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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


MEU AMADO LORDE / Jillian Hunter
MEU AMADO LORDE / Jillian Hunter

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Quando contemplava desolada a mansão de seu tio, um casarão em pleno campo afastado de Londres e de suas festas, Chloe se preparava para uma vida de aborrecimento.
Era o castigo ao qual a tinha condenado seu irmão por sua afeição aos escândalos e beijos com desconhecidos. Pouco podia imaginar alguém que ali a moça iria encontrar a aventura de sua vida. Logo ao chegar é sequestrada em seu próprio quarto por um homem ferido, quase nu, tão ameaçador quanto atraente. Um homem que podia apenas ser um fantasma: Dominic, visconde de Stratfield, a quem todos davam por morto. Mas como Chloe descobre logo, o cavalheiro está muito vivo e seu poder de sedução é mais que uma lenda. Logo, Chloe decide passar de sequestrada a cúmplice de Dominic, apesar dos perigos. Porque, o que é outro pequeno escândalo para uma mulher apaixonada?
ENVIARAM-NA LONGE PARA AFASTÁ-LA DO ESCÂNDALO.
Descoberta por seu irmão enquanto beijava um homem no parque, Chloe terminou presa na aborrecida mansão de seu tio, sir Humprey.
Para trás ficaram os bailes, as risadas e as amizades perigosas. Mas agora enfrenta a uma situação inimaginável, sequestrada em sua própria casa por um homem a quem todos acreditavam morto, um sujeito perigoso, desesperado e muito atraente. Outra mulher desmaiaria ou tentaria escapar, mas ela não podia deixar de notar o magnetismo que desprende a pele de seu captor. Além de tudo, depois da "morte" de Dominic se multiplicaram os rumores de que seu fantasma continuava seduzindo às mulheres da comarca. Chloe não acredita em fantasmas, mas está disposta a comprovar.
E ENCONTROU UM EM SEU PRÓPRIO QUARTO
Poucos homens passam pela experiência de ser apunhalados na cama e contemplar seu próprio enterro. Dominic sobreviveu a suas feridas, mas mantém a farsa de sua morte para poder trabalhar nas sombras e capturar os culpados. Uma situação que tem inconvenientes, como o de acabar ensanguentado, escondido entre uma montanha de delicada roupa interior feminina. Quando Chloe o descobre, Dominic acredita que sua situação não pode ser mais desesperada. Entretanto, aquela moça não é como as demais: de repente, a perspectiva de ficar preso com ela toda a noite não lhe parece tão angustiante. A paixão, como ambos comprovarão, pode ser o melhor caminho para conseguir justiça.

 

 

Capítulo 1

Inglaterra, 1814

O finado Dominic Breckland, visconde de Stratfield, voltava à vida envolto em roupas íntimas femininas. Da cabeça aos pés, lutava para adaptar-se às anáguas de renda e as meias de seda branca; tinha os musculosos braços enfiados em laços e colchetes do rígido espartilho que cheirava a lavanda e as coxas forradas por um par de calções de delicado percal francês. Igual a uma criatura da noite ferida, tinha fugido da captura e se refugiara no último lugar onde seu perseguidor o buscaria.

Movido por um instinto de sobrevivência primitivo, subiu ao robusto carvalho que havia junto à casa senhorial e entrou pelo peitoril da janela.

Com a esperança de ter enganado ao homem que o perseguia, desabou em um baú aberto e cheio de roupa interior e outros acessórios femininos.

Estava muito esgotado para perceber a ironia da situação.

De momento, ao menos tinha conseguido escapar do homem que o perseguia. Embora, segundo a segundo, estava empapando de sangue a anágua de musselina e as meias de cor rosa de alguma dama desconhecida. Sentiu uma pontada de dor na parte superior de seu corpo. Apertou os dentes e pegou uma camisola muito fina de cor verde com flores de seda azuis bordadas que se enganchou no cotovelo.

Levantou-a e, com malícia, observou-a à luz da lua.

Morreria pela segunda vez em um mês, não seria mal fazê-lo em meio de uma intensa fantasia sexual.

- Bom, bom - murmurou. - Que tipo de mulher é: fácil ou simplesmente segue a moda? Posso escolher? Melhor fácil.

Por desgraça, o delicado objeto não conseguiu lhe inspirar nenhuma imagem sexual definida. Parecia que a proprietária da camisola tinha um bom par de seios, embora Dominic soubesse que,

nesse momento, não estava nas melhores condições para dar um veredicto objetivo.

Que Deus ajudasse aos dois, porque a pobre mulher teria um ataque quando descobrisse seu corpo no baú. A Dominic parecia que, em algum momento do turvo passado, esta velha casa senhorial tinha sido sua, e tentou recordar a quem a tinha vendido. Para sua maior frustração, seu cérebro decidiu não colaborar e só era capaz de desenhar imagens desconexas atrás dos olhos, como manchas na sombra.

Um capitão da marinha retirado? Sir Hickory ou Humpty. Algo assim, e era casado e tinha uma filha. Não recordava como se chamavam. Dado que estava sangrando, esperava que lhe perdoassem sua falta de educação.

- Esse capitão era um bom homem - murmurou - mas, quem diabos era sua mulher?

Estava se permitindo desfrutar com a roupa interior dessa mulher, o mínimo que podia fazer era saber seu nome.

A alguns não surpreenderia que Dominic aparecesse morto em um baú cheio de anáguas, tendo em conta seu passado de mulherengo que tinha deixado claro o pouco respeito que sentia pela sociedade.

Certamente, seus amigos mais íntimos decidiriam enterrá-lo em uma mortalha de roupa interior feminina como tributo a todos seus pecados.

Embora para Dominic o tivessem "enterrado" de maneira oficial há um mês; alguns o tinham chorado, e outros muitos o tinham amaldiçoado. Além dos persistentes rumores de pessoas que tinham visto seu fantasma nos lugares mais estranhos e fazendo as maiores travessuras do mundo, ninguém esperava voltar a vê-lo.

Nem sequer seus empregados ou suas poucas amizades.

Apenas confiava em uma pessoa. O homem que o tinha ajudado a organizar seu próprio funeral.

Ouviu passos secos, alguém tinha golpeado um balde e uma voz masculina proveniente da parte dianteira da casa interromperam o silêncio da noite no campo.

- Que alguém abra o maldito portão! - gritou o jardineiro a caminho da entrada. - A carruagem já está na ponte!

- Faz uma hora que o maldito portão está aberto! - respondeu, também gritando, o cavalariço.

- Companhia - suspirou Dominic e jogou a camisola em cima do ombro. - Suponho que, antes de começar o espetáculo, terei que me preparar.

Parecia uma dantesca visão saída do inferno, e sabia disso. As maçãs do rosto proeminentes davam um caráter feroz a seus traços masculinos. Enquanto escalava a árvore para fugir, arranhara a cicatriz, com os pontos perfeitamente marcados, que se estendia pelo peito e ombro esquerdo. Respirou fundo, e sentiu o ar que lhe encheu os pulmões como o ataque de uma garra; logo, com o braço que não estava ferido, procurou o batente da janela e, durante uns segundos de esclarecedora agonia, ficou ali em pé.

Quando viu os arredores, abriu os olhos cinza como pratos.

- Ora, não é magnífico? - disse, apertando os dentes para mitigar uma pontada de dor - Um quarto com sacada.

Ali, no meio de uma colina coberta de bosques, agora iluminada pela luz da lua, estava sua casa. A suave luz das velas iluminava o quarto onde o "mataram" a punhaladas há apenas três semanas. Seu tio, o coronel sir Edgar Williams, já se tinha instalado na casa e, se Dominic tivesse tido uma luneta à mão, teria identificado a figura que se vislumbrava atrás das cortinas.

A rígida silhueta pertencia a uma mulher, pensou com cinismo.

Tinha certeza. Embora não pudesse dizer se era a mesma com quem compartilhava o leito enquanto o apunhalavam cruelmente. E

agora tampouco importava. Essa história de amor pertencia ao passado e morreu junto com sua antiga identidade. Seus sentimentos por sua antiga amante estavam tão mortos como ela acreditava ele.

Os cascos de uns cavalos se aproximavam e o ranger das rodas no caminho interromperam seus pensamentos. Tomara a proprietária desse baú não decidisse inspecionar sua roupa interior essa noite. Porque se fosse um perito em roupa interior feminina, e o era, a delicada e proporcionada proprietária daqueles objetos certamente gritaria com muito menos delicadeza quando descobrisse um fantasma em seu armário.

Da envenenadora escuridão da carruagem de madeira, lady Chloe Boscastle viu um de seus objetos íntimos pendurados em sua janela como um estandarte de indecência.

Inclinou-se para frente, com o corpo petrificado de incredulidade, e empalideceu. O baú com seus pertences pessoais tinha chegado de Londres justo essa manhã. A empregada e ela não tinham tirado nada, e muito menos o tinham deixado exposto na janela.

Tentou fechar as cortinas da carruagem com toda naturalidade, com a esperança que os outros passageiros não se fixassem naquela vista tão desconcertante.

Embora, a estas alturas, e vindo de Chloe, certamente ninguém estranharia aquilo. Tinha chegado de Londres com a pouco gloriosa etiqueta de garota problemática, e quase se esperava que continuasse com essa atitude ali no campo. E não tinha nenhuma intenção de decepcionar às cada vez mais numerosas vozes críticas.

A peça de roupa ali exposta que, por certo, parecia sua regata preferida, só podia significar que o escorregadio de seu irmão Devon esteve em seu quarto enquanto a tinham arrastado até um baile em um salão cheio de teias de aranha.

E desta vez, o que teria levado o grande cafajeste a seu quarto?

Perguntou-se Chloe, alarmada. Já tinha empenhado quase todas suas jóias para pagar suas dívidas. Mas com certeza não teria levado sua roupa interior para...

Então, lhe ocorreu uma ideia muito mais cômica. Era possível que Devon passeasse pelo campo disfarçado de mulher? Ou acaso tinha encontrado companhia feminina que lhe tinha dado proteção? Supunha-se que estava tratando de passar inadvertido com um familiar idoso que vivia no povoado ao lado. Chloe percebeu que seu irmão, um nobre que da noite para o dia se converteu em uma espécie de foragido heróico devido a uma brincadeira estúpida, estava um pouco desesperado. Ao ser uma Boscastle, Chloe era uma mulher muito liberal mas, mesmo assim, a decência tinha limites. E, aparentemente, Devon estava cruzando-os além do que seria atrevido inclusive para um Boscastle travesso.

Virou-se para o outro lado ao mesmo tempo em que a velha carruagem entrava pelo portão de ferro da modesta propriedade, fazendo um estrondo tão grande que bem poderia despertar os mortos.

Um olhar furtivo aos ausentes e lindos rostos de seus tios, já idosos, bastou-lhe para certificar-se de que não tinham visto o estranho objeto na janela de sua rebelde sobrinha.

- Como estava dizendo - disse tio Humphrey a sua mulher - o gato apenas estava se comportando como tal, Gwennie. Não arrastou o camundongo morto até a cadeira do pároco de forma deliberada para envergonhá-la. Apenas mostrava sua caça.

Tia Gwendolyn estremeceu ligeiramente, inchando e esvaziando o peito de ar.

- Queria morrer. Além disso, aconteceu justo quando o pároco estava explicando as últimas travessuras do fantasma de lorde Stratfield.

- Não comece outra vez com esse endiabrado fantasma, Gwennie.

Diante de Chloe, não.

De todo modo, Chloe apenas estava escutando pela metade; estava mais concentrada em sua iminente condenação que nas proezas imaginárias de um morto. Quando chegaram em frente à porta de casa e a carruagem parou, suspirou aliviada. Ninguém acreditaria que tivesse deixado a regata pendurada na janela para que secasse.

Seu comportamento impróprio despertava um interesse muito lascivo e uma sincera preocupação naquela comunidade várias décadas atrasada com respeito ao resto do país. Entretanto, em lugar de rejeitá-

la, seus anciões tios do campo tinham comprometido todo o povo na missão de reformá-la. Estava rodeada de fanáticos moralistas pelos quatro cantos, pessoas bem intencionadas que conheciam seu pecado.

Depois de descobrirem-na beijando um jovem barão em um parque, seu irmão, o marquês de Sedgecroft, a fez desaparecer de Londres e a tinha enviado a casa de seu tio, sir Humphrey Dewhurst.

Para uma garota jovem com uma vida social agitada, aquele era o pior castigo imaginável. E Chloe poderia ser que já tivesse catalogado o que restava do ano como um pesadelo se essa mesma noite, no baile, não tivesse conhecido o homem mais encantador de Chistlebury. Ainda notava o calor de sua mão na cintura; mais tempo do que se podia considerar adequado, embora não o suficiente para que as pessoas considerassem um avanço. Pode ser que, depois de tudo, ainda tivesse esperanças. Pode ser que esse exílio forçado lhe proporcionasse umas quantas emoções. As casamenteiras do povoado tinham observado muito animadas, como ela e lorde St. John flertavam na pista de baile.

Quando a carruagem parou de tudo, desceu quase de um salto, ignorando o ar aborrecido de sua tia e entrou correndo na casa. Tirou os sapatos de salto alto forrados diante da escada da entrada. Não era uma casa senhorial típica, mas sim uma fazenda de pedra com pretensões e com um lago cheio de patos barulhentos justo debaixo de sua janela.

Sentia falta da agitação e perigos de Londres, as fofocas e as atividades

sociais diárias. Sentia falta de suas amigas, embora a maioria já tivesse se esquecido dela, com tanta alegria, festas e maravilhosos eventos sociais.

- Chloe! - sua tia lhe seguiu os passos e quase caiu como Atila o Huno, enquanto as anáguas balançavam contra a porta - Vi que, antes de partir, deixou a janela do quarto aberta - disse, com a mão cheia de veias azuis em cima do coração, recuperando-se da corrida.

Chloe se virou e viu a garota ruiva de cabelo encaracolado parada na entrada. Era sua prima Pâmela, que não pôde ir ao baile porque torceu um tornozelo e que lhe estava fazendo uns sinais muito estranhos e indecifráveis atrás de tia Gwendolyn.

- Não era a janela do quarto - disse Chloe, muito devagar. Estava tentando interpretar os gestos de Pâmela. - Era do quarto de vestir e...

- Eu abri para que ventilasse - acrescentou Pâmela, indicando a Chloe que não dissesse nada - O aroma de pó e perfume era muito forte.

Tia Gwendolyn estava muito ocupada tentando desabotoar a capa debruada em pele para perceber daquela pantomima secreta.

- Bom, mas se assegure de que esteja bem fechada antes de nos deitar. No baile, todo mundo falava das últimas aparições do fantasma de Stratfield.

Pâmela arregalou os olhos, esquecendo-se por completo de sua tentativa de ajudar Chloe.

- Ah, sim? E o que fez agora nosso querido fantasma?

Tia Gwendolyn parou em seco, dramática, com uma mão em cima dos botões de ônix do vestido. Não havia uma só mulher no povoado, exceto a recém-chegada Chloe, que não tivesse seguido de perto a vida e morte do terrivelmente atraente e terrivelmente endiabrado visconde de Stratfield.

Desde seu heroísmo na guerra até seu brutal assassinato na cama há coisa de um mês fez com que despertasse o interesse dos habitantes

do povoado. Não pegaram seu assassino, mas as apostas da taverna seguiam a favor de algum marido procurando vingança.

Obviamente, quando o assassinaram havia uma mulher na cama com ele. Na realidade, a julgar pelos rumores, não só estava com ele, mas também nua debaixo dele enquanto o apunhalavam. E o que seriamente alterou a tranquilidade desse povoado foi o relato histérico do crime, cometido por um intruso mascarado.

Enquanto tio Humphrey entrava em casa, tia Gwendolyn baixou a voz e disse:

- E esse cafajeste tão bonito seduziu a senhorita Berry Waterbridge enquanto rezava.

Tio Humphrey parou no meio do saguão e, lançou um olhar pícaro a Chloe, dizendo:

- Não fiz nada parecido. Estive aqui, em casa, jogando cartas toda a noite com minha sobrinha. Não é certo, Chloe? Pode confirmar meu álibi.

Chloe tirou a capa de lã cor de rosa; com a mente em outro lugar, perguntando-se quando voltaria a se encontrar com o bonito Justin Linton, lorde St. John. Quando tinham se despedido, disse-lhe que não poderia viver sem ela. Ante aquela tolice tão romântica, Chloe riu.

- Respondo por você, tio Humphrey - respondeu ela, sorrindo-lhe por cima do ombro - Não o vi seduzindo ninguém.

Olhou-se no espelho do saguão e tentou se ver como tinha visto Justin essa noite. Tinha dançado com ela duas vezes, sim, mas não pôde evitar perceber que também tinha prestado atenção a outra senhorita com o cabelo mais sedoso, a voz mais doce e uma atitude mais recatada.

Franziu o cenho. Seria esse seu defeito fatal? Ser incapaz de mostrar-se tão recatada como as demais? Por desgraça, parecia ser algo genético na família e Chloe não estava certa de querer mudar

embora pudesse. Supunha que deveria mostrar-se recatada para resultar atraente; sua irmã Emma sempre disse isto, mas, no fundo, ela queria que gostassem dela tal como era.

- E os gritos despertaram seu pai, que quebrou um dedo do pé ao tentar resgatá-la - dizia tia Gwendolyn, com uma pausa para respirar -

Beryl desmaiou sete vezes antes de poder admitir o que o fantasma lhe tinha feito.

Chloe se virou, de repente, muito interessada na conversa.

- Como sabem que a pobre garota não estava sonhando? Além disso, acaso seu pai viu o fantasma?

Tia Gwendolyn a olhou com uma ligeira careta.

- Pelos fantasmagóricos beijos, ainda lhe tremiam os lábios, Chloe.

E não, claro que o pai de Beryl não viu o fantasma. Além disso, suponho que estava com o pé muito dolorido para preocupar-se com o fantasma.

- E o que fez o fantasma a Beryl, pode saber-se?

- Uma dama decente jamais repetiria essas perversidades, Chloe.

Chloe sorriu enquanto entregava as luvas a empregada.

- Este é o problema deste povoado. Há tão pouca emoção em suas vidas que inventam fantasmas que seduzem jovens em sonhos. Se alguém tivesse coragem, inclusive o mais mínimo vislumbre de coragem, viveria uma apaixonada história de amor de verdade e...

- Chloe, já é suficiente - disse sua tia, ruborizada - Acredito que foi sua natureza atrevida que lhe trouxe problemas e o motivo pelo qual seus aflitos irmãos, com toda a razão do mundo, enviaram-na aqui para...

- Morrer de aborrecimento, depois de ter perdido todas as faculdades mentais por falta de estimulação - disse Chloe, suspirando -

E, ao que parece, funciona.

Ontem conversei com os patos do lago. Minha única esperança de salvação é que, com sorte, o fantasma de Stratfield venha me fazer uma

visita enquanto durmo.

Sua tia soltou uma exclamação de desgosto, o que provocou que tio Humphrey a agarrasse pela mão, sem prestar muita atenção, enquanto repreendia Chloe com o olhar. Entretanto, a verdade, como seu tio lhe disse em privado, era que adorava quando ela dizia o que pensava e que fazia tempo que não desfrutava tanto com a companhia de alguém. Dizia que Chloe fazia maravilha ao resgatar sua filha Pâmela do retiro voluntário no qual vivia.

Adorava, ou isso dizia, a imprevisibilidade de Chloe. E, acima, a bendita alegria de suas brincadeiras. Para ela, seu tio era um aliado incondicional.

- Provavelmente deveria se deitar, Chloe - disse tia Gwendolyn, com a voz trêmula - Se quiser, Delia pode subir uma xícara de chocolate quente.

Chloe se virou para as escadas, com o ar típico das tragédias gregas.

- Suponho que não poderia trocá-la por uma taça de xerez, não é?

Pâmela a seguiu, lhe sussurrando emocionada.

- Morro de vontade dar uma olhada nos dois baús que chegaram hoje de Londres. Nunca em minha vida vi tanta renda e seda juntas.

- Ah - disse Chloe, que parou para olhar as escadas - Não é que vá necessitá-lo aqui em Chistlebury, mas me alegro que minha roupa interior lhe proporcione um pouco de emoção. Entre meus baús e seu fantasma poderíamos provocar um escândalo do qual se falaria durante um ano neste povoado.

Continuaram subindo e fazendo ranger as escadas de carvalho em silêncio até que Pâmela, aparentemente inspirada pelo lado selvagem da vida pela influência de sua prima, disse:

- Dizem que muitas mulheres rezam pelo fantasma. Para que as visite a noite e as faça viver essa experiência mística.

- Experiência mística? - Chloe começou a rir enquanto avançava pelo corredor para seu quarto. - Por Deus, que maneira de dizê-lo.

Chloe não acreditava em fantasmas. Ao menos, não até a semana passada quando, da janela de seu quarto, tinha vislumbrado uma figura masculina em pé nas proximidades de Stratfield Hall no meio da noite.

Era o fantasma inquieto de Stratfield ou seu primo vivo que tinha herdado a propriedade? Embora parecesse estranho a aparição lhe deu mais pena que medo. Esse fantasma, se é que o fosse, tinha um ar muito melancólico. O visconde estava morto há apenas quinze dias. A única experiência de Chloe com esse homem, a qual foi bastante perturbadora, teve lugar durante seus primeiros dias em Sussex.

Um dia, durante o caminho de volta do farmacêutico, onde foi dar um recado de sua tia, surpreendeu-a uma chuva. O empregado que a acompanhava foi correndo a casa para lhe buscar um guarda-chuva.

Stratfield cruzou o campo cavalgando como se fosse sir Galahad e o rei Artur estivesse gritando "Ao ataque!". Criada no seio de uma família repleta de homens atléticos e embora ela mesma fosse uma excelente amazona, aquela visão a impressionou tanto que retrocedeu e se afundou no barro até os tornozelos para ver melhor aquela forma masculina. Por desgraça, não conseguiu causar a mesma impressão nele.

Antes que pudesse limpar o barro da capa, ele já tinha chegado até ela e estava dando voltas a seu redor, obviamente aborrecido por vê-la ali; tinha olhos cinzas tão escuros e severos como frios e distantes.

Chloe ficou sem palavras, algo que quase nunca lhe acontecia. Pelo visto, não se deixava impressionar tão facilmente.

A intensa chuva formava uma cortina de água entre os dois, e isso ajudou a que Chloe se criasse a ilusão de um homem que não pertencia de todo a este mundo.

Enquanto a observava, ali em pé e empapada, todos os ângulos de

seu rosto rígido tinham adotado um gesto divertido. Embora não se adaptasse aos cânones de beleza perfeita, era muito atraente.

Certamente, tinha o rosto mais inesquecível que Chloe jamais tinha visto, com esse queixo partido e essas sobrancelhas escuras e retas franzidas em um gesto sério.

- Venha, suba - ordenou, lhe oferecendo sua mão coberta por uma luva. Não foi mal educado, mas tampouco pareceu o cavalheiro de brilhante armadura. Chloe teve a sensação que só lhe estava prestando ajuda por obrigação e que o tinha interrompido em meio de alguma missão importante e não lhe tinha feito muita graça.

Chloe olhou zangada a bota enlameada e recordou com nostalgia todas as festas e bailes que tinha deixado atrás em Londres.

- Depressa - ordenou ele, secando a face com a luva.

- Mas é que não sei se...

- Suba, senhorita, antes que nos molhemos até os ossos. Estamos no campo, não no palácio.

Aquilo a ofendeu, mas o meio sorriso que se desenhou em seus olhos amorteceu suas palavras. Ter se criado com cinco pícaros irmãos tinha eliminado qualquer sentimento de compaixão que pudesse ter.

Sapos, saliva, brincadeiras de mau gosto. Chloe e Emma, sua irmã mais velha, vacinaram-se contra os insultos desde muito jovens.

Não obstante, alguém deveria manter certo decoro, chovesse ou não, inclusive quando era filha de uma marquesa que cambaleava á borda do precipício da desonra social. Além disso, este sir Galahad era tão altivo que necessitava que alguém lhe recordasse o que eram boas maneiras.

- No mínimo, poderia apresentar-se, senhor - disse ela, enquanto a chuva lhe esfriava o inexplicável ardor que tomou conta de suas faces.

Ele se inclinou sobre a sela e sorriu.

- Sou o dono da propriedade na qual está afundando. E que entrou

sem permissão. No meio de uma tormenta. E com um precioso vestido de seda. Agora que esclarecemos este ponto, vai subir ou não?

- Acaso posso me negar? - murmurou ela.

Entretanto, continuava hesitando e voltou a olhar através da cortina de água. Estava absorto em seu mundo, sereno, com o cabelo negro e curto junto ao crânio e esses olhos de cor metal que a observavam com um ar zombeteiro que parecia ir degenerando em impaciência. Chloe olhou para o muro de pedra que delimitava a propriedade.

Não havia rastro de seu empregado.

- Sobe ou não? - perguntou ele, com brusquidão.

- Sim, mas deixe que...

Limpe o barro as botas, algo que não lhe incomodou; com um braço, levantou-a e a sentou atrás dele em cima de seu cavalo muito bem educado. Chloe percebeu em seguida a o sobretudo de lã úmido de Galahad, um atraente aroma de colônia com aromas de madeira, e notou a intrusa calidez do cotovelo desse homem debaixo do peito.

Também notou como lhe esticava o corpo e como, inclinava-se para trás sobre ela com uma arrogância natural que lhe acelerou o coração.

Em conjunto, era um exemplo de masculinidade muito poderoso.

Chloe teve que reprimir a urgência de abraçar-se a esse corpo forte e musculoso.

Olhou fixamente para sua nuca com um sentimento de inquietação esperançosa. Tinha cometido outro de seus incontáveis enganos? Sua natureza impulsiva foi o que provocou que a exilassem a esse oásis de aborrecimento. Não obstante, Galahad era um vizinho. E, se não recordasse mal as palavras de sua tia quando o tinha mencionado, era um nobre.

Ou o havia dito como uma ameaça? Chloe tinha escutado seu nome antes inclusive de ir a Sussex. O irmão mais novo de Dominic, Samuel, morreu no passado junto com Brandon, o irmão de Chloe,

enquanto serviam na Companhia das Índias Orientais, onde tinham se alistado em busca de aventuras e prêmios que lhes prometiam os folhetos de recrutamento.

Em lugar disso, encontraram a morte nas mãos de um grupo de rebeldes gurkhos durante uma missão de reconhecimento no Nepal.

Chloe se lembrava de ter escutado seus dois irmãos mais velhos conversarem sobre o visconde de Stratfield com uma admiração que apenas em poucas ocasiões demonstravam pelos homens de sua mesma classe social. Aparentemente, o visconde foi uma peça chave na organização dos funerais dos dois jovens.

Chloe não contemplou, sob nenhum conceito, a possibilidade de que seu resgatador pudesse lhe fazer algo escandaloso, como violentá-

la ali em cima do cavalo ou convertê-la em sua escrava, até que o visconde virou o cavalo e começou a galopar em direção contrária ao caminho que ela conhecia.

- Diria que... - começou a queixar-se, mas se calou porque ficou sem ar nos pulmões.

Iam tão depressa que o bosque era como uma sombra indefinida cinza e marrom que deixavam atrás. O cavalo levantava pedaços de torrão e os lançava pelos ares, contra a chuva. Cruzaram um prado molhado e um túnel escuro e úmido de madressilva, cujo aroma os envolveu quando passaram por debaixo. Chloe não tinha nem ideia de onde estavam, mas sabia perfeitamente que essa rota não se parecia em nada ao caminho para sua casa.

Rodeou a cintura de Galahad com suas mãos e, apertando-se contra ele, ergueu a voz. Notou como os músculos de seu peito se esticavam. Acaso era imaginação que parecesse satisfeito de ver como se agarrava a ele?

- Desculpe, acredito que se equivocou de caminho!

Dominic grunhiu, ou fez outra espécie de som gutural depreciativo

que indicava que ela apenas era uma inconsciente por atrever-se a questionar seu sentido de orientação.

Pela cabeça de Chloe começou a passar as formas com as quais esse estranho escuro e calado podia abusar dela. Imaginou que a levava às masmorras de um castelo perdido e que a fazia prisioneira para que obedecesse a suas perversas demandas.

A deixaria nua em sua cama e, com uma cruel suavidade ou a cobriria com peles de lince russo depois de violenta-la e tê-la deixado meio inconsciente? Despertaria com pérolas, manjares e brandy ou, a julgar pela velocidade endiabrada do cavalo, acabariam os dois mortos antes de pudesse executar e receber alguma perversidade?

Chloe estava considerando, com desgosto, a última possibilidade quando, depois de ter passado voando por uma espessa alameda, chegaram a uma clareira.

Chloe olhou para o outro lado da escura paisagem, sentindo os batimentos do coração na garganta.

- Minha casa - disse, surpresa.

- Quem diria? - comentou ele, arrastando as palavras, e logo se virou um pouco para lhe dar a entender que não estava tão absorto em seus pensamentos para não perceber como se agarrara forte a ele.

A casa branca e marrom construída, em parte, com madeira, conhecida pelo pretensioso nome de Dewhurst Manor, suportava estoicamente a chuva como o tinha feito durante dois séculos. Chloe pensou que sua tia devia estar junto à janela, perguntando-se o que teria acontecido à travessa de sua sobrinha. Certamente, brigariam por ter aceitado o oferecimento de um vizinho em lugar de voltar para casa andando, afundando-se no barro até os joelhos. E ao pobre empregado tocaria receber algum castigo físico.

- Deveria me ter dito que tomaria um atalho - disse Chloe, com a respiração ofegante, enquanto se soltava daquele forte corpo masculino

que tinha usado como guarda-chuva durante a viagem.

Ele não se virou, mas Chloe percebeu um sorriso zombeteiro quando lhe respondeu:

- Não vejo nenhum motivo para ter que explicar.

- É claro que não - murmurou ela.

Qualquer explicação teria significado ter uma conversa educada.

Grande homem tão resmungão! Nesse momento, Chloe se envergonhou de ter pensado que iria sequestrá-la e tê-la a sua mercê. Além disso, certamente não tinha nenhum castelo. Ou, no mínimo, não em Chistlebury. Provavelmente vivia em uma caverna. Parecia mais um dragão que um cavalheiro. Chloe supôs que esperar que a acompanhasse à porta de sua casa era lhe pedir muito embora, pensando melhor, sua tia teria algo se a visse aparecer pela porta com Galahad.

- Bom - disse ela, tentando dissimular sua irritação com um sorriso

- Foi muito amável ao deixar suas... - suas o que? Perguntou-se. Buscou desesperadamente uma resposta - ... obrigações para me resgatar.

Ele desmontou em silêncio e a ajudou a descer do cavalo, levantando-a sem nenhum esforço aparente. O contato com esse corpo tão robusto fez com que Chloe não notasse o frio da chuva na pele. Era muito forte e, apesar da impaciência que percebia nele, era terrivelmente delicado no contato físico.

Obviamente, embora sua mente estivesse a centenas de quilômetros, ainda continuava sendo suficientemente homem para perceber que eram de sexos opostos. Lançou-lhe um olhar incrivelmente desdenhoso.

- Sugiro-lhe que, no futuro, mantenha-se afastada de minhas propriedades.

- Não o fiz de propósito - respondeu Chloe - Verá, acabo de chegar de Londres e...

- Eu sei.

Ela se afastou e ele virou sua estilizada figura para o cavalo.

- Ouviu falar de mim? - perguntou ela, surpresa. Em circunstâncias normais, haveria se sentido adulada por um homem que não conhecia ter o trabalho de investigá-la.

Muito devagar, ele se virou e a olhou de cima abaixo como se, desde o primeiro momento, tivesse reprimido a necessidade de fazê-lo.

Tinha o rosto magro e os traços masculinos estavam rígidos por uma tensão que Chloe quase podia sentir. De fato, aquela intensidade reprimida, aquele interesse masculino que Dominic não se deu permissão para mostrar até agora, cortou-lhe a respiração. Acaso tinha perguntado se a tinha olhado como uma mulher até agora? Bom, já tinha a resposta. Era a primeira vez em sua vida que o olhar de um homem a fazia sentir tão seduzida e desejada. Quando a olhou com esses intensos olhos cinzas, pela primeira vez, apareceu um toque de humor na conversa.

- Sim - disse ele - De fato, ouvi umas quantas coisas a seu respeito.

- Por que iria interessar se por mim? - perguntou ela, em voz baixa.

Ele hesitou um segundo. Estavam em pé entre as sombras dos salgueiros chorões que rodeavam a casa. Chloe ouvia como a chuva caía sobre as folhas, escorregava até o chão e os envolvia em uma escura umidade. Notou que Dominic estava a ponto de lhe dizer algo, de lhe confessar um segredo, talvez inclusive o motivo pelo qual estivesse tão preocupado e se comportava de maneira tão mal educada. Aqueles enternecedores olhos cinzas lhe abrandaram o coração. Estava triste, talvez aflito por uma enfermidade terminal?

Ela se aproximou um pouco mais, para lhe inspirar confiança. Os animais e as pessoas perdidos sempre a tinham atraído. Entretanto, havia algo mais nele que a atraía; uma espécie de curiosidade perigosa,

de calor magnético. Se antes se mostrou frio com ela, agora parecia um vulcão de emoções escuras.

- Por quê? - insistiu ela.

Quando a tomou em seus braços e a beijou, deveria ter se surpreendido mas, o mais inesperado foi que não se derreteu sob a chuva; de repente, ficou como uma boneca de pano em seus braços, embriagada pela doçura do aroma de brandy que Dominic desprendia.

Atrás desse beijo havia poder, arrogância e também quase desespero.

Depois de dez anos, Chloe seguiria lembrando-se da intensidade desse beijo. Tentou separar-se para respirar. Ele a soltou, embora só um segundo, e logo introduziu sua língua ainda mais para dentro de sua boca.

- Por quê? - sussurrou ele, agarrando-se a ela como se fosse um salva-vidas, um passaporte para a prudência.

E então, quando desceu as mãos e começou a lhe acariciar o arco das costas e as nádegas, o que ficou no ar foi a prudência da própria Chloe. Até agora, sempre teve o controle dos flertes, sempre tinha mandado sobre seu destino. Agora, entretanto, esse controle estava em chamas. A perigosa potência do corpo dele a tranquilizava e a debilitava ao mesmo tempo.

Escutou-o gemer dentro de sua boca. Nunca ninguém a tinha beijado daquela maneira. Nunca ninguém a havia tocado daquela maneira. Inclusive através da roupa, sabia perfeitamente onde deter-se, como excitá-la. Caiu uma gota na face de Chloe e lhe escorregou pelo pescoço. Ele seguiu o rastro com a língua, fazendo-a estremecer.

- Não deveria sair sozinha - disse ele, e voltou a beijá-la, com a boca úmida e rodeando-a com força com os braços.

Quando escutou a aspereza de sua voz, estiveram a ponto de falhar os joelhos de Chloe. Notava os batimentos do coração na garganta, nos ouvidos.

- Por que não? - sussurrou, provocando-o, tentando dissimular o muito que estava brigando consigo mesma para evitar que aquilo fosse além.

Ele se afastou com um sorriso.

- É um povoado pequeno - sua voz voltava a ser distante. Talvez, Chloe tivesse imaginado aqueles segundos de paixão. Antes que pudesse dizer algo, ele voltou a montar no cavalo e partiu. - Também há perigos a evitar, inclusive para uma bonita dama com gosto pelos problemas. No futuro, mantenha-se afastada de minhas propriedades.

Gosto pelos problemas? Perigos a evitar? "O que queria dizer?", perguntou-se. Chloe, a filha de um finado marquês, a irmã do marquês atual que tinha uma influência considerável, ficou totalmente atônita ante a terminante despedida de seu recatado. Ficou em pé sob a chuva, empapada e ofendida, observando-o afastar-se a galope como se fosse parte da furiosa tormenta. Ficou em pé, ardendo ainda por aquele beijo e pela enigmática advertência.

Como é que a conhecia? E o que se supunha que devia fazer com essa advertência tão melodramática? A única ameaça que Chloe encontrou nesse aborrecido povoado foi um pároco que desfrutava espalhando rumores e uma tia terrivelmente sofredora. Por Deus, não se tranquilizava alguma vez?

Sem dúvida, Dominic Breckland era o homem mais mal educado e bonito que jamais tinha conhecido. Obviamente, lhe importava um nada o que ela pudesse pensar Parecia não lhe importar que Chloe informasse seu comportamento a seus irmãos que, quase com toda segurança, o defenderiam ele porque dariam por sentado que Chloe tinha feito algo errado.

Chloe ficou sob a chuva até que o perdeu de vista, embora já não sentisse frio, apenas calor e irritação. Ficou ali e, de repente, percebeu que jamais tinha sonhado que pudesse existir um homem como lorde

Stratfield e desejou não havê-lo descoberto nunca.

De fato, estava tão ofendida que decidiu que o único antídoto era esquecer-se para sempre de seu arrogante salvador, que era o mesmo conselho que lhe deu sua angustiada tia uns minutos mais tarde.

- Não podia acreditar no que estava vendo, Chloe Boscastle! Não podia acreditar estar vendo-a no alto de um cavalo com lorde Stratfield.

E agarrada a sua cintura!

Chloe se virou para a janela para olhar para fora.

- Entrei em sua propriedade sem querer. Trouxe-me para casa.

- Bom, é um milagre. Comenta-se que seduz a todas as mulheres que conhece.

- Seduziu-a, tia Gwendolyn?

- Não seja impertinente. Stratfield é um vizinho e um homem nobre, e como tal o respeito. Mas isso não significa que aprove o fato que tenha sua amante vivendo com ele.

- Conhece-a? - perguntou Chloe com curiosidade, virando-se para sua tia, decepcionada, porque lorde Stratfield não tinha retornado.

- É claro que não, Chloe.

Tia Gwendolyn fechou as cortinas, indignada com a pergunta.

- O pároco Grimsby a viu várias vezes. Na janela do visconde.

Chloe mordeu o lábio, divertida.

- Provavelmente o visconde viva com sua irmã ou com sua tia.

Tia Gwendolyn ruborizou visivelmente, inclusive debaixo dos pós pálidos que usava no rosto.

- Duvido muito que, a uma familiar, fizesse-lhe o que o pároco descreveu.

- Organiza bacanais no meio da noite? - Chloe não pôde evitar; queria deixar nervosa sua tia.

- Não sei - respondeu sua tia, indignada - Nem quero saber -

acrescentou - E você tampouco deveria. O mero fato de que tenha a

sensação de que em Stratfield Hall tenha algo estranho deveria lhe servir de advertência, Chloe. Não deve se mesclar com esse homem. Recorde estas palavras.

E provavelmente, em lugar de rir, deveria ter escutado sua tia. Três semanas depois, assassinaram o visconde em sua cama.

Capítulo 2

A notícia sacudiu o pequeno povoado de Chistlebury como um terremoto. Chloe que, aparentemente, tinha desenvolvido uma terrível intolerância ao ar limpo do campo, ficou gripada e não pôde assistir ao funeral. A verdade era que, para ela, já inclusive antes de morrer, Dominic tinha se convertido em um fantasma que a perseguia em pensamentos a todas as horas. Tinha sonhado com esse beijo sob a chuva várias vezes. Prometeu lhe dar uma bofetada na próxima vez que o visse. Tinha o imaginado voltar para beijá-la. Inclusive jurou que, um dia, ela e seus irmãos perseguiriam seu assassino.

Passou os dois dias posteriores ao funeral chorando na cama, guardando um luto secreto por seu mal educado embora atraente resgatador por razões que nem sequer ela podia explicar. Seus irmãos mais velhos, Grayson, Heath e Drake, deslocaram-se até Chistlebury para apresentar seus respeitos à família. Ao que parecia ninguém tinha ideia de quem tinha assassinado Stratfield. Edgar, o tio do visconde, tinha viajado desde Gales para investigar o assunto e fazer-se encarregado de tudo.

Não obstante, o pároco insinuou que possivelmente Stratfield tinha realizado tarefas de espião durante a guerra e que poderia ser que algum antigo inimigo tivesse aparecido para assassiná-lo. E, por cima, sua suposta atração por certas damas casadas lhe tinha criado mais inimigos. Era um homem que vivia segundo suas regras e, aparentemente, só pretendia dar prazer a si mesmo. Não era de estranhar que quase ninguém o chorasse.

Estava morto e Chloe não tinha outra opção que esquecer-se dele.

Além disso, não tinha sido suficientemente chicoteada para chamar sua atenção. Era um homem que vivia no lado escuro da vida. Pelo que ela sabia, com certeza tinha feito algo para merecer a morte. Pelo que ela sabia, esse homem teria sido sua perdição.

E apesar de tudo, e por muitas razões, esperava que pegassem o assassino.

A voz aguda de Pâmela a devolveu a um presente muito menos interessante.

- Veio justo depois de partir - sussurrou ao ouvido de Chloe quando entraram em seu quarto.

- Quem veio? - perguntou Chloe, ausente, voltando para mundo real.

- Seu irmão, quem se não ele?

Durante uns irracionais segundos, Chloe acreditou que se estava referindo ao fantasma de Stratfield. Não obstante, e tal como estavam as coisas, não podia se permitir o luxo de preocupar-se com os mortos, quando os que a atormentavam eram os vivos. E mais em concreto seu irmão Devon, que tinha se convertido em um foragido açoitado pela lei por uma brincadeira que tinha pregado a alguém no mês passado.

Quando retornavam a casa de jogos em Chelsea, Devon e dois de seus petulantes amigos atacaram uma carruagem que achavam que transportava uma jovem cortesã que esteve flertando com eles toda a noite, além de lhes haver esvaziado os bolsos.

Entretanto, era a carruagem de um banqueiro já idoso. Houve disparos, um empregado foi ferido e Devon se viu obrigado a esconder-se enquanto seu irmão o marquês movia os fios necessários para tentar solucionar a confusão que tinha montado seu irmão mais novo.

Chloe desabotoou o vestido de musselina azul e se deixou cair na cama com um involuntário estremecimento enquanto contemplava um

dos baús que tinha chegado nessa mesma manhã de Londres. O outro, por falta de espaço, tinham-no deixado no quarto de vestir. Sua irmã Emma lhe tinha enviado um vestido para cada ocasião, sem suspeitar a inexistente vida social de Chloe nesse povoado.

- Suponho que Devon queria mais dinheiro - disse, olhando a seu redor. Estava com os nervos em frangalhos por sua imaginação e todas aquelas conversas sobre fantasmas ou era porque parecia que sua família estava a ponto de romper-se em mil pedaços? Exceto Grayson, que estava felizmente casado com sua esperta esposa, Jane, outros irmãos

Boscastle

estavam,

aparentemente,

solteiros

e

sem

compromisso. Possivelmente deveria concentrar-se em seu novo admirador, lorde St. John. Tinha olhos castanhos e um sorriso pícaro maravilhoso, embora parecesse um pouco superficial. Por que não podia estar satisfeita com um jovem como ele?

- Enquanto arrumava sua roupa, seu irmão voltou a entrar pela janela - disse Pâmela em voz baixa - Esse diabinho tão atraente não tem sentido de decoro, Chloe.

- Decoro? - exclamou Chloe, levando uma mão à boca - Tinha me esquecido da regata que Devon deixou pendurada na janela!

Pâmela a olhou, desconcertada.

- Que regata? Não vi Devon levar nenhuma regata.

- A que vi da carruagem. Não importa, com certeza meu irmão pensa que é muito engraçado - disse, zangada - Lembre-me de pegá-la antes de me deitar. Além disso, terei que colocar este baú no quarto de vestir de qualquer forma.

- Nem sequer vai olhar o que há dentro? - perguntou Pâmela, um pouco decepcionada.

- Não esta noite - muito devagar, Chloe se levantou da cama e dirigiu o olhar para a porta do quarto de vestir. O vestido lhe escorregou até a cintura e ela tremeu.

Talvez estivesse ficando gripada novamente. Sentiu um estranho formigamento pelas costas

- O que foi esse ruído?

Pâmela se virou e olhou por cima do ombro de Chloe.

- Que ruído?

- Soou como o grunhido de um homem - disse Chloe, lentamente.

- Um... Ah, isso. Certamente a velha porta de ferro da entrada tenha rangido. Desde o assassinato de lorde Stratfield, mamãe quer que a fechem de noite, embora não sei se é para manter afastado o fantasma ou seu assassino, porque um fantasma poderia atravessar o portão, não? Oh, note nisto.

Pâmela se ajoelhou e estava revolvendo tranquilamente o baú cheio de leques, sapatos e xales perfumados. De repente, lhe iluminaram os olhos quando viu um espartilho de baleia francês de seda cor marfim idealizado para reduzir a cintura de uma mulher ao mesmo tempo em que realçava os seios.

Ao ver a expressão de fascinação de sua prima, Chloe não pôde conter a risada. Às vezes, ver o mundo da perspectiva absolutamente nada sofisticada de Pâmela era bom.

- Fizeram-me isso em Paris.

- Não estranho que houvesse uma revolução.

- Por que não prova? - propôs-lhe Chloe, em brincadeira - Pelo que vejo, duvido que vá usá-lo em um futuro mais próximo.

- Eu? -Pâmela se levantou e se colocou diante do espelho em pé com moldura de carvalho, sustentando o espartilho diante das modestas curvas de sua blusa de algodão - Imagina-me com ele?

Chloe tirou o vestido e se estendeu na cama com a regata, o espartilho e as meias.

- Talvez, se o tivesse usado esta noite, lorde St. John teria se insinuado ali mesmo - embora a ideia deveria ter lhe agradado mais do

que aconteceu na realidade.

- Ou a teria violentado ali mesmo, melhor dizendo - disse Pâmela, muito séria - Acredito que deve se considerar afortunada. Justin acredita que é muito bom para as garotas de Chistlebury.

- Por que não o usa debaixo do vestido no domingo? - Chloe se apoiou em um cotovelo e pensou que deveria estar realmente desesperada se sua única fonte de emoção era induzir sua prima a se vestir de maneira decadente - Por Deus, Pâmela, acredito que vai um pouco mais abaixo. Não quer realçar o volume do queixo.

- Mais abaixo? Mas então, como coloca os... é... os seios em posição?

- Parece complicado, mas o desenho realmente faz maravilhas com a figura - Chloe se sentou e voltou a estremecer sem nenhum motivo.

Que casualidade! Ficar gripada justo quando Justin lhe tinha proposto dar uma volta de barco no fim de semana. - A primeira vez que o usei, a empregada atou a metade para dentro e a metade para fora. Parecia uma dessas mulheres do Amazonas que vão com um peito fora para conseguir melhor seus propósitos de emparelhamento quando se agacham.

Pâmela ruborizou até a raiz do cabelo castanho avermelhado.

- Não tenho nem ideia do que está falando, Chloe Boscastle, e suspeito que está zombando de mim.

- Não zombo de você, juro.

As duas jovens fizeram uma pausa e suspiraram quando escutaram como tia Gwendolyn chamava Pâmela do pé das escadas.

- Bom - disse Pâmela - isto é tudo por esta noite - lançou o espartilho para Chloe - E não sei nada sobre as mulheres do Amazonas mas, se mostram os seios aos homens, acredito que é melhor que não saiba.

Saiu quarto rindo e com tanto ímpeto que as velas de cera de

abelha se apagaram. Morreram envoltas em uma revoada de vapores fantasmais.

Chloe saltou da cama e observou as sombras do quarto às escuras. Sentiu frio e ficou com a sensação que a tinham abandonado.

Respirou o aroma de cera derretida.

Estava certa que tinha gripe ou tinha adoecido.

Então, no meio do silêncio, escutou-se outro grunhido e desta vez tinha certeza: vinha do quarto de vestir.

Chloe era uma garota criada na cidade. Não tinha nem a menor ideia de como solucionar os problemas práticos no campo, e tampouco queria aprender. Entretanto, tinha uma coisa clara: inclusive na maior ignorância do ambiente rural, era impossível que uma grade de ferro velha provocasse o gemido que tinha saído de detrás da porta do quarto de vestir.

Dominic recuperou a consciência com um grunhido de dor. Aquela voz feminina penetrou até o mais profundo de seus delírios; era suave e atraente, e lhe recordou a época em que desfrutava dos prazeres mais básicos. Quando ainda confiava na carícia de uma mulher. Perguntou-se onde a tinha ouvido antes e onde demônios estava antes de recordar; pelo amor de Deus, estava preso em um baú onde tinha identificado roupa interior feminina.

Tentou se levantar do fundo do baú. Aquela situação lhe recordou como, fazia umas poucas semanas, colocara-se em um ataúde e tinha feito ver que estava morto.

Entretanto, o único recordava com clareza era que tinha febre e alucinações. Era a única explicação plausível para justificar aquelas palavras que ressoavam em seu cérebro.

"A primeira vez que vesti isso, a criada me atou a metade para dentro e a metade para fora. Parecia uma dessas mulheres do Amazonas que vão com um peito fora para conseguir melhor seus

propósitos de emparelhamento quando se agacham."

Franziu o cenho, tentando lutar contra essa voz tão atraente, e logo se levantou rodeado de anáguas e combinações perfumadas. Por um segundo ficou em pé desorientado e tremendo, contemplando a porta.

Com uma deprimente ironia, percebeu que as feridas mortais que seu assassino lhe infligira há um mês demonstrariam sua morte.

Agora se lembrava de tudo. Ao anoitecer, o homem que ele mesmo tinha contratado como guarda-florestal o tinha açoitado. Esse irlandês tão leal apenas pretendia assegurar a privacidade de seu novo senhor, sem perceber que ao que tentava disparar era seu verdadeiro senhor.

Sim, Dominic admitia que aproximar-se tanto da casa tinha sido uma insensatez, porque ainda não queria que o descobrissem. O mundo o acreditava morto, e ele não tinha nenhuma intenção de corrigir esse engano.

Tinha conseguido subir em uma árvore e entrar nesse quarto para esconder-se. Embora agora não parecesse uma escolha muito inteligente. Obviamente, não estava em condições de confrontar qualquer tipo de enfrentamento físico. Logo chegaria esse dia; quando se tivesse se recuperado, se vingaria do homem que tinha planejado destrui-lo.

Mas por agora tinha que curar-se, urdir um plano e enfrentar a mulher cujo estranho comentário o tinha despertado. Aquela voz havia lhe trazido a memória uma série de lembranças encantadoras embora elusivas. A fragrância de sabão caro, a figura suave e delicada e sentiu saudades. Como seria seu sabor e como era o toque de sua pele?

Tinha-a ouvido conversar com outra pessoa. Não sabia quantas pessoas teria que enganar mas, no caso que sua presença fantasmal não fosse distração suficiente, não estava preparado para confiar na luta corpo a corpo.

Assegurando-se que levava a pistola com incrustações de marfim

na cintura da calça, dirigiu-se para a porta e se preparou para interpretar uma cena dramática.

Sempre desfrutava muito com a reação histérica das pessoas ante um homem morto.

Chloe identificou uma nota de sofrimento nesse gemido, uma chamada de socorro que não pôde ignorar. Imaginou um homem ferido, provavelmente debatendo-se entre a vida e a morte. Um homem ferido e confuso que se refugiava em seu quarto. Em nenhum momento lhe ocorreu que, ao ajudá-lo, estaria se colocando em perigo. Sacou seu caráter heroico.

Vestiu o penhoar de estilo oriental e se dirigiu decidida para o quarto de vestir com a crença absoluta de que o gemido na escuridão tinha saído do peralta de seu irmão Devon.

Capítulo 3

A porta se abriu antes que Dominic pudesse virar a enegrecida maçaneta. Demorou uns segundos analisando o rosto dessa garota: em forma de coração, bonita e com uma total incredulidade refletida em seus traços refinados. Entretanto, o mais estranho era que a tinha escutado dizer algo em voz baixa, preocupada. Tinha aberto a porta chamando um homem. A preocupação em seus olhos azuis escuros em seguida se tornou horror.

Acaso esperava encontrar seu amante, do outro lado da porta, em lugar do fantasma de Stratfield? As mariposas bordadas roupa de Chloe se apagaram ante seus olhos. Era impossível dizer dos dois quem ficou mais perplexo, se ela ou ele.

Conhecia-a. Sentiu uma sensação de familiaridade antes de preocupar-se com sua integridade física. Agora que tinha visto que não era o homem que esperava, faria o que qualquer outra mulher normal em seu lugar faria: tentaria fugir.

Dominic apostaria que começaria a gritar antes de chegasse à

porta do quarto. Era uma tortura fazer trabalhar a seu maltratado corpo.

Inclusive lhe custava respirar. Não obstante, poderia ter morrido cem vezes e continuaria sendo capaz de reduzir uma mulher como ela.

Tomou-a pela cintura e se surpreendeu muito com a resistência que opôs. Ela reagiu e se virou, lhe dando as costas. A Dominic doía muito o ombro, piorado pela força de Chloe, mas fazia um mês que não tinha a uma mulher entre seus braços e seus instintos naturais lhe ditavam que infligisse prazer, não dor. Em geral, quando reduzia uma jovem e a estendia no chão, ela sabia que estava a ponto de viver a experiência de sua vida. Embora, nesta ocasião, a possibilidade dessa atividade tão prazerosa era mais que remota.

Era muito menor que ele, mas muito decidida. Os dedos de Dominic acariciaram sua curta cabeleira negra enquanto lhe cobria a boca com uma mão. Tampouco era agradável para qualquer dos dois que ela estivesse meio nua e com as nádegas junto às suas virilhas. Sua suave pele pedia a gritos que se esquecesse do que tinha que fazer.

Sabia o que ela devia estar pensando, o que ele queria. Quando o penhoar de Chloe se abriu, Dominic sentiu um desejo irrefreável.

Custaria muito tomá-la?

Tendo em conta a oposição que estava apresentando, seria muito vulnerável?

De repente, reconheceu-a. A garota da chuva, a dos olhos azuis.

Recordava o dia que a tinha conhecido, o muito que tinha se zangado porque tinha interferido em seus planos. Foi no mesmo dia que tinha descoberto que alguém queria matá-lo. No dia que tinham atirado nele enquanto passeava pelo bosque. Estava perseguindo o perverso assassino quando apareceu essa jovem e o tentou para que se esquecesse de quão desagradável era sua vida.

Levava semanas suspeitando que alguém o espreitava. Por que?

Possivelmente porque estava a ponto de revelar que Samuel Breckland

e Brandon Boscastle não tinham morrido em uma emboscada nas mãos de rebeldes gurkhos. Possivelmente porque esteve reunindo provas que demonstravam que seu oficial no comando tinha planejado seu assassinato. Dominic estava a ponto de trazer a luz uma notícia que teria provocado um escândalo. Sabia. E também sabia o homem que tinha assassinado Samuel e Brandon.

Se uma mulher tão frívola e formosa como Chloe Boscastle soubesse que a vida de Dominic corria perigo, o teria querido beijar sob a chuva? Não. Nem por um segundo. E ele tampouco teria querido que ela o fizesse. Por muito atraente que a achasse, não queria pô-la em perigo. Inclusive sua amante lhe tinha insinuado que o deixaria no fim do mês para buscar um novo protetor.

O melhor que pôde fazer naquelas circunstâncias, tudo o que podia lhe oferecer, foi tirá-la de um atoleiro e lhe roubar um beijo.

Esteve a ponto de começar a rir ante aquela ironia. Mostrou-se excessivamente mal educado e ausente e não lhe tinha dado à filha exilada de um marquês a atenção a que estava acostumada. Em qualquer outro momento, teria levado tempo para flertar com ela e a teria acompanhado até a porta de sua casa. Possivelmente inclusive teria lançado mão de seus encantos para descobrir se esse eletrizante beijo roubado se convertia em algo mais interessante.

Enfim, estava a ponto de compensá-la por aquela falta de atenção.

Enquanto meio a arrastava para a cama, pensou que teria que passar mais tempo com ela que com qualquer outra mulher que tivesse conhecido, estivesse ou não de acordo a senhorita.

Chloe observou, horrorizada, o reflexo de duas figuras no espelho de pé que havia no outro lado do quarto. Deu graças a Deus pela escuridão porque assim não conservaria detalhes visuais do que lhe estava acontecendo. Estava tão convencida que atrás da porta do quarto de vestir encontraria seu irmão que não tinha sabido como reagir. E

agora já não tinha outra opção. Estava a mercê do intruso. Para salvar-se, teria que confiar em seus instintos.

Um braço como um cinturão de aço a prendeu pela cintura e lhe dificultava a respiração. Abaixou a cabeça e o olhou. Com a outra mão lhe tampava a boca, sufocando seus gritos de raiva.

Aterrou-a a força que tinha, estava em choque e decidida a vender caro sua derrota. Entretanto, e apesar de tudo, viu que não pretendia lhe fazer mal. Poderia lhe dar uma bofetada tranquilamente e a deixaria inconsciente. Brigou suficiente vezes com seus irmãos para saber a facilidade com que um homem podia dobrar uma mulher. Não tinha nem ideia do que queria lhe fazer, mas nenhuma das possibilidades que lhe passavam pela cabeça era muito agradável.

A pistola que levava na cintura da calça estava fria e não augurava nada bom. Enquanto ele os aproximava cada vez mais à cama, Chloe começou a brigar outra vez.

- Fique quieta - lhe sussurrou na orelha - Está me machucando.

Machucando-o? Chloe se indignou e lhe deu um golpe com a cabeça no ombro. Foi um engano. Agarrou-a com mais força pela cintura até que não ficou outra opção a não ser ficar quieta e permitir que a deixasse sobre a cama. Quando ele se inclinou sobre ela, com os traços desumanos e intensos, Chloe abaixou os olhos e se preparou para o pior. E então, depois de vários segundos sem que se passasse nada, reuniu a coragem necessária para olhá-lo no rosto.

Quando seus olhos se encontraram, reconheceram-se; os olhos cinzas de Dominic refletiam ironia e algo que poderia ter sido dor, e os azuis de Chloe estavam totalmente abertos, desconfiados.

Com uma mescla de alívio e nervos, descobriu que se tratava do fantasma de Stratfield. O terror do povoado. O sonho de todas as mulheres solitárias de Chistlebury.

O homem cujo beijo a tinha açoitado e tinha aquecido seus sonhos

privados. O mesmo a quem ela e a metade das mulheres de Chistlebury tinham chorado. Seu Galahad de olhos cinzas comovedores. Embora agora parecesse outro.

Estava tão vivo como ela; notava seu corpo excitado e quente contra o seu e sua respiração curta e irregular. A verdade era que o homem que tinha todo Chistlebury atemorizado estava cadavérico (sim, como um fantasma); devia pesar uns cinco ou seis quilos menos que no dia que o tinha visto no bosque. Sua pele tinha adquirido um tom cinzento muito pouco saudável e uma fina camada de barba dava um aspecto descuidado e perigoso a suas feições angulosas.

Tinha o rosto duro e impávido. Embora soubesse seu nome e que era um cavalheiro nobre, além de um vizinho, não estava tranquila.

Aquela encarnação de Dominic Breckland parecia um homem à beira do desespero. Um homem capaz de algo.

- Lembra-se de mim? - perguntou-lhe, em um brusco sussurro.

Ela assentiu e percebeu que ainda estava tremendo. Sua voz tampouco a tranquilizou, pois era grave e rouca.

- Resgatou-me da chuva. Lembro-me.

- Resgatei-a. Da chuva.

Fez uma breve pausa. Estreitou os olhos cinzas e olhou a seu redor para estudar o quarto. Chloe estava tão concentrada nele, em seu corpo em cima dela, que notou como sincronizava a respiração com a dele. E quando Dominic voltou a falar, surpreendeu-se tanto que esteve a ponto de perder o ponto irônico e divertido de sua voz.

- Pois parece que agora se direciona a você.

Chloe mordeu o lábio inferior.

- A mim?

- Me salvar.

- Sal...? - antes que pudesse terminar a frase, Dominic ficou inconsciente e caiu sobre o corpo tenso de Chloe como uma viga de

madeira, com o rosto junto ao dela como um amante em plena noite.

Chloe estava debaixo dele, paralisada pelo horror e perguntando-se muito nervosa o que seria de sua já manchada reputação se a encontrassem na cama com o fantasma de Stratfield.

Durante um bom tempo, ficou imóvel nessa peculiar posição, esperando, embora também aterrada pela ideia de estar presa debaixo de um homem morto. Quando se tranquilizou o suficiente para pensar com calma, viu que ainda estava vivo. Ao menos, sentia sua respiração no cabelo. Tentou tirar a mão, que estava presa sob o quadril de Dominic. Ele soltou um grunhido do fundo da garganta a modo de advertência.

Chloe sentia seu débil pulso nos seios esmagados, um contraste com o acumulo de sangue que havia em suas veias. Dominic ainda tinha os dedos em seu cabelo e o corpo de Chloe seguia junto ao colchão.

Embora estivesse meio morto, Chloe notava a força latente no torso e coxas tão musculosos que a deixavam prisioneira.

- Por favor, afaste-se - disse, engolindo saliva não sem esforço.

Deu-lhe um empurrão no ombro que bastou para que se levantasse com um gemido de dor. Ao observar essa reação, Chloe não pôde evitar que o medo desse lugar à compaixão. Ele se afastou e rodou a um lado da cama, protegendo o braço esquerdo.

Chloe olhou desconfiada mão, depois olhou a camisa de linho enrugada de Dominic, e depois voltou a descer os olhos até a brilhante mancha de sangue que havia nos lençóis, justo onde ele se estendeu.

- Deus santo! - disse, tão preocupada que se esqueceu de seu próprio medo - Está ferido. Irei procurar ajuda... - sim, ajuda. Uma desculpa para escapar e pensar como dirigir aquela situação. Ajudá-lo possivelmente para salvar-se ela mesma. Com sorte, teria saído pela janela antes que ela retornasse.

- Nem sonhe. - Agarrou-a pela manga do penhoar e a prendeu

entre as pernas, queixando-se.

- Não deve dizer a ninguém que estou aqui. Nem que me viu.

Chloe se enjoou e começou a tremer ante o tom ameaçador de sua voz, consciente de sua cálida e agitada respiração contra seu pescoço e do forte e implacável corpo que a deixava prisioneira. Era o mesmo homem que a tinha beijado sob a chuva? O mesmo que zombou dela, que a tinha atormentado e a tinha deixado com vontade de ter outro encontro com ele?

- Mas... por que tenho que guardar segredo desta visita?

- Porque estou morto, querida, e ainda não tenho nenhuma intenção de voltar para o mundo dos vivos.

Ela suspirou. Parecia muito calmo, reflexivo e até racional, embora não pudesse dizer o mesmo de seu comportamento.

- Bom, pois eu não tenho nenhuma intenção de alojá-lo aqui, vivo ou morto - respondeu ela - O que está fazendo em meu quarto?

Ele hesitou antes de responder e romper o silêncio com voz grave.

- Perseguiram-me. Pelo bosque.

- Perseguiram-no? - Não tinha sentido. Supunha-se que estava morto. Tinha-lhe dado a entender que ninguém sabia que tinha sobrevivido ao desumano ataque. De repente, percebeu que atrás daquele assassinato havia muito mais do que alguém em Chistlebury imaginava. E que agora ela estava totalmente envolvida naquele mistério letal.

Dominic a olhou e viu a perplexidade em seu rosto. Em que diabos se colocou? Por que, de todos os habitantes do povoado, tinha tido que ir dar com ela?

Apoiou as costas no travesseiro da cama, com olhos pensativos.

Deus, grande embrulho. Agora que Chloe sabia que estava vivo, era obrigado a confiar nela, uma complicação que poderia arruinar seus planos. Se fosse um homem, acabaria com ele sem nenhum reparo e

sem se importar muito, na verdade.

Entretanto, tratava-se de lady Chloe Boscastle, a amalucada irmã mais nova de Heath. Uma mulher que, para seu bem, era muito brilhante e muito bonita. Aparentemente, tinha herdado a afeição da família pela paixão e escândalo. Se fizesse algo, Heath era capaz de parti-lo em dois com as próprias mãos, embora no passado tivessem sido amigos. De fato, quando seus respectivos irmãos mais novos, Samuel e Brandon, foram assassinados no Nepal, Dominic e Heath começaram a compartilhar por carta suas suspeitas a respeito da emboscada. Sim, Heath era um homem de confiança a quem era melhor ter como amigo que como inimigo.

Aqui o importante era se sua irmã também seria de confiança.

Poderia aquela beleza guardar um segredo? Poderia converter-se em sua aliada? Contemplou-a em silêncio e, de repente, viu o provocador espartilho francês que estava na cama junto a eles.

Uma sinuosa peça desenhada para enfatizar um exuberante corpo que, a primeira vista, necessitava poucos ressalte. Uma distração muito inoportuna. Por que diabos iria vestir isso uma jovem decente?

Perguntou-se fascinado, agradecendo a nova direção de seus pensamentos.

- É seu? - perguntou-lhe, tranquilamente.

Ela ficou em dúvida, com um caracol negro em cima do rosto.

Dominic se perguntou se estava ruborizando. Já estava suficientemente excitado sem imaginar com aquele traje.

- Pergunte se isto é seu.

- O que? Ah, sim... bom, enviaram-me isso.

- E o usou alguma vez?

- Hummm. Pode ser que uma vez. Ou pode ser que nenhuma.

Dominic levantou o olhar e procurou em seu rosto algo que não esperava. O que tinha escutado do quarto de vestir? Era possível que a

irmã mais nova de Heath tivesse uma aventura? E não é que lhe importasse o mínimo. Entretanto, não há muito, ele mesmo participaria de uma competição para ganhar seus favores.

Suas aventuras e conquistas pareciam de outra vida. Desde há um mês, só se alimentava de vingança. Nestas últimas semanas, mal tinha pensado no amor e nos prazeres sexuais. A lembrança daquelas doces perseguições voltaram à sua mente. Sim, estava vivo, e possivelmente até se alegrava de não ter que fazer frente aos perigos e os momentos comovedores de uma história de amor. Em outras circunstâncias, possivelmente desfrutaria levando essa jovem à cama.

Mas agora não. Estava pálida como o papel, certamente pelo medo ao que pudesse lhe fazer, e era totalmente compreensível. Não podia fazer ou dizer nada para tranquilizá-la. Nas últimas semanas, Dominic tinha percebido que era capaz de cometer atos que antes não teria aprovado. Pediu a Deus que não permitisse que lhe fizesse mal. E a verdade era que ter se envolvido em sua vida não facilitava as coisas; não desde que o cavalheiro que era antes tinha morrido.

Nem sequer ele sabia o que iria fazer. Era um homem a quem todos acreditavam morto e enterrado. Pode ser que seu "assassinato"

também supusesse a morte de sua consciência.

- Aonde foi esta noite? - perguntou-lhe, cedendo à curiosidade. As artimanhas femininas sempre o tinham intrigado - Ou também é um segredo? - perguntou, em um tom seco.

Chloe piscou, convencida de que estava à caprichosa mercê de um lunático com toda certeza. Maldita fosse sua prima por ter tirado o espartilho do baú e por colocar todo tipo de sórdidas ideias na cabeça desse homem. Havia-lhe dito que o tinham açoitado até aqui. Até aqui?

Seu quarto? Que casualidade! E de verdade esperava que acreditasse?

Estava ferido, mas ainda tinha força e se movia com rapidez. Tinha mais força que ela. Contudo, seria capaz de chegar à porta e descer as

escadas mais depressa que ele? Se se levantasse, lançaria lhe um travesseiro no rosto e deixaria o baú no meio do caminho, talvez.

Funcionou uma vez quando Heath a esteve perseguindo porque lhe tinha roubado uma de suas mensagens codificadas em represália às brincadeiras de seu irmão mais velho.

Embora, neste caso, a porta que dava ao corredor poderia travar e não abrir. Dominic a agarraria antes que pudesse escapar e se zangaria.

E Chloe não queria correr o risco.

Sua voz a devolveu à realidade.

- Fiz-lhe uma pergunta.

- O que? - sussurrou ela, tentando ganhar tempo, e esperando que alguém da casa percebesse que estava em perigo, desesperada. "Por favor, que Pâmela volte a subir para me ajudar a desfazer as malas"

- Perguntei-lhe aonde foi esta noite.

Invadiu-a uma nova onda de medo. Por que lhe importava sua vida privada? Suspeitava que estava desequilibrado e que, definitivamente, era perigoso.

- Era...

O que queria que lhe dissesse? A resposta incorreta podia enfurecê-lo. Deveria admitir que tinha ido a um baile local? Na realidade, soava bastante aborrecido, mas pode ser que parecesse um pouco frívolo e que o fizesse pensar em algum romance. E Deus não queira que lhe pusesse na cabeça nenhuma ideia de índole romântica.

Seria melhor que pensasse que era tímida e aborrecida, e não o demônio maluco que tinha a toda a família pendente.

- Fui a um musical com meus tios. - Uma verdade pela metade que o satisfaria. Não tinha por que saber que tinha estado flertando com lorde St. John.

Dominic soltou um bufo. Chloe viu que tinha uma boca muito bem definida, apesar da insultante expressão de seu rosto quando disse:

- Que emocionante! Um musical de Chistlebury. E sobreviveu - para maior mortificação de Chloe, Dominic pegou o espartilho e o colocou entre os dois - E, se me permitir a pergunta, qual era o objetivo de vestir isto?

Ela se afastou, negando-se a seguir por aí.

- Disse que o perseguiram até aqui, não é verdade?

- Assim é.

Dominic seguia examinando o objeto com interesse, quase como se estivesse imaginando sobre o corpo de Chloe.

Ela passou a língua pelo lábio inferior. Acaso iria pedir lhe que o vestisse para ele?

- E as pessoas que o perseguiram sabem que está escondido em meu quarto?

- Não - levantou a cabeça e fixou o olhar naqueles preocupados olhos azuis - E você não vai dizer a ninguém, não é?

A tensão pôs a prova seus nervos; se lhe pedisse que fizesse algo doentio, tinha decidido que antes preferia atirar-se pela janela. Brigar com cinco irmãos, cada qual mais travesso, tinha-a convertido em uma mulher de recursos.

- E por que iria dizer a alguém? - disse, levantando a voz, indignada; não era próprio de Chloe sucumbir a algo sem montar um escândalo, outra característica familiar que a tinha metido em mais de um problema - Por que iria me importar ter um homem em meu quarto que intimida a base de força bruta?

Ante aquela explosão, Dominic arqueou as escuras e grosas sobrancelhas.

Limpou a garganta.

- Importaria-se em baixar a voz? Só fiz o que achei necessário.

Advirto-a e continuarei fazendo-o.

- Mas o que quer de mim?

- Esta casa e estas terras foram minhas - refletiu ele em voz alta -

Seu tio me comprou. Sabia?

- Suponho que me disse isso. Não o recordo.

- Sabe quem sou? - perguntou-lhe, embora fosse um tom mais de asserção que de pergunta.

Chloe viu como tirava a pistola e a colocava na cama, junto a ele.

- O fantasma de Stratfield - disse, sem pensar. Levantou o olhar e viu sua expressão sardônica - Quero dizer, lorde Stratfield.

- Ah, claro - Brilharam os olhos de Dominic com ironia - A lenda vai crescendo. Me diga, os rumores não me chegam à tumba, ainda me conhece por minhas travessuras noturnas?

Chloe se ruborizou ao recordar os pecados carnais que sua tia e virtualmente todos os membros da paróquia lhe tinham atribuído como fantasma. E ela mesma tinha desejado, apenas a uma hora, que cometesse um desses pecados com ela.

- Digamos que se diz que continua desfrutando de sua outra vida de forma muito ativa.

Dedicou-lhe um sorriso mordaz.

- Se ao menos fosse verdade.

E ficaram em silêncio. Chloe lançou outra olhada à pistola que estava entre eles. Ouviu um ruído que vinha da rua, abriu-se o portão e se ouviram os cascos de um cavalo. Logo, escutou a voz de um homem na entrada e golpes na porta. Ele também escutou. Olhou para Chloe com hostilidade e suspeita.

- É um pouco tarde para receber visitas, não acha?

Ela apenas pôde assentir e rezar para que alguém viesse resgatá-

la. Sim, era tarde, mas se algum empregado tivesse Stratfield escalar até esse quarto, seu tio apareceria a qualquer momento e ela estaria...

- Perdida - disse, pensando em voz alta - Você, seu estúpido.

Percebe o que dirão de mim se o acharem aqui? Sabe o que meus

irmãos farão conosco? Supõe-se que me enviaram aqui para aprender a me comportar.

Dominic pegou a pistola e se levantou.

- Agora mesmo, o que menos me preocupa é sua reputação.

- Bom, agradeço muito.

Gritou quando viu que perdia o equilíbrio e levantou os braços para ajudá-lo a manter-se em pé. Foi um instinto, fez isso sem pensar. Talvez fosse melhor tê-lo deixado cair no chão. O contato físico e a surpresa desse corpo tão musculoso contra ela tornaram a enchê-la de uma confusão maior do que podia tolerar.

Podia-se saber o que iria fazer com ele?

- Necessita um médico, lorde Stratfield.

Seu peso a desequilibrou e acabaram enlaçados em um estranho abraço contra o poste da cama. Sussurrou-lhe:

- Dadas as circunstâncias, acredito que deveria me chamar Dominic.

- Deveria chamá-lo de Diabo, senhor.

Ele se virou para a porta, com o olhar muito intenso. Obviamente, a sobrevivência havia agudizado seus instintos animais.

- Vem alguém. Esconda-me.

- Nem sonhe.

Notou o canhão da pistola contra a suave pele de seu ombro.

- Eu não gostaria de ter que atirar na pessoa que tenha a desgraça de interromper nossa "amizade".

- Não se atreverá - sussurrou ela, aterrada.

- Acredite - disse ele, com os olhos frios como o gelo - O farei.

Embora fisicamente não esteja morto, a parte civilizada que havia em mim está.

Chloe se afastou dele, com a boca seca. O rosto magro e sem barbear que a estava observando não lhe recordava absolutamente o

elegante nobre que ela tinha imaginado que seria sir Galahad. Um perigo elementar tinha substituído a distante sofisticação que sempre tinha definido Dominic Breckland, e a transformação lhe deu o que pensar.

Sabia, no dia que se conheceram, que sua vida corria perigo?

Acaso tinha interrompido algo mais que um passeio pelo bosque, naquela tarde? Ao recordar seus maus modos e seus estranhos comentários, tudo começou a encaixar.

Alguém tinha tentado matá-lo de forma brutal. Não podia culpá-lo por querer vingar-se. Mas não ali, não a utilizando como moeda de troca.

E o pior era que seus irmãos jamais acreditariam que não o tinha procurado.

Os golpes na porta de seu quarto puseram fim a seus pensamentos. Não sabia se sentia-se aliviada ou assustada pelo tom queixoso na voz de seu tio. Não queria que lhe fizessem mal por nada no mundo e tampouco lhe pareceu prudente pôr a prova o comentário de Dominic que recorreria a atos desesperados.

- Meu tio - disse, em voz baixa.

Ele apertou a mandíbula.

- Desfaça-se dele.

- Como?

- Não me importa.

- Volte para o quarto de vestir - disse ela, a contra gosto - Não entrará em meu quarto.

Dominic olhou a seu redor, avaliando a situação, porque não confiava nela.

- Estarei escutando-a, e vigiando.

- Já sei - respondeu ela.

Ele lançou o espartilho na cama.

- Não me deterei ante nada nem ninguém para terminar com isto.

Ela o olhou e a fria determinação que viu em seus olhos a fez

estremecer-se de cima abaixo. Um homem sem nada a perder.

Capítulo 4

Chloe observou a sombra de Dominic ficar na parede enquanto ela ia para a porta para responder a seu tio. Pode ser que não visse o intruso, mas Chloe sentia sua ameaçadora presença como se o tivesse junto à nuca. A promessa desesperada que lhe tinha feito ressoava em sua cabeça. Seria capaz de machucá-la ou a seu tio? O melhor seria não pôr a prova sua capacidade violenta.

Quando abriu um pouco a porta, seu tio a olhou. Com um pouco de sorte, a intuição lhe diria que estava acontecendo algo muito ruim.

Cheiraria seu medo e iria procurar ajuda.

- Chloe - disse, sem preâmbulos - não a teria incomodado a estas horas, mais temos um problema que não pode esperar até manhã.

Chloe apoiou a suada palma da mão na porta, com a esperança que seu tio percebesse o pânico que refletiam seus olhos. Só esperava que lhe dissesse que alguém tinha visto o "fantasma" de Stratfield pelos arredores da casa. Se fosse o caso, pode ser que sua tia inclusive ordenasse uma evacuação da casa para evitar males maiores. Deus sabe que sairia voando pela janela se soubesse que o endiabrado espectro estava escondido no quarto de sua sobrinha. Quando imaginou tia Gwendolyn lançando-se em cima do áspero fantasma quase começou a rir.

Seu tio hesitou um segundo, com a cabeça grisalha agachada.

- Posso entrar?

Chloe viu que a sombra da parede se movia, ameaçadora, em silêncio. Imaginou que esse corpo de aço a voltava a fazer prisioneira, deixando-a sem ar como a um fole. Certamente nem sempre demonstrou maneiras tão bárbaras.

- Não - disse ela, agitando a cabeça, assustada. Era tão tentador lhe confessar toda a verdade. E tão perigoso para os dois -Não... Não

estou vestida, tio Humphrey.

- Oh, céus - disse o pobre, muito envergonhado - Sim, sim, claro. É

muito tarde e não deveria ter vindo, mas quem chamou com tanta insistência à porta era o juiz. Pelo visto, há uma hora assaltaram uma carruagem em Cooper"s Bridge. Desta vez, o bandoleiro só levou as luvas e a liga da dama.

Por um momento, Chloe se esqueceu de sua penosa situação porque viu por aonde ia seu tio.

- Não acredita que foi Devon, não é verdade?

- Sim, querida - começou a passear para cima e para baixo do velho tapete que cobria o corredor, olhando para a escada enquanto falava - Mostrou-me o desenho que fez do salteador, Chloe, e é o vivo retrato do perdido de seu irmão. Ao que parece, voltou a fazê-lo, cometeu outro crime quando seu irmão Grayson, como se não tivesse assuntos que resolver, justo acabava de resolver o alvoroço provocado pelo primeiro.

Chloe reprimiu um suspiro; sabia exatamente quando seu irmão mais velho Grayson tinha passado da liga dos que causam problemas a dos que os solucionam. Quando conheceu Jane, a adorável cunhada de Chloe. Bom, possivelmente mais tarde pudesse digerir melhor a raiva e a decepção pela atitude de Devon, se era verdade que esse novo assalto tinha sido obra sua. Talvez inclusive pudesse entender os demônios internos que lhe estavam fazendo cometer atos irracionais. Entretanto, no momento, não era suficiente ter um morto entre os vivos refugiado em seu quarto? Devon teria que cuidar-se sozinho. Chloe tinha entre mãos outro assunto pessoal.

- Contou à tia Gwendolyn? - perguntou ela, em um impulso.

- Não, não. Deus me livre - respondeu Humphrey - Me dá medo dizer-lhe mais - parou, virou-se e tentou olhar dentro do quarto por cima do ombro de Chloe - Pensei que talvez tivesse vindo aqui. Olhe, Chloe,

sei que a visita de vez em quando. Não, querida, não se assuste. Jamais o diria a sua tia ou às autoridades. Será nosso segredo.

Outro segredo. Justo o que Chloe necessitava para acrescentar um peso mais a sua consciência, para complicar ainda mais a vida.

- Nosso segredo? - a sombra de Stratfield voltou a mover-se na parede. Embora não o suficiente para ser visto. Só um ameaçador aviso para Chloe que lhe indicava que estava escutando tudo, inclusive sua respiração - Que segredo, tio Humphrey? - perguntou ausente.

- Nosso segredo com respeito a Devon - a olhou de forma muito estranha - Não estou zangado com você, Chloe. É natural que proteja seu irmão. Mas deve lhe advertir que pode ser que estejam vigiando a casa. Chistlebury é muito diferente a Londres...

- Não tem que me dizer isso.

Seu tio a olhou com o cenho franzido.

- Aqui, as autoridades nunca têm trabalho suficiente para ocupar todas suas horas. Se atirarem nele antes de saber que é um jovem nobre em busca de problemas será apenas culpa sua. Luvas e ligas, Chloe. Bom, ao menos, desta vez ninguém ficou ferido.

Ela apoiou a fronte na porta. A tensão de saber que Stratfield a estava esperando lhe impossibilitava concentrar-se na conversa. Com certeza não pretendia passar ali a noite.

- Devon não está aqui.

- Passa-lhe algo, Chloe? Está muito pálida. Não voltou a adoecer?

Ouviu-se um rangido que vinha do armário. Como era possível que seu tio não o ouvisse? Acaso não podia adivinhar, a julgar pelo pânico refletido em seus olhos, que havia um homem ali atrás apontando-a com uma pistola?

- Deve ter sido a conversa que tivemos na carruagem de volta a casa - disse, em voz baixa.

- Conversa? Na carruagem? Refere-te ao gato que colocou um

camundongo na cadeira do pároco? Jamais pensei que fosse tão afetada.

Chloe teve que reprimir o impulso de agarrá-lo pelas lapelas do roupão e sacudi-lo para que a entendesse.

- Não, o do gato não - sussurrou ela.

- Então? Ah, sim - arqueou as brancas sobrancelhas a modo de desaprovação - Já estamos outra vez com essa tolice do fantasma.

Pobre Stratfield. As mulheres não têm nenhum tipo de respeito pelos mortos.

Chloe começou a balançar a cabeça.

- Respeito?

Seu tio estava defendendo um homem que a tinha prisioneira diante de seu próprio nariz?

- Olhe como ficou pálida. Dão-lhe medo os fantasmas? Nesse caso,asseguro-lhe que o fantasma de Stratfield não seduzirá a ninguém debaixo deste teto - estalou a língua ante aquela ideia - Por que iria querer fazer morto o que podia ter feito em vida? Em apenas estalar os dedos, poderia escolher qualquer jovem de Chistlebury que mais tivesse gostado. Menos você e minha Pâmela, claro.

Nublou-se a vista de Chloe com pontos de luz. Como na sedução.

Seria capaz Stratfield de atirar neles? Se deslizasse atrás da porta e corresse, talvez conseguisse descer as escadas e esconder-se.

Entretanto, tio Humphrey ficaria ali no meio do corredor, alheio ao perigo que se escondia atrás da porta. Inclusive pode ser que tentasse defender-se ante Stratfield.

- Quem deveria nos preocupar é Devon - acrescentou seu tio, muito sério - Agora se deite. Pela manhã, idealizaremos algum plano para consertar esse rapaz.

- Pela manhã - repetiu ela, absorta em seus pensamentos, enquanto seu tio se afastava pelas escadas e desaparecia. Estaria viva

pela manhã para manter uma conversa?

Acabaria desonrada pelo fantasmal Galahad?

Olhou para as escadas, tentando decidir-se entre o terror e a sobrevivência. Era sua última oportunidade. Ninguém mais voltaria a subir a seu quarto nessa noite, porque todos acreditariam que estaria dormindo tranquilamente.

"Diga-lhe que o fantasma de Stratfield a tem prisioneira. Diga-lhe antes que seja muito tarde."

- Tio Humphrey – gritou - Por favor, não lhe...

Seu tio não a escutou. Chloe percebeu que lhe tinha apagado a voz antes de acabar de chamá-lo.

Não viu aproximar-se Dominic; só um breve movimento no espelho.

Quão próximo notou foi seu musculoso corpo apertando-a contra a porta.

E se a madeira não tivesse estado curvada, certamente a porta teria ressoado por toda a casa, alertando a seus familiares.

Presa entre o Dominic e a porta, não podia mover-se. Percebia a energia que desprendia seu poderoso corpo e só desejava que não perdesse o controle. Quanto a ela, só podia ficar muito quieta e rezar para que seu corpo deixasse de tremer. Não é que Dominic lhe estivesse fazendo mal, mas dada a debilidade dela, o calor dele era como um ataque em toda regra. Chloe estava muito consciente do homem que era, talvez inclusive mais do que quisesse.

Se não houvesse sentido a doce devastação de seu beijo aquele dia sob a chuva, haveria se sentido de outra forma. Teria estado muito mais assustada. Possivelmente tinha imaginado aquela ternura por ela.

Inclusive a lembrança a fazia estremecer. O poder sensual que tinha irradiado tinha sido muito real.

- É realmente necessário me tratar de uma maneira tão brusca? -

perguntou ela, em uma explosão de raiva.

Ele a olhou com um maior autocontrole de que tinha demonstrado

até agora.

- Enquanto continue me desobedecendo, sim.

Quando notou uma pressão à altura do flanco, esticou-se e desceu o olhar, assustada. Demorou uns segundos para perceber que o objeto agudo que tinha contra as costelas não era uma pistola, uma caneta.

Sua caneta preferida! Como se tinha atrevido a tomá-la prisioneira com uma caneta?

Tirou-a da mão.

- O que esteve fazendo rebuscando em minha escrivaninha? -

perguntou-lhe, indignada.

Dominic se afastou da porta, pegou-a pelos antebraços e a levou ao centro do quarto. Sem deixar de olhá-la nos olhos, esticou um braço para trás para passar o ferrolho.

- Procurava artigos de escrivaninha.

Ela o olhou com incredulidade. Em algum lugar do armário tinha encontrado um pente para arrumar o cabelo e um pano limpo para cobri-lo.

- Cobriu a ferida com minha combinação de renda Honiton rosa? -

perguntou, escandalizada.

Lançou-lhe um malvado sorriso.

- Sinto muito, mas tampouco tinha muitas opções. Era isto ou outro de seus intrigantes espartilhos - olhou de cima abaixo sua curvilínea figura - Não acredito que ficasse bem.

Aquele atrevimento a deixou sem respiração.

Viu que a pistola tinha desaparecido. Ao menos, não estava com ela e supunha que aquilo deveria tranquilizá-la um pouco. Mas atrever-se a colocar as mãos em sua escrivaninha e entre suas combinações...

O que seria o próximo que lhe pediria?

Rodeou-a. A escuridão lhe sentava bem. O papel de morto não lhe tinha subtraído nem pingo de magnetismo pessoal. Além da renda rosa

debaixo da camisa manchada de sangue, quase passava por um cavalheiro completo.

- Artigos de escrivaninha - disse ela. Seu cérebro voltava a funcionar e chegou a uma conclusão bastante desagradável - Para pedir um resgate?

- Um quê? - perguntou ele, desconfiado.

Ela limpou a garganta.

- Um resgate.

Dominic parou atrás dela. Estava-arranhando quase de maneira inconsciente a zona onde levava a combinação e Chloe recordou que sempre lhe picava nas costas, e esperava que lhe fizesse passar um mau momento.

- E por que diabos iria querer pedir um resgate? - perguntou-lhe, aproximando sua cabeça da dela.

A escuridão e a pouca roupa que Chloe usava criavam uma intimidade difícil de ignorar. Ela sentia como seu "fantasma" olhava para baixo por cima de seu ombro.

Estava brincando com ela, e de uma forma nada cavalheiresca.

Ela ergueu as costas e disse:

- Porque sabe que meu irmão é o marquês de Sedgecroft, um homem cuja fortuna é por todos conhecida. É lógico pensar que pagaria uma boa quantia de dinheiro para recuperar a sua irmã sã e salva.

Ele se afastou e, com o pé, afastou o tamborete da penteadeira.

Enquanto contemplava quão rígida estava deu a volta e se sentou. Suas longas pestanas cinza percorriam o corpo de Chloe como a névoa.

- É lógico? - perguntou ele, com uma voz tão baixa que dava a sensação que estava a ponto de começar a rir.

Ela olhou para sua escura figura na sombra com desdém.

- Entretanto, apesar de suas diabólicas intenções, deve saber que há muitas possibilidades que meu irmão lhe peça que fique comigo.

- Ficar com você? - repetiu ele - E por que iria fazer algo assim o marquês? Por que iria um irmão não querer recuperar uma irmã que se mete em confusões cada vez que ele se vira?

Chloe franziu o cenho. Se conseguisse sobreviver àquele suplício com Stratfield, jurava que iria fazer com que Grayson se arrependesse de havê-la enviado a Chistlebury.

- É certo que não me levei muito bem ultimamente - disse, a contra gosto.

Os olhos de Dominic brilharam na escuridão.

- Isso ouvi.

Ela o olhou. Estava sentado escarranchado no tamborete, como um príncipe que desfruta torturando seus súditos. E pensar que naquele dia sob a chuva tinha desejado que a fizesse sua. Chloe se envergonhou ante a tolice dessa fantasia.

- O que quer dizer? - Perguntou, não muito decidida.

- Sei por que a exilaram a nosso humilde povoado, querida.

Sabia? Era impossível. Grayson e Heath tinham levado sua desonra social como se se tratasse de um segredo de estado. Embora fosse estúpido, na verdade, porque meio Londres sabia. E este homem não parecia dos que liam os relatos de sociedade embora, bom, pudesse tê-lo descoberto.

Chloe recorreu à desculpa padrão.

- Enviaram-me ao campo para melhorar meus níveis de estamina.

Tenho o peito muito débil.

Ele arqueou uma sobrancelha e a percorreu de cima abaixo com os olhos, de uma maneira tão descarada que Chloe ruborizou.

- Não detecto nenhuma anomalia nessa parte de sua anatomia, nem em qualquer outra. Daqui, parece gozar de um perfeito estado de saúde.

- De verdade?

- De verdade - disse, com sinceridade, mas logo acrescentou um excitante comentário - Embora, claro, está escuro e esse penhoar oculta mais do que revela. Suponho que poderia acender uma vela e inspecioná-la com mais vagar. Que não se diga que sou dos que formam uma opinião antes do tempo.

- Não vejo necessário ter que chegar tão longe - respondeu ela.

- Não? Que lástima! Bom, me parece que está muito bem. Ao menos, na escuridão. E, se me lembro bem, sob a chuva também.

Era o elogio mais estranho e com mais duplo sentido que jamais lhe haviam dito, e enjoou inclusive antes de digeri-lo de todo. Jamais tinha conhecido um homem que ignorasse tão abertamente as normas sociais como este, excetuando possivelmente seus irmãos.

- Acontece que sou propensa aos ataques de tosse - disse ela.

Ele observou um arranhão que tinha no pulso e murmurou:

- E sei que aos beijos também. Atrás das carruagens estacionadas.

Tsk, tsk, lady Chloe.

- Como? - Chloe faltava ar para terminar a frase.

Dominic lhe concedeu uns segundos antes de levantar a cabeça e olhá-la.

- Bem, assim é melhor. Peguei-a, não é certo? Bom, seus pequenos pecados sociais não são nada comparados com meu agitado passado. Assim à senhorita gosta de beijos roubados, não? Tentarei me lembrar. Por agora, entretanto, nenhuma mulher, nem sequer uma tão atraente ou atrevida como você, me distrairá de meu propósito.

- Não me diga - respondeu ela, com indignação.

- Sei que a trouxeram aqui por sua conduta indecente no parque - a olhou fixamente - Em plena tarde. No que estava pensando?

Chloe estava mais que zangada. De fato, estava bastante impressionada. Primeiro, pelos meios que tinha esse homem de conseguir

informação.

E

segundo,

por

havê-la

considerado

suficientemente importante para investigá-la. A menos, claro, que fosse um criminoso e que acabasse assassinando-a. Aquilo a voltou a pôr em alerta.

- Como é possível que... ? Como se pôde inteirar desse incidente?

- perguntou-lhe - Quero dizer, por que deveria lhe importar o que faço ou não com um homem que mal conheço?

Dominic acariciou com o dedo uma cicatriz rosada que tinha no queixo.

- Com o passar do processo de investigação para me vingar de meu assassino, encarreguei-me que averiguar qualquer atividade ou pessoa suspeita do povoado.

- Não acreditará que tive algo que ver com sua morte?

- É claro que não - disse ele, com o cenho franzido - Mas chegou quase no mesmo dia.

- Foi uma coincidência! - exclamou ela, com o coração na mão.

- Sim e, aparentemente, uma desgraçada coincidência para você.

Não havia nenhuma necessidade de lhe recordar o potencial perigo que enfrentava. Desde o momento em que o tinha encontrado, não tinha respirado tranquila.

Olhou para a porta do quarto de vestir e depois, com precaução, para ele. Sua cabeça começou a encaixar as peças. Como podia estar ali tão tranquila conversando com um cadáver? Só sua irmã Emma, obcecada com a etiqueta, poderia achar uma saída agradável a aquela situação. Era possível que a tendência impetuosa de Chloe só conseguisse piorar tudo.

- Quando diz que o perseguiram até aqui - disse, olhando-o na sombra - refere-se ao assassino?

- Bom, bom. É tão curiosa como seu irmão. Não deveria me surpreender.

Chloe entrelaçou os dedos atrás das costas. Não queria voltar a

enfurecê-lo mas...

- Não pretende ficar aqui, não é?

- Só ficarei o tempo estritamente necessário. No máximo, um ou dois dias.

- E não irá...?

Ele não disse nada como se, de repente, e horrorizado, percebesse os temores de Chloe.

- Me aproveitar de você? Atar seu frágil corpo à cama e seduzi-la em segredo enquanto o resto da casa rouca tranquilamente? - Fez uma pausa para contemplar o delicioso absurdo daquela situação-. Hmm.

Não entrava nos planos originais, mas parou para aprender a adaptar-se. Acredita que deveríamos tentar?

Ante aquelas palavras, Chloe ficou muda.

- Não se atreveria - soltou.

- A menos que tenha fraqueza pelos aristocratas mortos, não -

disse, balançando a cabeça com rudeza - Eu adoro como me tornei lascivo uma vez morto.

- Tampouco pode dizer-se que fosse um santo quando estava vivo.

Ele encolheu os ombros.

- Nem um santo nem um pecador. Suponho que apenas era...

humano.

- Por que não parte? - perguntou ela, muito calma.

- Porque não tenho certeza que meu perseguidor perdeu minha a pista - e era verdade. Finley, o ardiloso guarda-florestal, tinha perseguido Dominic até ao velho portão de Dewhurst Manor. Entretanto, a ironia da situação era que ele achava que estava perseguindo o assassino de seu senhor e Dominic ainda não estava disposto a lhe revelar a verdade ou a lhe pedir ajuda.

- Parece-me que seu dilema não é meu assunto.

- Temo que sim - respondeu ele, com um sorriso sombrio. - Além

disso, não a incomodarei muito. Instalarei minha base de operações temporária em seu quarto de vestir.

Nem sequer notará minha presença.

- Duvido. Disse seriamente? Espera que durma no mesmo quarto que você? Base de operações... nem pensar! Vou procurar meu tio. Me dê um tiro nas costas, se quiser.

Dominic se levantou do tamborete e, com um único e fluido movimento, colocou-se diante dela. Bloqueou com seu corpo a trajetória de Chloe.

- Então, terei que ir às autoridades.

Olhou-o, desta vez com mais confiança.

- Para lhes explicar que entrou em meu quarto, rebuscou entre minha roupa interior e me abordou.

Ele a olhou nos olhos, nas maçãs do rosto perfeitamente definidas e nos traços fortes. Perguntou-se se eram esses olhos azuis escuros os que a tinham metido em tantas confusões, já que desprendiam uma intensidade tão apaixonada que poucos homens podiam resistir. Aquela inocência desafiadora que exibia era perigosa. Por que ela? Por que não podia ter ido parar no quarto de uma dessas jovens idiotas de Chistlebury que, quando as olhava, saíam correndo como ratos assustados?

Decidiu pô-la em evidência.

- Acredito que às autoridades interessariam menos os relatos histéricos de uma dama que diz que a visitou um fantasma que uma possível informação sobre o bandoleiro local.

Começaram a tremer as têmporas de Chloe. Era impossível que soubesse o que tinha feito o cabeça de vento de seu irmão. Com certeza a investigação não poderia ser tão detalhada.

- Que bandoleiro? - perguntou, em um tom neutro - Asseguro-lhe que, desta vez, não sei do que está falando.

- Muito convincente - apoiou as costas na porta do quarto de vestir.

- Estou tentado a acreditar. Mas sim, sei de tudo, da porcaria do ataque em Chelsea até o mais recente crime em Chistlebury.

- Esteve escutando a conversa com meu tio?

- É claro que sim. Asseguro-lhe que é um costume muito frutífero.

Suponho que está decidida a proteger à ovelha negra da família, não é assim?

- Não sei do que está falando.

- Sua lealdade é comovedora, de verdade. Espero que seja recíproca. Quando abriu a porta do quarto de vestir, estava chamando um homem. A Devon, acredito. Parece-me que não tive o prazer de conhecer esse diabrete.

- Quero que parta imediatamente.

Dominic a ignorou e pegou o diário de capa de couro marroquino que tinha visto na penteadeira.

- Inclusive morto, disponho de uma grande fortuna. Suponho que poderia pagar várias vezes suas dívidas e continuar sendo rico.

Ela se jogou sobre ele para recuperar o diário e o colocou debaixo do colchão. Por sorte, estava muito escuro para que pudesse ler suas mais íntimas confissões, mas a mera ideia de que esse descarado colocasse o nariz em suas intimidades era insuportável.

Ele a observou, muito divertido.

- Uma pessoa jamais deveria guardar material de natureza tão íntima em papel.

- Uma pessoa suporia que um diário na penteadeira do quarto estaria a salvo de olhos curiosos.

Dominic cruzou os braços sobre o peito.

- Se aceitar me ajudar, talvez possa salvar Devon do poço de autodestruição no qual, ao que parece, caiu. Embora as autoridades olhem para outro lado e ignorem seus atos, uma de suas vítimas pode

querer tomar a justiça em suas mãos.

Seu tio temia o mesmo. Devon estava brincando com fogo, para não dizer com a morte.

- Está me oferecendo um trato? - perguntou ela, distante.

E, com um tom ainda mais distante, ele respondeu:

- Exato, um trato. Se você aceitar.

Capítulo 5

- Chantagem - a voz de Chloe ressoou na escuridão - Eu chamaria de chantagem.

Antes que Dominic pudesse responder, uns ruídos do outro lado do quarto de vestir interromperam a conversa. Alguém estava lançando punhados de terra contra a janela em que Chloe tinha visto sua regata pendurada tão provocadora a aproximadamente uma hora.

Olhou do outro lado do quarto, vítima da indecisão. Era impossível fazê-lo ver que não tinha ouvido. Estava claro que Dominic também tinha ouvido e a estava olhando com as sobrancelhas arqueadas. Aquilo só podia ser obra do irresponsável de seu irmão tentando chamar sua atenção, embora de uma maneira nada sutil, por certo.

Se o ignorasse, Devon, que era o inconsciente da família, despertaria toda a casa ou, algo pior, escalaria até sua janela. Outro punhado de terra.

Com certeza enfrentaria Stratfield. E o resultado podia ser desastroso, inclusive mortal.

Dominic disse, entre dentes:

- Sugiro-lhe que se encarregue de sua visita antes que o grande imbecil desperte toda a casa.

Chloe fechou o penhoar de seda, embora não soubesse até que ponto Dominic pudesse vê-la na escuridão.

- E o que sugere que lhe diga? - sussurrou, estreitando os olhos.

Ele a pegou por um braço, ignorando seu grito de raiva, e a levou

até o quarto de vestir , onde lhe disse:

- Diga-lhe que todo o exército britânico está vigiando a casa. Diga que deixe de roubar carruagens! Diga algo, mas que parta.

- Bom conselho - respondeu ela, soltando-se - Possivelmente deveria aplicá-lo você também.

Dominic lhe deu um leve empurrão para a janela, que ainda estava aberta de quando tinha entrado ele. Chloe apareceu, muito obcecada com tudo para perceber a diferença de temperatura entre a neblina de meia-noite e suas faces acesas. Observou como sua regata ficou enganchada no ramo de uma árvore.

Não podia acreditar que estivesse lhe acontecendo tudo aquilo. E

pensar que esteve esperando uma aventura desde sua chegada. Que, aquele dia sob a chuva, quase tinha desejado que Stratfield a afastasse daquela vida tão aborrecida e decidisse começar uma nova vida com ela.

A figura meio escondida nas sombras do jardim se agachou para recolher outro punhado de terra. Quando a viu, levantou-se e sorriu.

- Oh, não - sussurrou ela, surpresa. Outro personagem que se acrescentava a esse drama tão caótico. Mordeu o lábio e olhou para o homem com quem dançou e flertou tão somente a umas horas. Quando lhe disse que não poderia dormir até que voltasse a vê-la, não tinha acreditado. Um início de romance um pouco ignominioso.

Dominic, que a seguia de perto, embora não pudessem vê-lo, parou e se virou sobre os gastos calcanhares de suas botas. Chocou-se com Chloe.

- O que acontece?

Chloe esticou os ombros ante a proximidade de sua voz. Notar o corpo apoiado no seu era algo estranhamente prazeroso.

- Sempre sabe tudo. Veja você mesmo.

Dominic afastou o extremo da cortina o suficiente para olhar para o

jardim. Continuando, começou a amaldiçoar em voz baixa. Chloe o olhou com uma sobrancelha arqueada a modo de recriminação. É claro, como Boscastle, tinha ouvido coisas piores. E mais, ela mesma havia dito coisas piores.

- Não é seu irmão - disse ele, entre maldições.

Chloe sorriu, desfrutando muito da exasperação do "fantasma".

- Não, não é meu irmão. É lorde St. John.

- E o que está fazendo aqui? - perguntou ele.

- E como vou saber? - respondeu ela, com um olhar muito inocente

- Conheci-o esta noite.

- Não me diga! - insistiu ele, com a voz muito grave e séria.

- Sim.

- Você e seu espartilho devem ter causado impressão.

- Tem algo contra o amor, lorde Stratfield?

- Na realidade, sim.

Chloe hesitou uns segundos.

- Bom, alguns ainda acreditam na possibilidade de encontrá-lo.

- E alguns, depois de terem sido assassinados na cama, merecemos que nos perdoem se nos mostramos um pouco cínicos.

- Não pode guardar rancor ao mundo inteiro - disse ela, com suavidade.

Lançou-lhe um olhar feroz.

- Por que não?

- Pois porque...

- Me economize o sermão de idealismo juvenil e desfaça-se do intruso indesejado.

- De qual dos dois?

- Não me provoque - grunhiu ele.

Chloe olhou para o jardim com um enigmático sorriso, coisa que fez com que Dominic começasse a amaldiçoar outra vez.

- Desfaça-se dele - disse, entre dentes.

- E como devo fazê-lo? - perguntou ela, com um sorriso.

- Para começar, deixe de lhe sorrir como uma sereia - observou sua esbelta figura à luz da lua, as mariposas de seda estampadas na curvilínea retaguarda de seu corpo - Suponho que a este também beijou.

Chloe não se dignou responder a esse insultante comentário, embora uma parte dela reconhecesse que a situação parecia suspeita.

Um jovem de boa família e muito atraente lançando terra contra sua janela em plena noite. Dominic jamais acreditaria que ela não o havia convidado. Seus irmãos tampouco teriam acreditado nela.

- Tudo isto não é minha culpa - disse, pensando em voz alta.

Dominic grunhiu.

- Não é - insistiu ela, lhe fazendo uma careta por cima do ombro -

Não o convidei, nem a você.

- Talvez devesse expor-se a fechar a janela de seu quarto - disse ele, algo aborrecido. - Diga-me, esperamos alguém mais esta noite?

Quer que prepare um pouco de chá?

- Só se tiver que ir a China procurar a porcelana.

Dominic lançou outra olhada a seu corpo envolvido em seda antes de começar a andar outra vez de um lado a outro do quarto de vestir.

Grande sorte tinha que a pessoa que descobriu que não estava morto fosse uma Helena de Troya tão cortante! Essa mulher trazia problemas embora, pensando bem, isso era uma característica familiar.

E ele, na verdade, não precisava de mais problemas. E, entretanto, ali estava, metido até o pescoço em um caso de assassinato e acompanhado pela sereia e o idiota do povoado e com um assassino lhe pisando os calcanhares.

- Por que não desmaiou a meus pés quando abriu a porta do quarto de vestir? - perguntou-lhe - Teria economizado muitos desgostos aos dois.

Com um movimento da mão, Chloe lhe disse que se calasse.

- O que? - perguntou ele, surpreso.

- Se não deixar de tagarelar, não ouvirei o que Justin está dizendo.

Acredito que vai pedir que me case com ele.

Dominic parou, alucinado pelo egocentrismo dessa mulher.

Obviamente, não levava a sério suas ameaças, e pode ser que tivesse que ver com aquele beijo sob a chuva. Observou sua atraente figura e, ao ouvir sua delicada voz, sentiu uma onda de calor, embora não fosse bem-vinda nesse momento.

Chloe apareceu um pouco mais e ria enquanto murmurava:

- Uma recompensa? Hmm. No que tinha pensado? Não, claro que não esqueci. O que está fazendo aqui?

- Não é claro? - murmurou Dominic, zangado - Estamos presenciando uma tentativa de sedução desajeitada. Venha todos jogar terra contra a janela de uma dama para ganhar seu coração. O que?

Não há terra? Pois provemos com ovos de pato. Ou bolas de bilhar.

Chloe o olhou de esguelha.

- Quer fazer o favor de calar-se?

- Eu? - perguntou Dominic, com a mão sobre o peito - Por que não o diz para Romeu? É ele quem está montando todo este alvoroço.

- Disse algo, Chloe? - disse Justin, confuso - Quase não a ouço.

Por que não desce ao jardim para que possamos falar como Deus manda? Escrevi um poema em sua honra.

- Um poema - disse Dominic, levantando os braços. Doía-lhe a cabeça. Sangrava-lhe um ombro. E ainda por cima tinha que aguentar o imbecil recitar poesia?

- Eu gosto de poesia - disse Chloe entre dentes.

- Eu não - replicou Dominic.

- Pois parta sussurrou enquanto apoiava os cotovelos no batente da janela - Possivelmente seria melhor que voltasse pela manhã, Justin.

- Pela manhã? - repetiu Justin, decepcionado - Não me diga que tenho que esperar tantas horas para voltar a vê-la. Não acredito que possa suportar, Chloe.

- Bom, já somos dois - disse Dominic, a contra gosto.

Chloe golpeou o batente da janela com as unhas.

- Três - e logo acrescentou - Oh, Justin, me traga o poema pela manhã. Estarei em melhores condições para atendê-lo.

Dominic fez uma careta na escuridão do quarto de vestir, com os braços cruzados sobre o peito. Não era uma situação ideal? Era quase impossível não perceber o toque nostálgico na voz de Chloe. Era impossível, inclusive para um "morto" como ele ignorar a sugestiva vestimenta noturna que usava enquanto se equilibrava sobre a janela para sussurrar a seu admirador.

O que lhe fez voltar a pensar no espartilho que havia em cima da cama. Não estranhava que seus irmãos a tivessem enviado a esse exílio social. Embora nem sequer a torre mais alta de um castelo nos Alpes italianos bastaria para manter essa jovem dama afastada dos problemas.

Era muito viva e apaixonada, como boa Boscastle.

Só o fato de que tivesse atraído o interesse de Justin, lorde St.

John, o solteiro de ouro de Chistlebury agora que ele estava morto, não fazia mais que confirmar sua teoria. Entretanto, não se supunha que Justin estivesse comprometido com a herdeira dos Seymour, essa insípida e tola que não sabia dizer uma frase coerente?

Que demônios estava fazendo, tentando atrair à encantadora Chloe até a escuridão do jardim?

- Vim até aqui para vê-la, Chloe - Justin falava com uma voz muito sedutora - Não poderia descer embora seja só por um momento para falar comigo?

- Não se atreva a ceder ante tão indecente pedido - disse Dominic de atrás.

- Por que não? - respondeu ela indignada pela intromissão - Estou cedendo às suas.

O jovem lorde do jardim retrocedeu uns passos, alarmado.

- Há outro homem no quarto com você, Chloe?

- Diga-lhe que sim - disse Dominic - Diga que seu amante é um estrangeiro terrivelmente ciumento e que ganha a vida batendo-se em duelos.

- Quer me deixar em paz? - sussurrou-lhe, zangada.

Justin a olhou, com suspeita nos olhos.

- O que disse? Era a voz de um homem?

Chloe viu esfumarem-se todas suas esperanças de uma bonita história de amor. Em anteriores ocasiões, sempre tinha se sentido atraída pelo pretendente equivocado; era uma qualidade que, como muito bem tinha comentado sua cunhada Jane, possivelmente deveria tentar compensar com um pouco de senso comum. Para si mesma, Chloe suspeitava que desde a morte de seu irmão mais novo, Brandon, e de seu pai, tinha caído em uma depressão. Às vezes, sentia como se não estivesse viva. Não entendia por que não se satisfazia com a mesma facilidade que suas amigas.

Não pretendia prejudicar à família ou manchar seu nome, mas às vezes não lhe importava nada. Brandon tinha morrido assassinado a princípios do ano passado e seu pai tinha morrido de um enfarte cinco meses depois, quando as notícias da morte de seu filho chegaram à casa de campo onde ele e Chloe estavam veraneando. Ela foi o único membro da família que presenciou a cena. Receber a notícia da morte de Brandon e presenciar a morte de seu pai, tudo no mesmo dia, tinha sido um golpe muito duro para ela.

Não tinha se recuperado de todo, e não achava que jamais o fizesse. Não podia dizer que seu pai e ela estivessem muito unidos. Era um homem distante e duro que, desde a morte de sua mulher há oito

anos, quando Chloe tinha doze, distanciara-se de seus filhos.

De forma gradual, o mundo de Chloe se foi tornando cinza e meter-se em confusões era uma boa maneira de sentir-se viva. De certo modo, era como um fantasma, igual ao homem que a fazia prisioneira.

Pode ser que tanto ela como Dominic Breckland estivessem vivos fisicamente, mas havia uma parte vital de sua essência que estava ferida, ou destruída. Não podia explicar por que sentia a mínima compaixão por um homem que podia lhe arruinar a vida quando, em seu lugar, qualquer outra garota reagiria com pânico.

Embora, claro, talvez já estivesse acostumada a que seus irmãos a surpreendessem no momento menos esperado. A família de Chloe sempre tinha feito alarde de seguir as convenções ao pé da letra.

E justamente por isso, essa noite havia se sentido tão orgulhosa de si mesma por ter chamado a atenção do alegre Justin no baile. Vinha de boa família, não bebia nem jogava e, pelo que ela tinha visto, não parecia ter um lado escuro perigoso, evitando a insensatez de apresentar-se em sua casa a essas horas. Não obstante, a paixão, controlada, nem sempre era má, não?

Seus irmãos queriam vê-la casada com um homem decente antes do final do ano. Pode ser que, se fosse tudo o que parecia ser, teria sérias possibilidades de começar algo formal com ele.

Isso sim, desde que o sarcástico diabo que tinha virtualmente pendurado no ombro não arruinasse tudo.

- Não é um homem qualquer, Justin - lhe explicou ela com voz doce

- É meu tio Humphrey.

Ao que parecia, o nome do estrito barão bastou para que Justin se esquecesse de obter algo com sua tentativa de sedução. Lançou a Chloe uma série de beijos e desapareceu na névoa, com Dominic observando tudo com satisfação.

- Que tipo tão ridículo!

Chloe se virou para olhá-lo no rosto.

- Deveria ter lhe dado a possibilidade de me resgatar. Deveria...

De repente, percebeu que Dominic não a estava escutando. Estava observando sua casa com tal intensidade no olhar que lhe deu medo.

Parecia decidido, perigoso, como antes.

- O que acontece? - sussurrou ela - Vê o homem que o perseguiu até aqui?

- Não se preocupe. Despistei-o no bosque.

- Que não me preocupe?

Dominic a olhou e se distraiu momentaneamente por seu atrativo.

Não estranhava que os homens roubassem beijos daquela tenra boca e rondassem pelos arredores de sua janela. Esses olhos azuis escuros com certeza davam rédea solta à imaginação masculina. De fato, estava quase convencido que, se não fosse por ele, era mais que provável que nesse instante estivesse gemendo na névoa nos braços de seu admirador.

- O guarda-florestal acreditou que era um caçador furtivo - disse, respondendo a sua pergunta - e me perseguiu até assegurar-se que tinha saído da propriedade.

- Por que não lhe confessou quem era?

Ele sorriu.

- Porque sou um caçador furtivo tentando pôr uma armadilha a meu assassino. Finley, apesar de ser muito inteligente, não me reconheceu.

- Bom, tendo em conta seu aspecto - comentou Chloe com um sorriso-, não estranho.

- Certo, claro, mas acontece que nem todos podemos ir por aí com decadentes espartilhos e animando os musicais locais com nossa presença.

Chloe olhou atrás dele para o perfil de sua imponente casa isabelina. Dizia que estava bem informado de tudo. Teria se informado

do que se comentou em seu funeral, que sua amante tinha frequentado a casa depois de sua morte? Em público, comentava-se que a senhora aconselhava o tio de Dominic, Edgar, a respeito dos assuntos pessoais de seu amante mas, em privado, cada um pensava o pior.

Sobre tudo, quando a tinha visto chegar à casa em plena noite.

- Lady Turleigh sabe que está vivo? - perguntou-lhe, sem olhá-lo.

- Não - havia um toque de resignação em sua voz que não animava a seguir perguntando.

- Pois me parece muito cruel - disse ela - não dizer à mulher que o ama que não está morto.

O olhar que lhe lançou a obrigou a fazer uma pausa. Sim, ela esperava que reagisse, que demonstrasse seus sentimentos, mas não aquela repentina vulnerabilidade, a angústia pura de um homem destroçado emocionalmente.

- O amor - disse, em uma voz tão calma que ocultava sua expressão - é uma emoção horrorosa supervalorizada pelos poetas e aqueles que passam o dia inteiro nas nuvens.

- Me alegro que nem todo mundo compartilhe esse ponto de vista tão cínico - disse ela, depois de hesitar uns segundos.

- A maioria não teve a desgraça de ser assassinado em sua cama.

- Isso é verdade - concordou ela - mas sua amiga não teve a culpa, não?

Seu silêncio voltou a revelar mais que as palavras, possivelmente inclusive mais do que Chloe queria saber. A preciosa lady Turleigh estava implicada na tentativa de assassinato? Não. A ideia de uma dama bem educada na cama enquanto matavam seu amante era tão horrível que Chloe preferiu pensar que Dominic reagia daquela maneira por cinismo.

-Seu irmão lutou com o meu, com Brandon - disse, em um claro esforço de mudar de assunto. - Heath disse que você esteve

investigando o ataque a seu batalhão no Nepal.

Quando escutou essas palavras, o rosto de Dominic se escureceu.

- Sim - disse, secamente.

- E o que averiguou? - perguntou ela.

- Certamente, pouco mais do que já deve saber - respondeu, com evasivas.

Chloe o olhou com curiosidade. Sempre tinha se perguntado se havia algo mais atrás da história da emboscada por parte dos rebeldes gurkhos. Suspeitava que seus irmãos lhe tinham ocultado a verdade embora, claro, como garota jovem em uma família de homens que controlavam todos seus movimentos, foi-lhe muito difícil viajar até o Nepal para averiguar mais coisas.

- Você sabe algo - disse, com suavidade. Havia meio adivinhado, meio intuído; o rosto impassível de Dominic não lhe disse nenhuma coisa nem outra.

- O que sei - disse, afastando-se da janela e ajoelhando-se no chão

- é que, por uma noite, já lhe disse suficiente.

- Se me disser, ajudarei-o de bom grado.

- Não há nada que acrescentar - disse ele, cortante.

Chloe sabia que havia, dizia seu instinto. E só por isso aceitaria ajudá-lo. Brandon era mais que seu irmão, era seu melhor amigo.

Entretanto, esse homem não parecia disposto a confiar em ninguém e pode ser que inclusive tivesse sentido lástima por ele se não cruzasse em sua vida daquela maneira tão brusca. Por exemplo, a maneira como estava revolvendo outra vez seu baú, manuseando sem nenhum tipo de reparo seus pertences mais íntimos.

- O que acredita que está fazendo?

- Procuro um penhoar um pouco mais grosso do que o que leva. O

fato que seja tão fino é uma distração que, neste momento, não estou em condições de resistir.

Chloe ficou quieta. Se pensasse atentamente, pode ser que o sentimento que se escondia atrás daquele comentário fosse muito interessante. Achava que era atraente.

Embora, claro, não iria permitir que aquilo se interpusesse em seus planos.

- O que acontece com o que levo? Não tem nem um mês.

Ele a olhou, exasperado.

- Já pode agradecer pela névoa desta noite. Se o idiota de seu admirador a tivesse podido ver bem, teria subido nessa árvore em um instante e teria que me encarregar dele, e lhe asseguro que não seria tão amável como com você.

- Amável? Pois não quero estar perto quando estiver de mau humor

- se ajoelhou a seu lado para lhe arrancar das mãos um de seus leques preferidos - Além disso, se não o tivesse todo o tempo junto a minhas costas, possivelmente teria me vestido como Deus manda.

- Se não estivesse aqui, teria descido para ver seu admirador?

Não, não me responda. Não é necessário. Já vejo que seus irmãos tinham motivos de sobras para exilá-la ao campo.

Chloe pegou o leque com todas suas forças.

- Enviaram-me ao campo pela saúde de meus pulmões. Tenho ataques de tosse.

- Descobriram-na beijando um homem. Um barão equivoco-me?

De repente, Chloe se viu desprovida de todas suas defesas, como se estivesse nua ante um homem a quem era impossível enganar.

- Não tenho nem ideia de como conseguiu essa informação.

- Basta dizer que a consegui.

Capítulo 6

Dominic fechou a tampa do baú. Tentou reprimir um calafrio febril; suspeitava que a ferida se infectara. Sim, necessitava a ajuda de Chloe durante um tempo.

Se quisesse levar a cabo seu plano, necessitava de sua discrição e, se lhe tivessem dado a escolher possíveis sócios para sua vingança, esta exilada com tendência a romper as normas não teria sido sua primeira opção.

Seria capaz de ser discreta? Podia confiar nela?

Mencionar seu irmão tinha sido um engano. Tinha descoberto suas suspeitas muito depressa e não lhe tinha dado tempo a enganá-la. Sim, Dominic tinha provas que demonstravam que Brandon e seu próprio irmão tinham sido vítimas de um desumano plano. E não, não aceitava a versão oficial da Honorável Companhia das Índias Orientais a respeito de uma emboscada dos rebeldes gurkhos. Podia demonstrá-lo? Ainda não.

Maldição, o que iria fazer com ela?

Lentamente, levantou-se, consciente de que ela o estava olhando com receio, assim como se estivesse olhando a um animal ferido. Não a culpava. No último mês, convertera-se mais em besta que em humano e se movera por instintos. Puxou-a pelas mãos e viu como ela levantou o rosto e o olhou. Suas mãos eram muito menores que as suas, embora cálidas e fortes, enquanto resistiam a seu contato.

- Olhe-me - o homem protetor que tinha sido teria apreciado aquele fogo inocente. O demônio em que se converteu queria acendê-la mais até que ardesse. Posso confiar em você? - perguntou-lhe, apertando-lhe mais as mãos para rebater a tensão que notava em seus dedos.

- Não sei.

Foi uma resposta honesta, uma resposta que o encheu de arrependimento. Se não pudesse contar com ela, tinha perdido toda esperança. Teria que achar uma maneira de assegurar-se de sua colaboração até que chegasse o momento de poder indicar seu assassino. Ou melhor, teria que convencê-la para que o escondesse até esse momento.

E não era um plano nada agradável para nenhum dos dois.

- Não posso conquistar sua amizade? - perguntou-lhe, muito sério.

Essa Chloe Boscastle com o penhoar de mariposas e os olhos azuis era muito fria.

- Entrar em meu quarto, me lançar na cama e me fazer chantagem não me parece um bom prelúdio para forjar uma amizade.

- Veja-o como um vizinho ajudando a outro.

- Quero que me explique o que descobriu sobre Brandon.

Soltou-a. Confessar poderia significar jogar no lixo todos seus planos. E também a poria mais em perigo, e não merecia.

- Ainda não. Não me tente a lhe revelar fatos que poderiam arruinar a possibilidade de vingá-lo.

Ela assentiu porque, aparentemente, tinha entendido mais do que ele pretendia.

- Disse o suficiente para que saiba que quero ajudá-lo.

- O único modo de me ajudar é fazer o que lhe peço.

- E como sei que posso confiar em você?

- Não estou certo que possa - disse aproximou-se dela na escuridão - Não estranhe - sussurrou.

- Não estranhe? - respondeu ela, também em um sussurro, como se visse onde queria ir parar.

- Não estranho que seu barão se arriscasse tanto para beijá-la no parque. Eu ainda lembro o dia que nos conhecemos.

Viu a resposta em seus olhos e isso foi tudo o que necessitou.

Seus lábios percorreram o desenho de sua orelha enquanto a abraçava pela cintura. Esperou algum tipo de reação, mas, em lugar disso, ela decidiu ficar quieta.

A essência feminina acabou derrubando todas as defesas de Dominic. Há um mês, sua vida tinha sofrido um giro muito brusco.

Alguém próximo o tinha traído. Tinha destroçado sua capacidade de

confiar nos outros. E agora estava considerando ter um enredo com a irmã de um nobre a quem respeitava, a jovem mais decidida que lhe romperia o coração que jamais tinha conhecido.

E rogava a Deus não contribuir a essa autodestruição. Mas, como obtê-lo? Chloe avivava nele as cinzas da esperança, inclusive da inocência; sua vitalidade e idealismo eram características que ele também havia possuído fazia tempo. Em seus lábios, redescobriu as comovedoras qualidades da vida que ele tinha perdido para sempre.

Chloe acreditava no amor? No felizes para sempre? Quantos beijos roubados e doces mentiras sussurradas na escuridão, quantos encontros a meia-noite seriam necessárias para descobrir suas ilusões?

Sua função não era destroçar os sonhos que a sociedade criava.

Nem queria fazê-lo. Talvez, ela tinha mais sorte que ele. Possivelmente o famoso encanto familiar a protegeria.

- Está me beijando outra vez - sussurrou ela.

- Sim. Não posso evitar - notou como ela se estremecia.

- Pensava que iria me matar.

- Não parece muito provável, não é? - sussurrou ele em sua boca.

- Sabia que não me faria mal, que não poderia.

- Tomara eu a tivesse em tão alta estima.

Ela apoiou a mão em seu peito, não para apresentar oposição embora tampouco para dar seu consentimento. A mente de Dominic experimentou prazer e dor mas, apesar disso, desejava-a acima de todas as coisas. Sua calidez, a sutil fragrância de sabão sobre sua pele.

Morria de vontade de impregnar-se dessa fragrância até os ossos. Era um bálsamo, um refúgio, algo mais que um mero desejo sexual. Era doce e tranquilizadora em um mundo de escuridão e traição. Recordava-lhe como tinha sido sua vida uma vez, como queria que voltasse a ser.

Beijou-a com mais paixão, sem lhe dar opção para resistir, quase nem para respirar. Estava claro que não era o primeiro encontro

amoroso que tinha, embora tampouco fosse uma cortesã e pode ser que todas suas esperanças de que houvesse um futuro entre eles fossem como tentar perseguir uma dessas mariposas de seu penhoar.

Entretanto, seu corpo era tão quente e receptivo, tão exuberante e atraente que Dominic só ansiava estar cada vez mais perto. Queria lhe tirar toda a roupa e abraçar sua pele rosada contra ele. Queria lhe rogar que fosse sua, que saciasse sua sede.

Quase era muito para ele. Seus sentidos estavam tão necessitados que não se protegeram do ataque. Durante um mês, só tinha se permitido sentir puro ódio. O penhoar de seda lhe acentuava os seios e as nádegas de uma forma tão provocadora que seu atrativo teria bastado para ressuscitá-lo de entre os mortos.

De esguelha, Dominic percebeu um ligeiro movimento fora. Pode ser que só fosse uma sombra, um gato em uma árvore ou qualquer outra coisa, mas não estava disposto a correr nenhum risco. Agarrou-a pelos cotovelos e a estendeu no chão, segurando-a entre suas pernas.

Chloe levantou a cabeça, assustada.

- E agora o que faz? - perguntou.

- A janela. Não queria que ninguém nos visse.

Retorceu-se para conseguir fechar o penhoar na parte que se abriu, revelando a pálida pele da parte interior da coxa. Os músculos da virilha de Dominic se retesaram.

Seus corpos se ajustavam tão bem que ele teve que respirar fundo um par de vezes para relaxar sua ereção. Fazia semanas que não tocava uma mulher e esta despertava nele um desejo sexual que não tinha certeza de poder resistir.

Não sabia o que fazer com ela, ou com ele mesmo. Não iria admitir que beijá-la o tinha excitado tanto como a um adolescente principiante.

Mas, maldição, era perfeita. Todo seu corpo estava tenso e dolorido. Nos últimos dias esteve vivendo no limite, sem dormir às noites para assim

poder vigiar o que acontecia em sua casa.

Se Chloe Boscastle era tão inteligente como atraente, Dominic tinha escapado de um perigo para meter-se em um apuro ainda maior.

Chloe tinha medo de mover-se, porque não sabia muito bem o que tinha acontecido ou como reagir. Se a tinha beijado para demonstrar quão inexperiente era, não o discutiria. Ainda lhe tremiam os lábios daqueles beijos e não tinha certeza por que não estava tão assustada como antes. Havia uma inexplicável espécie de intimidade entre esse homem e ela. Decidiu que era porque, de repente, era conspiradora em seus planos de vingança, e não por nada romântico. Como podia odiar a alguém que queria vingar a morte de Brandon?

Captor e cativa em um quarto de vestir em cima da roupa interior dela esparramada por todo o quarto. Aquilo só podia acontecer a uma Boscastle. Era horrível que lhe tivesse permitido beijá-la outra vez mas, interiormente, ainda o via como o homem que a salvou da chuva.

Não era conveniente subestimá-lo, ou ao efeito que produzia nela.

Sir Galahad ou um fantasma amargurado? Chloe não sabia se importava. Qualquer das duas identidades lhe dava medo.

Os implacáveis ângulos de seu rosto não ajudavam absolutamente a relaxá-la. Aquela determinação severa voltou a se instalar em seus traços mesmo que seus olhos ardessem como carvão enquanto a deixava no chão, em cima de umas combinações de musselina.

Combinações! Levou-lhes um bom tempo recuperar a prudência e fazer ver que eram duas pessoas normais sentadas em um salão em lugar de apertadas em um quarto de vestir.

Chloe envolveu o trêmulo corpo com o penhoar e limpou a garganta para perguntar:

- E agora o que vamos fazer?

Ele apoiou o ombro bom no baú e olhou pela janela.

- Não tenho certeza - se assustou quando viu que ela se ajoelhava

a seu lado e lhe tocava o peito com seus delicados dedos - Ouça! O que acredita que está fazendo?

- Como se atreve a me perguntar isso? - disse ela, com suavidade -

E mais depois de como se portou.

Ele se levantou, amaldiçoando, enquanto lhe acabava de desabotoar a camisa para, continuando, exercer uma leve pressão com os dedos sobre as feridas.

- Se por acaso não sabe, faz-me mal. Além disso, não recordo lhe ter dado permissão para que me despisse.

- Eu tampouco lhe dei permissão para que se metesse em meu quarto ou me beijasse, mas isso não o deteve.

Sorriu e mordeu a parte interior da face enquanto lhe desfazia, com muito cuidado, a atadura improvisada e a combinação lhe escorregou pelo torso. As punhaladas da parte superior do peito e do ombro deveriam tê-lo matado. Estava claro que o assassino tinha ido direto ao coração.

A quem tinha incomodado para que a devolvesse com tanta violência? Não era de estranhar que se propusesse achar à pessoa que o tinha feito.

- Não é uma vista muito agradável, não é? - disse ele.

- O cirurgião que o atendeu fez um trabalho excelente com os pontos - respondeu ela, com muito tato, pensando que era um milagre que tivesse sobrevivido - Entretanto, duvido que se alegrasse de ver que se dedica a seu trabalho com toda essa atividade.

- Demorou horas para me costurar.

- Continuo pensando que necessita um médico. A ferida está se infectando. Olhe todos esses pontos vermelhos.

- Não. Nada de médicos.

- O que se supõe que devo fazer se morrer nos meus braços? -

perguntou-lhe, exasperada.

- Pelo que a mim respeita, pode me atirar pela janela. Se estiver morto, já não me importa.

- Passou-lhe pela cabeça o que aconteceria comigo se descobrissem que guardo um cadáver escondido em meu quarto?

- Ou que o beijou? Mas vamos guardar esse detalhe como nosso pequeno segredo sepulcral.

- Não zombe de mim, Stratfield. Se me meter em algum outra confusão este verão, meus irmãos me casarão com algum popular desdentado em um abrir e fechar de olhos.

- Um destino pior que a morte. Lady Chloe Boscastle sentenciada à vida bucólica. Pense em todos os corvos e vacas que cairão rendidos a seus encantos.

- Acho que começo a entender por que alguém queria vê-lo morto -

disse, muito séria.

- Sério, querida, não é um pouco tarde para andar preocupando-se com o pequeno problema de sua reputação? Afinal, eu não tive nada que ver com seu exílio.

Chloe respiro fundo para acalmar os nervos.

- Se o descobrirem neste aposento, meu próximo exílio será na Tasmânia.

- Lady Chloe presa com todos esses asquerosos sentenciados?

Meu deus, devemos evitar que isso ocorra.

- Um sentenciado é pior que um cadáver?

- Suponho que depende do cadáver - fez uma pausa. Chloe suspeitou que para dissimular o muito que lhe doía a ferida - Devo interpretar sua preocupação como se realmente vai reformar-se?

Ela olhou a aqueles desafiantes olhos.

- Sim, estou me reformando, desde que você não arruíne.

Dominic dobrou o braço direito atrás da cabeça, amaldiçoando em voz alta ante a agonia que aquele simples gesto lhe provocava.

- Sinto curiosidade. Em comparação com seu pretendente do parque, que nota me dá?

Chloe não passou por cima a nota de dor em sua voz. Quisesse ou não, necessitava atenção médica e jurava por sua vida que não tinha nem ideia de como levaria um médico até ali em cima.

- Não sei - disse - Não é assunto seu.

Para um homem que estava sofrendo tanto, o sorriso que lhe lançou foi muito malvado.

- Não pode lhe haver dado mais que um beijo. Assim darei por sentado que o meu foi melhor.

Era impossível fazer comparações. O beijo do barão Brentford tinha sido incontrolado e inoportuno; nada que pudesse acender o corpo de uma jovem. Nada que a queimasse por dentro como o champanha francês, embora naquele momento parecesse o mais arriscado do mundo.

E a tinham descoberto no meio do beijo. Como reagiriam seus sofredores irmãos se a vissem agora mesmo?

Levantou-se, porque se sentia mais segura se entre eles houvesse certa distância. Viu que ele não fazia nenhum esforço por detê-la.

Estava-o debilitando a dor?

Aquela frívola conversa era para distraí-lo da agonia? Perguntou-se Chloe.

- Seu beijo - disse, em voz baixa, olhando-o de cima como quem olha um animal ferido cuja natureza desconhece - foi muito, muito pior.

Até diria que foi horrível.

Dominic teve a indecência de rir.

- Nem em sonhos. Recorda como se chamava?

- Quem?

- Já esqueceu.

- Quando pensa partir? - perguntou-lhe, retorcendo-as mãos atrás

das costas para não estrangulá-lo.

- Em alguns dias.

- Alguns dias! - exclamou ela, horrorizada.

Ele fez uma careta.

- A menos que tenha o costume gritar em sonhos, recomendo-lhe que abaixe a voz. Pode-me emprestar uma manta? Por decoro, dormirei aqui.

- Por decoro - murmurou ela. Como se soubesse o que era o decoro. Bom, o melhor de tudo era que, como tinha sido criada rodeada de crianças Boscastle, não tinha desmaiado ali mesmo.

- Pretende dormir no chão? - perguntou-lhe.

- A menos que me ofereça compartilhar sua cama.

- Com você não compartilharia nem um ataúde.

- Não o pedi.

Chloe o observou, sem saber o que fazer.

- Deveria pôr uma atadura limpa no ombro.

- Se quer ajudar, deixe de comportar-se como uma tia pesada e me deixe em paz - com o braço bom, procurou em suas costas algo que lhe incomodava. Chloe supôs que o muito cabeçudo não queria que o visse dolorido - Suponho que o maluco de seu irmão não traz conhaque quando a visita, não é?

- Isto não é uma estalagem de estrada para bêbados, senhor.

- Que demônios é isto? - estava cada vez pior; fez uma careta quando tirou um telescópio naval de latão - É dele?

- É do primo de meu tio. Pedi-o emprestado - esperava que Dominic não percebesse a cara de culpa que tinha. A verdade era que Pâmela e ela tinham subido o telescópio para ver Devon chegar pelo bosque.

E para entreter-se observando a casa de Stratfield em busca de seu famoso fantasma.

- Pediu emprestado um telescópio - disse ele, alucinado - Para que?

- Para... emmm, observar pássaros.

- Observar pássaros?

- Isso - disse.

Dominic apertou os dentes.

- Vá para a cama. E cubra-se até a cabeça, por favor. Me deixe sozinho com minha dor. Se pela manhã estiver morto lhe dou permissão para gritar e desmaiar; se ainda estiver vivo e disser a alguém que estou aqui... bom, acredito que já sabe o que acontecerá, não é?

Chloe não respondeu à ameaça. Em algum momento durante os últimos vinte minutos, a situação tinha dado um giro radical. Ele já não tinha o controle da situação. Tinha-o ela. Se quisesse, podia sair do quarto e pedir ajuda. Inclusive podia atar a seu captor com as meias e humilhá-lo a vontade.

Dominic tinha os olhos fechados. Não tinha muito bom aspecto. Ela se afastou e pegou o trinco. Que homem mais bruto. Pobre besta ferida, afundada na miséria.

Embora não percebesse, Chloe já não era sua prisioneira. Agora o prisioneiro era ele.

Capítulo 7

Chloe passou a noite contemplando as sombras cambiantes do teto até que começou a amanhecer. O que lhe aconteceria se negasse a ajudá-lo? E não só a ela, mas também a ele. As possibilidades, todas muito angustiantes, mantiveram-na acordada toda a noite. Embora não gostasse da intimidação e das ameaças que tinha recebido, tampouco podia virar as costas a um homem que tinha sofrido tanto como ele, embora tivesse procurado ele sozinho.

Até a relativamente pouco tempo, tinha sido um membro muito respeitável da espécie humana. Fizera-se amigo de seus irmãos. Tinha-

a resgatado de um atoleiro e, a pesar daquela tarde não se comportar como um perfeito cavalheiro, tampouco tinha se comportado como um homem desesperado capaz de levar uma mulher à cama a ponta de pistola. Chloe despertou nessa mesma cama. Não estranhava que não tivesse podido dormir. Ele tampouco tinha dormido. E sabia porque se levantara para ver como estava ao menos uma dúzia de vezes. Cada vez que se levantava, rezava para que partisse e assim ela não teria que tomar nenhuma decisão. Cada vez que via esse corpo masculino estendido sobre sua roupa interior, o estômago lhe dava um tombo.

Uma parte dela queria correr escada abaixo, enquanto pudesse, como uma histérica. Mas a outra parte, a mais forte, a que sempre a metia em confusões, queria protegê-lo.

Até que abrisse os olhos. Parecia que tinha o olhar perdido na escuridão. E, então, o que Chloe sentia não era claro e fácil de controlar.

O que lhe acontecia que, quando a olhava, era como se alguém a acendesse por dentro?

Aproximou-se muito devagar ao quarto de vestir e abriu a porta, preparando-se para algo.

- Chloe - com um movimento da mão, indicou-lhe que se aproximasse.

Ela hesitou uns segundos. Ir a essa chamada assustava-a assim como à qualquer outra jovem a que houvessem dito que se colocasse junto a um lobo ferido. Não queria converter-se em seu último banquete.

- O que? - sussurrou ela, da porta, lhe olhando o peito nu. Em algum momento da noite, tirou a camisa e a manta que Chloe tinha jogado por cima.

A parte direita do peito era um tributo ao corpo masculino perfeito, uma pele firme delineada por músculos muito bem definidos. Pelo contrário, a parte esquerda estava cheia de feridas em carne viva e cicatrizes. Como podia alguém ter sido capaz de fazer isso a outra

pessoa? Acaso Dominic fizera algo tão horrível para merecer tal castigo?

Ele franziu o cenho.

- Que horas são?

- São quase cinco - Chloe olhou pela janela - Se pretende partir, será melhor que o faça nos próximos minutos. Danny costuma passear com os cavalos muito cedo e...

Interrompeu-se. O ruído dos cascos dos animais ressoou por toda a casa. Agora teria que esperar até o anoitecer para poder escapar sem que o vissem.

- E agora o que se supõe que tenho que fazer com você? -

murmurou ela.

Ele desenhou um irônico sorriso enquanto se endireitava e apoiava as costas contra o baú. Tinha o telescópio no colo.

- Pode começar trazendo um pouco de água limpa. À tarde, se puder, queria que me barbeasse e me trouxesse tudo o que necessito.

Fiz uma lista.

Ela o olhou boquiaberta.

- Barbeá-lo?

- Sim. Bem barbeado, e com isso não quero dizer que me corte o pescoço logo no começo. E, por favor, feche o penhoar.

- O penhoar? - de repente, distraída pelo calor que via em seus olhos, ruborizou-se quando desceu a cabeça e viu a quantidade de carne que mostrava. Incluindo um seio inteiro, com a auréola rosada do mamilo aparecendo por cima do tecido. E, a julgar pelo intenso brilho de seus olhos quando disse, certamente deveria estar agradecida que estivesse ferido. Ao menos, podia imaginar que não tinha forças, embora não estivesse disposta a comprovar.

- Não é que me importe - acrescentou ele, em voz baixa. - Na realidade, é muito agradável que isso seja o primeiro que alguém vê quando acorda.

- Um cavalheiro não teria percebido.

- Não é perfeito que me deixasse todas essas estúpidas pretensões na tumba?

- Para mim, não - disse Chloe, com o cenho franzido.

Dominic a olhou fixamente antes de apoiar a cabeça contra o baú.

- Talvez, chegado o momento, queira organizar minha ressurreição.

Chloe teve que reprimir uma resposta mal educada. Apesar de seu limitado conhecimento sobre feridas, tinha a sensação que se devia achar muito pior do que queria admitir. Em um impulso, ajoelhou-se a seu lado e lhe tocou a testa com a mão. Como imaginava, estava quente. Não ardendo.

Ele grunhiu e a surpreendeu virando o rosto para sua mão.

- Mãos suaves - sussurrou - Alguma vez fez mal a alguém?

Chloe recordou as incontáveis ocasiões em que tinha feito mal a seus irmãos com essas mãos suaves, as vezes que os tinha golpeado no traseiro com a espada de madeira e lhes tinha feito gestos nada próprios de uma dama com aqueles delicados dedos.

- Não - mentiu - A propósito, não.

Olhou-a com aqueles comovedores olhos cinzas, agora cristalinos, embora tão intensos que Chloe sentiu uma estranha tensão na barriga.

- Já imaginava. Uma mulher com suas mãos, lady Chloe, provoca prazer, não dor. Me alegro que tenha decidido fazer o que lhe pedi.

- Jamais concordei - muito séria, levantou-se e olhou a seu redor.

O corpo esparramado de Dominic ocupava a metade do armário e a outra metade parecia que tinha sido o cenário de uma orgia. O chão estava coberto de manguitos, xales, luvas e sapatos. Se o visse sua tia, teria um ataque.

Embora Chloe tampouco estivesse segura de sobreviver àquilo.

Quanto antes visse esse fantasma em pé e longe de seu quarto, melhor para ela.

- Bom, parte - disse ele, de mau humor - Não fique aí me olhando. -

E logo acrescentou: - Espere. Costuma estar acordada a estas horas?

- Uy, não. Durmo até meio-dia, tomo três taças de chocolate na cama, e passo uma ou duas horas respondendo cartas de amor. Às vezes, arrumo o cabelo ou tomo um banho com azeite de rosas enquanto a empregada me massageia os pés.

- Tudo em um só dia? Pobrezinha. Deve acabar esgotada.

Chloe entrecerrou os olhos.

- Atreveria-me a dizer que não é muito boa ideia insultar à pessoa que tem sua vida em suas mãos.

- Um conselho muito sábio - disse ele, sorrindo. - Sugiro que o recorde quando sentir tentações de me trair porque, se o fizer, virei procurá-la, e me não importa se estiver banhando-se em azeite de rosas ou não. Agora vá ocupar se com outras frivolidades até que seja seguro descer para fazer sua rotina diária.

Chloe lançou um olhar nervoso para a janela.

- Seguro? Quer dizer que o assassino virá atrás de mim?

- Com certeza - disse ele, arqueando uma sobrancelha - refiro-me a não querer que se comporte de maneira estranha e levante suspeitas. E

lhe recomendo que evite os passeios pelo bosque e que não fale com nenhum homem perigoso com quem se encontre.

Por que? Perguntou-se Chloe desiludida, enquanto caminhava para a porta. O homem mais perigoso que jamais tinha conhecido estava escondido em seu quarto de vestir.

Era possível que uma jovem dama se visse implicada em uma situação mais perigosa que aquela?

Capítulo 8

Chloe observou as suntuosas bandejas cheias de comida na mesa e notou como tinha todos os nervos acumulados no estômago. O aroma dos arenques salgados e defumados lhe fez sentir náuseas. O pedaço

de torrada que acabava de colocar na boca lhe ressecava a garganta como o pó.

Pelo contrário, Stratfield devia estar morto de fome; ser uma besta áspera e desumana devia abrir o apetite. Tinha que encontrar uma maneira de levar algumas salsichas a seu quarto. Não. Pensando melhor, deveria deixá-lo morrer de fome e obrigá-lo a partir como o lobo que era por dentro. Por nada do mundo queria respirar sua atitude arrogante com uma torrada com manteiga. Por nada do mundo queria que recuperasse as forças e faculdades.

- Chloe querida, mal provou a comida - lamentou sua tia, acrescentando um dramático suspiro - Já deve ter escutado as terríveis notícias. Eu também perdi o apetite.

Tio Humphrey olhou para Chloe por cima do jornal e balançou a cabeça, assegurando sua sobrinha que as terríveis notícias não tinham nada que ver com Devon.

- Que notícias? - perguntou Chloe, o mais normal possível, enquanto dobrava o guardanapo uma e outra vez. Em Chistlebury, uma lareira em chamas era considerada um evento de transcendência mundial.

Sua tia fez uma pausa para assegurar-se que todos a estavam escutando.

- Esta noite, o fantasma de Stratfield voltou a atuar.

Chloe deixou o guardanapo na mesa porque o coração lhe tinha dado um tombo.

- Seriamente?

Tia Gwendolyn assentiu.

- Seduziu outra jovem inocente enquanto dormia.

Chloe viu que seu tio revirava os olhos.

- Seduziu a...? - disse ela.

- Pelo amor de Deus, Gwennie - disse Humphrey - Não lhe encha a

cabeça com esses contos doentios a estas horas da manhã.

Tia Gwendolyn se ofendeu durante uns três segundos, e depois continuou com a história.

- O fantasma de Stratfield seduziu a Rebecca Plumley ontem à noite enquanto dormia - disse.

Chloe piscou.

- Não pode ser.

Sua tia assentiu.

- Há uma testemunha.

- Uma mulher casada de mais de quarenta anos não é uma jovem inocente - disse o tio Humphrey, entre dentes, dobrando a parte de atrás do jornal - Além disso, Rebecca parece um espantalho. Inclusive um fantasma deveria demonstrar melhor gosto.

Pâmela sorriu para Chloe por cima da borda da taça.

- E o que diz seu marido a respeito?

- Está mortificado, claro - disse tia Gwendolyn - Na realidade, foi testemunha de toda a cena.

Humphrey deixou o jornal em cima da mesa, desesperado.

- Está nos dizendo que Oswald viu esse fantasma manter relações com sua mulher?

- Bom - Gwendolyn fez outra pausa - Ao que parece, e como costuma ser habitual, o fantasma era invisível. Mas Oswald escutou perfeitamente como Rebecca dizia: "Oh, Stratfield, Stratfield! Detenha-se, desavergonhado! Faz-me cócegas!" E, para sua informação, os lençóis se levantaram.

Todos ficaram em silêncio. Pela abertura da porta, Chloe viu que a empregada ficou gelada, com o espanador imóvel em cima do retrato de sir Francis Drake, o herói pessoal de seu tio.

Humphrey agitou a cabeça, aborrecido.

- Deixa de repetir essas histórias histéricas, Gwennie, ouve-me?

Stratfield era um homem honrado que estava na flor da vida quando o assassinaram a sangue frio. Imagino que o pobre deve estar retorcendo-se na tumba em apenas pensar em fazer cócegas a Rebecca Plumley.

Chloe abaixou o olhar, com um ataque de culpa. As feridas do visconde certamente tinham sido causadas a sangue frio. Inclusive pode que não sobrevivesse e, então, sua morte cairia indiretamente sobre a consciência de Chloe. Necessitava de remédios. E comida. Tinha-a posto em uma situação muito perigosa. E pensar nas vezes que tinha desejado um pouco de ação para animar seu exílio. Sim, mas tampouco queria pôr seu mundo de pernas para o ar. Ficou observando fixamente a fumaça que saía da xícara de chá como se os vapores mágicos pudessem lhe dar uma resposta. Era possível que tivesse a chave para solucionar a morte do Brandon? Perguntou-se o que fariam seus irmãos em seu lugar.

Obviamente, como homens jovens com certa tendência ao comportamento inquieto, certamente se acrescentariam à cruzada de Stratfield para procurar vingança. Uma jovem dama não tinha essa opção. O que faria sua irmã mais velha, Emma? Instruir o visconde na sutil arte das represálias? Insistir em que batesse na porta antes de entrar no quarto de uma dama?

Desdobrou o guardanapo no colo para recolher as salsichas e a torrada que, dissimuladamente, estava empurrando no prato.

- Alguém sabe quem pode tê-lo assassinado? Achava que agarrar ao assassino seria uma prioridade para as autoridades.


Seu tio deixou o jornal de lado.

- É o primeiro comentário inteligente que escutei hoje.

- E inapropriado - disse tia Gwendolyn, zangada - Falar de assassinatos... a esta hora da manhã.

Ninguém disse nada. Ninguém teve a coragem de lhe dizer que tinha sido ela mesma quem tinha trazido o tema. Tio Humphrey voltou a

abrir o jornal e, quando o tinha diante, olhou para Chloe e articulou, para que lhe lesse os lábios: "Tudo é muito estranho".

Chloe morria de vontade de saber o que pensava seu tio de tudo aquilo, mas inclusive ele, um homem de mentalidade aberta e liberal, ficaria horrorizado se descobrisse o que estava fazendo.

Que virtualmente tinha passado a noite com um homem tão controvertido que alguém tinha tentado matar em plena noite. Um homem com tanta determinação que havia voltado de entre os mortos para vingar-se.

O que iria fazer com ele? Parecia que o povoado estava dividido entre os que o reverenciavam e os que o odiavam. E nenhum dos dois grupos se surpreenderia muito se descobrisse que seu "fantasma" tinha visitado lady Chloe Boscastle no meio da noite.

Deus os criou e eles se juntam, diriam.

E talvez tivessem razão.


***
Depois de tomar o café da manhã, e para evitar revelar seu segredo, Chloe se desculpou para poder esconder o café da manhã no vaso chinês que havia no saguão e poder sair para dar um passeio pelo labiríntico jardim. Sem perceber, acabou debaixo da cena de seu último crime, a janela de seu quarto. Pensar que Dominic estava ali escondido fez com que entrasse em pânico. Prisioneira ou não, tinha que desfazer-se dele quanto antes.

Exatamente, como iria solucionar aquilo? Aquele homem precisava de ajuda. Tinha-lhe proibido ir procurar a um médico mas, embora não o tivesse feito, teria sido virtualmente impossível fazer um entrar e sair de seu quarto sem que alguém da casa, ou do povoado, percebesse.

Considerou a possibilidade de pedir conselho a seu tio. Mas, se o fizesse, arriscava-se a arruinar os planos de vingança do visconde e a faltar a sua palavra. Seria muito melhor recuperá-lo fisicamente e que

partisse.

Virou-se e se dirigiu para os estábulos. Possivelmente poderia ir ao farmacêutico, embora uma jovem rodeada de escândalos indo comprar uma solução para curar punhaladas levantaria suspeitas. Não tinha tempo a perder. Tinha que exorcizar o fantasma que tomou conta de sua vida.

- Bom dia, lady Chloe - disse o moço, quando a viu na porta - Quer dar um passeio a cavalo?

Chloe voltou à a realidade. O jovem musculoso estava preparando a égua castanha de Pâmela. Ela suspirou e recordou o corte profundo que o pobre animal fez na semana passada ao dar um pulo contra a grade. A perna do animal estava totalmente curada.

- Danny, o que lhe pôs na perna quando se machucou?

- Um unguento de ervas e azeite que compro todo ano dos ciganos, senhorita.

Ela ficou olhando uns segundos.

- Parece que funcionou muito bem.

- Não há nada melhor. Um dia, quando me cortei depois de uma briga no ring da feira, apliquei-me no rosto e funcionou maravilhosamente - secou a face com o robusto antebraço e, com o chicote, indicou uma jarra de barro cozido e vidro verde que havia em uma prateleira - O unguento e esse tônico curam qualquer ferida, asseguro.

Chloe observou fascinada a garrafa de vidro escuro. Perguntou-se se atreveria a fazê-lo. Acaso Dominic lhe tinha deixado outra opção?

Acaso o muito arrogante achava que, depois de ter burlado à morte uma vez, poderia continuar fazendo-o?

Esperou uns minutos até que Danny saiu ao cercado para pegar os remédios dos ciganos. Enquanto voltava para casa e recolhia a comida que tinha escondido no vaso, tinha a boca seca. Se alguém lhe

perguntasse o que estava fazendo com as salsichas e a poção romana, sempre podia dizer que encontrou um animal ferido e que queria curá-lo.

Afinal, não se afastava tanto da verdade. Dominic Breckland era tão selvagem e perigoso como qualquer animal sem domar que se encontrasse no bosque.

Capítulo 9

Quando entrou em seu quarto, o coração pulsava a mil por hora.

Tudo parecia muito tranquilo. A porta do quarto de vestir estava fechada, como a tinha deixado.

Teria conseguido escapar? Tudo seria muito mais fácil se o tivesse feito. Desde que o tinha encontrado em seu quarto, não teve nem um só instante de paz. E um futuro que incluía a ele tampouco prometia muita tranquilidade.

Abriu a porta do quarto de vestir. O corpo musculoso de Dominic estava em um canto, com um braço por cima do baú. Chloe se surpreendeu muito pela reação de alívio que se apoderou dela. Os olhos de Dominic, brilhantes pelo estado febril, observaram-na durante vários segundos.

- Bom dia, outra vez - disse, tranquilamente, jogando a cabeça para trás. - Pronta para me barbear?

- Para estrangulá-lo, melhor dizendo - disse Chloe, indignada.

Como podia estar aí sentado lhe dando ordens tão tranquilo quando ela esteve tão preocupada com seu estado físico - É a pessoa mais insuportável que conheci em minha vida.

Por uns momentos, os olhos de Dominic brilharam de agradecimento.

- Suspeito que é uma qualidade que compartilhamos.

- E que, sem dúvida, teremos que pagar - disse Chloe, desembrulhando o guardanapo - Tome. Coma-as enquanto eu o olhou o ombro. Na bolsa há uma garrafa de conhaque de meu tio. Acrescente

roubar coisas a meu tio de minha lista de crimes.

- Por que quer me olhar o ombro?

- Tenho um remédio de cavalo, ingrato desconfiado - disse Chloe, em voz baixa. - Roubei-o do estábulo e não disse nada a ninguém. Que tem a dizer ante isso?

Ele apoiou a cabeça na parede, submisso, e lhe lançou um sedutor sorriso enquanto lhe desabotoava a camisa.

- Não sei. Se agitar a crina e relinchar um pouco, interpretará como uma desculpa?

Não podia ficar com ela muito tempo.

Na noite anterior nenhum dos dois tinha dormido muito. Dominic via a sombra da fadiga em seu precioso e zangado rosto. Foi consciente das muitas vezes que despertou para ver como estava, apesar de em todas fingir dormir. Era um desafortunado contratempo descobrir, justo agora, que ainda podia sentir um desejo e uma ternura tão enlouquecedora que o fazia arrepender-se de havê-la arrastado a seu inferno pessoal. Cada vez que Chloe se aproximara dele durante a noite, sentiu um desejo incontido e teve que fazer um grande esforço para não estendê-la no chão e fazê-la sua.

Com certeza, para seu corpo febril, sentir a pele de Chloe seria um luxo. Só podia recorrer às imagens eróticas que o perseguiam em sonhos.

Embora também pudesse arruinar, a ambos, se acabasse sucumbindo a essa tentação. Não só desejava sexo. Gostava de seus cuidados e sua inteligência, mas não a fraqueza que despertava nele.

- Um unguento de cavalos - zombou. - Bom, suponho que deveria agradecer que seja uma mulher com tantos recursos.

- Deveria agradecer por não estar morto de verdade - fez uma pausa e o olhou - Deve partir, Stratfield.

- Já sei.

Ouviram-se uns passos que iam do corredor até a entrada.

Rapidamente, Chloe lhe deu a garrafa de vidro escuro.

- Beba, Meu tio nos levará para ver uma obra na reitoria.

Normalmente, os empregados se retiram ao salão da governanta para jogar cartas quando estão sozinhos e...

O intenso olhar de Dominic a pegou despreparada. Calou-se, surpresa, quando ele disse:

- Se tivermos a sorte de voltar a nos encontrar, lady Chloe, confio que seja em circunstâncias que nos permitam terminar o que começamos.

- Não... Não sei a que se refere.

Mais sim, sabia. Dominic soube pela pausa de desconcerto que fez ao falar e como se apoiou em seus ombros para não perder o equilíbrio.

Tinha desfrutado dos aspectos sensuais de seu encontro tanto como ele.

- Refiro-me a isto - disse ele.

Segurou o queixo com os dedos e se inclinou para frente para beijá-la. Escutou o pequeno suspiro que soltou e notou como seu corpo se arqueava involuntariamente.

Estava preparada para o beijo, ativa e ardente com paixão. E a desejava tanto que quase era melhor que não pudesse tê-la porque, quanto mais comprometido estivesse com Chloe Boscastle, menos controle tinha sobre sua própria vida. Essa mulher era capaz de ganhar o coração de um homem sem nem sequer tentar.

Dominic afundou seu rosto no quente pescoço do Chloe enquanto, com uma mão, pressionava-lhe as nádegas.

- Mantenha-se afastada do bosque, Chloe. Pode ser que custe acreditar, mas aí fora há homens piores que eu.

Os atores do povoado tinham organizado uma representação amadora de Hamlet na reitoria. Foi tão horrível que Chloe teve que morder as pontas das luvas para não rir. De todo modo, tampouco podia

concentrar-se. Só pensava no fantasma de Hamlet que a lembrava de que tinha em seu próprio quarto.

Durante a cena do coveiro, Chloe escutou um murmúrio entre o público. Virou-se e viu que um senhor alto, magro e moreno com uma capa sobre os ombros se sentava na primeira fila.

Era o coronel sir Edgar Williams, o tio de Galahad e seu único herdeiro. No mínimo, tinha a decência de não exibir à antiga amante de seu sobrinho em público, se é que ainda estava pelo povoado. Fazia dias que Chloe não escutava nada a respeito dela e inclusive se perguntava se a mulher merecia o amargo rancor que Dominic lhe guardava. Poder-se-ia dizer que uma mulher não podia ser acusada de infidelidade se não sabia que seu antigo amante ainda estava vivo.

- Vá, vá - sussurrou tia Gwendolyn, arqueando uma sobrancelha -

Possivelmente possa convencer ao tio do visconde para que faça uma contribuição à reitoria. Apesar de seus pecados, seu sobrinho era um doador muito generoso.

- Cale-se, querida - sussurrou tio Humphrey. Piscou um olho à Chloe - Não gostaria de perder nenhuma palavra desta magnífica representação. Além disso, sir Edgar ainda não está em posse de toda a herança. Antes terá que solucionar algumas formalidades legais.

Enquanto dizia isto, Hamlet deixou cair acidentalmente o crânio de Yorick em cima da cabeça do coveiro. O pobre ator, de susto, começou a amaldiçoar e a arranhar a cabeça, ao mesmo tempo em que o público explodia em risadas. Sir Edgar riu e aplaudiu até que seu olhar parou em Chloe e em sua tia.

Inclinou a cabeça, sorriu-lhes e voltou a virar-se para o cenário.

Inundou um terrível desconforto em Chloe. Aqueles traços, aquele olhar inquisitivo, aquele rosto de ângulos severos...

- O homem ao qual está olhando é o tio do fantasma, Chloe - lhe sussurrou Pâmela detrás de seu leque.

Chloe se surpreendeu, notando de repente o muito que se parecia com Dominic, embora parecia lhe faltar um pouco de vitalidade. Além disso, era mais corpulento que seu sobrinho, alguns anos mais velho e com um ar amadurecido e de velha escola notável, algo que podia ser consequência de seu passado militar.

- Por que acha que rompeu com a amante do fantasma? -

perguntou Pâmela, estreitando os olhos, especulativos - Se é que o fez, claro.

De repente, Chloe se concentrou em outra coisa; lorde St. John acabava de fazer sua entrada na reitoria, provocando grande alvoroço entre as jovens do público.

Chloe reprimiu um sorriso quando ele a viu e lhe sorriu durante uns segundos, evitando por completo a peça, até que tomou assento. Com certeza seu ar de importância o obrigaram a interromper a peça.

- Não sei - sussurrou Pâmela, voltando-se para se concentrar nos atores do palco, que eram muito menos interessantes que o público -

Suponho que tem melhores coisas que fazer que deixar boquiaberto meio povoado ao trazer a amante do fantasma a uma representação de teatro pública.

- Ou porque os dois estão implicados em uma trama de assassinato - disse Pâmela, em voz baixa.

Para Chloe, foi como se lhe tivessem atirado um copo de água gelada na cara.

- O que disse?

- Bom - sussurrou Pâmela, escondendo-se da careta de sua mãe -

só é uma ideia. Mas espero que encontrem ao assassino do visconde logo. O único lugar onde me sinto segura é em casa com as portas fechadas. Ou em meu quarto de vestir.

Chloe olhou à frente por medo de que seu rosto a delatasse. Se Pâmela e sua mãe soubessem quem estava escondido sob seu teto

nesse momento, não se sentiriam tão seguras. Se suspeitassem, por um segundo, que sua convidada de Londres havia meio sucumbido às seduções do fantasma do povoado...

De repente, sentiu-se muito acalorada ao recordar a sedutora agressividade de Dominic. Com mãos trêmulas, abriu o leque para refrescar suas acesas faces e garganta. A necessidade desesperada de seu contato tinha despertado uma perigosa fascinação nela. Tomara não tivesse que voltar a ver-se em uma situação em que tivesse que lutar contra essa tentação. Ou sucumbir a ela.


***
Partiu.

Notou sua ausência tão intensa e poderosamente como tinha notado sua presença. No instante em que entrou em seu quarto, soube que partiu. O ar ainda parecia carregado com sua poderosa energia, e estava segura que jamais o esqueceria, mas tinha desaparecido.

Acendeu três velas, pegou uma e entrou no quarto de vestir. A janela estava aberta e a brisa que agitava as cortinas cheirava a chuva.

A vela se apagou quase ao mesmo tempo em que Chloe descobria uma nota dobrada no chão.

Agachou-se para agarrá-la e depois se levantou e fechou a janela.

Fora não havia nem rastro dele. Nem rastro de nenhuma sombra fantasmal lhe dizendo adeus do jardim. Obviamente, sentiu-se com forças suficientes para escapar. Mas, aonde?

Talvez o papel fosse uma pista. Voltou para o quarto e se sentou no extremo da cama, desdobrando lentamente o papel à luz das velas. Por um momento, não pôde acreditar no que estava lendo.

- Um código - sussurrou.

Uma mensagem em código muito parecida ao que uma vez achou entre os pertences de seu irmão Heath. Talvez, se dois de seus irmãos não tivessem tido nada que ver com os assuntos de inteligência

nacional, aquele papel cheio de números não teria significado nada para ela. Mas, como o tinham feito, a missiva codificada não a surpreendeu.

O que a surpreendeu foi que tinha caído de Stratfield ao partir. E o fato de que estivesse escrita com a inconfundível letra de seu finado irmão Brandon.

- Chloe - sussurrou, atrás dela, uma voz masculina.

Deixou o papel em cima do travesseiro e afogou um grito ao mesmo tempo em que viu uma figura vestida de negro na porta do quarto de vestir. Por um momento de irracional alívio, acreditou que seu fantasma havia voltado, mas em seguida viu que aquela figura pertencia a alguém mais próximo e menos ameaçador: o foragido seu irmão Devon.

Virtualmente tinha se esquecido dele.

- Ah, é você - disse, com suavidade, enquanto escondia a mensagem debaixo do travesseiro - Por que tem que me dar estes sustos?

Sorriu-lhe abertamente, com os olhos azuis brilhantes.

- Parece-me que não posso me anunciar com uma fanfarra de trompas, não?

- Anunciarão sua chegada à a prisão se não deixar de fazer-se de idiota, Devon Boscastle - respondeu ela, com um toque de irritação.

Ele a olhou estranhando.

- O que quer dizer? Só foi uma vez, Chloe. E foi por engano.

Ela se levantou para estar a sua altura porque, embora não fosse tão alta como ele, tinha o mesmo temperamento.

- Cooper"s Bridge. E não minta. Não tem graça.

- Cooper"s Bridge? - repetiu ele, passando a mão pelo cabelo negro curto.

- O Bandoleiro Beijoqueiro, Devon. Tem que deixá-lo.

Ele soltou um bufo, aborrecido.

- Não fui eu... Ao que parece, iniciei uma moda, Chloe. E, se quer saber, envergonho-me disso. Alguns jovens que estão aborrecidos se dedicam a assaltar carruagens para roubar beijos às damas.

- E arriscam suas vidas - disse Chloe, olhando-o nos olhos.

- Bom, se são estúpidos, eu não posso fazer nada.

- De verdade que não foi você?

- Pelo amor de Deus, não. Estive levando uma vida de anjo, embora não acredite, ajudando o velho primo Richard a plantar orquídeas. E você, o que? - apoiou-se no armário, lhe lançando um olhar compungido - Se desespera por um pouco de ação, não?

Ela afastou o olhar.

- Não tem nem ideia - e realmente não acreditaria se lhe explicasse toda a ação que tinha tido desde sua última visita. Devia explicar-lhe.

- Conheceu um homem - disse ele, divertido e preocupado ao mesmo tempo.

Ela o olhou, possivelmente muito depressa para esconder sua culpa.

- Não seja tolo. Em Chistlebury?

Ele cruzou o quarto e se fixou no travesseiro que havia atrás de sua irmã.

- Estava lendo uma carta de amor, não é? Por Deus, Chloe, não se apaixone por algum popular. Este exílio não durará tanto.

- Isso espero - disse. Ficou uns instantes hesitante. - Devon, ninguém me confirmará isso, mas você sempre foi sincero comigo. Crê que é possível que Brandon estivesse comprometido em alguma missão de espionagem quando partiu da Inglaterra?

- Na Honorável Companhia das Índias Orientais? Duvido, embora antes - olhou - Não deveria ser um segredo, para você não, ao menos agora que já está morto.

Acredito que, quando estava em Portugal, recolheu e entregou

algumas mensagens para Heath. Imagine, sobreviver à guerra para acabar morto em uma emboscada em mãos de fanáticos. Não parece justo, não é?

Chloe negou com a cabeça, debatendo-se entre confessar a verdade a seu irmão ou manter a promessa que tinha feito a um homem a quem mal conhecia.

Deveria romper a promessa que tinha feito a Dominic? Afinal, ninguém poderia considerá-la culpado por romper uma promessa que tinha feito sob ameaça e enquanto estava seqüestrada. Embora uma promessa fosse uma promessa, e se aquela era a única maneira de saber o que realmente tinha acontecido a Brandon, assim seria.

Além disso, era possível que Devon pensasse o pior. Pode ser que acreditasse que Chloe se viu implicada em uma situação que já não tinha acerto. O macho dominante que levava dentro iria atrás de Dominic e todos sairiam perdendo. Chloe voltaria a estar no olho do furacão.

Independentemente da decisão que tomasse, estaria rodeada de controvérsia e censura.

Olhou para seu irmão.

- Suponho que veio porque necessita de mais dinheiro.

Ele arqueou uma sobrancelha.

- De fato, vim porque estava preocupado por você. O velho Richard é muito generoso, mas não respondo por minha prudência se tiver que plantar uma orquídea mais.

- Por que estava preocupado por mim?

- Uma intuição, Chloe. Sim, sim, já sei que soa estúpido, mas tive um pesadelo em que corria perigo - apoiou as mãos nos ombros de sua irmã - Está bem, não é verdade?

Bom, quero dizer que não está planejando fugir com outro oficial de cavalaria cabeça oca, não? Se permitir que algo assim aconteça, Grayson e Heath me cortarão a cabeça.

Chloe sentiu um suor frio por todo seu corpo. Até agora, jamais tinha mentido para Devon. Com algumas coisas, tinha um sexto sentido e agora não gostava de decepcioná-lo. Com Brandon morto, Dev era o melhor amigo que tinha. Mas, mesmo assim, ainda não estava preparada para compartilhar seu segredo com ele. Primeiro, tinha que pensar.

- Se quer saber, conheci um rapaz - sorriu ante a linda cara de preocupação de seu irmão - Se chama Justin Linton e sim, lançou terra contra minha janela e me escreveu um poema horroroso. Mas é um bom homem, Devon. Acredito que inclusive os maiores o aceitariam.

Os maiores eram seus irmãos Grayson, Heath e Emma que, apesar de não serem cronologicamente tão maiores, aos olhos de Chloe, Devon e Brandon sempre tinham sido os tiranos da família. Drake tinha ficado em um lugar entre meio aos tiranos e os problemáticos.

- Se você o aceitar, Chloe - disse Devon, muito amável - não pode ser tão mau, embora deva admitir que aquele barão a quem beijou no parque eu não gostava muito.

Chloe cruzou os braços, em um gesto de instintiva autoproteção.

- Sim, bom, neste momento, tampouco eu gosto muito dele. Olhe onde me levou sua indiscrição.

As vozes que se ouviam da escada os distraíram. Devon se levantou, plantou um beijo na testa de sua irmã e partiu para o quarto de vestir.

- Todo este secretismo eu não gosto nada, Devon - lhe sussurrou ela. - No dia que Grayson disser que já não tem por que temer às autoridades, darei um salto de alegria.

Ele sorriu antes de desaparecer entre as sombras.

- Ao diabo com as autoridades! A quem temo é à tia Gwendolyn. Se me descobrir, exortara-me até a morte.

Capítulo 10

Dominic percebeu que tinha perdido a nota no mesmo instante em que chegou a samambaia que constituía o princípio do bosque. Não podia acreditar que tivesse sido tão descuidado. Era um sintoma perigoso. Não se podia permitir debilitar-se ou ficar nervoso porque uma jovenzinha o tivesse distraído. Caminhou entre as escuras árvores em silêncio.

De fato, inclusive quando se aproximava do parque que havia atrás de sua própria casa, em lugar de concentrar-se em que não o vissem, estava pensando em Chloe. Sempre tinha sido um homem intenso e bastante privado que não desfrutava especialmente dos entretenimentos habituais dos de sua classe social, e não estava especialmente orgulhoso de seu passado. Sim, sabia como atrair a uma mulher. Por desgraça, lady Turleigh não tinha sido a melhor opção. Nem sequer tinha esperado que seu cadáver estivesse frio para meter-se na cama com outro homem.

Não podia perdoá-la. Fazia parte da vida que queria esquecer.

Não lhe importava se era injusto ou se ela se assustara. Não lhe importava que seu aborrecimento com ela fosse irracional. Não podia culpá-la por olhar por seus interesses. Mas não com seu tio. A ideia o horrorizou e decidiu esquecê-la. Quão último sabia era que se fora do povoado, e tampouco lhe importava se algum dia retornasse.

Chloe

Boscastle

supunha

um

problema

bem

diferente.

Imensamente mais prazeroso e surpreendente. Não só tinha despertado seu desejo sexual, mas também suas necessidades humanas mais básicas: companhia e compreensão, conversa e estimulação inteligentes. Sua dama dos olhos azuis cobria todos seus desejos privados em um só e mais que provocador pacote.

Franziu o cenho ao recordar o pouco que sabia de sua família.

Tinham deslocado rumores que uma das filhas Boscastle, supôs que seria Chloe, estava sozinha com seu pai quando este morreu.

Comentava-se que Royden Boscastle era tão severo que seus filhos se rebelavam em público; possivelmente isso explicava por que a filha pequena tinha saído um pouco selvagem. A sucessão de amantes de seu pai certamente não foi o melhor remédio para paliar a ausência da mãe que Chloe tinha perdido.

É claro, só podia desejá-la na distância, algo muito frustrante para ele. Com sorte, seus caminhos não voltariam a cruzar-se. Quando Dominic tivesse levado a cabo sua vingança, que podia acabar cobrando-se sua vida, lady Chloe estaria casada e longe de qualquer tentação. Por sorte para ela.

Deslizou em silencio pelo escuro passadiço da ala desabitada de Stratfield Hall, igual a um fantasma que seguia vivendo em sua própria casa. Quem iria buscá-lo nos passadiços secretos do mesmo lugar onde o tinham assassinado? Adorava a tétrica ironia da situação, enquanto no povoado lhe seguiam atribuindo ações deliciosamente malvadas. Na realidade, os rumores do indecoroso comportamento de seu fantasma podiam ir de fábula para seus planos.

Se não arruinasse tudo com alguma estupidez.

Não deveria ter perdido a maldita nota. Além disso, sabia exatamente quando deve ter caído do bolso. Quando a deliciosa Chloe havia meio despido-o, tocando-o com aquelas delicadas mãos que o tinham deixado muito excitado. Nesse momento, tinha desejado que tivesse seguido explorando seu corpo.

E agora essas mesmas mãos tinham em seu poder uma nota que podia, ou não, dependendo do conteúdo, destruir tudo o que tinha planejado. Mostraria a alguém?

Guardaria o segredo?

Ou a jogaria no lixo, acreditando que era um pedaço de papel sem importância? Perguntou-se se a irmã do tenente coronel lorde Heath Boscastle descobriria que se tratava de uma mensagem codificada. Nem

ele mesmo tinha certeza de quão importante podia chegar a ser ou de quem o tinha escrito. Só sabia que a tinham encontrado costurada na jaqueta militar de Samuel, e sabia que seu irmão não teria tomado tantos cuidados para escondê-la a menos que significasse algo para ele.

Deslizou a mão pela parede e acionou a alavanca que estava escondida detrás de uma pedra da lareira. O escuro passadiço se abriu ante seus olhos, vazio e inóspito.

Convertera-se nisso, em uma criatura da noite que devia brincar de correr sigilosamente e esconder-se enquanto seu inimigo comia em sua mesa, deitava-se com sua amante e planejava como gastar sua fortuna.

Entrou no passadiço, devagar, para que a vista se acostumasse à escuridão e ao ambiente de ar viciado. Abaixou a mão à cintura e pegou a pistola, uma precaução se por acaso a escuridão lhe proporcionasse alguma surpresa desagradável. Desde seu "assassinato", tornara-se tão assustadiço como uma virgem. A pistola lhe dava segurança.

Entretanto, seus dedos não rodearam a culatra de marfim da arma, mas a insuportável suavidade de uma regata feminina.

Enquanto saía do quarto de Chloe de maneira furtiva, o objeto tinha caído pela janela. E como não queria que sua encantadora, embora um pouco brusca, anfitriã tivesse problemas, escondeu a regata na cintura da calça antes de sair do jardim. Deus sabe que aquela mulher já tinha suficientes problemas sozinha.

Estudou o delicado tecido. Um tesouro a levar a sua guarida?

Sorriu. Não é que necessitasse de algo para recordar Chloe. Seu corpo já lhe recordava, com suficiente dor, o desejo que tinha sentido por ela.

Ao que parecia, não estava tão morto como esperava.

Começou a descer pelas altas escadas de pedra que levavam até um túnel que passava por debaixo da casa. Ali tinha passado infinitas horas, à luz das velas, estudando a mensagem codificada, a única coisa que restava de seu irmão.

Tinha que ser vital. Dominic estava desesperado para resolvê-lo, já que suas investigações não tinham dado nenhum fruto.

O que desatou todas as suspeitas foi o criado de Samuel que, através de outros soldados britânicos, enviava-lhe mensagens revelando que o senhor Samuel se reunira em segredo com vários homens no Nepal durante as semanas anteriores a sua morte.

Com a esperança de saber mais coisas, Dominic tinha escrito pessoalmente uma carta ao cônsul britânico no Nepal, que mais tarde se converteu no general Ochterlony. Tinha viajado a Londres várias vezes para reunir-se com o comitê de controle, o conselho de diretores da companhia e as pessoas que estavam em contato com lorde Moira, o comandante em chefe na Índia.

Nenhum pôde lhe ajudar além do que dizia o informe oficial: havia guerreiros gurkhos escondidos nas montanhas, estenderam uma emboscada a Samuel e a Brandon Boscastle e os tinham jogado a uma ravina inacessível, onde foram pasto dos animais selvagens e dos elementos.

Então, a Dominic já lhe tinha ocorrido uma acidentada possibilidade: seu próprio tio e o comandante em chefe de Samuel tinham ordenado a emboscada. Dominic não sabia exatamente quando ou como tinha começado a suspeitar da verdade. Mas recordava que a sua falecida mãe nunca tinha gostado de Edgar e que, em mais de uma ocasião, tinha advertido a seu marido que não devia confiar nele.

O fato de que o coronel sir Edgar Williams estivesse em Katmandú em viagem oficial ao mesmo tempo em que se perpetrava a emboscada não demonstrava sua inocência.

Naquele canto do mundo, sempre havia guerreiros renegados dispostos a algo se alguém lhes oferecesse suficiente dinheiro.

Um ruído a suas costas o devolveu à realidade. Um gemido que não era de todo humano. Agarrou a pistola e parou.

O objeto que tinha junto às pernas não supunha nenhuma ameaça.

Nem o frio nariz que lhe farejava a mão. Virou-se e se ajoelhou, contente. Era seu cão favorito.

- Are - disse. O cão se sentou diante dele, agitando a cauda, muito contente ante a perspectiva de ir dar um passeio pelo bosque, com os olhos brilhantes - Não deveria estar aqui - disse, zangado - Não posso cuidar de você. Não há espaço suficiente.

Mas tampouco podia arriscar-se a devolvê-lo à casa a essas horas; sir Edgar gostava de ler de noite.

- Are - disse, irritado - O que vou fazer com você?

Levantou-se e voltou para as escadas. O cão o seguiu como se tivesse fechado o trato.

Dominic tinha decidido solucionar um problema mais preocupante.

Precisava recuperar aquela nota, independentemente dos riscos que implicasse.

E o que talvez fosse mais perigoso: teria que voltar a visitar o quarto de Chloe Boscastle.

Menos de quarenta minutos depois, estava no quarto em pé e com a carta dobrada no bolso. Chloe nem sequer despertou. Olhou-a da porta do quarto de vestir, tentando convencer-se de escapar enquanto pudesse.

Entretanto, era muito tentadora para não tocá-la. Dominic tinha prometido que só voltaria para recuperar a nota e que partiria antes que despertasse.

Entretanto, assim que a viu, ficou paralisado. Cruzou a porta do quarto de vestir.

É claro, não estava estirada na cama como a típica dama adormecida. Estava retorcida em um incômodo ângulo, com os cachos negros lhe emoldurando o rosto com o cenho franzido. Tinha arrojado um dos travesseiros no chão, brigando com algo ou com alguém em

sonhos.

Tinha o lençol enroscado nas pernas brancas. Dominic suspirou como tão vulnerável parecia, preocupada com algo inclusive em sonhos.

Não estava seguro se algum homem iria poder domar seu espírito selvagem. Ou se ele quereria fazê-lo. Possivelmente seria melhor desfrutá-lo.

Seus olhos desviaram para o joelho dobrado e até o espaço entre as pernas. A camisola de linho não a protegia muito do olhar faminto de Dominic.

Aproximou-se da cama. Viu a sombra de cachos escuros entre as coxas. Seu corpo se retesou ante aquela visão. Necessitava-a desesperadamente. Precisava afundar seu sexo naquele espaço tão quente e suave.

Sentou-se à beira da cama e escutou como respirava de maneira constante. No que estaria sonhando? Ao fim de um momento, acariciou lhe a testa, como se quisesse apagar uma careta. Ela se moveu e se aproximou dele. Dominic contemplou sua branca garganta, a generosidade de seus seios, seu corpo relaxado e sedutor.

Desceu o dedo pelo pescoço e brincou com os mamilos até que se endureceram. Chloe respondia ao mínimo contato. Dominic sentiu uma perigosa sensação de desejo no estômago. Essa mulher não tinha que mover nem um músculo para excitá-lo. Morria de vontade de tocá-la.

Inclinou-se e aproximou o rosto a seu pescoço. Um engano. A essência de Chloe fez com que se esquecesse de todas as precauções.

Ela fez um pequeno som com a garganta e se virou para ele. Dominic engoliu em seco, enfrentando uma batalha que tinha perdido antes de começar.

Não podia negar o que sentia por ela. Tinha invadido o que ficava de coração, e seu corpo a reclamava a gritos. Endureceu a expressão com um sorriso zombeteiro.

O fantasma de Stratfield Hall estava a ponto de fazer demonstração de sua reputação.

Capítulo 11

Nessa noite, Chloe sonhou que um homem lhe acariciava o rosto com a suavidade de uma pena. Suas carícias a fizeram estremecer e ele sussurrou seu nome. Ela gemeu, lutando contra a voz poderosa desse homem, lutando para não despertar. Seus afiados dedos a tinham presa pelos ombros, pelos seios, brincando com seus mamilos através da camisola.

Chloe respondeu a seu sedutor com uma luxúria incontrolável. Sem que as inibições da Chloe acordada pudessem interrompê-los, arqueou-se e se apertou contra ele sem nenhum reparo. Na escuridão do sonho, não podia lhe ver o rosto. Só sentia o calor e o desejo que desprendia.

Queria lhe pedir que não parasse. Pedir que a tocasse de mais maneiras. De todo modo, a Chloe adormecida não podia detê-lo. Só podia responder ao poder que exercia sobre ela, às necessidades que tinha despertado em seu corpo. Seus sentidos responderam às demandas desse desconhecido sem hesitar.

- Tem o corpo de uma deusa, Chloe - sussurrou a voz longínqua contra seu pescoço - Poderia adorá-la. Poderia lhe ensinar prazeres que jamais esqueceria.

A Chloe adormecida sussurrou que tinha razão. Quando a mão do desconhecido desceu pela barriga e se colocou nas quentes dobras de seu sexo, ela sentiu um prazer tão grande que poderia chorar. Seu corpo chorou; notou como lhe umedeciam as pernas, esperando alívio. Um prazer inaudito se apoderou de todo seu ser.

Precisava liberá-lo, necessitava que indultassem essa dor que sentia dentro.

Os elegantes dedos de seu cavalheiro acharam o lugar secreto onde ninguém a havia tocado jamais. Aquelas fricções firmes e

constantes a excitaram até a planta dos pés. Se não fosse pela frágil barreira da fina camisola, estaria totalmente exposta e aberta para ele.

Era o sonho mais erótico de sua vida. Quando a fez alcançar o orgasmo, notou as veias cheias de sangue. Notava que o calor ia da cabeça aos pés e ergueu os quadris; à medida que o prazer se apoderava de sua barriga, foi acelerando o coração.

Tremeu, impotente, embora continuasse desfrutando de cada momento. "Dominic." Sua séria imagem dominava o sonho. Revolveu-se e tentou pronunciar seu nome, tentou lhe perguntar por que havia voltado. Queria lhe dizer que tinha visto seu tio essa noite na peça de teatro e que não lhe tinha dado muito boa impressão. Precisava pô-lo sobre aviso, abraçá-lo. Desejava sentir sua força, pedir uma explicação sobre por que havia voltado a invadir seu sonho.

Uma repentina sensação de frio substituiu a íntima calidez que esteve desfrutando. Abriu os olhos, a contra gosto, e esperou que os batimentos do coração que sentia no estômago se relaxassem. Notava como uma sensual lassidão vibrava para atormentá-la.

O sonho lhe tinha parecido tão real, mas estava sozinha, morta de frio e acordada. Devon tinha deixado aberta a porta do quarto de vestir?

Não estava certa de havê-la fechado antes de deitar-se?

Endireitou-se na cama e estremeceu enquanto saía dela.

- Quem é? - sussurrou - É você, Dominic? Será malvado.

Não houve resposta. Uma olhada rápida serviu para comprovar que o quarto de vestir estava vazio, a janela fechada e as cortinas passadas.

Com um gesto de contrariedade, voltou para a cama e abraçou o travesseiro como se quisesse recuperar a calidez de antes.

A nota tinha desaparecido. Em seu lugar, havia uma rosa, com as pétalas ligeiramente abertas e perfumadas.

Ficou olhando a cama fixamente, com o coração na garganta. Era impossível que o grande desalmado tivesse voltado para agarrá-la. Era

impossível que tivesse estado ali, tocando-a.

- Oh - sussurrou, excitada de novo, embora desta vez por uma razão completamente diferente - Não se atreveria.

Tinha-o feito. Desesperada, procurou por todo o quarto, pelo quarto de vestir, pelo chão, como se ainda estivesse em um sonho.

- E o telescópio também desapareceu - sussurrou enquanto abria a janela para olhar o pequeno bosque que afastava as duas casas - Sei que está aí fora, certamente rindo de mim, Stratfield, seu... seu ingrato.

Assim é como me agradece por ajudá-lo?

Sentindo-se como uma idiota, voltou para a porta do quarto. Mas, e o sonho? O que tinha sido real e o que tinha sido imaginado? Que parte de seu estado de excitação se devia à perversidade de Dominic e que parte se devia a seus desejos mais íntimos?

Bom, já tinham um novo escândalo.

O fantasma de Stratfield voltou a agir, e sua última vítima era lady Chloe Boscastle.

Dominic acariciou as orelhas do cão no túnel, onde ressoava sua risada de satisfação.

- Bom, esteve perto, mas recuperamos a nota. Na próxima vez, não serei tão descuidado.

Se é que essa fosse a palavra; "obcecado" parecia descrever muito melhor seu comportamento. Obcecado com a vingança. Obcecado recuperando o que era seu.

Obcecado, de repente, com uma jovem linda que, com toda a razão do mundo, não deveria querer nada com ele. Por que, se não isso, sentara-se em sua cama e atormentou a si mesmo com aquelas carícias proibidas? Tinha sido uma estupidez correr esse risco. Mas, as mãos ainda lhe tremiam depois de havê-la tocado. Poderia ter despertado.

Poderia ter aberto os olhos e ter despertado a toda a casa. Ou, como ele secretamente desejava, poderia ter acessado a tudo o que queria lhe

fazer. Poderia, como fazia nas fantasias mais desesperadas de Dominic, lhe ter pedido que fizesse tudo o que quisesse consigo.

Era claro que era sexualmente curiosa e teria se encantado ter-lhe ensinado quatro coisas. Mas estava igualmente claro que não era uma jovem com a cabeça oca que não sabia somar dois mais dois.

Tinha escondido a nota debaixo do travesseiro. Acaso tinha reconhecido a importância desse papel? Duvidava. E, por sua vez, duvidava que o tivesse guardado tão perto dela como uma mera lembrança sentimental de seu encontro.

Sua natureza intelectual julgou o comportamento de Chloe como intrigante. Pelo contrário, seu corpo a desejava de uma maneira mais aberta e clara.

Colocou o telescópio de latão que pegou de seu quarto em frente ao olho para olhar sua janela. Momentos depois, conseguiu sua recompensa quando Chloe apareceu com a camisola de musselina branca. É claro, ela não podia vê-lo, porque estava escondido como uma raposa em seu esconderijo. Certamente, estava-o amaldiçoando, embora esperasse que o fizesse em voz baixa.

- Gostou da rosa? - perguntou à imagem longínqua com um sorriso.

Como se o tivesse escutado, Chloe agitou um objeto pálido não identificado. Dominic imaginou que era a rosa que lhe tinha deixado no lugar onde ela tinha escondido a nota.

Olhou a seu redor. Viu que, em sua própria casa, acendeu-se uma luz. Na janela de seu quarto. Vislumbrou a silhueta de seu tio atrás das cortinas, um amargo aviso de que não podia rondar pelos arredores da janela de Chloe como um animal no cio.

Abaixou o telescópio, esfumando o sorriso.

- Boa noite outra vez, Chloe - disse, em um suave tom melancólico

- Tenho que perseguir alguém e você, querida, prosseguira-me todo o tempo.

Chloe acendeu a vela que tinha em cima da mesinha de noite e se ajoelhou no chão para procurar algo debaixo da cama. Aliviada, achou o diário onde o tinha deixado, escondido debaixo de uma tábua do chão.

Tirou a fina caderneta e se sentou na cama. Na última página, havia a entrada mais recente. Uma cópia exata da carta codificada que Dominic tinha recuperado.

Obviamente, significava o suficiente para ele ter se arriscado a voltar para seu quarto. Felicitou-se por ter a previsora ideia de fazer uma cópia. E por ter obrigado a seu irmão Heath a lhe ensinar alguns truques na arte de decifrar um código.

Tinha chegado a hora de pôr em prática esses conhecimentos no que pôde ter sido a última mensagem de Brandon. Não aceitou ajudar Dominic sem esperar nada em troca.

Capítulo 12

Quando na manhã seguinte Chloe desceu para tomar o café da manhã, achou a casa imersa em um caos. Tio Humphrey ia correndo de um lado a outro do saguão com a bengala debaixo do sobretudo marrom. Não tinha se penteado e levava o nó da gravata afrouxado, como se se tivesse vestido a toda pressa. Quando viu sua sobrinha aos pés da escada, lançou-lhe um olhar de pânico.

- Pegue a capa e escape comigo enquanto possa, querida - disse, em um sussurro - A loucura tomou conta desta casa e não quero ter nada que ver com isto.

- Que loucura? - perguntou Chloe, mas sua voz ficou abafada pelas escandalosas vozes femininas que chegavam do salão e pelos impaciente latidos dos cães que esperavam Humphrey para passear.

Pâmela apareceu na porta do salão, com seu sardento rosto alegre e rosado.

- Ah, Chloe, por fim desceu. A reunião já começou.

- A reunião - repetiu Chloe, com o cérebro ainda perdido entre a

névoa enquanto Pâmela se aproximava dela para levá-la ao salão - Que reunião?

- Minha mãe chamou todas as senhoras de Chistlebury para falar da crise comum.

Chloe começou a notar que lhe esticavam as têmporas, sinal inequívoco de uma tremenda dor de cabeça. Estava zangada e esgotada depois de ter ficado acordada até as quatro da madrugada, e sem nenhum resultado, tentando resolver o enigma da carta de Brandon. E

ainda continuava furiosa e perguntando-se se Dominic a havia tocado na noite anterior ou se aquelas coisas tão descaradas que lhe tinha feito tinham sido só um sonho.

Era incapaz de decidir qual das opções era pior. Sabia perfeitamente que não estava de humor para sentar-se e falar da má conduta do fantasma de Stratfield.

A mulher do pároco se levantou para acompanhar Chloe até o abarrotado sofá, onde havia uma mulher e suas duas filhas solteiras discutindo acaloradamente a respeito daquela horrorosa ameaça para a comunidade feminina do povoado. Pâmela se sentou a seu lado.

Todas ficaram em silêncio. Toda a atenção se concentrou em Chloe em uma mistura de curiosidade pormenorizada e desaprovação afetada.

Quase como se ela, à força de sua reputação, houvesse trazido esse escândalo a seu tranquilo povoado. Limpou a garganta e as olhou com um cândido sorriso.

De repente, todas as mulheres voltaram a falar ao mesmo tempo.

Apoiou a cabeça no sofá e reprimiu um bocejo. Os números da carta de Brandon seguiam lhe dançando na cabeça. Por que teve a necessidade de codificar uma mensagem no Nepal? Acaso tinham enviado os agentes de Napoleão a esse posto de avançada para pôr em perigo os interesses britânicos?

Abriu os olhos, surpresa, quando a senhora que estava sentada a

seu lado sacudiu o braço.

- Temos que pegá-lo. Não está de acordo, lady Chloe?

- O que disse?

A mulher a olhou, preocupada.

- É nossa obrigação; temos que pegá-lo.

- Fazer o que a quem?

- Pegá-lo. Para que descanse, querida. O pobre espírito está procurando uma mulher que o ajude a encontrar a paz.

Segundo Chloe, o "pobre espírito" esteve procurando outra coisa com certa mulher na noite anterior, e pode ser que lhe agarrar fosse a solução, ou pode ser que não.

- E como propõe que o façamos? - perguntou, embora não pensasse implicar-se no assunto.

Antes que pudesse lhe responder, todas as mulheres se alvoroçaram de repente. Tinha chegado outra convidada: uma atraente cigana com uma saia vermelha, um xale verde com franjas, e os pulsos cheios de braceletes prateados. Aqueles vivazes olhos castanhos, colocados em cima de um pequeno nariz arrebitado no meio de um rosto magro e longo, observaram seu público com um desdém divertido.

Tia Gwendolyn colocou uma cadeira Chippendale no centro da sala para que sua estimada hóspede presidisse a reunião.

- Nos diga, madame Desse - lhe pediu, com as mãos apoiadas no espaldar da cadeira - Qual de nós será a próxima vítima?

"Madame" Desse, que tinha, quando muito, dezenove anos, rodeou a cadeira com uma graça indolente porque sabia reconhecer um público entregue quando o via.

- Me tragam algo para beber.

A mulher do pároco se levantou para lhe servir uma xícara de chá.

Passou-lhe a xícara e o açúcar a Pâmela que, por sua vez, o passou à mulher que estava sentada a seu lado, que o deu a Gwendolyn com a

reverência própria do Santo Graal.

Madame Desse pegou a taça e se sentou. As demais mulheres a observaram sorver o chá em silêncio e fascinadas, como se esse simples ato fosse de uma importância vital para seu futuro.

Chloe estava tão cansada que lhe fechavam as pálpebras. Estava impaciente para poder voltar a seu quarto e seguir trabalhando na carta de Brandon, mas nos dois últimos dias não tinha dormido muito. A tensão de tudo o que estava passando estava começando a lhe cobrar.

- É... você.

Escutou o grito coletivo que ressoou nas quatro paredes e levantou o olhar, curiosa e alarmada quando viu que a cigana estava assinalando ao sofá onde ela estava sentada. O coração lhe deu um salto. Era impossível que a cigana soubesse. Era uma decisão arriscada e um julgamento injusto baseado em rumores sobre seu escandaloso passado.

- Espere um segundo - disse, ruborizando - Que seja a única que não é do povoado não é motivo suficiente para assumir que...

Mas não lhe deram a oportunidade de terminar de defender-se. O

ruído da sala se intensificou em uma cacofonia de vozes, gritos, suspiros, uma dúzia de mulheres compadecendo-se da vítima escolhida.

- Isto não é justo - disse, envergonhada.

Viu que sua tia se aproximava dela com uma cara de tal preocupação que não pôde evitar sentir-se culpada. Era possível que a cigana soubesse a verdade? Não.

Era impossível. Designar Chloe como a escolhida do fantasma era...

- Um engano - disse a tia Gwendolyn - Deve ser um engano. Minha cordeirinha inocente, não.

Chloe piscou e se virou para olhar a jovem que estava sentada a seu lado. Pâmela? A cigana não tinha apontado para Chloe e sim para

sua prima, que estava sorrindo como uma idiota ao ver-se designada para aquela inesperada honra.

- Tratarei de impedi-lo com todas minhas forças - gritou tia Gwendolyn com voz de militar, levantando o punho para o céu - O

fantasma de Stratfield não tomará a minha filha!

Cinicamente, Chloe pensou que talvez o próprio fantasma de Stratfield teria algo a dizer no assunto. Entretanto, tendo em conta que, pela primeira vez em anos, não era o centro do escândalo, fosse real ou imaginário, decidiu fechar a boca e desfrutar do anonimato.

Estaria muito bem, para variar, que todos a ignorassem. Pode ser que inclusive lhe desse um pouco de liberdade. É claro, Dominic detestaria voltar a ser o centro de atenção. Mas claro, se não queria que o agarrassem, não deveria penetrar nos quartos das damas para aproveitar-se delas enquanto dormiam. Alguém tinha que detê-lo.

Era, realmente, mais lascivo do que queria reconhecer.

Entretanto, tinha-lhe tirado a carta e era pouco provável que Chloe tivesse outra oportunidade para repreendê-lo como queria fazer. Tendo em conta o perigo que o rodeava, disse-se que seria melhor assim.

Naquela mesma noite o viu.

Tinha planejado analisar a carta de Brandon porque estava segura que estava perto do descobrimento que esclareceria um pouco todo o mistério que tinha rodeado a morte de seu irmão. Pode ser que aquela verdade lhe desse um pouco de paz e resignação.

Tinha pensado descer para jantar algo, mas seu tio se encontrou com sir Edgar Williams no bosque, justo antes de anoitecer, enquanto passeava os cães. Sir Edgar tinha convidado tio Humphrey e a sua família para jantar com ele essa noite. Humphrey explicou a sua mulher que sua primeira intenção foi rejeitar a oferta mas que logo não pôde fazê-lo porque, claro, agora sir Edgar era seu vizinho mais próximo.

- É claro que devemos ir - disse tia Gwendolyn, com um ardiloso

brilho nos olhos - Afinal é nossa obrigação.

Tio Humphrey lançou um olhar de alarme à Chloe.

- Nossa obrigação? - repetiu, com cautela.

Gwendolyn se colocou diante da janela do salão, com a voz trêmula como se estivesse em uma obra dramática.

- Se Stratfield escolheu Pâmela como sua próxima vítima, devemos fazer tudo o que esteja em nossas mãos para evitá-lo. Quem cortejará a nossa filha quando um fantasma a tenha tomado pela primeira vez, Humphrey?

O homem voltou a olhar para Chloe.

- Suponho que os mesmos que não a cortejavam antes.

Entretanto, não houve maneira de persuadir tia Gwendolyn. O

pároco e a cigana a tinham convencido que devia tomar medidas drásticas para proteger a virtude de Pâmela. Quanto à própria vítima, a garota mal podia esconder sua alegria porque um espírito tão famoso tivesse escolhido a ela. Inclusive perguntou se podia usar uma das camisolas de Chloe para a ocasião.

Os quatro se vestiram para o jantar. Gwendolyn insistiu em que deviam chegar em carruagem, embora Humphrey comentou que, da porta de casa, podia lançar uma pedra e alcançar o lago de Stratfield.

- Isso é um ordinarismo, Humphrey - disse Gwendolyn, com as mãos enluvadas cruzadas sobre o colo.

- Não é um ordinarismo, Gwennie. Demoramos mais em entrar e sair da diabólica carruagem que em chegar a pé até a porta de sua casa.

- Não quero que sir Edgar pense que somos populares - respondeu ela, implacável.

Durante a breve viagem, Chloe ficou olhando as árvores banhadas pela luz da lua. Provavelmente, Stratfield tinha encontrado um esconderijo no bosque. Estava bem? Teria se curado com aquela beberagem que lhe tinha dado? De onde podia espiar sua própria casa

sem que o vissem? Não entendia como tinha podido planejar seu próprio funeral sem ajuda de ninguém.

Também sopesou a possibilidade de ter encontrado um túnel subterrâneo de contrabandistas ou uma caverna onde esconder-se. Uma vez, Heath lhe disse que se haviam reaberto alguns túneis em Sussex para defender-se de um ataque, pela costa, dos soldados de Napoleão.

A carruagem passou diante das árvores prateadas cujas sombras tinham sido testemunhas da primeira vez que Dominic a tinha beijado. A lembrança de suas mãos enluvadas em seu rosto e seus lábios nos dele desencadeou um incômodo calor em seu interior. Sim, era um homem perigoso, em mais de um sentido, embora ela conhecesse os motivos que o tinham convertido nisso. Possivelmente representava um perigo tão grande para ela porque se podia se identificar com ele.

Recordou ter pensado que, naquele dia no bosque, parecia muito triste, e agora entendia por que. Sua melancolia estava justificada. Sem dúvida, teria sido melhor para ela não voltar a vê-lo nunca mais.

Entretanto, se esse perigo tinha algo que ver com Brandon, então tinha que implicar-se.

Não obstante, era necessário que o desejo entrasse no lote?

Estava segura de poder ajudá-lo, desde que não se implicasse emocionalmente com ele. Agora que estava longe dele, decidiu que podia fazê-lo. Entretanto, em seu interior sabia que era uma sorte não ter que voltar a enfrentar aquela tentação.

Quando Pâmela a devolveu à realidade, Chloe deu um salto.

- Por que está tão desolada, Chloe? - perguntou-lhe com um malicioso sorriso - Conforme dizem, o cordeiro que vai ser sacrificado sou eu, e não você.

- Pois você não parece nada desolada - disse Chloe.

Pâmela sorriu ainda mais.

- Admita sussurrou sua prima - Sente um pouco de curiosidade por

saber o que se sente ao ser seduzida pelo fantasma de Stratfield.

- Não muito - respondeu Chloe. Porque já sabia. Teve esse ignominioso privilégio há pouco, e estava certa de não esquecê-lo em muito tempo.

A carruagem acabava de cruzar a grade coberta de trepadeiras de Stratfield Hall. Enquanto Chloe alisava o vestido cinza de seda, o condutor parou no caminho de pedras da entrada da elegante casa da última época isabelina.

A linda casa de pedra culminada com torres que parecia tão grande e orgulhosa como seu dono. Chloe quase podia ver Stratfield em pé atrás daquelas altas janelas salientes do balcão, observando com satisfação sua propriedade. Sim, inclusive um fantasma encontraria paz na visão dos cisnes nadando no lago à luz da lua, atrás dos jardins.

Apareceram um moço e dois empregados para ajudá-los a descer da carruagem. Chloe sentiu um estranho comichão na pele. Havia alguém a observando?

Levantou o olhar com um gesto rápido enquanto tia Gwendolyn recordava a seu marido que não engolisse a comida como um lobo. Viu como se aproximava um homem alto, com o cabelo escuro, de costas largas e com a atitude sólida e segura de um militar.

Na escuridão, a semelhança com seu sobrinho Dominic era tão grande que Chloe conteve a respiração. Imponente, com os mesmos olhos melancólicos e as mesmas feições sérias e arrogantes. Entretanto, a voz era diferente, não era tão grave, tinha o tom cantante próprio de suas origens galesas. Recebeu seus convidados com um amplo sorriso.

- Me alegro que tenham podido vir depois de havê-los avisado com tão pouco tempo - disse, colocando a mão em cima do ombro de Humphrey - E que afortunados somos por ter três belas mulheres nos acompanhando à mesa.

Sir Edgar sorriu muito amavelmente à tia Gwendolyn e a Pâmela,

que lhe explicou que normalmente ia mais ligeira, mas que fazia pouco que torcera o tornozelo.

Depois, olhou e se entreteve com Chloe. Sorriu-lhe, porque era o que lhe tinham ensinado de pequena. Não, não era tão atraente como Dominic, e era mais velho que ele. Seus olhos desprendiam uma inteligência calculada, como se medisse cada palavra e cada gesto.

Depois de tantos anos servindo no estrangeiro, tinha a pele morena, e o rosto era mais anguloso que o de seu sobrinho. Suas maneiras e sua vestimenta pareciam impecáveis, desde o caloroso recebimento até a gravata bege e as botas reluzentes que ressoavam contra os degraus de pedra.

- Lady Chloe - disse, suavizando a expressão de seus escuros olhos - Sempre admirei a sua família. Permita-me lhe transmitir minhas condolências pela morte do jovem lorde Brandon. Quando aconteceu o triste episódio da selvagem emboscada, eu estava em Katmandú, mas espero que a senhorita e sua família lhes console saber que os responsáveis pagaram por seu crime.

Chloe o olhou em silêncio. Parecia que lhe iria parar o coração e, por um horrível segundo, pareceu-lhe que tinha a garganta tão estreita que não poderia falar.

- Não o entendo. Estava... estava no Nepal com Brandon?

Sir Edgar pareceu comovido.

- Minha querida jovem, fui muito desconsiderado ao supor que soubesse. Seu irmão e meu sobrinho Samuel serviam no regimento da companhia sob meu comando. Tinha-lhes advertido milhares de vezes sobre os perigos que implicava patrulhar os solitários caminhos locais, mas os pobres valentes estavam impacientes por demonstrar seu valor.Enquanto estava em viagem , decidiram brincar de serem heróis por sua conta.

- Não sabia - sussurrou ela - Não tinha nem ideia - embora não

fosse algo que a tranquilizasse. Em realidade, a deixava mais nervosa.

Sir Edgar os guiou até o vestíbulo, com paineis em carvalho.

Enquanto Chloe recuperava a compostura, viu que sua tia olhava atrás de uma das colunas dóricas, como se esperasse que, em qualquer momento, o visconde Stratfield fora a aparecer e dizer: "Surpresa! Sou eu, o fantasma da casa!"

E o engraçado era que Chloe também podia notar a presença de Stratfield. Ao menos, achava que podia. Tendo em conta que não era um autêntico espírito, não tinha muito claro o que notava. Os variados estados emocionais que tinha despertado nela eram bastante ambíguos e muito vergonhosos para examiná-los. Era mais fácil dizer que tinha medo dele a admitir algo mais complexo que lhe punha os nervos em franja, algo decadente e ligeiramente delicioso.

Sim; definitivamente naquela casa se respirava sua presença. Nas paredes com paineis com carvalho e na galeria de música em cima da sala de jantar. Chloe quase esperava ver sua imponente figura fazer uma aparição estelar em qualquer momento e começar a ordenar a todos que...

- Já estive aqui algumas vezes - lhe sussurrou ao ouvido o tio Humphrey - Stratfield me convidou para caçar e jogar cartas com seus amigos. Não era tão mau como todo mundo acha, Chloe. E tampouco era tão malvado como pretendia. E todos estes contos do fantasma...

- Não acredita nisso? - sussurrou ela.

- Claro que não. Porque lembro que, há anos, as pessoas costumavam dizer que nesta casa vivia o fantasma de um sacerdote que se escondera em uma cripta e nunca mais pôde sair. Se há alguém seduzindo às jovens enquanto dormem, certamente é o fantasma de um velho clérigo pervertido.

Chloe se virou para ele no meio do saguão.

- Um sacerdote em uma cripta?

- Sim. Recorda as lições de história, Chloe. A família do visconde descende de católicos romanos. A perseguição religiosa fez que muitos escondessem suas crenças até a atualidade.

Chloe começou a sentir um comichão por todo o corpo.

- Stratfield era católico?

- Não acredito. Só recordo ter ouvido mencionar o passado de sua família em uma ocasião.

Chloe se alegrou muito de ter obtido aquela informação, embora não soubesse por que. Que importância tinha se Dominic descendia de uma longa dinastia de rebeldes?

Na realidade, ela também. Mas gostava de saber mais coisas dele.

Jantaram faisão assado às ervas, batatas com manteiga quente mesclada com salsinha e bolo de maçã com nata. Na galeria que havia em cima da sala de jantar,

Havia um quarteto de corda do povoado que tocava música medieval durante todo o jantar. Sir Edgar não poderia ter sido um anfitrião mais atento. Entretanto, a sensação de desconforto de Chloe persistia. Edgar era quase muito educado, estava quase muito cômodo no papel de Dominic. E Brandon tinha servido sob seu comando. Queria lhe perguntar mais coisas a respeito de seu irmão, mas seus instintos a impediram.

Começou a deixar voar a imaginação. Tio Humphrey e sir Edgar estavam especulando sobre o futuro da aristocracia francesa. Imaginou Dominic sentado no outro extremo da imponente mesa, vestido de gala.

Sua personalidade dominante encaixava à perfeição com a escura elegância da casa.

Imaginava-o segurando uma taça de prata com seus masculinos dedos e com aquele sedutor sorriso no rosto. Quase podia sentir seus melancólicos olhos cinzas observando-a de cima abaixo daquela maneira tão comedida e insolente. Bebeu um grande gole de vinho.

Seriamente tinha se atrevido a seduzi-la enquanto dormia? Como se lhe roubar a carta de Brandon não tivesse sido suficientemente impertinente.

A fantasia privada de Chloe, imaginando Dominic sentado à mesa, fez-lhe ferver o sangue. Adoraria poder lhe dizer uma última vez quão descarado era.

Imaginou acariciando-a enquanto ela dormia. Grande desfaçatez aproveitar-se dela e fazê-la responder a suas carícias daquela maneira.

Se...

- Encontra-se bem, lady Chloe? - a voz cantante de sir Edgar interrompeu seus atrevidos pensamentos - Parece acalorada.

Possivelmente não deveríamos falar do regime da guilhotina na mesa.

Chloe ficou muda. Por desgraça, tia Gwendolyn encheu aquele estranho vazio ao anunciar:

- Talvez esteja preocupada com o mesmo que eu, Edgar.

- Preocupada? - perguntou sir Edgar, olhando apara Chloe com curiosidade.

- Esta casa está enfeitiçada - disse tia Gwendolyn, exaltando com força pelo nariz - Não o nota?

Sir Edgar pareceu um pouco desconfortável.

- Não posso dizer que tenha escutado correntes nem sons estranhos de noite. Possivelmente as senhoras necessitem um pouco de exercício para afastar esses inocentes pensamentos. Talvez um longo passeio pela galeria ou pela estufa enquanto sir Humphrey e eu desfrutamos de uma taça de conhaque as deixará mais tranqüilas.

- É uma ideia excelente - disse tia Gwendolyn e, a julgar pelo depressa que se levantou da cadeira, Chloe deveria saber que atrás de tudo aquilo havia segundas intenções - Levantem-se, garotas, vamos passear para eliminar os excessos deste delicioso jantar.

Sir Edgar se levantou para acompanhar às três mulheres até a porta. Entretanto, justo quando saíam, disse-lhes:

- Uma advertência, queridas. Embora não acredito que se encontre com o espírito de meu malogrado sobrinho, existe a remota possibilidade de que cruzem com seu cão.

- Seu cão? - perguntou Pâmela, surpresa - O que quer dizer?

Ele sorriu.

- Esse irritante cão seu. Está há semanas destroçando o jardim e desaparecendo no bosque. Disse ao guarda-florestal que deveríamos matá-lo, mas não o fez até que, faz um ou dois dias, esse endiabrado animal desapareceu. Odiaria que reaparecesse justo no dia que tenho convidados.

- Não tenho medo do cão do visconde - respondeu tia Gwendolyn -

Com certeza a pobre criatura está desconcertada pela perda de seu amo. O visconde era um excelente caçador e cavaleiro - acrescentou, com satisfação - Independentemente do que digam, os animais lhe queriam muito bem.

- E as mulheres - acrescentou Pâmela, em um sussurro, ao ouvido de Chloe.

Chloe mordeu a língua para não revelar que tinha uma pequena experiência pessoal com o visconde. Tia Gwendolyn interveio, desta vez por sorte, para lhes sussurrar sua opinião:

- Já o ouviram, garotas. O cão do visconde pode perceber sua presença. Os animais notam estas coisas, digo-lhes. Devemos fazer com que esse fantasma descanse em paz de uma vez por todas, embora tenha que me encarregar dele pessoalmente.

Aquilo foi muito para Chloe e Pâmela. As duas puseram-se a rir enquanto Gwendolyn as fazia subir pela ampla escadaria de carvalho negro para a galeria que havia em cima do vestíbulo. No passado, as famílias subiam ali para fazer um pouco de exercício e jogar nos largos corredores. Os amantes caminhavam de mãos dadas e se beijavam à luz da lua nos quartos.

Pâmela voltou a rir enquanto observava os antigos retratos pendurados na parede. Chloe também riu, embora estivesse um pouco decepcionada por não ter encontrado nenhum de Dominic.

Teria sido muito mais fácil repreender um retrato que o visconde em carne e osso.


***
O som da alegre risada de Chloe penetrou pelas paredes até a penumbra onde Dominic estava escondido. Sentiu como a vital energia de Chloe animava sua solitária melancolia. Sua atraente voz o tentava a sair de seu esconderijo para voltar a vê-la. Era uma tortura saber que estava ali, em sua casa, e não poder abraçá-la.

Para ser sincero, queria mais que isso, muito mais. Queria desesperada e apaixonadamente conhecer Chloe Boscastle de cima abaixo, ganhar sua admiração e erigir-se como um herói ante seus olhos. Queria sair de seu esconderijo e voltar para a vida.

Começou a caminhar de um lado a outro do pequeno espaço de ar viciado que fazia as funções de cela auto imposta. Era tão injusto havê-

la conhecido no momento mais baixo de sua vida. Com certeza não tinha gostado. Embora conseguisse levar a cabo sua vingança e sair ileso, jamais lhe permitiriam cortejá-la. Seus irmãos o catalogariam como um descarado, com toda a razão, e o comeriam vivo.

Isso, se sobrevivesse.

Estava desejando vingar-se até a morte, se fosse necessário. Nada se interporia em seu caminho.

A risada de Chloe ressoou provocadora pela galeria e ele olhou por uma abertura na parede, desesperado por vê-la uma vez mais.

Atormentou-se revivendo seus beijos, suas atrevidas palavras, recordando com todo detalhe o aroma e o contato de seu suave corpo.

Ainda não acreditava que tivesse vindo a sua casa. Tão perto e, apesar de tudo, tão fora de seu alcance. Como se a tivesse atraído com seu

desejo.

E estava rindo. Jantando na mesma mesa que o inimigo de Dominic. Caminhando pelo corredor por onde passeava seu assassino.

Encantando ao ambicioso homem que podia matar a um ser humano com a mesma facilidade que matava uma mosca.

Dominic não a tinha advertido o suficiente.

Chloe não tinha nem ideia de quão mortal podia chegar a ser sir Edgar.

- Mamãe, pode-se saber aonde vai? - perguntou Pâmela, surpresa, acelerando o passo para seguir o ritmo à miúda mulher.

- Ao quarto do visconde.

Pâmela olhou para Chloe, alarmada.

- E o que acontecerá se sir Edgar nos descobrir e nos perguntar o que estamos fazendo?

Tia Gwendolyn seguiu como se nada a incomodasse.

- Diremos que ouvimos um ruído e que entramos no quarto por engano.

- Tia Gwendolyn, isso não é o cúmulo da má educação? -

perguntou Chloe, vendo que tinha subestimado a determinação de sua tia.

- O cúmulo da má educação - respondeu sua tia enquanto continuava avançando pela galeria, iluminada pela luz da lua - é um fantasma que está decidido a arruinar minha filha.

Chloe a seguiu. Era impossível deter um Boscastle quando tinha tomado uma decisão, nem sequer quando já não gozava da mesma energia que em plena juventude.

Na bolsa, estava um pouco de sal, uma Bíblia, um sino de prata e um saco de seda com as cinzas do osso de um dedo de um santo francês. Ou, ao menos, isso havia dito Madame Desse quando tinha vendido aqueles grânulos a lady Dewhurst, embora para Chloe mais

parecia farinha de aveia.

- Venha, vamos meninas - sussurrou tia Gwendolyn quando chegou frente a uma porta fechada - Segundo a informação do pároco, aqui é onde assassinaram lorde Stratfield.

- Possivelmente deveríamos fazê-lo de dia - disse Pâmela, empalidecendo ante a menção do terrível assassinato.

- Tolice - disse sua mãe - Um fantasma sai de noite e pode ser que não voltemos a ter outra oportunidade para detê-lo. Não podemos confiar nas amenas conversas de meu marido para ter sir Edgar entretido muito mais tempo.

Quando Pâmela abriu a porta do escuro aposento, Chloe ficou atrás. Não tinha nenhum desejo de ver o quarto onde tinham atacado Dominic daquela maneira tão brutal, de imaginar o surpreso, assustado, sofrendo uma agonia inimaginável. Depois de ter visto a dor que lhe provocou as feridas, não podia fazer como se nada houvesse ao visitar o cenário da tentativa de assassinato.

- Você não vem, Chloe? - sussurrou Pâmela, por cima do ombro.

- Ficarei aqui vigiando - respondeu - Mais se apressem.

Ao cabo de uns momentos, Chloe caminhou até um retrato que havia do outro lado da longa galeria. Em seguida soube que o elegante cavaleiro retratado com uma capa cor vinho que ondeava ao vento era Dominic. Os olhos cinzas que a olhavam de cima refletiam o mesmo olhar zombeteiro que ela recordava. O artista tinha capturado a potente energia e profundidade do caráter do Dominic.

Era quase como o tê-lo ali diante.

- Deveria lhe dar uma lição - sussurrou.

Escutou um ruído. Era como um suave arranhão, mas, de onde vinha? Seguiu o ruído ao longo da galeria até uma lareira que parecia em desuso e que estava flanqueada por duas colunas de mármore italiano verde.

- Um camundongo - disse, olhando um pouco decepcionada para o lugar vazio - Com certeza só foi um camundongo.

Afastou-se da lareira e foi até uma das janelas que davam ao exterior e de onde se via toda a propriedade. A luz prateada da lua se refletia na superfície escura do lago. Não via seu fantasma por nenhum lado.

- Dominic, onde está? - perguntou, quase em um suspiro, enquanto apoiava a mão no vidro.

- Mais perto do que acredita.

Chloe se virou. Uma figura vestida de negro se jogou sobre ela e parou o coração de Chloe. Antes que pudesse dizer algo, uma mão coberta com uma luva negra lhe tampou a boca e aquela figura a arrastou até o espaço vazio que se abria junto à lareira.

A coluna se fechou levantando uma nuvem de pó e Chloe se viu envolta por uma cálida escuridão de ar viciado. Estava junto ao peito de Dominic, cujas musculosas coxas a apertavam contra um escuro vazio.

Não podia vê-lo, mas o sentia contra seu corpo. Seus braços a protegiam de perigos que não conhecia, mas que sabia que espreitavam.

Os lábios de Dominic lhe acariciaram o pescoço.

- Meu deus, Dominic, está louco...

- Não diga nada - sussurrou ele, em seu pescoço.

Chloe abriu a boca para protestar pelo fato de estar preso entre aquele muro inacabado e seu musculoso corpo, mas ele sossegou suas queixas lhe colocando o dedo indicador em cima dos lábios. Depois, acariciou-lhe a linha do maxilar com sua grande mão. Chloe se estremeceu e fechou os olhos ante a emoção de estar como uma boneca de pano em seus braços.

Dominic desceu as mãos, cobertas por luvas de couro negro, pelos ombros de Chloe, pelos flancos, até que chegaram às nádegas. A

sensação era íntima e impessoal ao mesmo tempo, uma invasão que cometia como se estivesse em todo seu direito. Desde a última vez que se viram, tinha recuperado as forças, e agora controlava seu corpo à perfeição e era muito consciente de seu poder. Ela também era consciente dele naquele habitáculo de reduzidas dimensões. Consciente de que estava excitado, já que seu poderoso membro viril assumiu uma posição dominante. A escuridão acrescentava a vulnerabilidade de Chloe e a vantagem de Dominic. Ela notava os definidos músculos do peito dele e, mais abaixo, como suas coxas se apertavam às suas.

- Estive pensando em você, Chloe. No muito que eu gostei de beijá-la.

- Não sei como alguém pode pensar aqui dentro - sussurrou ela -

Está muito escuro.

- Me alegro de voltar a vê-la. - Chloe notou como o pulso do Dominic se acelerava - E me alegraria voltar a beijá-la.

A promessa que escondia sua voz roubou o coração de Chloe.

Dominic a beijou antes que pudesse lhe responder. Introduziu a língua em sua boca enquanto, com a outra mão, apertava-a mais contra ele.

Esticou todo o corpo, gemeu e Chloe só podia pensar: "Está vivo. Não o matei com aquele remédio para cavalos. E me está beijando outra vez".

Na escuridão, em seu terreno, Dominic dominava a situação e com certeza não ia desperdiçar a ocasião. Agora era sua, digamos que estava em seu quarto de vestir. Podia fazer o que quisesse com ela.

Podia retê-la naquele lugar secreto durante dias e ninguém teria nem ideia de onde tinha ido. As possibilidades a tentavam. O que decidiria fazer Dominic? Esse perito beijo a tinha deixado faminta e desorientada.

Sentia o batimento do coração por todo o corpo.

Não estava nem ao menos tão assustada como qualquer outra jovem deveria estar em uma situação como aquela. Apoiou-se na parede, com os músculos do estômago tensos ante o contato de

Dominic.

- Vamos ficar aqui brigando na escuridão? - sussurrou-lhe - Ao menos, poderia me trazer uma cadeira, antes de cair rendida a seus pés, claro.

- Não estará criticando minha hospitalidade, não é verdade?

- Parece-me um lugar horrível para esconder-se. O que aconteceria assim fosse?

Dominic enrolou um dos negros cachos de Chloe no dedo.

- Teria que castigá-la.

- Hmmm. Castigar-me?

- Sim - puxou-lhe suavemente uma mecha de cabelo - Na parede da cela, há umas algemas que me poderiam ser muito úteis.

Possivelmente estão um pouco oxidadas e certamente não são tão elegantes como os diamantes que normalmente adornam seus pulsos.

Algemas. Na cela. O grande bárbaro estava ameaçando acorrentá-

la à parede. Assim é como lhe agradecia que o ajudasse. E o que lhe faria quando a tivesse algemada? Perguntou-se. Chloe se ruborizou ante as eróticas imagens que lhe vieram à mente, ante a ideia de estar atada e impotente para seu pleno desfrute, sendo sua escrava.

- Cale-se, Stratfield - disse, muito séria - Se o visse bem, deveria lhe dar uma bofetada.

- Estou justo aqui, Chloe. Não poderia estar mais perto.

E era verdade. O calor que seu corpo desprendia inflamava o dela.

O forte batimento de seu coração parecia refletir-se no de Chloe.

- Acaso não me nota? - perguntou-lhe ele, traçando com um dedo a linha do maxilar e subindo até o lóbulo da orelha esquerda.

- Cada centímetro - disse ela, quase sem fôlego, algo que com certeza não passou inadvertido a Dominic. O que disse Shakespeare a respeito de que o príncipe da escuridão era um cavalheiro - Os sacerdotes não algemavam às pessoas à parede, não?

- Não - respondeu ele, sorrindo - Mais os contrabandistas que os perseguiram dois séculos depois, sim. Não lhe mostrarei o esqueleto que encontrei acorrentado à parede durante meus primeiros dias de cativeiro.

- Agradeço-lhe muito, de verdade.

Dominic riu e seu quente fôlego no pescoço de Chloe a fez estremecer.

- O pobre desgraçado leva uma placa no pescoço que diz: "Me livre a sua custa".

- E isso o que significa? - perguntou Chloe, agradecida de repente por estar entre os protetores braços do Dominic.

- Não tenho nem ideia.

- Talvez quer dizer que liberará seu espírito para que possa vingar-se de seus captores - disse ela, devagar. - Pode ser que inclusive seja um de seus antepassados.

- Duvido. Parece que o barão ossudo foi mais um inimigo de quem tinha o comando da cripta nesse momento.

- Bom, então pode ser que o barão e você sejam almas gêmeas, embora não sejam família direta.

Ele sorriu.

- Certamente. Acha que deveria liberá-lo?

- Por favor, não enquanto eu esteja presente - fez uma pausa - E

agora o que vai se passar comigo? - sussurrou, quase em um lamento naquele entorno sepulcral.

A imaterial voz de Dominic vibrou com uma risada tão travessa que fez com que Chloe tivesse vontade de esbofeteá-lo.

- O que quer que lhe aconteça, Chloe? Serei um anfitrião tão serviçal como deseja.

Capítulo 13

Passar um mês escondido fazia mal à mente de um homem.

Privado de todo contato humano, das carícias femininas, da luz do dia,

quem não acabaria tornando-se um pouco louco?

Chloe era a fantasia privada de qualquer homem, era bonita e apaixonada, um prêmio pelo qual valia a pena brigar. Ou estava terrivelmente assustada por suas ameaças, coisa que duvidava, ou não tinha podido evitar preocupar-se com ele. Por que, se não, não o tinha delatado, tendo como tinha tido infinidade de possibilidades de confessar seu segredo e ir a sua família? Era possível que Dominic lhe tivesse roubado o coração? Aquela possibilidade de propriedade lhe excitou o orgulho masculino.

- Me alegro por vê-la, Chloe Boscastle - disse, enquanto lhe beijava a amadurecida boca e lhe mordia o delicioso pescoço. Era um banquete para seus necessitados sentidos. Não era capaz de fingir indiferença ante sua presença. Reagia de forma primitiva e não podia escondê-lo.

- Aqui não se pode respirar, Dominic - sussurrou ela que, embora não estivesse opondo exatamente muita resistência, tampouco lhe tinha dado permissão para beijá-la - Como pode suportar?

Na escuridão, seus sentidos se inflamavam com muito mais facilidade. A vulnerável suavidade de seus seios redondos e de sua barriga contra a sua, a suave essência de sabão sobre sua pele... Chloe era uma mulher cálida e escorregadia em seus braços. Queria devorá-la de cima abaixo, queria despi-la e adorar seu pálido corpo até saciar-se.

- Veio a esta casa para me atormentar? - perguntou-lhe, com calma.

Obviamente, sabia a resposta. Chloe não era capaz de um ato tão vingativo. Qualquer tortura de sua parte seria totalmente acidental.

Independentemente de que se ter interposto em seus planos, era injusto acusá-la de havê-los frustrado de forma deliberada. Pode ser que fosse uma pessoa problemática, indisciplinada e impulsiva,como seus irmãos, mas duvidava que houvesse um pingo de maldade nesse corpo tão bonito.

- Como se eu fosse tão malvada como você, Dominic - parecia tão ofendida que esteve a ponto de beijá-la outra vez para expiar o insulto, e para que se calasse.

Não podia retê-la ali muito mais tempo. Com certeza no jantar sentiam falta de sua faiscante personalidade

- Não sabia que estava se escondendo em sua própria casa -

acrescentou, em voz baixa.

- E não deve sabê-lo ninguém - disse - Embora se tivesse que me achar alguém, me alegro que tenha sido você.

- Por quê? - perguntou-lhe ela, embora ele suspeitasse que o fizesse para zombar.

- Sabe perfeitamente por que - respondeu, muito sério.

- Diga-me Dominic - passou-lhe uma mão por trás da nuca e o atraiu para ela - Quero sabê-lo.

O sangue de Dominic começou a ferver. Se era capaz de lhe fazer isso sem tentar, não queria nem imaginar o que podia lhe fazer com um pouco de prática.

- Céus, Chloe, é muito provocante.

- Ah sim? - Dominic ouviu como lhe acelerava a respiração e esse som o acendeu como a um depredador a ponto de lançar-se sobre sua presa. Ela também o desejava.

Não estava sozinha naquele desejo enlouquecedor.

Beijou-a outra vez. Sabia que estava bastante fora de controle.

Também sabia, por experiência, que Chloe devia sentir-se desorientada na escuridão e com medo a mover-se até ter referências. Levou-lhe dias confiar nas sombras, memorizar aquele espaço desconhecido e converter-se em um autêntico fantasma. Quem podia culpá-lo de aproveitar-se dela? Estava tão desesperado por um pouco de companhia, por uma mulher cálida e amante que mal podia pensar com coerência.

Se não a seduzisse ali mesmo, obrigando-os a descer por um caminho de luxúria desenfreada, era por respeito ao sobrenome Boscastle. Meu deus, como desejava afundar-se nela! O toque acidental de seus seios contra seu peito era a agonia mais deliciosa que jamais tinha conhecido. O delicado peso de seu estômago em cima de sua virilha acrescentou seu desejo. Tinha-o deixado feito um molho de frustração sem o menor esforço. O feitiço que tinha formulado sobre ele era poderoso, a antiga alquimia da magia feminina.

Queria vê-la nua, a seus pés, que o olhasse com adoração e convite sexual com aqueles olhos azuis. Supôs que, certamente, poderia aproveitar sua vantagem. Poderia retê-la ali um minuto mais, como uma faísca de luz em seu escuro e desagradável mundo. Se não parasse, acabaria arrastando-se a seus pés e lhe suplicando um pouco de afeto.

Apertou-a ainda mais contra seu corpo, esmagando suas curvas contra seu corpo endurecido.

O destino brincava com fogo ao trazê-la a seu esconderijo. Podia pô-la em perigo em mais de um sentido. E Dominic, que estava em seu momento mais relaxado e descontrolado, destruiria a si mesmo antes de arrastar Chloe a seu inferno pessoal. Aquela não era sua batalha. Ela era a recompensa ao final do caminho.

- Maldição, Chloe - disse, desesperado - Por que teve que vir a esta casa?

Ela respirou fundo. Voltava a parecer mais segura de si mesma; seus instintos de sobrevivência eram fortes. Não era uma flor de estufa que se rompia com o primeiro frio.

- Como é possível que se esconda nesta casa sem que ninguém o descubra? - perguntou-lhe, direta.

- Tem alguma ideia do perigo que implica para os dois que tenha vindo?

- Está louco, Dominic? Está me seduzindo um lunático?

- É bastante provável.

- Esconder-se em sua própria casa...

- Não me questione.

- Então, não me beije.

- Chloe, faça o que lhe digo.

- Não até que o entenda.

- Já entende muito. E a beijarei sempre que quiser.

- Primeiro terá que me pedir...

Como se quisesse demonstrar o que estava dizendo, segurou o queixo com as mãos e lhe deu outro suave e fascinante beijo. Chloe retorceu os quadris e os ombros, embora não soubesse se era para aproximar-se mais a ele ou para escapar. Oh, seus beijos... sentiu um calafrio lhe percorrer as costas. Sentiu cócegas nos lábios quando ele os começou a percorrer com a ponta da língua e depois continuou até uma orelha. Dominic lhe segurava o rosto como se parecesse o cristal mais frágil do mundo, lhe massageando as maçãs do rosto com os polegares.

Entretanto, os sentimentos que despertava em seu interior não eram frágeis nem delicados. A explosão de sensações surgiu tão feroz e imprevisível como uma tormenta, agitando-a por completo. Parecia saber, instintivamente, como reduzi-la a uma submissão trêmula. Desceu a mão esquerda e começou a esfregar prazerosamente a palma contra os seios. Que sensação mais endiabrada! Sentiu que lhe cediam as pernas à medida que o desejo sexual se apoderava dela. Os mamilos se endureceram contra o vestido de musselina e a cabeça lhe dava voltas de tanto prazer. A marca do corpo de Dominic ficou gravada a fogo no seu. Voltava a tremer de calor, de frio, de desejo puro. Apertou os dedos ao redor do pescoço de Dominic.

- Não se atreva a voltar a me tocar dessa maneira - lhe sussurrou quase desfalecida.

Ele parou e estreitou os olhos, lhe recordando um lobo que estuda

outra vez a sua presa.

Ela fez uma pausa antes de voltar a respirar fundo.

- Ao menos, não até que me explique melhor o que está fazendo.

Na escuridão, a voz de Dominic era ainda mais grave, insinuando segredos que possivelmente ela não queria saber.

- E se satisfizer sua curiosidade, me deixará te tocar?

- Possivelmente - ficou calada. Meu deus, o que acabava de fazer?

Negociar com sua virtude para satisfazer sua curiosidade - Mas só um pouco.

Ele a puxou pela mão e ela percebeu que não lhe tinha prometido nada respeito a esse último ponto.

- Tome cuidado ao descer as escadas. Não se importará que rodeie sua cintura com o braço para guiá-la, não é? Nesta parte da casa, a madeira está bastante destroçada. Deus não queira que dê um passo em falso e lhe saiam hematomas em sua pele.

O tom de voz suave e solícito lhe provocou cócegas na nuca. Deus não queira que desse um passo em falso. E depois do que lhe tinha feito, em cima lhe pedia permissão para agarrá-la pela cintura. Abaixo, mais abaixo; seu escuro lorde a levou até sua guarida subterrânea, até os túneis que havia debaixo da casa.

Era possível que uma dama caísse mais baixo? Virtualmente notava as chamas do Hades sob seus pés enquanto seu fantasmagórico príncipe lhe mostrava seu reino.

Seria esse seu final? Voltaria para sua monótona vida sendo a mesma, uma jovem relativamente decente?

Dominic não deixaria que lhe acontecesse nada de mau.

Acreditava de verdade porque, se não, não teria ido com ele.

Mas, voltaria sendo a mesma mulher inocente que era antes de descer à base de operações de Dominic?

Não estava certa da resposta.

Levou-a até um poeirento túnel de gesso onde havia uma vela acesa. Viu como retorcia o nariz ante as pilhas de morteiro que vieram abaixo e os barris de conhaque curvados que inundavam o caminho.

Um arranhão junto à parede a fez deter-se em seco.

- Deus santo, o que foi isso?

Ele se desculpou com um sorriso.

- Nada que deva preocupar-se. Só são ratos.

Ela desenhou um sorriso forçado.

- Ratos - disse como se, de repente, percebesse que Dominic compartilhava sua base de operações com os típicos insetos que uma jovem dama esperava não encontrar nunca na vida. Não obstante, em lugar do esperado horror, sua voz estava cheia de lástima e uma espécie de estóica compreensão que deixou Dominic sem defesas - Oh, Stratfield, pobre diabo.

Esta Chloe Boscastle era muito imprevisível. Não era nada fácil assustá-la. Era das que, depois de uma forte queda, voltava a montar no cavalo. Supôs que tinha que ver com o fato de haver-se criado em uma família cheia de crianças.

- Como me viro? - repetiu - Bom, meu valete passa um pouco mal cada vez que tem que me barbear e não abotoo bem os botões dos punhos, mas, além disso, estou bastante cômodo.

- Mas muito só. No que pensa durante todas essas horas em solidão?

Olhou-a e viu que a luz da vela dourava seu rosto de modo que a fazia mais delicada, mais bonita ainda.

- A princípio, só pensava na vingança. Sonhava me vingar de maneiras tão bárbaras que não as descreverei em voz alta.

Ela o olhou.

- Tendo em conta o que lhe fizeram, tais pensamentos são compreensíveis.

- Pode ser. Entretanto, ultimamente me custa recordar que a vingança é o único pelo que vivo. A cabeça vai para outros assuntos.

- Oh. Que intrigante.

- Seriamente? - aproximou-se dela, respirando sua fragrância. O

desejo o debilitava, estava desesperado por ela. Certamente tinha entendido que esses "outros assuntos" eram seus obsessivos pensamentos de estendê-la no chão, despi-la lentamente à luz da vela e lhe fazer amor em todas e cada uma das posturas sexuais havidas e por haver.

- Não me vai dizer? - sussurrou-lhe ela, lhe acariciando o pescoço com sua respiração.

Dominic esticou a mandíbula. A voz de Chloe o punha a prova, acendia seus sentidos. Muito devagar, com os olhos em chamas, tirou as luvas, pegou-a pela nuca e a atraiu para ele.

Beijou-a e lhe abriu os lábios lentamente com a língua. Moveu-se e a rodeou pela cintura com a outra mão. Ela gemeu com tanta doçura que esteve a ponto de gritar de desejo.

- Em você - disse, a confissão direta do coração - Penso em você.

No que quero lhe fazer. Penso em tocá-la de mil maneiras diferentes e em...

Chloe o beijou, seduzindo sua boca em silêncio. O mundo de Dominic começou a balançar. Subiu a mão da cintura lentamente pelos flancos até os seios. Chloe relaxou, rendeu-se a ele. E, entretanto, ao mesmo tempo seus beijos ficaram mais exigentes. Cativado por essa atitude, Dominic deixou que fosse ela quem levasse a voz cantante.

Submissão. Sedução. Não lhe importava desde que o resultado fosse ter Chloe para ele. Quando ela apertou seus seios contra suas mãos, a respiração de Dominic se acelerou. Estava lhe dando prazer.

Ela o queimava até os ossos. Seu delicioso corpo o chamava, encerrava todos seus instintos mais perigosos.

Acariciou-lhe o mamilo com o polegar e degustou a suave respiração que saía de sua boca. Moveu a mão ao outro seio, jogando com o doce peso de sua carne, porque a suave seda do vestido implicava uma débil barreira para o que ele queria.

- Isto - disse, com a voz agitada - é no que penso na escuridão. Em você.

- Mais não todo o tempo, não é verdade?

- O suficiente para não poder parar.

Antes de perceber, estava a tocando por toda parte, lhe percorrendo o estômago com as mãos, afundando-as na seda que havia em cima das coxas. Por aí abaixo desprendia calor, e lhe foi muito mais fácil imaginar com que calidez lhe envolveria seu membro viril.

Bendita tortura. Encaixavam a perfeição. A dura ereção de Dominic achou a suave entre perna de Chloe. O tecido de vestido se enganchou a uma pedra da parede.

Ela a esticou para liberá-la e olhou para Dominic.

Ficou quieta, com os olhos úmidos e brilhantes na escuridão. Com certeza tinha visto a necessidade no olhar de Dominic. Ele não tinha tratado de dissimulá-la.

A urgência o queimava por dentro, inflamava-lhe o sangue. Notou como ela estremecia. Estava ofendida? Assustada? Notava que estava a ponto de lhe arrancar o vestido em pedaços?

Ela sorriu e rompeu aquele tenso silêncio. E quando molhou os avermelhados lábios com a língua, Dominic esteve a ponto de gemer em voz alta.

- É impossível que pense em mim todo o tempo. Que mais faz aqui embaixo?

- Às vezes, leio - disse - Ou pratico esgrima. Meu tio foi instrutor da técnica Ângelo em Veneza. Ensinou-me tudo o que sei com a espada.

Ela esfregou os antebraços e olhou o escuro passadiço.

- Onde vai parar isto?

Ele titubeou um segundo. Tinha confiado nela até agora. Se tinha pensado traí-lo, já não importava que soubesse mais. Pode ser que, temporariamente, a tivesse em seu poder mas, ao final, só eram necessárias umas quantas palavras inoportunas para destrui-lo.

- Vai parar, mediante uma série de túneis subterrâneos que os contrabandistas cavaram por debaixo de toda esta propriedade, a um moinho abandonado que há nos subúrbios do povoado. Utilizavam o rio para fazer chegar os objetos de contrabando até o mar. Em meu caso, oferece-me a possibilidade, embora me congele um pouco, de me banhar de noite.

- E não o viu ninguém?

Ele a olhou muito sério.

- Não, até a outra noite, quando me vi obrigado a me refugiar em seu quarto. Sabia que caminhar pelo bosque implicava um risco, mas precisava me sentir livre.

- E quanto tempo espera poder permanecer nesta casa? -

perguntou ela, em voz alta.

- Se guardar o segredo, de forma indefinida.

- Mas sir Edgar é de sua família e é um militar culto e educado. Por que não lhe pede ajuda? Ou acaso é uma dessas pessoas tão rígidas que insiste em respeitar as regras? Com certeza tem contatos ou, ao menos...

Dominic viu o horror em seus olhos quando Chloe identificou o desdém em seu olhar e entendeu por que o que lhe estava sugerindo era impossível. Inconscientemente, retrocedeu um passo.

- Ele? - perguntou desconfiada. - Seu próprio tio? Não me diga que suspeita que esteve comprometido em sua tentativa de assassinato.

- Não suspeito. Sei.

- Mas, por que? Tem certeza?

Não queria desperdiçar os escassos momentos que tinha para estar a sós com ela.

- Eu confiei em você, Chloe. Agora você tem que confiar em mim.

Escutei sua voz enquanto me apunhalava. Levava o rosto coberto, mas o conheço desde sempre.

- E, com Samuel morto - disse ela, com suavidade - ele herdava sua fortuna.

Os olhos de Dominic se escureceram de tristeza.

- Sim.

- E Brandon meu Deus, Dominic. Teve algo que ver com a morte de meu irmão?

- Venha, Chloe. Agora não é momento de falar. Sim, acredito que mandou assassinar Samuel e Brandon porque o viram vender segredos aos franceses. E agora deixe que lhe mostre meu refúgio.

- Seu tio - disse ela em uma voz quase inaudível - Não posso acreditar nisso.

Afastou-lhe uma teia de aranha que se tinha enganchado no cabelo, tomou sua mão e fechou seus dedos ao redor dos seus a modo de amparo. Estava tão calada que o tinha preocupado. Se tivesse sido possível, não lhe haveria dito a verdade. Recordava perfeitamente sua própria surpresa e raiva, o sentimento de traição que o sacudiu por dentro.

- Minha mãe - sussurrou ela, depois de um longo silencio.

- O que acontece?

- Enviaram-me a Chistlebury para me castigar por minha má conduta. E duvido que isto fosse o que meus irmãos tinham em mente como reforma.

Ele soltou uma gargalhada.

- Assim acha que isto não contaria como uma visita social?

- Uma dama jamais deve visitar um homem, e menos ainda de

noite - disse ela - Se me visse minha irmã Emma não... - se assustou quando algo peludo e grande se enredou em suas pernas - Diga-me que isto não é um rato.

Dominic voltou a rir. Estava impressionado que não tivesse gritado, que não lhe tivesse feito mais perguntas sobre seu irmão.

- É meu cão, cujas maneiras, como as de seu dono, deixam muito a desejar.

- Um cão? Aqui embaixo com você?

- Não o decidi eu, Chloe. Are não gostava da companhia de cima, algo muito compreensível, tendo em conta que sir Edgar o considera uma besta perigosa e ameaçou matá-lo com um tiro.

Chloe baixou o olhar para o musculoso cão.

- É uma besta perigosa?

Sorriu-lhe.

- Só quando tem que sê-lo. Por agora, suponho que poderia ser nosso acompanhante.

- Acompanhante? Me parece mais um chef que me olha como se quisesse que fosse sua seguinte refeição.

- Bom, não posso culpá-lo. É o mais apetecível que qualquer um dos dois viu em uma temporada.

- Isso é uma tolice, Stratfield.

- O que faz nesta casa? - perguntou ele, de repente com um tom de voz muito sério - Achei que a tinha assustado para sempre. Achei que seria suficientemente inteligente para seguir meu conselho.

- Aconselhou-me que não passeasse pelo bosque.

- E agora já sabe por que. Edgar é um assassino desumano, Chloe.

Ela agitou a cabeça.

- Confesso-lhe que tudo isto me ultrapassa. Como conseguiu sobreviver? Como pôde organizar seu funeral sem que ninguém te ajudasse?

- Tenho um amigo muito bom. Por sorte, Deus quis que chegasse de surpresa no dia antes de minha morte. Espero poder apresentar-lhe muito em breve.

Escutaram um sino sobre suas cabeças. Dominic olhou para cima, alarmado.

- Que demônios é isso?

- É minha tia Gwendolyn - disse Chloe, depois de uma longa pausa

- Está tentando exorcizar a determinado espírito muito peralta.

Ele sorriu amplamente.

-O que lhe fiz eu?

- Está convencida que vai seduzir minha prima Pâmela em sonhos.

- A quem?

- Não ria assim, malvado. Depois do que me fez ontem à noite enquanto dormia, eu mesma deveria devolvê-lo à tumba.

Ele estalou a língua e a acompanhou até o pequeno passadiço que saía pela parede.

- Se estava adormecida, é impossível que saiba o que fiz. Se é que fiz algo. Possivelmente teve um sonho no qual aparecia eu, Chloe.

- Sim, um pesadelo.

Dominic limpou a garganta. Até onde o teria deixado chegar?

Agradeceu às sombras por ocultarem o olhar faminto em seu rosto. O

intenso desejo que sentia por ela era perigoso.

- Chegamos muito longe?

- Você sim, descarado.

- E você, bela adormecida, ficou ali sem dizer nada enquanto me aproveitava de você?

- Algo parecido, Stratfield. E não se atreva a me pedir detalhes.

Mais sério, olhou para cima ante um novo repicar do sino.

- Sabe Edgar o que está fazendo sua tia?

- Espero que não.

- Então, deve detê-la. Que eu saiba, nunca fez mal a uma mulher, mas será melhor que não nos arrisquemos a saber quão longe que pode chegar.

Chloe decidiu que a louca era ela. Já podia escutar à Inquisição espanhola, quer dizer, sua família, interrogando-a a respeito dos como e os pelo que daquele romance tão pouco convencional. Certamente, Heath a amarraria a uma cadeira na despensa, como tinha feito já mais de uma vez quando era pequena. E Grayson seguramente penduraria algo asqueroso em cima de sua cabeça, como um corvo morto, para assustá-la e conseguir que se submetesse a sua vontade.

Emma, a ditadora delicada, encarregar-se-ia do interrogatório; passearia ao redor da cadeira com a esperança de que Chloe viesse abaixo e confessasse alguma informação vital. Algo que, graças a sua milagrosa teimosia natural, nunca tinha feito.

- Nos diga, exatamente, como o visconde Stratfield, um homem morto, seduziu-a.

E ela se veria obrigada a responder:

- Com os métodos habituais. Chantagem. Ameaças. Dando pena. E

me beijando até me fazer perder o sentido.

Nesse momento, o inferno se abriria sob seus pés. Drake, Devon e Brandon entrariam na despensa e liberariam à prisioneira. Continuando, teria começo uma luta com as facas e os garfos recém polidos do mordomo até que a governanta pusesse ordem naquela matilha.

Balançou a cabeça e sorriu ao recordar tudo aquilo. Que simples era a vida então, com toda a família unida! Onde?

- Chloe, onde esteve? - sussurrou-lhe Pâmela, quando a viu na porta - Perdeu toda a cerimônia.

- Estava... é... estava fora vigiando. Sua mãe conseguiu exorcizar o fantasma?

Pâmela suspirou e iluminou o quarto de Dominic com a vela.

- Depois dos uivos e orações para que sua alma descanse em paz, acredito que conseguiu que o visconde se alegrasse de estar morto.

Quando as escutou, tia Gwendolyn se virou, com a Bíblia e o sino junto ao peito.

- Acredito que consegui! - sussurrou, triunfante.

Chloe observou com curiosidade o quarto vazio, mas evitou olhar para a cama onde tinham apunhalado Dominic. Seu próprio tio.

Cada vez que pensava nisso ficava mal e lhe vinham milhares de perguntas à cabeça.

- Como sabe? Tudo está igual.

- Bom - disse sua tia - já não pode sentir sua presença, não é verdade?

- Eu não a senti nunca - disse Pâmela, sem esconder sua decepção - Ao menos, esperava que pudéssemos vê-lo antes de eliminá-lo para sempre.

Sua mãe a olhou com uma careta no rosto.

- Por que iria querer ver esse fastidioso espírito?

- Para lhe perguntar quem o assassi... - Pâmela se interrompeu e gritou como uma histérica quando algo peludo e que andava com quatro patas entrou entre Chloe e ela e entrou no quarto.

Tia Gwendolyn também gritou e levantou a Bíblia a modo de amparo. Algo que teve um efeito nulo no intruso.

Era um cão. Em concreto, era o querido cão de Stratfield, Are que, temeroso de não achar refúgio nos braços da mulher da Bíblia e a histérica de sua filha, deu meia volta e se colocou junto às pernas de Chloe. Ela o olhou, muito assustada.

- O que faz aqui? - sussurrou-lhe, acariciando sua cabeça dissimuladamente. Já sabia a resposta, claro.

Escapou enquanto Dominic a acompanhava até a saída.

O que iria fazer?

Tia Gwendolyn, mais relaxada, desceu a Bíblia. Os passos na escada ressoaram por toda a galeria.

Pâmela, deixe de gritar como uma histérica. Só é o cão do visconde.

Chloe respirou tranquila. Apesar de tudo, sua tia era uma acérrima defensora dos animais. Pode ser que passasse ao largo de um vagabundo atirado na rua, mas um animal abandonado lhe rompia o coração.

Pâmela se tranqüilizou o suficiente para sentar-se na cama, embora logo gritasse e deu um pulo como se, de repente, tivesse recordado que estava sentada na cena do crime.

- De onde saiu? - perguntou, olhando ao animal, assustada.

A voz de sir Edgar interrompeu a conversa. Tinha uma pistola de duelo na mão, e o seguiam sir Humphrey e três criados.

- O que foi esse escândalo? O que aconteceu? - olhou muito zangado, por todo o quarto até que deteve o olhar no cão, que estava aos pés de Chloe.

Ela comprovou como lhe endureceram as feições; estava furioso.

- De onde saiu esse animal? Atacou alguém? O que estão fazendo vocês neste quarto?

Chloe viu que, embora parecesse ter o controle da situação, tremia-lhe a mão. Recordou que Dominic lhe havia dito que sir Edgar queria matar o cão. Sentia-se culpada porque Are escapou por sua culpa, que sem perceber tinha provocado um ato que podia desmascarar , ou pôr em perigo, Dominic.

- Estávamos passeando pela galeria e escutamos um ruído neste quarto - disse, muito calma - Quando entramos para ver o que era, encontramos o cão. Não nos fez nada, sir Edgar.

Tia Gwendolyn arqueou a sobrancelha ante aquela maquiagem da verdade, mas olhou para Chloe com aprovação. Não tinha sido a melhor

desculpa do mundo mas, no mínimo, tinha servido para impedir que ficassem como três absolutas idiotas. E o mais importante, tinha mantido Dominic a salvo.

Aparentemente, sir Edgar se tranquilizou e abaixou a pistola.

- Já começava a me perguntar onde se escondeu esta maldita besta. Esperava que os criados tivessem revistado este aposento.

Deveria tê-lo matado no dia que cheguei.

- Isso, nem pensar - disse tia Gwendolyn, indignada - A pobre criatura sente falta do seu dono. É um sinal inequívoco de inteligência e lealdade.

Sir Edgar lançou um divertido olhar à Chloe e à Pâmela, recuperando por completo a compostura.

- Como quiser , lady Dewhurst.

- E mais - acrescentou a tia Gwendolyn, pensativa - parece haver pego carinho a Chloe. É como se quisesse comunicar-se conosco.

- Comunicar-se? - perguntou Chloe, desconfiada.

Tia Gwendolyn agitou a cabeça, impaciente, ante a falta de compreensão.

- A respeito da morte de seu dono. Acredito que Stratfield nos está enviando uma mensagem do mais além.

- Que gosta de Chloe? - perguntou Pâmela com picardia.

Sir Edgar virou para a galeria iluminada com velas e sussurrou:

- Deveria mandar que os criados se encarregassem disto de uma vez por todas.

Tia Gwendolyn deu um grito, escandalizada.

- Seria capaz de matar a um animal inofensivo? Sir Edgar, seu sobrinho adorava a este cão. Eu adorava vê-lo correr atrás de lorde Stratfield em suas freqüentes caçadas.

Chloe olhou o musculoso cão de esguelha. Não é que fosse uma amante dos animais, mas jamais quereria ver como lhes faziam mal. E

as feições ameaçadoras do mastim não é que lhe roubassem o coração.

Embora o que seu dono fazia com seu coração já era outra coisa.

Além disso, por tudo o que estava dizendo tia Gwendolyn a respeito da inteligência e a lealdade do animal, Chloe não podia estar segura que o cão não acabasse levando sir Edgar até o esconderijo de Dominic. E se esse homem era capaz de matar a seu sobrinho a sangue frio, que não iria fazer quando se encontrasse cara a cara com Dominic ressuscitado.

- Sempre quis ter um cão assim - disse, de repente, soando como a típica insensata que, por dentro, detestava.

Sua tia a olhou com uma mescla de incredulidade e prazer.

- Seriamente, querida?

Pâmela entrecerrou os olhos.

- Sim - assegurou Chloe, exagerando até o ponto de levar as mãos ao peito - Papai me prometeu um, justo antes de morrer.

Que, possivelmente, era a mentira maior que jamais havia dito.

Chloe tinha pedido a seu pai uma tiara de diamantes, não um cão. Como se daquele giro não tivesse gostado absolutamente, Are se sentou junto à Chloe.

- Seria um prazer achar um cão de companhia adequado para você, lady Chloe - disse sir Edgar, com um falso sorriso. Avançou em direção ao cão, mas parou quando este lhe mostrou os dentes - Vê? É

um animal imprevisível.

- Não é imprevisível absolutamente - insistiu tia Gwendolyn - O

animal já está cumprindo com seu dever como protetor - como se quisesse demonstrar que tinha razão, a mulher passou por diante de sir Edgar, agachou-se em frente ao animal e começou a lhe coçar as orelhas.

Are consentiu aquela tolice com cara de resignação. De repente, Chloe se perguntou onde se colocara. O que iria fazer ela com um cão

assassino?

Ou com um assassino.

Olhou o rosto de sir Edgar, tentando compreender o que escondia aquela máscara de enjoativa complacência. Era possível que seu refinado e bem educado anfitrião fosse capaz de cometer um assassinato? Não era possível que Dominic se equivocara? Na noite do ataque, o quarto estava às escuras.

- Você o que diz, sir Humphrey? - perguntou Edgar ao outro homem, que estava na porta atrás de Chloe - Lhe corresponde decidir se deseja acolher a este animal em sua casa.

- Quando se trata de resgatar um cão perdido, jamais fui capaz de negar nada a minha mulher, sir Edgar - respondeu Humphrey, encolhendo os ombros - E não seria inteligente começar a fazê-lo agora.

Sir Edgar agitou a cabeça vencido.

- Então, pelo amor de Deus, levem-no, mas, se lhes fizer algo, não digam que não adverti.

Sir Edgar ficou a sós com Chloe nas escadas de pedra da entrada enquanto o resto de sua família subia à carruagem que os levaria de volta a casa.

- Obrigado pelo prazer de sua companhia, lady Chloe. Tomara lhe tivesse podido oferecer uma noite mais divertida.

Chloe se obrigou a olhá-lo. Parecia galante, refinado, embora a semente da desconfiança e o horror já tinha soltado raízes em seu coração.

- Foi muito divertida, sir Edgar - respondeu ela, com cordialidade.

E era verdade. Ao pensar como Dominic a tinha beijado na escuridão e lhe tinha acariciado todo o corpo, ruborizou-se e se notou mais acalorada. Ninguém nunca a tinha entretido daquela maneira. E

agora conhecia a base, e alguns detalhes, da história de Dominic. Tinha satisfeito sua curiosidade, enquanto que outras partes de sua natureza

se excitaram.

Sir Edgar sorriu.

- Pergunto-me se Chistlebury nos reterá aqui muito tempo. Começo a ter saudades a arte da batalha e a senhorita obviamente pertence a Londres, lady Chloe, onde pode ser admirada.

Por um momento, Chloe se perguntou se estava lhe advertindo que se mantivesse afastada.

- Adula-me, sir Edgar - e a assustava ainda mais.

Pensar que um homem tão diferente podia ser um assassino. Ou que teve algo que ver com a morte de Brandon... Era possível? Não teria se equivocado Dominic?

Entretanto, alguém tinha cometido uma terrível tentativa de assassinato contra ele e sir Edgar sairia ganhando muito com a herança.

Chloe decidiu confiar em Dominic.

Não estava disposta a correr nenhum risco.

- Que bonito é! - disse a tia Gwendolyn, embevecida com o enorme cão que estava sentado em silencio nos degraus cheios de musgo da entrada de Dewhurst Hall - E que obediente!

- E que grande! - disse tio Humphrey, contrariado - Suponho que esta semana não poderei comer costelas.

- Esta noite já comeu o suficiente até o Natal.

O homem ignorou o insulto e olhou como, enquanto Chloe e Pâmela entravam na casa de braços dados, Are as seguia como se fosse sua sombra. Queria muito a essas duas jovenzinhas e lhe surpreendeu muito ver quão decidido estava a protegê-las.

- O novo vizinho não me deu muito boa impressão, Gwennie.

Embora sua mulher não começasse a discutir acaloradamente, como ele teria esperado.

- Para ser sincera, a mim tampouco -disse, em voz baixa - Não se pode confiar em um homem que não gosta dos cães.

***

Dominic observou como a carruagem se afastava pelo caminho porque queria lançar uma última olhada ao rosto de Chloe. Aquele sorriso provocante era uma imagem que queria levar com ele à escuridão. Quando as sombras voltassem a abater-se sobre ele, pensaria nela e em como tinha iluminado seu reino infernal. Pensaria em quão agradável tinha sido voltar a rir e a ser ele mesmo, baixar a guarda e voltar a confiar em alguém como sempre tinha feito.

De certo modo, estava contente que Are se fora com ela. Esse cão se converteu em um problema. Embora não mais que a implicação de Dominic com a bela jovem a quem tinha confiado seus segredos mais íntimos.

Com o estado de ânimo mais baixo, voltou para seu esconderijo.

Viu Edgar, frente à porta, contemplando a carruagem. O anfitrião perfeito. O soldado perfeito.

O homem que tinha traído a seu país e a sua família por um punhado de ouro, o mesmo que tinha matado a sangue frio. A Dominic lhe revolveu o estômago ao pensar em seu tio olhando para Chloe.

Ficou um segundo em pé no passadiço. Tinha que trabalhar na carta codificada; requeria uma concentração que ele parecia não poder conseguir nesse momento.

Sabia que, de algum jeito, encaixava na traição de Edgar mais, quem a tinha escrito? A quem ia dirigida?

Desceu os degraus que levavam a cela. Meu deus, não estranhava que não pudesse concentrar-se naquele buraco. A opressiva penumbra lhe nublava a mente.

Precisava respirar. Precisava sentir a fria brisa noturna.

Quase meia hora mais tarde, arrastava-se pelo túnel de gesso que tinham cavado na terra e saía por uma tampa de madeira que havia no chão do velho moinho abandonado. Aquela noite, o trajeto se tinha feito

eterno e, quando saiu ao exterior, foi como se estivesse bêbado de alívio.

Escutou como se rompia um raminho no bosque. Baixou a mão para agarrar a pistola. Pela segunda vez nessa noite, tinha companhia.

O horripilante grito de tia Gwendolyn ressoou por toda a casa.

Chloe acabava de dormir placidamente quando o grito a despertou. No tempo que demorou para vestir o penhoar e chegar à porta, saltando a Are, sua tia tinha deixado de gritar.

De fato, quando Chloe e tio Humphrey a encontraram na sala, parecia bastante tranquila.

- Pelo amor de Deus, Gwennie - disse ele, enquanto colocava os óculos - O que significa tudo isto? O que faz aqui embaixo, com a capa em cima da camisola, gritando desta maneira?

- Vi-o, Humphrey - exclamou ela, muito nervosa, levando seu marido junto à janela - Vi-o cruzando o bosque a cavalo. Vi o fantasma.

Humphrey e Chloe se olharam.

- Não era o fantasma, tia Gwendolyn - disse Chloe, hesitando - Se viu alguém, certamente foi Devon.

- Devon? - perguntou sua tia, muito desconcertada.

- Sim, Devon - disse Humphrey, um pouco zangado. - O pobre diabo certamente vinha nos pedir ajuda e você o assustou com sua gritaria.

- Não era Devon - respondeu ela -. Conheço de sobra o safado de meu sobrinho. Esta aparição era maior que Devon, e já sei que é muito corpulento. Além disso, montava o cavalo de Stratfield.

Tio Humphrey agitou a cabeça preocupado.

- Possivelmente deveria levá-la para viajar um mês. Poderíamos visitar nossos amigos em Dorset e desfrutar de um delicioso descanso.

- Não - respondeu a mulher, com tanta veemência que Chloe, que estava junto à janela olhando para o bosque, virou-se de repente - É

insensível, Humphrey? Agora não podemos partir. Nossa querida Chloe está apaixonada.

Parou o coração de Chloe. Apaixonada? O primeiro e irracional pensamento que teve foi que sua tia tinha descoberto sobre Dominic.

Mas era impossível. Gwendolyn não daria o visto bom a esse romance.

Além disso, Chloe não estava apaixonada por Dominic, não? Com certeza o amor não era aquela angústia que fazia ter vontade de rir com todas suas forças e, no minuto seguinte, vontade de chorar de frustração. Apaixonada. Por Dominic. Seus irmãos se zangariam muitíssimo. Seguramente começariam outra guerra. Já se via explicando suas ações: "Sim, eu gostaria que a família conhecesse o homem que quero. Está há várias semanas morto, mas não deixem que isso os distraia.

Não me desanimou. Onde nos conhecemos? É... no baú de minha roupa interior. Onde vive? Em sua casa; bom, melhor dizendo, entre as paredes de sua casa".

- Sim - continuou a tia Gwendolyn - Acredito que Chloe se apaixonou por Justin e acredito que fazem muito bom casal, embora Pâmela não goste desse rapaz. Opino que é uma união que toda a família aceitará. Mas será melhor que não nos interponhamos nos inícios.

Chloe não sabia se morria de alívio ou punha-se a rir.

- Por todos os Santos. Não estou apaixonada por Justin. Mas se apenas o conheço - bom, menos tempo que a Dominic, mas não podia compará-los, nem o que o fazia sentir cada um. Dominic era muito mais complexo, tão escuro e atraente. Justin era o homem que seu pai gostaria que escolhesse. E mais, não fazia tantos dias, lhe parecia uma boa opção. Respirou fundo - Acredito que chegou a hora de lhe dizer a verdade, tia Gwendolyn. Devon esteve me visitando em segredo para pedir ajuda.

Sim, já sei que esteve mal me aproveitar de sua hospitalidade mas, afinal, é meu irmão e...

- Também é meu sobrinho - interrompeu-a, um tanto impaciente, sua tia - E acredito que amo a esse maluco tanto como você. Já sei que a esteve visitando às escondidas. Considera-o um ato de amabilidade que não tenha intervindo.

Chloe notou como se ruborizava.

- Não posso acreditar que soubesse. Parece que voltei a decepcionar à família.

- Aprecio a discrição, Chloe, e o significado da lealdade familiar.

Não esqueça que também levo sangue Boscastle nas veias.

- Claro - disse Chloe, notando-se no divertido rosto de seu tio.

- Não sou estúpida, Chloe - acrescentou tia Gwendolyn - E não estou surda. Na outra noite, Devon e você montaram um bom escândalo em seu quarto. Parecia que estivessem praticando uma dança.

Uma dança. Chloe estava a ponto de estalar. Sua tia só podia referir-se à noite que Chloe tinha encontrado Dominic no quarto de vestir.

A noite que a tinha atirado na cama e a tinha assustado tanto. Uma noite que tinha mudado a vida de Chloe para sempre.

- Sinto tê-la incomodado - disse Chloe, depois de um incômodo silêncio.

O amável rosto da tia Gwendolyn se esticou com uma mescla de preocupação e aborrecimento.

- Devon e você não me incomodaram. O que me incomoda é esse fantasma.

- Tem certeza que viu o fantasma de Stratfield, querida? -

perguntou seu marido, um pouco à defensiva - Se fosse ele, por que iria passar diante de nossa casa a cavalo?

- Parece-me que é bastante claro, Humphrey - respondeu ela - Está pedindo a gritos que alguém ponha fim a sua desgraça.

- Como todos - sussurrou ele.

- E está claro - acrescentou ela - que esta noite não fiz um bom trabalho –s e virou para Chloe e Humphrey, desiludida. - Receio que, em lugar de lhe dar a paz eterna, despertei-o. Veio para mim em busca de ajuda, Humphrey, e não posso lhe falhar.


***
Dominic observou como a figura alta e loira entrava no moinho em ruínas.

- Estive a ponto de lhe voar sua preciosa cabeça, Adrian - disse, zangado - Que demônios faz aqui a estas horas?

A inesperada visita era Adrian Ruxley, visconde de Wolverton, mercenário profissional, filho pródigo e herdeiro de um ducado. Com um sorriso irônico, tirou as luvas de montar de couro e se agachou junto à tampa pela qual Dominic acabava de sair. O cabelo curto e loiro acentuava os afiados ângulos de seu bronzeado rosto. Seus olhos de cor avelã refletiam uma sincera preocupação.

- Dominic, velho amigo, agora sim que me tem preocupado.

Ficamos de nos encontrar às nove no bosque. Acredito que entendi bem a hora. Acaso não pôde acudir?

Dominic o olhou muito sério.

- Meu tio organizou um jantar.

- Já vi. A casa estava cheia de velas muito caras. Estive a ponto de me convidar eu mesmo só para ver a reação de Edgar - Adrian assobiou por cima do ombro e o corcel que tinha montado entrou no moinho -

Para não ter ido a nossa entrevista, deve ter sido muito interessante -

disse, em voz baixa.

Ficaram em silêncio. Fizeram-se amigos há anos na mesma academia militar prussiana onde tinham conhecido Heath Boscastle. Os dois acabavam de se reunir depois do que lhes tinha parecido uma eternidade. Adrian, repudiado por seu orgulhoso e ressentido pai, que

achava que era o fruto da ilícita história de amor de sua jovem esposa, passou os últimos oito anos de sua vida em um exílio auto imposto.

Apenas a três meses que, a pedido de seu pai, tinha retornado a Inglaterra.

Não era estúpido e lhe intrigava a promessa paterna de uma fortuna.

Libertino, rebelde, mercenário, cínico... era um dos homens dos quais mais se falava em Londres, e a única pessoa a que Dominic confiaria sua vida.

Guardou a pistola que tinha tirado.

- A verdade é que me esqueci por completo de nossa entrevista.

- Bom, não é o fim do mundo - disse Adrian, com suavidade - Se estava espiando a Edgar, não teria gostado que perdesse a oportunidade de conseguir alguma informação vital. Não é como nos velhos tempos quando não iam às reuniões por algum assunto de saias.

- Ah, não?

Os expressivos olhos avelã de Adrian o olharam atônitos.

- Diz isso a sério? Estava com uma mulher? Como pôde arriscar tudo? Bom, sei até que ponto lhe podem tentar, leva um mês nesse buraco sem sexo mas, pelo amor de Deus, espero que a dama em questão não saiba nada.

- Sabe tudo.

- É um louco desesperado - disse Adrian, desconfiado - Bom, espero que possamos suborná-la ou enviá-la longe daqui até que tudo isto tenha terminado. Quem diabos é? Uma de suas empregadas?

- Lady Chloe Boscastle. - Dominic fechou os olhos e respirou fundo.

Ainda podia cheirar seu inconfundível aroma em sua camisa. Deus santo, tinha todo o corpo agitado depois de havê-la abraçado. Toda a espera acumulada, estava a ponto de estalar. Sentia-se como uma espécie de animal selvagem, tão ansioso por estar com sua

companheira que podia ir chorar debaixo de sua janela.

- Boscastle? Não será família de Heath Boscastle?

- Temo que sim.

Adrian desenhou um amplo e brilhante sorriso, maravilhado.

- É o único homem que conheço que, apesar de estar supostamente morto, conseguiu seduzir a uma das jovens mais desejadas de Londres. E da tumba! Deus te ajude, Dom.

- Não fazia parte do plano original. Digamos que... caí em suas redes.

Adrian ficou sério, como se pudesse ver muito mais do que seu amigo não lhe havia dito.

- Uma mulher difícil de resistir, não?

Dominic se esfregou a mandíbula.

- Impossível. E não é que possa cortejá-la como Deus manda da tumba, como você muito bem disse.

- Imagino que sempre se encontra a maneira.

- Ela merece o esforço.

- Me deixe fazer algo mais para me encarregar de Edgar.

- Já fez suficiente - disse Dominic, muito devagar, deixando o olhar perdido no rio banhado pela luz da lua - Sem sua ajuda, jamais teria sobrevivido.

- Se me deixasse, eu adoraria lhe arrancar o coração com minhas próprias mãos para vingá-lo.

Dominic olhou para seu amigo com gratidão. Já em seus anos de juventude, Adrian sempre tinha sido um contraponto à imagem de lorde inglês tradicional que desprendia Dominic. Seu amigo passara solitários anos na Índia e outros postos avançados como mercenário quando seu pai jurou deserdá-lo. Se lhe desse permissão, com certeza mataria Edgar.

- Já chegará o dia.

- Pois será melhor que seja logo -respondeu Adrian - Me repugna ver-te viver desta maneira enquanto ele desfruta do resultado de suas malévolas ações.

A expressão de Dominic se manteve inalterável. Sombria, intensa, decidida. Em seu lugar, Adrian faria o mesmo, e os dois sabiam. Os amargos caprichos da vida os tinham convertido em homens capazes de ações inimagináveis.

- Suponho que não descobriu nada de novo a respeito de Edgar, não é verdade?

- Nada que não soubesse. Em Corunna, Wellington lhe negou a ascensão. Falou mal disso com os homens equivocados. Parece que sua deserção da Honorável Companhia das Índias Orientais foi uma reação à ofensa de seus superiores. Embora, já o comentamos, um homem pode embolsar uma boa fortuna se quiser deixar o exército e aceitar prêmios de estrangeiros. - Adrian hesitou uns segundos - Mas não pôde ter atuado sozinho. Não com o tipo de informação que vendeu.

- Já sei mas, quem o ajudou? Quem?

- Não tenho nem ideia, mas há homens que quererão descobrir.

Farei tudo o que possa antes de me reunir com meu pai, embora meus contatos em Londres sejam limitados.

Nem todo mundo abre as portas de sua casa a um mercenário.

Enquanto isso, desfrute dessa dama com precaução. Espero que possa confiar nela.

Dominic riu.

- Não tenho outra opção.

O sorriso de Adrian foi mais malicioso.

- Suponho que não podemos enviá-la longe daqui uns meses, não é verdade?

- Mesmo se pudesse, não o faria.

Chloe não tinha nem ideia se a cerimônia de sua tia no quarto de

Dominic o tinha "despertado" ou o tinha assustado. Ou se era o espectro que sua tia tinha visto aquela noite a cavalo no bosque. Duvidava-o.

Por que iria se arriscar a que o vissem montando a cavalo quando queria que todos acreditassem que estava morto? A menos que aquilo formasse parte de seu elaborado plano para desmascarar sir Edgar.

Entretanto, Chloe não acreditou que um soldado profissional e distante como sir Edgar fosse dos que se deixavam enganar por um fantasma.

Então, se não tinha sido Dominic, quem era o misterioso cavaleiro do bosque? Devon não. Justin tampouco, porque tia Gwendolyn o teria reconhecido. Um amigo que tinha ido visitar Edgar? Um estranho que passava pelo povoado? Chloe ardia de frustração por não poder contatar com Dominic e adverti-lo desse novo perigo.

Podia estar morto. Com cada hora de silêncio que passava, ela começava a temer que não voltasse a vê-lo nunca mais. Parecia que Dominic pensava que sua determinação em busca de vingança o protegeria.

Durante os dias seguintes, só pensou nele, no que planejava fazer.

Na igreja, enquanto o tremendo sermão do pároco assustava à comunidade de Chistlebury.

Em sua cama, enquanto trabalhava na carta de Brandon à luz das velas, com a sensação de que estava se aproximando da solução. Na espessa rosaleda, por onde passeava durante horas em um absurdo esforço de atrair seu fantasma para, ao menos, lhe dar um sinal de que estava vivo.

Não dizia nada, totalmente mudo e, quando Chloe não estava zangada com ele por não entrar em contato com ela, estava preocupada se por acaso tinha problemas e não podia dizer-lhe Como iria saber se estava jogado nesse túnel, moribundo? Dominic deveria ir tranquilizá-la.

Mais de um dia, esteve tentada de avisar seu irmão Heath, um professor na arte da discrição, para que os ajudasse. Mas a promessa

que tinha feito ao Dominic a impediu.

Entendia que, para um homem como ele, cuja confiança em virtualmente todo mundo tinha desaparecido, outra traição implicaria o final de qualquer sentimento de ternura que tivesse sobrevivido em seu coração. Ela não se atreveria a violar seu rígido código draconiano. Ao Dominic só ficava a paixão de sua honra. Era uma virtude de duplo fio que ela respeitava, embora a tirasse do sério.

Não obstante, seguia esperando-o. Despertava em plena noite, inquieta, ardendo com os fogos que ele tinha aceso e que tinha deixado insatisfeitos. Como não podia dormir, levantava-se e se colocava junto à janela e olhava o bosque procurando algum sinal dele.

Inclusive um ou dois dias, justo antes do amanhecer, tinha agitado sua regata para o bosque para ver se lhe respondia.

Quatro dias mais tarde, seus sutis esforços por chamar a atenção funcionaram, embora com o homem equivocado. Lorde St. John foi visita-la na última hora da tarde enquanto ela passeava com Are pelo pomar de macieiras.

- Afaste esse cão, Chloe - lhe disse, quando se aproximou pelas costas. Levava uma camisa de linho e calças de nanquim, com uma capa enrugada em cima dos largos ombros. Levava as botas enlameadas e raspadas-. Nem sequer posso pretender ser romântico se tiver que estar pendente de que esta besta não me remoa as nádegas.

Chloe riu, esticando a correia e aproximando do cão a seu lado.

Tinha esquecido o infantilmente simples que podia chegar a ser Justin, quão informal era em comparação com os homens de Londres que tentavam impressioná-la com sua linhagem e suas roupas elegantes e que só conseguiam parecer uns afetados.

- Para sua informação, nunca me mordeu as nádegas - lhe respondeu.

- Então não é perigoso, só idiota - disse, com um brilho pícaro nos

olhos - Se eu fosse cão, lhe...

Aproximou-se dela. Olharam-se e Chloe viu, alarmada, que estava reunindo coragem necessária para beijá-la. Não a surpreendeu, porque sabia que ninguém podia vê-los, já que o pomar estava rodeado de uns muros bastante altos, mas Are ficou a duas patas e grunhiu.

Justin gritou, assustado, e se escondeu atrás de uma retorcida macieira.

- Não! Não se apoiou em minha nádegas, mas em outra parte de minha anatomia que tenho em melhor estima.

Chloe mordeu o lábio, divertida.

- Acha que poderia iniciar uma nova moda de acompanhantes?

- Acha que poderia atá-lo para que possa falar com você sem temor à castração? - perguntou Justin, meio em brincadeira.

- Que não o ouça minha tia utilizando esse vocabulário diante de mim.

Ele sorriu.

- Precisamente sua tia me enviou para buscá-la.

Chloe se virou para a casa, surpreendida.

- Seriamente?

- Meus pais convidaram a você e a sua família para jantar em casa esta noite. Diga-me que virá - segurou sua mão e aproximou os dedos aos lábios - Por favor, Chloe, por favor. Se não vier, atirar-me-ei ao rio.

Chloe notou uma sensação de impaciência ao estar sozinha com ele. O que lhe passava? Não fazia muito, Justin lhe parecia um menino divertido. Por que seguia comparando-o com um amante na sombra que representava tudo do que deveria fugir? Por que, de repente, parecia um menino mais velho e não um homem? Especialmente, não um homem escuro, intenso e desconcertante.

- Terei que perguntar a minha tia.

- Chloe! - gritou sua tia da janela da sala - Diga a Justin que nos

esperam às seis ou às sete.

Ele estalou a língua.

- Bom, aí o tem - lhe beijou os dedos antes de lhe soltar a mão - Se não se importar, deixe à besta em casa esta noite. Pretendo ser eu quem te remoa.

Chloe o viu afastar-se pelo pomar, com a capa dobrada lhe envolvendo a cintura. Quando chegou à grade, virou-se e lhe lançou outro beijo. Ela o saudou com a mão, embora as choramingações de Are a distraíram.

- Basta, Are. Não vai morder Justin nem ninguém. Terá que ser bom se... - Calou-se e, lentamente, levantou a cabeça. O cão não estava olhando para Justin, mas para o bosque. Como se tivesse reconhecido alguém que ela não podia ver.

- Stratfield? - sussurrou, com o pulso acelerado - Dominic, é você?

Correu até o outro extremo do pomar, com Are a seu lado, mas não viu nada que lhe chamasse a atenção. As sombras pareciam tranqüilas.

Não escutou mover-se nenhuma folha, só o batimento de seu coração.

Quem quer que estivesse ali, já tinha partido.

Are se sentou obediente a seu lado.

Pâmela lhe gritou da casa:

- Chloe, viu minhas luvas novas? Espero que esse se cão não as tenha comido.

Ela respirou.

- Maldito, Dominic - disse, falando com o silêncio que zombava de sua decepção - Maldito seja, pobre diabo.

Capítulo 14

Jantar com os pais do Justin acabou sendo algo muito estranho.

Durante toda a noite , Chloe teve a sensação que não aprovavam o interesse de seu filho nela, e as poucas indiretas que lançaram deixaram claro que, para eles, uma garota de Londres não devia gostar

absolutamente da vida do campo.

Justin tentou desculpá-los rindo e roubou um beijo de Chloe no saguão quando ela e sua família já se iam.

- Está zangada comigo, Chloe?

Não estava zangada com ele. Em realidade, não sentia nada por ele; é que sua mente não deixava de voar para outro lado. Como ia explicar lhe que se apaixonou por um homem que ele acreditava enterrado? Se quase não acreditava nem ela mesma.

- Ultimamente, parece muito preocupada -lhe disse, quando se afastou dela.

Sua tia escutou esse último comentário quando se aproximou deles depois que seu marido lhe jogou por cima dos ombros a grossa capa de lã.

- As garotas estão assustadas pelo fantasma.

Tio Humphrey fez sair seu harém.

- Tolices. Chloe tem os pés muito bem cravados no chão. Tomara pudesse dizer o mesmo de minha mulher.

Para Chloe não pareceu que tivesse os pés bem plantados no chão. Durante toda a viagem, não deixou de olhar pela borda do caminho e entre as sebes, iluminadas pela lua, se por acaso visse o mínimo sinal de que Dominic ainda estava vivo e rondava por aquela zona. Quando, no cruzamento, apareceu um cavaleiro solitário que lhes bloqueou o caminho, ficou imóvel, desejando que a carruagem se detivesse.

O velho condutor da carruagem deteve os cavalos, obviamente aborrecido. Por um momento, Chloe se convenceu que o misterioso cavaleiro do caminho era Dominic. Viu nos marcados e enigmáticos ângulos de seu rosto a imagem que tanto desejava voltar a ver.

Aproximou-se da porta, impaciente. A esperança lhe acelerou o coração, embora soubesse que era muito pouco provável que se desmascarasse

daquela forma tão dramática.

Por desgraça, a semelhança com Dominic só foi uma ilusão produto da noite e genética. Quando viu com mais clareza os traços do cavaleiro, todas suas esperanças se desvaneceram. Os cinzelados planos do rosto de Dominic se diluíram e se converteram nos do homem que menos gostaria de encontrar de noite.

Tinha que ser um mau augúrio.

Sir Edgar cavalgando sozinho de noite. O que pretendia? O que tinha estado procurando?

Tio Humphrey verbalizou seu aborrecimento ao lhe dizer pela janela:

- Meu deus, sir Edgar, podia tê-lo confundido com um bandido e ter atirado.

Sir Edgar se desculpou com um movimento de cabeça, com as costas reta sobre o cavalo.

- Têm que recordar que o vilão que assassinou meu sobrinho continua solto.

Observando-o mais de perto, Chloe se perguntou como podia havê-lo confundido com Dominic. Os olhos de Edgar não desprendiam nem a mínima faísca de paixão ou de calor.

- E espera encontrá-lo você sozinho? - perguntou-lhe tia Gwendolyn, com voz distante. Não lhe tinha perdoado que não gostasse dos cães.

- As autoridades locais demonstraram não ser de grande utilidade, lady Dewhurst - respondeu ele, muito educado - Suas investigações os levaram a concluir que a meu sobrinho o assassinou um estrangeiro, certamente um soldado desenquadrado. E como houve rumores de atividades suspeitas no bosque a noite, o guarda-florestal e eu decidimos fazer nossa própria investigação.

- Que valentes! - disse Chloe, retorcendo os dedos dentro das

luvas. Aquela era a palavra menos adequada para definir esse homem.

O que estava procurando a essas horas da noite? Acaso suspeitava que Dominic não estivesse morto? Ou acaso seu fantasma tinha começado a lhe estender a armadilha?

Edgar a olhou, com um sorriso desenhado em seus finos lábios.

- Eu gostaria que as jovens pudessem passear e tomar o ar tranqüilamente em minhas terras.

- E passear com os cães - acrescentou tia Gwendolyn, desafiando-o com muita educação.

Ele riu, como concedendo a vitória à senhora.

- É claro.

Um minuto depois, a carruagem voltava a estar em marcha e passaram frente ao bonito perfil de Stratfield Hall. Chloe olhou pela janela, como se pudesse atravessar as paredes de pedra cinza até chegar ao coração da casa. Suspirou, melancólica, enquanto seus tios começavam a discutir e a casa ia desaparecendo de sua vista.

"Dominic, se alguma vez voltar a vê-lo, eu mesma o matarei. Onde está?"

No salão, lorde Devon Boscastle estava esperando que a família retornasse do jantar. Esbelto e deslumbrante, levava uma capa longa negra, calça e botas lustradas, com o cabelo negro agitado pelo vento e com um animado brilho nos olhos azuis.

A princípio, à luz do fogo, parecia-se tanto a seu irmão mais velho Heath que a Chloe lhe parou o coração. "Sabe sobre Dominic", pensou assustada. "Ou aconteceu algo terrível em casa." por que, se não, iria se apresentar daquela maneira, sem avisar?

Então se virou e Chloe o reconheceu por seu diabólico sorriso.

Deixou-se cair no sofá e se afundou nas almofadas, aliviada. Nestes dias tinha os nervos tão a flor da pele que, a todo momento, esperava-se o pior. Tia Gwendolyn e Pâmela dissimularam a agradável surpresa inicial

enchendo-o de abraços e lhe fazendo perguntas. As mulheres tinham caído rendidas aos pés dos irmãos de Chloe desde o começo, já no quarto das crianças da casa dos Boscastle quando esses olhos azuis roubavam o coração a todas as preceptoras. A quem mais iriam perdoar assaltar uma carruagem em brincadeira se não ao Devon?

- Não temam, família - disse, olhando para Chloe por cima do ombro de sua tia - Só vim para me despedir como Deus manda antes de retornar ao seio familiar. Já paguei meu castigo plantando orquídeas e estou preparado para voltar para o mundo real.

Chloe o olhou, feliz. Parecia mais livre e contente, emoções que tinha perdido nesses últimos meses.

- Já está tudo arrumado em Chelsea? - referia-se, é claro, a sua derrota como bandoleiro.

Lançou-lhe um doloroso sorriso.

- Sim. Devo a Gray um favor tão grande que certamente jamais deixará que me esqueça. E agora o convencerei que já vai sendo hora que deixe voltar para casa a você também. Já respiramos suficiente ar puro.

Voltar para casa. Aquela ideia lhe congelou o coração. Há tão somente uns dias, estava desesperada para escapar deste povoado. E

agora estava decidida a ficar a toda custa. Nada conseguiria que abandonasse Dominic em meio daquela crise. Quem podia imaginar o muito que podia mudar sua vida em umas poucas semanas?

Como iria mudar o centro de sua vida? E ainda era mais difícil de imaginar o que lhe proporcionaria o futuro e se a sede de vingança de Dominic chegaria a bom porto.

Nesse mesmo momento, e na mesma casa, Dominic estava esperando Chloe impacientemente em seu quarto. Tinha liberado uma dura batalha contra si mesmo durante horas antes de render-se e escalar até a janela de seu quarto de vestir.

Sabia que era um risco muito grande. Sabia que Adrian levaria as mãos à cabeça ante aquela atitude tão irresponsável, mas tinha se mantido afastado dela todo o tempo que pôde suportar. Tinha que voltar a vê-la, embora só fossem uns minutos. Dava-lhe força e uma base emocional, além do ódio, a que aferrar-se.

Estava obcecado com ela, louco por sua companhia, por vê-la.

Queria escutá-la rir, voltar a abraçá-la.

Levava dias perseguindo-o mentalmente com aqueles sutis métodos para atrai-lo. Sim, apreciava sua discrição. Não, não podia resistir a ela ao vê-la agitar sua regata da janela como uma sereia impertinente que atrai o marinheiro para a morte.

E não é que necessitasse de nenhum aviso de sua existência ou seu atrativo. Quando não estava totalmente absorto vigiando Edgar, estava pensando em Chloe, no muito que desejava voltar a vê-la. Não conseguia acreditar no muito que a necessitava depois de ter passado juntos tão somente umas horas.

Apoiou-se no batente da janela e olhou para fora. Onde demônios estava? Seu quarto era um tributo à vaidade feminina; havia meias, leques e sapatos atirados por toda parte, como se tivesse provado tudo para escolher o traje perfeito e causar uma boa impressão.

Mas, a quem?

Arqueou as escuras sobrancelhas, zangado. Pôs-se aquele espartilho tão escandaloso? Não. O provocador objeto estava no chão do armário, uma boa notícia também para ela. Se fosse pôr esse espartilho para algum homem, seria só para ele.

- Onde está? - sussurrou.

Tinha ouvido chegar a carruagem fazia umas duas horas.

Escondera-se atrás da porta e tinha esperado e esperado que subisse a seu quarto, mas algo, ou alguém, estava retendo-a abaixo.

Odiava não saber onde estava. Tinha visto Edgar sair de Stratfield

Hall ao entardecer e se perguntou se era possível que seu tio e Chloe estivessem juntos no salão. Não tinha visto ninguém mais sair de sua propriedade, mas era possível que, justo antes de subir à árvore, tivesse chegado algum convidado. Deveria ter olhado nos estábulos, mas o problema era que a única coisa na qual podia pensar era nela.

Are subiu a cabeça para a janela, fazendo um suave sinal de alarme a seu amo.

Dominic fechou a cortina com uma careta quando reconheceu a figura masculina de penteado impoluto que havia junto à árvore.

- Chloe! - exclamou Justin em uma voz sedutora muito ridícula -

Não se esconda, coquete. Posso ver sua magnífica figura atrás das cortinas.

- Se viu uma magnífica figura - murmurou Dominic para si mesmo -

é que necessita de um bom par de lentes, estúpido.

- Está se fazendo de tímida, Chloe? Na mesa, enquanto lhe dava aquele pedaço de bolo, não se mostrava tão tímida.

Dominic grunhiu. Assim tinha passado a noite em casa de Justin, deixando que esse idiota lhe desse de comer. Cruzou os braços sobre o peito e lhe lançou um olhar assassino através das cortinas enquanto continuava a reveladora conversa a um bando.

- Não irei até que fale comigo, Chloe -sussurrou Justin, um pouco mais alto - Quero saber que não está zangada comigo por lhe ter roubado esse beijo no saguão - fez uma pausa - Embora me pareceu que você gostou muito. Todas as garotas de Chistlebury adoram meus beijos.

Um beijo no saguão? Quando imaginou apaixonada lady Chloe nos braços do Notário mais idiota do povoado, Dominic esticou a mandíbula.

Sem dúvida, ele era o único do povoado que pensava que não faziam bom casal embora, claro, tendo em conta que estava morto, não é que tivesse muito que dizer no assunto.

Em um impulso, falou com uma voz mais aguda e, através das cortinas, disse:

- Vá para casa com sua mãe, Justin. Por hoje, já levo suficiente tua lembrança.

Justin piscou como um mocho para a janela.

- O que se passou com sua voz, Chloe? Soa muito estranha. Voltou a adoecer? Acha que será contagioso?

- Sim. Sim. Estou doente, querido - exclamou Dominic, agitando a mão no ar - Estou segura que deve ser terrivelmente contagioso.

- Quando a beijei não parecia doente e, além disso, eu estou mais sadio que um cavalo. Me deixe vê-la uma vez mais antes de partir.

-Oh, não, Meu deus, Justin! É um descarado! Acabo de pôr a camisola. Não estou decente para que me veja.

Justin se colocou a mão em cima do coração, com um dramatismo exagerado.

- Nego-me a partir até que a tenha visto uma última vez - e, com um infantil sorriso no rosto, acrescentou: - Pâmela disse que tem algumas roupas muito interessantes em seu baú.

Dominic apertou os dentes.

- Se conseguir que toda minha família o escute e saia, será a última vez que me verá, juro por Deus.

Justin golpeou o chão com os pés, a modo de fingido temperamento.

- Não partirei. E seguirei falando até que ceda. Além disso, sua tia gosta de mim.

- Bom, mas eu não - disse Dominic, em voz baixa. Sinceramente, era muito insultante. De verdade Chloe achava atraente a esse pirralho chato? Tinha-o beijado?

- O que diz, Chloe? Venha, mulher. Só lhe peço uma última imagem para ter doces sonhos. Não fará mal a ninguém.

- Demônios - disse Dominic, colocando um gorro de dormir que tinha encontrado em um dos baús de Chloe. Desceu-o até a testa e pegou um xale de seda rosa e o colocou em cima dos ombros.

- Estou esperando, Chloe - sussurrou Justin, em um tom petulante.

Dominic desenhou um malvado sorriso, apareceu à janela como uma tartaruga e se escondeu igualmente depressa.

- Já está. Está contente?

- Não valeu, Chloe - se queixou Justin - Só vi uma coisa rosa.

- Doces sonhos, Justin - murmurou Dominic e fechou as cortinas.

Tirou o gorro e o xale e se virou. Escutou passos em frente ao quarto de Chloe. Viu como girava a maçaneta e a escutou queixar-se das casas rurais enquanto empurrava três ou quatro vezes a porta, que não queria abrir-se.

Ele estava no quarto de vestir, inseguro de si mesmo, de como reagiria Chloe, da desculpa que lhe daria para justificar sua presença. A verdade de sua necessidade, de sua fome por ela pode ser que a assustasse. Sabia que o assustava. Não podia lhe prometer nada. Nem o futuro que sua família queria para ela. Nem um cortejo em condições.

Nem nenhum futuro, em realidade. Só podia lhe oferecer problemas.

Quando Chloe abriu a porta, um calafrio a percorreu de cima abaixo. Havia alguém em seu quarto. Não podia ser Devon, porque o tinha deixado abaixo falando com seu tio. E não era só o cão, que parecia ter pego gosto a sua cama. Os cabelos da nuca lhe arrepiaram com atenção. Notou como lhe acelerava o coração porque sabia o que era. Tinha medo de sonhar porque não poderia suportar outra decepção.

- Boa noite, Chloe - disse a profunda e familiar voz do quarto de vestir.

Ela hesitou um segundo antes de fechar a porta do quarto.

Prometeu-se que, se voltasse a vê-lo, o mandaria ao inferno, mas em

apenas escutar sua voz tinha começado a tremer. Tantas horas de nervos, de espera, de não saber se estava bem e o bruto parecia estar em perfeito estado.

Acumularam-se tantas emoções contraditórias que lhe custou controlar-se. Queria lhe dar uma reprimenda. Deitar-se em seus braços.

Perguntar-lhe o que achava que estava fazendo em seu quarto outra vez e onde tinha estado enquanto ela morria de preocupação.

Não fez nada disso. Já lhe custou suficiente lhe responder em um tom neutro e com total normalidade. Estava a salvo. Estava aqui.

- Foi muito amável ao vir, lorde Stratfield.

Ele sorriu.

- E você foi muito amável ao me deixar entrar.

- Eu não o deixei...

Mas o tinha feito. A que vinha fazer ver o contrário? Esteve esperando suas notícias durante dias. Tirou-se os sapatos e os colocou debaixo da cama. Lembrou-se de esconder seu diário? Sim. Por agora, Dominic já sabia o suficiente dela. Uma dama tinha que guardar alguns segredos para ela. E mais especificamente, guardá-los longe de Dominic.

Ele abriu a porta do quarto de vestir, com uma pose arrogante e intimatória. Percorreu-a de cima abaixo lentamente com o olhar, como se estivesse estudando cada detalhe de seu aspecto e do vestido de musselina amarela. Gostava? A julgar pelo intenso brilho que refletiam seus olhos cinzas, sim. Chloe começou a sentir-se invadida pelo calor. E

sua respiração se acelerou.

- O que esteve fazendo embaixo tanto tempo? - perguntou-lhe ele, com doçura.

Ela franziu o cenho. Queria que confiasse nele para logo desaparecer durante dias e ainda por cima que ficasse junto à janela chorando sua ausência.

- Meu irmão Devon veio despedir-se. Ao que parece, tudo está perdoado e esquecido, e o deixam voltar para Londres. Já não pode seguir me ameaçando desmascará-lo.

Ele a olhou. Entre eles já não havia ameaças desse tipo, e os dois sabiam.

- Edgar também estava embaixo?

Ela o olhou fixamente, embora quase não prestasse atenção ao que lhe acabava de perguntar. Era tão masculino que a deixava sem fôlego. De repente, teve medo do que poderia se passar se deixasse de estar zangada com ele, do pouco que custaria ao Dominic fazer que se esquecesse de tudo.

- Por que ia estar embaixo?

- Saiu ao entardecer. Sozinho. Preocupava-me que tivesse podido vir vê-la.

O coração de Chloe deu um salto, nervoso. Preocupado?

Ciumento? O mesmo que proclamava não ter nem um sentimento decente em seu corpo? Era como seus irmãos, que odiavam mostrar suas debilidades. Entretanto era possível que se convertera em uma fraqueza para ele?

- Há um momento, encontramo-nos no caminho. Disse que estava procurando seu assassino.

- Não é o cavalheirismo personificado? -perguntou Dominic, muito sério - Não quero ver esse canalha perto de você ou de sua família.

- Eu tampouco gosto particularmente de sua companhia - disse ela, em voz suave. Sua raiva estava desaparecendo. Notava que se sentia atraída por Dominic até extremos perigosos. Queria tocá-lo, descansar a cabeça em seu peito, respirar seu aroma, fazer com que ficasse.

Uma voz queixosa que entrou pela janela foi o que a impediu de fazer um movimento precipitado. Abriu a boca, atônita.

- Meu deus, parece Justin.

Dominic suspirou, irritado.

- É Justin.

Ela passou por seu lado e entrou no quarto de vestir.

- O que acredita que está fazendo?

Lentamente, Dominic se virou com um malvado sorriso no rosto.

- O grande imbecil queria ver-me em camisola.

- O que? - Chloe demorou alguns segundos para entendê-lo - Só traz problemas, Dominic Breckland, só problemas. Não posso acreditar que tenha feito algo assim. É um canalha. Juro.

O diabólico estalo com a língua de Dominic lhe queimou os ouvidos ao mesmo tempo que corria para a janela e, a contra gosto, abria a cortina.

- Cale-se, Justin - sussurrou, olhando-o através dos ramos.

Justin a olhou, sem esconder sua decepção.

- Pensava que tinha colocado a camisola, Chloe. E isso parece o vestido que levava durante o jantar. Esteve zombando de mim todo o tempo?

- Zombando de você? - Chloe se virou para olhar Dominic, que estava do outro lado do quarto de vestir. Ele encolheu de ombros, desentendendo-se de tudo - Pelo visto sim, Justin. Todo mundo em Londres sabe que o faço constantemente.

Justin levantou as mãos, a modo de rendição.

- Pode zombar de mim tudo o que quiser. Não me ofendo com facilidade.

Ela agitou a cabeça. O que se supunha que ia fazer com dois homens tão rebeldes?

- A estas horas da noite, não Justin - disse, com firmeza - Agora vou fechar a janela. Vá para casa, por favor.

- Muito bem - disse Dominic detrás dela, fazendo ver que aplaudia -

Assim se faz.

Ponha-o em seu lugar.

- É a você que vou pôr em seu lugar - respondeu ela, virando-se para ele.

- Me perdoe - disse ele, com um sorriso zombador, antes de tomá-

la entre seus braços - mais acredito que vai ser ao reverso.

Ela o olhou, surpreendida. Tinha-a abraçada com tanta força que não podia levantar os braços, embora tampouco tentasse.

- O que quer dizer?

- Voltemos para o quarto e lhe mostrarei o que quero dizer.

Levou-a até a cama e, entre longos e apaixonados beijos, despojou-a de toda a roupa. O vestido amarelo, as anáguas, as ligas, a regata debruada de renda.

Quando lhe tirou a última meia, acariciou-a e observou seu corpo nu como se se tratasse de uma obra de arte que tivesse que ser admirada.

Chloe estava ardendo debaixo daquele intenso escrutínio. Notava os seios inchados e pesados, com os mamilos ansiosos para que os acariciassem. Nunca tinha visto Dominic tão intenso e perigoso, nem sequer no dia que o tinha encontrado em seu quarto.

- Deveria partir - disse ele, lentamente, enquanto lhe percorria uma coxa até a curva do quadril.

- Não, Dominic.

Olhou-a. A tensão que Chloe sentia em seu interior aumentou.

Mordeu a parte interior do lábio. Estava tão exposta, sentia-se tão vulnerável. E, entretanto, em seu interior, aquela falta de defesa lhe era terrivelmente excitante.

- Se ficar - disse ele - nos dois sabemos o que acontecerá. Jamais pertencerá a alguém mais até o dia que morra.

- Me tome então. - sussurrou Chloe.


Ele se inclinou para frente e lhe deu um apaixonado beijo que

selava a promessa que lhe acabava de fazer. Foi um beijo de posse, profundo e intoxicante.

O intenso prazer a deixou sem defesas.

Não podia pensar. Dominic dominava sua mente e todos seus sentidos. A musculosa força de seu corpo. Seu magnetismo viril. No fundo, já era sua, desejava converter-se em sua amante.

Endireitou-se muito devagar para beijá-lo e lhe sussurrar na boca:

- Me toque por toda parte. Me tome agora. Necessito-o tanto como você a mim.

- Seriamente? - perguntou ele, com a voz rouca, embora suas mãos fossem muito suaves, enquanto lhe acariciavam o rosto -

Necessita-me?

Atraiu-a para seu colo para que ela se sentasse em cima dele escarranchado.

- Sabe que sim - respondeu ela, com os seios junto a seu peito.

Ele se moveu e a levantou com suas poderosas coxas. Rodeou-lhe a cintura com um braço para segurá-la porque, se não, teria caído na cama. Com a outra mão, acariciou-lhe as costas e as nádegas. Ela jogou a cabeça para trás e estremeceu de desejo.

Sutilmente, Dominic deslocou a mão pelo sensual ângulo do quadril para a parte dianteira da coxa. Ela se esticou, com todo o corpo agitado.

Dava-lhe vergonha que descobrisse quão úmida estava entre as pernas.

Quando os dedos de Dominic a tocaram, foi como se estivesse acariciando uma chama. Ardeu-lhe a pele, derreteu-se a seu passo.

Nesse momento, poderia fazer qualquer coisa que quisesse.

Estava excitado. Notou seu duro membro quando voltou a mover as coxas para lhe abrir mais as pernas. Dominic gemeu em seu cabelo, acariciando os úmidos cachos da cúpula e introduzindo os dedos em seu interior.

- Doce Chloe - sussurrou - É muito suave. Apóie-se em meus

ombros.

Ela obedeceu e sentiu como seus músculos de aço se esticavam sob seus dedos. O imenso prazer de suas intensas carícias a deixou sem respiração. Afundou-se sob seu contato, por completo, pedindo mais em silêncio. Sim, mais. Queria continuar. Queria terminar.

- É isto o que necessita? - perguntou-lhe ele, em voz baixa, com a luxúria refletida em seus brilhantes olhos à medida que se aproximava dela.

Sim, mais que qualquer outra coisa, necessitava a ele. Havia algo correto naquele encontro. Algo inevitável que tinha sentido desde o primeiro dia. Seria sua.

E depois ele seria seu.

- Não vai se despir? - perguntou-lhe.

Ele sorriu e desceu a boca até seus seios.

- Dentro de um momento. Agora estou um pouco ocupado.

Apanhou-lhe o mamilo com os dentes e ela soltou uma exclamação quando o prazer se apoderou de seu corpo. Quando ele começou a lhe sugar o mamilo com a boca úmida e quente, ela jogou a cabeça para trás. Em poucos segundos, toda ela se agitou em seus braços. A sucção de seus lábios fazia que todos seus nervos reagissem.

Era muito. Embora não suficiente.

- Chloe.

Ela o olhou no rosto sombrio e apaixonado.

- Não se atreva a me deixar assim, Dominic - sussurrou, com uma voz rouca.

- Não - disse ele, agitando a cabeça - Não posso.

Levantou-se e tirou a camisa de linho branca pela cabeça e depois desabotoou a calça justa negra. Quando se agachou para tirar as botas de couro, Chloe aproveitou para observar, maravilhada, seu corpo na sombra.

Era a primeira vez que o via completamente nu. Tinha um corpo mais impressionante do que imaginara: esbelto, escultural e elegante.

Ela recordava a cinzelada musculatura de seu peito e seus ombros desde a noite que o tinha encontrado em seu quarto, sua força atlética. A cicatriz, já curada, não o desfigurava, mas o marcava como um sobrevivente.

Dominic olhou a seu redor, com os olhos estreitos. Ela não afastou o olhar, mas continuou observando-o fixamente, lhe demonstrando seu desejo e sua aprovação.

A parte baixa do torso e as pernas de Dominic eram formadas por músculos angulosos e firmes. Chloe tentou controlar o ritmo de sua respiração. Era tudo o que podia fazer para evitar gemer de prazer quando viu que ele se aproximava.

Estendeu um braço. Precisava voltar a senti-lo. Ele a puxou pelas mãos enquanto lhe acariciava o firme abdômen. Tinha certeza que Dominic estava liberando uma batalha interior porque a desejava, mas não queria equivocar-se.

Ela se apoiou nos travesseiros, soltou-se de suas mãos e, em uma pose de antigo convite feminino, sussurrou-lhe:

- Dominic, isto é o que quero.


***
Seus sentidos não podiam satisfazê-lo suficientemente depressa daquele festim que lhe oferecia. O som da voz sedutora de Chloe. A suavidade aveludada de sua pele. Os lugares secretos de seu corpo.

Queria desfrutar tudo de uma vez, inundar-se em sua pureza e, entretanto,

fazê-lo

devagar,

saboreando

cada

momento

que

compartilhavam.

Não havia tempo suficiente no mundo para saciar sua ânsia por ela. Nunca haveria tempo suficiente.

Sabia que não queriam despertar toda a casa e aquele sentido da

precaução só acrescentava o desejo sexual, o intenso prazer de cada carícia. Por tê-la, valia a pena correr qualquer risco. Era forte, linda e carinhosa.

Estendeu-se junto a ela na cama. A promessa que viu em seus olhos azuis intensificou ainda mais seu desejo por ela.

- Deixa-me louco, Chloe - disse, agitando a cabeça.

Ela sorriu, tentadora.

- Já estava louco quando o conheci.

Ele tomou seu suave e quente corpo em seus braços.

- Então, agora sou um lunático.

Acariciou-lhe a poderosa musculatura dos ombros com as pontas dos dedos.

- E isso no que me converte?

Ele voltou a afundá-la nos travesseiros.

- Em minha.

Chloe era fogo líquido sob seu duro e excitado corpo. Era suave e feroz. Queria explorá-la, explorar suas debilidades sexuais, lhe dar prazeres que jamais tinha sonhado.

- Não posso aguentar mais, Dominic - sussurrou ela - É cruel.

Ele respirou e seu fôlego lhe acariciou a barriga. Iria demonstrar lhe o cruel e amável que podia ser como amante. Embora, claro, era um jogo que perfeitamente podia voltar-se contra ele.

- Tenha paciência - sussurrou em cima de sua pele suave, quando não estava certo se ele mesmo seria capaz de agüentar muito mais. Seu membro se pressionava contra a coxa de Chloe, grande e vermelho pelo sangue acumulado.

Adorar Chloe recordou o desesperadamente humano que era. Seu desejo por ela trazia a luz nem tanto sua força, mas sua debilidade.

Como podia explicar, sem parecer imbecil, que estar com ela dava-lhe coragem para voltar à sua escura prisão? Sem as fantasias dela com

que encher as horas solitárias, ficaria louco.

Poderia lhe fazer entender algum dia que tinha sido o antídoto para o ódio e desespero que ameaçavam destrui-lo?

Desejava-a com todas suas forças.

Tinha o corpo de uma sereia, uns deliciosos seios rosados e uns quadris arredondados que incitavam a pensar no sexo. Seu aroma lhe inflamava os sentidos. Sabão, ar fresco e a doce excitação do almíscar.

Queria enterrar a cabeça entre suas coxas e encher os pulmões de sua essência.

- Dominic? - sussurrou-lhe, refletindo em seus olhos azuis a paixão e confusão que via nele.

Ele a olhou. Estava tão preparada, tão disposta para o final. Queria lhe fazer amor com tanto desejo que sentisse arder seu corpo como uma tocha, mas detestava não poder ficar junto a ela depois, ver-se privado do privilégio de abraçá-la toda a noite. Queria-a toda. Queria uma intimidade que ia mais à frente do ato sexual.

- Dominic, por que me olha assim? - perguntou ela, em voz baixa.

Ele respirou fundo e lhe afastou os úmidos cachos do ventre com o dedo polegar. Ela ficou imóvel enquanto ele apertava o delicioso botão de seu sexo. Já reagia a suas carícias. Satisfeito por aquela resposta, introduziu-lhe dois dedos entre os inchados lábios. Chloe fechou os olhos, louca de prazer.

Ele se agachou para beijá-la, saboreou o delicioso grito que soltou quando começou a acelerar o ritmo de seus dedos. Era a coisa mais doce que jamais havia tocado. Tensa. Cremosa. Sacudiu-se ao pensar no que seria ver-se envolvido por esse corpo, afundar-se em suas profundidades. Quando a fez chegar ao clímax, estava tão desesperado por achar alívio que virtualmente estava se esfregando contra os lençóis.

Aquela mulher foi feita para a paixão.

- O que está esperando? - sussurrou ela, quando notou o final da

última contração.

Ele se aproximou para lhe dar um beijo nos lábios, que estavam torcidos em uma careta.

- De verdade quer se entregar a um homem como eu? - perguntou-lhe, com doçura.

- Só me entregaria a um homem como você - respondeu ela, sem hesitar.

Ele fechou os olhos.

- Honra-me, Chloe.

- Não quero honrá-lo, descarado. Quero que termine o que começou. Pelo amor de Deus, Dominic, tenha piedade de mim. Jamais senti isto.

- Espero que não - a mera ideia era insuportável. Se a tivesse conhecido antes de colocar sua vida de pernas para o ar, estava certo que já teria falado com seus irmãos para lhes pedir sua mão - Chloe -

disse, relaxando-se um pouco - é o melhor que me passou na vida. E

tenho medo que você não sinta o mesmo.

- Engana-se - sussurrou ela - E não me vai fazer mudar de opinião.

- Que Deus me ajude - disse ele, em voz baixa - porque não quero tentá-lo.

Ela o olhou no rosto enquanto ele ficava de joelhos para lhe separar as pernas, deixando exposto o centro de sua feminilidade.

Dominic respirou fundo, Estava tão excitado que tinha medo de explodir inclusive antes de penetrá-la.

Quando se colocou em posição entre suas coxas, justo em cima da úmida entrada em seu corpo, gemeu de prazer. Era uma bênção mas estava um pouco tensa e, tal era sua necessidade, que tinha medo de rompê-la.

- Tentarei não machucá-la - disse, e se aproximou dela para beijá-

la.

Notou como se esticava ante a poderosa investida que o levou a introduzir-se nas profundidades de seu corpo. Notou como ia abrindo caminho, como rompia a primeira barreira, embora já fosse tarde para deter-se. Não podia pensar. Com um beijo, afogou o grito de Chloe.

Quando notou que ela se relaxava um pouco, sussurrou contra sua boca:

- Agarre-se a mim. Nem sempre dói. Passará em seguida.

- Também lhe dói?

- Não, não. Estou no céu.

Retirou-se um pouco para poder voltar a penetrá-la lenta e poderosamente. Notou como ela estremecia embora não opusesse resistência à invasão, e então Dominic se esqueceu de tudo exceto de sua própria necessidade, sua busca urgente de alívio. Ela se moveu um pouco, lhe dando as boas-vindas.

- Chloe - disse, com os braços trêmulos por ter que suportar seu peso - Você me dá tanto prazer.

- Eu também.

Aquilo foi tudo o que Dominic necessitou para ficar louco. Aquelas três eróticas palavras. Estremeceu; investiu pela última vez enquanto um intenso clímax o percorria de cima abaixo. Sentiu-se como se fosse inundá-la, como se não pudesse deter o fluxo. Quando terminou, colocou-se a seu lado e a abraçou com tanta força que suspeitava que lhe estava fazendo mal. Ela não disse nada. Se sentia como ele, provavelmente dedicava toda sua energia a respirar.

Não sabia o que dizer. Pode ser que ele tivesse tomado seu corpo mas, em últimas contas, lhe tinha conquistado o coração.

Afinal, foi Chloe que rompeu o silêncio. Levantou a cabeça de cima de seu ombro, com o cabelo no rosto. Os olhos azuis o atravessaram e ele queria fazê-la sua outra vez. Já voltava a estar duro como uma rocha.

- Quando voltarei a vê-lo?

- Não sei. Não o suficientemente logo para mim.

Ela tentou sentar-se, despenteada, sexy, um pouco zangada.

- E como se supõe que vou saber se estiver em perigo ou inclusive se estiver vivo?

- Possivelmente seja melhor que não saiba.

- Dominic! - Apartou-lhe o braço. Ele viu como lhe acelerava o pulso na base da garganta. Era incrível, era sua, e ainda tinha o corpo ruborizado pelo desejo - Tem razão. Está morto, pobre diabo. Dentro de ti não fica nem um só sentimento decente, e o que acabamos de fazer não conta.

- Tentei acautelá-la - notava o batimento do coração no peito, nos ouvidos, nas têmporas - Não devia vir esta noite, Chloe. Minha intenção não era preocupá-la.

- Já é um pouco tarde para isso, não lhe parece? - sussurrou ela, muito seca - Deveria ter ido parar à janela de outra pessoa - se tampou com o cobertor até o queixo como se, de repente, fosse consciente de sua nudez e do longe que tinham chegado. Para ele não tinha sido suficiente. Queria possui-la de todas as maneiras em que um homem podia possuir a uma mulher.

- Tomara tudo fosse diferente - disse ele - Teremos que fazer o que pudermos.

- Que desastre! - sussurrou ela.

- Chloe - estava zangada e desgostada, e não podia culpá-la. Sua vida era muito complicada. Implicava uma ameaça para tudo o que ela era.

- Não se preocupe por mim, Dominic - disse, de maneira cortante -

Meu baú e minha roupa estarão sempre a sua disposição. Pode pôr minhas anáguas sempre que quiser.

Aquela indignação ferida o golpeou como algo injusto e, ao mesmo

tempo, bem merecido. Não tinha tempo para acalmá-la como teria gostado ou para convencê-la do que significava para ele. Olhou-a uma última vez antes de sair da cama. Não estava certo, mas lhe pareceu ver lágrimas em seus olhos. Se começasse a chorar, estaria perdido.

Cederia e voltaria para a cama com ela até o amanhecer.

- Não saia da cama, Chloe.

- Nem sequer para empurrá-lo pela janela?

Agachou-se para beijá-la. Ao menos, tinha recuperado o senso de humor, embora tivesse sido delicioso recordá-la com o coração partido e nua na cama onde tinham feito amor.

- Tenta dormir - disse, com doçura.

- Que nada de “tente...”?

Ele desapareceu no quarto de vestir, embora fizesse uma pausa para acariciar a cabeça de Are antes de sair pela janela. O cão quase não se moveu, só se limitou a seguir seus movimentos com uns olhos castanhos muito líquidos que pareciam acusá-lo.

- Jesus - disse Dominic - até meu próprio cão está contra mim.

Subiu ao batente da janela e sentiu a fria brisa da noite contra o rosto e a garganta. Se Chloe fosse inteligente, muraria essa janela para que não voltasse até que pudesse lhe oferecer um futuro como Deus manda. Ou destruiria a árvore por onde escalava até ela. Porque não podia estar longe dela.

Tirou a perna e a apoiou no ramo mais próximo. Por perverso que parecesse, o encontro sexual lhe tinha proporcionado energias novas, tinha restaurado sua vitalidade.

Ardia pela frustração de querer mais dela mas, desde a punhalada , não se havia sentido melhor. Tinha recuperado a força que necessitava para enfrentar seu inimigo.

Agora poderia canalizar todas as necessidades físicas para a vingança. Como seria capaz de controlar seu coração já era outra

história diferente.

Capítulo 15

Chloe deveria saber que, quando se apaixonasse, fá-lo-ia perdidamente e com a paixão própria de seu coração Boscastle. E, obviamente, escolheria o homem menos indicado para ela. E, obviamente, não teriam um romance plácido. Sentou-se na cama durante uns trinta segundos, lamentando-se de seu destino, atônita pela marcha de Dominic, pelo que acabava de se passar entre eles.

Depois, levantou-se de um salto e colocou o vestido amarelo do jantar para ir atrás dele. Não era das que se lamentavam durante muito tempo. Sentia-se abandonada e temia por ele e por ela. Não podia acreditar que tivessem alcançado o clímax em um ardente encontro sexual e que ele partira pela janela, deixando-a consumindo-se na cama como um pedaço de carvão em chamas. Não podia deixar que partisse sem... algo mais. Mais dele. Mais daquela tortura, dos problemas que trazia. A promessa de que voltaria ou que não lhe aconteceria nada enquanto estivessem separados.

No aspecto mais prático, viu que deixou o telescópio que lhe tinha roubado na primeira noite que esteve em seu quarto. De caminho para a porta, recolheu-o do chão.

Com o coração acelerado, correu pelo corredor e desceu as escadas às escuras; depois, saiu na escuridão da noite. A erva úmida se cravava nos pés descalços enquanto rodeava o lamacento lago dos patos para chegar ao jardim. Quando chegou debaixo de sua janela, Dominic acabava de aterrissar no chão e estava levantando.

- Pelo amor de Deus! - exclamou, quando a viu - Quer nos arruinar aos dois?

Estendeu-lhe a mão.

- Esqueceu o telescópio.

Com o cenho franzido pela preocupação, pegou o aparelho e o

colocou na cintura das calças.

- Obrigado.

- Dominic, não pode continuar assim. Viver em uma... em uma parede não é normal.

- Já sei - passou a mão pelo cabelo negro, exasperado - Sabe o que me está fazendo? Cada vez que a vejo, tenho tentações de pôr minhas cartas sobre a mesa para ter a oportunidade de recuperar minha vida.

- Mais não pode - disse ela, muito calma.

- Se quero levar Edgar e seus comparsas ante a justiça, não. Não posso confiar que as autoridades o façam por mim. Não sei quantos amigos possa ter ou quem pode ser sua próxima vítima. Não é dos que respeitam as normas.

Ela não queria voltar a discutir sobre o mesmo. Era tão teimoso, cabeçudo e receoso com a honra como qualquer de seus irmãos.

- Ao menos, poderia arrumar algum jeito para me fazer saber que está bem.

Ele a pegou pelos ombros. A luz da lua não suavizou seus inflexíveis traços. A dura prova que tinha que superar tinha deixado seu sinal em uma atraente austeridade.

- Não estou em condições de lhe prometer cartas, Chloe. Já lhe disse que só confio em um homem. Chama-se Adrian Ruxley, visconde de Wolverton. É a pessoa que me ajudou a organizar meu funeral. Se me acontecer algo, vá a ele, mas não até que termine o que tenho que fazer.

- Se é um amigo de confiança, talvez possa convencê-lo para que lhe transmita um pouco de bom senso.

- Não se implique em meus problemas mais do que já está. Volte a ser a garota alegre que era quando a conheci. Quando tudo isto terminar, darei-lhe o que quiser.

- Há muito tempo que não estou alegre, Dominic.

Ele a soltou de repente, amaldiçoando entre dentes e fixando o olhar na parte traseira do jardim.

- Vem alguém - lhe disse - Não me delate.

- E o que...?

- Não diga nada.

Chloe se virou e em seguida reconheceu a miúda figura de sua tia avançando pelo caminho.

- O que faço? - sussurrou ao Dominic, que se afastava.

- Usa a cabeça, Chloe - disse ele, que não foi de grande ajuda, antes de esconder-se atrás de uma árvore.

- Não o vê? - gritou-lhe sua tia - Justo aí, cabeça de asno! Atrás dessa árvore.

- A quem chama cabeça de asno? - perguntou Chloe.

- A você!

- Eu não vejo ninguém - e, em parte, era verdade. Dominic tinha desaparecido entre as grandes árvores que flanqueavam a grade, confundindo sua esbelta figura com as longas sombras.

Para sua surpresa, tia Gwendolyn se aproximou dela, pegou-a pelo braço e a fez encarar diretamente para a sombra de Dominic.

- Ali! Ali! Não o vê?

Grande dilema. Chloe não sabia o que fazer. Se admitisse que via Dominic, desvelaria seu segredo. Se fizesse ver que não estava ali, sua tia teria motivos de sobra para chamá-la cabeça de asno.

- Procurarei o pároco - disse tia Gwendolyn, muito emocionada, com os cachos prateados despenteados - Venha comigo. Não.

Pensando melhor, fique aqui. Vigie-o.

- A quem?

- Ao fantasma.

- Que fantasma?

- O fantasma que está justo diante de você.

- Como vou vigiá-lo se não o vejo? -perguntou Chloe.

Nesse momento, Dominic deu um passo adiante, muito teatral, com sua figura meio em sombras pela grade.

- Senhora - disse à tia Gwendolyn - não pode me ouvir ou ver-me.

Não esbanje saliva.

Tia Gwendolyn olhou para Chloe de esguelha e sussurrou:

- Incrível.

Dominic inclinou a cabeça.

- Silêncio.

- Mas, pobre homem... quero dizer, fantasma - disse a senhora, muito ansiosa - Acaso tem problemas para chegar ao outro lado?

- O outro lado do que?

- Oh, céu santo - disse tia Gwendolyn, muito nervosa - Nunca me ocorreu que tentasse ir para cima quando se supõe que deve ir para baixo - limpou a garganta - Lorde Stratfield, devo lhe advertir que sou uma mulher casada.

Dominic ficou muito desconcertado. Por um terrível segundo, Chloe temeu que fosse começar a rir.

- Casada?

- Sim, casada, fiel a meu marido. Não posso intimar com você.

- Intimar comigo?

- Conheço sua reputação de ir seduzindo às mulheres da paróquia

- disse tia Gwendolyn com a voz trêmula - Não me tente.

- Para fazer o que? - perguntou ele, realmente confundido.

- Não era minha filha, não é? - disse a mulher, entendendo tudo de repente - Quem procurava era eu.

Dominic estava retrocedendo entre as sombras. Chloe agradecia porque, como tinham saído essa noite, a grade estava aberta. Se estivesse fechada, não teria tempo de escapar antes que tia Gwendolyn

o apanhasse e descobrisse que não era nenhuma aparição.

- Agora devo deixá-la, senhora - disse, agitando a capa de maneira melodramática.

- Me deixar? - perguntou tia Gwendolyn - Mas não sei por que veio ou que ajuda quer que lhe ofereça.

- Bom, verá...... - Chloe adorou a expressão de incerteza que refletiu seu belo rosto - Devo ir. Já me demorei muito.

Tia Gwendolyn cobriu a boca com a mão.

- Então, isto significa que... Por favor, meu lorde, me diga: nosso encontro significa que ficou satisfeito?

- Ah, senhora - disse, enquanto atravessava a grade. Lançou um irônico olhar para Chloe - Infelizmente, é uma pergunta muito pessoal.

E desapareceu entre as árvores.

Tia Gwendolyn ficou balançando a cabeça, desconfiada.

- Foi-se. Nosso fantasma se foi.

E Chloe não se pôde ficar mais tranqüila. Embora claro, como não o tivesse "visto", tinha que seguir fingindo perplexidade.

- Tem certeza, tia Gwendolyn? - sussurrou, olhando para o céu como se, de algum jeito, o espírito de Dominic tivesse levantado vôo.

Sua tia a seguiu com o olhar e franziu o cenho.

- Não acredito que tenha ido ao céu, querida - disse, irritada.

Chloe olhou para o chão, hesitando.

- Então...

A mulher suspirou.

- Ao que parece, tampouco foi para ali embaixo, embora qualquer um pensaria, e com razão, que o Hades seria sua morada ideal.

Chloe fez uma pausa.

- E aonde acha que foi?

- Pelo visto, Chloe, o mais à frente é muito complicado para a

mente humana. Aonde foi? - tia Gwendolyn agitou as mãos no ar - Nem em cima nem embaixo. Perdeu-se no éter desconhecido.

- Que éter desconhecido? - Chloe não pôde evitar perguntar.

- Se soubesse, não seriam desconhecidos, não acha?

- Suponho que não.

- Ora. Não deveria esperar que alguém com sua tenra experiência entendesse os mistérios da vida - olhou para Chloe fixamente - Dadas as circunstâncias, possivelmente seja melhor que não revelemos este encontro a ninguém mais. Não devemos dizer a ninguém que o vimos.

- Mas se eu não vi nada - disse Chloe.

- Exato. E se quer vir a mim outra vez, deve saber que pode confiar em mim.

Chloe olhou para o bosque por onde Dominic estava presumivelmente escondido.

- Quer voltar a vê-lo? Me daria um pouco de medo tratar com um fantasma.

- Querida, se for o sacrifício que devo fazer para proteger a você, a Pâmela e às demais mulheres da paróquia, farei-o.

- Será nosso segredo - disse Chloe, com firmeza.

- Muito bem - respondeu sua tia, que lançou uma olhada ao solitário jardim - Embora deva admitir que há algo que não entendo.

Voltou a acelerar o coração de Chloe. De verdade tinha acreditado que poderia escapar tão facilmente?

- O que?

- O que fazia, a estas horas, no jardim? Se não foi o fantasma de lorde Stratfield, o que a fez descer até aqui?

Capítulo 16

Dois dias mais tarde, lorde Devon Boscastle subia as escadas da mansão de Park Lane de seu irmão Grayson. Era a primeira vez que era bem-vindo a casa de maneira oficial desde seu escândalo público. O

distinto primeiro lacaio dos Boscastle, Weed, acompanhou-o até o salão com um cálido sorriso.

Havia um batalhão de criados preparando a casa para fechá-la, já que o marquês ia passar uma temporada à casa de campo. A governanta, a senhora Soames, serviu-lhe um bom pedaço de bolo de framboesa e secou as lágrimas dos olhos que lhe tinha provocado a alegria de voltar a vê-lo. Um par de criadas cavaram as almofadas do sofá antes que ele apoiasse as costas no espaldar.

A ovelha negra havia tornado oficialmente ao seio familiar. Embora parecesse ridículo, Devon sentiu uma entristecedora sensação de gratidão e alívio ao ver-se de novo recebido em sua casa. Pode ser que algumas vezes se zangassem, mas entre os membros desta família sempre reinava a aceitação e a calidez, e sempre se acabavam perdoando inclusive os piores pecados.

Ao cabo de uns minutos, entrou na sala sua irmã Emma, com o cabelo loiro dourado recolhido, deixando limpo seu bonito rosto. Com um grunhido interior, Devon pensou que se alguém lhe desse uma reprimenda, seria ela, Emma, a delicada ditadora, a do corpo de duende e alma infalível de caudilho. A jovem viúva que tinha enterrado seu marido e tinha aberto sua própria academia escocesa para educar jovens rebeldes no caminho da correção e o decoro. Até que decidisse onde iria instalar sua residência permanente, vivia com seu irmão Heath.

- Devon - disse, com as mãos às costas, para poder olhá-lo com atenção.

- Emma - ele se levantou para abraçá-la - Está linda.

- Seriamente? - disse, retrocedendo um pouco para analisar seu rosto, evitando a adulação - Uma advertência, Devon. Gray convocou um conciliábulo familiar para discutir a crise. Estão discutindo os planos de batalha. O ataque é iminente.

Os olhos azuis de Devon se escureceram.

- Pensava que tinham me perdoado.

- Não se trata de você, idiota - balançou a cabeça, desiludida - Se trata de Chloe. O que um homem faz com sua reputação é uma coisa, mas uma jovem é outra coisa.

Grayson opina, e não posso estar em desacordo, que Chloe seguirá com seu comportamento maluco até que se case.

Devon observou a aquarela de uma paisagem escocesa que havia em cima da lareira.

- Alguma vez em sua vida se deixou levar por um estúpido impulso, Emma? - perguntou-lhe, curioso.

- É claro que sim.

- O que fez? - zombou ele - Foi a missa com pérolas?

Emma cruzou os magros braços.

- Por que todo mundo acredita que sou uma Santa?

Puxou-lhe o pálido cacho que lhe caía junto ao rosto.

- Porque o é.

Ela sorriu.

- Deveria dar uma lição a todos. Se me deixasse levar, estou segura que escandalizaria a toda a cidade.

- Faça-o, Emma - disse ele, enquanto escutavam que alguém batia na porta - Já vai sendo hora de montar outro escândalo familiar.


***
Lorde Heath Boscastle olhou pela janela enquanto o resto da família ia indo ao salão privado. Sabia por que o tinha chamado seu irmão e sabia que tinha em suas mãos o voto decisivo para o futuro de Chloe. Por uma vez, gostaria que as coisas fossem tão simples como pareciam à primeira vista.

Tomara pudesse acreditar que Chloe tinha conhecido um rapaz decente e que, como dizia Devon, sua encantadora irmã menor tivesse encontrado o amor.

Assim fácil? Perguntou-se, com os olhos azuis em um gesto cínico.

Enviam a jovem rebelde ao campo umas semanas e, voilà, conhece um aristocrata com que sonha toda sua família e assenta a cabeça.

Possível, mas pouco provável. Ao menos, para uma Boscastle.

O irmão mais velho, Grayson, marquês de Sedgecroft, sentou-se no esponjoso sofá azul, indicando com sua leonina presença que o conciliábulo estava a ponto de começar.

Heath sempre o tinha visto como a um príncipe medieval: loiro, seguro de si mesmo, preparado para atuar. Drake e Devon, de cabelos escuros e inquietos por uma transbordante energia, preferiram ficar em pé, um a cada lado do sofá, como se fossem sair disparados a primeira oportunidade.

Emma, a viscondessa viúva de Lyons, estava sentada junto ao fogo em uma cadeira atapetada com um espaldar muito alto, e tinha uma caderneta e uma caneta no colo. Heath estava preocupado por seu futuro assim como o de sua irmã menor. Uma jovem e bonita viúva era uma presa fácil para o homem equivocado.

Emma olhou a seu redor.

- Grayson, sua mulher não vem? - Perguntou, um pouco preocupada.

Grayson sorriu, envergonhado.

- Ainda não decidiu se poderia participar de uma conspiração às costas de Chloe sem ter remorsos de consciência.

Drake soltou uma gargalhada.

- Tendo em conta que a própria Jane foi vítima de uma conspiração similar...

Grayson fez ver que se ofendera. Jane e ele se casaram não fazia muito depois de um noivado que, mais que um terno cortejo, tinha sido uma batalha de inteligência.

A encantadora marquesa de cabelo cor de mel era, possivelmente,

a única mulher no mundo que podia manter sob controle seu marido, e que ele a quisesse por isso.

- Está insinuando que estar casada comigo é um castigo?

- Ser seu irmão é - disse Devon, de coração - No mínimo, às vezes.

Emma limpou a garganta.

- Podemos passar ao tema que nos ocupa? Devon - disse, inclinando a caneta para ele - faça o favor de nos dar sua opinião sobre o pretendente de Chloe.

Devon hesitou uns segundos, como se compartilhar aquela informação fosse trair sua irmã pequena.

- Não sei, exatamente, o que acha Chloe dele, na última vez que a vi estava estranha. Possivelmente é um sintoma de amor verdadeiro.

- Mas, qual é sua opinião, Devon? - perguntou Heath.

Devon encolheu os ombros.

- Não o conheço muito bem. Justin e eu nos encontramos em uma caçada há alguns verões. Parecia normal, não, Drake?

Drake agitou a cabeça.

- Um pouco malcriado e arrogante, se não recordo mau.

- Estão falando de meu marido? - disse uma voz feminina da porta -

Ou de algum de seus irmãos?

Heath olhou a sua cunhada com um amplo sorriso.

- Entre, Jane. Contribuirá com uma perspectiva diferente no debate.

A marquesa de Sedgecroft entrou no salão e seu olhar foi parar diretamente para seu marido que, assim como os outros homens pressentes, levantara-se ao ouvir sua voz.

- Atreveria-me a dizer que vocês não gostarão de escutar minha opinião. Nunca escondi que jamais estive de acordo em enviar Chloe ao campo.

- Muito bem - disse Heath, acompanhando-a até uma cadeira guiando-a pelo cotovelo - Será a única voz dissidente.

Drake sorriu.

- A voz da razão.

Jane parou e riu.

- Me deixem lhes dizer, antes de começar, que não aprovarei mais nenhuma das táticas ocultas e intransigentes de meu marido em nome do matrimônio.

- Intransigentes? - disse Heath, que não pôde evitar estalar a língua.

- Ocultas? - Grayson ficou perplexo - Prefiro pensar que, em seu dia, já demonstrei até onde pode chegar o desespero de um homem apaixonado. - Todos os pressentes sabiam que se estava referindo ao fato de que tinha enganado Jane para que se casasse com ele.

- E isso nos devolve ao tema de Chloe - disse Emma - Esse jovem a quer? É um pretendente adequado?

Jane, que estava arrumando a saia rosa ao redor dos tornozelos, disse:

- O mais importante é decidir se é um pretendente digno de assinar um contrato de matrimônio clandestino a meia-noite no interior de uma carruagem.

Todos ficaram em silencio ao recordar como Grayson havia dado volta a sua trapaceira Jane durante os turbulentos dias de seu noivado.

- Querida - disse Grayson, olhando-a com adoração - tem alguma queixa?

Dedicou-lhe um sorriso cúmplice.

Emma balançou a cabeça, mal-humorada.

- Se depender de mim, não haverá outro motivo para o escândalo.

Deveríamos nos apresentar ao valente jovem? Drake? Grayson?

A ampla testa de Grayson franziu.

- É impossível que haja muitas oportunidades para fazer travessuras em Chistlebury.

- Como diz aquele ditado antigo? -perguntou Jane a seu marido. -

"Uma mente desocupada é o regozijo do diabo".

Grayson riu.

- Por que me olha quando cita esse ditado?

Ela voltou a sorrir.

- Por experiência, querido.

Drake olhou para Devon.

- É seguro esperar que tome uma decisão?

- Esse jovem não fez nenhuma proposta formal - comentou Emma -

Espero que não tenham decidido fugir.

- Não recordo que Chloe flertasse com ninguém no funeral de Dominic - disse Grayson, pensativo.

- Mais só porque não foi - disse Heath - Recordo que naquele dia não se encontrava bem. Pelo que ouvi, ainda não pegaram o assassino de Dom. Sir Edgar me escreveu uma carta e me disse que suspeitavam de algum soldado desenquadrado ou de um marinheiro. É estranho.

Toda a história do assassinato é muito estranha e preocupante.

Suponho que deveria oferecer minha ajuda a sir Edgar.

Grayson se levantou.

- Tia Gwendolyn diz que esse tal St. John é o melhor partido da paróquia.

- Certamente, é o único - disse Devon - Em todo o povoado deve haver vinte e cinco habitantes.

- Talvez devesse ir e me apresentar - disse Grayson.

- Iria assustá-lo como a um camundongo - murmurou Jane -

Recordo perfeitamente como assustou aquele pobre oficial de cavalaria com seus gritos no pavilhão durante aquela festa de manhã.

Heath olhou para Drake.

- O que foi feito do barão que beijou Chloe atrás da carruagem?

- Acredito que não comentou nunca nada - respondeu Drake -

Tendo em conta as circunstâncias, possivelmente considera que teve sorte que Grayson não o matasse nesse dia.

- Opino que deveríamos esperar duas semanas mais antes de tomar uma decisão a respeito do futuro de Chloe - Heath se mordeu o lábio superior - Pode ser que, então, tenha havida alguma mudança.

Grayson deu de ombros.

- Parece-me razoável.

Emma assentiu.

- Esperar costuma ser a melhor opção... algo para evitar outro matrimônio escandaloso. Seria a hecatombe da família.

Grayson olhou para o outro lado do salão para sua linda mulher de olhos verdes.

- Não estou tão certo, Emma. Um matrimônio escandaloso foi o início de uma vida muito feliz para mim.

Capítulo 17

Tinham passado dois aborrecidos dias desde que tia Gwendolyn tinha visto o fantasma no jardim. E, fiel a sua palavra, não o havia dito a ninguém. Embora tampouco tivesse ficado totalmente satisfeita. Da janela, Chloe a viu passear entre as roseiras de noite. O que ninguém sabia era o que tinha planejado fazer quando lhe pusesse as mãos em cima. E o mais irônico era que tanto Chloe como sua tia queriam agarrar aquele diabo escorregadio e dominar seu inquieto espírito.

- Se achar nosso fantasma - sussurrou Chloe, do peitoril da janela, com o olhar perdido na escuridão - lhe dê lembranças, sim?

Não lhe tinha escapado que Dominic havia tornado a abandoná-la sem lhe prometer nada para o futuro. Embora saísse vivo daquele embrulho, Chloe não tinha claro como acabariam. Perguntou-se o que teria significado para ele aquela noite de intensa paixão. Pode ser que as cicatrizes do corpo estivessem curadas, mas as da mente seguiam a mercê de seus demônios internos.

Acabaria Chloe descobrindo que sua união não tinha sido mais que o desespero de um homem combinada com uma série de acontecimentos? Estava claro que não seria fácil explicar a sua família como se apaixonaram ela e Dominic. E não iria deixar que ele carregasse com todas as culpas.

Ninguém lhe garantia que não acabasse morto de verdade depois de todo esse mistério vingativo e que outros medos que tinha jamais teria expor-se.

Disse a si mesma que devia agradecer por haver-se negado a implicá-la mais da conta naquela história tão perigosa. Deveria agradecer por aquela atitude tão teimosa na hora de protegê-la. Embora nada disso mudasse o que sentia por esse homem que a tirava do sério.

Havia momentos, como nessa noite, que ficava frente à janela e que podia jurar que a estava olhando e, então, toda ela estremecia.

Outras vezes, a sensação de ver-se observada era desagradável e intrusiva e se perguntava se Edgar também estava contemplando o bosque de noite, ambos procurando o homem que lhes tirava o sono.

- Sei que está aí, Dominic - disse, suspirando, enquanto fechava as cortinas para ir deitar se - Só espero que seu inimigo não saiba.


***
Era possível que Chloe o estivesse provocando de maneira deliberada? Perguntou-se Dominic do esconderijo vegetal que camuflava sua presença. Pressentia que estava disposto a voltar a meter-se em seu quarto e a enviar ao diabo as conseqüências? Estava tentando atrai-lo de novo ou era o imbecil do Justin que a cortejava na escuridão?

Se tivesse a oportunidade, iria ensinar a Justin algumas coisas por atrever-se a tentar a Chloe. Não é que ele tivesse nenhuma objeção a tentá-la ele mesmo, mas lutaria até a morte para negar esse privilegio a qualquer outro homem. E mais, depois dela lhe entregar-se na outra noite. Era só sua e, quando tivesse colocado sua vida em ordem, se

encarregaria de que o mundo inteiro soubesse. Jamais o obrigariam a afastar-se dela.

Sorriu ante a imagem de Chloe no telescópio. Via sua silhueta atrás das cortinas de renda; seus gestos cotidianos o deixavam sem respiração, débil e poderoso ao mesmo tempo. Recordou a textura leitosa de sua pele, o som gutural que tinha emitido quando a tinha penetrado, seu aroma, o doloroso olhar que lhe dedicou quando ele mesmo se obrigou a sair da cama e partir.

Baixou o telescópio, a contra gosto. Outro dia poderia torturar-se quanto quisesse, mas nessa noite lhe esperava um trabalho muito menos prazeroso. Ultimamente, Edgar esteve percorrendo os arredores da casa de noite e Dominic se perguntava por que.

Iria se reunir se com alguém? Ou acaso tinha começado a suspeitar que o vigiavam? Teria percebido que a casa que reclamou como herança tinha, com efeito, um fantasma muito ativo? Pode ser que inclusive estivesse planejando uma fuga silenciosa. Tinha amigos e uma casa na Índia. Um inglês podia viver como um rei no estrangeiro.

Dominic não sabia se o seguia em suas explorações noturnas ou aproveitava que não estava para ir olhar seus papéis pessoais. Sempre existia a possibilidade de uma armadilha, de que seu tio tivesse começado a suspeitar que seus planos não tinham saído tão bem como ele acreditava.

Pode ser que inclusive Edgar tivesse começado a acreditar em fantasmas.


***
O dia do pic-nic amanheceu claro embora não especialmente quente. Chloe pôs um vestido de passeio de lã azul claro, um xale de estampado de cachemira com franjas e botas de cano longo de couro.

Debaixo do chapéu de palha seguro com alfinetes, seus olhos estavam reflexivos. Quando soube que o pic-nic ia se realizar perto do moinho

abandonado onde Dominic ia quando estava desesperado por um pouco de ar, voltaram a surgir todas as preocupações e estúpidas esperanças.

Obviamente, não faria uma aparição pública no meio do pic-nic. Hoje tinha muito poucas opções de vê-lo.

Entretanto, enquanto ela e sua família percorriam o corredor formado pelos ramos dos carvalhos do bosque, esperava algum sinal.

Os extremos do teto do corredor estavam cheios de rosas brancas silvestres. Por fim, deixaram atrás a igreja da paróquia e as casas com o telhado de palha e puderam desfrutar do cantar dos pássaros, misturado com o repicar das rodas e da conversa. Pela primeira vez desde que tinha chegado, Chloe era consciente que cada vez tinha menos saudades de Londres, que sua natureza rebelde tinha começado a soltar raízes naquele inesperado entorno.

- Chloe - lhe disse sua tia, olhando-a com intensidade, enquanto cruzavam uma robusta ponte caminho do moinho - tenha os olhos bem abertos, de acordo?

Ela se virou.

- Bem ab...?

Sua tia lhe lançou um sorriso cúmplice. Obviamente, referia-se a que tivesse os olhos bem abertos se por acaso visse determinado e fastidioso fantasma. Como se Chloe não estivesse suficientemente obcecada localizando o mínimo sinal de que Dominic continuava vivo.

Não lhe havia dito que por esta zona havia túneis e passadiços metrôs, como se fosse um favo, e câmaras secretas onde os contrabandistas escondiam a mercadoria?

De repente, invadiu-a uma onda de emoção. Era possível que estivesse escondido nas profundidades da terra que ela estava pisando nesse mesmo momento? Era impressionante imaginar-se cavalgando por cima de seu esconderijo. Intrigava-lhe imaginar-lhe em algum labirinto subterrâneo idealizando um plano para levar seu inimigo ante a

justiça.

Bom, se era verdade que sir Edgar tinha estado comprometido na morte de Brandon, também era o inimigo do Chloe e da família Boscastle. Aquela ideia lhe trouxe imagens de Dominic nos termos mais sombrios e estranhamente sedutores possíveis. Imagens do Hades e Perséfone e de seu romance subterrâneo. Era aterrador pensar que os franceses podiam atacar os tranqüilos povos da Inglaterra através de túneis subterrâneos. De repente, sentiu-se muito orgulhosa dos sacrifícios que seus irmãos tinham feito para proteger o país das invasões.

Entretanto, em um dia tão ensolarado, onde só o frívolo cantar e o longínquo repicar de um pássaro carpinteiro pintalgado rompiam o pacífico entorno, Chloe quase podia convencer-se de que nada daquilo era real. Que seu dilema pessoal era algo que tinha sonhado. Era possível que alguém fosse tão malvado como sir Edgar? Era possível que um homem traísse a seu país, assassinasse e seguisse com sua vida como se nada houvesse? No fundo do coração, sabia a resposta.

Ocorriam desgraças todo dia, mas ela era jovem e seus instintos lhe guiavam os pensamentos para a vida, não para a morte e tristeza.

Tinha perdido seus pais e um irmão. Não queria dar voltas a esses assuntos tão perturbadores durante o pic-nic.

Os comensais, que incluía à maioria da alta nobreza de Chistlebury, competiram em uma escandalosa corrida e em um concurso de caretas.

Apesar de suas preocupações, Chloe se divertiu e, para sua maior surpresa, inclusive começou a relaxar quando, junto a Justin e a um grupo de jovens, começaram a beber cerveja com especiarias em taças de prata e a dar por cada um deles dedicando-se preciosas palavras.

E então viu que tio Humphrey levantava o olhar com a testa franzida enquanto um cavaleiro de porte distinto cruzava a ponte e se aproximava da clareira do bosque que havia junto ao moinho. Sir Edgar

tinha vindo com um criado que se retirou com os cavalos.

De longe, o esbelto e macabramente elegante Edgar se parecia tanto a Dominic que deu um salto o coração de Chloe. Era maior, mais sóbrio e uma lembrança tão desagradável de dor e perda que teve a sensação que uma escura nuvem se abatia sobre ela.

- Perdi a diversão? - perguntou. Sem esperar nenhuma resposta, dirigiu-se para a mesa de cavaletes onde estava sentada ela junto a Pâmela, outra garota, Justin, seu irmão Charles e sua velha tia.

- Vamos sair para procurar a luva da senhorita Redmond - disse Justin, com um amável sorriso - Gostaria de nos acompanhar?

Sir Edgar riu e arqueou as sobrancelhas castanhas.

- Em comparação aos cafajestes que persegui ao longo de minha carreira, é muito tentador desfrutar de uma busca tão frívola. Como é a luva que devemos achar?

- É de cor amarela pastel com pequenos botões de pérolas -

respondeu Pâmela.

Sir Edgar olhou para Chloe, com uma expressão indefinida nos olhos.

- E há algum prêmio para quem encontre o tesouro perdido?

Charles levantou a mão.

- Uma garrafa do famoso vinho de amoras de minha tia.

- E o eterno agradecimento da senhorita Redmond - acrescentou Justin, com um sorriso, assinalando a jovem sorridente que estava sentada na mesa que tinham atrás.

O tempo máximo para a busca era uma hora e a tarde tinha refrescado desde que o sol se escondeu atrás das árvores. Chloe e Justin caminharam juntos, mas se separaram quando, seguindo um impulso, ele foi até a borda do lago e começou a procurar a luva entre os juncos e as folhas.

- Não vou estragar os sapatos e as meias pela luva de Georgina -

lhe disse Chloe, estremecendo inteira. O xale era muito fino para o frio que já fazia a essa hora.

- Poderíamos beber o vinho de amoras juntos, Chloe - disse ele, com uma covinha na face.

- Se afogar-se, não.

- Não me vou afogar.

Chloe franziu o cenho. Não tinha nenhuma intenção de meter-se na fria e lamacenta água nem no espesso bosque para achar uma estúpida luva. De algum lugar entre os carvalhos lhe chegou a risada de Pâmela, um som cheio de alegria sem disfarces que lhe fez desenhar um sorriso.

Ao menos, ainda havia alguém que se divertia, e ela também o teria feito se não tivesse tido uma nuvem de escuras preocupações em cima da cabeça. Sentia falta de Dominic e não podia estar tranqüila sem saber onde estava ou o que estava fazendo.

Observou Justin caminhar entre os juncos silvestres durante vários minutos antes de virar-se, a ponto de perder a paciência.

Justo atrás tinha a torre do moinho que estava abandonado e parecia que a chamava.

- O lugar perfeito para esconder um tesouro - pensou em voz alta.

Capítulo 18

- Está aqui? - sussurrou, em uma voz quase inaudível, no interior do moinho. Se alguém lhe perguntasse o que estava fazendo diria que estava procurando a luva, claro. Mas seria mentira. Queria achar provas de que Dominic tinha estado ali há pouco.

Não obteve resposta, não havia nem rastro dele. Pranchas quebradas, pedaços de corda, um poste a obrigaram a olhar por onde pisava. De fato, da bainha da fina lã do vestido já pendiam fileiras de pó e teias de aranha.

Dominic não tinha deixado sinais de sua passagem por aquele lugar desolado.

- Onde está? -sussurrou.

Viu um retângulo de luz a sua esquerda e escutou como alguém abria a velha porta do moinho. Virou-se, com o coração na garganta, quando escutou a áspera e interrogativa voz atrás ala.

- Encontramos o que estamos procurando? -perguntou sir Edgar em um teatral sussurro.

Ela o olhou, tentando dissimular o susto que lhe tinha dado e o pouco que gostava de estar a sós com ele.

- A luva...

- É esta?

Entrou na torre e levou a mão a cintura da calça para pegar um par de luvas que deviam ter caído de Chloe.

- São azuis e são o par. Pensei que...

- Não, são minhas - disse ela, envergonhada - A luva da senhorita Redmond é amarela.

- Quer que os ponha? - perguntou ele, como o perfeito cavalheiro.

Majestoso, magro, com o porte reto e a atitude galante. E segurando suas delicadas luvas no alto.

- Não - tinha respondido muito depressa, mas não queria que a tocasse. Não podia suportar a ideia de que a tocassem as mãos que podiam ter provocado a morte de seu irmão e tinham destroçado o corpo e a alma de Dominic. O mero fato de estar a sós com ele naquele lugar tão afastado lhe dava vontade de sair correndo.

Ele olhou a seu redor.

- Alguém disse uma vez que esta torre é encantada. Há quem viu luzes de noite.

Parou o coração de Chloe.

- Não o ouvi.

Olhou-a fixamente.

- Acredita nos fantasmas?

Onde queria ir parar?

- Pode ser - respondeu ela - O que é certo é que há pessoas que nos perseguem toda a vida.

Edgar sorriu, observando-a mais de perto.

- Uma resposta provocante.

- Era uma pergunta provocante - se afastou um pouco com uma risada tola, fazendo o papel de menina estúpida até o limite - Pensei que a luva estaria escondida.

Conteve a respiração. O chão se moveu. Estava certa. A tábua que havia debaixo da janela quebrada se levantou. Meu deus. Acaso Dominic estava a ponto de saltar como um desses jogos de crianças em que uma cara saía disparada de uma caixa quando se levantava a tampa? Tinha guiado ela a sir Edgar até o esconderijo de Dominic?

Bom, ao menos sabia que estava vivo e correndo riscos, como sempre.

O vigilante olhar de Edgar seguiu o de Chloe.

- O que acontece?

- Um... um... um rato, acredito.

- Um rato? -parecia divertido. - Tem certeza?

Chloe gritou com todas suas forças e se jogou em seus braços, lhe dando um bom golpe no queixo com a bolsa. Aquele grito esteve a ponto de fazer balançar as paredes do velho moinho. Sir Edgar piscou surpreso, e logo começou a rir.

- Ali! Ali! - gritou Chloe, assinalando horrorizada para o outro lado da torre.

Edgar se virou.

- Já não está - suspirou Chloe, com as mãos cruzadas em cima do coração - Oh, graças a Deus. Foi muito valente, sir Edgar. Juro que era enorme, com os olhos vermelhos e os dentes amarelos.

Ele a tomou pelo cotovelo, muito cômodo na situação de ter que

proteger uma dama indefesa. Ouviu-se uma comoção de passos no exterior do moinho e, de repente, apareceu Justin, junto a seu irmão e Pâmela.

- Inclusive a um velho oficial como eu lhe dão medo os ratos, querida - admitiu Edgar, com um estalo de língua - São criaturas asquerosas que vivem rodeadas de porcaria e na escuridão.

Justin agitou a luva em cima de sua cabeça. Levava as botas e a barra das calças de cachemira gotejando.

- Encontrei-a! Estava certo que tinha visto tom entre esses juncos.

Venha reclamar o prêmio comigo, Chloe.

Quando a pegou e a afastou de sir Edgar, não opôs resistência.

Teve que fazer um grande esforço por não virar-se e voltar a olhar para a tábua que se moveu.

Estava certa que não tinha sido sua imaginação.

Acaso sir Edgar sabia algo? Não lhe tinha deixado entrever que suspeitasse que Dominic estava vivo; e se o fizesse, dominava tanto a arte da dissimulação que podia ocultar seus pensamentos. Chloe não pôde evitar perguntar-se como reagiria se soubesse que se apaixonou pelo sobrinho que tentou assassinar.

Quando colocou as luvas, tinha as pontas dos dedos geladas.

- Venha conosco, sir Edgar. Este lugar é muito cansativo.

Tinha parecido convincente? Acreditou vê-lo virar-se uma vez mais para a esquina antes de segui-la.

Pâmela abriu a porta do moinho e a luz do entardecer iluminou a penumbra e os angulosos traços do rosto do Edgar. Lançou- um sorriso para Chloe, mas não sem que antes ela se fixasse no escuro e perigoso brilho de seus olhos.

Nem sequer a luz do sol a aqueceu. O frio que sentia vinha de seu interior. Que Edgar descobrisse a verdade e reagisse era só questão de tempo.

Dominic teria que pôr fim a esse vingativo jogo quanto antes.


***
Dominic relaxou o punho estirando os dedos um a um. Notou o frio suor de alívio nos músculos das costas. Desde sua posição secreta debaixo da tampa na esquina do moinho, tinha escutado cada palavra da conversa entre Chloe e seu tio. Tinha-os escutado com a raiva alagando-o por dentro.

Se Edgar a houvesse tocado ou a tivesse ameaçado com algo, teria sido o final. Ele o teria matado com suas próprias mãos antes que percebesse o que estava se passando. Agora que Chloe se fora e estava a salvo, já pôde soltar a adaga que tinha agarrado com todas suas forças. O repentino fluir de sangue pelos dedos lhe ajudou a recuperar a prudência.

- Não posso continuar assim - murmurou enquanto voltava, tateando, pelo túnel de gesso. Teria que esperar até a noite para poder voltar para casa. Horas de claustrofóbica impaciência, de não saber que fazia ou onde estava Edgar.

Não obstante, jamais esteve tão perto como agora de conseguir que seu plano de vingança desse seus frutos. Há duas noites, tinha descoberto uns documentos escondidos na arca de Edgar que ofereciam mais provas de seus crimes, de como tinha pago aos rebeldes gurkhos para que estendessem uma emboscada a Samuel e a Brandon e de como tinha vendido segredos militares aos franceses. Com a arrogante crença de que era muito esperto para que o descobrissem, tinha escrito em papel uns quantos detalhes condenatórios de sua traição, pistas das identidades dos agentes que tinham colaborado com ele durante a guerra e da informação que tinha revelado em Portugal enquanto servia no exército.

Com a ajuda de Adrian, Dominic tinha reunido suficiente informação para encher os vazios da história e promover uma

investigação formal por parte da Coroa.

Tinha chegado o momento de sair a cena.

Capítulo 19

Deveria saber que sua tia seria incapaz de manter seu encontro fantasmagórico no jardim em segredo durante muito tempo. O dia depois do pic-nic, Chloe chegou a casa depois de dar um passeio pela tarde com seu tio e achou, uma vez mais, o salão imerso em um caos. A animada conversa mal deixava escutar os tinidos das colherinhas nos serviços de chá. Cada senhora de Chistlebury parecia ter ido a aquela reunião de emergência.

- Senhoras, por favor, vamos pôr um pouco de ordem - implorou a sensível viúva do Roberts - A loucura não apanhará a nenhum fantasma.

E ele tampouco nos ajudará a arrecadar recursos para reparar o campanário da igreja.

- E se lhe estendemos uma armadilha? - perguntou uma senhora, bastante a sério.

- Uma armadilha? - tia Gwendolyn apertou os lábios quando viu Chloe na porta com o cenho franzido, a modo de desaprovação.

Esteve realmente a ponto de sacudir à boa mulher por trair Dominic daquela maneira tão impulsiva. Só podia rezar para que, quando o conto chegasse aos ouvidos de sir Edgar, não o levasse a sério e o atribuísse ao histerismo feminino. De verdade se acreditaria que sua vizinha de meia idade tinha falado com o espírito do Dominic no jardim?

A robusta lady Ellington, ruiva, meneou a cabeça.

- Uma de nós deveria oferecer-se voluntária para, bom, fazer-se de isca.

- Eu o farei - disse Pâmela, com a boca cheia de pão de gengibre e com aquele rosto sardento tão inocente.

- Você não fará nada semelhante - disse sua mãe, horrorizada, deixando cair entre elas um guardanapo.

- Por que não? - perguntou Pâmela. - Madame Desse disse que me queria. Parece lógico que eu seja a isca.

- É muito jovem para uma tarefa tão perigosa - insistiu lady Ellington - Para que esse espírito descanse em paz se necessita a uma mulher com mais experiência.

Lady Wheaton, uma baronesa com cinco filhas, concordou:

- É uma missão muito perigosa. Uma mulher mais velha seria mais capaz de controlá-lo em caso do fantasma a atacar.

- Tentou... forçá-la? - perguntou - lady Ellington a Gwendolyn.

- Tomei precauções, queridas - respondeu Gwendolyn, com ar de suficiência.

As oito mulheres se inclinaram para frente como se fossem uma.

- Precauções? - sussurrou a baronesa.

Gwendolyn assentiu.

- Antes de começar o ritual, formei um círculo de sal protetor a meu redor.

O grupo olhou para Chloe, como se esperasse que dissesse algo, embora ela arqueasse uma sobrancelha e disse:

- Bom, não me olhem. Eu não vi nenhum fantasma.

E não havia dito uma mentira. O Dominic que ela conhecia era um ser humano de carne e osso que respirava e a tirava do sério. Um homem capaz de despertar nela emoções muito carnais e terrestres.

Não havia nada etéreo em como tomou conta de sua vida.

- E de que forma vamos estender lhe uma armadilha? - perguntou lady Wheaton.

- Vamos participar todas?

- Deveria estar presente o pároco?

- Será necessário atraí-lo? O fantasma de Stratfield, não o pároco.

Voltaram a falar todas ao mesmo tempo. As ramificações daquele sacrifício tão valente se discutiram até o mínimo detalhe. Ao final, a

assembléia chegou à conclusão, não muito penalizada, que certamente o fantasma seguiria com suas seduções noturnas até que quisesse.

O plano para lhe estender uma armadilha passou a um segundo plano quando a discussão se concentrou em identificar a sua seguinte vítima, agora que Pâmela era vigiada dia e noite por sua mãe.

- Não sei por que foi a você, Gwendolyn - disse lady Harwood.

Pâmela saiu em defesa de sua mãe.

- Porque vivemos em sua antiga casa. E porque somos seus vizinhos mais próximos.

- E porque adotamos seu querido cão - acrescentou tia Gwendolyn.

As senhoras olharam ao cão que, com um claro sobrepeso, estava esparramado no chão, como se até agora a ninguém tivesse ocorrido relacionar aquela besta com seu travesso amo. Are que, até a uns instantes, tinha sido considerado um vira-lata bom, de repente tinha se convertido na ameaçadora aparição de um sabujo infernal.

- Acha que esse animal se comunica com o espírito do visconde? -

sussurrou, detrás da mão com que cobria a boca, lady Ellington.

Tia Gwendolyn assentiu.

- Naturalmente.

Lady Fernbrook entrecerrou os olhos.

- Por que não lhe pedimos que nos dirija até a próxima vítima de seu amo?

- Uma ideia excelente - assentiu tia Gwendolyn. Juntou as pontas dos dedos, em um gesto próprio de oração.

O alvoroçado salão ficou tão em silêncio que só se escutava o ranger do carvão no fogo. Uma mosca se chocou contra o vidro da janela embora logo, como se se tivesse contagiado da incerteza que se respirava naquela sala, também ficou quieta.

- Are - disse tia Gwendolyn, com uma voz suave, como em um suspiro.

Pâmela, a ponto de pôr-se a rir, deu uma cotovelada no flanco de Chloe.

- Comunique-se com seu amo. Pergunte-lhe nos braços de quem procurará refúgio na próxima vez que se revelar.

De emoção, tremeram as narinas da mulher.

O cão arqueou uma sobrancelha e olhou com indolência ao redor da sala. Com a cauda, começou a dar golpes no tapete.

- Diga-nos lhe mandou a tia Gwendolyn, erguendo a voz - Nos diga a mulher que seu amo procura quando a vê em uma sala!

É claro, não obteve resposta.

Chloe fez uma careta de desgosto enquanto o muito vagabundo, que devia ter engordado uns três quilos desde que tinha chegado a Dewhurst Manor, dignava-se a sentar-se no chão para coçar as nádegas Chloe o tinha levado a largos passeios. Tinha-lhe escovado o pelo, tinha mimado-o, inclusive lhe tinha permitido dormir em seu quarto.

Entretanto, tia Gwendolyn estava há dias lhe dando pedaços de salsicha por debaixo da mesa.

O cão pôs-se a caminhar tranqüilamente para a mulher e afundou o focinho entre seus joelhos.

A tia Gwendolyn limpou a garganta e afastou o animal para um lado, discretamente.

- Possivelmente deveríamos passar ao assunto do baile de fantasias anual - propôs lady Ellington, com ar depreciativo.


***
Naquela noite, no salão, sir Humphrey verbalizou suas dúvidas a respeito da existência do fantasma de Stratfield. Chloe e Pâmela estavam jogando um aborrecido jogo de cartas. Tia Gwendolyn estava tentando comunicar-se outra vez com Are, com o mesmo pouco êxito que pela tarde, já que o cão estava olhando tranqüilamente para a porta com a cabeça entre as patas. Já fazia tempo que deveriam tê-lo levado a

passear.

- Sinto que está tentando me dizer algo - disse Gwendolyn, de quatro em frente ao animal.

- Sim, certamente: "Socorro! Está-me perseguindo uma lunática" -

murmurou seu marido da poltrona - Por favor, Gwennie, levante-se dessa postura tão humilhante.

Tem certeza que o que viu na outra noite no jardim era um fantasma? Como sabe que não era o cão que estava escondido entre as árvores?

Tia Gwendolyn lhe lançou um olhar que o deixou congelado.

- Atreveria-me a dizer que sei diferenciar entre um homem morto e um cão - afastou os olhos e olhou para a janela - E repito, tenho a sensação que se passa algo com o pobre Stratfield.

Humphrey riu.

- Bom, para começar, está morto. Que mais pode se passar ao pobre diabo?

- Humphrey, essa língua!

Ele deixou o livro que estava lendo.

- Vou passear com os cães.

Are e os dois cães pastores que estavam atirados junto ao fogo, levantaram-se de repente e correram para a porta. Chloe levantou o olhar da mesa de jogos, com um brilhante sorriso.

- Tão tarde Humphrey? - perguntou tia Gwendolyn, preocupada -

Acha que é seguro?

- Minha família viveu em Chistlebury durante o meio século e o assassinato do visconde é o primeiro de que ouvi falar. Estou seguro que sua morte só foi uma aberração.

- Posso acompanhá-lo, tio Humphrey? -perguntou Chloe.

- Claro que não! -respondeu sua tia antes de dar a oportunidade a seu marido. - Nesta mesma manhã recebi uma carta de Heath e da

Emma de Londres. E como já lhes respondi para assegurar que está desfrutando de uma pacífica retirada sua, digamos, antiga atração para a desgraça, devo velar para que assim seja.

- Ou seja, não posso sair - disse Chloe, decepcionada.

- Não há nada nesse bosque ou nos arredores que possa atrair a uma jovem de noite.

- Exceto o fantasma do visconde - disse Pâmela, escondida atrás de sua mão de cartas.


***
Tio Humphrey soltou os cães para que fossem farejando por onde quisessem enquanto ele deixava atrás o caminho que costumava tomar para ir pelo bosque. As nuvens tampavam quase toda a luz da lua, assim mal via o caminho que levava até a escarpa de samambaia que marcava o limite com a propriedade de Stratfield. Entretanto, tinha percorrido aquele caminho silvestre em numerosas ocasiões, valendo-se quando era necessário da bengala para afastar os ramos de amora. Conhecia todos aqueles caminhos de cor.

No passado, encontrara-se com Stratfield por este caminho em mais de uma ocasião, junto a seu galhardo irmão mais novo, Samuel, que não falava de outra coisa que não fosse de sua iminente aventura no Nepal. Segundo Humphrey, esse estúpido valente tinha morrido por defender a um punhado de avaros comerciantes que aniquilariam o mundo inteiro em nome dos interesses do império britânico. Mais de um dia, tinha tentado persuadir a Samuel para que se dedicasse a outra coisa. Mas os folhetos que prometiam aventuras atraíam a numerosos jovens que se alistavam a Honorável Companhia das Índias Orientais.

Samuel e seus dois irmãos mais velhos, o finado Michael e Dominic, eram feitos de massa muito diferente. Dominic e Michael sempre tinham sido mais reservados e lógicos, refletindo sobre cada aspecto de suas vidas. Humphrey sempre tinha gostado de Dominic. Não conseguia

acreditar que estivesse morto.

De fato, não acreditava.

Parou e teve uma sensação estranha na nuca e olhou para trás.

Are estava farejando uma toca de raposas.

- Viu algo que gostou, Are? - revolveu um montão de cogumelos com o extremo da bengala, com a cara muito séria - Alguém pisou nestes cogumelos desde a última vez que estivemos aqui, faz dois dias.

Que estranho! Acredito que há alguém mais, além de nós, rondando pelo bosque.

Escutou um ranger de ramos a suas costas e uma voz seca que lhe dizia:

- Alto aí. Tenho uma pistola... Ah, é você, sir Humphrey.

Agradeceria-lhe que deixasse de me assustar desta maneira. Tenho ordens de sir Edgar de disparar contra qualquer um que entre na propriedade.

Sir Humphrey levantou a bengala de passeio e se virou para saudar o guarda-florestal irlandês que trabalhava em Stratfield Hall.

- Ah, Finley. Precisamente o homem que esperava encontrar. Eu gostaria de falar com você.

Capítulo 20

Passou outra semana. Chloe sentiu que voltava para o estado vegetativo que tomou conta dela depois da morte de seu pai e de Brandon. O mundo voltava a parecer, gradualmente, cinza. Não se achava bem, como se estivesse ao limite, como se lhe tivessem dado a volta.

Não tinha sabido nada de Dominic.

Não percebia o muito que sofria por ele? Não sabia que estava a ponto de encabeçar uma busca privada? Com certeza não pensava nela.

Seguindo seu costume de fazer as piores escolhas possíveis, apaixonara-se por um fantasma, um homem que não tinha espaço em

sua vida, ou no que ficasse dela, para o amor.

Entretanto, a vida continuava para o resto do mundo. Em meio de seu conflito interno, apenas tinha percebido que as senhoras de Chistlebury estavam organizando o baile de fantasias anual. Tinham limpado o salão, tinham eliminado as teias de aranha e as bolas de pó, tinham polido o lustre e tinham colocado velas novas, e tinham recuperado as cadeiras de antigamente.

Se alguém perguntasse, as senhoras diziam que esperavam arrecadar recursos para arrumar o telhado da escola, para comprar mais braseiros para a fria igreja da paróquia e para restaurar o campanário.

Em realidade, o baile de fantasias supunha o marco perfeito para todas as mães casamenteiras cujas filhas debutantes haviam voltado vazias de sua primeira temporada em Londres.

Como Chistlebury só tinha uns poucos homens jovens em idade casadoura, o baile anual se converteu em uma competição em toda regra. Além disso, o deste ano prometia ser mais intenso do que o habitual. Por uma parte, porque o visconde Stratfield não estaria. E, por outra, porque parecia que a encantadora Chloe Boscastle partia com vantagem para ganhar o afeto de lorde St. John.

E, por último, embora não por isso menos importante, porque acabava de chegar um delicioso visitante que ia para Londres. Dizia-se que era o herdeiro de um ducado e que estava procurando uma tranqüila casa de campo. O fato de que esse magnético aventureiro, lorde Wolverton, tivesse uma reputação em interdição não desanimou à liga de mães obcecadas com o matrimônio a colocá-lo no primeiro lugar da lista de homens a impressionar.

Quem de todas não desejava, em segredo, que sua filha se convertesse em duquesa? O pequeno problema do turvo passado de lorde Wolverton como mercenário podia perfeitamente esconder-se debaixo do tapete Aubusson de sua mansão em Mayfair. Suas proezas

no estrangeiro podiam considerar-se heróicas, se a pessoa quisesse vê-

las assim e ignorar os rumores sobre seu trato com traficantes de ópio e piratas.

Chloe, por sua parte, não prestou nenhum tipo de atenção a essas conversas. Custava-lhe muito entabular uma conversa civilizada e ela era a única que sabia o autêntico motivo da presença de Adrian no povoado. Sua tia estava tão preocupada com seu estado de abatimento que escreveu uma carta a Grayson lhe pedindo conselho.

Sim, toda a família sabia que Chloe tinha estado muito triste durante um tempo, mas ultimamente parecia tão alegre, embora ela e Justin já não fossem tão amigos como antes.

No dia do baile, Chloe se levantou e decidiu que estrangularia à primeira pessoa que lhe perguntasse se estava melhor. Foi diretamente ao quarto de vestir e abriu o baú, como tinha feito toda manhã. É claro, não havia nem rastro do elusivo Dominic. Não havia modo de saber quando voltaria a vê-lo, se é que o faria.

A única coisa que a mantinha um pouco animada era o fato de ter decifrado quase por completo o código de Brandon. Tinha descoberto os números que representavam o "a" e o "e", a partir daí, supunha-se que o trabalho deveria ser mais simples. Heath tinha estudado criptografia na universidade. E tinha ensinado à Chloe que os códigos que se utilizavam durante a guerra não eram tão complicados como se poderia imaginar.

Normalmente, no campo de batalha ou quando um jovem cabo interceptava um escritório, não havia muito tempo para decifrar códigos.

A maioria se fazia com uma base matemática e utilizavam uma cadeia de números. Mas, apesar de tudo, Chloe demorou uma eternidade em descobrir que, em uma coluna, o número 2 representava o "h" e que, na seguinte, três fileiras mais abaixo, representava o "j".

Para ver o que outros não viam se necessitava um pouco de percepção e uma habilidade metódica e intuitiva. Não obstante, não

gostaria nada de explicar a Heath como tinha chegado a mensagem a suas mãos.

O segredo de Dominic lhe tinha complicado a vida até um ponto que nenhum dos dois podia ter previsto. O dia passou muito devagar.

Quando chegou a noite, banhou-se e se vestiu para o baile; usava um vestido de gaze rosa com umas asas prateadas de tecido para representar à rainha das fadas: Tatiana. Inclusive a tiara de casulos de rosas de seda lhe parecia mau. Não se sentia alegre nem animada.

Queria arrancar a cabeça a alguém.

Não tinha nenhum motivo para emocionar-se com o baile.

- Coloque aquele espartilho tão escandaloso - lhe disse Pâmela enquanto a criada a penteava - Pode ser que a anime um pouco.

E Chloe seguiu seu conselho, embora não soube se o tinha feito como protesto contra Dominic por abandoná-la em seu sofrimento ou como talismã para atrai-lo.

- Está bem - sussurrou a Pâmela, já dentro da abarrotada carruagem, a caminho do baile - segui seu conselho e, debaixo do vestido, levo um objeto muito descarado, mas não o diga a ninguém ou verá.

Pâmela , que ia vestida como uma princesa medieval, sorriu, em uma amostra de ilícita aprovação.

- Talvez esse futuro duque se fixe em você.

Parou o coração de Chloe.

- Do que está falando?

- Da intriga de que estiveram falando todas as mulheres do povoado enquanto você estava presa em sua torre, Rapunzel.

Sinceramente, Chloe, é o último homem com o que sua família quereria que se casasse. Sua reputação é muito pecaminosa, mas ouvi dizer que é muito bonito.

Chloe pôs em alerta todos seus sentidos.

- Irá ao baile?

- Isso me disseram - sussurrou Pâmela.

Chloe se arrepiou. Adrian, no baile? O fato de que aparecesse em um baile de povoado, era bom ou mau sinal? Perguntou-se se lhe daria alguma mensagem de Dominic, se seriam notícias que queria escutar ou se o único propósito de sua presença essa noite era aliviar-se do aborrecimento. A vida social de Chistlebury fazia que qualquer um dormisse.

Pâmela lhe deu uma suave cotovelada.

- O que aposta como a tirará para dançar?

Chloe fez uma careta. Supôs que era outro sinal de sua natureza decadente, mas o espartilho francês a tinha animado; bom, isso e a esperança de saber de Dominic.

- Talvez se fixe em você e eu me converterei na preceptora de seus filhos para escapar de minha família.

- Diz isso de verdade, Chloe? - Pâmela arregalou os olhos. - Daria qualquer coisa para ter Drake e Devon como irmãos. São tão masculinos e protetores.

- Sim, mas só quando não lhe estão arruinando a vida - grunhiu Chloe e então, pela primeira vez em uma semana, começou a rir -

Jamais entendi por que as mulheres acham atraentes esses safados.

- Sente falta de seu barão de Londres? -perguntou-lhe Pâmela, compadecendo-se dela. - É por isso que esteve tão triste ultimamente?

Chloe esteve a ponto de rir e lhe perguntar: "Que barão?", mas se limitou a encolher os ombros e deixar que sua prima extraísse suas próprias conclusões.

De repente, morria de vontade de chegar ao salão de festas e começar a tirar partido do espartilho. Tiveram que esperar junto à carruagem uma eternidade porque tia Gwendolyn não achava sua peruca (ia disfarçada da deusa grega Hera e tio Humphrey, disfarçado

de Zeus, tinha descoberto que Are tinha escondido a destroçado cabeleira debaixo do sofá).

- Por que ia um cão me roubaria a peruca? -perguntou tia Gwendolyn, muito alterada, já dentro da carruagem a caminho do baile -

Está zangado comigo? Are não era o filho de Hera. Não lhe estive dando os pedaços de salsicha mais deliciosos?

Seu marido grunhiu.

- Suponho que o pobre pensou que sua peruca era um texugo. Ao fim e ao cabo, é um cão de caça. E agora seria amável de não se sentar em cima de meu relâmpago?

Mansfield passou o dia esculpindo esses ziguezagues.

Quando chegaram ao final da procissão que formavam outros veículos, o pequeno edifício de cor vermelha cobre, que estava situado nos subúrbios do povoado, brilhava iluminado pela luz das velas. Na sala dos refrigérios, que era uma sala com muita corrente de ar onde a elite de Chistlebury e de uma aldeia vizinha se congelava em seus melhores ornamentos e exibindo as relíquias da família, oferecia-se chá, limonada, café e aperitivos leves.

O baile também se abriu com uma nota desastrosa. Justo quando o diretor indicou à banda do estrado que começasse a tocar, o salão se encheu de fumaça negra.

Retesou-se a garganta de Chloe e lhe custava respirar, tanto pelos nervos como por inalar aquela nociva fumaça.

Não pôde evitar perguntar-se se Dominic e seu amigo teriam planejado algum espetáculo dramático. Surgiria da fumaça como Mefistófeles? Temia por ele e, ao mesmo tempo, esperava que aquela charada tão perigosa terminasse logo. Jamais voltaria a queixar-se de que sua vida era muito aborrecida.

Entretanto, Dominic não fez nenhuma aparição dramática detrás da fumaça. Nem sir Edgar nem Adrian. Aparentemente, um par de pirralhos

peraltas e contrariados porque o pároco os tinha castigado, quiseram se vingar e tinham jogado vários lençóis velhos à lareira e lhes tinham posto fogo.

Quando o ar se limpou, tinham anunciado a chegada de lorde Wolverton e Chloe pôde olhar, pela primeira vez e com curiosidade, ao misterioso homem que era tão amigo de Dominic. Quando entrou no salão com uma peruca loira, calça por debaixo dos joelhos, camisa branca debruada com renda, chapéu e máscara negra de veludo, a modo de bandoleiro do século XVII, ficou patente seu inegável atrativo.

Não a surpreendeu absolutamente que em seguida se visse rodeado das mães casadouras do povoado. Entretanto, aquela popularidade tão instantânea lhe fez perguntar-se como iria conseguir ficar a sós com ele uns instantes.

Ao colocar-se discretamente junto a ela, Adrian solucionou o problema.

Como conseguiu escapar das garras daquelas dragonas famintas sem ofender a ninguém e colocar-se junto a Chloe para acompanhá-la para as escadas que levavam a pista de baile era uma proeza que não podia senão despertar sua admiração. Adrian não disse nada durante uns instantes. Chloe tampouco. Mas, de maneira instintiva, sentiu-se segura em seus braços, protegida. Parecia ser daqueles homens que vivem segundo suas próprias regras, entre as quais figurava uma inquebrável fidelidade aos seus amigos. Sabia que a tinha procurado por uma razão.

Quando aqueles penetrantes olhos de cor avelã se posaram nela através das frestas da máscara, lhe secou a garganta. Era alto e bonito; movia-se com poderio e determinação. Era um homem que faria ferver o sangue de qualquer mulher mas o que ela queria, e sentia que Adrian lhe trazia, eram notícias do Dominic.

- Chloe, um amigo comum me falou muito de você. - Tinha uma voz

grave e atraente - Se piso em você, rogo-lhe que me desculpe. Não me dou muito bem em dançar.

- Um herdeiro de um ducado? E não se dá bem? - não podia suportá-lo nem um segundo mais. Não podia flertar ou ser ela mesma quando tinha uma horrível pressão no coração. Baixou a voz - Por favor, me diga que esta não é sua maneira de me preparar para más notícias.

Está aqui? Enviou-o para me buscar? Está bem?

Sua gargalhada supôs um alívio tão grande que inclusive se enjoou.

- Sim. Sim. E sim. É tudo o que queria saber?

Chloe percorreu o salão com os olhos, estudando a cada convidado, procurando o escorregadio Dominic atrás de cada máscara.

- Onde está?

Adrian arqueou a boca em um sorriso de recriminação.

- Não seja tão óbvia, Chloe. Ainda não está preparado para compartilhar seu segredo com ninguém que não sejamos nós. Acredito que Dominic está mais que preparado para terminar com tudo isto.

Ela suspirou e olhou a seu acompanhante.

- Quando?

- Em qualquer momento nos próximos dias. Você não quer ver-se implicada na confrontação.

- Não quero? - alisou a saia e murmurou entre dentes enquanto amaldiçoava - Não conhece o alcance de minha relação com ele, não é?

Aqueles olhos de cor avelã brilharam, divertidos.

- Sei que Dominic está apaixonado por você.

Chloe fez um tremendo esforço por ocultar o prazer que lhe tinha provocado escutar aquilo.

- Disse isso ele?

- Querida, não precisava dizer isso. Por que supõe que vim?

- Mas, de acordo, se é seu melhor amigo, sabe perfeitamente que é

muito perigoso que enfrente Edgar sozinho. Você não o apoiará nesta loucura, não é?

Adrian olhou por cima do ombro de Chloe, como se quisesse assegurar-se que podiam seguir conversando tranqüilamente. Chloe percebeu que tinham quebrado a formação da dança e que, sutilmente, foram se aproximando da porta, supostamente sem que ninguém percebesse.

- Claro que o apóio.

Ela olhou a seu redor confusa. Justin lhe franziu o cenho e logo se virou para dedicar um sorriso a sua companheira de dança. Sua tia e as demais mulheres estavam contemplando Pâmela, que estava dançando com Charles, o irmão mais novo de Justin, um estudante de direito. A única pessoa que parecia estar prestando atenção à Chloe era seu tio.

- Encarregarei-me dele - disse Adrian, lhe seguindo o olhar.

Ela o olhou, alarmada.

- É meu tio. Não se atreva a lhe fazer mal.

O estalo de língua de Adrian fez que se ruborizasse.

- Queria dizer que o distrairei.

- Por que? - sussurrou Chloe, em voz baixa, pela emoção que lhe tinha feito em pedacinhos os nervos. Onde estava escondido Dominic?

O que tinha pensado fazer?

Quando iria vê-lo?

A dança terminou e, antes que pudesse começar a seguinte, ao fundo do baile se formou um tumulto. Uma mulher gritou e outros convidados puseram-se a rir quando uma enorme ovelha entrou até o centro da pista; pelo visto, tinha escapado a que ia disfarçada de pastora.

Chloe que já estava suficientemente nervosa, balançou a cabeça divertida e olhou para Adrian.

- O que faltava, os animais...

Calou-se e soltou uma exclamação de surpresa. Soube imediatamente que quem a estava segurando com aqueles fortes braços para a seguinte dança não era Adrian, mas Dominic. Levava exatamente o mesmo disfarce de bandoleiro mascarado que Adrian, mas Chloe sabia que era ele. Ninguém nunca a tinha segurado com aquela posse tão arrogante. Só seu contato lhe dizia que era sua, fazia-a estremecer sensualmente de cima abaixo.

E os olhos, reconheceria em qualquer parte aquele olhar zombeteiros que a derretia e lhe acelerava o coração. Tropeçou. Ele a segurou com força, atraiu-a contra ele e lhe pôs a boca na sua orelha. A intensidade de estar tão perto dele anulou todas suas defesas. Sentiu mariposas no estômago. Não podia evitar sentir-se atraída por ele, pela incrível força de seu corpo e não havia nada que pudesse destruir o poderio que desprendia.

- Chloe - lhe sussurrou - me alegro muito de voltar a vê-la.

- Por que aqui? - sussurrou ela, com os olhos brilhantes de emoção.

- Edgar fez planos para assistir ao baile. E não sabia se seria por prazer ou para reunir-se com alguém.

Ela riu; estava tão contente de vê-lo que nem sequer seu inimigo podia pô-la de mau humor.

- Pode ser que seja pelo aborrecimento embora, provavelmente, o baile de fantasias anual de Chistlebury não seja o lugar onde a pessoa iria por prazer.

Ele a olhou, muito sério.

- A menos que quisesse vê-la.

- Duvido, Dominic.

- Por que? - disse ele, com um sorriso - Eu não posso suportar estar longe de você.

- Nem sequer sabia que estaria aqui.

- Ah, não? A garota mais bonita de Chistlebury deprimida em seu quarto e perdendo o baile?

Ela conteve a respiração, e esperou que a dança os voltasse a juntar antes de sussurrar:

- Para sua informação, ultimamente estiveram acontecendo umas coisas muito interessantes em meu quarto.

- Sério? - disse ele, em voz baixa - Agora me escute. A sua direita, há uma porta. Sairá você primeiro e eu a seguirei.

- E se alguém nos vê saindo juntos?

- Parecerá que foi ao guarda-roupa descansar e procurar o leque.

Adrian cobrirá minha ausência.

- Adrian?

- A sua esquerda.

De esguelha, viu a figura de Adrian meio escondida no escuro salão que havia do outro lado da porta. Vestidos igualmente, os dois homens eram mais ou menos da mesma estatura e corpulência para fazer-se passar pela mesma pessoa. A menos que sir Edgar suspeitasse que lhe estavam estendendo uma complicada armadilha. Chloe olhou a seu redor em busca do tio de Dominic.

Voltou a olhar para Dominic. Estava olhando por cima de sua cabeça, certamente a outros bailarinos, para achar o momento exato para a fuga. Parecia ter tudo sob controle e ela só podia rezar para que tivesse organizado todo aquilo e tivesse comprometido a Adrian naquela elaborada charada só para vê-la. Queria estar a sós com ele, abraçá-lo, deixar atrás todos seus problemas. Não queria pensar que podia enfrentar Edgar ao final da noite.

Notou uma pontada de preocupação quando viu que seu tio a olhava fixamente do outro lado do salão. Com certeza não tinha reconhecido Dominic com o disfarce.

Só os devia estar olhando porque tia Gwendolyn lhe teria feito

prometer que a vigiaria. Já está. Por fim, tinha afastado o olhar. Acreditar que seu tio suspeitava algo só era produto de sua imaginação culpada. A impaciência por estar a sós com Dominic a tinha ardendo por dentro.

O coração lhe pulsou com força contra os seios quando os passos da dança fizeram aproximar-se ainda mais àquele robusto corpo.

Dominic a queimava com o olhar.

- E o que vai fazer se o amigo de Edgar não aparece? - sussurrou.

- Passar uns minutos com você. Doeu-me muito ter que deixá-la depois do que aconteceu. Não estou seguro de que Edgar não a esteja vigiando.

- Me vigiando? Por que?

- Primeiro, porque é a irmã de Brandon e lhe interessa saber como morreu. E segundo, porque é muito atraente.

Sentiu-se invadida por uma incontrolável onda de felicidade. Queria abraçá-lo e beijá-lo naquela boca tão preciosa, lhe tirar a máscara e lhe acariciar o rosto e cabelo, queria desfrutar no ardente calor e na potência de seu corpo. Parecia mais forte que nunca. Estava bem, curado. E era seu.

- De verdade achava que iria poder me manter afastado de você? -

perguntou-lhe ele em uma voz tão sedutora que a fez estremecer.

- Bom, pois o dissimulou bastante bem - o olhou fixamente - Está realmente preparado para enfrentar Edgar?

- Não diga nada mais, Chloe.

No fundo, sabia a resposta. Tinha a sensação que estava a ponto de acontecer algo grave, que estava preparado para correr o risco.

Sentiu um calafrio de medo que ameaçava a alegria que tinha sentido ao vê-lo. Aquele era o momento pelo qual Dominic tanto tinha lutado. O

momento que ela tanto tinha rezado para que não chegasse, quando enfrentasse Edgar e tomasse represálias.

Olhou-a. Estava decidido e se mostrava dominante, seguro de que

acabaria erguendo-se com a vitória.

- Agora. Não hesite. Não olhe para trás. Quando passar o guarda-roupa, gira à esquerda.

O batimento de seu coração era tão poderoso, que mal escutou o final da música. Todo mundo se apressou a dirigir-se para a sala dos refrigérios, algo que contribuiu para que sua saída passasse mais despercebida. Deixou-se levar pela multidão de pessoas que saía para procurar um copo de limonada ou para flertar enquanto comia algo.

Pâmela a saudou com a mão por cima das cabeças dos convidados que as afastavam.

- Vou procurar o leque - lhe disse Chloe, ante o curioso olhar de sua prima.

Dominic tinha desaparecido. Não sabia como nem para onde.

Obedeceu-lhe e tentou aparentar normalidade. Sem tê-lo perto, era-lhe muito mais fácil controlar suas ações, embora continuasse preocupada.

Tendo em conta a falta de moral de Edgar, não era um inimigo a quem deviam subestimar, embora Dominic tampouco o fosse.

Cruzou a fila de pessoas que estava na sala dos refrigérios e se obrigou a caminhar lentamente para o guarda-roupa. A sua esquerda, viu um corredor escuro; não se via ninguém e estava muito tranqüilo e, de repente, a mão de Dominic a pegou e a afastou do murmúrio de vozes que tinham atrás. Quase ao mesmo tempo, viu como Adrian saía do guarda-roupa e voltava para o baile.

O reaparecimento do filho do duque não passou despercebido.

Afinal, lorde Wolverton era o primeiro prêmio do baile e em seguida se viu rodeado de jovens e mais velhas que lhe rogavam que lhes descrevesse suas aventuras.

Dominic sorriu.

- É uma lástima que não possamos ficar a ver como se desfaz dessas lobas.

Chloe lhe deu uma cotovelada.

- Diz isso porque esteve em sua posição?

Como resposta, lhe sorriu e antes de poder perceber, Chloe viu como a levava a uma pequena e escura sala que, a julgar pelo mobiliário que havia no interior, apesar de estar coberto por lençóis, parecia uma antiga despensa.

- E sobre meus tios? - perguntou ela, olhando para a porta.

- Adrian os distrairá, asseguro-lhe.

- E é tão boa distração como você?

Ele riu.

- Talvez você possa julgar melhor que ninguém.

- Esteve aqui antes, Dominic? - perguntou-lhe.

- É... sim. Em realidade, sim.

- Com outra mulher?

Ele estalou a língua e tirou a máscara e o chapéu.

- De fato, me escondendo de uma, se não recordo mau. Estes bailes anuais podem ser mortais para um solteiro, juro-lhe.

- Mortais - repetiu ela, muito séria - Tem que utilizar essa palavra?

- Uma má escolha, é verdade - disse ele, virando-se para ela.

Chloe o olhou e não tentou dissimular como se sentia. Era o único que podia fazer para não lançar-se a seu pescoço e beijá-lo até que nenhum dos dois pudesse respirar. Só estava respondendo ao calor possessivo refletido em seus olhos, à lembrança da noite em que tinham feito amor. Precisava voltar a senti-lo essa noite, lhe demonstrar como se sentia. De todos os homens que tinha conhecido, era o único que a entendia e a aceitava pelo que realmente era, que avivava o fogo em seu interior em lugar de tentar extingui-lo.

- Esperá-lo me pôs de muito mau humor, Dominic.

- Pode ser que algum dia faça que tudo tenha valido a pena.

Chloe viu o olhar de aprovação burlesca em seus olhos.

- Não ria de mim – respondeu - A horrível realidade é que... preciso de você. - Cobriu o rosto com as mãos - É horroroso admiti-lo.

Por um segundo, Dominic não se moveu. Ela pensou, quase desejou, que possivelmente haveria dito aquelas duas humilhantes palavras tão baixinho que ele não as tinha escutado.

Mas o tinha feito. Ela afastou as mãos. Viu-o no tenso músculo da mandíbula e no ardente fogo que via em seus olhos quando abaixou a cabeça e a olhou. Fez-lhe uma reverência, com o chapéu na mão.

- Quando tudo isto terminar - lhe disse, muito calmo - não poderá se livrar de mim.

Já tinha tomado a precaução de passar o fecho da porta, e empurrou contra a madeira para assegurar a privacidade.

Ela estava em silêncio enquanto a figura do Dominic se movia a suas longas naquele espaço. Sua ágil elegância lhe tirava a respiração.

Envergonhava-se de como a debilitava o mero fato de vê-lo, como despertava sua ansiedade de conhecê-lo da forma mais primária e íntima que podia imaginar-se. Notava os seios inchados, desejando seu contato.

Seu

corpo

suspirava

por

ele,

necessitava-o

tão

desesperadamente que começou a tremer.

Quando ele estendeu os braços para ela, tinha medo que lhe fossem ceder os joelhos. Como seria capaz de deixá-lo partir outra vez?

Cada traço de seu rosto estava dominado pela masculinidade: o anguloso maxilar, a perfeita simetria das maçãs do rosto, a firmeza da boca. O calor que desprendiam seus olhos lhe inflamaram todos os sentidos.

- Não tenho muito tempo – disse - Se Edgar não aparecer, terei que retornar à casa. Já é mais de meia-noite.

Chloe, que até agora tinha controlado suas emoções, esteve a ponto de lhes dar rédea solta.

- Deixará um sapato de cristal na escada para que m e lembre de

você?

- Chloe, por favor - lhe acariciou os cachos negros que lhe emolduravam o rosto.

- Se o matarem, não voltarei a chorar sobre sua tumba. Já guardei luto na primeira vez quando achei que o tinham assassinado - disse - E

chorei até que pude ficar adormecida quando foi e não sei por que.

- Sinto tê-la feito chorar - disse, atraindo-a contra ele -

Compensarei isso.

Seus olhares se encontraram e se sustentaram.

- Eu te quero, Dominic.

- Mas não a trouxe aqui para...

- Por favor - sussurrou ela - Abrace-me.

Era sua. Aceitou-o próprio momento em que seus braços a rodearam. Seu corpo inteiro ardeu e se derreteu junto aos musculosos planos de seu torso.

- O que vai fazer quando se encontrar com Edgar? - sussurrou-lhe enquanto desabotoava o vestido tateando. As asas de tecido caíram no chão. O vestido de gaze logo as acompanhou, formado redemoinhos em seus tornozelos. Com um tremor de aceitação, deixou que suas cálidas mãos reclamassem seu corpo, lhe deixando sua marca, preparando-a para a posse. Entretanto, independentemente do muito que o desejasse, não poderia desfrutar daquilo com todo o coração até que já não temesse por sua vida.

Tirou-lhe a capa dos ombros.

- O que vou fazer? - disse ele, vendo como o objeto caía e se unia a seu vestido - Vou... - Afastou-a dele para poder observá-la melhor, com as sobrancelhas arqueadas e os olhos cheios de desejo - Por todos os Santos! O espartilho escandaloso, Chloe. Espero que tenha pressentido quem e veria esta noite e que não pusesse isso para ninguém mais.

Agora tocava a ela torturá-lo um pouco.

- Hmm. Pode ser.

Ele sorriu.

- Sempre me perguntei como ficaria.

- Agora já sabe.

- Sim, e por isso vou tirá-lo - disse com a voz rouca, enquanto transportava com os laços de seda que a encerravam dentro daquele objeto rígido.

Chloe engoliu um gemido. Nunca nenhum homem a tinha feito estar orgulhosa de seu corpo. Seus seios caíram indecentemente em cima dos limites do espartilho.

Baixou o olhar enquanto Dominic acabava de desatar os últimos laços e logo, lentamente, tirou-lhe a regata.

Chloe escutou sua profunda inalação e levantou o olhar. A forma como a estava olhando fez saltar faíscas em todos os cantos de seu corpo. Era um olhar que a proclamava sua.

Agarrou-a pelos ombros e a atraiu para ele. Suas mãos se moviam com um terno desespero sobre seus pálidos braços e por suas costas, lhe separando as duas nádegas e lhe esculpindo as curvas e vales de sua figura como se fosse a criação mais apreciada do artista.

- As coisas não deveriam ser assim para nós, Chloe - disse, com um malicioso sorriso - Uma mulher como você merece um cortejo galante, mas não posso evitar.

Eu também o necessito.

- Não sei nada de cortejos galantes. Mas a algumas mulheres, o fantasma do Stratfield lhes parece muito excitante.

- A sua tia, por exemplo? - zombou ele.

- Espera que descubra que está vivo.

- Talvez continue fazendo ver que estou morto.

Ela conteve a respiração quando Dominic se ajoelhou para lhe tirar as ligas e as meias. Com um suspiro de desejo, deixou que a

estendesse lentamente em cima da cama que tinham formado no chão com sua roupa. A pesar do esforço de ambos por adoçar aquele momento, nenhum dos dois sabia como iria terminar esse jogo de vingança.

Deu-lhe um quente beijo na barriga e ela jogou a cabeça para trás, presa no prazer.

- Não quero perdê-lo, Dominic.

A capa de veludo negro que tinha debaixo da pele nua estava fria.

Ele se levantou e acabou de despir-se. Chloe mergulhou na poderosa beleza de seu corpo, o atlético conjunto de músculos e ossos que o convertiam em um macho dominante e agressor. Desprendia masculinidade pelas costas largas, pelo quadril estreito e as coxas fortes e musculosas.

- Quando me olha assim - disse, com um sorriso - não sei se serei capaz de reunir as forças necessárias para a deixar.

- Pois fique - disse ela, apoiando-se nos cotovelos - Meus irmãos o ajudarão.

- Com certeza, de todos os homens do mundo, os que entenderiam o que tenho que fazer seriam eles. E agora me toque, Chloe, com essas preciosas mãos, me toque como sonhei que o faria.

Ela se colocou de joelhos frente a ele e sussurrou:

- Dominic.

Ele se sacudiu quando ela começou a explorar seu corpo nu, quando traçou as cicatrizes de suas feridas, quando memorizou cada músculo e cada veia dos bíceps e das costas. Sentia-se quente e liso como uma madeira polida, com o coração pulsando nas pontas dos dedos de Chloe. Ela adorava a ideia de lhe pertencer . Queria-o tudo para ela somente, queria voltar a sentir cada centímetro de sua pele em seu interior.

Lembrou-se da primeira vez que o tinha visto em cima de seu

cavalo. Suspirou quando recordou o dia que o achou em seu quarto, a facilidade com que se se apaixonou por ele, Como era duro pensar que pudessem voltar a lhe fazer mal.

Rodeou-o com os braços pela cintura e lhe sussurrou:

- Não vou soltá-lo até que me seduza, Stratfield.

Ele a olhou e sorriu.

- Digo-o a sério, bandoleiro. Mãos para cima e me dê o tesouro.

Dominic se maravilhou ante a perfeição feminina de seu corpo, custava-lhe acreditar que uma mulher tão delicada pudesse albergar um espírito tão guerreiro.

Não tinha nem ideia de que o tinha salvado. Se não fosse por ela, teria perdido toda a esperança e toda a fé que a vida lhe tivesse reservado algo bom.

Acreditou nele quando a tratou com uma crueldade imerecida, quando se comportou como um animal. Não merecia sua lealdade, mas ela tinha descoberto ao homem que se escondia atrás da máscara de dor e raiva. Quando tinha ido ao ataque, ela o tinha freado e o tinha feito raciocinar.

Adorava a contradição de coragem e delicadeza que a faziam tão intrigante. Adorava como o tocava. Quando pressionou as palmas das mãos contra seu ventre, com os dedos brincando com o pêlo que lhe crescia justo em cima do membro, deixou de pensar. A parte inferior de seu corpo ansiava estar dentro dela. Teve que fazer um grande esforço para não lhe fazer descer as mãos até seu membro duro. Flexionou os quadris em um gesto de claro prazer. A fragrância que desprendia seu corpo o deixava louco. Como era possível que a mulher que o deixava tão indefeso lhe tivesse irradiado tanta força?

- Chloe - disse, arqueando as costas e esticando os ombros ante o desejo sexual que se apoderava dele - Não temos muito tempo e o necessito desesperadamente.

Ela o beijou com paixão na garganta, no peito e quando seus suaves lábios lhe acariciaram a base do pênis, cada músculo de seu corpo se esticou como se lhe doesse. O calor líquido o invadiu e lhe encheu as veias. Mal podia respirar, afetado com uma necessidade que jamais tinha experimentado. A língua de Chloe se dobrou na ponta da ereção como uma chama úmida. Dominic estava perplexo, com todo o corpo trêmulo. Era uma mulher apaixonada por natureza. A mulher que amava tinha nascido para seduzir.

- Chloe - sussurrou, com a voz rouca e impaciente, enquanto a levantava para dar um beijo naquela boca tão erótica. Com o outro braço a segurou pela cintura, ancorando-a - Chloe -sussurrou em seu escuro cabelo - Meu Deus, o que me fez?

Ela se arqueou para o teto, apertando seu ventre contra ele. A mão da cintura a apertou com mais força, quase fundindo-a a ele. Beijou-a e tomou os cheios seios nas mãos. Os mamilos em seguida se endureceram ante a perita manipulação de seus dedos. Gemeu e se estendeu debaixo dele, vulnerável e receptiva.

Ele estava em cima dela. Cobria-a toda. Segurando-a no chão com uma mão em cima do estômago, com a outra lhe afastou as coxas.

Enquanto acariciava os úmidos cachos de seu sexo, parecia que o coração sairia do peito. Ela se desfazia em seus dedos como o mel, estava totalmente aberta para ele, com a pele úmida reclamando a carícia masculina.

- Dominic - sussurrou, balançando os quadris contra seus dedos -

acredito que vai fazer parar o coração.

Ele sentiu uma incrível onda de poder, de prazer. Talvez tivesse preferido um entorno mais bonito para ela, mas não lhe importava. Toda sua atenção estava concentrada em Chloe, em seu corpo de marfim recostado sobre sua capa de veludo, convidando-o, com as pernas abertas e os olhos azuis tingidos com uma paixão incontida.

- O que você gostaria que fizesse? - sussurrou-lhe, em tom zombeteiro - Se for muito, posso parar...

- Não se atreveria...

Não tinha nenhuma intenção de parar. Não podia. Iria levá-la tão longe quanto pudesse. Levou-a ao limite uma e outra vez, contemplando os gritos abafados que emitia sua garganta. Introduziu os dedos nas inchadas dobras de seu sexo.

Brincou com ela até que virtualmente estava suplicando que a fizesse sua. Tinha que adorar aquela mulher, tinha que agradá-la.

Chloe gritou quando Dominic lhe colocou as mãos debaixo das nádegas para penetrá-la. Estava tão tensa que Dominic poderia haver-se derramado na primeira investida.

Em lugar disso, apoiou as palmas das mãos na capa e se concentrou em controlar seus movimentos, em esfregar seu membro contra as dobras de sua úmida entrada antes de lhe dar o que queria.

Aquela lenta fricção a excitou até que lhe suplicou que a penetrasse, tremendo de desejo.

- Faça-o - disse.

A mente de Dominic se regozijou naquela úmida calidez. Estava totalmente aberta para ele, com o lindo corpo deitado no chão, agitando-se com uma sensualidade incontrolável. Iria aprender a agradá-la de todas as maneiras; converteria o fazer amor em uma arte. Com um autocontrole muito tentador, penetrou-a lentamente.

- Poderia morrer assim - disse, com a cabeça jogada para trás e os músculos das costas contraídos de prazer.

Dentro dela, estava perdido. Adorava como seu corpo lhe dava as boas-vindas. Adorava o fato de ir abrindo caminho em seu interior, de enchê-la. Ele iria tomar com calma, não importava o que o esperasse depois. Seu único pensamento era fazê-la sentir, lhe dar prazer; exerceu uma lenta e constante pressão no canal de seu sexo, possuindo-a

centímetro a centímetro. Ela se esticou e Dominic notou como seus músculos interiores se pegavam à parede de seu membro. Grunhiu e rodou os quadris, brincando com ela um pouco mais, penetrando-a muito devagar, muito profundamente.

Viu como ela fechava os olhos, encantada, como arqueava o pescoço, como seu ventre tremia ante aquele insistente ataque a seus sentidos. Cada investida colocava a prova a força de vontade de Dominic, inflamava-o. Notou o momento exato em que começou a agitar-se, em que sua cavidade começou a contrair-se o prendendo até que ele também explodiu ante aquela avalanche de sensações. O mundo estalou a seu redor e levantou os quadris enquanto se derramava em seu interior.

Jamais tinha conhecido um erotismo tão assustador em sua vida.

Não podia acreditar que sua união fosse algo tão deliciosamente selvagem. Rodou a um lado, os dois corpos ainda juntos e perfumados com a essência do sexo. Segurou a cabeça entre as mãos e a beijou.

Estava

quente

e

um

pouco

trêmula,

embora

respondesse

deliciosamente. Dominic se obrigou a ignorar a pontada de desejo que sentiu no membro. Não lhe custaria nada voltar a excitar-se dentro dela.

Queria mais.

- Chloe, meu amor - sussurrou, lhe acariciando o rosto - Não quero deixá-la.

Ela ficou quieta, com os olhos umedecidos pelas lágrimas.

- Pois fique.

Afastou-lhe os cachos negros da testa.

- Não tem nem ideia de quanto eu gostaria, do muito que me tenta.

Seja forte. Quando descobrir Edgar, minha vida voltará a ser normal e nada poderá me separar de você.

- Exceto quatro arrogantes irmãos e uma irmã que desmaia de susto se alguém deixa cair uma faca na mesa.

Ele sorriu.

- Ajudarei-a a se vestir. Parece que enfrentar Edgar vai servir de prática para fazer frente a sua família.

Acabaram de vestir-se em silêncio. Dominic estava distraído porque era consciente que tinham estado ausentes mais do aconselhável, que sempre perdia a noção do tempo quando estavam juntos. "Mudou desde a primeira vez que a vi", pensou. Embora ele também tivesse mudado. Deus sabia que esse exílio que lhe tinham imposto seus irmãos não era, absolutamente, o que nenhum deles tinha em mente.

E agora tinha que voltar para o trabalho sujo. Edgar esteve se correspondendo com um homem de Londres ou dos arredores. Dominic o tinha deduzido a partir da freqüência com que enviava e recebia cartas daquela pessoa desconhecida.

Quem era? Não sabia. Aparentemente, Edgar queimava as mensagens logo depois de lê-las, mas Dominic tinha encontrado o rascunho de uma carta meio carbonizada na lareira na qual Edgar dava instruções a seu administrador para que tirasse uma grande quantidade de dinheiro do banco.

Planejava escapar ou pagar algum cúmplice de seu passado?

Estava planejando outro assassinato?

Possivelmente nunca saberia mas iria impedir, como fosse, que seu tio fizesse mal a alguém mais.

- Chloe - disse, um pouco hesitante, enquanto apoiava suas grandes mãos nos suaves e arredondados ombros de Chloe - quero que volte para Londres ou em qualquer lugar que estejam seus irmãos, o antes possível.

- Acha que me darão a opção de escolher?

Ele a olhou preocupado.

- Convença Heath que deve ir.

- E você gostaria de compartilhar comigo as palavras mágicas que abrirão as portas de ferro de seu coração para me deixar voltar para casa?

Dominic apertou os lábios.

- Diga-lhe que tem que vir buscá-la. Pode convencê-lo.

- Duvido.

- Tente, maldição. Quando a traição de Edgar vier à luz, um escândalo se montará. Afaste-se enquanto pode.

- Não me preocupa o escândalo, Dominic. Preocupa-me você e o que possa lhe acontecer quando enfrentar o homem que matou Brandon. Acabou de decifrar sua carta?

Ele a olhou, estupefato.

- Sua carta?

- Sim, a carta, ou parte da carta, que deixou em meu quarto e logo foi recuperar. Era a letra de meu irmão. Mas não sei se ia dirigida a você ou a Samuel.

Dominic balançou a cabeça.

- Como sabe?

- Bom, reconheci a letra de Brandon e fiz uma cópia para decifrá-la.

Parece que fala de algo que Edgar tinha planejado fazer. Quando terminar, darei-lhe a tradução.

- É uma mulher incrível, Chloe.

- Sim, e se lhe acontecer algo, serei uma mulher incrivelmente miserável. Por que não deixa que o ajude a enfrentar Edgar?

- Não.

- E o que se supõe que devo fazer? Sentar e esperar?

- Se nos acontecer algo a mim ou a Adrian, será a responsável por implicar seus irmãos.

O coração dela parou.

- O que vai fazer a Edgar?

- Convencê-lo para que faça o correto.

- E se negar?

- Farei o que tiver que fazer.

Ela retrocedeu, com os olhos zangados e brilhantes de preocupação. Em qualquer outra mulher, a fantasia de fada alada teria parecido leve, etérea. Chloe, pelo contrário, parecia mais uma deusa grega em pé de guerra. Era muito forte, apenas era frágil na superfície.

Era a classe de mulher que um estirado e velho conde iria querer mimar, consentir e exibir pelo seu braço. Aquela ideia lhe revolveu o estômago.

Não queria perdê-la. Queria sair vitorioso da luta e proclamá-la sua.

Agarrou-a pela mão e a atraiu para ele, juntando seu corpo ao dele.

- Voltarei para buscá-la - disse, com os olhos cinzas brilhantes -

Não vá por aí beijando ninguém atrás das carruagens ou pelos corredores. Seja minha para sempre.

Voltarei.

Ela mordeu o lábio inferior. Estava pálida. Dominic teve a sensação de que iria golpeá-lo.

- Assegure-se de que, quando voltar - sussurrou ela, colocando uma das enrugada asas - não seja um fantasma.

Capítulo 21

Quando Chloe saiu daquele aposento, viu que o vestíbulo estava cheio de pessoas que, como não queriam dançar, estavam conversando com um copo de limonada na mão.

A banda justo acabava de começar a tocar outra vez, mas a última coisa que queria nesse momento era dar voltas à pista, não depois do que ela e Dominic fizeram. Já estava suficientemente enjoada. Queria ficar sozinha, pensar no que estava acontecendo entre eles, acalmar-se.

Queria estar preparada se por acaso ele a necessitasse para terminar aquele assunto com seu tio.

Possivelmente deveria ter estado mais preocupada com as

conseqüências da perda de sua virtude ou de seu status social. Mas não estava. De fato, coragem. Só queria sentar-se tranqüilamente e reviver cada detalhe decadente de seus encontros com Dominic antes de começar a preocupar-se pelo que podia lhe acontecer. Enfrentaria Edgar essa noite? O que faria se Edgar tivesse algum cúmplice para ajudá-lo?

E se ele e Adrian não conseguissem? Só de pensar, lhe fez um nó na garganta.

- Bom - sussurrou uma mulher, chocando-se contra as costas de Chloe - minha mãe disse que se depender do fantasma de Stratfield, não sobrará nenhuma mulher virtuosa no povoado.

Chloe soltou um suspiro melancólico e arrumou as asas. Se dependesse dela, os dias de fantasma de Dominic terminariam para sempre o antes possível e só dedicaria suas travessuras noturnas a uma mulher.

- Eu não acredito nos fantasmas - disse um cavalheiro, em tom desdenhoso e em voz alta - Acredito que tudo é apenas histerismos feminino. O que opina, lady Chloe?

Chloe olhou aquele desconhecido rosto corado. Nem sequer sabia como se chamava; era um dos amigos de Justin, o que lhe recordou que não tinha dançado com ele em toda a noite. Tinha-a estado ignorando continuamente. E não é que lhe importasse. Em realidade, não tinha pensado nele até que...

- Por fim a encontro, Chloe - ela levantou o rosto e viu que seu tio abria caminho, entre a multidão, da sala dos refrigérios-. Não sabia onde tinha ido.

- Estava por aqui - disse ela, vagamente, olhando por cima do ombro de seu tio.

- Por aqui?

- Bom - detestava decepcionar às pessoas-. Fui procurar o leque.

Que tola. Estava todo o momento pendurado no pulso.

Os amáveis olhos de seu tio a contemplaram, pensativos.

- Que tola!

- Sim - notou como lhe acelerava o pulso - Que tola!

- Sabe se lady Dewhurst teve mais sorte ao tentar que a alma desse intrometido fantasma descanse em paz? - perguntou um sorridente convidado a seu tio.

Sir Humphrey se virou para responder e ela sentiu uma profunda, embora temporária, sensação de alívio. Com certeza suspeitou que o que lhe tinha respondido soava muito estranho, mas não iria pressioná-

la. Chloe agradeceu. Não poderia suportar mentir a alguém que se levara tão bem com ela e tinha sido tão amável como seu tio.

Ele a pegou pelo braço.

- Deixa que lhe traga um copo de limonada, Chloe. Parece sufocada.

Meu deus. Se soubesse por que. Era amável, mas não tanto para aceitar o que Dominic e ela estiveram fazendo. Antes que fazê-lo sofrer, que decepcionar ao que ela considerava o herói de sua casa, preferia morrer.

- Eu adoraria, tio.

Ficou petrificada. Acabava de ver sir Edgar Williams entrar, muito elegante com um traje negro e uma camisa de linho branca.

Obviamente, ninguém lhe tinha informado que era um baile de fantasias, ou talvez se considerasse muito digno para disfarçar-se. Embora toda sua personalidade fosse pura fachada, pensou Chloe. Era um assassino desumano disfarçado de cavalheiro do reino, um cavalheiro com instintos detestáveis.

Observou-o percorrer o salão com o olhar, contemplando todos os rostos mascarados. O coração de Chloe estava a ponto de sair do peito.

Acaso tinha descoberto que Dominic continuava vivo? Que aquela noite estava ali? Ou procurava seu misterioso cúmplice? Não parecia muito

provável que Edgar tratasse seus assuntos privados em um lugar como esse. Se fosse para o aposento onde tinha deixado Dominic, deveria interceptá-lo?

Notou que seu tio lhe apertava mais a mão no braço. Absorta, olhou-o.

- Vamos por esse copo de limonada, Chloe.

Ela assentiu, embora se virasse para ver se Edgar iria para o salão de baile. De esguelha, fixou-se em uma esbelta figura com capa e sentiu como a invadia uma onda de calor quando percebeu que Adrian tinha voltado para seu papel. Olhou-a fixamente e assentiu com um gesto quase imperceptível e logo sorriu calidamente ao grupo de mulheres que o rodeavam.

Quis lhe dizer, com aquele sutil movimento, que Dominic já estava a salvo? Sim. Com certeza Adrian também tinha visto sir Edgar. E se temesse pela integridade de seu amigo não estaria ali flertando com todas essas mulheres.

Chloe só podia rezar para que outros planos de Dominic saíssem igual de bem.

Virou-se para seu tio.

- Limonada, sim, é justo o que necessitamos.

Ele ficou olhando uns segundos antes de escoltá-la até a sala de refrigérios.

- Alegra-me voltar a vê-la feliz, Chloe. Esta última semana tinha a todos muito preocupados. Parece que este baile lhe fez muito bem.

Não voltou a dançar com Adrian. Esteve rodeado de admiradoras o resto da noite, algo que a tranqüilizou. Certamente não estaria tão relaxado se tivesse visto chegar o cúmplice de Edgar. De fato, a última vez que tinha visto o tio de Dominic, estava conversando com o pastor.

Nem Adrian nem ela fizeram gesto de entabular conversa. Não seria prudente dar a entender que se conheciam. Na realidade, ela não o

conhecia, não tinha visto seu rosto sem a máscara, mas era o tipo de homem que, sem nenhum esforço, fazia com que uma mulher se sentisse protegida, defendida, a salvo do perigo.

Talvez fosse porque passou a vida lutando por outros, valendo-se de seu corpo e de seu engenho como escudo. De fato, era o último homem do mundo a quem alguém veria como um potencial duque.

Parecia e se comportava mais como o desalmado mercenário que se dizia que era. Sua história de conduta pouco convencional e de aventuras no estrangeiro era infame, era a base para os relatos de ficção populares que Chloe e seus amigos devoravam nos jornais. Ao que parece, algumas daquelas histórias deviam ser reais.

Entretanto, não podia evitar que lhe agradasse. Era uma pessoa em que alguém sentia que podia confiar imediatamente e, se Dominic tinha que ter um só aliado, alegrava-se que fosse Adrian Ruxley.

Virou-se e viu que Justin estava logo atrás dela. Pela primeira vez desde que o conhecia, não sorriu quando seus olhos se encontraram, não parecia alegre e juvenil. Chloe sentiu um calafrio de preocupação nas costas. Parecia estranhamente sério.

- Assim é verdade – disse balançando a cabeça, a modo de desaprovação.

Chloe piscou. Naqueles dias, tinha tantos segredos que já tinha perdido a conta.

- O que é verdade, Justin? - perguntou ela, precavida.

- Está apaixonada por ele.

- Por quem?

- Por ele - disse, apontando Adrian como um menino malcriado -

Não tente negar.

Chloe olhou a seu redor, envergonhada. Justin tinha começado a levantar a voz embora, por sorte, estavam em pé sozinhos.

- Mais se o conheci esta noite.

- Pois ainda pior - exclamou, enquanto o turbante de sultão lhe escorregava pela testa - Chloe, quando todo mundo me disse que era uma garota fácil, eu a defendi.

Umas quantas pessoas começaram a se virar para eles. Chloe considerou a opção de empurrá-lo e atirá-lo em cima da palmeira do canto. Acaso não tinha suficientes preocupações nessa noite para que, em cima, Justin lhe montasse um número em público?

- Não tenho nem ideia do que está falando, Justin.

Ele afastou o turbante coberto de jóias de cima dos olhos.

- Eu a via, Chloe Boscastle. Vi você sair do baile com esse futuro duque.

- Para sua informação, lorde Wolverton só me acompanhou até o corredor enquanto eu ia procurar o leque.

- Mesmo? Ausentou-se tempo suficiente para ir dar uma volta por todo o continente.

- Deixa de se comportar como uma criança -disse, entre dentes, Chloe - Não fui com lorde Wolverton - e era verdade, porque ela se foi com Dominic e se Justin não sabia controlar-se...

A ameaçadora sombra de um homem se interpôs entre eles, evitando que Chloe desse a Justin o merecido empurrão. Pode ser que tivesse agradecido a interrupção, embora quem evitou que Chloe cometesse um ato de violência pública foi sir Edgar. Ela preferia mil vezes ter que enfrentar mil aborrecimentos caprichosos de Justin antes que a esse homem.

- Uma briga de apaixonados? - perguntou sir Edgar, com um sorriso irônico - Posso exercer de parte neutra?

Chloe lançou um olhar a Justin que o silenciou. Possivelmente pudesse tirar partido daquela situação. Enquanto Edgar estivesse ali, não estaria fazendo mal a Dominic.

- Só foi um mal-entendido.

- Sim, claro - murmurou Justin embora, aparentemente, fosse suficientemente cavalheiro para deixar o assunto aí - Desculpam-me? -

perguntou, enquanto subia de costas algumas escadas. - Acredito que está me chamando minha mãe.

Sir Edgar olhou para Chloe, ao mesmo tempo que suspirava resignado.

- Bom, isto não é Londres, não é, querida? Estes populares não entendem a sofisticada arte da etiqueta social. Suponho que a senhorita está acostumada a romper corações.

Chloe viu que Justin ia direto para outra garota e a tirava dançar.

Ao que parece, não ficaria com o coração partido durante muito tempo.

Em qualquer caso, sempre soube que ela era muito selvagem para ele.

- Planeja voltar para Londres em um futuro próximo, sir Edgar? -

perguntou-lhe diretamente, embora evitando seu olhar. Não podia olhá-lo nos olhos. Não era suficientemente boa atriz para esconder seu desprezo.

Ele negou com a cabeça.

- Infelizmente, me encarregar da propriedade de meu sobrinho está requerendo mais esforço do que ninguém imaginava. Descobri que...

De repente, todo mundo deixou de falar e de rir. O responsável pelo baile estava a ponto de fazer a entrega dos prêmios às melhores fantasias. Os convidados se lançaram para o salão, obrigando Edgar e Chloe a separarem-se.

Ela encolheu os braços, lhe pedindo desculpas, e esperou que não tivesse notado nada suspeito em seu comportamento. O fato de brincar ligeiramente com o homem que tinha apunhalado Dominic até quase matá-lo era muito para seu estômago. Se fosse necessário, seria capaz de matá-lo ela mesma com suas próprias mãos.

Os convidados aplaudiam fervorosamente cada disfarce premiado.

Chloe viu que seu tio caminhava para ela, servindo-se do relâmpago

para abrir caminho entre a multidão.

Adrian estava no outro extremo do salão, com a pose relaxada e um ombro apoiado na parede. Chloe viu que a olhava e que depois olhava sir Edgar, como se estivesse concentrado em vigiar aos dois.

Sim, era uma sensação muito agradável ter um amigo como Adrian à mão, embora fosse verdade que passara um verão inteiro a bordo de um navio pirata chinês.

Entretanto, enquanto estivesse protegendo a ela, não estaria ajudando Dominic. Franziu as sobrancelhas, preocupada.

Iria ajudar Dominic a executar o último passo do plano? Embora não fosse fisicamente, com certeza o tinha ajudado a planejar a derrota de Edgar.

Como iriam fazê-lo?Perguntou-se, com um nó na garganta.

Dominic tinha sido precavido e não lhe tinha dado nenhuma informação em relação aos planos finais.

Apertou o leque com força. Desde que voltasse vivo, alegrava-se de não sabê-lo.

Dominic entrou no escuro aposento de sua própria casa com o sigilo de um fantasma. Não tinha nem um minuto a perder. Quando muito, e para ter certeza, dispunha de um quarto de hora. Tinha tomado um atalho do baile. Os criados já se retiraram a sua ala. Sabia perfeitamente o que faziam desde o momento em que o empregado apagava as velas da galeria antes de voltar de noite.

Adrian faria o que fosse para vigiar Edgar, mas seu tio não era estúpido. Levava uma semana interrogando aos criados a respeito da amizade de Dominic com Adrian, quando se tinham visto pela última vez, sobre o que tinham falado. Estava claro que Edgar desconfiava da visita de Adrian a Chistlebury. Entretanto, naquela noite, a missão principal de seu amigo era assegurar-se que não aconteceria nada à Chloe. Por sorte, embora a amada de Dominic fosse um pouco imprudente nos

assuntos do coração, parecia que para a sobrevivência recorria mais ao bom senso.

Ao final, o misterioso contato de Edgar não tinha feito ato de presença no baile. Pode ser que o pressentimento de Dominic fosse falso. Pode ser que o baile não proporcionasse a privacidade suficiente para seu encontro. Ou pode ser que Edgar soubesse que o estavam vigiando e queria aparentar a maior normalidade ao ir a um ato social do povoado.

Pareceria lógico que tivesse advertido a seu contato que se mantivesse afastado.

Dominic deixaria o assunto nas mãos dos oficiais a serviço da coroa que se encarregavam dos suspeitos que fugiam.

Deixou a casaca militar ensangüentada e roída de seu irmão em cima do branco e imaculado travesseiro de Edgar. Da pequena urna que levava na mão, foi deixando um rastro de areia branca até a galeria e até seu próprio retrato. Era areia nepalês, que o fiel criado de Samuel tinha enviado para o funeral. Perguntou-se se Edgar saberia o que representava. Era a luva que Dominic lhe lançava para desafiá-lo.

Deixou a urna vazia no chão diante do passadiço secreto que levava até a cripta que o tinha escondido durante mais de um mês.

Se o destino fosse mais amável com ele que no passado, seria a última noite que aquelas escuras paredes o acolhiam. Se não fosse assim, simplesmente seria sua última noite.

Introduziu-se pela greta da parede e esperou que seus sentidos se acostumassem à escuridão. Aquilo era uma vantagem a seu favor. Agora Dominic já era capaz de orientar-se na escuridão em segundos. Sabia exatamente a altura de cada degrau, todas as curvas daqueles passadiços. Onde havia mais possibilidades de que a pedra e a sujeira viessem abaixo se se fizesse ruído. Onde podia ficar direito.

Na realidade, Dominic tinha conhecido de perto todos os detalhes

de seu inferno secreto. Tinha olhado ao diabo na cara e tinha sobrevivido, igual ao que caminha em cima do fogo, que acaba queimado, mas é mais forte.

Até que conheceu Chloe, nem sequer tinha teve o trabalho de analisar no que se converteu, e ela tinha sido a ponte entre o homem que era no passado e o que esperava ser no futuro.

Um homem que pudesse plantar-se frente a seus irmãos e convencê-los de que era suficientemente bom para ela. Desenhou um sorriso em seu interior ao imaginar-se relatando sua história e explicando seu cortejo. Dissesse como o dissesse, sempre acabaria sendo um autêntico diabo. Heath lhe furaria as defesas, isso se tivesse sorte e não furasse a ele diretamente.

Não, o fantasma de Stratfield não era o homem com o qual uma família sonhava para sua irmã. Obviamente, diriam, e com razão, que a tinha arruinado. Mas ela também o tinha arruinado. Tinha feito-o impossível voltar a fixar-se em qualquer outra mulher e, quando fosse livre, moveria as montanhas que fosse preciso para que fosse sua. O

sangue das veias ainda lhe fervia pelo encontro daquela noite. Chloe se entregou por completo. Desejava tanto poder desfrutar de mais tempo juntos.

Tirou a capa negra de veludo e a colocou em cima do esqueleto que estava acorrentado ao muro da cela. Aquele crânio e aqueles ossos brancos tinham sido sua silenciosa, embora não muito agradável, companhia durante grande parte de seu confinamento.

- Tome, amigo, parece que sente frio.

Vestido só com a camisa branca, a calça por debaixo dos joelhos e as botas altas, como um autêntico bandoleiro, Dominic não sentia frio.

Fazer amor com Chloe o encheu de energia até a medula. A deliciosa calidez de seu corpo ficou com ele.

Agarrou a espada e fez uma elegante reverencia frente ao

esqueleto coberto pela capa.

- Querido barão ossudo, será a última vez que praticamos juntos ou acabarei lhe fazendo companhia para sempre. Se puder, me ajude. Se sobreviver, dou-lhe minha palavra que farei com que seus restos descansem em um lugar honrado.

Capítulo 22

Era sua imaginação ou tio Humphrey lhe estava lançando mais olhares inquisidores do que o habitual nessa noite? Chloe tinha a desagradável sensação de que seu tio queria falar com ela. Igualmente tinha a sensação de que não seria uma conversa muito agradável para ela.

Assim, quando chegaram à velha casa, subiu as escadas correndo para seu quarto. Enquanto subia os velhos degraus, que rangiam, sentiu como seu tio a observava do saguão.

O que acontecia? Acaso a tinha visto partir do baile com aquele acompanhante mascarado? Se fosse isso, só podia suspeitar que se encontrou com Adrian, algo que ela podia negar e não estaria faltando à verdade. Afinal, tinha-o conhecido essa mesma noite e ele tinha retornado ao baile para cobrir a ausência de Dominic.

A menos que tio Humphrey suspeitasse de algo mais. Era um homem inteligente e intuitivo. Quando chegou acima, hesitou uns instantes, porque esteve tentada a virar-se e olhá-lo. Escutava Pâmela e sua tia conversando e rindo no salão porque tia Gwendolyn ganhou o prêmio de melhor fantasia e Pâmela descobriu um apaixonado admirador em Charles, o irmão de Justin.

O que podia ter descoberto seu tio? A mensagem codificada de Brandon? Não. A nota apenas não o teria posto de tão mau humor, pensou enquanto apoiava um ombro na porta de seu quarto e a empurrava.

A porta já estava aberta; cruzou o quarto como um raio e tropeçou

com um quente corpo inerte que havia no chão. Ajoelhou-se, com as asas agitando-se o ao redor do rosto.

- Dominic? - sussurrou, esperançada, embora soubesse que não podia ser ele.

Are se jogou em cima e lhe deu uma lambida na boca.

- Agh. Voltou a comer salsichas - Chloe limpou a boca, que cheirava a porco, com as luvas - Suponho que não temos companhia, não é?

O cão a seguiu ao mesmo tempo em que ela se levantava e ia até o quarto de vestir, procurando em vão algum sinal de que Dominic tivesse estado ali ou lhe tivesse deixado uma mensagem.

- Não veio - murmurou ela - Terei que me conformar com seu rechonchudo cão.

Arrastou o baú até a janela e se sentou com uma careta pensativa.

Como iria Dominic ganhar aquela batalha sozinho? Perguntou-se. Não, sozinho não. Havia Adrian. Só podia rezar para que fossem tão espertos como se achavam.

"Meu tio foi instrutor da técnica Angelo em Veneza. Ensinou-me tudo o que sei com a espada".

Enquanto tinha o queixo apoiado no peitoril da janela, recordou as palavras de Dominic. Não subestimava a força e determinação de Dominic, mas sir Edgar tinha instintos assassinos e não tinha consciência. Se Dominic o encurralasse, seu tio lutaria até a morte.

Ambos o fariam. Deixou cair os braços por fora da janela, afundou-se no baú para observar o bosque, procurando algum sinal de Dominic.

O que esperava?

Foguetes? Um honrado duelo ao amanhecer frente ao lago dos patos? Dominic tinha se especializado em mover-se na escuridão. Era provável que encenasse a vingança em um espaço privado. Chloe decidiu que, ao mínimo sinal, inventaria qualquer desculpa para ir a

Stratfield Hall. Negava-se a deixar que a espera e o não saber a consumissem.

Are se sentou a seu lado e aí ficou toda a noite. As vezes, Chloe cochilava uns minutos e despertava sobressaltada, olhando para fora.

Amanheceu e nada tinha mudado. Não havia nem rastro de alguma briga na casa de Dominic. O sol apareceu pelo horizonte e banhou com sua luz as velhas pedras de Stratfield Hall e dos segredos que acolhia.

Estirou-se, para desentorpecer as costas e se levantou de sua pouco frutífera guarda. Era domingo. Disse-se que o silêncio e a quietude indicavam que tudo estava bem.


***
O caos familiar que a recebeu quando entrou no salão no meio da amanhã a tranqüilizou. Aparentemente, Are tinha roubado um sapato de tia Gwendolyn e o tinha escondido. A tia Gwendolyn, com um chapéu de penas, um vestido de seda cinza, um cachecol de bolas de pele e o outro sapato, tinha organizado os criados e a seu próprio marido em uma busca de emergência.

- Tem mais sapatos que qualquer outra mulher que tenha conhecido - grunhiu o tio Humphrey - Com suas compras, retirou de três sapateiros de Chistlebury. O que tem este de especial?

Ela arrumou uma das penas.

- Possivelmente o sapato desaparecido seja uma mensagem de seu amo. Pode ser que tenha ordenado ao cão escondê-lo por algum motivo.

- Uma mensagem de seu amo? - sir Humphrey olhou para Chloe exasperado.

- Acredita que Stratfield deu de calçar sapatos de mulher?

- Possivelmente esteja me enviando um sinal - disse tia Gwendolyn.

- Um sinal? - seu marido balançou a cabeça desconcertado - Com

o sapato?

- Sim. O sapato poderia ser uma representação oculta do seguinte passo que Stratfield quer que dê para ajudá-lo.

Sir Humphrey levantou as mãos e se deu por vencido.

- Que baixe Deus e o veja. Uma representação oculta. Um sapato!

Pâmela pôs a cabeça pela porta.

- Vamos chegar tarde à igreja. Venha, apresse-se.

Chloe não pôde mais que sorrir. Pâmela sempre era uma lenta que achava qualquer desculpa para não ter que ir a missa aos domingos.

Aquela mudança de atitude só podia significar que o amor estava no ar, que sua prima esperava voltar a ver Charles e continuar o romance que tinha florescido no baile na noite anterior.

Sentiu uma pontada de inveja. Ela nunca iria ter um cortejo normal com um noivo olhando-a babando de outro banco na igreja.

Não, pensou melancólica. Seu cortejo consistia em um homem disfarçado de bandoleiro que a tirava de um baile para fazê-la sua de forma ilícita algo que, visto agora e a distância, começava a tomar um ar romântico. Quase não podia acreditar que dançaram e que fizeram amor com aquele desespero.

E, entretanto, ainda sentia o peso de seu corpo em cima do seu, as mãos de Dominic em seu rosto, em seu cabelo.

- Estamos procurando o sapato perdido de sua mãe - informou tio Humphrey a sua filha - Esta mulher se nega a sair sem ele.

- Mas se o acabo de ver nas escadas faz um momento - disse Pâmela.

- Olhando para cima ou para baixo? -perguntou-lhe sua mãe.

Pâmela encolheu os ombros.

- Que importância tem? Apresse-se, mamãe.

Chloe se aproximou da janela e olhou para o bosque. Onde estava Dominic nesse momento? Deveria estar zangada com ele por havê-la

posto naquela situação. Inclusive se decidisse pedir ajuda a seus irmãos, ninguém lhe garantia que a mensagem que lhes enviasse chegasse a tempo para que pudessem salvá-lo. Dominic já teria enfrentado Edgar antes que eles saíssem de Londres.

- Vem Chloe?

Quando ouviu a voz de seu tio, virou-se. Ficaram os dois sós no salão e escutou como a carruagem chegava à porta.

- Sim. Já vou.

- Há algo interessante aí fora? - perguntou-lhe ele, muito tranqüilo.

Ela conseguiu desenhar um lânguido sorriso.

- Parece que não. Tia Gwendolyn já achou o sapato?

Ele a olhou com o cenho franzido e cara de preocupação.

- Esta manhã tem a cabeça nas nuvens. Pâmela acaba de nos dizer que estava nas escadas. Não a ouviu?

Chloe passou junto a seu tio sem olhá-lo porque sabia que ele a conhecia melhor que ninguém da casa. Depois da noite anterior, com Dominic ocupando todos seus pensamentos, com certeza parecia um pouco mais que distraída.

- Venha, vamos sofrer o sermão do pároco pelo bem de nossas almas.

Quando passou junto a ele, seu tio lhe acariciou o ombro.

- Chloe, querida, se alguma vez necessitar que alguém a ajude, eu sempre estarei aqui.

Tio Humphrey comprometido em um caso de duplicidade e assassinato? Chloe não pôde evitar virar-se para ele e sorrir, lamentando que seu segredo tivesse levantado um muro entre eles.

- Obrigada. Foi muito mais amável comigo do que mereço.


***
Os paroquianos da igreja de Saint Luke estavam sentados como em transe porque, aparentemente, não se tinham recuperado do

animado baile de fantasias da noite anterior.

Obviamente, não era estranho ficar adormecido durante o sermão.

Qualquer domingo do ano, os vigorosos golpes do pároco no púlpito de mogno costumavam ter de fundo algum ou outro ronco procedente dos bancos de carvalho.

Para Chloe era totalmente impossível concentrar-se no pároco Grimsby, com aquele nariz bicudo e os sapatos de fivelas, embora supunha que o sermão sobre a virtude era dirigido a ela.

Bom, chegava tarde, pensou sem nenhum tipo de remorso.

Brincou com um dos botões de ônix da luva enquanto os minutos iam passando. Em algum banco do fundo da igreja, um menino pequeno não pôde conter os gases e sua mãe lhe deu uma bofetada que ressoou por todo o edifício. Meu deus, o que aconteceria, como resultado de sua aventura com Dominic, se ficasse grávida? Se assim fosse, seus irmãos se encarregariam pessoalmente de escoltar o noivo até o altar, e Chloe não o impediria, embora não tivesse nenhum motivo para acreditar que Dominic não iria voluntariamente.

- Passa-lhe algo? - sussurrou Pâmela, quando se ajoelharam para rezar.

Chloe levantou o olhar. Acabava de perceber que nem Adrian nem sir Edgar tinham aparecido a longa missa, embora não deveria surpreendê-la.

- Por que o pergunta? - sussurrou ela também.

- Porque não deixa de suspirar e de se mexer.

Chloe desceu o olhar. Sim lhe acontecia algo. Estava ali sentada naquela igreja coberta de hera, com a cabeça inclinada, ajoelhada no banco e rezando pela alma de um homem que a tinha pervertido na escuridão, no chão, apenas fazia vinte e quatro horas.

Deveria estar rezando pelo perdão divino. Ou para que sua família jamais descobrisse o que tinha feito.

Mais não. Rezava para que Dominic não fosse descoberto e o matassem, e assim estaria vivo e poderia pervertê-la muitas vezes mais.

E lhe oferecer um futuro decente.

Havia-lhe dito que voltaria para ela, não?

Mexeu-se um pouco. Sentia um pouco de frio, certamente pelos nervos e por não ter pregar o olho em toda a noite. Quanto tempo mais podia seguir falando o pároco?

A estas alturas, com certeza já tinha falado de cada pecado duas vezes.

- Chloe - Pâmela lhe deu uma cotovelada quando terminaram de recitar a interminável oração e voltaram a sentar. - Quer saber uma coisa? -sussurrou-lhe.

Sim. Queria saber que Dominic estaria esperando-a quando voltassem para casa e que sir Edgar pagaria por todo o dano que tinha feito.

- O que? - respondeu, em outro sussurro.

- Peguei-lhe o espartilho.

Chloe se endireitou um pouco e olhou a sua prima de soslaio.

- Para outro baile?


- Não - Pâmela ruborizou, e a cor a fazia muito atraente debaixo da sardenta pele branca. - Estou usando-o.

- Que travessa - zombou ela.

- Foi sua ideia.

- Minha?

- Sim. Não se lembra? Sugeriu-me que o colocasse debaixo do vestido de domingo. Está bem?

- É difícil saber com o vestido fechado até em cima, Pâmela.

- É verdade - Pâmela se moveu inquieta uns segundos até de voltar a sussurrar-. Quer saber outra coisa?

- Por que não? Com certeza é mais interessante que o sermão.

- Justin vai casar se com a herdeira dos Seymour. Seu irmão me disse isso ontem à noite. Sinto muito, Chloe.

- A vida é assim, Pâmela.

- Não está zangada?

- Nada. Não me imagino casando com um homem que pisoteia a quem seja para fazer o que quer. Seria como me prometer em matrimônio com meu primeiro pônei.

- Estive pensando em outra coisa - sussurrou Pâmela.

Tia Gwendolyn fez uma careta.

- Garotas, silêncio.

O pároco deu um último e sonoro golpe no púlpito. A congregação soltou um suspiro de alívio coletivo.

- Todas as mulheres da paróquia estavam esperando que lorde Wolverton viesse a missa para poder ver o rosto de dia. - Pâmela fez uma pausa - Mas eu espero que esteja em outra parte fazendo algo mais importante.

Chloe se obrigou a sorrir. Algo mais importante.

- Isso espero.


***
Quando acabou a missa, o céu estava nublado. Os granidos dos corvos que chegavam dos distantes campos deu as boas-vindas aos paroquianos, que pouco a pouco foram saindo da igreja. O comentário bem superficial de Pâmela tinha deixado Chloe um pouco abatida, embora não deixasse de repetir essas palavras na mente.

"Mas eu espero que esteja em outra parte fazendo algo mais importante."

Que outra coisa importante podia estar fazendo Adrian em um dia tão tranqüilo como esse? Certamente, ajudando Dominic a desafiar Edgar, não. Aquele encontro teria lugar na escuridão, não em uma aprazível manhã de domingo quando virtualmente todo o povoado

caminhava tranqüilamente pelo caminho da igreja, passava diante das cruzes do cemitério e chegava até onde estavam estacionados os coches e as carruagens.

Tia Gwendolyn continuava conversando com qualquer um que quisesse escutá-la sobre o significado do sapato extraviado.

O coração de Chloe deu um salto. Que idiota era! Por que permitia que o absurdo comentário de Pâmela a pusesse de tão mau humor?

Dominic seria incapaz de levar a cabo sua vingança um domingo pela manhã, quando todos podiam vê-lo ou ouvi-lo... Todo o povoado estava ali. Ninguém podia ser testemunha do que fosse que estivesse se passando em Stratfield Hall.

Olhou para todas aquelas pessoas, que estavam divididas em grupos frente ao alpendre da igreja. Serventes e nobres, jovens e velhos.

Sir Edgar não estava.

- Está fazendo agora - disse, dirigindo o olhar para a estrada principal - Enquanto eu estou aqui como uma idiota escutando minha tia falar do sapato extraviado.

- Estão juntos neste mesmo instante.

De repente, viu que seu tio estava a seu lado, muito sério.

- O que disse?

- Eu... - meneou a cabeça, debatendo-se entre o dever e a promessa que tinha feito.

- Não posso dizer.

- Diga. Insistiu ele. Falava em voz baixa - Se o que está tentando me ocultar é que está vivo, já sei.

- O que? - sussurrou ela, empalidecendo de repente.

- Sei que Stratfield sobreviveu à tentativa de assassinato e acredito saber quem o quer ver morto. O que não sei é como se viu envolvida nesta história e com ele. Sua tia vigiava suas entradas e saídas da casa como uma águia. Como é possível fazer amizade com esse homem de

seu quarto?

Chloe ficou olhando, muito triste, a fileira de cruzes no cemitério.

- Parece impossível, não é verdade?

- Como?

- Bom, digamos que me encontrei com esta situação.

- Encontrou?

- Caramba!

- Não.

- No baú de minha roupa interior que tinha chegado de Londres, de acordo? Agora já sabe os detalhes mais sórdidos. Ele não planejou.

Nem eu tampouco. Em realidade, estava sentada em meu quarto pensando em minhas coisas, a caminho de minha reforma pessoal...

- Em seu quarto - bateu na testa com a palma da mão - Deveria ter imaginado. Não era Devon, não é? Era Stratfield. Você... Como pôde, Chloe?

- Vai ficar aqui brigando por meu comportamento todo o dia? -

perguntou ela - Porque Dominic está com Edgar agora mesmo.

Ele a pegou pelo braço.

- Não. Repreenderei você a caminho de casa.

Passaram em frente de Pâmela e seus amigos, que lhe lançaram um olhar de compaixão. Chloe só podia imaginar que davam por sentado que voltou a se meter em uma confusão e...

- Por que não pegamos a carruagem, tio Humphrey?

- Porque sua tia não quer caminhar um quilômetro com o sapato extraviado, por isso, e porque conheço um atalho.

- E não deveríamos lhe dizer, no mínimo, que vamos? - perguntou Chloe, olhando para trás preocupada.

- E pôr a perder seu momento dramático de glória? - sir Humphrey balançou a cabeça - Diremos ao cocheiro que leve a casa às duas.

Espere aqui.

- Mais...

Chloe ficou em pé só no meio do caminho enquanto seu tio ia correndo para as carruagens. Dali, ao longe, viam-se as copas das árvores que rodeavam Stratfield Hall. Com certeza Dominic tinha planejado tudo até o último detalhe.

Não podia enfrentar Edgar de noite, porque poderia alertar aos criados ou porque o som de um disparo ressoaria por todo o povoado.

Em lugar disso, tinha escolhido um domingo de manhã, quando todo mundo estava na igreja.

- Muito bem - disse sir Humphrey, quando chegou a seu lado soprando - Será melhor irmos antes que alguém queira nos acompanhar.

Chloe pôs-se a andar, empurrada por seu tio.

- O que vamos fazer?

Ele apertou os lábios.

- Você não vai fazer nada, jovenzinha. Parece-me que já fez suficiente. Tremo em apenas pensar como explicarei isto a sua tia, por não falar do resto da família.

Nesse momento, Chloe teve medo de verdade.

- Tem que dizer-lhe Tio Humphrey - disse, desesperada.

- Receio que desta vez passou dos limites, Chloe. Um beijo atrás de uma carruagem estacionada é uma coisa.

- Pode me pôr uma corda no pescoço - disse ela, penalizada. - Ou me colocar em um navio a caminho das colônias.

- Duvido que nas colônias soubessem o que fazer com você.

- Tio Humphrey - disse, desesperada. - Achei que entenderia. Só fiz o que tinha que fazer.

Destroçou um grupo de cogumelos com a bengala.

- Deveria ter vindo a mim, Chloe.

- Não teria deixado.

- Mas deixou-a ajudá-lo.

- Tampouco queria. Mas quando descobri sobre Brandon.

- Brandon?

- Dominic acredita que Edgar fez com que assassinassem Brandon e Samuel no Nepal porque descobriram que tinha traído o exército britânico a favor dos franceses.

Edgar planejou a emboscada.

- Mãe de Deus.

- Não tem consciência, tio Humphrey.

- Dominic - disse ele, meneando a cabeça, preocupado - Já trata por você os fantasmas?

- Como descobriu que estava vivo?

- Finley, o guarda-florestal, e eu trabalhamos juntos. Eu já levava um tempo suspeitando que a morte de Stratfield não era tão simples como parecia. Finley e eu tínhamos a sensação que o que rondava pelo bosque era algo mais que um caçador furtivo.

- Rondava é a palavra.

- Depois da primeira conversa, Finley fez suas investigações dentro da casa de noite. Sabia que seu dono estava vivo mas não queria trai-lo diante de todos.

- Como fez seu tio - murmurou ela.

- Exato - seu tio a olhou muito zangado - Embora isso não desculpe nem explique por que se envolveu com ele.

- Não, não é verdade? - Chloe estava um pouco afogada, por estar quase correndo através do campo, por ter que defender sua postura e por tentar convencer-se de que Dominic não estava lutando por sua vida enquanto ela e seu tio discutiam.

- Pensei que nos entendíamos, Chloe. Pensei que estava se reformando.

- Eu também pensei, tio Humphrey.

Ele grunhiu.

- E no que se supõe que iria ajudar esconder um homem em seu quarto?

Capítulo 23

Dominic estava brincado de gato e rato com Edgar toda a noite.

Tinha lhe deixando uma pista atrás da outra, tinha desenhado um percurso do quarto até o passadiço na galeria, pelos estreitos túneis que se estendiam debaixo da casa até chegar à cripta subterrânea onde tinha planejado sua vingança.

E agora, naquela aprazível manhã de domingo, terminaria o jogo. A casa estava vazia; as únicas testemunhas que estavam a ponto de acontecer eram os cisnes negros do lago. Os vizinhos partiram à igreja e o prolixo pároco só devia estar a princípio do sermão.

Com certeza Chloe não podia estar quieta no banco, talvez inclusive estivesse flertando com o idiota do Justin para entreter-se.

Através do telescópio, Dominic a tinha visto subir na carruagem com sua família. E ainda não haviam voltado. Ao menos, poderia atuar com a tranqüilidade de saber que ela estava a salvo com sua família.

Adrian estava fazendo guarda frente à grade.

Nesse momento, Edgar estava tão perto que Dominic podia escutar sua respiração, podia sentir as vibrações de seus precavidos passos na escada secreta que descia até sua guarida.

- Onde está, maldito? - murmurou seu tio no escuro vazio - Saia e se mostre. Façamos isto a plena luz do dia.

- Por que? - perguntou Dominic, muito tranqüilo - Por que, quando leva tantos anos trabalhando na sombra para destruir tantas pessoas?

Escutou que Edgar hesitava, notou que estava estudando o abismo que havia debaixo dele para tentar localizar a localização exata de Dominic.

- Que diabos é tudo isto, Dominic? Por que se esconde de mim?

- Não me escondo, Edgar. Só estou esperando que chegue meu

convidado.

- Por que?

- Para lhe dar a oportunidade de se explicar, de negar o que ambos sabemos que é verdade.

Voltou a hesitar.

- Eu não nego nada.

- Entregue-se ou o farei eu mesmo.

Edgar soltou uma risada forçada e desceu outro degrau.

- Uma pistola é muito mais eficaz que uma adaga - levantou a mão direita e a culatra de ébano do revólver brilhou na escuridão - Deveria tê-

la usado na primeira vez.

Lentamente, Dominic, que estava de cócoras no canto, levantou-se.

- Mas se tiver travada, é igualmente eficaz? - perguntou-lhe.

Edgar começava a estar furioso.

- Tinha as pistolas guardadas em...

- Minha escrivaninha. Ou acaso se esqueceu de que, nesta casa, não é mais que um convidado? E um dos menos gratos, por certo.

Em um ataque de pânico, Edgar apontou ao rosto de Dominic e apertou o gatilho, embora não acontecesse nada e puxou a arma pelas escadas.

- Está louco, Dominic. Só um louco se esconderia entre as paredes de sua própria casa. Deveria mandar prendê-lo. Afinal, organizou seu próprio enterro para poder seduzir às mulheres do povoado enquanto dormiam. Está louco.

- Sem dúvida. Talvez seja uma característica familiar que ambos compartilhamos.

- Vá para o inferno.

Dominic riu ante a improvisada ironia das palavras de seu tio.

- Onde acha que estamos?

- Deveria lhe ter arrancado o coração aquela noite.

- E guardá-lo em um cofre debaixo do travesseiro? - Dominic soava mais distante - Quem tinha que vir ontem à noite reunir-se com você?

Quem o ajudou a trair seu país?

Edgar não respondeu.

- Sei por que matou a meu irmão e Brandon.

Edgar fez uma pausa.

- Eles também sabiam mas não lhes serviu de nada.

- Quantas pessoas estão implicadas?

Edgar soltou uma amarga gargalhada.

- Por que? Acha que seus amigos Boscastle e você podem conquistar o mundo? Seu irmão achava que Brandon Boscastle o protegeria e os dois acabaram mortos.

Dominic não estava disposto a permitir que as provocações o debilitassem porque sabia que seu tio acabaria pagando por tudo. E o fato de que tentasse implicar os Boscastle só aumentava sua determinação de levar seu tio frente à justiça.

- Esperava que se entregasse, Edgar.

- Antes prefiro ver mortos aos dois.

- Muito bem. Toma - lançou uma espada ao ar - Agarre-a. Será nossa última aula. Lembra-se de nossas aulas? Fazia-me lutar com você com os olhos tampados.

Era uma maneira excelente de aprender a lutar na escuridão.

Edgar amaldiçoou, zangado, e levantou o braço de forma reflexiva para pegar a arma no ar.

- De verdade acredita que vai me vencer? - desceu as escadas com muita elegância - Te ensinei tudo o que sabe de esgrima. Estudei suas debilidades, Dominic. Conheço seus pontos fracos.

Dominic levantou sua espada.

- Luta-se tanto com a mente como com o corpo. Não é isso o que

costumava me dizer?

- Adula-me que se lembre - movendo-se com uma agilidade que desafiava sua idade, fez o primeiro ataque, com um passo adiante e outra vez para trás - A lástima é que, desde que deixei de lhe dar aulas, aprendi outras técnicas.

Edgar rodeou a figura na sombra que tinha em frente. Em Paris, tinha sido maître d"arme, que foi quando Dominic supunha que tinha conhecido seus contatos franceses.

- Samuel também pensava que podia me derrotar. Sabe como morreu, exatamente?

Dominic não cedeu. Nenhuma manipulação emocional ou mental poderia desconcentra-lo. Tinha retornado da tumba para esse momento.

Tinha passado semanas sentado neste buraco irrespirável imaginando a mesma cena que agora tinha em frente. Tinha planejado até o mínimo detalhe como executaria cada passo. Preparou-se para todas as eventualidades.

Nem sequer escutar o relato de como tinha sido a emboscada e a brutal morte de Samuel podia distrai-lo. As provocações de Edgar lhe escorregavam como uma gota de chuva em uma rocha; não penetravam nem o mínimo em suas endurecidas emoções.

- Sabe que aspecto tinha seu corpo quando o acharam, Dominic? -

perguntou Edgar, fazendo uma finta e retirando-se.

Dominic recuperou o equilíbrio e entrou a fundo.

- Possivelmente deveria preocupar-se com que aspecto terá você quando acabarmos.


***
Edgar tinha ficado com botas, calça e camisa. Não tinha pregado olho em toda a noite. Passou horas seguindo as pistas que confirmavam o que o atrasado povo de Chistlebury temia.

Stratfield rondava em sua própria casa. Seu espírito não

descansaria em paz até que enfrentasse a seu assassino.

Obviamente, o que aquele povoado de camponeses não sabia era que Dominic jamais tinha morrido. Edgar não pôde ir ao funeral porque supostamente estava em Gales quando assassinaram seu sobrinho. Se tivesse ido ao funeral, teria levantado suspeitas e, portanto, deu por sentado que era impossível que Dominic tivesse sobrevivido às punhaladas que lhe tinha dado.

Entretanto, esse idiota não queria morrer, não como seus dois irmãos que, de modo útil, tinham ido parar à tumba. Michael, em um acidente no qual Edgar não teve nada a ver. E Samuel, à mãos de assassinos que ele tinha contratado.

Foi em meio de todos os saques que assolaram Portugal durante a guerra quando Samuel, que naquele tempo era um inexperiente mensageiro, descobriu que seu tio vendia segredos militares aos franceses.

Samuel e seu extrovertido amigo, lorde Brandon Boscastle, seguiram Edgar numa manhã até uma pequena igreja e o descobriram conversando com um sacerdote português que trabalhava infiltrado para os franceses.

Nesse mesmo dia, os dois rapazes enfrentaram Edgar em privado e lhe pediram que lhes esclarecesse por que se encontrou com aquele sacerdote em segredo e por que falavam em francês.

Edgar lhes confessou que sua família descendia de uma longa linha de católicos romanos. Não praticava sua fé em público; ns realidade, convertera-se à igreja britânica para poder alistar-se no exército mas, em um momento de debilidade, acreditou que umas orações não lhe fariam mal. Samuel deveria entendê-lo; afinal, era seu sobrinho e a família descendia de uma linha de católicos romanos.

Era uma explicação plausível.

Inclusive pareceu que Samuel e Brandon aceitavam a história que

lhes tinha explicado e jamais voltaram a questioná-lo. Uns anos depois, quando Edgar renunciou muito zangado a seu posto no exército para aceitar um trabalho melhor pago na Honorável Companhia das Índias Orientais, aqueles dois aventureiros voltaram a pedir que os levasse com seu regimento.

Edgar não podia imaginar que aqueles dois soldados, aparentemente inocentes, trabalhavam para os serviços de inteligência britânicos, que lhes tinham ordenado que o espiassem e que obtivessem provas que demonstrassem que Edgar tinha vendido informação aos franceses depois de não receber a promoção que ele achava que merecia.

O posto foi dado a um jovem aristocrata que ganhou o favor de Wellington. Todos os anos que tinha servido no exército com tanta diligência não contavam para nada.

E agora, ironicamente, e com a morte de Dominic, estava a ponto de receber tudo o que ganhou: um título, terras e fortuna. Maldição, tinha chegado a matar familiares para conseguir aquela recompensa.

E não lhe importava absolutamente ter que voltar a matar Dominic.

Capítulo 24

Chloe e seu tio chegaram à grade de pedra erodida pelo tempo de Stratfield Hall em vinte minutos. Com a respiração entrecortada, Chloe ficou olhando a casa isabelina. Parecia um cenário muito benigno para acolher o violento enfrentamento que temia se estava produzindo no interior. Não se via nenhum movimento atrás dos vidros das janelas, nem fumaça saindo das lareiras, não havia traços de vida ou de morte por nenhum lado. Notava o coração pesado como uma pedra.

- O que vamos fazer? - perguntou a seu tio, enquanto se aproximava da enorme porta de ferro e comprovava que estava fechada.

- Você não fará nada - disse sir Humphrey - Ficará aqui junto à porta enquanto eu investigo.

- Mas se a porta está fechada.

Sir Humphrey começou a golpear os barrotes de ferro com a bengala.

- Finley! Abra imediatamente! Finley, é urgente, tem que me deixar entrar.

A porta da cabana que havia junto à grade se abriu, mas não apareceu o miúdo guarda-florestal irlandês de Dominic, mas a imponente figura de Adrian Ruxley.

- Cale-se, sir Humphrey - disse, enquanto se aproximava da grade -

Com esse ruído despertará os mortos.

Chloe e ele se olharam, e ela o viu muito confiante, coisa que a animou e lhe deu esperanças. Parecia muito tranqüilo. Significava que Dominic estava bem? Já tinha terminado a vingança contra Edgar?

- Lorde Wolverton - disse sir Humphrey, em um tom urgente - Se entendesse a gravidade da situação, não estaria aí em pé fazendo brincadeiras.

- Claro que entendo a situação - disse Adrian, respeitoso.

Sir Humphrey submeteu ao homem que tinha diante a um detalhado escrutínio.

- Então, por que não está com Stratfield neste momento?

Adrian tirou uma enorme chave de ferro do bolso.

- Porque lhe prometi que não interferiria.

- Eu também - disse Chloe, em uma voz quase inaudível - Mais, pelo visto acredita que é imortal - sussurrou - O fato que tenha retornado de entre os mortos uma vez não significa que possa voltar a fazê-lo. Não pode ir pela vida tentando o destino.

- Desta vez é diferente - Adrian a olhou fixamente. Os dois conheciam aspectos diferentes de Dominic, conheciam seus pontos fortes e seus pontos fracos - Dominic não joga em desvantagem.

Planejou este encontro tanto como Edgar planejou seus assassinatos.

Chloe tentou acalmar-se com aquelas palavras. Havia algo tranqüilizador na confiança que Adrian tinha nas habilidades de Dominic.

Talvez fosse uma característica masculina que ela não entendia. Queria compartilhar essa fé e essa coragem, mas estava certa que não poderia respirar tranqüila até que voltasse a ver Dominic com seus próprios olhos.

Voltou a sentir que Adrian era um poderoso aliado, um homem diferente dos outros. Era de constituição atlética, um mercenário que tinha combatido em brutais batalhas em terras estrangeiras. Os fortes traços de seu rosto e o cabelo loiro escuro fariam que as mulheres se girassem em seu caminho em qualquer baile de Londres.

Ganharia admiradores com sua carismática personalidade apesar da controvérsia que o rodeava, ou pode ser que graças a ela.

Entretanto, desprendia uma amabilidade que nada tinha que ver com seu passado. Chloe o via em seus atraentes olhos de cor avelã.

Uma qualidade que compensava os rumores a respeito de sua escura história.

- Não me importa o que lhe prometemos -disse, enquanto abria a grade - Ao menos, deveria ir assegurar se que não necessita de ajuda.

Edgar é um homem desesperado.

- Perceberá que, agora que sua traição veio à luz, não tem nada a perder. Lutará até a morte.

- Eu não prometi nada a Stratfield - disse sir Humphrey, muito decidido - Deixe-me passar, lorde Wolverton. Tenho a obrigação ajudar meu vizinho quando me necessita.

Adrian hesitou e, antes de deixar passar sir Humphrey, olhou para a casa, pensativo. Naquele olhar, havia suficiente incerteza para que o desejo de Chloe de intervir ressuscitasse. Não tinha terminado. Se tivesse terminado, Adrian não teria posto essa cara.

- Tome cuidado, tio Humphrey - o queria tanto que lhe doía o

coração. Continuando, virou-se para Adrian - Não poderia suportar que acontecesse algo a qualquer dos dois.

Adrian ficou olhando uns segundos e logo balançou a cabeça dando-se por vencido.

- Irei proteger seu tio, mas se Dominic acreditar que quebrei minha promessa, não quererá voltar a saber de mim na vida.

- Obrigada - disse Chloe, olhando por cima de seu ombro para a casa. Tinha que entrar de algum jeito, se por acaso Dominic necessitasse ajuda.

Adrian a pegou pelo pulso.

- Finley desapareceu. Supunha-se que tinha que vigiar a entrada, mas faz muito tempo que não o vi por nenhuma parte. Quando você e seu tio chegaram, achei que era ele.

Ela o olhou fixamente.

- Talvez eu possa encontrá-lo.

- Dominic não quer que se exponha ao perigo.

- Nem eu tampouco - disse seu tio, sinceramente - Preferiria que esperasse na cabana de Finley.

- Não me acontecerá nada. Vocês façam o que tiverem que fazer.


***
Esperar. Não, não podia esperar. Ao menos, não ali fora. Ao menos, podia tentar achar Finley e lhe dizer que fosse procurar ajuda.

Não é que tivesse um desejo especial de voltar a encontrar-se cara a cara com Edgar, de que a descobrisse, mas não podia permitir que voltasse a ferir alguém que ela queria.

E queria a Dominic.

Pôs-se a correr para a casa, com o vestido de domingo, subiu as escadas da entrada e chegou ao saguão com painéis de carvalho. Tudo estava em silêncio. Vazio e tranqüilo como uma cripta funerária.

- Finley? - sussurrou, e se virou quando escutou que a porta

principal rangia.

Não tinha ninguém atrás.

Aproximou-se da enorme e escura lareira e, dissimuladamente, pegou um atiçador enegrecido.

- Há alguém? Quem é?

Não obteve resposta.

Voltou para saguão e, quando pisou em uma boina marrom de lã que havia no chão, sufocou um grito. Desceu o olhar e sentiu náuseas quando viu o atoleiro de sangue que havia junto à boina.

Era do guarda-florestal. Chloe não podia olhá-la sem ver a pele curtida, o cabelo vermelho e o tímido sorriso de Finley. O que lhe tinha acontecido? Estava tentando ajudar Dominic?

- Onde está? - notou que algo muito forte lhe pegava à perna e se virou, com o atiçador no alto, e viu o cão farejando o chão.

- Are, você não... Sim, você. O ranger da porta foi você. Venha, vamos. Ganha essas salsichas que esteve comendo ultimamente. Ajude-me a achar Dominic e Finley.

O cão a guiou pelo corredor e virou para a biblioteca. Chloe não viu mais sangue, mas logo lhe ocorreu que Dominic devia ter mostrado mais de um esconderijo ao cão.

O mais lógico seria na biblioteca, onde um homem podia passar horas e horas sozinho e sem que ninguém o visse. A porta estava aberta. O aroma de conhaque e a livros velhos encadernados em couro era muito agradável. Era um lugar muito escuro e as grossas cortinas não deixavam entrar a luz do sol.

O chão estava cheio de papéis. Viu uma cadeira no chão, como se se tivesse produzido uma briga.

- Dominic? - perguntou, em voz baixa - Finley, está aqui?

Olhou a seu redor. Are passou por seu lado, com o nariz no chão, seguindo um rastro.

- Procure-o - disse ela, agarrando o atiçador com as mãos enluvadas.

Na lareira não, pensou ela. O cão passou adiante sem deter-se.

Viu-o avançar até uma estante que havia na esquina e desapareceu.

O painel estava aberto. Chloe seguiu o cão na escuridão, com todos os sentidos alerta.

- Dominic? - sussurrou, olhando para o escuro vazio que tinha debaixo.

Uma calosa mão a pegou pelo tornozelo. Ela gritou e cravou o atiçador diante dele, antes de golpear o ombro com uma viga e endireitar-se.

Are se queixou nas sombras. Debaixo dela, ao final de um lance de três escadas de madeira, havia um homem gemendo. Chloe se agachou e lhe desatou a gravata com que o tinham amordaçado.

- Finley - disse, horrorizada, quando o pobre homem se levantou e viu todo o rosto golpeado - O que aconteceu? Onde está lorde Stratfield?

- Minha navalha está na esquina. Corte-me a corda das mãos e me libere para que possa ajudar. Sir Edgar me surpreendeu bisbilhotando em suas coisas e me pegou de surpresa. Mas não voltará a acontecer.

Ela desceu as escadas às escuras e mediu entre o pó e a sujeira, procurando a navalha.

- Onde está lorde Stratfield?

- Na cripta. Deixaram-me aqui sentado e lhe escutei mover-se por toda parte. Apresse-se lady Chloe. Corte com mais força. Não me vai fazer mal.

Capítulo 25

Os dois homens, tio e sobrinho, rodeavam-se mutuamente na escuridão, confiando em sua intuição, no treinamento e no instinto de sobrevivência. Já fazia dez quando brigavam cotovelo com cotovelo no salão, quando perseguiam rufiões no Soho por diversão. Uma vez

abandonadas as normas da esgrima correta, lutavam apoiando-se nos reflexos e na força física. Uma vez, Dominic tinha se esforçado de maneira especial para mostrar a seu tio sua habilidade com o florim com o único objetivo de ganhar umas palavras elogiosas, um brinde ao final da lição.

Agora só lutava por um motivo, por um único fogo que ardia em seu coração: para desafiar o homem a quem tanto tinha admirado e que tinha traído os laços de sangue da maneira mais fria e calculista possível.

Notou, porque não podia vê-lo, o momento em que seu tio começou a ficar descuidado, a estar cansado. Edgar tinha avançado em um ataque conhecido como o último; Dominic tinha girado o tronco para a direita às cegas para proteger-se, antecipando-se ao golpe.

- Não está mau, Dominic - murmurou Edgar - Embora deva te perguntar uma coisa: é o melhor que sabe fazer?

O fio da espada de Edgar saiu de um nada e levou consigo uma fina capa de pele da base da garganta de Dominic. Certamente, o volumoso adorno de renda da fantasia de bandoleiro impediu um corte mais profundo.

Pegou Edgar de surpresa, suficiente para que Dominic pudesse recuperar o equilíbrio e preparar-se para o ataque final, ignorando por completo o fio de sangue que lhe descia pela garganta.

Avançou sem piedade, com o corpo entrando a fundo. Agora sentia a respiração de Edgar, como se percebesse que estava vendido.

- Sempre foi meu favorito, Dominic - disse, com a respiração entrecortada.

- Seu favoritismo me enviou ao inferno.

- Não é muito tarde para...

Dominic não hesitou. Colocou o pé esquerdo à frente e atacou.

Notou como o fio da espada atravessava a pele, os músculos e os

tendões do ombro de seu tio e escutou as maldições de surpresa que exclamou. Não era um ataque mortal, só queria deixá-lo incapacitado.

Retrocedeu, com o suor lhe queimando os olhos enquanto baixava o braço.

- Por Samuel. Por Brandon. Agora, as autoridades decidirão o que fazer com você. Deve responder por seus outros crimes. Agradeça que não o tenha matado. Expus-me a isso.

Ficou totalmente quieto refletindo sobre o que acabava de acontecer. Queria matar Edgar. Algo o tinha impedido no último momento, a pouca humanidade que restava na alma.

Nas pranchas de madeira do teto, escutou um ruído leve e desconhecido. Edgar deixou cair a espada e cambaleou até cair nos ossudos braços do esqueleto que estava acorrentado ao muro. O

impacto da queda arrancou uma das algemas da destroçada viga.

Dominic acendeu uma vela e observou sem nenhum tipo de paixão aquela macabra cena. Edgar estava de joelhos e arrastava o indefeso esqueleto consigo até o chão.

Aquela visão lhe deu asco. Tudo o que o tinha levado até esse momento lhe dava asco. Fazia o que tinha que fazer e agora estava vazio. Estava desesperado para escapar.

Virou-se para as escadas e logo ficou quieto ante o estranho ruído que escutou atrás dele. Virou-se, desconfiado.

Quando o esqueleto foi liberado, de dentro da parede se escutou o ruído de uma corrente virando e, continuando, uma dobradiça do teto virou e se abriu um buraco sobre a cripta.

- Uma armadilha - disse e contemplou horrorizado como uma plataforma de madeira soltava um montão de pedras sobre o corpo do Edgar. O gesso e a pedra também caíram no chão e levantaram uma enorme nuvem de fumaça. Ardiam-lhe os olhos e tampou o nariz enquanto subia as escadas correndo por medo de que a cripta inteira se

viesse abaixo.

Pouco a pouco, o pó foi fazendo as funções de mortalha. As vigas que suportavam as outras paredes pareciam estáveis.

Edgar estava enterrado no chão, esmagado até a morte, com a espada brilhando no meio do pó. No último degrau, Dominic parou para despedir-se de seu silencioso companheiro, o barão ossudo, e lhe render um último tributo.

- Bom, por fim estamos livres, bom amigo, embora não me parece correto deixá-lo em uma posição tão pouco digna. Não depois de ter compartilhado tantas confidências.

No mínimo, merece um funeral decente por ter escutado, com tanta paciência, minhas desgraças. É o que lhe prometi.

- E aí é onde entro eu - se abriu um retângulo de luz da greta na parede; Finley ficou olhando a seu senhor coberto de gesso com um sorriso de alívio - Parece que tem um cadáver de que teremos que nos desfazer, milord.

Dominic olhou agradecido o rosto cheio de golpes de seu guarda-florestal irlandês de meia idade.

- Finley, que oportuno. Encarregue-se do esqueleto, por favor. O

pobre já sofreu o suficiente. Quanto a meu tio, bom, já não voltará a fazer mal a ninguém.

Capítulo 26

Chloe e Finley acabavam de sair da biblioteca quando do interior das paredes da casa se escutou um grande estrondo. Foi um ruído pouco natural, como se tivesse aberto o inferno. Para Chloe parecia que lhe ia parar o coração enquanto subia correndo as intermináveis escadas para a galeria; Finley se adiantou mas Are ficou a seu lado.

Não estavam sozinhos.

A suas costas, os criados da casa acabavam de voltar da igreja e as carruagens estavam entrando pelo portão. Em questão de minutos,

todo mundo ocuparia seu posto na casa. A governanta poria o avental e perguntaria a sir Edgar se queria comer na sala de jantar ou em seu escritório. A menos que os dias de sir Edgar de comer, como usurpador, na mesa de Dominic já tivessem terminado. Quando chegou ao alto das escadas, não parou para retomar o fôlego.

A luz do sol se filtrava pelos vidros das paredes da galeria. Mas o silêncio não pressagiava nada de bom; era inclusive pior que o estrondo que o tinha precedido.

A entrada do esconderijo do Dominic estava aberta, escura e pouco acolhedora.

Chloe correu para ali.

Atrás dela, os eficazes criados de Dominic, ao ver que havia algo estranho na casa, subiram as escadas correndo, preocupados. Havia voltado a agir o assassino?

Por que outro motivo, se não esse, o portão estava aberto e não havia nem rastro de Finley por nenhuma parte?

Descobririam sir Edgar apunhalado na mesma cama que lorde Stratfield? O mordomo e um empregado ficaram à frente de tão irregular exército. As criadas foram as últimas, com espanadores e trapos nas mãos. E então, uma voz autoritária rompeu os nervosos sussurros.

A miúda figura de lady Dewhurst, com um chapéu de penas e cachecol de pele, abriu caminho até Chloe. Sua filha Pâmela ia atrás dela, acompanhada por seu aturdido pretendente, Charles.

- Tia Gwendolyn! - exclamou Chloe, retesando-se imediatamente ante a rígida expressão da mulher. Não era que tivesse gostado que sua tia descobrisse a verdade - O que está fazendo aqui?

Gwendolyn olhou por cima do ombro de Chloe.

- Isso deveria perguntar eu a você e a meu marido. Onde está o grande vagabundo?

- De que cafajeste está falando?

- Não se faça de inocente comigo, senhorita. Não sou estúpida.

Perguntei a Pâmela o que me estavam escondendo entre todos e por isso estou aqui.

Chloe olhou, sem saber o que fazer, a Pâmela, que estava enfrascada em outra de suas indecifráveis pantomimas atrás de sua mãe.

- Está aqui porque... porque... porque deixei meu escandaloso espartilho a Pâmela?

Tia Gwendolyn se virou para olhar a figura de sua filha.

- Que espartilho?

Pâmela balançou a cabeça.

- Não tenho nem ideia do que estão dizendo.

Chloe se aproximou mais à entrada do esconderijo. Se Dominic estivesse ferido, Adrian, Finley e seu tio não teriam permanecido tanto tempo dentro da cripta.

A menos que estivessem recuperando seu corpo e lhe curando as feridas. A menos que tivessem tido que reduzir Edgar e... O coração de Chloe se encheu de imagens inenarráveis. Dominic sobreviveria. Desta vez, ele tinha tido vantagem sobre seu tio. Levava semanas preparando e planejando tudo isto. Tinha-lhe prometido que voltaria a procurá-la e Dominic podia não ser muitas coisas, mas era um homem de palavra. E

também decidido, esse demônio que era a metade de sua travessa alma.

Quando escutou passos no interior da passagem, ficou quieta. No fundo de seu coração, sabia que era ele. Virou-se, totalmente concentrada na figura que saiu à luz.

Durante um terrível segundo, não o reconheceu.

Abriu a boca para soltar uma afogada risada. A alta e esbelta figura de seu amado estava coberta, de cima abaixo, de pó branco. Era um fantasma em toda regra. Levava branco o espesso cabelo negro, as

sobrancelhas, as faces, os ombros e as mangas da camisa de renda de bandoleiro, as calças negras por debaixo do joelho e as botas altas.

Mas era ele, são e salvo, completo, e caminhando para ela. Chloe se manteve em pé paralisada ante aquela visão, pelo que significava.

- Meu deus, tenha piedade! - exclamou uma das cozinheiras das escadas - É ele... O fantasma de Stratfield!

Tia Gwendolyn abraçou Pâmela e lhe tremeram as penas do chapéu.

Dissimuladamente, Chloe deixou no chão o atiçador que levava na mão.

A galeria ficou em silêncio. Ninguém se moveu. Ninguém se atreveu a falar. Chloe sorriu. Coberto com todo esse pó branco, parecia um fantasma que tinha saído da tumba.

Então, o zombeteiro olhar de Dominic encontrou os olhos de Chloe e refletiram o fogo de paixão e determinação que ardia em seu interior.

Ela não foi consciente de mover nem um músculo, de caminhar para ele.

Havia voltado. Tinha cumprido sua promessa e, como se nada importasse, tudo estava bem. A mente de Chloe voltou a funcionar com normalidade. A alegria se apoderou dela, autêntica e purificadora. E

agora, de repente, sabia que havia novos problemas a solucionar, conseqüências que confrontar.

Se aproximasse dele, então todo mundo saberia que já fazia um tempo que tinham uma relação. Todo mundo saberia que o queria, que a garota fácil de Londres se havia visto envolvida em outro escândalo.

Que, desta vez, colocara-se no pior e mais complicado problema de sua vida.

E teriam razão.


***
Dominic não lhe deu a opção de fazer como se não eram amantes, de esperar estarem sós para abraçá-la. Foi direto para ela e tomou entre

seus braços.

Precisava sentir seu calor, sua aprovação, lhe assegurar que teriam tudo o que lhe tinha prometido. Ela o olhou nos olhos surpresa, aliviada, com os lindos olhos azuis cheios de lágrimas.

- Tudo terminou - disse ele, e abaixou o rosto para beijá-la - Case-se comigo, Chloe Boscastle. Seja minha mulher.

Lady Dewhurst e sua filha deram um grito abafado ao uníssono.

Todo o pessoal de Stratfield Hall que, aparentemente, ainda não sabia se Dominic era real ou era uma aparição, ficou contemplando a cena com fascinação.

Dominic não lhes prestou a mínima atenção. Estava muito ocupado beijando a mulher que lhe tinha dado forças, a mulher que tinha sido a única razão pela qual tinha sobrevivido tanto tempo e não tinha perdido a prudência.

- Chloe - disse, lhe cobrindo os delicados ossos do rosto com as mãos. Suas carícias eram ternas, embora ferozmente protetoras.

Quando Finley tinha explicado como Chloe o tinha encontrado e o tinha libertado, sem entreter-se e com muito cuidado, Dominic havia sentido uma profunda admiração e preocupação.

Adorava o lado teimoso de Chloe e o lado que era vulnerável e um pouco frágil ante a vida, que a tinha metido em tantos problemas. Só se arrependia de não havê-la conhecido há anos, quando poderia causar uma melhor impressão a sua família. Sim, ganhar o fechado clã Boscastle era sua seguinte e monumental missão.

Pode ser que fosse a mais dura de sua vida.

- Dominic - sussurrou ela contra seus lábios - Não se atreva a voltar a me fazer passar por nada igual nunca mais.

Ele riu e falou com uma voz baixa e grave.

- Acredito que vai ser impossível.

Os olhos azuis de Chloe brilharam com uma risada envergonhada.

- Percebeu que temos público?

Ele levantou o olhar um segundo, como se não percebessem o que deviam estar pensando todas as pessoas que os estavam olhando na galeria.

- Carson, não fique aí boquiaberto como uma carpa. Me prepare um banho e roupa limpa.

O atônito empregado piscou.

- Mais... mas... o senhor...

- Ainda acreditam que é um fantasma - lhe sussurrou Chloe, tentando reprimir uma risada.

Dominic a olhou, sorriu e a apertou com mais força contra seu esbelto corpo.

- Suponho que não poderia enganá-lo o suficiente para poder escapar sem ter que me explicar, não é?

Chloe olhou a sua tia de soslaio.

- Parece-me que não é uma boa ideia - ficou calada um segundo -

Onde está meu tio? E Adrian?

Dominic tomou o rosto entre as mãos com ternura. Tentou gravar na mente cada detalhe de seu rosto. Tinha vivido para esse momento, para voltar abertamente para os braços da mulher que queria. O

apaixonado alivio que viu em seus olhos era toda a recompensa que necessitava, a prova de que tudo havia valido a pena.

Agora tocava a ele protegê-la, cortejá-la como era mandado e lhe demonstrar que podia ser muito humano.

- Chloe - disse, com doçura, apoiando as mãos em seus ombros -

Eu adoraria ficar aqui beijando-a para sempre e fazer desaparecer toda esta gente mas parece que, ao voltar para a vida, terei que voltar a adquirir todas aquelas pretensões de cavalheiro.

Quando se separaram, ela suspirou.

- Se tiver que fazê-lo...

Ele se endireitou. Agora que a mentira tinha terminado, doeria inclusive perdê-la de vista. Tinha visto morrer seu inimigo e talvez devesse sentir mais remorsos.

Esperava não ter que enfrentar a algo assim na vida, mas, para poder viver consigo mesmo e honrar a memória de seu irmão, tinha que enfrentar Edgar.

Agora já podia seguir com sua vida. Queria tirar da cabeça o que tinha se passado, queria concentrar-se em quão bom tinha, em Chloe.

Afastou a vista de seu pálido rosto a contra gosto. Tia Gwendolyn o estava olhando com uma expressão muito ameaçadora. Adrian e sir Humphrey acabavam de aparecer pelo buraco na parede, sacudindo o pó da roupa e falando, nada menos, que da situação política na China.

Atrás vinha Finley, com o esqueleto coberto com a capa de veludo nos braços, uma visão que provocou outro grito de medo entre o público assistente.

Dominic conteve a vontade de jogar a cabeça para trás e rir. Como iria explicar às pessoas do povoado o que tinha acontecido? Não o tinha exposto. Já imaginava os rumores que começariam a estender-se sobre o fantasma de Stratfield, seu ossudo companheiro e a famosa jovem dama de Londres que se apaixonara por ele.

- Para - sussurrou Chloe, mordendo o lábio.

- O que? - perguntou ele.

- Pare de rir dessa maneira.

- Não estava rindo.

- Sim que ria.

- Estava tentando não rir.

Tia Gwendolyn que, pelo visto, recuperou-se do susto, adiantou-se para enfrentar Dominic.

- Bom, milord, por fim dá a cara, e parece muito mais real que a última vez que o vi.

Dominic parecia sinceramente arrependido.

- Lady Dewhurst, asseguro-lhe que tudo tem uma explicação.

- Isso espero.

Chloe pegou sua tia pelo braço.

- Tia Gwendolyn, entenda por favor, nunca quisemos enganá-la.

- Me enganar? Do que está falando?

Chloe abaixou a voz. O mordomo também se tinha recuperado o suficiente para começar a pôr ordem na casa e começou a dizer a todo mundo que fossem trabalhar, embora alguns criados ficaram nas escadas, olhando o esqueleto que Finley levava nos braços.

- Falo - disse Chloe em voz baixa -de como a fizemos acreditar que Dom, é, lorde Stratfield, era um fantasma aquela noite no jardim.

- Um fantasma? - perguntou tia Gwendolyn, mofando - Nunca achei isso.

- O que me delatou? - perguntou-lhe Dominic à senhora, com suavidade.

Tia Gwendolyn entrecerrou os olhos.

- Bom, a princípio achei isso mas, no dia seguinte, vi uns rastros muito grandes no lugar onde tenho a hortelã plantada. Minha família está proibida de pegar minhas ervas sob ameaça de morte. E, de repente, recordei o muito que gostava de mastigar raminhos de hortelã, milord.

Dominic voltou a sorrir.

- Decidi não delatá-lo - acrescentou tia Gwendolyn - Embora, se soubesse que estava comprometido com minha sobrinha, não teria sido tão compreensiva.

Dominic agradeceu com o melhor de seus sorrisos.

- Então, estou perdoado por minha pequena mentira?

Tia Gwendolyn não lhe sorriu.

- Ainda não lhe perdoei nada, milord. De fato, ainda está para ver exatamente o que e até que ponto se supõe que devo perdoar e, embora

decidisse lhe perdoar, isso não o absolve de sua responsabilidade ante a família de Chloe e se eles decidem perdoá-lo - fez uma pausa para tomar ar - Caso é claro, que haja algo que perdoar, coisa que, a julgar pelo beijo que acaba de dar a minha sobrinha, suponho que há.

- Minha mãe - disse Chloe, ao perceber que o caminho que tinham por diante seria muito duro.

O sorriso de Dominic se esfumou.

- Não estou muito seguro do que disse, senhora, mas suponho que não augura nada bom para mim.

Lady Dewhurst olhou com severidade a sua sobrinha.

- Não deveríamos discutir isto em público. Virá para casa conosco agora mesmo, Chloe, para que seu tio e eu possamos decidir o que fazer com você.

Dominic se ergueu, estreitando os olhos.

- O que quer dizer?

- Quero dizer - respondeu Gwendolyn - que seu futuro o decidirá sua família.

- Então, solicito o direito de ser incluído nas decisões - disse Dominic.

- Posso dar minha opinião? - perguntou Chloe irritada.

- Em público, não - lhe respondeu sua tia - Não acredito que o mundo esteja preparado para suas opiniões.

Dominic esteve a ponto de voltar a rir, mas se conteve, porque não queria que a tia de Chloe acreditasse que era desrespeitoso.

- Desculpe-me, senhora - disse - mais minha habilidade para as normas sociais se oxidou um pouco durante meu... retiro. É claro, há um protocolo a seguir nestas situações.

Um protocolo que ele desconhecia por completo. Jamais esteve perdidamente apaixonado. Jamais esteve tão obcecado com uma mulher até o ponto de suportar, de boa vontade, uma reprimenda pública, até o

ponto de ajoelhar-se e suplicar sua mão. E jamais esteve romanticamente relacionado com uma princesa Boscastle.

Só Deus sabia o que isso implicava.

Sim, sabia que haveria repercussões, conseqüências por haver-se convertido em seu amante. E estava preparado para lhes fazer frente.

Só que tinha escondido essa ideia no fundo de sua mente. Agora era momento de trazer à tona todas suas nobres pretensões e recuperar sua antiga vida. Já não poderia escalar o quarto de Chloe ou levá-la aos bailes para lhe fazer amor apaixonadamente.

Seria mais complicado do que imaginava.

Por um lado, não queria renunciar a ela nem um só dia mais.

E por outro lado, não queria dar a sua família a possibilidade de duvidar de seu comportamento, de decidir que não era o companheiro ideal para Chloe, porque podia estar grávida. Queria mimá-la e protegê-

la, começar de zero com ela a seu lado como esposa.

Em resumo, tinha outra provocação presente para sua determinação, e só podia esperar ser tão bom pretendente como fantasma.

Chloe ficou tão aliviada por ver Dominic são e salvo que não opôs resistência quando sua tia a pegou e a Pâmela e as levou pela galeria. O

último olhar melancólico que lançou a seu amado foi vê-lo ajudando Finley a deixar o barão ossudo em cima do tapete turco. Quem poderia ter feito amizade com os restos de outro homem que tinha morrido daquela maneira tão horrível a não ser um homem que se acreditara morto?

Ver Dominic colocando o esqueleto em uma posição de paz era uma visão comovedora e ridícula, embora no final Dominic a olhasse e lhe piscou um olho.

Pâmela e ela começaram a rir, com um pouco de irreverência, o que pareceu dar a impressão à tia Gwendolyn que ver aquele esqueleto

as havia posto histéricas.

- Que coisa mais horrível de ver num domingo pela manhã! -

exclamou - Em minha época, jamais teria exposto a uma dama a esse horror.

Chloe e Pâmela se olharam e riram enquanto desciam as escadas.

Chloe poderia lhe ter respondido que sua tia se atrevera a enfrentar um fantasma muito peralta e que não lhe tinha parecido tão mal.

Aparentemente, a obstinação dos Boscastle corria pelas veias de todo o mundo da família, fossem homem ou mulheres, jovens ou mais velhos.

- Obrigada, tia Gwendolyn - disse Chloe, em um impulso, justo quando estavam ao lado da carruagem. De repente, percebeu como era linda e encantadora Stratfield Hall à luz do dia. Os jardins estavam cheios de pérgolas e fontes, de caminhos à sombra e inclusive havia um labirinto onde as crianças podiam brincar.

- Obrigada por que? - perguntou-lhe tia Gwendolyn, enquanto colocava bem o chapéu.

- Por sua maravilhosa hospitalidade, por permitir que ficasse em sua casa, por me dar a oportunidade de me reformar.

Tia Gwendolyn enrugou o nariz.

- Já está bem, Chloe. Não sou tão tola seu tio e você acreditam.

Não está mais reformada que o pobre diabo de Stratfield.

- Está zangada comigo, tia Gwendolyn? - perguntou-lhe Chloe, com cara de não ter quebrado nunca um prato.

Tia Gwendolyn fez uma careta.

- Deixarei os aborrecimentos para seus irmãos que, quando souberem o que aconteceu sob o teto de minha casa, nunca mais voltarão a me dirigir a palavra.

Pâmela olhou para Chloe com uma compaixão protetora.

- Seriamente temos que dizer-lhes?

- Não vejo como podemos evitar o inevitável - lhe respondeu sua

mãe.

Chloe tampouco o via embora, durante a breve viagem a casa, espremera o cérebro. Estava claro que, dentro de pouco, todo mundo saberia que Dominic não estava morto. Sua história seria a fofoca de Londres e o papel de Chloe seria material de primeira para um novo escândalo.

Sim, sabia que teria que enfrentar o inevitável cedo ou tarde, embora não esperasse achá-lo esperando-a no salão e na intimidante forma de seu irmão mais velho, Heath.

Quando percebeu a quantidade de criadas fazendo ver que ordenavam o salão enquanto ele folheava um jornal antigo deveria ter adivinhado a presença de um de seus irmãos. De um ponto de vista objetivo, Chloe podia ver a atração. Tinha uma figura impressionante, era musculoso, era elegante e incrivelmente educado.

Seus traços cinzelados e os olhos azuis rodeados de longas pestanas costumavam derreter os corações femininos.

Entretanto, para ela era simplesmente Heath, o membro mais enigmático da família e, pelo visto, seu juiz e jurado. E estava ali sentado, tão arrebatador, inamovível e inescrutável como a esfinge de Gizé.

- Chloe - deixou o jornal e se levantou da cadeira para observá-la, com as mãos detrás das costas.

O coração de Chloe se acelerou. Sabia? O que sabia? Estava zangado? Quanto? Aqueles olhos azuis jamais revelavam nada que ele não quisesse. Seu superior no exército disse uma vez que podiam lhe pôr carvão ardendo sob as plantas dos pés e que sua expressão se manteria inalterável, o que lhe recordou que, durante o breve tempo que os franceses o fizeram prisioneiro, tinham-no torturado.

- Que surpresa, Heath!

- Sim. Ao que parece, as surpresas estão na ordem do dia, não

acha? - virou-se e, lançando um sorriso à tribo de criadas, disse: -

agradeço sua diligência mais, importar-se-iam voltar em outro momento?

Eu gostaria de falar em privado com lady Chloe.

Chloe sentiu um calafrio quando a sala se esvaziou; as criadas se foram cabisbaixas embora obedientes.

- Surpresas? - perguntou, decidida a não deixar que seu irmão lhe surrupiasse nada.

- Sei, Chloe.

- Sabe...

Indicou-lhe com um gesto que se sentasse no sofá e, com a voz neutra e maneiras tão corretas que teve vontade de golpeá-lo com o lombo de um livro, disse:

- Me diga como aconteceu.

- Como aconteceu o que?

Dirigiu-lhe um leve sorriso.

- Disse-lhe que acabo de ter uma reunião muito agradável, e esclarecedora, com um velho amigo meu? Lorde Wolverton. Acredito que já o conhece.

- Acredito que aprecia muito Dominic.

Heath ampliou o sorriso.

- Sim. Como todos, não? Nosso querido e ressuscitado Dominic.

Bom, me diga, como aconteceu? - apoiou-se no espaldar da cadeira -

Sente-se, Chloe. Parece um pouco incômoda aí em pé. Sente-se e me explique a situação.

Ela tentou proteger-se.

- Vim ao campo. Apaixonei-me por um visconde e, se Grayson não me voltar a enviar ao outro lado do país ou o espanta, espero me casar com ele. Que mais quer saber?

- Para começar, há o fato de suas entradas e saídas do quarto de minha irmã. Depois, o de seu desaparecimento de um baile com um

misterioso convidado mascarado. E, para terminar, o fato de se ter relacionado com... - o Heath levantou as mãos exasperado - ... com um fantasma.

- Bom - disse Chloe. Tinha sido a exposição mais volátil de Heath em anos. Certamente, de sua vida. E, provavelmente, foi o que mais assustou Chloe - Soa muito pior do que em realidade...

- Como o faz, Chloe? - perguntou Heath, arqueando uma escura sobrancelha - Me surpreende sua habilidade para vê-la sempre implicada nas situações mais comprometedoras possíveis. Fica acordada de noite planejando-o?

- Isso é insultante.

- Falo a sério, Chloe.

- Quando não o faz?

- Como demônios conseguiu arruinar sua vida em um período de tempo tão curto?

Ela se deixou cair na cadeira, resignada ante seu destino.

- De acordo. Direi-lhe tudo. Meu pecado original foi deixar a janela aberta para que entrasse Devon.

- E?

- E? Porque, em seu lugar, entrou Dominic.

- E?

- Deu-me pena?

- Deu-te pena - repetiu Heath, muito devagar - É tudo?

- Hmmm. Pode ser que haja algo mais.

- Algo mais? - Heath ficou contemplando o teto - Que Deus me ajude. Agora entendo do que se queixava Grayson antes de casar-se.

Esta família cai em picado a toda velocidade. Você, Devon, e veja, ou seja, em que diabos andará metido Drake. Que mais, Chloe? Que mais tem que me explicar sobre Stratfield?

- Não estou certa do que quer dizer.

- Tenho certeza que sim.

- Não, de verdade.

- Possivelmente a viagem de volta a Londres refresque a memória.

- Londres? Mas, por que? Poderia fazer companhia à tia Gwendolyn e ajudá-la com a arrecadação de fundos. Não tenho roupa nova - quase lhe tinham acabado as desculpas - Quando tiver um guarda-roupa decente, a temporada já quase terá terminado.

- Pode ser que a vida que conheceu até agora terminou, querida -

disse Heath, muito frio.

- O que está sugerindo com esse horrível tom de voz?

- Supunha-se que sua estadia em Chistlebury deveria ser um antídoto contra a tentação.

Chloe viu como Are colocava o focinho pela porta e balançava a cauda, pedindo seu passeio.

- E assim foi. Morta de aborrecimento em Chistlebury. Isso pensavam meus amigos.

- Pelo amor de Deus, Chloe.

- Acredito que não gostou muito como o disse, Heath.

Ele se inclinou para diante para ver como o cão entrava na sala e se colocava junto aos pés de Chloe.

- Quando se decidiu seu exílio, eu fui o voto neutro. Pensei que iria levar a sério o de se reformar.

- E eu. De verdade, Heath, nada disto foi minha culpa.

- Foi culpa de Stratfield? Deveria fazê-lo vir? Amigo ou não, se lhe fez algo, deverá pagar por isso.

Chloe se ajoelhou para abraçar-se a Are.

Perguntou-se se Dominic se importaria de fugir para evitar ter que enfrentar sua família. Pode ser que não apreciasse a emoção ao fazer tão pouco do final de seu próprio drama, mas não tinha nem ideia de quão espantoso podia ser ver-se submetido à Inquisição Boscastle.

- Eu gostaria de ficar uma semana mais, para me despedir dos amigos que fiz aqui, Heath.

- Não - disse ele, com firmeza.

Ela o olhou.

- Por que não?

- Porque, em uma semana, terá se metido em outro escândalo.

- Não vejo como.

- Eu tampouco; parece impossível mas a realidade é que o fará -

fez uma pausa, olhou o chão e franziu o cenho - Esse cão está como uma bola, Chloe. Alguém tem que pô-lo em regime e obrigá-lo a fazer exercício de forma regular.

- Tenho que fazer a bagagem - murmurou ela.

- Enquanto falamos, as criadas estão se encarregando disso. A carruagem virá nos buscar amanhã.

Ela se levantou, com os braços na cintura.

- Não penso deixar Dominic sem lhe dizer aonde vou.

Heath permaneceu inalterável.

- Dominic é um homem inteligente e pode visitá-la, como Deus manda, quando quiser. Se quiser buscá-la, fará-o. Informarei a ele de nossa decisão.

- Explicou-lhe Adrian que Dominic arriscou a vida para destruir o homem que matou Brandon e Samuel? Acaso isso não conta?

- Teria ajudado-o. Todos o teríamos ajudado. Não tinha que fazer-se de herói sozinho.

- Está dizendo que a única maneira que terá de ver-me é te pedindo permissão antes?

- Exato - disse Heath - Se não quiser submeter-se às regras da sociedade, ao menos se submeterá aos desejos de nossa família.

Chloe grunhiu para si mesma ante a ideia de Dominic submetendo-se ante algo.

- Para sua informação, já me pediu que me case com ele, e aceitei sem reservas.

Heath se apoiou no espaldar da cadeira, com o rosto muito relaxado.

- Que bom, Chloe. Agora demos a Dominic a oportunidade de impressionar o resto da família e de ver se nós o aceitamos - sorriu -

Sem reservas.


***
Chloe passou sua última noite em Chistlebury no quarto de vestir vazio, olhando pela janela para a casa de Dominic. A casa estava iluminada, estavam em celebração. Durante todo o dia, tinham estado entrando e saindo visitas, algumas em lindas carruagens e outras a cavalo. Perguntou-se se a última amante de Dominic, lady Turleigh, teria ido visitá-lo e como reagiria ele se essa mulher aparecesse na porta, arrependida e lhe rogando que a perdoasse.

Chloe esperava que visse o barão ossudo e saísse correndo pelo bosque.

Alguém jogou um punhado de terra contra sua janela.

Surpreendida,

inclinou-se

sobre

o

batente

e

sussurrou,

esperançada:

- Dominic?

O homem que havia no jardim soltou o segundo punhado de terra que levava na mão.

- Não, sou Justin.

- Justin? - Chloe olhou a figura de dandy que estava debaixo da árvore - Se pode saber o que faz aqui? Como conseguiu transpassar a vigilância de Heath?

- Um dos criados teve piedade de mim e me trouxe pelo jardim -

avançou um passo e ficou em um lugar onde o iluminava a luz da lua -

Pâmela me disse que amanhã vai embora. E queria lhe dizer que sinto

por tudo.

Ela suspirou. Apesar de tudo era muito doce.

- Eu também sinto, Justin.

Parecia que não sabia muito bem o que mais dizer.

- O que vai fazer em Londres?

- Ser uma desgraçada e me arrepender de todos meus pecados.

- Pediria que se casasse comigo, mas meus pais têm outra pessoa em mente.

- Oh - Chloe esperou ter parecido decepcionada. Não via nenhum motivo para lhe dizer que são teria aceito sua proposta embora a tivesse servido em bandeja de prata - Suponho que, com o tempo, nós dois seremos felizes. - Justin pareceu tão aliviado por ver-se rejeitado com aquela facilidade que Chloe esteve a ponto de começar a rir.

- Suponho que sim. Pode ser que dentro de uns anos.

Mas dentro de uns minutos, pensou Chloe.

Justin olhou para Stratfield Hall e, em voz baixa, disse:

- A julgar pela quantidade de pessoas que estão visitando Stratfield, parece que quem ressuscitou foi o próprio nosso Senhor - hesitou um segundo - Acredito que deveria casar-se com você.

- Eu também, se minha horrível família não interferir.

Acrescentou-se outra voz profunda, educada e divertida.

- Pois temo que sua horrível família vai intervir outra vez. Lorde St.

John, sou o irmão de Chloe. Importaria-se de sair de nossa propriedade imediatamente?

Justin ruborizou imediatamente.

- É claro, milord. Só queria me despedir. Não pretendia faltar o respeito a sua família. Eu...

- Boa noite, lorde St. John - disse Heath, com uma voz tão agradável como fria - É uma lástima que não nos tenhamos conhecido em circunstâncias mais apropriadas.

Chloe golpeou o batente da janela com os dedos enquanto Justin desaparecia por pernas, desculpando-se a cada passo. Para ela, a vida de restrições tinha começado.

- Julieta - lhe disse Heath com um sorriso - Sugiro que durma um pouco antes da viagem de amanhã.


***
Despertou em plena noite e olhou a seu redor. Todas suas coisas estavam nos baús, exceto seu diário, que não permitia que ninguém tocasse, e seu espartilho.

Tinha decidido dá-lo de presente a sua prima Pâmela.

Acendeu uma vela e abriu o diário pela página marcada com a fita vermelha, onde tinha copiado a carta de Brandon. Aqueles últimos dias não tinha podido concentrar-se nela apesar de já estar muito perto de decodificá-la de todo.

E de repente, na escuridão da noite, sem nem sequer pretender, chegou-lhe a inspiração. As palavras apareceram claras, e horríveis, ante seus olhos. Pegou a caneta e começou a traduzi-la.

Em resumo, confio que fará o que tenha que fazer. Reze para que não nos matem antes de que receba esta mensagem. Nesta terra de beleza tão brutal, a morte chega sem avisar. Em qualquer caso, espero que sua astúcia o salve, porque este homem pretende matá-lo e não sei quando nem onde. Utilize a informação que lhe revelei acima.

Brandon

Chloe fechou o livro, com um nó na garganta. Podia escutar a voz de Brandon. Podia sentir seu espírito com a mesma intensidade que quando estava vivo.

- Um aviso, Brandon - sussurrou - Receio que chegou tarde.

No dia seguinte, despertou cedo, vestiu-se e saiu do quarto com a carta na mão. Encontrou Heath no salão, lendo um livro sobre máquinas egípcias.

- É uma cópia de uma parte de uma mensagem que acharam entre os pertences de Brandon. Dominic tem o original codificado.

Heath franziu o cenho enquanto olhava o papel.

- Fez você?

- Sim.

- E Dominic sabe o que diz?

Chloe meneou a cabeça.

- Acredito que deveríamos dar-lhe antes de ir.

- Enviarei imediatamente - olhou-a - Por mensageiro, Chloe.

- Tirano - o viu dobrar o papel e colocá-lo no bolso - O que lhe parece?

- Eu gostaria de ver o resto antes de opinar.

Capítulo 27

Dominic tinha se levantado cedo para redigir várias cartas para seus advogados e seus contatos em Londres que tinha atrasado em excesso. Edgar tinha gasto bastante dinheiro ao encomendar móveis para o que Dominic supunha que seria sua nova casa, assim como para a plantação de açúcar que tinha em Antiga e para as propriedades na Índia. O secretário de Dominic se acharia com uma boa confusão entre mãos.

Na realidade, a última coisa que gostaria de encarregar-se eram os assuntos de negócios. Depois de tomar o café da manhã e de barbear-se, tinha a intenção de ir diretamente a Dewhurst Manor para visitar Chloe, e desta vez não pensava subir até sua janela. Apareceria, muito formal, na porta. Gostaria de vê-la na noite anterior, mas foram visitá-lo muitas pessoas e se viu obrigado a recebê-los.

Esperava que Chloe não tivesse pensado organizar um grande casamento. Já não podia seguir esperando o que queria, e o que queria era que fosse sua mulher. Convencer a sua família de sua credibilidade já era outra coisa.

Deixou a caneta na mesa quando o empregado entrou no escritório.

- Enviei a mensagem a Dewhurst Manor como me pediu, milord, mais sir Humphrey lamenta lhe comunicar que milady partiu.

Dominic se levantou da cadeira com as espessas sobrancelhas franzidas.

- Partiu? Mas, como? Partiu do povoado ou foi dar um passeio?

- Pelo visto, a levaram de volta a Londres, milord.

- A Londres? E não deixou uma nota para mim?

- Que eu saiba, não. Entretanto, seu irmão me ordenou que lhe entregasse isto. - Entregou-lhe uma carta selada - Quer que me espere para enviar a resposta?

- A Londres? Não. Retire-se, por favor.

Abriu a nota, com todos seus instintos preparando-se para o pior.

Dominic:

A última vez que o vi, ou pensei que o tinha visto, foi em seu funeral. Felicito-o por sua ressurreição, embora condene que tenha seduzido minha irmã.

Quero me reunir com você, mas desta vez será em meu terreno e com minhas condições.

Por certo, anexo a carta de Brandon que minha irmã decifrou.

Grande par de diligentes que se foram encontrar em aborrecido Chistlebury.

Confio que não haverá mais surpresas.

H.

Com um sorriso pícaro, Dominic abriu a carta que vinha com a nota, a tradução do código de Brandon Boscastle, e a leu. Estava claro que era um aviso e não pôde evitar perguntar-se para quem era, para Samuel, para ele mesmo ou para outra pessoa.

Aparentemente, com Edgar morto, já não importava. Em qualquer

caso, Dominic tinha um problema muito mais urgente que solucionar: uma inesperada viagem a Londres onde o esperava seu julgamento final particular.


***
Surpreendeu-se ao ver a facilidade com a qual se voltou a adaptar ao papel de cavalheiro. Sentiu-se cômodo ao recuperar os rituais e as tradições de sua vida de antes e ao saber que tudo tinha uma ordem. De fato, gostava de voltar a revôo da alta sociedade e suas frivolidades.

Embora, isso sim, de forma temporária.

Sempre seria um rebelde de coração, um homem reservado que preferia a companhia de poucos amigos, mas bons, à aglomeração de pessoas das festas. Pensou que devia agradecer que o grupo mais moderno da cidade não soubesse que estava vivo.

Entretanto, agora que estava em Londres, tinha chegado a hora de pôr a prova suas pretensões aristocráticas, por oxidadas que estivessem. Jamais teve que defender-se diante de uma família inteira, e que grande família a qual lhe havia tocado ter que impressionar. Não tinha nem ideia de como iria explicar sua breve estadia no inferno sem parecer louco de pedra, e, além disso, não tinha nenhuma intenção de mentir.

Só esperava poder convencer o clã Boscastle para que se concentrassem no futuro que tinha planejado e não em um violento capítulo de seu passado.

Levaram-no pelos espaçosos corredores da mansão de Park Lane do marquês de Sedgecroft até chegar a um estúdio onde, de costas à porta, Grayson Boscastle estava sentado atrás de uma enorme escrivaninha de madeira de palisandro. Grayson sempre tinha parecido ser um homem sociável e carismático, cujas tendências libertinas tinham sido postas de lado a partir de seu matrimônio com lady Jane Welsham.

Grayson levantou a cabeça no instante em que Dominic entrou no

estúdio. Sua expressão abertamente hostil e a maneira como se levantou da cadeira, como um leão a ponto de lançar-se ao ataque, não tinham nada de sociável.

- Stratfield - disse, com os olhos azuis tão quentes como um lago congelado.

- Como está, Sedgecroft?

- Ao que parece, muito melhor que você.

"Ah", pensou Dominic, divertido, quando viu Heath e a sua loira irmã, Emma, sentados estrategicamente de ambos os lados da escrivaninha de Grayson. A isto devia referir-se Chloe quando falava da Inquisição espanhola. Perguntou-se quando usariam a tortura para o veredicto. Olhava-os. Um homem confessaria ter seduzido até o próprio Papa debaixo daquele escrutínio de brasílico.

- Onde estão Drake e Devon? - perguntou-se em voz alta -

Preparando o cavalo de tortura ou provando os trajes de executores?

- Estão fazendo guarda na porta - respondeu Grayson, muito seco, enquanto golpeava a mesa com seus longos dedos.

- Se por acaso alguém tentar entrar ou se por acaso tento escapar?

- As duas coisas. A que seja.

Dominic se encontrou mais cômodo do que esperava. Pode ser que, depois da terrível experiência que acabava de viver, não se deixasse atemorizar por grande coisa.

Pode ser que quisesse Chloe o suficiente para atravessar o fogo por ela. Ou, melhor dizendo, ao grupo de portadores das tochas, pensou com ironia. O ressentimento por ele que se respirava naquele aposento teria podido queimar a cidade inteira.

- Lady Lyons, suponho - murmurou, inclinando-se ante a Emma - É

um prazer conhecê-la, ao fim -se virou para olhar ao elegante homem moreno que tinha a sua esquerda - Como está, Heath?

Grayson não deixou de olhá-lo nem um segundo, com os lábios

apertados como se estivesse contendo para não dizer algo muito desagradável. Emma, uma mulher delicada com o cabelo loiro, limpou a garganta, arrumou o xale e depois o atravessou com o olhar mais inquietante que Dominic tinha visto na vida. Foi uma mescla de orgulho e grande decepção por parte de uma professora, como se seu estudante favorito tivesse feito uma travessura e ela não soubesse como reagir.

E depois havia Heath, seu amigo, ou agora seria seu antigo amigo?

Que o estava olhando fixamente, lhe despindo a alma com aqueles olhos azuis dos Boscastle.

Hoje não refletiam muita calidez. Tampouco uma raiva assassina.

Mas uma avaliação parcial fazia com que Dominic não estivesse seguro de que lado estava.

- Heath - repetiu, para romper o silêncio que seguro que era parte da tortura para fazê-lo falar - Passou muito tempo.

Heath arqueou uma sobrancelha.

- Parece que muito. Desde que fizemos negócios nos armazéns do cais, esteve muito ocupado. Mataram-no, esteve rondando sua própria casa, e tudo isso sem falar de sua melodramática ressurreição.

- E arruinou nossa irmã - interrompeu Grayson, que estava muito impaciente ante o irônico comentário de Heath.

A voz educada de Emma ofereceu outra perspectiva.

- E, não o esqueçamos, fez justiça com o homem que matou Brandon e Samuel. Eles deram suas vidas para pegar um traidor. E

Dominic arriscou a sua para terminar o que eles começaram.

- Obrigado, Emma - murmurou Heath - Isso nos dá outro ponto de vista de Dominic e já não só o vemos como um libertino e um vilão, não acha? Dominic, expliquei à família os detalhes do assassinato de Brandon. Entretanto, explicar o papel que Chloe e você tiveram neste assunto me custou um pouco mais.

Ficaram todos em silêncio. O grande relógio do canto, apoiado em

garras de leão de ferro, deu a hora em ponto. Grayson desviou o olhar, como se lhe custasse manter seus sentimentos sob controle. Heath era o único que mantinha o olhar fixo em Dominic. Aparentemente lhe custava sopesar a situação.

- Deveria ter vindo a nós - murmurou Grayson - Teríamos lhe ajudado.

- Sem ter acudido à Chloe - disse Emma, assustada - Meu Deus, e se chegasse a lhe acontecer algo horrível? E se esse galês desenquadrado lhe tivesse posto as mãos em cima enquanto estava sozinha?

Os olhos de Dominic se encheram de emoção. Não tinham nem ideia do dano que lhe faziam suas acusações. Não sabiam que ele e Adrian tinham vigiado Chloe até o ponto de que fazê-lo se converteu em uma obsessão. E, se uma só vez, tivesse suspeitado que Edgar tinha a intenção de lhe fazer mal, ele mesmo teria saído à luz e teria terminado com aquilo. Por sorte, os instintos de Chloe evitaram que corresse grandes riscos. Devia-lhe tanto e a queria tanto.

- Jamais teria colocado Chloe em perigo. Não tinha planejado implicá-la em minha missão, mas quando a conheci... - encolheu os ombros, impotente, e lhe pareceu ver um brilho de divertida compreensão nos olhos de Heath. Como podia explicar que tinha sido incapaz de resistir à Chloe desde o início? Nos primeiros dias de sua recuperação, era quase um animal e se movia pelos instintos de sobrevivência e vingança mais primários. Pode ser que se não tivesse conhecido Chloe jamais se recuperaria da dor e da raiva. Era impensável que pudessem castigá-la por ter participado de sua redenção - Não sei como ocorreu, mas estou disposto a aceitar todas as responsabilidades de meus atos. Chloe não fez nada de mau.

Grayson riu.

- E a neve não se derrete ao sol. Olhe, Stratfield, enviamos Chloe a

Chistlebury para que aprendesse a comportar-se. Em comparação com o escândalo que montaram seu crime original de beijar um cavalheiro atrás de uma carruagem estacionada parece a coisa mais inocente.

- Em cujo caso, possivelmente enviá-la ao campo foi uma reação exagerada - disse Heath, pensativo.

Nesse momento, abriu-se a porta. A mulher de Grayson, Jane, a marquesa de Sedgecroft, entrou no escritório. Levava o cabelo mel recolhido e lhe emoldurava o rosto com delicadas ondas.

- É uma conspiração privada ou posso participar?

- Entre, Jane - disse Heath que, junto com Grayson, levantou-se ante sua presença.

Lançou um cálido sorriso a Dominic, quase como se compartilhasse sua posição.

- Digo de antemão a todos, estou com Chloe.

- Sem conhecer todos os fatos? - perguntou-lhe, desafiante, seu marido.

- Exato - respondeu Jane, serena ante o rígido comportamento dele

- Por principio geral, a apoio - dirigiu uma careta zombeteira ao atraente marquês - E também por minhas experiências prévias com as artimanhas do membro veterano da família. Quer dizer, você, Grayson.

- Minha querida advogada do diabo - Grayson olhou sua mulher com calor e admiração.

- Alguém tem que contribuir com jogo limpo nesta família - disse Jane.

- Eu sempre jogo limpo - disse Heath, rindo.

Emma o olhou.

- No amor e na guerra?

- Não acredito que Heath tenha se apaixonado alguma vez - disse Grayson, de repente - Não, Heath?

Heath lançou um enigmático sorriso ao redor do aposento.

- Meus assuntos privados, ou a ausência deles, não são o objeto desta reunião. Sente-se, Dominic. Não tem sentido fazer ver que vamos fazer-lhe mal.

- Por que não? - perguntou Grayson, muito sério.

Jane se aproximou da mesa de seu marido.

- Porque quer à Chloe, e Chloe quer a ele, e temo que sua relação chegou a um ponto onde já está fora de seu controle - disse, com voz suave e compreensiva.

- Me engano, Dominic?

Sorriu-lhe.

- Lady Sedgecroft, leu-me o coração.

Grayson fez uma careta.

- Bom, tem sorte que não o tenha arrancado. Sente-se, Stratfield, e tome uma taça. Meu secretário chegará com o contrato dentro de uma hora. Heath quer lhe falar de alguns detalhes referentes a sir Edgar quando estiverem sós.

Dominic sentiu que o tinham libertado do peso do mundo. Não queria sentar-se. Queria ver Chloe. Queria levá-la a sua casa da cidade, muito menor e menos impressionante que essa mansão, mas muito mais íntima para o que tinha em mente. O nervoso que tinha sentido por ela durante a situação de Edgar se acalmou, embora não tivessem desaparecido de todo. Iria querer vigiá-la toda a vida. Certamente, alguns dos medos que tinha desenvolvido no último mês não o abandonariam nunca.

Não podia negar que aquela experiência o tinha mudado como homem. E só podia esperar que fosse para bem. Estava claro que ter Chloe como esposa era uma mudança mais que notável com respeito a sua vida anterior. Onde estava? Tinham-na castigado? Tinham-na feito envergonhar-se de seus atos? Não podia suportar estar longe dela.

Tinha que estar escondida em algum lugar daquela casa. Olhou o

alto teto de gesso e soube que, se dependesse de Chloe, certamente teria escutado a conversa com uma orelha junto ao chão.

Aquela imagem o fez sorrir.

- Onde está? - perguntou a Grayson.

- Descansa em seu quarto - respondeu o marquês.

- Quando poderei vê-la?

Grayson encolheu os ombros.

- Assim que assinemos o contrato... porque suponho que, de qualquer maneira, não poderia impedi-los.

Capítulo 28

Chloe dormiu, completamente vestida, na cama. De noite, estava muito nervosa para poder dormir, muito esperançosa de que Dominic fosse resgatá-la para evitar que tivesse que voltar a enfrentar sua família.

Quando, ao amanhecer, por fim se levantou da cama, se aninhou na cadeira e escutou os ruídos de Londres. As carretas se chocando contra os paralelepípedos, as vacas a caminho do mercado, as vozes dos vendedores ambulantes que montavam as paradas, os comerciantes que se chamavam a gritos. O maravilhoso caos da cidade, de sua cidade e, entretanto... quem imaginaria que poderia sentir tanta falta de seu aborrecido povoado?

Vestiu-se e tinha caído em um profundo sono depois que a criada lhe subiu o chá e uma montanha de cartas de velhos amigos e admiradores. Aproximadamente uma hora depois, abriu os olhos e se encontrou com Heath, Drake, Devon e Grayson sentados ao redor da cama, esperando que despertasse.

Sentou-se, apoiou as costas nos travesseiros e olhou para todos e cada um daqueles atraentes rostos. Eram tão parecidos e, ao mesmo tempo, tão radicalmente diferentes.

Suspirou.

- Quatro pés têm minha cama. Quatro demônios minha cabeça.

Heath riu.

- Demônios que se preocupam com você, Chloe.

- E este demônio em particular não queria deixar de ser seu confidente - acrescentou Devon, muito amável.

Ela escondeu o rosto no travesseiro.

- Anjos ou demônios, o que importa? Deveriam ser cinco.

Referia-se a Brandon. O irmão aventureiro que tinham perdido e que só agora podiam chorar em paz. A verdade curava, por muito doloroso que fosse aceitá-la.

A família podia estar orgulhosa da coragem de Brandon. Agora já podiam reconstruir as peças de sua curta vida e admirá-lo. Sua morte tinha sido injusta mas, ao menos, agora sabiam por que tinha acontecido e a quem deviam culpar. Na noite anterior, estiveram todos comentando a carta codificada, sua dedicação, e juraram que jamais o esqueceriam.

- Quero voltar - disse, olhando a cada um de seus irmãos.

Drake balançou a cabeça.

- Chistlebury não voltará a ser o mesmo. Os jornais já ecoaram a notícia.

- Eu tampouco voltarei a ser a mesma - disse Chloe - Chegou já Dominic?

- Acredito - disse Grayson, com muito tato-, que seria uma boa ideia que não o visse durante um mês ou... - ficou gelado ante o pânico que viu nos olhos de sua irmã - Ou não. Não tinha nem ideia que sentia algo tão forte por ele.

- Não é a paixão uma característica desta família? - perguntou-lhe, desafiando-o.

Grayson balançou a cabeça.

- Não posso negar mas, Chloe, não acha que deveria, ao menos por uma vez, seguir nosso conselho no relativo a seus admiradores?

- Na verdade, no passado fez algumas escolhas muito pouco apropriadas - acrescentou Drake, com os olhos cheios de regozijo mais que de reprimenda.

- Seu primeiro amor foi o velho mordomo da casa - recordou Devon divertido - O pobre homem mal podia polir a prata sem ter Chloe junto às pernas.

- Emma quer que se reúna no jardim com um de seus mais ardentes admiradores - disse Grayson com doçura - É...

Chloe se levantou.

- Não. Nego-me em redondo. Nada de admiradores.

- É um velho amigo da família - terminou de dizer Grayson - Sim, sabemos que preferiria a seu fantasma, mas este homem...

- É velho - disse Chloe - Querem que me case com uma relíquia. É

muito velho.

Drake sorriu.

- É um ancião.

- É, virtualmente, uma múmia egípcia - acrescentou Devon, zombando - Trouxe todos seus órgãos vitais em jarras de cristal.

Chloe franziu o cenho ante aqueles quatro rostos sorridentes.

- De que cor são seus olhos?

Heath encolheu os ombros.

- Bom, mal se vê com os óculos tão grossos que usa.

- Mais, ao menos, tem todos os dentes - disse Grayson.

Drake assentiu.

- Isso sim. Antes se queixava do muito que lhe custou fazê-los.

- Chloe está pronta para descer? - perguntou Jane da porta porque, aparentemente, não tinha escutado nada da conversa que estavam mantendo os irmãos Boscastle.

Chloe ficou em pé.

- Ajuda-me a fazer a bagagem, Jane? Fujo. Quando tiver me

instalado, mandarei o endereço. Se Dominic quiser vir me buscar, esperarei um tempo razoável.

Jane entrou no aposento sem deixar-se intimidar pelos quatro rostos masculinos e sorridentes que a olhavam, um dos quais era o de seu marido.

- Do que está falando? Perdi algo?

- Do admirador idoso que a espera no jardim - respondeu Drake, tentando ficar sério.

- Que admirador idoso? - perguntou, sem entender nada.

- Esse a quem ajudei a sentar-se no banco do jardim - Grayson lhe piscou um olho - O que assinou o contrato de matrimônio com mão trêmula.

Jane ficou olhando.

- Esse a quem... Oh, Grayson, vê se amadurece. - tomou Chloe pela mão - Recorda o que aconteceu em Brighton?

- Quando meu terrível irmão Grayson a enganou e a fez pensar que queria que fosse sua amante? Sim, me lembro. E me atreveria a dizer que é uma experiência que nunca esquecerei.

- E naquele momento só tive uma amiga de verdade, uma mulher com a coragem suficiente para pôr a prova a raiva de sua família e me dizer a verdade.

Chloe suspirou.

- Sim - continuou Jane - Foi você, e agora vou devolver lhe o favor.

No jardim, não há nenhum admirador idoso. É seu Dominic.

- Dominic está no jardim? - Chloe foi correndo até a janela e afastou as grossas cortinas de damasco - Não o vejo. Está inteiro? -

virou-se para seus irmãos, assustada - O que lhe fizeram?

Heath se levantou da cadeira.

- Digamos que já não causará mais problemas à família.

- Você já nos deu todos os do mundo - disse Grayson, com

franqueza.

Chloe desenhou um jubiloso sorriso. Seu Dominic estava ali, embaixo. Tinha vontade de chorar e de rir.

Alguém recitou:

- Disse a frigideira à chaleira: te retire que me suja.

Colocou-se diante do espelho e depois se agachou para calçar os sapatos. Estava muito feliz para lhes prestar atenção, muito emocionada por ver Dominic para zangar-se com eles. Se não tivessem zombado dela , não seriam seus irmãos. Pobre Dominic. Agora já tinha provado um pouco da tortura que ela tinha tido que suportar, e infligir, durante anos.

Parou porta para abraçar Jane, impulsivamente.

- Um momento. Alguém mencionou um contrato de matrimônio?

- Não sei - disse Heath - Fizemos?

- Venha, corra - lhe disse Jane.

Quando já tinha saído do quarto, Devon lhe disse, gritando:

- Ao menos não o espantamos. Me parece que é bastante bom sinal.

Chloe começou a rir e levantou a saia do vestido de seda pêssego para descer as escadas mais depressa.

Encontrou-se com Emma a meio caminho.

- Pelo amor de Deus, Chloe. Um pouco de decoro, por favor. Esse homem tão atraente no jardim não irá querer que a mulher com quem pretende se casar o atire no chão.

Chloe voltou a rir, com o coração mais leve do que recordava em anos.

- Decoro? Já lhes darei eu decoro.

Capítulo 29

A imagem de Dominic sozinho no jardim a deixou sem respiração.

E como não deixavam de estar na Inglaterra, tinha começado a chover e

as gotas lhe molharam o cabelo negro e os ombros do fraque negro de abotoadura simples. Quando escutou passos no cascalho, virou-se.

Parecia aliviado e não afastou o olhar de Chloe nem um segundo.

Por um momento, nenhum dos dois se moveu. Chloe tinha se surpreendido muito quão bonito estava com a calça justa cinza e as botas altas. A imagem do perfeito cavalheiro? Bom, não de tudo. Aquele homem tinha um lado muito pouco cavalheiresco; para ser sincero, tinha um lado bárbaro e Chloe não estava certa de que se esqueceu de todos seus demônios.

Entretanto, recordou-lhe o homem por quem se apaixonou naquele primeiro dia chuvoso. Era real e ela estava mais convencida que nunca que no mundo não havia outro como ele.

Tentou não correr enquanto se aproximava dele. De verdade tentou mostrar um pouco de decoro. Mas o problema, o que sempre a tinha perdido, era sua incapacidade para ser recatada e, ao final, correu para os braços abertos de Dominic e riu com plena liberdade quando ele a levantou do chão sem nenhum esforço.

Dominic lhe beijou o rosto, o pescoço, acariciou-lhe os cachos negros e curtos com os dedos.

- Chloe, por um momento temi que não viria. Pensei que tinha mudado de opinião.

Ela olhou para o masculino rosto. Tinha recuperado o peso que tinha perdido, mas continuava parecendo um pouco perigoso e intenso, até que sorriu, com os olhos cinzas zombeteiros e ternos.

- Estava esperando que aparecesse pelo quarto de vestir.

- Não me diga que está decepcionada.

Ela se arqueou para que a voltasse a beijar. A ardente calidez de sua respiração em sua pele a derreteu por dentro.

- Pode ser que um pouco.

Ele se afastou um pouco para lhe sorrir.

- Ah. Não me diga que à senhorita não se importa de encontrar um intruso em sua cama?

Chloe suspirou e lhe secou uma gota da lapela do casaco.

- Pareceu-me a coisa mais aterradora e emocionante.

- Emocionante? Achar um homem meio morto em um baú?

- Não um homem qualquer, Dominic. Sou particularmente suscetível com quem convido a meu quarto de vestir.

- Isso espero.

Chloe demorou uns segundos para ver que Dominic estava fazendo um esforço muito grande para controlar-se. Tinha levantado o rosto para o céu, como se agradecesse a fria chuva. Ela notou que lhe enchiam de lágrimas os olhos. Só era a segunda vez que o via com a luz do dia. Dominic precisaria ter muita paciência para esquecer seus intermináveis dias de escuridão.

- Chloe - abaixou a cabeça para olhá-la no rosto. Estava mais em paz consigo mesmo do que ela recordava - Acha que poderia suportar criar nossos filhos em uma casa encantada?

- Desde que o fantasma que ronde por aí não seja o seu - disse ela divertida - Se acalmou já o escândalo em Chistlebury?

- Não acredito - respondeu ele - embora as autoridades anunciaram que a morte de sir Edgar foi um acidente. Ao que parece, morreu esmagado por um deslizamento de terra enquanto inspecionava os passadiços internos de Stratfield Hall.

- E o que diz do famoso fantasma de Chistlebury?

- Ah, sim. Minha ressurreição continua sendo a fofoca do povoado.

Entretanto, depois de prometer uma generosa doação à igreja, até o pároco decidiu passar por cima alguns pontos inconsistentes na explicação de meu falecimento.

- Pode-se dizer que deixamos atrás o escândalo?

Lançou-lhe um diabólico sorriso.

- Receio que o escândalo nos perseguirá sempre. Dentro de uns anos, a lenda do fantasma de Stratfield será ainda maior.

- Está me dizendo que suas travessuras irão a pior?

- Não exatamente. Mas as pessoas juram que viram o espírito de Stratfield carregando com seu próprio esqueleto pela galeria.

Chloe sorriu.

- Eu mesma o vi no baile de fantasias vestido de bandoleiro. É um fantasma muito viril.

Dominic a atraiu contra seu corpo.

- As datas e os detalhes se confundirão. Pode ser que nossa história se exagere. Mas há algo que perdurará sempre: o visconde de Stratfield, mortal ou fantasma, apaixonou-se por uma linda jovem de Londres.


***
Dominic retornou a sua casa da cidade umas horas mais tarde, com o coração muito mais relaxado que quando partiu pela manhã.

Esperavam-no centenas de responsabilidades.

Fez-se de noite sem que percebesse.

Quando a porta do quarto se abriu a suas costas, se virou sobre a cadeira. Custava-lhe acreditar que já fosse meia-noite. Entre a pilha de papéis que tinha em cima da mesa, que eram investigações oficiais sobre a morte de Samuel, uma carta do comitê de direção da Companhia e notas de condolência que tinha recebido depois de que as notícias de sua suposta morte se estenderam pela cidade, tinha uma pistola. A estas alturas, o informe sobre a traição de Edgar já teria chegado aos ouvidos desses contatos secretos que tinham traído a Inglaterra com ele, se é que não fazia já tempo que estavam escondidos.

Custava-lhe mais identificar os ruídos na casa de Londres que em Chistlebury, embora houvesse algo nos sigilosos passos que escutava a suas costas que lhe puseram todos os sentidos em alerta.

Pelo prazer que prometiam.

A essência especial do sabão de Chloe inundou todo o quarto e despertou o sensual agressor que Dominic levava dentro. Reconheceria essa fragrância em qualquer lugar, e responderia a ela sempre. Escutou como a capa debruada em seda se arrastava pelo chão. Sentiu uma pontada de desejo percorrendo-o de cima abaixo. Que surpresa tão agradável.

Inclinou-se na cadeira desfrutando do momento.

- Espero, por favor, que não se tenha atrevido a vir sozinha e de noite.

- Jane me acompanhou com a carruagem.

Levantou-se e se aproximou da janela, de onde viu como Jane se despedia dele com um alegre gesto e, antes que pudesse reagir, a carruagem desapareceu pelas ruas de Londres.

Virou-se, com um sorriso desconfiado.

- E como pretende voltar para sua casa sem que tenha que a acompanhar?

- Não pretendo.

- E... tinha pensado passar aqui a noite?

Ela se aproximou dele, com os olhos azuis resplandecentes de felicidade.

- O que acontece, Stratfield? Acaso é o único que pode fazer visitas de surpresa?

Dominic sentiu acelerar o coração. A julgar pelo olhar de Chloe decidiu que, embora tivesse que explicar a situação a seus irmãos, uma noite com ela quando estava daquele humor tão sedutor valia a pena.

Não podia resistir a ela, jamais seria capaz de lhe negar nada na vida.

- Se sua família descobrir que não está, não ficarão ?

- Hummm - começou a lhe desabotoar a camisa de linho branca, com os dedos ágeis. Dominic foi invadido por um ardente desejo sexual -

Jane me prometeu que se encarregará deles.

Os sentidos de Dominic estavam inflamados por aquela essência.

Como gostava que o tocasse.

- Uma mulher muito valente, esta Jane.

Chloe lhe sorriu, com a voz presa da emoção.

- Tem que ser para se casar com um Boscastle.

- Acredito que já sabia.

- E se não, agora já é muito tarde. Quero-o, Dominic.

Rodeou-lhe a cintura e atraiu contra ele aquele suave corpo. Era muito tarde. Chloe lhe tinha roubado o coração aquele dia que o salvou de afundar-se no atoleiro. Ali e então soube que a queria, que se conseguisse sair vivo de seu plano de vingança, a perseguiria até onde fosse. Mas jamais imaginou que suas fantasias se fariam realidade daquela maneira tão incrível, que se apaixonaria tão profundamente por ela.

- Já vejo o lado escuro de Dominic outra vez - sussurrou ela, lhe rodeando o pescoço com os braços - Não volte a esconder-se de mim.

Percorreu-lhe as costas com as mãos, pegou-lhe as nádegas e a apertou contra o calor de seu corpo. Gemeu ante quão bem suas curvas encaixavam em seu tenso dorso.

- Nem o sonhe. Chloe... - estremeceu quando ela se afastou um pouco para continuar desabotoando a camisa.

- Deixa de preocupar-se, Dominic. Jane é muito esperta.

- Heath também.

- E o que pode nos fazer? Nos obrigar a casar pela manhã?

Perfeito. Assim, ao menos, não terei que escutar Emma me dando lições sobre o decoro matrimonial, as listas de convidados e... o que faz?

- Sigo seu conselho e não me preocupo - lhe desabotoou o vestido e o tirou, deixando-o enrugado na cintura, enquanto sopesava os pálidos seios através da regata.

Quando a tinha levado a cama e tinha começado a beijá-la, Chloe não parecia recordar sobre o que estavam falando.

Nem Dominic tampouco. Chloe tinha se convertido em uma autêntica tentadora, com seu corpo amadurecido e sua insaciável curiosidade. Os músculos do peito de Dominic se esticaram de prazer quando lhe percorreu as cicatrizes com as pontas dos dedos. Seu contato sempre o tinha excitado, mas aquela perseguição agressiva o acendia. Jamais poderia lhe dizer que não. A atração que sentia por ela tinha sido, desde o começo, sua fraqueza e sua força.

Beijou-lhe o peito, lambeu e mordeu com suavidade, e ele começou a tremer. Com a deliciosa boca rosada e torcida e o vestido na cintura, estava incrivelmente atraente. Notava seus lábios úmidos e quentes sobre sua pele e o coração lhe acelerou. Estendeu-a na cama e capturou sua boca em um profundo e apaixonado beijo enquanto se estendia em cima de seu lânguido corpo.

- Chloe, meu amor - disse, enquanto lhe tirava a regata e as ligas -

Estou muito contente de que tenha decidido vir me fazer uma visita.

Despiu-a em poucos segundos.

A sensualidade de seu sorriso desatou algo tenso e poderoso em seu interior. Ela se afundou mais no travesseiro, em uma pose que era desafiadora e submissa.

- Tire a roupa, Stratfield.

- Pensou em algo em particular?

- Pensei em tudo.

- Já vejo.

Tirou a camisa e a calça e lhe permitiu que o observasse nu. Notou como sua ereção crescia sob seu escrutínio e o mais que evidente prazer de seus olhos.

Quando Chloe se endireitou na cama e começou a lhe beijar o estômago, Dominic ficou tão cheio de luxúria que não podia mover-se,

só podia submeter-se e desfrutar.

Chloe foi descendo. A princípio, Dominic só podia gemer de prazer.

Quando aqueles suaves lábios posaram sobre seu ereto membro, ele estremeceu e a pegou pelos ombros, aproximando-a mais a ele. A língua de Chloe desenhou círculos no extremo de seu sexo. Dominic arqueou as costas. Aquela sensação se apoderou dele até o último centímetro de sua pele.

Se tinha pensado fazê-la chorar de prazer aquela noite, parecia que seria o contrário. Segurou o queixo com as mãos.

- Quem lhe ensinou isto? - perguntou-lhe.

- Audrey Watson - sussurrou ela, com os olhos azuis provocadores.

- Audrey... essa Audrey Watson?

- Vá! Vejo que a fama das cortesãs chega até Chistlebury.

Dominic sorriu.

- A dessa cortesã em particular, sim. Por que demônios lhe deu aulas? Soube que seleciona muito bem suas alunas e que só aceita a uma ou duas ao ano.

- Não me ensinou isso - Chloe parecia envergonhada. - Em Brighton, escutei-a às escondidas quando estava dando lições de sedução a minha cunhada.

- A sua cunhada? - perguntou ele desconfiado. - À Jane, a elegante marquesa que enfrentou seu marido e que a trouxe aqui?

- Sim. A mesma. Minha querida aliada Jane.

Dominic balançou a cabeça surpreso. Sentia os ferozes batimentos de seu coração por todo o corpo. Chloe era seu mundo, a chama que lhe tinha dado esperança na escuridão. Também era uma mulher forte e realista com uma natureza apaixonada e a ideia de passar o resto de sua vida com ela o deixava sem respiração.

Voltou a deitá-la na cama. Voltou a estremecer, porque a necessidade por ela era cada vez maior, mais urgente a cada momento.

Suas mãos lhe percorreram o corpo, os seios e os inchados mamilos, depois mais abaixo para lhe separar as pernas. Acariciou-a de forma íntima, aproveitando-se sem reparos de tê-la em sua cama pela primeira vez. Sentia-se viril, capaz de fazer amor até o amanhecer, com o corpo ardente e duro.

Só tocando a cálida e suave pele e as firmes curva de Chloe, sentiu-se invadido pela luxúria. Os instintos sexuais daquela mulher acrescentavam sua necessidade até que lhe ardia o sangue nas veias.

Queria-a vulnerável, aberta e impotente como agora. Queria lhe fazer todo o imaginável. O prazer de sentir sua boca em seu membro lhe tinha aumentado o prazer até níveis que jamais tinha conhecido.

Separou-lhe os lábios de seu sexo e lhe introduziu um dedo no sensível lugar. Os tenros músculos de Chloe se esticaram ante a fricção.

Dominic notou como estremeceu e brincou com ela até que se retorceu contra sua mão. Estava se rendendo a ele, estava dando rédea solta a toda sua sensualidade.

- Chloe - disse ele com a voz rouca - Quero-a tanto.

Inclinou-se para lhe sugar com suavidade os seios. Ela respondeu com um grave gemido que esticou todos os músculos de Dominic ao pensar no que lhe esperava.

A cremosidade da excitação lhe tinha molhado todos os dedos.

Tinha que estar dentro dela ou se consumiria. Necessitava-a e lhe estava suplicando que tomasse.

Entretanto, não queria ir com pressa. Queria que Chloe desejasse o sexo com ele até o ponto de lhe deixar fazer qualquer coisa que lhe pedisse.

Uma mulher como Chloe jamais devia ser tomada à ligeira. Tinha que agradá-la, mimá-la e seduzi-la em corpo e mente.

- Dominic, acredito que... Vou ah...

Excitou-o muito vê-la perder o controle, como moveu seu corpo e

como sua voz ficou mais grave e profunda. Apertou a mandíbula quando chegou ao orgasmo contra sua mão, quando estremeceu de prazer com uma necessidade que igualava a sua. Observou seu rosto, acelerou o movimento da mão, nem sequer então a deixou descansar.

A fez chegar ao orgasmo duas vezes mais.

Ao final, colocou-se em cima dela. Sua própria necessidade era muito intensa para poder controlá-la mais. Escutou como Chloe sussurrou seu nome, com o corpo tenso. Prendeu-lhe as mãos em cima da cabeça e a olhou nos olhos. Ela mordeu o lábio inferior.

- O que está fazendo, Dominic?

- Alguma objeção?

Ela fechou os olhos e suspirou.

- Nenhuma.

Ele aproximou a cabeça de seu membro à abertura de seu corpo.

Estava tão úmida e cálida que Dominic esteve a ponto de explodir ali mesmo. Arqueou as costas e, com uma poderosa investida, penetrou-a.

- Dominic.

Ela conteve a respiração. Ele voltou a penetrá-la, mais e mais dentro, até que não ficou nenhuma gota de ar em seu corpo. Ela levantou os quadris, saiu a seu encontro, embora só para render-se com um grito de prazer. Introduziu lhe a língua na boca para aprofundar mais o beijo, afundando-se nela desenfreadamente.

Rodeou-lhe os quadris com as pernas para absorver o impacto de seu corpo. Dominic não podia deter-se. Estava-a cravando na cama, estava perdido nela, flexionando os quadris a um ritmo frenético.

Jamais a tinha necessitado tanto como agora. O corpo de Chloe não só o recebia, mas também o animava, amoldava-se tão bem a seu redor que Dominic tinha que deixar lentos seus movimentos porque, se não, temia que iria rompê-la em dois pedaços. Aquilo era prazer elementar, uma tormenta descontrolada mas que, apesar de tudo,estava

em harmonia com a natureza, uma preciosa fúria. Lutou por controlar-se.

- É uma mulher incrível, Chloe - sussurrou, rouco, enquanto lhe levantava as pernas e as colocava em cima de seus ombros para ter um melhor acesso.

- Sua mulher - sussurrou ela.

Sua voz, afetada pelo prazer, o fez penetrá-la com mais profundidade. Quando ela começou a mover-se contra ele, ele quis grunhir de prazer. Levantou a cabeça e preparou seu corpo para um orgasmo que parecia lhe nascer do mais profundo da alma. Notava-a aberta ao máximo debaixo dele e notava como sua úmida sucção o deixava seco.

Escutou seu grito de prazer quando ele se derramou em seu interior. Estava tão linda e se entregou a ele tão abertamente que seria capaz de mover céu e terra para conservá-la a seu lado. Queria-a tanto que tinha medo e, apesar de tudo, a ideia de não tê-la em sua vida era insuportável.

Sorriu-lhe, com mechas de cabelo negro úmido junto às faces.

Seus vibrantes olhos azuis lhe disseram que compartilhava seus intensos sentimentos.

Eram feitos um para o outro. Conhecê-la tinha sido a coisa positiva que tinha tirado da tragédia das brutais mortes de Brandon e de Samuel.

- Grande lição de sedução que aprendeu, Chloe Boscastle - disse ele com suavidade - Recorde-me que mais adiante agradeça à Audrey.

Chloe nem sequer podia reunir as forças para lhe devolver o comentário zombeteiro. A escura paixão e o amor que via em seus olhos a deixaram paralisada. Sentia seu ardente olhar em todo seu ser.

Dominic não tinha escondido seu desejo, suas emoções e, inclusive agora, via-se reagindo ante ele de novo. Assim eram as coisas entre eles, assim seriam sempre. Um olhar de Dominic e estava perdida.

Era diferente de quando o tinha conhecido. Tinha mudado. Os dois

tinham mudado. Tinha arriscado sua vida por aquilo que acreditava e ela tinha arriscado sua reputação porque acreditava nele. Nessa noite, inclusive tinha podido notar a diferença como tinha feito amor. Era mais forte, mais seguro de si mesmo.

Jamais voltaria a ser o perfeito cavalheiro rendido às normas da sociedade; sempre haveria algo selvagem, algo rebelde nos dois.

Entretanto, Chloe só podia começar a acalmar sua inquieta natureza e os episódios de tristeza que a tinham assolado durante os últimos anos ao lado do Dominic. Mereciam-se a felicidade que os esperava.

- Obrigado, Chloe - disse, tranqüilamente, rodando a seu lado para olhá-la - Não a machuquei, não é verdade? Houve um momento que perdi o controle.

Ela suspirou de satisfação, apertando-se contra seu corpo como se pudesse ficar assim para sempre.

- Estou bem, Dominic. Vamos dormir aqui?

Ele a olhou com um sorriso pícaro. Seu corpo já voltava a ficar duro. Jamais poderia saciar-se dela e saber que, dentro de pouco, a teria a seu lado noite e dia, só conseguiu intensificar seu desejo. Quando as mãos de Chloe começaram a explorar seu corpo, conteve a respiração.

- Não vai dormir aqui, Chloe. Ao menos, esta noite.

Suas mãos deixaram sua missão provocadora.

- Por que não?

- Porque verá, minha querida tentadora, esta mesma manhã prometi a sua família que a protegeria e, até agora, acredito que não o fiz muito bem.

Pegou-lhe os quadris e estreitou os olhos azuis.

- De verdade me vai obrigar a partir?

A posse que transmitia sua carícia o acendeu de cima abaixo.

- Receio que sim.

- Agora mesmo?

Deixou-se cair nos travesseiros, em um gesto de deliberado convite, pondo a prova o poder que exercia sobre ele. Enquanto observava aquela pose tão insinuante, esticou a garganta e a olhou com os olhos estreitos. O desejo que sentia por ela inflamava-lhe os sentidos.

Que homem poderia resistir a aquela luxuriosa sensualidade?

Colocou-se em cima dela e começou a lhe beijar os seios, o trêmulo abdômen e os enredados cachos do sexo. Notou como ela resistia a essa nova invasão erguendo os quadris, mas ele se moveu mais depressa e, com uma mão, cravou-a contra o colchão. Com a outra mão, abriu-a completamente para ele, e soprou um pouco em cima da torcida cúpula. Ela estremeceu, incontrolada, agarrando-o pelos cabelos.

Aquela excitação o alegrava. Quando sua língua penetrou as sensíveis dobras de carne, ela emitiu o gemido mais doce que Dominic jamais tinha escutado.

Seu sabor e sua textura de mel lhe fizeram desejar mais. Afundou a cabeça entre suas coxas, lhe separando ainda mais as pernas e começou a lambê-la.

- Dominic - disse Chloe, com uma voz abafada, retorcendo-se sob a mão que a tinha cravada na cama.

Mordiscou-lhe com muito cuidado a ponta do clitóris, penetrando-a mais e mais com a língua. Chloe tinha se submetido e se deixou cair na cama, contra os travesseiros.

Seu corpo tremeu de prazer até o momento em que Dominic a fez chegar ao orgasmo e se convulsionou desenfreadamente contra seu rosto.

- Que Deus me ajude, Chloe - murmurou ele, apoiando a cabeça na cama. Se não a levasse logo a casa, sua família iria a sua porta, exigindo que a devolvesse sã e salva.

Ela se sentou, aturdida, despenteada e com os cachos negros empapados de suor ao redor do rosto.

- O que acaba de fazer?

Ele sorriu.

- Não gostou?

- O que você acha, diabrete?

Dominic se sentou, com a ereção dolorida.

- É uma sorte que tenha tanto trabalho atrasado porque, depois disto, não poderei dormir.

- De verdade vai levar me para casa? -perguntou ela.

- Acompanharei-a até a porta - se levantou-se para vestir a calça, a contra gosto - Se vista, Chloe.

- E se não quiser?

- Então, terei que agarrá-la e levá-la nos braços até sua casa tal como está e deixar que seus irmãos imaginem como vesti-la.

Chloe lhe jogou um travesseiro.

- Bonita maneira de recuperar a decência: passear nua pelas ruas de Londres.

Menos de uma hora depois, Dominic cumpriu sua promessa de levá-la a casa e Chloe ficou em pé, e completamente vestida, diante dele nas escadas da elegante mansão de Grayson. Acostumado já às situações que deixariam gelado a qualquer outro criado, o mordomo dos Boscastle nem sequer piscou.

E tampouco Heath, que saiu da biblioteca para dar as boas-vindas a sua irmã com um livro na mão.

- Ah, Chloe. A ovelha negra da família voltou para casa - olhou à figura na sombra que estava atrás dela como um guarda - Obrigado, Dominic.

Dominic assentiu, lendo nos olhos de Heath a aprovação por havê-

la trazido à casa.

- Sinto muito que estivesse preocupado por ela.

- Em realidade, não estava. Sabia que estava com você e que a

traria para casa. Fique um momento. Eu gostaria de falar com você de alguns assuntos em privado.

Chloe parecia indignada.

- Como sabia onde estava? Disse-lhe Jane?

- É claro que não foi Jane - disse a marquesa, da escada - Não a trairia nem sob tortura. O cocheiro já é outra coisa - acabou de descer até a porta da biblioteca com um roupão prateado e sapatilhas forradas de cor pérola.

- Chloe, como foi a visita a casa da tia Rosemary?

Ela sorriu enquanto passava junto a Heath.

- A pobre acabou esgotada com minha companhia. Teve que me rogar que partisse para poder descansar.

Dominic arregalou os olhos. A muito descarada estava rindo de sua virilidade diante de todo mundo. Como se Heath e Jane não tivessem nem ideia de quem era "a tia Rosemary" e o que tinha feito Chloe para esgotar daquela maneira a pobre mulher. Já lhe ensinaria ele esgotamento a próxima vez que a tivesse na cama.

Os olhos de Jane brilhavam, encantados.

- Suba e me conte sobre a visita. Lançou algum foguete Congreve?

Chloe riu.

- Ao menos, uma vez - disse, com picardia, enquanto subia as escadas com sua cunhada.

Dominic olhou para Heath, desconfiado.

- Essa frase significa o que temo que significa?

Heath tentou não rir.

- Terá que perguntar a Grayson.

- Já - Dominic meneou a cabeça - Do que queria falar comigo?

O sorriso de Heath desapareceu.

- Entre na biblioteca, Dominic. Aqui poderemos falar em privado.


***
Dominic estudou o aposento com um olhar. As paredes estavam cheias de estantes de madeira de palisandro esculpido com gradeados de latão que chegavam até o teto. O estucado dourado estava adornado com leões rampantes e amorim. Em cima da lareira havia um espelho circular dourado de estilo grego e, debaixo, um modesto fogo dançava na cavidade de mármore decorada.

Olhou o homem que tinha sentado em frente. Aquele aposento encaixava mais com o vigoroso marquês de Sedgecroft que com seu reservado e taciturno irmão.

- Suponho que tem algumas pergunta referentes a Brandon. Darei-te toda a informação que possa, mas temo que sei pouco mais do que já disse.

Heath não pareceu surpreso.

- Têm que responder muitas perguntas, sim, mas você não. Você já fez sua parte, Dominic, e devo admitir que com bastante eficácia.

Dominic ficou olhando o fogo.

- Às vezes, parecia estar possuído até o ponto de perder a prudência. Só podia pensar na vingança e em Chloe, claro, mas não era um bom momento para comentar.

- E com motivo - disse Heath - Mas às vezes, para que se faça justiça, necessita-se a um homem possuído com um objetivo.

- E aqui é onde intervirá você - adivinhou Dominic, referindo-se à relação de Heath com os serviços de inteligência britânicos. Ainda trabalhava para eles? Não perguntou, porque sabia que só receberia uma resposta evasiva. Seriamente sua parte estava finalizada? Isso esperava, porque queria viver o resto de sua vida em paz.

Heath encolheu os ombros.

- Não sei se participarei de uma investigação oficial. Pessoalmente, tenho algumas perguntas às quais procurarei resposta. Oficialmente, não sei se me necessitarão. Apesar do unido que estava a Brandon, não sei

se sua implicação nos trabalhos de espionagem foi tão perigosa.

Suponho que queria fazer-se valer sem a ajuda de sua família.

Dominic colocou a mão no bolso do colete.

- Agradeço-lhe que me enviasse a tradução que fez Chloe da carta codificada de Brandon.

- Eu gostaria muito de ver o original - disse Heath, estendendo o braço - É isso?

- Sim. Devo confessar que sou melhor com a espada que com os códigos.

- Felizmente para todos - disse Heath, com sinceridade, enquanto guardava a carta.

Dominic fez uma pausa.

- Onde supõe que estará a outra metade da mensagem? Terminava com um comentário que não augurava nada de bom. Quanto mais penso, mais vejo que o aviso poderia ter sido para qualquer de nós.

- Sim - disse Heath, muito sério.

- É impossível que Edgar o fizesse sozinho.

- Já. Agora é a parte mais complicada de solucionar. Pode ser que os homens que o ajudaram ainda estejam no exército. Um de meus superiores acredita que pode haver um soldado, um oficial de posto inferior, que poderia atestar que viu Edgar trocar informação com um espião francês em...

Heath se calou de repente quando viu que a porta que Dominic tinha a suas costas se abria. Era Grayson, que levava só a camisa, a calça e as botas, e uma garrafa de conhaque na mão. Parecia agradavelmente surpreso de ver os dois homens sozinhos na biblioteca.

- Desfrutando de uns momentos de paz, não? Parece-me muito bem, tendo em conta como as mulheres desta família dominam nossas vidas - olhou para Dominic - Algo que suspeito que você está começando a aprender.

- Sirva uma taça de conhaque a Dominic, Gray - disse Heath com um sorriso - Necessita uns momentos em companhia masculina para preparar-se para as semanas que o esperam.

- As semanas que me esperam? - Dominic aceitou a taça que o marquês tinha tirado do móvel chinês laqueado - Acaso há uma espécie de rito de iniciação à família que Chloe não me comentou?

Os dois irmãos estalaram a língua.

- Os preparativos do casamento - disse Grayson enquanto se sentava.

Aparentemente, Heath não bebia. Em lugar da taça, preferiu um charuto que tirou do bolso.

- Emma está no meio de seu planejamento até o mínimo detalhe.

Espero que não se importe.

- Deveria falar com Chloe - respondeu ele, sem pensar - Por mim, casaria-me com ela em meio de um prado - ficou um pouco envergonhado quando percebeu o que tinha confessado: que estava disposto ao que fosse para casar-se com Chloe.

Grayson não pareceu ofendido. Possivelmente estava tão apaixonado por sua intrigante Jane que podia entendê-lo. A reação de Heath era mais difícil de interpretar.

Não demonstrava suas emoções com facilidade.

- Infelizmente - disse Heath - quando Emma escutou que se tinha que organizar um casamento, a coisa deixou de ser algo no qual você ou Chloe tenham voz e voto.

Dominic ficou.

- Devo me assustar?

- Deveria desaparecer enquanto pudesse - lhe confessou Grayson.

- Falando de desaparecer - disse Heath enquanto acendia o charuto. - Onde demônios está Adrian? Há poucos dias soube que tinha retornado e agora voltou a desaparecer.

Com aquele comentário, Dominic percebeu o círculo tão fechado de homens que formavam a elite social. Todos tinham ido às mesmas escolas, aos mesmos acontecimentos sociais, aos mesmos batismos, bodas e funerais.

- Foi fazer as pazes com seu pai, e asseguro que será uma reunião interessante, tendo em conta que o velho duque esteve chamando de bastardo a seu filho durante anos. Prometeu-me que voltaria para o casamento.

- Deveríamos desaparecer todos - propôs, em brincadeira, Grayson

- Ir a caçar na Escócia e não voltar até uma hora antes da cerimônia.

- Pergunto-me qual dos dois me fará primeiro tio - disse Heath.

O sorriso de Grayson o delatou.

- Será... - riu Heath, baixando o charuto para o cinzeiro.

- Eu não disse nada - Grayson balançou a cabeça, muito sério -

Sou o que guarda os segredos familiares e o médico de Jane disse que ainda é muito cedo para termos certeza.

Quando Dominic se levantou para partir, surpreendeu-lhe ver que tinham passado duas horas. Pareceu-lhe estranhamente agradável ser aceito naquele clã tão fechado e que compartilhassem com ele as penas e as alegrias. Recordou os dois irmãos que tinha perdido. E o engraçado era que sentia que queria impressionar a esses homens, demonstrar-lhes valor. Não ia ser um libertino irresponsável toda sua vida, não com Chloe a seu lado. E agora, embora fosse por pouco tempo, até que voltasse com ele para sempre, estava em casa. Sã e salva até que chegasse ele.

- Boa noite aos dois.

- Espantamos você? - perguntou-lhe Heath.

- Não vai ser tão fácil. Mais - Dominic fez uma pausa quando chegou à porta - Bom, sei que não lhe deveria perguntar isso Grayson. E

temo qual será a resposta, mas, soa algo a frase: "Lançar foguetes

Congreve"?

Epílogo

Chloe estava se afogando em muita roupa feminina, já que o chão de seu quarto estava cheio de vestidos de passeio, xales, espartilhos e anáguas que lhe chegavam até a altura do joelho. Em algum lugar debaixo daquele excesso têxtil, tinha perdido o diário. Deus não queira que suas escandalosas confissões caíssem nas mãos errôneas justo quando ia converter se em uma senhora respeitável.

Era o dia antes de seu casamento e a modista acabava de partir depois de fazer um retoque de última hora no vestido, e tudo porque Emma, a deliciosa ditadora, tinha decretado que a renda da barra do corpo não estava reta.

- Por um cabelo - murmurou Chloe - Quem teria percebido?

E, no meio do furor do retoque, tinha perdido o diário com todos seus inconfessáveis segredos.

Jane apareceu na porta.

- Chloe, Dominic está embaixo. Vão ao parque uma hora?

- Para que quero ir ao parque? - murmurou ela. - Meu quarto já é uma autêntica selva. Poderíamos passear por aqui durante dias e não nos achariam.

Poderíamos...

Virou-se e viu que Jane já não estava ali; certamente, tinha ido abaixo com a Emma para preparar outro dos cruciais detalhes para a cerimônia do dia seguinte.

Ajoelhou-se e começou a procurar em um baú.

- Onde está? - sussurrou - Espero que enterrado em algum lugar onde ninguém exceto eu possa o achar.

- Grande visão para os olhos irritados - disse Dominic, com o cotovelo apoiado no batente da porta.

Chloe se levantou.

- Se Emma o achar aqui em cima, matará você.

- Enviou-me ela.

- Emma? Com certeza entendeu mal.

- Não - disse, com um brilho divertido nos olhos - Entrei por trás com o alfaiate de Grayson e seus ajudantes. Acredito que não me reconheceu.

Chloe

contemplou

sua

atraente

e

musculosa

figura,

impecavelmente vestida com uma jaqueta de abotoadura dobro e calças ajustadas. Levava o cabelo negro e curto penteado para trás, deixando espaçoso seu anguloso rosto. Aqueles endemoninhados olhos cinza sempre provocariam nela aquelas alterações em seus sinais vitais?

- Como pôde não o reconhecer?

Ele deu de ombros.

- Levava uma pilha de caixas nas mãos. Ia escondido atrás delas.

O que estava procurando pelo chão? Outro homem meio morto no baú?

- Se quer saber, estava procurando meu diário.

- Por quê?

- Por quê?

Dominic entrou no quarto e fechou a porta.

- Se quiser voltar a reescrevê-lo, eu poderia ajudá-la com o texto.

Chloe empalideceu.

- Espero que não signifique o que me temo que significa. Está com você?

- Claro que não, querida - lentamente, desenhou um sorriso - Mas lembro de cor algumas das entradas mais surpreendentes, se lhe servir.

- Mentiroso. É impossível que o tenha lido.

O estalo com a língua de Dominic a fez estremecer.

- Me deixe pensar. Ah, sim. "Meu maior defeito é minha incapacidade para ser recatada. Estou segura que nenhum homem irá querer casar-se comigo..."

Ela gritou.

- Você leu!

- Pareceu-me muito doce.

Doce. Chloe só podia dar graças a sua sorte de que não tivesse lido as últimas entradas, onde relatava a atração que sentia por ele.

- De verdade queria que a tomasse ali mesmo no dia da chuva? -

perguntou-lhe ele, abraçando-a.

Ela resistiu e ele a apertou ainda mais. A cálida força de seus braços a envolvia. A mão de Dominic subiu até a nuca para lhe mover a cabeça. Ela estremeceu de prazer e acelerou-se a respiração. Ao cabo de uns segundos, seria incapaz de recordar que estava zangada com ele por ter invadido sua intimidade.

Mordiscou-lhe a orelha.

- Está muito bem que não seja um homem decente.

- Por que subiu, Dominic? - perguntou ela.

- Queria lhe dar algo.

- O que? - disse, sem poder evitar.

Ele inclinou a cabeça, com os olhos cheios de amor e a beijou com uma posse tão intensa que Chloe se esqueceu do diário desaparecido.

Estava zangada com ele?

Não importava. O que importava era que aquele era o homem a quem prometeria seu coração cada manhã.

Apoiou a cabeça em seu ombro e escutou as vozes que vinham do corredor. Jamais se havia sentido mais segura, mais em paz consigo mesma em toda sua vida.

- O casamento deveria ser um evento tranqüilo - disse Emma, mais esperançosa que convencida.

- Nesta família? - Jane riu - Espero que não aposte nada.

- Morreria - disse Emma - Todas minhas velhas amizades voltaram para a cidade para a ocasião. Chloe parece um anjo com esse vestido.

Dominic é muito atraente e estão apaixonados. O banquete promete ser divino e o bolo é perfeito - fez uma pausa para respirar, como se a criada lhe tivesse apertado o espartilho um pouco mais da conta - O que poderia sair mal?

Dominic olhou para Chloe e sorriu.

- Para nós, nada - lhe prometeu - Poderia levar um vestido feito com sacos. O banquete poderia ser pó e cinzas e o bolo poderia cair antes inclusive de cortá-lo.

Mas nada disso mudaria o mais importante. A partir de agora, tudo vai sairia bem.

Era tão diferente à primeira vez que se viram, quando tinha a energia vital contida e o coração invadido pela vingança. Seguia sendo seu sombrio e comovedor Dominic, o homem com quem passaria o resto de sua vida, embora já não vivesse atormentado. Sorriu-lhe e tomou a mão.

- Tudo saiu bem desde que a conheci.

 

 

                                                   Jillian Hunter         

 

 

 

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