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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Midnight Breed
Midnight Breed

                                                                                                                                              

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 25

Nikolai sentou-se dentro do abrigo feito de videiras e assistiu a um único raio de luz atravessar as folhas e iluminar os cabelos escuros de Renata enquanto ela dormia. A luz ultravioleta era tóxica para sua espécie – letal após meia hora de exposição contínua - mas ele não resistiu ao desejo de deixar aquele raio de luz entrar pelo pequeno buraco na vegetação. Nos últimos minutos, ele tinha permanecido sentado junto de Renata observando-a, admirando-a, muito intrigado com a forma como a luz cobria-lhe os cabelos de ébano, penetrandolhe os fios de seda e colorindo-os com uma dúzia de tons diferentes: cobre, bronze e vermelho.

Que diabos havia de errado com ele?

Ele estava sentado lá, olhando os cabelos de Renata, pelo amor de Deus! Não apenas olhando, mas olhando-os com total fascinação. Para Niko, isso indicava uma de duas coisas preocupantes: ele devia considerar muito seriamente ter algumas aulas com o famoso cabeleireiro inglês Vidal Sassoon ou estava completamente perdido de amor por aquela mulher.

Perdido tanto quanto no passado, eternamente tomado por outra pessoa. Em algum lugar, de algum jeito, ele se deixou apaixonar por ela.

Isso explicava o porquê de ele não conseguir manter as mãos - e outras partes maiores e mais pulsantes de seu corpo - longe dela. Explicava também o motivo pelo qual tinha passado toda a noite – com exceção da ida rápida à casa de Yakut antes do amanhecer – deitado junto de Renata, sustentando-a em seus braços fortes.

E, se ele precisava de alguma explicação do motivo de seu peito ter ficado tão apertado e tão pesado quando ela começou a chorar na noite anterior, ou por que havia se sentido obrigado a compartilhar com ela seu sentimento de culpa pela perda de Dimitri há tantos anos, ele supôs que estar apaixonado faria sentido.

Por mais que tentasse convencê-la de que ela estava a salvo com ele, Nikolai se sentia a salvo com ela também. Confiava nela plenamente. Mataria para protegê-la, morreria por ela sem hesitar nem por um segundo. Ela podia não fazer parte de sua vida há muito tempo, mas ele já não se imaginava sem ela.

Ah! Merda. Ele realmente tinha se apaixonado por Renata.

- Mas... que... maravilha! - murmurou, fazendo uma careta quando ela se agitou por causa do som de sua voz.

Ela abriu os olhos e sorriu quando o viu sentado ali.

- Olá!

- Bom dia - disse, casualmente alcançando um ramo de videira para fechar o abrigo e deixar do lado de fora os resquícios do raio de sol.

Ele achou o espreguiçar felino dela mais fascinante ainda do que os cabelos. Estava usando a mesma camisa de algodão da noite anterior, a metade dos botões espalhados pelo chão do abrigo natural. A grande camisa estava aberta da metade para baixo, mal cobrindo a nudez de sua fenda. Por ele, sem problemas.

- Como se sente?

Ela pareceu refletir por um segundo, depois olhou para ele com a testa franzida.

- Sinto-me realmente bem. Quero dizer, ontem à noite foi... - ruborizou, uma doce cor rosada preencheu-lhe as bochechas. - Ontem à noite foi incrível, mas pensei que ficaria fora de combate por causa da reverberação. Não entendo... nunca aconteceu nada assim. Quero dizer, tive um pouquinho de dor, mas pelo ataque na casa de Jack, eu devia estar agonizando a noite toda.

- Isso nunca aconteceu antes?

Ela sacudiu sua cabeça.

- Nunca. Cada vez que usava minha habilidade, o efeito retornava.

- Mas ontem à noite não.

- Não, ontem à noite não - ela disse. - Nunca me senti melhor.

Niko talvez pudesse ter feito uma brincadeira sobre os efeitos milagrosos de suas proezas sexuais, mas ele sabia que era um tipo de magia o que fizera Renata suportar o efeito da reverberação.

- Você bebeu de meu sangue ontem. Essa foi a diferença.

- Você acha que seu sangue ajudou não apenas a curar meu ombro, mas também com as reverberações? É possível?

- É definitivamente uma possibilidade. Uma Companheira de Raça que bebe regularmente o sangue de um vampiro se torna muito mais forte do que seria sem ele. O envelhecimento desacelera até ao passo de tartaruga. As células do corpo, os músculos e todo o metabolismo atinge um estado físico visivelmente saudável. E, sim, muitas vezes o sangue de um companheiro também tem impacto na habilidade psíquica das fêmeas.

- Por isso Sergei nunca me deixou beber dele - Renata disse, sua mente veloz para chegar à mesma conclusão a que Niko havia chegado. – Ele não fazia segredo de que gostava que meu poder fosse limitado. Nas vezes que tentei golpeá-lo, nunca pude manter a rajada o tempo suficiente para derrubá-lo. E, no final, o esforço sempre me custava caro demais quando retornava.

- Sergei Yakut era Primeira Geração - Niko recordou. – O sangue dele em seu sistema poderia torná-la praticamente invencível.

Renata zombou em voz baixa.

- Só um grilhão a mais para mim. Ele devia saber que eu o mataria se tivesse a menor esperança de êxito–ficou em silêncio durante um minuto, com os braços cruzados. Depois, arrancou uma fibra de erva do chão do abrigo improvisado. - Tentei matá-lo... no dia em que Mira e eu fugimos juntas. Naquele dia, ele queimou minhas costas com ferro quente. Fez outras coisas também.

Nikolai não tinha que perguntar mais sobre o que ela tinha sofrido. As cicatrizes das queimaduras em suas costas eram atrozes, mas pensar no castigo de Yakut era pior... O sangue de Niko fervia de indignação. O guerreiro, então, colocou a mão sobre a mão dela.

- Sinto muito, Renata.

Ela lançou um firme olhar que não procurava simpatia.

- Sua misericórdia foi a de não ter forçado Mira a assistir tudo o que me fez. Mas Sergei me disse que se ela ou eu tentássemos escapar outra vez, Mira pagaria da mesma forma que eu. Prometeu que seria pior para ela, e eu sabia que ele estava falando sério... Então, fiquei quieta. Eu o obedecia e a cada hora de cada dia rezava por um milagre que eliminasse Sergei Yakut de minha vida - parou, acariciando-lhe o rosto masculino. – E então você chegou e tudo mudou. Suponho que em muitos sentidos, você é meu milagre.

Nikolai segurou-lhe a mão e depositou um beijo no centro de sua palma.

- Ambos somos afortunados.

- Alegra-me que Sergei esteja morto - confessou ela, brandamente.

- Ele devia ter sofrido mais - disse Niko, sem tentar ocultar o tom obscuro de sua voz grossa. - Mas já morreu. E é o que importa.

Renata assentiu.

- E agora Lex também está morto. Os guardas de Yakut... Todos eles estão mortos.

- A essa hora da manhã, ele e os outros na propriedade não passam de um monte de cinzas - Niko disse ao esticar-se para colocar os cabelos negros e brilhantes de Renata atrás da orelha. - Depois que você dormiu ontem à noite, eu retornei lá e abri todas as persianas para que a luz do sol entrasse. Também liguei para Boston para dar os números que estavam no celular de Lex. Gideon entrará em contato quando tiver feito o rastreamento para nos dar os detalhes.

Outro assentimento, sua voz suave tinha um tom de esperança.

- Está bem.

- Enquanto estava lá, trouxe algo que pensei que pudesse precisar.

Inclinou-se para o monte de armas e outros instrumentos que havia recolhido e pegou o pacote de seda e veludo que pertencia a Renata.

- Minhas adagas! - ela disse, seu rosto iluminando-se de alegria quando pegou o pacote nas mãos. Desatou o laço que prendia as armas e desenrolou todo o veludo que cobria as quatro adagas com gravuras personalizadas. - Jack me deu isso...

- Eu sei. Ele me disse que as havia feito para você como um presente. Disse-me que não estava certo de que você as tivesse guardado.

- Elas são muito importantes para mim - murmurou, seguindo o lavrado do punho com a ponta do dedo.

- Eu disse que você ainda as tinha e ele alegrou-se ao escutar quanto elas significam para você.

O olhar cheio de gratidão de Renata banhou o macho da Raça.

- Nikolai... Obrigada por fazer isso pelo Jack. E por me devolver essas adagas. Obrigada mesmo.

Ela se aproximou dele e o beijou. A suave pressão de seus lábios foi algo profundo. Nikolai segurou-lhe o rosto entre as mãos, acariciando-lhe a mandíbula com os polegares grandes, percorrendo o delicado ângulo das maçãs do rosto. Ela abriu a boca enquanto a língua dele percorria a abertura úmida de seus lábios e soltou um doce gemidinho quando ele entrou dentro dela.

As presas dele se estenderam pontudas pela luxúria que corria nele como lava. Entre as pernas, seu sexo era já uma coluna de granito, aceso imediatamente diante da ideia de ter Renata debaixo de si. Quando a mão dela escorregou para baixo, ultrapassando a cintura da calça para tocá-lo, seu membro ereto e ávido saltou, crescendo mais e mais sob o calor da palma da mão de Renata enquanto ela o acariciava.

- Que horas são? – murmurou ela contra a boca febril dele.

Ele grunhiu, muito absorto em suas deliciosas carícias para processar imediatamente aquela pergunta. Através de sua respiração entrecortada, conseguiu responder.

- É cedo. Provavelmente por volta das nove.

- Bem, caramba, acho que é muito cedo - ela murmurou, separando sua boca da dele e deixando um rastro de beijos ao longo da garganta e do pomo-de-adão. - Não pode sair na luz do sol, não é mesmo?

- Não.

- Humm – os lábios úmidos dela desceram sobre o peito nu e suado dele. Ele recostou-se sobre os cotovelos enquanto ela seguia o contorno dos glifos com a ponta rosada de sua língua sapeca, percorrendo os arcos e redemoinhos ao redor de seus mamilos e através do seu tórax. Quando falou, sua voz vibrou em todos os ossos de Niko:

- Então, suponho que isso significa que estamos presos aqui por um tempo, não é?

- Sim. - A palavra saiu ofegante. O beijo dela viajou devagar para baixo, além do umbigo do macho da Raça, seguindo as linhas dos dermoglifos, em direção à parte do corpo dele que palpitava pela necessidade de sentir os lábios úmidos e quentes dela apertando-se ao seu redor. - Suponho que estamos presos aqui até de noite.

- Hum hum.

Ela prendeu o cordão das calças dele entre os dentes e deu um forte puxão. O nó caiu solto e então ela baixou as calças o suficiente para fazer a cabeça enorme do membro dele despontar ansiosa. Ela o lambeu, observando o rosto de Niko enquanto desenhava redemoinhos com a língua diabólica ao redor da carne e sugava uma gota do fluido viscoso que brotava ali.

- Ah!

- Então... - ela murmurou, seu fôlego flutuando através da pele umedecida pelo suor dele, atormentando-o ainda mais. - O que vamos fazer aqui o dia todo enquanto esperamos a noite chegar?

Niko riu.

- Querida, posso pensar em umas cem coisas que eu gostaria de fazer contigo.

Ela sorriu desafiante.

- Apenas cem?

Antes que ele pudesse lhe dar uma resposta inteligente, ela envolveu o pênis dele com os lábios e o tomou profundamente dentro da boca. E enquanto o corpo de Niko explodia de prazer, ele se viu rezando para que o tempo e os dias a sós com aquela incrível mulher – sua mulher – pudessem se estender para sempre.


Capítulo 26

Renata caminhou para a porta de trás da propriedade de Yakut e parou na soleira. Ela havia deixado Nikolai no refúgio de videiras quando decidiu que sua necessidade de um banho, de uma ducha quente e de roupas limpas que realmente coubessem nela eram maiores do que sua resistência em jamais colocar novamente os pés na casa de Sergei Yakut.

Agora ela duvidava. No início da tarde, o sol era uma presença alentadora, mas no lado de dentro a propriedade era escura e fria. Sombras caíam sobre a mobília desarrumada e estendiam-se pelas tábuas rudes do chão. Renata avançou e caminhou para o lugar onde Lex havia caído.

O corpo dele havia desaparecido, assim como o sangue. Nada além de um pequeno rastro de cinzas deixado para trás – como Nikolai prometera. As persianas sobre a janela da sala estavam totalmente abertas, mas o sol já havia passado. Uma fresca brisa carregava o aroma de pinheiro e o ar fresco do bosque para a umidade calma do lugar. Renata respirou profundamente, enchendo os pulmões, deixando a fragrância de um novo dia expurgar as lembranças de toda aquela morte, aquele sangue e aquela violência que tinham coberto o lugar na noite anterior.

Hoje, sob aquela nova luz, muitas coisas pareciam diferentes para ela.

Ela mesma parecia diferente. E sabia a razão. Estava apaixonada.

Pela primeira vez em muito tempo (talvez em toda a sua vida), Renata verdadeiramente sentia a esperança acomodada em seu coração, uma esperança de que o futuro lhe reservava algo além da mera sobrevivência, que ela poderia em algum momento medir a felicidade em anos e não apenas em momentos raros e fugidios. Estar com Nikolai, fosse em seus braços ou ao seu lado, fazia Renata acreditar que muitas coisas eram possíveis.

Ela caminhou pela grande sala, apoiando-se no fato de que aquela seria a última vez que precisaria ver aquele lugar. Aquilo era um adeus.

Quando ela e Nikolai saíssem dali para continuar a busca por Mira, aquele albergue, aquele terrível celeiro, aquele canil na parte de trás da construção, Sergei Yakut, Lex e todos os outros que marcaram os últimos dois anos de sua vida seriam apenas lembranças. Ela deixaria tudo ali, e o terror e a dor seriam, de alguma forma, banidos de seu futuro.

Aquela parte de sua vida havia terminado.

Ela entrou no pequeno banheiro que havia compartilhado com Mira, em paz consigo e com tudo ao seu redor enquanto ligava a água quente da ducha. Quando o vapor úmido começou a sair pela cortina, ela desabotoou uns poucos botões da camisa emprestada de Jack e ficou ali por um momento, parada, nua, contemplando seu futuro com olhos renovados. Não sabia o que a esperava uma vez que a noite caísse e uma nova jornada começasse, mas estava disposta a enfrentar o que quer que fosse.

Com Nikolai ao seu lado – com a esperança e o ardente amor tão resplandecente quanto uma chama em seu coração –, Renata estava preparada para enfrentar tudo.

Como um cavalheiro destinado a uma batalha que procura uma bênção, Renata deu um passo debaixo da água quente da ducha. Fechou os olhos em uma solene oração enquanto a reconfortante água caía-lhe sobre o corpo nu.

Nikolai permanecia no abrigo de videiras enquanto os passos de Renata se aproximavam.

- Toc, toc - ela o chamou através das folhas. – Estou entrando, então cuidado com a luz do dia. Eu não gostaria que você torrasse por mim.

Ela afastou algumas folhas verdes e avançou, pronunciando uma rápida desculpa quando notou que ele tinha o telefone celular de Lex no ouvido. Niko havia ligado para a Ordem pouco depois que ela fora tomar banho. As notícias de Boston eram uma mistura de boas e más, além de uma dose extra de sérios problemas.

As boas? Um dos números no telefone de Lex era, de fato, de Edgar Fabien. Sem muito esforço, Gideon havia sido capaz de rastrear os registros da base de dados de identificação internacional de Fabien. Agora, a Ordem tinha os endereços da residência do líder do Refúgio de Montreal, sua casa no interior e todos os dados de todas as outras propriedades privadas, tanto de negócios como pessoais. Gideon tinha acesso aos números de telefone celular de Fabien, carteira de motorista, arquivos do computador e até mesmo da vigilância eletrônica do Refúgio do maldito filho da mãe.

E era nesse ponto que começavam as más notícias.

Edgar Fabien não estava em casa. Gideon havia interceptado o sinal de um canal de vídeo mais cedo naquela noite e visto um grupo de sete machos da Raça – um deles provavelmente era Fabien – deixando o Refúgio em companhia de uma escolta armada da Agência de Execução. Era difícil dizer quem eram os visitantes de Fabien, já que todos pareciam iguais em ternos sob medida e com os rostos completamente ocultos por capuzes pretos.

Quanto à dose extra de sérios problemas, o grupo de vampiros havia saído com uma menina. Uma jovem que evidentemente não os havia seguido tranquilamente. A descrição de Gideon da criança loira não deixava dúvida de que se tratava de Mira.

- Ainda está me ouvindo? - Gideon perguntou do outro lado da linha.

- Sim, continuo aqui.

- Lucan quer que Fabien seja trazido a Boston para um interrogatório. Isso significa que precisamos dele vivo, cara.

Niko soltou uma maldição.

- Primeiro, temos de encontrar esse filho da puta.

- Sim, estou trabalhando nisso. Rastreei o GPS do telefone celular de Fabien. Consegui um sinal de um lugar a aproximadamente uma hora ao norte da propriedade de Yakut. Uma das propriedades de Edgar Fabien. Ele deve estar lá.

- Tem certeza?

- Tanta que já enviamos reforços. Tegan, Rio, Brock e Kade estão a caminho para encontrar-se com você enquanto falamos.

- Reforços a caminho? - perguntou Niko, olhando uma parte de luz ultravioleta que aparecia através das folhas do refúgio. A Ordem tinha trajes de proteção solar para situações de emergência, mas até mesmo uma geração antiga de vampiros vestidos dos pés à cabeça com trajes protetores de raios ultravioletas seria incapaz de resistir à luz solar golpeando no assento do motorista em uma viagem de quase sete horas. - Jesus! Não pode estar falando a sério. Quem teve essa ideia?

Gideon riu.

- As fêmeas teimosas, meu caro. Não sei se você notou, mas fomos invadidos por elas nos últimos tempos.

- Sim, notei.

Niko não pôde deixar de lançar um olhar para Renata, que estava verificando algumas das armas que tinham recolhido de Lex e dos outros.

- Qual é a situação, então?

- Dylan está levando os caras em uma Rover e Elise está montando guarda. Devem chegar aí por volta das nove, exatamente depois do pôr do sol. Como Fabien tem vários sócios desconhecidos com ele, vamos precisar entrar e sair de lá com cuidado, sem vítimas desnecessárias - Gideon fez uma pausa. - Escuta, sei que você está preocupado com a menina. A segurança dela é importante, sem dúvida, mas isso é grande, Niko. Se Fabien pode nos levar a Dragos, temos que nos assegurar de capturá-lo esta noite. Essa é a missão número 1, ordenada diretamente por Lucan.

- Sim - disse Nikolai. Ele sabia qual era a missão. Também sabia que não podia decepcionar Renata ou Mira. – Inferno... Certo, Gideon, eu entendi.

- Ligarei se Fabien se mover entre agora e o pôr do sol. Enquanto isso, estou trabalhando em um ponto de encontro para que você se junte aos outros esta noite e ponha em ação um plano de infiltração. Devo ter algo em uma hora ou duas. Ligarei depois.

- Certo. Até depois.

Nikolai desligou o telefone e o colocou junto de si.

- Gideon conseguiu algo daqueles números telefônicos? - perguntou Renata, olhando-o cuidadosamente. - Temos alguma pista do Refúgio de Fabien?

Niko assentiu.

- Temos o endereço.

- Graças a Deus - ela suspirou. O alívio cedeu espaço rapidamente à determinação, tão feroz como Niko nunca havia visto nela. - Onde está ele? No Refúgio na cidade ou em alguma parte nos subúrbios? Eu poderia ir lá agora mesmo e analisar o terreno. Santo Deus, da forma como me sinto – sem dor, meu ombro melhorando – talvez eu devesse bater na porta e golpeá-lo com uma explosão de...

- Renata - Niko pôs a mão grande sobre a dela e sacudiu a cabeça. - Fabien está indo para algum lugar. Não está mais na cidade.

- Então onde?

Ele poderia contar sobre o sinal do GPS que Gideon estava rastreando. Poderia dizer que Fabien tinha Mira em sua custódia e que a menina estava provavelmente uma hora ao norte de onde eles estavam sentados agora. Mas Niko também sabia que se dissesse isso a Renata – se desse o mínimo de certeza sobre o paradeiro da menina que tanto significava para ela –, ele não poderia impedi-la de sair por conta própria naquele exato momento para encontrá-la.

A promessa de Niko à Ordem era seu dever – sua honra –, mas e Renata? Ela era seu coração. Ele não podia pôr em perigo a missão de seus irmãos, mas também não podia permitir que aquela mulher que ele amava partisse precipitadamente sozinha, rumo ao perigo. O pensamento dele era pré-histórico, talvez, especialmente por ter em conta que Renata era uma mulher que sabia como dirigir a si quase em qualquer situação. Era bem treinada, capaz, definitivamente valente, mas... inferno, ela significava muito para que corresse esse tipo de risco. Aquela não era uma opção.

- Estamos esperando uma localização sólida de onde está Fabien – ele disse, a mentira amarga sobre sua língua, independentemente das boas intenções. - Enquanto isso, a Ordem está enviando reforços. Nós vamos nos juntar a eles esta noite.

Renata escutou, claramente confiando nele e em sua palavra.

- A Ordem tem alguma ideia se Mira está com Fabien em qualquer lugar que ele esteja?

- Estamos trabalhando nisso - Nikolai achou difícil sustentar o olhar verde-claro sem pestanejar. - Quando encontrarmos Fabien, encontraremos Mira. Ela vai estar bem. Prometi isso, lembra?

Quando pensou que ela só assentiria com a cabeça e afastaria o olhar, Renata estendeu a mão para apanhar o rosto dele.

- Obrigada... por estar aqui para me apoiar em tudo isto. Não sei como serei capaz de pagá-lo, Nikolai.

Ele ergueu a mão dela entre as suas e deu-lhe um beijo. Diria algo singelo, uma das brincadeiras sem sentido habituais que tão frequentemente usava quando as emoções ao seu redor eram muito reais ou cheias de honestidade. Tinha suas cartas sob a manga: desviar com humor, desarmar com indiferença, atacar e correr como o inferno à primeira indicação de sua própria vulnerabilidade. Mas todas aquelas velhas e confiáveis armas que ele havia aperfeiçoado falhavam agora.

Acariciou com o dedo polegar o dorso da mão de Renata e se deixou perder no refúgio verde de seus olhos.

- Não sou muito bom nisso - murmurou ele. - Quero dizer algo... inferno. Provavelmente eu vou encher sua paciência, mas quero que você saiba que me preocupo com você. Preocupo-me... pra caramba, Renata.

Ela o olhou fixamente, permanecendo tão imóvel e silenciosa que nem sequer estava seguro de que ela estivesse respirando.

- Eu me preocupo - soltou, frustrado consigo pela estupidez das palavras que queria que fossem perfeitas para ela. - Não sei como aconteceu, ou mesmo o que significará para você, se vai significar. Mas preciso dizer porque isso é real. É real, e eu nunca me senti dessa maneira antes. Com ninguém.

A boca de Renata suavizou em um pequeno sorriso enquanto ele divagava com estupidez, tentando encontrar uma maneira de dizer a profundidade do que havia em seu coração de macho da Raça. Tentava e falhava miseravelmente.

- O que estou querendo dizer é que... - sacudiu a cabeça, sentindo-se uma porcaria, mas o suave toque de Renata em seu rosto o tranquilizou. O claro olhar dela trouxe Niko de volta, direto e centrado, conectando-o com a Terra. - O que estou querendo dizer é que estou apaixonado por você... Realmente apaixonado. Não estava esperando que isso acontecesse. Não pensei que alguma vez eu fosse querer isso, mas... Ah! Renata, quando olho dentro de seus olhos, só consigo pensar em uma coisa: para sempre.

Ela exalou devagar e seu pequeno sorriso se estendeu em radiante alegria. Niko passou as mãos na pele suave e macia dela, e pelos cabelos úmidos.

- Estou apaixonado por você, Renata. Sei que não sou um poeta... Caramba, nem sequer chego perto disso. Não tenho todas aquelas palavras bonitas que queria poder dizer... Mas quero que saiba que o que sinto por você é real. Eu te amo.

Ela riu brandamente.

- O que faz você pensar que quero poesia ou palavras finas? Você acabou de dizer exatamente o que queria ouvir, Nikolai–ela deslizou sua mão pela parte de trás do pescoço largo dele e o puxou para um longo e apaixonado beijo. - Também te amo, Nikolai - sussurrou contra sua boca. - Assusta-me admitir isso, mas é assim. Eu te amo, Nikolai.

Ele a beijou e a abraçou, desejando nunca ter de se afastar dela. Mas o cair da noite logo chegaria e ainda havia uma coisa que ele precisava fazer.

- Tem que fazer uma coisa por mim.

Renata se acomodou contra ele.

- Qualquer coisa.

- Não sei o que vai acontecer esta noite, mas preciso saber que vai estar tão forte quanto possível. Quero que tome mais de meu sangue.

Ela se soltou de seu abraço e arqueou uma sobrancelha para ele.

- Tem certeza de que não está só tentando entrar no meio das minhas pernas de novo?

Niko riu, uma sacudida de calor formando redemoinhos diretamente em sua virilha apenas diante daquela ideia.

- Eu não rejeitaria o convite. Mas falo sério... Quero que beba de mim de novo. Faria isso por mim?

- Sim, é obvio.

Ele afastou uma mecha escura da testa dela.

- Há uma coisa mais, Renata. Quando formos atrás de Fabien esta noite, eu morreria se algo... Bem, simplesmente não posso me arriscar a ficar separado de você, vou precisar saber que você está bem todo o tempo, ou minha concentração vai para o inferno. Preciso ter uma ligação com você. Sei como se sentia com Yakut usando seu sangue como um grilhão para você, e prometo que isso não é o que...

- Sim, Nikolai – ela disse, interrompendo-o com um movimento suave de seus dedos sobre sua boca. – Sim... Pode beber de mim.

A maldição dele como resposta foi um sinal de alívio.

- É para sempre - recordou firmemente. - Precisa entender isso. Se eu beber de você, não poderemos desfazer esse vínculo nunca mais.

- Entendo - ela disse sem vacilação. Aproximou-se e beijou-o, longa e profundamente. - Entendo que o vínculo é para sempre... E continuo dizendo que sim.

Niko gemeu. O fogo iluminou-lhe as veias. Suas presas se alongaram e seu pênis se elevou em atenção imediata, tudo nele ansioso por reclamar Renata como sua. Ele a beijou, o coração golpeando fortemente contra seu tórax forte quando ela passou a língua por seus lábios para brincar com as pontas afiadas de suas presas.

- Quero que você fique nua para isso - disse ele, incapaz de conter o tom autoritário que se mostrava em sua voz. Ele era parte humano, mas havia outra parte dele – uma parte mais selvagem e muito, muito mais sexy – que era menos paciente do que gostaria.

Niko olhou com olhos flamejantes de âmbar como Renata o obedecia rapidamente, despojando-se de sua roupa e estendendo-se sobre o chão de grama do refúgio, suas coxas deixando-se entreabrir para ele sem um pingo de inibição.

- Ah! Sim... - Niko grunhiu. - Assim é muito melhor.

Ele estava completamente tomado pela necessidade de tê-la. Arrancando sua própria roupa e deixando-a de lado, subiu sobre os quadris dela e a montou. Empurrou o membro duro como uma rocha enquanto ela o acariciava, torturando-o. E ele manteve o olhar nela enquanto levava seu pulso até a boca e mordia a própria carne.

- Deixe-me provar de você de novo – ela disse, subindo até encontrar a veia enquanto ele levava as perfurações até sua boca. Gotas carmesim salpicaram até cair sobre os seios dela, tão vívidas contra sua cremosa pele. Ela gemeu, fechando os olhos enquanto sugava-o, saboreando-o.

Niko a olhava beber, observando seu corpo começar a retorcer-se pela excitação. Com sua mão livre, ele a acariciou, incapaz de resistir a passar seus dedos pelo sangue que havia derramado sobre ela. A visão de seu sangue marcando a pele dela era tão erótica como nada tinha sido antes. Seu toque atrevido foi mais abaixo, à fenda aberta que estava tão preparada para ele. As coxas dela apertaram-lhe o pulso, sustentando-o contra si enquanto o primeiro orgasmo disparou através do corpo dela.

Niko grunhiu de pura adoração masculina enquanto alimentava sua fêmea e a sentia clamar por ele. Ele a deixou beber durante vários minutos até seu corpo arder de novo sob ele.

Ele também estava ardendo.

Suavemente, tirou o pulso de sua boca e fechou as perfurações com uma lambida. Renata ainda estava arqueando e retorcendo-se, ainda gemendo por ele, enquanto ele se ajeitava sobre ela e a penetrava, as unhas dela marcando seus ombros largos em uma dor deliciosa.

Nikolai fez amor tão devagar quanto pôde – tão devagar quanto a febre de seu corpo permitia. Ela gozou de novo, retorcendo-se e extraindo dele uma furiosa liberação. Mas isso praticamente não diminuiu as investidas. Ele ainda estava duro dentro dela, ainda faminto por aquela mulher... sua mulher.

Com a mão tremendo, Nikolai acariciou os pontos escuros já fechados de um lado da bela garganta de Renata.

- Tem certeza? - perguntou, sua voz apenas reconhecível para ele mesmo, estava tão seco e desesperado. – Renata... Quero que você tenha certeza.

- Sim - ela arqueou o corpo, confirmando com um empurrão, seu constante olhar suplicante. - Sim.

Com um grunhido selvagem enroscando-se em sua garganta, Nikolai expôs as presas e desceu sobre ela.

O doce sabor do sangue de Renata surgiu em sua boca caindo como um pontapé no estômago. Ah! Agora sabia. Quantas vezes havia especulado com os outros guerreiros a respeito de estar emparelhado e encontrar uma fêmea que os impressionaria? Facilmente centenas de vezes. Milhares, talvez.

Que ingênuo ele tinha sido.

Agora ele sabia. Renata o tinha, mesmo antes de ele a morder. Ele estava de joelhos diante daquela mulher, e ficaria ali com prazer pelo resto de sua vida.

Niko bebeu mais, afogando-se no prazer do vínculo que havia criado através da união de sangue e do ritmo exagerado de seus corpos nus, unidos. Seus dentes ainda estavam cravados na pele dela enquanto ele tomava o último gole e gozava de novo, dessa vez mais forte, uma descarga assombrosa que o golpeou como um trem descarrilhado. Agarrou-se nela, estremecendo com intensa satisfação. Embora pudesse beber de sua veia durante toda a noite, Nikolai se obrigou a se afastar, selando as feridas com uma tenra lambida de sua língua.

Ele ficou observando-a, seu olhar iluminando a pele dela.

- Eu te amo – ofegou, necessitando que ela o escutasse e que acreditasse nisso. Queria que ela se lembrasse disso depois dessa noite, depois que conseguissem localizar Fabien no norte e que ele lhe explicasse por que havia precisado mentir. Beijou seu queixo, sua bochecha, sua testa. – Amo você, Renata.

Ela sorriu sonolenta.

- Mmmm... Eu realmente gosto de como isso soa.

- Então terei que assegurar que ouça muitas e muitas vezes.

- Certo - murmurou ela, seus dedos brincando com os cabelos dele, empapados de suor sobre a nuca. - Foi incrível, a propósito. Sempre vai ser bom assim?

Ele gemeu.

- Tenho a sensação de que pode melhorar.

Ela riu, e a vibração fez despertar de novo seu sexo.

- Se continuar assim, terei que voltar e tomar outra ducha.

Ele fez um movimento sexy e poderoso com sua pélvis, encaminhando sua ereção mais profundamente.

- Ah, posso continuar. Não se preocupe, isso nunca vai ser um problema quando você estiver por perto.

- Melhor tomar cuidado, ou posso obrigá-lo a isso.

Niko riu apesar de seu pesado humor.

- Coração, pode me obrigar a tudo que quiser.

Ele a beijou novamente. E grunhiu de prazer quando ela envolveu as pernas ao redor dele e o fez girar de costas para começar uma lenta e nova cavalgada.


Capítulo 27

Houve uma época para Andreas Reichen, há quase 300 anos, quando a morte caía sobre ele como um dilúvio. Um tempo quando uma desatinada onda brutal de massacre tinha visitado seu pacífico domínio.

Naquele tempo, no verão úmido de 1809, uma manada de vampiros Renegados tinha forçado sua entrada nesse mesmo Refúgio, violando e matando vários de seus familiares. O ataque tinha sido ao acaso, a mansão e seus residentes apenas tiveram o azar de estar no caminho de um grupo de Renegados viciados em sangue. Tinham forçado sua entrada além das portas desprotegidas e janelas, alimentando-se e matando muitos inocentes... E, apesar de tudo, houve sobreviventes. Os Renegados tinham espalhado horror e passado como a peste que eram, mas finalmente foram caçados e destruídos por um membro da Ordem que tinha vindo ajudar Reichen.

A matança fora insuportável, mas não tinha sido completa.

O que Reichen enfrentou em sua volta para casa naquela noite tinha sido um ataque calculado. Não uma entrada pela força bruta, mas por meio da traição. Um inimigo bem-vindo como um amigo. E o massacre ocorrido - provavelmente nas primeiras horas da manhã, justo antes da saída do sol - tinha sido uma aniquilação total.

Ninguém tinha se salvado.

Nem sequer a alma mais jovem na residência.

Com um terrível silêncio que impregnava o ar como uma enfermidade, Reichen caminhou através do sangue e da destruição como um dos mortos. Seus passos seguiram a pista de manchas pegajosas escarlates no mármore do vestíbulo e da sala, além de seu jovem sobrinho, que estava tão contente ao convidar Reichen para padrinho de seu filho recém-nascido. O novo pai ruivo estendido na porta tinha sido o primeiro a morrer, Reichen adivinhou, incapaz de olhar o rosto sem vida que olhava sem ver a escada cheia de balas que conduzia aos dormitórios dos Refúgios nos andares superiores.

Mais morte esperava no corredor fora da biblioteca, onde outros machos tinham sido cortados ao meio. Ainda mais vidas extintas perto da escada da adega, um dos primos de Reichen e sua Companheira de Raça, ambos mortos enquanto tentavam escapar dos disparos.

Não viu o corpo da criança até que quase tropeçou nele - um menino vampiro de cabelo revolto que evidentemente tinha tentado se esconder em uma das estantes da sala de jantar. Os assassinos o haviam tirado de lá e o matado como a um cão.

- Jesus Cristo – Reichen, sufocado, caiu de joelhos e levou a mão branda do menino a sua boca para afogar o grito gutural. - Pelo amor de Deus... Por quê? Por que eles e não eu?!

- Ele disse que você saberia por quê.

Reichen fechou os olhos diante do som rígido da voz de Helene. Ela falava muito devagar, as sílabas muito planas... carente de matizes.

Sem coração.

Ele não precisava se virar para saber que seus olhos estariam estranhamente mortos para ele agora. Mortos porque todo seu calor e toda a sua humanidade tinham sido recentemente retirados dela.

Já não era sua amante, nem sua amiga. Ela era uma Subordinada.

- Quem converteu você? - ele perguntou, deixando cair a mão do menino morto. A quem você pertence agora?

- Você deve saber, Andreas. Você me enviou a ele, afinal.

Filho da puta.

Reichen apertou a mandíbula quadrada e masculina, os molares quase quebrando pela pressão.

- Wilhelm Roth. Ele a enviou aqui para fazer isso. Ele a usou para me destruir.

O fato de Helene não dizer nenhuma palavra sequer apenas tornou a compreensão do golpe mais profunda. Tão dilacerador como seria olhar os olhos de sua ex-amante e ver que a mulher por quem se preocupava agora estava sem alma. Reichen tinha que ver por si mesmo.

Levantou-se e virou lentamente.

- Ah! Helene...

Sangue seco salpicado no rosto e na roupa dela - quase cada centímetro dela coberto de sangue de seus mais queridos amigos e familiares. Ela devia estar ali no centro de todo o massacre, uma insensível testemunha não afetada por tudo isso.

Ela não disse nada quando o olhou fixamente, com a cabeça inclinada um pouco para o lado. Seus olhos, uma vez brilhantes e ardilosos, agora estavam vazios e frios. Abaixo, ao seu lado, ela sustentava uma grande faca de cozinha na mão. A folha larga brilhava à luz do abajur de cristal da sala de jantar.

- Sinto muito - ele murmurou, seu coração retorcido. - Eu não sabia... quando enviou o e-mail e me deixou a mensagem com o nome de Roth, tentei avisá-la. Tentei alcançá-la, mas...

Ele deixou que as palavras se desvanecessem, sabendo que as explicações não importavam. Não mais. Não agora.

- Helene, só sei que sinto muito - engoliu a bílis que subiu no fundo de sua garganta. - Só sei que eu realmente me importava com você. Eu a amav...

Com um grito estridente, Helene se lançou sobre ele.

Reichen sentiu o fio da navalha cortando seu peito e braço, fazendo um profundo corte. Ignorando a dor, ignorando a inalação repentina do aroma de seu próprio sangue, ele agarrou o braço da escrava de Roth e o torceu. Ela gritou, opondo-se e lutando enquanto ele puxava seu braço esquerdo para baixo e bloqueava ambos os membros ajustados aos lados de seu corpo. Ela amaldiçoou e gritou, chamando-o com nomes vis, cuspindo de fúria.

- Shhh - Reichen sussurrou ao lado de seu ouvido. – Agora, cale-se, Helene.

Como um animal selvagem, Helene continuou se retorcendo e gritando para que ele a soltasse.

Não, corrigiu-se. Não, Helene. Aquela já não era a mulher que ele conhecera. Helene estava morta para ele no momento em que trouxe o esquadrão da morte de Wilhelm Roth para dentro daquele Refúgio. Na verdade, por muitas razões, ela nunca foi sua. Que Deus tivesse piedade dela, ela não merecia esse fim. Nenhum dos caídos ali merecia tal horror.

- Tudo está bem agora - ele murmurou, a mão direita acariciando as bochechas manchadas de sangue dela. - Está tudo bem agora, querida.

Um grito saiu disparado de sua garganta enquanto ela puxava bruscamente o rosto para fora de seu alcance.

- Maldito! Deixe-me ir!

- Sim - ele disse tirando-lhe a faca. - Terminou agora. Vou deixá-la ir.

Com a dor estrangulando-o, Reichen girou a faca em torno de seus dedos e levou a ponta ao seu peito.

- Me perdoe, Helene...

Sustentando-a apertada contra ele, afundou a lâmina profundamente no peito dela. Ela não fez nenhum som enquanto morria, apenas deixou escapar um suspiro longo e lento enquanto desinflava em seus braços e desabava ali, frouxa como uma boneca de pano. Tão brandamente quanto pôde, Reichen deitou seu corpo no chão. A faca caiu de sua mão ao lado dela, revestida com o carmesim brilhante dos sangues deles mesclados.

Reichen lançou um longo e incorruptível olhar para os restos do que tinha sido seu lar. Agora que tudo tinha terminado, queria memorizar cada mancha de sangue, cada vida que se interrompeu por causa de sua falta de atenção. Seu engano. Ele precisava recordar, porque em pouco tempo nada daquilo existiria.

Não podia permitir que nada daquilo permanecesse, não daquela forma. Tampouco ia deixar que as mortes não fossem vingadas.

Reichen deu meia volta e se afastou da matança. Suas botas ecoaram no chão de madeira da sala, seus passos eram o único som na horripilante tumba maciça. No momento em que chegou ao jardim em frente à propriedade, seu peito não estava mais apertado, mas frio.

Tão frio como uma pedra. Tão frio como a vingança que tinha a intenção de visitar Wilhelm Roth e todos os associados a ele.

Reichen se deteve brevemente na grama iluminada pela lua. Ele se virou para a mansão e, por um momento, simplesmente a viu em sua perfeita e estranha quietude. Então sussurrou uma oração, palavras antigas que se sentiam oxidadas em sua língua pela falta de uso.

Não é que a oração lhe fizesse algum bem agora. Estava abandonado, agora mais do que nunca. Realmente sozinho.

Reichen baixou sua cabeça até o peito, invocando seu terrível talento. Encheu-se em seu interior, um calor que rapidamente se intensificou, formando um fundido e revolto círculo em suas vísceras.

Ele deixou-o crescer. Deixou-o girar e ganhar força até que seu interior se sentiu abrasado por sua fúria.

E ainda o conteve.

Manteve-o em seu interior até que a bola de fogo golpeou contra sua caixa toráxica, fumaça e cinza flutuando até queimar o fundo de sua garganta. Até que a bola de fogo o consumiu, iluminando todo seu corpo com um resplendor muito quente. Cambaleou sobre seus calcanhares, lutando para manter o corpo até que soubesse que desataria a total destruição instantânea.

Enfim, com um rugido cheio de dor, Reichen soltou o poder de dentro dele.

Um disparo de calor saiu de seu corpo, derramando e girando enquanto avançava para frente, uma esfera de pura energia explosiva. Como um míssil lançado em um alvo por um laser, o círculo disparou dentro da porta aberta da mansão Refúgio. Um segundo depois, detonou, uma impressionante beleza infernal.

Reichen foi golpeado de volta com o estalo sônico da explosão.

Deitou-se na grama, observando com satisfação desinteressada como as chamas, as faíscas e a fumaça devoravam até mesmo os menores pedaços do que tinha sido sua vida.


Capítulo 28

- Estamos carregados e preparados para partir, Renata. Precisa de mais tempo antes de sairmos?

De pé no caminho de cascalho diante da casa principal, Renata girou quando Nikolai se aproximou por trás.

- Não, não preciso de mais tempo aqui. Estou pronta para deixar este lugar para sempre.

Ele abraçou-a, envolvendo-a em sua força masculina.

- Acabo de falar com Gideon. Tegan, Rio e os outros estão fazendo bons progressos. Eles devem estar em nosso ponto de encontro em uma hora.

- Certo. Bom.

Renata se inclinou em seu abraço, feliz pelo calor de seu refúgio... e de seu amor. Nikolai a tinha mantido perto dele no refúgio de videira até que o sol se pôs, acalmando seus temores com seu corpo, afastando-a da feia realidade que originalmente os tinha unido - e do que poderia acontecer naquela noite, quando eles finalmente teriam a oportunidade de enfrentar Edgar Fabien.

A verdade era que ela estava preocupada com o que eles poderiam encontrar. Uma preocupação que lhe penetrava até os ossos e, embora Nikolai não houvesse dito nada que sugerisse que ele também tivesse dúvidas, ela poderia dizer que sua mente estava carregada de pensamentos que ele parecia estar decidido a esconder dela.

- Pode me dizer, você sabe - ela saiu dos braços dele e o encarou. – Se tiver um mau pressentimento a respeito desta noite... pode me dizer.

Algo cruzou a expressão de Niko, mas ele não disse nada, apenas sacudiu a cabeça e beijou a testa de Renata.

- Não sei o que podemos esperar em se tratando de Fabien. Mas posso dizer que, aconteça o que acontecer, estarei com você, certo? Vamos sair disso.

- E uma vez que tenhamos Fabien, vamos buscar Mira - ela completou, procurando os olhos dele. - Certo?

- Sim - ele disse, com seu indestrutível olhar que sustentou de forma estável. - Sim, eu prometi. Dei minha palavra a respeito disso. Não vou desapontá-la.

Ele a puxou para si uma vez mais, capturando-a em um afeto que o mostrava pouco disposto a deixá-la ir. Renata o sustentou também, escutando o forte e rítmico palpitar de seu coração em sua orelha... e perguntando-se por que seu próprio pulso parecia estar dando um sinal de alerta em suas veias, como uma sentença de morte.

Em uma remota fazenda abandonada de cem hectares, algumas horas ao norte de Montreal, o bosque da noite estremeceu com o gemido de um motor de combustão interna e o excesso de velocidade de um barco que passava através do lago praticamente desabitado. A terra e o lago, bem como o transporte proporcionado a Dragos para chegar àquele lugar, pertenciam a Edgar Fabien.

Embora Fabien tivesse sido uma recente decepção, Dragos supôs que o líder do Refúgio merecesse algum crédito por aquela reunião importante. Enquanto o resto dos assistentes chegou durante a noite anterior de automóvel, naquela noite um barco rápido tinha sido enviado para levar Dragos depois que um hidroavião o havia trazido da cidade por outro caminho interno de água também na propriedade de Fabien. Depois do revés sofrido poucas semanas atrás, durante a reunião de Dragos com a Ordem, Fabien tinha ficado muito mais cauteloso sobre como viajava ao ar livre, entre outras coisas. Ele tinha chegado muito longe para correr riscos. Tinha arriscado muito para perder tudo por um descuido ou por incompetência de outros.

Lançou um olhar depreciativo para o outro passageiro sentado no bote com ele. O rosto do Caçador permanecia impassível no resplendor leitoso da lua sobre suas cabeças, seu enorme corpo perfeitamente imóvel mesmo quando o condutor girou o leme e o bico da proa do barco conectou-se diretamente com a água para desviar-se em direção ao cais solitário que se encontrava mais adiante.

O caçador provavelmente sabia que se dirigia para a própria morte. Tinha fracassado em sua missão de matar o Primeira Geração em Montreal, o que pedia um incrível castigo. Dariam um jeito nele naquela noite, e se Dragos pudesse usar este castigo como uma demonstração adicional de seu poder diante dos tenentes que estavam reunidos para dar as boas-vindas agora, melhor.

O motor do barco mudou para uma marcha inferior quando chegaram ao cais não iluminado e modesto onde Edgar Fabien esperava para saudá-lo. Os vapores do gás formaram redemoinhos fora da água, asquerosamente doces. A reverência profunda de Fabien e as boas-vindas aduladoras tinham um efeito similar.

- Meu senhor, é a honra de toda uma vida dar boas-vindas aos meus domínios.

- De fato - Dragos arrastou as palavras enquanto dava um passo fora do barco sobre as tábuas de madeira escura do cais. Ele fez um gesto para que o Caçador o seguisse, e não perdeu a reação de Fabien quando divisou o tamanho e a imensidão do Primeira Geração que prestava serviços à ordem de Dragos. – Todos estão reunidos lá dentro?

- Sim, senhor. - Fabien saiu de sua reverência e se precipitou a caminhar ao lado de Dragos. - Tenho boas notícias. O guerreiro que escapou da contenção foi eliminado. Tanto ele quanto a mulher que o ajudou. Um de meus ajudantes agarrou a dupla, e ontem à noite enviei uma equipe com meus melhores agentes para se livrar do problema.

- Tem certeza de que o guerreiro está morto?

O sorriso de suficiência de Fabien ressoou.

- Aposto minha própria vida nisso. Enviei profissionais capacitados para a tarefa. Confio na habilidade deles de forma implícita.

Dragos grunhiu, sem deixar-se impressionar.

- Que grande comodidade deve ter esse tipo de confiança em seus servos.

A confiança de Fabien vacilou com a espetada e ele limpou a garganta com estupidez.

- Meu senhor... em outro momento, se quiser.

Dragos dispensou o Caçador de sua presença com um gesto cortante.

- Aproxime-se da casa e me espere. Não fale com ninguém.

Quando o assassino Primeira Geração caminhou a passos longos para a frente, Dragos fez uma pausa para lançar um olhar impaciente para Fabien.

- Meu senhor, eu esperava, quer dizer, pensei que um presente pudesse cair bem - gaguejou ele. - Para celebrar esse importante evento.

- Um presente? - antes que pudesse perguntar a Fabien o que pensava que Dragos poderia necessitar dele, Fabien estalou os dedos e um agente de execução surgiu das sombras das árvores circundantes, empurrando uma menina diante dele. A menina parecia perdida na escuridão, seus cabelos loiros brilhando como cabelos de milho, seu pequeno rosto perdido debaixo dele.

- Que é isso?

- Uma jovem Companheira de Raça, meu Senhor. Meu presente para o senhor.

Dragos contemplou a menina desamparada, impressionado. As Companheiras de Raça eram um acontecimento bastante raro entre as populações humanas, isso era certo, mas ele preferia as férteis, em idade de procriar. Essa garota não estaria pronta por vários anos, o que sem dúvida mostrava que Fabien tinha algo mais a respeito dela.

- Pode ficar com ela - disse Dragos, retomando o percurso rumo à reunião. – Faça com que seu homem conduza o barco de volta. Chamarei pelo rádio quando necessitar.

- Vá - Fabien ordenou em resposta, então voltou novamente ao lado de Dragos, tão ansioso como um cão mendigando pelas sobras. - Meu senhor, sobre a menina... na verdade, o senhor deve ver por si. Ela é dotada de um talento extraordinário que estou seguro de que o senhor saberá apreciar. Ela é um oráculo, meu senhor. Fui testemunha disso.

Contra sua vontade, a curiosidade prendeu sua atenção. Seus passos desaceleraram, e então deteve-se.

- Traga-a.

Quando ele girou ao redor, o sorriso impaciente de Fabien ficou ainda mais amplo.

- Sim, senhor.

A menina foi conduzida a ele uma vez mais, resistindo em seus passos, seus obstinados calcanhares cravando-se nas velhas agulhas de pinheiro e na areia que enchiam o pequeno cais. Ela tentou lutar contra o guarda vampiro que a segurava, mas era um esforço inútil. Ele simplesmente a empurrou para frente até que ela ficou de pé diretamente na frente de Dragos. Ela manteve seu queixo para baixo, com o olhar posto no chão.

- Levante a cabeça - Fabien ordenou, mal esperando que obedecesse, antes de pegar sua cabeça com ambas as mãos e a obrigar a olhar para cima. - Agora, abra os olhos. Vamos!

Dragos não sabia muito bem o que esperar. Ele não estava absolutamente preparado para a palidez surpreendente de seu olhar. A íris da menina era tão clara como espelhos de cristal e tão impecável que imediatamente o fascinaram e hipnotizaram. Estava vagamente consciente da emoção de Fabien, mas toda a sua atenção estava presa na menina e no incrível brilho tênue de seus olhos.

E então ele viu... um movimento brilhante na meditação pacífica. Viu uma forma movendo-se através das espessas sombras - um corpo que acreditou reconhecer como o seu próprio. A imagem ficava mais clara quanto mais olhava fixamente, absorto e impaciente por ver mais do presente que Fabien havia descrito.

Era ele.

Era seu refúgio também. Mesmo envoltas na névoa escura, as imagens que se mostravam eram intimamente familiares. Viu o laboratório subterrâneo, as celas de contenção... a jaula de luz ultravioleta que continha sua maior arma na guerra que estava preparando durante todos aqueles séculos. Tudo estava ali, revelando-se para ele através dos olhos daquela pequena Companheira de Raça.

Mas, então, um momento de alarme surpreendente.

Seu laboratório antigo, tão rigidamente assegurado e ordenado, estava em ruínas. As celas de contenção tinham sido deixadas abertas. E a jaula de luz ultravioleta... estava vazia.

- Impossível - murmurou ele, golpeado por um temor sombrio, furioso.

Ele piscou com força, várias vezes, querendo limpar a visão de sua cabeça. Quando abriu os olhos outra vez, viu algo novo nos olhos malditos da menina... algo ainda mais incompreensível.

Viu-se implorando por sua vida. Chorando, abatido. Patético. Derrotado.

- Isso é algum tipo de brincadeira de mau gosto? - a voz dele tremia tanto com a raiva como com outra coisa muito fraca para admitir. Desviou o olhar da garota e o fixou em Fabien.

- Que diabos isso significa?

- Seu futuro, senhor – o rosto de Fabien ficou completamente pálido. A boca se moveu durante um momento sem expressar som algum, então, finalmente balbuciou. - A menina... o senhor viu, ela é um oráculo. Ela me mostrou em pé aqui, nesta grande reunião, apresentando uma visão de seu futuro que o agradava enormemente. Quando vi isso, soube que tinha de guardá-la, meu senhor. Tinha de oferecê-la ao senhor, não importava o custo.

O sangue de Dragos era como lava ardendo em suas veias. Ele deveria matar esse idiota ali mesmo, só por aquele insulto.

- É óbvio que você interpretou mal o que viu.

- Não! - Fabien exclamou, agarrando a menina e girando ao redor dela. Deu a ela uma sacudida forte. – Mostre-me outra vez! Mostre que não me enganei, maldita!

Dragos observou tão imóvel como uma pedra, enquanto Fabien olhava atentamente seus olhos. O grito horrorizado do líder do Refúgio disse tudo o que ele tinha que saber. Ele cambaleou para trás, tão branco quanto uma folha de papel. Golpeado como se tivesse testemunhado sua própria morte.

- Não entendo - murmurou Fabien. - Tudo mudou. O senhor tem de acreditar, Mestre! Não sei como ela mudou a visão, mas a pequena bruxa está mentindo agora. Ela tem que estar mentindo!

-Tire-a de minha frente - Dragos grunhiu ao guarda da Agência de Execução que a sustentava. – Vou levá-la comigo quando for, mas até então, não quero ver nem um fio de cabelo dela.

O guarda assentiu com a cabeça e afastou a menina, praticamente arrastando-a até a casa.

- Senhor, eu lhe rogo - suplicou Fabien. – Perdoe-me por este... lamentável engano.

- Cuidarei de você mais tarde - disse Dragos, sem se preocupar em esconder a ameaça reflexiva no fundo de cada uma de suas palavras.

Retomou a marcha para a reunião, mais decidido do que nunca a fazer todos compreenderem de uma vez por todas sua autoridade e seu poder incomparáveis.


Capítulo 29

Estava completamente escuro quando Niko e Renata, após seguirem as coordenadas enviadas por Gideon, chegaram ao local onde ficava a propriedade de Edgar Fabien, ao norte. O líder do Refúgio evidentemente possuía um pedaço considerável de terra suficientemente longe de Montreal para que a zona ao redor permanecesse inexplorada: acre após acre de enormes coníferas e sempre-vivas, nenhuma alma sequer à vista, a não ser um ou outro veado ou alce americano que saía em disparada ao primeiro aroma de vampiro arrastando-se naquele santuário natural.

Nikolai tinha feito sozinho o reconhecimento da área nos últimos minutos. Uma casa de dois andares feita de troncos e pedra estava enfiada em um canto do bosque. Um estreito caminho sem pavimentação e apenas largo o suficiente para um veículo cortava as árvores na parte da frente da casa. Niko contornou essa vida escondido pela vegetação e viu dois Agentes da Lei vestidos com roupas da SWAT, postados no meio do caminho, e os três grandes Humvees estacionados em fila única bem diante da porta principal da casa. Três outros guardas vampiros com rifles M16 cobriam a entrada. Leste e oeste estavam também sob vigilância com um sentinela armado.

Embora não imaginasse que eles tivessem deixado a parte traseira da propriedade vulnerável, Niko se moveu ao redor daquele caminho para ter uma ideia da extensão do terreno. Ouviu o suave som de água mesmo antes de ver o tranquilo lago e o cais vazio na borda, a cerca de trezentos metros atrás da casa. Lá, outra dupla de Agentes permanecia de guarda.

Maldição.

Entrar no lugar para pegar Fabien não seria fácil. A menos que ele e a Ordem atacassem por cima, se quisessem tirar o sócio de Dragos dali teriam de passar por alguns guardas da Agência no processo, sem considerar o grupo desconhecido de vampiros da Raça que tinha acompanhado o líder do Refúgio de Montreal até ali na noite passada. Capturar Fabien naquela noite sem muitas baixas civis beirava o impossível, principalmente quando o resgate de Mira era acrescentado à equação. Portanto, o reconhecimento feito por Niko dava conta de que a coisa seria feia. Muito feia.

E havia ainda a situação com Renata.

Uma das coisas mais difíceis que Nikolai já fizera fora passar o dia inteiro com ela, sabendo que a tinha enganado. Ele queria dizer-lhe, depois que fizeram amor, depois que ela o honrou com o presente de seu sangue e com o vínculo completo que agora os unia eternamente. Quis dizer-lhe uma dúzia de vezes, em uma dúzia de momentos diferentes, mas, egoísta, mantivera a verdade oculta para a própria proteção dela. Ele ainda mantinha a esperança de que ela compreendesse sua cautela - que ela poderia inclusive ficar agradecida que ele a tivesse feito esperar para saber a localização de Mira até que ele e os outros guerreiros da Ordem tivessem uma oportunidade sólida de criar uma estratégia de resgate.

Sim, o macho da Raça seguia se dizendo essas coisas porque não queria sequer considerar outras alternativas.

Afastando o arrependimento que perseguia seus passos e o medo que seguia arrastando-se por trás de seu pescoço, Nikolai se moveu para uma melhor posição de acesso aos bosques. Olhou através dos ramos de pinheiro e observou vários dos ocupantes da casa enquanto eles passavam por uma janela no andar térreo. Fez uma rápida contagem dos vampiros da Raça encapuzados enquanto eles andavam a passos largos e em grupo para outra sala. Cinco, seis, sete... e então outro, este sem o capuz negro cobrindo-lhe o rosto.

Ah! Jesus Cristo!

Nikolai o conhecia. Ele tinha visto o filho da mãe de perto e pessoalmente apenas algumas semanas antes, quando uma missão da Ordem tinha-lhe enviado a um encontro com um dos oficiais do mais alto escalão na Agência da Lei. Naquele momento, o homem usava um pseudônimo - um dos dois nomes falsos que a Ordem tinha descoberto não fazia muito tempo. Agora eles conheciam o bastardo por seu verdadeiro nome, o nome que o Primeira Geração traidor que fora seu pai carregava antes também.

Dragos.

Maldição.

Durante semanas a Ordem havia investigado exaustivamente à procura de Dragos, tudo sem êxito. Agora, ele estava ali, na frente deles, como um peixe em um barril. O bastardo estava ali. E, maldito seja, ele ia cair - naquela noite.

Niko recuou para a mata cerrada, então arrastou o traseiro na direção sul, onde tinha deixado Renata no SUV da Agência que roubaram. Mal podia esperar para ligar para Tegan e Rio e lhes dar essas boas notícias.

A confusão e a angústia de Edgar Fabien por causa do fracasso de seu presente para Dragos assombrava-o como um fantasma enquanto ele e os outros seguiam o recém-chegado líder à sala de conferências no abrigo ao norte. Ele sabia que era perigoso, geralmente mortal, desagradar Dragos, algo que tinha evitado muito bem até agora. Mas ele também sabia – assim como o resto dos vampiros da Raça reunidos ali para aquele encontro – que Dragos os tinha juntado por um objetivo específico. Aquela seria uma noite histórica. Eles seriam recompensados, Dragos prometera, pelos anos de parceria oculta e lealdade a um objetivo comum.

Depois de tanto tempo e esforço adulando Dragos durante as últimas décadas, Fabien só rezava que não tivesse jogado tudo fora naquele instante infeliz perto do cais.

- Sentem-se - Dragos ordenou, tomando seu lugar na frente da sala de reuniões. Assistiu enquanto Fabien e os outros seis, todos ocultos atrás de seus capuzes negros, ocupavam as cadeiras reunidas ao redor do bloco de granito polido que servia como mesa de conferências. - Nós nos reunimos aqui nesta sala porque compartilhamos um interesse comum: o atual e o futuro estado de nossa Raça.

Fabien assentiu sob seu capuz, assim como o fizeram os outros ao redor da mesa.

- Compartilhamos um ressentimento comum pela corrupção de nossas descendências pela mancha de humanidade e pela maneira ambiciosa com a qual os que estão no poder dentro da Raça escolheram nos governar com respeito à inferioridade humana. Desde que as primeiras sementes da Raça foram semeadas neste planeta, os vampiros degeneraram-se em uma vergonha grande e triste. A cada nova geração nascida, nossa descendência cresce mais e mais mesclada com a humanidade. Nossos líderes preferem que nos ocultemos dos Homo sapiens, todos com medo de serem descobertos, e mascaram essa covardia com leis e políticas supostamente feitas para proteger o segredo de nossa existência. Ficamos debilitados pelo medo e pelo segredo. Já é hora de isso mudar e precisamos de um novo e poderoso líder.

Agora os assentimentos chegaram mais vigorosos, os acordos murmurados mais fervorosamente.

Dragos começou a dar passos sem pressa na frente da sala, suas mãos juntas e frouxas atrás das costas.

- Nem todos partilham de nosso desejo de reverter radicalmente as falhas passadas e restaurar a Raça a uma posição de poder. Nem todos veem o futuro que nós vemos. Alguns diriam que o preço é muito alto, que os riscos são muito grandes. Mil desculpas para explicar por que a Raça deveria manter seu status quo e não dar os passos firmes requeridos para aproveitar o futuro a que temos direito.

- Ouça, ouça - Fabien interferiu, ansioso por aquele futuro que o lambia como uma chama.

- Estou encantado com o fato de que todos vocês nesta sala entendam que passos firmes devem ser tomados - disse Dragos. - Cada um de vocês, individualmente, tem tido um papel no avanço de nossa visão ao seguinte nível. E vocês o fizeram sem questionar, sem conhecer uns aos outros... até agora. Nosso próprio momento de segredo terminou. Por favor - disse ele -, tirem seus capuzes e nos deixem começar a mais nova fase de nossa aliança.

Fabien estendeu a mão para o pano negro que lhe cobria a cabeça, a insegurança fazendo seus dedos duvidarem. Deteve-se até que alguns dos outros assistentes tiraram seus capuzes antes de encontrar coragem para tirar o seu.

Por um momento, nenhum dos vampiros da Raça disse uma palavra. Olhadas passaram ao redor da mesa, alguns presunçosos com reconhecimento de olhares conhecidos, outros cautelosos pelos estranhos que agora, com essa confissão de mal-intencionada traição, tinham se tornado seus mais profundos aliados. Fabien conhecia vários dos rostos que lhe devolveram o olhar - todos eles de Refúgios de alto escalão ou oficiais da Agência da Lei, alguns dos Estados Unidos e outros do exterior.

- Somos um conselho de oito - anunciou Dragos. - Como os Antigos que chegaram aqui há tanto tempo. Somos, todos nós, a segunda geração de filhos desses poderosos extraterrestres. Logo, uma vez que o último vampiro Primeira Geração for eliminado, estaremos entre os mais velhos e mais poderosos de nossa Raça. Cada um de vocês ajudou nesse esforço, seja oferecendo as localizações dos membros que restavam de nossa primeira geração, seja apoiando a causa oferecendo Companheiras de Raça para levar as sementes de nossa revolução.

- E quanto à Ordem? - perguntou um dos assistentes europeus, seu sotaque alemão afiado como uma lâmina de barbear. - Há dois guerreiros Primeira Geração com quem ainda temos de lutar.

- E o faremos - disse Dragos, sem problemas. – Vou planejar o ataque direto na Ordem muito em breve. Depois do recente golpe contra mim, será um prazer pessoal enterrar a operação da Ordem e ver os guerreiros e suas Companheiras encontrarem a morte.

Um diretor da Agência da Costa Oeste dos Estados Unidos inclinou-se para trás em sua cadeira e arqueou as sobrancelhas castanhas.

- Lucan e seus guerreiros já sobreviveram a outros ataques antes. A Ordem existe desde a Idade Média. Eles não cairão sem luta. Uma luta dura e sangrenta.

Dragos riu.

- Ah! E eles sangrarão. E se tudo sair como espero, vão pedir misericórdia e não receberão nenhuma. Não do poderoso exército que terei às minhas ordens.

- Quando começaremos a criar esse exército? - alguém no grupo perguntou.

O sorriso de Dragos se encheu de malícia.

- Começamos faz 50 anos. Na verdade, essa revolução começou há muito mais tempo do que isso. Muito mais.

Todos os olhos estavam cravados nele enquanto ia a passos largos até um laptop que Fabien tinha mandado deixar preparado na sala. Enquanto digitava algo, o grande monitor plano da sala de conferências se elevou do chão. Dragos digitou mais outras coisas e logo o monitor piscou, mostrando o que parecia ser um laboratório.

- Uma conexão por satélite com uma de minhas fortalezas - explicou, usando o touchpad para controlar remotamente a câmera. - É aqui onde estive juntando as peças do quebra-cabeças - a câmera vagou para um muro de cilindros criogênicos codificados, depois passou por um grupo de microscópios, computadores e tubos de DNA alinhados nas mesas. No meio de todo aquele equipamento, vários Subordinados cientistas vestidos com máscaras e jalecos brancos.

- Parece um laboratório de genética - disse o alemão.

- E é - respondeu Dragos.

- Que tipo de experimentos está fazendo?

- De todo tipo - Dragos voltou para o teclado e teclou outra sequência de comandos. A câmera do laboratório apagou e foi substituída por outra: essa era um ângulo panorâmico de um longo corredor com celas de prisão. Embora da posição da câmera fosse difícil distinguir algo além das mais rudimentares formas, era óbvio que as celas continham mulheres, algumas delas com crianças.

- Companheiras de Raça - tomou fôlego Fabien. - Deve haver vinte ou mais ali.

- Elas nem sempre sobrevivem aos testes, de modo que o número tende a variar - disse Dragos, em tom de conversa. - Mas tivemos nossos êxitos com o processo de reprodução. Essas mulheres e as que viveram antes delas estão dando a luz ao maior exército que este mundo jamais viu. Uma brigada de assassinos Primeira Geração que estarão sob minhas ordens.

Um silêncio tão grande como uma capa de inverno caiu sobre a reunião.

- Primeira Geração? - perguntou o diretor da Costa Oeste. - Isso não pode ser possível. Seria preciso um dos Antigos para produzir uma primeira geração de vampiros da Raça. Todos foram exterminados pela Ordem faz uns 700 anos. O próprio Lucan declarou Guerra a todos os Antigos e se certificou de que nenhum sobrevivesse.

- Certificou-se? - sorriu Dragos, mostrando as pontas de suas presas. - Acredito que... não.

Com uns poucos golpes mais de teclado, mostrou as imagens de outra câmera na conexão do satélite. Dessa vez, o foco se localizava em uma grande sala cheia de segurança, que tinha em seu centro uma cela cilíndrica construída com raios de luz. Os raios ultravioleta emitidos da jaula de barras verticais estavam piscando, inclusive na tela.

E dentro dessa jaula de raios ultravioleta havia uma criatura nua e sem cabelo que, de pé, mediria dois metros. Seu corpo nu era imenso, cada polegada coberta de dermoglifos. Ele elevou a vista enquanto as lentes da câmara zumbiam sobre ele de algum lugar da câmara. Pupilas e olhos âmbar, mas devoradas pelo fogo que ardia fora de suas órbitas, reduzido com letal consciência. A criatura saiu de sua posição de cócoras e se preparou para atacar, só para receber de novo o calor das barras ultravioleta que o deixavam prisioneiro. Abriu a boca e soltou um rugido furioso que não precisou ser ouvido para ser entendido.

- Meu Deus - mais de um dos assistentes ofegou.

Dragos lançou um olhar mortalmente sóbrio sobre o grupo.

- Admirem... nossa revolução.

O celular de Lex vibrou no centro do console do SUV. Renata o pegou e olhou a tela: Número desconhecido.

Inferno.

Ela não podia estar segura se a chamada era para Lex ou para Nikolai, já que o guerreiro da Raça estava usando o telefone para chamar e receber chamadas da Ordem. Ela não sabia há quanto tempo ele tinha saído para fazer o reconhecimento e estava a ponto de perder a cabeça esperando por ele. Ela precisava fazer algo. Ao menos, precisava sentir que estavam fazendo algum progresso para encontrar Mira logo...

O celular continuou vibrando em sua mão. Ela pressionou o botão de atender, mas não disse nada. Apenas deixou que a pessoa se revelasse primeiro.

- Olá? Niko? Você está aí, hermano? - a profunda voz denotava um acento espanhol, tão quente e suave como caramelo. - É Rio, cara...

- Ele não está aqui - disse Renata. - Estamos no lado norte da cidade, esperando que vocês cheguem. Nikolai saiu para fazer um reconhecimento da área. Não deve demorar muito.

- Bem - disse o guerreiro. - Já estamos quase chegando, demoraremos aproximadamente 45 minutos. Você deve ser Renata.

- Sim.

- Quero agradecê-la por você ter salvado o traseiro de nosso garoto aí. O que fez foi... bem, ele tem sorte de tê-la ao seu lado. Todos temos - ela podia ouvir a genuína preocupação e gratidão na voz do vampiro, e ficou demasiado curiosa por conhecer os outros guerreiros que Nikolai chamava de amigos. - Está tudo bem aí? Você está bem?

- Estou bem. Só ansiosa para que tudo isto acabe essa noite.

- Entendo - respondeu Rio. - Niko nos contou sobre a menina, Mira. Lamento pelo que você está passando, sabendo que um doente como Fabien está com ela. Sei que não deve ter sido fácil esperar o dia todo para se encontrar conosco.

- Não, não foi. Sinto-me tão inútil - confessou ela. - Odeio esse sentimento.

- Lamento tudo isso. Não vamos deixar que nada aconteça com ela esta noite quando entrarmos lá, Renata. Tenho certeza de que Nikolai explicou para você que pôr nossas mãos em Edgar Fabien é fundamental para a Ordem, mas vamos dar o nosso melhor para que a menina saia de toda esta situação bem.

Um súbito frio impregnou seu peito enquanto as palavras de Rio se afundavam em sua mente.

- O que disse?

- Que ela vai ficar bem.

- Não... isso de que você não deixarão que nada aconteça... lá dentro...

Do outro lado da linha, um longo silêncio.

- Ah! Cristo! Niko não lhe disse nada sobre o vídeo que temos do Refúgio de Fabien de ontem à noite?

O calafrio em Renata congelou, o gelo estendendo-se do peito aos seus membros.

- Um vídeo... de ontem à noite? - respondeu ela paralisada. - O que havia nele? Você viu Mira? Ah! Deus! Fabien fez algo? Diga-me!

- Madre de Dios - disse com uma larga exalação. - Se Niko não lhe disse isso... não tenho certeza de que devo lhe contar agora.

- Fale, maldição.

Ela ouviu um estrondo de conversa rápida ao fundo antes que Rio finalmente cedesse.

- A menina está com Fabien e com outros que ainda não identificamos. Pegamos a informação de uma câmera de segurança no Refúgio de Fabien. Eles partiram ontem à noite e nós os seguimos até a propriedade onde está agora.

- Ontem à noite - murmurou Renata. - Fabien está com Mira aqui... desde ontem à noite. E Nikolai? Vai me dizer que ele sabia? Quando ele ficou sabendo disso tudo? Quando?

- Tenho que pedir que aguente aí um momento mais - disse Rio. - Vai ficar tudo bem...

Renata sabia que o guerreiro ainda estava falando, ainda estava tentando acalmá-la, mas sua voz se apagou lentamente de sua consciência conforme uma profunda cólera e um profundo medo - uma dor tão desmedida que ela acreditava que poderia despedaçá-la – tomou conta de si. Ela desligou o telefone, cortando a chamada e deixando o aparelho cair no chão, aos seus pés.

Mira estava ali desde a noite passada, com Fabien. Todo este tempo. E Nikolai sabia.

Ele sabia, e escondeu isso dela. Ela poderia estar aqui há horas – nas horas de sol - fazendo algo, algo para salvar Mira. Em vez disso, Nikolai tinha ocultado deliberadamente a verdade e, como resultado, ela não tinha feito nada.

Não totalmente nada, ela admitiu, golpeada pela culpa por causa do prazer que tinha desfrutado com Niko enquanto Mira estava sozinha perto dali.

- Ah! Deus! - ela sussurrou, sentindo-se enjoada diante daquele pensamento.

Estava vagamente consciente dos passos aproximando-se do veículo, seus sentidos elevando-se antes que sua mente pudesse processar o som. O vínculo de sangue que agora compartilhava com Nikolai lhe disse que era ele antes que sua sombra aparecesse. Ele abriu a porta do carro esportivo e entrou.

- É Dragos - disse ele, procurando no console, no painel e no assento pelo celular. - Maldito seja, não posso acreditar nisso, mas era ele. Acabei de ver o filho da mãe dentro da casa com Fabien e com os outros. Dragos está aqui, ao nosso alcance. Onde diabos está aquele telefone?

Renata o olhou fixamente, vendo um estranho enquanto ele se inclinava para a frente e estendia a mão para apanhar o celular que estava aos pés dela, no chão do veículo. Ela mal ouvia o que estava dizendo. Mal se preocupava agora.

- Você mentiu para mim.

Ele se voltou para trás, com o telefone de Lex na mão. O rangido de adrenalina que tinha iluminado seus olhos se reduziu um pouco quando encontrou seu olhar.

- O quê?

- Eu confiei em você. Você me disse que eu podia confiar em você, que podia contar com você, e o fiz. Acreditei em você e você me traiu - ela tragou a saliva passando o terrível nó de sua garganta e forçando a si mesma a pronunciar as palavras. - Mira está aqui. Está aqui com Fabien desde ontem à noite. Você sabia disso... e não me disse nada.

Ele estava calado, mas sequer tentou negar o que ela dizia. Ele olhou o telefone em sua mão como se acabasse de se dar conta de como ela tinha descoberto.

- Eu podia estar aqui, Nikolai. Há horas, podia estar aqui, fazendo algo para tirar Mira das mãos desse monstro!

- Motivo pelo qual eu não lhe disse nada - disse amavelmente.

Ela sentia o coração quebrado.

- Você me traiu.

- Fiz isso para protegê-la. Porque te amo.

- Não - disse ela, agitando a cabeça para evitar ser feita de idiota de novo. - Não. Não diga isso. Como pode dizer isso quando usou todas essas palavras para me manter distraída, para me fazer acreditar que realmente se preocupava comigo enquanto você e seus amigos da Ordem faziam planos pelas minhas costas?

- Não foi assim. Nada do que aconteceu entre nós hoje... nada do que eu disse tem a ver com a Ordem. Hoje era você e eu... era sobre nós.

- Grande merda!

Ele estendeu a mão para ela e ela recuou, mantendo-se fora do alcance dele. Ela abriu a porta e saiu do carro, mas ele estava fora do veículo, a seu lado, bloqueando-a com o enorme corpo, tão rápido que ela sequer pôde dar um passo.

- Afaste-se de mim, Nikolai.

- Aonde você vai? - perguntou ele gentilmente.

- Não posso me sentar aqui por mais tempo e não fazer nada - ela deu um passo, mas ele continuava ali. A sutileza desapareceu rápido, substituída por uma firmeza que dizia que ele a manteria amarrada se fosse necessário.

- Não posso deixar que você faça isso, Renata.

- Essa não é uma escolha sua - ela respondeu, tremendo com medo e indignação. - Que droga, nunca foi uma escolha sua!

Ele grunhiu uma maldição e a agarrou.

Renata mal percebeu o que tinha feito até que ele ficou paralisado, segurando a cabeça entre suas mãos. Ele sibilou, seus olhos pulsando brilhos âmbar enquanto lhe dirigia um olhar horrorizado e furioso.

- Renata. Não faça isso.

Ela o atacou de novo, todo seu medo por Mira e sua dor por causa da traição verteram dela uma corrente castigadora de dor mental. Nikolai caiu de joelhos, rugindo e retorcendo-se pela dor que ela tinha desencadeado nele.

Renata se afastou do guerreiro, no bosque, antes que se permitisse ser dissuadida pelo arrependimento crescente dentro de si.


Capítulo 30

A casa estava sob forte armamento, guardada por todos os lados. Era impossível entrar sem ser notado por pelo menos um dos agentes de execução vestidos com roupas parecidas com as da equipe antiterrorista da SWAT. Todos eles ostentavam uma expressão do tipo “atire primeiro e pergunte depois”, desde a escura viseira do capacete preto e dos equipamentos de combate até os rifles automáticos pendurados no corpo.

Graças aos agentes que tinham invadido a casa de Jack na noite anterior, Renata e Nikolai tinham conseguido transporte, uniforme e armas. Ela não tinha a ilusão de que teria a sorte de chegar ao edifício, mas, à primeira vista, vestida como eles, os agentes de plantão podiam pensar que ela era um dos seus.

Ela colocou o capacete que tinha trazido consigo do SUV e fechou o visor colorido. Adotando a melhor postura de soldado que podia, saiu da mata e se aproximou do vampiro que guardava o lado oeste da casa.

O agente a viu imediatamente.

- Henri? Que porcaria você estava fazendo lá fora?

Renata deu de ombros, ergueu o braço bom em um gesto de “vá se ferrar”. Ela não correria o risco de falar com ele, arriscaria no máximo usar sua arma para tirar esse obstáculo do caminho. Mas se o derrubasse, teria toda a segurança em seu traseiro. Não, ela tinha de manter a calma e apenas seguir caminhando na direção dele com a esperança de que ele não abrisse fogo se suspeitasse de algo.

- Qual o problema com você, idiota?

Renata deu de ombros novamente. Chegando mais perto.

Seus dedos coçavam para fazê-lo voar - ele era um alvo fácil ali parado como um tronco, mas o mais leve cheiro de sangue derramado chamaria a atenção de todos os vampiros ao redor. Renata sabia que tinha de aproximar-se o suficiente para alcançá-lo com a mente. Sua única opção era atingi-lo com uma explosão rápida e sólida.

- Ingrato dos infernos. Henri, volte ao seu posto - disse o agente, grunhindo. Estendeu a mão para um pequeno dispositivo de comunicação em seu cinto. - Estou chamando Fabien para denunciá-lo. Se quiser irritá-lo, vá em frente, mas eu não quero fazer parte disso...

Usando todo seu poder, Renata lançou uma descarga selvagem de energia a partir de sua mente e a enviou ao vampiro diante de si. Suas palavras sufocaram com um grunhido e ele caiu como uma pedra. Ela manteve a descarga até que ele ficou em silêncio. Quando estava certa de que ele estava morto, inclinou-se e tirou-lhe a arma e o rádio.

Renata abriu a porta de entrada lateral e deu uma rápida olhada na área interna. Estava vazia. Ela deslizou para dentro, o coração martelando no peito, a respiração ofegante contra a viseira fechada do capacete.

Depois de toda a fúria que ela sentira por Nikolai não ter contado que Mira estava ali com Fabien, agora ela tinha gratidão para com a Ordem pela prova visual da localização da criança. Era tarde demais para saber como tinham ficado as coisas com Nikolai. Tarde demais para se preocupar se deveria ter esperado por ele e por seus companheiros de armas para apoiá-la. Parte dela sabia que tinha sido injusta, mas tinha ido muito longe para voltar.

Ela tomou uma decisão impulsiva e emocional baseada em sentimentos feridos. Foi uma decisão que poderia custar a amizade que tinha com Nikolai - talvez até mesmo seu amor -, mas mesmo já lamentando, aquilo não podia ser desfeito. Nikolai poderia nunca perdoá-la por colocar em risco sua missão e ela entenderia se ele não a perdoasse.

Agora, ela podia apenas rezar para que Mira não pagasse o preço daquilo tudo.

Niko despertou com o zumbido irritante de um celular ao lado de sua cabeça. Ele estava no chão ao lado do veículo. Não fazia ideia de quanto tempo estava ali. O celular vibrou novamente, mexendo na grama e nas folhas secas que se espalhavam pelo chão da floresta. Usou quase toda a sua força para mover a mão e pegar o maldito aparelho. Desajeitadamente, atendeu. Tentou dizer algo, mas apenas conseguiu soltar um grunhido seco.

- Alô - disse ele mais uma vez, forçando seus membros a se arrastarem e se apoiarem na roda dianteira do SUV.

- Niko? - a voz de Rio veio do outro lado do receptor, pesada com a preocupação. - Você parece uma porcaria, hermano. Fale comigo. O que está acontecendo?

- Renata - disse ele, segurando a cabeça nas mãos. – Está enlouquecida...

Rio amaldiçoou.

- Sim, deduzi isso. A culpa é minha, cara. Não sabia que ela não estava a par sobre a menina ter sido levada na noite passada.

- Ela sumiu - Niko disse. Notou que todos os seus sentidos começaram a voltar como se um interruptor em um gerador de energia fosse ligado dentro dele. - Ah! Caramba, Rio.... eu a enfureci e agora ela foi em busca de Mira por conta própria.

- Madre de Dios.

Na outra ponta da linha, Niko ouviu Rio dar a Tegan e aos outros um rápido esboço da situação.

- Isso não é o pior, cara - acrescentou Nikolai, ignorando a dor do tiro em sua cabeça enquanto se levantava do chão e dava uma corrida impressionante para a parte traseira do SUV. - A reunião de Fabien é maior do que pensávamos... Dragos está aqui também.

- Você tem certeza disso?

- Eu vi o desgraçado com meus próprios olhos. Ele está aqui. Nikolai foi pegar as armas automáticas na parte traseira tão rápido quanto seus braços lentos poderiam se mover. Ele cobriu o corpo com fuzis, enfiou uma pistola na parte traseira de seu uniforme roubado do Agente de Execução e outra em um coldre no tornozelo. - A casa está cercada por guardas, então quando vocês chegarem aqui, entrem a pé e se dividam.

- Niko, o que você está fazendo?

Ele não respondeu; sabia que seu velho amigo não gostaria da resposta. Em vez disso, carregava com munição tudo o que pudesse.

- Há dois homens no meio do estacionamento e três na frente. Retire-os primeiro e terão o caminho limpo.

- Nikolai - a voz de Rio era baixa, em forma de advertência. - Hermano, você não está pensando direito agora... não.

- Ela está lá dentro, Rio. Com Dragos, Fabien e sabe Deus quem mais... e ela está sozinha. Eu vou atrás dela.

Rio soltou uma palavra desagradável em espanhol.

- Fique atento. Estamos a dez minutos de distância e estamos acelerando, cara.

Niko fechou a parte de trás do SUV.

- Vou dar uma olhada no entorno.

- Caramba, Nikolai, se essa mulher quer se matar, isso não é problema seu. Nós vamos ajudá-la no que pudermos, mas...

- Ela é minha companheira, Rio - Nikolai soprou uma maldição. - Estamos ligados pelo sangue... e eu a amo. Eu a amo mais do que minha própria vida.

O suspiro do guerreiro soou pesado com compreensão e derrota.

- Suponho que não há necessidade de lhe dizer que você desafiará as ordens diretas de Lucan se for lá agora. Se Dragos está no lugar, isso torna as coisas ainda mais críticas e você sabe disso. Precisamos que você fique onde está e espere por ajuda.

- Não posso fazer isso - respondeu Nikolai.

Ele desligou o telefone e o atirou pela janela do motorista. Então, partiu para encontrar sua mulher.


Capítulo 31

Dragos se permitiu deleitar-se com o temor de seus subalternos quando eles observavam o Antigo preso na cela de raios ultravioleta sendo mostrada na tela. Do assombro de seus rostos – a absorta incredibilidade –, qualquer um pensaria que ele tinha conseguido capturar a luz em uma garrafa. Na verdade, o que tinha conseguido nas últimas décadas era algo ainda maior. Os sete machos da Raça que se reuniram com ele no quarto já o olhavam como um deus justamente por isso. Ele era o arquiteto de uma revolução que iria virar o planeta inteiro de cabeça para baixo. Naquela noite, eles testemunhariam a história e o começo de um futuro que ele tinha projetado pessoalmente.

- Como isso é possível? - alguém murmurou. - Se realmente é um dos Antigos que foi pai de nossa Raça, como sobreviveu à guerra com a Ordem?

Dragos sorriu enquanto andava mais perto da tela.

- Meu pai era um membro original da Ordem... mas foi, em primeiro lugar, o filho dessa criatura. Durante o banho de sangue perpetrado pela Ordem, quando Lucan declarou guerra aos Antigos, meu pai e seu pai alienígena fizeram um pacto. Em troca do poder compartilhado no futuro, meu pai iria escondê-lo até a histeria passar. Infelizmente, depois de fazer sua promessa, meu pai não sobreviveu à guerra. Mas o Antigo sim, como podem ver.

- Então, pretende cumprir o acordo de seu pai com essa... coisa? - Fabien perguntou, sua expressão como a de um cãozinho que acabara de perder o osso para um lobo selvagem.

- O Antigo está totalmente sob meu controle. Ele é uma ferramenta que utilizo quando e como for melhor para mim e para nossa causa.

- Como assim? - perguntou outro homem do grupo.

- Permitam-me dar-lhes uma demonstração.

Dragos caminhou até a porta da sala de conferências. Estalou os dedos para o Caçador que esperava lá fora, então, virou de volta para seus associados conforme o grande Primeira Geração o obedecia.

- Tire a camisa - ele ordenou ao Caçador.

O enorme macho obedeceu em silêncio, desnudando os ombros enormes e o peito sem pelos coberto por uma densa rede emaranhada de glifos. Mais de uma cabeça se voltou para o monitor para comparar as marcas da pele hereditárias da criatura contido dentro da célula ultravioleta.

- Eles têm dermoglifos semelhantes - Fabien engasgou. - Esse macho é da família do Antigo?

- Filho de Primeira Geração, criado com o único propósito de servir à causa - disse Dragos. - Todos os Caçadores de meu exército pessoal são os mais fortes, as armas mais letais do mundo. Eles foram especialmente criados e treinados sob minha orientação. São assassinos e infalivelmente leais a mim.

- Como pode estar certo disso? - perguntou o líder do Refúgio de Hamburgo, um homem sagaz que, sem dúvida, apreciaria a demonstração em tempo real que Dragos tinha em mente.

- Você percebe que o Caçador usa uma coleira. É um dispositivo de monitoramento GPS, mas também está equipado com um laser ultravioleta. Cada Caçador usa uma desde o momento em que começa a andar. Posso acompanhar todos os seus movimentos, localizá-los em um instante. E se me desagradam de qualquer maneira, basta um simples controle remoto para o laser ser ativado e emitir uma luz ultravioleta fina como uma navalha no pescoço do Caçador, cortando sua cabeça – disse Dragos, lançando um olhar significativo ao Caçador rigidamente em pé ao seu lado.

Um ou dois homens na mesa trocaram olhares desconfortáveis.

Foi o alemão quem falou primeiro, os olhos brilhantes.

- O que acontece se o colar for adulterado, ou removido?

Dragos sorriu, não para o alemão, mas para o próprio Caçador.

- Que tal vermos?

Apesar de seu instinto gritar para que entrasse como um ladrão à espreita, Renata caminhou pelo corredor oeste do covil de seus inimigos como se tivesse todo o direito de estar lá. Ela ouviu o baixo ruído de conversa masculina vindo de uma das grandes salas nos fundos. Em outra parte da casa, não havia nada além de calma, até que...

Soluços suaves de uma criança chegavam a partir de uma escada que conduzia ao segundo andar.

Mira.

Renata voou pelos degraus e seguiu os soluços até o final do corredor. A porta do quarto estava trancada pelo lado de fora. Ela passou a mão na parte superior do batente, mas não encontrou chave alguma.

- Maldição – sussurrou, tirando uma de suas lâminas da lateral da calça. Enfiou-a no ponto entre a porta e o batente, bem acima da fechadura, e fez uma alavanca dura. A madeira rachou, afrouxando um pouco. Mais duas vezes e, finalmente, tinha espaço suficiente para abrir. Com agitação e mãos ansiosas, Renata abriu a porta.

Mira estava lá dentro, graças a Deus.

Estava sem véu e assim que olhou para cima e viu a figura vestida de preto entrando na sala, encolheu-se no canto com terror absoluto.

- Mira, sou eu - disse Renata, abrindo a viseira escura. - Está tudo bem agora, querida. Estou aqui para levá-la para casa.

- Rê!

Ajoelhando-se, Renata estendeu os braços. Com um pequeno grito, Mira voou para seu abraço.

- Ah, minha ratinha! - Renata sussurrou, dando beijos aliviados na cabeça loira da garota. - Fiquei tão preocupada com você. Desculpe-me por eu não ter vindo mais cedo. Está tudo bem, querida?

Mira assentiu com a cabeça, os braços pequenos em volta do pescoço de Renata.

- Eu estava preocupada com você também, Rê. Eu estava com medo de nunca mais voltar a vê-la.

- Eu também, querida. Eu também - Renata odiava ter de soltá-la, mas ainda tinha que sair de lá antes que Fabien e seus companheiros chegassem. Ficou de pé, levantando Mira nos braços. - Temos que correr agora. Agarre-se em mim, certo?

Renata ainda não tinha descido dois degraus com a criança quando as explosões rápidas de tiros irromperam de todas as direções em algum lugar fora da casa.

Dragos estava ansioso para demonstrar a beleza tecnológica da coleira de raios ultravioleta que o Caçador usava quando o inferno desabou fora da reunião. Ele disparou um olhar mortal a Edgar Fabien quando o grupo pulou de seus assentos em alarme atordoado.

- O que está acontecendo lá fora? - exigiu de seu anfitrião. - Essa é outra de suas incompetências?

O rosto estreito de Fabien tinha uma sombra pálida.

- Eu... não sei... senhor. Seja o que for, tenho certeza de que meus agentes resolverão.

- Ao diabo seus agentes! - Dragos rugiu. Ele tateou para o rádio e emitiu uma ordem para o motorista levar o barco. Em seguida, olhou para o rosto do Caçador. - Fora, agora. Cuide disso. Mate todos que cruzarem seu caminho.

O Caçador - o soldado altamente treinado, obediente e impecável - apenas ficou ali, imóvel como um pilar de pedra.

- Fora. Eu ordeno!

- Não.

- O quê? - Dragos não podia acreditar em seus ouvidos. Ele sentiu os olhares de seus subordinados fixos nele. Ele podia sentir a descrença deles, a dúvida deles. Um silêncio floresceu, maduro, com a expectativa. - Eu lhe dei uma ordem direta, Caçador. Faça-o, ou vou acabar com você aqui e agora.

Com tiros chegando aos muros da casa, o Caçador teve a audácia de olhar Dragos nos olhos e balançar a cabeça.

- De qualquer forma, estou morto. Se quer que eu lute para que você possa viver, desative o meu colar.

- Como ousa sequer sugerir...

- Está perdendo tempo - disse ele, aparentemente imperturbável com caos crescente à sua volta. - Liberte-me deste colar, seu filho da mãe arrogante.

Nesse momento, um dos fracos vigias de Fabien apareceu correndo pela porta entreaberta.

- Senhor, estamos sendo alvejados por todos os lados. Não podemos ter certeza ainda, mas deve haver um exército na floresta nos cercando.

- Ah! Jesus! - Fabien engasgou. - Vamos todos morrer!

Dragos rosnou em fúria, sem a menor confiança de que os guardas de Fabien pudessem encontrar seus próprios traseiros, muito menos proporcionar uma cobertura adequada para o grupo de machos da Raça de alto escalão que estavam olhando naquele momento para Dragos como seu líder para ajudá-los a fugir. Esperando que ele decidisse se os salvaria ou se deixaria a prometida revolução cair por terra.

- Terminamos por aqui - ele rosnou. - Todo mundo para fora pela porta de trás, para o barco. Sigam-me.

Quando o grupo começou a sair em torno dele, Dragos lançou um olhar ameaçador por cima do ombro para o Caçador. Ninguém disse uma palavra – o ódio mútuo era suficiente para ler em seus olhares quando Dragos pôs a mão no bolso e pegou o dispositivo que controlava a coleira do Caçador e digitou o código que a desativava.

No instante que a coleira se desligou, o Caçador estendeu a mão e a arrancou do pescoço. Então, com um olhar de descrença, de fria determinação, ele caminhou para fora da porta em direção ao caos que se estendia do lado de fora.


Capítulo 32

Nikolai sorriu sozinho quando sua tática de distração criou uma confusão repentina e maciça em todo o complexo. Os Agentes em guarda corriam precipitadamente em pânico total, mais de um recebeu um golpe da explosão de disparos que vinham de todas as direções do bosque. Niko ordenou que uma videira enrolasse os ramos no gatilho de sua última M16 escondida.

Quando a videira fez como as anteriores, segurando o fuzil no alto e aplicando uma pressão cada vez maior no gatilho, o galho verde ficou mais grosso e mais forte, então Niko correu para a entrada lateral da casa.

Não foi difícil encontrar Renata. Seu vínculo de sangue era um farol para ele, levando-o através da parte traseira do lugar para um voo por cima das escadas. Renata estava descendo com Mira apertada nos braços. Ela encontrou o olhar dele e, por um instante infinito, nenhum dos dois disse uma palavra. Nikolai queria dizer como estava arrependido, e como estava aliviado por ela ter encontrado a criança ilesa.

Ele tinha mil coisas que queria dizer a Renata naquele momento, principalmente que a amava e que sempre a amaria.

- Rápido – ele murmurou. - Precisamos sair daqui agora.

- O tiroteio está por toda parte - disse Renata, a preocupação marcando suas feições. - O que está acontecendo?

- Apenas diversão. Tive que criar uma oportunidade para conseguir tirar você daqui.

Ela parecia aliviada, mas só por um segundo.

- Fabien e os outros... Eu os ouvi saindo pelo caminho de trás há alguns minutos.

- Estou trabalhando nisso - Niko disse. - Agora vá. Não pare por nada. Leve Mira de volta para o carro. A Ordem deve chegar a qualquer minuto.

- Nikolai...–disse Renata, olhando Nikolai firmemente, fazendo-o parar na esperança de ouvir o perdão ou uma afirmação de que ela ainda podia amá-lo depois de tudo o que tinha acontecido. Ela prendeu seu olhar, formando um vinco entre as sobrancelhas. - Seja cuidadoso.

Ele ofereceu-lhe um aceno triste, não sentindo o comum aumento de adrenalina que precedia o combate. Aqueles dias pareciam séculos atrás, quando nada mais importava para ele exceto a glória da batalha e o triunfo da vitória, por mais sem sentido que fosse.

Agora tudo importava, sobretudo em se tratando de Renata. Sua segurança e felicidade eram tudo o que importava, mesmo que isso significasse que ele poderia não estar em cena.

- Leve Mira de volta para o carro - disse novamente. - Mantenha a cabeça baixa e cuide-se. Vamos tirá-las daqui.

Ele esperou até que Renata saísse correndo, então foi para a porta dos fundos da propriedade por onde seus inimigos tinham fugido.

A lancha estava parada na doca quando Dragos e os outros correram ladeira abaixo para pegá-la. Ao redor da floresta e até perto da casa, os agentes de Fabien mexiam-se como formigas que tinham acabado de perder a casa. Tiros iluminavam a noite de modo tão enlouquecido que era impossível dizer quais rajadas vinham dos aliados e quais dos aparentes intrusos.

Tudo que Dragos sabia era que não ficaria para enfrentar a Ordem ou esperar que alguém o derrubasse.

Quando ele e seu grupo começaram a subir no barco, Dragos colocou-se no caminho de Edgar Fabien.

- Não há espaço a bordo para você - disse para o líder do Refúgio de Montreal. - Você nos prejudicou bastante com sua idiotice. Você fica aqui.

- Mas... senhor, eu... por favor, posso garantir que não vou decepcioná-lo novamente.

Dragos sorriu, mostrando as pontas de seus dentes.

- Não, você não vai.

Dizendo isso, levantou uma pistola 9 mm e disparou um tiro mortal direto entre os olhos redondos de Fabien.

- Vamos! - ordenou ao condutor do barco, Edgar Fabien completamente apagado quando o motor rugiu e a embarcação os levou até o hidroavião que esperava na outra extremidade do lago.

Ele chegou tarde demais.

Niko encontrou alguns Agentes em seu caminho até o lago, mas quando chegou lá, a lancha não passava de uma agitação na água. Nikolai disparou alguns tiros atrás deles, mas estava apenas perdendo balas. O cadáver de Edgar Fabien jazia na doca de madeira. Dragos e os outros já estavam do outro lado do lago naquele momento.

- Maldição.

Alimentado pela fúria e pela determinação, Nikolai começou a se movimentar ao longo da costa, recorrendo à velocidade sobrenatural que todos os da sua espécie possuíam quando precisavam. O barco era rápido, mas a água estava cercada de terra. Em algum ponto Dragos e seus companheiros teriam de desembarcar e pegar outro meio para terminar a fuga. Com alguma sorte, Niko poderia alcançá-los antes que fugissem.

Ele não sabia quão longe estavam - um quilômetro, provavelmente – quando, de repente, seu peito congelou de medo.

Renata.

Algo estava errado. Terrivelmente errado. Ele podia sentir as emoções de Renata como se fossem suas. Ela, a corajosa e imperturbável Renata, agora estava morrendo de medo.

Ah! Cristo! Se alguma coisa acontecesse com ela...

Não. Ele não podia sequer pensar nisso.

Com todos os pensamentos sobre Dragos deixados de lado, Nikolai virou e continuou em alta velocidade, rezando para chegar a tempo.

Ela não tinha visto o vampiro enorme vindo.

Em um minuto estava cortando o mato escuro com Mira firme em seus braços e, no minuto seguinte, viu-se olhando para o rosto implacável e para os impiedosos olhos dourados de um macho da Raça, cujo imenso torso nu, ombros e braços estavam cobertos por um espesso padrão de dermoglifos.

Era um Primeira Geração; Renata soube instintivamente. Seus instintos também diziam que aquele macho era mais letal do que a maioria, frio como pedra.

Um assassino.

O terror a cobriu como uma maré negra. Ela sabia que se o atacasse era melhor ter certeza de que poderia matá-lo rapidamente, ou então ela e Mira seriam mortas no mesmo instante. Não se atreveu a tentar quando Mira podia sofrer caso ela falhasse.

Santa Mãe de Deus, chegar tão longe, finalmente ter Mira em seus braços, a poucos passos da liberdade... e agora... Jesus Cristo!

- Por favor - Renata murmurou, desesperada para atrair a mais leve misericórdia. - A criança não. Deixe-a ir... por favor, deixe a criança, não lhe faça mal...

O silêncio do vampiro era irritante. Mira tentou levantar a cabeça do ombro da amiga, mas Renata gentilmente a empurrou de volta para baixo, não querendo que ela se assustasse com o mensageiro da morte que, sem dúvida, tinha sido enviado por Edgar Fabien ou por Dragos. Ou pelo próprio Diabo em pessoa, maldito seja.

- Vou colocá-la no chão - Renata disse a ele, sem ter certeza de que ele a compreendia e que muito menos concordaria. - Apenas... deixe a criança ir. Sou eu quem você quer, não ela. Apenas eu.

Os olhos de falcão dourado seguiam cada movimento de Renata enquanto ela cuidadosamente tirava Mira dos braços e lentamente colocava os pés da menina no chão. Renata colocou-se entre o assassino e a criança, rezando para que a morte dela fosse suficiente para satisfazer ao assassino e ao seu mestre do mal.

- Rê, o que está acontecendo? - Mira perguntou por trás de suas pernas, as mãos pequenas segurando-lhe as calças enquanto olhava ao seu redor. - Quem é esse homem?

O vampiro deixou seu olhar de pedra viajar até a origem daquela voz minúscula. Ele olhou. Sua cabeça raspada virou lentamente para o lado. Então, ele fez uma careta.

- Você - disse ele, com uma voz tão profunda que estremeceu todo o caminho até a medula Renata. Algo sombrio passou em seu rosto. - Deixe-me vê-la.

- Não - declarou Renata, segurando Mira atrás de si e bloqueando-a como um escudo. - Ela é apenas uma criança. Não fez nada contra você ou qualquer outra pessoa. Ela é inocente.

Ele lançou a Renata um olhar tão feroz que quase a derrubou.

- Deixe-me ver os olhos dela.

Antes que pudesse recusar mais uma vez, antes que pudesse pensar em alguma forma de pegar Mira e fugir o mais rápido possível, Renata sentiu Mira dar um passo para sair detrás de sua proteção.

- Mira, não.

Tarde demais para interromper o que aconteceria. Renata só pôde olhar com terror quando Mira caminhou direto para fora e olhou para cima, subindo para o duro olhar do letal vampiro Primeira Geração.

- Você... - disse ele novamente, olhando para o doce rosto de Mira.

Renata poderia dizer o momento em que começou a testemunhar o presente de Mira. Os olhos dourados dele ficaram tempestuosos, e ele olhava, absorto, enquanto a criança mostrava seu futuro. Ele chegou mais perto, muito perto, até que os braços maciços poderiam atacar e quebrar Mira inadvertidamente.

- Não... - ela deixou escapar, mas ele já estava chegando até Mira.

- Está tudo bem, Rê - Mira sussurrou, em pé diante do vampiro, tão inocente como uma criancinha que vagava na cova dos leões.

E foi então que Renata percebeu que algo de extraordinário estava para acontecer.

- Você me salvou - ele sussurrou, com as mãos enormes nos pequenos ombros de Mira. O vampiro se ajoelhou, ficando no nível da criança. Quando ele falou, a voz letal estava tranquila, com espanto e confusão. - Você salvou minha vida. Eu vi isso, agora, em seus olhos. Vi naquela noite também...


Capítulo 33

O coração de Nikolai congelou dentro de seu peito, um crescente pânico, medo transformado em gelo. Com o tiroteio ainda em erupção na área, ele tinha dado uma volta pela floresta até o lugar onde seu sangue tinha mostrado que encontraria sua Companheira apavorada.

Renata estava lá. Na escuridão da floresta banhada pela luz da lua, imóvel como uma estátua e olhando um imenso vampiro Primeira Geração agachado diante de Mira, segurando a criança com suas enormes mãos.

Jesus Cristo.

Niko moveu-se silenciosamente, rastejando para se aproximar e tentar encontrar uma posição em que poderia atirar sem colocar Renata ou a menina no fogo cruzado.

Ataque-o com uma onda, Renata. Faça-o cair e corra como se estivesse correndo do diabo.

Ela não lançou o poder mental sobre ele. Ela não tentou contrair um dedo na direção de qualquer uma de suas armas, psíquica ou não. Não, para o horror de Niko, ela não moveu sequer um dedo. Apenas ficou ali, no centro do que rapidamente se transformaria em uma tempestade infernal de sangue e violência.

O próprio medo de Niko naquele momento era insondável. Tudo o que ele sentia era o terror rasgando-o por dentro, seus ossos congelados, um desespero tão selvagem dentro do coração que batia como um tambor no peito.

Ele tirou as pistolas 9 mm de seus coldres laterais e avançou. Embora estivesse se movendo a um ritmo que apenas alguém da Raça poderia controlar, Renata olhou para cima. Ela o sentiu ali, movendo o ar ao seu redor, mesmo que os olhos não conseguissem registrar a velocidade. O sangue dele nela lhe disse que seu macho estava perto, assim como o seu sangue correndo nele sempre o faria encontrá-la.

Ele estava muito consumido pela raiva para notar que ela olhava para ele com alarme e não para o inimigo vampiro que enfrentava.

Nikolai avançou como um flash, totalmente preparado para matar. Ele parou logo atrás do grande Primeira Geração, as duas pistolas apertadas contra os glifos que seguiam até a parte traseira do crânio raspado do vampiro.

Tudo aconteceu em um piscar de olhos, mas parecia em câmara lenta na consciência de Nikolai.

Ele apontou as armas, os dedos nos gatilhos.

Os olhos de Renata se abriram. Ela balançou a cabeça.

- Niko, espere... não!

O Primeira Geração soltou Mira, deixando as grandes mãos caírem ao seu lado. Ele nem sequer reagiu às armas apontadas em sua cabeça. Seu peito expandiu quando puxou uma respiração longa, então deixou o ar sair em um suspiro resignado.

Ele não estava lutando contra sua morte.

Ele não se importava se morresse.

E então Mira gritou, a voz da criança alta com o medo.

- Não! Não o machuque!

Nikolai assistiu incrédulo e com espanto total quando Mira jogou seus braços em torno dos ombros largos do Primeira Geração.

- Por favor, não o machuque! - ela chorou, olhando para Niko, suplicando-lhe enquanto tentava proteger o vampiro com seu corpo minúsculo.

- Nikolai - Renata prendeu seu olhar quando ele a olhou, incrédulo, as duas pistolas de grande porte ainda armadas e prontas, niveladas na cabeça do Primeira Geração. - Nikolai... por favor, está tudo bem. Espere.

Ele franziu a testa, mas sua atitude guerreira relaxou um pouco.

- Levante-se - ordenou ao vampiro.–Levante-se e afaste-se da criança.

O Primeira Geração obedeceu sem qualquer comentário, lentamente, soltando os braços de Mira do seu pescoço e empurrando-a para longe enquanto levantava.

Niko se moveu para enfrentá-lo, as armas ainda sobre ele, quando orientou tanto Renata quanto Mira a ficar atrás dele.

- Quem diabos é você?

Os olhos sóbrios, inexpressivos, fitaram a terra.

- Chamam-me de Caçador.

- Você não é um Agente - disse Nikolai, cautelosamente.

- Não. Eu sou um Caçador.

Renata levou Mira para perto, segurando-a enquanto o caos na floresta e na casa lentamente morria em torno deles.

- Seus olhos, Nikolai - disse ela, entendendo agora. - Ele é o assassino que tentou matar Sergei Yakut naquela noite. Foi ele quem Mira viu no retiro de Yakut.

A expressão de Nikolai escureceu.

- É verdade? Você é um assassino de aluguel?

- Eu era - o Caçador deu um aceno triste e, finalmente, levantou o olhar. - A criança me salvou... Algo mudou em mim depois que eu vi a visão nos olhos dela naquela noite. Eu a vi salvar minha vida, exatamente como aconteceu há pouco.

No instante seguinte, a floresta ganhou vida com homens armados se deslocando sobre eles de todas as direções. Nikolai tinha as armas na mão, mas não fez nenhum movimento para disparar sobre as ameaças recém-chegadas. Renata entrou em pânico.

- Ah, merda. Niko...

- Está tudo bem - ele a acalmou com um olhar tranquilizador e algumas palavras gentis. - Estes são os mocinhos, meus amigos da Ordem.

Ela observou quando quatro dos guerreiros amigos de Nikolai entraram na área. Todos eram formidáveis no tamanho e na atitude, um grupo de músculos e de força que parecia sugar todo o ar da floresta pela simples presença dele.

- Como vai, hermano? Tudo bem aqui? - perguntou a voz suave que agora Renata reconhecia como pertencente a Rio.

Nikolai assentiu com a cabeça, os olhos e armas ainda apontadas na direção do Primeira Geração.

- Tenho tudo sob controle, mas a situação na casa está arruinada. Edgar Fabien está morto e Dragos e os outros fugiram pela costa. Foram de barco para o outro lado do lago. Tentei segui-los, mas... - olhou para Renata. - Tinha que me assegurar de que tudo estava bem por aqui primeiro.

- Nós ouvimos o zumbido de um motor de avião pequeno quando chegamos - disse Rio.

- Droga - Nikolai sussurrou. - Eram eles, sem dúvida. Fugiram. Diabos, Dragos estava aqui e nós perdemos o filho da mãe maldito.

- Deixe-me ajudar a encontrá-lo.

Todos os olhos se voltaram para o vampiro ainda detido na mira de Nikolai.

- Por que confiaríamos em você? - Nikolai perguntou, estreitando o olhar. - Por que estaria disposto a nos ajudar a colocar as mãos em Dragos?

- Porque ele é a pessoa que me criou - não havia calor no tom dourado dos olhos do Primeira Geração assassino quando respondeu à pergunta, apenas ódio gelado. - Ele me fez o que sou. Eu e todos os outros Caçadores criados por ele para matar.

- Ah, meu Deus! - Renata respirou. - Você quer dizer que há outros como você?

A cabeça raspada do Caçador acenou sobriamente.

- Não sei quantos nem onde estão, mas Dragos me disse que não sou o único de minha espécie. Há outros. Muitos outros.

- Por que devemos acreditar em você? - perguntou outro dos guerreiros, quase tão sombrio quanto a noite ao seu redor, seus dentes e presas brilhando como pérolas contra sua pele morena.

Outro guerreiro interveio, então, de olhos rápidos e sagazes, astuto como um lobo sob os pontos de ébano de seus cabelos cortados.

- Deixe Tegan nos dizer se podemos confiar nele.

Renata assistiu com espanto e um pouco de medo quando o maior do grupo, um guerreiro que parecia um fantasma perseguindo as sombras, deu alguns passos a frente. Imenso, com cabelos alourados sob o capuz preto de malha que usava, ele era um grande bloco de músculos másculos e energia sombria. Facilmente tão grande quanto o Primeira Geração diante dele, esperando seu julgamento.

Sem dizer nada, o guerreiro chamado Tegan estendeu sua enorme mão. O Caçador a pegou, seus olhos tão constantes quanto seu aperto.

Após um longo momento, Tegan deu um aceno vago.

- Ele vem com a gente. Vamos lacrar este lugar e dar o fora daqui.

Renata sentiu o enorme peso da tensão do momento ser removido, dando lugar a um novo propósito. O grupo se dividiu, a maioria dos guerreiros indo cuidar das coisas na casa de Fabien enquanto Rio e Nikolai andavam com Renata, Mira e seu companheiro inesperado de volta ao veículo à espera da Ordem.

Já perto, Nikolai pegou a mão de Renata.

- Encontramos você lá, Rio.

O guerreiro assentiu. À medida que avançavam, Renata olhou maravilhada e atemorizada quando Mira deslizou sua mão muito pequena na palma maior do Caçador.

- Meu Deus - disse ela a Nikolai. - O que está acontecendo?

Ele balançou a cabeça, claramente surpreso como ela.

- Vou levar algum tempo para descobrir isso, acho. Mas primeiro quero esclarecer as coisas entre nós.

- Nikolai, desculpe-me.

Ele a silenciou com um beijo longo e doce, puxando-a em seus braços quentes e musculosos.

- Eu estraguei tudo, Renata. Eu estava com tanto medo de perder você que a empurrei para longe de mim com uma mentira, fui um estúpido imprudente! Eu nunca me perdoaria se alguma coisa acontecesse com você ou Mira. Você é meu coração, Renata. Minha vida - ele acariciou-lhe o rosto, seu olhar a engolindo inteira. - Eu te amo tanto... Não quero viver um só momento sem você ao meu lado.

Ela fechou os olhos, dominada pela emoção.

- Eu nunca quis nada mais - ela sussurrou, sua garganta fechada com alegria. - Eu também te amo, Nikolai. Mas tem que entender que venho com um pacote agora. Mira não é minha filha de sangue, mas é de coração. Eu a amo como se fosse minha.

- Eu sei - disse sobriamente. - Você já provou isso.

Renata olhou para ele, incapaz de conter a esperança que se espremia em seu peito.

- Você acha que pode encontrar espaço em sua vida e em seu coração para nós duas?

- O que a faz pensar que eu já não tenha feito isso?–ele a beijou novamente, dessa vez com ternura. Quando olhou nos olhos dela, seu olhar era tão cheio de amor que lhe varreu o fôlego. - Vamos dar o fora daqui agora. Quero levar minhas garotas para casa.


Capítulo 34

Boston. Três noites depois.

O complexo da Ordem pareceu muito diferente para Nikolai quando ele andou pelo corredor que conduzia ao laboratório de tecnologia onde tinha se reunido com os outros guerreiros. A missão de capturar Dragos sofrera um golpe significante há algumas noites, mas também tinham ganhado uma vantagem muito inesperada na sua busca e encerramento da operação.

Infelizmente, embora o Caçador tivesse se tornado um valioso aliado, a Ordem também tinha perdido um membro crucial e confiável amigo: Andreas Reichen tinha sumido completamente e a notícia de Berlim era a pior possível. Ninguém sabia se o líder do Refúgio alemão tinha sobrevivido ao ataque em sua residência. Baseado na matança de toda sua família e no fogo que consumira a propriedade inteira, a Ordem tinha poucas esperanças de encontrar o amigo vivo.

Pessoalmente, Nikolai pensou que seria consolador para Reichen se ele tivesse morrido no ataque. Ele sabia que uma perda tão profunda jamais poderia ser superada. Certamente nenhum homem, da Raça ou não, seria forte o suficiente para sair ileso de um golpe tão brutal na alma. Como um guerreiro, Nikolai entendia baixas em combate. Todo guerreiro entrava na batalha sabendo que ele ou seus irmãos podiam não retornar para a base. Mas perder uma família...

Ele não queria nem mesmo considerar o que isso faria com um homem. Em vez disso, Nikolai se concentrou nas bênçãos que tinha, uma das quais podia ser ouvida falando baixinho quando ele se aproximou da porta aberta de seus aposentos.

Renata estava lá dentro, sentada no sofá da sala, lendo para Mira.

Por um momento, quando Niko aproximou-se da entrada, encostou-se na soleira da porta, simplesmente ouvindo e deleitando-se com a visão da bela mulher que agora era sua Companheira. Ele adorava ver como Renata ficava tão confortável com um livro quanto segurando uma arma. Ela tinha uma suavidade que ele admirava, uma inteligência que o desafiava continuamente e uma força interior que o fazia procurar ser um homem digno de sua devoção.

Não era nada mal também que ela fosse mais quente do que o inferno, sobretudo quando ela estava com o olhar na sua 9 mm ou treinando com suas adagas queridas no centro de treinamento. Kade e Brock tinham estado quase permanentemente na sala de armas nos últimos dias, só pela possibilidade de treinar com Renata ou olhá-la em ação. Nikolai não podia culpá-los. Mas quando sentiu o beliscão leve do ciúme, bastou um olhar malicioso de sua mulher para colocá-lo à vontade. Ela o amava e Nikolai era o macho mais sortudo do planeta.

- Oi - disse, olhando enquanto virava a última página de um capítulo e parava para cumprimentá-lo.

- Olá, Niko - Mira sussurrou sob o véu curto. - Você acabou de perder uma parte muito boa da história.

- Mesmo? Talvez eu possa convencer Renata a ler para mim mais tarde - disse ele, enviando um olhar aquecido para sua Companheira quando entrou na sala. Ele caminhou até o sofá e se agachou na frente de Mira. - Tenho algo para você.

- Sério? - o rosto dela se iluminou com um pequeno sorriso. - O que é?

- Uma coisa que pedi a Gideon para você. Tire seu véu, e vou lhe mostrar.

Ele não perdeu o olhar protetor de Renata quando Mira afastou o tecido preto para longe do seu rosto.

- O que é?

- Tudo bem - disse ele, tirando uma pequena caixa de plástico do bolso da calça jeans. - Você pode confiar em mim. Ambas podem confiar em mim.

Renata relaxou, e olhou quando Nikolai retirou a tampa de um recipiente de lentes de contato.

- Estas são as lentes especiais que Gideon acha que vão ajudar com seus olhos. Você gostaria de nunca mais usar o véu de novo?

Mira concordou com entusiasmo.

- Deixa eu ver, Niko!

- Que tipo de lentes são essas? - Renata perguntou, cautelosamente otimista.

- Íris opacas para proteger o efeito de espelhamento dos olhos de Mira. Ela será capaz de ver através delas, mas ninguém que olhar para ela vai notar nada de incomum sobre os olhos. Suas íris serão cobertas, da mesma forma que o véu cobre. Eu pensei que seriam melhores.

Renata acenou, sorrindo calorosamente para ele.

- Muito melhor. Obrigada.

- Posso experimentá-las? - Mira perguntou, ansiosamente olhando a pequena caixa nas mãos de Niko. - Olha, Rê, são roxas!

- Essa é sua cor favorita - disse ela, jogando um olhar interrogativo sobre Nikolai.

Ele tinha mudado muito nos últimos dias, empreendendo um papel que nunca se imaginou, sem falar no fato de se ajustar tão confortavelmente nele. Ele era um macho com laço de sangue com uma Companheira de Raça que o amava e uma criança para criar como sua. E ele apreciou as duas ideias.

Ele, um dissidente e imprudente, tinha uma família própria agora. Era incompreensível para ele, para não mencionar para o resto do complexo. Era a última coisa que sonhou que queria ou precisava e agora, apenas alguns dias depois, não poderia ver sua vida de outra maneira.

Seu coração nunca se sentiu tão completo.

- Deixe-me ajudá-la com isso - disse Renata, pegando as lentes das mãos de Niko com cuidado e colocando-as em Mira. Quando estavam no lugar há alguns segundos e o talento da criança não se manifestou, Renata sorriu. - Ah, meu Deus. Funcionou, Nikolai! Olhe para ela. As lentes funcionam perfeitamente.

Ele olhou para as piscinas violeta nos olhos alterados de Mira e viu... nada. Apenas o feliz e despreocupado olhar de uma criança.

Renata jogou os braços em volta dele e o beijou. Mira estava bem atrás dela e Niko pegou as duas em um sincero abraço.

- Há mais - disse, esperando que gostassem do resto da sua surpresa. Ele se levantou e pegou cada uma delas pela mão. - Venham comigo.

Ele as levou pelo corredor até o elevador que subia da sede subterrânea para a enorme mansão que ficava no piso acima. Ele podia sentir a apreensão de Renata pelo modo como ela apertava-lhe a mão grande e pela adrenalina que lhe corria na corrente sanguínea.

- Não se preocupe - ele sussurrou na orelha dela. -Você vai gostar, eu prometo.

Pelo menos, ele esperava que sim. Ele tinha trabalhado naquilo durante um dia e meio, tentando fazer tudo certo. Ele guiou Renata e Mira ao coração da propriedade, em direção à luz de velas e ao calor da sala de jantar formal. Os aromas de pão e carne assada os receberam. Niko não tinha apreço por comida humana, mas as Companheiras de Raça que viviam no lugar certamente tinham e, a julgar pela aparência das duas mulheres caminhando ao seu lado, elas também.

O espanto brilhou nos olhos de Renata.

- Você fez o jantar?

- Claro que não. Acredite em mim, sou a última pessoa que você iria querer para preparar suas refeições. Pedi alguns favores a Savannah, Gabrielle e as outras mulheres. Seu estômago está em muito boas mãos.

- Mas eu estive com todas elas mais cedo hoje e ninguém disse nada sobre isso.

- Eu queria fazer uma surpresa. Elas queriam surpreendê-la, também.

Renata não disse mais nada, mas ele não pôde deixar de notar que seus passos diminuíam ao chegar mais perto da sala de jantar. Mira, no entanto, pulava com entusiasmo. Assim que chegaram à porta de entrada em arco, ela soltou-se de Niko e correu a mil por hora como se tivesse vivido lá toda sua vida.

Mas Renata, não.

Ela ficou em silêncio e imóvel. Olhou para a mesa cheia de pratos de porcelana e enfeites finos e suspirou levemente. Não disse uma palavra sequer quando olhou para o rosto dos guerreiros e de suas Companheiras de Raça, todos de pé dando-lhe boas-vindas quando ela e Nikolai pararam na porta.

- Ah, Santo Deus! - ela finalmente sussurrou, sua voz quebrada e crua.

Niko a seguiu quando ela recuou, voltando pelo corredor.

Maldição. Ele estava tão certo de que ela desfrutaria de um agradável jantar com todos, mas é óbvio que estava errado.

Quando falou com ele, sua voz estava embargada pela emoção.

- Todo mundo está esperando lá dentro... por nós?

- Não se preocupe com isso - disse ele, puxando-a para seus braços fortes. - Eu queria fazer algo especial para você e estraguei tudo. Sinto muito. Você não tem que fazer isso.

- Nikolai - ela olhou para ele, os olhos brilhantes marejados. - Eu nunca vi nada mais bonito do que aquela mesa, com todos ao redor, em toda a minha vida.

Ele franziu a testa, bastante confuso agora.

- Então, o que está errado?

Ela balançou a cabeça, engolindo um riso estrangulado.

- Não há nada de errado. Nada de errado em nada. Estou tão feliz! Você me faz tão imensamente feliz. Tenho medo desse sentimento. Eu nunca soube o que era e eu estou morrendo de medo que seja apenas um sonho.

- Não é um sonho - disse ele suavemente, acariciando-lhe uma lágrima perdida que deslizava assertivamente pelo rosto macio. - E você pode se segurar em mim se sentir medo. Vou estar ao seu lado enquanto você quiser.

- Para sempre - disse ela, sorrindo para ele.

Nikolai assentiu.

- Sim, meu amor. Para sempre.

O sorriso exultante de Renata explodiu em sua boca. Ela beijou Nikolai forte e, em seguida, caminhou com ele sob o abrigo daquele braço forte para se juntar aos outros. Para se juntar ao resto da sua família.

Capítulo 25

Nikolai sentou-se dentro do abrigo feito de videiras e assistiu a um único raio de luz atravessar as folhas e iluminar os cabelos escuros de Renata enquanto ela dormia. A luz ultravioleta era tóxica para sua espécie – letal após meia hora de exposição contínua - mas ele não resistiu ao desejo de deixar aquele raio de luz entrar pelo pequeno buraco na vegetação. Nos últimos minutos, ele tinha permanecido sentado junto de Renata observando-a, admirando-a, muito intrigado com a forma como a luz cobria-lhe os cabelos de ébano, penetrandolhe os fios de seda e colorindo-os com uma dúzia de tons diferentes: cobre, bronze e vermelho.

Que diabos havia de errado com ele?

Ele estava sentado lá, olhando os cabelos de Renata, pelo amor de Deus! Não apenas olhando, mas olhando-os com total fascinação. Para Niko, isso indicava uma de duas coisas preocupantes: ele devia considerar muito seriamente ter algumas aulas com o famoso cabeleireiro inglês Vidal Sassoon ou estava completamente perdido de amor por aquela mulher.

Perdido tanto quanto no passado, eternamente tomado por outra pessoa. Em algum lugar, de algum jeito, ele se deixou apaixonar por ela.

Isso explicava o porquê de ele não conseguir manter as mãos - e outras partes maiores e mais pulsantes de seu corpo - longe dela. Explicava também o motivo pelo qual tinha passado toda a noite – com exceção da ida rápida à casa de Yakut antes do amanhecer – deitado junto de Renata, sustentando-a em seus braços fortes.

E, se ele precisava de alguma explicação do motivo de seu peito ter ficado tão apertado e tão pesado quando ela começou a chorar na noite anterior, ou por que havia se sentido obrigado a compartilhar com ela seu sentimento de culpa pela perda de Dimitri há tantos anos, ele supôs que estar apaixonado faria sentido.

Por mais que tentasse convencê-la de que ela estava a salvo com ele, Nikolai se sentia a salvo com ela também. Confiava nela plenamente. Mataria para protegê-la, morreria por ela sem hesitar nem por um segundo. Ela podia não fazer parte de sua vida há muito tempo, mas ele já não se imaginava sem ela.

Ah! Merda. Ele realmente tinha se apaixonado por Renata.

- Mas... que... maravilha! - murmurou, fazendo uma careta quando ela se agitou por causa do som de sua voz.

Ela abriu os olhos e sorriu quando o viu sentado ali.

- Olá!

- Bom dia - disse, casualmente alcançando um ramo de videira para fechar o abrigo e deixar do lado de fora os resquícios do raio de sol.

Ele achou o espreguiçar felino dela mais fascinante ainda do que os cabelos. Estava usando a mesma camisa de algodão da noite anterior, a metade dos botões espalhados pelo chão do abrigo natural. A grande camisa estava aberta da metade para baixo, mal cobrindo a nudez de sua fenda. Por ele, sem problemas.

- Como se sente?

Ela pareceu refletir por um segundo, depois olhou para ele com a testa franzida.

- Sinto-me realmente bem. Quero dizer, ontem à noite foi... - ruborizou, uma doce cor rosada preencheu-lhe as bochechas. - Ontem à noite foi incrível, mas pensei que ficaria fora de combate por causa da reverberação. Não entendo... nunca aconteceu nada assim. Quero dizer, tive um pouquinho de dor, mas pelo ataque na casa de Jack, eu devia estar agonizando a noite toda.

- Isso nunca aconteceu antes?

Ela sacudiu sua cabeça.

- Nunca. Cada vez que usava minha habilidade, o efeito retornava.

- Mas ontem à noite não.

- Não, ontem à noite não - ela disse. - Nunca me senti melhor.

Niko talvez pudesse ter feito uma brincadeira sobre os efeitos milagrosos de suas proezas sexuais, mas ele sabia que era um tipo de magia o que fizera Renata suportar o efeito da reverberação.

- Você bebeu de meu sangue ontem. Essa foi a diferença.

- Você acha que seu sangue ajudou não apenas a curar meu ombro, mas também com as reverberações? É possível?

- É definitivamente uma possibilidade. Uma Companheira de Raça que bebe regularmente o sangue de um vampiro se torna muito mais forte do que seria sem ele. O envelhecimento desacelera até ao passo de tartaruga. As células do corpo, os músculos e todo o metabolismo atinge um estado físico visivelmente saudável. E, sim, muitas vezes o sangue de um companheiro também tem impacto na habilidade psíquica das fêmeas.

- Por isso Sergei nunca me deixou beber dele - Renata disse, sua mente veloz para chegar à mesma conclusão a que Niko havia chegado. – Ele não fazia segredo de que gostava que meu poder fosse limitado. Nas vezes que tentei golpeá-lo, nunca pude manter a rajada o tempo suficiente para derrubá-lo. E, no final, o esforço sempre me custava caro demais quando retornava.

- Sergei Yakut era Primeira Geração - Niko recordou. – O sangue dele em seu sistema poderia torná-la praticamente invencível.

Renata zombou em voz baixa.

- Só um grilhão a mais para mim. Ele devia saber que eu o mataria se tivesse a menor esperança de êxito–ficou em silêncio durante um minuto, com os braços cruzados. Depois, arrancou uma fibra de erva do chão do abrigo improvisado. - Tentei matá-lo... no dia em que Mira e eu fugimos juntas. Naquele dia, ele queimou minhas costas com ferro quente. Fez outras coisas também.

Nikolai não tinha que perguntar mais sobre o que ela tinha sofrido. As cicatrizes das queimaduras em suas costas eram atrozes, mas pensar no castigo de Yakut era pior... O sangue de Niko fervia de indignação. O guerreiro, então, colocou a mão sobre a mão dela.

- Sinto muito, Renata.

Ela lançou um firme olhar que não procurava simpatia.

- Sua misericórdia foi a de não ter forçado Mira a assistir tudo o que me fez. Mas Sergei me disse que se ela ou eu tentássemos escapar outra vez, Mira pagaria da mesma forma que eu. Prometeu que seria pior para ela, e eu sabia que ele estava falando sério... Então, fiquei quieta. Eu o obedecia e a cada hora de cada dia rezava por um milagre que eliminasse Sergei Yakut de minha vida - parou, acariciando-lhe o rosto masculino. – E então você chegou e tudo mudou. Suponho que em muitos sentidos, você é meu milagre.

Nikolai segurou-lhe a mão e depositou um beijo no centro de sua palma.

- Ambos somos afortunados.

- Alegra-me que Sergei esteja morto - confessou ela, brandamente.

- Ele devia ter sofrido mais - disse Niko, sem tentar ocultar o tom obscuro de sua voz grossa. - Mas já morreu. E é o que importa.

Renata assentiu.

- E agora Lex também está morto. Os guardas de Yakut... Todos eles estão mortos.

- A essa hora da manhã, ele e os outros na propriedade não passam de um monte de cinzas - Niko disse ao esticar-se para colocar os cabelos negros e brilhantes de Renata atrás da orelha. - Depois que você dormiu ontem à noite, eu retornei lá e abri todas as persianas para que a luz do sol entrasse. Também liguei para Boston para dar os números que estavam no celular de Lex. Gideon entrará em contato quando tiver feito o rastreamento para nos dar os detalhes.

Outro assentimento, sua voz suave tinha um tom de esperança.

- Está bem.

- Enquanto estava lá, trouxe algo que pensei que pudesse precisar.

Inclinou-se para o monte de armas e outros instrumentos que havia recolhido e pegou o pacote de seda e veludo que pertencia a Renata.

- Minhas adagas! - ela disse, seu rosto iluminando-se de alegria quando pegou o pacote nas mãos. Desatou o laço que prendia as armas e desenrolou todo o veludo que cobria as quatro adagas com gravuras personalizadas. - Jack me deu isso...

- Eu sei. Ele me disse que as havia feito para você como um presente. Disse-me que não estava certo de que você as tivesse guardado.

- Elas são muito importantes para mim - murmurou, seguindo o lavrado do punho com a ponta do dedo.

- Eu disse que você ainda as tinha e ele alegrou-se ao escutar quanto elas significam para você.

O olhar cheio de gratidão de Renata banhou o macho da Raça.

- Nikolai... Obrigada por fazer isso pelo Jack. E por me devolver essas adagas. Obrigada mesmo.

Ela se aproximou dele e o beijou. A suave pressão de seus lábios foi algo profundo. Nikolai segurou-lhe o rosto entre as mãos, acariciando-lhe a mandíbula com os polegares grandes, percorrendo o delicado ângulo das maçãs do rosto. Ela abriu a boca enquanto a língua dele percorria a abertura úmida de seus lábios e soltou um doce gemidinho quando ele entrou dentro dela.

As presas dele se estenderam pontudas pela luxúria que corria nele como lava. Entre as pernas, seu sexo era já uma coluna de granito, aceso imediatamente diante da ideia de ter Renata debaixo de si. Quando a mão dela escorregou para baixo, ultrapassando a cintura da calça para tocá-lo, seu membro ereto e ávido saltou, crescendo mais e mais sob o calor da palma da mão de Renata enquanto ela o acariciava.

- Que horas são? – murmurou ela contra a boca febril dele.

Ele grunhiu, muito absorto em suas deliciosas carícias para processar imediatamente aquela pergunta. Através de sua respiração entrecortada, conseguiu responder.

- É cedo. Provavelmente por volta das nove.

- Bem, caramba, acho que é muito cedo - ela murmurou, separando sua boca da dele e deixando um rastro de beijos ao longo da garganta e do pomo-de-adão. - Não pode sair na luz do sol, não é mesmo?

- Não.

- Humm – os lábios úmidos dela desceram sobre o peito nu e suado dele. Ele recostou-se sobre os cotovelos enquanto ela seguia o contorno dos glifos com a ponta rosada de sua língua sapeca, percorrendo os arcos e redemoinhos ao redor de seus mamilos e através do seu tórax. Quando falou, sua voz vibrou em todos os ossos de Niko:

- Então, suponho que isso significa que estamos presos aqui por um tempo, não é?

- Sim. - A palavra saiu ofegante. O beijo dela viajou devagar para baixo, além do umbigo do macho da Raça, seguindo as linhas dos dermoglifos, em direção à parte do corpo dele que palpitava pela necessidade de sentir os lábios úmidos e quentes dela apertando-se ao seu redor. - Suponho que estamos presos aqui até de noite.

- Hum hum.

Ela prendeu o cordão das calças dele entre os dentes e deu um forte puxão. O nó caiu solto e então ela baixou as calças o suficiente para fazer a cabeça enorme do membro dele despontar ansiosa. Ela o lambeu, observando o rosto de Niko enquanto desenhava redemoinhos com a língua diabólica ao redor da carne e sugava uma gota do fluido viscoso que brotava ali.

- Ah!

- Então... - ela murmurou, seu fôlego flutuando através da pele umedecida pelo suor dele, atormentando-o ainda mais. - O que vamos fazer aqui o dia todo enquanto esperamos a noite chegar?

Niko riu.

- Querida, posso pensar em umas cem coisas que eu gostaria de fazer contigo.

Ela sorriu desafiante.

- Apenas cem?

Antes que ele pudesse lhe dar uma resposta inteligente, ela envolveu o pênis dele com os lábios e o tomou profundamente dentro da boca. E enquanto o corpo de Niko explodia de prazer, ele se viu rezando para que o tempo e os dias a sós com aquela incrível mulher – sua mulher – pudessem se estender para sempre.


Capítulo 26

Renata caminhou para a porta de trás da propriedade de Yakut e parou na soleira. Ela havia deixado Nikolai no refúgio de videiras quando decidiu que sua necessidade de um banho, de uma ducha quente e de roupas limpas que realmente coubessem nela eram maiores do que sua resistência em jamais colocar novamente os pés na casa de Sergei Yakut.

Agora ela duvidava. No início da tarde, o sol era uma presença alentadora, mas no lado de dentro a propriedade era escura e fria. Sombras caíam sobre a mobília desarrumada e estendiam-se pelas tábuas rudes do chão. Renata avançou e caminhou para o lugar onde Lex havia caído.

O corpo dele havia desaparecido, assim como o sangue. Nada além de um pequeno rastro de cinzas deixado para trás – como Nikolai prometera. As persianas sobre a janela da sala estavam totalmente abertas, mas o sol já havia passado. Uma fresca brisa carregava o aroma de pinheiro e o ar fresco do bosque para a umidade calma do lugar. Renata respirou profundamente, enchendo os pulmões, deixando a fragrância de um novo dia expurgar as lembranças de toda aquela morte, aquele sangue e aquela violência que tinham coberto o lugar na noite anterior.

Hoje, sob aquela nova luz, muitas coisas pareciam diferentes para ela.

Ela mesma parecia diferente. E sabia a razão. Estava apaixonada.

Pela primeira vez em muito tempo (talvez em toda a sua vida), Renata verdadeiramente sentia a esperança acomodada em seu coração, uma esperança de que o futuro lhe reservava algo além da mera sobrevivência, que ela poderia em algum momento medir a felicidade em anos e não apenas em momentos raros e fugidios. Estar com Nikolai, fosse em seus braços ou ao seu lado, fazia Renata acreditar que muitas coisas eram possíveis.

Ela caminhou pela grande sala, apoiando-se no fato de que aquela seria a última vez que precisaria ver aquele lugar. Aquilo era um adeus.

Quando ela e Nikolai saíssem dali para continuar a busca por Mira, aquele albergue, aquele terrível celeiro, aquele canil na parte de trás da construção, Sergei Yakut, Lex e todos os outros que marcaram os últimos dois anos de sua vida seriam apenas lembranças. Ela deixaria tudo ali, e o terror e a dor seriam, de alguma forma, banidos de seu futuro.

Aquela parte de sua vida havia terminado.

Ela entrou no pequeno banheiro que havia compartilhado com Mira, em paz consigo e com tudo ao seu redor enquanto ligava a água quente da ducha. Quando o vapor úmido começou a sair pela cortina, ela desabotoou uns poucos botões da camisa emprestada de Jack e ficou ali por um momento, parada, nua, contemplando seu futuro com olhos renovados. Não sabia o que a esperava uma vez que a noite caísse e uma nova jornada começasse, mas estava disposta a enfrentar o que quer que fosse.

Com Nikolai ao seu lado – com a esperança e o ardente amor tão resplandecente quanto uma chama em seu coração –, Renata estava preparada para enfrentar tudo.

Como um cavalheiro destinado a uma batalha que procura uma bênção, Renata deu um passo debaixo da água quente da ducha. Fechou os olhos em uma solene oração enquanto a reconfortante água caía-lhe sobre o corpo nu.

Nikolai permanecia no abrigo de videiras enquanto os passos de Renata se aproximavam.

- Toc, toc - ela o chamou através das folhas. – Estou entrando, então cuidado com a luz do dia. Eu não gostaria que você torrasse por mim.

Ela afastou algumas folhas verdes e avançou, pronunciando uma rápida desculpa quando notou que ele tinha o telefone celular de Lex no ouvido. Niko havia ligado para a Ordem pouco depois que ela fora tomar banho. As notícias de Boston eram uma mistura de boas e más, além de uma dose extra de sérios problemas.

As boas? Um dos números no telefone de Lex era, de fato, de Edgar Fabien. Sem muito esforço, Gideon havia sido capaz de rastrear os registros da base de dados de identificação internacional de Fabien. Agora, a Ordem tinha os endereços da residência do líder do Refúgio de Montreal, sua casa no interior e todos os dados de todas as outras propriedades privadas, tanto de negócios como pessoais. Gideon tinha acesso aos números de telefone celular de Fabien, carteira de motorista, arquivos do computador e até mesmo da vigilância eletrônica do Refúgio do maldito filho da mãe.

E era nesse ponto que começavam as más notícias.

Edgar Fabien não estava em casa. Gideon havia interceptado o sinal de um canal de vídeo mais cedo naquela noite e visto um grupo de sete machos da Raça – um deles provavelmente era Fabien – deixando o Refúgio em companhia de uma escolta armada da Agência de Execução. Era difícil dizer quem eram os visitantes de Fabien, já que todos pareciam iguais em ternos sob medida e com os rostos completamente ocultos por capuzes pretos.

Quanto à dose extra de sérios problemas, o grupo de vampiros havia saído com uma menina. Uma jovem que evidentemente não os havia seguido tranquilamente. A descrição de Gideon da criança loira não deixava dúvida de que se tratava de Mira.

- Ainda está me ouvindo? - Gideon perguntou do outro lado da linha.

- Sim, continuo aqui.

- Lucan quer que Fabien seja trazido a Boston para um interrogatório. Isso significa que precisamos dele vivo, cara.

Niko soltou uma maldição.

- Primeiro, temos de encontrar esse filho da puta.

- Sim, estou trabalhando nisso. Rastreei o GPS do telefone celular de Fabien. Consegui um sinal de um lugar a aproximadamente uma hora ao norte da propriedade de Yakut. Uma das propriedades de Edgar Fabien. Ele deve estar lá.

- Tem certeza?

- Tanta que já enviamos reforços. Tegan, Rio, Brock e Kade estão a caminho para encontrar-se com você enquanto falamos.

- Reforços a caminho? - perguntou Niko, olhando uma parte de luz ultravioleta que aparecia através das folhas do refúgio. A Ordem tinha trajes de proteção solar para situações de emergência, mas até mesmo uma geração antiga de vampiros vestidos dos pés à cabeça com trajes protetores de raios ultravioletas seria incapaz de resistir à luz solar golpeando no assento do motorista em uma viagem de quase sete horas. - Jesus! Não pode estar falando a sério. Quem teve essa ideia?

Gideon riu.

- As fêmeas teimosas, meu caro. Não sei se você notou, mas fomos invadidos por elas nos últimos tempos.

- Sim, notei.

Niko não pôde deixar de lançar um olhar para Renata, que estava verificando algumas das armas que tinham recolhido de Lex e dos outros.

- Qual é a situação, então?

- Dylan está levando os caras em uma Rover e Elise está montando guarda. Devem chegar aí por volta das nove, exatamente depois do pôr do sol. Como Fabien tem vários sócios desconhecidos com ele, vamos precisar entrar e sair de lá com cuidado, sem vítimas desnecessárias - Gideon fez uma pausa. - Escuta, sei que você está preocupado com a menina. A segurança dela é importante, sem dúvida, mas isso é grande, Niko. Se Fabien pode nos levar a Dragos, temos que nos assegurar de capturá-lo esta noite. Essa é a missão número 1, ordenada diretamente por Lucan.

- Sim - disse Nikolai. Ele sabia qual era a missão. Também sabia que não podia decepcionar Renata ou Mira. – Inferno... Certo, Gideon, eu entendi.

- Ligarei se Fabien se mover entre agora e o pôr do sol. Enquanto isso, estou trabalhando em um ponto de encontro para que você se junte aos outros esta noite e ponha em ação um plano de infiltração. Devo ter algo em uma hora ou duas. Ligarei depois.

- Certo. Até depois.

Nikolai desligou o telefone e o colocou junto de si.

- Gideon conseguiu algo daqueles números telefônicos? - perguntou Renata, olhando-o cuidadosamente. - Temos alguma pista do Refúgio de Fabien?

Niko assentiu.

- Temos o endereço.

- Graças a Deus - ela suspirou. O alívio cedeu espaço rapidamente à determinação, tão feroz como Niko nunca havia visto nela. - Onde está ele? No Refúgio na cidade ou em alguma parte nos subúrbios? Eu poderia ir lá agora mesmo e analisar o terreno. Santo Deus, da forma como me sinto – sem dor, meu ombro melhorando – talvez eu devesse bater na porta e golpeá-lo com uma explosão de...

- Renata - Niko pôs a mão grande sobre a dela e sacudiu a cabeça. - Fabien está indo para algum lugar. Não está mais na cidade.

- Então onde?

Ele poderia contar sobre o sinal do GPS que Gideon estava rastreando. Poderia dizer que Fabien tinha Mira em sua custódia e que a menina estava provavelmente uma hora ao norte de onde eles estavam sentados agora. Mas Niko também sabia que se dissesse isso a Renata – se desse o mínimo de certeza sobre o paradeiro da menina que tanto significava para ela –, ele não poderia impedi-la de sair por conta própria naquele exato momento para encontrá-la.

A promessa de Niko à Ordem era seu dever – sua honra –, mas e Renata? Ela era seu coração. Ele não podia pôr em perigo a missão de seus irmãos, mas também não podia permitir que aquela mulher que ele amava partisse precipitadamente sozinha, rumo ao perigo. O pensamento dele era pré-histórico, talvez, especialmente por ter em conta que Renata era uma mulher que sabia como dirigir a si quase em qualquer situação. Era bem treinada, capaz, definitivamente valente, mas... inferno, ela significava muito para que corresse esse tipo de risco. Aquela não era uma opção.

- Estamos esperando uma localização sólida de onde está Fabien – ele disse, a mentira amarga sobre sua língua, independentemente das boas intenções. - Enquanto isso, a Ordem está enviando reforços. Nós vamos nos juntar a eles esta noite.

Renata escutou, claramente confiando nele e em sua palavra.

- A Ordem tem alguma ideia se Mira está com Fabien em qualquer lugar que ele esteja?

- Estamos trabalhando nisso - Nikolai achou difícil sustentar o olhar verde-claro sem pestanejar. - Quando encontrarmos Fabien, encontraremos Mira. Ela vai estar bem. Prometi isso, lembra?

Quando pensou que ela só assentiria com a cabeça e afastaria o olhar, Renata estendeu a mão para apanhar o rosto dele.

- Obrigada... por estar aqui para me apoiar em tudo isto. Não sei como serei capaz de pagá-lo, Nikolai.

Ele ergueu a mão dela entre as suas e deu-lhe um beijo. Diria algo singelo, uma das brincadeiras sem sentido habituais que tão frequentemente usava quando as emoções ao seu redor eram muito reais ou cheias de honestidade. Tinha suas cartas sob a manga: desviar com humor, desarmar com indiferença, atacar e correr como o inferno à primeira indicação de sua própria vulnerabilidade. Mas todas aquelas velhas e confiáveis armas que ele havia aperfeiçoado falhavam agora.

Acariciou com o dedo polegar o dorso da mão de Renata e se deixou perder no refúgio verde de seus olhos.

- Não sou muito bom nisso - murmurou ele. - Quero dizer algo... inferno. Provavelmente eu vou encher sua paciência, mas quero que você saiba que me preocupo com você. Preocupo-me... pra caramba, Renata.

Ela o olhou fixamente, permanecendo tão imóvel e silenciosa que nem sequer estava seguro de que ela estivesse respirando.

- Eu me preocupo - soltou, frustrado consigo pela estupidez das palavras que queria que fossem perfeitas para ela. - Não sei como aconteceu, ou mesmo o que significará para você, se vai significar. Mas preciso dizer porque isso é real. É real, e eu nunca me senti dessa maneira antes. Com ninguém.

A boca de Renata suavizou em um pequeno sorriso enquanto ele divagava com estupidez, tentando encontrar uma maneira de dizer a profundidade do que havia em seu coração de macho da Raça. Tentava e falhava miseravelmente.

- O que estou querendo dizer é que... - sacudiu a cabeça, sentindo-se uma porcaria, mas o suave toque de Renata em seu rosto o tranquilizou. O claro olhar dela trouxe Niko de volta, direto e centrado, conectando-o com a Terra. - O que estou querendo dizer é que estou apaixonado por você... Realmente apaixonado. Não estava esperando que isso acontecesse. Não pensei que alguma vez eu fosse querer isso, mas... Ah! Renata, quando olho dentro de seus olhos, só consigo pensar em uma coisa: para sempre.

Ela exalou devagar e seu pequeno sorriso se estendeu em radiante alegria. Niko passou as mãos na pele suave e macia dela, e pelos cabelos úmidos.

- Estou apaixonado por você, Renata. Sei que não sou um poeta... Caramba, nem sequer chego perto disso. Não tenho todas aquelas palavras bonitas que queria poder dizer... Mas quero que saiba que o que sinto por você é real. Eu te amo.

Ela riu brandamente.

- O que faz você pensar que quero poesia ou palavras finas? Você acabou de dizer exatamente o que queria ouvir, Nikolai–ela deslizou sua mão pela parte de trás do pescoço largo dele e o puxou para um longo e apaixonado beijo. - Também te amo, Nikolai - sussurrou contra sua boca. - Assusta-me admitir isso, mas é assim. Eu te amo, Nikolai.

Ele a beijou e a abraçou, desejando nunca ter de se afastar dela. Mas o cair da noite logo chegaria e ainda havia uma coisa que ele precisava fazer.

- Tem que fazer uma coisa por mim.

Renata se acomodou contra ele.

- Qualquer coisa.

- Não sei o que vai acontecer esta noite, mas preciso saber que vai estar tão forte quanto possível. Quero que tome mais de meu sangue.

Ela se soltou de seu abraço e arqueou uma sobrancelha para ele.

- Tem certeza de que não está só tentando entrar no meio das minhas pernas de novo?

Niko riu, uma sacudida de calor formando redemoinhos diretamente em sua virilha apenas diante daquela ideia.

- Eu não rejeitaria o convite. Mas falo sério... Quero que beba de mim de novo. Faria isso por mim?

- Sim, é obvio.

Ele afastou uma mecha escura da testa dela.

- Há uma coisa mais, Renata. Quando formos atrás de Fabien esta noite, eu morreria se algo... Bem, simplesmente não posso me arriscar a ficar separado de você, vou precisar saber que você está bem todo o tempo, ou minha concentração vai para o inferno. Preciso ter uma ligação com você. Sei como se sentia com Yakut usando seu sangue como um grilhão para você, e prometo que isso não é o que...

- Sim, Nikolai – ela disse, interrompendo-o com um movimento suave de seus dedos sobre sua boca. – Sim... Pode beber de mim.

A maldição dele como resposta foi um sinal de alívio.

- É para sempre - recordou firmemente. - Precisa entender isso. Se eu beber de você, não poderemos desfazer esse vínculo nunca mais.

- Entendo - ela disse sem vacilação. Aproximou-se e beijou-o, longa e profundamente. - Entendo que o vínculo é para sempre... E continuo dizendo que sim.

Niko gemeu. O fogo iluminou-lhe as veias. Suas presas se alongaram e seu pênis se elevou em atenção imediata, tudo nele ansioso por reclamar Renata como sua. Ele a beijou, o coração golpeando fortemente contra seu tórax forte quando ela passou a língua por seus lábios para brincar com as pontas afiadas de suas presas.

- Quero que você fique nua para isso - disse ele, incapaz de conter o tom autoritário que se mostrava em sua voz. Ele era parte humano, mas havia outra parte dele – uma parte mais selvagem e muito, muito mais sexy – que era menos paciente do que gostaria.

Niko olhou com olhos flamejantes de âmbar como Renata o obedecia rapidamente, despojando-se de sua roupa e estendendo-se sobre o chão de grama do refúgio, suas coxas deixando-se entreabrir para ele sem um pingo de inibição.

- Ah! Sim... - Niko grunhiu. - Assim é muito melhor.

Ele estava completamente tomado pela necessidade de tê-la. Arrancando sua própria roupa e deixando-a de lado, subiu sobre os quadris dela e a montou. Empurrou o membro duro como uma rocha enquanto ela o acariciava, torturando-o. E ele manteve o olhar nela enquanto levava seu pulso até a boca e mordia a própria carne.

- Deixe-me provar de você de novo – ela disse, subindo até encontrar a veia enquanto ele levava as perfurações até sua boca. Gotas carmesim salpicaram até cair sobre os seios dela, tão vívidas contra sua cremosa pele. Ela gemeu, fechando os olhos enquanto sugava-o, saboreando-o.

Niko a olhava beber, observando seu corpo começar a retorcer-se pela excitação. Com sua mão livre, ele a acariciou, incapaz de resistir a passar seus dedos pelo sangue que havia derramado sobre ela. A visão de seu sangue marcando a pele dela era tão erótica como nada tinha sido antes. Seu toque atrevido foi mais abaixo, à fenda aberta que estava tão preparada para ele. As coxas dela apertaram-lhe o pulso, sustentando-o contra si enquanto o primeiro orgasmo disparou através do corpo dela.

Niko grunhiu de pura adoração masculina enquanto alimentava sua fêmea e a sentia clamar por ele. Ele a deixou beber durante vários minutos até seu corpo arder de novo sob ele.

Ele também estava ardendo.

Suavemente, tirou o pulso de sua boca e fechou as perfurações com uma lambida. Renata ainda estava arqueando e retorcendo-se, ainda gemendo por ele, enquanto ele se ajeitava sobre ela e a penetrava, as unhas dela marcando seus ombros largos em uma dor deliciosa.

Nikolai fez amor tão devagar quanto pôde – tão devagar quanto a febre de seu corpo permitia. Ela gozou de novo, retorcendo-se e extraindo dele uma furiosa liberação. Mas isso praticamente não diminuiu as investidas. Ele ainda estava duro dentro dela, ainda faminto por aquela mulher... sua mulher.

Com a mão tremendo, Nikolai acariciou os pontos escuros já fechados de um lado da bela garganta de Renata.

- Tem certeza? - perguntou, sua voz apenas reconhecível para ele mesmo, estava tão seco e desesperado. – Renata... Quero que você tenha certeza.

- Sim - ela arqueou o corpo, confirmando com um empurrão, seu constante olhar suplicante. - Sim.

Com um grunhido selvagem enroscando-se em sua garganta, Nikolai expôs as presas e desceu sobre ela.

O doce sabor do sangue de Renata surgiu em sua boca caindo como um pontapé no estômago. Ah! Agora sabia. Quantas vezes havia especulado com os outros guerreiros a respeito de estar emparelhado e encontrar uma fêmea que os impressionaria? Facilmente centenas de vezes. Milhares, talvez.

Que ingênuo ele tinha sido.

Agora ele sabia. Renata o tinha, mesmo antes de ele a morder. Ele estava de joelhos diante daquela mulher, e ficaria ali com prazer pelo resto de sua vida.

Niko bebeu mais, afogando-se no prazer do vínculo que havia criado através da união de sangue e do ritmo exagerado de seus corpos nus, unidos. Seus dentes ainda estavam cravados na pele dela enquanto ele tomava o último gole e gozava de novo, dessa vez mais forte, uma descarga assombrosa que o golpeou como um trem descarrilhado. Agarrou-se nela, estremecendo com intensa satisfação. Embora pudesse beber de sua veia durante toda a noite, Nikolai se obrigou a se afastar, selando as feridas com uma tenra lambida de sua língua.

Ele ficou observando-a, seu olhar iluminando a pele dela.

- Eu te amo – ofegou, necessitando que ela o escutasse e que acreditasse nisso. Queria que ela se lembrasse disso depois dessa noite, depois que conseguissem localizar Fabien no norte e que ele lhe explicasse por que havia precisado mentir. Beijou seu queixo, sua bochecha, sua testa. – Amo você, Renata.

Ela sorriu sonolenta.

- Mmmm... Eu realmente gosto de como isso soa.

- Então terei que assegurar que ouça muitas e muitas vezes.

- Certo - murmurou ela, seus dedos brincando com os cabelos dele, empapados de suor sobre a nuca. - Foi incrível, a propósito. Sempre vai ser bom assim?

Ele gemeu.

- Tenho a sensação de que pode melhorar.

Ela riu, e a vibração fez despertar de novo seu sexo.

- Se continuar assim, terei que voltar e tomar outra ducha.

Ele fez um movimento sexy e poderoso com sua pélvis, encaminhando sua ereção mais profundamente.

- Ah, posso continuar. Não se preocupe, isso nunca vai ser um problema quando você estiver por perto.

- Melhor tomar cuidado, ou posso obrigá-lo a isso.

Niko riu apesar de seu pesado humor.

- Coração, pode me obrigar a tudo que quiser.

Ele a beijou novamente. E grunhiu de prazer quando ela envolveu as pernas ao redor dele e o fez girar de costas para começar uma lenta e nova cavalgada.


Capítulo 27

Houve uma época para Andreas Reichen, há quase 300 anos, quando a morte caía sobre ele como um dilúvio. Um tempo quando uma desatinada onda brutal de massacre tinha visitado seu pacífico domínio.

Naquele tempo, no verão úmido de 1809, uma manada de vampiros Renegados tinha forçado sua entrada nesse mesmo Refúgio, violando e matando vários de seus familiares. O ataque tinha sido ao acaso, a mansão e seus residentes apenas tiveram o azar de estar no caminho de um grupo de Renegados viciados em sangue. Tinham forçado sua entrada além das portas desprotegidas e janelas, alimentando-se e matando muitos inocentes... E, apesar de tudo, houve sobreviventes. Os Renegados tinham espalhado horror e passado como a peste que eram, mas finalmente foram caçados e destruídos por um membro da Ordem que tinha vindo ajudar Reichen.

A matança fora insuportável, mas não tinha sido completa.

O que Reichen enfrentou em sua volta para casa naquela noite tinha sido um ataque calculado. Não uma entrada pela força bruta, mas por meio da traição. Um inimigo bem-vindo como um amigo. E o massacre ocorrido - provavelmente nas primeiras horas da manhã, justo antes da saída do sol - tinha sido uma aniquilação total.

Ninguém tinha se salvado.

Nem sequer a alma mais jovem na residência.

Com um terrível silêncio que impregnava o ar como uma enfermidade, Reichen caminhou através do sangue e da destruição como um dos mortos. Seus passos seguiram a pista de manchas pegajosas escarlates no mármore do vestíbulo e da sala, além de seu jovem sobrinho, que estava tão contente ao convidar Reichen para padrinho de seu filho recém-nascido. O novo pai ruivo estendido na porta tinha sido o primeiro a morrer, Reichen adivinhou, incapaz de olhar o rosto sem vida que olhava sem ver a escada cheia de balas que conduzia aos dormitórios dos Refúgios nos andares superiores.

Mais morte esperava no corredor fora da biblioteca, onde outros machos tinham sido cortados ao meio. Ainda mais vidas extintas perto da escada da adega, um dos primos de Reichen e sua Companheira de Raça, ambos mortos enquanto tentavam escapar dos disparos.

Não viu o corpo da criança até que quase tropeçou nele - um menino vampiro de cabelo revolto que evidentemente tinha tentado se esconder em uma das estantes da sala de jantar. Os assassinos o haviam tirado de lá e o matado como a um cão.

- Jesus Cristo – Reichen, sufocado, caiu de joelhos e levou a mão branda do menino a sua boca para afogar o grito gutural. - Pelo amor de Deus... Por quê? Por que eles e não eu?!

- Ele disse que você saberia por quê.

Reichen fechou os olhos diante do som rígido da voz de Helene. Ela falava muito devagar, as sílabas muito planas... carente de matizes.

Sem coração.

Ele não precisava se virar para saber que seus olhos estariam estranhamente mortos para ele agora. Mortos porque todo seu calor e toda a sua humanidade tinham sido recentemente retirados dela.

Já não era sua amante, nem sua amiga. Ela era uma Subordinada.

- Quem converteu você? - ele perguntou, deixando cair a mão do menino morto. A quem você pertence agora?

- Você deve saber, Andreas. Você me enviou a ele, afinal.

Filho da puta.

Reichen apertou a mandíbula quadrada e masculina, os molares quase quebrando pela pressão.

- Wilhelm Roth. Ele a enviou aqui para fazer isso. Ele a usou para me destruir.

O fato de Helene não dizer nenhuma palavra sequer apenas tornou a compreensão do golpe mais profunda. Tão dilacerador como seria olhar os olhos de sua ex-amante e ver que a mulher por quem se preocupava agora estava sem alma. Reichen tinha que ver por si mesmo.

Levantou-se e virou lentamente.

- Ah! Helene...

Sangue seco salpicado no rosto e na roupa dela - quase cada centímetro dela coberto de sangue de seus mais queridos amigos e familiares. Ela devia estar ali no centro de todo o massacre, uma insensível testemunha não afetada por tudo isso.

Ela não disse nada quando o olhou fixamente, com a cabeça inclinada um pouco para o lado. Seus olhos, uma vez brilhantes e ardilosos, agora estavam vazios e frios. Abaixo, ao seu lado, ela sustentava uma grande faca de cozinha na mão. A folha larga brilhava à luz do abajur de cristal da sala de jantar.

- Sinto muito - ele murmurou, seu coração retorcido. - Eu não sabia... quando enviou o e-mail e me deixou a mensagem com o nome de Roth, tentei avisá-la. Tentei alcançá-la, mas...

Ele deixou que as palavras se desvanecessem, sabendo que as explicações não importavam. Não mais. Não agora.

- Helene, só sei que sinto muito - engoliu a bílis que subiu no fundo de sua garganta. - Só sei que eu realmente me importava com você. Eu a amav...

Com um grito estridente, Helene se lançou sobre ele.

Reichen sentiu o fio da navalha cortando seu peito e braço, fazendo um profundo corte. Ignorando a dor, ignorando a inalação repentina do aroma de seu próprio sangue, ele agarrou o braço da escrava de Roth e o torceu. Ela gritou, opondo-se e lutando enquanto ele puxava seu braço esquerdo para baixo e bloqueava ambos os membros ajustados aos lados de seu corpo. Ela amaldiçoou e gritou, chamando-o com nomes vis, cuspindo de fúria.

- Shhh - Reichen sussurrou ao lado de seu ouvido. – Agora, cale-se, Helene.

Como um animal selvagem, Helene continuou se retorcendo e gritando para que ele a soltasse.

Não, corrigiu-se. Não, Helene. Aquela já não era a mulher que ele conhecera. Helene estava morta para ele no momento em que trouxe o esquadrão da morte de Wilhelm Roth para dentro daquele Refúgio. Na verdade, por muitas razões, ela nunca foi sua. Que Deus tivesse piedade dela, ela não merecia esse fim. Nenhum dos caídos ali merecia tal horror.

- Tudo está bem agora - ele murmurou, a mão direita acariciando as bochechas manchadas de sangue dela. - Está tudo bem agora, querida.

Um grito saiu disparado de sua garganta enquanto ela puxava bruscamente o rosto para fora de seu alcance.

- Maldito! Deixe-me ir!

- Sim - ele disse tirando-lhe a faca. - Terminou agora. Vou deixá-la ir.

Com a dor estrangulando-o, Reichen girou a faca em torno de seus dedos e levou a ponta ao seu peito.

- Me perdoe, Helene...

Sustentando-a apertada contra ele, afundou a lâmina profundamente no peito dela. Ela não fez nenhum som enquanto morria, apenas deixou escapar um suspiro longo e lento enquanto desinflava em seus braços e desabava ali, frouxa como uma boneca de pano. Tão brandamente quanto pôde, Reichen deitou seu corpo no chão. A faca caiu de sua mão ao lado dela, revestida com o carmesim brilhante dos sangues deles mesclados.

Reichen lançou um longo e incorruptível olhar para os restos do que tinha sido seu lar. Agora que tudo tinha terminado, queria memorizar cada mancha de sangue, cada vida que se interrompeu por causa de sua falta de atenção. Seu engano. Ele precisava recordar, porque em pouco tempo nada daquilo existiria.

Não podia permitir que nada daquilo permanecesse, não daquela forma. Tampouco ia deixar que as mortes não fossem vingadas.

Reichen deu meia volta e se afastou da matança. Suas botas ecoaram no chão de madeira da sala, seus passos eram o único som na horripilante tumba maciça. No momento em que chegou ao jardim em frente à propriedade, seu peito não estava mais apertado, mas frio.

Tão frio como uma pedra. Tão frio como a vingança que tinha a intenção de visitar Wilhelm Roth e todos os associados a ele.

Reichen se deteve brevemente na grama iluminada pela lua. Ele se virou para a mansão e, por um momento, simplesmente a viu em sua perfeita e estranha quietude. Então sussurrou uma oração, palavras antigas que se sentiam oxidadas em sua língua pela falta de uso.

Não é que a oração lhe fizesse algum bem agora. Estava abandonado, agora mais do que nunca. Realmente sozinho.

Reichen baixou sua cabeça até o peito, invocando seu terrível talento. Encheu-se em seu interior, um calor que rapidamente se intensificou, formando um fundido e revolto círculo em suas vísceras.

Ele deixou-o crescer. Deixou-o girar e ganhar força até que seu interior se sentiu abrasado por sua fúria.

E ainda o conteve.

Manteve-o em seu interior até que a bola de fogo golpeou contra sua caixa toráxica, fumaça e cinza flutuando até queimar o fundo de sua garganta. Até que a bola de fogo o consumiu, iluminando todo seu corpo com um resplendor muito quente. Cambaleou sobre seus calcanhares, lutando para manter o corpo até que soubesse que desataria a total destruição instantânea.

Enfim, com um rugido cheio de dor, Reichen soltou o poder de dentro dele.

Um disparo de calor saiu de seu corpo, derramando e girando enquanto avançava para frente, uma esfera de pura energia explosiva. Como um míssil lançado em um alvo por um laser, o círculo disparou dentro da porta aberta da mansão Refúgio. Um segundo depois, detonou, uma impressionante beleza infernal.

Reichen foi golpeado de volta com o estalo sônico da explosão.

Deitou-se na grama, observando com satisfação desinteressada como as chamas, as faíscas e a fumaça devoravam até mesmo os menores pedaços do que tinha sido sua vida.


Capítulo 28

- Estamos carregados e preparados para partir, Renata. Precisa de mais tempo antes de sairmos?

De pé no caminho de cascalho diante da casa principal, Renata girou quando Nikolai se aproximou por trás.

- Não, não preciso de mais tempo aqui. Estou pronta para deixar este lugar para sempre.

Ele abraçou-a, envolvendo-a em sua força masculina.

- Acabo de falar com Gideon. Tegan, Rio e os outros estão fazendo bons progressos. Eles devem estar em nosso ponto de encontro em uma hora.

- Certo. Bom.

Renata se inclinou em seu abraço, feliz pelo calor de seu refúgio... e de seu amor. Nikolai a tinha mantido perto dele no refúgio de videira até que o sol se pôs, acalmando seus temores com seu corpo, afastando-a da feia realidade que originalmente os tinha unido - e do que poderia acontecer naquela noite, quando eles finalmente teriam a oportunidade de enfrentar Edgar Fabien.

A verdade era que ela estava preocupada com o que eles poderiam encontrar. Uma preocupação que lhe penetrava até os ossos e, embora Nikolai não houvesse dito nada que sugerisse que ele também tivesse dúvidas, ela poderia dizer que sua mente estava carregada de pensamentos que ele parecia estar decidido a esconder dela.

- Pode me dizer, você sabe - ela saiu dos braços dele e o encarou. – Se tiver um mau pressentimento a respeito desta noite... pode me dizer.

Algo cruzou a expressão de Niko, mas ele não disse nada, apenas sacudiu a cabeça e beijou a testa de Renata.

- Não sei o que podemos esperar em se tratando de Fabien. Mas posso dizer que, aconteça o que acontecer, estarei com você, certo? Vamos sair disso.

- E uma vez que tenhamos Fabien, vamos buscar Mira - ela completou, procurando os olhos dele. - Certo?

- Sim - ele disse, com seu indestrutível olhar que sustentou de forma estável. - Sim, eu prometi. Dei minha palavra a respeito disso. Não vou desapontá-la.

Ele a puxou para si uma vez mais, capturando-a em um afeto que o mostrava pouco disposto a deixá-la ir. Renata o sustentou também, escutando o forte e rítmico palpitar de seu coração em sua orelha... e perguntando-se por que seu próprio pulso parecia estar dando um sinal de alerta em suas veias, como uma sentença de morte.

Em uma remota fazenda abandonada de cem hectares, algumas horas ao norte de Montreal, o bosque da noite estremeceu com o gemido de um motor de combustão interna e o excesso de velocidade de um barco que passava através do lago praticamente desabitado. A terra e o lago, bem como o transporte proporcionado a Dragos para chegar àquele lugar, pertenciam a Edgar Fabien.

Embora Fabien tivesse sido uma recente decepção, Dragos supôs que o líder do Refúgio merecesse algum crédito por aquela reunião importante. Enquanto o resto dos assistentes chegou durante a noite anterior de automóvel, naquela noite um barco rápido tinha sido enviado para levar Dragos depois que um hidroavião o havia trazido da cidade por outro caminho interno de água também na propriedade de Fabien. Depois do revés sofrido poucas semanas atrás, durante a reunião de Dragos com a Ordem, Fabien tinha ficado muito mais cauteloso sobre como viajava ao ar livre, entre outras coisas. Ele tinha chegado muito longe para correr riscos. Tinha arriscado muito para perder tudo por um descuido ou por incompetência de outros.

Lançou um olhar depreciativo para o outro passageiro sentado no bote com ele. O rosto do Caçador permanecia impassível no resplendor leitoso da lua sobre suas cabeças, seu enorme corpo perfeitamente imóvel mesmo quando o condutor girou o leme e o bico da proa do barco conectou-se diretamente com a água para desviar-se em direção ao cais solitário que se encontrava mais adiante.

O caçador provavelmente sabia que se dirigia para a própria morte. Tinha fracassado em sua missão de matar o Primeira Geração em Montreal, o que pedia um incrível castigo. Dariam um jeito nele naquela noite, e se Dragos pudesse usar este castigo como uma demonstração adicional de seu poder diante dos tenentes que estavam reunidos para dar as boas-vindas agora, melhor.

O motor do barco mudou para uma marcha inferior quando chegaram ao cais não iluminado e modesto onde Edgar Fabien esperava para saudá-lo. Os vapores do gás formaram redemoinhos fora da água, asquerosamente doces. A reverência profunda de Fabien e as boas-vindas aduladoras tinham um efeito similar.

- Meu senhor, é a honra de toda uma vida dar boas-vindas aos meus domínios.

- De fato - Dragos arrastou as palavras enquanto dava um passo fora do barco sobre as tábuas de madeira escura do cais. Ele fez um gesto para que o Caçador o seguisse, e não perdeu a reação de Fabien quando divisou o tamanho e a imensidão do Primeira Geração que prestava serviços à ordem de Dragos. – Todos estão reunidos lá dentro?

- Sim, senhor. - Fabien saiu de sua reverência e se precipitou a caminhar ao lado de Dragos. - Tenho boas notícias. O guerreiro que escapou da contenção foi eliminado. Tanto ele quanto a mulher que o ajudou. Um de meus ajudantes agarrou a dupla, e ontem à noite enviei uma equipe com meus melhores agentes para se livrar do problema.

- Tem certeza de que o guerreiro está morto?

O sorriso de suficiência de Fabien ressoou.

- Aposto minha própria vida nisso. Enviei profissionais capacitados para a tarefa. Confio na habilidade deles de forma implícita.

Dragos grunhiu, sem deixar-se impressionar.

- Que grande comodidade deve ter esse tipo de confiança em seus servos.

A confiança de Fabien vacilou com a espetada e ele limpou a garganta com estupidez.

- Meu senhor... em outro momento, se quiser.

Dragos dispensou o Caçador de sua presença com um gesto cortante.

- Aproxime-se da casa e me espere. Não fale com ninguém.

Quando o assassino Primeira Geração caminhou a passos longos para a frente, Dragos fez uma pausa para lançar um olhar impaciente para Fabien.

- Meu senhor, eu esperava, quer dizer, pensei que um presente pudesse cair bem - gaguejou ele. - Para celebrar esse importante evento.

- Um presente? - antes que pudesse perguntar a Fabien o que pensava que Dragos poderia necessitar dele, Fabien estalou os dedos e um agente de execução surgiu das sombras das árvores circundantes, empurrando uma menina diante dele. A menina parecia perdida na escuridão, seus cabelos loiros brilhando como cabelos de milho, seu pequeno rosto perdido debaixo dele.

- Que é isso?

- Uma jovem Companheira de Raça, meu Senhor. Meu presente para o senhor.

Dragos contemplou a menina desamparada, impressionado. As Companheiras de Raça eram um acontecimento bastante raro entre as populações humanas, isso era certo, mas ele preferia as férteis, em idade de procriar. Essa garota não estaria pronta por vários anos, o que sem dúvida mostrava que Fabien tinha algo mais a respeito dela.

- Pode ficar com ela - disse Dragos, retomando o percurso rumo à reunião. – Faça com que seu homem conduza o barco de volta. Chamarei pelo rádio quando necessitar.

- Vá - Fabien ordenou em resposta, então voltou novamente ao lado de Dragos, tão ansioso como um cão mendigando pelas sobras. - Meu senhor, sobre a menina... na verdade, o senhor deve ver por si. Ela é dotada de um talento extraordinário que estou seguro de que o senhor saberá apreciar. Ela é um oráculo, meu senhor. Fui testemunha disso.

Contra sua vontade, a curiosidade prendeu sua atenção. Seus passos desaceleraram, e então deteve-se.

- Traga-a.

Quando ele girou ao redor, o sorriso impaciente de Fabien ficou ainda mais amplo.

- Sim, senhor.

A menina foi conduzida a ele uma vez mais, resistindo em seus passos, seus obstinados calcanhares cravando-se nas velhas agulhas de pinheiro e na areia que enchiam o pequeno cais. Ela tentou lutar contra o guarda vampiro que a segurava, mas era um esforço inútil. Ele simplesmente a empurrou para frente até que ela ficou de pé diretamente na frente de Dragos. Ela manteve seu queixo para baixo, com o olhar posto no chão.

- Levante a cabeça - Fabien ordenou, mal esperando que obedecesse, antes de pegar sua cabeça com ambas as mãos e a obrigar a olhar para cima. - Agora, abra os olhos. Vamos!

Dragos não sabia muito bem o que esperar. Ele não estava absolutamente preparado para a palidez surpreendente de seu olhar. A íris da menina era tão clara como espelhos de cristal e tão impecável que imediatamente o fascinaram e hipnotizaram. Estava vagamente consciente da emoção de Fabien, mas toda a sua atenção estava presa na menina e no incrível brilho tênue de seus olhos.

E então ele viu... um movimento brilhante na meditação pacífica. Viu uma forma movendo-se através das espessas sombras - um corpo que acreditou reconhecer como o seu próprio. A imagem ficava mais clara quanto mais olhava fixamente, absorto e impaciente por ver mais do presente que Fabien havia descrito.

Era ele.

Era seu refúgio também. Mesmo envoltas na névoa escura, as imagens que se mostravam eram intimamente familiares. Viu o laboratório subterrâneo, as celas de contenção... a jaula de luz ultravioleta que continha sua maior arma na guerra que estava preparando durante todos aqueles séculos. Tudo estava ali, revelando-se para ele através dos olhos daquela pequena Companheira de Raça.

Mas, então, um momento de alarme surpreendente.

Seu laboratório antigo, tão rigidamente assegurado e ordenado, estava em ruínas. As celas de contenção tinham sido deixadas abertas. E a jaula de luz ultravioleta... estava vazia.

- Impossível - murmurou ele, golpeado por um temor sombrio, furioso.

Ele piscou com força, várias vezes, querendo limpar a visão de sua cabeça. Quando abriu os olhos outra vez, viu algo novo nos olhos malditos da menina... algo ainda mais incompreensível.

Viu-se implorando por sua vida. Chorando, abatido. Patético. Derrotado.

- Isso é algum tipo de brincadeira de mau gosto? - a voz dele tremia tanto com a raiva como com outra coisa muito fraca para admitir. Desviou o olhar da garota e o fixou em Fabien.

- Que diabos isso significa?

- Seu futuro, senhor – o rosto de Fabien ficou completamente pálido. A boca se moveu durante um momento sem expressar som algum, então, finalmente balbuciou. - A menina... o senhor viu, ela é um oráculo. Ela me mostrou em pé aqui, nesta grande reunião, apresentando uma visão de seu futuro que o agradava enormemente. Quando vi isso, soube que tinha de guardá-la, meu senhor. Tinha de oferecê-la ao senhor, não importava o custo.

O sangue de Dragos era como lava ardendo em suas veias. Ele deveria matar esse idiota ali mesmo, só por aquele insulto.

- É óbvio que você interpretou mal o que viu.

- Não! - Fabien exclamou, agarrando a menina e girando ao redor dela. Deu a ela uma sacudida forte. – Mostre-me outra vez! Mostre que não me enganei, maldita!

Dragos observou tão imóvel como uma pedra, enquanto Fabien olhava atentamente seus olhos. O grito horrorizado do líder do Refúgio disse tudo o que ele tinha que saber. Ele cambaleou para trás, tão branco quanto uma folha de papel. Golpeado como se tivesse testemunhado sua própria morte.

- Não entendo - murmurou Fabien. - Tudo mudou. O senhor tem de acreditar, Mestre! Não sei como ela mudou a visão, mas a pequena bruxa está mentindo agora. Ela tem que estar mentindo!

-Tire-a de minha frente - Dragos grunhiu ao guarda da Agência de Execução que a sustentava. – Vou levá-la comigo quando for, mas até então, não quero ver nem um fio de cabelo dela.

O guarda assentiu com a cabeça e afastou a menina, praticamente arrastando-a até a casa.

- Senhor, eu lhe rogo - suplicou Fabien. – Perdoe-me por este... lamentável engano.

- Cuidarei de você mais tarde - disse Dragos, sem se preocupar em esconder a ameaça reflexiva no fundo de cada uma de suas palavras.

Retomou a marcha para a reunião, mais decidido do que nunca a fazer todos compreenderem de uma vez por todas sua autoridade e seu poder incomparáveis.


Capítulo 29

Estava completamente escuro quando Niko e Renata, após seguirem as coordenadas enviadas por Gideon, chegaram ao local onde ficava a propriedade de Edgar Fabien, ao norte. O líder do Refúgio evidentemente possuía um pedaço considerável de terra suficientemente longe de Montreal para que a zona ao redor permanecesse inexplorada: acre após acre de enormes coníferas e sempre-vivas, nenhuma alma sequer à vista, a não ser um ou outro veado ou alce americano que saía em disparada ao primeiro aroma de vampiro arrastando-se naquele santuário natural.

Nikolai tinha feito sozinho o reconhecimento da área nos últimos minutos. Uma casa de dois andares feita de troncos e pedra estava enfiada em um canto do bosque. Um estreito caminho sem pavimentação e apenas largo o suficiente para um veículo cortava as árvores na parte da frente da casa. Niko contornou essa vida escondido pela vegetação e viu dois Agentes da Lei vestidos com roupas da SWAT, postados no meio do caminho, e os três grandes Humvees estacionados em fila única bem diante da porta principal da casa. Três outros guardas vampiros com rifles M16 cobriam a entrada. Leste e oeste estavam também sob vigilância com um sentinela armado.

Embora não imaginasse que eles tivessem deixado a parte traseira da propriedade vulnerável, Niko se moveu ao redor daquele caminho para ter uma ideia da extensão do terreno. Ouviu o suave som de água mesmo antes de ver o tranquilo lago e o cais vazio na borda, a cerca de trezentos metros atrás da casa. Lá, outra dupla de Agentes permanecia de guarda.

Maldição.

Entrar no lugar para pegar Fabien não seria fácil. A menos que ele e a Ordem atacassem por cima, se quisessem tirar o sócio de Dragos dali teriam de passar por alguns guardas da Agência no processo, sem considerar o grupo desconhecido de vampiros da Raça que tinha acompanhado o líder do Refúgio de Montreal até ali na noite passada. Capturar Fabien naquela noite sem muitas baixas civis beirava o impossível, principalmente quando o resgate de Mira era acrescentado à equação. Portanto, o reconhecimento feito por Niko dava conta de que a coisa seria feia. Muito feia.

E havia ainda a situação com Renata.

Uma das coisas mais difíceis que Nikolai já fizera fora passar o dia inteiro com ela, sabendo que a tinha enganado. Ele queria dizer-lhe, depois que fizeram amor, depois que ela o honrou com o presente de seu sangue e com o vínculo completo que agora os unia eternamente. Quis dizer-lhe uma dúzia de vezes, em uma dúzia de momentos diferentes, mas, egoísta, mantivera a verdade oculta para a própria proteção dela. Ele ainda mantinha a esperança de que ela compreendesse sua cautela - que ela poderia inclusive ficar agradecida que ele a tivesse feito esperar para saber a localização de Mira até que ele e os outros guerreiros da Ordem tivessem uma oportunidade sólida de criar uma estratégia de resgate.

Sim, o macho da Raça seguia se dizendo essas coisas porque não queria sequer considerar outras alternativas.

Afastando o arrependimento que perseguia seus passos e o medo que seguia arrastando-se por trás de seu pescoço, Nikolai se moveu para uma melhor posição de acesso aos bosques. Olhou através dos ramos de pinheiro e observou vários dos ocupantes da casa enquanto eles passavam por uma janela no andar térreo. Fez uma rápida contagem dos vampiros da Raça encapuzados enquanto eles andavam a passos largos e em grupo para outra sala. Cinco, seis, sete... e então outro, este sem o capuz negro cobrindo-lhe o rosto.

Ah! Jesus Cristo!

Nikolai o conhecia. Ele tinha visto o filho da mãe de perto e pessoalmente apenas algumas semanas antes, quando uma missão da Ordem tinha-lhe enviado a um encontro com um dos oficiais do mais alto escalão na Agência da Lei. Naquele momento, o homem usava um pseudônimo - um dos dois nomes falsos que a Ordem tinha descoberto não fazia muito tempo. Agora eles conheciam o bastardo por seu verdadeiro nome, o nome que o Primeira Geração traidor que fora seu pai carregava antes também.

Dragos.

Maldição.

Durante semanas a Ordem havia investigado exaustivamente à procura de Dragos, tudo sem êxito. Agora, ele estava ali, na frente deles, como um peixe em um barril. O bastardo estava ali. E, maldito seja, ele ia cair - naquela noite.

Niko recuou para a mata cerrada, então arrastou o traseiro na direção sul, onde tinha deixado Renata no SUV da Agência que roubaram. Mal podia esperar para ligar para Tegan e Rio e lhes dar essas boas notícias.

A confusão e a angústia de Edgar Fabien por causa do fracasso de seu presente para Dragos assombrava-o como um fantasma enquanto ele e os outros seguiam o recém-chegado líder à sala de conferências no abrigo ao norte. Ele sabia que era perigoso, geralmente mortal, desagradar Dragos, algo que tinha evitado muito bem até agora. Mas ele também sabia – assim como o resto dos vampiros da Raça reunidos ali para aquele encontro – que Dragos os tinha juntado por um objetivo específico. Aquela seria uma noite histórica. Eles seriam recompensados, Dragos prometera, pelos anos de parceria oculta e lealdade a um objetivo comum.

Depois de tanto tempo e esforço adulando Dragos durante as últimas décadas, Fabien só rezava que não tivesse jogado tudo fora naquele instante infeliz perto do cais.

- Sentem-se - Dragos ordenou, tomando seu lugar na frente da sala de reuniões. Assistiu enquanto Fabien e os outros seis, todos ocultos atrás de seus capuzes negros, ocupavam as cadeiras reunidas ao redor do bloco de granito polido que servia como mesa de conferências. - Nós nos reunimos aqui nesta sala porque compartilhamos um interesse comum: o atual e o futuro estado de nossa Raça.

Fabien assentiu sob seu capuz, assim como o fizeram os outros ao redor da mesa.

- Compartilhamos um ressentimento comum pela corrupção de nossas descendências pela mancha de humanidade e pela maneira ambiciosa com a qual os que estão no poder dentro da Raça escolheram nos governar com respeito à inferioridade humana. Desde que as primeiras sementes da Raça foram semeadas neste planeta, os vampiros degeneraram-se em uma vergonha grande e triste. A cada nova geração nascida, nossa descendência cresce mais e mais mesclada com a humanidade. Nossos líderes preferem que nos ocultemos dos Homo sapiens, todos com medo de serem descobertos, e mascaram essa covardia com leis e políticas supostamente feitas para proteger o segredo de nossa existência. Ficamos debilitados pelo medo e pelo segredo. Já é hora de isso mudar e precisamos de um novo e poderoso líder.

Agora os assentimentos chegaram mais vigorosos, os acordos murmurados mais fervorosamente.

Dragos começou a dar passos sem pressa na frente da sala, suas mãos juntas e frouxas atrás das costas.

- Nem todos partilham de nosso desejo de reverter radicalmente as falhas passadas e restaurar a Raça a uma posição de poder. Nem todos veem o futuro que nós vemos. Alguns diriam que o preço é muito alto, que os riscos são muito grandes. Mil desculpas para explicar por que a Raça deveria manter seu status quo e não dar os passos firmes requeridos para aproveitar o futuro a que temos direito.

- Ouça, ouça - Fabien interferiu, ansioso por aquele futuro que o lambia como uma chama.

- Estou encantado com o fato de que todos vocês nesta sala entendam que passos firmes devem ser tomados - disse Dragos. - Cada um de vocês, individualmente, tem tido um papel no avanço de nossa visão ao seguinte nível. E vocês o fizeram sem questionar, sem conhecer uns aos outros... até agora. Nosso próprio momento de segredo terminou. Por favor - disse ele -, tirem seus capuzes e nos deixem começar a mais nova fase de nossa aliança.

Fabien estendeu a mão para o pano negro que lhe cobria a cabeça, a insegurança fazendo seus dedos duvidarem. Deteve-se até que alguns dos outros assistentes tiraram seus capuzes antes de encontrar coragem para tirar o seu.

Por um momento, nenhum dos vampiros da Raça disse uma palavra. Olhadas passaram ao redor da mesa, alguns presunçosos com reconhecimento de olhares conhecidos, outros cautelosos pelos estranhos que agora, com essa confissão de mal-intencionada traição, tinham se tornado seus mais profundos aliados. Fabien conhecia vários dos rostos que lhe devolveram o olhar - todos eles de Refúgios de alto escalão ou oficiais da Agência da Lei, alguns dos Estados Unidos e outros do exterior.

- Somos um conselho de oito - anunciou Dragos. - Como os Antigos que chegaram aqui há tanto tempo. Somos, todos nós, a segunda geração de filhos desses poderosos extraterrestres. Logo, uma vez que o último vampiro Primeira Geração for eliminado, estaremos entre os mais velhos e mais poderosos de nossa Raça. Cada um de vocês ajudou nesse esforço, seja oferecendo as localizações dos membros que restavam de nossa primeira geração, seja apoiando a causa oferecendo Companheiras de Raça para levar as sementes de nossa revolução.

- E quanto à Ordem? - perguntou um dos assistentes europeus, seu sotaque alemão afiado como uma lâmina de barbear. - Há dois guerreiros Primeira Geração com quem ainda temos de lutar.

- E o faremos - disse Dragos, sem problemas. – Vou planejar o ataque direto na Ordem muito em breve. Depois do recente golpe contra mim, será um prazer pessoal enterrar a operação da Ordem e ver os guerreiros e suas Companheiras encontrarem a morte.

Um diretor da Agência da Costa Oeste dos Estados Unidos inclinou-se para trás em sua cadeira e arqueou as sobrancelhas castanhas.

- Lucan e seus guerreiros já sobreviveram a outros ataques antes. A Ordem existe desde a Idade Média. Eles não cairão sem luta. Uma luta dura e sangrenta.

Dragos riu.

- Ah! E eles sangrarão. E se tudo sair como espero, vão pedir misericórdia e não receberão nenhuma. Não do poderoso exército que terei às minhas ordens.

- Quando começaremos a criar esse exército? - alguém no grupo perguntou.

O sorriso de Dragos se encheu de malícia.

- Começamos faz 50 anos. Na verdade, essa revolução começou há muito mais tempo do que isso. Muito mais.

Todos os olhos estavam cravados nele enquanto ia a passos largos até um laptop que Fabien tinha mandado deixar preparado na sala. Enquanto digitava algo, o grande monitor plano da sala de conferências se elevou do chão. Dragos digitou mais outras coisas e logo o monitor piscou, mostrando o que parecia ser um laboratório.

- Uma conexão por satélite com uma de minhas fortalezas - explicou, usando o touchpad para controlar remotamente a câmera. - É aqui onde estive juntando as peças do quebra-cabeças - a câmera vagou para um muro de cilindros criogênicos codificados, depois passou por um grupo de microscópios, computadores e tubos de DNA alinhados nas mesas. No meio de todo aquele equipamento, vários Subordinados cientistas vestidos com máscaras e jalecos brancos.

- Parece um laboratório de genética - disse o alemão.

- E é - respondeu Dragos.

- Que tipo de experimentos está fazendo?

- De todo tipo - Dragos voltou para o teclado e teclou outra sequência de comandos. A câmera do laboratório apagou e foi substituída por outra: essa era um ângulo panorâmico de um longo corredor com celas de prisão. Embora da posição da câmera fosse difícil distinguir algo além das mais rudimentares formas, era óbvio que as celas continham mulheres, algumas delas com crianças.

- Companheiras de Raça - tomou fôlego Fabien. - Deve haver vinte ou mais ali.

- Elas nem sempre sobrevivem aos testes, de modo que o número tende a variar - disse Dragos, em tom de conversa. - Mas tivemos nossos êxitos com o processo de reprodução. Essas mulheres e as que viveram antes delas estão dando a luz ao maior exército que este mundo jamais viu. Uma brigada de assassinos Primeira Geração que estarão sob minhas ordens.

Um silêncio tão grande como uma capa de inverno caiu sobre a reunião.

- Primeira Geração? - perguntou o diretor da Costa Oeste. - Isso não pode ser possível. Seria preciso um dos Antigos para produzir uma primeira geração de vampiros da Raça. Todos foram exterminados pela Ordem faz uns 700 anos. O próprio Lucan declarou Guerra a todos os Antigos e se certificou de que nenhum sobrevivesse.

- Certificou-se? - sorriu Dragos, mostrando as pontas de suas presas. - Acredito que... não.

Com uns poucos golpes mais de teclado, mostrou as imagens de outra câmera na conexão do satélite. Dessa vez, o foco se localizava em uma grande sala cheia de segurança, que tinha em seu centro uma cela cilíndrica construída com raios de luz. Os raios ultravioleta emitidos da jaula de barras verticais estavam piscando, inclusive na tela.

E dentro dessa jaula de raios ultravioleta havia uma criatura nua e sem cabelo que, de pé, mediria dois metros. Seu corpo nu era imenso, cada polegada coberta de dermoglifos. Ele elevou a vista enquanto as lentes da câmara zumbiam sobre ele de algum lugar da câmara. Pupilas e olhos âmbar, mas devoradas pelo fogo que ardia fora de suas órbitas, reduzido com letal consciência. A criatura saiu de sua posição de cócoras e se preparou para atacar, só para receber de novo o calor das barras ultravioleta que o deixavam prisioneiro. Abriu a boca e soltou um rugido furioso que não precisou ser ouvido para ser entendido.

- Meu Deus - mais de um dos assistentes ofegou.

Dragos lançou um olhar mortalmente sóbrio sobre o grupo.

- Admirem... nossa revolução.

O celular de Lex vibrou no centro do console do SUV. Renata o pegou e olhou a tela: Número desconhecido.

Inferno.

Ela não podia estar segura se a chamada era para Lex ou para Nikolai, já que o guerreiro da Raça estava usando o telefone para chamar e receber chamadas da Ordem. Ela não sabia há quanto tempo ele tinha saído para fazer o reconhecimento e estava a ponto de perder a cabeça esperando por ele. Ela precisava fazer algo. Ao menos, precisava sentir que estavam fazendo algum progresso para encontrar Mira logo...

O celular continuou vibrando em sua mão. Ela pressionou o botão de atender, mas não disse nada. Apenas deixou que a pessoa se revelasse primeiro.

- Olá? Niko? Você está aí, hermano? - a profunda voz denotava um acento espanhol, tão quente e suave como caramelo. - É Rio, cara...

- Ele não está aqui - disse Renata. - Estamos no lado norte da cidade, esperando que vocês cheguem. Nikolai saiu para fazer um reconhecimento da área. Não deve demorar muito.

- Bem - disse o guerreiro. - Já estamos quase chegando, demoraremos aproximadamente 45 minutos. Você deve ser Renata.

- Sim.

- Quero agradecê-la por você ter salvado o traseiro de nosso garoto aí. O que fez foi... bem, ele tem sorte de tê-la ao seu lado. Todos temos - ela podia ouvir a genuína preocupação e gratidão na voz do vampiro, e ficou demasiado curiosa por conhecer os outros guerreiros que Nikolai chamava de amigos. - Está tudo bem aí? Você está bem?

- Estou bem. Só ansiosa para que tudo isto acabe essa noite.

- Entendo - respondeu Rio. - Niko nos contou sobre a menina, Mira. Lamento pelo que você está passando, sabendo que um doente como Fabien está com ela. Sei que não deve ter sido fácil esperar o dia todo para se encontrar conosco.

- Não, não foi. Sinto-me tão inútil - confessou ela. - Odeio esse sentimento.

- Lamento tudo isso. Não vamos deixar que nada aconteça com ela esta noite quando entrarmos lá, Renata. Tenho certeza de que Nikolai explicou para você que pôr nossas mãos em Edgar Fabien é fundamental para a Ordem, mas vamos dar o nosso melhor para que a menina saia de toda esta situação bem.

Um súbito frio impregnou seu peito enquanto as palavras de Rio se afundavam em sua mente.

- O que disse?

- Que ela vai ficar bem.

- Não... isso de que você não deixarão que nada aconteça... lá dentro...

Do outro lado da linha, um longo silêncio.

- Ah! Cristo! Niko não lhe disse nada sobre o vídeo que temos do Refúgio de Fabien de ontem à noite?

O calafrio em Renata congelou, o gelo estendendo-se do peito aos seus membros.

- Um vídeo... de ontem à noite? - respondeu ela paralisada. - O que havia nele? Você viu Mira? Ah! Deus! Fabien fez algo? Diga-me!

- Madre de Dios - disse com uma larga exalação. - Se Niko não lhe disse isso... não tenho certeza de que devo lhe contar agora.

- Fale, maldição.

Ela ouviu um estrondo de conversa rápida ao fundo antes que Rio finalmente cedesse.

- A menina está com Fabien e com outros que ainda não identificamos. Pegamos a informação de uma câmera de segurança no Refúgio de Fabien. Eles partiram ontem à noite e nós os seguimos até a propriedade onde está agora.

- Ontem à noite - murmurou Renata. - Fabien está com Mira aqui... desde ontem à noite. E Nikolai? Vai me dizer que ele sabia? Quando ele ficou sabendo disso tudo? Quando?

- Tenho que pedir que aguente aí um momento mais - disse Rio. - Vai ficar tudo bem...

Renata sabia que o guerreiro ainda estava falando, ainda estava tentando acalmá-la, mas sua voz se apagou lentamente de sua consciência conforme uma profunda cólera e um profundo medo - uma dor tão desmedida que ela acreditava que poderia despedaçá-la – tomou conta de si. Ela desligou o telefone, cortando a chamada e deixando o aparelho cair no chão, aos seus pés.

Mira estava ali desde a noite passada, com Fabien. Todo este tempo. E Nikolai sabia.

Ele sabia, e escondeu isso dela. Ela poderia estar aqui há horas – nas horas de sol - fazendo algo, algo para salvar Mira. Em vez disso, Nikolai tinha ocultado deliberadamente a verdade e, como resultado, ela não tinha feito nada.

Não totalmente nada, ela admitiu, golpeada pela culpa por causa do prazer que tinha desfrutado com Niko enquanto Mira estava sozinha perto dali.

- Ah! Deus! - ela sussurrou, sentindo-se enjoada diante daquele pensamento.

Estava vagamente consciente dos passos aproximando-se do veículo, seus sentidos elevando-se antes que sua mente pudesse processar o som. O vínculo de sangue que agora compartilhava com Nikolai lhe disse que era ele antes que sua sombra aparecesse. Ele abriu a porta do carro esportivo e entrou.

- É Dragos - disse ele, procurando no console, no painel e no assento pelo celular. - Maldito seja, não posso acreditar nisso, mas era ele. Acabei de ver o filho da mãe dentro da casa com Fabien e com os outros. Dragos está aqui, ao nosso alcance. Onde diabos está aquele telefone?

Renata o olhou fixamente, vendo um estranho enquanto ele se inclinava para a frente e estendia a mão para apanhar o celular que estava aos pés dela, no chão do veículo. Ela mal ouvia o que estava dizendo. Mal se preocupava agora.

- Você mentiu para mim.

Ele se voltou para trás, com o telefone de Lex na mão. O rangido de adrenalina que tinha iluminado seus olhos se reduziu um pouco quando encontrou seu olhar.

- O quê?

- Eu confiei em você. Você me disse que eu podia confiar em você, que podia contar com você, e o fiz. Acreditei em você e você me traiu - ela tragou a saliva passando o terrível nó de sua garganta e forçando a si mesma a pronunciar as palavras. - Mira está aqui. Está aqui com Fabien desde ontem à noite. Você sabia disso... e não me disse nada.

Ele estava calado, mas sequer tentou negar o que ela dizia. Ele olhou o telefone em sua mão como se acabasse de se dar conta de como ela tinha descoberto.

- Eu podia estar aqui, Nikolai. Há horas, podia estar aqui, fazendo algo para tirar Mira das mãos desse monstro!

- Motivo pelo qual eu não lhe disse nada - disse amavelmente.

Ela sentia o coração quebrado.

- Você me traiu.

- Fiz isso para protegê-la. Porque te amo.

- Não - disse ela, agitando a cabeça para evitar ser feita de idiota de novo. - Não. Não diga isso. Como pode dizer isso quando usou todas essas palavras para me manter distraída, para me fazer acreditar que realmente se preocupava comigo enquanto você e seus amigos da Ordem faziam planos pelas minhas costas?

- Não foi assim. Nada do que aconteceu entre nós hoje... nada do que eu disse tem a ver com a Ordem. Hoje era você e eu... era sobre nós.

- Grande merda!

Ele estendeu a mão para ela e ela recuou, mantendo-se fora do alcance dele. Ela abriu a porta e saiu do carro, mas ele estava fora do veículo, a seu lado, bloqueando-a com o enorme corpo, tão rápido que ela sequer pôde dar um passo.

- Afaste-se de mim, Nikolai.

- Aonde você vai? - perguntou ele gentilmente.

- Não posso me sentar aqui por mais tempo e não fazer nada - ela deu um passo, mas ele continuava ali. A sutileza desapareceu rápido, substituída por uma firmeza que dizia que ele a manteria amarrada se fosse necessário.

- Não posso deixar que você faça isso, Renata.

- Essa não é uma escolha sua - ela respondeu, tremendo com medo e indignação. - Que droga, nunca foi uma escolha sua!

Ele grunhiu uma maldição e a agarrou.

Renata mal percebeu o que tinha feito até que ele ficou paralisado, segurando a cabeça entre suas mãos. Ele sibilou, seus olhos pulsando brilhos âmbar enquanto lhe dirigia um olhar horrorizado e furioso.

- Renata. Não faça isso.

Ela o atacou de novo, todo seu medo por Mira e sua dor por causa da traição verteram dela uma corrente castigadora de dor mental. Nikolai caiu de joelhos, rugindo e retorcendo-se pela dor que ela tinha desencadeado nele.

Renata se afastou do guerreiro, no bosque, antes que se permitisse ser dissuadida pelo arrependimento crescente dentro de si.


Capítulo 30

A casa estava sob forte armamento, guardada por todos os lados. Era impossível entrar sem ser notado por pelo menos um dos agentes de execução vestidos com roupas parecidas com as da equipe antiterrorista da SWAT. Todos eles ostentavam uma expressão do tipo “atire primeiro e pergunte depois”, desde a escura viseira do capacete preto e dos equipamentos de combate até os rifles automáticos pendurados no corpo.

Graças aos agentes que tinham invadido a casa de Jack na noite anterior, Renata e Nikolai tinham conseguido transporte, uniforme e armas. Ela não tinha a ilusão de que teria a sorte de chegar ao edifício, mas, à primeira vista, vestida como eles, os agentes de plantão podiam pensar que ela era um dos seus.

Ela colocou o capacete que tinha trazido consigo do SUV e fechou o visor colorido. Adotando a melhor postura de soldado que podia, saiu da mata e se aproximou do vampiro que guardava o lado oeste da casa.

O agente a viu imediatamente.

- Henri? Que porcaria você estava fazendo lá fora?

Renata deu de ombros, ergueu o braço bom em um gesto de “vá se ferrar”. Ela não correria o risco de falar com ele, arriscaria no máximo usar sua arma para tirar esse obstáculo do caminho. Mas se o derrubasse, teria toda a segurança em seu traseiro. Não, ela tinha de manter a calma e apenas seguir caminhando na direção dele com a esperança de que ele não abrisse fogo se suspeitasse de algo.

- Qual o problema com você, idiota?

Renata deu de ombros novamente. Chegando mais perto.

Seus dedos coçavam para fazê-lo voar - ele era um alvo fácil ali parado como um tronco, mas o mais leve cheiro de sangue derramado chamaria a atenção de todos os vampiros ao redor. Renata sabia que tinha de aproximar-se o suficiente para alcançá-lo com a mente. Sua única opção era atingi-lo com uma explosão rápida e sólida.

- Ingrato dos infernos. Henri, volte ao seu posto - disse o agente, grunhindo. Estendeu a mão para um pequeno dispositivo de comunicação em seu cinto. - Estou chamando Fabien para denunciá-lo. Se quiser irritá-lo, vá em frente, mas eu não quero fazer parte disso...

Usando todo seu poder, Renata lançou uma descarga selvagem de energia a partir de sua mente e a enviou ao vampiro diante de si. Suas palavras sufocaram com um grunhido e ele caiu como uma pedra. Ela manteve a descarga até que ele ficou em silêncio. Quando estava certa de que ele estava morto, inclinou-se e tirou-lhe a arma e o rádio.

Renata abriu a porta de entrada lateral e deu uma rápida olhada na área interna. Estava vazia. Ela deslizou para dentro, o coração martelando no peito, a respiração ofegante contra a viseira fechada do capacete.

Depois de toda a fúria que ela sentira por Nikolai não ter contado que Mira estava ali com Fabien, agora ela tinha gratidão para com a Ordem pela prova visual da localização da criança. Era tarde demais para saber como tinham ficado as coisas com Nikolai. Tarde demais para se preocupar se deveria ter esperado por ele e por seus companheiros de armas para apoiá-la. Parte dela sabia que tinha sido injusta, mas tinha ido muito longe para voltar.

Ela tomou uma decisão impulsiva e emocional baseada em sentimentos feridos. Foi uma decisão que poderia custar a amizade que tinha com Nikolai - talvez até mesmo seu amor -, mas mesmo já lamentando, aquilo não podia ser desfeito. Nikolai poderia nunca perdoá-la por colocar em risco sua missão e ela entenderia se ele não a perdoasse.

Agora, ela podia apenas rezar para que Mira não pagasse o preço daquilo tudo.

Niko despertou com o zumbido irritante de um celular ao lado de sua cabeça. Ele estava no chão ao lado do veículo. Não fazia ideia de quanto tempo estava ali. O celular vibrou novamente, mexendo na grama e nas folhas secas que se espalhavam pelo chão da floresta. Usou quase toda a sua força para mover a mão e pegar o maldito aparelho. Desajeitadamente, atendeu. Tentou dizer algo, mas apenas conseguiu soltar um grunhido seco.

- Alô - disse ele mais uma vez, forçando seus membros a se arrastarem e se apoiarem na roda dianteira do SUV.

- Niko? - a voz de Rio veio do outro lado do receptor, pesada com a preocupação. - Você parece uma porcaria, hermano. Fale comigo. O que está acontecendo?

- Renata - disse ele, segurando a cabeça nas mãos. – Está enlouquecida...

Rio amaldiçoou.

- Sim, deduzi isso. A culpa é minha, cara. Não sabia que ela não estava a par sobre a menina ter sido levada na noite passada.

- Ela sumiu - Niko disse. Notou que todos os seus sentidos começaram a voltar como se um interruptor em um gerador de energia fosse ligado dentro dele. - Ah! Caramba, Rio.... eu a enfureci e agora ela foi em busca de Mira por conta própria.

- Madre de Dios.

Na outra ponta da linha, Niko ouviu Rio dar a Tegan e aos outros um rápido esboço da situação.

- Isso não é o pior, cara - acrescentou Nikolai, ignorando a dor do tiro em sua cabeça enquanto se levantava do chão e dava uma corrida impressionante para a parte traseira do SUV. - A reunião de Fabien é maior do que pensávamos... Dragos está aqui também.

- Você tem certeza disso?

- Eu vi o desgraçado com meus próprios olhos. Ele está aqui. Nikolai foi pegar as armas automáticas na parte traseira tão rápido quanto seus braços lentos poderiam se mover. Ele cobriu o corpo com fuzis, enfiou uma pistola na parte traseira de seu uniforme roubado do Agente de Execução e outra em um coldre no tornozelo. - A casa está cercada por guardas, então quando vocês chegarem aqui, entrem a pé e se dividam.

- Niko, o que você está fazendo?

Ele não respondeu; sabia que seu velho amigo não gostaria da resposta. Em vez disso, carregava com munição tudo o que pudesse.

- Há dois homens no meio do estacionamento e três na frente. Retire-os primeiro e terão o caminho limpo.

- Nikolai - a voz de Rio era baixa, em forma de advertência. - Hermano, você não está pensando direito agora... não.

- Ela está lá dentro, Rio. Com Dragos, Fabien e sabe Deus quem mais... e ela está sozinha. Eu vou atrás dela.

Rio soltou uma palavra desagradável em espanhol.

- Fique atento. Estamos a dez minutos de distância e estamos acelerando, cara.

Niko fechou a parte de trás do SUV.

- Vou dar uma olhada no entorno.

- Caramba, Nikolai, se essa mulher quer se matar, isso não é problema seu. Nós vamos ajudá-la no que pudermos, mas...

- Ela é minha companheira, Rio - Nikolai soprou uma maldição. - Estamos ligados pelo sangue... e eu a amo. Eu a amo mais do que minha própria vida.

O suspiro do guerreiro soou pesado com compreensão e derrota.

- Suponho que não há necessidade de lhe dizer que você desafiará as ordens diretas de Lucan se for lá agora. Se Dragos está no lugar, isso torna as coisas ainda mais críticas e você sabe disso. Precisamos que você fique onde está e espere por ajuda.

- Não posso fazer isso - respondeu Nikolai.

Ele desligou o telefone e o atirou pela janela do motorista. Então, partiu para encontrar sua mulher.


Capítulo 31

Dragos se permitiu deleitar-se com o temor de seus subalternos quando eles observavam o Antigo preso na cela de raios ultravioleta sendo mostrada na tela. Do assombro de seus rostos – a absorta incredibilidade –, qualquer um pensaria que ele tinha conseguido capturar a luz em uma garrafa. Na verdade, o que tinha conseguido nas últimas décadas era algo ainda maior. Os sete machos da Raça que se reuniram com ele no quarto já o olhavam como um deus justamente por isso. Ele era o arquiteto de uma revolução que iria virar o planeta inteiro de cabeça para baixo. Naquela noite, eles testemunhariam a história e o começo de um futuro que ele tinha projetado pessoalmente.

- Como isso é possível? - alguém murmurou. - Se realmente é um dos Antigos que foi pai de nossa Raça, como sobreviveu à guerra com a Ordem?

Dragos sorriu enquanto andava mais perto da tela.

- Meu pai era um membro original da Ordem... mas foi, em primeiro lugar, o filho dessa criatura. Durante o banho de sangue perpetrado pela Ordem, quando Lucan declarou guerra aos Antigos, meu pai e seu pai alienígena fizeram um pacto. Em troca do poder compartilhado no futuro, meu pai iria escondê-lo até a histeria passar. Infelizmente, depois de fazer sua promessa, meu pai não sobreviveu à guerra. Mas o Antigo sim, como podem ver.

- Então, pretende cumprir o acordo de seu pai com essa... coisa? - Fabien perguntou, sua expressão como a de um cãozinho que acabara de perder o osso para um lobo selvagem.

- O Antigo está totalmente sob meu controle. Ele é uma ferramenta que utilizo quando e como for melhor para mim e para nossa causa.

- Como assim? - perguntou outro homem do grupo.

- Permitam-me dar-lhes uma demonstração.

Dragos caminhou até a porta da sala de conferências. Estalou os dedos para o Caçador que esperava lá fora, então, virou de volta para seus associados conforme o grande Primeira Geração o obedecia.

- Tire a camisa - ele ordenou ao Caçador.

O enorme macho obedeceu em silêncio, desnudando os ombros enormes e o peito sem pelos coberto por uma densa rede emaranhada de glifos. Mais de uma cabeça se voltou para o monitor para comparar as marcas da pele hereditárias da criatura contido dentro da célula ultravioleta.

- Eles têm dermoglifos semelhantes - Fabien engasgou. - Esse macho é da família do Antigo?

- Filho de Primeira Geração, criado com o único propósito de servir à causa - disse Dragos. - Todos os Caçadores de meu exército pessoal são os mais fortes, as armas mais letais do mundo. Eles foram especialmente criados e treinados sob minha orientação. São assassinos e infalivelmente leais a mim.

- Como pode estar certo disso? - perguntou o líder do Refúgio de Hamburgo, um homem sagaz que, sem dúvida, apreciaria a demonstração em tempo real que Dragos tinha em mente.

- Você percebe que o Caçador usa uma coleira. É um dispositivo de monitoramento GPS, mas também está equipado com um laser ultravioleta. Cada Caçador usa uma desde o momento em que começa a andar. Posso acompanhar todos os seus movimentos, localizá-los em um instante. E se me desagradam de qualquer maneira, basta um simples controle remoto para o laser ser ativado e emitir uma luz ultravioleta fina como uma navalha no pescoço do Caçador, cortando sua cabeça – disse Dragos, lançando um olhar significativo ao Caçador rigidamente em pé ao seu lado.

Um ou dois homens na mesa trocaram olhares desconfortáveis.

Foi o alemão quem falou primeiro, os olhos brilhantes.

- O que acontece se o colar for adulterado, ou removido?

Dragos sorriu, não para o alemão, mas para o próprio Caçador.

- Que tal vermos?

Apesar de seu instinto gritar para que entrasse como um ladrão à espreita, Renata caminhou pelo corredor oeste do covil de seus inimigos como se tivesse todo o direito de estar lá. Ela ouviu o baixo ruído de conversa masculina vindo de uma das grandes salas nos fundos. Em outra parte da casa, não havia nada além de calma, até que...

Soluços suaves de uma criança chegavam a partir de uma escada que conduzia ao segundo andar.

Mira.

Renata voou pelos degraus e seguiu os soluços até o final do corredor. A porta do quarto estava trancada pelo lado de fora. Ela passou a mão na parte superior do batente, mas não encontrou chave alguma.

- Maldição – sussurrou, tirando uma de suas lâminas da lateral da calça. Enfiou-a no ponto entre a porta e o batente, bem acima da fechadura, e fez uma alavanca dura. A madeira rachou, afrouxando um pouco. Mais duas vezes e, finalmente, tinha espaço suficiente para abrir. Com agitação e mãos ansiosas, Renata abriu a porta.

Mira estava lá dentro, graças a Deus.

Estava sem véu e assim que olhou para cima e viu a figura vestida de preto entrando na sala, encolheu-se no canto com terror absoluto.

- Mira, sou eu - disse Renata, abrindo a viseira escura. - Está tudo bem agora, querida. Estou aqui para levá-la para casa.

- Rê!

Ajoelhando-se, Renata estendeu os braços. Com um pequeno grito, Mira voou para seu abraço.

- Ah, minha ratinha! - Renata sussurrou, dando beijos aliviados na cabeça loira da garota. - Fiquei tão preocupada com você. Desculpe-me por eu não ter vindo mais cedo. Está tudo bem, querida?

Mira assentiu com a cabeça, os braços pequenos em volta do pescoço de Renata.

- Eu estava preocupada com você também, Rê. Eu estava com medo de nunca mais voltar a vê-la.

- Eu também, querida. Eu também - Renata odiava ter de soltá-la, mas ainda tinha que sair de lá antes que Fabien e seus companheiros chegassem. Ficou de pé, levantando Mira nos braços. - Temos que correr agora. Agarre-se em mim, certo?

Renata ainda não tinha descido dois degraus com a criança quando as explosões rápidas de tiros irromperam de todas as direções em algum lugar fora da casa.

Dragos estava ansioso para demonstrar a beleza tecnológica da coleira de raios ultravioleta que o Caçador usava quando o inferno desabou fora da reunião. Ele disparou um olhar mortal a Edgar Fabien quando o grupo pulou de seus assentos em alarme atordoado.

- O que está acontecendo lá fora? - exigiu de seu anfitrião. - Essa é outra de suas incompetências?

O rosto estreito de Fabien tinha uma sombra pálida.

- Eu... não sei... senhor. Seja o que for, tenho certeza de que meus agentes resolverão.

- Ao diabo seus agentes! - Dragos rugiu. Ele tateou para o rádio e emitiu uma ordem para o motorista levar o barco. Em seguida, olhou para o rosto do Caçador. - Fora, agora. Cuide disso. Mate todos que cruzarem seu caminho.

O Caçador - o soldado altamente treinado, obediente e impecável - apenas ficou ali, imóvel como um pilar de pedra.

- Fora. Eu ordeno!

- Não.

- O quê? - Dragos não podia acreditar em seus ouvidos. Ele sentiu os olhares de seus subordinados fixos nele. Ele podia sentir a descrença deles, a dúvida deles. Um silêncio floresceu, maduro, com a expectativa. - Eu lhe dei uma ordem direta, Caçador. Faça-o, ou vou acabar com você aqui e agora.

Com tiros chegando aos muros da casa, o Caçador teve a audácia de olhar Dragos nos olhos e balançar a cabeça.

- De qualquer forma, estou morto. Se quer que eu lute para que você possa viver, desative o meu colar.

- Como ousa sequer sugerir...

- Está perdendo tempo - disse ele, aparentemente imperturbável com caos crescente à sua volta. - Liberte-me deste colar, seu filho da mãe arrogante.

Nesse momento, um dos fracos vigias de Fabien apareceu correndo pela porta entreaberta.

- Senhor, estamos sendo alvejados por todos os lados. Não podemos ter certeza ainda, mas deve haver um exército na floresta nos cercando.

- Ah! Jesus! - Fabien engasgou. - Vamos todos morrer!

Dragos rosnou em fúria, sem a menor confiança de que os guardas de Fabien pudessem encontrar seus próprios traseiros, muito menos proporcionar uma cobertura adequada para o grupo de machos da Raça de alto escalão que estavam olhando naquele momento para Dragos como seu líder para ajudá-los a fugir. Esperando que ele decidisse se os salvaria ou se deixaria a prometida revolução cair por terra.

- Terminamos por aqui - ele rosnou. - Todo mundo para fora pela porta de trás, para o barco. Sigam-me.

Quando o grupo começou a sair em torno dele, Dragos lançou um olhar ameaçador por cima do ombro para o Caçador. Ninguém disse uma palavra – o ódio mútuo era suficiente para ler em seus olhares quando Dragos pôs a mão no bolso e pegou o dispositivo que controlava a coleira do Caçador e digitou o código que a desativava.

No instante que a coleira se desligou, o Caçador estendeu a mão e a arrancou do pescoço. Então, com um olhar de descrença, de fria determinação, ele caminhou para fora da porta em direção ao caos que se estendia do lado de fora.


Capítulo 32

Nikolai sorriu sozinho quando sua tática de distração criou uma confusão repentina e maciça em todo o complexo. Os Agentes em guarda corriam precipitadamente em pânico total, mais de um recebeu um golpe da explosão de disparos que vinham de todas as direções do bosque. Niko ordenou que uma videira enrolasse os ramos no gatilho de sua última M16 escondida.

Quando a videira fez como as anteriores, segurando o fuzil no alto e aplicando uma pressão cada vez maior no gatilho, o galho verde ficou mais grosso e mais forte, então Niko correu para a entrada lateral da casa.

Não foi difícil encontrar Renata. Seu vínculo de sangue era um farol para ele, levando-o através da parte traseira do lugar para um voo por cima das escadas. Renata estava descendo com Mira apertada nos braços. Ela encontrou o olhar dele e, por um instante infinito, nenhum dos dois disse uma palavra. Nikolai queria dizer como estava arrependido, e como estava aliviado por ela ter encontrado a criança ilesa.

Ele tinha mil coisas que queria dizer a Renata naquele momento, principalmente que a amava e que sempre a amaria.

- Rápido – ele murmurou. - Precisamos sair daqui agora.

- O tiroteio está por toda parte - disse Renata, a preocupação marcando suas feições. - O que está acontecendo?

- Apenas diversão. Tive que criar uma oportunidade para conseguir tirar você daqui.

Ela parecia aliviada, mas só por um segundo.

- Fabien e os outros... Eu os ouvi saindo pelo caminho de trás há alguns minutos.

- Estou trabalhando nisso - Niko disse. - Agora vá. Não pare por nada. Leve Mira de volta para o carro. A Ordem deve chegar a qualquer minuto.

- Nikolai...–disse Renata, olhando Nikolai firmemente, fazendo-o parar na esperança de ouvir o perdão ou uma afirmação de que ela ainda podia amá-lo depois de tudo o que tinha acontecido. Ela prendeu seu olhar, formando um vinco entre as sobrancelhas. - Seja cuidadoso.

Ele ofereceu-lhe um aceno triste, não sentindo o comum aumento de adrenalina que precedia o combate. Aqueles dias pareciam séculos atrás, quando nada mais importava para ele exceto a glória da batalha e o triunfo da vitória, por mais sem sentido que fosse.

Agora tudo importava, sobretudo em se tratando de Renata. Sua segurança e felicidade eram tudo o que importava, mesmo que isso significasse que ele poderia não estar em cena.

- Leve Mira de volta para o carro - disse novamente. - Mantenha a cabeça baixa e cuide-se. Vamos tirá-las daqui.

Ele esperou até que Renata saísse correndo, então foi para a porta dos fundos da propriedade por onde seus inimigos tinham fugido.

A lancha estava parada na doca quando Dragos e os outros correram ladeira abaixo para pegá-la. Ao redor da floresta e até perto da casa, os agentes de Fabien mexiam-se como formigas que tinham acabado de perder a casa. Tiros iluminavam a noite de modo tão enlouquecido que era impossível dizer quais rajadas vinham dos aliados e quais dos aparentes intrusos.

Tudo que Dragos sabia era que não ficaria para enfrentar a Ordem ou esperar que alguém o derrubasse.

Quando ele e seu grupo começaram a subir no barco, Dragos colocou-se no caminho de Edgar Fabien.

- Não há espaço a bordo para você - disse para o líder do Refúgio de Montreal. - Você nos prejudicou bastante com sua idiotice. Você fica aqui.

- Mas... senhor, eu... por favor, posso garantir que não vou decepcioná-lo novamente.

Dragos sorriu, mostrando as pontas de seus dentes.

- Não, você não vai.

Dizendo isso, levantou uma pistola 9 mm e disparou um tiro mortal direto entre os olhos redondos de Fabien.

- Vamos! - ordenou ao condutor do barco, Edgar Fabien completamente apagado quando o motor rugiu e a embarcação os levou até o hidroavião que esperava na outra extremidade do lago.

Ele chegou tarde demais.

Niko encontrou alguns Agentes em seu caminho até o lago, mas quando chegou lá, a lancha não passava de uma agitação na água. Nikolai disparou alguns tiros atrás deles, mas estava apenas perdendo balas. O cadáver de Edgar Fabien jazia na doca de madeira. Dragos e os outros já estavam do outro lado do lago naquele momento.

- Maldição.

Alimentado pela fúria e pela determinação, Nikolai começou a se movimentar ao longo da costa, recorrendo à velocidade sobrenatural que todos os da sua espécie possuíam quando precisavam. O barco era rápido, mas a água estava cercada de terra. Em algum ponto Dragos e seus companheiros teriam de desembarcar e pegar outro meio para terminar a fuga. Com alguma sorte, Niko poderia alcançá-los antes que fugissem.

Ele não sabia quão longe estavam - um quilômetro, provavelmente – quando, de repente, seu peito congelou de medo.

Renata.

Algo estava errado. Terrivelmente errado. Ele podia sentir as emoções de Renata como se fossem suas. Ela, a corajosa e imperturbável Renata, agora estava morrendo de medo.

Ah! Cristo! Se alguma coisa acontecesse com ela...

Não. Ele não podia sequer pensar nisso.

Com todos os pensamentos sobre Dragos deixados de lado, Nikolai virou e continuou em alta velocidade, rezando para chegar a tempo.

Ela não tinha visto o vampiro enorme vindo.

Em um minuto estava cortando o mato escuro com Mira firme em seus braços e, no minuto seguinte, viu-se olhando para o rosto implacável e para os impiedosos olhos dourados de um macho da Raça, cujo imenso torso nu, ombros e braços estavam cobertos por um espesso padrão de dermoglifos.

Era um Primeira Geração; Renata soube instintivamente. Seus instintos também diziam que aquele macho era mais letal do que a maioria, frio como pedra.

Um assassino.

O terror a cobriu como uma maré negra. Ela sabia que se o atacasse era melhor ter certeza de que poderia matá-lo rapidamente, ou então ela e Mira seriam mortas no mesmo instante. Não se atreveu a tentar quando Mira podia sofrer caso ela falhasse.

Santa Mãe de Deus, chegar tão longe, finalmente ter Mira em seus braços, a poucos passos da liberdade... e agora... Jesus Cristo!

- Por favor - Renata murmurou, desesperada para atrair a mais leve misericórdia. - A criança não. Deixe-a ir... por favor, deixe a criança, não lhe faça mal...

O silêncio do vampiro era irritante. Mira tentou levantar a cabeça do ombro da amiga, mas Renata gentilmente a empurrou de volta para baixo, não querendo que ela se assustasse com o mensageiro da morte que, sem dúvida, tinha sido enviado por Edgar Fabien ou por Dragos. Ou pelo próprio Diabo em pessoa, maldito seja.

- Vou colocá-la no chão - Renata disse a ele, sem ter certeza de que ele a compreendia e que muito menos concordaria. - Apenas... deixe a criança ir. Sou eu quem você quer, não ela. Apenas eu.

Os olhos de falcão dourado seguiam cada movimento de Renata enquanto ela cuidadosamente tirava Mira dos braços e lentamente colocava os pés da menina no chão. Renata colocou-se entre o assassino e a criança, rezando para que a morte dela fosse suficiente para satisfazer ao assassino e ao seu mestre do mal.

- Rê, o que está acontecendo? - Mira perguntou por trás de suas pernas, as mãos pequenas segurando-lhe as calças enquanto olhava ao seu redor. - Quem é esse homem?

O vampiro deixou seu olhar de pedra viajar até a origem daquela voz minúscula. Ele olhou. Sua cabeça raspada virou lentamente para o lado. Então, ele fez uma careta.

- Você - disse ele, com uma voz tão profunda que estremeceu todo o caminho até a medula Renata. Algo sombrio passou em seu rosto. - Deixe-me vê-la.

- Não - declarou Renata, segurando Mira atrás de si e bloqueando-a como um escudo. - Ela é apenas uma criança. Não fez nada contra você ou qualquer outra pessoa. Ela é inocente.

Ele lançou a Renata um olhar tão feroz que quase a derrubou.

- Deixe-me ver os olhos dela.

Antes que pudesse recusar mais uma vez, antes que pudesse pensar em alguma forma de pegar Mira e fugir o mais rápido possível, Renata sentiu Mira dar um passo para sair detrás de sua proteção.

- Mira, não.

Tarde demais para interromper o que aconteceria. Renata só pôde olhar com terror quando Mira caminhou direto para fora e olhou para cima, subindo para o duro olhar do letal vampiro Primeira Geração.

- Você... - disse ele novamente, olhando para o doce rosto de Mira.

Renata poderia dizer o momento em que começou a testemunhar o presente de Mira. Os olhos dourados dele ficaram tempestuosos, e ele olhava, absorto, enquanto a criança mostrava seu futuro. Ele chegou mais perto, muito perto, até que os braços maciços poderiam atacar e quebrar Mira inadvertidamente.

- Não... - ela deixou escapar, mas ele já estava chegando até Mira.

- Está tudo bem, Rê - Mira sussurrou, em pé diante do vampiro, tão inocente como uma criancinha que vagava na cova dos leões.

E foi então que Renata percebeu que algo de extraordinário estava para acontecer.

- Você me salvou - ele sussurrou, com as mãos enormes nos pequenos ombros de Mira. O vampiro se ajoelhou, ficando no nível da criança. Quando ele falou, a voz letal estava tranquila, com espanto e confusão. - Você salvou minha vida. Eu vi isso, agora, em seus olhos. Vi naquela noite também...


Capítulo 33

O coração de Nikolai congelou dentro de seu peito, um crescente pânico, medo transformado em gelo. Com o tiroteio ainda em erupção na área, ele tinha dado uma volta pela floresta até o lugar onde seu sangue tinha mostrado que encontraria sua Companheira apavorada.

Renata estava lá. Na escuridão da floresta banhada pela luz da lua, imóvel como uma estátua e olhando um imenso vampiro Primeira Geração agachado diante de Mira, segurando a criança com suas enormes mãos.

Jesus Cristo.

Niko moveu-se silenciosamente, rastejando para se aproximar e tentar encontrar uma posição em que poderia atirar sem colocar Renata ou a menina no fogo cruzado.

Ataque-o com uma onda, Renata. Faça-o cair e corra como se estivesse correndo do diabo.

Ela não lançou o poder mental sobre ele. Ela não tentou contrair um dedo na direção de qualquer uma de suas armas, psíquica ou não. Não, para o horror de Niko, ela não moveu sequer um dedo. Apenas ficou ali, no centro do que rapidamente se transformaria em uma tempestade infernal de sangue e violência.

O próprio medo de Niko naquele momento era insondável. Tudo o que ele sentia era o terror rasgando-o por dentro, seus ossos congelados, um desespero tão selvagem dentro do coração que batia como um tambor no peito.

Ele tirou as pistolas 9 mm de seus coldres laterais e avançou. Embora estivesse se movendo a um ritmo que apenas alguém da Raça poderia controlar, Renata olhou para cima. Ela o sentiu ali, movendo o ar ao seu redor, mesmo que os olhos não conseguissem registrar a velocidade. O sangue dele nela lhe disse que seu macho estava perto, assim como o seu sangue correndo nele sempre o faria encontrá-la.

Ele estava muito consumido pela raiva para notar que ela olhava para ele com alarme e não para o inimigo vampiro que enfrentava.

Nikolai avançou como um flash, totalmente preparado para matar. Ele parou logo atrás do grande Primeira Geração, as duas pistolas apertadas contra os glifos que seguiam até a parte traseira do crânio raspado do vampiro.

Tudo aconteceu em um piscar de olhos, mas parecia em câmara lenta na consciência de Nikolai.

Ele apontou as armas, os dedos nos gatilhos.

Os olhos de Renata se abriram. Ela balançou a cabeça.

- Niko, espere... não!

O Primeira Geração soltou Mira, deixando as grandes mãos caírem ao seu lado. Ele nem sequer reagiu às armas apontadas em sua cabeça. Seu peito expandiu quando puxou uma respiração longa, então deixou o ar sair em um suspiro resignado.

Ele não estava lutando contra sua morte.

Ele não se importava se morresse.

E então Mira gritou, a voz da criança alta com o medo.

- Não! Não o machuque!

Nikolai assistiu incrédulo e com espanto total quando Mira jogou seus braços em torno dos ombros largos do Primeira Geração.

- Por favor, não o machuque! - ela chorou, olhando para Niko, suplicando-lhe enquanto tentava proteger o vampiro com seu corpo minúsculo.

- Nikolai - Renata prendeu seu olhar quando ele a olhou, incrédulo, as duas pistolas de grande porte ainda armadas e prontas, niveladas na cabeça do Primeira Geração. - Nikolai... por favor, está tudo bem. Espere.

Ele franziu a testa, mas sua atitude guerreira relaxou um pouco.

- Levante-se - ordenou ao vampiro.–Levante-se e afaste-se da criança.

O Primeira Geração obedeceu sem qualquer comentário, lentamente, soltando os braços de Mira do seu pescoço e empurrando-a para longe enquanto levantava.

Niko se moveu para enfrentá-lo, as armas ainda sobre ele, quando orientou tanto Renata quanto Mira a ficar atrás dele.

- Quem diabos é você?

Os olhos sóbrios, inexpressivos, fitaram a terra.

- Chamam-me de Caçador.

- Você não é um Agente - disse Nikolai, cautelosamente.

- Não. Eu sou um Caçador.

Renata levou Mira para perto, segurando-a enquanto o caos na floresta e na casa lentamente morria em torno deles.

- Seus olhos, Nikolai - disse ela, entendendo agora. - Ele é o assassino que tentou matar Sergei Yakut naquela noite. Foi ele quem Mira viu no retiro de Yakut.

A expressão de Nikolai escureceu.

- É verdade? Você é um assassino de aluguel?

- Eu era - o Caçador deu um aceno triste e, finalmente, levantou o olhar. - A criança me salvou... Algo mudou em mim depois que eu vi a visão nos olhos dela naquela noite. Eu a vi salvar minha vida, exatamente como aconteceu há pouco.

No instante seguinte, a floresta ganhou vida com homens armados se deslocando sobre eles de todas as direções. Nikolai tinha as armas na mão, mas não fez nenhum movimento para disparar sobre as ameaças recém-chegadas. Renata entrou em pânico.

- Ah, merda. Niko...

- Está tudo bem - ele a acalmou com um olhar tranquilizador e algumas palavras gentis. - Estes são os mocinhos, meus amigos da Ordem.

Ela observou quando quatro dos guerreiros amigos de Nikolai entraram na área. Todos eram formidáveis no tamanho e na atitude, um grupo de músculos e de força que parecia sugar todo o ar da floresta pela simples presença dele.

- Como vai, hermano? Tudo bem aqui? - perguntou a voz suave que agora Renata reconhecia como pertencente a Rio.

Nikolai assentiu com a cabeça, os olhos e armas ainda apontadas na direção do Primeira Geração.

- Tenho tudo sob controle, mas a situação na casa está arruinada. Edgar Fabien está morto e Dragos e os outros fugiram pela costa. Foram de barco para o outro lado do lago. Tentei segui-los, mas... - olhou para Renata. - Tinha que me assegurar de que tudo estava bem por aqui primeiro.

- Nós ouvimos o zumbido de um motor de avião pequeno quando chegamos - disse Rio.

- Droga - Nikolai sussurrou. - Eram eles, sem dúvida. Fugiram. Diabos, Dragos estava aqui e nós perdemos o filho da mãe maldito.

- Deixe-me ajudar a encontrá-lo.

Todos os olhos se voltaram para o vampiro ainda detido na mira de Nikolai.

- Por que confiaríamos em você? - Nikolai perguntou, estreitando o olhar. - Por que estaria disposto a nos ajudar a colocar as mãos em Dragos?

- Porque ele é a pessoa que me criou - não havia calor no tom dourado dos olhos do Primeira Geração assassino quando respondeu à pergunta, apenas ódio gelado. - Ele me fez o que sou. Eu e todos os outros Caçadores criados por ele para matar.

- Ah, meu Deus! - Renata respirou. - Você quer dizer que há outros como você?

A cabeça raspada do Caçador acenou sobriamente.

- Não sei quantos nem onde estão, mas Dragos me disse que não sou o único de minha espécie. Há outros. Muitos outros.

- Por que devemos acreditar em você? - perguntou outro dos guerreiros, quase tão sombrio quanto a noite ao seu redor, seus dentes e presas brilhando como pérolas contra sua pele morena.

Outro guerreiro interveio, então, de olhos rápidos e sagazes, astuto como um lobo sob os pontos de ébano de seus cabelos cortados.

- Deixe Tegan nos dizer se podemos confiar nele.

Renata assistiu com espanto e um pouco de medo quando o maior do grupo, um guerreiro que parecia um fantasma perseguindo as sombras, deu alguns passos a frente. Imenso, com cabelos alourados sob o capuz preto de malha que usava, ele era um grande bloco de músculos másculos e energia sombria. Facilmente tão grande quanto o Primeira Geração diante dele, esperando seu julgamento.

Sem dizer nada, o guerreiro chamado Tegan estendeu sua enorme mão. O Caçador a pegou, seus olhos tão constantes quanto seu aperto.

Após um longo momento, Tegan deu um aceno vago.

- Ele vem com a gente. Vamos lacrar este lugar e dar o fora daqui.

Renata sentiu o enorme peso da tensão do momento ser removido, dando lugar a um novo propósito. O grupo se dividiu, a maioria dos guerreiros indo cuidar das coisas na casa de Fabien enquanto Rio e Nikolai andavam com Renata, Mira e seu companheiro inesperado de volta ao veículo à espera da Ordem.

Já perto, Nikolai pegou a mão de Renata.

- Encontramos você lá, Rio.

O guerreiro assentiu. À medida que avançavam, Renata olhou maravilhada e atemorizada quando Mira deslizou sua mão muito pequena na palma maior do Caçador.

- Meu Deus - disse ela a Nikolai. - O que está acontecendo?

Ele balançou a cabeça, claramente surpreso como ela.

- Vou levar algum tempo para descobrir isso, acho. Mas primeiro quero esclarecer as coisas entre nós.

- Nikolai, desculpe-me.

Ele a silenciou com um beijo longo e doce, puxando-a em seus braços quentes e musculosos.

- Eu estraguei tudo, Renata. Eu estava com tanto medo de perder você que a empurrei para longe de mim com uma mentira, fui um estúpido imprudente! Eu nunca me perdoaria se alguma coisa acontecesse com você ou Mira. Você é meu coração, Renata. Minha vida - ele acariciou-lhe o rosto, seu olhar a engolindo inteira. - Eu te amo tanto... Não quero viver um só momento sem você ao meu lado.

Ela fechou os olhos, dominada pela emoção.

- Eu nunca quis nada mais - ela sussurrou, sua garganta fechada com alegria. - Eu também te amo, Nikolai. Mas tem que entender que venho com um pacote agora. Mira não é minha filha de sangue, mas é de coração. Eu a amo como se fosse minha.

- Eu sei - disse sobriamente. - Você já provou isso.

Renata olhou para ele, incapaz de conter a esperança que se espremia em seu peito.

- Você acha que pode encontrar espaço em sua vida e em seu coração para nós duas?

- O que a faz pensar que eu já não tenha feito isso?–ele a beijou novamente, dessa vez com ternura. Quando olhou nos olhos dela, seu olhar era tão cheio de amor que lhe varreu o fôlego. - Vamos dar o fora daqui agora. Quero levar minhas garotas para casa.


Capítulo 34

Boston. Três noites depois.

O complexo da Ordem pareceu muito diferente para Nikolai quando ele andou pelo corredor que conduzia ao laboratório de tecnologia onde tinha se reunido com os outros guerreiros. A missão de capturar Dragos sofrera um golpe significante há algumas noites, mas também tinham ganhado uma vantagem muito inesperada na sua busca e encerramento da operação.

Infelizmente, embora o Caçador tivesse se tornado um valioso aliado, a Ordem também tinha perdido um membro crucial e confiável amigo: Andreas Reichen tinha sumido completamente e a notícia de Berlim era a pior possível. Ninguém sabia se o líder do Refúgio alemão tinha sobrevivido ao ataque em sua residência. Baseado na matança de toda sua família e no fogo que consumira a propriedade inteira, a Ordem tinha poucas esperanças de encontrar o amigo vivo.

Pessoalmente, Nikolai pensou que seria consolador para Reichen se ele tivesse morrido no ataque. Ele sabia que uma perda tão profunda jamais poderia ser superada. Certamente nenhum homem, da Raça ou não, seria forte o suficiente para sair ileso de um golpe tão brutal na alma. Como um guerreiro, Nikolai entendia baixas em combate. Todo guerreiro entrava na batalha sabendo que ele ou seus irmãos podiam não retornar para a base. Mas perder uma família...

Ele não queria nem mesmo considerar o que isso faria com um homem. Em vez disso, Nikolai se concentrou nas bênçãos que tinha, uma das quais podia ser ouvida falando baixinho quando ele se aproximou da porta aberta de seus aposentos.

Renata estava lá dentro, sentada no sofá da sala, lendo para Mira.

Por um momento, quando Niko aproximou-se da entrada, encostou-se na soleira da porta, simplesmente ouvindo e deleitando-se com a visão da bela mulher que agora era sua Companheira. Ele adorava ver como Renata ficava tão confortável com um livro quanto segurando uma arma. Ela tinha uma suavidade que ele admirava, uma inteligência que o desafiava continuamente e uma força interior que o fazia procurar ser um homem digno de sua devoção.

Não era nada mal também que ela fosse mais quente do que o inferno, sobretudo quando ela estava com o olhar na sua 9 mm ou treinando com suas adagas queridas no centro de treinamento. Kade e Brock tinham estado quase permanentemente na sala de armas nos últimos dias, só pela possibilidade de treinar com Renata ou olhá-la em ação. Nikolai não podia culpá-los. Mas quando sentiu o beliscão leve do ciúme, bastou um olhar malicioso de sua mulher para colocá-lo à vontade. Ela o amava e Nikolai era o macho mais sortudo do planeta.

- Oi - disse, olhando enquanto virava a última página de um capítulo e parava para cumprimentá-lo.

- Olá, Niko - Mira sussurrou sob o véu curto. - Você acabou de perder uma parte muito boa da história.

- Mesmo? Talvez eu possa convencer Renata a ler para mim mais tarde - disse ele, enviando um olhar aquecido para sua Companheira quando entrou na sala. Ele caminhou até o sofá e se agachou na frente de Mira. - Tenho algo para você.

- Sério? - o rosto dela se iluminou com um pequeno sorriso. - O que é?

- Uma coisa que pedi a Gideon para você. Tire seu véu, e vou lhe mostrar.

Ele não perdeu o olhar protetor de Renata quando Mira afastou o tecido preto para longe do seu rosto.

- O que é?

- Tudo bem - disse ele, tirando uma pequena caixa de plástico do bolso da calça jeans. - Você pode confiar em mim. Ambas podem confiar em mim.

Renata relaxou, e olhou quando Nikolai retirou a tampa de um recipiente de lentes de contato.

- Estas são as lentes especiais que Gideon acha que vão ajudar com seus olhos. Você gostaria de nunca mais usar o véu de novo?

Mira concordou com entusiasmo.

- Deixa eu ver, Niko!

- Que tipo de lentes são essas? - Renata perguntou, cautelosamente otimista.

- Íris opacas para proteger o efeito de espelhamento dos olhos de Mira. Ela será capaz de ver através delas, mas ninguém que olhar para ela vai notar nada de incomum sobre os olhos. Suas íris serão cobertas, da mesma forma que o véu cobre. Eu pensei que seriam melhores.

Renata acenou, sorrindo calorosamente para ele.

- Muito melhor. Obrigada.

- Posso experimentá-las? - Mira perguntou, ansiosamente olhando a pequena caixa nas mãos de Niko. - Olha, Rê, são roxas!

- Essa é sua cor favorita - disse ela, jogando um olhar interrogativo sobre Nikolai.

Ele tinha mudado muito nos últimos dias, empreendendo um papel que nunca se imaginou, sem falar no fato de se ajustar tão confortavelmente nele. Ele era um macho com laço de sangue com uma Companheira de Raça que o amava e uma criança para criar como sua. E ele apreciou as duas ideias.

Ele, um dissidente e imprudente, tinha uma família própria agora. Era incompreensível para ele, para não mencionar para o resto do complexo. Era a última coisa que sonhou que queria ou precisava e agora, apenas alguns dias depois, não poderia ver sua vida de outra maneira.

Seu coração nunca se sentiu tão completo.

- Deixe-me ajudá-la com isso - disse Renata, pegando as lentes das mãos de Niko com cuidado e colocando-as em Mira. Quando estavam no lugar há alguns segundos e o talento da criança não se manifestou, Renata sorriu. - Ah, meu Deus. Funcionou, Nikolai! Olhe para ela. As lentes funcionam perfeitamente.

Ele olhou para as piscinas violeta nos olhos alterados de Mira e viu... nada. Apenas o feliz e despreocupado olhar de uma criança.

Renata jogou os braços em volta dele e o beijou. Mira estava bem atrás dela e Niko pegou as duas em um sincero abraço.

- Há mais - disse, esperando que gostassem do resto da sua surpresa. Ele se levantou e pegou cada uma delas pela mão. - Venham comigo.

Ele as levou pelo corredor até o elevador que subia da sede subterrânea para a enorme mansão que ficava no piso acima. Ele podia sentir a apreensão de Renata pelo modo como ela apertava-lhe a mão grande e pela adrenalina que lhe corria na corrente sanguínea.

- Não se preocupe - ele sussurrou na orelha dela. -Você vai gostar, eu prometo.

Pelo menos, ele esperava que sim. Ele tinha trabalhado naquilo durante um dia e meio, tentando fazer tudo certo. Ele guiou Renata e Mira ao coração da propriedade, em direção à luz de velas e ao calor da sala de jantar formal. Os aromas de pão e carne assada os receberam. Niko não tinha apreço por comida humana, mas as Companheiras de Raça que viviam no lugar certamente tinham e, a julgar pela aparência das duas mulheres caminhando ao seu lado, elas também.

O espanto brilhou nos olhos de Renata.

- Você fez o jantar?

- Claro que não. Acredite em mim, sou a última pessoa que você iria querer para preparar suas refeições. Pedi alguns favores a Savannah, Gabrielle e as outras mulheres. Seu estômago está em muito boas mãos.

- Mas eu estive com todas elas mais cedo hoje e ninguém disse nada sobre isso.

- Eu queria fazer uma surpresa. Elas queriam surpreendê-la, também.

Renata não disse mais nada, mas ele não pôde deixar de notar que seus passos diminuíam ao chegar mais perto da sala de jantar. Mira, no entanto, pulava com entusiasmo. Assim que chegaram à porta de entrada em arco, ela soltou-se de Niko e correu a mil por hora como se tivesse vivido lá toda sua vida.

Mas Renata, não.

Ela ficou em silêncio e imóvel. Olhou para a mesa cheia de pratos de porcelana e enfeites finos e suspirou levemente. Não disse uma palavra sequer quando olhou para o rosto dos guerreiros e de suas Companheiras de Raça, todos de pé dando-lhe boas-vindas quando ela e Nikolai pararam na porta.

- Ah, Santo Deus! - ela finalmente sussurrou, sua voz quebrada e crua.

Niko a seguiu quando ela recuou, voltando pelo corredor.

Maldição. Ele estava tão certo de que ela desfrutaria de um agradável jantar com todos, mas é óbvio que estava errado.

Quando falou com ele, sua voz estava embargada pela emoção.

- Todo mundo está esperando lá dentro... por nós?

- Não se preocupe com isso - disse ele, puxando-a para seus braços fortes. - Eu queria fazer algo especial para você e estraguei tudo. Sinto muito. Você não tem que fazer isso.

- Nikolai - ela olhou para ele, os olhos brilhantes marejados. - Eu nunca vi nada mais bonito do que aquela mesa, com todos ao redor, em toda a minha vida.

Ele franziu a testa, bastante confuso agora.

- Então, o que está errado?

Ela balançou a cabeça, engolindo um riso estrangulado.

- Não há nada de errado. Nada de errado em nada. Estou tão feliz! Você me faz tão imensamente feliz. Tenho medo desse sentimento. Eu nunca soube o que era e eu estou morrendo de medo que seja apenas um sonho.

- Não é um sonho - disse ele suavemente, acariciando-lhe uma lágrima perdida que deslizava assertivamente pelo rosto macio. - E você pode se segurar em mim se sentir medo. Vou estar ao seu lado enquanto você quiser.

- Para sempre - disse ela, sorrindo para ele.

Nikolai assentiu.

- Sim, meu amor. Para sempre.

O sorriso exultante de Renata explodiu em sua boca. Ela beijou Nikolai forte e, em seguida, caminhou com ele sob o abrigo daquele braço forte para se juntar aos outros. Para se juntar ao resto da sua família.

Capítulo 25

Nikolai sentou-se dentro do abrigo feito de videiras e assistiu a um único raio de luz atravessar as folhas e iluminar os cabelos escuros de Renata enquanto ela dormia. A luz ultravioleta era tóxica para sua espécie – letal após meia hora de exposição contínua - mas ele não resistiu ao desejo de deixar aquele raio de luz entrar pelo pequeno buraco na vegetação. Nos últimos minutos, ele tinha permanecido sentado junto de Renata observando-a, admirando-a, muito intrigado com a forma como a luz cobria-lhe os cabelos de ébano, penetrandolhe os fios de seda e colorindo-os com uma dúzia de tons diferentes: cobre, bronze e vermelho.

Que diabos havia de errado com ele?

Ele estava sentado lá, olhando os cabelos de Renata, pelo amor de Deus! Não apenas olhando, mas olhando-os com total fascinação. Para Niko, isso indicava uma de duas coisas preocupantes: ele devia considerar muito seriamente ter algumas aulas com o famoso cabeleireiro inglês Vidal Sassoon ou estava completamente perdido de amor por aquela mulher.

Perdido tanto quanto no passado, eternamente tomado por outra pessoa. Em algum lugar, de algum jeito, ele se deixou apaixonar por ela.

Isso explicava o porquê de ele não conseguir manter as mãos - e outras partes maiores e mais pulsantes de seu corpo - longe dela. Explicava também o motivo pelo qual tinha passado toda a noite – com exceção da ida rápida à casa de Yakut antes do amanhecer – deitado junto de Renata, sustentando-a em seus braços fortes.

E, se ele precisava de alguma explicação do motivo de seu peito ter ficado tão apertado e tão pesado quando ela começou a chorar na noite anterior, ou por que havia se sentido obrigado a compartilhar com ela seu sentimento de culpa pela perda de Dimitri há tantos anos, ele supôs que estar apaixonado faria sentido.

Por mais que tentasse convencê-la de que ela estava a salvo com ele, Nikolai se sentia a salvo com ela também. Confiava nela plenamente. Mataria para protegê-la, morreria por ela sem hesitar nem por um segundo. Ela podia não fazer parte de sua vida há muito tempo, mas ele já não se imaginava sem ela.

Ah! Merda. Ele realmente tinha se apaixonado por Renata.

- Mas... que... maravilha! - murmurou, fazendo uma careta quando ela se agitou por causa do som de sua voz.

Ela abriu os olhos e sorriu quando o viu sentado ali.

- Olá!

- Bom dia - disse, casualmente alcançando um ramo de videira para fechar o abrigo e deixar do lado de fora os resquícios do raio de sol.

Ele achou o espreguiçar felino dela mais fascinante ainda do que os cabelos. Estava usando a mesma camisa de algodão da noite anterior, a metade dos botões espalhados pelo chão do abrigo natural. A grande camisa estava aberta da metade para baixo, mal cobrindo a nudez de sua fenda. Por ele, sem problemas.

- Como se sente?

Ela pareceu refletir por um segundo, depois olhou para ele com a testa franzida.

- Sinto-me realmente bem. Quero dizer, ontem à noite foi... - ruborizou, uma doce cor rosada preencheu-lhe as bochechas. - Ontem à noite foi incrível, mas pensei que ficaria fora de combate por causa da reverberação. Não entendo... nunca aconteceu nada assim. Quero dizer, tive um pouquinho de dor, mas pelo ataque na casa de Jack, eu devia estar agonizando a noite toda.

- Isso nunca aconteceu antes?

Ela sacudiu sua cabeça.

- Nunca. Cada vez que usava minha habilidade, o efeito retornava.

- Mas ontem à noite não.

- Não, ontem à noite não - ela disse. - Nunca me senti melhor.

Niko talvez pudesse ter feito uma brincadeira sobre os efeitos milagrosos de suas proezas sexuais, mas ele sabia que era um tipo de magia o que fizera Renata suportar o efeito da reverberação.

- Você bebeu de meu sangue ontem. Essa foi a diferença.

- Você acha que seu sangue ajudou não apenas a curar meu ombro, mas também com as reverberações? É possível?

- É definitivamente uma possibilidade. Uma Companheira de Raça que bebe regularmente o sangue de um vampiro se torna muito mais forte do que seria sem ele. O envelhecimento desacelera até ao passo de tartaruga. As células do corpo, os músculos e todo o metabolismo atinge um estado físico visivelmente saudável. E, sim, muitas vezes o sangue de um companheiro também tem impacto na habilidade psíquica das fêmeas.

- Por isso Sergei nunca me deixou beber dele - Renata disse, sua mente veloz para chegar à mesma conclusão a que Niko havia chegado. – Ele não fazia segredo de que gostava que meu poder fosse limitado. Nas vezes que tentei golpeá-lo, nunca pude manter a rajada o tempo suficiente para derrubá-lo. E, no final, o esforço sempre me custava caro demais quando retornava.

- Sergei Yakut era Primeira Geração - Niko recordou. – O sangue dele em seu sistema poderia torná-la praticamente invencível.

Renata zombou em voz baixa.

- Só um grilhão a mais para mim. Ele devia saber que eu o mataria se tivesse a menor esperança de êxito–ficou em silêncio durante um minuto, com os braços cruzados. Depois, arrancou uma fibra de erva do chão do abrigo improvisado. - Tentei matá-lo... no dia em que Mira e eu fugimos juntas. Naquele dia, ele queimou minhas costas com ferro quente. Fez outras coisas também.

Nikolai não tinha que perguntar mais sobre o que ela tinha sofrido. As cicatrizes das queimaduras em suas costas eram atrozes, mas pensar no castigo de Yakut era pior... O sangue de Niko fervia de indignação. O guerreiro, então, colocou a mão sobre a mão dela.

- Sinto muito, Renata.

Ela lançou um firme olhar que não procurava simpatia.

- Sua misericórdia foi a de não ter forçado Mira a assistir tudo o que me fez. Mas Sergei me disse que se ela ou eu tentássemos escapar outra vez, Mira pagaria da mesma forma que eu. Prometeu que seria pior para ela, e eu sabia que ele estava falando sério... Então, fiquei quieta. Eu o obedecia e a cada hora de cada dia rezava por um milagre que eliminasse Sergei Yakut de minha vida - parou, acariciando-lhe o rosto masculino. – E então você chegou e tudo mudou. Suponho que em muitos sentidos, você é meu milagre.

Nikolai segurou-lhe a mão e depositou um beijo no centro de sua palma.

- Ambos somos afortunados.

- Alegra-me que Sergei esteja morto - confessou ela, brandamente.

- Ele devia ter sofrido mais - disse Niko, sem tentar ocultar o tom obscuro de sua voz grossa. - Mas já morreu. E é o que importa.

Renata assentiu.

- E agora Lex também está morto. Os guardas de Yakut... Todos eles estão mortos.

- A essa hora da manhã, ele e os outros na propriedade não passam de um monte de cinzas - Niko disse ao esticar-se para colocar os cabelos negros e brilhantes de Renata atrás da orelha. - Depois que você dormiu ontem à noite, eu retornei lá e abri todas as persianas para que a luz do sol entrasse. Também liguei para Boston para dar os números que estavam no celular de Lex. Gideon entrará em contato quando tiver feito o rastreamento para nos dar os detalhes.

Outro assentimento, sua voz suave tinha um tom de esperança.

- Está bem.

- Enquanto estava lá, trouxe algo que pensei que pudesse precisar.

Inclinou-se para o monte de armas e outros instrumentos que havia recolhido e pegou o pacote de seda e veludo que pertencia a Renata.

- Minhas adagas! - ela disse, seu rosto iluminando-se de alegria quando pegou o pacote nas mãos. Desatou o laço que prendia as armas e desenrolou todo o veludo que cobria as quatro adagas com gravuras personalizadas. - Jack me deu isso...

- Eu sei. Ele me disse que as havia feito para você como um presente. Disse-me que não estava certo de que você as tivesse guardado.

- Elas são muito importantes para mim - murmurou, seguindo o lavrado do punho com a ponta do dedo.

- Eu disse que você ainda as tinha e ele alegrou-se ao escutar quanto elas significam para você.

O olhar cheio de gratidão de Renata banhou o macho da Raça.

- Nikolai... Obrigada por fazer isso pelo Jack. E por me devolver essas adagas. Obrigada mesmo.

Ela se aproximou dele e o beijou. A suave pressão de seus lábios foi algo profundo. Nikolai segurou-lhe o rosto entre as mãos, acariciando-lhe a mandíbula com os polegares grandes, percorrendo o delicado ângulo das maçãs do rosto. Ela abriu a boca enquanto a língua dele percorria a abertura úmida de seus lábios e soltou um doce gemidinho quando ele entrou dentro dela.

As presas dele se estenderam pontudas pela luxúria que corria nele como lava. Entre as pernas, seu sexo era já uma coluna de granito, aceso imediatamente diante da ideia de ter Renata debaixo de si. Quando a mão dela escorregou para baixo, ultrapassando a cintura da calça para tocá-lo, seu membro ereto e ávido saltou, crescendo mais e mais sob o calor da palma da mão de Renata enquanto ela o acariciava.

- Que horas são? – murmurou ela contra a boca febril dele.

Ele grunhiu, muito absorto em suas deliciosas carícias para processar imediatamente aquela pergunta. Através de sua respiração entrecortada, conseguiu responder.

- É cedo. Provavelmente por volta das nove.

- Bem, caramba, acho que é muito cedo - ela murmurou, separando sua boca da dele e deixando um rastro de beijos ao longo da garganta e do pomo-de-adão. - Não pode sair na luz do sol, não é mesmo?

- Não.

- Humm – os lábios úmidos dela desceram sobre o peito nu e suado dele. Ele recostou-se sobre os cotovelos enquanto ela seguia o contorno dos glifos com a ponta rosada de sua língua sapeca, percorrendo os arcos e redemoinhos ao redor de seus mamilos e através do seu tórax. Quando falou, sua voz vibrou em todos os ossos de Niko:

- Então, suponho que isso significa que estamos presos aqui por um tempo, não é?

- Sim. - A palavra saiu ofegante. O beijo dela viajou devagar para baixo, além do umbigo do macho da Raça, seguindo as linhas dos dermoglifos, em direção à parte do corpo dele que palpitava pela necessidade de sentir os lábios úmidos e quentes dela apertando-se ao seu redor. - Suponho que estamos presos aqui até de noite.

- Hum hum.

Ela prendeu o cordão das calças dele entre os dentes e deu um forte puxão. O nó caiu solto e então ela baixou as calças o suficiente para fazer a cabeça enorme do membro dele despontar ansiosa. Ela o lambeu, observando o rosto de Niko enquanto desenhava redemoinhos com a língua diabólica ao redor da carne e sugava uma gota do fluido viscoso que brotava ali.

- Ah!

- Então... - ela murmurou, seu fôlego flutuando através da pele umedecida pelo suor dele, atormentando-o ainda mais. - O que vamos fazer aqui o dia todo enquanto esperamos a noite chegar?

Niko riu.

- Querida, posso pensar em umas cem coisas que eu gostaria de fazer contigo.

Ela sorriu desafiante.

- Apenas cem?

Antes que ele pudesse lhe dar uma resposta inteligente, ela envolveu o pênis dele com os lábios e o tomou profundamente dentro da boca. E enquanto o corpo de Niko explodia de prazer, ele se viu rezando para que o tempo e os dias a sós com aquela incrível mulher – sua mulher – pudessem se estender para sempre.


Capítulo 26

Renata caminhou para a porta de trás da propriedade de Yakut e parou na soleira. Ela havia deixado Nikolai no refúgio de videiras quando decidiu que sua necessidade de um banho, de uma ducha quente e de roupas limpas que realmente coubessem nela eram maiores do que sua resistência em jamais colocar novamente os pés na casa de Sergei Yakut.

Agora ela duvidava. No início da tarde, o sol era uma presença alentadora, mas no lado de dentro a propriedade era escura e fria. Sombras caíam sobre a mobília desarrumada e estendiam-se pelas tábuas rudes do chão. Renata avançou e caminhou para o lugar onde Lex havia caído.

O corpo dele havia desaparecido, assim como o sangue. Nada além de um pequeno rastro de cinzas deixado para trás – como Nikolai prometera. As persianas sobre a janela da sala estavam totalmente abertas, mas o sol já havia passado. Uma fresca brisa carregava o aroma de pinheiro e o ar fresco do bosque para a umidade calma do lugar. Renata respirou profundamente, enchendo os pulmões, deixando a fragrância de um novo dia expurgar as lembranças de toda aquela morte, aquele sangue e aquela violência que tinham coberto o lugar na noite anterior.

Hoje, sob aquela nova luz, muitas coisas pareciam diferentes para ela.

Ela mesma parecia diferente. E sabia a razão. Estava apaixonada.

Pela primeira vez em muito tempo (talvez em toda a sua vida), Renata verdadeiramente sentia a esperança acomodada em seu coração, uma esperança de que o futuro lhe reservava algo além da mera sobrevivência, que ela poderia em algum momento medir a felicidade em anos e não apenas em momentos raros e fugidios. Estar com Nikolai, fosse em seus braços ou ao seu lado, fazia Renata acreditar que muitas coisas eram possíveis.

Ela caminhou pela grande sala, apoiando-se no fato de que aquela seria a última vez que precisaria ver aquele lugar. Aquilo era um adeus.

Quando ela e Nikolai saíssem dali para continuar a busca por Mira, aquele albergue, aquele terrível celeiro, aquele canil na parte de trás da construção, Sergei Yakut, Lex e todos os outros que marcaram os últimos dois anos de sua vida seriam apenas lembranças. Ela deixaria tudo ali, e o terror e a dor seriam, de alguma forma, banidos de seu futuro.

Aquela parte de sua vida havia terminado.

Ela entrou no pequeno banheiro que havia compartilhado com Mira, em paz consigo e com tudo ao seu redor enquanto ligava a água quente da ducha. Quando o vapor úmido começou a sair pela cortina, ela desabotoou uns poucos botões da camisa emprestada de Jack e ficou ali por um momento, parada, nua, contemplando seu futuro com olhos renovados. Não sabia o que a esperava uma vez que a noite caísse e uma nova jornada começasse, mas estava disposta a enfrentar o que quer que fosse.

Com Nikolai ao seu lado – com a esperança e o ardente amor tão resplandecente quanto uma chama em seu coração –, Renata estava preparada para enfrentar tudo.

Como um cavalheiro destinado a uma batalha que procura uma bênção, Renata deu um passo debaixo da água quente da ducha. Fechou os olhos em uma solene oração enquanto a reconfortante água caía-lhe sobre o corpo nu.

Nikolai permanecia no abrigo de videiras enquanto os passos de Renata se aproximavam.

- Toc, toc - ela o chamou através das folhas. – Estou entrando, então cuidado com a luz do dia. Eu não gostaria que você torrasse por mim.

Ela afastou algumas folhas verdes e avançou, pronunciando uma rápida desculpa quando notou que ele tinha o telefone celular de Lex no ouvido. Niko havia ligado para a Ordem pouco depois que ela fora tomar banho. As notícias de Boston eram uma mistura de boas e más, além de uma dose extra de sérios problemas.

As boas? Um dos números no telefone de Lex era, de fato, de Edgar Fabien. Sem muito esforço, Gideon havia sido capaz de rastrear os registros da base de dados de identificação internacional de Fabien. Agora, a Ordem tinha os endereços da residência do líder do Refúgio de Montreal, sua casa no interior e todos os dados de todas as outras propriedades privadas, tanto de negócios como pessoais. Gideon tinha acesso aos números de telefone celular de Fabien, carteira de motorista, arquivos do computador e até mesmo da vigilância eletrônica do Refúgio do maldito filho da mãe.

E era nesse ponto que começavam as más notícias.

Edgar Fabien não estava em casa. Gideon havia interceptado o sinal de um canal de vídeo mais cedo naquela noite e visto um grupo de sete machos da Raça – um deles provavelmente era Fabien – deixando o Refúgio em companhia de uma escolta armada da Agência de Execução. Era difícil dizer quem eram os visitantes de Fabien, já que todos pareciam iguais em ternos sob medida e com os rostos completamente ocultos por capuzes pretos.

Quanto à dose extra de sérios problemas, o grupo de vampiros havia saído com uma menina. Uma jovem que evidentemente não os havia seguido tranquilamente. A descrição de Gideon da criança loira não deixava dúvida de que se tratava de Mira.

- Ainda está me ouvindo? - Gideon perguntou do outro lado da linha.

- Sim, continuo aqui.

- Lucan quer que Fabien seja trazido a Boston para um interrogatório. Isso significa que precisamos dele vivo, cara.

Niko soltou uma maldição.

- Primeiro, temos de encontrar esse filho da puta.

- Sim, estou trabalhando nisso. Rastreei o GPS do telefone celular de Fabien. Consegui um sinal de um lugar a aproximadamente uma hora ao norte da propriedade de Yakut. Uma das propriedades de Edgar Fabien. Ele deve estar lá.

- Tem certeza?

- Tanta que já enviamos reforços. Tegan, Rio, Brock e Kade estão a caminho para encontrar-se com você enquanto falamos.

- Reforços a caminho? - perguntou Niko, olhando uma parte de luz ultravioleta que aparecia através das folhas do refúgio. A Ordem tinha trajes de proteção solar para situações de emergência, mas até mesmo uma geração antiga de vampiros vestidos dos pés à cabeça com trajes protetores de raios ultravioletas seria incapaz de resistir à luz solar golpeando no assento do motorista em uma viagem de quase sete horas. - Jesus! Não pode estar falando a sério. Quem teve essa ideia?

Gideon riu.

- As fêmeas teimosas, meu caro. Não sei se você notou, mas fomos invadidos por elas nos últimos tempos.

- Sim, notei.

Niko não pôde deixar de lançar um olhar para Renata, que estava verificando algumas das armas que tinham recolhido de Lex e dos outros.

- Qual é a situação, então?

- Dylan está levando os caras em uma Rover e Elise está montando guarda. Devem chegar aí por volta das nove, exatamente depois do pôr do sol. Como Fabien tem vários sócios desconhecidos com ele, vamos precisar entrar e sair de lá com cuidado, sem vítimas desnecessárias - Gideon fez uma pausa. - Escuta, sei que você está preocupado com a menina. A segurança dela é importante, sem dúvida, mas isso é grande, Niko. Se Fabien pode nos levar a Dragos, temos que nos assegurar de capturá-lo esta noite. Essa é a missão número 1, ordenada diretamente por Lucan.

- Sim - disse Nikolai. Ele sabia qual era a missão. Também sabia que não podia decepcionar Renata ou Mira. – Inferno... Certo, Gideon, eu entendi.

- Ligarei se Fabien se mover entre agora e o pôr do sol. Enquanto isso, estou trabalhando em um ponto de encontro para que você se junte aos outros esta noite e ponha em ação um plano de infiltração. Devo ter algo em uma hora ou duas. Ligarei depois.

- Certo. Até depois.

Nikolai desligou o telefone e o colocou junto de si.

- Gideon conseguiu algo daqueles números telefônicos? - perguntou Renata, olhando-o cuidadosamente. - Temos alguma pista do Refúgio de Fabien?

Niko assentiu.

- Temos o endereço.

- Graças a Deus - ela suspirou. O alívio cedeu espaço rapidamente à determinação, tão feroz como Niko nunca havia visto nela. - Onde está ele? No Refúgio na cidade ou em alguma parte nos subúrbios? Eu poderia ir lá agora mesmo e analisar o terreno. Santo Deus, da forma como me sinto – sem dor, meu ombro melhorando – talvez eu devesse bater na porta e golpeá-lo com uma explosão de...

- Renata - Niko pôs a mão grande sobre a dela e sacudiu a cabeça. - Fabien está indo para algum lugar. Não está mais na cidade.

- Então onde?

Ele poderia contar sobre o sinal do GPS que Gideon estava rastreando. Poderia dizer que Fabien tinha Mira em sua custódia e que a menina estava provavelmente uma hora ao norte de onde eles estavam sentados agora. Mas Niko também sabia que se dissesse isso a Renata – se desse o mínimo de certeza sobre o paradeiro da menina que tanto significava para ela –, ele não poderia impedi-la de sair por conta própria naquele exato momento para encontrá-la.

A promessa de Niko à Ordem era seu dever – sua honra –, mas e Renata? Ela era seu coração. Ele não podia pôr em perigo a missão de seus irmãos, mas também não podia permitir que aquela mulher que ele amava partisse precipitadamente sozinha, rumo ao perigo. O pensamento dele era pré-histórico, talvez, especialmente por ter em conta que Renata era uma mulher que sabia como dirigir a si quase em qualquer situação. Era bem treinada, capaz, definitivamente valente, mas... inferno, ela significava muito para que corresse esse tipo de risco. Aquela não era uma opção.

- Estamos esperando uma localização sólida de onde está Fabien – ele disse, a mentira amarga sobre sua língua, independentemente das boas intenções. - Enquanto isso, a Ordem está enviando reforços. Nós vamos nos juntar a eles esta noite.

Renata escutou, claramente confiando nele e em sua palavra.

- A Ordem tem alguma ideia se Mira está com Fabien em qualquer lugar que ele esteja?

- Estamos trabalhando nisso - Nikolai achou difícil sustentar o olhar verde-claro sem pestanejar. - Quando encontrarmos Fabien, encontraremos Mira. Ela vai estar bem. Prometi isso, lembra?

Quando pensou que ela só assentiria com a cabeça e afastaria o olhar, Renata estendeu a mão para apanhar o rosto dele.

- Obrigada... por estar aqui para me apoiar em tudo isto. Não sei como serei capaz de pagá-lo, Nikolai.

Ele ergueu a mão dela entre as suas e deu-lhe um beijo. Diria algo singelo, uma das brincadeiras sem sentido habituais que tão frequentemente usava quando as emoções ao seu redor eram muito reais ou cheias de honestidade. Tinha suas cartas sob a manga: desviar com humor, desarmar com indiferença, atacar e correr como o inferno à primeira indicação de sua própria vulnerabilidade. Mas todas aquelas velhas e confiáveis armas que ele havia aperfeiçoado falhavam agora.

Acariciou com o dedo polegar o dorso da mão de Renata e se deixou perder no refúgio verde de seus olhos.

- Não sou muito bom nisso - murmurou ele. - Quero dizer algo... inferno. Provavelmente eu vou encher sua paciência, mas quero que você saiba que me preocupo com você. Preocupo-me... pra caramba, Renata.

Ela o olhou fixamente, permanecendo tão imóvel e silenciosa que nem sequer estava seguro de que ela estivesse respirando.

- Eu me preocupo - soltou, frustrado consigo pela estupidez das palavras que queria que fossem perfeitas para ela. - Não sei como aconteceu, ou mesmo o que significará para você, se vai significar. Mas preciso dizer porque isso é real. É real, e eu nunca me senti dessa maneira antes. Com ninguém.

A boca de Renata suavizou em um pequeno sorriso enquanto ele divagava com estupidez, tentando encontrar uma maneira de dizer a profundidade do que havia em seu coração de macho da Raça. Tentava e falhava miseravelmente.

- O que estou querendo dizer é que... - sacudiu a cabeça, sentindo-se uma porcaria, mas o suave toque de Renata em seu rosto o tranquilizou. O claro olhar dela trouxe Niko de volta, direto e centrado, conectando-o com a Terra. - O que estou querendo dizer é que estou apaixonado por você... Realmente apaixonado. Não estava esperando que isso acontecesse. Não pensei que alguma vez eu fosse querer isso, mas... Ah! Renata, quando olho dentro de seus olhos, só consigo pensar em uma coisa: para sempre.

Ela exalou devagar e seu pequeno sorriso se estendeu em radiante alegria. Niko passou as mãos na pele suave e macia dela, e pelos cabelos úmidos.

- Estou apaixonado por você, Renata. Sei que não sou um poeta... Caramba, nem sequer chego perto disso. Não tenho todas aquelas palavras bonitas que queria poder dizer... Mas quero que saiba que o que sinto por você é real. Eu te amo.

Ela riu brandamente.

- O que faz você pensar que quero poesia ou palavras finas? Você acabou de dizer exatamente o que queria ouvir, Nikolai–ela deslizou sua mão pela parte de trás do pescoço largo dele e o puxou para um longo e apaixonado beijo. - Também te amo, Nikolai - sussurrou contra sua boca. - Assusta-me admitir isso, mas é assim. Eu te amo, Nikolai.

Ele a beijou e a abraçou, desejando nunca ter de se afastar dela. Mas o cair da noite logo chegaria e ainda havia uma coisa que ele precisava fazer.

- Tem que fazer uma coisa por mim.

Renata se acomodou contra ele.

- Qualquer coisa.

- Não sei o que vai acontecer esta noite, mas preciso saber que vai estar tão forte quanto possível. Quero que tome mais de meu sangue.

Ela se soltou de seu abraço e arqueou uma sobrancelha para ele.

- Tem certeza de que não está só tentando entrar no meio das minhas pernas de novo?

Niko riu, uma sacudida de calor formando redemoinhos diretamente em sua virilha apenas diante daquela ideia.

- Eu não rejeitaria o convite. Mas falo sério... Quero que beba de mim de novo. Faria isso por mim?

- Sim, é obvio.

Ele afastou uma mecha escura da testa dela.

- Há uma coisa mais, Renata. Quando formos atrás de Fabien esta noite, eu morreria se algo... Bem, simplesmente não posso me arriscar a ficar separado de você, vou precisar saber que você está bem todo o tempo, ou minha concentração vai para o inferno. Preciso ter uma ligação com você. Sei como se sentia com Yakut usando seu sangue como um grilhão para você, e prometo que isso não é o que...

- Sim, Nikolai – ela disse, interrompendo-o com um movimento suave de seus dedos sobre sua boca. – Sim... Pode beber de mim.

A maldição dele como resposta foi um sinal de alívio.

- É para sempre - recordou firmemente. - Precisa entender isso. Se eu beber de você, não poderemos desfazer esse vínculo nunca mais.

- Entendo - ela disse sem vacilação. Aproximou-se e beijou-o, longa e profundamente. - Entendo que o vínculo é para sempre... E continuo dizendo que sim.

Niko gemeu. O fogo iluminou-lhe as veias. Suas presas se alongaram e seu pênis se elevou em atenção imediata, tudo nele ansioso por reclamar Renata como sua. Ele a beijou, o coração golpeando fortemente contra seu tórax forte quando ela passou a língua por seus lábios para brincar com as pontas afiadas de suas presas.

- Quero que você fique nua para isso - disse ele, incapaz de conter o tom autoritário que se mostrava em sua voz. Ele era parte humano, mas havia outra parte dele – uma parte mais selvagem e muito, muito mais sexy – que era menos paciente do que gostaria.

Niko olhou com olhos flamejantes de âmbar como Renata o obedecia rapidamente, despojando-se de sua roupa e estendendo-se sobre o chão de grama do refúgio, suas coxas deixando-se entreabrir para ele sem um pingo de inibição.

- Ah! Sim... - Niko grunhiu. - Assim é muito melhor.

Ele estava completamente tomado pela necessidade de tê-la. Arrancando sua própria roupa e deixando-a de lado, subiu sobre os quadris dela e a montou. Empurrou o membro duro como uma rocha enquanto ela o acariciava, torturando-o. E ele manteve o olhar nela enquanto levava seu pulso até a boca e mordia a própria carne.

- Deixe-me provar de você de novo – ela disse, subindo até encontrar a veia enquanto ele levava as perfurações até sua boca. Gotas carmesim salpicaram até cair sobre os seios dela, tão vívidas contra sua cremosa pele. Ela gemeu, fechando os olhos enquanto sugava-o, saboreando-o.

Niko a olhava beber, observando seu corpo começar a retorcer-se pela excitação. Com sua mão livre, ele a acariciou, incapaz de resistir a passar seus dedos pelo sangue que havia derramado sobre ela. A visão de seu sangue marcando a pele dela era tão erótica como nada tinha sido antes. Seu toque atrevido foi mais abaixo, à fenda aberta que estava tão preparada para ele. As coxas dela apertaram-lhe o pulso, sustentando-o contra si enquanto o primeiro orgasmo disparou através do corpo dela.

Niko grunhiu de pura adoração masculina enquanto alimentava sua fêmea e a sentia clamar por ele. Ele a deixou beber durante vários minutos até seu corpo arder de novo sob ele.

Ele também estava ardendo.

Suavemente, tirou o pulso de sua boca e fechou as perfurações com uma lambida. Renata ainda estava arqueando e retorcendo-se, ainda gemendo por ele, enquanto ele se ajeitava sobre ela e a penetrava, as unhas dela marcando seus ombros largos em uma dor deliciosa.

Nikolai fez amor tão devagar quanto pôde – tão devagar quanto a febre de seu corpo permitia. Ela gozou de novo, retorcendo-se e extraindo dele uma furiosa liberação. Mas isso praticamente não diminuiu as investidas. Ele ainda estava duro dentro dela, ainda faminto por aquela mulher... sua mulher.

Com a mão tremendo, Nikolai acariciou os pontos escuros já fechados de um lado da bela garganta de Renata.

- Tem certeza? - perguntou, sua voz apenas reconhecível para ele mesmo, estava tão seco e desesperado. – Renata... Quero que você tenha certeza.

- Sim - ela arqueou o corpo, confirmando com um empurrão, seu constante olhar suplicante. - Sim.

Com um grunhido selvagem enroscando-se em sua garganta, Nikolai expôs as presas e desceu sobre ela.

O doce sabor do sangue de Renata surgiu em sua boca caindo como um pontapé no estômago. Ah! Agora sabia. Quantas vezes havia especulado com os outros guerreiros a respeito de estar emparelhado e encontrar uma fêmea que os impressionaria? Facilmente centenas de vezes. Milhares, talvez.

Que ingênuo ele tinha sido.

Agora ele sabia. Renata o tinha, mesmo antes de ele a morder. Ele estava de joelhos diante daquela mulher, e ficaria ali com prazer pelo resto de sua vida.

Niko bebeu mais, afogando-se no prazer do vínculo que havia criado através da união de sangue e do ritmo exagerado de seus corpos nus, unidos. Seus dentes ainda estavam cravados na pele dela enquanto ele tomava o último gole e gozava de novo, dessa vez mais forte, uma descarga assombrosa que o golpeou como um trem descarrilhado. Agarrou-se nela, estremecendo com intensa satisfação. Embora pudesse beber de sua veia durante toda a noite, Nikolai se obrigou a se afastar, selando as feridas com uma tenra lambida de sua língua.

Ele ficou observando-a, seu olhar iluminando a pele dela.

- Eu te amo – ofegou, necessitando que ela o escutasse e que acreditasse nisso. Queria que ela se lembrasse disso depois dessa noite, depois que conseguissem localizar Fabien no norte e que ele lhe explicasse por que havia precisado mentir. Beijou seu queixo, sua bochecha, sua testa. – Amo você, Renata.

Ela sorriu sonolenta.

- Mmmm... Eu realmente gosto de como isso soa.

- Então terei que assegurar que ouça muitas e muitas vezes.

- Certo - murmurou ela, seus dedos brincando com os cabelos dele, empapados de suor sobre a nuca. - Foi incrível, a propósito. Sempre vai ser bom assim?

Ele gemeu.

- Tenho a sensação de que pode melhorar.

Ela riu, e a vibração fez despertar de novo seu sexo.

- Se continuar assim, terei que voltar e tomar outra ducha.

Ele fez um movimento sexy e poderoso com sua pélvis, encaminhando sua ereção mais profundamente.

- Ah, posso continuar. Não se preocupe, isso nunca vai ser um problema quando você estiver por perto.

- Melhor tomar cuidado, ou posso obrigá-lo a isso.

Niko riu apesar de seu pesado humor.

- Coração, pode me obrigar a tudo que quiser.

Ele a beijou novamente. E grunhiu de prazer quando ela envolveu as pernas ao redor dele e o fez girar de costas para começar uma lenta e nova cavalgada.


Capítulo 27

Houve uma época para Andreas Reichen, há quase 300 anos, quando a morte caía sobre ele como um dilúvio. Um tempo quando uma desatinada onda brutal de massacre tinha visitado seu pacífico domínio.

Naquele tempo, no verão úmido de 1809, uma manada de vampiros Renegados tinha forçado sua entrada nesse mesmo Refúgio, violando e matando vários de seus familiares. O ataque tinha sido ao acaso, a mansão e seus residentes apenas tiveram o azar de estar no caminho de um grupo de Renegados viciados em sangue. Tinham forçado sua entrada além das portas desprotegidas e janelas, alimentando-se e matando muitos inocentes... E, apesar de tudo, houve sobreviventes. Os Renegados tinham espalhado horror e passado como a peste que eram, mas finalmente foram caçados e destruídos por um membro da Ordem que tinha vindo ajudar Reichen.

A matança fora insuportável, mas não tinha sido completa.

O que Reichen enfrentou em sua volta para casa naquela noite tinha sido um ataque calculado. Não uma entrada pela força bruta, mas por meio da traição. Um inimigo bem-vindo como um amigo. E o massacre ocorrido - provavelmente nas primeiras horas da manhã, justo antes da saída do sol - tinha sido uma aniquilação total.

Ninguém tinha se salvado.

Nem sequer a alma mais jovem na residência.

Com um terrível silêncio que impregnava o ar como uma enfermidade, Reichen caminhou através do sangue e da destruição como um dos mortos. Seus passos seguiram a pista de manchas pegajosas escarlates no mármore do vestíbulo e da sala, além de seu jovem sobrinho, que estava tão contente ao convidar Reichen para padrinho de seu filho recém-nascido. O novo pai ruivo estendido na porta tinha sido o primeiro a morrer, Reichen adivinhou, incapaz de olhar o rosto sem vida que olhava sem ver a escada cheia de balas que conduzia aos dormitórios dos Refúgios nos andares superiores.

Mais morte esperava no corredor fora da biblioteca, onde outros machos tinham sido cortados ao meio. Ainda mais vidas extintas perto da escada da adega, um dos primos de Reichen e sua Companheira de Raça, ambos mortos enquanto tentavam escapar dos disparos.

Não viu o corpo da criança até que quase tropeçou nele - um menino vampiro de cabelo revolto que evidentemente tinha tentado se esconder em uma das estantes da sala de jantar. Os assassinos o haviam tirado de lá e o matado como a um cão.

- Jesus Cristo – Reichen, sufocado, caiu de joelhos e levou a mão branda do menino a sua boca para afogar o grito gutural. - Pelo amor de Deus... Por quê? Por que eles e não eu?!

- Ele disse que você saberia por quê.

Reichen fechou os olhos diante do som rígido da voz de Helene. Ela falava muito devagar, as sílabas muito planas... carente de matizes.

Sem coração.

Ele não precisava se virar para saber que seus olhos estariam estranhamente mortos para ele agora. Mortos porque todo seu calor e toda a sua humanidade tinham sido recentemente retirados dela.

Já não era sua amante, nem sua amiga. Ela era uma Subordinada.

- Quem converteu você? - ele perguntou, deixando cair a mão do menino morto. A quem você pertence agora?

- Você deve saber, Andreas. Você me enviou a ele, afinal.

Filho da puta.

Reichen apertou a mandíbula quadrada e masculina, os molares quase quebrando pela pressão.

- Wilhelm Roth. Ele a enviou aqui para fazer isso. Ele a usou para me destruir.

O fato de Helene não dizer nenhuma palavra sequer apenas tornou a compreensão do golpe mais profunda. Tão dilacerador como seria olhar os olhos de sua ex-amante e ver que a mulher por quem se preocupava agora estava sem alma. Reichen tinha que ver por si mesmo.

Levantou-se e virou lentamente.

- Ah! Helene...

Sangue seco salpicado no rosto e na roupa dela - quase cada centímetro dela coberto de sangue de seus mais queridos amigos e familiares. Ela devia estar ali no centro de todo o massacre, uma insensível testemunha não afetada por tudo isso.

Ela não disse nada quando o olhou fixamente, com a cabeça inclinada um pouco para o lado. Seus olhos, uma vez brilhantes e ardilosos, agora estavam vazios e frios. Abaixo, ao seu lado, ela sustentava uma grande faca de cozinha na mão. A folha larga brilhava à luz do abajur de cristal da sala de jantar.

- Sinto muito - ele murmurou, seu coração retorcido. - Eu não sabia... quando enviou o e-mail e me deixou a mensagem com o nome de Roth, tentei avisá-la. Tentei alcançá-la, mas...

Ele deixou que as palavras se desvanecessem, sabendo que as explicações não importavam. Não mais. Não agora.

- Helene, só sei que sinto muito - engoliu a bílis que subiu no fundo de sua garganta. - Só sei que eu realmente me importava com você. Eu a amav...

Com um grito estridente, Helene se lançou sobre ele.

Reichen sentiu o fio da navalha cortando seu peito e braço, fazendo um profundo corte. Ignorando a dor, ignorando a inalação repentina do aroma de seu próprio sangue, ele agarrou o braço da escrava de Roth e o torceu. Ela gritou, opondo-se e lutando enquanto ele puxava seu braço esquerdo para baixo e bloqueava ambos os membros ajustados aos lados de seu corpo. Ela amaldiçoou e gritou, chamando-o com nomes vis, cuspindo de fúria.

- Shhh - Reichen sussurrou ao lado de seu ouvido. – Agora, cale-se, Helene.

Como um animal selvagem, Helene continuou se retorcendo e gritando para que ele a soltasse.

Não, corrigiu-se. Não, Helene. Aquela já não era a mulher que ele conhecera. Helene estava morta para ele no momento em que trouxe o esquadrão da morte de Wilhelm Roth para dentro daquele Refúgio. Na verdade, por muitas razões, ela nunca foi sua. Que Deus tivesse piedade dela, ela não merecia esse fim. Nenhum dos caídos ali merecia tal horror.

- Tudo está bem agora - ele murmurou, a mão direita acariciando as bochechas manchadas de sangue dela. - Está tudo bem agora, querida.

Um grito saiu disparado de sua garganta enquanto ela puxava bruscamente o rosto para fora de seu alcance.

- Maldito! Deixe-me ir!

- Sim - ele disse tirando-lhe a faca. - Terminou agora. Vou deixá-la ir.

Com a dor estrangulando-o, Reichen girou a faca em torno de seus dedos e levou a ponta ao seu peito.

- Me perdoe, Helene...

Sustentando-a apertada contra ele, afundou a lâmina profundamente no peito dela. Ela não fez nenhum som enquanto morria, apenas deixou escapar um suspiro longo e lento enquanto desinflava em seus braços e desabava ali, frouxa como uma boneca de pano. Tão brandamente quanto pôde, Reichen deitou seu corpo no chão. A faca caiu de sua mão ao lado dela, revestida com o carmesim brilhante dos sangues deles mesclados.

Reichen lançou um longo e incorruptível olhar para os restos do que tinha sido seu lar. Agora que tudo tinha terminado, queria memorizar cada mancha de sangue, cada vida que se interrompeu por causa de sua falta de atenção. Seu engano. Ele precisava recordar, porque em pouco tempo nada daquilo existiria.

Não podia permitir que nada daquilo permanecesse, não daquela forma. Tampouco ia deixar que as mortes não fossem vingadas.

Reichen deu meia volta e se afastou da matança. Suas botas ecoaram no chão de madeira da sala, seus passos eram o único som na horripilante tumba maciça. No momento em que chegou ao jardim em frente à propriedade, seu peito não estava mais apertado, mas frio.

Tão frio como uma pedra. Tão frio como a vingança que tinha a intenção de visitar Wilhelm Roth e todos os associados a ele.

Reichen se deteve brevemente na grama iluminada pela lua. Ele se virou para a mansão e, por um momento, simplesmente a viu em sua perfeita e estranha quietude. Então sussurrou uma oração, palavras antigas que se sentiam oxidadas em sua língua pela falta de uso.

Não é que a oração lhe fizesse algum bem agora. Estava abandonado, agora mais do que nunca. Realmente sozinho.

Reichen baixou sua cabeça até o peito, invocando seu terrível talento. Encheu-se em seu interior, um calor que rapidamente se intensificou, formando um fundido e revolto círculo em suas vísceras.

Ele deixou-o crescer. Deixou-o girar e ganhar força até que seu interior se sentiu abrasado por sua fúria.

E ainda o conteve.

Manteve-o em seu interior até que a bola de fogo golpeou contra sua caixa toráxica, fumaça e cinza flutuando até queimar o fundo de sua garganta. Até que a bola de fogo o consumiu, iluminando todo seu corpo com um resplendor muito quente. Cambaleou sobre seus calcanhares, lutando para manter o corpo até que soubesse que desataria a total destruição instantânea.

Enfim, com um rugido cheio de dor, Reichen soltou o poder de dentro dele.

Um disparo de calor saiu de seu corpo, derramando e girando enquanto avançava para frente, uma esfera de pura energia explosiva. Como um míssil lançado em um alvo por um laser, o círculo disparou dentro da porta aberta da mansão Refúgio. Um segundo depois, detonou, uma impressionante beleza infernal.

Reichen foi golpeado de volta com o estalo sônico da explosão.

Deitou-se na grama, observando com satisfação desinteressada como as chamas, as faíscas e a fumaça devoravam até mesmo os menores pedaços do que tinha sido sua vida.


Capítulo 28

- Estamos carregados e preparados para partir, Renata. Precisa de mais tempo antes de sairmos?

De pé no caminho de cascalho diante da casa principal, Renata girou quando Nikolai se aproximou por trás.

- Não, não preciso de mais tempo aqui. Estou pronta para deixar este lugar para sempre.

Ele abraçou-a, envolvendo-a em sua força masculina.

- Acabo de falar com Gideon. Tegan, Rio e os outros estão fazendo bons progressos. Eles devem estar em nosso ponto de encontro em uma hora.

- Certo. Bom.

Renata se inclinou em seu abraço, feliz pelo calor de seu refúgio... e de seu amor. Nikolai a tinha mantido perto dele no refúgio de videira até que o sol se pôs, acalmando seus temores com seu corpo, afastando-a da feia realidade que originalmente os tinha unido - e do que poderia acontecer naquela noite, quando eles finalmente teriam a oportunidade de enfrentar Edgar Fabien.

A verdade era que ela estava preocupada com o que eles poderiam encontrar. Uma preocupação que lhe penetrava até os ossos e, embora Nikolai não houvesse dito nada que sugerisse que ele também tivesse dúvidas, ela poderia dizer que sua mente estava carregada de pensamentos que ele parecia estar decidido a esconder dela.

- Pode me dizer, você sabe - ela saiu dos braços dele e o encarou. – Se tiver um mau pressentimento a respeito desta noite... pode me dizer.

Algo cruzou a expressão de Niko, mas ele não disse nada, apenas sacudiu a cabeça e beijou a testa de Renata.

- Não sei o que podemos esperar em se tratando de Fabien. Mas posso dizer que, aconteça o que acontecer, estarei com você, certo? Vamos sair disso.

- E uma vez que tenhamos Fabien, vamos buscar Mira - ela completou, procurando os olhos dele. - Certo?

- Sim - ele disse, com seu indestrutível olhar que sustentou de forma estável. - Sim, eu prometi. Dei minha palavra a respeito disso. Não vou desapontá-la.

Ele a puxou para si uma vez mais, capturando-a em um afeto que o mostrava pouco disposto a deixá-la ir. Renata o sustentou também, escutando o forte e rítmico palpitar de seu coração em sua orelha... e perguntando-se por que seu próprio pulso parecia estar dando um sinal de alerta em suas veias, como uma sentença de morte.

Em uma remota fazenda abandonada de cem hectares, algumas horas ao norte de Montreal, o bosque da noite estremeceu com o gemido de um motor de combustão interna e o excesso de velocidade de um barco que passava através do lago praticamente desabitado. A terra e o lago, bem como o transporte proporcionado a Dragos para chegar àquele lugar, pertenciam a Edgar Fabien.

Embora Fabien tivesse sido uma recente decepção, Dragos supôs que o líder do Refúgio merecesse algum crédito por aquela reunião importante. Enquanto o resto dos assistentes chegou durante a noite anterior de automóvel, naquela noite um barco rápido tinha sido enviado para levar Dragos depois que um hidroavião o havia trazido da cidade por outro caminho interno de água também na propriedade de Fabien. Depois do revés sofrido poucas semanas atrás, durante a reunião de Dragos com a Ordem, Fabien tinha ficado muito mais cauteloso sobre como viajava ao ar livre, entre outras coisas. Ele tinha chegado muito longe para correr riscos. Tinha arriscado muito para perder tudo por um descuido ou por incompetência de outros.

Lançou um olhar depreciativo para o outro passageiro sentado no bote com ele. O rosto do Caçador permanecia impassível no resplendor leitoso da lua sobre suas cabeças, seu enorme corpo perfeitamente imóvel mesmo quando o condutor girou o leme e o bico da proa do barco conectou-se diretamente com a água para desviar-se em direção ao cais solitário que se encontrava mais adiante.

O caçador provavelmente sabia que se dirigia para a própria morte. Tinha fracassado em sua missão de matar o Primeira Geração em Montreal, o que pedia um incrível castigo. Dariam um jeito nele naquela noite, e se Dragos pudesse usar este castigo como uma demonstração adicional de seu poder diante dos tenentes que estavam reunidos para dar as boas-vindas agora, melhor.

O motor do barco mudou para uma marcha inferior quando chegaram ao cais não iluminado e modesto onde Edgar Fabien esperava para saudá-lo. Os vapores do gás formaram redemoinhos fora da água, asquerosamente doces. A reverência profunda de Fabien e as boas-vindas aduladoras tinham um efeito similar.

- Meu senhor, é a honra de toda uma vida dar boas-vindas aos meus domínios.

- De fato - Dragos arrastou as palavras enquanto dava um passo fora do barco sobre as tábuas de madeira escura do cais. Ele fez um gesto para que o Caçador o seguisse, e não perdeu a reação de Fabien quando divisou o tamanho e a imensidão do Primeira Geração que prestava serviços à ordem de Dragos. – Todos estão reunidos lá dentro?

- Sim, senhor. - Fabien saiu de sua reverência e se precipitou a caminhar ao lado de Dragos. - Tenho boas notícias. O guerreiro que escapou da contenção foi eliminado. Tanto ele quanto a mulher que o ajudou. Um de meus ajudantes agarrou a dupla, e ontem à noite enviei uma equipe com meus melhores agentes para se livrar do problema.

- Tem certeza de que o guerreiro está morto?

O sorriso de suficiência de Fabien ressoou.

- Aposto minha própria vida nisso. Enviei profissionais capacitados para a tarefa. Confio na habilidade deles de forma implícita.

Dragos grunhiu, sem deixar-se impressionar.

- Que grande comodidade deve ter esse tipo de confiança em seus servos.

A confiança de Fabien vacilou com a espetada e ele limpou a garganta com estupidez.

- Meu senhor... em outro momento, se quiser.

Dragos dispensou o Caçador de sua presença com um gesto cortante.

- Aproxime-se da casa e me espere. Não fale com ninguém.

Quando o assassino Primeira Geração caminhou a passos longos para a frente, Dragos fez uma pausa para lançar um olhar impaciente para Fabien.

- Meu senhor, eu esperava, quer dizer, pensei que um presente pudesse cair bem - gaguejou ele. - Para celebrar esse importante evento.

- Um presente? - antes que pudesse perguntar a Fabien o que pensava que Dragos poderia necessitar dele, Fabien estalou os dedos e um agente de execução surgiu das sombras das árvores circundantes, empurrando uma menina diante dele. A menina parecia perdida na escuridão, seus cabelos loiros brilhando como cabelos de milho, seu pequeno rosto perdido debaixo dele.

- Que é isso?

- Uma jovem Companheira de Raça, meu Senhor. Meu presente para o senhor.

Dragos contemplou a menina desamparada, impressionado. As Companheiras de Raça eram um acontecimento bastante raro entre as populações humanas, isso era certo, mas ele preferia as férteis, em idade de procriar. Essa garota não estaria pronta por vários anos, o que sem dúvida mostrava que Fabien tinha algo mais a respeito dela.

- Pode ficar com ela - disse Dragos, retomando o percurso rumo à reunião. – Faça com que seu homem conduza o barco de volta. Chamarei pelo rádio quando necessitar.

- Vá - Fabien ordenou em resposta, então voltou novamente ao lado de Dragos, tão ansioso como um cão mendigando pelas sobras. - Meu senhor, sobre a menina... na verdade, o senhor deve ver por si. Ela é dotada de um talento extraordinário que estou seguro de que o senhor saberá apreciar. Ela é um oráculo, meu senhor. Fui testemunha disso.

Contra sua vontade, a curiosidade prendeu sua atenção. Seus passos desaceleraram, e então deteve-se.

- Traga-a.

Quando ele girou ao redor, o sorriso impaciente de Fabien ficou ainda mais amplo.

- Sim, senhor.

A menina foi conduzida a ele uma vez mais, resistindo em seus passos, seus obstinados calcanhares cravando-se nas velhas agulhas de pinheiro e na areia que enchiam o pequeno cais. Ela tentou lutar contra o guarda vampiro que a segurava, mas era um esforço inútil. Ele simplesmente a empurrou para frente até que ela ficou de pé diretamente na frente de Dragos. Ela manteve seu queixo para baixo, com o olhar posto no chão.

- Levante a cabeça - Fabien ordenou, mal esperando que obedecesse, antes de pegar sua cabeça com ambas as mãos e a obrigar a olhar para cima. - Agora, abra os olhos. Vamos!

Dragos não sabia muito bem o que esperar. Ele não estava absolutamente preparado para a palidez surpreendente de seu olhar. A íris da menina era tão clara como espelhos de cristal e tão impecável que imediatamente o fascinaram e hipnotizaram. Estava vagamente consciente da emoção de Fabien, mas toda a sua atenção estava presa na menina e no incrível brilho tênue de seus olhos.

E então ele viu... um movimento brilhante na meditação pacífica. Viu uma forma movendo-se através das espessas sombras - um corpo que acreditou reconhecer como o seu próprio. A imagem ficava mais clara quanto mais olhava fixamente, absorto e impaciente por ver mais do presente que Fabien havia descrito.

Era ele.

Era seu refúgio também. Mesmo envoltas na névoa escura, as imagens que se mostravam eram intimamente familiares. Viu o laboratório subterrâneo, as celas de contenção... a jaula de luz ultravioleta que continha sua maior arma na guerra que estava preparando durante todos aqueles séculos. Tudo estava ali, revelando-se para ele através dos olhos daquela pequena Companheira de Raça.

Mas, então, um momento de alarme surpreendente.

Seu laboratório antigo, tão rigidamente assegurado e ordenado, estava em ruínas. As celas de contenção tinham sido deixadas abertas. E a jaula de luz ultravioleta... estava vazia.

- Impossível - murmurou ele, golpeado por um temor sombrio, furioso.

Ele piscou com força, várias vezes, querendo limpar a visão de sua cabeça. Quando abriu os olhos outra vez, viu algo novo nos olhos malditos da menina... algo ainda mais incompreensível.

Viu-se implorando por sua vida. Chorando, abatido. Patético. Derrotado.

- Isso é algum tipo de brincadeira de mau gosto? - a voz dele tremia tanto com a raiva como com outra coisa muito fraca para admitir. Desviou o olhar da garota e o fixou em Fabien.

- Que diabos isso significa?

- Seu futuro, senhor – o rosto de Fabien ficou completamente pálido. A boca se moveu durante um momento sem expressar som algum, então, finalmente balbuciou. - A menina... o senhor viu, ela é um oráculo. Ela me mostrou em pé aqui, nesta grande reunião, apresentando uma visão de seu futuro que o agradava enormemente. Quando vi isso, soube que tinha de guardá-la, meu senhor. Tinha de oferecê-la ao senhor, não importava o custo.

O sangue de Dragos era como lava ardendo em suas veias. Ele deveria matar esse idiota ali mesmo, só por aquele insulto.

- É óbvio que você interpretou mal o que viu.

- Não! - Fabien exclamou, agarrando a menina e girando ao redor dela. Deu a ela uma sacudida forte. – Mostre-me outra vez! Mostre que não me enganei, maldita!

Dragos observou tão imóvel como uma pedra, enquanto Fabien olhava atentamente seus olhos. O grito horrorizado do líder do Refúgio disse tudo o que ele tinha que saber. Ele cambaleou para trás, tão branco quanto uma folha de papel. Golpeado como se tivesse testemunhado sua própria morte.

- Não entendo - murmurou Fabien. - Tudo mudou. O senhor tem de acreditar, Mestre! Não sei como ela mudou a visão, mas a pequena bruxa está mentindo agora. Ela tem que estar mentindo!

-Tire-a de minha frente - Dragos grunhiu ao guarda da Agência de Execução que a sustentava. – Vou levá-la comigo quando for, mas até então, não quero ver nem um fio de cabelo dela.

O guarda assentiu com a cabeça e afastou a menina, praticamente arrastando-a até a casa.

- Senhor, eu lhe rogo - suplicou Fabien. – Perdoe-me por este... lamentável engano.

- Cuidarei de você mais tarde - disse Dragos, sem se preocupar em esconder a ameaça reflexiva no fundo de cada uma de suas palavras.

Retomou a marcha para a reunião, mais decidido do que nunca a fazer todos compreenderem de uma vez por todas sua autoridade e seu poder incomparáveis.


Capítulo 29

Estava completamente escuro quando Niko e Renata, após seguirem as coordenadas enviadas por Gideon, chegaram ao local onde ficava a propriedade de Edgar Fabien, ao norte. O líder do Refúgio evidentemente possuía um pedaço considerável de terra suficientemente longe de Montreal para que a zona ao redor permanecesse inexplorada: acre após acre de enormes coníferas e sempre-vivas, nenhuma alma sequer à vista, a não ser um ou outro veado ou alce americano que saía em disparada ao primeiro aroma de vampiro arrastando-se naquele santuário natural.

Nikolai tinha feito sozinho o reconhecimento da área nos últimos minutos. Uma casa de dois andares feita de troncos e pedra estava enfiada em um canto do bosque. Um estreito caminho sem pavimentação e apenas largo o suficiente para um veículo cortava as árvores na parte da frente da casa. Niko contornou essa vida escondido pela vegetação e viu dois Agentes da Lei vestidos com roupas da SWAT, postados no meio do caminho, e os três grandes Humvees estacionados em fila única bem diante da porta principal da casa. Três outros guardas vampiros com rifles M16 cobriam a entrada. Leste e oeste estavam também sob vigilância com um sentinela armado.

Embora não imaginasse que eles tivessem deixado a parte traseira da propriedade vulnerável, Niko se moveu ao redor daquele caminho para ter uma ideia da extensão do terreno. Ouviu o suave som de água mesmo antes de ver o tranquilo lago e o cais vazio na borda, a cerca de trezentos metros atrás da casa. Lá, outra dupla de Agentes permanecia de guarda.

Maldição.

Entrar no lugar para pegar Fabien não seria fácil. A menos que ele e a Ordem atacassem por cima, se quisessem tirar o sócio de Dragos dali teriam de passar por alguns guardas da Agência no processo, sem considerar o grupo desconhecido de vampiros da Raça que tinha acompanhado o líder do Refúgio de Montreal até ali na noite passada. Capturar Fabien naquela noite sem muitas baixas civis beirava o impossível, principalmente quando o resgate de Mira era acrescentado à equação. Portanto, o reconhecimento feito por Niko dava conta de que a coisa seria feia. Muito feia.

E havia ainda a situação com Renata.

Uma das coisas mais difíceis que Nikolai já fizera fora passar o dia inteiro com ela, sabendo que a tinha enganado. Ele queria dizer-lhe, depois que fizeram amor, depois que ela o honrou com o presente de seu sangue e com o vínculo completo que agora os unia eternamente. Quis dizer-lhe uma dúzia de vezes, em uma dúzia de momentos diferentes, mas, egoísta, mantivera a verdade oculta para a própria proteção dela. Ele ainda mantinha a esperança de que ela compreendesse sua cautela - que ela poderia inclusive ficar agradecida que ele a tivesse feito esperar para saber a localização de Mira até que ele e os outros guerreiros da Ordem tivessem uma oportunidade sólida de criar uma estratégia de resgate.

Sim, o macho da Raça seguia se dizendo essas coisas porque não queria sequer considerar outras alternativas.

Afastando o arrependimento que perseguia seus passos e o medo que seguia arrastando-se por trás de seu pescoço, Nikolai se moveu para uma melhor posição de acesso aos bosques. Olhou através dos ramos de pinheiro e observou vários dos ocupantes da casa enquanto eles passavam por uma janela no andar térreo. Fez uma rápida contagem dos vampiros da Raça encapuzados enquanto eles andavam a passos largos e em grupo para outra sala. Cinco, seis, sete... e então outro, este sem o capuz negro cobrindo-lhe o rosto.

Ah! Jesus Cristo!

Nikolai o conhecia. Ele tinha visto o filho da mãe de perto e pessoalmente apenas algumas semanas antes, quando uma missão da Ordem tinha-lhe enviado a um encontro com um dos oficiais do mais alto escalão na Agência da Lei. Naquele momento, o homem usava um pseudônimo - um dos dois nomes falsos que a Ordem tinha descoberto não fazia muito tempo. Agora eles conheciam o bastardo por seu verdadeiro nome, o nome que o Primeira Geração traidor que fora seu pai carregava antes também.

Dragos.

Maldição.

Durante semanas a Ordem havia investigado exaustivamente à procura de Dragos, tudo sem êxito. Agora, ele estava ali, na frente deles, como um peixe em um barril. O bastardo estava ali. E, maldito seja, ele ia cair - naquela noite.

Niko recuou para a mata cerrada, então arrastou o traseiro na direção sul, onde tinha deixado Renata no SUV da Agência que roubaram. Mal podia esperar para ligar para Tegan e Rio e lhes dar essas boas notícias.

A confusão e a angústia de Edgar Fabien por causa do fracasso de seu presente para Dragos assombrava-o como um fantasma enquanto ele e os outros seguiam o recém-chegado líder à sala de conferências no abrigo ao norte. Ele sabia que era perigoso, geralmente mortal, desagradar Dragos, algo que tinha evitado muito bem até agora. Mas ele também sabia – assim como o resto dos vampiros da Raça reunidos ali para aquele encontro – que Dragos os tinha juntado por um objetivo específico. Aquela seria uma noite histórica. Eles seriam recompensados, Dragos prometera, pelos anos de parceria oculta e lealdade a um objetivo comum.

Depois de tanto tempo e esforço adulando Dragos durante as últimas décadas, Fabien só rezava que não tivesse jogado tudo fora naquele instante infeliz perto do cais.

- Sentem-se - Dragos ordenou, tomando seu lugar na frente da sala de reuniões. Assistiu enquanto Fabien e os outros seis, todos ocultos atrás de seus capuzes negros, ocupavam as cadeiras reunidas ao redor do bloco de granito polido que servia como mesa de conferências. - Nós nos reunimos aqui nesta sala porque compartilhamos um interesse comum: o atual e o futuro estado de nossa Raça.

Fabien assentiu sob seu capuz, assim como o fizeram os outros ao redor da mesa.

- Compartilhamos um ressentimento comum pela corrupção de nossas descendências pela mancha de humanidade e pela maneira ambiciosa com a qual os que estão no poder dentro da Raça escolheram nos governar com respeito à inferioridade humana. Desde que as primeiras sementes da Raça foram semeadas neste planeta, os vampiros degeneraram-se em uma vergonha grande e triste. A cada nova geração nascida, nossa descendência cresce mais e mais mesclada com a humanidade. Nossos líderes preferem que nos ocultemos dos Homo sapiens, todos com medo de serem descobertos, e mascaram essa covardia com leis e políticas supostamente feitas para proteger o segredo de nossa existência. Ficamos debilitados pelo medo e pelo segredo. Já é hora de isso mudar e precisamos de um novo e poderoso líder.

Agora os assentimentos chegaram mais vigorosos, os acordos murmurados mais fervorosamente.

Dragos começou a dar passos sem pressa na frente da sala, suas mãos juntas e frouxas atrás das costas.

- Nem todos partilham de nosso desejo de reverter radicalmente as falhas passadas e restaurar a Raça a uma posição de poder. Nem todos veem o futuro que nós vemos. Alguns diriam que o preço é muito alto, que os riscos são muito grandes. Mil desculpas para explicar por que a Raça deveria manter seu status quo e não dar os passos firmes requeridos para aproveitar o futuro a que temos direito.

- Ouça, ouça - Fabien interferiu, ansioso por aquele futuro que o lambia como uma chama.

- Estou encantado com o fato de que todos vocês nesta sala entendam que passos firmes devem ser tomados - disse Dragos. - Cada um de vocês, individualmente, tem tido um papel no avanço de nossa visão ao seguinte nível. E vocês o fizeram sem questionar, sem conhecer uns aos outros... até agora. Nosso próprio momento de segredo terminou. Por favor - disse ele -, tirem seus capuzes e nos deixem começar a mais nova fase de nossa aliança.

Fabien estendeu a mão para o pano negro que lhe cobria a cabeça, a insegurança fazendo seus dedos duvidarem. Deteve-se até que alguns dos outros assistentes tiraram seus capuzes antes de encontrar coragem para tirar o seu.

Por um momento, nenhum dos vampiros da Raça disse uma palavra. Olhadas passaram ao redor da mesa, alguns presunçosos com reconhecimento de olhares conhecidos, outros cautelosos pelos estranhos que agora, com essa confissão de mal-intencionada traição, tinham se tornado seus mais profundos aliados. Fabien conhecia vários dos rostos que lhe devolveram o olhar - todos eles de Refúgios de alto escalão ou oficiais da Agência da Lei, alguns dos Estados Unidos e outros do exterior.

- Somos um conselho de oito - anunciou Dragos. - Como os Antigos que chegaram aqui há tanto tempo. Somos, todos nós, a segunda geração de filhos desses poderosos extraterrestres. Logo, uma vez que o último vampiro Primeira Geração for eliminado, estaremos entre os mais velhos e mais poderosos de nossa Raça. Cada um de vocês ajudou nesse esforço, seja oferecendo as localizações dos membros que restavam de nossa primeira geração, seja apoiando a causa oferecendo Companheiras de Raça para levar as sementes de nossa revolução.

- E quanto à Ordem? - perguntou um dos assistentes europeus, seu sotaque alemão afiado como uma lâmina de barbear. - Há dois guerreiros Primeira Geração com quem ainda temos de lutar.

- E o faremos - disse Dragos, sem problemas. – Vou planejar o ataque direto na Ordem muito em breve. Depois do recente golpe contra mim, será um prazer pessoal enterrar a operação da Ordem e ver os guerreiros e suas Companheiras encontrarem a morte.

Um diretor da Agência da Costa Oeste dos Estados Unidos inclinou-se para trás em sua cadeira e arqueou as sobrancelhas castanhas.

- Lucan e seus guerreiros já sobreviveram a outros ataques antes. A Ordem existe desde a Idade Média. Eles não cairão sem luta. Uma luta dura e sangrenta.

Dragos riu.

- Ah! E eles sangrarão. E se tudo sair como espero, vão pedir misericórdia e não receberão nenhuma. Não do poderoso exército que terei às minhas ordens.

- Quando começaremos a criar esse exército? - alguém no grupo perguntou.

O sorriso de Dragos se encheu de malícia.

- Começamos faz 50 anos. Na verdade, essa revolução começou há muito mais tempo do que isso. Muito mais.

Todos os olhos estavam cravados nele enquanto ia a passos largos até um laptop que Fabien tinha mandado deixar preparado na sala. Enquanto digitava algo, o grande monitor plano da sala de conferências se elevou do chão. Dragos digitou mais outras coisas e logo o monitor piscou, mostrando o que parecia ser um laboratório.

- Uma conexão por satélite com uma de minhas fortalezas - explicou, usando o touchpad para controlar remotamente a câmera. - É aqui onde estive juntando as peças do quebra-cabeças - a câmera vagou para um muro de cilindros criogênicos codificados, depois passou por um grupo de microscópios, computadores e tubos de DNA alinhados nas mesas. No meio de todo aquele equipamento, vários Subordinados cientistas vestidos com máscaras e jalecos brancos.

- Parece um laboratório de genética - disse o alemão.

- E é - respondeu Dragos.

- Que tipo de experimentos está fazendo?

- De todo tipo - Dragos voltou para o teclado e teclou outra sequência de comandos. A câmera do laboratório apagou e foi substituída por outra: essa era um ângulo panorâmico de um longo corredor com celas de prisão. Embora da posição da câmera fosse difícil distinguir algo além das mais rudimentares formas, era óbvio que as celas continham mulheres, algumas delas com crianças.

- Companheiras de Raça - tomou fôlego Fabien. - Deve haver vinte ou mais ali.

- Elas nem sempre sobrevivem aos testes, de modo que o número tende a variar - disse Dragos, em tom de conversa. - Mas tivemos nossos êxitos com o processo de reprodução. Essas mulheres e as que viveram antes delas estão dando a luz ao maior exército que este mundo jamais viu. Uma brigada de assassinos Primeira Geração que estarão sob minhas ordens.

Um silêncio tão grande como uma capa de inverno caiu sobre a reunião.

- Primeira Geração? - perguntou o diretor da Costa Oeste. - Isso não pode ser possível. Seria preciso um dos Antigos para produzir uma primeira geração de vampiros da Raça. Todos foram exterminados pela Ordem faz uns 700 anos. O próprio Lucan declarou Guerra a todos os Antigos e se certificou de que nenhum sobrevivesse.

- Certificou-se? - sorriu Dragos, mostrando as pontas de suas presas. - Acredito que... não.

Com uns poucos golpes mais de teclado, mostrou as imagens de outra câmera na conexão do satélite. Dessa vez, o foco se localizava em uma grande sala cheia de segurança, que tinha em seu centro uma cela cilíndrica construída com raios de luz. Os raios ultravioleta emitidos da jaula de barras verticais estavam piscando, inclusive na tela.

E dentro dessa jaula de raios ultravioleta havia uma criatura nua e sem cabelo que, de pé, mediria dois metros. Seu corpo nu era imenso, cada polegada coberta de dermoglifos. Ele elevou a vista enquanto as lentes da câmara zumbiam sobre ele de algum lugar da câmara. Pupilas e olhos âmbar, mas devoradas pelo fogo que ardia fora de suas órbitas, reduzido com letal consciência. A criatura saiu de sua posição de cócoras e se preparou para atacar, só para receber de novo o calor das barras ultravioleta que o deixavam prisioneiro. Abriu a boca e soltou um rugido furioso que não precisou ser ouvido para ser entendido.

- Meu Deus - mais de um dos assistentes ofegou.

Dragos lançou um olhar mortalmente sóbrio sobre o grupo.

- Admirem... nossa revolução.

O celular de Lex vibrou no centro do console do SUV. Renata o pegou e olhou a tela: Número desconhecido.

Inferno.

Ela não podia estar segura se a chamada era para Lex ou para Nikolai, já que o guerreiro da Raça estava usando o telefone para chamar e receber chamadas da Ordem. Ela não sabia há quanto tempo ele tinha saído para fazer o reconhecimento e estava a ponto de perder a cabeça esperando por ele. Ela precisava fazer algo. Ao menos, precisava sentir que estavam fazendo algum progresso para encontrar Mira logo...

O celular continuou vibrando em sua mão. Ela pressionou o botão de atender, mas não disse nada. Apenas deixou que a pessoa se revelasse primeiro.

- Olá? Niko? Você está aí, hermano? - a profunda voz denotava um acento espanhol, tão quente e suave como caramelo. - É Rio, cara...

- Ele não está aqui - disse Renata. - Estamos no lado norte da cidade, esperando que vocês cheguem. Nikolai saiu para fazer um reconhecimento da área. Não deve demorar muito.

- Bem - disse o guerreiro. - Já estamos quase chegando, demoraremos aproximadamente 45 minutos. Você deve ser Renata.

- Sim.

- Quero agradecê-la por você ter salvado o traseiro de nosso garoto aí. O que fez foi... bem, ele tem sorte de tê-la ao seu lado. Todos temos - ela podia ouvir a genuína preocupação e gratidão na voz do vampiro, e ficou demasiado curiosa por conhecer os outros guerreiros que Nikolai chamava de amigos. - Está tudo bem aí? Você está bem?

- Estou bem. Só ansiosa para que tudo isto acabe essa noite.

- Entendo - respondeu Rio. - Niko nos contou sobre a menina, Mira. Lamento pelo que você está passando, sabendo que um doente como Fabien está com ela. Sei que não deve ter sido fácil esperar o dia todo para se encontrar conosco.

- Não, não foi. Sinto-me tão inútil - confessou ela. - Odeio esse sentimento.

- Lamento tudo isso. Não vamos deixar que nada aconteça com ela esta noite quando entrarmos lá, Renata. Tenho certeza de que Nikolai explicou para você que pôr nossas mãos em Edgar Fabien é fundamental para a Ordem, mas vamos dar o nosso melhor para que a menina saia de toda esta situação bem.

Um súbito frio impregnou seu peito enquanto as palavras de Rio se afundavam em sua mente.

- O que disse?

- Que ela vai ficar bem.

- Não... isso de que você não deixarão que nada aconteça... lá dentro...

Do outro lado da linha, um longo silêncio.

- Ah! Cristo! Niko não lhe disse nada sobre o vídeo que temos do Refúgio de Fabien de ontem à noite?

O calafrio em Renata congelou, o gelo estendendo-se do peito aos seus membros.

- Um vídeo... de ontem à noite? - respondeu ela paralisada. - O que havia nele? Você viu Mira? Ah! Deus! Fabien fez algo? Diga-me!

- Madre de Dios - disse com uma larga exalação. - Se Niko não lhe disse isso... não tenho certeza de que devo lhe contar agora.

- Fale, maldição.

Ela ouviu um estrondo de conversa rápida ao fundo antes que Rio finalmente cedesse.

- A menina está com Fabien e com outros que ainda não identificamos. Pegamos a informação de uma câmera de segurança no Refúgio de Fabien. Eles partiram ontem à noite e nós os seguimos até a propriedade onde está agora.

- Ontem à noite - murmurou Renata. - Fabien está com Mira aqui... desde ontem à noite. E Nikolai? Vai me dizer que ele sabia? Quando ele ficou sabendo disso tudo? Quando?

- Tenho que pedir que aguente aí um momento mais - disse Rio. - Vai ficar tudo bem...

Renata sabia que o guerreiro ainda estava falando, ainda estava tentando acalmá-la, mas sua voz se apagou lentamente de sua consciência conforme uma profunda cólera e um profundo medo - uma dor tão desmedida que ela acreditava que poderia despedaçá-la – tomou conta de si. Ela desligou o telefone, cortando a chamada e deixando o aparelho cair no chão, aos seus pés.

Mira estava ali desde a noite passada, com Fabien. Todo este tempo. E Nikolai sabia.

Ele sabia, e escondeu isso dela. Ela poderia estar aqui há horas – nas horas de sol - fazendo algo, algo para salvar Mira. Em vez disso, Nikolai tinha ocultado deliberadamente a verdade e, como resultado, ela não tinha feito nada.

Não totalmente nada, ela admitiu, golpeada pela culpa por causa do prazer que tinha desfrutado com Niko enquanto Mira estava sozinha perto dali.

- Ah! Deus! - ela sussurrou, sentindo-se enjoada diante daquele pensamento.

Estava vagamente consciente dos passos aproximando-se do veículo, seus sentidos elevando-se antes que sua mente pudesse processar o som. O vínculo de sangue que agora compartilhava com Nikolai lhe disse que era ele antes que sua sombra aparecesse. Ele abriu a porta do carro esportivo e entrou.

- É Dragos - disse ele, procurando no console, no painel e no assento pelo celular. - Maldito seja, não posso acreditar nisso, mas era ele. Acabei de ver o filho da mãe dentro da casa com Fabien e com os outros. Dragos está aqui, ao nosso alcance. Onde diabos está aquele telefone?

Renata o olhou fixamente, vendo um estranho enquanto ele se inclinava para a frente e estendia a mão para apanhar o celular que estava aos pés dela, no chão do veículo. Ela mal ouvia o que estava dizendo. Mal se preocupava agora.

- Você mentiu para mim.

Ele se voltou para trás, com o telefone de Lex na mão. O rangido de adrenalina que tinha iluminado seus olhos se reduziu um pouco quando encontrou seu olhar.

- O quê?

- Eu confiei em você. Você me disse que eu podia confiar em você, que podia contar com você, e o fiz. Acreditei em você e você me traiu - ela tragou a saliva passando o terrível nó de sua garganta e forçando a si mesma a pronunciar as palavras. - Mira está aqui. Está aqui com Fabien desde ontem à noite. Você sabia disso... e não me disse nada.

Ele estava calado, mas sequer tentou negar o que ela dizia. Ele olhou o telefone em sua mão como se acabasse de se dar conta de como ela tinha descoberto.

- Eu podia estar aqui, Nikolai. Há horas, podia estar aqui, fazendo algo para tirar Mira das mãos desse monstro!

- Motivo pelo qual eu não lhe disse nada - disse amavelmente.

Ela sentia o coração quebrado.

- Você me traiu.

- Fiz isso para protegê-la. Porque te amo.

- Não - disse ela, agitando a cabeça para evitar ser feita de idiota de novo. - Não. Não diga isso. Como pode dizer isso quando usou todas essas palavras para me manter distraída, para me fazer acreditar que realmente se preocupava comigo enquanto você e seus amigos da Ordem faziam planos pelas minhas costas?

- Não foi assim. Nada do que aconteceu entre nós hoje... nada do que eu disse tem a ver com a Ordem. Hoje era você e eu... era sobre nós.

- Grande merda!

Ele estendeu a mão para ela e ela recuou, mantendo-se fora do alcance dele. Ela abriu a porta e saiu do carro, mas ele estava fora do veículo, a seu lado, bloqueando-a com o enorme corpo, tão rápido que ela sequer pôde dar um passo.

- Afaste-se de mim, Nikolai.

- Aonde você vai? - perguntou ele gentilmente.

- Não posso me sentar aqui por mais tempo e não fazer nada - ela deu um passo, mas ele continuava ali. A sutileza desapareceu rápido, substituída por uma firmeza que dizia que ele a manteria amarrada se fosse necessário.

- Não posso deixar que você faça isso, Renata.

- Essa não é uma escolha sua - ela respondeu, tremendo com medo e indignação. - Que droga, nunca foi uma escolha sua!

Ele grunhiu uma maldição e a agarrou.

Renata mal percebeu o que tinha feito até que ele ficou paralisado, segurando a cabeça entre suas mãos. Ele sibilou, seus olhos pulsando brilhos âmbar enquanto lhe dirigia um olhar horrorizado e furioso.

- Renata. Não faça isso.

Ela o atacou de novo, todo seu medo por Mira e sua dor por causa da traição verteram dela uma corrente castigadora de dor mental. Nikolai caiu de joelhos, rugindo e retorcendo-se pela dor que ela tinha desencadeado nele.

Renata se afastou do guerreiro, no bosque, antes que se permitisse ser dissuadida pelo arrependimento crescente dentro de si.


Capítulo 30

A casa estava sob forte armamento, guardada por todos os lados. Era impossível entrar sem ser notado por pelo menos um dos agentes de execução vestidos com roupas parecidas com as da equipe antiterrorista da SWAT. Todos eles ostentavam uma expressão do tipo “atire primeiro e pergunte depois”, desde a escura viseira do capacete preto e dos equipamentos de combate até os rifles automáticos pendurados no corpo.

Graças aos agentes que tinham invadido a casa de Jack na noite anterior, Renata e Nikolai tinham conseguido transporte, uniforme e armas. Ela não tinha a ilusão de que teria a sorte de chegar ao edifício, mas, à primeira vista, vestida como eles, os agentes de plantão podiam pensar que ela era um dos seus.

Ela colocou o capacete que tinha trazido consigo do SUV e fechou o visor colorido. Adotando a melhor postura de soldado que podia, saiu da mata e se aproximou do vampiro que guardava o lado oeste da casa.

O agente a viu imediatamente.

- Henri? Que porcaria você estava fazendo lá fora?

Renata deu de ombros, ergueu o braço bom em um gesto de “vá se ferrar”. Ela não correria o risco de falar com ele, arriscaria no máximo usar sua arma para tirar esse obstáculo do caminho. Mas se o derrubasse, teria toda a segurança em seu traseiro. Não, ela tinha de manter a calma e apenas seguir caminhando na direção dele com a esperança de que ele não abrisse fogo se suspeitasse de algo.

- Qual o problema com você, idiota?

Renata deu de ombros novamente. Chegando mais perto.

Seus dedos coçavam para fazê-lo voar - ele era um alvo fácil ali parado como um tronco, mas o mais leve cheiro de sangue derramado chamaria a atenção de todos os vampiros ao redor. Renata sabia que tinha de aproximar-se o suficiente para alcançá-lo com a mente. Sua única opção era atingi-lo com uma explosão rápida e sólida.

- Ingrato dos infernos. Henri, volte ao seu posto - disse o agente, grunhindo. Estendeu a mão para um pequeno dispositivo de comunicação em seu cinto. - Estou chamando Fabien para denunciá-lo. Se quiser irritá-lo, vá em frente, mas eu não quero fazer parte disso...

Usando todo seu poder, Renata lançou uma descarga selvagem de energia a partir de sua mente e a enviou ao vampiro diante de si. Suas palavras sufocaram com um grunhido e ele caiu como uma pedra. Ela manteve a descarga até que ele ficou em silêncio. Quando estava certa de que ele estava morto, inclinou-se e tirou-lhe a arma e o rádio.

Renata abriu a porta de entrada lateral e deu uma rápida olhada na área interna. Estava vazia. Ela deslizou para dentro, o coração martelando no peito, a respiração ofegante contra a viseira fechada do capacete.

Depois de toda a fúria que ela sentira por Nikolai não ter contado que Mira estava ali com Fabien, agora ela tinha gratidão para com a Ordem pela prova visual da localização da criança. Era tarde demais para saber como tinham ficado as coisas com Nikolai. Tarde demais para se preocupar se deveria ter esperado por ele e por seus companheiros de armas para apoiá-la. Parte dela sabia que tinha sido injusta, mas tinha ido muito longe para voltar.

Ela tomou uma decisão impulsiva e emocional baseada em sentimentos feridos. Foi uma decisão que poderia custar a amizade que tinha com Nikolai - talvez até mesmo seu amor -, mas mesmo já lamentando, aquilo não podia ser desfeito. Nikolai poderia nunca perdoá-la por colocar em risco sua missão e ela entenderia se ele não a perdoasse.

Agora, ela podia apenas rezar para que Mira não pagasse o preço daquilo tudo.

Niko despertou com o zumbido irritante de um celular ao lado de sua cabeça. Ele estava no chão ao lado do veículo. Não fazia ideia de quanto tempo estava ali. O celular vibrou novamente, mexendo na grama e nas folhas secas que se espalhavam pelo chão da floresta. Usou quase toda a sua força para mover a mão e pegar o maldito aparelho. Desajeitadamente, atendeu. Tentou dizer algo, mas apenas conseguiu soltar um grunhido seco.

- Alô - disse ele mais uma vez, forçando seus membros a se arrastarem e se apoiarem na roda dianteira do SUV.

- Niko? - a voz de Rio veio do outro lado do receptor, pesada com a preocupação. - Você parece uma porcaria, hermano. Fale comigo. O que está acontecendo?

- Renata - disse ele, segurando a cabeça nas mãos. – Está enlouquecida...

Rio amaldiçoou.

- Sim, deduzi isso. A culpa é minha, cara. Não sabia que ela não estava a par sobre a menina ter sido levada na noite passada.

- Ela sumiu - Niko disse. Notou que todos os seus sentidos começaram a voltar como se um interruptor em um gerador de energia fosse ligado dentro dele. - Ah! Caramba, Rio.... eu a enfureci e agora ela foi em busca de Mira por conta própria.

- Madre de Dios.

Na outra ponta da linha, Niko ouviu Rio dar a Tegan e aos outros um rápido esboço da situação.

- Isso não é o pior, cara - acrescentou Nikolai, ignorando a dor do tiro em sua cabeça enquanto se levantava do chão e dava uma corrida impressionante para a parte traseira do SUV. - A reunião de Fabien é maior do que pensávamos... Dragos está aqui também.

- Você tem certeza disso?

- Eu vi o desgraçado com meus próprios olhos. Ele está aqui. Nikolai foi pegar as armas automáticas na parte traseira tão rápido quanto seus braços lentos poderiam se mover. Ele cobriu o corpo com fuzis, enfiou uma pistola na parte traseira de seu uniforme roubado do Agente de Execução e outra em um coldre no tornozelo. - A casa está cercada por guardas, então quando vocês chegarem aqui, entrem a pé e se dividam.

- Niko, o que você está fazendo?

Ele não respondeu; sabia que seu velho amigo não gostaria da resposta. Em vez disso, carregava com munição tudo o que pudesse.

- Há dois homens no meio do estacionamento e três na frente. Retire-os primeiro e terão o caminho limpo.

- Nikolai - a voz de Rio era baixa, em forma de advertência. - Hermano, você não está pensando direito agora... não.

- Ela está lá dentro, Rio. Com Dragos, Fabien e sabe Deus quem mais... e ela está sozinha. Eu vou atrás dela.

Rio soltou uma palavra desagradável em espanhol.

- Fique atento. Estamos a dez minutos de distância e estamos acelerando, cara.

Niko fechou a parte de trás do SUV.

- Vou dar uma olhada no entorno.

- Caramba, Nikolai, se essa mulher quer se matar, isso não é problema seu. Nós vamos ajudá-la no que pudermos, mas...

- Ela é minha companheira, Rio - Nikolai soprou uma maldição. - Estamos ligados pelo sangue... e eu a amo. Eu a amo mais do que minha própria vida.

O suspiro do guerreiro soou pesado com compreensão e derrota.

- Suponho que não há necessidade de lhe dizer que você desafiará as ordens diretas de Lucan se for lá agora. Se Dragos está no lugar, isso torna as coisas ainda mais críticas e você sabe disso. Precisamos que você fique onde está e espere por ajuda.

- Não posso fazer isso - respondeu Nikolai.

Ele desligou o telefone e o atirou pela janela do motorista. Então, partiu para encontrar sua mulher.


Capítulo 31

Dragos se permitiu deleitar-se com o temor de seus subalternos quando eles observavam o Antigo preso na cela de raios ultravioleta sendo mostrada na tela. Do assombro de seus rostos – a absorta incredibilidade –, qualquer um pensaria que ele tinha conseguido capturar a luz em uma garrafa. Na verdade, o que tinha conseguido nas últimas décadas era algo ainda maior. Os sete machos da Raça que se reuniram com ele no quarto já o olhavam como um deus justamente por isso. Ele era o arquiteto de uma revolução que iria virar o planeta inteiro de cabeça para baixo. Naquela noite, eles testemunhariam a história e o começo de um futuro que ele tinha projetado pessoalmente.

- Como isso é possível? - alguém murmurou. - Se realmente é um dos Antigos que foi pai de nossa Raça, como sobreviveu à guerra com a Ordem?

Dragos sorriu enquanto andava mais perto da tela.

- Meu pai era um membro original da Ordem... mas foi, em primeiro lugar, o filho dessa criatura. Durante o banho de sangue perpetrado pela Ordem, quando Lucan declarou guerra aos Antigos, meu pai e seu pai alienígena fizeram um pacto. Em troca do poder compartilhado no futuro, meu pai iria escondê-lo até a histeria passar. Infelizmente, depois de fazer sua promessa, meu pai não sobreviveu à guerra. Mas o Antigo sim, como podem ver.

- Então, pretende cumprir o acordo de seu pai com essa... coisa? - Fabien perguntou, sua expressão como a de um cãozinho que acabara de perder o osso para um lobo selvagem.

- O Antigo está totalmente sob meu controle. Ele é uma ferramenta que utilizo quando e como for melhor para mim e para nossa causa.

- Como assim? - perguntou outro homem do grupo.

- Permitam-me dar-lhes uma demonstração.

Dragos caminhou até a porta da sala de conferências. Estalou os dedos para o Caçador que esperava lá fora, então, virou de volta para seus associados conforme o grande Primeira Geração o obedecia.

- Tire a camisa - ele ordenou ao Caçador.

O enorme macho obedeceu em silêncio, desnudando os ombros enormes e o peito sem pelos coberto por uma densa rede emaranhada de glifos. Mais de uma cabeça se voltou para o monitor para comparar as marcas da pele hereditárias da criatura contido dentro da célula ultravioleta.

- Eles têm dermoglifos semelhantes - Fabien engasgou. - Esse macho é da família do Antigo?

- Filho de Primeira Geração, criado com o único propósito de servir à causa - disse Dragos. - Todos os Caçadores de meu exército pessoal são os mais fortes, as armas mais letais do mundo. Eles foram especialmente criados e treinados sob minha orientação. São assassinos e infalivelmente leais a mim.

- Como pode estar certo disso? - perguntou o líder do Refúgio de Hamburgo, um homem sagaz que, sem dúvida, apreciaria a demonstração em tempo real que Dragos tinha em mente.

- Você percebe que o Caçador usa uma coleira. É um dispositivo de monitoramento GPS, mas também está equipado com um laser ultravioleta. Cada Caçador usa uma desde o momento em que começa a andar. Posso acompanhar todos os seus movimentos, localizá-los em um instante. E se me desagradam de qualquer maneira, basta um simples controle remoto para o laser ser ativado e emitir uma luz ultravioleta fina como uma navalha no pescoço do Caçador, cortando sua cabeça – disse Dragos, lançando um olhar significativo ao Caçador rigidamente em pé ao seu lado.

Um ou dois homens na mesa trocaram olhares desconfortáveis.

Foi o alemão quem falou primeiro, os olhos brilhantes.

- O que acontece se o colar for adulterado, ou removido?

Dragos sorriu, não para o alemão, mas para o próprio Caçador.

- Que tal vermos?

Apesar de seu instinto gritar para que entrasse como um ladrão à espreita, Renata caminhou pelo corredor oeste do covil de seus inimigos como se tivesse todo o direito de estar lá. Ela ouviu o baixo ruído de conversa masculina vindo de uma das grandes salas nos fundos. Em outra parte da casa, não havia nada além de calma, até que...

Soluços suaves de uma criança chegavam a partir de uma escada que conduzia ao segundo andar.

Mira.

Renata voou pelos degraus e seguiu os soluços até o final do corredor. A porta do quarto estava trancada pelo lado de fora. Ela passou a mão na parte superior do batente, mas não encontrou chave alguma.

- Maldição – sussurrou, tirando uma de suas lâminas da lateral da calça. Enfiou-a no ponto entre a porta e o batente, bem acima da fechadura, e fez uma alavanca dura. A madeira rachou, afrouxando um pouco. Mais duas vezes e, finalmente, tinha espaço suficiente para abrir. Com agitação e mãos ansiosas, Renata abriu a porta.

Mira estava lá dentro, graças a Deus.

Estava sem véu e assim que olhou para cima e viu a figura vestida de preto entrando na sala, encolheu-se no canto com terror absoluto.

- Mira, sou eu - disse Renata, abrindo a viseira escura. - Está tudo bem agora, querida. Estou aqui para levá-la para casa.

- Rê!

Ajoelhando-se, Renata estendeu os braços. Com um pequeno grito, Mira voou para seu abraço.

- Ah, minha ratinha! - Renata sussurrou, dando beijos aliviados na cabeça loira da garota. - Fiquei tão preocupada com você. Desculpe-me por eu não ter vindo mais cedo. Está tudo bem, querida?

Mira assentiu com a cabeça, os braços pequenos em volta do pescoço de Renata.

- Eu estava preocupada com você também, Rê. Eu estava com medo de nunca mais voltar a vê-la.

- Eu também, querida. Eu também - Renata odiava ter de soltá-la, mas ainda tinha que sair de lá antes que Fabien e seus companheiros chegassem. Ficou de pé, levantando Mira nos braços. - Temos que correr agora. Agarre-se em mim, certo?

Renata ainda não tinha descido dois degraus com a criança quando as explosões rápidas de tiros irromperam de todas as direções em algum lugar fora da casa.

Dragos estava ansioso para demonstrar a beleza tecnológica da coleira de raios ultravioleta que o Caçador usava quando o inferno desabou fora da reunião. Ele disparou um olhar mortal a Edgar Fabien quando o grupo pulou de seus assentos em alarme atordoado.

- O que está acontecendo lá fora? - exigiu de seu anfitrião. - Essa é outra de suas incompetências?

O rosto estreito de Fabien tinha uma sombra pálida.

- Eu... não sei... senhor. Seja o que for, tenho certeza de que meus agentes resolverão.

- Ao diabo seus agentes! - Dragos rugiu. Ele tateou para o rádio e emitiu uma ordem para o motorista levar o barco. Em seguida, olhou para o rosto do Caçador. - Fora, agora. Cuide disso. Mate todos que cruzarem seu caminho.

O Caçador - o soldado altamente treinado, obediente e impecável - apenas ficou ali, imóvel como um pilar de pedra.

- Fora. Eu ordeno!

- Não.

- O quê? - Dragos não podia acreditar em seus ouvidos. Ele sentiu os olhares de seus subordinados fixos nele. Ele podia sentir a descrença deles, a dúvida deles. Um silêncio floresceu, maduro, com a expectativa. - Eu lhe dei uma ordem direta, Caçador. Faça-o, ou vou acabar com você aqui e agora.

Com tiros chegando aos muros da casa, o Caçador teve a audácia de olhar Dragos nos olhos e balançar a cabeça.

- De qualquer forma, estou morto. Se quer que eu lute para que você possa viver, desative o meu colar.

- Como ousa sequer sugerir...

- Está perdendo tempo - disse ele, aparentemente imperturbável com caos crescente à sua volta. - Liberte-me deste colar, seu filho da mãe arrogante.

Nesse momento, um dos fracos vigias de Fabien apareceu correndo pela porta entreaberta.

- Senhor, estamos sendo alvejados por todos os lados. Não podemos ter certeza ainda, mas deve haver um exército na floresta nos cercando.

- Ah! Jesus! - Fabien engasgou. - Vamos todos morrer!

Dragos rosnou em fúria, sem a menor confiança de que os guardas de Fabien pudessem encontrar seus próprios traseiros, muito menos proporcionar uma cobertura adequada para o grupo de machos da Raça de alto escalão que estavam olhando naquele momento para Dragos como seu líder para ajudá-los a fugir. Esperando que ele decidisse se os salvaria ou se deixaria a prometida revolução cair por terra.

- Terminamos por aqui - ele rosnou. - Todo mundo para fora pela porta de trás, para o barco. Sigam-me.

Quando o grupo começou a sair em torno dele, Dragos lançou um olhar ameaçador por cima do ombro para o Caçador. Ninguém disse uma palavra – o ódio mútuo era suficiente para ler em seus olhares quando Dragos pôs a mão no bolso e pegou o dispositivo que controlava a coleira do Caçador e digitou o código que a desativava.

No instante que a coleira se desligou, o Caçador estendeu a mão e a arrancou do pescoço. Então, com um olhar de descrença, de fria determinação, ele caminhou para fora da porta em direção ao caos que se estendia do lado de fora.


Capítulo 32

Nikolai sorriu sozinho quando sua tática de distração criou uma confusão repentina e maciça em todo o complexo. Os Agentes em guarda corriam precipitadamente em pânico total, mais de um recebeu um golpe da explosão de disparos que vinham de todas as direções do bosque. Niko ordenou que uma videira enrolasse os ramos no gatilho de sua última M16 escondida.

Quando a videira fez como as anteriores, segurando o fuzil no alto e aplicando uma pressão cada vez maior no gatilho, o galho verde ficou mais grosso e mais forte, então Niko correu para a entrada lateral da casa.

Não foi difícil encontrar Renata. Seu vínculo de sangue era um farol para ele, levando-o através da parte traseira do lugar para um voo por cima das escadas. Renata estava descendo com Mira apertada nos braços. Ela encontrou o olhar dele e, por um instante infinito, nenhum dos dois disse uma palavra. Nikolai queria dizer como estava arrependido, e como estava aliviado por ela ter encontrado a criança ilesa.

Ele tinha mil coisas que queria dizer a Renata naquele momento, principalmente que a amava e que sempre a amaria.

- Rápido – ele murmurou. - Precisamos sair daqui agora.

- O tiroteio está por toda parte - disse Renata, a preocupação marcando suas feições. - O que está acontecendo?

- Apenas diversão. Tive que criar uma oportunidade para conseguir tirar você daqui.

Ela parecia aliviada, mas só por um segundo.

- Fabien e os outros... Eu os ouvi saindo pelo caminho de trás há alguns minutos.

- Estou trabalhando nisso - Niko disse. - Agora vá. Não pare por nada. Leve Mira de volta para o carro. A Ordem deve chegar a qualquer minuto.

- Nikolai...–disse Renata, olhando Nikolai firmemente, fazendo-o parar na esperança de ouvir o perdão ou uma afirmação de que ela ainda podia amá-lo depois de tudo o que tinha acontecido. Ela prendeu seu olhar, formando um vinco entre as sobrancelhas. - Seja cuidadoso.

Ele ofereceu-lhe um aceno triste, não sentindo o comum aumento de adrenalina que precedia o combate. Aqueles dias pareciam séculos atrás, quando nada mais importava para ele exceto a glória da batalha e o triunfo da vitória, por mais sem sentido que fosse.

Agora tudo importava, sobretudo em se tratando de Renata. Sua segurança e felicidade eram tudo o que importava, mesmo que isso significasse que ele poderia não estar em cena.

- Leve Mira de volta para o carro - disse novamente. - Mantenha a cabeça baixa e cuide-se. Vamos tirá-las daqui.

Ele esperou até que Renata saísse correndo, então foi para a porta dos fundos da propriedade por onde seus inimigos tinham fugido.

A lancha estava parada na doca quando Dragos e os outros correram ladeira abaixo para pegá-la. Ao redor da floresta e até perto da casa, os agentes de Fabien mexiam-se como formigas que tinham acabado de perder a casa. Tiros iluminavam a noite de modo tão enlouquecido que era impossível dizer quais rajadas vinham dos aliados e quais dos aparentes intrusos.

Tudo que Dragos sabia era que não ficaria para enfrentar a Ordem ou esperar que alguém o derrubasse.

Quando ele e seu grupo começaram a subir no barco, Dragos colocou-se no caminho de Edgar Fabien.

- Não há espaço a bordo para você - disse para o líder do Refúgio de Montreal. - Você nos prejudicou bastante com sua idiotice. Você fica aqui.

- Mas... senhor, eu... por favor, posso garantir que não vou decepcioná-lo novamente.

Dragos sorriu, mostrando as pontas de seus dentes.

- Não, você não vai.

Dizendo isso, levantou uma pistola 9 mm e disparou um tiro mortal direto entre os olhos redondos de Fabien.

- Vamos! - ordenou ao condutor do barco, Edgar Fabien completamente apagado quando o motor rugiu e a embarcação os levou até o hidroavião que esperava na outra extremidade do lago.

Ele chegou tarde demais.

Niko encontrou alguns Agentes em seu caminho até o lago, mas quando chegou lá, a lancha não passava de uma agitação na água. Nikolai disparou alguns tiros atrás deles, mas estava apenas perdendo balas. O cadáver de Edgar Fabien jazia na doca de madeira. Dragos e os outros já estavam do outro lado do lago naquele momento.

- Maldição.

Alimentado pela fúria e pela determinação, Nikolai começou a se movimentar ao longo da costa, recorrendo à velocidade sobrenatural que todos os da sua espécie possuíam quando precisavam. O barco era rápido, mas a água estava cercada de terra. Em algum ponto Dragos e seus companheiros teriam de desembarcar e pegar outro meio para terminar a fuga. Com alguma sorte, Niko poderia alcançá-los antes que fugissem.

Ele não sabia quão longe estavam - um quilômetro, provavelmente – quando, de repente, seu peito congelou de medo.

Renata.

Algo estava errado. Terrivelmente errado. Ele podia sentir as emoções de Renata como se fossem suas. Ela, a corajosa e imperturbável Renata, agora estava morrendo de medo.

Ah! Cristo! Se alguma coisa acontecesse com ela...

Não. Ele não podia sequer pensar nisso.

Com todos os pensamentos sobre Dragos deixados de lado, Nikolai virou e continuou em alta velocidade, rezando para chegar a tempo.

Ela não tinha visto o vampiro enorme vindo.

Em um minuto estava cortando o mato escuro com Mira firme em seus braços e, no minuto seguinte, viu-se olhando para o rosto implacável e para os impiedosos olhos dourados de um macho da Raça, cujo imenso torso nu, ombros e braços estavam cobertos por um espesso padrão de dermoglifos.

Era um Primeira Geração; Renata soube instintivamente. Seus instintos também diziam que aquele macho era mais letal do que a maioria, frio como pedra.

Um assassino.

O terror a cobriu como uma maré negra. Ela sabia que se o atacasse era melhor ter certeza de que poderia matá-lo rapidamente, ou então ela e Mira seriam mortas no mesmo instante. Não se atreveu a tentar quando Mira podia sofrer caso ela falhasse.

Santa Mãe de Deus, chegar tão longe, finalmente ter Mira em seus braços, a poucos passos da liberdade... e agora... Jesus Cristo!

- Por favor - Renata murmurou, desesperada para atrair a mais leve misericórdia. - A criança não. Deixe-a ir... por favor, deixe a criança, não lhe faça mal...

O silêncio do vampiro era irritante. Mira tentou levantar a cabeça do ombro da amiga, mas Renata gentilmente a empurrou de volta para baixo, não querendo que ela se assustasse com o mensageiro da morte que, sem dúvida, tinha sido enviado por Edgar Fabien ou por Dragos. Ou pelo próprio Diabo em pessoa, maldito seja.

- Vou colocá-la no chão - Renata disse a ele, sem ter certeza de que ele a compreendia e que muito menos concordaria. - Apenas... deixe a criança ir. Sou eu quem você quer, não ela. Apenas eu.

Os olhos de falcão dourado seguiam cada movimento de Renata enquanto ela cuidadosamente tirava Mira dos braços e lentamente colocava os pés da menina no chão. Renata colocou-se entre o assassino e a criança, rezando para que a morte dela fosse suficiente para satisfazer ao assassino e ao seu mestre do mal.

- Rê, o que está acontecendo? - Mira perguntou por trás de suas pernas, as mãos pequenas segurando-lhe as calças enquanto olhava ao seu redor. - Quem é esse homem?

O vampiro deixou seu olhar de pedra viajar até a origem daquela voz minúscula. Ele olhou. Sua cabeça raspada virou lentamente para o lado. Então, ele fez uma careta.

- Você - disse ele, com uma voz tão profunda que estremeceu todo o caminho até a medula Renata. Algo sombrio passou em seu rosto. - Deixe-me vê-la.

- Não - declarou Renata, segurando Mira atrás de si e bloqueando-a como um escudo. - Ela é apenas uma criança. Não fez nada contra você ou qualquer outra pessoa. Ela é inocente.

Ele lançou a Renata um olhar tão feroz que quase a derrubou.

- Deixe-me ver os olhos dela.

Antes que pudesse recusar mais uma vez, antes que pudesse pensar em alguma forma de pegar Mira e fugir o mais rápido possível, Renata sentiu Mira dar um passo para sair detrás de sua proteção.

- Mira, não.

Tarde demais para interromper o que aconteceria. Renata só pôde olhar com terror quando Mira caminhou direto para fora e olhou para cima, subindo para o duro olhar do letal vampiro Primeira Geração.

- Você... - disse ele novamente, olhando para o doce rosto de Mira.

Renata poderia dizer o momento em que começou a testemunhar o presente de Mira. Os olhos dourados dele ficaram tempestuosos, e ele olhava, absorto, enquanto a criança mostrava seu futuro. Ele chegou mais perto, muito perto, até que os braços maciços poderiam atacar e quebrar Mira inadvertidamente.

- Não... - ela deixou escapar, mas ele já estava chegando até Mira.

- Está tudo bem, Rê - Mira sussurrou, em pé diante do vampiro, tão inocente como uma criancinha que vagava na cova dos leões.

E foi então que Renata percebeu que algo de extraordinário estava para acontecer.

- Você me salvou - ele sussurrou, com as mãos enormes nos pequenos ombros de Mira. O vampiro se ajoelhou, ficando no nível da criança. Quando ele falou, a voz letal estava tranquila, com espanto e confusão. - Você salvou minha vida. Eu vi isso, agora, em seus olhos. Vi naquela noite também...


Capítulo 33

O coração de Nikolai congelou dentro de seu peito, um crescente pânico, medo transformado em gelo. Com o tiroteio ainda em erupção na área, ele tinha dado uma volta pela floresta até o lugar onde seu sangue tinha mostrado que encontraria sua Companheira apavorada.

Renata estava lá. Na escuridão da floresta banhada pela luz da lua, imóvel como uma estátua e olhando um imenso vampiro Primeira Geração agachado diante de Mira, segurando a criança com suas enormes mãos.

Jesus Cristo.

Niko moveu-se silenciosamente, rastejando para se aproximar e tentar encontrar uma posição em que poderia atirar sem colocar Renata ou a menina no fogo cruzado.

Ataque-o com uma onda, Renata. Faça-o cair e corra como se estivesse correndo do diabo.

Ela não lançou o poder mental sobre ele. Ela não tentou contrair um dedo na direção de qualquer uma de suas armas, psíquica ou não. Não, para o horror de Niko, ela não moveu sequer um dedo. Apenas ficou ali, no centro do que rapidamente se transformaria em uma tempestade infernal de sangue e violência.

O próprio medo de Niko naquele momento era insondável. Tudo o que ele sentia era o terror rasgando-o por dentro, seus ossos congelados, um desespero tão selvagem dentro do coração que batia como um tambor no peito.

Ele tirou as pistolas 9 mm de seus coldres laterais e avançou. Embora estivesse se movendo a um ritmo que apenas alguém da Raça poderia controlar, Renata olhou para cima. Ela o sentiu ali, movendo o ar ao seu redor, mesmo que os olhos não conseguissem registrar a velocidade. O sangue dele nela lhe disse que seu macho estava perto, assim como o seu sangue correndo nele sempre o faria encontrá-la.

Ele estava muito consumido pela raiva para notar que ela olhava para ele com alarme e não para o inimigo vampiro que enfrentava.

Nikolai avançou como um flash, totalmente preparado para matar. Ele parou logo atrás do grande Primeira Geração, as duas pistolas apertadas contra os glifos que seguiam até a parte traseira do crânio raspado do vampiro.

Tudo aconteceu em um piscar de olhos, mas parecia em câmara lenta na consciência de Nikolai.

Ele apontou as armas, os dedos nos gatilhos.

Os olhos de Renata se abriram. Ela balançou a cabeça.

- Niko, espere... não!

O Primeira Geração soltou Mira, deixando as grandes mãos caírem ao seu lado. Ele nem sequer reagiu às armas apontadas em sua cabeça. Seu peito expandiu quando puxou uma respiração longa, então deixou o ar sair em um suspiro resignado.

Ele não estava lutando contra sua morte.

Ele não se importava se morresse.

E então Mira gritou, a voz da criança alta com o medo.

- Não! Não o machuque!

Nikolai assistiu incrédulo e com espanto total quando Mira jogou seus braços em torno dos ombros largos do Primeira Geração.

- Por favor, não o machuque! - ela chorou, olhando para Niko, suplicando-lhe enquanto tentava proteger o vampiro com seu corpo minúsculo.

- Nikolai - Renata prendeu seu olhar quando ele a olhou, incrédulo, as duas pistolas de grande porte ainda armadas e prontas, niveladas na cabeça do Primeira Geração. - Nikolai... por favor, está tudo bem. Espere.

Ele franziu a testa, mas sua atitude guerreira relaxou um pouco.

- Levante-se - ordenou ao vampiro.–Levante-se e afaste-se da criança.

O Primeira Geração obedeceu sem qualquer comentário, lentamente, soltando os braços de Mira do seu pescoço e empurrando-a para longe enquanto levantava.

Niko se moveu para enfrentá-lo, as armas ainda sobre ele, quando orientou tanto Renata quanto Mira a ficar atrás dele.

- Quem diabos é você?

Os olhos sóbrios, inexpressivos, fitaram a terra.

- Chamam-me de Caçador.

- Você não é um Agente - disse Nikolai, cautelosamente.

- Não. Eu sou um Caçador.

Renata levou Mira para perto, segurando-a enquanto o caos na floresta e na casa lentamente morria em torno deles.

- Seus olhos, Nikolai - disse ela, entendendo agora. - Ele é o assassino que tentou matar Sergei Yakut naquela noite. Foi ele quem Mira viu no retiro de Yakut.

A expressão de Nikolai escureceu.

- É verdade? Você é um assassino de aluguel?

- Eu era - o Caçador deu um aceno triste e, finalmente, levantou o olhar. - A criança me salvou... Algo mudou em mim depois que eu vi a visão nos olhos dela naquela noite. Eu a vi salvar minha vida, exatamente como aconteceu há pouco.

No instante seguinte, a floresta ganhou vida com homens armados se deslocando sobre eles de todas as direções. Nikolai tinha as armas na mão, mas não fez nenhum movimento para disparar sobre as ameaças recém-chegadas. Renata entrou em pânico.

- Ah, merda. Niko...

- Está tudo bem - ele a acalmou com um olhar tranquilizador e algumas palavras gentis. - Estes são os mocinhos, meus amigos da Ordem.

Ela observou quando quatro dos guerreiros amigos de Nikolai entraram na área. Todos eram formidáveis no tamanho e na atitude, um grupo de músculos e de força que parecia sugar todo o ar da floresta pela simples presença dele.

- Como vai, hermano? Tudo bem aqui? - perguntou a voz suave que agora Renata reconhecia como pertencente a Rio.

Nikolai assentiu com a cabeça, os olhos e armas ainda apontadas na direção do Primeira Geração.

- Tenho tudo sob controle, mas a situação na casa está arruinada. Edgar Fabien está morto e Dragos e os outros fugiram pela costa. Foram de barco para o outro lado do lago. Tentei segui-los, mas... - olhou para Renata. - Tinha que me assegurar de que tudo estava bem por aqui primeiro.

- Nós ouvimos o zumbido de um motor de avião pequeno quando chegamos - disse Rio.

- Droga - Nikolai sussurrou. - Eram eles, sem dúvida. Fugiram. Diabos, Dragos estava aqui e nós perdemos o filho da mãe maldito.

- Deixe-me ajudar a encontrá-lo.

Todos os olhos se voltaram para o vampiro ainda detido na mira de Nikolai.

- Por que confiaríamos em você? - Nikolai perguntou, estreitando o olhar. - Por que estaria disposto a nos ajudar a colocar as mãos em Dragos?

- Porque ele é a pessoa que me criou - não havia calor no tom dourado dos olhos do Primeira Geração assassino quando respondeu à pergunta, apenas ódio gelado. - Ele me fez o que sou. Eu e todos os outros Caçadores criados por ele para matar.

- Ah, meu Deus! - Renata respirou. - Você quer dizer que há outros como você?

A cabeça raspada do Caçador acenou sobriamente.

- Não sei quantos nem onde estão, mas Dragos me disse que não sou o único de minha espécie. Há outros. Muitos outros.

- Por que devemos acreditar em você? - perguntou outro dos guerreiros, quase tão sombrio quanto a noite ao seu redor, seus dentes e presas brilhando como pérolas contra sua pele morena.

Outro guerreiro interveio, então, de olhos rápidos e sagazes, astuto como um lobo sob os pontos de ébano de seus cabelos cortados.

- Deixe Tegan nos dizer se podemos confiar nele.

Renata assistiu com espanto e um pouco de medo quando o maior do grupo, um guerreiro que parecia um fantasma perseguindo as sombras, deu alguns passos a frente. Imenso, com cabelos alourados sob o capuz preto de malha que usava, ele era um grande bloco de músculos másculos e energia sombria. Facilmente tão grande quanto o Primeira Geração diante dele, esperando seu julgamento.

Sem dizer nada, o guerreiro chamado Tegan estendeu sua enorme mão. O Caçador a pegou, seus olhos tão constantes quanto seu aperto.

Após um longo momento, Tegan deu um aceno vago.

- Ele vem com a gente. Vamos lacrar este lugar e dar o fora daqui.

Renata sentiu o enorme peso da tensão do momento ser removido, dando lugar a um novo propósito. O grupo se dividiu, a maioria dos guerreiros indo cuidar das coisas na casa de Fabien enquanto Rio e Nikolai andavam com Renata, Mira e seu companheiro inesperado de volta ao veículo à espera da Ordem.

Já perto, Nikolai pegou a mão de Renata.

- Encontramos você lá, Rio.

O guerreiro assentiu. À medida que avançavam, Renata olhou maravilhada e atemorizada quando Mira deslizou sua mão muito pequena na palma maior do Caçador.

- Meu Deus - disse ela a Nikolai. - O que está acontecendo?

Ele balançou a cabeça, claramente surpreso como ela.

- Vou levar algum tempo para descobrir isso, acho. Mas primeiro quero esclarecer as coisas entre nós.

- Nikolai, desculpe-me.

Ele a silenciou com um beijo longo e doce, puxando-a em seus braços quentes e musculosos.

- Eu estraguei tudo, Renata. Eu estava com tanto medo de perder você que a empurrei para longe de mim com uma mentira, fui um estúpido imprudente! Eu nunca me perdoaria se alguma coisa acontecesse com você ou Mira. Você é meu coração, Renata. Minha vida - ele acariciou-lhe o rosto, seu olhar a engolindo inteira. - Eu te amo tanto... Não quero viver um só momento sem você ao meu lado.

Ela fechou os olhos, dominada pela emoção.

- Eu nunca quis nada mais - ela sussurrou, sua garganta fechada com alegria. - Eu também te amo, Nikolai. Mas tem que entender que venho com um pacote agora. Mira não é minha filha de sangue, mas é de coração. Eu a amo como se fosse minha.

- Eu sei - disse sobriamente. - Você já provou isso.

Renata olhou para ele, incapaz de conter a esperança que se espremia em seu peito.

- Você acha que pode encontrar espaço em sua vida e em seu coração para nós duas?

- O que a faz pensar que eu já não tenha feito isso?–ele a beijou novamente, dessa vez com ternura. Quando olhou nos olhos dela, seu olhar era tão cheio de amor que lhe varreu o fôlego. - Vamos dar o fora daqui agora. Quero levar minhas garotas para casa.


Capítulo 34

Boston. Três noites depois.

O complexo da Ordem pareceu muito diferente para Nikolai quando ele andou pelo corredor que conduzia ao laboratório de tecnologia onde tinha se reunido com os outros guerreiros. A missão de capturar Dragos sofrera um golpe significante há algumas noites, mas também tinham ganhado uma vantagem muito inesperada na sua busca e encerramento da operação.

Infelizmente, embora o Caçador tivesse se tornado um valioso aliado, a Ordem também tinha perdido um membro crucial e confiável amigo: Andreas Reichen tinha sumido completamente e a notícia de Berlim era a pior possível. Ninguém sabia se o líder do Refúgio alemão tinha sobrevivido ao ataque em sua residência. Baseado na matança de toda sua família e no fogo que consumira a propriedade inteira, a Ordem tinha poucas esperanças de encontrar o amigo vivo.

Pessoalmente, Nikolai pensou que seria consolador para Reichen se ele tivesse morrido no ataque. Ele sabia que uma perda tão profunda jamais poderia ser superada. Certamente nenhum homem, da Raça ou não, seria forte o suficiente para sair ileso de um golpe tão brutal na alma. Como um guerreiro, Nikolai entendia baixas em combate. Todo guerreiro entrava na batalha sabendo que ele ou seus irmãos podiam não retornar para a base. Mas perder uma família...

Ele não queria nem mesmo considerar o que isso faria com um homem. Em vez disso, Nikolai se concentrou nas bênçãos que tinha, uma das quais podia ser ouvida falando baixinho quando ele se aproximou da porta aberta de seus aposentos.

Renata estava lá dentro, sentada no sofá da sala, lendo para Mira.

Por um momento, quando Niko aproximou-se da entrada, encostou-se na soleira da porta, simplesmente ouvindo e deleitando-se com a visão da bela mulher que agora era sua Companheira. Ele adorava ver como Renata ficava tão confortável com um livro quanto segurando uma arma. Ela tinha uma suavidade que ele admirava, uma inteligência que o desafiava continuamente e uma força interior que o fazia procurar ser um homem digno de sua devoção.

Não era nada mal também que ela fosse mais quente do que o inferno, sobretudo quando ela estava com o olhar na sua 9 mm ou treinando com suas adagas queridas no centro de treinamento. Kade e Brock tinham estado quase permanentemente na sala de armas nos últimos dias, só pela possibilidade de treinar com Renata ou olhá-la em ação. Nikolai não podia culpá-los. Mas quando sentiu o beliscão leve do ciúme, bastou um olhar malicioso de sua mulher para colocá-lo à vontade. Ela o amava e Nikolai era o macho mais sortudo do planeta.

- Oi - disse, olhando enquanto virava a última página de um capítulo e parava para cumprimentá-lo.

- Olá, Niko - Mira sussurrou sob o véu curto. - Você acabou de perder uma parte muito boa da história.

- Mesmo? Talvez eu possa convencer Renata a ler para mim mais tarde - disse ele, enviando um olhar aquecido para sua Companheira quando entrou na sala. Ele caminhou até o sofá e se agachou na frente de Mira. - Tenho algo para você.

- Sério? - o rosto dela se iluminou com um pequeno sorriso. - O que é?

- Uma coisa que pedi a Gideon para você. Tire seu véu, e vou lhe mostrar.

Ele não perdeu o olhar protetor de Renata quando Mira afastou o tecido preto para longe do seu rosto.

- O que é?

- Tudo bem - disse ele, tirando uma pequena caixa de plástico do bolso da calça jeans. - Você pode confiar em mim. Ambas podem confiar em mim.

Renata relaxou, e olhou quando Nikolai retirou a tampa de um recipiente de lentes de contato.

- Estas são as lentes especiais que Gideon acha que vão ajudar com seus olhos. Você gostaria de nunca mais usar o véu de novo?

Mira concordou com entusiasmo.

- Deixa eu ver, Niko!

- Que tipo de lentes são essas? - Renata perguntou, cautelosamente otimista.

- Íris opacas para proteger o efeito de espelhamento dos olhos de Mira. Ela será capaz de ver através delas, mas ninguém que olhar para ela vai notar nada de incomum sobre os olhos. Suas íris serão cobertas, da mesma forma que o véu cobre. Eu pensei que seriam melhores.

Renata acenou, sorrindo calorosamente para ele.

- Muito melhor. Obrigada.

- Posso experimentá-las? - Mira perguntou, ansiosamente olhando a pequena caixa nas mãos de Niko. - Olha, Rê, são roxas!

- Essa é sua cor favorita - disse ela, jogando um olhar interrogativo sobre Nikolai.

Ele tinha mudado muito nos últimos dias, empreendendo um papel que nunca se imaginou, sem falar no fato de se ajustar tão confortavelmente nele. Ele era um macho com laço de sangue com uma Companheira de Raça que o amava e uma criança para criar como sua. E ele apreciou as duas ideias.

Ele, um dissidente e imprudente, tinha uma família própria agora. Era incompreensível para ele, para não mencionar para o resto do complexo. Era a última coisa que sonhou que queria ou precisava e agora, apenas alguns dias depois, não poderia ver sua vida de outra maneira.

Seu coração nunca se sentiu tão completo.

- Deixe-me ajudá-la com isso - disse Renata, pegando as lentes das mãos de Niko com cuidado e colocando-as em Mira. Quando estavam no lugar há alguns segundos e o talento da criança não se manifestou, Renata sorriu. - Ah, meu Deus. Funcionou, Nikolai! Olhe para ela. As lentes funcionam perfeitamente.

Ele olhou para as piscinas violeta nos olhos alterados de Mira e viu... nada. Apenas o feliz e despreocupado olhar de uma criança.

Renata jogou os braços em volta dele e o beijou. Mira estava bem atrás dela e Niko pegou as duas em um sincero abraço.

- Há mais - disse, esperando que gostassem do resto da sua surpresa. Ele se levantou e pegou cada uma delas pela mão. - Venham comigo.

Ele as levou pelo corredor até o elevador que subia da sede subterrânea para a enorme mansão que ficava no piso acima. Ele podia sentir a apreensão de Renata pelo modo como ela apertava-lhe a mão grande e pela adrenalina que lhe corria na corrente sanguínea.

- Não se preocupe - ele sussurrou na orelha dela. -Você vai gostar, eu prometo.

Pelo menos, ele esperava que sim. Ele tinha trabalhado naquilo durante um dia e meio, tentando fazer tudo certo. Ele guiou Renata e Mira ao coração da propriedade, em direção à luz de velas e ao calor da sala de jantar formal. Os aromas de pão e carne assada os receberam. Niko não tinha apreço por comida humana, mas as Companheiras de Raça que viviam no lugar certamente tinham e, a julgar pela aparência das duas mulheres caminhando ao seu lado, elas também.

O espanto brilhou nos olhos de Renata.

- Você fez o jantar?

- Claro que não. Acredite em mim, sou a última pessoa que você iria querer para preparar suas refeições. Pedi alguns favores a Savannah, Gabrielle e as outras mulheres. Seu estômago está em muito boas mãos.

- Mas eu estive com todas elas mais cedo hoje e ninguém disse nada sobre isso.

- Eu queria fazer uma surpresa. Elas queriam surpreendê-la, também.

Renata não disse mais nada, mas ele não pôde deixar de notar que seus passos diminuíam ao chegar mais perto da sala de jantar. Mira, no entanto, pulava com entusiasmo. Assim que chegaram à porta de entrada em arco, ela soltou-se de Niko e correu a mil por hora como se tivesse vivido lá toda sua vida.

Mas Renata, não.

Ela ficou em silêncio e imóvel. Olhou para a mesa cheia de pratos de porcelana e enfeites finos e suspirou levemente. Não disse uma palavra sequer quando olhou para o rosto dos guerreiros e de suas Companheiras de Raça, todos de pé dando-lhe boas-vindas quando ela e Nikolai pararam na porta.

- Ah, Santo Deus! - ela finalmente sussurrou, sua voz quebrada e crua.

Niko a seguiu quando ela recuou, voltando pelo corredor.

Maldição. Ele estava tão certo de que ela desfrutaria de um agradável jantar com todos, mas é óbvio que estava errado.

Quando falou com ele, sua voz estava embargada pela emoção.

- Todo mundo está esperando lá dentro... por nós?

- Não se preocupe com isso - disse ele, puxando-a para seus braços fortes. - Eu queria fazer algo especial para você e estraguei tudo. Sinto muito. Você não tem que fazer isso.

- Nikolai - ela olhou para ele, os olhos brilhantes marejados. - Eu nunca vi nada mais bonito do que aquela mesa, com todos ao redor, em toda a minha vida.

Ele franziu a testa, bastante confuso agora.

- Então, o que está errado?

Ela balançou a cabeça, engolindo um riso estrangulado.

- Não há nada de errado. Nada de errado em nada. Estou tão feliz! Você me faz tão imensamente feliz. Tenho medo desse sentimento. Eu nunca soube o que era e eu estou morrendo de medo que seja apenas um sonho.

- Não é um sonho - disse ele suavemente, acariciando-lhe uma lágrima perdida que deslizava assertivamente pelo rosto macio. - E você pode se segurar em mim se sentir medo. Vou estar ao seu lado enquanto você quiser.

- Para sempre - disse ela, sorrindo para ele.

Nikolai assentiu.

- Sim, meu amor. Para sempre.

O sorriso exultante de Renata explodiu em sua boca. Ela beijou Nikolai forte e, em seguida, caminhou com ele sob o abrigo daquele braço forte para se juntar aos outros. Para se juntar ao resto da sua família.

Capítulo 25

Nikolai sentou-se dentro do abrigo feito de videiras e assistiu a um único raio de luz atravessar as folhas e iluminar os cabelos escuros de Renata enquanto ela dormia. A luz ultravioleta era tóxica para sua espécie – letal após meia hora de exposição contínua - mas ele não resistiu ao desejo de deixar aquele raio de luz entrar pelo pequeno buraco na vegetação. Nos últimos minutos, ele tinha permanecido sentado junto de Renata observando-a, admirando-a, muito intrigado com a forma como a luz cobria-lhe os cabelos de ébano, penetrandolhe os fios de seda e colorindo-os com uma dúzia de tons diferentes: cobre, bronze e vermelho.

Que diabos havia de errado com ele?

Ele estava sentado lá, olhando os cabelos de Renata, pelo amor de Deus! Não apenas olhando, mas olhando-os com total fascinação. Para Niko, isso indicava uma de duas coisas preocupantes: ele devia considerar muito seriamente ter algumas aulas com o famoso cabeleireiro inglês Vidal Sassoon ou estava completamente perdido de amor por aquela mulher.

Perdido tanto quanto no passado, eternamente tomado por outra pessoa. Em algum lugar, de algum jeito, ele se deixou apaixonar por ela.

Isso explicava o porquê de ele não conseguir manter as mãos - e outras partes maiores e mais pulsantes de seu corpo - longe dela. Explicava também o motivo pelo qual tinha passado toda a noite – com exceção da ida rápida à casa de Yakut antes do amanhecer – deitado junto de Renata, sustentando-a em seus braços fortes.

E, se ele precisava de alguma explicação do motivo de seu peito ter ficado tão apertado e tão pesado quando ela começou a chorar na noite anterior, ou por que havia se sentido obrigado a compartilhar com ela seu sentimento de culpa pela perda de Dimitri há tantos anos, ele supôs que estar apaixonado faria sentido.

Por mais que tentasse convencê-la de que ela estava a salvo com ele, Nikolai se sentia a salvo com ela também. Confiava nela plenamente. Mataria para protegê-la, morreria por ela sem hesitar nem por um segundo. Ela podia não fazer parte de sua vida há muito tempo, mas ele já não se imaginava sem ela.

Ah! Merda. Ele realmente tinha se apaixonado por Renata.

- Mas... que... maravilha! - murmurou, fazendo uma careta quando ela se agitou por causa do som de sua voz.

Ela abriu os olhos e sorriu quando o viu sentado ali.

- Olá!

- Bom dia - disse, casualmente alcançando um ramo de videira para fechar o abrigo e deixar do lado de fora os resquícios do raio de sol.

Ele achou o espreguiçar felino dela mais fascinante ainda do que os cabelos. Estava usando a mesma camisa de algodão da noite anterior, a metade dos botões espalhados pelo chão do abrigo natural. A grande camisa estava aberta da metade para baixo, mal cobrindo a nudez de sua fenda. Por ele, sem problemas.

- Como se sente?

Ela pareceu refletir por um segundo, depois olhou para ele com a testa franzida.

- Sinto-me realmente bem. Quero dizer, ontem à noite foi... - ruborizou, uma doce cor rosada preencheu-lhe as bochechas. - Ontem à noite foi incrível, mas pensei que ficaria fora de combate por causa da reverberação. Não entendo... nunca aconteceu nada assim. Quero dizer, tive um pouquinho de dor, mas pelo ataque na casa de Jack, eu devia estar agonizando a noite toda.

- Isso nunca aconteceu antes?

Ela sacudiu sua cabeça.

- Nunca. Cada vez que usava minha habilidade, o efeito retornava.

- Mas ontem à noite não.

- Não, ontem à noite não - ela disse. - Nunca me senti melhor.

Niko talvez pudesse ter feito uma brincadeira sobre os efeitos milagrosos de suas proezas sexuais, mas ele sabia que era um tipo de magia o que fizera Renata suportar o efeito da reverberação.

- Você bebeu de meu sangue ontem. Essa foi a diferença.

- Você acha que seu sangue ajudou não apenas a curar meu ombro, mas também com as reverberações? É possível?

- É definitivamente uma possibilidade. Uma Companheira de Raça que bebe regularmente o sangue de um vampiro se torna muito mais forte do que seria sem ele. O envelhecimento desacelera até ao passo de tartaruga. As células do corpo, os músculos e todo o metabolismo atinge um estado físico visivelmente saudável. E, sim, muitas vezes o sangue de um companheiro também tem impacto na habilidade psíquica das fêmeas.

- Por isso Sergei nunca me deixou beber dele - Renata disse, sua mente veloz para chegar à mesma conclusão a que Niko havia chegado. – Ele não fazia segredo de que gostava que meu poder fosse limitado. Nas vezes que tentei golpeá-lo, nunca pude manter a rajada o tempo suficiente para derrubá-lo. E, no final, o esforço sempre me custava caro demais quando retornava.

- Sergei Yakut era Primeira Geração - Niko recordou. – O sangue dele em seu sistema poderia torná-la praticamente invencível.

Renata zombou em voz baixa.

- Só um grilhão a mais para mim. Ele devia saber que eu o mataria se tivesse a menor esperança de êxito–ficou em silêncio durante um minuto, com os braços cruzados. Depois, arrancou uma fibra de erva do chão do abrigo improvisado. - Tentei matá-lo... no dia em que Mira e eu fugimos juntas. Naquele dia, ele queimou minhas costas com ferro quente. Fez outras coisas também.

Nikolai não tinha que perguntar mais sobre o que ela tinha sofrido. As cicatrizes das queimaduras em suas costas eram atrozes, mas pensar no castigo de Yakut era pior... O sangue de Niko fervia de indignação. O guerreiro, então, colocou a mão sobre a mão dela.

- Sinto muito, Renata.

Ela lançou um firme olhar que não procurava simpatia.

- Sua misericórdia foi a de não ter forçado Mira a assistir tudo o que me fez. Mas Sergei me disse que se ela ou eu tentássemos escapar outra vez, Mira pagaria da mesma forma que eu. Prometeu que seria pior para ela, e eu sabia que ele estava falando sério... Então, fiquei quieta. Eu o obedecia e a cada hora de cada dia rezava por um milagre que eliminasse Sergei Yakut de minha vida - parou, acariciando-lhe o rosto masculino. – E então você chegou e tudo mudou. Suponho que em muitos sentidos, você é meu milagre.

Nikolai segurou-lhe a mão e depositou um beijo no centro de sua palma.

- Ambos somos afortunados.

- Alegra-me que Sergei esteja morto - confessou ela, brandamente.

- Ele devia ter sofrido mais - disse Niko, sem tentar ocultar o tom obscuro de sua voz grossa. - Mas já morreu. E é o que importa.

Renata assentiu.

- E agora Lex também está morto. Os guardas de Yakut... Todos eles estão mortos.

- A essa hora da manhã, ele e os outros na propriedade não passam de um monte de cinzas - Niko disse ao esticar-se para colocar os cabelos negros e brilhantes de Renata atrás da orelha. - Depois que você dormiu ontem à noite, eu retornei lá e abri todas as persianas para que a luz do sol entrasse. Também liguei para Boston para dar os números que estavam no celular de Lex. Gideon entrará em contato quando tiver feito o rastreamento para nos dar os detalhes.

Outro assentimento, sua voz suave tinha um tom de esperança.

- Está bem.

- Enquanto estava lá, trouxe algo que pensei que pudesse precisar.

Inclinou-se para o monte de armas e outros instrumentos que havia recolhido e pegou o pacote de seda e veludo que pertencia a Renata.

- Minhas adagas! - ela disse, seu rosto iluminando-se de alegria quando pegou o pacote nas mãos. Desatou o laço que prendia as armas e desenrolou todo o veludo que cobria as quatro adagas com gravuras personalizadas. - Jack me deu isso...

- Eu sei. Ele me disse que as havia feito para você como um presente. Disse-me que não estava certo de que você as tivesse guardado.

- Elas são muito importantes para mim - murmurou, seguindo o lavrado do punho com a ponta do dedo.

- Eu disse que você ainda as tinha e ele alegrou-se ao escutar quanto elas significam para você.

O olhar cheio de gratidão de Renata banhou o macho da Raça.

- Nikolai... Obrigada por fazer isso pelo Jack. E por me devolver essas adagas. Obrigada mesmo.

Ela se aproximou dele e o beijou. A suave pressão de seus lábios foi algo profundo. Nikolai segurou-lhe o rosto entre as mãos, acariciando-lhe a mandíbula com os polegares grandes, percorrendo o delicado ângulo das maçãs do rosto. Ela abriu a boca enquanto a língua dele percorria a abertura úmida de seus lábios e soltou um doce gemidinho quando ele entrou dentro dela.

As presas dele se estenderam pontudas pela luxúria que corria nele como lava. Entre as pernas, seu sexo era já uma coluna de granito, aceso imediatamente diante da ideia de ter Renata debaixo de si. Quando a mão dela escorregou para baixo, ultrapassando a cintura da calça para tocá-lo, seu membro ereto e ávido saltou, crescendo mais e mais sob o calor da palma da mão de Renata enquanto ela o acariciava.

- Que horas são? – murmurou ela contra a boca febril dele.

Ele grunhiu, muito absorto em suas deliciosas carícias para processar imediatamente aquela pergunta. Através de sua respiração entrecortada, conseguiu responder.

- É cedo. Provavelmente por volta das nove.

- Bem, caramba, acho que é muito cedo - ela murmurou, separando sua boca da dele e deixando um rastro de beijos ao longo da garganta e do pomo-de-adão. - Não pode sair na luz do sol, não é mesmo?

- Não.

- Humm – os lábios úmidos dela desceram sobre o peito nu e suado dele. Ele recostou-se sobre os cotovelos enquanto ela seguia o contorno dos glifos com a ponta rosada de sua língua sapeca, percorrendo os arcos e redemoinhos ao redor de seus mamilos e através do seu tórax. Quando falou, sua voz vibrou em todos os ossos de Niko:

- Então, suponho que isso significa que estamos presos aqui por um tempo, não é?

- Sim. - A palavra saiu ofegante. O beijo dela viajou devagar para baixo, além do umbigo do macho da Raça, seguindo as linhas dos dermoglifos, em direção à parte do corpo dele que palpitava pela necessidade de sentir os lábios úmidos e quentes dela apertando-se ao seu redor. - Suponho que estamos presos aqui até de noite.

- Hum hum.

Ela prendeu o cordão das calças dele entre os dentes e deu um forte puxão. O nó caiu solto e então ela baixou as calças o suficiente para fazer a cabeça enorme do membro dele despontar ansiosa. Ela o lambeu, observando o rosto de Niko enquanto desenhava redemoinhos com a língua diabólica ao redor da carne e sugava uma gota do fluido viscoso que brotava ali.

- Ah!

- Então... - ela murmurou, seu fôlego flutuando através da pele umedecida pelo suor dele, atormentando-o ainda mais. - O que vamos fazer aqui o dia todo enquanto esperamos a noite chegar?

Niko riu.

- Querida, posso pensar em umas cem coisas que eu gostaria de fazer contigo.

Ela sorriu desafiante.

- Apenas cem?

Antes que ele pudesse lhe dar uma resposta inteligente, ela envolveu o pênis dele com os lábios e o tomou profundamente dentro da boca. E enquanto o corpo de Niko explodia de prazer, ele se viu rezando para que o tempo e os dias a sós com aquela incrível mulher – sua mulher – pudessem se estender para sempre.


Capítulo 26

Renata caminhou para a porta de trás da propriedade de Yakut e parou na soleira. Ela havia deixado Nikolai no refúgio de videiras quando decidiu que sua necessidade de um banho, de uma ducha quente e de roupas limpas que realmente coubessem nela eram maiores do que sua resistência em jamais colocar novamente os pés na casa de Sergei Yakut.

Agora ela duvidava. No início da tarde, o sol era uma presença alentadora, mas no lado de dentro a propriedade era escura e fria. Sombras caíam sobre a mobília desarrumada e estendiam-se pelas tábuas rudes do chão. Renata avançou e caminhou para o lugar onde Lex havia caído.

O corpo dele havia desaparecido, assim como o sangue. Nada além de um pequeno rastro de cinzas deixado para trás – como Nikolai prometera. As persianas sobre a janela da sala estavam totalmente abertas, mas o sol já havia passado. Uma fresca brisa carregava o aroma de pinheiro e o ar fresco do bosque para a umidade calma do lugar. Renata respirou profundamente, enchendo os pulmões, deixando a fragrância de um novo dia expurgar as lembranças de toda aquela morte, aquele sangue e aquela violência que tinham coberto o lugar na noite anterior.

Hoje, sob aquela nova luz, muitas coisas pareciam diferentes para ela.

Ela mesma parecia diferente. E sabia a razão. Estava apaixonada.

Pela primeira vez em muito tempo (talvez em toda a sua vida), Renata verdadeiramente sentia a esperança acomodada em seu coração, uma esperança de que o futuro lhe reservava algo além da mera sobrevivência, que ela poderia em algum momento medir a felicidade em anos e não apenas em momentos raros e fugidios. Estar com Nikolai, fosse em seus braços ou ao seu lado, fazia Renata acreditar que muitas coisas eram possíveis.

Ela caminhou pela grande sala, apoiando-se no fato de que aquela seria a última vez que precisaria ver aquele lugar. Aquilo era um adeus.

Quando ela e Nikolai saíssem dali para continuar a busca por Mira, aquele albergue, aquele terrível celeiro, aquele canil na parte de trás da construção, Sergei Yakut, Lex e todos os outros que marcaram os últimos dois anos de sua vida seriam apenas lembranças. Ela deixaria tudo ali, e o terror e a dor seriam, de alguma forma, banidos de seu futuro.

Aquela parte de sua vida havia terminado.

Ela entrou no pequeno banheiro que havia compartilhado com Mira, em paz consigo e com tudo ao seu redor enquanto ligava a água quente da ducha. Quando o vapor úmido começou a sair pela cortina, ela desabotoou uns poucos botões da camisa emprestada de Jack e ficou ali por um momento, parada, nua, contemplando seu futuro com olhos renovados. Não sabia o que a esperava uma vez que a noite caísse e uma nova jornada começasse, mas estava disposta a enfrentar o que quer que fosse.

Com Nikolai ao seu lado – com a esperança e o ardente amor tão resplandecente quanto uma chama em seu coração –, Renata estava preparada para enfrentar tudo.

Como um cavalheiro destinado a uma batalha que procura uma bênção, Renata deu um passo debaixo da água quente da ducha. Fechou os olhos em uma solene oração enquanto a reconfortante água caía-lhe sobre o corpo nu.

Nikolai permanecia no abrigo de videiras enquanto os passos de Renata se aproximavam.

- Toc, toc - ela o chamou através das folhas. – Estou entrando, então cuidado com a luz do dia. Eu não gostaria que você torrasse por mim.

Ela afastou algumas folhas verdes e avançou, pronunciando uma rápida desculpa quando notou que ele tinha o telefone celular de Lex no ouvido. Niko havia ligado para a Ordem pouco depois que ela fora tomar banho. As notícias de Boston eram uma mistura de boas e más, além de uma dose extra de sérios problemas.

As boas? Um dos números no telefone de Lex era, de fato, de Edgar Fabien. Sem muito esforço, Gideon havia sido capaz de rastrear os registros da base de dados de identificação internacional de Fabien. Agora, a Ordem tinha os endereços da residência do líder do Refúgio de Montreal, sua casa no interior e todos os dados de todas as outras propriedades privadas, tanto de negócios como pessoais. Gideon tinha acesso aos números de telefone celular de Fabien, carteira de motorista, arquivos do computador e até mesmo da vigilância eletrônica do Refúgio do maldito filho da mãe.

E era nesse ponto que começavam as más notícias.

Edgar Fabien não estava em casa. Gideon havia interceptado o sinal de um canal de vídeo mais cedo naquela noite e visto um grupo de sete machos da Raça – um deles provavelmente era Fabien – deixando o Refúgio em companhia de uma escolta armada da Agência de Execução. Era difícil dizer quem eram os visitantes de Fabien, já que todos pareciam iguais em ternos sob medida e com os rostos completamente ocultos por capuzes pretos.

Quanto à dose extra de sérios problemas, o grupo de vampiros havia saído com uma menina. Uma jovem que evidentemente não os havia seguido tranquilamente. A descrição de Gideon da criança loira não deixava dúvida de que se tratava de Mira.

- Ainda está me ouvindo? - Gideon perguntou do outro lado da linha.

- Sim, continuo aqui.

- Lucan quer que Fabien seja trazido a Boston para um interrogatório. Isso significa que precisamos dele vivo, cara.

Niko soltou uma maldição.

- Primeiro, temos de encontrar esse filho da puta.

- Sim, estou trabalhando nisso. Rastreei o GPS do telefone celular de Fabien. Consegui um sinal de um lugar a aproximadamente uma hora ao norte da propriedade de Yakut. Uma das propriedades de Edgar Fabien. Ele deve estar lá.

- Tem certeza?

- Tanta que já enviamos reforços. Tegan, Rio, Brock e Kade estão a caminho para encontrar-se com você enquanto falamos.

- Reforços a caminho? - perguntou Niko, olhando uma parte de luz ultravioleta que aparecia através das folhas do refúgio. A Ordem tinha trajes de proteção solar para situações de emergência, mas até mesmo uma geração antiga de vampiros vestidos dos pés à cabeça com trajes protetores de raios ultravioletas seria incapaz de resistir à luz solar golpeando no assento do motorista em uma viagem de quase sete horas. - Jesus! Não pode estar falando a sério. Quem teve essa ideia?

Gideon riu.

- As fêmeas teimosas, meu caro. Não sei se você notou, mas fomos invadidos por elas nos últimos tempos.

- Sim, notei.

Niko não pôde deixar de lançar um olhar para Renata, que estava verificando algumas das armas que tinham recolhido de Lex e dos outros.

- Qual é a situação, então?

- Dylan está levando os caras em uma Rover e Elise está montando guarda. Devem chegar aí por volta das nove, exatamente depois do pôr do sol. Como Fabien tem vários sócios desconhecidos com ele, vamos precisar entrar e sair de lá com cuidado, sem vítimas desnecessárias - Gideon fez uma pausa. - Escuta, sei que você está preocupado com a menina. A segurança dela é importante, sem dúvida, mas isso é grande, Niko. Se Fabien pode nos levar a Dragos, temos que nos assegurar de capturá-lo esta noite. Essa é a missão número 1, ordenada diretamente por Lucan.

- Sim - disse Nikolai. Ele sabia qual era a missão. Também sabia que não podia decepcionar Renata ou Mira. – Inferno... Certo, Gideon, eu entendi.

- Ligarei se Fabien se mover entre agora e o pôr do sol. Enquanto isso, estou trabalhando em um ponto de encontro para que você se junte aos outros esta noite e ponha em ação um plano de infiltração. Devo ter algo em uma hora ou duas. Ligarei depois.

- Certo. Até depois.

Nikolai desligou o telefone e o colocou junto de si.

- Gideon conseguiu algo daqueles números telefônicos? - perguntou Renata, olhando-o cuidadosamente. - Temos alguma pista do Refúgio de Fabien?

Niko assentiu.

- Temos o endereço.

- Graças a Deus - ela suspirou. O alívio cedeu espaço rapidamente à determinação, tão feroz como Niko nunca havia visto nela. - Onde está ele? No Refúgio na cidade ou em alguma parte nos subúrbios? Eu poderia ir lá agora mesmo e analisar o terreno. Santo Deus, da forma como me sinto – sem dor, meu ombro melhorando – talvez eu devesse bater na porta e golpeá-lo com uma explosão de...

- Renata - Niko pôs a mão grande sobre a dela e sacudiu a cabeça. - Fabien está indo para algum lugar. Não está mais na cidade.

- Então onde?

Ele poderia contar sobre o sinal do GPS que Gideon estava rastreando. Poderia dizer que Fabien tinha Mira em sua custódia e que a menina estava provavelmente uma hora ao norte de onde eles estavam sentados agora. Mas Niko também sabia que se dissesse isso a Renata – se desse o mínimo de certeza sobre o paradeiro da menina que tanto significava para ela –, ele não poderia impedi-la de sair por conta própria naquele exato momento para encontrá-la.

A promessa de Niko à Ordem era seu dever – sua honra –, mas e Renata? Ela era seu coração. Ele não podia pôr em perigo a missão de seus irmãos, mas também não podia permitir que aquela mulher que ele amava partisse precipitadamente sozinha, rumo ao perigo. O pensamento dele era pré-histórico, talvez, especialmente por ter em conta que Renata era uma mulher que sabia como dirigir a si quase em qualquer situação. Era bem treinada, capaz, definitivamente valente, mas... inferno, ela significava muito para que corresse esse tipo de risco. Aquela não era uma opção.

- Estamos esperando uma localização sólida de onde está Fabien – ele disse, a mentira amarga sobre sua língua, independentemente das boas intenções. - Enquanto isso, a Ordem está enviando reforços. Nós vamos nos juntar a eles esta noite.

Renata escutou, claramente confiando nele e em sua palavra.

- A Ordem tem alguma ideia se Mira está com Fabien em qualquer lugar que ele esteja?

- Estamos trabalhando nisso - Nikolai achou difícil sustentar o olhar verde-claro sem pestanejar. - Quando encontrarmos Fabien, encontraremos Mira. Ela vai estar bem. Prometi isso, lembra?

Quando pensou que ela só assentiria com a cabeça e afastaria o olhar, Renata estendeu a mão para apanhar o rosto dele.

- Obrigada... por estar aqui para me apoiar em tudo isto. Não sei como serei capaz de pagá-lo, Nikolai.

Ele ergueu a mão dela entre as suas e deu-lhe um beijo. Diria algo singelo, uma das brincadeiras sem sentido habituais que tão frequentemente usava quando as emoções ao seu redor eram muito reais ou cheias de honestidade. Tinha suas cartas sob a manga: desviar com humor, desarmar com indiferença, atacar e correr como o inferno à primeira indicação de sua própria vulnerabilidade. Mas todas aquelas velhas e confiáveis armas que ele havia aperfeiçoado falhavam agora.

Acariciou com o dedo polegar o dorso da mão de Renata e se deixou perder no refúgio verde de seus olhos.

- Não sou muito bom nisso - murmurou ele. - Quero dizer algo... inferno. Provavelmente eu vou encher sua paciência, mas quero que você saiba que me preocupo com você. Preocupo-me... pra caramba, Renata.

Ela o olhou fixamente, permanecendo tão imóvel e silenciosa que nem sequer estava seguro de que ela estivesse respirando.

- Eu me preocupo - soltou, frustrado consigo pela estupidez das palavras que queria que fossem perfeitas para ela. - Não sei como aconteceu, ou mesmo o que significará para você, se vai significar. Mas preciso dizer porque isso é real. É real, e eu nunca me senti dessa maneira antes. Com ninguém.

A boca de Renata suavizou em um pequeno sorriso enquanto ele divagava com estupidez, tentando encontrar uma maneira de dizer a profundidade do que havia em seu coração de macho da Raça. Tentava e falhava miseravelmente.

- O que estou querendo dizer é que... - sacudiu a cabeça, sentindo-se uma porcaria, mas o suave toque de Renata em seu rosto o tranquilizou. O claro olhar dela trouxe Niko de volta, direto e centrado, conectando-o com a Terra. - O que estou querendo dizer é que estou apaixonado por você... Realmente apaixonado. Não estava esperando que isso acontecesse. Não pensei que alguma vez eu fosse querer isso, mas... Ah! Renata, quando olho dentro de seus olhos, só consigo pensar em uma coisa: para sempre.

Ela exalou devagar e seu pequeno sorriso se estendeu em radiante alegria. Niko passou as mãos na pele suave e macia dela, e pelos cabelos úmidos.

- Estou apaixonado por você, Renata. Sei que não sou um poeta... Caramba, nem sequer chego perto disso. Não tenho todas aquelas palavras bonitas que queria poder dizer... Mas quero que saiba que o que sinto por você é real. Eu te amo.

Ela riu brandamente.

- O que faz você pensar que quero poesia ou palavras finas? Você acabou de dizer exatamente o que queria ouvir, Nikolai–ela deslizou sua mão pela parte de trás do pescoço largo dele e o puxou para um longo e apaixonado beijo. - Também te amo, Nikolai - sussurrou contra sua boca. - Assusta-me admitir isso, mas é assim. Eu te amo, Nikolai.

Ele a beijou e a abraçou, desejando nunca ter de se afastar dela. Mas o cair da noite logo chegaria e ainda havia uma coisa que ele precisava fazer.

- Tem que fazer uma coisa por mim.

Renata se acomodou contra ele.

- Qualquer coisa.

- Não sei o que vai acontecer esta noite, mas preciso saber que vai estar tão forte quanto possível. Quero que tome mais de meu sangue.

Ela se soltou de seu abraço e arqueou uma sobrancelha para ele.

- Tem certeza de que não está só tentando entrar no meio das minhas pernas de novo?

Niko riu, uma sacudida de calor formando redemoinhos diretamente em sua virilha apenas diante daquela ideia.

- Eu não rejeitaria o convite. Mas falo sério... Quero que beba de mim de novo. Faria isso por mim?

- Sim, é obvio.

Ele afastou uma mecha escura da testa dela.

- Há uma coisa mais, Renata. Quando formos atrás de Fabien esta noite, eu morreria se algo... Bem, simplesmente não posso me arriscar a ficar separado de você, vou precisar saber que você está bem todo o tempo, ou minha concentração vai para o inferno. Preciso ter uma ligação com você. Sei como se sentia com Yakut usando seu sangue como um grilhão para você, e prometo que isso não é o que...

- Sim, Nikolai – ela disse, interrompendo-o com um movimento suave de seus dedos sobre sua boca. – Sim... Pode beber de mim.

A maldição dele como resposta foi um sinal de alívio.

- É para sempre - recordou firmemente. - Precisa entender isso. Se eu beber de você, não poderemos desfazer esse vínculo nunca mais.

- Entendo - ela disse sem vacilação. Aproximou-se e beijou-o, longa e profundamente. - Entendo que o vínculo é para sempre... E continuo dizendo que sim.

Niko gemeu. O fogo iluminou-lhe as veias. Suas presas se alongaram e seu pênis se elevou em atenção imediata, tudo nele ansioso por reclamar Renata como sua. Ele a beijou, o coração golpeando fortemente contra seu tórax forte quando ela passou a língua por seus lábios para brincar com as pontas afiadas de suas presas.

- Quero que você fique nua para isso - disse ele, incapaz de conter o tom autoritário que se mostrava em sua voz. Ele era parte humano, mas havia outra parte dele – uma parte mais selvagem e muito, muito mais sexy – que era menos paciente do que gostaria.

Niko olhou com olhos flamejantes de âmbar como Renata o obedecia rapidamente, despojando-se de sua roupa e estendendo-se sobre o chão de grama do refúgio, suas coxas deixando-se entreabrir para ele sem um pingo de inibição.

- Ah! Sim... - Niko grunhiu. - Assim é muito melhor.

Ele estava completamente tomado pela necessidade de tê-la. Arrancando sua própria roupa e deixando-a de lado, subiu sobre os quadris dela e a montou. Empurrou o membro duro como uma rocha enquanto ela o acariciava, torturando-o. E ele manteve o olhar nela enquanto levava seu pulso até a boca e mordia a própria carne.

- Deixe-me provar de você de novo – ela disse, subindo até encontrar a veia enquanto ele levava as perfurações até sua boca. Gotas carmesim salpicaram até cair sobre os seios dela, tão vívidas contra sua cremosa pele. Ela gemeu, fechando os olhos enquanto sugava-o, saboreando-o.

Niko a olhava beber, observando seu corpo começar a retorcer-se pela excitação. Com sua mão livre, ele a acariciou, incapaz de resistir a passar seus dedos pelo sangue que havia derramado sobre ela. A visão de seu sangue marcando a pele dela era tão erótica como nada tinha sido antes. Seu toque atrevido foi mais abaixo, à fenda aberta que estava tão preparada para ele. As coxas dela apertaram-lhe o pulso, sustentando-o contra si enquanto o primeiro orgasmo disparou através do corpo dela.

Niko grunhiu de pura adoração masculina enquanto alimentava sua fêmea e a sentia clamar por ele. Ele a deixou beber durante vários minutos até seu corpo arder de novo sob ele.

Ele também estava ardendo.

Suavemente, tirou o pulso de sua boca e fechou as perfurações com uma lambida. Renata ainda estava arqueando e retorcendo-se, ainda gemendo por ele, enquanto ele se ajeitava sobre ela e a penetrava, as unhas dela marcando seus ombros largos em uma dor deliciosa.

Nikolai fez amor tão devagar quanto pôde – tão devagar quanto a febre de seu corpo permitia. Ela gozou de novo, retorcendo-se e extraindo dele uma furiosa liberação. Mas isso praticamente não diminuiu as investidas. Ele ainda estava duro dentro dela, ainda faminto por aquela mulher... sua mulher.

Com a mão tremendo, Nikolai acariciou os pontos escuros já fechados de um lado da bela garganta de Renata.

- Tem certeza? - perguntou, sua voz apenas reconhecível para ele mesmo, estava tão seco e desesperado. – Renata... Quero que você tenha certeza.

- Sim - ela arqueou o corpo, confirmando com um empurrão, seu constante olhar suplicante. - Sim.

Com um grunhido selvagem enroscando-se em sua garganta, Nikolai expôs as presas e desceu sobre ela.

O doce sabor do sangue de Renata surgiu em sua boca caindo como um pontapé no estômago. Ah! Agora sabia. Quantas vezes havia especulado com os outros guerreiros a respeito de estar emparelhado e encontrar uma fêmea que os impressionaria? Facilmente centenas de vezes. Milhares, talvez.

Que ingênuo ele tinha sido.

Agora ele sabia. Renata o tinha, mesmo antes de ele a morder. Ele estava de joelhos diante daquela mulher, e ficaria ali com prazer pelo resto de sua vida.

Niko bebeu mais, afogando-se no prazer do vínculo que havia criado através da união de sangue e do ritmo exagerado de seus corpos nus, unidos. Seus dentes ainda estavam cravados na pele dela enquanto ele tomava o último gole e gozava de novo, dessa vez mais forte, uma descarga assombrosa que o golpeou como um trem descarrilhado. Agarrou-se nela, estremecendo com intensa satisfação. Embora pudesse beber de sua veia durante toda a noite, Nikolai se obrigou a se afastar, selando as feridas com uma tenra lambida de sua língua.

Ele ficou observando-a, seu olhar iluminando a pele dela.

- Eu te amo – ofegou, necessitando que ela o escutasse e que acreditasse nisso. Queria que ela se lembrasse disso depois dessa noite, depois que conseguissem localizar Fabien no norte e que ele lhe explicasse por que havia precisado mentir. Beijou seu queixo, sua bochecha, sua testa. – Amo você, Renata.

Ela sorriu sonolenta.

- Mmmm... Eu realmente gosto de como isso soa.

- Então terei que assegurar que ouça muitas e muitas vezes.

- Certo - murmurou ela, seus dedos brincando com os cabelos dele, empapados de suor sobre a nuca. - Foi incrível, a propósito. Sempre vai ser bom assim?

Ele gemeu.

- Tenho a sensação de que pode melhorar.

Ela riu, e a vibração fez despertar de novo seu sexo.

- Se continuar assim, terei que voltar e tomar outra ducha.

Ele fez um movimento sexy e poderoso com sua pélvis, encaminhando sua ereção mais profundamente.

- Ah, posso continuar. Não se preocupe, isso nunca vai ser um problema quando você estiver por perto.

- Melhor tomar cuidado, ou posso obrigá-lo a isso.

Niko riu apesar de seu pesado humor.

- Coração, pode me obrigar a tudo que quiser.

Ele a beijou novamente. E grunhiu de prazer quando ela envolveu as pernas ao redor dele e o fez girar de costas para começar uma lenta e nova cavalgada.


Capítulo 27

Houve uma época para Andreas Reichen, há quase 300 anos, quando a morte caía sobre ele como um dilúvio. Um tempo quando uma desatinada onda brutal de massacre tinha visitado seu pacífico domínio.

Naquele tempo, no verão úmido de 1809, uma manada de vampiros Renegados tinha forçado sua entrada nesse mesmo Refúgio, violando e matando vários de seus familiares. O ataque tinha sido ao acaso, a mansão e seus residentes apenas tiveram o azar de estar no caminho de um grupo de Renegados viciados em sangue. Tinham forçado sua entrada além das portas desprotegidas e janelas, alimentando-se e matando muitos inocentes... E, apesar de tudo, houve sobreviventes. Os Renegados tinham espalhado horror e passado como a peste que eram, mas finalmente foram caçados e destruídos por um membro da Ordem que tinha vindo ajudar Reichen.

A matança fora insuportável, mas não tinha sido completa.

O que Reichen enfrentou em sua volta para casa naquela noite tinha sido um ataque calculado. Não uma entrada pela força bruta, mas por meio da traição. Um inimigo bem-vindo como um amigo. E o massacre ocorrido - provavelmente nas primeiras horas da manhã, justo antes da saída do sol - tinha sido uma aniquilação total.

Ninguém tinha se salvado.

Nem sequer a alma mais jovem na residência.

Com um terrível silêncio que impregnava o ar como uma enfermidade, Reichen caminhou através do sangue e da destruição como um dos mortos. Seus passos seguiram a pista de manchas pegajosas escarlates no mármore do vestíbulo e da sala, além de seu jovem sobrinho, que estava tão contente ao convidar Reichen para padrinho de seu filho recém-nascido. O novo pai ruivo estendido na porta tinha sido o primeiro a morrer, Reichen adivinhou, incapaz de olhar o rosto sem vida que olhava sem ver a escada cheia de balas que conduzia aos dormitórios dos Refúgios nos andares superiores.

Mais morte esperava no corredor fora da biblioteca, onde outros machos tinham sido cortados ao meio. Ainda mais vidas extintas perto da escada da adega, um dos primos de Reichen e sua Companheira de Raça, ambos mortos enquanto tentavam escapar dos disparos.

Não viu o corpo da criança até que quase tropeçou nele - um menino vampiro de cabelo revolto que evidentemente tinha tentado se esconder em uma das estantes da sala de jantar. Os assassinos o haviam tirado de lá e o matado como a um cão.

- Jesus Cristo – Reichen, sufocado, caiu de joelhos e levou a mão branda do menino a sua boca para afogar o grito gutural. - Pelo amor de Deus... Por quê? Por que eles e não eu?!

- Ele disse que você saberia por quê.

Reichen fechou os olhos diante do som rígido da voz de Helene. Ela falava muito devagar, as sílabas muito planas... carente de matizes.

Sem coração.

Ele não precisava se virar para saber que seus olhos estariam estranhamente mortos para ele agora. Mortos porque todo seu calor e toda a sua humanidade tinham sido recentemente retirados dela.

Já não era sua amante, nem sua amiga. Ela era uma Subordinada.

- Quem converteu você? - ele perguntou, deixando cair a mão do menino morto. A quem você pertence agora?

- Você deve saber, Andreas. Você me enviou a ele, afinal.

Filho da puta.

Reichen apertou a mandíbula quadrada e masculina, os molares quase quebrando pela pressão.

- Wilhelm Roth. Ele a enviou aqui para fazer isso. Ele a usou para me destruir.

O fato de Helene não dizer nenhuma palavra sequer apenas tornou a compreensão do golpe mais profunda. Tão dilacerador como seria olhar os olhos de sua ex-amante e ver que a mulher por quem se preocupava agora estava sem alma. Reichen tinha que ver por si mesmo.

Levantou-se e virou lentamente.

- Ah! Helene...

Sangue seco salpicado no rosto e na roupa dela - quase cada centímetro dela coberto de sangue de seus mais queridos amigos e familiares. Ela devia estar ali no centro de todo o massacre, uma insensível testemunha não afetada por tudo isso.

Ela não disse nada quando o olhou fixamente, com a cabeça inclinada um pouco para o lado. Seus olhos, uma vez brilhantes e ardilosos, agora estavam vazios e frios. Abaixo, ao seu lado, ela sustentava uma grande faca de cozinha na mão. A folha larga brilhava à luz do abajur de cristal da sala de jantar.

- Sinto muito - ele murmurou, seu coração retorcido. - Eu não sabia... quando enviou o e-mail e me deixou a mensagem com o nome de Roth, tentei avisá-la. Tentei alcançá-la, mas...

Ele deixou que as palavras se desvanecessem, sabendo que as explicações não importavam. Não mais. Não agora.

- Helene, só sei que sinto muito - engoliu a bílis que subiu no fundo de sua garganta. - Só sei que eu realmente me importava com você. Eu a amav...

Com um grito estridente, Helene se lançou sobre ele.

Reichen sentiu o fio da navalha cortando seu peito e braço, fazendo um profundo corte. Ignorando a dor, ignorando a inalação repentina do aroma de seu próprio sangue, ele agarrou o braço da escrava de Roth e o torceu. Ela gritou, opondo-se e lutando enquanto ele puxava seu braço esquerdo para baixo e bloqueava ambos os membros ajustados aos lados de seu corpo. Ela amaldiçoou e gritou, chamando-o com nomes vis, cuspindo de fúria.

- Shhh - Reichen sussurrou ao lado de seu ouvido. – Agora, cale-se, Helene.

Como um animal selvagem, Helene continuou se retorcendo e gritando para que ele a soltasse.

Não, corrigiu-se. Não, Helene. Aquela já não era a mulher que ele conhecera. Helene estava morta para ele no momento em que trouxe o esquadrão da morte de Wilhelm Roth para dentro daquele Refúgio. Na verdade, por muitas razões, ela nunca foi sua. Que Deus tivesse piedade dela, ela não merecia esse fim. Nenhum dos caídos ali merecia tal horror.

- Tudo está bem agora - ele murmurou, a mão direita acariciando as bochechas manchadas de sangue dela. - Está tudo bem agora, querida.

Um grito saiu disparado de sua garganta enquanto ela puxava bruscamente o rosto para fora de seu alcance.

- Maldito! Deixe-me ir!

- Sim - ele disse tirando-lhe a faca. - Terminou agora. Vou deixá-la ir.

Com a dor estrangulando-o, Reichen girou a faca em torno de seus dedos e levou a ponta ao seu peito.

- Me perdoe, Helene...

Sustentando-a apertada contra ele, afundou a lâmina profundamente no peito dela. Ela não fez nenhum som enquanto morria, apenas deixou escapar um suspiro longo e lento enquanto desinflava em seus braços e desabava ali, frouxa como uma boneca de pano. Tão brandamente quanto pôde, Reichen deitou seu corpo no chão. A faca caiu de sua mão ao lado dela, revestida com o carmesim brilhante dos sangues deles mesclados.

Reichen lançou um longo e incorruptível olhar para os restos do que tinha sido seu lar. Agora que tudo tinha terminado, queria memorizar cada mancha de sangue, cada vida que se interrompeu por causa de sua falta de atenção. Seu engano. Ele precisava recordar, porque em pouco tempo nada daquilo existiria.

Não podia permitir que nada daquilo permanecesse, não daquela forma. Tampouco ia deixar que as mortes não fossem vingadas.

Reichen deu meia volta e se afastou da matança. Suas botas ecoaram no chão de madeira da sala, seus passos eram o único som na horripilante tumba maciça. No momento em que chegou ao jardim em frente à propriedade, seu peito não estava mais apertado, mas frio.

Tão frio como uma pedra. Tão frio como a vingança que tinha a intenção de visitar Wilhelm Roth e todos os associados a ele.

Reichen se deteve brevemente na grama iluminada pela lua. Ele se virou para a mansão e, por um momento, simplesmente a viu em sua perfeita e estranha quietude. Então sussurrou uma oração, palavras antigas que se sentiam oxidadas em sua língua pela falta de uso.

Não é que a oração lhe fizesse algum bem agora. Estava abandonado, agora mais do que nunca. Realmente sozinho.

Reichen baixou sua cabeça até o peito, invocando seu terrível talento. Encheu-se em seu interior, um calor que rapidamente se intensificou, formando um fundido e revolto círculo em suas vísceras.

Ele deixou-o crescer. Deixou-o girar e ganhar força até que seu interior se sentiu abrasado por sua fúria.

E ainda o conteve.

Manteve-o em seu interior até que a bola de fogo golpeou contra sua caixa toráxica, fumaça e cinza flutuando até queimar o fundo de sua garganta. Até que a bola de fogo o consumiu, iluminando todo seu corpo com um resplendor muito quente. Cambaleou sobre seus calcanhares, lutando para manter o corpo até que soubesse que desataria a total destruição instantânea.

Enfim, com um rugido cheio de dor, Reichen soltou o poder de dentro dele.

Um disparo de calor saiu de seu corpo, derramando e girando enquanto avançava para frente, uma esfera de pura energia explosiva. Como um míssil lançado em um alvo por um laser, o círculo disparou dentro da porta aberta da mansão Refúgio. Um segundo depois, detonou, uma impressionante beleza infernal.

Reichen foi golpeado de volta com o estalo sônico da explosão.

Deitou-se na grama, observando com satisfação desinteressada como as chamas, as faíscas e a fumaça devoravam até mesmo os menores pedaços do que tinha sido sua vida.


Capítulo 28

- Estamos carregados e preparados para partir, Renata. Precisa de mais tempo antes de sairmos?

De pé no caminho de cascalho diante da casa principal, Renata girou quando Nikolai se aproximou por trás.

- Não, não preciso de mais tempo aqui. Estou pronta para deixar este lugar para sempre.

Ele abraçou-a, envolvendo-a em sua força masculina.

- Acabo de falar com Gideon. Tegan, Rio e os outros estão fazendo bons progressos. Eles devem estar em nosso ponto de encontro em uma hora.

- Certo. Bom.

Renata se inclinou em seu abraço, feliz pelo calor de seu refúgio... e de seu amor. Nikolai a tinha mantido perto dele no refúgio de videira até que o sol se pôs, acalmando seus temores com seu corpo, afastando-a da feia realidade que originalmente os tinha unido - e do que poderia acontecer naquela noite, quando eles finalmente teriam a oportunidade de enfrentar Edgar Fabien.

A verdade era que ela estava preocupada com o que eles poderiam encontrar. Uma preocupação que lhe penetrava até os ossos e, embora Nikolai não houvesse dito nada que sugerisse que ele também tivesse dúvidas, ela poderia dizer que sua mente estava carregada de pensamentos que ele parecia estar decidido a esconder dela.

- Pode me dizer, você sabe - ela saiu dos braços dele e o encarou. – Se tiver um mau pressentimento a respeito desta noite... pode me dizer.

Algo cruzou a expressão de Niko, mas ele não disse nada, apenas sacudiu a cabeça e beijou a testa de Renata.

- Não sei o que podemos esperar em se tratando de Fabien. Mas posso dizer que, aconteça o que acontecer, estarei com você, certo? Vamos sair disso.

- E uma vez que tenhamos Fabien, vamos buscar Mira - ela completou, procurando os olhos dele. - Certo?

- Sim - ele disse, com seu indestrutível olhar que sustentou de forma estável. - Sim, eu prometi. Dei minha palavra a respeito disso. Não vou desapontá-la.

Ele a puxou para si uma vez mais, capturando-a em um afeto que o mostrava pouco disposto a deixá-la ir. Renata o sustentou também, escutando o forte e rítmico palpitar de seu coração em sua orelha... e perguntando-se por que seu próprio pulso parecia estar dando um sinal de alerta em suas veias, como uma sentença de morte.

Em uma remota fazenda abandonada de cem hectares, algumas horas ao norte de Montreal, o bosque da noite estremeceu com o gemido de um motor de combustão interna e o excesso de velocidade de um barco que passava através do lago praticamente desabitado. A terra e o lago, bem como o transporte proporcionado a Dragos para chegar àquele lugar, pertenciam a Edgar Fabien.

Embora Fabien tivesse sido uma recente decepção, Dragos supôs que o líder do Refúgio merecesse algum crédito por aquela reunião importante. Enquanto o resto dos assistentes chegou durante a noite anterior de automóvel, naquela noite um barco rápido tinha sido enviado para levar Dragos depois que um hidroavião o havia trazido da cidade por outro caminho interno de água também na propriedade de Fabien. Depois do revés sofrido poucas semanas atrás, durante a reunião de Dragos com a Ordem, Fabien tinha ficado muito mais cauteloso sobre como viajava ao ar livre, entre outras coisas. Ele tinha chegado muito longe para correr riscos. Tinha arriscado muito para perder tudo por um descuido ou por incompetência de outros.

Lançou um olhar depreciativo para o outro passageiro sentado no bote com ele. O rosto do Caçador permanecia impassível no resplendor leitoso da lua sobre suas cabeças, seu enorme corpo perfeitamente imóvel mesmo quando o condutor girou o leme e o bico da proa do barco conectou-se diretamente com a água para desviar-se em direção ao cais solitário que se encontrava mais adiante.

O caçador provavelmente sabia que se dirigia para a própria morte. Tinha fracassado em sua missão de matar o Primeira Geração em Montreal, o que pedia um incrível castigo. Dariam um jeito nele naquela noite, e se Dragos pudesse usar este castigo como uma demonstração adicional de seu poder diante dos tenentes que estavam reunidos para dar as boas-vindas agora, melhor.

O motor do barco mudou para uma marcha inferior quando chegaram ao cais não iluminado e modesto onde Edgar Fabien esperava para saudá-lo. Os vapores do gás formaram redemoinhos fora da água, asquerosamente doces. A reverência profunda de Fabien e as boas-vindas aduladoras tinham um efeito similar.

- Meu senhor, é a honra de toda uma vida dar boas-vindas aos meus domínios.

- De fato - Dragos arrastou as palavras enquanto dava um passo fora do barco sobre as tábuas de madeira escura do cais. Ele fez um gesto para que o Caçador o seguisse, e não perdeu a reação de Fabien quando divisou o tamanho e a imensidão do Primeira Geração que prestava serviços à ordem de Dragos. – Todos estão reunidos lá dentro?

- Sim, senhor. - Fabien saiu de sua reverência e se precipitou a caminhar ao lado de Dragos. - Tenho boas notícias. O guerreiro que escapou da contenção foi eliminado. Tanto ele quanto a mulher que o ajudou. Um de meus ajudantes agarrou a dupla, e ontem à noite enviei uma equipe com meus melhores agentes para se livrar do problema.

- Tem certeza de que o guerreiro está morto?

O sorriso de suficiência de Fabien ressoou.

- Aposto minha própria vida nisso. Enviei profissionais capacitados para a tarefa. Confio na habilidade deles de forma implícita.

Dragos grunhiu, sem deixar-se impressionar.

- Que grande comodidade deve ter esse tipo de confiança em seus servos.

A confiança de Fabien vacilou com a espetada e ele limpou a garganta com estupidez.

- Meu senhor... em outro momento, se quiser.

Dragos dispensou o Caçador de sua presença com um gesto cortante.

- Aproxime-se da casa e me espere. Não fale com ninguém.

Quando o assassino Primeira Geração caminhou a passos longos para a frente, Dragos fez uma pausa para lançar um olhar impaciente para Fabien.

- Meu senhor, eu esperava, quer dizer, pensei que um presente pudesse cair bem - gaguejou ele. - Para celebrar esse importante evento.

- Um presente? - antes que pudesse perguntar a Fabien o que pensava que Dragos poderia necessitar dele, Fabien estalou os dedos e um agente de execução surgiu das sombras das árvores circundantes, empurrando uma menina diante dele. A menina parecia perdida na escuridão, seus cabelos loiros brilhando como cabelos de milho, seu pequeno rosto perdido debaixo dele.

- Que é isso?

- Uma jovem Companheira de Raça, meu Senhor. Meu presente para o senhor.

Dragos contemplou a menina desamparada, impressionado. As Companheiras de Raça eram um acontecimento bastante raro entre as populações humanas, isso era certo, mas ele preferia as férteis, em idade de procriar. Essa garota não estaria pronta por vários anos, o que sem dúvida mostrava que Fabien tinha algo mais a respeito dela.

- Pode ficar com ela - disse Dragos, retomando o percurso rumo à reunião. – Faça com que seu homem conduza o barco de volta. Chamarei pelo rádio quando necessitar.

- Vá - Fabien ordenou em resposta, então voltou novamente ao lado de Dragos, tão ansioso como um cão mendigando pelas sobras. - Meu senhor, sobre a menina... na verdade, o senhor deve ver por si. Ela é dotada de um talento extraordinário que estou seguro de que o senhor saberá apreciar. Ela é um oráculo, meu senhor. Fui testemunha disso.

Contra sua vontade, a curiosidade prendeu sua atenção. Seus passos desaceleraram, e então deteve-se.

- Traga-a.

Quando ele girou ao redor, o sorriso impaciente de Fabien ficou ainda mais amplo.

- Sim, senhor.

A menina foi conduzida a ele uma vez mais, resistindo em seus passos, seus obstinados calcanhares cravando-se nas velhas agulhas de pinheiro e na areia que enchiam o pequeno cais. Ela tentou lutar contra o guarda vampiro que a segurava, mas era um esforço inútil. Ele simplesmente a empurrou para frente até que ela ficou de pé diretamente na frente de Dragos. Ela manteve seu queixo para baixo, com o olhar posto no chão.

- Levante a cabeça - Fabien ordenou, mal esperando que obedecesse, antes de pegar sua cabeça com ambas as mãos e a obrigar a olhar para cima. - Agora, abra os olhos. Vamos!

Dragos não sabia muito bem o que esperar. Ele não estava absolutamente preparado para a palidez surpreendente de seu olhar. A íris da menina era tão clara como espelhos de cristal e tão impecável que imediatamente o fascinaram e hipnotizaram. Estava vagamente consciente da emoção de Fabien, mas toda a sua atenção estava presa na menina e no incrível brilho tênue de seus olhos.

E então ele viu... um movimento brilhante na meditação pacífica. Viu uma forma movendo-se através das espessas sombras - um corpo que acreditou reconhecer como o seu próprio. A imagem ficava mais clara quanto mais olhava fixamente, absorto e impaciente por ver mais do presente que Fabien havia descrito.

Era ele.

Era seu refúgio também. Mesmo envoltas na névoa escura, as imagens que se mostravam eram intimamente familiares. Viu o laboratório subterrâneo, as celas de contenção... a jaula de luz ultravioleta que continha sua maior arma na guerra que estava preparando durante todos aqueles séculos. Tudo estava ali, revelando-se para ele através dos olhos daquela pequena Companheira de Raça.

Mas, então, um momento de alarme surpreendente.

Seu laboratório antigo, tão rigidamente assegurado e ordenado, estava em ruínas. As celas de contenção tinham sido deixadas abertas. E a jaula de luz ultravioleta... estava vazia.

- Impossível - murmurou ele, golpeado por um temor sombrio, furioso.

Ele piscou com força, várias vezes, querendo limpar a visão de sua cabeça. Quando abriu os olhos outra vez, viu algo novo nos olhos malditos da menina... algo ainda mais incompreensível.

Viu-se implorando por sua vida. Chorando, abatido. Patético. Derrotado.

- Isso é algum tipo de brincadeira de mau gosto? - a voz dele tremia tanto com a raiva como com outra coisa muito fraca para admitir. Desviou o olhar da garota e o fixou em Fabien.

- Que diabos isso significa?

- Seu futuro, senhor – o rosto de Fabien ficou completamente pálido. A boca se moveu durante um momento sem expressar som algum, então, finalmente balbuciou. - A menina... o senhor viu, ela é um oráculo. Ela me mostrou em pé aqui, nesta grande reunião, apresentando uma visão de seu futuro que o agradava enormemente. Quando vi isso, soube que tinha de guardá-la, meu senhor. Tinha de oferecê-la ao senhor, não importava o custo.

O sangue de Dragos era como lava ardendo em suas veias. Ele deveria matar esse idiota ali mesmo, só por aquele insulto.

- É óbvio que você interpretou mal o que viu.

- Não! - Fabien exclamou, agarrando a menina e girando ao redor dela. Deu a ela uma sacudida forte. – Mostre-me outra vez! Mostre que não me enganei, maldita!

Dragos observou tão imóvel como uma pedra, enquanto Fabien olhava atentamente seus olhos. O grito horrorizado do líder do Refúgio disse tudo o que ele tinha que saber. Ele cambaleou para trás, tão branco quanto uma folha de papel. Golpeado como se tivesse testemunhado sua própria morte.

- Não entendo - murmurou Fabien. - Tudo mudou. O senhor tem de acreditar, Mestre! Não sei como ela mudou a visão, mas a pequena bruxa está mentindo agora. Ela tem que estar mentindo!

-Tire-a de minha frente - Dragos grunhiu ao guarda da Agência de Execução que a sustentava. – Vou levá-la comigo quando for, mas até então, não quero ver nem um fio de cabelo dela.

O guarda assentiu com a cabeça e afastou a menina, praticamente arrastando-a até a casa.

- Senhor, eu lhe rogo - suplicou Fabien. – Perdoe-me por este... lamentável engano.

- Cuidarei de você mais tarde - disse Dragos, sem se preocupar em esconder a ameaça reflexiva no fundo de cada uma de suas palavras.

Retomou a marcha para a reunião, mais decidido do que nunca a fazer todos compreenderem de uma vez por todas sua autoridade e seu poder incomparáveis.


Capítulo 29

Estava completamente escuro quando Niko e Renata, após seguirem as coordenadas enviadas por Gideon, chegaram ao local onde ficava a propriedade de Edgar Fabien, ao norte. O líder do Refúgio evidentemente possuía um pedaço considerável de terra suficientemente longe de Montreal para que a zona ao redor permanecesse inexplorada: acre após acre de enormes coníferas e sempre-vivas, nenhuma alma sequer à vista, a não ser um ou outro veado ou alce americano que saía em disparada ao primeiro aroma de vampiro arrastando-se naquele santuário natural.

Nikolai tinha feito sozinho o reconhecimento da área nos últimos minutos. Uma casa de dois andares feita de troncos e pedra estava enfiada em um canto do bosque. Um estreito caminho sem pavimentação e apenas largo o suficiente para um veículo cortava as árvores na parte da frente da casa. Niko contornou essa vida escondido pela vegetação e viu dois Agentes da Lei vestidos com roupas da SWAT, postados no meio do caminho, e os três grandes Humvees estacionados em fila única bem diante da porta principal da casa. Três outros guardas vampiros com rifles M16 cobriam a entrada. Leste e oeste estavam também sob vigilância com um sentinela armado.

Embora não imaginasse que eles tivessem deixado a parte traseira da propriedade vulnerável, Niko se moveu ao redor daquele caminho para ter uma ideia da extensão do terreno. Ouviu o suave som de água mesmo antes de ver o tranquilo lago e o cais vazio na borda, a cerca de trezentos metros atrás da casa. Lá, outra dupla de Agentes permanecia de guarda.

Maldição.

Entrar no lugar para pegar Fabien não seria fácil. A menos que ele e a Ordem atacassem por cima, se quisessem tirar o sócio de Dragos dali teriam de passar por alguns guardas da Agência no processo, sem considerar o grupo desconhecido de vampiros da Raça que tinha acompanhado o líder do Refúgio de Montreal até ali na noite passada. Capturar Fabien naquela noite sem muitas baixas civis beirava o impossível, principalmente quando o resgate de Mira era acrescentado à equação. Portanto, o reconhecimento feito por Niko dava conta de que a coisa seria feia. Muito feia.

E havia ainda a situação com Renata.

Uma das coisas mais difíceis que Nikolai já fizera fora passar o dia inteiro com ela, sabendo que a tinha enganado. Ele queria dizer-lhe, depois que fizeram amor, depois que ela o honrou com o presente de seu sangue e com o vínculo completo que agora os unia eternamente. Quis dizer-lhe uma dúzia de vezes, em uma dúzia de momentos diferentes, mas, egoísta, mantivera a verdade oculta para a própria proteção dela. Ele ainda mantinha a esperança de que ela compreendesse sua cautela - que ela poderia inclusive ficar agradecida que ele a tivesse feito esperar para saber a localização de Mira até que ele e os outros guerreiros da Ordem tivessem uma oportunidade sólida de criar uma estratégia de resgate.

Sim, o macho da Raça seguia se dizendo essas coisas porque não queria sequer considerar outras alternativas.

Afastando o arrependimento que perseguia seus passos e o medo que seguia arrastando-se por trás de seu pescoço, Nikolai se moveu para uma melhor posição de acesso aos bosques. Olhou através dos ramos de pinheiro e observou vários dos ocupantes da casa enquanto eles passavam por uma janela no andar térreo. Fez uma rápida contagem dos vampiros da Raça encapuzados enquanto eles andavam a passos largos e em grupo para outra sala. Cinco, seis, sete... e então outro, este sem o capuz negro cobrindo-lhe o rosto.

Ah! Jesus Cristo!

Nikolai o conhecia. Ele tinha visto o filho da mãe de perto e pessoalmente apenas algumas semanas antes, quando uma missão da Ordem tinha-lhe enviado a um encontro com um dos oficiais do mais alto escalão na Agência da Lei. Naquele momento, o homem usava um pseudônimo - um dos dois nomes falsos que a Ordem tinha descoberto não fazia muito tempo. Agora eles conheciam o bastardo por seu verdadeiro nome, o nome que o Primeira Geração traidor que fora seu pai carregava antes também.

Dragos.

Maldição.

Durante semanas a Ordem havia investigado exaustivamente à procura de Dragos, tudo sem êxito. Agora, ele estava ali, na frente deles, como um peixe em um barril. O bastardo estava ali. E, maldito seja, ele ia cair - naquela noite.

Niko recuou para a mata cerrada, então arrastou o traseiro na direção sul, onde tinha deixado Renata no SUV da Agência que roubaram. Mal podia esperar para ligar para Tegan e Rio e lhes dar essas boas notícias.

A confusão e a angústia de Edgar Fabien por causa do fracasso de seu presente para Dragos assombrava-o como um fantasma enquanto ele e os outros seguiam o recém-chegado líder à sala de conferências no abrigo ao norte. Ele sabia que era perigoso, geralmente mortal, desagradar Dragos, algo que tinha evitado muito bem até agora. Mas ele também sabia – assim como o resto dos vampiros da Raça reunidos ali para aquele encontro – que Dragos os tinha juntado por um objetivo específico. Aquela seria uma noite histórica. Eles seriam recompensados, Dragos prometera, pelos anos de parceria oculta e lealdade a um objetivo comum.

Depois de tanto tempo e esforço adulando Dragos durante as últimas décadas, Fabien só rezava que não tivesse jogado tudo fora naquele instante infeliz perto do cais.

- Sentem-se - Dragos ordenou, tomando seu lugar na frente da sala de reuniões. Assistiu enquanto Fabien e os outros seis, todos ocultos atrás de seus capuzes negros, ocupavam as cadeiras reunidas ao redor do bloco de granito polido que servia como mesa de conferências. - Nós nos reunimos aqui nesta sala porque compartilhamos um interesse comum: o atual e o futuro estado de nossa Raça.

Fabien assentiu sob seu capuz, assim como o fizeram os outros ao redor da mesa.

- Compartilhamos um ressentimento comum pela corrupção de nossas descendências pela mancha de humanidade e pela maneira ambiciosa com a qual os que estão no poder dentro da Raça escolheram nos governar com respeito à inferioridade humana. Desde que as primeiras sementes da Raça foram semeadas neste planeta, os vampiros degeneraram-se em uma vergonha grande e triste. A cada nova geração nascida, nossa descendência cresce mais e mais mesclada com a humanidade. Nossos líderes preferem que nos ocultemos dos Homo sapiens, todos com medo de serem descobertos, e mascaram essa covardia com leis e políticas supostamente feitas para proteger o segredo de nossa existência. Ficamos debilitados pelo medo e pelo segredo. Já é hora de isso mudar e precisamos de um novo e poderoso líder.

Agora os assentimentos chegaram mais vigorosos, os acordos murmurados mais fervorosamente.

Dragos começou a dar passos sem pressa na frente da sala, suas mãos juntas e frouxas atrás das costas.

- Nem todos partilham de nosso desejo de reverter radicalmente as falhas passadas e restaurar a Raça a uma posição de poder. Nem todos veem o futuro que nós vemos. Alguns diriam que o preço é muito alto, que os riscos são muito grandes. Mil desculpas para explicar por que a Raça deveria manter seu status quo e não dar os passos firmes requeridos para aproveitar o futuro a que temos direito.

- Ouça, ouça - Fabien interferiu, ansioso por aquele futuro que o lambia como uma chama.

- Estou encantado com o fato de que todos vocês nesta sala entendam que passos firmes devem ser tomados - disse Dragos. - Cada um de vocês, individualmente, tem tido um papel no avanço de nossa visão ao seguinte nível. E vocês o fizeram sem questionar, sem conhecer uns aos outros... até agora. Nosso próprio momento de segredo terminou. Por favor - disse ele -, tirem seus capuzes e nos deixem começar a mais nova fase de nossa aliança.

Fabien estendeu a mão para o pano negro que lhe cobria a cabeça, a insegurança fazendo seus dedos duvidarem. Deteve-se até que alguns dos outros assistentes tiraram seus capuzes antes de encontrar coragem para tirar o seu.

Por um momento, nenhum dos vampiros da Raça disse uma palavra. Olhadas passaram ao redor da mesa, alguns presunçosos com reconhecimento de olhares conhecidos, outros cautelosos pelos estranhos que agora, com essa confissão de mal-intencionada traição, tinham se tornado seus mais profundos aliados. Fabien conhecia vários dos rostos que lhe devolveram o olhar - todos eles de Refúgios de alto escalão ou oficiais da Agência da Lei, alguns dos Estados Unidos e outros do exterior.

- Somos um conselho de oito - anunciou Dragos. - Como os Antigos que chegaram aqui há tanto tempo. Somos, todos nós, a segunda geração de filhos desses poderosos extraterrestres. Logo, uma vez que o último vampiro Primeira Geração for eliminado, estaremos entre os mais velhos e mais poderosos de nossa Raça. Cada um de vocês ajudou nesse esforço, seja oferecendo as localizações dos membros que restavam de nossa primeira geração, seja apoiando a causa oferecendo Companheiras de Raça para levar as sementes de nossa revolução.

- E quanto à Ordem? - perguntou um dos assistentes europeus, seu sotaque alemão afiado como uma lâmina de barbear. - Há dois guerreiros Primeira Geração com quem ainda temos de lutar.

- E o faremos - disse Dragos, sem problemas. – Vou planejar o ataque direto na Ordem muito em breve. Depois do recente golpe contra mim, será um prazer pessoal enterrar a operação da Ordem e ver os guerreiros e suas Companheiras encontrarem a morte.

Um diretor da Agência da Costa Oeste dos Estados Unidos inclinou-se para trás em sua cadeira e arqueou as sobrancelhas castanhas.

- Lucan e seus guerreiros já sobreviveram a outros ataques antes. A Ordem existe desde a Idade Média. Eles não cairão sem luta. Uma luta dura e sangrenta.

Dragos riu.

- Ah! E eles sangrarão. E se tudo sair como espero, vão pedir misericórdia e não receberão nenhuma. Não do poderoso exército que terei às minhas ordens.

- Quando começaremos a criar esse exército? - alguém no grupo perguntou.

O sorriso de Dragos se encheu de malícia.

- Começamos faz 50 anos. Na verdade, essa revolução começou há muito mais tempo do que isso. Muito mais.

Todos os olhos estavam cravados nele enquanto ia a passos largos até um laptop que Fabien tinha mandado deixar preparado na sala. Enquanto digitava algo, o grande monitor plano da sala de conferências se elevou do chão. Dragos digitou mais outras coisas e logo o monitor piscou, mostrando o que parecia ser um laboratório.

- Uma conexão por satélite com uma de minhas fortalezas - explicou, usando o touchpad para controlar remotamente a câmera. - É aqui onde estive juntando as peças do quebra-cabeças - a câmera vagou para um muro de cilindros criogênicos codificados, depois passou por um grupo de microscópios, computadores e tubos de DNA alinhados nas mesas. No meio de todo aquele equipamento, vários Subordinados cientistas vestidos com máscaras e jalecos brancos.

- Parece um laboratório de genética - disse o alemão.

- E é - respondeu Dragos.

- Que tipo de experimentos está fazendo?

- De todo tipo - Dragos voltou para o teclado e teclou outra sequência de comandos. A câmera do laboratório apagou e foi substituída por outra: essa era um ângulo panorâmico de um longo corredor com celas de prisão. Embora da posição da câmera fosse difícil distinguir algo além das mais rudimentares formas, era óbvio que as celas continham mulheres, algumas delas com crianças.

- Companheiras de Raça - tomou fôlego Fabien. - Deve haver vinte ou mais ali.

- Elas nem sempre sobrevivem aos testes, de modo que o número tende a variar - disse Dragos, em tom de conversa. - Mas tivemos nossos êxitos com o processo de reprodução. Essas mulheres e as que viveram antes delas estão dando a luz ao maior exército que este mundo jamais viu. Uma brigada de assassinos Primeira Geração que estarão sob minhas ordens.

Um silêncio tão grande como uma capa de inverno caiu sobre a reunião.

- Primeira Geração? - perguntou o diretor da Costa Oeste. - Isso não pode ser possível. Seria preciso um dos Antigos para produzir uma primeira geração de vampiros da Raça. Todos foram exterminados pela Ordem faz uns 700 anos. O próprio Lucan declarou Guerra a todos os Antigos e se certificou de que nenhum sobrevivesse.

- Certificou-se? - sorriu Dragos, mostrando as pontas de suas presas. - Acredito que... não.

Com uns poucos golpes mais de teclado, mostrou as imagens de outra câmera na conexão do satélite. Dessa vez, o foco se localizava em uma grande sala cheia de segurança, que tinha em seu centro uma cela cilíndrica construída com raios de luz. Os raios ultravioleta emitidos da jaula de barras verticais estavam piscando, inclusive na tela.

E dentro dessa jaula de raios ultravioleta havia uma criatura nua e sem cabelo que, de pé, mediria dois metros. Seu corpo nu era imenso, cada polegada coberta de dermoglifos. Ele elevou a vista enquanto as lentes da câmara zumbiam sobre ele de algum lugar da câmara. Pupilas e olhos âmbar, mas devoradas pelo fogo que ardia fora de suas órbitas, reduzido com letal consciência. A criatura saiu de sua posição de cócoras e se preparou para atacar, só para receber de novo o calor das barras ultravioleta que o deixavam prisioneiro. Abriu a boca e soltou um rugido furioso que não precisou ser ouvido para ser entendido.

- Meu Deus - mais de um dos assistentes ofegou.

Dragos lançou um olhar mortalmente sóbrio sobre o grupo.

- Admirem... nossa revolução.

O celular de Lex vibrou no centro do console do SUV. Renata o pegou e olhou a tela: Número desconhecido.

Inferno.

Ela não podia estar segura se a chamada era para Lex ou para Nikolai, já que o guerreiro da Raça estava usando o telefone para chamar e receber chamadas da Ordem. Ela não sabia há quanto tempo ele tinha saído para fazer o reconhecimento e estava a ponto de perder a cabeça esperando por ele. Ela precisava fazer algo. Ao menos, precisava sentir que estavam fazendo algum progresso para encontrar Mira logo...

O celular continuou vibrando em sua mão. Ela pressionou o botão de atender, mas não disse nada. Apenas deixou que a pessoa se revelasse primeiro.

- Olá? Niko? Você está aí, hermano? - a profunda voz denotava um acento espanhol, tão quente e suave como caramelo. - É Rio, cara...

- Ele não está aqui - disse Renata. - Estamos no lado norte da cidade, esperando que vocês cheguem. Nikolai saiu para fazer um reconhecimento da área. Não deve demorar muito.

- Bem - disse o guerreiro. - Já estamos quase chegando, demoraremos aproximadamente 45 minutos. Você deve ser Renata.

- Sim.

- Quero agradecê-la por você ter salvado o traseiro de nosso garoto aí. O que fez foi... bem, ele tem sorte de tê-la ao seu lado. Todos temos - ela podia ouvir a genuína preocupação e gratidão na voz do vampiro, e ficou demasiado curiosa por conhecer os outros guerreiros que Nikolai chamava de amigos. - Está tudo bem aí? Você está bem?

- Estou bem. Só ansiosa para que tudo isto acabe essa noite.

- Entendo - respondeu Rio. - Niko nos contou sobre a menina, Mira. Lamento pelo que você está passando, sabendo que um doente como Fabien está com ela. Sei que não deve ter sido fácil esperar o dia todo para se encontrar conosco.

- Não, não foi. Sinto-me tão inútil - confessou ela. - Odeio esse sentimento.

- Lamento tudo isso. Não vamos deixar que nada aconteça com ela esta noite quando entrarmos lá, Renata. Tenho certeza de que Nikolai explicou para você que pôr nossas mãos em Edgar Fabien é fundamental para a Ordem, mas vamos dar o nosso melhor para que a menina saia de toda esta situação bem.

Um súbito frio impregnou seu peito enquanto as palavras de Rio se afundavam em sua mente.

- O que disse?

- Que ela vai ficar bem.

- Não... isso de que você não deixarão que nada aconteça... lá dentro...

Do outro lado da linha, um longo silêncio.

- Ah! Cristo! Niko não lhe disse nada sobre o vídeo que temos do Refúgio de Fabien de ontem à noite?

O calafrio em Renata congelou, o gelo estendendo-se do peito aos seus membros.

- Um vídeo... de ontem à noite? - respondeu ela paralisada. - O que havia nele? Você viu Mira? Ah! Deus! Fabien fez algo? Diga-me!

- Madre de Dios - disse com uma larga exalação. - Se Niko não lhe disse isso... não tenho certeza de que devo lhe contar agora.

- Fale, maldição.

Ela ouviu um estrondo de conversa rápida ao fundo antes que Rio finalmente cedesse.

- A menina está com Fabien e com outros que ainda não identificamos. Pegamos a informação de uma câmera de segurança no Refúgio de Fabien. Eles partiram ontem à noite e nós os seguimos até a propriedade onde está agora.

- Ontem à noite - murmurou Renata. - Fabien está com Mira aqui... desde ontem à noite. E Nikolai? Vai me dizer que ele sabia? Quando ele ficou sabendo disso tudo? Quando?

- Tenho que pedir que aguente aí um momento mais - disse Rio. - Vai ficar tudo bem...

Renata sabia que o guerreiro ainda estava falando, ainda estava tentando acalmá-la, mas sua voz se apagou lentamente de sua consciência conforme uma profunda cólera e um profundo medo - uma dor tão desmedida que ela acreditava que poderia despedaçá-la – tomou conta de si. Ela desligou o telefone, cortando a chamada e deixando o aparelho cair no chão, aos seus pés.

Mira estava ali desde a noite passada, com Fabien. Todo este tempo. E Nikolai sabia.

Ele sabia, e escondeu isso dela. Ela poderia estar aqui há horas – nas horas de sol - fazendo algo, algo para salvar Mira. Em vez disso, Nikolai tinha ocultado deliberadamente a verdade e, como resultado, ela não tinha feito nada.

Não totalmente nada, ela admitiu, golpeada pela culpa por causa do prazer que tinha desfrutado com Niko enquanto Mira estava sozinha perto dali.

- Ah! Deus! - ela sussurrou, sentindo-se enjoada diante daquele pensamento.

Estava vagamente consciente dos passos aproximando-se do veículo, seus sentidos elevando-se antes que sua mente pudesse processar o som. O vínculo de sangue que agora compartilhava com Nikolai lhe disse que era ele antes que sua sombra aparecesse. Ele abriu a porta do carro esportivo e entrou.

- É Dragos - disse ele, procurando no console, no painel e no assento pelo celular. - Maldito seja, não posso acreditar nisso, mas era ele. Acabei de ver o filho da mãe dentro da casa com Fabien e com os outros. Dragos está aqui, ao nosso alcance. Onde diabos está aquele telefone?

Renata o olhou fixamente, vendo um estranho enquanto ele se inclinava para a frente e estendia a mão para apanhar o celular que estava aos pés dela, no chão do veículo. Ela mal ouvia o que estava dizendo. Mal se preocupava agora.

- Você mentiu para mim.

Ele se voltou para trás, com o telefone de Lex na mão. O rangido de adrenalina que tinha iluminado seus olhos se reduziu um pouco quando encontrou seu olhar.

- O quê?

- Eu confiei em você. Você me disse que eu podia confiar em você, que podia contar com você, e o fiz. Acreditei em você e você me traiu - ela tragou a saliva passando o terrível nó de sua garganta e forçando a si mesma a pronunciar as palavras. - Mira está aqui. Está aqui com Fabien desde ontem à noite. Você sabia disso... e não me disse nada.

Ele estava calado, mas sequer tentou negar o que ela dizia. Ele olhou o telefone em sua mão como se acabasse de se dar conta de como ela tinha descoberto.

- Eu podia estar aqui, Nikolai. Há horas, podia estar aqui, fazendo algo para tirar Mira das mãos desse monstro!

- Motivo pelo qual eu não lhe disse nada - disse amavelmente.

Ela sentia o coração quebrado.

- Você me traiu.

- Fiz isso para protegê-la. Porque te amo.

- Não - disse ela, agitando a cabeça para evitar ser feita de idiota de novo. - Não. Não diga isso. Como pode dizer isso quando usou todas essas palavras para me manter distraída, para me fazer acreditar que realmente se preocupava comigo enquanto você e seus amigos da Ordem faziam planos pelas minhas costas?

- Não foi assim. Nada do que aconteceu entre nós hoje... nada do que eu disse tem a ver com a Ordem. Hoje era você e eu... era sobre nós.

- Grande merda!

Ele estendeu a mão para ela e ela recuou, mantendo-se fora do alcance dele. Ela abriu a porta e saiu do carro, mas ele estava fora do veículo, a seu lado, bloqueando-a com o enorme corpo, tão rápido que ela sequer pôde dar um passo.

- Afaste-se de mim, Nikolai.

- Aonde você vai? - perguntou ele gentilmente.

- Não posso me sentar aqui por mais tempo e não fazer nada - ela deu um passo, mas ele continuava ali. A sutileza desapareceu rápido, substituída por uma firmeza que dizia que ele a manteria amarrada se fosse necessário.

- Não posso deixar que você faça isso, Renata.

- Essa não é uma escolha sua - ela respondeu, tremendo com medo e indignação. - Que droga, nunca foi uma escolha sua!

Ele grunhiu uma maldição e a agarrou.

Renata mal percebeu o que tinha feito até que ele ficou paralisado, segurando a cabeça entre suas mãos. Ele sibilou, seus olhos pulsando brilhos âmbar enquanto lhe dirigia um olhar horrorizado e furioso.

- Renata. Não faça isso.

Ela o atacou de novo, todo seu medo por Mira e sua dor por causa da traição verteram dela uma corrente castigadora de dor mental. Nikolai caiu de joelhos, rugindo e retorcendo-se pela dor que ela tinha desencadeado nele.

Renata se afastou do guerreiro, no bosque, antes que se permitisse ser dissuadida pelo arrependimento crescente dentro de si.


Capítulo 30

A casa estava sob forte armamento, guardada por todos os lados. Era impossível entrar sem ser notado por pelo menos um dos agentes de execução vestidos com roupas parecidas com as da equipe antiterrorista da SWAT. Todos eles ostentavam uma expressão do tipo “atire primeiro e pergunte depois”, desde a escura viseira do capacete preto e dos equipamentos de combate até os rifles automáticos pendurados no corpo.

Graças aos agentes que tinham invadido a casa de Jack na noite anterior, Renata e Nikolai tinham conseguido transporte, uniforme e armas. Ela não tinha a ilusão de que teria a sorte de chegar ao edifício, mas, à primeira vista, vestida como eles, os agentes de plantão podiam pensar que ela era um dos seus.

Ela colocou o capacete que tinha trazido consigo do SUV e fechou o visor colorido. Adotando a melhor postura de soldado que podia, saiu da mata e se aproximou do vampiro que guardava o lado oeste da casa.

O agente a viu imediatamente.

- Henri? Que porcaria você estava fazendo lá fora?

Renata deu de ombros, ergueu o braço bom em um gesto de “vá se ferrar”. Ela não correria o risco de falar com ele, arriscaria no máximo usar sua arma para tirar esse obstáculo do caminho. Mas se o derrubasse, teria toda a segurança em seu traseiro. Não, ela tinha de manter a calma e apenas seguir caminhando na direção dele com a esperança de que ele não abrisse fogo se suspeitasse de algo.

- Qual o problema com você, idiota?

Renata deu de ombros novamente. Chegando mais perto.

Seus dedos coçavam para fazê-lo voar - ele era um alvo fácil ali parado como um tronco, mas o mais leve cheiro de sangue derramado chamaria a atenção de todos os vampiros ao redor. Renata sabia que tinha de aproximar-se o suficiente para alcançá-lo com a mente. Sua única opção era atingi-lo com uma explosão rápida e sólida.

- Ingrato dos infernos. Henri, volte ao seu posto - disse o agente, grunhindo. Estendeu a mão para um pequeno dispositivo de comunicação em seu cinto. - Estou chamando Fabien para denunciá-lo. Se quiser irritá-lo, vá em frente, mas eu não quero fazer parte disso...

Usando todo seu poder, Renata lançou uma descarga selvagem de energia a partir de sua mente e a enviou ao vampiro diante de si. Suas palavras sufocaram com um grunhido e ele caiu como uma pedra. Ela manteve a descarga até que ele ficou em silêncio. Quando estava certa de que ele estava morto, inclinou-se e tirou-lhe a arma e o rádio.

Renata abriu a porta de entrada lateral e deu uma rápida olhada na área interna. Estava vazia. Ela deslizou para dentro, o coração martelando no peito, a respiração ofegante contra a viseira fechada do capacete.

Depois de toda a fúria que ela sentira por Nikolai não ter contado que Mira estava ali com Fabien, agora ela tinha gratidão para com a Ordem pela prova visual da localização da criança. Era tarde demais para saber como tinham ficado as coisas com Nikolai. Tarde demais para se preocupar se deveria ter esperado por ele e por seus companheiros de armas para apoiá-la. Parte dela sabia que tinha sido injusta, mas tinha ido muito longe para voltar.

Ela tomou uma decisão impulsiva e emocional baseada em sentimentos feridos. Foi uma decisão que poderia custar a amizade que tinha com Nikolai - talvez até mesmo seu amor -, mas mesmo já lamentando, aquilo não podia ser desfeito. Nikolai poderia nunca perdoá-la por colocar em risco sua missão e ela entenderia se ele não a perdoasse.

Agora, ela podia apenas rezar para que Mira não pagasse o preço daquilo tudo.

Niko despertou com o zumbido irritante de um celular ao lado de sua cabeça. Ele estava no chão ao lado do veículo. Não fazia ideia de quanto tempo estava ali. O celular vibrou novamente, mexendo na grama e nas folhas secas que se espalhavam pelo chão da floresta. Usou quase toda a sua força para mover a mão e pegar o maldito aparelho. Desajeitadamente, atendeu. Tentou dizer algo, mas apenas conseguiu soltar um grunhido seco.

- Alô - disse ele mais uma vez, forçando seus membros a se arrastarem e se apoiarem na roda dianteira do SUV.

- Niko? - a voz de Rio veio do outro lado do receptor, pesada com a preocupação. - Você parece uma porcaria, hermano. Fale comigo. O que está acontecendo?

- Renata - disse ele, segurando a cabeça nas mãos. – Está enlouquecida...

Rio amaldiçoou.

- Sim, deduzi isso. A culpa é minha, cara. Não sabia que ela não estava a par sobre a menina ter sido levada na noite passada.

- Ela sumiu - Niko disse. Notou que todos os seus sentidos começaram a voltar como se um interruptor em um gerador de energia fosse ligado dentro dele. - Ah! Caramba, Rio.... eu a enfureci e agora ela foi em busca de Mira por conta própria.

- Madre de Dios.

Na outra ponta da linha, Niko ouviu Rio dar a Tegan e aos outros um rápido esboço da situação.

- Isso não é o pior, cara - acrescentou Nikolai, ignorando a dor do tiro em sua cabeça enquanto se levantava do chão e dava uma corrida impressionante para a parte traseira do SUV. - A reunião de Fabien é maior do que pensávamos... Dragos está aqui também.

- Você tem certeza disso?

- Eu vi o desgraçado com meus próprios olhos. Ele está aqui. Nikolai foi pegar as armas automáticas na parte traseira tão rápido quanto seus braços lentos poderiam se mover. Ele cobriu o corpo com fuzis, enfiou uma pistola na parte traseira de seu uniforme roubado do Agente de Execução e outra em um coldre no tornozelo. - A casa está cercada por guardas, então quando vocês chegarem aqui, entrem a pé e se dividam.

- Niko, o que você está fazendo?

Ele não respondeu; sabia que seu velho amigo não gostaria da resposta. Em vez disso, carregava com munição tudo o que pudesse.

- Há dois homens no meio do estacionamento e três na frente. Retire-os primeiro e terão o caminho limpo.

- Nikolai - a voz de Rio era baixa, em forma de advertência. - Hermano, você não está pensando direito agora... não.

- Ela está lá dentro, Rio. Com Dragos, Fabien e sabe Deus quem mais... e ela está sozinha. Eu vou atrás dela.

Rio soltou uma palavra desagradável em espanhol.

- Fique atento. Estamos a dez minutos de distância e estamos acelerando, cara.

Niko fechou a parte de trás do SUV.

- Vou dar uma olhada no entorno.

- Caramba, Nikolai, se essa mulher quer se matar, isso não é problema seu. Nós vamos ajudá-la no que pudermos, mas...

- Ela é minha companheira, Rio - Nikolai soprou uma maldição. - Estamos ligados pelo sangue... e eu a amo. Eu a amo mais do que minha própria vida.

O suspiro do guerreiro soou pesado com compreensão e derrota.

- Suponho que não há necessidade de lhe dizer que você desafiará as ordens diretas de Lucan se for lá agora. Se Dragos está no lugar, isso torna as coisas ainda mais críticas e você sabe disso. Precisamos que você fique onde está e espere por ajuda.

- Não posso fazer isso - respondeu Nikolai.

Ele desligou o telefone e o atirou pela janela do motorista. Então, partiu para encontrar sua mulher.


Capítulo 31

Dragos se permitiu deleitar-se com o temor de seus subalternos quando eles observavam o Antigo preso na cela de raios ultravioleta sendo mostrada na tela. Do assombro de seus rostos – a absorta incredibilidade –, qualquer um pensaria que ele tinha conseguido capturar a luz em uma garrafa. Na verdade, o que tinha conseguido nas últimas décadas era algo ainda maior. Os sete machos da Raça que se reuniram com ele no quarto já o olhavam como um deus justamente por isso. Ele era o arquiteto de uma revolução que iria virar o planeta inteiro de cabeça para baixo. Naquela noite, eles testemunhariam a história e o começo de um futuro que ele tinha projetado pessoalmente.

- Como isso é possível? - alguém murmurou. - Se realmente é um dos Antigos que foi pai de nossa Raça, como sobreviveu à guerra com a Ordem?

Dragos sorriu enquanto andava mais perto da tela.

- Meu pai era um membro original da Ordem... mas foi, em primeiro lugar, o filho dessa criatura. Durante o banho de sangue perpetrado pela Ordem, quando Lucan declarou guerra aos Antigos, meu pai e seu pai alienígena fizeram um pacto. Em troca do poder compartilhado no futuro, meu pai iria escondê-lo até a histeria passar. Infelizmente, depois de fazer sua promessa, meu pai não sobreviveu à guerra. Mas o Antigo sim, como podem ver.

- Então, pretende cumprir o acordo de seu pai com essa... coisa? - Fabien perguntou, sua expressão como a de um cãozinho que acabara de perder o osso para um lobo selvagem.

- O Antigo está totalmente sob meu controle. Ele é uma ferramenta que utilizo quando e como for melhor para mim e para nossa causa.

- Como assim? - perguntou outro homem do grupo.

- Permitam-me dar-lhes uma demonstração.

Dragos caminhou até a porta da sala de conferências. Estalou os dedos para o Caçador que esperava lá fora, então, virou de volta para seus associados conforme o grande Primeira Geração o obedecia.

- Tire a camisa - ele ordenou ao Caçador.

O enorme macho obedeceu em silêncio, desnudando os ombros enormes e o peito sem pelos coberto por uma densa rede emaranhada de glifos. Mais de uma cabeça se voltou para o monitor para comparar as marcas da pele hereditárias da criatura contido dentro da célula ultravioleta.

- Eles têm dermoglifos semelhantes - Fabien engasgou. - Esse macho é da família do Antigo?

- Filho de Primeira Geração, criado com o único propósito de servir à causa - disse Dragos. - Todos os Caçadores de meu exército pessoal são os mais fortes, as armas mais letais do mundo. Eles foram especialmente criados e treinados sob minha orientação. São assassinos e infalivelmente leais a mim.

- Como pode estar certo disso? - perguntou o líder do Refúgio de Hamburgo, um homem sagaz que, sem dúvida, apreciaria a demonstração em tempo real que Dragos tinha em mente.

- Você percebe que o Caçador usa uma coleira. É um dispositivo de monitoramento GPS, mas também está equipado com um laser ultravioleta. Cada Caçador usa uma desde o momento em que começa a andar. Posso acompanhar todos os seus movimentos, localizá-los em um instante. E se me desagradam de qualquer maneira, basta um simples controle remoto para o laser ser ativado e emitir uma luz ultravioleta fina como uma navalha no pescoço do Caçador, cortando sua cabeça – disse Dragos, lançando um olhar significativo ao Caçador rigidamente em pé ao seu lado.

Um ou dois homens na mesa trocaram olhares desconfortáveis.

Foi o alemão quem falou primeiro, os olhos brilhantes.

- O que acontece se o colar for adulterado, ou removido?

Dragos sorriu, não para o alemão, mas para o próprio Caçador.

- Que tal vermos?

Apesar de seu instinto gritar para que entrasse como um ladrão à espreita, Renata caminhou pelo corredor oeste do covil de seus inimigos como se tivesse todo o direito de estar lá. Ela ouviu o baixo ruído de conversa masculina vindo de uma das grandes salas nos fundos. Em outra parte da casa, não havia nada além de calma, até que...

Soluços suaves de uma criança chegavam a partir de uma escada que conduzia ao segundo andar.

Mira.

Renata voou pelos degraus e seguiu os soluços até o final do corredor. A porta do quarto estava trancada pelo lado de fora. Ela passou a mão na parte superior do batente, mas não encontrou chave alguma.

- Maldição – sussurrou, tirando uma de suas lâminas da lateral da calça. Enfiou-a no ponto entre a porta e o batente, bem acima da fechadura, e fez uma alavanca dura. A madeira rachou, afrouxando um pouco. Mais duas vezes e, finalmente, tinha espaço suficiente para abrir. Com agitação e mãos ansiosas, Renata abriu a porta.

Mira estava lá dentro, graças a Deus.

Estava sem véu e assim que olhou para cima e viu a figura vestida de preto entrando na sala, encolheu-se no canto com terror absoluto.

- Mira, sou eu - disse Renata, abrindo a viseira escura. - Está tudo bem agora, querida. Estou aqui para levá-la para casa.

- Rê!

Ajoelhando-se, Renata estendeu os braços. Com um pequeno grito, Mira voou para seu abraço.

- Ah, minha ratinha! - Renata sussurrou, dando beijos aliviados na cabeça loira da garota. - Fiquei tão preocupada com você. Desculpe-me por eu não ter vindo mais cedo. Está tudo bem, querida?

Mira assentiu com a cabeça, os braços pequenos em volta do pescoço de Renata.

- Eu estava preocupada com você também, Rê. Eu estava com medo de nunca mais voltar a vê-la.

- Eu também, querida. Eu também - Renata odiava ter de soltá-la, mas ainda tinha que sair de lá antes que Fabien e seus companheiros chegassem. Ficou de pé, levantando Mira nos braços. - Temos que correr agora. Agarre-se em mim, certo?

Renata ainda não tinha descido dois degraus com a criança quando as explosões rápidas de tiros irromperam de todas as direções em algum lugar fora da casa.

Dragos estava ansioso para demonstrar a beleza tecnológica da coleira de raios ultravioleta que o Caçador usava quando o inferno desabou fora da reunião. Ele disparou um olhar mortal a Edgar Fabien quando o grupo pulou de seus assentos em alarme atordoado.

- O que está acontecendo lá fora? - exigiu de seu anfitrião. - Essa é outra de suas incompetências?

O rosto estreito de Fabien tinha uma sombra pálida.

- Eu... não sei... senhor. Seja o que for, tenho certeza de que meus agentes resolverão.

- Ao diabo seus agentes! - Dragos rugiu. Ele tateou para o rádio e emitiu uma ordem para o motorista levar o barco. Em seguida, olhou para o rosto do Caçador. - Fora, agora. Cuide disso. Mate todos que cruzarem seu caminho.

O Caçador - o soldado altamente treinado, obediente e impecável - apenas ficou ali, imóvel como um pilar de pedra.

- Fora. Eu ordeno!

- Não.

- O quê? - Dragos não podia acreditar em seus ouvidos. Ele sentiu os olhares de seus subordinados fixos nele. Ele podia sentir a descrença deles, a dúvida deles. Um silêncio floresceu, maduro, com a expectativa. - Eu lhe dei uma ordem direta, Caçador. Faça-o, ou vou acabar com você aqui e agora.

Com tiros chegando aos muros da casa, o Caçador teve a audácia de olhar Dragos nos olhos e balançar a cabeça.

- De qualquer forma, estou morto. Se quer que eu lute para que você possa viver, desative o meu colar.

- Como ousa sequer sugerir...

- Está perdendo tempo - disse ele, aparentemente imperturbável com caos crescente à sua volta. - Liberte-me deste colar, seu filho da mãe arrogante.

Nesse momento, um dos fracos vigias de Fabien apareceu correndo pela porta entreaberta.

- Senhor, estamos sendo alvejados por todos os lados. Não podemos ter certeza ainda, mas deve haver um exército na floresta nos cercando.

- Ah! Jesus! - Fabien engasgou. - Vamos todos morrer!

Dragos rosnou em fúria, sem a menor confiança de que os guardas de Fabien pudessem encontrar seus próprios traseiros, muito menos proporcionar uma cobertura adequada para o grupo de machos da Raça de alto escalão que estavam olhando naquele momento para Dragos como seu líder para ajudá-los a fugir. Esperando que ele decidisse se os salvaria ou se deixaria a prometida revolução cair por terra.

- Terminamos por aqui - ele rosnou. - Todo mundo para fora pela porta de trás, para o barco. Sigam-me.

Quando o grupo começou a sair em torno dele, Dragos lançou um olhar ameaçador por cima do ombro para o Caçador. Ninguém disse uma palavra – o ódio mútuo era suficiente para ler em seus olhares quando Dragos pôs a mão no bolso e pegou o dispositivo que controlava a coleira do Caçador e digitou o código que a desativava.

No instante que a coleira se desligou, o Caçador estendeu a mão e a arrancou do pescoço. Então, com um olhar de descrença, de fria determinação, ele caminhou para fora da porta em direção ao caos que se estendia do lado de fora.


Capítulo 32

Nikolai sorriu sozinho quando sua tática de distração criou uma confusão repentina e maciça em todo o complexo. Os Agentes em guarda corriam precipitadamente em pânico total, mais de um recebeu um golpe da explosão de disparos que vinham de todas as direções do bosque. Niko ordenou que uma videira enrolasse os ramos no gatilho de sua última M16 escondida.

Quando a videira fez como as anteriores, segurando o fuzil no alto e aplicando uma pressão cada vez maior no gatilho, o galho verde ficou mais grosso e mais forte, então Niko correu para a entrada lateral da casa.

Não foi difícil encontrar Renata. Seu vínculo de sangue era um farol para ele, levando-o através da parte traseira do lugar para um voo por cima das escadas. Renata estava descendo com Mira apertada nos braços. Ela encontrou o olhar dele e, por um instante infinito, nenhum dos dois disse uma palavra. Nikolai queria dizer como estava arrependido, e como estava aliviado por ela ter encontrado a criança ilesa.

Ele tinha mil coisas que queria dizer a Renata naquele momento, principalmente que a amava e que sempre a amaria.

- Rápido – ele murmurou. - Precisamos sair daqui agora.

- O tiroteio está por toda parte - disse Renata, a preocupação marcando suas feições. - O que está acontecendo?

- Apenas diversão. Tive que criar uma oportunidade para conseguir tirar você daqui.

Ela parecia aliviada, mas só por um segundo.

- Fabien e os outros... Eu os ouvi saindo pelo caminho de trás há alguns minutos.

- Estou trabalhando nisso - Niko disse. - Agora vá. Não pare por nada. Leve Mira de volta para o carro. A Ordem deve chegar a qualquer minuto.

- Nikolai...–disse Renata, olhando Nikolai firmemente, fazendo-o parar na esperança de ouvir o perdão ou uma afirmação de que ela ainda podia amá-lo depois de tudo o que tinha acontecido. Ela prendeu seu olhar, formando um vinco entre as sobrancelhas. - Seja cuidadoso.

Ele ofereceu-lhe um aceno triste, não sentindo o comum aumento de adrenalina que precedia o combate. Aqueles dias pareciam séculos atrás, quando nada mais importava para ele exceto a glória da batalha e o triunfo da vitória, por mais sem sentido que fosse.

Agora tudo importava, sobretudo em se tratando de Renata. Sua segurança e felicidade eram tudo o que importava, mesmo que isso significasse que ele poderia não estar em cena.

- Leve Mira de volta para o carro - disse novamente. - Mantenha a cabeça baixa e cuide-se. Vamos tirá-las daqui.

Ele esperou até que Renata saísse correndo, então foi para a porta dos fundos da propriedade por onde seus inimigos tinham fugido.

A lancha estava parada na doca quando Dragos e os outros correram ladeira abaixo para pegá-la. Ao redor da floresta e até perto da casa, os agentes de Fabien mexiam-se como formigas que tinham acabado de perder a casa. Tiros iluminavam a noite de modo tão enlouquecido que era impossível dizer quais rajadas vinham dos aliados e quais dos aparentes intrusos.

Tudo que Dragos sabia era que não ficaria para enfrentar a Ordem ou esperar que alguém o derrubasse.

Quando ele e seu grupo começaram a subir no barco, Dragos colocou-se no caminho de Edgar Fabien.

- Não há espaço a bordo para você - disse para o líder do Refúgio de Montreal. - Você nos prejudicou bastante com sua idiotice. Você fica aqui.

- Mas... senhor, eu... por favor, posso garantir que não vou decepcioná-lo novamente.

Dragos sorriu, mostrando as pontas de seus dentes.

- Não, você não vai.

Dizendo isso, levantou uma pistola 9 mm e disparou um tiro mortal direto entre os olhos redondos de Fabien.

- Vamos! - ordenou ao condutor do barco, Edgar Fabien completamente apagado quando o motor rugiu e a embarcação os levou até o hidroavião que esperava na outra extremidade do lago.

Ele chegou tarde demais.

Niko encontrou alguns Agentes em seu caminho até o lago, mas quando chegou lá, a lancha não passava de uma agitação na água. Nikolai disparou alguns tiros atrás deles, mas estava apenas perdendo balas. O cadáver de Edgar Fabien jazia na doca de madeira. Dragos e os outros já estavam do outro lado do lago naquele momento.

- Maldição.

Alimentado pela fúria e pela determinação, Nikolai começou a se movimentar ao longo da costa, recorrendo à velocidade sobrenatural que todos os da sua espécie possuíam quando precisavam. O barco era rápido, mas a água estava cercada de terra. Em algum ponto Dragos e seus companheiros teriam de desembarcar e pegar outro meio para terminar a fuga. Com alguma sorte, Niko poderia alcançá-los antes que fugissem.

Ele não sabia quão longe estavam - um quilômetro, provavelmente – quando, de repente, seu peito congelou de medo.

Renata.

Algo estava errado. Terrivelmente errado. Ele podia sentir as emoções de Renata como se fossem suas. Ela, a corajosa e imperturbável Renata, agora estava morrendo de medo.

Ah! Cristo! Se alguma coisa acontecesse com ela...

Não. Ele não podia sequer pensar nisso.

Com todos os pensamentos sobre Dragos deixados de lado, Nikolai virou e continuou em alta velocidade, rezando para chegar a tempo.

Ela não tinha visto o vampiro enorme vindo.

Em um minuto estava cortando o mato escuro com Mira firme em seus braços e, no minuto seguinte, viu-se olhando para o rosto implacável e para os impiedosos olhos dourados de um macho da Raça, cujo imenso torso nu, ombros e braços estavam cobertos por um espesso padrão de dermoglifos.

Era um Primeira Geração; Renata soube instintivamente. Seus instintos também diziam que aquele macho era mais letal do que a maioria, frio como pedra.

Um assassino.

O terror a cobriu como uma maré negra. Ela sabia que se o atacasse era melhor ter certeza de que poderia matá-lo rapidamente, ou então ela e Mira seriam mortas no mesmo instante. Não se atreveu a tentar quando Mira podia sofrer caso ela falhasse.

Santa Mãe de Deus, chegar tão longe, finalmente ter Mira em seus braços, a poucos passos da liberdade... e agora... Jesus Cristo!

- Por favor - Renata murmurou, desesperada para atrair a mais leve misericórdia. - A criança não. Deixe-a ir... por favor, deixe a criança, não lhe faça mal...

O silêncio do vampiro era irritante. Mira tentou levantar a cabeça do ombro da amiga, mas Renata gentilmente a empurrou de volta para baixo, não querendo que ela se assustasse com o mensageiro da morte que, sem dúvida, tinha sido enviado por Edgar Fabien ou por Dragos. Ou pelo próprio Diabo em pessoa, maldito seja.

- Vou colocá-la no chão - Renata disse a ele, sem ter certeza de que ele a compreendia e que muito menos concordaria. - Apenas... deixe a criança ir. Sou eu quem você quer, não ela. Apenas eu.

Os olhos de falcão dourado seguiam cada movimento de Renata enquanto ela cuidadosamente tirava Mira dos braços e lentamente colocava os pés da menina no chão. Renata colocou-se entre o assassino e a criança, rezando para que a morte dela fosse suficiente para satisfazer ao assassino e ao seu mestre do mal.

- Rê, o que está acontecendo? - Mira perguntou por trás de suas pernas, as mãos pequenas segurando-lhe as calças enquanto olhava ao seu redor. - Quem é esse homem?

O vampiro deixou seu olhar de pedra viajar até a origem daquela voz minúscula. Ele olhou. Sua cabeça raspada virou lentamente para o lado. Então, ele fez uma careta.

- Você - disse ele, com uma voz tão profunda que estremeceu todo o caminho até a medula Renata. Algo sombrio passou em seu rosto. - Deixe-me vê-la.

- Não - declarou Renata, segurando Mira atrás de si e bloqueando-a como um escudo. - Ela é apenas uma criança. Não fez nada contra você ou qualquer outra pessoa. Ela é inocente.

Ele lançou a Renata um olhar tão feroz que quase a derrubou.

- Deixe-me ver os olhos dela.

Antes que pudesse recusar mais uma vez, antes que pudesse pensar em alguma forma de pegar Mira e fugir o mais rápido possível, Renata sentiu Mira dar um passo para sair detrás de sua proteção.

- Mira, não.

Tarde demais para interromper o que aconteceria. Renata só pôde olhar com terror quando Mira caminhou direto para fora e olhou para cima, subindo para o duro olhar do letal vampiro Primeira Geração.

- Você... - disse ele novamente, olhando para o doce rosto de Mira.

Renata poderia dizer o momento em que começou a testemunhar o presente de Mira. Os olhos dourados dele ficaram tempestuosos, e ele olhava, absorto, enquanto a criança mostrava seu futuro. Ele chegou mais perto, muito perto, até que os braços maciços poderiam atacar e quebrar Mira inadvertidamente.

- Não... - ela deixou escapar, mas ele já estava chegando até Mira.

- Está tudo bem, Rê - Mira sussurrou, em pé diante do vampiro, tão inocente como uma criancinha que vagava na cova dos leões.

E foi então que Renata percebeu que algo de extraordinário estava para acontecer.

- Você me salvou - ele sussurrou, com as mãos enormes nos pequenos ombros de Mira. O vampiro se ajoelhou, ficando no nível da criança. Quando ele falou, a voz letal estava tranquila, com espanto e confusão. - Você salvou minha vida. Eu vi isso, agora, em seus olhos. Vi naquela noite também...


Capítulo 33

O coração de Nikolai congelou dentro de seu peito, um crescente pânico, medo transformado em gelo. Com o tiroteio ainda em erupção na área, ele tinha dado uma volta pela floresta até o lugar onde seu sangue tinha mostrado que encontraria sua Companheira apavorada.

Renata estava lá. Na escuridão da floresta banhada pela luz da lua, imóvel como uma estátua e olhando um imenso vampiro Primeira Geração agachado diante de Mira, segurando a criança com suas enormes mãos.

Jesus Cristo.

Niko moveu-se silenciosamente, rastejando para se aproximar e tentar encontrar uma posição em que poderia atirar sem colocar Renata ou a menina no fogo cruzado.

Ataque-o com uma onda, Renata. Faça-o cair e corra como se estivesse correndo do diabo.

Ela não lançou o poder mental sobre ele. Ela não tentou contrair um dedo na direção de qualquer uma de suas armas, psíquica ou não. Não, para o horror de Niko, ela não moveu sequer um dedo. Apenas ficou ali, no centro do que rapidamente se transformaria em uma tempestade infernal de sangue e violência.

O próprio medo de Niko naquele momento era insondável. Tudo o que ele sentia era o terror rasgando-o por dentro, seus ossos congelados, um desespero tão selvagem dentro do coração que batia como um tambor no peito.

Ele tirou as pistolas 9 mm de seus coldres laterais e avançou. Embora estivesse se movendo a um ritmo que apenas alguém da Raça poderia controlar, Renata olhou para cima. Ela o sentiu ali, movendo o ar ao seu redor, mesmo que os olhos não conseguissem registrar a velocidade. O sangue dele nela lhe disse que seu macho estava perto, assim como o seu sangue correndo nele sempre o faria encontrá-la.

Ele estava muito consumido pela raiva para notar que ela olhava para ele com alarme e não para o inimigo vampiro que enfrentava.

Nikolai avançou como um flash, totalmente preparado para matar. Ele parou logo atrás do grande Primeira Geração, as duas pistolas apertadas contra os glifos que seguiam até a parte traseira do crânio raspado do vampiro.

Tudo aconteceu em um piscar de olhos, mas parecia em câmara lenta na consciência de Nikolai.

Ele apontou as armas, os dedos nos gatilhos.

Os olhos de Renata se abriram. Ela balançou a cabeça.

- Niko, espere... não!

O Primeira Geração soltou Mira, deixando as grandes mãos caírem ao seu lado. Ele nem sequer reagiu às armas apontadas em sua cabeça. Seu peito expandiu quando puxou uma respiração longa, então deixou o ar sair em um suspiro resignado.

Ele não estava lutando contra sua morte.

Ele não se importava se morresse.

E então Mira gritou, a voz da criança alta com o medo.

- Não! Não o machuque!

Nikolai assistiu incrédulo e com espanto total quando Mira jogou seus braços em torno dos ombros largos do Primeira Geração.

- Por favor, não o machuque! - ela chorou, olhando para Niko, suplicando-lhe enquanto tentava proteger o vampiro com seu corpo minúsculo.

- Nikolai - Renata prendeu seu olhar quando ele a olhou, incrédulo, as duas pistolas de grande porte ainda armadas e prontas, niveladas na cabeça do Primeira Geração. - Nikolai... por favor, está tudo bem. Espere.

Ele franziu a testa, mas sua atitude guerreira relaxou um pouco.

- Levante-se - ordenou ao vampiro.–Levante-se e afaste-se da criança.

O Primeira Geração obedeceu sem qualquer comentário, lentamente, soltando os braços de Mira do seu pescoço e empurrando-a para longe enquanto levantava.

Niko se moveu para enfrentá-lo, as armas ainda sobre ele, quando orientou tanto Renata quanto Mira a ficar atrás dele.

- Quem diabos é você?

Os olhos sóbrios, inexpressivos, fitaram a terra.

- Chamam-me de Caçador.

- Você não é um Agente - disse Nikolai, cautelosamente.

- Não. Eu sou um Caçador.

Renata levou Mira para perto, segurando-a enquanto o caos na floresta e na casa lentamente morria em torno deles.

- Seus olhos, Nikolai - disse ela, entendendo agora. - Ele é o assassino que tentou matar Sergei Yakut naquela noite. Foi ele quem Mira viu no retiro de Yakut.

A expressão de Nikolai escureceu.

- É verdade? Você é um assassino de aluguel?

- Eu era - o Caçador deu um aceno triste e, finalmente, levantou o olhar. - A criança me salvou... Algo mudou em mim depois que eu vi a visão nos olhos dela naquela noite. Eu a vi salvar minha vida, exatamente como aconteceu há pouco.

No instante seguinte, a floresta ganhou vida com homens armados se deslocando sobre eles de todas as direções. Nikolai tinha as armas na mão, mas não fez nenhum movimento para disparar sobre as ameaças recém-chegadas. Renata entrou em pânico.

- Ah, merda. Niko...

- Está tudo bem - ele a acalmou com um olhar tranquilizador e algumas palavras gentis. - Estes são os mocinhos, meus amigos da Ordem.

Ela observou quando quatro dos guerreiros amigos de Nikolai entraram na área. Todos eram formidáveis no tamanho e na atitude, um grupo de músculos e de força que parecia sugar todo o ar da floresta pela simples presença dele.

- Como vai, hermano? Tudo bem aqui? - perguntou a voz suave que agora Renata reconhecia como pertencente a Rio.

Nikolai assentiu com a cabeça, os olhos e armas ainda apontadas na direção do Primeira Geração.

- Tenho tudo sob controle, mas a situação na casa está arruinada. Edgar Fabien está morto e Dragos e os outros fugiram pela costa. Foram de barco para o outro lado do lago. Tentei segui-los, mas... - olhou para Renata. - Tinha que me assegurar de que tudo estava bem por aqui primeiro.

- Nós ouvimos o zumbido de um motor de avião pequeno quando chegamos - disse Rio.

- Droga - Nikolai sussurrou. - Eram eles, sem dúvida. Fugiram. Diabos, Dragos estava aqui e nós perdemos o filho da mãe maldito.

- Deixe-me ajudar a encontrá-lo.

Todos os olhos se voltaram para o vampiro ainda detido na mira de Nikolai.

- Por que confiaríamos em você? - Nikolai perguntou, estreitando o olhar. - Por que estaria disposto a nos ajudar a colocar as mãos em Dragos?

- Porque ele é a pessoa que me criou - não havia calor no tom dourado dos olhos do Primeira Geração assassino quando respondeu à pergunta, apenas ódio gelado. - Ele me fez o que sou. Eu e todos os outros Caçadores criados por ele para matar.

- Ah, meu Deus! - Renata respirou. - Você quer dizer que há outros como você?

A cabeça raspada do Caçador acenou sobriamente.

- Não sei quantos nem onde estão, mas Dragos me disse que não sou o único de minha espécie. Há outros. Muitos outros.

- Por que devemos acreditar em você? - perguntou outro dos guerreiros, quase tão sombrio quanto a noite ao seu redor, seus dentes e presas brilhando como pérolas contra sua pele morena.

Outro guerreiro interveio, então, de olhos rápidos e sagazes, astuto como um lobo sob os pontos de ébano de seus cabelos cortados.

- Deixe Tegan nos dizer se podemos confiar nele.

Renata assistiu com espanto e um pouco de medo quando o maior do grupo, um guerreiro que parecia um fantasma perseguindo as sombras, deu alguns passos a frente. Imenso, com cabelos alourados sob o capuz preto de malha que usava, ele era um grande bloco de músculos másculos e energia sombria. Facilmente tão grande quanto o Primeira Geração diante dele, esperando seu julgamento.

Sem dizer nada, o guerreiro chamado Tegan estendeu sua enorme mão. O Caçador a pegou, seus olhos tão constantes quanto seu aperto.

Após um longo momento, Tegan deu um aceno vago.

- Ele vem com a gente. Vamos lacrar este lugar e dar o fora daqui.

Renata sentiu o enorme peso da tensão do momento ser removido, dando lugar a um novo propósito. O grupo se dividiu, a maioria dos guerreiros indo cuidar das coisas na casa de Fabien enquanto Rio e Nikolai andavam com Renata, Mira e seu companheiro inesperado de volta ao veículo à espera da Ordem.

Já perto, Nikolai pegou a mão de Renata.

- Encontramos você lá, Rio.

O guerreiro assentiu. À medida que avançavam, Renata olhou maravilhada e atemorizada quando Mira deslizou sua mão muito pequena na palma maior do Caçador.

- Meu Deus - disse ela a Nikolai. - O que está acontecendo?

Ele balançou a cabeça, claramente surpreso como ela.

- Vou levar algum tempo para descobrir isso, acho. Mas primeiro quero esclarecer as coisas entre nós.

- Nikolai, desculpe-me.

Ele a silenciou com um beijo longo e doce, puxando-a em seus braços quentes e musculosos.

- Eu estraguei tudo, Renata. Eu estava com tanto medo de perder você que a empurrei para longe de mim com uma mentira, fui um estúpido imprudente! Eu nunca me perdoaria se alguma coisa acontecesse com você ou Mira. Você é meu coração, Renata. Minha vida - ele acariciou-lhe o rosto, seu olhar a engolindo inteira. - Eu te amo tanto... Não quero viver um só momento sem você ao meu lado.

Ela fechou os olhos, dominada pela emoção.

- Eu nunca quis nada mais - ela sussurrou, sua garganta fechada com alegria. - Eu também te amo, Nikolai. Mas tem que entender que venho com um pacote agora. Mira não é minha filha de sangue, mas é de coração. Eu a amo como se fosse minha.

- Eu sei - disse sobriamente. - Você já provou isso.

Renata olhou para ele, incapaz de conter a esperança que se espremia em seu peito.

- Você acha que pode encontrar espaço em sua vida e em seu coração para nós duas?

- O que a faz pensar que eu já não tenha feito isso?–ele a beijou novamente, dessa vez com ternura. Quando olhou nos olhos dela, seu olhar era tão cheio de amor que lhe varreu o fôlego. - Vamos dar o fora daqui agora. Quero levar minhas garotas para casa.


Capítulo 34

Boston. Três noites depois.

O complexo da Ordem pareceu muito diferente para Nikolai quando ele andou pelo corredor que conduzia ao laboratório de tecnologia onde tinha se reunido com os outros guerreiros. A missão de capturar Dragos sofrera um golpe significante há algumas noites, mas também tinham ganhado uma vantagem muito inesperada na sua busca e encerramento da operação.

Infelizmente, embora o Caçador tivesse se tornado um valioso aliado, a Ordem também tinha perdido um membro crucial e confiável amigo: Andreas Reichen tinha sumido completamente e a notícia de Berlim era a pior possível. Ninguém sabia se o líder do Refúgio alemão tinha sobrevivido ao ataque em sua residência. Baseado na matança de toda sua família e no fogo que consumira a propriedade inteira, a Ordem tinha poucas esperanças de encontrar o amigo vivo.

Pessoalmente, Nikolai pensou que seria consolador para Reichen se ele tivesse morrido no ataque. Ele sabia que uma perda tão profunda jamais poderia ser superada. Certamente nenhum homem, da Raça ou não, seria forte o suficiente para sair ileso de um golpe tão brutal na alma. Como um guerreiro, Nikolai entendia baixas em combate. Todo guerreiro entrava na batalha sabendo que ele ou seus irmãos podiam não retornar para a base. Mas perder uma família...

Ele não queria nem mesmo considerar o que isso faria com um homem. Em vez disso, Nikolai se concentrou nas bênçãos que tinha, uma das quais podia ser ouvida falando baixinho quando ele se aproximou da porta aberta de seus aposentos.

Renata estava lá dentro, sentada no sofá da sala, lendo para Mira.

Por um momento, quando Niko aproximou-se da entrada, encostou-se na soleira da porta, simplesmente ouvindo e deleitando-se com a visão da bela mulher que agora era sua Companheira. Ele adorava ver como Renata ficava tão confortável com um livro quanto segurando uma arma. Ela tinha uma suavidade que ele admirava, uma inteligência que o desafiava continuamente e uma força interior que o fazia procurar ser um homem digno de sua devoção.

Não era nada mal também que ela fosse mais quente do que o inferno, sobretudo quando ela estava com o olhar na sua 9 mm ou treinando com suas adagas queridas no centro de treinamento. Kade e Brock tinham estado quase permanentemente na sala de armas nos últimos dias, só pela possibilidade de treinar com Renata ou olhá-la em ação. Nikolai não podia culpá-los. Mas quando sentiu o beliscão leve do ciúme, bastou um olhar malicioso de sua mulher para colocá-lo à vontade. Ela o amava e Nikolai era o macho mais sortudo do planeta.

- Oi - disse, olhando enquanto virava a última página de um capítulo e parava para cumprimentá-lo.

- Olá, Niko - Mira sussurrou sob o véu curto. - Você acabou de perder uma parte muito boa da história.

- Mesmo? Talvez eu possa convencer Renata a ler para mim mais tarde - disse ele, enviando um olhar aquecido para sua Companheira quando entrou na sala. Ele caminhou até o sofá e se agachou na frente de Mira. - Tenho algo para você.

- Sério? - o rosto dela se iluminou com um pequeno sorriso. - O que é?

- Uma coisa que pedi a Gideon para você. Tire seu véu, e vou lhe mostrar.

Ele não perdeu o olhar protetor de Renata quando Mira afastou o tecido preto para longe do seu rosto.

- O que é?

- Tudo bem - disse ele, tirando uma pequena caixa de plástico do bolso da calça jeans. - Você pode confiar em mim. Ambas podem confiar em mim.

Renata relaxou, e olhou quando Nikolai retirou a tampa de um recipiente de lentes de contato.

- Estas são as lentes especiais que Gideon acha que vão ajudar com seus olhos. Você gostaria de nunca mais usar o véu de novo?

Mira concordou com entusiasmo.

- Deixa eu ver, Niko!

- Que tipo de lentes são essas? - Renata perguntou, cautelosamente otimista.

- Íris opacas para proteger o efeito de espelhamento dos olhos de Mira. Ela será capaz de ver através delas, mas ninguém que olhar para ela vai notar nada de incomum sobre os olhos. Suas íris serão cobertas, da mesma forma que o véu cobre. Eu pensei que seriam melhores.

Renata acenou, sorrindo calorosamente para ele.

- Muito melhor. Obrigada.

- Posso experimentá-las? - Mira perguntou, ansiosamente olhando a pequena caixa nas mãos de Niko. - Olha, Rê, são roxas!

- Essa é sua cor favorita - disse ela, jogando um olhar interrogativo sobre Nikolai.

Ele tinha mudado muito nos últimos dias, empreendendo um papel que nunca se imaginou, sem falar no fato de se ajustar tão confortavelmente nele. Ele era um macho com laço de sangue com uma Companheira de Raça que o amava e uma criança para criar como sua. E ele apreciou as duas ideias.

Ele, um dissidente e imprudente, tinha uma família própria agora. Era incompreensível para ele, para não mencionar para o resto do complexo. Era a última coisa que sonhou que queria ou precisava e agora, apenas alguns dias depois, não poderia ver sua vida de outra maneira.

Seu coração nunca se sentiu tão completo.

- Deixe-me ajudá-la com isso - disse Renata, pegando as lentes das mãos de Niko com cuidado e colocando-as em Mira. Quando estavam no lugar há alguns segundos e o talento da criança não se manifestou, Renata sorriu. - Ah, meu Deus. Funcionou, Nikolai! Olhe para ela. As lentes funcionam perfeitamente.

Ele olhou para as piscinas violeta nos olhos alterados de Mira e viu... nada. Apenas o feliz e despreocupado olhar de uma criança.

Renata jogou os braços em volta dele e o beijou. Mira estava bem atrás dela e Niko pegou as duas em um sincero abraço.

- Há mais - disse, esperando que gostassem do resto da sua surpresa. Ele se levantou e pegou cada uma delas pela mão. - Venham comigo.

Ele as levou pelo corredor até o elevador que subia da sede subterrânea para a enorme mansão que ficava no piso acima. Ele podia sentir a apreensão de Renata pelo modo como ela apertava-lhe a mão grande e pela adrenalina que lhe corria na corrente sanguínea.

- Não se preocupe - ele sussurrou na orelha dela. -Você vai gostar, eu prometo.

Pelo menos, ele esperava que sim. Ele tinha trabalhado naquilo durante um dia e meio, tentando fazer tudo certo. Ele guiou Renata e Mira ao coração da propriedade, em direção à luz de velas e ao calor da sala de jantar formal. Os aromas de pão e carne assada os receberam. Niko não tinha apreço por comida humana, mas as Companheiras de Raça que viviam no lugar certamente tinham e, a julgar pela aparência das duas mulheres caminhando ao seu lado, elas também.

O espanto brilhou nos olhos de Renata.

- Você fez o jantar?

- Claro que não. Acredite em mim, sou a última pessoa que você iria querer para preparar suas refeições. Pedi alguns favores a Savannah, Gabrielle e as outras mulheres. Seu estômago está em muito boas mãos.

- Mas eu estive com todas elas mais cedo hoje e ninguém disse nada sobre isso.

- Eu queria fazer uma surpresa. Elas queriam surpreendê-la, também.

Renata não disse mais nada, mas ele não pôde deixar de notar que seus passos diminuíam ao chegar mais perto da sala de jantar. Mira, no entanto, pulava com entusiasmo. Assim que chegaram à porta de entrada em arco, ela soltou-se de Niko e correu a mil por hora como se tivesse vivido lá toda sua vida.

Mas Renata, não.

Ela ficou em silêncio e imóvel. Olhou para a mesa cheia de pratos de porcelana e enfeites finos e suspirou levemente. Não disse uma palavra sequer quando olhou para o rosto dos guerreiros e de suas Companheiras de Raça, todos de pé dando-lhe boas-vindas quando ela e Nikolai pararam na porta.

- Ah, Santo Deus! - ela finalmente sussurrou, sua voz quebrada e crua.

Niko a seguiu quando ela recuou, voltando pelo corredor.

Maldição. Ele estava tão certo de que ela desfrutaria de um agradável jantar com todos, mas é óbvio que estava errado.

Quando falou com ele, sua voz estava embargada pela emoção.

- Todo mundo está esperando lá dentro... por nós?

- Não se preocupe com isso - disse ele, puxando-a para seus braços fortes. - Eu queria fazer algo especial para você e estraguei tudo. Sinto muito. Você não tem que fazer isso.

- Nikolai - ela olhou para ele, os olhos brilhantes marejados. - Eu nunca vi nada mais bonito do que aquela mesa, com todos ao redor, em toda a minha vida.

Ele franziu a testa, bastante confuso agora.

- Então, o que está errado?

Ela balançou a cabeça, engolindo um riso estrangulado.

- Não há nada de errado. Nada de errado em nada. Estou tão feliz! Você me faz tão imensamente feliz. Tenho medo desse sentimento. Eu nunca soube o que era e eu estou morrendo de medo que seja apenas um sonho.

- Não é um sonho - disse ele suavemente, acariciando-lhe uma lágrima perdida que deslizava assertivamente pelo rosto macio. - E você pode se segurar em mim se sentir medo. Vou estar ao seu lado enquanto você quiser.

- Para sempre - disse ela, sorrindo para ele.

Nikolai assentiu.

- Sim, meu amor. Para sempre.

O sorriso exultante de Renata explodiu em sua boca. Ela beijou Nikolai forte e, em seguida, caminhou com ele sob o abrigo daquele braço forte para se juntar aos outros. Para se juntar ao resto da sua família.

Capítulo 25

Nikolai sentou-se dentro do abrigo feito de videiras e assistiu a um único raio de luz atravessar as folhas e iluminar os cabelos escuros de Renata enquanto ela dormia. A luz ultravioleta era tóxica para sua espécie – letal após meia hora de exposição contínua - mas ele não resistiu ao desejo de deixar aquele raio de luz entrar pelo pequeno buraco na vegetação. Nos últimos minutos, ele tinha permanecido sentado junto de Renata observando-a, admirando-a, muito intrigado com a forma como a luz cobria-lhe os cabelos de ébano, penetrandolhe os fios de seda e colorindo-os com uma dúzia de tons diferentes: cobre, bronze e vermelho.

Que diabos havia de errado com ele?

Ele estava sentado lá, olhando os cabelos de Renata, pelo amor de Deus! Não apenas olhando, mas olhando-os com total fascinação. Para Niko, isso indicava uma de duas coisas preocupantes: ele devia considerar muito seriamente ter algumas aulas com o famoso cabeleireiro inglês Vidal Sassoon ou estava completamente perdido de amor por aquela mulher.

Perdido tanto quanto no passado, eternamente tomado por outra pessoa. Em algum lugar, de algum jeito, ele se deixou apaixonar por ela.

Isso explicava o porquê de ele não conseguir manter as mãos - e outras partes maiores e mais pulsantes de seu corpo - longe dela. Explicava também o motivo pelo qual tinha passado toda a noite – com exceção da ida rápida à casa de Yakut antes do amanhecer – deitado junto de Renata, sustentando-a em seus braços fortes.

E, se ele precisava de alguma explicação do motivo de seu peito ter ficado tão apertado e tão pesado quando ela começou a chorar na noite anterior, ou por que havia se sentido obrigado a compartilhar com ela seu sentimento de culpa pela perda de Dimitri há tantos anos, ele supôs que estar apaixonado faria sentido.

Por mais que tentasse convencê-la de que ela estava a salvo com ele, Nikolai se sentia a salvo com ela também. Confiava nela plenamente. Mataria para protegê-la, morreria por ela sem hesitar nem por um segundo. Ela podia não fazer parte de sua vida há muito tempo, mas ele já não se imaginava sem ela.

Ah! Merda. Ele realmente tinha se apaixonado por Renata.

- Mas... que... maravilha! - murmurou, fazendo uma careta quando ela se agitou por causa do som de sua voz.

Ela abriu os olhos e sorriu quando o viu sentado ali.

- Olá!

- Bom dia - disse, casualmente alcançando um ramo de videira para fechar o abrigo e deixar do lado de fora os resquícios do raio de sol.

Ele achou o espreguiçar felino dela mais fascinante ainda do que os cabelos. Estava usando a mesma camisa de algodão da noite anterior, a metade dos botões espalhados pelo chão do abrigo natural. A grande camisa estava aberta da metade para baixo, mal cobrindo a nudez de sua fenda. Por ele, sem problemas.

- Como se sente?

Ela pareceu refletir por um segundo, depois olhou para ele com a testa franzida.

- Sinto-me realmente bem. Quero dizer, ontem à noite foi... - ruborizou, uma doce cor rosada preencheu-lhe as bochechas. - Ontem à noite foi incrível, mas pensei que ficaria fora de combate por causa da reverberação. Não entendo... nunca aconteceu nada assim. Quero dizer, tive um pouquinho de dor, mas pelo ataque na casa de Jack, eu devia estar agonizando a noite toda.

- Isso nunca aconteceu antes?

Ela sacudiu sua cabeça.

- Nunca. Cada vez que usava minha habilidade, o efeito retornava.

- Mas ontem à noite não.

- Não, ontem à noite não - ela disse. - Nunca me senti melhor.

Niko talvez pudesse ter feito uma brincadeira sobre os efeitos milagrosos de suas proezas sexuais, mas ele sabia que era um tipo de magia o que fizera Renata suportar o efeito da reverberação.

- Você bebeu de meu sangue ontem. Essa foi a diferença.

- Você acha que seu sangue ajudou não apenas a curar meu ombro, mas também com as reverberações? É possível?

- É definitivamente uma possibilidade. Uma Companheira de Raça que bebe regularmente o sangue de um vampiro se torna muito mais forte do que seria sem ele. O envelhecimento desacelera até ao passo de tartaruga. As células do corpo, os músculos e todo o metabolismo atinge um estado físico visivelmente saudável. E, sim, muitas vezes o sangue de um companheiro também tem impacto na habilidade psíquica das fêmeas.

- Por isso Sergei nunca me deixou beber dele - Renata disse, sua mente veloz para chegar à mesma conclusão a que Niko havia chegado. – Ele não fazia segredo de que gostava que meu poder fosse limitado. Nas vezes que tentei golpeá-lo, nunca pude manter a rajada o tempo suficiente para derrubá-lo. E, no final, o esforço sempre me custava caro demais quando retornava.

- Sergei Yakut era Primeira Geração - Niko recordou. – O sangue dele em seu sistema poderia torná-la praticamente invencível.

Renata zombou em voz baixa.

- Só um grilhão a mais para mim. Ele devia saber que eu o mataria se tivesse a menor esperança de êxito–ficou em silêncio durante um minuto, com os braços cruzados. Depois, arrancou uma fibra de erva do chão do abrigo improvisado. - Tentei matá-lo... no dia em que Mira e eu fugimos juntas. Naquele dia, ele queimou minhas costas com ferro quente. Fez outras coisas também.

Nikolai não tinha que perguntar mais sobre o que ela tinha sofrido. As cicatrizes das queimaduras em suas costas eram atrozes, mas pensar no castigo de Yakut era pior... O sangue de Niko fervia de indignação. O guerreiro, então, colocou a mão sobre a mão dela.

- Sinto muito, Renata.

Ela lançou um firme olhar que não procurava simpatia.

- Sua misericórdia foi a de não ter forçado Mira a assistir tudo o que me fez. Mas Sergei me disse que se ela ou eu tentássemos escapar outra vez, Mira pagaria da mesma forma que eu. Prometeu que seria pior para ela, e eu sabia que ele estava falando sério... Então, fiquei quieta. Eu o obedecia e a cada hora de cada dia rezava por um milagre que eliminasse Sergei Yakut de minha vida - parou, acariciando-lhe o rosto masculino. – E então você chegou e tudo mudou. Suponho que em muitos sentidos, você é meu milagre.

Nikolai segurou-lhe a mão e depositou um beijo no centro de sua palma.

- Ambos somos afortunados.

- Alegra-me que Sergei esteja morto - confessou ela, brandamente.

- Ele devia ter sofrido mais - disse Niko, sem tentar ocultar o tom obscuro de sua voz grossa. - Mas já morreu. E é o que importa.

Renata assentiu.

- E agora Lex também está morto. Os guardas de Yakut... Todos eles estão mortos.

- A essa hora da manhã, ele e os outros na propriedade não passam de um monte de cinzas - Niko disse ao esticar-se para colocar os cabelos negros e brilhantes de Renata atrás da orelha. - Depois que você dormiu ontem à noite, eu retornei lá e abri todas as persianas para que a luz do sol entrasse. Também liguei para Boston para dar os números que estavam no celular de Lex. Gideon entrará em contato quando tiver feito o rastreamento para nos dar os detalhes.

Outro assentimento, sua voz suave tinha um tom de esperança.

- Está bem.

- Enquanto estava lá, trouxe algo que pensei que pudesse precisar.

Inclinou-se para o monte de armas e outros instrumentos que havia recolhido e pegou o pacote de seda e veludo que pertencia a Renata.

- Minhas adagas! - ela disse, seu rosto iluminando-se de alegria quando pegou o pacote nas mãos. Desatou o laço que prendia as armas e desenrolou todo o veludo que cobria as quatro adagas com gravuras personalizadas. - Jack me deu isso...

- Eu sei. Ele me disse que as havia feito para você como um presente. Disse-me que não estava certo de que você as tivesse guardado.

- Elas são muito importantes para mim - murmurou, seguindo o lavrado do punho com a ponta do dedo.

- Eu disse que você ainda as tinha e ele alegrou-se ao escutar quanto elas significam para você.

O olhar cheio de gratidão de Renata banhou o macho da Raça.

- Nikolai... Obrigada por fazer isso pelo Jack. E por me devolver essas adagas. Obrigada mesmo.

Ela se aproximou dele e o beijou. A suave pressão de seus lábios foi algo profundo. Nikolai segurou-lhe o rosto entre as mãos, acariciando-lhe a mandíbula com os polegares grandes, percorrendo o delicado ângulo das maçãs do rosto. Ela abriu a boca enquanto a língua dele percorria a abertura úmida de seus lábios e soltou um doce gemidinho quando ele entrou dentro dela.

As presas dele se estenderam pontudas pela luxúria que corria nele como lava. Entre as pernas, seu sexo era já uma coluna de granito, aceso imediatamente diante da ideia de ter Renata debaixo de si. Quando a mão dela escorregou para baixo, ultrapassando a cintura da calça para tocá-lo, seu membro ereto e ávido saltou, crescendo mais e mais sob o calor da palma da mão de Renata enquanto ela o acariciava.

- Que horas são? – murmurou ela contra a boca febril dele.

Ele grunhiu, muito absorto em suas deliciosas carícias para processar imediatamente aquela pergunta. Através de sua respiração entrecortada, conseguiu responder.

- É cedo. Provavelmente por volta das nove.

- Bem, caramba, acho que é muito cedo - ela murmurou, separando sua boca da dele e deixando um rastro de beijos ao longo da garganta e do pomo-de-adão. - Não pode sair na luz do sol, não é mesmo?

- Não.

- Humm – os lábios úmidos dela desceram sobre o peito nu e suado dele. Ele recostou-se sobre os cotovelos enquanto ela seguia o contorno dos glifos com a ponta rosada de sua língua sapeca, percorrendo os arcos e redemoinhos ao redor de seus mamilos e através do seu tórax. Quando falou, sua voz vibrou em todos os ossos de Niko:

- Então, suponho que isso significa que estamos presos aqui por um tempo, não é?

- Sim. - A palavra saiu ofegante. O beijo dela viajou devagar para baixo, além do umbigo do macho da Raça, seguindo as linhas dos dermoglifos, em direção à parte do corpo dele que palpitava pela necessidade de sentir os lábios úmidos e quentes dela apertando-se ao seu redor. - Suponho que estamos presos aqui até de noite.

- Hum hum.

Ela prendeu o cordão das calças dele entre os dentes e deu um forte puxão. O nó caiu solto e então ela baixou as calças o suficiente para fazer a cabeça enorme do membro dele despontar ansiosa. Ela o lambeu, observando o rosto de Niko enquanto desenhava redemoinhos com a língua diabólica ao redor da carne e sugava uma gota do fluido viscoso que brotava ali.

- Ah!

- Então... - ela murmurou, seu fôlego flutuando através da pele umedecida pelo suor dele, atormentando-o ainda mais. - O que vamos fazer aqui o dia todo enquanto esperamos a noite chegar?

Niko riu.

- Querida, posso pensar em umas cem coisas que eu gostaria de fazer contigo.

Ela sorriu desafiante.

- Apenas cem?

Antes que ele pudesse lhe dar uma resposta inteligente, ela envolveu o pênis dele com os lábios e o tomou profundamente dentro da boca. E enquanto o corpo de Niko explodia de prazer, ele se viu rezando para que o tempo e os dias a sós com aquela incrível mulher – sua mulher – pudessem se estender para sempre.


Capítulo 26

Renata caminhou para a porta de trás da propriedade de Yakut e parou na soleira. Ela havia deixado Nikolai no refúgio de videiras quando decidiu que sua necessidade de um banho, de uma ducha quente e de roupas limpas que realmente coubessem nela eram maiores do que sua resistência em jamais colocar novamente os pés na casa de Sergei Yakut.

Agora ela duvidava. No início da tarde, o sol era uma presença alentadora, mas no lado de dentro a propriedade era escura e fria. Sombras caíam sobre a mobília desarrumada e estendiam-se pelas tábuas rudes do chão. Renata avançou e caminhou para o lugar onde Lex havia caído.

O corpo dele havia desaparecido, assim como o sangue. Nada além de um pequeno rastro de cinzas deixado para trás – como Nikolai prometera. As persianas sobre a janela da sala estavam totalmente abertas, mas o sol já havia passado. Uma fresca brisa carregava o aroma de pinheiro e o ar fresco do bosque para a umidade calma do lugar. Renata respirou profundamente, enchendo os pulmões, deixando a fragrância de um novo dia expurgar as lembranças de toda aquela morte, aquele sangue e aquela violência que tinham coberto o lugar na noite anterior.

Hoje, sob aquela nova luz, muitas coisas pareciam diferentes para ela.

Ela mesma parecia diferente. E sabia a razão. Estava apaixonada.

Pela primeira vez em muito tempo (talvez em toda a sua vida), Renata verdadeiramente sentia a esperança acomodada em seu coração, uma esperança de que o futuro lhe reservava algo além da mera sobrevivência, que ela poderia em algum momento medir a felicidade em anos e não apenas em momentos raros e fugidios. Estar com Nikolai, fosse em seus braços ou ao seu lado, fazia Renata acreditar que muitas coisas eram possíveis.

Ela caminhou pela grande sala, apoiando-se no fato de que aquela seria a última vez que precisaria ver aquele lugar. Aquilo era um adeus.

Quando ela e Nikolai saíssem dali para continuar a busca por Mira, aquele albergue, aquele terrível celeiro, aquele canil na parte de trás da construção, Sergei Yakut, Lex e todos os outros que marcaram os últimos dois anos de sua vida seriam apenas lembranças. Ela deixaria tudo ali, e o terror e a dor seriam, de alguma forma, banidos de seu futuro.

Aquela parte de sua vida havia terminado.

Ela entrou no pequeno banheiro que havia compartilhado com Mira, em paz consigo e com tudo ao seu redor enquanto ligava a água quente da ducha. Quando o vapor úmido começou a sair pela cortina, ela desabotoou uns poucos botões da camisa emprestada de Jack e ficou ali por um momento, parada, nua, contemplando seu futuro com olhos renovados. Não sabia o que a esperava uma vez que a noite caísse e uma nova jornada começasse, mas estava disposta a enfrentar o que quer que fosse.

Com Nikolai ao seu lado – com a esperança e o ardente amor tão resplandecente quanto uma chama em seu coração –, Renata estava preparada para enfrentar tudo.

Como um cavalheiro destinado a uma batalha que procura uma bênção, Renata deu um passo debaixo da água quente da ducha. Fechou os olhos em uma solene oração enquanto a reconfortante água caía-lhe sobre o corpo nu.

Nikolai permanecia no abrigo de videiras enquanto os passos de Renata se aproximavam.

- Toc, toc - ela o chamou através das folhas. – Estou entrando, então cuidado com a luz do dia. Eu não gostaria que você torrasse por mim.

Ela afastou algumas folhas verdes e avançou, pronunciando uma rápida desculpa quando notou que ele tinha o telefone celular de Lex no ouvido. Niko havia ligado para a Ordem pouco depois que ela fora tomar banho. As notícias de Boston eram uma mistura de boas e más, além de uma dose extra de sérios problemas.

As boas? Um dos números no telefone de Lex era, de fato, de Edgar Fabien. Sem muito esforço, Gideon havia sido capaz de rastrear os registros da base de dados de identificação internacional de Fabien. Agora, a Ordem tinha os endereços da residência do líder do Refúgio de Montreal, sua casa no interior e todos os dados de todas as outras propriedades privadas, tanto de negócios como pessoais. Gideon tinha acesso aos números de telefone celular de Fabien, carteira de motorista, arquivos do computador e até mesmo da vigilância eletrônica do Refúgio do maldito filho da mãe.

E era nesse ponto que começavam as más notícias.

Edgar Fabien não estava em casa. Gideon havia interceptado o sinal de um canal de vídeo mais cedo naquela noite e visto um grupo de sete machos da Raça – um deles provavelmente era Fabien – deixando o Refúgio em companhia de uma escolta armada da Agência de Execução. Era difícil dizer quem eram os visitantes de Fabien, já que todos pareciam iguais em ternos sob medida e com os rostos completamente ocultos por capuzes pretos.

Quanto à dose extra de sérios problemas, o grupo de vampiros havia saído com uma menina. Uma jovem que evidentemente não os havia seguido tranquilamente. A descrição de Gideon da criança loira não deixava dúvida de que se tratava de Mira.

- Ainda está me ouvindo? - Gideon perguntou do outro lado da linha.

- Sim, continuo aqui.

- Lucan quer que Fabien seja trazido a Boston para um interrogatório. Isso significa que precisamos dele vivo, cara.

Niko soltou uma maldição.

- Primeiro, temos de encontrar esse filho da puta.

- Sim, estou trabalhando nisso. Rastreei o GPS do telefone celular de Fabien. Consegui um sinal de um lugar a aproximadamente uma hora ao norte da propriedade de Yakut. Uma das propriedades de Edgar Fabien. Ele deve estar lá.

- Tem certeza?

- Tanta que já enviamos reforços. Tegan, Rio, Brock e Kade estão a caminho para encontrar-se com você enquanto falamos.

- Reforços a caminho? - perguntou Niko, olhando uma parte de luz ultravioleta que aparecia através das folhas do refúgio. A Ordem tinha trajes de proteção solar para situações de emergência, mas até mesmo uma geração antiga de vampiros vestidos dos pés à cabeça com trajes protetores de raios ultravioletas seria incapaz de resistir à luz solar golpeando no assento do motorista em uma viagem de quase sete horas. - Jesus! Não pode estar falando a sério. Quem teve essa ideia?

Gideon riu.

- As fêmeas teimosas, meu caro. Não sei se você notou, mas fomos invadidos por elas nos últimos tempos.

- Sim, notei.

Niko não pôde deixar de lançar um olhar para Renata, que estava verificando algumas das armas que tinham recolhido de Lex e dos outros.

- Qual é a situação, então?

- Dylan está levando os caras em uma Rover e Elise está montando guarda. Devem chegar aí por volta das nove, exatamente depois do pôr do sol. Como Fabien tem vários sócios desconhecidos com ele, vamos precisar entrar e sair de lá com cuidado, sem vítimas desnecessárias - Gideon fez uma pausa. - Escuta, sei que você está preocupado com a menina. A segurança dela é importante, sem dúvida, mas isso é grande, Niko. Se Fabien pode nos levar a Dragos, temos que nos assegurar de capturá-lo esta noite. Essa é a missão número 1, ordenada diretamente por Lucan.

- Sim - disse Nikolai. Ele sabia qual era a missão. Também sabia que não podia decepcionar Renata ou Mira. – Inferno... Certo, Gideon, eu entendi.

- Ligarei se Fabien se mover entre agora e o pôr do sol. Enquanto isso, estou trabalhando em um ponto de encontro para que você se junte aos outros esta noite e ponha em ação um plano de infiltração. Devo ter algo em uma hora ou duas. Ligarei depois.

- Certo. Até depois.

Nikolai desligou o telefone e o colocou junto de si.

- Gideon conseguiu algo daqueles números telefônicos? - perguntou Renata, olhando-o cuidadosamente. - Temos alguma pista do Refúgio de Fabien?

Niko assentiu.

- Temos o endereço.

- Graças a Deus - ela suspirou. O alívio cedeu espaço rapidamente à determinação, tão feroz como Niko nunca havia visto nela. - Onde está ele? No Refúgio na cidade ou em alguma parte nos subúrbios? Eu poderia ir lá agora mesmo e analisar o terreno. Santo Deus, da forma como me sinto – sem dor, meu ombro melhorando – talvez eu devesse bater na porta e golpeá-lo com uma explosão de...

- Renata - Niko pôs a mão grande sobre a dela e sacudiu a cabeça. - Fabien está indo para algum lugar. Não está mais na cidade.

- Então onde?

Ele poderia contar sobre o sinal do GPS que Gideon estava rastreando. Poderia dizer que Fabien tinha Mira em sua custódia e que a menina estava provavelmente uma hora ao norte de onde eles estavam sentados agora. Mas Niko também sabia que se dissesse isso a Renata – se desse o mínimo de certeza sobre o paradeiro da menina que tanto significava para ela –, ele não poderia impedi-la de sair por conta própria naquele exato momento para encontrá-la.

A promessa de Niko à Ordem era seu dever – sua honra –, mas e Renata? Ela era seu coração. Ele não podia pôr em perigo a missão de seus irmãos, mas também não podia permitir que aquela mulher que ele amava partisse precipitadamente sozinha, rumo ao perigo. O pensamento dele era pré-histórico, talvez, especialmente por ter em conta que Renata era uma mulher que sabia como dirigir a si quase em qualquer situação. Era bem treinada, capaz, definitivamente valente, mas... inferno, ela significava muito para que corresse esse tipo de risco. Aquela não era uma opção.

- Estamos esperando uma localização sólida de onde está Fabien – ele disse, a mentira amarga sobre sua língua, independentemente das boas intenções. - Enquanto isso, a Ordem está enviando reforços. Nós vamos nos juntar a eles esta noite.

Renata escutou, claramente confiando nele e em sua palavra.

- A Ordem tem alguma ideia se Mira está com Fabien em qualquer lugar que ele esteja?

- Estamos trabalhando nisso - Nikolai achou difícil sustentar o olhar verde-claro sem pestanejar. - Quando encontrarmos Fabien, encontraremos Mira. Ela vai estar bem. Prometi isso, lembra?

Quando pensou que ela só assentiria com a cabeça e afastaria o olhar, Renata estendeu a mão para apanhar o rosto dele.

- Obrigada... por estar aqui para me apoiar em tudo isto. Não sei como serei capaz de pagá-lo, Nikolai.

Ele ergueu a mão dela entre as suas e deu-lhe um beijo. Diria algo singelo, uma das brincadeiras sem sentido habituais que tão frequentemente usava quando as emoções ao seu redor eram muito reais ou cheias de honestidade. Tinha suas cartas sob a manga: desviar com humor, desarmar com indiferença, atacar e correr como o inferno à primeira indicação de sua própria vulnerabilidade. Mas todas aquelas velhas e confiáveis armas que ele havia aperfeiçoado falhavam agora.

Acariciou com o dedo polegar o dorso da mão de Renata e se deixou perder no refúgio verde de seus olhos.

- Não sou muito bom nisso - murmurou ele. - Quero dizer algo... inferno. Provavelmente eu vou encher sua paciência, mas quero que você saiba que me preocupo com você. Preocupo-me... pra caramba, Renata.

Ela o olhou fixamente, permanecendo tão imóvel e silenciosa que nem sequer estava seguro de que ela estivesse respirando.

- Eu me preocupo - soltou, frustrado consigo pela estupidez das palavras que queria que fossem perfeitas para ela. - Não sei como aconteceu, ou mesmo o que significará para você, se vai significar. Mas preciso dizer porque isso é real. É real, e eu nunca me senti dessa maneira antes. Com ninguém.

A boca de Renata suavizou em um pequeno sorriso enquanto ele divagava com estupidez, tentando encontrar uma maneira de dizer a profundidade do que havia em seu coração de macho da Raça. Tentava e falhava miseravelmente.

- O que estou querendo dizer é que... - sacudiu a cabeça, sentindo-se uma porcaria, mas o suave toque de Renata em seu rosto o tranquilizou. O claro olhar dela trouxe Niko de volta, direto e centrado, conectando-o com a Terra. - O que estou querendo dizer é que estou apaixonado por você... Realmente apaixonado. Não estava esperando que isso acontecesse. Não pensei que alguma vez eu fosse querer isso, mas... Ah! Renata, quando olho dentro de seus olhos, só consigo pensar em uma coisa: para sempre.

Ela exalou devagar e seu pequeno sorriso se estendeu em radiante alegria. Niko passou as mãos na pele suave e macia dela, e pelos cabelos úmidos.

- Estou apaixonado por você, Renata. Sei que não sou um poeta... Caramba, nem sequer chego perto disso. Não tenho todas aquelas palavras bonitas que queria poder dizer... Mas quero que saiba que o que sinto por você é real. Eu te amo.

Ela riu brandamente.

- O que faz você pensar que quero poesia ou palavras finas? Você acabou de dizer exatamente o que queria ouvir, Nikolai–ela deslizou sua mão pela parte de trás do pescoço largo dele e o puxou para um longo e apaixonado beijo. - Também te amo, Nikolai - sussurrou contra sua boca. - Assusta-me admitir isso, mas é assim. Eu te amo, Nikolai.

Ele a beijou e a abraçou, desejando nunca ter de se afastar dela. Mas o cair da noite logo chegaria e ainda havia uma coisa que ele precisava fazer.

- Tem que fazer uma coisa por mim.

Renata se acomodou contra ele.

- Qualquer coisa.

- Não sei o que vai acontecer esta noite, mas preciso saber que vai estar tão forte quanto possível. Quero que tome mais de meu sangue.

Ela se soltou de seu abraço e arqueou uma sobrancelha para ele.

- Tem certeza de que não está só tentando entrar no meio das minhas pernas de novo?

Niko riu, uma sacudida de calor formando redemoinhos diretamente em sua virilha apenas diante daquela ideia.

- Eu não rejeitaria o convite. Mas falo sério... Quero que beba de mim de novo. Faria isso por mim?

- Sim, é obvio.

Ele afastou uma mecha escura da testa dela.

- Há uma coisa mais, Renata. Quando formos atrás de Fabien esta noite, eu morreria se algo... Bem, simplesmente não posso me arriscar a ficar separado de você, vou precisar saber que você está bem todo o tempo, ou minha concentração vai para o inferno. Preciso ter uma ligação com você. Sei como se sentia com Yakut usando seu sangue como um grilhão para você, e prometo que isso não é o que...

- Sim, Nikolai – ela disse, interrompendo-o com um movimento suave de seus dedos sobre sua boca. – Sim... Pode beber de mim.

A maldição dele como resposta foi um sinal de alívio.

- É para sempre - recordou firmemente. - Precisa entender isso. Se eu beber de você, não poderemos desfazer esse vínculo nunca mais.

- Entendo - ela disse sem vacilação. Aproximou-se e beijou-o, longa e profundamente. - Entendo que o vínculo é para sempre... E continuo dizendo que sim.

Niko gemeu. O fogo iluminou-lhe as veias. Suas presas se alongaram e seu pênis se elevou em atenção imediata, tudo nele ansioso por reclamar Renata como sua. Ele a beijou, o coração golpeando fortemente contra seu tórax forte quando ela passou a língua por seus lábios para brincar com as pontas afiadas de suas presas.

- Quero que você fique nua para isso - disse ele, incapaz de conter o tom autoritário que se mostrava em sua voz. Ele era parte humano, mas havia outra parte dele – uma parte mais selvagem e muito, muito mais sexy – que era menos paciente do que gostaria.

Niko olhou com olhos flamejantes de âmbar como Renata o obedecia rapidamente, despojando-se de sua roupa e estendendo-se sobre o chão de grama do refúgio, suas coxas deixando-se entreabrir para ele sem um pingo de inibição.

- Ah! Sim... - Niko grunhiu. - Assim é muito melhor.

Ele estava completamente tomado pela necessidade de tê-la. Arrancando sua própria roupa e deixando-a de lado, subiu sobre os quadris dela e a montou. Empurrou o membro duro como uma rocha enquanto ela o acariciava, torturando-o. E ele manteve o olhar nela enquanto levava seu pulso até a boca e mordia a própria carne.

- Deixe-me provar de você de novo – ela disse, subindo até encontrar a veia enquanto ele levava as perfurações até sua boca. Gotas carmesim salpicaram até cair sobre os seios dela, tão vívidas contra sua cremosa pele. Ela gemeu, fechando os olhos enquanto sugava-o, saboreando-o.

Niko a olhava beber, observando seu corpo começar a retorcer-se pela excitação. Com sua mão livre, ele a acariciou, incapaz de resistir a passar seus dedos pelo sangue que havia derramado sobre ela. A visão de seu sangue marcando a pele dela era tão erótica como nada tinha sido antes. Seu toque atrevido foi mais abaixo, à fenda aberta que estava tão preparada para ele. As coxas dela apertaram-lhe o pulso, sustentando-o contra si enquanto o primeiro orgasmo disparou através do corpo dela.

Niko grunhiu de pura adoração masculina enquanto alimentava sua fêmea e a sentia clamar por ele. Ele a deixou beber durante vários minutos até seu corpo arder de novo sob ele.

Ele também estava ardendo.

Suavemente, tirou o pulso de sua boca e fechou as perfurações com uma lambida. Renata ainda estava arqueando e retorcendo-se, ainda gemendo por ele, enquanto ele se ajeitava sobre ela e a penetrava, as unhas dela marcando seus ombros largos em uma dor deliciosa.

Nikolai fez amor tão devagar quanto pôde – tão devagar quanto a febre de seu corpo permitia. Ela gozou de novo, retorcendo-se e extraindo dele uma furiosa liberação. Mas isso praticamente não diminuiu as investidas. Ele ainda estava duro dentro dela, ainda faminto por aquela mulher... sua mulher.

Com a mão tremendo, Nikolai acariciou os pontos escuros já fechados de um lado da bela garganta de Renata.

- Tem certeza? - perguntou, sua voz apenas reconhecível para ele mesmo, estava tão seco e desesperado. – Renata... Quero que você tenha certeza.

- Sim - ela arqueou o corpo, confirmando com um empurrão, seu constante olhar suplicante. - Sim.

Com um grunhido selvagem enroscando-se em sua garganta, Nikolai expôs as presas e desceu sobre ela.

O doce sabor do sangue de Renata surgiu em sua boca caindo como um pontapé no estômago. Ah! Agora sabia. Quantas vezes havia especulado com os outros guerreiros a respeito de estar emparelhado e encontrar uma fêmea que os impressionaria? Facilmente centenas de vezes. Milhares, talvez.

Que ingênuo ele tinha sido.

Agora ele sabia. Renata o tinha, mesmo antes de ele a morder. Ele estava de joelhos diante daquela mulher, e ficaria ali com prazer pelo resto de sua vida.

Niko bebeu mais, afogando-se no prazer do vínculo que havia criado através da união de sangue e do ritmo exagerado de seus corpos nus, unidos. Seus dentes ainda estavam cravados na pele dela enquanto ele tomava o último gole e gozava de novo, dessa vez mais forte, uma descarga assombrosa que o golpeou como um trem descarrilhado. Agarrou-se nela, estremecendo com intensa satisfação. Embora pudesse beber de sua veia durante toda a noite, Nikolai se obrigou a se afastar, selando as feridas com uma tenra lambida de sua língua.

Ele ficou observando-a, seu olhar iluminando a pele dela.

- Eu te amo – ofegou, necessitando que ela o escutasse e que acreditasse nisso. Queria que ela se lembrasse disso depois dessa noite, depois que conseguissem localizar Fabien no norte e que ele lhe explicasse por que havia precisado mentir. Beijou seu queixo, sua bochecha, sua testa. – Amo você, Renata.

Ela sorriu sonolenta.

- Mmmm... Eu realmente gosto de como isso soa.

- Então terei que assegurar que ouça muitas e muitas vezes.

- Certo - murmurou ela, seus dedos brincando com os cabelos dele, empapados de suor sobre a nuca. - Foi incrível, a propósito. Sempre vai ser bom assim?

Ele gemeu.

- Tenho a sensação de que pode melhorar.

Ela riu, e a vibração fez despertar de novo seu sexo.

- Se continuar assim, terei que voltar e tomar outra ducha.

Ele fez um movimento sexy e poderoso com sua pélvis, encaminhando sua ereção mais profundamente.

- Ah, posso continuar. Não se preocupe, isso nunca vai ser um problema quando você estiver por perto.

- Melhor tomar cuidado, ou posso obrigá-lo a isso.

Niko riu apesar de seu pesado humor.

- Coração, pode me obrigar a tudo que quiser.

Ele a beijou novamente. E grunhiu de prazer quando ela envolveu as pernas ao redor dele e o fez girar de costas para começar uma lenta e nova cavalgada.


Capítulo 27

Houve uma época para Andreas Reichen, há quase 300 anos, quando a morte caía sobre ele como um dilúvio. Um tempo quando uma desatinada onda brutal de massacre tinha visitado seu pacífico domínio.

Naquele tempo, no verão úmido de 1809, uma manada de vampiros Renegados tinha forçado sua entrada nesse mesmo Refúgio, violando e matando vários de seus familiares. O ataque tinha sido ao acaso, a mansão e seus residentes apenas tiveram o azar de estar no caminho de um grupo de Renegados viciados em sangue. Tinham forçado sua entrada além das portas desprotegidas e janelas, alimentando-se e matando muitos inocentes... E, apesar de tudo, houve sobreviventes. Os Renegados tinham espalhado horror e passado como a peste que eram, mas finalmente foram caçados e destruídos por um membro da Ordem que tinha vindo ajudar Reichen.

A matança fora insuportável, mas não tinha sido completa.

O que Reichen enfrentou em sua volta para casa naquela noite tinha sido um ataque calculado. Não uma entrada pela força bruta, mas por meio da traição. Um inimigo bem-vindo como um amigo. E o massacre ocorrido - provavelmente nas primeiras horas da manhã, justo antes da saída do sol - tinha sido uma aniquilação total.

Ninguém tinha se salvado.

Nem sequer a alma mais jovem na residência.

Com um terrível silêncio que impregnava o ar como uma enfermidade, Reichen caminhou através do sangue e da destruição como um dos mortos. Seus passos seguiram a pista de manchas pegajosas escarlates no mármore do vestíbulo e da sala, além de seu jovem sobrinho, que estava tão contente ao convidar Reichen para padrinho de seu filho recém-nascido. O novo pai ruivo estendido na porta tinha sido o primeiro a morrer, Reichen adivinhou, incapaz de olhar o rosto sem vida que olhava sem ver a escada cheia de balas que conduzia aos dormitórios dos Refúgios nos andares superiores.

Mais morte esperava no corredor fora da biblioteca, onde outros machos tinham sido cortados ao meio. Ainda mais vidas extintas perto da escada da adega, um dos primos de Reichen e sua Companheira de Raça, ambos mortos enquanto tentavam escapar dos disparos.

Não viu o corpo da criança até que quase tropeçou nele - um menino vampiro de cabelo revolto que evidentemente tinha tentado se esconder em uma das estantes da sala de jantar. Os assassinos o haviam tirado de lá e o matado como a um cão.

- Jesus Cristo – Reichen, sufocado, caiu de joelhos e levou a mão branda do menino a sua boca para afogar o grito gutural. - Pelo amor de Deus... Por quê? Por que eles e não eu?!

- Ele disse que você saberia por quê.

Reichen fechou os olhos diante do som rígido da voz de Helene. Ela falava muito devagar, as sílabas muito planas... carente de matizes.

Sem coração.

Ele não precisava se virar para saber que seus olhos estariam estranhamente mortos para ele agora. Mortos porque todo seu calor e toda a sua humanidade tinham sido recentemente retirados dela.

Já não era sua amante, nem sua amiga. Ela era uma Subordinada.

- Quem converteu você? - ele perguntou, deixando cair a mão do menino morto. A quem você pertence agora?

- Você deve saber, Andreas. Você me enviou a ele, afinal.

Filho da puta.

Reichen apertou a mandíbula quadrada e masculina, os molares quase quebrando pela pressão.

- Wilhelm Roth. Ele a enviou aqui para fazer isso. Ele a usou para me destruir.

O fato de Helene não dizer nenhuma palavra sequer apenas tornou a compreensão do golpe mais profunda. Tão dilacerador como seria olhar os olhos de sua ex-amante e ver que a mulher por quem se preocupava agora estava sem alma. Reichen tinha que ver por si mesmo.

Levantou-se e virou lentamente.

- Ah! Helene...

Sangue seco salpicado no rosto e na roupa dela - quase cada centímetro dela coberto de sangue de seus mais queridos amigos e familiares. Ela devia estar ali no centro de todo o massacre, uma insensível testemunha não afetada por tudo isso.

Ela não disse nada quando o olhou fixamente, com a cabeça inclinada um pouco para o lado. Seus olhos, uma vez brilhantes e ardilosos, agora estavam vazios e frios. Abaixo, ao seu lado, ela sustentava uma grande faca de cozinha na mão. A folha larga brilhava à luz do abajur de cristal da sala de jantar.

- Sinto muito - ele murmurou, seu coração retorcido. - Eu não sabia... quando enviou o e-mail e me deixou a mensagem com o nome de Roth, tentei avisá-la. Tentei alcançá-la, mas...

Ele deixou que as palavras se desvanecessem, sabendo que as explicações não importavam. Não mais. Não agora.

- Helene, só sei que sinto muito - engoliu a bílis que subiu no fundo de sua garganta. - Só sei que eu realmente me importava com você. Eu a amav...

Com um grito estridente, Helene se lançou sobre ele.

Reichen sentiu o fio da navalha cortando seu peito e braço, fazendo um profundo corte. Ignorando a dor, ignorando a inalação repentina do aroma de seu próprio sangue, ele agarrou o braço da escrava de Roth e o torceu. Ela gritou, opondo-se e lutando enquanto ele puxava seu braço esquerdo para baixo e bloqueava ambos os membros ajustados aos lados de seu corpo. Ela amaldiçoou e gritou, chamando-o com nomes vis, cuspindo de fúria.

- Shhh - Reichen sussurrou ao lado de seu ouvido. – Agora, cale-se, Helene.

Como um animal selvagem, Helene continuou se retorcendo e gritando para que ele a soltasse.

Não, corrigiu-se. Não, Helene. Aquela já não era a mulher que ele conhecera. Helene estava morta para ele no momento em que trouxe o esquadrão da morte de Wilhelm Roth para dentro daquele Refúgio. Na verdade, por muitas razões, ela nunca foi sua. Que Deus tivesse piedade dela, ela não merecia esse fim. Nenhum dos caídos ali merecia tal horror.

- Tudo está bem agora - ele murmurou, a mão direita acariciando as bochechas manchadas de sangue dela. - Está tudo bem agora, querida.

Um grito saiu disparado de sua garganta enquanto ela puxava bruscamente o rosto para fora de seu alcance.

- Maldito! Deixe-me ir!

- Sim - ele disse tirando-lhe a faca. - Terminou agora. Vou deixá-la ir.

Com a dor estrangulando-o, Reichen girou a faca em torno de seus dedos e levou a ponta ao seu peito.

- Me perdoe, Helene...

Sustentando-a apertada contra ele, afundou a lâmina profundamente no peito dela. Ela não fez nenhum som enquanto morria, apenas deixou escapar um suspiro longo e lento enquanto desinflava em seus braços e desabava ali, frouxa como uma boneca de pano. Tão brandamente quanto pôde, Reichen deitou seu corpo no chão. A faca caiu de sua mão ao lado dela, revestida com o carmesim brilhante dos sangues deles mesclados.

Reichen lançou um longo e incorruptível olhar para os restos do que tinha sido seu lar. Agora que tudo tinha terminado, queria memorizar cada mancha de sangue, cada vida que se interrompeu por causa de sua falta de atenção. Seu engano. Ele precisava recordar, porque em pouco tempo nada daquilo existiria.

Não podia permitir que nada daquilo permanecesse, não daquela forma. Tampouco ia deixar que as mortes não fossem vingadas.

Reichen deu meia volta e se afastou da matança. Suas botas ecoaram no chão de madeira da sala, seus passos eram o único som na horripilante tumba maciça. No momento em que chegou ao jardim em frente à propriedade, seu peito não estava mais apertado, mas frio.

Tão frio como uma pedra. Tão frio como a vingança que tinha a intenção de visitar Wilhelm Roth e todos os associados a ele.

Reichen se deteve brevemente na grama iluminada pela lua. Ele se virou para a mansão e, por um momento, simplesmente a viu em sua perfeita e estranha quietude. Então sussurrou uma oração, palavras antigas que se sentiam oxidadas em sua língua pela falta de uso.

Não é que a oração lhe fizesse algum bem agora. Estava abandonado, agora mais do que nunca. Realmente sozinho.

Reichen baixou sua cabeça até o peito, invocando seu terrível talento. Encheu-se em seu interior, um calor que rapidamente se intensificou, formando um fundido e revolto círculo em suas vísceras.

Ele deixou-o crescer. Deixou-o girar e ganhar força até que seu interior se sentiu abrasado por sua fúria.

E ainda o conteve.

Manteve-o em seu interior até que a bola de fogo golpeou contra sua caixa toráxica, fumaça e cinza flutuando até queimar o fundo de sua garganta. Até que a bola de fogo o consumiu, iluminando todo seu corpo com um resplendor muito quente. Cambaleou sobre seus calcanhares, lutando para manter o corpo até que soubesse que desataria a total destruição instantânea.

Enfim, com um rugido cheio de dor, Reichen soltou o poder de dentro dele.

Um disparo de calor saiu de seu corpo, derramando e girando enquanto avançava para frente, uma esfera de pura energia explosiva. Como um míssil lançado em um alvo por um laser, o círculo disparou dentro da porta aberta da mansão Refúgio. Um segundo depois, detonou, uma impressionante beleza infernal.

Reichen foi golpeado de volta com o estalo sônico da explosão.

Deitou-se na grama, observando com satisfação desinteressada como as chamas, as faíscas e a fumaça devoravam até mesmo os menores pedaços do que tinha sido sua vida.


Capítulo 28

- Estamos carregados e preparados para partir, Renata. Precisa de mais tempo antes de sairmos?

De pé no caminho de cascalho diante da casa principal, Renata girou quando Nikolai se aproximou por trás.

- Não, não preciso de mais tempo aqui. Estou pronta para deixar este lugar para sempre.

Ele abraçou-a, envolvendo-a em sua força masculina.

- Acabo de falar com Gideon. Tegan, Rio e os outros estão fazendo bons progressos. Eles devem estar em nosso ponto de encontro em uma hora.

- Certo. Bom.

Renata se inclinou em seu abraço, feliz pelo calor de seu refúgio... e de seu amor. Nikolai a tinha mantido perto dele no refúgio de videira até que o sol se pôs, acalmando seus temores com seu corpo, afastando-a da feia realidade que originalmente os tinha unido - e do que poderia acontecer naquela noite, quando eles finalmente teriam a oportunidade de enfrentar Edgar Fabien.

A verdade era que ela estava preocupada com o que eles poderiam encontrar. Uma preocupação que lhe penetrava até os ossos e, embora Nikolai não houvesse dito nada que sugerisse que ele também tivesse dúvidas, ela poderia dizer que sua mente estava carregada de pensamentos que ele parecia estar decidido a esconder dela.

- Pode me dizer, você sabe - ela saiu dos braços dele e o encarou. – Se tiver um mau pressentimento a respeito desta noite... pode me dizer.

Algo cruzou a expressão de Niko, mas ele não disse nada, apenas sacudiu a cabeça e beijou a testa de Renata.

- Não sei o que podemos esperar em se tratando de Fabien. Mas posso dizer que, aconteça o que acontecer, estarei com você, certo? Vamos sair disso.

- E uma vez que tenhamos Fabien, vamos buscar Mira - ela completou, procurando os olhos dele. - Certo?

- Sim - ele disse, com seu indestrutível olhar que sustentou de forma estável. - Sim, eu prometi. Dei minha palavra a respeito disso. Não vou desapontá-la.

Ele a puxou para si uma vez mais, capturando-a em um afeto que o mostrava pouco disposto a deixá-la ir. Renata o sustentou também, escutando o forte e rítmico palpitar de seu coração em sua orelha... e perguntando-se por que seu próprio pulso parecia estar dando um sinal de alerta em suas veias, como uma sentença de morte.

Em uma remota fazenda abandonada de cem hectares, algumas horas ao norte de Montreal, o bosque da noite estremeceu com o gemido de um motor de combustão interna e o excesso de velocidade de um barco que passava através do lago praticamente desabitado. A terra e o lago, bem como o transporte proporcionado a Dragos para chegar àquele lugar, pertenciam a Edgar Fabien.

Embora Fabien tivesse sido uma recente decepção, Dragos supôs que o líder do Refúgio merecesse algum crédito por aquela reunião importante. Enquanto o resto dos assistentes chegou durante a noite anterior de automóvel, naquela noite um barco rápido tinha sido enviado para levar Dragos depois que um hidroavião o havia trazido da cidade por outro caminho interno de água também na propriedade de Fabien. Depois do revés sofrido poucas semanas atrás, durante a reunião de Dragos com a Ordem, Fabien tinha ficado muito mais cauteloso sobre como viajava ao ar livre, entre outras coisas. Ele tinha chegado muito longe para correr riscos. Tinha arriscado muito para perder tudo por um descuido ou por incompetência de outros.

Lançou um olhar depreciativo para o outro passageiro sentado no bote com ele. O rosto do Caçador permanecia impassível no resplendor leitoso da lua sobre suas cabeças, seu enorme corpo perfeitamente imóvel mesmo quando o condutor girou o leme e o bico da proa do barco conectou-se diretamente com a água para desviar-se em direção ao cais solitário que se encontrava mais adiante.

O caçador provavelmente sabia que se dirigia para a própria morte. Tinha fracassado em sua missão de matar o Primeira Geração em Montreal, o que pedia um incrível castigo. Dariam um jeito nele naquela noite, e se Dragos pudesse usar este castigo como uma demonstração adicional de seu poder diante dos tenentes que estavam reunidos para dar as boas-vindas agora, melhor.

O motor do barco mudou para uma marcha inferior quando chegaram ao cais não iluminado e modesto onde Edgar Fabien esperava para saudá-lo. Os vapores do gás formaram redemoinhos fora da água, asquerosamente doces. A reverência profunda de Fabien e as boas-vindas aduladoras tinham um efeito similar.

- Meu senhor, é a honra de toda uma vida dar boas-vindas aos meus domínios.

- De fato - Dragos arrastou as palavras enquanto dava um passo fora do barco sobre as tábuas de madeira escura do cais. Ele fez um gesto para que o Caçador o seguisse, e não perdeu a reação de Fabien quando divisou o tamanho e a imensidão do Primeira Geração que prestava serviços à ordem de Dragos. – Todos estão reunidos lá dentro?

- Sim, senhor. - Fabien saiu de sua reverência e se precipitou a caminhar ao lado de Dragos. - Tenho boas notícias. O guerreiro que escapou da contenção foi eliminado. Tanto ele quanto a mulher que o ajudou. Um de meus ajudantes agarrou a dupla, e ontem à noite enviei uma equipe com meus melhores agentes para se livrar do problema.

- Tem certeza de que o guerreiro está morto?

O sorriso de suficiência de Fabien ressoou.

- Aposto minha própria vida nisso. Enviei profissionais capacitados para a tarefa. Confio na habilidade deles de forma implícita.

Dragos grunhiu, sem deixar-se impressionar.

- Que grande comodidade deve ter esse tipo de confiança em seus servos.

A confiança de Fabien vacilou com a espetada e ele limpou a garganta com estupidez.

- Meu senhor... em outro momento, se quiser.

Dragos dispensou o Caçador de sua presença com um gesto cortante.

- Aproxime-se da casa e me espere. Não fale com ninguém.

Quando o assassino Primeira Geração caminhou a passos longos para a frente, Dragos fez uma pausa para lançar um olhar impaciente para Fabien.

- Meu senhor, eu esperava, quer dizer, pensei que um presente pudesse cair bem - gaguejou ele. - Para celebrar esse importante evento.

- Um presente? - antes que pudesse perguntar a Fabien o que pensava que Dragos poderia necessitar dele, Fabien estalou os dedos e um agente de execução surgiu das sombras das árvores circundantes, empurrando uma menina diante dele. A menina parecia perdida na escuridão, seus cabelos loiros brilhando como cabelos de milho, seu pequeno rosto perdido debaixo dele.

- Que é isso?

- Uma jovem Companheira de Raça, meu Senhor. Meu presente para o senhor.

Dragos contemplou a menina desamparada, impressionado. As Companheiras de Raça eram um acontecimento bastante raro entre as populações humanas, isso era certo, mas ele preferia as férteis, em idade de procriar. Essa garota não estaria pronta por vários anos, o que sem dúvida mostrava que Fabien tinha algo mais a respeito dela.

- Pode ficar com ela - disse Dragos, retomando o percurso rumo à reunião. – Faça com que seu homem conduza o barco de volta. Chamarei pelo rádio quando necessitar.

- Vá - Fabien ordenou em resposta, então voltou novamente ao lado de Dragos, tão ansioso como um cão mendigando pelas sobras. - Meu senhor, sobre a menina... na verdade, o senhor deve ver por si. Ela é dotada de um talento extraordinário que estou seguro de que o senhor saberá apreciar. Ela é um oráculo, meu senhor. Fui testemunha disso.

Contra sua vontade, a curiosidade prendeu sua atenção. Seus passos desaceleraram, e então deteve-se.

- Traga-a.

Quando ele girou ao redor, o sorriso impaciente de Fabien ficou ainda mais amplo.

- Sim, senhor.

A menina foi conduzida a ele uma vez mais, resistindo em seus passos, seus obstinados calcanhares cravando-se nas velhas agulhas de pinheiro e na areia que enchiam o pequeno cais. Ela tentou lutar contra o guarda vampiro que a segurava, mas era um esforço inútil. Ele simplesmente a empurrou para frente até que ela ficou de pé diretamente na frente de Dragos. Ela manteve seu queixo para baixo, com o olhar posto no chão.

- Levante a cabeça - Fabien ordenou, mal esperando que obedecesse, antes de pegar sua cabeça com ambas as mãos e a obrigar a olhar para cima. - Agora, abra os olhos. Vamos!

Dragos não sabia muito bem o que esperar. Ele não estava absolutamente preparado para a palidez surpreendente de seu olhar. A íris da menina era tão clara como espelhos de cristal e tão impecável que imediatamente o fascinaram e hipnotizaram. Estava vagamente consciente da emoção de Fabien, mas toda a sua atenção estava presa na menina e no incrível brilho tênue de seus olhos.

E então ele viu... um movimento brilhante na meditação pacífica. Viu uma forma movendo-se através das espessas sombras - um corpo que acreditou reconhecer como o seu próprio. A imagem ficava mais clara quanto mais olhava fixamente, absorto e impaciente por ver mais do presente que Fabien havia descrito.

Era ele.

Era seu refúgio também. Mesmo envoltas na névoa escura, as imagens que se mostravam eram intimamente familiares. Viu o laboratório subterrâneo, as celas de contenção... a jaula de luz ultravioleta que continha sua maior arma na guerra que estava preparando durante todos aqueles séculos. Tudo estava ali, revelando-se para ele através dos olhos daquela pequena Companheira de Raça.

Mas, então, um momento de alarme surpreendente.

Seu laboratório antigo, tão rigidamente assegurado e ordenado, estava em ruínas. As celas de contenção tinham sido deixadas abertas. E a jaula de luz ultravioleta... estava vazia.

- Impossível - murmurou ele, golpeado por um temor sombrio, furioso.

Ele piscou com força, várias vezes, querendo limpar a visão de sua cabeça. Quando abriu os olhos outra vez, viu algo novo nos olhos malditos da menina... algo ainda mais incompreensível.

Viu-se implorando por sua vida. Chorando, abatido. Patético. Derrotado.

- Isso é algum tipo de brincadeira de mau gosto? - a voz dele tremia tanto com a raiva como com outra coisa muito fraca para admitir. Desviou o olhar da garota e o fixou em Fabien.

- Que diabos isso significa?

- Seu futuro, senhor – o rosto de Fabien ficou completamente pálido. A boca se moveu durante um momento sem expressar som algum, então, finalmente balbuciou. - A menina... o senhor viu, ela é um oráculo. Ela me mostrou em pé aqui, nesta grande reunião, apresentando uma visão de seu futuro que o agradava enormemente. Quando vi isso, soube que tinha de guardá-la, meu senhor. Tinha de oferecê-la ao senhor, não importava o custo.

O sangue de Dragos era como lava ardendo em suas veias. Ele deveria matar esse idiota ali mesmo, só por aquele insulto.

- É óbvio que você interpretou mal o que viu.

- Não! - Fabien exclamou, agarrando a menina e girando ao redor dela. Deu a ela uma sacudida forte. – Mostre-me outra vez! Mostre que não me enganei, maldita!

Dragos observou tão imóvel como uma pedra, enquanto Fabien olhava atentamente seus olhos. O grito horrorizado do líder do Refúgio disse tudo o que ele tinha que saber. Ele cambaleou para trás, tão branco quanto uma folha de papel. Golpeado como se tivesse testemunhado sua própria morte.

- Não entendo - murmurou Fabien. - Tudo mudou. O senhor tem de acreditar, Mestre! Não sei como ela mudou a visão, mas a pequena bruxa está mentindo agora. Ela tem que estar mentindo!

-Tire-a de minha frente - Dragos grunhiu ao guarda da Agência de Execução que a sustentava. – Vou levá-la comigo quando for, mas até então, não quero ver nem um fio de cabelo dela.

O guarda assentiu com a cabeça e afastou a menina, praticamente arrastando-a até a casa.

- Senhor, eu lhe rogo - suplicou Fabien. – Perdoe-me por este... lamentável engano.

- Cuidarei de você mais tarde - disse Dragos, sem se preocupar em esconder a ameaça reflexiva no fundo de cada uma de suas palavras.

Retomou a marcha para a reunião, mais decidido do que nunca a fazer todos compreenderem de uma vez por todas sua autoridade e seu poder incomparáveis.


Capítulo 29

Estava completamente escuro quando Niko e Renata, após seguirem as coordenadas enviadas por Gideon, chegaram ao local onde ficava a propriedade de Edgar Fabien, ao norte. O líder do Refúgio evidentemente possuía um pedaço considerável de terra suficientemente longe de Montreal para que a zona ao redor permanecesse inexplorada: acre após acre de enormes coníferas e sempre-vivas, nenhuma alma sequer à vista, a não ser um ou outro veado ou alce americano que saía em disparada ao primeiro aroma de vampiro arrastando-se naquele santuário natural.

Nikolai tinha feito sozinho o reconhecimento da área nos últimos minutos. Uma casa de dois andares feita de troncos e pedra estava enfiada em um canto do bosque. Um estreito caminho sem pavimentação e apenas largo o suficiente para um veículo cortava as árvores na parte da frente da casa. Niko contornou essa vida escondido pela vegetação e viu dois Agentes da Lei vestidos com roupas da SWAT, postados no meio do caminho, e os três grandes Humvees estacionados em fila única bem diante da porta principal da casa. Três outros guardas vampiros com rifles M16 cobriam a entrada. Leste e oeste estavam também sob vigilância com um sentinela armado.

Embora não imaginasse que eles tivessem deixado a parte traseira da propriedade vulnerável, Niko se moveu ao redor daquele caminho para ter uma ideia da extensão do terreno. Ouviu o suave som de água mesmo antes de ver o tranquilo lago e o cais vazio na borda, a cerca de trezentos metros atrás da casa. Lá, outra dupla de Agentes permanecia de guarda.

Maldição.

Entrar no lugar para pegar Fabien não seria fácil. A menos que ele e a Ordem atacassem por cima, se quisessem tirar o sócio de Dragos dali teriam de passar por alguns guardas da Agência no processo, sem considerar o grupo desconhecido de vampiros da Raça que tinha acompanhado o líder do Refúgio de Montreal até ali na noite passada. Capturar Fabien naquela noite sem muitas baixas civis beirava o impossível, principalmente quando o resgate de Mira era acrescentado à equação. Portanto, o reconhecimento feito por Niko dava conta de que a coisa seria feia. Muito feia.

E havia ainda a situação com Renata.

Uma das coisas mais difíceis que Nikolai já fizera fora passar o dia inteiro com ela, sabendo que a tinha enganado. Ele queria dizer-lhe, depois que fizeram amor, depois que ela o honrou com o presente de seu sangue e com o vínculo completo que agora os unia eternamente. Quis dizer-lhe uma dúzia de vezes, em uma dúzia de momentos diferentes, mas, egoísta, mantivera a verdade oculta para a própria proteção dela. Ele ainda mantinha a esperança de que ela compreendesse sua cautela - que ela poderia inclusive ficar agradecida que ele a tivesse feito esperar para saber a localização de Mira até que ele e os outros guerreiros da Ordem tivessem uma oportunidade sólida de criar uma estratégia de resgate.

Sim, o macho da Raça seguia se dizendo essas coisas porque não queria sequer considerar outras alternativas.

Afastando o arrependimento que perseguia seus passos e o medo que seguia arrastando-se por trás de seu pescoço, Nikolai se moveu para uma melhor posição de acesso aos bosques. Olhou através dos ramos de pinheiro e observou vários dos ocupantes da casa enquanto eles passavam por uma janela no andar térreo. Fez uma rápida contagem dos vampiros da Raça encapuzados enquanto eles andavam a passos largos e em grupo para outra sala. Cinco, seis, sete... e então outro, este sem o capuz negro cobrindo-lhe o rosto.

Ah! Jesus Cristo!

Nikolai o conhecia. Ele tinha visto o filho da mãe de perto e pessoalmente apenas algumas semanas antes, quando uma missão da Ordem tinha-lhe enviado a um encontro com um dos oficiais do mais alto escalão na Agência da Lei. Naquele momento, o homem usava um pseudônimo - um dos dois nomes falsos que a Ordem tinha descoberto não fazia muito tempo. Agora eles conheciam o bastardo por seu verdadeiro nome, o nome que o Primeira Geração traidor que fora seu pai carregava antes também.

Dragos.

Maldição.

Durante semanas a Ordem havia investigado exaustivamente à procura de Dragos, tudo sem êxito. Agora, ele estava ali, na frente deles, como um peixe em um barril. O bastardo estava ali. E, maldito seja, ele ia cair - naquela noite.

Niko recuou para a mata cerrada, então arrastou o traseiro na direção sul, onde tinha deixado Renata no SUV da Agência que roubaram. Mal podia esperar para ligar para Tegan e Rio e lhes dar essas boas notícias.

A confusão e a angústia de Edgar Fabien por causa do fracasso de seu presente para Dragos assombrava-o como um fantasma enquanto ele e os outros seguiam o recém-chegado líder à sala de conferências no abrigo ao norte. Ele sabia que era perigoso, geralmente mortal, desagradar Dragos, algo que tinha evitado muito bem até agora. Mas ele também sabia – assim como o resto dos vampiros da Raça reunidos ali para aquele encontro – que Dragos os tinha juntado por um objetivo específico. Aquela seria uma noite histórica. Eles seriam recompensados, Dragos prometera, pelos anos de parceria oculta e lealdade a um objetivo comum.

Depois de tanto tempo e esforço adulando Dragos durante as últimas décadas, Fabien só rezava que não tivesse jogado tudo fora naquele instante infeliz perto do cais.

- Sentem-se - Dragos ordenou, tomando seu lugar na frente da sala de reuniões. Assistiu enquanto Fabien e os outros seis, todos ocultos atrás de seus capuzes negros, ocupavam as cadeiras reunidas ao redor do bloco de granito polido que servia como mesa de conferências. - Nós nos reunimos aqui nesta sala porque compartilhamos um interesse comum: o atual e o futuro estado de nossa Raça.

Fabien assentiu sob seu capuz, assim como o fizeram os outros ao redor da mesa.

- Compartilhamos um ressentimento comum pela corrupção de nossas descendências pela mancha de humanidade e pela maneira ambiciosa com a qual os que estão no poder dentro da Raça escolheram nos governar com respeito à inferioridade humana. Desde que as primeiras sementes da Raça foram semeadas neste planeta, os vampiros degeneraram-se em uma vergonha grande e triste. A cada nova geração nascida, nossa descendência cresce mais e mais mesclada com a humanidade. Nossos líderes preferem que nos ocultemos dos Homo sapiens, todos com medo de serem descobertos, e mascaram essa covardia com leis e políticas supostamente feitas para proteger o segredo de nossa existência. Ficamos debilitados pelo medo e pelo segredo. Já é hora de isso mudar e precisamos de um novo e poderoso líder.

Agora os assentimentos chegaram mais vigorosos, os acordos murmurados mais fervorosamente.

Dragos começou a dar passos sem pressa na frente da sala, suas mãos juntas e frouxas atrás das costas.

- Nem todos partilham de nosso desejo de reverter radicalmente as falhas passadas e restaurar a Raça a uma posição de poder. Nem todos veem o futuro que nós vemos. Alguns diriam que o preço é muito alto, que os riscos são muito grandes. Mil desculpas para explicar por que a Raça deveria manter seu status quo e não dar os passos firmes requeridos para aproveitar o futuro a que temos direito.

- Ouça, ouça - Fabien interferiu, ansioso por aquele futuro que o lambia como uma chama.

- Estou encantado com o fato de que todos vocês nesta sala entendam que passos firmes devem ser tomados - disse Dragos. - Cada um de vocês, individualmente, tem tido um papel no avanço de nossa visão ao seguinte nível. E vocês o fizeram sem questionar, sem conhecer uns aos outros... até agora. Nosso próprio momento de segredo terminou. Por favor - disse ele -, tirem seus capuzes e nos deixem começar a mais nova fase de nossa aliança.

Fabien estendeu a mão para o pano negro que lhe cobria a cabeça, a insegurança fazendo seus dedos duvidarem. Deteve-se até que alguns dos outros assistentes tiraram seus capuzes antes de encontrar coragem para tirar o seu.

Por um momento, nenhum dos vampiros da Raça disse uma palavra. Olhadas passaram ao redor da mesa, alguns presunçosos com reconhecimento de olhares conhecidos, outros cautelosos pelos estranhos que agora, com essa confissão de mal-intencionada traição, tinham se tornado seus mais profundos aliados. Fabien conhecia vários dos rostos que lhe devolveram o olhar - todos eles de Refúgios de alto escalão ou oficiais da Agência da Lei, alguns dos Estados Unidos e outros do exterior.

- Somos um conselho de oito - anunciou Dragos. - Como os Antigos que chegaram aqui há tanto tempo. Somos, todos nós, a segunda geração de filhos desses poderosos extraterrestres. Logo, uma vez que o último vampiro Primeira Geração for eliminado, estaremos entre os mais velhos e mais poderosos de nossa Raça. Cada um de vocês ajudou nesse esforço, seja oferecendo as localizações dos membros que restavam de nossa primeira geração, seja apoiando a causa oferecendo Companheiras de Raça para levar as sementes de nossa revolução.

- E quanto à Ordem? - perguntou um dos assistentes europeus, seu sotaque alemão afiado como uma lâmina de barbear. - Há dois guerreiros Primeira Geração com quem ainda temos de lutar.

- E o faremos - disse Dragos, sem problemas. – Vou planejar o ataque direto na Ordem muito em breve. Depois do recente golpe contra mim, será um prazer pessoal enterrar a operação da Ordem e ver os guerreiros e suas Companheiras encontrarem a morte.

Um diretor da Agência da Costa Oeste dos Estados Unidos inclinou-se para trás em sua cadeira e arqueou as sobrancelhas castanhas.

- Lucan e seus guerreiros já sobreviveram a outros ataques antes. A Ordem existe desde a Idade Média. Eles não cairão sem luta. Uma luta dura e sangrenta.

Dragos riu.

- Ah! E eles sangrarão. E se tudo sair como espero, vão pedir misericórdia e não receberão nenhuma. Não do poderoso exército que terei às minhas ordens.

- Quando começaremos a criar esse exército? - alguém no grupo perguntou.

O sorriso de Dragos se encheu de malícia.

- Começamos faz 50 anos. Na verdade, essa revolução começou há muito mais tempo do que isso. Muito mais.

Todos os olhos estavam cravados nele enquanto ia a passos largos até um laptop que Fabien tinha mandado deixar preparado na sala. Enquanto digitava algo, o grande monitor plano da sala de conferências se elevou do chão. Dragos digitou mais outras coisas e logo o monitor piscou, mostrando o que parecia ser um laboratório.

- Uma conexão por satélite com uma de minhas fortalezas - explicou, usando o touchpad para controlar remotamente a câmera. - É aqui onde estive juntando as peças do quebra-cabeças - a câmera vagou para um muro de cilindros criogênicos codificados, depois passou por um grupo de microscópios, computadores e tubos de DNA alinhados nas mesas. No meio de todo aquele equipamento, vários Subordinados cientistas vestidos com máscaras e jalecos brancos.

- Parece um laboratório de genética - disse o alemão.

- E é - respondeu Dragos.

- Que tipo de experimentos está fazendo?

- De todo tipo - Dragos voltou para o teclado e teclou outra sequência de comandos. A câmera do laboratório apagou e foi substituída por outra: essa era um ângulo panorâmico de um longo corredor com celas de prisão. Embora da posição da câmera fosse difícil distinguir algo além das mais rudimentares formas, era óbvio que as celas continham mulheres, algumas delas com crianças.

- Companheiras de Raça - tomou fôlego Fabien. - Deve haver vinte ou mais ali.

- Elas nem sempre sobrevivem aos testes, de modo que o número tende a variar - disse Dragos, em tom de conversa. - Mas tivemos nossos êxitos com o processo de reprodução. Essas mulheres e as que viveram antes delas estão dando a luz ao maior exército que este mundo jamais viu. Uma brigada de assassinos Primeira Geração que estarão sob minhas ordens.

Um silêncio tão grande como uma capa de inverno caiu sobre a reunião.

- Primeira Geração? - perguntou o diretor da Costa Oeste. - Isso não pode ser possível. Seria preciso um dos Antigos para produzir uma primeira geração de vampiros da Raça. Todos foram exterminados pela Ordem faz uns 700 anos. O próprio Lucan declarou Guerra a todos os Antigos e se certificou de que nenhum sobrevivesse.

- Certificou-se? - sorriu Dragos, mostrando as pontas de suas presas. - Acredito que... não.

Com uns poucos golpes mais de teclado, mostrou as imagens de outra câmera na conexão do satélite. Dessa vez, o foco se localizava em uma grande sala cheia de segurança, que tinha em seu centro uma cela cilíndrica construída com raios de luz. Os raios ultravioleta emitidos da jaula de barras verticais estavam piscando, inclusive na tela.

E dentro dessa jaula de raios ultravioleta havia uma criatura nua e sem cabelo que, de pé, mediria dois metros. Seu corpo nu era imenso, cada polegada coberta de dermoglifos. Ele elevou a vista enquanto as lentes da câmara zumbiam sobre ele de algum lugar da câmara. Pupilas e olhos âmbar, mas devoradas pelo fogo que ardia fora de suas órbitas, reduzido com letal consciência. A criatura saiu de sua posição de cócoras e se preparou para atacar, só para receber de novo o calor das barras ultravioleta que o deixavam prisioneiro. Abriu a boca e soltou um rugido furioso que não precisou ser ouvido para ser entendido.

- Meu Deus - mais de um dos assistentes ofegou.

Dragos lançou um olhar mortalmente sóbrio sobre o grupo.

- Admirem... nossa revolução.

O celular de Lex vibrou no centro do console do SUV. Renata o pegou e olhou a tela: Número desconhecido.

Inferno.

Ela não podia estar segura se a chamada era para Lex ou para Nikolai, já que o guerreiro da Raça estava usando o telefone para chamar e receber chamadas da Ordem. Ela não sabia há quanto tempo ele tinha saído para fazer o reconhecimento e estava a ponto de perder a cabeça esperando por ele. Ela precisava fazer algo. Ao menos, precisava sentir que estavam fazendo algum progresso para encontrar Mira logo...

O celular continuou vibrando em sua mão. Ela pressionou o botão de atender, mas não disse nada. Apenas deixou que a pessoa se revelasse primeiro.

- Olá? Niko? Você está aí, hermano? - a profunda voz denotava um acento espanhol, tão quente e suave como caramelo. - É Rio, cara...

- Ele não está aqui - disse Renata. - Estamos no lado norte da cidade, esperando que vocês cheguem. Nikolai saiu para fazer um reconhecimento da área. Não deve demorar muito.

- Bem - disse o guerreiro. - Já estamos quase chegando, demoraremos aproximadamente 45 minutos. Você deve ser Renata.

- Sim.

- Quero agradecê-la por você ter salvado o traseiro de nosso garoto aí. O que fez foi... bem, ele tem sorte de tê-la ao seu lado. Todos temos - ela podia ouvir a genuína preocupação e gratidão na voz do vampiro, e ficou demasiado curiosa por conhecer os outros guerreiros que Nikolai chamava de amigos. - Está tudo bem aí? Você está bem?

- Estou bem. Só ansiosa para que tudo isto acabe essa noite.

- Entendo - respondeu Rio. - Niko nos contou sobre a menina, Mira. Lamento pelo que você está passando, sabendo que um doente como Fabien está com ela. Sei que não deve ter sido fácil esperar o dia todo para se encontrar conosco.

- Não, não foi. Sinto-me tão inútil - confessou ela. - Odeio esse sentimento.

- Lamento tudo isso. Não vamos deixar que nada aconteça com ela esta noite quando entrarmos lá, Renata. Tenho certeza de que Nikolai explicou para você que pôr nossas mãos em Edgar Fabien é fundamental para a Ordem, mas vamos dar o nosso melhor para que a menina saia de toda esta situação bem.

Um súbito frio impregnou seu peito enquanto as palavras de Rio se afundavam em sua mente.

- O que disse?

- Que ela vai ficar bem.

- Não... isso de que você não deixarão que nada aconteça... lá dentro...

Do outro lado da linha, um longo silêncio.

- Ah! Cristo! Niko não lhe disse nada sobre o vídeo que temos do Refúgio de Fabien de ontem à noite?

O calafrio em Renata congelou, o gelo estendendo-se do peito aos seus membros.

- Um vídeo... de ontem à noite? - respondeu ela paralisada. - O que havia nele? Você viu Mira? Ah! Deus! Fabien fez algo? Diga-me!

- Madre de Dios - disse com uma larga exalação. - Se Niko não lhe disse isso... não tenho certeza de que devo lhe contar agora.

- Fale, maldição.

Ela ouviu um estrondo de conversa rápida ao fundo antes que Rio finalmente cedesse.

- A menina está com Fabien e com outros que ainda não identificamos. Pegamos a informação de uma câmera de segurança no Refúgio de Fabien. Eles partiram ontem à noite e nós os seguimos até a propriedade onde está agora.

- Ontem à noite - murmurou Renata. - Fabien está com Mira aqui... desde ontem à noite. E Nikolai? Vai me dizer que ele sabia? Quando ele ficou sabendo disso tudo? Quando?

- Tenho que pedir que aguente aí um momento mais - disse Rio. - Vai ficar tudo bem...

Renata sabia que o guerreiro ainda estava falando, ainda estava tentando acalmá-la, mas sua voz se apagou lentamente de sua consciência conforme uma profunda cólera e um profundo medo - uma dor tão desmedida que ela acreditava que poderia despedaçá-la – tomou conta de si. Ela desligou o telefone, cortando a chamada e deixando o aparelho cair no chão, aos seus pés.

Mira estava ali desde a noite passada, com Fabien. Todo este tempo. E Nikolai sabia.

Ele sabia, e escondeu isso dela. Ela poderia estar aqui há horas – nas horas de sol - fazendo algo, algo para salvar Mira. Em vez disso, Nikolai tinha ocultado deliberadamente a verdade e, como resultado, ela não tinha feito nada.

Não totalmente nada, ela admitiu, golpeada pela culpa por causa do prazer que tinha desfrutado com Niko enquanto Mira estava sozinha perto dali.

- Ah! Deus! - ela sussurrou, sentindo-se enjoada diante daquele pensamento.

Estava vagamente consciente dos passos aproximando-se do veículo, seus sentidos elevando-se antes que sua mente pudesse processar o som. O vínculo de sangue que agora compartilhava com Nikolai lhe disse que era ele antes que sua sombra aparecesse. Ele abriu a porta do carro esportivo e entrou.

- É Dragos - disse ele, procurando no console, no painel e no assento pelo celular. - Maldito seja, não posso acreditar nisso, mas era ele. Acabei de ver o filho da mãe dentro da casa com Fabien e com os outros. Dragos está aqui, ao nosso alcance. Onde diabos está aquele telefone?

Renata o olhou fixamente, vendo um estranho enquanto ele se inclinava para a frente e estendia a mão para apanhar o celular que estava aos pés dela, no chão do veículo. Ela mal ouvia o que estava dizendo. Mal se preocupava agora.

- Você mentiu para mim.

Ele se voltou para trás, com o telefone de Lex na mão. O rangido de adrenalina que tinha iluminado seus olhos se reduziu um pouco quando encontrou seu olhar.

- O quê?

- Eu confiei em você. Você me disse que eu podia confiar em você, que podia contar com você, e o fiz. Acreditei em você e você me traiu - ela tragou a saliva passando o terrível nó de sua garganta e forçando a si mesma a pronunciar as palavras. - Mira está aqui. Está aqui com Fabien desde ontem à noite. Você sabia disso... e não me disse nada.

Ele estava calado, mas sequer tentou negar o que ela dizia. Ele olhou o telefone em sua mão como se acabasse de se dar conta de como ela tinha descoberto.

- Eu podia estar aqui, Nikolai. Há horas, podia estar aqui, fazendo algo para tirar Mira das mãos desse monstro!

- Motivo pelo qual eu não lhe disse nada - disse amavelmente.

Ela sentia o coração quebrado.

- Você me traiu.

- Fiz isso para protegê-la. Porque te amo.

- Não - disse ela, agitando a cabeça para evitar ser feita de idiota de novo. - Não. Não diga isso. Como pode dizer isso quando usou todas essas palavras para me manter distraída, para me fazer acreditar que realmente se preocupava comigo enquanto você e seus amigos da Ordem faziam planos pelas minhas costas?

- Não foi assim. Nada do que aconteceu entre nós hoje... nada do que eu disse tem a ver com a Ordem. Hoje era você e eu... era sobre nós.

- Grande merda!

Ele estendeu a mão para ela e ela recuou, mantendo-se fora do alcance dele. Ela abriu a porta e saiu do carro, mas ele estava fora do veículo, a seu lado, bloqueando-a com o enorme corpo, tão rápido que ela sequer pôde dar um passo.

- Afaste-se de mim, Nikolai.

- Aonde você vai? - perguntou ele gentilmente.

- Não posso me sentar aqui por mais tempo e não fazer nada - ela deu um passo, mas ele continuava ali. A sutileza desapareceu rápido, substituída por uma firmeza que dizia que ele a manteria amarrada se fosse necessário.

- Não posso deixar que você faça isso, Renata.

- Essa não é uma escolha sua - ela respondeu, tremendo com medo e indignação. - Que droga, nunca foi uma escolha sua!

Ele grunhiu uma maldição e a agarrou.

Renata mal percebeu o que tinha feito até que ele ficou paralisado, segurando a cabeça entre suas mãos. Ele sibilou, seus olhos pulsando brilhos âmbar enquanto lhe dirigia um olhar horrorizado e furioso.

- Renata. Não faça isso.

Ela o atacou de novo, todo seu medo por Mira e sua dor por causa da traição verteram dela uma corrente castigadora de dor mental. Nikolai caiu de joelhos, rugindo e retorcendo-se pela dor que ela tinha desencadeado nele.

Renata se afastou do guerreiro, no bosque, antes que se permitisse ser dissuadida pelo arrependimento crescente dentro de si.


Capítulo 30

A casa estava sob forte armamento, guardada por todos os lados. Era impossível entrar sem ser notado por pelo menos um dos agentes de execução vestidos com roupas parecidas com as da equipe antiterrorista da SWAT. Todos eles ostentavam uma expressão do tipo “atire primeiro e pergunte depois”, desde a escura viseira do capacete preto e dos equipamentos de combate até os rifles automáticos pendurados no corpo.

Graças aos agentes que tinham invadido a casa de Jack na noite anterior, Renata e Nikolai tinham conseguido transporte, uniforme e armas. Ela não tinha a ilusão de que teria a sorte de chegar ao edifício, mas, à primeira vista, vestida como eles, os agentes de plantão podiam pensar que ela era um dos seus.

Ela colocou o capacete que tinha trazido consigo do SUV e fechou o visor colorido. Adotando a melhor postura de soldado que podia, saiu da mata e se aproximou do vampiro que guardava o lado oeste da casa.

O agente a viu imediatamente.

- Henri? Que porcaria você estava fazendo lá fora?

Renata deu de ombros, ergueu o braço bom em um gesto de “vá se ferrar”. Ela não correria o risco de falar com ele, arriscaria no máximo usar sua arma para tirar esse obstáculo do caminho. Mas se o derrubasse, teria toda a segurança em seu traseiro. Não, ela tinha de manter a calma e apenas seguir caminhando na direção dele com a esperança de que ele não abrisse fogo se suspeitasse de algo.

- Qual o problema com você, idiota?

Renata deu de ombros novamente. Chegando mais perto.

Seus dedos coçavam para fazê-lo voar - ele era um alvo fácil ali parado como um tronco, mas o mais leve cheiro de sangue derramado chamaria a atenção de todos os vampiros ao redor. Renata sabia que tinha de aproximar-se o suficiente para alcançá-lo com a mente. Sua única opção era atingi-lo com uma explosão rápida e sólida.

- Ingrato dos infernos. Henri, volte ao seu posto - disse o agente, grunhindo. Estendeu a mão para um pequeno dispositivo de comunicação em seu cinto. - Estou chamando Fabien para denunciá-lo. Se quiser irritá-lo, vá em frente, mas eu não quero fazer parte disso...

Usando todo seu poder, Renata lançou uma descarga selvagem de energia a partir de sua mente e a enviou ao vampiro diante de si. Suas palavras sufocaram com um grunhido e ele caiu como uma pedra. Ela manteve a descarga até que ele ficou em silêncio. Quando estava certa de que ele estava morto, inclinou-se e tirou-lhe a arma e o rádio.

Renata abriu a porta de entrada lateral e deu uma rápida olhada na área interna. Estava vazia. Ela deslizou para dentro, o coração martelando no peito, a respiração ofegante contra a viseira fechada do capacete.

Depois de toda a fúria que ela sentira por Nikolai não ter contado que Mira estava ali com Fabien, agora ela tinha gratidão para com a Ordem pela prova visual da localização da criança. Era tarde demais para saber como tinham ficado as coisas com Nikolai. Tarde demais para se preocupar se deveria ter esperado por ele e por seus companheiros de armas para apoiá-la. Parte dela sabia que tinha sido injusta, mas tinha ido muito longe para voltar.

Ela tomou uma decisão impulsiva e emocional baseada em sentimentos feridos. Foi uma decisão que poderia custar a amizade que tinha com Nikolai - talvez até mesmo seu amor -, mas mesmo já lamentando, aquilo não podia ser desfeito. Nikolai poderia nunca perdoá-la por colocar em risco sua missão e ela entenderia se ele não a perdoasse.

Agora, ela podia apenas rezar para que Mira não pagasse o preço daquilo tudo.

Niko despertou com o zumbido irritante de um celular ao lado de sua cabeça. Ele estava no chão ao lado do veículo. Não fazia ideia de quanto tempo estava ali. O celular vibrou novamente, mexendo na grama e nas folhas secas que se espalhavam pelo chão da floresta. Usou quase toda a sua força para mover a mão e pegar o maldito aparelho. Desajeitadamente, atendeu. Tentou dizer algo, mas apenas conseguiu soltar um grunhido seco.

- Alô - disse ele mais uma vez, forçando seus membros a se arrastarem e se apoiarem na roda dianteira do SUV.

- Niko? - a voz de Rio veio do outro lado do receptor, pesada com a preocupação. - Você parece uma porcaria, hermano. Fale comigo. O que está acontecendo?

- Renata - disse ele, segurando a cabeça nas mãos. – Está enlouquecida...

Rio amaldiçoou.

- Sim, deduzi isso. A culpa é minha, cara. Não sabia que ela não estava a par sobre a menina ter sido levada na noite passada.

- Ela sumiu - Niko disse. Notou que todos os seus sentidos começaram a voltar como se um interruptor em um gerador de energia fosse ligado dentro dele. - Ah! Caramba, Rio.... eu a enfureci e agora ela foi em busca de Mira por conta própria.

- Madre de Dios.

Na outra ponta da linha, Niko ouviu Rio dar a Tegan e aos outros um rápido esboço da situação.

- Isso não é o pior, cara - acrescentou Nikolai, ignorando a dor do tiro em sua cabeça enquanto se levantava do chão e dava uma corrida impressionante para a parte traseira do SUV. - A reunião de Fabien é maior do que pensávamos... Dragos está aqui também.

- Você tem certeza disso?

- Eu vi o desgraçado com meus próprios olhos. Ele está aqui. Nikolai foi pegar as armas automáticas na parte traseira tão rápido quanto seus braços lentos poderiam se mover. Ele cobriu o corpo com fuzis, enfiou uma pistola na parte traseira de seu uniforme roubado do Agente de Execução e outra em um coldre no tornozelo. - A casa está cercada por guardas, então quando vocês chegarem aqui, entrem a pé e se dividam.

- Niko, o que você está fazendo?

Ele não respondeu; sabia que seu velho amigo não gostaria da resposta. Em vez disso, carregava com munição tudo o que pudesse.

- Há dois homens no meio do estacionamento e três na frente. Retire-os primeiro e terão o caminho limpo.

- Nikolai - a voz de Rio era baixa, em forma de advertência. - Hermano, você não está pensando direito agora... não.

- Ela está lá dentro, Rio. Com Dragos, Fabien e sabe Deus quem mais... e ela está sozinha. Eu vou atrás dela.

Rio soltou uma palavra desagradável em espanhol.

- Fique atento. Estamos a dez minutos de distância e estamos acelerando, cara.

Niko fechou a parte de trás do SUV.

- Vou dar uma olhada no entorno.

- Caramba, Nikolai, se essa mulher quer se matar, isso não é problema seu. Nós vamos ajudá-la no que pudermos, mas...

- Ela é minha companheira, Rio - Nikolai soprou uma maldição. - Estamos ligados pelo sangue... e eu a amo. Eu a amo mais do que minha própria vida.

O suspiro do guerreiro soou pesado com compreensão e derrota.

- Suponho que não há necessidade de lhe dizer que você desafiará as ordens diretas de Lucan se for lá agora. Se Dragos está no lugar, isso torna as coisas ainda mais críticas e você sabe disso. Precisamos que você fique onde está e espere por ajuda.

- Não posso fazer isso - respondeu Nikolai.

Ele desligou o telefone e o atirou pela janela do motorista. Então, partiu para encontrar sua mulher.


Capítulo 31

Dragos se permitiu deleitar-se com o temor de seus subalternos quando eles observavam o Antigo preso na cela de raios ultravioleta sendo mostrada na tela. Do assombro de seus rostos – a absorta incredibilidade –, qualquer um pensaria que ele tinha conseguido capturar a luz em uma garrafa. Na verdade, o que tinha conseguido nas últimas décadas era algo ainda maior. Os sete machos da Raça que se reuniram com ele no quarto já o olhavam como um deus justamente por isso. Ele era o arquiteto de uma revolução que iria virar o planeta inteiro de cabeça para baixo. Naquela noite, eles testemunhariam a história e o começo de um futuro que ele tinha projetado pessoalmente.

- Como isso é possível? - alguém murmurou. - Se realmente é um dos Antigos que foi pai de nossa Raça, como sobreviveu à guerra com a Ordem?

Dragos sorriu enquanto andava mais perto da tela.

- Meu pai era um membro original da Ordem... mas foi, em primeiro lugar, o filho dessa criatura. Durante o banho de sangue perpetrado pela Ordem, quando Lucan declarou guerra aos Antigos, meu pai e seu pai alienígena fizeram um pacto. Em troca do poder compartilhado no futuro, meu pai iria escondê-lo até a histeria passar. Infelizmente, depois de fazer sua promessa, meu pai não sobreviveu à guerra. Mas o Antigo sim, como podem ver.

- Então, pretende cumprir o acordo de seu pai com essa... coisa? - Fabien perguntou, sua expressão como a de um cãozinho que acabara de perder o osso para um lobo selvagem.

- O Antigo está totalmente sob meu controle. Ele é uma ferramenta que utilizo quando e como for melhor para mim e para nossa causa.

- Como assim? - perguntou outro homem do grupo.

- Permitam-me dar-lhes uma demonstração.

Dragos caminhou até a porta da sala de conferências. Estalou os dedos para o Caçador que esperava lá fora, então, virou de volta para seus associados conforme o grande Primeira Geração o obedecia.

- Tire a camisa - ele ordenou ao Caçador.

O enorme macho obedeceu em silêncio, desnudando os ombros enormes e o peito sem pelos coberto por uma densa rede emaranhada de glifos. Mais de uma cabeça se voltou para o monitor para comparar as marcas da pele hereditárias da criatura contido dentro da célula ultravioleta.

- Eles têm dermoglifos semelhantes - Fabien engasgou. - Esse macho é da família do Antigo?

- Filho de Primeira Geração, criado com o único propósito de servir à causa - disse Dragos. - Todos os Caçadores de meu exército pessoal são os mais fortes, as armas mais letais do mundo. Eles foram especialmente criados e treinados sob minha orientação. São assassinos e infalivelmente leais a mim.

- Como pode estar certo disso? - perguntou o líder do Refúgio de Hamburgo, um homem sagaz que, sem dúvida, apreciaria a demonstração em tempo real que Dragos tinha em mente.

- Você percebe que o Caçador usa uma coleira. É um dispositivo de monitoramento GPS, mas também está equipado com um laser ultravioleta. Cada Caçador usa uma desde o momento em que começa a andar. Posso acompanhar todos os seus movimentos, localizá-los em um instante. E se me desagradam de qualquer maneira, basta um simples controle remoto para o laser ser ativado e emitir uma luz ultravioleta fina como uma navalha no pescoço do Caçador, cortando sua cabeça – disse Dragos, lançando um olhar significativo ao Caçador rigidamente em pé ao seu lado.

Um ou dois homens na mesa trocaram olhares desconfortáveis.

Foi o alemão quem falou primeiro, os olhos brilhantes.

- O que acontece se o colar for adulterado, ou removido?

Dragos sorriu, não para o alemão, mas para o próprio Caçador.

- Que tal vermos?

Apesar de seu instinto gritar para que entrasse como um ladrão à espreita, Renata caminhou pelo corredor oeste do covil de seus inimigos como se tivesse todo o direito de estar lá. Ela ouviu o baixo ruído de conversa masculina vindo de uma das grandes salas nos fundos. Em outra parte da casa, não havia nada além de calma, até que...

Soluços suaves de uma criança chegavam a partir de uma escada que conduzia ao segundo andar.

Mira.

Renata voou pelos degraus e seguiu os soluços até o final do corredor. A porta do quarto estava trancada pelo lado de fora. Ela passou a mão na parte superior do batente, mas não encontrou chave alguma.

- Maldição – sussurrou, tirando uma de suas lâminas da lateral da calça. Enfiou-a no ponto entre a porta e o batente, bem acima da fechadura, e fez uma alavanca dura. A madeira rachou, afrouxando um pouco. Mais duas vezes e, finalmente, tinha espaço suficiente para abrir. Com agitação e mãos ansiosas, Renata abriu a porta.

Mira estava lá dentro, graças a Deus.

Estava sem véu e assim que olhou para cima e viu a figura vestida de preto entrando na sala, encolheu-se no canto com terror absoluto.

- Mira, sou eu - disse Renata, abrindo a viseira escura. - Está tudo bem agora, querida. Estou aqui para levá-la para casa.

- Rê!

Ajoelhando-se, Renata estendeu os braços. Com um pequeno grito, Mira voou para seu abraço.

- Ah, minha ratinha! - Renata sussurrou, dando beijos aliviados na cabeça loira da garota. - Fiquei tão preocupada com você. Desculpe-me por eu não ter vindo mais cedo. Está tudo bem, querida?

Mira assentiu com a cabeça, os braços pequenos em volta do pescoço de Renata.

- Eu estava preocupada com você também, Rê. Eu estava com medo de nunca mais voltar a vê-la.

- Eu também, querida. Eu também - Renata odiava ter de soltá-la, mas ainda tinha que sair de lá antes que Fabien e seus companheiros chegassem. Ficou de pé, levantando Mira nos braços. - Temos que correr agora. Agarre-se em mim, certo?

Renata ainda não tinha descido dois degraus com a criança quando as explosões rápidas de tiros irromperam de todas as direções em algum lugar fora da casa.

Dragos estava ansioso para demonstrar a beleza tecnológica da coleira de raios ultravioleta que o Caçador usava quando o inferno desabou fora da reunião. Ele disparou um olhar mortal a Edgar Fabien quando o grupo pulou de seus assentos em alarme atordoado.

- O que está acontecendo lá fora? - exigiu de seu anfitrião. - Essa é outra de suas incompetências?

O rosto estreito de Fabien tinha uma sombra pálida.

- Eu... não sei... senhor. Seja o que for, tenho certeza de que meus agentes resolverão.

- Ao diabo seus agentes! - Dragos rugiu. Ele tateou para o rádio e emitiu uma ordem para o motorista levar o barco. Em seguida, olhou para o rosto do Caçador. - Fora, agora. Cuide disso. Mate todos que cruzarem seu caminho.

O Caçador - o soldado altamente treinado, obediente e impecável - apenas ficou ali, imóvel como um pilar de pedra.

- Fora. Eu ordeno!

- Não.

- O quê? - Dragos não podia acreditar em seus ouvidos. Ele sentiu os olhares de seus subordinados fixos nele. Ele podia sentir a descrença deles, a dúvida deles. Um silêncio floresceu, maduro, com a expectativa. - Eu lhe dei uma ordem direta, Caçador. Faça-o, ou vou acabar com você aqui e agora.

Com tiros chegando aos muros da casa, o Caçador teve a audácia de olhar Dragos nos olhos e balançar a cabeça.

- De qualquer forma, estou morto. Se quer que eu lute para que você possa viver, desative o meu colar.

- Como ousa sequer sugerir...

- Está perdendo tempo - disse ele, aparentemente imperturbável com caos crescente à sua volta. - Liberte-me deste colar, seu filho da mãe arrogante.

Nesse momento, um dos fracos vigias de Fabien apareceu correndo pela porta entreaberta.

- Senhor, estamos sendo alvejados por todos os lados. Não podemos ter certeza ainda, mas deve haver um exército na floresta nos cercando.

- Ah! Jesus! - Fabien engasgou. - Vamos todos morrer!

Dragos rosnou em fúria, sem a menor confiança de que os guardas de Fabien pudessem encontrar seus próprios traseiros, muito menos proporcionar uma cobertura adequada para o grupo de machos da Raça de alto escalão que estavam olhando naquele momento para Dragos como seu líder para ajudá-los a fugir. Esperando que ele decidisse se os salvaria ou se deixaria a prometida revolução cair por terra.

- Terminamos por aqui - ele rosnou. - Todo mundo para fora pela porta de trás, para o barco. Sigam-me.

Quando o grupo começou a sair em torno dele, Dragos lançou um olhar ameaçador por cima do ombro para o Caçador. Ninguém disse uma palavra – o ódio mútuo era suficiente para ler em seus olhares quando Dragos pôs a mão no bolso e pegou o dispositivo que controlava a coleira do Caçador e digitou o código que a desativava.

No instante que a coleira se desligou, o Caçador estendeu a mão e a arrancou do pescoço. Então, com um olhar de descrença, de fria determinação, ele caminhou para fora da porta em direção ao caos que se estendia do lado de fora.


Capítulo 32

Nikolai sorriu sozinho quando sua tática de distração criou uma confusão repentina e maciça em todo o complexo. Os Agentes em guarda corriam precipitadamente em pânico total, mais de um recebeu um golpe da explosão de disparos que vinham de todas as direções do bosque. Niko ordenou que uma videira enrolasse os ramos no gatilho de sua última M16 escondida.

Quando a videira fez como as anteriores, segurando o fuzil no alto e aplicando uma pressão cada vez maior no gatilho, o galho verde ficou mais grosso e mais forte, então Niko correu para a entrada lateral da casa.

Não foi difícil encontrar Renata. Seu vínculo de sangue era um farol para ele, levando-o através da parte traseira do lugar para um voo por cima das escadas. Renata estava descendo com Mira apertada nos braços. Ela encontrou o olhar dele e, por um instante infinito, nenhum dos dois disse uma palavra. Nikolai queria dizer como estava arrependido, e como estava aliviado por ela ter encontrado a criança ilesa.

Ele tinha mil coisas que queria dizer a Renata naquele momento, principalmente que a amava e que sempre a amaria.

- Rápido – ele murmurou. - Precisamos sair daqui agora.

- O tiroteio está por toda parte - disse Renata, a preocupação marcando suas feições. - O que está acontecendo?

- Apenas diversão. Tive que criar uma oportunidade para conseguir tirar você daqui.

Ela parecia aliviada, mas só por um segundo.

- Fabien e os outros... Eu os ouvi saindo pelo caminho de trás há alguns minutos.

- Estou trabalhando nisso - Niko disse. - Agora vá. Não pare por nada. Leve Mira de volta para o carro. A Ordem deve chegar a qualquer minuto.

- Nikolai...–disse Renata, olhando Nikolai firmemente, fazendo-o parar na esperança de ouvir o perdão ou uma afirmação de que ela ainda podia amá-lo depois de tudo o que tinha acontecido. Ela prendeu seu olhar, formando um vinco entre as sobrancelhas. - Seja cuidadoso.

Ele ofereceu-lhe um aceno triste, não sentindo o comum aumento de adrenalina que precedia o combate. Aqueles dias pareciam séculos atrás, quando nada mais importava para ele exceto a glória da batalha e o triunfo da vitória, por mais sem sentido que fosse.

Agora tudo importava, sobretudo em se tratando de Renata. Sua segurança e felicidade eram tudo o que importava, mesmo que isso significasse que ele poderia não estar em cena.

- Leve Mira de volta para o carro - disse novamente. - Mantenha a cabeça baixa e cuide-se. Vamos tirá-las daqui.

Ele esperou até que Renata saísse correndo, então foi para a porta dos fundos da propriedade por onde seus inimigos tinham fugido.

A lancha estava parada na doca quando Dragos e os outros correram ladeira abaixo para pegá-la. Ao redor da floresta e até perto da casa, os agentes de Fabien mexiam-se como formigas que tinham acabado de perder a casa. Tiros iluminavam a noite de modo tão enlouquecido que era impossível dizer quais rajadas vinham dos aliados e quais dos aparentes intrusos.

Tudo que Dragos sabia era que não ficaria para enfrentar a Ordem ou esperar que alguém o derrubasse.

Quando ele e seu grupo começaram a subir no barco, Dragos colocou-se no caminho de Edgar Fabien.

- Não há espaço a bordo para você - disse para o líder do Refúgio de Montreal. - Você nos prejudicou bastante com sua idiotice. Você fica aqui.

- Mas... senhor, eu... por favor, posso garantir que não vou decepcioná-lo novamente.

Dragos sorriu, mostrando as pontas de seus dentes.

- Não, você não vai.

Dizendo isso, levantou uma pistola 9 mm e disparou um tiro mortal direto entre os olhos redondos de Fabien.

- Vamos! - ordenou ao condutor do barco, Edgar Fabien completamente apagado quando o motor rugiu e a embarcação os levou até o hidroavião que esperava na outra extremidade do lago.

Ele chegou tarde demais.

Niko encontrou alguns Agentes em seu caminho até o lago, mas quando chegou lá, a lancha não passava de uma agitação na água. Nikolai disparou alguns tiros atrás deles, mas estava apenas perdendo balas. O cadáver de Edgar Fabien jazia na doca de madeira. Dragos e os outros já estavam do outro lado do lago naquele momento.

- Maldição.

Alimentado pela fúria e pela determinação, Nikolai começou a se movimentar ao longo da costa, recorrendo à velocidade sobrenatural que todos os da sua espécie possuíam quando precisavam. O barco era rápido, mas a água estava cercada de terra. Em algum ponto Dragos e seus companheiros teriam de desembarcar e pegar outro meio para terminar a fuga. Com alguma sorte, Niko poderia alcançá-los antes que fugissem.

Ele não sabia quão longe estavam - um quilômetro, provavelmente – quando, de repente, seu peito congelou de medo.

Renata.

Algo estava errado. Terrivelmente errado. Ele podia sentir as emoções de Renata como se fossem suas. Ela, a corajosa e imperturbável Renata, agora estava morrendo de medo.

Ah! Cristo! Se alguma coisa acontecesse com ela...

Não. Ele não podia sequer pensar nisso.

Com todos os pensamentos sobre Dragos deixados de lado, Nikolai virou e continuou em alta velocidade, rezando para chegar a tempo.

Ela não tinha visto o vampiro enorme vindo.

Em um minuto estava cortando o mato escuro com Mira firme em seus braços e, no minuto seguinte, viu-se olhando para o rosto implacável e para os impiedosos olhos dourados de um macho da Raça, cujo imenso torso nu, ombros e braços estavam cobertos por um espesso padrão de dermoglifos.

Era um Primeira Geração; Renata soube instintivamente. Seus instintos também diziam que aquele macho era mais letal do que a maioria, frio como pedra.

Um assassino.

O terror a cobriu como uma maré negra. Ela sabia que se o atacasse era melhor ter certeza de que poderia matá-lo rapidamente, ou então ela e Mira seriam mortas no mesmo instante. Não se atreveu a tentar quando Mira podia sofrer caso ela falhasse.

Santa Mãe de Deus, chegar tão longe, finalmente ter Mira em seus braços, a poucos passos da liberdade... e agora... Jesus Cristo!

- Por favor - Renata murmurou, desesperada para atrair a mais leve misericórdia. - A criança não. Deixe-a ir... por favor, deixe a criança, não lhe faça mal...

O silêncio do vampiro era irritante. Mira tentou levantar a cabeça do ombro da amiga, mas Renata gentilmente a empurrou de volta para baixo, não querendo que ela se assustasse com o mensageiro da morte que, sem dúvida, tinha sido enviado por Edgar Fabien ou por Dragos. Ou pelo próprio Diabo em pessoa, maldito seja.

- Vou colocá-la no chão - Renata disse a ele, sem ter certeza de que ele a compreendia e que muito menos concordaria. - Apenas... deixe a criança ir. Sou eu quem você quer, não ela. Apenas eu.

Os olhos de falcão dourado seguiam cada movimento de Renata enquanto ela cuidadosamente tirava Mira dos braços e lentamente colocava os pés da menina no chão. Renata colocou-se entre o assassino e a criança, rezando para que a morte dela fosse suficiente para satisfazer ao assassino e ao seu mestre do mal.

- Rê, o que está acontecendo? - Mira perguntou por trás de suas pernas, as mãos pequenas segurando-lhe as calças enquanto olhava ao seu redor. - Quem é esse homem?

O vampiro deixou seu olhar de pedra viajar até a origem daquela voz minúscula. Ele olhou. Sua cabeça raspada virou lentamente para o lado. Então, ele fez uma careta.

- Você - disse ele, com uma voz tão profunda que estremeceu todo o caminho até a medula Renata. Algo sombrio passou em seu rosto. - Deixe-me vê-la.

- Não - declarou Renata, segurando Mira atrás de si e bloqueando-a como um escudo. - Ela é apenas uma criança. Não fez nada contra você ou qualquer outra pessoa. Ela é inocente.

Ele lançou a Renata um olhar tão feroz que quase a derrubou.

- Deixe-me ver os olhos dela.

Antes que pudesse recusar mais uma vez, antes que pudesse pensar em alguma forma de pegar Mira e fugir o mais rápido possível, Renata sentiu Mira dar um passo para sair detrás de sua proteção.

- Mira, não.

Tarde demais para interromper o que aconteceria. Renata só pôde olhar com terror quando Mira caminhou direto para fora e olhou para cima, subindo para o duro olhar do letal vampiro Primeira Geração.

- Você... - disse ele novamente, olhando para o doce rosto de Mira.

Renata poderia dizer o momento em que começou a testemunhar o presente de Mira. Os olhos dourados dele ficaram tempestuosos, e ele olhava, absorto, enquanto a criança mostrava seu futuro. Ele chegou mais perto, muito perto, até que os braços maciços poderiam atacar e quebrar Mira inadvertidamente.

- Não... - ela deixou escapar, mas ele já estava chegando até Mira.

- Está tudo bem, Rê - Mira sussurrou, em pé diante do vampiro, tão inocente como uma criancinha que vagava na cova dos leões.

E foi então que Renata percebeu que algo de extraordinário estava para acontecer.

- Você me salvou - ele sussurrou, com as mãos enormes nos pequenos ombros de Mira. O vampiro se ajoelhou, ficando no nível da criança. Quando ele falou, a voz letal estava tranquila, com espanto e confusão. - Você salvou minha vida. Eu vi isso, agora, em seus olhos. Vi naquela noite também...


Capítulo 33

O coração de Nikolai congelou dentro de seu peito, um crescente pânico, medo transformado em gelo. Com o tiroteio ainda em erupção na área, ele tinha dado uma volta pela floresta até o lugar onde seu sangue tinha mostrado que encontraria sua Companheira apavorada.

Renata estava lá. Na escuridão da floresta banhada pela luz da lua, imóvel como uma estátua e olhando um imenso vampiro Primeira Geração agachado diante de Mira, segurando a criança com suas enormes mãos.

Jesus Cristo.

Niko moveu-se silenciosamente, rastejando para se aproximar e tentar encontrar uma posição em que poderia atirar sem colocar Renata ou a menina no fogo cruzado.

Ataque-o com uma onda, Renata. Faça-o cair e corra como se estivesse correndo do diabo.

Ela não lançou o poder mental sobre ele. Ela não tentou contrair um dedo na direção de qualquer uma de suas armas, psíquica ou não. Não, para o horror de Niko, ela não moveu sequer um dedo. Apenas ficou ali, no centro do que rapidamente se transformaria em uma tempestade infernal de sangue e violência.

O próprio medo de Niko naquele momento era insondável. Tudo o que ele sentia era o terror rasgando-o por dentro, seus ossos congelados, um desespero tão selvagem dentro do coração que batia como um tambor no peito.

Ele tirou as pistolas 9 mm de seus coldres laterais e avançou. Embora estivesse se movendo a um ritmo que apenas alguém da Raça poderia controlar, Renata olhou para cima. Ela o sentiu ali, movendo o ar ao seu redor, mesmo que os olhos não conseguissem registrar a velocidade. O sangue dele nela lhe disse que seu macho estava perto, assim como o seu sangue correndo nele sempre o faria encontrá-la.

Ele estava muito consumido pela raiva para notar que ela olhava para ele com alarme e não para o inimigo vampiro que enfrentava.

Nikolai avançou como um flash, totalmente preparado para matar. Ele parou logo atrás do grande Primeira Geração, as duas pistolas apertadas contra os glifos que seguiam até a parte traseira do crânio raspado do vampiro.

Tudo aconteceu em um piscar de olhos, mas parecia em câmara lenta na consciência de Nikolai.

Ele apontou as armas, os dedos nos gatilhos.

Os olhos de Renata se abriram. Ela balançou a cabeça.

- Niko, espere... não!

O Primeira Geração soltou Mira, deixando as grandes mãos caírem ao seu lado. Ele nem sequer reagiu às armas apontadas em sua cabeça. Seu peito expandiu quando puxou uma respiração longa, então deixou o ar sair em um suspiro resignado.

Ele não estava lutando contra sua morte.

Ele não se importava se morresse.

E então Mira gritou, a voz da criança alta com o medo.

- Não! Não o machuque!

Nikolai assistiu incrédulo e com espanto total quando Mira jogou seus braços em torno dos ombros largos do Primeira Geração.

- Por favor, não o machuque! - ela chorou, olhando para Niko, suplicando-lhe enquanto tentava proteger o vampiro com seu corpo minúsculo.

- Nikolai - Renata prendeu seu olhar quando ele a olhou, incrédulo, as duas pistolas de grande porte ainda armadas e prontas, niveladas na cabeça do Primeira Geração. - Nikolai... por favor, está tudo bem. Espere.

Ele franziu a testa, mas sua atitude guerreira relaxou um pouco.

- Levante-se - ordenou ao vampiro.–Levante-se e afaste-se da criança.

O Primeira Geração obedeceu sem qualquer comentário, lentamente, soltando os braços de Mira do seu pescoço e empurrando-a para longe enquanto levantava.

Niko se moveu para enfrentá-lo, as armas ainda sobre ele, quando orientou tanto Renata quanto Mira a ficar atrás dele.

- Quem diabos é você?

Os olhos sóbrios, inexpressivos, fitaram a terra.

- Chamam-me de Caçador.

- Você não é um Agente - disse Nikolai, cautelosamente.

- Não. Eu sou um Caçador.

Renata levou Mira para perto, segurando-a enquanto o caos na floresta e na casa lentamente morria em torno deles.

- Seus olhos, Nikolai - disse ela, entendendo agora. - Ele é o assassino que tentou matar Sergei Yakut naquela noite. Foi ele quem Mira viu no retiro de Yakut.

A expressão de Nikolai escureceu.

- É verdade? Você é um assassino de aluguel?

- Eu era - o Caçador deu um aceno triste e, finalmente, levantou o olhar. - A criança me salvou... Algo mudou em mim depois que eu vi a visão nos olhos dela naquela noite. Eu a vi salvar minha vida, exatamente como aconteceu há pouco.

No instante seguinte, a floresta ganhou vida com homens armados se deslocando sobre eles de todas as direções. Nikolai tinha as armas na mão, mas não fez nenhum movimento para disparar sobre as ameaças recém-chegadas. Renata entrou em pânico.

- Ah, merda. Niko...

- Está tudo bem - ele a acalmou com um olhar tranquilizador e algumas palavras gentis. - Estes são os mocinhos, meus amigos da Ordem.

Ela observou quando quatro dos guerreiros amigos de Nikolai entraram na área. Todos eram formidáveis no tamanho e na atitude, um grupo de músculos e de força que parecia sugar todo o ar da floresta pela simples presença dele.

- Como vai, hermano? Tudo bem aqui? - perguntou a voz suave que agora Renata reconhecia como pertencente a Rio.

Nikolai assentiu com a cabeça, os olhos e armas ainda apontadas na direção do Primeira Geração.

- Tenho tudo sob controle, mas a situação na casa está arruinada. Edgar Fabien está morto e Dragos e os outros fugiram pela costa. Foram de barco para o outro lado do lago. Tentei segui-los, mas... - olhou para Renata. - Tinha que me assegurar de que tudo estava bem por aqui primeiro.

- Nós ouvimos o zumbido de um motor de avião pequeno quando chegamos - disse Rio.

- Droga - Nikolai sussurrou. - Eram eles, sem dúvida. Fugiram. Diabos, Dragos estava aqui e nós perdemos o filho da mãe maldito.

- Deixe-me ajudar a encontrá-lo.

Todos os olhos se voltaram para o vampiro ainda detido na mira de Nikolai.

- Por que confiaríamos em você? - Nikolai perguntou, estreitando o olhar. - Por que estaria disposto a nos ajudar a colocar as mãos em Dragos?

- Porque ele é a pessoa que me criou - não havia calor no tom dourado dos olhos do Primeira Geração assassino quando respondeu à pergunta, apenas ódio gelado. - Ele me fez o que sou. Eu e todos os outros Caçadores criados por ele para matar.

- Ah, meu Deus! - Renata respirou. - Você quer dizer que há outros como você?

A cabeça raspada do Caçador acenou sobriamente.

- Não sei quantos nem onde estão, mas Dragos me disse que não sou o único de minha espécie. Há outros. Muitos outros.

- Por que devemos acreditar em você? - perguntou outro dos guerreiros, quase tão sombrio quanto a noite ao seu redor, seus dentes e presas brilhando como pérolas contra sua pele morena.

Outro guerreiro interveio, então, de olhos rápidos e sagazes, astuto como um lobo sob os pontos de ébano de seus cabelos cortados.

- Deixe Tegan nos dizer se podemos confiar nele.

Renata assistiu com espanto e um pouco de medo quando o maior do grupo, um guerreiro que parecia um fantasma perseguindo as sombras, deu alguns passos a frente. Imenso, com cabelos alourados sob o capuz preto de malha que usava, ele era um grande bloco de músculos másculos e energia sombria. Facilmente tão grande quanto o Primeira Geração diante dele, esperando seu julgamento.

Sem dizer nada, o guerreiro chamado Tegan estendeu sua enorme mão. O Caçador a pegou, seus olhos tão constantes quanto seu aperto.

Após um longo momento, Tegan deu um aceno vago.

- Ele vem com a gente. Vamos lacrar este lugar e dar o fora daqui.

Renata sentiu o enorme peso da tensão do momento ser removido, dando lugar a um novo propósito. O grupo se dividiu, a maioria dos guerreiros indo cuidar das coisas na casa de Fabien enquanto Rio e Nikolai andavam com Renata, Mira e seu companheiro inesperado de volta ao veículo à espera da Ordem.

Já perto, Nikolai pegou a mão de Renata.

- Encontramos você lá, Rio.

O guerreiro assentiu. À medida que avançavam, Renata olhou maravilhada e atemorizada quando Mira deslizou sua mão muito pequena na palma maior do Caçador.

- Meu Deus - disse ela a Nikolai. - O que está acontecendo?

Ele balançou a cabeça, claramente surpreso como ela.

- Vou levar algum tempo para descobrir isso, acho. Mas primeiro quero esclarecer as coisas entre nós.

- Nikolai, desculpe-me.

Ele a silenciou com um beijo longo e doce, puxando-a em seus braços quentes e musculosos.

- Eu estraguei tudo, Renata. Eu estava com tanto medo de perder você que a empurrei para longe de mim com uma mentira, fui um estúpido imprudente! Eu nunca me perdoaria se alguma coisa acontecesse com você ou Mira. Você é meu coração, Renata. Minha vida - ele acariciou-lhe o rosto, seu olhar a engolindo inteira. - Eu te amo tanto... Não quero viver um só momento sem você ao meu lado.

Ela fechou os olhos, dominada pela emoção.

- Eu nunca quis nada mais - ela sussurrou, sua garganta fechada com alegria. - Eu também te amo, Nikolai. Mas tem que entender que venho com um pacote agora. Mira não é minha filha de sangue, mas é de coração. Eu a amo como se fosse minha.

- Eu sei - disse sobriamente. - Você já provou isso.

Renata olhou para ele, incapaz de conter a esperança que se espremia em seu peito.

- Você acha que pode encontrar espaço em sua vida e em seu coração para nós duas?

- O que a faz pensar que eu já não tenha feito isso?–ele a beijou novamente, dessa vez com ternura. Quando olhou nos olhos dela, seu olhar era tão cheio de amor que lhe varreu o fôlego. - Vamos dar o fora daqui agora. Quero levar minhas garotas para casa.


Capítulo 34

Boston. Três noites depois.

O complexo da Ordem pareceu muito diferente para Nikolai quando ele andou pelo corredor que conduzia ao laboratório de tecnologia onde tinha se reunido com os outros guerreiros. A missão de capturar Dragos sofrera um golpe significante há algumas noites, mas também tinham ganhado uma vantagem muito inesperada na sua busca e encerramento da operação.

Infelizmente, embora o Caçador tivesse se tornado um valioso aliado, a Ordem também tinha perdido um membro crucial e confiável amigo: Andreas Reichen tinha sumido completamente e a notícia de Berlim era a pior possível. Ninguém sabia se o líder do Refúgio alemão tinha sobrevivido ao ataque em sua residência. Baseado na matança de toda sua família e no fogo que consumira a propriedade inteira, a Ordem tinha poucas esperanças de encontrar o amigo vivo.

Pessoalmente, Nikolai pensou que seria consolador para Reichen se ele tivesse morrido no ataque. Ele sabia que uma perda tão profunda jamais poderia ser superada. Certamente nenhum homem, da Raça ou não, seria forte o suficiente para sair ileso de um golpe tão brutal na alma. Como um guerreiro, Nikolai entendia baixas em combate. Todo guerreiro entrava na batalha sabendo que ele ou seus irmãos podiam não retornar para a base. Mas perder uma família...

Ele não queria nem mesmo considerar o que isso faria com um homem. Em vez disso, Nikolai se concentrou nas bênçãos que tinha, uma das quais podia ser ouvida falando baixinho quando ele se aproximou da porta aberta de seus aposentos.

Renata estava lá dentro, sentada no sofá da sala, lendo para Mira.

Por um momento, quando Niko aproximou-se da entrada, encostou-se na soleira da porta, simplesmente ouvindo e deleitando-se com a visão da bela mulher que agora era sua Companheira. Ele adorava ver como Renata ficava tão confortável com um livro quanto segurando uma arma. Ela tinha uma suavidade que ele admirava, uma inteligência que o desafiava continuamente e uma força interior que o fazia procurar ser um homem digno de sua devoção.

Não era nada mal também que ela fosse mais quente do que o inferno, sobretudo quando ela estava com o olhar na sua 9 mm ou treinando com suas adagas queridas no centro de treinamento. Kade e Brock tinham estado quase permanentemente na sala de armas nos últimos dias, só pela possibilidade de treinar com Renata ou olhá-la em ação. Nikolai não podia culpá-los. Mas quando sentiu o beliscão leve do ciúme, bastou um olhar malicioso de sua mulher para colocá-lo à vontade. Ela o amava e Nikolai era o macho mais sortudo do planeta.

- Oi - disse, olhando enquanto virava a última página de um capítulo e parava para cumprimentá-lo.

- Olá, Niko - Mira sussurrou sob o véu curto. - Você acabou de perder uma parte muito boa da história.

- Mesmo? Talvez eu possa convencer Renata a ler para mim mais tarde - disse ele, enviando um olhar aquecido para sua Companheira quando entrou na sala. Ele caminhou até o sofá e se agachou na frente de Mira. - Tenho algo para você.

- Sério? - o rosto dela se iluminou com um pequeno sorriso. - O que é?

- Uma coisa que pedi a Gideon para você. Tire seu véu, e vou lhe mostrar.

Ele não perdeu o olhar protetor de Renata quando Mira afastou o tecido preto para longe do seu rosto.

- O que é?

- Tudo bem - disse ele, tirando uma pequena caixa de plástico do bolso da calça jeans. - Você pode confiar em mim. Ambas podem confiar em mim.

Renata relaxou, e olhou quando Nikolai retirou a tampa de um recipiente de lentes de contato.

- Estas são as lentes especiais que Gideon acha que vão ajudar com seus olhos. Você gostaria de nunca mais usar o véu de novo?

Mira concordou com entusiasmo.

- Deixa eu ver, Niko!

- Que tipo de lentes são essas? - Renata perguntou, cautelosamente otimista.

- Íris opacas para proteger o efeito de espelhamento dos olhos de Mira. Ela será capaz de ver através delas, mas ninguém que olhar para ela vai notar nada de incomum sobre os olhos. Suas íris serão cobertas, da mesma forma que o véu cobre. Eu pensei que seriam melhores.

Renata acenou, sorrindo calorosamente para ele.

- Muito melhor. Obrigada.

- Posso experimentá-las? - Mira perguntou, ansiosamente olhando a pequena caixa nas mãos de Niko. - Olha, Rê, são roxas!

- Essa é sua cor favorita - disse ela, jogando um olhar interrogativo sobre Nikolai.

Ele tinha mudado muito nos últimos dias, empreendendo um papel que nunca se imaginou, sem falar no fato de se ajustar tão confortavelmente nele. Ele era um macho com laço de sangue com uma Companheira de Raça que o amava e uma criança para criar como sua. E ele apreciou as duas ideias.

Ele, um dissidente e imprudente, tinha uma família própria agora. Era incompreensível para ele, para não mencionar para o resto do complexo. Era a última coisa que sonhou que queria ou precisava e agora, apenas alguns dias depois, não poderia ver sua vida de outra maneira.

Seu coração nunca se sentiu tão completo.

- Deixe-me ajudá-la com isso - disse Renata, pegando as lentes das mãos de Niko com cuidado e colocando-as em Mira. Quando estavam no lugar há alguns segundos e o talento da criança não se manifestou, Renata sorriu. - Ah, meu Deus. Funcionou, Nikolai! Olhe para ela. As lentes funcionam perfeitamente.

Ele olhou para as piscinas violeta nos olhos alterados de Mira e viu... nada. Apenas o feliz e despreocupado olhar de uma criança.

Renata jogou os braços em volta dele e o beijou. Mira estava bem atrás dela e Niko pegou as duas em um sincero abraço.

- Há mais - disse, esperando que gostassem do resto da sua surpresa. Ele se levantou e pegou cada uma delas pela mão. - Venham comigo.

Ele as levou pelo corredor até o elevador que subia da sede subterrânea para a enorme mansão que ficava no piso acima. Ele podia sentir a apreensão de Renata pelo modo como ela apertava-lhe a mão grande e pela adrenalina que lhe corria na corrente sanguínea.

- Não se preocupe - ele sussurrou na orelha dela. -Você vai gostar, eu prometo.

Pelo menos, ele esperava que sim. Ele tinha trabalhado naquilo durante um dia e meio, tentando fazer tudo certo. Ele guiou Renata e Mira ao coração da propriedade, em direção à luz de velas e ao calor da sala de jantar formal. Os aromas de pão e carne assada os receberam. Niko não tinha apreço por comida humana, mas as Companheiras de Raça que viviam no lugar certamente tinham e, a julgar pela aparência das duas mulheres caminhando ao seu lado, elas também.

O espanto brilhou nos olhos de Renata.

- Você fez o jantar?

- Claro que não. Acredite em mim, sou a última pessoa que você iria querer para preparar suas refeições. Pedi alguns favores a Savannah, Gabrielle e as outras mulheres. Seu estômago está em muito boas mãos.

- Mas eu estive com todas elas mais cedo hoje e ninguém disse nada sobre isso.

- Eu queria fazer uma surpresa. Elas queriam surpreendê-la, também.

Renata não disse mais nada, mas ele não pôde deixar de notar que seus passos diminuíam ao chegar mais perto da sala de jantar. Mira, no entanto, pulava com entusiasmo. Assim que chegaram à porta de entrada em arco, ela soltou-se de Niko e correu a mil por hora como se tivesse vivido lá toda sua vida.

Mas Renata, não.

Ela ficou em silêncio e imóvel. Olhou para a mesa cheia de pratos de porcelana e enfeites finos e suspirou levemente. Não disse uma palavra sequer quando olhou para o rosto dos guerreiros e de suas Companheiras de Raça, todos de pé dando-lhe boas-vindas quando ela e Nikolai pararam na porta.

- Ah, Santo Deus! - ela finalmente sussurrou, sua voz quebrada e crua.

Niko a seguiu quando ela recuou, voltando pelo corredor.

Maldição. Ele estava tão certo de que ela desfrutaria de um agradável jantar com todos, mas é óbvio que estava errado.

Quando falou com ele, sua voz estava embargada pela emoção.

- Todo mundo está esperando lá dentro... por nós?

- Não se preocupe com isso - disse ele, puxando-a para seus braços fortes. - Eu queria fazer algo especial para você e estraguei tudo. Sinto muito. Você não tem que fazer isso.

- Nikolai - ela olhou para ele, os olhos brilhantes marejados. - Eu nunca vi nada mais bonito do que aquela mesa, com todos ao redor, em toda a minha vida.

Ele franziu a testa, bastante confuso agora.

- Então, o que está errado?

Ela balançou a cabeça, engolindo um riso estrangulado.

- Não há nada de errado. Nada de errado em nada. Estou tão feliz! Você me faz tão imensamente feliz. Tenho medo desse sentimento. Eu nunca soube o que era e eu estou morrendo de medo que seja apenas um sonho.

- Não é um sonho - disse ele suavemente, acariciando-lhe uma lágrima perdida que deslizava assertivamente pelo rosto macio. - E você pode se segurar em mim se sentir medo. Vou estar ao seu lado enquanto você quiser.

- Para sempre - disse ela, sorrindo para ele.

Nikolai assentiu.

- Sim, meu amor. Para sempre.

O sorriso exultante de Renata explodiu em sua boca. Ela beijou Nikolai forte e, em seguida, caminhou com ele sob o abrigo daquele braço forte para se juntar aos outros. Para se juntar ao resto da sua família.

Capítulo 25

Nikolai sentou-se dentro do abrigo feito de videiras e assistiu a um único raio de luz atravessar as folhas e iluminar os cabelos escuros de Renata enquanto ela dormia. A luz ultravioleta era tóxica para sua espécie – letal após meia hora de exposição contínua - mas ele não resistiu ao desejo de deixar aquele raio de luz entrar pelo pequeno buraco na vegetação. Nos últimos minutos, ele tinha permanecido sentado junto de Renata observando-a, admirando-a, muito intrigado com a forma como a luz cobria-lhe os cabelos de ébano, penetrandolhe os fios de seda e colorindo-os com uma dúzia de tons diferentes: cobre, bronze e vermelho.

Que diabos havia de errado com ele?

Ele estava sentado lá, olhando os cabelos de Renata, pelo amor de Deus! Não apenas olhando, mas olhando-os com total fascinação. Para Niko, isso indicava uma de duas coisas preocupantes: ele devia considerar muito seriamente ter algumas aulas com o famoso cabeleireiro inglês Vidal Sassoon ou estava completamente perdido de amor por aquela mulher.

Perdido tanto quanto no passado, eternamente tomado por outra pessoa. Em algum lugar, de algum jeito, ele se deixou apaixonar por ela.

Isso explicava o porquê de ele não conseguir manter as mãos - e outras partes maiores e mais pulsantes de seu corpo - longe dela. Explicava também o motivo pelo qual tinha passado toda a noite – com exceção da ida rápida à casa de Yakut antes do amanhecer – deitado junto de Renata, sustentando-a em seus braços fortes.

E, se ele precisava de alguma explicação do motivo de seu peito ter ficado tão apertado e tão pesado quando ela começou a chorar na noite anterior, ou por que havia se sentido obrigado a compartilhar com ela seu sentimento de culpa pela perda de Dimitri há tantos anos, ele supôs que estar apaixonado faria sentido.

Por mais que tentasse convencê-la de que ela estava a salvo com ele, Nikolai se sentia a salvo com ela também. Confiava nela plenamente. Mataria para protegê-la, morreria por ela sem hesitar nem por um segundo. Ela podia não fazer parte de sua vida há muito tempo, mas ele já não se imaginava sem ela.

Ah! Merda. Ele realmente tinha se apaixonado por Renata.

- Mas... que... maravilha! - murmurou, fazendo uma careta quando ela se agitou por causa do som de sua voz.

Ela abriu os olhos e sorriu quando o viu sentado ali.

- Olá!

- Bom dia - disse, casualmente alcançando um ramo de videira para fechar o abrigo e deixar do lado de fora os resquícios do raio de sol.

Ele achou o espreguiçar felino dela mais fascinante ainda do que os cabelos. Estava usando a mesma camisa de algodão da noite anterior, a metade dos botões espalhados pelo chão do abrigo natural. A grande camisa estava aberta da metade para baixo, mal cobrindo a nudez de sua fenda. Por ele, sem problemas.

- Como se sente?

Ela pareceu refletir por um segundo, depois olhou para ele com a testa franzida.

- Sinto-me realmente bem. Quero dizer, ontem à noite foi... - ruborizou, uma doce cor rosada preencheu-lhe as bochechas. - Ontem à noite foi incrível, mas pensei que ficaria fora de combate por causa da reverberação. Não entendo... nunca aconteceu nada assim. Quero dizer, tive um pouquinho de dor, mas pelo ataque na casa de Jack, eu devia estar agonizando a noite toda.

- Isso nunca aconteceu antes?

Ela sacudiu sua cabeça.

- Nunca. Cada vez que usava minha habilidade, o efeito retornava.

- Mas ontem à noite não.

- Não, ontem à noite não - ela disse. - Nunca me senti melhor.

Niko talvez pudesse ter feito uma brincadeira sobre os efeitos milagrosos de suas proezas sexuais, mas ele sabia que era um tipo de magia o que fizera Renata suportar o efeito da reverberação.

- Você bebeu de meu sangue ontem. Essa foi a diferença.

- Você acha que seu sangue ajudou não apenas a curar meu ombro, mas também com as reverberações? É possível?

- É definitivamente uma possibilidade. Uma Companheira de Raça que bebe regularmente o sangue de um vampiro se torna muito mais forte do que seria sem ele. O envelhecimento desacelera até ao passo de tartaruga. As células do corpo, os músculos e todo o metabolismo atinge um estado físico visivelmente saudável. E, sim, muitas vezes o sangue de um companheiro também tem impacto na habilidade psíquica das fêmeas.

- Por isso Sergei nunca me deixou beber dele - Renata disse, sua mente veloz para chegar à mesma conclusão a que Niko havia chegado. – Ele não fazia segredo de que gostava que meu poder fosse limitado. Nas vezes que tentei golpeá-lo, nunca pude manter a rajada o tempo suficiente para derrubá-lo. E, no final, o esforço sempre me custava caro demais quando retornava.

- Sergei Yakut era Primeira Geração - Niko recordou. – O sangue dele em seu sistema poderia torná-la praticamente invencível.

Renata zombou em voz baixa.

- Só um grilhão a mais para mim. Ele devia saber que eu o mataria se tivesse a menor esperança de êxito–ficou em silêncio durante um minuto, com os braços cruzados. Depois, arrancou uma fibra de erva do chão do abrigo improvisado. - Tentei matá-lo... no dia em que Mira e eu fugimos juntas. Naquele dia, ele queimou minhas costas com ferro quente. Fez outras coisas também.

Nikolai não tinha que perguntar mais sobre o que ela tinha sofrido. As cicatrizes das queimaduras em suas costas eram atrozes, mas pensar no castigo de Yakut era pior... O sangue de Niko fervia de indignação. O guerreiro, então, colocou a mão sobre a mão dela.

- Sinto muito, Renata.

Ela lançou um firme olhar que não procurava simpatia.

- Sua misericórdia foi a de não ter forçado Mira a assistir tudo o que me fez. Mas Sergei me disse que se ela ou eu tentássemos escapar outra vez, Mira pagaria da mesma forma que eu. Prometeu que seria pior para ela, e eu sabia que ele estava falando sério... Então, fiquei quieta. Eu o obedecia e a cada hora de cada dia rezava por um milagre que eliminasse Sergei Yakut de minha vida - parou, acariciando-lhe o rosto masculino. – E então você chegou e tudo mudou. Suponho que em muitos sentidos, você é meu milagre.

Nikolai segurou-lhe a mão e depositou um beijo no centro de sua palma.

- Ambos somos afortunados.

- Alegra-me que Sergei esteja morto - confessou ela, brandamente.

- Ele devia ter sofrido mais - disse Niko, sem tentar ocultar o tom obscuro de sua voz grossa. - Mas já morreu. E é o que importa.

Renata assentiu.

- E agora Lex também está morto. Os guardas de Yakut... Todos eles estão mortos.

- A essa hora da manhã, ele e os outros na propriedade não passam de um monte de cinzas - Niko disse ao esticar-se para colocar os cabelos negros e brilhantes de Renata atrás da orelha. - Depois que você dormiu ontem à noite, eu retornei lá e abri todas as persianas para que a luz do sol entrasse. Também liguei para Boston para dar os números que estavam no celular de Lex. Gideon entrará em contato quando tiver feito o rastreamento para nos dar os detalhes.

Outro assentimento, sua voz suave tinha um tom de esperança.

- Está bem.

- Enquanto estava lá, trouxe algo que pensei que pudesse precisar.

Inclinou-se para o monte de armas e outros instrumentos que havia recolhido e pegou o pacote de seda e veludo que pertencia a Renata.

- Minhas adagas! - ela disse, seu rosto iluminando-se de alegria quando pegou o pacote nas mãos. Desatou o laço que prendia as armas e desenrolou todo o veludo que cobria as quatro adagas com gravuras personalizadas. - Jack me deu isso...

- Eu sei. Ele me disse que as havia feito para você como um presente. Disse-me que não estava certo de que você as tivesse guardado.

- Elas são muito importantes para mim - murmurou, seguindo o lavrado do punho com a ponta do dedo.

- Eu disse que você ainda as tinha e ele alegrou-se ao escutar quanto elas significam para você.

O olhar cheio de gratidão de Renata banhou o macho da Raça.

- Nikolai... Obrigada por fazer isso pelo Jack. E por me devolver essas adagas. Obrigada mesmo.

Ela se aproximou dele e o beijou. A suave pressão de seus lábios foi algo profundo. Nikolai segurou-lhe o rosto entre as mãos, acariciando-lhe a mandíbula com os polegares grandes, percorrendo o delicado ângulo das maçãs do rosto. Ela abriu a boca enquanto a língua dele percorria a abertura úmida de seus lábios e soltou um doce gemidinho quando ele entrou dentro dela.

As presas dele se estenderam pontudas pela luxúria que corria nele como lava. Entre as pernas, seu sexo era já uma coluna de granito, aceso imediatamente diante da ideia de ter Renata debaixo de si. Quando a mão dela escorregou para baixo, ultrapassando a cintura da calça para tocá-lo, seu membro ereto e ávido saltou, crescendo mais e mais sob o calor da palma da mão de Renata enquanto ela o acariciava.

- Que horas são? – murmurou ela contra a boca febril dele.

Ele grunhiu, muito absorto em suas deliciosas carícias para processar imediatamente aquela pergunta. Através de sua respiração entrecortada, conseguiu responder.

- É cedo. Provavelmente por volta das nove.

- Bem, caramba, acho que é muito cedo - ela murmurou, separando sua boca da dele e deixando um rastro de beijos ao longo da garganta e do pomo-de-adão. - Não pode sair na luz do sol, não é mesmo?

- Não.

- Humm – os lábios úmidos dela desceram sobre o peito nu e suado dele. Ele recostou-se sobre os cotovelos enquanto ela seguia o contorno dos glifos com a ponta rosada de sua língua sapeca, percorrendo os arcos e redemoinhos ao redor de seus mamilos e através do seu tórax. Quando falou, sua voz vibrou em todos os ossos de Niko:

- Então, suponho que isso significa que estamos presos aqui por um tempo, não é?

- Sim. - A palavra saiu ofegante. O beijo dela viajou devagar para baixo, além do umbigo do macho da Raça, seguindo as linhas dos dermoglifos, em direção à parte do corpo dele que palpitava pela necessidade de sentir os lábios úmidos e quentes dela apertando-se ao seu redor. - Suponho que estamos presos aqui até de noite.

- Hum hum.

Ela prendeu o cordão das calças dele entre os dentes e deu um forte puxão. O nó caiu solto e então ela baixou as calças o suficiente para fazer a cabeça enorme do membro dele despontar ansiosa. Ela o lambeu, observando o rosto de Niko enquanto desenhava redemoinhos com a língua diabólica ao redor da carne e sugava uma gota do fluido viscoso que brotava ali.

- Ah!

- Então... - ela murmurou, seu fôlego flutuando através da pele umedecida pelo suor dele, atormentando-o ainda mais. - O que vamos fazer aqui o dia todo enquanto esperamos a noite chegar?

Niko riu.

- Querida, posso pensar em umas cem coisas que eu gostaria de fazer contigo.

Ela sorriu desafiante.

- Apenas cem?

Antes que ele pudesse lhe dar uma resposta inteligente, ela envolveu o pênis dele com os lábios e o tomou profundamente dentro da boca. E enquanto o corpo de Niko explodia de prazer, ele se viu rezando para que o tempo e os dias a sós com aquela incrível mulher – sua mulher – pudessem se estender para sempre.


Capítulo 26

Renata caminhou para a porta de trás da propriedade de Yakut e parou na soleira. Ela havia deixado Nikolai no refúgio de videiras quando decidiu que sua necessidade de um banho, de uma ducha quente e de roupas limpas que realmente coubessem nela eram maiores do que sua resistência em jamais colocar novamente os pés na casa de Sergei Yakut.

Agora ela duvidava. No início da tarde, o sol era uma presença alentadora, mas no lado de dentro a propriedade era escura e fria. Sombras caíam sobre a mobília desarrumada e estendiam-se pelas tábuas rudes do chão. Renata avançou e caminhou para o lugar onde Lex havia caído.

O corpo dele havia desaparecido, assim como o sangue. Nada além de um pequeno rastro de cinzas deixado para trás – como Nikolai prometera. As persianas sobre a janela da sala estavam totalmente abertas, mas o sol já havia passado. Uma fresca brisa carregava o aroma de pinheiro e o ar fresco do bosque para a umidade calma do lugar. Renata respirou profundamente, enchendo os pulmões, deixando a fragrância de um novo dia expurgar as lembranças de toda aquela morte, aquele sangue e aquela violência que tinham coberto o lugar na noite anterior.

Hoje, sob aquela nova luz, muitas coisas pareciam diferentes para ela.

Ela mesma parecia diferente. E sabia a razão. Estava apaixonada.

Pela primeira vez em muito tempo (talvez em toda a sua vida), Renata verdadeiramente sentia a esperança acomodada em seu coração, uma esperança de que o futuro lhe reservava algo além da mera sobrevivência, que ela poderia em algum momento medir a felicidade em anos e não apenas em momentos raros e fugidios. Estar com Nikolai, fosse em seus braços ou ao seu lado, fazia Renata acreditar que muitas coisas eram possíveis.

Ela caminhou pela grande sala, apoiando-se no fato de que aquela seria a última vez que precisaria ver aquele lugar. Aquilo era um adeus.

Quando ela e Nikolai saíssem dali para continuar a busca por Mira, aquele albergue, aquele terrível celeiro, aquele canil na parte de trás da construção, Sergei Yakut, Lex e todos os outros que marcaram os últimos dois anos de sua vida seriam apenas lembranças. Ela deixaria tudo ali, e o terror e a dor seriam, de alguma forma, banidos de seu futuro.

Aquela parte de sua vida havia terminado.

Ela entrou no pequeno banheiro que havia compartilhado com Mira, em paz consigo e com tudo ao seu redor enquanto ligava a água quente da ducha. Quando o vapor úmido começou a sair pela cortina, ela desabotoou uns poucos botões da camisa emprestada de Jack e ficou ali por um momento, parada, nua, contemplando seu futuro com olhos renovados. Não sabia o que a esperava uma vez que a noite caísse e uma nova jornada começasse, mas estava disposta a enfrentar o que quer que fosse.

Com Nikolai ao seu lado – com a esperança e o ardente amor tão resplandecente quanto uma chama em seu coração –, Renata estava preparada para enfrentar tudo.

Como um cavalheiro destinado a uma batalha que procura uma bênção, Renata deu um passo debaixo da água quente da ducha. Fechou os olhos em uma solene oração enquanto a reconfortante água caía-lhe sobre o corpo nu.

Nikolai permanecia no abrigo de videiras enquanto os passos de Renata se aproximavam.

- Toc, toc - ela o chamou através das folhas. – Estou entrando, então cuidado com a luz do dia. Eu não gostaria que você torrasse por mim.

Ela afastou algumas folhas verdes e avançou, pronunciando uma rápida desculpa quando notou que ele tinha o telefone celular de Lex no ouvido. Niko havia ligado para a Ordem pouco depois que ela fora tomar banho. As notícias de Boston eram uma mistura de boas e más, além de uma dose extra de sérios problemas.

As boas? Um dos números no telefone de Lex era, de fato, de Edgar Fabien. Sem muito esforço, Gideon havia sido capaz de rastrear os registros da base de dados de identificação internacional de Fabien. Agora, a Ordem tinha os endereços da residência do líder do Refúgio de Montreal, sua casa no interior e todos os dados de todas as outras propriedades privadas, tanto de negócios como pessoais. Gideon tinha acesso aos números de telefone celular de Fabien, carteira de motorista, arquivos do computador e até mesmo da vigilância eletrônica do Refúgio do maldito filho da mãe.

E era nesse ponto que começavam as más notícias.

Edgar Fabien não estava em casa. Gideon havia interceptado o sinal de um canal de vídeo mais cedo naquela noite e visto um grupo de sete machos da Raça – um deles provavelmente era Fabien – deixando o Refúgio em companhia de uma escolta armada da Agência de Execução. Era difícil dizer quem eram os visitantes de Fabien, já que todos pareciam iguais em ternos sob medida e com os rostos completamente ocultos por capuzes pretos.

Quanto à dose extra de sérios problemas, o grupo de vampiros havia saído com uma menina. Uma jovem que evidentemente não os havia seguido tranquilamente. A descrição de Gideon da criança loira não deixava dúvida de que se tratava de Mira.

- Ainda está me ouvindo? - Gideon perguntou do outro lado da linha.

- Sim, continuo aqui.

- Lucan quer que Fabien seja trazido a Boston para um interrogatório. Isso significa que precisamos dele vivo, cara.

Niko soltou uma maldição.

- Primeiro, temos de encontrar esse filho da puta.

- Sim, estou trabalhando nisso. Rastreei o GPS do telefone celular de Fabien. Consegui um sinal de um lugar a aproximadamente uma hora ao norte da propriedade de Yakut. Uma das propriedades de Edgar Fabien. Ele deve estar lá.

- Tem certeza?

- Tanta que já enviamos reforços. Tegan, Rio, Brock e Kade estão a caminho para encontrar-se com você enquanto falamos.

- Reforços a caminho? - perguntou Niko, olhando uma parte de luz ultravioleta que aparecia através das folhas do refúgio. A Ordem tinha trajes de proteção solar para situações de emergência, mas até mesmo uma geração antiga de vampiros vestidos dos pés à cabeça com trajes protetores de raios ultravioletas seria incapaz de resistir à luz solar golpeando no assento do motorista em uma viagem de quase sete horas. - Jesus! Não pode estar falando a sério. Quem teve essa ideia?

Gideon riu.

- As fêmeas teimosas, meu caro. Não sei se você notou, mas fomos invadidos por elas nos últimos tempos.

- Sim, notei.

Niko não pôde deixar de lançar um olhar para Renata, que estava verificando algumas das armas que tinham recolhido de Lex e dos outros.

- Qual é a situação, então?

- Dylan está levando os caras em uma Rover e Elise está montando guarda. Devem chegar aí por volta das nove, exatamente depois do pôr do sol. Como Fabien tem vários sócios desconhecidos com ele, vamos precisar entrar e sair de lá com cuidado, sem vítimas desnecessárias - Gideon fez uma pausa. - Escuta, sei que você está preocupado com a menina. A segurança dela é importante, sem dúvida, mas isso é grande, Niko. Se Fabien pode nos levar a Dragos, temos que nos assegurar de capturá-lo esta noite. Essa é a missão número 1, ordenada diretamente por Lucan.

- Sim - disse Nikolai. Ele sabia qual era a missão. Também sabia que não podia decepcionar Renata ou Mira. – Inferno... Certo, Gideon, eu entendi.

- Ligarei se Fabien se mover entre agora e o pôr do sol. Enquanto isso, estou trabalhando em um ponto de encontro para que você se junte aos outros esta noite e ponha em ação um plano de infiltração. Devo ter algo em uma hora ou duas. Ligarei depois.

- Certo. Até depois.

Nikolai desligou o telefone e o colocou junto de si.

- Gideon conseguiu algo daqueles números telefônicos? - perguntou Renata, olhando-o cuidadosamente. - Temos alguma pista do Refúgio de Fabien?

Niko assentiu.

- Temos o endereço.

- Graças a Deus - ela suspirou. O alívio cedeu espaço rapidamente à determinação, tão feroz como Niko nunca havia visto nela. - Onde está ele? No Refúgio na cidade ou em alguma parte nos subúrbios? Eu poderia ir lá agora mesmo e analisar o terreno. Santo Deus, da forma como me sinto – sem dor, meu ombro melhorando – talvez eu devesse bater na porta e golpeá-lo com uma explosão de...

- Renata - Niko pôs a mão grande sobre a dela e sacudiu a cabeça. - Fabien está indo para algum lugar. Não está mais na cidade.

- Então onde?

Ele poderia contar sobre o sinal do GPS que Gideon estava rastreando. Poderia dizer que Fabien tinha Mira em sua custódia e que a menina estava provavelmente uma hora ao norte de onde eles estavam sentados agora. Mas Niko também sabia que se dissesse isso a Renata – se desse o mínimo de certeza sobre o paradeiro da menina que tanto significava para ela –, ele não poderia impedi-la de sair por conta própria naquele exato momento para encontrá-la.

A promessa de Niko à Ordem era seu dever – sua honra –, mas e Renata? Ela era seu coração. Ele não podia pôr em perigo a missão de seus irmãos, mas também não podia permitir que aquela mulher que ele amava partisse precipitadamente sozinha, rumo ao perigo. O pensamento dele era pré-histórico, talvez, especialmente por ter em conta que Renata era uma mulher que sabia como dirigir a si quase em qualquer situação. Era bem treinada, capaz, definitivamente valente, mas... inferno, ela significava muito para que corresse esse tipo de risco. Aquela não era uma opção.

- Estamos esperando uma localização sólida de onde está Fabien – ele disse, a mentira amarga sobre sua língua, independentemente das boas intenções. - Enquanto isso, a Ordem está enviando reforços. Nós vamos nos juntar a eles esta noite.

Renata escutou, claramente confiando nele e em sua palavra.

- A Ordem tem alguma ideia se Mira está com Fabien em qualquer lugar que ele esteja?

- Estamos trabalhando nisso - Nikolai achou difícil sustentar o olhar verde-claro sem pestanejar. - Quando encontrarmos Fabien, encontraremos Mira. Ela vai estar bem. Prometi isso, lembra?

Quando pensou que ela só assentiria com a cabeça e afastaria o olhar, Renata estendeu a mão para apanhar o rosto dele.

- Obrigada... por estar aqui para me apoiar em tudo isto. Não sei como serei capaz de pagá-lo, Nikolai.

Ele ergueu a mão dela entre as suas e deu-lhe um beijo. Diria algo singelo, uma das brincadeiras sem sentido habituais que tão frequentemente usava quando as emoções ao seu redor eram muito reais ou cheias de honestidade. Tinha suas cartas sob a manga: desviar com humor, desarmar com indiferença, atacar e correr como o inferno à primeira indicação de sua própria vulnerabilidade. Mas todas aquelas velhas e confiáveis armas que ele havia aperfeiçoado falhavam agora.

Acariciou com o dedo polegar o dorso da mão de Renata e se deixou perder no refúgio verde de seus olhos.

- Não sou muito bom nisso - murmurou ele. - Quero dizer algo... inferno. Provavelmente eu vou encher sua paciência, mas quero que você saiba que me preocupo com você. Preocupo-me... pra caramba, Renata.

Ela o olhou fixamente, permanecendo tão imóvel e silenciosa que nem sequer estava seguro de que ela estivesse respirando.

- Eu me preocupo - soltou, frustrado consigo pela estupidez das palavras que queria que fossem perfeitas para ela. - Não sei como aconteceu, ou mesmo o que significará para você, se vai significar. Mas preciso dizer porque isso é real. É real, e eu nunca me senti dessa maneira antes. Com ninguém.

A boca de Renata suavizou em um pequeno sorriso enquanto ele divagava com estupidez, tentando encontrar uma maneira de dizer a profundidade do que havia em seu coração de macho da Raça. Tentava e falhava miseravelmente.

- O que estou querendo dizer é que... - sacudiu a cabeça, sentindo-se uma porcaria, mas o suave toque de Renata em seu rosto o tranquilizou. O claro olhar dela trouxe Niko de volta, direto e centrado, conectando-o com a Terra. - O que estou querendo dizer é que estou apaixonado por você... Realmente apaixonado. Não estava esperando que isso acontecesse. Não pensei que alguma vez eu fosse querer isso, mas... Ah! Renata, quando olho dentro de seus olhos, só consigo pensar em uma coisa: para sempre.

Ela exalou devagar e seu pequeno sorriso se estendeu em radiante alegria. Niko passou as mãos na pele suave e macia dela, e pelos cabelos úmidos.

- Estou apaixonado por você, Renata. Sei que não sou um poeta... Caramba, nem sequer chego perto disso. Não tenho todas aquelas palavras bonitas que queria poder dizer... Mas quero que saiba que o que sinto por você é real. Eu te amo.

Ela riu brandamente.

- O que faz você pensar que quero poesia ou palavras finas? Você acabou de dizer exatamente o que queria ouvir, Nikolai–ela deslizou sua mão pela parte de trás do pescoço largo dele e o puxou para um longo e apaixonado beijo. - Também te amo, Nikolai - sussurrou contra sua boca. - Assusta-me admitir isso, mas é assim. Eu te amo, Nikolai.

Ele a beijou e a abraçou, desejando nunca ter de se afastar dela. Mas o cair da noite logo chegaria e ainda havia uma coisa que ele precisava fazer.

- Tem que fazer uma coisa por mim.

Renata se acomodou contra ele.

- Qualquer coisa.

- Não sei o que vai acontecer esta noite, mas preciso saber que vai estar tão forte quanto possível. Quero que tome mais de meu sangue.

Ela se soltou de seu abraço e arqueou uma sobrancelha para ele.

- Tem certeza de que não está só tentando entrar no meio das minhas pernas de novo?

Niko riu, uma sacudida de calor formando redemoinhos diretamente em sua virilha apenas diante daquela ideia.

- Eu não rejeitaria o convite. Mas falo sério... Quero que beba de mim de novo. Faria isso por mim?

- Sim, é obvio.

Ele afastou uma mecha escura da testa dela.

- Há uma coisa mais, Renata. Quando formos atrás de Fabien esta noite, eu morreria se algo... Bem, simplesmente não posso me arriscar a ficar separado de você, vou precisar saber que você está bem todo o tempo, ou minha concentração vai para o inferno. Preciso ter uma ligação com você. Sei como se sentia com Yakut usando seu sangue como um grilhão para você, e prometo que isso não é o que...

- Sim, Nikolai – ela disse, interrompendo-o com um movimento suave de seus dedos sobre sua boca. – Sim... Pode beber de mim.

A maldição dele como resposta foi um sinal de alívio.

- É para sempre - recordou firmemente. - Precisa entender isso. Se eu beber de você, não poderemos desfazer esse vínculo nunca mais.

- Entendo - ela disse sem vacilação. Aproximou-se e beijou-o, longa e profundamente. - Entendo que o vínculo é para sempre... E continuo dizendo que sim.

Niko gemeu. O fogo iluminou-lhe as veias. Suas presas se alongaram e seu pênis se elevou em atenção imediata, tudo nele ansioso por reclamar Renata como sua. Ele a beijou, o coração golpeando fortemente contra seu tórax forte quando ela passou a língua por seus lábios para brincar com as pontas afiadas de suas presas.

- Quero que você fique nua para isso - disse ele, incapaz de conter o tom autoritário que se mostrava em sua voz. Ele era parte humano, mas havia outra parte dele – uma parte mais selvagem e muito, muito mais sexy – que era menos paciente do que gostaria.

Niko olhou com olhos flamejantes de âmbar como Renata o obedecia rapidamente, despojando-se de sua roupa e estendendo-se sobre o chão de grama do refúgio, suas coxas deixando-se entreabrir para ele sem um pingo de inibição.

- Ah! Sim... - Niko grunhiu. - Assim é muito melhor.

Ele estava completamente tomado pela necessidade de tê-la. Arrancando sua própria roupa e deixando-a de lado, subiu sobre os quadris dela e a montou. Empurrou o membro duro como uma rocha enquanto ela o acariciava, torturando-o. E ele manteve o olhar nela enquanto levava seu pulso até a boca e mordia a própria carne.

- Deixe-me provar de você de novo – ela disse, subindo até encontrar a veia enquanto ele levava as perfurações até sua boca. Gotas carmesim salpicaram até cair sobre os seios dela, tão vívidas contra sua cremosa pele. Ela gemeu, fechando os olhos enquanto sugava-o, saboreando-o.

Niko a olhava beber, observando seu corpo começar a retorcer-se pela excitação. Com sua mão livre, ele a acariciou, incapaz de resistir a passar seus dedos pelo sangue que havia derramado sobre ela. A visão de seu sangue marcando a pele dela era tão erótica como nada tinha sido antes. Seu toque atrevido foi mais abaixo, à fenda aberta que estava tão preparada para ele. As coxas dela apertaram-lhe o pulso, sustentando-o contra si enquanto o primeiro orgasmo disparou através do corpo dela.

Niko grunhiu de pura adoração masculina enquanto alimentava sua fêmea e a sentia clamar por ele. Ele a deixou beber durante vários minutos até seu corpo arder de novo sob ele.

Ele também estava ardendo.

Suavemente, tirou o pulso de sua boca e fechou as perfurações com uma lambida. Renata ainda estava arqueando e retorcendo-se, ainda gemendo por ele, enquanto ele se ajeitava sobre ela e a penetrava, as unhas dela marcando seus ombros largos em uma dor deliciosa.

Nikolai fez amor tão devagar quanto pôde – tão devagar quanto a febre de seu corpo permitia. Ela gozou de novo, retorcendo-se e extraindo dele uma furiosa liberação. Mas isso praticamente não diminuiu as investidas. Ele ainda estava duro dentro dela, ainda faminto por aquela mulher... sua mulher.

Com a mão tremendo, Nikolai acariciou os pontos escuros já fechados de um lado da bela garganta de Renata.

- Tem certeza? - perguntou, sua voz apenas reconhecível para ele mesmo, estava tão seco e desesperado. – Renata... Quero que você tenha certeza.

- Sim - ela arqueou o corpo, confirmando com um empurrão, seu constante olhar suplicante. - Sim.

Com um grunhido selvagem enroscando-se em sua garganta, Nikolai expôs as presas e desceu sobre ela.

O doce sabor do sangue de Renata surgiu em sua boca caindo como um pontapé no estômago. Ah! Agora sabia. Quantas vezes havia especulado com os outros guerreiros a respeito de estar emparelhado e encontrar uma fêmea que os impressionaria? Facilmente centenas de vezes. Milhares, talvez.

Que ingênuo ele tinha sido.

Agora ele sabia. Renata o tinha, mesmo antes de ele a morder. Ele estava de joelhos diante daquela mulher, e ficaria ali com prazer pelo resto de sua vida.

Niko bebeu mais, afogando-se no prazer do vínculo que havia criado através da união de sangue e do ritmo exagerado de seus corpos nus, unidos. Seus dentes ainda estavam cravados na pele dela enquanto ele tomava o último gole e gozava de novo, dessa vez mais forte, uma descarga assombrosa que o golpeou como um trem descarrilhado. Agarrou-se nela, estremecendo com intensa satisfação. Embora pudesse beber de sua veia durante toda a noite, Nikolai se obrigou a se afastar, selando as feridas com uma tenra lambida de sua língua.

Ele ficou observando-a, seu olhar iluminando a pele dela.

- Eu te amo – ofegou, necessitando que ela o escutasse e que acreditasse nisso. Queria que ela se lembrasse disso depois dessa noite, depois que conseguissem localizar Fabien no norte e que ele lhe explicasse por que havia precisado mentir. Beijou seu queixo, sua bochecha, sua testa. – Amo você, Renata.

Ela sorriu sonolenta.

- Mmmm... Eu realmente gosto de como isso soa.

- Então terei que assegurar que ouça muitas e muitas vezes.

- Certo - murmurou ela, seus dedos brincando com os cabelos dele, empapados de suor sobre a nuca. - Foi incrível, a propósito. Sempre vai ser bom assim?

Ele gemeu.

- Tenho a sensação de que pode melhorar.

Ela riu, e a vibração fez despertar de novo seu sexo.

- Se continuar assim, terei que voltar e tomar outra ducha.

Ele fez um movimento sexy e poderoso com sua pélvis, encaminhando sua ereção mais profundamente.

- Ah, posso continuar. Não se preocupe, isso nunca vai ser um problema quando você estiver por perto.

- Melhor tomar cuidado, ou posso obrigá-lo a isso.

Niko riu apesar de seu pesado humor.

- Coração, pode me obrigar a tudo que quiser.

Ele a beijou novamente. E grunhiu de prazer quando ela envolveu as pernas ao redor dele e o fez girar de costas para começar uma lenta e nova cavalgada.


Capítulo 27

Houve uma época para Andreas Reichen, há quase 300 anos, quando a morte caía sobre ele como um dilúvio. Um tempo quando uma desatinada onda brutal de massacre tinha visitado seu pacífico domínio.

Naquele tempo, no verão úmido de 1809, uma manada de vampiros Renegados tinha forçado sua entrada nesse mesmo Refúgio, violando e matando vários de seus familiares. O ataque tinha sido ao acaso, a mansão e seus residentes apenas tiveram o azar de estar no caminho de um grupo de Renegados viciados em sangue. Tinham forçado sua entrada além das portas desprotegidas e janelas, alimentando-se e matando muitos inocentes... E, apesar de tudo, houve sobreviventes. Os Renegados tinham espalhado horror e passado como a peste que eram, mas finalmente foram caçados e destruídos por um membro da Ordem que tinha vindo ajudar Reichen.

A matança fora insuportável, mas não tinha sido completa.

O que Reichen enfrentou em sua volta para casa naquela noite tinha sido um ataque calculado. Não uma entrada pela força bruta, mas por meio da traição. Um inimigo bem-vindo como um amigo. E o massacre ocorrido - provavelmente nas primeiras horas da manhã, justo antes da saída do sol - tinha sido uma aniquilação total.

Ninguém tinha se salvado.

Nem sequer a alma mais jovem na residência.

Com um terrível silêncio que impregnava o ar como uma enfermidade, Reichen caminhou através do sangue e da destruição como um dos mortos. Seus passos seguiram a pista de manchas pegajosas escarlates no mármore do vestíbulo e da sala, além de seu jovem sobrinho, que estava tão contente ao convidar Reichen para padrinho de seu filho recém-nascido. O novo pai ruivo estendido na porta tinha sido o primeiro a morrer, Reichen adivinhou, incapaz de olhar o rosto sem vida que olhava sem ver a escada cheia de balas que conduzia aos dormitórios dos Refúgios nos andares superiores.

Mais morte esperava no corredor fora da biblioteca, onde outros machos tinham sido cortados ao meio. Ainda mais vidas extintas perto da escada da adega, um dos primos de Reichen e sua Companheira de Raça, ambos mortos enquanto tentavam escapar dos disparos.

Não viu o corpo da criança até que quase tropeçou nele - um menino vampiro de cabelo revolto que evidentemente tinha tentado se esconder em uma das estantes da sala de jantar. Os assassinos o haviam tirado de lá e o matado como a um cão.

- Jesus Cristo – Reichen, sufocado, caiu de joelhos e levou a mão branda do menino a sua boca para afogar o grito gutural. - Pelo amor de Deus... Por quê? Por que eles e não eu?!

- Ele disse que você saberia por quê.

Reichen fechou os olhos diante do som rígido da voz de Helene. Ela falava muito devagar, as sílabas muito planas... carente de matizes.

Sem coração.

Ele não precisava se virar para saber que seus olhos estariam estranhamente mortos para ele agora. Mortos porque todo seu calor e toda a sua humanidade tinham sido recentemente retirados dela.

Já não era sua amante, nem sua amiga. Ela era uma Subordinada.

- Quem converteu você? - ele perguntou, deixando cair a mão do menino morto. A quem você pertence agora?

- Você deve saber, Andreas. Você me enviou a ele, afinal.

Filho da puta.

Reichen apertou a mandíbula quadrada e masculina, os molares quase quebrando pela pressão.

- Wilhelm Roth. Ele a enviou aqui para fazer isso. Ele a usou para me destruir.

O fato de Helene não dizer nenhuma palavra sequer apenas tornou a compreensão do golpe mais profunda. Tão dilacerador como seria olhar os olhos de sua ex-amante e ver que a mulher por quem se preocupava agora estava sem alma. Reichen tinha que ver por si mesmo.

Levantou-se e virou lentamente.

- Ah! Helene...

Sangue seco salpicado no rosto e na roupa dela - quase cada centímetro dela coberto de sangue de seus mais queridos amigos e familiares. Ela devia estar ali no centro de todo o massacre, uma insensível testemunha não afetada por tudo isso.

Ela não disse nada quando o olhou fixamente, com a cabeça inclinada um pouco para o lado. Seus olhos, uma vez brilhantes e ardilosos, agora estavam vazios e frios. Abaixo, ao seu lado, ela sustentava uma grande faca de cozinha na mão. A folha larga brilhava à luz do abajur de cristal da sala de jantar.

- Sinto muito - ele murmurou, seu coração retorcido. - Eu não sabia... quando enviou o e-mail e me deixou a mensagem com o nome de Roth, tentei avisá-la. Tentei alcançá-la, mas...

Ele deixou que as palavras se desvanecessem, sabendo que as explicações não importavam. Não mais. Não agora.

- Helene, só sei que sinto muito - engoliu a bílis que subiu no fundo de sua garganta. - Só sei que eu realmente me importava com você. Eu a amav...

Com um grito estridente, Helene se lançou sobre ele.

Reichen sentiu o fio da navalha cortando seu peito e braço, fazendo um profundo corte. Ignorando a dor, ignorando a inalação repentina do aroma de seu próprio sangue, ele agarrou o braço da escrava de Roth e o torceu. Ela gritou, opondo-se e lutando enquanto ele puxava seu braço esquerdo para baixo e bloqueava ambos os membros ajustados aos lados de seu corpo. Ela amaldiçoou e gritou, chamando-o com nomes vis, cuspindo de fúria.

- Shhh - Reichen sussurrou ao lado de seu ouvido. – Agora, cale-se, Helene.

Como um animal selvagem, Helene continuou se retorcendo e gritando para que ele a soltasse.

Não, corrigiu-se. Não, Helene. Aquela já não era a mulher que ele conhecera. Helene estava morta para ele no momento em que trouxe o esquadrão da morte de Wilhelm Roth para dentro daquele Refúgio. Na verdade, por muitas razões, ela nunca foi sua. Que Deus tivesse piedade dela, ela não merecia esse fim. Nenhum dos caídos ali merecia tal horror.

- Tudo está bem agora - ele murmurou, a mão direita acariciando as bochechas manchadas de sangue dela. - Está tudo bem agora, querida.

Um grito saiu disparado de sua garganta enquanto ela puxava bruscamente o rosto para fora de seu alcance.

- Maldito! Deixe-me ir!

- Sim - ele disse tirando-lhe a faca. - Terminou agora. Vou deixá-la ir.

Com a dor estrangulando-o, Reichen girou a faca em torno de seus dedos e levou a ponta ao seu peito.

- Me perdoe, Helene...

Sustentando-a apertada contra ele, afundou a lâmina profundamente no peito dela. Ela não fez nenhum som enquanto morria, apenas deixou escapar um suspiro longo e lento enquanto desinflava em seus braços e desabava ali, frouxa como uma boneca de pano. Tão brandamente quanto pôde, Reichen deitou seu corpo no chão. A faca caiu de sua mão ao lado dela, revestida com o carmesim brilhante dos sangues deles mesclados.

Reichen lançou um longo e incorruptível olhar para os restos do que tinha sido seu lar. Agora que tudo tinha terminado, queria memorizar cada mancha de sangue, cada vida que se interrompeu por causa de sua falta de atenção. Seu engano. Ele precisava recordar, porque em pouco tempo nada daquilo existiria.

Não podia permitir que nada daquilo permanecesse, não daquela forma. Tampouco ia deixar que as mortes não fossem vingadas.

Reichen deu meia volta e se afastou da matança. Suas botas ecoaram no chão de madeira da sala, seus passos eram o único som na horripilante tumba maciça. No momento em que chegou ao jardim em frente à propriedade, seu peito não estava mais apertado, mas frio.

Tão frio como uma pedra. Tão frio como a vingança que tinha a intenção de visitar Wilhelm Roth e todos os associados a ele.

Reichen se deteve brevemente na grama iluminada pela lua. Ele se virou para a mansão e, por um momento, simplesmente a viu em sua perfeita e estranha quietude. Então sussurrou uma oração, palavras antigas que se sentiam oxidadas em sua língua pela falta de uso.

Não é que a oração lhe fizesse algum bem agora. Estava abandonado, agora mais do que nunca. Realmente sozinho.

Reichen baixou sua cabeça até o peito, invocando seu terrível talento. Encheu-se em seu interior, um calor que rapidamente se intensificou, formando um fundido e revolto círculo em suas vísceras.

Ele deixou-o crescer. Deixou-o girar e ganhar força até que seu interior se sentiu abrasado por sua fúria.

E ainda o conteve.

Manteve-o em seu interior até que a bola de fogo golpeou contra sua caixa toráxica, fumaça e cinza flutuando até queimar o fundo de sua garganta. Até que a bola de fogo o consumiu, iluminando todo seu corpo com um resplendor muito quente. Cambaleou sobre seus calcanhares, lutando para manter o corpo até que soubesse que desataria a total destruição instantânea.

Enfim, com um rugido cheio de dor, Reichen soltou o poder de dentro dele.

Um disparo de calor saiu de seu corpo, derramando e girando enquanto avançava para frente, uma esfera de pura energia explosiva. Como um míssil lançado em um alvo por um laser, o círculo disparou dentro da porta aberta da mansão Refúgio. Um segundo depois, detonou, uma impressionante beleza infernal.

Reichen foi golpeado de volta com o estalo sônico da explosão.

Deitou-se na grama, observando com satisfação desinteressada como as chamas, as faíscas e a fumaça devoravam até mesmo os menores pedaços do que tinha sido sua vida.


Capítulo 28

- Estamos carregados e preparados para partir, Renata. Precisa de mais tempo antes de sairmos?

De pé no caminho de cascalho diante da casa principal, Renata girou quando Nikolai se aproximou por trás.

- Não, não preciso de mais tempo aqui. Estou pronta para deixar este lugar para sempre.

Ele abraçou-a, envolvendo-a em sua força masculina.

- Acabo de falar com Gideon. Tegan, Rio e os outros estão fazendo bons progressos. Eles devem estar em nosso ponto de encontro em uma hora.

- Certo. Bom.

Renata se inclinou em seu abraço, feliz pelo calor de seu refúgio... e de seu amor. Nikolai a tinha mantido perto dele no refúgio de videira até que o sol se pôs, acalmando seus temores com seu corpo, afastando-a da feia realidade que originalmente os tinha unido - e do que poderia acontecer naquela noite, quando eles finalmente teriam a oportunidade de enfrentar Edgar Fabien.

A verdade era que ela estava preocupada com o que eles poderiam encontrar. Uma preocupação que lhe penetrava até os ossos e, embora Nikolai não houvesse dito nada que sugerisse que ele também tivesse dúvidas, ela poderia dizer que sua mente estava carregada de pensamentos que ele parecia estar decidido a esconder dela.

- Pode me dizer, você sabe - ela saiu dos braços dele e o encarou. – Se tiver um mau pressentimento a respeito desta noite... pode me dizer.

Algo cruzou a expressão de Niko, mas ele não disse nada, apenas sacudiu a cabeça e beijou a testa de Renata.

- Não sei o que podemos esperar em se tratando de Fabien. Mas posso dizer que, aconteça o que acontecer, estarei com você, certo? Vamos sair disso.

- E uma vez que tenhamos Fabien, vamos buscar Mira - ela completou, procurando os olhos dele. - Certo?

- Sim - ele disse, com seu indestrutível olhar que sustentou de forma estável. - Sim, eu prometi. Dei minha palavra a respeito disso. Não vou desapontá-la.

Ele a puxou para si uma vez mais, capturando-a em um afeto que o mostrava pouco disposto a deixá-la ir. Renata o sustentou também, escutando o forte e rítmico palpitar de seu coração em sua orelha... e perguntando-se por que seu próprio pulso parecia estar dando um sinal de alerta em suas veias, como uma sentença de morte.

Em uma remota fazenda abandonada de cem hectares, algumas horas ao norte de Montreal, o bosque da noite estremeceu com o gemido de um motor de combustão interna e o excesso de velocidade de um barco que passava através do lago praticamente desabitado. A terra e o lago, bem como o transporte proporcionado a Dragos para chegar àquele lugar, pertenciam a Edgar Fabien.

Embora Fabien tivesse sido uma recente decepção, Dragos supôs que o líder do Refúgio merecesse algum crédito por aquela reunião importante. Enquanto o resto dos assistentes chegou durante a noite anterior de automóvel, naquela noite um barco rápido tinha sido enviado para levar Dragos depois que um hidroavião o havia trazido da cidade por outro caminho interno de água também na propriedade de Fabien. Depois do revés sofrido poucas semanas atrás, durante a reunião de Dragos com a Ordem, Fabien tinha ficado muito mais cauteloso sobre como viajava ao ar livre, entre outras coisas. Ele tinha chegado muito longe para correr riscos. Tinha arriscado muito para perder tudo por um descuido ou por incompetência de outros.

Lançou um olhar depreciativo para o outro passageiro sentado no bote com ele. O rosto do Caçador permanecia impassível no resplendor leitoso da lua sobre suas cabeças, seu enorme corpo perfeitamente imóvel mesmo quando o condutor girou o leme e o bico da proa do barco conectou-se diretamente com a água para desviar-se em direção ao cais solitário que se encontrava mais adiante.

O caçador provavelmente sabia que se dirigia para a própria morte. Tinha fracassado em sua missão de matar o Primeira Geração em Montreal, o que pedia um incrível castigo. Dariam um jeito nele naquela noite, e se Dragos pudesse usar este castigo como uma demonstração adicional de seu poder diante dos tenentes que estavam reunidos para dar as boas-vindas agora, melhor.

O motor do barco mudou para uma marcha inferior quando chegaram ao cais não iluminado e modesto onde Edgar Fabien esperava para saudá-lo. Os vapores do gás formaram redemoinhos fora da água, asquerosamente doces. A reverência profunda de Fabien e as boas-vindas aduladoras tinham um efeito similar.

- Meu senhor, é a honra de toda uma vida dar boas-vindas aos meus domínios.

- De fato - Dragos arrastou as palavras enquanto dava um passo fora do barco sobre as tábuas de madeira escura do cais. Ele fez um gesto para que o Caçador o seguisse, e não perdeu a reação de Fabien quando divisou o tamanho e a imensidão do Primeira Geração que prestava serviços à ordem de Dragos. – Todos estão reunidos lá dentro?

- Sim, senhor. - Fabien saiu de sua reverência e se precipitou a caminhar ao lado de Dragos. - Tenho boas notícias. O guerreiro que escapou da contenção foi eliminado. Tanto ele quanto a mulher que o ajudou. Um de meus ajudantes agarrou a dupla, e ontem à noite enviei uma equipe com meus melhores agentes para se livrar do problema.

- Tem certeza de que o guerreiro está morto?

O sorriso de suficiência de Fabien ressoou.

- Aposto minha própria vida nisso. Enviei profissionais capacitados para a tarefa. Confio na habilidade deles de forma implícita.

Dragos grunhiu, sem deixar-se impressionar.

- Que grande comodidade deve ter esse tipo de confiança em seus servos.

A confiança de Fabien vacilou com a espetada e ele limpou a garganta com estupidez.

- Meu senhor... em outro momento, se quiser.

Dragos dispensou o Caçador de sua presença com um gesto cortante.

- Aproxime-se da casa e me espere. Não fale com ninguém.

Quando o assassino Primeira Geração caminhou a passos longos para a frente, Dragos fez uma pausa para lançar um olhar impaciente para Fabien.

- Meu senhor, eu esperava, quer dizer, pensei que um presente pudesse cair bem - gaguejou ele. - Para celebrar esse importante evento.

- Um presente? - antes que pudesse perguntar a Fabien o que pensava que Dragos poderia necessitar dele, Fabien estalou os dedos e um agente de execução surgiu das sombras das árvores circundantes, empurrando uma menina diante dele. A menina parecia perdida na escuridão, seus cabelos loiros brilhando como cabelos de milho, seu pequeno rosto perdido debaixo dele.

- Que é isso?

- Uma jovem Companheira de Raça, meu Senhor. Meu presente para o senhor.

Dragos contemplou a menina desamparada, impressionado. As Companheiras de Raça eram um acontecimento bastante raro entre as populações humanas, isso era certo, mas ele preferia as férteis, em idade de procriar. Essa garota não estaria pronta por vários anos, o que sem dúvida mostrava que Fabien tinha algo mais a respeito dela.

- Pode ficar com ela - disse Dragos, retomando o percurso rumo à reunião. – Faça com que seu homem conduza o barco de volta. Chamarei pelo rádio quando necessitar.

- Vá - Fabien ordenou em resposta, então voltou novamente ao lado de Dragos, tão ansioso como um cão mendigando pelas sobras. - Meu senhor, sobre a menina... na verdade, o senhor deve ver por si. Ela é dotada de um talento extraordinário que estou seguro de que o senhor saberá apreciar. Ela é um oráculo, meu senhor. Fui testemunha disso.

Contra sua vontade, a curiosidade prendeu sua atenção. Seus passos desaceleraram, e então deteve-se.

- Traga-a.

Quando ele girou ao redor, o sorriso impaciente de Fabien ficou ainda mais amplo.

- Sim, senhor.

A menina foi conduzida a ele uma vez mais, resistindo em seus passos, seus obstinados calcanhares cravando-se nas velhas agulhas de pinheiro e na areia que enchiam o pequeno cais. Ela tentou lutar contra o guarda vampiro que a segurava, mas era um esforço inútil. Ele simplesmente a empurrou para frente até que ela ficou de pé diretamente na frente de Dragos. Ela manteve seu queixo para baixo, com o olhar posto no chão.

- Levante a cabeça - Fabien ordenou, mal esperando que obedecesse, antes de pegar sua cabeça com ambas as mãos e a obrigar a olhar para cima. - Agora, abra os olhos. Vamos!

Dragos não sabia muito bem o que esperar. Ele não estava absolutamente preparado para a palidez surpreendente de seu olhar. A íris da menina era tão clara como espelhos de cristal e tão impecável que imediatamente o fascinaram e hipnotizaram. Estava vagamente consciente da emoção de Fabien, mas toda a sua atenção estava presa na menina e no incrível brilho tênue de seus olhos.

E então ele viu... um movimento brilhante na meditação pacífica. Viu uma forma movendo-se através das espessas sombras - um corpo que acreditou reconhecer como o seu próprio. A imagem ficava mais clara quanto mais olhava fixamente, absorto e impaciente por ver mais do presente que Fabien havia descrito.

Era ele.

Era seu refúgio também. Mesmo envoltas na névoa escura, as imagens que se mostravam eram intimamente familiares. Viu o laboratório subterrâneo, as celas de contenção... a jaula de luz ultravioleta que continha sua maior arma na guerra que estava preparando durante todos aqueles séculos. Tudo estava ali, revelando-se para ele através dos olhos daquela pequena Companheira de Raça.

Mas, então, um momento de alarme surpreendente.

Seu laboratório antigo, tão rigidamente assegurado e ordenado, estava em ruínas. As celas de contenção tinham sido deixadas abertas. E a jaula de luz ultravioleta... estava vazia.

- Impossível - murmurou ele, golpeado por um temor sombrio, furioso.

Ele piscou com força, várias vezes, querendo limpar a visão de sua cabeça. Quando abriu os olhos outra vez, viu algo novo nos olhos malditos da menina... algo ainda mais incompreensível.

Viu-se implorando por sua vida. Chorando, abatido. Patético. Derrotado.

- Isso é algum tipo de brincadeira de mau gosto? - a voz dele tremia tanto com a raiva como com outra coisa muito fraca para admitir. Desviou o olhar da garota e o fixou em Fabien.

- Que diabos isso significa?

- Seu futuro, senhor – o rosto de Fabien ficou completamente pálido. A boca se moveu durante um momento sem expressar som algum, então, finalmente balbuciou. - A menina... o senhor viu, ela é um oráculo. Ela me mostrou em pé aqui, nesta grande reunião, apresentando uma visão de seu futuro que o agradava enormemente. Quando vi isso, soube que tinha de guardá-la, meu senhor. Tinha de oferecê-la ao senhor, não importava o custo.

O sangue de Dragos era como lava ardendo em suas veias. Ele deveria matar esse idiota ali mesmo, só por aquele insulto.

- É óbvio que você interpretou mal o que viu.

- Não! - Fabien exclamou, agarrando a menina e girando ao redor dela. Deu a ela uma sacudida forte. – Mostre-me outra vez! Mostre que não me enganei, maldita!

Dragos observou tão imóvel como uma pedra, enquanto Fabien olhava atentamente seus olhos. O grito horrorizado do líder do Refúgio disse tudo o que ele tinha que saber. Ele cambaleou para trás, tão branco quanto uma folha de papel. Golpeado como se tivesse testemunhado sua própria morte.

- Não entendo - murmurou Fabien. - Tudo mudou. O senhor tem de acreditar, Mestre! Não sei como ela mudou a visão, mas a pequena bruxa está mentindo agora. Ela tem que estar mentindo!

-Tire-a de minha frente - Dragos grunhiu ao guarda da Agência de Execução que a sustentava. – Vou levá-la comigo quando for, mas até então, não quero ver nem um fio de cabelo dela.

O guarda assentiu com a cabeça e afastou a menina, praticamente arrastando-a até a casa.

- Senhor, eu lhe rogo - suplicou Fabien. – Perdoe-me por este... lamentável engano.

- Cuidarei de você mais tarde - disse Dragos, sem se preocupar em esconder a ameaça reflexiva no fundo de cada uma de suas palavras.

Retomou a marcha para a reunião, mais decidido do que nunca a fazer todos compreenderem de uma vez por todas sua autoridade e seu poder incomparáveis.


Capítulo 29

Estava completamente escuro quando Niko e Renata, após seguirem as coordenadas enviadas por Gideon, chegaram ao local onde ficava a propriedade de Edgar Fabien, ao norte. O líder do Refúgio evidentemente possuía um pedaço considerável de terra suficientemente longe de Montreal para que a zona ao redor permanecesse inexplorada: acre após acre de enormes coníferas e sempre-vivas, nenhuma alma sequer à vista, a não ser um ou outro veado ou alce americano que saía em disparada ao primeiro aroma de vampiro arrastando-se naquele santuário natural.

Nikolai tinha feito sozinho o reconhecimento da área nos últimos minutos. Uma casa de dois andares feita de troncos e pedra estava enfiada em um canto do bosque. Um estreito caminho sem pavimentação e apenas largo o suficiente para um veículo cortava as árvores na parte da frente da casa. Niko contornou essa vida escondido pela vegetação e viu dois Agentes da Lei vestidos com roupas da SWAT, postados no meio do caminho, e os três grandes Humvees estacionados em fila única bem diante da porta principal da casa. Três outros guardas vampiros com rifles M16 cobriam a entrada. Leste e oeste estavam também sob vigilância com um sentinela armado.

Embora não imaginasse que eles tivessem deixado a parte traseira da propriedade vulnerável, Niko se moveu ao redor daquele caminho para ter uma ideia da extensão do terreno. Ouviu o suave som de água mesmo antes de ver o tranquilo lago e o cais vazio na borda, a cerca de trezentos metros atrás da casa. Lá, outra dupla de Agentes permanecia de guarda.

Maldição.

Entrar no lugar para pegar Fabien não seria fácil. A menos que ele e a Ordem atacassem por cima, se quisessem tirar o sócio de Dragos dali teriam de passar por alguns guardas da Agência no processo, sem considerar o grupo desconhecido de vampiros da Raça que tinha acompanhado o líder do Refúgio de Montreal até ali na noite passada. Capturar Fabien naquela noite sem muitas baixas civis beirava o impossível, principalmente quando o resgate de Mira era acrescentado à equação. Portanto, o reconhecimento feito por Niko dava conta de que a coisa seria feia. Muito feia.

E havia ainda a situação com Renata.

Uma das coisas mais difíceis que Nikolai já fizera fora passar o dia inteiro com ela, sabendo que a tinha enganado. Ele queria dizer-lhe, depois que fizeram amor, depois que ela o honrou com o presente de seu sangue e com o vínculo completo que agora os unia eternamente. Quis dizer-lhe uma dúzia de vezes, em uma dúzia de momentos diferentes, mas, egoísta, mantivera a verdade oculta para a própria proteção dela. Ele ainda mantinha a esperança de que ela compreendesse sua cautela - que ela poderia inclusive ficar agradecida que ele a tivesse feito esperar para saber a localização de Mira até que ele e os outros guerreiros da Ordem tivessem uma oportunidade sólida de criar uma estratégia de resgate.

Sim, o macho da Raça seguia se dizendo essas coisas porque não queria sequer considerar outras alternativas.

Afastando o arrependimento que perseguia seus passos e o medo que seguia arrastando-se por trás de seu pescoço, Nikolai se moveu para uma melhor posição de acesso aos bosques. Olhou através dos ramos de pinheiro e observou vários dos ocupantes da casa enquanto eles passavam por uma janela no andar térreo. Fez uma rápida contagem dos vampiros da Raça encapuzados enquanto eles andavam a passos largos e em grupo para outra sala. Cinco, seis, sete... e então outro, este sem o capuz negro cobrindo-lhe o rosto.

Ah! Jesus Cristo!

Nikolai o conhecia. Ele tinha visto o filho da mãe de perto e pessoalmente apenas algumas semanas antes, quando uma missão da Ordem tinha-lhe enviado a um encontro com um dos oficiais do mais alto escalão na Agência da Lei. Naquele momento, o homem usava um pseudônimo - um dos dois nomes falsos que a Ordem tinha descoberto não fazia muito tempo. Agora eles conheciam o bastardo por seu verdadeiro nome, o nome que o Primeira Geração traidor que fora seu pai carregava antes também.

Dragos.

Maldição.

Durante semanas a Ordem havia investigado exaustivamente à procura de Dragos, tudo sem êxito. Agora, ele estava ali, na frente deles, como um peixe em um barril. O bastardo estava ali. E, maldito seja, ele ia cair - naquela noite.

Niko recuou para a mata cerrada, então arrastou o traseiro na direção sul, onde tinha deixado Renata no SUV da Agência que roubaram. Mal podia esperar para ligar para Tegan e Rio e lhes dar essas boas notícias.

A confusão e a angústia de Edgar Fabien por causa do fracasso de seu presente para Dragos assombrava-o como um fantasma enquanto ele e os outros seguiam o recém-chegado líder à sala de conferências no abrigo ao norte. Ele sabia que era perigoso, geralmente mortal, desagradar Dragos, algo que tinha evitado muito bem até agora. Mas ele também sabia – assim como o resto dos vampiros da Raça reunidos ali para aquele encontro – que Dragos os tinha juntado por um objetivo específico. Aquela seria uma noite histórica. Eles seriam recompensados, Dragos prometera, pelos anos de parceria oculta e lealdade a um objetivo comum.

Depois de tanto tempo e esforço adulando Dragos durante as últimas décadas, Fabien só rezava que não tivesse jogado tudo fora naquele instante infeliz perto do cais.

- Sentem-se - Dragos ordenou, tomando seu lugar na frente da sala de reuniões. Assistiu enquanto Fabien e os outros seis, todos ocultos atrás de seus capuzes negros, ocupavam as cadeiras reunidas ao redor do bloco de granito polido que servia como mesa de conferências. - Nós nos reunimos aqui nesta sala porque compartilhamos um interesse comum: o atual e o futuro estado de nossa Raça.

Fabien assentiu sob seu capuz, assim como o fizeram os outros ao redor da mesa.

- Compartilhamos um ressentimento comum pela corrupção de nossas descendências pela mancha de humanidade e pela maneira ambiciosa com a qual os que estão no poder dentro da Raça escolheram nos governar com respeito à inferioridade humana. Desde que as primeiras sementes da Raça foram semeadas neste planeta, os vampiros degeneraram-se em uma vergonha grande e triste. A cada nova geração nascida, nossa descendência cresce mais e mais mesclada com a humanidade. Nossos líderes preferem que nos ocultemos dos Homo sapiens, todos com medo de serem descobertos, e mascaram essa covardia com leis e políticas supostamente feitas para proteger o segredo de nossa existência. Ficamos debilitados pelo medo e pelo segredo. Já é hora de isso mudar e precisamos de um novo e poderoso líder.

Agora os assentimentos chegaram mais vigorosos, os acordos murmurados mais fervorosamente.

Dragos começou a dar passos sem pressa na frente da sala, suas mãos juntas e frouxas atrás das costas.

- Nem todos partilham de nosso desejo de reverter radicalmente as falhas passadas e restaurar a Raça a uma posição de poder. Nem todos veem o futuro que nós vemos. Alguns diriam que o preço é muito alto, que os riscos são muito grandes. Mil desculpas para explicar por que a Raça deveria manter seu status quo e não dar os passos firmes requeridos para aproveitar o futuro a que temos direito.

- Ouça, ouça - Fabien interferiu, ansioso por aquele futuro que o lambia como uma chama.

- Estou encantado com o fato de que todos vocês nesta sala entendam que passos firmes devem ser tomados - disse Dragos. - Cada um de vocês, individualmente, tem tido um papel no avanço de nossa visão ao seguinte nível. E vocês o fizeram sem questionar, sem conhecer uns aos outros... até agora. Nosso próprio momento de segredo terminou. Por favor - disse ele -, tirem seus capuzes e nos deixem começar a mais nova fase de nossa aliança.

Fabien estendeu a mão para o pano negro que lhe cobria a cabeça, a insegurança fazendo seus dedos duvidarem. Deteve-se até que alguns dos outros assistentes tiraram seus capuzes antes de encontrar coragem para tirar o seu.

Por um momento, nenhum dos vampiros da Raça disse uma palavra. Olhadas passaram ao redor da mesa, alguns presunçosos com reconhecimento de olhares conhecidos, outros cautelosos pelos estranhos que agora, com essa confissão de mal-intencionada traição, tinham se tornado seus mais profundos aliados. Fabien conhecia vários dos rostos que lhe devolveram o olhar - todos eles de Refúgios de alto escalão ou oficiais da Agência da Lei, alguns dos Estados Unidos e outros do exterior.

- Somos um conselho de oito - anunciou Dragos. - Como os Antigos que chegaram aqui há tanto tempo. Somos, todos nós, a segunda geração de filhos desses poderosos extraterrestres. Logo, uma vez que o último vampiro Primeira Geração for eliminado, estaremos entre os mais velhos e mais poderosos de nossa Raça. Cada um de vocês ajudou nesse esforço, seja oferecendo as localizações dos membros que restavam de nossa primeira geração, seja apoiando a causa oferecendo Companheiras de Raça para levar as sementes de nossa revolução.

- E quanto à Ordem? - perguntou um dos assistentes europeus, seu sotaque alemão afiado como uma lâmina de barbear. - Há dois guerreiros Primeira Geração com quem ainda temos de lutar.

- E o faremos - disse Dragos, sem problemas. – Vou planejar o ataque direto na Ordem muito em breve. Depois do recente golpe contra mim, será um prazer pessoal enterrar a operação da Ordem e ver os guerreiros e suas Companheiras encontrarem a morte.

Um diretor da Agência da Costa Oeste dos Estados Unidos inclinou-se para trás em sua cadeira e arqueou as sobrancelhas castanhas.

- Lucan e seus guerreiros já sobreviveram a outros ataques antes. A Ordem existe desde a Idade Média. Eles não cairão sem luta. Uma luta dura e sangrenta.

Dragos riu.

- Ah! E eles sangrarão. E se tudo sair como espero, vão pedir misericórdia e não receberão nenhuma. Não do poderoso exército que terei às minhas ordens.

- Quando começaremos a criar esse exército? - alguém no grupo perguntou.

O sorriso de Dragos se encheu de malícia.

- Começamos faz 50 anos. Na verdade, essa revolução começou há muito mais tempo do que isso. Muito mais.

Todos os olhos estavam cravados nele enquanto ia a passos largos até um laptop que Fabien tinha mandado deixar preparado na sala. Enquanto digitava algo, o grande monitor plano da sala de conferências se elevou do chão. Dragos digitou mais outras coisas e logo o monitor piscou, mostrando o que parecia ser um laboratório.

- Uma conexão por satélite com uma de minhas fortalezas - explicou, usando o touchpad para controlar remotamente a câmera. - É aqui onde estive juntando as peças do quebra-cabeças - a câmera vagou para um muro de cilindros criogênicos codificados, depois passou por um grupo de microscópios, computadores e tubos de DNA alinhados nas mesas. No meio de todo aquele equipamento, vários Subordinados cientistas vestidos com máscaras e jalecos brancos.

- Parece um laboratório de genética - disse o alemão.

- E é - respondeu Dragos.

- Que tipo de experimentos está fazendo?

- De todo tipo - Dragos voltou para o teclado e teclou outra sequência de comandos. A câmera do laboratório apagou e foi substituída por outra: essa era um ângulo panorâmico de um longo corredor com celas de prisão. Embora da posição da câmera fosse difícil distinguir algo além das mais rudimentares formas, era óbvio que as celas continham mulheres, algumas delas com crianças.

- Companheiras de Raça - tomou fôlego Fabien. - Deve haver vinte ou mais ali.

- Elas nem sempre sobrevivem aos testes, de modo que o número tende a variar - disse Dragos, em tom de conversa. - Mas tivemos nossos êxitos com o processo de reprodução. Essas mulheres e as que viveram antes delas estão dando a luz ao maior exército que este mundo jamais viu. Uma brigada de assassinos Primeira Geração que estarão sob minhas ordens.

Um silêncio tão grande como uma capa de inverno caiu sobre a reunião.

- Primeira Geração? - perguntou o diretor da Costa Oeste. - Isso não pode ser possível. Seria preciso um dos Antigos para produzir uma primeira geração de vampiros da Raça. Todos foram exterminados pela Ordem faz uns 700 anos. O próprio Lucan declarou Guerra a todos os Antigos e se certificou de que nenhum sobrevivesse.

- Certificou-se? - sorriu Dragos, mostrando as pontas de suas presas. - Acredito que... não.

Com uns poucos golpes mais de teclado, mostrou as imagens de outra câmera na conexão do satélite. Dessa vez, o foco se localizava em uma grande sala cheia de segurança, que tinha em seu centro uma cela cilíndrica construída com raios de luz. Os raios ultravioleta emitidos da jaula de barras verticais estavam piscando, inclusive na tela.

E dentro dessa jaula de raios ultravioleta havia uma criatura nua e sem cabelo que, de pé, mediria dois metros. Seu corpo nu era imenso, cada polegada coberta de dermoglifos. Ele elevou a vista enquanto as lentes da câmara zumbiam sobre ele de algum lugar da câmara. Pupilas e olhos âmbar, mas devoradas pelo fogo que ardia fora de suas órbitas, reduzido com letal consciência. A criatura saiu de sua posição de cócoras e se preparou para atacar, só para receber de novo o calor das barras ultravioleta que o deixavam prisioneiro. Abriu a boca e soltou um rugido furioso que não precisou ser ouvido para ser entendido.

- Meu Deus - mais de um dos assistentes ofegou.

Dragos lançou um olhar mortalmente sóbrio sobre o grupo.

- Admirem... nossa revolução.

O celular de Lex vibrou no centro do console do SUV. Renata o pegou e olhou a tela: Número desconhecido.

Inferno.

Ela não podia estar segura se a chamada era para Lex ou para Nikolai, já que o guerreiro da Raça estava usando o telefone para chamar e receber chamadas da Ordem. Ela não sabia há quanto tempo ele tinha saído para fazer o reconhecimento e estava a ponto de perder a cabeça esperando por ele. Ela precisava fazer algo. Ao menos, precisava sentir que estavam fazendo algum progresso para encontrar Mira logo...

O celular continuou vibrando em sua mão. Ela pressionou o botão de atender, mas não disse nada. Apenas deixou que a pessoa se revelasse primeiro.

- Olá? Niko? Você está aí, hermano? - a profunda voz denotava um acento espanhol, tão quente e suave como caramelo. - É Rio, cara...

- Ele não está aqui - disse Renata. - Estamos no lado norte da cidade, esperando que vocês cheguem. Nikolai saiu para fazer um reconhecimento da área. Não deve demorar muito.

- Bem - disse o guerreiro. - Já estamos quase chegando, demoraremos aproximadamente 45 minutos. Você deve ser Renata.

- Sim.

- Quero agradecê-la por você ter salvado o traseiro de nosso garoto aí. O que fez foi... bem, ele tem sorte de tê-la ao seu lado. Todos temos - ela podia ouvir a genuína preocupação e gratidão na voz do vampiro, e ficou demasiado curiosa por conhecer os outros guerreiros que Nikolai chamava de amigos. - Está tudo bem aí? Você está bem?

- Estou bem. Só ansiosa para que tudo isto acabe essa noite.

- Entendo - respondeu Rio. - Niko nos contou sobre a menina, Mira. Lamento pelo que você está passando, sabendo que um doente como Fabien está com ela. Sei que não deve ter sido fácil esperar o dia todo para se encontrar conosco.

- Não, não foi. Sinto-me tão inútil - confessou ela. - Odeio esse sentimento.

- Lamento tudo isso. Não vamos deixar que nada aconteça com ela esta noite quando entrarmos lá, Renata. Tenho certeza de que Nikolai explicou para você que pôr nossas mãos em Edgar Fabien é fundamental para a Ordem, mas vamos dar o nosso melhor para que a menina saia de toda esta situação bem.

Um súbito frio impregnou seu peito enquanto as palavras de Rio se afundavam em sua mente.

- O que disse?

- Que ela vai ficar bem.

- Não... isso de que você não deixarão que nada aconteça... lá dentro...

Do outro lado da linha, um longo silêncio.

- Ah! Cristo! Niko não lhe disse nada sobre o vídeo que temos do Refúgio de Fabien de ontem à noite?

O calafrio em Renata congelou, o gelo estendendo-se do peito aos seus membros.

- Um vídeo... de ontem à noite? - respondeu ela paralisada. - O que havia nele? Você viu Mira? Ah! Deus! Fabien fez algo? Diga-me!

- Madre de Dios - disse com uma larga exalação. - Se Niko não lhe disse isso... não tenho certeza de que devo lhe contar agora.

- Fale, maldição.

Ela ouviu um estrondo de conversa rápida ao fundo antes que Rio finalmente cedesse.

- A menina está com Fabien e com outros que ainda não identificamos. Pegamos a informação de uma câmera de segurança no Refúgio de Fabien. Eles partiram ontem à noite e nós os seguimos até a propriedade onde está agora.

- Ontem à noite - murmurou Renata. - Fabien está com Mira aqui... desde ontem à noite. E Nikolai? Vai me dizer que ele sabia? Quando ele ficou sabendo disso tudo? Quando?

- Tenho que pedir que aguente aí um momento mais - disse Rio. - Vai ficar tudo bem...

Renata sabia que o guerreiro ainda estava falando, ainda estava tentando acalmá-la, mas sua voz se apagou lentamente de sua consciência conforme uma profunda cólera e um profundo medo - uma dor tão desmedida que ela acreditava que poderia despedaçá-la – tomou conta de si. Ela desligou o telefone, cortando a chamada e deixando o aparelho cair no chão, aos seus pés.

Mira estava ali desde a noite passada, com Fabien. Todo este tempo. E Nikolai sabia.

Ele sabia, e escondeu isso dela. Ela poderia estar aqui há horas – nas horas de sol - fazendo algo, algo para salvar Mira. Em vez disso, Nikolai tinha ocultado deliberadamente a verdade e, como resultado, ela não tinha feito nada.

Não totalmente nada, ela admitiu, golpeada pela culpa por causa do prazer que tinha desfrutado com Niko enquanto Mira estava sozinha perto dali.

- Ah! Deus! - ela sussurrou, sentindo-se enjoada diante daquele pensamento.

Estava vagamente consciente dos passos aproximando-se do veículo, seus sentidos elevando-se antes que sua mente pudesse processar o som. O vínculo de sangue que agora compartilhava com Nikolai lhe disse que era ele antes que sua sombra aparecesse. Ele abriu a porta do carro esportivo e entrou.

- É Dragos - disse ele, procurando no console, no painel e no assento pelo celular. - Maldito seja, não posso acreditar nisso, mas era ele. Acabei de ver o filho da mãe dentro da casa com Fabien e com os outros. Dragos está aqui, ao nosso alcance. Onde diabos está aquele telefone?

Renata o olhou fixamente, vendo um estranho enquanto ele se inclinava para a frente e estendia a mão para apanhar o celular que estava aos pés dela, no chão do veículo. Ela mal ouvia o que estava dizendo. Mal se preocupava agora.

- Você mentiu para mim.

Ele se voltou para trás, com o telefone de Lex na mão. O rangido de adrenalina que tinha iluminado seus olhos se reduziu um pouco quando encontrou seu olhar.

- O quê?

- Eu confiei em você. Você me disse que eu podia confiar em você, que podia contar com você, e o fiz. Acreditei em você e você me traiu - ela tragou a saliva passando o terrível nó de sua garganta e forçando a si mesma a pronunciar as palavras. - Mira está aqui. Está aqui com Fabien desde ontem à noite. Você sabia disso... e não me disse nada.

Ele estava calado, mas sequer tentou negar o que ela dizia. Ele olhou o telefone em sua mão como se acabasse de se dar conta de como ela tinha descoberto.

- Eu podia estar aqui, Nikolai. Há horas, podia estar aqui, fazendo algo para tirar Mira das mãos desse monstro!

- Motivo pelo qual eu não lhe disse nada - disse amavelmente.

Ela sentia o coração quebrado.

- Você me traiu.

- Fiz isso para protegê-la. Porque te amo.

- Não - disse ela, agitando a cabeça para evitar ser feita de idiota de novo. - Não. Não diga isso. Como pode dizer isso quando usou todas essas palavras para me manter distraída, para me fazer acreditar que realmente se preocupava comigo enquanto você e seus amigos da Ordem faziam planos pelas minhas costas?

- Não foi assim. Nada do que aconteceu entre nós hoje... nada do que eu disse tem a ver com a Ordem. Hoje era você e eu... era sobre nós.

- Grande merda!

Ele estendeu a mão para ela e ela recuou, mantendo-se fora do alcance dele. Ela abriu a porta e saiu do carro, mas ele estava fora do veículo, a seu lado, bloqueando-a com o enorme corpo, tão rápido que ela sequer pôde dar um passo.

- Afaste-se de mim, Nikolai.

- Aonde você vai? - perguntou ele gentilmente.

- Não posso me sentar aqui por mais tempo e não fazer nada - ela deu um passo, mas ele continuava ali. A sutileza desapareceu rápido, substituída por uma firmeza que dizia que ele a manteria amarrada se fosse necessário.

- Não posso deixar que você faça isso, Renata.

- Essa não é uma escolha sua - ela respondeu, tremendo com medo e indignação. - Que droga, nunca foi uma escolha sua!

Ele grunhiu uma maldição e a agarrou.

Renata mal percebeu o que tinha feito até que ele ficou paralisado, segurando a cabeça entre suas mãos. Ele sibilou, seus olhos pulsando brilhos âmbar enquanto lhe dirigia um olhar horrorizado e furioso.

- Renata. Não faça isso.

Ela o atacou de novo, todo seu medo por Mira e sua dor por causa da traição verteram dela uma corrente castigadora de dor mental. Nikolai caiu de joelhos, rugindo e retorcendo-se pela dor que ela tinha desencadeado nele.

Renata se afastou do guerreiro, no bosque, antes que se permitisse ser dissuadida pelo arrependimento crescente dentro de si.


Capítulo 30

A casa estava sob forte armamento, guardada por todos os lados. Era impossível entrar sem ser notado por pelo menos um dos agentes de execução vestidos com roupas parecidas com as da equipe antiterrorista da SWAT. Todos eles ostentavam uma expressão do tipo “atire primeiro e pergunte depois”, desde a escura viseira do capacete preto e dos equipamentos de combate até os rifles automáticos pendurados no corpo.

Graças aos agentes que tinham invadido a casa de Jack na noite anterior, Renata e Nikolai tinham conseguido transporte, uniforme e armas. Ela não tinha a ilusão de que teria a sorte de chegar ao edifício, mas, à primeira vista, vestida como eles, os agentes de plantão podiam pensar que ela era um dos seus.

Ela colocou o capacete que tinha trazido consigo do SUV e fechou o visor colorido. Adotando a melhor postura de soldado que podia, saiu da mata e se aproximou do vampiro que guardava o lado oeste da casa.

O agente a viu imediatamente.

- Henri? Que porcaria você estava fazendo lá fora?

Renata deu de ombros, ergueu o braço bom em um gesto de “vá se ferrar”. Ela não correria o risco de falar com ele, arriscaria no máximo usar sua arma para tirar esse obstáculo do caminho. Mas se o derrubasse, teria toda a segurança em seu traseiro. Não, ela tinha de manter a calma e apenas seguir caminhando na direção dele com a esperança de que ele não abrisse fogo se suspeitasse de algo.

- Qual o problema com você, idiota?

Renata deu de ombros novamente. Chegando mais perto.

Seus dedos coçavam para fazê-lo voar - ele era um alvo fácil ali parado como um tronco, mas o mais leve cheiro de sangue derramado chamaria a atenção de todos os vampiros ao redor. Renata sabia que tinha de aproximar-se o suficiente para alcançá-lo com a mente. Sua única opção era atingi-lo com uma explosão rápida e sólida.

- Ingrato dos infernos. Henri, volte ao seu posto - disse o agente, grunhindo. Estendeu a mão para um pequeno dispositivo de comunicação em seu cinto. - Estou chamando Fabien para denunciá-lo. Se quiser irritá-lo, vá em frente, mas eu não quero fazer parte disso...

Usando todo seu poder, Renata lançou uma descarga selvagem de energia a partir de sua mente e a enviou ao vampiro diante de si. Suas palavras sufocaram com um grunhido e ele caiu como uma pedra. Ela manteve a descarga até que ele ficou em silêncio. Quando estava certa de que ele estava morto, inclinou-se e tirou-lhe a arma e o rádio.

Renata abriu a porta de entrada lateral e deu uma rápida olhada na área interna. Estava vazia. Ela deslizou para dentro, o coração martelando no peito, a respiração ofegante contra a viseira fechada do capacete.

Depois de toda a fúria que ela sentira por Nikolai não ter contado que Mira estava ali com Fabien, agora ela tinha gratidão para com a Ordem pela prova visual da localização da criança. Era tarde demais para saber como tinham ficado as coisas com Nikolai. Tarde demais para se preocupar se deveria ter esperado por ele e por seus companheiros de armas para apoiá-la. Parte dela sabia que tinha sido injusta, mas tinha ido muito longe para voltar.

Ela tomou uma decisão impulsiva e emocional baseada em sentimentos feridos. Foi uma decisão que poderia custar a amizade que tinha com Nikolai - talvez até mesmo seu amor -, mas mesmo já lamentando, aquilo não podia ser desfeito. Nikolai poderia nunca perdoá-la por colocar em risco sua missão e ela entenderia se ele não a perdoasse.

Agora, ela podia apenas rezar para que Mira não pagasse o preço daquilo tudo.

Niko despertou com o zumbido irritante de um celular ao lado de sua cabeça. Ele estava no chão ao lado do veículo. Não fazia ideia de quanto tempo estava ali. O celular vibrou novamente, mexendo na grama e nas folhas secas que se espalhavam pelo chão da floresta. Usou quase toda a sua força para mover a mão e pegar o maldito aparelho. Desajeitadamente, atendeu. Tentou dizer algo, mas apenas conseguiu soltar um grunhido seco.

- Alô - disse ele mais uma vez, forçando seus membros a se arrastarem e se apoiarem na roda dianteira do SUV.

- Niko? - a voz de Rio veio do outro lado do receptor, pesada com a preocupação. - Você parece uma porcaria, hermano. Fale comigo. O que está acontecendo?

- Renata - disse ele, segurando a cabeça nas mãos. – Está enlouquecida...

Rio amaldiçoou.

- Sim, deduzi isso. A culpa é minha, cara. Não sabia que ela não estava a par sobre a menina ter sido levada na noite passada.

- Ela sumiu - Niko disse. Notou que todos os seus sentidos começaram a voltar como se um interruptor em um gerador de energia fosse ligado dentro dele. - Ah! Caramba, Rio.... eu a enfureci e agora ela foi em busca de Mira por conta própria.

- Madre de Dios.

Na outra ponta da linha, Niko ouviu Rio dar a Tegan e aos outros um rápido esboço da situação.

- Isso não é o pior, cara - acrescentou Nikolai, ignorando a dor do tiro em sua cabeça enquanto se levantava do chão e dava uma corrida impressionante para a parte traseira do SUV. - A reunião de Fabien é maior do que pensávamos... Dragos está aqui também.

- Você tem certeza disso?

- Eu vi o desgraçado com meus próprios olhos. Ele está aqui. Nikolai foi pegar as armas automáticas na parte traseira tão rápido quanto seus braços lentos poderiam se mover. Ele cobriu o corpo com fuzis, enfiou uma pistola na parte traseira de seu uniforme roubado do Agente de Execução e outra em um coldre no tornozelo. - A casa está cercada por guardas, então quando vocês chegarem aqui, entrem a pé e se dividam.

- Niko, o que você está fazendo?

Ele não respondeu; sabia que seu velho amigo não gostaria da resposta. Em vez disso, carregava com munição tudo o que pudesse.

- Há dois homens no meio do estacionamento e três na frente. Retire-os primeiro e terão o caminho limpo.

- Nikolai - a voz de Rio era baixa, em forma de advertência. - Hermano, você não está pensando direito agora... não.

- Ela está lá dentro, Rio. Com Dragos, Fabien e sabe Deus quem mais... e ela está sozinha. Eu vou atrás dela.

Rio soltou uma palavra desagradável em espanhol.

- Fique atento. Estamos a dez minutos de distância e estamos acelerando, cara.

Niko fechou a parte de trás do SUV.

- Vou dar uma olhada no entorno.

- Caramba, Nikolai, se essa mulher quer se matar, isso não é problema seu. Nós vamos ajudá-la no que pudermos, mas...

- Ela é minha companheira, Rio - Nikolai soprou uma maldição. - Estamos ligados pelo sangue... e eu a amo. Eu a amo mais do que minha própria vida.

O suspiro do guerreiro soou pesado com compreensão e derrota.

- Suponho que não há necessidade de lhe dizer que você desafiará as ordens diretas de Lucan se for lá agora. Se Dragos está no lugar, isso torna as coisas ainda mais críticas e você sabe disso. Precisamos que você fique onde está e espere por ajuda.

- Não posso fazer isso - respondeu Nikolai.

Ele desligou o telefone e o atirou pela janela do motorista. Então, partiu para encontrar sua mulher.


Capítulo 31

Dragos se permitiu deleitar-se com o temor de seus subalternos quando eles observavam o Antigo preso na cela de raios ultravioleta sendo mostrada na tela. Do assombro de seus rostos – a absorta incredibilidade –, qualquer um pensaria que ele tinha conseguido capturar a luz em uma garrafa. Na verdade, o que tinha conseguido nas últimas décadas era algo ainda maior. Os sete machos da Raça que se reuniram com ele no quarto já o olhavam como um deus justamente por isso. Ele era o arquiteto de uma revolução que iria virar o planeta inteiro de cabeça para baixo. Naquela noite, eles testemunhariam a história e o começo de um futuro que ele tinha projetado pessoalmente.

- Como isso é possível? - alguém murmurou. - Se realmente é um dos Antigos que foi pai de nossa Raça, como sobreviveu à guerra com a Ordem?

Dragos sorriu enquanto andava mais perto da tela.

- Meu pai era um membro original da Ordem... mas foi, em primeiro lugar, o filho dessa criatura. Durante o banho de sangue perpetrado pela Ordem, quando Lucan declarou guerra aos Antigos, meu pai e seu pai alienígena fizeram um pacto. Em troca do poder compartilhado no futuro, meu pai iria escondê-lo até a histeria passar. Infelizmente, depois de fazer sua promessa, meu pai não sobreviveu à guerra. Mas o Antigo sim, como podem ver.

- Então, pretende cumprir o acordo de seu pai com essa... coisa? - Fabien perguntou, sua expressão como a de um cãozinho que acabara de perder o osso para um lobo selvagem.

- O Antigo está totalmente sob meu controle. Ele é uma ferramenta que utilizo quando e como for melhor para mim e para nossa causa.

- Como assim? - perguntou outro homem do grupo.

- Permitam-me dar-lhes uma demonstração.

Dragos caminhou até a porta da sala de conferências. Estalou os dedos para o Caçador que esperava lá fora, então, virou de volta para seus associados conforme o grande Primeira Geração o obedecia.

- Tire a camisa - ele ordenou ao Caçador.

O enorme macho obedeceu em silêncio, desnudando os ombros enormes e o peito sem pelos coberto por uma densa rede emaranhada de glifos. Mais de uma cabeça se voltou para o monitor para comparar as marcas da pele hereditárias da criatura contido dentro da célula ultravioleta.

- Eles têm dermoglifos semelhantes - Fabien engasgou. - Esse macho é da família do Antigo?

- Filho de Primeira Geração, criado com o único propósito de servir à causa - disse Dragos. - Todos os Caçadores de meu exército pessoal são os mais fortes, as armas mais letais do mundo. Eles foram especialmente criados e treinados sob minha orientação. São assassinos e infalivelmente leais a mim.

- Como pode estar certo disso? - perguntou o líder do Refúgio de Hamburgo, um homem sagaz que, sem dúvida, apreciaria a demonstração em tempo real que Dragos tinha em mente.

- Você percebe que o Caçador usa uma coleira. É um dispositivo de monitoramento GPS, mas também está equipado com um laser ultravioleta. Cada Caçador usa uma desde o momento em que começa a andar. Posso acompanhar todos os seus movimentos, localizá-los em um instante. E se me desagradam de qualquer maneira, basta um simples controle remoto para o laser ser ativado e emitir uma luz ultravioleta fina como uma navalha no pescoço do Caçador, cortando sua cabeça – disse Dragos, lançando um olhar significativo ao Caçador rigidamente em pé ao seu lado.

Um ou dois homens na mesa trocaram olhares desconfortáveis.

Foi o alemão quem falou primeiro, os olhos brilhantes.

- O que acontece se o colar for adulterado, ou removido?

Dragos sorriu, não para o alemão, mas para o próprio Caçador.

- Que tal vermos?

Apesar de seu instinto gritar para que entrasse como um ladrão à espreita, Renata caminhou pelo corredor oeste do covil de seus inimigos como se tivesse todo o direito de estar lá. Ela ouviu o baixo ruído de conversa masculina vindo de uma das grandes salas nos fundos. Em outra parte da casa, não havia nada além de calma, até que...

Soluços suaves de uma criança chegavam a partir de uma escada que conduzia ao segundo andar.

Mira.

Renata voou pelos degraus e seguiu os soluços até o final do corredor. A porta do quarto estava trancada pelo lado de fora. Ela passou a mão na parte superior do batente, mas não encontrou chave alguma.

- Maldição – sussurrou, tirando uma de suas lâminas da lateral da calça. Enfiou-a no ponto entre a porta e o batente, bem acima da fechadura, e fez uma alavanca dura. A madeira rachou, afrouxando um pouco. Mais duas vezes e, finalmente, tinha espaço suficiente para abrir. Com agitação e mãos ansiosas, Renata abriu a porta.

Mira estava lá dentro, graças a Deus.

Estava sem véu e assim que olhou para cima e viu a figura vestida de preto entrando na sala, encolheu-se no canto com terror absoluto.

- Mira, sou eu - disse Renata, abrindo a viseira escura. - Está tudo bem agora, querida. Estou aqui para levá-la para casa.

- Rê!

Ajoelhando-se, Renata estendeu os braços. Com um pequeno grito, Mira voou para seu abraço.

- Ah, minha ratinha! - Renata sussurrou, dando beijos aliviados na cabeça loira da garota. - Fiquei tão preocupada com você. Desculpe-me por eu não ter vindo mais cedo. Está tudo bem, querida?

Mira assentiu com a cabeça, os braços pequenos em volta do pescoço de Renata.

- Eu estava preocupada com você também, Rê. Eu estava com medo de nunca mais voltar a vê-la.

- Eu também, querida. Eu também - Renata odiava ter de soltá-la, mas ainda tinha que sair de lá antes que Fabien e seus companheiros chegassem. Ficou de pé, levantando Mira nos braços. - Temos que correr agora. Agarre-se em mim, certo?

Renata ainda não tinha descido dois degraus com a criança quando as explosões rápidas de tiros irromperam de todas as direções em algum lugar fora da casa.

Dragos estava ansioso para demonstrar a beleza tecnológica da coleira de raios ultravioleta que o Caçador usava quando o inferno desabou fora da reunião. Ele disparou um olhar mortal a Edgar Fabien quando o grupo pulou de seus assentos em alarme atordoado.

- O que está acontecendo lá fora? - exigiu de seu anfitrião. - Essa é outra de suas incompetências?

O rosto estreito de Fabien tinha uma sombra pálida.

- Eu... não sei... senhor. Seja o que for, tenho certeza de que meus agentes resolverão.

- Ao diabo seus agentes! - Dragos rugiu. Ele tateou para o rádio e emitiu uma ordem para o motorista levar o barco. Em seguida, olhou para o rosto do Caçador. - Fora, agora. Cuide disso. Mate todos que cruzarem seu caminho.

O Caçador - o soldado altamente treinado, obediente e impecável - apenas ficou ali, imóvel como um pilar de pedra.

- Fora. Eu ordeno!

- Não.

- O quê? - Dragos não podia acreditar em seus ouvidos. Ele sentiu os olhares de seus subordinados fixos nele. Ele podia sentir a descrença deles, a dúvida deles. Um silêncio floresceu, maduro, com a expectativa. - Eu lhe dei uma ordem direta, Caçador. Faça-o, ou vou acabar com você aqui e agora.

Com tiros chegando aos muros da casa, o Caçador teve a audácia de olhar Dragos nos olhos e balançar a cabeça.

- De qualquer forma, estou morto. Se quer que eu lute para que você possa viver, desative o meu colar.

- Como ousa sequer sugerir...

- Está perdendo tempo - disse ele, aparentemente imperturbável com caos crescente à sua volta. - Liberte-me deste colar, seu filho da mãe arrogante.

Nesse momento, um dos fracos vigias de Fabien apareceu correndo pela porta entreaberta.

- Senhor, estamos sendo alvejados por todos os lados. Não podemos ter certeza ainda, mas deve haver um exército na floresta nos cercando.

- Ah! Jesus! - Fabien engasgou. - Vamos todos morrer!

Dragos rosnou em fúria, sem a menor confiança de que os guardas de Fabien pudessem encontrar seus próprios traseiros, muito menos proporcionar uma cobertura adequada para o grupo de machos da Raça de alto escalão que estavam olhando naquele momento para Dragos como seu líder para ajudá-los a fugir. Esperando que ele decidisse se os salvaria ou se deixaria a prometida revolução cair por terra.

- Terminamos por aqui - ele rosnou. - Todo mundo para fora pela porta de trás, para o barco. Sigam-me.

Quando o grupo começou a sair em torno dele, Dragos lançou um olhar ameaçador por cima do ombro para o Caçador. Ninguém disse uma palavra – o ódio mútuo era suficiente para ler em seus olhares quando Dragos pôs a mão no bolso e pegou o dispositivo que controlava a coleira do Caçador e digitou o código que a desativava.

No instante que a coleira se desligou, o Caçador estendeu a mão e a arrancou do pescoço. Então, com um olhar de descrença, de fria determinação, ele caminhou para fora da porta em direção ao caos que se estendia do lado de fora.


Capítulo 32

Nikolai sorriu sozinho quando sua tática de distração criou uma confusão repentina e maciça em todo o complexo. Os Agentes em guarda corriam precipitadamente em pânico total, mais de um recebeu um golpe da explosão de disparos que vinham de todas as direções do bosque. Niko ordenou que uma videira enrolasse os ramos no gatilho de sua última M16 escondida.

Quando a videira fez como as anteriores, segurando o fuzil no alto e aplicando uma pressão cada vez maior no gatilho, o galho verde ficou mais grosso e mais forte, então Niko correu para a entrada lateral da casa.

Não foi difícil encontrar Renata. Seu vínculo de sangue era um farol para ele, levando-o através da parte traseira do lugar para um voo por cima das escadas. Renata estava descendo com Mira apertada nos braços. Ela encontrou o olhar dele e, por um instante infinito, nenhum dos dois disse uma palavra. Nikolai queria dizer como estava arrependido, e como estava aliviado por ela ter encontrado a criança ilesa.

Ele tinha mil coisas que queria dizer a Renata naquele momento, principalmente que a amava e que sempre a amaria.

- Rápido – ele murmurou. - Precisamos sair daqui agora.

- O tiroteio está por toda parte - disse Renata, a preocupação marcando suas feições. - O que está acontecendo?

- Apenas diversão. Tive que criar uma oportunidade para conseguir tirar você daqui.

Ela parecia aliviada, mas só por um segundo.

- Fabien e os outros... Eu os ouvi saindo pelo caminho de trás há alguns minutos.

- Estou trabalhando nisso - Niko disse. - Agora vá. Não pare por nada. Leve Mira de volta para o carro. A Ordem deve chegar a qualquer minuto.

- Nikolai...–disse Renata, olhando Nikolai firmemente, fazendo-o parar na esperança de ouvir o perdão ou uma afirmação de que ela ainda podia amá-lo depois de tudo o que tinha acontecido. Ela prendeu seu olhar, formando um vinco entre as sobrancelhas. - Seja cuidadoso.

Ele ofereceu-lhe um aceno triste, não sentindo o comum aumento de adrenalina que precedia o combate. Aqueles dias pareciam séculos atrás, quando nada mais importava para ele exceto a glória da batalha e o triunfo da vitória, por mais sem sentido que fosse.

Agora tudo importava, sobretudo em se tratando de Renata. Sua segurança e felicidade eram tudo o que importava, mesmo que isso significasse que ele poderia não estar em cena.

- Leve Mira de volta para o carro - disse novamente. - Mantenha a cabeça baixa e cuide-se. Vamos tirá-las daqui.

Ele esperou até que Renata saísse correndo, então foi para a porta dos fundos da propriedade por onde seus inimigos tinham fugido.

A lancha estava parada na doca quando Dragos e os outros correram ladeira abaixo para pegá-la. Ao redor da floresta e até perto da casa, os agentes de Fabien mexiam-se como formigas que tinham acabado de perder a casa. Tiros iluminavam a noite de modo tão enlouquecido que era impossível dizer quais rajadas vinham dos aliados e quais dos aparentes intrusos.

Tudo que Dragos sabia era que não ficaria para enfrentar a Ordem ou esperar que alguém o derrubasse.

Quando ele e seu grupo começaram a subir no barco, Dragos colocou-se no caminho de Edgar Fabien.

- Não há espaço a bordo para você - disse para o líder do Refúgio de Montreal. - Você nos prejudicou bastante com sua idiotice. Você fica aqui.

- Mas... senhor, eu... por favor, posso garantir que não vou decepcioná-lo novamente.

Dragos sorriu, mostrando as pontas de seus dentes.

- Não, você não vai.

Dizendo isso, levantou uma pistola 9 mm e disparou um tiro mortal direto entre os olhos redondos de Fabien.

- Vamos! - ordenou ao condutor do barco, Edgar Fabien completamente apagado quando o motor rugiu e a embarcação os levou até o hidroavião que esperava na outra extremidade do lago.

Ele chegou tarde demais.

Niko encontrou alguns Agentes em seu caminho até o lago, mas quando chegou lá, a lancha não passava de uma agitação na água. Nikolai disparou alguns tiros atrás deles, mas estava apenas perdendo balas. O cadáver de Edgar Fabien jazia na doca de madeira. Dragos e os outros já estavam do outro lado do lago naquele momento.

- Maldição.

Alimentado pela fúria e pela determinação, Nikolai começou a se movimentar ao longo da costa, recorrendo à velocidade sobrenatural que todos os da sua espécie possuíam quando precisavam. O barco era rápido, mas a água estava cercada de terra. Em algum ponto Dragos e seus companheiros teriam de desembarcar e pegar outro meio para terminar a fuga. Com alguma sorte, Niko poderia alcançá-los antes que fugissem.

Ele não sabia quão longe estavam - um quilômetro, provavelmente – quando, de repente, seu peito congelou de medo.

Renata.

Algo estava errado. Terrivelmente errado. Ele podia sentir as emoções de Renata como se fossem suas. Ela, a corajosa e imperturbável Renata, agora estava morrendo de medo.

Ah! Cristo! Se alguma coisa acontecesse com ela...

Não. Ele não podia sequer pensar nisso.

Com todos os pensamentos sobre Dragos deixados de lado, Nikolai virou e continuou em alta velocidade, rezando para chegar a tempo.

Ela não tinha visto o vampiro enorme vindo.

Em um minuto estava cortando o mato escuro com Mira firme em seus braços e, no minuto seguinte, viu-se olhando para o rosto implacável e para os impiedosos olhos dourados de um macho da Raça, cujo imenso torso nu, ombros e braços estavam cobertos por um espesso padrão de dermoglifos.

Era um Primeira Geração; Renata soube instintivamente. Seus instintos também diziam que aquele macho era mais letal do que a maioria, frio como pedra.

Um assassino.

O terror a cobriu como uma maré negra. Ela sabia que se o atacasse era melhor ter certeza de que poderia matá-lo rapidamente, ou então ela e Mira seriam mortas no mesmo instante. Não se atreveu a tentar quando Mira podia sofrer caso ela falhasse.

Santa Mãe de Deus, chegar tão longe, finalmente ter Mira em seus braços, a poucos passos da liberdade... e agora... Jesus Cristo!

- Por favor - Renata murmurou, desesperada para atrair a mais leve misericórdia. - A criança não. Deixe-a ir... por favor, deixe a criança, não lhe faça mal...

O silêncio do vampiro era irritante. Mira tentou levantar a cabeça do ombro da amiga, mas Renata gentilmente a empurrou de volta para baixo, não querendo que ela se assustasse com o mensageiro da morte que, sem dúvida, tinha sido enviado por Edgar Fabien ou por Dragos. Ou pelo próprio Diabo em pessoa, maldito seja.

- Vou colocá-la no chão - Renata disse a ele, sem ter certeza de que ele a compreendia e que muito menos concordaria. - Apenas... deixe a criança ir. Sou eu quem você quer, não ela. Apenas eu.

Os olhos de falcão dourado seguiam cada movimento de Renata enquanto ela cuidadosamente tirava Mira dos braços e lentamente colocava os pés da menina no chão. Renata colocou-se entre o assassino e a criança, rezando para que a morte dela fosse suficiente para satisfazer ao assassino e ao seu mestre do mal.

- Rê, o que está acontecendo? - Mira perguntou por trás de suas pernas, as mãos pequenas segurando-lhe as calças enquanto olhava ao seu redor. - Quem é esse homem?

O vampiro deixou seu olhar de pedra viajar até a origem daquela voz minúscula. Ele olhou. Sua cabeça raspada virou lentamente para o lado. Então, ele fez uma careta.

- Você - disse ele, com uma voz tão profunda que estremeceu todo o caminho até a medula Renata. Algo sombrio passou em seu rosto. - Deixe-me vê-la.

- Não - declarou Renata, segurando Mira atrás de si e bloqueando-a como um escudo. - Ela é apenas uma criança. Não fez nada contra você ou qualquer outra pessoa. Ela é inocente.

Ele lançou a Renata um olhar tão feroz que quase a derrubou.

- Deixe-me ver os olhos dela.

Antes que pudesse recusar mais uma vez, antes que pudesse pensar em alguma forma de pegar Mira e fugir o mais rápido possível, Renata sentiu Mira dar um passo para sair detrás de sua proteção.

- Mira, não.

Tarde demais para interromper o que aconteceria. Renata só pôde olhar com terror quando Mira caminhou direto para fora e olhou para cima, subindo para o duro olhar do letal vampiro Primeira Geração.

- Você... - disse ele novamente, olhando para o doce rosto de Mira.

Renata poderia dizer o momento em que começou a testemunhar o presente de Mira. Os olhos dourados dele ficaram tempestuosos, e ele olhava, absorto, enquanto a criança mostrava seu futuro. Ele chegou mais perto, muito perto, até que os braços maciços poderiam atacar e quebrar Mira inadvertidamente.

- Não... - ela deixou escapar, mas ele já estava chegando até Mira.

- Está tudo bem, Rê - Mira sussurrou, em pé diante do vampiro, tão inocente como uma criancinha que vagava na cova dos leões.

E foi então que Renata percebeu que algo de extraordinário estava para acontecer.

- Você me salvou - ele sussurrou, com as mãos enormes nos pequenos ombros de Mira. O vampiro se ajoelhou, ficando no nível da criança. Quando ele falou, a voz letal estava tranquila, com espanto e confusão. - Você salvou minha vida. Eu vi isso, agora, em seus olhos. Vi naquela noite também...


Capítulo 33

O coração de Nikolai congelou dentro de seu peito, um crescente pânico, medo transformado em gelo. Com o tiroteio ainda em erupção na área, ele tinha dado uma volta pela floresta até o lugar onde seu sangue tinha mostrado que encontraria sua Companheira apavorada.

Renata estava lá. Na escuridão da floresta banhada pela luz da lua, imóvel como uma estátua e olhando um imenso vampiro Primeira Geração agachado diante de Mira, segurando a criança com suas enormes mãos.

Jesus Cristo.

Niko moveu-se silenciosamente, rastejando para se aproximar e tentar encontrar uma posição em que poderia atirar sem colocar Renata ou a menina no fogo cruzado.

Ataque-o com uma onda, Renata. Faça-o cair e corra como se estivesse correndo do diabo.

Ela não lançou o poder mental sobre ele. Ela não tentou contrair um dedo na direção de qualquer uma de suas armas, psíquica ou não. Não, para o horror de Niko, ela não moveu sequer um dedo. Apenas ficou ali, no centro do que rapidamente se transformaria em uma tempestade infernal de sangue e violência.

O próprio medo de Niko naquele momento era insondável. Tudo o que ele sentia era o terror rasgando-o por dentro, seus ossos congelados, um desespero tão selvagem dentro do coração que batia como um tambor no peito.

Ele tirou as pistolas 9 mm de seus coldres laterais e avançou. Embora estivesse se movendo a um ritmo que apenas alguém da Raça poderia controlar, Renata olhou para cima. Ela o sentiu ali, movendo o ar ao seu redor, mesmo que os olhos não conseguissem registrar a velocidade. O sangue dele nela lhe disse que seu macho estava perto, assim como o seu sangue correndo nele sempre o faria encontrá-la.

Ele estava muito consumido pela raiva para notar que ela olhava para ele com alarme e não para o inimigo vampiro que enfrentava.

Nikolai avançou como um flash, totalmente preparado para matar. Ele parou logo atrás do grande Primeira Geração, as duas pistolas apertadas contra os glifos que seguiam até a parte traseira do crânio raspado do vampiro.

Tudo aconteceu em um piscar de olhos, mas parecia em câmara lenta na consciência de Nikolai.

Ele apontou as armas, os dedos nos gatilhos.

Os olhos de Renata se abriram. Ela balançou a cabeça.

- Niko, espere... não!

O Primeira Geração soltou Mira, deixando as grandes mãos caírem ao seu lado. Ele nem sequer reagiu às armas apontadas em sua cabeça. Seu peito expandiu quando puxou uma respiração longa, então deixou o ar sair em um suspiro resignado.

Ele não estava lutando contra sua morte.

Ele não se importava se morresse.

E então Mira gritou, a voz da criança alta com o medo.

- Não! Não o machuque!

Nikolai assistiu incrédulo e com espanto total quando Mira jogou seus braços em torno dos ombros largos do Primeira Geração.

- Por favor, não o machuque! - ela chorou, olhando para Niko, suplicando-lhe enquanto tentava proteger o vampiro com seu corpo minúsculo.

- Nikolai - Renata prendeu seu olhar quando ele a olhou, incrédulo, as duas pistolas de grande porte ainda armadas e prontas, niveladas na cabeça do Primeira Geração. - Nikolai... por favor, está tudo bem. Espere.

Ele franziu a testa, mas sua atitude guerreira relaxou um pouco.

- Levante-se - ordenou ao vampiro.–Levante-se e afaste-se da criança.

O Primeira Geração obedeceu sem qualquer comentário, lentamente, soltando os braços de Mira do seu pescoço e empurrando-a para longe enquanto levantava.

Niko se moveu para enfrentá-lo, as armas ainda sobre ele, quando orientou tanto Renata quanto Mira a ficar atrás dele.

- Quem diabos é você?

Os olhos sóbrios, inexpressivos, fitaram a terra.

- Chamam-me de Caçador.

- Você não é um Agente - disse Nikolai, cautelosamente.

- Não. Eu sou um Caçador.

Renata levou Mira para perto, segurando-a enquanto o caos na floresta e na casa lentamente morria em torno deles.

- Seus olhos, Nikolai - disse ela, entendendo agora. - Ele é o assassino que tentou matar Sergei Yakut naquela noite. Foi ele quem Mira viu no retiro de Yakut.

A expressão de Nikolai escureceu.

- É verdade? Você é um assassino de aluguel?

- Eu era - o Caçador deu um aceno triste e, finalmente, levantou o olhar. - A criança me salvou... Algo mudou em mim depois que eu vi a visão nos olhos dela naquela noite. Eu a vi salvar minha vida, exatamente como aconteceu há pouco.

No instante seguinte, a floresta ganhou vida com homens armados se deslocando sobre eles de todas as direções. Nikolai tinha as armas na mão, mas não fez nenhum movimento para disparar sobre as ameaças recém-chegadas. Renata entrou em pânico.

- Ah, merda. Niko...

- Está tudo bem - ele a acalmou com um olhar tranquilizador e algumas palavras gentis. - Estes são os mocinhos, meus amigos da Ordem.

Ela observou quando quatro dos guerreiros amigos de Nikolai entraram na área. Todos eram formidáveis no tamanho e na atitude, um grupo de músculos e de força que parecia sugar todo o ar da floresta pela simples presença dele.

- Como vai, hermano? Tudo bem aqui? - perguntou a voz suave que agora Renata reconhecia como pertencente a Rio.

Nikolai assentiu com a cabeça, os olhos e armas ainda apontadas na direção do Primeira Geração.

- Tenho tudo sob controle, mas a situação na casa está arruinada. Edgar Fabien está morto e Dragos e os outros fugiram pela costa. Foram de barco para o outro lado do lago. Tentei segui-los, mas... - olhou para Renata. - Tinha que me assegurar de que tudo estava bem por aqui primeiro.

- Nós ouvimos o zumbido de um motor de avião pequeno quando chegamos - disse Rio.

- Droga - Nikolai sussurrou. - Eram eles, sem dúvida. Fugiram. Diabos, Dragos estava aqui e nós perdemos o filho da mãe maldito.

- Deixe-me ajudar a encontrá-lo.

Todos os olhos se voltaram para o vampiro ainda detido na mira de Nikolai.

- Por que confiaríamos em você? - Nikolai perguntou, estreitando o olhar. - Por que estaria disposto a nos ajudar a colocar as mãos em Dragos?

- Porque ele é a pessoa que me criou - não havia calor no tom dourado dos olhos do Primeira Geração assassino quando respondeu à pergunta, apenas ódio gelado. - Ele me fez o que sou. Eu e todos os outros Caçadores criados por ele para matar.

- Ah, meu Deus! - Renata respirou. - Você quer dizer que há outros como você?

A cabeça raspada do Caçador acenou sobriamente.

- Não sei quantos nem onde estão, mas Dragos me disse que não sou o único de minha espécie. Há outros. Muitos outros.

- Por que devemos acreditar em você? - perguntou outro dos guerreiros, quase tão sombrio quanto a noite ao seu redor, seus dentes e presas brilhando como pérolas contra sua pele morena.

Outro guerreiro interveio, então, de olhos rápidos e sagazes, astuto como um lobo sob os pontos de ébano de seus cabelos cortados.

- Deixe Tegan nos dizer se podemos confiar nele.

Renata assistiu com espanto e um pouco de medo quando o maior do grupo, um guerreiro que parecia um fantasma perseguindo as sombras, deu alguns passos a frente. Imenso, com cabelos alourados sob o capuz preto de malha que usava, ele era um grande bloco de músculos másculos e energia sombria. Facilmente tão grande quanto o Primeira Geração diante dele, esperando seu julgamento.

Sem dizer nada, o guerreiro chamado Tegan estendeu sua enorme mão. O Caçador a pegou, seus olhos tão constantes quanto seu aperto.

Após um longo momento, Tegan deu um aceno vago.

- Ele vem com a gente. Vamos lacrar este lugar e dar o fora daqui.

Renata sentiu o enorme peso da tensão do momento ser removido, dando lugar a um novo propósito. O grupo se dividiu, a maioria dos guerreiros indo cuidar das coisas na casa de Fabien enquanto Rio e Nikolai andavam com Renata, Mira e seu companheiro inesperado de volta ao veículo à espera da Ordem.

Já perto, Nikolai pegou a mão de Renata.

- Encontramos você lá, Rio.

O guerreiro assentiu. À medida que avançavam, Renata olhou maravilhada e atemorizada quando Mira deslizou sua mão muito pequena na palma maior do Caçador.

- Meu Deus - disse ela a Nikolai. - O que está acontecendo?

Ele balançou a cabeça, claramente surpreso como ela.

- Vou levar algum tempo para descobrir isso, acho. Mas primeiro quero esclarecer as coisas entre nós.

- Nikolai, desculpe-me.

Ele a silenciou com um beijo longo e doce, puxando-a em seus braços quentes e musculosos.

- Eu estraguei tudo, Renata. Eu estava com tanto medo de perder você que a empurrei para longe de mim com uma mentira, fui um estúpido imprudente! Eu nunca me perdoaria se alguma coisa acontecesse com você ou Mira. Você é meu coração, Renata. Minha vida - ele acariciou-lhe o rosto, seu olhar a engolindo inteira. - Eu te amo tanto... Não quero viver um só momento sem você ao meu lado.

Ela fechou os olhos, dominada pela emoção.

- Eu nunca quis nada mais - ela sussurrou, sua garganta fechada com alegria. - Eu também te amo, Nikolai. Mas tem que entender que venho com um pacote agora. Mira não é minha filha de sangue, mas é de coração. Eu a amo como se fosse minha.

- Eu sei - disse sobriamente. - Você já provou isso.

Renata olhou para ele, incapaz de conter a esperança que se espremia em seu peito.

- Você acha que pode encontrar espaço em sua vida e em seu coração para nós duas?

- O que a faz pensar que eu já não tenha feito isso?–ele a beijou novamente, dessa vez com ternura. Quando olhou nos olhos dela, seu olhar era tão cheio de amor que lhe varreu o fôlego. - Vamos dar o fora daqui agora. Quero levar minhas garotas para casa.


Capítulo 34

Boston. Três noites depois.

O complexo da Ordem pareceu muito diferente para Nikolai quando ele andou pelo corredor que conduzia ao laboratório de tecnologia onde tinha se reunido com os outros guerreiros. A missão de capturar Dragos sofrera um golpe significante há algumas noites, mas também tinham ganhado uma vantagem muito inesperada na sua busca e encerramento da operação.

Infelizmente, embora o Caçador tivesse se tornado um valioso aliado, a Ordem também tinha perdido um membro crucial e confiável amigo: Andreas Reichen tinha sumido completamente e a notícia de Berlim era a pior possível. Ninguém sabia se o líder do Refúgio alemão tinha sobrevivido ao ataque em sua residência. Baseado na matança de toda sua família e no fogo que consumira a propriedade inteira, a Ordem tinha poucas esperanças de encontrar o amigo vivo.

Pessoalmente, Nikolai pensou que seria consolador para Reichen se ele tivesse morrido no ataque. Ele sabia que uma perda tão profunda jamais poderia ser superada. Certamente nenhum homem, da Raça ou não, seria forte o suficiente para sair ileso de um golpe tão brutal na alma. Como um guerreiro, Nikolai entendia baixas em combate. Todo guerreiro entrava na batalha sabendo que ele ou seus irmãos podiam não retornar para a base. Mas perder uma família...

Ele não queria nem mesmo considerar o que isso faria com um homem. Em vez disso, Nikolai se concentrou nas bênçãos que tinha, uma das quais podia ser ouvida falando baixinho quando ele se aproximou da porta aberta de seus aposentos.

Renata estava lá dentro, sentada no sofá da sala, lendo para Mira.

Por um momento, quando Niko aproximou-se da entrada, encostou-se na soleira da porta, simplesmente ouvindo e deleitando-se com a visão da bela mulher que agora era sua Companheira. Ele adorava ver como Renata ficava tão confortável com um livro quanto segurando uma arma. Ela tinha uma suavidade que ele admirava, uma inteligência que o desafiava continuamente e uma força interior que o fazia procurar ser um homem digno de sua devoção.

Não era nada mal também que ela fosse mais quente do que o inferno, sobretudo quando ela estava com o olhar na sua 9 mm ou treinando com suas adagas queridas no centro de treinamento. Kade e Brock tinham estado quase permanentemente na sala de armas nos últimos dias, só pela possibilidade de treinar com Renata ou olhá-la em ação. Nikolai não podia culpá-los. Mas quando sentiu o beliscão leve do ciúme, bastou um olhar malicioso de sua mulher para colocá-lo à vontade. Ela o amava e Nikolai era o macho mais sortudo do planeta.

- Oi - disse, olhando enquanto virava a última página de um capítulo e parava para cumprimentá-lo.

- Olá, Niko - Mira sussurrou sob o véu curto. - Você acabou de perder uma parte muito boa da história.

- Mesmo? Talvez eu possa convencer Renata a ler para mim mais tarde - disse ele, enviando um olhar aquecido para sua Companheira quando entrou na sala. Ele caminhou até o sofá e se agachou na frente de Mira. - Tenho algo para você.

- Sério? - o rosto dela se iluminou com um pequeno sorriso. - O que é?

- Uma coisa que pedi a Gideon para você. Tire seu véu, e vou lhe mostrar.

Ele não perdeu o olhar protetor de Renata quando Mira afastou o tecido preto para longe do seu rosto.

- O que é?

- Tudo bem - disse ele, tirando uma pequena caixa de plástico do bolso da calça jeans. - Você pode confiar em mim. Ambas podem confiar em mim.

Renata relaxou, e olhou quando Nikolai retirou a tampa de um recipiente de lentes de contato.

- Estas são as lentes especiais que Gideon acha que vão ajudar com seus olhos. Você gostaria de nunca mais usar o véu de novo?

Mira concordou com entusiasmo.

- Deixa eu ver, Niko!

- Que tipo de lentes são essas? - Renata perguntou, cautelosamente otimista.

- Íris opacas para proteger o efeito de espelhamento dos olhos de Mira. Ela será capaz de ver através delas, mas ninguém que olhar para ela vai notar nada de incomum sobre os olhos. Suas íris serão cobertas, da mesma forma que o véu cobre. Eu pensei que seriam melhores.

Renata acenou, sorrindo calorosamente para ele.

- Muito melhor. Obrigada.

- Posso experimentá-las? - Mira perguntou, ansiosamente olhando a pequena caixa nas mãos de Niko. - Olha, Rê, são roxas!

- Essa é sua cor favorita - disse ela, jogando um olhar interrogativo sobre Nikolai.

Ele tinha mudado muito nos últimos dias, empreendendo um papel que nunca se imaginou, sem falar no fato de se ajustar tão confortavelmente nele. Ele era um macho com laço de sangue com uma Companheira de Raça que o amava e uma criança para criar como sua. E ele apreciou as duas ideias.

Ele, um dissidente e imprudente, tinha uma família própria agora. Era incompreensível para ele, para não mencionar para o resto do complexo. Era a última coisa que sonhou que queria ou precisava e agora, apenas alguns dias depois, não poderia ver sua vida de outra maneira.

Seu coração nunca se sentiu tão completo.

- Deixe-me ajudá-la com isso - disse Renata, pegando as lentes das mãos de Niko com cuidado e colocando-as em Mira. Quando estavam no lugar há alguns segundos e o talento da criança não se manifestou, Renata sorriu. - Ah, meu Deus. Funcionou, Nikolai! Olhe para ela. As lentes funcionam perfeitamente.

Ele olhou para as piscinas violeta nos olhos alterados de Mira e viu... nada. Apenas o feliz e despreocupado olhar de uma criança.

Renata jogou os braços em volta dele e o beijou. Mira estava bem atrás dela e Niko pegou as duas em um sincero abraço.

- Há mais - disse, esperando que gostassem do resto da sua surpresa. Ele se levantou e pegou cada uma delas pela mão. - Venham comigo.

Ele as levou pelo corredor até o elevador que subia da sede subterrânea para a enorme mansão que ficava no piso acima. Ele podia sentir a apreensão de Renata pelo modo como ela apertava-lhe a mão grande e pela adrenalina que lhe corria na corrente sanguínea.

- Não se preocupe - ele sussurrou na orelha dela. -Você vai gostar, eu prometo.

Pelo menos, ele esperava que sim. Ele tinha trabalhado naquilo durante um dia e meio, tentando fazer tudo certo. Ele guiou Renata e Mira ao coração da propriedade, em direção à luz de velas e ao calor da sala de jantar formal. Os aromas de pão e carne assada os receberam. Niko não tinha apreço por comida humana, mas as Companheiras de Raça que viviam no lugar certamente tinham e, a julgar pela aparência das duas mulheres caminhando ao seu lado, elas também.

O espanto brilhou nos olhos de Renata.

- Você fez o jantar?

- Claro que não. Acredite em mim, sou a última pessoa que você iria querer para preparar suas refeições. Pedi alguns favores a Savannah, Gabrielle e as outras mulheres. Seu estômago está em muito boas mãos.

- Mas eu estive com todas elas mais cedo hoje e ninguém disse nada sobre isso.

- Eu queria fazer uma surpresa. Elas queriam surpreendê-la, também.

Renata não disse mais nada, mas ele não pôde deixar de notar que seus passos diminuíam ao chegar mais perto da sala de jantar. Mira, no entanto, pulava com entusiasmo. Assim que chegaram à porta de entrada em arco, ela soltou-se de Niko e correu a mil por hora como se tivesse vivido lá toda sua vida.

Mas Renata, não.

Ela ficou em silêncio e imóvel. Olhou para a mesa cheia de pratos de porcelana e enfeites finos e suspirou levemente. Não disse uma palavra sequer quando olhou para o rosto dos guerreiros e de suas Companheiras de Raça, todos de pé dando-lhe boas-vindas quando ela e Nikolai pararam na porta.

- Ah, Santo Deus! - ela finalmente sussurrou, sua voz quebrada e crua.

Niko a seguiu quando ela recuou, voltando pelo corredor.

Maldição. Ele estava tão certo de que ela desfrutaria de um agradável jantar com todos, mas é óbvio que estava errado.

Quando falou com ele, sua voz estava embargada pela emoção.

- Todo mundo está esperando lá dentro... por nós?

- Não se preocupe com isso - disse ele, puxando-a para seus braços fortes. - Eu queria fazer algo especial para você e estraguei tudo. Sinto muito. Você não tem que fazer isso.

- Nikolai - ela olhou para ele, os olhos brilhantes marejados. - Eu nunca vi nada mais bonito do que aquela mesa, com todos ao redor, em toda a minha vida.

Ele franziu a testa, bastante confuso agora.

- Então, o que está errado?

Ela balançou a cabeça, engolindo um riso estrangulado.

- Não há nada de errado. Nada de errado em nada. Estou tão feliz! Você me faz tão imensamente feliz. Tenho medo desse sentimento. Eu nunca soube o que era e eu estou morrendo de medo que seja apenas um sonho.

- Não é um sonho - disse ele suavemente, acariciando-lhe uma lágrima perdida que deslizava assertivamente pelo rosto macio. - E você pode se segurar em mim se sentir medo. Vou estar ao seu lado enquanto você quiser.

- Para sempre - disse ela, sorrindo para ele.

Nikolai assentiu.

- Sim, meu amor. Para sempre.

O sorriso exultante de Renata explodiu em sua boca. Ela beijou Nikolai forte e, em seguida, caminhou com ele sob o abrigo daquele braço forte para se juntar aos outros. Para se juntar ao resto da sua família.

Capítulo 25

Nikolai sentou-se dentro do abrigo feito de videiras e assistiu a um único raio de luz atravessar as folhas e iluminar os cabelos escuros de Renata enquanto ela dormia. A luz ultravioleta era tóxica para sua espécie – letal após meia hora de exposição contínua - mas ele não resistiu ao desejo de deixar aquele raio de luz entrar pelo pequeno buraco na vegetação. Nos últimos minutos, ele tinha permanecido sentado junto de Renata observando-a, admirando-a, muito intrigado com a forma como a luz cobria-lhe os cabelos de ébano, penetrandolhe os fios de seda e colorindo-os com uma dúzia de tons diferentes: cobre, bronze e vermelho.

Que diabos havia de errado com ele?

Ele estava sentado lá, olhando os cabelos de Renata, pelo amor de Deus! Não apenas olhando, mas olhando-os com total fascinação. Para Niko, isso indicava uma de duas coisas preocupantes: ele devia considerar muito seriamente ter algumas aulas com o famoso cabeleireiro inglês Vidal Sassoon ou estava completamente perdido de amor por aquela mulher.

Perdido tanto quanto no passado, eternamente tomado por outra pessoa. Em algum lugar, de algum jeito, ele se deixou apaixonar por ela.

Isso explicava o porquê de ele não conseguir manter as mãos - e outras partes maiores e mais pulsantes de seu corpo - longe dela. Explicava também o motivo pelo qual tinha passado toda a noite – com exceção da ida rápida à casa de Yakut antes do amanhecer – deitado junto de Renata, sustentando-a em seus braços fortes.

E, se ele precisava de alguma explicação do motivo de seu peito ter ficado tão apertado e tão pesado quando ela começou a chorar na noite anterior, ou por que havia se sentido obrigado a compartilhar com ela seu sentimento de culpa pela perda de Dimitri há tantos anos, ele supôs que estar apaixonado faria sentido.

Por mais que tentasse convencê-la de que ela estava a salvo com ele, Nikolai se sentia a salvo com ela também. Confiava nela plenamente. Mataria para protegê-la, morreria por ela sem hesitar nem por um segundo. Ela podia não fazer parte de sua vida há muito tempo, mas ele já não se imaginava sem ela.

Ah! Merda. Ele realmente tinha se apaixonado por Renata.

- Mas... que... maravilha! - murmurou, fazendo uma careta quando ela se agitou por causa do som de sua voz.

Ela abriu os olhos e sorriu quando o viu sentado ali.

- Olá!

- Bom dia - disse, casualmente alcançando um ramo de videira para fechar o abrigo e deixar do lado de fora os resquícios do raio de sol.

Ele achou o espreguiçar felino dela mais fascinante ainda do que os cabelos. Estava usando a mesma camisa de algodão da noite anterior, a metade dos botões espalhados pelo chão do abrigo natural. A grande camisa estava aberta da metade para baixo, mal cobrindo a nudez de sua fenda. Por ele, sem problemas.

- Como se sente?

Ela pareceu refletir por um segundo, depois olhou para ele com a testa franzida.

- Sinto-me realmente bem. Quero dizer, ontem à noite foi... - ruborizou, uma doce cor rosada preencheu-lhe as bochechas. - Ontem à noite foi incrível, mas pensei que ficaria fora de combate por causa da reverberação. Não entendo... nunca aconteceu nada assim. Quero dizer, tive um pouquinho de dor, mas pelo ataque na casa de Jack, eu devia estar agonizando a noite toda.

- Isso nunca aconteceu antes?

Ela sacudiu sua cabeça.

- Nunca. Cada vez que usava minha habilidade, o efeito retornava.

- Mas ontem à noite não.

- Não, ontem à noite não - ela disse. - Nunca me senti melhor.

Niko talvez pudesse ter feito uma brincadeira sobre os efeitos milagrosos de suas proezas sexuais, mas ele sabia que era um tipo de magia o que fizera Renata suportar o efeito da reverberação.

- Você bebeu de meu sangue ontem. Essa foi a diferença.

- Você acha que seu sangue ajudou não apenas a curar meu ombro, mas também com as reverberações? É possível?

- É definitivamente uma possibilidade. Uma Companheira de Raça que bebe regularmente o sangue de um vampiro se torna muito mais forte do que seria sem ele. O envelhecimento desacelera até ao passo de tartaruga. As células do corpo, os músculos e todo o metabolismo atinge um estado físico visivelmente saudável. E, sim, muitas vezes o sangue de um companheiro também tem impacto na habilidade psíquica das fêmeas.

- Por isso Sergei nunca me deixou beber dele - Renata disse, sua mente veloz para chegar à mesma conclusão a que Niko havia chegado. – Ele não fazia segredo de que gostava que meu poder fosse limitado. Nas vezes que tentei golpeá-lo, nunca pude manter a rajada o tempo suficiente para derrubá-lo. E, no final, o esforço sempre me custava caro demais quando retornava.

- Sergei Yakut era Primeira Geração - Niko recordou. – O sangue dele em seu sistema poderia torná-la praticamente invencível.

Renata zombou em voz baixa.

- Só um grilhão a mais para mim. Ele devia saber que eu o mataria se tivesse a menor esperança de êxito–ficou em silêncio durante um minuto, com os braços cruzados. Depois, arrancou uma fibra de erva do chão do abrigo improvisado. - Tentei matá-lo... no dia em que Mira e eu fugimos juntas. Naquele dia, ele queimou minhas costas com ferro quente. Fez outras coisas também.

Nikolai não tinha que perguntar mais sobre o que ela tinha sofrido. As cicatrizes das queimaduras em suas costas eram atrozes, mas pensar no castigo de Yakut era pior... O sangue de Niko fervia de indignação. O guerreiro, então, colocou a mão sobre a mão dela.

- Sinto muito, Renata.

Ela lançou um firme olhar que não procurava simpatia.

- Sua misericórdia foi a de não ter forçado Mira a assistir tudo o que me fez. Mas Sergei me disse que se ela ou eu tentássemos escapar outra vez, Mira pagaria da mesma forma que eu. Prometeu que seria pior para ela, e eu sabia que ele estava falando sério... Então, fiquei quieta. Eu o obedecia e a cada hora de cada dia rezava por um milagre que eliminasse Sergei Yakut de minha vida - parou, acariciando-lhe o rosto masculino. – E então você chegou e tudo mudou. Suponho que em muitos sentidos, você é meu milagre.

Nikolai segurou-lhe a mão e depositou um beijo no centro de sua palma.

- Ambos somos afortunados.

- Alegra-me que Sergei esteja morto - confessou ela, brandamente.

- Ele devia ter sofrido mais - disse Niko, sem tentar ocultar o tom obscuro de sua voz grossa. - Mas já morreu. E é o que importa.

Renata assentiu.

- E agora Lex também está morto. Os guardas de Yakut... Todos eles estão mortos.

- A essa hora da manhã, ele e os outros na propriedade não passam de um monte de cinzas - Niko disse ao esticar-se para colocar os cabelos negros e brilhantes de Renata atrás da orelha. - Depois que você dormiu ontem à noite, eu retornei lá e abri todas as persianas para que a luz do sol entrasse. Também liguei para Boston para dar os números que estavam no celular de Lex. Gideon entrará em contato quando tiver feito o rastreamento para nos dar os detalhes.

Outro assentimento, sua voz suave tinha um tom de esperança.

- Está bem.

- Enquanto estava lá, trouxe algo que pensei que pudesse precisar.

Inclinou-se para o monte de armas e outros instrumentos que havia recolhido e pegou o pacote de seda e veludo que pertencia a Renata.

- Minhas adagas! - ela disse, seu rosto iluminando-se de alegria quando pegou o pacote nas mãos. Desatou o laço que prendia as armas e desenrolou todo o veludo que cobria as quatro adagas com gravuras personalizadas. - Jack me deu isso...

- Eu sei. Ele me disse que as havia feito para você como um presente. Disse-me que não estava certo de que você as tivesse guardado.

- Elas são muito importantes para mim - murmurou, seguindo o lavrado do punho com a ponta do dedo.

- Eu disse que você ainda as tinha e ele alegrou-se ao escutar quanto elas significam para você.

O olhar cheio de gratidão de Renata banhou o macho da Raça.

- Nikolai... Obrigada por fazer isso pelo Jack. E por me devolver essas adagas. Obrigada mesmo.

Ela se aproximou dele e o beijou. A suave pressão de seus lábios foi algo profundo. Nikolai segurou-lhe o rosto entre as mãos, acariciando-lhe a mandíbula com os polegares grandes, percorrendo o delicado ângulo das maçãs do rosto. Ela abriu a boca enquanto a língua dele percorria a abertura úmida de seus lábios e soltou um doce gemidinho quando ele entrou dentro dela.

As presas dele se estenderam pontudas pela luxúria que corria nele como lava. Entre as pernas, seu sexo era já uma coluna de granito, aceso imediatamente diante da ideia de ter Renata debaixo de si. Quando a mão dela escorregou para baixo, ultrapassando a cintura da calça para tocá-lo, seu membro ereto e ávido saltou, crescendo mais e mais sob o calor da palma da mão de Renata enquanto ela o acariciava.

- Que horas são? – murmurou ela contra a boca febril dele.

Ele grunhiu, muito absorto em suas deliciosas carícias para processar imediatamente aquela pergunta. Através de sua respiração entrecortada, conseguiu responder.

- É cedo. Provavelmente por volta das nove.

- Bem, caramba, acho que é muito cedo - ela murmurou, separando sua boca da dele e deixando um rastro de beijos ao longo da garganta e do pomo-de-adão. - Não pode sair na luz do sol, não é mesmo?

- Não.

- Humm – os lábios úmidos dela desceram sobre o peito nu e suado dele. Ele recostou-se sobre os cotovelos enquanto ela seguia o contorno dos glifos com a ponta rosada de sua língua sapeca, percorrendo os arcos e redemoinhos ao redor de seus mamilos e através do seu tórax. Quando falou, sua voz vibrou em todos os ossos de Niko:

- Então, suponho que isso significa que estamos presos aqui por um tempo, não é?

- Sim. - A palavra saiu ofegante. O beijo dela viajou devagar para baixo, além do umbigo do macho da Raça, seguindo as linhas dos dermoglifos, em direção à parte do corpo dele que palpitava pela necessidade de sentir os lábios úmidos e quentes dela apertando-se ao seu redor. - Suponho que estamos presos aqui até de noite.

- Hum hum.

Ela prendeu o cordão das calças dele entre os dentes e deu um forte puxão. O nó caiu solto e então ela baixou as calças o suficiente para fazer a cabeça enorme do membro dele despontar ansiosa. Ela o lambeu, observando o rosto de Niko enquanto desenhava redemoinhos com a língua diabólica ao redor da carne e sugava uma gota do fluido viscoso que brotava ali.

- Ah!

- Então... - ela murmurou, seu fôlego flutuando através da pele umedecida pelo suor dele, atormentando-o ainda mais. - O que vamos fazer aqui o dia todo enquanto esperamos a noite chegar?

Niko riu.

- Querida, posso pensar em umas cem coisas que eu gostaria de fazer contigo.

Ela sorriu desafiante.

- Apenas cem?

Antes que ele pudesse lhe dar uma resposta inteligente, ela envolveu o pênis dele com os lábios e o tomou profundamente dentro da boca. E enquanto o corpo de Niko explodia de prazer, ele se viu rezando para que o tempo e os dias a sós com aquela incrível mulher – sua mulher – pudessem se estender para sempre.


Capítulo 26

Renata caminhou para a porta de trás da propriedade de Yakut e parou na soleira. Ela havia deixado Nikolai no refúgio de videiras quando decidiu que sua necessidade de um banho, de uma ducha quente e de roupas limpas que realmente coubessem nela eram maiores do que sua resistência em jamais colocar novamente os pés na casa de Sergei Yakut.

Agora ela duvidava. No início da tarde, o sol era uma presença alentadora, mas no lado de dentro a propriedade era escura e fria. Sombras caíam sobre a mobília desarrumada e estendiam-se pelas tábuas rudes do chão. Renata avançou e caminhou para o lugar onde Lex havia caído.

O corpo dele havia desaparecido, assim como o sangue. Nada além de um pequeno rastro de cinzas deixado para trás – como Nikolai prometera. As persianas sobre a janela da sala estavam totalmente abertas, mas o sol já havia passado. Uma fresca brisa carregava o aroma de pinheiro e o ar fresco do bosque para a umidade calma do lugar. Renata respirou profundamente, enchendo os pulmões, deixando a fragrância de um novo dia expurgar as lembranças de toda aquela morte, aquele sangue e aquela violência que tinham coberto o lugar na noite anterior.

Hoje, sob aquela nova luz, muitas coisas pareciam diferentes para ela.

Ela mesma parecia diferente. E sabia a razão. Estava apaixonada.

Pela primeira vez em muito tempo (talvez em toda a sua vida), Renata verdadeiramente sentia a esperança acomodada em seu coração, uma esperança de que o futuro lhe reservava algo além da mera sobrevivência, que ela poderia em algum momento medir a felicidade em anos e não apenas em momentos raros e fugidios. Estar com Nikolai, fosse em seus braços ou ao seu lado, fazia Renata acreditar que muitas coisas eram possíveis.

Ela caminhou pela grande sala, apoiando-se no fato de que aquela seria a última vez que precisaria ver aquele lugar. Aquilo era um adeus.

Quando ela e Nikolai saíssem dali para continuar a busca por Mira, aquele albergue, aquele terrível celeiro, aquele canil na parte de trás da construção, Sergei Yakut, Lex e todos os outros que marcaram os últimos dois anos de sua vida seriam apenas lembranças. Ela deixaria tudo ali, e o terror e a dor seriam, de alguma forma, banidos de seu futuro.

Aquela parte de sua vida havia terminado.

Ela entrou no pequeno banheiro que havia compartilhado com Mira, em paz consigo e com tudo ao seu redor enquanto ligava a água quente da ducha. Quando o vapor úmido começou a sair pela cortina, ela desabotoou uns poucos botões da camisa emprestada de Jack e ficou ali por um momento, parada, nua, contemplando seu futuro com olhos renovados. Não sabia o que a esperava uma vez que a noite caísse e uma nova jornada começasse, mas estava disposta a enfrentar o que quer que fosse.

Com Nikolai ao seu lado – com a esperança e o ardente amor tão resplandecente quanto uma chama em seu coração –, Renata estava preparada para enfrentar tudo.

Como um cavalheiro destinado a uma batalha que procura uma bênção, Renata deu um passo debaixo da água quente da ducha. Fechou os olhos em uma solene oração enquanto a reconfortante água caía-lhe sobre o corpo nu.

Nikolai permanecia no abrigo de videiras enquanto os passos de Renata se aproximavam.

- Toc, toc - ela o chamou através das folhas. – Estou entrando, então cuidado com a luz do dia. Eu não gostaria que você torrasse por mim.

Ela afastou algumas folhas verdes e avançou, pronunciando uma rápida desculpa quando notou que ele tinha o telefone celular de Lex no ouvido. Niko havia ligado para a Ordem pouco depois que ela fora tomar banho. As notícias de Boston eram uma mistura de boas e más, além de uma dose extra de sérios problemas.

As boas? Um dos números no telefone de Lex era, de fato, de Edgar Fabien. Sem muito esforço, Gideon havia sido capaz de rastrear os registros da base de dados de identificação internacional de Fabien. Agora, a Ordem tinha os endereços da residência do líder do Refúgio de Montreal, sua casa no interior e todos os dados de todas as outras propriedades privadas, tanto de negócios como pessoais. Gideon tinha acesso aos números de telefone celular de Fabien, carteira de motorista, arquivos do computador e até mesmo da vigilância eletrônica do Refúgio do maldito filho da mãe.

E era nesse ponto que começavam as más notícias.

Edgar Fabien não estava em casa. Gideon havia interceptado o sinal de um canal de vídeo mais cedo naquela noite e visto um grupo de sete machos da Raça – um deles provavelmente era Fabien – deixando o Refúgio em companhia de uma escolta armada da Agência de Execução. Era difícil dizer quem eram os visitantes de Fabien, já que todos pareciam iguais em ternos sob medida e com os rostos completamente ocultos por capuzes pretos.

Quanto à dose extra de sérios problemas, o grupo de vampiros havia saído com uma menina. Uma jovem que evidentemente não os havia seguido tranquilamente. A descrição de Gideon da criança loira não deixava dúvida de que se tratava de Mira.

- Ainda está me ouvindo? - Gideon perguntou do outro lado da linha.

- Sim, continuo aqui.

- Lucan quer que Fabien seja trazido a Boston para um interrogatório. Isso significa que precisamos dele vivo, cara.

Niko soltou uma maldição.

- Primeiro, temos de encontrar esse filho da puta.

- Sim, estou trabalhando nisso. Rastreei o GPS do telefone celular de Fabien. Consegui um sinal de um lugar a aproximadamente uma hora ao norte da propriedade de Yakut. Uma das propriedades de Edgar Fabien. Ele deve estar lá.

- Tem certeza?

- Tanta que já enviamos reforços. Tegan, Rio, Brock e Kade estão a caminho para encontrar-se com você enquanto falamos.

- Reforços a caminho? - perguntou Niko, olhando uma parte de luz ultravioleta que aparecia através das folhas do refúgio. A Ordem tinha trajes de proteção solar para situações de emergência, mas até mesmo uma geração antiga de vampiros vestidos dos pés à cabeça com trajes protetores de raios ultravioletas seria incapaz de resistir à luz solar golpeando no assento do motorista em uma viagem de quase sete horas. - Jesus! Não pode estar falando a sério. Quem teve essa ideia?

Gideon riu.

- As fêmeas teimosas, meu caro. Não sei se você notou, mas fomos invadidos por elas nos últimos tempos.

- Sim, notei.

Niko não pôde deixar de lançar um olhar para Renata, que estava verificando algumas das armas que tinham recolhido de Lex e dos outros.

- Qual é a situação, então?

- Dylan está levando os caras em uma Rover e Elise está montando guarda. Devem chegar aí por volta das nove, exatamente depois do pôr do sol. Como Fabien tem vários sócios desconhecidos com ele, vamos precisar entrar e sair de lá com cuidado, sem vítimas desnecessárias - Gideon fez uma pausa. - Escuta, sei que você está preocupado com a menina. A segurança dela é importante, sem dúvida, mas isso é grande, Niko. Se Fabien pode nos levar a Dragos, temos que nos assegurar de capturá-lo esta noite. Essa é a missão número 1, ordenada diretamente por Lucan.

- Sim - disse Nikolai. Ele sabia qual era a missão. Também sabia que não podia decepcionar Renata ou Mira. – Inferno... Certo, Gideon, eu entendi.

- Ligarei se Fabien se mover entre agora e o pôr do sol. Enquanto isso, estou trabalhando em um ponto de encontro para que você se junte aos outros esta noite e ponha em ação um plano de infiltração. Devo ter algo em uma hora ou duas. Ligarei depois.

- Certo. Até depois.

Nikolai desligou o telefone e o colocou junto de si.

- Gideon conseguiu algo daqueles números telefônicos? - perguntou Renata, olhando-o cuidadosamente. - Temos alguma pista do Refúgio de Fabien?

Niko assentiu.

- Temos o endereço.

- Graças a Deus - ela suspirou. O alívio cedeu espaço rapidamente à determinação, tão feroz como Niko nunca havia visto nela. - Onde está ele? No Refúgio na cidade ou em alguma parte nos subúrbios? Eu poderia ir lá agora mesmo e analisar o terreno. Santo Deus, da forma como me sinto – sem dor, meu ombro melhorando – talvez eu devesse bater na porta e golpeá-lo com uma explosão de...

- Renata - Niko pôs a mão grande sobre a dela e sacudiu a cabeça. - Fabien está indo para algum lugar. Não está mais na cidade.

- Então onde?

Ele poderia contar sobre o sinal do GPS que Gideon estava rastreando. Poderia dizer que Fabien tinha Mira em sua custódia e que a menina estava provavelmente uma hora ao norte de onde eles estavam sentados agora. Mas Niko também sabia que se dissesse isso a Renata – se desse o mínimo de certeza sobre o paradeiro da menina que tanto significava para ela –, ele não poderia impedi-la de sair por conta própria naquele exato momento para encontrá-la.

A promessa de Niko à Ordem era seu dever – sua honra –, mas e Renata? Ela era seu coração. Ele não podia pôr em perigo a missão de seus irmãos, mas também não podia permitir que aquela mulher que ele amava partisse precipitadamente sozinha, rumo ao perigo. O pensamento dele era pré-histórico, talvez, especialmente por ter em conta que Renata era uma mulher que sabia como dirigir a si quase em qualquer situação. Era bem treinada, capaz, definitivamente valente, mas... inferno, ela significava muito para que corresse esse tipo de risco. Aquela não era uma opção.

- Estamos esperando uma localização sólida de onde está Fabien – ele disse, a mentira amarga sobre sua língua, independentemente das boas intenções. - Enquanto isso, a Ordem está enviando reforços. Nós vamos nos juntar a eles esta noite.

Renata escutou, claramente confiando nele e em sua palavra.

- A Ordem tem alguma ideia se Mira está com Fabien em qualquer lugar que ele esteja?

- Estamos trabalhando nisso - Nikolai achou difícil sustentar o olhar verde-claro sem pestanejar. - Quando encontrarmos Fabien, encontraremos Mira. Ela vai estar bem. Prometi isso, lembra?

Quando pensou que ela só assentiria com a cabeça e afastaria o olhar, Renata estendeu a mão para apanhar o rosto dele.

- Obrigada... por estar aqui para me apoiar em tudo isto. Não sei como serei capaz de pagá-lo, Nikolai.

Ele ergueu a mão dela entre as suas e deu-lhe um beijo. Diria algo singelo, uma das brincadeiras sem sentido habituais que tão frequentemente usava quando as emoções ao seu redor eram muito reais ou cheias de honestidade. Tinha suas cartas sob a manga: desviar com humor, desarmar com indiferença, atacar e correr como o inferno à primeira indicação de sua própria vulnerabilidade. Mas todas aquelas velhas e confiáveis armas que ele havia aperfeiçoado falhavam agora.

Acariciou com o dedo polegar o dorso da mão de Renata e se deixou perder no refúgio verde de seus olhos.

- Não sou muito bom nisso - murmurou ele. - Quero dizer algo... inferno. Provavelmente eu vou encher sua paciência, mas quero que você saiba que me preocupo com você. Preocupo-me... pra caramba, Renata.

Ela o olhou fixamente, permanecendo tão imóvel e silenciosa que nem sequer estava seguro de que ela estivesse respirando.

- Eu me preocupo - soltou, frustrado consigo pela estupidez das palavras que queria que fossem perfeitas para ela. - Não sei como aconteceu, ou mesmo o que significará para você, se vai significar. Mas preciso dizer porque isso é real. É real, e eu nunca me senti dessa maneira antes. Com ninguém.

A boca de Renata suavizou em um pequeno sorriso enquanto ele divagava com estupidez, tentando encontrar uma maneira de dizer a profundidade do que havia em seu coração de macho da Raça. Tentava e falhava miseravelmente.

- O que estou querendo dizer é que... - sacudiu a cabeça, sentindo-se uma porcaria, mas o suave toque de Renata em seu rosto o tranquilizou. O claro olhar dela trouxe Niko de volta, direto e centrado, conectando-o com a Terra. - O que estou querendo dizer é que estou apaixonado por você... Realmente apaixonado. Não estava esperando que isso acontecesse. Não pensei que alguma vez eu fosse querer isso, mas... Ah! Renata, quando olho dentro de seus olhos, só consigo pensar em uma coisa: para sempre.

Ela exalou devagar e seu pequeno sorriso se estendeu em radiante alegria. Niko passou as mãos na pele suave e macia dela, e pelos cabelos úmidos.

- Estou apaixonado por você, Renata. Sei que não sou um poeta... Caramba, nem sequer chego perto disso. Não tenho todas aquelas palavras bonitas que queria poder dizer... Mas quero que saiba que o que sinto por você é real. Eu te amo.

Ela riu brandamente.

- O que faz você pensar que quero poesia ou palavras finas? Você acabou de dizer exatamente o que queria ouvir, Nikolai–ela deslizou sua mão pela parte de trás do pescoço largo dele e o puxou para um longo e apaixonado beijo. - Também te amo, Nikolai - sussurrou contra sua boca. - Assusta-me admitir isso, mas é assim. Eu te amo, Nikolai.

Ele a beijou e a abraçou, desejando nunca ter de se afastar dela. Mas o cair da noite logo chegaria e ainda havia uma coisa que ele precisava fazer.

- Tem que fazer uma coisa por mim.

Renata se acomodou contra ele.

- Qualquer coisa.

- Não sei o que vai acontecer esta noite, mas preciso saber que vai estar tão forte quanto possível. Quero que tome mais de meu sangue.

Ela se soltou de seu abraço e arqueou uma sobrancelha para ele.

- Tem certeza de que não está só tentando entrar no meio das minhas pernas de novo?

Niko riu, uma sacudida de calor formando redemoinhos diretamente em sua virilha apenas diante daquela ideia.

- Eu não rejeitaria o convite. Mas falo sério... Quero que beba de mim de novo. Faria isso por mim?

- Sim, é obvio.

Ele afastou uma mecha escura da testa dela.

- Há uma coisa mais, Renata. Quando formos atrás de Fabien esta noite, eu morreria se algo... Bem, simplesmente não posso me arriscar a ficar separado de você, vou precisar saber que você está bem todo o tempo, ou minha concentração vai para o inferno. Preciso ter uma ligação com você. Sei como se sentia com Yakut usando seu sangue como um grilhão para você, e prometo que isso não é o que...

- Sim, Nikolai – ela disse, interrompendo-o com um movimento suave de seus dedos sobre sua boca. – Sim... Pode beber de mim.

A maldição dele como resposta foi um sinal de alívio.

- É para sempre - recordou firmemente. - Precisa entender isso. Se eu beber de você, não poderemos desfazer esse vínculo nunca mais.

- Entendo - ela disse sem vacilação. Aproximou-se e beijou-o, longa e profundamente. - Entendo que o vínculo é para sempre... E continuo dizendo que sim.

Niko gemeu. O fogo iluminou-lhe as veias. Suas presas se alongaram e seu pênis se elevou em atenção imediata, tudo nele ansioso por reclamar Renata como sua. Ele a beijou, o coração golpeando fortemente contra seu tórax forte quando ela passou a língua por seus lábios para brincar com as pontas afiadas de suas presas.

- Quero que você fique nua para isso - disse ele, incapaz de conter o tom autoritário que se mostrava em sua voz. Ele era parte humano, mas havia outra parte dele – uma parte mais selvagem e muito, muito mais sexy – que era menos paciente do que gostaria.

Niko olhou com olhos flamejantes de âmbar como Renata o obedecia rapidamente, despojando-se de sua roupa e estendendo-se sobre o chão de grama do refúgio, suas coxas deixando-se entreabrir para ele sem um pingo de inibição.

- Ah! Sim... - Niko grunhiu. - Assim é muito melhor.

Ele estava completamente tomado pela necessidade de tê-la. Arrancando sua própria roupa e deixando-a de lado, subiu sobre os quadris dela e a montou. Empurrou o membro duro como uma rocha enquanto ela o acariciava, torturando-o. E ele manteve o olhar nela enquanto levava seu pulso até a boca e mordia a própria carne.

- Deixe-me provar de você de novo – ela disse, subindo até encontrar a veia enquanto ele levava as perfurações até sua boca. Gotas carmesim salpicaram até cair sobre os seios dela, tão vívidas contra sua cremosa pele. Ela gemeu, fechando os olhos enquanto sugava-o, saboreando-o.

Niko a olhava beber, observando seu corpo começar a retorcer-se pela excitação. Com sua mão livre, ele a acariciou, incapaz de resistir a passar seus dedos pelo sangue que havia derramado sobre ela. A visão de seu sangue marcando a pele dela era tão erótica como nada tinha sido antes. Seu toque atrevido foi mais abaixo, à fenda aberta que estava tão preparada para ele. As coxas dela apertaram-lhe o pulso, sustentando-o contra si enquanto o primeiro orgasmo disparou através do corpo dela.

Niko grunhiu de pura adoração masculina enquanto alimentava sua fêmea e a sentia clamar por ele. Ele a deixou beber durante vários minutos até seu corpo arder de novo sob ele.

Ele também estava ardendo.

Suavemente, tirou o pulso de sua boca e fechou as perfurações com uma lambida. Renata ainda estava arqueando e retorcendo-se, ainda gemendo por ele, enquanto ele se ajeitava sobre ela e a penetrava, as unhas dela marcando seus ombros largos em uma dor deliciosa.

Nikolai fez amor tão devagar quanto pôde – tão devagar quanto a febre de seu corpo permitia. Ela gozou de novo, retorcendo-se e extraindo dele uma furiosa liberação. Mas isso praticamente não diminuiu as investidas. Ele ainda estava duro dentro dela, ainda faminto por aquela mulher... sua mulher.

Com a mão tremendo, Nikolai acariciou os pontos escuros já fechados de um lado da bela garganta de Renata.

- Tem certeza? - perguntou, sua voz apenas reconhecível para ele mesmo, estava tão seco e desesperado. – Renata... Quero que você tenha certeza.

- Sim - ela arqueou o corpo, confirmando com um empurrão, seu constante olhar suplicante. - Sim.

Com um grunhido selvagem enroscando-se em sua garganta, Nikolai expôs as presas e desceu sobre ela.

O doce sabor do sangue de Renata surgiu em sua boca caindo como um pontapé no estômago. Ah! Agora sabia. Quantas vezes havia especulado com os outros guerreiros a respeito de estar emparelhado e encontrar uma fêmea que os impressionaria? Facilmente centenas de vezes. Milhares, talvez.

Que ingênuo ele tinha sido.

Agora ele sabia. Renata o tinha, mesmo antes de ele a morder. Ele estava de joelhos diante daquela mulher, e ficaria ali com prazer pelo resto de sua vida.

Niko bebeu mais, afogando-se no prazer do vínculo que havia criado através da união de sangue e do ritmo exagerado de seus corpos nus, unidos. Seus dentes ainda estavam cravados na pele dela enquanto ele tomava o último gole e gozava de novo, dessa vez mais forte, uma descarga assombrosa que o golpeou como um trem descarrilhado. Agarrou-se nela, estremecendo com intensa satisfação. Embora pudesse beber de sua veia durante toda a noite, Nikolai se obrigou a se afastar, selando as feridas com uma tenra lambida de sua língua.

Ele ficou observando-a, seu olhar iluminando a pele dela.

- Eu te amo – ofegou, necessitando que ela o escutasse e que acreditasse nisso. Queria que ela se lembrasse disso depois dessa noite, depois que conseguissem localizar Fabien no norte e que ele lhe explicasse por que havia precisado mentir. Beijou seu queixo, sua bochecha, sua testa. – Amo você, Renata.

Ela sorriu sonolenta.

- Mmmm... Eu realmente gosto de como isso soa.

- Então terei que assegurar que ouça muitas e muitas vezes.

- Certo - murmurou ela, seus dedos brincando com os cabelos dele, empapados de suor sobre a nuca. - Foi incrível, a propósito. Sempre vai ser bom assim?

Ele gemeu.

- Tenho a sensação de que pode melhorar.

Ela riu, e a vibração fez despertar de novo seu sexo.

- Se continuar assim, terei que voltar e tomar outra ducha.

Ele fez um movimento sexy e poderoso com sua pélvis, encaminhando sua ereção mais profundamente.

- Ah, posso continuar. Não se preocupe, isso nunca vai ser um problema quando você estiver por perto.

- Melhor tomar cuidado, ou posso obrigá-lo a isso.

Niko riu apesar de seu pesado humor.

- Coração, pode me obrigar a tudo que quiser.

Ele a beijou novamente. E grunhiu de prazer quando ela envolveu as pernas ao redor dele e o fez girar de costas para começar uma lenta e nova cavalgada.


Capítulo 27

Houve uma época para Andreas Reichen, há quase 300 anos, quando a morte caía sobre ele como um dilúvio. Um tempo quando uma desatinada onda brutal de massacre tinha visitado seu pacífico domínio.

Naquele tempo, no verão úmido de 1809, uma manada de vampiros Renegados tinha forçado sua entrada nesse mesmo Refúgio, violando e matando vários de seus familiares. O ataque tinha sido ao acaso, a mansão e seus residentes apenas tiveram o azar de estar no caminho de um grupo de Renegados viciados em sangue. Tinham forçado sua entrada além das portas desprotegidas e janelas, alimentando-se e matando muitos inocentes... E, apesar de tudo, houve sobreviventes. Os Renegados tinham espalhado horror e passado como a peste que eram, mas finalmente foram caçados e destruídos por um membro da Ordem que tinha vindo ajudar Reichen.

A matança fora insuportável, mas não tinha sido completa.

O que Reichen enfrentou em sua volta para casa naquela noite tinha sido um ataque calculado. Não uma entrada pela força bruta, mas por meio da traição. Um inimigo bem-vindo como um amigo. E o massacre ocorrido - provavelmente nas primeiras horas da manhã, justo antes da saída do sol - tinha sido uma aniquilação total.

Ninguém tinha se salvado.

Nem sequer a alma mais jovem na residência.

Com um terrível silêncio que impregnava o ar como uma enfermidade, Reichen caminhou através do sangue e da destruição como um dos mortos. Seus passos seguiram a pista de manchas pegajosas escarlates no mármore do vestíbulo e da sala, além de seu jovem sobrinho, que estava tão contente ao convidar Reichen para padrinho de seu filho recém-nascido. O novo pai ruivo estendido na porta tinha sido o primeiro a morrer, Reichen adivinhou, incapaz de olhar o rosto sem vida que olhava sem ver a escada cheia de balas que conduzia aos dormitórios dos Refúgios nos andares superiores.

Mais morte esperava no corredor fora da biblioteca, onde outros machos tinham sido cortados ao meio. Ainda mais vidas extintas perto da escada da adega, um dos primos de Reichen e sua Companheira de Raça, ambos mortos enquanto tentavam escapar dos disparos.

Não viu o corpo da criança até que quase tropeçou nele - um menino vampiro de cabelo revolto que evidentemente tinha tentado se esconder em uma das estantes da sala de jantar. Os assassinos o haviam tirado de lá e o matado como a um cão.

- Jesus Cristo – Reichen, sufocado, caiu de joelhos e levou a mão branda do menino a sua boca para afogar o grito gutural. - Pelo amor de Deus... Por quê? Por que eles e não eu?!

- Ele disse que você saberia por quê.

Reichen fechou os olhos diante do som rígido da voz de Helene. Ela falava muito devagar, as sílabas muito planas... carente de matizes.

Sem coração.

Ele não precisava se virar para saber que seus olhos estariam estranhamente mortos para ele agora. Mortos porque todo seu calor e toda a sua humanidade tinham sido recentemente retirados dela.

Já não era sua amante, nem sua amiga. Ela era uma Subordinada.

- Quem converteu você? - ele perguntou, deixando cair a mão do menino morto. A quem você pertence agora?

- Você deve saber, Andreas. Você me enviou a ele, afinal.

Filho da puta.

Reichen apertou a mandíbula quadrada e masculina, os molares quase quebrando pela pressão.

- Wilhelm Roth. Ele a enviou aqui para fazer isso. Ele a usou para me destruir.

O fato de Helene não dizer nenhuma palavra sequer apenas tornou a compreensão do golpe mais profunda. Tão dilacerador como seria olhar os olhos de sua ex-amante e ver que a mulher por quem se preocupava agora estava sem alma. Reichen tinha que ver por si mesmo.

Levantou-se e virou lentamente.

- Ah! Helene...

Sangue seco salpicado no rosto e na roupa dela - quase cada centímetro dela coberto de sangue de seus mais queridos amigos e familiares. Ela devia estar ali no centro de todo o massacre, uma insensível testemunha não afetada por tudo isso.

Ela não disse nada quando o olhou fixamente, com a cabeça inclinada um pouco para o lado. Seus olhos, uma vez brilhantes e ardilosos, agora estavam vazios e frios. Abaixo, ao seu lado, ela sustentava uma grande faca de cozinha na mão. A folha larga brilhava à luz do abajur de cristal da sala de jantar.

- Sinto muito - ele murmurou, seu coração retorcido. - Eu não sabia... quando enviou o e-mail e me deixou a mensagem com o nome de Roth, tentei avisá-la. Tentei alcançá-la, mas...

Ele deixou que as palavras se desvanecessem, sabendo que as explicações não importavam. Não mais. Não agora.

- Helene, só sei que sinto muito - engoliu a bílis que subiu no fundo de sua garganta. - Só sei que eu realmente me importava com você. Eu a amav...

Com um grito estridente, Helene se lançou sobre ele.

Reichen sentiu o fio da navalha cortando seu peito e braço, fazendo um profundo corte. Ignorando a dor, ignorando a inalação repentina do aroma de seu próprio sangue, ele agarrou o braço da escrava de Roth e o torceu. Ela gritou, opondo-se e lutando enquanto ele puxava seu braço esquerdo para baixo e bloqueava ambos os membros ajustados aos lados de seu corpo. Ela amaldiçoou e gritou, chamando-o com nomes vis, cuspindo de fúria.

- Shhh - Reichen sussurrou ao lado de seu ouvido. – Agora, cale-se, Helene.

Como um animal selvagem, Helene continuou se retorcendo e gritando para que ele a soltasse.

Não, corrigiu-se. Não, Helene. Aquela já não era a mulher que ele conhecera. Helene estava morta para ele no momento em que trouxe o esquadrão da morte de Wilhelm Roth para dentro daquele Refúgio. Na verdade, por muitas razões, ela nunca foi sua. Que Deus tivesse piedade dela, ela não merecia esse fim. Nenhum dos caídos ali merecia tal horror.

- Tudo está bem agora - ele murmurou, a mão direita acariciando as bochechas manchadas de sangue dela. - Está tudo bem agora, querida.

Um grito saiu disparado de sua garganta enquanto ela puxava bruscamente o rosto para fora de seu alcance.

- Maldito! Deixe-me ir!

- Sim - ele disse tirando-lhe a faca. - Terminou agora. Vou deixá-la ir.

Com a dor estrangulando-o, Reichen girou a faca em torno de seus dedos e levou a ponta ao seu peito.

- Me perdoe, Helene...

Sustentando-a apertada contra ele, afundou a lâmina profundamente no peito dela. Ela não fez nenhum som enquanto morria, apenas deixou escapar um suspiro longo e lento enquanto desinflava em seus braços e desabava ali, frouxa como uma boneca de pano. Tão brandamente quanto pôde, Reichen deitou seu corpo no chão. A faca caiu de sua mão ao lado dela, revestida com o carmesim brilhante dos sangues deles mesclados.

Reichen lançou um longo e incorruptível olhar para os restos do que tinha sido seu lar. Agora que tudo tinha terminado, queria memorizar cada mancha de sangue, cada vida que se interrompeu por causa de sua falta de atenção. Seu engano. Ele precisava recordar, porque em pouco tempo nada daquilo existiria.

Não podia permitir que nada daquilo permanecesse, não daquela forma. Tampouco ia deixar que as mortes não fossem vingadas.

Reichen deu meia volta e se afastou da matança. Suas botas ecoaram no chão de madeira da sala, seus passos eram o único som na horripilante tumba maciça. No momento em que chegou ao jardim em frente à propriedade, seu peito não estava mais apertado, mas frio.

Tão frio como uma pedra. Tão frio como a vingança que tinha a intenção de visitar Wilhelm Roth e todos os associados a ele.

Reichen se deteve brevemente na grama iluminada pela lua. Ele se virou para a mansão e, por um momento, simplesmente a viu em sua perfeita e estranha quietude. Então sussurrou uma oração, palavras antigas que se sentiam oxidadas em sua língua pela falta de uso.

Não é que a oração lhe fizesse algum bem agora. Estava abandonado, agora mais do que nunca. Realmente sozinho.

Reichen baixou sua cabeça até o peito, invocando seu terrível talento. Encheu-se em seu interior, um calor que rapidamente se intensificou, formando um fundido e revolto círculo em suas vísceras.

Ele deixou-o crescer. Deixou-o girar e ganhar força até que seu interior se sentiu abrasado por sua fúria.

E ainda o conteve.

Manteve-o em seu interior até que a bola de fogo golpeou contra sua caixa toráxica, fumaça e cinza flutuando até queimar o fundo de sua garganta. Até que a bola de fogo o consumiu, iluminando todo seu corpo com um resplendor muito quente. Cambaleou sobre seus calcanhares, lutando para manter o corpo até que soubesse que desataria a total destruição instantânea.

Enfim, com um rugido cheio de dor, Reichen soltou o poder de dentro dele.

Um disparo de calor saiu de seu corpo, derramando e girando enquanto avançava para frente, uma esfera de pura energia explosiva. Como um míssil lançado em um alvo por um laser, o círculo disparou dentro da porta aberta da mansão Refúgio. Um segundo depois, detonou, uma impressionante beleza infernal.

Reichen foi golpeado de volta com o estalo sônico da explosão.

Deitou-se na grama, observando com satisfação desinteressada como as chamas, as faíscas e a fumaça devoravam até mesmo os menores pedaços do que tinha sido sua vida.


Capítulo 28

- Estamos carregados e preparados para partir, Renata. Precisa de mais tempo antes de sairmos?

De pé no caminho de cascalho diante da casa principal, Renata girou quando Nikolai se aproximou por trás.

- Não, não preciso de mais tempo aqui. Estou pronta para deixar este lugar para sempre.

Ele abraçou-a, envolvendo-a em sua força masculina.

- Acabo de falar com Gideon. Tegan, Rio e os outros estão fazendo bons progressos. Eles devem estar em nosso ponto de encontro em uma hora.

- Certo. Bom.

Renata se inclinou em seu abraço, feliz pelo calor de seu refúgio... e de seu amor. Nikolai a tinha mantido perto dele no refúgio de videira até que o sol se pôs, acalmando seus temores com seu corpo, afastando-a da feia realidade que originalmente os tinha unido - e do que poderia acontecer naquela noite, quando eles finalmente teriam a oportunidade de enfrentar Edgar Fabien.

A verdade era que ela estava preocupada com o que eles poderiam encontrar. Uma preocupação que lhe penetrava até os ossos e, embora Nikolai não houvesse dito nada que sugerisse que ele também tivesse dúvidas, ela poderia dizer que sua mente estava carregada de pensamentos que ele parecia estar decidido a esconder dela.

- Pode me dizer, você sabe - ela saiu dos braços dele e o encarou. – Se tiver um mau pressentimento a respeito desta noite... pode me dizer.

Algo cruzou a expressão de Niko, mas ele não disse nada, apenas sacudiu a cabeça e beijou a testa de Renata.

- Não sei o que podemos esperar em se tratando de Fabien. Mas posso dizer que, aconteça o que acontecer, estarei com você, certo? Vamos sair disso.

- E uma vez que tenhamos Fabien, vamos buscar Mira - ela completou, procurando os olhos dele. - Certo?

- Sim - ele disse, com seu indestrutível olhar que sustentou de forma estável. - Sim, eu prometi. Dei minha palavra a respeito disso. Não vou desapontá-la.

Ele a puxou para si uma vez mais, capturando-a em um afeto que o mostrava pouco disposto a deixá-la ir. Renata o sustentou também, escutando o forte e rítmico palpitar de seu coração em sua orelha... e perguntando-se por que seu próprio pulso parecia estar dando um sinal de alerta em suas veias, como uma sentença de morte.

Em uma remota fazenda abandonada de cem hectares, algumas horas ao norte de Montreal, o bosque da noite estremeceu com o gemido de um motor de combustão interna e o excesso de velocidade de um barco que passava através do lago praticamente desabitado. A terra e o lago, bem como o transporte proporcionado a Dragos para chegar àquele lugar, pertenciam a Edgar Fabien.

Embora Fabien tivesse sido uma recente decepção, Dragos supôs que o líder do Refúgio merecesse algum crédito por aquela reunião importante. Enquanto o resto dos assistentes chegou durante a noite anterior de automóvel, naquela noite um barco rápido tinha sido enviado para levar Dragos depois que um hidroavião o havia trazido da cidade por outro caminho interno de água também na propriedade de Fabien. Depois do revés sofrido poucas semanas atrás, durante a reunião de Dragos com a Ordem, Fabien tinha ficado muito mais cauteloso sobre como viajava ao ar livre, entre outras coisas. Ele tinha chegado muito longe para correr riscos. Tinha arriscado muito para perder tudo por um descuido ou por incompetência de outros.

Lançou um olhar depreciativo para o outro passageiro sentado no bote com ele. O rosto do Caçador permanecia impassível no resplendor leitoso da lua sobre suas cabeças, seu enorme corpo perfeitamente imóvel mesmo quando o condutor girou o leme e o bico da proa do barco conectou-se diretamente com a água para desviar-se em direção ao cais solitário que se encontrava mais adiante.

O caçador provavelmente sabia que se dirigia para a própria morte. Tinha fracassado em sua missão de matar o Primeira Geração em Montreal, o que pedia um incrível castigo. Dariam um jeito nele naquela noite, e se Dragos pudesse usar este castigo como uma demonstração adicional de seu poder diante dos tenentes que estavam reunidos para dar as boas-vindas agora, melhor.

O motor do barco mudou para uma marcha inferior quando chegaram ao cais não iluminado e modesto onde Edgar Fabien esperava para saudá-lo. Os vapores do gás formaram redemoinhos fora da água, asquerosamente doces. A reverência profunda de Fabien e as boas-vindas aduladoras tinham um efeito similar.

- Meu senhor, é a honra de toda uma vida dar boas-vindas aos meus domínios.

- De fato - Dragos arrastou as palavras enquanto dava um passo fora do barco sobre as tábuas de madeira escura do cais. Ele fez um gesto para que o Caçador o seguisse, e não perdeu a reação de Fabien quando divisou o tamanho e a imensidão do Primeira Geração que prestava serviços à ordem de Dragos. – Todos estão reunidos lá dentro?

- Sim, senhor. - Fabien saiu de sua reverência e se precipitou a caminhar ao lado de Dragos. - Tenho boas notícias. O guerreiro que escapou da contenção foi eliminado. Tanto ele quanto a mulher que o ajudou. Um de meus ajudantes agarrou a dupla, e ontem à noite enviei uma equipe com meus melhores agentes para se livrar do problema.

- Tem certeza de que o guerreiro está morto?

O sorriso de suficiência de Fabien ressoou.

- Aposto minha própria vida nisso. Enviei profissionais capacitados para a tarefa. Confio na habilidade deles de forma implícita.

Dragos grunhiu, sem deixar-se impressionar.

- Que grande comodidade deve ter esse tipo de confiança em seus servos.

A confiança de Fabien vacilou com a espetada e ele limpou a garganta com estupidez.

- Meu senhor... em outro momento, se quiser.

Dragos dispensou o Caçador de sua presença com um gesto cortante.

- Aproxime-se da casa e me espere. Não fale com ninguém.

Quando o assassino Primeira Geração caminhou a passos longos para a frente, Dragos fez uma pausa para lançar um olhar impaciente para Fabien.

- Meu senhor, eu esperava, quer dizer, pensei que um presente pudesse cair bem - gaguejou ele. - Para celebrar esse importante evento.

- Um presente? - antes que pudesse perguntar a Fabien o que pensava que Dragos poderia necessitar dele, Fabien estalou os dedos e um agente de execução surgiu das sombras das árvores circundantes, empurrando uma menina diante dele. A menina parecia perdida na escuridão, seus cabelos loiros brilhando como cabelos de milho, seu pequeno rosto perdido debaixo dele.

- Que é isso?

- Uma jovem Companheira de Raça, meu Senhor. Meu presente para o senhor.

Dragos contemplou a menina desamparada, impressionado. As Companheiras de Raça eram um acontecimento bastante raro entre as populações humanas, isso era certo, mas ele preferia as férteis, em idade de procriar. Essa garota não estaria pronta por vários anos, o que sem dúvida mostrava que Fabien tinha algo mais a respeito dela.

- Pode ficar com ela - disse Dragos, retomando o percurso rumo à reunião. – Faça com que seu homem conduza o barco de volta. Chamarei pelo rádio quando necessitar.

- Vá - Fabien ordenou em resposta, então voltou novamente ao lado de Dragos, tão ansioso como um cão mendigando pelas sobras. - Meu senhor, sobre a menina... na verdade, o senhor deve ver por si. Ela é dotada de um talento extraordinário que estou seguro de que o senhor saberá apreciar. Ela é um oráculo, meu senhor. Fui testemunha disso.

Contra sua vontade, a curiosidade prendeu sua atenção. Seus passos desaceleraram, e então deteve-se.

- Traga-a.

Quando ele girou ao redor, o sorriso impaciente de Fabien ficou ainda mais amplo.

- Sim, senhor.

A menina foi conduzida a ele uma vez mais, resistindo em seus passos, seus obstinados calcanhares cravando-se nas velhas agulhas de pinheiro e na areia que enchiam o pequeno cais. Ela tentou lutar contra o guarda vampiro que a segurava, mas era um esforço inútil. Ele simplesmente a empurrou para frente até que ela ficou de pé diretamente na frente de Dragos. Ela manteve seu queixo para baixo, com o olhar posto no chão.

- Levante a cabeça - Fabien ordenou, mal esperando que obedecesse, antes de pegar sua cabeça com ambas as mãos e a obrigar a olhar para cima. - Agora, abra os olhos. Vamos!

Dragos não sabia muito bem o que esperar. Ele não estava absolutamente preparado para a palidez surpreendente de seu olhar. A íris da menina era tão clara como espelhos de cristal e tão impecável que imediatamente o fascinaram e hipnotizaram. Estava vagamente consciente da emoção de Fabien, mas toda a sua atenção estava presa na menina e no incrível brilho tênue de seus olhos.

E então ele viu... um movimento brilhante na meditação pacífica. Viu uma forma movendo-se através das espessas sombras - um corpo que acreditou reconhecer como o seu próprio. A imagem ficava mais clara quanto mais olhava fixamente, absorto e impaciente por ver mais do presente que Fabien havia descrito.

Era ele.

Era seu refúgio também. Mesmo envoltas na névoa escura, as imagens que se mostravam eram intimamente familiares. Viu o laboratório subterrâneo, as celas de contenção... a jaula de luz ultravioleta que continha sua maior arma na guerra que estava preparando durante todos aqueles séculos. Tudo estava ali, revelando-se para ele através dos olhos daquela pequena Companheira de Raça.

Mas, então, um momento de alarme surpreendente.

Seu laboratório antigo, tão rigidamente assegurado e ordenado, estava em ruínas. As celas de contenção tinham sido deixadas abertas. E a jaula de luz ultravioleta... estava vazia.

- Impossível - murmurou ele, golpeado por um temor sombrio, furioso.

Ele piscou com força, várias vezes, querendo limpar a visão de sua cabeça. Quando abriu os olhos outra vez, viu algo novo nos olhos malditos da menina... algo ainda mais incompreensível.

Viu-se implorando por sua vida. Chorando, abatido. Patético. Derrotado.

- Isso é algum tipo de brincadeira de mau gosto? - a voz dele tremia tanto com a raiva como com outra coisa muito fraca para admitir. Desviou o olhar da garota e o fixou em Fabien.

- Que diabos isso significa?

- Seu futuro, senhor – o rosto de Fabien ficou completamente pálido. A boca se moveu durante um momento sem expressar som algum, então, finalmente balbuciou. - A menina... o senhor viu, ela é um oráculo. Ela me mostrou em pé aqui, nesta grande reunião, apresentando uma visão de seu futuro que o agradava enormemente. Quando vi isso, soube que tinha de guardá-la, meu senhor. Tinha de oferecê-la ao senhor, não importava o custo.

O sangue de Dragos era como lava ardendo em suas veias. Ele deveria matar esse idiota ali mesmo, só por aquele insulto.

- É óbvio que você interpretou mal o que viu.

- Não! - Fabien exclamou, agarrando a menina e girando ao redor dela. Deu a ela uma sacudida forte. – Mostre-me outra vez! Mostre que não me enganei, maldita!

Dragos observou tão imóvel como uma pedra, enquanto Fabien olhava atentamente seus olhos. O grito horrorizado do líder do Refúgio disse tudo o que ele tinha que saber. Ele cambaleou para trás, tão branco quanto uma folha de papel. Golpeado como se tivesse testemunhado sua própria morte.

- Não entendo - murmurou Fabien. - Tudo mudou. O senhor tem de acreditar, Mestre! Não sei como ela mudou a visão, mas a pequena bruxa está mentindo agora. Ela tem que estar mentindo!

-Tire-a de minha frente - Dragos grunhiu ao guarda da Agência de Execução que a sustentava. – Vou levá-la comigo quando for, mas até então, não quero ver nem um fio de cabelo dela.

O guarda assentiu com a cabeça e afastou a menina, praticamente arrastando-a até a casa.

- Senhor, eu lhe rogo - suplicou Fabien. – Perdoe-me por este... lamentável engano.

- Cuidarei de você mais tarde - disse Dragos, sem se preocupar em esconder a ameaça reflexiva no fundo de cada uma de suas palavras.

Retomou a marcha para a reunião, mais decidido do que nunca a fazer todos compreenderem de uma vez por todas sua autoridade e seu poder incomparáveis.


Capítulo 29

Estava completamente escuro quando Niko e Renata, após seguirem as coordenadas enviadas por Gideon, chegaram ao local onde ficava a propriedade de Edgar Fabien, ao norte. O líder do Refúgio evidentemente possuía um pedaço considerável de terra suficientemente longe de Montreal para que a zona ao redor permanecesse inexplorada: acre após acre de enormes coníferas e sempre-vivas, nenhuma alma sequer à vista, a não ser um ou outro veado ou alce americano que saía em disparada ao primeiro aroma de vampiro arrastando-se naquele santuário natural.

Nikolai tinha feito sozinho o reconhecimento da área nos últimos minutos. Uma casa de dois andares feita de troncos e pedra estava enfiada em um canto do bosque. Um estreito caminho sem pavimentação e apenas largo o suficiente para um veículo cortava as árvores na parte da frente da casa. Niko contornou essa vida escondido pela vegetação e viu dois Agentes da Lei vestidos com roupas da SWAT, postados no meio do caminho, e os três grandes Humvees estacionados em fila única bem diante da porta principal da casa. Três outros guardas vampiros com rifles M16 cobriam a entrada. Leste e oeste estavam também sob vigilância com um sentinela armado.

Embora não imaginasse que eles tivessem deixado a parte traseira da propriedade vulnerável, Niko se moveu ao redor daquele caminho para ter uma ideia da extensão do terreno. Ouviu o suave som de água mesmo antes de ver o tranquilo lago e o cais vazio na borda, a cerca de trezentos metros atrás da casa. Lá, outra dupla de Agentes permanecia de guarda.

Maldição.

Entrar no lugar para pegar Fabien não seria fácil. A menos que ele e a Ordem atacassem por cima, se quisessem tirar o sócio de Dragos dali teriam de passar por alguns guardas da Agência no processo, sem considerar o grupo desconhecido de vampiros da Raça que tinha acompanhado o líder do Refúgio de Montreal até ali na noite passada. Capturar Fabien naquela noite sem muitas baixas civis beirava o impossível, principalmente quando o resgate de Mira era acrescentado à equação. Portanto, o reconhecimento feito por Niko dava conta de que a coisa seria feia. Muito feia.

E havia ainda a situação com Renata.

Uma das coisas mais difíceis que Nikolai já fizera fora passar o dia inteiro com ela, sabendo que a tinha enganado. Ele queria dizer-lhe, depois que fizeram amor, depois que ela o honrou com o presente de seu sangue e com o vínculo completo que agora os unia eternamente. Quis dizer-lhe uma dúzia de vezes, em uma dúzia de momentos diferentes, mas, egoísta, mantivera a verdade oculta para a própria proteção dela. Ele ainda mantinha a esperança de que ela compreendesse sua cautela - que ela poderia inclusive ficar agradecida que ele a tivesse feito esperar para saber a localização de Mira até que ele e os outros guerreiros da Ordem tivessem uma oportunidade sólida de criar uma estratégia de resgate.

Sim, o macho da Raça seguia se dizendo essas coisas porque não queria sequer considerar outras alternativas.

Afastando o arrependimento que perseguia seus passos e o medo que seguia arrastando-se por trás de seu pescoço, Nikolai se moveu para uma melhor posição de acesso aos bosques. Olhou através dos ramos de pinheiro e observou vários dos ocupantes da casa enquanto eles passavam por uma janela no andar térreo. Fez uma rápida contagem dos vampiros da Raça encapuzados enquanto eles andavam a passos largos e em grupo para outra sala. Cinco, seis, sete... e então outro, este sem o capuz negro cobrindo-lhe o rosto.

Ah! Jesus Cristo!

Nikolai o conhecia. Ele tinha visto o filho da mãe de perto e pessoalmente apenas algumas semanas antes, quando uma missão da Ordem tinha-lhe enviado a um encontro com um dos oficiais do mais alto escalão na Agência da Lei. Naquele momento, o homem usava um pseudônimo - um dos dois nomes falsos que a Ordem tinha descoberto não fazia muito tempo. Agora eles conheciam o bastardo por seu verdadeiro nome, o nome que o Primeira Geração traidor que fora seu pai carregava antes também.

Dragos.

Maldição.

Durante semanas a Ordem havia investigado exaustivamente à procura de Dragos, tudo sem êxito. Agora, ele estava ali, na frente deles, como um peixe em um barril. O bastardo estava ali. E, maldito seja, ele ia cair - naquela noite.

Niko recuou para a mata cerrada, então arrastou o traseiro na direção sul, onde tinha deixado Renata no SUV da Agência que roubaram. Mal podia esperar para ligar para Tegan e Rio e lhes dar essas boas notícias.

A confusão e a angústia de Edgar Fabien por causa do fracasso de seu presente para Dragos assombrava-o como um fantasma enquanto ele e os outros seguiam o recém-chegado líder à sala de conferências no abrigo ao norte. Ele sabia que era perigoso, geralmente mortal, desagradar Dragos, algo que tinha evitado muito bem até agora. Mas ele também sabia – assim como o resto dos vampiros da Raça reunidos ali para aquele encontro – que Dragos os tinha juntado por um objetivo específico. Aquela seria uma noite histórica. Eles seriam recompensados, Dragos prometera, pelos anos de parceria oculta e lealdade a um objetivo comum.

Depois de tanto tempo e esforço adulando Dragos durante as últimas décadas, Fabien só rezava que não tivesse jogado tudo fora naquele instante infeliz perto do cais.

- Sentem-se - Dragos ordenou, tomando seu lugar na frente da sala de reuniões. Assistiu enquanto Fabien e os outros seis, todos ocultos atrás de seus capuzes negros, ocupavam as cadeiras reunidas ao redor do bloco de granito polido que servia como mesa de conferências. - Nós nos reunimos aqui nesta sala porque compartilhamos um interesse comum: o atual e o futuro estado de nossa Raça.

Fabien assentiu sob seu capuz, assim como o fizeram os outros ao redor da mesa.

- Compartilhamos um ressentimento comum pela corrupção de nossas descendências pela mancha de humanidade e pela maneira ambiciosa com a qual os que estão no poder dentro da Raça escolheram nos governar com respeito à inferioridade humana. Desde que as primeiras sementes da Raça foram semeadas neste planeta, os vampiros degeneraram-se em uma vergonha grande e triste. A cada nova geração nascida, nossa descendência cresce mais e mais mesclada com a humanidade. Nossos líderes preferem que nos ocultemos dos Homo sapiens, todos com medo de serem descobertos, e mascaram essa covardia com leis e políticas supostamente feitas para proteger o segredo de nossa existência. Ficamos debilitados pelo medo e pelo segredo. Já é hora de isso mudar e precisamos de um novo e poderoso líder.

Agora os assentimentos chegaram mais vigorosos, os acordos murmurados mais fervorosamente.

Dragos começou a dar passos sem pressa na frente da sala, suas mãos juntas e frouxas atrás das costas.

- Nem todos partilham de nosso desejo de reverter radicalmente as falhas passadas e restaurar a Raça a uma posição de poder. Nem todos veem o futuro que nós vemos. Alguns diriam que o preço é muito alto, que os riscos são muito grandes. Mil desculpas para explicar por que a Raça deveria manter seu status quo e não dar os passos firmes requeridos para aproveitar o futuro a que temos direito.

- Ouça, ouça - Fabien interferiu, ansioso por aquele futuro que o lambia como uma chama.

- Estou encantado com o fato de que todos vocês nesta sala entendam que passos firmes devem ser tomados - disse Dragos. - Cada um de vocês, individualmente, tem tido um papel no avanço de nossa visão ao seguinte nível. E vocês o fizeram sem questionar, sem conhecer uns aos outros... até agora. Nosso próprio momento de segredo terminou. Por favor - disse ele -, tirem seus capuzes e nos deixem começar a mais nova fase de nossa aliança.

Fabien estendeu a mão para o pano negro que lhe cobria a cabeça, a insegurança fazendo seus dedos duvidarem. Deteve-se até que alguns dos outros assistentes tiraram seus capuzes antes de encontrar coragem para tirar o seu.

Por um momento, nenhum dos vampiros da Raça disse uma palavra. Olhadas passaram ao redor da mesa, alguns presunçosos com reconhecimento de olhares conhecidos, outros cautelosos pelos estranhos que agora, com essa confissão de mal-intencionada traição, tinham se tornado seus mais profundos aliados. Fabien conhecia vários dos rostos que lhe devolveram o olhar - todos eles de Refúgios de alto escalão ou oficiais da Agência da Lei, alguns dos Estados Unidos e outros do exterior.

- Somos um conselho de oito - anunciou Dragos. - Como os Antigos que chegaram aqui há tanto tempo. Somos, todos nós, a segunda geração de filhos desses poderosos extraterrestres. Logo, uma vez que o último vampiro Primeira Geração for eliminado, estaremos entre os mais velhos e mais poderosos de nossa Raça. Cada um de vocês ajudou nesse esforço, seja oferecendo as localizações dos membros que restavam de nossa primeira geração, seja apoiando a causa oferecendo Companheiras de Raça para levar as sementes de nossa revolução.

- E quanto à Ordem? - perguntou um dos assistentes europeus, seu sotaque alemão afiado como uma lâmina de barbear. - Há dois guerreiros Primeira Geração com quem ainda temos de lutar.

- E o faremos - disse Dragos, sem problemas. – Vou planejar o ataque direto na Ordem muito em breve. Depois do recente golpe contra mim, será um prazer pessoal enterrar a operação da Ordem e ver os guerreiros e suas Companheiras encontrarem a morte.

Um diretor da Agência da Costa Oeste dos Estados Unidos inclinou-se para trás em sua cadeira e arqueou as sobrancelhas castanhas.

- Lucan e seus guerreiros já sobreviveram a outros ataques antes. A Ordem existe desde a Idade Média. Eles não cairão sem luta. Uma luta dura e sangrenta.

Dragos riu.

- Ah! E eles sangrarão. E se tudo sair como espero, vão pedir misericórdia e não receberão nenhuma. Não do poderoso exército que terei às minhas ordens.

- Quando começaremos a criar esse exército? - alguém no grupo perguntou.

O sorriso de Dragos se encheu de malícia.

- Começamos faz 50 anos. Na verdade, essa revolução começou há muito mais tempo do que isso. Muito mais.

Todos os olhos estavam cravados nele enquanto ia a passos largos até um laptop que Fabien tinha mandado deixar preparado na sala. Enquanto digitava algo, o grande monitor plano da sala de conferências se elevou do chão. Dragos digitou mais outras coisas e logo o monitor piscou, mostrando o que parecia ser um laboratório.

- Uma conexão por satélite com uma de minhas fortalezas - explicou, usando o touchpad para controlar remotamente a câmera. - É aqui onde estive juntando as peças do quebra-cabeças - a câmera vagou para um muro de cilindros criogênicos codificados, depois passou por um grupo de microscópios, computadores e tubos de DNA alinhados nas mesas. No meio de todo aquele equipamento, vários Subordinados cientistas vestidos com máscaras e jalecos brancos.

- Parece um laboratório de genética - disse o alemão.

- E é - respondeu Dragos.

- Que tipo de experimentos está fazendo?

- De todo tipo - Dragos voltou para o teclado e teclou outra sequência de comandos. A câmera do laboratório apagou e foi substituída por outra: essa era um ângulo panorâmico de um longo corredor com celas de prisão. Embora da posição da câmera fosse difícil distinguir algo além das mais rudimentares formas, era óbvio que as celas continham mulheres, algumas delas com crianças.

- Companheiras de Raça - tomou fôlego Fabien. - Deve haver vinte ou mais ali.

- Elas nem sempre sobrevivem aos testes, de modo que o número tende a variar - disse Dragos, em tom de conversa. - Mas tivemos nossos êxitos com o processo de reprodução. Essas mulheres e as que viveram antes delas estão dando a luz ao maior exército que este mundo jamais viu. Uma brigada de assassinos Primeira Geração que estarão sob minhas ordens.

Um silêncio tão grande como uma capa de inverno caiu sobre a reunião.

- Primeira Geração? - perguntou o diretor da Costa Oeste. - Isso não pode ser possível. Seria preciso um dos Antigos para produzir uma primeira geração de vampiros da Raça. Todos foram exterminados pela Ordem faz uns 700 anos. O próprio Lucan declarou Guerra a todos os Antigos e se certificou de que nenhum sobrevivesse.

- Certificou-se? - sorriu Dragos, mostrando as pontas de suas presas. - Acredito que... não.

Com uns poucos golpes mais de teclado, mostrou as imagens de outra câmera na conexão do satélite. Dessa vez, o foco se localizava em uma grande sala cheia de segurança, que tinha em seu centro uma cela cilíndrica construída com raios de luz. Os raios ultravioleta emitidos da jaula de barras verticais estavam piscando, inclusive na tela.

E dentro dessa jaula de raios ultravioleta havia uma criatura nua e sem cabelo que, de pé, mediria dois metros. Seu corpo nu era imenso, cada polegada coberta de dermoglifos. Ele elevou a vista enquanto as lentes da câmara zumbiam sobre ele de algum lugar da câmara. Pupilas e olhos âmbar, mas devoradas pelo fogo que ardia fora de suas órbitas, reduzido com letal consciência. A criatura saiu de sua posição de cócoras e se preparou para atacar, só para receber de novo o calor das barras ultravioleta que o deixavam prisioneiro. Abriu a boca e soltou um rugido furioso que não precisou ser ouvido para ser entendido.

- Meu Deus - mais de um dos assistentes ofegou.

Dragos lançou um olhar mortalmente sóbrio sobre o grupo.

- Admirem... nossa revolução.

O celular de Lex vibrou no centro do console do SUV. Renata o pegou e olhou a tela: Número desconhecido.

Inferno.

Ela não podia estar segura se a chamada era para Lex ou para Nikolai, já que o guerreiro da Raça estava usando o telefone para chamar e receber chamadas da Ordem. Ela não sabia há quanto tempo ele tinha saído para fazer o reconhecimento e estava a ponto de perder a cabeça esperando por ele. Ela precisava fazer algo. Ao menos, precisava sentir que estavam fazendo algum progresso para encontrar Mira logo...

O celular continuou vibrando em sua mão. Ela pressionou o botão de atender, mas não disse nada. Apenas deixou que a pessoa se revelasse primeiro.

- Olá? Niko? Você está aí, hermano? - a profunda voz denotava um acento espanhol, tão quente e suave como caramelo. - É Rio, cara...

- Ele não está aqui - disse Renata. - Estamos no lado norte da cidade, esperando que vocês cheguem. Nikolai saiu para fazer um reconhecimento da área. Não deve demorar muito.

- Bem - disse o guerreiro. - Já estamos quase chegando, demoraremos aproximadamente 45 minutos. Você deve ser Renata.

- Sim.

- Quero agradecê-la por você ter salvado o traseiro de nosso garoto aí. O que fez foi... bem, ele tem sorte de tê-la ao seu lado. Todos temos - ela podia ouvir a genuína preocupação e gratidão na voz do vampiro, e ficou demasiado curiosa por conhecer os outros guerreiros que Nikolai chamava de amigos. - Está tudo bem aí? Você está bem?

- Estou bem. Só ansiosa para que tudo isto acabe essa noite.

- Entendo - respondeu Rio. - Niko nos contou sobre a menina, Mira. Lamento pelo que você está passando, sabendo que um doente como Fabien está com ela. Sei que não deve ter sido fácil esperar o dia todo para se encontrar conosco.

- Não, não foi. Sinto-me tão inútil - confessou ela. - Odeio esse sentimento.

- Lamento tudo isso. Não vamos deixar que nada aconteça com ela esta noite quando entrarmos lá, Renata. Tenho certeza de que Nikolai explicou para você que pôr nossas mãos em Edgar Fabien é fundamental para a Ordem, mas vamos dar o nosso melhor para que a menina saia de toda esta situação bem.

Um súbito frio impregnou seu peito enquanto as palavras de Rio se afundavam em sua mente.

- O que disse?

- Que ela vai ficar bem.

- Não... isso de que você não deixarão que nada aconteça... lá dentro...

Do outro lado da linha, um longo silêncio.

- Ah! Cristo! Niko não lhe disse nada sobre o vídeo que temos do Refúgio de Fabien de ontem à noite?

O calafrio em Renata congelou, o gelo estendendo-se do peito aos seus membros.

- Um vídeo... de ontem à noite? - respondeu ela paralisada. - O que havia nele? Você viu Mira? Ah! Deus! Fabien fez algo? Diga-me!

- Madre de Dios - disse com uma larga exalação. - Se Niko não lhe disse isso... não tenho certeza de que devo lhe contar agora.

- Fale, maldição.

Ela ouviu um estrondo de conversa rápida ao fundo antes que Rio finalmente cedesse.

- A menina está com Fabien e com outros que ainda não identificamos. Pegamos a informação de uma câmera de segurança no Refúgio de Fabien. Eles partiram ontem à noite e nós os seguimos até a propriedade onde está agora.

- Ontem à noite - murmurou Renata. - Fabien está com Mira aqui... desde ontem à noite. E Nikolai? Vai me dizer que ele sabia? Quando ele ficou sabendo disso tudo? Quando?

- Tenho que pedir que aguente aí um momento mais - disse Rio. - Vai ficar tudo bem...

Renata sabia que o guerreiro ainda estava falando, ainda estava tentando acalmá-la, mas sua voz se apagou lentamente de sua consciência conforme uma profunda cólera e um profundo medo - uma dor tão desmedida que ela acreditava que poderia despedaçá-la – tomou conta de si. Ela desligou o telefone, cortando a chamada e deixando o aparelho cair no chão, aos seus pés.

Mira estava ali desde a noite passada, com Fabien. Todo este tempo. E Nikolai sabia.

Ele sabia, e escondeu isso dela. Ela poderia estar aqui há horas – nas horas de sol - fazendo algo, algo para salvar Mira. Em vez disso, Nikolai tinha ocultado deliberadamente a verdade e, como resultado, ela não tinha feito nada.

Não totalmente nada, ela admitiu, golpeada pela culpa por causa do prazer que tinha desfrutado com Niko enquanto Mira estava sozinha perto dali.

- Ah! Deus! - ela sussurrou, sentindo-se enjoada diante daquele pensamento.

Estava vagamente consciente dos passos aproximando-se do veículo, seus sentidos elevando-se antes que sua mente pudesse processar o som. O vínculo de sangue que agora compartilhava com Nikolai lhe disse que era ele antes que sua sombra aparecesse. Ele abriu a porta do carro esportivo e entrou.

- É Dragos - disse ele, procurando no console, no painel e no assento pelo celular. - Maldito seja, não posso acreditar nisso, mas era ele. Acabei de ver o filho da mãe dentro da casa com Fabien e com os outros. Dragos está aqui, ao nosso alcance. Onde diabos está aquele telefone?

Renata o olhou fixamente, vendo um estranho enquanto ele se inclinava para a frente e estendia a mão para apanhar o celular que estava aos pés dela, no chão do veículo. Ela mal ouvia o que estava dizendo. Mal se preocupava agora.

- Você mentiu para mim.

Ele se voltou para trás, com o telefone de Lex na mão. O rangido de adrenalina que tinha iluminado seus olhos se reduziu um pouco quando encontrou seu olhar.

- O quê?

- Eu confiei em você. Você me disse que eu podia confiar em você, que podia contar com você, e o fiz. Acreditei em você e você me traiu - ela tragou a saliva passando o terrível nó de sua garganta e forçando a si mesma a pronunciar as palavras. - Mira está aqui. Está aqui com Fabien desde ontem à noite. Você sabia disso... e não me disse nada.

Ele estava calado, mas sequer tentou negar o que ela dizia. Ele olhou o telefone em sua mão como se acabasse de se dar conta de como ela tinha descoberto.

- Eu podia estar aqui, Nikolai. Há horas, podia estar aqui, fazendo algo para tirar Mira das mãos desse monstro!

- Motivo pelo qual eu não lhe disse nada - disse amavelmente.

Ela sentia o coração quebrado.

- Você me traiu.

- Fiz isso para protegê-la. Porque te amo.

- Não - disse ela, agitando a cabeça para evitar ser feita de idiota de novo. - Não. Não diga isso. Como pode dizer isso quando usou todas essas palavras para me manter distraída, para me fazer acreditar que realmente se preocupava comigo enquanto você e seus amigos da Ordem faziam planos pelas minhas costas?

- Não foi assim. Nada do que aconteceu entre nós hoje... nada do que eu disse tem a ver com a Ordem. Hoje era você e eu... era sobre nós.

- Grande merda!

Ele estendeu a mão para ela e ela recuou, mantendo-se fora do alcance dele. Ela abriu a porta e saiu do carro, mas ele estava fora do veículo, a seu lado, bloqueando-a com o enorme corpo, tão rápido que ela sequer pôde dar um passo.

- Afaste-se de mim, Nikolai.

- Aonde você vai? - perguntou ele gentilmente.

- Não posso me sentar aqui por mais tempo e não fazer nada - ela deu um passo, mas ele continuava ali. A sutileza desapareceu rápido, substituída por uma firmeza que dizia que ele a manteria amarrada se fosse necessário.

- Não posso deixar que você faça isso, Renata.

- Essa não é uma escolha sua - ela respondeu, tremendo com medo e indignação. - Que droga, nunca foi uma escolha sua!

Ele grunhiu uma maldição e a agarrou.

Renata mal percebeu o que tinha feito até que ele ficou paralisado, segurando a cabeça entre suas mãos. Ele sibilou, seus olhos pulsando brilhos âmbar enquanto lhe dirigia um olhar horrorizado e furioso.

- Renata. Não faça isso.

Ela o atacou de novo, todo seu medo por Mira e sua dor por causa da traição verteram dela uma corrente castigadora de dor mental. Nikolai caiu de joelhos, rugindo e retorcendo-se pela dor que ela tinha desencadeado nele.

Renata se afastou do guerreiro, no bosque, antes que se permitisse ser dissuadida pelo arrependimento crescente dentro de si.


Capítulo 30

A casa estava sob forte armamento, guardada por todos os lados. Era impossível entrar sem ser notado por pelo menos um dos agentes de execução vestidos com roupas parecidas com as da equipe antiterrorista da SWAT. Todos eles ostentavam uma expressão do tipo “atire primeiro e pergunte depois”, desde a escura viseira do capacete preto e dos equipamentos de combate até os rifles automáticos pendurados no corpo.

Graças aos agentes que tinham invadido a casa de Jack na noite anterior, Renata e Nikolai tinham conseguido transporte, uniforme e armas. Ela não tinha a ilusão de que teria a sorte de chegar ao edifício, mas, à primeira vista, vestida como eles, os agentes de plantão podiam pensar que ela era um dos seus.

Ela colocou o capacete que tinha trazido consigo do SUV e fechou o visor colorido. Adotando a melhor postura de soldado que podia, saiu da mata e se aproximou do vampiro que guardava o lado oeste da casa.

O agente a viu imediatamente.

- Henri? Que porcaria você estava fazendo lá fora?

Renata deu de ombros, ergueu o braço bom em um gesto de “vá se ferrar”. Ela não correria o risco de falar com ele, arriscaria no máximo usar sua arma para tirar esse obstáculo do caminho. Mas se o derrubasse, teria toda a segurança em seu traseiro. Não, ela tinha de manter a calma e apenas seguir caminhando na direção dele com a esperança de que ele não abrisse fogo se suspeitasse de algo.

- Qual o problema com você, idiota?

Renata deu de ombros novamente. Chegando mais perto.

Seus dedos coçavam para fazê-lo voar - ele era um alvo fácil ali parado como um tronco, mas o mais leve cheiro de sangue derramado chamaria a atenção de todos os vampiros ao redor. Renata sabia que tinha de aproximar-se o suficiente para alcançá-lo com a mente. Sua única opção era atingi-lo com uma explosão rápida e sólida.

- Ingrato dos infernos. Henri, volte ao seu posto - disse o agente, grunhindo. Estendeu a mão para um pequeno dispositivo de comunicação em seu cinto. - Estou chamando Fabien para denunciá-lo. Se quiser irritá-lo, vá em frente, mas eu não quero fazer parte disso...

Usando todo seu poder, Renata lançou uma descarga selvagem de energia a partir de sua mente e a enviou ao vampiro diante de si. Suas palavras sufocaram com um grunhido e ele caiu como uma pedra. Ela manteve a descarga até que ele ficou em silêncio. Quando estava certa de que ele estava morto, inclinou-se e tirou-lhe a arma e o rádio.

Renata abriu a porta de entrada lateral e deu uma rápida olhada na área interna. Estava vazia. Ela deslizou para dentro, o coração martelando no peito, a respiração ofegante contra a viseira fechada do capacete.

Depois de toda a fúria que ela sentira por Nikolai não ter contado que Mira estava ali com Fabien, agora ela tinha gratidão para com a Ordem pela prova visual da localização da criança. Era tarde demais para saber como tinham ficado as coisas com Nikolai. Tarde demais para se preocupar se deveria ter esperado por ele e por seus companheiros de armas para apoiá-la. Parte dela sabia que tinha sido injusta, mas tinha ido muito longe para voltar.

Ela tomou uma decisão impulsiva e emocional baseada em sentimentos feridos. Foi uma decisão que poderia custar a amizade que tinha com Nikolai - talvez até mesmo seu amor -, mas mesmo já lamentando, aquilo não podia ser desfeito. Nikolai poderia nunca perdoá-la por colocar em risco sua missão e ela entenderia se ele não a perdoasse.

Agora, ela podia apenas rezar para que Mira não pagasse o preço daquilo tudo.

Niko despertou com o zumbido irritante de um celular ao lado de sua cabeça. Ele estava no chão ao lado do veículo. Não fazia ideia de quanto tempo estava ali. O celular vibrou novamente, mexendo na grama e nas folhas secas que se espalhavam pelo chão da floresta. Usou quase toda a sua força para mover a mão e pegar o maldito aparelho. Desajeitadamente, atendeu. Tentou dizer algo, mas apenas conseguiu soltar um grunhido seco.

- Alô - disse ele mais uma vez, forçando seus membros a se arrastarem e se apoiarem na roda dianteira do SUV.

- Niko? - a voz de Rio veio do outro lado do receptor, pesada com a preocupação. - Você parece uma porcaria, hermano. Fale comigo. O que está acontecendo?

- Renata - disse ele, segurando a cabeça nas mãos. – Está enlouquecida...

Rio amaldiçoou.

- Sim, deduzi isso. A culpa é minha, cara. Não sabia que ela não estava a par sobre a menina ter sido levada na noite passada.

- Ela sumiu - Niko disse. Notou que todos os seus sentidos começaram a voltar como se um interruptor em um gerador de energia fosse ligado dentro dele. - Ah! Caramba, Rio.... eu a enfureci e agora ela foi em busca de Mira por conta própria.

- Madre de Dios.

Na outra ponta da linha, Niko ouviu Rio dar a Tegan e aos outros um rápido esboço da situação.

- Isso não é o pior, cara - acrescentou Nikolai, ignorando a dor do tiro em sua cabeça enquanto se levantava do chão e dava uma corrida impressionante para a parte traseira do SUV. - A reunião de Fabien é maior do que pensávamos... Dragos está aqui também.

- Você tem certeza disso?

- Eu vi o desgraçado com meus próprios olhos. Ele está aqui. Nikolai foi pegar as armas automáticas na parte traseira tão rápido quanto seus braços lentos poderiam se mover. Ele cobriu o corpo com fuzis, enfiou uma pistola na parte traseira de seu uniforme roubado do Agente de Execução e outra em um coldre no tornozelo. - A casa está cercada por guardas, então quando vocês chegarem aqui, entrem a pé e se dividam.

- Niko, o que você está fazendo?

Ele não respondeu; sabia que seu velho amigo não gostaria da resposta. Em vez disso, carregava com munição tudo o que pudesse.

- Há dois homens no meio do estacionamento e três na frente. Retire-os primeiro e terão o caminho limpo.

- Nikolai - a voz de Rio era baixa, em forma de advertência. - Hermano, você não está pensando direito agora... não.

- Ela está lá dentro, Rio. Com Dragos, Fabien e sabe Deus quem mais... e ela está sozinha. Eu vou atrás dela.

Rio soltou uma palavra desagradável em espanhol.

- Fique atento. Estamos a dez minutos de distância e estamos acelerando, cara.

Niko fechou a parte de trás do SUV.

- Vou dar uma olhada no entorno.

- Caramba, Nikolai, se essa mulher quer se matar, isso não é problema seu. Nós vamos ajudá-la no que pudermos, mas...

- Ela é minha companheira, Rio - Nikolai soprou uma maldição. - Estamos ligados pelo sangue... e eu a amo. Eu a amo mais do que minha própria vida.

O suspiro do guerreiro soou pesado com compreensão e derrota.

- Suponho que não há necessidade de lhe dizer que você desafiará as ordens diretas de Lucan se for lá agora. Se Dragos está no lugar, isso torna as coisas ainda mais críticas e você sabe disso. Precisamos que você fique onde está e espere por ajuda.

- Não posso fazer isso - respondeu Nikolai.

Ele desligou o telefone e o atirou pela janela do motorista. Então, partiu para encontrar sua mulher.


Capítulo 31

Dragos se permitiu deleitar-se com o temor de seus subalternos quando eles observavam o Antigo preso na cela de raios ultravioleta sendo mostrada na tela. Do assombro de seus rostos – a absorta incredibilidade –, qualquer um pensaria que ele tinha conseguido capturar a luz em uma garrafa. Na verdade, o que tinha conseguido nas últimas décadas era algo ainda maior. Os sete machos da Raça que se reuniram com ele no quarto já o olhavam como um deus justamente por isso. Ele era o arquiteto de uma revolução que iria virar o planeta inteiro de cabeça para baixo. Naquela noite, eles testemunhariam a história e o começo de um futuro que ele tinha projetado pessoalmente.

- Como isso é possível? - alguém murmurou. - Se realmente é um dos Antigos que foi pai de nossa Raça, como sobreviveu à guerra com a Ordem?

Dragos sorriu enquanto andava mais perto da tela.

- Meu pai era um membro original da Ordem... mas foi, em primeiro lugar, o filho dessa criatura. Durante o banho de sangue perpetrado pela Ordem, quando Lucan declarou guerra aos Antigos, meu pai e seu pai alienígena fizeram um pacto. Em troca do poder compartilhado no futuro, meu pai iria escondê-lo até a histeria passar. Infelizmente, depois de fazer sua promessa, meu pai não sobreviveu à guerra. Mas o Antigo sim, como podem ver.

- Então, pretende cumprir o acordo de seu pai com essa... coisa? - Fabien perguntou, sua expressão como a de um cãozinho que acabara de perder o osso para um lobo selvagem.

- O Antigo está totalmente sob meu controle. Ele é uma ferramenta que utilizo quando e como for melhor para mim e para nossa causa.

- Como assim? - perguntou outro homem do grupo.

- Permitam-me dar-lhes uma demonstração.

Dragos caminhou até a porta da sala de conferências. Estalou os dedos para o Caçador que esperava lá fora, então, virou de volta para seus associados conforme o grande Primeira Geração o obedecia.

- Tire a camisa - ele ordenou ao Caçador.

O enorme macho obedeceu em silêncio, desnudando os ombros enormes e o peito sem pelos coberto por uma densa rede emaranhada de glifos. Mais de uma cabeça se voltou para o monitor para comparar as marcas da pele hereditárias da criatura contido dentro da célula ultravioleta.

- Eles têm dermoglifos semelhantes - Fabien engasgou. - Esse macho é da família do Antigo?

- Filho de Primeira Geração, criado com o único propósito de servir à causa - disse Dragos. - Todos os Caçadores de meu exército pessoal são os mais fortes, as armas mais letais do mundo. Eles foram especialmente criados e treinados sob minha orientação. São assassinos e infalivelmente leais a mim.

- Como pode estar certo disso? - perguntou o líder do Refúgio de Hamburgo, um homem sagaz que, sem dúvida, apreciaria a demonstração em tempo real que Dragos tinha em mente.

- Você percebe que o Caçador usa uma coleira. É um dispositivo de monitoramento GPS, mas também está equipado com um laser ultravioleta. Cada Caçador usa uma desde o momento em que começa a andar. Posso acompanhar todos os seus movimentos, localizá-los em um instante. E se me desagradam de qualquer maneira, basta um simples controle remoto para o laser ser ativado e emitir uma luz ultravioleta fina como uma navalha no pescoço do Caçador, cortando sua cabeça – disse Dragos, lançando um olhar significativo ao Caçador rigidamente em pé ao seu lado.

Um ou dois homens na mesa trocaram olhares desconfortáveis.

Foi o alemão quem falou primeiro, os olhos brilhantes.

- O que acontece se o colar for adulterado, ou removido?

Dragos sorriu, não para o alemão, mas para o próprio Caçador.

- Que tal vermos?

Apesar de seu instinto gritar para que entrasse como um ladrão à espreita, Renata caminhou pelo corredor oeste do covil de seus inimigos como se tivesse todo o direito de estar lá. Ela ouviu o baixo ruído de conversa masculina vindo de uma das grandes salas nos fundos. Em outra parte da casa, não havia nada além de calma, até que...

Soluços suaves de uma criança chegavam a partir de uma escada que conduzia ao segundo andar.

Mira.

Renata voou pelos degraus e seguiu os soluços até o final do corredor. A porta do quarto estava trancada pelo lado de fora. Ela passou a mão na parte superior do batente, mas não encontrou chave alguma.

- Maldição – sussurrou, tirando uma de suas lâminas da lateral da calça. Enfiou-a no ponto entre a porta e o batente, bem acima da fechadura, e fez uma alavanca dura. A madeira rachou, afrouxando um pouco. Mais duas vezes e, finalmente, tinha espaço suficiente para abrir. Com agitação e mãos ansiosas, Renata abriu a porta.

Mira estava lá dentro, graças a Deus.

Estava sem véu e assim que olhou para cima e viu a figura vestida de preto entrando na sala, encolheu-se no canto com terror absoluto.

- Mira, sou eu - disse Renata, abrindo a viseira escura. - Está tudo bem agora, querida. Estou aqui para levá-la para casa.

- Rê!

Ajoelhando-se, Renata estendeu os braços. Com um pequeno grito, Mira voou para seu abraço.

- Ah, minha ratinha! - Renata sussurrou, dando beijos aliviados na cabeça loira da garota. - Fiquei tão preocupada com você. Desculpe-me por eu não ter vindo mais cedo. Está tudo bem, querida?

Mira assentiu com a cabeça, os braços pequenos em volta do pescoço de Renata.

- Eu estava preocupada com você também, Rê. Eu estava com medo de nunca mais voltar a vê-la.

- Eu também, querida. Eu também - Renata odiava ter de soltá-la, mas ainda tinha que sair de lá antes que Fabien e seus companheiros chegassem. Ficou de pé, levantando Mira nos braços. - Temos que correr agora. Agarre-se em mim, certo?

Renata ainda não tinha descido dois degraus com a criança quando as explosões rápidas de tiros irromperam de todas as direções em algum lugar fora da casa.

Dragos estava ansioso para demonstrar a beleza tecnológica da coleira de raios ultravioleta que o Caçador usava quando o inferno desabou fora da reunião. Ele disparou um olhar mortal a Edgar Fabien quando o grupo pulou de seus assentos em alarme atordoado.

- O que está acontecendo lá fora? - exigiu de seu anfitrião. - Essa é outra de suas incompetências?

O rosto estreito de Fabien tinha uma sombra pálida.

- Eu... não sei... senhor. Seja o que for, tenho certeza de que meus agentes resolverão.

- Ao diabo seus agentes! - Dragos rugiu. Ele tateou para o rádio e emitiu uma ordem para o motorista levar o barco. Em seguida, olhou para o rosto do Caçador. - Fora, agora. Cuide disso. Mate todos que cruzarem seu caminho.

O Caçador - o soldado altamente treinado, obediente e impecável - apenas ficou ali, imóvel como um pilar de pedra.

- Fora. Eu ordeno!

- Não.

- O quê? - Dragos não podia acreditar em seus ouvidos. Ele sentiu os olhares de seus subordinados fixos nele. Ele podia sentir a descrença deles, a dúvida deles. Um silêncio floresceu, maduro, com a expectativa. - Eu lhe dei uma ordem direta, Caçador. Faça-o, ou vou acabar com você aqui e agora.

Com tiros chegando aos muros da casa, o Caçador teve a audácia de olhar Dragos nos olhos e balançar a cabeça.

- De qualquer forma, estou morto. Se quer que eu lute para que você possa viver, desative o meu colar.

- Como ousa sequer sugerir...

- Está perdendo tempo - disse ele, aparentemente imperturbável com caos crescente à sua volta. - Liberte-me deste colar, seu filho da mãe arrogante.

Nesse momento, um dos fracos vigias de Fabien apareceu correndo pela porta entreaberta.

- Senhor, estamos sendo alvejados por todos os lados. Não podemos ter certeza ainda, mas deve haver um exército na floresta nos cercando.

- Ah! Jesus! - Fabien engasgou. - Vamos todos morrer!

Dragos rosnou em fúria, sem a menor confiança de que os guardas de Fabien pudessem encontrar seus próprios traseiros, muito menos proporcionar uma cobertura adequada para o grupo de machos da Raça de alto escalão que estavam olhando naquele momento para Dragos como seu líder para ajudá-los a fugir. Esperando que ele decidisse se os salvaria ou se deixaria a prometida revolução cair por terra.

- Terminamos por aqui - ele rosnou. - Todo mundo para fora pela porta de trás, para o barco. Sigam-me.

Quando o grupo começou a sair em torno dele, Dragos lançou um olhar ameaçador por cima do ombro para o Caçador. Ninguém disse uma palavra – o ódio mútuo era suficiente para ler em seus olhares quando Dragos pôs a mão no bolso e pegou o dispositivo que controlava a coleira do Caçador e digitou o código que a desativava.

No instante que a coleira se desligou, o Caçador estendeu a mão e a arrancou do pescoço. Então, com um olhar de descrença, de fria determinação, ele caminhou para fora da porta em direção ao caos que se estendia do lado de fora.


Capítulo 32

Nikolai sorriu sozinho quando sua tática de distração criou uma confusão repentina e maciça em todo o complexo. Os Agentes em guarda corriam precipitadamente em pânico total, mais de um recebeu um golpe da explosão de disparos que vinham de todas as direções do bosque. Niko ordenou que uma videira enrolasse os ramos no gatilho de sua última M16 escondida.

Quando a videira fez como as anteriores, segurando o fuzil no alto e aplicando uma pressão cada vez maior no gatilho, o galho verde ficou mais grosso e mais forte, então Niko correu para a entrada lateral da casa.

Não foi difícil encontrar Renata. Seu vínculo de sangue era um farol para ele, levando-o através da parte traseira do lugar para um voo por cima das escadas. Renata estava descendo com Mira apertada nos braços. Ela encontrou o olhar dele e, por um instante infinito, nenhum dos dois disse uma palavra. Nikolai queria dizer como estava arrependido, e como estava aliviado por ela ter encontrado a criança ilesa.

Ele tinha mil coisas que queria dizer a Renata naquele momento, principalmente que a amava e que sempre a amaria.

- Rápido – ele murmurou. - Precisamos sair daqui agora.

- O tiroteio está por toda parte - disse Renata, a preocupação marcando suas feições. - O que está acontecendo?

- Apenas diversão. Tive que criar uma oportunidade para conseguir tirar você daqui.

Ela parecia aliviada, mas só por um segundo.

- Fabien e os outros... Eu os ouvi saindo pelo caminho de trás há alguns minutos.

- Estou trabalhando nisso - Niko disse. - Agora vá. Não pare por nada. Leve Mira de volta para o carro. A Ordem deve chegar a qualquer minuto.

- Nikolai...–disse Renata, olhando Nikolai firmemente, fazendo-o parar na esperança de ouvir o perdão ou uma afirmação de que ela ainda podia amá-lo depois de tudo o que tinha acontecido. Ela prendeu seu olhar, formando um vinco entre as sobrancelhas. - Seja cuidadoso.

Ele ofereceu-lhe um aceno triste, não sentindo o comum aumento de adrenalina que precedia o combate. Aqueles dias pareciam séculos atrás, quando nada mais importava para ele exceto a glória da batalha e o triunfo da vitória, por mais sem sentido que fosse.

Agora tudo importava, sobretudo em se tratando de Renata. Sua segurança e felicidade eram tudo o que importava, mesmo que isso significasse que ele poderia não estar em cena.

- Leve Mira de volta para o carro - disse novamente. - Mantenha a cabeça baixa e cuide-se. Vamos tirá-las daqui.

Ele esperou até que Renata saísse correndo, então foi para a porta dos fundos da propriedade por onde seus inimigos tinham fugido.

A lancha estava parada na doca quando Dragos e os outros correram ladeira abaixo para pegá-la. Ao redor da floresta e até perto da casa, os agentes de Fabien mexiam-se como formigas que tinham acabado de perder a casa. Tiros iluminavam a noite de modo tão enlouquecido que era impossível dizer quais rajadas vinham dos aliados e quais dos aparentes intrusos.

Tudo que Dragos sabia era que não ficaria para enfrentar a Ordem ou esperar que alguém o derrubasse.

Quando ele e seu grupo começaram a subir no barco, Dragos colocou-se no caminho de Edgar Fabien.

- Não há espaço a bordo para você - disse para o líder do Refúgio de Montreal. - Você nos prejudicou bastante com sua idiotice. Você fica aqui.

- Mas... senhor, eu... por favor, posso garantir que não vou decepcioná-lo novamente.

Dragos sorriu, mostrando as pontas de seus dentes.

- Não, você não vai.

Dizendo isso, levantou uma pistola 9 mm e disparou um tiro mortal direto entre os olhos redondos de Fabien.

- Vamos! - ordenou ao condutor do barco, Edgar Fabien completamente apagado quando o motor rugiu e a embarcação os levou até o hidroavião que esperava na outra extremidade do lago.

Ele chegou tarde demais.

Niko encontrou alguns Agentes em seu caminho até o lago, mas quando chegou lá, a lancha não passava de uma agitação na água. Nikolai disparou alguns tiros atrás deles, mas estava apenas perdendo balas. O cadáver de Edgar Fabien jazia na doca de madeira. Dragos e os outros já estavam do outro lado do lago naquele momento.

- Maldição.

Alimentado pela fúria e pela determinação, Nikolai começou a se movimentar ao longo da costa, recorrendo à velocidade sobrenatural que todos os da sua espécie possuíam quando precisavam. O barco era rápido, mas a água estava cercada de terra. Em algum ponto Dragos e seus companheiros teriam de desembarcar e pegar outro meio para terminar a fuga. Com alguma sorte, Niko poderia alcançá-los antes que fugissem.

Ele não sabia quão longe estavam - um quilômetro, provavelmente – quando, de repente, seu peito congelou de medo.

Renata.

Algo estava errado. Terrivelmente errado. Ele podia sentir as emoções de Renata como se fossem suas. Ela, a corajosa e imperturbável Renata, agora estava morrendo de medo.

Ah! Cristo! Se alguma coisa acontecesse com ela...

Não. Ele não podia sequer pensar nisso.

Com todos os pensamentos sobre Dragos deixados de lado, Nikolai virou e continuou em alta velocidade, rezando para chegar a tempo.

Ela não tinha visto o vampiro enorme vindo.

Em um minuto estava cortando o mato escuro com Mira firme em seus braços e, no minuto seguinte, viu-se olhando para o rosto implacável e para os impiedosos olhos dourados de um macho da Raça, cujo imenso torso nu, ombros e braços estavam cobertos por um espesso padrão de dermoglifos.

Era um Primeira Geração; Renata soube instintivamente. Seus instintos também diziam que aquele macho era mais letal do que a maioria, frio como pedra.

Um assassino.

O terror a cobriu como uma maré negra. Ela sabia que se o atacasse era melhor ter certeza de que poderia matá-lo rapidamente, ou então ela e Mira seriam mortas no mesmo instante. Não se atreveu a tentar quando Mira podia sofrer caso ela falhasse.

Santa Mãe de Deus, chegar tão longe, finalmente ter Mira em seus braços, a poucos passos da liberdade... e agora... Jesus Cristo!

- Por favor - Renata murmurou, desesperada para atrair a mais leve misericórdia. - A criança não. Deixe-a ir... por favor, deixe a criança, não lhe faça mal...

O silêncio do vampiro era irritante. Mira tentou levantar a cabeça do ombro da amiga, mas Renata gentilmente a empurrou de volta para baixo, não querendo que ela se assustasse com o mensageiro da morte que, sem dúvida, tinha sido enviado por Edgar Fabien ou por Dragos. Ou pelo próprio Diabo em pessoa, maldito seja.

- Vou colocá-la no chão - Renata disse a ele, sem ter certeza de que ele a compreendia e que muito menos concordaria. - Apenas... deixe a criança ir. Sou eu quem você quer, não ela. Apenas eu.

Os olhos de falcão dourado seguiam cada movimento de Renata enquanto ela cuidadosamente tirava Mira dos braços e lentamente colocava os pés da menina no chão. Renata colocou-se entre o assassino e a criança, rezando para que a morte dela fosse suficiente para satisfazer ao assassino e ao seu mestre do mal.

- Rê, o que está acontecendo? - Mira perguntou por trás de suas pernas, as mãos pequenas segurando-lhe as calças enquanto olhava ao seu redor. - Quem é esse homem?

O vampiro deixou seu olhar de pedra viajar até a origem daquela voz minúscula. Ele olhou. Sua cabeça raspada virou lentamente para o lado. Então, ele fez uma careta.

- Você - disse ele, com uma voz tão profunda que estremeceu todo o caminho até a medula Renata. Algo sombrio passou em seu rosto. - Deixe-me vê-la.

- Não - declarou Renata, segurando Mira atrás de si e bloqueando-a como um escudo. - Ela é apenas uma criança. Não fez nada contra você ou qualquer outra pessoa. Ela é inocente.

Ele lançou a Renata um olhar tão feroz que quase a derrubou.

- Deixe-me ver os olhos dela.

Antes que pudesse recusar mais uma vez, antes que pudesse pensar em alguma forma de pegar Mira e fugir o mais rápido possível, Renata sentiu Mira dar um passo para sair detrás de sua proteção.

- Mira, não.

Tarde demais para interromper o que aconteceria. Renata só pôde olhar com terror quando Mira caminhou direto para fora e olhou para cima, subindo para o duro olhar do letal vampiro Primeira Geração.

- Você... - disse ele novamente, olhando para o doce rosto de Mira.

Renata poderia dizer o momento em que começou a testemunhar o presente de Mira. Os olhos dourados dele ficaram tempestuosos, e ele olhava, absorto, enquanto a criança mostrava seu futuro. Ele chegou mais perto, muito perto, até que os braços maciços poderiam atacar e quebrar Mira inadvertidamente.

- Não... - ela deixou escapar, mas ele já estava chegando até Mira.

- Está tudo bem, Rê - Mira sussurrou, em pé diante do vampiro, tão inocente como uma criancinha que vagava na cova dos leões.

E foi então que Renata percebeu que algo de extraordinário estava para acontecer.

- Você me salvou - ele sussurrou, com as mãos enormes nos pequenos ombros de Mira. O vampiro se ajoelhou, ficando no nível da criança. Quando ele falou, a voz letal estava tranquila, com espanto e confusão. - Você salvou minha vida. Eu vi isso, agora, em seus olhos. Vi naquela noite também...


Capítulo 33

O coração de Nikolai congelou dentro de seu peito, um crescente pânico, medo transformado em gelo. Com o tiroteio ainda em erupção na área, ele tinha dado uma volta pela floresta até o lugar onde seu sangue tinha mostrado que encontraria sua Companheira apavorada.

Renata estava lá. Na escuridão da floresta banhada pela luz da lua, imóvel como uma estátua e olhando um imenso vampiro Primeira Geração agachado diante de Mira, segurando a criança com suas enormes mãos.

Jesus Cristo.

Niko moveu-se silenciosamente, rastejando para se aproximar e tentar encontrar uma posição em que poderia atirar sem colocar Renata ou a menina no fogo cruzado.

Ataque-o com uma onda, Renata. Faça-o cair e corra como se estivesse correndo do diabo.

Ela não lançou o poder mental sobre ele. Ela não tentou contrair um dedo na direção de qualquer uma de suas armas, psíquica ou não. Não, para o horror de Niko, ela não moveu sequer um dedo. Apenas ficou ali, no centro do que rapidamente se transformaria em uma tempestade infernal de sangue e violência.

O próprio medo de Niko naquele momento era insondável. Tudo o que ele sentia era o terror rasgando-o por dentro, seus ossos congelados, um desespero tão selvagem dentro do coração que batia como um tambor no peito.

Ele tirou as pistolas 9 mm de seus coldres laterais e avançou. Embora estivesse se movendo a um ritmo que apenas alguém da Raça poderia controlar, Renata olhou para cima. Ela o sentiu ali, movendo o ar ao seu redor, mesmo que os olhos não conseguissem registrar a velocidade. O sangue dele nela lhe disse que seu macho estava perto, assim como o seu sangue correndo nele sempre o faria encontrá-la.

Ele estava muito consumido pela raiva para notar que ela olhava para ele com alarme e não para o inimigo vampiro que enfrentava.

Nikolai avançou como um flash, totalmente preparado para matar. Ele parou logo atrás do grande Primeira Geração, as duas pistolas apertadas contra os glifos que seguiam até a parte traseira do crânio raspado do vampiro.

Tudo aconteceu em um piscar de olhos, mas parecia em câmara lenta na consciência de Nikolai.

Ele apontou as armas, os dedos nos gatilhos.

Os olhos de Renata se abriram. Ela balançou a cabeça.

- Niko, espere... não!

O Primeira Geração soltou Mira, deixando as grandes mãos caírem ao seu lado. Ele nem sequer reagiu às armas apontadas em sua cabeça. Seu peito expandiu quando puxou uma respiração longa, então deixou o ar sair em um suspiro resignado.

Ele não estava lutando contra sua morte.

Ele não se importava se morresse.

E então Mira gritou, a voz da criança alta com o medo.

- Não! Não o machuque!

Nikolai assistiu incrédulo e com espanto total quando Mira jogou seus braços em torno dos ombros largos do Primeira Geração.

- Por favor, não o machuque! - ela chorou, olhando para Niko, suplicando-lhe enquanto tentava proteger o vampiro com seu corpo minúsculo.

- Nikolai - Renata prendeu seu olhar quando ele a olhou, incrédulo, as duas pistolas de grande porte ainda armadas e prontas, niveladas na cabeça do Primeira Geração. - Nikolai... por favor, está tudo bem. Espere.

Ele franziu a testa, mas sua atitude guerreira relaxou um pouco.

- Levante-se - ordenou ao vampiro.–Levante-se e afaste-se da criança.

O Primeira Geração obedeceu sem qualquer comentário, lentamente, soltando os braços de Mira do seu pescoço e empurrando-a para longe enquanto levantava.

Niko se moveu para enfrentá-lo, as armas ainda sobre ele, quando orientou tanto Renata quanto Mira a ficar atrás dele.

- Quem diabos é você?

Os olhos sóbrios, inexpressivos, fitaram a terra.

- Chamam-me de Caçador.

- Você não é um Agente - disse Nikolai, cautelosamente.

- Não. Eu sou um Caçador.

Renata levou Mira para perto, segurando-a enquanto o caos na floresta e na casa lentamente morria em torno deles.

- Seus olhos, Nikolai - disse ela, entendendo agora. - Ele é o assassino que tentou matar Sergei Yakut naquela noite. Foi ele quem Mira viu no retiro de Yakut.

A expressão de Nikolai escureceu.

- É verdade? Você é um assassino de aluguel?

- Eu era - o Caçador deu um aceno triste e, finalmente, levantou o olhar. - A criança me salvou... Algo mudou em mim depois que eu vi a visão nos olhos dela naquela noite. Eu a vi salvar minha vida, exatamente como aconteceu há pouco.

No instante seguinte, a floresta ganhou vida com homens armados se deslocando sobre eles de todas as direções. Nikolai tinha as armas na mão, mas não fez nenhum movimento para disparar sobre as ameaças recém-chegadas. Renata entrou em pânico.

- Ah, merda. Niko...

- Está tudo bem - ele a acalmou com um olhar tranquilizador e algumas palavras gentis. - Estes são os mocinhos, meus amigos da Ordem.

Ela observou quando quatro dos guerreiros amigos de Nikolai entraram na área. Todos eram formidáveis no tamanho e na atitude, um grupo de músculos e de força que parecia sugar todo o ar da floresta pela simples presença dele.

- Como vai, hermano? Tudo bem aqui? - perguntou a voz suave que agora Renata reconhecia como pertencente a Rio.

Nikolai assentiu com a cabeça, os olhos e armas ainda apontadas na direção do Primeira Geração.

- Tenho tudo sob controle, mas a situação na casa está arruinada. Edgar Fabien está morto e Dragos e os outros fugiram pela costa. Foram de barco para o outro lado do lago. Tentei segui-los, mas... - olhou para Renata. - Tinha que me assegurar de que tudo estava bem por aqui primeiro.

- Nós ouvimos o zumbido de um motor de avião pequeno quando chegamos - disse Rio.

- Droga - Nikolai sussurrou. - Eram eles, sem dúvida. Fugiram. Diabos, Dragos estava aqui e nós perdemos o filho da mãe maldito.

- Deixe-me ajudar a encontrá-lo.

Todos os olhos se voltaram para o vampiro ainda detido na mira de Nikolai.

- Por que confiaríamos em você? - Nikolai perguntou, estreitando o olhar. - Por que estaria disposto a nos ajudar a colocar as mãos em Dragos?

- Porque ele é a pessoa que me criou - não havia calor no tom dourado dos olhos do Primeira Geração assassino quando respondeu à pergunta, apenas ódio gelado. - Ele me fez o que sou. Eu e todos os outros Caçadores criados por ele para matar.

- Ah, meu Deus! - Renata respirou. - Você quer dizer que há outros como você?

A cabeça raspada do Caçador acenou sobriamente.

- Não sei quantos nem onde estão, mas Dragos me disse que não sou o único de minha espécie. Há outros. Muitos outros.

- Por que devemos acreditar em você? - perguntou outro dos guerreiros, quase tão sombrio quanto a noite ao seu redor, seus dentes e presas brilhando como pérolas contra sua pele morena.

Outro guerreiro interveio, então, de olhos rápidos e sagazes, astuto como um lobo sob os pontos de ébano de seus cabelos cortados.

- Deixe Tegan nos dizer se podemos confiar nele.

Renata assistiu com espanto e um pouco de medo quando o maior do grupo, um guerreiro que parecia um fantasma perseguindo as sombras, deu alguns passos a frente. Imenso, com cabelos alourados sob o capuz preto de malha que usava, ele era um grande bloco de músculos másculos e energia sombria. Facilmente tão grande quanto o Primeira Geração diante dele, esperando seu julgamento.

Sem dizer nada, o guerreiro chamado Tegan estendeu sua enorme mão. O Caçador a pegou, seus olhos tão constantes quanto seu aperto.

Após um longo momento, Tegan deu um aceno vago.

- Ele vem com a gente. Vamos lacrar este lugar e dar o fora daqui.

Renata sentiu o enorme peso da tensão do momento ser removido, dando lugar a um novo propósito. O grupo se dividiu, a maioria dos guerreiros indo cuidar das coisas na casa de Fabien enquanto Rio e Nikolai andavam com Renata, Mira e seu companheiro inesperado de volta ao veículo à espera da Ordem.

Já perto, Nikolai pegou a mão de Renata.

- Encontramos você lá, Rio.

O guerreiro assentiu. À medida que avançavam, Renata olhou maravilhada e atemorizada quando Mira deslizou sua mão muito pequena na palma maior do Caçador.

- Meu Deus - disse ela a Nikolai. - O que está acontecendo?

Ele balançou a cabeça, claramente surpreso como ela.

- Vou levar algum tempo para descobrir isso, acho. Mas primeiro quero esclarecer as coisas entre nós.

- Nikolai, desculpe-me.

Ele a silenciou com um beijo longo e doce, puxando-a em seus braços quentes e musculosos.

- Eu estraguei tudo, Renata. Eu estava com tanto medo de perder você que a empurrei para longe de mim com uma mentira, fui um estúpido imprudente! Eu nunca me perdoaria se alguma coisa acontecesse com você ou Mira. Você é meu coração, Renata. Minha vida - ele acariciou-lhe o rosto, seu olhar a engolindo inteira. - Eu te amo tanto... Não quero viver um só momento sem você ao meu lado.

Ela fechou os olhos, dominada pela emoção.

- Eu nunca quis nada mais - ela sussurrou, sua garganta fechada com alegria. - Eu também te amo, Nikolai. Mas tem que entender que venho com um pacote agora. Mira não é minha filha de sangue, mas é de coração. Eu a amo como se fosse minha.

- Eu sei - disse sobriamente. - Você já provou isso.

Renata olhou para ele, incapaz de conter a esperança que se espremia em seu peito.

- Você acha que pode encontrar espaço em sua vida e em seu coração para nós duas?

- O que a faz pensar que eu já não tenha feito isso?–ele a beijou novamente, dessa vez com ternura. Quando olhou nos olhos dela, seu olhar era tão cheio de amor que lhe varreu o fôlego. - Vamos dar o fora daqui agora. Quero levar minhas garotas para casa.


Capítulo 34

Boston. Três noites depois.

O complexo da Ordem pareceu muito diferente para Nikolai quando ele andou pelo corredor que conduzia ao laboratório de tecnologia onde tinha se reunido com os outros guerreiros. A missão de capturar Dragos sofrera um golpe significante há algumas noites, mas também tinham ganhado uma vantagem muito inesperada na sua busca e encerramento da operação.

Infelizmente, embora o Caçador tivesse se tornado um valioso aliado, a Ordem também tinha perdido um membro crucial e confiável amigo: Andreas Reichen tinha sumido completamente e a notícia de Berlim era a pior possível. Ninguém sabia se o líder do Refúgio alemão tinha sobrevivido ao ataque em sua residência. Baseado na matança de toda sua família e no fogo que consumira a propriedade inteira, a Ordem tinha poucas esperanças de encontrar o amigo vivo.

Pessoalmente, Nikolai pensou que seria consolador para Reichen se ele tivesse morrido no ataque. Ele sabia que uma perda tão profunda jamais poderia ser superada. Certamente nenhum homem, da Raça ou não, seria forte o suficiente para sair ileso de um golpe tão brutal na alma. Como um guerreiro, Nikolai entendia baixas em combate. Todo guerreiro entrava na batalha sabendo que ele ou seus irmãos podiam não retornar para a base. Mas perder uma família...

Ele não queria nem mesmo considerar o que isso faria com um homem. Em vez disso, Nikolai se concentrou nas bênçãos que tinha, uma das quais podia ser ouvida falando baixinho quando ele se aproximou da porta aberta de seus aposentos.

Renata estava lá dentro, sentada no sofá da sala, lendo para Mira.

Por um momento, quando Niko aproximou-se da entrada, encostou-se na soleira da porta, simplesmente ouvindo e deleitando-se com a visão da bela mulher que agora era sua Companheira. Ele adorava ver como Renata ficava tão confortável com um livro quanto segurando uma arma. Ela tinha uma suavidade que ele admirava, uma inteligência que o desafiava continuamente e uma força interior que o fazia procurar ser um homem digno de sua devoção.

Não era nada mal também que ela fosse mais quente do que o inferno, sobretudo quando ela estava com o olhar na sua 9 mm ou treinando com suas adagas queridas no centro de treinamento. Kade e Brock tinham estado quase permanentemente na sala de armas nos últimos dias, só pela possibilidade de treinar com Renata ou olhá-la em ação. Nikolai não podia culpá-los. Mas quando sentiu o beliscão leve do ciúme, bastou um olhar malicioso de sua mulher para colocá-lo à vontade. Ela o amava e Nikolai era o macho mais sortudo do planeta.

- Oi - disse, olhando enquanto virava a última página de um capítulo e parava para cumprimentá-lo.

- Olá, Niko - Mira sussurrou sob o véu curto. - Você acabou de perder uma parte muito boa da história.

- Mesmo? Talvez eu possa convencer Renata a ler para mim mais tarde - disse ele, enviando um olhar aquecido para sua Companheira quando entrou na sala. Ele caminhou até o sofá e se agachou na frente de Mira. - Tenho algo para você.

- Sério? - o rosto dela se iluminou com um pequeno sorriso. - O que é?

- Uma coisa que pedi a Gideon para você. Tire seu véu, e vou lhe mostrar.

Ele não perdeu o olhar protetor de Renata quando Mira afastou o tecido preto para longe do seu rosto.

- O que é?

- Tudo bem - disse ele, tirando uma pequena caixa de plástico do bolso da calça jeans. - Você pode confiar em mim. Ambas podem confiar em mim.

Renata relaxou, e olhou quando Nikolai retirou a tampa de um recipiente de lentes de contato.

- Estas são as lentes especiais que Gideon acha que vão ajudar com seus olhos. Você gostaria de nunca mais usar o véu de novo?

Mira concordou com entusiasmo.

- Deixa eu ver, Niko!

- Que tipo de lentes são essas? - Renata perguntou, cautelosamente otimista.

- Íris opacas para proteger o efeito de espelhamento dos olhos de Mira. Ela será capaz de ver através delas, mas ninguém que olhar para ela vai notar nada de incomum sobre os olhos. Suas íris serão cobertas, da mesma forma que o véu cobre. Eu pensei que seriam melhores.

Renata acenou, sorrindo calorosamente para ele.

- Muito melhor. Obrigada.

- Posso experimentá-las? - Mira perguntou, ansiosamente olhando a pequena caixa nas mãos de Niko. - Olha, Rê, são roxas!

- Essa é sua cor favorita - disse ela, jogando um olhar interrogativo sobre Nikolai.

Ele tinha mudado muito nos últimos dias, empreendendo um papel que nunca se imaginou, sem falar no fato de se ajustar tão confortavelmente nele. Ele era um macho com laço de sangue com uma Companheira de Raça que o amava e uma criança para criar como sua. E ele apreciou as duas ideias.

Ele, um dissidente e imprudente, tinha uma família própria agora. Era incompreensível para ele, para não mencionar para o resto do complexo. Era a última coisa que sonhou que queria ou precisava e agora, apenas alguns dias depois, não poderia ver sua vida de outra maneira.

Seu coração nunca se sentiu tão completo.

- Deixe-me ajudá-la com isso - disse Renata, pegando as lentes das mãos de Niko com cuidado e colocando-as em Mira. Quando estavam no lugar há alguns segundos e o talento da criança não se manifestou, Renata sorriu. - Ah, meu Deus. Funcionou, Nikolai! Olhe para ela. As lentes funcionam perfeitamente.

Ele olhou para as piscinas violeta nos olhos alterados de Mira e viu... nada. Apenas o feliz e despreocupado olhar de uma criança.

Renata jogou os braços em volta dele e o beijou. Mira estava bem atrás dela e Niko pegou as duas em um sincero abraço.

- Há mais - disse, esperando que gostassem do resto da sua surpresa. Ele se levantou e pegou cada uma delas pela mão. - Venham comigo.

Ele as levou pelo corredor até o elevador que subia da sede subterrânea para a enorme mansão que ficava no piso acima. Ele podia sentir a apreensão de Renata pelo modo como ela apertava-lhe a mão grande e pela adrenalina que lhe corria na corrente sanguínea.

- Não se preocupe - ele sussurrou na orelha dela. -Você vai gostar, eu prometo.

Pelo menos, ele esperava que sim. Ele tinha trabalhado naquilo durante um dia e meio, tentando fazer tudo certo. Ele guiou Renata e Mira ao coração da propriedade, em direção à luz de velas e ao calor da sala de jantar formal. Os aromas de pão e carne assada os receberam. Niko não tinha apreço por comida humana, mas as Companheiras de Raça que viviam no lugar certamente tinham e, a julgar pela aparência das duas mulheres caminhando ao seu lado, elas também.

O espanto brilhou nos olhos de Renata.

- Você fez o jantar?

- Claro que não. Acredite em mim, sou a última pessoa que você iria querer para preparar suas refeições. Pedi alguns favores a Savannah, Gabrielle e as outras mulheres. Seu estômago está em muito boas mãos.

- Mas eu estive com todas elas mais cedo hoje e ninguém disse nada sobre isso.

- Eu queria fazer uma surpresa. Elas queriam surpreendê-la, também.

Renata não disse mais nada, mas ele não pôde deixar de notar que seus passos diminuíam ao chegar mais perto da sala de jantar. Mira, no entanto, pulava com entusiasmo. Assim que chegaram à porta de entrada em arco, ela soltou-se de Niko e correu a mil por hora como se tivesse vivido lá toda sua vida.

Mas Renata, não.

Ela ficou em silêncio e imóvel. Olhou para a mesa cheia de pratos de porcelana e enfeites finos e suspirou levemente. Não disse uma palavra sequer quando olhou para o rosto dos guerreiros e de suas Companheiras de Raça, todos de pé dando-lhe boas-vindas quando ela e Nikolai pararam na porta.

- Ah, Santo Deus! - ela finalmente sussurrou, sua voz quebrada e crua.

Niko a seguiu quando ela recuou, voltando pelo corredor.

Maldição. Ele estava tão certo de que ela desfrutaria de um agradável jantar com todos, mas é óbvio que estava errado.

Quando falou com ele, sua voz estava embargada pela emoção.

- Todo mundo está esperando lá dentro... por nós?

- Não se preocupe com isso - disse ele, puxando-a para seus braços fortes. - Eu queria fazer algo especial para você e estraguei tudo. Sinto muito. Você não tem que fazer isso.

- Nikolai - ela olhou para ele, os olhos brilhantes marejados. - Eu nunca vi nada mais bonito do que aquela mesa, com todos ao redor, em toda a minha vida.

Ele franziu a testa, bastante confuso agora.

- Então, o que está errado?

Ela balançou a cabeça, engolindo um riso estrangulado.

- Não há nada de errado. Nada de errado em nada. Estou tão feliz! Você me faz tão imensamente feliz. Tenho medo desse sentimento. Eu nunca soube o que era e eu estou morrendo de medo que seja apenas um sonho.

- Não é um sonho - disse ele suavemente, acariciando-lhe uma lágrima perdida que deslizava assertivamente pelo rosto macio. - E você pode se segurar em mim se sentir medo. Vou estar ao seu lado enquanto você quiser.

- Para sempre - disse ela, sorrindo para ele.

Nikolai assentiu.

- Sim, meu amor. Para sempre.

O sorriso exultante de Renata explodiu em sua boca. Ela beijou Nikolai forte e, em seguida, caminhou com ele sob o abrigo daquele braço forte para se juntar aos outros. Para se juntar ao resto da sua família.

Capítulo 25

Nikolai sentou-se dentro do abrigo feito de videiras e assistiu a um único raio de luz atravessar as folhas e iluminar os cabelos escuros de Renata enquanto ela dormia. A luz ultravioleta era tóxica para sua espécie – letal após meia hora de exposição contínua - mas ele não resistiu ao desejo de deixar aquele raio de luz entrar pelo pequeno buraco na vegetação. Nos últimos minutos, ele tinha permanecido sentado junto de Renata observando-a, admirando-a, muito intrigado com a forma como a luz cobria-lhe os cabelos de ébano, penetrandolhe os fios de seda e colorindo-os com uma dúzia de tons diferentes: cobre, bronze e vermelho.

Que diabos havia de errado com ele?

Ele estava sentado lá, olhando os cabelos de Renata, pelo amor de Deus! Não apenas olhando, mas olhando-os com total fascinação. Para Niko, isso indicava uma de duas coisas preocupantes: ele devia considerar muito seriamente ter algumas aulas com o famoso cabeleireiro inglês Vidal Sassoon ou estava completamente perdido de amor por aquela mulher.

Perdido tanto quanto no passado, eternamente tomado por outra pessoa. Em algum lugar, de algum jeito, ele se deixou apaixonar por ela.

Isso explicava o porquê de ele não conseguir manter as mãos - e outras partes maiores e mais pulsantes de seu corpo - longe dela. Explicava também o motivo pelo qual tinha passado toda a noite – com exceção da ida rápida à casa de Yakut antes do amanhecer – deitado junto de Renata, sustentando-a em seus braços fortes.

E, se ele precisava de alguma explicação do motivo de seu peito ter ficado tão apertado e tão pesado quando ela começou a chorar na noite anterior, ou por que havia se sentido obrigado a compartilhar com ela seu sentimento de culpa pela perda de Dimitri há tantos anos, ele supôs que estar apaixonado faria sentido.

Por mais que tentasse convencê-la de que ela estava a salvo com ele, Nikolai se sentia a salvo com ela também. Confiava nela plenamente. Mataria para protegê-la, morreria por ela sem hesitar nem por um segundo. Ela podia não fazer parte de sua vida há muito tempo, mas ele já não se imaginava sem ela.

Ah! Merda. Ele realmente tinha se apaixonado por Renata.

- Mas... que... maravilha! - murmurou, fazendo uma careta quando ela se agitou por causa do som de sua voz.

Ela abriu os olhos e sorriu quando o viu sentado ali.

- Olá!

- Bom dia - disse, casualmente alcançando um ramo de videira para fechar o abrigo e deixar do lado de fora os resquícios do raio de sol.

Ele achou o espreguiçar felino dela mais fascinante ainda do que os cabelos. Estava usando a mesma camisa de algodão da noite anterior, a metade dos botões espalhados pelo chão do abrigo natural. A grande camisa estava aberta da metade para baixo, mal cobrindo a nudez de sua fenda. Por ele, sem problemas.

- Como se sente?

Ela pareceu refletir por um segundo, depois olhou para ele com a testa franzida.

- Sinto-me realmente bem. Quero dizer, ontem à noite foi... - ruborizou, uma doce cor rosada preencheu-lhe as bochechas. - Ontem à noite foi incrível, mas pensei que ficaria fora de combate por causa da reverberação. Não entendo... nunca aconteceu nada assim. Quero dizer, tive um pouquinho de dor, mas pelo ataque na casa de Jack, eu devia estar agonizando a noite toda.

- Isso nunca aconteceu antes?

Ela sacudiu sua cabeça.

- Nunca. Cada vez que usava minha habilidade, o efeito retornava.

- Mas ontem à noite não.

- Não, ontem à noite não - ela disse. - Nunca me senti melhor.

Niko talvez pudesse ter feito uma brincadeira sobre os efeitos milagrosos de suas proezas sexuais, mas ele sabia que era um tipo de magia o que fizera Renata suportar o efeito da reverberação.

- Você bebeu de meu sangue ontem. Essa foi a diferença.

- Você acha que seu sangue ajudou não apenas a curar meu ombro, mas também com as reverberações? É possível?

- É definitivamente uma possibilidade. Uma Companheira de Raça que bebe regularmente o sangue de um vampiro se torna muito mais forte do que seria sem ele. O envelhecimento desacelera até ao passo de tartaruga. As células do corpo, os músculos e todo o metabolismo atinge um estado físico visivelmente saudável. E, sim, muitas vezes o sangue de um companheiro também tem impacto na habilidade psíquica das fêmeas.

- Por isso Sergei nunca me deixou beber dele - Renata disse, sua mente veloz para chegar à mesma conclusão a que Niko havia chegado. – Ele não fazia segredo de que gostava que meu poder fosse limitado. Nas vezes que tentei golpeá-lo, nunca pude manter a rajada o tempo suficiente para derrubá-lo. E, no final, o esforço sempre me custava caro demais quando retornava.

- Sergei Yakut era Primeira Geração - Niko recordou. – O sangue dele em seu sistema poderia torná-la praticamente invencível.

Renata zombou em voz baixa.

- Só um grilhão a mais para mim. Ele devia saber que eu o mataria se tivesse a menor esperança de êxito–ficou em silêncio durante um minuto, com os braços cruzados. Depois, arrancou uma fibra de erva do chão do abrigo improvisado. - Tentei matá-lo... no dia em que Mira e eu fugimos juntas. Naquele dia, ele queimou minhas costas com ferro quente. Fez outras coisas também.

Nikolai não tinha que perguntar mais sobre o que ela tinha sofrido. As cicatrizes das queimaduras em suas costas eram atrozes, mas pensar no castigo de Yakut era pior... O sangue de Niko fervia de indignação. O guerreiro, então, colocou a mão sobre a mão dela.

- Sinto muito, Renata.

Ela lançou um firme olhar que não procurava simpatia.

- Sua misericórdia foi a de não ter forçado Mira a assistir tudo o que me fez. Mas Sergei me disse que se ela ou eu tentássemos escapar outra vez, Mira pagaria da mesma forma que eu. Prometeu que seria pior para ela, e eu sabia que ele estava falando sério... Então, fiquei quieta. Eu o obedecia e a cada hora de cada dia rezava por um milagre que eliminasse Sergei Yakut de minha vida - parou, acariciando-lhe o rosto masculino. – E então você chegou e tudo mudou. Suponho que em muitos sentidos, você é meu milagre.

Nikolai segurou-lhe a mão e depositou um beijo no centro de sua palma.

- Ambos somos afortunados.

- Alegra-me que Sergei esteja morto - confessou ela, brandamente.

- Ele devia ter sofrido mais - disse Niko, sem tentar ocultar o tom obscuro de sua voz grossa. - Mas já morreu. E é o que importa.

Renata assentiu.

- E agora Lex também está morto. Os guardas de Yakut... Todos eles estão mortos.

- A essa hora da manhã, ele e os outros na propriedade não passam de um monte de cinzas - Niko disse ao esticar-se para colocar os cabelos negros e brilhantes de Renata atrás da orelha. - Depois que você dormiu ontem à noite, eu retornei lá e abri todas as persianas para que a luz do sol entrasse. Também liguei para Boston para dar os números que estavam no celular de Lex. Gideon entrará em contato quando tiver feito o rastreamento para nos dar os detalhes.

Outro assentimento, sua voz suave tinha um tom de esperança.

- Está bem.

- Enquanto estava lá, trouxe algo que pensei que pudesse precisar.

Inclinou-se para o monte de armas e outros instrumentos que havia recolhido e pegou o pacote de seda e veludo que pertencia a Renata.

- Minhas adagas! - ela disse, seu rosto iluminando-se de alegria quando pegou o pacote nas mãos. Desatou o laço que prendia as armas e desenrolou todo o veludo que cobria as quatro adagas com gravuras personalizadas. - Jack me deu isso...

- Eu sei. Ele me disse que as havia feito para você como um presente. Disse-me que não estava certo de que você as tivesse guardado.

- Elas são muito importantes para mim - murmurou, seguindo o lavrado do punho com a ponta do dedo.

- Eu disse que você ainda as tinha e ele alegrou-se ao escutar quanto elas significam para você.

O olhar cheio de gratidão de Renata banhou o macho da Raça.

- Nikolai... Obrigada por fazer isso pelo Jack. E por me devolver essas adagas. Obrigada mesmo.

Ela se aproximou dele e o beijou. A suave pressão de seus lábios foi algo profundo. Nikolai segurou-lhe o rosto entre as mãos, acariciando-lhe a mandíbula com os polegares grandes, percorrendo o delicado ângulo das maçãs do rosto. Ela abriu a boca enquanto a língua dele percorria a abertura úmida de seus lábios e soltou um doce gemidinho quando ele entrou dentro dela.

As presas dele se estenderam pontudas pela luxúria que corria nele como lava. Entre as pernas, seu sexo era já uma coluna de granito, aceso imediatamente diante da ideia de ter Renata debaixo de si. Quando a mão dela escorregou para baixo, ultrapassando a cintura da calça para tocá-lo, seu membro ereto e ávido saltou, crescendo mais e mais sob o calor da palma da mão de Renata enquanto ela o acariciava.

- Que horas são? – murmurou ela contra a boca febril dele.

Ele grunhiu, muito absorto em suas deliciosas carícias para processar imediatamente aquela pergunta. Através de sua respiração entrecortada, conseguiu responder.

- É cedo. Provavelmente por volta das nove.

- Bem, caramba, acho que é muito cedo - ela murmurou, separando sua boca da dele e deixando um rastro de beijos ao longo da garganta e do pomo-de-adão. - Não pode sair na luz do sol, não é mesmo?

- Não.

- Humm – os lábios úmidos dela desceram sobre o peito nu e suado dele. Ele recostou-se sobre os cotovelos enquanto ela seguia o contorno dos glifos com a ponta rosada de sua língua sapeca, percorrendo os arcos e redemoinhos ao redor de seus mamilos e através do seu tórax. Quando falou, sua voz vibrou em todos os ossos de Niko:

- Então, suponho que isso significa que estamos presos aqui por um tempo, não é?

- Sim. - A palavra saiu ofegante. O beijo dela viajou devagar para baixo, além do umbigo do macho da Raça, seguindo as linhas dos dermoglifos, em direção à parte do corpo dele que palpitava pela necessidade de sentir os lábios úmidos e quentes dela apertando-se ao seu redor. - Suponho que estamos presos aqui até de noite.

- Hum hum.

Ela prendeu o cordão das calças dele entre os dentes e deu um forte puxão. O nó caiu solto e então ela baixou as calças o suficiente para fazer a cabeça enorme do membro dele despontar ansiosa. Ela o lambeu, observando o rosto de Niko enquanto desenhava redemoinhos com a língua diabólica ao redor da carne e sugava uma gota do fluido viscoso que brotava ali.

- Ah!

- Então... - ela murmurou, seu fôlego flutuando através da pele umedecida pelo suor dele, atormentando-o ainda mais. - O que vamos fazer aqui o dia todo enquanto esperamos a noite chegar?

Niko riu.

- Querida, posso pensar em umas cem coisas que eu gostaria de fazer contigo.

Ela sorriu desafiante.

- Apenas cem?

Antes que ele pudesse lhe dar uma resposta inteligente, ela envolveu o pênis dele com os lábios e o tomou profundamente dentro da boca. E enquanto o corpo de Niko explodia de prazer, ele se viu rezando para que o tempo e os dias a sós com aquela incrível mulher – sua mulher – pudessem se estender para sempre.


Capítulo 26

Renata caminhou para a porta de trás da propriedade de Yakut e parou na soleira. Ela havia deixado Nikolai no refúgio de videiras quando decidiu que sua necessidade de um banho, de uma ducha quente e de roupas limpas que realmente coubessem nela eram maiores do que sua resistência em jamais colocar novamente os pés na casa de Sergei Yakut.

Agora ela duvidava. No início da tarde, o sol era uma presença alentadora, mas no lado de dentro a propriedade era escura e fria. Sombras caíam sobre a mobília desarrumada e estendiam-se pelas tábuas rudes do chão. Renata avançou e caminhou para o lugar onde Lex havia caído.

O corpo dele havia desaparecido, assim como o sangue. Nada além de um pequeno rastro de cinzas deixado para trás – como Nikolai prometera. As persianas sobre a janela da sala estavam totalmente abertas, mas o sol já havia passado. Uma fresca brisa carregava o aroma de pinheiro e o ar fresco do bosque para a umidade calma do lugar. Renata respirou profundamente, enchendo os pulmões, deixando a fragrância de um novo dia expurgar as lembranças de toda aquela morte, aquele sangue e aquela violência que tinham coberto o lugar na noite anterior.

Hoje, sob aquela nova luz, muitas coisas pareciam diferentes para ela.

Ela mesma parecia diferente. E sabia a razão. Estava apaixonada.

Pela primeira vez em muito tempo (talvez em toda a sua vida), Renata verdadeiramente sentia a esperança acomodada em seu coração, uma esperança de que o futuro lhe reservava algo além da mera sobrevivência, que ela poderia em algum momento medir a felicidade em anos e não apenas em momentos raros e fugidios. Estar com Nikolai, fosse em seus braços ou ao seu lado, fazia Renata acreditar que muitas coisas eram possíveis.

Ela caminhou pela grande sala, apoiando-se no fato de que aquela seria a última vez que precisaria ver aquele lugar. Aquilo era um adeus.

Quando ela e Nikolai saíssem dali para continuar a busca por Mira, aquele albergue, aquele terrível celeiro, aquele canil na parte de trás da construção, Sergei Yakut, Lex e todos os outros que marcaram os últimos dois anos de sua vida seriam apenas lembranças. Ela deixaria tudo ali, e o terror e a dor seriam, de alguma forma, banidos de seu futuro.

Aquela parte de sua vida havia terminado.

Ela entrou no pequeno banheiro que havia compartilhado com Mira, em paz consigo e com tudo ao seu redor enquanto ligava a água quente da ducha. Quando o vapor úmido começou a sair pela cortina, ela desabotoou uns poucos botões da camisa emprestada de Jack e ficou ali por um momento, parada, nua, contemplando seu futuro com olhos renovados. Não sabia o que a esperava uma vez que a noite caísse e uma nova jornada começasse, mas estava disposta a enfrentar o que quer que fosse.

Com Nikolai ao seu lado – com a esperança e o ardente amor tão resplandecente quanto uma chama em seu coração –, Renata estava preparada para enfrentar tudo.

Como um cavalheiro destinado a uma batalha que procura uma bênção, Renata deu um passo debaixo da água quente da ducha. Fechou os olhos em uma solene oração enquanto a reconfortante água caía-lhe sobre o corpo nu.

Nikolai permanecia no abrigo de videiras enquanto os passos de Renata se aproximavam.

- Toc, toc - ela o chamou através das folhas. – Estou entrando, então cuidado com a luz do dia. Eu não gostaria que você torrasse por mim.

Ela afastou algumas folhas verdes e avançou, pronunciando uma rápida desculpa quando notou que ele tinha o telefone celular de Lex no ouvido. Niko havia ligado para a Ordem pouco depois que ela fora tomar banho. As notícias de Boston eram uma mistura de boas e más, além de uma dose extra de sérios problemas.

As boas? Um dos números no telefone de Lex era, de fato, de Edgar Fabien. Sem muito esforço, Gideon havia sido capaz de rastrear os registros da base de dados de identificação internacional de Fabien. Agora, a Ordem tinha os endereços da residência do líder do Refúgio de Montreal, sua casa no interior e todos os dados de todas as outras propriedades privadas, tanto de negócios como pessoais. Gideon tinha acesso aos números de telefone celular de Fabien, carteira de motorista, arquivos do computador e até mesmo da vigilância eletrônica do Refúgio do maldito filho da mãe.

E era nesse ponto que começavam as más notícias.

Edgar Fabien não estava em casa. Gideon havia interceptado o sinal de um canal de vídeo mais cedo naquela noite e visto um grupo de sete machos da Raça – um deles provavelmente era Fabien – deixando o Refúgio em companhia de uma escolta armada da Agência de Execução. Era difícil dizer quem eram os visitantes de Fabien, já que todos pareciam iguais em ternos sob medida e com os rostos completamente ocultos por capuzes pretos.

Quanto à dose extra de sérios problemas, o grupo de vampiros havia saído com uma menina. Uma jovem que evidentemente não os havia seguido tranquilamente. A descrição de Gideon da criança loira não deixava dúvida de que se tratava de Mira.

- Ainda está me ouvindo? - Gideon perguntou do outro lado da linha.

- Sim, continuo aqui.

- Lucan quer que Fabien seja trazido a Boston para um interrogatório. Isso significa que precisamos dele vivo, cara.

Niko soltou uma maldição.

- Primeiro, temos de encontrar esse filho da puta.

- Sim, estou trabalhando nisso. Rastreei o GPS do telefone celular de Fabien. Consegui um sinal de um lugar a aproximadamente uma hora ao norte da propriedade de Yakut. Uma das propriedades de Edgar Fabien. Ele deve estar lá.

- Tem certeza?

- Tanta que já enviamos reforços. Tegan, Rio, Brock e Kade estão a caminho para encontrar-se com você enquanto falamos.

- Reforços a caminho? - perguntou Niko, olhando uma parte de luz ultravioleta que aparecia através das folhas do refúgio. A Ordem tinha trajes de proteção solar para situações de emergência, mas até mesmo uma geração antiga de vampiros vestidos dos pés à cabeça com trajes protetores de raios ultravioletas seria incapaz de resistir à luz solar golpeando no assento do motorista em uma viagem de quase sete horas. - Jesus! Não pode estar falando a sério. Quem teve essa ideia?

Gideon riu.

- As fêmeas teimosas, meu caro. Não sei se você notou, mas fomos invadidos por elas nos últimos tempos.

- Sim, notei.

Niko não pôde deixar de lançar um olhar para Renata, que estava verificando algumas das armas que tinham recolhido de Lex e dos outros.

- Qual é a situação, então?

- Dylan está levando os caras em uma Rover e Elise está montando guarda. Devem chegar aí por volta das nove, exatamente depois do pôr do sol. Como Fabien tem vários sócios desconhecidos com ele, vamos precisar entrar e sair de lá com cuidado, sem vítimas desnecessárias - Gideon fez uma pausa. - Escuta, sei que você está preocupado com a menina. A segurança dela é importante, sem dúvida, mas isso é grande, Niko. Se Fabien pode nos levar a Dragos, temos que nos assegurar de capturá-lo esta noite. Essa é a missão número 1, ordenada diretamente por Lucan.

- Sim - disse Nikolai. Ele sabia qual era a missão. Também sabia que não podia decepcionar Renata ou Mira. – Inferno... Certo, Gideon, eu entendi.

- Ligarei se Fabien se mover entre agora e o pôr do sol. Enquanto isso, estou trabalhando em um ponto de encontro para que você se junte aos outros esta noite e ponha em ação um plano de infiltração. Devo ter algo em uma hora ou duas. Ligarei depois.

- Certo. Até depois.

Nikolai desligou o telefone e o colocou junto de si.

- Gideon conseguiu algo daqueles números telefônicos? - perguntou Renata, olhando-o cuidadosamente. - Temos alguma pista do Refúgio de Fabien?

Niko assentiu.

- Temos o endereço.

- Graças a Deus - ela suspirou. O alívio cedeu espaço rapidamente à determinação, tão feroz como Niko nunca havia visto nela. - Onde está ele? No Refúgio na cidade ou em alguma parte nos subúrbios? Eu poderia ir lá agora mesmo e analisar o terreno. Santo Deus, da forma como me sinto – sem dor, meu ombro melhorando – talvez eu devesse bater na porta e golpeá-lo com uma explosão de...

- Renata - Niko pôs a mão grande sobre a dela e sacudiu a cabeça. - Fabien está indo para algum lugar. Não está mais na cidade.

- Então onde?

Ele poderia contar sobre o sinal do GPS que Gideon estava rastreando. Poderia dizer que Fabien tinha Mira em sua custódia e que a menina estava provavelmente uma hora ao norte de onde eles estavam sentados agora. Mas Niko também sabia que se dissesse isso a Renata – se desse o mínimo de certeza sobre o paradeiro da menina que tanto significava para ela –, ele não poderia impedi-la de sair por conta própria naquele exato momento para encontrá-la.

A promessa de Niko à Ordem era seu dever – sua honra –, mas e Renata? Ela era seu coração. Ele não podia pôr em perigo a missão de seus irmãos, mas também não podia permitir que aquela mulher que ele amava partisse precipitadamente sozinha, rumo ao perigo. O pensamento dele era pré-histórico, talvez, especialmente por ter em conta que Renata era uma mulher que sabia como dirigir a si quase em qualquer situação. Era bem treinada, capaz, definitivamente valente, mas... inferno, ela significava muito para que corresse esse tipo de risco. Aquela não era uma opção.

- Estamos esperando uma localização sólida de onde está Fabien – ele disse, a mentira amarga sobre sua língua, independentemente das boas intenções. - Enquanto isso, a Ordem está enviando reforços. Nós vamos nos juntar a eles esta noite.

Renata escutou, claramente confiando nele e em sua palavra.

- A Ordem tem alguma ideia se Mira está com Fabien em qualquer lugar que ele esteja?

- Estamos trabalhando nisso - Nikolai achou difícil sustentar o olhar verde-claro sem pestanejar. - Quando encontrarmos Fabien, encontraremos Mira. Ela vai estar bem. Prometi isso, lembra?

Quando pensou que ela só assentiria com a cabeça e afastaria o olhar, Renata estendeu a mão para apanhar o rosto dele.

- Obrigada... por estar aqui para me apoiar em tudo isto. Não sei como serei capaz de pagá-lo, Nikolai.

Ele ergueu a mão dela entre as suas e deu-lhe um beijo. Diria algo singelo, uma das brincadeiras sem sentido habituais que tão frequentemente usava quando as emoções ao seu redor eram muito reais ou cheias de honestidade. Tinha suas cartas sob a manga: desviar com humor, desarmar com indiferença, atacar e correr como o inferno à primeira indicação de sua própria vulnerabilidade. Mas todas aquelas velhas e confiáveis armas que ele havia aperfeiçoado falhavam agora.

Acariciou com o dedo polegar o dorso da mão de Renata e se deixou perder no refúgio verde de seus olhos.

- Não sou muito bom nisso - murmurou ele. - Quero dizer algo... inferno. Provavelmente eu vou encher sua paciência, mas quero que você saiba que me preocupo com você. Preocupo-me... pra caramba, Renata.

Ela o olhou fixamente, permanecendo tão imóvel e silenciosa que nem sequer estava seguro de que ela estivesse respirando.

- Eu me preocupo - soltou, frustrado consigo pela estupidez das palavras que queria que fossem perfeitas para ela. - Não sei como aconteceu, ou mesmo o que significará para você, se vai significar. Mas preciso dizer porque isso é real. É real, e eu nunca me senti dessa maneira antes. Com ninguém.

A boca de Renata suavizou em um pequeno sorriso enquanto ele divagava com estupidez, tentando encontrar uma maneira de dizer a profundidade do que havia em seu coração de macho da Raça. Tentava e falhava miseravelmente.

- O que estou querendo dizer é que... - sacudiu a cabeça, sentindo-se uma porcaria, mas o suave toque de Renata em seu rosto o tranquilizou. O claro olhar dela trouxe Niko de volta, direto e centrado, conectando-o com a Terra. - O que estou querendo dizer é que estou apaixonado por você... Realmente apaixonado. Não estava esperando que isso acontecesse. Não pensei que alguma vez eu fosse querer isso, mas... Ah! Renata, quando olho dentro de seus olhos, só consigo pensar em uma coisa: para sempre.

Ela exalou devagar e seu pequeno sorriso se estendeu em radiante alegria. Niko passou as mãos na pele suave e macia dela, e pelos cabelos úmidos.

- Estou apaixonado por você, Renata. Sei que não sou um poeta... Caramba, nem sequer chego perto disso. Não tenho todas aquelas palavras bonitas que queria poder dizer... Mas quero que saiba que o que sinto por você é real. Eu te amo.

Ela riu brandamente.

- O que faz você pensar que quero poesia ou palavras finas? Você acabou de dizer exatamente o que queria ouvir, Nikolai–ela deslizou sua mão pela parte de trás do pescoço largo dele e o puxou para um longo e apaixonado beijo. - Também te amo, Nikolai - sussurrou contra sua boca. - Assusta-me admitir isso, mas é assim. Eu te amo, Nikolai.

Ele a beijou e a abraçou, desejando nunca ter de se afastar dela. Mas o cair da noite logo chegaria e ainda havia uma coisa que ele precisava fazer.

- Tem que fazer uma coisa por mim.

Renata se acomodou contra ele.

- Qualquer coisa.

- Não sei o que vai acontecer esta noite, mas preciso saber que vai estar tão forte quanto possível. Quero que tome mais de meu sangue.

Ela se soltou de seu abraço e arqueou uma sobrancelha para ele.

- Tem certeza de que não está só tentando entrar no meio das minhas pernas de novo?

Niko riu, uma sacudida de calor formando redemoinhos diretamente em sua virilha apenas diante daquela ideia.

- Eu não rejeitaria o convite. Mas falo sério... Quero que beba de mim de novo. Faria isso por mim?

- Sim, é obvio.

Ele afastou uma mecha escura da testa dela.

- Há uma coisa mais, Renata. Quando formos atrás de Fabien esta noite, eu morreria se algo... Bem, simplesmente não posso me arriscar a ficar separado de você, vou precisar saber que você está bem todo o tempo, ou minha concentração vai para o inferno. Preciso ter uma ligação com você. Sei como se sentia com Yakut usando seu sangue como um grilhão para você, e prometo que isso não é o que...

- Sim, Nikolai – ela disse, interrompendo-o com um movimento suave de seus dedos sobre sua boca. – Sim... Pode beber de mim.

A maldição dele como resposta foi um sinal de alívio.

- É para sempre - recordou firmemente. - Precisa entender isso. Se eu beber de você, não poderemos desfazer esse vínculo nunca mais.

- Entendo - ela disse sem vacilação. Aproximou-se e beijou-o, longa e profundamente. - Entendo que o vínculo é para sempre... E continuo dizendo que sim.

Niko gemeu. O fogo iluminou-lhe as veias. Suas presas se alongaram e seu pênis se elevou em atenção imediata, tudo nele ansioso por reclamar Renata como sua. Ele a beijou, o coração golpeando fortemente contra seu tórax forte quando ela passou a língua por seus lábios para brincar com as pontas afiadas de suas presas.

- Quero que você fique nua para isso - disse ele, incapaz de conter o tom autoritário que se mostrava em sua voz. Ele era parte humano, mas havia outra parte dele – uma parte mais selvagem e muito, muito mais sexy – que era menos paciente do que gostaria.

Niko olhou com olhos flamejantes de âmbar como Renata o obedecia rapidamente, despojando-se de sua roupa e estendendo-se sobre o chão de grama do refúgio, suas coxas deixando-se entreabrir para ele sem um pingo de inibição.

- Ah! Sim... - Niko grunhiu. - Assim é muito melhor.

Ele estava completamente tomado pela necessidade de tê-la. Arrancando sua própria roupa e deixando-a de lado, subiu sobre os quadris dela e a montou. Empurrou o membro duro como uma rocha enquanto ela o acariciava, torturando-o. E ele manteve o olhar nela enquanto levava seu pulso até a boca e mordia a própria carne.

- Deixe-me provar de você de novo – ela disse, subindo até encontrar a veia enquanto ele levava as perfurações até sua boca. Gotas carmesim salpicaram até cair sobre os seios dela, tão vívidas contra sua cremosa pele. Ela gemeu, fechando os olhos enquanto sugava-o, saboreando-o.

Niko a olhava beber, observando seu corpo começar a retorcer-se pela excitação. Com sua mão livre, ele a acariciou, incapaz de resistir a passar seus dedos pelo sangue que havia derramado sobre ela. A visão de seu sangue marcando a pele dela era tão erótica como nada tinha sido antes. Seu toque atrevido foi mais abaixo, à fenda aberta que estava tão preparada para ele. As coxas dela apertaram-lhe o pulso, sustentando-o contra si enquanto o primeiro orgasmo disparou através do corpo dela.

Niko grunhiu de pura adoração masculina enquanto alimentava sua fêmea e a sentia clamar por ele. Ele a deixou beber durante vários minutos até seu corpo arder de novo sob ele.

Ele também estava ardendo.

Suavemente, tirou o pulso de sua boca e fechou as perfurações com uma lambida. Renata ainda estava arqueando e retorcendo-se, ainda gemendo por ele, enquanto ele se ajeitava sobre ela e a penetrava, as unhas dela marcando seus ombros largos em uma dor deliciosa.

Nikolai fez amor tão devagar quanto pôde – tão devagar quanto a febre de seu corpo permitia. Ela gozou de novo, retorcendo-se e extraindo dele uma furiosa liberação. Mas isso praticamente não diminuiu as investidas. Ele ainda estava duro dentro dela, ainda faminto por aquela mulher... sua mulher.

Com a mão tremendo, Nikolai acariciou os pontos escuros já fechados de um lado da bela garganta de Renata.

- Tem certeza? - perguntou, sua voz apenas reconhecível para ele mesmo, estava tão seco e desesperado. – Renata... Quero que você tenha certeza.

- Sim - ela arqueou o corpo, confirmando com um empurrão, seu constante olhar suplicante. - Sim.

Com um grunhido selvagem enroscando-se em sua garganta, Nikolai expôs as presas e desceu sobre ela.

O doce sabor do sangue de Renata surgiu em sua boca caindo como um pontapé no estômago. Ah! Agora sabia. Quantas vezes havia especulado com os outros guerreiros a respeito de estar emparelhado e encontrar uma fêmea que os impressionaria? Facilmente centenas de vezes. Milhares, talvez.

Que ingênuo ele tinha sido.

Agora ele sabia. Renata o tinha, mesmo antes de ele a morder. Ele estava de joelhos diante daquela mulher, e ficaria ali com prazer pelo resto de sua vida.

Niko bebeu mais, afogando-se no prazer do vínculo que havia criado através da união de sangue e do ritmo exagerado de seus corpos nus, unidos. Seus dentes ainda estavam cravados na pele dela enquanto ele tomava o último gole e gozava de novo, dessa vez mais forte, uma descarga assombrosa que o golpeou como um trem descarrilhado. Agarrou-se nela, estremecendo com intensa satisfação. Embora pudesse beber de sua veia durante toda a noite, Nikolai se obrigou a se afastar, selando as feridas com uma tenra lambida de sua língua.

Ele ficou observando-a, seu olhar iluminando a pele dela.

- Eu te amo – ofegou, necessitando que ela o escutasse e que acreditasse nisso. Queria que ela se lembrasse disso depois dessa noite, depois que conseguissem localizar Fabien no norte e que ele lhe explicasse por que havia precisado mentir. Beijou seu queixo, sua bochecha, sua testa. – Amo você, Renata.

Ela sorriu sonolenta.

- Mmmm... Eu realmente gosto de como isso soa.

- Então terei que assegurar que ouça muitas e muitas vezes.

- Certo - murmurou ela, seus dedos brincando com os cabelos dele, empapados de suor sobre a nuca. - Foi incrível, a propósito. Sempre vai ser bom assim?

Ele gemeu.

- Tenho a sensação de que pode melhorar.

Ela riu, e a vibração fez despertar de novo seu sexo.

- Se continuar assim, terei que voltar e tomar outra ducha.

Ele fez um movimento sexy e poderoso com sua pélvis, encaminhando sua ereção mais profundamente.

- Ah, posso continuar. Não se preocupe, isso nunca vai ser um problema quando você estiver por perto.

- Melhor tomar cuidado, ou posso obrigá-lo a isso.

Niko riu apesar de seu pesado humor.

- Coração, pode me obrigar a tudo que quiser.

Ele a beijou novamente. E grunhiu de prazer quando ela envolveu as pernas ao redor dele e o fez girar de costas para começar uma lenta e nova cavalgada.


Capítulo 27

Houve uma época para Andreas Reichen, há quase 300 anos, quando a morte caía sobre ele como um dilúvio. Um tempo quando uma desatinada onda brutal de massacre tinha visitado seu pacífico domínio.

Naquele tempo, no verão úmido de 1809, uma manada de vampiros Renegados tinha forçado sua entrada nesse mesmo Refúgio, violando e matando vários de seus familiares. O ataque tinha sido ao acaso, a mansão e seus residentes apenas tiveram o azar de estar no caminho de um grupo de Renegados viciados em sangue. Tinham forçado sua entrada além das portas desprotegidas e janelas, alimentando-se e matando muitos inocentes... E, apesar de tudo, houve sobreviventes. Os Renegados tinham espalhado horror e passado como a peste que eram, mas finalmente foram caçados e destruídos por um membro da Ordem que tinha vindo ajudar Reichen.

A matança fora insuportável, mas não tinha sido completa.

O que Reichen enfrentou em sua volta para casa naquela noite tinha sido um ataque calculado. Não uma entrada pela força bruta, mas por meio da traição. Um inimigo bem-vindo como um amigo. E o massacre ocorrido - provavelmente nas primeiras horas da manhã, justo antes da saída do sol - tinha sido uma aniquilação total.

Ninguém tinha se salvado.

Nem sequer a alma mais jovem na residência.

Com um terrível silêncio que impregnava o ar como uma enfermidade, Reichen caminhou através do sangue e da destruição como um dos mortos. Seus passos seguiram a pista de manchas pegajosas escarlates no mármore do vestíbulo e da sala, além de seu jovem sobrinho, que estava tão contente ao convidar Reichen para padrinho de seu filho recém-nascido. O novo pai ruivo estendido na porta tinha sido o primeiro a morrer, Reichen adivinhou, incapaz de olhar o rosto sem vida que olhava sem ver a escada cheia de balas que conduzia aos dormitórios dos Refúgios nos andares superiores.

Mais morte esperava no corredor fora da biblioteca, onde outros machos tinham sido cortados ao meio. Ainda mais vidas extintas perto da escada da adega, um dos primos de Reichen e sua Companheira de Raça, ambos mortos enquanto tentavam escapar dos disparos.

Não viu o corpo da criança até que quase tropeçou nele - um menino vampiro de cabelo revolto que evidentemente tinha tentado se esconder em uma das estantes da sala de jantar. Os assassinos o haviam tirado de lá e o matado como a um cão.

- Jesus Cristo – Reichen, sufocado, caiu de joelhos e levou a mão branda do menino a sua boca para afogar o grito gutural. - Pelo amor de Deus... Por quê? Por que eles e não eu?!

- Ele disse que você saberia por quê.

Reichen fechou os olhos diante do som rígido da voz de Helene. Ela falava muito devagar, as sílabas muito planas... carente de matizes.

Sem coração.

Ele não precisava se virar para saber que seus olhos estariam estranhamente mortos para ele agora. Mortos porque todo seu calor e toda a sua humanidade tinham sido recentemente retirados dela.

Já não era sua amante, nem sua amiga. Ela era uma Subordinada.

- Quem converteu você? - ele perguntou, deixando cair a mão do menino morto. A quem você pertence agora?

- Você deve saber, Andreas. Você me enviou a ele, afinal.

Filho da puta.

Reichen apertou a mandíbula quadrada e masculina, os molares quase quebrando pela pressão.

- Wilhelm Roth. Ele a enviou aqui para fazer isso. Ele a usou para me destruir.

O fato de Helene não dizer nenhuma palavra sequer apenas tornou a compreensão do golpe mais profunda. Tão dilacerador como seria olhar os olhos de sua ex-amante e ver que a mulher por quem se preocupava agora estava sem alma. Reichen tinha que ver por si mesmo.

Levantou-se e virou lentamente.

- Ah! Helene...

Sangue seco salpicado no rosto e na roupa dela - quase cada centímetro dela coberto de sangue de seus mais queridos amigos e familiares. Ela devia estar ali no centro de todo o massacre, uma insensível testemunha não afetada por tudo isso.

Ela não disse nada quando o olhou fixamente, com a cabeça inclinada um pouco para o lado. Seus olhos, uma vez brilhantes e ardilosos, agora estavam vazios e frios. Abaixo, ao seu lado, ela sustentava uma grande faca de cozinha na mão. A folha larga brilhava à luz do abajur de cristal da sala de jantar.

- Sinto muito - ele murmurou, seu coração retorcido. - Eu não sabia... quando enviou o e-mail e me deixou a mensagem com o nome de Roth, tentei avisá-la. Tentei alcançá-la, mas...

Ele deixou que as palavras se desvanecessem, sabendo que as explicações não importavam. Não mais. Não agora.

- Helene, só sei que sinto muito - engoliu a bílis que subiu no fundo de sua garganta. - Só sei que eu realmente me importava com você. Eu a amav...

Com um grito estridente, Helene se lançou sobre ele.

Reichen sentiu o fio da navalha cortando seu peito e braço, fazendo um profundo corte. Ignorando a dor, ignorando a inalação repentina do aroma de seu próprio sangue, ele agarrou o braço da escrava de Roth e o torceu. Ela gritou, opondo-se e lutando enquanto ele puxava seu braço esquerdo para baixo e bloqueava ambos os membros ajustados aos lados de seu corpo. Ela amaldiçoou e gritou, chamando-o com nomes vis, cuspindo de fúria.

- Shhh - Reichen sussurrou ao lado de seu ouvido. – Agora, cale-se, Helene.

Como um animal selvagem, Helene continuou se retorcendo e gritando para que ele a soltasse.

Não, corrigiu-se. Não, Helene. Aquela já não era a mulher que ele conhecera. Helene estava morta para ele no momento em que trouxe o esquadrão da morte de Wilhelm Roth para dentro daquele Refúgio. Na verdade, por muitas razões, ela nunca foi sua. Que Deus tivesse piedade dela, ela não merecia esse fim. Nenhum dos caídos ali merecia tal horror.

- Tudo está bem agora - ele murmurou, a mão direita acariciando as bochechas manchadas de sangue dela. - Está tudo bem agora, querida.

Um grito saiu disparado de sua garganta enquanto ela puxava bruscamente o rosto para fora de seu alcance.

- Maldito! Deixe-me ir!

- Sim - ele disse tirando-lhe a faca. - Terminou agora. Vou deixá-la ir.

Com a dor estrangulando-o, Reichen girou a faca em torno de seus dedos e levou a ponta ao seu peito.

- Me perdoe, Helene...

Sustentando-a apertada contra ele, afundou a lâmina profundamente no peito dela. Ela não fez nenhum som enquanto morria, apenas deixou escapar um suspiro longo e lento enquanto desinflava em seus braços e desabava ali, frouxa como uma boneca de pano. Tão brandamente quanto pôde, Reichen deitou seu corpo no chão. A faca caiu de sua mão ao lado dela, revestida com o carmesim brilhante dos sangues deles mesclados.

Reichen lançou um longo e incorruptível olhar para os restos do que tinha sido seu lar. Agora que tudo tinha terminado, queria memorizar cada mancha de sangue, cada vida que se interrompeu por causa de sua falta de atenção. Seu engano. Ele precisava recordar, porque em pouco tempo nada daquilo existiria.

Não podia permitir que nada daquilo permanecesse, não daquela forma. Tampouco ia deixar que as mortes não fossem vingadas.

Reichen deu meia volta e se afastou da matança. Suas botas ecoaram no chão de madeira da sala, seus passos eram o único som na horripilante tumba maciça. No momento em que chegou ao jardim em frente à propriedade, seu peito não estava mais apertado, mas frio.

Tão frio como uma pedra. Tão frio como a vingança que tinha a intenção de visitar Wilhelm Roth e todos os associados a ele.

Reichen se deteve brevemente na grama iluminada pela lua. Ele se virou para a mansão e, por um momento, simplesmente a viu em sua perfeita e estranha quietude. Então sussurrou uma oração, palavras antigas que se sentiam oxidadas em sua língua pela falta de uso.

Não é que a oração lhe fizesse algum bem agora. Estava abandonado, agora mais do que nunca. Realmente sozinho.

Reichen baixou sua cabeça até o peito, invocando seu terrível talento. Encheu-se em seu interior, um calor que rapidamente se intensificou, formando um fundido e revolto círculo em suas vísceras.

Ele deixou-o crescer. Deixou-o girar e ganhar força até que seu interior se sentiu abrasado por sua fúria.

E ainda o conteve.

Manteve-o em seu interior até que a bola de fogo golpeou contra sua caixa toráxica, fumaça e cinza flutuando até queimar o fundo de sua garganta. Até que a bola de fogo o consumiu, iluminando todo seu corpo com um resplendor muito quente. Cambaleou sobre seus calcanhares, lutando para manter o corpo até que soubesse que desataria a total destruição instantânea.

Enfim, com um rugido cheio de dor, Reichen soltou o poder de dentro dele.

Um disparo de calor saiu de seu corpo, derramando e girando enquanto avançava para frente, uma esfera de pura energia explosiva. Como um míssil lançado em um alvo por um laser, o círculo disparou dentro da porta aberta da mansão Refúgio. Um segundo depois, detonou, uma impressionante beleza infernal.

Reichen foi golpeado de volta com o estalo sônico da explosão.

Deitou-se na grama, observando com satisfação desinteressada como as chamas, as faíscas e a fumaça devoravam até mesmo os menores pedaços do que tinha sido sua vida.


Capítulo 28

- Estamos carregados e preparados para partir, Renata. Precisa de mais tempo antes de sairmos?

De pé no caminho de cascalho diante da casa principal, Renata girou quando Nikolai se aproximou por trás.

- Não, não preciso de mais tempo aqui. Estou pronta para deixar este lugar para sempre.

Ele abraçou-a, envolvendo-a em sua força masculina.

- Acabo de falar com Gideon. Tegan, Rio e os outros estão fazendo bons progressos. Eles devem estar em nosso ponto de encontro em uma hora.

- Certo. Bom.

Renata se inclinou em seu abraço, feliz pelo calor de seu refúgio... e de seu amor. Nikolai a tinha mantido perto dele no refúgio de videira até que o sol se pôs, acalmando seus temores com seu corpo, afastando-a da feia realidade que originalmente os tinha unido - e do que poderia acontecer naquela noite, quando eles finalmente teriam a oportunidade de enfrentar Edgar Fabien.

A verdade era que ela estava preocupada com o que eles poderiam encontrar. Uma preocupação que lhe penetrava até os ossos e, embora Nikolai não houvesse dito nada que sugerisse que ele também tivesse dúvidas, ela poderia dizer que sua mente estava carregada de pensamentos que ele parecia estar decidido a esconder dela.

- Pode me dizer, você sabe - ela saiu dos braços dele e o encarou. – Se tiver um mau pressentimento a respeito desta noite... pode me dizer.

Algo cruzou a expressão de Niko, mas ele não disse nada, apenas sacudiu a cabeça e beijou a testa de Renata.

- Não sei o que podemos esperar em se tratando de Fabien. Mas posso dizer que, aconteça o que acontecer, estarei com você, certo? Vamos sair disso.

- E uma vez que tenhamos Fabien, vamos buscar Mira - ela completou, procurando os olhos dele. - Certo?

- Sim - ele disse, com seu indestrutível olhar que sustentou de forma estável. - Sim, eu prometi. Dei minha palavra a respeito disso. Não vou desapontá-la.

Ele a puxou para si uma vez mais, capturando-a em um afeto que o mostrava pouco disposto a deixá-la ir. Renata o sustentou também, escutando o forte e rítmico palpitar de seu coração em sua orelha... e perguntando-se por que seu próprio pulso parecia estar dando um sinal de alerta em suas veias, como uma sentença de morte.

Em uma remota fazenda abandonada de cem hectares, algumas horas ao norte de Montreal, o bosque da noite estremeceu com o gemido de um motor de combustão interna e o excesso de velocidade de um barco que passava através do lago praticamente desabitado. A terra e o lago, bem como o transporte proporcionado a Dragos para chegar àquele lugar, pertenciam a Edgar Fabien.

Embora Fabien tivesse sido uma recente decepção, Dragos supôs que o líder do Refúgio merecesse algum crédito por aquela reunião importante. Enquanto o resto dos assistentes chegou durante a noite anterior de automóvel, naquela noite um barco rápido tinha sido enviado para levar Dragos depois que um hidroavião o havia trazido da cidade por outro caminho interno de água também na propriedade de Fabien. Depois do revés sofrido poucas semanas atrás, durante a reunião de Dragos com a Ordem, Fabien tinha ficado muito mais cauteloso sobre como viajava ao ar livre, entre outras coisas. Ele tinha chegado muito longe para correr riscos. Tinha arriscado muito para perder tudo por um descuido ou por incompetência de outros.

Lançou um olhar depreciativo para o outro passageiro sentado no bote com ele. O rosto do Caçador permanecia impassível no resplendor leitoso da lua sobre suas cabeças, seu enorme corpo perfeitamente imóvel mesmo quando o condutor girou o leme e o bico da proa do barco conectou-se diretamente com a água para desviar-se em direção ao cais solitário que se encontrava mais adiante.

O caçador provavelmente sabia que se dirigia para a própria morte. Tinha fracassado em sua missão de matar o Primeira Geração em Montreal, o que pedia um incrível castigo. Dariam um jeito nele naquela noite, e se Dragos pudesse usar este castigo como uma demonstração adicional de seu poder diante dos tenentes que estavam reunidos para dar as boas-vindas agora, melhor.

O motor do barco mudou para uma marcha inferior quando chegaram ao cais não iluminado e modesto onde Edgar Fabien esperava para saudá-lo. Os vapores do gás formaram redemoinhos fora da água, asquerosamente doces. A reverência profunda de Fabien e as boas-vindas aduladoras tinham um efeito similar.

- Meu senhor, é a honra de toda uma vida dar boas-vindas aos meus domínios.

- De fato - Dragos arrastou as palavras enquanto dava um passo fora do barco sobre as tábuas de madeira escura do cais. Ele fez um gesto para que o Caçador o seguisse, e não perdeu a reação de Fabien quando divisou o tamanho e a imensidão do Primeira Geração que prestava serviços à ordem de Dragos. – Todos estão reunidos lá dentro?

- Sim, senhor. - Fabien saiu de sua reverência e se precipitou a caminhar ao lado de Dragos. - Tenho boas notícias. O guerreiro que escapou da contenção foi eliminado. Tanto ele quanto a mulher que o ajudou. Um de meus ajudantes agarrou a dupla, e ontem à noite enviei uma equipe com meus melhores agentes para se livrar do problema.

- Tem certeza de que o guerreiro está morto?

O sorriso de suficiência de Fabien ressoou.

- Aposto minha própria vida nisso. Enviei profissionais capacitados para a tarefa. Confio na habilidade deles de forma implícita.

Dragos grunhiu, sem deixar-se impressionar.

- Que grande comodidade deve ter esse tipo de confiança em seus servos.

A confiança de Fabien vacilou com a espetada e ele limpou a garganta com estupidez.

- Meu senhor... em outro momento, se quiser.

Dragos dispensou o Caçador de sua presença com um gesto cortante.

- Aproxime-se da casa e me espere. Não fale com ninguém.

Quando o assassino Primeira Geração caminhou a passos longos para a frente, Dragos fez uma pausa para lançar um olhar impaciente para Fabien.

- Meu senhor, eu esperava, quer dizer, pensei que um presente pudesse cair bem - gaguejou ele. - Para celebrar esse importante evento.

- Um presente? - antes que pudesse perguntar a Fabien o que pensava que Dragos poderia necessitar dele, Fabien estalou os dedos e um agente de execução surgiu das sombras das árvores circundantes, empurrando uma menina diante dele. A menina parecia perdida na escuridão, seus cabelos loiros brilhando como cabelos de milho, seu pequeno rosto perdido debaixo dele.

- Que é isso?

- Uma jovem Companheira de Raça, meu Senhor. Meu presente para o senhor.

Dragos contemplou a menina desamparada, impressionado. As Companheiras de Raça eram um acontecimento bastante raro entre as populações humanas, isso era certo, mas ele preferia as férteis, em idade de procriar. Essa garota não estaria pronta por vários anos, o que sem dúvida mostrava que Fabien tinha algo mais a respeito dela.

- Pode ficar com ela - disse Dragos, retomando o percurso rumo à reunião. – Faça com que seu homem conduza o barco de volta. Chamarei pelo rádio quando necessitar.

- Vá - Fabien ordenou em resposta, então voltou novamente ao lado de Dragos, tão ansioso como um cão mendigando pelas sobras. - Meu senhor, sobre a menina... na verdade, o senhor deve ver por si. Ela é dotada de um talento extraordinário que estou seguro de que o senhor saberá apreciar. Ela é um oráculo, meu senhor. Fui testemunha disso.

Contra sua vontade, a curiosidade prendeu sua atenção. Seus passos desaceleraram, e então deteve-se.

- Traga-a.

Quando ele girou ao redor, o sorriso impaciente de Fabien ficou ainda mais amplo.

- Sim, senhor.

A menina foi conduzida a ele uma vez mais, resistindo em seus passos, seus obstinados calcanhares cravando-se nas velhas agulhas de pinheiro e na areia que enchiam o pequeno cais. Ela tentou lutar contra o guarda vampiro que a segurava, mas era um esforço inútil. Ele simplesmente a empurrou para frente até que ela ficou de pé diretamente na frente de Dragos. Ela manteve seu queixo para baixo, com o olhar posto no chão.

- Levante a cabeça - Fabien ordenou, mal esperando que obedecesse, antes de pegar sua cabeça com ambas as mãos e a obrigar a olhar para cima. - Agora, abra os olhos. Vamos!

Dragos não sabia muito bem o que esperar. Ele não estava absolutamente preparado para a palidez surpreendente de seu olhar. A íris da menina era tão clara como espelhos de cristal e tão impecável que imediatamente o fascinaram e hipnotizaram. Estava vagamente consciente da emoção de Fabien, mas toda a sua atenção estava presa na menina e no incrível brilho tênue de seus olhos.

E então ele viu... um movimento brilhante na meditação pacífica. Viu uma forma movendo-se através das espessas sombras - um corpo que acreditou reconhecer como o seu próprio. A imagem ficava mais clara quanto mais olhava fixamente, absorto e impaciente por ver mais do presente que Fabien havia descrito.

Era ele.

Era seu refúgio também. Mesmo envoltas na névoa escura, as imagens que se mostravam eram intimamente familiares. Viu o laboratório subterrâneo, as celas de contenção... a jaula de luz ultravioleta que continha sua maior arma na guerra que estava preparando durante todos aqueles séculos. Tudo estava ali, revelando-se para ele através dos olhos daquela pequena Companheira de Raça.

Mas, então, um momento de alarme surpreendente.

Seu laboratório antigo, tão rigidamente assegurado e ordenado, estava em ruínas. As celas de contenção tinham sido deixadas abertas. E a jaula de luz ultravioleta... estava vazia.

- Impossível - murmurou ele, golpeado por um temor sombrio, furioso.

Ele piscou com força, várias vezes, querendo limpar a visão de sua cabeça. Quando abriu os olhos outra vez, viu algo novo nos olhos malditos da menina... algo ainda mais incompreensível.

Viu-se implorando por sua vida. Chorando, abatido. Patético. Derrotado.

- Isso é algum tipo de brincadeira de mau gosto? - a voz dele tremia tanto com a raiva como com outra coisa muito fraca para admitir. Desviou o olhar da garota e o fixou em Fabien.

- Que diabos isso significa?

- Seu futuro, senhor – o rosto de Fabien ficou completamente pálido. A boca se moveu durante um momento sem expressar som algum, então, finalmente balbuciou. - A menina... o senhor viu, ela é um oráculo. Ela me mostrou em pé aqui, nesta grande reunião, apresentando uma visão de seu futuro que o agradava enormemente. Quando vi isso, soube que tinha de guardá-la, meu senhor. Tinha de oferecê-la ao senhor, não importava o custo.

O sangue de Dragos era como lava ardendo em suas veias. Ele deveria matar esse idiota ali mesmo, só por aquele insulto.

- É óbvio que você interpretou mal o que viu.

- Não! - Fabien exclamou, agarrando a menina e girando ao redor dela. Deu a ela uma sacudida forte. – Mostre-me outra vez! Mostre que não me enganei, maldita!

Dragos observou tão imóvel como uma pedra, enquanto Fabien olhava atentamente seus olhos. O grito horrorizado do líder do Refúgio disse tudo o que ele tinha que saber. Ele cambaleou para trás, tão branco quanto uma folha de papel. Golpeado como se tivesse testemunhado sua própria morte.

- Não entendo - murmurou Fabien. - Tudo mudou. O senhor tem de acreditar, Mestre! Não sei como ela mudou a visão, mas a pequena bruxa está mentindo agora. Ela tem que estar mentindo!

-Tire-a de minha frente - Dragos grunhiu ao guarda da Agência de Execução que a sustentava. – Vou levá-la comigo quando for, mas até então, não quero ver nem um fio de cabelo dela.

O guarda assentiu com a cabeça e afastou a menina, praticamente arrastando-a até a casa.

- Senhor, eu lhe rogo - suplicou Fabien. – Perdoe-me por este... lamentável engano.

- Cuidarei de você mais tarde - disse Dragos, sem se preocupar em esconder a ameaça reflexiva no fundo de cada uma de suas palavras.

Retomou a marcha para a reunião, mais decidido do que nunca a fazer todos compreenderem de uma vez por todas sua autoridade e seu poder incomparáveis.


Capítulo 29

Estava completamente escuro quando Niko e Renata, após seguirem as coordenadas enviadas por Gideon, chegaram ao local onde ficava a propriedade de Edgar Fabien, ao norte. O líder do Refúgio evidentemente possuía um pedaço considerável de terra suficientemente longe de Montreal para que a zona ao redor permanecesse inexplorada: acre após acre de enormes coníferas e sempre-vivas, nenhuma alma sequer à vista, a não ser um ou outro veado ou alce americano que saía em disparada ao primeiro aroma de vampiro arrastando-se naquele santuário natural.

Nikolai tinha feito sozinho o reconhecimento da área nos últimos minutos. Uma casa de dois andares feita de troncos e pedra estava enfiada em um canto do bosque. Um estreito caminho sem pavimentação e apenas largo o suficiente para um veículo cortava as árvores na parte da frente da casa. Niko contornou essa vida escondido pela vegetação e viu dois Agentes da Lei vestidos com roupas da SWAT, postados no meio do caminho, e os três grandes Humvees estacionados em fila única bem diante da porta principal da casa. Três outros guardas vampiros com rifles M16 cobriam a entrada. Leste e oeste estavam também sob vigilância com um sentinela armado.

Embora não imaginasse que eles tivessem deixado a parte traseira da propriedade vulnerável, Niko se moveu ao redor daquele caminho para ter uma ideia da extensão do terreno. Ouviu o suave som de água mesmo antes de ver o tranquilo lago e o cais vazio na borda, a cerca de trezentos metros atrás da casa. Lá, outra dupla de Agentes permanecia de guarda.

Maldição.

Entrar no lugar para pegar Fabien não seria fácil. A menos que ele e a Ordem atacassem por cima, se quisessem tirar o sócio de Dragos dali teriam de passar por alguns guardas da Agência no processo, sem considerar o grupo desconhecido de vampiros da Raça que tinha acompanhado o líder do Refúgio de Montreal até ali na noite passada. Capturar Fabien naquela noite sem muitas baixas civis beirava o impossível, principalmente quando o resgate de Mira era acrescentado à equação. Portanto, o reconhecimento feito por Niko dava conta de que a coisa seria feia. Muito feia.

E havia ainda a situação com Renata.

Uma das coisas mais difíceis que Nikolai já fizera fora passar o dia inteiro com ela, sabendo que a tinha enganado. Ele queria dizer-lhe, depois que fizeram amor, depois que ela o honrou com o presente de seu sangue e com o vínculo completo que agora os unia eternamente. Quis dizer-lhe uma dúzia de vezes, em uma dúzia de momentos diferentes, mas, egoísta, mantivera a verdade oculta para a própria proteção dela. Ele ainda mantinha a esperança de que ela compreendesse sua cautela - que ela poderia inclusive ficar agradecida que ele a tivesse feito esperar para saber a localização de Mira até que ele e os outros guerreiros da Ordem tivessem uma oportunidade sólida de criar uma estratégia de resgate.

Sim, o macho da Raça seguia se dizendo essas coisas porque não queria sequer considerar outras alternativas.

Afastando o arrependimento que perseguia seus passos e o medo que seguia arrastando-se por trás de seu pescoço, Nikolai se moveu para uma melhor posição de acesso aos bosques. Olhou através dos ramos de pinheiro e observou vários dos ocupantes da casa enquanto eles passavam por uma janela no andar térreo. Fez uma rápida contagem dos vampiros da Raça encapuzados enquanto eles andavam a passos largos e em grupo para outra sala. Cinco, seis, sete... e então outro, este sem o capuz negro cobrindo-lhe o rosto.

Ah! Jesus Cristo!

Nikolai o conhecia. Ele tinha visto o filho da mãe de perto e pessoalmente apenas algumas semanas antes, quando uma missão da Ordem tinha-lhe enviado a um encontro com um dos oficiais do mais alto escalão na Agência da Lei. Naquele momento, o homem usava um pseudônimo - um dos dois nomes falsos que a Ordem tinha descoberto não fazia muito tempo. Agora eles conheciam o bastardo por seu verdadeiro nome, o nome que o Primeira Geração traidor que fora seu pai carregava antes também.

Dragos.

Maldição.

Durante semanas a Ordem havia investigado exaustivamente à procura de Dragos, tudo sem êxito. Agora, ele estava ali, na frente deles, como um peixe em um barril. O bastardo estava ali. E, maldito seja, ele ia cair - naquela noite.

Niko recuou para a mata cerrada, então arrastou o traseiro na direção sul, onde tinha deixado Renata no SUV da Agência que roubaram. Mal podia esperar para ligar para Tegan e Rio e lhes dar essas boas notícias.

A confusão e a angústia de Edgar Fabien por causa do fracasso de seu presente para Dragos assombrava-o como um fantasma enquanto ele e os outros seguiam o recém-chegado líder à sala de conferências no abrigo ao norte. Ele sabia que era perigoso, geralmente mortal, desagradar Dragos, algo que tinha evitado muito bem até agora. Mas ele também sabia – assim como o resto dos vampiros da Raça reunidos ali para aquele encontro – que Dragos os tinha juntado por um objetivo específico. Aquela seria uma noite histórica. Eles seriam recompensados, Dragos prometera, pelos anos de parceria oculta e lealdade a um objetivo comum.

Depois de tanto tempo e esforço adulando Dragos durante as últimas décadas, Fabien só rezava que não tivesse jogado tudo fora naquele instante infeliz perto do cais.

- Sentem-se - Dragos ordenou, tomando seu lugar na frente da sala de reuniões. Assistiu enquanto Fabien e os outros seis, todos ocultos atrás de seus capuzes negros, ocupavam as cadeiras reunidas ao redor do bloco de granito polido que servia como mesa de conferências. - Nós nos reunimos aqui nesta sala porque compartilhamos um interesse comum: o atual e o futuro estado de nossa Raça.

Fabien assentiu sob seu capuz, assim como o fizeram os outros ao redor da mesa.

- Compartilhamos um ressentimento comum pela corrupção de nossas descendências pela mancha de humanidade e pela maneira ambiciosa com a qual os que estão no poder dentro da Raça escolheram nos governar com respeito à inferioridade humana. Desde que as primeiras sementes da Raça foram semeadas neste planeta, os vampiros degeneraram-se em uma vergonha grande e triste. A cada nova geração nascida, nossa descendência cresce mais e mais mesclada com a humanidade. Nossos líderes preferem que nos ocultemos dos Homo sapiens, todos com medo de serem descobertos, e mascaram essa covardia com leis e políticas supostamente feitas para proteger o segredo de nossa existência. Ficamos debilitados pelo medo e pelo segredo. Já é hora de isso mudar e precisamos de um novo e poderoso líder.

Agora os assentimentos chegaram mais vigorosos, os acordos murmurados mais fervorosamente.

Dragos começou a dar passos sem pressa na frente da sala, suas mãos juntas e frouxas atrás das costas.

- Nem todos partilham de nosso desejo de reverter radicalmente as falhas passadas e restaurar a Raça a uma posição de poder. Nem todos veem o futuro que nós vemos. Alguns diriam que o preço é muito alto, que os riscos são muito grandes. Mil desculpas para explicar por que a Raça deveria manter seu status quo e não dar os passos firmes requeridos para aproveitar o futuro a que temos direito.

- Ouça, ouça - Fabien interferiu, ansioso por aquele futuro que o lambia como uma chama.

- Estou encantado com o fato de que todos vocês nesta sala entendam que passos firmes devem ser tomados - disse Dragos. - Cada um de vocês, individualmente, tem tido um papel no avanço de nossa visão ao seguinte nível. E vocês o fizeram sem questionar, sem conhecer uns aos outros... até agora. Nosso próprio momento de segredo terminou. Por favor - disse ele -, tirem seus capuzes e nos deixem começar a mais nova fase de nossa aliança.

Fabien estendeu a mão para o pano negro que lhe cobria a cabeça, a insegurança fazendo seus dedos duvidarem. Deteve-se até que alguns dos outros assistentes tiraram seus capuzes antes de encontrar coragem para tirar o seu.

Por um momento, nenhum dos vampiros da Raça disse uma palavra. Olhadas passaram ao redor da mesa, alguns presunçosos com reconhecimento de olhares conhecidos, outros cautelosos pelos estranhos que agora, com essa confissão de mal-intencionada traição, tinham se tornado seus mais profundos aliados. Fabien conhecia vários dos rostos que lhe devolveram o olhar - todos eles de Refúgios de alto escalão ou oficiais da Agência da Lei, alguns dos Estados Unidos e outros do exterior.

- Somos um conselho de oito - anunciou Dragos. - Como os Antigos que chegaram aqui há tanto tempo. Somos, todos nós, a segunda geração de filhos desses poderosos extraterrestres. Logo, uma vez que o último vampiro Primeira Geração for eliminado, estaremos entre os mais velhos e mais poderosos de nossa Raça. Cada um de vocês ajudou nesse esforço, seja oferecendo as localizações dos membros que restavam de nossa primeira geração, seja apoiando a causa oferecendo Companheiras de Raça para levar as sementes de nossa revolução.

- E quanto à Ordem? - perguntou um dos assistentes europeus, seu sotaque alemão afiado como uma lâmina de barbear. - Há dois guerreiros Primeira Geração com quem ainda temos de lutar.

- E o faremos - disse Dragos, sem problemas. – Vou planejar o ataque direto na Ordem muito em breve. Depois do recente golpe contra mim, será um prazer pessoal enterrar a operação da Ordem e ver os guerreiros e suas Companheiras encontrarem a morte.

Um diretor da Agência da Costa Oeste dos Estados Unidos inclinou-se para trás em sua cadeira e arqueou as sobrancelhas castanhas.

- Lucan e seus guerreiros já sobreviveram a outros ataques antes. A Ordem existe desde a Idade Média. Eles não cairão sem luta. Uma luta dura e sangrenta.

Dragos riu.

- Ah! E eles sangrarão. E se tudo sair como espero, vão pedir misericórdia e não receberão nenhuma. Não do poderoso exército que terei às minhas ordens.

- Quando começaremos a criar esse exército? - alguém no grupo perguntou.

O sorriso de Dragos se encheu de malícia.

- Começamos faz 50 anos. Na verdade, essa revolução começou há muito mais tempo do que isso. Muito mais.

Todos os olhos estavam cravados nele enquanto ia a passos largos até um laptop que Fabien tinha mandado deixar preparado na sala. Enquanto digitava algo, o grande monitor plano da sala de conferências se elevou do chão. Dragos digitou mais outras coisas e logo o monitor piscou, mostrando o que parecia ser um laboratório.

- Uma conexão por satélite com uma de minhas fortalezas - explicou, usando o touchpad para controlar remotamente a câmera. - É aqui onde estive juntando as peças do quebra-cabeças - a câmera vagou para um muro de cilindros criogênicos codificados, depois passou por um grupo de microscópios, computadores e tubos de DNA alinhados nas mesas. No meio de todo aquele equipamento, vários Subordinados cientistas vestidos com máscaras e jalecos brancos.

- Parece um laboratório de genética - disse o alemão.

- E é - respondeu Dragos.

- Que tipo de experimentos está fazendo?

- De todo tipo - Dragos voltou para o teclado e teclou outra sequência de comandos. A câmera do laboratório apagou e foi substituída por outra: essa era um ângulo panorâmico de um longo corredor com celas de prisão. Embora da posição da câmera fosse difícil distinguir algo além das mais rudimentares formas, era óbvio que as celas continham mulheres, algumas delas com crianças.

- Companheiras de Raça - tomou fôlego Fabien. - Deve haver vinte ou mais ali.

- Elas nem sempre sobrevivem aos testes, de modo que o número tende a variar - disse Dragos, em tom de conversa. - Mas tivemos nossos êxitos com o processo de reprodução. Essas mulheres e as que viveram antes delas estão dando a luz ao maior exército que este mundo jamais viu. Uma brigada de assassinos Primeira Geração que estarão sob minhas ordens.

Um silêncio tão grande como uma capa de inverno caiu sobre a reunião.

- Primeira Geração? - perguntou o diretor da Costa Oeste. - Isso não pode ser possível. Seria preciso um dos Antigos para produzir uma primeira geração de vampiros da Raça. Todos foram exterminados pela Ordem faz uns 700 anos. O próprio Lucan declarou Guerra a todos os Antigos e se certificou de que nenhum sobrevivesse.

- Certificou-se? - sorriu Dragos, mostrando as pontas de suas presas. - Acredito que... não.

Com uns poucos golpes mais de teclado, mostrou as imagens de outra câmera na conexão do satélite. Dessa vez, o foco se localizava em uma grande sala cheia de segurança, que tinha em seu centro uma cela cilíndrica construída com raios de luz. Os raios ultravioleta emitidos da jaula de barras verticais estavam piscando, inclusive na tela.

E dentro dessa jaula de raios ultravioleta havia uma criatura nua e sem cabelo que, de pé, mediria dois metros. Seu corpo nu era imenso, cada polegada coberta de dermoglifos. Ele elevou a vista enquanto as lentes da câmara zumbiam sobre ele de algum lugar da câmara. Pupilas e olhos âmbar, mas devoradas pelo fogo que ardia fora de suas órbitas, reduzido com letal consciência. A criatura saiu de sua posição de cócoras e se preparou para atacar, só para receber de novo o calor das barras ultravioleta que o deixavam prisioneiro. Abriu a boca e soltou um rugido furioso que não precisou ser ouvido para ser entendido.

- Meu Deus - mais de um dos assistentes ofegou.

Dragos lançou um olhar mortalmente sóbrio sobre o grupo.

- Admirem... nossa revolução.

O celular de Lex vibrou no centro do console do SUV. Renata o pegou e olhou a tela: Número desconhecido.

Inferno.

Ela não podia estar segura se a chamada era para Lex ou para Nikolai, já que o guerreiro da Raça estava usando o telefone para chamar e receber chamadas da Ordem. Ela não sabia há quanto tempo ele tinha saído para fazer o reconhecimento e estava a ponto de perder a cabeça esperando por ele. Ela precisava fazer algo. Ao menos, precisava sentir que estavam fazendo algum progresso para encontrar Mira logo...

O celular continuou vibrando em sua mão. Ela pressionou o botão de atender, mas não disse nada. Apenas deixou que a pessoa se revelasse primeiro.

- Olá? Niko? Você está aí, hermano? - a profunda voz denotava um acento espanhol, tão quente e suave como caramelo. - É Rio, cara...

- Ele não está aqui - disse Renata. - Estamos no lado norte da cidade, esperando que vocês cheguem. Nikolai saiu para fazer um reconhecimento da área. Não deve demorar muito.

- Bem - disse o guerreiro. - Já estamos quase chegando, demoraremos aproximadamente 45 minutos. Você deve ser Renata.

- Sim.

- Quero agradecê-la por você ter salvado o traseiro de nosso garoto aí. O que fez foi... bem, ele tem sorte de tê-la ao seu lado. Todos temos - ela podia ouvir a genuína preocupação e gratidão na voz do vampiro, e ficou demasiado curiosa por conhecer os outros guerreiros que Nikolai chamava de amigos. - Está tudo bem aí? Você está bem?

- Estou bem. Só ansiosa para que tudo isto acabe essa noite.

- Entendo - respondeu Rio. - Niko nos contou sobre a menina, Mira. Lamento pelo que você está passando, sabendo que um doente como Fabien está com ela. Sei que não deve ter sido fácil esperar o dia todo para se encontrar conosco.

- Não, não foi. Sinto-me tão inútil - confessou ela. - Odeio esse sentimento.

- Lamento tudo isso. Não vamos deixar que nada aconteça com ela esta noite quando entrarmos lá, Renata. Tenho certeza de que Nikolai explicou para você que pôr nossas mãos em Edgar Fabien é fundamental para a Ordem, mas vamos dar o nosso melhor para que a menina saia de toda esta situação bem.

Um súbito frio impregnou seu peito enquanto as palavras de Rio se afundavam em sua mente.

- O que disse?

- Que ela vai ficar bem.

- Não... isso de que você não deixarão que nada aconteça... lá dentro...

Do outro lado da linha, um longo silêncio.

- Ah! Cristo! Niko não lhe disse nada sobre o vídeo que temos do Refúgio de Fabien de ontem à noite?

O calafrio em Renata congelou, o gelo estendendo-se do peito aos seus membros.

- Um vídeo... de ontem à noite? - respondeu ela paralisada. - O que havia nele? Você viu Mira? Ah! Deus! Fabien fez algo? Diga-me!

- Madre de Dios - disse com uma larga exalação. - Se Niko não lhe disse isso... não tenho certeza de que devo lhe contar agora.

- Fale, maldição.

Ela ouviu um estrondo de conversa rápida ao fundo antes que Rio finalmente cedesse.

- A menina está com Fabien e com outros que ainda não identificamos. Pegamos a informação de uma câmera de segurança no Refúgio de Fabien. Eles partiram ontem à noite e nós os seguimos até a propriedade onde está agora.

- Ontem à noite - murmurou Renata. - Fabien está com Mira aqui... desde ontem à noite. E Nikolai? Vai me dizer que ele sabia? Quando ele ficou sabendo disso tudo? Quando?

- Tenho que pedir que aguente aí um momento mais - disse Rio. - Vai ficar tudo bem...

Renata sabia que o guerreiro ainda estava falando, ainda estava tentando acalmá-la, mas sua voz se apagou lentamente de sua consciência conforme uma profunda cólera e um profundo medo - uma dor tão desmedida que ela acreditava que poderia despedaçá-la – tomou conta de si. Ela desligou o telefone, cortando a chamada e deixando o aparelho cair no chão, aos seus pés.

Mira estava ali desde a noite passada, com Fabien. Todo este tempo. E Nikolai sabia.

Ele sabia, e escondeu isso dela. Ela poderia estar aqui há horas – nas horas de sol - fazendo algo, algo para salvar Mira. Em vez disso, Nikolai tinha ocultado deliberadamente a verdade e, como resultado, ela não tinha feito nada.

Não totalmente nada, ela admitiu, golpeada pela culpa por causa do prazer que tinha desfrutado com Niko enquanto Mira estava sozinha perto dali.

- Ah! Deus! - ela sussurrou, sentindo-se enjoada diante daquele pensamento.

Estava vagamente consciente dos passos aproximando-se do veículo, seus sentidos elevando-se antes que sua mente pudesse processar o som. O vínculo de sangue que agora compartilhava com Nikolai lhe disse que era ele antes que sua sombra aparecesse. Ele abriu a porta do carro esportivo e entrou.

- É Dragos - disse ele, procurando no console, no painel e no assento pelo celular. - Maldito seja, não posso acreditar nisso, mas era ele. Acabei de ver o filho da mãe dentro da casa com Fabien e com os outros. Dragos está aqui, ao nosso alcance. Onde diabos está aquele telefone?

Renata o olhou fixamente, vendo um estranho enquanto ele se inclinava para a frente e estendia a mão para apanhar o celular que estava aos pés dela, no chão do veículo. Ela mal ouvia o que estava dizendo. Mal se preocupava agora.

- Você mentiu para mim.

Ele se voltou para trás, com o telefone de Lex na mão. O rangido de adrenalina que tinha iluminado seus olhos se reduziu um pouco quando encontrou seu olhar.

- O quê?

- Eu confiei em você. Você me disse que eu podia confiar em você, que podia contar com você, e o fiz. Acreditei em você e você me traiu - ela tragou a saliva passando o terrível nó de sua garganta e forçando a si mesma a pronunciar as palavras. - Mira está aqui. Está aqui com Fabien desde ontem à noite. Você sabia disso... e não me disse nada.

Ele estava calado, mas sequer tentou negar o que ela dizia. Ele olhou o telefone em sua mão como se acabasse de se dar conta de como ela tinha descoberto.

- Eu podia estar aqui, Nikolai. Há horas, podia estar aqui, fazendo algo para tirar Mira das mãos desse monstro!

- Motivo pelo qual eu não lhe disse nada - disse amavelmente.

Ela sentia o coração quebrado.

- Você me traiu.

- Fiz isso para protegê-la. Porque te amo.

- Não - disse ela, agitando a cabeça para evitar ser feita de idiota de novo. - Não. Não diga isso. Como pode dizer isso quando usou todas essas palavras para me manter distraída, para me fazer acreditar que realmente se preocupava comigo enquanto você e seus amigos da Ordem faziam planos pelas minhas costas?

- Não foi assim. Nada do que aconteceu entre nós hoje... nada do que eu disse tem a ver com a Ordem. Hoje era você e eu... era sobre nós.

- Grande merda!

Ele estendeu a mão para ela e ela recuou, mantendo-se fora do alcance dele. Ela abriu a porta e saiu do carro, mas ele estava fora do veículo, a seu lado, bloqueando-a com o enorme corpo, tão rápido que ela sequer pôde dar um passo.

- Afaste-se de mim, Nikolai.

- Aonde você vai? - perguntou ele gentilmente.

- Não posso me sentar aqui por mais tempo e não fazer nada - ela deu um passo, mas ele continuava ali. A sutileza desapareceu rápido, substituída por uma firmeza que dizia que ele a manteria amarrada se fosse necessário.

- Não posso deixar que você faça isso, Renata.

- Essa não é uma escolha sua - ela respondeu, tremendo com medo e indignação. - Que droga, nunca foi uma escolha sua!

Ele grunhiu uma maldição e a agarrou.

Renata mal percebeu o que tinha feito até que ele ficou paralisado, segurando a cabeça entre suas mãos. Ele sibilou, seus olhos pulsando brilhos âmbar enquanto lhe dirigia um olhar horrorizado e furioso.

- Renata. Não faça isso.

Ela o atacou de novo, todo seu medo por Mira e sua dor por causa da traição verteram dela uma corrente castigadora de dor mental. Nikolai caiu de joelhos, rugindo e retorcendo-se pela dor que ela tinha desencadeado nele.

Renata se afastou do guerreiro, no bosque, antes que se permitisse ser dissuadida pelo arrependimento crescente dentro de si.


Capítulo 30

A casa estava sob forte armamento, guardada por todos os lados. Era impossível entrar sem ser notado por pelo menos um dos agentes de execução vestidos com roupas parecidas com as da equipe antiterrorista da SWAT. Todos eles ostentavam uma expressão do tipo “atire primeiro e pergunte depois”, desde a escura viseira do capacete preto e dos equipamentos de combate até os rifles automáticos pendurados no corpo.

Graças aos agentes que tinham invadido a casa de Jack na noite anterior, Renata e Nikolai tinham conseguido transporte, uniforme e armas. Ela não tinha a ilusão de que teria a sorte de chegar ao edifício, mas, à primeira vista, vestida como eles, os agentes de plantão podiam pensar que ela era um dos seus.

Ela colocou o capacete que tinha trazido consigo do SUV e fechou o visor colorido. Adotando a melhor postura de soldado que podia, saiu da mata e se aproximou do vampiro que guardava o lado oeste da casa.

O agente a viu imediatamente.

- Henri? Que porcaria você estava fazendo lá fora?

Renata deu de ombros, ergueu o braço bom em um gesto de “vá se ferrar”. Ela não correria o risco de falar com ele, arriscaria no máximo usar sua arma para tirar esse obstáculo do caminho. Mas se o derrubasse, teria toda a segurança em seu traseiro. Não, ela tinha de manter a calma e apenas seguir caminhando na direção dele com a esperança de que ele não abrisse fogo se suspeitasse de algo.

- Qual o problema com você, idiota?

Renata deu de ombros novamente. Chegando mais perto.

Seus dedos coçavam para fazê-lo voar - ele era um alvo fácil ali parado como um tronco, mas o mais leve cheiro de sangue derramado chamaria a atenção de todos os vampiros ao redor. Renata sabia que tinha de aproximar-se o suficiente para alcançá-lo com a mente. Sua única opção era atingi-lo com uma explosão rápida e sólida.

- Ingrato dos infernos. Henri, volte ao seu posto - disse o agente, grunhindo. Estendeu a mão para um pequeno dispositivo de comunicação em seu cinto. - Estou chamando Fabien para denunciá-lo. Se quiser irritá-lo, vá em frente, mas eu não quero fazer parte disso...

Usando todo seu poder, Renata lançou uma descarga selvagem de energia a partir de sua mente e a enviou ao vampiro diante de si. Suas palavras sufocaram com um grunhido e ele caiu como uma pedra. Ela manteve a descarga até que ele ficou em silêncio. Quando estava certa de que ele estava morto, inclinou-se e tirou-lhe a arma e o rádio.

Renata abriu a porta de entrada lateral e deu uma rápida olhada na área interna. Estava vazia. Ela deslizou para dentro, o coração martelando no peito, a respiração ofegante contra a viseira fechada do capacete.

Depois de toda a fúria que ela sentira por Nikolai não ter contado que Mira estava ali com Fabien, agora ela tinha gratidão para com a Ordem pela prova visual da localização da criança. Era tarde demais para saber como tinham ficado as coisas com Nikolai. Tarde demais para se preocupar se deveria ter esperado por ele e por seus companheiros de armas para apoiá-la. Parte dela sabia que tinha sido injusta, mas tinha ido muito longe para voltar.

Ela tomou uma decisão impulsiva e emocional baseada em sentimentos feridos. Foi uma decisão que poderia custar a amizade que tinha com Nikolai - talvez até mesmo seu amor -, mas mesmo já lamentando, aquilo não podia ser desfeito. Nikolai poderia nunca perdoá-la por colocar em risco sua missão e ela entenderia se ele não a perdoasse.

Agora, ela podia apenas rezar para que Mira não pagasse o preço daquilo tudo.

Niko despertou com o zumbido irritante de um celular ao lado de sua cabeça. Ele estava no chão ao lado do veículo. Não fazia ideia de quanto tempo estava ali. O celular vibrou novamente, mexendo na grama e nas folhas secas que se espalhavam pelo chão da floresta. Usou quase toda a sua força para mover a mão e pegar o maldito aparelho. Desajeitadamente, atendeu. Tentou dizer algo, mas apenas conseguiu soltar um grunhido seco.

- Alô - disse ele mais uma vez, forçando seus membros a se arrastarem e se apoiarem na roda dianteira do SUV.

- Niko? - a voz de Rio veio do outro lado do receptor, pesada com a preocupação. - Você parece uma porcaria, hermano. Fale comigo. O que está acontecendo?

- Renata - disse ele, segurando a cabeça nas mãos. – Está enlouquecida...

Rio amaldiçoou.

- Sim, deduzi isso. A culpa é minha, cara. Não sabia que ela não estava a par sobre a menina ter sido levada na noite passada.

- Ela sumiu - Niko disse. Notou que todos os seus sentidos começaram a voltar como se um interruptor em um gerador de energia fosse ligado dentro dele. - Ah! Caramba, Rio.... eu a enfureci e agora ela foi em busca de Mira por conta própria.

- Madre de Dios.

Na outra ponta da linha, Niko ouviu Rio dar a Tegan e aos outros um rápido esboço da situação.

- Isso não é o pior, cara - acrescentou Nikolai, ignorando a dor do tiro em sua cabeça enquanto se levantava do chão e dava uma corrida impressionante para a parte traseira do SUV. - A reunião de Fabien é maior do que pensávamos... Dragos está aqui também.

- Você tem certeza disso?

- Eu vi o desgraçado com meus próprios olhos. Ele está aqui. Nikolai foi pegar as armas automáticas na parte traseira tão rápido quanto seus braços lentos poderiam se mover. Ele cobriu o corpo com fuzis, enfiou uma pistola na parte traseira de seu uniforme roubado do Agente de Execução e outra em um coldre no tornozelo. - A casa está cercada por guardas, então quando vocês chegarem aqui, entrem a pé e se dividam.

- Niko, o que você está fazendo?

Ele não respondeu; sabia que seu velho amigo não gostaria da resposta. Em vez disso, carregava com munição tudo o que pudesse.

- Há dois homens no meio do estacionamento e três na frente. Retire-os primeiro e terão o caminho limpo.

- Nikolai - a voz de Rio era baixa, em forma de advertência. - Hermano, você não está pensando direito agora... não.

- Ela está lá dentro, Rio. Com Dragos, Fabien e sabe Deus quem mais... e ela está sozinha. Eu vou atrás dela.

Rio soltou uma palavra desagradável em espanhol.

- Fique atento. Estamos a dez minutos de distância e estamos acelerando, cara.

Niko fechou a parte de trás do SUV.

- Vou dar uma olhada no entorno.

- Caramba, Nikolai, se essa mulher quer se matar, isso não é problema seu. Nós vamos ajudá-la no que pudermos, mas...

- Ela é minha companheira, Rio - Nikolai soprou uma maldição. - Estamos ligados pelo sangue... e eu a amo. Eu a amo mais do que minha própria vida.

O suspiro do guerreiro soou pesado com compreensão e derrota.

- Suponho que não há necessidade de lhe dizer que você desafiará as ordens diretas de Lucan se for lá agora. Se Dragos está no lugar, isso torna as coisas ainda mais críticas e você sabe disso. Precisamos que você fique onde está e espere por ajuda.

- Não posso fazer isso - respondeu Nikolai.

Ele desligou o telefone e o atirou pela janela do motorista. Então, partiu para encontrar sua mulher.


Capítulo 31

Dragos se permitiu deleitar-se com o temor de seus subalternos quando eles observavam o Antigo preso na cela de raios ultravioleta sendo mostrada na tela. Do assombro de seus rostos – a absorta incredibilidade –, qualquer um pensaria que ele tinha conseguido capturar a luz em uma garrafa. Na verdade, o que tinha conseguido nas últimas décadas era algo ainda maior. Os sete machos da Raça que se reuniram com ele no quarto já o olhavam como um deus justamente por isso. Ele era o arquiteto de uma revolução que iria virar o planeta inteiro de cabeça para baixo. Naquela noite, eles testemunhariam a história e o começo de um futuro que ele tinha projetado pessoalmente.

- Como isso é possível? - alguém murmurou. - Se realmente é um dos Antigos que foi pai de nossa Raça, como sobreviveu à guerra com a Ordem?

Dragos sorriu enquanto andava mais perto da tela.

- Meu pai era um membro original da Ordem... mas foi, em primeiro lugar, o filho dessa criatura. Durante o banho de sangue perpetrado pela Ordem, quando Lucan declarou guerra aos Antigos, meu pai e seu pai alienígena fizeram um pacto. Em troca do poder compartilhado no futuro, meu pai iria escondê-lo até a histeria passar. Infelizmente, depois de fazer sua promessa, meu pai não sobreviveu à guerra. Mas o Antigo sim, como podem ver.

- Então, pretende cumprir o acordo de seu pai com essa... coisa? - Fabien perguntou, sua expressão como a de um cãozinho que acabara de perder o osso para um lobo selvagem.

- O Antigo está totalmente sob meu controle. Ele é uma ferramenta que utilizo quando e como for melhor para mim e para nossa causa.

- Como assim? - perguntou outro homem do grupo.

- Permitam-me dar-lhes uma demonstração.

Dragos caminhou até a porta da sala de conferências. Estalou os dedos para o Caçador que esperava lá fora, então, virou de volta para seus associados conforme o grande Primeira Geração o obedecia.

- Tire a camisa - ele ordenou ao Caçador.

O enorme macho obedeceu em silêncio, desnudando os ombros enormes e o peito sem pelos coberto por uma densa rede emaranhada de glifos. Mais de uma cabeça se voltou para o monitor para comparar as marcas da pele hereditárias da criatura contido dentro da célula ultravioleta.

- Eles têm dermoglifos semelhantes - Fabien engasgou. - Esse macho é da família do Antigo?

- Filho de Primeira Geração, criado com o único propósito de servir à causa - disse Dragos. - Todos os Caçadores de meu exército pessoal são os mais fortes, as armas mais letais do mundo. Eles foram especialmente criados e treinados sob minha orientação. São assassinos e infalivelmente leais a mim.

- Como pode estar certo disso? - perguntou o líder do Refúgio de Hamburgo, um homem sagaz que, sem dúvida, apreciaria a demonstração em tempo real que Dragos tinha em mente.

- Você percebe que o Caçador usa uma coleira. É um dispositivo de monitoramento GPS, mas também está equipado com um laser ultravioleta. Cada Caçador usa uma desde o momento em que começa a andar. Posso acompanhar todos os seus movimentos, localizá-los em um instante. E se me desagradam de qualquer maneira, basta um simples controle remoto para o laser ser ativado e emitir uma luz ultravioleta fina como uma navalha no pescoço do Caçador, cortando sua cabeça – disse Dragos, lançando um olhar significativo ao Caçador rigidamente em pé ao seu lado.

Um ou dois homens na mesa trocaram olhares desconfortáveis.

Foi o alemão quem falou primeiro, os olhos brilhantes.

- O que acontece se o colar for adulterado, ou removido?

Dragos sorriu, não para o alemão, mas para o próprio Caçador.

- Que tal vermos?

Apesar de seu instinto gritar para que entrasse como um ladrão à espreita, Renata caminhou pelo corredor oeste do covil de seus inimigos como se tivesse todo o direito de estar lá. Ela ouviu o baixo ruído de conversa masculina vindo de uma das grandes salas nos fundos. Em outra parte da casa, não havia nada além de calma, até que...

Soluços suaves de uma criança chegavam a partir de uma escada que conduzia ao segundo andar.

Mira.

Renata voou pelos degraus e seguiu os soluços até o final do corredor. A porta do quarto estava trancada pelo lado de fora. Ela passou a mão na parte superior do batente, mas não encontrou chave alguma.

- Maldição – sussurrou, tirando uma de suas lâminas da lateral da calça. Enfiou-a no ponto entre a porta e o batente, bem acima da fechadura, e fez uma alavanca dura. A madeira rachou, afrouxando um pouco. Mais duas vezes e, finalmente, tinha espaço suficiente para abrir. Com agitação e mãos ansiosas, Renata abriu a porta.

Mira estava lá dentro, graças a Deus.

Estava sem véu e assim que olhou para cima e viu a figura vestida de preto entrando na sala, encolheu-se no canto com terror absoluto.

- Mira, sou eu - disse Renata, abrindo a viseira escura. - Está tudo bem agora, querida. Estou aqui para levá-la para casa.

- Rê!

Ajoelhando-se, Renata estendeu os braços. Com um pequeno grito, Mira voou para seu abraço.

- Ah, minha ratinha! - Renata sussurrou, dando beijos aliviados na cabeça loira da garota. - Fiquei tão preocupada com você. Desculpe-me por eu não ter vindo mais cedo. Está tudo bem, querida?

Mira assentiu com a cabeça, os braços pequenos em volta do pescoço de Renata.

- Eu estava preocupada com você também, Rê. Eu estava com medo de nunca mais voltar a vê-la.

- Eu também, querida. Eu também - Renata odiava ter de soltá-la, mas ainda tinha que sair de lá antes que Fabien e seus companheiros chegassem. Ficou de pé, levantando Mira nos braços. - Temos que correr agora. Agarre-se em mim, certo?

Renata ainda não tinha descido dois degraus com a criança quando as explosões rápidas de tiros irromperam de todas as direções em algum lugar fora da casa.

Dragos estava ansioso para demonstrar a beleza tecnológica da coleira de raios ultravioleta que o Caçador usava quando o inferno desabou fora da reunião. Ele disparou um olhar mortal a Edgar Fabien quando o grupo pulou de seus assentos em alarme atordoado.

- O que está acontecendo lá fora? - exigiu de seu anfitrião. - Essa é outra de suas incompetências?

O rosto estreito de Fabien tinha uma sombra pálida.

- Eu... não sei... senhor. Seja o que for, tenho certeza de que meus agentes resolverão.

- Ao diabo seus agentes! - Dragos rugiu. Ele tateou para o rádio e emitiu uma ordem para o motorista levar o barco. Em seguida, olhou para o rosto do Caçador. - Fora, agora. Cuide disso. Mate todos que cruzarem seu caminho.

O Caçador - o soldado altamente treinado, obediente e impecável - apenas ficou ali, imóvel como um pilar de pedra.

- Fora. Eu ordeno!

- Não.

- O quê? - Dragos não podia acreditar em seus ouvidos. Ele sentiu os olhares de seus subordinados fixos nele. Ele podia sentir a descrença deles, a dúvida deles. Um silêncio floresceu, maduro, com a expectativa. - Eu lhe dei uma ordem direta, Caçador. Faça-o, ou vou acabar com você aqui e agora.

Com tiros chegando aos muros da casa, o Caçador teve a audácia de olhar Dragos nos olhos e balançar a cabeça.

- De qualquer forma, estou morto. Se quer que eu lute para que você possa viver, desative o meu colar.

- Como ousa sequer sugerir...

- Está perdendo tempo - disse ele, aparentemente imperturbável com caos crescente à sua volta. - Liberte-me deste colar, seu filho da mãe arrogante.

Nesse momento, um dos fracos vigias de Fabien apareceu correndo pela porta entreaberta.

- Senhor, estamos sendo alvejados por todos os lados. Não podemos ter certeza ainda, mas deve haver um exército na floresta nos cercando.

- Ah! Jesus! - Fabien engasgou. - Vamos todos morrer!

Dragos rosnou em fúria, sem a menor confiança de que os guardas de Fabien pudessem encontrar seus próprios traseiros, muito menos proporcionar uma cobertura adequada para o grupo de machos da Raça de alto escalão que estavam olhando naquele momento para Dragos como seu líder para ajudá-los a fugir. Esperando que ele decidisse se os salvaria ou se deixaria a prometida revolução cair por terra.

- Terminamos por aqui - ele rosnou. - Todo mundo para fora pela porta de trás, para o barco. Sigam-me.

Quando o grupo começou a sair em torno dele, Dragos lançou um olhar ameaçador por cima do ombro para o Caçador. Ninguém disse uma palavra – o ódio mútuo era suficiente para ler em seus olhares quando Dragos pôs a mão no bolso e pegou o dispositivo que controlava a coleira do Caçador e digitou o código que a desativava.

No instante que a coleira se desligou, o Caçador estendeu a mão e a arrancou do pescoço. Então, com um olhar de descrença, de fria determinação, ele caminhou para fora da porta em direção ao caos que se estendia do lado de fora.


Capítulo 32

Nikolai sorriu sozinho quando sua tática de distração criou uma confusão repentina e maciça em todo o complexo. Os Agentes em guarda corriam precipitadamente em pânico total, mais de um recebeu um golpe da explosão de disparos que vinham de todas as direções do bosque. Niko ordenou que uma videira enrolasse os ramos no gatilho de sua última M16 escondida.

Quando a videira fez como as anteriores, segurando o fuzil no alto e aplicando uma pressão cada vez maior no gatilho, o galho verde ficou mais grosso e mais forte, então Niko correu para a entrada lateral da casa.

Não foi difícil encontrar Renata. Seu vínculo de sangue era um farol para ele, levando-o através da parte traseira do lugar para um voo por cima das escadas. Renata estava descendo com Mira apertada nos braços. Ela encontrou o olhar dele e, por um instante infinito, nenhum dos dois disse uma palavra. Nikolai queria dizer como estava arrependido, e como estava aliviado por ela ter encontrado a criança ilesa.

Ele tinha mil coisas que queria dizer a Renata naquele momento, principalmente que a amava e que sempre a amaria.

- Rápido – ele murmurou. - Precisamos sair daqui agora.

- O tiroteio está por toda parte - disse Renata, a preocupação marcando suas feições. - O que está acontecendo?

- Apenas diversão. Tive que criar uma oportunidade para conseguir tirar você daqui.

Ela parecia aliviada, mas só por um segundo.

- Fabien e os outros... Eu os ouvi saindo pelo caminho de trás há alguns minutos.

- Estou trabalhando nisso - Niko disse. - Agora vá. Não pare por nada. Leve Mira de volta para o carro. A Ordem deve chegar a qualquer minuto.

- Nikolai...–disse Renata, olhando Nikolai firmemente, fazendo-o parar na esperança de ouvir o perdão ou uma afirmação de que ela ainda podia amá-lo depois de tudo o que tinha acontecido. Ela prendeu seu olhar, formando um vinco entre as sobrancelhas. - Seja cuidadoso.

Ele ofereceu-lhe um aceno triste, não sentindo o comum aumento de adrenalina que precedia o combate. Aqueles dias pareciam séculos atrás, quando nada mais importava para ele exceto a glória da batalha e o triunfo da vitória, por mais sem sentido que fosse.

Agora tudo importava, sobretudo em se tratando de Renata. Sua segurança e felicidade eram tudo o que importava, mesmo que isso significasse que ele poderia não estar em cena.

- Leve Mira de volta para o carro - disse novamente. - Mantenha a cabeça baixa e cuide-se. Vamos tirá-las daqui.

Ele esperou até que Renata saísse correndo, então foi para a porta dos fundos da propriedade por onde seus inimigos tinham fugido.

A lancha estava parada na doca quando Dragos e os outros correram ladeira abaixo para pegá-la. Ao redor da floresta e até perto da casa, os agentes de Fabien mexiam-se como formigas que tinham acabado de perder a casa. Tiros iluminavam a noite de modo tão enlouquecido que era impossível dizer quais rajadas vinham dos aliados e quais dos aparentes intrusos.

Tudo que Dragos sabia era que não ficaria para enfrentar a Ordem ou esperar que alguém o derrubasse.

Quando ele e seu grupo começaram a subir no barco, Dragos colocou-se no caminho de Edgar Fabien.

- Não há espaço a bordo para você - disse para o líder do Refúgio de Montreal. - Você nos prejudicou bastante com sua idiotice. Você fica aqui.

- Mas... senhor, eu... por favor, posso garantir que não vou decepcioná-lo novamente.

Dragos sorriu, mostrando as pontas de seus dentes.

- Não, você não vai.

Dizendo isso, levantou uma pistola 9 mm e disparou um tiro mortal direto entre os olhos redondos de Fabien.

- Vamos! - ordenou ao condutor do barco, Edgar Fabien completamente apagado quando o motor rugiu e a embarcação os levou até o hidroavião que esperava na outra extremidade do lago.

Ele chegou tarde demais.

Niko encontrou alguns Agentes em seu caminho até o lago, mas quando chegou lá, a lancha não passava de uma agitação na água. Nikolai disparou alguns tiros atrás deles, mas estava apenas perdendo balas. O cadáver de Edgar Fabien jazia na doca de madeira. Dragos e os outros já estavam do outro lado do lago naquele momento.

- Maldição.

Alimentado pela fúria e pela determinação, Nikolai começou a se movimentar ao longo da costa, recorrendo à velocidade sobrenatural que todos os da sua espécie possuíam quando precisavam. O barco era rápido, mas a água estava cercada de terra. Em algum ponto Dragos e seus companheiros teriam de desembarcar e pegar outro meio para terminar a fuga. Com alguma sorte, Niko poderia alcançá-los antes que fugissem.

Ele não sabia quão longe estavam - um quilômetro, provavelmente – quando, de repente, seu peito congelou de medo.

Renata.

Algo estava errado. Terrivelmente errado. Ele podia sentir as emoções de Renata como se fossem suas. Ela, a corajosa e imperturbável Renata, agora estava morrendo de medo.

Ah! Cristo! Se alguma coisa acontecesse com ela...

Não. Ele não podia sequer pensar nisso.

Com todos os pensamentos sobre Dragos deixados de lado, Nikolai virou e continuou em alta velocidade, rezando para chegar a tempo.

Ela não tinha visto o vampiro enorme vindo.

Em um minuto estava cortando o mato escuro com Mira firme em seus braços e, no minuto seguinte, viu-se olhando para o rosto implacável e para os impiedosos olhos dourados de um macho da Raça, cujo imenso torso nu, ombros e braços estavam cobertos por um espesso padrão de dermoglifos.

Era um Primeira Geração; Renata soube instintivamente. Seus instintos também diziam que aquele macho era mais letal do que a maioria, frio como pedra.

Um assassino.

O terror a cobriu como uma maré negra. Ela sabia que se o atacasse era melhor ter certeza de que poderia matá-lo rapidamente, ou então ela e Mira seriam mortas no mesmo instante. Não se atreveu a tentar quando Mira podia sofrer caso ela falhasse.

Santa Mãe de Deus, chegar tão longe, finalmente ter Mira em seus braços, a poucos passos da liberdade... e agora... Jesus Cristo!

- Por favor - Renata murmurou, desesperada para atrair a mais leve misericórdia. - A criança não. Deixe-a ir... por favor, deixe a criança, não lhe faça mal...

O silêncio do vampiro era irritante. Mira tentou levantar a cabeça do ombro da amiga, mas Renata gentilmente a empurrou de volta para baixo, não querendo que ela se assustasse com o mensageiro da morte que, sem dúvida, tinha sido enviado por Edgar Fabien ou por Dragos. Ou pelo próprio Diabo em pessoa, maldito seja.

- Vou colocá-la no chão - Renata disse a ele, sem ter certeza de que ele a compreendia e que muito menos concordaria. - Apenas... deixe a criança ir. Sou eu quem você quer, não ela. Apenas eu.

Os olhos de falcão dourado seguiam cada movimento de Renata enquanto ela cuidadosamente tirava Mira dos braços e lentamente colocava os pés da menina no chão. Renata colocou-se entre o assassino e a criança, rezando para que a morte dela fosse suficiente para satisfazer ao assassino e ao seu mestre do mal.

- Rê, o que está acontecendo? - Mira perguntou por trás de suas pernas, as mãos pequenas segurando-lhe as calças enquanto olhava ao seu redor. - Quem é esse homem?

O vampiro deixou seu olhar de pedra viajar até a origem daquela voz minúscula. Ele olhou. Sua cabeça raspada virou lentamente para o lado. Então, ele fez uma careta.

- Você - disse ele, com uma voz tão profunda que estremeceu todo o caminho até a medula Renata. Algo sombrio passou em seu rosto. - Deixe-me vê-la.

- Não - declarou Renata, segurando Mira atrás de si e bloqueando-a como um escudo. - Ela é apenas uma criança. Não fez nada contra você ou qualquer outra pessoa. Ela é inocente.

Ele lançou a Renata um olhar tão feroz que quase a derrubou.

- Deixe-me ver os olhos dela.

Antes que pudesse recusar mais uma vez, antes que pudesse pensar em alguma forma de pegar Mira e fugir o mais rápido possível, Renata sentiu Mira dar um passo para sair detrás de sua proteção.

- Mira, não.

Tarde demais para interromper o que aconteceria. Renata só pôde olhar com terror quando Mira caminhou direto para fora e olhou para cima, subindo para o duro olhar do letal vampiro Primeira Geração.

- Você... - disse ele novamente, olhando para o doce rosto de Mira.

Renata poderia dizer o momento em que começou a testemunhar o presente de Mira. Os olhos dourados dele ficaram tempestuosos, e ele olhava, absorto, enquanto a criança mostrava seu futuro. Ele chegou mais perto, muito perto, até que os braços maciços poderiam atacar e quebrar Mira inadvertidamente.

- Não... - ela deixou escapar, mas ele já estava chegando até Mira.

- Está tudo bem, Rê - Mira sussurrou, em pé diante do vampiro, tão inocente como uma criancinha que vagava na cova dos leões.

E foi então que Renata percebeu que algo de extraordinário estava para acontecer.

- Você me salvou - ele sussurrou, com as mãos enormes nos pequenos ombros de Mira. O vampiro se ajoelhou, ficando no nível da criança. Quando ele falou, a voz letal estava tranquila, com espanto e confusão. - Você salvou minha vida. Eu vi isso, agora, em seus olhos. Vi naquela noite também...


Capítulo 33

O coração de Nikolai congelou dentro de seu peito, um crescente pânico, medo transformado em gelo. Com o tiroteio ainda em erupção na área, ele tinha dado uma volta pela floresta até o lugar onde seu sangue tinha mostrado que encontraria sua Companheira apavorada.

Renata estava lá. Na escuridão da floresta banhada pela luz da lua, imóvel como uma estátua e olhando um imenso vampiro Primeira Geração agachado diante de Mira, segurando a criança com suas enormes mãos.

Jesus Cristo.

Niko moveu-se silenciosamente, rastejando para se aproximar e tentar encontrar uma posição em que poderia atirar sem colocar Renata ou a menina no fogo cruzado.

Ataque-o com uma onda, Renata. Faça-o cair e corra como se estivesse correndo do diabo.

Ela não lançou o poder mental sobre ele. Ela não tentou contrair um dedo na direção de qualquer uma de suas armas, psíquica ou não. Não, para o horror de Niko, ela não moveu sequer um dedo. Apenas ficou ali, no centro do que rapidamente se transformaria em uma tempestade infernal de sangue e violência.

O próprio medo de Niko naquele momento era insondável. Tudo o que ele sentia era o terror rasgando-o por dentro, seus ossos congelados, um desespero tão selvagem dentro do coração que batia como um tambor no peito.

Ele tirou as pistolas 9 mm de seus coldres laterais e avançou. Embora estivesse se movendo a um ritmo que apenas alguém da Raça poderia controlar, Renata olhou para cima. Ela o sentiu ali, movendo o ar ao seu redor, mesmo que os olhos não conseguissem registrar a velocidade. O sangue dele nela lhe disse que seu macho estava perto, assim como o seu sangue correndo nele sempre o faria encontrá-la.

Ele estava muito consumido pela raiva para notar que ela olhava para ele com alarme e não para o inimigo vampiro que enfrentava.

Nikolai avançou como um flash, totalmente preparado para matar. Ele parou logo atrás do grande Primeira Geração, as duas pistolas apertadas contra os glifos que seguiam até a parte traseira do crânio raspado do vampiro.

Tudo aconteceu em um piscar de olhos, mas parecia em câmara lenta na consciência de Nikolai.

Ele apontou as armas, os dedos nos gatilhos.

Os olhos de Renata se abriram. Ela balançou a cabeça.

- Niko, espere... não!

O Primeira Geração soltou Mira, deixando as grandes mãos caírem ao seu lado. Ele nem sequer reagiu às armas apontadas em sua cabeça. Seu peito expandiu quando puxou uma respiração longa, então deixou o ar sair em um suspiro resignado.

Ele não estava lutando contra sua morte.

Ele não se importava se morresse.

E então Mira gritou, a voz da criança alta com o medo.

- Não! Não o machuque!

Nikolai assistiu incrédulo e com espanto total quando Mira jogou seus braços em torno dos ombros largos do Primeira Geração.

- Por favor, não o machuque! - ela chorou, olhando para Niko, suplicando-lhe enquanto tentava proteger o vampiro com seu corpo minúsculo.

- Nikolai - Renata prendeu seu olhar quando ele a olhou, incrédulo, as duas pistolas de grande porte ainda armadas e prontas, niveladas na cabeça do Primeira Geração. - Nikolai... por favor, está tudo bem. Espere.

Ele franziu a testa, mas sua atitude guerreira relaxou um pouco.

- Levante-se - ordenou ao vampiro.–Levante-se e afaste-se da criança.

O Primeira Geração obedeceu sem qualquer comentário, lentamente, soltando os braços de Mira do seu pescoço e empurrando-a para longe enquanto levantava.

Niko se moveu para enfrentá-lo, as armas ainda sobre ele, quando orientou tanto Renata quanto Mira a ficar atrás dele.

- Quem diabos é você?

Os olhos sóbrios, inexpressivos, fitaram a terra.

- Chamam-me de Caçador.

- Você não é um Agente - disse Nikolai, cautelosamente.

- Não. Eu sou um Caçador.

Renata levou Mira para perto, segurando-a enquanto o caos na floresta e na casa lentamente morria em torno deles.

- Seus olhos, Nikolai - disse ela, entendendo agora. - Ele é o assassino que tentou matar Sergei Yakut naquela noite. Foi ele quem Mira viu no retiro de Yakut.

A expressão de Nikolai escureceu.

- É verdade? Você é um assassino de aluguel?

- Eu era - o Caçador deu um aceno triste e, finalmente, levantou o olhar. - A criança me salvou... Algo mudou em mim depois que eu vi a visão nos olhos dela naquela noite. Eu a vi salvar minha vida, exatamente como aconteceu há pouco.

No instante seguinte, a floresta ganhou vida com homens armados se deslocando sobre eles de todas as direções. Nikolai tinha as armas na mão, mas não fez nenhum movimento para disparar sobre as ameaças recém-chegadas. Renata entrou em pânico.

- Ah, merda. Niko...

- Está tudo bem - ele a acalmou com um olhar tranquilizador e algumas palavras gentis. - Estes são os mocinhos, meus amigos da Ordem.

Ela observou quando quatro dos guerreiros amigos de Nikolai entraram na área. Todos eram formidáveis no tamanho e na atitude, um grupo de músculos e de força que parecia sugar todo o ar da floresta pela simples presença dele.

- Como vai, hermano? Tudo bem aqui? - perguntou a voz suave que agora Renata reconhecia como pertencente a Rio.

Nikolai assentiu com a cabeça, os olhos e armas ainda apontadas na direção do Primeira Geração.

- Tenho tudo sob controle, mas a situação na casa está arruinada. Edgar Fabien está morto e Dragos e os outros fugiram pela costa. Foram de barco para o outro lado do lago. Tentei segui-los, mas... - olhou para Renata. - Tinha que me assegurar de que tudo estava bem por aqui primeiro.

- Nós ouvimos o zumbido de um motor de avião pequeno quando chegamos - disse Rio.

- Droga - Nikolai sussurrou. - Eram eles, sem dúvida. Fugiram. Diabos, Dragos estava aqui e nós perdemos o filho da mãe maldito.

- Deixe-me ajudar a encontrá-lo.

Todos os olhos se voltaram para o vampiro ainda detido na mira de Nikolai.

- Por que confiaríamos em você? - Nikolai perguntou, estreitando o olhar. - Por que estaria disposto a nos ajudar a colocar as mãos em Dragos?

- Porque ele é a pessoa que me criou - não havia calor no tom dourado dos olhos do Primeira Geração assassino quando respondeu à pergunta, apenas ódio gelado. - Ele me fez o que sou. Eu e todos os outros Caçadores criados por ele para matar.

- Ah, meu Deus! - Renata respirou. - Você quer dizer que há outros como você?

A cabeça raspada do Caçador acenou sobriamente.

- Não sei quantos nem onde estão, mas Dragos me disse que não sou o único de minha espécie. Há outros. Muitos outros.

- Por que devemos acreditar em você? - perguntou outro dos guerreiros, quase tão sombrio quanto a noite ao seu redor, seus dentes e presas brilhando como pérolas contra sua pele morena.

Outro guerreiro interveio, então, de olhos rápidos e sagazes, astuto como um lobo sob os pontos de ébano de seus cabelos cortados.

- Deixe Tegan nos dizer se podemos confiar nele.

Renata assistiu com espanto e um pouco de medo quando o maior do grupo, um guerreiro que parecia um fantasma perseguindo as sombras, deu alguns passos a frente. Imenso, com cabelos alourados sob o capuz preto de malha que usava, ele era um grande bloco de músculos másculos e energia sombria. Facilmente tão grande quanto o Primeira Geração diante dele, esperando seu julgamento.

Sem dizer nada, o guerreiro chamado Tegan estendeu sua enorme mão. O Caçador a pegou, seus olhos tão constantes quanto seu aperto.

Após um longo momento, Tegan deu um aceno vago.

- Ele vem com a gente. Vamos lacrar este lugar e dar o fora daqui.

Renata sentiu o enorme peso da tensão do momento ser removido, dando lugar a um novo propósito. O grupo se dividiu, a maioria dos guerreiros indo cuidar das coisas na casa de Fabien enquanto Rio e Nikolai andavam com Renata, Mira e seu companheiro inesperado de volta ao veículo à espera da Ordem.

Já perto, Nikolai pegou a mão de Renata.

- Encontramos você lá, Rio.

O guerreiro assentiu. À medida que avançavam, Renata olhou maravilhada e atemorizada quando Mira deslizou sua mão muito pequena na palma maior do Caçador.

- Meu Deus - disse ela a Nikolai. - O que está acontecendo?

Ele balançou a cabeça, claramente surpreso como ela.

- Vou levar algum tempo para descobrir isso, acho. Mas primeiro quero esclarecer as coisas entre nós.

- Nikolai, desculpe-me.

Ele a silenciou com um beijo longo e doce, puxando-a em seus braços quentes e musculosos.

- Eu estraguei tudo, Renata. Eu estava com tanto medo de perder você que a empurrei para longe de mim com uma mentira, fui um estúpido imprudente! Eu nunca me perdoaria se alguma coisa acontecesse com você ou Mira. Você é meu coração, Renata. Minha vida - ele acariciou-lhe o rosto, seu olhar a engolindo inteira. - Eu te amo tanto... Não quero viver um só momento sem você ao meu lado.

Ela fechou os olhos, dominada pela emoção.

- Eu nunca quis nada mais - ela sussurrou, sua garganta fechada com alegria. - Eu também te amo, Nikolai. Mas tem que entender que venho com um pacote agora. Mira não é minha filha de sangue, mas é de coração. Eu a amo como se fosse minha.

- Eu sei - disse sobriamente. - Você já provou isso.

Renata olhou para ele, incapaz de conter a esperança que se espremia em seu peito.

- Você acha que pode encontrar espaço em sua vida e em seu coração para nós duas?

- O que a faz pensar que eu já não tenha feito isso?–ele a beijou novamente, dessa vez com ternura. Quando olhou nos olhos dela, seu olhar era tão cheio de amor que lhe varreu o fôlego. - Vamos dar o fora daqui agora. Quero levar minhas garotas para casa.


Capítulo 34

Boston. Três noites depois.

O complexo da Ordem pareceu muito diferente para Nikolai quando ele andou pelo corredor que conduzia ao laboratório de tecnologia onde tinha se reunido com os outros guerreiros. A missão de capturar Dragos sofrera um golpe significante há algumas noites, mas também tinham ganhado uma vantagem muito inesperada na sua busca e encerramento da operação.

Infelizmente, embora o Caçador tivesse se tornado um valioso aliado, a Ordem também tinha perdido um membro crucial e confiável amigo: Andreas Reichen tinha sumido completamente e a notícia de Berlim era a pior possível. Ninguém sabia se o líder do Refúgio alemão tinha sobrevivido ao ataque em sua residência. Baseado na matança de toda sua família e no fogo que consumira a propriedade inteira, a Ordem tinha poucas esperanças de encontrar o amigo vivo.

Pessoalmente, Nikolai pensou que seria consolador para Reichen se ele tivesse morrido no ataque. Ele sabia que uma perda tão profunda jamais poderia ser superada. Certamente nenhum homem, da Raça ou não, seria forte o suficiente para sair ileso de um golpe tão brutal na alma. Como um guerreiro, Nikolai entendia baixas em combate. Todo guerreiro entrava na batalha sabendo que ele ou seus irmãos podiam não retornar para a base. Mas perder uma família...

Ele não queria nem mesmo considerar o que isso faria com um homem. Em vez disso, Nikolai se concentrou nas bênçãos que tinha, uma das quais podia ser ouvida falando baixinho quando ele se aproximou da porta aberta de seus aposentos.

Renata estava lá dentro, sentada no sofá da sala, lendo para Mira.

Por um momento, quando Niko aproximou-se da entrada, encostou-se na soleira da porta, simplesmente ouvindo e deleitando-se com a visão da bela mulher que agora era sua Companheira. Ele adorava ver como Renata ficava tão confortável com um livro quanto segurando uma arma. Ela tinha uma suavidade que ele admirava, uma inteligência que o desafiava continuamente e uma força interior que o fazia procurar ser um homem digno de sua devoção.

Não era nada mal também que ela fosse mais quente do que o inferno, sobretudo quando ela estava com o olhar na sua 9 mm ou treinando com suas adagas queridas no centro de treinamento. Kade e Brock tinham estado quase permanentemente na sala de armas nos últimos dias, só pela possibilidade de treinar com Renata ou olhá-la em ação. Nikolai não podia culpá-los. Mas quando sentiu o beliscão leve do ciúme, bastou um olhar malicioso de sua mulher para colocá-lo à vontade. Ela o amava e Nikolai era o macho mais sortudo do planeta.

- Oi - disse, olhando enquanto virava a última página de um capítulo e parava para cumprimentá-lo.

- Olá, Niko - Mira sussurrou sob o véu curto. - Você acabou de perder uma parte muito boa da história.

- Mesmo? Talvez eu possa convencer Renata a ler para mim mais tarde - disse ele, enviando um olhar aquecido para sua Companheira quando entrou na sala. Ele caminhou até o sofá e se agachou na frente de Mira. - Tenho algo para você.

- Sério? - o rosto dela se iluminou com um pequeno sorriso. - O que é?

- Uma coisa que pedi a Gideon para você. Tire seu véu, e vou lhe mostrar.

Ele não perdeu o olhar protetor de Renata quando Mira afastou o tecido preto para longe do seu rosto.

- O que é?

- Tudo bem - disse ele, tirando uma pequena caixa de plástico do bolso da calça jeans. - Você pode confiar em mim. Ambas podem confiar em mim.

Renata relaxou, e olhou quando Nikolai retirou a tampa de um recipiente de lentes de contato.

- Estas são as lentes especiais que Gideon acha que vão ajudar com seus olhos. Você gostaria de nunca mais usar o véu de novo?

Mira concordou com entusiasmo.

- Deixa eu ver, Niko!

- Que tipo de lentes são essas? - Renata perguntou, cautelosamente otimista.

- Íris opacas para proteger o efeito de espelhamento dos olhos de Mira. Ela será capaz de ver através delas, mas ninguém que olhar para ela vai notar nada de incomum sobre os olhos. Suas íris serão cobertas, da mesma forma que o véu cobre. Eu pensei que seriam melhores.

Renata acenou, sorrindo calorosamente para ele.

- Muito melhor. Obrigada.

- Posso experimentá-las? - Mira perguntou, ansiosamente olhando a pequena caixa nas mãos de Niko. - Olha, Rê, são roxas!

- Essa é sua cor favorita - disse ela, jogando um olhar interrogativo sobre Nikolai.

Ele tinha mudado muito nos últimos dias, empreendendo um papel que nunca se imaginou, sem falar no fato de se ajustar tão confortavelmente nele. Ele era um macho com laço de sangue com uma Companheira de Raça que o amava e uma criança para criar como sua. E ele apreciou as duas ideias.

Ele, um dissidente e imprudente, tinha uma família própria agora. Era incompreensível para ele, para não mencionar para o resto do complexo. Era a última coisa que sonhou que queria ou precisava e agora, apenas alguns dias depois, não poderia ver sua vida de outra maneira.

Seu coração nunca se sentiu tão completo.

- Deixe-me ajudá-la com isso - disse Renata, pegando as lentes das mãos de Niko com cuidado e colocando-as em Mira. Quando estavam no lugar há alguns segundos e o talento da criança não se manifestou, Renata sorriu. - Ah, meu Deus. Funcionou, Nikolai! Olhe para ela. As lentes funcionam perfeitamente.

Ele olhou para as piscinas violeta nos olhos alterados de Mira e viu... nada. Apenas o feliz e despreocupado olhar de uma criança.

Renata jogou os braços em volta dele e o beijou. Mira estava bem atrás dela e Niko pegou as duas em um sincero abraço.

- Há mais - disse, esperando que gostassem do resto da sua surpresa. Ele se levantou e pegou cada uma delas pela mão. - Venham comigo.

Ele as levou pelo corredor até o elevador que subia da sede subterrânea para a enorme mansão que ficava no piso acima. Ele podia sentir a apreensão de Renata pelo modo como ela apertava-lhe a mão grande e pela adrenalina que lhe corria na corrente sanguínea.

- Não se preocupe - ele sussurrou na orelha dela. -Você vai gostar, eu prometo.

Pelo menos, ele esperava que sim. Ele tinha trabalhado naquilo durante um dia e meio, tentando fazer tudo certo. Ele guiou Renata e Mira ao coração da propriedade, em direção à luz de velas e ao calor da sala de jantar formal. Os aromas de pão e carne assada os receberam. Niko não tinha apreço por comida humana, mas as Companheiras de Raça que viviam no lugar certamente tinham e, a julgar pela aparência das duas mulheres caminhando ao seu lado, elas também.

O espanto brilhou nos olhos de Renata.

- Você fez o jantar?

- Claro que não. Acredite em mim, sou a última pessoa que você iria querer para preparar suas refeições. Pedi alguns favores a Savannah, Gabrielle e as outras mulheres. Seu estômago está em muito boas mãos.

- Mas eu estive com todas elas mais cedo hoje e ninguém disse nada sobre isso.

- Eu queria fazer uma surpresa. Elas queriam surpreendê-la, também.

Renata não disse mais nada, mas ele não pôde deixar de notar que seus passos diminuíam ao chegar mais perto da sala de jantar. Mira, no entanto, pulava com entusiasmo. Assim que chegaram à porta de entrada em arco, ela soltou-se de Niko e correu a mil por hora como se tivesse vivido lá toda sua vida.

Mas Renata, não.

Ela ficou em silêncio e imóvel. Olhou para a mesa cheia de pratos de porcelana e enfeites finos e suspirou levemente. Não disse uma palavra sequer quando olhou para o rosto dos guerreiros e de suas Companheiras de Raça, todos de pé dando-lhe boas-vindas quando ela e Nikolai pararam na porta.

- Ah, Santo Deus! - ela finalmente sussurrou, sua voz quebrada e crua.

Niko a seguiu quando ela recuou, voltando pelo corredor.

Maldição. Ele estava tão certo de que ela desfrutaria de um agradável jantar com todos, mas é óbvio que estava errado.

Quando falou com ele, sua voz estava embargada pela emoção.

- Todo mundo está esperando lá dentro... por nós?

- Não se preocupe com isso - disse ele, puxando-a para seus braços fortes. - Eu queria fazer algo especial para você e estraguei tudo. Sinto muito. Você não tem que fazer isso.

- Nikolai - ela olhou para ele, os olhos brilhantes marejados. - Eu nunca vi nada mais bonito do que aquela mesa, com todos ao redor, em toda a minha vida.

Ele franziu a testa, bastante confuso agora.

- Então, o que está errado?

Ela balançou a cabeça, engolindo um riso estrangulado.

- Não há nada de errado. Nada de errado em nada. Estou tão feliz! Você me faz tão imensamente feliz. Tenho medo desse sentimento. Eu nunca soube o que era e eu estou morrendo de medo que seja apenas um sonho.

- Não é um sonho - disse ele suavemente, acariciando-lhe uma lágrima perdida que deslizava assertivamente pelo rosto macio. - E você pode se segurar em mim se sentir medo. Vou estar ao seu lado enquanto você quiser.

- Para sempre - disse ela, sorrindo para ele.

Nikolai assentiu.

- Sim, meu amor. Para sempre.

O sorriso exultante de Renata explodiu em sua boca. Ela beijou Nikolai forte e, em seguida, caminhou com ele sob o abrigo daquele braço forte para se juntar aos outros. Para se juntar ao resto da sua família.

Capítulo 25

Nikolai sentou-se dentro do abrigo feito de videiras e assistiu a um único raio de luz atravessar as folhas e iluminar os cabelos escuros de Renata enquanto ela dormia. A luz ultravioleta era tóxica para sua espécie – letal após meia hora de exposição contínua - mas ele não resistiu ao desejo de deixar aquele raio de luz entrar pelo pequeno buraco na vegetação. Nos últimos minutos, ele tinha permanecido sentado junto de Renata observando-a, admirando-a, muito intrigado com a forma como a luz cobria-lhe os cabelos de ébano, penetrandolhe os fios de seda e colorindo-os com uma dúzia de tons diferentes: cobre, bronze e vermelho.

Que diabos havia de errado com ele?

Ele estava sentado lá, olhando os cabelos de Renata, pelo amor de Deus! Não apenas olhando, mas olhando-os com total fascinação. Para Niko, isso indicava uma de duas coisas preocupantes: ele devia considerar muito seriamente ter algumas aulas com o famoso cabeleireiro inglês Vidal Sassoon ou estava completamente perdido de amor por aquela mulher.

Perdido tanto quanto no passado, eternamente tomado por outra pessoa. Em algum lugar, de algum jeito, ele se deixou apaixonar por ela.

Isso explicava o porquê de ele não conseguir manter as mãos - e outras partes maiores e mais pulsantes de seu corpo - longe dela. Explicava também o motivo pelo qual tinha passado toda a noite – com exceção da ida rápida à casa de Yakut antes do amanhecer – deitado junto de Renata, sustentando-a em seus braços fortes.

E, se ele precisava de alguma explicação do motivo de seu peito ter ficado tão apertado e tão pesado quando ela começou a chorar na noite anterior, ou por que havia se sentido obrigado a compartilhar com ela seu sentimento de culpa pela perda de Dimitri há tantos anos, ele supôs que estar apaixonado faria sentido.

Por mais que tentasse convencê-la de que ela estava a salvo com ele, Nikolai se sentia a salvo com ela também. Confiava nela plenamente. Mataria para protegê-la, morreria por ela sem hesitar nem por um segundo. Ela podia não fazer parte de sua vida há muito tempo, mas ele já não se imaginava sem ela.

Ah! Merda. Ele realmente tinha se apaixonado por Renata.

- Mas... que... maravilha! - murmurou, fazendo uma careta quando ela se agitou por causa do som de sua voz.

Ela abriu os olhos e sorriu quando o viu sentado ali.

- Olá!

- Bom dia - disse, casualmente alcançando um ramo de videira para fechar o abrigo e deixar do lado de fora os resquícios do raio de sol.

Ele achou o espreguiçar felino dela mais fascinante ainda do que os cabelos. Estava usando a mesma camisa de algodão da noite anterior, a metade dos botões espalhados pelo chão do abrigo natural. A grande camisa estava aberta da metade para baixo, mal cobrindo a nudez de sua fenda. Por ele, sem problemas.

- Como se sente?

Ela pareceu refletir por um segundo, depois olhou para ele com a testa franzida.

- Sinto-me realmente bem. Quero dizer, ontem à noite foi... - ruborizou, uma doce cor rosada preencheu-lhe as bochechas. - Ontem à noite foi incrível, mas pensei que ficaria fora de combate por causa da reverberação. Não entendo... nunca aconteceu nada assim. Quero dizer, tive um pouquinho de dor, mas pelo ataque na casa de Jack, eu devia estar agonizando a noite toda.

- Isso nunca aconteceu antes?

Ela sacudiu sua cabeça.

- Nunca. Cada vez que usava minha habilidade, o efeito retornava.

- Mas ontem à noite não.

- Não, ontem à noite não - ela disse. - Nunca me senti melhor.

Niko talvez pudesse ter feito uma brincadeira sobre os efeitos milagrosos de suas proezas sexuais, mas ele sabia que era um tipo de magia o que fizera Renata suportar o efeito da reverberação.

- Você bebeu de meu sangue ontem. Essa foi a diferença.

- Você acha que seu sangue ajudou não apenas a curar meu ombro, mas também com as reverberações? É possível?

- É definitivamente uma possibilidade. Uma Companheira de Raça que bebe regularmente o sangue de um vampiro se torna muito mais forte do que seria sem ele. O envelhecimento desacelera até ao passo de tartaruga. As células do corpo, os músculos e todo o metabolismo atinge um estado físico visivelmente saudável. E, sim, muitas vezes o sangue de um companheiro também tem impacto na habilidade psíquica das fêmeas.

- Por isso Sergei nunca me deixou beber dele - Renata disse, sua mente veloz para chegar à mesma conclusão a que Niko havia chegado. – Ele não fazia segredo de que gostava que meu poder fosse limitado. Nas vezes que tentei golpeá-lo, nunca pude manter a rajada o tempo suficiente para derrubá-lo. E, no final, o esforço sempre me custava caro demais quando retornava.

- Sergei Yakut era Primeira Geração - Niko recordou. – O sangue dele em seu sistema poderia torná-la praticamente invencível.

Renata zombou em voz baixa.

- Só um grilhão a mais para mim. Ele devia saber que eu o mataria se tivesse a menor esperança de êxito–ficou em silêncio durante um minuto, com os braços cruzados. Depois, arrancou uma fibra de erva do chão do abrigo improvisado. - Tentei matá-lo... no dia em que Mira e eu fugimos juntas. Naquele dia, ele queimou minhas costas com ferro quente. Fez outras coisas também.

Nikolai não tinha que perguntar mais sobre o que ela tinha sofrido. As cicatrizes das queimaduras em suas costas eram atrozes, mas pensar no castigo de Yakut era pior... O sangue de Niko fervia de indignação. O guerreiro, então, colocou a mão sobre a mão dela.

- Sinto muito, Renata.

Ela lançou um firme olhar que não procurava simpatia.

- Sua misericórdia foi a de não ter forçado Mira a assistir tudo o que me fez. Mas Sergei me disse que se ela ou eu tentássemos escapar outra vez, Mira pagaria da mesma forma que eu. Prometeu que seria pior para ela, e eu sabia que ele estava falando sério... Então, fiquei quieta. Eu o obedecia e a cada hora de cada dia rezava por um milagre que eliminasse Sergei Yakut de minha vida - parou, acariciando-lhe o rosto masculino. – E então você chegou e tudo mudou. Suponho que em muitos sentidos, você é meu milagre.

Nikolai segurou-lhe a mão e depositou um beijo no centro de sua palma.

- Ambos somos afortunados.

- Alegra-me que Sergei esteja morto - confessou ela, brandamente.

- Ele devia ter sofrido mais - disse Niko, sem tentar ocultar o tom obscuro de sua voz grossa. - Mas já morreu. E é o que importa.

Renata assentiu.

- E agora Lex também está morto. Os guardas de Yakut... Todos eles estão mortos.

- A essa hora da manhã, ele e os outros na propriedade não passam de um monte de cinzas - Niko disse ao esticar-se para colocar os cabelos negros e brilhantes de Renata atrás da orelha. - Depois que você dormiu ontem à noite, eu retornei lá e abri todas as persianas para que a luz do sol entrasse. Também liguei para Boston para dar os números que estavam no celular de Lex. Gideon entrará em contato quando tiver feito o rastreamento para nos dar os detalhes.

Outro assentimento, sua voz suave tinha um tom de esperança.

- Está bem.

- Enquanto estava lá, trouxe algo que pensei que pudesse precisar.

Inclinou-se para o monte de armas e outros instrumentos que havia recolhido e pegou o pacote de seda e veludo que pertencia a Renata.

- Minhas adagas! - ela disse, seu rosto iluminando-se de alegria quando pegou o pacote nas mãos. Desatou o laço que prendia as armas e desenrolou todo o veludo que cobria as quatro adagas com gravuras personalizadas. - Jack me deu isso...

- Eu sei. Ele me disse que as havia feito para você como um presente. Disse-me que não estava certo de que você as tivesse guardado.

- Elas são muito importantes para mim - murmurou, seguindo o lavrado do punho com a ponta do dedo.

- Eu disse que você ainda as tinha e ele alegrou-se ao escutar quanto elas significam para você.

O olhar cheio de gratidão de Renata banhou o macho da Raça.

- Nikolai... Obrigada por fazer isso pelo Jack. E por me devolver essas adagas. Obrigada mesmo.

Ela se aproximou dele e o beijou. A suave pressão de seus lábios foi algo profundo. Nikolai segurou-lhe o rosto entre as mãos, acariciando-lhe a mandíbula com os polegares grandes, percorrendo o delicado ângulo das maçãs do rosto. Ela abriu a boca enquanto a língua dele percorria a abertura úmida de seus lábios e soltou um doce gemidinho quando ele entrou dentro dela.

As presas dele se estenderam pontudas pela luxúria que corria nele como lava. Entre as pernas, seu sexo era já uma coluna de granito, aceso imediatamente diante da ideia de ter Renata debaixo de si. Quando a mão dela escorregou para baixo, ultrapassando a cintura da calça para tocá-lo, seu membro ereto e ávido saltou, crescendo mais e mais sob o calor da palma da mão de Renata enquanto ela o acariciava.

- Que horas são? – murmurou ela contra a boca febril dele.

Ele grunhiu, muito absorto em suas deliciosas carícias para processar imediatamente aquela pergunta. Através de sua respiração entrecortada, conseguiu responder.

- É cedo. Provavelmente por volta das nove.

- Bem, caramba, acho que é muito cedo - ela murmurou, separando sua boca da dele e deixando um rastro de beijos ao longo da garganta e do pomo-de-adão. - Não pode sair na luz do sol, não é mesmo?

- Não.

- Humm – os lábios úmidos dela desceram sobre o peito nu e suado dele. Ele recostou-se sobre os cotovelos enquanto ela seguia o contorno dos glifos com a ponta rosada de sua língua sapeca, percorrendo os arcos e redemoinhos ao redor de seus mamilos e através do seu tórax. Quando falou, sua voz vibrou em todos os ossos de Niko:

- Então, suponho que isso significa que estamos presos aqui por um tempo, não é?

- Sim. - A palavra saiu ofegante. O beijo dela viajou devagar para baixo, além do umbigo do macho da Raça, seguindo as linhas dos dermoglifos, em direção à parte do corpo dele que palpitava pela necessidade de sentir os lábios úmidos e quentes dela apertando-se ao seu redor. - Suponho que estamos presos aqui até de noite.

- Hum hum.

Ela prendeu o cordão das calças dele entre os dentes e deu um forte puxão. O nó caiu solto e então ela baixou as calças o suficiente para fazer a cabeça enorme do membro dele despontar ansiosa. Ela o lambeu, observando o rosto de Niko enquanto desenhava redemoinhos com a língua diabólica ao redor da carne e sugava uma gota do fluido viscoso que brotava ali.

- Ah!

- Então... - ela murmurou, seu fôlego flutuando através da pele umedecida pelo suor dele, atormentando-o ainda mais. - O que vamos fazer aqui o dia todo enquanto esperamos a noite chegar?

Niko riu.

- Querida, posso pensar em umas cem coisas que eu gostaria de fazer contigo.

Ela sorriu desafiante.

- Apenas cem?

Antes que ele pudesse lhe dar uma resposta inteligente, ela envolveu o pênis dele com os lábios e o tomou profundamente dentro da boca. E enquanto o corpo de Niko explodia de prazer, ele se viu rezando para que o tempo e os dias a sós com aquela incrível mulher – sua mulher – pudessem se estender para sempre.


Capítulo 26

Renata caminhou para a porta de trás da propriedade de Yakut e parou na soleira. Ela havia deixado Nikolai no refúgio de videiras quando decidiu que sua necessidade de um banho, de uma ducha quente e de roupas limpas que realmente coubessem nela eram maiores do que sua resistência em jamais colocar novamente os pés na casa de Sergei Yakut.

Agora ela duvidava. No início da tarde, o sol era uma presença alentadora, mas no lado de dentro a propriedade era escura e fria. Sombras caíam sobre a mobília desarrumada e estendiam-se pelas tábuas rudes do chão. Renata avançou e caminhou para o lugar onde Lex havia caído.

O corpo dele havia desaparecido, assim como o sangue. Nada além de um pequeno rastro de cinzas deixado para trás – como Nikolai prometera. As persianas sobre a janela da sala estavam totalmente abertas, mas o sol já havia passado. Uma fresca brisa carregava o aroma de pinheiro e o ar fresco do bosque para a umidade calma do lugar. Renata respirou profundamente, enchendo os pulmões, deixando a fragrância de um novo dia expurgar as lembranças de toda aquela morte, aquele sangue e aquela violência que tinham coberto o lugar na noite anterior.

Hoje, sob aquela nova luz, muitas coisas pareciam diferentes para ela.

Ela mesma parecia diferente. E sabia a razão. Estava apaixonada.

Pela primeira vez em muito tempo (talvez em toda a sua vida), Renata verdadeiramente sentia a esperança acomodada em seu coração, uma esperança de que o futuro lhe reservava algo além da mera sobrevivência, que ela poderia em algum momento medir a felicidade em anos e não apenas em momentos raros e fugidios. Estar com Nikolai, fosse em seus braços ou ao seu lado, fazia Renata acreditar que muitas coisas eram possíveis.

Ela caminhou pela grande sala, apoiando-se no fato de que aquela seria a última vez que precisaria ver aquele lugar. Aquilo era um adeus.

Quando ela e Nikolai saíssem dali para continuar a busca por Mira, aquele albergue, aquele terrível celeiro, aquele canil na parte de trás da construção, Sergei Yakut, Lex e todos os outros que marcaram os últimos dois anos de sua vida seriam apenas lembranças. Ela deixaria tudo ali, e o terror e a dor seriam, de alguma forma, banidos de seu futuro.

Aquela parte de sua vida havia terminado.

Ela entrou no pequeno banheiro que havia compartilhado com Mira, em paz consigo e com tudo ao seu redor enquanto ligava a água quente da ducha. Quando o vapor úmido começou a sair pela cortina, ela desabotoou uns poucos botões da camisa emprestada de Jack e ficou ali por um momento, parada, nua, contemplando seu futuro com olhos renovados. Não sabia o que a esperava uma vez que a noite caísse e uma nova jornada começasse, mas estava disposta a enfrentar o que quer que fosse.

Com Nikolai ao seu lado – com a esperança e o ardente amor tão resplandecente quanto uma chama em seu coração –, Renata estava preparada para enfrentar tudo.

Como um cavalheiro destinado a uma batalha que procura uma bênção, Renata deu um passo debaixo da água quente da ducha. Fechou os olhos em uma solene oração enquanto a reconfortante água caía-lhe sobre o corpo nu.

Nikolai permanecia no abrigo de videiras enquanto os passos de Renata se aproximavam.

- Toc, toc - ela o chamou através das folhas. – Estou entrando, então cuidado com a luz do dia. Eu não gostaria que você torrasse por mim.

Ela afastou algumas folhas verdes e avançou, pronunciando uma rápida desculpa quando notou que ele tinha o telefone celular de Lex no ouvido. Niko havia ligado para a Ordem pouco depois que ela fora tomar banho. As notícias de Boston eram uma mistura de boas e más, além de uma dose extra de sérios problemas.

As boas? Um dos números no telefone de Lex era, de fato, de Edgar Fabien. Sem muito esforço, Gideon havia sido capaz de rastrear os registros da base de dados de identificação internacional de Fabien. Agora, a Ordem tinha os endereços da residência do líder do Refúgio de Montreal, sua casa no interior e todos os dados de todas as outras propriedades privadas, tanto de negócios como pessoais. Gideon tinha acesso aos números de telefone celular de Fabien, carteira de motorista, arquivos do computador e até mesmo da vigilância eletrônica do Refúgio do maldito filho da mãe.

E era nesse ponto que começavam as más notícias.

Edgar Fabien não estava em casa. Gideon havia interceptado o sinal de um canal de vídeo mais cedo naquela noite e visto um grupo de sete machos da Raça – um deles provavelmente era Fabien – deixando o Refúgio em companhia de uma escolta armada da Agência de Execução. Era difícil dizer quem eram os visitantes de Fabien, já que todos pareciam iguais em ternos sob medida e com os rostos completamente ocultos por capuzes pretos.

Quanto à dose extra de sérios problemas, o grupo de vampiros havia saído com uma menina. Uma jovem que evidentemente não os havia seguido tranquilamente. A descrição de Gideon da criança loira não deixava dúvida de que se tratava de Mira.

- Ainda está me ouvindo? - Gideon perguntou do outro lado da linha.

- Sim, continuo aqui.

- Lucan quer que Fabien seja trazido a Boston para um interrogatório. Isso significa que precisamos dele vivo, cara.

Niko soltou uma maldição.

- Primeiro, temos de encontrar esse filho da puta.

- Sim, estou trabalhando nisso. Rastreei o GPS do telefone celular de Fabien. Consegui um sinal de um lugar a aproximadamente uma hora ao norte da propriedade de Yakut. Uma das propriedades de Edgar Fabien. Ele deve estar lá.

- Tem certeza?

- Tanta que já enviamos reforços. Tegan, Rio, Brock e Kade estão a caminho para encontrar-se com você enquanto falamos.

- Reforços a caminho? - perguntou Niko, olhando uma parte de luz ultravioleta que aparecia através das folhas do refúgio. A Ordem tinha trajes de proteção solar para situações de emergência, mas até mesmo uma geração antiga de vampiros vestidos dos pés à cabeça com trajes protetores de raios ultravioletas seria incapaz de resistir à luz solar golpeando no assento do motorista em uma viagem de quase sete horas. - Jesus! Não pode estar falando a sério. Quem teve essa ideia?

Gideon riu.

- As fêmeas teimosas, meu caro. Não sei se você notou, mas fomos invadidos por elas nos últimos tempos.

- Sim, notei.

Niko não pôde deixar de lançar um olhar para Renata, que estava verificando algumas das armas que tinham recolhido de Lex e dos outros.

- Qual é a situação, então?

- Dylan está levando os caras em uma Rover e Elise está montando guarda. Devem chegar aí por volta das nove, exatamente depois do pôr do sol. Como Fabien tem vários sócios desconhecidos com ele, vamos precisar entrar e sair de lá com cuidado, sem vítimas desnecessárias - Gideon fez uma pausa. - Escuta, sei que você está preocupado com a menina. A segurança dela é importante, sem dúvida, mas isso é grande, Niko. Se Fabien pode nos levar a Dragos, temos que nos assegurar de capturá-lo esta noite. Essa é a missão número 1, ordenada diretamente por Lucan.

- Sim - disse Nikolai. Ele sabia qual era a missão. Também sabia que não podia decepcionar Renata ou Mira. – Inferno... Certo, Gideon, eu entendi.

- Ligarei se Fabien se mover entre agora e o pôr do sol. Enquanto isso, estou trabalhando em um ponto de encontro para que você se junte aos outros esta noite e ponha em ação um plano de infiltração. Devo ter algo em uma hora ou duas. Ligarei depois.

- Certo. Até depois.

Nikolai desligou o telefone e o colocou junto de si.

- Gideon conseguiu algo daqueles números telefônicos? - perguntou Renata, olhando-o cuidadosamente. - Temos alguma pista do Refúgio de Fabien?

Niko assentiu.

- Temos o endereço.

- Graças a Deus - ela suspirou. O alívio cedeu espaço rapidamente à determinação, tão feroz como Niko nunca havia visto nela. - Onde está ele? No Refúgio na cidade ou em alguma parte nos subúrbios? Eu poderia ir lá agora mesmo e analisar o terreno. Santo Deus, da forma como me sinto – sem dor, meu ombro melhorando – talvez eu devesse bater na porta e golpeá-lo com uma explosão de...

- Renata - Niko pôs a mão grande sobre a dela e sacudiu a cabeça. - Fabien está indo para algum lugar. Não está mais na cidade.

- Então onde?

Ele poderia contar sobre o sinal do GPS que Gideon estava rastreando. Poderia dizer que Fabien tinha Mira em sua custódia e que a menina estava provavelmente uma hora ao norte de onde eles estavam sentados agora. Mas Niko também sabia que se dissesse isso a Renata – se desse o mínimo de certeza sobre o paradeiro da menina que tanto significava para ela –, ele não poderia impedi-la de sair por conta própria naquele exato momento para encontrá-la.

A promessa de Niko à Ordem era seu dever – sua honra –, mas e Renata? Ela era seu coração. Ele não podia pôr em perigo a missão de seus irmãos, mas também não podia permitir que aquela mulher que ele amava partisse precipitadamente sozinha, rumo ao perigo. O pensamento dele era pré-histórico, talvez, especialmente por ter em conta que Renata era uma mulher que sabia como dirigir a si quase em qualquer situação. Era bem treinada, capaz, definitivamente valente, mas... inferno, ela significava muito para que corresse esse tipo de risco. Aquela não era uma opção.

- Estamos esperando uma localização sólida de onde está Fabien – ele disse, a mentira amarga sobre sua língua, independentemente das boas intenções. - Enquanto isso, a Ordem está enviando reforços. Nós vamos nos juntar a eles esta noite.

Renata escutou, claramente confiando nele e em sua palavra.

- A Ordem tem alguma ideia se Mira está com Fabien em qualquer lugar que ele esteja?

- Estamos trabalhando nisso - Nikolai achou difícil sustentar o olhar verde-claro sem pestanejar. - Quando encontrarmos Fabien, encontraremos Mira. Ela vai estar bem. Prometi isso, lembra?

Quando pensou que ela só assentiria com a cabeça e afastaria o olhar, Renata estendeu a mão para apanhar o rosto dele.

- Obrigada... por estar aqui para me apoiar em tudo isto. Não sei como serei capaz de pagá-lo, Nikolai.

Ele ergueu a mão dela entre as suas e deu-lhe um beijo. Diria algo singelo, uma das brincadeiras sem sentido habituais que tão frequentemente usava quando as emoções ao seu redor eram muito reais ou cheias de honestidade. Tinha suas cartas sob a manga: desviar com humor, desarmar com indiferença, atacar e correr como o inferno à primeira indicação de sua própria vulnerabilidade. Mas todas aquelas velhas e confiáveis armas que ele havia aperfeiçoado falhavam agora.

Acariciou com o dedo polegar o dorso da mão de Renata e se deixou perder no refúgio verde de seus olhos.

- Não sou muito bom nisso - murmurou ele. - Quero dizer algo... inferno. Provavelmente eu vou encher sua paciência, mas quero que você saiba que me preocupo com você. Preocupo-me... pra caramba, Renata.

Ela o olhou fixamente, permanecendo tão imóvel e silenciosa que nem sequer estava seguro de que ela estivesse respirando.

- Eu me preocupo - soltou, frustrado consigo pela estupidez das palavras que queria que fossem perfeitas para ela. - Não sei como aconteceu, ou mesmo o que significará para você, se vai significar. Mas preciso dizer porque isso é real. É real, e eu nunca me senti dessa maneira antes. Com ninguém.

A boca de Renata suavizou em um pequeno sorriso enquanto ele divagava com estupidez, tentando encontrar uma maneira de dizer a profundidade do que havia em seu coração de macho da Raça. Tentava e falhava miseravelmente.

- O que estou querendo dizer é que... - sacudiu a cabeça, sentindo-se uma porcaria, mas o suave toque de Renata em seu rosto o tranquilizou. O claro olhar dela trouxe Niko de volta, direto e centrado, conectando-o com a Terra. - O que estou querendo dizer é que estou apaixonado por você... Realmente apaixonado. Não estava esperando que isso acontecesse. Não pensei que alguma vez eu fosse querer isso, mas... Ah! Renata, quando olho dentro de seus olhos, só consigo pensar em uma coisa: para sempre.

Ela exalou devagar e seu pequeno sorriso se estendeu em radiante alegria. Niko passou as mãos na pele suave e macia dela, e pelos cabelos úmidos.

- Estou apaixonado por você, Renata. Sei que não sou um poeta... Caramba, nem sequer chego perto disso. Não tenho todas aquelas palavras bonitas que queria poder dizer... Mas quero que saiba que o que sinto por você é real. Eu te amo.

Ela riu brandamente.

- O que faz você pensar que quero poesia ou palavras finas? Você acabou de dizer exatamente o que queria ouvir, Nikolai–ela deslizou sua mão pela parte de trás do pescoço largo dele e o puxou para um longo e apaixonado beijo. - Também te amo, Nikolai - sussurrou contra sua boca. - Assusta-me admitir isso, mas é assim. Eu te amo, Nikolai.

Ele a beijou e a abraçou, desejando nunca ter de se afastar dela. Mas o cair da noite logo chegaria e ainda havia uma coisa que ele precisava fazer.

- Tem que fazer uma coisa por mim.

Renata se acomodou contra ele.

- Qualquer coisa.

- Não sei o que vai acontecer esta noite, mas preciso saber que vai estar tão forte quanto possível. Quero que tome mais de meu sangue.

Ela se soltou de seu abraço e arqueou uma sobrancelha para ele.

- Tem certeza de que não está só tentando entrar no meio das minhas pernas de novo?

Niko riu, uma sacudida de calor formando redemoinhos diretamente em sua virilha apenas diante daquela ideia.

- Eu não rejeitaria o convite. Mas falo sério... Quero que beba de mim de novo. Faria isso por mim?

- Sim, é obvio.

Ele afastou uma mecha escura da testa dela.

- Há uma coisa mais, Renata. Quando formos atrás de Fabien esta noite, eu morreria se algo... Bem, simplesmente não posso me arriscar a ficar separado de você, vou precisar saber que você está bem todo o tempo, ou minha concentração vai para o inferno. Preciso ter uma ligação com você. Sei como se sentia com Yakut usando seu sangue como um grilhão para você, e prometo que isso não é o que...

- Sim, Nikolai – ela disse, interrompendo-o com um movimento suave de seus dedos sobre sua boca. – Sim... Pode beber de mim.

A maldição dele como resposta foi um sinal de alívio.

- É para sempre - recordou firmemente. - Precisa entender isso. Se eu beber de você, não poderemos desfazer esse vínculo nunca mais.

- Entendo - ela disse sem vacilação. Aproximou-se e beijou-o, longa e profundamente. - Entendo que o vínculo é para sempre... E continuo dizendo que sim.

Niko gemeu. O fogo iluminou-lhe as veias. Suas presas se alongaram e seu pênis se elevou em atenção imediata, tudo nele ansioso por reclamar Renata como sua. Ele a beijou, o coração golpeando fortemente contra seu tórax forte quando ela passou a língua por seus lábios para brincar com as pontas afiadas de suas presas.

- Quero que você fique nua para isso - disse ele, incapaz de conter o tom autoritário que se mostrava em sua voz. Ele era parte humano, mas havia outra parte dele – uma parte mais selvagem e muito, muito mais sexy – que era menos paciente do que gostaria.

Niko olhou com olhos flamejantes de âmbar como Renata o obedecia rapidamente, despojando-se de sua roupa e estendendo-se sobre o chão de grama do refúgio, suas coxas deixando-se entreabrir para ele sem um pingo de inibição.

- Ah! Sim... - Niko grunhiu. - Assim é muito melhor.

Ele estava completamente tomado pela necessidade de tê-la. Arrancando sua própria roupa e deixando-a de lado, subiu sobre os quadris dela e a montou. Empurrou o membro duro como uma rocha enquanto ela o acariciava, torturando-o. E ele manteve o olhar nela enquanto levava seu pulso até a boca e mordia a própria carne.

- Deixe-me provar de você de novo – ela disse, subindo até encontrar a veia enquanto ele levava as perfurações até sua boca. Gotas carmesim salpicaram até cair sobre os seios dela, tão vívidas contra sua cremosa pele. Ela gemeu, fechando os olhos enquanto sugava-o, saboreando-o.

Niko a olhava beber, observando seu corpo começar a retorcer-se pela excitação. Com sua mão livre, ele a acariciou, incapaz de resistir a passar seus dedos pelo sangue que havia derramado sobre ela. A visão de seu sangue marcando a pele dela era tão erótica como nada tinha sido antes. Seu toque atrevido foi mais abaixo, à fenda aberta que estava tão preparada para ele. As coxas dela apertaram-lhe o pulso, sustentando-o contra si enquanto o primeiro orgasmo disparou através do corpo dela.

Niko grunhiu de pura adoração masculina enquanto alimentava sua fêmea e a sentia clamar por ele. Ele a deixou beber durante vários minutos até seu corpo arder de novo sob ele.

Ele também estava ardendo.

Suavemente, tirou o pulso de sua boca e fechou as perfurações com uma lambida. Renata ainda estava arqueando e retorcendo-se, ainda gemendo por ele, enquanto ele se ajeitava sobre ela e a penetrava, as unhas dela marcando seus ombros largos em uma dor deliciosa.

Nikolai fez amor tão devagar quanto pôde – tão devagar quanto a febre de seu corpo permitia. Ela gozou de novo, retorcendo-se e extraindo dele uma furiosa liberação. Mas isso praticamente não diminuiu as investidas. Ele ainda estava duro dentro dela, ainda faminto por aquela mulher... sua mulher.

Com a mão tremendo, Nikolai acariciou os pontos escuros já fechados de um lado da bela garganta de Renata.

- Tem certeza? - perguntou, sua voz apenas reconhecível para ele mesmo, estava tão seco e desesperado. – Renata... Quero que você tenha certeza.

- Sim - ela arqueou o corpo, confirmando com um empurrão, seu constante olhar suplicante. - Sim.

Com um grunhido selvagem enroscando-se em sua garganta, Nikolai expôs as presas e desceu sobre ela.

O doce sabor do sangue de Renata surgiu em sua boca caindo como um pontapé no estômago. Ah! Agora sabia. Quantas vezes havia especulado com os outros guerreiros a respeito de estar emparelhado e encontrar uma fêmea que os impressionaria? Facilmente centenas de vezes. Milhares, talvez.

Que ingênuo ele tinha sido.

Agora ele sabia. Renata o tinha, mesmo antes de ele a morder. Ele estava de joelhos diante daquela mulher, e ficaria ali com prazer pelo resto de sua vida.

Niko bebeu mais, afogando-se no prazer do vínculo que havia criado através da união de sangue e do ritmo exagerado de seus corpos nus, unidos. Seus dentes ainda estavam cravados na pele dela enquanto ele tomava o último gole e gozava de novo, dessa vez mais forte, uma descarga assombrosa que o golpeou como um trem descarrilhado. Agarrou-se nela, estremecendo com intensa satisfação. Embora pudesse beber de sua veia durante toda a noite, Nikolai se obrigou a se afastar, selando as feridas com uma tenra lambida de sua língua.

Ele ficou observando-a, seu olhar iluminando a pele dela.

- Eu te amo – ofegou, necessitando que ela o escutasse e que acreditasse nisso. Queria que ela se lembrasse disso depois dessa noite, depois que conseguissem localizar Fabien no norte e que ele lhe explicasse por que havia precisado mentir. Beijou seu queixo, sua bochecha, sua testa. – Amo você, Renata.

Ela sorriu sonolenta.

- Mmmm... Eu realmente gosto de como isso soa.

- Então terei que assegurar que ouça muitas e muitas vezes.

- Certo - murmurou ela, seus dedos brincando com os cabelos dele, empapados de suor sobre a nuca. - Foi incrível, a propósito. Sempre vai ser bom assim?

Ele gemeu.

- Tenho a sensação de que pode melhorar.

Ela riu, e a vibração fez despertar de novo seu sexo.

- Se continuar assim, terei que voltar e tomar outra ducha.

Ele fez um movimento sexy e poderoso com sua pélvis, encaminhando sua ereção mais profundamente.

- Ah, posso continuar. Não se preocupe, isso nunca vai ser um problema quando você estiver por perto.

- Melhor tomar cuidado, ou posso obrigá-lo a isso.

Niko riu apesar de seu pesado humor.

- Coração, pode me obrigar a tudo que quiser.

Ele a beijou novamente. E grunhiu de prazer quando ela envolveu as pernas ao redor dele e o fez girar de costas para começar uma lenta e nova cavalgada.


Capítulo 27

Houve uma época para Andreas Reichen, há quase 300 anos, quando a morte caía sobre ele como um dilúvio. Um tempo quando uma desatinada onda brutal de massacre tinha visitado seu pacífico domínio.

Naquele tempo, no verão úmido de 1809, uma manada de vampiros Renegados tinha forçado sua entrada nesse mesmo Refúgio, violando e matando vários de seus familiares. O ataque tinha sido ao acaso, a mansão e seus residentes apenas tiveram o azar de estar no caminho de um grupo de Renegados viciados em sangue. Tinham forçado sua entrada além das portas desprotegidas e janelas, alimentando-se e matando muitos inocentes... E, apesar de tudo, houve sobreviventes. Os Renegados tinham espalhado horror e passado como a peste que eram, mas finalmente foram caçados e destruídos por um membro da Ordem que tinha vindo ajudar Reichen.

A matança fora insuportável, mas não tinha sido completa.

O que Reichen enfrentou em sua volta para casa naquela noite tinha sido um ataque calculado. Não uma entrada pela força bruta, mas por meio da traição. Um inimigo bem-vindo como um amigo. E o massacre ocorrido - provavelmente nas primeiras horas da manhã, justo antes da saída do sol - tinha sido uma aniquilação total.

Ninguém tinha se salvado.

Nem sequer a alma mais jovem na residência.

Com um terrível silêncio que impregnava o ar como uma enfermidade, Reichen caminhou através do sangue e da destruição como um dos mortos. Seus passos seguiram a pista de manchas pegajosas escarlates no mármore do vestíbulo e da sala, além de seu jovem sobrinho, que estava tão contente ao convidar Reichen para padrinho de seu filho recém-nascido. O novo pai ruivo estendido na porta tinha sido o primeiro a morrer, Reichen adivinhou, incapaz de olhar o rosto sem vida que olhava sem ver a escada cheia de balas que conduzia aos dormitórios dos Refúgios nos andares superiores.

Mais morte esperava no corredor fora da biblioteca, onde outros machos tinham sido cortados ao meio. Ainda mais vidas extintas perto da escada da adega, um dos primos de Reichen e sua Companheira de Raça, ambos mortos enquanto tentavam escapar dos disparos.

Não viu o corpo da criança até que quase tropeçou nele - um menino vampiro de cabelo revolto que evidentemente tinha tentado se esconder em uma das estantes da sala de jantar. Os assassinos o haviam tirado de lá e o matado como a um cão.

- Jesus Cristo – Reichen, sufocado, caiu de joelhos e levou a mão branda do menino a sua boca para afogar o grito gutural. - Pelo amor de Deus... Por quê? Por que eles e não eu?!

- Ele disse que você saberia por quê.

Reichen fechou os olhos diante do som rígido da voz de Helene. Ela falava muito devagar, as sílabas muito planas... carente de matizes.

Sem coração.

Ele não precisava se virar para saber que seus olhos estariam estranhamente mortos para ele agora. Mortos porque todo seu calor e toda a sua humanidade tinham sido recentemente retirados dela.

Já não era sua amante, nem sua amiga. Ela era uma Subordinada.

- Quem converteu você? - ele perguntou, deixando cair a mão do menino morto. A quem você pertence agora?

- Você deve saber, Andreas. Você me enviou a ele, afinal.

Filho da puta.

Reichen apertou a mandíbula quadrada e masculina, os molares quase quebrando pela pressão.

- Wilhelm Roth. Ele a enviou aqui para fazer isso. Ele a usou para me destruir.

O fato de Helene não dizer nenhuma palavra sequer apenas tornou a compreensão do golpe mais profunda. Tão dilacerador como seria olhar os olhos de sua ex-amante e ver que a mulher por quem se preocupava agora estava sem alma. Reichen tinha que ver por si mesmo.

Levantou-se e virou lentamente.

- Ah! Helene...

Sangue seco salpicado no rosto e na roupa dela - quase cada centímetro dela coberto de sangue de seus mais queridos amigos e familiares. Ela devia estar ali no centro de todo o massacre, uma insensível testemunha não afetada por tudo isso.

Ela não disse nada quando o olhou fixamente, com a cabeça inclinada um pouco para o lado. Seus olhos, uma vez brilhantes e ardilosos, agora estavam vazios e frios. Abaixo, ao seu lado, ela sustentava uma grande faca de cozinha na mão. A folha larga brilhava à luz do abajur de cristal da sala de jantar.

- Sinto muito - ele murmurou, seu coração retorcido. - Eu não sabia... quando enviou o e-mail e me deixou a mensagem com o nome de Roth, tentei avisá-la. Tentei alcançá-la, mas...

Ele deixou que as palavras se desvanecessem, sabendo que as explicações não importavam. Não mais. Não agora.

- Helene, só sei que sinto muito - engoliu a bílis que subiu no fundo de sua garganta. - Só sei que eu realmente me importava com você. Eu a amav...

Com um grito estridente, Helene se lançou sobre ele.

Reichen sentiu o fio da navalha cortando seu peito e braço, fazendo um profundo corte. Ignorando a dor, ignorando a inalação repentina do aroma de seu próprio sangue, ele agarrou o braço da escrava de Roth e o torceu. Ela gritou, opondo-se e lutando enquanto ele puxava seu braço esquerdo para baixo e bloqueava ambos os membros ajustados aos lados de seu corpo. Ela amaldiçoou e gritou, chamando-o com nomes vis, cuspindo de fúria.

- Shhh - Reichen sussurrou ao lado de seu ouvido. – Agora, cale-se, Helene.

Como um animal selvagem, Helene continuou se retorcendo e gritando para que ele a soltasse.

Não, corrigiu-se. Não, Helene. Aquela já não era a mulher que ele conhecera. Helene estava morta para ele no momento em que trouxe o esquadrão da morte de Wilhelm Roth para dentro daquele Refúgio. Na verdade, por muitas razões, ela nunca foi sua. Que Deus tivesse piedade dela, ela não merecia esse fim. Nenhum dos caídos ali merecia tal horror.

- Tudo está bem agora - ele murmurou, a mão direita acariciando as bochechas manchadas de sangue dela. - Está tudo bem agora, querida.

Um grito saiu disparado de sua garganta enquanto ela puxava bruscamente o rosto para fora de seu alcance.

- Maldito! Deixe-me ir!

- Sim - ele disse tirando-lhe a faca. - Terminou agora. Vou deixá-la ir.

Com a dor estrangulando-o, Reichen girou a faca em torno de seus dedos e levou a ponta ao seu peito.

- Me perdoe, Helene...

Sustentando-a apertada contra ele, afundou a lâmina profundamente no peito dela. Ela não fez nenhum som enquanto morria, apenas deixou escapar um suspiro longo e lento enquanto desinflava em seus braços e desabava ali, frouxa como uma boneca de pano. Tão brandamente quanto pôde, Reichen deitou seu corpo no chão. A faca caiu de sua mão ao lado dela, revestida com o carmesim brilhante dos sangues deles mesclados.

Reichen lançou um longo e incorruptível olhar para os restos do que tinha sido seu lar. Agora que tudo tinha terminado, queria memorizar cada mancha de sangue, cada vida que se interrompeu por causa de sua falta de atenção. Seu engano. Ele precisava recordar, porque em pouco tempo nada daquilo existiria.

Não podia permitir que nada daquilo permanecesse, não daquela forma. Tampouco ia deixar que as mortes não fossem vingadas.

Reichen deu meia volta e se afastou da matança. Suas botas ecoaram no chão de madeira da sala, seus passos eram o único som na horripilante tumba maciça. No momento em que chegou ao jardim em frente à propriedade, seu peito não estava mais apertado, mas frio.

Tão frio como uma pedra. Tão frio como a vingança que tinha a intenção de visitar Wilhelm Roth e todos os associados a ele.

Reichen se deteve brevemente na grama iluminada pela lua. Ele se virou para a mansão e, por um momento, simplesmente a viu em sua perfeita e estranha quietude. Então sussurrou uma oração, palavras antigas que se sentiam oxidadas em sua língua pela falta de uso.

Não é que a oração lhe fizesse algum bem agora. Estava abandonado, agora mais do que nunca. Realmente sozinho.

Reichen baixou sua cabeça até o peito, invocando seu terrível talento. Encheu-se em seu interior, um calor que rapidamente se intensificou, formando um fundido e revolto círculo em suas vísceras.

Ele deixou-o crescer. Deixou-o girar e ganhar força até que seu interior se sentiu abrasado por sua fúria.

E ainda o conteve.

Manteve-o em seu interior até que a bola de fogo golpeou contra sua caixa toráxica, fumaça e cinza flutuando até queimar o fundo de sua garganta. Até que a bola de fogo o consumiu, iluminando todo seu corpo com um resplendor muito quente. Cambaleou sobre seus calcanhares, lutando para manter o corpo até que soubesse que desataria a total destruição instantânea.

Enfim, com um rugido cheio de dor, Reichen soltou o poder de dentro dele.

Um disparo de calor saiu de seu corpo, derramando e girando enquanto avançava para frente, uma esfera de pura energia explosiva. Como um míssil lançado em um alvo por um laser, o círculo disparou dentro da porta aberta da mansão Refúgio. Um segundo depois, detonou, uma impressionante beleza infernal.

Reichen foi golpeado de volta com o estalo sônico da explosão.

Deitou-se na grama, observando com satisfação desinteressada como as chamas, as faíscas e a fumaça devoravam até mesmo os menores pedaços do que tinha sido sua vida.


Capítulo 28

- Estamos carregados e preparados para partir, Renata. Precisa de mais tempo antes de sairmos?

De pé no caminho de cascalho diante da casa principal, Renata girou quando Nikolai se aproximou por trás.

- Não, não preciso de mais tempo aqui. Estou pronta para deixar este lugar para sempre.

Ele abraçou-a, envolvendo-a em sua força masculina.

- Acabo de falar com Gideon. Tegan, Rio e os outros estão fazendo bons progressos. Eles devem estar em nosso ponto de encontro em uma hora.

- Certo. Bom.

Renata se inclinou em seu abraço, feliz pelo calor de seu refúgio... e de seu amor. Nikolai a tinha mantido perto dele no refúgio de videira até que o sol se pôs, acalmando seus temores com seu corpo, afastando-a da feia realidade que originalmente os tinha unido - e do que poderia acontecer naquela noite, quando eles finalmente teriam a oportunidade de enfrentar Edgar Fabien.

A verdade era que ela estava preocupada com o que eles poderiam encontrar. Uma preocupação que lhe penetrava até os ossos e, embora Nikolai não houvesse dito nada que sugerisse que ele também tivesse dúvidas, ela poderia dizer que sua mente estava carregada de pensamentos que ele parecia estar decidido a esconder dela.

- Pode me dizer, você sabe - ela saiu dos braços dele e o encarou. – Se tiver um mau pressentimento a respeito desta noite... pode me dizer.

Algo cruzou a expressão de Niko, mas ele não disse nada, apenas sacudiu a cabeça e beijou a testa de Renata.

- Não sei o que podemos esperar em se tratando de Fabien. Mas posso dizer que, aconteça o que acontecer, estarei com você, certo? Vamos sair disso.

- E uma vez que tenhamos Fabien, vamos buscar Mira - ela completou, procurando os olhos dele. - Certo?

- Sim - ele disse, com seu indestrutível olhar que sustentou de forma estável. - Sim, eu prometi. Dei minha palavra a respeito disso. Não vou desapontá-la.

Ele a puxou para si uma vez mais, capturando-a em um afeto que o mostrava pouco disposto a deixá-la ir. Renata o sustentou também, escutando o forte e rítmico palpitar de seu coração em sua orelha... e perguntando-se por que seu próprio pulso parecia estar dando um sinal de alerta em suas veias, como uma sentença de morte.

Em uma remota fazenda abandonada de cem hectares, algumas horas ao norte de Montreal, o bosque da noite estremeceu com o gemido de um motor de combustão interna e o excesso de velocidade de um barco que passava através do lago praticamente desabitado. A terra e o lago, bem como o transporte proporcionado a Dragos para chegar àquele lugar, pertenciam a Edgar Fabien.

Embora Fabien tivesse sido uma recente decepção, Dragos supôs que o líder do Refúgio merecesse algum crédito por aquela reunião importante. Enquanto o resto dos assistentes chegou durante a noite anterior de automóvel, naquela noite um barco rápido tinha sido enviado para levar Dragos depois que um hidroavião o havia trazido da cidade por outro caminho interno de água também na propriedade de Fabien. Depois do revés sofrido poucas semanas atrás, durante a reunião de Dragos com a Ordem, Fabien tinha ficado muito mais cauteloso sobre como viajava ao ar livre, entre outras coisas. Ele tinha chegado muito longe para correr riscos. Tinha arriscado muito para perder tudo por um descuido ou por incompetência de outros.

Lançou um olhar depreciativo para o outro passageiro sentado no bote com ele. O rosto do Caçador permanecia impassível no resplendor leitoso da lua sobre suas cabeças, seu enorme corpo perfeitamente imóvel mesmo quando o condutor girou o leme e o bico da proa do barco conectou-se diretamente com a água para desviar-se em direção ao cais solitário que se encontrava mais adiante.

O caçador provavelmente sabia que se dirigia para a própria morte. Tinha fracassado em sua missão de matar o Primeira Geração em Montreal, o que pedia um incrível castigo. Dariam um jeito nele naquela noite, e se Dragos pudesse usar este castigo como uma demonstração adicional de seu poder diante dos tenentes que estavam reunidos para dar as boas-vindas agora, melhor.

O motor do barco mudou para uma marcha inferior quando chegaram ao cais não iluminado e modesto onde Edgar Fabien esperava para saudá-lo. Os vapores do gás formaram redemoinhos fora da água, asquerosamente doces. A reverência profunda de Fabien e as boas-vindas aduladoras tinham um efeito similar.

- Meu senhor, é a honra de toda uma vida dar boas-vindas aos meus domínios.

- De fato - Dragos arrastou as palavras enquanto dava um passo fora do barco sobre as tábuas de madeira escura do cais. Ele fez um gesto para que o Caçador o seguisse, e não perdeu a reação de Fabien quando divisou o tamanho e a imensidão do Primeira Geração que prestava serviços à ordem de Dragos. – Todos estão reunidos lá dentro?

- Sim, senhor. - Fabien saiu de sua reverência e se precipitou a caminhar ao lado de Dragos. - Tenho boas notícias. O guerreiro que escapou da contenção foi eliminado. Tanto ele quanto a mulher que o ajudou. Um de meus ajudantes agarrou a dupla, e ontem à noite enviei uma equipe com meus melhores agentes para se livrar do problema.

- Tem certeza de que o guerreiro está morto?

O sorriso de suficiência de Fabien ressoou.

- Aposto minha própria vida nisso. Enviei profissionais capacitados para a tarefa. Confio na habilidade deles de forma implícita.

Dragos grunhiu, sem deixar-se impressionar.

- Que grande comodidade deve ter esse tipo de confiança em seus servos.

A confiança de Fabien vacilou com a espetada e ele limpou a garganta com estupidez.

- Meu senhor... em outro momento, se quiser.

Dragos dispensou o Caçador de sua presença com um gesto cortante.

- Aproxime-se da casa e me espere. Não fale com ninguém.

Quando o assassino Primeira Geração caminhou a passos longos para a frente, Dragos fez uma pausa para lançar um olhar impaciente para Fabien.

- Meu senhor, eu esperava, quer dizer, pensei que um presente pudesse cair bem - gaguejou ele. - Para celebrar esse importante evento.

- Um presente? - antes que pudesse perguntar a Fabien o que pensava que Dragos poderia necessitar dele, Fabien estalou os dedos e um agente de execução surgiu das sombras das árvores circundantes, empurrando uma menina diante dele. A menina parecia perdida na escuridão, seus cabelos loiros brilhando como cabelos de milho, seu pequeno rosto perdido debaixo dele.

- Que é isso?

- Uma jovem Companheira de Raça, meu Senhor. Meu presente para o senhor.

Dragos contemplou a menina desamparada, impressionado. As Companheiras de Raça eram um acontecimento bastante raro entre as populações humanas, isso era certo, mas ele preferia as férteis, em idade de procriar. Essa garota não estaria pronta por vários anos, o que sem dúvida mostrava que Fabien tinha algo mais a respeito dela.

- Pode ficar com ela - disse Dragos, retomando o percurso rumo à reunião. – Faça com que seu homem conduza o barco de volta. Chamarei pelo rádio quando necessitar.

- Vá - Fabien ordenou em resposta, então voltou novamente ao lado de Dragos, tão ansioso como um cão mendigando pelas sobras. - Meu senhor, sobre a menina... na verdade, o senhor deve ver por si. Ela é dotada de um talento extraordinário que estou seguro de que o senhor saberá apreciar. Ela é um oráculo, meu senhor. Fui testemunha disso.

Contra sua vontade, a curiosidade prendeu sua atenção. Seus passos desaceleraram, e então deteve-se.

- Traga-a.

Quando ele girou ao redor, o sorriso impaciente de Fabien ficou ainda mais amplo.

- Sim, senhor.

A menina foi conduzida a ele uma vez mais, resistindo em seus passos, seus obstinados calcanhares cravando-se nas velhas agulhas de pinheiro e na areia que enchiam o pequeno cais. Ela tentou lutar contra o guarda vampiro que a segurava, mas era um esforço inútil. Ele simplesmente a empurrou para frente até que ela ficou de pé diretamente na frente de Dragos. Ela manteve seu queixo para baixo, com o olhar posto no chão.

- Levante a cabeça - Fabien ordenou, mal esperando que obedecesse, antes de pegar sua cabeça com ambas as mãos e a obrigar a olhar para cima. - Agora, abra os olhos. Vamos!

Dragos não sabia muito bem o que esperar. Ele não estava absolutamente preparado para a palidez surpreendente de seu olhar. A íris da menina era tão clara como espelhos de cristal e tão impecável que imediatamente o fascinaram e hipnotizaram. Estava vagamente consciente da emoção de Fabien, mas toda a sua atenção estava presa na menina e no incrível brilho tênue de seus olhos.

E então ele viu... um movimento brilhante na meditação pacífica. Viu uma forma movendo-se através das espessas sombras - um corpo que acreditou reconhecer como o seu próprio. A imagem ficava mais clara quanto mais olhava fixamente, absorto e impaciente por ver mais do presente que Fabien havia descrito.

Era ele.

Era seu refúgio também. Mesmo envoltas na névoa escura, as imagens que se mostravam eram intimamente familiares. Viu o laboratório subterrâneo, as celas de contenção... a jaula de luz ultravioleta que continha sua maior arma na guerra que estava preparando durante todos aqueles séculos. Tudo estava ali, revelando-se para ele através dos olhos daquela pequena Companheira de Raça.

Mas, então, um momento de alarme surpreendente.

Seu laboratório antigo, tão rigidamente assegurado e ordenado, estava em ruínas. As celas de contenção tinham sido deixadas abertas. E a jaula de luz ultravioleta... estava vazia.

- Impossível - murmurou ele, golpeado por um temor sombrio, furioso.

Ele piscou com força, várias vezes, querendo limpar a visão de sua cabeça. Quando abriu os olhos outra vez, viu algo novo nos olhos malditos da menina... algo ainda mais incompreensível.

Viu-se implorando por sua vida. Chorando, abatido. Patético. Derrotado.

- Isso é algum tipo de brincadeira de mau gosto? - a voz dele tremia tanto com a raiva como com outra coisa muito fraca para admitir. Desviou o olhar da garota e o fixou em Fabien.

- Que diabos isso significa?

- Seu futuro, senhor – o rosto de Fabien ficou completamente pálido. A boca se moveu durante um momento sem expressar som algum, então, finalmente balbuciou. - A menina... o senhor viu, ela é um oráculo. Ela me mostrou em pé aqui, nesta grande reunião, apresentando uma visão de seu futuro que o agradava enormemente. Quando vi isso, soube que tinha de guardá-la, meu senhor. Tinha de oferecê-la ao senhor, não importava o custo.

O sangue de Dragos era como lava ardendo em suas veias. Ele deveria matar esse idiota ali mesmo, só por aquele insulto.

- É óbvio que você interpretou mal o que viu.

- Não! - Fabien exclamou, agarrando a menina e girando ao redor dela. Deu a ela uma sacudida forte. – Mostre-me outra vez! Mostre que não me enganei, maldita!

Dragos observou tão imóvel como uma pedra, enquanto Fabien olhava atentamente seus olhos. O grito horrorizado do líder do Refúgio disse tudo o que ele tinha que saber. Ele cambaleou para trás, tão branco quanto uma folha de papel. Golpeado como se tivesse testemunhado sua própria morte.

- Não entendo - murmurou Fabien. - Tudo mudou. O senhor tem de acreditar, Mestre! Não sei como ela mudou a visão, mas a pequena bruxa está mentindo agora. Ela tem que estar mentindo!

-Tire-a de minha frente - Dragos grunhiu ao guarda da Agência de Execução que a sustentava. – Vou levá-la comigo quando for, mas até então, não quero ver nem um fio de cabelo dela.

O guarda assentiu com a cabeça e afastou a menina, praticamente arrastando-a até a casa.

- Senhor, eu lhe rogo - suplicou Fabien. – Perdoe-me por este... lamentável engano.

- Cuidarei de você mais tarde - disse Dragos, sem se preocupar em esconder a ameaça reflexiva no fundo de cada uma de suas palavras.

Retomou a marcha para a reunião, mais decidido do que nunca a fazer todos compreenderem de uma vez por todas sua autoridade e seu poder incomparáveis.


Capítulo 29

Estava completamente escuro quando Niko e Renata, após seguirem as coordenadas enviadas por Gideon, chegaram ao local onde ficava a propriedade de Edgar Fabien, ao norte. O líder do Refúgio evidentemente possuía um pedaço considerável de terra suficientemente longe de Montreal para que a zona ao redor permanecesse inexplorada: acre após acre de enormes coníferas e sempre-vivas, nenhuma alma sequer à vista, a não ser um ou outro veado ou alce americano que saía em disparada ao primeiro aroma de vampiro arrastando-se naquele santuário natural.

Nikolai tinha feito sozinho o reconhecimento da área nos últimos minutos. Uma casa de dois andares feita de troncos e pedra estava enfiada em um canto do bosque. Um estreito caminho sem pavimentação e apenas largo o suficiente para um veículo cortava as árvores na parte da frente da casa. Niko contornou essa vida escondido pela vegetação e viu dois Agentes da Lei vestidos com roupas da SWAT, postados no meio do caminho, e os três grandes Humvees estacionados em fila única bem diante da porta principal da casa. Três outros guardas vampiros com rifles M16 cobriam a entrada. Leste e oeste estavam também sob vigilância com um sentinela armado.

Embora não imaginasse que eles tivessem deixado a parte traseira da propriedade vulnerável, Niko se moveu ao redor daquele caminho para ter uma ideia da extensão do terreno. Ouviu o suave som de água mesmo antes de ver o tranquilo lago e o cais vazio na borda, a cerca de trezentos metros atrás da casa. Lá, outra dupla de Agentes permanecia de guarda.

Maldição.

Entrar no lugar para pegar Fabien não seria fácil. A menos que ele e a Ordem atacassem por cima, se quisessem tirar o sócio de Dragos dali teriam de passar por alguns guardas da Agência no processo, sem considerar o grupo desconhecido de vampiros da Raça que tinha acompanhado o líder do Refúgio de Montreal até ali na noite passada. Capturar Fabien naquela noite sem muitas baixas civis beirava o impossível, principalmente quando o resgate de Mira era acrescentado à equação. Portanto, o reconhecimento feito por Niko dava conta de que a coisa seria feia. Muito feia.

E havia ainda a situação com Renata.

Uma das coisas mais difíceis que Nikolai já fizera fora passar o dia inteiro com ela, sabendo que a tinha enganado. Ele queria dizer-lhe, depois que fizeram amor, depois que ela o honrou com o presente de seu sangue e com o vínculo completo que agora os unia eternamente. Quis dizer-lhe uma dúzia de vezes, em uma dúzia de momentos diferentes, mas, egoísta, mantivera a verdade oculta para a própria proteção dela. Ele ainda mantinha a esperança de que ela compreendesse sua cautela - que ela poderia inclusive ficar agradecida que ele a tivesse feito esperar para saber a localização de Mira até que ele e os outros guerreiros da Ordem tivessem uma oportunidade sólida de criar uma estratégia de resgate.

Sim, o macho da Raça seguia se dizendo essas coisas porque não queria sequer considerar outras alternativas.

Afastando o arrependimento que perseguia seus passos e o medo que seguia arrastando-se por trás de seu pescoço, Nikolai se moveu para uma melhor posição de acesso aos bosques. Olhou através dos ramos de pinheiro e observou vários dos ocupantes da casa enquanto eles passavam por uma janela no andar térreo. Fez uma rápida contagem dos vampiros da Raça encapuzados enquanto eles andavam a passos largos e em grupo para outra sala. Cinco, seis, sete... e então outro, este sem o capuz negro cobrindo-lhe o rosto.

Ah! Jesus Cristo!

Nikolai o conhecia. Ele tinha visto o filho da mãe de perto e pessoalmente apenas algumas semanas antes, quando uma missão da Ordem tinha-lhe enviado a um encontro com um dos oficiais do mais alto escalão na Agência da Lei. Naquele momento, o homem usava um pseudônimo - um dos dois nomes falsos que a Ordem tinha descoberto não fazia muito tempo. Agora eles conheciam o bastardo por seu verdadeiro nome, o nome que o Primeira Geração traidor que fora seu pai carregava antes também.

Dragos.

Maldição.

Durante semanas a Ordem havia investigado exaustivamente à procura de Dragos, tudo sem êxito. Agora, ele estava ali, na frente deles, como um peixe em um barril. O bastardo estava ali. E, maldito seja, ele ia cair - naquela noite.

Niko recuou para a mata cerrada, então arrastou o traseiro na direção sul, onde tinha deixado Renata no SUV da Agência que roubaram. Mal podia esperar para ligar para Tegan e Rio e lhes dar essas boas notícias.

A confusão e a angústia de Edgar Fabien por causa do fracasso de seu presente para Dragos assombrava-o como um fantasma enquanto ele e os outros seguiam o recém-chegado líder à sala de conferências no abrigo ao norte. Ele sabia que era perigoso, geralmente mortal, desagradar Dragos, algo que tinha evitado muito bem até agora. Mas ele também sabia – assim como o resto dos vampiros da Raça reunidos ali para aquele encontro – que Dragos os tinha juntado por um objetivo específico. Aquela seria uma noite histórica. Eles seriam recompensados, Dragos prometera, pelos anos de parceria oculta e lealdade a um objetivo comum.

Depois de tanto tempo e esforço adulando Dragos durante as últimas décadas, Fabien só rezava que não tivesse jogado tudo fora naquele instante infeliz perto do cais.

- Sentem-se - Dragos ordenou, tomando seu lugar na frente da sala de reuniões. Assistiu enquanto Fabien e os outros seis, todos ocultos atrás de seus capuzes negros, ocupavam as cadeiras reunidas ao redor do bloco de granito polido que servia como mesa de conferências. - Nós nos reunimos aqui nesta sala porque compartilhamos um interesse comum: o atual e o futuro estado de nossa Raça.

Fabien assentiu sob seu capuz, assim como o fizeram os outros ao redor da mesa.

- Compartilhamos um ressentimento comum pela corrupção de nossas descendências pela mancha de humanidade e pela maneira ambiciosa com a qual os que estão no poder dentro da Raça escolheram nos governar com respeito à inferioridade humana. Desde que as primeiras sementes da Raça foram semeadas neste planeta, os vampiros degeneraram-se em uma vergonha grande e triste. A cada nova geração nascida, nossa descendência cresce mais e mais mesclada com a humanidade. Nossos líderes preferem que nos ocultemos dos Homo sapiens, todos com medo de serem descobertos, e mascaram essa covardia com leis e políticas supostamente feitas para proteger o segredo de nossa existência. Ficamos debilitados pelo medo e pelo segredo. Já é hora de isso mudar e precisamos de um novo e poderoso líder.

Agora os assentimentos chegaram mais vigorosos, os acordos murmurados mais fervorosamente.

Dragos começou a dar passos sem pressa na frente da sala, suas mãos juntas e frouxas atrás das costas.

- Nem todos partilham de nosso desejo de reverter radicalmente as falhas passadas e restaurar a Raça a uma posição de poder. Nem todos veem o futuro que nós vemos. Alguns diriam que o preço é muito alto, que os riscos são muito grandes. Mil desculpas para explicar por que a Raça deveria manter seu status quo e não dar os passos firmes requeridos para aproveitar o futuro a que temos direito.

- Ouça, ouça - Fabien interferiu, ansioso por aquele futuro que o lambia como uma chama.

- Estou encantado com o fato de que todos vocês nesta sala entendam que passos firmes devem ser tomados - disse Dragos. - Cada um de vocês, individualmente, tem tido um papel no avanço de nossa visão ao seguinte nível. E vocês o fizeram sem questionar, sem conhecer uns aos outros... até agora. Nosso próprio momento de segredo terminou. Por favor - disse ele -, tirem seus capuzes e nos deixem começar a mais nova fase de nossa aliança.

Fabien estendeu a mão para o pano negro que lhe cobria a cabeça, a insegurança fazendo seus dedos duvidarem. Deteve-se até que alguns dos outros assistentes tiraram seus capuzes antes de encontrar coragem para tirar o seu.

Por um momento, nenhum dos vampiros da Raça disse uma palavra. Olhadas passaram ao redor da mesa, alguns presunçosos com reconhecimento de olhares conhecidos, outros cautelosos pelos estranhos que agora, com essa confissão de mal-intencionada traição, tinham se tornado seus mais profundos aliados. Fabien conhecia vários dos rostos que lhe devolveram o olhar - todos eles de Refúgios de alto escalão ou oficiais da Agência da Lei, alguns dos Estados Unidos e outros do exterior.

- Somos um conselho de oito - anunciou Dragos. - Como os Antigos que chegaram aqui há tanto tempo. Somos, todos nós, a segunda geração de filhos desses poderosos extraterrestres. Logo, uma vez que o último vampiro Primeira Geração for eliminado, estaremos entre os mais velhos e mais poderosos de nossa Raça. Cada um de vocês ajudou nesse esforço, seja oferecendo as localizações dos membros que restavam de nossa primeira geração, seja apoiando a causa oferecendo Companheiras de Raça para levar as sementes de nossa revolução.

- E quanto à Ordem? - perguntou um dos assistentes europeus, seu sotaque alemão afiado como uma lâmina de barbear. - Há dois guerreiros Primeira Geração com quem ainda temos de lutar.

- E o faremos - disse Dragos, sem problemas. – Vou planejar o ataque direto na Ordem muito em breve. Depois do recente golpe contra mim, será um prazer pessoal enterrar a operação da Ordem e ver os guerreiros e suas Companheiras encontrarem a morte.

Um diretor da Agência da Costa Oeste dos Estados Unidos inclinou-se para trás em sua cadeira e arqueou as sobrancelhas castanhas.

- Lucan e seus guerreiros já sobreviveram a outros ataques antes. A Ordem existe desde a Idade Média. Eles não cairão sem luta. Uma luta dura e sangrenta.

Dragos riu.

- Ah! E eles sangrarão. E se tudo sair como espero, vão pedir misericórdia e não receberão nenhuma. Não do poderoso exército que terei às minhas ordens.

- Quando começaremos a criar esse exército? - alguém no grupo perguntou.

O sorriso de Dragos se encheu de malícia.

- Começamos faz 50 anos. Na verdade, essa revolução começou há muito mais tempo do que isso. Muito mais.

Todos os olhos estavam cravados nele enquanto ia a passos largos até um laptop que Fabien tinha mandado deixar preparado na sala. Enquanto digitava algo, o grande monitor plano da sala de conferências se elevou do chão. Dragos digitou mais outras coisas e logo o monitor piscou, mostrando o que parecia ser um laboratório.

- Uma conexão por satélite com uma de minhas fortalezas - explicou, usando o touchpad para controlar remotamente a câmera. - É aqui onde estive juntando as peças do quebra-cabeças - a câmera vagou para um muro de cilindros criogênicos codificados, depois passou por um grupo de microscópios, computadores e tubos de DNA alinhados nas mesas. No meio de todo aquele equipamento, vários Subordinados cientistas vestidos com máscaras e jalecos brancos.

- Parece um laboratório de genética - disse o alemão.

- E é - respondeu Dragos.

- Que tipo de experimentos está fazendo?

- De todo tipo - Dragos voltou para o teclado e teclou outra sequência de comandos. A câmera do laboratório apagou e foi substituída por outra: essa era um ângulo panorâmico de um longo corredor com celas de prisão. Embora da posição da câmera fosse difícil distinguir algo além das mais rudimentares formas, era óbvio que as celas continham mulheres, algumas delas com crianças.

- Companheiras de Raça - tomou fôlego Fabien. - Deve haver vinte ou mais ali.

- Elas nem sempre sobrevivem aos testes, de modo que o número tende a variar - disse Dragos, em tom de conversa. - Mas tivemos nossos êxitos com o processo de reprodução. Essas mulheres e as que viveram antes delas estão dando a luz ao maior exército que este mundo jamais viu. Uma brigada de assassinos Primeira Geração que estarão sob minhas ordens.

Um silêncio tão grande como uma capa de inverno caiu sobre a reunião.

- Primeira Geração? - perguntou o diretor da Costa Oeste. - Isso não pode ser possível. Seria preciso um dos Antigos para produzir uma primeira geração de vampiros da Raça. Todos foram exterminados pela Ordem faz uns 700 anos. O próprio Lucan declarou Guerra a todos os Antigos e se certificou de que nenhum sobrevivesse.

- Certificou-se? - sorriu Dragos, mostrando as pontas de suas presas. - Acredito que... não.

Com uns poucos golpes mais de teclado, mostrou as imagens de outra câmera na conexão do satélite. Dessa vez, o foco se localizava em uma grande sala cheia de segurança, que tinha em seu centro uma cela cilíndrica construída com raios de luz. Os raios ultravioleta emitidos da jaula de barras verticais estavam piscando, inclusive na tela.

E dentro dessa jaula de raios ultravioleta havia uma criatura nua e sem cabelo que, de pé, mediria dois metros. Seu corpo nu era imenso, cada polegada coberta de dermoglifos. Ele elevou a vista enquanto as lentes da câmara zumbiam sobre ele de algum lugar da câmara. Pupilas e olhos âmbar, mas devoradas pelo fogo que ardia fora de suas órbitas, reduzido com letal consciência. A criatura saiu de sua posição de cócoras e se preparou para atacar, só para receber de novo o calor das barras ultravioleta que o deixavam prisioneiro. Abriu a boca e soltou um rugido furioso que não precisou ser ouvido para ser entendido.

- Meu Deus - mais de um dos assistentes ofegou.

Dragos lançou um olhar mortalmente sóbrio sobre o grupo.

- Admirem... nossa revolução.

O celular de Lex vibrou no centro do console do SUV. Renata o pegou e olhou a tela: Número desconhecido.

Inferno.

Ela não podia estar segura se a chamada era para Lex ou para Nikolai, já que o guerreiro da Raça estava usando o telefone para chamar e receber chamadas da Ordem. Ela não sabia há quanto tempo ele tinha saído para fazer o reconhecimento e estava a ponto de perder a cabeça esperando por ele. Ela precisava fazer algo. Ao menos, precisava sentir que estavam fazendo algum progresso para encontrar Mira logo...

O celular continuou vibrando em sua mão. Ela pressionou o botão de atender, mas não disse nada. Apenas deixou que a pessoa se revelasse primeiro.

- Olá? Niko? Você está aí, hermano? - a profunda voz denotava um acento espanhol, tão quente e suave como caramelo. - É Rio, cara...

- Ele não está aqui - disse Renata. - Estamos no lado norte da cidade, esperando que vocês cheguem. Nikolai saiu para fazer um reconhecimento da área. Não deve demorar muito.

- Bem - disse o guerreiro. - Já estamos quase chegando, demoraremos aproximadamente 45 minutos. Você deve ser Renata.

- Sim.

- Quero agradecê-la por você ter salvado o traseiro de nosso garoto aí. O que fez foi... bem, ele tem sorte de tê-la ao seu lado. Todos temos - ela podia ouvir a genuína preocupação e gratidão na voz do vampiro, e ficou demasiado curiosa por conhecer os outros guerreiros que Nikolai chamava de amigos. - Está tudo bem aí? Você está bem?

- Estou bem. Só ansiosa para que tudo isto acabe essa noite.

- Entendo - respondeu Rio. - Niko nos contou sobre a menina, Mira. Lamento pelo que você está passando, sabendo que um doente como Fabien está com ela. Sei que não deve ter sido fácil esperar o dia todo para se encontrar conosco.

- Não, não foi. Sinto-me tão inútil - confessou ela. - Odeio esse sentimento.

- Lamento tudo isso. Não vamos deixar que nada aconteça com ela esta noite quando entrarmos lá, Renata. Tenho certeza de que Nikolai explicou para você que pôr nossas mãos em Edgar Fabien é fundamental para a Ordem, mas vamos dar o nosso melhor para que a menina saia de toda esta situação bem.

Um súbito frio impregnou seu peito enquanto as palavras de Rio se afundavam em sua mente.

- O que disse?

- Que ela vai ficar bem.

- Não... isso de que você não deixarão que nada aconteça... lá dentro...

Do outro lado da linha, um longo silêncio.

- Ah! Cristo! Niko não lhe disse nada sobre o vídeo que temos do Refúgio de Fabien de ontem à noite?

O calafrio em Renata congelou, o gelo estendendo-se do peito aos seus membros.

- Um vídeo... de ontem à noite? - respondeu ela paralisada. - O que havia nele? Você viu Mira? Ah! Deus! Fabien fez algo? Diga-me!

- Madre de Dios - disse com uma larga exalação. - Se Niko não lhe disse isso... não tenho certeza de que devo lhe contar agora.

- Fale, maldição.

Ela ouviu um estrondo de conversa rápida ao fundo antes que Rio finalmente cedesse.

- A menina está com Fabien e com outros que ainda não identificamos. Pegamos a informação de uma câmera de segurança no Refúgio de Fabien. Eles partiram ontem à noite e nós os seguimos até a propriedade onde está agora.

- Ontem à noite - murmurou Renata. - Fabien está com Mira aqui... desde ontem à noite. E Nikolai? Vai me dizer que ele sabia? Quando ele ficou sabendo disso tudo? Quando?

- Tenho que pedir que aguente aí um momento mais - disse Rio. - Vai ficar tudo bem...

Renata sabia que o guerreiro ainda estava falando, ainda estava tentando acalmá-la, mas sua voz se apagou lentamente de sua consciência conforme uma profunda cólera e um profundo medo - uma dor tão desmedida que ela acreditava que poderia despedaçá-la – tomou conta de si. Ela desligou o telefone, cortando a chamada e deixando o aparelho cair no chão, aos seus pés.

Mira estava ali desde a noite passada, com Fabien. Todo este tempo. E Nikolai sabia.

Ele sabia, e escondeu isso dela. Ela poderia estar aqui há horas – nas horas de sol - fazendo algo, algo para salvar Mira. Em vez disso, Nikolai tinha ocultado deliberadamente a verdade e, como resultado, ela não tinha feito nada.

Não totalmente nada, ela admitiu, golpeada pela culpa por causa do prazer que tinha desfrutado com Niko enquanto Mira estava sozinha perto dali.

- Ah! Deus! - ela sussurrou, sentindo-se enjoada diante daquele pensamento.

Estava vagamente consciente dos passos aproximando-se do veículo, seus sentidos elevando-se antes que sua mente pudesse processar o som. O vínculo de sangue que agora compartilhava com Nikolai lhe disse que era ele antes que sua sombra aparecesse. Ele abriu a porta do carro esportivo e entrou.

- É Dragos - disse ele, procurando no console, no painel e no assento pelo celular. - Maldito seja, não posso acreditar nisso, mas era ele. Acabei de ver o filho da mãe dentro da casa com Fabien e com os outros. Dragos está aqui, ao nosso alcance. Onde diabos está aquele telefone?

Renata o olhou fixamente, vendo um estranho enquanto ele se inclinava para a frente e estendia a mão para apanhar o celular que estava aos pés dela, no chão do veículo. Ela mal ouvia o que estava dizendo. Mal se preocupava agora.

- Você mentiu para mim.

Ele se voltou para trás, com o telefone de Lex na mão. O rangido de adrenalina que tinha iluminado seus olhos se reduziu um pouco quando encontrou seu olhar.

- O quê?

- Eu confiei em você. Você me disse que eu podia confiar em você, que podia contar com você, e o fiz. Acreditei em você e você me traiu - ela tragou a saliva passando o terrível nó de sua garganta e forçando a si mesma a pronunciar as palavras. - Mira está aqui. Está aqui com Fabien desde ontem à noite. Você sabia disso... e não me disse nada.

Ele estava calado, mas sequer tentou negar o que ela dizia. Ele olhou o telefone em sua mão como se acabasse de se dar conta de como ela tinha descoberto.

- Eu podia estar aqui, Nikolai. Há horas, podia estar aqui, fazendo algo para tirar Mira das mãos desse monstro!

- Motivo pelo qual eu não lhe disse nada - disse amavelmente.

Ela sentia o coração quebrado.

- Você me traiu.

- Fiz isso para protegê-la. Porque te amo.

- Não - disse ela, agitando a cabeça para evitar ser feita de idiota de novo. - Não. Não diga isso. Como pode dizer isso quando usou todas essas palavras para me manter distraída, para me fazer acreditar que realmente se preocupava comigo enquanto você e seus amigos da Ordem faziam planos pelas minhas costas?

- Não foi assim. Nada do que aconteceu entre nós hoje... nada do que eu disse tem a ver com a Ordem. Hoje era você e eu... era sobre nós.

- Grande merda!

Ele estendeu a mão para ela e ela recuou, mantendo-se fora do alcance dele. Ela abriu a porta e saiu do carro, mas ele estava fora do veículo, a seu lado, bloqueando-a com o enorme corpo, tão rápido que ela sequer pôde dar um passo.

- Afaste-se de mim, Nikolai.

- Aonde você vai? - perguntou ele gentilmente.

- Não posso me sentar aqui por mais tempo e não fazer nada - ela deu um passo, mas ele continuava ali. A sutileza desapareceu rápido, substituída por uma firmeza que dizia que ele a manteria amarrada se fosse necessário.

- Não posso deixar que você faça isso, Renata.

- Essa não é uma escolha sua - ela respondeu, tremendo com medo e indignação. - Que droga, nunca foi uma escolha sua!

Ele grunhiu uma maldição e a agarrou.

Renata mal percebeu o que tinha feito até que ele ficou paralisado, segurando a cabeça entre suas mãos. Ele sibilou, seus olhos pulsando brilhos âmbar enquanto lhe dirigia um olhar horrorizado e furioso.

- Renata. Não faça isso.

Ela o atacou de novo, todo seu medo por Mira e sua dor por causa da traição verteram dela uma corrente castigadora de dor mental. Nikolai caiu de joelhos, rugindo e retorcendo-se pela dor que ela tinha desencadeado nele.

Renata se afastou do guerreiro, no bosque, antes que se permitisse ser dissuadida pelo arrependimento crescente dentro de si.


Capítulo 30

A casa estava sob forte armamento, guardada por todos os lados. Era impossível entrar sem ser notado por pelo menos um dos agentes de execução vestidos com roupas parecidas com as da equipe antiterrorista da SWAT. Todos eles ostentavam uma expressão do tipo “atire primeiro e pergunte depois”, desde a escura viseira do capacete preto e dos equipamentos de combate até os rifles automáticos pendurados no corpo.

Graças aos agentes que tinham invadido a casa de Jack na noite anterior, Renata e Nikolai tinham conseguido transporte, uniforme e armas. Ela não tinha a ilusão de que teria a sorte de chegar ao edifício, mas, à primeira vista, vestida como eles, os agentes de plantão podiam pensar que ela era um dos seus.

Ela colocou o capacete que tinha trazido consigo do SUV e fechou o visor colorido. Adotando a melhor postura de soldado que podia, saiu da mata e se aproximou do vampiro que guardava o lado oeste da casa.

O agente a viu imediatamente.

- Henri? Que porcaria você estava fazendo lá fora?

Renata deu de ombros, ergueu o braço bom em um gesto de “vá se ferrar”. Ela não correria o risco de falar com ele, arriscaria no máximo usar sua arma para tirar esse obstáculo do caminho. Mas se o derrubasse, teria toda a segurança em seu traseiro. Não, ela tinha de manter a calma e apenas seguir caminhando na direção dele com a esperança de que ele não abrisse fogo se suspeitasse de algo.

- Qual o problema com você, idiota?

Renata deu de ombros novamente. Chegando mais perto.

Seus dedos coçavam para fazê-lo voar - ele era um alvo fácil ali parado como um tronco, mas o mais leve cheiro de sangue derramado chamaria a atenção de todos os vampiros ao redor. Renata sabia que tinha de aproximar-se o suficiente para alcançá-lo com a mente. Sua única opção era atingi-lo com uma explosão rápida e sólida.

- Ingrato dos infernos. Henri, volte ao seu posto - disse o agente, grunhindo. Estendeu a mão para um pequeno dispositivo de comunicação em seu cinto. - Estou chamando Fabien para denunciá-lo. Se quiser irritá-lo, vá em frente, mas eu não quero fazer parte disso...

Usando todo seu poder, Renata lançou uma descarga selvagem de energia a partir de sua mente e a enviou ao vampiro diante de si. Suas palavras sufocaram com um grunhido e ele caiu como uma pedra. Ela manteve a descarga até que ele ficou em silêncio. Quando estava certa de que ele estava morto, inclinou-se e tirou-lhe a arma e o rádio.

Renata abriu a porta de entrada lateral e deu uma rápida olhada na área interna. Estava vazia. Ela deslizou para dentro, o coração martelando no peito, a respiração ofegante contra a viseira fechada do capacete.

Depois de toda a fúria que ela sentira por Nikolai não ter contado que Mira estava ali com Fabien, agora ela tinha gratidão para com a Ordem pela prova visual da localização da criança. Era tarde demais para saber como tinham ficado as coisas com Nikolai. Tarde demais para se preocupar se deveria ter esperado por ele e por seus companheiros de armas para apoiá-la. Parte dela sabia que tinha sido injusta, mas tinha ido muito longe para voltar.

Ela tomou uma decisão impulsiva e emocional baseada em sentimentos feridos. Foi uma decisão que poderia custar a amizade que tinha com Nikolai - talvez até mesmo seu amor -, mas mesmo já lamentando, aquilo não podia ser desfeito. Nikolai poderia nunca perdoá-la por colocar em risco sua missão e ela entenderia se ele não a perdoasse.

Agora, ela podia apenas rezar para que Mira não pagasse o preço daquilo tudo.

Niko despertou com o zumbido irritante de um celular ao lado de sua cabeça. Ele estava no chão ao lado do veículo. Não fazia ideia de quanto tempo estava ali. O celular vibrou novamente, mexendo na grama e nas folhas secas que se espalhavam pelo chão da floresta. Usou quase toda a sua força para mover a mão e pegar o maldito aparelho. Desajeitadamente, atendeu. Tentou dizer algo, mas apenas conseguiu soltar um grunhido seco.

- Alô - disse ele mais uma vez, forçando seus membros a se arrastarem e se apoiarem na roda dianteira do SUV.

- Niko? - a voz de Rio veio do outro lado do receptor, pesada com a preocupação. - Você parece uma porcaria, hermano. Fale comigo. O que está acontecendo?

- Renata - disse ele, segurando a cabeça nas mãos. – Está enlouquecida...

Rio amaldiçoou.

- Sim, deduzi isso. A culpa é minha, cara. Não sabia que ela não estava a par sobre a menina ter sido levada na noite passada.

- Ela sumiu - Niko disse. Notou que todos os seus sentidos começaram a voltar como se um interruptor em um gerador de energia fosse ligado dentro dele. - Ah! Caramba, Rio.... eu a enfureci e agora ela foi em busca de Mira por conta própria.

- Madre de Dios.

Na outra ponta da linha, Niko ouviu Rio dar a Tegan e aos outros um rápido esboço da situação.

- Isso não é o pior, cara - acrescentou Nikolai, ignorando a dor do tiro em sua cabeça enquanto se levantava do chão e dava uma corrida impressionante para a parte traseira do SUV. - A reunião de Fabien é maior do que pensávamos... Dragos está aqui também.

- Você tem certeza disso?

- Eu vi o desgraçado com meus próprios olhos. Ele está aqui. Nikolai foi pegar as armas automáticas na parte traseira tão rápido quanto seus braços lentos poderiam se mover. Ele cobriu o corpo com fuzis, enfiou uma pistola na parte traseira de seu uniforme roubado do Agente de Execução e outra em um coldre no tornozelo. - A casa está cercada por guardas, então quando vocês chegarem aqui, entrem a pé e se dividam.

- Niko, o que você está fazendo?

Ele não respondeu; sabia que seu velho amigo não gostaria da resposta. Em vez disso, carregava com munição tudo o que pudesse.

- Há dois homens no meio do estacionamento e três na frente. Retire-os primeiro e terão o caminho limpo.

- Nikolai - a voz de Rio era baixa, em forma de advertência. - Hermano, você não está pensando direito agora... não.

- Ela está lá dentro, Rio. Com Dragos, Fabien e sabe Deus quem mais... e ela está sozinha. Eu vou atrás dela.

Rio soltou uma palavra desagradável em espanhol.

- Fique atento. Estamos a dez minutos de distância e estamos acelerando, cara.

Niko fechou a parte de trás do SUV.

- Vou dar uma olhada no entorno.

- Caramba, Nikolai, se essa mulher quer se matar, isso não é problema seu. Nós vamos ajudá-la no que pudermos, mas...

- Ela é minha companheira, Rio - Nikolai soprou uma maldição. - Estamos ligados pelo sangue... e eu a amo. Eu a amo mais do que minha própria vida.

O suspiro do guerreiro soou pesado com compreensão e derrota.

- Suponho que não há necessidade de lhe dizer que você desafiará as ordens diretas de Lucan se for lá agora. Se Dragos está no lugar, isso torna as coisas ainda mais críticas e você sabe disso. Precisamos que você fique onde está e espere por ajuda.

- Não posso fazer isso - respondeu Nikolai.

Ele desligou o telefone e o atirou pela janela do motorista. Então, partiu para encontrar sua mulher.


Capítulo 31

Dragos se permitiu deleitar-se com o temor de seus subalternos quando eles observavam o Antigo preso na cela de raios ultravioleta sendo mostrada na tela. Do assombro de seus rostos – a absorta incredibilidade –, qualquer um pensaria que ele tinha conseguido capturar a luz em uma garrafa. Na verdade, o que tinha conseguido nas últimas décadas era algo ainda maior. Os sete machos da Raça que se reuniram com ele no quarto já o olhavam como um deus justamente por isso. Ele era o arquiteto de uma revolução que iria virar o planeta inteiro de cabeça para baixo. Naquela noite, eles testemunhariam a história e o começo de um futuro que ele tinha projetado pessoalmente.

- Como isso é possível? - alguém murmurou. - Se realmente é um dos Antigos que foi pai de nossa Raça, como sobreviveu à guerra com a Ordem?

Dragos sorriu enquanto andava mais perto da tela.

- Meu pai era um membro original da Ordem... mas foi, em primeiro lugar, o filho dessa criatura. Durante o banho de sangue perpetrado pela Ordem, quando Lucan declarou guerra aos Antigos, meu pai e seu pai alienígena fizeram um pacto. Em troca do poder compartilhado no futuro, meu pai iria escondê-lo até a histeria passar. Infelizmente, depois de fazer sua promessa, meu pai não sobreviveu à guerra. Mas o Antigo sim, como podem ver.

- Então, pretende cumprir o acordo de seu pai com essa... coisa? - Fabien perguntou, sua expressão como a de um cãozinho que acabara de perder o osso para um lobo selvagem.

- O Antigo está totalmente sob meu controle. Ele é uma ferramenta que utilizo quando e como for melhor para mim e para nossa causa.

- Como assim? - perguntou outro homem do grupo.

- Permitam-me dar-lhes uma demonstração.

Dragos caminhou até a porta da sala de conferências. Estalou os dedos para o Caçador que esperava lá fora, então, virou de volta para seus associados conforme o grande Primeira Geração o obedecia.

- Tire a camisa - ele ordenou ao Caçador.

O enorme macho obedeceu em silêncio, desnudando os ombros enormes e o peito sem pelos coberto por uma densa rede emaranhada de glifos. Mais de uma cabeça se voltou para o monitor para comparar as marcas da pele hereditárias da criatura contido dentro da célula ultravioleta.

- Eles têm dermoglifos semelhantes - Fabien engasgou. - Esse macho é da família do Antigo?

- Filho de Primeira Geração, criado com o único propósito de servir à causa - disse Dragos. - Todos os Caçadores de meu exército pessoal são os mais fortes, as armas mais letais do mundo. Eles foram especialmente criados e treinados sob minha orientação. São assassinos e infalivelmente leais a mim.

- Como pode estar certo disso? - perguntou o líder do Refúgio de Hamburgo, um homem sagaz que, sem dúvida, apreciaria a demonstração em tempo real que Dragos tinha em mente.

- Você percebe que o Caçador usa uma coleira. É um dispositivo de monitoramento GPS, mas também está equipado com um laser ultravioleta. Cada Caçador usa uma desde o momento em que começa a andar. Posso acompanhar todos os seus movimentos, localizá-los em um instante. E se me desagradam de qualquer maneira, basta um simples controle remoto para o laser ser ativado e emitir uma luz ultravioleta fina como uma navalha no pescoço do Caçador, cortando sua cabeça – disse Dragos, lançando um olhar significativo ao Caçador rigidamente em pé ao seu lado.

Um ou dois homens na mesa trocaram olhares desconfortáveis.

Foi o alemão quem falou primeiro, os olhos brilhantes.

- O que acontece se o colar for adulterado, ou removido?

Dragos sorriu, não para o alemão, mas para o próprio Caçador.

- Que tal vermos?

Apesar de seu instinto gritar para que entrasse como um ladrão à espreita, Renata caminhou pelo corredor oeste do covil de seus inimigos como se tivesse todo o direito de estar lá. Ela ouviu o baixo ruído de conversa masculina vindo de uma das grandes salas nos fundos. Em outra parte da casa, não havia nada além de calma, até que...

Soluços suaves de uma criança chegavam a partir de uma escada que conduzia ao segundo andar.

Mira.

Renata voou pelos degraus e seguiu os soluços até o final do corredor. A porta do quarto estava trancada pelo lado de fora. Ela passou a mão na parte superior do batente, mas não encontrou chave alguma.

- Maldição – sussurrou, tirando uma de suas lâminas da lateral da calça. Enfiou-a no ponto entre a porta e o batente, bem acima da fechadura, e fez uma alavanca dura. A madeira rachou, afrouxando um pouco. Mais duas vezes e, finalmente, tinha espaço suficiente para abrir. Com agitação e mãos ansiosas, Renata abriu a porta.

Mira estava lá dentro, graças a Deus.

Estava sem véu e assim que olhou para cima e viu a figura vestida de preto entrando na sala, encolheu-se no canto com terror absoluto.

- Mira, sou eu - disse Renata, abrindo a viseira escura. - Está tudo bem agora, querida. Estou aqui para levá-la para casa.

- Rê!

Ajoelhando-se, Renata estendeu os braços. Com um pequeno grito, Mira voou para seu abraço.

- Ah, minha ratinha! - Renata sussurrou, dando beijos aliviados na cabeça loira da garota. - Fiquei tão preocupada com você. Desculpe-me por eu não ter vindo mais cedo. Está tudo bem, querida?

Mira assentiu com a cabeça, os braços pequenos em volta do pescoço de Renata.

- Eu estava preocupada com você também, Rê. Eu estava com medo de nunca mais voltar a vê-la.

- Eu também, querida. Eu também - Renata odiava ter de soltá-la, mas ainda tinha que sair de lá antes que Fabien e seus companheiros chegassem. Ficou de pé, levantando Mira nos braços. - Temos que correr agora. Agarre-se em mim, certo?

Renata ainda não tinha descido dois degraus com a criança quando as explosões rápidas de tiros irromperam de todas as direções em algum lugar fora da casa.

Dragos estava ansioso para demonstrar a beleza tecnológica da coleira de raios ultravioleta que o Caçador usava quando o inferno desabou fora da reunião. Ele disparou um olhar mortal a Edgar Fabien quando o grupo pulou de seus assentos em alarme atordoado.

- O que está acontecendo lá fora? - exigiu de seu anfitrião. - Essa é outra de suas incompetências?

O rosto estreito de Fabien tinha uma sombra pálida.

- Eu... não sei... senhor. Seja o que for, tenho certeza de que meus agentes resolverão.

- Ao diabo seus agentes! - Dragos rugiu. Ele tateou para o rádio e emitiu uma ordem para o motorista levar o barco. Em seguida, olhou para o rosto do Caçador. - Fora, agora. Cuide disso. Mate todos que cruzarem seu caminho.

O Caçador - o soldado altamente treinado, obediente e impecável - apenas ficou ali, imóvel como um pilar de pedra.

- Fora. Eu ordeno!

- Não.

- O quê? - Dragos não podia acreditar em seus ouvidos. Ele sentiu os olhares de seus subordinados fixos nele. Ele podia sentir a descrença deles, a dúvida deles. Um silêncio floresceu, maduro, com a expectativa. - Eu lhe dei uma ordem direta, Caçador. Faça-o, ou vou acabar com você aqui e agora.

Com tiros chegando aos muros da casa, o Caçador teve a audácia de olhar Dragos nos olhos e balançar a cabeça.

- De qualquer forma, estou morto. Se quer que eu lute para que você possa viver, desative o meu colar.

- Como ousa sequer sugerir...

- Está perdendo tempo - disse ele, aparentemente imperturbável com caos crescente à sua volta. - Liberte-me deste colar, seu filho da mãe arrogante.

Nesse momento, um dos fracos vigias de Fabien apareceu correndo pela porta entreaberta.

- Senhor, estamos sendo alvejados por todos os lados. Não podemos ter certeza ainda, mas deve haver um exército na floresta nos cercando.

- Ah! Jesus! - Fabien engasgou. - Vamos todos morrer!

Dragos rosnou em fúria, sem a menor confiança de que os guardas de Fabien pudessem encontrar seus próprios traseiros, muito menos proporcionar uma cobertura adequada para o grupo de machos da Raça de alto escalão que estavam olhando naquele momento para Dragos como seu líder para ajudá-los a fugir. Esperando que ele decidisse se os salvaria ou se deixaria a prometida revolução cair por terra.

- Terminamos por aqui - ele rosnou. - Todo mundo para fora pela porta de trás, para o barco. Sigam-me.

Quando o grupo começou a sair em torno dele, Dragos lançou um olhar ameaçador por cima do ombro para o Caçador. Ninguém disse uma palavra – o ódio mútuo era suficiente para ler em seus olhares quando Dragos pôs a mão no bolso e pegou o dispositivo que controlava a coleira do Caçador e digitou o código que a desativava.

No instante que a coleira se desligou, o Caçador estendeu a mão e a arrancou do pescoço. Então, com um olhar de descrença, de fria determinação, ele caminhou para fora da porta em direção ao caos que se estendia do lado de fora.


Capítulo 32

Nikolai sorriu sozinho quando sua tática de distração criou uma confusão repentina e maciça em todo o complexo. Os Agentes em guarda corriam precipitadamente em pânico total, mais de um recebeu um golpe da explosão de disparos que vinham de todas as direções do bosque. Niko ordenou que uma videira enrolasse os ramos no gatilho de sua última M16 escondida.

Quando a videira fez como as anteriores, segurando o fuzil no alto e aplicando uma pressão cada vez maior no gatilho, o galho verde ficou mais grosso e mais forte, então Niko correu para a entrada lateral da casa.

Não foi difícil encontrar Renata. Seu vínculo de sangue era um farol para ele, levando-o através da parte traseira do lugar para um voo por cima das escadas. Renata estava descendo com Mira apertada nos braços. Ela encontrou o olhar dele e, por um instante infinito, nenhum dos dois disse uma palavra. Nikolai queria dizer como estava arrependido, e como estava aliviado por ela ter encontrado a criança ilesa.

Ele tinha mil coisas que queria dizer a Renata naquele momento, principalmente que a amava e que sempre a amaria.

- Rápido – ele murmurou. - Precisamos sair daqui agora.

- O tiroteio está por toda parte - disse Renata, a preocupação marcando suas feições. - O que está acontecendo?

- Apenas diversão. Tive que criar uma oportunidade para conseguir tirar você daqui.

Ela parecia aliviada, mas só por um segundo.

- Fabien e os outros... Eu os ouvi saindo pelo caminho de trás há alguns minutos.

- Estou trabalhando nisso - Niko disse. - Agora vá. Não pare por nada. Leve Mira de volta para o carro. A Ordem deve chegar a qualquer minuto.

- Nikolai...–disse Renata, olhando Nikolai firmemente, fazendo-o parar na esperança de ouvir o perdão ou uma afirmação de que ela ainda podia amá-lo depois de tudo o que tinha acontecido. Ela prendeu seu olhar, formando um vinco entre as sobrancelhas. - Seja cuidadoso.

Ele ofereceu-lhe um aceno triste, não sentindo o comum aumento de adrenalina que precedia o combate. Aqueles dias pareciam séculos atrás, quando nada mais importava para ele exceto a glória da batalha e o triunfo da vitória, por mais sem sentido que fosse.

Agora tudo importava, sobretudo em se tratando de Renata. Sua segurança e felicidade eram tudo o que importava, mesmo que isso significasse que ele poderia não estar em cena.

- Leve Mira de volta para o carro - disse novamente. - Mantenha a cabeça baixa e cuide-se. Vamos tirá-las daqui.

Ele esperou até que Renata saísse correndo, então foi para a porta dos fundos da propriedade por onde seus inimigos tinham fugido.

A lancha estava parada na doca quando Dragos e os outros correram ladeira abaixo para pegá-la. Ao redor da floresta e até perto da casa, os agentes de Fabien mexiam-se como formigas que tinham acabado de perder a casa. Tiros iluminavam a noite de modo tão enlouquecido que era impossível dizer quais rajadas vinham dos aliados e quais dos aparentes intrusos.

Tudo que Dragos sabia era que não ficaria para enfrentar a Ordem ou esperar que alguém o derrubasse.

Quando ele e seu grupo começaram a subir no barco, Dragos colocou-se no caminho de Edgar Fabien.

- Não há espaço a bordo para você - disse para o líder do Refúgio de Montreal. - Você nos prejudicou bastante com sua idiotice. Você fica aqui.

- Mas... senhor, eu... por favor, posso garantir que não vou decepcioná-lo novamente.

Dragos sorriu, mostrando as pontas de seus dentes.

- Não, você não vai.

Dizendo isso, levantou uma pistola 9 mm e disparou um tiro mortal direto entre os olhos redondos de Fabien.

- Vamos! - ordenou ao condutor do barco, Edgar Fabien completamente apagado quando o motor rugiu e a embarcação os levou até o hidroavião que esperava na outra extremidade do lago.

Ele chegou tarde demais.

Niko encontrou alguns Agentes em seu caminho até o lago, mas quando chegou lá, a lancha não passava de uma agitação na água. Nikolai disparou alguns tiros atrás deles, mas estava apenas perdendo balas. O cadáver de Edgar Fabien jazia na doca de madeira. Dragos e os outros já estavam do outro lado do lago naquele momento.

- Maldição.

Alimentado pela fúria e pela determinação, Nikolai começou a se movimentar ao longo da costa, recorrendo à velocidade sobrenatural que todos os da sua espécie possuíam quando precisavam. O barco era rápido, mas a água estava cercada de terra. Em algum ponto Dragos e seus companheiros teriam de desembarcar e pegar outro meio para terminar a fuga. Com alguma sorte, Niko poderia alcançá-los antes que fugissem.

Ele não sabia quão longe estavam - um quilômetro, provavelmente – quando, de repente, seu peito congelou de medo.

Renata.

Algo estava errado. Terrivelmente errado. Ele podia sentir as emoções de Renata como se fossem suas. Ela, a corajosa e imperturbável Renata, agora estava morrendo de medo.

Ah! Cristo! Se alguma coisa acontecesse com ela...

Não. Ele não podia sequer pensar nisso.

Com todos os pensamentos sobre Dragos deixados de lado, Nikolai virou e continuou em alta velocidade, rezando para chegar a tempo.

Ela não tinha visto o vampiro enorme vindo.

Em um minuto estava cortando o mato escuro com Mira firme em seus braços e, no minuto seguinte, viu-se olhando para o rosto implacável e para os impiedosos olhos dourados de um macho da Raça, cujo imenso torso nu, ombros e braços estavam cobertos por um espesso padrão de dermoglifos.

Era um Primeira Geração; Renata soube instintivamente. Seus instintos também diziam que aquele macho era mais letal do que a maioria, frio como pedra.

Um assassino.

O terror a cobriu como uma maré negra. Ela sabia que se o atacasse era melhor ter certeza de que poderia matá-lo rapidamente, ou então ela e Mira seriam mortas no mesmo instante. Não se atreveu a tentar quando Mira podia sofrer caso ela falhasse.

Santa Mãe de Deus, chegar tão longe, finalmente ter Mira em seus braços, a poucos passos da liberdade... e agora... Jesus Cristo!

- Por favor - Renata murmurou, desesperada para atrair a mais leve misericórdia. - A criança não. Deixe-a ir... por favor, deixe a criança, não lhe faça mal...

O silêncio do vampiro era irritante. Mira tentou levantar a cabeça do ombro da amiga, mas Renata gentilmente a empurrou de volta para baixo, não querendo que ela se assustasse com o mensageiro da morte que, sem dúvida, tinha sido enviado por Edgar Fabien ou por Dragos. Ou pelo próprio Diabo em pessoa, maldito seja.

- Vou colocá-la no chão - Renata disse a ele, sem ter certeza de que ele a compreendia e que muito menos concordaria. - Apenas... deixe a criança ir. Sou eu quem você quer, não ela. Apenas eu.

Os olhos de falcão dourado seguiam cada movimento de Renata enquanto ela cuidadosamente tirava Mira dos braços e lentamente colocava os pés da menina no chão. Renata colocou-se entre o assassino e a criança, rezando para que a morte dela fosse suficiente para satisfazer ao assassino e ao seu mestre do mal.

- Rê, o que está acontecendo? - Mira perguntou por trás de suas pernas, as mãos pequenas segurando-lhe as calças enquanto olhava ao seu redor. - Quem é esse homem?

O vampiro deixou seu olhar de pedra viajar até a origem daquela voz minúscula. Ele olhou. Sua cabeça raspada virou lentamente para o lado. Então, ele fez uma careta.

- Você - disse ele, com uma voz tão profunda que estremeceu todo o caminho até a medula Renata. Algo sombrio passou em seu rosto. - Deixe-me vê-la.

- Não - declarou Renata, segurando Mira atrás de si e bloqueando-a como um escudo. - Ela é apenas uma criança. Não fez nada contra você ou qualquer outra pessoa. Ela é inocente.

Ele lançou a Renata um olhar tão feroz que quase a derrubou.

- Deixe-me ver os olhos dela.

Antes que pudesse recusar mais uma vez, antes que pudesse pensar em alguma forma de pegar Mira e fugir o mais rápido possível, Renata sentiu Mira dar um passo para sair detrás de sua proteção.

- Mira, não.

Tarde demais para interromper o que aconteceria. Renata só pôde olhar com terror quando Mira caminhou direto para fora e olhou para cima, subindo para o duro olhar do letal vampiro Primeira Geração.

- Você... - disse ele novamente, olhando para o doce rosto de Mira.

Renata poderia dizer o momento em que começou a testemunhar o presente de Mira. Os olhos dourados dele ficaram tempestuosos, e ele olhava, absorto, enquanto a criança mostrava seu futuro. Ele chegou mais perto, muito perto, até que os braços maciços poderiam atacar e quebrar Mira inadvertidamente.

- Não... - ela deixou escapar, mas ele já estava chegando até Mira.

- Está tudo bem, Rê - Mira sussurrou, em pé diante do vampiro, tão inocente como uma criancinha que vagava na cova dos leões.

E foi então que Renata percebeu que algo de extraordinário estava para acontecer.

- Você me salvou - ele sussurrou, com as mãos enormes nos pequenos ombros de Mira. O vampiro se ajoelhou, ficando no nível da criança. Quando ele falou, a voz letal estava tranquila, com espanto e confusão. - Você salvou minha vida. Eu vi isso, agora, em seus olhos. Vi naquela noite também...


Capítulo 33

O coração de Nikolai congelou dentro de seu peito, um crescente pânico, medo transformado em gelo. Com o tiroteio ainda em erupção na área, ele tinha dado uma volta pela floresta até o lugar onde seu sangue tinha mostrado que encontraria sua Companheira apavorada.

Renata estava lá. Na escuridão da floresta banhada pela luz da lua, imóvel como uma estátua e olhando um imenso vampiro Primeira Geração agachado diante de Mira, segurando a criança com suas enormes mãos.

Jesus Cristo.

Niko moveu-se silenciosamente, rastejando para se aproximar e tentar encontrar uma posição em que poderia atirar sem colocar Renata ou a menina no fogo cruzado.

Ataque-o com uma onda, Renata. Faça-o cair e corra como se estivesse correndo do diabo.

Ela não lançou o poder mental sobre ele. Ela não tentou contrair um dedo na direção de qualquer uma de suas armas, psíquica ou não. Não, para o horror de Niko, ela não moveu sequer um dedo. Apenas ficou ali, no centro do que rapidamente se transformaria em uma tempestade infernal de sangue e violência.

O próprio medo de Niko naquele momento era insondável. Tudo o que ele sentia era o terror rasgando-o por dentro, seus ossos congelados, um desespero tão selvagem dentro do coração que batia como um tambor no peito.

Ele tirou as pistolas 9 mm de seus coldres laterais e avançou. Embora estivesse se movendo a um ritmo que apenas alguém da Raça poderia controlar, Renata olhou para cima. Ela o sentiu ali, movendo o ar ao seu redor, mesmo que os olhos não conseguissem registrar a velocidade. O sangue dele nela lhe disse que seu macho estava perto, assim como o seu sangue correndo nele sempre o faria encontrá-la.

Ele estava muito consumido pela raiva para notar que ela olhava para ele com alarme e não para o inimigo vampiro que enfrentava.

Nikolai avançou como um flash, totalmente preparado para matar. Ele parou logo atrás do grande Primeira Geração, as duas pistolas apertadas contra os glifos que seguiam até a parte traseira do crânio raspado do vampiro.

Tudo aconteceu em um piscar de olhos, mas parecia em câmara lenta na consciência de Nikolai.

Ele apontou as armas, os dedos nos gatilhos.

Os olhos de Renata se abriram. Ela balançou a cabeça.

- Niko, espere... não!

O Primeira Geração soltou Mira, deixando as grandes mãos caírem ao seu lado. Ele nem sequer reagiu às armas apontadas em sua cabeça. Seu peito expandiu quando puxou uma respiração longa, então deixou o ar sair em um suspiro resignado.

Ele não estava lutando contra sua morte.

Ele não se importava se morresse.

E então Mira gritou, a voz da criança alta com o medo.

- Não! Não o machuque!

Nikolai assistiu incrédulo e com espanto total quando Mira jogou seus braços em torno dos ombros largos do Primeira Geração.

- Por favor, não o machuque! - ela chorou, olhando para Niko, suplicando-lhe enquanto tentava proteger o vampiro com seu corpo minúsculo.

- Nikolai - Renata prendeu seu olhar quando ele a olhou, incrédulo, as duas pistolas de grande porte ainda armadas e prontas, niveladas na cabeça do Primeira Geração. - Nikolai... por favor, está tudo bem. Espere.

Ele franziu a testa, mas sua atitude guerreira relaxou um pouco.

- Levante-se - ordenou ao vampiro.–Levante-se e afaste-se da criança.

O Primeira Geração obedeceu sem qualquer comentário, lentamente, soltando os braços de Mira do seu pescoço e empurrando-a para longe enquanto levantava.

Niko se moveu para enfrentá-lo, as armas ainda sobre ele, quando orientou tanto Renata quanto Mira a ficar atrás dele.

- Quem diabos é você?

Os olhos sóbrios, inexpressivos, fitaram a terra.

- Chamam-me de Caçador.

- Você não é um Agente - disse Nikolai, cautelosamente.

- Não. Eu sou um Caçador.

Renata levou Mira para perto, segurando-a enquanto o caos na floresta e na casa lentamente morria em torno deles.

- Seus olhos, Nikolai - disse ela, entendendo agora. - Ele é o assassino que tentou matar Sergei Yakut naquela noite. Foi ele quem Mira viu no retiro de Yakut.

A expressão de Nikolai escureceu.

- É verdade? Você é um assassino de aluguel?

- Eu era - o Caçador deu um aceno triste e, finalmente, levantou o olhar. - A criança me salvou... Algo mudou em mim depois que eu vi a visão nos olhos dela naquela noite. Eu a vi salvar minha vida, exatamente como aconteceu há pouco.

No instante seguinte, a floresta ganhou vida com homens armados se deslocando sobre eles de todas as direções. Nikolai tinha as armas na mão, mas não fez nenhum movimento para disparar sobre as ameaças recém-chegadas. Renata entrou em pânico.

- Ah, merda. Niko...

- Está tudo bem - ele a acalmou com um olhar tranquilizador e algumas palavras gentis. - Estes são os mocinhos, meus amigos da Ordem.

Ela observou quando quatro dos guerreiros amigos de Nikolai entraram na área. Todos eram formidáveis no tamanho e na atitude, um grupo de músculos e de força que parecia sugar todo o ar da floresta pela simples presença dele.

- Como vai, hermano? Tudo bem aqui? - perguntou a voz suave que agora Renata reconhecia como pertencente a Rio.

Nikolai assentiu com a cabeça, os olhos e armas ainda apontadas na direção do Primeira Geração.

- Tenho tudo sob controle, mas a situação na casa está arruinada. Edgar Fabien está morto e Dragos e os outros fugiram pela costa. Foram de barco para o outro lado do lago. Tentei segui-los, mas... - olhou para Renata. - Tinha que me assegurar de que tudo estava bem por aqui primeiro.

- Nós ouvimos o zumbido de um motor de avião pequeno quando chegamos - disse Rio.

- Droga - Nikolai sussurrou. - Eram eles, sem dúvida. Fugiram. Diabos, Dragos estava aqui e nós perdemos o filho da mãe maldito.

- Deixe-me ajudar a encontrá-lo.

Todos os olhos se voltaram para o vampiro ainda detido na mira de Nikolai.

- Por que confiaríamos em você? - Nikolai perguntou, estreitando o olhar. - Por que estaria disposto a nos ajudar a colocar as mãos em Dragos?

- Porque ele é a pessoa que me criou - não havia calor no tom dourado dos olhos do Primeira Geração assassino quando respondeu à pergunta, apenas ódio gelado. - Ele me fez o que sou. Eu e todos os outros Caçadores criados por ele para matar.

- Ah, meu Deus! - Renata respirou. - Você quer dizer que há outros como você?

A cabeça raspada do Caçador acenou sobriamente.

- Não sei quantos nem onde estão, mas Dragos me disse que não sou o único de minha espécie. Há outros. Muitos outros.

- Por que devemos acreditar em você? - perguntou outro dos guerreiros, quase tão sombrio quanto a noite ao seu redor, seus dentes e presas brilhando como pérolas contra sua pele morena.

Outro guerreiro interveio, então, de olhos rápidos e sagazes, astuto como um lobo sob os pontos de ébano de seus cabelos cortados.

- Deixe Tegan nos dizer se podemos confiar nele.

Renata assistiu com espanto e um pouco de medo quando o maior do grupo, um guerreiro que parecia um fantasma perseguindo as sombras, deu alguns passos a frente. Imenso, com cabelos alourados sob o capuz preto de malha que usava, ele era um grande bloco de músculos másculos e energia sombria. Facilmente tão grande quanto o Primeira Geração diante dele, esperando seu julgamento.

Sem dizer nada, o guerreiro chamado Tegan estendeu sua enorme mão. O Caçador a pegou, seus olhos tão constantes quanto seu aperto.

Após um longo momento, Tegan deu um aceno vago.

- Ele vem com a gente. Vamos lacrar este lugar e dar o fora daqui.

Renata sentiu o enorme peso da tensão do momento ser removido, dando lugar a um novo propósito. O grupo se dividiu, a maioria dos guerreiros indo cuidar das coisas na casa de Fabien enquanto Rio e Nikolai andavam com Renata, Mira e seu companheiro inesperado de volta ao veículo à espera da Ordem.

Já perto, Nikolai pegou a mão de Renata.

- Encontramos você lá, Rio.

O guerreiro assentiu. À medida que avançavam, Renata olhou maravilhada e atemorizada quando Mira deslizou sua mão muito pequena na palma maior do Caçador.

- Meu Deus - disse ela a Nikolai. - O que está acontecendo?

Ele balançou a cabeça, claramente surpreso como ela.

- Vou levar algum tempo para descobrir isso, acho. Mas primeiro quero esclarecer as coisas entre nós.

- Nikolai, desculpe-me.

Ele a silenciou com um beijo longo e doce, puxando-a em seus braços quentes e musculosos.

- Eu estraguei tudo, Renata. Eu estava com tanto medo de perder você que a empurrei para longe de mim com uma mentira, fui um estúpido imprudente! Eu nunca me perdoaria se alguma coisa acontecesse com você ou Mira. Você é meu coração, Renata. Minha vida - ele acariciou-lhe o rosto, seu olhar a engolindo inteira. - Eu te amo tanto... Não quero viver um só momento sem você ao meu lado.

Ela fechou os olhos, dominada pela emoção.

- Eu nunca quis nada mais - ela sussurrou, sua garganta fechada com alegria. - Eu também te amo, Nikolai. Mas tem que entender que venho com um pacote agora. Mira não é minha filha de sangue, mas é de coração. Eu a amo como se fosse minha.

- Eu sei - disse sobriamente. - Você já provou isso.

Renata olhou para ele, incapaz de conter a esperança que se espremia em seu peito.

- Você acha que pode encontrar espaço em sua vida e em seu coração para nós duas?

- O que a faz pensar que eu já não tenha feito isso?–ele a beijou novamente, dessa vez com ternura. Quando olhou nos olhos dela, seu olhar era tão cheio de amor que lhe varreu o fôlego. - Vamos dar o fora daqui agora. Quero levar minhas garotas para casa.


Capítulo 34

Boston. Três noites depois.

O complexo da Ordem pareceu muito diferente para Nikolai quando ele andou pelo corredor que conduzia ao laboratório de tecnologia onde tinha se reunido com os outros guerreiros. A missão de capturar Dragos sofrera um golpe significante há algumas noites, mas também tinham ganhado uma vantagem muito inesperada na sua busca e encerramento da operação.

Infelizmente, embora o Caçador tivesse se tornado um valioso aliado, a Ordem também tinha perdido um membro crucial e confiável amigo: Andreas Reichen tinha sumido completamente e a notícia de Berlim era a pior possível. Ninguém sabia se o líder do Refúgio alemão tinha sobrevivido ao ataque em sua residência. Baseado na matança de toda sua família e no fogo que consumira a propriedade inteira, a Ordem tinha poucas esperanças de encontrar o amigo vivo.

Pessoalmente, Nikolai pensou que seria consolador para Reichen se ele tivesse morrido no ataque. Ele sabia que uma perda tão profunda jamais poderia ser superada. Certamente nenhum homem, da Raça ou não, seria forte o suficiente para sair ileso de um golpe tão brutal na alma. Como um guerreiro, Nikolai entendia baixas em combate. Todo guerreiro entrava na batalha sabendo que ele ou seus irmãos podiam não retornar para a base. Mas perder uma família...

Ele não queria nem mesmo considerar o que isso faria com um homem. Em vez disso, Nikolai se concentrou nas bênçãos que tinha, uma das quais podia ser ouvida falando baixinho quando ele se aproximou da porta aberta de seus aposentos.

Renata estava lá dentro, sentada no sofá da sala, lendo para Mira.

Por um momento, quando Niko aproximou-se da entrada, encostou-se na soleira da porta, simplesmente ouvindo e deleitando-se com a visão da bela mulher que agora era sua Companheira. Ele adorava ver como Renata ficava tão confortável com um livro quanto segurando uma arma. Ela tinha uma suavidade que ele admirava, uma inteligência que o desafiava continuamente e uma força interior que o fazia procurar ser um homem digno de sua devoção.

Não era nada mal também que ela fosse mais quente do que o inferno, sobretudo quando ela estava com o olhar na sua 9 mm ou treinando com suas adagas queridas no centro de treinamento. Kade e Brock tinham estado quase permanentemente na sala de armas nos últimos dias, só pela possibilidade de treinar com Renata ou olhá-la em ação. Nikolai não podia culpá-los. Mas quando sentiu o beliscão leve do ciúme, bastou um olhar malicioso de sua mulher para colocá-lo à vontade. Ela o amava e Nikolai era o macho mais sortudo do planeta.

- Oi - disse, olhando enquanto virava a última página de um capítulo e parava para cumprimentá-lo.

- Olá, Niko - Mira sussurrou sob o véu curto. - Você acabou de perder uma parte muito boa da história.

- Mesmo? Talvez eu possa convencer Renata a ler para mim mais tarde - disse ele, enviando um olhar aquecido para sua Companheira quando entrou na sala. Ele caminhou até o sofá e se agachou na frente de Mira. - Tenho algo para você.

- Sério? - o rosto dela se iluminou com um pequeno sorriso. - O que é?

- Uma coisa que pedi a Gideon para você. Tire seu véu, e vou lhe mostrar.

Ele não perdeu o olhar protetor de Renata quando Mira afastou o tecido preto para longe do seu rosto.

- O que é?

- Tudo bem - disse ele, tirando uma pequena caixa de plástico do bolso da calça jeans. - Você pode confiar em mim. Ambas podem confiar em mim.

Renata relaxou, e olhou quando Nikolai retirou a tampa de um recipiente de lentes de contato.

- Estas são as lentes especiais que Gideon acha que vão ajudar com seus olhos. Você gostaria de nunca mais usar o véu de novo?

Mira concordou com entusiasmo.

- Deixa eu ver, Niko!

- Que tipo de lentes são essas? - Renata perguntou, cautelosamente otimista.

- Íris opacas para proteger o efeito de espelhamento dos olhos de Mira. Ela será capaz de ver através delas, mas ninguém que olhar para ela vai notar nada de incomum sobre os olhos. Suas íris serão cobertas, da mesma forma que o véu cobre. Eu pensei que seriam melhores.

Renata acenou, sorrindo calorosamente para ele.

- Muito melhor. Obrigada.

- Posso experimentá-las? - Mira perguntou, ansiosamente olhando a pequena caixa nas mãos de Niko. - Olha, Rê, são roxas!

- Essa é sua cor favorita - disse ela, jogando um olhar interrogativo sobre Nikolai.

Ele tinha mudado muito nos últimos dias, empreendendo um papel que nunca se imaginou, sem falar no fato de se ajustar tão confortavelmente nele. Ele era um macho com laço de sangue com uma Companheira de Raça que o amava e uma criança para criar como sua. E ele apreciou as duas ideias.

Ele, um dissidente e imprudente, tinha uma família própria agora. Era incompreensível para ele, para não mencionar para o resto do complexo. Era a última coisa que sonhou que queria ou precisava e agora, apenas alguns dias depois, não poderia ver sua vida de outra maneira.

Seu coração nunca se sentiu tão completo.

- Deixe-me ajudá-la com isso - disse Renata, pegando as lentes das mãos de Niko com cuidado e colocando-as em Mira. Quando estavam no lugar há alguns segundos e o talento da criança não se manifestou, Renata sorriu. - Ah, meu Deus. Funcionou, Nikolai! Olhe para ela. As lentes funcionam perfeitamente.

Ele olhou para as piscinas violeta nos olhos alterados de Mira e viu... nada. Apenas o feliz e despreocupado olhar de uma criança.

Renata jogou os braços em volta dele e o beijou. Mira estava bem atrás dela e Niko pegou as duas em um sincero abraço.

- Há mais - disse, esperando que gostassem do resto da sua surpresa. Ele se levantou e pegou cada uma delas pela mão. - Venham comigo.

Ele as levou pelo corredor até o elevador que subia da sede subterrânea para a enorme mansão que ficava no piso acima. Ele podia sentir a apreensão de Renata pelo modo como ela apertava-lhe a mão grande e pela adrenalina que lhe corria na corrente sanguínea.

- Não se preocupe - ele sussurrou na orelha dela. -Você vai gostar, eu prometo.

Pelo menos, ele esperava que sim. Ele tinha trabalhado naquilo durante um dia e meio, tentando fazer tudo certo. Ele guiou Renata e Mira ao coração da propriedade, em direção à luz de velas e ao calor da sala de jantar formal. Os aromas de pão e carne assada os receberam. Niko não tinha apreço por comida humana, mas as Companheiras de Raça que viviam no lugar certamente tinham e, a julgar pela aparência das duas mulheres caminhando ao seu lado, elas também.

O espanto brilhou nos olhos de Renata.

- Você fez o jantar?

- Claro que não. Acredite em mim, sou a última pessoa que você iria querer para preparar suas refeições. Pedi alguns favores a Savannah, Gabrielle e as outras mulheres. Seu estômago está em muito boas mãos.

- Mas eu estive com todas elas mais cedo hoje e ninguém disse nada sobre isso.

- Eu queria fazer uma surpresa. Elas queriam surpreendê-la, também.

Renata não disse mais nada, mas ele não pôde deixar de notar que seus passos diminuíam ao chegar mais perto da sala de jantar. Mira, no entanto, pulava com entusiasmo. Assim que chegaram à porta de entrada em arco, ela soltou-se de Niko e correu a mil por hora como se tivesse vivido lá toda sua vida.

Mas Renata, não.

Ela ficou em silêncio e imóvel. Olhou para a mesa cheia de pratos de porcelana e enfeites finos e suspirou levemente. Não disse uma palavra sequer quando olhou para o rosto dos guerreiros e de suas Companheiras de Raça, todos de pé dando-lhe boas-vindas quando ela e Nikolai pararam na porta.

- Ah, Santo Deus! - ela finalmente sussurrou, sua voz quebrada e crua.

Niko a seguiu quando ela recuou, voltando pelo corredor.

Maldição. Ele estava tão certo de que ela desfrutaria de um agradável jantar com todos, mas é óbvio que estava errado.

Quando falou com ele, sua voz estava embargada pela emoção.

- Todo mundo está esperando lá dentro... por nós?

- Não se preocupe com isso - disse ele, puxando-a para seus braços fortes. - Eu queria fazer algo especial para você e estraguei tudo. Sinto muito. Você não tem que fazer isso.

- Nikolai - ela olhou para ele, os olhos brilhantes marejados. - Eu nunca vi nada mais bonito do que aquela mesa, com todos ao redor, em toda a minha vida.

Ele franziu a testa, bastante confuso agora.

- Então, o que está errado?

Ela balançou a cabeça, engolindo um riso estrangulado.

- Não há nada de errado. Nada de errado em nada. Estou tão feliz! Você me faz tão imensamente feliz. Tenho medo desse sentimento. Eu nunca soube o que era e eu estou morrendo de medo que seja apenas um sonho.

- Não é um sonho - disse ele suavemente, acariciando-lhe uma lágrima perdida que deslizava assertivamente pelo rosto macio. - E você pode se segurar em mim se sentir medo. Vou estar ao seu lado enquanto você quiser.

- Para sempre - disse ela, sorrindo para ele.

Nikolai assentiu.

- Sim, meu amor. Para sempre.

O sorriso exultante de Renata explodiu em sua boca. Ela beijou Nikolai forte e, em seguida, caminhou com ele sob o abrigo daquele braço forte para se juntar aos outros. Para se juntar ao resto da sua família.

Capítulo 25

Nikolai sentou-se dentro do abrigo feito de videiras e assistiu a um único raio de luz atravessar as folhas e iluminar os cabelos escuros de Renata enquanto ela dormia. A luz ultravioleta era tóxica para sua espécie – letal após meia hora de exposição contínua - mas ele não resistiu ao desejo de deixar aquele raio de luz entrar pelo pequeno buraco na vegetação. Nos últimos minutos, ele tinha permanecido sentado junto de Renata observando-a, admirando-a, muito intrigado com a forma como a luz cobria-lhe os cabelos de ébano, penetrandolhe os fios de seda e colorindo-os com uma dúzia de tons diferentes: cobre, bronze e vermelho.

Que diabos havia de errado com ele?

Ele estava sentado lá, olhando os cabelos de Renata, pelo amor de Deus! Não apenas olhando, mas olhando-os com total fascinação. Para Niko, isso indicava uma de duas coisas preocupantes: ele devia considerar muito seriamente ter algumas aulas com o famoso cabeleireiro inglês Vidal Sassoon ou estava completamente perdido de amor por aquela mulher.

Perdido tanto quanto no passado, eternamente tomado por outra pessoa. Em algum lugar, de algum jeito, ele se deixou apaixonar por ela.

Isso explicava o porquê de ele não conseguir manter as mãos - e outras partes maiores e mais pulsantes de seu corpo - longe dela. Explicava também o motivo pelo qual tinha passado toda a noite – com exceção da ida rápida à casa de Yakut antes do amanhecer – deitado junto de Renata, sustentando-a em seus braços fortes.

E, se ele precisava de alguma explicação do motivo de seu peito ter ficado tão apertado e tão pesado quando ela começou a chorar na noite anterior, ou por que havia se sentido obrigado a compartilhar com ela seu sentimento de culpa pela perda de Dimitri há tantos anos, ele supôs que estar apaixonado faria sentido.

Por mais que tentasse convencê-la de que ela estava a salvo com ele, Nikolai se sentia a salvo com ela também. Confiava nela plenamente. Mataria para protegê-la, morreria por ela sem hesitar nem por um segundo. Ela podia não fazer parte de sua vida há muito tempo, mas ele já não se imaginava sem ela.

Ah! Merda. Ele realmente tinha se apaixonado por Renata.

- Mas... que... maravilha! - murmurou, fazendo uma careta quando ela se agitou por causa do som de sua voz.

Ela abriu os olhos e sorriu quando o viu sentado ali.

- Olá!

- Bom dia - disse, casualmente alcançando um ramo de videira para fechar o abrigo e deixar do lado de fora os resquícios do raio de sol.

Ele achou o espreguiçar felino dela mais fascinante ainda do que os cabelos. Estava usando a mesma camisa de algodão da noite anterior, a metade dos botões espalhados pelo chão do abrigo natural. A grande camisa estava aberta da metade para baixo, mal cobrindo a nudez de sua fenda. Por ele, sem problemas.

- Como se sente?

Ela pareceu refletir por um segundo, depois olhou para ele com a testa franzida.

- Sinto-me realmente bem. Quero dizer, ontem à noite foi... - ruborizou, uma doce cor rosada preencheu-lhe as bochechas. - Ontem à noite foi incrível, mas pensei que ficaria fora de combate por causa da reverberação. Não entendo... nunca aconteceu nada assim. Quero dizer, tive um pouquinho de dor, mas pelo ataque na casa de Jack, eu devia estar agonizando a noite toda.

- Isso nunca aconteceu antes?

Ela sacudiu sua cabeça.

- Nunca. Cada vez que usava minha habilidade, o efeito retornava.

- Mas ontem à noite não.

- Não, ontem à noite não - ela disse. - Nunca me senti melhor.

Niko talvez pudesse ter feito uma brincadeira sobre os efeitos milagrosos de suas proezas sexuais, mas ele sabia que era um tipo de magia o que fizera Renata suportar o efeito da reverberação.

- Você bebeu de meu sangue ontem. Essa foi a diferença.

- Você acha que seu sangue ajudou não apenas a curar meu ombro, mas também com as reverberações? É possível?

- É definitivamente uma possibilidade. Uma Companheira de Raça que bebe regularmente o sangue de um vampiro se torna muito mais forte do que seria sem ele. O envelhecimento desacelera até ao passo de tartaruga. As células do corpo, os músculos e todo o metabolismo atinge um estado físico visivelmente saudável. E, sim, muitas vezes o sangue de um companheiro também tem impacto na habilidade psíquica das fêmeas.

- Por isso Sergei nunca me deixou beber dele - Renata disse, sua mente veloz para chegar à mesma conclusão a que Niko havia chegado. – Ele não fazia segredo de que gostava que meu poder fosse limitado. Nas vezes que tentei golpeá-lo, nunca pude manter a rajada o tempo suficiente para derrubá-lo. E, no final, o esforço sempre me custava caro demais quando retornava.

- Sergei Yakut era Primeira Geração - Niko recordou. – O sangue dele em seu sistema poderia torná-la praticamente invencível.

Renata zombou em voz baixa.

- Só um grilhão a mais para mim. Ele devia saber que eu o mataria se tivesse a menor esperança de êxito–ficou em silêncio durante um minuto, com os braços cruzados. Depois, arrancou uma fibra de erva do chão do abrigo improvisado. - Tentei matá-lo... no dia em que Mira e eu fugimos juntas. Naquele dia, ele queimou minhas costas com ferro quente. Fez outras coisas também.

Nikolai não tinha que perguntar mais sobre o que ela tinha sofrido. As cicatrizes das queimaduras em suas costas eram atrozes, mas pensar no castigo de Yakut era pior... O sangue de Niko fervia de indignação. O guerreiro, então, colocou a mão sobre a mão dela.

- Sinto muito, Renata.

Ela lançou um firme olhar que não procurava simpatia.

- Sua misericórdia foi a de não ter forçado Mira a assistir tudo o que me fez. Mas Sergei me disse que se ela ou eu tentássemos escapar outra vez, Mira pagaria da mesma forma que eu. Prometeu que seria pior para ela, e eu sabia que ele estava falando sério... Então, fiquei quieta. Eu o obedecia e a cada hora de cada dia rezava por um milagre que eliminasse Sergei Yakut de minha vida - parou, acariciando-lhe o rosto masculino. – E então você chegou e tudo mudou. Suponho que em muitos sentidos, você é meu milagre.

Nikolai segurou-lhe a mão e depositou um beijo no centro de sua palma.

- Ambos somos afortunados.

- Alegra-me que Sergei esteja morto - confessou ela, brandamente.

- Ele devia ter sofrido mais - disse Niko, sem tentar ocultar o tom obscuro de sua voz grossa. - Mas já morreu. E é o que importa.

Renata assentiu.

- E agora Lex também está morto. Os guardas de Yakut... Todos eles estão mortos.

- A essa hora da manhã, ele e os outros na propriedade não passam de um monte de cinzas - Niko disse ao esticar-se para colocar os cabelos negros e brilhantes de Renata atrás da orelha. - Depois que você dormiu ontem à noite, eu retornei lá e abri todas as persianas para que a luz do sol entrasse. Também liguei para Boston para dar os números que estavam no celular de Lex. Gideon entrará em contato quando tiver feito o rastreamento para nos dar os detalhes.

Outro assentimento, sua voz suave tinha um tom de esperança.

- Está bem.

- Enquanto estava lá, trouxe algo que pensei que pudesse precisar.

Inclinou-se para o monte de armas e outros instrumentos que havia recolhido e pegou o pacote de seda e veludo que pertencia a Renata.

- Minhas adagas! - ela disse, seu rosto iluminando-se de alegria quando pegou o pacote nas mãos. Desatou o laço que prendia as armas e desenrolou todo o veludo que cobria as quatro adagas com gravuras personalizadas. - Jack me deu isso...

- Eu sei. Ele me disse que as havia feito para você como um presente. Disse-me que não estava certo de que você as tivesse guardado.

- Elas são muito importantes para mim - murmurou, seguindo o lavrado do punho com a ponta do dedo.

- Eu disse que você ainda as tinha e ele alegrou-se ao escutar quanto elas significam para você.

O olhar cheio de gratidão de Renata banhou o macho da Raça.

- Nikolai... Obrigada por fazer isso pelo Jack. E por me devolver essas adagas. Obrigada mesmo.

Ela se aproximou dele e o beijou. A suave pressão de seus lábios foi algo profundo. Nikolai segurou-lhe o rosto entre as mãos, acariciando-lhe a mandíbula com os polegares grandes, percorrendo o delicado ângulo das maçãs do rosto. Ela abriu a boca enquanto a língua dele percorria a abertura úmida de seus lábios e soltou um doce gemidinho quando ele entrou dentro dela.

As presas dele se estenderam pontudas pela luxúria que corria nele como lava. Entre as pernas, seu sexo era já uma coluna de granito, aceso imediatamente diante da ideia de ter Renata debaixo de si. Quando a mão dela escorregou para baixo, ultrapassando a cintura da calça para tocá-lo, seu membro ereto e ávido saltou, crescendo mais e mais sob o calor da palma da mão de Renata enquanto ela o acariciava.

- Que horas são? – murmurou ela contra a boca febril dele.

Ele grunhiu, muito absorto em suas deliciosas carícias para processar imediatamente aquela pergunta. Através de sua respiração entrecortada, conseguiu responder.

- É cedo. Provavelmente por volta das nove.

- Bem, caramba, acho que é muito cedo - ela murmurou, separando sua boca da dele e deixando um rastro de beijos ao longo da garganta e do pomo-de-adão. - Não pode sair na luz do sol, não é mesmo?

- Não.

- Humm – os lábios úmidos dela desceram sobre o peito nu e suado dele. Ele recostou-se sobre os cotovelos enquanto ela seguia o contorno dos glifos com a ponta rosada de sua língua sapeca, percorrendo os arcos e redemoinhos ao redor de seus mamilos e através do seu tórax. Quando falou, sua voz vibrou em todos os ossos de Niko:

- Então, suponho que isso significa que estamos presos aqui por um tempo, não é?

- Sim. - A palavra saiu ofegante. O beijo dela viajou devagar para baixo, além do umbigo do macho da Raça, seguindo as linhas dos dermoglifos, em direção à parte do corpo dele que palpitava pela necessidade de sentir os lábios úmidos e quentes dela apertando-se ao seu redor. - Suponho que estamos presos aqui até de noite.

- Hum hum.

Ela prendeu o cordão das calças dele entre os dentes e deu um forte puxão. O nó caiu solto e então ela baixou as calças o suficiente para fazer a cabeça enorme do membro dele despontar ansiosa. Ela o lambeu, observando o rosto de Niko enquanto desenhava redemoinhos com a língua diabólica ao redor da carne e sugava uma gota do fluido viscoso que brotava ali.

- Ah!

- Então... - ela murmurou, seu fôlego flutuando através da pele umedecida pelo suor dele, atormentando-o ainda mais. - O que vamos fazer aqui o dia todo enquanto esperamos a noite chegar?

Niko riu.

- Querida, posso pensar em umas cem coisas que eu gostaria de fazer contigo.

Ela sorriu desafiante.

- Apenas cem?

Antes que ele pudesse lhe dar uma resposta inteligente, ela envolveu o pênis dele com os lábios e o tomou profundamente dentro da boca. E enquanto o corpo de Niko explodia de prazer, ele se viu rezando para que o tempo e os dias a sós com aquela incrível mulher – sua mulher – pudessem se estender para sempre.


Capítulo 26

Renata caminhou para a porta de trás da propriedade de Yakut e parou na soleira. Ela havia deixado Nikolai no refúgio de videiras quando decidiu que sua necessidade de um banho, de uma ducha quente e de roupas limpas que realmente coubessem nela eram maiores do que sua resistência em jamais colocar novamente os pés na casa de Sergei Yakut.

Agora ela duvidava. No início da tarde, o sol era uma presença alentadora, mas no lado de dentro a propriedade era escura e fria. Sombras caíam sobre a mobília desarrumada e estendiam-se pelas tábuas rudes do chão. Renata avançou e caminhou para o lugar onde Lex havia caído.

O corpo dele havia desaparecido, assim como o sangue. Nada além de um pequeno rastro de cinzas deixado para trás – como Nikolai prometera. As persianas sobre a janela da sala estavam totalmente abertas, mas o sol já havia passado. Uma fresca brisa carregava o aroma de pinheiro e o ar fresco do bosque para a umidade calma do lugar. Renata respirou profundamente, enchendo os pulmões, deixando a fragrância de um novo dia expurgar as lembranças de toda aquela morte, aquele sangue e aquela violência que tinham coberto o lugar na noite anterior.

Hoje, sob aquela nova luz, muitas coisas pareciam diferentes para ela.

Ela mesma parecia diferente. E sabia a razão. Estava apaixonada.

Pela primeira vez em muito tempo (talvez em toda a sua vida), Renata verdadeiramente sentia a esperança acomodada em seu coração, uma esperança de que o futuro lhe reservava algo além da mera sobrevivência, que ela poderia em algum momento medir a felicidade em anos e não apenas em momentos raros e fugidios. Estar com Nikolai, fosse em seus braços ou ao seu lado, fazia Renata acreditar que muitas coisas eram possíveis.

Ela caminhou pela grande sala, apoiando-se no fato de que aquela seria a última vez que precisaria ver aquele lugar. Aquilo era um adeus.

Quando ela e Nikolai saíssem dali para continuar a busca por Mira, aquele albergue, aquele terrível celeiro, aquele canil na parte de trás da construção, Sergei Yakut, Lex e todos os outros que marcaram os últimos dois anos de sua vida seriam apenas lembranças. Ela deixaria tudo ali, e o terror e a dor seriam, de alguma forma, banidos de seu futuro.

Aquela parte de sua vida havia terminado.

Ela entrou no pequeno banheiro que havia compartilhado com Mira, em paz consigo e com tudo ao seu redor enquanto ligava a água quente da ducha. Quando o vapor úmido começou a sair pela cortina, ela desabotoou uns poucos botões da camisa emprestada de Jack e ficou ali por um momento, parada, nua, contemplando seu futuro com olhos renovados. Não sabia o que a esperava uma vez que a noite caísse e uma nova jornada começasse, mas estava disposta a enfrentar o que quer que fosse.

Com Nikolai ao seu lado – com a esperança e o ardente amor tão resplandecente quanto uma chama em seu coração –, Renata estava preparada para enfrentar tudo.

Como um cavalheiro destinado a uma batalha que procura uma bênção, Renata deu um passo debaixo da água quente da ducha. Fechou os olhos em uma solene oração enquanto a reconfortante água caía-lhe sobre o corpo nu.

Nikolai permanecia no abrigo de videiras enquanto os passos de Renata se aproximavam.

- Toc, toc - ela o chamou através das folhas. – Estou entrando, então cuidado com a luz do dia. Eu não gostaria que você torrasse por mim.

Ela afastou algumas folhas verdes e avançou, pronunciando uma rápida desculpa quando notou que ele tinha o telefone celular de Lex no ouvido. Niko havia ligado para a Ordem pouco depois que ela fora tomar banho. As notícias de Boston eram uma mistura de boas e más, além de uma dose extra de sérios problemas.

As boas? Um dos números no telefone de Lex era, de fato, de Edgar Fabien. Sem muito esforço, Gideon havia sido capaz de rastrear os registros da base de dados de identificação internacional de Fabien. Agora, a Ordem tinha os endereços da residência do líder do Refúgio de Montreal, sua casa no interior e todos os dados de todas as outras propriedades privadas, tanto de negócios como pessoais. Gideon tinha acesso aos números de telefone celular de Fabien, carteira de motorista, arquivos do computador e até mesmo da vigilância eletrônica do Refúgio do maldito filho da mãe.

E era nesse ponto que começavam as más notícias.

Edgar Fabien não estava em casa. Gideon havia interceptado o sinal de um canal de vídeo mais cedo naquela noite e visto um grupo de sete machos da Raça – um deles provavelmente era Fabien – deixando o Refúgio em companhia de uma escolta armada da Agência de Execução. Era difícil dizer quem eram os visitantes de Fabien, já que todos pareciam iguais em ternos sob medida e com os rostos completamente ocultos por capuzes pretos.

Quanto à dose extra de sérios problemas, o grupo de vampiros havia saído com uma menina. Uma jovem que evidentemente não os havia seguido tranquilamente. A descrição de Gideon da criança loira não deixava dúvida de que se tratava de Mira.

- Ainda está me ouvindo? - Gideon perguntou do outro lado da linha.

- Sim, continuo aqui.

- Lucan quer que Fabien seja trazido a Boston para um interrogatório. Isso significa que precisamos dele vivo, cara.

Niko soltou uma maldição.

- Primeiro, temos de encontrar esse filho da puta.

- Sim, estou trabalhando nisso. Rastreei o GPS do telefone celular de Fabien. Consegui um sinal de um lugar a aproximadamente uma hora ao norte da propriedade de Yakut. Uma das propriedades de Edgar Fabien. Ele deve estar lá.

- Tem certeza?

- Tanta que já enviamos reforços. Tegan, Rio, Brock e Kade estão a caminho para encontrar-se com você enquanto falamos.

- Reforços a caminho? - perguntou Niko, olhando uma parte de luz ultravioleta que aparecia através das folhas do refúgio. A Ordem tinha trajes de proteção solar para situações de emergência, mas até mesmo uma geração antiga de vampiros vestidos dos pés à cabeça com trajes protetores de raios ultravioletas seria incapaz de resistir à luz solar golpeando no assento do motorista em uma viagem de quase sete horas. - Jesus! Não pode estar falando a sério. Quem teve essa ideia?

Gideon riu.

- As fêmeas teimosas, meu caro. Não sei se você notou, mas fomos invadidos por elas nos últimos tempos.

- Sim, notei.

Niko não pôde deixar de lançar um olhar para Renata, que estava verificando algumas das armas que tinham recolhido de Lex e dos outros.

- Qual é a situação, então?

- Dylan está levando os caras em uma Rover e Elise está montando guarda. Devem chegar aí por volta das nove, exatamente depois do pôr do sol. Como Fabien tem vários sócios desconhecidos com ele, vamos precisar entrar e sair de lá com cuidado, sem vítimas desnecessárias - Gideon fez uma pausa. - Escuta, sei que você está preocupado com a menina. A segurança dela é importante, sem dúvida, mas isso é grande, Niko. Se Fabien pode nos levar a Dragos, temos que nos assegurar de capturá-lo esta noite. Essa é a missão número 1, ordenada diretamente por Lucan.

- Sim - disse Nikolai. Ele sabia qual era a missão. Também sabia que não podia decepcionar Renata ou Mira. – Inferno... Certo, Gideon, eu entendi.

- Ligarei se Fabien se mover entre agora e o pôr do sol. Enquanto isso, estou trabalhando em um ponto de encontro para que você se junte aos outros esta noite e ponha em ação um plano de infiltração. Devo ter algo em uma hora ou duas. Ligarei depois.

- Certo. Até depois.

Nikolai desligou o telefone e o colocou junto de si.

- Gideon conseguiu algo daqueles números telefônicos? - perguntou Renata, olhando-o cuidadosamente. - Temos alguma pista do Refúgio de Fabien?

Niko assentiu.

- Temos o endereço.

- Graças a Deus - ela suspirou. O alívio cedeu espaço rapidamente à determinação, tão feroz como Niko nunca havia visto nela. - Onde está ele? No Refúgio na cidade ou em alguma parte nos subúrbios? Eu poderia ir lá agora mesmo e analisar o terreno. Santo Deus, da forma como me sinto – sem dor, meu ombro melhorando – talvez eu devesse bater na porta e golpeá-lo com uma explosão de...

- Renata - Niko pôs a mão grande sobre a dela e sacudiu a cabeça. - Fabien está indo para algum lugar. Não está mais na cidade.

- Então onde?

Ele poderia contar sobre o sinal do GPS que Gideon estava rastreando. Poderia dizer que Fabien tinha Mira em sua custódia e que a menina estava provavelmente uma hora ao norte de onde eles estavam sentados agora. Mas Niko também sabia que se dissesse isso a Renata – se desse o mínimo de certeza sobre o paradeiro da menina que tanto significava para ela –, ele não poderia impedi-la de sair por conta própria naquele exato momento para encontrá-la.

A promessa de Niko à Ordem era seu dever – sua honra –, mas e Renata? Ela era seu coração. Ele não podia pôr em perigo a missão de seus irmãos, mas também não podia permitir que aquela mulher que ele amava partisse precipitadamente sozinha, rumo ao perigo. O pensamento dele era pré-histórico, talvez, especialmente por ter em conta que Renata era uma mulher que sabia como dirigir a si quase em qualquer situação. Era bem treinada, capaz, definitivamente valente, mas... inferno, ela significava muito para que corresse esse tipo de risco. Aquela não era uma opção.

- Estamos esperando uma localização sólida de onde está Fabien – ele disse, a mentira amarga sobre sua língua, independentemente das boas intenções. - Enquanto isso, a Ordem está enviando reforços. Nós vamos nos juntar a eles esta noite.

Renata escutou, claramente confiando nele e em sua palavra.

- A Ordem tem alguma ideia se Mira está com Fabien em qualquer lugar que ele esteja?

- Estamos trabalhando nisso - Nikolai achou difícil sustentar o olhar verde-claro sem pestanejar. - Quando encontrarmos Fabien, encontraremos Mira. Ela vai estar bem. Prometi isso, lembra?

Quando pensou que ela só assentiria com a cabeça e afastaria o olhar, Renata estendeu a mão para apanhar o rosto dele.

- Obrigada... por estar aqui para me apoiar em tudo isto. Não sei como serei capaz de pagá-lo, Nikolai.

Ele ergueu a mão dela entre as suas e deu-lhe um beijo. Diria algo singelo, uma das brincadeiras sem sentido habituais que tão frequentemente usava quando as emoções ao seu redor eram muito reais ou cheias de honestidade. Tinha suas cartas sob a manga: desviar com humor, desarmar com indiferença, atacar e correr como o inferno à primeira indicação de sua própria vulnerabilidade. Mas todas aquelas velhas e confiáveis armas que ele havia aperfeiçoado falhavam agora.

Acariciou com o dedo polegar o dorso da mão de Renata e se deixou perder no refúgio verde de seus olhos.

- Não sou muito bom nisso - murmurou ele. - Quero dizer algo... inferno. Provavelmente eu vou encher sua paciência, mas quero que você saiba que me preocupo com você. Preocupo-me... pra caramba, Renata.

Ela o olhou fixamente, permanecendo tão imóvel e silenciosa que nem sequer estava seguro de que ela estivesse respirando.

- Eu me preocupo - soltou, frustrado consigo pela estupidez das palavras que queria que fossem perfeitas para ela. - Não sei como aconteceu, ou mesmo o que significará para você, se vai significar. Mas preciso dizer porque isso é real. É real, e eu nunca me senti dessa maneira antes. Com ninguém.

A boca de Renata suavizou em um pequeno sorriso enquanto ele divagava com estupidez, tentando encontrar uma maneira de dizer a profundidade do que havia em seu coração de macho da Raça. Tentava e falhava miseravelmente.

- O que estou querendo dizer é que... - sacudiu a cabeça, sentindo-se uma porcaria, mas o suave toque de Renata em seu rosto o tranquilizou. O claro olhar dela trouxe Niko de volta, direto e centrado, conectando-o com a Terra. - O que estou querendo dizer é que estou apaixonado por você... Realmente apaixonado. Não estava esperando que isso acontecesse. Não pensei que alguma vez eu fosse querer isso, mas... Ah! Renata, quando olho dentro de seus olhos, só consigo pensar em uma coisa: para sempre.

Ela exalou devagar e seu pequeno sorriso se estendeu em radiante alegria. Niko passou as mãos na pele suave e macia dela, e pelos cabelos úmidos.

- Estou apaixonado por você, Renata. Sei que não sou um poeta... Caramba, nem sequer chego perto disso. Não tenho todas aquelas palavras bonitas que queria poder dizer... Mas quero que saiba que o que sinto por você é real. Eu te amo.

Ela riu brandamente.

- O que faz você pensar que quero poesia ou palavras finas? Você acabou de dizer exatamente o que queria ouvir, Nikolai–ela deslizou sua mão pela parte de trás do pescoço largo dele e o puxou para um longo e apaixonado beijo. - Também te amo, Nikolai - sussurrou contra sua boca. - Assusta-me admitir isso, mas é assim. Eu te amo, Nikolai.

Ele a beijou e a abraçou, desejando nunca ter de se afastar dela. Mas o cair da noite logo chegaria e ainda havia uma coisa que ele precisava fazer.

- Tem que fazer uma coisa por mim.

Renata se acomodou contra ele.

- Qualquer coisa.

- Não sei o que vai acontecer esta noite, mas preciso saber que vai estar tão forte quanto possível. Quero que tome mais de meu sangue.

Ela se soltou de seu abraço e arqueou uma sobrancelha para ele.

- Tem certeza de que não está só tentando entrar no meio das minhas pernas de novo?

Niko riu, uma sacudida de calor formando redemoinhos diretamente em sua virilha apenas diante daquela ideia.

- Eu não rejeitaria o convite. Mas falo sério... Quero que beba de mim de novo. Faria isso por mim?

- Sim, é obvio.

Ele afastou uma mecha escura da testa dela.

- Há uma coisa mais, Renata. Quando formos atrás de Fabien esta noite, eu morreria se algo... Bem, simplesmente não posso me arriscar a ficar separado de você, vou precisar saber que você está bem todo o tempo, ou minha concentração vai para o inferno. Preciso ter uma ligação com você. Sei como se sentia com Yakut usando seu sangue como um grilhão para você, e prometo que isso não é o que...

- Sim, Nikolai – ela disse, interrompendo-o com um movimento suave de seus dedos sobre sua boca. – Sim... Pode beber de mim.

A maldição dele como resposta foi um sinal de alívio.

- É para sempre - recordou firmemente. - Precisa entender isso. Se eu beber de você, não poderemos desfazer esse vínculo nunca mais.

- Entendo - ela disse sem vacilação. Aproximou-se e beijou-o, longa e profundamente. - Entendo que o vínculo é para sempre... E continuo dizendo que sim.

Niko gemeu. O fogo iluminou-lhe as veias. Suas presas se alongaram e seu pênis se elevou em atenção imediata, tudo nele ansioso por reclamar Renata como sua. Ele a beijou, o coração golpeando fortemente contra seu tórax forte quando ela passou a língua por seus lábios para brincar com as pontas afiadas de suas presas.

- Quero que você fique nua para isso - disse ele, incapaz de conter o tom autoritário que se mostrava em sua voz. Ele era parte humano, mas havia outra parte dele – uma parte mais selvagem e muito, muito mais sexy – que era menos paciente do que gostaria.

Niko olhou com olhos flamejantes de âmbar como Renata o obedecia rapidamente, despojando-se de sua roupa e estendendo-se sobre o chão de grama do refúgio, suas coxas deixando-se entreabrir para ele sem um pingo de inibição.

- Ah! Sim... - Niko grunhiu. - Assim é muito melhor.

Ele estava completamente tomado pela necessidade de tê-la. Arrancando sua própria roupa e deixando-a de lado, subiu sobre os quadris dela e a montou. Empurrou o membro duro como uma rocha enquanto ela o acariciava, torturando-o. E ele manteve o olhar nela enquanto levava seu pulso até a boca e mordia a própria carne.

- Deixe-me provar de você de novo – ela disse, subindo até encontrar a veia enquanto ele levava as perfurações até sua boca. Gotas carmesim salpicaram até cair sobre os seios dela, tão vívidas contra sua cremosa pele. Ela gemeu, fechando os olhos enquanto sugava-o, saboreando-o.

Niko a olhava beber, observando seu corpo começar a retorcer-se pela excitação. Com sua mão livre, ele a acariciou, incapaz de resistir a passar seus dedos pelo sangue que havia derramado sobre ela. A visão de seu sangue marcando a pele dela era tão erótica como nada tinha sido antes. Seu toque atrevido foi mais abaixo, à fenda aberta que estava tão preparada para ele. As coxas dela apertaram-lhe o pulso, sustentando-o contra si enquanto o primeiro orgasmo disparou através do corpo dela.

Niko grunhiu de pura adoração masculina enquanto alimentava sua fêmea e a sentia clamar por ele. Ele a deixou beber durante vários minutos até seu corpo arder de novo sob ele.

Ele também estava ardendo.

Suavemente, tirou o pulso de sua boca e fechou as perfurações com uma lambida. Renata ainda estava arqueando e retorcendo-se, ainda gemendo por ele, enquanto ele se ajeitava sobre ela e a penetrava, as unhas dela marcando seus ombros largos em uma dor deliciosa.

Nikolai fez amor tão devagar quanto pôde – tão devagar quanto a febre de seu corpo permitia. Ela gozou de novo, retorcendo-se e extraindo dele uma furiosa liberação. Mas isso praticamente não diminuiu as investidas. Ele ainda estava duro dentro dela, ainda faminto por aquela mulher... sua mulher.

Com a mão tremendo, Nikolai acariciou os pontos escuros já fechados de um lado da bela garganta de Renata.

- Tem certeza? - perguntou, sua voz apenas reconhecível para ele mesmo, estava tão seco e desesperado. – Renata... Quero que você tenha certeza.

- Sim - ela arqueou o corpo, confirmando com um empurrão, seu constante olhar suplicante. - Sim.

Com um grunhido selvagem enroscando-se em sua garganta, Nikolai expôs as presas e desceu sobre ela.

O doce sabor do sangue de Renata surgiu em sua boca caindo como um pontapé no estômago. Ah! Agora sabia. Quantas vezes havia especulado com os outros guerreiros a respeito de estar emparelhado e encontrar uma fêmea que os impressionaria? Facilmente centenas de vezes. Milhares, talvez.

Que ingênuo ele tinha sido.

Agora ele sabia. Renata o tinha, mesmo antes de ele a morder. Ele estava de joelhos diante daquela mulher, e ficaria ali com prazer pelo resto de sua vida.

Niko bebeu mais, afogando-se no prazer do vínculo que havia criado através da união de sangue e do ritmo exagerado de seus corpos nus, unidos. Seus dentes ainda estavam cravados na pele dela enquanto ele tomava o último gole e gozava de novo, dessa vez mais forte, uma descarga assombrosa que o golpeou como um trem descarrilhado. Agarrou-se nela, estremecendo com intensa satisfação. Embora pudesse beber de sua veia durante toda a noite, Nikolai se obrigou a se afastar, selando as feridas com uma tenra lambida de sua língua.

Ele ficou observando-a, seu olhar iluminando a pele dela.

- Eu te amo – ofegou, necessitando que ela o escutasse e que acreditasse nisso. Queria que ela se lembrasse disso depois dessa noite, depois que conseguissem localizar Fabien no norte e que ele lhe explicasse por que havia precisado mentir. Beijou seu queixo, sua bochecha, sua testa. – Amo você, Renata.

Ela sorriu sonolenta.

- Mmmm... Eu realmente gosto de como isso soa.

- Então terei que assegurar que ouça muitas e muitas vezes.

- Certo - murmurou ela, seus dedos brincando com os cabelos dele, empapados de suor sobre a nuca. - Foi incrível, a propósito. Sempre vai ser bom assim?

Ele gemeu.

- Tenho a sensação de que pode melhorar.

Ela riu, e a vibração fez despertar de novo seu sexo.

- Se continuar assim, terei que voltar e tomar outra ducha.

Ele fez um movimento sexy e poderoso com sua pélvis, encaminhando sua ereção mais profundamente.

- Ah, posso continuar. Não se preocupe, isso nunca vai ser um problema quando você estiver por perto.

- Melhor tomar cuidado, ou posso obrigá-lo a isso.

Niko riu apesar de seu pesado humor.

- Coração, pode me obrigar a tudo que quiser.

Ele a beijou novamente. E grunhiu de prazer quando ela envolveu as pernas ao redor dele e o fez girar de costas para começar uma lenta e nova cavalgada.


Capítulo 27

Houve uma época para Andreas Reichen, há quase 300 anos, quando a morte caía sobre ele como um dilúvio. Um tempo quando uma desatinada onda brutal de massacre tinha visitado seu pacífico domínio.

Naquele tempo, no verão úmido de 1809, uma manada de vampiros Renegados tinha forçado sua entrada nesse mesmo Refúgio, violando e matando vários de seus familiares. O ataque tinha sido ao acaso, a mansão e seus residentes apenas tiveram o azar de estar no caminho de um grupo de Renegados viciados em sangue. Tinham forçado sua entrada além das portas desprotegidas e janelas, alimentando-se e matando muitos inocentes... E, apesar de tudo, houve sobreviventes. Os Renegados tinham espalhado horror e passado como a peste que eram, mas finalmente foram caçados e destruídos por um membro da Ordem que tinha vindo ajudar Reichen.

A matança fora insuportável, mas não tinha sido completa.

O que Reichen enfrentou em sua volta para casa naquela noite tinha sido um ataque calculado. Não uma entrada pela força bruta, mas por meio da traição. Um inimigo bem-vindo como um amigo. E o massacre ocorrido - provavelmente nas primeiras horas da manhã, justo antes da saída do sol - tinha sido uma aniquilação total.

Ninguém tinha se salvado.

Nem sequer a alma mais jovem na residência.

Com um terrível silêncio que impregnava o ar como uma enfermidade, Reichen caminhou através do sangue e da destruição como um dos mortos. Seus passos seguiram a pista de manchas pegajosas escarlates no mármore do vestíbulo e da sala, além de seu jovem sobrinho, que estava tão contente ao convidar Reichen para padrinho de seu filho recém-nascido. O novo pai ruivo estendido na porta tinha sido o primeiro a morrer, Reichen adivinhou, incapaz de olhar o rosto sem vida que olhava sem ver a escada cheia de balas que conduzia aos dormitórios dos Refúgios nos andares superiores.

Mais morte esperava no corredor fora da biblioteca, onde outros machos tinham sido cortados ao meio. Ainda mais vidas extintas perto da escada da adega, um dos primos de Reichen e sua Companheira de Raça, ambos mortos enquanto tentavam escapar dos disparos.

Não viu o corpo da criança até que quase tropeçou nele - um menino vampiro de cabelo revolto que evidentemente tinha tentado se esconder em uma das estantes da sala de jantar. Os assassinos o haviam tirado de lá e o matado como a um cão.

- Jesus Cristo – Reichen, sufocado, caiu de joelhos e levou a mão branda do menino a sua boca para afogar o grito gutural. - Pelo amor de Deus... Por quê? Por que eles e não eu?!

- Ele disse que você saberia por quê.

Reichen fechou os olhos diante do som rígido da voz de Helene. Ela falava muito devagar, as sílabas muito planas... carente de matizes.

Sem coração.

Ele não precisava se virar para saber que seus olhos estariam estranhamente mortos para ele agora. Mortos porque todo seu calor e toda a sua humanidade tinham sido recentemente retirados dela.

Já não era sua amante, nem sua amiga. Ela era uma Subordinada.

- Quem converteu você? - ele perguntou, deixando cair a mão do menino morto. A quem você pertence agora?

- Você deve saber, Andreas. Você me enviou a ele, afinal.

Filho da puta.

Reichen apertou a mandíbula quadrada e masculina, os molares quase quebrando pela pressão.

- Wilhelm Roth. Ele a enviou aqui para fazer isso. Ele a usou para me destruir.

O fato de Helene não dizer nenhuma palavra sequer apenas tornou a compreensão do golpe mais profunda. Tão dilacerador como seria olhar os olhos de sua ex-amante e ver que a mulher por quem se preocupava agora estava sem alma. Reichen tinha que ver por si mesmo.

Levantou-se e virou lentamente.

- Ah! Helene...

Sangue seco salpicado no rosto e na roupa dela - quase cada centímetro dela coberto de sangue de seus mais queridos amigos e familiares. Ela devia estar ali no centro de todo o massacre, uma insensível testemunha não afetada por tudo isso.

Ela não disse nada quando o olhou fixamente, com a cabeça inclinada um pouco para o lado. Seus olhos, uma vez brilhantes e ardilosos, agora estavam vazios e frios. Abaixo, ao seu lado, ela sustentava uma grande faca de cozinha na mão. A folha larga brilhava à luz do abajur de cristal da sala de jantar.

- Sinto muito - ele murmurou, seu coração retorcido. - Eu não sabia... quando enviou o e-mail e me deixou a mensagem com o nome de Roth, tentei avisá-la. Tentei alcançá-la, mas...

Ele deixou que as palavras se desvanecessem, sabendo que as explicações não importavam. Não mais. Não agora.

- Helene, só sei que sinto muito - engoliu a bílis que subiu no fundo de sua garganta. - Só sei que eu realmente me importava com você. Eu a amav...

Com um grito estridente, Helene se lançou sobre ele.

Reichen sentiu o fio da navalha cortando seu peito e braço, fazendo um profundo corte. Ignorando a dor, ignorando a inalação repentina do aroma de seu próprio sangue, ele agarrou o braço da escrava de Roth e o torceu. Ela gritou, opondo-se e lutando enquanto ele puxava seu braço esquerdo para baixo e bloqueava ambos os membros ajustados aos lados de seu corpo. Ela amaldiçoou e gritou, chamando-o com nomes vis, cuspindo de fúria.

- Shhh - Reichen sussurrou ao lado de seu ouvido. – Agora, cale-se, Helene.

Como um animal selvagem, Helene continuou se retorcendo e gritando para que ele a soltasse.

Não, corrigiu-se. Não, Helene. Aquela já não era a mulher que ele conhecera. Helene estava morta para ele no momento em que trouxe o esquadrão da morte de Wilhelm Roth para dentro daquele Refúgio. Na verdade, por muitas razões, ela nunca foi sua. Que Deus tivesse piedade dela, ela não merecia esse fim. Nenhum dos caídos ali merecia tal horror.

- Tudo está bem agora - ele murmurou, a mão direita acariciando as bochechas manchadas de sangue dela. - Está tudo bem agora, querida.

Um grito saiu disparado de sua garganta enquanto ela puxava bruscamente o rosto para fora de seu alcance.

- Maldito! Deixe-me ir!

- Sim - ele disse tirando-lhe a faca. - Terminou agora. Vou deixá-la ir.

Com a dor estrangulando-o, Reichen girou a faca em torno de seus dedos e levou a ponta ao seu peito.

- Me perdoe, Helene...

Sustentando-a apertada contra ele, afundou a lâmina profundamente no peito dela. Ela não fez nenhum som enquanto morria, apenas deixou escapar um suspiro longo e lento enquanto desinflava em seus braços e desabava ali, frouxa como uma boneca de pano. Tão brandamente quanto pôde, Reichen deitou seu corpo no chão. A faca caiu de sua mão ao lado dela, revestida com o carmesim brilhante dos sangues deles mesclados.

Reichen lançou um longo e incorruptível olhar para os restos do que tinha sido seu lar. Agora que tudo tinha terminado, queria memorizar cada mancha de sangue, cada vida que se interrompeu por causa de sua falta de atenção. Seu engano. Ele precisava recordar, porque em pouco tempo nada daquilo existiria.

Não podia permitir que nada daquilo permanecesse, não daquela forma. Tampouco ia deixar que as mortes não fossem vingadas.

Reichen deu meia volta e se afastou da matança. Suas botas ecoaram no chão de madeira da sala, seus passos eram o único som na horripilante tumba maciça. No momento em que chegou ao jardim em frente à propriedade, seu peito não estava mais apertado, mas frio.

Tão frio como uma pedra. Tão frio como a vingança que tinha a intenção de visitar Wilhelm Roth e todos os associados a ele.

Reichen se deteve brevemente na grama iluminada pela lua. Ele se virou para a mansão e, por um momento, simplesmente a viu em sua perfeita e estranha quietude. Então sussurrou uma oração, palavras antigas que se sentiam oxidadas em sua língua pela falta de uso.

Não é que a oração lhe fizesse algum bem agora. Estava abandonado, agora mais do que nunca. Realmente sozinho.

Reichen baixou sua cabeça até o peito, invocando seu terrível talento. Encheu-se em seu interior, um calor que rapidamente se intensificou, formando um fundido e revolto círculo em suas vísceras.

Ele deixou-o crescer. Deixou-o girar e ganhar força até que seu interior se sentiu abrasado por sua fúria.

E ainda o conteve.

Manteve-o em seu interior até que a bola de fogo golpeou contra sua caixa toráxica, fumaça e cinza flutuando até queimar o fundo de sua garganta. Até que a bola de fogo o consumiu, iluminando todo seu corpo com um resplendor muito quente. Cambaleou sobre seus calcanhares, lutando para manter o corpo até que soubesse que desataria a total destruição instantânea.

Enfim, com um rugido cheio de dor, Reichen soltou o poder de dentro dele.

Um disparo de calor saiu de seu corpo, derramando e girando enquanto avançava para frente, uma esfera de pura energia explosiva. Como um míssil lançado em um alvo por um laser, o círculo disparou dentro da porta aberta da mansão Refúgio. Um segundo depois, detonou, uma impressionante beleza infernal.

Reichen foi golpeado de volta com o estalo sônico da explosão.

Deitou-se na grama, observando com satisfação desinteressada como as chamas, as faíscas e a fumaça devoravam até mesmo os menores pedaços do que tinha sido sua vida.


Capítulo 28

- Estamos carregados e preparados para partir, Renata. Precisa de mais tempo antes de sairmos?

De pé no caminho de cascalho diante da casa principal, Renata girou quando Nikolai se aproximou por trás.

- Não, não preciso de mais tempo aqui. Estou pronta para deixar este lugar para sempre.

Ele abraçou-a, envolvendo-a em sua força masculina.

- Acabo de falar com Gideon. Tegan, Rio e os outros estão fazendo bons progressos. Eles devem estar em nosso ponto de encontro em uma hora.

- Certo. Bom.

Renata se inclinou em seu abraço, feliz pelo calor de seu refúgio... e de seu amor. Nikolai a tinha mantido perto dele no refúgio de videira até que o sol se pôs, acalmando seus temores com seu corpo, afastando-a da feia realidade que originalmente os tinha unido - e do que poderia acontecer naquela noite, quando eles finalmente teriam a oportunidade de enfrentar Edgar Fabien.

A verdade era que ela estava preocupada com o que eles poderiam encontrar. Uma preocupação que lhe penetrava até os ossos e, embora Nikolai não houvesse dito nada que sugerisse que ele também tivesse dúvidas, ela poderia dizer que sua mente estava carregada de pensamentos que ele parecia estar decidido a esconder dela.

- Pode me dizer, você sabe - ela saiu dos braços dele e o encarou. – Se tiver um mau pressentimento a respeito desta noite... pode me dizer.

Algo cruzou a expressão de Niko, mas ele não disse nada, apenas sacudiu a cabeça e beijou a testa de Renata.

- Não sei o que podemos esperar em se tratando de Fabien. Mas posso dizer que, aconteça o que acontecer, estarei com você, certo? Vamos sair disso.

- E uma vez que tenhamos Fabien, vamos buscar Mira - ela completou, procurando os olhos dele. - Certo?

- Sim - ele disse, com seu indestrutível olhar que sustentou de forma estável. - Sim, eu prometi. Dei minha palavra a respeito disso. Não vou desapontá-la.

Ele a puxou para si uma vez mais, capturando-a em um afeto que o mostrava pouco disposto a deixá-la ir. Renata o sustentou também, escutando o forte e rítmico palpitar de seu coração em sua orelha... e perguntando-se por que seu próprio pulso parecia estar dando um sinal de alerta em suas veias, como uma sentença de morte.

Em uma remota fazenda abandonada de cem hectares, algumas horas ao norte de Montreal, o bosque da noite estremeceu com o gemido de um motor de combustão interna e o excesso de velocidade de um barco que passava através do lago praticamente desabitado. A terra e o lago, bem como o transporte proporcionado a Dragos para chegar àquele lugar, pertenciam a Edgar Fabien.

Embora Fabien tivesse sido uma recente decepção, Dragos supôs que o líder do Refúgio merecesse algum crédito por aquela reunião importante. Enquanto o resto dos assistentes chegou durante a noite anterior de automóvel, naquela noite um barco rápido tinha sido enviado para levar Dragos depois que um hidroavião o havia trazido da cidade por outro caminho interno de água também na propriedade de Fabien. Depois do revés sofrido poucas semanas atrás, durante a reunião de Dragos com a Ordem, Fabien tinha ficado muito mais cauteloso sobre como viajava ao ar livre, entre outras coisas. Ele tinha chegado muito longe para correr riscos. Tinha arriscado muito para perder tudo por um descuido ou por incompetência de outros.

Lançou um olhar depreciativo para o outro passageiro sentado no bote com ele. O rosto do Caçador permanecia impassível no resplendor leitoso da lua sobre suas cabeças, seu enorme corpo perfeitamente imóvel mesmo quando o condutor girou o leme e o bico da proa do barco conectou-se diretamente com a água para desviar-se em direção ao cais solitário que se encontrava mais adiante.

O caçador provavelmente sabia que se dirigia para a própria morte. Tinha fracassado em sua missão de matar o Primeira Geração em Montreal, o que pedia um incrível castigo. Dariam um jeito nele naquela noite, e se Dragos pudesse usar este castigo como uma demonstração adicional de seu poder diante dos tenentes que estavam reunidos para dar as boas-vindas agora, melhor.

O motor do barco mudou para uma marcha inferior quando chegaram ao cais não iluminado e modesto onde Edgar Fabien esperava para saudá-lo. Os vapores do gás formaram redemoinhos fora da água, asquerosamente doces. A reverência profunda de Fabien e as boas-vindas aduladoras tinham um efeito similar.

- Meu senhor, é a honra de toda uma vida dar boas-vindas aos meus domínios.

- De fato - Dragos arrastou as palavras enquanto dava um passo fora do barco sobre as tábuas de madeira escura do cais. Ele fez um gesto para que o Caçador o seguisse, e não perdeu a reação de Fabien quando divisou o tamanho e a imensidão do Primeira Geração que prestava serviços à ordem de Dragos. – Todos estão reunidos lá dentro?

- Sim, senhor. - Fabien saiu de sua reverência e se precipitou a caminhar ao lado de Dragos. - Tenho boas notícias. O guerreiro que escapou da contenção foi eliminado. Tanto ele quanto a mulher que o ajudou. Um de meus ajudantes agarrou a dupla, e ontem à noite enviei uma equipe com meus melhores agentes para se livrar do problema.

- Tem certeza de que o guerreiro está morto?

O sorriso de suficiência de Fabien ressoou.

- Aposto minha própria vida nisso. Enviei profissionais capacitados para a tarefa. Confio na habilidade deles de forma implícita.

Dragos grunhiu, sem deixar-se impressionar.

- Que grande comodidade deve ter esse tipo de confiança em seus servos.

A confiança de Fabien vacilou com a espetada e ele limpou a garganta com estupidez.

- Meu senhor... em outro momento, se quiser.

Dragos dispensou o Caçador de sua presença com um gesto cortante.

- Aproxime-se da casa e me espere. Não fale com ninguém.

Quando o assassino Primeira Geração caminhou a passos longos para a frente, Dragos fez uma pausa para lançar um olhar impaciente para Fabien.

- Meu senhor, eu esperava, quer dizer, pensei que um presente pudesse cair bem - gaguejou ele. - Para celebrar esse importante evento.

- Um presente? - antes que pudesse perguntar a Fabien o que pensava que Dragos poderia necessitar dele, Fabien estalou os dedos e um agente de execução surgiu das sombras das árvores circundantes, empurrando uma menina diante dele. A menina parecia perdida na escuridão, seus cabelos loiros brilhando como cabelos de milho, seu pequeno rosto perdido debaixo dele.

- Que é isso?

- Uma jovem Companheira de Raça, meu Senhor. Meu presente para o senhor.

Dragos contemplou a menina desamparada, impressionado. As Companheiras de Raça eram um acontecimento bastante raro entre as populações humanas, isso era certo, mas ele preferia as férteis, em idade de procriar. Essa garota não estaria pronta por vários anos, o que sem dúvida mostrava que Fabien tinha algo mais a respeito dela.

- Pode ficar com ela - disse Dragos, retomando o percurso rumo à reunião. – Faça com que seu homem conduza o barco de volta. Chamarei pelo rádio quando necessitar.

- Vá - Fabien ordenou em resposta, então voltou novamente ao lado de Dragos, tão ansioso como um cão mendigando pelas sobras. - Meu senhor, sobre a menina... na verdade, o senhor deve ver por si. Ela é dotada de um talento extraordinário que estou seguro de que o senhor saberá apreciar. Ela é um oráculo, meu senhor. Fui testemunha disso.

Contra sua vontade, a curiosidade prendeu sua atenção. Seus passos desaceleraram, e então deteve-se.

- Traga-a.

Quando ele girou ao redor, o sorriso impaciente de Fabien ficou ainda mais amplo.

- Sim, senhor.

A menina foi conduzida a ele uma vez mais, resistindo em seus passos, seus obstinados calcanhares cravando-se nas velhas agulhas de pinheiro e na areia que enchiam o pequeno cais. Ela tentou lutar contra o guarda vampiro que a segurava, mas era um esforço inútil. Ele simplesmente a empurrou para frente até que ela ficou de pé diretamente na frente de Dragos. Ela manteve seu queixo para baixo, com o olhar posto no chão.

- Levante a cabeça - Fabien ordenou, mal esperando que obedecesse, antes de pegar sua cabeça com ambas as mãos e a obrigar a olhar para cima. - Agora, abra os olhos. Vamos!

Dragos não sabia muito bem o que esperar. Ele não estava absolutamente preparado para a palidez surpreendente de seu olhar. A íris da menina era tão clara como espelhos de cristal e tão impecável que imediatamente o fascinaram e hipnotizaram. Estava vagamente consciente da emoção de Fabien, mas toda a sua atenção estava presa na menina e no incrível brilho tênue de seus olhos.

E então ele viu... um movimento brilhante na meditação pacífica. Viu uma forma movendo-se através das espessas sombras - um corpo que acreditou reconhecer como o seu próprio. A imagem ficava mais clara quanto mais olhava fixamente, absorto e impaciente por ver mais do presente que Fabien havia descrito.

Era ele.

Era seu refúgio também. Mesmo envoltas na névoa escura, as imagens que se mostravam eram intimamente familiares. Viu o laboratório subterrâneo, as celas de contenção... a jaula de luz ultravioleta que continha sua maior arma na guerra que estava preparando durante todos aqueles séculos. Tudo estava ali, revelando-se para ele através dos olhos daquela pequena Companheira de Raça.

Mas, então, um momento de alarme surpreendente.

Seu laboratório antigo, tão rigidamente assegurado e ordenado, estava em ruínas. As celas de contenção tinham sido deixadas abertas. E a jaula de luz ultravioleta... estava vazia.

- Impossível - murmurou ele, golpeado por um temor sombrio, furioso.

Ele piscou com força, várias vezes, querendo limpar a visão de sua cabeça. Quando abriu os olhos outra vez, viu algo novo nos olhos malditos da menina... algo ainda mais incompreensível.

Viu-se implorando por sua vida. Chorando, abatido. Patético. Derrotado.

- Isso é algum tipo de brincadeira de mau gosto? - a voz dele tremia tanto com a raiva como com outra coisa muito fraca para admitir. Desviou o olhar da garota e o fixou em Fabien.

- Que diabos isso significa?

- Seu futuro, senhor – o rosto de Fabien ficou completamente pálido. A boca se moveu durante um momento sem expressar som algum, então, finalmente balbuciou. - A menina... o senhor viu, ela é um oráculo. Ela me mostrou em pé aqui, nesta grande reunião, apresentando uma visão de seu futuro que o agradava enormemente. Quando vi isso, soube que tinha de guardá-la, meu senhor. Tinha de oferecê-la ao senhor, não importava o custo.

O sangue de Dragos era como lava ardendo em suas veias. Ele deveria matar esse idiota ali mesmo, só por aquele insulto.

- É óbvio que você interpretou mal o que viu.

- Não! - Fabien exclamou, agarrando a menina e girando ao redor dela. Deu a ela uma sacudida forte. – Mostre-me outra vez! Mostre que não me enganei, maldita!

Dragos observou tão imóvel como uma pedra, enquanto Fabien olhava atentamente seus olhos. O grito horrorizado do líder do Refúgio disse tudo o que ele tinha que saber. Ele cambaleou para trás, tão branco quanto uma folha de papel. Golpeado como se tivesse testemunhado sua própria morte.

- Não entendo - murmurou Fabien. - Tudo mudou. O senhor tem de acreditar, Mestre! Não sei como ela mudou a visão, mas a pequena bruxa está mentindo agora. Ela tem que estar mentindo!

-Tire-a de minha frente - Dragos grunhiu ao guarda da Agência de Execução que a sustentava. – Vou levá-la comigo quando for, mas até então, não quero ver nem um fio de cabelo dela.

O guarda assentiu com a cabeça e afastou a menina, praticamente arrastando-a até a casa.

- Senhor, eu lhe rogo - suplicou Fabien. – Perdoe-me por este... lamentável engano.

- Cuidarei de você mais tarde - disse Dragos, sem se preocupar em esconder a ameaça reflexiva no fundo de cada uma de suas palavras.

Retomou a marcha para a reunião, mais decidido do que nunca a fazer todos compreenderem de uma vez por todas sua autoridade e seu poder incomparáveis.


Capítulo 29

Estava completamente escuro quando Niko e Renata, após seguirem as coordenadas enviadas por Gideon, chegaram ao local onde ficava a propriedade de Edgar Fabien, ao norte. O líder do Refúgio evidentemente possuía um pedaço considerável de terra suficientemente longe de Montreal para que a zona ao redor permanecesse inexplorada: acre após acre de enormes coníferas e sempre-vivas, nenhuma alma sequer à vista, a não ser um ou outro veado ou alce americano que saía em disparada ao primeiro aroma de vampiro arrastando-se naquele santuário natural.

Nikolai tinha feito sozinho o reconhecimento da área nos últimos minutos. Uma casa de dois andares feita de troncos e pedra estava enfiada em um canto do bosque. Um estreito caminho sem pavimentação e apenas largo o suficiente para um veículo cortava as árvores na parte da frente da casa. Niko contornou essa vida escondido pela vegetação e viu dois Agentes da Lei vestidos com roupas da SWAT, postados no meio do caminho, e os três grandes Humvees estacionados em fila única bem diante da porta principal da casa. Três outros guardas vampiros com rifles M16 cobriam a entrada. Leste e oeste estavam também sob vigilância com um sentinela armado.

Embora não imaginasse que eles tivessem deixado a parte traseira da propriedade vulnerável, Niko se moveu ao redor daquele caminho para ter uma ideia da extensão do terreno. Ouviu o suave som de água mesmo antes de ver o tranquilo lago e o cais vazio na borda, a cerca de trezentos metros atrás da casa. Lá, outra dupla de Agentes permanecia de guarda.

Maldição.

Entrar no lugar para pegar Fabien não seria fácil. A menos que ele e a Ordem atacassem por cima, se quisessem tirar o sócio de Dragos dali teriam de passar por alguns guardas da Agência no processo, sem considerar o grupo desconhecido de vampiros da Raça que tinha acompanhado o líder do Refúgio de Montreal até ali na noite passada. Capturar Fabien naquela noite sem muitas baixas civis beirava o impossível, principalmente quando o resgate de Mira era acrescentado à equação. Portanto, o reconhecimento feito por Niko dava conta de que a coisa seria feia. Muito feia.

E havia ainda a situação com Renata.

Uma das coisas mais difíceis que Nikolai já fizera fora passar o dia inteiro com ela, sabendo que a tinha enganado. Ele queria dizer-lhe, depois que fizeram amor, depois que ela o honrou com o presente de seu sangue e com o vínculo completo que agora os unia eternamente. Quis dizer-lhe uma dúzia de vezes, em uma dúzia de momentos diferentes, mas, egoísta, mantivera a verdade oculta para a própria proteção dela. Ele ainda mantinha a esperança de que ela compreendesse sua cautela - que ela poderia inclusive ficar agradecida que ele a tivesse feito esperar para saber a localização de Mira até que ele e os outros guerreiros da Ordem tivessem uma oportunidade sólida de criar uma estratégia de resgate.

Sim, o macho da Raça seguia se dizendo essas coisas porque não queria sequer considerar outras alternativas.

Afastando o arrependimento que perseguia seus passos e o medo que seguia arrastando-se por trás de seu pescoço, Nikolai se moveu para uma melhor posição de acesso aos bosques. Olhou através dos ramos de pinheiro e observou vários dos ocupantes da casa enquanto eles passavam por uma janela no andar térreo. Fez uma rápida contagem dos vampiros da Raça encapuzados enquanto eles andavam a passos largos e em grupo para outra sala. Cinco, seis, sete... e então outro, este sem o capuz negro cobrindo-lhe o rosto.

Ah! Jesus Cristo!

Nikolai o conhecia. Ele tinha visto o filho da mãe de perto e pessoalmente apenas algumas semanas antes, quando uma missão da Ordem tinha-lhe enviado a um encontro com um dos oficiais do mais alto escalão na Agência da Lei. Naquele momento, o homem usava um pseudônimo - um dos dois nomes falsos que a Ordem tinha descoberto não fazia muito tempo. Agora eles conheciam o bastardo por seu verdadeiro nome, o nome que o Primeira Geração traidor que fora seu pai carregava antes também.

Dragos.

Maldição.

Durante semanas a Ordem havia investigado exaustivamente à procura de Dragos, tudo sem êxito. Agora, ele estava ali, na frente deles, como um peixe em um barril. O bastardo estava ali. E, maldito seja, ele ia cair - naquela noite.

Niko recuou para a mata cerrada, então arrastou o traseiro na direção sul, onde tinha deixado Renata no SUV da Agência que roubaram. Mal podia esperar para ligar para Tegan e Rio e lhes dar essas boas notícias.

A confusão e a angústia de Edgar Fabien por causa do fracasso de seu presente para Dragos assombrava-o como um fantasma enquanto ele e os outros seguiam o recém-chegado líder à sala de conferências no abrigo ao norte. Ele sabia que era perigoso, geralmente mortal, desagradar Dragos, algo que tinha evitado muito bem até agora. Mas ele também sabia – assim como o resto dos vampiros da Raça reunidos ali para aquele encontro – que Dragos os tinha juntado por um objetivo específico. Aquela seria uma noite histórica. Eles seriam recompensados, Dragos prometera, pelos anos de parceria oculta e lealdade a um objetivo comum.

Depois de tanto tempo e esforço adulando Dragos durante as últimas décadas, Fabien só rezava que não tivesse jogado tudo fora naquele instante infeliz perto do cais.

- Sentem-se - Dragos ordenou, tomando seu lugar na frente da sala de reuniões. Assistiu enquanto Fabien e os outros seis, todos ocultos atrás de seus capuzes negros, ocupavam as cadeiras reunidas ao redor do bloco de granito polido que servia como mesa de conferências. - Nós nos reunimos aqui nesta sala porque compartilhamos um interesse comum: o atual e o futuro estado de nossa Raça.

Fabien assentiu sob seu capuz, assim como o fizeram os outros ao redor da mesa.

- Compartilhamos um ressentimento comum pela corrupção de nossas descendências pela mancha de humanidade e pela maneira ambiciosa com a qual os que estão no poder dentro da Raça escolheram nos governar com respeito à inferioridade humana. Desde que as primeiras sementes da Raça foram semeadas neste planeta, os vampiros degeneraram-se em uma vergonha grande e triste. A cada nova geração nascida, nossa descendência cresce mais e mais mesclada com a humanidade. Nossos líderes preferem que nos ocultemos dos Homo sapiens, todos com medo de serem descobertos, e mascaram essa covardia com leis e políticas supostamente feitas para proteger o segredo de nossa existência. Ficamos debilitados pelo medo e pelo segredo. Já é hora de isso mudar e precisamos de um novo e poderoso líder.

Agora os assentimentos chegaram mais vigorosos, os acordos murmurados mais fervorosamente.

Dragos começou a dar passos sem pressa na frente da sala, suas mãos juntas e frouxas atrás das costas.

- Nem todos partilham de nosso desejo de reverter radicalmente as falhas passadas e restaurar a Raça a uma posição de poder. Nem todos veem o futuro que nós vemos. Alguns diriam que o preço é muito alto, que os riscos são muito grandes. Mil desculpas para explicar por que a Raça deveria manter seu status quo e não dar os passos firmes requeridos para aproveitar o futuro a que temos direito.

- Ouça, ouça - Fabien interferiu, ansioso por aquele futuro que o lambia como uma chama.

- Estou encantado com o fato de que todos vocês nesta sala entendam que passos firmes devem ser tomados - disse Dragos. - Cada um de vocês, individualmente, tem tido um papel no avanço de nossa visão ao seguinte nível. E vocês o fizeram sem questionar, sem conhecer uns aos outros... até agora. Nosso próprio momento de segredo terminou. Por favor - disse ele -, tirem seus capuzes e nos deixem começar a mais nova fase de nossa aliança.

Fabien estendeu a mão para o pano negro que lhe cobria a cabeça, a insegurança fazendo seus dedos duvidarem. Deteve-se até que alguns dos outros assistentes tiraram seus capuzes antes de encontrar coragem para tirar o seu.

Por um momento, nenhum dos vampiros da Raça disse uma palavra. Olhadas passaram ao redor da mesa, alguns presunçosos com reconhecimento de olhares conhecidos, outros cautelosos pelos estranhos que agora, com essa confissão de mal-intencionada traição, tinham se tornado seus mais profundos aliados. Fabien conhecia vários dos rostos que lhe devolveram o olhar - todos eles de Refúgios de alto escalão ou oficiais da Agência da Lei, alguns dos Estados Unidos e outros do exterior.

- Somos um conselho de oito - anunciou Dragos. - Como os Antigos que chegaram aqui há tanto tempo. Somos, todos nós, a segunda geração de filhos desses poderosos extraterrestres. Logo, uma vez que o último vampiro Primeira Geração for eliminado, estaremos entre os mais velhos e mais poderosos de nossa Raça. Cada um de vocês ajudou nesse esforço, seja oferecendo as localizações dos membros que restavam de nossa primeira geração, seja apoiando a causa oferecendo Companheiras de Raça para levar as sementes de nossa revolução.

- E quanto à Ordem? - perguntou um dos assistentes europeus, seu sotaque alemão afiado como uma lâmina de barbear. - Há dois guerreiros Primeira Geração com quem ainda temos de lutar.

- E o faremos - disse Dragos, sem problemas. – Vou planejar o ataque direto na Ordem muito em breve. Depois do recente golpe contra mim, será um prazer pessoal enterrar a operação da Ordem e ver os guerreiros e suas Companheiras encontrarem a morte.

Um diretor da Agência da Costa Oeste dos Estados Unidos inclinou-se para trás em sua cadeira e arqueou as sobrancelhas castanhas.

- Lucan e seus guerreiros já sobreviveram a outros ataques antes. A Ordem existe desde a Idade Média. Eles não cairão sem luta. Uma luta dura e sangrenta.

Dragos riu.

- Ah! E eles sangrarão. E se tudo sair como espero, vão pedir misericórdia e não receberão nenhuma. Não do poderoso exército que terei às minhas ordens.

- Quando começaremos a criar esse exército? - alguém no grupo perguntou.

O sorriso de Dragos se encheu de malícia.

- Começamos faz 50 anos. Na verdade, essa revolução começou há muito mais tempo do que isso. Muito mais.

Todos os olhos estavam cravados nele enquanto ia a passos largos até um laptop que Fabien tinha mandado deixar preparado na sala. Enquanto digitava algo, o grande monitor plano da sala de conferências se elevou do chão. Dragos digitou mais outras coisas e logo o monitor piscou, mostrando o que parecia ser um laboratório.

- Uma conexão por satélite com uma de minhas fortalezas - explicou, usando o touchpad para controlar remotamente a câmera. - É aqui onde estive juntando as peças do quebra-cabeças - a câmera vagou para um muro de cilindros criogênicos codificados, depois passou por um grupo de microscópios, computadores e tubos de DNA alinhados nas mesas. No meio de todo aquele equipamento, vários Subordinados cientistas vestidos com máscaras e jalecos brancos.

- Parece um laboratório de genética - disse o alemão.

- E é - respondeu Dragos.

- Que tipo de experimentos está fazendo?

- De todo tipo - Dragos voltou para o teclado e teclou outra sequência de comandos. A câmera do laboratório apagou e foi substituída por outra: essa era um ângulo panorâmico de um longo corredor com celas de prisão. Embora da posição da câmera fosse difícil distinguir algo além das mais rudimentares formas, era óbvio que as celas continham mulheres, algumas delas com crianças.

- Companheiras de Raça - tomou fôlego Fabien. - Deve haver vinte ou mais ali.

- Elas nem sempre sobrevivem aos testes, de modo que o número tende a variar - disse Dragos, em tom de conversa. - Mas tivemos nossos êxitos com o processo de reprodução. Essas mulheres e as que viveram antes delas estão dando a luz ao maior exército que este mundo jamais viu. Uma brigada de assassinos Primeira Geração que estarão sob minhas ordens.

Um silêncio tão grande como uma capa de inverno caiu sobre a reunião.

- Primeira Geração? - perguntou o diretor da Costa Oeste. - Isso não pode ser possível. Seria preciso um dos Antigos para produzir uma primeira geração de vampiros da Raça. Todos foram exterminados pela Ordem faz uns 700 anos. O próprio Lucan declarou Guerra a todos os Antigos e se certificou de que nenhum sobrevivesse.

- Certificou-se? - sorriu Dragos, mostrando as pontas de suas presas. - Acredito que... não.

Com uns poucos golpes mais de teclado, mostrou as imagens de outra câmera na conexão do satélite. Dessa vez, o foco se localizava em uma grande sala cheia de segurança, que tinha em seu centro uma cela cilíndrica construída com raios de luz. Os raios ultravioleta emitidos da jaula de barras verticais estavam piscando, inclusive na tela.

E dentro dessa jaula de raios ultravioleta havia uma criatura nua e sem cabelo que, de pé, mediria dois metros. Seu corpo nu era imenso, cada polegada coberta de dermoglifos. Ele elevou a vista enquanto as lentes da câmara zumbiam sobre ele de algum lugar da câmara. Pupilas e olhos âmbar, mas devoradas pelo fogo que ardia fora de suas órbitas, reduzido com letal consciência. A criatura saiu de sua posição de cócoras e se preparou para atacar, só para receber de novo o calor das barras ultravioleta que o deixavam prisioneiro. Abriu a boca e soltou um rugido furioso que não precisou ser ouvido para ser entendido.

- Meu Deus - mais de um dos assistentes ofegou.

Dragos lançou um olhar mortalmente sóbrio sobre o grupo.

- Admirem... nossa revolução.

O celular de Lex vibrou no centro do console do SUV. Renata o pegou e olhou a tela: Número desconhecido.

Inferno.

Ela não podia estar segura se a chamada era para Lex ou para Nikolai, já que o guerreiro da Raça estava usando o telefone para chamar e receber chamadas da Ordem. Ela não sabia há quanto tempo ele tinha saído para fazer o reconhecimento e estava a ponto de perder a cabeça esperando por ele. Ela precisava fazer algo. Ao menos, precisava sentir que estavam fazendo algum progresso para encontrar Mira logo...

O celular continuou vibrando em sua mão. Ela pressionou o botão de atender, mas não disse nada. Apenas deixou que a pessoa se revelasse primeiro.

- Olá? Niko? Você está aí, hermano? - a profunda voz denotava um acento espanhol, tão quente e suave como caramelo. - É Rio, cara...

- Ele não está aqui - disse Renata. - Estamos no lado norte da cidade, esperando que vocês cheguem. Nikolai saiu para fazer um reconhecimento da área. Não deve demorar muito.

- Bem - disse o guerreiro. - Já estamos quase chegando, demoraremos aproximadamente 45 minutos. Você deve ser Renata.

- Sim.

- Quero agradecê-la por você ter salvado o traseiro de nosso garoto aí. O que fez foi... bem, ele tem sorte de tê-la ao seu lado. Todos temos - ela podia ouvir a genuína preocupação e gratidão na voz do vampiro, e ficou demasiado curiosa por conhecer os outros guerreiros que Nikolai chamava de amigos. - Está tudo bem aí? Você está bem?

- Estou bem. Só ansiosa para que tudo isto acabe essa noite.

- Entendo - respondeu Rio. - Niko nos contou sobre a menina, Mira. Lamento pelo que você está passando, sabendo que um doente como Fabien está com ela. Sei que não deve ter sido fácil esperar o dia todo para se encontrar conosco.

- Não, não foi. Sinto-me tão inútil - confessou ela. - Odeio esse sentimento.

- Lamento tudo isso. Não vamos deixar que nada aconteça com ela esta noite quando entrarmos lá, Renata. Tenho certeza de que Nikolai explicou para você que pôr nossas mãos em Edgar Fabien é fundamental para a Ordem, mas vamos dar o nosso melhor para que a menina saia de toda esta situação bem.

Um súbito frio impregnou seu peito enquanto as palavras de Rio se afundavam em sua mente.

- O que disse?

- Que ela vai ficar bem.

- Não... isso de que você não deixarão que nada aconteça... lá dentro...

Do outro lado da linha, um longo silêncio.

- Ah! Cristo! Niko não lhe disse nada sobre o vídeo que temos do Refúgio de Fabien de ontem à noite?

O calafrio em Renata congelou, o gelo estendendo-se do peito aos seus membros.

- Um vídeo... de ontem à noite? - respondeu ela paralisada. - O que havia nele? Você viu Mira? Ah! Deus! Fabien fez algo? Diga-me!

- Madre de Dios - disse com uma larga exalação. - Se Niko não lhe disse isso... não tenho certeza de que devo lhe contar agora.

- Fale, maldição.

Ela ouviu um estrondo de conversa rápida ao fundo antes que Rio finalmente cedesse.

- A menina está com Fabien e com outros que ainda não identificamos. Pegamos a informação de uma câmera de segurança no Refúgio de Fabien. Eles partiram ontem à noite e nós os seguimos até a propriedade onde está agora.

- Ontem à noite - murmurou Renata. - Fabien está com Mira aqui... desde ontem à noite. E Nikolai? Vai me dizer que ele sabia? Quando ele ficou sabendo disso tudo? Quando?

- Tenho que pedir que aguente aí um momento mais - disse Rio. - Vai ficar tudo bem...

Renata sabia que o guerreiro ainda estava falando, ainda estava tentando acalmá-la, mas sua voz se apagou lentamente de sua consciência conforme uma profunda cólera e um profundo medo - uma dor tão desmedida que ela acreditava que poderia despedaçá-la – tomou conta de si. Ela desligou o telefone, cortando a chamada e deixando o aparelho cair no chão, aos seus pés.

Mira estava ali desde a noite passada, com Fabien. Todo este tempo. E Nikolai sabia.

Ele sabia, e escondeu isso dela. Ela poderia estar aqui há horas – nas horas de sol - fazendo algo, algo para salvar Mira. Em vez disso, Nikolai tinha ocultado deliberadamente a verdade e, como resultado, ela não tinha feito nada.

Não totalmente nada, ela admitiu, golpeada pela culpa por causa do prazer que tinha desfrutado com Niko enquanto Mira estava sozinha perto dali.

- Ah! Deus! - ela sussurrou, sentindo-se enjoada diante daquele pensamento.

Estava vagamente consciente dos passos aproximando-se do veículo, seus sentidos elevando-se antes que sua mente pudesse processar o som. O vínculo de sangue que agora compartilhava com Nikolai lhe disse que era ele antes que sua sombra aparecesse. Ele abriu a porta do carro esportivo e entrou.

- É Dragos - disse ele, procurando no console, no painel e no assento pelo celular. - Maldito seja, não posso acreditar nisso, mas era ele. Acabei de ver o filho da mãe dentro da casa com Fabien e com os outros. Dragos está aqui, ao nosso alcance. Onde diabos está aquele telefone?

Renata o olhou fixamente, vendo um estranho enquanto ele se inclinava para a frente e estendia a mão para apanhar o celular que estava aos pés dela, no chão do veículo. Ela mal ouvia o que estava dizendo. Mal se preocupava agora.

- Você mentiu para mim.

Ele se voltou para trás, com o telefone de Lex na mão. O rangido de adrenalina que tinha iluminado seus olhos se reduziu um pouco quando encontrou seu olhar.

- O quê?

- Eu confiei em você. Você me disse que eu podia confiar em você, que podia contar com você, e o fiz. Acreditei em você e você me traiu - ela tragou a saliva passando o terrível nó de sua garganta e forçando a si mesma a pronunciar as palavras. - Mira está aqui. Está aqui com Fabien desde ontem à noite. Você sabia disso... e não me disse nada.

Ele estava calado, mas sequer tentou negar o que ela dizia. Ele olhou o telefone em sua mão como se acabasse de se dar conta de como ela tinha descoberto.

- Eu podia estar aqui, Nikolai. Há horas, podia estar aqui, fazendo algo para tirar Mira das mãos desse monstro!

- Motivo pelo qual eu não lhe disse nada - disse amavelmente.

Ela sentia o coração quebrado.

- Você me traiu.

- Fiz isso para protegê-la. Porque te amo.

- Não - disse ela, agitando a cabeça para evitar ser feita de idiota de novo. - Não. Não diga isso. Como pode dizer isso quando usou todas essas palavras para me manter distraída, para me fazer acreditar que realmente se preocupava comigo enquanto você e seus amigos da Ordem faziam planos pelas minhas costas?

- Não foi assim. Nada do que aconteceu entre nós hoje... nada do que eu disse tem a ver com a Ordem. Hoje era você e eu... era sobre nós.

- Grande merda!

Ele estendeu a mão para ela e ela recuou, mantendo-se fora do alcance dele. Ela abriu a porta e saiu do carro, mas ele estava fora do veículo, a seu lado, bloqueando-a com o enorme corpo, tão rápido que ela sequer pôde dar um passo.

- Afaste-se de mim, Nikolai.

- Aonde você vai? - perguntou ele gentilmente.

- Não posso me sentar aqui por mais tempo e não fazer nada - ela deu um passo, mas ele continuava ali. A sutileza desapareceu rápido, substituída por uma firmeza que dizia que ele a manteria amarrada se fosse necessário.

- Não posso deixar que você faça isso, Renata.

- Essa não é uma escolha sua - ela respondeu, tremendo com medo e indignação. - Que droga, nunca foi uma escolha sua!

Ele grunhiu uma maldição e a agarrou.

Renata mal percebeu o que tinha feito até que ele ficou paralisado, segurando a cabeça entre suas mãos. Ele sibilou, seus olhos pulsando brilhos âmbar enquanto lhe dirigia um olhar horrorizado e furioso.

- Renata. Não faça isso.

Ela o atacou de novo, todo seu medo por Mira e sua dor por causa da traição verteram dela uma corrente castigadora de dor mental. Nikolai caiu de joelhos, rugindo e retorcendo-se pela dor que ela tinha desencadeado nele.

Renata se afastou do guerreiro, no bosque, antes que se permitisse ser dissuadida pelo arrependimento crescente dentro de si.


Capítulo 30

A casa estava sob forte armamento, guardada por todos os lados. Era impossível entrar sem ser notado por pelo menos um dos agentes de execução vestidos com roupas parecidas com as da equipe antiterrorista da SWAT. Todos eles ostentavam uma expressão do tipo “atire primeiro e pergunte depois”, desde a escura viseira do capacete preto e dos equipamentos de combate até os rifles automáticos pendurados no corpo.

Graças aos agentes que tinham invadido a casa de Jack na noite anterior, Renata e Nikolai tinham conseguido transporte, uniforme e armas. Ela não tinha a ilusão de que teria a sorte de chegar ao edifício, mas, à primeira vista, vestida como eles, os agentes de plantão podiam pensar que ela era um dos seus.

Ela colocou o capacete que tinha trazido consigo do SUV e fechou o visor colorido. Adotando a melhor postura de soldado que podia, saiu da mata e se aproximou do vampiro que guardava o lado oeste da casa.

O agente a viu imediatamente.

- Henri? Que porcaria você estava fazendo lá fora?

Renata deu de ombros, ergueu o braço bom em um gesto de “vá se ferrar”. Ela não correria o risco de falar com ele, arriscaria no máximo usar sua arma para tirar esse obstáculo do caminho. Mas se o derrubasse, teria toda a segurança em seu traseiro. Não, ela tinha de manter a calma e apenas seguir caminhando na direção dele com a esperança de que ele não abrisse fogo se suspeitasse de algo.

- Qual o problema com você, idiota?

Renata deu de ombros novamente. Chegando mais perto.

Seus dedos coçavam para fazê-lo voar - ele era um alvo fácil ali parado como um tronco, mas o mais leve cheiro de sangue derramado chamaria a atenção de todos os vampiros ao redor. Renata sabia que tinha de aproximar-se o suficiente para alcançá-lo com a mente. Sua única opção era atingi-lo com uma explosão rápida e sólida.

- Ingrato dos infernos. Henri, volte ao seu posto - disse o agente, grunhindo. Estendeu a mão para um pequeno dispositivo de comunicação em seu cinto. - Estou chamando Fabien para denunciá-lo. Se quiser irritá-lo, vá em frente, mas eu não quero fazer parte disso...

Usando todo seu poder, Renata lançou uma descarga selvagem de energia a partir de sua mente e a enviou ao vampiro diante de si. Suas palavras sufocaram com um grunhido e ele caiu como uma pedra. Ela manteve a descarga até que ele ficou em silêncio. Quando estava certa de que ele estava morto, inclinou-se e tirou-lhe a arma e o rádio.

Renata abriu a porta de entrada lateral e deu uma rápida olhada na área interna. Estava vazia. Ela deslizou para dentro, o coração martelando no peito, a respiração ofegante contra a viseira fechada do capacete.

Depois de toda a fúria que ela sentira por Nikolai não ter contado que Mira estava ali com Fabien, agora ela tinha gratidão para com a Ordem pela prova visual da localização da criança. Era tarde demais para saber como tinham ficado as coisas com Nikolai. Tarde demais para se preocupar se deveria ter esperado por ele e por seus companheiros de armas para apoiá-la. Parte dela sabia que tinha sido injusta, mas tinha ido muito longe para voltar.

Ela tomou uma decisão impulsiva e emocional baseada em sentimentos feridos. Foi uma decisão que poderia custar a amizade que tinha com Nikolai - talvez até mesmo seu amor -, mas mesmo já lamentando, aquilo não podia ser desfeito. Nikolai poderia nunca perdoá-la por colocar em risco sua missão e ela entenderia se ele não a perdoasse.

Agora, ela podia apenas rezar para que Mira não pagasse o preço daquilo tudo.

Niko despertou com o zumbido irritante de um celular ao lado de sua cabeça. Ele estava no chão ao lado do veículo. Não fazia ideia de quanto tempo estava ali. O celular vibrou novamente, mexendo na grama e nas folhas secas que se espalhavam pelo chão da floresta. Usou quase toda a sua força para mover a mão e pegar o maldito aparelho. Desajeitadamente, atendeu. Tentou dizer algo, mas apenas conseguiu soltar um grunhido seco.

- Alô - disse ele mais uma vez, forçando seus membros a se arrastarem e se apoiarem na roda dianteira do SUV.

- Niko? - a voz de Rio veio do outro lado do receptor, pesada com a preocupação. - Você parece uma porcaria, hermano. Fale comigo. O que está acontecendo?

- Renata - disse ele, segurando a cabeça nas mãos. – Está enlouquecida...

Rio amaldiçoou.

- Sim, deduzi isso. A culpa é minha, cara. Não sabia que ela não estava a par sobre a menina ter sido levada na noite passada.

- Ela sumiu - Niko disse. Notou que todos os seus sentidos começaram a voltar como se um interruptor em um gerador de energia fosse ligado dentro dele. - Ah! Caramba, Rio.... eu a enfureci e agora ela foi em busca de Mira por conta própria.

- Madre de Dios.

Na outra ponta da linha, Niko ouviu Rio dar a Tegan e aos outros um rápido esboço da situação.

- Isso não é o pior, cara - acrescentou Nikolai, ignorando a dor do tiro em sua cabeça enquanto se levantava do chão e dava uma corrida impressionante para a parte traseira do SUV. - A reunião de Fabien é maior do que pensávamos... Dragos está aqui também.

- Você tem certeza disso?

- Eu vi o desgraçado com meus próprios olhos. Ele está aqui. Nikolai foi pegar as armas automáticas na parte traseira tão rápido quanto seus braços lentos poderiam se mover. Ele cobriu o corpo com fuzis, enfiou uma pistola na parte traseira de seu uniforme roubado do Agente de Execução e outra em um coldre no tornozelo. - A casa está cercada por guardas, então quando vocês chegarem aqui, entrem a pé e se dividam.

- Niko, o que você está fazendo?

Ele não respondeu; sabia que seu velho amigo não gostaria da resposta. Em vez disso, carregava com munição tudo o que pudesse.

- Há dois homens no meio do estacionamento e três na frente. Retire-os primeiro e terão o caminho limpo.

- Nikolai - a voz de Rio era baixa, em forma de advertência. - Hermano, você não está pensando direito agora... não.

- Ela está lá dentro, Rio. Com Dragos, Fabien e sabe Deus quem mais... e ela está sozinha. Eu vou atrás dela.

Rio soltou uma palavra desagradável em espanhol.

- Fique atento. Estamos a dez minutos de distância e estamos acelerando, cara.

Niko fechou a parte de trás do SUV.

- Vou dar uma olhada no entorno.

- Caramba, Nikolai, se essa mulher quer se matar, isso não é problema seu. Nós vamos ajudá-la no que pudermos, mas...

- Ela é minha companheira, Rio - Nikolai soprou uma maldição. - Estamos ligados pelo sangue... e eu a amo. Eu a amo mais do que minha própria vida.

O suspiro do guerreiro soou pesado com compreensão e derrota.

- Suponho que não há necessidade de lhe dizer que você desafiará as ordens diretas de Lucan se for lá agora. Se Dragos está no lugar, isso torna as coisas ainda mais críticas e você sabe disso. Precisamos que você fique onde está e espere por ajuda.

- Não posso fazer isso - respondeu Nikolai.

Ele desligou o telefone e o atirou pela janela do motorista. Então, partiu para encontrar sua mulher.


Capítulo 31

Dragos se permitiu deleitar-se com o temor de seus subalternos quando eles observavam o Antigo preso na cela de raios ultravioleta sendo mostrada na tela. Do assombro de seus rostos – a absorta incredibilidade –, qualquer um pensaria que ele tinha conseguido capturar a luz em uma garrafa. Na verdade, o que tinha conseguido nas últimas décadas era algo ainda maior. Os sete machos da Raça que se reuniram com ele no quarto já o olhavam como um deus justamente por isso. Ele era o arquiteto de uma revolução que iria virar o planeta inteiro de cabeça para baixo. Naquela noite, eles testemunhariam a história e o começo de um futuro que ele tinha projetado pessoalmente.

- Como isso é possível? - alguém murmurou. - Se realmente é um dos Antigos que foi pai de nossa Raça, como sobreviveu à guerra com a Ordem?

Dragos sorriu enquanto andava mais perto da tela.

- Meu pai era um membro original da Ordem... mas foi, em primeiro lugar, o filho dessa criatura. Durante o banho de sangue perpetrado pela Ordem, quando Lucan declarou guerra aos Antigos, meu pai e seu pai alienígena fizeram um pacto. Em troca do poder compartilhado no futuro, meu pai iria escondê-lo até a histeria passar. Infelizmente, depois de fazer sua promessa, meu pai não sobreviveu à guerra. Mas o Antigo sim, como podem ver.

- Então, pretende cumprir o acordo de seu pai com essa... coisa? - Fabien perguntou, sua expressão como a de um cãozinho que acabara de perder o osso para um lobo selvagem.

- O Antigo está totalmente sob meu controle. Ele é uma ferramenta que utilizo quando e como for melhor para mim e para nossa causa.

- Como assim? - perguntou outro homem do grupo.

- Permitam-me dar-lhes uma demonstração.

Dragos caminhou até a porta da sala de conferências. Estalou os dedos para o Caçador que esperava lá fora, então, virou de volta para seus associados conforme o grande Primeira Geração o obedecia.

- Tire a camisa - ele ordenou ao Caçador.

O enorme macho obedeceu em silêncio, desnudando os ombros enormes e o peito sem pelos coberto por uma densa rede emaranhada de glifos. Mais de uma cabeça se voltou para o monitor para comparar as marcas da pele hereditárias da criatura contido dentro da célula ultravioleta.

- Eles têm dermoglifos semelhantes - Fabien engasgou. - Esse macho é da família do Antigo?

- Filho de Primeira Geração, criado com o único propósito de servir à causa - disse Dragos. - Todos os Caçadores de meu exército pessoal são os mais fortes, as armas mais letais do mundo. Eles foram especialmente criados e treinados sob minha orientação. São assassinos e infalivelmente leais a mim.

- Como pode estar certo disso? - perguntou o líder do Refúgio de Hamburgo, um homem sagaz que, sem dúvida, apreciaria a demonstração em tempo real que Dragos tinha em mente.

- Você percebe que o Caçador usa uma coleira. É um dispositivo de monitoramento GPS, mas também está equipado com um laser ultravioleta. Cada Caçador usa uma desde o momento em que começa a andar. Posso acompanhar todos os seus movimentos, localizá-los em um instante. E se me desagradam de qualquer maneira, basta um simples controle remoto para o laser ser ativado e emitir uma luz ultravioleta fina como uma navalha no pescoço do Caçador, cortando sua cabeça – disse Dragos, lançando um olhar significativo ao Caçador rigidamente em pé ao seu lado.

Um ou dois homens na mesa trocaram olhares desconfortáveis.

Foi o alemão quem falou primeiro, os olhos brilhantes.

- O que acontece se o colar for adulterado, ou removido?

Dragos sorriu, não para o alemão, mas para o próprio Caçador.

- Que tal vermos?

Apesar de seu instinto gritar para que entrasse como um ladrão à espreita, Renata caminhou pelo corredor oeste do covil de seus inimigos como se tivesse todo o direito de estar lá. Ela ouviu o baixo ruído de conversa masculina vindo de uma das grandes salas nos fundos. Em outra parte da casa, não havia nada além de calma, até que...

Soluços suaves de uma criança chegavam a partir de uma escada que conduzia ao segundo andar.

Mira.

Renata voou pelos degraus e seguiu os soluços até o final do corredor. A porta do quarto estava trancada pelo lado de fora. Ela passou a mão na parte superior do batente, mas não encontrou chave alguma.

- Maldição – sussurrou, tirando uma de suas lâminas da lateral da calça. Enfiou-a no ponto entre a porta e o batente, bem acima da fechadura, e fez uma alavanca dura. A madeira rachou, afrouxando um pouco. Mais duas vezes e, finalmente, tinha espaço suficiente para abrir. Com agitação e mãos ansiosas, Renata abriu a porta.

Mira estava lá dentro, graças a Deus.

Estava sem véu e assim que olhou para cima e viu a figura vestida de preto entrando na sala, encolheu-se no canto com terror absoluto.

- Mira, sou eu - disse Renata, abrindo a viseira escura. - Está tudo bem agora, querida. Estou aqui para levá-la para casa.

- Rê!

Ajoelhando-se, Renata estendeu os braços. Com um pequeno grito, Mira voou para seu abraço.

- Ah, minha ratinha! - Renata sussurrou, dando beijos aliviados na cabeça loira da garota. - Fiquei tão preocupada com você. Desculpe-me por eu não ter vindo mais cedo. Está tudo bem, querida?

Mira assentiu com a cabeça, os braços pequenos em volta do pescoço de Renata.

- Eu estava preocupada com você também, Rê. Eu estava com medo de nunca mais voltar a vê-la.

- Eu também, querida. Eu também - Renata odiava ter de soltá-la, mas ainda tinha que sair de lá antes que Fabien e seus companheiros chegassem. Ficou de pé, levantando Mira nos braços. - Temos que correr agora. Agarre-se em mim, certo?

Renata ainda não tinha descido dois degraus com a criança quando as explosões rápidas de tiros irromperam de todas as direções em algum lugar fora da casa.

Dragos estava ansioso para demonstrar a beleza tecnológica da coleira de raios ultravioleta que o Caçador usava quando o inferno desabou fora da reunião. Ele disparou um olhar mortal a Edgar Fabien quando o grupo pulou de seus assentos em alarme atordoado.

- O que está acontecendo lá fora? - exigiu de seu anfitrião. - Essa é outra de suas incompetências?

O rosto estreito de Fabien tinha uma sombra pálida.

- Eu... não sei... senhor. Seja o que for, tenho certeza de que meus agentes resolverão.

- Ao diabo seus agentes! - Dragos rugiu. Ele tateou para o rádio e emitiu uma ordem para o motorista levar o barco. Em seguida, olhou para o rosto do Caçador. - Fora, agora. Cuide disso. Mate todos que cruzarem seu caminho.

O Caçador - o soldado altamente treinado, obediente e impecável - apenas ficou ali, imóvel como um pilar de pedra.

- Fora. Eu ordeno!

- Não.

- O quê? - Dragos não podia acreditar em seus ouvidos. Ele sentiu os olhares de seus subordinados fixos nele. Ele podia sentir a descrença deles, a dúvida deles. Um silêncio floresceu, maduro, com a expectativa. - Eu lhe dei uma ordem direta, Caçador. Faça-o, ou vou acabar com você aqui e agora.

Com tiros chegando aos muros da casa, o Caçador teve a audácia de olhar Dragos nos olhos e balançar a cabeça.

- De qualquer forma, estou morto. Se quer que eu lute para que você possa viver, desative o meu colar.

- Como ousa sequer sugerir...

- Está perdendo tempo - disse ele, aparentemente imperturbável com caos crescente à sua volta. - Liberte-me deste colar, seu filho da mãe arrogante.

Nesse momento, um dos fracos vigias de Fabien apareceu correndo pela porta entreaberta.

- Senhor, estamos sendo alvejados por todos os lados. Não podemos ter certeza ainda, mas deve haver um exército na floresta nos cercando.

- Ah! Jesus! - Fabien engasgou. - Vamos todos morrer!

Dragos rosnou em fúria, sem a menor confiança de que os guardas de Fabien pudessem encontrar seus próprios traseiros, muito menos proporcionar uma cobertura adequada para o grupo de machos da Raça de alto escalão que estavam olhando naquele momento para Dragos como seu líder para ajudá-los a fugir. Esperando que ele decidisse se os salvaria ou se deixaria a prometida revolução cair por terra.

- Terminamos por aqui - ele rosnou. - Todo mundo para fora pela porta de trás, para o barco. Sigam-me.

Quando o grupo começou a sair em torno dele, Dragos lançou um olhar ameaçador por cima do ombro para o Caçador. Ninguém disse uma palavra – o ódio mútuo era suficiente para ler em seus olhares quando Dragos pôs a mão no bolso e pegou o dispositivo que controlava a coleira do Caçador e digitou o código que a desativava.

No instante que a coleira se desligou, o Caçador estendeu a mão e a arrancou do pescoço. Então, com um olhar de descrença, de fria determinação, ele caminhou para fora da porta em direção ao caos que se estendia do lado de fora.


Capítulo 32

Nikolai sorriu sozinho quando sua tática de distração criou uma confusão repentina e maciça em todo o complexo. Os Agentes em guarda corriam precipitadamente em pânico total, mais de um recebeu um golpe da explosão de disparos que vinham de todas as direções do bosque. Niko ordenou que uma videira enrolasse os ramos no gatilho de sua última M16 escondida.

Quando a videira fez como as anteriores, segurando o fuzil no alto e aplicando uma pressão cada vez maior no gatilho, o galho verde ficou mais grosso e mais forte, então Niko correu para a entrada lateral da casa.

Não foi difícil encontrar Renata. Seu vínculo de sangue era um farol para ele, levando-o através da parte traseira do lugar para um voo por cima das escadas. Renata estava descendo com Mira apertada nos braços. Ela encontrou o olhar dele e, por um instante infinito, nenhum dos dois disse uma palavra. Nikolai queria dizer como estava arrependido, e como estava aliviado por ela ter encontrado a criança ilesa.

Ele tinha mil coisas que queria dizer a Renata naquele momento, principalmente que a amava e que sempre a amaria.

- Rápido – ele murmurou. - Precisamos sair daqui agora.

- O tiroteio está por toda parte - disse Renata, a preocupação marcando suas feições. - O que está acontecendo?

- Apenas diversão. Tive que criar uma oportunidade para conseguir tirar você daqui.

Ela parecia aliviada, mas só por um segundo.

- Fabien e os outros... Eu os ouvi saindo pelo caminho de trás há alguns minutos.

- Estou trabalhando nisso - Niko disse. - Agora vá. Não pare por nada. Leve Mira de volta para o carro. A Ordem deve chegar a qualquer minuto.

- Nikolai...–disse Renata, olhando Nikolai firmemente, fazendo-o parar na esperança de ouvir o perdão ou uma afirmação de que ela ainda podia amá-lo depois de tudo o que tinha acontecido. Ela prendeu seu olhar, formando um vinco entre as sobrancelhas. - Seja cuidadoso.

Ele ofereceu-lhe um aceno triste, não sentindo o comum aumento de adrenalina que precedia o combate. Aqueles dias pareciam séculos atrás, quando nada mais importava para ele exceto a glória da batalha e o triunfo da vitória, por mais sem sentido que fosse.

Agora tudo importava, sobretudo em se tratando de Renata. Sua segurança e felicidade eram tudo o que importava, mesmo que isso significasse que ele poderia não estar em cena.

- Leve Mira de volta para o carro - disse novamente. - Mantenha a cabeça baixa e cuide-se. Vamos tirá-las daqui.

Ele esperou até que Renata saísse correndo, então foi para a porta dos fundos da propriedade por onde seus inimigos tinham fugido.

A lancha estava parada na doca quando Dragos e os outros correram ladeira abaixo para pegá-la. Ao redor da floresta e até perto da casa, os agentes de Fabien mexiam-se como formigas que tinham acabado de perder a casa. Tiros iluminavam a noite de modo tão enlouquecido que era impossível dizer quais rajadas vinham dos aliados e quais dos aparentes intrusos.

Tudo que Dragos sabia era que não ficaria para enfrentar a Ordem ou esperar que alguém o derrubasse.

Quando ele e seu grupo começaram a subir no barco, Dragos colocou-se no caminho de Edgar Fabien.

- Não há espaço a bordo para você - disse para o líder do Refúgio de Montreal. - Você nos prejudicou bastante com sua idiotice. Você fica aqui.

- Mas... senhor, eu... por favor, posso garantir que não vou decepcioná-lo novamente.

Dragos sorriu, mostrando as pontas de seus dentes.

- Não, você não vai.

Dizendo isso, levantou uma pistola 9 mm e disparou um tiro mortal direto entre os olhos redondos de Fabien.

- Vamos! - ordenou ao condutor do barco, Edgar Fabien completamente apagado quando o motor rugiu e a embarcação os levou até o hidroavião que esperava na outra extremidade do lago.

Ele chegou tarde demais.

Niko encontrou alguns Agentes em seu caminho até o lago, mas quando chegou lá, a lancha não passava de uma agitação na água. Nikolai disparou alguns tiros atrás deles, mas estava apenas perdendo balas. O cadáver de Edgar Fabien jazia na doca de madeira. Dragos e os outros já estavam do outro lado do lago naquele momento.

- Maldição.

Alimentado pela fúria e pela determinação, Nikolai começou a se movimentar ao longo da costa, recorrendo à velocidade sobrenatural que todos os da sua espécie possuíam quando precisavam. O barco era rápido, mas a água estava cercada de terra. Em algum ponto Dragos e seus companheiros teriam de desembarcar e pegar outro meio para terminar a fuga. Com alguma sorte, Niko poderia alcançá-los antes que fugissem.

Ele não sabia quão longe estavam - um quilômetro, provavelmente – quando, de repente, seu peito congelou de medo.

Renata.

Algo estava errado. Terrivelmente errado. Ele podia sentir as emoções de Renata como se fossem suas. Ela, a corajosa e imperturbável Renata, agora estava morrendo de medo.

Ah! Cristo! Se alguma coisa acontecesse com ela...

Não. Ele não podia sequer pensar nisso.

Com todos os pensamentos sobre Dragos deixados de lado, Nikolai virou e continuou em alta velocidade, rezando para chegar a tempo.

Ela não tinha visto o vampiro enorme vindo.

Em um minuto estava cortando o mato escuro com Mira firme em seus braços e, no minuto seguinte, viu-se olhando para o rosto implacável e para os impiedosos olhos dourados de um macho da Raça, cujo imenso torso nu, ombros e braços estavam cobertos por um espesso padrão de dermoglifos.

Era um Primeira Geração; Renata soube instintivamente. Seus instintos também diziam que aquele macho era mais letal do que a maioria, frio como pedra.

Um assassino.

O terror a cobriu como uma maré negra. Ela sabia que se o atacasse era melhor ter certeza de que poderia matá-lo rapidamente, ou então ela e Mira seriam mortas no mesmo instante. Não se atreveu a tentar quando Mira podia sofrer caso ela falhasse.

Santa Mãe de Deus, chegar tão longe, finalmente ter Mira em seus braços, a poucos passos da liberdade... e agora... Jesus Cristo!

- Por favor - Renata murmurou, desesperada para atrair a mais leve misericórdia. - A criança não. Deixe-a ir... por favor, deixe a criança, não lhe faça mal...

O silêncio do vampiro era irritante. Mira tentou levantar a cabeça do ombro da amiga, mas Renata gentilmente a empurrou de volta para baixo, não querendo que ela se assustasse com o mensageiro da morte que, sem dúvida, tinha sido enviado por Edgar Fabien ou por Dragos. Ou pelo próprio Diabo em pessoa, maldito seja.

- Vou colocá-la no chão - Renata disse a ele, sem ter certeza de que ele a compreendia e que muito menos concordaria. - Apenas... deixe a criança ir. Sou eu quem você quer, não ela. Apenas eu.

Os olhos de falcão dourado seguiam cada movimento de Renata enquanto ela cuidadosamente tirava Mira dos braços e lentamente colocava os pés da menina no chão. Renata colocou-se entre o assassino e a criança, rezando para que a morte dela fosse suficiente para satisfazer ao assassino e ao seu mestre do mal.

- Rê, o que está acontecendo? - Mira perguntou por trás de suas pernas, as mãos pequenas segurando-lhe as calças enquanto olhava ao seu redor. - Quem é esse homem?

O vampiro deixou seu olhar de pedra viajar até a origem daquela voz minúscula. Ele olhou. Sua cabeça raspada virou lentamente para o lado. Então, ele fez uma careta.

- Você - disse ele, com uma voz tão profunda que estremeceu todo o caminho até a medula Renata. Algo sombrio passou em seu rosto. - Deixe-me vê-la.

- Não - declarou Renata, segurando Mira atrás de si e bloqueando-a como um escudo. - Ela é apenas uma criança. Não fez nada contra você ou qualquer outra pessoa. Ela é inocente.

Ele lançou a Renata um olhar tão feroz que quase a derrubou.

- Deixe-me ver os olhos dela.

Antes que pudesse recusar mais uma vez, antes que pudesse pensar em alguma forma de pegar Mira e fugir o mais rápido possível, Renata sentiu Mira dar um passo para sair detrás de sua proteção.

- Mira, não.

Tarde demais para interromper o que aconteceria. Renata só pôde olhar com terror quando Mira caminhou direto para fora e olhou para cima, subindo para o duro olhar do letal vampiro Primeira Geração.

- Você... - disse ele novamente, olhando para o doce rosto de Mira.

Renata poderia dizer o momento em que começou a testemunhar o presente de Mira. Os olhos dourados dele ficaram tempestuosos, e ele olhava, absorto, enquanto a criança mostrava seu futuro. Ele chegou mais perto, muito perto, até que os braços maciços poderiam atacar e quebrar Mira inadvertidamente.

- Não... - ela deixou escapar, mas ele já estava chegando até Mira.

- Está tudo bem, Rê - Mira sussurrou, em pé diante do vampiro, tão inocente como uma criancinha que vagava na cova dos leões.

E foi então que Renata percebeu que algo de extraordinário estava para acontecer.

- Você me salvou - ele sussurrou, com as mãos enormes nos pequenos ombros de Mira. O vampiro se ajoelhou, ficando no nível da criança. Quando ele falou, a voz letal estava tranquila, com espanto e confusão. - Você salvou minha vida. Eu vi isso, agora, em seus olhos. Vi naquela noite também...


Capítulo 33

O coração de Nikolai congelou dentro de seu peito, um crescente pânico, medo transformado em gelo. Com o tiroteio ainda em erupção na área, ele tinha dado uma volta pela floresta até o lugar onde seu sangue tinha mostrado que encontraria sua Companheira apavorada.

Renata estava lá. Na escuridão da floresta banhada pela luz da lua, imóvel como uma estátua e olhando um imenso vampiro Primeira Geração agachado diante de Mira, segurando a criança com suas enormes mãos.

Jesus Cristo.

Niko moveu-se silenciosamente, rastejando para se aproximar e tentar encontrar uma posição em que poderia atirar sem colocar Renata ou a menina no fogo cruzado.

Ataque-o com uma onda, Renata. Faça-o cair e corra como se estivesse correndo do diabo.

Ela não lançou o poder mental sobre ele. Ela não tentou contrair um dedo na direção de qualquer uma de suas armas, psíquica ou não. Não, para o horror de Niko, ela não moveu sequer um dedo. Apenas ficou ali, no centro do que rapidamente se transformaria em uma tempestade infernal de sangue e violência.

O próprio medo de Niko naquele momento era insondável. Tudo o que ele sentia era o terror rasgando-o por dentro, seus ossos congelados, um desespero tão selvagem dentro do coração que batia como um tambor no peito.

Ele tirou as pistolas 9 mm de seus coldres laterais e avançou. Embora estivesse se movendo a um ritmo que apenas alguém da Raça poderia controlar, Renata olhou para cima. Ela o sentiu ali, movendo o ar ao seu redor, mesmo que os olhos não conseguissem registrar a velocidade. O sangue dele nela lhe disse que seu macho estava perto, assim como o seu sangue correndo nele sempre o faria encontrá-la.

Ele estava muito consumido pela raiva para notar que ela olhava para ele com alarme e não para o inimigo vampiro que enfrentava.

Nikolai avançou como um flash, totalmente preparado para matar. Ele parou logo atrás do grande Primeira Geração, as duas pistolas apertadas contra os glifos que seguiam até a parte traseira do crânio raspado do vampiro.

Tudo aconteceu em um piscar de olhos, mas parecia em câmara lenta na consciência de Nikolai.

Ele apontou as armas, os dedos nos gatilhos.

Os olhos de Renata se abriram. Ela balançou a cabeça.

- Niko, espere... não!

O Primeira Geração soltou Mira, deixando as grandes mãos caírem ao seu lado. Ele nem sequer reagiu às armas apontadas em sua cabeça. Seu peito expandiu quando puxou uma respiração longa, então deixou o ar sair em um suspiro resignado.

Ele não estava lutando contra sua morte.

Ele não se importava se morresse.

E então Mira gritou, a voz da criança alta com o medo.

- Não! Não o machuque!

Nikolai assistiu incrédulo e com espanto total quando Mira jogou seus braços em torno dos ombros largos do Primeira Geração.

- Por favor, não o machuque! - ela chorou, olhando para Niko, suplicando-lhe enquanto tentava proteger o vampiro com seu corpo minúsculo.

- Nikolai - Renata prendeu seu olhar quando ele a olhou, incrédulo, as duas pistolas de grande porte ainda armadas e prontas, niveladas na cabeça do Primeira Geração. - Nikolai... por favor, está tudo bem. Espere.

Ele franziu a testa, mas sua atitude guerreira relaxou um pouco.

- Levante-se - ordenou ao vampiro.–Levante-se e afaste-se da criança.

O Primeira Geração obedeceu sem qualquer comentário, lentamente, soltando os braços de Mira do seu pescoço e empurrando-a para longe enquanto levantava.

Niko se moveu para enfrentá-lo, as armas ainda sobre ele, quando orientou tanto Renata quanto Mira a ficar atrás dele.

- Quem diabos é você?

Os olhos sóbrios, inexpressivos, fitaram a terra.

- Chamam-me de Caçador.

- Você não é um Agente - disse Nikolai, cautelosamente.

- Não. Eu sou um Caçador.

Renata levou Mira para perto, segurando-a enquanto o caos na floresta e na casa lentamente morria em torno deles.

- Seus olhos, Nikolai - disse ela, entendendo agora. - Ele é o assassino que tentou matar Sergei Yakut naquela noite. Foi ele quem Mira viu no retiro de Yakut.

A expressão de Nikolai escureceu.

- É verdade? Você é um assassino de aluguel?

- Eu era - o Caçador deu um aceno triste e, finalmente, levantou o olhar. - A criança me salvou... Algo mudou em mim depois que eu vi a visão nos olhos dela naquela noite. Eu a vi salvar minha vida, exatamente como aconteceu há pouco.

No instante seguinte, a floresta ganhou vida com homens armados se deslocando sobre eles de todas as direções. Nikolai tinha as armas na mão, mas não fez nenhum movimento para disparar sobre as ameaças recém-chegadas. Renata entrou em pânico.

- Ah, merda. Niko...

- Está tudo bem - ele a acalmou com um olhar tranquilizador e algumas palavras gentis. - Estes são os mocinhos, meus amigos da Ordem.

Ela observou quando quatro dos guerreiros amigos de Nikolai entraram na área. Todos eram formidáveis no tamanho e na atitude, um grupo de músculos e de força que parecia sugar todo o ar da floresta pela simples presença dele.

- Como vai, hermano? Tudo bem aqui? - perguntou a voz suave que agora Renata reconhecia como pertencente a Rio.

Nikolai assentiu com a cabeça, os olhos e armas ainda apontadas na direção do Primeira Geração.

- Tenho tudo sob controle, mas a situação na casa está arruinada. Edgar Fabien está morto e Dragos e os outros fugiram pela costa. Foram de barco para o outro lado do lago. Tentei segui-los, mas... - olhou para Renata. - Tinha que me assegurar de que tudo estava bem por aqui primeiro.

- Nós ouvimos o zumbido de um motor de avião pequeno quando chegamos - disse Rio.

- Droga - Nikolai sussurrou. - Eram eles, sem dúvida. Fugiram. Diabos, Dragos estava aqui e nós perdemos o filho da mãe maldito.

- Deixe-me ajudar a encontrá-lo.

Todos os olhos se voltaram para o vampiro ainda detido na mira de Nikolai.

- Por que confiaríamos em você? - Nikolai perguntou, estreitando o olhar. - Por que estaria disposto a nos ajudar a colocar as mãos em Dragos?

- Porque ele é a pessoa que me criou - não havia calor no tom dourado dos olhos do Primeira Geração assassino quando respondeu à pergunta, apenas ódio gelado. - Ele me fez o que sou. Eu e todos os outros Caçadores criados por ele para matar.

- Ah, meu Deus! - Renata respirou. - Você quer dizer que há outros como você?

A cabeça raspada do Caçador acenou sobriamente.

- Não sei quantos nem onde estão, mas Dragos me disse que não sou o único de minha espécie. Há outros. Muitos outros.

- Por que devemos acreditar em você? - perguntou outro dos guerreiros, quase tão sombrio quanto a noite ao seu redor, seus dentes e presas brilhando como pérolas contra sua pele morena.

Outro guerreiro interveio, então, de olhos rápidos e sagazes, astuto como um lobo sob os pontos de ébano de seus cabelos cortados.

- Deixe Tegan nos dizer se podemos confiar nele.

Renata assistiu com espanto e um pouco de medo quando o maior do grupo, um guerreiro que parecia um fantasma perseguindo as sombras, deu alguns passos a frente. Imenso, com cabelos alourados sob o capuz preto de malha que usava, ele era um grande bloco de músculos másculos e energia sombria. Facilmente tão grande quanto o Primeira Geração diante dele, esperando seu julgamento.

Sem dizer nada, o guerreiro chamado Tegan estendeu sua enorme mão. O Caçador a pegou, seus olhos tão constantes quanto seu aperto.

Após um longo momento, Tegan deu um aceno vago.

- Ele vem com a gente. Vamos lacrar este lugar e dar o fora daqui.

Renata sentiu o enorme peso da tensão do momento ser removido, dando lugar a um novo propósito. O grupo se dividiu, a maioria dos guerreiros indo cuidar das coisas na casa de Fabien enquanto Rio e Nikolai andavam com Renata, Mira e seu companheiro inesperado de volta ao veículo à espera da Ordem.

Já perto, Nikolai pegou a mão de Renata.

- Encontramos você lá, Rio.

O guerreiro assentiu. À medida que avançavam, Renata olhou maravilhada e atemorizada quando Mira deslizou sua mão muito pequena na palma maior do Caçador.

- Meu Deus - disse ela a Nikolai. - O que está acontecendo?

Ele balançou a cabeça, claramente surpreso como ela.

- Vou levar algum tempo para descobrir isso, acho. Mas primeiro quero esclarecer as coisas entre nós.

- Nikolai, desculpe-me.

Ele a silenciou com um beijo longo e doce, puxando-a em seus braços quentes e musculosos.

- Eu estraguei tudo, Renata. Eu estava com tanto medo de perder você que a empurrei para longe de mim com uma mentira, fui um estúpido imprudente! Eu nunca me perdoaria se alguma coisa acontecesse com você ou Mira. Você é meu coração, Renata. Minha vida - ele acariciou-lhe o rosto, seu olhar a engolindo inteira. - Eu te amo tanto... Não quero viver um só momento sem você ao meu lado.

Ela fechou os olhos, dominada pela emoção.

- Eu nunca quis nada mais - ela sussurrou, sua garganta fechada com alegria. - Eu também te amo, Nikolai. Mas tem que entender que venho com um pacote agora. Mira não é minha filha de sangue, mas é de coração. Eu a amo como se fosse minha.

- Eu sei - disse sobriamente. - Você já provou isso.

Renata olhou para ele, incapaz de conter a esperança que se espremia em seu peito.

- Você acha que pode encontrar espaço em sua vida e em seu coração para nós duas?

- O que a faz pensar que eu já não tenha feito isso?–ele a beijou novamente, dessa vez com ternura. Quando olhou nos olhos dela, seu olhar era tão cheio de amor que lhe varreu o fôlego. - Vamos dar o fora daqui agora. Quero levar minhas garotas para casa.


Capítulo 34

Boston. Três noites depois.

O complexo da Ordem pareceu muito diferente para Nikolai quando ele andou pelo corredor que conduzia ao laboratório de tecnologia onde tinha se reunido com os outros guerreiros. A missão de capturar Dragos sofrera um golpe significante há algumas noites, mas também tinham ganhado uma vantagem muito inesperada na sua busca e encerramento da operação.

Infelizmente, embora o Caçador tivesse se tornado um valioso aliado, a Ordem também tinha perdido um membro crucial e confiável amigo: Andreas Reichen tinha sumido completamente e a notícia de Berlim era a pior possível. Ninguém sabia se o líder do Refúgio alemão tinha sobrevivido ao ataque em sua residência. Baseado na matança de toda sua família e no fogo que consumira a propriedade inteira, a Ordem tinha poucas esperanças de encontrar o amigo vivo.

Pessoalmente, Nikolai pensou que seria consolador para Reichen se ele tivesse morrido no ataque. Ele sabia que uma perda tão profunda jamais poderia ser superada. Certamente nenhum homem, da Raça ou não, seria forte o suficiente para sair ileso de um golpe tão brutal na alma. Como um guerreiro, Nikolai entendia baixas em combate. Todo guerreiro entrava na batalha sabendo que ele ou seus irmãos podiam não retornar para a base. Mas perder uma família...

Ele não queria nem mesmo considerar o que isso faria com um homem. Em vez disso, Nikolai se concentrou nas bênçãos que tinha, uma das quais podia ser ouvida falando baixinho quando ele se aproximou da porta aberta de seus aposentos.

Renata estava lá dentro, sentada no sofá da sala, lendo para Mira.

Por um momento, quando Niko aproximou-se da entrada, encostou-se na soleira da porta, simplesmente ouvindo e deleitando-se com a visão da bela mulher que agora era sua Companheira. Ele adorava ver como Renata ficava tão confortável com um livro quanto segurando uma arma. Ela tinha uma suavidade que ele admirava, uma inteligência que o desafiava continuamente e uma força interior que o fazia procurar ser um homem digno de sua devoção.

Não era nada mal também que ela fosse mais quente do que o inferno, sobretudo quando ela estava com o olhar na sua 9 mm ou treinando com suas adagas queridas no centro de treinamento. Kade e Brock tinham estado quase permanentemente na sala de armas nos últimos dias, só pela possibilidade de treinar com Renata ou olhá-la em ação. Nikolai não podia culpá-los. Mas quando sentiu o beliscão leve do ciúme, bastou um olhar malicioso de sua mulher para colocá-lo à vontade. Ela o amava e Nikolai era o macho mais sortudo do planeta.

- Oi - disse, olhando enquanto virava a última página de um capítulo e parava para cumprimentá-lo.

- Olá, Niko - Mira sussurrou sob o véu curto. - Você acabou de perder uma parte muito boa da história.

- Mesmo? Talvez eu possa convencer Renata a ler para mim mais tarde - disse ele, enviando um olhar aquecido para sua Companheira quando entrou na sala. Ele caminhou até o sofá e se agachou na frente de Mira. - Tenho algo para você.

- Sério? - o rosto dela se iluminou com um pequeno sorriso. - O que é?

- Uma coisa que pedi a Gideon para você. Tire seu véu, e vou lhe mostrar.

Ele não perdeu o olhar protetor de Renata quando Mira afastou o tecido preto para longe do seu rosto.

- O que é?

- Tudo bem - disse ele, tirando uma pequena caixa de plástico do bolso da calça jeans. - Você pode confiar em mim. Ambas podem confiar em mim.

Renata relaxou, e olhou quando Nikolai retirou a tampa de um recipiente de lentes de contato.

- Estas são as lentes especiais que Gideon acha que vão ajudar com seus olhos. Você gostaria de nunca mais usar o véu de novo?

Mira concordou com entusiasmo.

- Deixa eu ver, Niko!

- Que tipo de lentes são essas? - Renata perguntou, cautelosamente otimista.

- Íris opacas para proteger o efeito de espelhamento dos olhos de Mira. Ela será capaz de ver através delas, mas ninguém que olhar para ela vai notar nada de incomum sobre os olhos. Suas íris serão cobertas, da mesma forma que o véu cobre. Eu pensei que seriam melhores.

Renata acenou, sorrindo calorosamente para ele.

- Muito melhor. Obrigada.

- Posso experimentá-las? - Mira perguntou, ansiosamente olhando a pequena caixa nas mãos de Niko. - Olha, Rê, são roxas!

- Essa é sua cor favorita - disse ela, jogando um olhar interrogativo sobre Nikolai.

Ele tinha mudado muito nos últimos dias, empreendendo um papel que nunca se imaginou, sem falar no fato de se ajustar tão confortavelmente nele. Ele era um macho com laço de sangue com uma Companheira de Raça que o amava e uma criança para criar como sua. E ele apreciou as duas ideias.

Ele, um dissidente e imprudente, tinha uma família própria agora. Era incompreensível para ele, para não mencionar para o resto do complexo. Era a última coisa que sonhou que queria ou precisava e agora, apenas alguns dias depois, não poderia ver sua vida de outra maneira.

Seu coração nunca se sentiu tão completo.

- Deixe-me ajudá-la com isso - disse Renata, pegando as lentes das mãos de Niko com cuidado e colocando-as em Mira. Quando estavam no lugar há alguns segundos e o talento da criança não se manifestou, Renata sorriu. - Ah, meu Deus. Funcionou, Nikolai! Olhe para ela. As lentes funcionam perfeitamente.

Ele olhou para as piscinas violeta nos olhos alterados de Mira e viu... nada. Apenas o feliz e despreocupado olhar de uma criança.

Renata jogou os braços em volta dele e o beijou. Mira estava bem atrás dela e Niko pegou as duas em um sincero abraço.

- Há mais - disse, esperando que gostassem do resto da sua surpresa. Ele se levantou e pegou cada uma delas pela mão. - Venham comigo.

Ele as levou pelo corredor até o elevador que subia da sede subterrânea para a enorme mansão que ficava no piso acima. Ele podia sentir a apreensão de Renata pelo modo como ela apertava-lhe a mão grande e pela adrenalina que lhe corria na corrente sanguínea.

- Não se preocupe - ele sussurrou na orelha dela. -Você vai gostar, eu prometo.

Pelo menos, ele esperava que sim. Ele tinha trabalhado naquilo durante um dia e meio, tentando fazer tudo certo. Ele guiou Renata e Mira ao coração da propriedade, em direção à luz de velas e ao calor da sala de jantar formal. Os aromas de pão e carne assada os receberam. Niko não tinha apreço por comida humana, mas as Companheiras de Raça que viviam no lugar certamente tinham e, a julgar pela aparência das duas mulheres caminhando ao seu lado, elas também.

O espanto brilhou nos olhos de Renata.

- Você fez o jantar?

- Claro que não. Acredite em mim, sou a última pessoa que você iria querer para preparar suas refeições. Pedi alguns favores a Savannah, Gabrielle e as outras mulheres. Seu estômago está em muito boas mãos.

- Mas eu estive com todas elas mais cedo hoje e ninguém disse nada sobre isso.

- Eu queria fazer uma surpresa. Elas queriam surpreendê-la, também.

Renata não disse mais nada, mas ele não pôde deixar de notar que seus passos diminuíam ao chegar mais perto da sala de jantar. Mira, no entanto, pulava com entusiasmo. Assim que chegaram à porta de entrada em arco, ela soltou-se de Niko e correu a mil por hora como se tivesse vivido lá toda sua vida.

Mas Renata, não.

Ela ficou em silêncio e imóvel. Olhou para a mesa cheia de pratos de porcelana e enfeites finos e suspirou levemente. Não disse uma palavra sequer quando olhou para o rosto dos guerreiros e de suas Companheiras de Raça, todos de pé dando-lhe boas-vindas quando ela e Nikolai pararam na porta.

- Ah, Santo Deus! - ela finalmente sussurrou, sua voz quebrada e crua.

Niko a seguiu quando ela recuou, voltando pelo corredor.

Maldição. Ele estava tão certo de que ela desfrutaria de um agradável jantar com todos, mas é óbvio que estava errado.

Quando falou com ele, sua voz estava embargada pela emoção.

- Todo mundo está esperando lá dentro... por nós?

- Não se preocupe com isso - disse ele, puxando-a para seus braços fortes. - Eu queria fazer algo especial para você e estraguei tudo. Sinto muito. Você não tem que fazer isso.

- Nikolai - ela olhou para ele, os olhos brilhantes marejados. - Eu nunca vi nada mais bonito do que aquela mesa, com todos ao redor, em toda a minha vida.

Ele franziu a testa, bastante confuso agora.

- Então, o que está errado?

Ela balançou a cabeça, engolindo um riso estrangulado.

- Não há nada de errado. Nada de errado em nada. Estou tão feliz! Você me faz tão imensamente feliz. Tenho medo desse sentimento. Eu nunca soube o que era e eu estou morrendo de medo que seja apenas um sonho.

- Não é um sonho - disse ele suavemente, acariciando-lhe uma lágrima perdida que deslizava assertivamente pelo rosto macio. - E você pode se segurar em mim se sentir medo. Vou estar ao seu lado enquanto você quiser.

- Para sempre - disse ela, sorrindo para ele.

Nikolai assentiu.

- Sim, meu amor. Para sempre.

O sorriso exultante de Renata explodiu em sua boca. Ela beijou Nikolai forte e, em seguida, caminhou com ele sob o abrigo daquele braço forte para se juntar aos outros. Para se juntar ao resto da sua família.

Capítulo 25

Nikolai sentou-se dentro do abrigo feito de videiras e assistiu a um único raio de luz atravessar as folhas e iluminar os cabelos escuros de Renata enquanto ela dormia. A luz ultravioleta era tóxica para sua espécie – letal após meia hora de exposição contínua - mas ele não resistiu ao desejo de deixar aquele raio de luz entrar pelo pequeno buraco na vegetação. Nos últimos minutos, ele tinha permanecido sentado junto de Renata observando-a, admirando-a, muito intrigado com a forma como a luz cobria-lhe os cabelos de ébano, penetrandolhe os fios de seda e colorindo-os com uma dúzia de tons diferentes: cobre, bronze e vermelho.

Que diabos havia de errado com ele?

Ele estava sentado lá, olhando os cabelos de Renata, pelo amor de Deus! Não apenas olhando, mas olhando-os com total fascinação. Para Niko, isso indicava uma de duas coisas preocupantes: ele devia considerar muito seriamente ter algumas aulas com o famoso cabeleireiro inglês Vidal Sassoon ou estava completamente perdido de amor por aquela mulher.

Perdido tanto quanto no passado, eternamente tomado por outra pessoa. Em algum lugar, de algum jeito, ele se deixou apaixonar por ela.

Isso explicava o porquê de ele não conseguir manter as mãos - e outras partes maiores e mais pulsantes de seu corpo - longe dela. Explicava também o motivo pelo qual tinha passado toda a noite – com exceção da ida rápida à casa de Yakut antes do amanhecer – deitado junto de Renata, sustentando-a em seus braços fortes.

E, se ele precisava de alguma explicação do motivo de seu peito ter ficado tão apertado e tão pesado quando ela começou a chorar na noite anterior, ou por que havia se sentido obrigado a compartilhar com ela seu sentimento de culpa pela perda de Dimitri há tantos anos, ele supôs que estar apaixonado faria sentido.

Por mais que tentasse convencê-la de que ela estava a salvo com ele, Nikolai se sentia a salvo com ela também. Confiava nela plenamente. Mataria para protegê-la, morreria por ela sem hesitar nem por um segundo. Ela podia não fazer parte de sua vida há muito tempo, mas ele já não se imaginava sem ela.

Ah! Merda. Ele realmente tinha se apaixonado por Renata.

- Mas... que... maravilha! - murmurou, fazendo uma careta quando ela se agitou por causa do som de sua voz.

Ela abriu os olhos e sorriu quando o viu sentado ali.

- Olá!

- Bom dia - disse, casualmente alcançando um ramo de videira para fechar o abrigo e deixar do lado de fora os resquícios do raio de sol.

Ele achou o espreguiçar felino dela mais fascinante ainda do que os cabelos. Estava usando a mesma camisa de algodão da noite anterior, a metade dos botões espalhados pelo chão do abrigo natural. A grande camisa estava aberta da metade para baixo, mal cobrindo a nudez de sua fenda. Por ele, sem problemas.

- Como se sente?

Ela pareceu refletir por um segundo, depois olhou para ele com a testa franzida.

- Sinto-me realmente bem. Quero dizer, ontem à noite foi... - ruborizou, uma doce cor rosada preencheu-lhe as bochechas. - Ontem à noite foi incrível, mas pensei que ficaria fora de combate por causa da reverberação. Não entendo... nunca aconteceu nada assim. Quero dizer, tive um pouquinho de dor, mas pelo ataque na casa de Jack, eu devia estar agonizando a noite toda.

- Isso nunca aconteceu antes?

Ela sacudiu sua cabeça.

- Nunca. Cada vez que usava minha habilidade, o efeito retornava.

- Mas ontem à noite não.

- Não, ontem à noite não - ela disse. - Nunca me senti melhor.

Niko talvez pudesse ter feito uma brincadeira sobre os efeitos milagrosos de suas proezas sexuais, mas ele sabia que era um tipo de magia o que fizera Renata suportar o efeito da reverberação.

- Você bebeu de meu sangue ontem. Essa foi a diferença.

- Você acha que seu sangue ajudou não apenas a curar meu ombro, mas também com as reverberações? É possível?

- É definitivamente uma possibilidade. Uma Companheira de Raça que bebe regularmente o sangue de um vampiro se torna muito mais forte do que seria sem ele. O envelhecimento desacelera até ao passo de tartaruga. As células do corpo, os músculos e todo o metabolismo atinge um estado físico visivelmente saudável. E, sim, muitas vezes o sangue de um companheiro também tem impacto na habilidade psíquica das fêmeas.

- Por isso Sergei nunca me deixou beber dele - Renata disse, sua mente veloz para chegar à mesma conclusão a que Niko havia chegado. – Ele não fazia segredo de que gostava que meu poder fosse limitado. Nas vezes que tentei golpeá-lo, nunca pude manter a rajada o tempo suficiente para derrubá-lo. E, no final, o esforço sempre me custava caro demais quando retornava.

- Sergei Yakut era Primeira Geração - Niko recordou. – O sangue dele em seu sistema poderia torná-la praticamente invencível.

Renata zombou em voz baixa.

- Só um grilhão a mais para mim. Ele devia saber que eu o mataria se tivesse a menor esperança de êxito–ficou em silêncio durante um minuto, com os braços cruzados. Depois, arrancou uma fibra de erva do chão do abrigo improvisado. - Tentei matá-lo... no dia em que Mira e eu fugimos juntas. Naquele dia, ele queimou minhas costas com ferro quente. Fez outras coisas também.

Nikolai não tinha que perguntar mais sobre o que ela tinha sofrido. As cicatrizes das queimaduras em suas costas eram atrozes, mas pensar no castigo de Yakut era pior... O sangue de Niko fervia de indignação. O guerreiro, então, colocou a mão sobre a mão dela.

- Sinto muito, Renata.

Ela lançou um firme olhar que não procurava simpatia.

- Sua misericórdia foi a de não ter forçado Mira a assistir tudo o que me fez. Mas Sergei me disse que se ela ou eu tentássemos escapar outra vez, Mira pagaria da mesma forma que eu. Prometeu que seria pior para ela, e eu sabia que ele estava falando sério... Então, fiquei quieta. Eu o obedecia e a cada hora de cada dia rezava por um milagre que eliminasse Sergei Yakut de minha vida - parou, acariciando-lhe o rosto masculino. – E então você chegou e tudo mudou. Suponho que em muitos sentidos, você é meu milagre.

Nikolai segurou-lhe a mão e depositou um beijo no centro de sua palma.

- Ambos somos afortunados.

- Alegra-me que Sergei esteja morto - confessou ela, brandamente.

- Ele devia ter sofrido mais - disse Niko, sem tentar ocultar o tom obscuro de sua voz grossa. - Mas já morreu. E é o que importa.

Renata assentiu.

- E agora Lex também está morto. Os guardas de Yakut... Todos eles estão mortos.

- A essa hora da manhã, ele e os outros na propriedade não passam de um monte de cinzas - Niko disse ao esticar-se para colocar os cabelos negros e brilhantes de Renata atrás da orelha. - Depois que você dormiu ontem à noite, eu retornei lá e abri todas as persianas para que a luz do sol entrasse. Também liguei para Boston para dar os números que estavam no celular de Lex. Gideon entrará em contato quando tiver feito o rastreamento para nos dar os detalhes.

Outro assentimento, sua voz suave tinha um tom de esperança.

- Está bem.

- Enquanto estava lá, trouxe algo que pensei que pudesse precisar.

Inclinou-se para o monte de armas e outros instrumentos que havia recolhido e pegou o pacote de seda e veludo que pertencia a Renata.

- Minhas adagas! - ela disse, seu rosto iluminando-se de alegria quando pegou o pacote nas mãos. Desatou o laço que prendia as armas e desenrolou todo o veludo que cobria as quatro adagas com gravuras personalizadas. - Jack me deu isso...

- Eu sei. Ele me disse que as havia feito para você como um presente. Disse-me que não estava certo de que você as tivesse guardado.

- Elas são muito importantes para mim - murmurou, seguindo o lavrado do punho com a ponta do dedo.

- Eu disse que você ainda as tinha e ele alegrou-se ao escutar quanto elas significam para você.

O olhar cheio de gratidão de Renata banhou o macho da Raça.

- Nikolai... Obrigada por fazer isso pelo Jack. E por me devolver essas adagas. Obrigada mesmo.

Ela se aproximou dele e o beijou. A suave pressão de seus lábios foi algo profundo. Nikolai segurou-lhe o rosto entre as mãos, acariciando-lhe a mandíbula com os polegares grandes, percorrendo o delicado ângulo das maçãs do rosto. Ela abriu a boca enquanto a língua dele percorria a abertura úmida de seus lábios e soltou um doce gemidinho quando ele entrou dentro dela.

As presas dele se estenderam pontudas pela luxúria que corria nele como lava. Entre as pernas, seu sexo era já uma coluna de granito, aceso imediatamente diante da ideia de ter Renata debaixo de si. Quando a mão dela escorregou para baixo, ultrapassando a cintura da calça para tocá-lo, seu membro ereto e ávido saltou, crescendo mais e mais sob o calor da palma da mão de Renata enquanto ela o acariciava.

- Que horas são? – murmurou ela contra a boca febril dele.

Ele grunhiu, muito absorto em suas deliciosas carícias para processar imediatamente aquela pergunta. Através de sua respiração entrecortada, conseguiu responder.

- É cedo. Provavelmente por volta das nove.

- Bem, caramba, acho que é muito cedo - ela murmurou, separando sua boca da dele e deixando um rastro de beijos ao longo da garganta e do pomo-de-adão. - Não pode sair na luz do sol, não é mesmo?

- Não.

- Humm – os lábios úmidos dela desceram sobre o peito nu e suado dele. Ele recostou-se sobre os cotovelos enquanto ela seguia o contorno dos glifos com a ponta rosada de sua língua sapeca, percorrendo os arcos e redemoinhos ao redor de seus mamilos e através do seu tórax. Quando falou, sua voz vibrou em todos os ossos de Niko:

- Então, suponho que isso significa que estamos presos aqui por um tempo, não é?

- Sim. - A palavra saiu ofegante. O beijo dela viajou devagar para baixo, além do umbigo do macho da Raça, seguindo as linhas dos dermoglifos, em direção à parte do corpo dele que palpitava pela necessidade de sentir os lábios úmidos e quentes dela apertando-se ao seu redor. - Suponho que estamos presos aqui até de noite.

- Hum hum.

Ela prendeu o cordão das calças dele entre os dentes e deu um forte puxão. O nó caiu solto e então ela baixou as calças o suficiente para fazer a cabeça enorme do membro dele despontar ansiosa. Ela o lambeu, observando o rosto de Niko enquanto desenhava redemoinhos com a língua diabólica ao redor da carne e sugava uma gota do fluido viscoso que brotava ali.

- Ah!

- Então... - ela murmurou, seu fôlego flutuando através da pele umedecida pelo suor dele, atormentando-o ainda mais. - O que vamos fazer aqui o dia todo enquanto esperamos a noite chegar?

Niko riu.

- Querida, posso pensar em umas cem coisas que eu gostaria de fazer contigo.

Ela sorriu desafiante.

- Apenas cem?

Antes que ele pudesse lhe dar uma resposta inteligente, ela envolveu o pênis dele com os lábios e o tomou profundamente dentro da boca. E enquanto o corpo de Niko explodia de prazer, ele se viu rezando para que o tempo e os dias a sós com aquela incrível mulher – sua mulher – pudessem se estender para sempre.


Capítulo 26

Renata caminhou para a porta de trás da propriedade de Yakut e parou na soleira. Ela havia deixado Nikolai no refúgio de videiras quando decidiu que sua necessidade de um banho, de uma ducha quente e de roupas limpas que realmente coubessem nela eram maiores do que sua resistência em jamais colocar novamente os pés na casa de Sergei Yakut.

Agora ela duvidava. No início da tarde, o sol era uma presença alentadora, mas no lado de dentro a propriedade era escura e fria. Sombras caíam sobre a mobília desarrumada e estendiam-se pelas tábuas rudes do chão. Renata avançou e caminhou para o lugar onde Lex havia caído.

O corpo dele havia desaparecido, assim como o sangue. Nada além de um pequeno rastro de cinzas deixado para trás – como Nikolai prometera. As persianas sobre a janela da sala estavam totalmente abertas, mas o sol já havia passado. Uma fresca brisa carregava o aroma de pinheiro e o ar fresco do bosque para a umidade calma do lugar. Renata respirou profundamente, enchendo os pulmões, deixando a fragrância de um novo dia expurgar as lembranças de toda aquela morte, aquele sangue e aquela violência que tinham coberto o lugar na noite anterior.

Hoje, sob aquela nova luz, muitas coisas pareciam diferentes para ela.

Ela mesma parecia diferente. E sabia a razão. Estava apaixonada.

Pela primeira vez em muito tempo (talvez em toda a sua vida), Renata verdadeiramente sentia a esperança acomodada em seu coração, uma esperança de que o futuro lhe reservava algo além da mera sobrevivência, que ela poderia em algum momento medir a felicidade em anos e não apenas em momentos raros e fugidios. Estar com Nikolai, fosse em seus braços ou ao seu lado, fazia Renata acreditar que muitas coisas eram possíveis.

Ela caminhou pela grande sala, apoiando-se no fato de que aquela seria a última vez que precisaria ver aquele lugar. Aquilo era um adeus.

Quando ela e Nikolai saíssem dali para continuar a busca por Mira, aquele albergue, aquele terrível celeiro, aquele canil na parte de trás da construção, Sergei Yakut, Lex e todos os outros que marcaram os últimos dois anos de sua vida seriam apenas lembranças. Ela deixaria tudo ali, e o terror e a dor seriam, de alguma forma, banidos de seu futuro.

Aquela parte de sua vida havia terminado.

Ela entrou no pequeno banheiro que havia compartilhado com Mira, em paz consigo e com tudo ao seu redor enquanto ligava a água quente da ducha. Quando o vapor úmido começou a sair pela cortina, ela desabotoou uns poucos botões da camisa emprestada de Jack e ficou ali por um momento, parada, nua, contemplando seu futuro com olhos renovados. Não sabia o que a esperava uma vez que a noite caísse e uma nova jornada começasse, mas estava disposta a enfrentar o que quer que fosse.

Com Nikolai ao seu lado – com a esperança e o ardente amor tão resplandecente quanto uma chama em seu coração –, Renata estava preparada para enfrentar tudo.

Como um cavalheiro destinado a uma batalha que procura uma bênção, Renata deu um passo debaixo da água quente da ducha. Fechou os olhos em uma solene oração enquanto a reconfortante água caía-lhe sobre o corpo nu.

Nikolai permanecia no abrigo de videiras enquanto os passos de Renata se aproximavam.

- Toc, toc - ela o chamou através das folhas. – Estou entrando, então cuidado com a luz do dia. Eu não gostaria que você torrasse por mim.

Ela afastou algumas folhas verdes e avançou, pronunciando uma rápida desculpa quando notou que ele tinha o telefone celular de Lex no ouvido. Niko havia ligado para a Ordem pouco depois que ela fora tomar banho. As notícias de Boston eram uma mistura de boas e más, além de uma dose extra de sérios problemas.

As boas? Um dos números no telefone de Lex era, de fato, de Edgar Fabien. Sem muito esforço, Gideon havia sido capaz de rastrear os registros da base de dados de identificação internacional de Fabien. Agora, a Ordem tinha os endereços da residência do líder do Refúgio de Montreal, sua casa no interior e todos os dados de todas as outras propriedades privadas, tanto de negócios como pessoais. Gideon tinha acesso aos números de telefone celular de Fabien, carteira de motorista, arquivos do computador e até mesmo da vigilância eletrônica do Refúgio do maldito filho da mãe.

E era nesse ponto que começavam as más notícias.

Edgar Fabien não estava em casa. Gideon havia interceptado o sinal de um canal de vídeo mais cedo naquela noite e visto um grupo de sete machos da Raça – um deles provavelmente era Fabien – deixando o Refúgio em companhia de uma escolta armada da Agência de Execução. Era difícil dizer quem eram os visitantes de Fabien, já que todos pareciam iguais em ternos sob medida e com os rostos completamente ocultos por capuzes pretos.

Quanto à dose extra de sérios problemas, o grupo de vampiros havia saído com uma menina. Uma jovem que evidentemente não os havia seguido tranquilamente. A descrição de Gideon da criança loira não deixava dúvida de que se tratava de Mira.

- Ainda está me ouvindo? - Gideon perguntou do outro lado da linha.

- Sim, continuo aqui.

- Lucan quer que Fabien seja trazido a Boston para um interrogatório. Isso significa que precisamos dele vivo, cara.

Niko soltou uma maldição.

- Primeiro, temos de encontrar esse filho da puta.

- Sim, estou trabalhando nisso. Rastreei o GPS do telefone celular de Fabien. Consegui um sinal de um lugar a aproximadamente uma hora ao norte da propriedade de Yakut. Uma das propriedades de Edgar Fabien. Ele deve estar lá.

- Tem certeza?

- Tanta que já enviamos reforços. Tegan, Rio, Brock e Kade estão a caminho para encontrar-se com você enquanto falamos.

- Reforços a caminho? - perguntou Niko, olhando uma parte de luz ultravioleta que aparecia através das folhas do refúgio. A Ordem tinha trajes de proteção solar para situações de emergência, mas até mesmo uma geração antiga de vampiros vestidos dos pés à cabeça com trajes protetores de raios ultravioletas seria incapaz de resistir à luz solar golpeando no assento do motorista em uma viagem de quase sete horas. - Jesus! Não pode estar falando a sério. Quem teve essa ideia?

Gideon riu.

- As fêmeas teimosas, meu caro. Não sei se você notou, mas fomos invadidos por elas nos últimos tempos.

- Sim, notei.

Niko não pôde deixar de lançar um olhar para Renata, que estava verificando algumas das armas que tinham recolhido de Lex e dos outros.

- Qual é a situação, então?

- Dylan está levando os caras em uma Rover e Elise está montando guarda. Devem chegar aí por volta das nove, exatamente depois do pôr do sol. Como Fabien tem vários sócios desconhecidos com ele, vamos precisar entrar e sair de lá com cuidado, sem vítimas desnecessárias - Gideon fez uma pausa. - Escuta, sei que você está preocupado com a menina. A segurança dela é importante, sem dúvida, mas isso é grande, Niko. Se Fabien pode nos levar a Dragos, temos que nos assegurar de capturá-lo esta noite. Essa é a missão número 1, ordenada diretamente por Lucan.

- Sim - disse Nikolai. Ele sabia qual era a missão. Também sabia que não podia decepcionar Renata ou Mira. – Inferno... Certo, Gideon, eu entendi.

- Ligarei se Fabien se mover entre agora e o pôr do sol. Enquanto isso, estou trabalhando em um ponto de encontro para que você se junte aos outros esta noite e ponha em ação um plano de infiltração. Devo ter algo em uma hora ou duas. Ligarei depois.

- Certo. Até depois.

Nikolai desligou o telefone e o colocou junto de si.

- Gideon conseguiu algo daqueles números telefônicos? - perguntou Renata, olhando-o cuidadosamente. - Temos alguma pista do Refúgio de Fabien?

Niko assentiu.

- Temos o endereço.

- Graças a Deus - ela suspirou. O alívio cedeu espaço rapidamente à determinação, tão feroz como Niko nunca havia visto nela. - Onde está ele? No Refúgio na cidade ou em alguma parte nos subúrbios? Eu poderia ir lá agora mesmo e analisar o terreno. Santo Deus, da forma como me sinto – sem dor, meu ombro melhorando – talvez eu devesse bater na porta e golpeá-lo com uma explosão de...

- Renata - Niko pôs a mão grande sobre a dela e sacudiu a cabeça. - Fabien está indo para algum lugar. Não está mais na cidade.

- Então onde?

Ele poderia contar sobre o sinal do GPS que Gideon estava rastreando. Poderia dizer que Fabien tinha Mira em sua custódia e que a menina estava provavelmente uma hora ao norte de onde eles estavam sentados agora. Mas Niko também sabia que se dissesse isso a Renata – se desse o mínimo de certeza sobre o paradeiro da menina que tanto significava para ela –, ele não poderia impedi-la de sair por conta própria naquele exato momento para encontrá-la.

A promessa de Niko à Ordem era seu dever – sua honra –, mas e Renata? Ela era seu coração. Ele não podia pôr em perigo a missão de seus irmãos, mas também não podia permitir que aquela mulher que ele amava partisse precipitadamente sozinha, rumo ao perigo. O pensamento dele era pré-histórico, talvez, especialmente por ter em conta que Renata era uma mulher que sabia como dirigir a si quase em qualquer situação. Era bem treinada, capaz, definitivamente valente, mas... inferno, ela significava muito para que corresse esse tipo de risco. Aquela não era uma opção.

- Estamos esperando uma localização sólida de onde está Fabien – ele disse, a mentira amarga sobre sua língua, independentemente das boas intenções. - Enquanto isso, a Ordem está enviando reforços. Nós vamos nos juntar a eles esta noite.

Renata escutou, claramente confiando nele e em sua palavra.

- A Ordem tem alguma ideia se Mira está com Fabien em qualquer lugar que ele esteja?

- Estamos trabalhando nisso - Nikolai achou difícil sustentar o olhar verde-claro sem pestanejar. - Quando encontrarmos Fabien, encontraremos Mira. Ela vai estar bem. Prometi isso, lembra?

Quando pensou que ela só assentiria com a cabeça e afastaria o olhar, Renata estendeu a mão para apanhar o rosto dele.

- Obrigada... por estar aqui para me apoiar em tudo isto. Não sei como serei capaz de pagá-lo, Nikolai.

Ele ergueu a mão dela entre as suas e deu-lhe um beijo. Diria algo singelo, uma das brincadeiras sem sentido habituais que tão frequentemente usava quando as emoções ao seu redor eram muito reais ou cheias de honestidade. Tinha suas cartas sob a manga: desviar com humor, desarmar com indiferença, atacar e correr como o inferno à primeira indicação de sua própria vulnerabilidade. Mas todas aquelas velhas e confiáveis armas que ele havia aperfeiçoado falhavam agora.

Acariciou com o dedo polegar o dorso da mão de Renata e se deixou perder no refúgio verde de seus olhos.

- Não sou muito bom nisso - murmurou ele. - Quero dizer algo... inferno. Provavelmente eu vou encher sua paciência, mas quero que você saiba que me preocupo com você. Preocupo-me... pra caramba, Renata.

Ela o olhou fixamente, permanecendo tão imóvel e silenciosa que nem sequer estava seguro de que ela estivesse respirando.

- Eu me preocupo - soltou, frustrado consigo pela estupidez das palavras que queria que fossem perfeitas para ela. - Não sei como aconteceu, ou mesmo o que significará para você, se vai significar. Mas preciso dizer porque isso é real. É real, e eu nunca me senti dessa maneira antes. Com ninguém.

A boca de Renata suavizou em um pequeno sorriso enquanto ele divagava com estupidez, tentando encontrar uma maneira de dizer a profundidade do que havia em seu coração de macho da Raça. Tentava e falhava miseravelmente.

- O que estou querendo dizer é que... - sacudiu a cabeça, sentindo-se uma porcaria, mas o suave toque de Renata em seu rosto o tranquilizou. O claro olhar dela trouxe Niko de volta, direto e centrado, conectando-o com a Terra. - O que estou querendo dizer é que estou apaixonado por você... Realmente apaixonado. Não estava esperando que isso acontecesse. Não pensei que alguma vez eu fosse querer isso, mas... Ah! Renata, quando olho dentro de seus olhos, só consigo pensar em uma coisa: para sempre.

Ela exalou devagar e seu pequeno sorriso se estendeu em radiante alegria. Niko passou as mãos na pele suave e macia dela, e pelos cabelos úmidos.

- Estou apaixonado por você, Renata. Sei que não sou um poeta... Caramba, nem sequer chego perto disso. Não tenho todas aquelas palavras bonitas que queria poder dizer... Mas quero que saiba que o que sinto por você é real. Eu te amo.

Ela riu brandamente.

- O que faz você pensar que quero poesia ou palavras finas? Você acabou de dizer exatamente o que queria ouvir, Nikolai–ela deslizou sua mão pela parte de trás do pescoço largo dele e o puxou para um longo e apaixonado beijo. - Também te amo, Nikolai - sussurrou contra sua boca. - Assusta-me admitir isso, mas é assim. Eu te amo, Nikolai.

Ele a beijou e a abraçou, desejando nunca ter de se afastar dela. Mas o cair da noite logo chegaria e ainda havia uma coisa que ele precisava fazer.

- Tem que fazer uma coisa por mim.

Renata se acomodou contra ele.

- Qualquer coisa.

- Não sei o que vai acontecer esta noite, mas preciso saber que vai estar tão forte quanto possível. Quero que tome mais de meu sangue.

Ela se soltou de seu abraço e arqueou uma sobrancelha para ele.

- Tem certeza de que não está só tentando entrar no meio das minhas pernas de novo?

Niko riu, uma sacudida de calor formando redemoinhos diretamente em sua virilha apenas diante daquela ideia.

- Eu não rejeitaria o convite. Mas falo sério... Quero que beba de mim de novo. Faria isso por mim?

- Sim, é obvio.

Ele afastou uma mecha escura da testa dela.

- Há uma coisa mais, Renata. Quando formos atrás de Fabien esta noite, eu morreria se algo... Bem, simplesmente não posso me arriscar a ficar separado de você, vou precisar saber que você está bem todo o tempo, ou minha concentração vai para o inferno. Preciso ter uma ligação com você. Sei como se sentia com Yakut usando seu sangue como um grilhão para você, e prometo que isso não é o que...

- Sim, Nikolai – ela disse, interrompendo-o com um movimento suave de seus dedos sobre sua boca. – Sim... Pode beber de mim.

A maldição dele como resposta foi um sinal de alívio.

- É para sempre - recordou firmemente. - Precisa entender isso. Se eu beber de você, não poderemos desfazer esse vínculo nunca mais.

- Entendo - ela disse sem vacilação. Aproximou-se e beijou-o, longa e profundamente. - Entendo que o vínculo é para sempre... E continuo dizendo que sim.

Niko gemeu. O fogo iluminou-lhe as veias. Suas presas se alongaram e seu pênis se elevou em atenção imediata, tudo nele ansioso por reclamar Renata como sua. Ele a beijou, o coração golpeando fortemente contra seu tórax forte quando ela passou a língua por seus lábios para brincar com as pontas afiadas de suas presas.

- Quero que você fique nua para isso - disse ele, incapaz de conter o tom autoritário que se mostrava em sua voz. Ele era parte humano, mas havia outra parte dele – uma parte mais selvagem e muito, muito mais sexy – que era menos paciente do que gostaria.

Niko olhou com olhos flamejantes de âmbar como Renata o obedecia rapidamente, despojando-se de sua roupa e estendendo-se sobre o chão de grama do refúgio, suas coxas deixando-se entreabrir para ele sem um pingo de inibição.

- Ah! Sim... - Niko grunhiu. - Assim é muito melhor.

Ele estava completamente tomado pela necessidade de tê-la. Arrancando sua própria roupa e deixando-a de lado, subiu sobre os quadris dela e a montou. Empurrou o membro duro como uma rocha enquanto ela o acariciava, torturando-o. E ele manteve o olhar nela enquanto levava seu pulso até a boca e mordia a própria carne.

- Deixe-me provar de você de novo – ela disse, subindo até encontrar a veia enquanto ele levava as perfurações até sua boca. Gotas carmesim salpicaram até cair sobre os seios dela, tão vívidas contra sua cremosa pele. Ela gemeu, fechando os olhos enquanto sugava-o, saboreando-o.

Niko a olhava beber, observando seu corpo começar a retorcer-se pela excitação. Com sua mão livre, ele a acariciou, incapaz de resistir a passar seus dedos pelo sangue que havia derramado sobre ela. A visão de seu sangue marcando a pele dela era tão erótica como nada tinha sido antes. Seu toque atrevido foi mais abaixo, à fenda aberta que estava tão preparada para ele. As coxas dela apertaram-lhe o pulso, sustentando-o contra si enquanto o primeiro orgasmo disparou através do corpo dela.

Niko grunhiu de pura adoração masculina enquanto alimentava sua fêmea e a sentia clamar por ele. Ele a deixou beber durante vários minutos até seu corpo arder de novo sob ele.

Ele também estava ardendo.

Suavemente, tirou o pulso de sua boca e fechou as perfurações com uma lambida. Renata ainda estava arqueando e retorcendo-se, ainda gemendo por ele, enquanto ele se ajeitava sobre ela e a penetrava, as unhas dela marcando seus ombros largos em uma dor deliciosa.

Nikolai fez amor tão devagar quanto pôde – tão devagar quanto a febre de seu corpo permitia. Ela gozou de novo, retorcendo-se e extraindo dele uma furiosa liberação. Mas isso praticamente não diminuiu as investidas. Ele ainda estava duro dentro dela, ainda faminto por aquela mulher... sua mulher.

Com a mão tremendo, Nikolai acariciou os pontos escuros já fechados de um lado da bela garganta de Renata.

- Tem certeza? - perguntou, sua voz apenas reconhecível para ele mesmo, estava tão seco e desesperado. – Renata... Quero que você tenha certeza.

- Sim - ela arqueou o corpo, confirmando com um empurrão, seu constante olhar suplicante. - Sim.

Com um grunhido selvagem enroscando-se em sua garganta, Nikolai expôs as presas e desceu sobre ela.

O doce sabor do sangue de Renata surgiu em sua boca caindo como um pontapé no estômago. Ah! Agora sabia. Quantas vezes havia especulado com os outros guerreiros a respeito de estar emparelhado e encontrar uma fêmea que os impressionaria? Facilmente centenas de vezes. Milhares, talvez.

Que ingênuo ele tinha sido.

Agora ele sabia. Renata o tinha, mesmo antes de ele a morder. Ele estava de joelhos diante daquela mulher, e ficaria ali com prazer pelo resto de sua vida.

Niko bebeu mais, afogando-se no prazer do vínculo que havia criado através da união de sangue e do ritmo exagerado de seus corpos nus, unidos. Seus dentes ainda estavam cravados na pele dela enquanto ele tomava o último gole e gozava de novo, dessa vez mais forte, uma descarga assombrosa que o golpeou como um trem descarrilhado. Agarrou-se nela, estremecendo com intensa satisfação. Embora pudesse beber de sua veia durante toda a noite, Nikolai se obrigou a se afastar, selando as feridas com uma tenra lambida de sua língua.

Ele ficou observando-a, seu olhar iluminando a pele dela.

- Eu te amo – ofegou, necessitando que ela o escutasse e que acreditasse nisso. Queria que ela se lembrasse disso depois dessa noite, depois que conseguissem localizar Fabien no norte e que ele lhe explicasse por que havia precisado mentir. Beijou seu queixo, sua bochecha, sua testa. – Amo você, Renata.

Ela sorriu sonolenta.

- Mmmm... Eu realmente gosto de como isso soa.

- Então terei que assegurar que ouça muitas e muitas vezes.

- Certo - murmurou ela, seus dedos brincando com os cabelos dele, empapados de suor sobre a nuca. - Foi incrível, a propósito. Sempre vai ser bom assim?

Ele gemeu.

- Tenho a sensação de que pode melhorar.

Ela riu, e a vibração fez despertar de novo seu sexo.

- Se continuar assim, terei que voltar e tomar outra ducha.

Ele fez um movimento sexy e poderoso com sua pélvis, encaminhando sua ereção mais profundamente.

- Ah, posso continuar. Não se preocupe, isso nunca vai ser um problema quando você estiver por perto.

- Melhor tomar cuidado, ou posso obrigá-lo a isso.

Niko riu apesar de seu pesado humor.

- Coração, pode me obrigar a tudo que quiser.

Ele a beijou novamente. E grunhiu de prazer quando ela envolveu as pernas ao redor dele e o fez girar de costas para começar uma lenta e nova cavalgada.


Capítulo 27

Houve uma época para Andreas Reichen, há quase 300 anos, quando a morte caía sobre ele como um dilúvio. Um tempo quando uma desatinada onda brutal de massacre tinha visitado seu pacífico domínio.

Naquele tempo, no verão úmido de 1809, uma manada de vampiros Renegados tinha forçado sua entrada nesse mesmo Refúgio, violando e matando vários de seus familiares. O ataque tinha sido ao acaso, a mansão e seus residentes apenas tiveram o azar de estar no caminho de um grupo de Renegados viciados em sangue. Tinham forçado sua entrada além das portas desprotegidas e janelas, alimentando-se e matando muitos inocentes... E, apesar de tudo, houve sobreviventes. Os Renegados tinham espalhado horror e passado como a peste que eram, mas finalmente foram caçados e destruídos por um membro da Ordem que tinha vindo ajudar Reichen.

A matança fora insuportável, mas não tinha sido completa.

O que Reichen enfrentou em sua volta para casa naquela noite tinha sido um ataque calculado. Não uma entrada pela força bruta, mas por meio da traição. Um inimigo bem-vindo como um amigo. E o massacre ocorrido - provavelmente nas primeiras horas da manhã, justo antes da saída do sol - tinha sido uma aniquilação total.

Ninguém tinha se salvado.

Nem sequer a alma mais jovem na residência.

Com um terrível silêncio que impregnava o ar como uma enfermidade, Reichen caminhou através do sangue e da destruição como um dos mortos. Seus passos seguiram a pista de manchas pegajosas escarlates no mármore do vestíbulo e da sala, além de seu jovem sobrinho, que estava tão contente ao convidar Reichen para padrinho de seu filho recém-nascido. O novo pai ruivo estendido na porta tinha sido o primeiro a morrer, Reichen adivinhou, incapaz de olhar o rosto sem vida que olhava sem ver a escada cheia de balas que conduzia aos dormitórios dos Refúgios nos andares superiores.

Mais morte esperava no corredor fora da biblioteca, onde outros machos tinham sido cortados ao meio. Ainda mais vidas extintas perto da escada da adega, um dos primos de Reichen e sua Companheira de Raça, ambos mortos enquanto tentavam escapar dos disparos.

Não viu o corpo da criança até que quase tropeçou nele - um menino vampiro de cabelo revolto que evidentemente tinha tentado se esconder em uma das estantes da sala de jantar. Os assassinos o haviam tirado de lá e o matado como a um cão.

- Jesus Cristo – Reichen, sufocado, caiu de joelhos e levou a mão branda do menino a sua boca para afogar o grito gutural. - Pelo amor de Deus... Por quê? Por que eles e não eu?!

- Ele disse que você saberia por quê.

Reichen fechou os olhos diante do som rígido da voz de Helene. Ela falava muito devagar, as sílabas muito planas... carente de matizes.

Sem coração.

Ele não precisava se virar para saber que seus olhos estariam estranhamente mortos para ele agora. Mortos porque todo seu calor e toda a sua humanidade tinham sido recentemente retirados dela.

Já não era sua amante, nem sua amiga. Ela era uma Subordinada.

- Quem converteu você? - ele perguntou, deixando cair a mão do menino morto. A quem você pertence agora?

- Você deve saber, Andreas. Você me enviou a ele, afinal.

Filho da puta.

Reichen apertou a mandíbula quadrada e masculina, os molares quase quebrando pela pressão.

- Wilhelm Roth. Ele a enviou aqui para fazer isso. Ele a usou para me destruir.

O fato de Helene não dizer nenhuma palavra sequer apenas tornou a compreensão do golpe mais profunda. Tão dilacerador como seria olhar os olhos de sua ex-amante e ver que a mulher por quem se preocupava agora estava sem alma. Reichen tinha que ver por si mesmo.

Levantou-se e virou lentamente.

- Ah! Helene...

Sangue seco salpicado no rosto e na roupa dela - quase cada centímetro dela coberto de sangue de seus mais queridos amigos e familiares. Ela devia estar ali no centro de todo o massacre, uma insensível testemunha não afetada por tudo isso.

Ela não disse nada quando o olhou fixamente, com a cabeça inclinada um pouco para o lado. Seus olhos, uma vez brilhantes e ardilosos, agora estavam vazios e frios. Abaixo, ao seu lado, ela sustentava uma grande faca de cozinha na mão. A folha larga brilhava à luz do abajur de cristal da sala de jantar.

- Sinto muito - ele murmurou, seu coração retorcido. - Eu não sabia... quando enviou o e-mail e me deixou a mensagem com o nome de Roth, tentei avisá-la. Tentei alcançá-la, mas...

Ele deixou que as palavras se desvanecessem, sabendo que as explicações não importavam. Não mais. Não agora.

- Helene, só sei que sinto muito - engoliu a bílis que subiu no fundo de sua garganta. - Só sei que eu realmente me importava com você. Eu a amav...

Com um grito estridente, Helene se lançou sobre ele.

Reichen sentiu o fio da navalha cortando seu peito e braço, fazendo um profundo corte. Ignorando a dor, ignorando a inalação repentina do aroma de seu próprio sangue, ele agarrou o braço da escrava de Roth e o torceu. Ela gritou, opondo-se e lutando enquanto ele puxava seu braço esquerdo para baixo e bloqueava ambos os membros ajustados aos lados de seu corpo. Ela amaldiçoou e gritou, chamando-o com nomes vis, cuspindo de fúria.

- Shhh - Reichen sussurrou ao lado de seu ouvido. – Agora, cale-se, Helene.

Como um animal selvagem, Helene continuou se retorcendo e gritando para que ele a soltasse.

Não, corrigiu-se. Não, Helene. Aquela já não era a mulher que ele conhecera. Helene estava morta para ele no momento em que trouxe o esquadrão da morte de Wilhelm Roth para dentro daquele Refúgio. Na verdade, por muitas razões, ela nunca foi sua. Que Deus tivesse piedade dela, ela não merecia esse fim. Nenhum dos caídos ali merecia tal horror.

- Tudo está bem agora - ele murmurou, a mão direita acariciando as bochechas manchadas de sangue dela. - Está tudo bem agora, querida.

Um grito saiu disparado de sua garganta enquanto ela puxava bruscamente o rosto para fora de seu alcance.

- Maldito! Deixe-me ir!

- Sim - ele disse tirando-lhe a faca. - Terminou agora. Vou deixá-la ir.

Com a dor estrangulando-o, Reichen girou a faca em torno de seus dedos e levou a ponta ao seu peito.

- Me perdoe, Helene...

Sustentando-a apertada contra ele, afundou a lâmina profundamente no peito dela. Ela não fez nenhum som enquanto morria, apenas deixou escapar um suspiro longo e lento enquanto desinflava em seus braços e desabava ali, frouxa como uma boneca de pano. Tão brandamente quanto pôde, Reichen deitou seu corpo no chão. A faca caiu de sua mão ao lado dela, revestida com o carmesim brilhante dos sangues deles mesclados.

Reichen lançou um longo e incorruptível olhar para os restos do que tinha sido seu lar. Agora que tudo tinha terminado, queria memorizar cada mancha de sangue, cada vida que se interrompeu por causa de sua falta de atenção. Seu engano. Ele precisava recordar, porque em pouco tempo nada daquilo existiria.

Não podia permitir que nada daquilo permanecesse, não daquela forma. Tampouco ia deixar que as mortes não fossem vingadas.

Reichen deu meia volta e se afastou da matança. Suas botas ecoaram no chão de madeira da sala, seus passos eram o único som na horripilante tumba maciça. No momento em que chegou ao jardim em frente à propriedade, seu peito não estava mais apertado, mas frio.

Tão frio como uma pedra. Tão frio como a vingança que tinha a intenção de visitar Wilhelm Roth e todos os associados a ele.

Reichen se deteve brevemente na grama iluminada pela lua. Ele se virou para a mansão e, por um momento, simplesmente a viu em sua perfeita e estranha quietude. Então sussurrou uma oração, palavras antigas que se sentiam oxidadas em sua língua pela falta de uso.

Não é que a oração lhe fizesse algum bem agora. Estava abandonado, agora mais do que nunca. Realmente sozinho.

Reichen baixou sua cabeça até o peito, invocando seu terrível talento. Encheu-se em seu interior, um calor que rapidamente se intensificou, formando um fundido e revolto círculo em suas vísceras.

Ele deixou-o crescer. Deixou-o girar e ganhar força até que seu interior se sentiu abrasado por sua fúria.

E ainda o conteve.

Manteve-o em seu interior até que a bola de fogo golpeou contra sua caixa toráxica, fumaça e cinza flutuando até queimar o fundo de sua garganta. Até que a bola de fogo o consumiu, iluminando todo seu corpo com um resplendor muito quente. Cambaleou sobre seus calcanhares, lutando para manter o corpo até que soubesse que desataria a total destruição instantânea.

Enfim, com um rugido cheio de dor, Reichen soltou o poder de dentro dele.

Um disparo de calor saiu de seu corpo, derramando e girando enquanto avançava para frente, uma esfera de pura energia explosiva. Como um míssil lançado em um alvo por um laser, o círculo disparou dentro da porta aberta da mansão Refúgio. Um segundo depois, detonou, uma impressionante beleza infernal.

Reichen foi golpeado de volta com o estalo sônico da explosão.

Deitou-se na grama, observando com satisfação desinteressada como as chamas, as faíscas e a fumaça devoravam até mesmo os menores pedaços do que tinha sido sua vida.


Capítulo 28

- Estamos carregados e preparados para partir, Renata. Precisa de mais tempo antes de sairmos?

De pé no caminho de cascalho diante da casa principal, Renata girou quando Nikolai se aproximou por trás.

- Não, não preciso de mais tempo aqui. Estou pronta para deixar este lugar para sempre.

Ele abraçou-a, envolvendo-a em sua força masculina.

- Acabo de falar com Gideon. Tegan, Rio e os outros estão fazendo bons progressos. Eles devem estar em nosso ponto de encontro em uma hora.

- Certo. Bom.

Renata se inclinou em seu abraço, feliz pelo calor de seu refúgio... e de seu amor. Nikolai a tinha mantido perto dele no refúgio de videira até que o sol se pôs, acalmando seus temores com seu corpo, afastando-a da feia realidade que originalmente os tinha unido - e do que poderia acontecer naquela noite, quando eles finalmente teriam a oportunidade de enfrentar Edgar Fabien.

A verdade era que ela estava preocupada com o que eles poderiam encontrar. Uma preocupação que lhe penetrava até os ossos e, embora Nikolai não houvesse dito nada que sugerisse que ele também tivesse dúvidas, ela poderia dizer que sua mente estava carregada de pensamentos que ele parecia estar decidido a esconder dela.

- Pode me dizer, você sabe - ela saiu dos braços dele e o encarou. – Se tiver um mau pressentimento a respeito desta noite... pode me dizer.

Algo cruzou a expressão de Niko, mas ele não disse nada, apenas sacudiu a cabeça e beijou a testa de Renata.

- Não sei o que podemos esperar em se tratando de Fabien. Mas posso dizer que, aconteça o que acontecer, estarei com você, certo? Vamos sair disso.

- E uma vez que tenhamos Fabien, vamos buscar Mira - ela completou, procurando os olhos dele. - Certo?

- Sim - ele disse, com seu indestrutível olhar que sustentou de forma estável. - Sim, eu prometi. Dei minha palavra a respeito disso. Não vou desapontá-la.

Ele a puxou para si uma vez mais, capturando-a em um afeto que o mostrava pouco disposto a deixá-la ir. Renata o sustentou também, escutando o forte e rítmico palpitar de seu coração em sua orelha... e perguntando-se por que seu próprio pulso parecia estar dando um sinal de alerta em suas veias, como uma sentença de morte.

Em uma remota fazenda abandonada de cem hectares, algumas horas ao norte de Montreal, o bosque da noite estremeceu com o gemido de um motor de combustão interna e o excesso de velocidade de um barco que passava através do lago praticamente desabitado. A terra e o lago, bem como o transporte proporcionado a Dragos para chegar àquele lugar, pertenciam a Edgar Fabien.

Embora Fabien tivesse sido uma recente decepção, Dragos supôs que o líder do Refúgio merecesse algum crédito por aquela reunião importante. Enquanto o resto dos assistentes chegou durante a noite anterior de automóvel, naquela noite um barco rápido tinha sido enviado para levar Dragos depois que um hidroavião o havia trazido da cidade por outro caminho interno de água também na propriedade de Fabien. Depois do revés sofrido poucas semanas atrás, durante a reunião de Dragos com a Ordem, Fabien tinha ficado muito mais cauteloso sobre como viajava ao ar livre, entre outras coisas. Ele tinha chegado muito longe para correr riscos. Tinha arriscado muito para perder tudo por um descuido ou por incompetência de outros.

Lançou um olhar depreciativo para o outro passageiro sentado no bote com ele. O rosto do Caçador permanecia impassível no resplendor leitoso da lua sobre suas cabeças, seu enorme corpo perfeitamente imóvel mesmo quando o condutor girou o leme e o bico da proa do barco conectou-se diretamente com a água para desviar-se em direção ao cais solitário que se encontrava mais adiante.

O caçador provavelmente sabia que se dirigia para a própria morte. Tinha fracassado em sua missão de matar o Primeira Geração em Montreal, o que pedia um incrível castigo. Dariam um jeito nele naquela noite, e se Dragos pudesse usar este castigo como uma demonstração adicional de seu poder diante dos tenentes que estavam reunidos para dar as boas-vindas agora, melhor.

O motor do barco mudou para uma marcha inferior quando chegaram ao cais não iluminado e modesto onde Edgar Fabien esperava para saudá-lo. Os vapores do gás formaram redemoinhos fora da água, asquerosamente doces. A reverência profunda de Fabien e as boas-vindas aduladoras tinham um efeito similar.

- Meu senhor, é a honra de toda uma vida dar boas-vindas aos meus domínios.

- De fato - Dragos arrastou as palavras enquanto dava um passo fora do barco sobre as tábuas de madeira escura do cais. Ele fez um gesto para que o Caçador o seguisse, e não perdeu a reação de Fabien quando divisou o tamanho e a imensidão do Primeira Geração que prestava serviços à ordem de Dragos. – Todos estão reunidos lá dentro?

- Sim, senhor. - Fabien saiu de sua reverência e se precipitou a caminhar ao lado de Dragos. - Tenho boas notícias. O guerreiro que escapou da contenção foi eliminado. Tanto ele quanto a mulher que o ajudou. Um de meus ajudantes agarrou a dupla, e ontem à noite enviei uma equipe com meus melhores agentes para se livrar do problema.

- Tem certeza de que o guerreiro está morto?

O sorriso de suficiência de Fabien ressoou.

- Aposto minha própria vida nisso. Enviei profissionais capacitados para a tarefa. Confio na habilidade deles de forma implícita.

Dragos grunhiu, sem deixar-se impressionar.

- Que grande comodidade deve ter esse tipo de confiança em seus servos.

A confiança de Fabien vacilou com a espetada e ele limpou a garganta com estupidez.

- Meu senhor... em outro momento, se quiser.

Dragos dispensou o Caçador de sua presença com um gesto cortante.

- Aproxime-se da casa e me espere. Não fale com ninguém.

Quando o assassino Primeira Geração caminhou a passos longos para a frente, Dragos fez uma pausa para lançar um olhar impaciente para Fabien.

- Meu senhor, eu esperava, quer dizer, pensei que um presente pudesse cair bem - gaguejou ele. - Para celebrar esse importante evento.

- Um presente? - antes que pudesse perguntar a Fabien o que pensava que Dragos poderia necessitar dele, Fabien estalou os dedos e um agente de execução surgiu das sombras das árvores circundantes, empurrando uma menina diante dele. A menina parecia perdida na escuridão, seus cabelos loiros brilhando como cabelos de milho, seu pequeno rosto perdido debaixo dele.

- Que é isso?

- Uma jovem Companheira de Raça, meu Senhor. Meu presente para o senhor.

Dragos contemplou a menina desamparada, impressionado. As Companheiras de Raça eram um acontecimento bastante raro entre as populações humanas, isso era certo, mas ele preferia as férteis, em idade de procriar. Essa garota não estaria pronta por vários anos, o que sem dúvida mostrava que Fabien tinha algo mais a respeito dela.

- Pode ficar com ela - disse Dragos, retomando o percurso rumo à reunião. – Faça com que seu homem conduza o barco de volta. Chamarei pelo rádio quando necessitar.

- Vá - Fabien ordenou em resposta, então voltou novamente ao lado de Dragos, tão ansioso como um cão mendigando pelas sobras. - Meu senhor, sobre a menina... na verdade, o senhor deve ver por si. Ela é dotada de um talento extraordinário que estou seguro de que o senhor saberá apreciar. Ela é um oráculo, meu senhor. Fui testemunha disso.

Contra sua vontade, a curiosidade prendeu sua atenção. Seus passos desaceleraram, e então deteve-se.

- Traga-a.

Quando ele girou ao redor, o sorriso impaciente de Fabien ficou ainda mais amplo.

- Sim, senhor.

A menina foi conduzida a ele uma vez mais, resistindo em seus passos, seus obstinados calcanhares cravando-se nas velhas agulhas de pinheiro e na areia que enchiam o pequeno cais. Ela tentou lutar contra o guarda vampiro que a segurava, mas era um esforço inútil. Ele simplesmente a empurrou para frente até que ela ficou de pé diretamente na frente de Dragos. Ela manteve seu queixo para baixo, com o olhar posto no chão.

- Levante a cabeça - Fabien ordenou, mal esperando que obedecesse, antes de pegar sua cabeça com ambas as mãos e a obrigar a olhar para cima. - Agora, abra os olhos. Vamos!

Dragos não sabia muito bem o que esperar. Ele não estava absolutamente preparado para a palidez surpreendente de seu olhar. A íris da menina era tão clara como espelhos de cristal e tão impecável que imediatamente o fascinaram e hipnotizaram. Estava vagamente consciente da emoção de Fabien, mas toda a sua atenção estava presa na menina e no incrível brilho tênue de seus olhos.

E então ele viu... um movimento brilhante na meditação pacífica. Viu uma forma movendo-se através das espessas sombras - um corpo que acreditou reconhecer como o seu próprio. A imagem ficava mais clara quanto mais olhava fixamente, absorto e impaciente por ver mais do presente que Fabien havia descrito.

Era ele.

Era seu refúgio também. Mesmo envoltas na névoa escura, as imagens que se mostravam eram intimamente familiares. Viu o laboratório subterrâneo, as celas de contenção... a jaula de luz ultravioleta que continha sua maior arma na guerra que estava preparando durante todos aqueles séculos. Tudo estava ali, revelando-se para ele através dos olhos daquela pequena Companheira de Raça.

Mas, então, um momento de alarme surpreendente.

Seu laboratório antigo, tão rigidamente assegurado e ordenado, estava em ruínas. As celas de contenção tinham sido deixadas abertas. E a jaula de luz ultravioleta... estava vazia.

- Impossível - murmurou ele, golpeado por um temor sombrio, furioso.

Ele piscou com força, várias vezes, querendo limpar a visão de sua cabeça. Quando abriu os olhos outra vez, viu algo novo nos olhos malditos da menina... algo ainda mais incompreensível.

Viu-se implorando por sua vida. Chorando, abatido. Patético. Derrotado.

- Isso é algum tipo de brincadeira de mau gosto? - a voz dele tremia tanto com a raiva como com outra coisa muito fraca para admitir. Desviou o olhar da garota e o fixou em Fabien.

- Que diabos isso significa?

- Seu futuro, senhor – o rosto de Fabien ficou completamente pálido. A boca se moveu durante um momento sem expressar som algum, então, finalmente balbuciou. - A menina... o senhor viu, ela é um oráculo. Ela me mostrou em pé aqui, nesta grande reunião, apresentando uma visão de seu futuro que o agradava enormemente. Quando vi isso, soube que tinha de guardá-la, meu senhor. Tinha de oferecê-la ao senhor, não importava o custo.

O sangue de Dragos era como lava ardendo em suas veias. Ele deveria matar esse idiota ali mesmo, só por aquele insulto.

- É óbvio que você interpretou mal o que viu.

- Não! - Fabien exclamou, agarrando a menina e girando ao redor dela. Deu a ela uma sacudida forte. – Mostre-me outra vez! Mostre que não me enganei, maldita!

Dragos observou tão imóvel como uma pedra, enquanto Fabien olhava atentamente seus olhos. O grito horrorizado do líder do Refúgio disse tudo o que ele tinha que saber. Ele cambaleou para trás, tão branco quanto uma folha de papel. Golpeado como se tivesse testemunhado sua própria morte.

- Não entendo - murmurou Fabien. - Tudo mudou. O senhor tem de acreditar, Mestre! Não sei como ela mudou a visão, mas a pequena bruxa está mentindo agora. Ela tem que estar mentindo!

-Tire-a de minha frente - Dragos grunhiu ao guarda da Agência de Execução que a sustentava. – Vou levá-la comigo quando for, mas até então, não quero ver nem um fio de cabelo dela.

O guarda assentiu com a cabeça e afastou a menina, praticamente arrastando-a até a casa.

- Senhor, eu lhe rogo - suplicou Fabien. – Perdoe-me por este... lamentável engano.

- Cuidarei de você mais tarde - disse Dragos, sem se preocupar em esconder a ameaça reflexiva no fundo de cada uma de suas palavras.

Retomou a marcha para a reunião, mais decidido do que nunca a fazer todos compreenderem de uma vez por todas sua autoridade e seu poder incomparáveis.


Capítulo 29

Estava completamente escuro quando Niko e Renata, após seguirem as coordenadas enviadas por Gideon, chegaram ao local onde ficava a propriedade de Edgar Fabien, ao norte. O líder do Refúgio evidentemente possuía um pedaço considerável de terra suficientemente longe de Montreal para que a zona ao redor permanecesse inexplorada: acre após acre de enormes coníferas e sempre-vivas, nenhuma alma sequer à vista, a não ser um ou outro veado ou alce americano que saía em disparada ao primeiro aroma de vampiro arrastando-se naquele santuário natural.

Nikolai tinha feito sozinho o reconhecimento da área nos últimos minutos. Uma casa de dois andares feita de troncos e pedra estava enfiada em um canto do bosque. Um estreito caminho sem pavimentação e apenas largo o suficiente para um veículo cortava as árvores na parte da frente da casa. Niko contornou essa vida escondido pela vegetação e viu dois Agentes da Lei vestidos com roupas da SWAT, postados no meio do caminho, e os três grandes Humvees estacionados em fila única bem diante da porta principal da casa. Três outros guardas vampiros com rifles M16 cobriam a entrada. Leste e oeste estavam também sob vigilância com um sentinela armado.

Embora não imaginasse que eles tivessem deixado a parte traseira da propriedade vulnerável, Niko se moveu ao redor daquele caminho para ter uma ideia da extensão do terreno. Ouviu o suave som de água mesmo antes de ver o tranquilo lago e o cais vazio na borda, a cerca de trezentos metros atrás da casa. Lá, outra dupla de Agentes permanecia de guarda.

Maldição.

Entrar no lugar para pegar Fabien não seria fácil. A menos que ele e a Ordem atacassem por cima, se quisessem tirar o sócio de Dragos dali teriam de passar por alguns guardas da Agência no processo, sem considerar o grupo desconhecido de vampiros da Raça que tinha acompanhado o líder do Refúgio de Montreal até ali na noite passada. Capturar Fabien naquela noite sem muitas baixas civis beirava o impossível, principalmente quando o resgate de Mira era acrescentado à equação. Portanto, o reconhecimento feito por Niko dava conta de que a coisa seria feia. Muito feia.

E havia ainda a situação com Renata.

Uma das coisas mais difíceis que Nikolai já fizera fora passar o dia inteiro com ela, sabendo que a tinha enganado. Ele queria dizer-lhe, depois que fizeram amor, depois que ela o honrou com o presente de seu sangue e com o vínculo completo que agora os unia eternamente. Quis dizer-lhe uma dúzia de vezes, em uma dúzia de momentos diferentes, mas, egoísta, mantivera a verdade oculta para a própria proteção dela. Ele ainda mantinha a esperança de que ela compreendesse sua cautela - que ela poderia inclusive ficar agradecida que ele a tivesse feito esperar para saber a localização de Mira até que ele e os outros guerreiros da Ordem tivessem uma oportunidade sólida de criar uma estratégia de resgate.

Sim, o macho da Raça seguia se dizendo essas coisas porque não queria sequer considerar outras alternativas.

Afastando o arrependimento que perseguia seus passos e o medo que seguia arrastando-se por trás de seu pescoço, Nikolai se moveu para uma melhor posição de acesso aos bosques. Olhou através dos ramos de pinheiro e observou vários dos ocupantes da casa enquanto eles passavam por uma janela no andar térreo. Fez uma rápida contagem dos vampiros da Raça encapuzados enquanto eles andavam a passos largos e em grupo para outra sala. Cinco, seis, sete... e então outro, este sem o capuz negro cobrindo-lhe o rosto.

Ah! Jesus Cristo!

Nikolai o conhecia. Ele tinha visto o filho da mãe de perto e pessoalmente apenas algumas semanas antes, quando uma missão da Ordem tinha-lhe enviado a um encontro com um dos oficiais do mais alto escalão na Agência da Lei. Naquele momento, o homem usava um pseudônimo - um dos dois nomes falsos que a Ordem tinha descoberto não fazia muito tempo. Agora eles conheciam o bastardo por seu verdadeiro nome, o nome que o Primeira Geração traidor que fora seu pai carregava antes também.

Dragos.

Maldição.

Durante semanas a Ordem havia investigado exaustivamente à procura de Dragos, tudo sem êxito. Agora, ele estava ali, na frente deles, como um peixe em um barril. O bastardo estava ali. E, maldito seja, ele ia cair - naquela noite.

Niko recuou para a mata cerrada, então arrastou o traseiro na direção sul, onde tinha deixado Renata no SUV da Agência que roubaram. Mal podia esperar para ligar para Tegan e Rio e lhes dar essas boas notícias.

A confusão e a angústia de Edgar Fabien por causa do fracasso de seu presente para Dragos assombrava-o como um fantasma enquanto ele e os outros seguiam o recém-chegado líder à sala de conferências no abrigo ao norte. Ele sabia que era perigoso, geralmente mortal, desagradar Dragos, algo que tinha evitado muito bem até agora. Mas ele também sabia – assim como o resto dos vampiros da Raça reunidos ali para aquele encontro – que Dragos os tinha juntado por um objetivo específico. Aquela seria uma noite histórica. Eles seriam recompensados, Dragos prometera, pelos anos de parceria oculta e lealdade a um objetivo comum.

Depois de tanto tempo e esforço adulando Dragos durante as últimas décadas, Fabien só rezava que não tivesse jogado tudo fora naquele instante infeliz perto do cais.

- Sentem-se - Dragos ordenou, tomando seu lugar na frente da sala de reuniões. Assistiu enquanto Fabien e os outros seis, todos ocultos atrás de seus capuzes negros, ocupavam as cadeiras reunidas ao redor do bloco de granito polido que servia como mesa de conferências. - Nós nos reunimos aqui nesta sala porque compartilhamos um interesse comum: o atual e o futuro estado de nossa Raça.

Fabien assentiu sob seu capuz, assim como o fizeram os outros ao redor da mesa.

- Compartilhamos um ressentimento comum pela corrupção de nossas descendências pela mancha de humanidade e pela maneira ambiciosa com a qual os que estão no poder dentro da Raça escolheram nos governar com respeito à inferioridade humana. Desde que as primeiras sementes da Raça foram semeadas neste planeta, os vampiros degeneraram-se em uma vergonha grande e triste. A cada nova geração nascida, nossa descendência cresce mais e mais mesclada com a humanidade. Nossos líderes preferem que nos ocultemos dos Homo sapiens, todos com medo de serem descobertos, e mascaram essa covardia com leis e políticas supostamente feitas para proteger o segredo de nossa existência. Ficamos debilitados pelo medo e pelo segredo. Já é hora de isso mudar e precisamos de um novo e poderoso líder.

Agora os assentimentos chegaram mais vigorosos, os acordos murmurados mais fervorosamente.

Dragos começou a dar passos sem pressa na frente da sala, suas mãos juntas e frouxas atrás das costas.

- Nem todos partilham de nosso desejo de reverter radicalmente as falhas passadas e restaurar a Raça a uma posição de poder. Nem todos veem o futuro que nós vemos. Alguns diriam que o preço é muito alto, que os riscos são muito grandes. Mil desculpas para explicar por que a Raça deveria manter seu status quo e não dar os passos firmes requeridos para aproveitar o futuro a que temos direito.

- Ouça, ouça - Fabien interferiu, ansioso por aquele futuro que o lambia como uma chama.

- Estou encantado com o fato de que todos vocês nesta sala entendam que passos firmes devem ser tomados - disse Dragos. - Cada um de vocês, individualmente, tem tido um papel no avanço de nossa visão ao seguinte nível. E vocês o fizeram sem questionar, sem conhecer uns aos outros... até agora. Nosso próprio momento de segredo terminou. Por favor - disse ele -, tirem seus capuzes e nos deixem começar a mais nova fase de nossa aliança.

Fabien estendeu a mão para o pano negro que lhe cobria a cabeça, a insegurança fazendo seus dedos duvidarem. Deteve-se até que alguns dos outros assistentes tiraram seus capuzes antes de encontrar coragem para tirar o seu.

Por um momento, nenhum dos vampiros da Raça disse uma palavra. Olhadas passaram ao redor da mesa, alguns presunçosos com reconhecimento de olhares conhecidos, outros cautelosos pelos estranhos que agora, com essa confissão de mal-intencionada traição, tinham se tornado seus mais profundos aliados. Fabien conhecia vários dos rostos que lhe devolveram o olhar - todos eles de Refúgios de alto escalão ou oficiais da Agência da Lei, alguns dos Estados Unidos e outros do exterior.

- Somos um conselho de oito - anunciou Dragos. - Como os Antigos que chegaram aqui há tanto tempo. Somos, todos nós, a segunda geração de filhos desses poderosos extraterrestres. Logo, uma vez que o último vampiro Primeira Geração for eliminado, estaremos entre os mais velhos e mais poderosos de nossa Raça. Cada um de vocês ajudou nesse esforço, seja oferecendo as localizações dos membros que restavam de nossa primeira geração, seja apoiando a causa oferecendo Companheiras de Raça para levar as sementes de nossa revolução.

- E quanto à Ordem? - perguntou um dos assistentes europeus, seu sotaque alemão afiado como uma lâmina de barbear. - Há dois guerreiros Primeira Geração com quem ainda temos de lutar.

- E o faremos - disse Dragos, sem problemas. – Vou planejar o ataque direto na Ordem muito em breve. Depois do recente golpe contra mim, será um prazer pessoal enterrar a operação da Ordem e ver os guerreiros e suas Companheiras encontrarem a morte.

Um diretor da Agência da Costa Oeste dos Estados Unidos inclinou-se para trás em sua cadeira e arqueou as sobrancelhas castanhas.

- Lucan e seus guerreiros já sobreviveram a outros ataques antes. A Ordem existe desde a Idade Média. Eles não cairão sem luta. Uma luta dura e sangrenta.

Dragos riu.

- Ah! E eles sangrarão. E se tudo sair como espero, vão pedir misericórdia e não receberão nenhuma. Não do poderoso exército que terei às minhas ordens.

- Quando começaremos a criar esse exército? - alguém no grupo perguntou.

O sorriso de Dragos se encheu de malícia.

- Começamos faz 50 anos. Na verdade, essa revolução começou há muito mais tempo do que isso. Muito mais.

Todos os olhos estavam cravados nele enquanto ia a passos largos até um laptop que Fabien tinha mandado deixar preparado na sala. Enquanto digitava algo, o grande monitor plano da sala de conferências se elevou do chão. Dragos digitou mais outras coisas e logo o monitor piscou, mostrando o que parecia ser um laboratório.

- Uma conexão por satélite com uma de minhas fortalezas - explicou, usando o touchpad para controlar remotamente a câmera. - É aqui onde estive juntando as peças do quebra-cabeças - a câmera vagou para um muro de cilindros criogênicos codificados, depois passou por um grupo de microscópios, computadores e tubos de DNA alinhados nas mesas. No meio de todo aquele equipamento, vários Subordinados cientistas vestidos com máscaras e jalecos brancos.

- Parece um laboratório de genética - disse o alemão.

- E é - respondeu Dragos.

- Que tipo de experimentos está fazendo?

- De todo tipo - Dragos voltou para o teclado e teclou outra sequência de comandos. A câmera do laboratório apagou e foi substituída por outra: essa era um ângulo panorâmico de um longo corredor com celas de prisão. Embora da posição da câmera fosse difícil distinguir algo além das mais rudimentares formas, era óbvio que as celas continham mulheres, algumas delas com crianças.

- Companheiras de Raça - tomou fôlego Fabien. - Deve haver vinte ou mais ali.

- Elas nem sempre sobrevivem aos testes, de modo que o número tende a variar - disse Dragos, em tom de conversa. - Mas tivemos nossos êxitos com o processo de reprodução. Essas mulheres e as que viveram antes delas estão dando a luz ao maior exército que este mundo jamais viu. Uma brigada de assassinos Primeira Geração que estarão sob minhas ordens.

Um silêncio tão grande como uma capa de inverno caiu sobre a reunião.

- Primeira Geração? - perguntou o diretor da Costa Oeste. - Isso não pode ser possível. Seria preciso um dos Antigos para produzir uma primeira geração de vampiros da Raça. Todos foram exterminados pela Ordem faz uns 700 anos. O próprio Lucan declarou Guerra a todos os Antigos e se certificou de que nenhum sobrevivesse.

- Certificou-se? - sorriu Dragos, mostrando as pontas de suas presas. - Acredito que... não.

Com uns poucos golpes mais de teclado, mostrou as imagens de outra câmera na conexão do satélite. Dessa vez, o foco se localizava em uma grande sala cheia de segurança, que tinha em seu centro uma cela cilíndrica construída com raios de luz. Os raios ultravioleta emitidos da jaula de barras verticais estavam piscando, inclusive na tela.

E dentro dessa jaula de raios ultravioleta havia uma criatura nua e sem cabelo que, de pé, mediria dois metros. Seu corpo nu era imenso, cada polegada coberta de dermoglifos. Ele elevou a vista enquanto as lentes da câmara zumbiam sobre ele de algum lugar da câmara. Pupilas e olhos âmbar, mas devoradas pelo fogo que ardia fora de suas órbitas, reduzido com letal consciência. A criatura saiu de sua posição de cócoras e se preparou para atacar, só para receber de novo o calor das barras ultravioleta que o deixavam prisioneiro. Abriu a boca e soltou um rugido furioso que não precisou ser ouvido para ser entendido.

- Meu Deus - mais de um dos assistentes ofegou.

Dragos lançou um olhar mortalmente sóbrio sobre o grupo.

- Admirem... nossa revolução.

O celular de Lex vibrou no centro do console do SUV. Renata o pegou e olhou a tela: Número desconhecido.

Inferno.

Ela não podia estar segura se a chamada era para Lex ou para Nikolai, já que o guerreiro da Raça estava usando o telefone para chamar e receber chamadas da Ordem. Ela não sabia há quanto tempo ele tinha saído para fazer o reconhecimento e estava a ponto de perder a cabeça esperando por ele. Ela precisava fazer algo. Ao menos, precisava sentir que estavam fazendo algum progresso para encontrar Mira logo...

O celular continuou vibrando em sua mão. Ela pressionou o botão de atender, mas não disse nada. Apenas deixou que a pessoa se revelasse primeiro.

- Olá? Niko? Você está aí, hermano? - a profunda voz denotava um acento espanhol, tão quente e suave como caramelo. - É Rio, cara...

- Ele não está aqui - disse Renata. - Estamos no lado norte da cidade, esperando que vocês cheguem. Nikolai saiu para fazer um reconhecimento da área. Não deve demorar muito.

- Bem - disse o guerreiro. - Já estamos quase chegando, demoraremos aproximadamente 45 minutos. Você deve ser Renata.

- Sim.

- Quero agradecê-la por você ter salvado o traseiro de nosso garoto aí. O que fez foi... bem, ele tem sorte de tê-la ao seu lado. Todos temos - ela podia ouvir a genuína preocupação e gratidão na voz do vampiro, e ficou demasiado curiosa por conhecer os outros guerreiros que Nikolai chamava de amigos. - Está tudo bem aí? Você está bem?

- Estou bem. Só ansiosa para que tudo isto acabe essa noite.

- Entendo - respondeu Rio. - Niko nos contou sobre a menina, Mira. Lamento pelo que você está passando, sabendo que um doente como Fabien está com ela. Sei que não deve ter sido fácil esperar o dia todo para se encontrar conosco.

- Não, não foi. Sinto-me tão inútil - confessou ela. - Odeio esse sentimento.

- Lamento tudo isso. Não vamos deixar que nada aconteça com ela esta noite quando entrarmos lá, Renata. Tenho certeza de que Nikolai explicou para você que pôr nossas mãos em Edgar Fabien é fundamental para a Ordem, mas vamos dar o nosso melhor para que a menina saia de toda esta situação bem.

Um súbito frio impregnou seu peito enquanto as palavras de Rio se afundavam em sua mente.

- O que disse?

- Que ela vai ficar bem.

- Não... isso de que você não deixarão que nada aconteça... lá dentro...

Do outro lado da linha, um longo silêncio.

- Ah! Cristo! Niko não lhe disse nada sobre o vídeo que temos do Refúgio de Fabien de ontem à noite?

O calafrio em Renata congelou, o gelo estendendo-se do peito aos seus membros.

- Um vídeo... de ontem à noite? - respondeu ela paralisada. - O que havia nele? Você viu Mira? Ah! Deus! Fabien fez algo? Diga-me!

- Madre de Dios - disse com uma larga exalação. - Se Niko não lhe disse isso... não tenho certeza de que devo lhe contar agora.

- Fale, maldição.

Ela ouviu um estrondo de conversa rápida ao fundo antes que Rio finalmente cedesse.

- A menina está com Fabien e com outros que ainda não identificamos. Pegamos a informação de uma câmera de segurança no Refúgio de Fabien. Eles partiram ontem à noite e nós os seguimos até a propriedade onde está agora.

- Ontem à noite - murmurou Renata. - Fabien está com Mira aqui... desde ontem à noite. E Nikolai? Vai me dizer que ele sabia? Quando ele ficou sabendo disso tudo? Quando?

- Tenho que pedir que aguente aí um momento mais - disse Rio. - Vai ficar tudo bem...

Renata sabia que o guerreiro ainda estava falando, ainda estava tentando acalmá-la, mas sua voz se apagou lentamente de sua consciência conforme uma profunda cólera e um profundo medo - uma dor tão desmedida que ela acreditava que poderia despedaçá-la – tomou conta de si. Ela desligou o telefone, cortando a chamada e deixando o aparelho cair no chão, aos seus pés.

Mira estava ali desde a noite passada, com Fabien. Todo este tempo. E Nikolai sabia.

Ele sabia, e escondeu isso dela. Ela poderia estar aqui há horas – nas horas de sol - fazendo algo, algo para salvar Mira. Em vez disso, Nikolai tinha ocultado deliberadamente a verdade e, como resultado, ela não tinha feito nada.

Não totalmente nada, ela admitiu, golpeada pela culpa por causa do prazer que tinha desfrutado com Niko enquanto Mira estava sozinha perto dali.

- Ah! Deus! - ela sussurrou, sentindo-se enjoada diante daquele pensamento.

Estava vagamente consciente dos passos aproximando-se do veículo, seus sentidos elevando-se antes que sua mente pudesse processar o som. O vínculo de sangue que agora compartilhava com Nikolai lhe disse que era ele antes que sua sombra aparecesse. Ele abriu a porta do carro esportivo e entrou.

- É Dragos - disse ele, procurando no console, no painel e no assento pelo celular. - Maldito seja, não posso acreditar nisso, mas era ele. Acabei de ver o filho da mãe dentro da casa com Fabien e com os outros. Dragos está aqui, ao nosso alcance. Onde diabos está aquele telefone?

Renata o olhou fixamente, vendo um estranho enquanto ele se inclinava para a frente e estendia a mão para apanhar o celular que estava aos pés dela, no chão do veículo. Ela mal ouvia o que estava dizendo. Mal se preocupava agora.

- Você mentiu para mim.

Ele se voltou para trás, com o telefone de Lex na mão. O rangido de adrenalina que tinha iluminado seus olhos se reduziu um pouco quando encontrou seu olhar.

- O quê?

- Eu confiei em você. Você me disse que eu podia confiar em você, que podia contar com você, e o fiz. Acreditei em você e você me traiu - ela tragou a saliva passando o terrível nó de sua garganta e forçando a si mesma a pronunciar as palavras. - Mira está aqui. Está aqui com Fabien desde ontem à noite. Você sabia disso... e não me disse nada.

Ele estava calado, mas sequer tentou negar o que ela dizia. Ele olhou o telefone em sua mão como se acabasse de se dar conta de como ela tinha descoberto.

- Eu podia estar aqui, Nikolai. Há horas, podia estar aqui, fazendo algo para tirar Mira das mãos desse monstro!

- Motivo pelo qual eu não lhe disse nada - disse amavelmente.

Ela sentia o coração quebrado.

- Você me traiu.

- Fiz isso para protegê-la. Porque te amo.

- Não - disse ela, agitando a cabeça para evitar ser feita de idiota de novo. - Não. Não diga isso. Como pode dizer isso quando usou todas essas palavras para me manter distraída, para me fazer acreditar que realmente se preocupava comigo enquanto você e seus amigos da Ordem faziam planos pelas minhas costas?

- Não foi assim. Nada do que aconteceu entre nós hoje... nada do que eu disse tem a ver com a Ordem. Hoje era você e eu... era sobre nós.

- Grande merda!

Ele estendeu a mão para ela e ela recuou, mantendo-se fora do alcance dele. Ela abriu a porta e saiu do carro, mas ele estava fora do veículo, a seu lado, bloqueando-a com o enorme corpo, tão rápido que ela sequer pôde dar um passo.

- Afaste-se de mim, Nikolai.

- Aonde você vai? - perguntou ele gentilmente.

- Não posso me sentar aqui por mais tempo e não fazer nada - ela deu um passo, mas ele continuava ali. A sutileza desapareceu rápido, substituída por uma firmeza que dizia que ele a manteria amarrada se fosse necessário.

- Não posso deixar que você faça isso, Renata.

- Essa não é uma escolha sua - ela respondeu, tremendo com medo e indignação. - Que droga, nunca foi uma escolha sua!

Ele grunhiu uma maldição e a agarrou.

Renata mal percebeu o que tinha feito até que ele ficou paralisado, segurando a cabeça entre suas mãos. Ele sibilou, seus olhos pulsando brilhos âmbar enquanto lhe dirigia um olhar horrorizado e furioso.

- Renata. Não faça isso.

Ela o atacou de novo, todo seu medo por Mira e sua dor por causa da traição verteram dela uma corrente castigadora de dor mental. Nikolai caiu de joelhos, rugindo e retorcendo-se pela dor que ela tinha desencadeado nele.

Renata se afastou do guerreiro, no bosque, antes que se permitisse ser dissuadida pelo arrependimento crescente dentro de si.


Capítulo 30

A casa estava sob forte armamento, guardada por todos os lados. Era impossível entrar sem ser notado por pelo menos um dos agentes de execução vestidos com roupas parecidas com as da equipe antiterrorista da SWAT. Todos eles ostentavam uma expressão do tipo “atire primeiro e pergunte depois”, desde a escura viseira do capacete preto e dos equipamentos de combate até os rifles automáticos pendurados no corpo.

Graças aos agentes que tinham invadido a casa de Jack na noite anterior, Renata e Nikolai tinham conseguido transporte, uniforme e armas. Ela não tinha a ilusão de que teria a sorte de chegar ao edifício, mas, à primeira vista, vestida como eles, os agentes de plantão podiam pensar que ela era um dos seus.

Ela colocou o capacete que tinha trazido consigo do SUV e fechou o visor colorido. Adotando a melhor postura de soldado que podia, saiu da mata e se aproximou do vampiro que guardava o lado oeste da casa.

O agente a viu imediatamente.

- Henri? Que porcaria você estava fazendo lá fora?

Renata deu de ombros, ergueu o braço bom em um gesto de “vá se ferrar”. Ela não correria o risco de falar com ele, arriscaria no máximo usar sua arma para tirar esse obstáculo do caminho. Mas se o derrubasse, teria toda a segurança em seu traseiro. Não, ela tinha de manter a calma e apenas seguir caminhando na direção dele com a esperança de que ele não abrisse fogo se suspeitasse de algo.

- Qual o problema com você, idiota?

Renata deu de ombros novamente. Chegando mais perto.

Seus dedos coçavam para fazê-lo voar - ele era um alvo fácil ali parado como um tronco, mas o mais leve cheiro de sangue derramado chamaria a atenção de todos os vampiros ao redor. Renata sabia que tinha de aproximar-se o suficiente para alcançá-lo com a mente. Sua única opção era atingi-lo com uma explosão rápida e sólida.

- Ingrato dos infernos. Henri, volte ao seu posto - disse o agente, grunhindo. Estendeu a mão para um pequeno dispositivo de comunicação em seu cinto. - Estou chamando Fabien para denunciá-lo. Se quiser irritá-lo, vá em frente, mas eu não quero fazer parte disso...

Usando todo seu poder, Renata lançou uma descarga selvagem de energia a partir de sua mente e a enviou ao vampiro diante de si. Suas palavras sufocaram com um grunhido e ele caiu como uma pedra. Ela manteve a descarga até que ele ficou em silêncio. Quando estava certa de que ele estava morto, inclinou-se e tirou-lhe a arma e o rádio.

Renata abriu a porta de entrada lateral e deu uma rápida olhada na área interna. Estava vazia. Ela deslizou para dentro, o coração martelando no peito, a respiração ofegante contra a viseira fechada do capacete.

Depois de toda a fúria que ela sentira por Nikolai não ter contado que Mira estava ali com Fabien, agora ela tinha gratidão para com a Ordem pela prova visual da localização da criança. Era tarde demais para saber como tinham ficado as coisas com Nikolai. Tarde demais para se preocupar se deveria ter esperado por ele e por seus companheiros de armas para apoiá-la. Parte dela sabia que tinha sido injusta, mas tinha ido muito longe para voltar.

Ela tomou uma decisão impulsiva e emocional baseada em sentimentos feridos. Foi uma decisão que poderia custar a amizade que tinha com Nikolai - talvez até mesmo seu amor -, mas mesmo já lamentando, aquilo não podia ser desfeito. Nikolai poderia nunca perdoá-la por colocar em risco sua missão e ela entenderia se ele não a perdoasse.

Agora, ela podia apenas rezar para que Mira não pagasse o preço daquilo tudo.

Niko despertou com o zumbido irritante de um celular ao lado de sua cabeça. Ele estava no chão ao lado do veículo. Não fazia ideia de quanto tempo estava ali. O celular vibrou novamente, mexendo na grama e nas folhas secas que se espalhavam pelo chão da floresta. Usou quase toda a sua força para mover a mão e pegar o maldito aparelho. Desajeitadamente, atendeu. Tentou dizer algo, mas apenas conseguiu soltar um grunhido seco.

- Alô - disse ele mais uma vez, forçando seus membros a se arrastarem e se apoiarem na roda dianteira do SUV.

- Niko? - a voz de Rio veio do outro lado do receptor, pesada com a preocupação. - Você parece uma porcaria, hermano. Fale comigo. O que está acontecendo?

- Renata - disse ele, segurando a cabeça nas mãos. – Está enlouquecida...

Rio amaldiçoou.

- Sim, deduzi isso. A culpa é minha, cara. Não sabia que ela não estava a par sobre a menina ter sido levada na noite passada.

- Ela sumiu - Niko disse. Notou que todos os seus sentidos começaram a voltar como se um interruptor em um gerador de energia fosse ligado dentro dele. - Ah! Caramba, Rio.... eu a enfureci e agora ela foi em busca de Mira por conta própria.

- Madre de Dios.

Na outra ponta da linha, Niko ouviu Rio dar a Tegan e aos outros um rápido esboço da situação.

- Isso não é o pior, cara - acrescentou Nikolai, ignorando a dor do tiro em sua cabeça enquanto se levantava do chão e dava uma corrida impressionante para a parte traseira do SUV. - A reunião de Fabien é maior do que pensávamos... Dragos está aqui também.

- Você tem certeza disso?

- Eu vi o desgraçado com meus próprios olhos. Ele está aqui. Nikolai foi pegar as armas automáticas na parte traseira tão rápido quanto seus braços lentos poderiam se mover. Ele cobriu o corpo com fuzis, enfiou uma pistola na parte traseira de seu uniforme roubado do Agente de Execução e outra em um coldre no tornozelo. - A casa está cercada por guardas, então quando vocês chegarem aqui, entrem a pé e se dividam.

- Niko, o que você está fazendo?

Ele não respondeu; sabia que seu velho amigo não gostaria da resposta. Em vez disso, carregava com munição tudo o que pudesse.

- Há dois homens no meio do estacionamento e três na frente. Retire-os primeiro e terão o caminho limpo.

- Nikolai - a voz de Rio era baixa, em forma de advertência. - Hermano, você não está pensando direito agora... não.

- Ela está lá dentro, Rio. Com Dragos, Fabien e sabe Deus quem mais... e ela está sozinha. Eu vou atrás dela.

Rio soltou uma palavra desagradável em espanhol.

- Fique atento. Estamos a dez minutos de distância e estamos acelerando, cara.

Niko fechou a parte de trás do SUV.

- Vou dar uma olhada no entorno.

- Caramba, Nikolai, se essa mulher quer se matar, isso não é problema seu. Nós vamos ajudá-la no que pudermos, mas...

- Ela é minha companheira, Rio - Nikolai soprou uma maldição. - Estamos ligados pelo sangue... e eu a amo. Eu a amo mais do que minha própria vida.

O suspiro do guerreiro soou pesado com compreensão e derrota.

- Suponho que não há necessidade de lhe dizer que você desafiará as ordens diretas de Lucan se for lá agora. Se Dragos está no lugar, isso torna as coisas ainda mais críticas e você sabe disso. Precisamos que você fique onde está e espere por ajuda.

- Não posso fazer isso - respondeu Nikolai.

Ele desligou o telefone e o atirou pela janela do motorista. Então, partiu para encontrar sua mulher.


Capítulo 31

Dragos se permitiu deleitar-se com o temor de seus subalternos quando eles observavam o Antigo preso na cela de raios ultravioleta sendo mostrada na tela. Do assombro de seus rostos – a absorta incredibilidade –, qualquer um pensaria que ele tinha conseguido capturar a luz em uma garrafa. Na verdade, o que tinha conseguido nas últimas décadas era algo ainda maior. Os sete machos da Raça que se reuniram com ele no quarto já o olhavam como um deus justamente por isso. Ele era o arquiteto de uma revolução que iria virar o planeta inteiro de cabeça para baixo. Naquela noite, eles testemunhariam a história e o começo de um futuro que ele tinha projetado pessoalmente.

- Como isso é possível? - alguém murmurou. - Se realmente é um dos Antigos que foi pai de nossa Raça, como sobreviveu à guerra com a Ordem?

Dragos sorriu enquanto andava mais perto da tela.

- Meu pai era um membro original da Ordem... mas foi, em primeiro lugar, o filho dessa criatura. Durante o banho de sangue perpetrado pela Ordem, quando Lucan declarou guerra aos Antigos, meu pai e seu pai alienígena fizeram um pacto. Em troca do poder compartilhado no futuro, meu pai iria escondê-lo até a histeria passar. Infelizmente, depois de fazer sua promessa, meu pai não sobreviveu à guerra. Mas o Antigo sim, como podem ver.

- Então, pretende cumprir o acordo de seu pai com essa... coisa? - Fabien perguntou, sua expressão como a de um cãozinho que acabara de perder o osso para um lobo selvagem.

- O Antigo está totalmente sob meu controle. Ele é uma ferramenta que utilizo quando e como for melhor para mim e para nossa causa.

- Como assim? - perguntou outro homem do grupo.

- Permitam-me dar-lhes uma demonstração.

Dragos caminhou até a porta da sala de conferências. Estalou os dedos para o Caçador que esperava lá fora, então, virou de volta para seus associados conforme o grande Primeira Geração o obedecia.

- Tire a camisa - ele ordenou ao Caçador.

O enorme macho obedeceu em silêncio, desnudando os ombros enormes e o peito sem pelos coberto por uma densa rede emaranhada de glifos. Mais de uma cabeça se voltou para o monitor para comparar as marcas da pele hereditárias da criatura contido dentro da célula ultravioleta.

- Eles têm dermoglifos semelhantes - Fabien engasgou. - Esse macho é da família do Antigo?

- Filho de Primeira Geração, criado com o único propósito de servir à causa - disse Dragos. - Todos os Caçadores de meu exército pessoal são os mais fortes, as armas mais letais do mundo. Eles foram especialmente criados e treinados sob minha orientação. São assassinos e infalivelmente leais a mim.

- Como pode estar certo disso? - perguntou o líder do Refúgio de Hamburgo, um homem sagaz que, sem dúvida, apreciaria a demonstração em tempo real que Dragos tinha em mente.

- Você percebe que o Caçador usa uma coleira. É um dispositivo de monitoramento GPS, mas também está equipado com um laser ultravioleta. Cada Caçador usa uma desde o momento em que começa a andar. Posso acompanhar todos os seus movimentos, localizá-los em um instante. E se me desagradam de qualquer maneira, basta um simples controle remoto para o laser ser ativado e emitir uma luz ultravioleta fina como uma navalha no pescoço do Caçador, cortando sua cabeça – disse Dragos, lançando um olhar significativo ao Caçador rigidamente em pé ao seu lado.

Um ou dois homens na mesa trocaram olhares desconfortáveis.

Foi o alemão quem falou primeiro, os olhos brilhantes.

- O que acontece se o colar for adulterado, ou removido?

Dragos sorriu, não para o alemão, mas para o próprio Caçador.

- Que tal vermos?

Apesar de seu instinto gritar para que entrasse como um ladrão à espreita, Renata caminhou pelo corredor oeste do covil de seus inimigos como se tivesse todo o direito de estar lá. Ela ouviu o baixo ruído de conversa masculina vindo de uma das grandes salas nos fundos. Em outra parte da casa, não havia nada além de calma, até que...

Soluços suaves de uma criança chegavam a partir de uma escada que conduzia ao segundo andar.

Mira.

Renata voou pelos degraus e seguiu os soluços até o final do corredor. A porta do quarto estava trancada pelo lado de fora. Ela passou a mão na parte superior do batente, mas não encontrou chave alguma.

- Maldição – sussurrou, tirando uma de suas lâminas da lateral da calça. Enfiou-a no ponto entre a porta e o batente, bem acima da fechadura, e fez uma alavanca dura. A madeira rachou, afrouxando um pouco. Mais duas vezes e, finalmente, tinha espaço suficiente para abrir. Com agitação e mãos ansiosas, Renata abriu a porta.

Mira estava lá dentro, graças a Deus.

Estava sem véu e assim que olhou para cima e viu a figura vestida de preto entrando na sala, encolheu-se no canto com terror absoluto.

- Mira, sou eu - disse Renata, abrindo a viseira escura. - Está tudo bem agora, querida. Estou aqui para levá-la para casa.

- Rê!

Ajoelhando-se, Renata estendeu os braços. Com um pequeno grito, Mira voou para seu abraço.

- Ah, minha ratinha! - Renata sussurrou, dando beijos aliviados na cabeça loira da garota. - Fiquei tão preocupada com você. Desculpe-me por eu não ter vindo mais cedo. Está tudo bem, querida?

Mira assentiu com a cabeça, os braços pequenos em volta do pescoço de Renata.

- Eu estava preocupada com você também, Rê. Eu estava com medo de nunca mais voltar a vê-la.

- Eu também, querida. Eu também - Renata odiava ter de soltá-la, mas ainda tinha que sair de lá antes que Fabien e seus companheiros chegassem. Ficou de pé, levantando Mira nos braços. - Temos que correr agora. Agarre-se em mim, certo?

Renata ainda não tinha descido dois degraus com a criança quando as explosões rápidas de tiros irromperam de todas as direções em algum lugar fora da casa.

Dragos estava ansioso para demonstrar a beleza tecnológica da coleira de raios ultravioleta que o Caçador usava quando o inferno desabou fora da reunião. Ele disparou um olhar mortal a Edgar Fabien quando o grupo pulou de seus assentos em alarme atordoado.

- O que está acontecendo lá fora? - exigiu de seu anfitrião. - Essa é outra de suas incompetências?

O rosto estreito de Fabien tinha uma sombra pálida.

- Eu... não sei... senhor. Seja o que for, tenho certeza de que meus agentes resolverão.

- Ao diabo seus agentes! - Dragos rugiu. Ele tateou para o rádio e emitiu uma ordem para o motorista levar o barco. Em seguida, olhou para o rosto do Caçador. - Fora, agora. Cuide disso. Mate todos que cruzarem seu caminho.

O Caçador - o soldado altamente treinado, obediente e impecável - apenas ficou ali, imóvel como um pilar de pedra.

- Fora. Eu ordeno!

- Não.

- O quê? - Dragos não podia acreditar em seus ouvidos. Ele sentiu os olhares de seus subordinados fixos nele. Ele podia sentir a descrença deles, a dúvida deles. Um silêncio floresceu, maduro, com a expectativa. - Eu lhe dei uma ordem direta, Caçador. Faça-o, ou vou acabar com você aqui e agora.

Com tiros chegando aos muros da casa, o Caçador teve a audácia de olhar Dragos nos olhos e balançar a cabeça.

- De qualquer forma, estou morto. Se quer que eu lute para que você possa viver, desative o meu colar.

- Como ousa sequer sugerir...

- Está perdendo tempo - disse ele, aparentemente imperturbável com caos crescente à sua volta. - Liberte-me deste colar, seu filho da mãe arrogante.

Nesse momento, um dos fracos vigias de Fabien apareceu correndo pela porta entreaberta.

- Senhor, estamos sendo alvejados por todos os lados. Não podemos ter certeza ainda, mas deve haver um exército na floresta nos cercando.

- Ah! Jesus! - Fabien engasgou. - Vamos todos morrer!

Dragos rosnou em fúria, sem a menor confiança de que os guardas de Fabien pudessem encontrar seus próprios traseiros, muito menos proporcionar uma cobertura adequada para o grupo de machos da Raça de alto escalão que estavam olhando naquele momento para Dragos como seu líder para ajudá-los a fugir. Esperando que ele decidisse se os salvaria ou se deixaria a prometida revolução cair por terra.

- Terminamos por aqui - ele rosnou. - Todo mundo para fora pela porta de trás, para o barco. Sigam-me.

Quando o grupo começou a sair em torno dele, Dragos lançou um olhar ameaçador por cima do ombro para o Caçador. Ninguém disse uma palavra – o ódio mútuo era suficiente para ler em seus olhares quando Dragos pôs a mão no bolso e pegou o dispositivo que controlava a coleira do Caçador e digitou o código que a desativava.

No instante que a coleira se desligou, o Caçador estendeu a mão e a arrancou do pescoço. Então, com um olhar de descrença, de fria determinação, ele caminhou para fora da porta em direção ao caos que se estendia do lado de fora.


Capítulo 32

Nikolai sorriu sozinho quando sua tática de distração criou uma confusão repentina e maciça em todo o complexo. Os Agentes em guarda corriam precipitadamente em pânico total, mais de um recebeu um golpe da explosão de disparos que vinham de todas as direções do bosque. Niko ordenou que uma videira enrolasse os ramos no gatilho de sua última M16 escondida.

Quando a videira fez como as anteriores, segurando o fuzil no alto e aplicando uma pressão cada vez maior no gatilho, o galho verde ficou mais grosso e mais forte, então Niko correu para a entrada lateral da casa.

Não foi difícil encontrar Renata. Seu vínculo de sangue era um farol para ele, levando-o através da parte traseira do lugar para um voo por cima das escadas. Renata estava descendo com Mira apertada nos braços. Ela encontrou o olhar dele e, por um instante infinito, nenhum dos dois disse uma palavra. Nikolai queria dizer como estava arrependido, e como estava aliviado por ela ter encontrado a criança ilesa.

Ele tinha mil coisas que queria dizer a Renata naquele momento, principalmente que a amava e que sempre a amaria.

- Rápido – ele murmurou. - Precisamos sair daqui agora.

- O tiroteio está por toda parte - disse Renata, a preocupação marcando suas feições. - O que está acontecendo?

- Apenas diversão. Tive que criar uma oportunidade para conseguir tirar você daqui.

Ela parecia aliviada, mas só por um segundo.

- Fabien e os outros... Eu os ouvi saindo pelo caminho de trás há alguns minutos.

- Estou trabalhando nisso - Niko disse. - Agora vá. Não pare por nada. Leve Mira de volta para o carro. A Ordem deve chegar a qualquer minuto.

- Nikolai...–disse Renata, olhando Nikolai firmemente, fazendo-o parar na esperança de ouvir o perdão ou uma afirmação de que ela ainda podia amá-lo depois de tudo o que tinha acontecido. Ela prendeu seu olhar, formando um vinco entre as sobrancelhas. - Seja cuidadoso.

Ele ofereceu-lhe um aceno triste, não sentindo o comum aumento de adrenalina que precedia o combate. Aqueles dias pareciam séculos atrás, quando nada mais importava para ele exceto a glória da batalha e o triunfo da vitória, por mais sem sentido que fosse.

Agora tudo importava, sobretudo em se tratando de Renata. Sua segurança e felicidade eram tudo o que importava, mesmo que isso significasse que ele poderia não estar em cena.

- Leve Mira de volta para o carro - disse novamente. - Mantenha a cabeça baixa e cuide-se. Vamos tirá-las daqui.

Ele esperou até que Renata saísse correndo, então foi para a porta dos fundos da propriedade por onde seus inimigos tinham fugido.

A lancha estava parada na doca quando Dragos e os outros correram ladeira abaixo para pegá-la. Ao redor da floresta e até perto da casa, os agentes de Fabien mexiam-se como formigas que tinham acabado de perder a casa. Tiros iluminavam a noite de modo tão enlouquecido que era impossível dizer quais rajadas vinham dos aliados e quais dos aparentes intrusos.

Tudo que Dragos sabia era que não ficaria para enfrentar a Ordem ou esperar que alguém o derrubasse.

Quando ele e seu grupo começaram a subir no barco, Dragos colocou-se no caminho de Edgar Fabien.

- Não há espaço a bordo para você - disse para o líder do Refúgio de Montreal. - Você nos prejudicou bastante com sua idiotice. Você fica aqui.

- Mas... senhor, eu... por favor, posso garantir que não vou decepcioná-lo novamente.

Dragos sorriu, mostrando as pontas de seus dentes.

- Não, você não vai.

Dizendo isso, levantou uma pistola 9 mm e disparou um tiro mortal direto entre os olhos redondos de Fabien.

- Vamos! - ordenou ao condutor do barco, Edgar Fabien completamente apagado quando o motor rugiu e a embarcação os levou até o hidroavião que esperava na outra extremidade do lago.

Ele chegou tarde demais.

Niko encontrou alguns Agentes em seu caminho até o lago, mas quando chegou lá, a lancha não passava de uma agitação na água. Nikolai disparou alguns tiros atrás deles, mas estava apenas perdendo balas. O cadáver de Edgar Fabien jazia na doca de madeira. Dragos e os outros já estavam do outro lado do lago naquele momento.

- Maldição.

Alimentado pela fúria e pela determinação, Nikolai começou a se movimentar ao longo da costa, recorrendo à velocidade sobrenatural que todos os da sua espécie possuíam quando precisavam. O barco era rápido, mas a água estava cercada de terra. Em algum ponto Dragos e seus companheiros teriam de desembarcar e pegar outro meio para terminar a fuga. Com alguma sorte, Niko poderia alcançá-los antes que fugissem.

Ele não sabia quão longe estavam - um quilômetro, provavelmente – quando, de repente, seu peito congelou de medo.

Renata.

Algo estava errado. Terrivelmente errado. Ele podia sentir as emoções de Renata como se fossem suas. Ela, a corajosa e imperturbável Renata, agora estava morrendo de medo.

Ah! Cristo! Se alguma coisa acontecesse com ela...

Não. Ele não podia sequer pensar nisso.

Com todos os pensamentos sobre Dragos deixados de lado, Nikolai virou e continuou em alta velocidade, rezando para chegar a tempo.

Ela não tinha visto o vampiro enorme vindo.

Em um minuto estava cortando o mato escuro com Mira firme em seus braços e, no minuto seguinte, viu-se olhando para o rosto implacável e para os impiedosos olhos dourados de um macho da Raça, cujo imenso torso nu, ombros e braços estavam cobertos por um espesso padrão de dermoglifos.

Era um Primeira Geração; Renata soube instintivamente. Seus instintos também diziam que aquele macho era mais letal do que a maioria, frio como pedra.

Um assassino.

O terror a cobriu como uma maré negra. Ela sabia que se o atacasse era melhor ter certeza de que poderia matá-lo rapidamente, ou então ela e Mira seriam mortas no mesmo instante. Não se atreveu a tentar quando Mira podia sofrer caso ela falhasse.

Santa Mãe de Deus, chegar tão longe, finalmente ter Mira em seus braços, a poucos passos da liberdade... e agora... Jesus Cristo!

- Por favor - Renata murmurou, desesperada para atrair a mais leve misericórdia. - A criança não. Deixe-a ir... por favor, deixe a criança, não lhe faça mal...

O silêncio do vampiro era irritante. Mira tentou levantar a cabeça do ombro da amiga, mas Renata gentilmente a empurrou de volta para baixo, não querendo que ela se assustasse com o mensageiro da morte que, sem dúvida, tinha sido enviado por Edgar Fabien ou por Dragos. Ou pelo próprio Diabo em pessoa, maldito seja.

- Vou colocá-la no chão - Renata disse a ele, sem ter certeza de que ele a compreendia e que muito menos concordaria. - Apenas... deixe a criança ir. Sou eu quem você quer, não ela. Apenas eu.

Os olhos de falcão dourado seguiam cada movimento de Renata enquanto ela cuidadosamente tirava Mira dos braços e lentamente colocava os pés da menina no chão. Renata colocou-se entre o assassino e a criança, rezando para que a morte dela fosse suficiente para satisfazer ao assassino e ao seu mestre do mal.

- Rê, o que está acontecendo? - Mira perguntou por trás de suas pernas, as mãos pequenas segurando-lhe as calças enquanto olhava ao seu redor. - Quem é esse homem?

O vampiro deixou seu olhar de pedra viajar até a origem daquela voz minúscula. Ele olhou. Sua cabeça raspada virou lentamente para o lado. Então, ele fez uma careta.

- Você - disse ele, com uma voz tão profunda que estremeceu todo o caminho até a medula Renata. Algo sombrio passou em seu rosto. - Deixe-me vê-la.

- Não - declarou Renata, segurando Mira atrás de si e bloqueando-a como um escudo. - Ela é apenas uma criança. Não fez nada contra você ou qualquer outra pessoa. Ela é inocente.

Ele lançou a Renata um olhar tão feroz que quase a derrubou.

- Deixe-me ver os olhos dela.

Antes que pudesse recusar mais uma vez, antes que pudesse pensar em alguma forma de pegar Mira e fugir o mais rápido possível, Renata sentiu Mira dar um passo para sair detrás de sua proteção.

- Mira, não.

Tarde demais para interromper o que aconteceria. Renata só pôde olhar com terror quando Mira caminhou direto para fora e olhou para cima, subindo para o duro olhar do letal vampiro Primeira Geração.

- Você... - disse ele novamente, olhando para o doce rosto de Mira.

Renata poderia dizer o momento em que começou a testemunhar o presente de Mira. Os olhos dourados dele ficaram tempestuosos, e ele olhava, absorto, enquanto a criança mostrava seu futuro. Ele chegou mais perto, muito perto, até que os braços maciços poderiam atacar e quebrar Mira inadvertidamente.

- Não... - ela deixou escapar, mas ele já estava chegando até Mira.

- Está tudo bem, Rê - Mira sussurrou, em pé diante do vampiro, tão inocente como uma criancinha que vagava na cova dos leões.

E foi então que Renata percebeu que algo de extraordinário estava para acontecer.

- Você me salvou - ele sussurrou, com as mãos enormes nos pequenos ombros de Mira. O vampiro se ajoelhou, ficando no nível da criança. Quando ele falou, a voz letal estava tranquila, com espanto e confusão. - Você salvou minha vida. Eu vi isso, agora, em seus olhos. Vi naquela noite também...


Capítulo 33

O coração de Nikolai congelou dentro de seu peito, um crescente pânico, medo transformado em gelo. Com o tiroteio ainda em erupção na área, ele tinha dado uma volta pela floresta até o lugar onde seu sangue tinha mostrado que encontraria sua Companheira apavorada.

Renata estava lá. Na escuridão da floresta banhada pela luz da lua, imóvel como uma estátua e olhando um imenso vampiro Primeira Geração agachado diante de Mira, segurando a criança com suas enormes mãos.

Jesus Cristo.

Niko moveu-se silenciosamente, rastejando para se aproximar e tentar encontrar uma posição em que poderia atirar sem colocar Renata ou a menina no fogo cruzado.

Ataque-o com uma onda, Renata. Faça-o cair e corra como se estivesse correndo do diabo.

Ela não lançou o poder mental sobre ele. Ela não tentou contrair um dedo na direção de qualquer uma de suas armas, psíquica ou não. Não, para o horror de Niko, ela não moveu sequer um dedo. Apenas ficou ali, no centro do que rapidamente se transformaria em uma tempestade infernal de sangue e violência.

O próprio medo de Niko naquele momento era insondável. Tudo o que ele sentia era o terror rasgando-o por dentro, seus ossos congelados, um desespero tão selvagem dentro do coração que batia como um tambor no peito.

Ele tirou as pistolas 9 mm de seus coldres laterais e avançou. Embora estivesse se movendo a um ritmo que apenas alguém da Raça poderia controlar, Renata olhou para cima. Ela o sentiu ali, movendo o ar ao seu redor, mesmo que os olhos não conseguissem registrar a velocidade. O sangue dele nela lhe disse que seu macho estava perto, assim como o seu sangue correndo nele sempre o faria encontrá-la.

Ele estava muito consumido pela raiva para notar que ela olhava para ele com alarme e não para o inimigo vampiro que enfrentava.

Nikolai avançou como um flash, totalmente preparado para matar. Ele parou logo atrás do grande Primeira Geração, as duas pistolas apertadas contra os glifos que seguiam até a parte traseira do crânio raspado do vampiro.

Tudo aconteceu em um piscar de olhos, mas parecia em câmara lenta na consciência de Nikolai.

Ele apontou as armas, os dedos nos gatilhos.

Os olhos de Renata se abriram. Ela balançou a cabeça.

- Niko, espere... não!

O Primeira Geração soltou Mira, deixando as grandes mãos caírem ao seu lado. Ele nem sequer reagiu às armas apontadas em sua cabeça. Seu peito expandiu quando puxou uma respiração longa, então deixou o ar sair em um suspiro resignado.

Ele não estava lutando contra sua morte.

Ele não se importava se morresse.

E então Mira gritou, a voz da criança alta com o medo.

- Não! Não o machuque!

Nikolai assistiu incrédulo e com espanto total quando Mira jogou seus braços em torno dos ombros largos do Primeira Geração.

- Por favor, não o machuque! - ela chorou, olhando para Niko, suplicando-lhe enquanto tentava proteger o vampiro com seu corpo minúsculo.

- Nikolai - Renata prendeu seu olhar quando ele a olhou, incrédulo, as duas pistolas de grande porte ainda armadas e prontas, niveladas na cabeça do Primeira Geração. - Nikolai... por favor, está tudo bem. Espere.

Ele franziu a testa, mas sua atitude guerreira relaxou um pouco.

- Levante-se - ordenou ao vampiro.–Levante-se e afaste-se da criança.

O Primeira Geração obedeceu sem qualquer comentário, lentamente, soltando os braços de Mira do seu pescoço e empurrando-a para longe enquanto levantava.

Niko se moveu para enfrentá-lo, as armas ainda sobre ele, quando orientou tanto Renata quanto Mira a ficar atrás dele.

- Quem diabos é você?

Os olhos sóbrios, inexpressivos, fitaram a terra.

- Chamam-me de Caçador.

- Você não é um Agente - disse Nikolai, cautelosamente.

- Não. Eu sou um Caçador.

Renata levou Mira para perto, segurando-a enquanto o caos na floresta e na casa lentamente morria em torno deles.

- Seus olhos, Nikolai - disse ela, entendendo agora. - Ele é o assassino que tentou matar Sergei Yakut naquela noite. Foi ele quem Mira viu no retiro de Yakut.

A expressão de Nikolai escureceu.

- É verdade? Você é um assassino de aluguel?

- Eu era - o Caçador deu um aceno triste e, finalmente, levantou o olhar. - A criança me salvou... Algo mudou em mim depois que eu vi a visão nos olhos dela naquela noite. Eu a vi salvar minha vida, exatamente como aconteceu há pouco.

No instante seguinte, a floresta ganhou vida com homens armados se deslocando sobre eles de todas as direções. Nikolai tinha as armas na mão, mas não fez nenhum movimento para disparar sobre as ameaças recém-chegadas. Renata entrou em pânico.

- Ah, merda. Niko...

- Está tudo bem - ele a acalmou com um olhar tranquilizador e algumas palavras gentis. - Estes são os mocinhos, meus amigos da Ordem.

Ela observou quando quatro dos guerreiros amigos de Nikolai entraram na área. Todos eram formidáveis no tamanho e na atitude, um grupo de músculos e de força que parecia sugar todo o ar da floresta pela simples presença dele.

- Como vai, hermano? Tudo bem aqui? - perguntou a voz suave que agora Renata reconhecia como pertencente a Rio.

Nikolai assentiu com a cabeça, os olhos e armas ainda apontadas na direção do Primeira Geração.

- Tenho tudo sob controle, mas a situação na casa está arruinada. Edgar Fabien está morto e Dragos e os outros fugiram pela costa. Foram de barco para o outro lado do lago. Tentei segui-los, mas... - olhou para Renata. - Tinha que me assegurar de que tudo estava bem por aqui primeiro.

- Nós ouvimos o zumbido de um motor de avião pequeno quando chegamos - disse Rio.

- Droga - Nikolai sussurrou. - Eram eles, sem dúvida. Fugiram. Diabos, Dragos estava aqui e nós perdemos o filho da mãe maldito.

- Deixe-me ajudar a encontrá-lo.

Todos os olhos se voltaram para o vampiro ainda detido na mira de Nikolai.

- Por que confiaríamos em você? - Nikolai perguntou, estreitando o olhar. - Por que estaria disposto a nos ajudar a colocar as mãos em Dragos?

- Porque ele é a pessoa que me criou - não havia calor no tom dourado dos olhos do Primeira Geração assassino quando respondeu à pergunta, apenas ódio gelado. - Ele me fez o que sou. Eu e todos os outros Caçadores criados por ele para matar.

- Ah, meu Deus! - Renata respirou. - Você quer dizer que há outros como você?

A cabeça raspada do Caçador acenou sobriamente.

- Não sei quantos nem onde estão, mas Dragos me disse que não sou o único de minha espécie. Há outros. Muitos outros.

- Por que devemos acreditar em você? - perguntou outro dos guerreiros, quase tão sombrio quanto a noite ao seu redor, seus dentes e presas brilhando como pérolas contra sua pele morena.

Outro guerreiro interveio, então, de olhos rápidos e sagazes, astuto como um lobo sob os pontos de ébano de seus cabelos cortados.

- Deixe Tegan nos dizer se podemos confiar nele.

Renata assistiu com espanto e um pouco de medo quando o maior do grupo, um guerreiro que parecia um fantasma perseguindo as sombras, deu alguns passos a frente. Imenso, com cabelos alourados sob o capuz preto de malha que usava, ele era um grande bloco de músculos másculos e energia sombria. Facilmente tão grande quanto o Primeira Geração diante dele, esperando seu julgamento.

Sem dizer nada, o guerreiro chamado Tegan estendeu sua enorme mão. O Caçador a pegou, seus olhos tão constantes quanto seu aperto.

Após um longo momento, Tegan deu um aceno vago.

- Ele vem com a gente. Vamos lacrar este lugar e dar o fora daqui.

Renata sentiu o enorme peso da tensão do momento ser removido, dando lugar a um novo propósito. O grupo se dividiu, a maioria dos guerreiros indo cuidar das coisas na casa de Fabien enquanto Rio e Nikolai andavam com Renata, Mira e seu companheiro inesperado de volta ao veículo à espera da Ordem.

Já perto, Nikolai pegou a mão de Renata.

- Encontramos você lá, Rio.

O guerreiro assentiu. À medida que avançavam, Renata olhou maravilhada e atemorizada quando Mira deslizou sua mão muito pequena na palma maior do Caçador.

- Meu Deus - disse ela a Nikolai. - O que está acontecendo?

Ele balançou a cabeça, claramente surpreso como ela.

- Vou levar algum tempo para descobrir isso, acho. Mas primeiro quero esclarecer as coisas entre nós.

- Nikolai, desculpe-me.

Ele a silenciou com um beijo longo e doce, puxando-a em seus braços quentes e musculosos.

- Eu estraguei tudo, Renata. Eu estava com tanto medo de perder você que a empurrei para longe de mim com uma mentira, fui um estúpido imprudente! Eu nunca me perdoaria se alguma coisa acontecesse com você ou Mira. Você é meu coração, Renata. Minha vida - ele acariciou-lhe o rosto, seu olhar a engolindo inteira. - Eu te amo tanto... Não quero viver um só momento sem você ao meu lado.

Ela fechou os olhos, dominada pela emoção.

- Eu nunca quis nada mais - ela sussurrou, sua garganta fechada com alegria. - Eu também te amo, Nikolai. Mas tem que entender que venho com um pacote agora. Mira não é minha filha de sangue, mas é de coração. Eu a amo como se fosse minha.

- Eu sei - disse sobriamente. - Você já provou isso.

Renata olhou para ele, incapaz de conter a esperança que se espremia em seu peito.

- Você acha que pode encontrar espaço em sua vida e em seu coração para nós duas?

- O que a faz pensar que eu já não tenha feito isso?–ele a beijou novamente, dessa vez com ternura. Quando olhou nos olhos dela, seu olhar era tão cheio de amor que lhe varreu o fôlego. - Vamos dar o fora daqui agora. Quero levar minhas garotas para casa.


Capítulo 34

Boston. Três noites depois.

O complexo da Ordem pareceu muito diferente para Nikolai quando ele andou pelo corredor que conduzia ao laboratório de tecnologia onde tinha se reunido com os outros guerreiros. A missão de capturar Dragos sofrera um golpe significante há algumas noites, mas também tinham ganhado uma vantagem muito inesperada na sua busca e encerramento da operação.

Infelizmente, embora o Caçador tivesse se tornado um valioso aliado, a Ordem também tinha perdido um membro crucial e confiável amigo: Andreas Reichen tinha sumido completamente e a notícia de Berlim era a pior possível. Ninguém sabia se o líder do Refúgio alemão tinha sobrevivido ao ataque em sua residência. Baseado na matança de toda sua família e no fogo que consumira a propriedade inteira, a Ordem tinha poucas esperanças de encontrar o amigo vivo.

Pessoalmente, Nikolai pensou que seria consolador para Reichen se ele tivesse morrido no ataque. Ele sabia que uma perda tão profunda jamais poderia ser superada. Certamente nenhum homem, da Raça ou não, seria forte o suficiente para sair ileso de um golpe tão brutal na alma. Como um guerreiro, Nikolai entendia baixas em combate. Todo guerreiro entrava na batalha sabendo que ele ou seus irmãos podiam não retornar para a base. Mas perder uma família...

Ele não queria nem mesmo considerar o que isso faria com um homem. Em vez disso, Nikolai se concentrou nas bênçãos que tinha, uma das quais podia ser ouvida falando baixinho quando ele se aproximou da porta aberta de seus aposentos.

Renata estava lá dentro, sentada no sofá da sala, lendo para Mira.

Por um momento, quando Niko aproximou-se da entrada, encostou-se na soleira da porta, simplesmente ouvindo e deleitando-se com a visão da bela mulher que agora era sua Companheira. Ele adorava ver como Renata ficava tão confortável com um livro quanto segurando uma arma. Ela tinha uma suavidade que ele admirava, uma inteligência que o desafiava continuamente e uma força interior que o fazia procurar ser um homem digno de sua devoção.

Não era nada mal também que ela fosse mais quente do que o inferno, sobretudo quando ela estava com o olhar na sua 9 mm ou treinando com suas adagas queridas no centro de treinamento. Kade e Brock tinham estado quase permanentemente na sala de armas nos últimos dias, só pela possibilidade de treinar com Renata ou olhá-la em ação. Nikolai não podia culpá-los. Mas quando sentiu o beliscão leve do ciúme, bastou um olhar malicioso de sua mulher para colocá-lo à vontade. Ela o amava e Nikolai era o macho mais sortudo do planeta.

- Oi - disse, olhando enquanto virava a última página de um capítulo e parava para cumprimentá-lo.

- Olá, Niko - Mira sussurrou sob o véu curto. - Você acabou de perder uma parte muito boa da história.

- Mesmo? Talvez eu possa convencer Renata a ler para mim mais tarde - disse ele, enviando um olhar aquecido para sua Companheira quando entrou na sala. Ele caminhou até o sofá e se agachou na frente de Mira. - Tenho algo para você.

- Sério? - o rosto dela se iluminou com um pequeno sorriso. - O que é?

- Uma coisa que pedi a Gideon para você. Tire seu véu, e vou lhe mostrar.

Ele não perdeu o olhar protetor de Renata quando Mira afastou o tecido preto para longe do seu rosto.

- O que é?

- Tudo bem - disse ele, tirando uma pequena caixa de plástico do bolso da calça jeans. - Você pode confiar em mim. Ambas podem confiar em mim.

Renata relaxou, e olhou quando Nikolai retirou a tampa de um recipiente de lentes de contato.

- Estas são as lentes especiais que Gideon acha que vão ajudar com seus olhos. Você gostaria de nunca mais usar o véu de novo?

Mira concordou com entusiasmo.

- Deixa eu ver, Niko!

- Que tipo de lentes são essas? - Renata perguntou, cautelosamente otimista.

- Íris opacas para proteger o efeito de espelhamento dos olhos de Mira. Ela será capaz de ver através delas, mas ninguém que olhar para ela vai notar nada de incomum sobre os olhos. Suas íris serão cobertas, da mesma forma que o véu cobre. Eu pensei que seriam melhores.

Renata acenou, sorrindo calorosamente para ele.

- Muito melhor. Obrigada.

- Posso experimentá-las? - Mira perguntou, ansiosamente olhando a pequena caixa nas mãos de Niko. - Olha, Rê, são roxas!

- Essa é sua cor favorita - disse ela, jogando um olhar interrogativo sobre Nikolai.

Ele tinha mudado muito nos últimos dias, empreendendo um papel que nunca se imaginou, sem falar no fato de se ajustar tão confortavelmente nele. Ele era um macho com laço de sangue com uma Companheira de Raça que o amava e uma criança para criar como sua. E ele apreciou as duas ideias.

Ele, um dissidente e imprudente, tinha uma família própria agora. Era incompreensível para ele, para não mencionar para o resto do complexo. Era a última coisa que sonhou que queria ou precisava e agora, apenas alguns dias depois, não poderia ver sua vida de outra maneira.

Seu coração nunca se sentiu tão completo.

- Deixe-me ajudá-la com isso - disse Renata, pegando as lentes das mãos de Niko com cuidado e colocando-as em Mira. Quando estavam no lugar há alguns segundos e o talento da criança não se manifestou, Renata sorriu. - Ah, meu Deus. Funcionou, Nikolai! Olhe para ela. As lentes funcionam perfeitamente.

Ele olhou para as piscinas violeta nos olhos alterados de Mira e viu... nada. Apenas o feliz e despreocupado olhar de uma criança.

Renata jogou os braços em volta dele e o beijou. Mira estava bem atrás dela e Niko pegou as duas em um sincero abraço.

- Há mais - disse, esperando que gostassem do resto da sua surpresa. Ele se levantou e pegou cada uma delas pela mão. - Venham comigo.

Ele as levou pelo corredor até o elevador que subia da sede subterrânea para a enorme mansão que ficava no piso acima. Ele podia sentir a apreensão de Renata pelo modo como ela apertava-lhe a mão grande e pela adrenalina que lhe corria na corrente sanguínea.

- Não se preocupe - ele sussurrou na orelha dela. -Você vai gostar, eu prometo.

Pelo menos, ele esperava que sim. Ele tinha trabalhado naquilo durante um dia e meio, tentando fazer tudo certo. Ele guiou Renata e Mira ao coração da propriedade, em direção à luz de velas e ao calor da sala de jantar formal. Os aromas de pão e carne assada os receberam. Niko não tinha apreço por comida humana, mas as Companheiras de Raça que viviam no lugar certamente tinham e, a julgar pela aparência das duas mulheres caminhando ao seu lado, elas também.

O espanto brilhou nos olhos de Renata.

- Você fez o jantar?

- Claro que não. Acredite em mim, sou a última pessoa que você iria querer para preparar suas refeições. Pedi alguns favores a Savannah, Gabrielle e as outras mulheres. Seu estômago está em muito boas mãos.

- Mas eu estive com todas elas mais cedo hoje e ninguém disse nada sobre isso.

- Eu queria fazer uma surpresa. Elas queriam surpreendê-la, também.

Renata não disse mais nada, mas ele não pôde deixar de notar que seus passos diminuíam ao chegar mais perto da sala de jantar. Mira, no entanto, pulava com entusiasmo. Assim que chegaram à porta de entrada em arco, ela soltou-se de Niko e correu a mil por hora como se tivesse vivido lá toda sua vida.

Mas Renata, não.

Ela ficou em silêncio e imóvel. Olhou para a mesa cheia de pratos de porcelana e enfeites finos e suspirou levemente. Não disse uma palavra sequer quando olhou para o rosto dos guerreiros e de suas Companheiras de Raça, todos de pé dando-lhe boas-vindas quando ela e Nikolai pararam na porta.

- Ah, Santo Deus! - ela finalmente sussurrou, sua voz quebrada e crua.

Niko a seguiu quando ela recuou, voltando pelo corredor.

Maldição. Ele estava tão certo de que ela desfrutaria de um agradável jantar com todos, mas é óbvio que estava errado.

Quando falou com ele, sua voz estava embargada pela emoção.

- Todo mundo está esperando lá dentro... por nós?

- Não se preocupe com isso - disse ele, puxando-a para seus braços fortes. - Eu queria fazer algo especial para você e estraguei tudo. Sinto muito. Você não tem que fazer isso.

- Nikolai - ela olhou para ele, os olhos brilhantes marejados. - Eu nunca vi nada mais bonito do que aquela mesa, com todos ao redor, em toda a minha vida.

Ele franziu a testa, bastante confuso agora.

- Então, o que está errado?

Ela balançou a cabeça, engolindo um riso estrangulado.

- Não há nada de errado. Nada de errado em nada. Estou tão feliz! Você me faz tão imensamente feliz. Tenho medo desse sentimento. Eu nunca soube o que era e eu estou morrendo de medo que seja apenas um sonho.

- Não é um sonho - disse ele suavemente, acariciando-lhe uma lágrima perdida que deslizava assertivamente pelo rosto macio. - E você pode se segurar em mim se sentir medo. Vou estar ao seu lado enquanto você quiser.

- Para sempre - disse ela, sorrindo para ele.

Nikolai assentiu.

- Sim, meu amor. Para sempre.

O sorriso exultante de Renata explodiu em sua boca. Ela beijou Nikolai forte e, em seguida, caminhou com ele sob o abrigo daquele braço forte para se juntar aos outros. Para se juntar ao resto da sua família.

Capítulo 25

Nikolai sentou-se dentro do abrigo feito de videiras e assistiu a um único raio de luz atravessar as folhas e iluminar os cabelos escuros de Renata enquanto ela dormia. A luz ultravioleta era tóxica para sua espécie – letal após meia hora de exposição contínua - mas ele não resistiu ao desejo de deixar aquele raio de luz entrar pelo pequeno buraco na vegetação. Nos últimos minutos, ele tinha permanecido sentado junto de Renata observando-a, admirando-a, muito intrigado com a forma como a luz cobria-lhe os cabelos de ébano, penetrandolhe os fios de seda e colorindo-os com uma dúzia de tons diferentes: cobre, bronze e vermelho.

Que diabos havia de errado com ele?

Ele estava sentado lá, olhando os cabelos de Renata, pelo amor de Deus! Não apenas olhando, mas olhando-os com total fascinação. Para Niko, isso indicava uma de duas coisas preocupantes: ele devia considerar muito seriamente ter algumas aulas com o famoso cabeleireiro inglês Vidal Sassoon ou estava completamente perdido de amor por aquela mulher.

Perdido tanto quanto no passado, eternamente tomado por outra pessoa. Em algum lugar, de algum jeito, ele se deixou apaixonar por ela.

Isso explicava o porquê de ele não conseguir manter as mãos - e outras partes maiores e mais pulsantes de seu corpo - longe dela. Explicava também o motivo pelo qual tinha passado toda a noite – com exceção da ida rápida à casa de Yakut antes do amanhecer – deitado junto de Renata, sustentando-a em seus braços fortes.

E, se ele precisava de alguma explicação do motivo de seu peito ter ficado tão apertado e tão pesado quando ela começou a chorar na noite anterior, ou por que havia se sentido obrigado a compartilhar com ela seu sentimento de culpa pela perda de Dimitri há tantos anos, ele supôs que estar apaixonado faria sentido.

Por mais que tentasse convencê-la de que ela estava a salvo com ele, Nikolai se sentia a salvo com ela também. Confiava nela plenamente. Mataria para protegê-la, morreria por ela sem hesitar nem por um segundo. Ela podia não fazer parte de sua vida há muito tempo, mas ele já não se imaginava sem ela.

Ah! Merda. Ele realmente tinha se apaixonado por Renata.

- Mas... que... maravilha! - murmurou, fazendo uma careta quando ela se agitou por causa do som de sua voz.

Ela abriu os olhos e sorriu quando o viu sentado ali.

- Olá!

- Bom dia - disse, casualmente alcançando um ramo de videira para fechar o abrigo e deixar do lado de fora os resquícios do raio de sol.

Ele achou o espreguiçar felino dela mais fascinante ainda do que os cabelos. Estava usando a mesma camisa de algodão da noite anterior, a metade dos botões espalhados pelo chão do abrigo natural. A grande camisa estava aberta da metade para baixo, mal cobrindo a nudez de sua fenda. Por ele, sem problemas.

- Como se sente?

Ela pareceu refletir por um segundo, depois olhou para ele com a testa franzida.

- Sinto-me realmente bem. Quero dizer, ontem à noite foi... - ruborizou, uma doce cor rosada preencheu-lhe as bochechas. - Ontem à noite foi incrível, mas pensei que ficaria fora de combate por causa da reverberação. Não entendo... nunca aconteceu nada assim. Quero dizer, tive um pouquinho de dor, mas pelo ataque na casa de Jack, eu devia estar agonizando a noite toda.

- Isso nunca aconteceu antes?

Ela sacudiu sua cabeça.

- Nunca. Cada vez que usava minha habilidade, o efeito retornava.

- Mas ontem à noite não.

- Não, ontem à noite não - ela disse. - Nunca me senti melhor.

Niko talvez pudesse ter feito uma brincadeira sobre os efeitos milagrosos de suas proezas sexuais, mas ele sabia que era um tipo de magia o que fizera Renata suportar o efeito da reverberação.

- Você bebeu de meu sangue ontem. Essa foi a diferença.

- Você acha que seu sangue ajudou não apenas a curar meu ombro, mas também com as reverberações? É possível?

- É definitivamente uma possibilidade. Uma Companheira de Raça que bebe regularmente o sangue de um vampiro se torna muito mais forte do que seria sem ele. O envelhecimento desacelera até ao passo de tartaruga. As células do corpo, os músculos e todo o metabolismo atinge um estado físico visivelmente saudável. E, sim, muitas vezes o sangue de um companheiro também tem impacto na habilidade psíquica das fêmeas.

- Por isso Sergei nunca me deixou beber dele - Renata disse, sua mente veloz para chegar à mesma conclusão a que Niko havia chegado. – Ele não fazia segredo de que gostava que meu poder fosse limitado. Nas vezes que tentei golpeá-lo, nunca pude manter a rajada o tempo suficiente para derrubá-lo. E, no final, o esforço sempre me custava caro demais quando retornava.

- Sergei Yakut era Primeira Geração - Niko recordou. – O sangue dele em seu sistema poderia torná-la praticamente invencível.

Renata zombou em voz baixa.

- Só um grilhão a mais para mim. Ele devia saber que eu o mataria se tivesse a menor esperança de êxito–ficou em silêncio durante um minuto, com os braços cruzados. Depois, arrancou uma fibra de erva do chão do abrigo improvisado. - Tentei matá-lo... no dia em que Mira e eu fugimos juntas. Naquele dia, ele queimou minhas costas com ferro quente. Fez outras coisas também.

Nikolai não tinha que perguntar mais sobre o que ela tinha sofrido. As cicatrizes das queimaduras em suas costas eram atrozes, mas pensar no castigo de Yakut era pior... O sangue de Niko fervia de indignação. O guerreiro, então, colocou a mão sobre a mão dela.

- Sinto muito, Renata.

Ela lançou um firme olhar que não procurava simpatia.

- Sua misericórdia foi a de não ter forçado Mira a assistir tudo o que me fez. Mas Sergei me disse que se ela ou eu tentássemos escapar outra vez, Mira pagaria da mesma forma que eu. Prometeu que seria pior para ela, e eu sabia que ele estava falando sério... Então, fiquei quieta. Eu o obedecia e a cada hora de cada dia rezava por um milagre que eliminasse Sergei Yakut de minha vida - parou, acariciando-lhe o rosto masculino. – E então você chegou e tudo mudou. Suponho que em muitos sentidos, você é meu milagre.

Nikolai segurou-lhe a mão e depositou um beijo no centro de sua palma.

- Ambos somos afortunados.

- Alegra-me que Sergei esteja morto - confessou ela, brandamente.

- Ele devia ter sofrido mais - disse Niko, sem tentar ocultar o tom obscuro de sua voz grossa. - Mas já morreu. E é o que importa.

Renata assentiu.

- E agora Lex também está morto. Os guardas de Yakut... Todos eles estão mortos.

- A essa hora da manhã, ele e os outros na propriedade não passam de um monte de cinzas - Niko disse ao esticar-se para colocar os cabelos negros e brilhantes de Renata atrás da orelha. - Depois que você dormiu ontem à noite, eu retornei lá e abri todas as persianas para que a luz do sol entrasse. Também liguei para Boston para dar os números que estavam no celular de Lex. Gideon entrará em contato quando tiver feito o rastreamento para nos dar os detalhes.

Outro assentimento, sua voz suave tinha um tom de esperança.

- Está bem.

- Enquanto estava lá, trouxe algo que pensei que pudesse precisar.

Inclinou-se para o monte de armas e outros instrumentos que havia recolhido e pegou o pacote de seda e veludo que pertencia a Renata.

- Minhas adagas! - ela disse, seu rosto iluminando-se de alegria quando pegou o pacote nas mãos. Desatou o laço que prendia as armas e desenrolou todo o veludo que cobria as quatro adagas com gravuras personalizadas. - Jack me deu isso...

- Eu sei. Ele me disse que as havia feito para você como um presente. Disse-me que não estava certo de que você as tivesse guardado.

- Elas são muito importantes para mim - murmurou, seguindo o lavrado do punho com a ponta do dedo.

- Eu disse que você ainda as tinha e ele alegrou-se ao escutar quanto elas significam para você.

O olhar cheio de gratidão de Renata banhou o macho da Raça.

- Nikolai... Obrigada por fazer isso pelo Jack. E por me devolver essas adagas. Obrigada mesmo.

Ela se aproximou dele e o beijou. A suave pressão de seus lábios foi algo profundo. Nikolai segurou-lhe o rosto entre as mãos, acariciando-lhe a mandíbula com os polegares grandes, percorrendo o delicado ângulo das maçãs do rosto. Ela abriu a boca enquanto a língua dele percorria a abertura úmida de seus lábios e soltou um doce gemidinho quando ele entrou dentro dela.

As presas dele se estenderam pontudas pela luxúria que corria nele como lava. Entre as pernas, seu sexo era já uma coluna de granito, aceso imediatamente diante da ideia de ter Renata debaixo de si. Quando a mão dela escorregou para baixo, ultrapassando a cintura da calça para tocá-lo, seu membro ereto e ávido saltou, crescendo mais e mais sob o calor da palma da mão de Renata enquanto ela o acariciava.

- Que horas são? – murmurou ela contra a boca febril dele.

Ele grunhiu, muito absorto em suas deliciosas carícias para processar imediatamente aquela pergunta. Através de sua respiração entrecortada, conseguiu responder.

- É cedo. Provavelmente por volta das nove.

- Bem, caramba, acho que é muito cedo - ela murmurou, separando sua boca da dele e deixando um rastro de beijos ao longo da garganta e do pomo-de-adão. - Não pode sair na luz do sol, não é mesmo?

- Não.

- Humm – os lábios úmidos dela desceram sobre o peito nu e suado dele. Ele recostou-se sobre os cotovelos enquanto ela seguia o contorno dos glifos com a ponta rosada de sua língua sapeca, percorrendo os arcos e redemoinhos ao redor de seus mamilos e através do seu tórax. Quando falou, sua voz vibrou em todos os ossos de Niko:

- Então, suponho que isso significa que estamos presos aqui por um tempo, não é?

- Sim. - A palavra saiu ofegante. O beijo dela viajou devagar para baixo, além do umbigo do macho da Raça, seguindo as linhas dos dermoglifos, em direção à parte do corpo dele que palpitava pela necessidade de sentir os lábios úmidos e quentes dela apertando-se ao seu redor. - Suponho que estamos presos aqui até de noite.

- Hum hum.

Ela prendeu o cordão das calças dele entre os dentes e deu um forte puxão. O nó caiu solto e então ela baixou as calças o suficiente para fazer a cabeça enorme do membro dele despontar ansiosa. Ela o lambeu, observando o rosto de Niko enquanto desenhava redemoinhos com a língua diabólica ao redor da carne e sugava uma gota do fluido viscoso que brotava ali.

- Ah!

- Então... - ela murmurou, seu fôlego flutuando através da pele umedecida pelo suor dele, atormentando-o ainda mais. - O que vamos fazer aqui o dia todo enquanto esperamos a noite chegar?

Niko riu.

- Querida, posso pensar em umas cem coisas que eu gostaria de fazer contigo.

Ela sorriu desafiante.

- Apenas cem?

Antes que ele pudesse lhe dar uma resposta inteligente, ela envolveu o pênis dele com os lábios e o tomou profundamente dentro da boca. E enquanto o corpo de Niko explodia de prazer, ele se viu rezando para que o tempo e os dias a sós com aquela incrível mulher – sua mulher – pudessem se estender para sempre.


Capítulo 26

Renata caminhou para a porta de trás da propriedade de Yakut e parou na soleira. Ela havia deixado Nikolai no refúgio de videiras quando decidiu que sua necessidade de um banho, de uma ducha quente e de roupas limpas que realmente coubessem nela eram maiores do que sua resistência em jamais colocar novamente os pés na casa de Sergei Yakut.

Agora ela duvidava. No início da tarde, o sol era uma presença alentadora, mas no lado de dentro a propriedade era escura e fria. Sombras caíam sobre a mobília desarrumada e estendiam-se pelas tábuas rudes do chão. Renata avançou e caminhou para o lugar onde Lex havia caído.

O corpo dele havia desaparecido, assim como o sangue. Nada além de um pequeno rastro de cinzas deixado para trás – como Nikolai prometera. As persianas sobre a janela da sala estavam totalmente abertas, mas o sol já havia passado. Uma fresca brisa carregava o aroma de pinheiro e o ar fresco do bosque para a umidade calma do lugar. Renata respirou profundamente, enchendo os pulmões, deixando a fragrância de um novo dia expurgar as lembranças de toda aquela morte, aquele sangue e aquela violência que tinham coberto o lugar na noite anterior.

Hoje, sob aquela nova luz, muitas coisas pareciam diferentes para ela.

Ela mesma parecia diferente. E sabia a razão. Estava apaixonada.

Pela primeira vez em muito tempo (talvez em toda a sua vida), Renata verdadeiramente sentia a esperança acomodada em seu coração, uma esperança de que o futuro lhe reservava algo além da mera sobrevivência, que ela poderia em algum momento medir a felicidade em anos e não apenas em momentos raros e fugidios. Estar com Nikolai, fosse em seus braços ou ao seu lado, fazia Renata acreditar que muitas coisas eram possíveis.

Ela caminhou pela grande sala, apoiando-se no fato de que aquela seria a última vez que precisaria ver aquele lugar. Aquilo era um adeus.

Quando ela e Nikolai saíssem dali para continuar a busca por Mira, aquele albergue, aquele terrível celeiro, aquele canil na parte de trás da construção, Sergei Yakut, Lex e todos os outros que marcaram os últimos dois anos de sua vida seriam apenas lembranças. Ela deixaria tudo ali, e o terror e a dor seriam, de alguma forma, banidos de seu futuro.

Aquela parte de sua vida havia terminado.

Ela entrou no pequeno banheiro que havia compartilhado com Mira, em paz consigo e com tudo ao seu redor enquanto ligava a água quente da ducha. Quando o vapor úmido começou a sair pela cortina, ela desabotoou uns poucos botões da camisa emprestada de Jack e ficou ali por um momento, parada, nua, contemplando seu futuro com olhos renovados. Não sabia o que a esperava uma vez que a noite caísse e uma nova jornada começasse, mas estava disposta a enfrentar o que quer que fosse.

Com Nikolai ao seu lado – com a esperança e o ardente amor tão resplandecente quanto uma chama em seu coração –, Renata estava preparada para enfrentar tudo.

Como um cavalheiro destinado a uma batalha que procura uma bênção, Renata deu um passo debaixo da água quente da ducha. Fechou os olhos em uma solene oração enquanto a reconfortante água caía-lhe sobre o corpo nu.

Nikolai permanecia no abrigo de videiras enquanto os passos de Renata se aproximavam.

- Toc, toc - ela o chamou através das folhas. – Estou entrando, então cuidado com a luz do dia. Eu não gostaria que você torrasse por mim.

Ela afastou algumas folhas verdes e avançou, pronunciando uma rápida desculpa quando notou que ele tinha o telefone celular de Lex no ouvido. Niko havia ligado para a Ordem pouco depois que ela fora tomar banho. As notícias de Boston eram uma mistura de boas e más, além de uma dose extra de sérios problemas.

As boas? Um dos números no telefone de Lex era, de fato, de Edgar Fabien. Sem muito esforço, Gideon havia sido capaz de rastrear os registros da base de dados de identificação internacional de Fabien. Agora, a Ordem tinha os endereços da residência do líder do Refúgio de Montreal, sua casa no interior e todos os dados de todas as outras propriedades privadas, tanto de negócios como pessoais. Gideon tinha acesso aos números de telefone celular de Fabien, carteira de motorista, arquivos do computador e até mesmo da vigilância eletrônica do Refúgio do maldito filho da mãe.

E era nesse ponto que começavam as más notícias.

Edgar Fabien não estava em casa. Gideon havia interceptado o sinal de um canal de vídeo mais cedo naquela noite e visto um grupo de sete machos da Raça – um deles provavelmente era Fabien – deixando o Refúgio em companhia de uma escolta armada da Agência de Execução. Era difícil dizer quem eram os visitantes de Fabien, já que todos pareciam iguais em ternos sob medida e com os rostos completamente ocultos por capuzes pretos.

Quanto à dose extra de sérios problemas, o grupo de vampiros havia saído com uma menina. Uma jovem que evidentemente não os havia seguido tranquilamente. A descrição de Gideon da criança loira não deixava dúvida de que se tratava de Mira.

- Ainda está me ouvindo? - Gideon perguntou do outro lado da linha.

- Sim, continuo aqui.

- Lucan quer que Fabien seja trazido a Boston para um interrogatório. Isso significa que precisamos dele vivo, cara.

Niko soltou uma maldição.

- Primeiro, temos de encontrar esse filho da puta.

- Sim, estou trabalhando nisso. Rastreei o GPS do telefone celular de Fabien. Consegui um sinal de um lugar a aproximadamente uma hora ao norte da propriedade de Yakut. Uma das propriedades de Edgar Fabien. Ele deve estar lá.

- Tem certeza?

- Tanta que já enviamos reforços. Tegan, Rio, Brock e Kade estão a caminho para encontrar-se com você enquanto falamos.

- Reforços a caminho? - perguntou Niko, olhando uma parte de luz ultravioleta que aparecia através das folhas do refúgio. A Ordem tinha trajes de proteção solar para situações de emergência, mas até mesmo uma geração antiga de vampiros vestidos dos pés à cabeça com trajes protetores de raios ultravioletas seria incapaz de resistir à luz solar golpeando no assento do motorista em uma viagem de quase sete horas. - Jesus! Não pode estar falando a sério. Quem teve essa ideia?

Gideon riu.

- As fêmeas teimosas, meu caro. Não sei se você notou, mas fomos invadidos por elas nos últimos tempos.

- Sim, notei.

Niko não pôde deixar de lançar um olhar para Renata, que estava verificando algumas das armas que tinham recolhido de Lex e dos outros.

- Qual é a situação, então?

- Dylan está levando os caras em uma Rover e Elise está montando guarda. Devem chegar aí por volta das nove, exatamente depois do pôr do sol. Como Fabien tem vários sócios desconhecidos com ele, vamos precisar entrar e sair de lá com cuidado, sem vítimas desnecessárias - Gideon fez uma pausa. - Escuta, sei que você está preocupado com a menina. A segurança dela é importante, sem dúvida, mas isso é grande, Niko. Se Fabien pode nos levar a Dragos, temos que nos assegurar de capturá-lo esta noite. Essa é a missão número 1, ordenada diretamente por Lucan.

- Sim - disse Nikolai. Ele sabia qual era a missão. Também sabia que não podia decepcionar Renata ou Mira. – Inferno... Certo, Gideon, eu entendi.

- Ligarei se Fabien se mover entre agora e o pôr do sol. Enquanto isso, estou trabalhando em um ponto de encontro para que você se junte aos outros esta noite e ponha em ação um plano de infiltração. Devo ter algo em uma hora ou duas. Ligarei depois.

- Certo. Até depois.

Nikolai desligou o telefone e o colocou junto de si.

- Gideon conseguiu algo daqueles números telefônicos? - perguntou Renata, olhando-o cuidadosamente. - Temos alguma pista do Refúgio de Fabien?

Niko assentiu.

- Temos o endereço.

- Graças a Deus - ela suspirou. O alívio cedeu espaço rapidamente à determinação, tão feroz como Niko nunca havia visto nela. - Onde está ele? No Refúgio na cidade ou em alguma parte nos subúrbios? Eu poderia ir lá agora mesmo e analisar o terreno. Santo Deus, da forma como me sinto – sem dor, meu ombro melhorando – talvez eu devesse bater na porta e golpeá-lo com uma explosão de...

- Renata - Niko pôs a mão grande sobre a dela e sacudiu a cabeça. - Fabien está indo para algum lugar. Não está mais na cidade.

- Então onde?

Ele poderia contar sobre o sinal do GPS que Gideon estava rastreando. Poderia dizer que Fabien tinha Mira em sua custódia e que a menina estava provavelmente uma hora ao norte de onde eles estavam sentados agora. Mas Niko também sabia que se dissesse isso a Renata – se desse o mínimo de certeza sobre o paradeiro da menina que tanto significava para ela –, ele não poderia impedi-la de sair por conta própria naquele exato momento para encontrá-la.

A promessa de Niko à Ordem era seu dever – sua honra –, mas e Renata? Ela era seu coração. Ele não podia pôr em perigo a missão de seus irmãos, mas também não podia permitir que aquela mulher que ele amava partisse precipitadamente sozinha, rumo ao perigo. O pensamento dele era pré-histórico, talvez, especialmente por ter em conta que Renata era uma mulher que sabia como dirigir a si quase em qualquer situação. Era bem treinada, capaz, definitivamente valente, mas... inferno, ela significava muito para que corresse esse tipo de risco. Aquela não era uma opção.

- Estamos esperando uma localização sólida de onde está Fabien – ele disse, a mentira amarga sobre sua língua, independentemente das boas intenções. - Enquanto isso, a Ordem está enviando reforços. Nós vamos nos juntar a eles esta noite.

Renata escutou, claramente confiando nele e em sua palavra.

- A Ordem tem alguma ideia se Mira está com Fabien em qualquer lugar que ele esteja?

- Estamos trabalhando nisso - Nikolai achou difícil sustentar o olhar verde-claro sem pestanejar. - Quando encontrarmos Fabien, encontraremos Mira. Ela vai estar bem. Prometi isso, lembra?

Quando pensou que ela só assentiria com a cabeça e afastaria o olhar, Renata estendeu a mão para apanhar o rosto dele.

- Obrigada... por estar aqui para me apoiar em tudo isto. Não sei como serei capaz de pagá-lo, Nikolai.

Ele ergueu a mão dela entre as suas e deu-lhe um beijo. Diria algo singelo, uma das brincadeiras sem sentido habituais que tão frequentemente usava quando as emoções ao seu redor eram muito reais ou cheias de honestidade. Tinha suas cartas sob a manga: desviar com humor, desarmar com indiferença, atacar e correr como o inferno à primeira indicação de sua própria vulnerabilidade. Mas todas aquelas velhas e confiáveis armas que ele havia aperfeiçoado falhavam agora.

Acariciou com o dedo polegar o dorso da mão de Renata e se deixou perder no refúgio verde de seus olhos.

- Não sou muito bom nisso - murmurou ele. - Quero dizer algo... inferno. Provavelmente eu vou encher sua paciência, mas quero que você saiba que me preocupo com você. Preocupo-me... pra caramba, Renata.

Ela o olhou fixamente, permanecendo tão imóvel e silenciosa que nem sequer estava seguro de que ela estivesse respirando.

- Eu me preocupo - soltou, frustrado consigo pela estupidez das palavras que queria que fossem perfeitas para ela. - Não sei como aconteceu, ou mesmo o que significará para você, se vai significar. Mas preciso dizer porque isso é real. É real, e eu nunca me senti dessa maneira antes. Com ninguém.

A boca de Renata suavizou em um pequeno sorriso enquanto ele divagava com estupidez, tentando encontrar uma maneira de dizer a profundidade do que havia em seu coração de macho da Raça. Tentava e falhava miseravelmente.

- O que estou querendo dizer é que... - sacudiu a cabeça, sentindo-se uma porcaria, mas o suave toque de Renata em seu rosto o tranquilizou. O claro olhar dela trouxe Niko de volta, direto e centrado, conectando-o com a Terra. - O que estou querendo dizer é que estou apaixonado por você... Realmente apaixonado. Não estava esperando que isso acontecesse. Não pensei que alguma vez eu fosse querer isso, mas... Ah! Renata, quando olho dentro de seus olhos, só consigo pensar em uma coisa: para sempre.

Ela exalou devagar e seu pequeno sorriso se estendeu em radiante alegria. Niko passou as mãos na pele suave e macia dela, e pelos cabelos úmidos.

- Estou apaixonado por você, Renata. Sei que não sou um poeta... Caramba, nem sequer chego perto disso. Não tenho todas aquelas palavras bonitas que queria poder dizer... Mas quero que saiba que o que sinto por você é real. Eu te amo.

Ela riu brandamente.

- O que faz você pensar que quero poesia ou palavras finas? Você acabou de dizer exatamente o que queria ouvir, Nikolai–ela deslizou sua mão pela parte de trás do pescoço largo dele e o puxou para um longo e apaixonado beijo. - Também te amo, Nikolai - sussurrou contra sua boca. - Assusta-me admitir isso, mas é assim. Eu te amo, Nikolai.

Ele a beijou e a abraçou, desejando nunca ter de se afastar dela. Mas o cair da noite logo chegaria e ainda havia uma coisa que ele precisava fazer.

- Tem que fazer uma coisa por mim.

Renata se acomodou contra ele.

- Qualquer coisa.

- Não sei o que vai acontecer esta noite, mas preciso saber que vai estar tão forte quanto possível. Quero que tome mais de meu sangue.

Ela se soltou de seu abraço e arqueou uma sobrancelha para ele.

- Tem certeza de que não está só tentando entrar no meio das minhas pernas de novo?

Niko riu, uma sacudida de calor formando redemoinhos diretamente em sua virilha apenas diante daquela ideia.

- Eu não rejeitaria o convite. Mas falo sério... Quero que beba de mim de novo. Faria isso por mim?

- Sim, é obvio.

Ele afastou uma mecha escura da testa dela.

- Há uma coisa mais, Renata. Quando formos atrás de Fabien esta noite, eu morreria se algo... Bem, simplesmente não posso me arriscar a ficar separado de você, vou precisar saber que você está bem todo o tempo, ou minha concentração vai para o inferno. Preciso ter uma ligação com você. Sei como se sentia com Yakut usando seu sangue como um grilhão para você, e prometo que isso não é o que...

- Sim, Nikolai – ela disse, interrompendo-o com um movimento suave de seus dedos sobre sua boca. – Sim... Pode beber de mim.

A maldição dele como resposta foi um sinal de alívio.

- É para sempre - recordou firmemente. - Precisa entender isso. Se eu beber de você, não poderemos desfazer esse vínculo nunca mais.

- Entendo - ela disse sem vacilação. Aproximou-se e beijou-o, longa e profundamente. - Entendo que o vínculo é para sempre... E continuo dizendo que sim.

Niko gemeu. O fogo iluminou-lhe as veias. Suas presas se alongaram e seu pênis se elevou em atenção imediata, tudo nele ansioso por reclamar Renata como sua. Ele a beijou, o coração golpeando fortemente contra seu tórax forte quando ela passou a língua por seus lábios para brincar com as pontas afiadas de suas presas.

- Quero que você fique nua para isso - disse ele, incapaz de conter o tom autoritário que se mostrava em sua voz. Ele era parte humano, mas havia outra parte dele – uma parte mais selvagem e muito, muito mais sexy – que era menos paciente do que gostaria.

Niko olhou com olhos flamejantes de âmbar como Renata o obedecia rapidamente, despojando-se de sua roupa e estendendo-se sobre o chão de grama do refúgio, suas coxas deixando-se entreabrir para ele sem um pingo de inibição.

- Ah! Sim... - Niko grunhiu. - Assim é muito melhor.

Ele estava completamente tomado pela necessidade de tê-la. Arrancando sua própria roupa e deixando-a de lado, subiu sobre os quadris dela e a montou. Empurrou o membro duro como uma rocha enquanto ela o acariciava, torturando-o. E ele manteve o olhar nela enquanto levava seu pulso até a boca e mordia a própria carne.

- Deixe-me provar de você de novo – ela disse, subindo até encontrar a veia enquanto ele levava as perfurações até sua boca. Gotas carmesim salpicaram até cair sobre os seios dela, tão vívidas contra sua cremosa pele. Ela gemeu, fechando os olhos enquanto sugava-o, saboreando-o.

Niko a olhava beber, observando seu corpo começar a retorcer-se pela excitação. Com sua mão livre, ele a acariciou, incapaz de resistir a passar seus dedos pelo sangue que havia derramado sobre ela. A visão de seu sangue marcando a pele dela era tão erótica como nada tinha sido antes. Seu toque atrevido foi mais abaixo, à fenda aberta que estava tão preparada para ele. As coxas dela apertaram-lhe o pulso, sustentando-o contra si enquanto o primeiro orgasmo disparou através do corpo dela.

Niko grunhiu de pura adoração masculina enquanto alimentava sua fêmea e a sentia clamar por ele. Ele a deixou beber durante vários minutos até seu corpo arder de novo sob ele.

Ele também estava ardendo.

Suavemente, tirou o pulso de sua boca e fechou as perfurações com uma lambida. Renata ainda estava arqueando e retorcendo-se, ainda gemendo por ele, enquanto ele se ajeitava sobre ela e a penetrava, as unhas dela marcando seus ombros largos em uma dor deliciosa.

Nikolai fez amor tão devagar quanto pôde – tão devagar quanto a febre de seu corpo permitia. Ela gozou de novo, retorcendo-se e extraindo dele uma furiosa liberação. Mas isso praticamente não diminuiu as investidas. Ele ainda estava duro dentro dela, ainda faminto por aquela mulher... sua mulher.

Com a mão tremendo, Nikolai acariciou os pontos escuros já fechados de um lado da bela garganta de Renata.

- Tem certeza? - perguntou, sua voz apenas reconhecível para ele mesmo, estava tão seco e desesperado. – Renata... Quero que você tenha certeza.

- Sim - ela arqueou o corpo, confirmando com um empurrão, seu constante olhar suplicante. - Sim.

Com um grunhido selvagem enroscando-se em sua garganta, Nikolai expôs as presas e desceu sobre ela.

O doce sabor do sangue de Renata surgiu em sua boca caindo como um pontapé no estômago. Ah! Agora sabia. Quantas vezes havia especulado com os outros guerreiros a respeito de estar emparelhado e encontrar uma fêmea que os impressionaria? Facilmente centenas de vezes. Milhares, talvez.

Que ingênuo ele tinha sido.

Agora ele sabia. Renata o tinha, mesmo antes de ele a morder. Ele estava de joelhos diante daquela mulher, e ficaria ali com prazer pelo resto de sua vida.

Niko bebeu mais, afogando-se no prazer do vínculo que havia criado através da união de sangue e do ritmo exagerado de seus corpos nus, unidos. Seus dentes ainda estavam cravados na pele dela enquanto ele tomava o último gole e gozava de novo, dessa vez mais forte, uma descarga assombrosa que o golpeou como um trem descarrilhado. Agarrou-se nela, estremecendo com intensa satisfação. Embora pudesse beber de sua veia durante toda a noite, Nikolai se obrigou a se afastar, selando as feridas com uma tenra lambida de sua língua.

Ele ficou observando-a, seu olhar iluminando a pele dela.

- Eu te amo – ofegou, necessitando que ela o escutasse e que acreditasse nisso. Queria que ela se lembrasse disso depois dessa noite, depois que conseguissem localizar Fabien no norte e que ele lhe explicasse por que havia precisado mentir. Beijou seu queixo, sua bochecha, sua testa. – Amo você, Renata.

Ela sorriu sonolenta.

- Mmmm... Eu realmente gosto de como isso soa.

- Então terei que assegurar que ouça muitas e muitas vezes.

- Certo - murmurou ela, seus dedos brincando com os cabelos dele, empapados de suor sobre a nuca. - Foi incrível, a propósito. Sempre vai ser bom assim?

Ele gemeu.

- Tenho a sensação de que pode melhorar.

Ela riu, e a vibração fez despertar de novo seu sexo.

- Se continuar assim, terei que voltar e tomar outra ducha.

Ele fez um movimento sexy e poderoso com sua pélvis, encaminhando sua ereção mais profundamente.

- Ah, posso continuar. Não se preocupe, isso nunca vai ser um problema quando você estiver por perto.

- Melhor tomar cuidado, ou posso obrigá-lo a isso.

Niko riu apesar de seu pesado humor.

- Coração, pode me obrigar a tudo que quiser.

Ele a beijou novamente. E grunhiu de prazer quando ela envolveu as pernas ao redor dele e o fez girar de costas para começar uma lenta e nova cavalgada.


Capítulo 27

Houve uma época para Andreas Reichen, há quase 300 anos, quando a morte caía sobre ele como um dilúvio. Um tempo quando uma desatinada onda brutal de massacre tinha visitado seu pacífico domínio.

Naquele tempo, no verão úmido de 1809, uma manada de vampiros Renegados tinha forçado sua entrada nesse mesmo Refúgio, violando e matando vários de seus familiares. O ataque tinha sido ao acaso, a mansão e seus residentes apenas tiveram o azar de estar no caminho de um grupo de Renegados viciados em sangue. Tinham forçado sua entrada além das portas desprotegidas e janelas, alimentando-se e matando muitos inocentes... E, apesar de tudo, houve sobreviventes. Os Renegados tinham espalhado horror e passado como a peste que eram, mas finalmente foram caçados e destruídos por um membro da Ordem que tinha vindo ajudar Reichen.

A matança fora insuportável, mas não tinha sido completa.

O que Reichen enfrentou em sua volta para casa naquela noite tinha sido um ataque calculado. Não uma entrada pela força bruta, mas por meio da traição. Um inimigo bem-vindo como um amigo. E o massacre ocorrido - provavelmente nas primeiras horas da manhã, justo antes da saída do sol - tinha sido uma aniquilação total.

Ninguém tinha se salvado.

Nem sequer a alma mais jovem na residência.

Com um terrível silêncio que impregnava o ar como uma enfermidade, Reichen caminhou através do sangue e da destruição como um dos mortos. Seus passos seguiram a pista de manchas pegajosas escarlates no mármore do vestíbulo e da sala, além de seu jovem sobrinho, que estava tão contente ao convidar Reichen para padrinho de seu filho recém-nascido. O novo pai ruivo estendido na porta tinha sido o primeiro a morrer, Reichen adivinhou, incapaz de olhar o rosto sem vida que olhava sem ver a escada cheia de balas que conduzia aos dormitórios dos Refúgios nos andares superiores.

Mais morte esperava no corredor fora da biblioteca, onde outros machos tinham sido cortados ao meio. Ainda mais vidas extintas perto da escada da adega, um dos primos de Reichen e sua Companheira de Raça, ambos mortos enquanto tentavam escapar dos disparos.

Não viu o corpo da criança até que quase tropeçou nele - um menino vampiro de cabelo revolto que evidentemente tinha tentado se esconder em uma das estantes da sala de jantar. Os assassinos o haviam tirado de lá e o matado como a um cão.

- Jesus Cristo – Reichen, sufocado, caiu de joelhos e levou a mão branda do menino a sua boca para afogar o grito gutural. - Pelo amor de Deus... Por quê? Por que eles e não eu?!

- Ele disse que você saberia por quê.

Reichen fechou os olhos diante do som rígido da voz de Helene. Ela falava muito devagar, as sílabas muito planas... carente de matizes.

Sem coração.

Ele não precisava se virar para saber que seus olhos estariam estranhamente mortos para ele agora. Mortos porque todo seu calor e toda a sua humanidade tinham sido recentemente retirados dela.

Já não era sua amante, nem sua amiga. Ela era uma Subordinada.

- Quem converteu você? - ele perguntou, deixando cair a mão do menino morto. A quem você pertence agora?

- Você deve saber, Andreas. Você me enviou a ele, afinal.

Filho da puta.

Reichen apertou a mandíbula quadrada e masculina, os molares quase quebrando pela pressão.

- Wilhelm Roth. Ele a enviou aqui para fazer isso. Ele a usou para me destruir.

O fato de Helene não dizer nenhuma palavra sequer apenas tornou a compreensão do golpe mais profunda. Tão dilacerador como seria olhar os olhos de sua ex-amante e ver que a mulher por quem se preocupava agora estava sem alma. Reichen tinha que ver por si mesmo.

Levantou-se e virou lentamente.

- Ah! Helene...

Sangue seco salpicado no rosto e na roupa dela - quase cada centímetro dela coberto de sangue de seus mais queridos amigos e familiares. Ela devia estar ali no centro de todo o massacre, uma insensível testemunha não afetada por tudo isso.

Ela não disse nada quando o olhou fixamente, com a cabeça inclinada um pouco para o lado. Seus olhos, uma vez brilhantes e ardilosos, agora estavam vazios e frios. Abaixo, ao seu lado, ela sustentava uma grande faca de cozinha na mão. A folha larga brilhava à luz do abajur de cristal da sala de jantar.

- Sinto muito - ele murmurou, seu coração retorcido. - Eu não sabia... quando enviou o e-mail e me deixou a mensagem com o nome de Roth, tentei avisá-la. Tentei alcançá-la, mas...

Ele deixou que as palavras se desvanecessem, sabendo que as explicações não importavam. Não mais. Não agora.

- Helene, só sei que sinto muito - engoliu a bílis que subiu no fundo de sua garganta. - Só sei que eu realmente me importava com você. Eu a amav...

Com um grito estridente, Helene se lançou sobre ele.

Reichen sentiu o fio da navalha cortando seu peito e braço, fazendo um profundo corte. Ignorando a dor, ignorando a inalação repentina do aroma de seu próprio sangue, ele agarrou o braço da escrava de Roth e o torceu. Ela gritou, opondo-se e lutando enquanto ele puxava seu braço esquerdo para baixo e bloqueava ambos os membros ajustados aos lados de seu corpo. Ela amaldiçoou e gritou, chamando-o com nomes vis, cuspindo de fúria.

- Shhh - Reichen sussurrou ao lado de seu ouvido. – Agora, cale-se, Helene.

Como um animal selvagem, Helene continuou se retorcendo e gritando para que ele a soltasse.

Não, corrigiu-se. Não, Helene. Aquela já não era a mulher que ele conhecera. Helene estava morta para ele no momento em que trouxe o esquadrão da morte de Wilhelm Roth para dentro daquele Refúgio. Na verdade, por muitas razões, ela nunca foi sua. Que Deus tivesse piedade dela, ela não merecia esse fim. Nenhum dos caídos ali merecia tal horror.

- Tudo está bem agora - ele murmurou, a mão direita acariciando as bochechas manchadas de sangue dela. - Está tudo bem agora, querida.

Um grito saiu disparado de sua garganta enquanto ela puxava bruscamente o rosto para fora de seu alcance.

- Maldito! Deixe-me ir!

- Sim - ele disse tirando-lhe a faca. - Terminou agora. Vou deixá-la ir.

Com a dor estrangulando-o, Reichen girou a faca em torno de seus dedos e levou a ponta ao seu peito.

- Me perdoe, Helene...

Sustentando-a apertada contra ele, afundou a lâmina profundamente no peito dela. Ela não fez nenhum som enquanto morria, apenas deixou escapar um suspiro longo e lento enquanto desinflava em seus braços e desabava ali, frouxa como uma boneca de pano. Tão brandamente quanto pôde, Reichen deitou seu corpo no chão. A faca caiu de sua mão ao lado dela, revestida com o carmesim brilhante dos sangues deles mesclados.

Reichen lançou um longo e incorruptível olhar para os restos do que tinha sido seu lar. Agora que tudo tinha terminado, queria memorizar cada mancha de sangue, cada vida que se interrompeu por causa de sua falta de atenção. Seu engano. Ele precisava recordar, porque em pouco tempo nada daquilo existiria.

Não podia permitir que nada daquilo permanecesse, não daquela forma. Tampouco ia deixar que as mortes não fossem vingadas.

Reichen deu meia volta e se afastou da matança. Suas botas ecoaram no chão de madeira da sala, seus passos eram o único som na horripilante tumba maciça. No momento em que chegou ao jardim em frente à propriedade, seu peito não estava mais apertado, mas frio.

Tão frio como uma pedra. Tão frio como a vingança que tinha a intenção de visitar Wilhelm Roth e todos os associados a ele.

Reichen se deteve brevemente na grama iluminada pela lua. Ele se virou para a mansão e, por um momento, simplesmente a viu em sua perfeita e estranha quietude. Então sussurrou uma oração, palavras antigas que se sentiam oxidadas em sua língua pela falta de uso.

Não é que a oração lhe fizesse algum bem agora. Estava abandonado, agora mais do que nunca. Realmente sozinho.

Reichen baixou sua cabeça até o peito, invocando seu terrível talento. Encheu-se em seu interior, um calor que rapidamente se intensificou, formando um fundido e revolto círculo em suas vísceras.

Ele deixou-o crescer. Deixou-o girar e ganhar força até que seu interior se sentiu abrasado por sua fúria.

E ainda o conteve.

Manteve-o em seu interior até que a bola de fogo golpeou contra sua caixa toráxica, fumaça e cinza flutuando até queimar o fundo de sua garganta. Até que a bola de fogo o consumiu, iluminando todo seu corpo com um resplendor muito quente. Cambaleou sobre seus calcanhares, lutando para manter o corpo até que soubesse que desataria a total destruição instantânea.

Enfim, com um rugido cheio de dor, Reichen soltou o poder de dentro dele.

Um disparo de calor saiu de seu corpo, derramando e girando enquanto avançava para frente, uma esfera de pura energia explosiva. Como um míssil lançado em um alvo por um laser, o círculo disparou dentro da porta aberta da mansão Refúgio. Um segundo depois, detonou, uma impressionante beleza infernal.

Reichen foi golpeado de volta com o estalo sônico da explosão.

Deitou-se na grama, observando com satisfação desinteressada como as chamas, as faíscas e a fumaça devoravam até mesmo os menores pedaços do que tinha sido sua vida.


Capítulo 28

- Estamos carregados e preparados para partir, Renata. Precisa de mais tempo antes de sairmos?

De pé no caminho de cascalho diante da casa principal, Renata girou quando Nikolai se aproximou por trás.

- Não, não preciso de mais tempo aqui. Estou pronta para deixar este lugar para sempre.

Ele abraçou-a, envolvendo-a em sua força masculina.

- Acabo de falar com Gideon. Tegan, Rio e os outros estão fazendo bons progressos. Eles devem estar em nosso ponto de encontro em uma hora.

- Certo. Bom.

Renata se inclinou em seu abraço, feliz pelo calor de seu refúgio... e de seu amor. Nikolai a tinha mantido perto dele no refúgio de videira até que o sol se pôs, acalmando seus temores com seu corpo, afastando-a da feia realidade que originalmente os tinha unido - e do que poderia acontecer naquela noite, quando eles finalmente teriam a oportunidade de enfrentar Edgar Fabien.

A verdade era que ela estava preocupada com o que eles poderiam encontrar. Uma preocupação que lhe penetrava até os ossos e, embora Nikolai não houvesse dito nada que sugerisse que ele também tivesse dúvidas, ela poderia dizer que sua mente estava carregada de pensamentos que ele parecia estar decidido a esconder dela.

- Pode me dizer, você sabe - ela saiu dos braços dele e o encarou. – Se tiver um mau pressentimento a respeito desta noite... pode me dizer.

Algo cruzou a expressão de Niko, mas ele não disse nada, apenas sacudiu a cabeça e beijou a testa de Renata.

- Não sei o que podemos esperar em se tratando de Fabien. Mas posso dizer que, aconteça o que acontecer, estarei com você, certo? Vamos sair disso.

- E uma vez que tenhamos Fabien, vamos buscar Mira - ela completou, procurando os olhos dele. - Certo?

- Sim - ele disse, com seu indestrutível olhar que sustentou de forma estável. - Sim, eu prometi. Dei minha palavra a respeito disso. Não vou desapontá-la.

Ele a puxou para si uma vez mais, capturando-a em um afeto que o mostrava pouco disposto a deixá-la ir. Renata o sustentou também, escutando o forte e rítmico palpitar de seu coração em sua orelha... e perguntando-se por que seu próprio pulso parecia estar dando um sinal de alerta em suas veias, como uma sentença de morte.

Em uma remota fazenda abandonada de cem hectares, algumas horas ao norte de Montreal, o bosque da noite estremeceu com o gemido de um motor de combustão interna e o excesso de velocidade de um barco que passava através do lago praticamente desabitado. A terra e o lago, bem como o transporte proporcionado a Dragos para chegar àquele lugar, pertenciam a Edgar Fabien.

Embora Fabien tivesse sido uma recente decepção, Dragos supôs que o líder do Refúgio merecesse algum crédito por aquela reunião importante. Enquanto o resto dos assistentes chegou durante a noite anterior de automóvel, naquela noite um barco rápido tinha sido enviado para levar Dragos depois que um hidroavião o havia trazido da cidade por outro caminho interno de água também na propriedade de Fabien. Depois do revés sofrido poucas semanas atrás, durante a reunião de Dragos com a Ordem, Fabien tinha ficado muito mais cauteloso sobre como viajava ao ar livre, entre outras coisas. Ele tinha chegado muito longe para correr riscos. Tinha arriscado muito para perder tudo por um descuido ou por incompetência de outros.

Lançou um olhar depreciativo para o outro passageiro sentado no bote com ele. O rosto do Caçador permanecia impassível no resplendor leitoso da lua sobre suas cabeças, seu enorme corpo perfeitamente imóvel mesmo quando o condutor girou o leme e o bico da proa do barco conectou-se diretamente com a água para desviar-se em direção ao cais solitário que se encontrava mais adiante.

O caçador provavelmente sabia que se dirigia para a própria morte. Tinha fracassado em sua missão de matar o Primeira Geração em Montreal, o que pedia um incrível castigo. Dariam um jeito nele naquela noite, e se Dragos pudesse usar este castigo como uma demonstração adicional de seu poder diante dos tenentes que estavam reunidos para dar as boas-vindas agora, melhor.

O motor do barco mudou para uma marcha inferior quando chegaram ao cais não iluminado e modesto onde Edgar Fabien esperava para saudá-lo. Os vapores do gás formaram redemoinhos fora da água, asquerosamente doces. A reverência profunda de Fabien e as boas-vindas aduladoras tinham um efeito similar.

- Meu senhor, é a honra de toda uma vida dar boas-vindas aos meus domínios.

- De fato - Dragos arrastou as palavras enquanto dava um passo fora do barco sobre as tábuas de madeira escura do cais. Ele fez um gesto para que o Caçador o seguisse, e não perdeu a reação de Fabien quando divisou o tamanho e a imensidão do Primeira Geração que prestava serviços à ordem de Dragos. – Todos estão reunidos lá dentro?

- Sim, senhor. - Fabien saiu de sua reverência e se precipitou a caminhar ao lado de Dragos. - Tenho boas notícias. O guerreiro que escapou da contenção foi eliminado. Tanto ele quanto a mulher que o ajudou. Um de meus ajudantes agarrou a dupla, e ontem à noite enviei uma equipe com meus melhores agentes para se livrar do problema.

- Tem certeza de que o guerreiro está morto?

O sorriso de suficiência de Fabien ressoou.

- Aposto minha própria vida nisso. Enviei profissionais capacitados para a tarefa. Confio na habilidade deles de forma implícita.

Dragos grunhiu, sem deixar-se impressionar.

- Que grande comodidade deve ter esse tipo de confiança em seus servos.

A confiança de Fabien vacilou com a espetada e ele limpou a garganta com estupidez.

- Meu senhor... em outro momento, se quiser.

Dragos dispensou o Caçador de sua presença com um gesto cortante.

- Aproxime-se da casa e me espere. Não fale com ninguém.

Quando o assassino Primeira Geração caminhou a passos longos para a frente, Dragos fez uma pausa para lançar um olhar impaciente para Fabien.

- Meu senhor, eu esperava, quer dizer, pensei que um presente pudesse cair bem - gaguejou ele. - Para celebrar esse importante evento.

- Um presente? - antes que pudesse perguntar a Fabien o que pensava que Dragos poderia necessitar dele, Fabien estalou os dedos e um agente de execução surgiu das sombras das árvores circundantes, empurrando uma menina diante dele. A menina parecia perdida na escuridão, seus cabelos loiros brilhando como cabelos de milho, seu pequeno rosto perdido debaixo dele.

- Que é isso?

- Uma jovem Companheira de Raça, meu Senhor. Meu presente para o senhor.

Dragos contemplou a menina desamparada, impressionado. As Companheiras de Raça eram um acontecimento bastante raro entre as populações humanas, isso era certo, mas ele preferia as férteis, em idade de procriar. Essa garota não estaria pronta por vários anos, o que sem dúvida mostrava que Fabien tinha algo mais a respeito dela.

- Pode ficar com ela - disse Dragos, retomando o percurso rumo à reunião. – Faça com que seu homem conduza o barco de volta. Chamarei pelo rádio quando necessitar.

- Vá - Fabien ordenou em resposta, então voltou novamente ao lado de Dragos, tão ansioso como um cão mendigando pelas sobras. - Meu senhor, sobre a menina... na verdade, o senhor deve ver por si. Ela é dotada de um talento extraordinário que estou seguro de que o senhor saberá apreciar. Ela é um oráculo, meu senhor. Fui testemunha disso.

Contra sua vontade, a curiosidade prendeu sua atenção. Seus passos desaceleraram, e então deteve-se.

- Traga-a.

Quando ele girou ao redor, o sorriso impaciente de Fabien ficou ainda mais amplo.

- Sim, senhor.

A menina foi conduzida a ele uma vez mais, resistindo em seus passos, seus obstinados calcanhares cravando-se nas velhas agulhas de pinheiro e na areia que enchiam o pequeno cais. Ela tentou lutar contra o guarda vampiro que a segurava, mas era um esforço inútil. Ele simplesmente a empurrou para frente até que ela ficou de pé diretamente na frente de Dragos. Ela manteve seu queixo para baixo, com o olhar posto no chão.

- Levante a cabeça - Fabien ordenou, mal esperando que obedecesse, antes de pegar sua cabeça com ambas as mãos e a obrigar a olhar para cima. - Agora, abra os olhos. Vamos!

Dragos não sabia muito bem o que esperar. Ele não estava absolutamente preparado para a palidez surpreendente de seu olhar. A íris da menina era tão clara como espelhos de cristal e tão impecável que imediatamente o fascinaram e hipnotizaram. Estava vagamente consciente da emoção de Fabien, mas toda a sua atenção estava presa na menina e no incrível brilho tênue de seus olhos.

E então ele viu... um movimento brilhante na meditação pacífica. Viu uma forma movendo-se através das espessas sombras - um corpo que acreditou reconhecer como o seu próprio. A imagem ficava mais clara quanto mais olhava fixamente, absorto e impaciente por ver mais do presente que Fabien havia descrito.

Era ele.

Era seu refúgio também. Mesmo envoltas na névoa escura, as imagens que se mostravam eram intimamente familiares. Viu o laboratório subterrâneo, as celas de contenção... a jaula de luz ultravioleta que continha sua maior arma na guerra que estava preparando durante todos aqueles séculos. Tudo estava ali, revelando-se para ele através dos olhos daquela pequena Companheira de Raça.

Mas, então, um momento de alarme surpreendente.

Seu laboratório antigo, tão rigidamente assegurado e ordenado, estava em ruínas. As celas de contenção tinham sido deixadas abertas. E a jaula de luz ultravioleta... estava vazia.

- Impossível - murmurou ele, golpeado por um temor sombrio, furioso.

Ele piscou com força, várias vezes, querendo limpar a visão de sua cabeça. Quando abriu os olhos outra vez, viu algo novo nos olhos malditos da menina... algo ainda mais incompreensível.

Viu-se implorando por sua vida. Chorando, abatido. Patético. Derrotado.

- Isso é algum tipo de brincadeira de mau gosto? - a voz dele tremia tanto com a raiva como com outra coisa muito fraca para admitir. Desviou o olhar da garota e o fixou em Fabien.

- Que diabos isso significa?

- Seu futuro, senhor – o rosto de Fabien ficou completamente pálido. A boca se moveu durante um momento sem expressar som algum, então, finalmente balbuciou. - A menina... o senhor viu, ela é um oráculo. Ela me mostrou em pé aqui, nesta grande reunião, apresentando uma visão de seu futuro que o agradava enormemente. Quando vi isso, soube que tinha de guardá-la, meu senhor. Tinha de oferecê-la ao senhor, não importava o custo.

O sangue de Dragos era como lava ardendo em suas veias. Ele deveria matar esse idiota ali mesmo, só por aquele insulto.

- É óbvio que você interpretou mal o que viu.

- Não! - Fabien exclamou, agarrando a menina e girando ao redor dela. Deu a ela uma sacudida forte. – Mostre-me outra vez! Mostre que não me enganei, maldita!

Dragos observou tão imóvel como uma pedra, enquanto Fabien olhava atentamente seus olhos. O grito horrorizado do líder do Refúgio disse tudo o que ele tinha que saber. Ele cambaleou para trás, tão branco quanto uma folha de papel. Golpeado como se tivesse testemunhado sua própria morte.

- Não entendo - murmurou Fabien. - Tudo mudou. O senhor tem de acreditar, Mestre! Não sei como ela mudou a visão, mas a pequena bruxa está mentindo agora. Ela tem que estar mentindo!

-Tire-a de minha frente - Dragos grunhiu ao guarda da Agência de Execução que a sustentava. – Vou levá-la comigo quando for, mas até então, não quero ver nem um fio de cabelo dela.

O guarda assentiu com a cabeça e afastou a menina, praticamente arrastando-a até a casa.

- Senhor, eu lhe rogo - suplicou Fabien. – Perdoe-me por este... lamentável engano.

- Cuidarei de você mais tarde - disse Dragos, sem se preocupar em esconder a ameaça reflexiva no fundo de cada uma de suas palavras.

Retomou a marcha para a reunião, mais decidido do que nunca a fazer todos compreenderem de uma vez por todas sua autoridade e seu poder incomparáveis.


Capítulo 29

Estava completamente escuro quando Niko e Renata, após seguirem as coordenadas enviadas por Gideon, chegaram ao local onde ficava a propriedade de Edgar Fabien, ao norte. O líder do Refúgio evidentemente possuía um pedaço considerável de terra suficientemente longe de Montreal para que a zona ao redor permanecesse inexplorada: acre após acre de enormes coníferas e sempre-vivas, nenhuma alma sequer à vista, a não ser um ou outro veado ou alce americano que saía em disparada ao primeiro aroma de vampiro arrastando-se naquele santuário natural.

Nikolai tinha feito sozinho o reconhecimento da área nos últimos minutos. Uma casa de dois andares feita de troncos e pedra estava enfiada em um canto do bosque. Um estreito caminho sem pavimentação e apenas largo o suficiente para um veículo cortava as árvores na parte da frente da casa. Niko contornou essa vida escondido pela vegetação e viu dois Agentes da Lei vestidos com roupas da SWAT, postados no meio do caminho, e os três grandes Humvees estacionados em fila única bem diante da porta principal da casa. Três outros guardas vampiros com rifles M16 cobriam a entrada. Leste e oeste estavam também sob vigilância com um sentinela armado.

Embora não imaginasse que eles tivessem deixado a parte traseira da propriedade vulnerável, Niko se moveu ao redor daquele caminho para ter uma ideia da extensão do terreno. Ouviu o suave som de água mesmo antes de ver o tranquilo lago e o cais vazio na borda, a cerca de trezentos metros atrás da casa. Lá, outra dupla de Agentes permanecia de guarda.

Maldição.

Entrar no lugar para pegar Fabien não seria fácil. A menos que ele e a Ordem atacassem por cima, se quisessem tirar o sócio de Dragos dali teriam de passar por alguns guardas da Agência no processo, sem considerar o grupo desconhecido de vampiros da Raça que tinha acompanhado o líder do Refúgio de Montreal até ali na noite passada. Capturar Fabien naquela noite sem muitas baixas civis beirava o impossível, principalmente quando o resgate de Mira era acrescentado à equação. Portanto, o reconhecimento feito por Niko dava conta de que a coisa seria feia. Muito feia.

E havia ainda a situação com Renata.

Uma das coisas mais difíceis que Nikolai já fizera fora passar o dia inteiro com ela, sabendo que a tinha enganado. Ele queria dizer-lhe, depois que fizeram amor, depois que ela o honrou com o presente de seu sangue e com o vínculo completo que agora os unia eternamente. Quis dizer-lhe uma dúzia de vezes, em uma dúzia de momentos diferentes, mas, egoísta, mantivera a verdade oculta para a própria proteção dela. Ele ainda mantinha a esperança de que ela compreendesse sua cautela - que ela poderia inclusive ficar agradecida que ele a tivesse feito esperar para saber a localização de Mira até que ele e os outros guerreiros da Ordem tivessem uma oportunidade sólida de criar uma estratégia de resgate.

Sim, o macho da Raça seguia se dizendo essas coisas porque não queria sequer considerar outras alternativas.

Afastando o arrependimento que perseguia seus passos e o medo que seguia arrastando-se por trás de seu pescoço, Nikolai se moveu para uma melhor posição de acesso aos bosques. Olhou através dos ramos de pinheiro e observou vários dos ocupantes da casa enquanto eles passavam por uma janela no andar térreo. Fez uma rápida contagem dos vampiros da Raça encapuzados enquanto eles andavam a passos largos e em grupo para outra sala. Cinco, seis, sete... e então outro, este sem o capuz negro cobrindo-lhe o rosto.

Ah! Jesus Cristo!

Nikolai o conhecia. Ele tinha visto o filho da mãe de perto e pessoalmente apenas algumas semanas antes, quando uma missão da Ordem tinha-lhe enviado a um encontro com um dos oficiais do mais alto escalão na Agência da Lei. Naquele momento, o homem usava um pseudônimo - um dos dois nomes falsos que a Ordem tinha descoberto não fazia muito tempo. Agora eles conheciam o bastardo por seu verdadeiro nome, o nome que o Primeira Geração traidor que fora seu pai carregava antes também.

Dragos.

Maldição.

Durante semanas a Ordem havia investigado exaustivamente à procura de Dragos, tudo sem êxito. Agora, ele estava ali, na frente deles, como um peixe em um barril. O bastardo estava ali. E, maldito seja, ele ia cair - naquela noite.

Niko recuou para a mata cerrada, então arrastou o traseiro na direção sul, onde tinha deixado Renata no SUV da Agência que roubaram. Mal podia esperar para ligar para Tegan e Rio e lhes dar essas boas notícias.

A confusão e a angústia de Edgar Fabien por causa do fracasso de seu presente para Dragos assombrava-o como um fantasma enquanto ele e os outros seguiam o recém-chegado líder à sala de conferências no abrigo ao norte. Ele sabia que era perigoso, geralmente mortal, desagradar Dragos, algo que tinha evitado muito bem até agora. Mas ele também sabia – assim como o resto dos vampiros da Raça reunidos ali para aquele encontro – que Dragos os tinha juntado por um objetivo específico. Aquela seria uma noite histórica. Eles seriam recompensados, Dragos prometera, pelos anos de parceria oculta e lealdade a um objetivo comum.

Depois de tanto tempo e esforço adulando Dragos durante as últimas décadas, Fabien só rezava que não tivesse jogado tudo fora naquele instante infeliz perto do cais.

- Sentem-se - Dragos ordenou, tomando seu lugar na frente da sala de reuniões. Assistiu enquanto Fabien e os outros seis, todos ocultos atrás de seus capuzes negros, ocupavam as cadeiras reunidas ao redor do bloco de granito polido que servia como mesa de conferências. - Nós nos reunimos aqui nesta sala porque compartilhamos um interesse comum: o atual e o futuro estado de nossa Raça.

Fabien assentiu sob seu capuz, assim como o fizeram os outros ao redor da mesa.

- Compartilhamos um ressentimento comum pela corrupção de nossas descendências pela mancha de humanidade e pela maneira ambiciosa com a qual os que estão no poder dentro da Raça escolheram nos governar com respeito à inferioridade humana. Desde que as primeiras sementes da Raça foram semeadas neste planeta, os vampiros degeneraram-se em uma vergonha grande e triste. A cada nova geração nascida, nossa descendência cresce mais e mais mesclada com a humanidade. Nossos líderes preferem que nos ocultemos dos Homo sapiens, todos com medo de serem descobertos, e mascaram essa covardia com leis e políticas supostamente feitas para proteger o segredo de nossa existência. Ficamos debilitados pelo medo e pelo segredo. Já é hora de isso mudar e precisamos de um novo e poderoso líder.

Agora os assentimentos chegaram mais vigorosos, os acordos murmurados mais fervorosamente.

Dragos começou a dar passos sem pressa na frente da sala, suas mãos juntas e frouxas atrás das costas.

- Nem todos partilham de nosso desejo de reverter radicalmente as falhas passadas e restaurar a Raça a uma posição de poder. Nem todos veem o futuro que nós vemos. Alguns diriam que o preço é muito alto, que os riscos são muito grandes. Mil desculpas para explicar por que a Raça deveria manter seu status quo e não dar os passos firmes requeridos para aproveitar o futuro a que temos direito.

- Ouça, ouça - Fabien interferiu, ansioso por aquele futuro que o lambia como uma chama.

- Estou encantado com o fato de que todos vocês nesta sala entendam que passos firmes devem ser tomados - disse Dragos. - Cada um de vocês, individualmente, tem tido um papel no avanço de nossa visão ao seguinte nível. E vocês o fizeram sem questionar, sem conhecer uns aos outros... até agora. Nosso próprio momento de segredo terminou. Por favor - disse ele -, tirem seus capuzes e nos deixem começar a mais nova fase de nossa aliança.

Fabien estendeu a mão para o pano negro que lhe cobria a cabeça, a insegurança fazendo seus dedos duvidarem. Deteve-se até que alguns dos outros assistentes tiraram seus capuzes antes de encontrar coragem para tirar o seu.

Por um momento, nenhum dos vampiros da Raça disse uma palavra. Olhadas passaram ao redor da mesa, alguns presunçosos com reconhecimento de olhares conhecidos, outros cautelosos pelos estranhos que agora, com essa confissão de mal-intencionada traição, tinham se tornado seus mais profundos aliados. Fabien conhecia vários dos rostos que lhe devolveram o olhar - todos eles de Refúgios de alto escalão ou oficiais da Agência da Lei, alguns dos Estados Unidos e outros do exterior.

- Somos um conselho de oito - anunciou Dragos. - Como os Antigos que chegaram aqui há tanto tempo. Somos, todos nós, a segunda geração de filhos desses poderosos extraterrestres. Logo, uma vez que o último vampiro Primeira Geração for eliminado, estaremos entre os mais velhos e mais poderosos de nossa Raça. Cada um de vocês ajudou nesse esforço, seja oferecendo as localizações dos membros que restavam de nossa primeira geração, seja apoiando a causa oferecendo Companheiras de Raça para levar as sementes de nossa revolução.

- E quanto à Ordem? - perguntou um dos assistentes europeus, seu sotaque alemão afiado como uma lâmina de barbear. - Há dois guerreiros Primeira Geração com quem ainda temos de lutar.

- E o faremos - disse Dragos, sem problemas. – Vou planejar o ataque direto na Ordem muito em breve. Depois do recente golpe contra mim, será um prazer pessoal enterrar a operação da Ordem e ver os guerreiros e suas Companheiras encontrarem a morte.

Um diretor da Agência da Costa Oeste dos Estados Unidos inclinou-se para trás em sua cadeira e arqueou as sobrancelhas castanhas.

- Lucan e seus guerreiros já sobreviveram a outros ataques antes. A Ordem existe desde a Idade Média. Eles não cairão sem luta. Uma luta dura e sangrenta.

Dragos riu.

- Ah! E eles sangrarão. E se tudo sair como espero, vão pedir misericórdia e não receberão nenhuma. Não do poderoso exército que terei às minhas ordens.

- Quando começaremos a criar esse exército? - alguém no grupo perguntou.

O sorriso de Dragos se encheu de malícia.

- Começamos faz 50 anos. Na verdade, essa revolução começou há muito mais tempo do que isso. Muito mais.

Todos os olhos estavam cravados nele enquanto ia a passos largos até um laptop que Fabien tinha mandado deixar preparado na sala. Enquanto digitava algo, o grande monitor plano da sala de conferências se elevou do chão. Dragos digitou mais outras coisas e logo o monitor piscou, mostrando o que parecia ser um laboratório.

- Uma conexão por satélite com uma de minhas fortalezas - explicou, usando o touchpad para controlar remotamente a câmera. - É aqui onde estive juntando as peças do quebra-cabeças - a câmera vagou para um muro de cilindros criogênicos codificados, depois passou por um grupo de microscópios, computadores e tubos de DNA alinhados nas mesas. No meio de todo aquele equipamento, vários Subordinados cientistas vestidos com máscaras e jalecos brancos.

- Parece um laboratório de genética - disse o alemão.

- E é - respondeu Dragos.

- Que tipo de experimentos está fazendo?

- De todo tipo - Dragos voltou para o teclado e teclou outra sequência de comandos. A câmera do laboratório apagou e foi substituída por outra: essa era um ângulo panorâmico de um longo corredor com celas de prisão. Embora da posição da câmera fosse difícil distinguir algo além das mais rudimentares formas, era óbvio que as celas continham mulheres, algumas delas com crianças.

- Companheiras de Raça - tomou fôlego Fabien. - Deve haver vinte ou mais ali.

- Elas nem sempre sobrevivem aos testes, de modo que o número tende a variar - disse Dragos, em tom de conversa. - Mas tivemos nossos êxitos com o processo de reprodução. Essas mulheres e as que viveram antes delas estão dando a luz ao maior exército que este mundo jamais viu. Uma brigada de assassinos Primeira Geração que estarão sob minhas ordens.

Um silêncio tão grande como uma capa de inverno caiu sobre a reunião.

- Primeira Geração? - perguntou o diretor da Costa Oeste. - Isso não pode ser possível. Seria preciso um dos Antigos para produzir uma primeira geração de vampiros da Raça. Todos foram exterminados pela Ordem faz uns 700 anos. O próprio Lucan declarou Guerra a todos os Antigos e se certificou de que nenhum sobrevivesse.

- Certificou-se? - sorriu Dragos, mostrando as pontas de suas presas. - Acredito que... não.

Com uns poucos golpes mais de teclado, mostrou as imagens de outra câmera na conexão do satélite. Dessa vez, o foco se localizava em uma grande sala cheia de segurança, que tinha em seu centro uma cela cilíndrica construída com raios de luz. Os raios ultravioleta emitidos da jaula de barras verticais estavam piscando, inclusive na tela.

E dentro dessa jaula de raios ultravioleta havia uma criatura nua e sem cabelo que, de pé, mediria dois metros. Seu corpo nu era imenso, cada polegada coberta de dermoglifos. Ele elevou a vista enquanto as lentes da câmara zumbiam sobre ele de algum lugar da câmara. Pupilas e olhos âmbar, mas devoradas pelo fogo que ardia fora de suas órbitas, reduzido com letal consciência. A criatura saiu de sua posição de cócoras e se preparou para atacar, só para receber de novo o calor das barras ultravioleta que o deixavam prisioneiro. Abriu a boca e soltou um rugido furioso que não precisou ser ouvido para ser entendido.

- Meu Deus - mais de um dos assistentes ofegou.

Dragos lançou um olhar mortalmente sóbrio sobre o grupo.

- Admirem... nossa revolução.

O celular de Lex vibrou no centro do console do SUV. Renata o pegou e olhou a tela: Número desconhecido.

Inferno.

Ela não podia estar segura se a chamada era para Lex ou para Nikolai, já que o guerreiro da Raça estava usando o telefone para chamar e receber chamadas da Ordem. Ela não sabia há quanto tempo ele tinha saído para fazer o reconhecimento e estava a ponto de perder a cabeça esperando por ele. Ela precisava fazer algo. Ao menos, precisava sentir que estavam fazendo algum progresso para encontrar Mira logo...

O celular continuou vibrando em sua mão. Ela pressionou o botão de atender, mas não disse nada. Apenas deixou que a pessoa se revelasse primeiro.

- Olá? Niko? Você está aí, hermano? - a profunda voz denotava um acento espanhol, tão quente e suave como caramelo. - É Rio, cara...

- Ele não está aqui - disse Renata. - Estamos no lado norte da cidade, esperando que vocês cheguem. Nikolai saiu para fazer um reconhecimento da área. Não deve demorar muito.

- Bem - disse o guerreiro. - Já estamos quase chegando, demoraremos aproximadamente 45 minutos. Você deve ser Renata.

- Sim.

- Quero agradecê-la por você ter salvado o traseiro de nosso garoto aí. O que fez foi... bem, ele tem sorte de tê-la ao seu lado. Todos temos - ela podia ouvir a genuína preocupação e gratidão na voz do vampiro, e ficou demasiado curiosa por conhecer os outros guerreiros que Nikolai chamava de amigos. - Está tudo bem aí? Você está bem?

- Estou bem. Só ansiosa para que tudo isto acabe essa noite.

- Entendo - respondeu Rio. - Niko nos contou sobre a menina, Mira. Lamento pelo que você está passando, sabendo que um doente como Fabien está com ela. Sei que não deve ter sido fácil esperar o dia todo para se encontrar conosco.

- Não, não foi. Sinto-me tão inútil - confessou ela. - Odeio esse sentimento.

- Lamento tudo isso. Não vamos deixar que nada aconteça com ela esta noite quando entrarmos lá, Renata. Tenho certeza de que Nikolai explicou para você que pôr nossas mãos em Edgar Fabien é fundamental para a Ordem, mas vamos dar o nosso melhor para que a menina saia de toda esta situação bem.

Um súbito frio impregnou seu peito enquanto as palavras de Rio se afundavam em sua mente.

- O que disse?

- Que ela vai ficar bem.

- Não... isso de que você não deixarão que nada aconteça... lá dentro...

Do outro lado da linha, um longo silêncio.

- Ah! Cristo! Niko não lhe disse nada sobre o vídeo que temos do Refúgio de Fabien de ontem à noite?

O calafrio em Renata congelou, o gelo estendendo-se do peito aos seus membros.

- Um vídeo... de ontem à noite? - respondeu ela paralisada. - O que havia nele? Você viu Mira? Ah! Deus! Fabien fez algo? Diga-me!

- Madre de Dios - disse com uma larga exalação. - Se Niko não lhe disse isso... não tenho certeza de que devo lhe contar agora.

- Fale, maldição.

Ela ouviu um estrondo de conversa rápida ao fundo antes que Rio finalmente cedesse.

- A menina está com Fabien e com outros que ainda não identificamos. Pegamos a informação de uma câmera de segurança no Refúgio de Fabien. Eles partiram ontem à noite e nós os seguimos até a propriedade onde está agora.

- Ontem à noite - murmurou Renata. - Fabien está com Mira aqui... desde ontem à noite. E Nikolai? Vai me dizer que ele sabia? Quando ele ficou sabendo disso tudo? Quando?

- Tenho que pedir que aguente aí um momento mais - disse Rio. - Vai ficar tudo bem...

Renata sabia que o guerreiro ainda estava falando, ainda estava tentando acalmá-la, mas sua voz se apagou lentamente de sua consciência conforme uma profunda cólera e um profundo medo - uma dor tão desmedida que ela acreditava que poderia despedaçá-la – tomou conta de si. Ela desligou o telefone, cortando a chamada e deixando o aparelho cair no chão, aos seus pés.

Mira estava ali desde a noite passada, com Fabien. Todo este tempo. E Nikolai sabia.

Ele sabia, e escondeu isso dela. Ela poderia estar aqui há horas – nas horas de sol - fazendo algo, algo para salvar Mira. Em vez disso, Nikolai tinha ocultado deliberadamente a verdade e, como resultado, ela não tinha feito nada.

Não totalmente nada, ela admitiu, golpeada pela culpa por causa do prazer que tinha desfrutado com Niko enquanto Mira estava sozinha perto dali.

- Ah! Deus! - ela sussurrou, sentindo-se enjoada diante daquele pensamento.

Estava vagamente consciente dos passos aproximando-se do veículo, seus sentidos elevando-se antes que sua mente pudesse processar o som. O vínculo de sangue que agora compartilhava com Nikolai lhe disse que era ele antes que sua sombra aparecesse. Ele abriu a porta do carro esportivo e entrou.

- É Dragos - disse ele, procurando no console, no painel e no assento pelo celular. - Maldito seja, não posso acreditar nisso, mas era ele. Acabei de ver o filho da mãe dentro da casa com Fabien e com os outros. Dragos está aqui, ao nosso alcance. Onde diabos está aquele telefone?

Renata o olhou fixamente, vendo um estranho enquanto ele se inclinava para a frente e estendia a mão para apanhar o celular que estava aos pés dela, no chão do veículo. Ela mal ouvia o que estava dizendo. Mal se preocupava agora.

- Você mentiu para mim.

Ele se voltou para trás, com o telefone de Lex na mão. O rangido de adrenalina que tinha iluminado seus olhos se reduziu um pouco quando encontrou seu olhar.

- O quê?

- Eu confiei em você. Você me disse que eu podia confiar em você, que podia contar com você, e o fiz. Acreditei em você e você me traiu - ela tragou a saliva passando o terrível nó de sua garganta e forçando a si mesma a pronunciar as palavras. - Mira está aqui. Está aqui com Fabien desde ontem à noite. Você sabia disso... e não me disse nada.

Ele estava calado, mas sequer tentou negar o que ela dizia. Ele olhou o telefone em sua mão como se acabasse de se dar conta de como ela tinha descoberto.

- Eu podia estar aqui, Nikolai. Há horas, podia estar aqui, fazendo algo para tirar Mira das mãos desse monstro!

- Motivo pelo qual eu não lhe disse nada - disse amavelmente.

Ela sentia o coração quebrado.

- Você me traiu.

- Fiz isso para protegê-la. Porque te amo.

- Não - disse ela, agitando a cabeça para evitar ser feita de idiota de novo. - Não. Não diga isso. Como pode dizer isso quando usou todas essas palavras para me manter distraída, para me fazer acreditar que realmente se preocupava comigo enquanto você e seus amigos da Ordem faziam planos pelas minhas costas?

- Não foi assim. Nada do que aconteceu entre nós hoje... nada do que eu disse tem a ver com a Ordem. Hoje era você e eu... era sobre nós.

- Grande merda!

Ele estendeu a mão para ela e ela recuou, mantendo-se fora do alcance dele. Ela abriu a porta e saiu do carro, mas ele estava fora do veículo, a seu lado, bloqueando-a com o enorme corpo, tão rápido que ela sequer pôde dar um passo.

- Afaste-se de mim, Nikolai.

- Aonde você vai? - perguntou ele gentilmente.

- Não posso me sentar aqui por mais tempo e não fazer nada - ela deu um passo, mas ele continuava ali. A sutileza desapareceu rápido, substituída por uma firmeza que dizia que ele a manteria amarrada se fosse necessário.

- Não posso deixar que você faça isso, Renata.

- Essa não é uma escolha sua - ela respondeu, tremendo com medo e indignação. - Que droga, nunca foi uma escolha sua!

Ele grunhiu uma maldição e a agarrou.

Renata mal percebeu o que tinha feito até que ele ficou paralisado, segurando a cabeça entre suas mãos. Ele sibilou, seus olhos pulsando brilhos âmbar enquanto lhe dirigia um olhar horrorizado e furioso.

- Renata. Não faça isso.

Ela o atacou de novo, todo seu medo por Mira e sua dor por causa da traição verteram dela uma corrente castigadora de dor mental. Nikolai caiu de joelhos, rugindo e retorcendo-se pela dor que ela tinha desencadeado nele.

Renata se afastou do guerreiro, no bosque, antes que se permitisse ser dissuadida pelo arrependimento crescente dentro de si.


Capítulo 30

A casa estava sob forte armamento, guardada por todos os lados. Era impossível entrar sem ser notado por pelo menos um dos agentes de execução vestidos com roupas parecidas com as da equipe antiterrorista da SWAT. Todos eles ostentavam uma expressão do tipo “atire primeiro e pergunte depois”, desde a escura viseira do capacete preto e dos equipamentos de combate até os rifles automáticos pendurados no corpo.

Graças aos agentes que tinham invadido a casa de Jack na noite anterior, Renata e Nikolai tinham conseguido transporte, uniforme e armas. Ela não tinha a ilusão de que teria a sorte de chegar ao edifício, mas, à primeira vista, vestida como eles, os agentes de plantão podiam pensar que ela era um dos seus.

Ela colocou o capacete que tinha trazido consigo do SUV e fechou o visor colorido. Adotando a melhor postura de soldado que podia, saiu da mata e se aproximou do vampiro que guardava o lado oeste da casa.

O agente a viu imediatamente.

- Henri? Que porcaria você estava fazendo lá fora?

Renata deu de ombros, ergueu o braço bom em um gesto de “vá se ferrar”. Ela não correria o risco de falar com ele, arriscaria no máximo usar sua arma para tirar esse obstáculo do caminho. Mas se o derrubasse, teria toda a segurança em seu traseiro. Não, ela tinha de manter a calma e apenas seguir caminhando na direção dele com a esperança de que ele não abrisse fogo se suspeitasse de algo.

- Qual o problema com você, idiota?

Renata deu de ombros novamente. Chegando mais perto.

Seus dedos coçavam para fazê-lo voar - ele era um alvo fácil ali parado como um tronco, mas o mais leve cheiro de sangue derramado chamaria a atenção de todos os vampiros ao redor. Renata sabia que tinha de aproximar-se o suficiente para alcançá-lo com a mente. Sua única opção era atingi-lo com uma explosão rápida e sólida.

- Ingrato dos infernos. Henri, volte ao seu posto - disse o agente, grunhindo. Estendeu a mão para um pequeno dispositivo de comunicação em seu cinto. - Estou chamando Fabien para denunciá-lo. Se quiser irritá-lo, vá em frente, mas eu não quero fazer parte disso...

Usando todo seu poder, Renata lançou uma descarga selvagem de energia a partir de sua mente e a enviou ao vampiro diante de si. Suas palavras sufocaram com um grunhido e ele caiu como uma pedra. Ela manteve a descarga até que ele ficou em silêncio. Quando estava certa de que ele estava morto, inclinou-se e tirou-lhe a arma e o rádio.

Renata abriu a porta de entrada lateral e deu uma rápida olhada na área interna. Estava vazia. Ela deslizou para dentro, o coração martelando no peito, a respiração ofegante contra a viseira fechada do capacete.

Depois de toda a fúria que ela sentira por Nikolai não ter contado que Mira estava ali com Fabien, agora ela tinha gratidão para com a Ordem pela prova visual da localização da criança. Era tarde demais para saber como tinham ficado as coisas com Nikolai. Tarde demais para se preocupar se deveria ter esperado por ele e por seus companheiros de armas para apoiá-la. Parte dela sabia que tinha sido injusta, mas tinha ido muito longe para voltar.

Ela tomou uma decisão impulsiva e emocional baseada em sentimentos feridos. Foi uma decisão que poderia custar a amizade que tinha com Nikolai - talvez até mesmo seu amor -, mas mesmo já lamentando, aquilo não podia ser desfeito. Nikolai poderia nunca perdoá-la por colocar em risco sua missão e ela entenderia se ele não a perdoasse.

Agora, ela podia apenas rezar para que Mira não pagasse o preço daquilo tudo.

Niko despertou com o zumbido irritante de um celular ao lado de sua cabeça. Ele estava no chão ao lado do veículo. Não fazia ideia de quanto tempo estava ali. O celular vibrou novamente, mexendo na grama e nas folhas secas que se espalhavam pelo chão da floresta. Usou quase toda a sua força para mover a mão e pegar o maldito aparelho. Desajeitadamente, atendeu. Tentou dizer algo, mas apenas conseguiu soltar um grunhido seco.

- Alô - disse ele mais uma vez, forçando seus membros a se arrastarem e se apoiarem na roda dianteira do SUV.

- Niko? - a voz de Rio veio do outro lado do receptor, pesada com a preocupação. - Você parece uma porcaria, hermano. Fale comigo. O que está acontecendo?

- Renata - disse ele, segurando a cabeça nas mãos. – Está enlouquecida...

Rio amaldiçoou.

- Sim, deduzi isso. A culpa é minha, cara. Não sabia que ela não estava a par sobre a menina ter sido levada na noite passada.

- Ela sumiu - Niko disse. Notou que todos os seus sentidos começaram a voltar como se um interruptor em um gerador de energia fosse ligado dentro dele. - Ah! Caramba, Rio.... eu a enfureci e agora ela foi em busca de Mira por conta própria.

- Madre de Dios.

Na outra ponta da linha, Niko ouviu Rio dar a Tegan e aos outros um rápido esboço da situação.

- Isso não é o pior, cara - acrescentou Nikolai, ignorando a dor do tiro em sua cabeça enquanto se levantava do chão e dava uma corrida impressionante para a parte traseira do SUV. - A reunião de Fabien é maior do que pensávamos... Dragos está aqui também.

- Você tem certeza disso?

- Eu vi o desgraçado com meus próprios olhos. Ele está aqui. Nikolai foi pegar as armas automáticas na parte traseira tão rápido quanto seus braços lentos poderiam se mover. Ele cobriu o corpo com fuzis, enfiou uma pistola na parte traseira de seu uniforme roubado do Agente de Execução e outra em um coldre no tornozelo. - A casa está cercada por guardas, então quando vocês chegarem aqui, entrem a pé e se dividam.

- Niko, o que você está fazendo?

Ele não respondeu; sabia que seu velho amigo não gostaria da resposta. Em vez disso, carregava com munição tudo o que pudesse.

- Há dois homens no meio do estacionamento e três na frente. Retire-os primeiro e terão o caminho limpo.

- Nikolai - a voz de Rio era baixa, em forma de advertência. - Hermano, você não está pensando direito agora... não.

- Ela está lá dentro, Rio. Com Dragos, Fabien e sabe Deus quem mais... e ela está sozinha. Eu vou atrás dela.

Rio soltou uma palavra desagradável em espanhol.

- Fique atento. Estamos a dez minutos de distância e estamos acelerando, cara.

Niko fechou a parte de trás do SUV.

- Vou dar uma olhada no entorno.

- Caramba, Nikolai, se essa mulher quer se matar, isso não é problema seu. Nós vamos ajudá-la no que pudermos, mas...

- Ela é minha companheira, Rio - Nikolai soprou uma maldição. - Estamos ligados pelo sangue... e eu a amo. Eu a amo mais do que minha própria vida.

O suspiro do guerreiro soou pesado com compreensão e derrota.

- Suponho que não há necessidade de lhe dizer que você desafiará as ordens diretas de Lucan se for lá agora. Se Dragos está no lugar, isso torna as coisas ainda mais críticas e você sabe disso. Precisamos que você fique onde está e espere por ajuda.

- Não posso fazer isso - respondeu Nikolai.

Ele desligou o telefone e o atirou pela janela do motorista. Então, partiu para encontrar sua mulher.


Capítulo 31

Dragos se permitiu deleitar-se com o temor de seus subalternos quando eles observavam o Antigo preso na cela de raios ultravioleta sendo mostrada na tela. Do assombro de seus rostos – a absorta incredibilidade –, qualquer um pensaria que ele tinha conseguido capturar a luz em uma garrafa. Na verdade, o que tinha conseguido nas últimas décadas era algo ainda maior. Os sete machos da Raça que se reuniram com ele no quarto já o olhavam como um deus justamente por isso. Ele era o arquiteto de uma revolução que iria virar o planeta inteiro de cabeça para baixo. Naquela noite, eles testemunhariam a história e o começo de um futuro que ele tinha projetado pessoalmente.

- Como isso é possível? - alguém murmurou. - Se realmente é um dos Antigos que foi pai de nossa Raça, como sobreviveu à guerra com a Ordem?

Dragos sorriu enquanto andava mais perto da tela.

- Meu pai era um membro original da Ordem... mas foi, em primeiro lugar, o filho dessa criatura. Durante o banho de sangue perpetrado pela Ordem, quando Lucan declarou guerra aos Antigos, meu pai e seu pai alienígena fizeram um pacto. Em troca do poder compartilhado no futuro, meu pai iria escondê-lo até a histeria passar. Infelizmente, depois de fazer sua promessa, meu pai não sobreviveu à guerra. Mas o Antigo sim, como podem ver.

- Então, pretende cumprir o acordo de seu pai com essa... coisa? - Fabien perguntou, sua expressão como a de um cãozinho que acabara de perder o osso para um lobo selvagem.

- O Antigo está totalmente sob meu controle. Ele é uma ferramenta que utilizo quando e como for melhor para mim e para nossa causa.

- Como assim? - perguntou outro homem do grupo.

- Permitam-me dar-lhes uma demonstração.

Dragos caminhou até a porta da sala de conferências. Estalou os dedos para o Caçador que esperava lá fora, então, virou de volta para seus associados conforme o grande Primeira Geração o obedecia.

- Tire a camisa - ele ordenou ao Caçador.

O enorme macho obedeceu em silêncio, desnudando os ombros enormes e o peito sem pelos coberto por uma densa rede emaranhada de glifos. Mais de uma cabeça se voltou para o monitor para comparar as marcas da pele hereditárias da criatura contido dentro da célula ultravioleta.

- Eles têm dermoglifos semelhantes - Fabien engasgou. - Esse macho é da família do Antigo?

- Filho de Primeira Geração, criado com o único propósito de servir à causa - disse Dragos. - Todos os Caçadores de meu exército pessoal são os mais fortes, as armas mais letais do mundo. Eles foram especialmente criados e treinados sob minha orientação. São assassinos e infalivelmente leais a mim.

- Como pode estar certo disso? - perguntou o líder do Refúgio de Hamburgo, um homem sagaz que, sem dúvida, apreciaria a demonstração em tempo real que Dragos tinha em mente.

- Você percebe que o Caçador usa uma coleira. É um dispositivo de monitoramento GPS, mas também está equipado com um laser ultravioleta. Cada Caçador usa uma desde o momento em que começa a andar. Posso acompanhar todos os seus movimentos, localizá-los em um instante. E se me desagradam de qualquer maneira, basta um simples controle remoto para o laser ser ativado e emitir uma luz ultravioleta fina como uma navalha no pescoço do Caçador, cortando sua cabeça – disse Dragos, lançando um olhar significativo ao Caçador rigidamente em pé ao seu lado.

Um ou dois homens na mesa trocaram olhares desconfortáveis.

Foi o alemão quem falou primeiro, os olhos brilhantes.

- O que acontece se o colar for adulterado, ou removido?

Dragos sorriu, não para o alemão, mas para o próprio Caçador.

- Que tal vermos?

Apesar de seu instinto gritar para que entrasse como um ladrão à espreita, Renata caminhou pelo corredor oeste do covil de seus inimigos como se tivesse todo o direito de estar lá. Ela ouviu o baixo ruído de conversa masculina vindo de uma das grandes salas nos fundos. Em outra parte da casa, não havia nada além de calma, até que...

Soluços suaves de uma criança chegavam a partir de uma escada que conduzia ao segundo andar.

Mira.

Renata voou pelos degraus e seguiu os soluços até o final do corredor. A porta do quarto estava trancada pelo lado de fora. Ela passou a mão na parte superior do batente, mas não encontrou chave alguma.

- Maldição – sussurrou, tirando uma de suas lâminas da lateral da calça. Enfiou-a no ponto entre a porta e o batente, bem acima da fechadura, e fez uma alavanca dura. A madeira rachou, afrouxando um pouco. Mais duas vezes e, finalmente, tinha espaço suficiente para abrir. Com agitação e mãos ansiosas, Renata abriu a porta.

Mira estava lá dentro, graças a Deus.

Estava sem véu e assim que olhou para cima e viu a figura vestida de preto entrando na sala, encolheu-se no canto com terror absoluto.

- Mira, sou eu - disse Renata, abrindo a viseira escura. - Está tudo bem agora, querida. Estou aqui para levá-la para casa.

- Rê!

Ajoelhando-se, Renata estendeu os braços. Com um pequeno grito, Mira voou para seu abraço.

- Ah, minha ratinha! - Renata sussurrou, dando beijos aliviados na cabeça loira da garota. - Fiquei tão preocupada com você. Desculpe-me por eu não ter vindo mais cedo. Está tudo bem, querida?

Mira assentiu com a cabeça, os braços pequenos em volta do pescoço de Renata.

- Eu estava preocupada com você também, Rê. Eu estava com medo de nunca mais voltar a vê-la.

- Eu também, querida. Eu também - Renata odiava ter de soltá-la, mas ainda tinha que sair de lá antes que Fabien e seus companheiros chegassem. Ficou de pé, levantando Mira nos braços. - Temos que correr agora. Agarre-se em mim, certo?

Renata ainda não tinha descido dois degraus com a criança quando as explosões rápidas de tiros irromperam de todas as direções em algum lugar fora da casa.

Dragos estava ansioso para demonstrar a beleza tecnológica da coleira de raios ultravioleta que o Caçador usava quando o inferno desabou fora da reunião. Ele disparou um olhar mortal a Edgar Fabien quando o grupo pulou de seus assentos em alarme atordoado.

- O que está acontecendo lá fora? - exigiu de seu anfitrião. - Essa é outra de suas incompetências?

O rosto estreito de Fabien tinha uma sombra pálida.

- Eu... não sei... senhor. Seja o que for, tenho certeza de que meus agentes resolverão.

- Ao diabo seus agentes! - Dragos rugiu. Ele tateou para o rádio e emitiu uma ordem para o motorista levar o barco. Em seguida, olhou para o rosto do Caçador. - Fora, agora. Cuide disso. Mate todos que cruzarem seu caminho.

O Caçador - o soldado altamente treinado, obediente e impecável - apenas ficou ali, imóvel como um pilar de pedra.

- Fora. Eu ordeno!

- Não.

- O quê? - Dragos não podia acreditar em seus ouvidos. Ele sentiu os olhares de seus subordinados fixos nele. Ele podia sentir a descrença deles, a dúvida deles. Um silêncio floresceu, maduro, com a expectativa. - Eu lhe dei uma ordem direta, Caçador. Faça-o, ou vou acabar com você aqui e agora.

Com tiros chegando aos muros da casa, o Caçador teve a audácia de olhar Dragos nos olhos e balançar a cabeça.

- De qualquer forma, estou morto. Se quer que eu lute para que você possa viver, desative o meu colar.

- Como ousa sequer sugerir...

- Está perdendo tempo - disse ele, aparentemente imperturbável com caos crescente à sua volta. - Liberte-me deste colar, seu filho da mãe arrogante.

Nesse momento, um dos fracos vigias de Fabien apareceu correndo pela porta entreaberta.

- Senhor, estamos sendo alvejados por todos os lados. Não podemos ter certeza ainda, mas deve haver um exército na floresta nos cercando.

- Ah! Jesus! - Fabien engasgou. - Vamos todos morrer!

Dragos rosnou em fúria, sem a menor confiança de que os guardas de Fabien pudessem encontrar seus próprios traseiros, muito menos proporcionar uma cobertura adequada para o grupo de machos da Raça de alto escalão que estavam olhando naquele momento para Dragos como seu líder para ajudá-los a fugir. Esperando que ele decidisse se os salvaria ou se deixaria a prometida revolução cair por terra.

- Terminamos por aqui - ele rosnou. - Todo mundo para fora pela porta de trás, para o barco. Sigam-me.

Quando o grupo começou a sair em torno dele, Dragos lançou um olhar ameaçador por cima do ombro para o Caçador. Ninguém disse uma palavra – o ódio mútuo era suficiente para ler em seus olhares quando Dragos pôs a mão no bolso e pegou o dispositivo que controlava a coleira do Caçador e digitou o código que a desativava.

No instante que a coleira se desligou, o Caçador estendeu a mão e a arrancou do pescoço. Então, com um olhar de descrença, de fria determinação, ele caminhou para fora da porta em direção ao caos que se estendia do lado de fora.


Capítulo 32

Nikolai sorriu sozinho quando sua tática de distração criou uma confusão repentina e maciça em todo o complexo. Os Agentes em guarda corriam precipitadamente em pânico total, mais de um recebeu um golpe da explosão de disparos que vinham de todas as direções do bosque. Niko ordenou que uma videira enrolasse os ramos no gatilho de sua última M16 escondida.

Quando a videira fez como as anteriores, segurando o fuzil no alto e aplicando uma pressão cada vez maior no gatilho, o galho verde ficou mais grosso e mais forte, então Niko correu para a entrada lateral da casa.

Não foi difícil encontrar Renata. Seu vínculo de sangue era um farol para ele, levando-o através da parte traseira do lugar para um voo por cima das escadas. Renata estava descendo com Mira apertada nos braços. Ela encontrou o olhar dele e, por um instante infinito, nenhum dos dois disse uma palavra. Nikolai queria dizer como estava arrependido, e como estava aliviado por ela ter encontrado a criança ilesa.

Ele tinha mil coisas que queria dizer a Renata naquele momento, principalmente que a amava e que sempre a amaria.

- Rápido – ele murmurou. - Precisamos sair daqui agora.

- O tiroteio está por toda parte - disse Renata, a preocupação marcando suas feições. - O que está acontecendo?

- Apenas diversão. Tive que criar uma oportunidade para conseguir tirar você daqui.

Ela parecia aliviada, mas só por um segundo.

- Fabien e os outros... Eu os ouvi saindo pelo caminho de trás há alguns minutos.

- Estou trabalhando nisso - Niko disse. - Agora vá. Não pare por nada. Leve Mira de volta para o carro. A Ordem deve chegar a qualquer minuto.

- Nikolai...–disse Renata, olhando Nikolai firmemente, fazendo-o parar na esperança de ouvir o perdão ou uma afirmação de que ela ainda podia amá-lo depois de tudo o que tinha acontecido. Ela prendeu seu olhar, formando um vinco entre as sobrancelhas. - Seja cuidadoso.

Ele ofereceu-lhe um aceno triste, não sentindo o comum aumento de adrenalina que precedia o combate. Aqueles dias pareciam séculos atrás, quando nada mais importava para ele exceto a glória da batalha e o triunfo da vitória, por mais sem sentido que fosse.

Agora tudo importava, sobretudo em se tratando de Renata. Sua segurança e felicidade eram tudo o que importava, mesmo que isso significasse que ele poderia não estar em cena.

- Leve Mira de volta para o carro - disse novamente. - Mantenha a cabeça baixa e cuide-se. Vamos tirá-las daqui.

Ele esperou até que Renata saísse correndo, então foi para a porta dos fundos da propriedade por onde seus inimigos tinham fugido.

A lancha estava parada na doca quando Dragos e os outros correram ladeira abaixo para pegá-la. Ao redor da floresta e até perto da casa, os agentes de Fabien mexiam-se como formigas que tinham acabado de perder a casa. Tiros iluminavam a noite de modo tão enlouquecido que era impossível dizer quais rajadas vinham dos aliados e quais dos aparentes intrusos.

Tudo que Dragos sabia era que não ficaria para enfrentar a Ordem ou esperar que alguém o derrubasse.

Quando ele e seu grupo começaram a subir no barco, Dragos colocou-se no caminho de Edgar Fabien.

- Não há espaço a bordo para você - disse para o líder do Refúgio de Montreal. - Você nos prejudicou bastante com sua idiotice. Você fica aqui.

- Mas... senhor, eu... por favor, posso garantir que não vou decepcioná-lo novamente.

Dragos sorriu, mostrando as pontas de seus dentes.

- Não, você não vai.

Dizendo isso, levantou uma pistola 9 mm e disparou um tiro mortal direto entre os olhos redondos de Fabien.

- Vamos! - ordenou ao condutor do barco, Edgar Fabien completamente apagado quando o motor rugiu e a embarcação os levou até o hidroavião que esperava na outra extremidade do lago.

Ele chegou tarde demais.

Niko encontrou alguns Agentes em seu caminho até o lago, mas quando chegou lá, a lancha não passava de uma agitação na água. Nikolai disparou alguns tiros atrás deles, mas estava apenas perdendo balas. O cadáver de Edgar Fabien jazia na doca de madeira. Dragos e os outros já estavam do outro lado do lago naquele momento.

- Maldição.

Alimentado pela fúria e pela determinação, Nikolai começou a se movimentar ao longo da costa, recorrendo à velocidade sobrenatural que todos os da sua espécie possuíam quando precisavam. O barco era rápido, mas a água estava cercada de terra. Em algum ponto Dragos e seus companheiros teriam de desembarcar e pegar outro meio para terminar a fuga. Com alguma sorte, Niko poderia alcançá-los antes que fugissem.

Ele não sabia quão longe estavam - um quilômetro, provavelmente – quando, de repente, seu peito congelou de medo.

Renata.

Algo estava errado. Terrivelmente errado. Ele podia sentir as emoções de Renata como se fossem suas. Ela, a corajosa e imperturbável Renata, agora estava morrendo de medo.

Ah! Cristo! Se alguma coisa acontecesse com ela...

Não. Ele não podia sequer pensar nisso.

Com todos os pensamentos sobre Dragos deixados de lado, Nikolai virou e continuou em alta velocidade, rezando para chegar a tempo.

Ela não tinha visto o vampiro enorme vindo.

Em um minuto estava cortando o mato escuro com Mira firme em seus braços e, no minuto seguinte, viu-se olhando para o rosto implacável e para os impiedosos olhos dourados de um macho da Raça, cujo imenso torso nu, ombros e braços estavam cobertos por um espesso padrão de dermoglifos.

Era um Primeira Geração; Renata soube instintivamente. Seus instintos também diziam que aquele macho era mais letal do que a maioria, frio como pedra.

Um assassino.

O terror a cobriu como uma maré negra. Ela sabia que se o atacasse era melhor ter certeza de que poderia matá-lo rapidamente, ou então ela e Mira seriam mortas no mesmo instante. Não se atreveu a tentar quando Mira podia sofrer caso ela falhasse.

Santa Mãe de Deus, chegar tão longe, finalmente ter Mira em seus braços, a poucos passos da liberdade... e agora... Jesus Cristo!

- Por favor - Renata murmurou, desesperada para atrair a mais leve misericórdia. - A criança não. Deixe-a ir... por favor, deixe a criança, não lhe faça mal...

O silêncio do vampiro era irritante. Mira tentou levantar a cabeça do ombro da amiga, mas Renata gentilmente a empurrou de volta para baixo, não querendo que ela se assustasse com o mensageiro da morte que, sem dúvida, tinha sido enviado por Edgar Fabien ou por Dragos. Ou pelo próprio Diabo em pessoa, maldito seja.

- Vou colocá-la no chão - Renata disse a ele, sem ter certeza de que ele a compreendia e que muito menos concordaria. - Apenas... deixe a criança ir. Sou eu quem você quer, não ela. Apenas eu.

Os olhos de falcão dourado seguiam cada movimento de Renata enquanto ela cuidadosamente tirava Mira dos braços e lentamente colocava os pés da menina no chão. Renata colocou-se entre o assassino e a criança, rezando para que a morte dela fosse suficiente para satisfazer ao assassino e ao seu mestre do mal.

- Rê, o que está acontecendo? - Mira perguntou por trás de suas pernas, as mãos pequenas segurando-lhe as calças enquanto olhava ao seu redor. - Quem é esse homem?

O vampiro deixou seu olhar de pedra viajar até a origem daquela voz minúscula. Ele olhou. Sua cabeça raspada virou lentamente para o lado. Então, ele fez uma careta.

- Você - disse ele, com uma voz tão profunda que estremeceu todo o caminho até a medula Renata. Algo sombrio passou em seu rosto. - Deixe-me vê-la.

- Não - declarou Renata, segurando Mira atrás de si e bloqueando-a como um escudo. - Ela é apenas uma criança. Não fez nada contra você ou qualquer outra pessoa. Ela é inocente.

Ele lançou a Renata um olhar tão feroz que quase a derrubou.

- Deixe-me ver os olhos dela.

Antes que pudesse recusar mais uma vez, antes que pudesse pensar em alguma forma de pegar Mira e fugir o mais rápido possível, Renata sentiu Mira dar um passo para sair detrás de sua proteção.

- Mira, não.

Tarde demais para interromper o que aconteceria. Renata só pôde olhar com terror quando Mira caminhou direto para fora e olhou para cima, subindo para o duro olhar do letal vampiro Primeira Geração.

- Você... - disse ele novamente, olhando para o doce rosto de Mira.

Renata poderia dizer o momento em que começou a testemunhar o presente de Mira. Os olhos dourados dele ficaram tempestuosos, e ele olhava, absorto, enquanto a criança mostrava seu futuro. Ele chegou mais perto, muito perto, até que os braços maciços poderiam atacar e quebrar Mira inadvertidamente.

- Não... - ela deixou escapar, mas ele já estava chegando até Mira.

- Está tudo bem, Rê - Mira sussurrou, em pé diante do vampiro, tão inocente como uma criancinha que vagava na cova dos leões.

E foi então que Renata percebeu que algo de extraordinário estava para acontecer.

- Você me salvou - ele sussurrou, com as mãos enormes nos pequenos ombros de Mira. O vampiro se ajoelhou, ficando no nível da criança. Quando ele falou, a voz letal estava tranquila, com espanto e confusão. - Você salvou minha vida. Eu vi isso, agora, em seus olhos. Vi naquela noite também...


Capítulo 33

O coração de Nikolai congelou dentro de seu peito, um crescente pânico, medo transformado em gelo. Com o tiroteio ainda em erupção na área, ele tinha dado uma volta pela floresta até o lugar onde seu sangue tinha mostrado que encontraria sua Companheira apavorada.

Renata estava lá. Na escuridão da floresta banhada pela luz da lua, imóvel como uma estátua e olhando um imenso vampiro Primeira Geração agachado diante de Mira, segurando a criança com suas enormes mãos.

Jesus Cristo.

Niko moveu-se silenciosamente, rastejando para se aproximar e tentar encontrar uma posição em que poderia atirar sem colocar Renata ou a menina no fogo cruzado.

Ataque-o com uma onda, Renata. Faça-o cair e corra como se estivesse correndo do diabo.

Ela não lançou o poder mental sobre ele. Ela não tentou contrair um dedo na direção de qualquer uma de suas armas, psíquica ou não. Não, para o horror de Niko, ela não moveu sequer um dedo. Apenas ficou ali, no centro do que rapidamente se transformaria em uma tempestade infernal de sangue e violência.

O próprio medo de Niko naquele momento era insondável. Tudo o que ele sentia era o terror rasgando-o por dentro, seus ossos congelados, um desespero tão selvagem dentro do coração que batia como um tambor no peito.

Ele tirou as pistolas 9 mm de seus coldres laterais e avançou. Embora estivesse se movendo a um ritmo que apenas alguém da Raça poderia controlar, Renata olhou para cima. Ela o sentiu ali, movendo o ar ao seu redor, mesmo que os olhos não conseguissem registrar a velocidade. O sangue dele nela lhe disse que seu macho estava perto, assim como o seu sangue correndo nele sempre o faria encontrá-la.

Ele estava muito consumido pela raiva para notar que ela olhava para ele com alarme e não para o inimigo vampiro que enfrentava.

Nikolai avançou como um flash, totalmente preparado para matar. Ele parou logo atrás do grande Primeira Geração, as duas pistolas apertadas contra os glifos que seguiam até a parte traseira do crânio raspado do vampiro.

Tudo aconteceu em um piscar de olhos, mas parecia em câmara lenta na consciência de Nikolai.

Ele apontou as armas, os dedos nos gatilhos.

Os olhos de Renata se abriram. Ela balançou a cabeça.

- Niko, espere... não!

O Primeira Geração soltou Mira, deixando as grandes mãos caírem ao seu lado. Ele nem sequer reagiu às armas apontadas em sua cabeça. Seu peito expandiu quando puxou uma respiração longa, então deixou o ar sair em um suspiro resignado.

Ele não estava lutando contra sua morte.

Ele não se importava se morresse.

E então Mira gritou, a voz da criança alta com o medo.

- Não! Não o machuque!

Nikolai assistiu incrédulo e com espanto total quando Mira jogou seus braços em torno dos ombros largos do Primeira Geração.

- Por favor, não o machuque! - ela chorou, olhando para Niko, suplicando-lhe enquanto tentava proteger o vampiro com seu corpo minúsculo.

- Nikolai - Renata prendeu seu olhar quando ele a olhou, incrédulo, as duas pistolas de grande porte ainda armadas e prontas, niveladas na cabeça do Primeira Geração. - Nikolai... por favor, está tudo bem. Espere.

Ele franziu a testa, mas sua atitude guerreira relaxou um pouco.

- Levante-se - ordenou ao vampiro.–Levante-se e afaste-se da criança.

O Primeira Geração obedeceu sem qualquer comentário, lentamente, soltando os braços de Mira do seu pescoço e empurrando-a para longe enquanto levantava.

Niko se moveu para enfrentá-lo, as armas ainda sobre ele, quando orientou tanto Renata quanto Mira a ficar atrás dele.

- Quem diabos é você?

Os olhos sóbrios, inexpressivos, fitaram a terra.

- Chamam-me de Caçador.

- Você não é um Agente - disse Nikolai, cautelosamente.

- Não. Eu sou um Caçador.

Renata levou Mira para perto, segurando-a enquanto o caos na floresta e na casa lentamente morria em torno deles.

- Seus olhos, Nikolai - disse ela, entendendo agora. - Ele é o assassino que tentou matar Sergei Yakut naquela noite. Foi ele quem Mira viu no retiro de Yakut.

A expressão de Nikolai escureceu.

- É verdade? Você é um assassino de aluguel?

- Eu era - o Caçador deu um aceno triste e, finalmente, levantou o olhar. - A criança me salvou... Algo mudou em mim depois que eu vi a visão nos olhos dela naquela noite. Eu a vi salvar minha vida, exatamente como aconteceu há pouco.

No instante seguinte, a floresta ganhou vida com homens armados se deslocando sobre eles de todas as direções. Nikolai tinha as armas na mão, mas não fez nenhum movimento para disparar sobre as ameaças recém-chegadas. Renata entrou em pânico.

- Ah, merda. Niko...

- Está tudo bem - ele a acalmou com um olhar tranquilizador e algumas palavras gentis. - Estes são os mocinhos, meus amigos da Ordem.

Ela observou quando quatro dos guerreiros amigos de Nikolai entraram na área. Todos eram formidáveis no tamanho e na atitude, um grupo de músculos e de força que parecia sugar todo o ar da floresta pela simples presença dele.

- Como vai, hermano? Tudo bem aqui? - perguntou a voz suave que agora Renata reconhecia como pertencente a Rio.

Nikolai assentiu com a cabeça, os olhos e armas ainda apontadas na direção do Primeira Geração.

- Tenho tudo sob controle, mas a situação na casa está arruinada. Edgar Fabien está morto e Dragos e os outros fugiram pela costa. Foram de barco para o outro lado do lago. Tentei segui-los, mas... - olhou para Renata. - Tinha que me assegurar de que tudo estava bem por aqui primeiro.

- Nós ouvimos o zumbido de um motor de avião pequeno quando chegamos - disse Rio.

- Droga - Nikolai sussurrou. - Eram eles, sem dúvida. Fugiram. Diabos, Dragos estava aqui e nós perdemos o filho da mãe maldito.

- Deixe-me ajudar a encontrá-lo.

Todos os olhos se voltaram para o vampiro ainda detido na mira de Nikolai.

- Por que confiaríamos em você? - Nikolai perguntou, estreitando o olhar. - Por que estaria disposto a nos ajudar a colocar as mãos em Dragos?

- Porque ele é a pessoa que me criou - não havia calor no tom dourado dos olhos do Primeira Geração assassino quando respondeu à pergunta, apenas ódio gelado. - Ele me fez o que sou. Eu e todos os outros Caçadores criados por ele para matar.

- Ah, meu Deus! - Renata respirou. - Você quer dizer que há outros como você?

A cabeça raspada do Caçador acenou sobriamente.

- Não sei quantos nem onde estão, mas Dragos me disse que não sou o único de minha espécie. Há outros. Muitos outros.

- Por que devemos acreditar em você? - perguntou outro dos guerreiros, quase tão sombrio quanto a noite ao seu redor, seus dentes e presas brilhando como pérolas contra sua pele morena.

Outro guerreiro interveio, então, de olhos rápidos e sagazes, astuto como um lobo sob os pontos de ébano de seus cabelos cortados.

- Deixe Tegan nos dizer se podemos confiar nele.

Renata assistiu com espanto e um pouco de medo quando o maior do grupo, um guerreiro que parecia um fantasma perseguindo as sombras, deu alguns passos a frente. Imenso, com cabelos alourados sob o capuz preto de malha que usava, ele era um grande bloco de músculos másculos e energia sombria. Facilmente tão grande quanto o Primeira Geração diante dele, esperando seu julgamento.

Sem dizer nada, o guerreiro chamado Tegan estendeu sua enorme mão. O Caçador a pegou, seus olhos tão constantes quanto seu aperto.

Após um longo momento, Tegan deu um aceno vago.

- Ele vem com a gente. Vamos lacrar este lugar e dar o fora daqui.

Renata sentiu o enorme peso da tensão do momento ser removido, dando lugar a um novo propósito. O grupo se dividiu, a maioria dos guerreiros indo cuidar das coisas na casa de Fabien enquanto Rio e Nikolai andavam com Renata, Mira e seu companheiro inesperado de volta ao veículo à espera da Ordem.

Já perto, Nikolai pegou a mão de Renata.

- Encontramos você lá, Rio.

O guerreiro assentiu. À medida que avançavam, Renata olhou maravilhada e atemorizada quando Mira deslizou sua mão muito pequena na palma maior do Caçador.

- Meu Deus - disse ela a Nikolai. - O que está acontecendo?

Ele balançou a cabeça, claramente surpreso como ela.

- Vou levar algum tempo para descobrir isso, acho. Mas primeiro quero esclarecer as coisas entre nós.

- Nikolai, desculpe-me.

Ele a silenciou com um beijo longo e doce, puxando-a em seus braços quentes e musculosos.

- Eu estraguei tudo, Renata. Eu estava com tanto medo de perder você que a empurrei para longe de mim com uma mentira, fui um estúpido imprudente! Eu nunca me perdoaria se alguma coisa acontecesse com você ou Mira. Você é meu coração, Renata. Minha vida - ele acariciou-lhe o rosto, seu olhar a engolindo inteira. - Eu te amo tanto... Não quero viver um só momento sem você ao meu lado.

Ela fechou os olhos, dominada pela emoção.

- Eu nunca quis nada mais - ela sussurrou, sua garganta fechada com alegria. - Eu também te amo, Nikolai. Mas tem que entender que venho com um pacote agora. Mira não é minha filha de sangue, mas é de coração. Eu a amo como se fosse minha.

- Eu sei - disse sobriamente. - Você já provou isso.

Renata olhou para ele, incapaz de conter a esperança que se espremia em seu peito.

- Você acha que pode encontrar espaço em sua vida e em seu coração para nós duas?

- O que a faz pensar que eu já não tenha feito isso?–ele a beijou novamente, dessa vez com ternura. Quando olhou nos olhos dela, seu olhar era tão cheio de amor que lhe varreu o fôlego. - Vamos dar o fora daqui agora. Quero levar minhas garotas para casa.


Capítulo 34

Boston. Três noites depois.

O complexo da Ordem pareceu muito diferente para Nikolai quando ele andou pelo corredor que conduzia ao laboratório de tecnologia onde tinha se reunido com os outros guerreiros. A missão de capturar Dragos sofrera um golpe significante há algumas noites, mas também tinham ganhado uma vantagem muito inesperada na sua busca e encerramento da operação.

Infelizmente, embora o Caçador tivesse se tornado um valioso aliado, a Ordem também tinha perdido um membro crucial e confiável amigo: Andreas Reichen tinha sumido completamente e a notícia de Berlim era a pior possível. Ninguém sabia se o líder do Refúgio alemão tinha sobrevivido ao ataque em sua residência. Baseado na matança de toda sua família e no fogo que consumira a propriedade inteira, a Ordem tinha poucas esperanças de encontrar o amigo vivo.

Pessoalmente, Nikolai pensou que seria consolador para Reichen se ele tivesse morrido no ataque. Ele sabia que uma perda tão profunda jamais poderia ser superada. Certamente nenhum homem, da Raça ou não, seria forte o suficiente para sair ileso de um golpe tão brutal na alma. Como um guerreiro, Nikolai entendia baixas em combate. Todo guerreiro entrava na batalha sabendo que ele ou seus irmãos podiam não retornar para a base. Mas perder uma família...

Ele não queria nem mesmo considerar o que isso faria com um homem. Em vez disso, Nikolai se concentrou nas bênçãos que tinha, uma das quais podia ser ouvida falando baixinho quando ele se aproximou da porta aberta de seus aposentos.

Renata estava lá dentro, sentada no sofá da sala, lendo para Mira.

Por um momento, quando Niko aproximou-se da entrada, encostou-se na soleira da porta, simplesmente ouvindo e deleitando-se com a visão da bela mulher que agora era sua Companheira. Ele adorava ver como Renata ficava tão confortável com um livro quanto segurando uma arma. Ela tinha uma suavidade que ele admirava, uma inteligência que o desafiava continuamente e uma força interior que o fazia procurar ser um homem digno de sua devoção.

Não era nada mal também que ela fosse mais quente do que o inferno, sobretudo quando ela estava com o olhar na sua 9 mm ou treinando com suas adagas queridas no centro de treinamento. Kade e Brock tinham estado quase permanentemente na sala de armas nos últimos dias, só pela possibilidade de treinar com Renata ou olhá-la em ação. Nikolai não podia culpá-los. Mas quando sentiu o beliscão leve do ciúme, bastou um olhar malicioso de sua mulher para colocá-lo à vontade. Ela o amava e Nikolai era o macho mais sortudo do planeta.

- Oi - disse, olhando enquanto virava a última página de um capítulo e parava para cumprimentá-lo.

- Olá, Niko - Mira sussurrou sob o véu curto. - Você acabou de perder uma parte muito boa da história.

- Mesmo? Talvez eu possa convencer Renata a ler para mim mais tarde - disse ele, enviando um olhar aquecido para sua Companheira quando entrou na sala. Ele caminhou até o sofá e se agachou na frente de Mira. - Tenho algo para você.

- Sério? - o rosto dela se iluminou com um pequeno sorriso. - O que é?

- Uma coisa que pedi a Gideon para você. Tire seu véu, e vou lhe mostrar.

Ele não perdeu o olhar protetor de Renata quando Mira afastou o tecido preto para longe do seu rosto.

- O que é?

- Tudo bem - disse ele, tirando uma pequena caixa de plástico do bolso da calça jeans. - Você pode confiar em mim. Ambas podem confiar em mim.

Renata relaxou, e olhou quando Nikolai retirou a tampa de um recipiente de lentes de contato.

- Estas são as lentes especiais que Gideon acha que vão ajudar com seus olhos. Você gostaria de nunca mais usar o véu de novo?

Mira concordou com entusiasmo.

- Deixa eu ver, Niko!

- Que tipo de lentes são essas? - Renata perguntou, cautelosamente otimista.

- Íris opacas para proteger o efeito de espelhamento dos olhos de Mira. Ela será capaz de ver através delas, mas ninguém que olhar para ela vai notar nada de incomum sobre os olhos. Suas íris serão cobertas, da mesma forma que o véu cobre. Eu pensei que seriam melhores.

Renata acenou, sorrindo calorosamente para ele.

- Muito melhor. Obrigada.

- Posso experimentá-las? - Mira perguntou, ansiosamente olhando a pequena caixa nas mãos de Niko. - Olha, Rê, são roxas!

- Essa é sua cor favorita - disse ela, jogando um olhar interrogativo sobre Nikolai.

Ele tinha mudado muito nos últimos dias, empreendendo um papel que nunca se imaginou, sem falar no fato de se ajustar tão confortavelmente nele. Ele era um macho com laço de sangue com uma Companheira de Raça que o amava e uma criança para criar como sua. E ele apreciou as duas ideias.

Ele, um dissidente e imprudente, tinha uma família própria agora. Era incompreensível para ele, para não mencionar para o resto do complexo. Era a última coisa que sonhou que queria ou precisava e agora, apenas alguns dias depois, não poderia ver sua vida de outra maneira.

Seu coração nunca se sentiu tão completo.

- Deixe-me ajudá-la com isso - disse Renata, pegando as lentes das mãos de Niko com cuidado e colocando-as em Mira. Quando estavam no lugar há alguns segundos e o talento da criança não se manifestou, Renata sorriu. - Ah, meu Deus. Funcionou, Nikolai! Olhe para ela. As lentes funcionam perfeitamente.

Ele olhou para as piscinas violeta nos olhos alterados de Mira e viu... nada. Apenas o feliz e despreocupado olhar de uma criança.

Renata jogou os braços em volta dele e o beijou. Mira estava bem atrás dela e Niko pegou as duas em um sincero abraço.

- Há mais - disse, esperando que gostassem do resto da sua surpresa. Ele se levantou e pegou cada uma delas pela mão. - Venham comigo.

Ele as levou pelo corredor até o elevador que subia da sede subterrânea para a enorme mansão que ficava no piso acima. Ele podia sentir a apreensão de Renata pelo modo como ela apertava-lhe a mão grande e pela adrenalina que lhe corria na corrente sanguínea.

- Não se preocupe - ele sussurrou na orelha dela. -Você vai gostar, eu prometo.

Pelo menos, ele esperava que sim. Ele tinha trabalhado naquilo durante um dia e meio, tentando fazer tudo certo. Ele guiou Renata e Mira ao coração da propriedade, em direção à luz de velas e ao calor da sala de jantar formal. Os aromas de pão e carne assada os receberam. Niko não tinha apreço por comida humana, mas as Companheiras de Raça que viviam no lugar certamente tinham e, a julgar pela aparência das duas mulheres caminhando ao seu lado, elas também.

O espanto brilhou nos olhos de Renata.

- Você fez o jantar?

- Claro que não. Acredite em mim, sou a última pessoa que você iria querer para preparar suas refeições. Pedi alguns favores a Savannah, Gabrielle e as outras mulheres. Seu estômago está em muito boas mãos.

- Mas eu estive com todas elas mais cedo hoje e ninguém disse nada sobre isso.

- Eu queria fazer uma surpresa. Elas queriam surpreendê-la, também.

Renata não disse mais nada, mas ele não pôde deixar de notar que seus passos diminuíam ao chegar mais perto da sala de jantar. Mira, no entanto, pulava com entusiasmo. Assim que chegaram à porta de entrada em arco, ela soltou-se de Niko e correu a mil por hora como se tivesse vivido lá toda sua vida.

Mas Renata, não.

Ela ficou em silêncio e imóvel. Olhou para a mesa cheia de pratos de porcelana e enfeites finos e suspirou levemente. Não disse uma palavra sequer quando olhou para o rosto dos guerreiros e de suas Companheiras de Raça, todos de pé dando-lhe boas-vindas quando ela e Nikolai pararam na porta.

- Ah, Santo Deus! - ela finalmente sussurrou, sua voz quebrada e crua.

Niko a seguiu quando ela recuou, voltando pelo corredor.

Maldição. Ele estava tão certo de que ela desfrutaria de um agradável jantar com todos, mas é óbvio que estava errado.

Quando falou com ele, sua voz estava embargada pela emoção.

- Todo mundo está esperando lá dentro... por nós?

- Não se preocupe com isso - disse ele, puxando-a para seus braços fortes. - Eu queria fazer algo especial para você e estraguei tudo. Sinto muito. Você não tem que fazer isso.

- Nikolai - ela olhou para ele, os olhos brilhantes marejados. - Eu nunca vi nada mais bonito do que aquela mesa, com todos ao redor, em toda a minha vida.

Ele franziu a testa, bastante confuso agora.

- Então, o que está errado?

Ela balançou a cabeça, engolindo um riso estrangulado.

- Não há nada de errado. Nada de errado em nada. Estou tão feliz! Você me faz tão imensamente feliz. Tenho medo desse sentimento. Eu nunca soube o que era e eu estou morrendo de medo que seja apenas um sonho.

- Não é um sonho - disse ele suavemente, acariciando-lhe uma lágrima perdida que deslizava assertivamente pelo rosto macio. - E você pode se segurar em mim se sentir medo. Vou estar ao seu lado enquanto você quiser.

- Para sempre - disse ela, sorrindo para ele.

Nikolai assentiu.

- Sim, meu amor. Para sempre.

O sorriso exultante de Renata explodiu em sua boca. Ela beijou Nikolai forte e, em seguida, caminhou com ele sob o abrigo daquele braço forte para se juntar aos outros. Para se juntar ao resto da sua família.

Capítulo 25

Nikolai sentou-se dentro do abrigo feito de videiras e assistiu a um único raio de luz atravessar as folhas e iluminar os cabelos escuros de Renata enquanto ela dormia. A luz ultravioleta era tóxica para sua espécie – letal após meia hora de exposição contínua - mas ele não resistiu ao desejo de deixar aquele raio de luz entrar pelo pequeno buraco na vegetação. Nos últimos minutos, ele tinha permanecido sentado junto de Renata observando-a, admirando-a, muito intrigado com a forma como a luz cobria-lhe os cabelos de ébano, penetrandolhe os fios de seda e colorindo-os com uma dúzia de tons diferentes: cobre, bronze e vermelho.

Que diabos havia de errado com ele?

Ele estava sentado lá, olhando os cabelos de Renata, pelo amor de Deus! Não apenas olhando, mas olhando-os com total fascinação. Para Niko, isso indicava uma de duas coisas preocupantes: ele devia considerar muito seriamente ter algumas aulas com o famoso cabeleireiro inglês Vidal Sassoon ou estava completamente perdido de amor por aquela mulher.

Perdido tanto quanto no passado, eternamente tomado por outra pessoa. Em algum lugar, de algum jeito, ele se deixou apaixonar por ela.

Isso explicava o porquê de ele não conseguir manter as mãos - e outras partes maiores e mais pulsantes de seu corpo - longe dela. Explicava também o motivo pelo qual tinha passado toda a noite – com exceção da ida rápida à casa de Yakut antes do amanhecer – deitado junto de Renata, sustentando-a em seus braços fortes.

E, se ele precisava de alguma explicação do motivo de seu peito ter ficado tão apertado e tão pesado quando ela começou a chorar na noite anterior, ou por que havia se sentido obrigado a compartilhar com ela seu sentimento de culpa pela perda de Dimitri há tantos anos, ele supôs que estar apaixonado faria sentido.

Por mais que tentasse convencê-la de que ela estava a salvo com ele, Nikolai se sentia a salvo com ela também. Confiava nela plenamente. Mataria para protegê-la, morreria por ela sem hesitar nem por um segundo. Ela podia não fazer parte de sua vida há muito tempo, mas ele já não se imaginava sem ela.

Ah! Merda. Ele realmente tinha se apaixonado por Renata.

- Mas... que... maravilha! - murmurou, fazendo uma careta quando ela se agitou por causa do som de sua voz.

Ela abriu os olhos e sorriu quando o viu sentado ali.

- Olá!

- Bom dia - disse, casualmente alcançando um ramo de videira para fechar o abrigo e deixar do lado de fora os resquícios do raio de sol.

Ele achou o espreguiçar felino dela mais fascinante ainda do que os cabelos. Estava usando a mesma camisa de algodão da noite anterior, a metade dos botões espalhados pelo chão do abrigo natural. A grande camisa estava aberta da metade para baixo, mal cobrindo a nudez de sua fenda. Por ele, sem problemas.

- Como se sente?

Ela pareceu refletir por um segundo, depois olhou para ele com a testa franzida.

- Sinto-me realmente bem. Quero dizer, ontem à noite foi... - ruborizou, uma doce cor rosada preencheu-lhe as bochechas. - Ontem à noite foi incrível, mas pensei que ficaria fora de combate por causa da reverberação. Não entendo... nunca aconteceu nada assim. Quero dizer, tive um pouquinho de dor, mas pelo ataque na casa de Jack, eu devia estar agonizando a noite toda.

- Isso nunca aconteceu antes?

Ela sacudiu sua cabeça.

- Nunca. Cada vez que usava minha habilidade, o efeito retornava.

- Mas ontem à noite não.

- Não, ontem à noite não - ela disse. - Nunca me senti melhor.

Niko talvez pudesse ter feito uma brincadeira sobre os efeitos milagrosos de suas proezas sexuais, mas ele sabia que era um tipo de magia o que fizera Renata suportar o efeito da reverberação.

- Você bebeu de meu sangue ontem. Essa foi a diferença.

- Você acha que seu sangue ajudou não apenas a curar meu ombro, mas também com as reverberações? É possível?

- É definitivamente uma possibilidade. Uma Companheira de Raça que bebe regularmente o sangue de um vampiro se torna muito mais forte do que seria sem ele. O envelhecimento desacelera até ao passo de tartaruga. As células do corpo, os músculos e todo o metabolismo atinge um estado físico visivelmente saudável. E, sim, muitas vezes o sangue de um companheiro também tem impacto na habilidade psíquica das fêmeas.

- Por isso Sergei nunca me deixou beber dele - Renata disse, sua mente veloz para chegar à mesma conclusão a que Niko havia chegado. – Ele não fazia segredo de que gostava que meu poder fosse limitado. Nas vezes que tentei golpeá-lo, nunca pude manter a rajada o tempo suficiente para derrubá-lo. E, no final, o esforço sempre me custava caro demais quando retornava.

- Sergei Yakut era Primeira Geração - Niko recordou. – O sangue dele em seu sistema poderia torná-la praticamente invencível.

Renata zombou em voz baixa.

- Só um grilhão a mais para mim. Ele devia saber que eu o mataria se tivesse a menor esperança de êxito–ficou em silêncio durante um minuto, com os braços cruzados. Depois, arrancou uma fibra de erva do chão do abrigo improvisado. - Tentei matá-lo... no dia em que Mira e eu fugimos juntas. Naquele dia, ele queimou minhas costas com ferro quente. Fez outras coisas também.

Nikolai não tinha que perguntar mais sobre o que ela tinha sofrido. As cicatrizes das queimaduras em suas costas eram atrozes, mas pensar no castigo de Yakut era pior... O sangue de Niko fervia de indignação. O guerreiro, então, colocou a mão sobre a mão dela.

- Sinto muito, Renata.

Ela lançou um firme olhar que não procurava simpatia.

- Sua misericórdia foi a de não ter forçado Mira a assistir tudo o que me fez. Mas Sergei me disse que se ela ou eu tentássemos escapar outra vez, Mira pagaria da mesma forma que eu. Prometeu que seria pior para ela, e eu sabia que ele estava falando sério... Então, fiquei quieta. Eu o obedecia e a cada hora de cada dia rezava por um milagre que eliminasse Sergei Yakut de minha vida - parou, acariciando-lhe o rosto masculino. – E então você chegou e tudo mudou. Suponho que em muitos sentidos, você é meu milagre.

Nikolai segurou-lhe a mão e depositou um beijo no centro de sua palma.

- Ambos somos afortunados.

- Alegra-me que Sergei esteja morto - confessou ela, brandamente.

- Ele devia ter sofrido mais - disse Niko, sem tentar ocultar o tom obscuro de sua voz grossa. - Mas já morreu. E é o que importa.

Renata assentiu.

- E agora Lex também está morto. Os guardas de Yakut... Todos eles estão mortos.

- A essa hora da manhã, ele e os outros na propriedade não passam de um monte de cinzas - Niko disse ao esticar-se para colocar os cabelos negros e brilhantes de Renata atrás da orelha. - Depois que você dormiu ontem à noite, eu retornei lá e abri todas as persianas para que a luz do sol entrasse. Também liguei para Boston para dar os números que estavam no celular de Lex. Gideon entrará em contato quando tiver feito o rastreamento para nos dar os detalhes.

Outro assentimento, sua voz suave tinha um tom de esperança.

- Está bem.

- Enquanto estava lá, trouxe algo que pensei que pudesse precisar.

Inclinou-se para o monte de armas e outros instrumentos que havia recolhido e pegou o pacote de seda e veludo que pertencia a Renata.

- Minhas adagas! - ela disse, seu rosto iluminando-se de alegria quando pegou o pacote nas mãos. Desatou o laço que prendia as armas e desenrolou todo o veludo que cobria as quatro adagas com gravuras personalizadas. - Jack me deu isso...

- Eu sei. Ele me disse que as havia feito para você como um presente. Disse-me que não estava certo de que você as tivesse guardado.

- Elas são muito importantes para mim - murmurou, seguindo o lavrado do punho com a ponta do dedo.

- Eu disse que você ainda as tinha e ele alegrou-se ao escutar quanto elas significam para você.

O olhar cheio de gratidão de Renata banhou o macho da Raça.

- Nikolai... Obrigada por fazer isso pelo Jack. E por me devolver essas adagas. Obrigada mesmo.

Ela se aproximou dele e o beijou. A suave pressão de seus lábios foi algo profundo. Nikolai segurou-lhe o rosto entre as mãos, acariciando-lhe a mandíbula com os polegares grandes, percorrendo o delicado ângulo das maçãs do rosto. Ela abriu a boca enquanto a língua dele percorria a abertura úmida de seus lábios e soltou um doce gemidinho quando ele entrou dentro dela.

As presas dele se estenderam pontudas pela luxúria que corria nele como lava. Entre as pernas, seu sexo era já uma coluna de granito, aceso imediatamente diante da ideia de ter Renata debaixo de si. Quando a mão dela escorregou para baixo, ultrapassando a cintura da calça para tocá-lo, seu membro ereto e ávido saltou, crescendo mais e mais sob o calor da palma da mão de Renata enquanto ela o acariciava.

- Que horas são? – murmurou ela contra a boca febril dele.

Ele grunhiu, muito absorto em suas deliciosas carícias para processar imediatamente aquela pergunta. Através de sua respiração entrecortada, conseguiu responder.

- É cedo. Provavelmente por volta das nove.

- Bem, caramba, acho que é muito cedo - ela murmurou, separando sua boca da dele e deixando um rastro de beijos ao longo da garganta e do pomo-de-adão. - Não pode sair na luz do sol, não é mesmo?

- Não.

- Humm – os lábios úmidos dela desceram sobre o peito nu e suado dele. Ele recostou-se sobre os cotovelos enquanto ela seguia o contorno dos glifos com a ponta rosada de sua língua sapeca, percorrendo os arcos e redemoinhos ao redor de seus mamilos e através do seu tórax. Quando falou, sua voz vibrou em todos os ossos de Niko:

- Então, suponho que isso significa que estamos presos aqui por um tempo, não é?

- Sim. - A palavra saiu ofegante. O beijo dela viajou devagar para baixo, além do umbigo do macho da Raça, seguindo as linhas dos dermoglifos, em direção à parte do corpo dele que palpitava pela necessidade de sentir os lábios úmidos e quentes dela apertando-se ao seu redor. - Suponho que estamos presos aqui até de noite.

- Hum hum.

Ela prendeu o cordão das calças dele entre os dentes e deu um forte puxão. O nó caiu solto e então ela baixou as calças o suficiente para fazer a cabeça enorme do membro dele despontar ansiosa. Ela o lambeu, observando o rosto de Niko enquanto desenhava redemoinhos com a língua diabólica ao redor da carne e sugava uma gota do fluido viscoso que brotava ali.

- Ah!

- Então... - ela murmurou, seu fôlego flutuando através da pele umedecida pelo suor dele, atormentando-o ainda mais. - O que vamos fazer aqui o dia todo enquanto esperamos a noite chegar?

Niko riu.

- Querida, posso pensar em umas cem coisas que eu gostaria de fazer contigo.

Ela sorriu desafiante.

- Apenas cem?

Antes que ele pudesse lhe dar uma resposta inteligente, ela envolveu o pênis dele com os lábios e o tomou profundamente dentro da boca. E enquanto o corpo de Niko explodia de prazer, ele se viu rezando para que o tempo e os dias a sós com aquela incrível mulher – sua mulher – pudessem se estender para sempre.


Capítulo 26

Renata caminhou para a porta de trás da propriedade de Yakut e parou na soleira. Ela havia deixado Nikolai no refúgio de videiras quando decidiu que sua necessidade de um banho, de uma ducha quente e de roupas limpas que realmente coubessem nela eram maiores do que sua resistência em jamais colocar novamente os pés na casa de Sergei Yakut.

Agora ela duvidava. No início da tarde, o sol era uma presença alentadora, mas no lado de dentro a propriedade era escura e fria. Sombras caíam sobre a mobília desarrumada e estendiam-se pelas tábuas rudes do chão. Renata avançou e caminhou para o lugar onde Lex havia caído.

O corpo dele havia desaparecido, assim como o sangue. Nada além de um pequeno rastro de cinzas deixado para trás – como Nikolai prometera. As persianas sobre a janela da sala estavam totalmente abertas, mas o sol já havia passado. Uma fresca brisa carregava o aroma de pinheiro e o ar fresco do bosque para a umidade calma do lugar. Renata respirou profundamente, enchendo os pulmões, deixando a fragrância de um novo dia expurgar as lembranças de toda aquela morte, aquele sangue e aquela violência que tinham coberto o lugar na noite anterior.

Hoje, sob aquela nova luz, muitas coisas pareciam diferentes para ela.

Ela mesma parecia diferente. E sabia a razão. Estava apaixonada.

Pela primeira vez em muito tempo (talvez em toda a sua vida), Renata verdadeiramente sentia a esperança acomodada em seu coração, uma esperança de que o futuro lhe reservava algo além da mera sobrevivência, que ela poderia em algum momento medir a felicidade em anos e não apenas em momentos raros e fugidios. Estar com Nikolai, fosse em seus braços ou ao seu lado, fazia Renata acreditar que muitas coisas eram possíveis.

Ela caminhou pela grande sala, apoiando-se no fato de que aquela seria a última vez que precisaria ver aquele lugar. Aquilo era um adeus.

Quando ela e Nikolai saíssem dali para continuar a busca por Mira, aquele albergue, aquele terrível celeiro, aquele canil na parte de trás da construção, Sergei Yakut, Lex e todos os outros que marcaram os últimos dois anos de sua vida seriam apenas lembranças. Ela deixaria tudo ali, e o terror e a dor seriam, de alguma forma, banidos de seu futuro.

Aquela parte de sua vida havia terminado.

Ela entrou no pequeno banheiro que havia compartilhado com Mira, em paz consigo e com tudo ao seu redor enquanto ligava a água quente da ducha. Quando o vapor úmido começou a sair pela cortina, ela desabotoou uns poucos botões da camisa emprestada de Jack e ficou ali por um momento, parada, nua, contemplando seu futuro com olhos renovados. Não sabia o que a esperava uma vez que a noite caísse e uma nova jornada começasse, mas estava disposta a enfrentar o que quer que fosse.

Com Nikolai ao seu lado – com a esperança e o ardente amor tão resplandecente quanto uma chama em seu coração –, Renata estava preparada para enfrentar tudo.

Como um cavalheiro destinado a uma batalha que procura uma bênção, Renata deu um passo debaixo da água quente da ducha. Fechou os olhos em uma solene oração enquanto a reconfortante água caía-lhe sobre o corpo nu.

Nikolai permanecia no abrigo de videiras enquanto os passos de Renata se aproximavam.

- Toc, toc - ela o chamou através das folhas. – Estou entrando, então cuidado com a luz do dia. Eu não gostaria que você torrasse por mim.

Ela afastou algumas folhas verdes e avançou, pronunciando uma rápida desculpa quando notou que ele tinha o telefone celular de Lex no ouvido. Niko havia ligado para a Ordem pouco depois que ela fora tomar banho. As notícias de Boston eram uma mistura de boas e más, além de uma dose extra de sérios problemas.

As boas? Um dos números no telefone de Lex era, de fato, de Edgar Fabien. Sem muito esforço, Gideon havia sido capaz de rastrear os registros da base de dados de identificação internacional de Fabien. Agora, a Ordem tinha os endereços da residência do líder do Refúgio de Montreal, sua casa no interior e todos os dados de todas as outras propriedades privadas, tanto de negócios como pessoais. Gideon tinha acesso aos números de telefone celular de Fabien, carteira de motorista, arquivos do computador e até mesmo da vigilância eletrônica do Refúgio do maldito filho da mãe.

E era nesse ponto que começavam as más notícias.

Edgar Fabien não estava em casa. Gideon havia interceptado o sinal de um canal de vídeo mais cedo naquela noite e visto um grupo de sete machos da Raça – um deles provavelmente era Fabien – deixando o Refúgio em companhia de uma escolta armada da Agência de Execução. Era difícil dizer quem eram os visitantes de Fabien, já que todos pareciam iguais em ternos sob medida e com os rostos completamente ocultos por capuzes pretos.

Quanto à dose extra de sérios problemas, o grupo de vampiros havia saído com uma menina. Uma jovem que evidentemente não os havia seguido tranquilamente. A descrição de Gideon da criança loira não deixava dúvida de que se tratava de Mira.

- Ainda está me ouvindo? - Gideon perguntou do outro lado da linha.

- Sim, continuo aqui.

- Lucan quer que Fabien seja trazido a Boston para um interrogatório. Isso significa que precisamos dele vivo, cara.

Niko soltou uma maldição.

- Primeiro, temos de encontrar esse filho da puta.

- Sim, estou trabalhando nisso. Rastreei o GPS do telefone celular de Fabien. Consegui um sinal de um lugar a aproximadamente uma hora ao norte da propriedade de Yakut. Uma das propriedades de Edgar Fabien. Ele deve estar lá.

- Tem certeza?

- Tanta que já enviamos reforços. Tegan, Rio, Brock e Kade estão a caminho para encontrar-se com você enquanto falamos.

- Reforços a caminho? - perguntou Niko, olhando uma parte de luz ultravioleta que aparecia através das folhas do refúgio. A Ordem tinha trajes de proteção solar para situações de emergência, mas até mesmo uma geração antiga de vampiros vestidos dos pés à cabeça com trajes protetores de raios ultravioletas seria incapaz de resistir à luz solar golpeando no assento do motorista em uma viagem de quase sete horas. - Jesus! Não pode estar falando a sério. Quem teve essa ideia?

Gideon riu.

- As fêmeas teimosas, meu caro. Não sei se você notou, mas fomos invadidos por elas nos últimos tempos.

- Sim, notei.

Niko não pôde deixar de lançar um olhar para Renata, que estava verificando algumas das armas que tinham recolhido de Lex e dos outros.

- Qual é a situação, então?

- Dylan está levando os caras em uma Rover e Elise está montando guarda. Devem chegar aí por volta das nove, exatamente depois do pôr do sol. Como Fabien tem vários sócios desconhecidos com ele, vamos precisar entrar e sair de lá com cuidado, sem vítimas desnecessárias - Gideon fez uma pausa. - Escuta, sei que você está preocupado com a menina. A segurança dela é importante, sem dúvida, mas isso é grande, Niko. Se Fabien pode nos levar a Dragos, temos que nos assegurar de capturá-lo esta noite. Essa é a missão número 1, ordenada diretamente por Lucan.

- Sim - disse Nikolai. Ele sabia qual era a missão. Também sabia que não podia decepcionar Renata ou Mira. – Inferno... Certo, Gideon, eu entendi.

- Ligarei se Fabien se mover entre agora e o pôr do sol. Enquanto isso, estou trabalhando em um ponto de encontro para que você se junte aos outros esta noite e ponha em ação um plano de infiltração. Devo ter algo em uma hora ou duas. Ligarei depois.

- Certo. Até depois.

Nikolai desligou o telefone e o colocou junto de si.

- Gideon conseguiu algo daqueles números telefônicos? - perguntou Renata, olhando-o cuidadosamente. - Temos alguma pista do Refúgio de Fabien?

Niko assentiu.

- Temos o endereço.

- Graças a Deus - ela suspirou. O alívio cedeu espaço rapidamente à determinação, tão feroz como Niko nunca havia visto nela. - Onde está ele? No Refúgio na cidade ou em alguma parte nos subúrbios? Eu poderia ir lá agora mesmo e analisar o terreno. Santo Deus, da forma como me sinto – sem dor, meu ombro melhorando – talvez eu devesse bater na porta e golpeá-lo com uma explosão de...

- Renata - Niko pôs a mão grande sobre a dela e sacudiu a cabeça. - Fabien está indo para algum lugar. Não está mais na cidade.

- Então onde?

Ele poderia contar sobre o sinal do GPS que Gideon estava rastreando. Poderia dizer que Fabien tinha Mira em sua custódia e que a menina estava provavelmente uma hora ao norte de onde eles estavam sentados agora. Mas Niko também sabia que se dissesse isso a Renata – se desse o mínimo de certeza sobre o paradeiro da menina que tanto significava para ela –, ele não poderia impedi-la de sair por conta própria naquele exato momento para encontrá-la.

A promessa de Niko à Ordem era seu dever – sua honra –, mas e Renata? Ela era seu coração. Ele não podia pôr em perigo a missão de seus irmãos, mas também não podia permitir que aquela mulher que ele amava partisse precipitadamente sozinha, rumo ao perigo. O pensamento dele era pré-histórico, talvez, especialmente por ter em conta que Renata era uma mulher que sabia como dirigir a si quase em qualquer situação. Era bem treinada, capaz, definitivamente valente, mas... inferno, ela significava muito para que corresse esse tipo de risco. Aquela não era uma opção.

- Estamos esperando uma localização sólida de onde está Fabien – ele disse, a mentira amarga sobre sua língua, independentemente das boas intenções. - Enquanto isso, a Ordem está enviando reforços. Nós vamos nos juntar a eles esta noite.

Renata escutou, claramente confiando nele e em sua palavra.

- A Ordem tem alguma ideia se Mira está com Fabien em qualquer lugar que ele esteja?

- Estamos trabalhando nisso - Nikolai achou difícil sustentar o olhar verde-claro sem pestanejar. - Quando encontrarmos Fabien, encontraremos Mira. Ela vai estar bem. Prometi isso, lembra?

Quando pensou que ela só assentiria com a cabeça e afastaria o olhar, Renata estendeu a mão para apanhar o rosto dele.

- Obrigada... por estar aqui para me apoiar em tudo isto. Não sei como serei capaz de pagá-lo, Nikolai.

Ele ergueu a mão dela entre as suas e deu-lhe um beijo. Diria algo singelo, uma das brincadeiras sem sentido habituais que tão frequentemente usava quando as emoções ao seu redor eram muito reais ou cheias de honestidade. Tinha suas cartas sob a manga: desviar com humor, desarmar com indiferença, atacar e correr como o inferno à primeira indicação de sua própria vulnerabilidade. Mas todas aquelas velhas e confiáveis armas que ele havia aperfeiçoado falhavam agora.

Acariciou com o dedo polegar o dorso da mão de Renata e se deixou perder no refúgio verde de seus olhos.

- Não sou muito bom nisso - murmurou ele. - Quero dizer algo... inferno. Provavelmente eu vou encher sua paciência, mas quero que você saiba que me preocupo com você. Preocupo-me... pra caramba, Renata.

Ela o olhou fixamente, permanecendo tão imóvel e silenciosa que nem sequer estava seguro de que ela estivesse respirando.

- Eu me preocupo - soltou, frustrado consigo pela estupidez das palavras que queria que fossem perfeitas para ela. - Não sei como aconteceu, ou mesmo o que significará para você, se vai significar. Mas preciso dizer porque isso é real. É real, e eu nunca me senti dessa maneira antes. Com ninguém.

A boca de Renata suavizou em um pequeno sorriso enquanto ele divagava com estupidez, tentando encontrar uma maneira de dizer a profundidade do que havia em seu coração de macho da Raça. Tentava e falhava miseravelmente.

- O que estou querendo dizer é que... - sacudiu a cabeça, sentindo-se uma porcaria, mas o suave toque de Renata em seu rosto o tranquilizou. O claro olhar dela trouxe Niko de volta, direto e centrado, conectando-o com a Terra. - O que estou querendo dizer é que estou apaixonado por você... Realmente apaixonado. Não estava esperando que isso acontecesse. Não pensei que alguma vez eu fosse querer isso, mas... Ah! Renata, quando olho dentro de seus olhos, só consigo pensar em uma coisa: para sempre.

Ela exalou devagar e seu pequeno sorriso se estendeu em radiante alegria. Niko passou as mãos na pele suave e macia dela, e pelos cabelos úmidos.

- Estou apaixonado por você, Renata. Sei que não sou um poeta... Caramba, nem sequer chego perto disso. Não tenho todas aquelas palavras bonitas que queria poder dizer... Mas quero que saiba que o que sinto por você é real. Eu te amo.

Ela riu brandamente.

- O que faz você pensar que quero poesia ou palavras finas? Você acabou de dizer exatamente o que queria ouvir, Nikolai–ela deslizou sua mão pela parte de trás do pescoço largo dele e o puxou para um longo e apaixonado beijo. - Também te amo, Nikolai - sussurrou contra sua boca. - Assusta-me admitir isso, mas é assim. Eu te amo, Nikolai.

Ele a beijou e a abraçou, desejando nunca ter de se afastar dela. Mas o cair da noite logo chegaria e ainda havia uma coisa que ele precisava fazer.

- Tem que fazer uma coisa por mim.

Renata se acomodou contra ele.

- Qualquer coisa.

- Não sei o que vai acontecer esta noite, mas preciso saber que vai estar tão forte quanto possível. Quero que tome mais de meu sangue.

Ela se soltou de seu abraço e arqueou uma sobrancelha para ele.

- Tem certeza de que não está só tentando entrar no meio das minhas pernas de novo?

Niko riu, uma sacudida de calor formando redemoinhos diretamente em sua virilha apenas diante daquela ideia.

- Eu não rejeitaria o convite. Mas falo sério... Quero que beba de mim de novo. Faria isso por mim?

- Sim, é obvio.

Ele afastou uma mecha escura da testa dela.

- Há uma coisa mais, Renata. Quando formos atrás de Fabien esta noite, eu morreria se algo... Bem, simplesmente não posso me arriscar a ficar separado de você, vou precisar saber que você está bem todo o tempo, ou minha concentração vai para o inferno. Preciso ter uma ligação com você. Sei como se sentia com Yakut usando seu sangue como um grilhão para você, e prometo que isso não é o que...

- Sim, Nikolai – ela disse, interrompendo-o com um movimento suave de seus dedos sobre sua boca. – Sim... Pode beber de mim.

A maldição dele como resposta foi um sinal de alívio.

- É para sempre - recordou firmemente. - Precisa entender isso. Se eu beber de você, não poderemos desfazer esse vínculo nunca mais.

- Entendo - ela disse sem vacilação. Aproximou-se e beijou-o, longa e profundamente. - Entendo que o vínculo é para sempre... E continuo dizendo que sim.

Niko gemeu. O fogo iluminou-lhe as veias. Suas presas se alongaram e seu pênis se elevou em atenção imediata, tudo nele ansioso por reclamar Renata como sua. Ele a beijou, o coração golpeando fortemente contra seu tórax forte quando ela passou a língua por seus lábios para brincar com as pontas afiadas de suas presas.

- Quero que você fique nua para isso - disse ele, incapaz de conter o tom autoritário que se mostrava em sua voz. Ele era parte humano, mas havia outra parte dele – uma parte mais selvagem e muito, muito mais sexy – que era menos paciente do que gostaria.

Niko olhou com olhos flamejantes de âmbar como Renata o obedecia rapidamente, despojando-se de sua roupa e estendendo-se sobre o chão de grama do refúgio, suas coxas deixando-se entreabrir para ele sem um pingo de inibição.

- Ah! Sim... - Niko grunhiu. - Assim é muito melhor.

Ele estava completamente tomado pela necessidade de tê-la. Arrancando sua própria roupa e deixando-a de lado, subiu sobre os quadris dela e a montou. Empurrou o membro duro como uma rocha enquanto ela o acariciava, torturando-o. E ele manteve o olhar nela enquanto levava seu pulso até a boca e mordia a própria carne.

- Deixe-me provar de você de novo – ela disse, subindo até encontrar a veia enquanto ele levava as perfurações até sua boca. Gotas carmesim salpicaram até cair sobre os seios dela, tão vívidas contra sua cremosa pele. Ela gemeu, fechando os olhos enquanto sugava-o, saboreando-o.

Niko a olhava beber, observando seu corpo começar a retorcer-se pela excitação. Com sua mão livre, ele a acariciou, incapaz de resistir a passar seus dedos pelo sangue que havia derramado sobre ela. A visão de seu sangue marcando a pele dela era tão erótica como nada tinha sido antes. Seu toque atrevido foi mais abaixo, à fenda aberta que estava tão preparada para ele. As coxas dela apertaram-lhe o pulso, sustentando-o contra si enquanto o primeiro orgasmo disparou através do corpo dela.

Niko grunhiu de pura adoração masculina enquanto alimentava sua fêmea e a sentia clamar por ele. Ele a deixou beber durante vários minutos até seu corpo arder de novo sob ele.

Ele também estava ardendo.

Suavemente, tirou o pulso de sua boca e fechou as perfurações com uma lambida. Renata ainda estava arqueando e retorcendo-se, ainda gemendo por ele, enquanto ele se ajeitava sobre ela e a penetrava, as unhas dela marcando seus ombros largos em uma dor deliciosa.

Nikolai fez amor tão devagar quanto pôde – tão devagar quanto a febre de seu corpo permitia. Ela gozou de novo, retorcendo-se e extraindo dele uma furiosa liberação. Mas isso praticamente não diminuiu as investidas. Ele ainda estava duro dentro dela, ainda faminto por aquela mulher... sua mulher.

Com a mão tremendo, Nikolai acariciou os pontos escuros já fechados de um lado da bela garganta de Renata.

- Tem certeza? - perguntou, sua voz apenas reconhecível para ele mesmo, estava tão seco e desesperado. – Renata... Quero que você tenha certeza.

- Sim - ela arqueou o corpo, confirmando com um empurrão, seu constante olhar suplicante. - Sim.

Com um grunhido selvagem enroscando-se em sua garganta, Nikolai expôs as presas e desceu sobre ela.

O doce sabor do sangue de Renata surgiu em sua boca caindo como um pontapé no estômago. Ah! Agora sabia. Quantas vezes havia especulado com os outros guerreiros a respeito de estar emparelhado e encontrar uma fêmea que os impressionaria? Facilmente centenas de vezes. Milhares, talvez.

Que ingênuo ele tinha sido.

Agora ele sabia. Renata o tinha, mesmo antes de ele a morder. Ele estava de joelhos diante daquela mulher, e ficaria ali com prazer pelo resto de sua vida.

Niko bebeu mais, afogando-se no prazer do vínculo que havia criado através da união de sangue e do ritmo exagerado de seus corpos nus, unidos. Seus dentes ainda estavam cravados na pele dela enquanto ele tomava o último gole e gozava de novo, dessa vez mais forte, uma descarga assombrosa que o golpeou como um trem descarrilhado. Agarrou-se nela, estremecendo com intensa satisfação. Embora pudesse beber de sua veia durante toda a noite, Nikolai se obrigou a se afastar, selando as feridas com uma tenra lambida de sua língua.

Ele ficou observando-a, seu olhar iluminando a pele dela.

- Eu te amo – ofegou, necessitando que ela o escutasse e que acreditasse nisso. Queria que ela se lembrasse disso depois dessa noite, depois que conseguissem localizar Fabien no norte e que ele lhe explicasse por que havia precisado mentir. Beijou seu queixo, sua bochecha, sua testa. – Amo você, Renata.

Ela sorriu sonolenta.

- Mmmm... Eu realmente gosto de como isso soa.

- Então terei que assegurar que ouça muitas e muitas vezes.

- Certo - murmurou ela, seus dedos brincando com os cabelos dele, empapados de suor sobre a nuca. - Foi incrível, a propósito. Sempre vai ser bom assim?

Ele gemeu.

- Tenho a sensação de que pode melhorar.

Ela riu, e a vibração fez despertar de novo seu sexo.

- Se continuar assim, terei que voltar e tomar outra ducha.

Ele fez um movimento sexy e poderoso com sua pélvis, encaminhando sua ereção mais profundamente.

- Ah, posso continuar. Não se preocupe, isso nunca vai ser um problema quando você estiver por perto.

- Melhor tomar cuidado, ou posso obrigá-lo a isso.

Niko riu apesar de seu pesado humor.

- Coração, pode me obrigar a tudo que quiser.

Ele a beijou novamente. E grunhiu de prazer quando ela envolveu as pernas ao redor dele e o fez girar de costas para começar uma lenta e nova cavalgada.


Capítulo 27

Houve uma época para Andreas Reichen, há quase 300 anos, quando a morte caía sobre ele como um dilúvio. Um tempo quando uma desatinada onda brutal de massacre tinha visitado seu pacífico domínio.

Naquele tempo, no verão úmido de 1809, uma manada de vampiros Renegados tinha forçado sua entrada nesse mesmo Refúgio, violando e matando vários de seus familiares. O ataque tinha sido ao acaso, a mansão e seus residentes apenas tiveram o azar de estar no caminho de um grupo de Renegados viciados em sangue. Tinham forçado sua entrada além das portas desprotegidas e janelas, alimentando-se e matando muitos inocentes... E, apesar de tudo, houve sobreviventes. Os Renegados tinham espalhado horror e passado como a peste que eram, mas finalmente foram caçados e destruídos por um membro da Ordem que tinha vindo ajudar Reichen.

A matança fora insuportável, mas não tinha sido completa.

O que Reichen enfrentou em sua volta para casa naquela noite tinha sido um ataque calculado. Não uma entrada pela força bruta, mas por meio da traição. Um inimigo bem-vindo como um amigo. E o massacre ocorrido - provavelmente nas primeiras horas da manhã, justo antes da saída do sol - tinha sido uma aniquilação total.

Ninguém tinha se salvado.

Nem sequer a alma mais jovem na residência.

Com um terrível silêncio que impregnava o ar como uma enfermidade, Reichen caminhou através do sangue e da destruição como um dos mortos. Seus passos seguiram a pista de manchas pegajosas escarlates no mármore do vestíbulo e da sala, além de seu jovem sobrinho, que estava tão contente ao convidar Reichen para padrinho de seu filho recém-nascido. O novo pai ruivo estendido na porta tinha sido o primeiro a morrer, Reichen adivinhou, incapaz de olhar o rosto sem vida que olhava sem ver a escada cheia de balas que conduzia aos dormitórios dos Refúgios nos andares superiores.

Mais morte esperava no corredor fora da biblioteca, onde outros machos tinham sido cortados ao meio. Ainda mais vidas extintas perto da escada da adega, um dos primos de Reichen e sua Companheira de Raça, ambos mortos enquanto tentavam escapar dos disparos.

Não viu o corpo da criança até que quase tropeçou nele - um menino vampiro de cabelo revolto que evidentemente tinha tentado se esconder em uma das estantes da sala de jantar. Os assassinos o haviam tirado de lá e o matado como a um cão.

- Jesus Cristo – Reichen, sufocado, caiu de joelhos e levou a mão branda do menino a sua boca para afogar o grito gutural. - Pelo amor de Deus... Por quê? Por que eles e não eu?!

- Ele disse que você saberia por quê.

Reichen fechou os olhos diante do som rígido da voz de Helene. Ela falava muito devagar, as sílabas muito planas... carente de matizes.

Sem coração.

Ele não precisava se virar para saber que seus olhos estariam estranhamente mortos para ele agora. Mortos porque todo seu calor e toda a sua humanidade tinham sido recentemente retirados dela.

Já não era sua amante, nem sua amiga. Ela era uma Subordinada.

- Quem converteu você? - ele perguntou, deixando cair a mão do menino morto. A quem você pertence agora?

- Você deve saber, Andreas. Você me enviou a ele, afinal.

Filho da puta.

Reichen apertou a mandíbula quadrada e masculina, os molares quase quebrando pela pressão.

- Wilhelm Roth. Ele a enviou aqui para fazer isso. Ele a usou para me destruir.

O fato de Helene não dizer nenhuma palavra sequer apenas tornou a compreensão do golpe mais profunda. Tão dilacerador como seria olhar os olhos de sua ex-amante e ver que a mulher por quem se preocupava agora estava sem alma. Reichen tinha que ver por si mesmo.

Levantou-se e virou lentamente.

- Ah! Helene...

Sangue seco salpicado no rosto e na roupa dela - quase cada centímetro dela coberto de sangue de seus mais queridos amigos e familiares. Ela devia estar ali no centro de todo o massacre, uma insensível testemunha não afetada por tudo isso.

Ela não disse nada quando o olhou fixamente, com a cabeça inclinada um pouco para o lado. Seus olhos, uma vez brilhantes e ardilosos, agora estavam vazios e frios. Abaixo, ao seu lado, ela sustentava uma grande faca de cozinha na mão. A folha larga brilhava à luz do abajur de cristal da sala de jantar.

- Sinto muito - ele murmurou, seu coração retorcido. - Eu não sabia... quando enviou o e-mail e me deixou a mensagem com o nome de Roth, tentei avisá-la. Tentei alcançá-la, mas...

Ele deixou que as palavras se desvanecessem, sabendo que as explicações não importavam. Não mais. Não agora.

- Helene, só sei que sinto muito - engoliu a bílis que subiu no fundo de sua garganta. - Só sei que eu realmente me importava com você. Eu a amav...

Com um grito estridente, Helene se lançou sobre ele.

Reichen sentiu o fio da navalha cortando seu peito e braço, fazendo um profundo corte. Ignorando a dor, ignorando a inalação repentina do aroma de seu próprio sangue, ele agarrou o braço da escrava de Roth e o torceu. Ela gritou, opondo-se e lutando enquanto ele puxava seu braço esquerdo para baixo e bloqueava ambos os membros ajustados aos lados de seu corpo. Ela amaldiçoou e gritou, chamando-o com nomes vis, cuspindo de fúria.

- Shhh - Reichen sussurrou ao lado de seu ouvido. – Agora, cale-se, Helene.

Como um animal selvagem, Helene continuou se retorcendo e gritando para que ele a soltasse.

Não, corrigiu-se. Não, Helene. Aquela já não era a mulher que ele conhecera. Helene estava morta para ele no momento em que trouxe o esquadrão da morte de Wilhelm Roth para dentro daquele Refúgio. Na verdade, por muitas razões, ela nunca foi sua. Que Deus tivesse piedade dela, ela não merecia esse fim. Nenhum dos caídos ali merecia tal horror.

- Tudo está bem agora - ele murmurou, a mão direita acariciando as bochechas manchadas de sangue dela. - Está tudo bem agora, querida.

Um grito saiu disparado de sua garganta enquanto ela puxava bruscamente o rosto para fora de seu alcance.

- Maldito! Deixe-me ir!

- Sim - ele disse tirando-lhe a faca. - Terminou agora. Vou deixá-la ir.

Com a dor estrangulando-o, Reichen girou a faca em torno de seus dedos e levou a ponta ao seu peito.

- Me perdoe, Helene...

Sustentando-a apertada contra ele, afundou a lâmina profundamente no peito dela. Ela não fez nenhum som enquanto morria, apenas deixou escapar um suspiro longo e lento enquanto desinflava em seus braços e desabava ali, frouxa como uma boneca de pano. Tão brandamente quanto pôde, Reichen deitou seu corpo no chão. A faca caiu de sua mão ao lado dela, revestida com o carmesim brilhante dos sangues deles mesclados.

Reichen lançou um longo e incorruptível olhar para os restos do que tinha sido seu lar. Agora que tudo tinha terminado, queria memorizar cada mancha de sangue, cada vida que se interrompeu por causa de sua falta de atenção. Seu engano. Ele precisava recordar, porque em pouco tempo nada daquilo existiria.

Não podia permitir que nada daquilo permanecesse, não daquela forma. Tampouco ia deixar que as mortes não fossem vingadas.

Reichen deu meia volta e se afastou da matança. Suas botas ecoaram no chão de madeira da sala, seus passos eram o único som na horripilante tumba maciça. No momento em que chegou ao jardim em frente à propriedade, seu peito não estava mais apertado, mas frio.

Tão frio como uma pedra. Tão frio como a vingança que tinha a intenção de visitar Wilhelm Roth e todos os associados a ele.

Reichen se deteve brevemente na grama iluminada pela lua. Ele se virou para a mansão e, por um momento, simplesmente a viu em sua perfeita e estranha quietude. Então sussurrou uma oração, palavras antigas que se sentiam oxidadas em sua língua pela falta de uso.

Não é que a oração lhe fizesse algum bem agora. Estava abandonado, agora mais do que nunca. Realmente sozinho.

Reichen baixou sua cabeça até o peito, invocando seu terrível talento. Encheu-se em seu interior, um calor que rapidamente se intensificou, formando um fundido e revolto círculo em suas vísceras.

Ele deixou-o crescer. Deixou-o girar e ganhar força até que seu interior se sentiu abrasado por sua fúria.

E ainda o conteve.

Manteve-o em seu interior até que a bola de fogo golpeou contra sua caixa toráxica, fumaça e cinza flutuando até queimar o fundo de sua garganta. Até que a bola de fogo o consumiu, iluminando todo seu corpo com um resplendor muito quente. Cambaleou sobre seus calcanhares, lutando para manter o corpo até que soubesse que desataria a total destruição instantânea.

Enfim, com um rugido cheio de dor, Reichen soltou o poder de dentro dele.

Um disparo de calor saiu de seu corpo, derramando e girando enquanto avançava para frente, uma esfera de pura energia explosiva. Como um míssil lançado em um alvo por um laser, o círculo disparou dentro da porta aberta da mansão Refúgio. Um segundo depois, detonou, uma impressionante beleza infernal.

Reichen foi golpeado de volta com o estalo sônico da explosão.

Deitou-se na grama, observando com satisfação desinteressada como as chamas, as faíscas e a fumaça devoravam até mesmo os menores pedaços do que tinha sido sua vida.


Capítulo 28

- Estamos carregados e preparados para partir, Renata. Precisa de mais tempo antes de sairmos?

De pé no caminho de cascalho diante da casa principal, Renata girou quando Nikolai se aproximou por trás.

- Não, não preciso de mais tempo aqui. Estou pronta para deixar este lugar para sempre.

Ele abraçou-a, envolvendo-a em sua força masculina.

- Acabo de falar com Gideon. Tegan, Rio e os outros estão fazendo bons progressos. Eles devem estar em nosso ponto de encontro em uma hora.

- Certo. Bom.

Renata se inclinou em seu abraço, feliz pelo calor de seu refúgio... e de seu amor. Nikolai a tinha mantido perto dele no refúgio de videira até que o sol se pôs, acalmando seus temores com seu corpo, afastando-a da feia realidade que originalmente os tinha unido - e do que poderia acontecer naquela noite, quando eles finalmente teriam a oportunidade de enfrentar Edgar Fabien.

A verdade era que ela estava preocupada com o que eles poderiam encontrar. Uma preocupação que lhe penetrava até os ossos e, embora Nikolai não houvesse dito nada que sugerisse que ele também tivesse dúvidas, ela poderia dizer que sua mente estava carregada de pensamentos que ele parecia estar decidido a esconder dela.

- Pode me dizer, você sabe - ela saiu dos braços dele e o encarou. – Se tiver um mau pressentimento a respeito desta noite... pode me dizer.

Algo cruzou a expressão de Niko, mas ele não disse nada, apenas sacudiu a cabeça e beijou a testa de Renata.

- Não sei o que podemos esperar em se tratando de Fabien. Mas posso dizer que, aconteça o que acontecer, estarei com você, certo? Vamos sair disso.

- E uma vez que tenhamos Fabien, vamos buscar Mira - ela completou, procurando os olhos dele. - Certo?

- Sim - ele disse, com seu indestrutível olhar que sustentou de forma estável. - Sim, eu prometi. Dei minha palavra a respeito disso. Não vou desapontá-la.

Ele a puxou para si uma vez mais, capturando-a em um afeto que o mostrava pouco disposto a deixá-la ir. Renata o sustentou também, escutando o forte e rítmico palpitar de seu coração em sua orelha... e perguntando-se por que seu próprio pulso parecia estar dando um sinal de alerta em suas veias, como uma sentença de morte.

Em uma remota fazenda abandonada de cem hectares, algumas horas ao norte de Montreal, o bosque da noite estremeceu com o gemido de um motor de combustão interna e o excesso de velocidade de um barco que passava através do lago praticamente desabitado. A terra e o lago, bem como o transporte proporcionado a Dragos para chegar àquele lugar, pertenciam a Edgar Fabien.

Embora Fabien tivesse sido uma recente decepção, Dragos supôs que o líder do Refúgio merecesse algum crédito por aquela reunião importante. Enquanto o resto dos assistentes chegou durante a noite anterior de automóvel, naquela noite um barco rápido tinha sido enviado para levar Dragos depois que um hidroavião o havia trazido da cidade por outro caminho interno de água também na propriedade de Fabien. Depois do revés sofrido poucas semanas atrás, durante a reunião de Dragos com a Ordem, Fabien tinha ficado muito mais cauteloso sobre como viajava ao ar livre, entre outras coisas. Ele tinha chegado muito longe para correr riscos. Tinha arriscado muito para perder tudo por um descuido ou por incompetência de outros.

Lançou um olhar depreciativo para o outro passageiro sentado no bote com ele. O rosto do Caçador permanecia impassível no resplendor leitoso da lua sobre suas cabeças, seu enorme corpo perfeitamente imóvel mesmo quando o condutor girou o leme e o bico da proa do barco conectou-se diretamente com a água para desviar-se em direção ao cais solitário que se encontrava mais adiante.

O caçador provavelmente sabia que se dirigia para a própria morte. Tinha fracassado em sua missão de matar o Primeira Geração em Montreal, o que pedia um incrível castigo. Dariam um jeito nele naquela noite, e se Dragos pudesse usar este castigo como uma demonstração adicional de seu poder diante dos tenentes que estavam reunidos para dar as boas-vindas agora, melhor.

O motor do barco mudou para uma marcha inferior quando chegaram ao cais não iluminado e modesto onde Edgar Fabien esperava para saudá-lo. Os vapores do gás formaram redemoinhos fora da água, asquerosamente doces. A reverência profunda de Fabien e as boas-vindas aduladoras tinham um efeito similar.

- Meu senhor, é a honra de toda uma vida dar boas-vindas aos meus domínios.

- De fato - Dragos arrastou as palavras enquanto dava um passo fora do barco sobre as tábuas de madeira escura do cais. Ele fez um gesto para que o Caçador o seguisse, e não perdeu a reação de Fabien quando divisou o tamanho e a imensidão do Primeira Geração que prestava serviços à ordem de Dragos. – Todos estão reunidos lá dentro?

- Sim, senhor. - Fabien saiu de sua reverência e se precipitou a caminhar ao lado de Dragos. - Tenho boas notícias. O guerreiro que escapou da contenção foi eliminado. Tanto ele quanto a mulher que o ajudou. Um de meus ajudantes agarrou a dupla, e ontem à noite enviei uma equipe com meus melhores agentes para se livrar do problema.

- Tem certeza de que o guerreiro está morto?

O sorriso de suficiência de Fabien ressoou.

- Aposto minha própria vida nisso. Enviei profissionais capacitados para a tarefa. Confio na habilidade deles de forma implícita.

Dragos grunhiu, sem deixar-se impressionar.

- Que grande comodidade deve ter esse tipo de confiança em seus servos.

A confiança de Fabien vacilou com a espetada e ele limpou a garganta com estupidez.

- Meu senhor... em outro momento, se quiser.

Dragos dispensou o Caçador de sua presença com um gesto cortante.

- Aproxime-se da casa e me espere. Não fale com ninguém.

Quando o assassino Primeira Geração caminhou a passos longos para a frente, Dragos fez uma pausa para lançar um olhar impaciente para Fabien.

- Meu senhor, eu esperava, quer dizer, pensei que um presente pudesse cair bem - gaguejou ele. - Para celebrar esse importante evento.

- Um presente? - antes que pudesse perguntar a Fabien o que pensava que Dragos poderia necessitar dele, Fabien estalou os dedos e um agente de execução surgiu das sombras das árvores circundantes, empurrando uma menina diante dele. A menina parecia perdida na escuridão, seus cabelos loiros brilhando como cabelos de milho, seu pequeno rosto perdido debaixo dele.

- Que é isso?

- Uma jovem Companheira de Raça, meu Senhor. Meu presente para o senhor.

Dragos contemplou a menina desamparada, impressionado. As Companheiras de Raça eram um acontecimento bastante raro entre as populações humanas, isso era certo, mas ele preferia as férteis, em idade de procriar. Essa garota não estaria pronta por vários anos, o que sem dúvida mostrava que Fabien tinha algo mais a respeito dela.

- Pode ficar com ela - disse Dragos, retomando o percurso rumo à reunião. – Faça com que seu homem conduza o barco de volta. Chamarei pelo rádio quando necessitar.

- Vá - Fabien ordenou em resposta, então voltou novamente ao lado de Dragos, tão ansioso como um cão mendigando pelas sobras. - Meu senhor, sobre a menina... na verdade, o senhor deve ver por si. Ela é dotada de um talento extraordinário que estou seguro de que o senhor saberá apreciar. Ela é um oráculo, meu senhor. Fui testemunha disso.

Contra sua vontade, a curiosidade prendeu sua atenção. Seus passos desaceleraram, e então deteve-se.

- Traga-a.

Quando ele girou ao redor, o sorriso impaciente de Fabien ficou ainda mais amplo.

- Sim, senhor.

A menina foi conduzida a ele uma vez mais, resistindo em seus passos, seus obstinados calcanhares cravando-se nas velhas agulhas de pinheiro e na areia que enchiam o pequeno cais. Ela tentou lutar contra o guarda vampiro que a segurava, mas era um esforço inútil. Ele simplesmente a empurrou para frente até que ela ficou de pé diretamente na frente de Dragos. Ela manteve seu queixo para baixo, com o olhar posto no chão.

- Levante a cabeça - Fabien ordenou, mal esperando que obedecesse, antes de pegar sua cabeça com ambas as mãos e a obrigar a olhar para cima. - Agora, abra os olhos. Vamos!

Dragos não sabia muito bem o que esperar. Ele não estava absolutamente preparado para a palidez surpreendente de seu olhar. A íris da menina era tão clara como espelhos de cristal e tão impecável que imediatamente o fascinaram e hipnotizaram. Estava vagamente consciente da emoção de Fabien, mas toda a sua atenção estava presa na menina e no incrível brilho tênue de seus olhos.

E então ele viu... um movimento brilhante na meditação pacífica. Viu uma forma movendo-se através das espessas sombras - um corpo que acreditou reconhecer como o seu próprio. A imagem ficava mais clara quanto mais olhava fixamente, absorto e impaciente por ver mais do presente que Fabien havia descrito.

Era ele.

Era seu refúgio também. Mesmo envoltas na névoa escura, as imagens que se mostravam eram intimamente familiares. Viu o laboratório subterrâneo, as celas de contenção... a jaula de luz ultravioleta que continha sua maior arma na guerra que estava preparando durante todos aqueles séculos. Tudo estava ali, revelando-se para ele através dos olhos daquela pequena Companheira de Raça.

Mas, então, um momento de alarme surpreendente.

Seu laboratório antigo, tão rigidamente assegurado e ordenado, estava em ruínas. As celas de contenção tinham sido deixadas abertas. E a jaula de luz ultravioleta... estava vazia.

- Impossível - murmurou ele, golpeado por um temor sombrio, furioso.

Ele piscou com força, várias vezes, querendo limpar a visão de sua cabeça. Quando abriu os olhos outra vez, viu algo novo nos olhos malditos da menina... algo ainda mais incompreensível.

Viu-se implorando por sua vida. Chorando, abatido. Patético. Derrotado.

- Isso é algum tipo de brincadeira de mau gosto? - a voz dele tremia tanto com a raiva como com outra coisa muito fraca para admitir. Desviou o olhar da garota e o fixou em Fabien.

- Que diabos isso significa?

- Seu futuro, senhor – o rosto de Fabien ficou completamente pálido. A boca se moveu durante um momento sem expressar som algum, então, finalmente balbuciou. - A menina... o senhor viu, ela é um oráculo. Ela me mostrou em pé aqui, nesta grande reunião, apresentando uma visão de seu futuro que o agradava enormemente. Quando vi isso, soube que tinha de guardá-la, meu senhor. Tinha de oferecê-la ao senhor, não importava o custo.

O sangue de Dragos era como lava ardendo em suas veias. Ele deveria matar esse idiota ali mesmo, só por aquele insulto.

- É óbvio que você interpretou mal o que viu.

- Não! - Fabien exclamou, agarrando a menina e girando ao redor dela. Deu a ela uma sacudida forte. – Mostre-me outra vez! Mostre que não me enganei, maldita!

Dragos observou tão imóvel como uma pedra, enquanto Fabien olhava atentamente seus olhos. O grito horrorizado do líder do Refúgio disse tudo o que ele tinha que saber. Ele cambaleou para trás, tão branco quanto uma folha de papel. Golpeado como se tivesse testemunhado sua própria morte.

- Não entendo - murmurou Fabien. - Tudo mudou. O senhor tem de acreditar, Mestre! Não sei como ela mudou a visão, mas a pequena bruxa está mentindo agora. Ela tem que estar mentindo!

-Tire-a de minha frente - Dragos grunhiu ao guarda da Agência de Execução que a sustentava. – Vou levá-la comigo quando for, mas até então, não quero ver nem um fio de cabelo dela.

O guarda assentiu com a cabeça e afastou a menina, praticamente arrastando-a até a casa.

- Senhor, eu lhe rogo - suplicou Fabien. – Perdoe-me por este... lamentável engano.

- Cuidarei de você mais tarde - disse Dragos, sem se preocupar em esconder a ameaça reflexiva no fundo de cada uma de suas palavras.

Retomou a marcha para a reunião, mais decidido do que nunca a fazer todos compreenderem de uma vez por todas sua autoridade e seu poder incomparáveis.


Capítulo 29

Estava completamente escuro quando Niko e Renata, após seguirem as coordenadas enviadas por Gideon, chegaram ao local onde ficava a propriedade de Edgar Fabien, ao norte. O líder do Refúgio evidentemente possuía um pedaço considerável de terra suficientemente longe de Montreal para que a zona ao redor permanecesse inexplorada: acre após acre de enormes coníferas e sempre-vivas, nenhuma alma sequer à vista, a não ser um ou outro veado ou alce americano que saía em disparada ao primeiro aroma de vampiro arrastando-se naquele santuário natural.

Nikolai tinha feito sozinho o reconhecimento da área nos últimos minutos. Uma casa de dois andares feita de troncos e pedra estava enfiada em um canto do bosque. Um estreito caminho sem pavimentação e apenas largo o suficiente para um veículo cortava as árvores na parte da frente da casa. Niko contornou essa vida escondido pela vegetação e viu dois Agentes da Lei vestidos com roupas da SWAT, postados no meio do caminho, e os três grandes Humvees estacionados em fila única bem diante da porta principal da casa. Três outros guardas vampiros com rifles M16 cobriam a entrada. Leste e oeste estavam também sob vigilância com um sentinela armado.

Embora não imaginasse que eles tivessem deixado a parte traseira da propriedade vulnerável, Niko se moveu ao redor daquele caminho para ter uma ideia da extensão do terreno. Ouviu o suave som de água mesmo antes de ver o tranquilo lago e o cais vazio na borda, a cerca de trezentos metros atrás da casa. Lá, outra dupla de Agentes permanecia de guarda.

Maldição.

Entrar no lugar para pegar Fabien não seria fácil. A menos que ele e a Ordem atacassem por cima, se quisessem tirar o sócio de Dragos dali teriam de passar por alguns guardas da Agência no processo, sem considerar o grupo desconhecido de vampiros da Raça que tinha acompanhado o líder do Refúgio de Montreal até ali na noite passada. Capturar Fabien naquela noite sem muitas baixas civis beirava o impossível, principalmente quando o resgate de Mira era acrescentado à equação. Portanto, o reconhecimento feito por Niko dava conta de que a coisa seria feia. Muito feia.

E havia ainda a situação com Renata.

Uma das coisas mais difíceis que Nikolai já fizera fora passar o dia inteiro com ela, sabendo que a tinha enganado. Ele queria dizer-lhe, depois que fizeram amor, depois que ela o honrou com o presente de seu sangue e com o vínculo completo que agora os unia eternamente. Quis dizer-lhe uma dúzia de vezes, em uma dúzia de momentos diferentes, mas, egoísta, mantivera a verdade oculta para a própria proteção dela. Ele ainda mantinha a esperança de que ela compreendesse sua cautela - que ela poderia inclusive ficar agradecida que ele a tivesse feito esperar para saber a localização de Mira até que ele e os outros guerreiros da Ordem tivessem uma oportunidade sólida de criar uma estratégia de resgate.

Sim, o macho da Raça seguia se dizendo essas coisas porque não queria sequer considerar outras alternativas.

Afastando o arrependimento que perseguia seus passos e o medo que seguia arrastando-se por trás de seu pescoço, Nikolai se moveu para uma melhor posição de acesso aos bosques. Olhou através dos ramos de pinheiro e observou vários dos ocupantes da casa enquanto eles passavam por uma janela no andar térreo. Fez uma rápida contagem dos vampiros da Raça encapuzados enquanto eles andavam a passos largos e em grupo para outra sala. Cinco, seis, sete... e então outro, este sem o capuz negro cobrindo-lhe o rosto.

Ah! Jesus Cristo!

Nikolai o conhecia. Ele tinha visto o filho da mãe de perto e pessoalmente apenas algumas semanas antes, quando uma missão da Ordem tinha-lhe enviado a um encontro com um dos oficiais do mais alto escalão na Agência da Lei. Naquele momento, o homem usava um pseudônimo - um dos dois nomes falsos que a Ordem tinha descoberto não fazia muito tempo. Agora eles conheciam o bastardo por seu verdadeiro nome, o nome que o Primeira Geração traidor que fora seu pai carregava antes também.

Dragos.

Maldição.

Durante semanas a Ordem havia investigado exaustivamente à procura de Dragos, tudo sem êxito. Agora, ele estava ali, na frente deles, como um peixe em um barril. O bastardo estava ali. E, maldito seja, ele ia cair - naquela noite.

Niko recuou para a mata cerrada, então arrastou o traseiro na direção sul, onde tinha deixado Renata no SUV da Agência que roubaram. Mal podia esperar para ligar para Tegan e Rio e lhes dar essas boas notícias.

A confusão e a angústia de Edgar Fabien por causa do fracasso de seu presente para Dragos assombrava-o como um fantasma enquanto ele e os outros seguiam o recém-chegado líder à sala de conferências no abrigo ao norte. Ele sabia que era perigoso, geralmente mortal, desagradar Dragos, algo que tinha evitado muito bem até agora. Mas ele também sabia – assim como o resto dos vampiros da Raça reunidos ali para aquele encontro – que Dragos os tinha juntado por um objetivo específico. Aquela seria uma noite histórica. Eles seriam recompensados, Dragos prometera, pelos anos de parceria oculta e lealdade a um objetivo comum.

Depois de tanto tempo e esforço adulando Dragos durante as últimas décadas, Fabien só rezava que não tivesse jogado tudo fora naquele instante infeliz perto do cais.

- Sentem-se - Dragos ordenou, tomando seu lugar na frente da sala de reuniões. Assistiu enquanto Fabien e os outros seis, todos ocultos atrás de seus capuzes negros, ocupavam as cadeiras reunidas ao redor do bloco de granito polido que servia como mesa de conferências. - Nós nos reunimos aqui nesta sala porque compartilhamos um interesse comum: o atual e o futuro estado de nossa Raça.

Fabien assentiu sob seu capuz, assim como o fizeram os outros ao redor da mesa.

- Compartilhamos um ressentimento comum pela corrupção de nossas descendências pela mancha de humanidade e pela maneira ambiciosa com a qual os que estão no poder dentro da Raça escolheram nos governar com respeito à inferioridade humana. Desde que as primeiras sementes da Raça foram semeadas neste planeta, os vampiros degeneraram-se em uma vergonha grande e triste. A cada nova geração nascida, nossa descendência cresce mais e mais mesclada com a humanidade. Nossos líderes preferem que nos ocultemos dos Homo sapiens, todos com medo de serem descobertos, e mascaram essa covardia com leis e políticas supostamente feitas para proteger o segredo de nossa existência. Ficamos debilitados pelo medo e pelo segredo. Já é hora de isso mudar e precisamos de um novo e poderoso líder.

Agora os assentimentos chegaram mais vigorosos, os acordos murmurados mais fervorosamente.

Dragos começou a dar passos sem pressa na frente da sala, suas mãos juntas e frouxas atrás das costas.

- Nem todos partilham de nosso desejo de reverter radicalmente as falhas passadas e restaurar a Raça a uma posição de poder. Nem todos veem o futuro que nós vemos. Alguns diriam que o preço é muito alto, que os riscos são muito grandes. Mil desculpas para explicar por que a Raça deveria manter seu status quo e não dar os passos firmes requeridos para aproveitar o futuro a que temos direito.

- Ouça, ouça - Fabien interferiu, ansioso por aquele futuro que o lambia como uma chama.

- Estou encantado com o fato de que todos vocês nesta sala entendam que passos firmes devem ser tomados - disse Dragos. - Cada um de vocês, individualmente, tem tido um papel no avanço de nossa visão ao seguinte nível. E vocês o fizeram sem questionar, sem conhecer uns aos outros... até agora. Nosso próprio momento de segredo terminou. Por favor - disse ele -, tirem seus capuzes e nos deixem começar a mais nova fase de nossa aliança.

Fabien estendeu a mão para o pano negro que lhe cobria a cabeça, a insegurança fazendo seus dedos duvidarem. Deteve-se até que alguns dos outros assistentes tiraram seus capuzes antes de encontrar coragem para tirar o seu.

Por um momento, nenhum dos vampiros da Raça disse uma palavra. Olhadas passaram ao redor da mesa, alguns presunçosos com reconhecimento de olhares conhecidos, outros cautelosos pelos estranhos que agora, com essa confissão de mal-intencionada traição, tinham se tornado seus mais profundos aliados. Fabien conhecia vários dos rostos que lhe devolveram o olhar - todos eles de Refúgios de alto escalão ou oficiais da Agência da Lei, alguns dos Estados Unidos e outros do exterior.

- Somos um conselho de oito - anunciou Dragos. - Como os Antigos que chegaram aqui há tanto tempo. Somos, todos nós, a segunda geração de filhos desses poderosos extraterrestres. Logo, uma vez que o último vampiro Primeira Geração for eliminado, estaremos entre os mais velhos e mais poderosos de nossa Raça. Cada um de vocês ajudou nesse esforço, seja oferecendo as localizações dos membros que restavam de nossa primeira geração, seja apoiando a causa oferecendo Companheiras de Raça para levar as sementes de nossa revolução.

- E quanto à Ordem? - perguntou um dos assistentes europeus, seu sotaque alemão afiado como uma lâmina de barbear. - Há dois guerreiros Primeira Geração com quem ainda temos de lutar.

- E o faremos - disse Dragos, sem problemas. – Vou planejar o ataque direto na Ordem muito em breve. Depois do recente golpe contra mim, será um prazer pessoal enterrar a operação da Ordem e ver os guerreiros e suas Companheiras encontrarem a morte.

Um diretor da Agência da Costa Oeste dos Estados Unidos inclinou-se para trás em sua cadeira e arqueou as sobrancelhas castanhas.

- Lucan e seus guerreiros já sobreviveram a outros ataques antes. A Ordem existe desde a Idade Média. Eles não cairão sem luta. Uma luta dura e sangrenta.

Dragos riu.

- Ah! E eles sangrarão. E se tudo sair como espero, vão pedir misericórdia e não receberão nenhuma. Não do poderoso exército que terei às minhas ordens.

- Quando começaremos a criar esse exército? - alguém no grupo perguntou.

O sorriso de Dragos se encheu de malícia.

- Começamos faz 50 anos. Na verdade, essa revolução começou há muito mais tempo do que isso. Muito mais.

Todos os olhos estavam cravados nele enquanto ia a passos largos até um laptop que Fabien tinha mandado deixar preparado na sala. Enquanto digitava algo, o grande monitor plano da sala de conferências se elevou do chão. Dragos digitou mais outras coisas e logo o monitor piscou, mostrando o que parecia ser um laboratório.

- Uma conexão por satélite com uma de minhas fortalezas - explicou, usando o touchpad para controlar remotamente a câmera. - É aqui onde estive juntando as peças do quebra-cabeças - a câmera vagou para um muro de cilindros criogênicos codificados, depois passou por um grupo de microscópios, computadores e tubos de DNA alinhados nas mesas. No meio de todo aquele equipamento, vários Subordinados cientistas vestidos com máscaras e jalecos brancos.

- Parece um laboratório de genética - disse o alemão.

- E é - respondeu Dragos.

- Que tipo de experimentos está fazendo?

- De todo tipo - Dragos voltou para o teclado e teclou outra sequência de comandos. A câmera do laboratório apagou e foi substituída por outra: essa era um ângulo panorâmico de um longo corredor com celas de prisão. Embora da posição da câmera fosse difícil distinguir algo além das mais rudimentares formas, era óbvio que as celas continham mulheres, algumas delas com crianças.

- Companheiras de Raça - tomou fôlego Fabien. - Deve haver vinte ou mais ali.

- Elas nem sempre sobrevivem aos testes, de modo que o número tende a variar - disse Dragos, em tom de conversa. - Mas tivemos nossos êxitos com o processo de reprodução. Essas mulheres e as que viveram antes delas estão dando a luz ao maior exército que este mundo jamais viu. Uma brigada de assassinos Primeira Geração que estarão sob minhas ordens.

Um silêncio tão grande como uma capa de inverno caiu sobre a reunião.

- Primeira Geração? - perguntou o diretor da Costa Oeste. - Isso não pode ser possível. Seria preciso um dos Antigos para produzir uma primeira geração de vampiros da Raça. Todos foram exterminados pela Ordem faz uns 700 anos. O próprio Lucan declarou Guerra a todos os Antigos e se certificou de que nenhum sobrevivesse.

- Certificou-se? - sorriu Dragos, mostrando as pontas de suas presas. - Acredito que... não.

Com uns poucos golpes mais de teclado, mostrou as imagens de outra câmera na conexão do satélite. Dessa vez, o foco se localizava em uma grande sala cheia de segurança, que tinha em seu centro uma cela cilíndrica construída com raios de luz. Os raios ultravioleta emitidos da jaula de barras verticais estavam piscando, inclusive na tela.

E dentro dessa jaula de raios ultravioleta havia uma criatura nua e sem cabelo que, de pé, mediria dois metros. Seu corpo nu era imenso, cada polegada coberta de dermoglifos. Ele elevou a vista enquanto as lentes da câmara zumbiam sobre ele de algum lugar da câmara. Pupilas e olhos âmbar, mas devoradas pelo fogo que ardia fora de suas órbitas, reduzido com letal consciência. A criatura saiu de sua posição de cócoras e se preparou para atacar, só para receber de novo o calor das barras ultravioleta que o deixavam prisioneiro. Abriu a boca e soltou um rugido furioso que não precisou ser ouvido para ser entendido.

- Meu Deus - mais de um dos assistentes ofegou.

Dragos lançou um olhar mortalmente sóbrio sobre o grupo.

- Admirem... nossa revolução.

O celular de Lex vibrou no centro do console do SUV. Renata o pegou e olhou a tela: Número desconhecido.

Inferno.

Ela não podia estar segura se a chamada era para Lex ou para Nikolai, já que o guerreiro da Raça estava usando o telefone para chamar e receber chamadas da Ordem. Ela não sabia há quanto tempo ele tinha saído para fazer o reconhecimento e estava a ponto de perder a cabeça esperando por ele. Ela precisava fazer algo. Ao menos, precisava sentir que estavam fazendo algum progresso para encontrar Mira logo...

O celular continuou vibrando em sua mão. Ela pressionou o botão de atender, mas não disse nada. Apenas deixou que a pessoa se revelasse primeiro.

- Olá? Niko? Você está aí, hermano? - a profunda voz denotava um acento espanhol, tão quente e suave como caramelo. - É Rio, cara...

- Ele não está aqui - disse Renata. - Estamos no lado norte da cidade, esperando que vocês cheguem. Nikolai saiu para fazer um reconhecimento da área. Não deve demorar muito.

- Bem - disse o guerreiro. - Já estamos quase chegando, demoraremos aproximadamente 45 minutos. Você deve ser Renata.

- Sim.

- Quero agradecê-la por você ter salvado o traseiro de nosso garoto aí. O que fez foi... bem, ele tem sorte de tê-la ao seu lado. Todos temos - ela podia ouvir a genuína preocupação e gratidão na voz do vampiro, e ficou demasiado curiosa por conhecer os outros guerreiros que Nikolai chamava de amigos. - Está tudo bem aí? Você está bem?

- Estou bem. Só ansiosa para que tudo isto acabe essa noite.

- Entendo - respondeu Rio. - Niko nos contou sobre a menina, Mira. Lamento pelo que você está passando, sabendo que um doente como Fabien está com ela. Sei que não deve ter sido fácil esperar o dia todo para se encontrar conosco.

- Não, não foi. Sinto-me tão inútil - confessou ela. - Odeio esse sentimento.

- Lamento tudo isso. Não vamos deixar que nada aconteça com ela esta noite quando entrarmos lá, Renata. Tenho certeza de que Nikolai explicou para você que pôr nossas mãos em Edgar Fabien é fundamental para a Ordem, mas vamos dar o nosso melhor para que a menina saia de toda esta situação bem.

Um súbito frio impregnou seu peito enquanto as palavras de Rio se afundavam em sua mente.

- O que disse?

- Que ela vai ficar bem.

- Não... isso de que você não deixarão que nada aconteça... lá dentro...

Do outro lado da linha, um longo silêncio.

- Ah! Cristo! Niko não lhe disse nada sobre o vídeo que temos do Refúgio de Fabien de ontem à noite?

O calafrio em Renata congelou, o gelo estendendo-se do peito aos seus membros.

- Um vídeo... de ontem à noite? - respondeu ela paralisada. - O que havia nele? Você viu Mira? Ah! Deus! Fabien fez algo? Diga-me!

- Madre de Dios - disse com uma larga exalação. - Se Niko não lhe disse isso... não tenho certeza de que devo lhe contar agora.

- Fale, maldição.

Ela ouviu um estrondo de conversa rápida ao fundo antes que Rio finalmente cedesse.

- A menina está com Fabien e com outros que ainda não identificamos. Pegamos a informação de uma câmera de segurança no Refúgio de Fabien. Eles partiram ontem à noite e nós os seguimos até a propriedade onde está agora.

- Ontem à noite - murmurou Renata. - Fabien está com Mira aqui... desde ontem à noite. E Nikolai? Vai me dizer que ele sabia? Quando ele ficou sabendo disso tudo? Quando?

- Tenho que pedir que aguente aí um momento mais - disse Rio. - Vai ficar tudo bem...

Renata sabia que o guerreiro ainda estava falando, ainda estava tentando acalmá-la, mas sua voz se apagou lentamente de sua consciência conforme uma profunda cólera e um profundo medo - uma dor tão desmedida que ela acreditava que poderia despedaçá-la – tomou conta de si. Ela desligou o telefone, cortando a chamada e deixando o aparelho cair no chão, aos seus pés.

Mira estava ali desde a noite passada, com Fabien. Todo este tempo. E Nikolai sabia.

Ele sabia, e escondeu isso dela. Ela poderia estar aqui há horas – nas horas de sol - fazendo algo, algo para salvar Mira. Em vez disso, Nikolai tinha ocultado deliberadamente a verdade e, como resultado, ela não tinha feito nada.

Não totalmente nada, ela admitiu, golpeada pela culpa por causa do prazer que tinha desfrutado com Niko enquanto Mira estava sozinha perto dali.

- Ah! Deus! - ela sussurrou, sentindo-se enjoada diante daquele pensamento.

Estava vagamente consciente dos passos aproximando-se do veículo, seus sentidos elevando-se antes que sua mente pudesse processar o som. O vínculo de sangue que agora compartilhava com Nikolai lhe disse que era ele antes que sua sombra aparecesse. Ele abriu a porta do carro esportivo e entrou.

- É Dragos - disse ele, procurando no console, no painel e no assento pelo celular. - Maldito seja, não posso acreditar nisso, mas era ele. Acabei de ver o filho da mãe dentro da casa com Fabien e com os outros. Dragos está aqui, ao nosso alcance. Onde diabos está aquele telefone?

Renata o olhou fixamente, vendo um estranho enquanto ele se inclinava para a frente e estendia a mão para apanhar o celular que estava aos pés dela, no chão do veículo. Ela mal ouvia o que estava dizendo. Mal se preocupava agora.

- Você mentiu para mim.

Ele se voltou para trás, com o telefone de Lex na mão. O rangido de adrenalina que tinha iluminado seus olhos se reduziu um pouco quando encontrou seu olhar.

- O quê?

- Eu confiei em você. Você me disse que eu podia confiar em você, que podia contar com você, e o fiz. Acreditei em você e você me traiu - ela tragou a saliva passando o terrível nó de sua garganta e forçando a si mesma a pronunciar as palavras. - Mira está aqui. Está aqui com Fabien desde ontem à noite. Você sabia disso... e não me disse nada.

Ele estava calado, mas sequer tentou negar o que ela dizia. Ele olhou o telefone em sua mão como se acabasse de se dar conta de como ela tinha descoberto.

- Eu podia estar aqui, Nikolai. Há horas, podia estar aqui, fazendo algo para tirar Mira das mãos desse monstro!

- Motivo pelo qual eu não lhe disse nada - disse amavelmente.

Ela sentia o coração quebrado.

- Você me traiu.

- Fiz isso para protegê-la. Porque te amo.

- Não - disse ela, agitando a cabeça para evitar ser feita de idiota de novo. - Não. Não diga isso. Como pode dizer isso quando usou todas essas palavras para me manter distraída, para me fazer acreditar que realmente se preocupava comigo enquanto você e seus amigos da Ordem faziam planos pelas minhas costas?

- Não foi assim. Nada do que aconteceu entre nós hoje... nada do que eu disse tem a ver com a Ordem. Hoje era você e eu... era sobre nós.

- Grande merda!

Ele estendeu a mão para ela e ela recuou, mantendo-se fora do alcance dele. Ela abriu a porta e saiu do carro, mas ele estava fora do veículo, a seu lado, bloqueando-a com o enorme corpo, tão rápido que ela sequer pôde dar um passo.

- Afaste-se de mim, Nikolai.

- Aonde você vai? - perguntou ele gentilmente.

- Não posso me sentar aqui por mais tempo e não fazer nada - ela deu um passo, mas ele continuava ali. A sutileza desapareceu rápido, substituída por uma firmeza que dizia que ele a manteria amarrada se fosse necessário.

- Não posso deixar que você faça isso, Renata.

- Essa não é uma escolha sua - ela respondeu, tremendo com medo e indignação. - Que droga, nunca foi uma escolha sua!

Ele grunhiu uma maldição e a agarrou.

Renata mal percebeu o que tinha feito até que ele ficou paralisado, segurando a cabeça entre suas mãos. Ele sibilou, seus olhos pulsando brilhos âmbar enquanto lhe dirigia um olhar horrorizado e furioso.

- Renata. Não faça isso.

Ela o atacou de novo, todo seu medo por Mira e sua dor por causa da traição verteram dela uma corrente castigadora de dor mental. Nikolai caiu de joelhos, rugindo e retorcendo-se pela dor que ela tinha desencadeado nele.

Renata se afastou do guerreiro, no bosque, antes que se permitisse ser dissuadida pelo arrependimento crescente dentro de si.


Capítulo 30

A casa estava sob forte armamento, guardada por todos os lados. Era impossível entrar sem ser notado por pelo menos um dos agentes de execução vestidos com roupas parecidas com as da equipe antiterrorista da SWAT. Todos eles ostentavam uma expressão do tipo “atire primeiro e pergunte depois”, desde a escura viseira do capacete preto e dos equipamentos de combate até os rifles automáticos pendurados no corpo.

Graças aos agentes que tinham invadido a casa de Jack na noite anterior, Renata e Nikolai tinham conseguido transporte, uniforme e armas. Ela não tinha a ilusão de que teria a sorte de chegar ao edifício, mas, à primeira vista, vestida como eles, os agentes de plantão podiam pensar que ela era um dos seus.

Ela colocou o capacete que tinha trazido consigo do SUV e fechou o visor colorido. Adotando a melhor postura de soldado que podia, saiu da mata e se aproximou do vampiro que guardava o lado oeste da casa.

O agente a viu imediatamente.

- Henri? Que porcaria você estava fazendo lá fora?

Renata deu de ombros, ergueu o braço bom em um gesto de “vá se ferrar”. Ela não correria o risco de falar com ele, arriscaria no máximo usar sua arma para tirar esse obstáculo do caminho. Mas se o derrubasse, teria toda a segurança em seu traseiro. Não, ela tinha de manter a calma e apenas seguir caminhando na direção dele com a esperança de que ele não abrisse fogo se suspeitasse de algo.

- Qual o problema com você, idiota?

Renata deu de ombros novamente. Chegando mais perto.

Seus dedos coçavam para fazê-lo voar - ele era um alvo fácil ali parado como um tronco, mas o mais leve cheiro de sangue derramado chamaria a atenção de todos os vampiros ao redor. Renata sabia que tinha de aproximar-se o suficiente para alcançá-lo com a mente. Sua única opção era atingi-lo com uma explosão rápida e sólida.

- Ingrato dos infernos. Henri, volte ao seu posto - disse o agente, grunhindo. Estendeu a mão para um pequeno dispositivo de comunicação em seu cinto. - Estou chamando Fabien para denunciá-lo. Se quiser irritá-lo, vá em frente, mas eu não quero fazer parte disso...

Usando todo seu poder, Renata lançou uma descarga selvagem de energia a partir de sua mente e a enviou ao vampiro diante de si. Suas palavras sufocaram com um grunhido e ele caiu como uma pedra. Ela manteve a descarga até que ele ficou em silêncio. Quando estava certa de que ele estava morto, inclinou-se e tirou-lhe a arma e o rádio.

Renata abriu a porta de entrada lateral e deu uma rápida olhada na área interna. Estava vazia. Ela deslizou para dentro, o coração martelando no peito, a respiração ofegante contra a viseira fechada do capacete.

Depois de toda a fúria que ela sentira por Nikolai não ter contado que Mira estava ali com Fabien, agora ela tinha gratidão para com a Ordem pela prova visual da localização da criança. Era tarde demais para saber como tinham ficado as coisas com Nikolai. Tarde demais para se preocupar se deveria ter esperado por ele e por seus companheiros de armas para apoiá-la. Parte dela sabia que tinha sido injusta, mas tinha ido muito longe para voltar.

Ela tomou uma decisão impulsiva e emocional baseada em sentimentos feridos. Foi uma decisão que poderia custar a amizade que tinha com Nikolai - talvez até mesmo seu amor -, mas mesmo já lamentando, aquilo não podia ser desfeito. Nikolai poderia nunca perdoá-la por colocar em risco sua missão e ela entenderia se ele não a perdoasse.

Agora, ela podia apenas rezar para que Mira não pagasse o preço daquilo tudo.

Niko despertou com o zumbido irritante de um celular ao lado de sua cabeça. Ele estava no chão ao lado do veículo. Não fazia ideia de quanto tempo estava ali. O celular vibrou novamente, mexendo na grama e nas folhas secas que se espalhavam pelo chão da floresta. Usou quase toda a sua força para mover a mão e pegar o maldito aparelho. Desajeitadamente, atendeu. Tentou dizer algo, mas apenas conseguiu soltar um grunhido seco.

- Alô - disse ele mais uma vez, forçando seus membros a se arrastarem e se apoiarem na roda dianteira do SUV.

- Niko? - a voz de Rio veio do outro lado do receptor, pesada com a preocupação. - Você parece uma porcaria, hermano. Fale comigo. O que está acontecendo?

- Renata - disse ele, segurando a cabeça nas mãos. – Está enlouquecida...

Rio amaldiçoou.

- Sim, deduzi isso. A culpa é minha, cara. Não sabia que ela não estava a par sobre a menina ter sido levada na noite passada.

- Ela sumiu - Niko disse. Notou que todos os seus sentidos começaram a voltar como se um interruptor em um gerador de energia fosse ligado dentro dele. - Ah! Caramba, Rio.... eu a enfureci e agora ela foi em busca de Mira por conta própria.

- Madre de Dios.

Na outra ponta da linha, Niko ouviu Rio dar a Tegan e aos outros um rápido esboço da situação.

- Isso não é o pior, cara - acrescentou Nikolai, ignorando a dor do tiro em sua cabeça enquanto se levantava do chão e dava uma corrida impressionante para a parte traseira do SUV. - A reunião de Fabien é maior do que pensávamos... Dragos está aqui também.

- Você tem certeza disso?

- Eu vi o desgraçado com meus próprios olhos. Ele está aqui. Nikolai foi pegar as armas automáticas na parte traseira tão rápido quanto seus braços lentos poderiam se mover. Ele cobriu o corpo com fuzis, enfiou uma pistola na parte traseira de seu uniforme roubado do Agente de Execução e outra em um coldre no tornozelo. - A casa está cercada por guardas, então quando vocês chegarem aqui, entrem a pé e se dividam.

- Niko, o que você está fazendo?

Ele não respondeu; sabia que seu velho amigo não gostaria da resposta. Em vez disso, carregava com munição tudo o que pudesse.

- Há dois homens no meio do estacionamento e três na frente. Retire-os primeiro e terão o caminho limpo.

- Nikolai - a voz de Rio era baixa, em forma de advertência. - Hermano, você não está pensando direito agora... não.

- Ela está lá dentro, Rio. Com Dragos, Fabien e sabe Deus quem mais... e ela está sozinha. Eu vou atrás dela.

Rio soltou uma palavra desagradável em espanhol.

- Fique atento. Estamos a dez minutos de distância e estamos acelerando, cara.

Niko fechou a parte de trás do SUV.

- Vou dar uma olhada no entorno.

- Caramba, Nikolai, se essa mulher quer se matar, isso não é problema seu. Nós vamos ajudá-la no que pudermos, mas...

- Ela é minha companheira, Rio - Nikolai soprou uma maldição. - Estamos ligados pelo sangue... e eu a amo. Eu a amo mais do que minha própria vida.

O suspiro do guerreiro soou pesado com compreensão e derrota.

- Suponho que não há necessidade de lhe dizer que você desafiará as ordens diretas de Lucan se for lá agora. Se Dragos está no lugar, isso torna as coisas ainda mais críticas e você sabe disso. Precisamos que você fique onde está e espere por ajuda.

- Não posso fazer isso - respondeu Nikolai.

Ele desligou o telefone e o atirou pela janela do motorista. Então, partiu para encontrar sua mulher.


Capítulo 31

Dragos se permitiu deleitar-se com o temor de seus subalternos quando eles observavam o Antigo preso na cela de raios ultravioleta sendo mostrada na tela. Do assombro de seus rostos – a absorta incredibilidade –, qualquer um pensaria que ele tinha conseguido capturar a luz em uma garrafa. Na verdade, o que tinha conseguido nas últimas décadas era algo ainda maior. Os sete machos da Raça que se reuniram com ele no quarto já o olhavam como um deus justamente por isso. Ele era o arquiteto de uma revolução que iria virar o planeta inteiro de cabeça para baixo. Naquela noite, eles testemunhariam a história e o começo de um futuro que ele tinha projetado pessoalmente.

- Como isso é possível? - alguém murmurou. - Se realmente é um dos Antigos que foi pai de nossa Raça, como sobreviveu à guerra com a Ordem?

Dragos sorriu enquanto andava mais perto da tela.

- Meu pai era um membro original da Ordem... mas foi, em primeiro lugar, o filho dessa criatura. Durante o banho de sangue perpetrado pela Ordem, quando Lucan declarou guerra aos Antigos, meu pai e seu pai alienígena fizeram um pacto. Em troca do poder compartilhado no futuro, meu pai iria escondê-lo até a histeria passar. Infelizmente, depois de fazer sua promessa, meu pai não sobreviveu à guerra. Mas o Antigo sim, como podem ver.

- Então, pretende cumprir o acordo de seu pai com essa... coisa? - Fabien perguntou, sua expressão como a de um cãozinho que acabara de perder o osso para um lobo selvagem.

- O Antigo está totalmente sob meu controle. Ele é uma ferramenta que utilizo quando e como for melhor para mim e para nossa causa.

- Como assim? - perguntou outro homem do grupo.

- Permitam-me dar-lhes uma demonstração.

Dragos caminhou até a porta da sala de conferências. Estalou os dedos para o Caçador que esperava lá fora, então, virou de volta para seus associados conforme o grande Primeira Geração o obedecia.

- Tire a camisa - ele ordenou ao Caçador.

O enorme macho obedeceu em silêncio, desnudando os ombros enormes e o peito sem pelos coberto por uma densa rede emaranhada de glifos. Mais de uma cabeça se voltou para o monitor para comparar as marcas da pele hereditárias da criatura contido dentro da célula ultravioleta.

- Eles têm dermoglifos semelhantes - Fabien engasgou. - Esse macho é da família do Antigo?

- Filho de Primeira Geração, criado com o único propósito de servir à causa - disse Dragos. - Todos os Caçadores de meu exército pessoal são os mais fortes, as armas mais letais do mundo. Eles foram especialmente criados e treinados sob minha orientação. São assassinos e infalivelmente leais a mim.

- Como pode estar certo disso? - perguntou o líder do Refúgio de Hamburgo, um homem sagaz que, sem dúvida, apreciaria a demonstração em tempo real que Dragos tinha em mente.

- Você percebe que o Caçador usa uma coleira. É um dispositivo de monitoramento GPS, mas também está equipado com um laser ultravioleta. Cada Caçador usa uma desde o momento em que começa a andar. Posso acompanhar todos os seus movimentos, localizá-los em um instante. E se me desagradam de qualquer maneira, basta um simples controle remoto para o laser ser ativado e emitir uma luz ultravioleta fina como uma navalha no pescoço do Caçador, cortando sua cabeça – disse Dragos, lançando um olhar significativo ao Caçador rigidamente em pé ao seu lado.

Um ou dois homens na mesa trocaram olhares desconfortáveis.

Foi o alemão quem falou primeiro, os olhos brilhantes.

- O que acontece se o colar for adulterado, ou removido?

Dragos sorriu, não para o alemão, mas para o próprio Caçador.

- Que tal vermos?

Apesar de seu instinto gritar para que entrasse como um ladrão à espreita, Renata caminhou pelo corredor oeste do covil de seus inimigos como se tivesse todo o direito de estar lá. Ela ouviu o baixo ruído de conversa masculina vindo de uma das grandes salas nos fundos. Em outra parte da casa, não havia nada além de calma, até que...

Soluços suaves de uma criança chegavam a partir de uma escada que conduzia ao segundo andar.

Mira.

Renata voou pelos degraus e seguiu os soluços até o final do corredor. A porta do quarto estava trancada pelo lado de fora. Ela passou a mão na parte superior do batente, mas não encontrou chave alguma.

- Maldição – sussurrou, tirando uma de suas lâminas da lateral da calça. Enfiou-a no ponto entre a porta e o batente, bem acima da fechadura, e fez uma alavanca dura. A madeira rachou, afrouxando um pouco. Mais duas vezes e, finalmente, tinha espaço suficiente para abrir. Com agitação e mãos ansiosas, Renata abriu a porta.

Mira estava lá dentro, graças a Deus.

Estava sem véu e assim que olhou para cima e viu a figura vestida de preto entrando na sala, encolheu-se no canto com terror absoluto.

- Mira, sou eu - disse Renata, abrindo a viseira escura. - Está tudo bem agora, querida. Estou aqui para levá-la para casa.

- Rê!

Ajoelhando-se, Renata estendeu os braços. Com um pequeno grito, Mira voou para seu abraço.

- Ah, minha ratinha! - Renata sussurrou, dando beijos aliviados na cabeça loira da garota. - Fiquei tão preocupada com você. Desculpe-me por eu não ter vindo mais cedo. Está tudo bem, querida?

Mira assentiu com a cabeça, os braços pequenos em volta do pescoço de Renata.

- Eu estava preocupada com você também, Rê. Eu estava com medo de nunca mais voltar a vê-la.

- Eu também, querida. Eu também - Renata odiava ter de soltá-la, mas ainda tinha que sair de lá antes que Fabien e seus companheiros chegassem. Ficou de pé, levantando Mira nos braços. - Temos que correr agora. Agarre-se em mim, certo?

Renata ainda não tinha descido dois degraus com a criança quando as explosões rápidas de tiros irromperam de todas as direções em algum lugar fora da casa.

Dragos estava ansioso para demonstrar a beleza tecnológica da coleira de raios ultravioleta que o Caçador usava quando o inferno desabou fora da reunião. Ele disparou um olhar mortal a Edgar Fabien quando o grupo pulou de seus assentos em alarme atordoado.

- O que está acontecendo lá fora? - exigiu de seu anfitrião. - Essa é outra de suas incompetências?

O rosto estreito de Fabien tinha uma sombra pálida.

- Eu... não sei... senhor. Seja o que for, tenho certeza de que meus agentes resolverão.

- Ao diabo seus agentes! - Dragos rugiu. Ele tateou para o rádio e emitiu uma ordem para o motorista levar o barco. Em seguida, olhou para o rosto do Caçador. - Fora, agora. Cuide disso. Mate todos que cruzarem seu caminho.

O Caçador - o soldado altamente treinado, obediente e impecável - apenas ficou ali, imóvel como um pilar de pedra.

- Fora. Eu ordeno!

- Não.

- O quê? - Dragos não podia acreditar em seus ouvidos. Ele sentiu os olhares de seus subordinados fixos nele. Ele podia sentir a descrença deles, a dúvida deles. Um silêncio floresceu, maduro, com a expectativa. - Eu lhe dei uma ordem direta, Caçador. Faça-o, ou vou acabar com você aqui e agora.

Com tiros chegando aos muros da casa, o Caçador teve a audácia de olhar Dragos nos olhos e balançar a cabeça.

- De qualquer forma, estou morto. Se quer que eu lute para que você possa viver, desative o meu colar.

- Como ousa sequer sugerir...

- Está perdendo tempo - disse ele, aparentemente imperturbável com caos crescente à sua volta. - Liberte-me deste colar, seu filho da mãe arrogante.

Nesse momento, um dos fracos vigias de Fabien apareceu correndo pela porta entreaberta.

- Senhor, estamos sendo alvejados por todos os lados. Não podemos ter certeza ainda, mas deve haver um exército na floresta nos cercando.

- Ah! Jesus! - Fabien engasgou. - Vamos todos morrer!

Dragos rosnou em fúria, sem a menor confiança de que os guardas de Fabien pudessem encontrar seus próprios traseiros, muito menos proporcionar uma cobertura adequada para o grupo de machos da Raça de alto escalão que estavam olhando naquele momento para Dragos como seu líder para ajudá-los a fugir. Esperando que ele decidisse se os salvaria ou se deixaria a prometida revolução cair por terra.

- Terminamos por aqui - ele rosnou. - Todo mundo para fora pela porta de trás, para o barco. Sigam-me.

Quando o grupo começou a sair em torno dele, Dragos lançou um olhar ameaçador por cima do ombro para o Caçador. Ninguém disse uma palavra – o ódio mútuo era suficiente para ler em seus olhares quando Dragos pôs a mão no bolso e pegou o dispositivo que controlava a coleira do Caçador e digitou o código que a desativava.

No instante que a coleira se desligou, o Caçador estendeu a mão e a arrancou do pescoço. Então, com um olhar de descrença, de fria determinação, ele caminhou para fora da porta em direção ao caos que se estendia do lado de fora.


Capítulo 32

Nikolai sorriu sozinho quando sua tática de distração criou uma confusão repentina e maciça em todo o complexo. Os Agentes em guarda corriam precipitadamente em pânico total, mais de um recebeu um golpe da explosão de disparos que vinham de todas as direções do bosque. Niko ordenou que uma videira enrolasse os ramos no gatilho de sua última M16 escondida.

Quando a videira fez como as anteriores, segurando o fuzil no alto e aplicando uma pressão cada vez maior no gatilho, o galho verde ficou mais grosso e mais forte, então Niko correu para a entrada lateral da casa.

Não foi difícil encontrar Renata. Seu vínculo de sangue era um farol para ele, levando-o através da parte traseira do lugar para um voo por cima das escadas. Renata estava descendo com Mira apertada nos braços. Ela encontrou o olhar dele e, por um instante infinito, nenhum dos dois disse uma palavra. Nikolai queria dizer como estava arrependido, e como estava aliviado por ela ter encontrado a criança ilesa.

Ele tinha mil coisas que queria dizer a Renata naquele momento, principalmente que a amava e que sempre a amaria.

- Rápido – ele murmurou. - Precisamos sair daqui agora.

- O tiroteio está por toda parte - disse Renata, a preocupação marcando suas feições. - O que está acontecendo?

- Apenas diversão. Tive que criar uma oportunidade para conseguir tirar você daqui.

Ela parecia aliviada, mas só por um segundo.

- Fabien e os outros... Eu os ouvi saindo pelo caminho de trás há alguns minutos.

- Estou trabalhando nisso - Niko disse. - Agora vá. Não pare por nada. Leve Mira de volta para o carro. A Ordem deve chegar a qualquer minuto.

- Nikolai...–disse Renata, olhando Nikolai firmemente, fazendo-o parar na esperança de ouvir o perdão ou uma afirmação de que ela ainda podia amá-lo depois de tudo o que tinha acontecido. Ela prendeu seu olhar, formando um vinco entre as sobrancelhas. - Seja cuidadoso.

Ele ofereceu-lhe um aceno triste, não sentindo o comum aumento de adrenalina que precedia o combate. Aqueles dias pareciam séculos atrás, quando nada mais importava para ele exceto a glória da batalha e o triunfo da vitória, por mais sem sentido que fosse.

Agora tudo importava, sobretudo em se tratando de Renata. Sua segurança e felicidade eram tudo o que importava, mesmo que isso significasse que ele poderia não estar em cena.

- Leve Mira de volta para o carro - disse novamente. - Mantenha a cabeça baixa e cuide-se. Vamos tirá-las daqui.

Ele esperou até que Renata saísse correndo, então foi para a porta dos fundos da propriedade por onde seus inimigos tinham fugido.

A lancha estava parada na doca quando Dragos e os outros correram ladeira abaixo para pegá-la. Ao redor da floresta e até perto da casa, os agentes de Fabien mexiam-se como formigas que tinham acabado de perder a casa. Tiros iluminavam a noite de modo tão enlouquecido que era impossível dizer quais rajadas vinham dos aliados e quais dos aparentes intrusos.

Tudo que Dragos sabia era que não ficaria para enfrentar a Ordem ou esperar que alguém o derrubasse.

Quando ele e seu grupo começaram a subir no barco, Dragos colocou-se no caminho de Edgar Fabien.

- Não há espaço a bordo para você - disse para o líder do Refúgio de Montreal. - Você nos prejudicou bastante com sua idiotice. Você fica aqui.

- Mas... senhor, eu... por favor, posso garantir que não vou decepcioná-lo novamente.

Dragos sorriu, mostrando as pontas de seus dentes.

- Não, você não vai.

Dizendo isso, levantou uma pistola 9 mm e disparou um tiro mortal direto entre os olhos redondos de Fabien.

- Vamos! - ordenou ao condutor do barco, Edgar Fabien completamente apagado quando o motor rugiu e a embarcação os levou até o hidroavião que esperava na outra extremidade do lago.

Ele chegou tarde demais.

Niko encontrou alguns Agentes em seu caminho até o lago, mas quando chegou lá, a lancha não passava de uma agitação na água. Nikolai disparou alguns tiros atrás deles, mas estava apenas perdendo balas. O cadáver de Edgar Fabien jazia na doca de madeira. Dragos e os outros já estavam do outro lado do lago naquele momento.

- Maldição.

Alimentado pela fúria e pela determinação, Nikolai começou a se movimentar ao longo da costa, recorrendo à velocidade sobrenatural que todos os da sua espécie possuíam quando precisavam. O barco era rápido, mas a água estava cercada de terra. Em algum ponto Dragos e seus companheiros teriam de desembarcar e pegar outro meio para terminar a fuga. Com alguma sorte, Niko poderia alcançá-los antes que fugissem.

Ele não sabia quão longe estavam - um quilômetro, provavelmente – quando, de repente, seu peito congelou de medo.

Renata.

Algo estava errado. Terrivelmente errado. Ele podia sentir as emoções de Renata como se fossem suas. Ela, a corajosa e imperturbável Renata, agora estava morrendo de medo.

Ah! Cristo! Se alguma coisa acontecesse com ela...

Não. Ele não podia sequer pensar nisso.

Com todos os pensamentos sobre Dragos deixados de lado, Nikolai virou e continuou em alta velocidade, rezando para chegar a tempo.

Ela não tinha visto o vampiro enorme vindo.

Em um minuto estava cortando o mato escuro com Mira firme em seus braços e, no minuto seguinte, viu-se olhando para o rosto implacável e para os impiedosos olhos dourados de um macho da Raça, cujo imenso torso nu, ombros e braços estavam cobertos por um espesso padrão de dermoglifos.

Era um Primeira Geração; Renata soube instintivamente. Seus instintos também diziam que aquele macho era mais letal do que a maioria, frio como pedra.

Um assassino.

O terror a cobriu como uma maré negra. Ela sabia que se o atacasse era melhor ter certeza de que poderia matá-lo rapidamente, ou então ela e Mira seriam mortas no mesmo instante. Não se atreveu a tentar quando Mira podia sofrer caso ela falhasse.

Santa Mãe de Deus, chegar tão longe, finalmente ter Mira em seus braços, a poucos passos da liberdade... e agora... Jesus Cristo!

- Por favor - Renata murmurou, desesperada para atrair a mais leve misericórdia. - A criança não. Deixe-a ir... por favor, deixe a criança, não lhe faça mal...

O silêncio do vampiro era irritante. Mira tentou levantar a cabeça do ombro da amiga, mas Renata gentilmente a empurrou de volta para baixo, não querendo que ela se assustasse com o mensageiro da morte que, sem dúvida, tinha sido enviado por Edgar Fabien ou por Dragos. Ou pelo próprio Diabo em pessoa, maldito seja.

- Vou colocá-la no chão - Renata disse a ele, sem ter certeza de que ele a compreendia e que muito menos concordaria. - Apenas... deixe a criança ir. Sou eu quem você quer, não ela. Apenas eu.

Os olhos de falcão dourado seguiam cada movimento de Renata enquanto ela cuidadosamente tirava Mira dos braços e lentamente colocava os pés da menina no chão. Renata colocou-se entre o assassino e a criança, rezando para que a morte dela fosse suficiente para satisfazer ao assassino e ao seu mestre do mal.

- Rê, o que está acontecendo? - Mira perguntou por trás de suas pernas, as mãos pequenas segurando-lhe as calças enquanto olhava ao seu redor. - Quem é esse homem?

O vampiro deixou seu olhar de pedra viajar até a origem daquela voz minúscula. Ele olhou. Sua cabeça raspada virou lentamente para o lado. Então, ele fez uma careta.

- Você - disse ele, com uma voz tão profunda que estremeceu todo o caminho até a medula Renata. Algo sombrio passou em seu rosto. - Deixe-me vê-la.

- Não - declarou Renata, segurando Mira atrás de si e bloqueando-a como um escudo. - Ela é apenas uma criança. Não fez nada contra você ou qualquer outra pessoa. Ela é inocente.

Ele lançou a Renata um olhar tão feroz que quase a derrubou.

- Deixe-me ver os olhos dela.

Antes que pudesse recusar mais uma vez, antes que pudesse pensar em alguma forma de pegar Mira e fugir o mais rápido possível, Renata sentiu Mira dar um passo para sair detrás de sua proteção.

- Mira, não.

Tarde demais para interromper o que aconteceria. Renata só pôde olhar com terror quando Mira caminhou direto para fora e olhou para cima, subindo para o duro olhar do letal vampiro Primeira Geração.

- Você... - disse ele novamente, olhando para o doce rosto de Mira.

Renata poderia dizer o momento em que começou a testemunhar o presente de Mira. Os olhos dourados dele ficaram tempestuosos, e ele olhava, absorto, enquanto a criança mostrava seu futuro. Ele chegou mais perto, muito perto, até que os braços maciços poderiam atacar e quebrar Mira inadvertidamente.

- Não... - ela deixou escapar, mas ele já estava chegando até Mira.

- Está tudo bem, Rê - Mira sussurrou, em pé diante do vampiro, tão inocente como uma criancinha que vagava na cova dos leões.

E foi então que Renata percebeu que algo de extraordinário estava para acontecer.

- Você me salvou - ele sussurrou, com as mãos enormes nos pequenos ombros de Mira. O vampiro se ajoelhou, ficando no nível da criança. Quando ele falou, a voz letal estava tranquila, com espanto e confusão. - Você salvou minha vida. Eu vi isso, agora, em seus olhos. Vi naquela noite também...


Capítulo 33

O coração de Nikolai congelou dentro de seu peito, um crescente pânico, medo transformado em gelo. Com o tiroteio ainda em erupção na área, ele tinha dado uma volta pela floresta até o lugar onde seu sangue tinha mostrado que encontraria sua Companheira apavorada.

Renata estava lá. Na escuridão da floresta banhada pela luz da lua, imóvel como uma estátua e olhando um imenso vampiro Primeira Geração agachado diante de Mira, segurando a criança com suas enormes mãos.

Jesus Cristo.

Niko moveu-se silenciosamente, rastejando para se aproximar e tentar encontrar uma posição em que poderia atirar sem colocar Renata ou a menina no fogo cruzado.

Ataque-o com uma onda, Renata. Faça-o cair e corra como se estivesse correndo do diabo.

Ela não lançou o poder mental sobre ele. Ela não tentou contrair um dedo na direção de qualquer uma de suas armas, psíquica ou não. Não, para o horror de Niko, ela não moveu sequer um dedo. Apenas ficou ali, no centro do que rapidamente se transformaria em uma tempestade infernal de sangue e violência.

O próprio medo de Niko naquele momento era insondável. Tudo o que ele sentia era o terror rasgando-o por dentro, seus ossos congelados, um desespero tão selvagem dentro do coração que batia como um tambor no peito.

Ele tirou as pistolas 9 mm de seus coldres laterais e avançou. Embora estivesse se movendo a um ritmo que apenas alguém da Raça poderia controlar, Renata olhou para cima. Ela o sentiu ali, movendo o ar ao seu redor, mesmo que os olhos não conseguissem registrar a velocidade. O sangue dele nela lhe disse que seu macho estava perto, assim como o seu sangue correndo nele sempre o faria encontrá-la.

Ele estava muito consumido pela raiva para notar que ela olhava para ele com alarme e não para o inimigo vampiro que enfrentava.

Nikolai avançou como um flash, totalmente preparado para matar. Ele parou logo atrás do grande Primeira Geração, as duas pistolas apertadas contra os glifos que seguiam até a parte traseira do crânio raspado do vampiro.

Tudo aconteceu em um piscar de olhos, mas parecia em câmara lenta na consciência de Nikolai.

Ele apontou as armas, os dedos nos gatilhos.

Os olhos de Renata se abriram. Ela balançou a cabeça.

- Niko, espere... não!

O Primeira Geração soltou Mira, deixando as grandes mãos caírem ao seu lado. Ele nem sequer reagiu às armas apontadas em sua cabeça. Seu peito expandiu quando puxou uma respiração longa, então deixou o ar sair em um suspiro resignado.

Ele não estava lutando contra sua morte.

Ele não se importava se morresse.

E então Mira gritou, a voz da criança alta com o medo.

- Não! Não o machuque!

Nikolai assistiu incrédulo e com espanto total quando Mira jogou seus braços em torno dos ombros largos do Primeira Geração.

- Por favor, não o machuque! - ela chorou, olhando para Niko, suplicando-lhe enquanto tentava proteger o vampiro com seu corpo minúsculo.

- Nikolai - Renata prendeu seu olhar quando ele a olhou, incrédulo, as duas pistolas de grande porte ainda armadas e prontas, niveladas na cabeça do Primeira Geração. - Nikolai... por favor, está tudo bem. Espere.

Ele franziu a testa, mas sua atitude guerreira relaxou um pouco.

- Levante-se - ordenou ao vampiro.–Levante-se e afaste-se da criança.

O Primeira Geração obedeceu sem qualquer comentário, lentamente, soltando os braços de Mira do seu pescoço e empurrando-a para longe enquanto levantava.

Niko se moveu para enfrentá-lo, as armas ainda sobre ele, quando orientou tanto Renata quanto Mira a ficar atrás dele.

- Quem diabos é você?

Os olhos sóbrios, inexpressivos, fitaram a terra.

- Chamam-me de Caçador.

- Você não é um Agente - disse Nikolai, cautelosamente.

- Não. Eu sou um Caçador.

Renata levou Mira para perto, segurando-a enquanto o caos na floresta e na casa lentamente morria em torno deles.

- Seus olhos, Nikolai - disse ela, entendendo agora. - Ele é o assassino que tentou matar Sergei Yakut naquela noite. Foi ele quem Mira viu no retiro de Yakut.

A expressão de Nikolai escureceu.

- É verdade? Você é um assassino de aluguel?

- Eu era - o Caçador deu um aceno triste e, finalmente, levantou o olhar. - A criança me salvou... Algo mudou em mim depois que eu vi a visão nos olhos dela naquela noite. Eu a vi salvar minha vida, exatamente como aconteceu há pouco.

No instante seguinte, a floresta ganhou vida com homens armados se deslocando sobre eles de todas as direções. Nikolai tinha as armas na mão, mas não fez nenhum movimento para disparar sobre as ameaças recém-chegadas. Renata entrou em pânico.

- Ah, merda. Niko...

- Está tudo bem - ele a acalmou com um olhar tranquilizador e algumas palavras gentis. - Estes são os mocinhos, meus amigos da Ordem.

Ela observou quando quatro dos guerreiros amigos de Nikolai entraram na área. Todos eram formidáveis no tamanho e na atitude, um grupo de músculos e de força que parecia sugar todo o ar da floresta pela simples presença dele.

- Como vai, hermano? Tudo bem aqui? - perguntou a voz suave que agora Renata reconhecia como pertencente a Rio.

Nikolai assentiu com a cabeça, os olhos e armas ainda apontadas na direção do Primeira Geração.

- Tenho tudo sob controle, mas a situação na casa está arruinada. Edgar Fabien está morto e Dragos e os outros fugiram pela costa. Foram de barco para o outro lado do lago. Tentei segui-los, mas... - olhou para Renata. - Tinha que me assegurar de que tudo estava bem por aqui primeiro.

- Nós ouvimos o zumbido de um motor de avião pequeno quando chegamos - disse Rio.

- Droga - Nikolai sussurrou. - Eram eles, sem dúvida. Fugiram. Diabos, Dragos estava aqui e nós perdemos o filho da mãe maldito.

- Deixe-me ajudar a encontrá-lo.

Todos os olhos se voltaram para o vampiro ainda detido na mira de Nikolai.

- Por que confiaríamos em você? - Nikolai perguntou, estreitando o olhar. - Por que estaria disposto a nos ajudar a colocar as mãos em Dragos?

- Porque ele é a pessoa que me criou - não havia calor no tom dourado dos olhos do Primeira Geração assassino quando respondeu à pergunta, apenas ódio gelado. - Ele me fez o que sou. Eu e todos os outros Caçadores criados por ele para matar.

- Ah, meu Deus! - Renata respirou. - Você quer dizer que há outros como você?

A cabeça raspada do Caçador acenou sobriamente.

- Não sei quantos nem onde estão, mas Dragos me disse que não sou o único de minha espécie. Há outros. Muitos outros.

- Por que devemos acreditar em você? - perguntou outro dos guerreiros, quase tão sombrio quanto a noite ao seu redor, seus dentes e presas brilhando como pérolas contra sua pele morena.

Outro guerreiro interveio, então, de olhos rápidos e sagazes, astuto como um lobo sob os pontos de ébano de seus cabelos cortados.

- Deixe Tegan nos dizer se podemos confiar nele.

Renata assistiu com espanto e um pouco de medo quando o maior do grupo, um guerreiro que parecia um fantasma perseguindo as sombras, deu alguns passos a frente. Imenso, com cabelos alourados sob o capuz preto de malha que usava, ele era um grande bloco de músculos másculos e energia sombria. Facilmente tão grande quanto o Primeira Geração diante dele, esperando seu julgamento.

Sem dizer nada, o guerreiro chamado Tegan estendeu sua enorme mão. O Caçador a pegou, seus olhos tão constantes quanto seu aperto.

Após um longo momento, Tegan deu um aceno vago.

- Ele vem com a gente. Vamos lacrar este lugar e dar o fora daqui.

Renata sentiu o enorme peso da tensão do momento ser removido, dando lugar a um novo propósito. O grupo se dividiu, a maioria dos guerreiros indo cuidar das coisas na casa de Fabien enquanto Rio e Nikolai andavam com Renata, Mira e seu companheiro inesperado de volta ao veículo à espera da Ordem.

Já perto, Nikolai pegou a mão de Renata.

- Encontramos você lá, Rio.

O guerreiro assentiu. À medida que avançavam, Renata olhou maravilhada e atemorizada quando Mira deslizou sua mão muito pequena na palma maior do Caçador.

- Meu Deus - disse ela a Nikolai. - O que está acontecendo?

Ele balançou a cabeça, claramente surpreso como ela.

- Vou levar algum tempo para descobrir isso, acho. Mas primeiro quero esclarecer as coisas entre nós.

- Nikolai, desculpe-me.

Ele a silenciou com um beijo longo e doce, puxando-a em seus braços quentes e musculosos.

- Eu estraguei tudo, Renata. Eu estava com tanto medo de perder você que a empurrei para longe de mim com uma mentira, fui um estúpido imprudente! Eu nunca me perdoaria se alguma coisa acontecesse com você ou Mira. Você é meu coração, Renata. Minha vida - ele acariciou-lhe o rosto, seu olhar a engolindo inteira. - Eu te amo tanto... Não quero viver um só momento sem você ao meu lado.

Ela fechou os olhos, dominada pela emoção.

- Eu nunca quis nada mais - ela sussurrou, sua garganta fechada com alegria. - Eu também te amo, Nikolai. Mas tem que entender que venho com um pacote agora. Mira não é minha filha de sangue, mas é de coração. Eu a amo como se fosse minha.

- Eu sei - disse sobriamente. - Você já provou isso.

Renata olhou para ele, incapaz de conter a esperança que se espremia em seu peito.

- Você acha que pode encontrar espaço em sua vida e em seu coração para nós duas?

- O que a faz pensar que eu já não tenha feito isso?–ele a beijou novamente, dessa vez com ternura. Quando olhou nos olhos dela, seu olhar era tão cheio de amor que lhe varreu o fôlego. - Vamos dar o fora daqui agora. Quero levar minhas garotas para casa.


Capítulo 34

Boston. Três noites depois.

O complexo da Ordem pareceu muito diferente para Nikolai quando ele andou pelo corredor que conduzia ao laboratório de tecnologia onde tinha se reunido com os outros guerreiros. A missão de capturar Dragos sofrera um golpe significante há algumas noites, mas também tinham ganhado uma vantagem muito inesperada na sua busca e encerramento da operação.

Infelizmente, embora o Caçador tivesse se tornado um valioso aliado, a Ordem também tinha perdido um membro crucial e confiável amigo: Andreas Reichen tinha sumido completamente e a notícia de Berlim era a pior possível. Ninguém sabia se o líder do Refúgio alemão tinha sobrevivido ao ataque em sua residência. Baseado na matança de toda sua família e no fogo que consumira a propriedade inteira, a Ordem tinha poucas esperanças de encontrar o amigo vivo.

Pessoalmente, Nikolai pensou que seria consolador para Reichen se ele tivesse morrido no ataque. Ele sabia que uma perda tão profunda jamais poderia ser superada. Certamente nenhum homem, da Raça ou não, seria forte o suficiente para sair ileso de um golpe tão brutal na alma. Como um guerreiro, Nikolai entendia baixas em combate. Todo guerreiro entrava na batalha sabendo que ele ou seus irmãos podiam não retornar para a base. Mas perder uma família...

Ele não queria nem mesmo considerar o que isso faria com um homem. Em vez disso, Nikolai se concentrou nas bênçãos que tinha, uma das quais podia ser ouvida falando baixinho quando ele se aproximou da porta aberta de seus aposentos.

Renata estava lá dentro, sentada no sofá da sala, lendo para Mira.

Por um momento, quando Niko aproximou-se da entrada, encostou-se na soleira da porta, simplesmente ouvindo e deleitando-se com a visão da bela mulher que agora era sua Companheira. Ele adorava ver como Renata ficava tão confortável com um livro quanto segurando uma arma. Ela tinha uma suavidade que ele admirava, uma inteligência que o desafiava continuamente e uma força interior que o fazia procurar ser um homem digno de sua devoção.

Não era nada mal também que ela fosse mais quente do que o inferno, sobretudo quando ela estava com o olhar na sua 9 mm ou treinando com suas adagas queridas no centro de treinamento. Kade e Brock tinham estado quase permanentemente na sala de armas nos últimos dias, só pela possibilidade de treinar com Renata ou olhá-la em ação. Nikolai não podia culpá-los. Mas quando sentiu o beliscão leve do ciúme, bastou um olhar malicioso de sua mulher para colocá-lo à vontade. Ela o amava e Nikolai era o macho mais sortudo do planeta.

- Oi - disse, olhando enquanto virava a última página de um capítulo e parava para cumprimentá-lo.

- Olá, Niko - Mira sussurrou sob o véu curto. - Você acabou de perder uma parte muito boa da história.

- Mesmo? Talvez eu possa convencer Renata a ler para mim mais tarde - disse ele, enviando um olhar aquecido para sua Companheira quando entrou na sala. Ele caminhou até o sofá e se agachou na frente de Mira. - Tenho algo para você.

- Sério? - o rosto dela se iluminou com um pequeno sorriso. - O que é?

- Uma coisa que pedi a Gideon para você. Tire seu véu, e vou lhe mostrar.

Ele não perdeu o olhar protetor de Renata quando Mira afastou o tecido preto para longe do seu rosto.

- O que é?

- Tudo bem - disse ele, tirando uma pequena caixa de plástico do bolso da calça jeans. - Você pode confiar em mim. Ambas podem confiar em mim.

Renata relaxou, e olhou quando Nikolai retirou a tampa de um recipiente de lentes de contato.

- Estas são as lentes especiais que Gideon acha que vão ajudar com seus olhos. Você gostaria de nunca mais usar o véu de novo?

Mira concordou com entusiasmo.

- Deixa eu ver, Niko!

- Que tipo de lentes são essas? - Renata perguntou, cautelosamente otimista.

- Íris opacas para proteger o efeito de espelhamento dos olhos de Mira. Ela será capaz de ver através delas, mas ninguém que olhar para ela vai notar nada de incomum sobre os olhos. Suas íris serão cobertas, da mesma forma que o véu cobre. Eu pensei que seriam melhores.

Renata acenou, sorrindo calorosamente para ele.

- Muito melhor. Obrigada.

- Posso experimentá-las? - Mira perguntou, ansiosamente olhando a pequena caixa nas mãos de Niko. - Olha, Rê, são roxas!

- Essa é sua cor favorita - disse ela, jogando um olhar interrogativo sobre Nikolai.

Ele tinha mudado muito nos últimos dias, empreendendo um papel que nunca se imaginou, sem falar no fato de se ajustar tão confortavelmente nele. Ele era um macho com laço de sangue com uma Companheira de Raça que o amava e uma criança para criar como sua. E ele apreciou as duas ideias.

Ele, um dissidente e imprudente, tinha uma família própria agora. Era incompreensível para ele, para não mencionar para o resto do complexo. Era a última coisa que sonhou que queria ou precisava e agora, apenas alguns dias depois, não poderia ver sua vida de outra maneira.

Seu coração nunca se sentiu tão completo.

- Deixe-me ajudá-la com isso - disse Renata, pegando as lentes das mãos de Niko com cuidado e colocando-as em Mira. Quando estavam no lugar há alguns segundos e o talento da criança não se manifestou, Renata sorriu. - Ah, meu Deus. Funcionou, Nikolai! Olhe para ela. As lentes funcionam perfeitamente.

Ele olhou para as piscinas violeta nos olhos alterados de Mira e viu... nada. Apenas o feliz e despreocupado olhar de uma criança.

Renata jogou os braços em volta dele e o beijou. Mira estava bem atrás dela e Niko pegou as duas em um sincero abraço.

- Há mais - disse, esperando que gostassem do resto da sua surpresa. Ele se levantou e pegou cada uma delas pela mão. - Venham comigo.

Ele as levou pelo corredor até o elevador que subia da sede subterrânea para a enorme mansão que ficava no piso acima. Ele podia sentir a apreensão de Renata pelo modo como ela apertava-lhe a mão grande e pela adrenalina que lhe corria na corrente sanguínea.

- Não se preocupe - ele sussurrou na orelha dela. -Você vai gostar, eu prometo.

Pelo menos, ele esperava que sim. Ele tinha trabalhado naquilo durante um dia e meio, tentando fazer tudo certo. Ele guiou Renata e Mira ao coração da propriedade, em direção à luz de velas e ao calor da sala de jantar formal. Os aromas de pão e carne assada os receberam. Niko não tinha apreço por comida humana, mas as Companheiras de Raça que viviam no lugar certamente tinham e, a julgar pela aparência das duas mulheres caminhando ao seu lado, elas também.

O espanto brilhou nos olhos de Renata.

- Você fez o jantar?

- Claro que não. Acredite em mim, sou a última pessoa que você iria querer para preparar suas refeições. Pedi alguns favores a Savannah, Gabrielle e as outras mulheres. Seu estômago está em muito boas mãos.

- Mas eu estive com todas elas mais cedo hoje e ninguém disse nada sobre isso.

- Eu queria fazer uma surpresa. Elas queriam surpreendê-la, também.

Renata não disse mais nada, mas ele não pôde deixar de notar que seus passos diminuíam ao chegar mais perto da sala de jantar. Mira, no entanto, pulava com entusiasmo. Assim que chegaram à porta de entrada em arco, ela soltou-se de Niko e correu a mil por hora como se tivesse vivido lá toda sua vida.

Mas Renata, não.

Ela ficou em silêncio e imóvel. Olhou para a mesa cheia de pratos de porcelana e enfeites finos e suspirou levemente. Não disse uma palavra sequer quando olhou para o rosto dos guerreiros e de suas Companheiras de Raça, todos de pé dando-lhe boas-vindas quando ela e Nikolai pararam na porta.

- Ah, Santo Deus! - ela finalmente sussurrou, sua voz quebrada e crua.

Niko a seguiu quando ela recuou, voltando pelo corredor.

Maldição. Ele estava tão certo de que ela desfrutaria de um agradável jantar com todos, mas é óbvio que estava errado.

Quando falou com ele, sua voz estava embargada pela emoção.

- Todo mundo está esperando lá dentro... por nós?

- Não se preocupe com isso - disse ele, puxando-a para seus braços fortes. - Eu queria fazer algo especial para você e estraguei tudo. Sinto muito. Você não tem que fazer isso.

- Nikolai - ela olhou para ele, os olhos brilhantes marejados. - Eu nunca vi nada mais bonito do que aquela mesa, com todos ao redor, em toda a minha vida.

Ele franziu a testa, bastante confuso agora.

- Então, o que está errado?

Ela balançou a cabeça, engolindo um riso estrangulado.

- Não há nada de errado. Nada de errado em nada. Estou tão feliz! Você me faz tão imensamente feliz. Tenho medo desse sentimento. Eu nunca soube o que era e eu estou morrendo de medo que seja apenas um sonho.

- Não é um sonho - disse ele suavemente, acariciando-lhe uma lágrima perdida que deslizava assertivamente pelo rosto macio. - E você pode se segurar em mim se sentir medo. Vou estar ao seu lado enquanto você quiser.

- Para sempre - disse ela, sorrindo para ele.

Nikolai assentiu.

- Sim, meu amor. Para sempre.

O sorriso exultante de Renata explodiu em sua boca. Ela beijou Nikolai forte e, em seguida, caminhou com ele sob o abrigo daquele braço forte para se juntar aos outros. Para se juntar ao resto da sua família.

Capítulo 25

Nikolai sentou-se dentro do abrigo feito de videiras e assistiu a um único raio de luz atravessar as folhas e iluminar os cabelos escuros de Renata enquanto ela dormia. A luz ultravioleta era tóxica para sua espécie – letal após meia hora de exposição contínua - mas ele não resistiu ao desejo de deixar aquele raio de luz entrar pelo pequeno buraco na vegetação. Nos últimos minutos, ele tinha permanecido sentado junto de Renata observando-a, admirando-a, muito intrigado com a forma como a luz cobria-lhe os cabelos de ébano, penetrandolhe os fios de seda e colorindo-os com uma dúzia de tons diferentes: cobre, bronze e vermelho.

Que diabos havia de errado com ele?

Ele estava sentado lá, olhando os cabelos de Renata, pelo amor de Deus! Não apenas olhando, mas olhando-os com total fascinação. Para Niko, isso indicava uma de duas coisas preocupantes: ele devia considerar muito seriamente ter algumas aulas com o famoso cabeleireiro inglês Vidal Sassoon ou estava completamente perdido de amor por aquela mulher.

Perdido tanto quanto no passado, eternamente tomado por outra pessoa. Em algum lugar, de algum jeito, ele se deixou apaixonar por ela.

Isso explicava o porquê de ele não conseguir manter as mãos - e outras partes maiores e mais pulsantes de seu corpo - longe dela. Explicava também o motivo pelo qual tinha passado toda a noite – com exceção da ida rápida à casa de Yakut antes do amanhecer – deitado junto de Renata, sustentando-a em seus braços fortes.

E, se ele precisava de alguma explicação do motivo de seu peito ter ficado tão apertado e tão pesado quando ela começou a chorar na noite anterior, ou por que havia se sentido obrigado a compartilhar com ela seu sentimento de culpa pela perda de Dimitri há tantos anos, ele supôs que estar apaixonado faria sentido.

Por mais que tentasse convencê-la de que ela estava a salvo com ele, Nikolai se sentia a salvo com ela também. Confiava nela plenamente. Mataria para protegê-la, morreria por ela sem hesitar nem por um segundo. Ela podia não fazer parte de sua vida há muito tempo, mas ele já não se imaginava sem ela.

Ah! Merda. Ele realmente tinha se apaixonado por Renata.

- Mas... que... maravilha! - murmurou, fazendo uma careta quando ela se agitou por causa do som de sua voz.

Ela abriu os olhos e sorriu quando o viu sentado ali.

- Olá!

- Bom dia - disse, casualmente alcançando um ramo de videira para fechar o abrigo e deixar do lado de fora os resquícios do raio de sol.

Ele achou o espreguiçar felino dela mais fascinante ainda do que os cabelos. Estava usando a mesma camisa de algodão da noite anterior, a metade dos botões espalhados pelo chão do abrigo natural. A grande camisa estava aberta da metade para baixo, mal cobrindo a nudez de sua fenda. Por ele, sem problemas.

- Como se sente?

Ela pareceu refletir por um segundo, depois olhou para ele com a testa franzida.

- Sinto-me realmente bem. Quero dizer, ontem à noite foi... - ruborizou, uma doce cor rosada preencheu-lhe as bochechas. - Ontem à noite foi incrível, mas pensei que ficaria fora de combate por causa da reverberação. Não entendo... nunca aconteceu nada assim. Quero dizer, tive um pouquinho de dor, mas pelo ataque na casa de Jack, eu devia estar agonizando a noite toda.

- Isso nunca aconteceu antes?

Ela sacudiu sua cabeça.

- Nunca. Cada vez que usava minha habilidade, o efeito retornava.

- Mas ontem à noite não.

- Não, ontem à noite não - ela disse. - Nunca me senti melhor.

Niko talvez pudesse ter feito uma brincadeira sobre os efeitos milagrosos de suas proezas sexuais, mas ele sabia que era um tipo de magia o que fizera Renata suportar o efeito da reverberação.

- Você bebeu de meu sangue ontem. Essa foi a diferença.

- Você acha que seu sangue ajudou não apenas a curar meu ombro, mas também com as reverberações? É possível?

- É definitivamente uma possibilidade. Uma Companheira de Raça que bebe regularmente o sangue de um vampiro se torna muito mais forte do que seria sem ele. O envelhecimento desacelera até ao passo de tartaruga. As células do corpo, os músculos e todo o metabolismo atinge um estado físico visivelmente saudável. E, sim, muitas vezes o sangue de um companheiro também tem impacto na habilidade psíquica das fêmeas.

- Por isso Sergei nunca me deixou beber dele - Renata disse, sua mente veloz para chegar à mesma conclusão a que Niko havia chegado. – Ele não fazia segredo de que gostava que meu poder fosse limitado. Nas vezes que tentei golpeá-lo, nunca pude manter a rajada o tempo suficiente para derrubá-lo. E, no final, o esforço sempre me custava caro demais quando retornava.

- Sergei Yakut era Primeira Geração - Niko recordou. – O sangue dele em seu sistema poderia torná-la praticamente invencível.

Renata zombou em voz baixa.

- Só um grilhão a mais para mim. Ele devia saber que eu o mataria se tivesse a menor esperança de êxito–ficou em silêncio durante um minuto, com os braços cruzados. Depois, arrancou uma fibra de erva do chão do abrigo improvisado. - Tentei matá-lo... no dia em que Mira e eu fugimos juntas. Naquele dia, ele queimou minhas costas com ferro quente. Fez outras coisas também.

Nikolai não tinha que perguntar mais sobre o que ela tinha sofrido. As cicatrizes das queimaduras em suas costas eram atrozes, mas pensar no castigo de Yakut era pior... O sangue de Niko fervia de indignação. O guerreiro, então, colocou a mão sobre a mão dela.

- Sinto muito, Renata.

Ela lançou um firme olhar que não procurava simpatia.

- Sua misericórdia foi a de não ter forçado Mira a assistir tudo o que me fez. Mas Sergei me disse que se ela ou eu tentássemos escapar outra vez, Mira pagaria da mesma forma que eu. Prometeu que seria pior para ela, e eu sabia que ele estava falando sério... Então, fiquei quieta. Eu o obedecia e a cada hora de cada dia rezava por um milagre que eliminasse Sergei Yakut de minha vida - parou, acariciando-lhe o rosto masculino. – E então você chegou e tudo mudou. Suponho que em muitos sentidos, você é meu milagre.

Nikolai segurou-lhe a mão e depositou um beijo no centro de sua palma.

- Ambos somos afortunados.

- Alegra-me que Sergei esteja morto - confessou ela, brandamente.

- Ele devia ter sofrido mais - disse Niko, sem tentar ocultar o tom obscuro de sua voz grossa. - Mas já morreu. E é o que importa.

Renata assentiu.

- E agora Lex também está morto. Os guardas de Yakut... Todos eles estão mortos.

- A essa hora da manhã, ele e os outros na propriedade não passam de um monte de cinzas - Niko disse ao esticar-se para colocar os cabelos negros e brilhantes de Renata atrás da orelha. - Depois que você dormiu ontem à noite, eu retornei lá e abri todas as persianas para que a luz do sol entrasse. Também liguei para Boston para dar os números que estavam no celular de Lex. Gideon entrará em contato quando tiver feito o rastreamento para nos dar os detalhes.

Outro assentimento, sua voz suave tinha um tom de esperança.

- Está bem.

- Enquanto estava lá, trouxe algo que pensei que pudesse precisar.

Inclinou-se para o monte de armas e outros instrumentos que havia recolhido e pegou o pacote de seda e veludo que pertencia a Renata.

- Minhas adagas! - ela disse, seu rosto iluminando-se de alegria quando pegou o pacote nas mãos. Desatou o laço que prendia as armas e desenrolou todo o veludo que cobria as quatro adagas com gravuras personalizadas. - Jack me deu isso...

- Eu sei. Ele me disse que as havia feito para você como um presente. Disse-me que não estava certo de que você as tivesse guardado.

- Elas são muito importantes para mim - murmurou, seguindo o lavrado do punho com a ponta do dedo.

- Eu disse que você ainda as tinha e ele alegrou-se ao escutar quanto elas significam para você.

O olhar cheio de gratidão de Renata banhou o macho da Raça.

- Nikolai... Obrigada por fazer isso pelo Jack. E por me devolver essas adagas. Obrigada mesmo.

Ela se aproximou dele e o beijou. A suave pressão de seus lábios foi algo profundo. Nikolai segurou-lhe o rosto entre as mãos, acariciando-lhe a mandíbula com os polegares grandes, percorrendo o delicado ângulo das maçãs do rosto. Ela abriu a boca enquanto a língua dele percorria a abertura úmida de seus lábios e soltou um doce gemidinho quando ele entrou dentro dela.

As presas dele se estenderam pontudas pela luxúria que corria nele como lava. Entre as pernas, seu sexo era já uma coluna de granito, aceso imediatamente diante da ideia de ter Renata debaixo de si. Quando a mão dela escorregou para baixo, ultrapassando a cintura da calça para tocá-lo, seu membro ereto e ávido saltou, crescendo mais e mais sob o calor da palma da mão de Renata enquanto ela o acariciava.

- Que horas são? – murmurou ela contra a boca febril dele.

Ele grunhiu, muito absorto em suas deliciosas carícias para processar imediatamente aquela pergunta. Através de sua respiração entrecortada, conseguiu responder.

- É cedo. Provavelmente por volta das nove.

- Bem, caramba, acho que é muito cedo - ela murmurou, separando sua boca da dele e deixando um rastro de beijos ao longo da garganta e do pomo-de-adão. - Não pode sair na luz do sol, não é mesmo?

- Não.

- Humm – os lábios úmidos dela desceram sobre o peito nu e suado dele. Ele recostou-se sobre os cotovelos enquanto ela seguia o contorno dos glifos com a ponta rosada de sua língua sapeca, percorrendo os arcos e redemoinhos ao redor de seus mamilos e através do seu tórax. Quando falou, sua voz vibrou em todos os ossos de Niko:

- Então, suponho que isso significa que estamos presos aqui por um tempo, não é?

- Sim. - A palavra saiu ofegante. O beijo dela viajou devagar para baixo, além do umbigo do macho da Raça, seguindo as linhas dos dermoglifos, em direção à parte do corpo dele que palpitava pela necessidade de sentir os lábios úmidos e quentes dela apertando-se ao seu redor. - Suponho que estamos presos aqui até de noite.

- Hum hum.

Ela prendeu o cordão das calças dele entre os dentes e deu um forte puxão. O nó caiu solto e então ela baixou as calças o suficiente para fazer a cabeça enorme do membro dele despontar ansiosa. Ela o lambeu, observando o rosto de Niko enquanto desenhava redemoinhos com a língua diabólica ao redor da carne e sugava uma gota do fluido viscoso que brotava ali.

- Ah!

- Então... - ela murmurou, seu fôlego flutuando através da pele umedecida pelo suor dele, atormentando-o ainda mais. - O que vamos fazer aqui o dia todo enquanto esperamos a noite chegar?

Niko riu.

- Querida, posso pensar em umas cem coisas que eu gostaria de fazer contigo.

Ela sorriu desafiante.

- Apenas cem?

Antes que ele pudesse lhe dar uma resposta inteligente, ela envolveu o pênis dele com os lábios e o tomou profundamente dentro da boca. E enquanto o corpo de Niko explodia de prazer, ele se viu rezando para que o tempo e os dias a sós com aquela incrível mulher – sua mulher – pudessem se estender para sempre.


Capítulo 26

Renata caminhou para a porta de trás da propriedade de Yakut e parou na soleira. Ela havia deixado Nikolai no refúgio de videiras quando decidiu que sua necessidade de um banho, de uma ducha quente e de roupas limpas que realmente coubessem nela eram maiores do que sua resistência em jamais colocar novamente os pés na casa de Sergei Yakut.

Agora ela duvidava. No início da tarde, o sol era uma presença alentadora, mas no lado de dentro a propriedade era escura e fria. Sombras caíam sobre a mobília desarrumada e estendiam-se pelas tábuas rudes do chão. Renata avançou e caminhou para o lugar onde Lex havia caído.

O corpo dele havia desaparecido, assim como o sangue. Nada além de um pequeno rastro de cinzas deixado para trás – como Nikolai prometera. As persianas sobre a janela da sala estavam totalmente abertas, mas o sol já havia passado. Uma fresca brisa carregava o aroma de pinheiro e o ar fresco do bosque para a umidade calma do lugar. Renata respirou profundamente, enchendo os pulmões, deixando a fragrância de um novo dia expurgar as lembranças de toda aquela morte, aquele sangue e aquela violência que tinham coberto o lugar na noite anterior.

Hoje, sob aquela nova luz, muitas coisas pareciam diferentes para ela.

Ela mesma parecia diferente. E sabia a razão. Estava apaixonada.

Pela primeira vez em muito tempo (talvez em toda a sua vida), Renata verdadeiramente sentia a esperança acomodada em seu coração, uma esperança de que o futuro lhe reservava algo além da mera sobrevivência, que ela poderia em algum momento medir a felicidade em anos e não apenas em momentos raros e fugidios. Estar com Nikolai, fosse em seus braços ou ao seu lado, fazia Renata acreditar que muitas coisas eram possíveis.

Ela caminhou pela grande sala, apoiando-se no fato de que aquela seria a última vez que precisaria ver aquele lugar. Aquilo era um adeus.

Quando ela e Nikolai saíssem dali para continuar a busca por Mira, aquele albergue, aquele terrível celeiro, aquele canil na parte de trás da construção, Sergei Yakut, Lex e todos os outros que marcaram os últimos dois anos de sua vida seriam apenas lembranças. Ela deixaria tudo ali, e o terror e a dor seriam, de alguma forma, banidos de seu futuro.

Aquela parte de sua vida havia terminado.

Ela entrou no pequeno banheiro que havia compartilhado com Mira, em paz consigo e com tudo ao seu redor enquanto ligava a água quente da ducha. Quando o vapor úmido começou a sair pela cortina, ela desabotoou uns poucos botões da camisa emprestada de Jack e ficou ali por um momento, parada, nua, contemplando seu futuro com olhos renovados. Não sabia o que a esperava uma vez que a noite caísse e uma nova jornada começasse, mas estava disposta a enfrentar o que quer que fosse.

Com Nikolai ao seu lado – com a esperança e o ardente amor tão resplandecente quanto uma chama em seu coração –, Renata estava preparada para enfrentar tudo.

Como um cavalheiro destinado a uma batalha que procura uma bênção, Renata deu um passo debaixo da água quente da ducha. Fechou os olhos em uma solene oração enquanto a reconfortante água caía-lhe sobre o corpo nu.

Nikolai permanecia no abrigo de videiras enquanto os passos de Renata se aproximavam.

- Toc, toc - ela o chamou através das folhas. – Estou entrando, então cuidado com a luz do dia. Eu não gostaria que você torrasse por mim.

Ela afastou algumas folhas verdes e avançou, pronunciando uma rápida desculpa quando notou que ele tinha o telefone celular de Lex no ouvido. Niko havia ligado para a Ordem pouco depois que ela fora tomar banho. As notícias de Boston eram uma mistura de boas e más, além de uma dose extra de sérios problemas.

As boas? Um dos números no telefone de Lex era, de fato, de Edgar Fabien. Sem muito esforço, Gideon havia sido capaz de rastrear os registros da base de dados de identificação internacional de Fabien. Agora, a Ordem tinha os endereços da residência do líder do Refúgio de Montreal, sua casa no interior e todos os dados de todas as outras propriedades privadas, tanto de negócios como pessoais. Gideon tinha acesso aos números de telefone celular de Fabien, carteira de motorista, arquivos do computador e até mesmo da vigilância eletrônica do Refúgio do maldito filho da mãe.

E era nesse ponto que começavam as más notícias.

Edgar Fabien não estava em casa. Gideon havia interceptado o sinal de um canal de vídeo mais cedo naquela noite e visto um grupo de sete machos da Raça – um deles provavelmente era Fabien – deixando o Refúgio em companhia de uma escolta armada da Agência de Execução. Era difícil dizer quem eram os visitantes de Fabien, já que todos pareciam iguais em ternos sob medida e com os rostos completamente ocultos por capuzes pretos.

Quanto à dose extra de sérios problemas, o grupo de vampiros havia saído com uma menina. Uma jovem que evidentemente não os havia seguido tranquilamente. A descrição de Gideon da criança loira não deixava dúvida de que se tratava de Mira.

- Ainda está me ouvindo? - Gideon perguntou do outro lado da linha.

- Sim, continuo aqui.

- Lucan quer que Fabien seja trazido a Boston para um interrogatório. Isso significa que precisamos dele vivo, cara.

Niko soltou uma maldição.

- Primeiro, temos de encontrar esse filho da puta.

- Sim, estou trabalhando nisso. Rastreei o GPS do telefone celular de Fabien. Consegui um sinal de um lugar a aproximadamente uma hora ao norte da propriedade de Yakut. Uma das propriedades de Edgar Fabien. Ele deve estar lá.

- Tem certeza?

- Tanta que já enviamos reforços. Tegan, Rio, Brock e Kade estão a caminho para encontrar-se com você enquanto falamos.

- Reforços a caminho? - perguntou Niko, olhando uma parte de luz ultravioleta que aparecia através das folhas do refúgio. A Ordem tinha trajes de proteção solar para situações de emergência, mas até mesmo uma geração antiga de vampiros vestidos dos pés à cabeça com trajes protetores de raios ultravioletas seria incapaz de resistir à luz solar golpeando no assento do motorista em uma viagem de quase sete horas. - Jesus! Não pode estar falando a sério. Quem teve essa ideia?

Gideon riu.

- As fêmeas teimosas, meu caro. Não sei se você notou, mas fomos invadidos por elas nos últimos tempos.

- Sim, notei.

Niko não pôde deixar de lançar um olhar para Renata, que estava verificando algumas das armas que tinham recolhido de Lex e dos outros.

- Qual é a situação, então?

- Dylan está levando os caras em uma Rover e Elise está montando guarda. Devem chegar aí por volta das nove, exatamente depois do pôr do sol. Como Fabien tem vários sócios desconhecidos com ele, vamos precisar entrar e sair de lá com cuidado, sem vítimas desnecessárias - Gideon fez uma pausa. - Escuta, sei que você está preocupado com a menina. A segurança dela é importante, sem dúvida, mas isso é grande, Niko. Se Fabien pode nos levar a Dragos, temos que nos assegurar de capturá-lo esta noite. Essa é a missão número 1, ordenada diretamente por Lucan.

- Sim - disse Nikolai. Ele sabia qual era a missão. Também sabia que não podia decepcionar Renata ou Mira. – Inferno... Certo, Gideon, eu entendi.

- Ligarei se Fabien se mover entre agora e o pôr do sol. Enquanto isso, estou trabalhando em um ponto de encontro para que você se junte aos outros esta noite e ponha em ação um plano de infiltração. Devo ter algo em uma hora ou duas. Ligarei depois.

- Certo. Até depois.

Nikolai desligou o telefone e o colocou junto de si.

- Gideon conseguiu algo daqueles números telefônicos? - perguntou Renata, olhando-o cuidadosamente. - Temos alguma pista do Refúgio de Fabien?

Niko assentiu.

- Temos o endereço.

- Graças a Deus - ela suspirou. O alívio cedeu espaço rapidamente à determinação, tão feroz como Niko nunca havia visto nela. - Onde está ele? No Refúgio na cidade ou em alguma parte nos subúrbios? Eu poderia ir lá agora mesmo e analisar o terreno. Santo Deus, da forma como me sinto – sem dor, meu ombro melhorando – talvez eu devesse bater na porta e golpeá-lo com uma explosão de...

- Renata - Niko pôs a mão grande sobre a dela e sacudiu a cabeça. - Fabien está indo para algum lugar. Não está mais na cidade.

- Então onde?

Ele poderia contar sobre o sinal do GPS que Gideon estava rastreando. Poderia dizer que Fabien tinha Mira em sua custódia e que a menina estava provavelmente uma hora ao norte de onde eles estavam sentados agora. Mas Niko também sabia que se dissesse isso a Renata – se desse o mínimo de certeza sobre o paradeiro da menina que tanto significava para ela –, ele não poderia impedi-la de sair por conta própria naquele exato momento para encontrá-la.

A promessa de Niko à Ordem era seu dever – sua honra –, mas e Renata? Ela era seu coração. Ele não podia pôr em perigo a missão de seus irmãos, mas também não podia permitir que aquela mulher que ele amava partisse precipitadamente sozinha, rumo ao perigo. O pensamento dele era pré-histórico, talvez, especialmente por ter em conta que Renata era uma mulher que sabia como dirigir a si quase em qualquer situação. Era bem treinada, capaz, definitivamente valente, mas... inferno, ela significava muito para que corresse esse tipo de risco. Aquela não era uma opção.

- Estamos esperando uma localização sólida de onde está Fabien – ele disse, a mentira amarga sobre sua língua, independentemente das boas intenções. - Enquanto isso, a Ordem está enviando reforços. Nós vamos nos juntar a eles esta noite.

Renata escutou, claramente confiando nele e em sua palavra.

- A Ordem tem alguma ideia se Mira está com Fabien em qualquer lugar que ele esteja?

- Estamos trabalhando nisso - Nikolai achou difícil sustentar o olhar verde-claro sem pestanejar. - Quando encontrarmos Fabien, encontraremos Mira. Ela vai estar bem. Prometi isso, lembra?

Quando pensou que ela só assentiria com a cabeça e afastaria o olhar, Renata estendeu a mão para apanhar o rosto dele.

- Obrigada... por estar aqui para me apoiar em tudo isto. Não sei como serei capaz de pagá-lo, Nikolai.

Ele ergueu a mão dela entre as suas e deu-lhe um beijo. Diria algo singelo, uma das brincadeiras sem sentido habituais que tão frequentemente usava quando as emoções ao seu redor eram muito reais ou cheias de honestidade. Tinha suas cartas sob a manga: desviar com humor, desarmar com indiferença, atacar e correr como o inferno à primeira indicação de sua própria vulnerabilidade. Mas todas aquelas velhas e confiáveis armas que ele havia aperfeiçoado falhavam agora.

Acariciou com o dedo polegar o dorso da mão de Renata e se deixou perder no refúgio verde de seus olhos.

- Não sou muito bom nisso - murmurou ele. - Quero dizer algo... inferno. Provavelmente eu vou encher sua paciência, mas quero que você saiba que me preocupo com você. Preocupo-me... pra caramba, Renata.

Ela o olhou fixamente, permanecendo tão imóvel e silenciosa que nem sequer estava seguro de que ela estivesse respirando.

- Eu me preocupo - soltou, frustrado consigo pela estupidez das palavras que queria que fossem perfeitas para ela. - Não sei como aconteceu, ou mesmo o que significará para você, se vai significar. Mas preciso dizer porque isso é real. É real, e eu nunca me senti dessa maneira antes. Com ninguém.

A boca de Renata suavizou em um pequeno sorriso enquanto ele divagava com estupidez, tentando encontrar uma maneira de dizer a profundidade do que havia em seu coração de macho da Raça. Tentava e falhava miseravelmente.

- O que estou querendo dizer é que... - sacudiu a cabeça, sentindo-se uma porcaria, mas o suave toque de Renata em seu rosto o tranquilizou. O claro olhar dela trouxe Niko de volta, direto e centrado, conectando-o com a Terra. - O que estou querendo dizer é que estou apaixonado por você... Realmente apaixonado. Não estava esperando que isso acontecesse. Não pensei que alguma vez eu fosse querer isso, mas... Ah! Renata, quando olho dentro de seus olhos, só consigo pensar em uma coisa: para sempre.

Ela exalou devagar e seu pequeno sorriso se estendeu em radiante alegria. Niko passou as mãos na pele suave e macia dela, e pelos cabelos úmidos.

- Estou apaixonado por você, Renata. Sei que não sou um poeta... Caramba, nem sequer chego perto disso. Não tenho todas aquelas palavras bonitas que queria poder dizer... Mas quero que saiba que o que sinto por você é real. Eu te amo.

Ela riu brandamente.

- O que faz você pensar que quero poesia ou palavras finas? Você acabou de dizer exatamente o que queria ouvir, Nikolai–ela deslizou sua mão pela parte de trás do pescoço largo dele e o puxou para um longo e apaixonado beijo. - Também te amo, Nikolai - sussurrou contra sua boca. - Assusta-me admitir isso, mas é assim. Eu te amo, Nikolai.

Ele a beijou e a abraçou, desejando nunca ter de se afastar dela. Mas o cair da noite logo chegaria e ainda havia uma coisa que ele precisava fazer.

- Tem que fazer uma coisa por mim.

Renata se acomodou contra ele.

- Qualquer coisa.

- Não sei o que vai acontecer esta noite, mas preciso saber que vai estar tão forte quanto possível. Quero que tome mais de meu sangue.

Ela se soltou de seu abraço e arqueou uma sobrancelha para ele.

- Tem certeza de que não está só tentando entrar no meio das minhas pernas de novo?

Niko riu, uma sacudida de calor formando redemoinhos diretamente em sua virilha apenas diante daquela ideia.

- Eu não rejeitaria o convite. Mas falo sério... Quero que beba de mim de novo. Faria isso por mim?

- Sim, é obvio.

Ele afastou uma mecha escura da testa dela.

- Há uma coisa mais, Renata. Quando formos atrás de Fabien esta noite, eu morreria se algo... Bem, simplesmente não posso me arriscar a ficar separado de você, vou precisar saber que você está bem todo o tempo, ou minha concentração vai para o inferno. Preciso ter uma ligação com você. Sei como se sentia com Yakut usando seu sangue como um grilhão para você, e prometo que isso não é o que...

- Sim, Nikolai – ela disse, interrompendo-o com um movimento suave de seus dedos sobre sua boca. – Sim... Pode beber de mim.

A maldição dele como resposta foi um sinal de alívio.

- É para sempre - recordou firmemente. - Precisa entender isso. Se eu beber de você, não poderemos desfazer esse vínculo nunca mais.

- Entendo - ela disse sem vacilação. Aproximou-se e beijou-o, longa e profundamente. - Entendo que o vínculo é para sempre... E continuo dizendo que sim.

Niko gemeu. O fogo iluminou-lhe as veias. Suas presas se alongaram e seu pênis se elevou em atenção imediata, tudo nele ansioso por reclamar Renata como sua. Ele a beijou, o coração golpeando fortemente contra seu tórax forte quando ela passou a língua por seus lábios para brincar com as pontas afiadas de suas presas.

- Quero que você fique nua para isso - disse ele, incapaz de conter o tom autoritário que se mostrava em sua voz. Ele era parte humano, mas havia outra parte dele – uma parte mais selvagem e muito, muito mais sexy – que era menos paciente do que gostaria.

Niko olhou com olhos flamejantes de âmbar como Renata o obedecia rapidamente, despojando-se de sua roupa e estendendo-se sobre o chão de grama do refúgio, suas coxas deixando-se entreabrir para ele sem um pingo de inibição.

- Ah! Sim... - Niko grunhiu. - Assim é muito melhor.

Ele estava completamente tomado pela necessidade de tê-la. Arrancando sua própria roupa e deixando-a de lado, subiu sobre os quadris dela e a montou. Empurrou o membro duro como uma rocha enquanto ela o acariciava, torturando-o. E ele manteve o olhar nela enquanto levava seu pulso até a boca e mordia a própria carne.

- Deixe-me provar de você de novo – ela disse, subindo até encontrar a veia enquanto ele levava as perfurações até sua boca. Gotas carmesim salpicaram até cair sobre os seios dela, tão vívidas contra sua cremosa pele. Ela gemeu, fechando os olhos enquanto sugava-o, saboreando-o.

Niko a olhava beber, observando seu corpo começar a retorcer-se pela excitação. Com sua mão livre, ele a acariciou, incapaz de resistir a passar seus dedos pelo sangue que havia derramado sobre ela. A visão de seu sangue marcando a pele dela era tão erótica como nada tinha sido antes. Seu toque atrevido foi mais abaixo, à fenda aberta que estava tão preparada para ele. As coxas dela apertaram-lhe o pulso, sustentando-o contra si enquanto o primeiro orgasmo disparou através do corpo dela.

Niko grunhiu de pura adoração masculina enquanto alimentava sua fêmea e a sentia clamar por ele. Ele a deixou beber durante vários minutos até seu corpo arder de novo sob ele.

Ele também estava ardendo.

Suavemente, tirou o pulso de sua boca e fechou as perfurações com uma lambida. Renata ainda estava arqueando e retorcendo-se, ainda gemendo por ele, enquanto ele se ajeitava sobre ela e a penetrava, as unhas dela marcando seus ombros largos em uma dor deliciosa.

Nikolai fez amor tão devagar quanto pôde – tão devagar quanto a febre de seu corpo permitia. Ela gozou de novo, retorcendo-se e extraindo dele uma furiosa liberação. Mas isso praticamente não diminuiu as investidas. Ele ainda estava duro dentro dela, ainda faminto por aquela mulher... sua mulher.

Com a mão tremendo, Nikolai acariciou os pontos escuros já fechados de um lado da bela garganta de Renata.

- Tem certeza? - perguntou, sua voz apenas reconhecível para ele mesmo, estava tão seco e desesperado. – Renata... Quero que você tenha certeza.

- Sim - ela arqueou o corpo, confirmando com um empurrão, seu constante olhar suplicante. - Sim.

Com um grunhido selvagem enroscando-se em sua garganta, Nikolai expôs as presas e desceu sobre ela.

O doce sabor do sangue de Renata surgiu em sua boca caindo como um pontapé no estômago. Ah! Agora sabia. Quantas vezes havia especulado com os outros guerreiros a respeito de estar emparelhado e encontrar uma fêmea que os impressionaria? Facilmente centenas de vezes. Milhares, talvez.

Que ingênuo ele tinha sido.

Agora ele sabia. Renata o tinha, mesmo antes de ele a morder. Ele estava de joelhos diante daquela mulher, e ficaria ali com prazer pelo resto de sua vida.

Niko bebeu mais, afogando-se no prazer do vínculo que havia criado através da união de sangue e do ritmo exagerado de seus corpos nus, unidos. Seus dentes ainda estavam cravados na pele dela enquanto ele tomava o último gole e gozava de novo, dessa vez mais forte, uma descarga assombrosa que o golpeou como um trem descarrilhado. Agarrou-se nela, estremecendo com intensa satisfação. Embora pudesse beber de sua veia durante toda a noite, Nikolai se obrigou a se afastar, selando as feridas com uma tenra lambida de sua língua.

Ele ficou observando-a, seu olhar iluminando a pele dela.

- Eu te amo – ofegou, necessitando que ela o escutasse e que acreditasse nisso. Queria que ela se lembrasse disso depois dessa noite, depois que conseguissem localizar Fabien no norte e que ele lhe explicasse por que havia precisado mentir. Beijou seu queixo, sua bochecha, sua testa. – Amo você, Renata.

Ela sorriu sonolenta.

- Mmmm... Eu realmente gosto de como isso soa.

- Então terei que assegurar que ouça muitas e muitas vezes.

- Certo - murmurou ela, seus dedos brincando com os cabelos dele, empapados de suor sobre a nuca. - Foi incrível, a propósito. Sempre vai ser bom assim?

Ele gemeu.

- Tenho a sensação de que pode melhorar.

Ela riu, e a vibração fez despertar de novo seu sexo.

- Se continuar assim, terei que voltar e tomar outra ducha.

Ele fez um movimento sexy e poderoso com sua pélvis, encaminhando sua ereção mais profundamente.

- Ah, posso continuar. Não se preocupe, isso nunca vai ser um problema quando você estiver por perto.

- Melhor tomar cuidado, ou posso obrigá-lo a isso.

Niko riu apesar de seu pesado humor.

- Coração, pode me obrigar a tudo que quiser.

Ele a beijou novamente. E grunhiu de prazer quando ela envolveu as pernas ao redor dele e o fez girar de costas para começar uma lenta e nova cavalgada.


Capítulo 27

Houve uma época para Andreas Reichen, há quase 300 anos, quando a morte caía sobre ele como um dilúvio. Um tempo quando uma desatinada onda brutal de massacre tinha visitado seu pacífico domínio.

Naquele tempo, no verão úmido de 1809, uma manada de vampiros Renegados tinha forçado sua entrada nesse mesmo Refúgio, violando e matando vários de seus familiares. O ataque tinha sido ao acaso, a mansão e seus residentes apenas tiveram o azar de estar no caminho de um grupo de Renegados viciados em sangue. Tinham forçado sua entrada além das portas desprotegidas e janelas, alimentando-se e matando muitos inocentes... E, apesar de tudo, houve sobreviventes. Os Renegados tinham espalhado horror e passado como a peste que eram, mas finalmente foram caçados e destruídos por um membro da Ordem que tinha vindo ajudar Reichen.

A matança fora insuportável, mas não tinha sido completa.

O que Reichen enfrentou em sua volta para casa naquela noite tinha sido um ataque calculado. Não uma entrada pela força bruta, mas por meio da traição. Um inimigo bem-vindo como um amigo. E o massacre ocorrido - provavelmente nas primeiras horas da manhã, justo antes da saída do sol - tinha sido uma aniquilação total.

Ninguém tinha se salvado.

Nem sequer a alma mais jovem na residência.

Com um terrível silêncio que impregnava o ar como uma enfermidade, Reichen caminhou através do sangue e da destruição como um dos mortos. Seus passos seguiram a pista de manchas pegajosas escarlates no mármore do vestíbulo e da sala, além de seu jovem sobrinho, que estava tão contente ao convidar Reichen para padrinho de seu filho recém-nascido. O novo pai ruivo estendido na porta tinha sido o primeiro a morrer, Reichen adivinhou, incapaz de olhar o rosto sem vida que olhava sem ver a escada cheia de balas que conduzia aos dormitórios dos Refúgios nos andares superiores.

Mais morte esperava no corredor fora da biblioteca, onde outros machos tinham sido cortados ao meio. Ainda mais vidas extintas perto da escada da adega, um dos primos de Reichen e sua Companheira de Raça, ambos mortos enquanto tentavam escapar dos disparos.

Não viu o corpo da criança até que quase tropeçou nele - um menino vampiro de cabelo revolto que evidentemente tinha tentado se esconder em uma das estantes da sala de jantar. Os assassinos o haviam tirado de lá e o matado como a um cão.

- Jesus Cristo – Reichen, sufocado, caiu de joelhos e levou a mão branda do menino a sua boca para afogar o grito gutural. - Pelo amor de Deus... Por quê? Por que eles e não eu?!

- Ele disse que você saberia por quê.

Reichen fechou os olhos diante do som rígido da voz de Helene. Ela falava muito devagar, as sílabas muito planas... carente de matizes.

Sem coração.

Ele não precisava se virar para saber que seus olhos estariam estranhamente mortos para ele agora. Mortos porque todo seu calor e toda a sua humanidade tinham sido recentemente retirados dela.

Já não era sua amante, nem sua amiga. Ela era uma Subordinada.

- Quem converteu você? - ele perguntou, deixando cair a mão do menino morto. A quem você pertence agora?

- Você deve saber, Andreas. Você me enviou a ele, afinal.

Filho da puta.

Reichen apertou a mandíbula quadrada e masculina, os molares quase quebrando pela pressão.

- Wilhelm Roth. Ele a enviou aqui para fazer isso. Ele a usou para me destruir.

O fato de Helene não dizer nenhuma palavra sequer apenas tornou a compreensão do golpe mais profunda. Tão dilacerador como seria olhar os olhos de sua ex-amante e ver que a mulher por quem se preocupava agora estava sem alma. Reichen tinha que ver por si mesmo.

Levantou-se e virou lentamente.

- Ah! Helene...

Sangue seco salpicado no rosto e na roupa dela - quase cada centímetro dela coberto de sangue de seus mais queridos amigos e familiares. Ela devia estar ali no centro de todo o massacre, uma insensível testemunha não afetada por tudo isso.

Ela não disse nada quando o olhou fixamente, com a cabeça inclinada um pouco para o lado. Seus olhos, uma vez brilhantes e ardilosos, agora estavam vazios e frios. Abaixo, ao seu lado, ela sustentava uma grande faca de cozinha na mão. A folha larga brilhava à luz do abajur de cristal da sala de jantar.

- Sinto muito - ele murmurou, seu coração retorcido. - Eu não sabia... quando enviou o e-mail e me deixou a mensagem com o nome de Roth, tentei avisá-la. Tentei alcançá-la, mas...

Ele deixou que as palavras se desvanecessem, sabendo que as explicações não importavam. Não mais. Não agora.

- Helene, só sei que sinto muito - engoliu a bílis que subiu no fundo de sua garganta. - Só sei que eu realmente me importava com você. Eu a amav...

Com um grito estridente, Helene se lançou sobre ele.

Reichen sentiu o fio da navalha cortando seu peito e braço, fazendo um profundo corte. Ignorando a dor, ignorando a inalação repentina do aroma de seu próprio sangue, ele agarrou o braço da escrava de Roth e o torceu. Ela gritou, opondo-se e lutando enquanto ele puxava seu braço esquerdo para baixo e bloqueava ambos os membros ajustados aos lados de seu corpo. Ela amaldiçoou e gritou, chamando-o com nomes vis, cuspindo de fúria.

- Shhh - Reichen sussurrou ao lado de seu ouvido. – Agora, cale-se, Helene.

Como um animal selvagem, Helene continuou se retorcendo e gritando para que ele a soltasse.

Não, corrigiu-se. Não, Helene. Aquela já não era a mulher que ele conhecera. Helene estava morta para ele no momento em que trouxe o esquadrão da morte de Wilhelm Roth para dentro daquele Refúgio. Na verdade, por muitas razões, ela nunca foi sua. Que Deus tivesse piedade dela, ela não merecia esse fim. Nenhum dos caídos ali merecia tal horror.

- Tudo está bem agora - ele murmurou, a mão direita acariciando as bochechas manchadas de sangue dela. - Está tudo bem agora, querida.

Um grito saiu disparado de sua garganta enquanto ela puxava bruscamente o rosto para fora de seu alcance.

- Maldito! Deixe-me ir!

- Sim - ele disse tirando-lhe a faca. - Terminou agora. Vou deixá-la ir.

Com a dor estrangulando-o, Reichen girou a faca em torno de seus dedos e levou a ponta ao seu peito.

- Me perdoe, Helene...

Sustentando-a apertada contra ele, afundou a lâmina profundamente no peito dela. Ela não fez nenhum som enquanto morria, apenas deixou escapar um suspiro longo e lento enquanto desinflava em seus braços e desabava ali, frouxa como uma boneca de pano. Tão brandamente quanto pôde, Reichen deitou seu corpo no chão. A faca caiu de sua mão ao lado dela, revestida com o carmesim brilhante dos sangues deles mesclados.

Reichen lançou um longo e incorruptível olhar para os restos do que tinha sido seu lar. Agora que tudo tinha terminado, queria memorizar cada mancha de sangue, cada vida que se interrompeu por causa de sua falta de atenção. Seu engano. Ele precisava recordar, porque em pouco tempo nada daquilo existiria.

Não podia permitir que nada daquilo permanecesse, não daquela forma. Tampouco ia deixar que as mortes não fossem vingadas.

Reichen deu meia volta e se afastou da matança. Suas botas ecoaram no chão de madeira da sala, seus passos eram o único som na horripilante tumba maciça. No momento em que chegou ao jardim em frente à propriedade, seu peito não estava mais apertado, mas frio.

Tão frio como uma pedra. Tão frio como a vingança que tinha a intenção de visitar Wilhelm Roth e todos os associados a ele.

Reichen se deteve brevemente na grama iluminada pela lua. Ele se virou para a mansão e, por um momento, simplesmente a viu em sua perfeita e estranha quietude. Então sussurrou uma oração, palavras antigas que se sentiam oxidadas em sua língua pela falta de uso.

Não é que a oração lhe fizesse algum bem agora. Estava abandonado, agora mais do que nunca. Realmente sozinho.

Reichen baixou sua cabeça até o peito, invocando seu terrível talento. Encheu-se em seu interior, um calor que rapidamente se intensificou, formando um fundido e revolto círculo em suas vísceras.

Ele deixou-o crescer. Deixou-o girar e ganhar força até que seu interior se sentiu abrasado por sua fúria.

E ainda o conteve.

Manteve-o em seu interior até que a bola de fogo golpeou contra sua caixa toráxica, fumaça e cinza flutuando até queimar o fundo de sua garganta. Até que a bola de fogo o consumiu, iluminando todo seu corpo com um resplendor muito quente. Cambaleou sobre seus calcanhares, lutando para manter o corpo até que soubesse que desataria a total destruição instantânea.

Enfim, com um rugido cheio de dor, Reichen soltou o poder de dentro dele.

Um disparo de calor saiu de seu corpo, derramando e girando enquanto avançava para frente, uma esfera de pura energia explosiva. Como um míssil lançado em um alvo por um laser, o círculo disparou dentro da porta aberta da mansão Refúgio. Um segundo depois, detonou, uma impressionante beleza infernal.

Reichen foi golpeado de volta com o estalo sônico da explosão.

Deitou-se na grama, observando com satisfação desinteressada como as chamas, as faíscas e a fumaça devoravam até mesmo os menores pedaços do que tinha sido sua vida.


Capítulo 28

- Estamos carregados e preparados para partir, Renata. Precisa de mais tempo antes de sairmos?

De pé no caminho de cascalho diante da casa principal, Renata girou quando Nikolai se aproximou por trás.

- Não, não preciso de mais tempo aqui. Estou pronta para deixar este lugar para sempre.

Ele abraçou-a, envolvendo-a em sua força masculina.

- Acabo de falar com Gideon. Tegan, Rio e os outros estão fazendo bons progressos. Eles devem estar em nosso ponto de encontro em uma hora.

- Certo. Bom.

Renata se inclinou em seu abraço, feliz pelo calor de seu refúgio... e de seu amor. Nikolai a tinha mantido perto dele no refúgio de videira até que o sol se pôs, acalmando seus temores com seu corpo, afastando-a da feia realidade que originalmente os tinha unido - e do que poderia acontecer naquela noite, quando eles finalmente teriam a oportunidade de enfrentar Edgar Fabien.

A verdade era que ela estava preocupada com o que eles poderiam encontrar. Uma preocupação que lhe penetrava até os ossos e, embora Nikolai não houvesse dito nada que sugerisse que ele também tivesse dúvidas, ela poderia dizer que sua mente estava carregada de pensamentos que ele parecia estar decidido a esconder dela.

- Pode me dizer, você sabe - ela saiu dos braços dele e o encarou. – Se tiver um mau pressentimento a respeito desta noite... pode me dizer.

Algo cruzou a expressão de Niko, mas ele não disse nada, apenas sacudiu a cabeça e beijou a testa de Renata.

- Não sei o que podemos esperar em se tratando de Fabien. Mas posso dizer que, aconteça o que acontecer, estarei com você, certo? Vamos sair disso.

- E uma vez que tenhamos Fabien, vamos buscar Mira - ela completou, procurando os olhos dele. - Certo?

- Sim - ele disse, com seu indestrutível olhar que sustentou de forma estável. - Sim, eu prometi. Dei minha palavra a respeito disso. Não vou desapontá-la.

Ele a puxou para si uma vez mais, capturando-a em um afeto que o mostrava pouco disposto a deixá-la ir. Renata o sustentou também, escutando o forte e rítmico palpitar de seu coração em sua orelha... e perguntando-se por que seu próprio pulso parecia estar dando um sinal de alerta em suas veias, como uma sentença de morte.

Em uma remota fazenda abandonada de cem hectares, algumas horas ao norte de Montreal, o bosque da noite estremeceu com o gemido de um motor de combustão interna e o excesso de velocidade de um barco que passava através do lago praticamente desabitado. A terra e o lago, bem como o transporte proporcionado a Dragos para chegar àquele lugar, pertenciam a Edgar Fabien.

Embora Fabien tivesse sido uma recente decepção, Dragos supôs que o líder do Refúgio merecesse algum crédito por aquela reunião importante. Enquanto o resto dos assistentes chegou durante a noite anterior de automóvel, naquela noite um barco rápido tinha sido enviado para levar Dragos depois que um hidroavião o havia trazido da cidade por outro caminho interno de água também na propriedade de Fabien. Depois do revés sofrido poucas semanas atrás, durante a reunião de Dragos com a Ordem, Fabien tinha ficado muito mais cauteloso sobre como viajava ao ar livre, entre outras coisas. Ele tinha chegado muito longe para correr riscos. Tinha arriscado muito para perder tudo por um descuido ou por incompetência de outros.

Lançou um olhar depreciativo para o outro passageiro sentado no bote com ele. O rosto do Caçador permanecia impassível no resplendor leitoso da lua sobre suas cabeças, seu enorme corpo perfeitamente imóvel mesmo quando o condutor girou o leme e o bico da proa do barco conectou-se diretamente com a água para desviar-se em direção ao cais solitário que se encontrava mais adiante.

O caçador provavelmente sabia que se dirigia para a própria morte. Tinha fracassado em sua missão de matar o Primeira Geração em Montreal, o que pedia um incrível castigo. Dariam um jeito nele naquela noite, e se Dragos pudesse usar este castigo como uma demonstração adicional de seu poder diante dos tenentes que estavam reunidos para dar as boas-vindas agora, melhor.

O motor do barco mudou para uma marcha inferior quando chegaram ao cais não iluminado e modesto onde Edgar Fabien esperava para saudá-lo. Os vapores do gás formaram redemoinhos fora da água, asquerosamente doces. A reverência profunda de Fabien e as boas-vindas aduladoras tinham um efeito similar.

- Meu senhor, é a honra de toda uma vida dar boas-vindas aos meus domínios.

- De fato - Dragos arrastou as palavras enquanto dava um passo fora do barco sobre as tábuas de madeira escura do cais. Ele fez um gesto para que o Caçador o seguisse, e não perdeu a reação de Fabien quando divisou o tamanho e a imensidão do Primeira Geração que prestava serviços à ordem de Dragos. – Todos estão reunidos lá dentro?

- Sim, senhor. - Fabien saiu de sua reverência e se precipitou a caminhar ao lado de Dragos. - Tenho boas notícias. O guerreiro que escapou da contenção foi eliminado. Tanto ele quanto a mulher que o ajudou. Um de meus ajudantes agarrou a dupla, e ontem à noite enviei uma equipe com meus melhores agentes para se livrar do problema.

- Tem certeza de que o guerreiro está morto?

O sorriso de suficiência de Fabien ressoou.

- Aposto minha própria vida nisso. Enviei profissionais capacitados para a tarefa. Confio na habilidade deles de forma implícita.

Dragos grunhiu, sem deixar-se impressionar.

- Que grande comodidade deve ter esse tipo de confiança em seus servos.

A confiança de Fabien vacilou com a espetada e ele limpou a garganta com estupidez.

- Meu senhor... em outro momento, se quiser.

Dragos dispensou o Caçador de sua presença com um gesto cortante.

- Aproxime-se da casa e me espere. Não fale com ninguém.

Quando o assassino Primeira Geração caminhou a passos longos para a frente, Dragos fez uma pausa para lançar um olhar impaciente para Fabien.

- Meu senhor, eu esperava, quer dizer, pensei que um presente pudesse cair bem - gaguejou ele. - Para celebrar esse importante evento.

- Um presente? - antes que pudesse perguntar a Fabien o que pensava que Dragos poderia necessitar dele, Fabien estalou os dedos e um agente de execução surgiu das sombras das árvores circundantes, empurrando uma menina diante dele. A menina parecia perdida na escuridão, seus cabelos loiros brilhando como cabelos de milho, seu pequeno rosto perdido debaixo dele.

- Que é isso?

- Uma jovem Companheira de Raça, meu Senhor. Meu presente para o senhor.

Dragos contemplou a menina desamparada, impressionado. As Companheiras de Raça eram um acontecimento bastante raro entre as populações humanas, isso era certo, mas ele preferia as férteis, em idade de procriar. Essa garota não estaria pronta por vários anos, o que sem dúvida mostrava que Fabien tinha algo mais a respeito dela.

- Pode ficar com ela - disse Dragos, retomando o percurso rumo à reunião. – Faça com que seu homem conduza o barco de volta. Chamarei pelo rádio quando necessitar.

- Vá - Fabien ordenou em resposta, então voltou novamente ao lado de Dragos, tão ansioso como um cão mendigando pelas sobras. - Meu senhor, sobre a menina... na verdade, o senhor deve ver por si. Ela é dotada de um talento extraordinário que estou seguro de que o senhor saberá apreciar. Ela é um oráculo, meu senhor. Fui testemunha disso.

Contra sua vontade, a curiosidade prendeu sua atenção. Seus passos desaceleraram, e então deteve-se.

- Traga-a.

Quando ele girou ao redor, o sorriso impaciente de Fabien ficou ainda mais amplo.

- Sim, senhor.

A menina foi conduzida a ele uma vez mais, resistindo em seus passos, seus obstinados calcanhares cravando-se nas velhas agulhas de pinheiro e na areia que enchiam o pequeno cais. Ela tentou lutar contra o guarda vampiro que a segurava, mas era um esforço inútil. Ele simplesmente a empurrou para frente até que ela ficou de pé diretamente na frente de Dragos. Ela manteve seu queixo para baixo, com o olhar posto no chão.

- Levante a cabeça - Fabien ordenou, mal esperando que obedecesse, antes de pegar sua cabeça com ambas as mãos e a obrigar a olhar para cima. - Agora, abra os olhos. Vamos!

Dragos não sabia muito bem o que esperar. Ele não estava absolutamente preparado para a palidez surpreendente de seu olhar. A íris da menina era tão clara como espelhos de cristal e tão impecável que imediatamente o fascinaram e hipnotizaram. Estava vagamente consciente da emoção de Fabien, mas toda a sua atenção estava presa na menina e no incrível brilho tênue de seus olhos.

E então ele viu... um movimento brilhante na meditação pacífica. Viu uma forma movendo-se através das espessas sombras - um corpo que acreditou reconhecer como o seu próprio. A imagem ficava mais clara quanto mais olhava fixamente, absorto e impaciente por ver mais do presente que Fabien havia descrito.

Era ele.

Era seu refúgio também. Mesmo envoltas na névoa escura, as imagens que se mostravam eram intimamente familiares. Viu o laboratório subterrâneo, as celas de contenção... a jaula de luz ultravioleta que continha sua maior arma na guerra que estava preparando durante todos aqueles séculos. Tudo estava ali, revelando-se para ele através dos olhos daquela pequena Companheira de Raça.

Mas, então, um momento de alarme surpreendente.

Seu laboratório antigo, tão rigidamente assegurado e ordenado, estava em ruínas. As celas de contenção tinham sido deixadas abertas. E a jaula de luz ultravioleta... estava vazia.

- Impossível - murmurou ele, golpeado por um temor sombrio, furioso.

Ele piscou com força, várias vezes, querendo limpar a visão de sua cabeça. Quando abriu os olhos outra vez, viu algo novo nos olhos malditos da menina... algo ainda mais incompreensível.

Viu-se implorando por sua vida. Chorando, abatido. Patético. Derrotado.

- Isso é algum tipo de brincadeira de mau gosto? - a voz dele tremia tanto com a raiva como com outra coisa muito fraca para admitir. Desviou o olhar da garota e o fixou em Fabien.

- Que diabos isso significa?

- Seu futuro, senhor – o rosto de Fabien ficou completamente pálido. A boca se moveu durante um momento sem expressar som algum, então, finalmente balbuciou. - A menina... o senhor viu, ela é um oráculo. Ela me mostrou em pé aqui, nesta grande reunião, apresentando uma visão de seu futuro que o agradava enormemente. Quando vi isso, soube que tinha de guardá-la, meu senhor. Tinha de oferecê-la ao senhor, não importava o custo.

O sangue de Dragos era como lava ardendo em suas veias. Ele deveria matar esse idiota ali mesmo, só por aquele insulto.

- É óbvio que você interpretou mal o que viu.

- Não! - Fabien exclamou, agarrando a menina e girando ao redor dela. Deu a ela uma sacudida forte. – Mostre-me outra vez! Mostre que não me enganei, maldita!

Dragos observou tão imóvel como uma pedra, enquanto Fabien olhava atentamente seus olhos. O grito horrorizado do líder do Refúgio disse tudo o que ele tinha que saber. Ele cambaleou para trás, tão branco quanto uma folha de papel. Golpeado como se tivesse testemunhado sua própria morte.

- Não entendo - murmurou Fabien. - Tudo mudou. O senhor tem de acreditar, Mestre! Não sei como ela mudou a visão, mas a pequena bruxa está mentindo agora. Ela tem que estar mentindo!

-Tire-a de minha frente - Dragos grunhiu ao guarda da Agência de Execução que a sustentava. – Vou levá-la comigo quando for, mas até então, não quero ver nem um fio de cabelo dela.

O guarda assentiu com a cabeça e afastou a menina, praticamente arrastando-a até a casa.

- Senhor, eu lhe rogo - suplicou Fabien. – Perdoe-me por este... lamentável engano.

- Cuidarei de você mais tarde - disse Dragos, sem se preocupar em esconder a ameaça reflexiva no fundo de cada uma de suas palavras.

Retomou a marcha para a reunião, mais decidido do que nunca a fazer todos compreenderem de uma vez por todas sua autoridade e seu poder incomparáveis.


Capítulo 29

Estava completamente escuro quando Niko e Renata, após seguirem as coordenadas enviadas por Gideon, chegaram ao local onde ficava a propriedade de Edgar Fabien, ao norte. O líder do Refúgio evidentemente possuía um pedaço considerável de terra suficientemente longe de Montreal para que a zona ao redor permanecesse inexplorada: acre após acre de enormes coníferas e sempre-vivas, nenhuma alma sequer à vista, a não ser um ou outro veado ou alce americano que saía em disparada ao primeiro aroma de vampiro arrastando-se naquele santuário natural.

Nikolai tinha feito sozinho o reconhecimento da área nos últimos minutos. Uma casa de dois andares feita de troncos e pedra estava enfiada em um canto do bosque. Um estreito caminho sem pavimentação e apenas largo o suficiente para um veículo cortava as árvores na parte da frente da casa. Niko contornou essa vida escondido pela vegetação e viu dois Agentes da Lei vestidos com roupas da SWAT, postados no meio do caminho, e os três grandes Humvees estacionados em fila única bem diante da porta principal da casa. Três outros guardas vampiros com rifles M16 cobriam a entrada. Leste e oeste estavam também sob vigilância com um sentinela armado.

Embora não imaginasse que eles tivessem deixado a parte traseira da propriedade vulnerável, Niko se moveu ao redor daquele caminho para ter uma ideia da extensão do terreno. Ouviu o suave som de água mesmo antes de ver o tranquilo lago e o cais vazio na borda, a cerca de trezentos metros atrás da casa. Lá, outra dupla de Agentes permanecia de guarda.

Maldição.

Entrar no lugar para pegar Fabien não seria fácil. A menos que ele e a Ordem atacassem por cima, se quisessem tirar o sócio de Dragos dali teriam de passar por alguns guardas da Agência no processo, sem considerar o grupo desconhecido de vampiros da Raça que tinha acompanhado o líder do Refúgio de Montreal até ali na noite passada. Capturar Fabien naquela noite sem muitas baixas civis beirava o impossível, principalmente quando o resgate de Mira era acrescentado à equação. Portanto, o reconhecimento feito por Niko dava conta de que a coisa seria feia. Muito feia.

E havia ainda a situação com Renata.

Uma das coisas mais difíceis que Nikolai já fizera fora passar o dia inteiro com ela, sabendo que a tinha enganado. Ele queria dizer-lhe, depois que fizeram amor, depois que ela o honrou com o presente de seu sangue e com o vínculo completo que agora os unia eternamente. Quis dizer-lhe uma dúzia de vezes, em uma dúzia de momentos diferentes, mas, egoísta, mantivera a verdade oculta para a própria proteção dela. Ele ainda mantinha a esperança de que ela compreendesse sua cautela - que ela poderia inclusive ficar agradecida que ele a tivesse feito esperar para saber a localização de Mira até que ele e os outros guerreiros da Ordem tivessem uma oportunidade sólida de criar uma estratégia de resgate.

Sim, o macho da Raça seguia se dizendo essas coisas porque não queria sequer considerar outras alternativas.

Afastando o arrependimento que perseguia seus passos e o medo que seguia arrastando-se por trás de seu pescoço, Nikolai se moveu para uma melhor posição de acesso aos bosques. Olhou através dos ramos de pinheiro e observou vários dos ocupantes da casa enquanto eles passavam por uma janela no andar térreo. Fez uma rápida contagem dos vampiros da Raça encapuzados enquanto eles andavam a passos largos e em grupo para outra sala. Cinco, seis, sete... e então outro, este sem o capuz negro cobrindo-lhe o rosto.

Ah! Jesus Cristo!

Nikolai o conhecia. Ele tinha visto o filho da mãe de perto e pessoalmente apenas algumas semanas antes, quando uma missão da Ordem tinha-lhe enviado a um encontro com um dos oficiais do mais alto escalão na Agência da Lei. Naquele momento, o homem usava um pseudônimo - um dos dois nomes falsos que a Ordem tinha descoberto não fazia muito tempo. Agora eles conheciam o bastardo por seu verdadeiro nome, o nome que o Primeira Geração traidor que fora seu pai carregava antes também.

Dragos.

Maldição.

Durante semanas a Ordem havia investigado exaustivamente à procura de Dragos, tudo sem êxito. Agora, ele estava ali, na frente deles, como um peixe em um barril. O bastardo estava ali. E, maldito seja, ele ia cair - naquela noite.

Niko recuou para a mata cerrada, então arrastou o traseiro na direção sul, onde tinha deixado Renata no SUV da Agência que roubaram. Mal podia esperar para ligar para Tegan e Rio e lhes dar essas boas notícias.

A confusão e a angústia de Edgar Fabien por causa do fracasso de seu presente para Dragos assombrava-o como um fantasma enquanto ele e os outros seguiam o recém-chegado líder à sala de conferências no abrigo ao norte. Ele sabia que era perigoso, geralmente mortal, desagradar Dragos, algo que tinha evitado muito bem até agora. Mas ele também sabia – assim como o resto dos vampiros da Raça reunidos ali para aquele encontro – que Dragos os tinha juntado por um objetivo específico. Aquela seria uma noite histórica. Eles seriam recompensados, Dragos prometera, pelos anos de parceria oculta e lealdade a um objetivo comum.

Depois de tanto tempo e esforço adulando Dragos durante as últimas décadas, Fabien só rezava que não tivesse jogado tudo fora naquele instante infeliz perto do cais.

- Sentem-se - Dragos ordenou, tomando seu lugar na frente da sala de reuniões. Assistiu enquanto Fabien e os outros seis, todos ocultos atrás de seus capuzes negros, ocupavam as cadeiras reunidas ao redor do bloco de granito polido que servia como mesa de conferências. - Nós nos reunimos aqui nesta sala porque compartilhamos um interesse comum: o atual e o futuro estado de nossa Raça.

Fabien assentiu sob seu capuz, assim como o fizeram os outros ao redor da mesa.

- Compartilhamos um ressentimento comum pela corrupção de nossas descendências pela mancha de humanidade e pela maneira ambiciosa com a qual os que estão no poder dentro da Raça escolheram nos governar com respeito à inferioridade humana. Desde que as primeiras sementes da Raça foram semeadas neste planeta, os vampiros degeneraram-se em uma vergonha grande e triste. A cada nova geração nascida, nossa descendência cresce mais e mais mesclada com a humanidade. Nossos líderes preferem que nos ocultemos dos Homo sapiens, todos com medo de serem descobertos, e mascaram essa covardia com leis e políticas supostamente feitas para proteger o segredo de nossa existência. Ficamos debilitados pelo medo e pelo segredo. Já é hora de isso mudar e precisamos de um novo e poderoso líder.

Agora os assentimentos chegaram mais vigorosos, os acordos murmurados mais fervorosamente.

Dragos começou a dar passos sem pressa na frente da sala, suas mãos juntas e frouxas atrás das costas.

- Nem todos partilham de nosso desejo de reverter radicalmente as falhas passadas e restaurar a Raça a uma posição de poder. Nem todos veem o futuro que nós vemos. Alguns diriam que o preço é muito alto, que os riscos são muito grandes. Mil desculpas para explicar por que a Raça deveria manter seu status quo e não dar os passos firmes requeridos para aproveitar o futuro a que temos direito.

- Ouça, ouça - Fabien interferiu, ansioso por aquele futuro que o lambia como uma chama.

- Estou encantado com o fato de que todos vocês nesta sala entendam que passos firmes devem ser tomados - disse Dragos. - Cada um de vocês, individualmente, tem tido um papel no avanço de nossa visão ao seguinte nível. E vocês o fizeram sem questionar, sem conhecer uns aos outros... até agora. Nosso próprio momento de segredo terminou. Por favor - disse ele -, tirem seus capuzes e nos deixem começar a mais nova fase de nossa aliança.

Fabien estendeu a mão para o pano negro que lhe cobria a cabeça, a insegurança fazendo seus dedos duvidarem. Deteve-se até que alguns dos outros assistentes tiraram seus capuzes antes de encontrar coragem para tirar o seu.

Por um momento, nenhum dos vampiros da Raça disse uma palavra. Olhadas passaram ao redor da mesa, alguns presunçosos com reconhecimento de olhares conhecidos, outros cautelosos pelos estranhos que agora, com essa confissão de mal-intencionada traição, tinham se tornado seus mais profundos aliados. Fabien conhecia vários dos rostos que lhe devolveram o olhar - todos eles de Refúgios de alto escalão ou oficiais da Agência da Lei, alguns dos Estados Unidos e outros do exterior.

- Somos um conselho de oito - anunciou Dragos. - Como os Antigos que chegaram aqui há tanto tempo. Somos, todos nós, a segunda geração de filhos desses poderosos extraterrestres. Logo, uma vez que o último vampiro Primeira Geração for eliminado, estaremos entre os mais velhos e mais poderosos de nossa Raça. Cada um de vocês ajudou nesse esforço, seja oferecendo as localizações dos membros que restavam de nossa primeira geração, seja apoiando a causa oferecendo Companheiras de Raça para levar as sementes de nossa revolução.

- E quanto à Ordem? - perguntou um dos assistentes europeus, seu sotaque alemão afiado como uma lâmina de barbear. - Há dois guerreiros Primeira Geração com quem ainda temos de lutar.

- E o faremos - disse Dragos, sem problemas. – Vou planejar o ataque direto na Ordem muito em breve. Depois do recente golpe contra mim, será um prazer pessoal enterrar a operação da Ordem e ver os guerreiros e suas Companheiras encontrarem a morte.

Um diretor da Agência da Costa Oeste dos Estados Unidos inclinou-se para trás em sua cadeira e arqueou as sobrancelhas castanhas.

- Lucan e seus guerreiros já sobreviveram a outros ataques antes. A Ordem existe desde a Idade Média. Eles não cairão sem luta. Uma luta dura e sangrenta.

Dragos riu.

- Ah! E eles sangrarão. E se tudo sair como espero, vão pedir misericórdia e não receberão nenhuma. Não do poderoso exército que terei às minhas ordens.

- Quando começaremos a criar esse exército? - alguém no grupo perguntou.

O sorriso de Dragos se encheu de malícia.

- Começamos faz 50 anos. Na verdade, essa revolução começou há muito mais tempo do que isso. Muito mais.

Todos os olhos estavam cravados nele enquanto ia a passos largos até um laptop que Fabien tinha mandado deixar preparado na sala. Enquanto digitava algo, o grande monitor plano da sala de conferências se elevou do chão. Dragos digitou mais outras coisas e logo o monitor piscou, mostrando o que parecia ser um laboratório.

- Uma conexão por satélite com uma de minhas fortalezas - explicou, usando o touchpad para controlar remotamente a câmera. - É aqui onde estive juntando as peças do quebra-cabeças - a câmera vagou para um muro de cilindros criogênicos codificados, depois passou por um grupo de microscópios, computadores e tubos de DNA alinhados nas mesas. No meio de todo aquele equipamento, vários Subordinados cientistas vestidos com máscaras e jalecos brancos.

- Parece um laboratório de genética - disse o alemão.

- E é - respondeu Dragos.

- Que tipo de experimentos está fazendo?

- De todo tipo - Dragos voltou para o teclado e teclou outra sequência de comandos. A câmera do laboratório apagou e foi substituída por outra: essa era um ângulo panorâmico de um longo corredor com celas de prisão. Embora da posição da câmera fosse difícil distinguir algo além das mais rudimentares formas, era óbvio que as celas continham mulheres, algumas delas com crianças.

- Companheiras de Raça - tomou fôlego Fabien. - Deve haver vinte ou mais ali.

- Elas nem sempre sobrevivem aos testes, de modo que o número tende a variar - disse Dragos, em tom de conversa. - Mas tivemos nossos êxitos com o processo de reprodução. Essas mulheres e as que viveram antes delas estão dando a luz ao maior exército que este mundo jamais viu. Uma brigada de assassinos Primeira Geração que estarão sob minhas ordens.

Um silêncio tão grande como uma capa de inverno caiu sobre a reunião.

- Primeira Geração? - perguntou o diretor da Costa Oeste. - Isso não pode ser possível. Seria preciso um dos Antigos para produzir uma primeira geração de vampiros da Raça. Todos foram exterminados pela Ordem faz uns 700 anos. O próprio Lucan declarou Guerra a todos os Antigos e se certificou de que nenhum sobrevivesse.

- Certificou-se? - sorriu Dragos, mostrando as pontas de suas presas. - Acredito que... não.

Com uns poucos golpes mais de teclado, mostrou as imagens de outra câmera na conexão do satélite. Dessa vez, o foco se localizava em uma grande sala cheia de segurança, que tinha em seu centro uma cela cilíndrica construída com raios de luz. Os raios ultravioleta emitidos da jaula de barras verticais estavam piscando, inclusive na tela.

E dentro dessa jaula de raios ultravioleta havia uma criatura nua e sem cabelo que, de pé, mediria dois metros. Seu corpo nu era imenso, cada polegada coberta de dermoglifos. Ele elevou a vista enquanto as lentes da câmara zumbiam sobre ele de algum lugar da câmara. Pupilas e olhos âmbar, mas devoradas pelo fogo que ardia fora de suas órbitas, reduzido com letal consciência. A criatura saiu de sua posição de cócoras e se preparou para atacar, só para receber de novo o calor das barras ultravioleta que o deixavam prisioneiro. Abriu a boca e soltou um rugido furioso que não precisou ser ouvido para ser entendido.

- Meu Deus - mais de um dos assistentes ofegou.

Dragos lançou um olhar mortalmente sóbrio sobre o grupo.

- Admirem... nossa revolução.

O celular de Lex vibrou no centro do console do SUV. Renata o pegou e olhou a tela: Número desconhecido.

Inferno.

Ela não podia estar segura se a chamada era para Lex ou para Nikolai, já que o guerreiro da Raça estava usando o telefone para chamar e receber chamadas da Ordem. Ela não sabia há quanto tempo ele tinha saído para fazer o reconhecimento e estava a ponto de perder a cabeça esperando por ele. Ela precisava fazer algo. Ao menos, precisava sentir que estavam fazendo algum progresso para encontrar Mira logo...

O celular continuou vibrando em sua mão. Ela pressionou o botão de atender, mas não disse nada. Apenas deixou que a pessoa se revelasse primeiro.

- Olá? Niko? Você está aí, hermano? - a profunda voz denotava um acento espanhol, tão quente e suave como caramelo. - É Rio, cara...

- Ele não está aqui - disse Renata. - Estamos no lado norte da cidade, esperando que vocês cheguem. Nikolai saiu para fazer um reconhecimento da área. Não deve demorar muito.

- Bem - disse o guerreiro. - Já estamos quase chegando, demoraremos aproximadamente 45 minutos. Você deve ser Renata.

- Sim.

- Quero agradecê-la por você ter salvado o traseiro de nosso garoto aí. O que fez foi... bem, ele tem sorte de tê-la ao seu lado. Todos temos - ela podia ouvir a genuína preocupação e gratidão na voz do vampiro, e ficou demasiado curiosa por conhecer os outros guerreiros que Nikolai chamava de amigos. - Está tudo bem aí? Você está bem?

- Estou bem. Só ansiosa para que tudo isto acabe essa noite.

- Entendo - respondeu Rio. - Niko nos contou sobre a menina, Mira. Lamento pelo que você está passando, sabendo que um doente como Fabien está com ela. Sei que não deve ter sido fácil esperar o dia todo para se encontrar conosco.

- Não, não foi. Sinto-me tão inútil - confessou ela. - Odeio esse sentimento.

- Lamento tudo isso. Não vamos deixar que nada aconteça com ela esta noite quando entrarmos lá, Renata. Tenho certeza de que Nikolai explicou para você que pôr nossas mãos em Edgar Fabien é fundamental para a Ordem, mas vamos dar o nosso melhor para que a menina saia de toda esta situação bem.

Um súbito frio impregnou seu peito enquanto as palavras de Rio se afundavam em sua mente.

- O que disse?

- Que ela vai ficar bem.

- Não... isso de que você não deixarão que nada aconteça... lá dentro...

Do outro lado da linha, um longo silêncio.

- Ah! Cristo! Niko não lhe disse nada sobre o vídeo que temos do Refúgio de Fabien de ontem à noite?

O calafrio em Renata congelou, o gelo estendendo-se do peito aos seus membros.

- Um vídeo... de ontem à noite? - respondeu ela paralisada. - O que havia nele? Você viu Mira? Ah! Deus! Fabien fez algo? Diga-me!

- Madre de Dios - disse com uma larga exalação. - Se Niko não lhe disse isso... não tenho certeza de que devo lhe contar agora.

- Fale, maldição.

Ela ouviu um estrondo de conversa rápida ao fundo antes que Rio finalmente cedesse.

- A menina está com Fabien e com outros que ainda não identificamos. Pegamos a informação de uma câmera de segurança no Refúgio de Fabien. Eles partiram ontem à noite e nós os seguimos até a propriedade onde está agora.

- Ontem à noite - murmurou Renata. - Fabien está com Mira aqui... desde ontem à noite. E Nikolai? Vai me dizer que ele sabia? Quando ele ficou sabendo disso tudo? Quando?

- Tenho que pedir que aguente aí um momento mais - disse Rio. - Vai ficar tudo bem...

Renata sabia que o guerreiro ainda estava falando, ainda estava tentando acalmá-la, mas sua voz se apagou lentamente de sua consciência conforme uma profunda cólera e um profundo medo - uma dor tão desmedida que ela acreditava que poderia despedaçá-la – tomou conta de si. Ela desligou o telefone, cortando a chamada e deixando o aparelho cair no chão, aos seus pés.

Mira estava ali desde a noite passada, com Fabien. Todo este tempo. E Nikolai sabia.

Ele sabia, e escondeu isso dela. Ela poderia estar aqui há horas – nas horas de sol - fazendo algo, algo para salvar Mira. Em vez disso, Nikolai tinha ocultado deliberadamente a verdade e, como resultado, ela não tinha feito nada.

Não totalmente nada, ela admitiu, golpeada pela culpa por causa do prazer que tinha desfrutado com Niko enquanto Mira estava sozinha perto dali.

- Ah! Deus! - ela sussurrou, sentindo-se enjoada diante daquele pensamento.

Estava vagamente consciente dos passos aproximando-se do veículo, seus sentidos elevando-se antes que sua mente pudesse processar o som. O vínculo de sangue que agora compartilhava com Nikolai lhe disse que era ele antes que sua sombra aparecesse. Ele abriu a porta do carro esportivo e entrou.

- É Dragos - disse ele, procurando no console, no painel e no assento pelo celular. - Maldito seja, não posso acreditar nisso, mas era ele. Acabei de ver o filho da mãe dentro da casa com Fabien e com os outros. Dragos está aqui, ao nosso alcance. Onde diabos está aquele telefone?

Renata o olhou fixamente, vendo um estranho enquanto ele se inclinava para a frente e estendia a mão para apanhar o celular que estava aos pés dela, no chão do veículo. Ela mal ouvia o que estava dizendo. Mal se preocupava agora.

- Você mentiu para mim.

Ele se voltou para trás, com o telefone de Lex na mão. O rangido de adrenalina que tinha iluminado seus olhos se reduziu um pouco quando encontrou seu olhar.

- O quê?

- Eu confiei em você. Você me disse que eu podia confiar em você, que podia contar com você, e o fiz. Acreditei em você e você me traiu - ela tragou a saliva passando o terrível nó de sua garganta e forçando a si mesma a pronunciar as palavras. - Mira está aqui. Está aqui com Fabien desde ontem à noite. Você sabia disso... e não me disse nada.

Ele estava calado, mas sequer tentou negar o que ela dizia. Ele olhou o telefone em sua mão como se acabasse de se dar conta de como ela tinha descoberto.

- Eu podia estar aqui, Nikolai. Há horas, podia estar aqui, fazendo algo para tirar Mira das mãos desse monstro!

- Motivo pelo qual eu não lhe disse nada - disse amavelmente.

Ela sentia o coração quebrado.

- Você me traiu.

- Fiz isso para protegê-la. Porque te amo.

- Não - disse ela, agitando a cabeça para evitar ser feita de idiota de novo. - Não. Não diga isso. Como pode dizer isso quando usou todas essas palavras para me manter distraída, para me fazer acreditar que realmente se preocupava comigo enquanto você e seus amigos da Ordem faziam planos pelas minhas costas?

- Não foi assim. Nada do que aconteceu entre nós hoje... nada do que eu disse tem a ver com a Ordem. Hoje era você e eu... era sobre nós.

- Grande merda!

Ele estendeu a mão para ela e ela recuou, mantendo-se fora do alcance dele. Ela abriu a porta e saiu do carro, mas ele estava fora do veículo, a seu lado, bloqueando-a com o enorme corpo, tão rápido que ela sequer pôde dar um passo.

- Afaste-se de mim, Nikolai.

- Aonde você vai? - perguntou ele gentilmente.

- Não posso me sentar aqui por mais tempo e não fazer nada - ela deu um passo, mas ele continuava ali. A sutileza desapareceu rápido, substituída por uma firmeza que dizia que ele a manteria amarrada se fosse necessário.

- Não posso deixar que você faça isso, Renata.

- Essa não é uma escolha sua - ela respondeu, tremendo com medo e indignação. - Que droga, nunca foi uma escolha sua!

Ele grunhiu uma maldição e a agarrou.

Renata mal percebeu o que tinha feito até que ele ficou paralisado, segurando a cabeça entre suas mãos. Ele sibilou, seus olhos pulsando brilhos âmbar enquanto lhe dirigia um olhar horrorizado e furioso.

- Renata. Não faça isso.

Ela o atacou de novo, todo seu medo por Mira e sua dor por causa da traição verteram dela uma corrente castigadora de dor mental. Nikolai caiu de joelhos, rugindo e retorcendo-se pela dor que ela tinha desencadeado nele.

Renata se afastou do guerreiro, no bosque, antes que se permitisse ser dissuadida pelo arrependimento crescente dentro de si.


Capítulo 30

A casa estava sob forte armamento, guardada por todos os lados. Era impossível entrar sem ser notado por pelo menos um dos agentes de execução vestidos com roupas parecidas com as da equipe antiterrorista da SWAT. Todos eles ostentavam uma expressão do tipo “atire primeiro e pergunte depois”, desde a escura viseira do capacete preto e dos equipamentos de combate até os rifles automáticos pendurados no corpo.

Graças aos agentes que tinham invadido a casa de Jack na noite anterior, Renata e Nikolai tinham conseguido transporte, uniforme e armas. Ela não tinha a ilusão de que teria a sorte de chegar ao edifício, mas, à primeira vista, vestida como eles, os agentes de plantão podiam pensar que ela era um dos seus.

Ela colocou o capacete que tinha trazido consigo do SUV e fechou o visor colorido. Adotando a melhor postura de soldado que podia, saiu da mata e se aproximou do vampiro que guardava o lado oeste da casa.

O agente a viu imediatamente.

- Henri? Que porcaria você estava fazendo lá fora?

Renata deu de ombros, ergueu o braço bom em um gesto de “vá se ferrar”. Ela não correria o risco de falar com ele, arriscaria no máximo usar sua arma para tirar esse obstáculo do caminho. Mas se o derrubasse, teria toda a segurança em seu traseiro. Não, ela tinha de manter a calma e apenas seguir caminhando na direção dele com a esperança de que ele não abrisse fogo se suspeitasse de algo.

- Qual o problema com você, idiota?

Renata deu de ombros novamente. Chegando mais perto.

Seus dedos coçavam para fazê-lo voar - ele era um alvo fácil ali parado como um tronco, mas o mais leve cheiro de sangue derramado chamaria a atenção de todos os vampiros ao redor. Renata sabia que tinha de aproximar-se o suficiente para alcançá-lo com a mente. Sua única opção era atingi-lo com uma explosão rápida e sólida.

- Ingrato dos infernos. Henri, volte ao seu posto - disse o agente, grunhindo. Estendeu a mão para um pequeno dispositivo de comunicação em seu cinto. - Estou chamando Fabien para denunciá-lo. Se quiser irritá-lo, vá em frente, mas eu não quero fazer parte disso...

Usando todo seu poder, Renata lançou uma descarga selvagem de energia a partir de sua mente e a enviou ao vampiro diante de si. Suas palavras sufocaram com um grunhido e ele caiu como uma pedra. Ela manteve a descarga até que ele ficou em silêncio. Quando estava certa de que ele estava morto, inclinou-se e tirou-lhe a arma e o rádio.

Renata abriu a porta de entrada lateral e deu uma rápida olhada na área interna. Estava vazia. Ela deslizou para dentro, o coração martelando no peito, a respiração ofegante contra a viseira fechada do capacete.

Depois de toda a fúria que ela sentira por Nikolai não ter contado que Mira estava ali com Fabien, agora ela tinha gratidão para com a Ordem pela prova visual da localização da criança. Era tarde demais para saber como tinham ficado as coisas com Nikolai. Tarde demais para se preocupar se deveria ter esperado por ele e por seus companheiros de armas para apoiá-la. Parte dela sabia que tinha sido injusta, mas tinha ido muito longe para voltar.

Ela tomou uma decisão impulsiva e emocional baseada em sentimentos feridos. Foi uma decisão que poderia custar a amizade que tinha com Nikolai - talvez até mesmo seu amor -, mas mesmo já lamentando, aquilo não podia ser desfeito. Nikolai poderia nunca perdoá-la por colocar em risco sua missão e ela entenderia se ele não a perdoasse.

Agora, ela podia apenas rezar para que Mira não pagasse o preço daquilo tudo.

Niko despertou com o zumbido irritante de um celular ao lado de sua cabeça. Ele estava no chão ao lado do veículo. Não fazia ideia de quanto tempo estava ali. O celular vibrou novamente, mexendo na grama e nas folhas secas que se espalhavam pelo chão da floresta. Usou quase toda a sua força para mover a mão e pegar o maldito aparelho. Desajeitadamente, atendeu. Tentou dizer algo, mas apenas conseguiu soltar um grunhido seco.

- Alô - disse ele mais uma vez, forçando seus membros a se arrastarem e se apoiarem na roda dianteira do SUV.

- Niko? - a voz de Rio veio do outro lado do receptor, pesada com a preocupação. - Você parece uma porcaria, hermano. Fale comigo. O que está acontecendo?

- Renata - disse ele, segurando a cabeça nas mãos. – Está enlouquecida...

Rio amaldiçoou.

- Sim, deduzi isso. A culpa é minha, cara. Não sabia que ela não estava a par sobre a menina ter sido levada na noite passada.

- Ela sumiu - Niko disse. Notou que todos os seus sentidos começaram a voltar como se um interruptor em um gerador de energia fosse ligado dentro dele. - Ah! Caramba, Rio.... eu a enfureci e agora ela foi em busca de Mira por conta própria.

- Madre de Dios.

Na outra ponta da linha, Niko ouviu Rio dar a Tegan e aos outros um rápido esboço da situação.

- Isso não é o pior, cara - acrescentou Nikolai, ignorando a dor do tiro em sua cabeça enquanto se levantava do chão e dava uma corrida impressionante para a parte traseira do SUV. - A reunião de Fabien é maior do que pensávamos... Dragos está aqui também.

- Você tem certeza disso?

- Eu vi o desgraçado com meus próprios olhos. Ele está aqui. Nikolai foi pegar as armas automáticas na parte traseira tão rápido quanto seus braços lentos poderiam se mover. Ele cobriu o corpo com fuzis, enfiou uma pistola na parte traseira de seu uniforme roubado do Agente de Execução e outra em um coldre no tornozelo. - A casa está cercada por guardas, então quando vocês chegarem aqui, entrem a pé e se dividam.

- Niko, o que você está fazendo?

Ele não respondeu; sabia que seu velho amigo não gostaria da resposta. Em vez disso, carregava com munição tudo o que pudesse.

- Há dois homens no meio do estacionamento e três na frente. Retire-os primeiro e terão o caminho limpo.

- Nikolai - a voz de Rio era baixa, em forma de advertência. - Hermano, você não está pensando direito agora... não.

- Ela está lá dentro, Rio. Com Dragos, Fabien e sabe Deus quem mais... e ela está sozinha. Eu vou atrás dela.

Rio soltou uma palavra desagradável em espanhol.

- Fique atento. Estamos a dez minutos de distância e estamos acelerando, cara.

Niko fechou a parte de trás do SUV.

- Vou dar uma olhada no entorno.

- Caramba, Nikolai, se essa mulher quer se matar, isso não é problema seu. Nós vamos ajudá-la no que pudermos, mas...

- Ela é minha companheira, Rio - Nikolai soprou uma maldição. - Estamos ligados pelo sangue... e eu a amo. Eu a amo mais do que minha própria vida.

O suspiro do guerreiro soou pesado com compreensão e derrota.

- Suponho que não há necessidade de lhe dizer que você desafiará as ordens diretas de Lucan se for lá agora. Se Dragos está no lugar, isso torna as coisas ainda mais críticas e você sabe disso. Precisamos que você fique onde está e espere por ajuda.

- Não posso fazer isso - respondeu Nikolai.

Ele desligou o telefone e o atirou pela janela do motorista. Então, partiu para encontrar sua mulher.


Capítulo 31

Dragos se permitiu deleitar-se com o temor de seus subalternos quando eles observavam o Antigo preso na cela de raios ultravioleta sendo mostrada na tela. Do assombro de seus rostos – a absorta incredibilidade –, qualquer um pensaria que ele tinha conseguido capturar a luz em uma garrafa. Na verdade, o que tinha conseguido nas últimas décadas era algo ainda maior. Os sete machos da Raça que se reuniram com ele no quarto já o olhavam como um deus justamente por isso. Ele era o arquiteto de uma revolução que iria virar o planeta inteiro de cabeça para baixo. Naquela noite, eles testemunhariam a história e o começo de um futuro que ele tinha projetado pessoalmente.

- Como isso é possível? - alguém murmurou. - Se realmente é um dos Antigos que foi pai de nossa Raça, como sobreviveu à guerra com a Ordem?

Dragos sorriu enquanto andava mais perto da tela.

- Meu pai era um membro original da Ordem... mas foi, em primeiro lugar, o filho dessa criatura. Durante o banho de sangue perpetrado pela Ordem, quando Lucan declarou guerra aos Antigos, meu pai e seu pai alienígena fizeram um pacto. Em troca do poder compartilhado no futuro, meu pai iria escondê-lo até a histeria passar. Infelizmente, depois de fazer sua promessa, meu pai não sobreviveu à guerra. Mas o Antigo sim, como podem ver.

- Então, pretende cumprir o acordo de seu pai com essa... coisa? - Fabien perguntou, sua expressão como a de um cãozinho que acabara de perder o osso para um lobo selvagem.

- O Antigo está totalmente sob meu controle. Ele é uma ferramenta que utilizo quando e como for melhor para mim e para nossa causa.

- Como assim? - perguntou outro homem do grupo.

- Permitam-me dar-lhes uma demonstração.

Dragos caminhou até a porta da sala de conferências. Estalou os dedos para o Caçador que esperava lá fora, então, virou de volta para seus associados conforme o grande Primeira Geração o obedecia.

- Tire a camisa - ele ordenou ao Caçador.

O enorme macho obedeceu em silêncio, desnudando os ombros enormes e o peito sem pelos coberto por uma densa rede emaranhada de glifos. Mais de uma cabeça se voltou para o monitor para comparar as marcas da pele hereditárias da criatura contido dentro da célula ultravioleta.

- Eles têm dermoglifos semelhantes - Fabien engasgou. - Esse macho é da família do Antigo?

- Filho de Primeira Geração, criado com o único propósito de servir à causa - disse Dragos. - Todos os Caçadores de meu exército pessoal são os mais fortes, as armas mais letais do mundo. Eles foram especialmente criados e treinados sob minha orientação. São assassinos e infalivelmente leais a mim.

- Como pode estar certo disso? - perguntou o líder do Refúgio de Hamburgo, um homem sagaz que, sem dúvida, apreciaria a demonstração em tempo real que Dragos tinha em mente.

- Você percebe que o Caçador usa uma coleira. É um dispositivo de monitoramento GPS, mas também está equipado com um laser ultravioleta. Cada Caçador usa uma desde o momento em que começa a andar. Posso acompanhar todos os seus movimentos, localizá-los em um instante. E se me desagradam de qualquer maneira, basta um simples controle remoto para o laser ser ativado e emitir uma luz ultravioleta fina como uma navalha no pescoço do Caçador, cortando sua cabeça – disse Dragos, lançando um olhar significativo ao Caçador rigidamente em pé ao seu lado.

Um ou dois homens na mesa trocaram olhares desconfortáveis.

Foi o alemão quem falou primeiro, os olhos brilhantes.

- O que acontece se o colar for adulterado, ou removido?

Dragos sorriu, não para o alemão, mas para o próprio Caçador.

- Que tal vermos?

Apesar de seu instinto gritar para que entrasse como um ladrão à espreita, Renata caminhou pelo corredor oeste do covil de seus inimigos como se tivesse todo o direito de estar lá. Ela ouviu o baixo ruído de conversa masculina vindo de uma das grandes salas nos fundos. Em outra parte da casa, não havia nada além de calma, até que...

Soluços suaves de uma criança chegavam a partir de uma escada que conduzia ao segundo andar.

Mira.

Renata voou pelos degraus e seguiu os soluços até o final do corredor. A porta do quarto estava trancada pelo lado de fora. Ela passou a mão na parte superior do batente, mas não encontrou chave alguma.

- Maldição – sussurrou, tirando uma de suas lâminas da lateral da calça. Enfiou-a no ponto entre a porta e o batente, bem acima da fechadura, e fez uma alavanca dura. A madeira rachou, afrouxando um pouco. Mais duas vezes e, finalmente, tinha espaço suficiente para abrir. Com agitação e mãos ansiosas, Renata abriu a porta.

Mira estava lá dentro, graças a Deus.

Estava sem véu e assim que olhou para cima e viu a figura vestida de preto entrando na sala, encolheu-se no canto com terror absoluto.

- Mira, sou eu - disse Renata, abrindo a viseira escura. - Está tudo bem agora, querida. Estou aqui para levá-la para casa.

- Rê!

Ajoelhando-se, Renata estendeu os braços. Com um pequeno grito, Mira voou para seu abraço.

- Ah, minha ratinha! - Renata sussurrou, dando beijos aliviados na cabeça loira da garota. - Fiquei tão preocupada com você. Desculpe-me por eu não ter vindo mais cedo. Está tudo bem, querida?

Mira assentiu com a cabeça, os braços pequenos em volta do pescoço de Renata.

- Eu estava preocupada com você também, Rê. Eu estava com medo de nunca mais voltar a vê-la.

- Eu também, querida. Eu também - Renata odiava ter de soltá-la, mas ainda tinha que sair de lá antes que Fabien e seus companheiros chegassem. Ficou de pé, levantando Mira nos braços. - Temos que correr agora. Agarre-se em mim, certo?

Renata ainda não tinha descido dois degraus com a criança quando as explosões rápidas de tiros irromperam de todas as direções em algum lugar fora da casa.

Dragos estava ansioso para demonstrar a beleza tecnológica da coleira de raios ultravioleta que o Caçador usava quando o inferno desabou fora da reunião. Ele disparou um olhar mortal a Edgar Fabien quando o grupo pulou de seus assentos em alarme atordoado.

- O que está acontecendo lá fora? - exigiu de seu anfitrião. - Essa é outra de suas incompetências?

O rosto estreito de Fabien tinha uma sombra pálida.

- Eu... não sei... senhor. Seja o que for, tenho certeza de que meus agentes resolverão.

- Ao diabo seus agentes! - Dragos rugiu. Ele tateou para o rádio e emitiu uma ordem para o motorista levar o barco. Em seguida, olhou para o rosto do Caçador. - Fora, agora. Cuide disso. Mate todos que cruzarem seu caminho.

O Caçador - o soldado altamente treinado, obediente e impecável - apenas ficou ali, imóvel como um pilar de pedra.

- Fora. Eu ordeno!

- Não.

- O quê? - Dragos não podia acreditar em seus ouvidos. Ele sentiu os olhares de seus subordinados fixos nele. Ele podia sentir a descrença deles, a dúvida deles. Um silêncio floresceu, maduro, com a expectativa. - Eu lhe dei uma ordem direta, Caçador. Faça-o, ou vou acabar com você aqui e agora.

Com tiros chegando aos muros da casa, o Caçador teve a audácia de olhar Dragos nos olhos e balançar a cabeça.

- De qualquer forma, estou morto. Se quer que eu lute para que você possa viver, desative o meu colar.

- Como ousa sequer sugerir...

- Está perdendo tempo - disse ele, aparentemente imperturbável com caos crescente à sua volta. - Liberte-me deste colar, seu filho da mãe arrogante.

Nesse momento, um dos fracos vigias de Fabien apareceu correndo pela porta entreaberta.

- Senhor, estamos sendo alvejados por todos os lados. Não podemos ter certeza ainda, mas deve haver um exército na floresta nos cercando.

- Ah! Jesus! - Fabien engasgou. - Vamos todos morrer!

Dragos rosnou em fúria, sem a menor confiança de que os guardas de Fabien pudessem encontrar seus próprios traseiros, muito menos proporcionar uma cobertura adequada para o grupo de machos da Raça de alto escalão que estavam olhando naquele momento para Dragos como seu líder para ajudá-los a fugir. Esperando que ele decidisse se os salvaria ou se deixaria a prometida revolução cair por terra.

- Terminamos por aqui - ele rosnou. - Todo mundo para fora pela porta de trás, para o barco. Sigam-me.

Quando o grupo começou a sair em torno dele, Dragos lançou um olhar ameaçador por cima do ombro para o Caçador. Ninguém disse uma palavra – o ódio mútuo era suficiente para ler em seus olhares quando Dragos pôs a mão no bolso e pegou o dispositivo que controlava a coleira do Caçador e digitou o código que a desativava.

No instante que a coleira se desligou, o Caçador estendeu a mão e a arrancou do pescoço. Então, com um olhar de descrença, de fria determinação, ele caminhou para fora da porta em direção ao caos que se estendia do lado de fora.


Capítulo 32

Nikolai sorriu sozinho quando sua tática de distração criou uma confusão repentina e maciça em todo o complexo. Os Agentes em guarda corriam precipitadamente em pânico total, mais de um recebeu um golpe da explosão de disparos que vinham de todas as direções do bosque. Niko ordenou que uma videira enrolasse os ramos no gatilho de sua última M16 escondida.

Quando a videira fez como as anteriores, segurando o fuzil no alto e aplicando uma pressão cada vez maior no gatilho, o galho verde ficou mais grosso e mais forte, então Niko correu para a entrada lateral da casa.

Não foi difícil encontrar Renata. Seu vínculo de sangue era um farol para ele, levando-o através da parte traseira do lugar para um voo por cima das escadas. Renata estava descendo com Mira apertada nos braços. Ela encontrou o olhar dele e, por um instante infinito, nenhum dos dois disse uma palavra. Nikolai queria dizer como estava arrependido, e como estava aliviado por ela ter encontrado a criança ilesa.

Ele tinha mil coisas que queria dizer a Renata naquele momento, principalmente que a amava e que sempre a amaria.

- Rápido – ele murmurou. - Precisamos sair daqui agora.

- O tiroteio está por toda parte - disse Renata, a preocupação marcando suas feições. - O que está acontecendo?

- Apenas diversão. Tive que criar uma oportunidade para conseguir tirar você daqui.

Ela parecia aliviada, mas só por um segundo.

- Fabien e os outros... Eu os ouvi saindo pelo caminho de trás há alguns minutos.

- Estou trabalhando nisso - Niko disse. - Agora vá. Não pare por nada. Leve Mira de volta para o carro. A Ordem deve chegar a qualquer minuto.

- Nikolai...–disse Renata, olhando Nikolai firmemente, fazendo-o parar na esperança de ouvir o perdão ou uma afirmação de que ela ainda podia amá-lo depois de tudo o que tinha acontecido. Ela prendeu seu olhar, formando um vinco entre as sobrancelhas. - Seja cuidadoso.

Ele ofereceu-lhe um aceno triste, não sentindo o comum aumento de adrenalina que precedia o combate. Aqueles dias pareciam séculos atrás, quando nada mais importava para ele exceto a glória da batalha e o triunfo da vitória, por mais sem sentido que fosse.

Agora tudo importava, sobretudo em se tratando de Renata. Sua segurança e felicidade eram tudo o que importava, mesmo que isso significasse que ele poderia não estar em cena.

- Leve Mira de volta para o carro - disse novamente. - Mantenha a cabeça baixa e cuide-se. Vamos tirá-las daqui.

Ele esperou até que Renata saísse correndo, então foi para a porta dos fundos da propriedade por onde seus inimigos tinham fugido.

A lancha estava parada na doca quando Dragos e os outros correram ladeira abaixo para pegá-la. Ao redor da floresta e até perto da casa, os agentes de Fabien mexiam-se como formigas que tinham acabado de perder a casa. Tiros iluminavam a noite de modo tão enlouquecido que era impossível dizer quais rajadas vinham dos aliados e quais dos aparentes intrusos.

Tudo que Dragos sabia era que não ficaria para enfrentar a Ordem ou esperar que alguém o derrubasse.

Quando ele e seu grupo começaram a subir no barco, Dragos colocou-se no caminho de Edgar Fabien.

- Não há espaço a bordo para você - disse para o líder do Refúgio de Montreal. - Você nos prejudicou bastante com sua idiotice. Você fica aqui.

- Mas... senhor, eu... por favor, posso garantir que não vou decepcioná-lo novamente.

Dragos sorriu, mostrando as pontas de seus dentes.

- Não, você não vai.

Dizendo isso, levantou uma pistola 9 mm e disparou um tiro mortal direto entre os olhos redondos de Fabien.

- Vamos! - ordenou ao condutor do barco, Edgar Fabien completamente apagado quando o motor rugiu e a embarcação os levou até o hidroavião que esperava na outra extremidade do lago.

Ele chegou tarde demais.

Niko encontrou alguns Agentes em seu caminho até o lago, mas quando chegou lá, a lancha não passava de uma agitação na água. Nikolai disparou alguns tiros atrás deles, mas estava apenas perdendo balas. O cadáver de Edgar Fabien jazia na doca de madeira. Dragos e os outros já estavam do outro lado do lago naquele momento.

- Maldição.

Alimentado pela fúria e pela determinação, Nikolai começou a se movimentar ao longo da costa, recorrendo à velocidade sobrenatural que todos os da sua espécie possuíam quando precisavam. O barco era rápido, mas a água estava cercada de terra. Em algum ponto Dragos e seus companheiros teriam de desembarcar e pegar outro meio para terminar a fuga. Com alguma sorte, Niko poderia alcançá-los antes que fugissem.

Ele não sabia quão longe estavam - um quilômetro, provavelmente – quando, de repente, seu peito congelou de medo.

Renata.

Algo estava errado. Terrivelmente errado. Ele podia sentir as emoções de Renata como se fossem suas. Ela, a corajosa e imperturbável Renata, agora estava morrendo de medo.

Ah! Cristo! Se alguma coisa acontecesse com ela...

Não. Ele não podia sequer pensar nisso.

Com todos os pensamentos sobre Dragos deixados de lado, Nikolai virou e continuou em alta velocidade, rezando para chegar a tempo.

Ela não tinha visto o vampiro enorme vindo.

Em um minuto estava cortando o mato escuro com Mira firme em seus braços e, no minuto seguinte, viu-se olhando para o rosto implacável e para os impiedosos olhos dourados de um macho da Raça, cujo imenso torso nu, ombros e braços estavam cobertos por um espesso padrão de dermoglifos.

Era um Primeira Geração; Renata soube instintivamente. Seus instintos também diziam que aquele macho era mais letal do que a maioria, frio como pedra.

Um assassino.

O terror a cobriu como uma maré negra. Ela sabia que se o atacasse era melhor ter certeza de que poderia matá-lo rapidamente, ou então ela e Mira seriam mortas no mesmo instante. Não se atreveu a tentar quando Mira podia sofrer caso ela falhasse.

Santa Mãe de Deus, chegar tão longe, finalmente ter Mira em seus braços, a poucos passos da liberdade... e agora... Jesus Cristo!

- Por favor - Renata murmurou, desesperada para atrair a mais leve misericórdia. - A criança não. Deixe-a ir... por favor, deixe a criança, não lhe faça mal...

O silêncio do vampiro era irritante. Mira tentou levantar a cabeça do ombro da amiga, mas Renata gentilmente a empurrou de volta para baixo, não querendo que ela se assustasse com o mensageiro da morte que, sem dúvida, tinha sido enviado por Edgar Fabien ou por Dragos. Ou pelo próprio Diabo em pessoa, maldito seja.

- Vou colocá-la no chão - Renata disse a ele, sem ter certeza de que ele a compreendia e que muito menos concordaria. - Apenas... deixe a criança ir. Sou eu quem você quer, não ela. Apenas eu.

Os olhos de falcão dourado seguiam cada movimento de Renata enquanto ela cuidadosamente tirava Mira dos braços e lentamente colocava os pés da menina no chão. Renata colocou-se entre o assassino e a criança, rezando para que a morte dela fosse suficiente para satisfazer ao assassino e ao seu mestre do mal.

- Rê, o que está acontecendo? - Mira perguntou por trás de suas pernas, as mãos pequenas segurando-lhe as calças enquanto olhava ao seu redor. - Quem é esse homem?

O vampiro deixou seu olhar de pedra viajar até a origem daquela voz minúscula. Ele olhou. Sua cabeça raspada virou lentamente para o lado. Então, ele fez uma careta.

- Você - disse ele, com uma voz tão profunda que estremeceu todo o caminho até a medula Renata. Algo sombrio passou em seu rosto. - Deixe-me vê-la.

- Não - declarou Renata, segurando Mira atrás de si e bloqueando-a como um escudo. - Ela é apenas uma criança. Não fez nada contra você ou qualquer outra pessoa. Ela é inocente.

Ele lançou a Renata um olhar tão feroz que quase a derrubou.

- Deixe-me ver os olhos dela.

Antes que pudesse recusar mais uma vez, antes que pudesse pensar em alguma forma de pegar Mira e fugir o mais rápido possível, Renata sentiu Mira dar um passo para sair detrás de sua proteção.

- Mira, não.

Tarde demais para interromper o que aconteceria. Renata só pôde olhar com terror quando Mira caminhou direto para fora e olhou para cima, subindo para o duro olhar do letal vampiro Primeira Geração.

- Você... - disse ele novamente, olhando para o doce rosto de Mira.

Renata poderia dizer o momento em que começou a testemunhar o presente de Mira. Os olhos dourados dele ficaram tempestuosos, e ele olhava, absorto, enquanto a criança mostrava seu futuro. Ele chegou mais perto, muito perto, até que os braços maciços poderiam atacar e quebrar Mira inadvertidamente.

- Não... - ela deixou escapar, mas ele já estava chegando até Mira.

- Está tudo bem, Rê - Mira sussurrou, em pé diante do vampiro, tão inocente como uma criancinha que vagava na cova dos leões.

E foi então que Renata percebeu que algo de extraordinário estava para acontecer.

- Você me salvou - ele sussurrou, com as mãos enormes nos pequenos ombros de Mira. O vampiro se ajoelhou, ficando no nível da criança. Quando ele falou, a voz letal estava tranquila, com espanto e confusão. - Você salvou minha vida. Eu vi isso, agora, em seus olhos. Vi naquela noite também...


Capítulo 33

O coração de Nikolai congelou dentro de seu peito, um crescente pânico, medo transformado em gelo. Com o tiroteio ainda em erupção na área, ele tinha dado uma volta pela floresta até o lugar onde seu sangue tinha mostrado que encontraria sua Companheira apavorada.

Renata estava lá. Na escuridão da floresta banhada pela luz da lua, imóvel como uma estátua e olhando um imenso vampiro Primeira Geração agachado diante de Mira, segurando a criança com suas enormes mãos.

Jesus Cristo.

Niko moveu-se silenciosamente, rastejando para se aproximar e tentar encontrar uma posição em que poderia atirar sem colocar Renata ou a menina no fogo cruzado.

Ataque-o com uma onda, Renata. Faça-o cair e corra como se estivesse correndo do diabo.

Ela não lançou o poder mental sobre ele. Ela não tentou contrair um dedo na direção de qualquer uma de suas armas, psíquica ou não. Não, para o horror de Niko, ela não moveu sequer um dedo. Apenas ficou ali, no centro do que rapidamente se transformaria em uma tempestade infernal de sangue e violência.

O próprio medo de Niko naquele momento era insondável. Tudo o que ele sentia era o terror rasgando-o por dentro, seus ossos congelados, um desespero tão selvagem dentro do coração que batia como um tambor no peito.

Ele tirou as pistolas 9 mm de seus coldres laterais e avançou. Embora estivesse se movendo a um ritmo que apenas alguém da Raça poderia controlar, Renata olhou para cima. Ela o sentiu ali, movendo o ar ao seu redor, mesmo que os olhos não conseguissem registrar a velocidade. O sangue dele nela lhe disse que seu macho estava perto, assim como o seu sangue correndo nele sempre o faria encontrá-la.

Ele estava muito consumido pela raiva para notar que ela olhava para ele com alarme e não para o inimigo vampiro que enfrentava.

Nikolai avançou como um flash, totalmente preparado para matar. Ele parou logo atrás do grande Primeira Geração, as duas pistolas apertadas contra os glifos que seguiam até a parte traseira do crânio raspado do vampiro.

Tudo aconteceu em um piscar de olhos, mas parecia em câmara lenta na consciência de Nikolai.

Ele apontou as armas, os dedos nos gatilhos.

Os olhos de Renata se abriram. Ela balançou a cabeça.

- Niko, espere... não!

O Primeira Geração soltou Mira, deixando as grandes mãos caírem ao seu lado. Ele nem sequer reagiu às armas apontadas em sua cabeça. Seu peito expandiu quando puxou uma respiração longa, então deixou o ar sair em um suspiro resignado.

Ele não estava lutando contra sua morte.

Ele não se importava se morresse.

E então Mira gritou, a voz da criança alta com o medo.

- Não! Não o machuque!

Nikolai assistiu incrédulo e com espanto total quando Mira jogou seus braços em torno dos ombros largos do Primeira Geração.

- Por favor, não o machuque! - ela chorou, olhando para Niko, suplicando-lhe enquanto tentava proteger o vampiro com seu corpo minúsculo.

- Nikolai - Renata prendeu seu olhar quando ele a olhou, incrédulo, as duas pistolas de grande porte ainda armadas e prontas, niveladas na cabeça do Primeira Geração. - Nikolai... por favor, está tudo bem. Espere.

Ele franziu a testa, mas sua atitude guerreira relaxou um pouco.

- Levante-se - ordenou ao vampiro.–Levante-se e afaste-se da criança.

O Primeira Geração obedeceu sem qualquer comentário, lentamente, soltando os braços de Mira do seu pescoço e empurrando-a para longe enquanto levantava.

Niko se moveu para enfrentá-lo, as armas ainda sobre ele, quando orientou tanto Renata quanto Mira a ficar atrás dele.

- Quem diabos é você?

Os olhos sóbrios, inexpressivos, fitaram a terra.

- Chamam-me de Caçador.

- Você não é um Agente - disse Nikolai, cautelosamente.

- Não. Eu sou um Caçador.

Renata levou Mira para perto, segurando-a enquanto o caos na floresta e na casa lentamente morria em torno deles.

- Seus olhos, Nikolai - disse ela, entendendo agora. - Ele é o assassino que tentou matar Sergei Yakut naquela noite. Foi ele quem Mira viu no retiro de Yakut.

A expressão de Nikolai escureceu.

- É verdade? Você é um assassino de aluguel?

- Eu era - o Caçador deu um aceno triste e, finalmente, levantou o olhar. - A criança me salvou... Algo mudou em mim depois que eu vi a visão nos olhos dela naquela noite. Eu a vi salvar minha vida, exatamente como aconteceu há pouco.

No instante seguinte, a floresta ganhou vida com homens armados se deslocando sobre eles de todas as direções. Nikolai tinha as armas na mão, mas não fez nenhum movimento para disparar sobre as ameaças recém-chegadas. Renata entrou em pânico.

- Ah, merda. Niko...

- Está tudo bem - ele a acalmou com um olhar tranquilizador e algumas palavras gentis. - Estes são os mocinhos, meus amigos da Ordem.

Ela observou quando quatro dos guerreiros amigos de Nikolai entraram na área. Todos eram formidáveis no tamanho e na atitude, um grupo de músculos e de força que parecia sugar todo o ar da floresta pela simples presença dele.

- Como vai, hermano? Tudo bem aqui? - perguntou a voz suave que agora Renata reconhecia como pertencente a Rio.

Nikolai assentiu com a cabeça, os olhos e armas ainda apontadas na direção do Primeira Geração.

- Tenho tudo sob controle, mas a situação na casa está arruinada. Edgar Fabien está morto e Dragos e os outros fugiram pela costa. Foram de barco para o outro lado do lago. Tentei segui-los, mas... - olhou para Renata. - Tinha que me assegurar de que tudo estava bem por aqui primeiro.

- Nós ouvimos o zumbido de um motor de avião pequeno quando chegamos - disse Rio.

- Droga - Nikolai sussurrou. - Eram eles, sem dúvida. Fugiram. Diabos, Dragos estava aqui e nós perdemos o filho da mãe maldito.

- Deixe-me ajudar a encontrá-lo.

Todos os olhos se voltaram para o vampiro ainda detido na mira de Nikolai.

- Por que confiaríamos em você? - Nikolai perguntou, estreitando o olhar. - Por que estaria disposto a nos ajudar a colocar as mãos em Dragos?

- Porque ele é a pessoa que me criou - não havia calor no tom dourado dos olhos do Primeira Geração assassino quando respondeu à pergunta, apenas ódio gelado. - Ele me fez o que sou. Eu e todos os outros Caçadores criados por ele para matar.

- Ah, meu Deus! - Renata respirou. - Você quer dizer que há outros como você?

A cabeça raspada do Caçador acenou sobriamente.

- Não sei quantos nem onde estão, mas Dragos me disse que não sou o único de minha espécie. Há outros. Muitos outros.

- Por que devemos acreditar em você? - perguntou outro dos guerreiros, quase tão sombrio quanto a noite ao seu redor, seus dentes e presas brilhando como pérolas contra sua pele morena.

Outro guerreiro interveio, então, de olhos rápidos e sagazes, astuto como um lobo sob os pontos de ébano de seus cabelos cortados.

- Deixe Tegan nos dizer se podemos confiar nele.

Renata assistiu com espanto e um pouco de medo quando o maior do grupo, um guerreiro que parecia um fantasma perseguindo as sombras, deu alguns passos a frente. Imenso, com cabelos alourados sob o capuz preto de malha que usava, ele era um grande bloco de músculos másculos e energia sombria. Facilmente tão grande quanto o Primeira Geração diante dele, esperando seu julgamento.

Sem dizer nada, o guerreiro chamado Tegan estendeu sua enorme mão. O Caçador a pegou, seus olhos tão constantes quanto seu aperto.

Após um longo momento, Tegan deu um aceno vago.

- Ele vem com a gente. Vamos lacrar este lugar e dar o fora daqui.

Renata sentiu o enorme peso da tensão do momento ser removido, dando lugar a um novo propósito. O grupo se dividiu, a maioria dos guerreiros indo cuidar das coisas na casa de Fabien enquanto Rio e Nikolai andavam com Renata, Mira e seu companheiro inesperado de volta ao veículo à espera da Ordem.

Já perto, Nikolai pegou a mão de Renata.

- Encontramos você lá, Rio.

O guerreiro assentiu. À medida que avançavam, Renata olhou maravilhada e atemorizada quando Mira deslizou sua mão muito pequena na palma maior do Caçador.

- Meu Deus - disse ela a Nikolai. - O que está acontecendo?

Ele balançou a cabeça, claramente surpreso como ela.

- Vou levar algum tempo para descobrir isso, acho. Mas primeiro quero esclarecer as coisas entre nós.

- Nikolai, desculpe-me.

Ele a silenciou com um beijo longo e doce, puxando-a em seus braços quentes e musculosos.

- Eu estraguei tudo, Renata. Eu estava com tanto medo de perder você que a empurrei para longe de mim com uma mentira, fui um estúpido imprudente! Eu nunca me perdoaria se alguma coisa acontecesse com você ou Mira. Você é meu coração, Renata. Minha vida - ele acariciou-lhe o rosto, seu olhar a engolindo inteira. - Eu te amo tanto... Não quero viver um só momento sem você ao meu lado.

Ela fechou os olhos, dominada pela emoção.

- Eu nunca quis nada mais - ela sussurrou, sua garganta fechada com alegria. - Eu também te amo, Nikolai. Mas tem que entender que venho com um pacote agora. Mira não é minha filha de sangue, mas é de coração. Eu a amo como se fosse minha.

- Eu sei - disse sobriamente. - Você já provou isso.

Renata olhou para ele, incapaz de conter a esperança que se espremia em seu peito.

- Você acha que pode encontrar espaço em sua vida e em seu coração para nós duas?

- O que a faz pensar que eu já não tenha feito isso?–ele a beijou novamente, dessa vez com ternura. Quando olhou nos olhos dela, seu olhar era tão cheio de amor que lhe varreu o fôlego. - Vamos dar o fora daqui agora. Quero levar minhas garotas para casa.


Capítulo 34

Boston. Três noites depois.

O complexo da Ordem pareceu muito diferente para Nikolai quando ele andou pelo corredor que conduzia ao laboratório de tecnologia onde tinha se reunido com os outros guerreiros. A missão de capturar Dragos sofrera um golpe significante há algumas noites, mas também tinham ganhado uma vantagem muito inesperada na sua busca e encerramento da operação.

Infelizmente, embora o Caçador tivesse se tornado um valioso aliado, a Ordem também tinha perdido um membro crucial e confiável amigo: Andreas Reichen tinha sumido completamente e a notícia de Berlim era a pior possível. Ninguém sabia se o líder do Refúgio alemão tinha sobrevivido ao ataque em sua residência. Baseado na matança de toda sua família e no fogo que consumira a propriedade inteira, a Ordem tinha poucas esperanças de encontrar o amigo vivo.

Pessoalmente, Nikolai pensou que seria consolador para Reichen se ele tivesse morrido no ataque. Ele sabia que uma perda tão profunda jamais poderia ser superada. Certamente nenhum homem, da Raça ou não, seria forte o suficiente para sair ileso de um golpe tão brutal na alma. Como um guerreiro, Nikolai entendia baixas em combate. Todo guerreiro entrava na batalha sabendo que ele ou seus irmãos podiam não retornar para a base. Mas perder uma família...

Ele não queria nem mesmo considerar o que isso faria com um homem. Em vez disso, Nikolai se concentrou nas bênçãos que tinha, uma das quais podia ser ouvida falando baixinho quando ele se aproximou da porta aberta de seus aposentos.

Renata estava lá dentro, sentada no sofá da sala, lendo para Mira.

Por um momento, quando Niko aproximou-se da entrada, encostou-se na soleira da porta, simplesmente ouvindo e deleitando-se com a visão da bela mulher que agora era sua Companheira. Ele adorava ver como Renata ficava tão confortável com um livro quanto segurando uma arma. Ela tinha uma suavidade que ele admirava, uma inteligência que o desafiava continuamente e uma força interior que o fazia procurar ser um homem digno de sua devoção.

Não era nada mal também que ela fosse mais quente do que o inferno, sobretudo quando ela estava com o olhar na sua 9 mm ou treinando com suas adagas queridas no centro de treinamento. Kade e Brock tinham estado quase permanentemente na sala de armas nos últimos dias, só pela possibilidade de treinar com Renata ou olhá-la em ação. Nikolai não podia culpá-los. Mas quando sentiu o beliscão leve do ciúme, bastou um olhar malicioso de sua mulher para colocá-lo à vontade. Ela o amava e Nikolai era o macho mais sortudo do planeta.

- Oi - disse, olhando enquanto virava a última página de um capítulo e parava para cumprimentá-lo.

- Olá, Niko - Mira sussurrou sob o véu curto. - Você acabou de perder uma parte muito boa da história.

- Mesmo? Talvez eu possa convencer Renata a ler para mim mais tarde - disse ele, enviando um olhar aquecido para sua Companheira quando entrou na sala. Ele caminhou até o sofá e se agachou na frente de Mira. - Tenho algo para você.

- Sério? - o rosto dela se iluminou com um pequeno sorriso. - O que é?

- Uma coisa que pedi a Gideon para você. Tire seu véu, e vou lhe mostrar.

Ele não perdeu o olhar protetor de Renata quando Mira afastou o tecido preto para longe do seu rosto.

- O que é?

- Tudo bem - disse ele, tirando uma pequena caixa de plástico do bolso da calça jeans. - Você pode confiar em mim. Ambas podem confiar em mim.

Renata relaxou, e olhou quando Nikolai retirou a tampa de um recipiente de lentes de contato.

- Estas são as lentes especiais que Gideon acha que vão ajudar com seus olhos. Você gostaria de nunca mais usar o véu de novo?

Mira concordou com entusiasmo.

- Deixa eu ver, Niko!

- Que tipo de lentes são essas? - Renata perguntou, cautelosamente otimista.

- Íris opacas para proteger o efeito de espelhamento dos olhos de Mira. Ela será capaz de ver através delas, mas ninguém que olhar para ela vai notar nada de incomum sobre os olhos. Suas íris serão cobertas, da mesma forma que o véu cobre. Eu pensei que seriam melhores.

Renata acenou, sorrindo calorosamente para ele.

- Muito melhor. Obrigada.

- Posso experimentá-las? - Mira perguntou, ansiosamente olhando a pequena caixa nas mãos de Niko. - Olha, Rê, são roxas!

- Essa é sua cor favorita - disse ela, jogando um olhar interrogativo sobre Nikolai.

Ele tinha mudado muito nos últimos dias, empreendendo um papel que nunca se imaginou, sem falar no fato de se ajustar tão confortavelmente nele. Ele era um macho com laço de sangue com uma Companheira de Raça que o amava e uma criança para criar como sua. E ele apreciou as duas ideias.

Ele, um dissidente e imprudente, tinha uma família própria agora. Era incompreensível para ele, para não mencionar para o resto do complexo. Era a última coisa que sonhou que queria ou precisava e agora, apenas alguns dias depois, não poderia ver sua vida de outra maneira.

Seu coração nunca se sentiu tão completo.

- Deixe-me ajudá-la com isso - disse Renata, pegando as lentes das mãos de Niko com cuidado e colocando-as em Mira. Quando estavam no lugar há alguns segundos e o talento da criança não se manifestou, Renata sorriu. - Ah, meu Deus. Funcionou, Nikolai! Olhe para ela. As lentes funcionam perfeitamente.

Ele olhou para as piscinas violeta nos olhos alterados de Mira e viu... nada. Apenas o feliz e despreocupado olhar de uma criança.

Renata jogou os braços em volta dele e o beijou. Mira estava bem atrás dela e Niko pegou as duas em um sincero abraço.

- Há mais - disse, esperando que gostassem do resto da sua surpresa. Ele se levantou e pegou cada uma delas pela mão. - Venham comigo.

Ele as levou pelo corredor até o elevador que subia da sede subterrânea para a enorme mansão que ficava no piso acima. Ele podia sentir a apreensão de Renata pelo modo como ela apertava-lhe a mão grande e pela adrenalina que lhe corria na corrente sanguínea.

- Não se preocupe - ele sussurrou na orelha dela. -Você vai gostar, eu prometo.

Pelo menos, ele esperava que sim. Ele tinha trabalhado naquilo durante um dia e meio, tentando fazer tudo certo. Ele guiou Renata e Mira ao coração da propriedade, em direção à luz de velas e ao calor da sala de jantar formal. Os aromas de pão e carne assada os receberam. Niko não tinha apreço por comida humana, mas as Companheiras de Raça que viviam no lugar certamente tinham e, a julgar pela aparência das duas mulheres caminhando ao seu lado, elas também.

O espanto brilhou nos olhos de Renata.

- Você fez o jantar?

- Claro que não. Acredite em mim, sou a última pessoa que você iria querer para preparar suas refeições. Pedi alguns favores a Savannah, Gabrielle e as outras mulheres. Seu estômago está em muito boas mãos.

- Mas eu estive com todas elas mais cedo hoje e ninguém disse nada sobre isso.

- Eu queria fazer uma surpresa. Elas queriam surpreendê-la, também.

Renata não disse mais nada, mas ele não pôde deixar de notar que seus passos diminuíam ao chegar mais perto da sala de jantar. Mira, no entanto, pulava com entusiasmo. Assim que chegaram à porta de entrada em arco, ela soltou-se de Niko e correu a mil por hora como se tivesse vivido lá toda sua vida.

Mas Renata, não.

Ela ficou em silêncio e imóvel. Olhou para a mesa cheia de pratos de porcelana e enfeites finos e suspirou levemente. Não disse uma palavra sequer quando olhou para o rosto dos guerreiros e de suas Companheiras de Raça, todos de pé dando-lhe boas-vindas quando ela e Nikolai pararam na porta.

- Ah, Santo Deus! - ela finalmente sussurrou, sua voz quebrada e crua.

Niko a seguiu quando ela recuou, voltando pelo corredor.

Maldição. Ele estava tão certo de que ela desfrutaria de um agradável jantar com todos, mas é óbvio que estava errado.

Quando falou com ele, sua voz estava embargada pela emoção.

- Todo mundo está esperando lá dentro... por nós?

- Não se preocupe com isso - disse ele, puxando-a para seus braços fortes. - Eu queria fazer algo especial para você e estraguei tudo. Sinto muito. Você não tem que fazer isso.

- Nikolai - ela olhou para ele, os olhos brilhantes marejados. - Eu nunca vi nada mais bonito do que aquela mesa, com todos ao redor, em toda a minha vida.

Ele franziu a testa, bastante confuso agora.

- Então, o que está errado?

Ela balançou a cabeça, engolindo um riso estrangulado.

- Não há nada de errado. Nada de errado em nada. Estou tão feliz! Você me faz tão imensamente feliz. Tenho medo desse sentimento. Eu nunca soube o que era e eu estou morrendo de medo que seja apenas um sonho.

- Não é um sonho - disse ele suavemente, acariciando-lhe uma lágrima perdida que deslizava assertivamente pelo rosto macio. - E você pode se segurar em mim se sentir medo. Vou estar ao seu lado enquanto você quiser.

- Para sempre - disse ela, sorrindo para ele.

Nikolai assentiu.

- Sim, meu amor. Para sempre.

O sorriso exultante de Renata explodiu em sua boca. Ela beijou Nikolai forte e, em seguida, caminhou com ele sob o abrigo daquele braço forte para se juntar aos outros. Para se juntar ao resto da sua família.

 

 

                                                                                                    Lara Adrian

 

 

 

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