a essa circulação acelerada da figurinha dos escritores é não aparecer como escritor durante anos. Desapareço, vou-me embora, vim para cá.
PF: Há uma velocidade do mercado à qual você resiste, mas que afeta sua produção.
RP: Não, não a afeta, eu diria que a melhora. Por que tenho de obedecer a uma lógica que diz que se você não publica um romance por ano não está presente? Vão esquecer de você, me dizem. Melhor assim, que esqueçam de mim. Para que vou querer que pensem em mim como uma espécie de selo que, a cada vez que sai um romance meu, já sabem de que se trata? Essa ideia de que se esquecem de nós se não publicamos é o que faz com que os escritores corram atrás dos jornalistas, corram atrás de uma publicação contínua de seus romances. E também há minha experiência com todos os editores que tive. O único editor que se parece ao Herralde é o Jorge Álvarez. Levei uns contos ao Jorge Álvarez e ele me disse “vou publicá-los, e vou te dar trabalho, porque gostaria que você tivesse tempo livre para poder escrever”. Então disse a ele “Vamos fazer a coleção policial”, e fizemos. Isso para mim é um editor. Mas editor como esse não há mais hoje em dia. O Herralde é – não vou dizer que seja a perfeição total – o mais próximo de alguém que tem consciência de que os escritores não são todos iguais.
PMM: No caso do Brasil, onde você tem uma circulação bastante boa, houve uma mudança em certo momento, quando você foi da Iluminuras para a Companhia das Letras. Como vê isso no quadro que estamos discutindo?
RP: Bem, certamente tenho de agradecer a Samuel León, que era um amigo e foi o primeiro a publicar um texto meu no Brasil. Sempre tive uma circulação que agradeço a ele, e agradeço sobretudo porque a comparei com a forma como meus livros eram recebidos em Buenos Aires. Sempre tive a sensação de que no Brasil a discussão era mais específica e tinha mais a ver com as questões ligadas ao que estávamos fazendo, e não às questões a que a literatura na Argentina sempre aparece associada. “O que você pensa do peronismo?” era a pergunta que lhe faziam assim que você publicava um romance. No Brasil, a coisa sempre me pareceu melhor. Pode ser a experiência de um escritor estrangeiro que cai de paraquedas e publica. Também estou muito contente com o Luiz Schwarcz, que é um editor que respeito. Mas editores e escritores têm um conflito objetivo. Não estou exaltando os editores, digo sempre que a pessoa que assina um contrato está em uma posição frágil. E nós passamos a vida assinando contratos. Deleuze tem uma frase lindíssima que diz “o sádico cria instituições e o masoquista faz contratos”. E é verdade. O contrato sempre tem algo de masoquista, sempre vão ferrá-lo, porque você tem que assinar o contrato e a outra pessoa é quem dá as cartas. Por isso vejo com muita simpatia o modo como os jovens escapam disso. No sentido de que imaginam que a internet vai permitir que eles se safem dessa relação.
PF: E até certo ponto, em termos de fazer com que sejam lidos, é possível.
RP: É possível. Para isso teriam de ter uma concepção que não vejo funcionando, ou que só vejo nos melhores. Por exemplo, os escritores jovens que estão publicando nas grandes editoras, publicam um romance e imediatamente se sentem fracassados porque não venderam dez mil exemplares. Têm uma resistência microscópica ao fracasso, ao contrário de Onetti, que passou a vida escrevendo sem que ninguém lhe desse bola, ou mesmo Saer.
PF: Ou Ribeyro, no caso peruano.
RP: Claro, uns caras que passaram a vida escrevendo coisas extraordinárias e as pessoas se deram conta disso muitas vezes depois que eles já tinham morrido ou quando estavam para morrer. Bem, acabei dando uma resposta um pouco trotskista...
FR: E o que acontece com o mercado acadêmico? Tampouco podemos pensar que as condições de produção acadêmica, sobretudo nos Estados Unidos, sejam alheias à lógica do mercado.
RP: O mercado acadêmico tem uma lógica que não se sobrepõe diretamente ao que eu percebo nos mercados culturais. Mas isso é outro assunto. Me parece que o mercado acadêmico, pelo menos na zona de difusão de teorias, e portanto dos autores da moda, depende do circuito dos alunos de pós-graduação. Cada geração de alunos de pós vai ao mercado com uma teoria nova, porque a teoria anterior já é da geração que conseguiu trabalho. É impossível conseguir trabalho com o estruturalismo hoje, por mais que você seja um grande estruturalista, não consegue trabalho nem morto. Já não se consegue trabalho com a desconstrução nem com o pós-estruturalismo. Todos se adaptam e acham que estão inventando a renovação teórica, isso me diverte. Meus colegas mesmo acham que inventam alguma coisa quando dizem “agora, o que temos de fazer é antropologia”. Claro, porque é a moda atual, para que os alunos que forem ao mercado de trabalho possam dizer “nós trabalhamos os textos, mas também estudamos as vias e a temperatura nos lugares em que se passam os romances”. E me parece que a dependência do mercado acadêmico é uma dependência particular.
PF: Mas com relações com a cultura de massa, obviamente.
RP: Pode ser, não sei o que vocês pensam sobre isso, mas me parece que a cultura de massa recebe essa novidade e a difunde. Quer dizer, a cultura de massa, em seu momento, pegou Lévi-Strauss e colocou-o ali, fez uma entrevista na revista Primera plana, eu me lembro. E logo vieram Derrida e Foucault, e podemos pensar também em outras figuras. A cultura de massa recebe a relação que é gerada na academia.
10.
Voltar
PF: Ricardo, agora que falta pouco para você voltar à Argentina, essa conversa toda que temos aqui – um brasileiro, um peruano, dois argentinos – vai mudar porque você será outra vez um “escritor nacional”? Voltar à Argentina pressupõe reinserir-se em velhas redes? Você terá de opinar sobre o peronismo?
RP: Isso é o que mais me preocupa e faz com que o traslado não seja neutro. Há algo de que sentimos saudade, uma rede de amizades e de relações com pessoas que conhecemos há quarenta anos e que, de modo geral, pensam mais ou menos como nós. Não que concordemos em tudo. Posso dizer quem: Roberto Jacoby, Germán García, Gerardo Gandini, Saer em seu momento, as pessoas de nossa geração com quem conversamos e discutimos. E uma coisa importantíssima da experiência de ensinar – algo que já mencionei – é que envelhecemos, mas estamos sempre falando com os jovens, quer dizer, vamos envelhecendo, mas os jovens sempre têm a mesma idade, e sempre têm problemáticas que são interessantíssimas. Me parece que isso também é algo que é preciso conquistar.
PF: E você vai manter um espaço de ensino na Argentina?
RP: Verei de que maneira posso também estabelecer uma relação que me ponha em contato com os alunos. Tenho, sem dúvida, muitas relações nesse plano. Esta é uma questão. A outra é, não sei como chamá-la, não quero dizer manter-me à parte, porque não seria manter-me à parte... Agora imagino a seguinte situação. Tenho propostas para fazer algo nos jornais. Nunca colaborei sistematicamente com um jornal, salvo à época em que escrevia uma coluna na Fierro, a revista de cómics. O que proponho a eles é publicar páginas do meu diário. O que isso pressupõe, na minha perspectiva? Pressupõe que não entro em paz, mas isto tampouco podemos dizer em voz alta. Pressupõe que o que eu levo aos jornais é o que eu quero e não o que eles me dizem. Tratarei de fazer com que seja suficientemente interessante, e contarei algum segredo de minha vida... O que tenho em mente agora é ver se isso pode funcionar.
PMM: Esta é sempre a função de um escritor frente a um jornal: enganar os jornalistas.
PF: E a dos editores do jornal, fingir que se deixam enganar pelo escritor.
RP: Também, claro. Há uma euforia no início para que você assine o contrato, mas depois que você assina lhe dizem “não, veja, o que você está fazendo está ótimo, mas o que você pensa da morte do Kirchner”?
PMM: E você se dá conta de que é masoquista porque assinou o contrato.
RP: Não, não. É preciso ver como negociar esse assunto: como fazer para não responder a essa demanda?
PMM: Gosto da pergunta “como fazer para não responder a essa demanda?”...
PF: É como o modelo dos contos de Horacio Quiroga. Como negociava com seu editor? Quanto as imposições do jornal determinaram sua literatura?
RP: Bem, ele se queixava disso, mas tinha liberdade. Ele chegou a ter um lugar importante. Agora, eu tenho a hipótese, da qual também já falamos, de que ele foi a Misiones para renovar a possibilidade de seguir escrevendo, não apenas para se retirar. Ele procurava novos temas que interessassem aos jornais porque já não podia seguir escrevendo contos de terror. Então começou a escrever sobre experiências que os leitores não conheciam.
PMM: Qual é a sua Misiones?
RP: Lutar pelo socialismo!
PF: E você começaria a publicar seu diário?
RP: Não, selecionaria. Daria a ele uma forma de diário para conseguir certa distância. Mas seriam como anotações com datas onde também refletiria sobre questões políticas e culturais. Se conseguir escrever da maneira que quero, seria uma forma de intervir como acho que um escritor pode intervir. Não querer passar por jornalista, que acho que é o que os escritores estão fazendo.
PMM: Eu insisto na ideia de resistência possível dentro destes marcos. Vou lhes contar – meu lado autobiográfico – que quando falava com a editora deste caderno da Folha de S. Paulo com o qual me convidaram a colaborar...
RP: Você está colaborando regularmente?
PMM: Irregularmente, mas a ideia é fazer isso periodicamente. Claro que é uma agenda que eles me dão. Me enviam os livros e pedem que faça as resenhas num tempo loucamente curto. A editora me dizia, depois de termos conversado bastante, “que bom que você está a fim de fazer isso, porque é muito difícil convencer os acadêmicos”. De fato, é difícil, sobretudo depois da última reforma gráfica da Folha, que está muito cheia de ar, de espaço, com muito pouco texto e muita publicidade. E eu disse a ela: “bem, os acadêmicos são sempre difíceis em relação a essa questão de tempo e espaço”. Ao mesmo tempo, me dou conta do exercício absolutamente fascinante que é responder a tempos e a temas que não são seus, o que destrói certo tipo de fantasia da autonomia que temos em relação a nosso espaço.
RP: Entendo perfeitamente. Temos algo próprio, que é um fetiche. Mas me refiro também ao que temos de próprio que é preciso conservar. Quando digo “não responder a essa demanda” quero dizer que a demanda que vem dos meios de comunicação, ao menos na Argentina e no meu caso, é uma demanda anti-intelectual e completamente trivial. E o único que lhe pedem é que diga coisas triviais sobre questões que todo mundo está comentando neste momento. Você sequer pode dizer coisas triviais sobre o que ninguém fala, isso é o pior. Você tem de fazê-lo sobre as trivialidades que todos repetem. É um pouco sinistro.
PF: Não se trata obviamente de um problema do jornalismo em si, porque em sua ficção você tem uma relação muito próxima à figura do jornalista.
RP: Claro, respeito muitíssimo o jornalismo. Acho que agora ele está em um momento muito dramático porque tudo isso que estamos falando aqui os jornalistas trabalham muito, pois sabem que os jornais diários estão em crise. Produz-se um fenômeno absolutamente extraordinário, não só de acesso à informação, mas também de construção de informação pelos próprios indivíduos. Os jornalistas estão cada vez mais no que eu creio que seja, um pouco, o sistema dominante, que é a política do escândalo. Acho que a política do escândalo é a política atual. Não apenas a política cultural atual, ou a política dos espetáculos, mas a política em geral trabalha com essa ideia de chamar a atenção.
PF: Se vocês me permitem, faço uma espécie de desvio ao que aconteceu no Chile depois que o presidente Piñera tomou posse, com o acidente dos mineiros do Atacama. Diziam que era incrível o que Piñera havia feito midiaticamente com o resgate dos mineiros. Parece que já havia um roteiro pronto semanas antes. Todo o investimento de Piñera estava dirigido à cena midiática do resgate, que foi um discurso oficial. Ainda que as tecnologias sejam novas, é uma maneira muito antiga de se fazer política.
RP: Muito dominante, quer dizer, do mais hegemônico. Por isso na Argentina, mesmo tendo muita simpatia pelo governo dos Kirchner, me incomoda um pouco que eles repitam a lógica do antagonista da oposição. A oposição acusa um funcionário do governo de qualquer escândalo possível e eles respondem acusando alguém da oposição do mesmo tipo de escândalo. Então estamos num sistema que não consegue mudar essa dinâmica.
11.
O Estado
FR: Ricardo, nos anos 1980, a tensão e o distanciamento da prática literária eram julgados em relação ao poder do Estado. Mas parece que, à luz das transformações do poder e dos modos de dominação e de controle, a realidade econômica e cultural dos meios de comunicação e das novas tecnologias obrigam a reformular o campo de conflitos em que o escritor intervém. Se havia um relato do Estado, há também um relato dos meios em relação aos quais a literatura funciona como contrarrelato ou contrapoder?
RP:Naqueles anos eu trabalhava com uma noção, que em certo sentido ainda defendo, do poder como poder estatal. Discutíamos muito Foucault na época da ditadura. Lembro das conversas porque dizíamos: como é que ele vem falar de poder não estatal se aqui estávamos sofrendo de um poder estatal terrível? Poderíamos dizer sobre nossa experiência política desde 1955 – quando comecei a ver o que estava acontecendo com a revolução contra Perón em 1955, que afetou meu pai –, deste momento até a crise de 2001, com pequenas interrupções muito breves, que a ideia de que o Estado estava construindo políticas de destruição era uma experiência muito visível e pessoal. Mas concordo que agora isso mudou. Estou tratando de buscar uma resposta porque estou pensando na situação e vendo se é possível encontrar outro giro. Pois também poderíamos dizer que é uma forma de ler a literatura argentina que também mudou, no sentido de que já não é possível lê-la como se lia antes, como funcional ao Estado, quando a criticávamos porque fazia parte da construção da hegemonia e dos cidadãos. Fiquei muito impressionado quando descobri que em 1960 Borges escreveu uma “Ode à pátria”, certamente publicada em algum lugar. É o mesmo gesto de Lugones, que escreveu a “Ode aos gados e searas” no centenário da Revolução de Maio. Nos 150 anos da Revolução, Borges escreveu seu poema à pátria como se esta fosse o pátio de sua casa. É impossível imaginar que agora, no segundo centenário, ocorreria a alguém pedir a Gelman ou a Lamborghini, se estivessem vivos, para escrever um poema à pátria. Ou a Arturo Carrera, imagine: “los niños de la patria”.
FR: Nesse sentido, Dinheiro queimado nos anos 1990 ou Alvo noturno em 2010 marcam uma mudança nesse eixo. Nos dois romances o dinheiro e a economia de mercado são o eixo do conflito e o horizonte de antagonismos.
RP: Não de uma forma deliberada. Mas é verdade que A cidade ausente é um romance feito a partir dessa hipótese, da existência de um lugar onde se contam histórias que o Estado trata de apagar. Também isso está na ficção científica. Na que eu gosto, a de Philip Dick ou a de Balard, tem muito disso.
PF: Mas em Alvo noturno se trata de outro cenário, deliberadamente distante do Estado.
RP: Sim, pode ser. Mas não posso decidir isso diretamente; posso pensar a partir dos outros. Quer dizer, posso ver a dinâmica que podem produzir outros escritores que me interessam em relação a como trabalham a política. E estou muito atento a isso.
12.
As três vanguardas
PF: Quais escritores lhe interessam especialmente pela relação que têm com a política?
RP: Por muito tempo dei aulas sobre Saer, Puig e Walsh, vendo-os como poéticas distintas, diferenciadas em sua relação com a cultura de massa. Saer constrói uma poética de antagonismo direto. A literatura é uma língua suficientemente hermética para não ser cooptada pelo discurso trivial da cultura de massa. Então vem Puig, que é o grande inovador nesse ponto, que negocia com a cultura de massa como forma. Os romances de Puig são muito experimentais, não é que ele escreva romances para a massa, ele trabalha os discursos de massa. E Walsh, que me parece muito atual, atua sobre os meios de massa, inventa jornais. Walsh era contra o objeto livro. Havia deixado para trás o objeto livro, a ideia de que um escritor tem que escrever livros. Não acreditava nisso, eu conversei muito com ele sobre isso. Ele considerava que o mundo dos livros era um universo onde estava toda a retórica da pequena burguesia intelectual e toda esta artimanha que ele detestava e que nós chamaríamos a figura do autor. Então começou a publicar seus livros em fragmentos, e acabou inventando formas novas de se fazer jornalismo, não pelo conteúdo, mas por meios novos. Acho que isso é muito atual.
PMM: É interessante porque você propõe uma espécie de tipologia.
RP: São três poéticas muito fortes, que estão em qualquer lugar.
PMM: Nessa tipologia, o escritor está cada vez mais próximo do inimigo. Começa com Saer e vai se aproximando. E pergunto: qual é o quarto?
RP: Eu não poderia me colocar aí.
PMM: Não necessariamente, mas tipologicamente.
RP: Posso colocar outros aí. Poderia colocar Carlos Monsiváis, e Salvador Elizondo no lugar de Saer.
PF: Monsiváis no lugar de Puig?
RP: No lugar de Puig, ou talvez no lugar de Walsh, porque ele também agia no interior dos meios com uma poética própria. Acho que são poéticas a partir das quais poderíamos pensar, por exemplo, em Peter Handke ou Alexander Kluge, não sei, não estou tão a par. São posições que poderíamos reconstruir. Dei este seminário sobre as três vanguardas pela primeira vez em 1990 da forma como disse, com estas hipóteses. Ou seja, já neste momento queria escapar da ideia de que a literatura deveria estar em relação de tensão com o Estado. E hoje, às vezes, tenho a sensação de que já não existe mais a cultura de massa, agora há outra coisa que não sei como chamar.
PF: Isso transtornaria completamente a tipologia e mesmo seu exercício crítico.
RP: E todas as nossas hipóteses. Me parece que a aparição da possibilidade de que os sujeitos intervenham na informação liquida a ideia de que a cultura de massa é algo que se produz de um lado e é recebido passivamente pelas pessoas em outro lugar. Os novos meios estão gerando uma dinâmica que já não podemos chamar cultura de massa, no sentido de que há um centro que produz cultura dedicada a uns consumidores de televisão, por exemplo. Agora as pessoas roubam os filmes, trazem filmes, armam seus filmes. Já não poderia pensar sobre isso. Mas me parece que há algo disso que precisamos começar a pensar.
PF: Na sequência das três vanguardas, Walsh parecia o mais moderno, alguém que poderia estar hoje intervindo na internet, publicando blogs.
RP: Pensei agora no Wikileaks. Walsh foi um antecedente do Wikileaks quando fez o sistema de circulação de notícias na época da ditadura. Encontrava informação que os meios ignoravam e as enviava aos meios. Ele criava a cadeia, com uma ideia de intervenção que já estava em Jacoby e então mandavas as notícias aos escritores da redação. Colocava-os numa situação delicada, porque eles recebiam o que estava acontecendo de verdade.
PF: Numa entrevista recente, Julian Assange, o fundador do Wikileaks, disse algumas coisas quase inverossímeis. Ele vem de uma família do teatro e da televisão na Austrália, e passou a infância se deslocando. Atualmente, deve ser a pessoa que mais leu documentos secretos. Seu nível de exposição à informação confidencial não tem comparação. E dessa experiência de leitor, dessa exposição constante a milhares de documentos, tirou uma visão tão sombria e informada do mundo que me deixa perplexo. Ele acha que a sociedade civil está morta, derrotada pelos fluxos e movimentos eletrônicos do capital.
RP: Isso me parece um feito extraordinário. Porque são vinte jovens anarquistas com um grande domínio da tecnologia que estão criando muitos problemas. Eles mesmos dizem que existe uma divisão do FBI dedicada a persegui-los.
PMM: O que significa que estão no caminho certo.
RP: Acho que sim. Parece que aí há algo novo.
PF: No entanto, não há aí uma produção própria de textos. Sua intervenção consiste em difundir, selecionar e editar os documentos que recebem.
RP: Imagino que isso vá gerar, ou já esteja gerando, um circuito de pessoas no Brasil, na Argentina, no Paquistão ou onde for que tenham informação, enviam-na a eles.
PF: Isso é o que está acontecendo agora, todos os dias.
RP: Eles estão chamando os jornalistas, ou as pessoas que estão interessadas nestas coisas, os estudantes de jornalismo, e os há milhares em todo o mundo, a intervir nesses novos meios. São signos que prometem, como me parece muito promissor todo o sistema de apropriação da cultura. Meu irmão me dizia, qualquer filme que você quiser eu lhe consigo. E eu como um tarado vou à locadora e digo, “você não pode me conseguir este filme?” É como se eu estivesse no passado. Ele baixa o que lhe dá na telha da rede. Ou seja, fazemos nossa própria cinemateca.
PMM: Mas aqui estamos, com tudo isso, o Wikileaks etc., no âmbito de uma resistência sistêmica ou contraideológica, ainda que já não saibamos mais como chamar o inimigo. Mas estamos falando de um circuito de resistência muito ágil e muito rápido. Volto à possibilidade de ser uma espécie de contraespião, como intelectual, como escritor, dentro do sistema. Porque a ideia é que começamos a colonizar áreas do sistema com outras velocidades. Minha questão é como sair do Ricardo Piglia dos anos 1980, quando era um pouco mais fácil reconhecer o inimigo e imaginar uma sociedade alternativa nas margens, enquanto agora temos de trabalhar com as “margens” dentro de outro marco.
PF: Ou a literatura como interrupção, para voltar ao princípio de nossa conversa.
RP: Nos Estados Unidos as coisas acontecem cinco anos antes que na Argentina ou em outros países. Aqui percebi pela primeira vez o que pressupõe a capacidade que o sistema tem de incorporar as pessoas muito antagônicas. Me dei conta de que um dos mecanismos mais extraordinários era que todos os Panteras Negras que tinham sobrevivido estavam na televisão, a qual era parte do problema. E isso está acontecendo com a nova geração, com amigos meus, de Fermín em diante, que se viram nesse mundo com uma dinâmica que não era a nossa dinâmica. Nós considerávamos que a televisão era parte do problema, e tínhamos uma atitude que não era nada dinâmica a respeito do que se poderia fazer dentro disso. Enquanto isso vejo, por exemplo, Fernanda Laguna, uma moça amiga de Jacoby que criou Belleza y felicidad, um âmbito extraordinariamente alternativo. Ela escreve uns textos lindíssimos, está agora criando uma escola de arte em uma vila, e está na televisão toda hora. Se a televisão a convida, ela vai; e se qualquer um a convida, ela vai. Não tem nenhum problema. Sequer lhe ocorre pensar que há uma contradição entre ter que fazer algo totalmente under e depois aparecer num programa qualquer. Se Susana Jiménez a convida, ela vai conversar com Susana Jiménez, tenho certeza. E como é genial, seguramente se sai perfeita na entrevista. Aí vejo algo novo.
PMM: É incrível a força que tem a culpa na esquerda...
RP: Pode ser.
PMM: Lembro dos meus professores de Sociologia, e hoje vejo claramente a culpa que sentiam por estar perto de se entregarem ao inimigo... Isso sem falar do prazer de estar no sistema, de ter sucesso, por exemplo. Aqui há uma questão importante que é o sucesso e a projeção que temos como intelectuais, como escritores.
RP: Dia desses eu e Beba vimos, deslumbrados, o filme de Kluge sobre O capital [News from Ideological Antiquity, 2008]. Dura nove horas. É extraordinário. Dialoga com jovens filósofos alemães que são inteligentíssimos. Volto a cair no ódio que me causava Heidegger quando dizia que a filosofia era alemã, mas você escuta esses caras e eles são extraordinários. Será que tinha razão? O que estão pensando esses jovens agora é como se deixou de lado a reflexão de Marx sobre o caráter produtivo do capitalismo. O capitalismo destrói, mas também produz coisas. Tem uma dinâmica de produção de sentidos e produção de formas às quais é preciso estar atento. Essas novas figuras estão mais atentas à possibilidade de produção que têm esses meios do que ao lado de reprodução pura da ideologia dada. Eu também, àquela época, certamente ria deles, lhe asseguro, de Armand Mattelart e Para ler o Pato Donald, dele e de Ariel Dorfman. Me parecia tão ridículo aferrar-se ao Pato Donald. Naquele momento, a cultura de massa era a cultura norte-americana, a cultura estrangeira em relação à cultura nacional. Acho que isso já era. Por sorte, eu falo muito rápido e isso ajuda a manter o tema da velocidade como um elemento de nossa conversa.
FR: Parece que a oposição entre a cultura letrada e a cultura de massa deixou de ser produtiva. As condições mudaram, e a experimentação pressupõe produzir outro tipo de conflitos.
RP: A ideia da vanguarda – por assim dizer – de que a alta cultura muda graças à cultura de massa, de que não muda por sua própria dinâmica, mas porque sofre pressão da cultura de massa, é uma ideia muito produtiva. No momento em que começamos a publicar e a trabalhar com isso já começávamos a nos dar conta, na medida em que fazíamos coleções policiais ou fazíamos revistas, porque as revistas permitiam que nós interviéssemos mais diretamente no presente. Pensávamos que os livros tinham uma dinâmica que não permitia a intervenção da mesma forma que as revistas, que nos mantinham mais ativos na discussão geral. Eu estive em revistas de 1963 a 1983, quando saí da Punto de vista, ou seja, são vinte anos de experiência fazendo revistas, outra coisa que também c’est fini, como se diz. Não digo que não tenhamos que fazer revistas, se não que é uma etapa.
PF: Agora se faz pela Internet.
FR: As revistas eletrônicas dos alunos, em várias universidades, existem há vários anos e há algumas que são muito consistentes na construção de uma voz, um sistema de valores e uma tradição que não se parecem em nada aos da geração na qual me formei. Há algo ali, novos tons, novos registros, paródias do campo acadêmico, releituras da tradição, que as torna muito interessantes e desejáveis.
PF: Então, há esperança...
RP: Sim, mas não para nós.
PF: Este é um final divertido, duro e kafkiano.
PMM: Eu proponho que abramos uma garrafa de vinho...
RP: Muito bem! E saúde, Fermín!
Ricardo Piglia
O melhor da literatura para todos os gostos e idades