Capítulo vinte e quatro
As palavras de Lucan —e todas as coisas incríveis que lhe havia dito— ainda lhe ressonavam nos ouvidos enquanto saía debaixo da água da ducha do banho. Fechou o grifo e se secou com a toalha, esperando que a água quente lhe tivesse aliviado parte da dor e a confusão que sentia. Havia muitas coisas com as que devia enfrentar-se, e a menor delas não era o fato de que Lucan não tivesse nenhuma intenção de estar com ela.
Tentou dizer-se a si mesmo que não lhe tinha feito nenhuma promessa, mas isso somente o fazia sentir-se mais tola. Ele nunca lhe tinha pedido que pusesse seu coração aos seus pés; tinha-o feito ela sozinha.
Aproximou-se do espelho que ocupava todo o largo da parede do lavabo e se apartou o cabelo para olhar com atenção a marca de nascimento carmesim que tinha debaixo da orelha esquerda. Melhor dizendo, a marca de companheira de raça, corrigiu-se a si mesmo, enquanto observava a pequena lágrima que parecia cair na terrina da lua crescente.
Por alguma retorcida ironia, essa pequena marca no pescoço a unia ao mundo de Lucan e, apesar disso, era o mesmo que lhe impedia de estar com ele.
Possivelmente ela representava uma complicação que ele não queria ou não necesitava, mas o fato de haver-se encontrado com ele tampouco tinha feito que sua vida fora uma festa.
Graças a Lucan, ela se tinha metido em uma sangrenta guerra que havia parecer com os violadores em grupo uns fanfarrões de pátio. Ela tinha abandonado um dos melhores apartamentos do Beacon Hill, e ia perde-lo se não voltava e a trabalhar para pagar as faturas. Seus Amigos não tinham nem idéia de onde estava, e dizer-lhe nesse momento poria, provavelmente, suas vidas em perigo.
Para cúmulo de tudo isso, havia-se meio apaixonado por mais escuro e mortífero deles, o homem mais fechado emocionalmente que tinha conhecido.
Que, além disso, resultava ser um vampiro chupador de sangue.
E, que diabos, já que estava sendo sincera consigo mesma, não estava meio apaixonada por Lucan. Estava completa, inteira, perdidamente e sem poder superá-lo na vida apaixonada por ele.
—Bem feito —disse a seu miserável reflexo.
— Malditamente brilhante.
E Apesar de tudo o que lhe havia dito, não havia nada que desejasse mais que ir para lhe buscar ali onde estivesse no complexo e envolver-se com seus braços, o único lugar onde tinha encontrado algum consolo.
Sim, como se precisasse acrescentar a humilhação em público a humilhação íntima com que tentava enfrentar-se nesse momento. Lucan o tinha deixado muito claro: o que pudessem ter tido os dois —se é que houvesse tido verdadeiramente algo que estivesse além do físico—, terminou-se.
Gabrielle voltou para seu dormitório, recuperou sua roupa e seus sapatos e se vestiu depressa, desejosa de estar fora dos aposentos pessoais de Lucan antes de que ele voltasse e ela fizesse alguma coisa verdadeiramente estúpida. Bom, corrigiu-se ao ver os lençóis enrugados por haver feito amor, alguma coisa ainda mais estúpida.
Com a idéia de ir procurar a Savannah e, possivelmente, tentar encontrar um telefone fora do complexo —já que Lucan não o havia parecido adequado lhe devolver o celular— Gabrielle se escapuliu do dormitório. O pesseio resultava confuso, sem dúvida por causa de seu traçado, assim fez uns quantos giros errôneos até que finalmente reconheceu onde se encontrava. Estava perto das instalações de treinamento, a julgar pelo agudo som dos disparos contra os alvos.
afastou-se de uma esquina e se viu detida repentinamente por uma rígida parede coberta de pele e armas que se encontrava em seu caminho.
Gabrielle olhou para cima, e um pouco mais para cima, e se encontrou com uns olhos verdes e desconfiados que a olhavam com uma arrepiante expressão ameaçadora. Esses olhos frios e calculadores se cravaram nela desde detrás de uma cascata de cabelo avermelhado, como um gato que aconchega e valora a sua presa. Gabrielle tragou saliva. Um perigo evidente eemanava do corpo grande desse vampiro e da profundidade de seus olhos de depredador.
«Tegan.»
O nome desse macho desconhecido lhe veio a cabeça, o único dos seis guerreiros do complexo a quem ainda não tinha conhecido.
O mesmo com quem Lucan parecia compartilhar um mútuo e mau dissimuladou desprezo.
O guerreiro vampiro não se separou de seu caminho. Nem sequer reagiu quando ela teve se chocado contra ele, exceto pela ligeira careta que dava com os lábios quando seus olhos encontraram os peitos dela Aplastados contra a superfície de duro músculo justo debaixo do peito. Levava umas doze armas e essa ameaça se via reforçada por uns noventa quilogramas de músculo.
Ela deu um passo para trás e logo se fez a um lado para ficar em um lugar seguro.
—Sinto muito. Não me tinha dado conta de que estava aqui.
Ele não disse nenhuma palavra, mas ela sentiu como se tudo o que lhe estava acontecendo tivesse ficado exposto e visível ante ele em um instante: no instantâneo contato do corpo dela contra o dele. Ele a olhou com uma expressão gelada e desprovida de emoção, como se pudesse ver através dela. Embora não disse nada e não expressou nada, Gabrielle se sentiu diseccionada.
sentiu-se... invadida.
—Perdão —sussurrou.
No momento em que se moveu para passar de comprimento, a voz do Tegan a deteve.
—Né. —Sua voz era mais suave do que tivesse esperado; uma voz profunda, escura e áspera. Contrastava de forma peculiar com a desnudez do olhar, que não se moveu nem um milímetro,
— Faça um favor a você mesma e não te aproxime demasíado de Lucan. Há muitas posibilidades de que esse vampiro não viva muito mais tempo.
Disse-o sem rastro de emoção na voz, foi somente a plana constatação de um fato. O guerreiro passou por seu lado e levantou uma brisa atrás dele impregnada de uma apatia fria e perturbadora que lhe penetrou até os ossos.
Gabrielle se deu a volta para lhe olhar, mas Tegan e sua inquietante predição tinham desaparecido.
Lucan comprovou o peso de uma brilhante nove milímetros com a mão e logo levantou a arma e realizou uma série de disparos contra o alvo que se encontrava ao outro extremo da zona de tiro.
Apesar de que era agradável encontrar-se no terreno conhecido das ferramentas de seu ofício e sentir o sangue fervendo, a ponto para uma briga decente, uma parte dele continuava divagando sobre o encontro com Gabrielle. Apesar de tudo o que havia dito para aparta-la dele, tinha que admitir que se afeiçoou profundamente dela.
Quanto tempo acreditava ser capaz de continuar com ela sem render-se? Ou mais exatamente, como acreditava que seria capaz de suportar a idéia deixa-la partir? De mandá-la longe com a idéia de que ela se emparelharia com outro?
As coisas se estavam pondo indevidamente muito complicadá.
Deixou escapar uma maldição. Disparou outra série de balas e desfrutou com o estrondo do metal quente e com o aroma azedo no peito do alvo ao explodir por causa do impacto.
—O que pensa? —perguntou-lhe Nikolai, lhe olhando com seus olhos frios, limpos e cintilante.
_ Uma peça pequena e doce, não? Endiabradamente sensível, além disso.
—Sim. É agradável. Eu gosto. —Lucan pôs o fecho de segurança e jogou outra olhada a sua pistola.
— Uma Beretta 92FS convertida em automática com carregador. Bom trabalho, tio. Verdadeiramente bom.
Niko sorriu.
—Não te falei que as balas que vão levar os meninos. Hei trocado as pontas ocas de policarbonato das balas. tirei a pólvora das pontas e a substituí por pó de titânio.
—Isso deve provocar um horrível desastre no sistema sangüíneo desses chupões —acrescentou Dê, que se encontrava sentado no bordo de uma vitrine de armas afiando umas facas.
Sem dúvida, o vampiro tinha razão a respeito. Nos velhos tempos, a forma mais limpa de matar a um renegado consistia em separar a cabeça do corpo. Isso funcionava bem quando as espadas eram a arma habitual, mas a tecnologia moderna tinha apresentado novos desafios para ambos os bandos.
Não foi até princípios de 1900 quando a raça descobriu o efeito corrosivo do titânio no sistema sangüíneo sobreactivo dos vampiros renegados. Devido a uma alergia que tinha aumentado por causa de mudanças celulares no sangue, os renegados reagiam ao titânio como um efervescente reage em contato com a água.
Niko tomou a arma de Lucan e lhe deu uns golpezinhos, como se fora um prêmio.
—O que tem aqui é um autêntico destruidor de renegados.
—Quando podemos prová-la?
—Que tal esta noite? —Tegan tinha entrado sem fazer ruído, mas sua voz atravessou a habitação como o rugido de uma tormenta.
—Refere a esse lugar que encontrou perto do porto? —preguntóu Dante.
Tegan assentiu com a cabeça.
—Provavelmente seja uma guarida que albergue possivelmente a uma dúzia de indivíduos, mais ou menos. Acredito que ainda estão verdes, acabam de comverter-se em renegados. Não será muito difícil acabar com eles.
—Faz bastante tempo que não fazemos uma batida para limpar uma casa —comentou Rio, arrastando as palavras e com um amplo sorriso de satisfação.
— Me parece que será uma festa.
Lucan devolveu a arma a Nico e olhou ao outros com o cenho franzido.
—por que diabos me acabo de inteirar disto agora?
Tegan lhe olhou com expressão categórica.
—Tem que te pôr um pouco ao dia, tio. Enquanto você estava encerradou com sua fêmea durante toda a noite, nós estávamos acima fazendo nosso trabalho.
—Isto foi um golpe baixo —disse Rio.
— Inclusive vindo de você, Tegan.
Lucan recebeu o golpe com um silêncio calculado.
—Não, tem razão. Eu deveria ter estado aí acima me ocupando do trabalho. Mas tinha que me encarregar de algumas coisas aqui embaixo. E agora já terminei. Já não vão ser um problema nunca mais.
Tegan lhe dirigiu um sorrizinho de suficiência.
—De verdade? Porque tenho que te dizer que faz uns minutos hei visto a nova companheira de raça na sala e a encontrei bastante inquieta. Parecia que alguém tivesse quebrado o coração dessa pobre garota. Deu-me a sensação de que necessitava que alguém lhe fizesse as coisas mais fáceis.
Lucan respondeu ao vampiro com um furioso e escuro rugido de raiva.
—O que lhe disse? Tocou-a? Se lhe tiver feito algo...
Tegan rio, verdadeiramente divertido.
—Calma, tio. Não faz falta que saia de suas casinhas desta maneira. Sua fêmea não é meu assunto.
—Pois recordem isto —disse Lucan. deu-se a volta para enfrentar-se aos olhares de curiosidade de outros vampiros.
— Ela não é assunto de nenhum de vocês, está claro? Gabrielle Maxwell se encontra sob meu amparo pessoal enquanto esteja neste complexo. Quando tiver ido a um dos Refúgios Escuros, tampouco será meu assunto.
Necessitou um minuto para tranqüilizar-se e não render-se ao impulso de enfrentar-se diretamente com o Tegan. Um dia, provavelmente chegaria a faze-lo . E Lucan não podia culpar por completo a esse macho por sentir rancor. Se Tegan era um bode desumano e mesquinho, Lucan era quem lhe tinha ajudado a ser assim.
—Podemos voltar para o trabalho agora? —disse com um grunhido, desafiando a que ninguém lhe desafiasse.
— Preciso ouvir dados a respeito desse refúgio.
Tegan se lançou a lhe oferecer uma descrição do que tinha observado nesse provável refúgio de renegados e comunicou suas sugestões a respeito de como podiam fazer uma batida nele. Apesar de que a fonte dessa informação chateava um pouco a Lucan, não podia pensar em nenhuma forma melhor de obter que passasse o mau humor que realizando uma ofensiva contra seus inimigos.
Deus sabia que se se encontrava perto de Gabrielle outra vez, todas essas fanfarronadas sobre o dever e de fazer o correto se converteriam em pó. Fazia duas horas que a tinha deixado em seu dormitório e ela todavia era o principal em sua cabeça. A necessidade dela ainda o desgarrava cada vez que pensava em sua cálida e suave pele.
E pensar em como a tinha ferido-lhe fazia sentir um buraco no peito. Ela tinha demonstrado ser uma verdadeira aliada quando lhe havia aberto frente aos demais guerreiros. Lhe tinha acompanhado através desse inferno íntimo a outra noite, tinha estado a seu lado, tão tenra e amorosa como qualquer macho pudesse desejar de sua amada companheira.
Uma idéia perigosa, olhasse-a por onde a olhasse.
Deixou que a discussão a respeito dos renegados continuasse, e esteve de acordo em que tinham que dar o golpe contra esses selvagens no lugar onde viviam em vez de ir para lhes buscar um por um na rua.
—Encontraremo-nos aqui ao pôr-do-sol para nos preparar e sair.
O grupo de guerreiros se dispersou e Tegan saiu a passo lento detrás dele.
Lucan pensou nesse estóico solitário que se sentia tão deploravelmente orgulhoso pelo fato de não necessitar a ninguém. Tegan se mantinha afastado e isolado por vontade própria. Mas nem sempre tinha sido assim. Uma vez tinha sido um menino brilhante, um líder nato. Tivesse podido ser alguém grande... tinha-o sido, na verdade. Mas todo isso trocou no curso de uma noite terrível. A partir desse momento, começou a descer por uma espiral. Tegan tocou fundo e nunca se recuperou.
E apesar de que nunca o tinha admitido ante esse guerreiro Lucan nunca se perdoaria a si mesmo o papel que ele tinha jogado nessa queda.
—Tegan, espera.
O vampiro se deteve com uma reticência evidente. Não se deu a volta, simplesmente ficou em silencio com um gesto de arrogância no corpo esperando a que outros guerreiros saíssem em fila das instalações de treinamento para o corredor. Quando estiveram sozinhos, Lucan se esclareceu garganta e falou com seu irmão de primeira geração.
—Você e eu temos um problema, Tegan.
Ele soltou ar pelo nariz.
—vou avisar aos meios.
—Este assunto entre nós não vai desaparecer. Faz muito tempo, choveu muito após. Se tiver que saldar contas
comigo...
—Esquece-o. É história passada.
—Não é se não podermos enterrá-la.
Tegan soltou uma risada zombadora e, por fim, deu-se a volta para lhe olhar.
—Quer me dizer algo, Lucan?
—Só quero te dizer que começo a compreender o que te custou. O custo que eu te supus. —Lucan meneou a cabeça devagar e se passou uma mão pela cabeça.
— Tegan, tem que saber que se tivesse havido alguma outra forma... Acredito que tudo teria sido distinto.
—Lucan, está tentando te desculpar comigo? —Os olhos verdes do Tegan tinham um olhar tão duro que tivesse podido cortar um cristal.
— Me Evite isto, tio. Chega uns quinhentos anos tarde. E senti-lo não muda uma merda as coisas, não é verdade?
Lucan apertou as mandíbulas com força, assombrado de não tar um verdadeiro zango nesse macho grande em lugar de sua habitual e fria apatia.
Tegan não lhe tinha perdoado. Nem sequer o tinha considerado.
Depois de todo esse tempo, não acreditava provável que o fizesse nunca.
—Não, Tegan. Tem razão. Senti-lo não troca as coisas.
Tegan lhe olhou durante um comprido momento, logo se deu a volta e saiu da habitação.
A música em direto soava desde uns alto-falantes do tamanho de um frigorífico diante do subterrâneo clube privado noturno. .. embora a plavra «música» era um qualificativo generoso para descrever os patéticos e discordantes acordes de violão. Os membros do grupo se moviam como autômatos no cenário, arrastavam as palavras e perdiam o compasso mais vezes das que o seguiam. Em uma palavra, eram horríveis.
Mas como se podia esperar que uns seres humanos atuassem com alguma competência ao encontrar-se diante de uma multidão de sedentos vampiros?
Protegido por uns óculos escuros, o líder dos renegados entrecerró os olhos e franziu o cenho. Já tinha uma horrorosa dor de cabeça ao chegar, fazia muito pouco momento, mas agora sentia as têmporas como se estivessem a ponto de lhe estalar. Recostou-se contra as almofadas em seu reservado, aburrido dessas festas sangrentas. Com um leve gesto da mão fez que uns de seus guardas se aproximasse dele. Logo fez um gesto de desprezo em direção ao cenário.
—Que alguém lhes alivie de seu sofrimento. Por não falar do meu.
O vigilante assentiu com a cabeça e respondeu com um vaio. Fez uma careta que descobriu umas presas enormes que se sobressaíam de seu boca, que já salivava ante a possibilidade de outra massacre. O renegado saiu a passo rápido para cumprir as ordens.
—Bom cão —murmurou seu poderoso amo.
Nesse momento soou seu telefone celular e se alegrou de ter a oportunidad de sair a respirar um pouco o ar. No cenário havia começado um novo barulho e a banda de música calou sob o repentino ataque de um grupo de renegados frenéticos.
Enquanto a completa anarquia estalava no clube, o líder se dirigiu a sua habitação privada de atrás do cenário e tirou o telefone celular do bolso interior de seu casaco. Tinha acreditado que se encontraria com o número ilocalizavel de um de seus muitos serventes, a maioria dos quais tinham sido enviados a procurar informação sobre Gabrielle Maxwell e sobre sua relação com a raça.
Mas não era um deles.
Deu-se conta disso assim que abriu o aparelho e viu o número oculto piscando na tela.
Intrigado, respondeu a chamada. A voz que ouviu o outro extremo da linha não lhe era desconhecida. Fazia alguns trabalhos ilegais com esse indivíduo fazia muito pouco tempo e ainda tinham umas quantas coisas por discutir. A seu requerimento, o tipo lhe ofereceu uma série de detalhes a respeito de uma batida que ia se realizar essa mesma noite em um dos locais mais pequenos que os renegados tinham na cidade.
Em questão de segundos soube tudo o que necessitava para conseguir que essa batida se girasse a seu favor: a localização, os presuntos métodos dos guerreiros e a rota, e seu plano de ataque básico. Tudo com a condição de que um membro da raça se salvasse da vingança. Mas este único guerreiro não ficaria completamente a salvo, simplesmente receberia as suficientes feridas para que não pudesse voltar a lutar nunca mais. O destino do resto de guerreiros, incluindo ao quase imparavel Lucan Thorne, era decisão dos renegados.
A morte de Lucan já tinha formado parte de seu acordo uma vez, anteriormente, mas a execução da tarefa não tinha sido como tinham planejado. Esta vez, seu interlocutor queria ter a segurança de que essa ação sim se levaria a cabo. Inclusive chegou tão longe que lhe recordou que já lhe tinham dado uma remuneração considerável por realizar essa tarefa que ainda tinha que cumprir.
—Estou bem informado de nosso acordo —repôs, com fúria.
— Não me tente a te pedir um pagamento maior. Prometo-te que não o vais lamentar.
Apagou o aparelho com uma maldição, cortando a resposta diplomática que o outro iniciou atrás de sua ameaça.
Os dermoglifos que tinha na boneca brilhavam com um profundo tom que delatava sua fúria. As cores trocavam entre o desenho de outras marca que se fez ao tatuar na pele para dissimular estes. Não gostava de ter tido que ocultar sua linhagem —seu direito de nascimento— com tinta e secretismo. Detestava ter que levar uma existência oculta, quase tanto como detestava a todos aqueles que se interpunham no camino de conseguir seus objetivos.
Voltou para a zona principal do clube, ainda zangado. Na escuridão, seu olhar tropeçou com seu tenente, o único renegado da história recente que tinha olhado a Lucan Thorne aos olhos e que tinha podido contá-lo. Fez um sinal a esse macho enorme para que se aproximasse e logo lhe deu as ordens para que se encarregasse da diversão e os jogos dessa noite.
Sem ter em conta suas negociações secretas, queria que essa noite, quando toda a fumaça se dissolvesse, Lucan e todos quão guerreiros estavam com ele estivessem mortos.
Capítulo vinte e cinco
Ele a evitou durante o resto do dia, o qual a Gabrielle pareceu que dava igual. Agora, justo depois do anoitecer, Lucan e os outros cinco guerreros saíam das instalações de treinamento como uma unidade militar, todos eles a viva imagem de uma ameaça, vestidos com couro negro e carregados de armas letais. Inclusive Gideon se uniu a batida dessa noite e tinha tomado o lugar do Conlan.
Savannah e Eva tinham esperado no corredor para lhes ver sair e se acercaram a seus companheiros para lhes dar um comprido abraço. Intercambiaram umas palavras íntimas em voz baixa e em tom amoroso, uns tenros beijos que denotavam o temor das mulheres e a atitude tranqüilizadora dos homens para lhes assegurar de que voltariam para elas sãs e salvos.
Gabrielle se encontrava a certa distancia, no vestíbulo, e se sentia uma estranha enquanto observava a Lucan dizendo algo a Savannah. A companheira de raça assentiu com a cabeça e lhe depositou um pequeno objeto na mão enquanto levantava a vista por cima do ombro dela e a dirigia para o Gabrielle. Não disse nada, não fez nenhum movimento para aproximar-se dela, mas seu olhar se atrasou um pouco nela, observando-a do outro lado do amplo espaço que lhes separava nesses momentosse.
E então se foi.
Lucan, que caminhava diante de outros, girou a esquina ao final do corredor e desapareceu. O resto do grupo lhe seguiu, e a seu passo somente ficou o seco ressonar dos saltos das botas e o ruído metálico dos aços.
—Está bem? —perguntou-lhe Savannah, aproximando-se de Gabrielle e passando um braço pelos ombros com amabilidade.
—Sim. Me passará.
—Queria que te desse isto. —Ofereceu-lhe o telefone celular do Gabrielle.
— uma espécie de oferta de paz?
Gabrielle tomou e assentiu com a cabeça.
—As coisas não vão bem entre nós agora mesmo.
—Sinto muito. Lucan há dito que confia em que entenda que não pode ir do complexo nem lhes dizer a seus amigos onde está. Mas se quer lhes chamar...
—Obrigado. —Olhou À companheira do Gideon e conseguiu sorrir levemente.
—Se quer ter um pouco de intimidade, ponha cômoda onde queira. —Savannah lhe deu um breve abraço e logo olhou a Eva, que acabava de unir-se a elas.
—Não sei vocês —disse Eva, seu bonito rosto gasto pela preocupação—, mas iria bem uma taça. Ou três.
—Possivelmente as três venha bem um pouco de vinho e de companhia — respondeu Savannah.— Gabrielle, vêem te unir conosco quando termine. Estaremos em minhas habitações.
—De acordo. Obrigado.
As duas mulheres saíram juntas, falando em voz baixa, com os braços entrelaçados enquanto percorriam o sinuoso corredor em direção aos Aposentos do Savannah e do Gideon. Gabrielle partiu na direção contrária, sem saber onde desejava estar.
Isso não era de tudo certo. Desejava estar com Lucan, em seus braços, mas era melhor que superasse esse desejo desesperado, e logo. Não tinha intenção de lhe suplicar que estivesse com ela, e caso que consiguisse voltar inteiro depois da batida dessa noite, era melhor que se preparasse para tirar-lhe completamente da cabeça.
Dirigiu-se para uma porta aberta que havia em um ponto tranqüilo e pouco iluminado do vestíbulo. Uma vela brilhava dentro da habitação vazia: a única luz nesse lugar. A solidão e o aroma de incenso e a madera velha a atraíram. Era a capela do complexo; recordava ter passado por ali durante a visita com o Savannah.
Gabrielle caminhou entre duas filas de bancos em direção a um pedestal que se levantava no outro extremo da habitação Era ali onde se encontrava a vela: sua chama estava profundamente aninhada no centro e irradiava um suave resplendor carmesim. Sentou-se em um dos bancos de diante e ficou uns momentos simplesmente respirando, deixando que a paz do santuário a envolvesse.
Conectou o telefone celular. O símbolo de mensagens estava piscando. Gabrielle apertou a tecla da secretaria de voz e escutou a primeira chamada. Era de Megan, de fazia dois dias, mais ou menos a mesma hora em que tinha chamado ao apartamento do Gabrielle depois do ataque do sirviente no parque.
«Gaby, sou eu outra vez. Deixei-te um montão de mensagens em casa, mas não me chamaste. Onde está? Estou-me preocupando de verdade! Não acredito que deva estar sozinha depois do que aconteceu. Chama-me assim que ouça esta mensagem: e quero dizer no mesmo momento em que o receba, de acordo?»
Gabrielle apagou a mensagem e passou ao seguinte, que era da noite anterior, Às onze. Ouviu a voz da Kendra, que parecia um pouco cansada.
«Né. Está em casa? Responde, se estiver. Merda, suponho que é um pouco tarde: sinto muito. Provavelmente esteja dormindo. Bom, queria chamar os meninos, para ver se íamos de taças ou algo, possivelmente a outra sala? Que tal manhã de noite? Me chame.»
Bom, pelo menos Kendra estava bem fazia umas quantas horas. Isso aliviou parte da preocupação que sentia. Mas ainda ficava o asunto do menino com quem tinha estado saindo. O renegado, corrigiu-se Gabrielle, com um estremecimento de medo ao pensar na proximidade de sua amiga ao mesmo perigo que lhe estava pisando nos pés a ela.
Passou ao última mensagem. Megan outra vez, fazia somente duas horas.
«Olá, carinho. Era uma chamada de comprovação. vais chamar me alguma vez e me dirá como foi na delegacia de polícia a outra noite? Estou segura de que seu detetive se alegrou de verte, mas sabe que morro por saber todos os detalhes de como foi de intensa sua alegria.»
O tom de voz do Megan era tranqüilo e brincalhão, perfeitamente normal. Completamente distinto ao pânico das primeiras mensagens que hábía deixado no telefone de casa do Gabrielle e em seu telefone celular.
Deus, isso estava bem.
Porque não havia nenhum motivo de alarme por ela, nem por seu amigo policial, dado que Lucan lhes tinha apagado a memória.
«Bom, fiquei com o Jamie para jantar esta noite no Ciao Bela... seu favorito. Se pode arrumá-lo, vêem. Estaremos ali Às sete.Para você guardaremos um assento.»
Gabrielle marcou o botão de pendurar e olhou a hora no telefone: as sete e vinte.
Devia a seus amigos, pelo menos, chamar e lhes fazer saber que se encontrava bem. E uma parte dela desejava ouvir suas vozes, já que eram a única conexão com a vida que tinha antes. Lucan Thorne tinha dado a volta a sua vida por completo. Apertou o botão de marcação rápida do celular do Megan e esperou com ânsia enquanto o telefone soava. No mesmo momento em que seu amiga respondeu, Gabrielle ouviu uma conversação apagada.
—Olá, Meg.
—Né... por fim! Jamie, é Gabby!
—Onde está essa garota? vai vir ou o que?
—Ainda não sei. Gabby, vais vir?
Para ouvir a familiar desordem do bate-papo de seus amigos, Gabrielle desejou estar ali. Desejou que as coisas pudessem voltar a ser como eram antes de...
—Né... Não posso. surgiu um assunto e...
—Está ocupada —disse Megan a Jamie.
—Mas, onde está? Kendra me chamou hoje, estava-te procurando. Há-me dito que tinha ido a seu apartamento mas que não parecia que estivesse em casa.
—Kendra apareceu por aí? Viu-a?
—Não, mas quer reunir-se com todos nós. Parece que há terminado com esse menino que conheceu na discoteca.
—Brent —acrescentou Jamie em voz alta
—Têm quebrado?
—Não sei —respondeu Megan—. Lhe perguntei como ia com ele e ela somente me disse que já não se estavam vendo.
—Bem —repôs Gabrielle, muito aliviada—. São muito boas notícias.
—Bom, e você? Quem é tão importante como para que não jante esta noite?
Gabrielle franziu o cenho e olhou ao seu redor. Na sala havia levantado um pouco a brisa e a chama vermelha da vela tremeu. Ouviu uns pés suaves e uma afogada exclamação de surpresa de alguém que tinha entrado e se deu conta de que a sala estava ocupada. Gabrielle se deu a volta e viu uma loira alta na porta de entrada. A mulher olhou a Gabrielle com expressão de desculpa e logo se dispôs a sair.
—Estou... isto... fora da cidade, agora mesmo —disse a seus amigos em voz baixa.
— Certamente estarei fora uns quantos dias. Possivelmente mais.
—Fazendo o que?
—Né, estou fazendo um trabalho por encargo —mentiu Gabrielle, diando ter que fazê-lo, mas sem encontrar outra alternativa.
— Chamarei assim que possa. Se cuidem. Quero-lhes.
—Gabrielle...
Pendurou antes de que a obrigassem a dizer nada mais.
—Sinto-o —lhe disse a mulher loira enquanto Gabrielle se aproximava dela.
— Não me tinha dado conta de que a habitação estava ocupada.
—Não o está. Por favor, fique. Só estava... —Gabrielle soltou um suspiro.
— Acabo de mentir a meus amigos.
—OH. —Uns amáveis olhos de cor azul pálida a olharam comprensivamente.
Gabrielle fechou o telefone e passou um dedo por cima da carcasa chapeada e polida.
—Deixei meu apartamento precipitadamente a outra noite para vir aqui com Lucan. Nenhum de meus amigos sabe onde estou, nem por que tive que partir.
—Compreendo. Possivelmente algum dia lhes possa dar alguma explicação.
—Isso espero. Não quero lhes pôr em perigo lhes contando a verdade.
A mulher assentiu com a cabeça, pormenorizada, e seu halo de cabelo comprido e loiro seguiu o movimento.
—Você deve ser Gabrielle. Savannah me há dito que Lucan havia trazido para uma mulher que estava sob seu amparo. Sou Danika. Sou... era... a companheira do Conlan.
Gabrielle aceitou a esbelta mão que Danika lhe ofereceu como saudação.
—Sinto muito sua perda.
Danika sorriu com uma expressão triste nos olhos. Soltou a mão do Gabrielle e, sem dar-se conta, baixou a sua para acariciar o abdômen, imperceptivelmente inchado.
—Queria ir para te buscar para te dar a bem-vinda, mas imagino que não sou a melhor das companhias neste momento. Não tive muita vontade de sair de minhas habitações durante estes últimos dias. Todavía está sendo muito difícil para mim, tentar realizar este... ajuste. Tudo é tão distinto agora.
—É obvio.
—Lucan e outros guerreiros foram muito generosos comigo. Cada um deles me jurou amparo quando a necessitar, esteja onde esteja. Para mim e para meu filho.
—Está grávida?
—Desde quatorze semanas. Desejava que este fora o primeiro de muitos filhos. Estávamos tão iludidos com nosso futuro. Tínhamos esperado muito tempo a fundar nossa família.
—por que esperaram? —Gabrielle franziu o cenho assim que se deu conta de que tinha feito a pergunta.
— O sinto, não tento bisbilhotar. Não é meu assunto.
Danika estalou a língua, lhe tirando importância.
—Não há necessidade de desculpar-se. Não me importa que me faça prerguntas, de verdade. Para mim é bom falar de meu Conlan. Vêem, vamos sentar nos um momento —lhe disse, conduzindo a Gabrielle até uma das cadeiras bancos da capela.
—Conheci Conlan quando era só uma menina. Meu povo da Dinamarca tinha sido saqueado por uns invasores, ou isso acreditávamos. A verdade é que eram um grupo de renegados. Mataram a quase todo mundo, as mulheres velhas e aos meninos, Aos velhos de nossa aldeia. Ninguém estava seguro. Um grupo de guerreiros da raça chegou a metade do ataque. Conlan era um deles. Resgataram a tantos dos nossos como puderam. Quando descubriram minha marca, levaram-me a Refúgio Escuro mais próximo. Foi ali onde aprendi tudo a respeito da nação dos vampiros e do lugar que eu ocupava nela. Mas não podia deixar de pensar em meu salvador. Foi coisa do destino que, ao cabo de uns anos, Conlan fora outra vez a essa zona. Eu estava tão iludida de lhe ver. Imagine a comoção que senti ao saber que ele tampouco se esqueceu de mim.
—Quanto faz disso?
Danika quase não teve que deter-se para calcular o tempo.
—Conlan e eu compartilhamos quatrocentos e dois anos juntos.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle—. Tanto tempo...
—passou em um abrir e fechar de olhos, se te disser a verdade. Não te mentirei te dizendo que sempre foi fácil ser a mulher de um guerreiro, mas não trocaria nem um só instante. Conlan acreditava por completo no que estava fazendo. Queria um mundo mais seguro, para mim e para nossos filhos que estavam por chegar.
—E por isso esperou todo este tempo para conceber um filho?
—Não queríamos fundar nossa família enquanto Conlan sentisse que precisava permanecer com a Ordem. Estar em primeira linha não é o melhor para os meninos, e esse é o motivo pelo que não há famílias entre os membros da classe dos guerreiros. Os perigos são muito grandes, e nossos companheiros precisam poder concentrar-se únicamente em sua missão.
—Não se dão acidentes?
—Os embaraços acidentais são completamente desconhecidos na raça porque nós necessitamos algo mais sagrado que o simples sexo para conceber. O momento de fertilidade das companheiras de raça é durante a lua crescente. Durante este momento crucial, se desejamos conceber um filho, nossos corpos devem conter tanto a semente de nosso companheiro como seu sangue. É um ritual sagrado que ninguem planeja realizar as pressas.
A idéia de poder compartilhar esse profundo e íntimo ato com Lucan fez que Gabrielle sentisse que o centro de seu ser entrava em calor. A idéia de unir-se dessa forma com outro, de engordar com o filho de outro que não fora Lucan, era uma possibilidade que se negava a ter em conta. Preferia estar sozinha, e provavelmente o estaria.
—O que vais fazer agora? —perguntou-lhe, rompendo o silêncio em que se ficou ao imaginar sua própria solidão futura.
—Ainda não sei —respondeu Danika.
— Sim sei que não vou unir-me com nenhum outro macho.
—Não necessita um companheiro para continuar jovem?
—Conlan era meu companheiro. Agora que ele se foi, uma só vida já será muito tempo. Se me negar a ter um vínculo de sangue com outro macho, simplesmente envelhecerei de forma natural daqui em diante, igual que antes de conhecer Conlan. Simplesmente serei... mortal.
—Morrerá —disse Gabrielle.
Danika sorriu com expressão decidida, mas não de tudo triste.
—Ao final.
—Aonde irá?
—Conlan e eu tínhamos planejado nos retirar a um dos Refúgios Escuros da Dinamarca, onde eu nasci. Ele queria isso para mim, mas agora acredito que prefiro criar a seu filho em Escócia para que tenha a oportunidade de conhecer algo de seu pai Através da terra que ele tanto amava. Lucan já começou a fazer os preparativos para que possa ir quando dita que estou preparada.
—Isso foi amável por sua parte.
—Muito amável. Quando veio a me buscar para me dar a notícia, e para me prometer que meu filho e eu sempre estaríamos em comunicação direta com ele e com o resto da Ordem se por acaso alguma vez necessitávamos algo, não me podia acreditar isso. Foi o dia do funeral, só umas quantas horas depois do mesmo, e suas queimaduras ainda eram extremamente gravê. E apesar disso, ele estava mais preocupado por meu bem-estar.
—Lucan sofreu queimaduras? —Gabrielle sentiu que um sentimento de alarme lhe assaltava o coração.
— Quando? E como?
—Faz só três dias, quando realizamos o ritual funerário do Conlan. —Danika arqueou as finas sobrancelhas—. Não sabia? Não, claro que não o sabia. Lucan nunca mencionaria esse ato de honra, nem o dano que sofreu para levá-lo a cabo. Olhe, a tradição funerária da raça estabelece que um vampiro deve levar o corpo do morto fora para que os elementos da natureza o recebam —disse, fazendo um gesto em direção a uma sombria esquina da capela onde havia uma escura escada.
— É um dever que mostra um grande respeito e exige um grande sacrifício porque, uma vez fora, o vampiro que atende a seu irmão deve ficar ao seu lado durante oito minutos durante a saída do sol.
Gabrielle franziu o cenho.
—Mas eu acreditava que a pele de um vampiro não suporta os raios do sol.
—Não, não os suporta. Sofre queimaduras graves e de forma muito rápida, mas ninguém sofre mais que um vampiro de primeira geração. Os mais velhos da raça sofrem mais, inclusive em um tempo de exposição muito breve.
—Como Lucan —disse Gabrielle.
Danika assentiu com expressão solene.
—Para ele, estar exposto oito minutos a saída do sol deve haver sido insuportável. Mas o fez. Pelo Conlan, deixou que seu corpo se queimasse. Inclusive tivesse podido morrer ali acima, mas não tivesse deixado que ninguém mais assumisse o peso de oferecer repouso a meu amado Conlan.
Gabrielle recordou a urgente chamada Telefónica que tinha tirado Lucan fora da cama em meio da noite. Não lhe tinha contado do que se tratava. Tampouco tinha compartilhado sua perda com ela.
Sentiu que a dor lhe retorcia o estômago ao pensar no que tinha suportado, segundo a descrição da Danika.
—Falei com ele... esse mesmo dia, de fato. Por sua voz soube que algo ia mau, mas ele o negou. Parecia tão cansado, mais que exausto. É esta me dizendo que sofreu queimaduras pela luz ultravioleta?
—Sim. Savannah me contou que Gideon o encontrou não muito tempo depois. Lucan tinha queimaduras da cabeça aos pés. Não podia abrir os olhos a causa da dor e a inflamação, mas rechaçou qualquer tipo de ajuda para voltar para suas habitações para curar-se.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle, estupefata—. Ele nunca me contou isso, não me contou nada disto. Quando lhe vi mais tarde, essa noite... só ao cabo de umas horas, parecia completamente normal. Bom, o que quero dizer é que parecia e atuava como se nada mau lhe tivesse ocorrido.
—A pureza de linha de sangue de Lucan lhe faz sofrer mais, mas também lhe ajuda a curar-se mais depressa das queimaduras. Inclusive então não foi fácil para ele; ele necessitaria uma grande quantidade de sangue para repôr seu corpo depois de um trauma tão forte. Quando esteve o bastante bem para abandonar o complexo e ir de caça, devia ter uma fome voraz.
Tinha-a tido. Gabrielle se dava conta agora. A lembrança de lhe ver alimentar do servente a quem tinha matado lhe passou pela mente, mas agora tinha um significado distinto, já não lhe parecia o ato monstruoso que lhe tinha parecido de forma superficial, a não ser um meio de sobrevivemcia. Tudo adquiria um significado novo desde que conhecia Lucan.
Ao princípio, tinha-lhe parecido que a guerra entre os da raça e seus inimigos não era mais que um mal enfrentado a outro, mas agora não podia evitar sentir que também era sua guerra. Ela se jogava algo no desenlace, e não somente pelo fato de que seu futuro se encontrava ligado a este estranho mundo. Para ela era importante que Lucan ganhasse não só a guerra contra os renegados, mas também a devastadora guerra pessoal que liberava em privado.
Estava preocupada com ele, e não podia ignorar a queimação de medo que tinha começado a sentir na base das costas desde que ele e os outros guerreiros tinham abandonado o complexo para ir de batida.
—Quer-lhe muito, verdade? —perguntou-lhe Danika. Entre elas se havia feito um angustiante silêncio.
—Quero-lhe, sim. —Olhou a mulher aos olhos e não encontrou motivo para esconder uma verdade que, provavelmente, se traslucía em seu rosto.
— Posso te dizer uma coisa, Danika? Tenho uma horrível sensação a respeito do que está fazendo esta noite. E para piorá-lo, Tegan disse que não acreditava que Lucan fora a viver muito mais. quanto mais momento levo aqui sentada, mais medo tenho de que Tegan possa ter razão.
Danika franziu o cenho.
—Falaste com o Tegan?
—Tropecei-me com ele —literalmente— muito recentemente . Disse-me que não me afeiçoasse muito de Lucan.
—Porque acreditava que Lucan ia morrer? —Danika deixou escapar um comprido suspiro e meneou a cabeça—. Esse parece desfrutar pondo a outros no fio. Provavelmente o há dito somente porque sabe que isso te inquietará.
—Lucan disse que entre eles havia animosidade. Crie que Tegan é de confiar?
Pareceu que a companheira de raça loira o pensava um momento.
—Posso dizer que a lealdade é uma parte importante do código dos guerreiros. È tudo para esses machos, faz-os um. Nada deste mundo pode lhes fazer violar essa confiança sagrada. —levantou-se e tomou a mão do Gabrielle.
— Vêem. vamos procurar a Eva e a Savannah. E a espera será menos larga para todas se não a passarmos sozinhas.
Capítulo vinte e seis
Do ponto de observação onde estavam apostados em um dos edifícios do porto, Lucan e outros guerreiros observaram um pequeno caminhão cujas rodas cromadas cuspiam cascalho, dirigir-se a localização que estavam vigiando. O condutor era um ser humano. Se seu aroma a suor e a ansiedade não tivesse delatado, a música country que saía estrondosamente pelo guichê aberto o tivesse feito. Saiu do veículo com uma bolsa de papel marrom repleta de algo que cheirava a arroz frito e porco.
—Parece que os meninos jantam dentro esta noite —disse Dê. O confiado mensageiro comprovou o papel branco que tinha grampeado no pedido e olhou para o dique com cautela.
O condutor se aproximou da porta de entrada do armazém, dirigiu outro olhar nervoso ao seu redor, soltou um juramento em meio da escuridão e apertou o timbre. Não havia nenhuma luz dentro do edifício, somente havia o feixe de luz amarela que caía da lâmpada nua que pendurava em cima da porta. Lucan viu os olhos ferozes de um Renegado e o mensageiro gaguejou umas palavras do pedido e alargou o papel para o buraco escuro que se aberto diante dele.
—O que quer dizer trocando-o? —perguntou o cowboy urbano com um forte acento de Boston.
— Que diabos...?
Uma enorme mão lhe sujeitou pelo peito da camisa e lhe levantou do chão. ele chiou e em seu ataque de pânico conseguiu largar-se da mão do renegado.
—Uf! —exclamou Niko desde sua posição perto da cornija.
— Parece que acaba de dar-se conta de que não há comida a Chinesa no menu.
O renegado voou até o ser humano como uma sombra, assaltou-lhe por detrás e lhe abriu a garganta com uma eficiência selvagem. A morte foi sangrenta e foto instantânea. Logo o renegado se levantou de um salto e se dispôs a carregár a presa ao ombro para levá-la dentro, e Lucan ficou em pé.
—chegou o momento de nos pôr em marcha. Vamos.
Ao uníssono, os guerreiros saltaram ao chão e se dirigiram a grande velocidade para o armazém que servia de guarida aos renegados. Lucan, que lhes marcava o caminho, foi o primeiro em alcançar ao vampiro com sua inerte carrega humana. Com uma mão, sujeitou ao renegado pelo ombro e lhe obrigou A dár a volta ao tempo que tirava uma de suas folhas mortíferas da capa que levava no quadril. Golpeou com força e uma pontaría certeira, e decapitou a essa besta com um corte limpo.
As células do renegado começaram a fundir-se imediatamente e este caiu, empapado de sangue, ao chão. O contato da folha de Lucan foi como um ácido que atravessou o sistema nervoso do vampiro. Ao cabo de uns segundos, quão único ficava do renegado era um atoleiro negro e putrefato que se diluía na sujeira do chão.
Mais adiante, na porta, Dante, Tegan e os outros três guerreiros se formavam em um grupo fechado e armado, disposto a iniciar a ação réal. À ordem de Lucan, os seis se introduziram no armazém com as armas A ponto.
Os renegados que se encontravam dentro não tiveram nem idéia do que era o que lhes estava atacando até que Tegan lançou uma adaga que foi cravar se na garganta de um deles. Enquanto o renegado chiava e se retorcia ao desintegrar-se, seus cinco companheiros, enfurecidos, se dispersaram em busca de refúgio ao tempo que tomavam as armas sob a chuva de balas e folhas afiadas que Lucan e seus irmãos lançavam a discrição.
Dois dos renegados caíram ao cabo de uns segundos de haver-se iniciado o enfrentamento, mas os outros dois que ficavam haviam ocultado nas profundidades escuras do armazém. Um deles disparou contra Lucan e Dante desde detrás de um velho montão de gavetas. Os guerreiros esquivaram esse ataque e lhe responderam, o qual lhe fez sair ao descoberto e lhe deu a oportunidade a Lucan de acabar com ele.
Lucan percebeu na periferia de seu campo de visão que o último deles tentava escapar por entre um montão de barris derrubados e de tubos de metal que havia na parte traseira do edifício.
A Tegan tampouco tinha passado desapercebido. O vampiro se precipitou para o renegado como um trem de carga e desapareceu nas prófundidades do armazém em uma mortal perseguição.
—Tudo espaçoso —gritou Gideon desde algum ponto da escuridão fumegante e poeirenta.
Mas assim que o houve dito, Lucan percebeu que um novo perigo se abatia sobre eles. Seu ouvido distinguiu o discreto roce de um movimento sobre sua cabeça. Os lúgubres abajures do teto que se encontravam em cima dos tubos do sistema de ventilação do armazém estavam quase negras de sujeira, mas Lucan estava seguro de que algo avançava pelo telhado.
—Vigiem acima! —gritou aos outros, e nesse momento o telhado caiu e sete renegados mais se deixaram cair de acima disparando com suas armas.
De onde tinham saído? A informação que tinham sobre essa guarida era de confiar: seis indivíduos, provavelmente convertidos em renegados recentemente, que operavam de forma independente, sem nenhuma filiação. Então, quem tinha dado aviso a essa cavalaria para que lhes apóiassem? Como se tinham informado de que havia uma batida?
—Uma maldita emboscada —grunhiu Dante, pondo em voz alta o pensamento de Lucan.
Não era possível que esses novos problemas tivessem aparecido por acaso. Lucan se fixou no mais volumoso dos renegados que se estavam precipitando contra eles nesses momentos e sentiu que uma furia negra lhe fervia no ventre.
Era o vampiro que lhe tinha escapado a noite do assassinato Aos subúrbios da discoteca. O bode da Costa Oeste. O canalha que havia podido matar a Gabrielle e que possivelmente ainda pudesse fazê-lo algum dia se Lucan não acabava com ele nesse preciso momento.
Enquanto Dante e outros respondiam ao fogo do grupo de renegados, Lucan foi unicamente por esse objetivo.
Essa noite ia terminar com ele.
O vampiro vaiou amenaçadoramente ao lhe ver avançar e seu horrível rostro se deformou com um sorriso.
—Encontramo-nos de novo, Lucan Thorne.
Lucan assentiu com expressão lúgubre.
—Pela última vez.
O ódio mútuo fez que ambos os machos se desprendessem das armas para encetar-se em um combate mais pessoal. Em um instante desenfunderam as facas, um em cada mão, e os dois vampiros se prepararam para cercar um combate a morte. Lucan lançou a primeira estocada, e recebeu um perigoso corte no ombro: o renegado lhe tinha esquivado com sigilosa velocidade e se deslocou, em um abrir e fechar de olhos, ao outro lado dele. Tinha as mandíbulas abertas e uma expressão de triunfo ante o primeiro sangue derramado.
Lucan se deu a volta com igual agilidade e suas facas assobiaram perigrosamente perto da cabeça do renegado. O chupão baixou a vista e viu sua orelha direita no chão, A seus pés.
—começou o jogo, imbecil —grunhiu Lucan.
«Com uma vingança.»
Lançaram-se um contra o outro em um torvelinho de fúria com seus acertos frios e mortais. Lucan tinha consciência da batalha que se cercou ao seu redor, de que os guerreiros se estavam enfrentando ao segundo ataque. Mas toda sua concentração, todo seu ódio, centrava-se na afronta pessoal com o renegado que tinha em frente.
Quão único Lucan tinha que fazer para acender-se de fúria era pensar em Gabrielle e no que esta besta lhe tivesse feito.
E alimentou essa fúria: fez retroceder ao renegado estocada atrás de cada, implacável. Não sentiu os golpes que recebeu no corpo, embora foram muitos. Tombou a seu competidor e se preparou a lançar a última e mortífera estocada.
Com um rugido, realizou um profundo corte na garganta do renegado e separou sua enorme cabeça do corpo destroçado. Uns espasmos sacudiram os braços e as pernas do vampiro e este se desabou, retorcendo-se, ao chão. Lucan ainda sentia a fúria martilando com força nas veias; deu a volta à faca que tinha na mão e o cravou com força no peito do renegado para acelerar o processo de desintegração do corpo.
—Santo inferno —exclamou Rio desde algum ponto perto dele com voz seca.
— Lucan, tio, em cima de ti! Há outro nas vigas.
Aconteceu em um instante.
Lucan se deu a volta, sentindo a fúria da batalha em todos os músculos do corpo. Jogou uma olhada para cima, onde Rio havia lhe indicado. Muito acima por cima de sua cabeça outro vampiro renegado se pendurava pelos tubos do teto do armazém com uma coisa sob o braço que parecia ser uma pequena bola de metal. Mas uma pequena luz vermelha parecia rapidamente nesse aparelho e imediatamente ficou acendida.
—Ao chão! —Nikolai levantou sua Beretta trucada e apontou.
— O tipo vai lançar uma maldita bomba!
Lucan ouviu o repentino disparo da arma.
Viu que o renegado recebia o disparo do Niko justo entre os brilhantes olhos amarelos.
Mas a bomba já estava no ar.
Ao cabo de segundo meio, estalou.
Capítulo vinte e sete
Gabrielle se incorporou repentinamente, despertando sobressaltada de outra inquieta cabeçada que acabava de jogar no sofá da sala de estar do Savannah. As mulheres tinham ficado juntas as últimas horas, consolándo-se na companhia mútua, exceto Eva, que se tinha ido a capela para rezar. A companheira de raça estava mais nervosa que as demais e se tinha passado grande parte da tarde caminhando acima e abaixo e mordendo o lábio inferior com impaciência e ansiedade.
Em algum lugar por cima do labirinto de corredores e habitações se ouviram os movimentos surdos e as vozes tensas dos machos. O barulho zumbido do elevador fez vibrar o denso ar da sala e se deram conta de que a cabine estava baixando ao piso principal do complexo.
«OH, Deus.»
Algo ia mau.
Notava-o.
«Lucan.»
Jogou a um lado o xale de felpilla com que se cobria e pôs os pés no chão. O coração lhe tinha desbocado, e lhe encolhia com força a cada pulsado.
—Tampouco eu gosto desses sons —disse Savannah, jogando uma tensa olhada a habitação.
Gabrielle, Savannah e Danika saíram das habitações para ir em busca dos guerreiros. Nenhuma disse nenhuma palavra e com muita dificuldade respiravam enquanto se dirigiam ao elevador.
Inclusive antes de que as portas de aço se abrissem, por causa dos sons precipitados que se ouviam dentro do elevador, fez-se evidente que foram receber más notícias.
Mas Gabrielle não estava preparada para quão más foram ser.
O fedor a fumaça e a sangue a assaltou com a força de um murro. Fez uma careta ante o nauseabundo aroma de guerra e morte mas se esforçou por ver qual era a situação na cabine do elevador. Nenhum dos guerreiros saía dela. Dois estavam tombados no chão da cabine e os outros três estavam agachados ao seu redor.
—Traz umas quantas toalhas e lençóis limpa! —gritou-lhe Gideon a Savannah.
— Traz todas as que possa, menina! —Assim que ela se dispôs a fazê-lo, ele acrescentou:
—Também vamos precisar movê-lo. Há uma cama na enfermaria.
—Eu me ocupo —repôs Niko de dentro do elevador.
Saltou por cima de um dos dois vultos informe que se encontrava tendido de barriga para baixo no chão. Quando passou por seu lado, Gabrielle viu que tinha o rosto, o cabelo e as mãos enegrecidos de fuligem. As roupas estavam rasgadas e a pele salpicada com centenas de arranhões sangrando. Gideon mostrava contusões similares. E Dante também.
Mas suas feridas não eram nada comparadas com as dos dois guerreros da raça que estavam inconscientes e a quem seus irmãos haviam transportado pelas ruas.
O peso que sentiu no coração lhe fez saber de Gabrielle que um deles era Lucan. Aproximou-se um pouco mais e teve que reprimir uma exclamação ao ver confirmados seus temores.
O sangue se formava redemoinhos debaixo de seu corpo, um atoleiro da cor do vinho escuro que se estendia até o mármore branco do corredor. Tinha a vestimenta de couro e as botas feita migalhas, igual à maior parte da pele dos braços e as pernas. O rosto estava cheio de fuligem e de cortes de uma cor escarlate. Mas estava vivo. Gideon lhe moveu para lhe aplicar um torniquete improvisado para parar o sangue de uma ferida que tinha no braço e Lucan soltou um vaio de dor por entre as presas alargadas.
—Porra... sinto muito, Lucan. É bastante profundo. Merda, isto não vai deixar de sangrar.
—Ajuda... ao Rio —pronunciou as palavras com um grunhido apagado. Foi uma ordem direta apesar de que se encontrava convexo de costas—. Estou bem —acrescentou, gemendo de dor.
— Porra... quero que... dê-te... dele.
Gabrielle se ajoelhou ao lado do Gideon. Levantou a mão para sujeitar o extremo da atadura que ele tinha na mão.
—Eu posso fazê-lo.
—Está segura? É uma ferida feia. Tem que colocar as mãos justo aí para apertá-lo com força.
—Tenho-o. —Fez um gesto com a cabeça em direção a Rio, que se encontrava convexo ao lado.
— Faz o que te há dito.
O guerreiro ferido que estava convexo no chão ao lado de Lucan estava sofrendo uma agonia. Ele também sangrava profundamente por quão feridas tinha no torso e a causa do terrível dano que tinha sofrido no braço esquerdo. Levava uma perna envolta em um farrapo empapado de sangue que devia ser uma camisa. Tinha o rosto e o peito queimados e rasgados até tal ponto que era irreconhecível. Começou a emitir uns gemidos graves e guturais que lhe encheram os olhos de lágrimas a Gabrielle.
Piscou para reprimir as lágrimas e, ao abrir os olhos de novo, encontrou-se com os pálidos olhos cinzas de Lucan cravados nela.
—Acabei... com o bode.
—Shh. —Secou-lhe o suor da frente, maltratada.
— Lucan, te esteja quieto. Não tente falar.
Mas ele não fez conta. Tragou saliva com dificuldade e logo se esforçou em pronunciar as palavras.
—o da discoteca... o filho de puta que estava ali essa noite.
—que te escapou?
—Esta vez não. —Piscou devagar. Seu olhar era tão feroz como brilhante.
— Agora não poderá nunca... te fazer danifico...
—Sim—disse em tom irônico Gideon, que se estava ocupando de Rio.
— E tem muita sorte de estar vivo, herói.
Gabrielle sentiu que a angústia lhe atendia a garganta ao olhar a Lucan. Apesar de que tinha afirmado que seu dever era o primeiro e que alguma vez haveria um lugar para ela em sua vida, Lucan tinha pensado nela essa noite? Estava ferido e sangrando a causa, em parte, por algo que tinha feito por ela?
Ela tomou uma de suas mãos entre as suas e lhe acariciou no único lugar do corpo em que podia fazê-lo enquanto a apertava contra o coração.
—OH, Lucan...
Savannah chegou correndo com o que lhe tinham pedido. Niko a seguiu imediatamente, empurrando a maca de hospital diante dele.
—Lucan primeiro —lhes disse Gideon.
— Levem a uma cama e logo voltarei por Rio.
—Não —grunhiu Lucan, com tom de maior determinação que de dor.
— Ajudem a me levantar.
—Não acredito que... —disse Gabrielle, mas ele já estava tentando levantar-se do chão.
—Tranqüilo, chiou.
—Dante entrou no elevador e colocou sua mão forte sob o braço de Lucan. Tombaram-lhe por que não toma um descanso e nos deixa que lhe levemos a enfermaria?
—Hei dito que estou bem. —Lucan, apoiando-se em Gabrielle e em Dante, incorporou-se e se sentou. Respirava com dificuldade, mas permaneceu incorporado.
— recebi uns quantos golpes, mas merda... vou andando até minha cama. Não vou deixar que me... arrastem até aí.
Dante olhou Gabrielle com expressão exasperada.
—Sabe que tem a cabeça tão dura que o diz a sério?
—Sim, sei.
Gabrielle sorriu, agradecida a essa obstinação que o fazia ser forte. Ela e Dante lhe emprestaram o apoio de seus corpos: colocaram-se um a cada lado dele, com os ombros sob cada um de seus braços, e lhe sujeitaram até que Lucan começou a ficar em pé, devagar.
—Por aqui —disse Gideon a Niko, e este colocou a maca no lugar adequado para levantar Rio enquanto Savannah e Danika faziam tudo o que podiam por conter o sangue de suas feridas, por lhe tirar a roupa destroçada e o desnecessário peso das armas.
—Rio? —A voz da Eva soou aguda. Correu até o grupo com o rosario ainda apertado em uma das mãos. Quando chegou ao elevador aberto se deteve imediatamente e agüentou a respiração.
— Rio! Onde está?
—Está aqui dentro, Eva —disse Niko, apartando-se da maca, onde já tinham colocado a Niko, para lhe impedir o passo. Apartou-a dali com mão firme para que não se aproximasse muito ao açougue.
— Houve uma explosão esta noite. Ele se levou a pior parte.
—Não! —levou-se as mãos ao rosto, horrorizada.
— Não, está equivocado. Esse não é meu Rio! Não é possível!
—Está vivo, Eva. Mas terá que ser forte por ele.
—Não! —Começou a chiar grosseiramente, histérica, enquanto tentava abrir passo com a força para aproximar-se de seu companheiro.
— Meu Rio não! Deus, não!
Savannah se aproximou e tomou a Eva do braço.
—Vamos agora —lhe disse com suavidade.
— Eles sabem como lhe ajudar.
Os soluços da Eva alagaram o corredor e encheram a Gabrielle de uma angústia íntima que era uma mescla de alívio e de medo frio. Estava preocupada com Rio, e lhe rompia o coração pensar no que Eva devia estar sentindo. Gabrielle sabia que isso lhe doía em parte porque Lucan tivesse podido encontrar-se no lugar de Rio. Uns quantos milímetros, umas frações de segundo, podiam ter sido quão único tinha determinado qual dos dois guerreiros ia estar convexo em um crescente atoleiro de sangue lutando por manter-se vivo.
—Onde está Tegan? —perguntou Gideon, sem apartar a atenção de seus próprios dedos com os quais, e com movimentos rápidos, ocupava-se de curar ao guerreiro cansado.
— retornou já?
Danika negou com a cabeça, mas olhou a Gabrielle com olhos angustiados.
—por que não está aqui? Não estava com vocês?
—Perdemo-lhe de vista muito pouco tempo depois de que entrássemos na guarida dos renegados —lhe disse Dante.
— Quando estalou a bomba, nosso principal objetivo foi trazer Rio e a Lucan ao complexo o mais breve possível.
—vamos mover isto —disse Gideon, colocando-se a cabeça da cama de Rio.
— Niko, me ajude a mover isto.
As perguntas a respeito do Tegan se apagaram enquanto todo mundo trabalhava em excesso em fazer todo o possível para ajudar a Rio. Todos percorreram o caminho até a enfermaria. Gabrielle, Dante e Lucan eram os que se deslocavam com maior lentidão pelo corredor: Lucan se cambaleava sobre os pés e se sujeitava a eles dois enquanto se esforçava por manter-se em pé com firmeza.
Gabrielle reuniu valor para lhe olhar. Desejava tanto lhe acariciar o rosto ferido e cheio de sangue. Enquanto lhe olhava com o coração encolhido, ele levantou as pálpebras e a olhou aos olhos. Ela não sabia o que era o que se estabeleceu entre eles durante esse comprido instante de quietude no meio do caos, mas sentiu que era algo quente e bom Apesar de tudo quão terríveis tinham sido os sucessos dessa noite.
Quando chegaram À habitação onde foram atender a Rio, Eva ficou a um lado da maca, ante seu corpo quebrado. As lágrimas lhe caíam pelas bochechas.
—Isto não tinha que ter acontecido —gemeu—. Não deveria ter sido meu Rio. Não desta maneira.
—Faremos tudo o que possamos por ele —disse Lucan, respirando com dificuldade por causa de suas próprias feridas—. Lhe prometo isso, Eva. Não lhe deixaremos morrer.
Ela negou com a cabeça, com o olhar fixo em seu companheiro tendido na cama. Acariciou-lhe o cabelo e Rio murmurou umas palavras incoerentes, semi inconsciente e com uma clara expressão de dor.
—Quero-lhe fora daqui imediatamente. Deveria ser transladado a um Refúgio. Necessita atenção médica —disse Eva.
—Seu estado não é o bastante estável para que lhe translade —repôs Gideon.
— Tenho os conhecimentos necessários e a equipe adequada para lhe tratar aqui por agora.
—Quero-lhe fora daqui! —Levantou a cabeça súbitamente e dirigiu o olhar brilhante de um guerreiro a outro.
— Não resulta de utilidade para nenhum de vocês agora, assim me deixem isso . Já não lhes pertence, a nenhum de vocês. Agora é completamente meu! Somente quero o melhor para ele!
Gabrielle notou que o braço de Lucan entrava em tensão por causa dessa reação histérica.
—Então tem que te apartar de diante do Gideon e deixar que faça seu trabalho —lhe disse, assumindo com facilidade o papel de líder apesar de sua má condição física.
— Agora mesmo, quão único importa é manter com vida Rio.
—Você —disse Eva, em tom seco enquanto lhe dirigia um olhar severo. Seus olhos mostraram um brilho mais selvagem e seu rosto se transformou em uma máscara de puro ódio.
— Deveria ser você quem se estivesse morrendo agora mesmo, e não ele! Você, Lucan. Esse foi o trato que fiz! Sabiam que tinha que ser você!
Na enfermaria pareceu abrir um abismo que se tragasse todo som exceto a surpreendente verdade do que a companheira de Rio acabava de confessar.
Dante e Nikolai se levaram as mãos as armas, ambos os guerreiros dispostos a responder a mais ligeira provocação. Lucan levantou uma mão para contê-los com o olhar fixo na Eva. A verdade era que não lhe importava absolutamente que sua malevolência se dirigisse diretamente contra ele; se ele tinha sido uma espécie de alvo para sua fúria, havia sobrevivido a isso . Rio possivelmente não o fizesse. Qualquer dos irmãos presente na batida dessa noite tivesse podido não sobreviver a traição da Eva.
—Os renegados sabiam que íamos estar ali —disse Lucan em um tom frio por causa de uma profunda fúria.
— Caímos em uma emboscada no armazém. Você o preparou.
Outros guerreiros emitiram uns grunhidos guturais. Se a confissão a tivesse feito um macho, Lucan tivesse podido fazer muito pouco para impedir a seus irmãos que atacassem com uma força letal. Mas se tratava de uma companheira de raça, uma dos seus. Alguém a quem conheciam e em quem confiavam desde fazia mais de uma vida.
Agora Lucan olhava a Eva e via uma desconhecida. Viu loucura. Um desespero mortal.
—Rio tinha que salvar-se. —inclinou-se sobre ele e lhe passou o antebraço por debaixo da cabeça enfaixada. O emitiu um som descarnado e indecifrável enquanto Eva lhe abraçava.
— Eu não queria que ele tivesse que lutar mais. Não, por vocês.
—Assim preferiria lhe ver destroçado, em lugar disso? —perguntou-lhe Lucan.
— Assim é como lhe quer?
—Amo-lhe! —gritou ela.
— O que tenho feito, tudo o que tenho feito, foi por amor a ele! Rio será mais feliz em algum outro lugar, longe de toda esta violência e morte. Será mais feliz em um Refúgio Escuro, comigo longe de sua maldita guerra!
Rio emitiu o mesmo som gutural, mas agora soou mais lastimero. Não cabia dúvida de que era um som de agonia, embora se era devido à dor física ou a inquietação pelo que estava acontecendo ao seu redor não estava claro.
Lucan negou com a cabeça lentamente.
—Essa é uma afirmação que você não pode fazer por ele, Eva. Não tem direito. Esta é a guerra de Rio, tanto como a de qualquer outro. É no que ele acreditava, no que sei que ainda crie, inclusive depois do que lhe tem feito. Esta guerra concerne a toda a raça.
Ela franziu o cenho com gesto azedo.
—Resulta irônico que o cria, dado que você mesmo estiveste a ponto de te converter em um renegado.
—Jesucristo —exclamou Dante de onde se encontrava, perto.
— Esta equivocada, Eva. Está terrivelmente equivocada.
— Ah, sim? —Ela continuou cravando o olhar em Lucan com expressão sádica.
— Te estive observando, Lucan. Vi-te lutar contra a sede quando acreditava que não havia ninguém perto. Sua aparência de controle não me engana.
—Eva —disse Gabrielle. Sua voz tranqüila foi um bálsamo para todos os que se encontravam na habitação.
— Está alterada. Não sabe o que está dizendo.
Ela rio.
—lhe peça que o negue. lhe pergunte por que se priva de sangue até que está quase a ponto de morrer de sede!
Lucan não disse nada em resposta a essa acusação pública, porque sabia que era verdade.
Também sabia Gabrielle.
Sentiu-se comovido de que lhe defendesse, mas nesses momentos não se tratava tanto dele como de Rio e do engano que ia destroçar a esse guerreiro. Possivelmente já o tinha feito, a julgar pelo crescente movimento de suas pernas e pelo esforço que realizava para falar apesar das feridas.
—Como fez esse trato, Eva? Como entrou em contato com os renegados, em uma de suas excursões fora?
Ela bufou com gesto de brincadeira.
—Não foi tão difícil. Há serventes passeando por toda a cidade. Somente tem que olhar fora. Encontrei a um e lhe disse que me pusesse em contato com seu chefe.
—Quem era? —perguntou Lucan—. Que aspecto tinha?
—Não sei. Somente nos encontramos uma vez e manteve o rosto oculto. Levava uns óculos escuros e teve as luzes da habitação do hotel apagadas. Não me importava nem quem era nem que aspecto tinha. O único que me importava era que tivesse o poder suficiente para fazer que as coisas ocorressem. Somente queria sua promessa.
—Imagino que te fez pagar por isso.
—Foram somente um par de horas com ele. Tivesse pago algo —disse, agora sem olhar a Lucan nem aos outros, que a olhavam com expressão de desagrado, mas sim manteve a vista fixa em Rio.
— Faria algo por ti, querido. Suportaria. .. algo.
—Possivelmente vendeu seu corpo —disse Lucan—, mas foi a confiança de Rio o que traiu.
Dos lábios de Rio surgiu um som áspero. Eva lhe arrulhava e o acariciou. Ele abriu as pálpebras e se ouviu sua respiração, oca e esforçada, enquanto tentava pronunciar umas palavras.
—Eu... —Tossiu e seu corpo maltratado sofreu um espasmo—. Eva...
—OH, meu amor... sim. Estou aqui! —gritou—. Me diga o que queira, carinho.
—Eva... —De sua garganta não saiu nenhum som durante uns instantes, mas voltou a tentá-lo.
— Eu... lhe... acuso.
—O que?
—Morta... —Gemeu. Sem dúvida a dor psicológica era maior que a fisica, mas a ferocidade de seus olhos brilhantes e injetados em sangue diziam que não ia se deter.
— Já não existe... para mim... está... morta.
—Rio, é que não o compreende? Tenho-o feito por nós!
—Vai —disse ele com voz entrecortada.
— Não te quero ver... nunca mais.
—Não o pode dizer a sério. —Levantou a cabeça e seus olhos procuravam freneticamente um ponto onde posar-se.
— Não o diz a sério! Não é possível! Rio, me diga que não fala a sério!
Alargou a mão para lhe tocar, mas ele emitiu um grunhido e utilizou a pouca força que ficava para rechaçar seu contato. Eva soluçou. O sangue das feridas dele cobria a parte dianteira da roupa. Baixou a vista até as manchas e logo olhou a Rio, que agora a tinha afastado dele por completo.
O que aconteceu a seguir durou somente uns segundos como máximo, mas foi como se o tempo se houvesse ralentizado a uma lentidão implacável.
O olhar aniquilado da Eva caiu sobre o cinturão das armas de Rio, que estava no chão ao lado da cama.
Uma expressão de determinação se formou em seu rosto e se lançou por volta de uma das facas.
Levantou a adaga brilhante por cima de seu rosto.
Sussurrou a Rio que sempre lhe amaria.
Então girou a faca que tinha na mão e o cravou a si mesmo na garganta.
—Eva, não! —gritou Gabrielle. Seu corpo reagiu automaticamente, como se acreditasse que podia salvar À outra fêmea.
— OH, Meu deus, não!
Mas Lucan a sujeitou ao seu lado. Rapidamente tomou entre os braços e lhe fez girar o rosto para seu peito para evitar que visse Eva cortar sua próprio jugular e cair, sangrando e sem vida, ao chão.
Capítulo vinte e oito
Recém tomada banho, nas habitações de Lucan, Gabrielle se secou com uma toalha o cabelo molhado e colocou em cima um suave penhoar. Estava exausta depois de ter acontecido a maior parte do dia com o Savannah e Danika ajudando a Gideon a atender a Rio e a Lucan. No complexo todo mundo se encontrava em um estado de surda incredulidade por causa da traição de Eva e do trágico desenlace: Eva morta por sua própria mão e Rio agarrado precariamente a vida.
Lucan se encontrava em mal estado físico, além disso, mais fiel a sua palavra a sua obstinação, tinha abandonado a enfermaria por seus próprios pés pra ir descansar a suas habitações pessoais. Gabrielle estava assombrada de que ele tivesse aceito algum tipo de cuidado, mas a verdade era que as outras mulheres e ela mesma não lhe tinham deixado muitas posibilidades de rechaçá-lo.
Gabrielle se sentiu invadida pelo alívio ao abrir a porta do banho e lhe encontrar sentado na enorme cama com as costas apoiada na cabecera, sobre um montão de almofadas. Tinha uma bochecha e a frente cheias de pontos e as vendagens lhe cobriam a maior parte do largo peito e das pernas, mas se estava recuperando. Estava inteiro e, com o tempo, curaria-se.
Igual a ela, ele não levava nada em cima exceto um penhoar branco; isso era quão único as mulheres lhe tinham permitido ficar em cima, depois de ter acontecido horas limpando e lhe curando as contusões e as feridas cheias de metralha que tinha em quase todo o corpo.
—Sente-se melhor? —perguntou-lhe Lucan, olhando-a enquanto ela passava os dedos pelo cabelo úmido para apartar-lhe do rosto.
— pensei que teria fome ao sair do banho.
—A verdade é que morro de fome.
Ele assinalou uma robusta mesa de coquetel que se encontrava na salinha do dormitório, mas o olfato de Gabrielle já tinha detectado o impressionante bufé. O aroma de pão francês, a alho e especiarias, a molho de tomate e a queijo alagava a habitação. Viu um prato de verduras e um tigela cheio de fruta fresca, e inclusive uma coisa escura com aspecto de chocolate em meio das outras tentações. aproximou-se para jogar uma olhada mais de perto e o estômago lhe retorceu de fome.
—Manicotti —disse, inalando o aromático aroma da massa. Ao lado de uma taça de cristal havia uma garrafa de vinho tinjo aberta.
— E Chianti?
—Savannah queria saber se você tinha algum alimento preferido. Isso foi o único que me ocorreu.
Essa era a comida que ela preparou a noite em que ele tinha ido a seu apartamento para lhe devolver o telefone celular. A comida que ficou fria, esquecida, em cima do mármore da cozinha enquanto ela e Lucan ficavam como coelhos.
—recordou o que eu tinha cozinhado essa noite?
Ele se encolheu de ombros ligeiramente.
—Sente-se. Come.
—Somente há um assento.
—Está esperando uma visita?
Ele olhou.
—De verdade não pode comer nada disto? Nem sequer um mordisco?
—Se o fizesse, somente poderia agüentar uma pequena quantidade no estômago. —Fez-lhe um gesto para que se sentasse.
— Comer os mantimentos dos humanos é somente algo que fazemos pelas aparências.
—De acordo. —Gabrielle se sentou no chão com as pernas cruzadas. Tirou o guardanapo de linho debaixo dos talheres e a colocou em cima do regaço.
— Mas não me parece justo me pôr morada diante de ti.
—Não se preocupe por mim. Já recebi muitas cuidados e cuidados femininos por hoje.
—Como quer.
Ela estava muito faminta para esperar um segundo mais e a comida tinha um aspecto muito delicioso para resistir. Com o garfo, Gabrielle cortou uma parte de manicotti e o degustou em um estado de absoluto êxtase. Comeu a metade do prato em um tempo recorde e somente fez uma pausa para encher a taça de vinho, que também bebeu com um prazer voraz.
Durante todo o tempo Lucan a esteve olhando da cama.
—Está bom? —perguntou-lhe em um momento em que lhe olhava por cima do bordo da taça de vinho enquanto tomava um sorvo.
—Fantástico —murmurou ela e encheu a boca de verduras com vinagrete. Sentia o estômago muito mais tranqüilo agora. Comeu o resto da salada, serviu outro copo do Chianti e se recostou com um suspiro.
— Obrigado por isso. Tenho que dar as graças a Savannah também. Não tinha por que haver-se incomodado tanto.
—Agrada-lhe —disse Lucan com uma expressão atenta mas indescifravel.
— Foi de grande ajuda ontem de noite. Obrigado por cuidar de Rio e dos outros. De mim, também.
—Não tem por que me dizer obrigado.
—Sim, tenho que fazê-lo. —Franziu o cenho e uma pequena ferida que tinha costurada, na frente, inchou-se com o movimento.
— Foi amavel e generosa durante todo o tempo e eu... —interrompeu-se e disse algo inaudível.
— Te agradeço o que tem feito. Isso é tudo.
«OH —pensou ela.
— Isso é tudo.» Inclusive sua gratidão aparecia depois de uma barreira emocional.
De repente se sentiu como uma estranha com ele nesse momento, assim que lhe deu vontade de trocar de tema.
—ouvi que Tegan voltou de uma peça.
—Sim. Mas Dante e Niko estiveram a ponto de destroçá-lo quando lhe viram por ter desaparecido durante a batida.
—O que lhe aconteceu a outra noite?
—Quando as coisas ficaram feias, um dos renegados tentou sair por uma porta traseira do armazém. Tegan lhe perseguiu até a rua. Ia acabar com esse chupão, mas decidiu lhe seguir primeiro para ver aonde ia. Perseguiu-lhe até o velho psiquiátrico que se encontra fora da cidade. Esse lugar estava infestado de renegados. Se havia alguma duvida, agora já estamos seguros de que é uma enorme colônia. Próvavelmente seja o quartel geral desta Costa.
Gabrielle sentiu um calafrio ao pensar que tinha estado nesse psiquiátrico, que tinha estado dentro dele, sem saber que era um refúgio de rénegados.
—Tenho umas quantas fotos do interior. Ainda estão em minha câmara. Não tive tempo das descarregar, ainda.
Lucan tinha ficado imovel e a olhava como se ela houvesse acabado de lhe dizer que tinha estado jogando com amadurecidas. Seu rosto pareceu empalidecer um pouco mais ainda.
—Não somente foi ali mas sim entrou nesse lugar?
Ela se encolheu de ombros, sentindo-se culpado.
—Jesus Cristo, Gabrielle. —Baixou as pernas da cama e ficou sentado ali um momento comprido, simplesmente olhando-a. Demorou um momento em poder pronunciar as palavras.
— eles poderiam ter te matado. Dá-te conta disso?
—Mas não o fizeram —respondeu; uma pobre observação, mas um feito.
—Não é esse o tema. —passou-se as duas mãos pelo cabelo das têmporas.
— Merda. Onde está sua câmara? '
—Deixei-a no laboratório.
Lucan tomou o telefone que tinha ao lado da cama e marcou o número do intercomunicador. Gideon respondeu no outro extremo da linha.
—Né, o que há? Tudo vai bem?
—Sim —disse Lucan, mas estava olhando a Gabrielle.
— Diga a Tegan que deixe o reconhecimento do psiquiátrico de momento. Acabo-me de me interar de que temos fotos do interior.
—Sério? —fez-se uma pausa—. Ah, porra. Quer dizer que ela de verdade entrou nesse maldito lugar?
Lucan a olhou e arqueou uma sobrancelha com uma expressão como de «lhe havia dito».
—Descarrega as imagens da câmara e diga aos outros que nos reunirémos dentro de uma hora para decidir a nova estratégia. Acredito que nos economizamos um tempo crucial com isto.
—Bem. Vemo-nos as quatro.
A chamada terminou com um som do intercomunicador.
—Tegan ia voltar para o psiquiátrico?
—Sim —respondeu Lucan.
— Provavelmente era uma missão suicida, já que ele foi tão louco que insistiu em que se infiltraria sozinho esta noite para conseguir informação sobre o lugar. Embora ninguém ia convencer lhe de que não o fizesse, e muito menos eu.
Levantou-se da cama e começou a inspecionar-se algumas das bandagem. Fez um movimento que lhe abriu o penhoar, mostrando a maior parte do peito e o abdômen. As marca que tinha no peito tinham um pálido tom de henna, viam-se mais claras que a noite anterior. Agora tinham quase a mesma cor que o resto de seu corpo. Torradas e quase sem cor.
—Por que Tegan e você têm tão má relação? —perguntou-lhe sem mover a vista de cima ao atrever-se a lhe fazer essa pergunta que tinha tido na cabeça do momento em que Lucan tinha pronunciado o nome do guerreiro.
— O que aconteceu entre vocês?
Ao princípio pensou que ele não ia dizer nada. Ele continuou inspecionando as feridas, flexionando os braços e as pernas em silêncio. Então, justo no momento em que ela ia desistir, ele disse:
—Tegan me culpa de lhe haver tirado algo que era dele. Algo que ele amava. —Olhou-a diretamente agora:
— Sua companheira de raça morreu. Em minhas mãos.
—Deus santo —sussurrou ela.
— Lucan, como foi?
Ele franziu o cenho e apartou o olhar outra vez.
—As coisas eram diferentes quando Tegan e eu nos conhecemos ao principio. A maioria dos guerreiros decidia não ter nenhuma companheira porque os perigos eram muito grandes.
Naquela época, fomos muito poucos na Ordem, e proteger as nossas famílias era algo muito difícil dado que o combate nos obrigava a estar quilômetros de distância e, freqüentemente, durante muitos meses.
—E os Refúgios Escuros? Não tivessem podido lhes oferecer amparo?
—Havia menos refúgios, também. E ainda eram menos os que ouvessem arriscado a aceitar o risco de albergar a uma companheira de raça de um guerreiro. Nós e nossos seres queridos fomos um branco constante da violência dos renegados. Tegan sabia tudo isto, mas de todas formas estabeleceu um vínculo com uma fêmea. Não muito tempo depois, ela foi capturada pelos renegados. Torturaram-na. violaram-na. E antes de devolve-la ele, chuparam-lhe quase todo o sangue. Ela se haviabía ficado vazia; pior que isso, converteu-se em uma servente do renegado que a tinha destroçado.
—OH, Meu Deus —exclamou Gabrielle, horrorizada.
Lucan suspirou, como se o peso dessas lembranças fora muito para ele.
—Tegan se voltou louco de fúria. Comportou-se como um animal, assassinando tudo aquilo que encontrava ao seu passo. Acostumava a estar tão coberto de sangue que muitos pensavam que se banhava nela. Se recriava em sua fúria e, durante um ano, negou-se a aceitar o fato de que sua companheira de raça tinha perdido a cabeça para sempre. Continuou alimentándo-a de suas veias, sem querer ver sua degradação. Alimentava-se para alimentar a ela. Não lhe importava o fato de que se estava precipitando para a sede de sangue. Durante todo esse ano desafiou a lei da raça e não a tirou de seu sofrimento. Quanto a Tegan, estava-se voltando pouco a pouco em um renegado. Terei que fazer algo...
Gabrielle terminou a frase que ele tinha deixado incompleta.
—E como líder, foi tua responsabilidade entrar em ação.
Lucan assentiu com expressão triste.
—Coloquei a Tegan em uma cela de grossos muros de pedra e utilizei a espada com sua companheira de raça.
Gabrielle fechou os olhos ao perceber seu arrependimento.
—OH, Lucan...
—Tegan não foi liberado até que seu corpo ficou limpo da sede de sangue. Fizeram falta muitos meses de passar fome e de sofrer uma completa agonia para que pudesse sair da cela por seu próprio pé. Quando soube o que eu tinha feito, acreditei que tentaria me matar. Mas não o fez. Tegan que eu conhecia não foi o que saiu dessa cela. Era alguém muito mais frio. Nunca o há dito, mas sei que me odeia desde esse momento.
—Não tanto como você odeia a você mesmo.
Ele tinha as mandíbulas apertadas com força e uma expressão tensa no rosto.
—Estou acostumado a tomar decisões difíceis. Não tenho medo de assumir as tarefas mais duras, nem de ser o objetivo da raiva, inclusive do ódio, por causa das decisões que tomo para a melhora da raça. Importa-me um nada tudo isso.
—Não, não é verdade —disse ela com suavidade—. Mas teve que fazer mau a um amigo, e isso foi um grande peso para ti durante muito, muito tempo.
Ele a olhou com intenção de discutir, mas possivelmente não tinha a força necessaria para isso. Depois de tudo pelo que tinha passado se sentia cansado, destroçado, embora Gabrielle não acreditava que ele estivesse disposto a admiti-lo, nem sequer ante ela.
—Você é um homem bom, Lucan. Tem um coração muito nobre debaixo dessa dura armadura.
Ele emitiu um grunhido irônico.
—Somente alguém que me conheça desde umas poucas semanas atrás pode cometer o engano de pensar isto.
—De verdade? Pois eu conheço uns quantos aqui que lhe diriam o mesmo. Incluindo Conlan, se estivesse vivo.
Ele franziu o cenho com expressão atormentada.
—O que sabe você disso?
—Danika me contou o que fez por ele. Que lhe levou acima durante a saída do sol. Para lhe honrar, queimou-te.
—Jesucristo —exclamou ele em tom cortante, ficando imediatamente em pé. Começou a caminhar acima e abaixo em um estado de grande excitação e ao final se deteve repentinamente ao lado da cama. Falou com voz rouca, como um rugido quase incontrolável.
— A honra não teve nada que ver com isso. Quer saber por que o fiz? Foi por um terrível sentimento de culpa. A noite da bomba na estação de trem eu tinha que ter estado cumprindo com essa missão ao lado do Niko, e não Colan. Mas não te podia tirar de minha cabeça. Pensei que, possivelmente, se te tinha. .. se finalmente entrava dentro de você... isso satisfaria minha ânsia e poderia continuar adiante, te esquecer. Assim que essa noite fiz que Conlan fora em meu lugar. Tivesse tido que ser eu, e não Conlan. Tinha que ter sido eu.
—Meu Deus, Lucan. É incrível. Sabia? —Deixou cair as mãos com força em cima da mesa e emitiu uma gargalhada furiosa.
— por que não pode te relaxar um pouco?
Essa reação incontrolada lhe chamou a atenção como nenhuma outra coisa o tinha feito. Deixou de caminhar de um lado a outro e a olhou.
—Você sabe por que —repôs com tom tranqüilo agora.
— Você sabe melhor que ninguém. —Meneou a cabeça com uma expressão de desgosto consigo mesmo nos lábios.
— Resulta que Eva também sabia algo à respeito.
Gabrielle recordou a impactem cena da enfermaria. Todo mundo se tinha ficado horrorizado ante os atos da Eva, e assombrado pelas loucas acusações contra Lucan. Todos menos ele.
—Lucan, o que ela disse...
—Tudo é certo, tal e como você mesma viu. Mas você ainda me defendeu. Foi a segunda vez que ocultaste minha debilidade ante outros. —Franziu o cenho e girou a cara.
— Não vou pedir te que o faça outra vez. Meus problemas são minha coisa.
—E precisa solucioná-los.
—O que preciso é me vestir e jogar uma olhada a essas imagens que Gideon está descarregando. Se nos oferecerem a informação suficiente sobre a distribuição do psiquiátrico, podemos atacar esse lugar esta noite.
—O que quer dizer, atacá-lo esta noite?
—Acabar com ele. Fechá-lo. Fazê-lo voar pelos ares.
—Não é possível que fale a sério. Você mesmo há dito que possívelmente esteja cheio de renegados. De verdade crie que você e três tipos mais vão sobreviver se lhes enfrentam a um número desconhecido deles?
—Temos feito antes. E seremos cinco —disse, como se isso o fosse distinto.
— Gideon há dito que quer participar do que façamos. Vai ocupar o lugar de Rio.
Gabrielle se burlou, incrédula.
—E o que me diz de você? Quase não te tem em pé.
—Estou caminhando. Estou o bastante bem. Eles não esperam que contrataquemos tão logo, assim é o melhor momento para dar o golpe.
—Deve ter perdido a cabeça. Precisa descansar, Lucan. Não está em condições de fazer nada até que não recupere a força. Precisa te curar. —Observou que ele apertava as mandíbulas: um tendão lhe marcou por debaixo de uma de suas esbeltas bochechas. A expressão de seu rosto era mais dura do habitual, seus rasgos pareciam muito afilados.
— Não pode sair aí fora tal como está.
—Hei dito que estou bem.
Pronunciou as palavras precipitadamente e em um tom rouco e gutural. Voltou a olhá-la e seus olhos chapeados se viam atravessados por umas brilhantes línguas de cor âmbar, como se o fogo lambesse o gelo.
—Não o está. Nem muito menos. Precisa te alimentar. Seu corpo sofreu muito ultimamente. Precisa te nutrir.
Gabrielle sentiu que uma onda fria alagava a habitação e soube que próvinha dele. Estava provocando sua fúria. Lhe tinha visto em seus piores momentos e tinha vivido para contá-lo, mas possivelmente agora estava pressioando muito. dava-se conta de que ele estava inquieto e tenso e de que se controlava com força desde que a tinha levado a complexo. Agora ele estava no fio, perigosamente; de verdade queria ser ela quem lhe empurrasse ao outro lado da linha de seu autocontrole?
«A merda.» Possivelmente era isso o que fazia falta.
—Tem o corpo destroçado agora, Lucan, não somente por causa das feridas. Está débil. E tem medo.
—Medo. —Dirigiu-lhe um olhar frio e depreciativo, com um sarcasmo gelado.
— Do que?
—De você mesmo, para começar. Mas acredito que inclusive tem mais medo de mim.
Ela esperava uma refutação foto instantânea, fria e desagradável, acorde com a sombria raiva que emanava dele como a gelada. Mas ele não disse nada. Olhou-a durante um comprido momento, logo se deu a volta e se alojo, um pouco tenso, em direção a um armário alto que havia ao outro extremo da habitação.
Gabrielle permaneceu sentada no chão e lhe observou abrir abruptamente as gavetas, tirar umas roupas e as lançar sobre a cama.
—O que está fazendo?
—Não tenho tempo de discutir isto contigo. Não tem sentido.
Um armário alto que continha armas se abriu antes de que ele o tocasse: suas comporta se deslizaram ao redor das dobradiças com uma violenta sacudida. ele se aproximou a passo lento e estirou uma prateleira dobradiça. Em cima da superfície de veludo da prateleira havia pelo menos uma dúzia de adagas e outras armas brancas de aspecto letal ordenadas em filas. Com um gesto descuidado, Lucan tomou duas grandes facas embainhadas em pele. Abriu outro das prateleiras e escolheu uma pistola de aço inoxidável gentil que parecia saída de um terrível filme de ação.
— Como você não gosta do que estou dizendo vais sair fugindo? —ele nem a olhou nem soltou nenhuma maldição como resposta. Não, ignorou-a por completo, e isso a tirou de gonzo completamente.
— Adiante, pois. Finge que é invencível, que não está morto de medo de deixar que alguem se preocupe de ti. Escapa de mim. Isso somente demonstra que tenho razão.
Gabrielle sentiu uma absoluta desesperança enquanto Lucan tirava a munição do armário e a introduzia no carregador da pistola. Nada do que ela pudesse dizer ia deter lhe. Sentia-se necessitada, como se intentasse rodear com os braços uma tormenta.
Apartou o olhar dele e dirigiu os olhos a mesa frente à qual estava sentada, Aos pratos e aos talheres que tinha diante. Viu uma faca limpa em cima da mesa; polida a folha brilhava.
Não podia lhe reter com palavras, mas havia outra coisa...
Subiu a manga larga da bata. Com muita tranqüilidade, com a mesma determinação atrevida de que se valeu centenas de vezes anteriormente, Gabrielle tomou a faca e apertou o fio contra a parte mais carnuda de seu antebraço. Realizou pouca pressão, um muito ligeiro corte sobre sua pele.
Não soube qual dos sentidos de Lucan foi o que reagiu primeiro, mas levantou a cabeça imediatamente e soltou um rugido. Ela se deu conta de que o que tinha feito ressonava em cada um dos móveis da habitação.
—Maldita seja... Gabrielle!
A folha saiu voando de sua mão, chegou ao outro extremo da habitação e foi cravar se até o punho na parede mais afastada da mesma.
Lucan se moveu com tanta rapidez que ela quase não pôde perceber seus movimentos. Um momento antes ele tinha estado em pé a uns metros de distância da cama e ao cabo de um instante uma de suas enormes mãos lhe sujeitava os dedos e atirava dela para que ficasse em pé. O sangue emanava pela fina linha do corte, suculenta, de uma profunda cor carmesí, e gotejava ao longo de seu braço. A mão de Lucan ainda sujeitava com força a sua.
Ele, ao seu lado, parecia uma muito alta torre escura e ardente de fúria.
O peito agitado, as fossas nasais dilatadas enquanto seu fôlego saía e entrava em seus pulmões. Seu formoso rosto estava contraído por causa da angústia e a indignação, e seus olhos ardiam com o inconfundível calor da sede. Não ficava nem rastro de sua cor cinza e suas pupilas se esgotaram formando duas finas linhas negras. As presas lhe haviam alargado e as pontas, afiadas e brancas, brilhavam por debaixo do depravaso sorriso de seus lábios.
—Agora tenta dizer que não necessita o que te estou oferecendo —lhe sussurrou ela com ferocidade.
O suor aparecia a frente enquanto observava a ferida fresca e o sangue. Lambeu-se os lábios e pronunciou uma palavra em outro idioma.
Não soou amistosa.
—por que? —perguntou, em tom acusador.
— Por que me faz isto?
—De verdade não sabe? —Lhe agüentou o furioso olhar, acalmando sua raiva enquanto umas gotas de sangue salpicavam com uma cor carmesí a brancura da bata.
— Porque te amo, Lucan. E isto é quão único posso te dar.
Capítulo vinte e nove
Lucan acreditava que sabia o que era a sede. Acreditava que conhecia a fúria e o desespero —o desejo, também— mas todas as míseras emoções que tinha sentido durante sua eterna vida se desfizeram como o pó quando olhou aos desafiantes olhos marrons de Gabrielle.
Tinha os sentidos embargados, afogados no doce aroma de jasmim de seu sangue, essa fonte perigosamente perto de seus lábios. De um brilhante cor vermelha, denso como o mel, um fio carmesim brotava pela pequena ferida que ela se fez.
—Amo-te, Lucan. —Sua suave voz se abriu passo Através do som dos batimentos do coração de seu próprio coração e da imperiosa necessidade que agora lhe atendia.
— Com ou sem vínculo de sangue, amo-te.
Ele não podia falar, nem sequer sabia o que houvesse dito se sua garganta seca tivesse sido capaz de emitir alguma palavra. Com um grunhido selvagem, separou-a dele, muito fraco para permanecer ao lado dela agora que sua parte escura lhe empurrava a fazê-la sua dessa forma firme e errevogavel.
Gabrielle caiu sobre a cama; a bata com muita dificuldade cobria sua nudez. Umas brilhantes mancha lhe salpicavam a manga branca e a lapela. Tinha outra mancha vermelha sobre a coxa, de uma vivido cor escarlate que contrastava com o tom de sua pele.
Deus, como desejava levar os lábios até essa sedosa ferida na carne, e por todo seu corpo. Somente o seu.
«Não.»
A ordem lhe saiu em um tom tão seco como as cinzas. Sentia o ventre atendido pela dor, retorcido e como cheio de nós. O fazia desfalecer. Os joelhos lhe falharam assim que tentou dár a volta para apartar essa imagem tentadora dela, aberta e sangrando, como um sacrificio devotado a ele.
Deixou-se cair sobre o tapete do chão, uma massa inerte de músculo e ossos, lutando contra uma necessidade que não tinha conhecido até esse momento. Lhe estava matando. Esta ânsia dela, como se sentia desgarrado ao pensar que ela podia estar com outro macho.
E além disso, a sede.
Nunca tinha sido tão intensa como quando Gabrielle estava perto. E agora que seus pulmões se encheram com o perfume de seu sangue, sua sede era devoradora.
—Lucan...
Ele percebeu que ela se separava da cama. As suaves pisadas de seus pés soaram no tapete e estes apareceram lentamente ante sua vista, as unhas pintadas como a fina laca de umas conchas. Gabrielle se agachou ao seu lado. Ele sentiu a suavidade da mão dela em seu cabelo, e logo a sentiu sob seu queixo, levantando a cabeça para lhe olhar ao rosto.
—Bebe de mim.
Ele apertou os olhos com força, mas foi um intento débil de rechaçar o que lhe oferecia. Não tinha a força necessária para lutar contra a força tenra e incessante dos braços dela, que agora lhe atraíam para si.
Lucan cheirava o sangue no pulso dela: cheiraria tão de perto lhe despertou uma furiosa corrente de adrenalina que lhe atravessou. A boca lhe fez água, as presas lhe alargaram mais, esticando as gengivas. Provocou mais lhe levantando o torso do chão. Com uma mão se apartou o cabelo a um lado tirando o chapéu o pescoço para ele.
Ele se removeu, mas lhe sujeitou com firmeza. Atraiu-lhe mais para ela.
—Bebe, Lucan. Toma o que necessite.
Inclinou-se para frente até que somente houve um sopro de ar entre os relaxados lábios dele e o delicado pulso que pulsava debaixo a pele pálida debaixo de sua orelha.
—Faz-o —sussurrou ela, e lhe atraiu para si.
Pressionou os lábios com força contra seu pescoço.
Ele agüentou nessa posição durante uma eternidade de angústia. Mas somente demorou uma fração de segundo em pôr a ceva. Lucan não estava seguro. Do único que era consciente era do quente contato da pele dela em sua língua, do batimento do coração de seu coração, da rapidez de sua respiração. Do único que era consciente era do desejo que sentia por ela.
Não ia rechaçar o mais.
Desejava-a, desejava-o tudo dela, e a besta se desatou e já era impossível ter piedade.
Abriu a boca... e cravou as presas na flexível carne de seu pescoço.
Ela afogou uma exclamação ao sentir a repentina penetração de seus dentes, mas não lhe soltou, nem sequer quando notou que ele tragava pela primeira vez o sangue de sua veia aberta.
O sangue se precipitou dentro da boca de Lucan, quente e com um sabor terroso, delicioso. Era muito superior Ao que teria imaginado nunca.
Depois de viver durante novecentos anos, finalmente sabia o que era o céu.
Bebeu com urgência, em quantidade, com uma sensação de necessidade que lhe transbordava enquanto saciava do sangue da Gabrielle lhe descia pela garganta e penetrava a carne, os ossos e as células. O pulso acelerou, sentiu-se renascer, o sangue voltou a correr pelas pernas e lhe curou as feridas.
O sexo tinha despertado com o primeiro sorvo; agora pulsava com força entre as pernas. Exigia inclusive uma maior posse.
Gabrielle lhe acariciava o cabelo, sujeitava-lhe contra ela enquanto ele bebia. Gemeu com cada uma das chupadas de seus lábios, sentia que lhe desfazia o corpo. Seu aroma se fez mais escuro e úmido A causa do desejo.
—Lucan —disse quase sem fôlego, estremecendo-se.
— OH, Deus...
Com um grunhido sem palavras, empurrou-a contra o chão, debaixo dele. Bebeu mais, perdendo-se no erótico calor do momento com uma desesperada e frenezi que lhe aterrorizou.
«Minha», pensou, sentindo-se profundamente selvagem e egoísta.
Agora era muito tarde para deter-se.
Esse beijo lhes tinha amaldiçoado aos dois.
Enquanto que a primeira dentada lhe tinha provocado uma comoção, a aguda dor se dissipou rapidamente para converter-se em uma sensação suntuosa e embriagadora. Sentiu o corpo alagado pelo prazer, como se cada larga chupada dos lábios de Lucan lhe injetasse uma corrente de calidez no corpo que lhe chegava até o mesmo centro e lhe acariciava a alma.
ele a levou até o chão com ele, as batas se entreabriram e a cobriu com seu corpo nu. Notou as mãos dele, ásperas, que lhe sujeitavam a cabeça para um lado enquanto bebia dela. Sem fazer caso da dor que as feridas lhe pudessem estar fazendo, pressionou seu peito nu contra seus peitos. Seus lábios não se separaram de seu pescoço nem um momento. Gabrielle sentia a intensidade da necessidade dele a cada chupada.
Mas sentia sua força, também. Estava-a recuperando, pouco a pouco, graças a ela.
—Não te detenha —murmurou ela, pronunciando com lentidão por causa do êxtase que crescia em seu interior a cada movimento de seus lábios.
— Não vais fazer me danifico, Lucan. Confio em ti.
O som úmido e voraz que provocava sua sede era o mais erótico que tinha conhecido nunca. Adorava sentir o calor dos lábios dele em cima de sua pele. Os arranhões que lhe provocavam as presas dele enquanto se enchia a boca com seu sangue lhe resultavam perigosos e excitantes.
Gabrielle já se deslizava para um orgasmo dilacerador no momento em que notou a grosa cabeça da ereção de Lucan lhe pressionando o sexo. Estava úmida, desejando dolorosamente. Ele a penetrou com uma investida que a encheu por completo com um calor vulcânico e potente que detonou dentro dela ao cabo de um instante. Gabrielle gritou enquanto ele a investia com força e depressa, sentindo os braços dele que a aprisionavam, apertando-a com força. Investia a um ritmo amalucado, empurrado por uma força de puro e magnífico desejo.
Mas permaneceu grudado em seu pescoço, empurrando-a para uma doce e feliz escuridão.
Gabrielle fechou os olhos e se deixou flutuar envolta em uma formosa nuvem de cor obsidiana.
Como desde muito longe notou que Lucan se retorcia e investia em cima de seu corpo com urgência, que todo seu corpo vibrava pela potência do climax. Emitiu um grito áspero e ficou completamente imovel.
A deliciosa pressão no pescoço se afrouxou de forma abrupta e logo depois desapareceu, deixando uma grande frieza a seu passo.
Gabrielle, que ainda se sentia alagada pela embriaguez de notar a Lucan dentro dela, levantou as pálpebras, pesados. Lucan estava colocado de joelhos em cima dela e a olhava como se ficou gelado. Tinha os lábios de um vermelho brilhante e o cabelo revolto. Seus olhos selvagens lançavam brilhos de cor âmbar, de tão brilhantes. A cor de sua pele parecia mais saudável e o labirinto de marcas que lhe cobriam os ombros e o torso tinha um brilho de um tom carmesim escuro.
—O que acontece? —perguntou-lhe, preocupada—. Está bem?
Ele não falou durante um comprido momento.
—Jesucristo. —Sua voz grave soou como um grunhido trêmulo, de uma forma que não lhe tinha ouvido antes. Tinha o peito agitado.
— Acreditei que estava... acreditei que te havia...
—Não —lhe disse ela, fazendo um gesto negativo com a cabeça e com uma expressão preguiçosa e saciada.
— Não, Lucan. Estou bem.
Ela não compreendeu o que significava a expressão intensa dele, mas ele não a ajudou. separou-se dela. Seus olhos, que se tinham transformado, mostravam uma expressão de dor.
Gabrielle sentia o corpo frio e vazio sem o calor dele. sentou-se e se esfregou para fazer-se passar um repentino calafrio.
—Está bem —lhe tranqüilizou—. Tudo está bem.
—Não. —O negou com a cabeça e ficou em pé—. Não. Isto foi um equívoco.
—Lucan...
—Não devi ter permitido que isto acontecesse! —gritou.
Emitiu um grunhido de fúria e se dirigiu aos pés da cama para agarrar suas roupas. Colocou uma calça de camuflagem negra e uma camiseta de algodão, logo tomou suas armas e suas botas e abandonou a habitação com uma fúria tempestuosa e ardente.
Lucan quase não podia respirar por causa da força com que o coração lhe pulsava no peito.
No momento em que sentiu que Gabrielle ficava inerte debaixo dele enquanto ele bebia dela, atravessou-lhe um medo descarnado que o desgaro por completo.
Enquanto ele bebia febrilmente de seu pescoço, lhe havia dito que confiava nele. Sentiu que o incentivo da sede de sangue lhe aguilhoava o corpo enquanto o sangue de Gabrielle lhe enchia. O som de sua voz tinha suavizado a dor, em parte. Ela se tinha mostrado tenra e cuidadosa: seu tato, sua emoção nua, sua mesma presença, tinha-lhe dado forças no momento em que sua parte animal tinha estado a ponto de tomar as rédeas.
Ela confiava em que não lhe faria mal, e essa confiança lhe tinha dado forças.
Mas então tinha notado que ela se desvanecia e temeu... Deus, quanto medo tinha sentido nesse instante.
Esse medo ainda lhe apertava, um terror escuro e frio a lhe fazer mal, a que poderia matá-la se permitia que as coisas chegassem mais longe do que o tinham feito.
Porque, por muito que ele a tivesse afastado e por muito que houvesse negado, lhe pertencia. Ele pertencia a Gabrielle, em corpo e alma, e não simplesmente pelo fato de que seu sangue lhe estivesse nutrindo nesse momento, estivesse-lhe curando as feridas e fortalecendo o corpo. Ele se tinha unido a ela muito antes desse momento. Mas a prova irrefutável disso tinha aparecido nesse funesto instante, fazia um momento, assim que temeu que podia havê-la perdido.
Amava-a.
Da parte mais profunda e solitária de si mesmo, amava a Gabrielle.
E queria tê-la em sua vida. De forma egoísta e perigosa, não havia nada que desejasse mais que tê-la ao seu lado para o resto de seus dias.
Dar-se conta disso lhe fez cambalear, ali, no corredor, diante do laboratório técnico. Na verdade, quase lhe fez cair de joelhos.
—Né, calma. —Dante se aproximou de Lucan quase sem avisar e lhe sujeitou por debaixo dos braços.
— Porra. Tem um aspecto infernal.
Lucan não podia falar. As palavras estavam além dele.
Mas Dante não necessitava nenhuma explicação. Jogou uma olhada ao seu rosto e a suas presas alargadas. As fossas nasais dilataram ao sentir o aroma de sexo e a sangue. Deixou escapar um assobio baixo e nos olhos desse guerreiro apareceu um brilho de ironia.
—Não pode ser certo... uma companheira de sangue, Lucan? — riu, meneando a cabeça enquanto lhe dava umas palmadas a Lucan no ombro.
— Porra. Melhor que seja você e não eu, irmão. Melhor você que eu.
Capítulo trinta
Três horas mais tarde, quando a noite era completa ao seu redor, Lucan e os outros guerreiros se encontravam preparados e sentados em um veículo de vigilância negro na rua, a uns oitocentos metros do velho psiquiátrico.
As fotografias de Gabrielle tinham sido de grande utilidade para planejar o golpe contra a guarita dos renegados. Além de várias fotografias exteriores do ponto de acesso da planta baixa, fez fotos interiores da habitação das caldeiras, de vários corredores, de escadas e inclusive algumas que inadvertidamente mostravam umas câmeras de segurança a rede que teriam que ser desativadas quando os guerreiros ganhassem acesso a esse lugar.
—Entrar vai ser a parte fácil —disse Gideon, enquanto o grupo estava a revisar por última vez a operação.
— Interromperei o sinal de segurança das câmeras da planta baixa mas, quando estivermos dentro, colocar essas duas dúzias de barras de C4 nos pontos críticos sem alertar a toda a colônia de chupões vai ser um pouco mais difícil.
—Por não mencionar o problema da publicidade não desejada dos humanos —disse Dante.
— O que é o que está fazendo que Niko tarde tanto em localizar esses tubos de gás?
—Aí vem —disse Lucan, ao ver a figura escura do vampiro que se acercava ao veículo de vigilância da fila de árvores da rua.
Nikolai abriu a porta traseira e subiu depois de Tegan. tirou o capuz negro e seus invernais olhos azuis faiscaram de excitação.
—É um caramelo. A linha principal está em uma caixa do extremo leste do complexo. Possivelmente esses chupões não necessitem calefação, mas o serviço público lhes subministra um montão de gás.
Lucan olhou os olhos ansiosos do guerreiro.
—Então entramos, deixamos nossos presentes, limpamos o lugar...
Niko assentiu com a cabeça.
—Me façam um sinal quando a merda esteja em seu lugar. Moverei o tubo principal e logo farei detonar o C4 quando todos estejam aqui de volta. Aparentemente será como se uma fuga de gás tivesse causado a explosão. E se os corpos de segurança querem meter-se nisto, estou seguro de que as fotos de Gabrielle dos grafites dos grupos farão que esses humanos farejem em círculos durante um tempo.
Enquanto, os guerreiros teriam mandado uma importante mensagem a seus inimigos, especialmente ao vampiro de primeira geração que Lucan suspeitava se encontrava ao mando desta nova sublevação dos renegados. Fazer voar o quartel general seria um convite suficiente para que esse bode saísse ao ar livre e começasse a dançar.
Lucan estava ansioso por começar. Inclusive estava mais ansioso por terminar com a missão dessa noite porque tinha um assunto por terminar quando voltasse para o complexo. Odiava ter deixado a Gabrielle dessa maneira e sabia que ela devia sentir-se confusa e, provavelmente, mais que inquieta.
Ficaram coisas por dizer, seguro, coisas nas que ele não tinha estado preparado para pensar muito e, muito menos, para as falar com ela nesse momento em que a surpreendente realidade de seus sentimentos por ela assaltou.
Agora tinha a cabeça cheia de planos.
Planos imprudentes, estúpidos e esperançosos, todos eles centrados nela.
No interior do veículo, ao seu redor, outros guerreiros estavam comprovando seu equipamento, carregando as barras de C4 dentro de bolsas com cremalheiras e realizando os ajustes finais aos auriculares e os micros que lhes permitiriam estar em contato uns com os outros quando chegassem ao perímetro do psiquiátrico e se separassem para colocar os explosivos.
—Esta noite vamos fazer isto por Rio —disse Dante_ enquanto fazia voltear suas facas curvadas entre os dedos enluvados e os introduzia nas capas que levava no quadril.
— Chegou o momento da vingança.
—Porra, sim —respondeu Niko, ao qual outros se ecoaram.
Quando se dispunham a sair pelas portas, Lucan levantou uma mão.
—Um momento. —A tristeza de seu tom de voz lhes fez deter-se.
— Há uma coisa que têm que saber. Dado que estamos a ponto de entrar aí e que é provável que nos dêem uma boa surra, suponho que este é um momento tão bom como qualquer outro para ser claro com vocês a respeito de um par de coisas... e necessito que cada um de vocês me façam uma promessa.
Olhou os rostos de seus irmãos, esses guerreiros que tinham estado lutando ao seu lado durante tanto tempo que parecia uma eternidade. Eles sempre lhe tinham cuidadoso como à um líder, tinham crédulo nele para que tomasse as decisões mais difíceis, sempre se tinham sentido seguros de que ele saberia como decidir uma estratégia ou como tomar uma decisão.
Agora duvidava, sem saber por onde começar. Esfregou-se a mandíbula e deixou escapar um forte suspiro.
Gideon lhe olhou com o cenho franzido e expressão de preocupação.
—Vai tudo bem, Lucan? Recebeu um bom golpe na emboscada da outra noite. Se não quiser participar disto...
—Não. Não é isso. Estou bem. Minhas feridas estão curadas... graças a Gabrielle —disse.
— Faz um momento, hoje, ela e eu...
—Não me diga —respondeu Gideon ao ver que Lucan se interrompia. Foder com o vampiro, mas estava .
—Bebeste dela? —perguntou Niko.
Tegan soltou um grunhido do assento traseiro.
—Essa fêmea é uma companheira de raça.
—Sim —respondeu Lucan com calma e seriedade—. E se me permitir isso, lhe vou pedir que me aceite como companheiro.
Dante lhe olhou, zombador, com uma expressão de risonha exasperação.
—Felicidades, cara. De verdade.
Gideon e Niko responderam de maneira similar e lhe deram umas palmada nas costas.
—Isso não é tudo.
Quatro pares de olhos se cravaram nele: todo mundo lhe olhava na espera séria exceto Tegan.
—A outra noite, Eva tinha umas quantas coisas que dizer de mim... —Imediatamente se levantaram uns protestos por parte de Gideon, Niko e Dante. Lucan continuou falando apesar dos grunhidos de irritação.
— A traição a Rio e a nós é indesculpável, sim. Mas o que disse de mim... era a verdade.
Dante lhe olhou com suspicácia.
—Do que está falando?
—Da sede de sangue —respondeu Lucan. A palavra soou com força no silêncio do interior do veículo.
— É... bom, é um problema para mim. È a muito tempo tempo. Estou-o dirigindo, mas algumas vezes... —Baixou a cabeça e olhou ao chão do veículo.
— Não sei se poderei vencê-la. Possivelmente, com Gabrielle a meu lado, possivelmente tenha uma oportunidade. Vou lutar como um demônio, mas se piorar...
Gideon cuspiu uma obscenidade.
—Isso não vai acontecer, Lucan. De todos os que estamos aqui sentados, você é o mais forte. Sempre o foste. Nada te pode tombar.
Lucan negou com a cabeça.
—Já não posso continuar fingindo que sou o que sempre controla. Estou cansado. Não sou invencível. Depois de novecentos anos de viver com esta mentira, Gabrielle não demorou nem duas semanas em desmascarar-me. Obrigou-me a ver como sou de verdade. Eu não gosto muito o que vejo, mas quero ser melhor... por ela.
Nico franziu o cenho.
—Porra, Lucan. Está falando de amor?
—Sim —disse ele com solenidade.
— Eu estou fazendo. A amo. E é por isso que tenho que lhes pedir uma coisa. A todos.
Gideon assentiu.
—Diga-o.
—Se as coisas ficarem feias comigo... em algum momento, logo, ou na rua... tenho que saber que conto com vocês, meninos, para que me apóiem. Se virem que me perco na sede de sangue, se creem que vou voltar me... Necessito sua palavra de que vão acabar comigo.
—O que? —exclamou Dante.
— Não pode nos pedir isso, cara.
—Me escutem. —Não estava acostumado a suplicar. Pronunciar essa petição era como suportar cascalho na garganta, mas tinha que faze-lo. Estava cansado de suportar sozinho esse peso. E o último que desejava era ter medo de que em um momento de debilidade pudesse lhe fazer algum mal a Gabrielle.
— Tenho que ouvir seus juramentos. O de cada um de vocês. Prometam-me isso .
—Merda —disse Dante, lhe olhando boquiaberto. Mas ao final assentiu com a cabeça e com expressão grave.
— Sim. De acordo. Está fodidamente louco, mas de acordo.
Gideon meneou a cabeça, logo levantou o punho e fez chocar os nodulos contra os de Lucan.
—Se isso for o que quer, tem-no. Juro-lhe isso, Lucan.
Niko pronunciou sua promessa também:
—Esse dia não chegará nunca, mas se o faz, sei que você fara o mesmo por qualquer de nós. Assim sim, tem minha palavra.
O qual deixava somente a Tegan por fazê-lo, que se encontrava sentado no assento traseiro com atitude estóica.
—E você, Tegan? —perguntou Lucan, dando-a volta para olhar aos olhos verdes e impassíveis.
— Posso contar contigo nisto?
Tegan lhe olhou larga e silenciosamente com atitude pensativa.
—Claro, cara. Porra, o que diga. Se te converter nisso, estarei em primera linha para acabar contigo.
Lucan assentiu com a cabeça, satisfeito, e olhou os rostos sérios de seus irmãos.
—Jesus —exclamou Dante quando o denso silêncio do veículo lhe fez interminável.
—Todo este sentimentalismo me está pondo impaciente por matar. Que tal se deixarmos de nos fazer palhas e vamos fazer voar o teto a esses chupões?
Lucan sorriu em resposta ao sorriso arrogante do vampiro.
—Vamos a isso .
Os cinco guerreiros da raça, vestidos de negro da cabeça aos pés, saíram do veículo como um só homem e começaram a aproximar-se sigilosamente ao psiquiátrico, ao outro lado das árvores, banhados pela luz da lua.
Capítulo trinta e um
— Vamos, vamos. Abra, porra!
Gabrielle estava sentada ante o volante de um cupé BMW negro e esperava com impaciência a que a enorme porta de entrada do terreno do complexo se abrisse e a deixasse sair. Desgostava-lhe que a tivessem obrigado a levar o carro sem permissão, mas depois do que tinha acontecido com Lucan estava desesperada por partir. Dado que todo o terreno estava rodeado por uma cerca elétrica de alta voltagem, somente ficava uma alternativa.
Já pensaria em alguma maneira de devolver o carro uma vez estivesse em casa.
Uma vez que se encontrasse de volta ao lugar ao que verdadeiramente pertencia.
Essa noite tinha dado a Lucan tudo o que tinha podido, mas não era suficiente. Preparou-se a si mesmo para a eventualidade de que ele a apartasse e resistisse a seus intentos de lhe amar, mas não havia nada que pudesse fazer se ele decidia rechaçá-la. Como tinha feito essa noite.
Tinha-lhe dado seu sangue, seu corpo e seu coração, e ele a havia rechaçado.
Agora já não ficava energia.
Já não podia lutar.
Se ele estava tão decidido a permanecer sozinho, quem era ela para obriga-lo a trocar? Se ele queria isolar-se, tinha muito claro que não ia ficar ali para esperar a vê-lo.
Iria à casa.
Ao fim, as pesadas portas de ferro se abriram e permitiram lhe sair. Gabrielle acelerou e saiu a toda velocidade para a rua silenciosa e escura. Não tinha uma idéia muito clara de onde se encontrava até que, depois de conduzir uns três quilômetros, encontrou-se em um cruzamento conhecido. Girou a esquerda pelo Charles Street em direção a Beacon Hill e se deixou conduzir, aturdida, pelo piloto automático.
Quando estacionou o carro na esquina de fora de seu apartamento, seu edifício lhe pareceu muito mais pequeno. Seus vizinhos tinham as luzes acesas mas, apesar do resplendor dourado no ambiente, esse edifício de tijolo lhe pareceu sombrio.
Gabrielle subiu as escadas da fachada e procurou as chaves no bolso. A mão tropeçou com uma pequena adaga que levou do armário das armas de Lucan: a tinha levado como defesa em caso de que se encontrasse com problemas em seu caminho a casa.
Quando entrou e acendeu a luz do vestíbulo, o telefone estava soando. Deixou que a secretária eletrônica respondesse e se deu a volta pra fechar todos os ferrolhos e passadores da porta.
Da cozinha ouviu a voz entrecortada da Kendra que lhe deixava uma mensagem.
—É de muito má educação por sua parte me ignorar desta maneira, Gabby. —A voz de seu amiga soava extranhamente estridente. Estava zangada.
— Tenho que ver-te. É importante. Você e eu temos que falar, de verdade.
Gabrielle se dirigiu a sala de estar e notou todos os espaços vazios que tinham ficado depois de que Lucan tivesse tirado as fotografias das paredes. Parecia que tinha passado um ano da noite em que ele foi a seu apartamento e lhe contou a assombrosa verdade a respeito de si mesmo e da batalha que estava fazendo estragos entre os de sua classe.
«Vampiros», pensou, surpreendida ao dar-se conta de que essa palavra já não a surpreendia.
Provavelmente havia muito poucas coisas que pudessem surpreendê-la já nesses momentos.
E já não tinha medo de perder a cabeça, como lhe tinha acontecido a sua mãe. Inclusive essa trágica história tinha cobrado um significado novo agora. Sua mãe não estava louca absolutamente. Era uma moça aterrorizada que se viu apanhada em uma situação violenta que muito poucos humanos seriam capazes de conceber.
Gabrielle não tinha intenção de permitir que essa mesma situação violenta a destruíra. Pelo menos agora estava em casa e já pensaria em alguma maneira de recuperar sua antiga vida.
Deixou a bolsa em cima da mesa e foi até o contestador automático. O indicador de mensagens piscava e mostrava o número dezoito.
—Deve ser uma brincadeira —murmurou, apertando o botão de reprodução.
Enquanto a máquina ficava em funcionamento, Gabrielle se dirigiu ao banho para inspecionar o pescoço. A mordida que Lucan havia lhe dado debaixo da orelha tinha um brilho vermelho escuro e se encontrava ao lado da lágrima e da lua crescente que a assinalavam como companheira de raça. Tocou-se as duas ferroadas e o hematoma que Lucan lhe tinha deixado mas se deu conta de que não lhe doíam absolutamente. A dor surda e vaziu que sentia entre as pernas era o pior, mas inclusive este empalidecia comparado com a fria crueldade que lhe instalava no peito cada vez que recordava como Lucan se apartou dela essa noite, como se ela fosse um veneno. Como tinha saído da habitação, cambaleando-se, como se não pudesse apartar-se dela com a rapidez suficiente.
Gabrielle abriu a água e se lavou, vagamente consciente das mensagens que soavam na cozinha. Para ouvir a quarta ou quinta mensagem, deu-se conta de que havia algo estranho.
Todas as mensagens eram da Kendra, e os tinha deixado todos durante as últimas vinte e quatro horas. Uma depois da outra, e entre algumas delas não havia mais que cinco minutos de diferença.
Sua voz tinha adquirido um tom grandemente mais amargo da primeira mensagem em que, em tom despreocupado e alegre, havia-lhe próposto sair e comer ou a tomar uma taça ou algo que queria. Logo, o convite tinha adquirido um tom mais insistente: Kendra dizia que tinha um problema e que necessitava que Gabrielle a aconselhase.
Nas duas últimas mensagens lhe tinha exigido de forma áspera que lhe respondesse logo.
Gabrielle correu até a bolsa e comprovou as mensagens da secretaria de voz do telefone celular: encontrou-se com o mesmo.
Com as repetidas chamadas da Kendra.
Com seu estranho tom ácido de voz.
Um calafrio lhe percorreu as costas ao recordar a advertência de Lucan a respeito da Kendra: se ela tinha caido vítima dos renegados, já não era amiga dela. Era como se estivesse morta.
O telefone começou a soar outra vez na cozinha.
—OH, Meu deus —exclamou, atendida por um terror crescente.
Tinha que sair dali.
Um hotel, pensou. Algum lugar longínquo. Algum lugar onde pudesse ocultar-se durante um tempo e decidir o que fazer.
Gabrielle tomou a bolsa e as chaves do BMW virtualmente correndo para a porta. Abriu as fechaduras e girou a maçaneta. Assim que a porta se abriu se encontrou ante um rosto que em outro momento tinha sido amistoso.
Agora estava segura de que era o rosto de um servente.
—Vai a algum lugar, Gabby? —Kendra se apartou o telefone celular do ouvido e o desligou. O timbre do telefone da casa deixou de soar. Kendra sorriu fracamente com a cabeça inclinada em um estranho ângulo.
— Ultimamente, é terrivelmente difícil de localizar.
Gabrielle se estremeceu de dor ao ver esses olhos vazios e perdidos que não piscavam.
—Me deixe passar, Kendra. Por favor.
A morena riu com uma gargalhada estridente que se apagou em um vaio surdo.
—Sinto muito, carinho. Não posso fazê-lo.
—Está com eles, verdade? —disse-lhe Gabrielle, adoecendo só de pensar.
— Está com os renegados. Meu Deus, Kendra, o que lhe têm feito?
—Te cale —repôs ela, com um dedo sobre os lábios e meneando a cabeça.
— Não falemos mais. Agora temos que ir.
Assim que a servente alargou a mão para ela, Gabrielle se apartou. Recordou a adaga que levava na bolsa e se perguntou se poderia tirá-la sem que Kendra se desse conta. E se conseguia fazê-lo, seria capaz de utilizá-la contra sua amiga?
—Não me toque —lhe disse, enquanto deslizava os dedos lentamente por debaixo da lapela de pele da bolsa.
— Não vou a nenhuma parte contigo.
Kendra lhe mostrou os dentes em uma terrível imitação de um sorriso.
—OH, acredito que deveria fazê-lo, Gabby. Depois, a vida do Jamie depende de ti.
Um temor gelado lhe atendeu o coração.
-O que?
Kendra fez um gesto com a cabeça em direção aos Sedam que estava esperando. O cristal tinto de um dos guichês se abriu e alí estava Jamie, sentado no assento traseiro ao lado de um tipo enorme.
—Gabrielle? —chamou Jamie com uma expressão de pânico nos olhos.
—OH, não. Jamie não. Kendra, por favor, não permita que lhe façam mal.
—Isso é algo que está completamente em suas mãos —repôs Kendra em tom educado e lhe tirou a bolsa das mãos.
— Não vais necessitar nada do que leva aqui.
Fez um sinal a Gabrielle para que caminhasse diante dela em direção ao carro.
—Vamos?
Lucan colocou duas barras de C4 debaixo dos enormes aquecedores de água da habitação das caldeiras do psiquiátrico. Agachou-se ante o equipamento, desdobrou as antenas do transmissor e conectou o micro para informar de seu progresso.
—Habitação de caldeiras verificada —disse a Niko, que se encontrava ao outro extremo da linha.
— Tenho que colocar três unidades mais e logo sairei...
Ficou imóvel de repente, para ouvir uns passos ao outro lado da porta fechada.
—Lucan?
—Merda. Tenho companhia —murmurou em voz baixa enquanto se incorporava e se aproximava com sigilo a porta para preparar-se a golpear.
Levou-se a mão enluvada até o punho de uma perigosa faca com serra que tinha embainhado em cima do peito. Também levava uma pistola, mas todos tinham concordado que não utilizariam armas de fogo nessa missão. Não fazia falta avisar aos renegados de sua presença e além disso, dado que Niko ia desviar o tubos de fora e encher de gases o edifício, um disparo podia acender os foguetes antes do tempo.
O trinco da porta da habitação das caldeiras começou a girar.
Lucan cheirou o fedor de um renegado, e o inconfundível aroma metálico do sangue humano. Ouviu uns grunhidos animais afogados mesclados com uns golpes e com um débil lamento de uma vítima a quem lhe estavam chupando o sangue. A porta se abriu e um fortíssimo ar pútrido penetrou na habitação enquanto um renegado arrastava a seu brinquedo moribundo dentro da sala escura.
Lucan esperou a um lado da porta até que a enorme cabeça do renegado esteve plenamente ante sua vista. Esse chupão estava muito concentrado em sua presa para dar-se conta da ameaça. Lucan levantou uma mão e cravou a faca na caixa torácica do renegado. Este rugiu com as enormes mandíbulas abertas e os olhos amarelos inchados ao sentir que o titânio lhe penetrava no sistema circulatório.
O humano caiu ao chão com um golpe seco como um boneco e seu corpo se contraiu em uma série de espasmos de agonia de morte depois do corpo do renegado que se alimentou dele começava a emitir uns assobios, a tremer e a mostrar umas feridas como se o houvessem orvalhado com ácido.
Assim que o corpo do renegado teve terminado sua rápida descomposição, outro deles se aproximou correndo pelo corredor. Lucan se precipitou para frente para voltar a atacar, mas antes de que pudesse dar o primeiro golpe, o chupão se deteve em seco quando um braço negro lhe obrigou a deter-se por detrás.
Viu-se o brilho de um fio com a rapidez e a força de um raio que atravessava a garganta do renegado e separava a enorme cabeça do corpo com um corte limpo.
O enorme corpo ficou estendido no chão como um montão de lixo. Tegan se encontrava ali em pé, com sua espada gotejando sangue e seus olhos verdes, tranqüilos. Tegan era uma máquina assassina, e o gesto sério de seus lábios parecia reafirmar a promessa que lhe tinha feito a Lucan de que se a sede de sangue podia com ele, Tegan se asseguraria de que Lucan conhecesse a fúria do titânio.
Ao olhar agora a esse guerreiro, Lucan esteve seguro de que se alguma vez Tegan ia por ele, ele morreria antes de dar-se conta de que o vampiro tinha aparecido ao seu lado.
Lucan se enfrentou a esse olhar frio e letal e lhe saudou com um gesto de cabeça.
—Me diga algo —ouviu que lhe dizia Niko através do auricular—.Está bem?
—Sim. Tudo tranquilo. —Limpou a adaga com a camisa do ser humano e a voltou a embainhar. Quando voltou a levantar a vista, Tegan tinha desaparecido, desvaneceu-se como o espectro da morte que era.
—Agora dirijo aos pontos de entrada da zona norte para colocar o resto dos explosivos —disse a Nikolai enquanto saía da habitação das caldeiras e percorria o corredor vazio.
Capítulo trinta e dois
— Gabrielle, o que acontece? O que acontece com Kendra? Veio a galeria e me há dito que tinha tido um acidente e que tinha que ir com ela imediatamente. Por que me mentiu?
Gabrielle não sabia o que responder as perguntas que Jamie, ansioso, sussurrava-lhe do assento traseiro do Sedam. Afastavam-se a toda velocidade do Beacon Hill em direção ao centro da cidade. Os arranha-céu do distrito financeiro se abatiam sobre eles na escuridão e as luzes dos escritórios piscavam como luzes natalinas. Kendra estava sentada no assento dianteiro ao lado do condutor, um gorila de pescoço largo embelezado de negro como um valentão e com óculos escuros.
Gabrielle e Jamie tinham a um companheiro similar detrás que os encurralava a um lado do brilhante assento de pele. Gabrielle não acreditava que fosse um renegado, não parecia que escondessem umas presas enormes detrás desses lábios tensos, e pelo pouco que sabia dos mortais inimigos da raça, não acreditava que nem ela nem Jamie tivessem demorado nem um minuto em ter as gargantas abertas se esses dois homens tivessem sido de verdade uns renegados viciados no sangue.
Serventes então, deduziu. Escravos humanos de um poderoso senhor vampiro.
Igual a Kendra.
—O que vão fazer conosco, Gabby?
—Não estou segura. —Alargou o braço e lhe deu um carinhoso apertão na mão. Também falava em voz baixa, mas estava segura de que seus captores estavam escutando cada uma de suas palavras.
— Mas não vai passar nada. Prometo-lhe isso.
O que sim sabia era que tinham que sair desse carro antes de que chegassem ao seu destino. Era a regra de defesa própria mais básica: nunca deixe que lhe levem a uma segunda localização. Porque então se encontrava em campo inimigo.
As oportunidades de sobrevivência passariam de ser escassas a nulas.
Olhou o fechamento de segurança da porta que Jamie tinha a seu lado. Ele observou seus olhos com o cenho franzido e expressão de interrogação. Olhou a ele e logo voltou a olhar o fechamento. Então ele o entendeu e lhe dirigiu um assentimento de cabeça quase imperceptível.
Mas quando se dispunha a colocar as mãos na posição adequada para abrir o fechamento, Kendra se deu a volta e lhes provocou:
—Quase chegamos, meninos. Estão excitados? Eu sim que o estou. Não posso esperar a que meu senhor por fim te conheça em pessoa, Gabby. Mmm! Te vai comer imediatamente.
Jamie se inclinou para diante e quase cuspiu veneno:
—Te aparte, puta mentirosa!
—Jamie, não! —Gabrielle tentou lhe reter, aterrada ante esse inocente instinto de amparo. Ele não tinha nem idéia do que estava fazendo ao irritar a Kendra ou aos outros dois serventes que se encontravam no carro.
Mas ele não ia deixar se controlar. Equilibrou-se para frente:
—Se nos tocarem um cabelo a qualquer dos dois,vou arrancar seus os olhos!
—Jamie, basta, não passa nada —disse Gabrielle, atirando dele para que voltasse a recostar-se no assento.
— Se tranqüilize, por favor! Não vai passar nada.
Kendra não se alterou. Olhou a ambos e deixou escapar uma risada repentina e estremecedora:
—Ah, Jamie. Sempre foste o pequeno e fiel terrier da Gabby. Au au! Au au! É patético.
Muito devagar e evidentemente satisfeita consigo mesma, Kendra se voltou a sentar de forma correta no assento lhes dando as costas.
—Detenha no semáforo —lhe disse ao condutor.
Gabrielle deixou escapar um tremente suspiro de alívio e se recostou outra vez no respaldo de fria pele. Jamie estava esquecido contra a porta, zangado. Quando os olhares de ambos se encontraram, ele se apartou um pouco a um lado e lhe permitiu ver que a porta agora não estava fechada.
O coração de Gabrielle deu um tombo ante essa ingenuidade e esse valor. Quase não pôde dissimular o sorriso enquanto o veículo reduzia a velocidade ante o semáforo, a uns metros diante deles. Estava em vermelho, a julgar pela fila de carros que se encontravam detidos diante dele, ia trocar para verde em qualquer momento.
Esta era a única oportunidade que tinham.
Gabrielle olhou a Jamie e se deu conta de que ele tinha compreendido o plano perfeitamente.
Gabrielle esperou, observando o semáforo; dez segundos que pareceram horas. A luz vermelha piscou e ficou verde. Os carros começaram a avançar diante deles. Assim que o Sedam começou a acelerar, Jamie levou a mão ao ponteiro da porta e a abriu.
O ar fresco da noite entrou no veículo e os dois se atiraram de cabeça para a liberdade. Jamie deu contra o pavimento e imediatamente alargou a mão para ajudar a Gabrielle a escapar.
—Detenham! —chiou Kendra.
— Não deixem que escape!
Uma pesada mão caiu sobre o ombro de Gabrielle e atirou dela para o interior do carro fazendo que se estrelasse contra o enorme corpo do servente. Os braços deste a rodearam, apanhando-a como barras de ferro.
—Gabby! —chiou Jamie.
Gabrielle emitiu um soluço desesperado.
—Vai daqui! Vai, Jamie!
—Acelera, idiota! —gritou-lhe Kendra ao condutor ao ver que Jamie se dispunha a agarrar-se ao ponteiro da porta para voltar pela Gabrielle. O motor rugiu, os pneumáticos chiaram e o carro se uniu ao tráfico.
—O que fazemos com ele?
—Deixe-lhe —ordenou Kendra em tom cortante. Dirigiu- um sorriso a Gabrielle, que se debatia em vão no assento traseiro.
— Já serviu ao nosso propósito.
O servente sujeitou a Gabrielle com força até que Kendra ordenou que o carro se detivera diante de um elegante edifício de escritórios. Desceram do carro e obrigaram a Gabrielle a caminhar para a porta de entrada. Kendra falava com alguém através do telefone celular e parecia ronronar de satisfação.
—Sim, temo-la. Agora vamos subir.
Guardou-se o telefone no bolso e lhes conduziu através de um vestibulo de mármore vazio até a zona de elevadores. Quando entraram em um deles, apertou o botão do apartamento de cobertura.
Gabrielle recordou imediatamente a mostra privada de suas fotos. Ao fim o elevador se deteve no piso superior e as portas de espelho se abriram; nesse momento Gabrielle teve a horrível certeza de que seu anônimo comprador ia dar-se a conhecer.
O servente que a tinha estado sujeitando a empurrou para que entrasse na suíte, fazendo-a tropeçar. Ao cabo de uns segundos, o medo de Gabrielle se fez maior.
Diante da parede de cristais se encontrava em pé uma alta figura de cabelo negro vestida com um comprido abrigo negro e óculos de sol. Era igual de corpulento que os guerreiros e dele emanava o mesmo ar de confiança. A mesma ameaça fria.
—Adiante —lhes disse em um tom grave que trovejou como uma tormenta.
— Gabrielle Maxwell, é um prazer conhecê-la por fim. Ouvi falar muito de você.
Kendra se colocou a seu lado e lhe deu uns tapinhas com expressão de adoração.
—Suponho que me trouxe aqui por alguma razão —disse Gabrielle, tentando não sentir pena por ter perdido a Kendra nem ter medo desse perigoso ser que tinha convertido a Kendra no que era.
—Converti-me em um grande admirador de seu trabalho. —Sorriu-lhe sem mostrar os dentes e com uma mão apartou sem contemplações a Kendra.
— Você fez umas fotos interessantes, senhorita Maxwell. Por desgraça, tem que deixar de fazer. Não é bom para meus negócios.
Gabrielle tentou agüentar o olhar tranqüilo e ameaçador que, sabia, estava-lhe dirigindo detrás dos óculos.
—Quais são seus negócios? Quero dizer, além de exercer de sanguessuga chupador de sangue.
Ele riu.
—Dominar o mundo, é obvio. Acredita que há algo mais pelo que valha a pena lutar?
—Posso pensar em umas quantas coisas.
Uma sobrancelha escura se arqueou por cima da arreios desses óculos.
—OH, senhorita Maxwell, se se referir ao amor ou a amizade, terei que dar por terminado este agradável e breve encontro agora mesmo.
—Juntou os dedos das mãos e os anéis que levava brilharam sob a tênue luz da habitação. A Gabrielle não gostava da maneira em que ele a estava olhando, como avaliando-a. O vampiro se inclinou para frente com as fossas nasais dilatadas.
— Aproxime-se.
Ao ver que ela não se movia, o corpulento servente que se encontrava a suas costas a empurrou para frente. Gabrielle se deteve um metro de distância do vampiro.
—Tem você um aroma delicioso —disse em um lento vaio.
— Cheira como uma flor, mas há algo... mais. Alguém se alimentou de você recentemente. Um guerreiro? Não se incomode em negá-lo, posso cheirá-lo em seu corpo.
Antes de que Gabrielle pudesse dar-se conta, ele a sujeitou pelo pulso e a atraiu para si de um puxão. Com mãos arrudas, fez-lhe inclinar a cabeça e lhe apartou o cabelo que escondia a mordida de Lucan e a marca que tinha debaixo da orelha esquerda.
—Uma companheira de raça —grunhiu, lhe passando os dedos pela pele do pescoço.
— E recentemente reclamada como tal. Faz de você mais inteiressante a cada segundo que passa, Gabrielle.
Não gostou do tom íntimo que empregou ao pronunciar seu nome.
—Quem a mordeu, companheira? A qual desses guerreiros o permitiu colocar-se entre essas largas e formosas pernas?
—Vá-se ao inferno —respondeu ela, apertando as mandíbulas.
—Não me vai dizer isso? —Fez estalar a língua e meneou a cabeça.
— De acordo. Poderemo-lo averiguar muito em breve.
Podemos fazer que venha. Finalmente, ele se separou dela e fez um sinal a um dos serventes estavam vigiando.
—Levem ao telhado.
Gabrielle se debateu contra seu captor, que a aferrava com ímpeto, mas não podia vencer a força desse bruto. Obrigaram-na a dirigir-se para uma porta sobre a qual havia o pôster vermelho de saída e uma placa em que se lia acesso ao heliporto.
—Um momento! E eu? —queixou-se Kendra da suíte.
—Ah, sim. Enfermeira K. Delaney —disse seu senhor escuro, como se acabasse de lembrar-se dela—. Quando nos tivermos ido, quero que saia ao telhado. Sei que a vista dele te parecerá espetacular. Desfruta-a durante um momento... e logo salta ao vazio.
Ela olhou, piscando aturdida. Logo baixou a cabeça, mostrando que estava sob seu domínio.
—Kendra! —gritou Gabrielle, desesperada por chegar até sua amiga.
— Kendra, não o faça!
O vampiro do casaco negro e os óculos escuros passou ao seu lado sem mostrar nenhuma preocupação.
—Vamos. Terminei aqui.
Uma vez colocado o último cartucho de C4 em seu lugar ao extremo norte do psiquiátrico, Lucan se abriu passo por um condutor de ventilação que conduzia ao exterior. Tirou o ralo e se içou até o exterior. Rodou por cima da grama, que rangeu sob seu corpo; logo ficou em pé e começou a correr em direção a cerca que rodeava o terreno, sentindo o ar fresco na boca.
—Niko, Como vamos?
—Vamos bem. Tegan está voltando e Gideon vem detrás de ti.
—Excelente.
—Tenho o dedo no detonador —disse Nikolai. Sua voz quase resultava inaudível pelo ruído de um helicóptero que alagava a zona.
— Dá a ordem, Lucan. Morro por fazer voar a estes chupões.
—Eu também —repôs Lucan. Olhou o céu noturno com o cenho franzido, procurando o helicóptero.
— Temos visita, Niko. Parece que um helicóptero se dirige diretamente ao psiquiátrico.
Assim que o houve dito, viu a escura silhueta do helicóptero em cima da fileira de árvores. Umas pequenas luzes piscaram no veículo enquanto este girava para o telhado do recinto e iniciava a descida.
O constante movimento da hélice levantou uma forte brisa e Lucan cheirou o aroma dos pinheiros e do pólen... e de outro perfume que lhe acelerou o pulso.
—OH, Jesus —exclamou assim que reconheceu o aroma de jasmim.
— Não toque o detonador, Niko! Por Deus, seja como for, não permita que este maldito edifício voe pelos ares!
Capítulo trinta e três
Uma mescla volátil de adrenalina e fúria, além de um medo que o cobria até os ossos, fez saltar a Lucan ao telhado do velho psiquiátrico. O helicóptero acabava de posar-se nos trilhos de aterrissagem e Lucan se precipitou para ele da beirada do edifício. O corpo tremia por causa de uma fúria mais explosiva e instável que um caminhão carregado de C4. Tinha toda a intenção de lhe arrancar as pernas a quem estivesse retendo Gabrielle.
Com a arma na mão, Lucan se aproximou do helicóptero por detrás, com cuidado de que não lhe vissem, e deu a volta pela cauda para acercar-se ao lado dos passageiros da cabine de mando.
Viu Gabrielle dentro do helicóptero, no assento traseiro, ao lado de um enorme macho que ia vestido de negro e que levava uns óculos escuros. Parecia tão pequena, a via tão aterrorizada. Seu aroma lhe banhou por inteiro. E seu medo lhe destroçou o coração.
Lucan abriu de um puxão a porta da cabine e colocou a arma diante do rosto do captor do Gabrielle enquanto sujeitava a ela com a mão que ficava livre. Mas atiraram de Gabrielle para trás antes de que ele pudesse sair com ela.
—Lucan? —exclamou Gabrielle com os olhos exagerados por causa da surpresa.
— OH, Meu deus, Lucan!
Ele realizou um rápido exame visual da situação e viu o servente que pilotava o avião e a um humano escravo que se encontrava ao seu lado, diante. O servente do assento do co-piloto se deu a volta com intenção de lhe dar um golpe no braço, mas recebeu uma bala na cabeça.
No momento em que Lucan voltou a dirigir o olhar para a Gabrielle, ao cabo de um instante, se encontrava com uma faca na garganta. Por debaixo da manga do comprido abrigo lhe assomavam os dermoglifos que Lucan tinha visto nas fotos da Costa Oeste.
— Solte disse o líder de primeira geração dos renegados.
—Vá, vá, foi uma resposta mais rápida do que houvesse imaginado, inclusive para um guerreiro com vínculo de sangue. O que pretende? Por que está aqui?
O arrogante tom de voz lhe desconcertou.
Conhecia esse bode?
—Solta-a —disse Lucan—, E te mostrarei por que estou aqui.
—Parece-me que não. —O vampiro de primeira geração lhe sorriu ampliamente, lhe mostando os dentes.
Não tinha presas. Era um vampiro, mas não era um renegado.
Que diabos?
—É encantadora, Lucan. Esperava que fosse tua.
Deus, conhecia essa voz. Ouvia-a como procedente de algum lugar muito profundo, enterrado em sua memória.
Do passado longínquo.
Um nome lhe formou na mente, cortante como o fio de uma espada.
Não, não era possível que fosse ele.
Impossível...
Concentrou-se para sair dessa confusão momentânea, mas esse breve momento de perda de concentração lhe custou caro. Desde um dos lados, um par de renegados tinha subido ao telhado do interior do psiquiátrico lhe aproximava com sigilo. Com um gruido, levantou a porta do helicóptero e golpeou com o canto da mesma a Lucan na cabeça.
— Lucan! — chiou Gabrielle.
— Não!
Lucan estremeceu e uma das pernas lhe falhou. A arma caiu da mão e escorregou pelo chão do telhado uns quantos metros, ficando fora de seu alcance.
O renegado lhe deu um murro na mandíbula com o enorme punho. Ao cabo de um segundo, um golpe brutal lhe destroçou as costelas. Lucan caiu ao chão, mas fez um giro e com o pé embainhado na bota fez cair ao renegado ao chão. Precipitou-se sobre ele enquanto tirava a faca que tinha embainhado no torso.
A uns metros de ambos, a hélice do helicóptero começou a girar. O piloto se preparava para levantar outra vez.
Não podia permiti-lo.
Se permitia que Gabrielle se fosse desse coberto, não ficaria nenhuma esperança de voltar a vê-la viva nunca mais.
—Nos tire daqui —ordenou o captor de Gabrielle ao piloto enquanto as hélices do helicóptero giravam cada vez mais depressa.
Fora, arrastando-se pelo telhado, Lucan lutava contra o renegado que lhe tinha atacado. Apesar da escuridão, Gabrielle viu que outro mais se aproximava da porta de entrada ao telhado.
—OH, não —exclamou, quase sem respiração e sem poder mover-se por causa do cortante fio de aço que lhe cravava na pele da garganta.
O enorme macho se inclinou por diante dela para olhar o que estava acontecendo no telhado. Lucan havia tornado a ficar em pé e lhe abriu o ventre ao primeiro dos renegados que lhe tinha atacado. O grito deste foi audível inclusive apesar do forte ruído da hélice do helicóptero. Seu corpo começou a convulsionar-se, a ter espasmos... A desintegrar-se.
Lucan girou a cabeça para o helicóptero. Tinha os olhos cheios de furia, brilhavam-lhe como duas pedras de âmbar acesas com o fogo do inferno. Precipitou-se para diante, rugindo, carregando com os ombros contra o veículo como um trem de carga.
—Nos tire daqui agora mesmo! —gritou o macho que estava ao lado de Gabrielle, pela primeira vez em tom preocupado.
— Agora mesmo, porra!
O helicóptero começou a levantar-se.
Gabrielle tentou apartar da faca apertando-se contra o respaldo do pequeno assento traseiro. Se pudesse encontrar a maneira de lhe apartar o braço, possivelmente pudesse alcançar a porta da cabine...
O helicóptero sofreu uma sacudida repentina, como se tivessem se chocado contra alguma parte do edifício. O motor pareceu gemer, esforçado.
O captor do Gabrielle estava furioso já.
—Desapega, idiota!
—Estou-o tentando, senhor! —disse o servente que se encontrava ante os mandos. Levantou uma alavanca e o motor protestou com um terrível grunhido.
Houve outra sacudida, como se atirassem do aparelho para baixo, e todo o interior tremeu. A cabine se inclinou por volta da frente e o captor do Gabrielle perdeu o equilíbrio no assento e deixou de lhe emprestar atenção durante um momento.
A faca se separou de sua garganta.
Com uma repentina decisão, Gabrielle se lançou para trás e lhe deu um pontapé com as duas pernas que lhe fez cair contra o respaldo do assento do piloto. O veículo se precipitou para frente e Gabrielle trabalhou em excesso por alcançar a porta da cabine.
Esta se abriu de tudo e ficou aberta, pendurando das dobradiças, depois do helicóptero tremia e se balançava. Seu captor se estava recompondo e estava a ponto de alcançá-la outra vez. Por causa do caos tinham caido os óculos de sol. Olhou-a com um gelado olhos cinzas cheios de malignidade.
—Diga a Lucan que isto não terminou nem muito menos — ordenou o líder dos renegados, pronunciando as palavras em um assobio e olhando-a com um sorriso diabólico.
—Vai para o inferno —respondeu Gabrielle. Nesse mesmo instante, lançou-se para a porta aberta e se deixou cair ao chão do telhado.
Assim que a viu, Lucan soltou o trilho de aterrissagem do helicóptero. O veiculo se elevou repentinamente e começou a dar voltas sobre si mesmo descontrolado enquanto o piloto se esforçava por dominá-lo.
Correu ao lado de Gabrielle e a ajudou a ficar em pé. Passou-lhe as mãos por todo o corpo para assegurar-se de que estava inteira.
—Está bem?
Ela assentiu com a cabeça.
—Lucan, detrás de ti!
No telhado, outro dos renegados se dirigia para eles. Lucan enfrentou a esse desafio com agrado, agora que Gabrielle estava com ele; todos os músculos de seu corpo se dispuseram a dar morte. Tirou outra faca e se aproximou da ameaça.
A luta foi selvagem e rápida. Lucan e o renegado se enfrentaram em um mortal combate corpo a corpo com os punhos e os fios das armas brancas. Lucan recebeu mais de um golpe, mas era imparável. O sangue de Gabrielle ainda tinha um efeito forte nele, e lhe dava uma fúria que lhe tivesse permitido enfrentar-se com dez competidores de uma vez. Lutou com uma força e uma eficiência letal, e acabou com o renegado com um corte vertical que lhe atravessou o corpo.
Lucan não esperou a ver o efeito do titânio. Deu-se a volta e correu para Gabrielle. Assim que chegou, quão único pôde fazer foi toma-la entre os braços e abraçá-la com força. Pôde ficar assim toda a noite, sentindo como lhe pulsava o coração e acariciando a pele suave.
Levantou-lhe a cabeça e lhe estampou um beijo forte e tenro nos lábios.
—Temos que sair daqui, carinho. Agora mesmo.
Sobre suas cabeças, o helicóptero continuava subindo.
O vampiro de primeira geração que tinha capturado a Gabrielle olhou para baixo desde atrás do cristal da cabine e dirigiu uma vaga saudação à Lucan, sorrindo enquanto o veículo subia no céu noturno.
—OH, Deus, Lucan! Estava tão assustada. Se tivesse acontecido algo...
O sussurro de Gabrielle lhe fez esquecer completamente a seu inimigo que escapava. A única coisa que lhe importava era que ela era capaz de lhe falar. Que respirava. Gabrielle estava com ele, e esperava que pudesse continuar estando ao seu lado.
—Como demônios lhe capturaram? —perguntou-lhe com voz tremente e tom urgente a causa do medo que havia sentido.
—Depois de que você partiu do complexo esta noite, precisava ir e pensar. Fui para casa. Kendra apareceu. Tinha a Jamie como refém em um carro que se encontrava fora. Não podia deixar que lhe fizessem mal. Kendra é, era, uma servente, Lucan. Mataram-na. Minha amiga está morta.
—Gabrielle soluçou de repente.
— Mas pelo menos Jamie escapou. Agora está em algum lugar do centro da cidade, provavelmente aterrorizado. Tenho que lhe encontrar e lhe dizer que tudo está bem.
Lucan ouviu o som grave do helicóptero que continuava subindo por cima de suas cabeças. Além disso, tinha que fazer a Niko o sinal de que voasse esse lugar antes de que os renegados tivessem a oportunidade de escapar.
—Vamos daqui, e logo me encarregarei do resto.
Lucan tomou a Gabrielle pelos braços.
—Segura em mim, carinho. Com toda a força que possa.
—De acordo. — pendurou-se os braços ao redor do pescoço.
Ele voltou a beijá-la, aliviado de tê-la entre os braços.
—Não te solte em nenhum momento — disse-lhe, olhando os olhos brilhantes e formosos de sua companheira de raça.
Então se colocou na beirada do edifício e se deixou cair com ela em seus braços, com toda a suavidade de que foi capaz, até o chão.
—Lucan, me diga algo, cara! —chamou-lhe Nikolai pelo auricular.
— Onde está? Que merda está acontecendo aí?
—Tudo vai bem —respondeu ele, enquanto levava a Gabrielle pelo escuro terreno coberto de grama da propriedade em direção ao ponto onde se encontrava o veículo de vigilância esperando.
— Agora tudo está bem. Apura o detonador e acabemos com isto.
Gabrielle estava encolhida sob o forte braço de Lucan quando o veículo de vigilância subia pela rua que conduzia ao terreno do complexo. Ele a tinha obstinado ao seu lado desde que escaparam da zona do psiquiátrico e lhe havia coberto os olhos enquanto todo o complexo de edificios voava pelos ares como uma infernal bola de fogo.
Lucan e seus irmãos tinham conseguido: tinham acabado com o quartel general dos renegados com um incrível golpe. O helicóptero tinha conseguido escapar a explosão e se desvaneceu no céu, envolto na fumaça negra e escondida no céu da noite.
Lucan estava pensativo: olhava para fora dos cristais escuros dos guichês para cima, para a abóbada de estrelas. Gabrielle tinha visto sua expressão de surpresa, de incredulidade e de atordoamento, quando se encontrava no telhado e abriu a porta da cabine de comando do helicóptero.
Foi como se tivesse visto um fantasma.
Inclusive nesse momento, Lucan continuava com esse estado de ânimo, enquanto entravam no terreno e Nikolai conduzia em direção à garagem. O guerreiro deteve o carro uma vez que estiveram dentro da enorme garagem. Quando desligou o motor, Lucan falou por fim.
—Esta noite conseguimos uma importante vitória contra nossos inimigos.
—Porra , sim —assentiu Nikolai.
— E vingamos a Conlan e a Rio. Teria-lhes encantado estar ali para ver voar esse lugar.
Lucan assentiu na escuridão do veículo.
—Mas não nos equivoquemos. Estamos entrando em uma nova fase do conflito com os renegados. Agora é a guerra, mais que nunca. Esta noite agitamos o ninho de vespas. Mas ao que necessitávamos capturar, seu líder, continua vivo.
— Deixemos que corra. Já lhe apanharemos —disse Dante, com expressão de confiança.
Mas Lucan negou com gesto sério.
—Este é distinto. Não nos porá isso fácil. Antecipará-se a nossos movimentos. Compreende nossas táticas. A Ordem vai ter que fortalecer as estratégias e aumentar o número de seus guerreiros. Temos que organizar alguns quadros mais que ainda estão dispersados pelo mundo, conseguir mais guerreiros, quanto antes melhor.
Gideon se deu a volta no assento dianteiro.
—Crê que é o vampiro de primeira geração da Costa Oeste quem está à frente dos renegados?
—Estou seguro —repôs Lucan.
Estava no helicóptero, no telhado, esta noite, onde tinha a Gabrielle. —Acariciou-lhe o braço com um afeto tenro, e fez uma pausa para olhá-la, como se sua só visão lhe tranqüilizasse de algum jeito.
— E esse bode não é um renegado: não agora, se é que o foi em algum momento. Uma vez foi um guerreiro, como nós. chama-se Marek.
Gabrielle sentiu uma quebra de onda de frieza que procedia da terceira fila de assentos do veículo de vigilância e soube que Tegan estava olhando a Lucan.
Lucan sabia também. Girou a cabeça para olhar ao outro guerreiro aos olhos.
—Marek é meu irmão.
Capítulo trinta e quatro
A carga da revelação de Lucan ainda lhes pesava enquanto saíam do veículo e subiam ao elevador do hangar para baixar ao complexo. Seu amado, Gabrielle entrelaçou os dedos da mão com os dele enquanto baixavam. Sentia o coração comocionado e cheio de compaixão; ele a olhou e ela soube que ele percebia a preocupação em seus olhos.
Gabrielle observou que seus irmãos guerreiros também tinham expressões de preocupação similares nos olhos e que, silenciosamente, haviam dado conta do significado do que tinham descoberto essa noite.
Chegaria o momento em que Lucan teria que enfrentar-se com a necessidade de matar a seu próprio irmão.
Ou de que seu irmão matasse a ele.
Gabrielle ainda não tinha conseguido aceitar a frieza desse fato no momento em que as portas do elevador se abriram e se encontraram ante o Savannah e Danika, que tinham estado esperando com ansiedade a volta dos guerreiros. Houve bem-vindas cheias de alívio, muitas pergunta sobre o resultado da missão dessa noite, assim como de por que Gabrielle partiu do complexo sem dizer nenhuma palavra a ninguém. Gabrielle estava muito cansada para responder, demasiado esgotada depois dessa terrível experiência para tentar sequer expressar o que sentia.
Mas sabia que logo teria que oferecer algumas respostas, a Lucan ao menos.
Os guerreiros se afastaram em meio de uma discussão sobre táticas e novas estratégias de batalha contra os renegados. Savannah e Danika empurraram imediatamente a Gabrielle em direção contrária, que se mostraram preocupadas com seus vários arranhões e contusões e insistiram em que comesse e se desse um comprido banho quente.
Gabrielle concordou a contra gosto, mas nem sequer as incríveis habilidades culinárias de Savannah nem o fragrante vapor do banho que lhe prepararam logo conseguiram relaxá-la.
A mente não parava de lhe dar voltas em relação a Lucan, Jamie e tudo o que tinha acontecido essa noite. Devia a vida a Lucan. Amava-lhe mais que a nenhuma outra coisa e sempre lhe estaria agradecida por havê-la resgatado, mas isso não trocava o que sentia a respeito de como foram as coisas entre ambos. Não podia permanecer no complexo dessa forma. E não importava o que lhe dissesse, não tinha intenção de ir a nenhum dos Refúgios Escuros.
Então, que possibilidade ficava? Tampouco podia voltar para seu apartamento. Sua velha vida já não era possível. Voltar para ela significaria que teria que negar tudo o que tinha experimentado com Lucan durante essas últimas semanas e esforçar-se por lhe esquecer. Teria que negar tudo o que agora sabia sobre si mesmo, e sobre sua conexão com a raça.
A verdade era que não sabia qual era seu lugar agora. Não sabia por onde começar a procurar, mas depois de dar voltas pelo labirinto de do complexo, Gabrielle se encontrou em pé ante a porta das habitações privadas de Lucan.
A porta que dava à habitação principal estava aberta e uma suave luz saía de dentro. Gabrielle a empurrou e entrou.
A luz de umas velas iluminava o dormitório adjacente. dirigiu-se para essa luz ambiental até que esteve na porta de entrada e parou ali, maravilhada do que viu. O austero dormitório de Lucan se havia convertido em um pouco saído de um sonho. Havia um castiçal de intrincada prata em cada esquina. A cama estava coberta por um cobertor de seda vermelho. No chão, diante da chaminé, havia um montão de almofadas e sedas carmesins. Era tão romântico, tão acolhedor.
Era uma habitação pensada para fazer o amor.
Deu um passo para o interior da habitação. A suas costas, a porta se fechou brandamente sozinha.
Não, não de tudo sozinha. Lucan estava ali, em pé, ao outro extremo da habitação e a estava observando. Tinha o cabelo molhado pela ducha. Levava uma bata solta de cetim vermelho que lhe caía até os tornozelos , e tinha um olhar quente nos olhos que se fundia no Gabrielle.
—Para você —lhe disse, assinalando o romântico ambiente.
— Para nós, esta noite. Quero que as coisas sejam especiais para você.
Gabrielle se sentiu comovida, e imediatamente excitada ao lhe ver, porem não podia suportar fazer amor depois de como tinham ficado as coisas entre eles.
—Quando fui esta noite, não pensava voltar —lhe disse de uma distância segura. Se aproximava mais, não acreditava que tivesse a força de lhe dizer o que tinha que dizer-lhe.
— Não posso voltar a fazer isto, Lucan. Necessito coisas de você que você não pode me dar.
—Me diga quais. —Foi uma ordem suave, mas uma ordem. Ele se aproximou dela com passos cautelosos, como se notasse que ela podia lhe rechaçar em qualquer momento.
— Me diga o que necessita.
Ela negou com a cabeça.
—Do que serviria?
Uns quantos passos lentos mais. Deteve-se um metro de distância dela.
—Eu gostaria de sabê-lo. Tenho curiosidade do que me custaria convencer-te de que fique comigo.
—Para passar a noite? —perguntou ela em voz baixa, odiando a si mesmo por quanto precisava sentir os braços dele ao redor de seu corpo depois de tudo o que lhe tinha acontecido durante essas últimas horas.
—Quero-te, e estou disposto a te oferecer algo, Gabrielle. Assim me diga o que é o que necessita.
—Sua confiança —lhe disse ela, pedindo uma coisa que sabia que se encontrava fora de seu alcance.
— Não posso... fazer isto mais, se você não confia em mim.
—Eu confio em ti — disse ele, com tanta solenidade que ela acreditou.
— Você é a única que me conheceu de verdade, Gabrielle. Não te posso ocultar nada. Viu-o tudo: o pior, certamente. Eu gostaria de ter a oportunidade de te mostrar a parte boa que há em mim. —aproximou-se um pouco mais. Ela notava o calor que emanava de seu corpo. Notava seu desejo.
— Quero que se sinta tão segura comigo como eu me senti contigo. Assim que a pergunta é: pode confiar em mim, agora que sabe tudo a respeito de mim?
—Sempre confiei em ti, Lucan. Sempre o farei. Mas não é isso...
—Pois o que, então? —perguntou ele, interrompendo sua rápida negativa.
—Diga-me que mais posso te dar para fazer que fique.
—Isto não vai funcionar —disse ela, retrocedendo um pouco.
— Não posso ficar. Não desta maneira. Não agora que meu amigo Jamie...
—Está a salvo. —Ao ver que lhe olhava com expressão de confusão, acrescentou—: Mandei a Dante ao exterior assim que chegamos para que fosse lhe buscar. Faz uns minutos que retornou e me informou que achou seu amigo em uma delegacia de polícia do centro da cidade e o levou a casa.
Gabrielle sentiu que o alívio a embargava, mas imediatamente a preocupação o substituiu.
—O que lhe disse Sante? Apagou-lhe a memória?
Lucan negou com a cabeça.
—Pensei que não era justo que eu tomasse esta decisão por ti. Dante simplesmente disse que você também estava a salvo e que lhe poriam em contato com ele muito em breve para lhe explicar tudo. O que ditas lhe contar ao seu amigo é tua coisa. Vê-o? Confiança, Gabrielle.
—Obrigado —murmurou ela, sentindo-se reconfortada pela consideração.
— Obrigado por me haver ajudado esta noite. Salvaste-me a vida.
—Então, por que me tem medo agora?
—Não te tenho medo —repôs, mas estava se separando dele, quase sem dar-se conta disso, mas a cama, que tinha detrás, bloqueou-lhe a escapatória. Em um instante ele esteve diante dela.
—Que mais quer de mim, Gabrielle?
—Nada —disse ela, quase em um sussurro.
—Nada absolutamente? —perguntou ele em tom grave e exigente.
—Por favor, não me faça desejar ficar esta noite quando amanhã vais desejar que vá. Deixa que vá agora, Lucan.
—Não posso fazer isso. —Tomou uma mão e a levou aos lábios. Gabrielle sentiu a calidez e a suavidade de seus lábios nos dedos e sentiu que era presa de um encantamento que somente ele podia lhe fazer. Ele levou a mão dela contra o peito, apertando a palma contra o mesmo, sobre o batimento de seu coração contra as costelas.
— Não poderei te deixar partir nunca, Gabrielle. Porque o queira ou não, tem meu coração. Tem meu amor, também. Se o aceitar.
Ela tragou saliva com dificuldade.
—O quê?
—Amo-te. —Pronunciou as palavras em voz baixa e com sinceridade, como uma carícia que ela sentiu no mais profundo do coração:
— Gabrielle Maxwell, amo-te mais que a vida. Estive sozinho durante muito tempo, e não soube me dar conta até que quase foi muito tarde. —Deixou de falar e a olhou aos olhos com intensidade.
— Não é... muito tarde, verdade?
Ele a amava.
Uma alegria, pura e brilhante, encheu-a para ouvir essas palavras do lábio de Lucan.
—Volta a dizê-lo —sussurrou ela, com a necessidade de saber que esse momento era real, que isso ia durar.
—Amo-te, Gabrielle. Até o último fôlego de vida que tenho. Amo-te.
—Lucan. —Pronunciou seu nome com um suspiro, com lágrimas nos olhos que lhe derramavam pelas bochechas.
Ele a tomou entre os braços e lhe deu um beijo comprido, profundo e apaixonado que fez que a cabeça desse voltas e o coração queria levantar o vôo. Sentia o sangue como fogo nas veias.
—Você merece a alguém muito melhor que eu —lhe disse com um tom de voz e expressão reverente.
— Conhece meus demônios. Pode me amar... aceitará-me... Apesar de conhecer minhas debilidades?
Tomou o rosto com a mão e olhou, lhe expressando com os olhos todo o amor que sentia.
—Você nunca foste débil, Lucan. E te amarei seja como for. Juntos podemos superar tudo.
—Você me faz acreditar nisso. Deste-me esperança. —Com um gesto amoroso, acariciou-lhe o braço, o ombro, a bochecha. Percorreu-lhe o rosto com o olhar enquanto o acariciava com a mão.
— Meu Deus, é tão deliciosa. Poderia ter a qualquer macho, da raça ou humano...
—Você é o único a quem quero.
Ele sorriu.
—Que Deus te ajude, mas não o aceitaria se fosse de outra maneira. Nunca desejei de forma tão egoísta como quero a você neste momento. Seja minha, Gabrielle.
—Sou-o.
Ele tragou saliva e baixou os olhos como se de repente se sentisse inseguro.
—Refiro-me para sempre. Não posso aceitar menos que isso. Gabrielle, aceitaria-me como companheiro?
—Para sempre —sussurrou ela, tombando-se de costas na cama e trazendo-o para si.
— Sou tua, Lucan, para sempre.
Voltaram a beijar-se, e esta vez, quando se separaram, Lucan alargou a mão até uma magra adaga de ouro que estava na mesinha ao lado da cama. Aproximou-a de seu rosto. Gabrielle se sobressaltou um pouco ao ver que ele
Levava-se a folha até os lábios.
—Lucan...
Ele a olhava com ternura e seriedade aos olhos.
—Você me deste seu sangue para me curar. Você me fortalece e me protege. Você é a única que quero, e a única que sempre necessitarei.
Nunca lhe tinha ouvido falar com tanta solenidade. As íris de seus olhos começavam a brilhar, a pálida cor cinza se misturava com a cor âmbar e com a profundidade de sua emoção.
—Gabrielle, quer me fazer a honra de aceitar meu sangue para cerrar nosso vínculo?
A voz de Gabrielle foi débil.
—Sim.
Lucan baixou a cabeça e levou a adaga até o lábio inferior. Logo a apartou e a olhou outra vez: seus lábios brilhavam com o escuro sangue vermelho.
—Vêem aqui. Deixa que te ame —lhe disse, unindo seus lábios escarlates com os dela.
Nada a teria podido preparar para o que sentiu ao provar pela primeira vez o doce sangue de Lucan.
Mais intenso que o vinho, instantaneamente embriagador, o sangue dele fluiu por sua língua com toda sua força e seu poder. Sentiu que uma luz a alagava do mais profundo de seu corpo e lhe oferecia uma pista do futuro que a esperava como companheira de Lucan. Encheu-se de felicidade, ficou ruborizada desse calor, e sentiu uma alegria que nunca antes tinha experimentado.
Sentiu desejo, também.
Mais intenso do que o havia sentido nunca.
Gabrielle emitiu um profundo gemido de desejo e empurrou a Lucan no peito para lhe tombar de costas. Tirou a roupa em um instante, subiu em cima dele e lhe montou escarranchada.
O sexo dele se enervava diante dela, grosso e forte como a pedra. Os formosos desenhos de sua pele tinham uma profunda cor púrpura com uma tintura avermelhada e adquiriam um tom mais profundo quando a olhava com desejo. Gabrielle se inclinou para frente e passou a língua pelas linhas sinuosas e intrincadas que lhe cobriam o corpo das coxas até o umbigo e subiam até os músculos do peito e os ombros.
Era dele.
Esse pensamento foi ferozmente possessivo, primitivo. Nunca lhe tinha desejado tanto como nesse momento. Ofegava e estava úmida e desejava lhe montar com força, lhe queimava por dentro.
Deus, era a isto ao que Savannah se referia quando dizia que um vínculo de sangue intensificava o ato amoroso?
Gabrielle olhava a Lucan com uma necessidade puramente carnal, quase sem saber por onde começar com ele. Desejava lhe devorar, lhe adorar, lhe utilizar. Aplacar o incêndio que sentia dentro do corpo.
—Deveria me haver avisado de que me tinha dado um afrodisíaco.
Lucan sorriu.
—E arruinar a surpresa?
—Ria, vampiro. —Gabrielle arqueou uma sobrancelha, tomou seu membro ereto e deslizou a mão por ele até a base com um movimento comprido.
— Me prometeu a eternidade. Vais arrepender- te.
—Ah, sim? —Mas foi mais um gemido estrangulado porque lhe montou e ele começou a mover-se com um rebolado de quadril desenfreado debaixo dela. Com olhos brilhantes, olhou-a e mostrou as presas ao sorrir, uma amostra clara de que desfrutava dessa tortura.
— Companheira, acredito que me vai encantar que o tente.
Capítulo vinte e quatro
As palavras de Lucan —e todas as coisas incríveis que lhe havia dito— ainda lhe ressonavam nos ouvidos enquanto saía debaixo da água da ducha do banho. Fechou o grifo e se secou com a toalha, esperando que a água quente lhe tivesse aliviado parte da dor e a confusão que sentia. Havia muitas coisas com as que devia enfrentar-se, e a menor delas não era o fato de que Lucan não tivesse nenhuma intenção de estar com ela.
Tentou dizer-se a si mesmo que não lhe tinha feito nenhuma promessa, mas isso somente o fazia sentir-se mais tola. Ele nunca lhe tinha pedido que pusesse seu coração aos seus pés; tinha-o feito ela sozinha.
Aproximou-se do espelho que ocupava todo o largo da parede do lavabo e se apartou o cabelo para olhar com atenção a marca de nascimento carmesim que tinha debaixo da orelha esquerda. Melhor dizendo, a marca de companheira de raça, corrigiu-se a si mesmo, enquanto observava a pequena lágrima que parecia cair na terrina da lua crescente.
Por alguma retorcida ironia, essa pequena marca no pescoço a unia ao mundo de Lucan e, apesar disso, era o mesmo que lhe impedia de estar com ele.
Possivelmente ela representava uma complicação que ele não queria ou não necesitava, mas o fato de haver-se encontrado com ele tampouco tinha feito que sua vida fora uma festa.
Graças a Lucan, ela se tinha metido em uma sangrenta guerra que havia parecer com os violadores em grupo uns fanfarrões de pátio. Ela tinha abandonado um dos melhores apartamentos do Beacon Hill, e ia perde-lo se não voltava e a trabalhar para pagar as faturas. Seus Amigos não tinham nem idéia de onde estava, e dizer-lhe nesse momento poria, provavelmente, suas vidas em perigo.
Para cúmulo de tudo isso, havia-se meio apaixonado por mais escuro e mortífero deles, o homem mais fechado emocionalmente que tinha conhecido.
Que, além disso, resultava ser um vampiro chupador de sangue.
E, que diabos, já que estava sendo sincera consigo mesma, não estava meio apaixonada por Lucan. Estava completa, inteira, perdidamente e sem poder superá-lo na vida apaixonada por ele.
—Bem feito —disse a seu miserável reflexo.
— Malditamente brilhante.
E Apesar de tudo o que lhe havia dito, não havia nada que desejasse mais que ir para lhe buscar ali onde estivesse no complexo e envolver-se com seus braços, o único lugar onde tinha encontrado algum consolo.
Sim, como se precisasse acrescentar a humilhação em público a humilhação íntima com que tentava enfrentar-se nesse momento. Lucan o tinha deixado muito claro: o que pudessem ter tido os dois —se é que houvesse tido verdadeiramente algo que estivesse além do físico—, terminou-se.
Gabrielle voltou para seu dormitório, recuperou sua roupa e seus sapatos e se vestiu depressa, desejosa de estar fora dos aposentos pessoais de Lucan antes de que ele voltasse e ela fizesse alguma coisa verdadeiramente estúpida. Bom, corrigiu-se ao ver os lençóis enrugados por haver feito amor, alguma coisa ainda mais estúpida.
Com a idéia de ir procurar a Savannah e, possivelmente, tentar encontrar um telefone fora do complexo —já que Lucan não o havia parecido adequado lhe devolver o celular— Gabrielle se escapuliu do dormitório. O pesseio resultava confuso, sem dúvida por causa de seu traçado, assim fez uns quantos giros errôneos até que finalmente reconheceu onde se encontrava. Estava perto das instalações de treinamento, a julgar pelo agudo som dos disparos contra os alvos.
afastou-se de uma esquina e se viu detida repentinamente por uma rígida parede coberta de pele e armas que se encontrava em seu caminho.
Gabrielle olhou para cima, e um pouco mais para cima, e se encontrou com uns olhos verdes e desconfiados que a olhavam com uma arrepiante expressão ameaçadora. Esses olhos frios e calculadores se cravaram nela desde detrás de uma cascata de cabelo avermelhado, como um gato que aconchega e valora a sua presa. Gabrielle tragou saliva. Um perigo evidente eemanava do corpo grande desse vampiro e da profundidade de seus olhos de depredador.
«Tegan.»
O nome desse macho desconhecido lhe veio a cabeça, o único dos seis guerreiros do complexo a quem ainda não tinha conhecido.
O mesmo com quem Lucan parecia compartilhar um mútuo e mau dissimuladou desprezo.
O guerreiro vampiro não se separou de seu caminho. Nem sequer reagiu quando ela teve se chocado contra ele, exceto pela ligeira careta que dava com os lábios quando seus olhos encontraram os peitos dela Aplastados contra a superfície de duro músculo justo debaixo do peito. Levava umas doze armas e essa ameaça se via reforçada por uns noventa quilogramas de músculo.
Ela deu um passo para trás e logo se fez a um lado para ficar em um lugar seguro.
—Sinto muito. Não me tinha dado conta de que estava aqui.
Ele não disse nenhuma palavra, mas ela sentiu como se tudo o que lhe estava acontecendo tivesse ficado exposto e visível ante ele em um instante: no instantâneo contato do corpo dela contra o dele. Ele a olhou com uma expressão gelada e desprovida de emoção, como se pudesse ver através dela. Embora não disse nada e não expressou nada, Gabrielle se sentiu diseccionada.
sentiu-se... invadida.
—Perdão —sussurrou.
No momento em que se moveu para passar de comprimento, a voz do Tegan a deteve.
—Né. —Sua voz era mais suave do que tivesse esperado; uma voz profunda, escura e áspera. Contrastava de forma peculiar com a desnudez do olhar, que não se moveu nem um milímetro,
— Faça um favor a você mesma e não te aproxime demasíado de Lucan. Há muitas posibilidades de que esse vampiro não viva muito mais tempo.
Disse-o sem rastro de emoção na voz, foi somente a plana constatação de um fato. O guerreiro passou por seu lado e levantou uma brisa atrás dele impregnada de uma apatia fria e perturbadora que lhe penetrou até os ossos.
Gabrielle se deu a volta para lhe olhar, mas Tegan e sua inquietante predição tinham desaparecido.
Lucan comprovou o peso de uma brilhante nove milímetros com a mão e logo levantou a arma e realizou uma série de disparos contra o alvo que se encontrava ao outro extremo da zona de tiro.
Apesar de que era agradável encontrar-se no terreno conhecido das ferramentas de seu ofício e sentir o sangue fervendo, a ponto para uma briga decente, uma parte dele continuava divagando sobre o encontro com Gabrielle. Apesar de tudo o que havia dito para aparta-la dele, tinha que admitir que se afeiçoou profundamente dela.
Quanto tempo acreditava ser capaz de continuar com ela sem render-se? Ou mais exatamente, como acreditava que seria capaz de suportar a idéia deixa-la partir? De mandá-la longe com a idéia de que ela se emparelharia com outro?
As coisas se estavam pondo indevidamente muito complicadá.
Deixou escapar uma maldição. Disparou outra série de balas e desfrutou com o estrondo do metal quente e com o aroma azedo no peito do alvo ao explodir por causa do impacto.
—O que pensa? —perguntou-lhe Nikolai, lhe olhando com seus olhos frios, limpos e cintilante.
_ Uma peça pequena e doce, não? Endiabradamente sensível, além disso.
—Sim. É agradável. Eu gosto. —Lucan pôs o fecho de segurança e jogou outra olhada a sua pistola.
— Uma Beretta 92FS convertida em automática com carregador. Bom trabalho, tio. Verdadeiramente bom.
Niko sorriu.
—Não te falei que as balas que vão levar os meninos. Hei trocado as pontas ocas de policarbonato das balas. tirei a pólvora das pontas e a substituí por pó de titânio.
—Isso deve provocar um horrível desastre no sistema sangüíneo desses chupões —acrescentou Dê, que se encontrava sentado no bordo de uma vitrine de armas afiando umas facas.
Sem dúvida, o vampiro tinha razão a respeito. Nos velhos tempos, a forma mais limpa de matar a um renegado consistia em separar a cabeça do corpo. Isso funcionava bem quando as espadas eram a arma habitual, mas a tecnologia moderna tinha apresentado novos desafios para ambos os bandos.
Não foi até princípios de 1900 quando a raça descobriu o efeito corrosivo do titânio no sistema sangüíneo sobreactivo dos vampiros renegados. Devido a uma alergia que tinha aumentado por causa de mudanças celulares no sangue, os renegados reagiam ao titânio como um efervescente reage em contato com a água.
Niko tomou a arma de Lucan e lhe deu uns golpezinhos, como se fora um prêmio.
—O que tem aqui é um autêntico destruidor de renegados.
—Quando podemos prová-la?
—Que tal esta noite? —Tegan tinha entrado sem fazer ruído, mas sua voz atravessou a habitação como o rugido de uma tormenta.
—Refere a esse lugar que encontrou perto do porto? —preguntóu Dante.
Tegan assentiu com a cabeça.
—Provavelmente seja uma guarida que albergue possivelmente a uma dúzia de indivíduos, mais ou menos. Acredito que ainda estão verdes, acabam de comverter-se em renegados. Não será muito difícil acabar com eles.
—Faz bastante tempo que não fazemos uma batida para limpar uma casa —comentou Rio, arrastando as palavras e com um amplo sorriso de satisfação.
— Me parece que será uma festa.
Lucan devolveu a arma a Nico e olhou ao outros com o cenho franzido.
—por que diabos me acabo de inteirar disto agora?
Tegan lhe olhou com expressão categórica.
—Tem que te pôr um pouco ao dia, tio. Enquanto você estava encerradou com sua fêmea durante toda a noite, nós estávamos acima fazendo nosso trabalho.
—Isto foi um golpe baixo —disse Rio.
— Inclusive vindo de você, Tegan.
Lucan recebeu o golpe com um silêncio calculado.
—Não, tem razão. Eu deveria ter estado aí acima me ocupando do trabalho. Mas tinha que me encarregar de algumas coisas aqui embaixo. E agora já terminei. Já não vão ser um problema nunca mais.
Tegan lhe dirigiu um sorrizinho de suficiência.
—De verdade? Porque tenho que te dizer que faz uns minutos hei visto a nova companheira de raça na sala e a encontrei bastante inquieta. Parecia que alguém tivesse quebrado o coração dessa pobre garota. Deu-me a sensação de que necessitava que alguém lhe fizesse as coisas mais fáceis.
Lucan respondeu ao vampiro com um furioso e escuro rugido de raiva.
—O que lhe disse? Tocou-a? Se lhe tiver feito algo...
Tegan rio, verdadeiramente divertido.
—Calma, tio. Não faz falta que saia de suas casinhas desta maneira. Sua fêmea não é meu assunto.
—Pois recordem isto —disse Lucan. deu-se a volta para enfrentar-se aos olhares de curiosidade de outros vampiros.
— Ela não é assunto de nenhum de vocês, está claro? Gabrielle Maxwell se encontra sob meu amparo pessoal enquanto esteja neste complexo. Quando tiver ido a um dos Refúgios Escuros, tampouco será meu assunto.
Necessitou um minuto para tranqüilizar-se e não render-se ao impulso de enfrentar-se diretamente com o Tegan. Um dia, provavelmente chegaria a faze-lo . E Lucan não podia culpar por completo a esse macho por sentir rancor. Se Tegan era um bode desumano e mesquinho, Lucan era quem lhe tinha ajudado a ser assim.
—Podemos voltar para o trabalho agora? —disse com um grunhido, desafiando a que ninguém lhe desafiasse.
— Preciso ouvir dados a respeito desse refúgio.
Tegan se lançou a lhe oferecer uma descrição do que tinha observado nesse provável refúgio de renegados e comunicou suas sugestões a respeito de como podiam fazer uma batida nele. Apesar de que a fonte dessa informação chateava um pouco a Lucan, não podia pensar em nenhuma forma melhor de obter que passasse o mau humor que realizando uma ofensiva contra seus inimigos.
Deus sabia que se se encontrava perto de Gabrielle outra vez, todas essas fanfarronadas sobre o dever e de fazer o correto se converteriam em pó. Fazia duas horas que a tinha deixado em seu dormitório e ela todavia era o principal em sua cabeça. A necessidade dela ainda o desgarrava cada vez que pensava em sua cálida e suave pele.
E pensar em como a tinha ferido-lhe fazia sentir um buraco no peito. Ela tinha demonstrado ser uma verdadeira aliada quando lhe havia aberto frente aos demais guerreiros. Lhe tinha acompanhado através desse inferno íntimo a outra noite, tinha estado a seu lado, tão tenra e amorosa como qualquer macho pudesse desejar de sua amada companheira.
Uma idéia perigosa, olhasse-a por onde a olhasse.
Deixou que a discussão a respeito dos renegados continuasse, e esteve de acordo em que tinham que dar o golpe contra esses selvagens no lugar onde viviam em vez de ir para lhes buscar um por um na rua.
—Encontraremo-nos aqui ao pôr-do-sol para nos preparar e sair.
O grupo de guerreiros se dispersou e Tegan saiu a passo lento detrás dele.
Lucan pensou nesse estóico solitário que se sentia tão deploravelmente orgulhoso pelo fato de não necessitar a ninguém. Tegan se mantinha afastado e isolado por vontade própria. Mas nem sempre tinha sido assim. Uma vez tinha sido um menino brilhante, um líder nato. Tivesse podido ser alguém grande... tinha-o sido, na verdade. Mas todo isso trocou no curso de uma noite terrível. A partir desse momento, começou a descer por uma espiral. Tegan tocou fundo e nunca se recuperou.
E apesar de que nunca o tinha admitido ante esse guerreiro Lucan nunca se perdoaria a si mesmo o papel que ele tinha jogado nessa queda.
—Tegan, espera.
O vampiro se deteve com uma reticência evidente. Não se deu a volta, simplesmente ficou em silencio com um gesto de arrogância no corpo esperando a que outros guerreiros saíssem em fila das instalações de treinamento para o corredor. Quando estiveram sozinhos, Lucan se esclareceu garganta e falou com seu irmão de primeira geração.
—Você e eu temos um problema, Tegan.
Ele soltou ar pelo nariz.
—vou avisar aos meios.
—Este assunto entre nós não vai desaparecer. Faz muito tempo, choveu muito após. Se tiver que saldar contas
comigo...
—Esquece-o. É história passada.
—Não é se não podermos enterrá-la.
Tegan soltou uma risada zombadora e, por fim, deu-se a volta para lhe olhar.
—Quer me dizer algo, Lucan?
—Só quero te dizer que começo a compreender o que te custou. O custo que eu te supus. —Lucan meneou a cabeça devagar e se passou uma mão pela cabeça.
— Tegan, tem que saber que se tivesse havido alguma outra forma... Acredito que tudo teria sido distinto.
—Lucan, está tentando te desculpar comigo? —Os olhos verdes do Tegan tinham um olhar tão duro que tivesse podido cortar um cristal.
— Me Evite isto, tio. Chega uns quinhentos anos tarde. E senti-lo não muda uma merda as coisas, não é verdade?
Lucan apertou as mandíbulas com força, assombrado de não tar um verdadeiro zango nesse macho grande em lugar de sua habitual e fria apatia.
Tegan não lhe tinha perdoado. Nem sequer o tinha considerado.
Depois de todo esse tempo, não acreditava provável que o fizesse nunca.
—Não, Tegan. Tem razão. Senti-lo não troca as coisas.
Tegan lhe olhou durante um comprido momento, logo se deu a volta e saiu da habitação.
A música em direto soava desde uns alto-falantes do tamanho de um frigorífico diante do subterrâneo clube privado noturno. .. embora a plavra «música» era um qualificativo generoso para descrever os patéticos e discordantes acordes de violão. Os membros do grupo se moviam como autômatos no cenário, arrastavam as palavras e perdiam o compasso mais vezes das que o seguiam. Em uma palavra, eram horríveis.
Mas como se podia esperar que uns seres humanos atuassem com alguma competência ao encontrar-se diante de uma multidão de sedentos vampiros?
Protegido por uns óculos escuros, o líder dos renegados entrecerró os olhos e franziu o cenho. Já tinha uma horrorosa dor de cabeça ao chegar, fazia muito pouco momento, mas agora sentia as têmporas como se estivessem a ponto de lhe estalar. Recostou-se contra as almofadas em seu reservado, aburrido dessas festas sangrentas. Com um leve gesto da mão fez que uns de seus guardas se aproximasse dele. Logo fez um gesto de desprezo em direção ao cenário.
—Que alguém lhes alivie de seu sofrimento. Por não falar do meu.
O vigilante assentiu com a cabeça e respondeu com um vaio. Fez uma careta que descobriu umas presas enormes que se sobressaíam de seu boca, que já salivava ante a possibilidade de outra massacre. O renegado saiu a passo rápido para cumprir as ordens.
—Bom cão —murmurou seu poderoso amo.
Nesse momento soou seu telefone celular e se alegrou de ter a oportunidad de sair a respirar um pouco o ar. No cenário havia começado um novo barulho e a banda de música calou sob o repentino ataque de um grupo de renegados frenéticos.
Enquanto a completa anarquia estalava no clube, o líder se dirigiu a sua habitação privada de atrás do cenário e tirou o telefone celular do bolso interior de seu casaco. Tinha acreditado que se encontraria com o número ilocalizavel de um de seus muitos serventes, a maioria dos quais tinham sido enviados a procurar informação sobre Gabrielle Maxwell e sobre sua relação com a raça.
Mas não era um deles.
Deu-se conta disso assim que abriu o aparelho e viu o número oculto piscando na tela.
Intrigado, respondeu a chamada. A voz que ouviu o outro extremo da linha não lhe era desconhecida. Fazia alguns trabalhos ilegais com esse indivíduo fazia muito pouco tempo e ainda tinham umas quantas coisas por discutir. A seu requerimento, o tipo lhe ofereceu uma série de detalhes a respeito de uma batida que ia se realizar essa mesma noite em um dos locais mais pequenos que os renegados tinham na cidade.
Em questão de segundos soube tudo o que necessitava para conseguir que essa batida se girasse a seu favor: a localização, os presuntos métodos dos guerreiros e a rota, e seu plano de ataque básico. Tudo com a condição de que um membro da raça se salvasse da vingança. Mas este único guerreiro não ficaria completamente a salvo, simplesmente receberia as suficientes feridas para que não pudesse voltar a lutar nunca mais. O destino do resto de guerreiros, incluindo ao quase imparavel Lucan Thorne, era decisão dos renegados.
A morte de Lucan já tinha formado parte de seu acordo uma vez, anteriormente, mas a execução da tarefa não tinha sido como tinham planejado. Esta vez, seu interlocutor queria ter a segurança de que essa ação sim se levaria a cabo. Inclusive chegou tão longe que lhe recordou que já lhe tinham dado uma remuneração considerável por realizar essa tarefa que ainda tinha que cumprir.
—Estou bem informado de nosso acordo —repôs, com fúria.
— Não me tente a te pedir um pagamento maior. Prometo-te que não o vais lamentar.
Apagou o aparelho com uma maldição, cortando a resposta diplomática que o outro iniciou atrás de sua ameaça.
Os dermoglifos que tinha na boneca brilhavam com um profundo tom que delatava sua fúria. As cores trocavam entre o desenho de outras marca que se fez ao tatuar na pele para dissimular estes. Não gostava de ter tido que ocultar sua linhagem —seu direito de nascimento— com tinta e secretismo. Detestava ter que levar uma existência oculta, quase tanto como detestava a todos aqueles que se interpunham no camino de conseguir seus objetivos.
Voltou para a zona principal do clube, ainda zangado. Na escuridão, seu olhar tropeçou com seu tenente, o único renegado da história recente que tinha olhado a Lucan Thorne aos olhos e que tinha podido contá-lo. Fez um sinal a esse macho enorme para que se aproximasse e logo lhe deu as ordens para que se encarregasse da diversão e os jogos dessa noite.
Sem ter em conta suas negociações secretas, queria que essa noite, quando toda a fumaça se dissolvesse, Lucan e todos quão guerreiros estavam com ele estivessem mortos.
Capítulo vinte e cinco
Ele a evitou durante o resto do dia, o qual a Gabrielle pareceu que dava igual. Agora, justo depois do anoitecer, Lucan e os outros cinco guerreros saíam das instalações de treinamento como uma unidade militar, todos eles a viva imagem de uma ameaça, vestidos com couro negro e carregados de armas letais. Inclusive Gideon se uniu a batida dessa noite e tinha tomado o lugar do Conlan.
Savannah e Eva tinham esperado no corredor para lhes ver sair e se acercaram a seus companheiros para lhes dar um comprido abraço. Intercambiaram umas palavras íntimas em voz baixa e em tom amoroso, uns tenros beijos que denotavam o temor das mulheres e a atitude tranqüilizadora dos homens para lhes assegurar de que voltariam para elas sãs e salvos.
Gabrielle se encontrava a certa distancia, no vestíbulo, e se sentia uma estranha enquanto observava a Lucan dizendo algo a Savannah. A companheira de raça assentiu com a cabeça e lhe depositou um pequeno objeto na mão enquanto levantava a vista por cima do ombro dela e a dirigia para o Gabrielle. Não disse nada, não fez nenhum movimento para aproximar-se dela, mas seu olhar se atrasou um pouco nela, observando-a do outro lado do amplo espaço que lhes separava nesses momentosse.
E então se foi.
Lucan, que caminhava diante de outros, girou a esquina ao final do corredor e desapareceu. O resto do grupo lhe seguiu, e a seu passo somente ficou o seco ressonar dos saltos das botas e o ruído metálico dos aços.
—Está bem? —perguntou-lhe Savannah, aproximando-se de Gabrielle e passando um braço pelos ombros com amabilidade.
—Sim. Me passará.
—Queria que te desse isto. —Ofereceu-lhe o telefone celular do Gabrielle.
— uma espécie de oferta de paz?
Gabrielle tomou e assentiu com a cabeça.
—As coisas não vão bem entre nós agora mesmo.
—Sinto muito. Lucan há dito que confia em que entenda que não pode ir do complexo nem lhes dizer a seus amigos onde está. Mas se quer lhes chamar...
—Obrigado. —Olhou À companheira do Gideon e conseguiu sorrir levemente.
—Se quer ter um pouco de intimidade, ponha cômoda onde queira. —Savannah lhe deu um breve abraço e logo olhou a Eva, que acabava de unir-se a elas.
—Não sei vocês —disse Eva, seu bonito rosto gasto pela preocupação—, mas iria bem uma taça. Ou três.
—Possivelmente as três venha bem um pouco de vinho e de companhia — respondeu Savannah.— Gabrielle, vêem te unir conosco quando termine. Estaremos em minhas habitações.
—De acordo. Obrigado.
As duas mulheres saíram juntas, falando em voz baixa, com os braços entrelaçados enquanto percorriam o sinuoso corredor em direção aos Aposentos do Savannah e do Gideon. Gabrielle partiu na direção contrária, sem saber onde desejava estar.
Isso não era de tudo certo. Desejava estar com Lucan, em seus braços, mas era melhor que superasse esse desejo desesperado, e logo. Não tinha intenção de lhe suplicar que estivesse com ela, e caso que consiguisse voltar inteiro depois da batida dessa noite, era melhor que se preparasse para tirar-lhe completamente da cabeça.
Dirigiu-se para uma porta aberta que havia em um ponto tranqüilo e pouco iluminado do vestíbulo. Uma vela brilhava dentro da habitação vazia: a única luz nesse lugar. A solidão e o aroma de incenso e a madera velha a atraíram. Era a capela do complexo; recordava ter passado por ali durante a visita com o Savannah.
Gabrielle caminhou entre duas filas de bancos em direção a um pedestal que se levantava no outro extremo da habitação Era ali onde se encontrava a vela: sua chama estava profundamente aninhada no centro e irradiava um suave resplendor carmesim. Sentou-se em um dos bancos de diante e ficou uns momentos simplesmente respirando, deixando que a paz do santuário a envolvesse.
Conectou o telefone celular. O símbolo de mensagens estava piscando. Gabrielle apertou a tecla da secretaria de voz e escutou a primeira chamada. Era de Megan, de fazia dois dias, mais ou menos a mesma hora em que tinha chamado ao apartamento do Gabrielle depois do ataque do sirviente no parque.
«Gaby, sou eu outra vez. Deixei-te um montão de mensagens em casa, mas não me chamaste. Onde está? Estou-me preocupando de verdade! Não acredito que deva estar sozinha depois do que aconteceu. Chama-me assim que ouça esta mensagem: e quero dizer no mesmo momento em que o receba, de acordo?»
Gabrielle apagou a mensagem e passou ao seguinte, que era da noite anterior, Às onze. Ouviu a voz da Kendra, que parecia um pouco cansada.
«Né. Está em casa? Responde, se estiver. Merda, suponho que é um pouco tarde: sinto muito. Provavelmente esteja dormindo. Bom, queria chamar os meninos, para ver se íamos de taças ou algo, possivelmente a outra sala? Que tal manhã de noite? Me chame.»
Bom, pelo menos Kendra estava bem fazia umas quantas horas. Isso aliviou parte da preocupação que sentia. Mas ainda ficava o asunto do menino com quem tinha estado saindo. O renegado, corrigiu-se Gabrielle, com um estremecimento de medo ao pensar na proximidade de sua amiga ao mesmo perigo que lhe estava pisando nos pés a ela.
Passou ao última mensagem. Megan outra vez, fazia somente duas horas.
«Olá, carinho. Era uma chamada de comprovação. vais chamar me alguma vez e me dirá como foi na delegacia de polícia a outra noite? Estou segura de que seu detetive se alegrou de verte, mas sabe que morro por saber todos os detalhes de como foi de intensa sua alegria.»
O tom de voz do Megan era tranqüilo e brincalhão, perfeitamente normal. Completamente distinto ao pânico das primeiras mensagens que hábía deixado no telefone de casa do Gabrielle e em seu telefone celular.
Deus, isso estava bem.
Porque não havia nenhum motivo de alarme por ela, nem por seu amigo policial, dado que Lucan lhes tinha apagado a memória.
«Bom, fiquei com o Jamie para jantar esta noite no Ciao Bela... seu favorito. Se pode arrumá-lo, vêem. Estaremos ali Às sete.Para você guardaremos um assento.»
Gabrielle marcou o botão de pendurar e olhou a hora no telefone: as sete e vinte.
Devia a seus amigos, pelo menos, chamar e lhes fazer saber que se encontrava bem. E uma parte dela desejava ouvir suas vozes, já que eram a única conexão com a vida que tinha antes. Lucan Thorne tinha dado a volta a sua vida por completo. Apertou o botão de marcação rápida do celular do Megan e esperou com ânsia enquanto o telefone soava. No mesmo momento em que seu amiga respondeu, Gabrielle ouviu uma conversação apagada.
—Olá, Meg.
—Né... por fim! Jamie, é Gabby!
—Onde está essa garota? vai vir ou o que?
—Ainda não sei. Gabby, vais vir?
Para ouvir a familiar desordem do bate-papo de seus amigos, Gabrielle desejou estar ali. Desejou que as coisas pudessem voltar a ser como eram antes de...
—Né... Não posso. surgiu um assunto e...
—Está ocupada —disse Megan a Jamie.
—Mas, onde está? Kendra me chamou hoje, estava-te procurando. Há-me dito que tinha ido a seu apartamento mas que não parecia que estivesse em casa.
—Kendra apareceu por aí? Viu-a?
—Não, mas quer reunir-se com todos nós. Parece que há terminado com esse menino que conheceu na discoteca.
—Brent —acrescentou Jamie em voz alta
—Têm quebrado?
—Não sei —respondeu Megan—. Lhe perguntei como ia com ele e ela somente me disse que já não se estavam vendo.
—Bem —repôs Gabrielle, muito aliviada—. São muito boas notícias.
—Bom, e você? Quem é tão importante como para que não jante esta noite?
Gabrielle franziu o cenho e olhou ao seu redor. Na sala havia levantado um pouco a brisa e a chama vermelha da vela tremeu. Ouviu uns pés suaves e uma afogada exclamação de surpresa de alguém que tinha entrado e se deu conta de que a sala estava ocupada. Gabrielle se deu a volta e viu uma loira alta na porta de entrada. A mulher olhou a Gabrielle com expressão de desculpa e logo se dispôs a sair.
—Estou... isto... fora da cidade, agora mesmo —disse a seus amigos em voz baixa.
— Certamente estarei fora uns quantos dias. Possivelmente mais.
—Fazendo o que?
—Né, estou fazendo um trabalho por encargo —mentiu Gabrielle, diando ter que fazê-lo, mas sem encontrar outra alternativa.
— Chamarei assim que possa. Se cuidem. Quero-lhes.
—Gabrielle...
Pendurou antes de que a obrigassem a dizer nada mais.
—Sinto-o —lhe disse a mulher loira enquanto Gabrielle se aproximava dela.
— Não me tinha dado conta de que a habitação estava ocupada.
—Não o está. Por favor, fique. Só estava... —Gabrielle soltou um suspiro.
— Acabo de mentir a meus amigos.
—OH. —Uns amáveis olhos de cor azul pálida a olharam comprensivamente.
Gabrielle fechou o telefone e passou um dedo por cima da carcasa chapeada e polida.
—Deixei meu apartamento precipitadamente a outra noite para vir aqui com Lucan. Nenhum de meus amigos sabe onde estou, nem por que tive que partir.
—Compreendo. Possivelmente algum dia lhes possa dar alguma explicação.
—Isso espero. Não quero lhes pôr em perigo lhes contando a verdade.
A mulher assentiu com a cabeça, pormenorizada, e seu halo de cabelo comprido e loiro seguiu o movimento.
—Você deve ser Gabrielle. Savannah me há dito que Lucan havia trazido para uma mulher que estava sob seu amparo. Sou Danika. Sou... era... a companheira do Conlan.
Gabrielle aceitou a esbelta mão que Danika lhe ofereceu como saudação.
—Sinto muito sua perda.
Danika sorriu com uma expressão triste nos olhos. Soltou a mão do Gabrielle e, sem dar-se conta, baixou a sua para acariciar o abdômen, imperceptivelmente inchado.
—Queria ir para te buscar para te dar a bem-vinda, mas imagino que não sou a melhor das companhias neste momento. Não tive muita vontade de sair de minhas habitações durante estes últimos dias. Todavía está sendo muito difícil para mim, tentar realizar este... ajuste. Tudo é tão distinto agora.
—É obvio.
—Lucan e outros guerreiros foram muito generosos comigo. Cada um deles me jurou amparo quando a necessitar, esteja onde esteja. Para mim e para meu filho.
—Está grávida?
—Desde quatorze semanas. Desejava que este fora o primeiro de muitos filhos. Estávamos tão iludidos com nosso futuro. Tínhamos esperado muito tempo a fundar nossa família.
—por que esperaram? —Gabrielle franziu o cenho assim que se deu conta de que tinha feito a pergunta.
— O sinto, não tento bisbilhotar. Não é meu assunto.
Danika estalou a língua, lhe tirando importância.
—Não há necessidade de desculpar-se. Não me importa que me faça prerguntas, de verdade. Para mim é bom falar de meu Conlan. Vêem, vamos sentar nos um momento —lhe disse, conduzindo a Gabrielle até uma das cadeiras bancos da capela.
—Conheci Conlan quando era só uma menina. Meu povo da Dinamarca tinha sido saqueado por uns invasores, ou isso acreditávamos. A verdade é que eram um grupo de renegados. Mataram a quase todo mundo, as mulheres velhas e aos meninos, Aos velhos de nossa aldeia. Ninguém estava seguro. Um grupo de guerreiros da raça chegou a metade do ataque. Conlan era um deles. Resgataram a tantos dos nossos como puderam. Quando descubriram minha marca, levaram-me a Refúgio Escuro mais próximo. Foi ali onde aprendi tudo a respeito da nação dos vampiros e do lugar que eu ocupava nela. Mas não podia deixar de pensar em meu salvador. Foi coisa do destino que, ao cabo de uns anos, Conlan fora outra vez a essa zona. Eu estava tão iludida de lhe ver. Imagine a comoção que senti ao saber que ele tampouco se esqueceu de mim.
—Quanto faz disso?
Danika quase não teve que deter-se para calcular o tempo.
—Conlan e eu compartilhamos quatrocentos e dois anos juntos.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle—. Tanto tempo...
—passou em um abrir e fechar de olhos, se te disser a verdade. Não te mentirei te dizendo que sempre foi fácil ser a mulher de um guerreiro, mas não trocaria nem um só instante. Conlan acreditava por completo no que estava fazendo. Queria um mundo mais seguro, para mim e para nossos filhos que estavam por chegar.
—E por isso esperou todo este tempo para conceber um filho?
—Não queríamos fundar nossa família enquanto Conlan sentisse que precisava permanecer com a Ordem. Estar em primeira linha não é o melhor para os meninos, e esse é o motivo pelo que não há famílias entre os membros da classe dos guerreiros. Os perigos são muito grandes, e nossos companheiros precisam poder concentrar-se únicamente em sua missão.
—Não se dão acidentes?
—Os embaraços acidentais são completamente desconhecidos na raça porque nós necessitamos algo mais sagrado que o simples sexo para conceber. O momento de fertilidade das companheiras de raça é durante a lua crescente. Durante este momento crucial, se desejamos conceber um filho, nossos corpos devem conter tanto a semente de nosso companheiro como seu sangue. É um ritual sagrado que ninguem planeja realizar as pressas.
A idéia de poder compartilhar esse profundo e íntimo ato com Lucan fez que Gabrielle sentisse que o centro de seu ser entrava em calor. A idéia de unir-se dessa forma com outro, de engordar com o filho de outro que não fora Lucan, era uma possibilidade que se negava a ter em conta. Preferia estar sozinha, e provavelmente o estaria.
—O que vais fazer agora? —perguntou-lhe, rompendo o silêncio em que se ficou ao imaginar sua própria solidão futura.
—Ainda não sei —respondeu Danika.
— Sim sei que não vou unir-me com nenhum outro macho.
—Não necessita um companheiro para continuar jovem?
—Conlan era meu companheiro. Agora que ele se foi, uma só vida já será muito tempo. Se me negar a ter um vínculo de sangue com outro macho, simplesmente envelhecerei de forma natural daqui em diante, igual que antes de conhecer Conlan. Simplesmente serei... mortal.
—Morrerá —disse Gabrielle.
Danika sorriu com expressão decidida, mas não de tudo triste.
—Ao final.
—Aonde irá?
—Conlan e eu tínhamos planejado nos retirar a um dos Refúgios Escuros da Dinamarca, onde eu nasci. Ele queria isso para mim, mas agora acredito que prefiro criar a seu filho em Escócia para que tenha a oportunidade de conhecer algo de seu pai Através da terra que ele tanto amava. Lucan já começou a fazer os preparativos para que possa ir quando dita que estou preparada.
—Isso foi amável por sua parte.
—Muito amável. Quando veio a me buscar para me dar a notícia, e para me prometer que meu filho e eu sempre estaríamos em comunicação direta com ele e com o resto da Ordem se por acaso alguma vez necessitávamos algo, não me podia acreditar isso. Foi o dia do funeral, só umas quantas horas depois do mesmo, e suas queimaduras ainda eram extremamente gravê. E apesar disso, ele estava mais preocupado por meu bem-estar.
—Lucan sofreu queimaduras? —Gabrielle sentiu que um sentimento de alarme lhe assaltava o coração.
— Quando? E como?
—Faz só três dias, quando realizamos o ritual funerário do Conlan. —Danika arqueou as finas sobrancelhas—. Não sabia? Não, claro que não o sabia. Lucan nunca mencionaria esse ato de honra, nem o dano que sofreu para levá-lo a cabo. Olhe, a tradição funerária da raça estabelece que um vampiro deve levar o corpo do morto fora para que os elementos da natureza o recebam —disse, fazendo um gesto em direção a uma sombria esquina da capela onde havia uma escura escada.
— É um dever que mostra um grande respeito e exige um grande sacrifício porque, uma vez fora, o vampiro que atende a seu irmão deve ficar ao seu lado durante oito minutos durante a saída do sol.
Gabrielle franziu o cenho.
—Mas eu acreditava que a pele de um vampiro não suporta os raios do sol.
—Não, não os suporta. Sofre queimaduras graves e de forma muito rápida, mas ninguém sofre mais que um vampiro de primeira geração. Os mais velhos da raça sofrem mais, inclusive em um tempo de exposição muito breve.
—Como Lucan —disse Gabrielle.
Danika assentiu com expressão solene.
—Para ele, estar exposto oito minutos a saída do sol deve haver sido insuportável. Mas o fez. Pelo Conlan, deixou que seu corpo se queimasse. Inclusive tivesse podido morrer ali acima, mas não tivesse deixado que ninguém mais assumisse o peso de oferecer repouso a meu amado Conlan.
Gabrielle recordou a urgente chamada Telefónica que tinha tirado Lucan fora da cama em meio da noite. Não lhe tinha contado do que se tratava. Tampouco tinha compartilhado sua perda com ela.
Sentiu que a dor lhe retorcia o estômago ao pensar no que tinha suportado, segundo a descrição da Danika.
—Falei com ele... esse mesmo dia, de fato. Por sua voz soube que algo ia mau, mas ele o negou. Parecia tão cansado, mais que exausto. É esta me dizendo que sofreu queimaduras pela luz ultravioleta?
—Sim. Savannah me contou que Gideon o encontrou não muito tempo depois. Lucan tinha queimaduras da cabeça aos pés. Não podia abrir os olhos a causa da dor e a inflamação, mas rechaçou qualquer tipo de ajuda para voltar para suas habitações para curar-se.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle, estupefata—. Ele nunca me contou isso, não me contou nada disto. Quando lhe vi mais tarde, essa noite... só ao cabo de umas horas, parecia completamente normal. Bom, o que quero dizer é que parecia e atuava como se nada mau lhe tivesse ocorrido.
—A pureza de linha de sangue de Lucan lhe faz sofrer mais, mas também lhe ajuda a curar-se mais depressa das queimaduras. Inclusive então não foi fácil para ele; ele necessitaria uma grande quantidade de sangue para repôr seu corpo depois de um trauma tão forte. Quando esteve o bastante bem para abandonar o complexo e ir de caça, devia ter uma fome voraz.
Tinha-a tido. Gabrielle se dava conta agora. A lembrança de lhe ver alimentar do servente a quem tinha matado lhe passou pela mente, mas agora tinha um significado distinto, já não lhe parecia o ato monstruoso que lhe tinha parecido de forma superficial, a não ser um meio de sobrevivemcia. Tudo adquiria um significado novo desde que conhecia Lucan.
Ao princípio, tinha-lhe parecido que a guerra entre os da raça e seus inimigos não era mais que um mal enfrentado a outro, mas agora não podia evitar sentir que também era sua guerra. Ela se jogava algo no desenlace, e não somente pelo fato de que seu futuro se encontrava ligado a este estranho mundo. Para ela era importante que Lucan ganhasse não só a guerra contra os renegados, mas também a devastadora guerra pessoal que liberava em privado.
Estava preocupada com ele, e não podia ignorar a queimação de medo que tinha começado a sentir na base das costas desde que ele e os outros guerreiros tinham abandonado o complexo para ir de batida.
—Quer-lhe muito, verdade? —perguntou-lhe Danika. Entre elas se havia feito um angustiante silêncio.
—Quero-lhe, sim. —Olhou a mulher aos olhos e não encontrou motivo para esconder uma verdade que, provavelmente, se traslucía em seu rosto.
— Posso te dizer uma coisa, Danika? Tenho uma horrível sensação a respeito do que está fazendo esta noite. E para piorá-lo, Tegan disse que não acreditava que Lucan fora a viver muito mais. quanto mais momento levo aqui sentada, mais medo tenho de que Tegan possa ter razão.
Danika franziu o cenho.
—Falaste com o Tegan?
—Tropecei-me com ele —literalmente— muito recentemente . Disse-me que não me afeiçoasse muito de Lucan.
—Porque acreditava que Lucan ia morrer? —Danika deixou escapar um comprido suspiro e meneou a cabeça—. Esse parece desfrutar pondo a outros no fio. Provavelmente o há dito somente porque sabe que isso te inquietará.
—Lucan disse que entre eles havia animosidade. Crie que Tegan é de confiar?
Pareceu que a companheira de raça loira o pensava um momento.
—Posso dizer que a lealdade é uma parte importante do código dos guerreiros. È tudo para esses machos, faz-os um. Nada deste mundo pode lhes fazer violar essa confiança sagrada. —levantou-se e tomou a mão do Gabrielle.
— Vêem. vamos procurar a Eva e a Savannah. E a espera será menos larga para todas se não a passarmos sozinhas.
Capítulo vinte e seis
Do ponto de observação onde estavam apostados em um dos edifícios do porto, Lucan e outros guerreiros observaram um pequeno caminhão cujas rodas cromadas cuspiam cascalho, dirigir-se a localização que estavam vigiando. O condutor era um ser humano. Se seu aroma a suor e a ansiedade não tivesse delatado, a música country que saía estrondosamente pelo guichê aberto o tivesse feito. Saiu do veículo com uma bolsa de papel marrom repleta de algo que cheirava a arroz frito e porco.
—Parece que os meninos jantam dentro esta noite —disse Dê. O confiado mensageiro comprovou o papel branco que tinha grampeado no pedido e olhou para o dique com cautela.
O condutor se aproximou da porta de entrada do armazém, dirigiu outro olhar nervoso ao seu redor, soltou um juramento em meio da escuridão e apertou o timbre. Não havia nenhuma luz dentro do edifício, somente havia o feixe de luz amarela que caía da lâmpada nua que pendurava em cima da porta. Lucan viu os olhos ferozes de um Renegado e o mensageiro gaguejou umas palavras do pedido e alargou o papel para o buraco escuro que se aberto diante dele.
—O que quer dizer trocando-o? —perguntou o cowboy urbano com um forte acento de Boston.
— Que diabos...?
Uma enorme mão lhe sujeitou pelo peito da camisa e lhe levantou do chão. ele chiou e em seu ataque de pânico conseguiu largar-se da mão do renegado.
—Uf! —exclamou Niko desde sua posição perto da cornija.
— Parece que acaba de dar-se conta de que não há comida a Chinesa no menu.
O renegado voou até o ser humano como uma sombra, assaltou-lhe por detrás e lhe abriu a garganta com uma eficiência selvagem. A morte foi sangrenta e foto instantânea. Logo o renegado se levantou de um salto e se dispôs a carregár a presa ao ombro para levá-la dentro, e Lucan ficou em pé.
—chegou o momento de nos pôr em marcha. Vamos.
Ao uníssono, os guerreiros saltaram ao chão e se dirigiram a grande velocidade para o armazém que servia de guarida aos renegados. Lucan, que lhes marcava o caminho, foi o primeiro em alcançar ao vampiro com sua inerte carrega humana. Com uma mão, sujeitou ao renegado pelo ombro e lhe obrigou A dár a volta ao tempo que tirava uma de suas folhas mortíferas da capa que levava no quadril. Golpeou com força e uma pontaría certeira, e decapitou a essa besta com um corte limpo.
As células do renegado começaram a fundir-se imediatamente e este caiu, empapado de sangue, ao chão. O contato da folha de Lucan foi como um ácido que atravessou o sistema nervoso do vampiro. Ao cabo de uns segundos, quão único ficava do renegado era um atoleiro negro e putrefato que se diluía na sujeira do chão.
Mais adiante, na porta, Dante, Tegan e os outros três guerreiros se formavam em um grupo fechado e armado, disposto a iniciar a ação réal. À ordem de Lucan, os seis se introduziram no armazém com as armas A ponto.
Os renegados que se encontravam dentro não tiveram nem idéia do que era o que lhes estava atacando até que Tegan lançou uma adaga que foi cravar se na garganta de um deles. Enquanto o renegado chiava e se retorcia ao desintegrar-se, seus cinco companheiros, enfurecidos, se dispersaram em busca de refúgio ao tempo que tomavam as armas sob a chuva de balas e folhas afiadas que Lucan e seus irmãos lançavam a discrição.
Dois dos renegados caíram ao cabo de uns segundos de haver-se iniciado o enfrentamento, mas os outros dois que ficavam haviam ocultado nas profundidades escuras do armazém. Um deles disparou contra Lucan e Dante desde detrás de um velho montão de gavetas. Os guerreiros esquivaram esse ataque e lhe responderam, o qual lhe fez sair ao descoberto e lhe deu a oportunidade a Lucan de acabar com ele.
Lucan percebeu na periferia de seu campo de visão que o último deles tentava escapar por entre um montão de barris derrubados e de tubos de metal que havia na parte traseira do edifício.
A Tegan tampouco tinha passado desapercebido. O vampiro se precipitou para o renegado como um trem de carga e desapareceu nas prófundidades do armazém em uma mortal perseguição.
—Tudo espaçoso —gritou Gideon desde algum ponto da escuridão fumegante e poeirenta.
Mas assim que o houve dito, Lucan percebeu que um novo perigo se abatia sobre eles. Seu ouvido distinguiu o discreto roce de um movimento sobre sua cabeça. Os lúgubres abajures do teto que se encontravam em cima dos tubos do sistema de ventilação do armazém estavam quase negras de sujeira, mas Lucan estava seguro de que algo avançava pelo telhado.
—Vigiem acima! —gritou aos outros, e nesse momento o telhado caiu e sete renegados mais se deixaram cair de acima disparando com suas armas.
De onde tinham saído? A informação que tinham sobre essa guarida era de confiar: seis indivíduos, provavelmente convertidos em renegados recentemente, que operavam de forma independente, sem nenhuma filiação. Então, quem tinha dado aviso a essa cavalaria para que lhes apóiassem? Como se tinham informado de que havia uma batida?
—Uma maldita emboscada —grunhiu Dante, pondo em voz alta o pensamento de Lucan.
Não era possível que esses novos problemas tivessem aparecido por acaso. Lucan se fixou no mais volumoso dos renegados que se estavam precipitando contra eles nesses momentos e sentiu que uma furia negra lhe fervia no ventre.
Era o vampiro que lhe tinha escapado a noite do assassinato Aos subúrbios da discoteca. O bode da Costa Oeste. O canalha que havia podido matar a Gabrielle e que possivelmente ainda pudesse fazê-lo algum dia se Lucan não acabava com ele nesse preciso momento.
Enquanto Dante e outros respondiam ao fogo do grupo de renegados, Lucan foi unicamente por esse objetivo.
Essa noite ia terminar com ele.
O vampiro vaiou amenaçadoramente ao lhe ver avançar e seu horrível rostro se deformou com um sorriso.
—Encontramo-nos de novo, Lucan Thorne.
Lucan assentiu com expressão lúgubre.
—Pela última vez.
O ódio mútuo fez que ambos os machos se desprendessem das armas para encetar-se em um combate mais pessoal. Em um instante desenfunderam as facas, um em cada mão, e os dois vampiros se prepararam para cercar um combate a morte. Lucan lançou a primeira estocada, e recebeu um perigoso corte no ombro: o renegado lhe tinha esquivado com sigilosa velocidade e se deslocou, em um abrir e fechar de olhos, ao outro lado dele. Tinha as mandíbulas abertas e uma expressão de triunfo ante o primeiro sangue derramado.
Lucan se deu a volta com igual agilidade e suas facas assobiaram perigrosamente perto da cabeça do renegado. O chupão baixou a vista e viu sua orelha direita no chão, A seus pés.
—começou o jogo, imbecil —grunhiu Lucan.
«Com uma vingança.»
Lançaram-se um contra o outro em um torvelinho de fúria com seus acertos frios e mortais. Lucan tinha consciência da batalha que se cercou ao seu redor, de que os guerreiros se estavam enfrentando ao segundo ataque. Mas toda sua concentração, todo seu ódio, centrava-se na afronta pessoal com o renegado que tinha em frente.
Quão único Lucan tinha que fazer para acender-se de fúria era pensar em Gabrielle e no que esta besta lhe tivesse feito.
E alimentou essa fúria: fez retroceder ao renegado estocada atrás de cada, implacável. Não sentiu os golpes que recebeu no corpo, embora foram muitos. Tombou a seu competidor e se preparou a lançar a última e mortífera estocada.
Com um rugido, realizou um profundo corte na garganta do renegado e separou sua enorme cabeça do corpo destroçado. Uns espasmos sacudiram os braços e as pernas do vampiro e este se desabou, retorcendo-se, ao chão. Lucan ainda sentia a fúria martilando com força nas veias; deu a volta à faca que tinha na mão e o cravou com força no peito do renegado para acelerar o processo de desintegração do corpo.
—Santo inferno —exclamou Rio desde algum ponto perto dele com voz seca.
— Lucan, tio, em cima de ti! Há outro nas vigas.
Aconteceu em um instante.
Lucan se deu a volta, sentindo a fúria da batalha em todos os músculos do corpo. Jogou uma olhada para cima, onde Rio havia lhe indicado. Muito acima por cima de sua cabeça outro vampiro renegado se pendurava pelos tubos do teto do armazém com uma coisa sob o braço que parecia ser uma pequena bola de metal. Mas uma pequena luz vermelha parecia rapidamente nesse aparelho e imediatamente ficou acendida.
—Ao chão! —Nikolai levantou sua Beretta trucada e apontou.
— O tipo vai lançar uma maldita bomba!
Lucan ouviu o repentino disparo da arma.
Viu que o renegado recebia o disparo do Niko justo entre os brilhantes olhos amarelos.
Mas a bomba já estava no ar.
Ao cabo de segundo meio, estalou.
Capítulo vinte e sete
Gabrielle se incorporou repentinamente, despertando sobressaltada de outra inquieta cabeçada que acabava de jogar no sofá da sala de estar do Savannah. As mulheres tinham ficado juntas as últimas horas, consolándo-se na companhia mútua, exceto Eva, que se tinha ido a capela para rezar. A companheira de raça estava mais nervosa que as demais e se tinha passado grande parte da tarde caminhando acima e abaixo e mordendo o lábio inferior com impaciência e ansiedade.
Em algum lugar por cima do labirinto de corredores e habitações se ouviram os movimentos surdos e as vozes tensas dos machos. O barulho zumbido do elevador fez vibrar o denso ar da sala e se deram conta de que a cabine estava baixando ao piso principal do complexo.
«OH, Deus.»
Algo ia mau.
Notava-o.
«Lucan.»
Jogou a um lado o xale de felpilla com que se cobria e pôs os pés no chão. O coração lhe tinha desbocado, e lhe encolhia com força a cada pulsado.
—Tampouco eu gosto desses sons —disse Savannah, jogando uma tensa olhada a habitação.
Gabrielle, Savannah e Danika saíram das habitações para ir em busca dos guerreiros. Nenhuma disse nenhuma palavra e com muita dificuldade respiravam enquanto se dirigiam ao elevador.
Inclusive antes de que as portas de aço se abrissem, por causa dos sons precipitados que se ouviam dentro do elevador, fez-se evidente que foram receber más notícias.
Mas Gabrielle não estava preparada para quão más foram ser.
O fedor a fumaça e a sangue a assaltou com a força de um murro. Fez uma careta ante o nauseabundo aroma de guerra e morte mas se esforçou por ver qual era a situação na cabine do elevador. Nenhum dos guerreiros saía dela. Dois estavam tombados no chão da cabine e os outros três estavam agachados ao seu redor.
—Traz umas quantas toalhas e lençóis limpa! —gritou-lhe Gideon a Savannah.
— Traz todas as que possa, menina! —Assim que ela se dispôs a fazê-lo, ele acrescentou:
—Também vamos precisar movê-lo. Há uma cama na enfermaria.
—Eu me ocupo —repôs Niko de dentro do elevador.
Saltou por cima de um dos dois vultos informe que se encontrava tendido de barriga para baixo no chão. Quando passou por seu lado, Gabrielle viu que tinha o rosto, o cabelo e as mãos enegrecidos de fuligem. As roupas estavam rasgadas e a pele salpicada com centenas de arranhões sangrando. Gideon mostrava contusões similares. E Dante também.
Mas suas feridas não eram nada comparadas com as dos dois guerreros da raça que estavam inconscientes e a quem seus irmãos haviam transportado pelas ruas.
O peso que sentiu no coração lhe fez saber de Gabrielle que um deles era Lucan. Aproximou-se um pouco mais e teve que reprimir uma exclamação ao ver confirmados seus temores.
O sangue se formava redemoinhos debaixo de seu corpo, um atoleiro da cor do vinho escuro que se estendia até o mármore branco do corredor. Tinha a vestimenta de couro e as botas feita migalhas, igual à maior parte da pele dos braços e as pernas. O rosto estava cheio de fuligem e de cortes de uma cor escarlate. Mas estava vivo. Gideon lhe moveu para lhe aplicar um torniquete improvisado para parar o sangue de uma ferida que tinha no braço e Lucan soltou um vaio de dor por entre as presas alargadas.
—Porra... sinto muito, Lucan. É bastante profundo. Merda, isto não vai deixar de sangrar.
—Ajuda... ao Rio —pronunciou as palavras com um grunhido apagado. Foi uma ordem direta apesar de que se encontrava convexo de costas—. Estou bem —acrescentou, gemendo de dor.
— Porra... quero que... dê-te... dele.
Gabrielle se ajoelhou ao lado do Gideon. Levantou a mão para sujeitar o extremo da atadura que ele tinha na mão.
—Eu posso fazê-lo.
—Está segura? É uma ferida feia. Tem que colocar as mãos justo aí para apertá-lo com força.
—Tenho-o. —Fez um gesto com a cabeça em direção a Rio, que se encontrava convexo ao lado.
— Faz o que te há dito.
O guerreiro ferido que estava convexo no chão ao lado de Lucan estava sofrendo uma agonia. Ele também sangrava profundamente por quão feridas tinha no torso e a causa do terrível dano que tinha sofrido no braço esquerdo. Levava uma perna envolta em um farrapo empapado de sangue que devia ser uma camisa. Tinha o rosto e o peito queimados e rasgados até tal ponto que era irreconhecível. Começou a emitir uns gemidos graves e guturais que lhe encheram os olhos de lágrimas a Gabrielle.
Piscou para reprimir as lágrimas e, ao abrir os olhos de novo, encontrou-se com os pálidos olhos cinzas de Lucan cravados nela.
—Acabei... com o bode.
—Shh. —Secou-lhe o suor da frente, maltratada.
— Lucan, te esteja quieto. Não tente falar.
Mas ele não fez conta. Tragou saliva com dificuldade e logo se esforçou em pronunciar as palavras.
—o da discoteca... o filho de puta que estava ali essa noite.
—que te escapou?
—Esta vez não. —Piscou devagar. Seu olhar era tão feroz como brilhante.
— Agora não poderá nunca... te fazer danifico...
—Sim—disse em tom irônico Gideon, que se estava ocupando de Rio.
— E tem muita sorte de estar vivo, herói.
Gabrielle sentiu que a angústia lhe atendia a garganta ao olhar a Lucan. Apesar de que tinha afirmado que seu dever era o primeiro e que alguma vez haveria um lugar para ela em sua vida, Lucan tinha pensado nela essa noite? Estava ferido e sangrando a causa, em parte, por algo que tinha feito por ela?
Ela tomou uma de suas mãos entre as suas e lhe acariciou no único lugar do corpo em que podia fazê-lo enquanto a apertava contra o coração.
—OH, Lucan...
Savannah chegou correndo com o que lhe tinham pedido. Niko a seguiu imediatamente, empurrando a maca de hospital diante dele.
—Lucan primeiro —lhes disse Gideon.
— Levem a uma cama e logo voltarei por Rio.
—Não —grunhiu Lucan, com tom de maior determinação que de dor.
— Ajudem a me levantar.
—Não acredito que... —disse Gabrielle, mas ele já estava tentando levantar-se do chão.
—Tranqüilo, chiou.
—Dante entrou no elevador e colocou sua mão forte sob o braço de Lucan. Tombaram-lhe por que não toma um descanso e nos deixa que lhe levemos a enfermaria?
—Hei dito que estou bem. —Lucan, apoiando-se em Gabrielle e em Dante, incorporou-se e se sentou. Respirava com dificuldade, mas permaneceu incorporado.
— recebi uns quantos golpes, mas merda... vou andando até minha cama. Não vou deixar que me... arrastem até aí.
Dante olhou Gabrielle com expressão exasperada.
—Sabe que tem a cabeça tão dura que o diz a sério?
—Sim, sei.
Gabrielle sorriu, agradecida a essa obstinação que o fazia ser forte. Ela e Dante lhe emprestaram o apoio de seus corpos: colocaram-se um a cada lado dele, com os ombros sob cada um de seus braços, e lhe sujeitaram até que Lucan começou a ficar em pé, devagar.
—Por aqui —disse Gideon a Niko, e este colocou a maca no lugar adequado para levantar Rio enquanto Savannah e Danika faziam tudo o que podiam por conter o sangue de suas feridas, por lhe tirar a roupa destroçada e o desnecessário peso das armas.
—Rio? —A voz da Eva soou aguda. Correu até o grupo com o rosario ainda apertado em uma das mãos. Quando chegou ao elevador aberto se deteve imediatamente e agüentou a respiração.
— Rio! Onde está?
—Está aqui dentro, Eva —disse Niko, apartando-se da maca, onde já tinham colocado a Niko, para lhe impedir o passo. Apartou-a dali com mão firme para que não se aproximasse muito ao açougue.
— Houve uma explosão esta noite. Ele se levou a pior parte.
—Não! —levou-se as mãos ao rosto, horrorizada.
— Não, está equivocado. Esse não é meu Rio! Não é possível!
—Está vivo, Eva. Mas terá que ser forte por ele.
—Não! —Começou a chiar grosseiramente, histérica, enquanto tentava abrir passo com a força para aproximar-se de seu companheiro.
— Meu Rio não! Deus, não!
Savannah se aproximou e tomou a Eva do braço.
—Vamos agora —lhe disse com suavidade.
— Eles sabem como lhe ajudar.
Os soluços da Eva alagaram o corredor e encheram a Gabrielle de uma angústia íntima que era uma mescla de alívio e de medo frio. Estava preocupada com Rio, e lhe rompia o coração pensar no que Eva devia estar sentindo. Gabrielle sabia que isso lhe doía em parte porque Lucan tivesse podido encontrar-se no lugar de Rio. Uns quantos milímetros, umas frações de segundo, podiam ter sido quão único tinha determinado qual dos dois guerreiros ia estar convexo em um crescente atoleiro de sangue lutando por manter-se vivo.
—Onde está Tegan? —perguntou Gideon, sem apartar a atenção de seus próprios dedos com os quais, e com movimentos rápidos, ocupava-se de curar ao guerreiro cansado.
— retornou já?
Danika negou com a cabeça, mas olhou a Gabrielle com olhos angustiados.
—por que não está aqui? Não estava com vocês?
—Perdemo-lhe de vista muito pouco tempo depois de que entrássemos na guarida dos renegados —lhe disse Dante.
— Quando estalou a bomba, nosso principal objetivo foi trazer Rio e a Lucan ao complexo o mais breve possível.
—vamos mover isto —disse Gideon, colocando-se a cabeça da cama de Rio.
— Niko, me ajude a mover isto.
As perguntas a respeito do Tegan se apagaram enquanto todo mundo trabalhava em excesso em fazer todo o possível para ajudar a Rio. Todos percorreram o caminho até a enfermaria. Gabrielle, Dante e Lucan eram os que se deslocavam com maior lentidão pelo corredor: Lucan se cambaleava sobre os pés e se sujeitava a eles dois enquanto se esforçava por manter-se em pé com firmeza.
Gabrielle reuniu valor para lhe olhar. Desejava tanto lhe acariciar o rosto ferido e cheio de sangue. Enquanto lhe olhava com o coração encolhido, ele levantou as pálpebras e a olhou aos olhos. Ela não sabia o que era o que se estabeleceu entre eles durante esse comprido instante de quietude no meio do caos, mas sentiu que era algo quente e bom Apesar de tudo quão terríveis tinham sido os sucessos dessa noite.
Quando chegaram À habitação onde foram atender a Rio, Eva ficou a um lado da maca, ante seu corpo quebrado. As lágrimas lhe caíam pelas bochechas.
—Isto não tinha que ter acontecido —gemeu—. Não deveria ter sido meu Rio. Não desta maneira.
—Faremos tudo o que possamos por ele —disse Lucan, respirando com dificuldade por causa de suas próprias feridas—. Lhe prometo isso, Eva. Não lhe deixaremos morrer.
Ela negou com a cabeça, com o olhar fixo em seu companheiro tendido na cama. Acariciou-lhe o cabelo e Rio murmurou umas palavras incoerentes, semi inconsciente e com uma clara expressão de dor.
—Quero-lhe fora daqui imediatamente. Deveria ser transladado a um Refúgio. Necessita atenção médica —disse Eva.
—Seu estado não é o bastante estável para que lhe translade —repôs Gideon.
— Tenho os conhecimentos necessários e a equipe adequada para lhe tratar aqui por agora.
—Quero-lhe fora daqui! —Levantou a cabeça súbitamente e dirigiu o olhar brilhante de um guerreiro a outro.
— Não resulta de utilidade para nenhum de vocês agora, assim me deixem isso . Já não lhes pertence, a nenhum de vocês. Agora é completamente meu! Somente quero o melhor para ele!
Gabrielle notou que o braço de Lucan entrava em tensão por causa dessa reação histérica.
—Então tem que te apartar de diante do Gideon e deixar que faça seu trabalho —lhe disse, assumindo com facilidade o papel de líder apesar de sua má condição física.
— Agora mesmo, quão único importa é manter com vida Rio.
—Você —disse Eva, em tom seco enquanto lhe dirigia um olhar severo. Seus olhos mostraram um brilho mais selvagem e seu rosto se transformou em uma máscara de puro ódio.
— Deveria ser você quem se estivesse morrendo agora mesmo, e não ele! Você, Lucan. Esse foi o trato que fiz! Sabiam que tinha que ser você!
Na enfermaria pareceu abrir um abismo que se tragasse todo som exceto a surpreendente verdade do que a companheira de Rio acabava de confessar.
Dante e Nikolai se levaram as mãos as armas, ambos os guerreiros dispostos a responder a mais ligeira provocação. Lucan levantou uma mão para contê-los com o olhar fixo na Eva. A verdade era que não lhe importava absolutamente que sua malevolência se dirigisse diretamente contra ele; se ele tinha sido uma espécie de alvo para sua fúria, havia sobrevivido a isso . Rio possivelmente não o fizesse. Qualquer dos irmãos presente na batida dessa noite tivesse podido não sobreviver a traição da Eva.
—Os renegados sabiam que íamos estar ali —disse Lucan em um tom frio por causa de uma profunda fúria.
— Caímos em uma emboscada no armazém. Você o preparou.
Outros guerreiros emitiram uns grunhidos guturais. Se a confissão a tivesse feito um macho, Lucan tivesse podido fazer muito pouco para impedir a seus irmãos que atacassem com uma força letal. Mas se tratava de uma companheira de raça, uma dos seus. Alguém a quem conheciam e em quem confiavam desde fazia mais de uma vida.
Agora Lucan olhava a Eva e via uma desconhecida. Viu loucura. Um desespero mortal.
—Rio tinha que salvar-se. —inclinou-se sobre ele e lhe passou o antebraço por debaixo da cabeça enfaixada. O emitiu um som descarnado e indecifrável enquanto Eva lhe abraçava.
— Eu não queria que ele tivesse que lutar mais. Não, por vocês.
—Assim preferiria lhe ver destroçado, em lugar disso? —perguntou-lhe Lucan.
— Assim é como lhe quer?
—Amo-lhe! —gritou ela.
— O que tenho feito, tudo o que tenho feito, foi por amor a ele! Rio será mais feliz em algum outro lugar, longe de toda esta violência e morte. Será mais feliz em um Refúgio Escuro, comigo longe de sua maldita guerra!
Rio emitiu o mesmo som gutural, mas agora soou mais lastimero. Não cabia dúvida de que era um som de agonia, embora se era devido à dor física ou a inquietação pelo que estava acontecendo ao seu redor não estava claro.
Lucan negou com a cabeça lentamente.
—Essa é uma afirmação que você não pode fazer por ele, Eva. Não tem direito. Esta é a guerra de Rio, tanto como a de qualquer outro. É no que ele acreditava, no que sei que ainda crie, inclusive depois do que lhe tem feito. Esta guerra concerne a toda a raça.
Ela franziu o cenho com gesto azedo.
—Resulta irônico que o cria, dado que você mesmo estiveste a ponto de te converter em um renegado.
—Jesucristo —exclamou Dante de onde se encontrava, perto.
— Esta equivocada, Eva. Está terrivelmente equivocada.
— Ah, sim? —Ela continuou cravando o olhar em Lucan com expressão sádica.
— Te estive observando, Lucan. Vi-te lutar contra a sede quando acreditava que não havia ninguém perto. Sua aparência de controle não me engana.
—Eva —disse Gabrielle. Sua voz tranqüila foi um bálsamo para todos os que se encontravam na habitação.
— Está alterada. Não sabe o que está dizendo.
Ela rio.
—lhe peça que o negue. lhe pergunte por que se priva de sangue até que está quase a ponto de morrer de sede!
Lucan não disse nada em resposta a essa acusação pública, porque sabia que era verdade.
Também sabia Gabrielle.
Sentiu-se comovido de que lhe defendesse, mas nesses momentos não se tratava tanto dele como de Rio e do engano que ia destroçar a esse guerreiro. Possivelmente já o tinha feito, a julgar pelo crescente movimento de suas pernas e pelo esforço que realizava para falar apesar das feridas.
—Como fez esse trato, Eva? Como entrou em contato com os renegados, em uma de suas excursões fora?
Ela bufou com gesto de brincadeira.
—Não foi tão difícil. Há serventes passeando por toda a cidade. Somente tem que olhar fora. Encontrei a um e lhe disse que me pusesse em contato com seu chefe.
—Quem era? —perguntou Lucan—. Que aspecto tinha?
—Não sei. Somente nos encontramos uma vez e manteve o rosto oculto. Levava uns óculos escuros e teve as luzes da habitação do hotel apagadas. Não me importava nem quem era nem que aspecto tinha. O único que me importava era que tivesse o poder suficiente para fazer que as coisas ocorressem. Somente queria sua promessa.
—Imagino que te fez pagar por isso.
—Foram somente um par de horas com ele. Tivesse pago algo —disse, agora sem olhar a Lucan nem aos outros, que a olhavam com expressão de desagrado, mas sim manteve a vista fixa em Rio.
— Faria algo por ti, querido. Suportaria. .. algo.
—Possivelmente vendeu seu corpo —disse Lucan—, mas foi a confiança de Rio o que traiu.
Dos lábios de Rio surgiu um som áspero. Eva lhe arrulhava e o acariciou. Ele abriu as pálpebras e se ouviu sua respiração, oca e esforçada, enquanto tentava pronunciar umas palavras.
—Eu... —Tossiu e seu corpo maltratado sofreu um espasmo—. Eva...
—OH, meu amor... sim. Estou aqui! —gritou—. Me diga o que queira, carinho.
—Eva... —De sua garganta não saiu nenhum som durante uns instantes, mas voltou a tentá-lo.
— Eu... lhe... acuso.
—O que?
—Morta... —Gemeu. Sem dúvida a dor psicológica era maior que a fisica, mas a ferocidade de seus olhos brilhantes e injetados em sangue diziam que não ia se deter.
— Já não existe... para mim... está... morta.
—Rio, é que não o compreende? Tenho-o feito por nós!
—Vai —disse ele com voz entrecortada.
— Não te quero ver... nunca mais.
—Não o pode dizer a sério. —Levantou a cabeça e seus olhos procuravam freneticamente um ponto onde posar-se.
— Não o diz a sério! Não é possível! Rio, me diga que não fala a sério!
Alargou a mão para lhe tocar, mas ele emitiu um grunhido e utilizou a pouca força que ficava para rechaçar seu contato. Eva soluçou. O sangue das feridas dele cobria a parte dianteira da roupa. Baixou a vista até as manchas e logo olhou a Rio, que agora a tinha afastado dele por completo.
O que aconteceu a seguir durou somente uns segundos como máximo, mas foi como se o tempo se houvesse ralentizado a uma lentidão implacável.
O olhar aniquilado da Eva caiu sobre o cinturão das armas de Rio, que estava no chão ao lado da cama.
Uma expressão de determinação se formou em seu rosto e se lançou por volta de uma das facas.
Levantou a adaga brilhante por cima de seu rosto.
Sussurrou a Rio que sempre lhe amaria.
Então girou a faca que tinha na mão e o cravou a si mesmo na garganta.
—Eva, não! —gritou Gabrielle. Seu corpo reagiu automaticamente, como se acreditasse que podia salvar À outra fêmea.
— OH, Meu deus, não!
Mas Lucan a sujeitou ao seu lado. Rapidamente tomou entre os braços e lhe fez girar o rosto para seu peito para evitar que visse Eva cortar sua próprio jugular e cair, sangrando e sem vida, ao chão.
Capítulo vinte e oito
Recém tomada banho, nas habitações de Lucan, Gabrielle se secou com uma toalha o cabelo molhado e colocou em cima um suave penhoar. Estava exausta depois de ter acontecido a maior parte do dia com o Savannah e Danika ajudando a Gideon a atender a Rio e a Lucan. No complexo todo mundo se encontrava em um estado de surda incredulidade por causa da traição de Eva e do trágico desenlace: Eva morta por sua própria mão e Rio agarrado precariamente a vida.
Lucan se encontrava em mal estado físico, além disso, mais fiel a sua palavra a sua obstinação, tinha abandonado a enfermaria por seus próprios pés pra ir descansar a suas habitações pessoais. Gabrielle estava assombrada de que ele tivesse aceito algum tipo de cuidado, mas a verdade era que as outras mulheres e ela mesma não lhe tinham deixado muitas posibilidades de rechaçá-lo.
Gabrielle se sentiu invadida pelo alívio ao abrir a porta do banho e lhe encontrar sentado na enorme cama com as costas apoiada na cabecera, sobre um montão de almofadas. Tinha uma bochecha e a frente cheias de pontos e as vendagens lhe cobriam a maior parte do largo peito e das pernas, mas se estava recuperando. Estava inteiro e, com o tempo, curaria-se.
Igual a ela, ele não levava nada em cima exceto um penhoar branco; isso era quão único as mulheres lhe tinham permitido ficar em cima, depois de ter acontecido horas limpando e lhe curando as contusões e as feridas cheias de metralha que tinha em quase todo o corpo.
—Sente-se melhor? —perguntou-lhe Lucan, olhando-a enquanto ela passava os dedos pelo cabelo úmido para apartar-lhe do rosto.
— pensei que teria fome ao sair do banho.
—A verdade é que morro de fome.
Ele assinalou uma robusta mesa de coquetel que se encontrava na salinha do dormitório, mas o olfato de Gabrielle já tinha detectado o impressionante bufé. O aroma de pão francês, a alho e especiarias, a molho de tomate e a queijo alagava a habitação. Viu um prato de verduras e um tigela cheio de fruta fresca, e inclusive uma coisa escura com aspecto de chocolate em meio das outras tentações. aproximou-se para jogar uma olhada mais de perto e o estômago lhe retorceu de fome.
—Manicotti —disse, inalando o aromático aroma da massa. Ao lado de uma taça de cristal havia uma garrafa de vinho tinjo aberta.
— E Chianti?
—Savannah queria saber se você tinha algum alimento preferido. Isso foi o único que me ocorreu.
Essa era a comida que ela preparou a noite em que ele tinha ido a seu apartamento para lhe devolver o telefone celular. A comida que ficou fria, esquecida, em cima do mármore da cozinha enquanto ela e Lucan ficavam como coelhos.
—recordou o que eu tinha cozinhado essa noite?
Ele se encolheu de ombros ligeiramente.
—Sente-se. Come.
—Somente há um assento.
—Está esperando uma visita?
Ele olhou.
—De verdade não pode comer nada disto? Nem sequer um mordisco?
—Se o fizesse, somente poderia agüentar uma pequena quantidade no estômago. —Fez-lhe um gesto para que se sentasse.
— Comer os mantimentos dos humanos é somente algo que fazemos pelas aparências.
—De acordo. —Gabrielle se sentou no chão com as pernas cruzadas. Tirou o guardanapo de linho debaixo dos talheres e a colocou em cima do regaço.
— Mas não me parece justo me pôr morada diante de ti.
—Não se preocupe por mim. Já recebi muitas cuidados e cuidados femininos por hoje.
—Como quer.
Ela estava muito faminta para esperar um segundo mais e a comida tinha um aspecto muito delicioso para resistir. Com o garfo, Gabrielle cortou uma parte de manicotti e o degustou em um estado de absoluto êxtase. Comeu a metade do prato em um tempo recorde e somente fez uma pausa para encher a taça de vinho, que também bebeu com um prazer voraz.
Durante todo o tempo Lucan a esteve olhando da cama.
—Está bom? —perguntou-lhe em um momento em que lhe olhava por cima do bordo da taça de vinho enquanto tomava um sorvo.
—Fantástico —murmurou ela e encheu a boca de verduras com vinagrete. Sentia o estômago muito mais tranqüilo agora. Comeu o resto da salada, serviu outro copo do Chianti e se recostou com um suspiro.
— Obrigado por isso. Tenho que dar as graças a Savannah também. Não tinha por que haver-se incomodado tanto.
—Agrada-lhe —disse Lucan com uma expressão atenta mas indescifravel.
— Foi de grande ajuda ontem de noite. Obrigado por cuidar de Rio e dos outros. De mim, também.
—Não tem por que me dizer obrigado.
—Sim, tenho que fazê-lo. —Franziu o cenho e uma pequena ferida que tinha costurada, na frente, inchou-se com o movimento.
— Foi amavel e generosa durante todo o tempo e eu... —interrompeu-se e disse algo inaudível.
— Te agradeço o que tem feito. Isso é tudo.
«OH —pensou ela.
— Isso é tudo.» Inclusive sua gratidão aparecia depois de uma barreira emocional.
De repente se sentiu como uma estranha com ele nesse momento, assim que lhe deu vontade de trocar de tema.
—ouvi que Tegan voltou de uma peça.
—Sim. Mas Dante e Niko estiveram a ponto de destroçá-lo quando lhe viram por ter desaparecido durante a batida.
—O que lhe aconteceu a outra noite?
—Quando as coisas ficaram feias, um dos renegados tentou sair por uma porta traseira do armazém. Tegan lhe perseguiu até a rua. Ia acabar com esse chupão, mas decidiu lhe seguir primeiro para ver aonde ia. Perseguiu-lhe até o velho psiquiátrico que se encontra fora da cidade. Esse lugar estava infestado de renegados. Se havia alguma duvida, agora já estamos seguros de que é uma enorme colônia. Próvavelmente seja o quartel geral desta Costa.
Gabrielle sentiu um calafrio ao pensar que tinha estado nesse psiquiátrico, que tinha estado dentro dele, sem saber que era um refúgio de rénegados.
—Tenho umas quantas fotos do interior. Ainda estão em minha câmara. Não tive tempo das descarregar, ainda.
Lucan tinha ficado imovel e a olhava como se ela houvesse acabado de lhe dizer que tinha estado jogando com amadurecidas. Seu rosto pareceu empalidecer um pouco mais ainda.
—Não somente foi ali mas sim entrou nesse lugar?
Ela se encolheu de ombros, sentindo-se culpado.
—Jesus Cristo, Gabrielle. —Baixou as pernas da cama e ficou sentado ali um momento comprido, simplesmente olhando-a. Demorou um momento em poder pronunciar as palavras.
— eles poderiam ter te matado. Dá-te conta disso?
—Mas não o fizeram —respondeu; uma pobre observação, mas um feito.
—Não é esse o tema. —passou-se as duas mãos pelo cabelo das têmporas.
— Merda. Onde está sua câmara? '
—Deixei-a no laboratório.
Lucan tomou o telefone que tinha ao lado da cama e marcou o número do intercomunicador. Gideon respondeu no outro extremo da linha.
—Né, o que há? Tudo vai bem?
—Sim —disse Lucan, mas estava olhando a Gabrielle.
— Diga a Tegan que deixe o reconhecimento do psiquiátrico de momento. Acabo-me de me interar de que temos fotos do interior.
—Sério? —fez-se uma pausa—. Ah, porra. Quer dizer que ela de verdade entrou nesse maldito lugar?
Lucan a olhou e arqueou uma sobrancelha com uma expressão como de «lhe havia dito».
—Descarrega as imagens da câmara e diga aos outros que nos reunirémos dentro de uma hora para decidir a nova estratégia. Acredito que nos economizamos um tempo crucial com isto.
—Bem. Vemo-nos as quatro.
A chamada terminou com um som do intercomunicador.
—Tegan ia voltar para o psiquiátrico?
—Sim —respondeu Lucan.
— Provavelmente era uma missão suicida, já que ele foi tão louco que insistiu em que se infiltraria sozinho esta noite para conseguir informação sobre o lugar. Embora ninguém ia convencer lhe de que não o fizesse, e muito menos eu.
Levantou-se da cama e começou a inspecionar-se algumas das bandagem. Fez um movimento que lhe abriu o penhoar, mostrando a maior parte do peito e o abdômen. As marca que tinha no peito tinham um pálido tom de henna, viam-se mais claras que a noite anterior. Agora tinham quase a mesma cor que o resto de seu corpo. Torradas e quase sem cor.
—Por que Tegan e você têm tão má relação? —perguntou-lhe sem mover a vista de cima ao atrever-se a lhe fazer essa pergunta que tinha tido na cabeça do momento em que Lucan tinha pronunciado o nome do guerreiro.
— O que aconteceu entre vocês?
Ao princípio pensou que ele não ia dizer nada. Ele continuou inspecionando as feridas, flexionando os braços e as pernas em silêncio. Então, justo no momento em que ela ia desistir, ele disse:
—Tegan me culpa de lhe haver tirado algo que era dele. Algo que ele amava. —Olhou-a diretamente agora:
— Sua companheira de raça morreu. Em minhas mãos.
—Deus santo —sussurrou ela.
— Lucan, como foi?
Ele franziu o cenho e apartou o olhar outra vez.
—As coisas eram diferentes quando Tegan e eu nos conhecemos ao principio. A maioria dos guerreiros decidia não ter nenhuma companheira porque os perigos eram muito grandes.
Naquela época, fomos muito poucos na Ordem, e proteger as nossas famílias era algo muito difícil dado que o combate nos obrigava a estar quilômetros de distância e, freqüentemente, durante muitos meses.
—E os Refúgios Escuros? Não tivessem podido lhes oferecer amparo?
—Havia menos refúgios, também. E ainda eram menos os que ouvessem arriscado a aceitar o risco de albergar a uma companheira de raça de um guerreiro. Nós e nossos seres queridos fomos um branco constante da violência dos renegados. Tegan sabia tudo isto, mas de todas formas estabeleceu um vínculo com uma fêmea. Não muito tempo depois, ela foi capturada pelos renegados. Torturaram-na. violaram-na. E antes de devolve-la ele, chuparam-lhe quase todo o sangue. Ela se haviabía ficado vazia; pior que isso, converteu-se em uma servente do renegado que a tinha destroçado.
—OH, Meu Deus —exclamou Gabrielle, horrorizada.
Lucan suspirou, como se o peso dessas lembranças fora muito para ele.
—Tegan se voltou louco de fúria. Comportou-se como um animal, assassinando tudo aquilo que encontrava ao seu passo. Acostumava a estar tão coberto de sangue que muitos pensavam que se banhava nela. Se recriava em sua fúria e, durante um ano, negou-se a aceitar o fato de que sua companheira de raça tinha perdido a cabeça para sempre. Continuou alimentándo-a de suas veias, sem querer ver sua degradação. Alimentava-se para alimentar a ela. Não lhe importava o fato de que se estava precipitando para a sede de sangue. Durante todo esse ano desafiou a lei da raça e não a tirou de seu sofrimento. Quanto a Tegan, estava-se voltando pouco a pouco em um renegado. Terei que fazer algo...
Gabrielle terminou a frase que ele tinha deixado incompleta.
—E como líder, foi tua responsabilidade entrar em ação.
Lucan assentiu com expressão triste.
—Coloquei a Tegan em uma cela de grossos muros de pedra e utilizei a espada com sua companheira de raça.
Gabrielle fechou os olhos ao perceber seu arrependimento.
—OH, Lucan...
—Tegan não foi liberado até que seu corpo ficou limpo da sede de sangue. Fizeram falta muitos meses de passar fome e de sofrer uma completa agonia para que pudesse sair da cela por seu próprio pé. Quando soube o que eu tinha feito, acreditei que tentaria me matar. Mas não o fez. Tegan que eu conhecia não foi o que saiu dessa cela. Era alguém muito mais frio. Nunca o há dito, mas sei que me odeia desde esse momento.
—Não tanto como você odeia a você mesmo.
Ele tinha as mandíbulas apertadas com força e uma expressão tensa no rosto.
—Estou acostumado a tomar decisões difíceis. Não tenho medo de assumir as tarefas mais duras, nem de ser o objetivo da raiva, inclusive do ódio, por causa das decisões que tomo para a melhora da raça. Importa-me um nada tudo isso.
—Não, não é verdade —disse ela com suavidade—. Mas teve que fazer mau a um amigo, e isso foi um grande peso para ti durante muito, muito tempo.
Ele a olhou com intenção de discutir, mas possivelmente não tinha a força necessaria para isso. Depois de tudo pelo que tinha passado se sentia cansado, destroçado, embora Gabrielle não acreditava que ele estivesse disposto a admiti-lo, nem sequer ante ela.
—Você é um homem bom, Lucan. Tem um coração muito nobre debaixo dessa dura armadura.
Ele emitiu um grunhido irônico.
—Somente alguém que me conheça desde umas poucas semanas atrás pode cometer o engano de pensar isto.
—De verdade? Pois eu conheço uns quantos aqui que lhe diriam o mesmo. Incluindo Conlan, se estivesse vivo.
Ele franziu o cenho com expressão atormentada.
—O que sabe você disso?
—Danika me contou o que fez por ele. Que lhe levou acima durante a saída do sol. Para lhe honrar, queimou-te.
—Jesucristo —exclamou ele em tom cortante, ficando imediatamente em pé. Começou a caminhar acima e abaixo em um estado de grande excitação e ao final se deteve repentinamente ao lado da cama. Falou com voz rouca, como um rugido quase incontrolável.
— A honra não teve nada que ver com isso. Quer saber por que o fiz? Foi por um terrível sentimento de culpa. A noite da bomba na estação de trem eu tinha que ter estado cumprindo com essa missão ao lado do Niko, e não Colan. Mas não te podia tirar de minha cabeça. Pensei que, possivelmente, se te tinha. .. se finalmente entrava dentro de você... isso satisfaria minha ânsia e poderia continuar adiante, te esquecer. Assim que essa noite fiz que Conlan fora em meu lugar. Tivesse tido que ser eu, e não Conlan. Tinha que ter sido eu.
—Meu Deus, Lucan. É incrível. Sabia? —Deixou cair as mãos com força em cima da mesa e emitiu uma gargalhada furiosa.
— por que não pode te relaxar um pouco?
Essa reação incontrolada lhe chamou a atenção como nenhuma outra coisa o tinha feito. Deixou de caminhar de um lado a outro e a olhou.
—Você sabe por que —repôs com tom tranqüilo agora.
— Você sabe melhor que ninguém. —Meneou a cabeça com uma expressão de desgosto consigo mesmo nos lábios.
— Resulta que Eva também sabia algo à respeito.
Gabrielle recordou a impactem cena da enfermaria. Todo mundo se tinha ficado horrorizado ante os atos da Eva, e assombrado pelas loucas acusações contra Lucan. Todos menos ele.
—Lucan, o que ela disse...
—Tudo é certo, tal e como você mesma viu. Mas você ainda me defendeu. Foi a segunda vez que ocultaste minha debilidade ante outros. —Franziu o cenho e girou a cara.
— Não vou pedir te que o faça outra vez. Meus problemas são minha coisa.
—E precisa solucioná-los.
—O que preciso é me vestir e jogar uma olhada a essas imagens que Gideon está descarregando. Se nos oferecerem a informação suficiente sobre a distribuição do psiquiátrico, podemos atacar esse lugar esta noite.
—O que quer dizer, atacá-lo esta noite?
—Acabar com ele. Fechá-lo. Fazê-lo voar pelos ares.
—Não é possível que fale a sério. Você mesmo há dito que possívelmente esteja cheio de renegados. De verdade crie que você e três tipos mais vão sobreviver se lhes enfrentam a um número desconhecido deles?
—Temos feito antes. E seremos cinco —disse, como se isso o fosse distinto.
— Gideon há dito que quer participar do que façamos. Vai ocupar o lugar de Rio.
Gabrielle se burlou, incrédula.
—E o que me diz de você? Quase não te tem em pé.
—Estou caminhando. Estou o bastante bem. Eles não esperam que contrataquemos tão logo, assim é o melhor momento para dar o golpe.
—Deve ter perdido a cabeça. Precisa descansar, Lucan. Não está em condições de fazer nada até que não recupere a força. Precisa te curar. —Observou que ele apertava as mandíbulas: um tendão lhe marcou por debaixo de uma de suas esbeltas bochechas. A expressão de seu rosto era mais dura do habitual, seus rasgos pareciam muito afilados.
— Não pode sair aí fora tal como está.
—Hei dito que estou bem.
Pronunciou as palavras precipitadamente e em um tom rouco e gutural. Voltou a olhá-la e seus olhos chapeados se viam atravessados por umas brilhantes línguas de cor âmbar, como se o fogo lambesse o gelo.
—Não o está. Nem muito menos. Precisa te alimentar. Seu corpo sofreu muito ultimamente. Precisa te nutrir.
Gabrielle sentiu que uma onda fria alagava a habitação e soube que próvinha dele. Estava provocando sua fúria. Lhe tinha visto em seus piores momentos e tinha vivido para contá-lo, mas possivelmente agora estava pressioando muito. dava-se conta de que ele estava inquieto e tenso e de que se controlava com força desde que a tinha levado a complexo. Agora ele estava no fio, perigosamente; de verdade queria ser ela quem lhe empurrasse ao outro lado da linha de seu autocontrole?
«A merda.» Possivelmente era isso o que fazia falta.
—Tem o corpo destroçado agora, Lucan, não somente por causa das feridas. Está débil. E tem medo.
—Medo. —Dirigiu-lhe um olhar frio e depreciativo, com um sarcasmo gelado.
— Do que?
—De você mesmo, para começar. Mas acredito que inclusive tem mais medo de mim.
Ela esperava uma refutação foto instantânea, fria e desagradável, acorde com a sombria raiva que emanava dele como a gelada. Mas ele não disse nada. Olhou-a durante um comprido momento, logo se deu a volta e se alojo, um pouco tenso, em direção a um armário alto que havia ao outro extremo da habitação.
Gabrielle permaneceu sentada no chão e lhe observou abrir abruptamente as gavetas, tirar umas roupas e as lançar sobre a cama.
—O que está fazendo?
—Não tenho tempo de discutir isto contigo. Não tem sentido.
Um armário alto que continha armas se abriu antes de que ele o tocasse: suas comporta se deslizaram ao redor das dobradiças com uma violenta sacudida. ele se aproximou a passo lento e estirou uma prateleira dobradiça. Em cima da superfície de veludo da prateleira havia pelo menos uma dúzia de adagas e outras armas brancas de aspecto letal ordenadas em filas. Com um gesto descuidado, Lucan tomou duas grandes facas embainhadas em pele. Abriu outro das prateleiras e escolheu uma pistola de aço inoxidável gentil que parecia saída de um terrível filme de ação.
— Como você não gosta do que estou dizendo vais sair fugindo? —ele nem a olhou nem soltou nenhuma maldição como resposta. Não, ignorou-a por completo, e isso a tirou de gonzo completamente.
— Adiante, pois. Finge que é invencível, que não está morto de medo de deixar que alguem se preocupe de ti. Escapa de mim. Isso somente demonstra que tenho razão.
Gabrielle sentiu uma absoluta desesperança enquanto Lucan tirava a munição do armário e a introduzia no carregador da pistola. Nada do que ela pudesse dizer ia deter lhe. Sentia-se necessitada, como se intentasse rodear com os braços uma tormenta.
Apartou o olhar dele e dirigiu os olhos a mesa frente à qual estava sentada, Aos pratos e aos talheres que tinha diante. Viu uma faca limpa em cima da mesa; polida a folha brilhava.
Não podia lhe reter com palavras, mas havia outra coisa...
Subiu a manga larga da bata. Com muita tranqüilidade, com a mesma determinação atrevida de que se valeu centenas de vezes anteriormente, Gabrielle tomou a faca e apertou o fio contra a parte mais carnuda de seu antebraço. Realizou pouca pressão, um muito ligeiro corte sobre sua pele.
Não soube qual dos sentidos de Lucan foi o que reagiu primeiro, mas levantou a cabeça imediatamente e soltou um rugido. Ela se deu conta de que o que tinha feito ressonava em cada um dos móveis da habitação.
—Maldita seja... Gabrielle!
A folha saiu voando de sua mão, chegou ao outro extremo da habitação e foi cravar se até o punho na parede mais afastada da mesma.
Lucan se moveu com tanta rapidez que ela quase não pôde perceber seus movimentos. Um momento antes ele tinha estado em pé a uns metros de distância da cama e ao cabo de um instante uma de suas enormes mãos lhe sujeitava os dedos e atirava dela para que ficasse em pé. O sangue emanava pela fina linha do corte, suculenta, de uma profunda cor carmesí, e gotejava ao longo de seu braço. A mão de Lucan ainda sujeitava com força a sua.
Ele, ao seu lado, parecia uma muito alta torre escura e ardente de fúria.
O peito agitado, as fossas nasais dilatadas enquanto seu fôlego saía e entrava em seus pulmões. Seu formoso rosto estava contraído por causa da angústia e a indignação, e seus olhos ardiam com o inconfundível calor da sede. Não ficava nem rastro de sua cor cinza e suas pupilas se esgotaram formando duas finas linhas negras. As presas lhe haviam alargado e as pontas, afiadas e brancas, brilhavam por debaixo do depravaso sorriso de seus lábios.
—Agora tenta dizer que não necessita o que te estou oferecendo —lhe sussurrou ela com ferocidade.
O suor aparecia a frente enquanto observava a ferida fresca e o sangue. Lambeu-se os lábios e pronunciou uma palavra em outro idioma.
Não soou amistosa.
—por que? —perguntou, em tom acusador.
— Por que me faz isto?
—De verdade não sabe? —Lhe agüentou o furioso olhar, acalmando sua raiva enquanto umas gotas de sangue salpicavam com uma cor carmesí a brancura da bata.
— Porque te amo, Lucan. E isto é quão único posso te dar.
Capítulo vinte e nove
Lucan acreditava que sabia o que era a sede. Acreditava que conhecia a fúria e o desespero —o desejo, também— mas todas as míseras emoções que tinha sentido durante sua eterna vida se desfizeram como o pó quando olhou aos desafiantes olhos marrons de Gabrielle.
Tinha os sentidos embargados, afogados no doce aroma de jasmim de seu sangue, essa fonte perigosamente perto de seus lábios. De um brilhante cor vermelha, denso como o mel, um fio carmesim brotava pela pequena ferida que ela se fez.
—Amo-te, Lucan. —Sua suave voz se abriu passo Através do som dos batimentos do coração de seu próprio coração e da imperiosa necessidade que agora lhe atendia.
— Com ou sem vínculo de sangue, amo-te.
Ele não podia falar, nem sequer sabia o que houvesse dito se sua garganta seca tivesse sido capaz de emitir alguma palavra. Com um grunhido selvagem, separou-a dele, muito fraco para permanecer ao lado dela agora que sua parte escura lhe empurrava a fazê-la sua dessa forma firme e errevogavel.
Gabrielle caiu sobre a cama; a bata com muita dificuldade cobria sua nudez. Umas brilhantes mancha lhe salpicavam a manga branca e a lapela. Tinha outra mancha vermelha sobre a coxa, de uma vivido cor escarlate que contrastava com o tom de sua pele.
Deus, como desejava levar os lábios até essa sedosa ferida na carne, e por todo seu corpo. Somente o seu.
«Não.»
A ordem lhe saiu em um tom tão seco como as cinzas. Sentia o ventre atendido pela dor, retorcido e como cheio de nós. O fazia desfalecer. Os joelhos lhe falharam assim que tentou dár a volta para apartar essa imagem tentadora dela, aberta e sangrando, como um sacrificio devotado a ele.
Deixou-se cair sobre o tapete do chão, uma massa inerte de músculo e ossos, lutando contra uma necessidade que não tinha conhecido até esse momento. Lhe estava matando. Esta ânsia dela, como se sentia desgarrado ao pensar que ela podia estar com outro macho.
E além disso, a sede.
Nunca tinha sido tão intensa como quando Gabrielle estava perto. E agora que seus pulmões se encheram com o perfume de seu sangue, sua sede era devoradora.
—Lucan...
Ele percebeu que ela se separava da cama. As suaves pisadas de seus pés soaram no tapete e estes apareceram lentamente ante sua vista, as unhas pintadas como a fina laca de umas conchas. Gabrielle se agachou ao seu lado. Ele sentiu a suavidade da mão dela em seu cabelo, e logo a sentiu sob seu queixo, levantando a cabeça para lhe olhar ao rosto.
—Bebe de mim.
Ele apertou os olhos com força, mas foi um intento débil de rechaçar o que lhe oferecia. Não tinha a força necessária para lutar contra a força tenra e incessante dos braços dela, que agora lhe atraíam para si.
Lucan cheirava o sangue no pulso dela: cheiraria tão de perto lhe despertou uma furiosa corrente de adrenalina que lhe atravessou. A boca lhe fez água, as presas lhe alargaram mais, esticando as gengivas. Provocou mais lhe levantando o torso do chão. Com uma mão se apartou o cabelo a um lado tirando o chapéu o pescoço para ele.
Ele se removeu, mas lhe sujeitou com firmeza. Atraiu-lhe mais para ela.
—Bebe, Lucan. Toma o que necessite.
Inclinou-se para frente até que somente houve um sopro de ar entre os relaxados lábios dele e o delicado pulso que pulsava debaixo a pele pálida debaixo de sua orelha.
—Faz-o —sussurrou ela, e lhe atraiu para si.
Pressionou os lábios com força contra seu pescoço.
Ele agüentou nessa posição durante uma eternidade de angústia. Mas somente demorou uma fração de segundo em pôr a ceva. Lucan não estava seguro. Do único que era consciente era do quente contato da pele dela em sua língua, do batimento do coração de seu coração, da rapidez de sua respiração. Do único que era consciente era do desejo que sentia por ela.
Não ia rechaçar o mais.
Desejava-a, desejava-o tudo dela, e a besta se desatou e já era impossível ter piedade.
Abriu a boca... e cravou as presas na flexível carne de seu pescoço.
Ela afogou uma exclamação ao sentir a repentina penetração de seus dentes, mas não lhe soltou, nem sequer quando notou que ele tragava pela primeira vez o sangue de sua veia aberta.
O sangue se precipitou dentro da boca de Lucan, quente e com um sabor terroso, delicioso. Era muito superior Ao que teria imaginado nunca.
Depois de viver durante novecentos anos, finalmente sabia o que era o céu.
Bebeu com urgência, em quantidade, com uma sensação de necessidade que lhe transbordava enquanto saciava do sangue da Gabrielle lhe descia pela garganta e penetrava a carne, os ossos e as células. O pulso acelerou, sentiu-se renascer, o sangue voltou a correr pelas pernas e lhe curou as feridas.
O sexo tinha despertado com o primeiro sorvo; agora pulsava com força entre as pernas. Exigia inclusive uma maior posse.
Gabrielle lhe acariciava o cabelo, sujeitava-lhe contra ela enquanto ele bebia. Gemeu com cada uma das chupadas de seus lábios, sentia que lhe desfazia o corpo. Seu aroma se fez mais escuro e úmido A causa do desejo.
—Lucan —disse quase sem fôlego, estremecendo-se.
— OH, Deus...
Com um grunhido sem palavras, empurrou-a contra o chão, debaixo dele. Bebeu mais, perdendo-se no erótico calor do momento com uma desesperada e frenezi que lhe aterrorizou.
«Minha», pensou, sentindo-se profundamente selvagem e egoísta.
Agora era muito tarde para deter-se.
Esse beijo lhes tinha amaldiçoado aos dois.
Enquanto que a primeira dentada lhe tinha provocado uma comoção, a aguda dor se dissipou rapidamente para converter-se em uma sensação suntuosa e embriagadora. Sentiu o corpo alagado pelo prazer, como se cada larga chupada dos lábios de Lucan lhe injetasse uma corrente de calidez no corpo que lhe chegava até o mesmo centro e lhe acariciava a alma.
ele a levou até o chão com ele, as batas se entreabriram e a cobriu com seu corpo nu. Notou as mãos dele, ásperas, que lhe sujeitavam a cabeça para um lado enquanto bebia dela. Sem fazer caso da dor que as feridas lhe pudessem estar fazendo, pressionou seu peito nu contra seus peitos. Seus lábios não se separaram de seu pescoço nem um momento. Gabrielle sentia a intensidade da necessidade dele a cada chupada.
Mas sentia sua força, também. Estava-a recuperando, pouco a pouco, graças a ela.
—Não te detenha —murmurou ela, pronunciando com lentidão por causa do êxtase que crescia em seu interior a cada movimento de seus lábios.
— Não vais fazer me danifico, Lucan. Confio em ti.
O som úmido e voraz que provocava sua sede era o mais erótico que tinha conhecido nunca. Adorava sentir o calor dos lábios dele em cima de sua pele. Os arranhões que lhe provocavam as presas dele enquanto se enchia a boca com seu sangue lhe resultavam perigosos e excitantes.
Gabrielle já se deslizava para um orgasmo dilacerador no momento em que notou a grosa cabeça da ereção de Lucan lhe pressionando o sexo. Estava úmida, desejando dolorosamente. Ele a penetrou com uma investida que a encheu por completo com um calor vulcânico e potente que detonou dentro dela ao cabo de um instante. Gabrielle gritou enquanto ele a investia com força e depressa, sentindo os braços dele que a aprisionavam, apertando-a com força. Investia a um ritmo amalucado, empurrado por uma força de puro e magnífico desejo.
Mas permaneceu grudado em seu pescoço, empurrando-a para uma doce e feliz escuridão.
Gabrielle fechou os olhos e se deixou flutuar envolta em uma formosa nuvem de cor obsidiana.
Como desde muito longe notou que Lucan se retorcia e investia em cima de seu corpo com urgência, que todo seu corpo vibrava pela potência do climax. Emitiu um grito áspero e ficou completamente imovel.
A deliciosa pressão no pescoço se afrouxou de forma abrupta e logo depois desapareceu, deixando uma grande frieza a seu passo.
Gabrielle, que ainda se sentia alagada pela embriaguez de notar a Lucan dentro dela, levantou as pálpebras, pesados. Lucan estava colocado de joelhos em cima dela e a olhava como se ficou gelado. Tinha os lábios de um vermelho brilhante e o cabelo revolto. Seus olhos selvagens lançavam brilhos de cor âmbar, de tão brilhantes. A cor de sua pele parecia mais saudável e o labirinto de marcas que lhe cobriam os ombros e o torso tinha um brilho de um tom carmesim escuro.
—O que acontece? —perguntou-lhe, preocupada—. Está bem?
Ele não falou durante um comprido momento.
—Jesucristo. —Sua voz grave soou como um grunhido trêmulo, de uma forma que não lhe tinha ouvido antes. Tinha o peito agitado.
— Acreditei que estava... acreditei que te havia...
—Não —lhe disse ela, fazendo um gesto negativo com a cabeça e com uma expressão preguiçosa e saciada.
— Não, Lucan. Estou bem.
Ela não compreendeu o que significava a expressão intensa dele, mas ele não a ajudou. separou-se dela. Seus olhos, que se tinham transformado, mostravam uma expressão de dor.
Gabrielle sentia o corpo frio e vazio sem o calor dele. sentou-se e se esfregou para fazer-se passar um repentino calafrio.
—Está bem —lhe tranqüilizou—. Tudo está bem.
—Não. —O negou com a cabeça e ficou em pé—. Não. Isto foi um equívoco.
—Lucan...
—Não devi ter permitido que isto acontecesse! —gritou.
Emitiu um grunhido de fúria e se dirigiu aos pés da cama para agarrar suas roupas. Colocou uma calça de camuflagem negra e uma camiseta de algodão, logo tomou suas armas e suas botas e abandonou a habitação com uma fúria tempestuosa e ardente.
Lucan quase não podia respirar por causa da força com que o coração lhe pulsava no peito.
No momento em que sentiu que Gabrielle ficava inerte debaixo dele enquanto ele bebia dela, atravessou-lhe um medo descarnado que o desgaro por completo.
Enquanto ele bebia febrilmente de seu pescoço, lhe havia dito que confiava nele. Sentiu que o incentivo da sede de sangue lhe aguilhoava o corpo enquanto o sangue de Gabrielle lhe enchia. O som de sua voz tinha suavizado a dor, em parte. Ela se tinha mostrado tenra e cuidadosa: seu tato, sua emoção nua, sua mesma presença, tinha-lhe dado forças no momento em que sua parte animal tinha estado a ponto de tomar as rédeas.
Ela confiava em que não lhe faria mal, e essa confiança lhe tinha dado forças.
Mas então tinha notado que ela se desvanecia e temeu... Deus, quanto medo tinha sentido nesse instante.
Esse medo ainda lhe apertava, um terror escuro e frio a lhe fazer mal, a que poderia matá-la se permitia que as coisas chegassem mais longe do que o tinham feito.
Porque, por muito que ele a tivesse afastado e por muito que houvesse negado, lhe pertencia. Ele pertencia a Gabrielle, em corpo e alma, e não simplesmente pelo fato de que seu sangue lhe estivesse nutrindo nesse momento, estivesse-lhe curando as feridas e fortalecendo o corpo. Ele se tinha unido a ela muito antes desse momento. Mas a prova irrefutável disso tinha aparecido nesse funesto instante, fazia um momento, assim que temeu que podia havê-la perdido.
Amava-a.
Da parte mais profunda e solitária de si mesmo, amava a Gabrielle.
E queria tê-la em sua vida. De forma egoísta e perigosa, não havia nada que desejasse mais que tê-la ao seu lado para o resto de seus dias.
Dar-se conta disso lhe fez cambalear, ali, no corredor, diante do laboratório técnico. Na verdade, quase lhe fez cair de joelhos.
—Né, calma. —Dante se aproximou de Lucan quase sem avisar e lhe sujeitou por debaixo dos braços.
— Porra. Tem um aspecto infernal.
Lucan não podia falar. As palavras estavam além dele.
Mas Dante não necessitava nenhuma explicação. Jogou uma olhada ao seu rosto e a suas presas alargadas. As fossas nasais dilataram ao sentir o aroma de sexo e a sangue. Deixou escapar um assobio baixo e nos olhos desse guerreiro apareceu um brilho de ironia.
—Não pode ser certo... uma companheira de sangue, Lucan? — riu, meneando a cabeça enquanto lhe dava umas palmadas a Lucan no ombro.
— Porra. Melhor que seja você e não eu, irmão. Melhor você que eu.
Capítulo trinta
Três horas mais tarde, quando a noite era completa ao seu redor, Lucan e os outros guerreiros se encontravam preparados e sentados em um veículo de vigilância negro na rua, a uns oitocentos metros do velho psiquiátrico.
As fotografias de Gabrielle tinham sido de grande utilidade para planejar o golpe contra a guarita dos renegados. Além de várias fotografias exteriores do ponto de acesso da planta baixa, fez fotos interiores da habitação das caldeiras, de vários corredores, de escadas e inclusive algumas que inadvertidamente mostravam umas câmeras de segurança a rede que teriam que ser desativadas quando os guerreiros ganhassem acesso a esse lugar.
—Entrar vai ser a parte fácil —disse Gideon, enquanto o grupo estava a revisar por última vez a operação.
— Interromperei o sinal de segurança das câmeras da planta baixa mas, quando estivermos dentro, colocar essas duas dúzias de barras de C4 nos pontos críticos sem alertar a toda a colônia de chupões vai ser um pouco mais difícil.
—Por não mencionar o problema da publicidade não desejada dos humanos —disse Dante.
— O que é o que está fazendo que Niko tarde tanto em localizar esses tubos de gás?
—Aí vem —disse Lucan, ao ver a figura escura do vampiro que se acercava ao veículo de vigilância da fila de árvores da rua.
Nikolai abriu a porta traseira e subiu depois de Tegan. tirou o capuz negro e seus invernais olhos azuis faiscaram de excitação.
—É um caramelo. A linha principal está em uma caixa do extremo leste do complexo. Possivelmente esses chupões não necessitem calefação, mas o serviço público lhes subministra um montão de gás.
Lucan olhou os olhos ansiosos do guerreiro.
—Então entramos, deixamos nossos presentes, limpamos o lugar...
Niko assentiu com a cabeça.
—Me façam um sinal quando a merda esteja em seu lugar. Moverei o tubo principal e logo farei detonar o C4 quando todos estejam aqui de volta. Aparentemente será como se uma fuga de gás tivesse causado a explosão. E se os corpos de segurança querem meter-se nisto, estou seguro de que as fotos de Gabrielle dos grafites dos grupos farão que esses humanos farejem em círculos durante um tempo.
Enquanto, os guerreiros teriam mandado uma importante mensagem a seus inimigos, especialmente ao vampiro de primeira geração que Lucan suspeitava se encontrava ao mando desta nova sublevação dos renegados. Fazer voar o quartel general seria um convite suficiente para que esse bode saísse ao ar livre e começasse a dançar.
Lucan estava ansioso por começar. Inclusive estava mais ansioso por terminar com a missão dessa noite porque tinha um assunto por terminar quando voltasse para o complexo. Odiava ter deixado a Gabrielle dessa maneira e sabia que ela devia sentir-se confusa e, provavelmente, mais que inquieta.
Ficaram coisas por dizer, seguro, coisas nas que ele não tinha estado preparado para pensar muito e, muito menos, para as falar com ela nesse momento em que a surpreendente realidade de seus sentimentos por ela assaltou.
Agora tinha a cabeça cheia de planos.
Planos imprudentes, estúpidos e esperançosos, todos eles centrados nela.
No interior do veículo, ao seu redor, outros guerreiros estavam comprovando seu equipamento, carregando as barras de C4 dentro de bolsas com cremalheiras e realizando os ajustes finais aos auriculares e os micros que lhes permitiriam estar em contato uns com os outros quando chegassem ao perímetro do psiquiátrico e se separassem para colocar os explosivos.
—Esta noite vamos fazer isto por Rio —disse Dante_ enquanto fazia voltear suas facas curvadas entre os dedos enluvados e os introduzia nas capas que levava no quadril.
— Chegou o momento da vingança.
—Porra, sim —respondeu Niko, ao qual outros se ecoaram.
Quando se dispunham a sair pelas portas, Lucan levantou uma mão.
—Um momento. —A tristeza de seu tom de voz lhes fez deter-se.
— Há uma coisa que têm que saber. Dado que estamos a ponto de entrar aí e que é provável que nos dêem uma boa surra, suponho que este é um momento tão bom como qualquer outro para ser claro com vocês a respeito de um par de coisas... e necessito que cada um de vocês me façam uma promessa.
Olhou os rostos de seus irmãos, esses guerreiros que tinham estado lutando ao seu lado durante tanto tempo que parecia uma eternidade. Eles sempre lhe tinham cuidadoso como à um líder, tinham crédulo nele para que tomasse as decisões mais difíceis, sempre se tinham sentido seguros de que ele saberia como decidir uma estratégia ou como tomar uma decisão.
Agora duvidava, sem saber por onde começar. Esfregou-se a mandíbula e deixou escapar um forte suspiro.
Gideon lhe olhou com o cenho franzido e expressão de preocupação.
—Vai tudo bem, Lucan? Recebeu um bom golpe na emboscada da outra noite. Se não quiser participar disto...
—Não. Não é isso. Estou bem. Minhas feridas estão curadas... graças a Gabrielle —disse.
— Faz um momento, hoje, ela e eu...
—Não me diga —respondeu Gideon ao ver que Lucan se interrompia. Foder com o vampiro, mas estava .
—Bebeste dela? —perguntou Niko.
Tegan soltou um grunhido do assento traseiro.
—Essa fêmea é uma companheira de raça.
—Sim —respondeu Lucan com calma e seriedade—. E se me permitir isso, lhe vou pedir que me aceite como companheiro.
Dante lhe olhou, zombador, com uma expressão de risonha exasperação.
—Felicidades, cara. De verdade.
Gideon e Niko responderam de maneira similar e lhe deram umas palmada nas costas.
—Isso não é tudo.
Quatro pares de olhos se cravaram nele: todo mundo lhe olhava na espera séria exceto Tegan.
—A outra noite, Eva tinha umas quantas coisas que dizer de mim... —Imediatamente se levantaram uns protestos por parte de Gideon, Niko e Dante. Lucan continuou falando apesar dos grunhidos de irritação.
— A traição a Rio e a nós é indesculpável, sim. Mas o que disse de mim... era a verdade.
Dante lhe olhou com suspicácia.
—Do que está falando?
—Da sede de sangue —respondeu Lucan. A palavra soou com força no silêncio do interior do veículo.
— É... bom, é um problema para mim. È a muito tempo tempo. Estou-o dirigindo, mas algumas vezes... —Baixou a cabeça e olhou ao chão do veículo.
— Não sei se poderei vencê-la. Possivelmente, com Gabrielle a meu lado, possivelmente tenha uma oportunidade. Vou lutar como um demônio, mas se piorar...
Gideon cuspiu uma obscenidade.
—Isso não vai acontecer, Lucan. De todos os que estamos aqui sentados, você é o mais forte. Sempre o foste. Nada te pode tombar.
Lucan negou com a cabeça.
—Já não posso continuar fingindo que sou o que sempre controla. Estou cansado. Não sou invencível. Depois de novecentos anos de viver com esta mentira, Gabrielle não demorou nem duas semanas em desmascarar-me. Obrigou-me a ver como sou de verdade. Eu não gosto muito o que vejo, mas quero ser melhor... por ela.
Nico franziu o cenho.
—Porra, Lucan. Está falando de amor?
—Sim —disse ele com solenidade.
— Eu estou fazendo. A amo. E é por isso que tenho que lhes pedir uma coisa. A todos.
Gideon assentiu.
—Diga-o.
—Se as coisas ficarem feias comigo... em algum momento, logo, ou na rua... tenho que saber que conto com vocês, meninos, para que me apóiem. Se virem que me perco na sede de sangue, se creem que vou voltar me... Necessito sua palavra de que vão acabar comigo.
—O que? —exclamou Dante.
— Não pode nos pedir isso, cara.
—Me escutem. —Não estava acostumado a suplicar. Pronunciar essa petição era como suportar cascalho na garganta, mas tinha que faze-lo. Estava cansado de suportar sozinho esse peso. E o último que desejava era ter medo de que em um momento de debilidade pudesse lhe fazer algum mal a Gabrielle.
— Tenho que ouvir seus juramentos. O de cada um de vocês. Prometam-me isso .
—Merda —disse Dante, lhe olhando boquiaberto. Mas ao final assentiu com a cabeça e com expressão grave.
— Sim. De acordo. Está fodidamente louco, mas de acordo.
Gideon meneou a cabeça, logo levantou o punho e fez chocar os nodulos contra os de Lucan.
—Se isso for o que quer, tem-no. Juro-lhe isso, Lucan.
Niko pronunciou sua promessa também:
—Esse dia não chegará nunca, mas se o faz, sei que você fara o mesmo por qualquer de nós. Assim sim, tem minha palavra.
O qual deixava somente a Tegan por fazê-lo, que se encontrava sentado no assento traseiro com atitude estóica.
—E você, Tegan? —perguntou Lucan, dando-a volta para olhar aos olhos verdes e impassíveis.
— Posso contar contigo nisto?
Tegan lhe olhou larga e silenciosamente com atitude pensativa.
—Claro, cara. Porra, o que diga. Se te converter nisso, estarei em primera linha para acabar contigo.
Lucan assentiu com a cabeça, satisfeito, e olhou os rostos sérios de seus irmãos.
—Jesus —exclamou Dante quando o denso silêncio do veículo lhe fez interminável.
—Todo este sentimentalismo me está pondo impaciente por matar. Que tal se deixarmos de nos fazer palhas e vamos fazer voar o teto a esses chupões?
Lucan sorriu em resposta ao sorriso arrogante do vampiro.
—Vamos a isso .
Os cinco guerreiros da raça, vestidos de negro da cabeça aos pés, saíram do veículo como um só homem e começaram a aproximar-se sigilosamente ao psiquiátrico, ao outro lado das árvores, banhados pela luz da lua.
Capítulo trinta e um
— Vamos, vamos. Abra, porra!
Gabrielle estava sentada ante o volante de um cupé BMW negro e esperava com impaciência a que a enorme porta de entrada do terreno do complexo se abrisse e a deixasse sair. Desgostava-lhe que a tivessem obrigado a levar o carro sem permissão, mas depois do que tinha acontecido com Lucan estava desesperada por partir. Dado que todo o terreno estava rodeado por uma cerca elétrica de alta voltagem, somente ficava uma alternativa.
Já pensaria em alguma maneira de devolver o carro uma vez estivesse em casa.
Uma vez que se encontrasse de volta ao lugar ao que verdadeiramente pertencia.
Essa noite tinha dado a Lucan tudo o que tinha podido, mas não era suficiente. Preparou-se a si mesmo para a eventualidade de que ele a apartasse e resistisse a seus intentos de lhe amar, mas não havia nada que pudesse fazer se ele decidia rechaçá-la. Como tinha feito essa noite.
Tinha-lhe dado seu sangue, seu corpo e seu coração, e ele a havia rechaçado.
Agora já não ficava energia.
Já não podia lutar.
Se ele estava tão decidido a permanecer sozinho, quem era ela para obriga-lo a trocar? Se ele queria isolar-se, tinha muito claro que não ia ficar ali para esperar a vê-lo.
Iria à casa.
Ao fim, as pesadas portas de ferro se abriram e permitiram lhe sair. Gabrielle acelerou e saiu a toda velocidade para a rua silenciosa e escura. Não tinha uma idéia muito clara de onde se encontrava até que, depois de conduzir uns três quilômetros, encontrou-se em um cruzamento conhecido. Girou a esquerda pelo Charles Street em direção a Beacon Hill e se deixou conduzir, aturdida, pelo piloto automático.
Quando estacionou o carro na esquina de fora de seu apartamento, seu edifício lhe pareceu muito mais pequeno. Seus vizinhos tinham as luzes acesas mas, apesar do resplendor dourado no ambiente, esse edifício de tijolo lhe pareceu sombrio.
Gabrielle subiu as escadas da fachada e procurou as chaves no bolso. A mão tropeçou com uma pequena adaga que levou do armário das armas de Lucan: a tinha levado como defesa em caso de que se encontrasse com problemas em seu caminho a casa.
Quando entrou e acendeu a luz do vestíbulo, o telefone estava soando. Deixou que a secretária eletrônica respondesse e se deu a volta pra fechar todos os ferrolhos e passadores da porta.
Da cozinha ouviu a voz entrecortada da Kendra que lhe deixava uma mensagem.
—É de muito má educação por sua parte me ignorar desta maneira, Gabby. —A voz de seu amiga soava extranhamente estridente. Estava zangada.
— Tenho que ver-te. É importante. Você e eu temos que falar, de verdade.
Gabrielle se dirigiu a sala de estar e notou todos os espaços vazios que tinham ficado depois de que Lucan tivesse tirado as fotografias das paredes. Parecia que tinha passado um ano da noite em que ele foi a seu apartamento e lhe contou a assombrosa verdade a respeito de si mesmo e da batalha que estava fazendo estragos entre os de sua classe.
«Vampiros», pensou, surpreendida ao dar-se conta de que essa palavra já não a surpreendia.
Provavelmente havia muito poucas coisas que pudessem surpreendê-la já nesses momentos.
E já não tinha medo de perder a cabeça, como lhe tinha acontecido a sua mãe. Inclusive essa trágica história tinha cobrado um significado novo agora. Sua mãe não estava louca absolutamente. Era uma moça aterrorizada que se viu apanhada em uma situação violenta que muito poucos humanos seriam capazes de conceber.
Gabrielle não tinha intenção de permitir que essa mesma situação violenta a destruíra. Pelo menos agora estava em casa e já pensaria em alguma maneira de recuperar sua antiga vida.
Deixou a bolsa em cima da mesa e foi até o contestador automático. O indicador de mensagens piscava e mostrava o número dezoito.
—Deve ser uma brincadeira —murmurou, apertando o botão de reprodução.
Enquanto a máquina ficava em funcionamento, Gabrielle se dirigiu ao banho para inspecionar o pescoço. A mordida que Lucan havia lhe dado debaixo da orelha tinha um brilho vermelho escuro e se encontrava ao lado da lágrima e da lua crescente que a assinalavam como companheira de raça. Tocou-se as duas ferroadas e o hematoma que Lucan lhe tinha deixado mas se deu conta de que não lhe doíam absolutamente. A dor surda e vaziu que sentia entre as pernas era o pior, mas inclusive este empalidecia comparado com a fria crueldade que lhe instalava no peito cada vez que recordava como Lucan se apartou dela essa noite, como se ela fosse um veneno. Como tinha saído da habitação, cambaleando-se, como se não pudesse apartar-se dela com a rapidez suficiente.
Gabrielle abriu a água e se lavou, vagamente consciente das mensagens que soavam na cozinha. Para ouvir a quarta ou quinta mensagem, deu-se conta de que havia algo estranho.
Todas as mensagens eram da Kendra, e os tinha deixado todos durante as últimas vinte e quatro horas. Uma depois da outra, e entre algumas delas não havia mais que cinco minutos de diferença.
Sua voz tinha adquirido um tom grandemente mais amargo da primeira mensagem em que, em tom despreocupado e alegre, havia-lhe próposto sair e comer ou a tomar uma taça ou algo que queria. Logo, o convite tinha adquirido um tom mais insistente: Kendra dizia que tinha um problema e que necessitava que Gabrielle a aconselhase.
Nas duas últimas mensagens lhe tinha exigido de forma áspera que lhe respondesse logo.
Gabrielle correu até a bolsa e comprovou as mensagens da secretaria de voz do telefone celular: encontrou-se com o mesmo.
Com as repetidas chamadas da Kendra.
Com seu estranho tom ácido de voz.
Um calafrio lhe percorreu as costas ao recordar a advertência de Lucan a respeito da Kendra: se ela tinha caido vítima dos renegados, já não era amiga dela. Era como se estivesse morta.
O telefone começou a soar outra vez na cozinha.
—OH, Meu deus —exclamou, atendida por um terror crescente.
Tinha que sair dali.
Um hotel, pensou. Algum lugar longínquo. Algum lugar onde pudesse ocultar-se durante um tempo e decidir o que fazer.
Gabrielle tomou a bolsa e as chaves do BMW virtualmente correndo para a porta. Abriu as fechaduras e girou a maçaneta. Assim que a porta se abriu se encontrou ante um rosto que em outro momento tinha sido amistoso.
Agora estava segura de que era o rosto de um servente.
—Vai a algum lugar, Gabby? —Kendra se apartou o telefone celular do ouvido e o desligou. O timbre do telefone da casa deixou de soar. Kendra sorriu fracamente com a cabeça inclinada em um estranho ângulo.
— Ultimamente, é terrivelmente difícil de localizar.
Gabrielle se estremeceu de dor ao ver esses olhos vazios e perdidos que não piscavam.
—Me deixe passar, Kendra. Por favor.
A morena riu com uma gargalhada estridente que se apagou em um vaio surdo.
—Sinto muito, carinho. Não posso fazê-lo.
—Está com eles, verdade? —disse-lhe Gabrielle, adoecendo só de pensar.
— Está com os renegados. Meu Deus, Kendra, o que lhe têm feito?
—Te cale —repôs ela, com um dedo sobre os lábios e meneando a cabeça.
— Não falemos mais. Agora temos que ir.
Assim que a servente alargou a mão para ela, Gabrielle se apartou. Recordou a adaga que levava na bolsa e se perguntou se poderia tirá-la sem que Kendra se desse conta. E se conseguia fazê-lo, seria capaz de utilizá-la contra sua amiga?
—Não me toque —lhe disse, enquanto deslizava os dedos lentamente por debaixo da lapela de pele da bolsa.
— Não vou a nenhuma parte contigo.
Kendra lhe mostrou os dentes em uma terrível imitação de um sorriso.
—OH, acredito que deveria fazê-lo, Gabby. Depois, a vida do Jamie depende de ti.
Um temor gelado lhe atendeu o coração.
-O que?
Kendra fez um gesto com a cabeça em direção aos Sedam que estava esperando. O cristal tinto de um dos guichês se abriu e alí estava Jamie, sentado no assento traseiro ao lado de um tipo enorme.
—Gabrielle? —chamou Jamie com uma expressão de pânico nos olhos.
—OH, não. Jamie não. Kendra, por favor, não permita que lhe façam mal.
—Isso é algo que está completamente em suas mãos —repôs Kendra em tom educado e lhe tirou a bolsa das mãos.
— Não vais necessitar nada do que leva aqui.
Fez um sinal a Gabrielle para que caminhasse diante dela em direção ao carro.
—Vamos?
Lucan colocou duas barras de C4 debaixo dos enormes aquecedores de água da habitação das caldeiras do psiquiátrico. Agachou-se ante o equipamento, desdobrou as antenas do transmissor e conectou o micro para informar de seu progresso.
—Habitação de caldeiras verificada —disse a Niko, que se encontrava ao outro extremo da linha.
— Tenho que colocar três unidades mais e logo sairei...
Ficou imóvel de repente, para ouvir uns passos ao outro lado da porta fechada.
—Lucan?
—Merda. Tenho companhia —murmurou em voz baixa enquanto se incorporava e se aproximava com sigilo a porta para preparar-se a golpear.
Levou-se a mão enluvada até o punho de uma perigosa faca com serra que tinha embainhado em cima do peito. Também levava uma pistola, mas todos tinham concordado que não utilizariam armas de fogo nessa missão. Não fazia falta avisar aos renegados de sua presença e além disso, dado que Niko ia desviar o tubos de fora e encher de gases o edifício, um disparo podia acender os foguetes antes do tempo.
O trinco da porta da habitação das caldeiras começou a girar.
Lucan cheirou o fedor de um renegado, e o inconfundível aroma metálico do sangue humano. Ouviu uns grunhidos animais afogados mesclados com uns golpes e com um débil lamento de uma vítima a quem lhe estavam chupando o sangue. A porta se abriu e um fortíssimo ar pútrido penetrou na habitação enquanto um renegado arrastava a seu brinquedo moribundo dentro da sala escura.
Lucan esperou a um lado da porta até que a enorme cabeça do renegado esteve plenamente ante sua vista. Esse chupão estava muito concentrado em sua presa para dar-se conta da ameaça. Lucan levantou uma mão e cravou a faca na caixa torácica do renegado. Este rugiu com as enormes mandíbulas abertas e os olhos amarelos inchados ao sentir que o titânio lhe penetrava no sistema circulatório.
O humano caiu ao chão com um golpe seco como um boneco e seu corpo se contraiu em uma série de espasmos de agonia de morte depois do corpo do renegado que se alimentou dele começava a emitir uns assobios, a tremer e a mostrar umas feridas como se o houvessem orvalhado com ácido.
Assim que o corpo do renegado teve terminado sua rápida descomposição, outro deles se aproximou correndo pelo corredor. Lucan se precipitou para frente para voltar a atacar, mas antes de que pudesse dar o primeiro golpe, o chupão se deteve em seco quando um braço negro lhe obrigou a deter-se por detrás.
Viu-se o brilho de um fio com a rapidez e a força de um raio que atravessava a garganta do renegado e separava a enorme cabeça do corpo com um corte limpo.
O enorme corpo ficou estendido no chão como um montão de lixo. Tegan se encontrava ali em pé, com sua espada gotejando sangue e seus olhos verdes, tranqüilos. Tegan era uma máquina assassina, e o gesto sério de seus lábios parecia reafirmar a promessa que lhe tinha feito a Lucan de que se a sede de sangue podia com ele, Tegan se asseguraria de que Lucan conhecesse a fúria do titânio.
Ao olhar agora a esse guerreiro, Lucan esteve seguro de que se alguma vez Tegan ia por ele, ele morreria antes de dar-se conta de que o vampiro tinha aparecido ao seu lado.
Lucan se enfrentou a esse olhar frio e letal e lhe saudou com um gesto de cabeça.
—Me diga algo —ouviu que lhe dizia Niko através do auricular—.Está bem?
—Sim. Tudo tranquilo. —Limpou a adaga com a camisa do ser humano e a voltou a embainhar. Quando voltou a levantar a vista, Tegan tinha desaparecido, desvaneceu-se como o espectro da morte que era.
—Agora dirijo aos pontos de entrada da zona norte para colocar o resto dos explosivos —disse a Nikolai enquanto saía da habitação das caldeiras e percorria o corredor vazio.
Capítulo trinta e dois
— Gabrielle, o que acontece? O que acontece com Kendra? Veio a galeria e me há dito que tinha tido um acidente e que tinha que ir com ela imediatamente. Por que me mentiu?
Gabrielle não sabia o que responder as perguntas que Jamie, ansioso, sussurrava-lhe do assento traseiro do Sedam. Afastavam-se a toda velocidade do Beacon Hill em direção ao centro da cidade. Os arranha-céu do distrito financeiro se abatiam sobre eles na escuridão e as luzes dos escritórios piscavam como luzes natalinas. Kendra estava sentada no assento dianteiro ao lado do condutor, um gorila de pescoço largo embelezado de negro como um valentão e com óculos escuros.
Gabrielle e Jamie tinham a um companheiro similar detrás que os encurralava a um lado do brilhante assento de pele. Gabrielle não acreditava que fosse um renegado, não parecia que escondessem umas presas enormes detrás desses lábios tensos, e pelo pouco que sabia dos mortais inimigos da raça, não acreditava que nem ela nem Jamie tivessem demorado nem um minuto em ter as gargantas abertas se esses dois homens tivessem sido de verdade uns renegados viciados no sangue.
Serventes então, deduziu. Escravos humanos de um poderoso senhor vampiro.
Igual a Kendra.
—O que vão fazer conosco, Gabby?
—Não estou segura. —Alargou o braço e lhe deu um carinhoso apertão na mão. Também falava em voz baixa, mas estava segura de que seus captores estavam escutando cada uma de suas palavras.
— Mas não vai passar nada. Prometo-lhe isso.
O que sim sabia era que tinham que sair desse carro antes de que chegassem ao seu destino. Era a regra de defesa própria mais básica: nunca deixe que lhe levem a uma segunda localização. Porque então se encontrava em campo inimigo.
As oportunidades de sobrevivência passariam de ser escassas a nulas.
Olhou o fechamento de segurança da porta que Jamie tinha a seu lado. Ele observou seus olhos com o cenho franzido e expressão de interrogação. Olhou a ele e logo voltou a olhar o fechamento. Então ele o entendeu e lhe dirigiu um assentimento de cabeça quase imperceptível.
Mas quando se dispunha a colocar as mãos na posição adequada para abrir o fechamento, Kendra se deu a volta e lhes provocou:
—Quase chegamos, meninos. Estão excitados? Eu sim que o estou. Não posso esperar a que meu senhor por fim te conheça em pessoa, Gabby. Mmm! Te vai comer imediatamente.
Jamie se inclinou para diante e quase cuspiu veneno:
—Te aparte, puta mentirosa!
—Jamie, não! —Gabrielle tentou lhe reter, aterrada ante esse inocente instinto de amparo. Ele não tinha nem idéia do que estava fazendo ao irritar a Kendra ou aos outros dois serventes que se encontravam no carro.
Mas ele não ia deixar se controlar. Equilibrou-se para frente:
—Se nos tocarem um cabelo a qualquer dos dois,vou arrancar seus os olhos!
—Jamie, basta, não passa nada —disse Gabrielle, atirando dele para que voltasse a recostar-se no assento.
— Se tranqüilize, por favor! Não vai passar nada.
Kendra não se alterou. Olhou a ambos e deixou escapar uma risada repentina e estremecedora:
—Ah, Jamie. Sempre foste o pequeno e fiel terrier da Gabby. Au au! Au au! É patético.
Muito devagar e evidentemente satisfeita consigo mesma, Kendra se voltou a sentar de forma correta no assento lhes dando as costas.
—Detenha no semáforo —lhe disse ao condutor.
Gabrielle deixou escapar um tremente suspiro de alívio e se recostou outra vez no respaldo de fria pele. Jamie estava esquecido contra a porta, zangado. Quando os olhares de ambos se encontraram, ele se apartou um pouco a um lado e lhe permitiu ver que a porta agora não estava fechada.
O coração de Gabrielle deu um tombo ante essa ingenuidade e esse valor. Quase não pôde dissimular o sorriso enquanto o veículo reduzia a velocidade ante o semáforo, a uns metros diante deles. Estava em vermelho, a julgar pela fila de carros que se encontravam detidos diante dele, ia trocar para verde em qualquer momento.
Esta era a única oportunidade que tinham.
Gabrielle olhou a Jamie e se deu conta de que ele tinha compreendido o plano perfeitamente.
Gabrielle esperou, observando o semáforo; dez segundos que pareceram horas. A luz vermelha piscou e ficou verde. Os carros começaram a avançar diante deles. Assim que o Sedam começou a acelerar, Jamie levou a mão ao ponteiro da porta e a abriu.
O ar fresco da noite entrou no veículo e os dois se atiraram de cabeça para a liberdade. Jamie deu contra o pavimento e imediatamente alargou a mão para ajudar a Gabrielle a escapar.
—Detenham! —chiou Kendra.
— Não deixem que escape!
Uma pesada mão caiu sobre o ombro de Gabrielle e atirou dela para o interior do carro fazendo que se estrelasse contra o enorme corpo do servente. Os braços deste a rodearam, apanhando-a como barras de ferro.
—Gabby! —chiou Jamie.
Gabrielle emitiu um soluço desesperado.
—Vai daqui! Vai, Jamie!
—Acelera, idiota! —gritou-lhe Kendra ao condutor ao ver que Jamie se dispunha a agarrar-se ao ponteiro da porta para voltar pela Gabrielle. O motor rugiu, os pneumáticos chiaram e o carro se uniu ao tráfico.
—O que fazemos com ele?
—Deixe-lhe —ordenou Kendra em tom cortante. Dirigiu- um sorriso a Gabrielle, que se debatia em vão no assento traseiro.
— Já serviu ao nosso propósito.
O servente sujeitou a Gabrielle com força até que Kendra ordenou que o carro se detivera diante de um elegante edifício de escritórios. Desceram do carro e obrigaram a Gabrielle a caminhar para a porta de entrada. Kendra falava com alguém através do telefone celular e parecia ronronar de satisfação.
—Sim, temo-la. Agora vamos subir.
Guardou-se o telefone no bolso e lhes conduziu através de um vestibulo de mármore vazio até a zona de elevadores. Quando entraram em um deles, apertou o botão do apartamento de cobertura.
Gabrielle recordou imediatamente a mostra privada de suas fotos. Ao fim o elevador se deteve no piso superior e as portas de espelho se abriram; nesse momento Gabrielle teve a horrível certeza de que seu anônimo comprador ia dar-se a conhecer.
O servente que a tinha estado sujeitando a empurrou para que entrasse na suíte, fazendo-a tropeçar. Ao cabo de uns segundos, o medo de Gabrielle se fez maior.
Diante da parede de cristais se encontrava em pé uma alta figura de cabelo negro vestida com um comprido abrigo negro e óculos de sol. Era igual de corpulento que os guerreiros e dele emanava o mesmo ar de confiança. A mesma ameaça fria.
—Adiante —lhes disse em um tom grave que trovejou como uma tormenta.
— Gabrielle Maxwell, é um prazer conhecê-la por fim. Ouvi falar muito de você.
Kendra se colocou a seu lado e lhe deu uns tapinhas com expressão de adoração.
—Suponho que me trouxe aqui por alguma razão —disse Gabrielle, tentando não sentir pena por ter perdido a Kendra nem ter medo desse perigoso ser que tinha convertido a Kendra no que era.
—Converti-me em um grande admirador de seu trabalho. —Sorriu-lhe sem mostrar os dentes e com uma mão apartou sem contemplações a Kendra.
— Você fez umas fotos interessantes, senhorita Maxwell. Por desgraça, tem que deixar de fazer. Não é bom para meus negócios.
Gabrielle tentou agüentar o olhar tranqüilo e ameaçador que, sabia, estava-lhe dirigindo detrás dos óculos.
—Quais são seus negócios? Quero dizer, além de exercer de sanguessuga chupador de sangue.
Ele riu.
—Dominar o mundo, é obvio. Acredita que há algo mais pelo que valha a pena lutar?
—Posso pensar em umas quantas coisas.
Uma sobrancelha escura se arqueou por cima da arreios desses óculos.
—OH, senhorita Maxwell, se se referir ao amor ou a amizade, terei que dar por terminado este agradável e breve encontro agora mesmo.
—Juntou os dedos das mãos e os anéis que levava brilharam sob a tênue luz da habitação. A Gabrielle não gostava da maneira em que ele a estava olhando, como avaliando-a. O vampiro se inclinou para frente com as fossas nasais dilatadas.
— Aproxime-se.
Ao ver que ela não se movia, o corpulento servente que se encontrava a suas costas a empurrou para frente. Gabrielle se deteve um metro de distância do vampiro.
—Tem você um aroma delicioso —disse em um lento vaio.
— Cheira como uma flor, mas há algo... mais. Alguém se alimentou de você recentemente. Um guerreiro? Não se incomode em negá-lo, posso cheirá-lo em seu corpo.
Antes de que Gabrielle pudesse dar-se conta, ele a sujeitou pelo pulso e a atraiu para si de um puxão. Com mãos arrudas, fez-lhe inclinar a cabeça e lhe apartou o cabelo que escondia a mordida de Lucan e a marca que tinha debaixo da orelha esquerda.
—Uma companheira de raça —grunhiu, lhe passando os dedos pela pele do pescoço.
— E recentemente reclamada como tal. Faz de você mais inteiressante a cada segundo que passa, Gabrielle.
Não gostou do tom íntimo que empregou ao pronunciar seu nome.
—Quem a mordeu, companheira? A qual desses guerreiros o permitiu colocar-se entre essas largas e formosas pernas?
—Vá-se ao inferno —respondeu ela, apertando as mandíbulas.
—Não me vai dizer isso? —Fez estalar a língua e meneou a cabeça.
— De acordo. Poderemo-lo averiguar muito em breve.
Podemos fazer que venha. Finalmente, ele se separou dela e fez um sinal a um dos serventes estavam vigiando.
—Levem ao telhado.
Gabrielle se debateu contra seu captor, que a aferrava com ímpeto, mas não podia vencer a força desse bruto. Obrigaram-na a dirigir-se para uma porta sobre a qual havia o pôster vermelho de saída e uma placa em que se lia acesso ao heliporto.
—Um momento! E eu? —queixou-se Kendra da suíte.
—Ah, sim. Enfermeira K. Delaney —disse seu senhor escuro, como se acabasse de lembrar-se dela—. Quando nos tivermos ido, quero que saia ao telhado. Sei que a vista dele te parecerá espetacular. Desfruta-a durante um momento... e logo salta ao vazio.
Ela olhou, piscando aturdida. Logo baixou a cabeça, mostrando que estava sob seu domínio.
—Kendra! —gritou Gabrielle, desesperada por chegar até sua amiga.
— Kendra, não o faça!
O vampiro do casaco negro e os óculos escuros passou ao seu lado sem mostrar nenhuma preocupação.
—Vamos. Terminei aqui.
Uma vez colocado o último cartucho de C4 em seu lugar ao extremo norte do psiquiátrico, Lucan se abriu passo por um condutor de ventilação que conduzia ao exterior. Tirou o ralo e se içou até o exterior. Rodou por cima da grama, que rangeu sob seu corpo; logo ficou em pé e começou a correr em direção a cerca que rodeava o terreno, sentindo o ar fresco na boca.
—Niko, Como vamos?
—Vamos bem. Tegan está voltando e Gideon vem detrás de ti.
—Excelente.
—Tenho o dedo no detonador —disse Nikolai. Sua voz quase resultava inaudível pelo ruído de um helicóptero que alagava a zona.
— Dá a ordem, Lucan. Morro por fazer voar a estes chupões.
—Eu também —repôs Lucan. Olhou o céu noturno com o cenho franzido, procurando o helicóptero.
— Temos visita, Niko. Parece que um helicóptero se dirige diretamente ao psiquiátrico.
Assim que o houve dito, viu a escura silhueta do helicóptero em cima da fileira de árvores. Umas pequenas luzes piscaram no veículo enquanto este girava para o telhado do recinto e iniciava a descida.
O constante movimento da hélice levantou uma forte brisa e Lucan cheirou o aroma dos pinheiros e do pólen... e de outro perfume que lhe acelerou o pulso.
—OH, Jesus —exclamou assim que reconheceu o aroma de jasmim.
— Não toque o detonador, Niko! Por Deus, seja como for, não permita que este maldito edifício voe pelos ares!
Capítulo trinta e três
Uma mescla volátil de adrenalina e fúria, além de um medo que o cobria até os ossos, fez saltar a Lucan ao telhado do velho psiquiátrico. O helicóptero acabava de posar-se nos trilhos de aterrissagem e Lucan se precipitou para ele da beirada do edifício. O corpo tremia por causa de uma fúria mais explosiva e instável que um caminhão carregado de C4. Tinha toda a intenção de lhe arrancar as pernas a quem estivesse retendo Gabrielle.
Com a arma na mão, Lucan se aproximou do helicóptero por detrás, com cuidado de que não lhe vissem, e deu a volta pela cauda para acercar-se ao lado dos passageiros da cabine de mando.
Viu Gabrielle dentro do helicóptero, no assento traseiro, ao lado de um enorme macho que ia vestido de negro e que levava uns óculos escuros. Parecia tão pequena, a via tão aterrorizada. Seu aroma lhe banhou por inteiro. E seu medo lhe destroçou o coração.
Lucan abriu de um puxão a porta da cabine e colocou a arma diante do rosto do captor do Gabrielle enquanto sujeitava a ela com a mão que ficava livre. Mas atiraram de Gabrielle para trás antes de que ele pudesse sair com ela.
—Lucan? —exclamou Gabrielle com os olhos exagerados por causa da surpresa.
— OH, Meu deus, Lucan!
Ele realizou um rápido exame visual da situação e viu o servente que pilotava o avião e a um humano escravo que se encontrava ao seu lado, diante. O servente do assento do co-piloto se deu a volta com intenção de lhe dar um golpe no braço, mas recebeu uma bala na cabeça.
No momento em que Lucan voltou a dirigir o olhar para a Gabrielle, ao cabo de um instante, se encontrava com uma faca na garganta. Por debaixo da manga do comprido abrigo lhe assomavam os dermoglifos que Lucan tinha visto nas fotos da Costa Oeste.
— Solte disse o líder de primeira geração dos renegados.
—Vá, vá, foi uma resposta mais rápida do que houvesse imaginado, inclusive para um guerreiro com vínculo de sangue. O que pretende? Por que está aqui?
O arrogante tom de voz lhe desconcertou.
Conhecia esse bode?
—Solta-a —disse Lucan—, E te mostrarei por que estou aqui.
—Parece-me que não. —O vampiro de primeira geração lhe sorriu ampliamente, lhe mostando os dentes.
Não tinha presas. Era um vampiro, mas não era um renegado.
Que diabos?
—É encantadora, Lucan. Esperava que fosse tua.
Deus, conhecia essa voz. Ouvia-a como procedente de algum lugar muito profundo, enterrado em sua memória.
Do passado longínquo.
Um nome lhe formou na mente, cortante como o fio de uma espada.
Não, não era possível que fosse ele.
Impossível...
Concentrou-se para sair dessa confusão momentânea, mas esse breve momento de perda de concentração lhe custou caro. Desde um dos lados, um par de renegados tinha subido ao telhado do interior do psiquiátrico lhe aproximava com sigilo. Com um gruido, levantou a porta do helicóptero e golpeou com o canto da mesma a Lucan na cabeça.
— Lucan! — chiou Gabrielle.
— Não!
Lucan estremeceu e uma das pernas lhe falhou. A arma caiu da mão e escorregou pelo chão do telhado uns quantos metros, ficando fora de seu alcance.
O renegado lhe deu um murro na mandíbula com o enorme punho. Ao cabo de um segundo, um golpe brutal lhe destroçou as costelas. Lucan caiu ao chão, mas fez um giro e com o pé embainhado na bota fez cair ao renegado ao chão. Precipitou-se sobre ele enquanto tirava a faca que tinha embainhado no torso.
A uns metros de ambos, a hélice do helicóptero começou a girar. O piloto se preparava para levantar outra vez.
Não podia permiti-lo.
Se permitia que Gabrielle se fosse desse coberto, não ficaria nenhuma esperança de voltar a vê-la viva nunca mais.
—Nos tire daqui —ordenou o captor de Gabrielle ao piloto enquanto as hélices do helicóptero giravam cada vez mais depressa.
Fora, arrastando-se pelo telhado, Lucan lutava contra o renegado que lhe tinha atacado. Apesar da escuridão, Gabrielle viu que outro mais se aproximava da porta de entrada ao telhado.
—OH, não —exclamou, quase sem respiração e sem poder mover-se por causa do cortante fio de aço que lhe cravava na pele da garganta.
O enorme macho se inclinou por diante dela para olhar o que estava acontecendo no telhado. Lucan havia tornado a ficar em pé e lhe abriu o ventre ao primeiro dos renegados que lhe tinha atacado. O grito deste foi audível inclusive apesar do forte ruído da hélice do helicóptero. Seu corpo começou a convulsionar-se, a ter espasmos... A desintegrar-se.
Lucan girou a cabeça para o helicóptero. Tinha os olhos cheios de furia, brilhavam-lhe como duas pedras de âmbar acesas com o fogo do inferno. Precipitou-se para diante, rugindo, carregando com os ombros contra o veículo como um trem de carga.
—Nos tire daqui agora mesmo! —gritou o macho que estava ao lado de Gabrielle, pela primeira vez em tom preocupado.
— Agora mesmo, porra!
O helicóptero começou a levantar-se.
Gabrielle tentou apartar da faca apertando-se contra o respaldo do pequeno assento traseiro. Se pudesse encontrar a maneira de lhe apartar o braço, possivelmente pudesse alcançar a porta da cabine...
O helicóptero sofreu uma sacudida repentina, como se tivessem se chocado contra alguma parte do edifício. O motor pareceu gemer, esforçado.
O captor do Gabrielle estava furioso já.
—Desapega, idiota!
—Estou-o tentando, senhor! —disse o servente que se encontrava ante os mandos. Levantou uma alavanca e o motor protestou com um terrível grunhido.
Houve outra sacudida, como se atirassem do aparelho para baixo, e todo o interior tremeu. A cabine se inclinou por volta da frente e o captor do Gabrielle perdeu o equilíbrio no assento e deixou de lhe emprestar atenção durante um momento.
A faca se separou de sua garganta.
Com uma repentina decisão, Gabrielle se lançou para trás e lhe deu um pontapé com as duas pernas que lhe fez cair contra o respaldo do assento do piloto. O veículo se precipitou para frente e Gabrielle trabalhou em excesso por alcançar a porta da cabine.
Esta se abriu de tudo e ficou aberta, pendurando das dobradiças, depois do helicóptero tremia e se balançava. Seu captor se estava recompondo e estava a ponto de alcançá-la outra vez. Por causa do caos tinham caido os óculos de sol. Olhou-a com um gelado olhos cinzas cheios de malignidade.
—Diga a Lucan que isto não terminou nem muito menos — ordenou o líder dos renegados, pronunciando as palavras em um assobio e olhando-a com um sorriso diabólico.
—Vai para o inferno —respondeu Gabrielle. Nesse mesmo instante, lançou-se para a porta aberta e se deixou cair ao chão do telhado.
Assim que a viu, Lucan soltou o trilho de aterrissagem do helicóptero. O veiculo se elevou repentinamente e começou a dar voltas sobre si mesmo descontrolado enquanto o piloto se esforçava por dominá-lo.
Correu ao lado de Gabrielle e a ajudou a ficar em pé. Passou-lhe as mãos por todo o corpo para assegurar-se de que estava inteira.
—Está bem?
Ela assentiu com a cabeça.
—Lucan, detrás de ti!
No telhado, outro dos renegados se dirigia para eles. Lucan enfrentou a esse desafio com agrado, agora que Gabrielle estava com ele; todos os músculos de seu corpo se dispuseram a dar morte. Tirou outra faca e se aproximou da ameaça.
A luta foi selvagem e rápida. Lucan e o renegado se enfrentaram em um mortal combate corpo a corpo com os punhos e os fios das armas brancas. Lucan recebeu mais de um golpe, mas era imparável. O sangue de Gabrielle ainda tinha um efeito forte nele, e lhe dava uma fúria que lhe tivesse permitido enfrentar-se com dez competidores de uma vez. Lutou com uma força e uma eficiência letal, e acabou com o renegado com um corte vertical que lhe atravessou o corpo.
Lucan não esperou a ver o efeito do titânio. Deu-se a volta e correu para Gabrielle. Assim que chegou, quão único pôde fazer foi toma-la entre os braços e abraçá-la com força. Pôde ficar assim toda a noite, sentindo como lhe pulsava o coração e acariciando a pele suave.
Levantou-lhe a cabeça e lhe estampou um beijo forte e tenro nos lábios.
—Temos que sair daqui, carinho. Agora mesmo.
Sobre suas cabeças, o helicóptero continuava subindo.
O vampiro de primeira geração que tinha capturado a Gabrielle olhou para baixo desde atrás do cristal da cabine e dirigiu uma vaga saudação à Lucan, sorrindo enquanto o veículo subia no céu noturno.
—OH, Deus, Lucan! Estava tão assustada. Se tivesse acontecido algo...
O sussurro de Gabrielle lhe fez esquecer completamente a seu inimigo que escapava. A única coisa que lhe importava era que ela era capaz de lhe falar. Que respirava. Gabrielle estava com ele, e esperava que pudesse continuar estando ao seu lado.
—Como demônios lhe capturaram? —perguntou-lhe com voz tremente e tom urgente a causa do medo que havia sentido.
—Depois de que você partiu do complexo esta noite, precisava ir e pensar. Fui para casa. Kendra apareceu. Tinha a Jamie como refém em um carro que se encontrava fora. Não podia deixar que lhe fizessem mal. Kendra é, era, uma servente, Lucan. Mataram-na. Minha amiga está morta.
—Gabrielle soluçou de repente.
— Mas pelo menos Jamie escapou. Agora está em algum lugar do centro da cidade, provavelmente aterrorizado. Tenho que lhe encontrar e lhe dizer que tudo está bem.
Lucan ouviu o som grave do helicóptero que continuava subindo por cima de suas cabeças. Além disso, tinha que fazer a Niko o sinal de que voasse esse lugar antes de que os renegados tivessem a oportunidade de escapar.
—Vamos daqui, e logo me encarregarei do resto.
Lucan tomou a Gabrielle pelos braços.
—Segura em mim, carinho. Com toda a força que possa.
—De acordo. — pendurou-se os braços ao redor do pescoço.
Ele voltou a beijá-la, aliviado de tê-la entre os braços.
—Não te solte em nenhum momento — disse-lhe, olhando os olhos brilhantes e formosos de sua companheira de raça.
Então se colocou na beirada do edifício e se deixou cair com ela em seus braços, com toda a suavidade de que foi capaz, até o chão.
—Lucan, me diga algo, cara! —chamou-lhe Nikolai pelo auricular.
— Onde está? Que merda está acontecendo aí?
—Tudo vai bem —respondeu ele, enquanto levava a Gabrielle pelo escuro terreno coberto de grama da propriedade em direção ao ponto onde se encontrava o veículo de vigilância esperando.
— Agora tudo está bem. Apura o detonador e acabemos com isto.
Gabrielle estava encolhida sob o forte braço de Lucan quando o veículo de vigilância subia pela rua que conduzia ao terreno do complexo. Ele a tinha obstinado ao seu lado desde que escaparam da zona do psiquiátrico e lhe havia coberto os olhos enquanto todo o complexo de edificios voava pelos ares como uma infernal bola de fogo.
Lucan e seus irmãos tinham conseguido: tinham acabado com o quartel general dos renegados com um incrível golpe. O helicóptero tinha conseguido escapar a explosão e se desvaneceu no céu, envolto na fumaça negra e escondida no céu da noite.
Lucan estava pensativo: olhava para fora dos cristais escuros dos guichês para cima, para a abóbada de estrelas. Gabrielle tinha visto sua expressão de surpresa, de incredulidade e de atordoamento, quando se encontrava no telhado e abriu a porta da cabine de comando do helicóptero.
Foi como se tivesse visto um fantasma.
Inclusive nesse momento, Lucan continuava com esse estado de ânimo, enquanto entravam no terreno e Nikolai conduzia em direção à garagem. O guerreiro deteve o carro uma vez que estiveram dentro da enorme garagem. Quando desligou o motor, Lucan falou por fim.
—Esta noite conseguimos uma importante vitória contra nossos inimigos.
—Porra , sim —assentiu Nikolai.
— E vingamos a Conlan e a Rio. Teria-lhes encantado estar ali para ver voar esse lugar.
Lucan assentiu na escuridão do veículo.
—Mas não nos equivoquemos. Estamos entrando em uma nova fase do conflito com os renegados. Agora é a guerra, mais que nunca. Esta noite agitamos o ninho de vespas. Mas ao que necessitávamos capturar, seu líder, continua vivo.
— Deixemos que corra. Já lhe apanharemos —disse Dante, com expressão de confiança.
Mas Lucan negou com gesto sério.
—Este é distinto. Não nos porá isso fácil. Antecipará-se a nossos movimentos. Compreende nossas táticas. A Ordem vai ter que fortalecer as estratégias e aumentar o número de seus guerreiros. Temos que organizar alguns quadros mais que ainda estão dispersados pelo mundo, conseguir mais guerreiros, quanto antes melhor.
Gideon se deu a volta no assento dianteiro.
—Crê que é o vampiro de primeira geração da Costa Oeste quem está à frente dos renegados?
—Estou seguro —repôs Lucan.
Estava no helicóptero, no telhado, esta noite, onde tinha a Gabrielle. —Acariciou-lhe o braço com um afeto tenro, e fez uma pausa para olhá-la, como se sua só visão lhe tranqüilizasse de algum jeito.
— E esse bode não é um renegado: não agora, se é que o foi em algum momento. Uma vez foi um guerreiro, como nós. chama-se Marek.
Gabrielle sentiu uma quebra de onda de frieza que procedia da terceira fila de assentos do veículo de vigilância e soube que Tegan estava olhando a Lucan.
Lucan sabia também. Girou a cabeça para olhar ao outro guerreiro aos olhos.
—Marek é meu irmão.
Capítulo trinta e quatro
A carga da revelação de Lucan ainda lhes pesava enquanto saíam do veículo e subiam ao elevador do hangar para baixar ao complexo. Seu amado, Gabrielle entrelaçou os dedos da mão com os dele enquanto baixavam. Sentia o coração comocionado e cheio de compaixão; ele a olhou e ela soube que ele percebia a preocupação em seus olhos.
Gabrielle observou que seus irmãos guerreiros também tinham expressões de preocupação similares nos olhos e que, silenciosamente, haviam dado conta do significado do que tinham descoberto essa noite.
Chegaria o momento em que Lucan teria que enfrentar-se com a necessidade de matar a seu próprio irmão.
Ou de que seu irmão matasse a ele.
Gabrielle ainda não tinha conseguido aceitar a frieza desse fato no momento em que as portas do elevador se abriram e se encontraram ante o Savannah e Danika, que tinham estado esperando com ansiedade a volta dos guerreiros. Houve bem-vindas cheias de alívio, muitas pergunta sobre o resultado da missão dessa noite, assim como de por que Gabrielle partiu do complexo sem dizer nenhuma palavra a ninguém. Gabrielle estava muito cansada para responder, demasiado esgotada depois dessa terrível experiência para tentar sequer expressar o que sentia.
Mas sabia que logo teria que oferecer algumas respostas, a Lucan ao menos.
Os guerreiros se afastaram em meio de uma discussão sobre táticas e novas estratégias de batalha contra os renegados. Savannah e Danika empurraram imediatamente a Gabrielle em direção contrária, que se mostraram preocupadas com seus vários arranhões e contusões e insistiram em que comesse e se desse um comprido banho quente.
Gabrielle concordou a contra gosto, mas nem sequer as incríveis habilidades culinárias de Savannah nem o fragrante vapor do banho que lhe prepararam logo conseguiram relaxá-la.
A mente não parava de lhe dar voltas em relação a Lucan, Jamie e tudo o que tinha acontecido essa noite. Devia a vida a Lucan. Amava-lhe mais que a nenhuma outra coisa e sempre lhe estaria agradecida por havê-la resgatado, mas isso não trocava o que sentia a respeito de como foram as coisas entre ambos. Não podia permanecer no complexo dessa forma. E não importava o que lhe dissesse, não tinha intenção de ir a nenhum dos Refúgios Escuros.
Então, que possibilidade ficava? Tampouco podia voltar para seu apartamento. Sua velha vida já não era possível. Voltar para ela significaria que teria que negar tudo o que tinha experimentado com Lucan durante essas últimas semanas e esforçar-se por lhe esquecer. Teria que negar tudo o que agora sabia sobre si mesmo, e sobre sua conexão com a raça.
A verdade era que não sabia qual era seu lugar agora. Não sabia por onde começar a procurar, mas depois de dar voltas pelo labirinto de do complexo, Gabrielle se encontrou em pé ante a porta das habitações privadas de Lucan.
A porta que dava à habitação principal estava aberta e uma suave luz saía de dentro. Gabrielle a empurrou e entrou.
A luz de umas velas iluminava o dormitório adjacente. dirigiu-se para essa luz ambiental até que esteve na porta de entrada e parou ali, maravilhada do que viu. O austero dormitório de Lucan se havia convertido em um pouco saído de um sonho. Havia um castiçal de intrincada prata em cada esquina. A cama estava coberta por um cobertor de seda vermelho. No chão, diante da chaminé, havia um montão de almofadas e sedas carmesins. Era tão romântico, tão acolhedor.
Era uma habitação pensada para fazer o amor.
Deu um passo para o interior da habitação. A suas costas, a porta se fechou brandamente sozinha.
Não, não de tudo sozinha. Lucan estava ali, em pé, ao outro extremo da habitação e a estava observando. Tinha o cabelo molhado pela ducha. Levava uma bata solta de cetim vermelho que lhe caía até os tornozelos , e tinha um olhar quente nos olhos que se fundia no Gabrielle.
—Para você —lhe disse, assinalando o romântico ambiente.
— Para nós, esta noite. Quero que as coisas sejam especiais para você.
Gabrielle se sentiu comovida, e imediatamente excitada ao lhe ver, porem não podia suportar fazer amor depois de como tinham ficado as coisas entre eles.
—Quando fui esta noite, não pensava voltar —lhe disse de uma distância segura. Se aproximava mais, não acreditava que tivesse a força de lhe dizer o que tinha que dizer-lhe.
— Não posso voltar a fazer isto, Lucan. Necessito coisas de você que você não pode me dar.
—Me diga quais. —Foi uma ordem suave, mas uma ordem. Ele se aproximou dela com passos cautelosos, como se notasse que ela podia lhe rechaçar em qualquer momento.
— Me diga o que necessita.
Ela negou com a cabeça.
—Do que serviria?
Uns quantos passos lentos mais. Deteve-se um metro de distância dela.
—Eu gostaria de sabê-lo. Tenho curiosidade do que me custaria convencer-te de que fique comigo.
—Para passar a noite? —perguntou ela em voz baixa, odiando a si mesmo por quanto precisava sentir os braços dele ao redor de seu corpo depois de tudo o que lhe tinha acontecido durante essas últimas horas.
—Quero-te, e estou disposto a te oferecer algo, Gabrielle. Assim me diga o que é o que necessita.
—Sua confiança —lhe disse ela, pedindo uma coisa que sabia que se encontrava fora de seu alcance.
— Não posso... fazer isto mais, se você não confia em mim.
—Eu confio em ti — disse ele, com tanta solenidade que ela acreditou.
— Você é a única que me conheceu de verdade, Gabrielle. Não te posso ocultar nada. Viu-o tudo: o pior, certamente. Eu gostaria de ter a oportunidade de te mostrar a parte boa que há em mim. —aproximou-se um pouco mais. Ela notava o calor que emanava de seu corpo. Notava seu desejo.
— Quero que se sinta tão segura comigo como eu me senti contigo. Assim que a pergunta é: pode confiar em mim, agora que sabe tudo a respeito de mim?
—Sempre confiei em ti, Lucan. Sempre o farei. Mas não é isso...
—Pois o que, então? —perguntou ele, interrompendo sua rápida negativa.
—Diga-me que mais posso te dar para fazer que fique.
—Isto não vai funcionar —disse ela, retrocedendo um pouco.
— Não posso ficar. Não desta maneira. Não agora que meu amigo Jamie...
—Está a salvo. —Ao ver que lhe olhava com expressão de confusão, acrescentou—: Mandei a Dante ao exterior assim que chegamos para que fosse lhe buscar. Faz uns minutos que retornou e me informou que achou seu amigo em uma delegacia de polícia do centro da cidade e o levou a casa.
Gabrielle sentiu que o alívio a embargava, mas imediatamente a preocupação o substituiu.
—O que lhe disse Sante? Apagou-lhe a memória?
Lucan negou com a cabeça.
—Pensei que não era justo que eu tomasse esta decisão por ti. Dante simplesmente disse que você também estava a salvo e que lhe poriam em contato com ele muito em breve para lhe explicar tudo. O que ditas lhe contar ao seu amigo é tua coisa. Vê-o? Confiança, Gabrielle.
—Obrigado —murmurou ela, sentindo-se reconfortada pela consideração.
— Obrigado por me haver ajudado esta noite. Salvaste-me a vida.
—Então, por que me tem medo agora?
—Não te tenho medo —repôs, mas estava se separando dele, quase sem dar-se conta disso, mas a cama, que tinha detrás, bloqueou-lhe a escapatória. Em um instante ele esteve diante dela.
—Que mais quer de mim, Gabrielle?
—Nada —disse ela, quase em um sussurro.
—Nada absolutamente? —perguntou ele em tom grave e exigente.
—Por favor, não me faça desejar ficar esta noite quando amanhã vais desejar que vá. Deixa que vá agora, Lucan.
—Não posso fazer isso. —Tomou uma mão e a levou aos lábios. Gabrielle sentiu a calidez e a suavidade de seus lábios nos dedos e sentiu que era presa de um encantamento que somente ele podia lhe fazer. Ele levou a mão dela contra o peito, apertando a palma contra o mesmo, sobre o batimento de seu coração contra as costelas.
— Não poderei te deixar partir nunca, Gabrielle. Porque o queira ou não, tem meu coração. Tem meu amor, também. Se o aceitar.
Ela tragou saliva com dificuldade.
—O quê?
—Amo-te. —Pronunciou as palavras em voz baixa e com sinceridade, como uma carícia que ela sentiu no mais profundo do coração:
— Gabrielle Maxwell, amo-te mais que a vida. Estive sozinho durante muito tempo, e não soube me dar conta até que quase foi muito tarde. —Deixou de falar e a olhou aos olhos com intensidade.
— Não é... muito tarde, verdade?
Ele a amava.
Uma alegria, pura e brilhante, encheu-a para ouvir essas palavras do lábio de Lucan.
—Volta a dizê-lo —sussurrou ela, com a necessidade de saber que esse momento era real, que isso ia durar.
—Amo-te, Gabrielle. Até o último fôlego de vida que tenho. Amo-te.
—Lucan. —Pronunciou seu nome com um suspiro, com lágrimas nos olhos que lhe derramavam pelas bochechas.
Ele a tomou entre os braços e lhe deu um beijo comprido, profundo e apaixonado que fez que a cabeça desse voltas e o coração queria levantar o vôo. Sentia o sangue como fogo nas veias.
—Você merece a alguém muito melhor que eu —lhe disse com um tom de voz e expressão reverente.
— Conhece meus demônios. Pode me amar... aceitará-me... Apesar de conhecer minhas debilidades?
Tomou o rosto com a mão e olhou, lhe expressando com os olhos todo o amor que sentia.
—Você nunca foste débil, Lucan. E te amarei seja como for. Juntos podemos superar tudo.
—Você me faz acreditar nisso. Deste-me esperança. —Com um gesto amoroso, acariciou-lhe o braço, o ombro, a bochecha. Percorreu-lhe o rosto com o olhar enquanto o acariciava com a mão.
— Meu Deus, é tão deliciosa. Poderia ter a qualquer macho, da raça ou humano...
—Você é o único a quem quero.
Ele sorriu.
—Que Deus te ajude, mas não o aceitaria se fosse de outra maneira. Nunca desejei de forma tão egoísta como quero a você neste momento. Seja minha, Gabrielle.
—Sou-o.
Ele tragou saliva e baixou os olhos como se de repente se sentisse inseguro.
—Refiro-me para sempre. Não posso aceitar menos que isso. Gabrielle, aceitaria-me como companheiro?
—Para sempre —sussurrou ela, tombando-se de costas na cama e trazendo-o para si.
— Sou tua, Lucan, para sempre.
Voltaram a beijar-se, e esta vez, quando se separaram, Lucan alargou a mão até uma magra adaga de ouro que estava na mesinha ao lado da cama. Aproximou-a de seu rosto. Gabrielle se sobressaltou um pouco ao ver que ele
Levava-se a folha até os lábios.
—Lucan...
Ele a olhava com ternura e seriedade aos olhos.
—Você me deste seu sangue para me curar. Você me fortalece e me protege. Você é a única que quero, e a única que sempre necessitarei.
Nunca lhe tinha ouvido falar com tanta solenidade. As íris de seus olhos começavam a brilhar, a pálida cor cinza se misturava com a cor âmbar e com a profundidade de sua emoção.
—Gabrielle, quer me fazer a honra de aceitar meu sangue para cerrar nosso vínculo?
A voz de Gabrielle foi débil.
—Sim.
Lucan baixou a cabeça e levou a adaga até o lábio inferior. Logo a apartou e a olhou outra vez: seus lábios brilhavam com o escuro sangue vermelho.
—Vêem aqui. Deixa que te ame —lhe disse, unindo seus lábios escarlates com os dela.
Nada a teria podido preparar para o que sentiu ao provar pela primeira vez o doce sangue de Lucan.
Mais intenso que o vinho, instantaneamente embriagador, o sangue dele fluiu por sua língua com toda sua força e seu poder. Sentiu que uma luz a alagava do mais profundo de seu corpo e lhe oferecia uma pista do futuro que a esperava como companheira de Lucan. Encheu-se de felicidade, ficou ruborizada desse calor, e sentiu uma alegria que nunca antes tinha experimentado.
Sentiu desejo, também.
Mais intenso do que o havia sentido nunca.
Gabrielle emitiu um profundo gemido de desejo e empurrou a Lucan no peito para lhe tombar de costas. Tirou a roupa em um instante, subiu em cima dele e lhe montou escarranchada.
O sexo dele se enervava diante dela, grosso e forte como a pedra. Os formosos desenhos de sua pele tinham uma profunda cor púrpura com uma tintura avermelhada e adquiriam um tom mais profundo quando a olhava com desejo. Gabrielle se inclinou para frente e passou a língua pelas linhas sinuosas e intrincadas que lhe cobriam o corpo das coxas até o umbigo e subiam até os músculos do peito e os ombros.
Era dele.
Esse pensamento foi ferozmente possessivo, primitivo. Nunca lhe tinha desejado tanto como nesse momento. Ofegava e estava úmida e desejava lhe montar com força, lhe queimava por dentro.
Deus, era a isto ao que Savannah se referia quando dizia que um vínculo de sangue intensificava o ato amoroso?
Gabrielle olhava a Lucan com uma necessidade puramente carnal, quase sem saber por onde começar com ele. Desejava lhe devorar, lhe adorar, lhe utilizar. Aplacar o incêndio que sentia dentro do corpo.
—Deveria me haver avisado de que me tinha dado um afrodisíaco.
Lucan sorriu.
—E arruinar a surpresa?
—Ria, vampiro. —Gabrielle arqueou uma sobrancelha, tomou seu membro ereto e deslizou a mão por ele até a base com um movimento comprido.
— Me prometeu a eternidade. Vais arrepender- te.
—Ah, sim? —Mas foi mais um gemido estrangulado porque lhe montou e ele começou a mover-se com um rebolado de quadril desenfreado debaixo dela. Com olhos brilhantes, olhou-a e mostrou as presas ao sorrir, uma amostra clara de que desfrutava dessa tortura.
— Companheira, acredito que me vai encantar que o tente.
Capítulo vinte e quatro
As palavras de Lucan —e todas as coisas incríveis que lhe havia dito— ainda lhe ressonavam nos ouvidos enquanto saía debaixo da água da ducha do banho. Fechou o grifo e se secou com a toalha, esperando que a água quente lhe tivesse aliviado parte da dor e a confusão que sentia. Havia muitas coisas com as que devia enfrentar-se, e a menor delas não era o fato de que Lucan não tivesse nenhuma intenção de estar com ela.
Tentou dizer-se a si mesmo que não lhe tinha feito nenhuma promessa, mas isso somente o fazia sentir-se mais tola. Ele nunca lhe tinha pedido que pusesse seu coração aos seus pés; tinha-o feito ela sozinha.
Aproximou-se do espelho que ocupava todo o largo da parede do lavabo e se apartou o cabelo para olhar com atenção a marca de nascimento carmesim que tinha debaixo da orelha esquerda. Melhor dizendo, a marca de companheira de raça, corrigiu-se a si mesmo, enquanto observava a pequena lágrima que parecia cair na terrina da lua crescente.
Por alguma retorcida ironia, essa pequena marca no pescoço a unia ao mundo de Lucan e, apesar disso, era o mesmo que lhe impedia de estar com ele.
Possivelmente ela representava uma complicação que ele não queria ou não necesitava, mas o fato de haver-se encontrado com ele tampouco tinha feito que sua vida fora uma festa.
Graças a Lucan, ela se tinha metido em uma sangrenta guerra que havia parecer com os violadores em grupo uns fanfarrões de pátio. Ela tinha abandonado um dos melhores apartamentos do Beacon Hill, e ia perde-lo se não voltava e a trabalhar para pagar as faturas. Seus Amigos não tinham nem idéia de onde estava, e dizer-lhe nesse momento poria, provavelmente, suas vidas em perigo.
Para cúmulo de tudo isso, havia-se meio apaixonado por mais escuro e mortífero deles, o homem mais fechado emocionalmente que tinha conhecido.
Que, além disso, resultava ser um vampiro chupador de sangue.
E, que diabos, já que estava sendo sincera consigo mesma, não estava meio apaixonada por Lucan. Estava completa, inteira, perdidamente e sem poder superá-lo na vida apaixonada por ele.
—Bem feito —disse a seu miserável reflexo.
— Malditamente brilhante.
E Apesar de tudo o que lhe havia dito, não havia nada que desejasse mais que ir para lhe buscar ali onde estivesse no complexo e envolver-se com seus braços, o único lugar onde tinha encontrado algum consolo.
Sim, como se precisasse acrescentar a humilhação em público a humilhação íntima com que tentava enfrentar-se nesse momento. Lucan o tinha deixado muito claro: o que pudessem ter tido os dois —se é que houvesse tido verdadeiramente algo que estivesse além do físico—, terminou-se.
Gabrielle voltou para seu dormitório, recuperou sua roupa e seus sapatos e se vestiu depressa, desejosa de estar fora dos aposentos pessoais de Lucan antes de que ele voltasse e ela fizesse alguma coisa verdadeiramente estúpida. Bom, corrigiu-se ao ver os lençóis enrugados por haver feito amor, alguma coisa ainda mais estúpida.
Com a idéia de ir procurar a Savannah e, possivelmente, tentar encontrar um telefone fora do complexo —já que Lucan não o havia parecido adequado lhe devolver o celular— Gabrielle se escapuliu do dormitório. O pesseio resultava confuso, sem dúvida por causa de seu traçado, assim fez uns quantos giros errôneos até que finalmente reconheceu onde se encontrava. Estava perto das instalações de treinamento, a julgar pelo agudo som dos disparos contra os alvos.
afastou-se de uma esquina e se viu detida repentinamente por uma rígida parede coberta de pele e armas que se encontrava em seu caminho.
Gabrielle olhou para cima, e um pouco mais para cima, e se encontrou com uns olhos verdes e desconfiados que a olhavam com uma arrepiante expressão ameaçadora. Esses olhos frios e calculadores se cravaram nela desde detrás de uma cascata de cabelo avermelhado, como um gato que aconchega e valora a sua presa. Gabrielle tragou saliva. Um perigo evidente eemanava do corpo grande desse vampiro e da profundidade de seus olhos de depredador.
«Tegan.»
O nome desse macho desconhecido lhe veio a cabeça, o único dos seis guerreiros do complexo a quem ainda não tinha conhecido.
O mesmo com quem Lucan parecia compartilhar um mútuo e mau dissimuladou desprezo.
O guerreiro vampiro não se separou de seu caminho. Nem sequer reagiu quando ela teve se chocado contra ele, exceto pela ligeira careta que dava com os lábios quando seus olhos encontraram os peitos dela Aplastados contra a superfície de duro músculo justo debaixo do peito. Levava umas doze armas e essa ameaça se via reforçada por uns noventa quilogramas de músculo.
Ela deu um passo para trás e logo se fez a um lado para ficar em um lugar seguro.
—Sinto muito. Não me tinha dado conta de que estava aqui.
Ele não disse nenhuma palavra, mas ela sentiu como se tudo o que lhe estava acontecendo tivesse ficado exposto e visível ante ele em um instante: no instantâneo contato do corpo dela contra o dele. Ele a olhou com uma expressão gelada e desprovida de emoção, como se pudesse ver através dela. Embora não disse nada e não expressou nada, Gabrielle se sentiu diseccionada.
sentiu-se... invadida.
—Perdão —sussurrou.
No momento em que se moveu para passar de comprimento, a voz do Tegan a deteve.
—Né. —Sua voz era mais suave do que tivesse esperado; uma voz profunda, escura e áspera. Contrastava de forma peculiar com a desnudez do olhar, que não se moveu nem um milímetro,
— Faça um favor a você mesma e não te aproxime demasíado de Lucan. Há muitas posibilidades de que esse vampiro não viva muito mais tempo.
Disse-o sem rastro de emoção na voz, foi somente a plana constatação de um fato. O guerreiro passou por seu lado e levantou uma brisa atrás dele impregnada de uma apatia fria e perturbadora que lhe penetrou até os ossos.
Gabrielle se deu a volta para lhe olhar, mas Tegan e sua inquietante predição tinham desaparecido.
Lucan comprovou o peso de uma brilhante nove milímetros com a mão e logo levantou a arma e realizou uma série de disparos contra o alvo que se encontrava ao outro extremo da zona de tiro.
Apesar de que era agradável encontrar-se no terreno conhecido das ferramentas de seu ofício e sentir o sangue fervendo, a ponto para uma briga decente, uma parte dele continuava divagando sobre o encontro com Gabrielle. Apesar de tudo o que havia dito para aparta-la dele, tinha que admitir que se afeiçoou profundamente dela.
Quanto tempo acreditava ser capaz de continuar com ela sem render-se? Ou mais exatamente, como acreditava que seria capaz de suportar a idéia deixa-la partir? De mandá-la longe com a idéia de que ela se emparelharia com outro?
As coisas se estavam pondo indevidamente muito complicadá.
Deixou escapar uma maldição. Disparou outra série de balas e desfrutou com o estrondo do metal quente e com o aroma azedo no peito do alvo ao explodir por causa do impacto.
—O que pensa? —perguntou-lhe Nikolai, lhe olhando com seus olhos frios, limpos e cintilante.
_ Uma peça pequena e doce, não? Endiabradamente sensível, além disso.
—Sim. É agradável. Eu gosto. —Lucan pôs o fecho de segurança e jogou outra olhada a sua pistola.
— Uma Beretta 92FS convertida em automática com carregador. Bom trabalho, tio. Verdadeiramente bom.
Niko sorriu.
—Não te falei que as balas que vão levar os meninos. Hei trocado as pontas ocas de policarbonato das balas. tirei a pólvora das pontas e a substituí por pó de titânio.
—Isso deve provocar um horrível desastre no sistema sangüíneo desses chupões —acrescentou Dê, que se encontrava sentado no bordo de uma vitrine de armas afiando umas facas.
Sem dúvida, o vampiro tinha razão a respeito. Nos velhos tempos, a forma mais limpa de matar a um renegado consistia em separar a cabeça do corpo. Isso funcionava bem quando as espadas eram a arma habitual, mas a tecnologia moderna tinha apresentado novos desafios para ambos os bandos.
Não foi até princípios de 1900 quando a raça descobriu o efeito corrosivo do titânio no sistema sangüíneo sobreactivo dos vampiros renegados. Devido a uma alergia que tinha aumentado por causa de mudanças celulares no sangue, os renegados reagiam ao titânio como um efervescente reage em contato com a água.
Niko tomou a arma de Lucan e lhe deu uns golpezinhos, como se fora um prêmio.
—O que tem aqui é um autêntico destruidor de renegados.
—Quando podemos prová-la?
—Que tal esta noite? —Tegan tinha entrado sem fazer ruído, mas sua voz atravessou a habitação como o rugido de uma tormenta.
—Refere a esse lugar que encontrou perto do porto? —preguntóu Dante.
Tegan assentiu com a cabeça.
—Provavelmente seja uma guarida que albergue possivelmente a uma dúzia de indivíduos, mais ou menos. Acredito que ainda estão verdes, acabam de comverter-se em renegados. Não será muito difícil acabar com eles.
—Faz bastante tempo que não fazemos uma batida para limpar uma casa —comentou Rio, arrastando as palavras e com um amplo sorriso de satisfação.
— Me parece que será uma festa.
Lucan devolveu a arma a Nico e olhou ao outros com o cenho franzido.
—por que diabos me acabo de inteirar disto agora?
Tegan lhe olhou com expressão categórica.
—Tem que te pôr um pouco ao dia, tio. Enquanto você estava encerradou com sua fêmea durante toda a noite, nós estávamos acima fazendo nosso trabalho.
—Isto foi um golpe baixo —disse Rio.
— Inclusive vindo de você, Tegan.
Lucan recebeu o golpe com um silêncio calculado.
—Não, tem razão. Eu deveria ter estado aí acima me ocupando do trabalho. Mas tinha que me encarregar de algumas coisas aqui embaixo. E agora já terminei. Já não vão ser um problema nunca mais.
Tegan lhe dirigiu um sorrizinho de suficiência.
—De verdade? Porque tenho que te dizer que faz uns minutos hei visto a nova companheira de raça na sala e a encontrei bastante inquieta. Parecia que alguém tivesse quebrado o coração dessa pobre garota. Deu-me a sensação de que necessitava que alguém lhe fizesse as coisas mais fáceis.
Lucan respondeu ao vampiro com um furioso e escuro rugido de raiva.
—O que lhe disse? Tocou-a? Se lhe tiver feito algo...
Tegan rio, verdadeiramente divertido.
—Calma, tio. Não faz falta que saia de suas casinhas desta maneira. Sua fêmea não é meu assunto.
—Pois recordem isto —disse Lucan. deu-se a volta para enfrentar-se aos olhares de curiosidade de outros vampiros.
— Ela não é assunto de nenhum de vocês, está claro? Gabrielle Maxwell se encontra sob meu amparo pessoal enquanto esteja neste complexo. Quando tiver ido a um dos Refúgios Escuros, tampouco será meu assunto.
Necessitou um minuto para tranqüilizar-se e não render-se ao impulso de enfrentar-se diretamente com o Tegan. Um dia, provavelmente chegaria a faze-lo . E Lucan não podia culpar por completo a esse macho por sentir rancor. Se Tegan era um bode desumano e mesquinho, Lucan era quem lhe tinha ajudado a ser assim.
—Podemos voltar para o trabalho agora? —disse com um grunhido, desafiando a que ninguém lhe desafiasse.
— Preciso ouvir dados a respeito desse refúgio.
Tegan se lançou a lhe oferecer uma descrição do que tinha observado nesse provável refúgio de renegados e comunicou suas sugestões a respeito de como podiam fazer uma batida nele. Apesar de que a fonte dessa informação chateava um pouco a Lucan, não podia pensar em nenhuma forma melhor de obter que passasse o mau humor que realizando uma ofensiva contra seus inimigos.
Deus sabia que se se encontrava perto de Gabrielle outra vez, todas essas fanfarronadas sobre o dever e de fazer o correto se converteriam em pó. Fazia duas horas que a tinha deixado em seu dormitório e ela todavia era o principal em sua cabeça. A necessidade dela ainda o desgarrava cada vez que pensava em sua cálida e suave pele.
E pensar em como a tinha ferido-lhe fazia sentir um buraco no peito. Ela tinha demonstrado ser uma verdadeira aliada quando lhe havia aberto frente aos demais guerreiros. Lhe tinha acompanhado através desse inferno íntimo a outra noite, tinha estado a seu lado, tão tenra e amorosa como qualquer macho pudesse desejar de sua amada companheira.
Uma idéia perigosa, olhasse-a por onde a olhasse.
Deixou que a discussão a respeito dos renegados continuasse, e esteve de acordo em que tinham que dar o golpe contra esses selvagens no lugar onde viviam em vez de ir para lhes buscar um por um na rua.
—Encontraremo-nos aqui ao pôr-do-sol para nos preparar e sair.
O grupo de guerreiros se dispersou e Tegan saiu a passo lento detrás dele.
Lucan pensou nesse estóico solitário que se sentia tão deploravelmente orgulhoso pelo fato de não necessitar a ninguém. Tegan se mantinha afastado e isolado por vontade própria. Mas nem sempre tinha sido assim. Uma vez tinha sido um menino brilhante, um líder nato. Tivesse podido ser alguém grande... tinha-o sido, na verdade. Mas todo isso trocou no curso de uma noite terrível. A partir desse momento, começou a descer por uma espiral. Tegan tocou fundo e nunca se recuperou.
E apesar de que nunca o tinha admitido ante esse guerreiro Lucan nunca se perdoaria a si mesmo o papel que ele tinha jogado nessa queda.
—Tegan, espera.
O vampiro se deteve com uma reticência evidente. Não se deu a volta, simplesmente ficou em silencio com um gesto de arrogância no corpo esperando a que outros guerreiros saíssem em fila das instalações de treinamento para o corredor. Quando estiveram sozinhos, Lucan se esclareceu garganta e falou com seu irmão de primeira geração.
—Você e eu temos um problema, Tegan.
Ele soltou ar pelo nariz.
—vou avisar aos meios.
—Este assunto entre nós não vai desaparecer. Faz muito tempo, choveu muito após. Se tiver que saldar contas
comigo...
—Esquece-o. É história passada.
—Não é se não podermos enterrá-la.
Tegan soltou uma risada zombadora e, por fim, deu-se a volta para lhe olhar.
—Quer me dizer algo, Lucan?
—Só quero te dizer que começo a compreender o que te custou. O custo que eu te supus. —Lucan meneou a cabeça devagar e se passou uma mão pela cabeça.
— Tegan, tem que saber que se tivesse havido alguma outra forma... Acredito que tudo teria sido distinto.
—Lucan, está tentando te desculpar comigo? —Os olhos verdes do Tegan tinham um olhar tão duro que tivesse podido cortar um cristal.
— Me Evite isto, tio. Chega uns quinhentos anos tarde. E senti-lo não muda uma merda as coisas, não é verdade?
Lucan apertou as mandíbulas com força, assombrado de não tar um verdadeiro zango nesse macho grande em lugar de sua habitual e fria apatia.
Tegan não lhe tinha perdoado. Nem sequer o tinha considerado.
Depois de todo esse tempo, não acreditava provável que o fizesse nunca.
—Não, Tegan. Tem razão. Senti-lo não troca as coisas.
Tegan lhe olhou durante um comprido momento, logo se deu a volta e saiu da habitação.
A música em direto soava desde uns alto-falantes do tamanho de um frigorífico diante do subterrâneo clube privado noturno. .. embora a plavra «música» era um qualificativo generoso para descrever os patéticos e discordantes acordes de violão. Os membros do grupo se moviam como autômatos no cenário, arrastavam as palavras e perdiam o compasso mais vezes das que o seguiam. Em uma palavra, eram horríveis.
Mas como se podia esperar que uns seres humanos atuassem com alguma competência ao encontrar-se diante de uma multidão de sedentos vampiros?
Protegido por uns óculos escuros, o líder dos renegados entrecerró os olhos e franziu o cenho. Já tinha uma horrorosa dor de cabeça ao chegar, fazia muito pouco momento, mas agora sentia as têmporas como se estivessem a ponto de lhe estalar. Recostou-se contra as almofadas em seu reservado, aburrido dessas festas sangrentas. Com um leve gesto da mão fez que uns de seus guardas se aproximasse dele. Logo fez um gesto de desprezo em direção ao cenário.
—Que alguém lhes alivie de seu sofrimento. Por não falar do meu.
O vigilante assentiu com a cabeça e respondeu com um vaio. Fez uma careta que descobriu umas presas enormes que se sobressaíam de seu boca, que já salivava ante a possibilidade de outra massacre. O renegado saiu a passo rápido para cumprir as ordens.
—Bom cão —murmurou seu poderoso amo.
Nesse momento soou seu telefone celular e se alegrou de ter a oportunidad de sair a respirar um pouco o ar. No cenário havia começado um novo barulho e a banda de música calou sob o repentino ataque de um grupo de renegados frenéticos.
Enquanto a completa anarquia estalava no clube, o líder se dirigiu a sua habitação privada de atrás do cenário e tirou o telefone celular do bolso interior de seu casaco. Tinha acreditado que se encontraria com o número ilocalizavel de um de seus muitos serventes, a maioria dos quais tinham sido enviados a procurar informação sobre Gabrielle Maxwell e sobre sua relação com a raça.
Mas não era um deles.
Deu-se conta disso assim que abriu o aparelho e viu o número oculto piscando na tela.
Intrigado, respondeu a chamada. A voz que ouviu o outro extremo da linha não lhe era desconhecida. Fazia alguns trabalhos ilegais com esse indivíduo fazia muito pouco tempo e ainda tinham umas quantas coisas por discutir. A seu requerimento, o tipo lhe ofereceu uma série de detalhes a respeito de uma batida que ia se realizar essa mesma noite em um dos locais mais pequenos que os renegados tinham na cidade.
Em questão de segundos soube tudo o que necessitava para conseguir que essa batida se girasse a seu favor: a localização, os presuntos métodos dos guerreiros e a rota, e seu plano de ataque básico. Tudo com a condição de que um membro da raça se salvasse da vingança. Mas este único guerreiro não ficaria completamente a salvo, simplesmente receberia as suficientes feridas para que não pudesse voltar a lutar nunca mais. O destino do resto de guerreiros, incluindo ao quase imparavel Lucan Thorne, era decisão dos renegados.
A morte de Lucan já tinha formado parte de seu acordo uma vez, anteriormente, mas a execução da tarefa não tinha sido como tinham planejado. Esta vez, seu interlocutor queria ter a segurança de que essa ação sim se levaria a cabo. Inclusive chegou tão longe que lhe recordou que já lhe tinham dado uma remuneração considerável por realizar essa tarefa que ainda tinha que cumprir.
—Estou bem informado de nosso acordo —repôs, com fúria.
— Não me tente a te pedir um pagamento maior. Prometo-te que não o vais lamentar.
Apagou o aparelho com uma maldição, cortando a resposta diplomática que o outro iniciou atrás de sua ameaça.
Os dermoglifos que tinha na boneca brilhavam com um profundo tom que delatava sua fúria. As cores trocavam entre o desenho de outras marca que se fez ao tatuar na pele para dissimular estes. Não gostava de ter tido que ocultar sua linhagem —seu direito de nascimento— com tinta e secretismo. Detestava ter que levar uma existência oculta, quase tanto como detestava a todos aqueles que se interpunham no camino de conseguir seus objetivos.
Voltou para a zona principal do clube, ainda zangado. Na escuridão, seu olhar tropeçou com seu tenente, o único renegado da história recente que tinha olhado a Lucan Thorne aos olhos e que tinha podido contá-lo. Fez um sinal a esse macho enorme para que se aproximasse e logo lhe deu as ordens para que se encarregasse da diversão e os jogos dessa noite.
Sem ter em conta suas negociações secretas, queria que essa noite, quando toda a fumaça se dissolvesse, Lucan e todos quão guerreiros estavam com ele estivessem mortos.
Capítulo vinte e cinco
Ele a evitou durante o resto do dia, o qual a Gabrielle pareceu que dava igual. Agora, justo depois do anoitecer, Lucan e os outros cinco guerreros saíam das instalações de treinamento como uma unidade militar, todos eles a viva imagem de uma ameaça, vestidos com couro negro e carregados de armas letais. Inclusive Gideon se uniu a batida dessa noite e tinha tomado o lugar do Conlan.
Savannah e Eva tinham esperado no corredor para lhes ver sair e se acercaram a seus companheiros para lhes dar um comprido abraço. Intercambiaram umas palavras íntimas em voz baixa e em tom amoroso, uns tenros beijos que denotavam o temor das mulheres e a atitude tranqüilizadora dos homens para lhes assegurar de que voltariam para elas sãs e salvos.
Gabrielle se encontrava a certa distancia, no vestíbulo, e se sentia uma estranha enquanto observava a Lucan dizendo algo a Savannah. A companheira de raça assentiu com a cabeça e lhe depositou um pequeno objeto na mão enquanto levantava a vista por cima do ombro dela e a dirigia para o Gabrielle. Não disse nada, não fez nenhum movimento para aproximar-se dela, mas seu olhar se atrasou um pouco nela, observando-a do outro lado do amplo espaço que lhes separava nesses momentosse.
E então se foi.
Lucan, que caminhava diante de outros, girou a esquina ao final do corredor e desapareceu. O resto do grupo lhe seguiu, e a seu passo somente ficou o seco ressonar dos saltos das botas e o ruído metálico dos aços.
—Está bem? —perguntou-lhe Savannah, aproximando-se de Gabrielle e passando um braço pelos ombros com amabilidade.
—Sim. Me passará.
—Queria que te desse isto. —Ofereceu-lhe o telefone celular do Gabrielle.
— uma espécie de oferta de paz?
Gabrielle tomou e assentiu com a cabeça.
—As coisas não vão bem entre nós agora mesmo.
—Sinto muito. Lucan há dito que confia em que entenda que não pode ir do complexo nem lhes dizer a seus amigos onde está. Mas se quer lhes chamar...
—Obrigado. —Olhou À companheira do Gideon e conseguiu sorrir levemente.
—Se quer ter um pouco de intimidade, ponha cômoda onde queira. —Savannah lhe deu um breve abraço e logo olhou a Eva, que acabava de unir-se a elas.
—Não sei vocês —disse Eva, seu bonito rosto gasto pela preocupação—, mas iria bem uma taça. Ou três.
—Possivelmente as três venha bem um pouco de vinho e de companhia — respondeu Savannah.— Gabrielle, vêem te unir conosco quando termine. Estaremos em minhas habitações.
—De acordo. Obrigado.
As duas mulheres saíram juntas, falando em voz baixa, com os braços entrelaçados enquanto percorriam o sinuoso corredor em direção aos Aposentos do Savannah e do Gideon. Gabrielle partiu na direção contrária, sem saber onde desejava estar.
Isso não era de tudo certo. Desejava estar com Lucan, em seus braços, mas era melhor que superasse esse desejo desesperado, e logo. Não tinha intenção de lhe suplicar que estivesse com ela, e caso que consiguisse voltar inteiro depois da batida dessa noite, era melhor que se preparasse para tirar-lhe completamente da cabeça.
Dirigiu-se para uma porta aberta que havia em um ponto tranqüilo e pouco iluminado do vestíbulo. Uma vela brilhava dentro da habitação vazia: a única luz nesse lugar. A solidão e o aroma de incenso e a madera velha a atraíram. Era a capela do complexo; recordava ter passado por ali durante a visita com o Savannah.
Gabrielle caminhou entre duas filas de bancos em direção a um pedestal que se levantava no outro extremo da habitação Era ali onde se encontrava a vela: sua chama estava profundamente aninhada no centro e irradiava um suave resplendor carmesim. Sentou-se em um dos bancos de diante e ficou uns momentos simplesmente respirando, deixando que a paz do santuário a envolvesse.
Conectou o telefone celular. O símbolo de mensagens estava piscando. Gabrielle apertou a tecla da secretaria de voz e escutou a primeira chamada. Era de Megan, de fazia dois dias, mais ou menos a mesma hora em que tinha chamado ao apartamento do Gabrielle depois do ataque do sirviente no parque.
«Gaby, sou eu outra vez. Deixei-te um montão de mensagens em casa, mas não me chamaste. Onde está? Estou-me preocupando de verdade! Não acredito que deva estar sozinha depois do que aconteceu. Chama-me assim que ouça esta mensagem: e quero dizer no mesmo momento em que o receba, de acordo?»
Gabrielle apagou a mensagem e passou ao seguinte, que era da noite anterior, Às onze. Ouviu a voz da Kendra, que parecia um pouco cansada.
«Né. Está em casa? Responde, se estiver. Merda, suponho que é um pouco tarde: sinto muito. Provavelmente esteja dormindo. Bom, queria chamar os meninos, para ver se íamos de taças ou algo, possivelmente a outra sala? Que tal manhã de noite? Me chame.»
Bom, pelo menos Kendra estava bem fazia umas quantas horas. Isso aliviou parte da preocupação que sentia. Mas ainda ficava o asunto do menino com quem tinha estado saindo. O renegado, corrigiu-se Gabrielle, com um estremecimento de medo ao pensar na proximidade de sua amiga ao mesmo perigo que lhe estava pisando nos pés a ela.
Passou ao última mensagem. Megan outra vez, fazia somente duas horas.
«Olá, carinho. Era uma chamada de comprovação. vais chamar me alguma vez e me dirá como foi na delegacia de polícia a outra noite? Estou segura de que seu detetive se alegrou de verte, mas sabe que morro por saber todos os detalhes de como foi de intensa sua alegria.»
O tom de voz do Megan era tranqüilo e brincalhão, perfeitamente normal. Completamente distinto ao pânico das primeiras mensagens que hábía deixado no telefone de casa do Gabrielle e em seu telefone celular.
Deus, isso estava bem.
Porque não havia nenhum motivo de alarme por ela, nem por seu amigo policial, dado que Lucan lhes tinha apagado a memória.
«Bom, fiquei com o Jamie para jantar esta noite no Ciao Bela... seu favorito. Se pode arrumá-lo, vêem. Estaremos ali Às sete.Para você guardaremos um assento.»
Gabrielle marcou o botão de pendurar e olhou a hora no telefone: as sete e vinte.
Devia a seus amigos, pelo menos, chamar e lhes fazer saber que se encontrava bem. E uma parte dela desejava ouvir suas vozes, já que eram a única conexão com a vida que tinha antes. Lucan Thorne tinha dado a volta a sua vida por completo. Apertou o botão de marcação rápida do celular do Megan e esperou com ânsia enquanto o telefone soava. No mesmo momento em que seu amiga respondeu, Gabrielle ouviu uma conversação apagada.
—Olá, Meg.
—Né... por fim! Jamie, é Gabby!
—Onde está essa garota? vai vir ou o que?
—Ainda não sei. Gabby, vais vir?
Para ouvir a familiar desordem do bate-papo de seus amigos, Gabrielle desejou estar ali. Desejou que as coisas pudessem voltar a ser como eram antes de...
—Né... Não posso. surgiu um assunto e...
—Está ocupada —disse Megan a Jamie.
—Mas, onde está? Kendra me chamou hoje, estava-te procurando. Há-me dito que tinha ido a seu apartamento mas que não parecia que estivesse em casa.
—Kendra apareceu por aí? Viu-a?
—Não, mas quer reunir-se com todos nós. Parece que há terminado com esse menino que conheceu na discoteca.
—Brent —acrescentou Jamie em voz alta
—Têm quebrado?
—Não sei —respondeu Megan—. Lhe perguntei como ia com ele e ela somente me disse que já não se estavam vendo.
—Bem —repôs Gabrielle, muito aliviada—. São muito boas notícias.
—Bom, e você? Quem é tão importante como para que não jante esta noite?
Gabrielle franziu o cenho e olhou ao seu redor. Na sala havia levantado um pouco a brisa e a chama vermelha da vela tremeu. Ouviu uns pés suaves e uma afogada exclamação de surpresa de alguém que tinha entrado e se deu conta de que a sala estava ocupada. Gabrielle se deu a volta e viu uma loira alta na porta de entrada. A mulher olhou a Gabrielle com expressão de desculpa e logo se dispôs a sair.
—Estou... isto... fora da cidade, agora mesmo —disse a seus amigos em voz baixa.
— Certamente estarei fora uns quantos dias. Possivelmente mais.
—Fazendo o que?
—Né, estou fazendo um trabalho por encargo —mentiu Gabrielle, diando ter que fazê-lo, mas sem encontrar outra alternativa.
— Chamarei assim que possa. Se cuidem. Quero-lhes.
—Gabrielle...
Pendurou antes de que a obrigassem a dizer nada mais.
—Sinto-o —lhe disse a mulher loira enquanto Gabrielle se aproximava dela.
— Não me tinha dado conta de que a habitação estava ocupada.
—Não o está. Por favor, fique. Só estava... —Gabrielle soltou um suspiro.
— Acabo de mentir a meus amigos.
—OH. —Uns amáveis olhos de cor azul pálida a olharam comprensivamente.
Gabrielle fechou o telefone e passou um dedo por cima da carcasa chapeada e polida.
—Deixei meu apartamento precipitadamente a outra noite para vir aqui com Lucan. Nenhum de meus amigos sabe onde estou, nem por que tive que partir.
—Compreendo. Possivelmente algum dia lhes possa dar alguma explicação.
—Isso espero. Não quero lhes pôr em perigo lhes contando a verdade.
A mulher assentiu com a cabeça, pormenorizada, e seu halo de cabelo comprido e loiro seguiu o movimento.
—Você deve ser Gabrielle. Savannah me há dito que Lucan havia trazido para uma mulher que estava sob seu amparo. Sou Danika. Sou... era... a companheira do Conlan.
Gabrielle aceitou a esbelta mão que Danika lhe ofereceu como saudação.
—Sinto muito sua perda.
Danika sorriu com uma expressão triste nos olhos. Soltou a mão do Gabrielle e, sem dar-se conta, baixou a sua para acariciar o abdômen, imperceptivelmente inchado.
—Queria ir para te buscar para te dar a bem-vinda, mas imagino que não sou a melhor das companhias neste momento. Não tive muita vontade de sair de minhas habitações durante estes últimos dias. Todavía está sendo muito difícil para mim, tentar realizar este... ajuste. Tudo é tão distinto agora.
—É obvio.
—Lucan e outros guerreiros foram muito generosos comigo. Cada um deles me jurou amparo quando a necessitar, esteja onde esteja. Para mim e para meu filho.
—Está grávida?
—Desde quatorze semanas. Desejava que este fora o primeiro de muitos filhos. Estávamos tão iludidos com nosso futuro. Tínhamos esperado muito tempo a fundar nossa família.
—por que esperaram? —Gabrielle franziu o cenho assim que se deu conta de que tinha feito a pergunta.
— O sinto, não tento bisbilhotar. Não é meu assunto.
Danika estalou a língua, lhe tirando importância.
—Não há necessidade de desculpar-se. Não me importa que me faça prerguntas, de verdade. Para mim é bom falar de meu Conlan. Vêem, vamos sentar nos um momento —lhe disse, conduzindo a Gabrielle até uma das cadeiras bancos da capela.
—Conheci Conlan quando era só uma menina. Meu povo da Dinamarca tinha sido saqueado por uns invasores, ou isso acreditávamos. A verdade é que eram um grupo de renegados. Mataram a quase todo mundo, as mulheres velhas e aos meninos, Aos velhos de nossa aldeia. Ninguém estava seguro. Um grupo de guerreiros da raça chegou a metade do ataque. Conlan era um deles. Resgataram a tantos dos nossos como puderam. Quando descubriram minha marca, levaram-me a Refúgio Escuro mais próximo. Foi ali onde aprendi tudo a respeito da nação dos vampiros e do lugar que eu ocupava nela. Mas não podia deixar de pensar em meu salvador. Foi coisa do destino que, ao cabo de uns anos, Conlan fora outra vez a essa zona. Eu estava tão iludida de lhe ver. Imagine a comoção que senti ao saber que ele tampouco se esqueceu de mim.
—Quanto faz disso?
Danika quase não teve que deter-se para calcular o tempo.
—Conlan e eu compartilhamos quatrocentos e dois anos juntos.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle—. Tanto tempo...
—passou em um abrir e fechar de olhos, se te disser a verdade. Não te mentirei te dizendo que sempre foi fácil ser a mulher de um guerreiro, mas não trocaria nem um só instante. Conlan acreditava por completo no que estava fazendo. Queria um mundo mais seguro, para mim e para nossos filhos que estavam por chegar.
—E por isso esperou todo este tempo para conceber um filho?
—Não queríamos fundar nossa família enquanto Conlan sentisse que precisava permanecer com a Ordem. Estar em primeira linha não é o melhor para os meninos, e esse é o motivo pelo que não há famílias entre os membros da classe dos guerreiros. Os perigos são muito grandes, e nossos companheiros precisam poder concentrar-se únicamente em sua missão.
—Não se dão acidentes?
—Os embaraços acidentais são completamente desconhecidos na raça porque nós necessitamos algo mais sagrado que o simples sexo para conceber. O momento de fertilidade das companheiras de raça é durante a lua crescente. Durante este momento crucial, se desejamos conceber um filho, nossos corpos devem conter tanto a semente de nosso companheiro como seu sangue. É um ritual sagrado que ninguem planeja realizar as pressas.
A idéia de poder compartilhar esse profundo e íntimo ato com Lucan fez que Gabrielle sentisse que o centro de seu ser entrava em calor. A idéia de unir-se dessa forma com outro, de engordar com o filho de outro que não fora Lucan, era uma possibilidade que se negava a ter em conta. Preferia estar sozinha, e provavelmente o estaria.
—O que vais fazer agora? —perguntou-lhe, rompendo o silêncio em que se ficou ao imaginar sua própria solidão futura.
—Ainda não sei —respondeu Danika.
— Sim sei que não vou unir-me com nenhum outro macho.
—Não necessita um companheiro para continuar jovem?
—Conlan era meu companheiro. Agora que ele se foi, uma só vida já será muito tempo. Se me negar a ter um vínculo de sangue com outro macho, simplesmente envelhecerei de forma natural daqui em diante, igual que antes de conhecer Conlan. Simplesmente serei... mortal.
—Morrerá —disse Gabrielle.
Danika sorriu com expressão decidida, mas não de tudo triste.
—Ao final.
—Aonde irá?
—Conlan e eu tínhamos planejado nos retirar a um dos Refúgios Escuros da Dinamarca, onde eu nasci. Ele queria isso para mim, mas agora acredito que prefiro criar a seu filho em Escócia para que tenha a oportunidade de conhecer algo de seu pai Através da terra que ele tanto amava. Lucan já começou a fazer os preparativos para que possa ir quando dita que estou preparada.
—Isso foi amável por sua parte.
—Muito amável. Quando veio a me buscar para me dar a notícia, e para me prometer que meu filho e eu sempre estaríamos em comunicação direta com ele e com o resto da Ordem se por acaso alguma vez necessitávamos algo, não me podia acreditar isso. Foi o dia do funeral, só umas quantas horas depois do mesmo, e suas queimaduras ainda eram extremamente gravê. E apesar disso, ele estava mais preocupado por meu bem-estar.
—Lucan sofreu queimaduras? —Gabrielle sentiu que um sentimento de alarme lhe assaltava o coração.
— Quando? E como?
—Faz só três dias, quando realizamos o ritual funerário do Conlan. —Danika arqueou as finas sobrancelhas—. Não sabia? Não, claro que não o sabia. Lucan nunca mencionaria esse ato de honra, nem o dano que sofreu para levá-lo a cabo. Olhe, a tradição funerária da raça estabelece que um vampiro deve levar o corpo do morto fora para que os elementos da natureza o recebam —disse, fazendo um gesto em direção a uma sombria esquina da capela onde havia uma escura escada.
— É um dever que mostra um grande respeito e exige um grande sacrifício porque, uma vez fora, o vampiro que atende a seu irmão deve ficar ao seu lado durante oito minutos durante a saída do sol.
Gabrielle franziu o cenho.
—Mas eu acreditava que a pele de um vampiro não suporta os raios do sol.
—Não, não os suporta. Sofre queimaduras graves e de forma muito rápida, mas ninguém sofre mais que um vampiro de primeira geração. Os mais velhos da raça sofrem mais, inclusive em um tempo de exposição muito breve.
—Como Lucan —disse Gabrielle.
Danika assentiu com expressão solene.
—Para ele, estar exposto oito minutos a saída do sol deve haver sido insuportável. Mas o fez. Pelo Conlan, deixou que seu corpo se queimasse. Inclusive tivesse podido morrer ali acima, mas não tivesse deixado que ninguém mais assumisse o peso de oferecer repouso a meu amado Conlan.
Gabrielle recordou a urgente chamada Telefónica que tinha tirado Lucan fora da cama em meio da noite. Não lhe tinha contado do que se tratava. Tampouco tinha compartilhado sua perda com ela.
Sentiu que a dor lhe retorcia o estômago ao pensar no que tinha suportado, segundo a descrição da Danika.
—Falei com ele... esse mesmo dia, de fato. Por sua voz soube que algo ia mau, mas ele o negou. Parecia tão cansado, mais que exausto. É esta me dizendo que sofreu queimaduras pela luz ultravioleta?
—Sim. Savannah me contou que Gideon o encontrou não muito tempo depois. Lucan tinha queimaduras da cabeça aos pés. Não podia abrir os olhos a causa da dor e a inflamação, mas rechaçou qualquer tipo de ajuda para voltar para suas habitações para curar-se.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle, estupefata—. Ele nunca me contou isso, não me contou nada disto. Quando lhe vi mais tarde, essa noite... só ao cabo de umas horas, parecia completamente normal. Bom, o que quero dizer é que parecia e atuava como se nada mau lhe tivesse ocorrido.
—A pureza de linha de sangue de Lucan lhe faz sofrer mais, mas também lhe ajuda a curar-se mais depressa das queimaduras. Inclusive então não foi fácil para ele; ele necessitaria uma grande quantidade de sangue para repôr seu corpo depois de um trauma tão forte. Quando esteve o bastante bem para abandonar o complexo e ir de caça, devia ter uma fome voraz.
Tinha-a tido. Gabrielle se dava conta agora. A lembrança de lhe ver alimentar do servente a quem tinha matado lhe passou pela mente, mas agora tinha um significado distinto, já não lhe parecia o ato monstruoso que lhe tinha parecido de forma superficial, a não ser um meio de sobrevivemcia. Tudo adquiria um significado novo desde que conhecia Lucan.
Ao princípio, tinha-lhe parecido que a guerra entre os da raça e seus inimigos não era mais que um mal enfrentado a outro, mas agora não podia evitar sentir que também era sua guerra. Ela se jogava algo no desenlace, e não somente pelo fato de que seu futuro se encontrava ligado a este estranho mundo. Para ela era importante que Lucan ganhasse não só a guerra contra os renegados, mas também a devastadora guerra pessoal que liberava em privado.
Estava preocupada com ele, e não podia ignorar a queimação de medo que tinha começado a sentir na base das costas desde que ele e os outros guerreiros tinham abandonado o complexo para ir de batida.
—Quer-lhe muito, verdade? —perguntou-lhe Danika. Entre elas se havia feito um angustiante silêncio.
—Quero-lhe, sim. —Olhou a mulher aos olhos e não encontrou motivo para esconder uma verdade que, provavelmente, se traslucía em seu rosto.
— Posso te dizer uma coisa, Danika? Tenho uma horrível sensação a respeito do que está fazendo esta noite. E para piorá-lo, Tegan disse que não acreditava que Lucan fora a viver muito mais. quanto mais momento levo aqui sentada, mais medo tenho de que Tegan possa ter razão.
Danika franziu o cenho.
—Falaste com o Tegan?
—Tropecei-me com ele —literalmente— muito recentemente . Disse-me que não me afeiçoasse muito de Lucan.
—Porque acreditava que Lucan ia morrer? —Danika deixou escapar um comprido suspiro e meneou a cabeça—. Esse parece desfrutar pondo a outros no fio. Provavelmente o há dito somente porque sabe que isso te inquietará.
—Lucan disse que entre eles havia animosidade. Crie que Tegan é de confiar?
Pareceu que a companheira de raça loira o pensava um momento.
—Posso dizer que a lealdade é uma parte importante do código dos guerreiros. È tudo para esses machos, faz-os um. Nada deste mundo pode lhes fazer violar essa confiança sagrada. —levantou-se e tomou a mão do Gabrielle.
— Vêem. vamos procurar a Eva e a Savannah. E a espera será menos larga para todas se não a passarmos sozinhas.
Capítulo vinte e seis
Do ponto de observação onde estavam apostados em um dos edifícios do porto, Lucan e outros guerreiros observaram um pequeno caminhão cujas rodas cromadas cuspiam cascalho, dirigir-se a localização que estavam vigiando. O condutor era um ser humano. Se seu aroma a suor e a ansiedade não tivesse delatado, a música country que saía estrondosamente pelo guichê aberto o tivesse feito. Saiu do veículo com uma bolsa de papel marrom repleta de algo que cheirava a arroz frito e porco.
—Parece que os meninos jantam dentro esta noite —disse Dê. O confiado mensageiro comprovou o papel branco que tinha grampeado no pedido e olhou para o dique com cautela.
O condutor se aproximou da porta de entrada do armazém, dirigiu outro olhar nervoso ao seu redor, soltou um juramento em meio da escuridão e apertou o timbre. Não havia nenhuma luz dentro do edifício, somente havia o feixe de luz amarela que caía da lâmpada nua que pendurava em cima da porta. Lucan viu os olhos ferozes de um Renegado e o mensageiro gaguejou umas palavras do pedido e alargou o papel para o buraco escuro que se aberto diante dele.
—O que quer dizer trocando-o? —perguntou o cowboy urbano com um forte acento de Boston.
— Que diabos...?
Uma enorme mão lhe sujeitou pelo peito da camisa e lhe levantou do chão. ele chiou e em seu ataque de pânico conseguiu largar-se da mão do renegado.
—Uf! —exclamou Niko desde sua posição perto da cornija.
— Parece que acaba de dar-se conta de que não há comida a Chinesa no menu.
O renegado voou até o ser humano como uma sombra, assaltou-lhe por detrás e lhe abriu a garganta com uma eficiência selvagem. A morte foi sangrenta e foto instantânea. Logo o renegado se levantou de um salto e se dispôs a carregár a presa ao ombro para levá-la dentro, e Lucan ficou em pé.
—chegou o momento de nos pôr em marcha. Vamos.
Ao uníssono, os guerreiros saltaram ao chão e se dirigiram a grande velocidade para o armazém que servia de guarida aos renegados. Lucan, que lhes marcava o caminho, foi o primeiro em alcançar ao vampiro com sua inerte carrega humana. Com uma mão, sujeitou ao renegado pelo ombro e lhe obrigou A dár a volta ao tempo que tirava uma de suas folhas mortíferas da capa que levava no quadril. Golpeou com força e uma pontaría certeira, e decapitou a essa besta com um corte limpo.
As células do renegado começaram a fundir-se imediatamente e este caiu, empapado de sangue, ao chão. O contato da folha de Lucan foi como um ácido que atravessou o sistema nervoso do vampiro. Ao cabo de uns segundos, quão único ficava do renegado era um atoleiro negro e putrefato que se diluía na sujeira do chão.
Mais adiante, na porta, Dante, Tegan e os outros três guerreiros se formavam em um grupo fechado e armado, disposto a iniciar a ação réal. À ordem de Lucan, os seis se introduziram no armazém com as armas A ponto.
Os renegados que se encontravam dentro não tiveram nem idéia do que era o que lhes estava atacando até que Tegan lançou uma adaga que foi cravar se na garganta de um deles. Enquanto o renegado chiava e se retorcia ao desintegrar-se, seus cinco companheiros, enfurecidos, se dispersaram em busca de refúgio ao tempo que tomavam as armas sob a chuva de balas e folhas afiadas que Lucan e seus irmãos lançavam a discrição.
Dois dos renegados caíram ao cabo de uns segundos de haver-se iniciado o enfrentamento, mas os outros dois que ficavam haviam ocultado nas profundidades escuras do armazém. Um deles disparou contra Lucan e Dante desde detrás de um velho montão de gavetas. Os guerreiros esquivaram esse ataque e lhe responderam, o qual lhe fez sair ao descoberto e lhe deu a oportunidade a Lucan de acabar com ele.
Lucan percebeu na periferia de seu campo de visão que o último deles tentava escapar por entre um montão de barris derrubados e de tubos de metal que havia na parte traseira do edifício.
A Tegan tampouco tinha passado desapercebido. O vampiro se precipitou para o renegado como um trem de carga e desapareceu nas prófundidades do armazém em uma mortal perseguição.
—Tudo espaçoso —gritou Gideon desde algum ponto da escuridão fumegante e poeirenta.
Mas assim que o houve dito, Lucan percebeu que um novo perigo se abatia sobre eles. Seu ouvido distinguiu o discreto roce de um movimento sobre sua cabeça. Os lúgubres abajures do teto que se encontravam em cima dos tubos do sistema de ventilação do armazém estavam quase negras de sujeira, mas Lucan estava seguro de que algo avançava pelo telhado.
—Vigiem acima! —gritou aos outros, e nesse momento o telhado caiu e sete renegados mais se deixaram cair de acima disparando com suas armas.
De onde tinham saído? A informação que tinham sobre essa guarida era de confiar: seis indivíduos, provavelmente convertidos em renegados recentemente, que operavam de forma independente, sem nenhuma filiação. Então, quem tinha dado aviso a essa cavalaria para que lhes apóiassem? Como se tinham informado de que havia uma batida?
—Uma maldita emboscada —grunhiu Dante, pondo em voz alta o pensamento de Lucan.
Não era possível que esses novos problemas tivessem aparecido por acaso. Lucan se fixou no mais volumoso dos renegados que se estavam precipitando contra eles nesses momentos e sentiu que uma furia negra lhe fervia no ventre.
Era o vampiro que lhe tinha escapado a noite do assassinato Aos subúrbios da discoteca. O bode da Costa Oeste. O canalha que havia podido matar a Gabrielle e que possivelmente ainda pudesse fazê-lo algum dia se Lucan não acabava com ele nesse preciso momento.
Enquanto Dante e outros respondiam ao fogo do grupo de renegados, Lucan foi unicamente por esse objetivo.
Essa noite ia terminar com ele.
O vampiro vaiou amenaçadoramente ao lhe ver avançar e seu horrível rostro se deformou com um sorriso.
—Encontramo-nos de novo, Lucan Thorne.
Lucan assentiu com expressão lúgubre.
—Pela última vez.
O ódio mútuo fez que ambos os machos se desprendessem das armas para encetar-se em um combate mais pessoal. Em um instante desenfunderam as facas, um em cada mão, e os dois vampiros se prepararam para cercar um combate a morte. Lucan lançou a primeira estocada, e recebeu um perigoso corte no ombro: o renegado lhe tinha esquivado com sigilosa velocidade e se deslocou, em um abrir e fechar de olhos, ao outro lado dele. Tinha as mandíbulas abertas e uma expressão de triunfo ante o primeiro sangue derramado.
Lucan se deu a volta com igual agilidade e suas facas assobiaram perigrosamente perto da cabeça do renegado. O chupão baixou a vista e viu sua orelha direita no chão, A seus pés.
—começou o jogo, imbecil —grunhiu Lucan.
«Com uma vingança.»
Lançaram-se um contra o outro em um torvelinho de fúria com seus acertos frios e mortais. Lucan tinha consciência da batalha que se cercou ao seu redor, de que os guerreiros se estavam enfrentando ao segundo ataque. Mas toda sua concentração, todo seu ódio, centrava-se na afronta pessoal com o renegado que tinha em frente.
Quão único Lucan tinha que fazer para acender-se de fúria era pensar em Gabrielle e no que esta besta lhe tivesse feito.
E alimentou essa fúria: fez retroceder ao renegado estocada atrás de cada, implacável. Não sentiu os golpes que recebeu no corpo, embora foram muitos. Tombou a seu competidor e se preparou a lançar a última e mortífera estocada.
Com um rugido, realizou um profundo corte na garganta do renegado e separou sua enorme cabeça do corpo destroçado. Uns espasmos sacudiram os braços e as pernas do vampiro e este se desabou, retorcendo-se, ao chão. Lucan ainda sentia a fúria martilando com força nas veias; deu a volta à faca que tinha na mão e o cravou com força no peito do renegado para acelerar o processo de desintegração do corpo.
—Santo inferno —exclamou Rio desde algum ponto perto dele com voz seca.
— Lucan, tio, em cima de ti! Há outro nas vigas.
Aconteceu em um instante.
Lucan se deu a volta, sentindo a fúria da batalha em todos os músculos do corpo. Jogou uma olhada para cima, onde Rio havia lhe indicado. Muito acima por cima de sua cabeça outro vampiro renegado se pendurava pelos tubos do teto do armazém com uma coisa sob o braço que parecia ser uma pequena bola de metal. Mas uma pequena luz vermelha parecia rapidamente nesse aparelho e imediatamente ficou acendida.
—Ao chão! —Nikolai levantou sua Beretta trucada e apontou.
— O tipo vai lançar uma maldita bomba!
Lucan ouviu o repentino disparo da arma.
Viu que o renegado recebia o disparo do Niko justo entre os brilhantes olhos amarelos.
Mas a bomba já estava no ar.
Ao cabo de segundo meio, estalou.
Capítulo vinte e sete
Gabrielle se incorporou repentinamente, despertando sobressaltada de outra inquieta cabeçada que acabava de jogar no sofá da sala de estar do Savannah. As mulheres tinham ficado juntas as últimas horas, consolándo-se na companhia mútua, exceto Eva, que se tinha ido a capela para rezar. A companheira de raça estava mais nervosa que as demais e se tinha passado grande parte da tarde caminhando acima e abaixo e mordendo o lábio inferior com impaciência e ansiedade.
Em algum lugar por cima do labirinto de corredores e habitações se ouviram os movimentos surdos e as vozes tensas dos machos. O barulho zumbido do elevador fez vibrar o denso ar da sala e se deram conta de que a cabine estava baixando ao piso principal do complexo.
«OH, Deus.»
Algo ia mau.
Notava-o.
«Lucan.»
Jogou a um lado o xale de felpilla com que se cobria e pôs os pés no chão. O coração lhe tinha desbocado, e lhe encolhia com força a cada pulsado.
—Tampouco eu gosto desses sons —disse Savannah, jogando uma tensa olhada a habitação.
Gabrielle, Savannah e Danika saíram das habitações para ir em busca dos guerreiros. Nenhuma disse nenhuma palavra e com muita dificuldade respiravam enquanto se dirigiam ao elevador.
Inclusive antes de que as portas de aço se abrissem, por causa dos sons precipitados que se ouviam dentro do elevador, fez-se evidente que foram receber más notícias.
Mas Gabrielle não estava preparada para quão más foram ser.
O fedor a fumaça e a sangue a assaltou com a força de um murro. Fez uma careta ante o nauseabundo aroma de guerra e morte mas se esforçou por ver qual era a situação na cabine do elevador. Nenhum dos guerreiros saía dela. Dois estavam tombados no chão da cabine e os outros três estavam agachados ao seu redor.
—Traz umas quantas toalhas e lençóis limpa! —gritou-lhe Gideon a Savannah.
— Traz todas as que possa, menina! —Assim que ela se dispôs a fazê-lo, ele acrescentou:
—Também vamos precisar movê-lo. Há uma cama na enfermaria.
—Eu me ocupo —repôs Niko de dentro do elevador.
Saltou por cima de um dos dois vultos informe que se encontrava tendido de barriga para baixo no chão. Quando passou por seu lado, Gabrielle viu que tinha o rosto, o cabelo e as mãos enegrecidos de fuligem. As roupas estavam rasgadas e a pele salpicada com centenas de arranhões sangrando. Gideon mostrava contusões similares. E Dante também.
Mas suas feridas não eram nada comparadas com as dos dois guerreros da raça que estavam inconscientes e a quem seus irmãos haviam transportado pelas ruas.
O peso que sentiu no coração lhe fez saber de Gabrielle que um deles era Lucan. Aproximou-se um pouco mais e teve que reprimir uma exclamação ao ver confirmados seus temores.
O sangue se formava redemoinhos debaixo de seu corpo, um atoleiro da cor do vinho escuro que se estendia até o mármore branco do corredor. Tinha a vestimenta de couro e as botas feita migalhas, igual à maior parte da pele dos braços e as pernas. O rosto estava cheio de fuligem e de cortes de uma cor escarlate. Mas estava vivo. Gideon lhe moveu para lhe aplicar um torniquete improvisado para parar o sangue de uma ferida que tinha no braço e Lucan soltou um vaio de dor por entre as presas alargadas.
—Porra... sinto muito, Lucan. É bastante profundo. Merda, isto não vai deixar de sangrar.
—Ajuda... ao Rio —pronunciou as palavras com um grunhido apagado. Foi uma ordem direta apesar de que se encontrava convexo de costas—. Estou bem —acrescentou, gemendo de dor.
— Porra... quero que... dê-te... dele.
Gabrielle se ajoelhou ao lado do Gideon. Levantou a mão para sujeitar o extremo da atadura que ele tinha na mão.
—Eu posso fazê-lo.
—Está segura? É uma ferida feia. Tem que colocar as mãos justo aí para apertá-lo com força.
—Tenho-o. —Fez um gesto com a cabeça em direção a Rio, que se encontrava convexo ao lado.
— Faz o que te há dito.
O guerreiro ferido que estava convexo no chão ao lado de Lucan estava sofrendo uma agonia. Ele também sangrava profundamente por quão feridas tinha no torso e a causa do terrível dano que tinha sofrido no braço esquerdo. Levava uma perna envolta em um farrapo empapado de sangue que devia ser uma camisa. Tinha o rosto e o peito queimados e rasgados até tal ponto que era irreconhecível. Começou a emitir uns gemidos graves e guturais que lhe encheram os olhos de lágrimas a Gabrielle.
Piscou para reprimir as lágrimas e, ao abrir os olhos de novo, encontrou-se com os pálidos olhos cinzas de Lucan cravados nela.
—Acabei... com o bode.
—Shh. —Secou-lhe o suor da frente, maltratada.
— Lucan, te esteja quieto. Não tente falar.
Mas ele não fez conta. Tragou saliva com dificuldade e logo se esforçou em pronunciar as palavras.
—o da discoteca... o filho de puta que estava ali essa noite.
—que te escapou?
—Esta vez não. —Piscou devagar. Seu olhar era tão feroz como brilhante.
— Agora não poderá nunca... te fazer danifico...
—Sim—disse em tom irônico Gideon, que se estava ocupando de Rio.
— E tem muita sorte de estar vivo, herói.
Gabrielle sentiu que a angústia lhe atendia a garganta ao olhar a Lucan. Apesar de que tinha afirmado que seu dever era o primeiro e que alguma vez haveria um lugar para ela em sua vida, Lucan tinha pensado nela essa noite? Estava ferido e sangrando a causa, em parte, por algo que tinha feito por ela?
Ela tomou uma de suas mãos entre as suas e lhe acariciou no único lugar do corpo em que podia fazê-lo enquanto a apertava contra o coração.
—OH, Lucan...
Savannah chegou correndo com o que lhe tinham pedido. Niko a seguiu imediatamente, empurrando a maca de hospital diante dele.
—Lucan primeiro —lhes disse Gideon.
— Levem a uma cama e logo voltarei por Rio.
—Não —grunhiu Lucan, com tom de maior determinação que de dor.
— Ajudem a me levantar.
—Não acredito que... —disse Gabrielle, mas ele já estava tentando levantar-se do chão.
—Tranqüilo, chiou.
—Dante entrou no elevador e colocou sua mão forte sob o braço de Lucan. Tombaram-lhe por que não toma um descanso e nos deixa que lhe levemos a enfermaria?
—Hei dito que estou bem. —Lucan, apoiando-se em Gabrielle e em Dante, incorporou-se e se sentou. Respirava com dificuldade, mas permaneceu incorporado.
— recebi uns quantos golpes, mas merda... vou andando até minha cama. Não vou deixar que me... arrastem até aí.
Dante olhou Gabrielle com expressão exasperada.
—Sabe que tem a cabeça tão dura que o diz a sério?
—Sim, sei.
Gabrielle sorriu, agradecida a essa obstinação que o fazia ser forte. Ela e Dante lhe emprestaram o apoio de seus corpos: colocaram-se um a cada lado dele, com os ombros sob cada um de seus braços, e lhe sujeitaram até que Lucan começou a ficar em pé, devagar.
—Por aqui —disse Gideon a Niko, e este colocou a maca no lugar adequado para levantar Rio enquanto Savannah e Danika faziam tudo o que podiam por conter o sangue de suas feridas, por lhe tirar a roupa destroçada e o desnecessário peso das armas.
—Rio? —A voz da Eva soou aguda. Correu até o grupo com o rosario ainda apertado em uma das mãos. Quando chegou ao elevador aberto se deteve imediatamente e agüentou a respiração.
— Rio! Onde está?
—Está aqui dentro, Eva —disse Niko, apartando-se da maca, onde já tinham colocado a Niko, para lhe impedir o passo. Apartou-a dali com mão firme para que não se aproximasse muito ao açougue.
— Houve uma explosão esta noite. Ele se levou a pior parte.
—Não! —levou-se as mãos ao rosto, horrorizada.
— Não, está equivocado. Esse não é meu Rio! Não é possível!
—Está vivo, Eva. Mas terá que ser forte por ele.
—Não! —Começou a chiar grosseiramente, histérica, enquanto tentava abrir passo com a força para aproximar-se de seu companheiro.
— Meu Rio não! Deus, não!
Savannah se aproximou e tomou a Eva do braço.
—Vamos agora —lhe disse com suavidade.
— Eles sabem como lhe ajudar.
Os soluços da Eva alagaram o corredor e encheram a Gabrielle de uma angústia íntima que era uma mescla de alívio e de medo frio. Estava preocupada com Rio, e lhe rompia o coração pensar no que Eva devia estar sentindo. Gabrielle sabia que isso lhe doía em parte porque Lucan tivesse podido encontrar-se no lugar de Rio. Uns quantos milímetros, umas frações de segundo, podiam ter sido quão único tinha determinado qual dos dois guerreiros ia estar convexo em um crescente atoleiro de sangue lutando por manter-se vivo.
—Onde está Tegan? —perguntou Gideon, sem apartar a atenção de seus próprios dedos com os quais, e com movimentos rápidos, ocupava-se de curar ao guerreiro cansado.
— retornou já?
Danika negou com a cabeça, mas olhou a Gabrielle com olhos angustiados.
—por que não está aqui? Não estava com vocês?
—Perdemo-lhe de vista muito pouco tempo depois de que entrássemos na guarida dos renegados —lhe disse Dante.
— Quando estalou a bomba, nosso principal objetivo foi trazer Rio e a Lucan ao complexo o mais breve possível.
—vamos mover isto —disse Gideon, colocando-se a cabeça da cama de Rio.
— Niko, me ajude a mover isto.
As perguntas a respeito do Tegan se apagaram enquanto todo mundo trabalhava em excesso em fazer todo o possível para ajudar a Rio. Todos percorreram o caminho até a enfermaria. Gabrielle, Dante e Lucan eram os que se deslocavam com maior lentidão pelo corredor: Lucan se cambaleava sobre os pés e se sujeitava a eles dois enquanto se esforçava por manter-se em pé com firmeza.
Gabrielle reuniu valor para lhe olhar. Desejava tanto lhe acariciar o rosto ferido e cheio de sangue. Enquanto lhe olhava com o coração encolhido, ele levantou as pálpebras e a olhou aos olhos. Ela não sabia o que era o que se estabeleceu entre eles durante esse comprido instante de quietude no meio do caos, mas sentiu que era algo quente e bom Apesar de tudo quão terríveis tinham sido os sucessos dessa noite.
Quando chegaram À habitação onde foram atender a Rio, Eva ficou a um lado da maca, ante seu corpo quebrado. As lágrimas lhe caíam pelas bochechas.
—Isto não tinha que ter acontecido —gemeu—. Não deveria ter sido meu Rio. Não desta maneira.
—Faremos tudo o que possamos por ele —disse Lucan, respirando com dificuldade por causa de suas próprias feridas—. Lhe prometo isso, Eva. Não lhe deixaremos morrer.
Ela negou com a cabeça, com o olhar fixo em seu companheiro tendido na cama. Acariciou-lhe o cabelo e Rio murmurou umas palavras incoerentes, semi inconsciente e com uma clara expressão de dor.
—Quero-lhe fora daqui imediatamente. Deveria ser transladado a um Refúgio. Necessita atenção médica —disse Eva.
—Seu estado não é o bastante estável para que lhe translade —repôs Gideon.
— Tenho os conhecimentos necessários e a equipe adequada para lhe tratar aqui por agora.
—Quero-lhe fora daqui! —Levantou a cabeça súbitamente e dirigiu o olhar brilhante de um guerreiro a outro.
— Não resulta de utilidade para nenhum de vocês agora, assim me deixem isso . Já não lhes pertence, a nenhum de vocês. Agora é completamente meu! Somente quero o melhor para ele!
Gabrielle notou que o braço de Lucan entrava em tensão por causa dessa reação histérica.
—Então tem que te apartar de diante do Gideon e deixar que faça seu trabalho —lhe disse, assumindo com facilidade o papel de líder apesar de sua má condição física.
— Agora mesmo, quão único importa é manter com vida Rio.
—Você —disse Eva, em tom seco enquanto lhe dirigia um olhar severo. Seus olhos mostraram um brilho mais selvagem e seu rosto se transformou em uma máscara de puro ódio.
— Deveria ser você quem se estivesse morrendo agora mesmo, e não ele! Você, Lucan. Esse foi o trato que fiz! Sabiam que tinha que ser você!
Na enfermaria pareceu abrir um abismo que se tragasse todo som exceto a surpreendente verdade do que a companheira de Rio acabava de confessar.
Dante e Nikolai se levaram as mãos as armas, ambos os guerreiros dispostos a responder a mais ligeira provocação. Lucan levantou uma mão para contê-los com o olhar fixo na Eva. A verdade era que não lhe importava absolutamente que sua malevolência se dirigisse diretamente contra ele; se ele tinha sido uma espécie de alvo para sua fúria, havia sobrevivido a isso . Rio possivelmente não o fizesse. Qualquer dos irmãos presente na batida dessa noite tivesse podido não sobreviver a traição da Eva.
—Os renegados sabiam que íamos estar ali —disse Lucan em um tom frio por causa de uma profunda fúria.
— Caímos em uma emboscada no armazém. Você o preparou.
Outros guerreiros emitiram uns grunhidos guturais. Se a confissão a tivesse feito um macho, Lucan tivesse podido fazer muito pouco para impedir a seus irmãos que atacassem com uma força letal. Mas se tratava de uma companheira de raça, uma dos seus. Alguém a quem conheciam e em quem confiavam desde fazia mais de uma vida.
Agora Lucan olhava a Eva e via uma desconhecida. Viu loucura. Um desespero mortal.
—Rio tinha que salvar-se. —inclinou-se sobre ele e lhe passou o antebraço por debaixo da cabeça enfaixada. O emitiu um som descarnado e indecifrável enquanto Eva lhe abraçava.
— Eu não queria que ele tivesse que lutar mais. Não, por vocês.
—Assim preferiria lhe ver destroçado, em lugar disso? —perguntou-lhe Lucan.
— Assim é como lhe quer?
—Amo-lhe! —gritou ela.
— O que tenho feito, tudo o que tenho feito, foi por amor a ele! Rio será mais feliz em algum outro lugar, longe de toda esta violência e morte. Será mais feliz em um Refúgio Escuro, comigo longe de sua maldita guerra!
Rio emitiu o mesmo som gutural, mas agora soou mais lastimero. Não cabia dúvida de que era um som de agonia, embora se era devido à dor física ou a inquietação pelo que estava acontecendo ao seu redor não estava claro.
Lucan negou com a cabeça lentamente.
—Essa é uma afirmação que você não pode fazer por ele, Eva. Não tem direito. Esta é a guerra de Rio, tanto como a de qualquer outro. É no que ele acreditava, no que sei que ainda crie, inclusive depois do que lhe tem feito. Esta guerra concerne a toda a raça.
Ela franziu o cenho com gesto azedo.
—Resulta irônico que o cria, dado que você mesmo estiveste a ponto de te converter em um renegado.
—Jesucristo —exclamou Dante de onde se encontrava, perto.
— Esta equivocada, Eva. Está terrivelmente equivocada.
— Ah, sim? —Ela continuou cravando o olhar em Lucan com expressão sádica.
— Te estive observando, Lucan. Vi-te lutar contra a sede quando acreditava que não havia ninguém perto. Sua aparência de controle não me engana.
—Eva —disse Gabrielle. Sua voz tranqüila foi um bálsamo para todos os que se encontravam na habitação.
— Está alterada. Não sabe o que está dizendo.
Ela rio.
—lhe peça que o negue. lhe pergunte por que se priva de sangue até que está quase a ponto de morrer de sede!
Lucan não disse nada em resposta a essa acusação pública, porque sabia que era verdade.
Também sabia Gabrielle.
Sentiu-se comovido de que lhe defendesse, mas nesses momentos não se tratava tanto dele como de Rio e do engano que ia destroçar a esse guerreiro. Possivelmente já o tinha feito, a julgar pelo crescente movimento de suas pernas e pelo esforço que realizava para falar apesar das feridas.
—Como fez esse trato, Eva? Como entrou em contato com os renegados, em uma de suas excursões fora?
Ela bufou com gesto de brincadeira.
—Não foi tão difícil. Há serventes passeando por toda a cidade. Somente tem que olhar fora. Encontrei a um e lhe disse que me pusesse em contato com seu chefe.
—Quem era? —perguntou Lucan—. Que aspecto tinha?
—Não sei. Somente nos encontramos uma vez e manteve o rosto oculto. Levava uns óculos escuros e teve as luzes da habitação do hotel apagadas. Não me importava nem quem era nem que aspecto tinha. O único que me importava era que tivesse o poder suficiente para fazer que as coisas ocorressem. Somente queria sua promessa.
—Imagino que te fez pagar por isso.
—Foram somente um par de horas com ele. Tivesse pago algo —disse, agora sem olhar a Lucan nem aos outros, que a olhavam com expressão de desagrado, mas sim manteve a vista fixa em Rio.
— Faria algo por ti, querido. Suportaria. .. algo.
—Possivelmente vendeu seu corpo —disse Lucan—, mas foi a confiança de Rio o que traiu.
Dos lábios de Rio surgiu um som áspero. Eva lhe arrulhava e o acariciou. Ele abriu as pálpebras e se ouviu sua respiração, oca e esforçada, enquanto tentava pronunciar umas palavras.
—Eu... —Tossiu e seu corpo maltratado sofreu um espasmo—. Eva...
—OH, meu amor... sim. Estou aqui! —gritou—. Me diga o que queira, carinho.
—Eva... —De sua garganta não saiu nenhum som durante uns instantes, mas voltou a tentá-lo.
— Eu... lhe... acuso.
—O que?
—Morta... —Gemeu. Sem dúvida a dor psicológica era maior que a fisica, mas a ferocidade de seus olhos brilhantes e injetados em sangue diziam que não ia se deter.
— Já não existe... para mim... está... morta.
—Rio, é que não o compreende? Tenho-o feito por nós!
—Vai —disse ele com voz entrecortada.
— Não te quero ver... nunca mais.
—Não o pode dizer a sério. —Levantou a cabeça e seus olhos procuravam freneticamente um ponto onde posar-se.
— Não o diz a sério! Não é possível! Rio, me diga que não fala a sério!
Alargou a mão para lhe tocar, mas ele emitiu um grunhido e utilizou a pouca força que ficava para rechaçar seu contato. Eva soluçou. O sangue das feridas dele cobria a parte dianteira da roupa. Baixou a vista até as manchas e logo olhou a Rio, que agora a tinha afastado dele por completo.
O que aconteceu a seguir durou somente uns segundos como máximo, mas foi como se o tempo se houvesse ralentizado a uma lentidão implacável.
O olhar aniquilado da Eva caiu sobre o cinturão das armas de Rio, que estava no chão ao lado da cama.
Uma expressão de determinação se formou em seu rosto e se lançou por volta de uma das facas.
Levantou a adaga brilhante por cima de seu rosto.
Sussurrou a Rio que sempre lhe amaria.
Então girou a faca que tinha na mão e o cravou a si mesmo na garganta.
—Eva, não! —gritou Gabrielle. Seu corpo reagiu automaticamente, como se acreditasse que podia salvar À outra fêmea.
— OH, Meu deus, não!
Mas Lucan a sujeitou ao seu lado. Rapidamente tomou entre os braços e lhe fez girar o rosto para seu peito para evitar que visse Eva cortar sua próprio jugular e cair, sangrando e sem vida, ao chão.
Capítulo vinte e oito
Recém tomada banho, nas habitações de Lucan, Gabrielle se secou com uma toalha o cabelo molhado e colocou em cima um suave penhoar. Estava exausta depois de ter acontecido a maior parte do dia com o Savannah e Danika ajudando a Gideon a atender a Rio e a Lucan. No complexo todo mundo se encontrava em um estado de surda incredulidade por causa da traição de Eva e do trágico desenlace: Eva morta por sua própria mão e Rio agarrado precariamente a vida.
Lucan se encontrava em mal estado físico, além disso, mais fiel a sua palavra a sua obstinação, tinha abandonado a enfermaria por seus próprios pés pra ir descansar a suas habitações pessoais. Gabrielle estava assombrada de que ele tivesse aceito algum tipo de cuidado, mas a verdade era que as outras mulheres e ela mesma não lhe tinham deixado muitas posibilidades de rechaçá-lo.
Gabrielle se sentiu invadida pelo alívio ao abrir a porta do banho e lhe encontrar sentado na enorme cama com as costas apoiada na cabecera, sobre um montão de almofadas. Tinha uma bochecha e a frente cheias de pontos e as vendagens lhe cobriam a maior parte do largo peito e das pernas, mas se estava recuperando. Estava inteiro e, com o tempo, curaria-se.
Igual a ela, ele não levava nada em cima exceto um penhoar branco; isso era quão único as mulheres lhe tinham permitido ficar em cima, depois de ter acontecido horas limpando e lhe curando as contusões e as feridas cheias de metralha que tinha em quase todo o corpo.
—Sente-se melhor? —perguntou-lhe Lucan, olhando-a enquanto ela passava os dedos pelo cabelo úmido para apartar-lhe do rosto.
— pensei que teria fome ao sair do banho.
—A verdade é que morro de fome.
Ele assinalou uma robusta mesa de coquetel que se encontrava na salinha do dormitório, mas o olfato de Gabrielle já tinha detectado o impressionante bufé. O aroma de pão francês, a alho e especiarias, a molho de tomate e a queijo alagava a habitação. Viu um prato de verduras e um tigela cheio de fruta fresca, e inclusive uma coisa escura com aspecto de chocolate em meio das outras tentações. aproximou-se para jogar uma olhada mais de perto e o estômago lhe retorceu de fome.
—Manicotti —disse, inalando o aromático aroma da massa. Ao lado de uma taça de cristal havia uma garrafa de vinho tinjo aberta.
— E Chianti?
—Savannah queria saber se você tinha algum alimento preferido. Isso foi o único que me ocorreu.
Essa era a comida que ela preparou a noite em que ele tinha ido a seu apartamento para lhe devolver o telefone celular. A comida que ficou fria, esquecida, em cima do mármore da cozinha enquanto ela e Lucan ficavam como coelhos.
—recordou o que eu tinha cozinhado essa noite?
Ele se encolheu de ombros ligeiramente.
—Sente-se. Come.
—Somente há um assento.
—Está esperando uma visita?
Ele olhou.
—De verdade não pode comer nada disto? Nem sequer um mordisco?
—Se o fizesse, somente poderia agüentar uma pequena quantidade no estômago. —Fez-lhe um gesto para que se sentasse.
— Comer os mantimentos dos humanos é somente algo que fazemos pelas aparências.
—De acordo. —Gabrielle se sentou no chão com as pernas cruzadas. Tirou o guardanapo de linho debaixo dos talheres e a colocou em cima do regaço.
— Mas não me parece justo me pôr morada diante de ti.
—Não se preocupe por mim. Já recebi muitas cuidados e cuidados femininos por hoje.
—Como quer.
Ela estava muito faminta para esperar um segundo mais e a comida tinha um aspecto muito delicioso para resistir. Com o garfo, Gabrielle cortou uma parte de manicotti e o degustou em um estado de absoluto êxtase. Comeu a metade do prato em um tempo recorde e somente fez uma pausa para encher a taça de vinho, que também bebeu com um prazer voraz.
Durante todo o tempo Lucan a esteve olhando da cama.
—Está bom? —perguntou-lhe em um momento em que lhe olhava por cima do bordo da taça de vinho enquanto tomava um sorvo.
—Fantástico —murmurou ela e encheu a boca de verduras com vinagrete. Sentia o estômago muito mais tranqüilo agora. Comeu o resto da salada, serviu outro copo do Chianti e se recostou com um suspiro.
— Obrigado por isso. Tenho que dar as graças a Savannah também. Não tinha por que haver-se incomodado tanto.
—Agrada-lhe —disse Lucan com uma expressão atenta mas indescifravel.
— Foi de grande ajuda ontem de noite. Obrigado por cuidar de Rio e dos outros. De mim, também.
—Não tem por que me dizer obrigado.
—Sim, tenho que fazê-lo. —Franziu o cenho e uma pequena ferida que tinha costurada, na frente, inchou-se com o movimento.
— Foi amavel e generosa durante todo o tempo e eu... —interrompeu-se e disse algo inaudível.
— Te agradeço o que tem feito. Isso é tudo.
«OH —pensou ela.
— Isso é tudo.» Inclusive sua gratidão aparecia depois de uma barreira emocional.
De repente se sentiu como uma estranha com ele nesse momento, assim que lhe deu vontade de trocar de tema.
—ouvi que Tegan voltou de uma peça.
—Sim. Mas Dante e Niko estiveram a ponto de destroçá-lo quando lhe viram por ter desaparecido durante a batida.
—O que lhe aconteceu a outra noite?
—Quando as coisas ficaram feias, um dos renegados tentou sair por uma porta traseira do armazém. Tegan lhe perseguiu até a rua. Ia acabar com esse chupão, mas decidiu lhe seguir primeiro para ver aonde ia. Perseguiu-lhe até o velho psiquiátrico que se encontra fora da cidade. Esse lugar estava infestado de renegados. Se havia alguma duvida, agora já estamos seguros de que é uma enorme colônia. Próvavelmente seja o quartel geral desta Costa.
Gabrielle sentiu um calafrio ao pensar que tinha estado nesse psiquiátrico, que tinha estado dentro dele, sem saber que era um refúgio de rénegados.
—Tenho umas quantas fotos do interior. Ainda estão em minha câmara. Não tive tempo das descarregar, ainda.
Lucan tinha ficado imovel e a olhava como se ela houvesse acabado de lhe dizer que tinha estado jogando com amadurecidas. Seu rosto pareceu empalidecer um pouco mais ainda.
—Não somente foi ali mas sim entrou nesse lugar?
Ela se encolheu de ombros, sentindo-se culpado.
—Jesus Cristo, Gabrielle. —Baixou as pernas da cama e ficou sentado ali um momento comprido, simplesmente olhando-a. Demorou um momento em poder pronunciar as palavras.
— eles poderiam ter te matado. Dá-te conta disso?
—Mas não o fizeram —respondeu; uma pobre observação, mas um feito.
—Não é esse o tema. —passou-se as duas mãos pelo cabelo das têmporas.
— Merda. Onde está sua câmara? '
—Deixei-a no laboratório.
Lucan tomou o telefone que tinha ao lado da cama e marcou o número do intercomunicador. Gideon respondeu no outro extremo da linha.
—Né, o que há? Tudo vai bem?
—Sim —disse Lucan, mas estava olhando a Gabrielle.
— Diga a Tegan que deixe o reconhecimento do psiquiátrico de momento. Acabo-me de me interar de que temos fotos do interior.
—Sério? —fez-se uma pausa—. Ah, porra. Quer dizer que ela de verdade entrou nesse maldito lugar?
Lucan a olhou e arqueou uma sobrancelha com uma expressão como de «lhe havia dito».
—Descarrega as imagens da câmara e diga aos outros que nos reunirémos dentro de uma hora para decidir a nova estratégia. Acredito que nos economizamos um tempo crucial com isto.
—Bem. Vemo-nos as quatro.
A chamada terminou com um som do intercomunicador.
—Tegan ia voltar para o psiquiátrico?
—Sim —respondeu Lucan.
— Provavelmente era uma missão suicida, já que ele foi tão louco que insistiu em que se infiltraria sozinho esta noite para conseguir informação sobre o lugar. Embora ninguém ia convencer lhe de que não o fizesse, e muito menos eu.
Levantou-se da cama e começou a inspecionar-se algumas das bandagem. Fez um movimento que lhe abriu o penhoar, mostrando a maior parte do peito e o abdômen. As marca que tinha no peito tinham um pálido tom de henna, viam-se mais claras que a noite anterior. Agora tinham quase a mesma cor que o resto de seu corpo. Torradas e quase sem cor.
—Por que Tegan e você têm tão má relação? —perguntou-lhe sem mover a vista de cima ao atrever-se a lhe fazer essa pergunta que tinha tido na cabeça do momento em que Lucan tinha pronunciado o nome do guerreiro.
— O que aconteceu entre vocês?
Ao princípio pensou que ele não ia dizer nada. Ele continuou inspecionando as feridas, flexionando os braços e as pernas em silêncio. Então, justo no momento em que ela ia desistir, ele disse:
—Tegan me culpa de lhe haver tirado algo que era dele. Algo que ele amava. —Olhou-a diretamente agora:
— Sua companheira de raça morreu. Em minhas mãos.
—Deus santo —sussurrou ela.
— Lucan, como foi?
Ele franziu o cenho e apartou o olhar outra vez.
—As coisas eram diferentes quando Tegan e eu nos conhecemos ao principio. A maioria dos guerreiros decidia não ter nenhuma companheira porque os perigos eram muito grandes.
Naquela época, fomos muito poucos na Ordem, e proteger as nossas famílias era algo muito difícil dado que o combate nos obrigava a estar quilômetros de distância e, freqüentemente, durante muitos meses.
—E os Refúgios Escuros? Não tivessem podido lhes oferecer amparo?
—Havia menos refúgios, também. E ainda eram menos os que ouvessem arriscado a aceitar o risco de albergar a uma companheira de raça de um guerreiro. Nós e nossos seres queridos fomos um branco constante da violência dos renegados. Tegan sabia tudo isto, mas de todas formas estabeleceu um vínculo com uma fêmea. Não muito tempo depois, ela foi capturada pelos renegados. Torturaram-na. violaram-na. E antes de devolve-la ele, chuparam-lhe quase todo o sangue. Ela se haviabía ficado vazia; pior que isso, converteu-se em uma servente do renegado que a tinha destroçado.
—OH, Meu Deus —exclamou Gabrielle, horrorizada.
Lucan suspirou, como se o peso dessas lembranças fora muito para ele.
—Tegan se voltou louco de fúria. Comportou-se como um animal, assassinando tudo aquilo que encontrava ao seu passo. Acostumava a estar tão coberto de sangue que muitos pensavam que se banhava nela. Se recriava em sua fúria e, durante um ano, negou-se a aceitar o fato de que sua companheira de raça tinha perdido a cabeça para sempre. Continuou alimentándo-a de suas veias, sem querer ver sua degradação. Alimentava-se para alimentar a ela. Não lhe importava o fato de que se estava precipitando para a sede de sangue. Durante todo esse ano desafiou a lei da raça e não a tirou de seu sofrimento. Quanto a Tegan, estava-se voltando pouco a pouco em um renegado. Terei que fazer algo...
Gabrielle terminou a frase que ele tinha deixado incompleta.
—E como líder, foi tua responsabilidade entrar em ação.
Lucan assentiu com expressão triste.
—Coloquei a Tegan em uma cela de grossos muros de pedra e utilizei a espada com sua companheira de raça.
Gabrielle fechou os olhos ao perceber seu arrependimento.
—OH, Lucan...
—Tegan não foi liberado até que seu corpo ficou limpo da sede de sangue. Fizeram falta muitos meses de passar fome e de sofrer uma completa agonia para que pudesse sair da cela por seu próprio pé. Quando soube o que eu tinha feito, acreditei que tentaria me matar. Mas não o fez. Tegan que eu conhecia não foi o que saiu dessa cela. Era alguém muito mais frio. Nunca o há dito, mas sei que me odeia desde esse momento.
—Não tanto como você odeia a você mesmo.
Ele tinha as mandíbulas apertadas com força e uma expressão tensa no rosto.
—Estou acostumado a tomar decisões difíceis. Não tenho medo de assumir as tarefas mais duras, nem de ser o objetivo da raiva, inclusive do ódio, por causa das decisões que tomo para a melhora da raça. Importa-me um nada tudo isso.
—Não, não é verdade —disse ela com suavidade—. Mas teve que fazer mau a um amigo, e isso foi um grande peso para ti durante muito, muito tempo.
Ele a olhou com intenção de discutir, mas possivelmente não tinha a força necessaria para isso. Depois de tudo pelo que tinha passado se sentia cansado, destroçado, embora Gabrielle não acreditava que ele estivesse disposto a admiti-lo, nem sequer ante ela.
—Você é um homem bom, Lucan. Tem um coração muito nobre debaixo dessa dura armadura.
Ele emitiu um grunhido irônico.
—Somente alguém que me conheça desde umas poucas semanas atrás pode cometer o engano de pensar isto.
—De verdade? Pois eu conheço uns quantos aqui que lhe diriam o mesmo. Incluindo Conlan, se estivesse vivo.
Ele franziu o cenho com expressão atormentada.
—O que sabe você disso?
—Danika me contou o que fez por ele. Que lhe levou acima durante a saída do sol. Para lhe honrar, queimou-te.
—Jesucristo —exclamou ele em tom cortante, ficando imediatamente em pé. Começou a caminhar acima e abaixo em um estado de grande excitação e ao final se deteve repentinamente ao lado da cama. Falou com voz rouca, como um rugido quase incontrolável.
— A honra não teve nada que ver com isso. Quer saber por que o fiz? Foi por um terrível sentimento de culpa. A noite da bomba na estação de trem eu tinha que ter estado cumprindo com essa missão ao lado do Niko, e não Colan. Mas não te podia tirar de minha cabeça. Pensei que, possivelmente, se te tinha. .. se finalmente entrava dentro de você... isso satisfaria minha ânsia e poderia continuar adiante, te esquecer. Assim que essa noite fiz que Conlan fora em meu lugar. Tivesse tido que ser eu, e não Conlan. Tinha que ter sido eu.
—Meu Deus, Lucan. É incrível. Sabia? —Deixou cair as mãos com força em cima da mesa e emitiu uma gargalhada furiosa.
— por que não pode te relaxar um pouco?
Essa reação incontrolada lhe chamou a atenção como nenhuma outra coisa o tinha feito. Deixou de caminhar de um lado a outro e a olhou.
—Você sabe por que —repôs com tom tranqüilo agora.
— Você sabe melhor que ninguém. —Meneou a cabeça com uma expressão de desgosto consigo mesmo nos lábios.
— Resulta que Eva também sabia algo à respeito.
Gabrielle recordou a impactem cena da enfermaria. Todo mundo se tinha ficado horrorizado ante os atos da Eva, e assombrado pelas loucas acusações contra Lucan. Todos menos ele.
—Lucan, o que ela disse...
—Tudo é certo, tal e como você mesma viu. Mas você ainda me defendeu. Foi a segunda vez que ocultaste minha debilidade ante outros. —Franziu o cenho e girou a cara.
— Não vou pedir te que o faça outra vez. Meus problemas são minha coisa.
—E precisa solucioná-los.
—O que preciso é me vestir e jogar uma olhada a essas imagens que Gideon está descarregando. Se nos oferecerem a informação suficiente sobre a distribuição do psiquiátrico, podemos atacar esse lugar esta noite.
—O que quer dizer, atacá-lo esta noite?
—Acabar com ele. Fechá-lo. Fazê-lo voar pelos ares.
—Não é possível que fale a sério. Você mesmo há dito que possívelmente esteja cheio de renegados. De verdade crie que você e três tipos mais vão sobreviver se lhes enfrentam a um número desconhecido deles?
—Temos feito antes. E seremos cinco —disse, como se isso o fosse distinto.
— Gideon há dito que quer participar do que façamos. Vai ocupar o lugar de Rio.
Gabrielle se burlou, incrédula.
—E o que me diz de você? Quase não te tem em pé.
—Estou caminhando. Estou o bastante bem. Eles não esperam que contrataquemos tão logo, assim é o melhor momento para dar o golpe.
—Deve ter perdido a cabeça. Precisa descansar, Lucan. Não está em condições de fazer nada até que não recupere a força. Precisa te curar. —Observou que ele apertava as mandíbulas: um tendão lhe marcou por debaixo de uma de suas esbeltas bochechas. A expressão de seu rosto era mais dura do habitual, seus rasgos pareciam muito afilados.
— Não pode sair aí fora tal como está.
—Hei dito que estou bem.
Pronunciou as palavras precipitadamente e em um tom rouco e gutural. Voltou a olhá-la e seus olhos chapeados se viam atravessados por umas brilhantes línguas de cor âmbar, como se o fogo lambesse o gelo.
—Não o está. Nem muito menos. Precisa te alimentar. Seu corpo sofreu muito ultimamente. Precisa te nutrir.
Gabrielle sentiu que uma onda fria alagava a habitação e soube que próvinha dele. Estava provocando sua fúria. Lhe tinha visto em seus piores momentos e tinha vivido para contá-lo, mas possivelmente agora estava pressioando muito. dava-se conta de que ele estava inquieto e tenso e de que se controlava com força desde que a tinha levado a complexo. Agora ele estava no fio, perigosamente; de verdade queria ser ela quem lhe empurrasse ao outro lado da linha de seu autocontrole?
«A merda.» Possivelmente era isso o que fazia falta.
—Tem o corpo destroçado agora, Lucan, não somente por causa das feridas. Está débil. E tem medo.
—Medo. —Dirigiu-lhe um olhar frio e depreciativo, com um sarcasmo gelado.
— Do que?
—De você mesmo, para começar. Mas acredito que inclusive tem mais medo de mim.
Ela esperava uma refutação foto instantânea, fria e desagradável, acorde com a sombria raiva que emanava dele como a gelada. Mas ele não disse nada. Olhou-a durante um comprido momento, logo se deu a volta e se alojo, um pouco tenso, em direção a um armário alto que havia ao outro extremo da habitação.
Gabrielle permaneceu sentada no chão e lhe observou abrir abruptamente as gavetas, tirar umas roupas e as lançar sobre a cama.
—O que está fazendo?
—Não tenho tempo de discutir isto contigo. Não tem sentido.
Um armário alto que continha armas se abriu antes de que ele o tocasse: suas comporta se deslizaram ao redor das dobradiças com uma violenta sacudida. ele se aproximou a passo lento e estirou uma prateleira dobradiça. Em cima da superfície de veludo da prateleira havia pelo menos uma dúzia de adagas e outras armas brancas de aspecto letal ordenadas em filas. Com um gesto descuidado, Lucan tomou duas grandes facas embainhadas em pele. Abriu outro das prateleiras e escolheu uma pistola de aço inoxidável gentil que parecia saída de um terrível filme de ação.
— Como você não gosta do que estou dizendo vais sair fugindo? —ele nem a olhou nem soltou nenhuma maldição como resposta. Não, ignorou-a por completo, e isso a tirou de gonzo completamente.
— Adiante, pois. Finge que é invencível, que não está morto de medo de deixar que alguem se preocupe de ti. Escapa de mim. Isso somente demonstra que tenho razão.
Gabrielle sentiu uma absoluta desesperança enquanto Lucan tirava a munição do armário e a introduzia no carregador da pistola. Nada do que ela pudesse dizer ia deter lhe. Sentia-se necessitada, como se intentasse rodear com os braços uma tormenta.
Apartou o olhar dele e dirigiu os olhos a mesa frente à qual estava sentada, Aos pratos e aos talheres que tinha diante. Viu uma faca limpa em cima da mesa; polida a folha brilhava.
Não podia lhe reter com palavras, mas havia outra coisa...
Subiu a manga larga da bata. Com muita tranqüilidade, com a mesma determinação atrevida de que se valeu centenas de vezes anteriormente, Gabrielle tomou a faca e apertou o fio contra a parte mais carnuda de seu antebraço. Realizou pouca pressão, um muito ligeiro corte sobre sua pele.
Não soube qual dos sentidos de Lucan foi o que reagiu primeiro, mas levantou a cabeça imediatamente e soltou um rugido. Ela se deu conta de que o que tinha feito ressonava em cada um dos móveis da habitação.
—Maldita seja... Gabrielle!
A folha saiu voando de sua mão, chegou ao outro extremo da habitação e foi cravar se até o punho na parede mais afastada da mesma.
Lucan se moveu com tanta rapidez que ela quase não pôde perceber seus movimentos. Um momento antes ele tinha estado em pé a uns metros de distância da cama e ao cabo de um instante uma de suas enormes mãos lhe sujeitava os dedos e atirava dela para que ficasse em pé. O sangue emanava pela fina linha do corte, suculenta, de uma profunda cor carmesí, e gotejava ao longo de seu braço. A mão de Lucan ainda sujeitava com força a sua.
Ele, ao seu lado, parecia uma muito alta torre escura e ardente de fúria.
O peito agitado, as fossas nasais dilatadas enquanto seu fôlego saía e entrava em seus pulmões. Seu formoso rosto estava contraído por causa da angústia e a indignação, e seus olhos ardiam com o inconfundível calor da sede. Não ficava nem rastro de sua cor cinza e suas pupilas se esgotaram formando duas finas linhas negras. As presas lhe haviam alargado e as pontas, afiadas e brancas, brilhavam por debaixo do depravaso sorriso de seus lábios.
—Agora tenta dizer que não necessita o que te estou oferecendo —lhe sussurrou ela com ferocidade.
O suor aparecia a frente enquanto observava a ferida fresca e o sangue. Lambeu-se os lábios e pronunciou uma palavra em outro idioma.
Não soou amistosa.
—por que? —perguntou, em tom acusador.
— Por que me faz isto?
—De verdade não sabe? —Lhe agüentou o furioso olhar, acalmando sua raiva enquanto umas gotas de sangue salpicavam com uma cor carmesí a brancura da bata.
— Porque te amo, Lucan. E isto é quão único posso te dar.
Capítulo vinte e nove
Lucan acreditava que sabia o que era a sede. Acreditava que conhecia a fúria e o desespero —o desejo, também— mas todas as míseras emoções que tinha sentido durante sua eterna vida se desfizeram como o pó quando olhou aos desafiantes olhos marrons de Gabrielle.
Tinha os sentidos embargados, afogados no doce aroma de jasmim de seu sangue, essa fonte perigosamente perto de seus lábios. De um brilhante cor vermelha, denso como o mel, um fio carmesim brotava pela pequena ferida que ela se fez.
—Amo-te, Lucan. —Sua suave voz se abriu passo Através do som dos batimentos do coração de seu próprio coração e da imperiosa necessidade que agora lhe atendia.
— Com ou sem vínculo de sangue, amo-te.
Ele não podia falar, nem sequer sabia o que houvesse dito se sua garganta seca tivesse sido capaz de emitir alguma palavra. Com um grunhido selvagem, separou-a dele, muito fraco para permanecer ao lado dela agora que sua parte escura lhe empurrava a fazê-la sua dessa forma firme e errevogavel.
Gabrielle caiu sobre a cama; a bata com muita dificuldade cobria sua nudez. Umas brilhantes mancha lhe salpicavam a manga branca e a lapela. Tinha outra mancha vermelha sobre a coxa, de uma vivido cor escarlate que contrastava com o tom de sua pele.
Deus, como desejava levar os lábios até essa sedosa ferida na carne, e por todo seu corpo. Somente o seu.
«Não.»
A ordem lhe saiu em um tom tão seco como as cinzas. Sentia o ventre atendido pela dor, retorcido e como cheio de nós. O fazia desfalecer. Os joelhos lhe falharam assim que tentou dár a volta para apartar essa imagem tentadora dela, aberta e sangrando, como um sacrificio devotado a ele.
Deixou-se cair sobre o tapete do chão, uma massa inerte de músculo e ossos, lutando contra uma necessidade que não tinha conhecido até esse momento. Lhe estava matando. Esta ânsia dela, como se sentia desgarrado ao pensar que ela podia estar com outro macho.
E além disso, a sede.
Nunca tinha sido tão intensa como quando Gabrielle estava perto. E agora que seus pulmões se encheram com o perfume de seu sangue, sua sede era devoradora.
—Lucan...
Ele percebeu que ela se separava da cama. As suaves pisadas de seus pés soaram no tapete e estes apareceram lentamente ante sua vista, as unhas pintadas como a fina laca de umas conchas. Gabrielle se agachou ao seu lado. Ele sentiu a suavidade da mão dela em seu cabelo, e logo a sentiu sob seu queixo, levantando a cabeça para lhe olhar ao rosto.
—Bebe de mim.
Ele apertou os olhos com força, mas foi um intento débil de rechaçar o que lhe oferecia. Não tinha a força necessária para lutar contra a força tenra e incessante dos braços dela, que agora lhe atraíam para si.
Lucan cheirava o sangue no pulso dela: cheiraria tão de perto lhe despertou uma furiosa corrente de adrenalina que lhe atravessou. A boca lhe fez água, as presas lhe alargaram mais, esticando as gengivas. Provocou mais lhe levantando o torso do chão. Com uma mão se apartou o cabelo a um lado tirando o chapéu o pescoço para ele.
Ele se removeu, mas lhe sujeitou com firmeza. Atraiu-lhe mais para ela.
—Bebe, Lucan. Toma o que necessite.
Inclinou-se para frente até que somente houve um sopro de ar entre os relaxados lábios dele e o delicado pulso que pulsava debaixo a pele pálida debaixo de sua orelha.
—Faz-o —sussurrou ela, e lhe atraiu para si.
Pressionou os lábios com força contra seu pescoço.
Ele agüentou nessa posição durante uma eternidade de angústia. Mas somente demorou uma fração de segundo em pôr a ceva. Lucan não estava seguro. Do único que era consciente era do quente contato da pele dela em sua língua, do batimento do coração de seu coração, da rapidez de sua respiração. Do único que era consciente era do desejo que sentia por ela.
Não ia rechaçar o mais.
Desejava-a, desejava-o tudo dela, e a besta se desatou e já era impossível ter piedade.
Abriu a boca... e cravou as presas na flexível carne de seu pescoço.
Ela afogou uma exclamação ao sentir a repentina penetração de seus dentes, mas não lhe soltou, nem sequer quando notou que ele tragava pela primeira vez o sangue de sua veia aberta.
O sangue se precipitou dentro da boca de Lucan, quente e com um sabor terroso, delicioso. Era muito superior Ao que teria imaginado nunca.
Depois de viver durante novecentos anos, finalmente sabia o que era o céu.
Bebeu com urgência, em quantidade, com uma sensação de necessidade que lhe transbordava enquanto saciava do sangue da Gabrielle lhe descia pela garganta e penetrava a carne, os ossos e as células. O pulso acelerou, sentiu-se renascer, o sangue voltou a correr pelas pernas e lhe curou as feridas.
O sexo tinha despertado com o primeiro sorvo; agora pulsava com força entre as pernas. Exigia inclusive uma maior posse.
Gabrielle lhe acariciava o cabelo, sujeitava-lhe contra ela enquanto ele bebia. Gemeu com cada uma das chupadas de seus lábios, sentia que lhe desfazia o corpo. Seu aroma se fez mais escuro e úmido A causa do desejo.
—Lucan —disse quase sem fôlego, estremecendo-se.
— OH, Deus...
Com um grunhido sem palavras, empurrou-a contra o chão, debaixo dele. Bebeu mais, perdendo-se no erótico calor do momento com uma desesperada e frenezi que lhe aterrorizou.
«Minha», pensou, sentindo-se profundamente selvagem e egoísta.
Agora era muito tarde para deter-se.
Esse beijo lhes tinha amaldiçoado aos dois.
Enquanto que a primeira dentada lhe tinha provocado uma comoção, a aguda dor se dissipou rapidamente para converter-se em uma sensação suntuosa e embriagadora. Sentiu o corpo alagado pelo prazer, como se cada larga chupada dos lábios de Lucan lhe injetasse uma corrente de calidez no corpo que lhe chegava até o mesmo centro e lhe acariciava a alma.
ele a levou até o chão com ele, as batas se entreabriram e a cobriu com seu corpo nu. Notou as mãos dele, ásperas, que lhe sujeitavam a cabeça para um lado enquanto bebia dela. Sem fazer caso da dor que as feridas lhe pudessem estar fazendo, pressionou seu peito nu contra seus peitos. Seus lábios não se separaram de seu pescoço nem um momento. Gabrielle sentia a intensidade da necessidade dele a cada chupada.
Mas sentia sua força, também. Estava-a recuperando, pouco a pouco, graças a ela.
—Não te detenha —murmurou ela, pronunciando com lentidão por causa do êxtase que crescia em seu interior a cada movimento de seus lábios.
— Não vais fazer me danifico, Lucan. Confio em ti.
O som úmido e voraz que provocava sua sede era o mais erótico que tinha conhecido nunca. Adorava sentir o calor dos lábios dele em cima de sua pele. Os arranhões que lhe provocavam as presas dele enquanto se enchia a boca com seu sangue lhe resultavam perigosos e excitantes.
Gabrielle já se deslizava para um orgasmo dilacerador no momento em que notou a grosa cabeça da ereção de Lucan lhe pressionando o sexo. Estava úmida, desejando dolorosamente. Ele a penetrou com uma investida que a encheu por completo com um calor vulcânico e potente que detonou dentro dela ao cabo de um instante. Gabrielle gritou enquanto ele a investia com força e depressa, sentindo os braços dele que a aprisionavam, apertando-a com força. Investia a um ritmo amalucado, empurrado por uma força de puro e magnífico desejo.
Mas permaneceu grudado em seu pescoço, empurrando-a para uma doce e feliz escuridão.
Gabrielle fechou os olhos e se deixou flutuar envolta em uma formosa nuvem de cor obsidiana.
Como desde muito longe notou que Lucan se retorcia e investia em cima de seu corpo com urgência, que todo seu corpo vibrava pela potência do climax. Emitiu um grito áspero e ficou completamente imovel.
A deliciosa pressão no pescoço se afrouxou de forma abrupta e logo depois desapareceu, deixando uma grande frieza a seu passo.
Gabrielle, que ainda se sentia alagada pela embriaguez de notar a Lucan dentro dela, levantou as pálpebras, pesados. Lucan estava colocado de joelhos em cima dela e a olhava como se ficou gelado. Tinha os lábios de um vermelho brilhante e o cabelo revolto. Seus olhos selvagens lançavam brilhos de cor âmbar, de tão brilhantes. A cor de sua pele parecia mais saudável e o labirinto de marcas que lhe cobriam os ombros e o torso tinha um brilho de um tom carmesim escuro.
—O que acontece? —perguntou-lhe, preocupada—. Está bem?
Ele não falou durante um comprido momento.
—Jesucristo. —Sua voz grave soou como um grunhido trêmulo, de uma forma que não lhe tinha ouvido antes. Tinha o peito agitado.
— Acreditei que estava... acreditei que te havia...
—Não —lhe disse ela, fazendo um gesto negativo com a cabeça e com uma expressão preguiçosa e saciada.
— Não, Lucan. Estou bem.
Ela não compreendeu o que significava a expressão intensa dele, mas ele não a ajudou. separou-se dela. Seus olhos, que se tinham transformado, mostravam uma expressão de dor.
Gabrielle sentia o corpo frio e vazio sem o calor dele. sentou-se e se esfregou para fazer-se passar um repentino calafrio.
—Está bem —lhe tranqüilizou—. Tudo está bem.
—Não. —O negou com a cabeça e ficou em pé—. Não. Isto foi um equívoco.
—Lucan...
—Não devi ter permitido que isto acontecesse! —gritou.
Emitiu um grunhido de fúria e se dirigiu aos pés da cama para agarrar suas roupas. Colocou uma calça de camuflagem negra e uma camiseta de algodão, logo tomou suas armas e suas botas e abandonou a habitação com uma fúria tempestuosa e ardente.
Lucan quase não podia respirar por causa da força com que o coração lhe pulsava no peito.
No momento em que sentiu que Gabrielle ficava inerte debaixo dele enquanto ele bebia dela, atravessou-lhe um medo descarnado que o desgaro por completo.
Enquanto ele bebia febrilmente de seu pescoço, lhe havia dito que confiava nele. Sentiu que o incentivo da sede de sangue lhe aguilhoava o corpo enquanto o sangue de Gabrielle lhe enchia. O som de sua voz tinha suavizado a dor, em parte. Ela se tinha mostrado tenra e cuidadosa: seu tato, sua emoção nua, sua mesma presença, tinha-lhe dado forças no momento em que sua parte animal tinha estado a ponto de tomar as rédeas.
Ela confiava em que não lhe faria mal, e essa confiança lhe tinha dado forças.
Mas então tinha notado que ela se desvanecia e temeu... Deus, quanto medo tinha sentido nesse instante.
Esse medo ainda lhe apertava, um terror escuro e frio a lhe fazer mal, a que poderia matá-la se permitia que as coisas chegassem mais longe do que o tinham feito.
Porque, por muito que ele a tivesse afastado e por muito que houvesse negado, lhe pertencia. Ele pertencia a Gabrielle, em corpo e alma, e não simplesmente pelo fato de que seu sangue lhe estivesse nutrindo nesse momento, estivesse-lhe curando as feridas e fortalecendo o corpo. Ele se tinha unido a ela muito antes desse momento. Mas a prova irrefutável disso tinha aparecido nesse funesto instante, fazia um momento, assim que temeu que podia havê-la perdido.
Amava-a.
Da parte mais profunda e solitária de si mesmo, amava a Gabrielle.
E queria tê-la em sua vida. De forma egoísta e perigosa, não havia nada que desejasse mais que tê-la ao seu lado para o resto de seus dias.
Dar-se conta disso lhe fez cambalear, ali, no corredor, diante do laboratório técnico. Na verdade, quase lhe fez cair de joelhos.
—Né, calma. —Dante se aproximou de Lucan quase sem avisar e lhe sujeitou por debaixo dos braços.
— Porra. Tem um aspecto infernal.
Lucan não podia falar. As palavras estavam além dele.
Mas Dante não necessitava nenhuma explicação. Jogou uma olhada ao seu rosto e a suas presas alargadas. As fossas nasais dilataram ao sentir o aroma de sexo e a sangue. Deixou escapar um assobio baixo e nos olhos desse guerreiro apareceu um brilho de ironia.
—Não pode ser certo... uma companheira de sangue, Lucan? — riu, meneando a cabeça enquanto lhe dava umas palmadas a Lucan no ombro.
— Porra. Melhor que seja você e não eu, irmão. Melhor você que eu.
Capítulo trinta
Três horas mais tarde, quando a noite era completa ao seu redor, Lucan e os outros guerreiros se encontravam preparados e sentados em um veículo de vigilância negro na rua, a uns oitocentos metros do velho psiquiátrico.
As fotografias de Gabrielle tinham sido de grande utilidade para planejar o golpe contra a guarita dos renegados. Além de várias fotografias exteriores do ponto de acesso da planta baixa, fez fotos interiores da habitação das caldeiras, de vários corredores, de escadas e inclusive algumas que inadvertidamente mostravam umas câmeras de segurança a rede que teriam que ser desativadas quando os guerreiros ganhassem acesso a esse lugar.
—Entrar vai ser a parte fácil —disse Gideon, enquanto o grupo estava a revisar por última vez a operação.
— Interromperei o sinal de segurança das câmeras da planta baixa mas, quando estivermos dentro, colocar essas duas dúzias de barras de C4 nos pontos críticos sem alertar a toda a colônia de chupões vai ser um pouco mais difícil.
—Por não mencionar o problema da publicidade não desejada dos humanos —disse Dante.
— O que é o que está fazendo que Niko tarde tanto em localizar esses tubos de gás?
—Aí vem —disse Lucan, ao ver a figura escura do vampiro que se acercava ao veículo de vigilância da fila de árvores da rua.
Nikolai abriu a porta traseira e subiu depois de Tegan. tirou o capuz negro e seus invernais olhos azuis faiscaram de excitação.
—É um caramelo. A linha principal está em uma caixa do extremo leste do complexo. Possivelmente esses chupões não necessitem calefação, mas o serviço público lhes subministra um montão de gás.
Lucan olhou os olhos ansiosos do guerreiro.
—Então entramos, deixamos nossos presentes, limpamos o lugar...
Niko assentiu com a cabeça.
—Me façam um sinal quando a merda esteja em seu lugar. Moverei o tubo principal e logo farei detonar o C4 quando todos estejam aqui de volta. Aparentemente será como se uma fuga de gás tivesse causado a explosão. E se os corpos de segurança querem meter-se nisto, estou seguro de que as fotos de Gabrielle dos grafites dos grupos farão que esses humanos farejem em círculos durante um tempo.
Enquanto, os guerreiros teriam mandado uma importante mensagem a seus inimigos, especialmente ao vampiro de primeira geração que Lucan suspeitava se encontrava ao mando desta nova sublevação dos renegados. Fazer voar o quartel general seria um convite suficiente para que esse bode saísse ao ar livre e começasse a dançar.
Lucan estava ansioso por começar. Inclusive estava mais ansioso por terminar com a missão dessa noite porque tinha um assunto por terminar quando voltasse para o complexo. Odiava ter deixado a Gabrielle dessa maneira e sabia que ela devia sentir-se confusa e, provavelmente, mais que inquieta.
Ficaram coisas por dizer, seguro, coisas nas que ele não tinha estado preparado para pensar muito e, muito menos, para as falar com ela nesse momento em que a surpreendente realidade de seus sentimentos por ela assaltou.
Agora tinha a cabeça cheia de planos.
Planos imprudentes, estúpidos e esperançosos, todos eles centrados nela.
No interior do veículo, ao seu redor, outros guerreiros estavam comprovando seu equipamento, carregando as barras de C4 dentro de bolsas com cremalheiras e realizando os ajustes finais aos auriculares e os micros que lhes permitiriam estar em contato uns com os outros quando chegassem ao perímetro do psiquiátrico e se separassem para colocar os explosivos.
—Esta noite vamos fazer isto por Rio —disse Dante_ enquanto fazia voltear suas facas curvadas entre os dedos enluvados e os introduzia nas capas que levava no quadril.
— Chegou o momento da vingança.
—Porra, sim —respondeu Niko, ao qual outros se ecoaram.
Quando se dispunham a sair pelas portas, Lucan levantou uma mão.
—Um momento. —A tristeza de seu tom de voz lhes fez deter-se.
— Há uma coisa que têm que saber. Dado que estamos a ponto de entrar aí e que é provável que nos dêem uma boa surra, suponho que este é um momento tão bom como qualquer outro para ser claro com vocês a respeito de um par de coisas... e necessito que cada um de vocês me façam uma promessa.
Olhou os rostos de seus irmãos, esses guerreiros que tinham estado lutando ao seu lado durante tanto tempo que parecia uma eternidade. Eles sempre lhe tinham cuidadoso como à um líder, tinham crédulo nele para que tomasse as decisões mais difíceis, sempre se tinham sentido seguros de que ele saberia como decidir uma estratégia ou como tomar uma decisão.
Agora duvidava, sem saber por onde começar. Esfregou-se a mandíbula e deixou escapar um forte suspiro.
Gideon lhe olhou com o cenho franzido e expressão de preocupação.
—Vai tudo bem, Lucan? Recebeu um bom golpe na emboscada da outra noite. Se não quiser participar disto...
—Não. Não é isso. Estou bem. Minhas feridas estão curadas... graças a Gabrielle —disse.
— Faz um momento, hoje, ela e eu...
—Não me diga —respondeu Gideon ao ver que Lucan se interrompia. Foder com o vampiro, mas estava .
—Bebeste dela? —perguntou Niko.
Tegan soltou um grunhido do assento traseiro.
—Essa fêmea é uma companheira de raça.
—Sim —respondeu Lucan com calma e seriedade—. E se me permitir isso, lhe vou pedir que me aceite como companheiro.
Dante lhe olhou, zombador, com uma expressão de risonha exasperação.
—Felicidades, cara. De verdade.
Gideon e Niko responderam de maneira similar e lhe deram umas palmada nas costas.
—Isso não é tudo.
Quatro pares de olhos se cravaram nele: todo mundo lhe olhava na espera séria exceto Tegan.
—A outra noite, Eva tinha umas quantas coisas que dizer de mim... —Imediatamente se levantaram uns protestos por parte de Gideon, Niko e Dante. Lucan continuou falando apesar dos grunhidos de irritação.
— A traição a Rio e a nós é indesculpável, sim. Mas o que disse de mim... era a verdade.
Dante lhe olhou com suspicácia.
—Do que está falando?
—Da sede de sangue —respondeu Lucan. A palavra soou com força no silêncio do interior do veículo.
— É... bom, é um problema para mim. È a muito tempo tempo. Estou-o dirigindo, mas algumas vezes... —Baixou a cabeça e olhou ao chão do veículo.
— Não sei se poderei vencê-la. Possivelmente, com Gabrielle a meu lado, possivelmente tenha uma oportunidade. Vou lutar como um demônio, mas se piorar...
Gideon cuspiu uma obscenidade.
—Isso não vai acontecer, Lucan. De todos os que estamos aqui sentados, você é o mais forte. Sempre o foste. Nada te pode tombar.
Lucan negou com a cabeça.
—Já não posso continuar fingindo que sou o que sempre controla. Estou cansado. Não sou invencível. Depois de novecentos anos de viver com esta mentira, Gabrielle não demorou nem duas semanas em desmascarar-me. Obrigou-me a ver como sou de verdade. Eu não gosto muito o que vejo, mas quero ser melhor... por ela.
Nico franziu o cenho.
—Porra, Lucan. Está falando de amor?
—Sim —disse ele com solenidade.
— Eu estou fazendo. A amo. E é por isso que tenho que lhes pedir uma coisa. A todos.
Gideon assentiu.
—Diga-o.
—Se as coisas ficarem feias comigo... em algum momento, logo, ou na rua... tenho que saber que conto com vocês, meninos, para que me apóiem. Se virem que me perco na sede de sangue, se creem que vou voltar me... Necessito sua palavra de que vão acabar comigo.
—O que? —exclamou Dante.
— Não pode nos pedir isso, cara.
—Me escutem. —Não estava acostumado a suplicar. Pronunciar essa petição era como suportar cascalho na garganta, mas tinha que faze-lo. Estava cansado de suportar sozinho esse peso. E o último que desejava era ter medo de que em um momento de debilidade pudesse lhe fazer algum mal a Gabrielle.
— Tenho que ouvir seus juramentos. O de cada um de vocês. Prometam-me isso .
—Merda —disse Dante, lhe olhando boquiaberto. Mas ao final assentiu com a cabeça e com expressão grave.
— Sim. De acordo. Está fodidamente louco, mas de acordo.
Gideon meneou a cabeça, logo levantou o punho e fez chocar os nodulos contra os de Lucan.
—Se isso for o que quer, tem-no. Juro-lhe isso, Lucan.
Niko pronunciou sua promessa também:
—Esse dia não chegará nunca, mas se o faz, sei que você fara o mesmo por qualquer de nós. Assim sim, tem minha palavra.
O qual deixava somente a Tegan por fazê-lo, que se encontrava sentado no assento traseiro com atitude estóica.
—E você, Tegan? —perguntou Lucan, dando-a volta para olhar aos olhos verdes e impassíveis.
— Posso contar contigo nisto?
Tegan lhe olhou larga e silenciosamente com atitude pensativa.
—Claro, cara. Porra, o que diga. Se te converter nisso, estarei em primera linha para acabar contigo.
Lucan assentiu com a cabeça, satisfeito, e olhou os rostos sérios de seus irmãos.
—Jesus —exclamou Dante quando o denso silêncio do veículo lhe fez interminável.
—Todo este sentimentalismo me está pondo impaciente por matar. Que tal se deixarmos de nos fazer palhas e vamos fazer voar o teto a esses chupões?
Lucan sorriu em resposta ao sorriso arrogante do vampiro.
—Vamos a isso .
Os cinco guerreiros da raça, vestidos de negro da cabeça aos pés, saíram do veículo como um só homem e começaram a aproximar-se sigilosamente ao psiquiátrico, ao outro lado das árvores, banhados pela luz da lua.
Capítulo trinta e um
— Vamos, vamos. Abra, porra!
Gabrielle estava sentada ante o volante de um cupé BMW negro e esperava com impaciência a que a enorme porta de entrada do terreno do complexo se abrisse e a deixasse sair. Desgostava-lhe que a tivessem obrigado a levar o carro sem permissão, mas depois do que tinha acontecido com Lucan estava desesperada por partir. Dado que todo o terreno estava rodeado por uma cerca elétrica de alta voltagem, somente ficava uma alternativa.
Já pensaria em alguma maneira de devolver o carro uma vez estivesse em casa.
Uma vez que se encontrasse de volta ao lugar ao que verdadeiramente pertencia.
Essa noite tinha dado a Lucan tudo o que tinha podido, mas não era suficiente. Preparou-se a si mesmo para a eventualidade de que ele a apartasse e resistisse a seus intentos de lhe amar, mas não havia nada que pudesse fazer se ele decidia rechaçá-la. Como tinha feito essa noite.
Tinha-lhe dado seu sangue, seu corpo e seu coração, e ele a havia rechaçado.
Agora já não ficava energia.
Já não podia lutar.
Se ele estava tão decidido a permanecer sozinho, quem era ela para obriga-lo a trocar? Se ele queria isolar-se, tinha muito claro que não ia ficar ali para esperar a vê-lo.
Iria à casa.
Ao fim, as pesadas portas de ferro se abriram e permitiram lhe sair. Gabrielle acelerou e saiu a toda velocidade para a rua silenciosa e escura. Não tinha uma idéia muito clara de onde se encontrava até que, depois de conduzir uns três quilômetros, encontrou-se em um cruzamento conhecido. Girou a esquerda pelo Charles Street em direção a Beacon Hill e se deixou conduzir, aturdida, pelo piloto automático.
Quando estacionou o carro na esquina de fora de seu apartamento, seu edifício lhe pareceu muito mais pequeno. Seus vizinhos tinham as luzes acesas mas, apesar do resplendor dourado no ambiente, esse edifício de tijolo lhe pareceu sombrio.
Gabrielle subiu as escadas da fachada e procurou as chaves no bolso. A mão tropeçou com uma pequena adaga que levou do armário das armas de Lucan: a tinha levado como defesa em caso de que se encontrasse com problemas em seu caminho a casa.
Quando entrou e acendeu a luz do vestíbulo, o telefone estava soando. Deixou que a secretária eletrônica respondesse e se deu a volta pra fechar todos os ferrolhos e passadores da porta.
Da cozinha ouviu a voz entrecortada da Kendra que lhe deixava uma mensagem.
—É de muito má educação por sua parte me ignorar desta maneira, Gabby. —A voz de seu amiga soava extranhamente estridente. Estava zangada.
— Tenho que ver-te. É importante. Você e eu temos que falar, de verdade.
Gabrielle se dirigiu a sala de estar e notou todos os espaços vazios que tinham ficado depois de que Lucan tivesse tirado as fotografias das paredes. Parecia que tinha passado um ano da noite em que ele foi a seu apartamento e lhe contou a assombrosa verdade a respeito de si mesmo e da batalha que estava fazendo estragos entre os de sua classe.
«Vampiros», pensou, surpreendida ao dar-se conta de que essa palavra já não a surpreendia.
Provavelmente havia muito poucas coisas que pudessem surpreendê-la já nesses momentos.
E já não tinha medo de perder a cabeça, como lhe tinha acontecido a sua mãe. Inclusive essa trágica história tinha cobrado um significado novo agora. Sua mãe não estava louca absolutamente. Era uma moça aterrorizada que se viu apanhada em uma situação violenta que muito poucos humanos seriam capazes de conceber.
Gabrielle não tinha intenção de permitir que essa mesma situação violenta a destruíra. Pelo menos agora estava em casa e já pensaria em alguma maneira de recuperar sua antiga vida.
Deixou a bolsa em cima da mesa e foi até o contestador automático. O indicador de mensagens piscava e mostrava o número dezoito.
—Deve ser uma brincadeira —murmurou, apertando o botão de reprodução.
Enquanto a máquina ficava em funcionamento, Gabrielle se dirigiu ao banho para inspecionar o pescoço. A mordida que Lucan havia lhe dado debaixo da orelha tinha um brilho vermelho escuro e se encontrava ao lado da lágrima e da lua crescente que a assinalavam como companheira de raça. Tocou-se as duas ferroadas e o hematoma que Lucan lhe tinha deixado mas se deu conta de que não lhe doíam absolutamente. A dor surda e vaziu que sentia entre as pernas era o pior, mas inclusive este empalidecia comparado com a fria crueldade que lhe instalava no peito cada vez que recordava como Lucan se apartou dela essa noite, como se ela fosse um veneno. Como tinha saído da habitação, cambaleando-se, como se não pudesse apartar-se dela com a rapidez suficiente.
Gabrielle abriu a água e se lavou, vagamente consciente das mensagens que soavam na cozinha. Para ouvir a quarta ou quinta mensagem, deu-se conta de que havia algo estranho.
Todas as mensagens eram da Kendra, e os tinha deixado todos durante as últimas vinte e quatro horas. Uma depois da outra, e entre algumas delas não havia mais que cinco minutos de diferença.
Sua voz tinha adquirido um tom grandemente mais amargo da primeira mensagem em que, em tom despreocupado e alegre, havia-lhe próposto sair e comer ou a tomar uma taça ou algo que queria. Logo, o convite tinha adquirido um tom mais insistente: Kendra dizia que tinha um problema e que necessitava que Gabrielle a aconselhase.
Nas duas últimas mensagens lhe tinha exigido de forma áspera que lhe respondesse logo.
Gabrielle correu até a bolsa e comprovou as mensagens da secretaria de voz do telefone celular: encontrou-se com o mesmo.
Com as repetidas chamadas da Kendra.
Com seu estranho tom ácido de voz.
Um calafrio lhe percorreu as costas ao recordar a advertência de Lucan a respeito da Kendra: se ela tinha caido vítima dos renegados, já não era amiga dela. Era como se estivesse morta.
O telefone começou a soar outra vez na cozinha.
—OH, Meu deus —exclamou, atendida por um terror crescente.
Tinha que sair dali.
Um hotel, pensou. Algum lugar longínquo. Algum lugar onde pudesse ocultar-se durante um tempo e decidir o que fazer.
Gabrielle tomou a bolsa e as chaves do BMW virtualmente correndo para a porta. Abriu as fechaduras e girou a maçaneta. Assim que a porta se abriu se encontrou ante um rosto que em outro momento tinha sido amistoso.
Agora estava segura de que era o rosto de um servente.
—Vai a algum lugar, Gabby? —Kendra se apartou o telefone celular do ouvido e o desligou. O timbre do telefone da casa deixou de soar. Kendra sorriu fracamente com a cabeça inclinada em um estranho ângulo.
— Ultimamente, é terrivelmente difícil de localizar.
Gabrielle se estremeceu de dor ao ver esses olhos vazios e perdidos que não piscavam.
—Me deixe passar, Kendra. Por favor.
A morena riu com uma gargalhada estridente que se apagou em um vaio surdo.
—Sinto muito, carinho. Não posso fazê-lo.
—Está com eles, verdade? —disse-lhe Gabrielle, adoecendo só de pensar.
— Está com os renegados. Meu Deus, Kendra, o que lhe têm feito?
—Te cale —repôs ela, com um dedo sobre os lábios e meneando a cabeça.
— Não falemos mais. Agora temos que ir.
Assim que a servente alargou a mão para ela, Gabrielle se apartou. Recordou a adaga que levava na bolsa e se perguntou se poderia tirá-la sem que Kendra se desse conta. E se conseguia fazê-lo, seria capaz de utilizá-la contra sua amiga?
—Não me toque —lhe disse, enquanto deslizava os dedos lentamente por debaixo da lapela de pele da bolsa.
— Não vou a nenhuma parte contigo.
Kendra lhe mostrou os dentes em uma terrível imitação de um sorriso.
—OH, acredito que deveria fazê-lo, Gabby. Depois, a vida do Jamie depende de ti.
Um temor gelado lhe atendeu o coração.
-O que?
Kendra fez um gesto com a cabeça em direção aos Sedam que estava esperando. O cristal tinto de um dos guichês se abriu e alí estava Jamie, sentado no assento traseiro ao lado de um tipo enorme.
—Gabrielle? —chamou Jamie com uma expressão de pânico nos olhos.
—OH, não. Jamie não. Kendra, por favor, não permita que lhe façam mal.
—Isso é algo que está completamente em suas mãos —repôs Kendra em tom educado e lhe tirou a bolsa das mãos.
— Não vais necessitar nada do que leva aqui.
Fez um sinal a Gabrielle para que caminhasse diante dela em direção ao carro.
—Vamos?
Lucan colocou duas barras de C4 debaixo dos enormes aquecedores de água da habitação das caldeiras do psiquiátrico. Agachou-se ante o equipamento, desdobrou as antenas do transmissor e conectou o micro para informar de seu progresso.
—Habitação de caldeiras verificada —disse a Niko, que se encontrava ao outro extremo da linha.
— Tenho que colocar três unidades mais e logo sairei...
Ficou imóvel de repente, para ouvir uns passos ao outro lado da porta fechada.
—Lucan?
—Merda. Tenho companhia —murmurou em voz baixa enquanto se incorporava e se aproximava com sigilo a porta para preparar-se a golpear.
Levou-se a mão enluvada até o punho de uma perigosa faca com serra que tinha embainhado em cima do peito. Também levava uma pistola, mas todos tinham concordado que não utilizariam armas de fogo nessa missão. Não fazia falta avisar aos renegados de sua presença e além disso, dado que Niko ia desviar o tubos de fora e encher de gases o edifício, um disparo podia acender os foguetes antes do tempo.
O trinco da porta da habitação das caldeiras começou a girar.
Lucan cheirou o fedor de um renegado, e o inconfundível aroma metálico do sangue humano. Ouviu uns grunhidos animais afogados mesclados com uns golpes e com um débil lamento de uma vítima a quem lhe estavam chupando o sangue. A porta se abriu e um fortíssimo ar pútrido penetrou na habitação enquanto um renegado arrastava a seu brinquedo moribundo dentro da sala escura.
Lucan esperou a um lado da porta até que a enorme cabeça do renegado esteve plenamente ante sua vista. Esse chupão estava muito concentrado em sua presa para dar-se conta da ameaça. Lucan levantou uma mão e cravou a faca na caixa torácica do renegado. Este rugiu com as enormes mandíbulas abertas e os olhos amarelos inchados ao sentir que o titânio lhe penetrava no sistema circulatório.
O humano caiu ao chão com um golpe seco como um boneco e seu corpo se contraiu em uma série de espasmos de agonia de morte depois do corpo do renegado que se alimentou dele começava a emitir uns assobios, a tremer e a mostrar umas feridas como se o houvessem orvalhado com ácido.
Assim que o corpo do renegado teve terminado sua rápida descomposição, outro deles se aproximou correndo pelo corredor. Lucan se precipitou para frente para voltar a atacar, mas antes de que pudesse dar o primeiro golpe, o chupão se deteve em seco quando um braço negro lhe obrigou a deter-se por detrás.
Viu-se o brilho de um fio com a rapidez e a força de um raio que atravessava a garganta do renegado e separava a enorme cabeça do corpo com um corte limpo.
O enorme corpo ficou estendido no chão como um montão de lixo. Tegan se encontrava ali em pé, com sua espada gotejando sangue e seus olhos verdes, tranqüilos. Tegan era uma máquina assassina, e o gesto sério de seus lábios parecia reafirmar a promessa que lhe tinha feito a Lucan de que se a sede de sangue podia com ele, Tegan se asseguraria de que Lucan conhecesse a fúria do titânio.
Ao olhar agora a esse guerreiro, Lucan esteve seguro de que se alguma vez Tegan ia por ele, ele morreria antes de dar-se conta de que o vampiro tinha aparecido ao seu lado.
Lucan se enfrentou a esse olhar frio e letal e lhe saudou com um gesto de cabeça.
—Me diga algo —ouviu que lhe dizia Niko através do auricular—.Está bem?
—Sim. Tudo tranquilo. —Limpou a adaga com a camisa do ser humano e a voltou a embainhar. Quando voltou a levantar a vista, Tegan tinha desaparecido, desvaneceu-se como o espectro da morte que era.
—Agora dirijo aos pontos de entrada da zona norte para colocar o resto dos explosivos —disse a Nikolai enquanto saía da habitação das caldeiras e percorria o corredor vazio.
Capítulo trinta e dois
— Gabrielle, o que acontece? O que acontece com Kendra? Veio a galeria e me há dito que tinha tido um acidente e que tinha que ir com ela imediatamente. Por que me mentiu?
Gabrielle não sabia o que responder as perguntas que Jamie, ansioso, sussurrava-lhe do assento traseiro do Sedam. Afastavam-se a toda velocidade do Beacon Hill em direção ao centro da cidade. Os arranha-céu do distrito financeiro se abatiam sobre eles na escuridão e as luzes dos escritórios piscavam como luzes natalinas. Kendra estava sentada no assento dianteiro ao lado do condutor, um gorila de pescoço largo embelezado de negro como um valentão e com óculos escuros.
Gabrielle e Jamie tinham a um companheiro similar detrás que os encurralava a um lado do brilhante assento de pele. Gabrielle não acreditava que fosse um renegado, não parecia que escondessem umas presas enormes detrás desses lábios tensos, e pelo pouco que sabia dos mortais inimigos da raça, não acreditava que nem ela nem Jamie tivessem demorado nem um minuto em ter as gargantas abertas se esses dois homens tivessem sido de verdade uns renegados viciados no sangue.
Serventes então, deduziu. Escravos humanos de um poderoso senhor vampiro.
Igual a Kendra.
—O que vão fazer conosco, Gabby?
—Não estou segura. —Alargou o braço e lhe deu um carinhoso apertão na mão. Também falava em voz baixa, mas estava segura de que seus captores estavam escutando cada uma de suas palavras.
— Mas não vai passar nada. Prometo-lhe isso.
O que sim sabia era que tinham que sair desse carro antes de que chegassem ao seu destino. Era a regra de defesa própria mais básica: nunca deixe que lhe levem a uma segunda localização. Porque então se encontrava em campo inimigo.
As oportunidades de sobrevivência passariam de ser escassas a nulas.
Olhou o fechamento de segurança da porta que Jamie tinha a seu lado. Ele observou seus olhos com o cenho franzido e expressão de interrogação. Olhou a ele e logo voltou a olhar o fechamento. Então ele o entendeu e lhe dirigiu um assentimento de cabeça quase imperceptível.
Mas quando se dispunha a colocar as mãos na posição adequada para abrir o fechamento, Kendra se deu a volta e lhes provocou:
—Quase chegamos, meninos. Estão excitados? Eu sim que o estou. Não posso esperar a que meu senhor por fim te conheça em pessoa, Gabby. Mmm! Te vai comer imediatamente.
Jamie se inclinou para diante e quase cuspiu veneno:
—Te aparte, puta mentirosa!
—Jamie, não! —Gabrielle tentou lhe reter, aterrada ante esse inocente instinto de amparo. Ele não tinha nem idéia do que estava fazendo ao irritar a Kendra ou aos outros dois serventes que se encontravam no carro.
Mas ele não ia deixar se controlar. Equilibrou-se para frente:
—Se nos tocarem um cabelo a qualquer dos dois,vou arrancar seus os olhos!
—Jamie, basta, não passa nada —disse Gabrielle, atirando dele para que voltasse a recostar-se no assento.
— Se tranqüilize, por favor! Não vai passar nada.
Kendra não se alterou. Olhou a ambos e deixou escapar uma risada repentina e estremecedora:
—Ah, Jamie. Sempre foste o pequeno e fiel terrier da Gabby. Au au! Au au! É patético.
Muito devagar e evidentemente satisfeita consigo mesma, Kendra se voltou a sentar de forma correta no assento lhes dando as costas.
—Detenha no semáforo —lhe disse ao condutor.
Gabrielle deixou escapar um tremente suspiro de alívio e se recostou outra vez no respaldo de fria pele. Jamie estava esquecido contra a porta, zangado. Quando os olhares de ambos se encontraram, ele se apartou um pouco a um lado e lhe permitiu ver que a porta agora não estava fechada.
O coração de Gabrielle deu um tombo ante essa ingenuidade e esse valor. Quase não pôde dissimular o sorriso enquanto o veículo reduzia a velocidade ante o semáforo, a uns metros diante deles. Estava em vermelho, a julgar pela fila de carros que se encontravam detidos diante dele, ia trocar para verde em qualquer momento.
Esta era a única oportunidade que tinham.
Gabrielle olhou a Jamie e se deu conta de que ele tinha compreendido o plano perfeitamente.
Gabrielle esperou, observando o semáforo; dez segundos que pareceram horas. A luz vermelha piscou e ficou verde. Os carros começaram a avançar diante deles. Assim que o Sedam começou a acelerar, Jamie levou a mão ao ponteiro da porta e a abriu.
O ar fresco da noite entrou no veículo e os dois se atiraram de cabeça para a liberdade. Jamie deu contra o pavimento e imediatamente alargou a mão para ajudar a Gabrielle a escapar.
—Detenham! —chiou Kendra.
— Não deixem que escape!
Uma pesada mão caiu sobre o ombro de Gabrielle e atirou dela para o interior do carro fazendo que se estrelasse contra o enorme corpo do servente. Os braços deste a rodearam, apanhando-a como barras de ferro.
—Gabby! —chiou Jamie.
Gabrielle emitiu um soluço desesperado.
—Vai daqui! Vai, Jamie!
—Acelera, idiota! —gritou-lhe Kendra ao condutor ao ver que Jamie se dispunha a agarrar-se ao ponteiro da porta para voltar pela Gabrielle. O motor rugiu, os pneumáticos chiaram e o carro se uniu ao tráfico.
—O que fazemos com ele?
—Deixe-lhe —ordenou Kendra em tom cortante. Dirigiu- um sorriso a Gabrielle, que se debatia em vão no assento traseiro.
— Já serviu ao nosso propósito.
O servente sujeitou a Gabrielle com força até que Kendra ordenou que o carro se detivera diante de um elegante edifício de escritórios. Desceram do carro e obrigaram a Gabrielle a caminhar para a porta de entrada. Kendra falava com alguém através do telefone celular e parecia ronronar de satisfação.
—Sim, temo-la. Agora vamos subir.
Guardou-se o telefone no bolso e lhes conduziu através de um vestibulo de mármore vazio até a zona de elevadores. Quando entraram em um deles, apertou o botão do apartamento de cobertura.
Gabrielle recordou imediatamente a mostra privada de suas fotos. Ao fim o elevador se deteve no piso superior e as portas de espelho se abriram; nesse momento Gabrielle teve a horrível certeza de que seu anônimo comprador ia dar-se a conhecer.
O servente que a tinha estado sujeitando a empurrou para que entrasse na suíte, fazendo-a tropeçar. Ao cabo de uns segundos, o medo de Gabrielle se fez maior.
Diante da parede de cristais se encontrava em pé uma alta figura de cabelo negro vestida com um comprido abrigo negro e óculos de sol. Era igual de corpulento que os guerreiros e dele emanava o mesmo ar de confiança. A mesma ameaça fria.
—Adiante —lhes disse em um tom grave que trovejou como uma tormenta.
— Gabrielle Maxwell, é um prazer conhecê-la por fim. Ouvi falar muito de você.
Kendra se colocou a seu lado e lhe deu uns tapinhas com expressão de adoração.
—Suponho que me trouxe aqui por alguma razão —disse Gabrielle, tentando não sentir pena por ter perdido a Kendra nem ter medo desse perigoso ser que tinha convertido a Kendra no que era.
—Converti-me em um grande admirador de seu trabalho. —Sorriu-lhe sem mostrar os dentes e com uma mão apartou sem contemplações a Kendra.
— Você fez umas fotos interessantes, senhorita Maxwell. Por desgraça, tem que deixar de fazer. Não é bom para meus negócios.
Gabrielle tentou agüentar o olhar tranqüilo e ameaçador que, sabia, estava-lhe dirigindo detrás dos óculos.
—Quais são seus negócios? Quero dizer, além de exercer de sanguessuga chupador de sangue.
Ele riu.
—Dominar o mundo, é obvio. Acredita que há algo mais pelo que valha a pena lutar?
—Posso pensar em umas quantas coisas.
Uma sobrancelha escura se arqueou por cima da arreios desses óculos.
—OH, senhorita Maxwell, se se referir ao amor ou a amizade, terei que dar por terminado este agradável e breve encontro agora mesmo.
—Juntou os dedos das mãos e os anéis que levava brilharam sob a tênue luz da habitação. A Gabrielle não gostava da maneira em que ele a estava olhando, como avaliando-a. O vampiro se inclinou para frente com as fossas nasais dilatadas.
— Aproxime-se.
Ao ver que ela não se movia, o corpulento servente que se encontrava a suas costas a empurrou para frente. Gabrielle se deteve um metro de distância do vampiro.
—Tem você um aroma delicioso —disse em um lento vaio.
— Cheira como uma flor, mas há algo... mais. Alguém se alimentou de você recentemente. Um guerreiro? Não se incomode em negá-lo, posso cheirá-lo em seu corpo.
Antes de que Gabrielle pudesse dar-se conta, ele a sujeitou pelo pulso e a atraiu para si de um puxão. Com mãos arrudas, fez-lhe inclinar a cabeça e lhe apartou o cabelo que escondia a mordida de Lucan e a marca que tinha debaixo da orelha esquerda.
—Uma companheira de raça —grunhiu, lhe passando os dedos pela pele do pescoço.
— E recentemente reclamada como tal. Faz de você mais inteiressante a cada segundo que passa, Gabrielle.
Não gostou do tom íntimo que empregou ao pronunciar seu nome.
—Quem a mordeu, companheira? A qual desses guerreiros o permitiu colocar-se entre essas largas e formosas pernas?
—Vá-se ao inferno —respondeu ela, apertando as mandíbulas.
—Não me vai dizer isso? —Fez estalar a língua e meneou a cabeça.
— De acordo. Poderemo-lo averiguar muito em breve.
Podemos fazer que venha. Finalmente, ele se separou dela e fez um sinal a um dos serventes estavam vigiando.
—Levem ao telhado.
Gabrielle se debateu contra seu captor, que a aferrava com ímpeto, mas não podia vencer a força desse bruto. Obrigaram-na a dirigir-se para uma porta sobre a qual havia o pôster vermelho de saída e uma placa em que se lia acesso ao heliporto.
—Um momento! E eu? —queixou-se Kendra da suíte.
—Ah, sim. Enfermeira K. Delaney —disse seu senhor escuro, como se acabasse de lembrar-se dela—. Quando nos tivermos ido, quero que saia ao telhado. Sei que a vista dele te parecerá espetacular. Desfruta-a durante um momento... e logo salta ao vazio.
Ela olhou, piscando aturdida. Logo baixou a cabeça, mostrando que estava sob seu domínio.
—Kendra! —gritou Gabrielle, desesperada por chegar até sua amiga.
— Kendra, não o faça!
O vampiro do casaco negro e os óculos escuros passou ao seu lado sem mostrar nenhuma preocupação.
—Vamos. Terminei aqui.
Uma vez colocado o último cartucho de C4 em seu lugar ao extremo norte do psiquiátrico, Lucan se abriu passo por um condutor de ventilação que conduzia ao exterior. Tirou o ralo e se içou até o exterior. Rodou por cima da grama, que rangeu sob seu corpo; logo ficou em pé e começou a correr em direção a cerca que rodeava o terreno, sentindo o ar fresco na boca.
—Niko, Como vamos?
—Vamos bem. Tegan está voltando e Gideon vem detrás de ti.
—Excelente.
—Tenho o dedo no detonador —disse Nikolai. Sua voz quase resultava inaudível pelo ruído de um helicóptero que alagava a zona.
— Dá a ordem, Lucan. Morro por fazer voar a estes chupões.
—Eu também —repôs Lucan. Olhou o céu noturno com o cenho franzido, procurando o helicóptero.
— Temos visita, Niko. Parece que um helicóptero se dirige diretamente ao psiquiátrico.
Assim que o houve dito, viu a escura silhueta do helicóptero em cima da fileira de árvores. Umas pequenas luzes piscaram no veículo enquanto este girava para o telhado do recinto e iniciava a descida.
O constante movimento da hélice levantou uma forte brisa e Lucan cheirou o aroma dos pinheiros e do pólen... e de outro perfume que lhe acelerou o pulso.
—OH, Jesus —exclamou assim que reconheceu o aroma de jasmim.
— Não toque o detonador, Niko! Por Deus, seja como for, não permita que este maldito edifício voe pelos ares!
Capítulo trinta e três
Uma mescla volátil de adrenalina e fúria, além de um medo que o cobria até os ossos, fez saltar a Lucan ao telhado do velho psiquiátrico. O helicóptero acabava de posar-se nos trilhos de aterrissagem e Lucan se precipitou para ele da beirada do edifício. O corpo tremia por causa de uma fúria mais explosiva e instável que um caminhão carregado de C4. Tinha toda a intenção de lhe arrancar as pernas a quem estivesse retendo Gabrielle.
Com a arma na mão, Lucan se aproximou do helicóptero por detrás, com cuidado de que não lhe vissem, e deu a volta pela cauda para acercar-se ao lado dos passageiros da cabine de mando.
Viu Gabrielle dentro do helicóptero, no assento traseiro, ao lado de um enorme macho que ia vestido de negro e que levava uns óculos escuros. Parecia tão pequena, a via tão aterrorizada. Seu aroma lhe banhou por inteiro. E seu medo lhe destroçou o coração.
Lucan abriu de um puxão a porta da cabine e colocou a arma diante do rosto do captor do Gabrielle enquanto sujeitava a ela com a mão que ficava livre. Mas atiraram de Gabrielle para trás antes de que ele pudesse sair com ela.
—Lucan? —exclamou Gabrielle com os olhos exagerados por causa da surpresa.
— OH, Meu deus, Lucan!
Ele realizou um rápido exame visual da situação e viu o servente que pilotava o avião e a um humano escravo que se encontrava ao seu lado, diante. O servente do assento do co-piloto se deu a volta com intenção de lhe dar um golpe no braço, mas recebeu uma bala na cabeça.
No momento em que Lucan voltou a dirigir o olhar para a Gabrielle, ao cabo de um instante, se encontrava com uma faca na garganta. Por debaixo da manga do comprido abrigo lhe assomavam os dermoglifos que Lucan tinha visto nas fotos da Costa Oeste.
— Solte disse o líder de primeira geração dos renegados.
—Vá, vá, foi uma resposta mais rápida do que houvesse imaginado, inclusive para um guerreiro com vínculo de sangue. O que pretende? Por que está aqui?
O arrogante tom de voz lhe desconcertou.
Conhecia esse bode?
—Solta-a —disse Lucan—, E te mostrarei por que estou aqui.
—Parece-me que não. —O vampiro de primeira geração lhe sorriu ampliamente, lhe mostando os dentes.
Não tinha presas. Era um vampiro, mas não era um renegado.
Que diabos?
—É encantadora, Lucan. Esperava que fosse tua.
Deus, conhecia essa voz. Ouvia-a como procedente de algum lugar muito profundo, enterrado em sua memória.
Do passado longínquo.
Um nome lhe formou na mente, cortante como o fio de uma espada.
Não, não era possível que fosse ele.
Impossível...
Concentrou-se para sair dessa confusão momentânea, mas esse breve momento de perda de concentração lhe custou caro. Desde um dos lados, um par de renegados tinha subido ao telhado do interior do psiquiátrico lhe aproximava com sigilo. Com um gruido, levantou a porta do helicóptero e golpeou com o canto da mesma a Lucan na cabeça.
— Lucan! — chiou Gabrielle.
— Não!
Lucan estremeceu e uma das pernas lhe falhou. A arma caiu da mão e escorregou pelo chão do telhado uns quantos metros, ficando fora de seu alcance.
O renegado lhe deu um murro na mandíbula com o enorme punho. Ao cabo de um segundo, um golpe brutal lhe destroçou as costelas. Lucan caiu ao chão, mas fez um giro e com o pé embainhado na bota fez cair ao renegado ao chão. Precipitou-se sobre ele enquanto tirava a faca que tinha embainhado no torso.
A uns metros de ambos, a hélice do helicóptero começou a girar. O piloto se preparava para levantar outra vez.
Não podia permiti-lo.
Se permitia que Gabrielle se fosse desse coberto, não ficaria nenhuma esperança de voltar a vê-la viva nunca mais.
—Nos tire daqui —ordenou o captor de Gabrielle ao piloto enquanto as hélices do helicóptero giravam cada vez mais depressa.
Fora, arrastando-se pelo telhado, Lucan lutava contra o renegado que lhe tinha atacado. Apesar da escuridão, Gabrielle viu que outro mais se aproximava da porta de entrada ao telhado.
—OH, não —exclamou, quase sem respiração e sem poder mover-se por causa do cortante fio de aço que lhe cravava na pele da garganta.
O enorme macho se inclinou por diante dela para olhar o que estava acontecendo no telhado. Lucan havia tornado a ficar em pé e lhe abriu o ventre ao primeiro dos renegados que lhe tinha atacado. O grito deste foi audível inclusive apesar do forte ruído da hélice do helicóptero. Seu corpo começou a convulsionar-se, a ter espasmos... A desintegrar-se.
Lucan girou a cabeça para o helicóptero. Tinha os olhos cheios de furia, brilhavam-lhe como duas pedras de âmbar acesas com o fogo do inferno. Precipitou-se para diante, rugindo, carregando com os ombros contra o veículo como um trem de carga.
—Nos tire daqui agora mesmo! —gritou o macho que estava ao lado de Gabrielle, pela primeira vez em tom preocupado.
— Agora mesmo, porra!
O helicóptero começou a levantar-se.
Gabrielle tentou apartar da faca apertando-se contra o respaldo do pequeno assento traseiro. Se pudesse encontrar a maneira de lhe apartar o braço, possivelmente pudesse alcançar a porta da cabine...
O helicóptero sofreu uma sacudida repentina, como se tivessem se chocado contra alguma parte do edifício. O motor pareceu gemer, esforçado.
O captor do Gabrielle estava furioso já.
—Desapega, idiota!
—Estou-o tentando, senhor! —disse o servente que se encontrava ante os mandos. Levantou uma alavanca e o motor protestou com um terrível grunhido.
Houve outra sacudida, como se atirassem do aparelho para baixo, e todo o interior tremeu. A cabine se inclinou por volta da frente e o captor do Gabrielle perdeu o equilíbrio no assento e deixou de lhe emprestar atenção durante um momento.
A faca se separou de sua garganta.
Com uma repentina decisão, Gabrielle se lançou para trás e lhe deu um pontapé com as duas pernas que lhe fez cair contra o respaldo do assento do piloto. O veículo se precipitou para frente e Gabrielle trabalhou em excesso por alcançar a porta da cabine.
Esta se abriu de tudo e ficou aberta, pendurando das dobradiças, depois do helicóptero tremia e se balançava. Seu captor se estava recompondo e estava a ponto de alcançá-la outra vez. Por causa do caos tinham caido os óculos de sol. Olhou-a com um gelado olhos cinzas cheios de malignidade.
—Diga a Lucan que isto não terminou nem muito menos — ordenou o líder dos renegados, pronunciando as palavras em um assobio e olhando-a com um sorriso diabólico.
—Vai para o inferno —respondeu Gabrielle. Nesse mesmo instante, lançou-se para a porta aberta e se deixou cair ao chão do telhado.
Assim que a viu, Lucan soltou o trilho de aterrissagem do helicóptero. O veiculo se elevou repentinamente e começou a dar voltas sobre si mesmo descontrolado enquanto o piloto se esforçava por dominá-lo.
Correu ao lado de Gabrielle e a ajudou a ficar em pé. Passou-lhe as mãos por todo o corpo para assegurar-se de que estava inteira.
—Está bem?
Ela assentiu com a cabeça.
—Lucan, detrás de ti!
No telhado, outro dos renegados se dirigia para eles. Lucan enfrentou a esse desafio com agrado, agora que Gabrielle estava com ele; todos os músculos de seu corpo se dispuseram a dar morte. Tirou outra faca e se aproximou da ameaça.
A luta foi selvagem e rápida. Lucan e o renegado se enfrentaram em um mortal combate corpo a corpo com os punhos e os fios das armas brancas. Lucan recebeu mais de um golpe, mas era imparável. O sangue de Gabrielle ainda tinha um efeito forte nele, e lhe dava uma fúria que lhe tivesse permitido enfrentar-se com dez competidores de uma vez. Lutou com uma força e uma eficiência letal, e acabou com o renegado com um corte vertical que lhe atravessou o corpo.
Lucan não esperou a ver o efeito do titânio. Deu-se a volta e correu para Gabrielle. Assim que chegou, quão único pôde fazer foi toma-la entre os braços e abraçá-la com força. Pôde ficar assim toda a noite, sentindo como lhe pulsava o coração e acariciando a pele suave.
Levantou-lhe a cabeça e lhe estampou um beijo forte e tenro nos lábios.
—Temos que sair daqui, carinho. Agora mesmo.
Sobre suas cabeças, o helicóptero continuava subindo.
O vampiro de primeira geração que tinha capturado a Gabrielle olhou para baixo desde atrás do cristal da cabine e dirigiu uma vaga saudação à Lucan, sorrindo enquanto o veículo subia no céu noturno.
—OH, Deus, Lucan! Estava tão assustada. Se tivesse acontecido algo...
O sussurro de Gabrielle lhe fez esquecer completamente a seu inimigo que escapava. A única coisa que lhe importava era que ela era capaz de lhe falar. Que respirava. Gabrielle estava com ele, e esperava que pudesse continuar estando ao seu lado.
—Como demônios lhe capturaram? —perguntou-lhe com voz tremente e tom urgente a causa do medo que havia sentido.
—Depois de que você partiu do complexo esta noite, precisava ir e pensar. Fui para casa. Kendra apareceu. Tinha a Jamie como refém em um carro que se encontrava fora. Não podia deixar que lhe fizessem mal. Kendra é, era, uma servente, Lucan. Mataram-na. Minha amiga está morta.
—Gabrielle soluçou de repente.
— Mas pelo menos Jamie escapou. Agora está em algum lugar do centro da cidade, provavelmente aterrorizado. Tenho que lhe encontrar e lhe dizer que tudo está bem.
Lucan ouviu o som grave do helicóptero que continuava subindo por cima de suas cabeças. Além disso, tinha que fazer a Niko o sinal de que voasse esse lugar antes de que os renegados tivessem a oportunidade de escapar.
—Vamos daqui, e logo me encarregarei do resto.
Lucan tomou a Gabrielle pelos braços.
—Segura em mim, carinho. Com toda a força que possa.
—De acordo. — pendurou-se os braços ao redor do pescoço.
Ele voltou a beijá-la, aliviado de tê-la entre os braços.
—Não te solte em nenhum momento — disse-lhe, olhando os olhos brilhantes e formosos de sua companheira de raça.
Então se colocou na beirada do edifício e se deixou cair com ela em seus braços, com toda a suavidade de que foi capaz, até o chão.
—Lucan, me diga algo, cara! —chamou-lhe Nikolai pelo auricular.
— Onde está? Que merda está acontecendo aí?
—Tudo vai bem —respondeu ele, enquanto levava a Gabrielle pelo escuro terreno coberto de grama da propriedade em direção ao ponto onde se encontrava o veículo de vigilância esperando.
— Agora tudo está bem. Apura o detonador e acabemos com isto.
Gabrielle estava encolhida sob o forte braço de Lucan quando o veículo de vigilância subia pela rua que conduzia ao terreno do complexo. Ele a tinha obstinado ao seu lado desde que escaparam da zona do psiquiátrico e lhe havia coberto os olhos enquanto todo o complexo de edificios voava pelos ares como uma infernal bola de fogo.
Lucan e seus irmãos tinham conseguido: tinham acabado com o quartel general dos renegados com um incrível golpe. O helicóptero tinha conseguido escapar a explosão e se desvaneceu no céu, envolto na fumaça negra e escondida no céu da noite.
Lucan estava pensativo: olhava para fora dos cristais escuros dos guichês para cima, para a abóbada de estrelas. Gabrielle tinha visto sua expressão de surpresa, de incredulidade e de atordoamento, quando se encontrava no telhado e abriu a porta da cabine de comando do helicóptero.
Foi como se tivesse visto um fantasma.
Inclusive nesse momento, Lucan continuava com esse estado de ânimo, enquanto entravam no terreno e Nikolai conduzia em direção à garagem. O guerreiro deteve o carro uma vez que estiveram dentro da enorme garagem. Quando desligou o motor, Lucan falou por fim.
—Esta noite conseguimos uma importante vitória contra nossos inimigos.
—Porra , sim —assentiu Nikolai.
— E vingamos a Conlan e a Rio. Teria-lhes encantado estar ali para ver voar esse lugar.
Lucan assentiu na escuridão do veículo.
—Mas não nos equivoquemos. Estamos entrando em uma nova fase do conflito com os renegados. Agora é a guerra, mais que nunca. Esta noite agitamos o ninho de vespas. Mas ao que necessitávamos capturar, seu líder, continua vivo.
— Deixemos que corra. Já lhe apanharemos —disse Dante, com expressão de confiança.
Mas Lucan negou com gesto sério.
—Este é distinto. Não nos porá isso fácil. Antecipará-se a nossos movimentos. Compreende nossas táticas. A Ordem vai ter que fortalecer as estratégias e aumentar o número de seus guerreiros. Temos que organizar alguns quadros mais que ainda estão dispersados pelo mundo, conseguir mais guerreiros, quanto antes melhor.
Gideon se deu a volta no assento dianteiro.
—Crê que é o vampiro de primeira geração da Costa Oeste quem está à frente dos renegados?
—Estou seguro —repôs Lucan.
Estava no helicóptero, no telhado, esta noite, onde tinha a Gabrielle. —Acariciou-lhe o braço com um afeto tenro, e fez uma pausa para olhá-la, como se sua só visão lhe tranqüilizasse de algum jeito.
— E esse bode não é um renegado: não agora, se é que o foi em algum momento. Uma vez foi um guerreiro, como nós. chama-se Marek.
Gabrielle sentiu uma quebra de onda de frieza que procedia da terceira fila de assentos do veículo de vigilância e soube que Tegan estava olhando a Lucan.
Lucan sabia também. Girou a cabeça para olhar ao outro guerreiro aos olhos.
—Marek é meu irmão.
Capítulo trinta e quatro
A carga da revelação de Lucan ainda lhes pesava enquanto saíam do veículo e subiam ao elevador do hangar para baixar ao complexo. Seu amado, Gabrielle entrelaçou os dedos da mão com os dele enquanto baixavam. Sentia o coração comocionado e cheio de compaixão; ele a olhou e ela soube que ele percebia a preocupação em seus olhos.
Gabrielle observou que seus irmãos guerreiros também tinham expressões de preocupação similares nos olhos e que, silenciosamente, haviam dado conta do significado do que tinham descoberto essa noite.
Chegaria o momento em que Lucan teria que enfrentar-se com a necessidade de matar a seu próprio irmão.
Ou de que seu irmão matasse a ele.
Gabrielle ainda não tinha conseguido aceitar a frieza desse fato no momento em que as portas do elevador se abriram e se encontraram ante o Savannah e Danika, que tinham estado esperando com ansiedade a volta dos guerreiros. Houve bem-vindas cheias de alívio, muitas pergunta sobre o resultado da missão dessa noite, assim como de por que Gabrielle partiu do complexo sem dizer nenhuma palavra a ninguém. Gabrielle estava muito cansada para responder, demasiado esgotada depois dessa terrível experiência para tentar sequer expressar o que sentia.
Mas sabia que logo teria que oferecer algumas respostas, a Lucan ao menos.
Os guerreiros se afastaram em meio de uma discussão sobre táticas e novas estratégias de batalha contra os renegados. Savannah e Danika empurraram imediatamente a Gabrielle em direção contrária, que se mostraram preocupadas com seus vários arranhões e contusões e insistiram em que comesse e se desse um comprido banho quente.
Gabrielle concordou a contra gosto, mas nem sequer as incríveis habilidades culinárias de Savannah nem o fragrante vapor do banho que lhe prepararam logo conseguiram relaxá-la.
A mente não parava de lhe dar voltas em relação a Lucan, Jamie e tudo o que tinha acontecido essa noite. Devia a vida a Lucan. Amava-lhe mais que a nenhuma outra coisa e sempre lhe estaria agradecida por havê-la resgatado, mas isso não trocava o que sentia a respeito de como foram as coisas entre ambos. Não podia permanecer no complexo dessa forma. E não importava o que lhe dissesse, não tinha intenção de ir a nenhum dos Refúgios Escuros.
Então, que possibilidade ficava? Tampouco podia voltar para seu apartamento. Sua velha vida já não era possível. Voltar para ela significaria que teria que negar tudo o que tinha experimentado com Lucan durante essas últimas semanas e esforçar-se por lhe esquecer. Teria que negar tudo o que agora sabia sobre si mesmo, e sobre sua conexão com a raça.
A verdade era que não sabia qual era seu lugar agora. Não sabia por onde começar a procurar, mas depois de dar voltas pelo labirinto de do complexo, Gabrielle se encontrou em pé ante a porta das habitações privadas de Lucan.
A porta que dava à habitação principal estava aberta e uma suave luz saía de dentro. Gabrielle a empurrou e entrou.
A luz de umas velas iluminava o dormitório adjacente. dirigiu-se para essa luz ambiental até que esteve na porta de entrada e parou ali, maravilhada do que viu. O austero dormitório de Lucan se havia convertido em um pouco saído de um sonho. Havia um castiçal de intrincada prata em cada esquina. A cama estava coberta por um cobertor de seda vermelho. No chão, diante da chaminé, havia um montão de almofadas e sedas carmesins. Era tão romântico, tão acolhedor.
Era uma habitação pensada para fazer o amor.
Deu um passo para o interior da habitação. A suas costas, a porta se fechou brandamente sozinha.
Não, não de tudo sozinha. Lucan estava ali, em pé, ao outro extremo da habitação e a estava observando. Tinha o cabelo molhado pela ducha. Levava uma bata solta de cetim vermelho que lhe caía até os tornozelos , e tinha um olhar quente nos olhos que se fundia no Gabrielle.
—Para você —lhe disse, assinalando o romântico ambiente.
— Para nós, esta noite. Quero que as coisas sejam especiais para você.
Gabrielle se sentiu comovida, e imediatamente excitada ao lhe ver, porem não podia suportar fazer amor depois de como tinham ficado as coisas entre eles.
—Quando fui esta noite, não pensava voltar —lhe disse de uma distância segura. Se aproximava mais, não acreditava que tivesse a força de lhe dizer o que tinha que dizer-lhe.
— Não posso voltar a fazer isto, Lucan. Necessito coisas de você que você não pode me dar.
—Me diga quais. —Foi uma ordem suave, mas uma ordem. Ele se aproximou dela com passos cautelosos, como se notasse que ela podia lhe rechaçar em qualquer momento.
— Me diga o que necessita.
Ela negou com a cabeça.
—Do que serviria?
Uns quantos passos lentos mais. Deteve-se um metro de distância dela.
—Eu gostaria de sabê-lo. Tenho curiosidade do que me custaria convencer-te de que fique comigo.
—Para passar a noite? —perguntou ela em voz baixa, odiando a si mesmo por quanto precisava sentir os braços dele ao redor de seu corpo depois de tudo o que lhe tinha acontecido durante essas últimas horas.
—Quero-te, e estou disposto a te oferecer algo, Gabrielle. Assim me diga o que é o que necessita.
—Sua confiança —lhe disse ela, pedindo uma coisa que sabia que se encontrava fora de seu alcance.
— Não posso... fazer isto mais, se você não confia em mim.
—Eu confio em ti — disse ele, com tanta solenidade que ela acreditou.
— Você é a única que me conheceu de verdade, Gabrielle. Não te posso ocultar nada. Viu-o tudo: o pior, certamente. Eu gostaria de ter a oportunidade de te mostrar a parte boa que há em mim. —aproximou-se um pouco mais. Ela notava o calor que emanava de seu corpo. Notava seu desejo.
— Quero que se sinta tão segura comigo como eu me senti contigo. Assim que a pergunta é: pode confiar em mim, agora que sabe tudo a respeito de mim?
—Sempre confiei em ti, Lucan. Sempre o farei. Mas não é isso...
—Pois o que, então? —perguntou ele, interrompendo sua rápida negativa.
—Diga-me que mais posso te dar para fazer que fique.
—Isto não vai funcionar —disse ela, retrocedendo um pouco.
— Não posso ficar. Não desta maneira. Não agora que meu amigo Jamie...
—Está a salvo. —Ao ver que lhe olhava com expressão de confusão, acrescentou—: Mandei a Dante ao exterior assim que chegamos para que fosse lhe buscar. Faz uns minutos que retornou e me informou que achou seu amigo em uma delegacia de polícia do centro da cidade e o levou a casa.
Gabrielle sentiu que o alívio a embargava, mas imediatamente a preocupação o substituiu.
—O que lhe disse Sante? Apagou-lhe a memória?
Lucan negou com a cabeça.
—Pensei que não era justo que eu tomasse esta decisão por ti. Dante simplesmente disse que você também estava a salvo e que lhe poriam em contato com ele muito em breve para lhe explicar tudo. O que ditas lhe contar ao seu amigo é tua coisa. Vê-o? Confiança, Gabrielle.
—Obrigado —murmurou ela, sentindo-se reconfortada pela consideração.
— Obrigado por me haver ajudado esta noite. Salvaste-me a vida.
—Então, por que me tem medo agora?
—Não te tenho medo —repôs, mas estava se separando dele, quase sem dar-se conta disso, mas a cama, que tinha detrás, bloqueou-lhe a escapatória. Em um instante ele esteve diante dela.
—Que mais quer de mim, Gabrielle?
—Nada —disse ela, quase em um sussurro.
—Nada absolutamente? —perguntou ele em tom grave e exigente.
—Por favor, não me faça desejar ficar esta noite quando amanhã vais desejar que vá. Deixa que vá agora, Lucan.
—Não posso fazer isso. —Tomou uma mão e a levou aos lábios. Gabrielle sentiu a calidez e a suavidade de seus lábios nos dedos e sentiu que era presa de um encantamento que somente ele podia lhe fazer. Ele levou a mão dela contra o peito, apertando a palma contra o mesmo, sobre o batimento de seu coração contra as costelas.
— Não poderei te deixar partir nunca, Gabrielle. Porque o queira ou não, tem meu coração. Tem meu amor, também. Se o aceitar.
Ela tragou saliva com dificuldade.
—O quê?
—Amo-te. —Pronunciou as palavras em voz baixa e com sinceridade, como uma carícia que ela sentiu no mais profundo do coração:
— Gabrielle Maxwell, amo-te mais que a vida. Estive sozinho durante muito tempo, e não soube me dar conta até que quase foi muito tarde. —Deixou de falar e a olhou aos olhos com intensidade.
— Não é... muito tarde, verdade?
Ele a amava.
Uma alegria, pura e brilhante, encheu-a para ouvir essas palavras do lábio de Lucan.
—Volta a dizê-lo —sussurrou ela, com a necessidade de saber que esse momento era real, que isso ia durar.
—Amo-te, Gabrielle. Até o último fôlego de vida que tenho. Amo-te.
—Lucan. —Pronunciou seu nome com um suspiro, com lágrimas nos olhos que lhe derramavam pelas bochechas.
Ele a tomou entre os braços e lhe deu um beijo comprido, profundo e apaixonado que fez que a cabeça desse voltas e o coração queria levantar o vôo. Sentia o sangue como fogo nas veias.
—Você merece a alguém muito melhor que eu —lhe disse com um tom de voz e expressão reverente.
— Conhece meus demônios. Pode me amar... aceitará-me... Apesar de conhecer minhas debilidades?
Tomou o rosto com a mão e olhou, lhe expressando com os olhos todo o amor que sentia.
—Você nunca foste débil, Lucan. E te amarei seja como for. Juntos podemos superar tudo.
—Você me faz acreditar nisso. Deste-me esperança. —Com um gesto amoroso, acariciou-lhe o braço, o ombro, a bochecha. Percorreu-lhe o rosto com o olhar enquanto o acariciava com a mão.
— Meu Deus, é tão deliciosa. Poderia ter a qualquer macho, da raça ou humano...
—Você é o único a quem quero.
Ele sorriu.
—Que Deus te ajude, mas não o aceitaria se fosse de outra maneira. Nunca desejei de forma tão egoísta como quero a você neste momento. Seja minha, Gabrielle.
—Sou-o.
Ele tragou saliva e baixou os olhos como se de repente se sentisse inseguro.
—Refiro-me para sempre. Não posso aceitar menos que isso. Gabrielle, aceitaria-me como companheiro?
—Para sempre —sussurrou ela, tombando-se de costas na cama e trazendo-o para si.
— Sou tua, Lucan, para sempre.
Voltaram a beijar-se, e esta vez, quando se separaram, Lucan alargou a mão até uma magra adaga de ouro que estava na mesinha ao lado da cama. Aproximou-a de seu rosto. Gabrielle se sobressaltou um pouco ao ver que ele
Levava-se a folha até os lábios.
—Lucan...
Ele a olhava com ternura e seriedade aos olhos.
—Você me deste seu sangue para me curar. Você me fortalece e me protege. Você é a única que quero, e a única que sempre necessitarei.
Nunca lhe tinha ouvido falar com tanta solenidade. As íris de seus olhos começavam a brilhar, a pálida cor cinza se misturava com a cor âmbar e com a profundidade de sua emoção.
—Gabrielle, quer me fazer a honra de aceitar meu sangue para cerrar nosso vínculo?
A voz de Gabrielle foi débil.
—Sim.
Lucan baixou a cabeça e levou a adaga até o lábio inferior. Logo a apartou e a olhou outra vez: seus lábios brilhavam com o escuro sangue vermelho.
—Vêem aqui. Deixa que te ame —lhe disse, unindo seus lábios escarlates com os dela.
Nada a teria podido preparar para o que sentiu ao provar pela primeira vez o doce sangue de Lucan.
Mais intenso que o vinho, instantaneamente embriagador, o sangue dele fluiu por sua língua com toda sua força e seu poder. Sentiu que uma luz a alagava do mais profundo de seu corpo e lhe oferecia uma pista do futuro que a esperava como companheira de Lucan. Encheu-se de felicidade, ficou ruborizada desse calor, e sentiu uma alegria que nunca antes tinha experimentado.
Sentiu desejo, também.
Mais intenso do que o havia sentido nunca.
Gabrielle emitiu um profundo gemido de desejo e empurrou a Lucan no peito para lhe tombar de costas. Tirou a roupa em um instante, subiu em cima dele e lhe montou escarranchada.
O sexo dele se enervava diante dela, grosso e forte como a pedra. Os formosos desenhos de sua pele tinham uma profunda cor púrpura com uma tintura avermelhada e adquiriam um tom mais profundo quando a olhava com desejo. Gabrielle se inclinou para frente e passou a língua pelas linhas sinuosas e intrincadas que lhe cobriam o corpo das coxas até o umbigo e subiam até os músculos do peito e os ombros.
Era dele.
Esse pensamento foi ferozmente possessivo, primitivo. Nunca lhe tinha desejado tanto como nesse momento. Ofegava e estava úmida e desejava lhe montar com força, lhe queimava por dentro.
Deus, era a isto ao que Savannah se referia quando dizia que um vínculo de sangue intensificava o ato amoroso?
Gabrielle olhava a Lucan com uma necessidade puramente carnal, quase sem saber por onde começar com ele. Desejava lhe devorar, lhe adorar, lhe utilizar. Aplacar o incêndio que sentia dentro do corpo.
—Deveria me haver avisado de que me tinha dado um afrodisíaco.
Lucan sorriu.
—E arruinar a surpresa?
—Ria, vampiro. —Gabrielle arqueou uma sobrancelha, tomou seu membro ereto e deslizou a mão por ele até a base com um movimento comprido.
— Me prometeu a eternidade. Vais arrepender- te.
—Ah, sim? —Mas foi mais um gemido estrangulado porque lhe montou e ele começou a mover-se com um rebolado de quadril desenfreado debaixo dela. Com olhos brilhantes, olhou-a e mostrou as presas ao sorrir, uma amostra clara de que desfrutava dessa tortura.
— Companheira, acredito que me vai encantar que o tente.
Capítulo vinte e quatro
As palavras de Lucan —e todas as coisas incríveis que lhe havia dito— ainda lhe ressonavam nos ouvidos enquanto saía debaixo da água da ducha do banho. Fechou o grifo e se secou com a toalha, esperando que a água quente lhe tivesse aliviado parte da dor e a confusão que sentia. Havia muitas coisas com as que devia enfrentar-se, e a menor delas não era o fato de que Lucan não tivesse nenhuma intenção de estar com ela.
Tentou dizer-se a si mesmo que não lhe tinha feito nenhuma promessa, mas isso somente o fazia sentir-se mais tola. Ele nunca lhe tinha pedido que pusesse seu coração aos seus pés; tinha-o feito ela sozinha.
Aproximou-se do espelho que ocupava todo o largo da parede do lavabo e se apartou o cabelo para olhar com atenção a marca de nascimento carmesim que tinha debaixo da orelha esquerda. Melhor dizendo, a marca de companheira de raça, corrigiu-se a si mesmo, enquanto observava a pequena lágrima que parecia cair na terrina da lua crescente.
Por alguma retorcida ironia, essa pequena marca no pescoço a unia ao mundo de Lucan e, apesar disso, era o mesmo que lhe impedia de estar com ele.
Possivelmente ela representava uma complicação que ele não queria ou não necesitava, mas o fato de haver-se encontrado com ele tampouco tinha feito que sua vida fora uma festa.
Graças a Lucan, ela se tinha metido em uma sangrenta guerra que havia parecer com os violadores em grupo uns fanfarrões de pátio. Ela tinha abandonado um dos melhores apartamentos do Beacon Hill, e ia perde-lo se não voltava e a trabalhar para pagar as faturas. Seus Amigos não tinham nem idéia de onde estava, e dizer-lhe nesse momento poria, provavelmente, suas vidas em perigo.
Para cúmulo de tudo isso, havia-se meio apaixonado por mais escuro e mortífero deles, o homem mais fechado emocionalmente que tinha conhecido.
Que, além disso, resultava ser um vampiro chupador de sangue.
E, que diabos, já que estava sendo sincera consigo mesma, não estava meio apaixonada por Lucan. Estava completa, inteira, perdidamente e sem poder superá-lo na vida apaixonada por ele.
—Bem feito —disse a seu miserável reflexo.
— Malditamente brilhante.
E Apesar de tudo o que lhe havia dito, não havia nada que desejasse mais que ir para lhe buscar ali onde estivesse no complexo e envolver-se com seus braços, o único lugar onde tinha encontrado algum consolo.
Sim, como se precisasse acrescentar a humilhação em público a humilhação íntima com que tentava enfrentar-se nesse momento. Lucan o tinha deixado muito claro: o que pudessem ter tido os dois —se é que houvesse tido verdadeiramente algo que estivesse além do físico—, terminou-se.
Gabrielle voltou para seu dormitório, recuperou sua roupa e seus sapatos e se vestiu depressa, desejosa de estar fora dos aposentos pessoais de Lucan antes de que ele voltasse e ela fizesse alguma coisa verdadeiramente estúpida. Bom, corrigiu-se ao ver os lençóis enrugados por haver feito amor, alguma coisa ainda mais estúpida.
Com a idéia de ir procurar a Savannah e, possivelmente, tentar encontrar um telefone fora do complexo —já que Lucan não o havia parecido adequado lhe devolver o celular— Gabrielle se escapuliu do dormitório. O pesseio resultava confuso, sem dúvida por causa de seu traçado, assim fez uns quantos giros errôneos até que finalmente reconheceu onde se encontrava. Estava perto das instalações de treinamento, a julgar pelo agudo som dos disparos contra os alvos.
afastou-se de uma esquina e se viu detida repentinamente por uma rígida parede coberta de pele e armas que se encontrava em seu caminho.
Gabrielle olhou para cima, e um pouco mais para cima, e se encontrou com uns olhos verdes e desconfiados que a olhavam com uma arrepiante expressão ameaçadora. Esses olhos frios e calculadores se cravaram nela desde detrás de uma cascata de cabelo avermelhado, como um gato que aconchega e valora a sua presa. Gabrielle tragou saliva. Um perigo evidente eemanava do corpo grande desse vampiro e da profundidade de seus olhos de depredador.
«Tegan.»
O nome desse macho desconhecido lhe veio a cabeça, o único dos seis guerreiros do complexo a quem ainda não tinha conhecido.
O mesmo com quem Lucan parecia compartilhar um mútuo e mau dissimuladou desprezo.
O guerreiro vampiro não se separou de seu caminho. Nem sequer reagiu quando ela teve se chocado contra ele, exceto pela ligeira careta que dava com os lábios quando seus olhos encontraram os peitos dela Aplastados contra a superfície de duro músculo justo debaixo do peito. Levava umas doze armas e essa ameaça se via reforçada por uns noventa quilogramas de músculo.
Ela deu um passo para trás e logo se fez a um lado para ficar em um lugar seguro.
—Sinto muito. Não me tinha dado conta de que estava aqui.
Ele não disse nenhuma palavra, mas ela sentiu como se tudo o que lhe estava acontecendo tivesse ficado exposto e visível ante ele em um instante: no instantâneo contato do corpo dela contra o dele. Ele a olhou com uma expressão gelada e desprovida de emoção, como se pudesse ver através dela. Embora não disse nada e não expressou nada, Gabrielle se sentiu diseccionada.
sentiu-se... invadida.
—Perdão —sussurrou.
No momento em que se moveu para passar de comprimento, a voz do Tegan a deteve.
—Né. —Sua voz era mais suave do que tivesse esperado; uma voz profunda, escura e áspera. Contrastava de forma peculiar com a desnudez do olhar, que não se moveu nem um milímetro,
— Faça um favor a você mesma e não te aproxime demasíado de Lucan. Há muitas posibilidades de que esse vampiro não viva muito mais tempo.
Disse-o sem rastro de emoção na voz, foi somente a plana constatação de um fato. O guerreiro passou por seu lado e levantou uma brisa atrás dele impregnada de uma apatia fria e perturbadora que lhe penetrou até os ossos.
Gabrielle se deu a volta para lhe olhar, mas Tegan e sua inquietante predição tinham desaparecido.
Lucan comprovou o peso de uma brilhante nove milímetros com a mão e logo levantou a arma e realizou uma série de disparos contra o alvo que se encontrava ao outro extremo da zona de tiro.
Apesar de que era agradável encontrar-se no terreno conhecido das ferramentas de seu ofício e sentir o sangue fervendo, a ponto para uma briga decente, uma parte dele continuava divagando sobre o encontro com Gabrielle. Apesar de tudo o que havia dito para aparta-la dele, tinha que admitir que se afeiçoou profundamente dela.
Quanto tempo acreditava ser capaz de continuar com ela sem render-se? Ou mais exatamente, como acreditava que seria capaz de suportar a idéia deixa-la partir? De mandá-la longe com a idéia de que ela se emparelharia com outro?
As coisas se estavam pondo indevidamente muito complicadá.
Deixou escapar uma maldição. Disparou outra série de balas e desfrutou com o estrondo do metal quente e com o aroma azedo no peito do alvo ao explodir por causa do impacto.
—O que pensa? —perguntou-lhe Nikolai, lhe olhando com seus olhos frios, limpos e cintilante.
_ Uma peça pequena e doce, não? Endiabradamente sensível, além disso.
—Sim. É agradável. Eu gosto. —Lucan pôs o fecho de segurança e jogou outra olhada a sua pistola.
— Uma Beretta 92FS convertida em automática com carregador. Bom trabalho, tio. Verdadeiramente bom.
Niko sorriu.
—Não te falei que as balas que vão levar os meninos. Hei trocado as pontas ocas de policarbonato das balas. tirei a pólvora das pontas e a substituí por pó de titânio.
—Isso deve provocar um horrível desastre no sistema sangüíneo desses chupões —acrescentou Dê, que se encontrava sentado no bordo de uma vitrine de armas afiando umas facas.
Sem dúvida, o vampiro tinha razão a respeito. Nos velhos tempos, a forma mais limpa de matar a um renegado consistia em separar a cabeça do corpo. Isso funcionava bem quando as espadas eram a arma habitual, mas a tecnologia moderna tinha apresentado novos desafios para ambos os bandos.
Não foi até princípios de 1900 quando a raça descobriu o efeito corrosivo do titânio no sistema sangüíneo sobreactivo dos vampiros renegados. Devido a uma alergia que tinha aumentado por causa de mudanças celulares no sangue, os renegados reagiam ao titânio como um efervescente reage em contato com a água.
Niko tomou a arma de Lucan e lhe deu uns golpezinhos, como se fora um prêmio.
—O que tem aqui é um autêntico destruidor de renegados.
—Quando podemos prová-la?
—Que tal esta noite? —Tegan tinha entrado sem fazer ruído, mas sua voz atravessou a habitação como o rugido de uma tormenta.
—Refere a esse lugar que encontrou perto do porto? —preguntóu Dante.
Tegan assentiu com a cabeça.
—Provavelmente seja uma guarida que albergue possivelmente a uma dúzia de indivíduos, mais ou menos. Acredito que ainda estão verdes, acabam de comverter-se em renegados. Não será muito difícil acabar com eles.
—Faz bastante tempo que não fazemos uma batida para limpar uma casa —comentou Rio, arrastando as palavras e com um amplo sorriso de satisfação.
— Me parece que será uma festa.
Lucan devolveu a arma a Nico e olhou ao outros com o cenho franzido.
—por que diabos me acabo de inteirar disto agora?
Tegan lhe olhou com expressão categórica.
—Tem que te pôr um pouco ao dia, tio. Enquanto você estava encerradou com sua fêmea durante toda a noite, nós estávamos acima fazendo nosso trabalho.
—Isto foi um golpe baixo —disse Rio.
— Inclusive vindo de você, Tegan.
Lucan recebeu o golpe com um silêncio calculado.
—Não, tem razão. Eu deveria ter estado aí acima me ocupando do trabalho. Mas tinha que me encarregar de algumas coisas aqui embaixo. E agora já terminei. Já não vão ser um problema nunca mais.
Tegan lhe dirigiu um sorrizinho de suficiência.
—De verdade? Porque tenho que te dizer que faz uns minutos hei visto a nova companheira de raça na sala e a encontrei bastante inquieta. Parecia que alguém tivesse quebrado o coração dessa pobre garota. Deu-me a sensação de que necessitava que alguém lhe fizesse as coisas mais fáceis.
Lucan respondeu ao vampiro com um furioso e escuro rugido de raiva.
—O que lhe disse? Tocou-a? Se lhe tiver feito algo...
Tegan rio, verdadeiramente divertido.
—Calma, tio. Não faz falta que saia de suas casinhas desta maneira. Sua fêmea não é meu assunto.
—Pois recordem isto —disse Lucan. deu-se a volta para enfrentar-se aos olhares de curiosidade de outros vampiros.
— Ela não é assunto de nenhum de vocês, está claro? Gabrielle Maxwell se encontra sob meu amparo pessoal enquanto esteja neste complexo. Quando tiver ido a um dos Refúgios Escuros, tampouco será meu assunto.
Necessitou um minuto para tranqüilizar-se e não render-se ao impulso de enfrentar-se diretamente com o Tegan. Um dia, provavelmente chegaria a faze-lo . E Lucan não podia culpar por completo a esse macho por sentir rancor. Se Tegan era um bode desumano e mesquinho, Lucan era quem lhe tinha ajudado a ser assim.
—Podemos voltar para o trabalho agora? —disse com um grunhido, desafiando a que ninguém lhe desafiasse.
— Preciso ouvir dados a respeito desse refúgio.
Tegan se lançou a lhe oferecer uma descrição do que tinha observado nesse provável refúgio de renegados e comunicou suas sugestões a respeito de como podiam fazer uma batida nele. Apesar de que a fonte dessa informação chateava um pouco a Lucan, não podia pensar em nenhuma forma melhor de obter que passasse o mau humor que realizando uma ofensiva contra seus inimigos.
Deus sabia que se se encontrava perto de Gabrielle outra vez, todas essas fanfarronadas sobre o dever e de fazer o correto se converteriam em pó. Fazia duas horas que a tinha deixado em seu dormitório e ela todavia era o principal em sua cabeça. A necessidade dela ainda o desgarrava cada vez que pensava em sua cálida e suave pele.
E pensar em como a tinha ferido-lhe fazia sentir um buraco no peito. Ela tinha demonstrado ser uma verdadeira aliada quando lhe havia aberto frente aos demais guerreiros. Lhe tinha acompanhado através desse inferno íntimo a outra noite, tinha estado a seu lado, tão tenra e amorosa como qualquer macho pudesse desejar de sua amada companheira.
Uma idéia perigosa, olhasse-a por onde a olhasse.
Deixou que a discussão a respeito dos renegados continuasse, e esteve de acordo em que tinham que dar o golpe contra esses selvagens no lugar onde viviam em vez de ir para lhes buscar um por um na rua.
—Encontraremo-nos aqui ao pôr-do-sol para nos preparar e sair.
O grupo de guerreiros se dispersou e Tegan saiu a passo lento detrás dele.
Lucan pensou nesse estóico solitário que se sentia tão deploravelmente orgulhoso pelo fato de não necessitar a ninguém. Tegan se mantinha afastado e isolado por vontade própria. Mas nem sempre tinha sido assim. Uma vez tinha sido um menino brilhante, um líder nato. Tivesse podido ser alguém grande... tinha-o sido, na verdade. Mas todo isso trocou no curso de uma noite terrível. A partir desse momento, começou a descer por uma espiral. Tegan tocou fundo e nunca se recuperou.
E apesar de que nunca o tinha admitido ante esse guerreiro Lucan nunca se perdoaria a si mesmo o papel que ele tinha jogado nessa queda.
—Tegan, espera.
O vampiro se deteve com uma reticência evidente. Não se deu a volta, simplesmente ficou em silencio com um gesto de arrogância no corpo esperando a que outros guerreiros saíssem em fila das instalações de treinamento para o corredor. Quando estiveram sozinhos, Lucan se esclareceu garganta e falou com seu irmão de primeira geração.
—Você e eu temos um problema, Tegan.
Ele soltou ar pelo nariz.
—vou avisar aos meios.
—Este assunto entre nós não vai desaparecer. Faz muito tempo, choveu muito após. Se tiver que saldar contas
comigo...
—Esquece-o. É história passada.
—Não é se não podermos enterrá-la.
Tegan soltou uma risada zombadora e, por fim, deu-se a volta para lhe olhar.
—Quer me dizer algo, Lucan?
—Só quero te dizer que começo a compreender o que te custou. O custo que eu te supus. —Lucan meneou a cabeça devagar e se passou uma mão pela cabeça.
— Tegan, tem que saber que se tivesse havido alguma outra forma... Acredito que tudo teria sido distinto.
—Lucan, está tentando te desculpar comigo? —Os olhos verdes do Tegan tinham um olhar tão duro que tivesse podido cortar um cristal.
— Me Evite isto, tio. Chega uns quinhentos anos tarde. E senti-lo não muda uma merda as coisas, não é verdade?
Lucan apertou as mandíbulas com força, assombrado de não tar um verdadeiro zango nesse macho grande em lugar de sua habitual e fria apatia.
Tegan não lhe tinha perdoado. Nem sequer o tinha considerado.
Depois de todo esse tempo, não acreditava provável que o fizesse nunca.
—Não, Tegan. Tem razão. Senti-lo não troca as coisas.
Tegan lhe olhou durante um comprido momento, logo se deu a volta e saiu da habitação.
A música em direto soava desde uns alto-falantes do tamanho de um frigorífico diante do subterrâneo clube privado noturno. .. embora a plavra «música» era um qualificativo generoso para descrever os patéticos e discordantes acordes de violão. Os membros do grupo se moviam como autômatos no cenário, arrastavam as palavras e perdiam o compasso mais vezes das que o seguiam. Em uma palavra, eram horríveis.
Mas como se podia esperar que uns seres humanos atuassem com alguma competência ao encontrar-se diante de uma multidão de sedentos vampiros?
Protegido por uns óculos escuros, o líder dos renegados entrecerró os olhos e franziu o cenho. Já tinha uma horrorosa dor de cabeça ao chegar, fazia muito pouco momento, mas agora sentia as têmporas como se estivessem a ponto de lhe estalar. Recostou-se contra as almofadas em seu reservado, aburrido dessas festas sangrentas. Com um leve gesto da mão fez que uns de seus guardas se aproximasse dele. Logo fez um gesto de desprezo em direção ao cenário.
—Que alguém lhes alivie de seu sofrimento. Por não falar do meu.
O vigilante assentiu com a cabeça e respondeu com um vaio. Fez uma careta que descobriu umas presas enormes que se sobressaíam de seu boca, que já salivava ante a possibilidade de outra massacre. O renegado saiu a passo rápido para cumprir as ordens.
—Bom cão —murmurou seu poderoso amo.
Nesse momento soou seu telefone celular e se alegrou de ter a oportunidad de sair a respirar um pouco o ar. No cenário havia começado um novo barulho e a banda de música calou sob o repentino ataque de um grupo de renegados frenéticos.
Enquanto a completa anarquia estalava no clube, o líder se dirigiu a sua habitação privada de atrás do cenário e tirou o telefone celular do bolso interior de seu casaco. Tinha acreditado que se encontraria com o número ilocalizavel de um de seus muitos serventes, a maioria dos quais tinham sido enviados a procurar informação sobre Gabrielle Maxwell e sobre sua relação com a raça.
Mas não era um deles.
Deu-se conta disso assim que abriu o aparelho e viu o número oculto piscando na tela.
Intrigado, respondeu a chamada. A voz que ouviu o outro extremo da linha não lhe era desconhecida. Fazia alguns trabalhos ilegais com esse indivíduo fazia muito pouco tempo e ainda tinham umas quantas coisas por discutir. A seu requerimento, o tipo lhe ofereceu uma série de detalhes a respeito de uma batida que ia se realizar essa mesma noite em um dos locais mais pequenos que os renegados tinham na cidade.
Em questão de segundos soube tudo o que necessitava para conseguir que essa batida se girasse a seu favor: a localização, os presuntos métodos dos guerreiros e a rota, e seu plano de ataque básico. Tudo com a condição de que um membro da raça se salvasse da vingança. Mas este único guerreiro não ficaria completamente a salvo, simplesmente receberia as suficientes feridas para que não pudesse voltar a lutar nunca mais. O destino do resto de guerreiros, incluindo ao quase imparavel Lucan Thorne, era decisão dos renegados.
A morte de Lucan já tinha formado parte de seu acordo uma vez, anteriormente, mas a execução da tarefa não tinha sido como tinham planejado. Esta vez, seu interlocutor queria ter a segurança de que essa ação sim se levaria a cabo. Inclusive chegou tão longe que lhe recordou que já lhe tinham dado uma remuneração considerável por realizar essa tarefa que ainda tinha que cumprir.
—Estou bem informado de nosso acordo —repôs, com fúria.
— Não me tente a te pedir um pagamento maior. Prometo-te que não o vais lamentar.
Apagou o aparelho com uma maldição, cortando a resposta diplomática que o outro iniciou atrás de sua ameaça.
Os dermoglifos que tinha na boneca brilhavam com um profundo tom que delatava sua fúria. As cores trocavam entre o desenho de outras marca que se fez ao tatuar na pele para dissimular estes. Não gostava de ter tido que ocultar sua linhagem —seu direito de nascimento— com tinta e secretismo. Detestava ter que levar uma existência oculta, quase tanto como detestava a todos aqueles que se interpunham no camino de conseguir seus objetivos.
Voltou para a zona principal do clube, ainda zangado. Na escuridão, seu olhar tropeçou com seu tenente, o único renegado da história recente que tinha olhado a Lucan Thorne aos olhos e que tinha podido contá-lo. Fez um sinal a esse macho enorme para que se aproximasse e logo lhe deu as ordens para que se encarregasse da diversão e os jogos dessa noite.
Sem ter em conta suas negociações secretas, queria que essa noite, quando toda a fumaça se dissolvesse, Lucan e todos quão guerreiros estavam com ele estivessem mortos.
Capítulo vinte e cinco
Ele a evitou durante o resto do dia, o qual a Gabrielle pareceu que dava igual. Agora, justo depois do anoitecer, Lucan e os outros cinco guerreros saíam das instalações de treinamento como uma unidade militar, todos eles a viva imagem de uma ameaça, vestidos com couro negro e carregados de armas letais. Inclusive Gideon se uniu a batida dessa noite e tinha tomado o lugar do Conlan.
Savannah e Eva tinham esperado no corredor para lhes ver sair e se acercaram a seus companheiros para lhes dar um comprido abraço. Intercambiaram umas palavras íntimas em voz baixa e em tom amoroso, uns tenros beijos que denotavam o temor das mulheres e a atitude tranqüilizadora dos homens para lhes assegurar de que voltariam para elas sãs e salvos.
Gabrielle se encontrava a certa distancia, no vestíbulo, e se sentia uma estranha enquanto observava a Lucan dizendo algo a Savannah. A companheira de raça assentiu com a cabeça e lhe depositou um pequeno objeto na mão enquanto levantava a vista por cima do ombro dela e a dirigia para o Gabrielle. Não disse nada, não fez nenhum movimento para aproximar-se dela, mas seu olhar se atrasou um pouco nela, observando-a do outro lado do amplo espaço que lhes separava nesses momentosse.
E então se foi.
Lucan, que caminhava diante de outros, girou a esquina ao final do corredor e desapareceu. O resto do grupo lhe seguiu, e a seu passo somente ficou o seco ressonar dos saltos das botas e o ruído metálico dos aços.
—Está bem? —perguntou-lhe Savannah, aproximando-se de Gabrielle e passando um braço pelos ombros com amabilidade.
—Sim. Me passará.
—Queria que te desse isto. —Ofereceu-lhe o telefone celular do Gabrielle.
— uma espécie de oferta de paz?
Gabrielle tomou e assentiu com a cabeça.
—As coisas não vão bem entre nós agora mesmo.
—Sinto muito. Lucan há dito que confia em que entenda que não pode ir do complexo nem lhes dizer a seus amigos onde está. Mas se quer lhes chamar...
—Obrigado. —Olhou À companheira do Gideon e conseguiu sorrir levemente.
—Se quer ter um pouco de intimidade, ponha cômoda onde queira. —Savannah lhe deu um breve abraço e logo olhou a Eva, que acabava de unir-se a elas.
—Não sei vocês —disse Eva, seu bonito rosto gasto pela preocupação—, mas iria bem uma taça. Ou três.
—Possivelmente as três venha bem um pouco de vinho e de companhia — respondeu Savannah.— Gabrielle, vêem te unir conosco quando termine. Estaremos em minhas habitações.
—De acordo. Obrigado.
As duas mulheres saíram juntas, falando em voz baixa, com os braços entrelaçados enquanto percorriam o sinuoso corredor em direção aos Aposentos do Savannah e do Gideon. Gabrielle partiu na direção contrária, sem saber onde desejava estar.
Isso não era de tudo certo. Desejava estar com Lucan, em seus braços, mas era melhor que superasse esse desejo desesperado, e logo. Não tinha intenção de lhe suplicar que estivesse com ela, e caso que consiguisse voltar inteiro depois da batida dessa noite, era melhor que se preparasse para tirar-lhe completamente da cabeça.
Dirigiu-se para uma porta aberta que havia em um ponto tranqüilo e pouco iluminado do vestíbulo. Uma vela brilhava dentro da habitação vazia: a única luz nesse lugar. A solidão e o aroma de incenso e a madera velha a atraíram. Era a capela do complexo; recordava ter passado por ali durante a visita com o Savannah.
Gabrielle caminhou entre duas filas de bancos em direção a um pedestal que se levantava no outro extremo da habitação Era ali onde se encontrava a vela: sua chama estava profundamente aninhada no centro e irradiava um suave resplendor carmesim. Sentou-se em um dos bancos de diante e ficou uns momentos simplesmente respirando, deixando que a paz do santuário a envolvesse.
Conectou o telefone celular. O símbolo de mensagens estava piscando. Gabrielle apertou a tecla da secretaria de voz e escutou a primeira chamada. Era de Megan, de fazia dois dias, mais ou menos a mesma hora em que tinha chamado ao apartamento do Gabrielle depois do ataque do sirviente no parque.
«Gaby, sou eu outra vez. Deixei-te um montão de mensagens em casa, mas não me chamaste. Onde está? Estou-me preocupando de verdade! Não acredito que deva estar sozinha depois do que aconteceu. Chama-me assim que ouça esta mensagem: e quero dizer no mesmo momento em que o receba, de acordo?»
Gabrielle apagou a mensagem e passou ao seguinte, que era da noite anterior, Às onze. Ouviu a voz da Kendra, que parecia um pouco cansada.
«Né. Está em casa? Responde, se estiver. Merda, suponho que é um pouco tarde: sinto muito. Provavelmente esteja dormindo. Bom, queria chamar os meninos, para ver se íamos de taças ou algo, possivelmente a outra sala? Que tal manhã de noite? Me chame.»
Bom, pelo menos Kendra estava bem fazia umas quantas horas. Isso aliviou parte da preocupação que sentia. Mas ainda ficava o asunto do menino com quem tinha estado saindo. O renegado, corrigiu-se Gabrielle, com um estremecimento de medo ao pensar na proximidade de sua amiga ao mesmo perigo que lhe estava pisando nos pés a ela.
Passou ao última mensagem. Megan outra vez, fazia somente duas horas.
«Olá, carinho. Era uma chamada de comprovação. vais chamar me alguma vez e me dirá como foi na delegacia de polícia a outra noite? Estou segura de que seu detetive se alegrou de verte, mas sabe que morro por saber todos os detalhes de como foi de intensa sua alegria.»
O tom de voz do Megan era tranqüilo e brincalhão, perfeitamente normal. Completamente distinto ao pânico das primeiras mensagens que hábía deixado no telefone de casa do Gabrielle e em seu telefone celular.
Deus, isso estava bem.
Porque não havia nenhum motivo de alarme por ela, nem por seu amigo policial, dado que Lucan lhes tinha apagado a memória.
«Bom, fiquei com o Jamie para jantar esta noite no Ciao Bela... seu favorito. Se pode arrumá-lo, vêem. Estaremos ali Às sete.Para você guardaremos um assento.»
Gabrielle marcou o botão de pendurar e olhou a hora no telefone: as sete e vinte.
Devia a seus amigos, pelo menos, chamar e lhes fazer saber que se encontrava bem. E uma parte dela desejava ouvir suas vozes, já que eram a única conexão com a vida que tinha antes. Lucan Thorne tinha dado a volta a sua vida por completo. Apertou o botão de marcação rápida do celular do Megan e esperou com ânsia enquanto o telefone soava. No mesmo momento em que seu amiga respondeu, Gabrielle ouviu uma conversação apagada.
—Olá, Meg.
—Né... por fim! Jamie, é Gabby!
—Onde está essa garota? vai vir ou o que?
—Ainda não sei. Gabby, vais vir?
Para ouvir a familiar desordem do bate-papo de seus amigos, Gabrielle desejou estar ali. Desejou que as coisas pudessem voltar a ser como eram antes de...
—Né... Não posso. surgiu um assunto e...
—Está ocupada —disse Megan a Jamie.
—Mas, onde está? Kendra me chamou hoje, estava-te procurando. Há-me dito que tinha ido a seu apartamento mas que não parecia que estivesse em casa.
—Kendra apareceu por aí? Viu-a?
—Não, mas quer reunir-se com todos nós. Parece que há terminado com esse menino que conheceu na discoteca.
—Brent —acrescentou Jamie em voz alta
—Têm quebrado?
—Não sei —respondeu Megan—. Lhe perguntei como ia com ele e ela somente me disse que já não se estavam vendo.
—Bem —repôs Gabrielle, muito aliviada—. São muito boas notícias.
—Bom, e você? Quem é tão importante como para que não jante esta noite?
Gabrielle franziu o cenho e olhou ao seu redor. Na sala havia levantado um pouco a brisa e a chama vermelha da vela tremeu. Ouviu uns pés suaves e uma afogada exclamação de surpresa de alguém que tinha entrado e se deu conta de que a sala estava ocupada. Gabrielle se deu a volta e viu uma loira alta na porta de entrada. A mulher olhou a Gabrielle com expressão de desculpa e logo se dispôs a sair.
—Estou... isto... fora da cidade, agora mesmo —disse a seus amigos em voz baixa.
— Certamente estarei fora uns quantos dias. Possivelmente mais.
—Fazendo o que?
—Né, estou fazendo um trabalho por encargo —mentiu Gabrielle, diando ter que fazê-lo, mas sem encontrar outra alternativa.
— Chamarei assim que possa. Se cuidem. Quero-lhes.
—Gabrielle...
Pendurou antes de que a obrigassem a dizer nada mais.
—Sinto-o —lhe disse a mulher loira enquanto Gabrielle se aproximava dela.
— Não me tinha dado conta de que a habitação estava ocupada.
—Não o está. Por favor, fique. Só estava... —Gabrielle soltou um suspiro.
— Acabo de mentir a meus amigos.
—OH. —Uns amáveis olhos de cor azul pálida a olharam comprensivamente.
Gabrielle fechou o telefone e passou um dedo por cima da carcasa chapeada e polida.
—Deixei meu apartamento precipitadamente a outra noite para vir aqui com Lucan. Nenhum de meus amigos sabe onde estou, nem por que tive que partir.
—Compreendo. Possivelmente algum dia lhes possa dar alguma explicação.
—Isso espero. Não quero lhes pôr em perigo lhes contando a verdade.
A mulher assentiu com a cabeça, pormenorizada, e seu halo de cabelo comprido e loiro seguiu o movimento.
—Você deve ser Gabrielle. Savannah me há dito que Lucan havia trazido para uma mulher que estava sob seu amparo. Sou Danika. Sou... era... a companheira do Conlan.
Gabrielle aceitou a esbelta mão que Danika lhe ofereceu como saudação.
—Sinto muito sua perda.
Danika sorriu com uma expressão triste nos olhos. Soltou a mão do Gabrielle e, sem dar-se conta, baixou a sua para acariciar o abdômen, imperceptivelmente inchado.
—Queria ir para te buscar para te dar a bem-vinda, mas imagino que não sou a melhor das companhias neste momento. Não tive muita vontade de sair de minhas habitações durante estes últimos dias. Todavía está sendo muito difícil para mim, tentar realizar este... ajuste. Tudo é tão distinto agora.
—É obvio.
—Lucan e outros guerreiros foram muito generosos comigo. Cada um deles me jurou amparo quando a necessitar, esteja onde esteja. Para mim e para meu filho.
—Está grávida?
—Desde quatorze semanas. Desejava que este fora o primeiro de muitos filhos. Estávamos tão iludidos com nosso futuro. Tínhamos esperado muito tempo a fundar nossa família.
—por que esperaram? —Gabrielle franziu o cenho assim que se deu conta de que tinha feito a pergunta.
— O sinto, não tento bisbilhotar. Não é meu assunto.
Danika estalou a língua, lhe tirando importância.
—Não há necessidade de desculpar-se. Não me importa que me faça prerguntas, de verdade. Para mim é bom falar de meu Conlan. Vêem, vamos sentar nos um momento —lhe disse, conduzindo a Gabrielle até uma das cadeiras bancos da capela.
—Conheci Conlan quando era só uma menina. Meu povo da Dinamarca tinha sido saqueado por uns invasores, ou isso acreditávamos. A verdade é que eram um grupo de renegados. Mataram a quase todo mundo, as mulheres velhas e aos meninos, Aos velhos de nossa aldeia. Ninguém estava seguro. Um grupo de guerreiros da raça chegou a metade do ataque. Conlan era um deles. Resgataram a tantos dos nossos como puderam. Quando descubriram minha marca, levaram-me a Refúgio Escuro mais próximo. Foi ali onde aprendi tudo a respeito da nação dos vampiros e do lugar que eu ocupava nela. Mas não podia deixar de pensar em meu salvador. Foi coisa do destino que, ao cabo de uns anos, Conlan fora outra vez a essa zona. Eu estava tão iludida de lhe ver. Imagine a comoção que senti ao saber que ele tampouco se esqueceu de mim.
—Quanto faz disso?
Danika quase não teve que deter-se para calcular o tempo.
—Conlan e eu compartilhamos quatrocentos e dois anos juntos.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle—. Tanto tempo...
—passou em um abrir e fechar de olhos, se te disser a verdade. Não te mentirei te dizendo que sempre foi fácil ser a mulher de um guerreiro, mas não trocaria nem um só instante. Conlan acreditava por completo no que estava fazendo. Queria um mundo mais seguro, para mim e para nossos filhos que estavam por chegar.
—E por isso esperou todo este tempo para conceber um filho?
—Não queríamos fundar nossa família enquanto Conlan sentisse que precisava permanecer com a Ordem. Estar em primeira linha não é o melhor para os meninos, e esse é o motivo pelo que não há famílias entre os membros da classe dos guerreiros. Os perigos são muito grandes, e nossos companheiros precisam poder concentrar-se únicamente em sua missão.
—Não se dão acidentes?
—Os embaraços acidentais são completamente desconhecidos na raça porque nós necessitamos algo mais sagrado que o simples sexo para conceber. O momento de fertilidade das companheiras de raça é durante a lua crescente. Durante este momento crucial, se desejamos conceber um filho, nossos corpos devem conter tanto a semente de nosso companheiro como seu sangue. É um ritual sagrado que ninguem planeja realizar as pressas.
A idéia de poder compartilhar esse profundo e íntimo ato com Lucan fez que Gabrielle sentisse que o centro de seu ser entrava em calor. A idéia de unir-se dessa forma com outro, de engordar com o filho de outro que não fora Lucan, era uma possibilidade que se negava a ter em conta. Preferia estar sozinha, e provavelmente o estaria.
—O que vais fazer agora? —perguntou-lhe, rompendo o silêncio em que se ficou ao imaginar sua própria solidão futura.
—Ainda não sei —respondeu Danika.
— Sim sei que não vou unir-me com nenhum outro macho.
—Não necessita um companheiro para continuar jovem?
—Conlan era meu companheiro. Agora que ele se foi, uma só vida já será muito tempo. Se me negar a ter um vínculo de sangue com outro macho, simplesmente envelhecerei de forma natural daqui em diante, igual que antes de conhecer Conlan. Simplesmente serei... mortal.
—Morrerá —disse Gabrielle.
Danika sorriu com expressão decidida, mas não de tudo triste.
—Ao final.
—Aonde irá?
—Conlan e eu tínhamos planejado nos retirar a um dos Refúgios Escuros da Dinamarca, onde eu nasci. Ele queria isso para mim, mas agora acredito que prefiro criar a seu filho em Escócia para que tenha a oportunidade de conhecer algo de seu pai Através da terra que ele tanto amava. Lucan já começou a fazer os preparativos para que possa ir quando dita que estou preparada.
—Isso foi amável por sua parte.
—Muito amável. Quando veio a me buscar para me dar a notícia, e para me prometer que meu filho e eu sempre estaríamos em comunicação direta com ele e com o resto da Ordem se por acaso alguma vez necessitávamos algo, não me podia acreditar isso. Foi o dia do funeral, só umas quantas horas depois do mesmo, e suas queimaduras ainda eram extremamente gravê. E apesar disso, ele estava mais preocupado por meu bem-estar.
—Lucan sofreu queimaduras? —Gabrielle sentiu que um sentimento de alarme lhe assaltava o coração.
— Quando? E como?
—Faz só três dias, quando realizamos o ritual funerário do Conlan. —Danika arqueou as finas sobrancelhas—. Não sabia? Não, claro que não o sabia. Lucan nunca mencionaria esse ato de honra, nem o dano que sofreu para levá-lo a cabo. Olhe, a tradição funerária da raça estabelece que um vampiro deve levar o corpo do morto fora para que os elementos da natureza o recebam —disse, fazendo um gesto em direção a uma sombria esquina da capela onde havia uma escura escada.
— É um dever que mostra um grande respeito e exige um grande sacrifício porque, uma vez fora, o vampiro que atende a seu irmão deve ficar ao seu lado durante oito minutos durante a saída do sol.
Gabrielle franziu o cenho.
—Mas eu acreditava que a pele de um vampiro não suporta os raios do sol.
—Não, não os suporta. Sofre queimaduras graves e de forma muito rápida, mas ninguém sofre mais que um vampiro de primeira geração. Os mais velhos da raça sofrem mais, inclusive em um tempo de exposição muito breve.
—Como Lucan —disse Gabrielle.
Danika assentiu com expressão solene.
—Para ele, estar exposto oito minutos a saída do sol deve haver sido insuportável. Mas o fez. Pelo Conlan, deixou que seu corpo se queimasse. Inclusive tivesse podido morrer ali acima, mas não tivesse deixado que ninguém mais assumisse o peso de oferecer repouso a meu amado Conlan.
Gabrielle recordou a urgente chamada Telefónica que tinha tirado Lucan fora da cama em meio da noite. Não lhe tinha contado do que se tratava. Tampouco tinha compartilhado sua perda com ela.
Sentiu que a dor lhe retorcia o estômago ao pensar no que tinha suportado, segundo a descrição da Danika.
—Falei com ele... esse mesmo dia, de fato. Por sua voz soube que algo ia mau, mas ele o negou. Parecia tão cansado, mais que exausto. É esta me dizendo que sofreu queimaduras pela luz ultravioleta?
—Sim. Savannah me contou que Gideon o encontrou não muito tempo depois. Lucan tinha queimaduras da cabeça aos pés. Não podia abrir os olhos a causa da dor e a inflamação, mas rechaçou qualquer tipo de ajuda para voltar para suas habitações para curar-se.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle, estupefata—. Ele nunca me contou isso, não me contou nada disto. Quando lhe vi mais tarde, essa noite... só ao cabo de umas horas, parecia completamente normal. Bom, o que quero dizer é que parecia e atuava como se nada mau lhe tivesse ocorrido.
—A pureza de linha de sangue de Lucan lhe faz sofrer mais, mas também lhe ajuda a curar-se mais depressa das queimaduras. Inclusive então não foi fácil para ele; ele necessitaria uma grande quantidade de sangue para repôr seu corpo depois de um trauma tão forte. Quando esteve o bastante bem para abandonar o complexo e ir de caça, devia ter uma fome voraz.
Tinha-a tido. Gabrielle se dava conta agora. A lembrança de lhe ver alimentar do servente a quem tinha matado lhe passou pela mente, mas agora tinha um significado distinto, já não lhe parecia o ato monstruoso que lhe tinha parecido de forma superficial, a não ser um meio de sobrevivemcia. Tudo adquiria um significado novo desde que conhecia Lucan.
Ao princípio, tinha-lhe parecido que a guerra entre os da raça e seus inimigos não era mais que um mal enfrentado a outro, mas agora não podia evitar sentir que também era sua guerra. Ela se jogava algo no desenlace, e não somente pelo fato de que seu futuro se encontrava ligado a este estranho mundo. Para ela era importante que Lucan ganhasse não só a guerra contra os renegados, mas também a devastadora guerra pessoal que liberava em privado.
Estava preocupada com ele, e não podia ignorar a queimação de medo que tinha começado a sentir na base das costas desde que ele e os outros guerreiros tinham abandonado o complexo para ir de batida.
—Quer-lhe muito, verdade? —perguntou-lhe Danika. Entre elas se havia feito um angustiante silêncio.
—Quero-lhe, sim. —Olhou a mulher aos olhos e não encontrou motivo para esconder uma verdade que, provavelmente, se traslucía em seu rosto.
— Posso te dizer uma coisa, Danika? Tenho uma horrível sensação a respeito do que está fazendo esta noite. E para piorá-lo, Tegan disse que não acreditava que Lucan fora a viver muito mais. quanto mais momento levo aqui sentada, mais medo tenho de que Tegan possa ter razão.
Danika franziu o cenho.
—Falaste com o Tegan?
—Tropecei-me com ele —literalmente— muito recentemente . Disse-me que não me afeiçoasse muito de Lucan.
—Porque acreditava que Lucan ia morrer? —Danika deixou escapar um comprido suspiro e meneou a cabeça—. Esse parece desfrutar pondo a outros no fio. Provavelmente o há dito somente porque sabe que isso te inquietará.
—Lucan disse que entre eles havia animosidade. Crie que Tegan é de confiar?
Pareceu que a companheira de raça loira o pensava um momento.
—Posso dizer que a lealdade é uma parte importante do código dos guerreiros. È tudo para esses machos, faz-os um. Nada deste mundo pode lhes fazer violar essa confiança sagrada. —levantou-se e tomou a mão do Gabrielle.
— Vêem. vamos procurar a Eva e a Savannah. E a espera será menos larga para todas se não a passarmos sozinhas.
Capítulo vinte e seis
Do ponto de observação onde estavam apostados em um dos edifícios do porto, Lucan e outros guerreiros observaram um pequeno caminhão cujas rodas cromadas cuspiam cascalho, dirigir-se a localização que estavam vigiando. O condutor era um ser humano. Se seu aroma a suor e a ansiedade não tivesse delatado, a música country que saía estrondosamente pelo guichê aberto o tivesse feito. Saiu do veículo com uma bolsa de papel marrom repleta de algo que cheirava a arroz frito e porco.
—Parece que os meninos jantam dentro esta noite —disse Dê. O confiado mensageiro comprovou o papel branco que tinha grampeado no pedido e olhou para o dique com cautela.
O condutor se aproximou da porta de entrada do armazém, dirigiu outro olhar nervoso ao seu redor, soltou um juramento em meio da escuridão e apertou o timbre. Não havia nenhuma luz dentro do edifício, somente havia o feixe de luz amarela que caía da lâmpada nua que pendurava em cima da porta. Lucan viu os olhos ferozes de um Renegado e o mensageiro gaguejou umas palavras do pedido e alargou o papel para o buraco escuro que se aberto diante dele.
—O que quer dizer trocando-o? —perguntou o cowboy urbano com um forte acento de Boston.
— Que diabos...?
Uma enorme mão lhe sujeitou pelo peito da camisa e lhe levantou do chão. ele chiou e em seu ataque de pânico conseguiu largar-se da mão do renegado.
—Uf! —exclamou Niko desde sua posição perto da cornija.
— Parece que acaba de dar-se conta de que não há comida a Chinesa no menu.
O renegado voou até o ser humano como uma sombra, assaltou-lhe por detrás e lhe abriu a garganta com uma eficiência selvagem. A morte foi sangrenta e foto instantânea. Logo o renegado se levantou de um salto e se dispôs a carregár a presa ao ombro para levá-la dentro, e Lucan ficou em pé.
—chegou o momento de nos pôr em marcha. Vamos.
Ao uníssono, os guerreiros saltaram ao chão e se dirigiram a grande velocidade para o armazém que servia de guarida aos renegados. Lucan, que lhes marcava o caminho, foi o primeiro em alcançar ao vampiro com sua inerte carrega humana. Com uma mão, sujeitou ao renegado pelo ombro e lhe obrigou A dár a volta ao tempo que tirava uma de suas folhas mortíferas da capa que levava no quadril. Golpeou com força e uma pontaría certeira, e decapitou a essa besta com um corte limpo.
As células do renegado começaram a fundir-se imediatamente e este caiu, empapado de sangue, ao chão. O contato da folha de Lucan foi como um ácido que atravessou o sistema nervoso do vampiro. Ao cabo de uns segundos, quão único ficava do renegado era um atoleiro negro e putrefato que se diluía na sujeira do chão.
Mais adiante, na porta, Dante, Tegan e os outros três guerreiros se formavam em um grupo fechado e armado, disposto a iniciar a ação réal. À ordem de Lucan, os seis se introduziram no armazém com as armas A ponto.
Os renegados que se encontravam dentro não tiveram nem idéia do que era o que lhes estava atacando até que Tegan lançou uma adaga que foi cravar se na garganta de um deles. Enquanto o renegado chiava e se retorcia ao desintegrar-se, seus cinco companheiros, enfurecidos, se dispersaram em busca de refúgio ao tempo que tomavam as armas sob a chuva de balas e folhas afiadas que Lucan e seus irmãos lançavam a discrição.
Dois dos renegados caíram ao cabo de uns segundos de haver-se iniciado o enfrentamento, mas os outros dois que ficavam haviam ocultado nas profundidades escuras do armazém. Um deles disparou contra Lucan e Dante desde detrás de um velho montão de gavetas. Os guerreiros esquivaram esse ataque e lhe responderam, o qual lhe fez sair ao descoberto e lhe deu a oportunidade a Lucan de acabar com ele.
Lucan percebeu na periferia de seu campo de visão que o último deles tentava escapar por entre um montão de barris derrubados e de tubos de metal que havia na parte traseira do edifício.
A Tegan tampouco tinha passado desapercebido. O vampiro se precipitou para o renegado como um trem de carga e desapareceu nas prófundidades do armazém em uma mortal perseguição.
—Tudo espaçoso —gritou Gideon desde algum ponto da escuridão fumegante e poeirenta.
Mas assim que o houve dito, Lucan percebeu que um novo perigo se abatia sobre eles. Seu ouvido distinguiu o discreto roce de um movimento sobre sua cabeça. Os lúgubres abajures do teto que se encontravam em cima dos tubos do sistema de ventilação do armazém estavam quase negras de sujeira, mas Lucan estava seguro de que algo avançava pelo telhado.
—Vigiem acima! —gritou aos outros, e nesse momento o telhado caiu e sete renegados mais se deixaram cair de acima disparando com suas armas.
De onde tinham saído? A informação que tinham sobre essa guarida era de confiar: seis indivíduos, provavelmente convertidos em renegados recentemente, que operavam de forma independente, sem nenhuma filiação. Então, quem tinha dado aviso a essa cavalaria para que lhes apóiassem? Como se tinham informado de que havia uma batida?
—Uma maldita emboscada —grunhiu Dante, pondo em voz alta o pensamento de Lucan.
Não era possível que esses novos problemas tivessem aparecido por acaso. Lucan se fixou no mais volumoso dos renegados que se estavam precipitando contra eles nesses momentos e sentiu que uma furia negra lhe fervia no ventre.
Era o vampiro que lhe tinha escapado a noite do assassinato Aos subúrbios da discoteca. O bode da Costa Oeste. O canalha que havia podido matar a Gabrielle e que possivelmente ainda pudesse fazê-lo algum dia se Lucan não acabava com ele nesse preciso momento.
Enquanto Dante e outros respondiam ao fogo do grupo de renegados, Lucan foi unicamente por esse objetivo.
Essa noite ia terminar com ele.
O vampiro vaiou amenaçadoramente ao lhe ver avançar e seu horrível rostro se deformou com um sorriso.
—Encontramo-nos de novo, Lucan Thorne.
Lucan assentiu com expressão lúgubre.
—Pela última vez.
O ódio mútuo fez que ambos os machos se desprendessem das armas para encetar-se em um combate mais pessoal. Em um instante desenfunderam as facas, um em cada mão, e os dois vampiros se prepararam para cercar um combate a morte. Lucan lançou a primeira estocada, e recebeu um perigoso corte no ombro: o renegado lhe tinha esquivado com sigilosa velocidade e se deslocou, em um abrir e fechar de olhos, ao outro lado dele. Tinha as mandíbulas abertas e uma expressão de triunfo ante o primeiro sangue derramado.
Lucan se deu a volta com igual agilidade e suas facas assobiaram perigrosamente perto da cabeça do renegado. O chupão baixou a vista e viu sua orelha direita no chão, A seus pés.
—começou o jogo, imbecil —grunhiu Lucan.
«Com uma vingança.»
Lançaram-se um contra o outro em um torvelinho de fúria com seus acertos frios e mortais. Lucan tinha consciência da batalha que se cercou ao seu redor, de que os guerreiros se estavam enfrentando ao segundo ataque. Mas toda sua concentração, todo seu ódio, centrava-se na afronta pessoal com o renegado que tinha em frente.
Quão único Lucan tinha que fazer para acender-se de fúria era pensar em Gabrielle e no que esta besta lhe tivesse feito.
E alimentou essa fúria: fez retroceder ao renegado estocada atrás de cada, implacável. Não sentiu os golpes que recebeu no corpo, embora foram muitos. Tombou a seu competidor e se preparou a lançar a última e mortífera estocada.
Com um rugido, realizou um profundo corte na garganta do renegado e separou sua enorme cabeça do corpo destroçado. Uns espasmos sacudiram os braços e as pernas do vampiro e este se desabou, retorcendo-se, ao chão. Lucan ainda sentia a fúria martilando com força nas veias; deu a volta à faca que tinha na mão e o cravou com força no peito do renegado para acelerar o processo de desintegração do corpo.
—Santo inferno —exclamou Rio desde algum ponto perto dele com voz seca.
— Lucan, tio, em cima de ti! Há outro nas vigas.
Aconteceu em um instante.
Lucan se deu a volta, sentindo a fúria da batalha em todos os músculos do corpo. Jogou uma olhada para cima, onde Rio havia lhe indicado. Muito acima por cima de sua cabeça outro vampiro renegado se pendurava pelos tubos do teto do armazém com uma coisa sob o braço que parecia ser uma pequena bola de metal. Mas uma pequena luz vermelha parecia rapidamente nesse aparelho e imediatamente ficou acendida.
—Ao chão! —Nikolai levantou sua Beretta trucada e apontou.
— O tipo vai lançar uma maldita bomba!
Lucan ouviu o repentino disparo da arma.
Viu que o renegado recebia o disparo do Niko justo entre os brilhantes olhos amarelos.
Mas a bomba já estava no ar.
Ao cabo de segundo meio, estalou.
Capítulo vinte e sete
Gabrielle se incorporou repentinamente, despertando sobressaltada de outra inquieta cabeçada que acabava de jogar no sofá da sala de estar do Savannah. As mulheres tinham ficado juntas as últimas horas, consolándo-se na companhia mútua, exceto Eva, que se tinha ido a capela para rezar. A companheira de raça estava mais nervosa que as demais e se tinha passado grande parte da tarde caminhando acima e abaixo e mordendo o lábio inferior com impaciência e ansiedade.
Em algum lugar por cima do labirinto de corredores e habitações se ouviram os movimentos surdos e as vozes tensas dos machos. O barulho zumbido do elevador fez vibrar o denso ar da sala e se deram conta de que a cabine estava baixando ao piso principal do complexo.
«OH, Deus.»
Algo ia mau.
Notava-o.
«Lucan.»
Jogou a um lado o xale de felpilla com que se cobria e pôs os pés no chão. O coração lhe tinha desbocado, e lhe encolhia com força a cada pulsado.
—Tampouco eu gosto desses sons —disse Savannah, jogando uma tensa olhada a habitação.
Gabrielle, Savannah e Danika saíram das habitações para ir em busca dos guerreiros. Nenhuma disse nenhuma palavra e com muita dificuldade respiravam enquanto se dirigiam ao elevador.
Inclusive antes de que as portas de aço se abrissem, por causa dos sons precipitados que se ouviam dentro do elevador, fez-se evidente que foram receber más notícias.
Mas Gabrielle não estava preparada para quão más foram ser.
O fedor a fumaça e a sangue a assaltou com a força de um murro. Fez uma careta ante o nauseabundo aroma de guerra e morte mas se esforçou por ver qual era a situação na cabine do elevador. Nenhum dos guerreiros saía dela. Dois estavam tombados no chão da cabine e os outros três estavam agachados ao seu redor.
—Traz umas quantas toalhas e lençóis limpa! —gritou-lhe Gideon a Savannah.
— Traz todas as que possa, menina! —Assim que ela se dispôs a fazê-lo, ele acrescentou:
—Também vamos precisar movê-lo. Há uma cama na enfermaria.
—Eu me ocupo —repôs Niko de dentro do elevador.
Saltou por cima de um dos dois vultos informe que se encontrava tendido de barriga para baixo no chão. Quando passou por seu lado, Gabrielle viu que tinha o rosto, o cabelo e as mãos enegrecidos de fuligem. As roupas estavam rasgadas e a pele salpicada com centenas de arranhões sangrando. Gideon mostrava contusões similares. E Dante também.
Mas suas feridas não eram nada comparadas com as dos dois guerreros da raça que estavam inconscientes e a quem seus irmãos haviam transportado pelas ruas.
O peso que sentiu no coração lhe fez saber de Gabrielle que um deles era Lucan. Aproximou-se um pouco mais e teve que reprimir uma exclamação ao ver confirmados seus temores.
O sangue se formava redemoinhos debaixo de seu corpo, um atoleiro da cor do vinho escuro que se estendia até o mármore branco do corredor. Tinha a vestimenta de couro e as botas feita migalhas, igual à maior parte da pele dos braços e as pernas. O rosto estava cheio de fuligem e de cortes de uma cor escarlate. Mas estava vivo. Gideon lhe moveu para lhe aplicar um torniquete improvisado para parar o sangue de uma ferida que tinha no braço e Lucan soltou um vaio de dor por entre as presas alargadas.
—Porra... sinto muito, Lucan. É bastante profundo. Merda, isto não vai deixar de sangrar.
—Ajuda... ao Rio —pronunciou as palavras com um grunhido apagado. Foi uma ordem direta apesar de que se encontrava convexo de costas—. Estou bem —acrescentou, gemendo de dor.
— Porra... quero que... dê-te... dele.
Gabrielle se ajoelhou ao lado do Gideon. Levantou a mão para sujeitar o extremo da atadura que ele tinha na mão.
—Eu posso fazê-lo.
—Está segura? É uma ferida feia. Tem que colocar as mãos justo aí para apertá-lo com força.
—Tenho-o. —Fez um gesto com a cabeça em direção a Rio, que se encontrava convexo ao lado.
— Faz o que te há dito.
O guerreiro ferido que estava convexo no chão ao lado de Lucan estava sofrendo uma agonia. Ele também sangrava profundamente por quão feridas tinha no torso e a causa do terrível dano que tinha sofrido no braço esquerdo. Levava uma perna envolta em um farrapo empapado de sangue que devia ser uma camisa. Tinha o rosto e o peito queimados e rasgados até tal ponto que era irreconhecível. Começou a emitir uns gemidos graves e guturais que lhe encheram os olhos de lágrimas a Gabrielle.
Piscou para reprimir as lágrimas e, ao abrir os olhos de novo, encontrou-se com os pálidos olhos cinzas de Lucan cravados nela.
—Acabei... com o bode.
—Shh. —Secou-lhe o suor da frente, maltratada.
— Lucan, te esteja quieto. Não tente falar.
Mas ele não fez conta. Tragou saliva com dificuldade e logo se esforçou em pronunciar as palavras.
—o da discoteca... o filho de puta que estava ali essa noite.
—que te escapou?
—Esta vez não. —Piscou devagar. Seu olhar era tão feroz como brilhante.
— Agora não poderá nunca... te fazer danifico...
—Sim—disse em tom irônico Gideon, que se estava ocupando de Rio.
— E tem muita sorte de estar vivo, herói.
Gabrielle sentiu que a angústia lhe atendia a garganta ao olhar a Lucan. Apesar de que tinha afirmado que seu dever era o primeiro e que alguma vez haveria um lugar para ela em sua vida, Lucan tinha pensado nela essa noite? Estava ferido e sangrando a causa, em parte, por algo que tinha feito por ela?
Ela tomou uma de suas mãos entre as suas e lhe acariciou no único lugar do corpo em que podia fazê-lo enquanto a apertava contra o coração.
—OH, Lucan...
Savannah chegou correndo com o que lhe tinham pedido. Niko a seguiu imediatamente, empurrando a maca de hospital diante dele.
—Lucan primeiro —lhes disse Gideon.
— Levem a uma cama e logo voltarei por Rio.
—Não —grunhiu Lucan, com tom de maior determinação que de dor.
— Ajudem a me levantar.
—Não acredito que... —disse Gabrielle, mas ele já estava tentando levantar-se do chão.
—Tranqüilo, chiou.
—Dante entrou no elevador e colocou sua mão forte sob o braço de Lucan. Tombaram-lhe por que não toma um descanso e nos deixa que lhe levemos a enfermaria?
—Hei dito que estou bem. —Lucan, apoiando-se em Gabrielle e em Dante, incorporou-se e se sentou. Respirava com dificuldade, mas permaneceu incorporado.
— recebi uns quantos golpes, mas merda... vou andando até minha cama. Não vou deixar que me... arrastem até aí.
Dante olhou Gabrielle com expressão exasperada.
—Sabe que tem a cabeça tão dura que o diz a sério?
—Sim, sei.
Gabrielle sorriu, agradecida a essa obstinação que o fazia ser forte. Ela e Dante lhe emprestaram o apoio de seus corpos: colocaram-se um a cada lado dele, com os ombros sob cada um de seus braços, e lhe sujeitaram até que Lucan começou a ficar em pé, devagar.
—Por aqui —disse Gideon a Niko, e este colocou a maca no lugar adequado para levantar Rio enquanto Savannah e Danika faziam tudo o que podiam por conter o sangue de suas feridas, por lhe tirar a roupa destroçada e o desnecessário peso das armas.
—Rio? —A voz da Eva soou aguda. Correu até o grupo com o rosario ainda apertado em uma das mãos. Quando chegou ao elevador aberto se deteve imediatamente e agüentou a respiração.
— Rio! Onde está?
—Está aqui dentro, Eva —disse Niko, apartando-se da maca, onde já tinham colocado a Niko, para lhe impedir o passo. Apartou-a dali com mão firme para que não se aproximasse muito ao açougue.
— Houve uma explosão esta noite. Ele se levou a pior parte.
—Não! —levou-se as mãos ao rosto, horrorizada.
— Não, está equivocado. Esse não é meu Rio! Não é possível!
—Está vivo, Eva. Mas terá que ser forte por ele.
—Não! —Começou a chiar grosseiramente, histérica, enquanto tentava abrir passo com a força para aproximar-se de seu companheiro.
— Meu Rio não! Deus, não!
Savannah se aproximou e tomou a Eva do braço.
—Vamos agora —lhe disse com suavidade.
— Eles sabem como lhe ajudar.
Os soluços da Eva alagaram o corredor e encheram a Gabrielle de uma angústia íntima que era uma mescla de alívio e de medo frio. Estava preocupada com Rio, e lhe rompia o coração pensar no que Eva devia estar sentindo. Gabrielle sabia que isso lhe doía em parte porque Lucan tivesse podido encontrar-se no lugar de Rio. Uns quantos milímetros, umas frações de segundo, podiam ter sido quão único tinha determinado qual dos dois guerreiros ia estar convexo em um crescente atoleiro de sangue lutando por manter-se vivo.
—Onde está Tegan? —perguntou Gideon, sem apartar a atenção de seus próprios dedos com os quais, e com movimentos rápidos, ocupava-se de curar ao guerreiro cansado.
— retornou já?
Danika negou com a cabeça, mas olhou a Gabrielle com olhos angustiados.
—por que não está aqui? Não estava com vocês?
—Perdemo-lhe de vista muito pouco tempo depois de que entrássemos na guarida dos renegados —lhe disse Dante.
— Quando estalou a bomba, nosso principal objetivo foi trazer Rio e a Lucan ao complexo o mais breve possível.
—vamos mover isto —disse Gideon, colocando-se a cabeça da cama de Rio.
— Niko, me ajude a mover isto.
As perguntas a respeito do Tegan se apagaram enquanto todo mundo trabalhava em excesso em fazer todo o possível para ajudar a Rio. Todos percorreram o caminho até a enfermaria. Gabrielle, Dante e Lucan eram os que se deslocavam com maior lentidão pelo corredor: Lucan se cambaleava sobre os pés e se sujeitava a eles dois enquanto se esforçava por manter-se em pé com firmeza.
Gabrielle reuniu valor para lhe olhar. Desejava tanto lhe acariciar o rosto ferido e cheio de sangue. Enquanto lhe olhava com o coração encolhido, ele levantou as pálpebras e a olhou aos olhos. Ela não sabia o que era o que se estabeleceu entre eles durante esse comprido instante de quietude no meio do caos, mas sentiu que era algo quente e bom Apesar de tudo quão terríveis tinham sido os sucessos dessa noite.
Quando chegaram À habitação onde foram atender a Rio, Eva ficou a um lado da maca, ante seu corpo quebrado. As lágrimas lhe caíam pelas bochechas.
—Isto não tinha que ter acontecido —gemeu—. Não deveria ter sido meu Rio. Não desta maneira.
—Faremos tudo o que possamos por ele —disse Lucan, respirando com dificuldade por causa de suas próprias feridas—. Lhe prometo isso, Eva. Não lhe deixaremos morrer.
Ela negou com a cabeça, com o olhar fixo em seu companheiro tendido na cama. Acariciou-lhe o cabelo e Rio murmurou umas palavras incoerentes, semi inconsciente e com uma clara expressão de dor.
—Quero-lhe fora daqui imediatamente. Deveria ser transladado a um Refúgio. Necessita atenção médica —disse Eva.
—Seu estado não é o bastante estável para que lhe translade —repôs Gideon.
— Tenho os conhecimentos necessários e a equipe adequada para lhe tratar aqui por agora.
—Quero-lhe fora daqui! —Levantou a cabeça súbitamente e dirigiu o olhar brilhante de um guerreiro a outro.
— Não resulta de utilidade para nenhum de vocês agora, assim me deixem isso . Já não lhes pertence, a nenhum de vocês. Agora é completamente meu! Somente quero o melhor para ele!
Gabrielle notou que o braço de Lucan entrava em tensão por causa dessa reação histérica.
—Então tem que te apartar de diante do Gideon e deixar que faça seu trabalho —lhe disse, assumindo com facilidade o papel de líder apesar de sua má condição física.
— Agora mesmo, quão único importa é manter com vida Rio.
—Você —disse Eva, em tom seco enquanto lhe dirigia um olhar severo. Seus olhos mostraram um brilho mais selvagem e seu rosto se transformou em uma máscara de puro ódio.
— Deveria ser você quem se estivesse morrendo agora mesmo, e não ele! Você, Lucan. Esse foi o trato que fiz! Sabiam que tinha que ser você!
Na enfermaria pareceu abrir um abismo que se tragasse todo som exceto a surpreendente verdade do que a companheira de Rio acabava de confessar.
Dante e Nikolai se levaram as mãos as armas, ambos os guerreiros dispostos a responder a mais ligeira provocação. Lucan levantou uma mão para contê-los com o olhar fixo na Eva. A verdade era que não lhe importava absolutamente que sua malevolência se dirigisse diretamente contra ele; se ele tinha sido uma espécie de alvo para sua fúria, havia sobrevivido a isso . Rio possivelmente não o fizesse. Qualquer dos irmãos presente na batida dessa noite tivesse podido não sobreviver a traição da Eva.
—Os renegados sabiam que íamos estar ali —disse Lucan em um tom frio por causa de uma profunda fúria.
— Caímos em uma emboscada no armazém. Você o preparou.
Outros guerreiros emitiram uns grunhidos guturais. Se a confissão a tivesse feito um macho, Lucan tivesse podido fazer muito pouco para impedir a seus irmãos que atacassem com uma força letal. Mas se tratava de uma companheira de raça, uma dos seus. Alguém a quem conheciam e em quem confiavam desde fazia mais de uma vida.
Agora Lucan olhava a Eva e via uma desconhecida. Viu loucura. Um desespero mortal.
—Rio tinha que salvar-se. —inclinou-se sobre ele e lhe passou o antebraço por debaixo da cabeça enfaixada. O emitiu um som descarnado e indecifrável enquanto Eva lhe abraçava.
— Eu não queria que ele tivesse que lutar mais. Não, por vocês.
—Assim preferiria lhe ver destroçado, em lugar disso? —perguntou-lhe Lucan.
— Assim é como lhe quer?
—Amo-lhe! —gritou ela.
— O que tenho feito, tudo o que tenho feito, foi por amor a ele! Rio será mais feliz em algum outro lugar, longe de toda esta violência e morte. Será mais feliz em um Refúgio Escuro, comigo longe de sua maldita guerra!
Rio emitiu o mesmo som gutural, mas agora soou mais lastimero. Não cabia dúvida de que era um som de agonia, embora se era devido à dor física ou a inquietação pelo que estava acontecendo ao seu redor não estava claro.
Lucan negou com a cabeça lentamente.
—Essa é uma afirmação que você não pode fazer por ele, Eva. Não tem direito. Esta é a guerra de Rio, tanto como a de qualquer outro. É no que ele acreditava, no que sei que ainda crie, inclusive depois do que lhe tem feito. Esta guerra concerne a toda a raça.
Ela franziu o cenho com gesto azedo.
—Resulta irônico que o cria, dado que você mesmo estiveste a ponto de te converter em um renegado.
—Jesucristo —exclamou Dante de onde se encontrava, perto.
— Esta equivocada, Eva. Está terrivelmente equivocada.
— Ah, sim? —Ela continuou cravando o olhar em Lucan com expressão sádica.
— Te estive observando, Lucan. Vi-te lutar contra a sede quando acreditava que não havia ninguém perto. Sua aparência de controle não me engana.
—Eva —disse Gabrielle. Sua voz tranqüila foi um bálsamo para todos os que se encontravam na habitação.
— Está alterada. Não sabe o que está dizendo.
Ela rio.
—lhe peça que o negue. lhe pergunte por que se priva de sangue até que está quase a ponto de morrer de sede!
Lucan não disse nada em resposta a essa acusação pública, porque sabia que era verdade.
Também sabia Gabrielle.
Sentiu-se comovido de que lhe defendesse, mas nesses momentos não se tratava tanto dele como de Rio e do engano que ia destroçar a esse guerreiro. Possivelmente já o tinha feito, a julgar pelo crescente movimento de suas pernas e pelo esforço que realizava para falar apesar das feridas.
—Como fez esse trato, Eva? Como entrou em contato com os renegados, em uma de suas excursões fora?
Ela bufou com gesto de brincadeira.
—Não foi tão difícil. Há serventes passeando por toda a cidade. Somente tem que olhar fora. Encontrei a um e lhe disse que me pusesse em contato com seu chefe.
—Quem era? —perguntou Lucan—. Que aspecto tinha?
—Não sei. Somente nos encontramos uma vez e manteve o rosto oculto. Levava uns óculos escuros e teve as luzes da habitação do hotel apagadas. Não me importava nem quem era nem que aspecto tinha. O único que me importava era que tivesse o poder suficiente para fazer que as coisas ocorressem. Somente queria sua promessa.
—Imagino que te fez pagar por isso.
—Foram somente um par de horas com ele. Tivesse pago algo —disse, agora sem olhar a Lucan nem aos outros, que a olhavam com expressão de desagrado, mas sim manteve a vista fixa em Rio.
— Faria algo por ti, querido. Suportaria. .. algo.
—Possivelmente vendeu seu corpo —disse Lucan—, mas foi a confiança de Rio o que traiu.
Dos lábios de Rio surgiu um som áspero. Eva lhe arrulhava e o acariciou. Ele abriu as pálpebras e se ouviu sua respiração, oca e esforçada, enquanto tentava pronunciar umas palavras.
—Eu... —Tossiu e seu corpo maltratado sofreu um espasmo—. Eva...
—OH, meu amor... sim. Estou aqui! —gritou—. Me diga o que queira, carinho.
—Eva... —De sua garganta não saiu nenhum som durante uns instantes, mas voltou a tentá-lo.
— Eu... lhe... acuso.
—O que?
—Morta... —Gemeu. Sem dúvida a dor psicológica era maior que a fisica, mas a ferocidade de seus olhos brilhantes e injetados em sangue diziam que não ia se deter.
— Já não existe... para mim... está... morta.
—Rio, é que não o compreende? Tenho-o feito por nós!
—Vai —disse ele com voz entrecortada.
— Não te quero ver... nunca mais.
—Não o pode dizer a sério. —Levantou a cabeça e seus olhos procuravam freneticamente um ponto onde posar-se.
— Não o diz a sério! Não é possível! Rio, me diga que não fala a sério!
Alargou a mão para lhe tocar, mas ele emitiu um grunhido e utilizou a pouca força que ficava para rechaçar seu contato. Eva soluçou. O sangue das feridas dele cobria a parte dianteira da roupa. Baixou a vista até as manchas e logo olhou a Rio, que agora a tinha afastado dele por completo.
O que aconteceu a seguir durou somente uns segundos como máximo, mas foi como se o tempo se houvesse ralentizado a uma lentidão implacável.
O olhar aniquilado da Eva caiu sobre o cinturão das armas de Rio, que estava no chão ao lado da cama.
Uma expressão de determinação se formou em seu rosto e se lançou por volta de uma das facas.
Levantou a adaga brilhante por cima de seu rosto.
Sussurrou a Rio que sempre lhe amaria.
Então girou a faca que tinha na mão e o cravou a si mesmo na garganta.
—Eva, não! —gritou Gabrielle. Seu corpo reagiu automaticamente, como se acreditasse que podia salvar À outra fêmea.
— OH, Meu deus, não!
Mas Lucan a sujeitou ao seu lado. Rapidamente tomou entre os braços e lhe fez girar o rosto para seu peito para evitar que visse Eva cortar sua próprio jugular e cair, sangrando e sem vida, ao chão.
Capítulo vinte e oito
Recém tomada banho, nas habitações de Lucan, Gabrielle se secou com uma toalha o cabelo molhado e colocou em cima um suave penhoar. Estava exausta depois de ter acontecido a maior parte do dia com o Savannah e Danika ajudando a Gideon a atender a Rio e a Lucan. No complexo todo mundo se encontrava em um estado de surda incredulidade por causa da traição de Eva e do trágico desenlace: Eva morta por sua própria mão e Rio agarrado precariamente a vida.
Lucan se encontrava em mal estado físico, além disso, mais fiel a sua palavra a sua obstinação, tinha abandonado a enfermaria por seus próprios pés pra ir descansar a suas habitações pessoais. Gabrielle estava assombrada de que ele tivesse aceito algum tipo de cuidado, mas a verdade era que as outras mulheres e ela mesma não lhe tinham deixado muitas posibilidades de rechaçá-lo.
Gabrielle se sentiu invadida pelo alívio ao abrir a porta do banho e lhe encontrar sentado na enorme cama com as costas apoiada na cabecera, sobre um montão de almofadas. Tinha uma bochecha e a frente cheias de pontos e as vendagens lhe cobriam a maior parte do largo peito e das pernas, mas se estava recuperando. Estava inteiro e, com o tempo, curaria-se.
Igual a ela, ele não levava nada em cima exceto um penhoar branco; isso era quão único as mulheres lhe tinham permitido ficar em cima, depois de ter acontecido horas limpando e lhe curando as contusões e as feridas cheias de metralha que tinha em quase todo o corpo.
—Sente-se melhor? —perguntou-lhe Lucan, olhando-a enquanto ela passava os dedos pelo cabelo úmido para apartar-lhe do rosto.
— pensei que teria fome ao sair do banho.
—A verdade é que morro de fome.
Ele assinalou uma robusta mesa de coquetel que se encontrava na salinha do dormitório, mas o olfato de Gabrielle já tinha detectado o impressionante bufé. O aroma de pão francês, a alho e especiarias, a molho de tomate e a queijo alagava a habitação. Viu um prato de verduras e um tigela cheio de fruta fresca, e inclusive uma coisa escura com aspecto de chocolate em meio das outras tentações. aproximou-se para jogar uma olhada mais de perto e o estômago lhe retorceu de fome.
—Manicotti —disse, inalando o aromático aroma da massa. Ao lado de uma taça de cristal havia uma garrafa de vinho tinjo aberta.
— E Chianti?
—Savannah queria saber se você tinha algum alimento preferido. Isso foi o único que me ocorreu.
Essa era a comida que ela preparou a noite em que ele tinha ido a seu apartamento para lhe devolver o telefone celular. A comida que ficou fria, esquecida, em cima do mármore da cozinha enquanto ela e Lucan ficavam como coelhos.
—recordou o que eu tinha cozinhado essa noite?
Ele se encolheu de ombros ligeiramente.
—Sente-se. Come.
—Somente há um assento.
—Está esperando uma visita?
Ele olhou.
—De verdade não pode comer nada disto? Nem sequer um mordisco?
—Se o fizesse, somente poderia agüentar uma pequena quantidade no estômago. —Fez-lhe um gesto para que se sentasse.
— Comer os mantimentos dos humanos é somente algo que fazemos pelas aparências.
—De acordo. —Gabrielle se sentou no chão com as pernas cruzadas. Tirou o guardanapo de linho debaixo dos talheres e a colocou em cima do regaço.
— Mas não me parece justo me pôr morada diante de ti.
—Não se preocupe por mim. Já recebi muitas cuidados e cuidados femininos por hoje.
—Como quer.
Ela estava muito faminta para esperar um segundo mais e a comida tinha um aspecto muito delicioso para resistir. Com o garfo, Gabrielle cortou uma parte de manicotti e o degustou em um estado de absoluto êxtase. Comeu a metade do prato em um tempo recorde e somente fez uma pausa para encher a taça de vinho, que também bebeu com um prazer voraz.
Durante todo o tempo Lucan a esteve olhando da cama.
—Está bom? —perguntou-lhe em um momento em que lhe olhava por cima do bordo da taça de vinho enquanto tomava um sorvo.
—Fantástico —murmurou ela e encheu a boca de verduras com vinagrete. Sentia o estômago muito mais tranqüilo agora. Comeu o resto da salada, serviu outro copo do Chianti e se recostou com um suspiro.
— Obrigado por isso. Tenho que dar as graças a Savannah também. Não tinha por que haver-se incomodado tanto.
—Agrada-lhe —disse Lucan com uma expressão atenta mas indescifravel.
— Foi de grande ajuda ontem de noite. Obrigado por cuidar de Rio e dos outros. De mim, também.
—Não tem por que me dizer obrigado.
—Sim, tenho que fazê-lo. —Franziu o cenho e uma pequena ferida que tinha costurada, na frente, inchou-se com o movimento.
— Foi amavel e generosa durante todo o tempo e eu... —interrompeu-se e disse algo inaudível.
— Te agradeço o que tem feito. Isso é tudo.
«OH —pensou ela.
— Isso é tudo.» Inclusive sua gratidão aparecia depois de uma barreira emocional.
De repente se sentiu como uma estranha com ele nesse momento, assim que lhe deu vontade de trocar de tema.
—ouvi que Tegan voltou de uma peça.
—Sim. Mas Dante e Niko estiveram a ponto de destroçá-lo quando lhe viram por ter desaparecido durante a batida.
—O que lhe aconteceu a outra noite?
—Quando as coisas ficaram feias, um dos renegados tentou sair por uma porta traseira do armazém. Tegan lhe perseguiu até a rua. Ia acabar com esse chupão, mas decidiu lhe seguir primeiro para ver aonde ia. Perseguiu-lhe até o velho psiquiátrico que se encontra fora da cidade. Esse lugar estava infestado de renegados. Se havia alguma duvida, agora já estamos seguros de que é uma enorme colônia. Próvavelmente seja o quartel geral desta Costa.
Gabrielle sentiu um calafrio ao pensar que tinha estado nesse psiquiátrico, que tinha estado dentro dele, sem saber que era um refúgio de rénegados.
—Tenho umas quantas fotos do interior. Ainda estão em minha câmara. Não tive tempo das descarregar, ainda.
Lucan tinha ficado imovel e a olhava como se ela houvesse acabado de lhe dizer que tinha estado jogando com amadurecidas. Seu rosto pareceu empalidecer um pouco mais ainda.
—Não somente foi ali mas sim entrou nesse lugar?
Ela se encolheu de ombros, sentindo-se culpado.
—Jesus Cristo, Gabrielle. —Baixou as pernas da cama e ficou sentado ali um momento comprido, simplesmente olhando-a. Demorou um momento em poder pronunciar as palavras.
— eles poderiam ter te matado. Dá-te conta disso?
—Mas não o fizeram —respondeu; uma pobre observação, mas um feito.
—Não é esse o tema. —passou-se as duas mãos pelo cabelo das têmporas.
— Merda. Onde está sua câmara? '
—Deixei-a no laboratório.
Lucan tomou o telefone que tinha ao lado da cama e marcou o número do intercomunicador. Gideon respondeu no outro extremo da linha.
—Né, o que há? Tudo vai bem?
—Sim —disse Lucan, mas estava olhando a Gabrielle.
— Diga a Tegan que deixe o reconhecimento do psiquiátrico de momento. Acabo-me de me interar de que temos fotos do interior.
—Sério? —fez-se uma pausa—. Ah, porra. Quer dizer que ela de verdade entrou nesse maldito lugar?
Lucan a olhou e arqueou uma sobrancelha com uma expressão como de «lhe havia dito».
—Descarrega as imagens da câmara e diga aos outros que nos reunirémos dentro de uma hora para decidir a nova estratégia. Acredito que nos economizamos um tempo crucial com isto.
—Bem. Vemo-nos as quatro.
A chamada terminou com um som do intercomunicador.
—Tegan ia voltar para o psiquiátrico?
—Sim —respondeu Lucan.
— Provavelmente era uma missão suicida, já que ele foi tão louco que insistiu em que se infiltraria sozinho esta noite para conseguir informação sobre o lugar. Embora ninguém ia convencer lhe de que não o fizesse, e muito menos eu.
Levantou-se da cama e começou a inspecionar-se algumas das bandagem. Fez um movimento que lhe abriu o penhoar, mostrando a maior parte do peito e o abdômen. As marca que tinha no peito tinham um pálido tom de henna, viam-se mais claras que a noite anterior. Agora tinham quase a mesma cor que o resto de seu corpo. Torradas e quase sem cor.
—Por que Tegan e você têm tão má relação? —perguntou-lhe sem mover a vista de cima ao atrever-se a lhe fazer essa pergunta que tinha tido na cabeça do momento em que Lucan tinha pronunciado o nome do guerreiro.
— O que aconteceu entre vocês?
Ao princípio pensou que ele não ia dizer nada. Ele continuou inspecionando as feridas, flexionando os braços e as pernas em silêncio. Então, justo no momento em que ela ia desistir, ele disse:
—Tegan me culpa de lhe haver tirado algo que era dele. Algo que ele amava. —Olhou-a diretamente agora:
— Sua companheira de raça morreu. Em minhas mãos.
—Deus santo —sussurrou ela.
— Lucan, como foi?
Ele franziu o cenho e apartou o olhar outra vez.
—As coisas eram diferentes quando Tegan e eu nos conhecemos ao principio. A maioria dos guerreiros decidia não ter nenhuma companheira porque os perigos eram muito grandes.
Naquela época, fomos muito poucos na Ordem, e proteger as nossas famílias era algo muito difícil dado que o combate nos obrigava a estar quilômetros de distância e, freqüentemente, durante muitos meses.
—E os Refúgios Escuros? Não tivessem podido lhes oferecer amparo?
—Havia menos refúgios, também. E ainda eram menos os que ouvessem arriscado a aceitar o risco de albergar a uma companheira de raça de um guerreiro. Nós e nossos seres queridos fomos um branco constante da violência dos renegados. Tegan sabia tudo isto, mas de todas formas estabeleceu um vínculo com uma fêmea. Não muito tempo depois, ela foi capturada pelos renegados. Torturaram-na. violaram-na. E antes de devolve-la ele, chuparam-lhe quase todo o sangue. Ela se haviabía ficado vazia; pior que isso, converteu-se em uma servente do renegado que a tinha destroçado.
—OH, Meu Deus —exclamou Gabrielle, horrorizada.
Lucan suspirou, como se o peso dessas lembranças fora muito para ele.
—Tegan se voltou louco de fúria. Comportou-se como um animal, assassinando tudo aquilo que encontrava ao seu passo. Acostumava a estar tão coberto de sangue que muitos pensavam que se banhava nela. Se recriava em sua fúria e, durante um ano, negou-se a aceitar o fato de que sua companheira de raça tinha perdido a cabeça para sempre. Continuou alimentándo-a de suas veias, sem querer ver sua degradação. Alimentava-se para alimentar a ela. Não lhe importava o fato de que se estava precipitando para a sede de sangue. Durante todo esse ano desafiou a lei da raça e não a tirou de seu sofrimento. Quanto a Tegan, estava-se voltando pouco a pouco em um renegado. Terei que fazer algo...
Gabrielle terminou a frase que ele tinha deixado incompleta.
—E como líder, foi tua responsabilidade entrar em ação.
Lucan assentiu com expressão triste.
—Coloquei a Tegan em uma cela de grossos muros de pedra e utilizei a espada com sua companheira de raça.
Gabrielle fechou os olhos ao perceber seu arrependimento.
—OH, Lucan...
—Tegan não foi liberado até que seu corpo ficou limpo da sede de sangue. Fizeram falta muitos meses de passar fome e de sofrer uma completa agonia para que pudesse sair da cela por seu próprio pé. Quando soube o que eu tinha feito, acreditei que tentaria me matar. Mas não o fez. Tegan que eu conhecia não foi o que saiu dessa cela. Era alguém muito mais frio. Nunca o há dito, mas sei que me odeia desde esse momento.
—Não tanto como você odeia a você mesmo.
Ele tinha as mandíbulas apertadas com força e uma expressão tensa no rosto.
—Estou acostumado a tomar decisões difíceis. Não tenho medo de assumir as tarefas mais duras, nem de ser o objetivo da raiva, inclusive do ódio, por causa das decisões que tomo para a melhora da raça. Importa-me um nada tudo isso.
—Não, não é verdade —disse ela com suavidade—. Mas teve que fazer mau a um amigo, e isso foi um grande peso para ti durante muito, muito tempo.
Ele a olhou com intenção de discutir, mas possivelmente não tinha a força necessaria para isso. Depois de tudo pelo que tinha passado se sentia cansado, destroçado, embora Gabrielle não acreditava que ele estivesse disposto a admiti-lo, nem sequer ante ela.
—Você é um homem bom, Lucan. Tem um coração muito nobre debaixo dessa dura armadura.
Ele emitiu um grunhido irônico.
—Somente alguém que me conheça desde umas poucas semanas atrás pode cometer o engano de pensar isto.
—De verdade? Pois eu conheço uns quantos aqui que lhe diriam o mesmo. Incluindo Conlan, se estivesse vivo.
Ele franziu o cenho com expressão atormentada.
—O que sabe você disso?
—Danika me contou o que fez por ele. Que lhe levou acima durante a saída do sol. Para lhe honrar, queimou-te.
—Jesucristo —exclamou ele em tom cortante, ficando imediatamente em pé. Começou a caminhar acima e abaixo em um estado de grande excitação e ao final se deteve repentinamente ao lado da cama. Falou com voz rouca, como um rugido quase incontrolável.
— A honra não teve nada que ver com isso. Quer saber por que o fiz? Foi por um terrível sentimento de culpa. A noite da bomba na estação de trem eu tinha que ter estado cumprindo com essa missão ao lado do Niko, e não Colan. Mas não te podia tirar de minha cabeça. Pensei que, possivelmente, se te tinha. .. se finalmente entrava dentro de você... isso satisfaria minha ânsia e poderia continuar adiante, te esquecer. Assim que essa noite fiz que Conlan fora em meu lugar. Tivesse tido que ser eu, e não Conlan. Tinha que ter sido eu.
—Meu Deus, Lucan. É incrível. Sabia? —Deixou cair as mãos com força em cima da mesa e emitiu uma gargalhada furiosa.
— por que não pode te relaxar um pouco?
Essa reação incontrolada lhe chamou a atenção como nenhuma outra coisa o tinha feito. Deixou de caminhar de um lado a outro e a olhou.
—Você sabe por que —repôs com tom tranqüilo agora.
— Você sabe melhor que ninguém. —Meneou a cabeça com uma expressão de desgosto consigo mesmo nos lábios.
— Resulta que Eva também sabia algo à respeito.
Gabrielle recordou a impactem cena da enfermaria. Todo mundo se tinha ficado horrorizado ante os atos da Eva, e assombrado pelas loucas acusações contra Lucan. Todos menos ele.
—Lucan, o que ela disse...
—Tudo é certo, tal e como você mesma viu. Mas você ainda me defendeu. Foi a segunda vez que ocultaste minha debilidade ante outros. —Franziu o cenho e girou a cara.
— Não vou pedir te que o faça outra vez. Meus problemas são minha coisa.
—E precisa solucioná-los.
—O que preciso é me vestir e jogar uma olhada a essas imagens que Gideon está descarregando. Se nos oferecerem a informação suficiente sobre a distribuição do psiquiátrico, podemos atacar esse lugar esta noite.
—O que quer dizer, atacá-lo esta noite?
—Acabar com ele. Fechá-lo. Fazê-lo voar pelos ares.
—Não é possível que fale a sério. Você mesmo há dito que possívelmente esteja cheio de renegados. De verdade crie que você e três tipos mais vão sobreviver se lhes enfrentam a um número desconhecido deles?
—Temos feito antes. E seremos cinco —disse, como se isso o fosse distinto.
— Gideon há dito que quer participar do que façamos. Vai ocupar o lugar de Rio.
Gabrielle se burlou, incrédula.
—E o que me diz de você? Quase não te tem em pé.
—Estou caminhando. Estou o bastante bem. Eles não esperam que contrataquemos tão logo, assim é o melhor momento para dar o golpe.
—Deve ter perdido a cabeça. Precisa descansar, Lucan. Não está em condições de fazer nada até que não recupere a força. Precisa te curar. —Observou que ele apertava as mandíbulas: um tendão lhe marcou por debaixo de uma de suas esbeltas bochechas. A expressão de seu rosto era mais dura do habitual, seus rasgos pareciam muito afilados.
— Não pode sair aí fora tal como está.
—Hei dito que estou bem.
Pronunciou as palavras precipitadamente e em um tom rouco e gutural. Voltou a olhá-la e seus olhos chapeados se viam atravessados por umas brilhantes línguas de cor âmbar, como se o fogo lambesse o gelo.
—Não o está. Nem muito menos. Precisa te alimentar. Seu corpo sofreu muito ultimamente. Precisa te nutrir.
Gabrielle sentiu que uma onda fria alagava a habitação e soube que próvinha dele. Estava provocando sua fúria. Lhe tinha visto em seus piores momentos e tinha vivido para contá-lo, mas possivelmente agora estava pressioando muito. dava-se conta de que ele estava inquieto e tenso e de que se controlava com força desde que a tinha levado a complexo. Agora ele estava no fio, perigosamente; de verdade queria ser ela quem lhe empurrasse ao outro lado da linha de seu autocontrole?
«A merda.» Possivelmente era isso o que fazia falta.
—Tem o corpo destroçado agora, Lucan, não somente por causa das feridas. Está débil. E tem medo.
—Medo. —Dirigiu-lhe um olhar frio e depreciativo, com um sarcasmo gelado.
— Do que?
—De você mesmo, para começar. Mas acredito que inclusive tem mais medo de mim.
Ela esperava uma refutação foto instantânea, fria e desagradável, acorde com a sombria raiva que emanava dele como a gelada. Mas ele não disse nada. Olhou-a durante um comprido momento, logo se deu a volta e se alojo, um pouco tenso, em direção a um armário alto que havia ao outro extremo da habitação.
Gabrielle permaneceu sentada no chão e lhe observou abrir abruptamente as gavetas, tirar umas roupas e as lançar sobre a cama.
—O que está fazendo?
—Não tenho tempo de discutir isto contigo. Não tem sentido.
Um armário alto que continha armas se abriu antes de que ele o tocasse: suas comporta se deslizaram ao redor das dobradiças com uma violenta sacudida. ele se aproximou a passo lento e estirou uma prateleira dobradiça. Em cima da superfície de veludo da prateleira havia pelo menos uma dúzia de adagas e outras armas brancas de aspecto letal ordenadas em filas. Com um gesto descuidado, Lucan tomou duas grandes facas embainhadas em pele. Abriu outro das prateleiras e escolheu uma pistola de aço inoxidável gentil que parecia saída de um terrível filme de ação.
— Como você não gosta do que estou dizendo vais sair fugindo? —ele nem a olhou nem soltou nenhuma maldição como resposta. Não, ignorou-a por completo, e isso a tirou de gonzo completamente.
— Adiante, pois. Finge que é invencível, que não está morto de medo de deixar que alguem se preocupe de ti. Escapa de mim. Isso somente demonstra que tenho razão.
Gabrielle sentiu uma absoluta desesperança enquanto Lucan tirava a munição do armário e a introduzia no carregador da pistola. Nada do que ela pudesse dizer ia deter lhe. Sentia-se necessitada, como se intentasse rodear com os braços uma tormenta.
Apartou o olhar dele e dirigiu os olhos a mesa frente à qual estava sentada, Aos pratos e aos talheres que tinha diante. Viu uma faca limpa em cima da mesa; polida a folha brilhava.
Não podia lhe reter com palavras, mas havia outra coisa...
Subiu a manga larga da bata. Com muita tranqüilidade, com a mesma determinação atrevida de que se valeu centenas de vezes anteriormente, Gabrielle tomou a faca e apertou o fio contra a parte mais carnuda de seu antebraço. Realizou pouca pressão, um muito ligeiro corte sobre sua pele.
Não soube qual dos sentidos de Lucan foi o que reagiu primeiro, mas levantou a cabeça imediatamente e soltou um rugido. Ela se deu conta de que o que tinha feito ressonava em cada um dos móveis da habitação.
—Maldita seja... Gabrielle!
A folha saiu voando de sua mão, chegou ao outro extremo da habitação e foi cravar se até o punho na parede mais afastada da mesma.
Lucan se moveu com tanta rapidez que ela quase não pôde perceber seus movimentos. Um momento antes ele tinha estado em pé a uns metros de distância da cama e ao cabo de um instante uma de suas enormes mãos lhe sujeitava os dedos e atirava dela para que ficasse em pé. O sangue emanava pela fina linha do corte, suculenta, de uma profunda cor carmesí, e gotejava ao longo de seu braço. A mão de Lucan ainda sujeitava com força a sua.
Ele, ao seu lado, parecia uma muito alta torre escura e ardente de fúria.
O peito agitado, as fossas nasais dilatadas enquanto seu fôlego saía e entrava em seus pulmões. Seu formoso rosto estava contraído por causa da angústia e a indignação, e seus olhos ardiam com o inconfundível calor da sede. Não ficava nem rastro de sua cor cinza e suas pupilas se esgotaram formando duas finas linhas negras. As presas lhe haviam alargado e as pontas, afiadas e brancas, brilhavam por debaixo do depravaso sorriso de seus lábios.
—Agora tenta dizer que não necessita o que te estou oferecendo —lhe sussurrou ela com ferocidade.
O suor aparecia a frente enquanto observava a ferida fresca e o sangue. Lambeu-se os lábios e pronunciou uma palavra em outro idioma.
Não soou amistosa.
—por que? —perguntou, em tom acusador.
— Por que me faz isto?
—De verdade não sabe? —Lhe agüentou o furioso olhar, acalmando sua raiva enquanto umas gotas de sangue salpicavam com uma cor carmesí a brancura da bata.
— Porque te amo, Lucan. E isto é quão único posso te dar.
Capítulo vinte e nove
Lucan acreditava que sabia o que era a sede. Acreditava que conhecia a fúria e o desespero —o desejo, também— mas todas as míseras emoções que tinha sentido durante sua eterna vida se desfizeram como o pó quando olhou aos desafiantes olhos marrons de Gabrielle.
Tinha os sentidos embargados, afogados no doce aroma de jasmim de seu sangue, essa fonte perigosamente perto de seus lábios. De um brilhante cor vermelha, denso como o mel, um fio carmesim brotava pela pequena ferida que ela se fez.
—Amo-te, Lucan. —Sua suave voz se abriu passo Através do som dos batimentos do coração de seu próprio coração e da imperiosa necessidade que agora lhe atendia.
— Com ou sem vínculo de sangue, amo-te.
Ele não podia falar, nem sequer sabia o que houvesse dito se sua garganta seca tivesse sido capaz de emitir alguma palavra. Com um grunhido selvagem, separou-a dele, muito fraco para permanecer ao lado dela agora que sua parte escura lhe empurrava a fazê-la sua dessa forma firme e errevogavel.
Gabrielle caiu sobre a cama; a bata com muita dificuldade cobria sua nudez. Umas brilhantes mancha lhe salpicavam a manga branca e a lapela. Tinha outra mancha vermelha sobre a coxa, de uma vivido cor escarlate que contrastava com o tom de sua pele.
Deus, como desejava levar os lábios até essa sedosa ferida na carne, e por todo seu corpo. Somente o seu.
«Não.»
A ordem lhe saiu em um tom tão seco como as cinzas. Sentia o ventre atendido pela dor, retorcido e como cheio de nós. O fazia desfalecer. Os joelhos lhe falharam assim que tentou dár a volta para apartar essa imagem tentadora dela, aberta e sangrando, como um sacrificio devotado a ele.
Deixou-se cair sobre o tapete do chão, uma massa inerte de músculo e ossos, lutando contra uma necessidade que não tinha conhecido até esse momento. Lhe estava matando. Esta ânsia dela, como se sentia desgarrado ao pensar que ela podia estar com outro macho.
E além disso, a sede.
Nunca tinha sido tão intensa como quando Gabrielle estava perto. E agora que seus pulmões se encheram com o perfume de seu sangue, sua sede era devoradora.
—Lucan...
Ele percebeu que ela se separava da cama. As suaves pisadas de seus pés soaram no tapete e estes apareceram lentamente ante sua vista, as unhas pintadas como a fina laca de umas conchas. Gabrielle se agachou ao seu lado. Ele sentiu a suavidade da mão dela em seu cabelo, e logo a sentiu sob seu queixo, levantando a cabeça para lhe olhar ao rosto.
—Bebe de mim.
Ele apertou os olhos com força, mas foi um intento débil de rechaçar o que lhe oferecia. Não tinha a força necessária para lutar contra a força tenra e incessante dos braços dela, que agora lhe atraíam para si.
Lucan cheirava o sangue no pulso dela: cheiraria tão de perto lhe despertou uma furiosa corrente de adrenalina que lhe atravessou. A boca lhe fez água, as presas lhe alargaram mais, esticando as gengivas. Provocou mais lhe levantando o torso do chão. Com uma mão se apartou o cabelo a um lado tirando o chapéu o pescoço para ele.
Ele se removeu, mas lhe sujeitou com firmeza. Atraiu-lhe mais para ela.
—Bebe, Lucan. Toma o que necessite.
Inclinou-se para frente até que somente houve um sopro de ar entre os relaxados lábios dele e o delicado pulso que pulsava debaixo a pele pálida debaixo de sua orelha.
—Faz-o —sussurrou ela, e lhe atraiu para si.
Pressionou os lábios com força contra seu pescoço.
Ele agüentou nessa posição durante uma eternidade de angústia. Mas somente demorou uma fração de segundo em pôr a ceva. Lucan não estava seguro. Do único que era consciente era do quente contato da pele dela em sua língua, do batimento do coração de seu coração, da rapidez de sua respiração. Do único que era consciente era do desejo que sentia por ela.
Não ia rechaçar o mais.
Desejava-a, desejava-o tudo dela, e a besta se desatou e já era impossível ter piedade.
Abriu a boca... e cravou as presas na flexível carne de seu pescoço.
Ela afogou uma exclamação ao sentir a repentina penetração de seus dentes, mas não lhe soltou, nem sequer quando notou que ele tragava pela primeira vez o sangue de sua veia aberta.
O sangue se precipitou dentro da boca de Lucan, quente e com um sabor terroso, delicioso. Era muito superior Ao que teria imaginado nunca.
Depois de viver durante novecentos anos, finalmente sabia o que era o céu.
Bebeu com urgência, em quantidade, com uma sensação de necessidade que lhe transbordava enquanto saciava do sangue da Gabrielle lhe descia pela garganta e penetrava a carne, os ossos e as células. O pulso acelerou, sentiu-se renascer, o sangue voltou a correr pelas pernas e lhe curou as feridas.
O sexo tinha despertado com o primeiro sorvo; agora pulsava com força entre as pernas. Exigia inclusive uma maior posse.
Gabrielle lhe acariciava o cabelo, sujeitava-lhe contra ela enquanto ele bebia. Gemeu com cada uma das chupadas de seus lábios, sentia que lhe desfazia o corpo. Seu aroma se fez mais escuro e úmido A causa do desejo.
—Lucan —disse quase sem fôlego, estremecendo-se.
— OH, Deus...
Com um grunhido sem palavras, empurrou-a contra o chão, debaixo dele. Bebeu mais, perdendo-se no erótico calor do momento com uma desesperada e frenezi que lhe aterrorizou.
«Minha», pensou, sentindo-se profundamente selvagem e egoísta.
Agora era muito tarde para deter-se.
Esse beijo lhes tinha amaldiçoado aos dois.
Enquanto que a primeira dentada lhe tinha provocado uma comoção, a aguda dor se dissipou rapidamente para converter-se em uma sensação suntuosa e embriagadora. Sentiu o corpo alagado pelo prazer, como se cada larga chupada dos lábios de Lucan lhe injetasse uma corrente de calidez no corpo que lhe chegava até o mesmo centro e lhe acariciava a alma.
ele a levou até o chão com ele, as batas se entreabriram e a cobriu com seu corpo nu. Notou as mãos dele, ásperas, que lhe sujeitavam a cabeça para um lado enquanto bebia dela. Sem fazer caso da dor que as feridas lhe pudessem estar fazendo, pressionou seu peito nu contra seus peitos. Seus lábios não se separaram de seu pescoço nem um momento. Gabrielle sentia a intensidade da necessidade dele a cada chupada.
Mas sentia sua força, também. Estava-a recuperando, pouco a pouco, graças a ela.
—Não te detenha —murmurou ela, pronunciando com lentidão por causa do êxtase que crescia em seu interior a cada movimento de seus lábios.
— Não vais fazer me danifico, Lucan. Confio em ti.
O som úmido e voraz que provocava sua sede era o mais erótico que tinha conhecido nunca. Adorava sentir o calor dos lábios dele em cima de sua pele. Os arranhões que lhe provocavam as presas dele enquanto se enchia a boca com seu sangue lhe resultavam perigosos e excitantes.
Gabrielle já se deslizava para um orgasmo dilacerador no momento em que notou a grosa cabeça da ereção de Lucan lhe pressionando o sexo. Estava úmida, desejando dolorosamente. Ele a penetrou com uma investida que a encheu por completo com um calor vulcânico e potente que detonou dentro dela ao cabo de um instante. Gabrielle gritou enquanto ele a investia com força e depressa, sentindo os braços dele que a aprisionavam, apertando-a com força. Investia a um ritmo amalucado, empurrado por uma força de puro e magnífico desejo.
Mas permaneceu grudado em seu pescoço, empurrando-a para uma doce e feliz escuridão.
Gabrielle fechou os olhos e se deixou flutuar envolta em uma formosa nuvem de cor obsidiana.
Como desde muito longe notou que Lucan se retorcia e investia em cima de seu corpo com urgência, que todo seu corpo vibrava pela potência do climax. Emitiu um grito áspero e ficou completamente imovel.
A deliciosa pressão no pescoço se afrouxou de forma abrupta e logo depois desapareceu, deixando uma grande frieza a seu passo.
Gabrielle, que ainda se sentia alagada pela embriaguez de notar a Lucan dentro dela, levantou as pálpebras, pesados. Lucan estava colocado de joelhos em cima dela e a olhava como se ficou gelado. Tinha os lábios de um vermelho brilhante e o cabelo revolto. Seus olhos selvagens lançavam brilhos de cor âmbar, de tão brilhantes. A cor de sua pele parecia mais saudável e o labirinto de marcas que lhe cobriam os ombros e o torso tinha um brilho de um tom carmesim escuro.
—O que acontece? —perguntou-lhe, preocupada—. Está bem?
Ele não falou durante um comprido momento.
—Jesucristo. —Sua voz grave soou como um grunhido trêmulo, de uma forma que não lhe tinha ouvido antes. Tinha o peito agitado.
— Acreditei que estava... acreditei que te havia...
—Não —lhe disse ela, fazendo um gesto negativo com a cabeça e com uma expressão preguiçosa e saciada.
— Não, Lucan. Estou bem.
Ela não compreendeu o que significava a expressão intensa dele, mas ele não a ajudou. separou-se dela. Seus olhos, que se tinham transformado, mostravam uma expressão de dor.
Gabrielle sentia o corpo frio e vazio sem o calor dele. sentou-se e se esfregou para fazer-se passar um repentino calafrio.
—Está bem —lhe tranqüilizou—. Tudo está bem.
—Não. —O negou com a cabeça e ficou em pé—. Não. Isto foi um equívoco.
—Lucan...
—Não devi ter permitido que isto acontecesse! —gritou.
Emitiu um grunhido de fúria e se dirigiu aos pés da cama para agarrar suas roupas. Colocou uma calça de camuflagem negra e uma camiseta de algodão, logo tomou suas armas e suas botas e abandonou a habitação com uma fúria tempestuosa e ardente.
Lucan quase não podia respirar por causa da força com que o coração lhe pulsava no peito.
No momento em que sentiu que Gabrielle ficava inerte debaixo dele enquanto ele bebia dela, atravessou-lhe um medo descarnado que o desgaro por completo.
Enquanto ele bebia febrilmente de seu pescoço, lhe havia dito que confiava nele. Sentiu que o incentivo da sede de sangue lhe aguilhoava o corpo enquanto o sangue de Gabrielle lhe enchia. O som de sua voz tinha suavizado a dor, em parte. Ela se tinha mostrado tenra e cuidadosa: seu tato, sua emoção nua, sua mesma presença, tinha-lhe dado forças no momento em que sua parte animal tinha estado a ponto de tomar as rédeas.
Ela confiava em que não lhe faria mal, e essa confiança lhe tinha dado forças.
Mas então tinha notado que ela se desvanecia e temeu... Deus, quanto medo tinha sentido nesse instante.
Esse medo ainda lhe apertava, um terror escuro e frio a lhe fazer mal, a que poderia matá-la se permitia que as coisas chegassem mais longe do que o tinham feito.
Porque, por muito que ele a tivesse afastado e por muito que houvesse negado, lhe pertencia. Ele pertencia a Gabrielle, em corpo e alma, e não simplesmente pelo fato de que seu sangue lhe estivesse nutrindo nesse momento, estivesse-lhe curando as feridas e fortalecendo o corpo. Ele se tinha unido a ela muito antes desse momento. Mas a prova irrefutável disso tinha aparecido nesse funesto instante, fazia um momento, assim que temeu que podia havê-la perdido.
Amava-a.
Da parte mais profunda e solitária de si mesmo, amava a Gabrielle.
E queria tê-la em sua vida. De forma egoísta e perigosa, não havia nada que desejasse mais que tê-la ao seu lado para o resto de seus dias.
Dar-se conta disso lhe fez cambalear, ali, no corredor, diante do laboratório técnico. Na verdade, quase lhe fez cair de joelhos.
—Né, calma. —Dante se aproximou de Lucan quase sem avisar e lhe sujeitou por debaixo dos braços.
— Porra. Tem um aspecto infernal.
Lucan não podia falar. As palavras estavam além dele.
Mas Dante não necessitava nenhuma explicação. Jogou uma olhada ao seu rosto e a suas presas alargadas. As fossas nasais dilataram ao sentir o aroma de sexo e a sangue. Deixou escapar um assobio baixo e nos olhos desse guerreiro apareceu um brilho de ironia.
—Não pode ser certo... uma companheira de sangue, Lucan? — riu, meneando a cabeça enquanto lhe dava umas palmadas a Lucan no ombro.
— Porra. Melhor que seja você e não eu, irmão. Melhor você que eu.
Capítulo trinta
Três horas mais tarde, quando a noite era completa ao seu redor, Lucan e os outros guerreiros se encontravam preparados e sentados em um veículo de vigilância negro na rua, a uns oitocentos metros do velho psiquiátrico.
As fotografias de Gabrielle tinham sido de grande utilidade para planejar o golpe contra a guarita dos renegados. Além de várias fotografias exteriores do ponto de acesso da planta baixa, fez fotos interiores da habitação das caldeiras, de vários corredores, de escadas e inclusive algumas que inadvertidamente mostravam umas câmeras de segurança a rede que teriam que ser desativadas quando os guerreiros ganhassem acesso a esse lugar.
—Entrar vai ser a parte fácil —disse Gideon, enquanto o grupo estava a revisar por última vez a operação.
— Interromperei o sinal de segurança das câmeras da planta baixa mas, quando estivermos dentro, colocar essas duas dúzias de barras de C4 nos pontos críticos sem alertar a toda a colônia de chupões vai ser um pouco mais difícil.
—Por não mencionar o problema da publicidade não desejada dos humanos —disse Dante.
— O que é o que está fazendo que Niko tarde tanto em localizar esses tubos de gás?
—Aí vem —disse Lucan, ao ver a figura escura do vampiro que se acercava ao veículo de vigilância da fila de árvores da rua.
Nikolai abriu a porta traseira e subiu depois de Tegan. tirou o capuz negro e seus invernais olhos azuis faiscaram de excitação.
—É um caramelo. A linha principal está em uma caixa do extremo leste do complexo. Possivelmente esses chupões não necessitem calefação, mas o serviço público lhes subministra um montão de gás.
Lucan olhou os olhos ansiosos do guerreiro.
—Então entramos, deixamos nossos presentes, limpamos o lugar...
Niko assentiu com a cabeça.
—Me façam um sinal quando a merda esteja em seu lugar. Moverei o tubo principal e logo farei detonar o C4 quando todos estejam aqui de volta. Aparentemente será como se uma fuga de gás tivesse causado a explosão. E se os corpos de segurança querem meter-se nisto, estou seguro de que as fotos de Gabrielle dos grafites dos grupos farão que esses humanos farejem em círculos durante um tempo.
Enquanto, os guerreiros teriam mandado uma importante mensagem a seus inimigos, especialmente ao vampiro de primeira geração que Lucan suspeitava se encontrava ao mando desta nova sublevação dos renegados. Fazer voar o quartel general seria um convite suficiente para que esse bode saísse ao ar livre e começasse a dançar.
Lucan estava ansioso por começar. Inclusive estava mais ansioso por terminar com a missão dessa noite porque tinha um assunto por terminar quando voltasse para o complexo. Odiava ter deixado a Gabrielle dessa maneira e sabia que ela devia sentir-se confusa e, provavelmente, mais que inquieta.
Ficaram coisas por dizer, seguro, coisas nas que ele não tinha estado preparado para pensar muito e, muito menos, para as falar com ela nesse momento em que a surpreendente realidade de seus sentimentos por ela assaltou.
Agora tinha a cabeça cheia de planos.
Planos imprudentes, estúpidos e esperançosos, todos eles centrados nela.
No interior do veículo, ao seu redor, outros guerreiros estavam comprovando seu equipamento, carregando as barras de C4 dentro de bolsas com cremalheiras e realizando os ajustes finais aos auriculares e os micros que lhes permitiriam estar em contato uns com os outros quando chegassem ao perímetro do psiquiátrico e se separassem para colocar os explosivos.
—Esta noite vamos fazer isto por Rio —disse Dante_ enquanto fazia voltear suas facas curvadas entre os dedos enluvados e os introduzia nas capas que levava no quadril.
— Chegou o momento da vingança.
—Porra, sim —respondeu Niko, ao qual outros se ecoaram.
Quando se dispunham a sair pelas portas, Lucan levantou uma mão.
—Um momento. —A tristeza de seu tom de voz lhes fez deter-se.
— Há uma coisa que têm que saber. Dado que estamos a ponto de entrar aí e que é provável que nos dêem uma boa surra, suponho que este é um momento tão bom como qualquer outro para ser claro com vocês a respeito de um par de coisas... e necessito que cada um de vocês me façam uma promessa.
Olhou os rostos de seus irmãos, esses guerreiros que tinham estado lutando ao seu lado durante tanto tempo que parecia uma eternidade. Eles sempre lhe tinham cuidadoso como à um líder, tinham crédulo nele para que tomasse as decisões mais difíceis, sempre se tinham sentido seguros de que ele saberia como decidir uma estratégia ou como tomar uma decisão.
Agora duvidava, sem saber por onde começar. Esfregou-se a mandíbula e deixou escapar um forte suspiro.
Gideon lhe olhou com o cenho franzido e expressão de preocupação.
—Vai tudo bem, Lucan? Recebeu um bom golpe na emboscada da outra noite. Se não quiser participar disto...
—Não. Não é isso. Estou bem. Minhas feridas estão curadas... graças a Gabrielle —disse.
— Faz um momento, hoje, ela e eu...
—Não me diga —respondeu Gideon ao ver que Lucan se interrompia. Foder com o vampiro, mas estava .
—Bebeste dela? —perguntou Niko.
Tegan soltou um grunhido do assento traseiro.
—Essa fêmea é uma companheira de raça.
—Sim —respondeu Lucan com calma e seriedade—. E se me permitir isso, lhe vou pedir que me aceite como companheiro.
Dante lhe olhou, zombador, com uma expressão de risonha exasperação.
—Felicidades, cara. De verdade.
Gideon e Niko responderam de maneira similar e lhe deram umas palmada nas costas.
—Isso não é tudo.
Quatro pares de olhos se cravaram nele: todo mundo lhe olhava na espera séria exceto Tegan.
—A outra noite, Eva tinha umas quantas coisas que dizer de mim... —Imediatamente se levantaram uns protestos por parte de Gideon, Niko e Dante. Lucan continuou falando apesar dos grunhidos de irritação.
— A traição a Rio e a nós é indesculpável, sim. Mas o que disse de mim... era a verdade.
Dante lhe olhou com suspicácia.
—Do que está falando?
—Da sede de sangue —respondeu Lucan. A palavra soou com força no silêncio do interior do veículo.
— É... bom, é um problema para mim. È a muito tempo tempo. Estou-o dirigindo, mas algumas vezes... —Baixou a cabeça e olhou ao chão do veículo.
— Não sei se poderei vencê-la. Possivelmente, com Gabrielle a meu lado, possivelmente tenha uma oportunidade. Vou lutar como um demônio, mas se piorar...
Gideon cuspiu uma obscenidade.
—Isso não vai acontecer, Lucan. De todos os que estamos aqui sentados, você é o mais forte. Sempre o foste. Nada te pode tombar.
Lucan negou com a cabeça.
—Já não posso continuar fingindo que sou o que sempre controla. Estou cansado. Não sou invencível. Depois de novecentos anos de viver com esta mentira, Gabrielle não demorou nem duas semanas em desmascarar-me. Obrigou-me a ver como sou de verdade. Eu não gosto muito o que vejo, mas quero ser melhor... por ela.
Nico franziu o cenho.
—Porra, Lucan. Está falando de amor?
—Sim —disse ele com solenidade.
— Eu estou fazendo. A amo. E é por isso que tenho que lhes pedir uma coisa. A todos.
Gideon assentiu.
—Diga-o.
—Se as coisas ficarem feias comigo... em algum momento, logo, ou na rua... tenho que saber que conto com vocês, meninos, para que me apóiem. Se virem que me perco na sede de sangue, se creem que vou voltar me... Necessito sua palavra de que vão acabar comigo.
—O que? —exclamou Dante.
— Não pode nos pedir isso, cara.
—Me escutem. —Não estava acostumado a suplicar. Pronunciar essa petição era como suportar cascalho na garganta, mas tinha que faze-lo. Estava cansado de suportar sozinho esse peso. E o último que desejava era ter medo de que em um momento de debilidade pudesse lhe fazer algum mal a Gabrielle.
— Tenho que ouvir seus juramentos. O de cada um de vocês. Prometam-me isso .
—Merda —disse Dante, lhe olhando boquiaberto. Mas ao final assentiu com a cabeça e com expressão grave.
— Sim. De acordo. Está fodidamente louco, mas de acordo.
Gideon meneou a cabeça, logo levantou o punho e fez chocar os nodulos contra os de Lucan.
—Se isso for o que quer, tem-no. Juro-lhe isso, Lucan.
Niko pronunciou sua promessa também:
—Esse dia não chegará nunca, mas se o faz, sei que você fara o mesmo por qualquer de nós. Assim sim, tem minha palavra.
O qual deixava somente a Tegan por fazê-lo, que se encontrava sentado no assento traseiro com atitude estóica.
—E você, Tegan? —perguntou Lucan, dando-a volta para olhar aos olhos verdes e impassíveis.
— Posso contar contigo nisto?
Tegan lhe olhou larga e silenciosamente com atitude pensativa.
—Claro, cara. Porra, o que diga. Se te converter nisso, estarei em primera linha para acabar contigo.
Lucan assentiu com a cabeça, satisfeito, e olhou os rostos sérios de seus irmãos.
—Jesus —exclamou Dante quando o denso silêncio do veículo lhe fez interminável.
—Todo este sentimentalismo me está pondo impaciente por matar. Que tal se deixarmos de nos fazer palhas e vamos fazer voar o teto a esses chupões?
Lucan sorriu em resposta ao sorriso arrogante do vampiro.
—Vamos a isso .
Os cinco guerreiros da raça, vestidos de negro da cabeça aos pés, saíram do veículo como um só homem e começaram a aproximar-se sigilosamente ao psiquiátrico, ao outro lado das árvores, banhados pela luz da lua.
Capítulo trinta e um
— Vamos, vamos. Abra, porra!
Gabrielle estava sentada ante o volante de um cupé BMW negro e esperava com impaciência a que a enorme porta de entrada do terreno do complexo se abrisse e a deixasse sair. Desgostava-lhe que a tivessem obrigado a levar o carro sem permissão, mas depois do que tinha acontecido com Lucan estava desesperada por partir. Dado que todo o terreno estava rodeado por uma cerca elétrica de alta voltagem, somente ficava uma alternativa.
Já pensaria em alguma maneira de devolver o carro uma vez estivesse em casa.
Uma vez que se encontrasse de volta ao lugar ao que verdadeiramente pertencia.
Essa noite tinha dado a Lucan tudo o que tinha podido, mas não era suficiente. Preparou-se a si mesmo para a eventualidade de que ele a apartasse e resistisse a seus intentos de lhe amar, mas não havia nada que pudesse fazer se ele decidia rechaçá-la. Como tinha feito essa noite.
Tinha-lhe dado seu sangue, seu corpo e seu coração, e ele a havia rechaçado.
Agora já não ficava energia.
Já não podia lutar.
Se ele estava tão decidido a permanecer sozinho, quem era ela para obriga-lo a trocar? Se ele queria isolar-se, tinha muito claro que não ia ficar ali para esperar a vê-lo.
Iria à casa.
Ao fim, as pesadas portas de ferro se abriram e permitiram lhe sair. Gabrielle acelerou e saiu a toda velocidade para a rua silenciosa e escura. Não tinha uma idéia muito clara de onde se encontrava até que, depois de conduzir uns três quilômetros, encontrou-se em um cruzamento conhecido. Girou a esquerda pelo Charles Street em direção a Beacon Hill e se deixou conduzir, aturdida, pelo piloto automático.
Quando estacionou o carro na esquina de fora de seu apartamento, seu edifício lhe pareceu muito mais pequeno. Seus vizinhos tinham as luzes acesas mas, apesar do resplendor dourado no ambiente, esse edifício de tijolo lhe pareceu sombrio.
Gabrielle subiu as escadas da fachada e procurou as chaves no bolso. A mão tropeçou com uma pequena adaga que levou do armário das armas de Lucan: a tinha levado como defesa em caso de que se encontrasse com problemas em seu caminho a casa.
Quando entrou e acendeu a luz do vestíbulo, o telefone estava soando. Deixou que a secretária eletrônica respondesse e se deu a volta pra fechar todos os ferrolhos e passadores da porta.
Da cozinha ouviu a voz entrecortada da Kendra que lhe deixava uma mensagem.
—É de muito má educação por sua parte me ignorar desta maneira, Gabby. —A voz de seu amiga soava extranhamente estridente. Estava zangada.
— Tenho que ver-te. É importante. Você e eu temos que falar, de verdade.
Gabrielle se dirigiu a sala de estar e notou todos os espaços vazios que tinham ficado depois de que Lucan tivesse tirado as fotografias das paredes. Parecia que tinha passado um ano da noite em que ele foi a seu apartamento e lhe contou a assombrosa verdade a respeito de si mesmo e da batalha que estava fazendo estragos entre os de sua classe.
«Vampiros», pensou, surpreendida ao dar-se conta de que essa palavra já não a surpreendia.
Provavelmente havia muito poucas coisas que pudessem surpreendê-la já nesses momentos.
E já não tinha medo de perder a cabeça, como lhe tinha acontecido a sua mãe. Inclusive essa trágica história tinha cobrado um significado novo agora. Sua mãe não estava louca absolutamente. Era uma moça aterrorizada que se viu apanhada em uma situação violenta que muito poucos humanos seriam capazes de conceber.
Gabrielle não tinha intenção de permitir que essa mesma situação violenta a destruíra. Pelo menos agora estava em casa e já pensaria em alguma maneira de recuperar sua antiga vida.
Deixou a bolsa em cima da mesa e foi até o contestador automático. O indicador de mensagens piscava e mostrava o número dezoito.
—Deve ser uma brincadeira —murmurou, apertando o botão de reprodução.
Enquanto a máquina ficava em funcionamento, Gabrielle se dirigiu ao banho para inspecionar o pescoço. A mordida que Lucan havia lhe dado debaixo da orelha tinha um brilho vermelho escuro e se encontrava ao lado da lágrima e da lua crescente que a assinalavam como companheira de raça. Tocou-se as duas ferroadas e o hematoma que Lucan lhe tinha deixado mas se deu conta de que não lhe doíam absolutamente. A dor surda e vaziu que sentia entre as pernas era o pior, mas inclusive este empalidecia comparado com a fria crueldade que lhe instalava no peito cada vez que recordava como Lucan se apartou dela essa noite, como se ela fosse um veneno. Como tinha saído da habitação, cambaleando-se, como se não pudesse apartar-se dela com a rapidez suficiente.
Gabrielle abriu a água e se lavou, vagamente consciente das mensagens que soavam na cozinha. Para ouvir a quarta ou quinta mensagem, deu-se conta de que havia algo estranho.
Todas as mensagens eram da Kendra, e os tinha deixado todos durante as últimas vinte e quatro horas. Uma depois da outra, e entre algumas delas não havia mais que cinco minutos de diferença.
Sua voz tinha adquirido um tom grandemente mais amargo da primeira mensagem em que, em tom despreocupado e alegre, havia-lhe próposto sair e comer ou a tomar uma taça ou algo que queria. Logo, o convite tinha adquirido um tom mais insistente: Kendra dizia que tinha um problema e que necessitava que Gabrielle a aconselhase.
Nas duas últimas mensagens lhe tinha exigido de forma áspera que lhe respondesse logo.
Gabrielle correu até a bolsa e comprovou as mensagens da secretaria de voz do telefone celular: encontrou-se com o mesmo.
Com as repetidas chamadas da Kendra.
Com seu estranho tom ácido de voz.
Um calafrio lhe percorreu as costas ao recordar a advertência de Lucan a respeito da Kendra: se ela tinha caido vítima dos renegados, já não era amiga dela. Era como se estivesse morta.
O telefone começou a soar outra vez na cozinha.
—OH, Meu deus —exclamou, atendida por um terror crescente.
Tinha que sair dali.
Um hotel, pensou. Algum lugar longínquo. Algum lugar onde pudesse ocultar-se durante um tempo e decidir o que fazer.
Gabrielle tomou a bolsa e as chaves do BMW virtualmente correndo para a porta. Abriu as fechaduras e girou a maçaneta. Assim que a porta se abriu se encontrou ante um rosto que em outro momento tinha sido amistoso.
Agora estava segura de que era o rosto de um servente.
—Vai a algum lugar, Gabby? —Kendra se apartou o telefone celular do ouvido e o desligou. O timbre do telefone da casa deixou de soar. Kendra sorriu fracamente com a cabeça inclinada em um estranho ângulo.
— Ultimamente, é terrivelmente difícil de localizar.
Gabrielle se estremeceu de dor ao ver esses olhos vazios e perdidos que não piscavam.
—Me deixe passar, Kendra. Por favor.
A morena riu com uma gargalhada estridente que se apagou em um vaio surdo.
—Sinto muito, carinho. Não posso fazê-lo.
—Está com eles, verdade? —disse-lhe Gabrielle, adoecendo só de pensar.
— Está com os renegados. Meu Deus, Kendra, o que lhe têm feito?
—Te cale —repôs ela, com um dedo sobre os lábios e meneando a cabeça.
— Não falemos mais. Agora temos que ir.
Assim que a servente alargou a mão para ela, Gabrielle se apartou. Recordou a adaga que levava na bolsa e se perguntou se poderia tirá-la sem que Kendra se desse conta. E se conseguia fazê-lo, seria capaz de utilizá-la contra sua amiga?
—Não me toque —lhe disse, enquanto deslizava os dedos lentamente por debaixo da lapela de pele da bolsa.
— Não vou a nenhuma parte contigo.
Kendra lhe mostrou os dentes em uma terrível imitação de um sorriso.
—OH, acredito que deveria fazê-lo, Gabby. Depois, a vida do Jamie depende de ti.
Um temor gelado lhe atendeu o coração.
-O que?
Kendra fez um gesto com a cabeça em direção aos Sedam que estava esperando. O cristal tinto de um dos guichês se abriu e alí estava Jamie, sentado no assento traseiro ao lado de um tipo enorme.
—Gabrielle? —chamou Jamie com uma expressão de pânico nos olhos.
—OH, não. Jamie não. Kendra, por favor, não permita que lhe façam mal.
—Isso é algo que está completamente em suas mãos —repôs Kendra em tom educado e lhe tirou a bolsa das mãos.
— Não vais necessitar nada do que leva aqui.
Fez um sinal a Gabrielle para que caminhasse diante dela em direção ao carro.
—Vamos?
Lucan colocou duas barras de C4 debaixo dos enormes aquecedores de água da habitação das caldeiras do psiquiátrico. Agachou-se ante o equipamento, desdobrou as antenas do transmissor e conectou o micro para informar de seu progresso.
—Habitação de caldeiras verificada —disse a Niko, que se encontrava ao outro extremo da linha.
— Tenho que colocar três unidades mais e logo sairei...
Ficou imóvel de repente, para ouvir uns passos ao outro lado da porta fechada.
—Lucan?
—Merda. Tenho companhia —murmurou em voz baixa enquanto se incorporava e se aproximava com sigilo a porta para preparar-se a golpear.
Levou-se a mão enluvada até o punho de uma perigosa faca com serra que tinha embainhado em cima do peito. Também levava uma pistola, mas todos tinham concordado que não utilizariam armas de fogo nessa missão. Não fazia falta avisar aos renegados de sua presença e além disso, dado que Niko ia desviar o tubos de fora e encher de gases o edifício, um disparo podia acender os foguetes antes do tempo.
O trinco da porta da habitação das caldeiras começou a girar.
Lucan cheirou o fedor de um renegado, e o inconfundível aroma metálico do sangue humano. Ouviu uns grunhidos animais afogados mesclados com uns golpes e com um débil lamento de uma vítima a quem lhe estavam chupando o sangue. A porta se abriu e um fortíssimo ar pútrido penetrou na habitação enquanto um renegado arrastava a seu brinquedo moribundo dentro da sala escura.
Lucan esperou a um lado da porta até que a enorme cabeça do renegado esteve plenamente ante sua vista. Esse chupão estava muito concentrado em sua presa para dar-se conta da ameaça. Lucan levantou uma mão e cravou a faca na caixa torácica do renegado. Este rugiu com as enormes mandíbulas abertas e os olhos amarelos inchados ao sentir que o titânio lhe penetrava no sistema circulatório.
O humano caiu ao chão com um golpe seco como um boneco e seu corpo se contraiu em uma série de espasmos de agonia de morte depois do corpo do renegado que se alimentou dele começava a emitir uns assobios, a tremer e a mostrar umas feridas como se o houvessem orvalhado com ácido.
Assim que o corpo do renegado teve terminado sua rápida descomposição, outro deles se aproximou correndo pelo corredor. Lucan se precipitou para frente para voltar a atacar, mas antes de que pudesse dar o primeiro golpe, o chupão se deteve em seco quando um braço negro lhe obrigou a deter-se por detrás.
Viu-se o brilho de um fio com a rapidez e a força de um raio que atravessava a garganta do renegado e separava a enorme cabeça do corpo com um corte limpo.
O enorme corpo ficou estendido no chão como um montão de lixo. Tegan se encontrava ali em pé, com sua espada gotejando sangue e seus olhos verdes, tranqüilos. Tegan era uma máquina assassina, e o gesto sério de seus lábios parecia reafirmar a promessa que lhe tinha feito a Lucan de que se a sede de sangue podia com ele, Tegan se asseguraria de que Lucan conhecesse a fúria do titânio.
Ao olhar agora a esse guerreiro, Lucan esteve seguro de que se alguma vez Tegan ia por ele, ele morreria antes de dar-se conta de que o vampiro tinha aparecido ao seu lado.
Lucan se enfrentou a esse olhar frio e letal e lhe saudou com um gesto de cabeça.
—Me diga algo —ouviu que lhe dizia Niko através do auricular—.Está bem?
—Sim. Tudo tranquilo. —Limpou a adaga com a camisa do ser humano e a voltou a embainhar. Quando voltou a levantar a vista, Tegan tinha desaparecido, desvaneceu-se como o espectro da morte que era.
—Agora dirijo aos pontos de entrada da zona norte para colocar o resto dos explosivos —disse a Nikolai enquanto saía da habitação das caldeiras e percorria o corredor vazio.
Capítulo trinta e dois
— Gabrielle, o que acontece? O que acontece com Kendra? Veio a galeria e me há dito que tinha tido um acidente e que tinha que ir com ela imediatamente. Por que me mentiu?
Gabrielle não sabia o que responder as perguntas que Jamie, ansioso, sussurrava-lhe do assento traseiro do Sedam. Afastavam-se a toda velocidade do Beacon Hill em direção ao centro da cidade. Os arranha-céu do distrito financeiro se abatiam sobre eles na escuridão e as luzes dos escritórios piscavam como luzes natalinas. Kendra estava sentada no assento dianteiro ao lado do condutor, um gorila de pescoço largo embelezado de negro como um valentão e com óculos escuros.
Gabrielle e Jamie tinham a um companheiro similar detrás que os encurralava a um lado do brilhante assento de pele. Gabrielle não acreditava que fosse um renegado, não parecia que escondessem umas presas enormes detrás desses lábios tensos, e pelo pouco que sabia dos mortais inimigos da raça, não acreditava que nem ela nem Jamie tivessem demorado nem um minuto em ter as gargantas abertas se esses dois homens tivessem sido de verdade uns renegados viciados no sangue.
Serventes então, deduziu. Escravos humanos de um poderoso senhor vampiro.
Igual a Kendra.
—O que vão fazer conosco, Gabby?
—Não estou segura. —Alargou o braço e lhe deu um carinhoso apertão na mão. Também falava em voz baixa, mas estava segura de que seus captores estavam escutando cada uma de suas palavras.
— Mas não vai passar nada. Prometo-lhe isso.
O que sim sabia era que tinham que sair desse carro antes de que chegassem ao seu destino. Era a regra de defesa própria mais básica: nunca deixe que lhe levem a uma segunda localização. Porque então se encontrava em campo inimigo.
As oportunidades de sobrevivência passariam de ser escassas a nulas.
Olhou o fechamento de segurança da porta que Jamie tinha a seu lado. Ele observou seus olhos com o cenho franzido e expressão de interrogação. Olhou a ele e logo voltou a olhar o fechamento. Então ele o entendeu e lhe dirigiu um assentimento de cabeça quase imperceptível.
Mas quando se dispunha a colocar as mãos na posição adequada para abrir o fechamento, Kendra se deu a volta e lhes provocou:
—Quase chegamos, meninos. Estão excitados? Eu sim que o estou. Não posso esperar a que meu senhor por fim te conheça em pessoa, Gabby. Mmm! Te vai comer imediatamente.
Jamie se inclinou para diante e quase cuspiu veneno:
—Te aparte, puta mentirosa!
—Jamie, não! —Gabrielle tentou lhe reter, aterrada ante esse inocente instinto de amparo. Ele não tinha nem idéia do que estava fazendo ao irritar a Kendra ou aos outros dois serventes que se encontravam no carro.
Mas ele não ia deixar se controlar. Equilibrou-se para frente:
—Se nos tocarem um cabelo a qualquer dos dois,vou arrancar seus os olhos!
—Jamie, basta, não passa nada —disse Gabrielle, atirando dele para que voltasse a recostar-se no assento.
— Se tranqüilize, por favor! Não vai passar nada.
Kendra não se alterou. Olhou a ambos e deixou escapar uma risada repentina e estremecedora:
—Ah, Jamie. Sempre foste o pequeno e fiel terrier da Gabby. Au au! Au au! É patético.
Muito devagar e evidentemente satisfeita consigo mesma, Kendra se voltou a sentar de forma correta no assento lhes dando as costas.
—Detenha no semáforo —lhe disse ao condutor.
Gabrielle deixou escapar um tremente suspiro de alívio e se recostou outra vez no respaldo de fria pele. Jamie estava esquecido contra a porta, zangado. Quando os olhares de ambos se encontraram, ele se apartou um pouco a um lado e lhe permitiu ver que a porta agora não estava fechada.
O coração de Gabrielle deu um tombo ante essa ingenuidade e esse valor. Quase não pôde dissimular o sorriso enquanto o veículo reduzia a velocidade ante o semáforo, a uns metros diante deles. Estava em vermelho, a julgar pela fila de carros que se encontravam detidos diante dele, ia trocar para verde em qualquer momento.
Esta era a única oportunidade que tinham.
Gabrielle olhou a Jamie e se deu conta de que ele tinha compreendido o plano perfeitamente.
Gabrielle esperou, observando o semáforo; dez segundos que pareceram horas. A luz vermelha piscou e ficou verde. Os carros começaram a avançar diante deles. Assim que o Sedam começou a acelerar, Jamie levou a mão ao ponteiro da porta e a abriu.
O ar fresco da noite entrou no veículo e os dois se atiraram de cabeça para a liberdade. Jamie deu contra o pavimento e imediatamente alargou a mão para ajudar a Gabrielle a escapar.
—Detenham! —chiou Kendra.
— Não deixem que escape!
Uma pesada mão caiu sobre o ombro de Gabrielle e atirou dela para o interior do carro fazendo que se estrelasse contra o enorme corpo do servente. Os braços deste a rodearam, apanhando-a como barras de ferro.
—Gabby! —chiou Jamie.
Gabrielle emitiu um soluço desesperado.
—Vai daqui! Vai, Jamie!
—Acelera, idiota! —gritou-lhe Kendra ao condutor ao ver que Jamie se dispunha a agarrar-se ao ponteiro da porta para voltar pela Gabrielle. O motor rugiu, os pneumáticos chiaram e o carro se uniu ao tráfico.
—O que fazemos com ele?
—Deixe-lhe —ordenou Kendra em tom cortante. Dirigiu- um sorriso a Gabrielle, que se debatia em vão no assento traseiro.
— Já serviu ao nosso propósito.
O servente sujeitou a Gabrielle com força até que Kendra ordenou que o carro se detivera diante de um elegante edifício de escritórios. Desceram do carro e obrigaram a Gabrielle a caminhar para a porta de entrada. Kendra falava com alguém através do telefone celular e parecia ronronar de satisfação.
—Sim, temo-la. Agora vamos subir.
Guardou-se o telefone no bolso e lhes conduziu através de um vestibulo de mármore vazio até a zona de elevadores. Quando entraram em um deles, apertou o botão do apartamento de cobertura.
Gabrielle recordou imediatamente a mostra privada de suas fotos. Ao fim o elevador se deteve no piso superior e as portas de espelho se abriram; nesse momento Gabrielle teve a horrível certeza de que seu anônimo comprador ia dar-se a conhecer.
O servente que a tinha estado sujeitando a empurrou para que entrasse na suíte, fazendo-a tropeçar. Ao cabo de uns segundos, o medo de Gabrielle se fez maior.
Diante da parede de cristais se encontrava em pé uma alta figura de cabelo negro vestida com um comprido abrigo negro e óculos de sol. Era igual de corpulento que os guerreiros e dele emanava o mesmo ar de confiança. A mesma ameaça fria.
—Adiante —lhes disse em um tom grave que trovejou como uma tormenta.
— Gabrielle Maxwell, é um prazer conhecê-la por fim. Ouvi falar muito de você.
Kendra se colocou a seu lado e lhe deu uns tapinhas com expressão de adoração.
—Suponho que me trouxe aqui por alguma razão —disse Gabrielle, tentando não sentir pena por ter perdido a Kendra nem ter medo desse perigoso ser que tinha convertido a Kendra no que era.
—Converti-me em um grande admirador de seu trabalho. —Sorriu-lhe sem mostrar os dentes e com uma mão apartou sem contemplações a Kendra.
— Você fez umas fotos interessantes, senhorita Maxwell. Por desgraça, tem que deixar de fazer. Não é bom para meus negócios.
Gabrielle tentou agüentar o olhar tranqüilo e ameaçador que, sabia, estava-lhe dirigindo detrás dos óculos.
—Quais são seus negócios? Quero dizer, além de exercer de sanguessuga chupador de sangue.
Ele riu.
—Dominar o mundo, é obvio. Acredita que há algo mais pelo que valha a pena lutar?
—Posso pensar em umas quantas coisas.
Uma sobrancelha escura se arqueou por cima da arreios desses óculos.
—OH, senhorita Maxwell, se se referir ao amor ou a amizade, terei que dar por terminado este agradável e breve encontro agora mesmo.
—Juntou os dedos das mãos e os anéis que levava brilharam sob a tênue luz da habitação. A Gabrielle não gostava da maneira em que ele a estava olhando, como avaliando-a. O vampiro se inclinou para frente com as fossas nasais dilatadas.
— Aproxime-se.
Ao ver que ela não se movia, o corpulento servente que se encontrava a suas costas a empurrou para frente. Gabrielle se deteve um metro de distância do vampiro.
—Tem você um aroma delicioso —disse em um lento vaio.
— Cheira como uma flor, mas há algo... mais. Alguém se alimentou de você recentemente. Um guerreiro? Não se incomode em negá-lo, posso cheirá-lo em seu corpo.
Antes de que Gabrielle pudesse dar-se conta, ele a sujeitou pelo pulso e a atraiu para si de um puxão. Com mãos arrudas, fez-lhe inclinar a cabeça e lhe apartou o cabelo que escondia a mordida de Lucan e a marca que tinha debaixo da orelha esquerda.
—Uma companheira de raça —grunhiu, lhe passando os dedos pela pele do pescoço.
— E recentemente reclamada como tal. Faz de você mais inteiressante a cada segundo que passa, Gabrielle.
Não gostou do tom íntimo que empregou ao pronunciar seu nome.
—Quem a mordeu, companheira? A qual desses guerreiros o permitiu colocar-se entre essas largas e formosas pernas?
—Vá-se ao inferno —respondeu ela, apertando as mandíbulas.
—Não me vai dizer isso? —Fez estalar a língua e meneou a cabeça.
— De acordo. Poderemo-lo averiguar muito em breve.
Podemos fazer que venha. Finalmente, ele se separou dela e fez um sinal a um dos serventes estavam vigiando.
—Levem ao telhado.
Gabrielle se debateu contra seu captor, que a aferrava com ímpeto, mas não podia vencer a força desse bruto. Obrigaram-na a dirigir-se para uma porta sobre a qual havia o pôster vermelho de saída e uma placa em que se lia acesso ao heliporto.
—Um momento! E eu? —queixou-se Kendra da suíte.
—Ah, sim. Enfermeira K. Delaney —disse seu senhor escuro, como se acabasse de lembrar-se dela—. Quando nos tivermos ido, quero que saia ao telhado. Sei que a vista dele te parecerá espetacular. Desfruta-a durante um momento... e logo salta ao vazio.
Ela olhou, piscando aturdida. Logo baixou a cabeça, mostrando que estava sob seu domínio.
—Kendra! —gritou Gabrielle, desesperada por chegar até sua amiga.
— Kendra, não o faça!
O vampiro do casaco negro e os óculos escuros passou ao seu lado sem mostrar nenhuma preocupação.
—Vamos. Terminei aqui.
Uma vez colocado o último cartucho de C4 em seu lugar ao extremo norte do psiquiátrico, Lucan se abriu passo por um condutor de ventilação que conduzia ao exterior. Tirou o ralo e se içou até o exterior. Rodou por cima da grama, que rangeu sob seu corpo; logo ficou em pé e começou a correr em direção a cerca que rodeava o terreno, sentindo o ar fresco na boca.
—Niko, Como vamos?
—Vamos bem. Tegan está voltando e Gideon vem detrás de ti.
—Excelente.
—Tenho o dedo no detonador —disse Nikolai. Sua voz quase resultava inaudível pelo ruído de um helicóptero que alagava a zona.
— Dá a ordem, Lucan. Morro por fazer voar a estes chupões.
—Eu também —repôs Lucan. Olhou o céu noturno com o cenho franzido, procurando o helicóptero.
— Temos visita, Niko. Parece que um helicóptero se dirige diretamente ao psiquiátrico.
Assim que o houve dito, viu a escura silhueta do helicóptero em cima da fileira de árvores. Umas pequenas luzes piscaram no veículo enquanto este girava para o telhado do recinto e iniciava a descida.
O constante movimento da hélice levantou uma forte brisa e Lucan cheirou o aroma dos pinheiros e do pólen... e de outro perfume que lhe acelerou o pulso.
—OH, Jesus —exclamou assim que reconheceu o aroma de jasmim.
— Não toque o detonador, Niko! Por Deus, seja como for, não permita que este maldito edifício voe pelos ares!
Capítulo trinta e três
Uma mescla volátil de adrenalina e fúria, além de um medo que o cobria até os ossos, fez saltar a Lucan ao telhado do velho psiquiátrico. O helicóptero acabava de posar-se nos trilhos de aterrissagem e Lucan se precipitou para ele da beirada do edifício. O corpo tremia por causa de uma fúria mais explosiva e instável que um caminhão carregado de C4. Tinha toda a intenção de lhe arrancar as pernas a quem estivesse retendo Gabrielle.
Com a arma na mão, Lucan se aproximou do helicóptero por detrás, com cuidado de que não lhe vissem, e deu a volta pela cauda para acercar-se ao lado dos passageiros da cabine de mando.
Viu Gabrielle dentro do helicóptero, no assento traseiro, ao lado de um enorme macho que ia vestido de negro e que levava uns óculos escuros. Parecia tão pequena, a via tão aterrorizada. Seu aroma lhe banhou por inteiro. E seu medo lhe destroçou o coração.
Lucan abriu de um puxão a porta da cabine e colocou a arma diante do rosto do captor do Gabrielle enquanto sujeitava a ela com a mão que ficava livre. Mas atiraram de Gabrielle para trás antes de que ele pudesse sair com ela.
—Lucan? —exclamou Gabrielle com os olhos exagerados por causa da surpresa.
— OH, Meu deus, Lucan!
Ele realizou um rápido exame visual da situação e viu o servente que pilotava o avião e a um humano escravo que se encontrava ao seu lado, diante. O servente do assento do co-piloto se deu a volta com intenção de lhe dar um golpe no braço, mas recebeu uma bala na cabeça.
No momento em que Lucan voltou a dirigir o olhar para a Gabrielle, ao cabo de um instante, se encontrava com uma faca na garganta. Por debaixo da manga do comprido abrigo lhe assomavam os dermoglifos que Lucan tinha visto nas fotos da Costa Oeste.
— Solte disse o líder de primeira geração dos renegados.
—Vá, vá, foi uma resposta mais rápida do que houvesse imaginado, inclusive para um guerreiro com vínculo de sangue. O que pretende? Por que está aqui?
O arrogante tom de voz lhe desconcertou.
Conhecia esse bode?
—Solta-a —disse Lucan—, E te mostrarei por que estou aqui.
—Parece-me que não. —O vampiro de primeira geração lhe sorriu ampliamente, lhe mostando os dentes.
Não tinha presas. Era um vampiro, mas não era um renegado.
Que diabos?
—É encantadora, Lucan. Esperava que fosse tua.
Deus, conhecia essa voz. Ouvia-a como procedente de algum lugar muito profundo, enterrado em sua memória.
Do passado longínquo.
Um nome lhe formou na mente, cortante como o fio de uma espada.
Não, não era possível que fosse ele.
Impossível...
Concentrou-se para sair dessa confusão momentânea, mas esse breve momento de perda de concentração lhe custou caro. Desde um dos lados, um par de renegados tinha subido ao telhado do interior do psiquiátrico lhe aproximava com sigilo. Com um gruido, levantou a porta do helicóptero e golpeou com o canto da mesma a Lucan na cabeça.
— Lucan! — chiou Gabrielle.
— Não!
Lucan estremeceu e uma das pernas lhe falhou. A arma caiu da mão e escorregou pelo chão do telhado uns quantos metros, ficando fora de seu alcance.
O renegado lhe deu um murro na mandíbula com o enorme punho. Ao cabo de um segundo, um golpe brutal lhe destroçou as costelas. Lucan caiu ao chão, mas fez um giro e com o pé embainhado na bota fez cair ao renegado ao chão. Precipitou-se sobre ele enquanto tirava a faca que tinha embainhado no torso.
A uns metros de ambos, a hélice do helicóptero começou a girar. O piloto se preparava para levantar outra vez.
Não podia permiti-lo.
Se permitia que Gabrielle se fosse desse coberto, não ficaria nenhuma esperança de voltar a vê-la viva nunca mais.
—Nos tire daqui —ordenou o captor de Gabrielle ao piloto enquanto as hélices do helicóptero giravam cada vez mais depressa.
Fora, arrastando-se pelo telhado, Lucan lutava contra o renegado que lhe tinha atacado. Apesar da escuridão, Gabrielle viu que outro mais se aproximava da porta de entrada ao telhado.
—OH, não —exclamou, quase sem respiração e sem poder mover-se por causa do cortante fio de aço que lhe cravava na pele da garganta.
O enorme macho se inclinou por diante dela para olhar o que estava acontecendo no telhado. Lucan havia tornado a ficar em pé e lhe abriu o ventre ao primeiro dos renegados que lhe tinha atacado. O grito deste foi audível inclusive apesar do forte ruído da hélice do helicóptero. Seu corpo começou a convulsionar-se, a ter espasmos... A desintegrar-se.
Lucan girou a cabeça para o helicóptero. Tinha os olhos cheios de furia, brilhavam-lhe como duas pedras de âmbar acesas com o fogo do inferno. Precipitou-se para diante, rugindo, carregando com os ombros contra o veículo como um trem de carga.
—Nos tire daqui agora mesmo! —gritou o macho que estava ao lado de Gabrielle, pela primeira vez em tom preocupado.
— Agora mesmo, porra!
O helicóptero começou a levantar-se.
Gabrielle tentou apartar da faca apertando-se contra o respaldo do pequeno assento traseiro. Se pudesse encontrar a maneira de lhe apartar o braço, possivelmente pudesse alcançar a porta da cabine...
O helicóptero sofreu uma sacudida repentina, como se tivessem se chocado contra alguma parte do edifício. O motor pareceu gemer, esforçado.
O captor do Gabrielle estava furioso já.
—Desapega, idiota!
—Estou-o tentando, senhor! —disse o servente que se encontrava ante os mandos. Levantou uma alavanca e o motor protestou com um terrível grunhido.
Houve outra sacudida, como se atirassem do aparelho para baixo, e todo o interior tremeu. A cabine se inclinou por volta da frente e o captor do Gabrielle perdeu o equilíbrio no assento e deixou de lhe emprestar atenção durante um momento.
A faca se separou de sua garganta.
Com uma repentina decisão, Gabrielle se lançou para trás e lhe deu um pontapé com as duas pernas que lhe fez cair contra o respaldo do assento do piloto. O veículo se precipitou para frente e Gabrielle trabalhou em excesso por alcançar a porta da cabine.
Esta se abriu de tudo e ficou aberta, pendurando das dobradiças, depois do helicóptero tremia e se balançava. Seu captor se estava recompondo e estava a ponto de alcançá-la outra vez. Por causa do caos tinham caido os óculos de sol. Olhou-a com um gelado olhos cinzas cheios de malignidade.
—Diga a Lucan que isto não terminou nem muito menos — ordenou o líder dos renegados, pronunciando as palavras em um assobio e olhando-a com um sorriso diabólico.
—Vai para o inferno —respondeu Gabrielle. Nesse mesmo instante, lançou-se para a porta aberta e se deixou cair ao chão do telhado.
Assim que a viu, Lucan soltou o trilho de aterrissagem do helicóptero. O veiculo se elevou repentinamente e começou a dar voltas sobre si mesmo descontrolado enquanto o piloto se esforçava por dominá-lo.
Correu ao lado de Gabrielle e a ajudou a ficar em pé. Passou-lhe as mãos por todo o corpo para assegurar-se de que estava inteira.
—Está bem?
Ela assentiu com a cabeça.
—Lucan, detrás de ti!
No telhado, outro dos renegados se dirigia para eles. Lucan enfrentou a esse desafio com agrado, agora que Gabrielle estava com ele; todos os músculos de seu corpo se dispuseram a dar morte. Tirou outra faca e se aproximou da ameaça.
A luta foi selvagem e rápida. Lucan e o renegado se enfrentaram em um mortal combate corpo a corpo com os punhos e os fios das armas brancas. Lucan recebeu mais de um golpe, mas era imparável. O sangue de Gabrielle ainda tinha um efeito forte nele, e lhe dava uma fúria que lhe tivesse permitido enfrentar-se com dez competidores de uma vez. Lutou com uma força e uma eficiência letal, e acabou com o renegado com um corte vertical que lhe atravessou o corpo.
Lucan não esperou a ver o efeito do titânio. Deu-se a volta e correu para Gabrielle. Assim que chegou, quão único pôde fazer foi toma-la entre os braços e abraçá-la com força. Pôde ficar assim toda a noite, sentindo como lhe pulsava o coração e acariciando a pele suave.
Levantou-lhe a cabeça e lhe estampou um beijo forte e tenro nos lábios.
—Temos que sair daqui, carinho. Agora mesmo.
Sobre suas cabeças, o helicóptero continuava subindo.
O vampiro de primeira geração que tinha capturado a Gabrielle olhou para baixo desde atrás do cristal da cabine e dirigiu uma vaga saudação à Lucan, sorrindo enquanto o veículo subia no céu noturno.
—OH, Deus, Lucan! Estava tão assustada. Se tivesse acontecido algo...
O sussurro de Gabrielle lhe fez esquecer completamente a seu inimigo que escapava. A única coisa que lhe importava era que ela era capaz de lhe falar. Que respirava. Gabrielle estava com ele, e esperava que pudesse continuar estando ao seu lado.
—Como demônios lhe capturaram? —perguntou-lhe com voz tremente e tom urgente a causa do medo que havia sentido.
—Depois de que você partiu do complexo esta noite, precisava ir e pensar. Fui para casa. Kendra apareceu. Tinha a Jamie como refém em um carro que se encontrava fora. Não podia deixar que lhe fizessem mal. Kendra é, era, uma servente, Lucan. Mataram-na. Minha amiga está morta.
—Gabrielle soluçou de repente.
— Mas pelo menos Jamie escapou. Agora está em algum lugar do centro da cidade, provavelmente aterrorizado. Tenho que lhe encontrar e lhe dizer que tudo está bem.
Lucan ouviu o som grave do helicóptero que continuava subindo por cima de suas cabeças. Além disso, tinha que fazer a Niko o sinal de que voasse esse lugar antes de que os renegados tivessem a oportunidade de escapar.
—Vamos daqui, e logo me encarregarei do resto.
Lucan tomou a Gabrielle pelos braços.
—Segura em mim, carinho. Com toda a força que possa.
—De acordo. — pendurou-se os braços ao redor do pescoço.
Ele voltou a beijá-la, aliviado de tê-la entre os braços.
—Não te solte em nenhum momento — disse-lhe, olhando os olhos brilhantes e formosos de sua companheira de raça.
Então se colocou na beirada do edifício e se deixou cair com ela em seus braços, com toda a suavidade de que foi capaz, até o chão.
—Lucan, me diga algo, cara! —chamou-lhe Nikolai pelo auricular.
— Onde está? Que merda está acontecendo aí?
—Tudo vai bem —respondeu ele, enquanto levava a Gabrielle pelo escuro terreno coberto de grama da propriedade em direção ao ponto onde se encontrava o veículo de vigilância esperando.
— Agora tudo está bem. Apura o detonador e acabemos com isto.
Gabrielle estava encolhida sob o forte braço de Lucan quando o veículo de vigilância subia pela rua que conduzia ao terreno do complexo. Ele a tinha obstinado ao seu lado desde que escaparam da zona do psiquiátrico e lhe havia coberto os olhos enquanto todo o complexo de edificios voava pelos ares como uma infernal bola de fogo.
Lucan e seus irmãos tinham conseguido: tinham acabado com o quartel general dos renegados com um incrível golpe. O helicóptero tinha conseguido escapar a explosão e se desvaneceu no céu, envolto na fumaça negra e escondida no céu da noite.
Lucan estava pensativo: olhava para fora dos cristais escuros dos guichês para cima, para a abóbada de estrelas. Gabrielle tinha visto sua expressão de surpresa, de incredulidade e de atordoamento, quando se encontrava no telhado e abriu a porta da cabine de comando do helicóptero.
Foi como se tivesse visto um fantasma.
Inclusive nesse momento, Lucan continuava com esse estado de ânimo, enquanto entravam no terreno e Nikolai conduzia em direção à garagem. O guerreiro deteve o carro uma vez que estiveram dentro da enorme garagem. Quando desligou o motor, Lucan falou por fim.
—Esta noite conseguimos uma importante vitória contra nossos inimigos.
—Porra , sim —assentiu Nikolai.
— E vingamos a Conlan e a Rio. Teria-lhes encantado estar ali para ver voar esse lugar.
Lucan assentiu na escuridão do veículo.
—Mas não nos equivoquemos. Estamos entrando em uma nova fase do conflito com os renegados. Agora é a guerra, mais que nunca. Esta noite agitamos o ninho de vespas. Mas ao que necessitávamos capturar, seu líder, continua vivo.
— Deixemos que corra. Já lhe apanharemos —disse Dante, com expressão de confiança.
Mas Lucan negou com gesto sério.
—Este é distinto. Não nos porá isso fácil. Antecipará-se a nossos movimentos. Compreende nossas táticas. A Ordem vai ter que fortalecer as estratégias e aumentar o número de seus guerreiros. Temos que organizar alguns quadros mais que ainda estão dispersados pelo mundo, conseguir mais guerreiros, quanto antes melhor.
Gideon se deu a volta no assento dianteiro.
—Crê que é o vampiro de primeira geração da Costa Oeste quem está à frente dos renegados?
—Estou seguro —repôs Lucan.
Estava no helicóptero, no telhado, esta noite, onde tinha a Gabrielle. —Acariciou-lhe o braço com um afeto tenro, e fez uma pausa para olhá-la, como se sua só visão lhe tranqüilizasse de algum jeito.
— E esse bode não é um renegado: não agora, se é que o foi em algum momento. Uma vez foi um guerreiro, como nós. chama-se Marek.
Gabrielle sentiu uma quebra de onda de frieza que procedia da terceira fila de assentos do veículo de vigilância e soube que Tegan estava olhando a Lucan.
Lucan sabia também. Girou a cabeça para olhar ao outro guerreiro aos olhos.
—Marek é meu irmão.
Capítulo trinta e quatro
A carga da revelação de Lucan ainda lhes pesava enquanto saíam do veículo e subiam ao elevador do hangar para baixar ao complexo. Seu amado, Gabrielle entrelaçou os dedos da mão com os dele enquanto baixavam. Sentia o coração comocionado e cheio de compaixão; ele a olhou e ela soube que ele percebia a preocupação em seus olhos.
Gabrielle observou que seus irmãos guerreiros também tinham expressões de preocupação similares nos olhos e que, silenciosamente, haviam dado conta do significado do que tinham descoberto essa noite.
Chegaria o momento em que Lucan teria que enfrentar-se com a necessidade de matar a seu próprio irmão.
Ou de que seu irmão matasse a ele.
Gabrielle ainda não tinha conseguido aceitar a frieza desse fato no momento em que as portas do elevador se abriram e se encontraram ante o Savannah e Danika, que tinham estado esperando com ansiedade a volta dos guerreiros. Houve bem-vindas cheias de alívio, muitas pergunta sobre o resultado da missão dessa noite, assim como de por que Gabrielle partiu do complexo sem dizer nenhuma palavra a ninguém. Gabrielle estava muito cansada para responder, demasiado esgotada depois dessa terrível experiência para tentar sequer expressar o que sentia.
Mas sabia que logo teria que oferecer algumas respostas, a Lucan ao menos.
Os guerreiros se afastaram em meio de uma discussão sobre táticas e novas estratégias de batalha contra os renegados. Savannah e Danika empurraram imediatamente a Gabrielle em direção contrária, que se mostraram preocupadas com seus vários arranhões e contusões e insistiram em que comesse e se desse um comprido banho quente.
Gabrielle concordou a contra gosto, mas nem sequer as incríveis habilidades culinárias de Savannah nem o fragrante vapor do banho que lhe prepararam logo conseguiram relaxá-la.
A mente não parava de lhe dar voltas em relação a Lucan, Jamie e tudo o que tinha acontecido essa noite. Devia a vida a Lucan. Amava-lhe mais que a nenhuma outra coisa e sempre lhe estaria agradecida por havê-la resgatado, mas isso não trocava o que sentia a respeito de como foram as coisas entre ambos. Não podia permanecer no complexo dessa forma. E não importava o que lhe dissesse, não tinha intenção de ir a nenhum dos Refúgios Escuros.
Então, que possibilidade ficava? Tampouco podia voltar para seu apartamento. Sua velha vida já não era possível. Voltar para ela significaria que teria que negar tudo o que tinha experimentado com Lucan durante essas últimas semanas e esforçar-se por lhe esquecer. Teria que negar tudo o que agora sabia sobre si mesmo, e sobre sua conexão com a raça.
A verdade era que não sabia qual era seu lugar agora. Não sabia por onde começar a procurar, mas depois de dar voltas pelo labirinto de do complexo, Gabrielle se encontrou em pé ante a porta das habitações privadas de Lucan.
A porta que dava à habitação principal estava aberta e uma suave luz saía de dentro. Gabrielle a empurrou e entrou.
A luz de umas velas iluminava o dormitório adjacente. dirigiu-se para essa luz ambiental até que esteve na porta de entrada e parou ali, maravilhada do que viu. O austero dormitório de Lucan se havia convertido em um pouco saído de um sonho. Havia um castiçal de intrincada prata em cada esquina. A cama estava coberta por um cobertor de seda vermelho. No chão, diante da chaminé, havia um montão de almofadas e sedas carmesins. Era tão romântico, tão acolhedor.
Era uma habitação pensada para fazer o amor.
Deu um passo para o interior da habitação. A suas costas, a porta se fechou brandamente sozinha.
Não, não de tudo sozinha. Lucan estava ali, em pé, ao outro extremo da habitação e a estava observando. Tinha o cabelo molhado pela ducha. Levava uma bata solta de cetim vermelho que lhe caía até os tornozelos , e tinha um olhar quente nos olhos que se fundia no Gabrielle.
—Para você —lhe disse, assinalando o romântico ambiente.
— Para nós, esta noite. Quero que as coisas sejam especiais para você.
Gabrielle se sentiu comovida, e imediatamente excitada ao lhe ver, porem não podia suportar fazer amor depois de como tinham ficado as coisas entre eles.
—Quando fui esta noite, não pensava voltar —lhe disse de uma distância segura. Se aproximava mais, não acreditava que tivesse a força de lhe dizer o que tinha que dizer-lhe.
— Não posso voltar a fazer isto, Lucan. Necessito coisas de você que você não pode me dar.
—Me diga quais. —Foi uma ordem suave, mas uma ordem. Ele se aproximou dela com passos cautelosos, como se notasse que ela podia lhe rechaçar em qualquer momento.
— Me diga o que necessita.
Ela negou com a cabeça.
—Do que serviria?
Uns quantos passos lentos mais. Deteve-se um metro de distância dela.
—Eu gostaria de sabê-lo. Tenho curiosidade do que me custaria convencer-te de que fique comigo.
—Para passar a noite? —perguntou ela em voz baixa, odiando a si mesmo por quanto precisava sentir os braços dele ao redor de seu corpo depois de tudo o que lhe tinha acontecido durante essas últimas horas.
—Quero-te, e estou disposto a te oferecer algo, Gabrielle. Assim me diga o que é o que necessita.
—Sua confiança —lhe disse ela, pedindo uma coisa que sabia que se encontrava fora de seu alcance.
— Não posso... fazer isto mais, se você não confia em mim.
—Eu confio em ti — disse ele, com tanta solenidade que ela acreditou.
— Você é a única que me conheceu de verdade, Gabrielle. Não te posso ocultar nada. Viu-o tudo: o pior, certamente. Eu gostaria de ter a oportunidade de te mostrar a parte boa que há em mim. —aproximou-se um pouco mais. Ela notava o calor que emanava de seu corpo. Notava seu desejo.
— Quero que se sinta tão segura comigo como eu me senti contigo. Assim que a pergunta é: pode confiar em mim, agora que sabe tudo a respeito de mim?
—Sempre confiei em ti, Lucan. Sempre o farei. Mas não é isso...
—Pois o que, então? —perguntou ele, interrompendo sua rápida negativa.
—Diga-me que mais posso te dar para fazer que fique.
—Isto não vai funcionar —disse ela, retrocedendo um pouco.
— Não posso ficar. Não desta maneira. Não agora que meu amigo Jamie...
—Está a salvo. —Ao ver que lhe olhava com expressão de confusão, acrescentou—: Mandei a Dante ao exterior assim que chegamos para que fosse lhe buscar. Faz uns minutos que retornou e me informou que achou seu amigo em uma delegacia de polícia do centro da cidade e o levou a casa.
Gabrielle sentiu que o alívio a embargava, mas imediatamente a preocupação o substituiu.
—O que lhe disse Sante? Apagou-lhe a memória?
Lucan negou com a cabeça.
—Pensei que não era justo que eu tomasse esta decisão por ti. Dante simplesmente disse que você também estava a salvo e que lhe poriam em contato com ele muito em breve para lhe explicar tudo. O que ditas lhe contar ao seu amigo é tua coisa. Vê-o? Confiança, Gabrielle.
—Obrigado —murmurou ela, sentindo-se reconfortada pela consideração.
— Obrigado por me haver ajudado esta noite. Salvaste-me a vida.
—Então, por que me tem medo agora?
—Não te tenho medo —repôs, mas estava se separando dele, quase sem dar-se conta disso, mas a cama, que tinha detrás, bloqueou-lhe a escapatória. Em um instante ele esteve diante dela.
—Que mais quer de mim, Gabrielle?
—Nada —disse ela, quase em um sussurro.
—Nada absolutamente? —perguntou ele em tom grave e exigente.
—Por favor, não me faça desejar ficar esta noite quando amanhã vais desejar que vá. Deixa que vá agora, Lucan.
—Não posso fazer isso. —Tomou uma mão e a levou aos lábios. Gabrielle sentiu a calidez e a suavidade de seus lábios nos dedos e sentiu que era presa de um encantamento que somente ele podia lhe fazer. Ele levou a mão dela contra o peito, apertando a palma contra o mesmo, sobre o batimento de seu coração contra as costelas.
— Não poderei te deixar partir nunca, Gabrielle. Porque o queira ou não, tem meu coração. Tem meu amor, também. Se o aceitar.
Ela tragou saliva com dificuldade.
—O quê?
—Amo-te. —Pronunciou as palavras em voz baixa e com sinceridade, como uma carícia que ela sentiu no mais profundo do coração:
— Gabrielle Maxwell, amo-te mais que a vida. Estive sozinho durante muito tempo, e não soube me dar conta até que quase foi muito tarde. —Deixou de falar e a olhou aos olhos com intensidade.
— Não é... muito tarde, verdade?
Ele a amava.
Uma alegria, pura e brilhante, encheu-a para ouvir essas palavras do lábio de Lucan.
—Volta a dizê-lo —sussurrou ela, com a necessidade de saber que esse momento era real, que isso ia durar.
—Amo-te, Gabrielle. Até o último fôlego de vida que tenho. Amo-te.
—Lucan. —Pronunciou seu nome com um suspiro, com lágrimas nos olhos que lhe derramavam pelas bochechas.
Ele a tomou entre os braços e lhe deu um beijo comprido, profundo e apaixonado que fez que a cabeça desse voltas e o coração queria levantar o vôo. Sentia o sangue como fogo nas veias.
—Você merece a alguém muito melhor que eu —lhe disse com um tom de voz e expressão reverente.
— Conhece meus demônios. Pode me amar... aceitará-me... Apesar de conhecer minhas debilidades?
Tomou o rosto com a mão e olhou, lhe expressando com os olhos todo o amor que sentia.
—Você nunca foste débil, Lucan. E te amarei seja como for. Juntos podemos superar tudo.
—Você me faz acreditar nisso. Deste-me esperança. —Com um gesto amoroso, acariciou-lhe o braço, o ombro, a bochecha. Percorreu-lhe o rosto com o olhar enquanto o acariciava com a mão.
— Meu Deus, é tão deliciosa. Poderia ter a qualquer macho, da raça ou humano...
—Você é o único a quem quero.
Ele sorriu.
—Que Deus te ajude, mas não o aceitaria se fosse de outra maneira. Nunca desejei de forma tão egoísta como quero a você neste momento. Seja minha, Gabrielle.
—Sou-o.
Ele tragou saliva e baixou os olhos como se de repente se sentisse inseguro.
—Refiro-me para sempre. Não posso aceitar menos que isso. Gabrielle, aceitaria-me como companheiro?
—Para sempre —sussurrou ela, tombando-se de costas na cama e trazendo-o para si.
— Sou tua, Lucan, para sempre.
Voltaram a beijar-se, e esta vez, quando se separaram, Lucan alargou a mão até uma magra adaga de ouro que estava na mesinha ao lado da cama. Aproximou-a de seu rosto. Gabrielle se sobressaltou um pouco ao ver que ele
Levava-se a folha até os lábios.
—Lucan...
Ele a olhava com ternura e seriedade aos olhos.
—Você me deste seu sangue para me curar. Você me fortalece e me protege. Você é a única que quero, e a única que sempre necessitarei.
Nunca lhe tinha ouvido falar com tanta solenidade. As íris de seus olhos começavam a brilhar, a pálida cor cinza se misturava com a cor âmbar e com a profundidade de sua emoção.
—Gabrielle, quer me fazer a honra de aceitar meu sangue para cerrar nosso vínculo?
A voz de Gabrielle foi débil.
—Sim.
Lucan baixou a cabeça e levou a adaga até o lábio inferior. Logo a apartou e a olhou outra vez: seus lábios brilhavam com o escuro sangue vermelho.
—Vêem aqui. Deixa que te ame —lhe disse, unindo seus lábios escarlates com os dela.
Nada a teria podido preparar para o que sentiu ao provar pela primeira vez o doce sangue de Lucan.
Mais intenso que o vinho, instantaneamente embriagador, o sangue dele fluiu por sua língua com toda sua força e seu poder. Sentiu que uma luz a alagava do mais profundo de seu corpo e lhe oferecia uma pista do futuro que a esperava como companheira de Lucan. Encheu-se de felicidade, ficou ruborizada desse calor, e sentiu uma alegria que nunca antes tinha experimentado.
Sentiu desejo, também.
Mais intenso do que o havia sentido nunca.
Gabrielle emitiu um profundo gemido de desejo e empurrou a Lucan no peito para lhe tombar de costas. Tirou a roupa em um instante, subiu em cima dele e lhe montou escarranchada.
O sexo dele se enervava diante dela, grosso e forte como a pedra. Os formosos desenhos de sua pele tinham uma profunda cor púrpura com uma tintura avermelhada e adquiriam um tom mais profundo quando a olhava com desejo. Gabrielle se inclinou para frente e passou a língua pelas linhas sinuosas e intrincadas que lhe cobriam o corpo das coxas até o umbigo e subiam até os músculos do peito e os ombros.
Era dele.
Esse pensamento foi ferozmente possessivo, primitivo. Nunca lhe tinha desejado tanto como nesse momento. Ofegava e estava úmida e desejava lhe montar com força, lhe queimava por dentro.
Deus, era a isto ao que Savannah se referia quando dizia que um vínculo de sangue intensificava o ato amoroso?
Gabrielle olhava a Lucan com uma necessidade puramente carnal, quase sem saber por onde começar com ele. Desejava lhe devorar, lhe adorar, lhe utilizar. Aplacar o incêndio que sentia dentro do corpo.
—Deveria me haver avisado de que me tinha dado um afrodisíaco.
Lucan sorriu.
—E arruinar a surpresa?
—Ria, vampiro. —Gabrielle arqueou uma sobrancelha, tomou seu membro ereto e deslizou a mão por ele até a base com um movimento comprido.
— Me prometeu a eternidade. Vais arrepender- te.
—Ah, sim? —Mas foi mais um gemido estrangulado porque lhe montou e ele começou a mover-se com um rebolado de quadril desenfreado debaixo dela. Com olhos brilhantes, olhou-a e mostrou as presas ao sorrir, uma amostra clara de que desfrutava dessa tortura.
— Companheira, acredito que me vai encantar que o tente.
Capítulo vinte e quatro
As palavras de Lucan —e todas as coisas incríveis que lhe havia dito— ainda lhe ressonavam nos ouvidos enquanto saía debaixo da água da ducha do banho. Fechou o grifo e se secou com a toalha, esperando que a água quente lhe tivesse aliviado parte da dor e a confusão que sentia. Havia muitas coisas com as que devia enfrentar-se, e a menor delas não era o fato de que Lucan não tivesse nenhuma intenção de estar com ela.
Tentou dizer-se a si mesmo que não lhe tinha feito nenhuma promessa, mas isso somente o fazia sentir-se mais tola. Ele nunca lhe tinha pedido que pusesse seu coração aos seus pés; tinha-o feito ela sozinha.
Aproximou-se do espelho que ocupava todo o largo da parede do lavabo e se apartou o cabelo para olhar com atenção a marca de nascimento carmesim que tinha debaixo da orelha esquerda. Melhor dizendo, a marca de companheira de raça, corrigiu-se a si mesmo, enquanto observava a pequena lágrima que parecia cair na terrina da lua crescente.
Por alguma retorcida ironia, essa pequena marca no pescoço a unia ao mundo de Lucan e, apesar disso, era o mesmo que lhe impedia de estar com ele.
Possivelmente ela representava uma complicação que ele não queria ou não necesitava, mas o fato de haver-se encontrado com ele tampouco tinha feito que sua vida fora uma festa.
Graças a Lucan, ela se tinha metido em uma sangrenta guerra que havia parecer com os violadores em grupo uns fanfarrões de pátio. Ela tinha abandonado um dos melhores apartamentos do Beacon Hill, e ia perde-lo se não voltava e a trabalhar para pagar as faturas. Seus Amigos não tinham nem idéia de onde estava, e dizer-lhe nesse momento poria, provavelmente, suas vidas em perigo.
Para cúmulo de tudo isso, havia-se meio apaixonado por mais escuro e mortífero deles, o homem mais fechado emocionalmente que tinha conhecido.
Que, além disso, resultava ser um vampiro chupador de sangue.
E, que diabos, já que estava sendo sincera consigo mesma, não estava meio apaixonada por Lucan. Estava completa, inteira, perdidamente e sem poder superá-lo na vida apaixonada por ele.
—Bem feito —disse a seu miserável reflexo.
— Malditamente brilhante.
E Apesar de tudo o que lhe havia dito, não havia nada que desejasse mais que ir para lhe buscar ali onde estivesse no complexo e envolver-se com seus braços, o único lugar onde tinha encontrado algum consolo.
Sim, como se precisasse acrescentar a humilhação em público a humilhação íntima com que tentava enfrentar-se nesse momento. Lucan o tinha deixado muito claro: o que pudessem ter tido os dois —se é que houvesse tido verdadeiramente algo que estivesse além do físico—, terminou-se.
Gabrielle voltou para seu dormitório, recuperou sua roupa e seus sapatos e se vestiu depressa, desejosa de estar fora dos aposentos pessoais de Lucan antes de que ele voltasse e ela fizesse alguma coisa verdadeiramente estúpida. Bom, corrigiu-se ao ver os lençóis enrugados por haver feito amor, alguma coisa ainda mais estúpida.
Com a idéia de ir procurar a Savannah e, possivelmente, tentar encontrar um telefone fora do complexo —já que Lucan não o havia parecido adequado lhe devolver o celular— Gabrielle se escapuliu do dormitório. O pesseio resultava confuso, sem dúvida por causa de seu traçado, assim fez uns quantos giros errôneos até que finalmente reconheceu onde se encontrava. Estava perto das instalações de treinamento, a julgar pelo agudo som dos disparos contra os alvos.
afastou-se de uma esquina e se viu detida repentinamente por uma rígida parede coberta de pele e armas que se encontrava em seu caminho.
Gabrielle olhou para cima, e um pouco mais para cima, e se encontrou com uns olhos verdes e desconfiados que a olhavam com uma arrepiante expressão ameaçadora. Esses olhos frios e calculadores se cravaram nela desde detrás de uma cascata de cabelo avermelhado, como um gato que aconchega e valora a sua presa. Gabrielle tragou saliva. Um perigo evidente eemanava do corpo grande desse vampiro e da profundidade de seus olhos de depredador.
«Tegan.»
O nome desse macho desconhecido lhe veio a cabeça, o único dos seis guerreiros do complexo a quem ainda não tinha conhecido.
O mesmo com quem Lucan parecia compartilhar um mútuo e mau dissimuladou desprezo.
O guerreiro vampiro não se separou de seu caminho. Nem sequer reagiu quando ela teve se chocado contra ele, exceto pela ligeira careta que dava com os lábios quando seus olhos encontraram os peitos dela Aplastados contra a superfície de duro músculo justo debaixo do peito. Levava umas doze armas e essa ameaça se via reforçada por uns noventa quilogramas de músculo.
Ela deu um passo para trás e logo se fez a um lado para ficar em um lugar seguro.
—Sinto muito. Não me tinha dado conta de que estava aqui.
Ele não disse nenhuma palavra, mas ela sentiu como se tudo o que lhe estava acontecendo tivesse ficado exposto e visível ante ele em um instante: no instantâneo contato do corpo dela contra o dele. Ele a olhou com uma expressão gelada e desprovida de emoção, como se pudesse ver através dela. Embora não disse nada e não expressou nada, Gabrielle se sentiu diseccionada.
sentiu-se... invadida.
—Perdão —sussurrou.
No momento em que se moveu para passar de comprimento, a voz do Tegan a deteve.
—Né. —Sua voz era mais suave do que tivesse esperado; uma voz profunda, escura e áspera. Contrastava de forma peculiar com a desnudez do olhar, que não se moveu nem um milímetro,
— Faça um favor a você mesma e não te aproxime demasíado de Lucan. Há muitas posibilidades de que esse vampiro não viva muito mais tempo.
Disse-o sem rastro de emoção na voz, foi somente a plana constatação de um fato. O guerreiro passou por seu lado e levantou uma brisa atrás dele impregnada de uma apatia fria e perturbadora que lhe penetrou até os ossos.
Gabrielle se deu a volta para lhe olhar, mas Tegan e sua inquietante predição tinham desaparecido.
Lucan comprovou o peso de uma brilhante nove milímetros com a mão e logo levantou a arma e realizou uma série de disparos contra o alvo que se encontrava ao outro extremo da zona de tiro.
Apesar de que era agradável encontrar-se no terreno conhecido das ferramentas de seu ofício e sentir o sangue fervendo, a ponto para uma briga decente, uma parte dele continuava divagando sobre o encontro com Gabrielle. Apesar de tudo o que havia dito para aparta-la dele, tinha que admitir que se afeiçoou profundamente dela.
Quanto tempo acreditava ser capaz de continuar com ela sem render-se? Ou mais exatamente, como acreditava que seria capaz de suportar a idéia deixa-la partir? De mandá-la longe com a idéia de que ela se emparelharia com outro?
As coisas se estavam pondo indevidamente muito complicadá.
Deixou escapar uma maldição. Disparou outra série de balas e desfrutou com o estrondo do metal quente e com o aroma azedo no peito do alvo ao explodir por causa do impacto.
—O que pensa? —perguntou-lhe Nikolai, lhe olhando com seus olhos frios, limpos e cintilante.
_ Uma peça pequena e doce, não? Endiabradamente sensível, além disso.
—Sim. É agradável. Eu gosto. —Lucan pôs o fecho de segurança e jogou outra olhada a sua pistola.
— Uma Beretta 92FS convertida em automática com carregador. Bom trabalho, tio. Verdadeiramente bom.
Niko sorriu.
—Não te falei que as balas que vão levar os meninos. Hei trocado as pontas ocas de policarbonato das balas. tirei a pólvora das pontas e a substituí por pó de titânio.
—Isso deve provocar um horrível desastre no sistema sangüíneo desses chupões —acrescentou Dê, que se encontrava sentado no bordo de uma vitrine de armas afiando umas facas.
Sem dúvida, o vampiro tinha razão a respeito. Nos velhos tempos, a forma mais limpa de matar a um renegado consistia em separar a cabeça do corpo. Isso funcionava bem quando as espadas eram a arma habitual, mas a tecnologia moderna tinha apresentado novos desafios para ambos os bandos.
Não foi até princípios de 1900 quando a raça descobriu o efeito corrosivo do titânio no sistema sangüíneo sobreactivo dos vampiros renegados. Devido a uma alergia que tinha aumentado por causa de mudanças celulares no sangue, os renegados reagiam ao titânio como um efervescente reage em contato com a água.
Niko tomou a arma de Lucan e lhe deu uns golpezinhos, como se fora um prêmio.
—O que tem aqui é um autêntico destruidor de renegados.
—Quando podemos prová-la?
—Que tal esta noite? —Tegan tinha entrado sem fazer ruído, mas sua voz atravessou a habitação como o rugido de uma tormenta.
—Refere a esse lugar que encontrou perto do porto? —preguntóu Dante.
Tegan assentiu com a cabeça.
—Provavelmente seja uma guarida que albergue possivelmente a uma dúzia de indivíduos, mais ou menos. Acredito que ainda estão verdes, acabam de comverter-se em renegados. Não será muito difícil acabar com eles.
—Faz bastante tempo que não fazemos uma batida para limpar uma casa —comentou Rio, arrastando as palavras e com um amplo sorriso de satisfação.
— Me parece que será uma festa.
Lucan devolveu a arma a Nico e olhou ao outros com o cenho franzido.
—por que diabos me acabo de inteirar disto agora?
Tegan lhe olhou com expressão categórica.
—Tem que te pôr um pouco ao dia, tio. Enquanto você estava encerradou com sua fêmea durante toda a noite, nós estávamos acima fazendo nosso trabalho.
—Isto foi um golpe baixo —disse Rio.
— Inclusive vindo de você, Tegan.
Lucan recebeu o golpe com um silêncio calculado.
—Não, tem razão. Eu deveria ter estado aí acima me ocupando do trabalho. Mas tinha que me encarregar de algumas coisas aqui embaixo. E agora já terminei. Já não vão ser um problema nunca mais.
Tegan lhe dirigiu um sorrizinho de suficiência.
—De verdade? Porque tenho que te dizer que faz uns minutos hei visto a nova companheira de raça na sala e a encontrei bastante inquieta. Parecia que alguém tivesse quebrado o coração dessa pobre garota. Deu-me a sensação de que necessitava que alguém lhe fizesse as coisas mais fáceis.
Lucan respondeu ao vampiro com um furioso e escuro rugido de raiva.
—O que lhe disse? Tocou-a? Se lhe tiver feito algo...
Tegan rio, verdadeiramente divertido.
—Calma, tio. Não faz falta que saia de suas casinhas desta maneira. Sua fêmea não é meu assunto.
—Pois recordem isto —disse Lucan. deu-se a volta para enfrentar-se aos olhares de curiosidade de outros vampiros.
— Ela não é assunto de nenhum de vocês, está claro? Gabrielle Maxwell se encontra sob meu amparo pessoal enquanto esteja neste complexo. Quando tiver ido a um dos Refúgios Escuros, tampouco será meu assunto.
Necessitou um minuto para tranqüilizar-se e não render-se ao impulso de enfrentar-se diretamente com o Tegan. Um dia, provavelmente chegaria a faze-lo . E Lucan não podia culpar por completo a esse macho por sentir rancor. Se Tegan era um bode desumano e mesquinho, Lucan era quem lhe tinha ajudado a ser assim.
—Podemos voltar para o trabalho agora? —disse com um grunhido, desafiando a que ninguém lhe desafiasse.
— Preciso ouvir dados a respeito desse refúgio.
Tegan se lançou a lhe oferecer uma descrição do que tinha observado nesse provável refúgio de renegados e comunicou suas sugestões a respeito de como podiam fazer uma batida nele. Apesar de que a fonte dessa informação chateava um pouco a Lucan, não podia pensar em nenhuma forma melhor de obter que passasse o mau humor que realizando uma ofensiva contra seus inimigos.
Deus sabia que se se encontrava perto de Gabrielle outra vez, todas essas fanfarronadas sobre o dever e de fazer o correto se converteriam em pó. Fazia duas horas que a tinha deixado em seu dormitório e ela todavia era o principal em sua cabeça. A necessidade dela ainda o desgarrava cada vez que pensava em sua cálida e suave pele.
E pensar em como a tinha ferido-lhe fazia sentir um buraco no peito. Ela tinha demonstrado ser uma verdadeira aliada quando lhe havia aberto frente aos demais guerreiros. Lhe tinha acompanhado através desse inferno íntimo a outra noite, tinha estado a seu lado, tão tenra e amorosa como qualquer macho pudesse desejar de sua amada companheira.
Uma idéia perigosa, olhasse-a por onde a olhasse.
Deixou que a discussão a respeito dos renegados continuasse, e esteve de acordo em que tinham que dar o golpe contra esses selvagens no lugar onde viviam em vez de ir para lhes buscar um por um na rua.
—Encontraremo-nos aqui ao pôr-do-sol para nos preparar e sair.
O grupo de guerreiros se dispersou e Tegan saiu a passo lento detrás dele.
Lucan pensou nesse estóico solitário que se sentia tão deploravelmente orgulhoso pelo fato de não necessitar a ninguém. Tegan se mantinha afastado e isolado por vontade própria. Mas nem sempre tinha sido assim. Uma vez tinha sido um menino brilhante, um líder nato. Tivesse podido ser alguém grande... tinha-o sido, na verdade. Mas todo isso trocou no curso de uma noite terrível. A partir desse momento, começou a descer por uma espiral. Tegan tocou fundo e nunca se recuperou.
E apesar de que nunca o tinha admitido ante esse guerreiro Lucan nunca se perdoaria a si mesmo o papel que ele tinha jogado nessa queda.
—Tegan, espera.
O vampiro se deteve com uma reticência evidente. Não se deu a volta, simplesmente ficou em silencio com um gesto de arrogância no corpo esperando a que outros guerreiros saíssem em fila das instalações de treinamento para o corredor. Quando estiveram sozinhos, Lucan se esclareceu garganta e falou com seu irmão de primeira geração.
—Você e eu temos um problema, Tegan.
Ele soltou ar pelo nariz.
—vou avisar aos meios.
—Este assunto entre nós não vai desaparecer. Faz muito tempo, choveu muito após. Se tiver que saldar contas
comigo...
—Esquece-o. É história passada.
—Não é se não podermos enterrá-la.
Tegan soltou uma risada zombadora e, por fim, deu-se a volta para lhe olhar.
—Quer me dizer algo, Lucan?
—Só quero te dizer que começo a compreender o que te custou. O custo que eu te supus. —Lucan meneou a cabeça devagar e se passou uma mão pela cabeça.
— Tegan, tem que saber que se tivesse havido alguma outra forma... Acredito que tudo teria sido distinto.
—Lucan, está tentando te desculpar comigo? —Os olhos verdes do Tegan tinham um olhar tão duro que tivesse podido cortar um cristal.
— Me Evite isto, tio. Chega uns quinhentos anos tarde. E senti-lo não muda uma merda as coisas, não é verdade?
Lucan apertou as mandíbulas com força, assombrado de não tar um verdadeiro zango nesse macho grande em lugar de sua habitual e fria apatia.
Tegan não lhe tinha perdoado. Nem sequer o tinha considerado.
Depois de todo esse tempo, não acreditava provável que o fizesse nunca.
—Não, Tegan. Tem razão. Senti-lo não troca as coisas.
Tegan lhe olhou durante um comprido momento, logo se deu a volta e saiu da habitação.
A música em direto soava desde uns alto-falantes do tamanho de um frigorífico diante do subterrâneo clube privado noturno. .. embora a plavra «música» era um qualificativo generoso para descrever os patéticos e discordantes acordes de violão. Os membros do grupo se moviam como autômatos no cenário, arrastavam as palavras e perdiam o compasso mais vezes das que o seguiam. Em uma palavra, eram horríveis.
Mas como se podia esperar que uns seres humanos atuassem com alguma competência ao encontrar-se diante de uma multidão de sedentos vampiros?
Protegido por uns óculos escuros, o líder dos renegados entrecerró os olhos e franziu o cenho. Já tinha uma horrorosa dor de cabeça ao chegar, fazia muito pouco momento, mas agora sentia as têmporas como se estivessem a ponto de lhe estalar. Recostou-se contra as almofadas em seu reservado, aburrido dessas festas sangrentas. Com um leve gesto da mão fez que uns de seus guardas se aproximasse dele. Logo fez um gesto de desprezo em direção ao cenário.
—Que alguém lhes alivie de seu sofrimento. Por não falar do meu.
O vigilante assentiu com a cabeça e respondeu com um vaio. Fez uma careta que descobriu umas presas enormes que se sobressaíam de seu boca, que já salivava ante a possibilidade de outra massacre. O renegado saiu a passo rápido para cumprir as ordens.
—Bom cão —murmurou seu poderoso amo.
Nesse momento soou seu telefone celular e se alegrou de ter a oportunidad de sair a respirar um pouco o ar. No cenário havia começado um novo barulho e a banda de música calou sob o repentino ataque de um grupo de renegados frenéticos.
Enquanto a completa anarquia estalava no clube, o líder se dirigiu a sua habitação privada de atrás do cenário e tirou o telefone celular do bolso interior de seu casaco. Tinha acreditado que se encontraria com o número ilocalizavel de um de seus muitos serventes, a maioria dos quais tinham sido enviados a procurar informação sobre Gabrielle Maxwell e sobre sua relação com a raça.
Mas não era um deles.
Deu-se conta disso assim que abriu o aparelho e viu o número oculto piscando na tela.
Intrigado, respondeu a chamada. A voz que ouviu o outro extremo da linha não lhe era desconhecida. Fazia alguns trabalhos ilegais com esse indivíduo fazia muito pouco tempo e ainda tinham umas quantas coisas por discutir. A seu requerimento, o tipo lhe ofereceu uma série de detalhes a respeito de uma batida que ia se realizar essa mesma noite em um dos locais mais pequenos que os renegados tinham na cidade.
Em questão de segundos soube tudo o que necessitava para conseguir que essa batida se girasse a seu favor: a localização, os presuntos métodos dos guerreiros e a rota, e seu plano de ataque básico. Tudo com a condição de que um membro da raça se salvasse da vingança. Mas este único guerreiro não ficaria completamente a salvo, simplesmente receberia as suficientes feridas para que não pudesse voltar a lutar nunca mais. O destino do resto de guerreiros, incluindo ao quase imparavel Lucan Thorne, era decisão dos renegados.
A morte de Lucan já tinha formado parte de seu acordo uma vez, anteriormente, mas a execução da tarefa não tinha sido como tinham planejado. Esta vez, seu interlocutor queria ter a segurança de que essa ação sim se levaria a cabo. Inclusive chegou tão longe que lhe recordou que já lhe tinham dado uma remuneração considerável por realizar essa tarefa que ainda tinha que cumprir.
—Estou bem informado de nosso acordo —repôs, com fúria.
— Não me tente a te pedir um pagamento maior. Prometo-te que não o vais lamentar.
Apagou o aparelho com uma maldição, cortando a resposta diplomática que o outro iniciou atrás de sua ameaça.
Os dermoglifos que tinha na boneca brilhavam com um profundo tom que delatava sua fúria. As cores trocavam entre o desenho de outras marca que se fez ao tatuar na pele para dissimular estes. Não gostava de ter tido que ocultar sua linhagem —seu direito de nascimento— com tinta e secretismo. Detestava ter que levar uma existência oculta, quase tanto como detestava a todos aqueles que se interpunham no camino de conseguir seus objetivos.
Voltou para a zona principal do clube, ainda zangado. Na escuridão, seu olhar tropeçou com seu tenente, o único renegado da história recente que tinha olhado a Lucan Thorne aos olhos e que tinha podido contá-lo. Fez um sinal a esse macho enorme para que se aproximasse e logo lhe deu as ordens para que se encarregasse da diversão e os jogos dessa noite.
Sem ter em conta suas negociações secretas, queria que essa noite, quando toda a fumaça se dissolvesse, Lucan e todos quão guerreiros estavam com ele estivessem mortos.
Capítulo vinte e cinco
Ele a evitou durante o resto do dia, o qual a Gabrielle pareceu que dava igual. Agora, justo depois do anoitecer, Lucan e os outros cinco guerreros saíam das instalações de treinamento como uma unidade militar, todos eles a viva imagem de uma ameaça, vestidos com couro negro e carregados de armas letais. Inclusive Gideon se uniu a batida dessa noite e tinha tomado o lugar do Conlan.
Savannah e Eva tinham esperado no corredor para lhes ver sair e se acercaram a seus companheiros para lhes dar um comprido abraço. Intercambiaram umas palavras íntimas em voz baixa e em tom amoroso, uns tenros beijos que denotavam o temor das mulheres e a atitude tranqüilizadora dos homens para lhes assegurar de que voltariam para elas sãs e salvos.
Gabrielle se encontrava a certa distancia, no vestíbulo, e se sentia uma estranha enquanto observava a Lucan dizendo algo a Savannah. A companheira de raça assentiu com a cabeça e lhe depositou um pequeno objeto na mão enquanto levantava a vista por cima do ombro dela e a dirigia para o Gabrielle. Não disse nada, não fez nenhum movimento para aproximar-se dela, mas seu olhar se atrasou um pouco nela, observando-a do outro lado do amplo espaço que lhes separava nesses momentosse.
E então se foi.
Lucan, que caminhava diante de outros, girou a esquina ao final do corredor e desapareceu. O resto do grupo lhe seguiu, e a seu passo somente ficou o seco ressonar dos saltos das botas e o ruído metálico dos aços.
—Está bem? —perguntou-lhe Savannah, aproximando-se de Gabrielle e passando um braço pelos ombros com amabilidade.
—Sim. Me passará.
—Queria que te desse isto. —Ofereceu-lhe o telefone celular do Gabrielle.
— uma espécie de oferta de paz?
Gabrielle tomou e assentiu com a cabeça.
—As coisas não vão bem entre nós agora mesmo.
—Sinto muito. Lucan há dito que confia em que entenda que não pode ir do complexo nem lhes dizer a seus amigos onde está. Mas se quer lhes chamar...
—Obrigado. —Olhou À companheira do Gideon e conseguiu sorrir levemente.
—Se quer ter um pouco de intimidade, ponha cômoda onde queira. —Savannah lhe deu um breve abraço e logo olhou a Eva, que acabava de unir-se a elas.
—Não sei vocês —disse Eva, seu bonito rosto gasto pela preocupação—, mas iria bem uma taça. Ou três.
—Possivelmente as três venha bem um pouco de vinho e de companhia — respondeu Savannah.— Gabrielle, vêem te unir conosco quando termine. Estaremos em minhas habitações.
—De acordo. Obrigado.
As duas mulheres saíram juntas, falando em voz baixa, com os braços entrelaçados enquanto percorriam o sinuoso corredor em direção aos Aposentos do Savannah e do Gideon. Gabrielle partiu na direção contrária, sem saber onde desejava estar.
Isso não era de tudo certo. Desejava estar com Lucan, em seus braços, mas era melhor que superasse esse desejo desesperado, e logo. Não tinha intenção de lhe suplicar que estivesse com ela, e caso que consiguisse voltar inteiro depois da batida dessa noite, era melhor que se preparasse para tirar-lhe completamente da cabeça.
Dirigiu-se para uma porta aberta que havia em um ponto tranqüilo e pouco iluminado do vestíbulo. Uma vela brilhava dentro da habitação vazia: a única luz nesse lugar. A solidão e o aroma de incenso e a madera velha a atraíram. Era a capela do complexo; recordava ter passado por ali durante a visita com o Savannah.
Gabrielle caminhou entre duas filas de bancos em direção a um pedestal que se levantava no outro extremo da habitação Era ali onde se encontrava a vela: sua chama estava profundamente aninhada no centro e irradiava um suave resplendor carmesim. Sentou-se em um dos bancos de diante e ficou uns momentos simplesmente respirando, deixando que a paz do santuário a envolvesse.
Conectou o telefone celular. O símbolo de mensagens estava piscando. Gabrielle apertou a tecla da secretaria de voz e escutou a primeira chamada. Era de Megan, de fazia dois dias, mais ou menos a mesma hora em que tinha chamado ao apartamento do Gabrielle depois do ataque do sirviente no parque.
«Gaby, sou eu outra vez. Deixei-te um montão de mensagens em casa, mas não me chamaste. Onde está? Estou-me preocupando de verdade! Não acredito que deva estar sozinha depois do que aconteceu. Chama-me assim que ouça esta mensagem: e quero dizer no mesmo momento em que o receba, de acordo?»
Gabrielle apagou a mensagem e passou ao seguinte, que era da noite anterior, Às onze. Ouviu a voz da Kendra, que parecia um pouco cansada.
«Né. Está em casa? Responde, se estiver. Merda, suponho que é um pouco tarde: sinto muito. Provavelmente esteja dormindo. Bom, queria chamar os meninos, para ver se íamos de taças ou algo, possivelmente a outra sala? Que tal manhã de noite? Me chame.»
Bom, pelo menos Kendra estava bem fazia umas quantas horas. Isso aliviou parte da preocupação que sentia. Mas ainda ficava o asunto do menino com quem tinha estado saindo. O renegado, corrigiu-se Gabrielle, com um estremecimento de medo ao pensar na proximidade de sua amiga ao mesmo perigo que lhe estava pisando nos pés a ela.
Passou ao última mensagem. Megan outra vez, fazia somente duas horas.
«Olá, carinho. Era uma chamada de comprovação. vais chamar me alguma vez e me dirá como foi na delegacia de polícia a outra noite? Estou segura de que seu detetive se alegrou de verte, mas sabe que morro por saber todos os detalhes de como foi de intensa sua alegria.»
O tom de voz do Megan era tranqüilo e brincalhão, perfeitamente normal. Completamente distinto ao pânico das primeiras mensagens que hábía deixado no telefone de casa do Gabrielle e em seu telefone celular.
Deus, isso estava bem.
Porque não havia nenhum motivo de alarme por ela, nem por seu amigo policial, dado que Lucan lhes tinha apagado a memória.
«Bom, fiquei com o Jamie para jantar esta noite no Ciao Bela... seu favorito. Se pode arrumá-lo, vêem. Estaremos ali Às sete.Para você guardaremos um assento.»
Gabrielle marcou o botão de pendurar e olhou a hora no telefone: as sete e vinte.
Devia a seus amigos, pelo menos, chamar e lhes fazer saber que se encontrava bem. E uma parte dela desejava ouvir suas vozes, já que eram a única conexão com a vida que tinha antes. Lucan Thorne tinha dado a volta a sua vida por completo. Apertou o botão de marcação rápida do celular do Megan e esperou com ânsia enquanto o telefone soava. No mesmo momento em que seu amiga respondeu, Gabrielle ouviu uma conversação apagada.
—Olá, Meg.
—Né... por fim! Jamie, é Gabby!
—Onde está essa garota? vai vir ou o que?
—Ainda não sei. Gabby, vais vir?
Para ouvir a familiar desordem do bate-papo de seus amigos, Gabrielle desejou estar ali. Desejou que as coisas pudessem voltar a ser como eram antes de...
—Né... Não posso. surgiu um assunto e...
—Está ocupada —disse Megan a Jamie.
—Mas, onde está? Kendra me chamou hoje, estava-te procurando. Há-me dito que tinha ido a seu apartamento mas que não parecia que estivesse em casa.
—Kendra apareceu por aí? Viu-a?
—Não, mas quer reunir-se com todos nós. Parece que há terminado com esse menino que conheceu na discoteca.
—Brent —acrescentou Jamie em voz alta
—Têm quebrado?
—Não sei —respondeu Megan—. Lhe perguntei como ia com ele e ela somente me disse que já não se estavam vendo.
—Bem —repôs Gabrielle, muito aliviada—. São muito boas notícias.
—Bom, e você? Quem é tão importante como para que não jante esta noite?
Gabrielle franziu o cenho e olhou ao seu redor. Na sala havia levantado um pouco a brisa e a chama vermelha da vela tremeu. Ouviu uns pés suaves e uma afogada exclamação de surpresa de alguém que tinha entrado e se deu conta de que a sala estava ocupada. Gabrielle se deu a volta e viu uma loira alta na porta de entrada. A mulher olhou a Gabrielle com expressão de desculpa e logo se dispôs a sair.
—Estou... isto... fora da cidade, agora mesmo —disse a seus amigos em voz baixa.
— Certamente estarei fora uns quantos dias. Possivelmente mais.
—Fazendo o que?
—Né, estou fazendo um trabalho por encargo —mentiu Gabrielle, diando ter que fazê-lo, mas sem encontrar outra alternativa.
— Chamarei assim que possa. Se cuidem. Quero-lhes.
—Gabrielle...
Pendurou antes de que a obrigassem a dizer nada mais.
—Sinto-o —lhe disse a mulher loira enquanto Gabrielle se aproximava dela.
— Não me tinha dado conta de que a habitação estava ocupada.
—Não o está. Por favor, fique. Só estava... —Gabrielle soltou um suspiro.
— Acabo de mentir a meus amigos.
—OH. —Uns amáveis olhos de cor azul pálida a olharam comprensivamente.
Gabrielle fechou o telefone e passou um dedo por cima da carcasa chapeada e polida.
—Deixei meu apartamento precipitadamente a outra noite para vir aqui com Lucan. Nenhum de meus amigos sabe onde estou, nem por que tive que partir.
—Compreendo. Possivelmente algum dia lhes possa dar alguma explicação.
—Isso espero. Não quero lhes pôr em perigo lhes contando a verdade.
A mulher assentiu com a cabeça, pormenorizada, e seu halo de cabelo comprido e loiro seguiu o movimento.
—Você deve ser Gabrielle. Savannah me há dito que Lucan havia trazido para uma mulher que estava sob seu amparo. Sou Danika. Sou... era... a companheira do Conlan.
Gabrielle aceitou a esbelta mão que Danika lhe ofereceu como saudação.
—Sinto muito sua perda.
Danika sorriu com uma expressão triste nos olhos. Soltou a mão do Gabrielle e, sem dar-se conta, baixou a sua para acariciar o abdômen, imperceptivelmente inchado.
—Queria ir para te buscar para te dar a bem-vinda, mas imagino que não sou a melhor das companhias neste momento. Não tive muita vontade de sair de minhas habitações durante estes últimos dias. Todavía está sendo muito difícil para mim, tentar realizar este... ajuste. Tudo é tão distinto agora.
—É obvio.
—Lucan e outros guerreiros foram muito generosos comigo. Cada um deles me jurou amparo quando a necessitar, esteja onde esteja. Para mim e para meu filho.
—Está grávida?
—Desde quatorze semanas. Desejava que este fora o primeiro de muitos filhos. Estávamos tão iludidos com nosso futuro. Tínhamos esperado muito tempo a fundar nossa família.
—por que esperaram? —Gabrielle franziu o cenho assim que se deu conta de que tinha feito a pergunta.
— O sinto, não tento bisbilhotar. Não é meu assunto.
Danika estalou a língua, lhe tirando importância.
—Não há necessidade de desculpar-se. Não me importa que me faça prerguntas, de verdade. Para mim é bom falar de meu Conlan. Vêem, vamos sentar nos um momento —lhe disse, conduzindo a Gabrielle até uma das cadeiras bancos da capela.
—Conheci Conlan quando era só uma menina. Meu povo da Dinamarca tinha sido saqueado por uns invasores, ou isso acreditávamos. A verdade é que eram um grupo de renegados. Mataram a quase todo mundo, as mulheres velhas e aos meninos, Aos velhos de nossa aldeia. Ninguém estava seguro. Um grupo de guerreiros da raça chegou a metade do ataque. Conlan era um deles. Resgataram a tantos dos nossos como puderam. Quando descubriram minha marca, levaram-me a Refúgio Escuro mais próximo. Foi ali onde aprendi tudo a respeito da nação dos vampiros e do lugar que eu ocupava nela. Mas não podia deixar de pensar em meu salvador. Foi coisa do destino que, ao cabo de uns anos, Conlan fora outra vez a essa zona. Eu estava tão iludida de lhe ver. Imagine a comoção que senti ao saber que ele tampouco se esqueceu de mim.
—Quanto faz disso?
Danika quase não teve que deter-se para calcular o tempo.
—Conlan e eu compartilhamos quatrocentos e dois anos juntos.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle—. Tanto tempo...
—passou em um abrir e fechar de olhos, se te disser a verdade. Não te mentirei te dizendo que sempre foi fácil ser a mulher de um guerreiro, mas não trocaria nem um só instante. Conlan acreditava por completo no que estava fazendo. Queria um mundo mais seguro, para mim e para nossos filhos que estavam por chegar.
—E por isso esperou todo este tempo para conceber um filho?
—Não queríamos fundar nossa família enquanto Conlan sentisse que precisava permanecer com a Ordem. Estar em primeira linha não é o melhor para os meninos, e esse é o motivo pelo que não há famílias entre os membros da classe dos guerreiros. Os perigos são muito grandes, e nossos companheiros precisam poder concentrar-se únicamente em sua missão.
—Não se dão acidentes?
—Os embaraços acidentais são completamente desconhecidos na raça porque nós necessitamos algo mais sagrado que o simples sexo para conceber. O momento de fertilidade das companheiras de raça é durante a lua crescente. Durante este momento crucial, se desejamos conceber um filho, nossos corpos devem conter tanto a semente de nosso companheiro como seu sangue. É um ritual sagrado que ninguem planeja realizar as pressas.
A idéia de poder compartilhar esse profundo e íntimo ato com Lucan fez que Gabrielle sentisse que o centro de seu ser entrava em calor. A idéia de unir-se dessa forma com outro, de engordar com o filho de outro que não fora Lucan, era uma possibilidade que se negava a ter em conta. Preferia estar sozinha, e provavelmente o estaria.
—O que vais fazer agora? —perguntou-lhe, rompendo o silêncio em que se ficou ao imaginar sua própria solidão futura.
—Ainda não sei —respondeu Danika.
— Sim sei que não vou unir-me com nenhum outro macho.
—Não necessita um companheiro para continuar jovem?
—Conlan era meu companheiro. Agora que ele se foi, uma só vida já será muito tempo. Se me negar a ter um vínculo de sangue com outro macho, simplesmente envelhecerei de forma natural daqui em diante, igual que antes de conhecer Conlan. Simplesmente serei... mortal.
—Morrerá —disse Gabrielle.
Danika sorriu com expressão decidida, mas não de tudo triste.
—Ao final.
—Aonde irá?
—Conlan e eu tínhamos planejado nos retirar a um dos Refúgios Escuros da Dinamarca, onde eu nasci. Ele queria isso para mim, mas agora acredito que prefiro criar a seu filho em Escócia para que tenha a oportunidade de conhecer algo de seu pai Através da terra que ele tanto amava. Lucan já começou a fazer os preparativos para que possa ir quando dita que estou preparada.
—Isso foi amável por sua parte.
—Muito amável. Quando veio a me buscar para me dar a notícia, e para me prometer que meu filho e eu sempre estaríamos em comunicação direta com ele e com o resto da Ordem se por acaso alguma vez necessitávamos algo, não me podia acreditar isso. Foi o dia do funeral, só umas quantas horas depois do mesmo, e suas queimaduras ainda eram extremamente gravê. E apesar disso, ele estava mais preocupado por meu bem-estar.
—Lucan sofreu queimaduras? —Gabrielle sentiu que um sentimento de alarme lhe assaltava o coração.
— Quando? E como?
—Faz só três dias, quando realizamos o ritual funerário do Conlan. —Danika arqueou as finas sobrancelhas—. Não sabia? Não, claro que não o sabia. Lucan nunca mencionaria esse ato de honra, nem o dano que sofreu para levá-lo a cabo. Olhe, a tradição funerária da raça estabelece que um vampiro deve levar o corpo do morto fora para que os elementos da natureza o recebam —disse, fazendo um gesto em direção a uma sombria esquina da capela onde havia uma escura escada.
— É um dever que mostra um grande respeito e exige um grande sacrifício porque, uma vez fora, o vampiro que atende a seu irmão deve ficar ao seu lado durante oito minutos durante a saída do sol.
Gabrielle franziu o cenho.
—Mas eu acreditava que a pele de um vampiro não suporta os raios do sol.
—Não, não os suporta. Sofre queimaduras graves e de forma muito rápida, mas ninguém sofre mais que um vampiro de primeira geração. Os mais velhos da raça sofrem mais, inclusive em um tempo de exposição muito breve.
—Como Lucan —disse Gabrielle.
Danika assentiu com expressão solene.
—Para ele, estar exposto oito minutos a saída do sol deve haver sido insuportável. Mas o fez. Pelo Conlan, deixou que seu corpo se queimasse. Inclusive tivesse podido morrer ali acima, mas não tivesse deixado que ninguém mais assumisse o peso de oferecer repouso a meu amado Conlan.
Gabrielle recordou a urgente chamada Telefónica que tinha tirado Lucan fora da cama em meio da noite. Não lhe tinha contado do que se tratava. Tampouco tinha compartilhado sua perda com ela.
Sentiu que a dor lhe retorcia o estômago ao pensar no que tinha suportado, segundo a descrição da Danika.
—Falei com ele... esse mesmo dia, de fato. Por sua voz soube que algo ia mau, mas ele o negou. Parecia tão cansado, mais que exausto. É esta me dizendo que sofreu queimaduras pela luz ultravioleta?
—Sim. Savannah me contou que Gideon o encontrou não muito tempo depois. Lucan tinha queimaduras da cabeça aos pés. Não podia abrir os olhos a causa da dor e a inflamação, mas rechaçou qualquer tipo de ajuda para voltar para suas habitações para curar-se.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle, estupefata—. Ele nunca me contou isso, não me contou nada disto. Quando lhe vi mais tarde, essa noite... só ao cabo de umas horas, parecia completamente normal. Bom, o que quero dizer é que parecia e atuava como se nada mau lhe tivesse ocorrido.
—A pureza de linha de sangue de Lucan lhe faz sofrer mais, mas também lhe ajuda a curar-se mais depressa das queimaduras. Inclusive então não foi fácil para ele; ele necessitaria uma grande quantidade de sangue para repôr seu corpo depois de um trauma tão forte. Quando esteve o bastante bem para abandonar o complexo e ir de caça, devia ter uma fome voraz.
Tinha-a tido. Gabrielle se dava conta agora. A lembrança de lhe ver alimentar do servente a quem tinha matado lhe passou pela mente, mas agora tinha um significado distinto, já não lhe parecia o ato monstruoso que lhe tinha parecido de forma superficial, a não ser um meio de sobrevivemcia. Tudo adquiria um significado novo desde que conhecia Lucan.
Ao princípio, tinha-lhe parecido que a guerra entre os da raça e seus inimigos não era mais que um mal enfrentado a outro, mas agora não podia evitar sentir que também era sua guerra. Ela se jogava algo no desenlace, e não somente pelo fato de que seu futuro se encontrava ligado a este estranho mundo. Para ela era importante que Lucan ganhasse não só a guerra contra os renegados, mas também a devastadora guerra pessoal que liberava em privado.
Estava preocupada com ele, e não podia ignorar a queimação de medo que tinha começado a sentir na base das costas desde que ele e os outros guerreiros tinham abandonado o complexo para ir de batida.
—Quer-lhe muito, verdade? —perguntou-lhe Danika. Entre elas se havia feito um angustiante silêncio.
—Quero-lhe, sim. —Olhou a mulher aos olhos e não encontrou motivo para esconder uma verdade que, provavelmente, se traslucía em seu rosto.
— Posso te dizer uma coisa, Danika? Tenho uma horrível sensação a respeito do que está fazendo esta noite. E para piorá-lo, Tegan disse que não acreditava que Lucan fora a viver muito mais. quanto mais momento levo aqui sentada, mais medo tenho de que Tegan possa ter razão.
Danika franziu o cenho.
—Falaste com o Tegan?
—Tropecei-me com ele —literalmente— muito recentemente . Disse-me que não me afeiçoasse muito de Lucan.
—Porque acreditava que Lucan ia morrer? —Danika deixou escapar um comprido suspiro e meneou a cabeça—. Esse parece desfrutar pondo a outros no fio. Provavelmente o há dito somente porque sabe que isso te inquietará.
—Lucan disse que entre eles havia animosidade. Crie que Tegan é de confiar?
Pareceu que a companheira de raça loira o pensava um momento.
—Posso dizer que a lealdade é uma parte importante do código dos guerreiros. È tudo para esses machos, faz-os um. Nada deste mundo pode lhes fazer violar essa confiança sagrada. —levantou-se e tomou a mão do Gabrielle.
— Vêem. vamos procurar a Eva e a Savannah. E a espera será menos larga para todas se não a passarmos sozinhas.
Capítulo vinte e seis
Do ponto de observação onde estavam apostados em um dos edifícios do porto, Lucan e outros guerreiros observaram um pequeno caminhão cujas rodas cromadas cuspiam cascalho, dirigir-se a localização que estavam vigiando. O condutor era um ser humano. Se seu aroma a suor e a ansiedade não tivesse delatado, a música country que saía estrondosamente pelo guichê aberto o tivesse feito. Saiu do veículo com uma bolsa de papel marrom repleta de algo que cheirava a arroz frito e porco.
—Parece que os meninos jantam dentro esta noite —disse Dê. O confiado mensageiro comprovou o papel branco que tinha grampeado no pedido e olhou para o dique com cautela.
O condutor se aproximou da porta de entrada do armazém, dirigiu outro olhar nervoso ao seu redor, soltou um juramento em meio da escuridão e apertou o timbre. Não havia nenhuma luz dentro do edifício, somente havia o feixe de luz amarela que caía da lâmpada nua que pendurava em cima da porta. Lucan viu os olhos ferozes de um Renegado e o mensageiro gaguejou umas palavras do pedido e alargou o papel para o buraco escuro que se aberto diante dele.
—O que quer dizer trocando-o? —perguntou o cowboy urbano com um forte acento de Boston.
— Que diabos...?
Uma enorme mão lhe sujeitou pelo peito da camisa e lhe levantou do chão. ele chiou e em seu ataque de pânico conseguiu largar-se da mão do renegado.
—Uf! —exclamou Niko desde sua posição perto da cornija.
— Parece que acaba de dar-se conta de que não há comida a Chinesa no menu.
O renegado voou até o ser humano como uma sombra, assaltou-lhe por detrás e lhe abriu a garganta com uma eficiência selvagem. A morte foi sangrenta e foto instantânea. Logo o renegado se levantou de um salto e se dispôs a carregár a presa ao ombro para levá-la dentro, e Lucan ficou em pé.
—chegou o momento de nos pôr em marcha. Vamos.
Ao uníssono, os guerreiros saltaram ao chão e se dirigiram a grande velocidade para o armazém que servia de guarida aos renegados. Lucan, que lhes marcava o caminho, foi o primeiro em alcançar ao vampiro com sua inerte carrega humana. Com uma mão, sujeitou ao renegado pelo ombro e lhe obrigou A dár a volta ao tempo que tirava uma de suas folhas mortíferas da capa que levava no quadril. Golpeou com força e uma pontaría certeira, e decapitou a essa besta com um corte limpo.
As células do renegado começaram a fundir-se imediatamente e este caiu, empapado de sangue, ao chão. O contato da folha de Lucan foi como um ácido que atravessou o sistema nervoso do vampiro. Ao cabo de uns segundos, quão único ficava do renegado era um atoleiro negro e putrefato que se diluía na sujeira do chão.
Mais adiante, na porta, Dante, Tegan e os outros três guerreiros se formavam em um grupo fechado e armado, disposto a iniciar a ação réal. À ordem de Lucan, os seis se introduziram no armazém com as armas A ponto.
Os renegados que se encontravam dentro não tiveram nem idéia do que era o que lhes estava atacando até que Tegan lançou uma adaga que foi cravar se na garganta de um deles. Enquanto o renegado chiava e se retorcia ao desintegrar-se, seus cinco companheiros, enfurecidos, se dispersaram em busca de refúgio ao tempo que tomavam as armas sob a chuva de balas e folhas afiadas que Lucan e seus irmãos lançavam a discrição.
Dois dos renegados caíram ao cabo de uns segundos de haver-se iniciado o enfrentamento, mas os outros dois que ficavam haviam ocultado nas profundidades escuras do armazém. Um deles disparou contra Lucan e Dante desde detrás de um velho montão de gavetas. Os guerreiros esquivaram esse ataque e lhe responderam, o qual lhe fez sair ao descoberto e lhe deu a oportunidade a Lucan de acabar com ele.
Lucan percebeu na periferia de seu campo de visão que o último deles tentava escapar por entre um montão de barris derrubados e de tubos de metal que havia na parte traseira do edifício.
A Tegan tampouco tinha passado desapercebido. O vampiro se precipitou para o renegado como um trem de carga e desapareceu nas prófundidades do armazém em uma mortal perseguição.
—Tudo espaçoso —gritou Gideon desde algum ponto da escuridão fumegante e poeirenta.
Mas assim que o houve dito, Lucan percebeu que um novo perigo se abatia sobre eles. Seu ouvido distinguiu o discreto roce de um movimento sobre sua cabeça. Os lúgubres abajures do teto que se encontravam em cima dos tubos do sistema de ventilação do armazém estavam quase negras de sujeira, mas Lucan estava seguro de que algo avançava pelo telhado.
—Vigiem acima! —gritou aos outros, e nesse momento o telhado caiu e sete renegados mais se deixaram cair de acima disparando com suas armas.
De onde tinham saído? A informação que tinham sobre essa guarida era de confiar: seis indivíduos, provavelmente convertidos em renegados recentemente, que operavam de forma independente, sem nenhuma filiação. Então, quem tinha dado aviso a essa cavalaria para que lhes apóiassem? Como se tinham informado de que havia uma batida?
—Uma maldita emboscada —grunhiu Dante, pondo em voz alta o pensamento de Lucan.
Não era possível que esses novos problemas tivessem aparecido por acaso. Lucan se fixou no mais volumoso dos renegados que se estavam precipitando contra eles nesses momentos e sentiu que uma furia negra lhe fervia no ventre.
Era o vampiro que lhe tinha escapado a noite do assassinato Aos subúrbios da discoteca. O bode da Costa Oeste. O canalha que havia podido matar a Gabrielle e que possivelmente ainda pudesse fazê-lo algum dia se Lucan não acabava com ele nesse preciso momento.
Enquanto Dante e outros respondiam ao fogo do grupo de renegados, Lucan foi unicamente por esse objetivo.
Essa noite ia terminar com ele.
O vampiro vaiou amenaçadoramente ao lhe ver avançar e seu horrível rostro se deformou com um sorriso.
—Encontramo-nos de novo, Lucan Thorne.
Lucan assentiu com expressão lúgubre.
—Pela última vez.
O ódio mútuo fez que ambos os machos se desprendessem das armas para encetar-se em um combate mais pessoal. Em um instante desenfunderam as facas, um em cada mão, e os dois vampiros se prepararam para cercar um combate a morte. Lucan lançou a primeira estocada, e recebeu um perigoso corte no ombro: o renegado lhe tinha esquivado com sigilosa velocidade e se deslocou, em um abrir e fechar de olhos, ao outro lado dele. Tinha as mandíbulas abertas e uma expressão de triunfo ante o primeiro sangue derramado.
Lucan se deu a volta com igual agilidade e suas facas assobiaram perigrosamente perto da cabeça do renegado. O chupão baixou a vista e viu sua orelha direita no chão, A seus pés.
—começou o jogo, imbecil —grunhiu Lucan.
«Com uma vingança.»
Lançaram-se um contra o outro em um torvelinho de fúria com seus acertos frios e mortais. Lucan tinha consciência da batalha que se cercou ao seu redor, de que os guerreiros se estavam enfrentando ao segundo ataque. Mas toda sua concentração, todo seu ódio, centrava-se na afronta pessoal com o renegado que tinha em frente.
Quão único Lucan tinha que fazer para acender-se de fúria era pensar em Gabrielle e no que esta besta lhe tivesse feito.
E alimentou essa fúria: fez retroceder ao renegado estocada atrás de cada, implacável. Não sentiu os golpes que recebeu no corpo, embora foram muitos. Tombou a seu competidor e se preparou a lançar a última e mortífera estocada.
Com um rugido, realizou um profundo corte na garganta do renegado e separou sua enorme cabeça do corpo destroçado. Uns espasmos sacudiram os braços e as pernas do vampiro e este se desabou, retorcendo-se, ao chão. Lucan ainda sentia a fúria martilando com força nas veias; deu a volta à faca que tinha na mão e o cravou com força no peito do renegado para acelerar o processo de desintegração do corpo.
—Santo inferno —exclamou Rio desde algum ponto perto dele com voz seca.
— Lucan, tio, em cima de ti! Há outro nas vigas.
Aconteceu em um instante.
Lucan se deu a volta, sentindo a fúria da batalha em todos os músculos do corpo. Jogou uma olhada para cima, onde Rio havia lhe indicado. Muito acima por cima de sua cabeça outro vampiro renegado se pendurava pelos tubos do teto do armazém com uma coisa sob o braço que parecia ser uma pequena bola de metal. Mas uma pequena luz vermelha parecia rapidamente nesse aparelho e imediatamente ficou acendida.
—Ao chão! —Nikolai levantou sua Beretta trucada e apontou.
— O tipo vai lançar uma maldita bomba!
Lucan ouviu o repentino disparo da arma.
Viu que o renegado recebia o disparo do Niko justo entre os brilhantes olhos amarelos.
Mas a bomba já estava no ar.
Ao cabo de segundo meio, estalou.
Capítulo vinte e sete
Gabrielle se incorporou repentinamente, despertando sobressaltada de outra inquieta cabeçada que acabava de jogar no sofá da sala de estar do Savannah. As mulheres tinham ficado juntas as últimas horas, consolándo-se na companhia mútua, exceto Eva, que se tinha ido a capela para rezar. A companheira de raça estava mais nervosa que as demais e se tinha passado grande parte da tarde caminhando acima e abaixo e mordendo o lábio inferior com impaciência e ansiedade.
Em algum lugar por cima do labirinto de corredores e habitações se ouviram os movimentos surdos e as vozes tensas dos machos. O barulho zumbido do elevador fez vibrar o denso ar da sala e se deram conta de que a cabine estava baixando ao piso principal do complexo.
«OH, Deus.»
Algo ia mau.
Notava-o.
«Lucan.»
Jogou a um lado o xale de felpilla com que se cobria e pôs os pés no chão. O coração lhe tinha desbocado, e lhe encolhia com força a cada pulsado.
—Tampouco eu gosto desses sons —disse Savannah, jogando uma tensa olhada a habitação.
Gabrielle, Savannah e Danika saíram das habitações para ir em busca dos guerreiros. Nenhuma disse nenhuma palavra e com muita dificuldade respiravam enquanto se dirigiam ao elevador.
Inclusive antes de que as portas de aço se abrissem, por causa dos sons precipitados que se ouviam dentro do elevador, fez-se evidente que foram receber más notícias.
Mas Gabrielle não estava preparada para quão más foram ser.
O fedor a fumaça e a sangue a assaltou com a força de um murro. Fez uma careta ante o nauseabundo aroma de guerra e morte mas se esforçou por ver qual era a situação na cabine do elevador. Nenhum dos guerreiros saía dela. Dois estavam tombados no chão da cabine e os outros três estavam agachados ao seu redor.
—Traz umas quantas toalhas e lençóis limpa! —gritou-lhe Gideon a Savannah.
— Traz todas as que possa, menina! —Assim que ela se dispôs a fazê-lo, ele acrescentou:
—Também vamos precisar movê-lo. Há uma cama na enfermaria.
—Eu me ocupo —repôs Niko de dentro do elevador.
Saltou por cima de um dos dois vultos informe que se encontrava tendido de barriga para baixo no chão. Quando passou por seu lado, Gabrielle viu que tinha o rosto, o cabelo e as mãos enegrecidos de fuligem. As roupas estavam rasgadas e a pele salpicada com centenas de arranhões sangrando. Gideon mostrava contusões similares. E Dante também.
Mas suas feridas não eram nada comparadas com as dos dois guerreros da raça que estavam inconscientes e a quem seus irmãos haviam transportado pelas ruas.
O peso que sentiu no coração lhe fez saber de Gabrielle que um deles era Lucan. Aproximou-se um pouco mais e teve que reprimir uma exclamação ao ver confirmados seus temores.
O sangue se formava redemoinhos debaixo de seu corpo, um atoleiro da cor do vinho escuro que se estendia até o mármore branco do corredor. Tinha a vestimenta de couro e as botas feita migalhas, igual à maior parte da pele dos braços e as pernas. O rosto estava cheio de fuligem e de cortes de uma cor escarlate. Mas estava vivo. Gideon lhe moveu para lhe aplicar um torniquete improvisado para parar o sangue de uma ferida que tinha no braço e Lucan soltou um vaio de dor por entre as presas alargadas.
—Porra... sinto muito, Lucan. É bastante profundo. Merda, isto não vai deixar de sangrar.
—Ajuda... ao Rio —pronunciou as palavras com um grunhido apagado. Foi uma ordem direta apesar de que se encontrava convexo de costas—. Estou bem —acrescentou, gemendo de dor.
— Porra... quero que... dê-te... dele.
Gabrielle se ajoelhou ao lado do Gideon. Levantou a mão para sujeitar o extremo da atadura que ele tinha na mão.
—Eu posso fazê-lo.
—Está segura? É uma ferida feia. Tem que colocar as mãos justo aí para apertá-lo com força.
—Tenho-o. —Fez um gesto com a cabeça em direção a Rio, que se encontrava convexo ao lado.
— Faz o que te há dito.
O guerreiro ferido que estava convexo no chão ao lado de Lucan estava sofrendo uma agonia. Ele também sangrava profundamente por quão feridas tinha no torso e a causa do terrível dano que tinha sofrido no braço esquerdo. Levava uma perna envolta em um farrapo empapado de sangue que devia ser uma camisa. Tinha o rosto e o peito queimados e rasgados até tal ponto que era irreconhecível. Começou a emitir uns gemidos graves e guturais que lhe encheram os olhos de lágrimas a Gabrielle.
Piscou para reprimir as lágrimas e, ao abrir os olhos de novo, encontrou-se com os pálidos olhos cinzas de Lucan cravados nela.
—Acabei... com o bode.
—Shh. —Secou-lhe o suor da frente, maltratada.
— Lucan, te esteja quieto. Não tente falar.
Mas ele não fez conta. Tragou saliva com dificuldade e logo se esforçou em pronunciar as palavras.
—o da discoteca... o filho de puta que estava ali essa noite.
—que te escapou?
—Esta vez não. —Piscou devagar. Seu olhar era tão feroz como brilhante.
— Agora não poderá nunca... te fazer danifico...
—Sim—disse em tom irônico Gideon, que se estava ocupando de Rio.
— E tem muita sorte de estar vivo, herói.
Gabrielle sentiu que a angústia lhe atendia a garganta ao olhar a Lucan. Apesar de que tinha afirmado que seu dever era o primeiro e que alguma vez haveria um lugar para ela em sua vida, Lucan tinha pensado nela essa noite? Estava ferido e sangrando a causa, em parte, por algo que tinha feito por ela?
Ela tomou uma de suas mãos entre as suas e lhe acariciou no único lugar do corpo em que podia fazê-lo enquanto a apertava contra o coração.
—OH, Lucan...
Savannah chegou correndo com o que lhe tinham pedido. Niko a seguiu imediatamente, empurrando a maca de hospital diante dele.
—Lucan primeiro —lhes disse Gideon.
— Levem a uma cama e logo voltarei por Rio.
—Não —grunhiu Lucan, com tom de maior determinação que de dor.
— Ajudem a me levantar.
—Não acredito que... —disse Gabrielle, mas ele já estava tentando levantar-se do chão.
—Tranqüilo, chiou.
—Dante entrou no elevador e colocou sua mão forte sob o braço de Lucan. Tombaram-lhe por que não toma um descanso e nos deixa que lhe levemos a enfermaria?
—Hei dito que estou bem. —Lucan, apoiando-se em Gabrielle e em Dante, incorporou-se e se sentou. Respirava com dificuldade, mas permaneceu incorporado.
— recebi uns quantos golpes, mas merda... vou andando até minha cama. Não vou deixar que me... arrastem até aí.
Dante olhou Gabrielle com expressão exasperada.
—Sabe que tem a cabeça tão dura que o diz a sério?
—Sim, sei.
Gabrielle sorriu, agradecida a essa obstinação que o fazia ser forte. Ela e Dante lhe emprestaram o apoio de seus corpos: colocaram-se um a cada lado dele, com os ombros sob cada um de seus braços, e lhe sujeitaram até que Lucan começou a ficar em pé, devagar.
—Por aqui —disse Gideon a Niko, e este colocou a maca no lugar adequado para levantar Rio enquanto Savannah e Danika faziam tudo o que podiam por conter o sangue de suas feridas, por lhe tirar a roupa destroçada e o desnecessário peso das armas.
—Rio? —A voz da Eva soou aguda. Correu até o grupo com o rosario ainda apertado em uma das mãos. Quando chegou ao elevador aberto se deteve imediatamente e agüentou a respiração.
— Rio! Onde está?
—Está aqui dentro, Eva —disse Niko, apartando-se da maca, onde já tinham colocado a Niko, para lhe impedir o passo. Apartou-a dali com mão firme para que não se aproximasse muito ao açougue.
— Houve uma explosão esta noite. Ele se levou a pior parte.
—Não! —levou-se as mãos ao rosto, horrorizada.
— Não, está equivocado. Esse não é meu Rio! Não é possível!
—Está vivo, Eva. Mas terá que ser forte por ele.
—Não! —Começou a chiar grosseiramente, histérica, enquanto tentava abrir passo com a força para aproximar-se de seu companheiro.
— Meu Rio não! Deus, não!
Savannah se aproximou e tomou a Eva do braço.
—Vamos agora —lhe disse com suavidade.
— Eles sabem como lhe ajudar.
Os soluços da Eva alagaram o corredor e encheram a Gabrielle de uma angústia íntima que era uma mescla de alívio e de medo frio. Estava preocupada com Rio, e lhe rompia o coração pensar no que Eva devia estar sentindo. Gabrielle sabia que isso lhe doía em parte porque Lucan tivesse podido encontrar-se no lugar de Rio. Uns quantos milímetros, umas frações de segundo, podiam ter sido quão único tinha determinado qual dos dois guerreiros ia estar convexo em um crescente atoleiro de sangue lutando por manter-se vivo.
—Onde está Tegan? —perguntou Gideon, sem apartar a atenção de seus próprios dedos com os quais, e com movimentos rápidos, ocupava-se de curar ao guerreiro cansado.
— retornou já?
Danika negou com a cabeça, mas olhou a Gabrielle com olhos angustiados.
—por que não está aqui? Não estava com vocês?
—Perdemo-lhe de vista muito pouco tempo depois de que entrássemos na guarida dos renegados —lhe disse Dante.
— Quando estalou a bomba, nosso principal objetivo foi trazer Rio e a Lucan ao complexo o mais breve possível.
—vamos mover isto —disse Gideon, colocando-se a cabeça da cama de Rio.
— Niko, me ajude a mover isto.
As perguntas a respeito do Tegan se apagaram enquanto todo mundo trabalhava em excesso em fazer todo o possível para ajudar a Rio. Todos percorreram o caminho até a enfermaria. Gabrielle, Dante e Lucan eram os que se deslocavam com maior lentidão pelo corredor: Lucan se cambaleava sobre os pés e se sujeitava a eles dois enquanto se esforçava por manter-se em pé com firmeza.
Gabrielle reuniu valor para lhe olhar. Desejava tanto lhe acariciar o rosto ferido e cheio de sangue. Enquanto lhe olhava com o coração encolhido, ele levantou as pálpebras e a olhou aos olhos. Ela não sabia o que era o que se estabeleceu entre eles durante esse comprido instante de quietude no meio do caos, mas sentiu que era algo quente e bom Apesar de tudo quão terríveis tinham sido os sucessos dessa noite.
Quando chegaram À habitação onde foram atender a Rio, Eva ficou a um lado da maca, ante seu corpo quebrado. As lágrimas lhe caíam pelas bochechas.
—Isto não tinha que ter acontecido —gemeu—. Não deveria ter sido meu Rio. Não desta maneira.
—Faremos tudo o que possamos por ele —disse Lucan, respirando com dificuldade por causa de suas próprias feridas—. Lhe prometo isso, Eva. Não lhe deixaremos morrer.
Ela negou com a cabeça, com o olhar fixo em seu companheiro tendido na cama. Acariciou-lhe o cabelo e Rio murmurou umas palavras incoerentes, semi inconsciente e com uma clara expressão de dor.
—Quero-lhe fora daqui imediatamente. Deveria ser transladado a um Refúgio. Necessita atenção médica —disse Eva.
—Seu estado não é o bastante estável para que lhe translade —repôs Gideon.
— Tenho os conhecimentos necessários e a equipe adequada para lhe tratar aqui por agora.
—Quero-lhe fora daqui! —Levantou a cabeça súbitamente e dirigiu o olhar brilhante de um guerreiro a outro.
— Não resulta de utilidade para nenhum de vocês agora, assim me deixem isso . Já não lhes pertence, a nenhum de vocês. Agora é completamente meu! Somente quero o melhor para ele!
Gabrielle notou que o braço de Lucan entrava em tensão por causa dessa reação histérica.
—Então tem que te apartar de diante do Gideon e deixar que faça seu trabalho —lhe disse, assumindo com facilidade o papel de líder apesar de sua má condição física.
— Agora mesmo, quão único importa é manter com vida Rio.
—Você —disse Eva, em tom seco enquanto lhe dirigia um olhar severo. Seus olhos mostraram um brilho mais selvagem e seu rosto se transformou em uma máscara de puro ódio.
— Deveria ser você quem se estivesse morrendo agora mesmo, e não ele! Você, Lucan. Esse foi o trato que fiz! Sabiam que tinha que ser você!
Na enfermaria pareceu abrir um abismo que se tragasse todo som exceto a surpreendente verdade do que a companheira de Rio acabava de confessar.
Dante e Nikolai se levaram as mãos as armas, ambos os guerreiros dispostos a responder a mais ligeira provocação. Lucan levantou uma mão para contê-los com o olhar fixo na Eva. A verdade era que não lhe importava absolutamente que sua malevolência se dirigisse diretamente contra ele; se ele tinha sido uma espécie de alvo para sua fúria, havia sobrevivido a isso . Rio possivelmente não o fizesse. Qualquer dos irmãos presente na batida dessa noite tivesse podido não sobreviver a traição da Eva.
—Os renegados sabiam que íamos estar ali —disse Lucan em um tom frio por causa de uma profunda fúria.
— Caímos em uma emboscada no armazém. Você o preparou.
Outros guerreiros emitiram uns grunhidos guturais. Se a confissão a tivesse feito um macho, Lucan tivesse podido fazer muito pouco para impedir a seus irmãos que atacassem com uma força letal. Mas se tratava de uma companheira de raça, uma dos seus. Alguém a quem conheciam e em quem confiavam desde fazia mais de uma vida.
Agora Lucan olhava a Eva e via uma desconhecida. Viu loucura. Um desespero mortal.
—Rio tinha que salvar-se. —inclinou-se sobre ele e lhe passou o antebraço por debaixo da cabeça enfaixada. O emitiu um som descarnado e indecifrável enquanto Eva lhe abraçava.
— Eu não queria que ele tivesse que lutar mais. Não, por vocês.
—Assim preferiria lhe ver destroçado, em lugar disso? —perguntou-lhe Lucan.
— Assim é como lhe quer?
—Amo-lhe! —gritou ela.
— O que tenho feito, tudo o que tenho feito, foi por amor a ele! Rio será mais feliz em algum outro lugar, longe de toda esta violência e morte. Será mais feliz em um Refúgio Escuro, comigo longe de sua maldita guerra!
Rio emitiu o mesmo som gutural, mas agora soou mais lastimero. Não cabia dúvida de que era um som de agonia, embora se era devido à dor física ou a inquietação pelo que estava acontecendo ao seu redor não estava claro.
Lucan negou com a cabeça lentamente.
—Essa é uma afirmação que você não pode fazer por ele, Eva. Não tem direito. Esta é a guerra de Rio, tanto como a de qualquer outro. É no que ele acreditava, no que sei que ainda crie, inclusive depois do que lhe tem feito. Esta guerra concerne a toda a raça.
Ela franziu o cenho com gesto azedo.
—Resulta irônico que o cria, dado que você mesmo estiveste a ponto de te converter em um renegado.
—Jesucristo —exclamou Dante de onde se encontrava, perto.
— Esta equivocada, Eva. Está terrivelmente equivocada.
— Ah, sim? —Ela continuou cravando o olhar em Lucan com expressão sádica.
— Te estive observando, Lucan. Vi-te lutar contra a sede quando acreditava que não havia ninguém perto. Sua aparência de controle não me engana.
—Eva —disse Gabrielle. Sua voz tranqüila foi um bálsamo para todos os que se encontravam na habitação.
— Está alterada. Não sabe o que está dizendo.
Ela rio.
—lhe peça que o negue. lhe pergunte por que se priva de sangue até que está quase a ponto de morrer de sede!
Lucan não disse nada em resposta a essa acusação pública, porque sabia que era verdade.
Também sabia Gabrielle.
Sentiu-se comovido de que lhe defendesse, mas nesses momentos não se tratava tanto dele como de Rio e do engano que ia destroçar a esse guerreiro. Possivelmente já o tinha feito, a julgar pelo crescente movimento de suas pernas e pelo esforço que realizava para falar apesar das feridas.
—Como fez esse trato, Eva? Como entrou em contato com os renegados, em uma de suas excursões fora?
Ela bufou com gesto de brincadeira.
—Não foi tão difícil. Há serventes passeando por toda a cidade. Somente tem que olhar fora. Encontrei a um e lhe disse que me pusesse em contato com seu chefe.
—Quem era? —perguntou Lucan—. Que aspecto tinha?
—Não sei. Somente nos encontramos uma vez e manteve o rosto oculto. Levava uns óculos escuros e teve as luzes da habitação do hotel apagadas. Não me importava nem quem era nem que aspecto tinha. O único que me importava era que tivesse o poder suficiente para fazer que as coisas ocorressem. Somente queria sua promessa.
—Imagino que te fez pagar por isso.
—Foram somente um par de horas com ele. Tivesse pago algo —disse, agora sem olhar a Lucan nem aos outros, que a olhavam com expressão de desagrado, mas sim manteve a vista fixa em Rio.
— Faria algo por ti, querido. Suportaria. .. algo.
—Possivelmente vendeu seu corpo —disse Lucan—, mas foi a confiança de Rio o que traiu.
Dos lábios de Rio surgiu um som áspero. Eva lhe arrulhava e o acariciou. Ele abriu as pálpebras e se ouviu sua respiração, oca e esforçada, enquanto tentava pronunciar umas palavras.
—Eu... —Tossiu e seu corpo maltratado sofreu um espasmo—. Eva...
—OH, meu amor... sim. Estou aqui! —gritou—. Me diga o que queira, carinho.
—Eva... —De sua garganta não saiu nenhum som durante uns instantes, mas voltou a tentá-lo.
— Eu... lhe... acuso.
—O que?
—Morta... —Gemeu. Sem dúvida a dor psicológica era maior que a fisica, mas a ferocidade de seus olhos brilhantes e injetados em sangue diziam que não ia se deter.
— Já não existe... para mim... está... morta.
—Rio, é que não o compreende? Tenho-o feito por nós!
—Vai —disse ele com voz entrecortada.
— Não te quero ver... nunca mais.
—Não o pode dizer a sério. —Levantou a cabeça e seus olhos procuravam freneticamente um ponto onde posar-se.
— Não o diz a sério! Não é possível! Rio, me diga que não fala a sério!
Alargou a mão para lhe tocar, mas ele emitiu um grunhido e utilizou a pouca força que ficava para rechaçar seu contato. Eva soluçou. O sangue das feridas dele cobria a parte dianteira da roupa. Baixou a vista até as manchas e logo olhou a Rio, que agora a tinha afastado dele por completo.
O que aconteceu a seguir durou somente uns segundos como máximo, mas foi como se o tempo se houvesse ralentizado a uma lentidão implacável.
O olhar aniquilado da Eva caiu sobre o cinturão das armas de Rio, que estava no chão ao lado da cama.
Uma expressão de determinação se formou em seu rosto e se lançou por volta de uma das facas.
Levantou a adaga brilhante por cima de seu rosto.
Sussurrou a Rio que sempre lhe amaria.
Então girou a faca que tinha na mão e o cravou a si mesmo na garganta.
—Eva, não! —gritou Gabrielle. Seu corpo reagiu automaticamente, como se acreditasse que podia salvar À outra fêmea.
— OH, Meu deus, não!
Mas Lucan a sujeitou ao seu lado. Rapidamente tomou entre os braços e lhe fez girar o rosto para seu peito para evitar que visse Eva cortar sua próprio jugular e cair, sangrando e sem vida, ao chão.
Capítulo vinte e oito
Recém tomada banho, nas habitações de Lucan, Gabrielle se secou com uma toalha o cabelo molhado e colocou em cima um suave penhoar. Estava exausta depois de ter acontecido a maior parte do dia com o Savannah e Danika ajudando a Gideon a atender a Rio e a Lucan. No complexo todo mundo se encontrava em um estado de surda incredulidade por causa da traição de Eva e do trágico desenlace: Eva morta por sua própria mão e Rio agarrado precariamente a vida.
Lucan se encontrava em mal estado físico, além disso, mais fiel a sua palavra a sua obstinação, tinha abandonado a enfermaria por seus próprios pés pra ir descansar a suas habitações pessoais. Gabrielle estava assombrada de que ele tivesse aceito algum tipo de cuidado, mas a verdade era que as outras mulheres e ela mesma não lhe tinham deixado muitas posibilidades de rechaçá-lo.
Gabrielle se sentiu invadida pelo alívio ao abrir a porta do banho e lhe encontrar sentado na enorme cama com as costas apoiada na cabecera, sobre um montão de almofadas. Tinha uma bochecha e a frente cheias de pontos e as vendagens lhe cobriam a maior parte do largo peito e das pernas, mas se estava recuperando. Estava inteiro e, com o tempo, curaria-se.
Igual a ela, ele não levava nada em cima exceto um penhoar branco; isso era quão único as mulheres lhe tinham permitido ficar em cima, depois de ter acontecido horas limpando e lhe curando as contusões e as feridas cheias de metralha que tinha em quase todo o corpo.
—Sente-se melhor? —perguntou-lhe Lucan, olhando-a enquanto ela passava os dedos pelo cabelo úmido para apartar-lhe do rosto.
— pensei que teria fome ao sair do banho.
—A verdade é que morro de fome.
Ele assinalou uma robusta mesa de coquetel que se encontrava na salinha do dormitório, mas o olfato de Gabrielle já tinha detectado o impressionante bufé. O aroma de pão francês, a alho e especiarias, a molho de tomate e a queijo alagava a habitação. Viu um prato de verduras e um tigela cheio de fruta fresca, e inclusive uma coisa escura com aspecto de chocolate em meio das outras tentações. aproximou-se para jogar uma olhada mais de perto e o estômago lhe retorceu de fome.
—Manicotti —disse, inalando o aromático aroma da massa. Ao lado de uma taça de cristal havia uma garrafa de vinho tinjo aberta.
— E Chianti?
—Savannah queria saber se você tinha algum alimento preferido. Isso foi o único que me ocorreu.
Essa era a comida que ela preparou a noite em que ele tinha ido a seu apartamento para lhe devolver o telefone celular. A comida que ficou fria, esquecida, em cima do mármore da cozinha enquanto ela e Lucan ficavam como coelhos.
—recordou o que eu tinha cozinhado essa noite?
Ele se encolheu de ombros ligeiramente.
—Sente-se. Come.
—Somente há um assento.
—Está esperando uma visita?
Ele olhou.
—De verdade não pode comer nada disto? Nem sequer um mordisco?
—Se o fizesse, somente poderia agüentar uma pequena quantidade no estômago. —Fez-lhe um gesto para que se sentasse.
— Comer os mantimentos dos humanos é somente algo que fazemos pelas aparências.
—De acordo. —Gabrielle se sentou no chão com as pernas cruzadas. Tirou o guardanapo de linho debaixo dos talheres e a colocou em cima do regaço.
— Mas não me parece justo me pôr morada diante de ti.
—Não se preocupe por mim. Já recebi muitas cuidados e cuidados femininos por hoje.
—Como quer.
Ela estava muito faminta para esperar um segundo mais e a comida tinha um aspecto muito delicioso para resistir. Com o garfo, Gabrielle cortou uma parte de manicotti e o degustou em um estado de absoluto êxtase. Comeu a metade do prato em um tempo recorde e somente fez uma pausa para encher a taça de vinho, que também bebeu com um prazer voraz.
Durante todo o tempo Lucan a esteve olhando da cama.
—Está bom? —perguntou-lhe em um momento em que lhe olhava por cima do bordo da taça de vinho enquanto tomava um sorvo.
—Fantástico —murmurou ela e encheu a boca de verduras com vinagrete. Sentia o estômago muito mais tranqüilo agora. Comeu o resto da salada, serviu outro copo do Chianti e se recostou com um suspiro.
— Obrigado por isso. Tenho que dar as graças a Savannah também. Não tinha por que haver-se incomodado tanto.
—Agrada-lhe —disse Lucan com uma expressão atenta mas indescifravel.
— Foi de grande ajuda ontem de noite. Obrigado por cuidar de Rio e dos outros. De mim, também.
—Não tem por que me dizer obrigado.
—Sim, tenho que fazê-lo. —Franziu o cenho e uma pequena ferida que tinha costurada, na frente, inchou-se com o movimento.
— Foi amavel e generosa durante todo o tempo e eu... —interrompeu-se e disse algo inaudível.
— Te agradeço o que tem feito. Isso é tudo.
«OH —pensou ela.
— Isso é tudo.» Inclusive sua gratidão aparecia depois de uma barreira emocional.
De repente se sentiu como uma estranha com ele nesse momento, assim que lhe deu vontade de trocar de tema.
—ouvi que Tegan voltou de uma peça.
—Sim. Mas Dante e Niko estiveram a ponto de destroçá-lo quando lhe viram por ter desaparecido durante a batida.
—O que lhe aconteceu a outra noite?
—Quando as coisas ficaram feias, um dos renegados tentou sair por uma porta traseira do armazém. Tegan lhe perseguiu até a rua. Ia acabar com esse chupão, mas decidiu lhe seguir primeiro para ver aonde ia. Perseguiu-lhe até o velho psiquiátrico que se encontra fora da cidade. Esse lugar estava infestado de renegados. Se havia alguma duvida, agora já estamos seguros de que é uma enorme colônia. Próvavelmente seja o quartel geral desta Costa.
Gabrielle sentiu um calafrio ao pensar que tinha estado nesse psiquiátrico, que tinha estado dentro dele, sem saber que era um refúgio de rénegados.
—Tenho umas quantas fotos do interior. Ainda estão em minha câmara. Não tive tempo das descarregar, ainda.
Lucan tinha ficado imovel e a olhava como se ela houvesse acabado de lhe dizer que tinha estado jogando com amadurecidas. Seu rosto pareceu empalidecer um pouco mais ainda.
—Não somente foi ali mas sim entrou nesse lugar?
Ela se encolheu de ombros, sentindo-se culpado.
—Jesus Cristo, Gabrielle. —Baixou as pernas da cama e ficou sentado ali um momento comprido, simplesmente olhando-a. Demorou um momento em poder pronunciar as palavras.
— eles poderiam ter te matado. Dá-te conta disso?
—Mas não o fizeram —respondeu; uma pobre observação, mas um feito.
—Não é esse o tema. —passou-se as duas mãos pelo cabelo das têmporas.
— Merda. Onde está sua câmara? '
—Deixei-a no laboratório.
Lucan tomou o telefone que tinha ao lado da cama e marcou o número do intercomunicador. Gideon respondeu no outro extremo da linha.
—Né, o que há? Tudo vai bem?
—Sim —disse Lucan, mas estava olhando a Gabrielle.
— Diga a Tegan que deixe o reconhecimento do psiquiátrico de momento. Acabo-me de me interar de que temos fotos do interior.
—Sério? —fez-se uma pausa—. Ah, porra. Quer dizer que ela de verdade entrou nesse maldito lugar?
Lucan a olhou e arqueou uma sobrancelha com uma expressão como de «lhe havia dito».
—Descarrega as imagens da câmara e diga aos outros que nos reunirémos dentro de uma hora para decidir a nova estratégia. Acredito que nos economizamos um tempo crucial com isto.
—Bem. Vemo-nos as quatro.
A chamada terminou com um som do intercomunicador.
—Tegan ia voltar para o psiquiátrico?
—Sim —respondeu Lucan.
— Provavelmente era uma missão suicida, já que ele foi tão louco que insistiu em que se infiltraria sozinho esta noite para conseguir informação sobre o lugar. Embora ninguém ia convencer lhe de que não o fizesse, e muito menos eu.
Levantou-se da cama e começou a inspecionar-se algumas das bandagem. Fez um movimento que lhe abriu o penhoar, mostrando a maior parte do peito e o abdômen. As marca que tinha no peito tinham um pálido tom de henna, viam-se mais claras que a noite anterior. Agora tinham quase a mesma cor que o resto de seu corpo. Torradas e quase sem cor.
—Por que Tegan e você têm tão má relação? —perguntou-lhe sem mover a vista de cima ao atrever-se a lhe fazer essa pergunta que tinha tido na cabeça do momento em que Lucan tinha pronunciado o nome do guerreiro.
— O que aconteceu entre vocês?
Ao princípio pensou que ele não ia dizer nada. Ele continuou inspecionando as feridas, flexionando os braços e as pernas em silêncio. Então, justo no momento em que ela ia desistir, ele disse:
—Tegan me culpa de lhe haver tirado algo que era dele. Algo que ele amava. —Olhou-a diretamente agora:
— Sua companheira de raça morreu. Em minhas mãos.
—Deus santo —sussurrou ela.
— Lucan, como foi?
Ele franziu o cenho e apartou o olhar outra vez.
—As coisas eram diferentes quando Tegan e eu nos conhecemos ao principio. A maioria dos guerreiros decidia não ter nenhuma companheira porque os perigos eram muito grandes.
Naquela época, fomos muito poucos na Ordem, e proteger as nossas famílias era algo muito difícil dado que o combate nos obrigava a estar quilômetros de distância e, freqüentemente, durante muitos meses.
—E os Refúgios Escuros? Não tivessem podido lhes oferecer amparo?
—Havia menos refúgios, também. E ainda eram menos os que ouvessem arriscado a aceitar o risco de albergar a uma companheira de raça de um guerreiro. Nós e nossos seres queridos fomos um branco constante da violência dos renegados. Tegan sabia tudo isto, mas de todas formas estabeleceu um vínculo com uma fêmea. Não muito tempo depois, ela foi capturada pelos renegados. Torturaram-na. violaram-na. E antes de devolve-la ele, chuparam-lhe quase todo o sangue. Ela se haviabía ficado vazia; pior que isso, converteu-se em uma servente do renegado que a tinha destroçado.
—OH, Meu Deus —exclamou Gabrielle, horrorizada.
Lucan suspirou, como se o peso dessas lembranças fora muito para ele.
—Tegan se voltou louco de fúria. Comportou-se como um animal, assassinando tudo aquilo que encontrava ao seu passo. Acostumava a estar tão coberto de sangue que muitos pensavam que se banhava nela. Se recriava em sua fúria e, durante um ano, negou-se a aceitar o fato de que sua companheira de raça tinha perdido a cabeça para sempre. Continuou alimentándo-a de suas veias, sem querer ver sua degradação. Alimentava-se para alimentar a ela. Não lhe importava o fato de que se estava precipitando para a sede de sangue. Durante todo esse ano desafiou a lei da raça e não a tirou de seu sofrimento. Quanto a Tegan, estava-se voltando pouco a pouco em um renegado. Terei que fazer algo...
Gabrielle terminou a frase que ele tinha deixado incompleta.
—E como líder, foi tua responsabilidade entrar em ação.
Lucan assentiu com expressão triste.
—Coloquei a Tegan em uma cela de grossos muros de pedra e utilizei a espada com sua companheira de raça.
Gabrielle fechou os olhos ao perceber seu arrependimento.
—OH, Lucan...
—Tegan não foi liberado até que seu corpo ficou limpo da sede de sangue. Fizeram falta muitos meses de passar fome e de sofrer uma completa agonia para que pudesse sair da cela por seu próprio pé. Quando soube o que eu tinha feito, acreditei que tentaria me matar. Mas não o fez. Tegan que eu conhecia não foi o que saiu dessa cela. Era alguém muito mais frio. Nunca o há dito, mas sei que me odeia desde esse momento.
—Não tanto como você odeia a você mesmo.
Ele tinha as mandíbulas apertadas com força e uma expressão tensa no rosto.
—Estou acostumado a tomar decisões difíceis. Não tenho medo de assumir as tarefas mais duras, nem de ser o objetivo da raiva, inclusive do ódio, por causa das decisões que tomo para a melhora da raça. Importa-me um nada tudo isso.
—Não, não é verdade —disse ela com suavidade—. Mas teve que fazer mau a um amigo, e isso foi um grande peso para ti durante muito, muito tempo.
Ele a olhou com intenção de discutir, mas possivelmente não tinha a força necessaria para isso. Depois de tudo pelo que tinha passado se sentia cansado, destroçado, embora Gabrielle não acreditava que ele estivesse disposto a admiti-lo, nem sequer ante ela.
—Você é um homem bom, Lucan. Tem um coração muito nobre debaixo dessa dura armadura.
Ele emitiu um grunhido irônico.
—Somente alguém que me conheça desde umas poucas semanas atrás pode cometer o engano de pensar isto.
—De verdade? Pois eu conheço uns quantos aqui que lhe diriam o mesmo. Incluindo Conlan, se estivesse vivo.
Ele franziu o cenho com expressão atormentada.
—O que sabe você disso?
—Danika me contou o que fez por ele. Que lhe levou acima durante a saída do sol. Para lhe honrar, queimou-te.
—Jesucristo —exclamou ele em tom cortante, ficando imediatamente em pé. Começou a caminhar acima e abaixo em um estado de grande excitação e ao final se deteve repentinamente ao lado da cama. Falou com voz rouca, como um rugido quase incontrolável.
— A honra não teve nada que ver com isso. Quer saber por que o fiz? Foi por um terrível sentimento de culpa. A noite da bomba na estação de trem eu tinha que ter estado cumprindo com essa missão ao lado do Niko, e não Colan. Mas não te podia tirar de minha cabeça. Pensei que, possivelmente, se te tinha. .. se finalmente entrava dentro de você... isso satisfaria minha ânsia e poderia continuar adiante, te esquecer. Assim que essa noite fiz que Conlan fora em meu lugar. Tivesse tido que ser eu, e não Conlan. Tinha que ter sido eu.
—Meu Deus, Lucan. É incrível. Sabia? —Deixou cair as mãos com força em cima da mesa e emitiu uma gargalhada furiosa.
— por que não pode te relaxar um pouco?
Essa reação incontrolada lhe chamou a atenção como nenhuma outra coisa o tinha feito. Deixou de caminhar de um lado a outro e a olhou.
—Você sabe por que —repôs com tom tranqüilo agora.
— Você sabe melhor que ninguém. —Meneou a cabeça com uma expressão de desgosto consigo mesmo nos lábios.
— Resulta que Eva também sabia algo à respeito.
Gabrielle recordou a impactem cena da enfermaria. Todo mundo se tinha ficado horrorizado ante os atos da Eva, e assombrado pelas loucas acusações contra Lucan. Todos menos ele.
—Lucan, o que ela disse...
—Tudo é certo, tal e como você mesma viu. Mas você ainda me defendeu. Foi a segunda vez que ocultaste minha debilidade ante outros. —Franziu o cenho e girou a cara.
— Não vou pedir te que o faça outra vez. Meus problemas são minha coisa.
—E precisa solucioná-los.
—O que preciso é me vestir e jogar uma olhada a essas imagens que Gideon está descarregando. Se nos oferecerem a informação suficiente sobre a distribuição do psiquiátrico, podemos atacar esse lugar esta noite.
—O que quer dizer, atacá-lo esta noite?
—Acabar com ele. Fechá-lo. Fazê-lo voar pelos ares.
—Não é possível que fale a sério. Você mesmo há dito que possívelmente esteja cheio de renegados. De verdade crie que você e três tipos mais vão sobreviver se lhes enfrentam a um número desconhecido deles?
—Temos feito antes. E seremos cinco —disse, como se isso o fosse distinto.
— Gideon há dito que quer participar do que façamos. Vai ocupar o lugar de Rio.
Gabrielle se burlou, incrédula.
—E o que me diz de você? Quase não te tem em pé.
—Estou caminhando. Estou o bastante bem. Eles não esperam que contrataquemos tão logo, assim é o melhor momento para dar o golpe.
—Deve ter perdido a cabeça. Precisa descansar, Lucan. Não está em condições de fazer nada até que não recupere a força. Precisa te curar. —Observou que ele apertava as mandíbulas: um tendão lhe marcou por debaixo de uma de suas esbeltas bochechas. A expressão de seu rosto era mais dura do habitual, seus rasgos pareciam muito afilados.
— Não pode sair aí fora tal como está.
—Hei dito que estou bem.
Pronunciou as palavras precipitadamente e em um tom rouco e gutural. Voltou a olhá-la e seus olhos chapeados se viam atravessados por umas brilhantes línguas de cor âmbar, como se o fogo lambesse o gelo.
—Não o está. Nem muito menos. Precisa te alimentar. Seu corpo sofreu muito ultimamente. Precisa te nutrir.
Gabrielle sentiu que uma onda fria alagava a habitação e soube que próvinha dele. Estava provocando sua fúria. Lhe tinha visto em seus piores momentos e tinha vivido para contá-lo, mas possivelmente agora estava pressioando muito. dava-se conta de que ele estava inquieto e tenso e de que se controlava com força desde que a tinha levado a complexo. Agora ele estava no fio, perigosamente; de verdade queria ser ela quem lhe empurrasse ao outro lado da linha de seu autocontrole?
«A merda.» Possivelmente era isso o que fazia falta.
—Tem o corpo destroçado agora, Lucan, não somente por causa das feridas. Está débil. E tem medo.
—Medo. —Dirigiu-lhe um olhar frio e depreciativo, com um sarcasmo gelado.
— Do que?
—De você mesmo, para começar. Mas acredito que inclusive tem mais medo de mim.
Ela esperava uma refutação foto instantânea, fria e desagradável, acorde com a sombria raiva que emanava dele como a gelada. Mas ele não disse nada. Olhou-a durante um comprido momento, logo se deu a volta e se alojo, um pouco tenso, em direção a um armário alto que havia ao outro extremo da habitação.
Gabrielle permaneceu sentada no chão e lhe observou abrir abruptamente as gavetas, tirar umas roupas e as lançar sobre a cama.
—O que está fazendo?
—Não tenho tempo de discutir isto contigo. Não tem sentido.
Um armário alto que continha armas se abriu antes de que ele o tocasse: suas comporta se deslizaram ao redor das dobradiças com uma violenta sacudida. ele se aproximou a passo lento e estirou uma prateleira dobradiça. Em cima da superfície de veludo da prateleira havia pelo menos uma dúzia de adagas e outras armas brancas de aspecto letal ordenadas em filas. Com um gesto descuidado, Lucan tomou duas grandes facas embainhadas em pele. Abriu outro das prateleiras e escolheu uma pistola de aço inoxidável gentil que parecia saída de um terrível filme de ação.
— Como você não gosta do que estou dizendo vais sair fugindo? —ele nem a olhou nem soltou nenhuma maldição como resposta. Não, ignorou-a por completo, e isso a tirou de gonzo completamente.
— Adiante, pois. Finge que é invencível, que não está morto de medo de deixar que alguem se preocupe de ti. Escapa de mim. Isso somente demonstra que tenho razão.
Gabrielle sentiu uma absoluta desesperança enquanto Lucan tirava a munição do armário e a introduzia no carregador da pistola. Nada do que ela pudesse dizer ia deter lhe. Sentia-se necessitada, como se intentasse rodear com os braços uma tormenta.
Apartou o olhar dele e dirigiu os olhos a mesa frente à qual estava sentada, Aos pratos e aos talheres que tinha diante. Viu uma faca limpa em cima da mesa; polida a folha brilhava.
Não podia lhe reter com palavras, mas havia outra coisa...
Subiu a manga larga da bata. Com muita tranqüilidade, com a mesma determinação atrevida de que se valeu centenas de vezes anteriormente, Gabrielle tomou a faca e apertou o fio contra a parte mais carnuda de seu antebraço. Realizou pouca pressão, um muito ligeiro corte sobre sua pele.
Não soube qual dos sentidos de Lucan foi o que reagiu primeiro, mas levantou a cabeça imediatamente e soltou um rugido. Ela se deu conta de que o que tinha feito ressonava em cada um dos móveis da habitação.
—Maldita seja... Gabrielle!
A folha saiu voando de sua mão, chegou ao outro extremo da habitação e foi cravar se até o punho na parede mais afastada da mesma.
Lucan se moveu com tanta rapidez que ela quase não pôde perceber seus movimentos. Um momento antes ele tinha estado em pé a uns metros de distância da cama e ao cabo de um instante uma de suas enormes mãos lhe sujeitava os dedos e atirava dela para que ficasse em pé. O sangue emanava pela fina linha do corte, suculenta, de uma profunda cor carmesí, e gotejava ao longo de seu braço. A mão de Lucan ainda sujeitava com força a sua.
Ele, ao seu lado, parecia uma muito alta torre escura e ardente de fúria.
O peito agitado, as fossas nasais dilatadas enquanto seu fôlego saía e entrava em seus pulmões. Seu formoso rosto estava contraído por causa da angústia e a indignação, e seus olhos ardiam com o inconfundível calor da sede. Não ficava nem rastro de sua cor cinza e suas pupilas se esgotaram formando duas finas linhas negras. As presas lhe haviam alargado e as pontas, afiadas e brancas, brilhavam por debaixo do depravaso sorriso de seus lábios.
—Agora tenta dizer que não necessita o que te estou oferecendo —lhe sussurrou ela com ferocidade.
O suor aparecia a frente enquanto observava a ferida fresca e o sangue. Lambeu-se os lábios e pronunciou uma palavra em outro idioma.
Não soou amistosa.
—por que? —perguntou, em tom acusador.
— Por que me faz isto?
—De verdade não sabe? —Lhe agüentou o furioso olhar, acalmando sua raiva enquanto umas gotas de sangue salpicavam com uma cor carmesí a brancura da bata.
— Porque te amo, Lucan. E isto é quão único posso te dar.
Capítulo vinte e nove
Lucan acreditava que sabia o que era a sede. Acreditava que conhecia a fúria e o desespero —o desejo, também— mas todas as míseras emoções que tinha sentido durante sua eterna vida se desfizeram como o pó quando olhou aos desafiantes olhos marrons de Gabrielle.
Tinha os sentidos embargados, afogados no doce aroma de jasmim de seu sangue, essa fonte perigosamente perto de seus lábios. De um brilhante cor vermelha, denso como o mel, um fio carmesim brotava pela pequena ferida que ela se fez.
—Amo-te, Lucan. —Sua suave voz se abriu passo Através do som dos batimentos do coração de seu próprio coração e da imperiosa necessidade que agora lhe atendia.
— Com ou sem vínculo de sangue, amo-te.
Ele não podia falar, nem sequer sabia o que houvesse dito se sua garganta seca tivesse sido capaz de emitir alguma palavra. Com um grunhido selvagem, separou-a dele, muito fraco para permanecer ao lado dela agora que sua parte escura lhe empurrava a fazê-la sua dessa forma firme e errevogavel.
Gabrielle caiu sobre a cama; a bata com muita dificuldade cobria sua nudez. Umas brilhantes mancha lhe salpicavam a manga branca e a lapela. Tinha outra mancha vermelha sobre a coxa, de uma vivido cor escarlate que contrastava com o tom de sua pele.
Deus, como desejava levar os lábios até essa sedosa ferida na carne, e por todo seu corpo. Somente o seu.
«Não.»
A ordem lhe saiu em um tom tão seco como as cinzas. Sentia o ventre atendido pela dor, retorcido e como cheio de nós. O fazia desfalecer. Os joelhos lhe falharam assim que tentou dár a volta para apartar essa imagem tentadora dela, aberta e sangrando, como um sacrificio devotado a ele.
Deixou-se cair sobre o tapete do chão, uma massa inerte de músculo e ossos, lutando contra uma necessidade que não tinha conhecido até esse momento. Lhe estava matando. Esta ânsia dela, como se sentia desgarrado ao pensar que ela podia estar com outro macho.
E além disso, a sede.
Nunca tinha sido tão intensa como quando Gabrielle estava perto. E agora que seus pulmões se encheram com o perfume de seu sangue, sua sede era devoradora.
—Lucan...
Ele percebeu que ela se separava da cama. As suaves pisadas de seus pés soaram no tapete e estes apareceram lentamente ante sua vista, as unhas pintadas como a fina laca de umas conchas. Gabrielle se agachou ao seu lado. Ele sentiu a suavidade da mão dela em seu cabelo, e logo a sentiu sob seu queixo, levantando a cabeça para lhe olhar ao rosto.
—Bebe de mim.
Ele apertou os olhos com força, mas foi um intento débil de rechaçar o que lhe oferecia. Não tinha a força necessária para lutar contra a força tenra e incessante dos braços dela, que agora lhe atraíam para si.
Lucan cheirava o sangue no pulso dela: cheiraria tão de perto lhe despertou uma furiosa corrente de adrenalina que lhe atravessou. A boca lhe fez água, as presas lhe alargaram mais, esticando as gengivas. Provocou mais lhe levantando o torso do chão. Com uma mão se apartou o cabelo a um lado tirando o chapéu o pescoço para ele.
Ele se removeu, mas lhe sujeitou com firmeza. Atraiu-lhe mais para ela.
—Bebe, Lucan. Toma o que necessite.
Inclinou-se para frente até que somente houve um sopro de ar entre os relaxados lábios dele e o delicado pulso que pulsava debaixo a pele pálida debaixo de sua orelha.
—Faz-o —sussurrou ela, e lhe atraiu para si.
Pressionou os lábios com força contra seu pescoço.
Ele agüentou nessa posição durante uma eternidade de angústia. Mas somente demorou uma fração de segundo em pôr a ceva. Lucan não estava seguro. Do único que era consciente era do quente contato da pele dela em sua língua, do batimento do coração de seu coração, da rapidez de sua respiração. Do único que era consciente era do desejo que sentia por ela.
Não ia rechaçar o mais.
Desejava-a, desejava-o tudo dela, e a besta se desatou e já era impossível ter piedade.
Abriu a boca... e cravou as presas na flexível carne de seu pescoço.
Ela afogou uma exclamação ao sentir a repentina penetração de seus dentes, mas não lhe soltou, nem sequer quando notou que ele tragava pela primeira vez o sangue de sua veia aberta.
O sangue se precipitou dentro da boca de Lucan, quente e com um sabor terroso, delicioso. Era muito superior Ao que teria imaginado nunca.
Depois de viver durante novecentos anos, finalmente sabia o que era o céu.
Bebeu com urgência, em quantidade, com uma sensação de necessidade que lhe transbordava enquanto saciava do sangue da Gabrielle lhe descia pela garganta e penetrava a carne, os ossos e as células. O pulso acelerou, sentiu-se renascer, o sangue voltou a correr pelas pernas e lhe curou as feridas.
O sexo tinha despertado com o primeiro sorvo; agora pulsava com força entre as pernas. Exigia inclusive uma maior posse.
Gabrielle lhe acariciava o cabelo, sujeitava-lhe contra ela enquanto ele bebia. Gemeu com cada uma das chupadas de seus lábios, sentia que lhe desfazia o corpo. Seu aroma se fez mais escuro e úmido A causa do desejo.
—Lucan —disse quase sem fôlego, estremecendo-se.
— OH, Deus...
Com um grunhido sem palavras, empurrou-a contra o chão, debaixo dele. Bebeu mais, perdendo-se no erótico calor do momento com uma desesperada e frenezi que lhe aterrorizou.
«Minha», pensou, sentindo-se profundamente selvagem e egoísta.
Agora era muito tarde para deter-se.
Esse beijo lhes tinha amaldiçoado aos dois.
Enquanto que a primeira dentada lhe tinha provocado uma comoção, a aguda dor se dissipou rapidamente para converter-se em uma sensação suntuosa e embriagadora. Sentiu o corpo alagado pelo prazer, como se cada larga chupada dos lábios de Lucan lhe injetasse uma corrente de calidez no corpo que lhe chegava até o mesmo centro e lhe acariciava a alma.
ele a levou até o chão com ele, as batas se entreabriram e a cobriu com seu corpo nu. Notou as mãos dele, ásperas, que lhe sujeitavam a cabeça para um lado enquanto bebia dela. Sem fazer caso da dor que as feridas lhe pudessem estar fazendo, pressionou seu peito nu contra seus peitos. Seus lábios não se separaram de seu pescoço nem um momento. Gabrielle sentia a intensidade da necessidade dele a cada chupada.
Mas sentia sua força, também. Estava-a recuperando, pouco a pouco, graças a ela.
—Não te detenha —murmurou ela, pronunciando com lentidão por causa do êxtase que crescia em seu interior a cada movimento de seus lábios.
— Não vais fazer me danifico, Lucan. Confio em ti.
O som úmido e voraz que provocava sua sede era o mais erótico que tinha conhecido nunca. Adorava sentir o calor dos lábios dele em cima de sua pele. Os arranhões que lhe provocavam as presas dele enquanto se enchia a boca com seu sangue lhe resultavam perigosos e excitantes.
Gabrielle já se deslizava para um orgasmo dilacerador no momento em que notou a grosa cabeça da ereção de Lucan lhe pressionando o sexo. Estava úmida, desejando dolorosamente. Ele a penetrou com uma investida que a encheu por completo com um calor vulcânico e potente que detonou dentro dela ao cabo de um instante. Gabrielle gritou enquanto ele a investia com força e depressa, sentindo os braços dele que a aprisionavam, apertando-a com força. Investia a um ritmo amalucado, empurrado por uma força de puro e magnífico desejo.
Mas permaneceu grudado em seu pescoço, empurrando-a para uma doce e feliz escuridão.
Gabrielle fechou os olhos e se deixou flutuar envolta em uma formosa nuvem de cor obsidiana.
Como desde muito longe notou que Lucan se retorcia e investia em cima de seu corpo com urgência, que todo seu corpo vibrava pela potência do climax. Emitiu um grito áspero e ficou completamente imovel.
A deliciosa pressão no pescoço se afrouxou de forma abrupta e logo depois desapareceu, deixando uma grande frieza a seu passo.
Gabrielle, que ainda se sentia alagada pela embriaguez de notar a Lucan dentro dela, levantou as pálpebras, pesados. Lucan estava colocado de joelhos em cima dela e a olhava como se ficou gelado. Tinha os lábios de um vermelho brilhante e o cabelo revolto. Seus olhos selvagens lançavam brilhos de cor âmbar, de tão brilhantes. A cor de sua pele parecia mais saudável e o labirinto de marcas que lhe cobriam os ombros e o torso tinha um brilho de um tom carmesim escuro.
—O que acontece? —perguntou-lhe, preocupada—. Está bem?
Ele não falou durante um comprido momento.
—Jesucristo. —Sua voz grave soou como um grunhido trêmulo, de uma forma que não lhe tinha ouvido antes. Tinha o peito agitado.
— Acreditei que estava... acreditei que te havia...
—Não —lhe disse ela, fazendo um gesto negativo com a cabeça e com uma expressão preguiçosa e saciada.
— Não, Lucan. Estou bem.
Ela não compreendeu o que significava a expressão intensa dele, mas ele não a ajudou. separou-se dela. Seus olhos, que se tinham transformado, mostravam uma expressão de dor.
Gabrielle sentia o corpo frio e vazio sem o calor dele. sentou-se e se esfregou para fazer-se passar um repentino calafrio.
—Está bem —lhe tranqüilizou—. Tudo está bem.
—Não. —O negou com a cabeça e ficou em pé—. Não. Isto foi um equívoco.
—Lucan...
—Não devi ter permitido que isto acontecesse! —gritou.
Emitiu um grunhido de fúria e se dirigiu aos pés da cama para agarrar suas roupas. Colocou uma calça de camuflagem negra e uma camiseta de algodão, logo tomou suas armas e suas botas e abandonou a habitação com uma fúria tempestuosa e ardente.
Lucan quase não podia respirar por causa da força com que o coração lhe pulsava no peito.
No momento em que sentiu que Gabrielle ficava inerte debaixo dele enquanto ele bebia dela, atravessou-lhe um medo descarnado que o desgaro por completo.
Enquanto ele bebia febrilmente de seu pescoço, lhe havia dito que confiava nele. Sentiu que o incentivo da sede de sangue lhe aguilhoava o corpo enquanto o sangue de Gabrielle lhe enchia. O som de sua voz tinha suavizado a dor, em parte. Ela se tinha mostrado tenra e cuidadosa: seu tato, sua emoção nua, sua mesma presença, tinha-lhe dado forças no momento em que sua parte animal tinha estado a ponto de tomar as rédeas.
Ela confiava em que não lhe faria mal, e essa confiança lhe tinha dado forças.
Mas então tinha notado que ela se desvanecia e temeu... Deus, quanto medo tinha sentido nesse instante.
Esse medo ainda lhe apertava, um terror escuro e frio a lhe fazer mal, a que poderia matá-la se permitia que as coisas chegassem mais longe do que o tinham feito.
Porque, por muito que ele a tivesse afastado e por muito que houvesse negado, lhe pertencia. Ele pertencia a Gabrielle, em corpo e alma, e não simplesmente pelo fato de que seu sangue lhe estivesse nutrindo nesse momento, estivesse-lhe curando as feridas e fortalecendo o corpo. Ele se tinha unido a ela muito antes desse momento. Mas a prova irrefutável disso tinha aparecido nesse funesto instante, fazia um momento, assim que temeu que podia havê-la perdido.
Amava-a.
Da parte mais profunda e solitária de si mesmo, amava a Gabrielle.
E queria tê-la em sua vida. De forma egoísta e perigosa, não havia nada que desejasse mais que tê-la ao seu lado para o resto de seus dias.
Dar-se conta disso lhe fez cambalear, ali, no corredor, diante do laboratório técnico. Na verdade, quase lhe fez cair de joelhos.
—Né, calma. —Dante se aproximou de Lucan quase sem avisar e lhe sujeitou por debaixo dos braços.
— Porra. Tem um aspecto infernal.
Lucan não podia falar. As palavras estavam além dele.
Mas Dante não necessitava nenhuma explicação. Jogou uma olhada ao seu rosto e a suas presas alargadas. As fossas nasais dilataram ao sentir o aroma de sexo e a sangue. Deixou escapar um assobio baixo e nos olhos desse guerreiro apareceu um brilho de ironia.
—Não pode ser certo... uma companheira de sangue, Lucan? — riu, meneando a cabeça enquanto lhe dava umas palmadas a Lucan no ombro.
— Porra. Melhor que seja você e não eu, irmão. Melhor você que eu.
Capítulo trinta
Três horas mais tarde, quando a noite era completa ao seu redor, Lucan e os outros guerreiros se encontravam preparados e sentados em um veículo de vigilância negro na rua, a uns oitocentos metros do velho psiquiátrico.
As fotografias de Gabrielle tinham sido de grande utilidade para planejar o golpe contra a guarita dos renegados. Além de várias fotografias exteriores do ponto de acesso da planta baixa, fez fotos interiores da habitação das caldeiras, de vários corredores, de escadas e inclusive algumas que inadvertidamente mostravam umas câmeras de segurança a rede que teriam que ser desativadas quando os guerreiros ganhassem acesso a esse lugar.
—Entrar vai ser a parte fácil —disse Gideon, enquanto o grupo estava a revisar por última vez a operação.
— Interromperei o sinal de segurança das câmeras da planta baixa mas, quando estivermos dentro, colocar essas duas dúzias de barras de C4 nos pontos críticos sem alertar a toda a colônia de chupões vai ser um pouco mais difícil.
—Por não mencionar o problema da publicidade não desejada dos humanos —disse Dante.
— O que é o que está fazendo que Niko tarde tanto em localizar esses tubos de gás?
—Aí vem —disse Lucan, ao ver a figura escura do vampiro que se acercava ao veículo de vigilância da fila de árvores da rua.
Nikolai abriu a porta traseira e subiu depois de Tegan. tirou o capuz negro e seus invernais olhos azuis faiscaram de excitação.
—É um caramelo. A linha principal está em uma caixa do extremo leste do complexo. Possivelmente esses chupões não necessitem calefação, mas o serviço público lhes subministra um montão de gás.
Lucan olhou os olhos ansiosos do guerreiro.
—Então entramos, deixamos nossos presentes, limpamos o lugar...
Niko assentiu com a cabeça.
—Me façam um sinal quando a merda esteja em seu lugar. Moverei o tubo principal e logo farei detonar o C4 quando todos estejam aqui de volta. Aparentemente será como se uma fuga de gás tivesse causado a explosão. E se os corpos de segurança querem meter-se nisto, estou seguro de que as fotos de Gabrielle dos grafites dos grupos farão que esses humanos farejem em círculos durante um tempo.
Enquanto, os guerreiros teriam mandado uma importante mensagem a seus inimigos, especialmente ao vampiro de primeira geração que Lucan suspeitava se encontrava ao mando desta nova sublevação dos renegados. Fazer voar o quartel general seria um convite suficiente para que esse bode saísse ao ar livre e começasse a dançar.
Lucan estava ansioso por começar. Inclusive estava mais ansioso por terminar com a missão dessa noite porque tinha um assunto por terminar quando voltasse para o complexo. Odiava ter deixado a Gabrielle dessa maneira e sabia que ela devia sentir-se confusa e, provavelmente, mais que inquieta.
Ficaram coisas por dizer, seguro, coisas nas que ele não tinha estado preparado para pensar muito e, muito menos, para as falar com ela nesse momento em que a surpreendente realidade de seus sentimentos por ela assaltou.
Agora tinha a cabeça cheia de planos.
Planos imprudentes, estúpidos e esperançosos, todos eles centrados nela.
No interior do veículo, ao seu redor, outros guerreiros estavam comprovando seu equipamento, carregando as barras de C4 dentro de bolsas com cremalheiras e realizando os ajustes finais aos auriculares e os micros que lhes permitiriam estar em contato uns com os outros quando chegassem ao perímetro do psiquiátrico e se separassem para colocar os explosivos.
—Esta noite vamos fazer isto por Rio —disse Dante_ enquanto fazia voltear suas facas curvadas entre os dedos enluvados e os introduzia nas capas que levava no quadril.
— Chegou o momento da vingança.
—Porra, sim —respondeu Niko, ao qual outros se ecoaram.
Quando se dispunham a sair pelas portas, Lucan levantou uma mão.
—Um momento. —A tristeza de seu tom de voz lhes fez deter-se.
— Há uma coisa que têm que saber. Dado que estamos a ponto de entrar aí e que é provável que nos dêem uma boa surra, suponho que este é um momento tão bom como qualquer outro para ser claro com vocês a respeito de um par de coisas... e necessito que cada um de vocês me façam uma promessa.
Olhou os rostos de seus irmãos, esses guerreiros que tinham estado lutando ao seu lado durante tanto tempo que parecia uma eternidade. Eles sempre lhe tinham cuidadoso como à um líder, tinham crédulo nele para que tomasse as decisões mais difíceis, sempre se tinham sentido seguros de que ele saberia como decidir uma estratégia ou como tomar uma decisão.
Agora duvidava, sem saber por onde começar. Esfregou-se a mandíbula e deixou escapar um forte suspiro.
Gideon lhe olhou com o cenho franzido e expressão de preocupação.
—Vai tudo bem, Lucan? Recebeu um bom golpe na emboscada da outra noite. Se não quiser participar disto...
—Não. Não é isso. Estou bem. Minhas feridas estão curadas... graças a Gabrielle —disse.
— Faz um momento, hoje, ela e eu...
—Não me diga —respondeu Gideon ao ver que Lucan se interrompia. Foder com o vampiro, mas estava .
—Bebeste dela? —perguntou Niko.
Tegan soltou um grunhido do assento traseiro.
—Essa fêmea é uma companheira de raça.
—Sim —respondeu Lucan com calma e seriedade—. E se me permitir isso, lhe vou pedir que me aceite como companheiro.
Dante lhe olhou, zombador, com uma expressão de risonha exasperação.
—Felicidades, cara. De verdade.
Gideon e Niko responderam de maneira similar e lhe deram umas palmada nas costas.
—Isso não é tudo.
Quatro pares de olhos se cravaram nele: todo mundo lhe olhava na espera séria exceto Tegan.
—A outra noite, Eva tinha umas quantas coisas que dizer de mim... —Imediatamente se levantaram uns protestos por parte de Gideon, Niko e Dante. Lucan continuou falando apesar dos grunhidos de irritação.
— A traição a Rio e a nós é indesculpável, sim. Mas o que disse de mim... era a verdade.
Dante lhe olhou com suspicácia.
—Do que está falando?
—Da sede de sangue —respondeu Lucan. A palavra soou com força no silêncio do interior do veículo.
— É... bom, é um problema para mim. È a muito tempo tempo. Estou-o dirigindo, mas algumas vezes... —Baixou a cabeça e olhou ao chão do veículo.
— Não sei se poderei vencê-la. Possivelmente, com Gabrielle a meu lado, possivelmente tenha uma oportunidade. Vou lutar como um demônio, mas se piorar...
Gideon cuspiu uma obscenidade.
—Isso não vai acontecer, Lucan. De todos os que estamos aqui sentados, você é o mais forte. Sempre o foste. Nada te pode tombar.
Lucan negou com a cabeça.
—Já não posso continuar fingindo que sou o que sempre controla. Estou cansado. Não sou invencível. Depois de novecentos anos de viver com esta mentira, Gabrielle não demorou nem duas semanas em desmascarar-me. Obrigou-me a ver como sou de verdade. Eu não gosto muito o que vejo, mas quero ser melhor... por ela.
Nico franziu o cenho.
—Porra, Lucan. Está falando de amor?
—Sim —disse ele com solenidade.
— Eu estou fazendo. A amo. E é por isso que tenho que lhes pedir uma coisa. A todos.
Gideon assentiu.
—Diga-o.
—Se as coisas ficarem feias comigo... em algum momento, logo, ou na rua... tenho que saber que conto com vocês, meninos, para que me apóiem. Se virem que me perco na sede de sangue, se creem que vou voltar me... Necessito sua palavra de que vão acabar comigo.
—O que? —exclamou Dante.
— Não pode nos pedir isso, cara.
—Me escutem. —Não estava acostumado a suplicar. Pronunciar essa petição era como suportar cascalho na garganta, mas tinha que faze-lo. Estava cansado de suportar sozinho esse peso. E o último que desejava era ter medo de que em um momento de debilidade pudesse lhe fazer algum mal a Gabrielle.
— Tenho que ouvir seus juramentos. O de cada um de vocês. Prometam-me isso .
—Merda —disse Dante, lhe olhando boquiaberto. Mas ao final assentiu com a cabeça e com expressão grave.
— Sim. De acordo. Está fodidamente louco, mas de acordo.
Gideon meneou a cabeça, logo levantou o punho e fez chocar os nodulos contra os de Lucan.
—Se isso for o que quer, tem-no. Juro-lhe isso, Lucan.
Niko pronunciou sua promessa também:
—Esse dia não chegará nunca, mas se o faz, sei que você fara o mesmo por qualquer de nós. Assim sim, tem minha palavra.
O qual deixava somente a Tegan por fazê-lo, que se encontrava sentado no assento traseiro com atitude estóica.
—E você, Tegan? —perguntou Lucan, dando-a volta para olhar aos olhos verdes e impassíveis.
— Posso contar contigo nisto?
Tegan lhe olhou larga e silenciosamente com atitude pensativa.
—Claro, cara. Porra, o que diga. Se te converter nisso, estarei em primera linha para acabar contigo.
Lucan assentiu com a cabeça, satisfeito, e olhou os rostos sérios de seus irmãos.
—Jesus —exclamou Dante quando o denso silêncio do veículo lhe fez interminável.
—Todo este sentimentalismo me está pondo impaciente por matar. Que tal se deixarmos de nos fazer palhas e vamos fazer voar o teto a esses chupões?
Lucan sorriu em resposta ao sorriso arrogante do vampiro.
—Vamos a isso .
Os cinco guerreiros da raça, vestidos de negro da cabeça aos pés, saíram do veículo como um só homem e começaram a aproximar-se sigilosamente ao psiquiátrico, ao outro lado das árvores, banhados pela luz da lua.
Capítulo trinta e um
— Vamos, vamos. Abra, porra!
Gabrielle estava sentada ante o volante de um cupé BMW negro e esperava com impaciência a que a enorme porta de entrada do terreno do complexo se abrisse e a deixasse sair. Desgostava-lhe que a tivessem obrigado a levar o carro sem permissão, mas depois do que tinha acontecido com Lucan estava desesperada por partir. Dado que todo o terreno estava rodeado por uma cerca elétrica de alta voltagem, somente ficava uma alternativa.
Já pensaria em alguma maneira de devolver o carro uma vez estivesse em casa.
Uma vez que se encontrasse de volta ao lugar ao que verdadeiramente pertencia.
Essa noite tinha dado a Lucan tudo o que tinha podido, mas não era suficiente. Preparou-se a si mesmo para a eventualidade de que ele a apartasse e resistisse a seus intentos de lhe amar, mas não havia nada que pudesse fazer se ele decidia rechaçá-la. Como tinha feito essa noite.
Tinha-lhe dado seu sangue, seu corpo e seu coração, e ele a havia rechaçado.
Agora já não ficava energia.
Já não podia lutar.
Se ele estava tão decidido a permanecer sozinho, quem era ela para obriga-lo a trocar? Se ele queria isolar-se, tinha muito claro que não ia ficar ali para esperar a vê-lo.
Iria à casa.
Ao fim, as pesadas portas de ferro se abriram e permitiram lhe sair. Gabrielle acelerou e saiu a toda velocidade para a rua silenciosa e escura. Não tinha uma idéia muito clara de onde se encontrava até que, depois de conduzir uns três quilômetros, encontrou-se em um cruzamento conhecido. Girou a esquerda pelo Charles Street em direção a Beacon Hill e se deixou conduzir, aturdida, pelo piloto automático.
Quando estacionou o carro na esquina de fora de seu apartamento, seu edifício lhe pareceu muito mais pequeno. Seus vizinhos tinham as luzes acesas mas, apesar do resplendor dourado no ambiente, esse edifício de tijolo lhe pareceu sombrio.
Gabrielle subiu as escadas da fachada e procurou as chaves no bolso. A mão tropeçou com uma pequena adaga que levou do armário das armas de Lucan: a tinha levado como defesa em caso de que se encontrasse com problemas em seu caminho a casa.
Quando entrou e acendeu a luz do vestíbulo, o telefone estava soando. Deixou que a secretária eletrônica respondesse e se deu a volta pra fechar todos os ferrolhos e passadores da porta.
Da cozinha ouviu a voz entrecortada da Kendra que lhe deixava uma mensagem.
—É de muito má educação por sua parte me ignorar desta maneira, Gabby. —A voz de seu amiga soava extranhamente estridente. Estava zangada.
— Tenho que ver-te. É importante. Você e eu temos que falar, de verdade.
Gabrielle se dirigiu a sala de estar e notou todos os espaços vazios que tinham ficado depois de que Lucan tivesse tirado as fotografias das paredes. Parecia que tinha passado um ano da noite em que ele foi a seu apartamento e lhe contou a assombrosa verdade a respeito de si mesmo e da batalha que estava fazendo estragos entre os de sua classe.
«Vampiros», pensou, surpreendida ao dar-se conta de que essa palavra já não a surpreendia.
Provavelmente havia muito poucas coisas que pudessem surpreendê-la já nesses momentos.
E já não tinha medo de perder a cabeça, como lhe tinha acontecido a sua mãe. Inclusive essa trágica história tinha cobrado um significado novo agora. Sua mãe não estava louca absolutamente. Era uma moça aterrorizada que se viu apanhada em uma situação violenta que muito poucos humanos seriam capazes de conceber.
Gabrielle não tinha intenção de permitir que essa mesma situação violenta a destruíra. Pelo menos agora estava em casa e já pensaria em alguma maneira de recuperar sua antiga vida.
Deixou a bolsa em cima da mesa e foi até o contestador automático. O indicador de mensagens piscava e mostrava o número dezoito.
—Deve ser uma brincadeira —murmurou, apertando o botão de reprodução.
Enquanto a máquina ficava em funcionamento, Gabrielle se dirigiu ao banho para inspecionar o pescoço. A mordida que Lucan havia lhe dado debaixo da orelha tinha um brilho vermelho escuro e se encontrava ao lado da lágrima e da lua crescente que a assinalavam como companheira de raça. Tocou-se as duas ferroadas e o hematoma que Lucan lhe tinha deixado mas se deu conta de que não lhe doíam absolutamente. A dor surda e vaziu que sentia entre as pernas era o pior, mas inclusive este empalidecia comparado com a fria crueldade que lhe instalava no peito cada vez que recordava como Lucan se apartou dela essa noite, como se ela fosse um veneno. Como tinha saído da habitação, cambaleando-se, como se não pudesse apartar-se dela com a rapidez suficiente.
Gabrielle abriu a água e se lavou, vagamente consciente das mensagens que soavam na cozinha. Para ouvir a quarta ou quinta mensagem, deu-se conta de que havia algo estranho.
Todas as mensagens eram da Kendra, e os tinha deixado todos durante as últimas vinte e quatro horas. Uma depois da outra, e entre algumas delas não havia mais que cinco minutos de diferença.
Sua voz tinha adquirido um tom grandemente mais amargo da primeira mensagem em que, em tom despreocupado e alegre, havia-lhe próposto sair e comer ou a tomar uma taça ou algo que queria. Logo, o convite tinha adquirido um tom mais insistente: Kendra dizia que tinha um problema e que necessitava que Gabrielle a aconselhase.
Nas duas últimas mensagens lhe tinha exigido de forma áspera que lhe respondesse logo.
Gabrielle correu até a bolsa e comprovou as mensagens da secretaria de voz do telefone celular: encontrou-se com o mesmo.
Com as repetidas chamadas da Kendra.
Com seu estranho tom ácido de voz.
Um calafrio lhe percorreu as costas ao recordar a advertência de Lucan a respeito da Kendra: se ela tinha caido vítima dos renegados, já não era amiga dela. Era como se estivesse morta.
O telefone começou a soar outra vez na cozinha.
—OH, Meu deus —exclamou, atendida por um terror crescente.
Tinha que sair dali.
Um hotel, pensou. Algum lugar longínquo. Algum lugar onde pudesse ocultar-se durante um tempo e decidir o que fazer.
Gabrielle tomou a bolsa e as chaves do BMW virtualmente correndo para a porta. Abriu as fechaduras e girou a maçaneta. Assim que a porta se abriu se encontrou ante um rosto que em outro momento tinha sido amistoso.
Agora estava segura de que era o rosto de um servente.
—Vai a algum lugar, Gabby? —Kendra se apartou o telefone celular do ouvido e o desligou. O timbre do telefone da casa deixou de soar. Kendra sorriu fracamente com a cabeça inclinada em um estranho ângulo.
— Ultimamente, é terrivelmente difícil de localizar.
Gabrielle se estremeceu de dor ao ver esses olhos vazios e perdidos que não piscavam.
—Me deixe passar, Kendra. Por favor.
A morena riu com uma gargalhada estridente que se apagou em um vaio surdo.
—Sinto muito, carinho. Não posso fazê-lo.
—Está com eles, verdade? —disse-lhe Gabrielle, adoecendo só de pensar.
— Está com os renegados. Meu Deus, Kendra, o que lhe têm feito?
—Te cale —repôs ela, com um dedo sobre os lábios e meneando a cabeça.
— Não falemos mais. Agora temos que ir.
Assim que a servente alargou a mão para ela, Gabrielle se apartou. Recordou a adaga que levava na bolsa e se perguntou se poderia tirá-la sem que Kendra se desse conta. E se conseguia fazê-lo, seria capaz de utilizá-la contra sua amiga?
—Não me toque —lhe disse, enquanto deslizava os dedos lentamente por debaixo da lapela de pele da bolsa.
— Não vou a nenhuma parte contigo.
Kendra lhe mostrou os dentes em uma terrível imitação de um sorriso.
—OH, acredito que deveria fazê-lo, Gabby. Depois, a vida do Jamie depende de ti.
Um temor gelado lhe atendeu o coração.
-O que?
Kendra fez um gesto com a cabeça em direção aos Sedam que estava esperando. O cristal tinto de um dos guichês se abriu e alí estava Jamie, sentado no assento traseiro ao lado de um tipo enorme.
—Gabrielle? —chamou Jamie com uma expressão de pânico nos olhos.
—OH, não. Jamie não. Kendra, por favor, não permita que lhe façam mal.
—Isso é algo que está completamente em suas mãos —repôs Kendra em tom educado e lhe tirou a bolsa das mãos.
— Não vais necessitar nada do que leva aqui.
Fez um sinal a Gabrielle para que caminhasse diante dela em direção ao carro.
—Vamos?
Lucan colocou duas barras de C4 debaixo dos enormes aquecedores de água da habitação das caldeiras do psiquiátrico. Agachou-se ante o equipamento, desdobrou as antenas do transmissor e conectou o micro para informar de seu progresso.
—Habitação de caldeiras verificada —disse a Niko, que se encontrava ao outro extremo da linha.
— Tenho que colocar três unidades mais e logo sairei...
Ficou imóvel de repente, para ouvir uns passos ao outro lado da porta fechada.
—Lucan?
—Merda. Tenho companhia —murmurou em voz baixa enquanto se incorporava e se aproximava com sigilo a porta para preparar-se a golpear.
Levou-se a mão enluvada até o punho de uma perigosa faca com serra que tinha embainhado em cima do peito. Também levava uma pistola, mas todos tinham concordado que não utilizariam armas de fogo nessa missão. Não fazia falta avisar aos renegados de sua presença e além disso, dado que Niko ia desviar o tubos de fora e encher de gases o edifício, um disparo podia acender os foguetes antes do tempo.
O trinco da porta da habitação das caldeiras começou a girar.
Lucan cheirou o fedor de um renegado, e o inconfundível aroma metálico do sangue humano. Ouviu uns grunhidos animais afogados mesclados com uns golpes e com um débil lamento de uma vítima a quem lhe estavam chupando o sangue. A porta se abriu e um fortíssimo ar pútrido penetrou na habitação enquanto um renegado arrastava a seu brinquedo moribundo dentro da sala escura.
Lucan esperou a um lado da porta até que a enorme cabeça do renegado esteve plenamente ante sua vista. Esse chupão estava muito concentrado em sua presa para dar-se conta da ameaça. Lucan levantou uma mão e cravou a faca na caixa torácica do renegado. Este rugiu com as enormes mandíbulas abertas e os olhos amarelos inchados ao sentir que o titânio lhe penetrava no sistema circulatório.
O humano caiu ao chão com um golpe seco como um boneco e seu corpo se contraiu em uma série de espasmos de agonia de morte depois do corpo do renegado que se alimentou dele começava a emitir uns assobios, a tremer e a mostrar umas feridas como se o houvessem orvalhado com ácido.
Assim que o corpo do renegado teve terminado sua rápida descomposição, outro deles se aproximou correndo pelo corredor. Lucan se precipitou para frente para voltar a atacar, mas antes de que pudesse dar o primeiro golpe, o chupão se deteve em seco quando um braço negro lhe obrigou a deter-se por detrás.
Viu-se o brilho de um fio com a rapidez e a força de um raio que atravessava a garganta do renegado e separava a enorme cabeça do corpo com um corte limpo.
O enorme corpo ficou estendido no chão como um montão de lixo. Tegan se encontrava ali em pé, com sua espada gotejando sangue e seus olhos verdes, tranqüilos. Tegan era uma máquina assassina, e o gesto sério de seus lábios parecia reafirmar a promessa que lhe tinha feito a Lucan de que se a sede de sangue podia com ele, Tegan se asseguraria de que Lucan conhecesse a fúria do titânio.
Ao olhar agora a esse guerreiro, Lucan esteve seguro de que se alguma vez Tegan ia por ele, ele morreria antes de dar-se conta de que o vampiro tinha aparecido ao seu lado.
Lucan se enfrentou a esse olhar frio e letal e lhe saudou com um gesto de cabeça.
—Me diga algo —ouviu que lhe dizia Niko através do auricular—.Está bem?
—Sim. Tudo tranquilo. —Limpou a adaga com a camisa do ser humano e a voltou a embainhar. Quando voltou a levantar a vista, Tegan tinha desaparecido, desvaneceu-se como o espectro da morte que era.
—Agora dirijo aos pontos de entrada da zona norte para colocar o resto dos explosivos —disse a Nikolai enquanto saía da habitação das caldeiras e percorria o corredor vazio.
Capítulo trinta e dois
— Gabrielle, o que acontece? O que acontece com Kendra? Veio a galeria e me há dito que tinha tido um acidente e que tinha que ir com ela imediatamente. Por que me mentiu?
Gabrielle não sabia o que responder as perguntas que Jamie, ansioso, sussurrava-lhe do assento traseiro do Sedam. Afastavam-se a toda velocidade do Beacon Hill em direção ao centro da cidade. Os arranha-céu do distrito financeiro se abatiam sobre eles na escuridão e as luzes dos escritórios piscavam como luzes natalinas. Kendra estava sentada no assento dianteiro ao lado do condutor, um gorila de pescoço largo embelezado de negro como um valentão e com óculos escuros.
Gabrielle e Jamie tinham a um companheiro similar detrás que os encurralava a um lado do brilhante assento de pele. Gabrielle não acreditava que fosse um renegado, não parecia que escondessem umas presas enormes detrás desses lábios tensos, e pelo pouco que sabia dos mortais inimigos da raça, não acreditava que nem ela nem Jamie tivessem demorado nem um minuto em ter as gargantas abertas se esses dois homens tivessem sido de verdade uns renegados viciados no sangue.
Serventes então, deduziu. Escravos humanos de um poderoso senhor vampiro.
Igual a Kendra.
—O que vão fazer conosco, Gabby?
—Não estou segura. —Alargou o braço e lhe deu um carinhoso apertão na mão. Também falava em voz baixa, mas estava segura de que seus captores estavam escutando cada uma de suas palavras.
— Mas não vai passar nada. Prometo-lhe isso.
O que sim sabia era que tinham que sair desse carro antes de que chegassem ao seu destino. Era a regra de defesa própria mais básica: nunca deixe que lhe levem a uma segunda localização. Porque então se encontrava em campo inimigo.
As oportunidades de sobrevivência passariam de ser escassas a nulas.
Olhou o fechamento de segurança da porta que Jamie tinha a seu lado. Ele observou seus olhos com o cenho franzido e expressão de interrogação. Olhou a ele e logo voltou a olhar o fechamento. Então ele o entendeu e lhe dirigiu um assentimento de cabeça quase imperceptível.
Mas quando se dispunha a colocar as mãos na posição adequada para abrir o fechamento, Kendra se deu a volta e lhes provocou:
—Quase chegamos, meninos. Estão excitados? Eu sim que o estou. Não posso esperar a que meu senhor por fim te conheça em pessoa, Gabby. Mmm! Te vai comer imediatamente.
Jamie se inclinou para diante e quase cuspiu veneno:
—Te aparte, puta mentirosa!
—Jamie, não! —Gabrielle tentou lhe reter, aterrada ante esse inocente instinto de amparo. Ele não tinha nem idéia do que estava fazendo ao irritar a Kendra ou aos outros dois serventes que se encontravam no carro.
Mas ele não ia deixar se controlar. Equilibrou-se para frente:
—Se nos tocarem um cabelo a qualquer dos dois,vou arrancar seus os olhos!
—Jamie, basta, não passa nada —disse Gabrielle, atirando dele para que voltasse a recostar-se no assento.
— Se tranqüilize, por favor! Não vai passar nada.
Kendra não se alterou. Olhou a ambos e deixou escapar uma risada repentina e estremecedora:
—Ah, Jamie. Sempre foste o pequeno e fiel terrier da Gabby. Au au! Au au! É patético.
Muito devagar e evidentemente satisfeita consigo mesma, Kendra se voltou a sentar de forma correta no assento lhes dando as costas.
—Detenha no semáforo —lhe disse ao condutor.
Gabrielle deixou escapar um tremente suspiro de alívio e se recostou outra vez no respaldo de fria pele. Jamie estava esquecido contra a porta, zangado. Quando os olhares de ambos se encontraram, ele se apartou um pouco a um lado e lhe permitiu ver que a porta agora não estava fechada.
O coração de Gabrielle deu um tombo ante essa ingenuidade e esse valor. Quase não pôde dissimular o sorriso enquanto o veículo reduzia a velocidade ante o semáforo, a uns metros diante deles. Estava em vermelho, a julgar pela fila de carros que se encontravam detidos diante dele, ia trocar para verde em qualquer momento.
Esta era a única oportunidade que tinham.
Gabrielle olhou a Jamie e se deu conta de que ele tinha compreendido o plano perfeitamente.
Gabrielle esperou, observando o semáforo; dez segundos que pareceram horas. A luz vermelha piscou e ficou verde. Os carros começaram a avançar diante deles. Assim que o Sedam começou a acelerar, Jamie levou a mão ao ponteiro da porta e a abriu.
O ar fresco da noite entrou no veículo e os dois se atiraram de cabeça para a liberdade. Jamie deu contra o pavimento e imediatamente alargou a mão para ajudar a Gabrielle a escapar.
—Detenham! —chiou Kendra.
— Não deixem que escape!
Uma pesada mão caiu sobre o ombro de Gabrielle e atirou dela para o interior do carro fazendo que se estrelasse contra o enorme corpo do servente. Os braços deste a rodearam, apanhando-a como barras de ferro.
—Gabby! —chiou Jamie.
Gabrielle emitiu um soluço desesperado.
—Vai daqui! Vai, Jamie!
—Acelera, idiota! —gritou-lhe Kendra ao condutor ao ver que Jamie se dispunha a agarrar-se ao ponteiro da porta para voltar pela Gabrielle. O motor rugiu, os pneumáticos chiaram e o carro se uniu ao tráfico.
—O que fazemos com ele?
—Deixe-lhe —ordenou Kendra em tom cortante. Dirigiu- um sorriso a Gabrielle, que se debatia em vão no assento traseiro.
— Já serviu ao nosso propósito.
O servente sujeitou a Gabrielle com força até que Kendra ordenou que o carro se detivera diante de um elegante edifício de escritórios. Desceram do carro e obrigaram a Gabrielle a caminhar para a porta de entrada. Kendra falava com alguém através do telefone celular e parecia ronronar de satisfação.
—Sim, temo-la. Agora vamos subir.
Guardou-se o telefone no bolso e lhes conduziu através de um vestibulo de mármore vazio até a zona de elevadores. Quando entraram em um deles, apertou o botão do apartamento de cobertura.
Gabrielle recordou imediatamente a mostra privada de suas fotos. Ao fim o elevador se deteve no piso superior e as portas de espelho se abriram; nesse momento Gabrielle teve a horrível certeza de que seu anônimo comprador ia dar-se a conhecer.
O servente que a tinha estado sujeitando a empurrou para que entrasse na suíte, fazendo-a tropeçar. Ao cabo de uns segundos, o medo de Gabrielle se fez maior.
Diante da parede de cristais se encontrava em pé uma alta figura de cabelo negro vestida com um comprido abrigo negro e óculos de sol. Era igual de corpulento que os guerreiros e dele emanava o mesmo ar de confiança. A mesma ameaça fria.
—Adiante —lhes disse em um tom grave que trovejou como uma tormenta.
— Gabrielle Maxwell, é um prazer conhecê-la por fim. Ouvi falar muito de você.
Kendra se colocou a seu lado e lhe deu uns tapinhas com expressão de adoração.
—Suponho que me trouxe aqui por alguma razão —disse Gabrielle, tentando não sentir pena por ter perdido a Kendra nem ter medo desse perigoso ser que tinha convertido a Kendra no que era.
—Converti-me em um grande admirador de seu trabalho. —Sorriu-lhe sem mostrar os dentes e com uma mão apartou sem contemplações a Kendra.
— Você fez umas fotos interessantes, senhorita Maxwell. Por desgraça, tem que deixar de fazer. Não é bom para meus negócios.
Gabrielle tentou agüentar o olhar tranqüilo e ameaçador que, sabia, estava-lhe dirigindo detrás dos óculos.
—Quais são seus negócios? Quero dizer, além de exercer de sanguessuga chupador de sangue.
Ele riu.
—Dominar o mundo, é obvio. Acredita que há algo mais pelo que valha a pena lutar?
—Posso pensar em umas quantas coisas.
Uma sobrancelha escura se arqueou por cima da arreios desses óculos.
—OH, senhorita Maxwell, se se referir ao amor ou a amizade, terei que dar por terminado este agradável e breve encontro agora mesmo.
—Juntou os dedos das mãos e os anéis que levava brilharam sob a tênue luz da habitação. A Gabrielle não gostava da maneira em que ele a estava olhando, como avaliando-a. O vampiro se inclinou para frente com as fossas nasais dilatadas.
— Aproxime-se.
Ao ver que ela não se movia, o corpulento servente que se encontrava a suas costas a empurrou para frente. Gabrielle se deteve um metro de distância do vampiro.
—Tem você um aroma delicioso —disse em um lento vaio.
— Cheira como uma flor, mas há algo... mais. Alguém se alimentou de você recentemente. Um guerreiro? Não se incomode em negá-lo, posso cheirá-lo em seu corpo.
Antes de que Gabrielle pudesse dar-se conta, ele a sujeitou pelo pulso e a atraiu para si de um puxão. Com mãos arrudas, fez-lhe inclinar a cabeça e lhe apartou o cabelo que escondia a mordida de Lucan e a marca que tinha debaixo da orelha esquerda.
—Uma companheira de raça —grunhiu, lhe passando os dedos pela pele do pescoço.
— E recentemente reclamada como tal. Faz de você mais inteiressante a cada segundo que passa, Gabrielle.
Não gostou do tom íntimo que empregou ao pronunciar seu nome.
—Quem a mordeu, companheira? A qual desses guerreiros o permitiu colocar-se entre essas largas e formosas pernas?
—Vá-se ao inferno —respondeu ela, apertando as mandíbulas.
—Não me vai dizer isso? —Fez estalar a língua e meneou a cabeça.
— De acordo. Poderemo-lo averiguar muito em breve.
Podemos fazer que venha. Finalmente, ele se separou dela e fez um sinal a um dos serventes estavam vigiando.
—Levem ao telhado.
Gabrielle se debateu contra seu captor, que a aferrava com ímpeto, mas não podia vencer a força desse bruto. Obrigaram-na a dirigir-se para uma porta sobre a qual havia o pôster vermelho de saída e uma placa em que se lia acesso ao heliporto.
—Um momento! E eu? —queixou-se Kendra da suíte.
—Ah, sim. Enfermeira K. Delaney —disse seu senhor escuro, como se acabasse de lembrar-se dela—. Quando nos tivermos ido, quero que saia ao telhado. Sei que a vista dele te parecerá espetacular. Desfruta-a durante um momento... e logo salta ao vazio.
Ela olhou, piscando aturdida. Logo baixou a cabeça, mostrando que estava sob seu domínio.
—Kendra! —gritou Gabrielle, desesperada por chegar até sua amiga.
— Kendra, não o faça!
O vampiro do casaco negro e os óculos escuros passou ao seu lado sem mostrar nenhuma preocupação.
—Vamos. Terminei aqui.
Uma vez colocado o último cartucho de C4 em seu lugar ao extremo norte do psiquiátrico, Lucan se abriu passo por um condutor de ventilação que conduzia ao exterior. Tirou o ralo e se içou até o exterior. Rodou por cima da grama, que rangeu sob seu corpo; logo ficou em pé e começou a correr em direção a cerca que rodeava o terreno, sentindo o ar fresco na boca.
—Niko, Como vamos?
—Vamos bem. Tegan está voltando e Gideon vem detrás de ti.
—Excelente.
—Tenho o dedo no detonador —disse Nikolai. Sua voz quase resultava inaudível pelo ruído de um helicóptero que alagava a zona.
— Dá a ordem, Lucan. Morro por fazer voar a estes chupões.
—Eu também —repôs Lucan. Olhou o céu noturno com o cenho franzido, procurando o helicóptero.
— Temos visita, Niko. Parece que um helicóptero se dirige diretamente ao psiquiátrico.
Assim que o houve dito, viu a escura silhueta do helicóptero em cima da fileira de árvores. Umas pequenas luzes piscaram no veículo enquanto este girava para o telhado do recinto e iniciava a descida.
O constante movimento da hélice levantou uma forte brisa e Lucan cheirou o aroma dos pinheiros e do pólen... e de outro perfume que lhe acelerou o pulso.
—OH, Jesus —exclamou assim que reconheceu o aroma de jasmim.
— Não toque o detonador, Niko! Por Deus, seja como for, não permita que este maldito edifício voe pelos ares!
Capítulo trinta e três
Uma mescla volátil de adrenalina e fúria, além de um medo que o cobria até os ossos, fez saltar a Lucan ao telhado do velho psiquiátrico. O helicóptero acabava de posar-se nos trilhos de aterrissagem e Lucan se precipitou para ele da beirada do edifício. O corpo tremia por causa de uma fúria mais explosiva e instável que um caminhão carregado de C4. Tinha toda a intenção de lhe arrancar as pernas a quem estivesse retendo Gabrielle.
Com a arma na mão, Lucan se aproximou do helicóptero por detrás, com cuidado de que não lhe vissem, e deu a volta pela cauda para acercar-se ao lado dos passageiros da cabine de mando.
Viu Gabrielle dentro do helicóptero, no assento traseiro, ao lado de um enorme macho que ia vestido de negro e que levava uns óculos escuros. Parecia tão pequena, a via tão aterrorizada. Seu aroma lhe banhou por inteiro. E seu medo lhe destroçou o coração.
Lucan abriu de um puxão a porta da cabine e colocou a arma diante do rosto do captor do Gabrielle enquanto sujeitava a ela com a mão que ficava livre. Mas atiraram de Gabrielle para trás antes de que ele pudesse sair com ela.
—Lucan? —exclamou Gabrielle com os olhos exagerados por causa da surpresa.
— OH, Meu deus, Lucan!
Ele realizou um rápido exame visual da situação e viu o servente que pilotava o avião e a um humano escravo que se encontrava ao seu lado, diante. O servente do assento do co-piloto se deu a volta com intenção de lhe dar um golpe no braço, mas recebeu uma bala na cabeça.
No momento em que Lucan voltou a dirigir o olhar para a Gabrielle, ao cabo de um instante, se encontrava com uma faca na garganta. Por debaixo da manga do comprido abrigo lhe assomavam os dermoglifos que Lucan tinha visto nas fotos da Costa Oeste.
— Solte disse o líder de primeira geração dos renegados.
—Vá, vá, foi uma resposta mais rápida do que houvesse imaginado, inclusive para um guerreiro com vínculo de sangue. O que pretende? Por que está aqui?
O arrogante tom de voz lhe desconcertou.
Conhecia esse bode?
—Solta-a —disse Lucan—, E te mostrarei por que estou aqui.
—Parece-me que não. —O vampiro de primeira geração lhe sorriu ampliamente, lhe mostando os dentes.
Não tinha presas. Era um vampiro, mas não era um renegado.
Que diabos?
—É encantadora, Lucan. Esperava que fosse tua.
Deus, conhecia essa voz. Ouvia-a como procedente de algum lugar muito profundo, enterrado em sua memória.
Do passado longínquo.
Um nome lhe formou na mente, cortante como o fio de uma espada.
Não, não era possível que fosse ele.
Impossível...
Concentrou-se para sair dessa confusão momentânea, mas esse breve momento de perda de concentração lhe custou caro. Desde um dos lados, um par de renegados tinha subido ao telhado do interior do psiquiátrico lhe aproximava com sigilo. Com um gruido, levantou a porta do helicóptero e golpeou com o canto da mesma a Lucan na cabeça.
— Lucan! — chiou Gabrielle.
— Não!
Lucan estremeceu e uma das pernas lhe falhou. A arma caiu da mão e escorregou pelo chão do telhado uns quantos metros, ficando fora de seu alcance.
O renegado lhe deu um murro na mandíbula com o enorme punho. Ao cabo de um segundo, um golpe brutal lhe destroçou as costelas. Lucan caiu ao chão, mas fez um giro e com o pé embainhado na bota fez cair ao renegado ao chão. Precipitou-se sobre ele enquanto tirava a faca que tinha embainhado no torso.
A uns metros de ambos, a hélice do helicóptero começou a girar. O piloto se preparava para levantar outra vez.
Não podia permiti-lo.
Se permitia que Gabrielle se fosse desse coberto, não ficaria nenhuma esperança de voltar a vê-la viva nunca mais.
—Nos tire daqui —ordenou o captor de Gabrielle ao piloto enquanto as hélices do helicóptero giravam cada vez mais depressa.
Fora, arrastando-se pelo telhado, Lucan lutava contra o renegado que lhe tinha atacado. Apesar da escuridão, Gabrielle viu que outro mais se aproximava da porta de entrada ao telhado.
—OH, não —exclamou, quase sem respiração e sem poder mover-se por causa do cortante fio de aço que lhe cravava na pele da garganta.
O enorme macho se inclinou por diante dela para olhar o que estava acontecendo no telhado. Lucan havia tornado a ficar em pé e lhe abriu o ventre ao primeiro dos renegados que lhe tinha atacado. O grito deste foi audível inclusive apesar do forte ruído da hélice do helicóptero. Seu corpo começou a convulsionar-se, a ter espasmos... A desintegrar-se.
Lucan girou a cabeça para o helicóptero. Tinha os olhos cheios de furia, brilhavam-lhe como duas pedras de âmbar acesas com o fogo do inferno. Precipitou-se para diante, rugindo, carregando com os ombros contra o veículo como um trem de carga.
—Nos tire daqui agora mesmo! —gritou o macho que estava ao lado de Gabrielle, pela primeira vez em tom preocupado.
— Agora mesmo, porra!
O helicóptero começou a levantar-se.
Gabrielle tentou apartar da faca apertando-se contra o respaldo do pequeno assento traseiro. Se pudesse encontrar a maneira de lhe apartar o braço, possivelmente pudesse alcançar a porta da cabine...
O helicóptero sofreu uma sacudida repentina, como se tivessem se chocado contra alguma parte do edifício. O motor pareceu gemer, esforçado.
O captor do Gabrielle estava furioso já.
—Desapega, idiota!
—Estou-o tentando, senhor! —disse o servente que se encontrava ante os mandos. Levantou uma alavanca e o motor protestou com um terrível grunhido.
Houve outra sacudida, como se atirassem do aparelho para baixo, e todo o interior tremeu. A cabine se inclinou por volta da frente e o captor do Gabrielle perdeu o equilíbrio no assento e deixou de lhe emprestar atenção durante um momento.
A faca se separou de sua garganta.
Com uma repentina decisão, Gabrielle se lançou para trás e lhe deu um pontapé com as duas pernas que lhe fez cair contra o respaldo do assento do piloto. O veículo se precipitou para frente e Gabrielle trabalhou em excesso por alcançar a porta da cabine.
Esta se abriu de tudo e ficou aberta, pendurando das dobradiças, depois do helicóptero tremia e se balançava. Seu captor se estava recompondo e estava a ponto de alcançá-la outra vez. Por causa do caos tinham caido os óculos de sol. Olhou-a com um gelado olhos cinzas cheios de malignidade.
—Diga a Lucan que isto não terminou nem muito menos — ordenou o líder dos renegados, pronunciando as palavras em um assobio e olhando-a com um sorriso diabólico.
—Vai para o inferno —respondeu Gabrielle. Nesse mesmo instante, lançou-se para a porta aberta e se deixou cair ao chão do telhado.
Assim que a viu, Lucan soltou o trilho de aterrissagem do helicóptero. O veiculo se elevou repentinamente e começou a dar voltas sobre si mesmo descontrolado enquanto o piloto se esforçava por dominá-lo.
Correu ao lado de Gabrielle e a ajudou a ficar em pé. Passou-lhe as mãos por todo o corpo para assegurar-se de que estava inteira.
—Está bem?
Ela assentiu com a cabeça.
—Lucan, detrás de ti!
No telhado, outro dos renegados se dirigia para eles. Lucan enfrentou a esse desafio com agrado, agora que Gabrielle estava com ele; todos os músculos de seu corpo se dispuseram a dar morte. Tirou outra faca e se aproximou da ameaça.
A luta foi selvagem e rápida. Lucan e o renegado se enfrentaram em um mortal combate corpo a corpo com os punhos e os fios das armas brancas. Lucan recebeu mais de um golpe, mas era imparável. O sangue de Gabrielle ainda tinha um efeito forte nele, e lhe dava uma fúria que lhe tivesse permitido enfrentar-se com dez competidores de uma vez. Lutou com uma força e uma eficiência letal, e acabou com o renegado com um corte vertical que lhe atravessou o corpo.
Lucan não esperou a ver o efeito do titânio. Deu-se a volta e correu para Gabrielle. Assim que chegou, quão único pôde fazer foi toma-la entre os braços e abraçá-la com força. Pôde ficar assim toda a noite, sentindo como lhe pulsava o coração e acariciando a pele suave.
Levantou-lhe a cabeça e lhe estampou um beijo forte e tenro nos lábios.
—Temos que sair daqui, carinho. Agora mesmo.
Sobre suas cabeças, o helicóptero continuava subindo.
O vampiro de primeira geração que tinha capturado a Gabrielle olhou para baixo desde atrás do cristal da cabine e dirigiu uma vaga saudação à Lucan, sorrindo enquanto o veículo subia no céu noturno.
—OH, Deus, Lucan! Estava tão assustada. Se tivesse acontecido algo...
O sussurro de Gabrielle lhe fez esquecer completamente a seu inimigo que escapava. A única coisa que lhe importava era que ela era capaz de lhe falar. Que respirava. Gabrielle estava com ele, e esperava que pudesse continuar estando ao seu lado.
—Como demônios lhe capturaram? —perguntou-lhe com voz tremente e tom urgente a causa do medo que havia sentido.
—Depois de que você partiu do complexo esta noite, precisava ir e pensar. Fui para casa. Kendra apareceu. Tinha a Jamie como refém em um carro que se encontrava fora. Não podia deixar que lhe fizessem mal. Kendra é, era, uma servente, Lucan. Mataram-na. Minha amiga está morta.
—Gabrielle soluçou de repente.
— Mas pelo menos Jamie escapou. Agora está em algum lugar do centro da cidade, provavelmente aterrorizado. Tenho que lhe encontrar e lhe dizer que tudo está bem.
Lucan ouviu o som grave do helicóptero que continuava subindo por cima de suas cabeças. Além disso, tinha que fazer a Niko o sinal de que voasse esse lugar antes de que os renegados tivessem a oportunidade de escapar.
—Vamos daqui, e logo me encarregarei do resto.
Lucan tomou a Gabrielle pelos braços.
—Segura em mim, carinho. Com toda a força que possa.
—De acordo. — pendurou-se os braços ao redor do pescoço.
Ele voltou a beijá-la, aliviado de tê-la entre os braços.
—Não te solte em nenhum momento — disse-lhe, olhando os olhos brilhantes e formosos de sua companheira de raça.
Então se colocou na beirada do edifício e se deixou cair com ela em seus braços, com toda a suavidade de que foi capaz, até o chão.
—Lucan, me diga algo, cara! —chamou-lhe Nikolai pelo auricular.
— Onde está? Que merda está acontecendo aí?
—Tudo vai bem —respondeu ele, enquanto levava a Gabrielle pelo escuro terreno coberto de grama da propriedade em direção ao ponto onde se encontrava o veículo de vigilância esperando.
— Agora tudo está bem. Apura o detonador e acabemos com isto.
Gabrielle estava encolhida sob o forte braço de Lucan quando o veículo de vigilância subia pela rua que conduzia ao terreno do complexo. Ele a tinha obstinado ao seu lado desde que escaparam da zona do psiquiátrico e lhe havia coberto os olhos enquanto todo o complexo de edificios voava pelos ares como uma infernal bola de fogo.
Lucan e seus irmãos tinham conseguido: tinham acabado com o quartel general dos renegados com um incrível golpe. O helicóptero tinha conseguido escapar a explosão e se desvaneceu no céu, envolto na fumaça negra e escondida no céu da noite.
Lucan estava pensativo: olhava para fora dos cristais escuros dos guichês para cima, para a abóbada de estrelas. Gabrielle tinha visto sua expressão de surpresa, de incredulidade e de atordoamento, quando se encontrava no telhado e abriu a porta da cabine de comando do helicóptero.
Foi como se tivesse visto um fantasma.
Inclusive nesse momento, Lucan continuava com esse estado de ânimo, enquanto entravam no terreno e Nikolai conduzia em direção à garagem. O guerreiro deteve o carro uma vez que estiveram dentro da enorme garagem. Quando desligou o motor, Lucan falou por fim.
—Esta noite conseguimos uma importante vitória contra nossos inimigos.
—Porra , sim —assentiu Nikolai.
— E vingamos a Conlan e a Rio. Teria-lhes encantado estar ali para ver voar esse lugar.
Lucan assentiu na escuridão do veículo.
—Mas não nos equivoquemos. Estamos entrando em uma nova fase do conflito com os renegados. Agora é a guerra, mais que nunca. Esta noite agitamos o ninho de vespas. Mas ao que necessitávamos capturar, seu líder, continua vivo.
— Deixemos que corra. Já lhe apanharemos —disse Dante, com expressão de confiança.
Mas Lucan negou com gesto sério.
—Este é distinto. Não nos porá isso fácil. Antecipará-se a nossos movimentos. Compreende nossas táticas. A Ordem vai ter que fortalecer as estratégias e aumentar o número de seus guerreiros. Temos que organizar alguns quadros mais que ainda estão dispersados pelo mundo, conseguir mais guerreiros, quanto antes melhor.
Gideon se deu a volta no assento dianteiro.
—Crê que é o vampiro de primeira geração da Costa Oeste quem está à frente dos renegados?
—Estou seguro —repôs Lucan.
Estava no helicóptero, no telhado, esta noite, onde tinha a Gabrielle. —Acariciou-lhe o braço com um afeto tenro, e fez uma pausa para olhá-la, como se sua só visão lhe tranqüilizasse de algum jeito.
— E esse bode não é um renegado: não agora, se é que o foi em algum momento. Uma vez foi um guerreiro, como nós. chama-se Marek.
Gabrielle sentiu uma quebra de onda de frieza que procedia da terceira fila de assentos do veículo de vigilância e soube que Tegan estava olhando a Lucan.
Lucan sabia também. Girou a cabeça para olhar ao outro guerreiro aos olhos.
—Marek é meu irmão.
Capítulo trinta e quatro
A carga da revelação de Lucan ainda lhes pesava enquanto saíam do veículo e subiam ao elevador do hangar para baixar ao complexo. Seu amado, Gabrielle entrelaçou os dedos da mão com os dele enquanto baixavam. Sentia o coração comocionado e cheio de compaixão; ele a olhou e ela soube que ele percebia a preocupação em seus olhos.
Gabrielle observou que seus irmãos guerreiros também tinham expressões de preocupação similares nos olhos e que, silenciosamente, haviam dado conta do significado do que tinham descoberto essa noite.
Chegaria o momento em que Lucan teria que enfrentar-se com a necessidade de matar a seu próprio irmão.
Ou de que seu irmão matasse a ele.
Gabrielle ainda não tinha conseguido aceitar a frieza desse fato no momento em que as portas do elevador se abriram e se encontraram ante o Savannah e Danika, que tinham estado esperando com ansiedade a volta dos guerreiros. Houve bem-vindas cheias de alívio, muitas pergunta sobre o resultado da missão dessa noite, assim como de por que Gabrielle partiu do complexo sem dizer nenhuma palavra a ninguém. Gabrielle estava muito cansada para responder, demasiado esgotada depois dessa terrível experiência para tentar sequer expressar o que sentia.
Mas sabia que logo teria que oferecer algumas respostas, a Lucan ao menos.
Os guerreiros se afastaram em meio de uma discussão sobre táticas e novas estratégias de batalha contra os renegados. Savannah e Danika empurraram imediatamente a Gabrielle em direção contrária, que se mostraram preocupadas com seus vários arranhões e contusões e insistiram em que comesse e se desse um comprido banho quente.
Gabrielle concordou a contra gosto, mas nem sequer as incríveis habilidades culinárias de Savannah nem o fragrante vapor do banho que lhe prepararam logo conseguiram relaxá-la.
A mente não parava de lhe dar voltas em relação a Lucan, Jamie e tudo o que tinha acontecido essa noite. Devia a vida a Lucan. Amava-lhe mais que a nenhuma outra coisa e sempre lhe estaria agradecida por havê-la resgatado, mas isso não trocava o que sentia a respeito de como foram as coisas entre ambos. Não podia permanecer no complexo dessa forma. E não importava o que lhe dissesse, não tinha intenção de ir a nenhum dos Refúgios Escuros.
Então, que possibilidade ficava? Tampouco podia voltar para seu apartamento. Sua velha vida já não era possível. Voltar para ela significaria que teria que negar tudo o que tinha experimentado com Lucan durante essas últimas semanas e esforçar-se por lhe esquecer. Teria que negar tudo o que agora sabia sobre si mesmo, e sobre sua conexão com a raça.
A verdade era que não sabia qual era seu lugar agora. Não sabia por onde começar a procurar, mas depois de dar voltas pelo labirinto de do complexo, Gabrielle se encontrou em pé ante a porta das habitações privadas de Lucan.
A porta que dava à habitação principal estava aberta e uma suave luz saía de dentro. Gabrielle a empurrou e entrou.
A luz de umas velas iluminava o dormitório adjacente. dirigiu-se para essa luz ambiental até que esteve na porta de entrada e parou ali, maravilhada do que viu. O austero dormitório de Lucan se havia convertido em um pouco saído de um sonho. Havia um castiçal de intrincada prata em cada esquina. A cama estava coberta por um cobertor de seda vermelho. No chão, diante da chaminé, havia um montão de almofadas e sedas carmesins. Era tão romântico, tão acolhedor.
Era uma habitação pensada para fazer o amor.
Deu um passo para o interior da habitação. A suas costas, a porta se fechou brandamente sozinha.
Não, não de tudo sozinha. Lucan estava ali, em pé, ao outro extremo da habitação e a estava observando. Tinha o cabelo molhado pela ducha. Levava uma bata solta de cetim vermelho que lhe caía até os tornozelos , e tinha um olhar quente nos olhos que se fundia no Gabrielle.
—Para você —lhe disse, assinalando o romântico ambiente.
— Para nós, esta noite. Quero que as coisas sejam especiais para você.
Gabrielle se sentiu comovida, e imediatamente excitada ao lhe ver, porem não podia suportar fazer amor depois de como tinham ficado as coisas entre eles.
—Quando fui esta noite, não pensava voltar —lhe disse de uma distância segura. Se aproximava mais, não acreditava que tivesse a força de lhe dizer o que tinha que dizer-lhe.
— Não posso voltar a fazer isto, Lucan. Necessito coisas de você que você não pode me dar.
—Me diga quais. —Foi uma ordem suave, mas uma ordem. Ele se aproximou dela com passos cautelosos, como se notasse que ela podia lhe rechaçar em qualquer momento.
— Me diga o que necessita.
Ela negou com a cabeça.
—Do que serviria?
Uns quantos passos lentos mais. Deteve-se um metro de distância dela.
—Eu gostaria de sabê-lo. Tenho curiosidade do que me custaria convencer-te de que fique comigo.
—Para passar a noite? —perguntou ela em voz baixa, odiando a si mesmo por quanto precisava sentir os braços dele ao redor de seu corpo depois de tudo o que lhe tinha acontecido durante essas últimas horas.
—Quero-te, e estou disposto a te oferecer algo, Gabrielle. Assim me diga o que é o que necessita.
—Sua confiança —lhe disse ela, pedindo uma coisa que sabia que se encontrava fora de seu alcance.
— Não posso... fazer isto mais, se você não confia em mim.
—Eu confio em ti — disse ele, com tanta solenidade que ela acreditou.
— Você é a única que me conheceu de verdade, Gabrielle. Não te posso ocultar nada. Viu-o tudo: o pior, certamente. Eu gostaria de ter a oportunidade de te mostrar a parte boa que há em mim. —aproximou-se um pouco mais. Ela notava o calor que emanava de seu corpo. Notava seu desejo.
— Quero que se sinta tão segura comigo como eu me senti contigo. Assim que a pergunta é: pode confiar em mim, agora que sabe tudo a respeito de mim?
—Sempre confiei em ti, Lucan. Sempre o farei. Mas não é isso...
—Pois o que, então? —perguntou ele, interrompendo sua rápida negativa.
—Diga-me que mais posso te dar para fazer que fique.
—Isto não vai funcionar —disse ela, retrocedendo um pouco.
— Não posso ficar. Não desta maneira. Não agora que meu amigo Jamie...
—Está a salvo. —Ao ver que lhe olhava com expressão de confusão, acrescentou—: Mandei a Dante ao exterior assim que chegamos para que fosse lhe buscar. Faz uns minutos que retornou e me informou que achou seu amigo em uma delegacia de polícia do centro da cidade e o levou a casa.
Gabrielle sentiu que o alívio a embargava, mas imediatamente a preocupação o substituiu.
—O que lhe disse Sante? Apagou-lhe a memória?
Lucan negou com a cabeça.
—Pensei que não era justo que eu tomasse esta decisão por ti. Dante simplesmente disse que você também estava a salvo e que lhe poriam em contato com ele muito em breve para lhe explicar tudo. O que ditas lhe contar ao seu amigo é tua coisa. Vê-o? Confiança, Gabrielle.
—Obrigado —murmurou ela, sentindo-se reconfortada pela consideração.
— Obrigado por me haver ajudado esta noite. Salvaste-me a vida.
—Então, por que me tem medo agora?
—Não te tenho medo —repôs, mas estava se separando dele, quase sem dar-se conta disso, mas a cama, que tinha detrás, bloqueou-lhe a escapatória. Em um instante ele esteve diante dela.
—Que mais quer de mim, Gabrielle?
—Nada —disse ela, quase em um sussurro.
—Nada absolutamente? —perguntou ele em tom grave e exigente.
—Por favor, não me faça desejar ficar esta noite quando amanhã vais desejar que vá. Deixa que vá agora, Lucan.
—Não posso fazer isso. —Tomou uma mão e a levou aos lábios. Gabrielle sentiu a calidez e a suavidade de seus lábios nos dedos e sentiu que era presa de um encantamento que somente ele podia lhe fazer. Ele levou a mão dela contra o peito, apertando a palma contra o mesmo, sobre o batimento de seu coração contra as costelas.
— Não poderei te deixar partir nunca, Gabrielle. Porque o queira ou não, tem meu coração. Tem meu amor, também. Se o aceitar.
Ela tragou saliva com dificuldade.
—O quê?
—Amo-te. —Pronunciou as palavras em voz baixa e com sinceridade, como uma carícia que ela sentiu no mais profundo do coração:
— Gabrielle Maxwell, amo-te mais que a vida. Estive sozinho durante muito tempo, e não soube me dar conta até que quase foi muito tarde. —Deixou de falar e a olhou aos olhos com intensidade.
— Não é... muito tarde, verdade?
Ele a amava.
Uma alegria, pura e brilhante, encheu-a para ouvir essas palavras do lábio de Lucan.
—Volta a dizê-lo —sussurrou ela, com a necessidade de saber que esse momento era real, que isso ia durar.
—Amo-te, Gabrielle. Até o último fôlego de vida que tenho. Amo-te.
—Lucan. —Pronunciou seu nome com um suspiro, com lágrimas nos olhos que lhe derramavam pelas bochechas.
Ele a tomou entre os braços e lhe deu um beijo comprido, profundo e apaixonado que fez que a cabeça desse voltas e o coração queria levantar o vôo. Sentia o sangue como fogo nas veias.
—Você merece a alguém muito melhor que eu —lhe disse com um tom de voz e expressão reverente.
— Conhece meus demônios. Pode me amar... aceitará-me... Apesar de conhecer minhas debilidades?
Tomou o rosto com a mão e olhou, lhe expressando com os olhos todo o amor que sentia.
—Você nunca foste débil, Lucan. E te amarei seja como for. Juntos podemos superar tudo.
—Você me faz acreditar nisso. Deste-me esperança. —Com um gesto amoroso, acariciou-lhe o braço, o ombro, a bochecha. Percorreu-lhe o rosto com o olhar enquanto o acariciava com a mão.
— Meu Deus, é tão deliciosa. Poderia ter a qualquer macho, da raça ou humano...
—Você é o único a quem quero.
Ele sorriu.
—Que Deus te ajude, mas não o aceitaria se fosse de outra maneira. Nunca desejei de forma tão egoísta como quero a você neste momento. Seja minha, Gabrielle.
—Sou-o.
Ele tragou saliva e baixou os olhos como se de repente se sentisse inseguro.
—Refiro-me para sempre. Não posso aceitar menos que isso. Gabrielle, aceitaria-me como companheiro?
—Para sempre —sussurrou ela, tombando-se de costas na cama e trazendo-o para si.
— Sou tua, Lucan, para sempre.
Voltaram a beijar-se, e esta vez, quando se separaram, Lucan alargou a mão até uma magra adaga de ouro que estava na mesinha ao lado da cama. Aproximou-a de seu rosto. Gabrielle se sobressaltou um pouco ao ver que ele
Levava-se a folha até os lábios.
—Lucan...
Ele a olhava com ternura e seriedade aos olhos.
—Você me deste seu sangue para me curar. Você me fortalece e me protege. Você é a única que quero, e a única que sempre necessitarei.
Nunca lhe tinha ouvido falar com tanta solenidade. As íris de seus olhos começavam a brilhar, a pálida cor cinza se misturava com a cor âmbar e com a profundidade de sua emoção.
—Gabrielle, quer me fazer a honra de aceitar meu sangue para cerrar nosso vínculo?
A voz de Gabrielle foi débil.
—Sim.
Lucan baixou a cabeça e levou a adaga até o lábio inferior. Logo a apartou e a olhou outra vez: seus lábios brilhavam com o escuro sangue vermelho.
—Vêem aqui. Deixa que te ame —lhe disse, unindo seus lábios escarlates com os dela.
Nada a teria podido preparar para o que sentiu ao provar pela primeira vez o doce sangue de Lucan.
Mais intenso que o vinho, instantaneamente embriagador, o sangue dele fluiu por sua língua com toda sua força e seu poder. Sentiu que uma luz a alagava do mais profundo de seu corpo e lhe oferecia uma pista do futuro que a esperava como companheira de Lucan. Encheu-se de felicidade, ficou ruborizada desse calor, e sentiu uma alegria que nunca antes tinha experimentado.
Sentiu desejo, também.
Mais intenso do que o havia sentido nunca.
Gabrielle emitiu um profundo gemido de desejo e empurrou a Lucan no peito para lhe tombar de costas. Tirou a roupa em um instante, subiu em cima dele e lhe montou escarranchada.
O sexo dele se enervava diante dela, grosso e forte como a pedra. Os formosos desenhos de sua pele tinham uma profunda cor púrpura com uma tintura avermelhada e adquiriam um tom mais profundo quando a olhava com desejo. Gabrielle se inclinou para frente e passou a língua pelas linhas sinuosas e intrincadas que lhe cobriam o corpo das coxas até o umbigo e subiam até os músculos do peito e os ombros.
Era dele.
Esse pensamento foi ferozmente possessivo, primitivo. Nunca lhe tinha desejado tanto como nesse momento. Ofegava e estava úmida e desejava lhe montar com força, lhe queimava por dentro.
Deus, era a isto ao que Savannah se referia quando dizia que um vínculo de sangue intensificava o ato amoroso?
Gabrielle olhava a Lucan com uma necessidade puramente carnal, quase sem saber por onde começar com ele. Desejava lhe devorar, lhe adorar, lhe utilizar. Aplacar o incêndio que sentia dentro do corpo.
—Deveria me haver avisado de que me tinha dado um afrodisíaco.
Lucan sorriu.
—E arruinar a surpresa?
—Ria, vampiro. —Gabrielle arqueou uma sobrancelha, tomou seu membro ereto e deslizou a mão por ele até a base com um movimento comprido.
— Me prometeu a eternidade. Vais arrepender- te.
—Ah, sim? —Mas foi mais um gemido estrangulado porque lhe montou e ele começou a mover-se com um rebolado de quadril desenfreado debaixo dela. Com olhos brilhantes, olhou-a e mostrou as presas ao sorrir, uma amostra clara de que desfrutava dessa tortura.
— Companheira, acredito que me vai encantar que o tente.
Capítulo vinte e quatro
As palavras de Lucan —e todas as coisas incríveis que lhe havia dito— ainda lhe ressonavam nos ouvidos enquanto saía debaixo da água da ducha do banho. Fechou o grifo e se secou com a toalha, esperando que a água quente lhe tivesse aliviado parte da dor e a confusão que sentia. Havia muitas coisas com as que devia enfrentar-se, e a menor delas não era o fato de que Lucan não tivesse nenhuma intenção de estar com ela.
Tentou dizer-se a si mesmo que não lhe tinha feito nenhuma promessa, mas isso somente o fazia sentir-se mais tola. Ele nunca lhe tinha pedido que pusesse seu coração aos seus pés; tinha-o feito ela sozinha.
Aproximou-se do espelho que ocupava todo o largo da parede do lavabo e se apartou o cabelo para olhar com atenção a marca de nascimento carmesim que tinha debaixo da orelha esquerda. Melhor dizendo, a marca de companheira de raça, corrigiu-se a si mesmo, enquanto observava a pequena lágrima que parecia cair na terrina da lua crescente.
Por alguma retorcida ironia, essa pequena marca no pescoço a unia ao mundo de Lucan e, apesar disso, era o mesmo que lhe impedia de estar com ele.
Possivelmente ela representava uma complicação que ele não queria ou não necesitava, mas o fato de haver-se encontrado com ele tampouco tinha feito que sua vida fora uma festa.
Graças a Lucan, ela se tinha metido em uma sangrenta guerra que havia parecer com os violadores em grupo uns fanfarrões de pátio. Ela tinha abandonado um dos melhores apartamentos do Beacon Hill, e ia perde-lo se não voltava e a trabalhar para pagar as faturas. Seus Amigos não tinham nem idéia de onde estava, e dizer-lhe nesse momento poria, provavelmente, suas vidas em perigo.
Para cúmulo de tudo isso, havia-se meio apaixonado por mais escuro e mortífero deles, o homem mais fechado emocionalmente que tinha conhecido.
Que, além disso, resultava ser um vampiro chupador de sangue.
E, que diabos, já que estava sendo sincera consigo mesma, não estava meio apaixonada por Lucan. Estava completa, inteira, perdidamente e sem poder superá-lo na vida apaixonada por ele.
—Bem feito —disse a seu miserável reflexo.
— Malditamente brilhante.
E Apesar de tudo o que lhe havia dito, não havia nada que desejasse mais que ir para lhe buscar ali onde estivesse no complexo e envolver-se com seus braços, o único lugar onde tinha encontrado algum consolo.
Sim, como se precisasse acrescentar a humilhação em público a humilhação íntima com que tentava enfrentar-se nesse momento. Lucan o tinha deixado muito claro: o que pudessem ter tido os dois —se é que houvesse tido verdadeiramente algo que estivesse além do físico—, terminou-se.
Gabrielle voltou para seu dormitório, recuperou sua roupa e seus sapatos e se vestiu depressa, desejosa de estar fora dos aposentos pessoais de Lucan antes de que ele voltasse e ela fizesse alguma coisa verdadeiramente estúpida. Bom, corrigiu-se ao ver os lençóis enrugados por haver feito amor, alguma coisa ainda mais estúpida.
Com a idéia de ir procurar a Savannah e, possivelmente, tentar encontrar um telefone fora do complexo —já que Lucan não o havia parecido adequado lhe devolver o celular— Gabrielle se escapuliu do dormitório. O pesseio resultava confuso, sem dúvida por causa de seu traçado, assim fez uns quantos giros errôneos até que finalmente reconheceu onde se encontrava. Estava perto das instalações de treinamento, a julgar pelo agudo som dos disparos contra os alvos.
afastou-se de uma esquina e se viu detida repentinamente por uma rígida parede coberta de pele e armas que se encontrava em seu caminho.
Gabrielle olhou para cima, e um pouco mais para cima, e se encontrou com uns olhos verdes e desconfiados que a olhavam com uma arrepiante expressão ameaçadora. Esses olhos frios e calculadores se cravaram nela desde detrás de uma cascata de cabelo avermelhado, como um gato que aconchega e valora a sua presa. Gabrielle tragou saliva. Um perigo evidente eemanava do corpo grande desse vampiro e da profundidade de seus olhos de depredador.
«Tegan.»
O nome desse macho desconhecido lhe veio a cabeça, o único dos seis guerreiros do complexo a quem ainda não tinha conhecido.
O mesmo com quem Lucan parecia compartilhar um mútuo e mau dissimuladou desprezo.
O guerreiro vampiro não se separou de seu caminho. Nem sequer reagiu quando ela teve se chocado contra ele, exceto pela ligeira careta que dava com os lábios quando seus olhos encontraram os peitos dela Aplastados contra a superfície de duro músculo justo debaixo do peito. Levava umas doze armas e essa ameaça se via reforçada por uns noventa quilogramas de músculo.
Ela deu um passo para trás e logo se fez a um lado para ficar em um lugar seguro.
—Sinto muito. Não me tinha dado conta de que estava aqui.
Ele não disse nenhuma palavra, mas ela sentiu como se tudo o que lhe estava acontecendo tivesse ficado exposto e visível ante ele em um instante: no instantâneo contato do corpo dela contra o dele. Ele a olhou com uma expressão gelada e desprovida de emoção, como se pudesse ver através dela. Embora não disse nada e não expressou nada, Gabrielle se sentiu diseccionada.
sentiu-se... invadida.
—Perdão —sussurrou.
No momento em que se moveu para passar de comprimento, a voz do Tegan a deteve.
—Né. —Sua voz era mais suave do que tivesse esperado; uma voz profunda, escura e áspera. Contrastava de forma peculiar com a desnudez do olhar, que não se moveu nem um milímetro,
— Faça um favor a você mesma e não te aproxime demasíado de Lucan. Há muitas posibilidades de que esse vampiro não viva muito mais tempo.
Disse-o sem rastro de emoção na voz, foi somente a plana constatação de um fato. O guerreiro passou por seu lado e levantou uma brisa atrás dele impregnada de uma apatia fria e perturbadora que lhe penetrou até os ossos.
Gabrielle se deu a volta para lhe olhar, mas Tegan e sua inquietante predição tinham desaparecido.
Lucan comprovou o peso de uma brilhante nove milímetros com a mão e logo levantou a arma e realizou uma série de disparos contra o alvo que se encontrava ao outro extremo da zona de tiro.
Apesar de que era agradável encontrar-se no terreno conhecido das ferramentas de seu ofício e sentir o sangue fervendo, a ponto para uma briga decente, uma parte dele continuava divagando sobre o encontro com Gabrielle. Apesar de tudo o que havia dito para aparta-la dele, tinha que admitir que se afeiçoou profundamente dela.
Quanto tempo acreditava ser capaz de continuar com ela sem render-se? Ou mais exatamente, como acreditava que seria capaz de suportar a idéia deixa-la partir? De mandá-la longe com a idéia de que ela se emparelharia com outro?
As coisas se estavam pondo indevidamente muito complicadá.
Deixou escapar uma maldição. Disparou outra série de balas e desfrutou com o estrondo do metal quente e com o aroma azedo no peito do alvo ao explodir por causa do impacto.
—O que pensa? —perguntou-lhe Nikolai, lhe olhando com seus olhos frios, limpos e cintilante.
_ Uma peça pequena e doce, não? Endiabradamente sensível, além disso.
—Sim. É agradável. Eu gosto. —Lucan pôs o fecho de segurança e jogou outra olhada a sua pistola.
— Uma Beretta 92FS convertida em automática com carregador. Bom trabalho, tio. Verdadeiramente bom.
Niko sorriu.
—Não te falei que as balas que vão levar os meninos. Hei trocado as pontas ocas de policarbonato das balas. tirei a pólvora das pontas e a substituí por pó de titânio.
—Isso deve provocar um horrível desastre no sistema sangüíneo desses chupões —acrescentou Dê, que se encontrava sentado no bordo de uma vitrine de armas afiando umas facas.
Sem dúvida, o vampiro tinha razão a respeito. Nos velhos tempos, a forma mais limpa de matar a um renegado consistia em separar a cabeça do corpo. Isso funcionava bem quando as espadas eram a arma habitual, mas a tecnologia moderna tinha apresentado novos desafios para ambos os bandos.
Não foi até princípios de 1900 quando a raça descobriu o efeito corrosivo do titânio no sistema sangüíneo sobreactivo dos vampiros renegados. Devido a uma alergia que tinha aumentado por causa de mudanças celulares no sangue, os renegados reagiam ao titânio como um efervescente reage em contato com a água.
Niko tomou a arma de Lucan e lhe deu uns golpezinhos, como se fora um prêmio.
—O que tem aqui é um autêntico destruidor de renegados.
—Quando podemos prová-la?
—Que tal esta noite? —Tegan tinha entrado sem fazer ruído, mas sua voz atravessou a habitação como o rugido de uma tormenta.
—Refere a esse lugar que encontrou perto do porto? —preguntóu Dante.
Tegan assentiu com a cabeça.
—Provavelmente seja uma guarida que albergue possivelmente a uma dúzia de indivíduos, mais ou menos. Acredito que ainda estão verdes, acabam de comverter-se em renegados. Não será muito difícil acabar com eles.
—Faz bastante tempo que não fazemos uma batida para limpar uma casa —comentou Rio, arrastando as palavras e com um amplo sorriso de satisfação.
— Me parece que será uma festa.
Lucan devolveu a arma a Nico e olhou ao outros com o cenho franzido.
—por que diabos me acabo de inteirar disto agora?
Tegan lhe olhou com expressão categórica.
—Tem que te pôr um pouco ao dia, tio. Enquanto você estava encerradou com sua fêmea durante toda a noite, nós estávamos acima fazendo nosso trabalho.
—Isto foi um golpe baixo —disse Rio.
— Inclusive vindo de você, Tegan.
Lucan recebeu o golpe com um silêncio calculado.
—Não, tem razão. Eu deveria ter estado aí acima me ocupando do trabalho. Mas tinha que me encarregar de algumas coisas aqui embaixo. E agora já terminei. Já não vão ser um problema nunca mais.
Tegan lhe dirigiu um sorrizinho de suficiência.
—De verdade? Porque tenho que te dizer que faz uns minutos hei visto a nova companheira de raça na sala e a encontrei bastante inquieta. Parecia que alguém tivesse quebrado o coração dessa pobre garota. Deu-me a sensação de que necessitava que alguém lhe fizesse as coisas mais fáceis.
Lucan respondeu ao vampiro com um furioso e escuro rugido de raiva.
—O que lhe disse? Tocou-a? Se lhe tiver feito algo...
Tegan rio, verdadeiramente divertido.
—Calma, tio. Não faz falta que saia de suas casinhas desta maneira. Sua fêmea não é meu assunto.
—Pois recordem isto —disse Lucan. deu-se a volta para enfrentar-se aos olhares de curiosidade de outros vampiros.
— Ela não é assunto de nenhum de vocês, está claro? Gabrielle Maxwell se encontra sob meu amparo pessoal enquanto esteja neste complexo. Quando tiver ido a um dos Refúgios Escuros, tampouco será meu assunto.
Necessitou um minuto para tranqüilizar-se e não render-se ao impulso de enfrentar-se diretamente com o Tegan. Um dia, provavelmente chegaria a faze-lo . E Lucan não podia culpar por completo a esse macho por sentir rancor. Se Tegan era um bode desumano e mesquinho, Lucan era quem lhe tinha ajudado a ser assim.
—Podemos voltar para o trabalho agora? —disse com um grunhido, desafiando a que ninguém lhe desafiasse.
— Preciso ouvir dados a respeito desse refúgio.
Tegan se lançou a lhe oferecer uma descrição do que tinha observado nesse provável refúgio de renegados e comunicou suas sugestões a respeito de como podiam fazer uma batida nele. Apesar de que a fonte dessa informação chateava um pouco a Lucan, não podia pensar em nenhuma forma melhor de obter que passasse o mau humor que realizando uma ofensiva contra seus inimigos.
Deus sabia que se se encontrava perto de Gabrielle outra vez, todas essas fanfarronadas sobre o dever e de fazer o correto se converteriam em pó. Fazia duas horas que a tinha deixado em seu dormitório e ela todavia era o principal em sua cabeça. A necessidade dela ainda o desgarrava cada vez que pensava em sua cálida e suave pele.
E pensar em como a tinha ferido-lhe fazia sentir um buraco no peito. Ela tinha demonstrado ser uma verdadeira aliada quando lhe havia aberto frente aos demais guerreiros. Lhe tinha acompanhado através desse inferno íntimo a outra noite, tinha estado a seu lado, tão tenra e amorosa como qualquer macho pudesse desejar de sua amada companheira.
Uma idéia perigosa, olhasse-a por onde a olhasse.
Deixou que a discussão a respeito dos renegados continuasse, e esteve de acordo em que tinham que dar o golpe contra esses selvagens no lugar onde viviam em vez de ir para lhes buscar um por um na rua.
—Encontraremo-nos aqui ao pôr-do-sol para nos preparar e sair.
O grupo de guerreiros se dispersou e Tegan saiu a passo lento detrás dele.
Lucan pensou nesse estóico solitário que se sentia tão deploravelmente orgulhoso pelo fato de não necessitar a ninguém. Tegan se mantinha afastado e isolado por vontade própria. Mas nem sempre tinha sido assim. Uma vez tinha sido um menino brilhante, um líder nato. Tivesse podido ser alguém grande... tinha-o sido, na verdade. Mas todo isso trocou no curso de uma noite terrível. A partir desse momento, começou a descer por uma espiral. Tegan tocou fundo e nunca se recuperou.
E apesar de que nunca o tinha admitido ante esse guerreiro Lucan nunca se perdoaria a si mesmo o papel que ele tinha jogado nessa queda.
—Tegan, espera.
O vampiro se deteve com uma reticência evidente. Não se deu a volta, simplesmente ficou em silencio com um gesto de arrogância no corpo esperando a que outros guerreiros saíssem em fila das instalações de treinamento para o corredor. Quando estiveram sozinhos, Lucan se esclareceu garganta e falou com seu irmão de primeira geração.
—Você e eu temos um problema, Tegan.
Ele soltou ar pelo nariz.
—vou avisar aos meios.
—Este assunto entre nós não vai desaparecer. Faz muito tempo, choveu muito após. Se tiver que saldar contas
comigo...
—Esquece-o. É história passada.
—Não é se não podermos enterrá-la.
Tegan soltou uma risada zombadora e, por fim, deu-se a volta para lhe olhar.
—Quer me dizer algo, Lucan?
—Só quero te dizer que começo a compreender o que te custou. O custo que eu te supus. —Lucan meneou a cabeça devagar e se passou uma mão pela cabeça.
— Tegan, tem que saber que se tivesse havido alguma outra forma... Acredito que tudo teria sido distinto.
—Lucan, está tentando te desculpar comigo? —Os olhos verdes do Tegan tinham um olhar tão duro que tivesse podido cortar um cristal.
— Me Evite isto, tio. Chega uns quinhentos anos tarde. E senti-lo não muda uma merda as coisas, não é verdade?
Lucan apertou as mandíbulas com força, assombrado de não tar um verdadeiro zango nesse macho grande em lugar de sua habitual e fria apatia.
Tegan não lhe tinha perdoado. Nem sequer o tinha considerado.
Depois de todo esse tempo, não acreditava provável que o fizesse nunca.
—Não, Tegan. Tem razão. Senti-lo não troca as coisas.
Tegan lhe olhou durante um comprido momento, logo se deu a volta e saiu da habitação.
A música em direto soava desde uns alto-falantes do tamanho de um frigorífico diante do subterrâneo clube privado noturno. .. embora a plavra «música» era um qualificativo generoso para descrever os patéticos e discordantes acordes de violão. Os membros do grupo se moviam como autômatos no cenário, arrastavam as palavras e perdiam o compasso mais vezes das que o seguiam. Em uma palavra, eram horríveis.
Mas como se podia esperar que uns seres humanos atuassem com alguma competência ao encontrar-se diante de uma multidão de sedentos vampiros?
Protegido por uns óculos escuros, o líder dos renegados entrecerró os olhos e franziu o cenho. Já tinha uma horrorosa dor de cabeça ao chegar, fazia muito pouco momento, mas agora sentia as têmporas como se estivessem a ponto de lhe estalar. Recostou-se contra as almofadas em seu reservado, aburrido dessas festas sangrentas. Com um leve gesto da mão fez que uns de seus guardas se aproximasse dele. Logo fez um gesto de desprezo em direção ao cenário.
—Que alguém lhes alivie de seu sofrimento. Por não falar do meu.
O vigilante assentiu com a cabeça e respondeu com um vaio. Fez uma careta que descobriu umas presas enormes que se sobressaíam de seu boca, que já salivava ante a possibilidade de outra massacre. O renegado saiu a passo rápido para cumprir as ordens.
—Bom cão —murmurou seu poderoso amo.
Nesse momento soou seu telefone celular e se alegrou de ter a oportunidad de sair a respirar um pouco o ar. No cenário havia começado um novo barulho e a banda de música calou sob o repentino ataque de um grupo de renegados frenéticos.
Enquanto a completa anarquia estalava no clube, o líder se dirigiu a sua habitação privada de atrás do cenário e tirou o telefone celular do bolso interior de seu casaco. Tinha acreditado que se encontraria com o número ilocalizavel de um de seus muitos serventes, a maioria dos quais tinham sido enviados a procurar informação sobre Gabrielle Maxwell e sobre sua relação com a raça.
Mas não era um deles.
Deu-se conta disso assim que abriu o aparelho e viu o número oculto piscando na tela.
Intrigado, respondeu a chamada. A voz que ouviu o outro extremo da linha não lhe era desconhecida. Fazia alguns trabalhos ilegais com esse indivíduo fazia muito pouco tempo e ainda tinham umas quantas coisas por discutir. A seu requerimento, o tipo lhe ofereceu uma série de detalhes a respeito de uma batida que ia se realizar essa mesma noite em um dos locais mais pequenos que os renegados tinham na cidade.
Em questão de segundos soube tudo o que necessitava para conseguir que essa batida se girasse a seu favor: a localização, os presuntos métodos dos guerreiros e a rota, e seu plano de ataque básico. Tudo com a condição de que um membro da raça se salvasse da vingança. Mas este único guerreiro não ficaria completamente a salvo, simplesmente receberia as suficientes feridas para que não pudesse voltar a lutar nunca mais. O destino do resto de guerreiros, incluindo ao quase imparavel Lucan Thorne, era decisão dos renegados.
A morte de Lucan já tinha formado parte de seu acordo uma vez, anteriormente, mas a execução da tarefa não tinha sido como tinham planejado. Esta vez, seu interlocutor queria ter a segurança de que essa ação sim se levaria a cabo. Inclusive chegou tão longe que lhe recordou que já lhe tinham dado uma remuneração considerável por realizar essa tarefa que ainda tinha que cumprir.
—Estou bem informado de nosso acordo —repôs, com fúria.
— Não me tente a te pedir um pagamento maior. Prometo-te que não o vais lamentar.
Apagou o aparelho com uma maldição, cortando a resposta diplomática que o outro iniciou atrás de sua ameaça.
Os dermoglifos que tinha na boneca brilhavam com um profundo tom que delatava sua fúria. As cores trocavam entre o desenho de outras marca que se fez ao tatuar na pele para dissimular estes. Não gostava de ter tido que ocultar sua linhagem —seu direito de nascimento— com tinta e secretismo. Detestava ter que levar uma existência oculta, quase tanto como detestava a todos aqueles que se interpunham no camino de conseguir seus objetivos.
Voltou para a zona principal do clube, ainda zangado. Na escuridão, seu olhar tropeçou com seu tenente, o único renegado da história recente que tinha olhado a Lucan Thorne aos olhos e que tinha podido contá-lo. Fez um sinal a esse macho enorme para que se aproximasse e logo lhe deu as ordens para que se encarregasse da diversão e os jogos dessa noite.
Sem ter em conta suas negociações secretas, queria que essa noite, quando toda a fumaça se dissolvesse, Lucan e todos quão guerreiros estavam com ele estivessem mortos.
Capítulo vinte e cinco
Ele a evitou durante o resto do dia, o qual a Gabrielle pareceu que dava igual. Agora, justo depois do anoitecer, Lucan e os outros cinco guerreros saíam das instalações de treinamento como uma unidade militar, todos eles a viva imagem de uma ameaça, vestidos com couro negro e carregados de armas letais. Inclusive Gideon se uniu a batida dessa noite e tinha tomado o lugar do Conlan.
Savannah e Eva tinham esperado no corredor para lhes ver sair e se acercaram a seus companheiros para lhes dar um comprido abraço. Intercambiaram umas palavras íntimas em voz baixa e em tom amoroso, uns tenros beijos que denotavam o temor das mulheres e a atitude tranqüilizadora dos homens para lhes assegurar de que voltariam para elas sãs e salvos.
Gabrielle se encontrava a certa distancia, no vestíbulo, e se sentia uma estranha enquanto observava a Lucan dizendo algo a Savannah. A companheira de raça assentiu com a cabeça e lhe depositou um pequeno objeto na mão enquanto levantava a vista por cima do ombro dela e a dirigia para o Gabrielle. Não disse nada, não fez nenhum movimento para aproximar-se dela, mas seu olhar se atrasou um pouco nela, observando-a do outro lado do amplo espaço que lhes separava nesses momentosse.
E então se foi.
Lucan, que caminhava diante de outros, girou a esquina ao final do corredor e desapareceu. O resto do grupo lhe seguiu, e a seu passo somente ficou o seco ressonar dos saltos das botas e o ruído metálico dos aços.
—Está bem? —perguntou-lhe Savannah, aproximando-se de Gabrielle e passando um braço pelos ombros com amabilidade.
—Sim. Me passará.
—Queria que te desse isto. —Ofereceu-lhe o telefone celular do Gabrielle.
— uma espécie de oferta de paz?
Gabrielle tomou e assentiu com a cabeça.
—As coisas não vão bem entre nós agora mesmo.
—Sinto muito. Lucan há dito que confia em que entenda que não pode ir do complexo nem lhes dizer a seus amigos onde está. Mas se quer lhes chamar...
—Obrigado. —Olhou À companheira do Gideon e conseguiu sorrir levemente.
—Se quer ter um pouco de intimidade, ponha cômoda onde queira. —Savannah lhe deu um breve abraço e logo olhou a Eva, que acabava de unir-se a elas.
—Não sei vocês —disse Eva, seu bonito rosto gasto pela preocupação—, mas iria bem uma taça. Ou três.
—Possivelmente as três venha bem um pouco de vinho e de companhia — respondeu Savannah.— Gabrielle, vêem te unir conosco quando termine. Estaremos em minhas habitações.
—De acordo. Obrigado.
As duas mulheres saíram juntas, falando em voz baixa, com os braços entrelaçados enquanto percorriam o sinuoso corredor em direção aos Aposentos do Savannah e do Gideon. Gabrielle partiu na direção contrária, sem saber onde desejava estar.
Isso não era de tudo certo. Desejava estar com Lucan, em seus braços, mas era melhor que superasse esse desejo desesperado, e logo. Não tinha intenção de lhe suplicar que estivesse com ela, e caso que consiguisse voltar inteiro depois da batida dessa noite, era melhor que se preparasse para tirar-lhe completamente da cabeça.
Dirigiu-se para uma porta aberta que havia em um ponto tranqüilo e pouco iluminado do vestíbulo. Uma vela brilhava dentro da habitação vazia: a única luz nesse lugar. A solidão e o aroma de incenso e a madera velha a atraíram. Era a capela do complexo; recordava ter passado por ali durante a visita com o Savannah.
Gabrielle caminhou entre duas filas de bancos em direção a um pedestal que se levantava no outro extremo da habitação Era ali onde se encontrava a vela: sua chama estava profundamente aninhada no centro e irradiava um suave resplendor carmesim. Sentou-se em um dos bancos de diante e ficou uns momentos simplesmente respirando, deixando que a paz do santuário a envolvesse.
Conectou o telefone celular. O símbolo de mensagens estava piscando. Gabrielle apertou a tecla da secretaria de voz e escutou a primeira chamada. Era de Megan, de fazia dois dias, mais ou menos a mesma hora em que tinha chamado ao apartamento do Gabrielle depois do ataque do sirviente no parque.
«Gaby, sou eu outra vez. Deixei-te um montão de mensagens em casa, mas não me chamaste. Onde está? Estou-me preocupando de verdade! Não acredito que deva estar sozinha depois do que aconteceu. Chama-me assim que ouça esta mensagem: e quero dizer no mesmo momento em que o receba, de acordo?»
Gabrielle apagou a mensagem e passou ao seguinte, que era da noite anterior, Às onze. Ouviu a voz da Kendra, que parecia um pouco cansada.
«Né. Está em casa? Responde, se estiver. Merda, suponho que é um pouco tarde: sinto muito. Provavelmente esteja dormindo. Bom, queria chamar os meninos, para ver se íamos de taças ou algo, possivelmente a outra sala? Que tal manhã de noite? Me chame.»
Bom, pelo menos Kendra estava bem fazia umas quantas horas. Isso aliviou parte da preocupação que sentia. Mas ainda ficava o asunto do menino com quem tinha estado saindo. O renegado, corrigiu-se Gabrielle, com um estremecimento de medo ao pensar na proximidade de sua amiga ao mesmo perigo que lhe estava pisando nos pés a ela.
Passou ao última mensagem. Megan outra vez, fazia somente duas horas.
«Olá, carinho. Era uma chamada de comprovação. vais chamar me alguma vez e me dirá como foi na delegacia de polícia a outra noite? Estou segura de que seu detetive se alegrou de verte, mas sabe que morro por saber todos os detalhes de como foi de intensa sua alegria.»
O tom de voz do Megan era tranqüilo e brincalhão, perfeitamente normal. Completamente distinto ao pânico das primeiras mensagens que hábía deixado no telefone de casa do Gabrielle e em seu telefone celular.
Deus, isso estava bem.
Porque não havia nenhum motivo de alarme por ela, nem por seu amigo policial, dado que Lucan lhes tinha apagado a memória.
«Bom, fiquei com o Jamie para jantar esta noite no Ciao Bela... seu favorito. Se pode arrumá-lo, vêem. Estaremos ali Às sete.Para você guardaremos um assento.»
Gabrielle marcou o botão de pendurar e olhou a hora no telefone: as sete e vinte.
Devia a seus amigos, pelo menos, chamar e lhes fazer saber que se encontrava bem. E uma parte dela desejava ouvir suas vozes, já que eram a única conexão com a vida que tinha antes. Lucan Thorne tinha dado a volta a sua vida por completo. Apertou o botão de marcação rápida do celular do Megan e esperou com ânsia enquanto o telefone soava. No mesmo momento em que seu amiga respondeu, Gabrielle ouviu uma conversação apagada.
—Olá, Meg.
—Né... por fim! Jamie, é Gabby!
—Onde está essa garota? vai vir ou o que?
—Ainda não sei. Gabby, vais vir?
Para ouvir a familiar desordem do bate-papo de seus amigos, Gabrielle desejou estar ali. Desejou que as coisas pudessem voltar a ser como eram antes de...
—Né... Não posso. surgiu um assunto e...
—Está ocupada —disse Megan a Jamie.
—Mas, onde está? Kendra me chamou hoje, estava-te procurando. Há-me dito que tinha ido a seu apartamento mas que não parecia que estivesse em casa.
—Kendra apareceu por aí? Viu-a?
—Não, mas quer reunir-se com todos nós. Parece que há terminado com esse menino que conheceu na discoteca.
—Brent —acrescentou Jamie em voz alta
—Têm quebrado?
—Não sei —respondeu Megan—. Lhe perguntei como ia com ele e ela somente me disse que já não se estavam vendo.
—Bem —repôs Gabrielle, muito aliviada—. São muito boas notícias.
—Bom, e você? Quem é tão importante como para que não jante esta noite?
Gabrielle franziu o cenho e olhou ao seu redor. Na sala havia levantado um pouco a brisa e a chama vermelha da vela tremeu. Ouviu uns pés suaves e uma afogada exclamação de surpresa de alguém que tinha entrado e se deu conta de que a sala estava ocupada. Gabrielle se deu a volta e viu uma loira alta na porta de entrada. A mulher olhou a Gabrielle com expressão de desculpa e logo se dispôs a sair.
—Estou... isto... fora da cidade, agora mesmo —disse a seus amigos em voz baixa.
— Certamente estarei fora uns quantos dias. Possivelmente mais.
—Fazendo o que?
—Né, estou fazendo um trabalho por encargo —mentiu Gabrielle, diando ter que fazê-lo, mas sem encontrar outra alternativa.
— Chamarei assim que possa. Se cuidem. Quero-lhes.
—Gabrielle...
Pendurou antes de que a obrigassem a dizer nada mais.
—Sinto-o —lhe disse a mulher loira enquanto Gabrielle se aproximava dela.
— Não me tinha dado conta de que a habitação estava ocupada.
—Não o está. Por favor, fique. Só estava... —Gabrielle soltou um suspiro.
— Acabo de mentir a meus amigos.
—OH. —Uns amáveis olhos de cor azul pálida a olharam comprensivamente.
Gabrielle fechou o telefone e passou um dedo por cima da carcasa chapeada e polida.
—Deixei meu apartamento precipitadamente a outra noite para vir aqui com Lucan. Nenhum de meus amigos sabe onde estou, nem por que tive que partir.
—Compreendo. Possivelmente algum dia lhes possa dar alguma explicação.
—Isso espero. Não quero lhes pôr em perigo lhes contando a verdade.
A mulher assentiu com a cabeça, pormenorizada, e seu halo de cabelo comprido e loiro seguiu o movimento.
—Você deve ser Gabrielle. Savannah me há dito que Lucan havia trazido para uma mulher que estava sob seu amparo. Sou Danika. Sou... era... a companheira do Conlan.
Gabrielle aceitou a esbelta mão que Danika lhe ofereceu como saudação.
—Sinto muito sua perda.
Danika sorriu com uma expressão triste nos olhos. Soltou a mão do Gabrielle e, sem dar-se conta, baixou a sua para acariciar o abdômen, imperceptivelmente inchado.
—Queria ir para te buscar para te dar a bem-vinda, mas imagino que não sou a melhor das companhias neste momento. Não tive muita vontade de sair de minhas habitações durante estes últimos dias. Todavía está sendo muito difícil para mim, tentar realizar este... ajuste. Tudo é tão distinto agora.
—É obvio.
—Lucan e outros guerreiros foram muito generosos comigo. Cada um deles me jurou amparo quando a necessitar, esteja onde esteja. Para mim e para meu filho.
—Está grávida?
—Desde quatorze semanas. Desejava que este fora o primeiro de muitos filhos. Estávamos tão iludidos com nosso futuro. Tínhamos esperado muito tempo a fundar nossa família.
—por que esperaram? —Gabrielle franziu o cenho assim que se deu conta de que tinha feito a pergunta.
— O sinto, não tento bisbilhotar. Não é meu assunto.
Danika estalou a língua, lhe tirando importância.
—Não há necessidade de desculpar-se. Não me importa que me faça prerguntas, de verdade. Para mim é bom falar de meu Conlan. Vêem, vamos sentar nos um momento —lhe disse, conduzindo a Gabrielle até uma das cadeiras bancos da capela.
—Conheci Conlan quando era só uma menina. Meu povo da Dinamarca tinha sido saqueado por uns invasores, ou isso acreditávamos. A verdade é que eram um grupo de renegados. Mataram a quase todo mundo, as mulheres velhas e aos meninos, Aos velhos de nossa aldeia. Ninguém estava seguro. Um grupo de guerreiros da raça chegou a metade do ataque. Conlan era um deles. Resgataram a tantos dos nossos como puderam. Quando descubriram minha marca, levaram-me a Refúgio Escuro mais próximo. Foi ali onde aprendi tudo a respeito da nação dos vampiros e do lugar que eu ocupava nela. Mas não podia deixar de pensar em meu salvador. Foi coisa do destino que, ao cabo de uns anos, Conlan fora outra vez a essa zona. Eu estava tão iludida de lhe ver. Imagine a comoção que senti ao saber que ele tampouco se esqueceu de mim.
—Quanto faz disso?
Danika quase não teve que deter-se para calcular o tempo.
—Conlan e eu compartilhamos quatrocentos e dois anos juntos.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle—. Tanto tempo...
—passou em um abrir e fechar de olhos, se te disser a verdade. Não te mentirei te dizendo que sempre foi fácil ser a mulher de um guerreiro, mas não trocaria nem um só instante. Conlan acreditava por completo no que estava fazendo. Queria um mundo mais seguro, para mim e para nossos filhos que estavam por chegar.
—E por isso esperou todo este tempo para conceber um filho?
—Não queríamos fundar nossa família enquanto Conlan sentisse que precisava permanecer com a Ordem. Estar em primeira linha não é o melhor para os meninos, e esse é o motivo pelo que não há famílias entre os membros da classe dos guerreiros. Os perigos são muito grandes, e nossos companheiros precisam poder concentrar-se únicamente em sua missão.
—Não se dão acidentes?
—Os embaraços acidentais são completamente desconhecidos na raça porque nós necessitamos algo mais sagrado que o simples sexo para conceber. O momento de fertilidade das companheiras de raça é durante a lua crescente. Durante este momento crucial, se desejamos conceber um filho, nossos corpos devem conter tanto a semente de nosso companheiro como seu sangue. É um ritual sagrado que ninguem planeja realizar as pressas.
A idéia de poder compartilhar esse profundo e íntimo ato com Lucan fez que Gabrielle sentisse que o centro de seu ser entrava em calor. A idéia de unir-se dessa forma com outro, de engordar com o filho de outro que não fora Lucan, era uma possibilidade que se negava a ter em conta. Preferia estar sozinha, e provavelmente o estaria.
—O que vais fazer agora? —perguntou-lhe, rompendo o silêncio em que se ficou ao imaginar sua própria solidão futura.
—Ainda não sei —respondeu Danika.
— Sim sei que não vou unir-me com nenhum outro macho.
—Não necessita um companheiro para continuar jovem?
—Conlan era meu companheiro. Agora que ele se foi, uma só vida já será muito tempo. Se me negar a ter um vínculo de sangue com outro macho, simplesmente envelhecerei de forma natural daqui em diante, igual que antes de conhecer Conlan. Simplesmente serei... mortal.
—Morrerá —disse Gabrielle.
Danika sorriu com expressão decidida, mas não de tudo triste.
—Ao final.
—Aonde irá?
—Conlan e eu tínhamos planejado nos retirar a um dos Refúgios Escuros da Dinamarca, onde eu nasci. Ele queria isso para mim, mas agora acredito que prefiro criar a seu filho em Escócia para que tenha a oportunidade de conhecer algo de seu pai Através da terra que ele tanto amava. Lucan já começou a fazer os preparativos para que possa ir quando dita que estou preparada.
—Isso foi amável por sua parte.
—Muito amável. Quando veio a me buscar para me dar a notícia, e para me prometer que meu filho e eu sempre estaríamos em comunicação direta com ele e com o resto da Ordem se por acaso alguma vez necessitávamos algo, não me podia acreditar isso. Foi o dia do funeral, só umas quantas horas depois do mesmo, e suas queimaduras ainda eram extremamente gravê. E apesar disso, ele estava mais preocupado por meu bem-estar.
—Lucan sofreu queimaduras? —Gabrielle sentiu que um sentimento de alarme lhe assaltava o coração.
— Quando? E como?
—Faz só três dias, quando realizamos o ritual funerário do Conlan. —Danika arqueou as finas sobrancelhas—. Não sabia? Não, claro que não o sabia. Lucan nunca mencionaria esse ato de honra, nem o dano que sofreu para levá-lo a cabo. Olhe, a tradição funerária da raça estabelece que um vampiro deve levar o corpo do morto fora para que os elementos da natureza o recebam —disse, fazendo um gesto em direção a uma sombria esquina da capela onde havia uma escura escada.
— É um dever que mostra um grande respeito e exige um grande sacrifício porque, uma vez fora, o vampiro que atende a seu irmão deve ficar ao seu lado durante oito minutos durante a saída do sol.
Gabrielle franziu o cenho.
—Mas eu acreditava que a pele de um vampiro não suporta os raios do sol.
—Não, não os suporta. Sofre queimaduras graves e de forma muito rápida, mas ninguém sofre mais que um vampiro de primeira geração. Os mais velhos da raça sofrem mais, inclusive em um tempo de exposição muito breve.
—Como Lucan —disse Gabrielle.
Danika assentiu com expressão solene.
—Para ele, estar exposto oito minutos a saída do sol deve haver sido insuportável. Mas o fez. Pelo Conlan, deixou que seu corpo se queimasse. Inclusive tivesse podido morrer ali acima, mas não tivesse deixado que ninguém mais assumisse o peso de oferecer repouso a meu amado Conlan.
Gabrielle recordou a urgente chamada Telefónica que tinha tirado Lucan fora da cama em meio da noite. Não lhe tinha contado do que se tratava. Tampouco tinha compartilhado sua perda com ela.
Sentiu que a dor lhe retorcia o estômago ao pensar no que tinha suportado, segundo a descrição da Danika.
—Falei com ele... esse mesmo dia, de fato. Por sua voz soube que algo ia mau, mas ele o negou. Parecia tão cansado, mais que exausto. É esta me dizendo que sofreu queimaduras pela luz ultravioleta?
—Sim. Savannah me contou que Gideon o encontrou não muito tempo depois. Lucan tinha queimaduras da cabeça aos pés. Não podia abrir os olhos a causa da dor e a inflamação, mas rechaçou qualquer tipo de ajuda para voltar para suas habitações para curar-se.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle, estupefata—. Ele nunca me contou isso, não me contou nada disto. Quando lhe vi mais tarde, essa noite... só ao cabo de umas horas, parecia completamente normal. Bom, o que quero dizer é que parecia e atuava como se nada mau lhe tivesse ocorrido.
—A pureza de linha de sangue de Lucan lhe faz sofrer mais, mas também lhe ajuda a curar-se mais depressa das queimaduras. Inclusive então não foi fácil para ele; ele necessitaria uma grande quantidade de sangue para repôr seu corpo depois de um trauma tão forte. Quando esteve o bastante bem para abandonar o complexo e ir de caça, devia ter uma fome voraz.
Tinha-a tido. Gabrielle se dava conta agora. A lembrança de lhe ver alimentar do servente a quem tinha matado lhe passou pela mente, mas agora tinha um significado distinto, já não lhe parecia o ato monstruoso que lhe tinha parecido de forma superficial, a não ser um meio de sobrevivemcia. Tudo adquiria um significado novo desde que conhecia Lucan.
Ao princípio, tinha-lhe parecido que a guerra entre os da raça e seus inimigos não era mais que um mal enfrentado a outro, mas agora não podia evitar sentir que também era sua guerra. Ela se jogava algo no desenlace, e não somente pelo fato de que seu futuro se encontrava ligado a este estranho mundo. Para ela era importante que Lucan ganhasse não só a guerra contra os renegados, mas também a devastadora guerra pessoal que liberava em privado.
Estava preocupada com ele, e não podia ignorar a queimação de medo que tinha começado a sentir na base das costas desde que ele e os outros guerreiros tinham abandonado o complexo para ir de batida.
—Quer-lhe muito, verdade? —perguntou-lhe Danika. Entre elas se havia feito um angustiante silêncio.
—Quero-lhe, sim. —Olhou a mulher aos olhos e não encontrou motivo para esconder uma verdade que, provavelmente, se traslucía em seu rosto.
— Posso te dizer uma coisa, Danika? Tenho uma horrível sensação a respeito do que está fazendo esta noite. E para piorá-lo, Tegan disse que não acreditava que Lucan fora a viver muito mais. quanto mais momento levo aqui sentada, mais medo tenho de que Tegan possa ter razão.
Danika franziu o cenho.
—Falaste com o Tegan?
—Tropecei-me com ele —literalmente— muito recentemente . Disse-me que não me afeiçoasse muito de Lucan.
—Porque acreditava que Lucan ia morrer? —Danika deixou escapar um comprido suspiro e meneou a cabeça—. Esse parece desfrutar pondo a outros no fio. Provavelmente o há dito somente porque sabe que isso te inquietará.
—Lucan disse que entre eles havia animosidade. Crie que Tegan é de confiar?
Pareceu que a companheira de raça loira o pensava um momento.
—Posso dizer que a lealdade é uma parte importante do código dos guerreiros. È tudo para esses machos, faz-os um. Nada deste mundo pode lhes fazer violar essa confiança sagrada. —levantou-se e tomou a mão do Gabrielle.
— Vêem. vamos procurar a Eva e a Savannah. E a espera será menos larga para todas se não a passarmos sozinhas.
Capítulo vinte e seis
Do ponto de observação onde estavam apostados em um dos edifícios do porto, Lucan e outros guerreiros observaram um pequeno caminhão cujas rodas cromadas cuspiam cascalho, dirigir-se a localização que estavam vigiando. O condutor era um ser humano. Se seu aroma a suor e a ansiedade não tivesse delatado, a música country que saía estrondosamente pelo guichê aberto o tivesse feito. Saiu do veículo com uma bolsa de papel marrom repleta de algo que cheirava a arroz frito e porco.
—Parece que os meninos jantam dentro esta noite —disse Dê. O confiado mensageiro comprovou o papel branco que tinha grampeado no pedido e olhou para o dique com cautela.
O condutor se aproximou da porta de entrada do armazém, dirigiu outro olhar nervoso ao seu redor, soltou um juramento em meio da escuridão e apertou o timbre. Não havia nenhuma luz dentro do edifício, somente havia o feixe de luz amarela que caía da lâmpada nua que pendurava em cima da porta. Lucan viu os olhos ferozes de um Renegado e o mensageiro gaguejou umas palavras do pedido e alargou o papel para o buraco escuro que se aberto diante dele.
—O que quer dizer trocando-o? —perguntou o cowboy urbano com um forte acento de Boston.
— Que diabos...?
Uma enorme mão lhe sujeitou pelo peito da camisa e lhe levantou do chão. ele chiou e em seu ataque de pânico conseguiu largar-se da mão do renegado.
—Uf! —exclamou Niko desde sua posição perto da cornija.
— Parece que acaba de dar-se conta de que não há comida a Chinesa no menu.
O renegado voou até o ser humano como uma sombra, assaltou-lhe por detrás e lhe abriu a garganta com uma eficiência selvagem. A morte foi sangrenta e foto instantânea. Logo o renegado se levantou de um salto e se dispôs a carregár a presa ao ombro para levá-la dentro, e Lucan ficou em pé.
—chegou o momento de nos pôr em marcha. Vamos.
Ao uníssono, os guerreiros saltaram ao chão e se dirigiram a grande velocidade para o armazém que servia de guarida aos renegados. Lucan, que lhes marcava o caminho, foi o primeiro em alcançar ao vampiro com sua inerte carrega humana. Com uma mão, sujeitou ao renegado pelo ombro e lhe obrigou A dár a volta ao tempo que tirava uma de suas folhas mortíferas da capa que levava no quadril. Golpeou com força e uma pontaría certeira, e decapitou a essa besta com um corte limpo.
As células do renegado começaram a fundir-se imediatamente e este caiu, empapado de sangue, ao chão. O contato da folha de Lucan foi como um ácido que atravessou o sistema nervoso do vampiro. Ao cabo de uns segundos, quão único ficava do renegado era um atoleiro negro e putrefato que se diluía na sujeira do chão.
Mais adiante, na porta, Dante, Tegan e os outros três guerreiros se formavam em um grupo fechado e armado, disposto a iniciar a ação réal. À ordem de Lucan, os seis se introduziram no armazém com as armas A ponto.
Os renegados que se encontravam dentro não tiveram nem idéia do que era o que lhes estava atacando até que Tegan lançou uma adaga que foi cravar se na garganta de um deles. Enquanto o renegado chiava e se retorcia ao desintegrar-se, seus cinco companheiros, enfurecidos, se dispersaram em busca de refúgio ao tempo que tomavam as armas sob a chuva de balas e folhas afiadas que Lucan e seus irmãos lançavam a discrição.
Dois dos renegados caíram ao cabo de uns segundos de haver-se iniciado o enfrentamento, mas os outros dois que ficavam haviam ocultado nas profundidades escuras do armazém. Um deles disparou contra Lucan e Dante desde detrás de um velho montão de gavetas. Os guerreiros esquivaram esse ataque e lhe responderam, o qual lhe fez sair ao descoberto e lhe deu a oportunidade a Lucan de acabar com ele.
Lucan percebeu na periferia de seu campo de visão que o último deles tentava escapar por entre um montão de barris derrubados e de tubos de metal que havia na parte traseira do edifício.
A Tegan tampouco tinha passado desapercebido. O vampiro se precipitou para o renegado como um trem de carga e desapareceu nas prófundidades do armazém em uma mortal perseguição.
—Tudo espaçoso —gritou Gideon desde algum ponto da escuridão fumegante e poeirenta.
Mas assim que o houve dito, Lucan percebeu que um novo perigo se abatia sobre eles. Seu ouvido distinguiu o discreto roce de um movimento sobre sua cabeça. Os lúgubres abajures do teto que se encontravam em cima dos tubos do sistema de ventilação do armazém estavam quase negras de sujeira, mas Lucan estava seguro de que algo avançava pelo telhado.
—Vigiem acima! —gritou aos outros, e nesse momento o telhado caiu e sete renegados mais se deixaram cair de acima disparando com suas armas.
De onde tinham saído? A informação que tinham sobre essa guarida era de confiar: seis indivíduos, provavelmente convertidos em renegados recentemente, que operavam de forma independente, sem nenhuma filiação. Então, quem tinha dado aviso a essa cavalaria para que lhes apóiassem? Como se tinham informado de que havia uma batida?
—Uma maldita emboscada —grunhiu Dante, pondo em voz alta o pensamento de Lucan.
Não era possível que esses novos problemas tivessem aparecido por acaso. Lucan se fixou no mais volumoso dos renegados que se estavam precipitando contra eles nesses momentos e sentiu que uma furia negra lhe fervia no ventre.
Era o vampiro que lhe tinha escapado a noite do assassinato Aos subúrbios da discoteca. O bode da Costa Oeste. O canalha que havia podido matar a Gabrielle e que possivelmente ainda pudesse fazê-lo algum dia se Lucan não acabava com ele nesse preciso momento.
Enquanto Dante e outros respondiam ao fogo do grupo de renegados, Lucan foi unicamente por esse objetivo.
Essa noite ia terminar com ele.
O vampiro vaiou amenaçadoramente ao lhe ver avançar e seu horrível rostro se deformou com um sorriso.
—Encontramo-nos de novo, Lucan Thorne.
Lucan assentiu com expressão lúgubre.
—Pela última vez.
O ódio mútuo fez que ambos os machos se desprendessem das armas para encetar-se em um combate mais pessoal. Em um instante desenfunderam as facas, um em cada mão, e os dois vampiros se prepararam para cercar um combate a morte. Lucan lançou a primeira estocada, e recebeu um perigoso corte no ombro: o renegado lhe tinha esquivado com sigilosa velocidade e se deslocou, em um abrir e fechar de olhos, ao outro lado dele. Tinha as mandíbulas abertas e uma expressão de triunfo ante o primeiro sangue derramado.
Lucan se deu a volta com igual agilidade e suas facas assobiaram perigrosamente perto da cabeça do renegado. O chupão baixou a vista e viu sua orelha direita no chão, A seus pés.
—começou o jogo, imbecil —grunhiu Lucan.
«Com uma vingança.»
Lançaram-se um contra o outro em um torvelinho de fúria com seus acertos frios e mortais. Lucan tinha consciência da batalha que se cercou ao seu redor, de que os guerreiros se estavam enfrentando ao segundo ataque. Mas toda sua concentração, todo seu ódio, centrava-se na afronta pessoal com o renegado que tinha em frente.
Quão único Lucan tinha que fazer para acender-se de fúria era pensar em Gabrielle e no que esta besta lhe tivesse feito.
E alimentou essa fúria: fez retroceder ao renegado estocada atrás de cada, implacável. Não sentiu os golpes que recebeu no corpo, embora foram muitos. Tombou a seu competidor e se preparou a lançar a última e mortífera estocada.
Com um rugido, realizou um profundo corte na garganta do renegado e separou sua enorme cabeça do corpo destroçado. Uns espasmos sacudiram os braços e as pernas do vampiro e este se desabou, retorcendo-se, ao chão. Lucan ainda sentia a fúria martilando com força nas veias; deu a volta à faca que tinha na mão e o cravou com força no peito do renegado para acelerar o processo de desintegração do corpo.
—Santo inferno —exclamou Rio desde algum ponto perto dele com voz seca.
— Lucan, tio, em cima de ti! Há outro nas vigas.
Aconteceu em um instante.
Lucan se deu a volta, sentindo a fúria da batalha em todos os músculos do corpo. Jogou uma olhada para cima, onde Rio havia lhe indicado. Muito acima por cima de sua cabeça outro vampiro renegado se pendurava pelos tubos do teto do armazém com uma coisa sob o braço que parecia ser uma pequena bola de metal. Mas uma pequena luz vermelha parecia rapidamente nesse aparelho e imediatamente ficou acendida.
—Ao chão! —Nikolai levantou sua Beretta trucada e apontou.
— O tipo vai lançar uma maldita bomba!
Lucan ouviu o repentino disparo da arma.
Viu que o renegado recebia o disparo do Niko justo entre os brilhantes olhos amarelos.
Mas a bomba já estava no ar.
Ao cabo de segundo meio, estalou.
Capítulo vinte e sete
Gabrielle se incorporou repentinamente, despertando sobressaltada de outra inquieta cabeçada que acabava de jogar no sofá da sala de estar do Savannah. As mulheres tinham ficado juntas as últimas horas, consolándo-se na companhia mútua, exceto Eva, que se tinha ido a capela para rezar. A companheira de raça estava mais nervosa que as demais e se tinha passado grande parte da tarde caminhando acima e abaixo e mordendo o lábio inferior com impaciência e ansiedade.
Em algum lugar por cima do labirinto de corredores e habitações se ouviram os movimentos surdos e as vozes tensas dos machos. O barulho zumbido do elevador fez vibrar o denso ar da sala e se deram conta de que a cabine estava baixando ao piso principal do complexo.
«OH, Deus.»
Algo ia mau.
Notava-o.
«Lucan.»
Jogou a um lado o xale de felpilla com que se cobria e pôs os pés no chão. O coração lhe tinha desbocado, e lhe encolhia com força a cada pulsado.
—Tampouco eu gosto desses sons —disse Savannah, jogando uma tensa olhada a habitação.
Gabrielle, Savannah e Danika saíram das habitações para ir em busca dos guerreiros. Nenhuma disse nenhuma palavra e com muita dificuldade respiravam enquanto se dirigiam ao elevador.
Inclusive antes de que as portas de aço se abrissem, por causa dos sons precipitados que se ouviam dentro do elevador, fez-se evidente que foram receber más notícias.
Mas Gabrielle não estava preparada para quão más foram ser.
O fedor a fumaça e a sangue a assaltou com a força de um murro. Fez uma careta ante o nauseabundo aroma de guerra e morte mas se esforçou por ver qual era a situação na cabine do elevador. Nenhum dos guerreiros saía dela. Dois estavam tombados no chão da cabine e os outros três estavam agachados ao seu redor.
—Traz umas quantas toalhas e lençóis limpa! —gritou-lhe Gideon a Savannah.
— Traz todas as que possa, menina! —Assim que ela se dispôs a fazê-lo, ele acrescentou:
—Também vamos precisar movê-lo. Há uma cama na enfermaria.
—Eu me ocupo —repôs Niko de dentro do elevador.
Saltou por cima de um dos dois vultos informe que se encontrava tendido de barriga para baixo no chão. Quando passou por seu lado, Gabrielle viu que tinha o rosto, o cabelo e as mãos enegrecidos de fuligem. As roupas estavam rasgadas e a pele salpicada com centenas de arranhões sangrando. Gideon mostrava contusões similares. E Dante também.
Mas suas feridas não eram nada comparadas com as dos dois guerreros da raça que estavam inconscientes e a quem seus irmãos haviam transportado pelas ruas.
O peso que sentiu no coração lhe fez saber de Gabrielle que um deles era Lucan. Aproximou-se um pouco mais e teve que reprimir uma exclamação ao ver confirmados seus temores.
O sangue se formava redemoinhos debaixo de seu corpo, um atoleiro da cor do vinho escuro que se estendia até o mármore branco do corredor. Tinha a vestimenta de couro e as botas feita migalhas, igual à maior parte da pele dos braços e as pernas. O rosto estava cheio de fuligem e de cortes de uma cor escarlate. Mas estava vivo. Gideon lhe moveu para lhe aplicar um torniquete improvisado para parar o sangue de uma ferida que tinha no braço e Lucan soltou um vaio de dor por entre as presas alargadas.
—Porra... sinto muito, Lucan. É bastante profundo. Merda, isto não vai deixar de sangrar.
—Ajuda... ao Rio —pronunciou as palavras com um grunhido apagado. Foi uma ordem direta apesar de que se encontrava convexo de costas—. Estou bem —acrescentou, gemendo de dor.
— Porra... quero que... dê-te... dele.
Gabrielle se ajoelhou ao lado do Gideon. Levantou a mão para sujeitar o extremo da atadura que ele tinha na mão.
—Eu posso fazê-lo.
—Está segura? É uma ferida feia. Tem que colocar as mãos justo aí para apertá-lo com força.
—Tenho-o. —Fez um gesto com a cabeça em direção a Rio, que se encontrava convexo ao lado.
— Faz o que te há dito.
O guerreiro ferido que estava convexo no chão ao lado de Lucan estava sofrendo uma agonia. Ele também sangrava profundamente por quão feridas tinha no torso e a causa do terrível dano que tinha sofrido no braço esquerdo. Levava uma perna envolta em um farrapo empapado de sangue que devia ser uma camisa. Tinha o rosto e o peito queimados e rasgados até tal ponto que era irreconhecível. Começou a emitir uns gemidos graves e guturais que lhe encheram os olhos de lágrimas a Gabrielle.
Piscou para reprimir as lágrimas e, ao abrir os olhos de novo, encontrou-se com os pálidos olhos cinzas de Lucan cravados nela.
—Acabei... com o bode.
—Shh. —Secou-lhe o suor da frente, maltratada.
— Lucan, te esteja quieto. Não tente falar.
Mas ele não fez conta. Tragou saliva com dificuldade e logo se esforçou em pronunciar as palavras.
—o da discoteca... o filho de puta que estava ali essa noite.
—que te escapou?
—Esta vez não. —Piscou devagar. Seu olhar era tão feroz como brilhante.
— Agora não poderá nunca... te fazer danifico...
—Sim—disse em tom irônico Gideon, que se estava ocupando de Rio.
— E tem muita sorte de estar vivo, herói.
Gabrielle sentiu que a angústia lhe atendia a garganta ao olhar a Lucan. Apesar de que tinha afirmado que seu dever era o primeiro e que alguma vez haveria um lugar para ela em sua vida, Lucan tinha pensado nela essa noite? Estava ferido e sangrando a causa, em parte, por algo que tinha feito por ela?
Ela tomou uma de suas mãos entre as suas e lhe acariciou no único lugar do corpo em que podia fazê-lo enquanto a apertava contra o coração.
—OH, Lucan...
Savannah chegou correndo com o que lhe tinham pedido. Niko a seguiu imediatamente, empurrando a maca de hospital diante dele.
—Lucan primeiro —lhes disse Gideon.
— Levem a uma cama e logo voltarei por Rio.
—Não —grunhiu Lucan, com tom de maior determinação que de dor.
— Ajudem a me levantar.
—Não acredito que... —disse Gabrielle, mas ele já estava tentando levantar-se do chão.
—Tranqüilo, chiou.
—Dante entrou no elevador e colocou sua mão forte sob o braço de Lucan. Tombaram-lhe por que não toma um descanso e nos deixa que lhe levemos a enfermaria?
—Hei dito que estou bem. —Lucan, apoiando-se em Gabrielle e em Dante, incorporou-se e se sentou. Respirava com dificuldade, mas permaneceu incorporado.
— recebi uns quantos golpes, mas merda... vou andando até minha cama. Não vou deixar que me... arrastem até aí.
Dante olhou Gabrielle com expressão exasperada.
—Sabe que tem a cabeça tão dura que o diz a sério?
—Sim, sei.
Gabrielle sorriu, agradecida a essa obstinação que o fazia ser forte. Ela e Dante lhe emprestaram o apoio de seus corpos: colocaram-se um a cada lado dele, com os ombros sob cada um de seus braços, e lhe sujeitaram até que Lucan começou a ficar em pé, devagar.
—Por aqui —disse Gideon a Niko, e este colocou a maca no lugar adequado para levantar Rio enquanto Savannah e Danika faziam tudo o que podiam por conter o sangue de suas feridas, por lhe tirar a roupa destroçada e o desnecessário peso das armas.
—Rio? —A voz da Eva soou aguda. Correu até o grupo com o rosario ainda apertado em uma das mãos. Quando chegou ao elevador aberto se deteve imediatamente e agüentou a respiração.
— Rio! Onde está?
—Está aqui dentro, Eva —disse Niko, apartando-se da maca, onde já tinham colocado a Niko, para lhe impedir o passo. Apartou-a dali com mão firme para que não se aproximasse muito ao açougue.
— Houve uma explosão esta noite. Ele se levou a pior parte.
—Não! —levou-se as mãos ao rosto, horrorizada.
— Não, está equivocado. Esse não é meu Rio! Não é possível!
—Está vivo, Eva. Mas terá que ser forte por ele.
—Não! —Começou a chiar grosseiramente, histérica, enquanto tentava abrir passo com a força para aproximar-se de seu companheiro.
— Meu Rio não! Deus, não!
Savannah se aproximou e tomou a Eva do braço.
—Vamos agora —lhe disse com suavidade.
— Eles sabem como lhe ajudar.
Os soluços da Eva alagaram o corredor e encheram a Gabrielle de uma angústia íntima que era uma mescla de alívio e de medo frio. Estava preocupada com Rio, e lhe rompia o coração pensar no que Eva devia estar sentindo. Gabrielle sabia que isso lhe doía em parte porque Lucan tivesse podido encontrar-se no lugar de Rio. Uns quantos milímetros, umas frações de segundo, podiam ter sido quão único tinha determinado qual dos dois guerreiros ia estar convexo em um crescente atoleiro de sangue lutando por manter-se vivo.
—Onde está Tegan? —perguntou Gideon, sem apartar a atenção de seus próprios dedos com os quais, e com movimentos rápidos, ocupava-se de curar ao guerreiro cansado.
— retornou já?
Danika negou com a cabeça, mas olhou a Gabrielle com olhos angustiados.
—por que não está aqui? Não estava com vocês?
—Perdemo-lhe de vista muito pouco tempo depois de que entrássemos na guarida dos renegados —lhe disse Dante.
— Quando estalou a bomba, nosso principal objetivo foi trazer Rio e a Lucan ao complexo o mais breve possível.
—vamos mover isto —disse Gideon, colocando-se a cabeça da cama de Rio.
— Niko, me ajude a mover isto.
As perguntas a respeito do Tegan se apagaram enquanto todo mundo trabalhava em excesso em fazer todo o possível para ajudar a Rio. Todos percorreram o caminho até a enfermaria. Gabrielle, Dante e Lucan eram os que se deslocavam com maior lentidão pelo corredor: Lucan se cambaleava sobre os pés e se sujeitava a eles dois enquanto se esforçava por manter-se em pé com firmeza.
Gabrielle reuniu valor para lhe olhar. Desejava tanto lhe acariciar o rosto ferido e cheio de sangue. Enquanto lhe olhava com o coração encolhido, ele levantou as pálpebras e a olhou aos olhos. Ela não sabia o que era o que se estabeleceu entre eles durante esse comprido instante de quietude no meio do caos, mas sentiu que era algo quente e bom Apesar de tudo quão terríveis tinham sido os sucessos dessa noite.
Quando chegaram À habitação onde foram atender a Rio, Eva ficou a um lado da maca, ante seu corpo quebrado. As lágrimas lhe caíam pelas bochechas.
—Isto não tinha que ter acontecido —gemeu—. Não deveria ter sido meu Rio. Não desta maneira.
—Faremos tudo o que possamos por ele —disse Lucan, respirando com dificuldade por causa de suas próprias feridas—. Lhe prometo isso, Eva. Não lhe deixaremos morrer.
Ela negou com a cabeça, com o olhar fixo em seu companheiro tendido na cama. Acariciou-lhe o cabelo e Rio murmurou umas palavras incoerentes, semi inconsciente e com uma clara expressão de dor.
—Quero-lhe fora daqui imediatamente. Deveria ser transladado a um Refúgio. Necessita atenção médica —disse Eva.
—Seu estado não é o bastante estável para que lhe translade —repôs Gideon.
— Tenho os conhecimentos necessários e a equipe adequada para lhe tratar aqui por agora.
—Quero-lhe fora daqui! —Levantou a cabeça súbitamente e dirigiu o olhar brilhante de um guerreiro a outro.
— Não resulta de utilidade para nenhum de vocês agora, assim me deixem isso . Já não lhes pertence, a nenhum de vocês. Agora é completamente meu! Somente quero o melhor para ele!
Gabrielle notou que o braço de Lucan entrava em tensão por causa dessa reação histérica.
—Então tem que te apartar de diante do Gideon e deixar que faça seu trabalho —lhe disse, assumindo com facilidade o papel de líder apesar de sua má condição física.
— Agora mesmo, quão único importa é manter com vida Rio.
—Você —disse Eva, em tom seco enquanto lhe dirigia um olhar severo. Seus olhos mostraram um brilho mais selvagem e seu rosto se transformou em uma máscara de puro ódio.
— Deveria ser você quem se estivesse morrendo agora mesmo, e não ele! Você, Lucan. Esse foi o trato que fiz! Sabiam que tinha que ser você!
Na enfermaria pareceu abrir um abismo que se tragasse todo som exceto a surpreendente verdade do que a companheira de Rio acabava de confessar.
Dante e Nikolai se levaram as mãos as armas, ambos os guerreiros dispostos a responder a mais ligeira provocação. Lucan levantou uma mão para contê-los com o olhar fixo na Eva. A verdade era que não lhe importava absolutamente que sua malevolência se dirigisse diretamente contra ele; se ele tinha sido uma espécie de alvo para sua fúria, havia sobrevivido a isso . Rio possivelmente não o fizesse. Qualquer dos irmãos presente na batida dessa noite tivesse podido não sobreviver a traição da Eva.
—Os renegados sabiam que íamos estar ali —disse Lucan em um tom frio por causa de uma profunda fúria.
— Caímos em uma emboscada no armazém. Você o preparou.
Outros guerreiros emitiram uns grunhidos guturais. Se a confissão a tivesse feito um macho, Lucan tivesse podido fazer muito pouco para impedir a seus irmãos que atacassem com uma força letal. Mas se tratava de uma companheira de raça, uma dos seus. Alguém a quem conheciam e em quem confiavam desde fazia mais de uma vida.
Agora Lucan olhava a Eva e via uma desconhecida. Viu loucura. Um desespero mortal.
—Rio tinha que salvar-se. —inclinou-se sobre ele e lhe passou o antebraço por debaixo da cabeça enfaixada. O emitiu um som descarnado e indecifrável enquanto Eva lhe abraçava.
— Eu não queria que ele tivesse que lutar mais. Não, por vocês.
—Assim preferiria lhe ver destroçado, em lugar disso? —perguntou-lhe Lucan.
— Assim é como lhe quer?
—Amo-lhe! —gritou ela.
— O que tenho feito, tudo o que tenho feito, foi por amor a ele! Rio será mais feliz em algum outro lugar, longe de toda esta violência e morte. Será mais feliz em um Refúgio Escuro, comigo longe de sua maldita guerra!
Rio emitiu o mesmo som gutural, mas agora soou mais lastimero. Não cabia dúvida de que era um som de agonia, embora se era devido à dor física ou a inquietação pelo que estava acontecendo ao seu redor não estava claro.
Lucan negou com a cabeça lentamente.
—Essa é uma afirmação que você não pode fazer por ele, Eva. Não tem direito. Esta é a guerra de Rio, tanto como a de qualquer outro. É no que ele acreditava, no que sei que ainda crie, inclusive depois do que lhe tem feito. Esta guerra concerne a toda a raça.
Ela franziu o cenho com gesto azedo.
—Resulta irônico que o cria, dado que você mesmo estiveste a ponto de te converter em um renegado.
—Jesucristo —exclamou Dante de onde se encontrava, perto.
— Esta equivocada, Eva. Está terrivelmente equivocada.
— Ah, sim? —Ela continuou cravando o olhar em Lucan com expressão sádica.
— Te estive observando, Lucan. Vi-te lutar contra a sede quando acreditava que não havia ninguém perto. Sua aparência de controle não me engana.
—Eva —disse Gabrielle. Sua voz tranqüila foi um bálsamo para todos os que se encontravam na habitação.
— Está alterada. Não sabe o que está dizendo.
Ela rio.
—lhe peça que o negue. lhe pergunte por que se priva de sangue até que está quase a ponto de morrer de sede!
Lucan não disse nada em resposta a essa acusação pública, porque sabia que era verdade.
Também sabia Gabrielle.
Sentiu-se comovido de que lhe defendesse, mas nesses momentos não se tratava tanto dele como de Rio e do engano que ia destroçar a esse guerreiro. Possivelmente já o tinha feito, a julgar pelo crescente movimento de suas pernas e pelo esforço que realizava para falar apesar das feridas.
—Como fez esse trato, Eva? Como entrou em contato com os renegados, em uma de suas excursões fora?
Ela bufou com gesto de brincadeira.
—Não foi tão difícil. Há serventes passeando por toda a cidade. Somente tem que olhar fora. Encontrei a um e lhe disse que me pusesse em contato com seu chefe.
—Quem era? —perguntou Lucan—. Que aspecto tinha?
—Não sei. Somente nos encontramos uma vez e manteve o rosto oculto. Levava uns óculos escuros e teve as luzes da habitação do hotel apagadas. Não me importava nem quem era nem que aspecto tinha. O único que me importava era que tivesse o poder suficiente para fazer que as coisas ocorressem. Somente queria sua promessa.
—Imagino que te fez pagar por isso.
—Foram somente um par de horas com ele. Tivesse pago algo —disse, agora sem olhar a Lucan nem aos outros, que a olhavam com expressão de desagrado, mas sim manteve a vista fixa em Rio.
— Faria algo por ti, querido. Suportaria. .. algo.
—Possivelmente vendeu seu corpo —disse Lucan—, mas foi a confiança de Rio o que traiu.
Dos lábios de Rio surgiu um som áspero. Eva lhe arrulhava e o acariciou. Ele abriu as pálpebras e se ouviu sua respiração, oca e esforçada, enquanto tentava pronunciar umas palavras.
—Eu... —Tossiu e seu corpo maltratado sofreu um espasmo—. Eva...
—OH, meu amor... sim. Estou aqui! —gritou—. Me diga o que queira, carinho.
—Eva... —De sua garganta não saiu nenhum som durante uns instantes, mas voltou a tentá-lo.
— Eu... lhe... acuso.
—O que?
—Morta... —Gemeu. Sem dúvida a dor psicológica era maior que a fisica, mas a ferocidade de seus olhos brilhantes e injetados em sangue diziam que não ia se deter.
— Já não existe... para mim... está... morta.
—Rio, é que não o compreende? Tenho-o feito por nós!
—Vai —disse ele com voz entrecortada.
— Não te quero ver... nunca mais.
—Não o pode dizer a sério. —Levantou a cabeça e seus olhos procuravam freneticamente um ponto onde posar-se.
— Não o diz a sério! Não é possível! Rio, me diga que não fala a sério!
Alargou a mão para lhe tocar, mas ele emitiu um grunhido e utilizou a pouca força que ficava para rechaçar seu contato. Eva soluçou. O sangue das feridas dele cobria a parte dianteira da roupa. Baixou a vista até as manchas e logo olhou a Rio, que agora a tinha afastado dele por completo.
O que aconteceu a seguir durou somente uns segundos como máximo, mas foi como se o tempo se houvesse ralentizado a uma lentidão implacável.
O olhar aniquilado da Eva caiu sobre o cinturão das armas de Rio, que estava no chão ao lado da cama.
Uma expressão de determinação se formou em seu rosto e se lançou por volta de uma das facas.
Levantou a adaga brilhante por cima de seu rosto.
Sussurrou a Rio que sempre lhe amaria.
Então girou a faca que tinha na mão e o cravou a si mesmo na garganta.
—Eva, não! —gritou Gabrielle. Seu corpo reagiu automaticamente, como se acreditasse que podia salvar À outra fêmea.
— OH, Meu deus, não!
Mas Lucan a sujeitou ao seu lado. Rapidamente tomou entre os braços e lhe fez girar o rosto para seu peito para evitar que visse Eva cortar sua próprio jugular e cair, sangrando e sem vida, ao chão.
Capítulo vinte e oito
Recém tomada banho, nas habitações de Lucan, Gabrielle se secou com uma toalha o cabelo molhado e colocou em cima um suave penhoar. Estava exausta depois de ter acontecido a maior parte do dia com o Savannah e Danika ajudando a Gideon a atender a Rio e a Lucan. No complexo todo mundo se encontrava em um estado de surda incredulidade por causa da traição de Eva e do trágico desenlace: Eva morta por sua própria mão e Rio agarrado precariamente a vida.
Lucan se encontrava em mal estado físico, além disso, mais fiel a sua palavra a sua obstinação, tinha abandonado a enfermaria por seus próprios pés pra ir descansar a suas habitações pessoais. Gabrielle estava assombrada de que ele tivesse aceito algum tipo de cuidado, mas a verdade era que as outras mulheres e ela mesma não lhe tinham deixado muitas posibilidades de rechaçá-lo.
Gabrielle se sentiu invadida pelo alívio ao abrir a porta do banho e lhe encontrar sentado na enorme cama com as costas apoiada na cabecera, sobre um montão de almofadas. Tinha uma bochecha e a frente cheias de pontos e as vendagens lhe cobriam a maior parte do largo peito e das pernas, mas se estava recuperando. Estava inteiro e, com o tempo, curaria-se.
Igual a ela, ele não levava nada em cima exceto um penhoar branco; isso era quão único as mulheres lhe tinham permitido ficar em cima, depois de ter acontecido horas limpando e lhe curando as contusões e as feridas cheias de metralha que tinha em quase todo o corpo.
—Sente-se melhor? —perguntou-lhe Lucan, olhando-a enquanto ela passava os dedos pelo cabelo úmido para apartar-lhe do rosto.
— pensei que teria fome ao sair do banho.
—A verdade é que morro de fome.
Ele assinalou uma robusta mesa de coquetel que se encontrava na salinha do dormitório, mas o olfato de Gabrielle já tinha detectado o impressionante bufé. O aroma de pão francês, a alho e especiarias, a molho de tomate e a queijo alagava a habitação. Viu um prato de verduras e um tigela cheio de fruta fresca, e inclusive uma coisa escura com aspecto de chocolate em meio das outras tentações. aproximou-se para jogar uma olhada mais de perto e o estômago lhe retorceu de fome.
—Manicotti —disse, inalando o aromático aroma da massa. Ao lado de uma taça de cristal havia uma garrafa de vinho tinjo aberta.
— E Chianti?
—Savannah queria saber se você tinha algum alimento preferido. Isso foi o único que me ocorreu.
Essa era a comida que ela preparou a noite em que ele tinha ido a seu apartamento para lhe devolver o telefone celular. A comida que ficou fria, esquecida, em cima do mármore da cozinha enquanto ela e Lucan ficavam como coelhos.
—recordou o que eu tinha cozinhado essa noite?
Ele se encolheu de ombros ligeiramente.
—Sente-se. Come.
—Somente há um assento.
—Está esperando uma visita?
Ele olhou.
—De verdade não pode comer nada disto? Nem sequer um mordisco?
—Se o fizesse, somente poderia agüentar uma pequena quantidade no estômago. —Fez-lhe um gesto para que se sentasse.
— Comer os mantimentos dos humanos é somente algo que fazemos pelas aparências.
—De acordo. —Gabrielle se sentou no chão com as pernas cruzadas. Tirou o guardanapo de linho debaixo dos talheres e a colocou em cima do regaço.
— Mas não me parece justo me pôr morada diante de ti.
—Não se preocupe por mim. Já recebi muitas cuidados e cuidados femininos por hoje.
—Como quer.
Ela estava muito faminta para esperar um segundo mais e a comida tinha um aspecto muito delicioso para resistir. Com o garfo, Gabrielle cortou uma parte de manicotti e o degustou em um estado de absoluto êxtase. Comeu a metade do prato em um tempo recorde e somente fez uma pausa para encher a taça de vinho, que também bebeu com um prazer voraz.
Durante todo o tempo Lucan a esteve olhando da cama.
—Está bom? —perguntou-lhe em um momento em que lhe olhava por cima do bordo da taça de vinho enquanto tomava um sorvo.
—Fantástico —murmurou ela e encheu a boca de verduras com vinagrete. Sentia o estômago muito mais tranqüilo agora. Comeu o resto da salada, serviu outro copo do Chianti e se recostou com um suspiro.
— Obrigado por isso. Tenho que dar as graças a Savannah também. Não tinha por que haver-se incomodado tanto.
—Agrada-lhe —disse Lucan com uma expressão atenta mas indescifravel.
— Foi de grande ajuda ontem de noite. Obrigado por cuidar de Rio e dos outros. De mim, também.
—Não tem por que me dizer obrigado.
—Sim, tenho que fazê-lo. —Franziu o cenho e uma pequena ferida que tinha costurada, na frente, inchou-se com o movimento.
— Foi amavel e generosa durante todo o tempo e eu... —interrompeu-se e disse algo inaudível.
— Te agradeço o que tem feito. Isso é tudo.
«OH —pensou ela.
— Isso é tudo.» Inclusive sua gratidão aparecia depois de uma barreira emocional.
De repente se sentiu como uma estranha com ele nesse momento, assim que lhe deu vontade de trocar de tema.
—ouvi que Tegan voltou de uma peça.
—Sim. Mas Dante e Niko estiveram a ponto de destroçá-lo quando lhe viram por ter desaparecido durante a batida.
—O que lhe aconteceu a outra noite?
—Quando as coisas ficaram feias, um dos renegados tentou sair por uma porta traseira do armazém. Tegan lhe perseguiu até a rua. Ia acabar com esse chupão, mas decidiu lhe seguir primeiro para ver aonde ia. Perseguiu-lhe até o velho psiquiátrico que se encontra fora da cidade. Esse lugar estava infestado de renegados. Se havia alguma duvida, agora já estamos seguros de que é uma enorme colônia. Próvavelmente seja o quartel geral desta Costa.
Gabrielle sentiu um calafrio ao pensar que tinha estado nesse psiquiátrico, que tinha estado dentro dele, sem saber que era um refúgio de rénegados.
—Tenho umas quantas fotos do interior. Ainda estão em minha câmara. Não tive tempo das descarregar, ainda.
Lucan tinha ficado imovel e a olhava como se ela houvesse acabado de lhe dizer que tinha estado jogando com amadurecidas. Seu rosto pareceu empalidecer um pouco mais ainda.
—Não somente foi ali mas sim entrou nesse lugar?
Ela se encolheu de ombros, sentindo-se culpado.
—Jesus Cristo, Gabrielle. —Baixou as pernas da cama e ficou sentado ali um momento comprido, simplesmente olhando-a. Demorou um momento em poder pronunciar as palavras.
— eles poderiam ter te matado. Dá-te conta disso?
—Mas não o fizeram —respondeu; uma pobre observação, mas um feito.
—Não é esse o tema. —passou-se as duas mãos pelo cabelo das têmporas.
— Merda. Onde está sua câmara? '
—Deixei-a no laboratório.
Lucan tomou o telefone que tinha ao lado da cama e marcou o número do intercomunicador. Gideon respondeu no outro extremo da linha.
—Né, o que há? Tudo vai bem?
—Sim —disse Lucan, mas estava olhando a Gabrielle.
— Diga a Tegan que deixe o reconhecimento do psiquiátrico de momento. Acabo-me de me interar de que temos fotos do interior.
—Sério? —fez-se uma pausa—. Ah, porra. Quer dizer que ela de verdade entrou nesse maldito lugar?
Lucan a olhou e arqueou uma sobrancelha com uma expressão como de «lhe havia dito».
—Descarrega as imagens da câmara e diga aos outros que nos reunirémos dentro de uma hora para decidir a nova estratégia. Acredito que nos economizamos um tempo crucial com isto.
—Bem. Vemo-nos as quatro.
A chamada terminou com um som do intercomunicador.
—Tegan ia voltar para o psiquiátrico?
—Sim —respondeu Lucan.
— Provavelmente era uma missão suicida, já que ele foi tão louco que insistiu em que se infiltraria sozinho esta noite para conseguir informação sobre o lugar. Embora ninguém ia convencer lhe de que não o fizesse, e muito menos eu.
Levantou-se da cama e começou a inspecionar-se algumas das bandagem. Fez um movimento que lhe abriu o penhoar, mostrando a maior parte do peito e o abdômen. As marca que tinha no peito tinham um pálido tom de henna, viam-se mais claras que a noite anterior. Agora tinham quase a mesma cor que o resto de seu corpo. Torradas e quase sem cor.
—Por que Tegan e você têm tão má relação? —perguntou-lhe sem mover a vista de cima ao atrever-se a lhe fazer essa pergunta que tinha tido na cabeça do momento em que Lucan tinha pronunciado o nome do guerreiro.
— O que aconteceu entre vocês?
Ao princípio pensou que ele não ia dizer nada. Ele continuou inspecionando as feridas, flexionando os braços e as pernas em silêncio. Então, justo no momento em que ela ia desistir, ele disse:
—Tegan me culpa de lhe haver tirado algo que era dele. Algo que ele amava. —Olhou-a diretamente agora:
— Sua companheira de raça morreu. Em minhas mãos.
—Deus santo —sussurrou ela.
— Lucan, como foi?
Ele franziu o cenho e apartou o olhar outra vez.
—As coisas eram diferentes quando Tegan e eu nos conhecemos ao principio. A maioria dos guerreiros decidia não ter nenhuma companheira porque os perigos eram muito grandes.
Naquela época, fomos muito poucos na Ordem, e proteger as nossas famílias era algo muito difícil dado que o combate nos obrigava a estar quilômetros de distância e, freqüentemente, durante muitos meses.
—E os Refúgios Escuros? Não tivessem podido lhes oferecer amparo?
—Havia menos refúgios, também. E ainda eram menos os que ouvessem arriscado a aceitar o risco de albergar a uma companheira de raça de um guerreiro. Nós e nossos seres queridos fomos um branco constante da violência dos renegados. Tegan sabia tudo isto, mas de todas formas estabeleceu um vínculo com uma fêmea. Não muito tempo depois, ela foi capturada pelos renegados. Torturaram-na. violaram-na. E antes de devolve-la ele, chuparam-lhe quase todo o sangue. Ela se haviabía ficado vazia; pior que isso, converteu-se em uma servente do renegado que a tinha destroçado.
—OH, Meu Deus —exclamou Gabrielle, horrorizada.
Lucan suspirou, como se o peso dessas lembranças fora muito para ele.
—Tegan se voltou louco de fúria. Comportou-se como um animal, assassinando tudo aquilo que encontrava ao seu passo. Acostumava a estar tão coberto de sangue que muitos pensavam que se banhava nela. Se recriava em sua fúria e, durante um ano, negou-se a aceitar o fato de que sua companheira de raça tinha perdido a cabeça para sempre. Continuou alimentándo-a de suas veias, sem querer ver sua degradação. Alimentava-se para alimentar a ela. Não lhe importava o fato de que se estava precipitando para a sede de sangue. Durante todo esse ano desafiou a lei da raça e não a tirou de seu sofrimento. Quanto a Tegan, estava-se voltando pouco a pouco em um renegado. Terei que fazer algo...
Gabrielle terminou a frase que ele tinha deixado incompleta.
—E como líder, foi tua responsabilidade entrar em ação.
Lucan assentiu com expressão triste.
—Coloquei a Tegan em uma cela de grossos muros de pedra e utilizei a espada com sua companheira de raça.
Gabrielle fechou os olhos ao perceber seu arrependimento.
—OH, Lucan...
—Tegan não foi liberado até que seu corpo ficou limpo da sede de sangue. Fizeram falta muitos meses de passar fome e de sofrer uma completa agonia para que pudesse sair da cela por seu próprio pé. Quando soube o que eu tinha feito, acreditei que tentaria me matar. Mas não o fez. Tegan que eu conhecia não foi o que saiu dessa cela. Era alguém muito mais frio. Nunca o há dito, mas sei que me odeia desde esse momento.
—Não tanto como você odeia a você mesmo.
Ele tinha as mandíbulas apertadas com força e uma expressão tensa no rosto.
—Estou acostumado a tomar decisões difíceis. Não tenho medo de assumir as tarefas mais duras, nem de ser o objetivo da raiva, inclusive do ódio, por causa das decisões que tomo para a melhora da raça. Importa-me um nada tudo isso.
—Não, não é verdade —disse ela com suavidade—. Mas teve que fazer mau a um amigo, e isso foi um grande peso para ti durante muito, muito tempo.
Ele a olhou com intenção de discutir, mas possivelmente não tinha a força necessaria para isso. Depois de tudo pelo que tinha passado se sentia cansado, destroçado, embora Gabrielle não acreditava que ele estivesse disposto a admiti-lo, nem sequer ante ela.
—Você é um homem bom, Lucan. Tem um coração muito nobre debaixo dessa dura armadura.
Ele emitiu um grunhido irônico.
—Somente alguém que me conheça desde umas poucas semanas atrás pode cometer o engano de pensar isto.
—De verdade? Pois eu conheço uns quantos aqui que lhe diriam o mesmo. Incluindo Conlan, se estivesse vivo.
Ele franziu o cenho com expressão atormentada.
—O que sabe você disso?
—Danika me contou o que fez por ele. Que lhe levou acima durante a saída do sol. Para lhe honrar, queimou-te.
—Jesucristo —exclamou ele em tom cortante, ficando imediatamente em pé. Começou a caminhar acima e abaixo em um estado de grande excitação e ao final se deteve repentinamente ao lado da cama. Falou com voz rouca, como um rugido quase incontrolável.
— A honra não teve nada que ver com isso. Quer saber por que o fiz? Foi por um terrível sentimento de culpa. A noite da bomba na estação de trem eu tinha que ter estado cumprindo com essa missão ao lado do Niko, e não Colan. Mas não te podia tirar de minha cabeça. Pensei que, possivelmente, se te tinha. .. se finalmente entrava dentro de você... isso satisfaria minha ânsia e poderia continuar adiante, te esquecer. Assim que essa noite fiz que Conlan fora em meu lugar. Tivesse tido que ser eu, e não Conlan. Tinha que ter sido eu.
—Meu Deus, Lucan. É incrível. Sabia? —Deixou cair as mãos com força em cima da mesa e emitiu uma gargalhada furiosa.
— por que não pode te relaxar um pouco?
Essa reação incontrolada lhe chamou a atenção como nenhuma outra coisa o tinha feito. Deixou de caminhar de um lado a outro e a olhou.
—Você sabe por que —repôs com tom tranqüilo agora.
— Você sabe melhor que ninguém. —Meneou a cabeça com uma expressão de desgosto consigo mesmo nos lábios.
— Resulta que Eva também sabia algo à respeito.
Gabrielle recordou a impactem cena da enfermaria. Todo mundo se tinha ficado horrorizado ante os atos da Eva, e assombrado pelas loucas acusações contra Lucan. Todos menos ele.
—Lucan, o que ela disse...
—Tudo é certo, tal e como você mesma viu. Mas você ainda me defendeu. Foi a segunda vez que ocultaste minha debilidade ante outros. —Franziu o cenho e girou a cara.
— Não vou pedir te que o faça outra vez. Meus problemas são minha coisa.
—E precisa solucioná-los.
—O que preciso é me vestir e jogar uma olhada a essas imagens que Gideon está descarregando. Se nos oferecerem a informação suficiente sobre a distribuição do psiquiátrico, podemos atacar esse lugar esta noite.
—O que quer dizer, atacá-lo esta noite?
—Acabar com ele. Fechá-lo. Fazê-lo voar pelos ares.
—Não é possível que fale a sério. Você mesmo há dito que possívelmente esteja cheio de renegados. De verdade crie que você e três tipos mais vão sobreviver se lhes enfrentam a um número desconhecido deles?
—Temos feito antes. E seremos cinco —disse, como se isso o fosse distinto.
— Gideon há dito que quer participar do que façamos. Vai ocupar o lugar de Rio.
Gabrielle se burlou, incrédula.
—E o que me diz de você? Quase não te tem em pé.
—Estou caminhando. Estou o bastante bem. Eles não esperam que contrataquemos tão logo, assim é o melhor momento para dar o golpe.
—Deve ter perdido a cabeça. Precisa descansar, Lucan. Não está em condições de fazer nada até que não recupere a força. Precisa te curar. —Observou que ele apertava as mandíbulas: um tendão lhe marcou por debaixo de uma de suas esbeltas bochechas. A expressão de seu rosto era mais dura do habitual, seus rasgos pareciam muito afilados.
— Não pode sair aí fora tal como está.
—Hei dito que estou bem.
Pronunciou as palavras precipitadamente e em um tom rouco e gutural. Voltou a olhá-la e seus olhos chapeados se viam atravessados por umas brilhantes línguas de cor âmbar, como se o fogo lambesse o gelo.
—Não o está. Nem muito menos. Precisa te alimentar. Seu corpo sofreu muito ultimamente. Precisa te nutrir.
Gabrielle sentiu que uma onda fria alagava a habitação e soube que próvinha dele. Estava provocando sua fúria. Lhe tinha visto em seus piores momentos e tinha vivido para contá-lo, mas possivelmente agora estava pressioando muito. dava-se conta de que ele estava inquieto e tenso e de que se controlava com força desde que a tinha levado a complexo. Agora ele estava no fio, perigosamente; de verdade queria ser ela quem lhe empurrasse ao outro lado da linha de seu autocontrole?
«A merda.» Possivelmente era isso o que fazia falta.
—Tem o corpo destroçado agora, Lucan, não somente por causa das feridas. Está débil. E tem medo.
—Medo. —Dirigiu-lhe um olhar frio e depreciativo, com um sarcasmo gelado.
— Do que?
—De você mesmo, para começar. Mas acredito que inclusive tem mais medo de mim.
Ela esperava uma refutação foto instantânea, fria e desagradável, acorde com a sombria raiva que emanava dele como a gelada. Mas ele não disse nada. Olhou-a durante um comprido momento, logo se deu a volta e se alojo, um pouco tenso, em direção a um armário alto que havia ao outro extremo da habitação.
Gabrielle permaneceu sentada no chão e lhe observou abrir abruptamente as gavetas, tirar umas roupas e as lançar sobre a cama.
—O que está fazendo?
—Não tenho tempo de discutir isto contigo. Não tem sentido.
Um armário alto que continha armas se abriu antes de que ele o tocasse: suas comporta se deslizaram ao redor das dobradiças com uma violenta sacudida. ele se aproximou a passo lento e estirou uma prateleira dobradiça. Em cima da superfície de veludo da prateleira havia pelo menos uma dúzia de adagas e outras armas brancas de aspecto letal ordenadas em filas. Com um gesto descuidado, Lucan tomou duas grandes facas embainhadas em pele. Abriu outro das prateleiras e escolheu uma pistola de aço inoxidável gentil que parecia saída de um terrível filme de ação.
— Como você não gosta do que estou dizendo vais sair fugindo? —ele nem a olhou nem soltou nenhuma maldição como resposta. Não, ignorou-a por completo, e isso a tirou de gonzo completamente.
— Adiante, pois. Finge que é invencível, que não está morto de medo de deixar que alguem se preocupe de ti. Escapa de mim. Isso somente demonstra que tenho razão.
Gabrielle sentiu uma absoluta desesperança enquanto Lucan tirava a munição do armário e a introduzia no carregador da pistola. Nada do que ela pudesse dizer ia deter lhe. Sentia-se necessitada, como se intentasse rodear com os braços uma tormenta.
Apartou o olhar dele e dirigiu os olhos a mesa frente à qual estava sentada, Aos pratos e aos talheres que tinha diante. Viu uma faca limpa em cima da mesa; polida a folha brilhava.
Não podia lhe reter com palavras, mas havia outra coisa...
Subiu a manga larga da bata. Com muita tranqüilidade, com a mesma determinação atrevida de que se valeu centenas de vezes anteriormente, Gabrielle tomou a faca e apertou o fio contra a parte mais carnuda de seu antebraço. Realizou pouca pressão, um muito ligeiro corte sobre sua pele.
Não soube qual dos sentidos de Lucan foi o que reagiu primeiro, mas levantou a cabeça imediatamente e soltou um rugido. Ela se deu conta de que o que tinha feito ressonava em cada um dos móveis da habitação.
—Maldita seja... Gabrielle!
A folha saiu voando de sua mão, chegou ao outro extremo da habitação e foi cravar se até o punho na parede mais afastada da mesma.
Lucan se moveu com tanta rapidez que ela quase não pôde perceber seus movimentos. Um momento antes ele tinha estado em pé a uns metros de distância da cama e ao cabo de um instante uma de suas enormes mãos lhe sujeitava os dedos e atirava dela para que ficasse em pé. O sangue emanava pela fina linha do corte, suculenta, de uma profunda cor carmesí, e gotejava ao longo de seu braço. A mão de Lucan ainda sujeitava com força a sua.
Ele, ao seu lado, parecia uma muito alta torre escura e ardente de fúria.
O peito agitado, as fossas nasais dilatadas enquanto seu fôlego saía e entrava em seus pulmões. Seu formoso rosto estava contraído por causa da angústia e a indignação, e seus olhos ardiam com o inconfundível calor da sede. Não ficava nem rastro de sua cor cinza e suas pupilas se esgotaram formando duas finas linhas negras. As presas lhe haviam alargado e as pontas, afiadas e brancas, brilhavam por debaixo do depravaso sorriso de seus lábios.
—Agora tenta dizer que não necessita o que te estou oferecendo —lhe sussurrou ela com ferocidade.
O suor aparecia a frente enquanto observava a ferida fresca e o sangue. Lambeu-se os lábios e pronunciou uma palavra em outro idioma.
Não soou amistosa.
—por que? —perguntou, em tom acusador.
— Por que me faz isto?
—De verdade não sabe? —Lhe agüentou o furioso olhar, acalmando sua raiva enquanto umas gotas de sangue salpicavam com uma cor carmesí a brancura da bata.
— Porque te amo, Lucan. E isto é quão único posso te dar.
Capítulo vinte e nove
Lucan acreditava que sabia o que era a sede. Acreditava que conhecia a fúria e o desespero —o desejo, também— mas todas as míseras emoções que tinha sentido durante sua eterna vida se desfizeram como o pó quando olhou aos desafiantes olhos marrons de Gabrielle.
Tinha os sentidos embargados, afogados no doce aroma de jasmim de seu sangue, essa fonte perigosamente perto de seus lábios. De um brilhante cor vermelha, denso como o mel, um fio carmesim brotava pela pequena ferida que ela se fez.
—Amo-te, Lucan. —Sua suave voz se abriu passo Através do som dos batimentos do coração de seu próprio coração e da imperiosa necessidade que agora lhe atendia.
— Com ou sem vínculo de sangue, amo-te.
Ele não podia falar, nem sequer sabia o que houvesse dito se sua garganta seca tivesse sido capaz de emitir alguma palavra. Com um grunhido selvagem, separou-a dele, muito fraco para permanecer ao lado dela agora que sua parte escura lhe empurrava a fazê-la sua dessa forma firme e errevogavel.
Gabrielle caiu sobre a cama; a bata com muita dificuldade cobria sua nudez. Umas brilhantes mancha lhe salpicavam a manga branca e a lapela. Tinha outra mancha vermelha sobre a coxa, de uma vivido cor escarlate que contrastava com o tom de sua pele.
Deus, como desejava levar os lábios até essa sedosa ferida na carne, e por todo seu corpo. Somente o seu.
«Não.»
A ordem lhe saiu em um tom tão seco como as cinzas. Sentia o ventre atendido pela dor, retorcido e como cheio de nós. O fazia desfalecer. Os joelhos lhe falharam assim que tentou dár a volta para apartar essa imagem tentadora dela, aberta e sangrando, como um sacrificio devotado a ele.
Deixou-se cair sobre o tapete do chão, uma massa inerte de músculo e ossos, lutando contra uma necessidade que não tinha conhecido até esse momento. Lhe estava matando. Esta ânsia dela, como se sentia desgarrado ao pensar que ela podia estar com outro macho.
E além disso, a sede.
Nunca tinha sido tão intensa como quando Gabrielle estava perto. E agora que seus pulmões se encheram com o perfume de seu sangue, sua sede era devoradora.
—Lucan...
Ele percebeu que ela se separava da cama. As suaves pisadas de seus pés soaram no tapete e estes apareceram lentamente ante sua vista, as unhas pintadas como a fina laca de umas conchas. Gabrielle se agachou ao seu lado. Ele sentiu a suavidade da mão dela em seu cabelo, e logo a sentiu sob seu queixo, levantando a cabeça para lhe olhar ao rosto.
—Bebe de mim.
Ele apertou os olhos com força, mas foi um intento débil de rechaçar o que lhe oferecia. Não tinha a força necessária para lutar contra a força tenra e incessante dos braços dela, que agora lhe atraíam para si.
Lucan cheirava o sangue no pulso dela: cheiraria tão de perto lhe despertou uma furiosa corrente de adrenalina que lhe atravessou. A boca lhe fez água, as presas lhe alargaram mais, esticando as gengivas. Provocou mais lhe levantando o torso do chão. Com uma mão se apartou o cabelo a um lado tirando o chapéu o pescoço para ele.
Ele se removeu, mas lhe sujeitou com firmeza. Atraiu-lhe mais para ela.
—Bebe, Lucan. Toma o que necessite.
Inclinou-se para frente até que somente houve um sopro de ar entre os relaxados lábios dele e o delicado pulso que pulsava debaixo a pele pálida debaixo de sua orelha.
—Faz-o —sussurrou ela, e lhe atraiu para si.
Pressionou os lábios com força contra seu pescoço.
Ele agüentou nessa posição durante uma eternidade de angústia. Mas somente demorou uma fração de segundo em pôr a ceva. Lucan não estava seguro. Do único que era consciente era do quente contato da pele dela em sua língua, do batimento do coração de seu coração, da rapidez de sua respiração. Do único que era consciente era do desejo que sentia por ela.
Não ia rechaçar o mais.
Desejava-a, desejava-o tudo dela, e a besta se desatou e já era impossível ter piedade.
Abriu a boca... e cravou as presas na flexível carne de seu pescoço.
Ela afogou uma exclamação ao sentir a repentina penetração de seus dentes, mas não lhe soltou, nem sequer quando notou que ele tragava pela primeira vez o sangue de sua veia aberta.
O sangue se precipitou dentro da boca de Lucan, quente e com um sabor terroso, delicioso. Era muito superior Ao que teria imaginado nunca.
Depois de viver durante novecentos anos, finalmente sabia o que era o céu.
Bebeu com urgência, em quantidade, com uma sensação de necessidade que lhe transbordava enquanto saciava do sangue da Gabrielle lhe descia pela garganta e penetrava a carne, os ossos e as células. O pulso acelerou, sentiu-se renascer, o sangue voltou a correr pelas pernas e lhe curou as feridas.
O sexo tinha despertado com o primeiro sorvo; agora pulsava com força entre as pernas. Exigia inclusive uma maior posse.
Gabrielle lhe acariciava o cabelo, sujeitava-lhe contra ela enquanto ele bebia. Gemeu com cada uma das chupadas de seus lábios, sentia que lhe desfazia o corpo. Seu aroma se fez mais escuro e úmido A causa do desejo.
—Lucan —disse quase sem fôlego, estremecendo-se.
— OH, Deus...
Com um grunhido sem palavras, empurrou-a contra o chão, debaixo dele. Bebeu mais, perdendo-se no erótico calor do momento com uma desesperada e frenezi que lhe aterrorizou.
«Minha», pensou, sentindo-se profundamente selvagem e egoísta.
Agora era muito tarde para deter-se.
Esse beijo lhes tinha amaldiçoado aos dois.
Enquanto que a primeira dentada lhe tinha provocado uma comoção, a aguda dor se dissipou rapidamente para converter-se em uma sensação suntuosa e embriagadora. Sentiu o corpo alagado pelo prazer, como se cada larga chupada dos lábios de Lucan lhe injetasse uma corrente de calidez no corpo que lhe chegava até o mesmo centro e lhe acariciava a alma.
ele a levou até o chão com ele, as batas se entreabriram e a cobriu com seu corpo nu. Notou as mãos dele, ásperas, que lhe sujeitavam a cabeça para um lado enquanto bebia dela. Sem fazer caso da dor que as feridas lhe pudessem estar fazendo, pressionou seu peito nu contra seus peitos. Seus lábios não se separaram de seu pescoço nem um momento. Gabrielle sentia a intensidade da necessidade dele a cada chupada.
Mas sentia sua força, também. Estava-a recuperando, pouco a pouco, graças a ela.
—Não te detenha —murmurou ela, pronunciando com lentidão por causa do êxtase que crescia em seu interior a cada movimento de seus lábios.
— Não vais fazer me danifico, Lucan. Confio em ti.
O som úmido e voraz que provocava sua sede era o mais erótico que tinha conhecido nunca. Adorava sentir o calor dos lábios dele em cima de sua pele. Os arranhões que lhe provocavam as presas dele enquanto se enchia a boca com seu sangue lhe resultavam perigosos e excitantes.
Gabrielle já se deslizava para um orgasmo dilacerador no momento em que notou a grosa cabeça da ereção de Lucan lhe pressionando o sexo. Estava úmida, desejando dolorosamente. Ele a penetrou com uma investida que a encheu por completo com um calor vulcânico e potente que detonou dentro dela ao cabo de um instante. Gabrielle gritou enquanto ele a investia com força e depressa, sentindo os braços dele que a aprisionavam, apertando-a com força. Investia a um ritmo amalucado, empurrado por uma força de puro e magnífico desejo.
Mas permaneceu grudado em seu pescoço, empurrando-a para uma doce e feliz escuridão.
Gabrielle fechou os olhos e se deixou flutuar envolta em uma formosa nuvem de cor obsidiana.
Como desde muito longe notou que Lucan se retorcia e investia em cima de seu corpo com urgência, que todo seu corpo vibrava pela potência do climax. Emitiu um grito áspero e ficou completamente imovel.
A deliciosa pressão no pescoço se afrouxou de forma abrupta e logo depois desapareceu, deixando uma grande frieza a seu passo.
Gabrielle, que ainda se sentia alagada pela embriaguez de notar a Lucan dentro dela, levantou as pálpebras, pesados. Lucan estava colocado de joelhos em cima dela e a olhava como se ficou gelado. Tinha os lábios de um vermelho brilhante e o cabelo revolto. Seus olhos selvagens lançavam brilhos de cor âmbar, de tão brilhantes. A cor de sua pele parecia mais saudável e o labirinto de marcas que lhe cobriam os ombros e o torso tinha um brilho de um tom carmesim escuro.
—O que acontece? —perguntou-lhe, preocupada—. Está bem?
Ele não falou durante um comprido momento.
—Jesucristo. —Sua voz grave soou como um grunhido trêmulo, de uma forma que não lhe tinha ouvido antes. Tinha o peito agitado.
— Acreditei que estava... acreditei que te havia...
—Não —lhe disse ela, fazendo um gesto negativo com a cabeça e com uma expressão preguiçosa e saciada.
— Não, Lucan. Estou bem.
Ela não compreendeu o que significava a expressão intensa dele, mas ele não a ajudou. separou-se dela. Seus olhos, que se tinham transformado, mostravam uma expressão de dor.
Gabrielle sentia o corpo frio e vazio sem o calor dele. sentou-se e se esfregou para fazer-se passar um repentino calafrio.
—Está bem —lhe tranqüilizou—. Tudo está bem.
—Não. —O negou com a cabeça e ficou em pé—. Não. Isto foi um equívoco.
—Lucan...
—Não devi ter permitido que isto acontecesse! —gritou.
Emitiu um grunhido de fúria e se dirigiu aos pés da cama para agarrar suas roupas. Colocou uma calça de camuflagem negra e uma camiseta de algodão, logo tomou suas armas e suas botas e abandonou a habitação com uma fúria tempestuosa e ardente.
Lucan quase não podia respirar por causa da força com que o coração lhe pulsava no peito.
No momento em que sentiu que Gabrielle ficava inerte debaixo dele enquanto ele bebia dela, atravessou-lhe um medo descarnado que o desgaro por completo.
Enquanto ele bebia febrilmente de seu pescoço, lhe havia dito que confiava nele. Sentiu que o incentivo da sede de sangue lhe aguilhoava o corpo enquanto o sangue de Gabrielle lhe enchia. O som de sua voz tinha suavizado a dor, em parte. Ela se tinha mostrado tenra e cuidadosa: seu tato, sua emoção nua, sua mesma presença, tinha-lhe dado forças no momento em que sua parte animal tinha estado a ponto de tomar as rédeas.
Ela confiava em que não lhe faria mal, e essa confiança lhe tinha dado forças.
Mas então tinha notado que ela se desvanecia e temeu... Deus, quanto medo tinha sentido nesse instante.
Esse medo ainda lhe apertava, um terror escuro e frio a lhe fazer mal, a que poderia matá-la se permitia que as coisas chegassem mais longe do que o tinham feito.
Porque, por muito que ele a tivesse afastado e por muito que houvesse negado, lhe pertencia. Ele pertencia a Gabrielle, em corpo e alma, e não simplesmente pelo fato de que seu sangue lhe estivesse nutrindo nesse momento, estivesse-lhe curando as feridas e fortalecendo o corpo. Ele se tinha unido a ela muito antes desse momento. Mas a prova irrefutável disso tinha aparecido nesse funesto instante, fazia um momento, assim que temeu que podia havê-la perdido.
Amava-a.
Da parte mais profunda e solitária de si mesmo, amava a Gabrielle.
E queria tê-la em sua vida. De forma egoísta e perigosa, não havia nada que desejasse mais que tê-la ao seu lado para o resto de seus dias.
Dar-se conta disso lhe fez cambalear, ali, no corredor, diante do laboratório técnico. Na verdade, quase lhe fez cair de joelhos.
—Né, calma. —Dante se aproximou de Lucan quase sem avisar e lhe sujeitou por debaixo dos braços.
— Porra. Tem um aspecto infernal.
Lucan não podia falar. As palavras estavam além dele.
Mas Dante não necessitava nenhuma explicação. Jogou uma olhada ao seu rosto e a suas presas alargadas. As fossas nasais dilataram ao sentir o aroma de sexo e a sangue. Deixou escapar um assobio baixo e nos olhos desse guerreiro apareceu um brilho de ironia.
—Não pode ser certo... uma companheira de sangue, Lucan? — riu, meneando a cabeça enquanto lhe dava umas palmadas a Lucan no ombro.
— Porra. Melhor que seja você e não eu, irmão. Melhor você que eu.
Capítulo trinta
Três horas mais tarde, quando a noite era completa ao seu redor, Lucan e os outros guerreiros se encontravam preparados e sentados em um veículo de vigilância negro na rua, a uns oitocentos metros do velho psiquiátrico.
As fotografias de Gabrielle tinham sido de grande utilidade para planejar o golpe contra a guarita dos renegados. Além de várias fotografias exteriores do ponto de acesso da planta baixa, fez fotos interiores da habitação das caldeiras, de vários corredores, de escadas e inclusive algumas que inadvertidamente mostravam umas câmeras de segurança a rede que teriam que ser desativadas quando os guerreiros ganhassem acesso a esse lugar.
—Entrar vai ser a parte fácil —disse Gideon, enquanto o grupo estava a revisar por última vez a operação.
— Interromperei o sinal de segurança das câmeras da planta baixa mas, quando estivermos dentro, colocar essas duas dúzias de barras de C4 nos pontos críticos sem alertar a toda a colônia de chupões vai ser um pouco mais difícil.
—Por não mencionar o problema da publicidade não desejada dos humanos —disse Dante.
— O que é o que está fazendo que Niko tarde tanto em localizar esses tubos de gás?
—Aí vem —disse Lucan, ao ver a figura escura do vampiro que se acercava ao veículo de vigilância da fila de árvores da rua.
Nikolai abriu a porta traseira e subiu depois de Tegan. tirou o capuz negro e seus invernais olhos azuis faiscaram de excitação.
—É um caramelo. A linha principal está em uma caixa do extremo leste do complexo. Possivelmente esses chupões não necessitem calefação, mas o serviço público lhes subministra um montão de gás.
Lucan olhou os olhos ansiosos do guerreiro.
—Então entramos, deixamos nossos presentes, limpamos o lugar...
Niko assentiu com a cabeça.
—Me façam um sinal quando a merda esteja em seu lugar. Moverei o tubo principal e logo farei detonar o C4 quando todos estejam aqui de volta. Aparentemente será como se uma fuga de gás tivesse causado a explosão. E se os corpos de segurança querem meter-se nisto, estou seguro de que as fotos de Gabrielle dos grafites dos grupos farão que esses humanos farejem em círculos durante um tempo.
Enquanto, os guerreiros teriam mandado uma importante mensagem a seus inimigos, especialmente ao vampiro de primeira geração que Lucan suspeitava se encontrava ao mando desta nova sublevação dos renegados. Fazer voar o quartel general seria um convite suficiente para que esse bode saísse ao ar livre e começasse a dançar.
Lucan estava ansioso por começar. Inclusive estava mais ansioso por terminar com a missão dessa noite porque tinha um assunto por terminar quando voltasse para o complexo. Odiava ter deixado a Gabrielle dessa maneira e sabia que ela devia sentir-se confusa e, provavelmente, mais que inquieta.
Ficaram coisas por dizer, seguro, coisas nas que ele não tinha estado preparado para pensar muito e, muito menos, para as falar com ela nesse momento em que a surpreendente realidade de seus sentimentos por ela assaltou.
Agora tinha a cabeça cheia de planos.
Planos imprudentes, estúpidos e esperançosos, todos eles centrados nela.
No interior do veículo, ao seu redor, outros guerreiros estavam comprovando seu equipamento, carregando as barras de C4 dentro de bolsas com cremalheiras e realizando os ajustes finais aos auriculares e os micros que lhes permitiriam estar em contato uns com os outros quando chegassem ao perímetro do psiquiátrico e se separassem para colocar os explosivos.
—Esta noite vamos fazer isto por Rio —disse Dante_ enquanto fazia voltear suas facas curvadas entre os dedos enluvados e os introduzia nas capas que levava no quadril.
— Chegou o momento da vingança.
—Porra, sim —respondeu Niko, ao qual outros se ecoaram.
Quando se dispunham a sair pelas portas, Lucan levantou uma mão.
—Um momento. —A tristeza de seu tom de voz lhes fez deter-se.
— Há uma coisa que têm que saber. Dado que estamos a ponto de entrar aí e que é provável que nos dêem uma boa surra, suponho que este é um momento tão bom como qualquer outro para ser claro com vocês a respeito de um par de coisas... e necessito que cada um de vocês me façam uma promessa.
Olhou os rostos de seus irmãos, esses guerreiros que tinham estado lutando ao seu lado durante tanto tempo que parecia uma eternidade. Eles sempre lhe tinham cuidadoso como à um líder, tinham crédulo nele para que tomasse as decisões mais difíceis, sempre se tinham sentido seguros de que ele saberia como decidir uma estratégia ou como tomar uma decisão.
Agora duvidava, sem saber por onde começar. Esfregou-se a mandíbula e deixou escapar um forte suspiro.
Gideon lhe olhou com o cenho franzido e expressão de preocupação.
—Vai tudo bem, Lucan? Recebeu um bom golpe na emboscada da outra noite. Se não quiser participar disto...
—Não. Não é isso. Estou bem. Minhas feridas estão curadas... graças a Gabrielle —disse.
— Faz um momento, hoje, ela e eu...
—Não me diga —respondeu Gideon ao ver que Lucan se interrompia. Foder com o vampiro, mas estava .
—Bebeste dela? —perguntou Niko.
Tegan soltou um grunhido do assento traseiro.
—Essa fêmea é uma companheira de raça.
—Sim —respondeu Lucan com calma e seriedade—. E se me permitir isso, lhe vou pedir que me aceite como companheiro.
Dante lhe olhou, zombador, com uma expressão de risonha exasperação.
—Felicidades, cara. De verdade.
Gideon e Niko responderam de maneira similar e lhe deram umas palmada nas costas.
—Isso não é tudo.
Quatro pares de olhos se cravaram nele: todo mundo lhe olhava na espera séria exceto Tegan.
—A outra noite, Eva tinha umas quantas coisas que dizer de mim... —Imediatamente se levantaram uns protestos por parte de Gideon, Niko e Dante. Lucan continuou falando apesar dos grunhidos de irritação.
— A traição a Rio e a nós é indesculpável, sim. Mas o que disse de mim... era a verdade.
Dante lhe olhou com suspicácia.
—Do que está falando?
—Da sede de sangue —respondeu Lucan. A palavra soou com força no silêncio do interior do veículo.
— É... bom, é um problema para mim. È a muito tempo tempo. Estou-o dirigindo, mas algumas vezes... —Baixou a cabeça e olhou ao chão do veículo.
— Não sei se poderei vencê-la. Possivelmente, com Gabrielle a meu lado, possivelmente tenha uma oportunidade. Vou lutar como um demônio, mas se piorar...
Gideon cuspiu uma obscenidade.
—Isso não vai acontecer, Lucan. De todos os que estamos aqui sentados, você é o mais forte. Sempre o foste. Nada te pode tombar.
Lucan negou com a cabeça.
—Já não posso continuar fingindo que sou o que sempre controla. Estou cansado. Não sou invencível. Depois de novecentos anos de viver com esta mentira, Gabrielle não demorou nem duas semanas em desmascarar-me. Obrigou-me a ver como sou de verdade. Eu não gosto muito o que vejo, mas quero ser melhor... por ela.
Nico franziu o cenho.
—Porra, Lucan. Está falando de amor?
—Sim —disse ele com solenidade.
— Eu estou fazendo. A amo. E é por isso que tenho que lhes pedir uma coisa. A todos.
Gideon assentiu.
—Diga-o.
—Se as coisas ficarem feias comigo... em algum momento, logo, ou na rua... tenho que saber que conto com vocês, meninos, para que me apóiem. Se virem que me perco na sede de sangue, se creem que vou voltar me... Necessito sua palavra de que vão acabar comigo.
—O que? —exclamou Dante.
— Não pode nos pedir isso, cara.
—Me escutem. —Não estava acostumado a suplicar. Pronunciar essa petição era como suportar cascalho na garganta, mas tinha que faze-lo. Estava cansado de suportar sozinho esse peso. E o último que desejava era ter medo de que em um momento de debilidade pudesse lhe fazer algum mal a Gabrielle.
— Tenho que ouvir seus juramentos. O de cada um de vocês. Prometam-me isso .
—Merda —disse Dante, lhe olhando boquiaberto. Mas ao final assentiu com a cabeça e com expressão grave.
— Sim. De acordo. Está fodidamente louco, mas de acordo.
Gideon meneou a cabeça, logo levantou o punho e fez chocar os nodulos contra os de Lucan.
—Se isso for o que quer, tem-no. Juro-lhe isso, Lucan.
Niko pronunciou sua promessa também:
—Esse dia não chegará nunca, mas se o faz, sei que você fara o mesmo por qualquer de nós. Assim sim, tem minha palavra.
O qual deixava somente a Tegan por fazê-lo, que se encontrava sentado no assento traseiro com atitude estóica.
—E você, Tegan? —perguntou Lucan, dando-a volta para olhar aos olhos verdes e impassíveis.
— Posso contar contigo nisto?
Tegan lhe olhou larga e silenciosamente com atitude pensativa.
—Claro, cara. Porra, o que diga. Se te converter nisso, estarei em primera linha para acabar contigo.
Lucan assentiu com a cabeça, satisfeito, e olhou os rostos sérios de seus irmãos.
—Jesus —exclamou Dante quando o denso silêncio do veículo lhe fez interminável.
—Todo este sentimentalismo me está pondo impaciente por matar. Que tal se deixarmos de nos fazer palhas e vamos fazer voar o teto a esses chupões?
Lucan sorriu em resposta ao sorriso arrogante do vampiro.
—Vamos a isso .
Os cinco guerreiros da raça, vestidos de negro da cabeça aos pés, saíram do veículo como um só homem e começaram a aproximar-se sigilosamente ao psiquiátrico, ao outro lado das árvores, banhados pela luz da lua.
Capítulo trinta e um
— Vamos, vamos. Abra, porra!
Gabrielle estava sentada ante o volante de um cupé BMW negro e esperava com impaciência a que a enorme porta de entrada do terreno do complexo se abrisse e a deixasse sair. Desgostava-lhe que a tivessem obrigado a levar o carro sem permissão, mas depois do que tinha acontecido com Lucan estava desesperada por partir. Dado que todo o terreno estava rodeado por uma cerca elétrica de alta voltagem, somente ficava uma alternativa.
Já pensaria em alguma maneira de devolver o carro uma vez estivesse em casa.
Uma vez que se encontrasse de volta ao lugar ao que verdadeiramente pertencia.
Essa noite tinha dado a Lucan tudo o que tinha podido, mas não era suficiente. Preparou-se a si mesmo para a eventualidade de que ele a apartasse e resistisse a seus intentos de lhe amar, mas não havia nada que pudesse fazer se ele decidia rechaçá-la. Como tinha feito essa noite.
Tinha-lhe dado seu sangue, seu corpo e seu coração, e ele a havia rechaçado.
Agora já não ficava energia.
Já não podia lutar.
Se ele estava tão decidido a permanecer sozinho, quem era ela para obriga-lo a trocar? Se ele queria isolar-se, tinha muito claro que não ia ficar ali para esperar a vê-lo.
Iria à casa.
Ao fim, as pesadas portas de ferro se abriram e permitiram lhe sair. Gabrielle acelerou e saiu a toda velocidade para a rua silenciosa e escura. Não tinha uma idéia muito clara de onde se encontrava até que, depois de conduzir uns três quilômetros, encontrou-se em um cruzamento conhecido. Girou a esquerda pelo Charles Street em direção a Beacon Hill e se deixou conduzir, aturdida, pelo piloto automático.
Quando estacionou o carro na esquina de fora de seu apartamento, seu edifício lhe pareceu muito mais pequeno. Seus vizinhos tinham as luzes acesas mas, apesar do resplendor dourado no ambiente, esse edifício de tijolo lhe pareceu sombrio.
Gabrielle subiu as escadas da fachada e procurou as chaves no bolso. A mão tropeçou com uma pequena adaga que levou do armário das armas de Lucan: a tinha levado como defesa em caso de que se encontrasse com problemas em seu caminho a casa.
Quando entrou e acendeu a luz do vestíbulo, o telefone estava soando. Deixou que a secretária eletrônica respondesse e se deu a volta pra fechar todos os ferrolhos e passadores da porta.
Da cozinha ouviu a voz entrecortada da Kendra que lhe deixava uma mensagem.
—É de muito má educação por sua parte me ignorar desta maneira, Gabby. —A voz de seu amiga soava extranhamente estridente. Estava zangada.
— Tenho que ver-te. É importante. Você e eu temos que falar, de verdade.
Gabrielle se dirigiu a sala de estar e notou todos os espaços vazios que tinham ficado depois de que Lucan tivesse tirado as fotografias das paredes. Parecia que tinha passado um ano da noite em que ele foi a seu apartamento e lhe contou a assombrosa verdade a respeito de si mesmo e da batalha que estava fazendo estragos entre os de sua classe.
«Vampiros», pensou, surpreendida ao dar-se conta de que essa palavra já não a surpreendia.
Provavelmente havia muito poucas coisas que pudessem surpreendê-la já nesses momentos.
E já não tinha medo de perder a cabeça, como lhe tinha acontecido a sua mãe. Inclusive essa trágica história tinha cobrado um significado novo agora. Sua mãe não estava louca absolutamente. Era uma moça aterrorizada que se viu apanhada em uma situação violenta que muito poucos humanos seriam capazes de conceber.
Gabrielle não tinha intenção de permitir que essa mesma situação violenta a destruíra. Pelo menos agora estava em casa e já pensaria em alguma maneira de recuperar sua antiga vida.
Deixou a bolsa em cima da mesa e foi até o contestador automático. O indicador de mensagens piscava e mostrava o número dezoito.
—Deve ser uma brincadeira —murmurou, apertando o botão de reprodução.
Enquanto a máquina ficava em funcionamento, Gabrielle se dirigiu ao banho para inspecionar o pescoço. A mordida que Lucan havia lhe dado debaixo da orelha tinha um brilho vermelho escuro e se encontrava ao lado da lágrima e da lua crescente que a assinalavam como companheira de raça. Tocou-se as duas ferroadas e o hematoma que Lucan lhe tinha deixado mas se deu conta de que não lhe doíam absolutamente. A dor surda e vaziu que sentia entre as pernas era o pior, mas inclusive este empalidecia comparado com a fria crueldade que lhe instalava no peito cada vez que recordava como Lucan se apartou dela essa noite, como se ela fosse um veneno. Como tinha saído da habitação, cambaleando-se, como se não pudesse apartar-se dela com a rapidez suficiente.
Gabrielle abriu a água e se lavou, vagamente consciente das mensagens que soavam na cozinha. Para ouvir a quarta ou quinta mensagem, deu-se conta de que havia algo estranho.
Todas as mensagens eram da Kendra, e os tinha deixado todos durante as últimas vinte e quatro horas. Uma depois da outra, e entre algumas delas não havia mais que cinco minutos de diferença.
Sua voz tinha adquirido um tom grandemente mais amargo da primeira mensagem em que, em tom despreocupado e alegre, havia-lhe próposto sair e comer ou a tomar uma taça ou algo que queria. Logo, o convite tinha adquirido um tom mais insistente: Kendra dizia que tinha um problema e que necessitava que Gabrielle a aconselhase.
Nas duas últimas mensagens lhe tinha exigido de forma áspera que lhe respondesse logo.
Gabrielle correu até a bolsa e comprovou as mensagens da secretaria de voz do telefone celular: encontrou-se com o mesmo.
Com as repetidas chamadas da Kendra.
Com seu estranho tom ácido de voz.
Um calafrio lhe percorreu as costas ao recordar a advertência de Lucan a respeito da Kendra: se ela tinha caido vítima dos renegados, já não era amiga dela. Era como se estivesse morta.
O telefone começou a soar outra vez na cozinha.
—OH, Meu deus —exclamou, atendida por um terror crescente.
Tinha que sair dali.
Um hotel, pensou. Algum lugar longínquo. Algum lugar onde pudesse ocultar-se durante um tempo e decidir o que fazer.
Gabrielle tomou a bolsa e as chaves do BMW virtualmente correndo para a porta. Abriu as fechaduras e girou a maçaneta. Assim que a porta se abriu se encontrou ante um rosto que em outro momento tinha sido amistoso.
Agora estava segura de que era o rosto de um servente.
—Vai a algum lugar, Gabby? —Kendra se apartou o telefone celular do ouvido e o desligou. O timbre do telefone da casa deixou de soar. Kendra sorriu fracamente com a cabeça inclinada em um estranho ângulo.
— Ultimamente, é terrivelmente difícil de localizar.
Gabrielle se estremeceu de dor ao ver esses olhos vazios e perdidos que não piscavam.
—Me deixe passar, Kendra. Por favor.
A morena riu com uma gargalhada estridente que se apagou em um vaio surdo.
—Sinto muito, carinho. Não posso fazê-lo.
—Está com eles, verdade? —disse-lhe Gabrielle, adoecendo só de pensar.
— Está com os renegados. Meu Deus, Kendra, o que lhe têm feito?
—Te cale —repôs ela, com um dedo sobre os lábios e meneando a cabeça.
— Não falemos mais. Agora temos que ir.
Assim que a servente alargou a mão para ela, Gabrielle se apartou. Recordou a adaga que levava na bolsa e se perguntou se poderia tirá-la sem que Kendra se desse conta. E se conseguia fazê-lo, seria capaz de utilizá-la contra sua amiga?
—Não me toque —lhe disse, enquanto deslizava os dedos lentamente por debaixo da lapela de pele da bolsa.
— Não vou a nenhuma parte contigo.
Kendra lhe mostrou os dentes em uma terrível imitação de um sorriso.
—OH, acredito que deveria fazê-lo, Gabby. Depois, a vida do Jamie depende de ti.
Um temor gelado lhe atendeu o coração.
-O que?
Kendra fez um gesto com a cabeça em direção aos Sedam que estava esperando. O cristal tinto de um dos guichês se abriu e alí estava Jamie, sentado no assento traseiro ao lado de um tipo enorme.
—Gabrielle? —chamou Jamie com uma expressão de pânico nos olhos.
—OH, não. Jamie não. Kendra, por favor, não permita que lhe façam mal.
—Isso é algo que está completamente em suas mãos —repôs Kendra em tom educado e lhe tirou a bolsa das mãos.
— Não vais necessitar nada do que leva aqui.
Fez um sinal a Gabrielle para que caminhasse diante dela em direção ao carro.
—Vamos?
Lucan colocou duas barras de C4 debaixo dos enormes aquecedores de água da habitação das caldeiras do psiquiátrico. Agachou-se ante o equipamento, desdobrou as antenas do transmissor e conectou o micro para informar de seu progresso.
—Habitação de caldeiras verificada —disse a Niko, que se encontrava ao outro extremo da linha.
— Tenho que colocar três unidades mais e logo sairei...
Ficou imóvel de repente, para ouvir uns passos ao outro lado da porta fechada.
—Lucan?
—Merda. Tenho companhia —murmurou em voz baixa enquanto se incorporava e se aproximava com sigilo a porta para preparar-se a golpear.
Levou-se a mão enluvada até o punho de uma perigosa faca com serra que tinha embainhado em cima do peito. Também levava uma pistola, mas todos tinham concordado que não utilizariam armas de fogo nessa missão. Não fazia falta avisar aos renegados de sua presença e além disso, dado que Niko ia desviar o tubos de fora e encher de gases o edifício, um disparo podia acender os foguetes antes do tempo.
O trinco da porta da habitação das caldeiras começou a girar.
Lucan cheirou o fedor de um renegado, e o inconfundível aroma metálico do sangue humano. Ouviu uns grunhidos animais afogados mesclados com uns golpes e com um débil lamento de uma vítima a quem lhe estavam chupando o sangue. A porta se abriu e um fortíssimo ar pútrido penetrou na habitação enquanto um renegado arrastava a seu brinquedo moribundo dentro da sala escura.
Lucan esperou a um lado da porta até que a enorme cabeça do renegado esteve plenamente ante sua vista. Esse chupão estava muito concentrado em sua presa para dar-se conta da ameaça. Lucan levantou uma mão e cravou a faca na caixa torácica do renegado. Este rugiu com as enormes mandíbulas abertas e os olhos amarelos inchados ao sentir que o titânio lhe penetrava no sistema circulatório.
O humano caiu ao chão com um golpe seco como um boneco e seu corpo se contraiu em uma série de espasmos de agonia de morte depois do corpo do renegado que se alimentou dele começava a emitir uns assobios, a tremer e a mostrar umas feridas como se o houvessem orvalhado com ácido.
Assim que o corpo do renegado teve terminado sua rápida descomposição, outro deles se aproximou correndo pelo corredor. Lucan se precipitou para frente para voltar a atacar, mas antes de que pudesse dar o primeiro golpe, o chupão se deteve em seco quando um braço negro lhe obrigou a deter-se por detrás.
Viu-se o brilho de um fio com a rapidez e a força de um raio que atravessava a garganta do renegado e separava a enorme cabeça do corpo com um corte limpo.
O enorme corpo ficou estendido no chão como um montão de lixo. Tegan se encontrava ali em pé, com sua espada gotejando sangue e seus olhos verdes, tranqüilos. Tegan era uma máquina assassina, e o gesto sério de seus lábios parecia reafirmar a promessa que lhe tinha feito a Lucan de que se a sede de sangue podia com ele, Tegan se asseguraria de que Lucan conhecesse a fúria do titânio.
Ao olhar agora a esse guerreiro, Lucan esteve seguro de que se alguma vez Tegan ia por ele, ele morreria antes de dar-se conta de que o vampiro tinha aparecido ao seu lado.
Lucan se enfrentou a esse olhar frio e letal e lhe saudou com um gesto de cabeça.
—Me diga algo —ouviu que lhe dizia Niko através do auricular—.Está bem?
—Sim. Tudo tranquilo. —Limpou a adaga com a camisa do ser humano e a voltou a embainhar. Quando voltou a levantar a vista, Tegan tinha desaparecido, desvaneceu-se como o espectro da morte que era.
—Agora dirijo aos pontos de entrada da zona norte para colocar o resto dos explosivos —disse a Nikolai enquanto saía da habitação das caldeiras e percorria o corredor vazio.
Capítulo trinta e dois
— Gabrielle, o que acontece? O que acontece com Kendra? Veio a galeria e me há dito que tinha tido um acidente e que tinha que ir com ela imediatamente. Por que me mentiu?
Gabrielle não sabia o que responder as perguntas que Jamie, ansioso, sussurrava-lhe do assento traseiro do Sedam. Afastavam-se a toda velocidade do Beacon Hill em direção ao centro da cidade. Os arranha-céu do distrito financeiro se abatiam sobre eles na escuridão e as luzes dos escritórios piscavam como luzes natalinas. Kendra estava sentada no assento dianteiro ao lado do condutor, um gorila de pescoço largo embelezado de negro como um valentão e com óculos escuros.
Gabrielle e Jamie tinham a um companheiro similar detrás que os encurralava a um lado do brilhante assento de pele. Gabrielle não acreditava que fosse um renegado, não parecia que escondessem umas presas enormes detrás desses lábios tensos, e pelo pouco que sabia dos mortais inimigos da raça, não acreditava que nem ela nem Jamie tivessem demorado nem um minuto em ter as gargantas abertas se esses dois homens tivessem sido de verdade uns renegados viciados no sangue.
Serventes então, deduziu. Escravos humanos de um poderoso senhor vampiro.
Igual a Kendra.
—O que vão fazer conosco, Gabby?
—Não estou segura. —Alargou o braço e lhe deu um carinhoso apertão na mão. Também falava em voz baixa, mas estava segura de que seus captores estavam escutando cada uma de suas palavras.
— Mas não vai passar nada. Prometo-lhe isso.
O que sim sabia era que tinham que sair desse carro antes de que chegassem ao seu destino. Era a regra de defesa própria mais básica: nunca deixe que lhe levem a uma segunda localização. Porque então se encontrava em campo inimigo.
As oportunidades de sobrevivência passariam de ser escassas a nulas.
Olhou o fechamento de segurança da porta que Jamie tinha a seu lado. Ele observou seus olhos com o cenho franzido e expressão de interrogação. Olhou a ele e logo voltou a olhar o fechamento. Então ele o entendeu e lhe dirigiu um assentimento de cabeça quase imperceptível.
Mas quando se dispunha a colocar as mãos na posição adequada para abrir o fechamento, Kendra se deu a volta e lhes provocou:
—Quase chegamos, meninos. Estão excitados? Eu sim que o estou. Não posso esperar a que meu senhor por fim te conheça em pessoa, Gabby. Mmm! Te vai comer imediatamente.
Jamie se inclinou para diante e quase cuspiu veneno:
—Te aparte, puta mentirosa!
—Jamie, não! —Gabrielle tentou lhe reter, aterrada ante esse inocente instinto de amparo. Ele não tinha nem idéia do que estava fazendo ao irritar a Kendra ou aos outros dois serventes que se encontravam no carro.
Mas ele não ia deixar se controlar. Equilibrou-se para frente:
—Se nos tocarem um cabelo a qualquer dos dois,vou arrancar seus os olhos!
—Jamie, basta, não passa nada —disse Gabrielle, atirando dele para que voltasse a recostar-se no assento.
— Se tranqüilize, por favor! Não vai passar nada.
Kendra não se alterou. Olhou a ambos e deixou escapar uma risada repentina e estremecedora:
—Ah, Jamie. Sempre foste o pequeno e fiel terrier da Gabby. Au au! Au au! É patético.
Muito devagar e evidentemente satisfeita consigo mesma, Kendra se voltou a sentar de forma correta no assento lhes dando as costas.
—Detenha no semáforo —lhe disse ao condutor.
Gabrielle deixou escapar um tremente suspiro de alívio e se recostou outra vez no respaldo de fria pele. Jamie estava esquecido contra a porta, zangado. Quando os olhares de ambos se encontraram, ele se apartou um pouco a um lado e lhe permitiu ver que a porta agora não estava fechada.
O coração de Gabrielle deu um tombo ante essa ingenuidade e esse valor. Quase não pôde dissimular o sorriso enquanto o veículo reduzia a velocidade ante o semáforo, a uns metros diante deles. Estava em vermelho, a julgar pela fila de carros que se encontravam detidos diante dele, ia trocar para verde em qualquer momento.
Esta era a única oportunidade que tinham.
Gabrielle olhou a Jamie e se deu conta de que ele tinha compreendido o plano perfeitamente.
Gabrielle esperou, observando o semáforo; dez segundos que pareceram horas. A luz vermelha piscou e ficou verde. Os carros começaram a avançar diante deles. Assim que o Sedam começou a acelerar, Jamie levou a mão ao ponteiro da porta e a abriu.
O ar fresco da noite entrou no veículo e os dois se atiraram de cabeça para a liberdade. Jamie deu contra o pavimento e imediatamente alargou a mão para ajudar a Gabrielle a escapar.
—Detenham! —chiou Kendra.
— Não deixem que escape!
Uma pesada mão caiu sobre o ombro de Gabrielle e atirou dela para o interior do carro fazendo que se estrelasse contra o enorme corpo do servente. Os braços deste a rodearam, apanhando-a como barras de ferro.
—Gabby! —chiou Jamie.
Gabrielle emitiu um soluço desesperado.
—Vai daqui! Vai, Jamie!
—Acelera, idiota! —gritou-lhe Kendra ao condutor ao ver que Jamie se dispunha a agarrar-se ao ponteiro da porta para voltar pela Gabrielle. O motor rugiu, os pneumáticos chiaram e o carro se uniu ao tráfico.
—O que fazemos com ele?
—Deixe-lhe —ordenou Kendra em tom cortante. Dirigiu- um sorriso a Gabrielle, que se debatia em vão no assento traseiro.
— Já serviu ao nosso propósito.
O servente sujeitou a Gabrielle com força até que Kendra ordenou que o carro se detivera diante de um elegante edifício de escritórios. Desceram do carro e obrigaram a Gabrielle a caminhar para a porta de entrada. Kendra falava com alguém através do telefone celular e parecia ronronar de satisfação.
—Sim, temo-la. Agora vamos subir.
Guardou-se o telefone no bolso e lhes conduziu através de um vestibulo de mármore vazio até a zona de elevadores. Quando entraram em um deles, apertou o botão do apartamento de cobertura.
Gabrielle recordou imediatamente a mostra privada de suas fotos. Ao fim o elevador se deteve no piso superior e as portas de espelho se abriram; nesse momento Gabrielle teve a horrível certeza de que seu anônimo comprador ia dar-se a conhecer.
O servente que a tinha estado sujeitando a empurrou para que entrasse na suíte, fazendo-a tropeçar. Ao cabo de uns segundos, o medo de Gabrielle se fez maior.
Diante da parede de cristais se encontrava em pé uma alta figura de cabelo negro vestida com um comprido abrigo negro e óculos de sol. Era igual de corpulento que os guerreiros e dele emanava o mesmo ar de confiança. A mesma ameaça fria.
—Adiante —lhes disse em um tom grave que trovejou como uma tormenta.
— Gabrielle Maxwell, é um prazer conhecê-la por fim. Ouvi falar muito de você.
Kendra se colocou a seu lado e lhe deu uns tapinhas com expressão de adoração.
—Suponho que me trouxe aqui por alguma razão —disse Gabrielle, tentando não sentir pena por ter perdido a Kendra nem ter medo desse perigoso ser que tinha convertido a Kendra no que era.
—Converti-me em um grande admirador de seu trabalho. —Sorriu-lhe sem mostrar os dentes e com uma mão apartou sem contemplações a Kendra.
— Você fez umas fotos interessantes, senhorita Maxwell. Por desgraça, tem que deixar de fazer. Não é bom para meus negócios.
Gabrielle tentou agüentar o olhar tranqüilo e ameaçador que, sabia, estava-lhe dirigindo detrás dos óculos.
—Quais são seus negócios? Quero dizer, além de exercer de sanguessuga chupador de sangue.
Ele riu.
—Dominar o mundo, é obvio. Acredita que há algo mais pelo que valha a pena lutar?
—Posso pensar em umas quantas coisas.
Uma sobrancelha escura se arqueou por cima da arreios desses óculos.
—OH, senhorita Maxwell, se se referir ao amor ou a amizade, terei que dar por terminado este agradável e breve encontro agora mesmo.
—Juntou os dedos das mãos e os anéis que levava brilharam sob a tênue luz da habitação. A Gabrielle não gostava da maneira em que ele a estava olhando, como avaliando-a. O vampiro se inclinou para frente com as fossas nasais dilatadas.
— Aproxime-se.
Ao ver que ela não se movia, o corpulento servente que se encontrava a suas costas a empurrou para frente. Gabrielle se deteve um metro de distância do vampiro.
—Tem você um aroma delicioso —disse em um lento vaio.
— Cheira como uma flor, mas há algo... mais. Alguém se alimentou de você recentemente. Um guerreiro? Não se incomode em negá-lo, posso cheirá-lo em seu corpo.
Antes de que Gabrielle pudesse dar-se conta, ele a sujeitou pelo pulso e a atraiu para si de um puxão. Com mãos arrudas, fez-lhe inclinar a cabeça e lhe apartou o cabelo que escondia a mordida de Lucan e a marca que tinha debaixo da orelha esquerda.
—Uma companheira de raça —grunhiu, lhe passando os dedos pela pele do pescoço.
— E recentemente reclamada como tal. Faz de você mais inteiressante a cada segundo que passa, Gabrielle.
Não gostou do tom íntimo que empregou ao pronunciar seu nome.
—Quem a mordeu, companheira? A qual desses guerreiros o permitiu colocar-se entre essas largas e formosas pernas?
—Vá-se ao inferno —respondeu ela, apertando as mandíbulas.
—Não me vai dizer isso? —Fez estalar a língua e meneou a cabeça.
— De acordo. Poderemo-lo averiguar muito em breve.
Podemos fazer que venha. Finalmente, ele se separou dela e fez um sinal a um dos serventes estavam vigiando.
—Levem ao telhado.
Gabrielle se debateu contra seu captor, que a aferrava com ímpeto, mas não podia vencer a força desse bruto. Obrigaram-na a dirigir-se para uma porta sobre a qual havia o pôster vermelho de saída e uma placa em que se lia acesso ao heliporto.
—Um momento! E eu? —queixou-se Kendra da suíte.
—Ah, sim. Enfermeira K. Delaney —disse seu senhor escuro, como se acabasse de lembrar-se dela—. Quando nos tivermos ido, quero que saia ao telhado. Sei que a vista dele te parecerá espetacular. Desfruta-a durante um momento... e logo salta ao vazio.
Ela olhou, piscando aturdida. Logo baixou a cabeça, mostrando que estava sob seu domínio.
—Kendra! —gritou Gabrielle, desesperada por chegar até sua amiga.
— Kendra, não o faça!
O vampiro do casaco negro e os óculos escuros passou ao seu lado sem mostrar nenhuma preocupação.
—Vamos. Terminei aqui.
Uma vez colocado o último cartucho de C4 em seu lugar ao extremo norte do psiquiátrico, Lucan se abriu passo por um condutor de ventilação que conduzia ao exterior. Tirou o ralo e se içou até o exterior. Rodou por cima da grama, que rangeu sob seu corpo; logo ficou em pé e começou a correr em direção a cerca que rodeava o terreno, sentindo o ar fresco na boca.
—Niko, Como vamos?
—Vamos bem. Tegan está voltando e Gideon vem detrás de ti.
—Excelente.
—Tenho o dedo no detonador —disse Nikolai. Sua voz quase resultava inaudível pelo ruído de um helicóptero que alagava a zona.
— Dá a ordem, Lucan. Morro por fazer voar a estes chupões.
—Eu também —repôs Lucan. Olhou o céu noturno com o cenho franzido, procurando o helicóptero.
— Temos visita, Niko. Parece que um helicóptero se dirige diretamente ao psiquiátrico.
Assim que o houve dito, viu a escura silhueta do helicóptero em cima da fileira de árvores. Umas pequenas luzes piscaram no veículo enquanto este girava para o telhado do recinto e iniciava a descida.
O constante movimento da hélice levantou uma forte brisa e Lucan cheirou o aroma dos pinheiros e do pólen... e de outro perfume que lhe acelerou o pulso.
—OH, Jesus —exclamou assim que reconheceu o aroma de jasmim.
— Não toque o detonador, Niko! Por Deus, seja como for, não permita que este maldito edifício voe pelos ares!
Capítulo trinta e três
Uma mescla volátil de adrenalina e fúria, além de um medo que o cobria até os ossos, fez saltar a Lucan ao telhado do velho psiquiátrico. O helicóptero acabava de posar-se nos trilhos de aterrissagem e Lucan se precipitou para ele da beirada do edifício. O corpo tremia por causa de uma fúria mais explosiva e instável que um caminhão carregado de C4. Tinha toda a intenção de lhe arrancar as pernas a quem estivesse retendo Gabrielle.
Com a arma na mão, Lucan se aproximou do helicóptero por detrás, com cuidado de que não lhe vissem, e deu a volta pela cauda para acercar-se ao lado dos passageiros da cabine de mando.
Viu Gabrielle dentro do helicóptero, no assento traseiro, ao lado de um enorme macho que ia vestido de negro e que levava uns óculos escuros. Parecia tão pequena, a via tão aterrorizada. Seu aroma lhe banhou por inteiro. E seu medo lhe destroçou o coração.
Lucan abriu de um puxão a porta da cabine e colocou a arma diante do rosto do captor do Gabrielle enquanto sujeitava a ela com a mão que ficava livre. Mas atiraram de Gabrielle para trás antes de que ele pudesse sair com ela.
—Lucan? —exclamou Gabrielle com os olhos exagerados por causa da surpresa.
— OH, Meu deus, Lucan!
Ele realizou um rápido exame visual da situação e viu o servente que pilotava o avião e a um humano escravo que se encontrava ao seu lado, diante. O servente do assento do co-piloto se deu a volta com intenção de lhe dar um golpe no braço, mas recebeu uma bala na cabeça.
No momento em que Lucan voltou a dirigir o olhar para a Gabrielle, ao cabo de um instante, se encontrava com uma faca na garganta. Por debaixo da manga do comprido abrigo lhe assomavam os dermoglifos que Lucan tinha visto nas fotos da Costa Oeste.
— Solte disse o líder de primeira geração dos renegados.
—Vá, vá, foi uma resposta mais rápida do que houvesse imaginado, inclusive para um guerreiro com vínculo de sangue. O que pretende? Por que está aqui?
O arrogante tom de voz lhe desconcertou.
Conhecia esse bode?
—Solta-a —disse Lucan—, E te mostrarei por que estou aqui.
—Parece-me que não. —O vampiro de primeira geração lhe sorriu ampliamente, lhe mostando os dentes.
Não tinha presas. Era um vampiro, mas não era um renegado.
Que diabos?
—É encantadora, Lucan. Esperava que fosse tua.
Deus, conhecia essa voz. Ouvia-a como procedente de algum lugar muito profundo, enterrado em sua memória.
Do passado longínquo.
Um nome lhe formou na mente, cortante como o fio de uma espada.
Não, não era possível que fosse ele.
Impossível...
Concentrou-se para sair dessa confusão momentânea, mas esse breve momento de perda de concentração lhe custou caro. Desde um dos lados, um par de renegados tinha subido ao telhado do interior do psiquiátrico lhe aproximava com sigilo. Com um gruido, levantou a porta do helicóptero e golpeou com o canto da mesma a Lucan na cabeça.
— Lucan! — chiou Gabrielle.
— Não!
Lucan estremeceu e uma das pernas lhe falhou. A arma caiu da mão e escorregou pelo chão do telhado uns quantos metros, ficando fora de seu alcance.
O renegado lhe deu um murro na mandíbula com o enorme punho. Ao cabo de um segundo, um golpe brutal lhe destroçou as costelas. Lucan caiu ao chão, mas fez um giro e com o pé embainhado na bota fez cair ao renegado ao chão. Precipitou-se sobre ele enquanto tirava a faca que tinha embainhado no torso.
A uns metros de ambos, a hélice do helicóptero começou a girar. O piloto se preparava para levantar outra vez.
Não podia permiti-lo.
Se permitia que Gabrielle se fosse desse coberto, não ficaria nenhuma esperança de voltar a vê-la viva nunca mais.
—Nos tire daqui —ordenou o captor de Gabrielle ao piloto enquanto as hélices do helicóptero giravam cada vez mais depressa.
Fora, arrastando-se pelo telhado, Lucan lutava contra o renegado que lhe tinha atacado. Apesar da escuridão, Gabrielle viu que outro mais se aproximava da porta de entrada ao telhado.
—OH, não —exclamou, quase sem respiração e sem poder mover-se por causa do cortante fio de aço que lhe cravava na pele da garganta.
O enorme macho se inclinou por diante dela para olhar o que estava acontecendo no telhado. Lucan havia tornado a ficar em pé e lhe abriu o ventre ao primeiro dos renegados que lhe tinha atacado. O grito deste foi audível inclusive apesar do forte ruído da hélice do helicóptero. Seu corpo começou a convulsionar-se, a ter espasmos... A desintegrar-se.
Lucan girou a cabeça para o helicóptero. Tinha os olhos cheios de furia, brilhavam-lhe como duas pedras de âmbar acesas com o fogo do inferno. Precipitou-se para diante, rugindo, carregando com os ombros contra o veículo como um trem de carga.
—Nos tire daqui agora mesmo! —gritou o macho que estava ao lado de Gabrielle, pela primeira vez em tom preocupado.
— Agora mesmo, porra!
O helicóptero começou a levantar-se.
Gabrielle tentou apartar da faca apertando-se contra o respaldo do pequeno assento traseiro. Se pudesse encontrar a maneira de lhe apartar o braço, possivelmente pudesse alcançar a porta da cabine...
O helicóptero sofreu uma sacudida repentina, como se tivessem se chocado contra alguma parte do edifício. O motor pareceu gemer, esforçado.
O captor do Gabrielle estava furioso já.
—Desapega, idiota!
—Estou-o tentando, senhor! —disse o servente que se encontrava ante os mandos. Levantou uma alavanca e o motor protestou com um terrível grunhido.
Houve outra sacudida, como se atirassem do aparelho para baixo, e todo o interior tremeu. A cabine se inclinou por volta da frente e o captor do Gabrielle perdeu o equilíbrio no assento e deixou de lhe emprestar atenção durante um momento.
A faca se separou de sua garganta.
Com uma repentina decisão, Gabrielle se lançou para trás e lhe deu um pontapé com as duas pernas que lhe fez cair contra o respaldo do assento do piloto. O veículo se precipitou para frente e Gabrielle trabalhou em excesso por alcançar a porta da cabine.
Esta se abriu de tudo e ficou aberta, pendurando das dobradiças, depois do helicóptero tremia e se balançava. Seu captor se estava recompondo e estava a ponto de alcançá-la outra vez. Por causa do caos tinham caido os óculos de sol. Olhou-a com um gelado olhos cinzas cheios de malignidade.
—Diga a Lucan que isto não terminou nem muito menos — ordenou o líder dos renegados, pronunciando as palavras em um assobio e olhando-a com um sorriso diabólico.
—Vai para o inferno —respondeu Gabrielle. Nesse mesmo instante, lançou-se para a porta aberta e se deixou cair ao chão do telhado.
Assim que a viu, Lucan soltou o trilho de aterrissagem do helicóptero. O veiculo se elevou repentinamente e começou a dar voltas sobre si mesmo descontrolado enquanto o piloto se esforçava por dominá-lo.
Correu ao lado de Gabrielle e a ajudou a ficar em pé. Passou-lhe as mãos por todo o corpo para assegurar-se de que estava inteira.
—Está bem?
Ela assentiu com a cabeça.
—Lucan, detrás de ti!
No telhado, outro dos renegados se dirigia para eles. Lucan enfrentou a esse desafio com agrado, agora que Gabrielle estava com ele; todos os músculos de seu corpo se dispuseram a dar morte. Tirou outra faca e se aproximou da ameaça.
A luta foi selvagem e rápida. Lucan e o renegado se enfrentaram em um mortal combate corpo a corpo com os punhos e os fios das armas brancas. Lucan recebeu mais de um golpe, mas era imparável. O sangue de Gabrielle ainda tinha um efeito forte nele, e lhe dava uma fúria que lhe tivesse permitido enfrentar-se com dez competidores de uma vez. Lutou com uma força e uma eficiência letal, e acabou com o renegado com um corte vertical que lhe atravessou o corpo.
Lucan não esperou a ver o efeito do titânio. Deu-se a volta e correu para Gabrielle. Assim que chegou, quão único pôde fazer foi toma-la entre os braços e abraçá-la com força. Pôde ficar assim toda a noite, sentindo como lhe pulsava o coração e acariciando a pele suave.
Levantou-lhe a cabeça e lhe estampou um beijo forte e tenro nos lábios.
—Temos que sair daqui, carinho. Agora mesmo.
Sobre suas cabeças, o helicóptero continuava subindo.
O vampiro de primeira geração que tinha capturado a Gabrielle olhou para baixo desde atrás do cristal da cabine e dirigiu uma vaga saudação à Lucan, sorrindo enquanto o veículo subia no céu noturno.
—OH, Deus, Lucan! Estava tão assustada. Se tivesse acontecido algo...
O sussurro de Gabrielle lhe fez esquecer completamente a seu inimigo que escapava. A única coisa que lhe importava era que ela era capaz de lhe falar. Que respirava. Gabrielle estava com ele, e esperava que pudesse continuar estando ao seu lado.
—Como demônios lhe capturaram? —perguntou-lhe com voz tremente e tom urgente a causa do medo que havia sentido.
—Depois de que você partiu do complexo esta noite, precisava ir e pensar. Fui para casa. Kendra apareceu. Tinha a Jamie como refém em um carro que se encontrava fora. Não podia deixar que lhe fizessem mal. Kendra é, era, uma servente, Lucan. Mataram-na. Minha amiga está morta.
—Gabrielle soluçou de repente.
— Mas pelo menos Jamie escapou. Agora está em algum lugar do centro da cidade, provavelmente aterrorizado. Tenho que lhe encontrar e lhe dizer que tudo está bem.
Lucan ouviu o som grave do helicóptero que continuava subindo por cima de suas cabeças. Além disso, tinha que fazer a Niko o sinal de que voasse esse lugar antes de que os renegados tivessem a oportunidade de escapar.
—Vamos daqui, e logo me encarregarei do resto.
Lucan tomou a Gabrielle pelos braços.
—Segura em mim, carinho. Com toda a força que possa.
—De acordo. — pendurou-se os braços ao redor do pescoço.
Ele voltou a beijá-la, aliviado de tê-la entre os braços.
—Não te solte em nenhum momento — disse-lhe, olhando os olhos brilhantes e formosos de sua companheira de raça.
Então se colocou na beirada do edifício e se deixou cair com ela em seus braços, com toda a suavidade de que foi capaz, até o chão.
—Lucan, me diga algo, cara! —chamou-lhe Nikolai pelo auricular.
— Onde está? Que merda está acontecendo aí?
—Tudo vai bem —respondeu ele, enquanto levava a Gabrielle pelo escuro terreno coberto de grama da propriedade em direção ao ponto onde se encontrava o veículo de vigilância esperando.
— Agora tudo está bem. Apura o detonador e acabemos com isto.
Gabrielle estava encolhida sob o forte braço de Lucan quando o veículo de vigilância subia pela rua que conduzia ao terreno do complexo. Ele a tinha obstinado ao seu lado desde que escaparam da zona do psiquiátrico e lhe havia coberto os olhos enquanto todo o complexo de edificios voava pelos ares como uma infernal bola de fogo.
Lucan e seus irmãos tinham conseguido: tinham acabado com o quartel general dos renegados com um incrível golpe. O helicóptero tinha conseguido escapar a explosão e se desvaneceu no céu, envolto na fumaça negra e escondida no céu da noite.
Lucan estava pensativo: olhava para fora dos cristais escuros dos guichês para cima, para a abóbada de estrelas. Gabrielle tinha visto sua expressão de surpresa, de incredulidade e de atordoamento, quando se encontrava no telhado e abriu a porta da cabine de comando do helicóptero.
Foi como se tivesse visto um fantasma.
Inclusive nesse momento, Lucan continuava com esse estado de ânimo, enquanto entravam no terreno e Nikolai conduzia em direção à garagem. O guerreiro deteve o carro uma vez que estiveram dentro da enorme garagem. Quando desligou o motor, Lucan falou por fim.
—Esta noite conseguimos uma importante vitória contra nossos inimigos.
—Porra , sim —assentiu Nikolai.
— E vingamos a Conlan e a Rio. Teria-lhes encantado estar ali para ver voar esse lugar.
Lucan assentiu na escuridão do veículo.
—Mas não nos equivoquemos. Estamos entrando em uma nova fase do conflito com os renegados. Agora é a guerra, mais que nunca. Esta noite agitamos o ninho de vespas. Mas ao que necessitávamos capturar, seu líder, continua vivo.
— Deixemos que corra. Já lhe apanharemos —disse Dante, com expressão de confiança.
Mas Lucan negou com gesto sério.
—Este é distinto. Não nos porá isso fácil. Antecipará-se a nossos movimentos. Compreende nossas táticas. A Ordem vai ter que fortalecer as estratégias e aumentar o número de seus guerreiros. Temos que organizar alguns quadros mais que ainda estão dispersados pelo mundo, conseguir mais guerreiros, quanto antes melhor.
Gideon se deu a volta no assento dianteiro.
—Crê que é o vampiro de primeira geração da Costa Oeste quem está à frente dos renegados?
—Estou seguro —repôs Lucan.
Estava no helicóptero, no telhado, esta noite, onde tinha a Gabrielle. —Acariciou-lhe o braço com um afeto tenro, e fez uma pausa para olhá-la, como se sua só visão lhe tranqüilizasse de algum jeito.
— E esse bode não é um renegado: não agora, se é que o foi em algum momento. Uma vez foi um guerreiro, como nós. chama-se Marek.
Gabrielle sentiu uma quebra de onda de frieza que procedia da terceira fila de assentos do veículo de vigilância e soube que Tegan estava olhando a Lucan.
Lucan sabia também. Girou a cabeça para olhar ao outro guerreiro aos olhos.
—Marek é meu irmão.
Capítulo trinta e quatro
A carga da revelação de Lucan ainda lhes pesava enquanto saíam do veículo e subiam ao elevador do hangar para baixar ao complexo. Seu amado, Gabrielle entrelaçou os dedos da mão com os dele enquanto baixavam. Sentia o coração comocionado e cheio de compaixão; ele a olhou e ela soube que ele percebia a preocupação em seus olhos.
Gabrielle observou que seus irmãos guerreiros também tinham expressões de preocupação similares nos olhos e que, silenciosamente, haviam dado conta do significado do que tinham descoberto essa noite.
Chegaria o momento em que Lucan teria que enfrentar-se com a necessidade de matar a seu próprio irmão.
Ou de que seu irmão matasse a ele.
Gabrielle ainda não tinha conseguido aceitar a frieza desse fato no momento em que as portas do elevador se abriram e se encontraram ante o Savannah e Danika, que tinham estado esperando com ansiedade a volta dos guerreiros. Houve bem-vindas cheias de alívio, muitas pergunta sobre o resultado da missão dessa noite, assim como de por que Gabrielle partiu do complexo sem dizer nenhuma palavra a ninguém. Gabrielle estava muito cansada para responder, demasiado esgotada depois dessa terrível experiência para tentar sequer expressar o que sentia.
Mas sabia que logo teria que oferecer algumas respostas, a Lucan ao menos.
Os guerreiros se afastaram em meio de uma discussão sobre táticas e novas estratégias de batalha contra os renegados. Savannah e Danika empurraram imediatamente a Gabrielle em direção contrária, que se mostraram preocupadas com seus vários arranhões e contusões e insistiram em que comesse e se desse um comprido banho quente.
Gabrielle concordou a contra gosto, mas nem sequer as incríveis habilidades culinárias de Savannah nem o fragrante vapor do banho que lhe prepararam logo conseguiram relaxá-la.
A mente não parava de lhe dar voltas em relação a Lucan, Jamie e tudo o que tinha acontecido essa noite. Devia a vida a Lucan. Amava-lhe mais que a nenhuma outra coisa e sempre lhe estaria agradecida por havê-la resgatado, mas isso não trocava o que sentia a respeito de como foram as coisas entre ambos. Não podia permanecer no complexo dessa forma. E não importava o que lhe dissesse, não tinha intenção de ir a nenhum dos Refúgios Escuros.
Então, que possibilidade ficava? Tampouco podia voltar para seu apartamento. Sua velha vida já não era possível. Voltar para ela significaria que teria que negar tudo o que tinha experimentado com Lucan durante essas últimas semanas e esforçar-se por lhe esquecer. Teria que negar tudo o que agora sabia sobre si mesmo, e sobre sua conexão com a raça.
A verdade era que não sabia qual era seu lugar agora. Não sabia por onde começar a procurar, mas depois de dar voltas pelo labirinto de do complexo, Gabrielle se encontrou em pé ante a porta das habitações privadas de Lucan.
A porta que dava à habitação principal estava aberta e uma suave luz saía de dentro. Gabrielle a empurrou e entrou.
A luz de umas velas iluminava o dormitório adjacente. dirigiu-se para essa luz ambiental até que esteve na porta de entrada e parou ali, maravilhada do que viu. O austero dormitório de Lucan se havia convertido em um pouco saído de um sonho. Havia um castiçal de intrincada prata em cada esquina. A cama estava coberta por um cobertor de seda vermelho. No chão, diante da chaminé, havia um montão de almofadas e sedas carmesins. Era tão romântico, tão acolhedor.
Era uma habitação pensada para fazer o amor.
Deu um passo para o interior da habitação. A suas costas, a porta se fechou brandamente sozinha.
Não, não de tudo sozinha. Lucan estava ali, em pé, ao outro extremo da habitação e a estava observando. Tinha o cabelo molhado pela ducha. Levava uma bata solta de cetim vermelho que lhe caía até os tornozelos , e tinha um olhar quente nos olhos que se fundia no Gabrielle.
—Para você —lhe disse, assinalando o romântico ambiente.
— Para nós, esta noite. Quero que as coisas sejam especiais para você.
Gabrielle se sentiu comovida, e imediatamente excitada ao lhe ver, porem não podia suportar fazer amor depois de como tinham ficado as coisas entre eles.
—Quando fui esta noite, não pensava voltar —lhe disse de uma distância segura. Se aproximava mais, não acreditava que tivesse a força de lhe dizer o que tinha que dizer-lhe.
— Não posso voltar a fazer isto, Lucan. Necessito coisas de você que você não pode me dar.
—Me diga quais. —Foi uma ordem suave, mas uma ordem. Ele se aproximou dela com passos cautelosos, como se notasse que ela podia lhe rechaçar em qualquer momento.
— Me diga o que necessita.
Ela negou com a cabeça.
—Do que serviria?
Uns quantos passos lentos mais. Deteve-se um metro de distância dela.
—Eu gostaria de sabê-lo. Tenho curiosidade do que me custaria convencer-te de que fique comigo.
—Para passar a noite? —perguntou ela em voz baixa, odiando a si mesmo por quanto precisava sentir os braços dele ao redor de seu corpo depois de tudo o que lhe tinha acontecido durante essas últimas horas.
—Quero-te, e estou disposto a te oferecer algo, Gabrielle. Assim me diga o que é o que necessita.
—Sua confiança —lhe disse ela, pedindo uma coisa que sabia que se encontrava fora de seu alcance.
— Não posso... fazer isto mais, se você não confia em mim.
—Eu confio em ti — disse ele, com tanta solenidade que ela acreditou.
— Você é a única que me conheceu de verdade, Gabrielle. Não te posso ocultar nada. Viu-o tudo: o pior, certamente. Eu gostaria de ter a oportunidade de te mostrar a parte boa que há em mim. —aproximou-se um pouco mais. Ela notava o calor que emanava de seu corpo. Notava seu desejo.
— Quero que se sinta tão segura comigo como eu me senti contigo. Assim que a pergunta é: pode confiar em mim, agora que sabe tudo a respeito de mim?
—Sempre confiei em ti, Lucan. Sempre o farei. Mas não é isso...
—Pois o que, então? —perguntou ele, interrompendo sua rápida negativa.
—Diga-me que mais posso te dar para fazer que fique.
—Isto não vai funcionar —disse ela, retrocedendo um pouco.
— Não posso ficar. Não desta maneira. Não agora que meu amigo Jamie...
—Está a salvo. —Ao ver que lhe olhava com expressão de confusão, acrescentou—: Mandei a Dante ao exterior assim que chegamos para que fosse lhe buscar. Faz uns minutos que retornou e me informou que achou seu amigo em uma delegacia de polícia do centro da cidade e o levou a casa.
Gabrielle sentiu que o alívio a embargava, mas imediatamente a preocupação o substituiu.
—O que lhe disse Sante? Apagou-lhe a memória?
Lucan negou com a cabeça.
—Pensei que não era justo que eu tomasse esta decisão por ti. Dante simplesmente disse que você também estava a salvo e que lhe poriam em contato com ele muito em breve para lhe explicar tudo. O que ditas lhe contar ao seu amigo é tua coisa. Vê-o? Confiança, Gabrielle.
—Obrigado —murmurou ela, sentindo-se reconfortada pela consideração.
— Obrigado por me haver ajudado esta noite. Salvaste-me a vida.
—Então, por que me tem medo agora?
—Não te tenho medo —repôs, mas estava se separando dele, quase sem dar-se conta disso, mas a cama, que tinha detrás, bloqueou-lhe a escapatória. Em um instante ele esteve diante dela.
—Que mais quer de mim, Gabrielle?
—Nada —disse ela, quase em um sussurro.
—Nada absolutamente? —perguntou ele em tom grave e exigente.
—Por favor, não me faça desejar ficar esta noite quando amanhã vais desejar que vá. Deixa que vá agora, Lucan.
—Não posso fazer isso. —Tomou uma mão e a levou aos lábios. Gabrielle sentiu a calidez e a suavidade de seus lábios nos dedos e sentiu que era presa de um encantamento que somente ele podia lhe fazer. Ele levou a mão dela contra o peito, apertando a palma contra o mesmo, sobre o batimento de seu coração contra as costelas.
— Não poderei te deixar partir nunca, Gabrielle. Porque o queira ou não, tem meu coração. Tem meu amor, também. Se o aceitar.
Ela tragou saliva com dificuldade.
—O quê?
—Amo-te. —Pronunciou as palavras em voz baixa e com sinceridade, como uma carícia que ela sentiu no mais profundo do coração:
— Gabrielle Maxwell, amo-te mais que a vida. Estive sozinho durante muito tempo, e não soube me dar conta até que quase foi muito tarde. —Deixou de falar e a olhou aos olhos com intensidade.
— Não é... muito tarde, verdade?
Ele a amava.
Uma alegria, pura e brilhante, encheu-a para ouvir essas palavras do lábio de Lucan.
—Volta a dizê-lo —sussurrou ela, com a necessidade de saber que esse momento era real, que isso ia durar.
—Amo-te, Gabrielle. Até o último fôlego de vida que tenho. Amo-te.
—Lucan. —Pronunciou seu nome com um suspiro, com lágrimas nos olhos que lhe derramavam pelas bochechas.
Ele a tomou entre os braços e lhe deu um beijo comprido, profundo e apaixonado que fez que a cabeça desse voltas e o coração queria levantar o vôo. Sentia o sangue como fogo nas veias.
—Você merece a alguém muito melhor que eu —lhe disse com um tom de voz e expressão reverente.
— Conhece meus demônios. Pode me amar... aceitará-me... Apesar de conhecer minhas debilidades?
Tomou o rosto com a mão e olhou, lhe expressando com os olhos todo o amor que sentia.
—Você nunca foste débil, Lucan. E te amarei seja como for. Juntos podemos superar tudo.
—Você me faz acreditar nisso. Deste-me esperança. —Com um gesto amoroso, acariciou-lhe o braço, o ombro, a bochecha. Percorreu-lhe o rosto com o olhar enquanto o acariciava com a mão.
— Meu Deus, é tão deliciosa. Poderia ter a qualquer macho, da raça ou humano...
—Você é o único a quem quero.
Ele sorriu.
—Que Deus te ajude, mas não o aceitaria se fosse de outra maneira. Nunca desejei de forma tão egoísta como quero a você neste momento. Seja minha, Gabrielle.
—Sou-o.
Ele tragou saliva e baixou os olhos como se de repente se sentisse inseguro.
—Refiro-me para sempre. Não posso aceitar menos que isso. Gabrielle, aceitaria-me como companheiro?
—Para sempre —sussurrou ela, tombando-se de costas na cama e trazendo-o para si.
— Sou tua, Lucan, para sempre.
Voltaram a beijar-se, e esta vez, quando se separaram, Lucan alargou a mão até uma magra adaga de ouro que estava na mesinha ao lado da cama. Aproximou-a de seu rosto. Gabrielle se sobressaltou um pouco ao ver que ele
Levava-se a folha até os lábios.
—Lucan...
Ele a olhava com ternura e seriedade aos olhos.
—Você me deste seu sangue para me curar. Você me fortalece e me protege. Você é a única que quero, e a única que sempre necessitarei.
Nunca lhe tinha ouvido falar com tanta solenidade. As íris de seus olhos começavam a brilhar, a pálida cor cinza se misturava com a cor âmbar e com a profundidade de sua emoção.
—Gabrielle, quer me fazer a honra de aceitar meu sangue para cerrar nosso vínculo?
A voz de Gabrielle foi débil.
—Sim.
Lucan baixou a cabeça e levou a adaga até o lábio inferior. Logo a apartou e a olhou outra vez: seus lábios brilhavam com o escuro sangue vermelho.
—Vêem aqui. Deixa que te ame —lhe disse, unindo seus lábios escarlates com os dela.
Nada a teria podido preparar para o que sentiu ao provar pela primeira vez o doce sangue de Lucan.
Mais intenso que o vinho, instantaneamente embriagador, o sangue dele fluiu por sua língua com toda sua força e seu poder. Sentiu que uma luz a alagava do mais profundo de seu corpo e lhe oferecia uma pista do futuro que a esperava como companheira de Lucan. Encheu-se de felicidade, ficou ruborizada desse calor, e sentiu uma alegria que nunca antes tinha experimentado.
Sentiu desejo, também.
Mais intenso do que o havia sentido nunca.
Gabrielle emitiu um profundo gemido de desejo e empurrou a Lucan no peito para lhe tombar de costas. Tirou a roupa em um instante, subiu em cima dele e lhe montou escarranchada.
O sexo dele se enervava diante dela, grosso e forte como a pedra. Os formosos desenhos de sua pele tinham uma profunda cor púrpura com uma tintura avermelhada e adquiriam um tom mais profundo quando a olhava com desejo. Gabrielle se inclinou para frente e passou a língua pelas linhas sinuosas e intrincadas que lhe cobriam o corpo das coxas até o umbigo e subiam até os músculos do peito e os ombros.
Era dele.
Esse pensamento foi ferozmente possessivo, primitivo. Nunca lhe tinha desejado tanto como nesse momento. Ofegava e estava úmida e desejava lhe montar com força, lhe queimava por dentro.
Deus, era a isto ao que Savannah se referia quando dizia que um vínculo de sangue intensificava o ato amoroso?
Gabrielle olhava a Lucan com uma necessidade puramente carnal, quase sem saber por onde começar com ele. Desejava lhe devorar, lhe adorar, lhe utilizar. Aplacar o incêndio que sentia dentro do corpo.
—Deveria me haver avisado de que me tinha dado um afrodisíaco.
Lucan sorriu.
—E arruinar a surpresa?
—Ria, vampiro. —Gabrielle arqueou uma sobrancelha, tomou seu membro ereto e deslizou a mão por ele até a base com um movimento comprido.
— Me prometeu a eternidade. Vais arrepender- te.
—Ah, sim? —Mas foi mais um gemido estrangulado porque lhe montou e ele começou a mover-se com um rebolado de quadril desenfreado debaixo dela. Com olhos brilhantes, olhou-a e mostrou as presas ao sorrir, uma amostra clara de que desfrutava dessa tortura.
— Companheira, acredito que me vai encantar que o tente.
Capítulo vinte e quatro
As palavras de Lucan —e todas as coisas incríveis que lhe havia dito— ainda lhe ressonavam nos ouvidos enquanto saía debaixo da água da ducha do banho. Fechou o grifo e se secou com a toalha, esperando que a água quente lhe tivesse aliviado parte da dor e a confusão que sentia. Havia muitas coisas com as que devia enfrentar-se, e a menor delas não era o fato de que Lucan não tivesse nenhuma intenção de estar com ela.
Tentou dizer-se a si mesmo que não lhe tinha feito nenhuma promessa, mas isso somente o fazia sentir-se mais tola. Ele nunca lhe tinha pedido que pusesse seu coração aos seus pés; tinha-o feito ela sozinha.
Aproximou-se do espelho que ocupava todo o largo da parede do lavabo e se apartou o cabelo para olhar com atenção a marca de nascimento carmesim que tinha debaixo da orelha esquerda. Melhor dizendo, a marca de companheira de raça, corrigiu-se a si mesmo, enquanto observava a pequena lágrima que parecia cair na terrina da lua crescente.
Por alguma retorcida ironia, essa pequena marca no pescoço a unia ao mundo de Lucan e, apesar disso, era o mesmo que lhe impedia de estar com ele.
Possivelmente ela representava uma complicação que ele não queria ou não necesitava, mas o fato de haver-se encontrado com ele tampouco tinha feito que sua vida fora uma festa.
Graças a Lucan, ela se tinha metido em uma sangrenta guerra que havia parecer com os violadores em grupo uns fanfarrões de pátio. Ela tinha abandonado um dos melhores apartamentos do Beacon Hill, e ia perde-lo se não voltava e a trabalhar para pagar as faturas. Seus Amigos não tinham nem idéia de onde estava, e dizer-lhe nesse momento poria, provavelmente, suas vidas em perigo.
Para cúmulo de tudo isso, havia-se meio apaixonado por mais escuro e mortífero deles, o homem mais fechado emocionalmente que tinha conhecido.
Que, além disso, resultava ser um vampiro chupador de sangue.
E, que diabos, já que estava sendo sincera consigo mesma, não estava meio apaixonada por Lucan. Estava completa, inteira, perdidamente e sem poder superá-lo na vida apaixonada por ele.
—Bem feito —disse a seu miserável reflexo.
— Malditamente brilhante.
E Apesar de tudo o que lhe havia dito, não havia nada que desejasse mais que ir para lhe buscar ali onde estivesse no complexo e envolver-se com seus braços, o único lugar onde tinha encontrado algum consolo.
Sim, como se precisasse acrescentar a humilhação em público a humilhação íntima com que tentava enfrentar-se nesse momento. Lucan o tinha deixado muito claro: o que pudessem ter tido os dois —se é que houvesse tido verdadeiramente algo que estivesse além do físico—, terminou-se.
Gabrielle voltou para seu dormitório, recuperou sua roupa e seus sapatos e se vestiu depressa, desejosa de estar fora dos aposentos pessoais de Lucan antes de que ele voltasse e ela fizesse alguma coisa verdadeiramente estúpida. Bom, corrigiu-se ao ver os lençóis enrugados por haver feito amor, alguma coisa ainda mais estúpida.
Com a idéia de ir procurar a Savannah e, possivelmente, tentar encontrar um telefone fora do complexo —já que Lucan não o havia parecido adequado lhe devolver o celular— Gabrielle se escapuliu do dormitório. O pesseio resultava confuso, sem dúvida por causa de seu traçado, assim fez uns quantos giros errôneos até que finalmente reconheceu onde se encontrava. Estava perto das instalações de treinamento, a julgar pelo agudo som dos disparos contra os alvos.
afastou-se de uma esquina e se viu detida repentinamente por uma rígida parede coberta de pele e armas que se encontrava em seu caminho.
Gabrielle olhou para cima, e um pouco mais para cima, e se encontrou com uns olhos verdes e desconfiados que a olhavam com uma arrepiante expressão ameaçadora. Esses olhos frios e calculadores se cravaram nela desde detrás de uma cascata de cabelo avermelhado, como um gato que aconchega e valora a sua presa. Gabrielle tragou saliva. Um perigo evidente eemanava do corpo grande desse vampiro e da profundidade de seus olhos de depredador.
«Tegan.»
O nome desse macho desconhecido lhe veio a cabeça, o único dos seis guerreiros do complexo a quem ainda não tinha conhecido.
O mesmo com quem Lucan parecia compartilhar um mútuo e mau dissimuladou desprezo.
O guerreiro vampiro não se separou de seu caminho. Nem sequer reagiu quando ela teve se chocado contra ele, exceto pela ligeira careta que dava com os lábios quando seus olhos encontraram os peitos dela Aplastados contra a superfície de duro músculo justo debaixo do peito. Levava umas doze armas e essa ameaça se via reforçada por uns noventa quilogramas de músculo.
Ela deu um passo para trás e logo se fez a um lado para ficar em um lugar seguro.
—Sinto muito. Não me tinha dado conta de que estava aqui.
Ele não disse nenhuma palavra, mas ela sentiu como se tudo o que lhe estava acontecendo tivesse ficado exposto e visível ante ele em um instante: no instantâneo contato do corpo dela contra o dele. Ele a olhou com uma expressão gelada e desprovida de emoção, como se pudesse ver através dela. Embora não disse nada e não expressou nada, Gabrielle se sentiu diseccionada.
sentiu-se... invadida.
—Perdão —sussurrou.
No momento em que se moveu para passar de comprimento, a voz do Tegan a deteve.
—Né. —Sua voz era mais suave do que tivesse esperado; uma voz profunda, escura e áspera. Contrastava de forma peculiar com a desnudez do olhar, que não se moveu nem um milímetro,
— Faça um favor a você mesma e não te aproxime demasíado de Lucan. Há muitas posibilidades de que esse vampiro não viva muito mais tempo.
Disse-o sem rastro de emoção na voz, foi somente a plana constatação de um fato. O guerreiro passou por seu lado e levantou uma brisa atrás dele impregnada de uma apatia fria e perturbadora que lhe penetrou até os ossos.
Gabrielle se deu a volta para lhe olhar, mas Tegan e sua inquietante predição tinham desaparecido.
Lucan comprovou o peso de uma brilhante nove milímetros com a mão e logo levantou a arma e realizou uma série de disparos contra o alvo que se encontrava ao outro extremo da zona de tiro.
Apesar de que era agradável encontrar-se no terreno conhecido das ferramentas de seu ofício e sentir o sangue fervendo, a ponto para uma briga decente, uma parte dele continuava divagando sobre o encontro com Gabrielle. Apesar de tudo o que havia dito para aparta-la dele, tinha que admitir que se afeiçoou profundamente dela.
Quanto tempo acreditava ser capaz de continuar com ela sem render-se? Ou mais exatamente, como acreditava que seria capaz de suportar a idéia deixa-la partir? De mandá-la longe com a idéia de que ela se emparelharia com outro?
As coisas se estavam pondo indevidamente muito complicadá.
Deixou escapar uma maldição. Disparou outra série de balas e desfrutou com o estrondo do metal quente e com o aroma azedo no peito do alvo ao explodir por causa do impacto.
—O que pensa? —perguntou-lhe Nikolai, lhe olhando com seus olhos frios, limpos e cintilante.
_ Uma peça pequena e doce, não? Endiabradamente sensível, além disso.
—Sim. É agradável. Eu gosto. —Lucan pôs o fecho de segurança e jogou outra olhada a sua pistola.
— Uma Beretta 92FS convertida em automática com carregador. Bom trabalho, tio. Verdadeiramente bom.
Niko sorriu.
—Não te falei que as balas que vão levar os meninos. Hei trocado as pontas ocas de policarbonato das balas. tirei a pólvora das pontas e a substituí por pó de titânio.
—Isso deve provocar um horrível desastre no sistema sangüíneo desses chupões —acrescentou Dê, que se encontrava sentado no bordo de uma vitrine de armas afiando umas facas.
Sem dúvida, o vampiro tinha razão a respeito. Nos velhos tempos, a forma mais limpa de matar a um renegado consistia em separar a cabeça do corpo. Isso funcionava bem quando as espadas eram a arma habitual, mas a tecnologia moderna tinha apresentado novos desafios para ambos os bandos.
Não foi até princípios de 1900 quando a raça descobriu o efeito corrosivo do titânio no sistema sangüíneo sobreactivo dos vampiros renegados. Devido a uma alergia que tinha aumentado por causa de mudanças celulares no sangue, os renegados reagiam ao titânio como um efervescente reage em contato com a água.
Niko tomou a arma de Lucan e lhe deu uns golpezinhos, como se fora um prêmio.
—O que tem aqui é um autêntico destruidor de renegados.
—Quando podemos prová-la?
—Que tal esta noite? —Tegan tinha entrado sem fazer ruído, mas sua voz atravessou a habitação como o rugido de uma tormenta.
—Refere a esse lugar que encontrou perto do porto? —preguntóu Dante.
Tegan assentiu com a cabeça.
—Provavelmente seja uma guarida que albergue possivelmente a uma dúzia de indivíduos, mais ou menos. Acredito que ainda estão verdes, acabam de comverter-se em renegados. Não será muito difícil acabar com eles.
—Faz bastante tempo que não fazemos uma batida para limpar uma casa —comentou Rio, arrastando as palavras e com um amplo sorriso de satisfação.
— Me parece que será uma festa.
Lucan devolveu a arma a Nico e olhou ao outros com o cenho franzido.
—por que diabos me acabo de inteirar disto agora?
Tegan lhe olhou com expressão categórica.
—Tem que te pôr um pouco ao dia, tio. Enquanto você estava encerradou com sua fêmea durante toda a noite, nós estávamos acima fazendo nosso trabalho.
—Isto foi um golpe baixo —disse Rio.
— Inclusive vindo de você, Tegan.
Lucan recebeu o golpe com um silêncio calculado.
—Não, tem razão. Eu deveria ter estado aí acima me ocupando do trabalho. Mas tinha que me encarregar de algumas coisas aqui embaixo. E agora já terminei. Já não vão ser um problema nunca mais.
Tegan lhe dirigiu um sorrizinho de suficiência.
—De verdade? Porque tenho que te dizer que faz uns minutos hei visto a nova companheira de raça na sala e a encontrei bastante inquieta. Parecia que alguém tivesse quebrado o coração dessa pobre garota. Deu-me a sensação de que necessitava que alguém lhe fizesse as coisas mais fáceis.
Lucan respondeu ao vampiro com um furioso e escuro rugido de raiva.
—O que lhe disse? Tocou-a? Se lhe tiver feito algo...
Tegan rio, verdadeiramente divertido.
—Calma, tio. Não faz falta que saia de suas casinhas desta maneira. Sua fêmea não é meu assunto.
—Pois recordem isto —disse Lucan. deu-se a volta para enfrentar-se aos olhares de curiosidade de outros vampiros.
— Ela não é assunto de nenhum de vocês, está claro? Gabrielle Maxwell se encontra sob meu amparo pessoal enquanto esteja neste complexo. Quando tiver ido a um dos Refúgios Escuros, tampouco será meu assunto.
Necessitou um minuto para tranqüilizar-se e não render-se ao impulso de enfrentar-se diretamente com o Tegan. Um dia, provavelmente chegaria a faze-lo . E Lucan não podia culpar por completo a esse macho por sentir rancor. Se Tegan era um bode desumano e mesquinho, Lucan era quem lhe tinha ajudado a ser assim.
—Podemos voltar para o trabalho agora? —disse com um grunhido, desafiando a que ninguém lhe desafiasse.
— Preciso ouvir dados a respeito desse refúgio.
Tegan se lançou a lhe oferecer uma descrição do que tinha observado nesse provável refúgio de renegados e comunicou suas sugestões a respeito de como podiam fazer uma batida nele. Apesar de que a fonte dessa informação chateava um pouco a Lucan, não podia pensar em nenhuma forma melhor de obter que passasse o mau humor que realizando uma ofensiva contra seus inimigos.
Deus sabia que se se encontrava perto de Gabrielle outra vez, todas essas fanfarronadas sobre o dever e de fazer o correto se converteriam em pó. Fazia duas horas que a tinha deixado em seu dormitório e ela todavia era o principal em sua cabeça. A necessidade dela ainda o desgarrava cada vez que pensava em sua cálida e suave pele.
E pensar em como a tinha ferido-lhe fazia sentir um buraco no peito. Ela tinha demonstrado ser uma verdadeira aliada quando lhe havia aberto frente aos demais guerreiros. Lhe tinha acompanhado através desse inferno íntimo a outra noite, tinha estado a seu lado, tão tenra e amorosa como qualquer macho pudesse desejar de sua amada companheira.
Uma idéia perigosa, olhasse-a por onde a olhasse.
Deixou que a discussão a respeito dos renegados continuasse, e esteve de acordo em que tinham que dar o golpe contra esses selvagens no lugar onde viviam em vez de ir para lhes buscar um por um na rua.
—Encontraremo-nos aqui ao pôr-do-sol para nos preparar e sair.
O grupo de guerreiros se dispersou e Tegan saiu a passo lento detrás dele.
Lucan pensou nesse estóico solitário que se sentia tão deploravelmente orgulhoso pelo fato de não necessitar a ninguém. Tegan se mantinha afastado e isolado por vontade própria. Mas nem sempre tinha sido assim. Uma vez tinha sido um menino brilhante, um líder nato. Tivesse podido ser alguém grande... tinha-o sido, na verdade. Mas todo isso trocou no curso de uma noite terrível. A partir desse momento, começou a descer por uma espiral. Tegan tocou fundo e nunca se recuperou.
E apesar de que nunca o tinha admitido ante esse guerreiro Lucan nunca se perdoaria a si mesmo o papel que ele tinha jogado nessa queda.
—Tegan, espera.
O vampiro se deteve com uma reticência evidente. Não se deu a volta, simplesmente ficou em silencio com um gesto de arrogância no corpo esperando a que outros guerreiros saíssem em fila das instalações de treinamento para o corredor. Quando estiveram sozinhos, Lucan se esclareceu garganta e falou com seu irmão de primeira geração.
—Você e eu temos um problema, Tegan.
Ele soltou ar pelo nariz.
—vou avisar aos meios.
—Este assunto entre nós não vai desaparecer. Faz muito tempo, choveu muito após. Se tiver que saldar contas
comigo...
—Esquece-o. É história passada.
—Não é se não podermos enterrá-la.
Tegan soltou uma risada zombadora e, por fim, deu-se a volta para lhe olhar.
—Quer me dizer algo, Lucan?
—Só quero te dizer que começo a compreender o que te custou. O custo que eu te supus. —Lucan meneou a cabeça devagar e se passou uma mão pela cabeça.
— Tegan, tem que saber que se tivesse havido alguma outra forma... Acredito que tudo teria sido distinto.
—Lucan, está tentando te desculpar comigo? —Os olhos verdes do Tegan tinham um olhar tão duro que tivesse podido cortar um cristal.
— Me Evite isto, tio. Chega uns quinhentos anos tarde. E senti-lo não muda uma merda as coisas, não é verdade?
Lucan apertou as mandíbulas com força, assombrado de não tar um verdadeiro zango nesse macho grande em lugar de sua habitual e fria apatia.
Tegan não lhe tinha perdoado. Nem sequer o tinha considerado.
Depois de todo esse tempo, não acreditava provável que o fizesse nunca.
—Não, Tegan. Tem razão. Senti-lo não troca as coisas.
Tegan lhe olhou durante um comprido momento, logo se deu a volta e saiu da habitação.
A música em direto soava desde uns alto-falantes do tamanho de um frigorífico diante do subterrâneo clube privado noturno. .. embora a plavra «música» era um qualificativo generoso para descrever os patéticos e discordantes acordes de violão. Os membros do grupo se moviam como autômatos no cenário, arrastavam as palavras e perdiam o compasso mais vezes das que o seguiam. Em uma palavra, eram horríveis.
Mas como se podia esperar que uns seres humanos atuassem com alguma competência ao encontrar-se diante de uma multidão de sedentos vampiros?
Protegido por uns óculos escuros, o líder dos renegados entrecerró os olhos e franziu o cenho. Já tinha uma horrorosa dor de cabeça ao chegar, fazia muito pouco momento, mas agora sentia as têmporas como se estivessem a ponto de lhe estalar. Recostou-se contra as almofadas em seu reservado, aburrido dessas festas sangrentas. Com um leve gesto da mão fez que uns de seus guardas se aproximasse dele. Logo fez um gesto de desprezo em direção ao cenário.
—Que alguém lhes alivie de seu sofrimento. Por não falar do meu.
O vigilante assentiu com a cabeça e respondeu com um vaio. Fez uma careta que descobriu umas presas enormes que se sobressaíam de seu boca, que já salivava ante a possibilidade de outra massacre. O renegado saiu a passo rápido para cumprir as ordens.
—Bom cão —murmurou seu poderoso amo.
Nesse momento soou seu telefone celular e se alegrou de ter a oportunidad de sair a respirar um pouco o ar. No cenário havia começado um novo barulho e a banda de música calou sob o repentino ataque de um grupo de renegados frenéticos.
Enquanto a completa anarquia estalava no clube, o líder se dirigiu a sua habitação privada de atrás do cenário e tirou o telefone celular do bolso interior de seu casaco. Tinha acreditado que se encontraria com o número ilocalizavel de um de seus muitos serventes, a maioria dos quais tinham sido enviados a procurar informação sobre Gabrielle Maxwell e sobre sua relação com a raça.
Mas não era um deles.
Deu-se conta disso assim que abriu o aparelho e viu o número oculto piscando na tela.
Intrigado, respondeu a chamada. A voz que ouviu o outro extremo da linha não lhe era desconhecida. Fazia alguns trabalhos ilegais com esse indivíduo fazia muito pouco tempo e ainda tinham umas quantas coisas por discutir. A seu requerimento, o tipo lhe ofereceu uma série de detalhes a respeito de uma batida que ia se realizar essa mesma noite em um dos locais mais pequenos que os renegados tinham na cidade.
Em questão de segundos soube tudo o que necessitava para conseguir que essa batida se girasse a seu favor: a localização, os presuntos métodos dos guerreiros e a rota, e seu plano de ataque básico. Tudo com a condição de que um membro da raça se salvasse da vingança. Mas este único guerreiro não ficaria completamente a salvo, simplesmente receberia as suficientes feridas para que não pudesse voltar a lutar nunca mais. O destino do resto de guerreiros, incluindo ao quase imparavel Lucan Thorne, era decisão dos renegados.
A morte de Lucan já tinha formado parte de seu acordo uma vez, anteriormente, mas a execução da tarefa não tinha sido como tinham planejado. Esta vez, seu interlocutor queria ter a segurança de que essa ação sim se levaria a cabo. Inclusive chegou tão longe que lhe recordou que já lhe tinham dado uma remuneração considerável por realizar essa tarefa que ainda tinha que cumprir.
—Estou bem informado de nosso acordo —repôs, com fúria.
— Não me tente a te pedir um pagamento maior. Prometo-te que não o vais lamentar.
Apagou o aparelho com uma maldição, cortando a resposta diplomática que o outro iniciou atrás de sua ameaça.
Os dermoglifos que tinha na boneca brilhavam com um profundo tom que delatava sua fúria. As cores trocavam entre o desenho de outras marca que se fez ao tatuar na pele para dissimular estes. Não gostava de ter tido que ocultar sua linhagem —seu direito de nascimento— com tinta e secretismo. Detestava ter que levar uma existência oculta, quase tanto como detestava a todos aqueles que se interpunham no camino de conseguir seus objetivos.
Voltou para a zona principal do clube, ainda zangado. Na escuridão, seu olhar tropeçou com seu tenente, o único renegado da história recente que tinha olhado a Lucan Thorne aos olhos e que tinha podido contá-lo. Fez um sinal a esse macho enorme para que se aproximasse e logo lhe deu as ordens para que se encarregasse da diversão e os jogos dessa noite.
Sem ter em conta suas negociações secretas, queria que essa noite, quando toda a fumaça se dissolvesse, Lucan e todos quão guerreiros estavam com ele estivessem mortos.
Capítulo vinte e cinco
Ele a evitou durante o resto do dia, o qual a Gabrielle pareceu que dava igual. Agora, justo depois do anoitecer, Lucan e os outros cinco guerreros saíam das instalações de treinamento como uma unidade militar, todos eles a viva imagem de uma ameaça, vestidos com couro negro e carregados de armas letais. Inclusive Gideon se uniu a batida dessa noite e tinha tomado o lugar do Conlan.
Savannah e Eva tinham esperado no corredor para lhes ver sair e se acercaram a seus companheiros para lhes dar um comprido abraço. Intercambiaram umas palavras íntimas em voz baixa e em tom amoroso, uns tenros beijos que denotavam o temor das mulheres e a atitude tranqüilizadora dos homens para lhes assegurar de que voltariam para elas sãs e salvos.
Gabrielle se encontrava a certa distancia, no vestíbulo, e se sentia uma estranha enquanto observava a Lucan dizendo algo a Savannah. A companheira de raça assentiu com a cabeça e lhe depositou um pequeno objeto na mão enquanto levantava a vista por cima do ombro dela e a dirigia para o Gabrielle. Não disse nada, não fez nenhum movimento para aproximar-se dela, mas seu olhar se atrasou um pouco nela, observando-a do outro lado do amplo espaço que lhes separava nesses momentosse.
E então se foi.
Lucan, que caminhava diante de outros, girou a esquina ao final do corredor e desapareceu. O resto do grupo lhe seguiu, e a seu passo somente ficou o seco ressonar dos saltos das botas e o ruído metálico dos aços.
—Está bem? —perguntou-lhe Savannah, aproximando-se de Gabrielle e passando um braço pelos ombros com amabilidade.
—Sim. Me passará.
—Queria que te desse isto. —Ofereceu-lhe o telefone celular do Gabrielle.
— uma espécie de oferta de paz?
Gabrielle tomou e assentiu com a cabeça.
—As coisas não vão bem entre nós agora mesmo.
—Sinto muito. Lucan há dito que confia em que entenda que não pode ir do complexo nem lhes dizer a seus amigos onde está. Mas se quer lhes chamar...
—Obrigado. —Olhou À companheira do Gideon e conseguiu sorrir levemente.
—Se quer ter um pouco de intimidade, ponha cômoda onde queira. —Savannah lhe deu um breve abraço e logo olhou a Eva, que acabava de unir-se a elas.
—Não sei vocês —disse Eva, seu bonito rosto gasto pela preocupação—, mas iria bem uma taça. Ou três.
—Possivelmente as três venha bem um pouco de vinho e de companhia — respondeu Savannah.— Gabrielle, vêem te unir conosco quando termine. Estaremos em minhas habitações.
—De acordo. Obrigado.
As duas mulheres saíram juntas, falando em voz baixa, com os braços entrelaçados enquanto percorriam o sinuoso corredor em direção aos Aposentos do Savannah e do Gideon. Gabrielle partiu na direção contrária, sem saber onde desejava estar.
Isso não era de tudo certo. Desejava estar com Lucan, em seus braços, mas era melhor que superasse esse desejo desesperado, e logo. Não tinha intenção de lhe suplicar que estivesse com ela, e caso que consiguisse voltar inteiro depois da batida dessa noite, era melhor que se preparasse para tirar-lhe completamente da cabeça.
Dirigiu-se para uma porta aberta que havia em um ponto tranqüilo e pouco iluminado do vestíbulo. Uma vela brilhava dentro da habitação vazia: a única luz nesse lugar. A solidão e o aroma de incenso e a madera velha a atraíram. Era a capela do complexo; recordava ter passado por ali durante a visita com o Savannah.
Gabrielle caminhou entre duas filas de bancos em direção a um pedestal que se levantava no outro extremo da habitação Era ali onde se encontrava a vela: sua chama estava profundamente aninhada no centro e irradiava um suave resplendor carmesim. Sentou-se em um dos bancos de diante e ficou uns momentos simplesmente respirando, deixando que a paz do santuário a envolvesse.
Conectou o telefone celular. O símbolo de mensagens estava piscando. Gabrielle apertou a tecla da secretaria de voz e escutou a primeira chamada. Era de Megan, de fazia dois dias, mais ou menos a mesma hora em que tinha chamado ao apartamento do Gabrielle depois do ataque do sirviente no parque.
«Gaby, sou eu outra vez. Deixei-te um montão de mensagens em casa, mas não me chamaste. Onde está? Estou-me preocupando de verdade! Não acredito que deva estar sozinha depois do que aconteceu. Chama-me assim que ouça esta mensagem: e quero dizer no mesmo momento em que o receba, de acordo?»
Gabrielle apagou a mensagem e passou ao seguinte, que era da noite anterior, Às onze. Ouviu a voz da Kendra, que parecia um pouco cansada.
«Né. Está em casa? Responde, se estiver. Merda, suponho que é um pouco tarde: sinto muito. Provavelmente esteja dormindo. Bom, queria chamar os meninos, para ver se íamos de taças ou algo, possivelmente a outra sala? Que tal manhã de noite? Me chame.»
Bom, pelo menos Kendra estava bem fazia umas quantas horas. Isso aliviou parte da preocupação que sentia. Mas ainda ficava o asunto do menino com quem tinha estado saindo. O renegado, corrigiu-se Gabrielle, com um estremecimento de medo ao pensar na proximidade de sua amiga ao mesmo perigo que lhe estava pisando nos pés a ela.
Passou ao última mensagem. Megan outra vez, fazia somente duas horas.
«Olá, carinho. Era uma chamada de comprovação. vais chamar me alguma vez e me dirá como foi na delegacia de polícia a outra noite? Estou segura de que seu detetive se alegrou de verte, mas sabe que morro por saber todos os detalhes de como foi de intensa sua alegria.»
O tom de voz do Megan era tranqüilo e brincalhão, perfeitamente normal. Completamente distinto ao pânico das primeiras mensagens que hábía deixado no telefone de casa do Gabrielle e em seu telefone celular.
Deus, isso estava bem.
Porque não havia nenhum motivo de alarme por ela, nem por seu amigo policial, dado que Lucan lhes tinha apagado a memória.
«Bom, fiquei com o Jamie para jantar esta noite no Ciao Bela... seu favorito. Se pode arrumá-lo, vêem. Estaremos ali Às sete.Para você guardaremos um assento.»
Gabrielle marcou o botão de pendurar e olhou a hora no telefone: as sete e vinte.
Devia a seus amigos, pelo menos, chamar e lhes fazer saber que se encontrava bem. E uma parte dela desejava ouvir suas vozes, já que eram a única conexão com a vida que tinha antes. Lucan Thorne tinha dado a volta a sua vida por completo. Apertou o botão de marcação rápida do celular do Megan e esperou com ânsia enquanto o telefone soava. No mesmo momento em que seu amiga respondeu, Gabrielle ouviu uma conversação apagada.
—Olá, Meg.
—Né... por fim! Jamie, é Gabby!
—Onde está essa garota? vai vir ou o que?
—Ainda não sei. Gabby, vais vir?
Para ouvir a familiar desordem do bate-papo de seus amigos, Gabrielle desejou estar ali. Desejou que as coisas pudessem voltar a ser como eram antes de...
—Né... Não posso. surgiu um assunto e...
—Está ocupada —disse Megan a Jamie.
—Mas, onde está? Kendra me chamou hoje, estava-te procurando. Há-me dito que tinha ido a seu apartamento mas que não parecia que estivesse em casa.
—Kendra apareceu por aí? Viu-a?
—Não, mas quer reunir-se com todos nós. Parece que há terminado com esse menino que conheceu na discoteca.
—Brent —acrescentou Jamie em voz alta
—Têm quebrado?
—Não sei —respondeu Megan—. Lhe perguntei como ia com ele e ela somente me disse que já não se estavam vendo.
—Bem —repôs Gabrielle, muito aliviada—. São muito boas notícias.
—Bom, e você? Quem é tão importante como para que não jante esta noite?
Gabrielle franziu o cenho e olhou ao seu redor. Na sala havia levantado um pouco a brisa e a chama vermelha da vela tremeu. Ouviu uns pés suaves e uma afogada exclamação de surpresa de alguém que tinha entrado e se deu conta de que a sala estava ocupada. Gabrielle se deu a volta e viu uma loira alta na porta de entrada. A mulher olhou a Gabrielle com expressão de desculpa e logo se dispôs a sair.
—Estou... isto... fora da cidade, agora mesmo —disse a seus amigos em voz baixa.
— Certamente estarei fora uns quantos dias. Possivelmente mais.
—Fazendo o que?
—Né, estou fazendo um trabalho por encargo —mentiu Gabrielle, diando ter que fazê-lo, mas sem encontrar outra alternativa.
— Chamarei assim que possa. Se cuidem. Quero-lhes.
—Gabrielle...
Pendurou antes de que a obrigassem a dizer nada mais.
—Sinto-o —lhe disse a mulher loira enquanto Gabrielle se aproximava dela.
— Não me tinha dado conta de que a habitação estava ocupada.
—Não o está. Por favor, fique. Só estava... —Gabrielle soltou um suspiro.
— Acabo de mentir a meus amigos.
—OH. —Uns amáveis olhos de cor azul pálida a olharam comprensivamente.
Gabrielle fechou o telefone e passou um dedo por cima da carcasa chapeada e polida.
—Deixei meu apartamento precipitadamente a outra noite para vir aqui com Lucan. Nenhum de meus amigos sabe onde estou, nem por que tive que partir.
—Compreendo. Possivelmente algum dia lhes possa dar alguma explicação.
—Isso espero. Não quero lhes pôr em perigo lhes contando a verdade.
A mulher assentiu com a cabeça, pormenorizada, e seu halo de cabelo comprido e loiro seguiu o movimento.
—Você deve ser Gabrielle. Savannah me há dito que Lucan havia trazido para uma mulher que estava sob seu amparo. Sou Danika. Sou... era... a companheira do Conlan.
Gabrielle aceitou a esbelta mão que Danika lhe ofereceu como saudação.
—Sinto muito sua perda.
Danika sorriu com uma expressão triste nos olhos. Soltou a mão do Gabrielle e, sem dar-se conta, baixou a sua para acariciar o abdômen, imperceptivelmente inchado.
—Queria ir para te buscar para te dar a bem-vinda, mas imagino que não sou a melhor das companhias neste momento. Não tive muita vontade de sair de minhas habitações durante estes últimos dias. Todavía está sendo muito difícil para mim, tentar realizar este... ajuste. Tudo é tão distinto agora.
—É obvio.
—Lucan e outros guerreiros foram muito generosos comigo. Cada um deles me jurou amparo quando a necessitar, esteja onde esteja. Para mim e para meu filho.
—Está grávida?
—Desde quatorze semanas. Desejava que este fora o primeiro de muitos filhos. Estávamos tão iludidos com nosso futuro. Tínhamos esperado muito tempo a fundar nossa família.
—por que esperaram? —Gabrielle franziu o cenho assim que se deu conta de que tinha feito a pergunta.
— O sinto, não tento bisbilhotar. Não é meu assunto.
Danika estalou a língua, lhe tirando importância.
—Não há necessidade de desculpar-se. Não me importa que me faça prerguntas, de verdade. Para mim é bom falar de meu Conlan. Vêem, vamos sentar nos um momento —lhe disse, conduzindo a Gabrielle até uma das cadeiras bancos da capela.
—Conheci Conlan quando era só uma menina. Meu povo da Dinamarca tinha sido saqueado por uns invasores, ou isso acreditávamos. A verdade é que eram um grupo de renegados. Mataram a quase todo mundo, as mulheres velhas e aos meninos, Aos velhos de nossa aldeia. Ninguém estava seguro. Um grupo de guerreiros da raça chegou a metade do ataque. Conlan era um deles. Resgataram a tantos dos nossos como puderam. Quando descubriram minha marca, levaram-me a Refúgio Escuro mais próximo. Foi ali onde aprendi tudo a respeito da nação dos vampiros e do lugar que eu ocupava nela. Mas não podia deixar de pensar em meu salvador. Foi coisa do destino que, ao cabo de uns anos, Conlan fora outra vez a essa zona. Eu estava tão iludida de lhe ver. Imagine a comoção que senti ao saber que ele tampouco se esqueceu de mim.
—Quanto faz disso?
Danika quase não teve que deter-se para calcular o tempo.
—Conlan e eu compartilhamos quatrocentos e dois anos juntos.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle—. Tanto tempo...
—passou em um abrir e fechar de olhos, se te disser a verdade. Não te mentirei te dizendo que sempre foi fácil ser a mulher de um guerreiro, mas não trocaria nem um só instante. Conlan acreditava por completo no que estava fazendo. Queria um mundo mais seguro, para mim e para nossos filhos que estavam por chegar.
—E por isso esperou todo este tempo para conceber um filho?
—Não queríamos fundar nossa família enquanto Conlan sentisse que precisava permanecer com a Ordem. Estar em primeira linha não é o melhor para os meninos, e esse é o motivo pelo que não há famílias entre os membros da classe dos guerreiros. Os perigos são muito grandes, e nossos companheiros precisam poder concentrar-se únicamente em sua missão.
—Não se dão acidentes?
—Os embaraços acidentais são completamente desconhecidos na raça porque nós necessitamos algo mais sagrado que o simples sexo para conceber. O momento de fertilidade das companheiras de raça é durante a lua crescente. Durante este momento crucial, se desejamos conceber um filho, nossos corpos devem conter tanto a semente de nosso companheiro como seu sangue. É um ritual sagrado que ninguem planeja realizar as pressas.
A idéia de poder compartilhar esse profundo e íntimo ato com Lucan fez que Gabrielle sentisse que o centro de seu ser entrava em calor. A idéia de unir-se dessa forma com outro, de engordar com o filho de outro que não fora Lucan, era uma possibilidade que se negava a ter em conta. Preferia estar sozinha, e provavelmente o estaria.
—O que vais fazer agora? —perguntou-lhe, rompendo o silêncio em que se ficou ao imaginar sua própria solidão futura.
—Ainda não sei —respondeu Danika.
— Sim sei que não vou unir-me com nenhum outro macho.
—Não necessita um companheiro para continuar jovem?
—Conlan era meu companheiro. Agora que ele se foi, uma só vida já será muito tempo. Se me negar a ter um vínculo de sangue com outro macho, simplesmente envelhecerei de forma natural daqui em diante, igual que antes de conhecer Conlan. Simplesmente serei... mortal.
—Morrerá —disse Gabrielle.
Danika sorriu com expressão decidida, mas não de tudo triste.
—Ao final.
—Aonde irá?
—Conlan e eu tínhamos planejado nos retirar a um dos Refúgios Escuros da Dinamarca, onde eu nasci. Ele queria isso para mim, mas agora acredito que prefiro criar a seu filho em Escócia para que tenha a oportunidade de conhecer algo de seu pai Através da terra que ele tanto amava. Lucan já começou a fazer os preparativos para que possa ir quando dita que estou preparada.
—Isso foi amável por sua parte.
—Muito amável. Quando veio a me buscar para me dar a notícia, e para me prometer que meu filho e eu sempre estaríamos em comunicação direta com ele e com o resto da Ordem se por acaso alguma vez necessitávamos algo, não me podia acreditar isso. Foi o dia do funeral, só umas quantas horas depois do mesmo, e suas queimaduras ainda eram extremamente gravê. E apesar disso, ele estava mais preocupado por meu bem-estar.
—Lucan sofreu queimaduras? —Gabrielle sentiu que um sentimento de alarme lhe assaltava o coração.
— Quando? E como?
—Faz só três dias, quando realizamos o ritual funerário do Conlan. —Danika arqueou as finas sobrancelhas—. Não sabia? Não, claro que não o sabia. Lucan nunca mencionaria esse ato de honra, nem o dano que sofreu para levá-lo a cabo. Olhe, a tradição funerária da raça estabelece que um vampiro deve levar o corpo do morto fora para que os elementos da natureza o recebam —disse, fazendo um gesto em direção a uma sombria esquina da capela onde havia uma escura escada.
— É um dever que mostra um grande respeito e exige um grande sacrifício porque, uma vez fora, o vampiro que atende a seu irmão deve ficar ao seu lado durante oito minutos durante a saída do sol.
Gabrielle franziu o cenho.
—Mas eu acreditava que a pele de um vampiro não suporta os raios do sol.
—Não, não os suporta. Sofre queimaduras graves e de forma muito rápida, mas ninguém sofre mais que um vampiro de primeira geração. Os mais velhos da raça sofrem mais, inclusive em um tempo de exposição muito breve.
—Como Lucan —disse Gabrielle.
Danika assentiu com expressão solene.
—Para ele, estar exposto oito minutos a saída do sol deve haver sido insuportável. Mas o fez. Pelo Conlan, deixou que seu corpo se queimasse. Inclusive tivesse podido morrer ali acima, mas não tivesse deixado que ninguém mais assumisse o peso de oferecer repouso a meu amado Conlan.
Gabrielle recordou a urgente chamada Telefónica que tinha tirado Lucan fora da cama em meio da noite. Não lhe tinha contado do que se tratava. Tampouco tinha compartilhado sua perda com ela.
Sentiu que a dor lhe retorcia o estômago ao pensar no que tinha suportado, segundo a descrição da Danika.
—Falei com ele... esse mesmo dia, de fato. Por sua voz soube que algo ia mau, mas ele o negou. Parecia tão cansado, mais que exausto. É esta me dizendo que sofreu queimaduras pela luz ultravioleta?
—Sim. Savannah me contou que Gideon o encontrou não muito tempo depois. Lucan tinha queimaduras da cabeça aos pés. Não podia abrir os olhos a causa da dor e a inflamação, mas rechaçou qualquer tipo de ajuda para voltar para suas habitações para curar-se.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle, estupefata—. Ele nunca me contou isso, não me contou nada disto. Quando lhe vi mais tarde, essa noite... só ao cabo de umas horas, parecia completamente normal. Bom, o que quero dizer é que parecia e atuava como se nada mau lhe tivesse ocorrido.
—A pureza de linha de sangue de Lucan lhe faz sofrer mais, mas também lhe ajuda a curar-se mais depressa das queimaduras. Inclusive então não foi fácil para ele; ele necessitaria uma grande quantidade de sangue para repôr seu corpo depois de um trauma tão forte. Quando esteve o bastante bem para abandonar o complexo e ir de caça, devia ter uma fome voraz.
Tinha-a tido. Gabrielle se dava conta agora. A lembrança de lhe ver alimentar do servente a quem tinha matado lhe passou pela mente, mas agora tinha um significado distinto, já não lhe parecia o ato monstruoso que lhe tinha parecido de forma superficial, a não ser um meio de sobrevivemcia. Tudo adquiria um significado novo desde que conhecia Lucan.
Ao princípio, tinha-lhe parecido que a guerra entre os da raça e seus inimigos não era mais que um mal enfrentado a outro, mas agora não podia evitar sentir que também era sua guerra. Ela se jogava algo no desenlace, e não somente pelo fato de que seu futuro se encontrava ligado a este estranho mundo. Para ela era importante que Lucan ganhasse não só a guerra contra os renegados, mas também a devastadora guerra pessoal que liberava em privado.
Estava preocupada com ele, e não podia ignorar a queimação de medo que tinha começado a sentir na base das costas desde que ele e os outros guerreiros tinham abandonado o complexo para ir de batida.
—Quer-lhe muito, verdade? —perguntou-lhe Danika. Entre elas se havia feito um angustiante silêncio.
—Quero-lhe, sim. —Olhou a mulher aos olhos e não encontrou motivo para esconder uma verdade que, provavelmente, se traslucía em seu rosto.
— Posso te dizer uma coisa, Danika? Tenho uma horrível sensação a respeito do que está fazendo esta noite. E para piorá-lo, Tegan disse que não acreditava que Lucan fora a viver muito mais. quanto mais momento levo aqui sentada, mais medo tenho de que Tegan possa ter razão.
Danika franziu o cenho.
—Falaste com o Tegan?
—Tropecei-me com ele —literalmente— muito recentemente . Disse-me que não me afeiçoasse muito de Lucan.
—Porque acreditava que Lucan ia morrer? —Danika deixou escapar um comprido suspiro e meneou a cabeça—. Esse parece desfrutar pondo a outros no fio. Provavelmente o há dito somente porque sabe que isso te inquietará.
—Lucan disse que entre eles havia animosidade. Crie que Tegan é de confiar?
Pareceu que a companheira de raça loira o pensava um momento.
—Posso dizer que a lealdade é uma parte importante do código dos guerreiros. È tudo para esses machos, faz-os um. Nada deste mundo pode lhes fazer violar essa confiança sagrada. —levantou-se e tomou a mão do Gabrielle.
— Vêem. vamos procurar a Eva e a Savannah. E a espera será menos larga para todas se não a passarmos sozinhas.
Capítulo vinte e seis
Do ponto de observação onde estavam apostados em um dos edifícios do porto, Lucan e outros guerreiros observaram um pequeno caminhão cujas rodas cromadas cuspiam cascalho, dirigir-se a localização que estavam vigiando. O condutor era um ser humano. Se seu aroma a suor e a ansiedade não tivesse delatado, a música country que saía estrondosamente pelo guichê aberto o tivesse feito. Saiu do veículo com uma bolsa de papel marrom repleta de algo que cheirava a arroz frito e porco.
—Parece que os meninos jantam dentro esta noite —disse Dê. O confiado mensageiro comprovou o papel branco que tinha grampeado no pedido e olhou para o dique com cautela.
O condutor se aproximou da porta de entrada do armazém, dirigiu outro olhar nervoso ao seu redor, soltou um juramento em meio da escuridão e apertou o timbre. Não havia nenhuma luz dentro do edifício, somente havia o feixe de luz amarela que caía da lâmpada nua que pendurava em cima da porta. Lucan viu os olhos ferozes de um Renegado e o mensageiro gaguejou umas palavras do pedido e alargou o papel para o buraco escuro que se aberto diante dele.
—O que quer dizer trocando-o? —perguntou o cowboy urbano com um forte acento de Boston.
— Que diabos...?
Uma enorme mão lhe sujeitou pelo peito da camisa e lhe levantou do chão. ele chiou e em seu ataque de pânico conseguiu largar-se da mão do renegado.
—Uf! —exclamou Niko desde sua posição perto da cornija.
— Parece que acaba de dar-se conta de que não há comida a Chinesa no menu.
O renegado voou até o ser humano como uma sombra, assaltou-lhe por detrás e lhe abriu a garganta com uma eficiência selvagem. A morte foi sangrenta e foto instantânea. Logo o renegado se levantou de um salto e se dispôs a carregár a presa ao ombro para levá-la dentro, e Lucan ficou em pé.
—chegou o momento de nos pôr em marcha. Vamos.
Ao uníssono, os guerreiros saltaram ao chão e se dirigiram a grande velocidade para o armazém que servia de guarida aos renegados. Lucan, que lhes marcava o caminho, foi o primeiro em alcançar ao vampiro com sua inerte carrega humana. Com uma mão, sujeitou ao renegado pelo ombro e lhe obrigou A dár a volta ao tempo que tirava uma de suas folhas mortíferas da capa que levava no quadril. Golpeou com força e uma pontaría certeira, e decapitou a essa besta com um corte limpo.
As células do renegado começaram a fundir-se imediatamente e este caiu, empapado de sangue, ao chão. O contato da folha de Lucan foi como um ácido que atravessou o sistema nervoso do vampiro. Ao cabo de uns segundos, quão único ficava do renegado era um atoleiro negro e putrefato que se diluía na sujeira do chão.
Mais adiante, na porta, Dante, Tegan e os outros três guerreiros se formavam em um grupo fechado e armado, disposto a iniciar a ação réal. À ordem de Lucan, os seis se introduziram no armazém com as armas A ponto.
Os renegados que se encontravam dentro não tiveram nem idéia do que era o que lhes estava atacando até que Tegan lançou uma adaga que foi cravar se na garganta de um deles. Enquanto o renegado chiava e se retorcia ao desintegrar-se, seus cinco companheiros, enfurecidos, se dispersaram em busca de refúgio ao tempo que tomavam as armas sob a chuva de balas e folhas afiadas que Lucan e seus irmãos lançavam a discrição.
Dois dos renegados caíram ao cabo de uns segundos de haver-se iniciado o enfrentamento, mas os outros dois que ficavam haviam ocultado nas profundidades escuras do armazém. Um deles disparou contra Lucan e Dante desde detrás de um velho montão de gavetas. Os guerreiros esquivaram esse ataque e lhe responderam, o qual lhe fez sair ao descoberto e lhe deu a oportunidade a Lucan de acabar com ele.
Lucan percebeu na periferia de seu campo de visão que o último deles tentava escapar por entre um montão de barris derrubados e de tubos de metal que havia na parte traseira do edifício.
A Tegan tampouco tinha passado desapercebido. O vampiro se precipitou para o renegado como um trem de carga e desapareceu nas prófundidades do armazém em uma mortal perseguição.
—Tudo espaçoso —gritou Gideon desde algum ponto da escuridão fumegante e poeirenta.
Mas assim que o houve dito, Lucan percebeu que um novo perigo se abatia sobre eles. Seu ouvido distinguiu o discreto roce de um movimento sobre sua cabeça. Os lúgubres abajures do teto que se encontravam em cima dos tubos do sistema de ventilação do armazém estavam quase negras de sujeira, mas Lucan estava seguro de que algo avançava pelo telhado.
—Vigiem acima! —gritou aos outros, e nesse momento o telhado caiu e sete renegados mais se deixaram cair de acima disparando com suas armas.
De onde tinham saído? A informação que tinham sobre essa guarida era de confiar: seis indivíduos, provavelmente convertidos em renegados recentemente, que operavam de forma independente, sem nenhuma filiação. Então, quem tinha dado aviso a essa cavalaria para que lhes apóiassem? Como se tinham informado de que havia uma batida?
—Uma maldita emboscada —grunhiu Dante, pondo em voz alta o pensamento de Lucan.
Não era possível que esses novos problemas tivessem aparecido por acaso. Lucan se fixou no mais volumoso dos renegados que se estavam precipitando contra eles nesses momentos e sentiu que uma furia negra lhe fervia no ventre.
Era o vampiro que lhe tinha escapado a noite do assassinato Aos subúrbios da discoteca. O bode da Costa Oeste. O canalha que havia podido matar a Gabrielle e que possivelmente ainda pudesse fazê-lo algum dia se Lucan não acabava com ele nesse preciso momento.
Enquanto Dante e outros respondiam ao fogo do grupo de renegados, Lucan foi unicamente por esse objetivo.
Essa noite ia terminar com ele.
O vampiro vaiou amenaçadoramente ao lhe ver avançar e seu horrível rostro se deformou com um sorriso.
—Encontramo-nos de novo, Lucan Thorne.
Lucan assentiu com expressão lúgubre.
—Pela última vez.
O ódio mútuo fez que ambos os machos se desprendessem das armas para encetar-se em um combate mais pessoal. Em um instante desenfunderam as facas, um em cada mão, e os dois vampiros se prepararam para cercar um combate a morte. Lucan lançou a primeira estocada, e recebeu um perigoso corte no ombro: o renegado lhe tinha esquivado com sigilosa velocidade e se deslocou, em um abrir e fechar de olhos, ao outro lado dele. Tinha as mandíbulas abertas e uma expressão de triunfo ante o primeiro sangue derramado.
Lucan se deu a volta com igual agilidade e suas facas assobiaram perigrosamente perto da cabeça do renegado. O chupão baixou a vista e viu sua orelha direita no chão, A seus pés.
—começou o jogo, imbecil —grunhiu Lucan.
«Com uma vingança.»
Lançaram-se um contra o outro em um torvelinho de fúria com seus acertos frios e mortais. Lucan tinha consciência da batalha que se cercou ao seu redor, de que os guerreiros se estavam enfrentando ao segundo ataque. Mas toda sua concentração, todo seu ódio, centrava-se na afronta pessoal com o renegado que tinha em frente.
Quão único Lucan tinha que fazer para acender-se de fúria era pensar em Gabrielle e no que esta besta lhe tivesse feito.
E alimentou essa fúria: fez retroceder ao renegado estocada atrás de cada, implacável. Não sentiu os golpes que recebeu no corpo, embora foram muitos. Tombou a seu competidor e se preparou a lançar a última e mortífera estocada.
Com um rugido, realizou um profundo corte na garganta do renegado e separou sua enorme cabeça do corpo destroçado. Uns espasmos sacudiram os braços e as pernas do vampiro e este se desabou, retorcendo-se, ao chão. Lucan ainda sentia a fúria martilando com força nas veias; deu a volta à faca que tinha na mão e o cravou com força no peito do renegado para acelerar o processo de desintegração do corpo.
—Santo inferno —exclamou Rio desde algum ponto perto dele com voz seca.
— Lucan, tio, em cima de ti! Há outro nas vigas.
Aconteceu em um instante.
Lucan se deu a volta, sentindo a fúria da batalha em todos os músculos do corpo. Jogou uma olhada para cima, onde Rio havia lhe indicado. Muito acima por cima de sua cabeça outro vampiro renegado se pendurava pelos tubos do teto do armazém com uma coisa sob o braço que parecia ser uma pequena bola de metal. Mas uma pequena luz vermelha parecia rapidamente nesse aparelho e imediatamente ficou acendida.
—Ao chão! —Nikolai levantou sua Beretta trucada e apontou.
— O tipo vai lançar uma maldita bomba!
Lucan ouviu o repentino disparo da arma.
Viu que o renegado recebia o disparo do Niko justo entre os brilhantes olhos amarelos.
Mas a bomba já estava no ar.
Ao cabo de segundo meio, estalou.
Capítulo vinte e sete
Gabrielle se incorporou repentinamente, despertando sobressaltada de outra inquieta cabeçada que acabava de jogar no sofá da sala de estar do Savannah. As mulheres tinham ficado juntas as últimas horas, consolándo-se na companhia mútua, exceto Eva, que se tinha ido a capela para rezar. A companheira de raça estava mais nervosa que as demais e se tinha passado grande parte da tarde caminhando acima e abaixo e mordendo o lábio inferior com impaciência e ansiedade.
Em algum lugar por cima do labirinto de corredores e habitações se ouviram os movimentos surdos e as vozes tensas dos machos. O barulho zumbido do elevador fez vibrar o denso ar da sala e se deram conta de que a cabine estava baixando ao piso principal do complexo.
«OH, Deus.»
Algo ia mau.
Notava-o.
«Lucan.»
Jogou a um lado o xale de felpilla com que se cobria e pôs os pés no chão. O coração lhe tinha desbocado, e lhe encolhia com força a cada pulsado.
—Tampouco eu gosto desses sons —disse Savannah, jogando uma tensa olhada a habitação.
Gabrielle, Savannah e Danika saíram das habitações para ir em busca dos guerreiros. Nenhuma disse nenhuma palavra e com muita dificuldade respiravam enquanto se dirigiam ao elevador.
Inclusive antes de que as portas de aço se abrissem, por causa dos sons precipitados que se ouviam dentro do elevador, fez-se evidente que foram receber más notícias.
Mas Gabrielle não estava preparada para quão más foram ser.
O fedor a fumaça e a sangue a assaltou com a força de um murro. Fez uma careta ante o nauseabundo aroma de guerra e morte mas se esforçou por ver qual era a situação na cabine do elevador. Nenhum dos guerreiros saía dela. Dois estavam tombados no chão da cabine e os outros três estavam agachados ao seu redor.
—Traz umas quantas toalhas e lençóis limpa! —gritou-lhe Gideon a Savannah.
— Traz todas as que possa, menina! —Assim que ela se dispôs a fazê-lo, ele acrescentou:
—Também vamos precisar movê-lo. Há uma cama na enfermaria.
—Eu me ocupo —repôs Niko de dentro do elevador.
Saltou por cima de um dos dois vultos informe que se encontrava tendido de barriga para baixo no chão. Quando passou por seu lado, Gabrielle viu que tinha o rosto, o cabelo e as mãos enegrecidos de fuligem. As roupas estavam rasgadas e a pele salpicada com centenas de arranhões sangrando. Gideon mostrava contusões similares. E Dante também.
Mas suas feridas não eram nada comparadas com as dos dois guerreros da raça que estavam inconscientes e a quem seus irmãos haviam transportado pelas ruas.
O peso que sentiu no coração lhe fez saber de Gabrielle que um deles era Lucan. Aproximou-se um pouco mais e teve que reprimir uma exclamação ao ver confirmados seus temores.
O sangue se formava redemoinhos debaixo de seu corpo, um atoleiro da cor do vinho escuro que se estendia até o mármore branco do corredor. Tinha a vestimenta de couro e as botas feita migalhas, igual à maior parte da pele dos braços e as pernas. O rosto estava cheio de fuligem e de cortes de uma cor escarlate. Mas estava vivo. Gideon lhe moveu para lhe aplicar um torniquete improvisado para parar o sangue de uma ferida que tinha no braço e Lucan soltou um vaio de dor por entre as presas alargadas.
—Porra... sinto muito, Lucan. É bastante profundo. Merda, isto não vai deixar de sangrar.
—Ajuda... ao Rio —pronunciou as palavras com um grunhido apagado. Foi uma ordem direta apesar de que se encontrava convexo de costas—. Estou bem —acrescentou, gemendo de dor.
— Porra... quero que... dê-te... dele.
Gabrielle se ajoelhou ao lado do Gideon. Levantou a mão para sujeitar o extremo da atadura que ele tinha na mão.
—Eu posso fazê-lo.
—Está segura? É uma ferida feia. Tem que colocar as mãos justo aí para apertá-lo com força.
—Tenho-o. —Fez um gesto com a cabeça em direção a Rio, que se encontrava convexo ao lado.
— Faz o que te há dito.
O guerreiro ferido que estava convexo no chão ao lado de Lucan estava sofrendo uma agonia. Ele também sangrava profundamente por quão feridas tinha no torso e a causa do terrível dano que tinha sofrido no braço esquerdo. Levava uma perna envolta em um farrapo empapado de sangue que devia ser uma camisa. Tinha o rosto e o peito queimados e rasgados até tal ponto que era irreconhecível. Começou a emitir uns gemidos graves e guturais que lhe encheram os olhos de lágrimas a Gabrielle.
Piscou para reprimir as lágrimas e, ao abrir os olhos de novo, encontrou-se com os pálidos olhos cinzas de Lucan cravados nela.
—Acabei... com o bode.
—Shh. —Secou-lhe o suor da frente, maltratada.
— Lucan, te esteja quieto. Não tente falar.
Mas ele não fez conta. Tragou saliva com dificuldade e logo se esforçou em pronunciar as palavras.
—o da discoteca... o filho de puta que estava ali essa noite.
—que te escapou?
—Esta vez não. —Piscou devagar. Seu olhar era tão feroz como brilhante.
— Agora não poderá nunca... te fazer danifico...
—Sim—disse em tom irônico Gideon, que se estava ocupando de Rio.
— E tem muita sorte de estar vivo, herói.
Gabrielle sentiu que a angústia lhe atendia a garganta ao olhar a Lucan. Apesar de que tinha afirmado que seu dever era o primeiro e que alguma vez haveria um lugar para ela em sua vida, Lucan tinha pensado nela essa noite? Estava ferido e sangrando a causa, em parte, por algo que tinha feito por ela?
Ela tomou uma de suas mãos entre as suas e lhe acariciou no único lugar do corpo em que podia fazê-lo enquanto a apertava contra o coração.
—OH, Lucan...
Savannah chegou correndo com o que lhe tinham pedido. Niko a seguiu imediatamente, empurrando a maca de hospital diante dele.
—Lucan primeiro —lhes disse Gideon.
— Levem a uma cama e logo voltarei por Rio.
—Não —grunhiu Lucan, com tom de maior determinação que de dor.
— Ajudem a me levantar.
—Não acredito que... —disse Gabrielle, mas ele já estava tentando levantar-se do chão.
—Tranqüilo, chiou.
—Dante entrou no elevador e colocou sua mão forte sob o braço de Lucan. Tombaram-lhe por que não toma um descanso e nos deixa que lhe levemos a enfermaria?
—Hei dito que estou bem. —Lucan, apoiando-se em Gabrielle e em Dante, incorporou-se e se sentou. Respirava com dificuldade, mas permaneceu incorporado.
— recebi uns quantos golpes, mas merda... vou andando até minha cama. Não vou deixar que me... arrastem até aí.
Dante olhou Gabrielle com expressão exasperada.
—Sabe que tem a cabeça tão dura que o diz a sério?
—Sim, sei.
Gabrielle sorriu, agradecida a essa obstinação que o fazia ser forte. Ela e Dante lhe emprestaram o apoio de seus corpos: colocaram-se um a cada lado dele, com os ombros sob cada um de seus braços, e lhe sujeitaram até que Lucan começou a ficar em pé, devagar.
—Por aqui —disse Gideon a Niko, e este colocou a maca no lugar adequado para levantar Rio enquanto Savannah e Danika faziam tudo o que podiam por conter o sangue de suas feridas, por lhe tirar a roupa destroçada e o desnecessário peso das armas.
—Rio? —A voz da Eva soou aguda. Correu até o grupo com o rosario ainda apertado em uma das mãos. Quando chegou ao elevador aberto se deteve imediatamente e agüentou a respiração.
— Rio! Onde está?
—Está aqui dentro, Eva —disse Niko, apartando-se da maca, onde já tinham colocado a Niko, para lhe impedir o passo. Apartou-a dali com mão firme para que não se aproximasse muito ao açougue.
— Houve uma explosão esta noite. Ele se levou a pior parte.
—Não! —levou-se as mãos ao rosto, horrorizada.
— Não, está equivocado. Esse não é meu Rio! Não é possível!
—Está vivo, Eva. Mas terá que ser forte por ele.
—Não! —Começou a chiar grosseiramente, histérica, enquanto tentava abrir passo com a força para aproximar-se de seu companheiro.
— Meu Rio não! Deus, não!
Savannah se aproximou e tomou a Eva do braço.
—Vamos agora —lhe disse com suavidade.
— Eles sabem como lhe ajudar.
Os soluços da Eva alagaram o corredor e encheram a Gabrielle de uma angústia íntima que era uma mescla de alívio e de medo frio. Estava preocupada com Rio, e lhe rompia o coração pensar no que Eva devia estar sentindo. Gabrielle sabia que isso lhe doía em parte porque Lucan tivesse podido encontrar-se no lugar de Rio. Uns quantos milímetros, umas frações de segundo, podiam ter sido quão único tinha determinado qual dos dois guerreiros ia estar convexo em um crescente atoleiro de sangue lutando por manter-se vivo.
—Onde está Tegan? —perguntou Gideon, sem apartar a atenção de seus próprios dedos com os quais, e com movimentos rápidos, ocupava-se de curar ao guerreiro cansado.
— retornou já?
Danika negou com a cabeça, mas olhou a Gabrielle com olhos angustiados.
—por que não está aqui? Não estava com vocês?
—Perdemo-lhe de vista muito pouco tempo depois de que entrássemos na guarida dos renegados —lhe disse Dante.
— Quando estalou a bomba, nosso principal objetivo foi trazer Rio e a Lucan ao complexo o mais breve possível.
—vamos mover isto —disse Gideon, colocando-se a cabeça da cama de Rio.
— Niko, me ajude a mover isto.
As perguntas a respeito do Tegan se apagaram enquanto todo mundo trabalhava em excesso em fazer todo o possível para ajudar a Rio. Todos percorreram o caminho até a enfermaria. Gabrielle, Dante e Lucan eram os que se deslocavam com maior lentidão pelo corredor: Lucan se cambaleava sobre os pés e se sujeitava a eles dois enquanto se esforçava por manter-se em pé com firmeza.
Gabrielle reuniu valor para lhe olhar. Desejava tanto lhe acariciar o rosto ferido e cheio de sangue. Enquanto lhe olhava com o coração encolhido, ele levantou as pálpebras e a olhou aos olhos. Ela não sabia o que era o que se estabeleceu entre eles durante esse comprido instante de quietude no meio do caos, mas sentiu que era algo quente e bom Apesar de tudo quão terríveis tinham sido os sucessos dessa noite.
Quando chegaram À habitação onde foram atender a Rio, Eva ficou a um lado da maca, ante seu corpo quebrado. As lágrimas lhe caíam pelas bochechas.
—Isto não tinha que ter acontecido —gemeu—. Não deveria ter sido meu Rio. Não desta maneira.
—Faremos tudo o que possamos por ele —disse Lucan, respirando com dificuldade por causa de suas próprias feridas—. Lhe prometo isso, Eva. Não lhe deixaremos morrer.
Ela negou com a cabeça, com o olhar fixo em seu companheiro tendido na cama. Acariciou-lhe o cabelo e Rio murmurou umas palavras incoerentes, semi inconsciente e com uma clara expressão de dor.
—Quero-lhe fora daqui imediatamente. Deveria ser transladado a um Refúgio. Necessita atenção médica —disse Eva.
—Seu estado não é o bastante estável para que lhe translade —repôs Gideon.
— Tenho os conhecimentos necessários e a equipe adequada para lhe tratar aqui por agora.
—Quero-lhe fora daqui! —Levantou a cabeça súbitamente e dirigiu o olhar brilhante de um guerreiro a outro.
— Não resulta de utilidade para nenhum de vocês agora, assim me deixem isso . Já não lhes pertence, a nenhum de vocês. Agora é completamente meu! Somente quero o melhor para ele!
Gabrielle notou que o braço de Lucan entrava em tensão por causa dessa reação histérica.
—Então tem que te apartar de diante do Gideon e deixar que faça seu trabalho —lhe disse, assumindo com facilidade o papel de líder apesar de sua má condição física.
— Agora mesmo, quão único importa é manter com vida Rio.
—Você —disse Eva, em tom seco enquanto lhe dirigia um olhar severo. Seus olhos mostraram um brilho mais selvagem e seu rosto se transformou em uma máscara de puro ódio.
— Deveria ser você quem se estivesse morrendo agora mesmo, e não ele! Você, Lucan. Esse foi o trato que fiz! Sabiam que tinha que ser você!
Na enfermaria pareceu abrir um abismo que se tragasse todo som exceto a surpreendente verdade do que a companheira de Rio acabava de confessar.
Dante e Nikolai se levaram as mãos as armas, ambos os guerreiros dispostos a responder a mais ligeira provocação. Lucan levantou uma mão para contê-los com o olhar fixo na Eva. A verdade era que não lhe importava absolutamente que sua malevolência se dirigisse diretamente contra ele; se ele tinha sido uma espécie de alvo para sua fúria, havia sobrevivido a isso . Rio possivelmente não o fizesse. Qualquer dos irmãos presente na batida dessa noite tivesse podido não sobreviver a traição da Eva.
—Os renegados sabiam que íamos estar ali —disse Lucan em um tom frio por causa de uma profunda fúria.
— Caímos em uma emboscada no armazém. Você o preparou.
Outros guerreiros emitiram uns grunhidos guturais. Se a confissão a tivesse feito um macho, Lucan tivesse podido fazer muito pouco para impedir a seus irmãos que atacassem com uma força letal. Mas se tratava de uma companheira de raça, uma dos seus. Alguém a quem conheciam e em quem confiavam desde fazia mais de uma vida.
Agora Lucan olhava a Eva e via uma desconhecida. Viu loucura. Um desespero mortal.
—Rio tinha que salvar-se. —inclinou-se sobre ele e lhe passou o antebraço por debaixo da cabeça enfaixada. O emitiu um som descarnado e indecifrável enquanto Eva lhe abraçava.
— Eu não queria que ele tivesse que lutar mais. Não, por vocês.
—Assim preferiria lhe ver destroçado, em lugar disso? —perguntou-lhe Lucan.
— Assim é como lhe quer?
—Amo-lhe! —gritou ela.
— O que tenho feito, tudo o que tenho feito, foi por amor a ele! Rio será mais feliz em algum outro lugar, longe de toda esta violência e morte. Será mais feliz em um Refúgio Escuro, comigo longe de sua maldita guerra!
Rio emitiu o mesmo som gutural, mas agora soou mais lastimero. Não cabia dúvida de que era um som de agonia, embora se era devido à dor física ou a inquietação pelo que estava acontecendo ao seu redor não estava claro.
Lucan negou com a cabeça lentamente.
—Essa é uma afirmação que você não pode fazer por ele, Eva. Não tem direito. Esta é a guerra de Rio, tanto como a de qualquer outro. É no que ele acreditava, no que sei que ainda crie, inclusive depois do que lhe tem feito. Esta guerra concerne a toda a raça.
Ela franziu o cenho com gesto azedo.
—Resulta irônico que o cria, dado que você mesmo estiveste a ponto de te converter em um renegado.
—Jesucristo —exclamou Dante de onde se encontrava, perto.
— Esta equivocada, Eva. Está terrivelmente equivocada.
— Ah, sim? —Ela continuou cravando o olhar em Lucan com expressão sádica.
— Te estive observando, Lucan. Vi-te lutar contra a sede quando acreditava que não havia ninguém perto. Sua aparência de controle não me engana.
—Eva —disse Gabrielle. Sua voz tranqüila foi um bálsamo para todos os que se encontravam na habitação.
— Está alterada. Não sabe o que está dizendo.
Ela rio.
—lhe peça que o negue. lhe pergunte por que se priva de sangue até que está quase a ponto de morrer de sede!
Lucan não disse nada em resposta a essa acusação pública, porque sabia que era verdade.
Também sabia Gabrielle.
Sentiu-se comovido de que lhe defendesse, mas nesses momentos não se tratava tanto dele como de Rio e do engano que ia destroçar a esse guerreiro. Possivelmente já o tinha feito, a julgar pelo crescente movimento de suas pernas e pelo esforço que realizava para falar apesar das feridas.
—Como fez esse trato, Eva? Como entrou em contato com os renegados, em uma de suas excursões fora?
Ela bufou com gesto de brincadeira.
—Não foi tão difícil. Há serventes passeando por toda a cidade. Somente tem que olhar fora. Encontrei a um e lhe disse que me pusesse em contato com seu chefe.
—Quem era? —perguntou Lucan—. Que aspecto tinha?
—Não sei. Somente nos encontramos uma vez e manteve o rosto oculto. Levava uns óculos escuros e teve as luzes da habitação do hotel apagadas. Não me importava nem quem era nem que aspecto tinha. O único que me importava era que tivesse o poder suficiente para fazer que as coisas ocorressem. Somente queria sua promessa.
—Imagino que te fez pagar por isso.
—Foram somente um par de horas com ele. Tivesse pago algo —disse, agora sem olhar a Lucan nem aos outros, que a olhavam com expressão de desagrado, mas sim manteve a vista fixa em Rio.
— Faria algo por ti, querido. Suportaria. .. algo.
—Possivelmente vendeu seu corpo —disse Lucan—, mas foi a confiança de Rio o que traiu.
Dos lábios de Rio surgiu um som áspero. Eva lhe arrulhava e o acariciou. Ele abriu as pálpebras e se ouviu sua respiração, oca e esforçada, enquanto tentava pronunciar umas palavras.
—Eu... —Tossiu e seu corpo maltratado sofreu um espasmo—. Eva...
—OH, meu amor... sim. Estou aqui! —gritou—. Me diga o que queira, carinho.
—Eva... —De sua garganta não saiu nenhum som durante uns instantes, mas voltou a tentá-lo.
— Eu... lhe... acuso.
—O que?
—Morta... —Gemeu. Sem dúvida a dor psicológica era maior que a fisica, mas a ferocidade de seus olhos brilhantes e injetados em sangue diziam que não ia se deter.
— Já não existe... para mim... está... morta.
—Rio, é que não o compreende? Tenho-o feito por nós!
—Vai —disse ele com voz entrecortada.
— Não te quero ver... nunca mais.
—Não o pode dizer a sério. —Levantou a cabeça e seus olhos procuravam freneticamente um ponto onde posar-se.
— Não o diz a sério! Não é possível! Rio, me diga que não fala a sério!
Alargou a mão para lhe tocar, mas ele emitiu um grunhido e utilizou a pouca força que ficava para rechaçar seu contato. Eva soluçou. O sangue das feridas dele cobria a parte dianteira da roupa. Baixou a vista até as manchas e logo olhou a Rio, que agora a tinha afastado dele por completo.
O que aconteceu a seguir durou somente uns segundos como máximo, mas foi como se o tempo se houvesse ralentizado a uma lentidão implacável.
O olhar aniquilado da Eva caiu sobre o cinturão das armas de Rio, que estava no chão ao lado da cama.
Uma expressão de determinação se formou em seu rosto e se lançou por volta de uma das facas.
Levantou a adaga brilhante por cima de seu rosto.
Sussurrou a Rio que sempre lhe amaria.
Então girou a faca que tinha na mão e o cravou a si mesmo na garganta.
—Eva, não! —gritou Gabrielle. Seu corpo reagiu automaticamente, como se acreditasse que podia salvar À outra fêmea.
— OH, Meu deus, não!
Mas Lucan a sujeitou ao seu lado. Rapidamente tomou entre os braços e lhe fez girar o rosto para seu peito para evitar que visse Eva cortar sua próprio jugular e cair, sangrando e sem vida, ao chão.
Capítulo vinte e oito
Recém tomada banho, nas habitações de Lucan, Gabrielle se secou com uma toalha o cabelo molhado e colocou em cima um suave penhoar. Estava exausta depois de ter acontecido a maior parte do dia com o Savannah e Danika ajudando a Gideon a atender a Rio e a Lucan. No complexo todo mundo se encontrava em um estado de surda incredulidade por causa da traição de Eva e do trágico desenlace: Eva morta por sua própria mão e Rio agarrado precariamente a vida.
Lucan se encontrava em mal estado físico, além disso, mais fiel a sua palavra a sua obstinação, tinha abandonado a enfermaria por seus próprios pés pra ir descansar a suas habitações pessoais. Gabrielle estava assombrada de que ele tivesse aceito algum tipo de cuidado, mas a verdade era que as outras mulheres e ela mesma não lhe tinham deixado muitas posibilidades de rechaçá-lo.
Gabrielle se sentiu invadida pelo alívio ao abrir a porta do banho e lhe encontrar sentado na enorme cama com as costas apoiada na cabecera, sobre um montão de almofadas. Tinha uma bochecha e a frente cheias de pontos e as vendagens lhe cobriam a maior parte do largo peito e das pernas, mas se estava recuperando. Estava inteiro e, com o tempo, curaria-se.
Igual a ela, ele não levava nada em cima exceto um penhoar branco; isso era quão único as mulheres lhe tinham permitido ficar em cima, depois de ter acontecido horas limpando e lhe curando as contusões e as feridas cheias de metralha que tinha em quase todo o corpo.
—Sente-se melhor? —perguntou-lhe Lucan, olhando-a enquanto ela passava os dedos pelo cabelo úmido para apartar-lhe do rosto.
— pensei que teria fome ao sair do banho.
—A verdade é que morro de fome.
Ele assinalou uma robusta mesa de coquetel que se encontrava na salinha do dormitório, mas o olfato de Gabrielle já tinha detectado o impressionante bufé. O aroma de pão francês, a alho e especiarias, a molho de tomate e a queijo alagava a habitação. Viu um prato de verduras e um tigela cheio de fruta fresca, e inclusive uma coisa escura com aspecto de chocolate em meio das outras tentações. aproximou-se para jogar uma olhada mais de perto e o estômago lhe retorceu de fome.
—Manicotti —disse, inalando o aromático aroma da massa. Ao lado de uma taça de cristal havia uma garrafa de vinho tinjo aberta.
— E Chianti?
—Savannah queria saber se você tinha algum alimento preferido. Isso foi o único que me ocorreu.
Essa era a comida que ela preparou a noite em que ele tinha ido a seu apartamento para lhe devolver o telefone celular. A comida que ficou fria, esquecida, em cima do mármore da cozinha enquanto ela e Lucan ficavam como coelhos.
—recordou o que eu tinha cozinhado essa noite?
Ele se encolheu de ombros ligeiramente.
—Sente-se. Come.
—Somente há um assento.
—Está esperando uma visita?
Ele olhou.
—De verdade não pode comer nada disto? Nem sequer um mordisco?
—Se o fizesse, somente poderia agüentar uma pequena quantidade no estômago. —Fez-lhe um gesto para que se sentasse.
— Comer os mantimentos dos humanos é somente algo que fazemos pelas aparências.
—De acordo. —Gabrielle se sentou no chão com as pernas cruzadas. Tirou o guardanapo de linho debaixo dos talheres e a colocou em cima do regaço.
— Mas não me parece justo me pôr morada diante de ti.
—Não se preocupe por mim. Já recebi muitas cuidados e cuidados femininos por hoje.
—Como quer.
Ela estava muito faminta para esperar um segundo mais e a comida tinha um aspecto muito delicioso para resistir. Com o garfo, Gabrielle cortou uma parte de manicotti e o degustou em um estado de absoluto êxtase. Comeu a metade do prato em um tempo recorde e somente fez uma pausa para encher a taça de vinho, que também bebeu com um prazer voraz.
Durante todo o tempo Lucan a esteve olhando da cama.
—Está bom? —perguntou-lhe em um momento em que lhe olhava por cima do bordo da taça de vinho enquanto tomava um sorvo.
—Fantástico —murmurou ela e encheu a boca de verduras com vinagrete. Sentia o estômago muito mais tranqüilo agora. Comeu o resto da salada, serviu outro copo do Chianti e se recostou com um suspiro.
— Obrigado por isso. Tenho que dar as graças a Savannah também. Não tinha por que haver-se incomodado tanto.
—Agrada-lhe —disse Lucan com uma expressão atenta mas indescifravel.
— Foi de grande ajuda ontem de noite. Obrigado por cuidar de Rio e dos outros. De mim, também.
—Não tem por que me dizer obrigado.
—Sim, tenho que fazê-lo. —Franziu o cenho e uma pequena ferida que tinha costurada, na frente, inchou-se com o movimento.
— Foi amavel e generosa durante todo o tempo e eu... —interrompeu-se e disse algo inaudível.
— Te agradeço o que tem feito. Isso é tudo.
«OH —pensou ela.
— Isso é tudo.» Inclusive sua gratidão aparecia depois de uma barreira emocional.
De repente se sentiu como uma estranha com ele nesse momento, assim que lhe deu vontade de trocar de tema.
—ouvi que Tegan voltou de uma peça.
—Sim. Mas Dante e Niko estiveram a ponto de destroçá-lo quando lhe viram por ter desaparecido durante a batida.
—O que lhe aconteceu a outra noite?
—Quando as coisas ficaram feias, um dos renegados tentou sair por uma porta traseira do armazém. Tegan lhe perseguiu até a rua. Ia acabar com esse chupão, mas decidiu lhe seguir primeiro para ver aonde ia. Perseguiu-lhe até o velho psiquiátrico que se encontra fora da cidade. Esse lugar estava infestado de renegados. Se havia alguma duvida, agora já estamos seguros de que é uma enorme colônia. Próvavelmente seja o quartel geral desta Costa.
Gabrielle sentiu um calafrio ao pensar que tinha estado nesse psiquiátrico, que tinha estado dentro dele, sem saber que era um refúgio de rénegados.
—Tenho umas quantas fotos do interior. Ainda estão em minha câmara. Não tive tempo das descarregar, ainda.
Lucan tinha ficado imovel e a olhava como se ela houvesse acabado de lhe dizer que tinha estado jogando com amadurecidas. Seu rosto pareceu empalidecer um pouco mais ainda.
—Não somente foi ali mas sim entrou nesse lugar?
Ela se encolheu de ombros, sentindo-se culpado.
—Jesus Cristo, Gabrielle. —Baixou as pernas da cama e ficou sentado ali um momento comprido, simplesmente olhando-a. Demorou um momento em poder pronunciar as palavras.
— eles poderiam ter te matado. Dá-te conta disso?
—Mas não o fizeram —respondeu; uma pobre observação, mas um feito.
—Não é esse o tema. —passou-se as duas mãos pelo cabelo das têmporas.
— Merda. Onde está sua câmara? '
—Deixei-a no laboratório.
Lucan tomou o telefone que tinha ao lado da cama e marcou o número do intercomunicador. Gideon respondeu no outro extremo da linha.
—Né, o que há? Tudo vai bem?
—Sim —disse Lucan, mas estava olhando a Gabrielle.
— Diga a Tegan que deixe o reconhecimento do psiquiátrico de momento. Acabo-me de me interar de que temos fotos do interior.
—Sério? —fez-se uma pausa—. Ah, porra. Quer dizer que ela de verdade entrou nesse maldito lugar?
Lucan a olhou e arqueou uma sobrancelha com uma expressão como de «lhe havia dito».
—Descarrega as imagens da câmara e diga aos outros que nos reunirémos dentro de uma hora para decidir a nova estratégia. Acredito que nos economizamos um tempo crucial com isto.
—Bem. Vemo-nos as quatro.
A chamada terminou com um som do intercomunicador.
—Tegan ia voltar para o psiquiátrico?
—Sim —respondeu Lucan.
— Provavelmente era uma missão suicida, já que ele foi tão louco que insistiu em que se infiltraria sozinho esta noite para conseguir informação sobre o lugar. Embora ninguém ia convencer lhe de que não o fizesse, e muito menos eu.
Levantou-se da cama e começou a inspecionar-se algumas das bandagem. Fez um movimento que lhe abriu o penhoar, mostrando a maior parte do peito e o abdômen. As marca que tinha no peito tinham um pálido tom de henna, viam-se mais claras que a noite anterior. Agora tinham quase a mesma cor que o resto de seu corpo. Torradas e quase sem cor.
—Por que Tegan e você têm tão má relação? —perguntou-lhe sem mover a vista de cima ao atrever-se a lhe fazer essa pergunta que tinha tido na cabeça do momento em que Lucan tinha pronunciado o nome do guerreiro.
— O que aconteceu entre vocês?
Ao princípio pensou que ele não ia dizer nada. Ele continuou inspecionando as feridas, flexionando os braços e as pernas em silêncio. Então, justo no momento em que ela ia desistir, ele disse:
—Tegan me culpa de lhe haver tirado algo que era dele. Algo que ele amava. —Olhou-a diretamente agora:
— Sua companheira de raça morreu. Em minhas mãos.
—Deus santo —sussurrou ela.
— Lucan, como foi?
Ele franziu o cenho e apartou o olhar outra vez.
—As coisas eram diferentes quando Tegan e eu nos conhecemos ao principio. A maioria dos guerreiros decidia não ter nenhuma companheira porque os perigos eram muito grandes.
Naquela época, fomos muito poucos na Ordem, e proteger as nossas famílias era algo muito difícil dado que o combate nos obrigava a estar quilômetros de distância e, freqüentemente, durante muitos meses.
—E os Refúgios Escuros? Não tivessem podido lhes oferecer amparo?
—Havia menos refúgios, também. E ainda eram menos os que ouvessem arriscado a aceitar o risco de albergar a uma companheira de raça de um guerreiro. Nós e nossos seres queridos fomos um branco constante da violência dos renegados. Tegan sabia tudo isto, mas de todas formas estabeleceu um vínculo com uma fêmea. Não muito tempo depois, ela foi capturada pelos renegados. Torturaram-na. violaram-na. E antes de devolve-la ele, chuparam-lhe quase todo o sangue. Ela se haviabía ficado vazia; pior que isso, converteu-se em uma servente do renegado que a tinha destroçado.
—OH, Meu Deus —exclamou Gabrielle, horrorizada.
Lucan suspirou, como se o peso dessas lembranças fora muito para ele.
—Tegan se voltou louco de fúria. Comportou-se como um animal, assassinando tudo aquilo que encontrava ao seu passo. Acostumava a estar tão coberto de sangue que muitos pensavam que se banhava nela. Se recriava em sua fúria e, durante um ano, negou-se a aceitar o fato de que sua companheira de raça tinha perdido a cabeça para sempre. Continuou alimentándo-a de suas veias, sem querer ver sua degradação. Alimentava-se para alimentar a ela. Não lhe importava o fato de que se estava precipitando para a sede de sangue. Durante todo esse ano desafiou a lei da raça e não a tirou de seu sofrimento. Quanto a Tegan, estava-se voltando pouco a pouco em um renegado. Terei que fazer algo...
Gabrielle terminou a frase que ele tinha deixado incompleta.
—E como líder, foi tua responsabilidade entrar em ação.
Lucan assentiu com expressão triste.
—Coloquei a Tegan em uma cela de grossos muros de pedra e utilizei a espada com sua companheira de raça.
Gabrielle fechou os olhos ao perceber seu arrependimento.
—OH, Lucan...
—Tegan não foi liberado até que seu corpo ficou limpo da sede de sangue. Fizeram falta muitos meses de passar fome e de sofrer uma completa agonia para que pudesse sair da cela por seu próprio pé. Quando soube o que eu tinha feito, acreditei que tentaria me matar. Mas não o fez. Tegan que eu conhecia não foi o que saiu dessa cela. Era alguém muito mais frio. Nunca o há dito, mas sei que me odeia desde esse momento.
—Não tanto como você odeia a você mesmo.
Ele tinha as mandíbulas apertadas com força e uma expressão tensa no rosto.
—Estou acostumado a tomar decisões difíceis. Não tenho medo de assumir as tarefas mais duras, nem de ser o objetivo da raiva, inclusive do ódio, por causa das decisões que tomo para a melhora da raça. Importa-me um nada tudo isso.
—Não, não é verdade —disse ela com suavidade—. Mas teve que fazer mau a um amigo, e isso foi um grande peso para ti durante muito, muito tempo.
Ele a olhou com intenção de discutir, mas possivelmente não tinha a força necessaria para isso. Depois de tudo pelo que tinha passado se sentia cansado, destroçado, embora Gabrielle não acreditava que ele estivesse disposto a admiti-lo, nem sequer ante ela.
—Você é um homem bom, Lucan. Tem um coração muito nobre debaixo dessa dura armadura.
Ele emitiu um grunhido irônico.
—Somente alguém que me conheça desde umas poucas semanas atrás pode cometer o engano de pensar isto.
—De verdade? Pois eu conheço uns quantos aqui que lhe diriam o mesmo. Incluindo Conlan, se estivesse vivo.
Ele franziu o cenho com expressão atormentada.
—O que sabe você disso?
—Danika me contou o que fez por ele. Que lhe levou acima durante a saída do sol. Para lhe honrar, queimou-te.
—Jesucristo —exclamou ele em tom cortante, ficando imediatamente em pé. Começou a caminhar acima e abaixo em um estado de grande excitação e ao final se deteve repentinamente ao lado da cama. Falou com voz rouca, como um rugido quase incontrolável.
— A honra não teve nada que ver com isso. Quer saber por que o fiz? Foi por um terrível sentimento de culpa. A noite da bomba na estação de trem eu tinha que ter estado cumprindo com essa missão ao lado do Niko, e não Colan. Mas não te podia tirar de minha cabeça. Pensei que, possivelmente, se te tinha. .. se finalmente entrava dentro de você... isso satisfaria minha ânsia e poderia continuar adiante, te esquecer. Assim que essa noite fiz que Conlan fora em meu lugar. Tivesse tido que ser eu, e não Conlan. Tinha que ter sido eu.
—Meu Deus, Lucan. É incrível. Sabia? —Deixou cair as mãos com força em cima da mesa e emitiu uma gargalhada furiosa.
— por que não pode te relaxar um pouco?
Essa reação incontrolada lhe chamou a atenção como nenhuma outra coisa o tinha feito. Deixou de caminhar de um lado a outro e a olhou.
—Você sabe por que —repôs com tom tranqüilo agora.
— Você sabe melhor que ninguém. —Meneou a cabeça com uma expressão de desgosto consigo mesmo nos lábios.
— Resulta que Eva também sabia algo à respeito.
Gabrielle recordou a impactem cena da enfermaria. Todo mundo se tinha ficado horrorizado ante os atos da Eva, e assombrado pelas loucas acusações contra Lucan. Todos menos ele.
—Lucan, o que ela disse...
—Tudo é certo, tal e como você mesma viu. Mas você ainda me defendeu. Foi a segunda vez que ocultaste minha debilidade ante outros. —Franziu o cenho e girou a cara.
— Não vou pedir te que o faça outra vez. Meus problemas são minha coisa.
—E precisa solucioná-los.
—O que preciso é me vestir e jogar uma olhada a essas imagens que Gideon está descarregando. Se nos oferecerem a informação suficiente sobre a distribuição do psiquiátrico, podemos atacar esse lugar esta noite.
—O que quer dizer, atacá-lo esta noite?
—Acabar com ele. Fechá-lo. Fazê-lo voar pelos ares.
—Não é possível que fale a sério. Você mesmo há dito que possívelmente esteja cheio de renegados. De verdade crie que você e três tipos mais vão sobreviver se lhes enfrentam a um número desconhecido deles?
—Temos feito antes. E seremos cinco —disse, como se isso o fosse distinto.
— Gideon há dito que quer participar do que façamos. Vai ocupar o lugar de Rio.
Gabrielle se burlou, incrédula.
—E o que me diz de você? Quase não te tem em pé.
—Estou caminhando. Estou o bastante bem. Eles não esperam que contrataquemos tão logo, assim é o melhor momento para dar o golpe.
—Deve ter perdido a cabeça. Precisa descansar, Lucan. Não está em condições de fazer nada até que não recupere a força. Precisa te curar. —Observou que ele apertava as mandíbulas: um tendão lhe marcou por debaixo de uma de suas esbeltas bochechas. A expressão de seu rosto era mais dura do habitual, seus rasgos pareciam muito afilados.
— Não pode sair aí fora tal como está.
—Hei dito que estou bem.
Pronunciou as palavras precipitadamente e em um tom rouco e gutural. Voltou a olhá-la e seus olhos chapeados se viam atravessados por umas brilhantes línguas de cor âmbar, como se o fogo lambesse o gelo.
—Não o está. Nem muito menos. Precisa te alimentar. Seu corpo sofreu muito ultimamente. Precisa te nutrir.
Gabrielle sentiu que uma onda fria alagava a habitação e soube que próvinha dele. Estava provocando sua fúria. Lhe tinha visto em seus piores momentos e tinha vivido para contá-lo, mas possivelmente agora estava pressioando muito. dava-se conta de que ele estava inquieto e tenso e de que se controlava com força desde que a tinha levado a complexo. Agora ele estava no fio, perigosamente; de verdade queria ser ela quem lhe empurrasse ao outro lado da linha de seu autocontrole?
«A merda.» Possivelmente era isso o que fazia falta.
—Tem o corpo destroçado agora, Lucan, não somente por causa das feridas. Está débil. E tem medo.
—Medo. —Dirigiu-lhe um olhar frio e depreciativo, com um sarcasmo gelado.
— Do que?
—De você mesmo, para começar. Mas acredito que inclusive tem mais medo de mim.
Ela esperava uma refutação foto instantânea, fria e desagradável, acorde com a sombria raiva que emanava dele como a gelada. Mas ele não disse nada. Olhou-a durante um comprido momento, logo se deu a volta e se alojo, um pouco tenso, em direção a um armário alto que havia ao outro extremo da habitação.
Gabrielle permaneceu sentada no chão e lhe observou abrir abruptamente as gavetas, tirar umas roupas e as lançar sobre a cama.
—O que está fazendo?
—Não tenho tempo de discutir isto contigo. Não tem sentido.
Um armário alto que continha armas se abriu antes de que ele o tocasse: suas comporta se deslizaram ao redor das dobradiças com uma violenta sacudida. ele se aproximou a passo lento e estirou uma prateleira dobradiça. Em cima da superfície de veludo da prateleira havia pelo menos uma dúzia de adagas e outras armas brancas de aspecto letal ordenadas em filas. Com um gesto descuidado, Lucan tomou duas grandes facas embainhadas em pele. Abriu outro das prateleiras e escolheu uma pistola de aço inoxidável gentil que parecia saída de um terrível filme de ação.
— Como você não gosta do que estou dizendo vais sair fugindo? —ele nem a olhou nem soltou nenhuma maldição como resposta. Não, ignorou-a por completo, e isso a tirou de gonzo completamente.
— Adiante, pois. Finge que é invencível, que não está morto de medo de deixar que alguem se preocupe de ti. Escapa de mim. Isso somente demonstra que tenho razão.
Gabrielle sentiu uma absoluta desesperança enquanto Lucan tirava a munição do armário e a introduzia no carregador da pistola. Nada do que ela pudesse dizer ia deter lhe. Sentia-se necessitada, como se intentasse rodear com os braços uma tormenta.
Apartou o olhar dele e dirigiu os olhos a mesa frente à qual estava sentada, Aos pratos e aos talheres que tinha diante. Viu uma faca limpa em cima da mesa; polida a folha brilhava.
Não podia lhe reter com palavras, mas havia outra coisa...
Subiu a manga larga da bata. Com muita tranqüilidade, com a mesma determinação atrevida de que se valeu centenas de vezes anteriormente, Gabrielle tomou a faca e apertou o fio contra a parte mais carnuda de seu antebraço. Realizou pouca pressão, um muito ligeiro corte sobre sua pele.
Não soube qual dos sentidos de Lucan foi o que reagiu primeiro, mas levantou a cabeça imediatamente e soltou um rugido. Ela se deu conta de que o que tinha feito ressonava em cada um dos móveis da habitação.
—Maldita seja... Gabrielle!
A folha saiu voando de sua mão, chegou ao outro extremo da habitação e foi cravar se até o punho na parede mais afastada da mesma.
Lucan se moveu com tanta rapidez que ela quase não pôde perceber seus movimentos. Um momento antes ele tinha estado em pé a uns metros de distância da cama e ao cabo de um instante uma de suas enormes mãos lhe sujeitava os dedos e atirava dela para que ficasse em pé. O sangue emanava pela fina linha do corte, suculenta, de uma profunda cor carmesí, e gotejava ao longo de seu braço. A mão de Lucan ainda sujeitava com força a sua.
Ele, ao seu lado, parecia uma muito alta torre escura e ardente de fúria.
O peito agitado, as fossas nasais dilatadas enquanto seu fôlego saía e entrava em seus pulmões. Seu formoso rosto estava contraído por causa da angústia e a indignação, e seus olhos ardiam com o inconfundível calor da sede. Não ficava nem rastro de sua cor cinza e suas pupilas se esgotaram formando duas finas linhas negras. As presas lhe haviam alargado e as pontas, afiadas e brancas, brilhavam por debaixo do depravaso sorriso de seus lábios.
—Agora tenta dizer que não necessita o que te estou oferecendo —lhe sussurrou ela com ferocidade.
O suor aparecia a frente enquanto observava a ferida fresca e o sangue. Lambeu-se os lábios e pronunciou uma palavra em outro idioma.
Não soou amistosa.
—por que? —perguntou, em tom acusador.
— Por que me faz isto?
—De verdade não sabe? —Lhe agüentou o furioso olhar, acalmando sua raiva enquanto umas gotas de sangue salpicavam com uma cor carmesí a brancura da bata.
— Porque te amo, Lucan. E isto é quão único posso te dar.
Capítulo vinte e nove
Lucan acreditava que sabia o que era a sede. Acreditava que conhecia a fúria e o desespero —o desejo, também— mas todas as míseras emoções que tinha sentido durante sua eterna vida se desfizeram como o pó quando olhou aos desafiantes olhos marrons de Gabrielle.
Tinha os sentidos embargados, afogados no doce aroma de jasmim de seu sangue, essa fonte perigosamente perto de seus lábios. De um brilhante cor vermelha, denso como o mel, um fio carmesim brotava pela pequena ferida que ela se fez.
—Amo-te, Lucan. —Sua suave voz se abriu passo Através do som dos batimentos do coração de seu próprio coração e da imperiosa necessidade que agora lhe atendia.
— Com ou sem vínculo de sangue, amo-te.
Ele não podia falar, nem sequer sabia o que houvesse dito se sua garganta seca tivesse sido capaz de emitir alguma palavra. Com um grunhido selvagem, separou-a dele, muito fraco para permanecer ao lado dela agora que sua parte escura lhe empurrava a fazê-la sua dessa forma firme e errevogavel.
Gabrielle caiu sobre a cama; a bata com muita dificuldade cobria sua nudez. Umas brilhantes mancha lhe salpicavam a manga branca e a lapela. Tinha outra mancha vermelha sobre a coxa, de uma vivido cor escarlate que contrastava com o tom de sua pele.
Deus, como desejava levar os lábios até essa sedosa ferida na carne, e por todo seu corpo. Somente o seu.
«Não.»
A ordem lhe saiu em um tom tão seco como as cinzas. Sentia o ventre atendido pela dor, retorcido e como cheio de nós. O fazia desfalecer. Os joelhos lhe falharam assim que tentou dár a volta para apartar essa imagem tentadora dela, aberta e sangrando, como um sacrificio devotado a ele.
Deixou-se cair sobre o tapete do chão, uma massa inerte de músculo e ossos, lutando contra uma necessidade que não tinha conhecido até esse momento. Lhe estava matando. Esta ânsia dela, como se sentia desgarrado ao pensar que ela podia estar com outro macho.
E além disso, a sede.
Nunca tinha sido tão intensa como quando Gabrielle estava perto. E agora que seus pulmões se encheram com o perfume de seu sangue, sua sede era devoradora.
—Lucan...
Ele percebeu que ela se separava da cama. As suaves pisadas de seus pés soaram no tapete e estes apareceram lentamente ante sua vista, as unhas pintadas como a fina laca de umas conchas. Gabrielle se agachou ao seu lado. Ele sentiu a suavidade da mão dela em seu cabelo, e logo a sentiu sob seu queixo, levantando a cabeça para lhe olhar ao rosto.
—Bebe de mim.
Ele apertou os olhos com força, mas foi um intento débil de rechaçar o que lhe oferecia. Não tinha a força necessária para lutar contra a força tenra e incessante dos braços dela, que agora lhe atraíam para si.
Lucan cheirava o sangue no pulso dela: cheiraria tão de perto lhe despertou uma furiosa corrente de adrenalina que lhe atravessou. A boca lhe fez água, as presas lhe alargaram mais, esticando as gengivas. Provocou mais lhe levantando o torso do chão. Com uma mão se apartou o cabelo a um lado tirando o chapéu o pescoço para ele.
Ele se removeu, mas lhe sujeitou com firmeza. Atraiu-lhe mais para ela.
—Bebe, Lucan. Toma o que necessite.
Inclinou-se para frente até que somente houve um sopro de ar entre os relaxados lábios dele e o delicado pulso que pulsava debaixo a pele pálida debaixo de sua orelha.
—Faz-o —sussurrou ela, e lhe atraiu para si.
Pressionou os lábios com força contra seu pescoço.
Ele agüentou nessa posição durante uma eternidade de angústia. Mas somente demorou uma fração de segundo em pôr a ceva. Lucan não estava seguro. Do único que era consciente era do quente contato da pele dela em sua língua, do batimento do coração de seu coração, da rapidez de sua respiração. Do único que era consciente era do desejo que sentia por ela.
Não ia rechaçar o mais.
Desejava-a, desejava-o tudo dela, e a besta se desatou e já era impossível ter piedade.
Abriu a boca... e cravou as presas na flexível carne de seu pescoço.
Ela afogou uma exclamação ao sentir a repentina penetração de seus dentes, mas não lhe soltou, nem sequer quando notou que ele tragava pela primeira vez o sangue de sua veia aberta.
O sangue se precipitou dentro da boca de Lucan, quente e com um sabor terroso, delicioso. Era muito superior Ao que teria imaginado nunca.
Depois de viver durante novecentos anos, finalmente sabia o que era o céu.
Bebeu com urgência, em quantidade, com uma sensação de necessidade que lhe transbordava enquanto saciava do sangue da Gabrielle lhe descia pela garganta e penetrava a carne, os ossos e as células. O pulso acelerou, sentiu-se renascer, o sangue voltou a correr pelas pernas e lhe curou as feridas.
O sexo tinha despertado com o primeiro sorvo; agora pulsava com força entre as pernas. Exigia inclusive uma maior posse.
Gabrielle lhe acariciava o cabelo, sujeitava-lhe contra ela enquanto ele bebia. Gemeu com cada uma das chupadas de seus lábios, sentia que lhe desfazia o corpo. Seu aroma se fez mais escuro e úmido A causa do desejo.
—Lucan —disse quase sem fôlego, estremecendo-se.
— OH, Deus...
Com um grunhido sem palavras, empurrou-a contra o chão, debaixo dele. Bebeu mais, perdendo-se no erótico calor do momento com uma desesperada e frenezi que lhe aterrorizou.
«Minha», pensou, sentindo-se profundamente selvagem e egoísta.
Agora era muito tarde para deter-se.
Esse beijo lhes tinha amaldiçoado aos dois.
Enquanto que a primeira dentada lhe tinha provocado uma comoção, a aguda dor se dissipou rapidamente para converter-se em uma sensação suntuosa e embriagadora. Sentiu o corpo alagado pelo prazer, como se cada larga chupada dos lábios de Lucan lhe injetasse uma corrente de calidez no corpo que lhe chegava até o mesmo centro e lhe acariciava a alma.
ele a levou até o chão com ele, as batas se entreabriram e a cobriu com seu corpo nu. Notou as mãos dele, ásperas, que lhe sujeitavam a cabeça para um lado enquanto bebia dela. Sem fazer caso da dor que as feridas lhe pudessem estar fazendo, pressionou seu peito nu contra seus peitos. Seus lábios não se separaram de seu pescoço nem um momento. Gabrielle sentia a intensidade da necessidade dele a cada chupada.
Mas sentia sua força, também. Estava-a recuperando, pouco a pouco, graças a ela.
—Não te detenha —murmurou ela, pronunciando com lentidão por causa do êxtase que crescia em seu interior a cada movimento de seus lábios.
— Não vais fazer me danifico, Lucan. Confio em ti.
O som úmido e voraz que provocava sua sede era o mais erótico que tinha conhecido nunca. Adorava sentir o calor dos lábios dele em cima de sua pele. Os arranhões que lhe provocavam as presas dele enquanto se enchia a boca com seu sangue lhe resultavam perigosos e excitantes.
Gabrielle já se deslizava para um orgasmo dilacerador no momento em que notou a grosa cabeça da ereção de Lucan lhe pressionando o sexo. Estava úmida, desejando dolorosamente. Ele a penetrou com uma investida que a encheu por completo com um calor vulcânico e potente que detonou dentro dela ao cabo de um instante. Gabrielle gritou enquanto ele a investia com força e depressa, sentindo os braços dele que a aprisionavam, apertando-a com força. Investia a um ritmo amalucado, empurrado por uma força de puro e magnífico desejo.
Mas permaneceu grudado em seu pescoço, empurrando-a para uma doce e feliz escuridão.
Gabrielle fechou os olhos e se deixou flutuar envolta em uma formosa nuvem de cor obsidiana.
Como desde muito longe notou que Lucan se retorcia e investia em cima de seu corpo com urgência, que todo seu corpo vibrava pela potência do climax. Emitiu um grito áspero e ficou completamente imovel.
A deliciosa pressão no pescoço se afrouxou de forma abrupta e logo depois desapareceu, deixando uma grande frieza a seu passo.
Gabrielle, que ainda se sentia alagada pela embriaguez de notar a Lucan dentro dela, levantou as pálpebras, pesados. Lucan estava colocado de joelhos em cima dela e a olhava como se ficou gelado. Tinha os lábios de um vermelho brilhante e o cabelo revolto. Seus olhos selvagens lançavam brilhos de cor âmbar, de tão brilhantes. A cor de sua pele parecia mais saudável e o labirinto de marcas que lhe cobriam os ombros e o torso tinha um brilho de um tom carmesim escuro.
—O que acontece? —perguntou-lhe, preocupada—. Está bem?
Ele não falou durante um comprido momento.
—Jesucristo. —Sua voz grave soou como um grunhido trêmulo, de uma forma que não lhe tinha ouvido antes. Tinha o peito agitado.
— Acreditei que estava... acreditei que te havia...
—Não —lhe disse ela, fazendo um gesto negativo com a cabeça e com uma expressão preguiçosa e saciada.
— Não, Lucan. Estou bem.
Ela não compreendeu o que significava a expressão intensa dele, mas ele não a ajudou. separou-se dela. Seus olhos, que se tinham transformado, mostravam uma expressão de dor.
Gabrielle sentia o corpo frio e vazio sem o calor dele. sentou-se e se esfregou para fazer-se passar um repentino calafrio.
—Está bem —lhe tranqüilizou—. Tudo está bem.
—Não. —O negou com a cabeça e ficou em pé—. Não. Isto foi um equívoco.
—Lucan...
—Não devi ter permitido que isto acontecesse! —gritou.
Emitiu um grunhido de fúria e se dirigiu aos pés da cama para agarrar suas roupas. Colocou uma calça de camuflagem negra e uma camiseta de algodão, logo tomou suas armas e suas botas e abandonou a habitação com uma fúria tempestuosa e ardente.
Lucan quase não podia respirar por causa da força com que o coração lhe pulsava no peito.
No momento em que sentiu que Gabrielle ficava inerte debaixo dele enquanto ele bebia dela, atravessou-lhe um medo descarnado que o desgaro por completo.
Enquanto ele bebia febrilmente de seu pescoço, lhe havia dito que confiava nele. Sentiu que o incentivo da sede de sangue lhe aguilhoava o corpo enquanto o sangue de Gabrielle lhe enchia. O som de sua voz tinha suavizado a dor, em parte. Ela se tinha mostrado tenra e cuidadosa: seu tato, sua emoção nua, sua mesma presença, tinha-lhe dado forças no momento em que sua parte animal tinha estado a ponto de tomar as rédeas.
Ela confiava em que não lhe faria mal, e essa confiança lhe tinha dado forças.
Mas então tinha notado que ela se desvanecia e temeu... Deus, quanto medo tinha sentido nesse instante.
Esse medo ainda lhe apertava, um terror escuro e frio a lhe fazer mal, a que poderia matá-la se permitia que as coisas chegassem mais longe do que o tinham feito.
Porque, por muito que ele a tivesse afastado e por muito que houvesse negado, lhe pertencia. Ele pertencia a Gabrielle, em corpo e alma, e não simplesmente pelo fato de que seu sangue lhe estivesse nutrindo nesse momento, estivesse-lhe curando as feridas e fortalecendo o corpo. Ele se tinha unido a ela muito antes desse momento. Mas a prova irrefutável disso tinha aparecido nesse funesto instante, fazia um momento, assim que temeu que podia havê-la perdido.
Amava-a.
Da parte mais profunda e solitária de si mesmo, amava a Gabrielle.
E queria tê-la em sua vida. De forma egoísta e perigosa, não havia nada que desejasse mais que tê-la ao seu lado para o resto de seus dias.
Dar-se conta disso lhe fez cambalear, ali, no corredor, diante do laboratório técnico. Na verdade, quase lhe fez cair de joelhos.
—Né, calma. —Dante se aproximou de Lucan quase sem avisar e lhe sujeitou por debaixo dos braços.
— Porra. Tem um aspecto infernal.
Lucan não podia falar. As palavras estavam além dele.
Mas Dante não necessitava nenhuma explicação. Jogou uma olhada ao seu rosto e a suas presas alargadas. As fossas nasais dilataram ao sentir o aroma de sexo e a sangue. Deixou escapar um assobio baixo e nos olhos desse guerreiro apareceu um brilho de ironia.
—Não pode ser certo... uma companheira de sangue, Lucan? — riu, meneando a cabeça enquanto lhe dava umas palmadas a Lucan no ombro.
— Porra. Melhor que seja você e não eu, irmão. Melhor você que eu.
Capítulo trinta
Três horas mais tarde, quando a noite era completa ao seu redor, Lucan e os outros guerreiros se encontravam preparados e sentados em um veículo de vigilância negro na rua, a uns oitocentos metros do velho psiquiátrico.
As fotografias de Gabrielle tinham sido de grande utilidade para planejar o golpe contra a guarita dos renegados. Além de várias fotografias exteriores do ponto de acesso da planta baixa, fez fotos interiores da habitação das caldeiras, de vários corredores, de escadas e inclusive algumas que inadvertidamente mostravam umas câmeras de segurança a rede que teriam que ser desativadas quando os guerreiros ganhassem acesso a esse lugar.
—Entrar vai ser a parte fácil —disse Gideon, enquanto o grupo estava a revisar por última vez a operação.
— Interromperei o sinal de segurança das câmeras da planta baixa mas, quando estivermos dentro, colocar essas duas dúzias de barras de C4 nos pontos críticos sem alertar a toda a colônia de chupões vai ser um pouco mais difícil.
—Por não mencionar o problema da publicidade não desejada dos humanos —disse Dante.
— O que é o que está fazendo que Niko tarde tanto em localizar esses tubos de gás?
—Aí vem —disse Lucan, ao ver a figura escura do vampiro que se acercava ao veículo de vigilância da fila de árvores da rua.
Nikolai abriu a porta traseira e subiu depois de Tegan. tirou o capuz negro e seus invernais olhos azuis faiscaram de excitação.
—É um caramelo. A linha principal está em uma caixa do extremo leste do complexo. Possivelmente esses chupões não necessitem calefação, mas o serviço público lhes subministra um montão de gás.
Lucan olhou os olhos ansiosos do guerreiro.
—Então entramos, deixamos nossos presentes, limpamos o lugar...
Niko assentiu com a cabeça.
—Me façam um sinal quando a merda esteja em seu lugar. Moverei o tubo principal e logo farei detonar o C4 quando todos estejam aqui de volta. Aparentemente será como se uma fuga de gás tivesse causado a explosão. E se os corpos de segurança querem meter-se nisto, estou seguro de que as fotos de Gabrielle dos grafites dos grupos farão que esses humanos farejem em círculos durante um tempo.
Enquanto, os guerreiros teriam mandado uma importante mensagem a seus inimigos, especialmente ao vampiro de primeira geração que Lucan suspeitava se encontrava ao mando desta nova sublevação dos renegados. Fazer voar o quartel general seria um convite suficiente para que esse bode saísse ao ar livre e começasse a dançar.
Lucan estava ansioso por começar. Inclusive estava mais ansioso por terminar com a missão dessa noite porque tinha um assunto por terminar quando voltasse para o complexo. Odiava ter deixado a Gabrielle dessa maneira e sabia que ela devia sentir-se confusa e, provavelmente, mais que inquieta.
Ficaram coisas por dizer, seguro, coisas nas que ele não tinha estado preparado para pensar muito e, muito menos, para as falar com ela nesse momento em que a surpreendente realidade de seus sentimentos por ela assaltou.
Agora tinha a cabeça cheia de planos.
Planos imprudentes, estúpidos e esperançosos, todos eles centrados nela.
No interior do veículo, ao seu redor, outros guerreiros estavam comprovando seu equipamento, carregando as barras de C4 dentro de bolsas com cremalheiras e realizando os ajustes finais aos auriculares e os micros que lhes permitiriam estar em contato uns com os outros quando chegassem ao perímetro do psiquiátrico e se separassem para colocar os explosivos.
—Esta noite vamos fazer isto por Rio —disse Dante_ enquanto fazia voltear suas facas curvadas entre os dedos enluvados e os introduzia nas capas que levava no quadril.
— Chegou o momento da vingança.
—Porra, sim —respondeu Niko, ao qual outros se ecoaram.
Quando se dispunham a sair pelas portas, Lucan levantou uma mão.
—Um momento. —A tristeza de seu tom de voz lhes fez deter-se.
— Há uma coisa que têm que saber. Dado que estamos a ponto de entrar aí e que é provável que nos dêem uma boa surra, suponho que este é um momento tão bom como qualquer outro para ser claro com vocês a respeito de um par de coisas... e necessito que cada um de vocês me façam uma promessa.
Olhou os rostos de seus irmãos, esses guerreiros que tinham estado lutando ao seu lado durante tanto tempo que parecia uma eternidade. Eles sempre lhe tinham cuidadoso como à um líder, tinham crédulo nele para que tomasse as decisões mais difíceis, sempre se tinham sentido seguros de que ele saberia como decidir uma estratégia ou como tomar uma decisão.
Agora duvidava, sem saber por onde começar. Esfregou-se a mandíbula e deixou escapar um forte suspiro.
Gideon lhe olhou com o cenho franzido e expressão de preocupação.
—Vai tudo bem, Lucan? Recebeu um bom golpe na emboscada da outra noite. Se não quiser participar disto...
—Não. Não é isso. Estou bem. Minhas feridas estão curadas... graças a Gabrielle —disse.
— Faz um momento, hoje, ela e eu...
—Não me diga —respondeu Gideon ao ver que Lucan se interrompia. Foder com o vampiro, mas estava .
—Bebeste dela? —perguntou Niko.
Tegan soltou um grunhido do assento traseiro.
—Essa fêmea é uma companheira de raça.
—Sim —respondeu Lucan com calma e seriedade—. E se me permitir isso, lhe vou pedir que me aceite como companheiro.
Dante lhe olhou, zombador, com uma expressão de risonha exasperação.
—Felicidades, cara. De verdade.
Gideon e Niko responderam de maneira similar e lhe deram umas palmada nas costas.
—Isso não é tudo.
Quatro pares de olhos se cravaram nele: todo mundo lhe olhava na espera séria exceto Tegan.
—A outra noite, Eva tinha umas quantas coisas que dizer de mim... —Imediatamente se levantaram uns protestos por parte de Gideon, Niko e Dante. Lucan continuou falando apesar dos grunhidos de irritação.
— A traição a Rio e a nós é indesculpável, sim. Mas o que disse de mim... era a verdade.
Dante lhe olhou com suspicácia.
—Do que está falando?
—Da sede de sangue —respondeu Lucan. A palavra soou com força no silêncio do interior do veículo.
— É... bom, é um problema para mim. È a muito tempo tempo. Estou-o dirigindo, mas algumas vezes... —Baixou a cabeça e olhou ao chão do veículo.
— Não sei se poderei vencê-la. Possivelmente, com Gabrielle a meu lado, possivelmente tenha uma oportunidade. Vou lutar como um demônio, mas se piorar...
Gideon cuspiu uma obscenidade.
—Isso não vai acontecer, Lucan. De todos os que estamos aqui sentados, você é o mais forte. Sempre o foste. Nada te pode tombar.
Lucan negou com a cabeça.
—Já não posso continuar fingindo que sou o que sempre controla. Estou cansado. Não sou invencível. Depois de novecentos anos de viver com esta mentira, Gabrielle não demorou nem duas semanas em desmascarar-me. Obrigou-me a ver como sou de verdade. Eu não gosto muito o que vejo, mas quero ser melhor... por ela.
Nico franziu o cenho.
—Porra, Lucan. Está falando de amor?
—Sim —disse ele com solenidade.
— Eu estou fazendo. A amo. E é por isso que tenho que lhes pedir uma coisa. A todos.
Gideon assentiu.
—Diga-o.
—Se as coisas ficarem feias comigo... em algum momento, logo, ou na rua... tenho que saber que conto com vocês, meninos, para que me apóiem. Se virem que me perco na sede de sangue, se creem que vou voltar me... Necessito sua palavra de que vão acabar comigo.
—O que? —exclamou Dante.
— Não pode nos pedir isso, cara.
—Me escutem. —Não estava acostumado a suplicar. Pronunciar essa petição era como suportar cascalho na garganta, mas tinha que faze-lo. Estava cansado de suportar sozinho esse peso. E o último que desejava era ter medo de que em um momento de debilidade pudesse lhe fazer algum mal a Gabrielle.
— Tenho que ouvir seus juramentos. O de cada um de vocês. Prometam-me isso .
—Merda —disse Dante, lhe olhando boquiaberto. Mas ao final assentiu com a cabeça e com expressão grave.
— Sim. De acordo. Está fodidamente louco, mas de acordo.
Gideon meneou a cabeça, logo levantou o punho e fez chocar os nodulos contra os de Lucan.
—Se isso for o que quer, tem-no. Juro-lhe isso, Lucan.
Niko pronunciou sua promessa também:
—Esse dia não chegará nunca, mas se o faz, sei que você fara o mesmo por qualquer de nós. Assim sim, tem minha palavra.
O qual deixava somente a Tegan por fazê-lo, que se encontrava sentado no assento traseiro com atitude estóica.
—E você, Tegan? —perguntou Lucan, dando-a volta para olhar aos olhos verdes e impassíveis.
— Posso contar contigo nisto?
Tegan lhe olhou larga e silenciosamente com atitude pensativa.
—Claro, cara. Porra, o que diga. Se te converter nisso, estarei em primera linha para acabar contigo.
Lucan assentiu com a cabeça, satisfeito, e olhou os rostos sérios de seus irmãos.
—Jesus —exclamou Dante quando o denso silêncio do veículo lhe fez interminável.
—Todo este sentimentalismo me está pondo impaciente por matar. Que tal se deixarmos de nos fazer palhas e vamos fazer voar o teto a esses chupões?
Lucan sorriu em resposta ao sorriso arrogante do vampiro.
—Vamos a isso .
Os cinco guerreiros da raça, vestidos de negro da cabeça aos pés, saíram do veículo como um só homem e começaram a aproximar-se sigilosamente ao psiquiátrico, ao outro lado das árvores, banhados pela luz da lua.
Capítulo trinta e um
— Vamos, vamos. Abra, porra!
Gabrielle estava sentada ante o volante de um cupé BMW negro e esperava com impaciência a que a enorme porta de entrada do terreno do complexo se abrisse e a deixasse sair. Desgostava-lhe que a tivessem obrigado a levar o carro sem permissão, mas depois do que tinha acontecido com Lucan estava desesperada por partir. Dado que todo o terreno estava rodeado por uma cerca elétrica de alta voltagem, somente ficava uma alternativa.
Já pensaria em alguma maneira de devolver o carro uma vez estivesse em casa.
Uma vez que se encontrasse de volta ao lugar ao que verdadeiramente pertencia.
Essa noite tinha dado a Lucan tudo o que tinha podido, mas não era suficiente. Preparou-se a si mesmo para a eventualidade de que ele a apartasse e resistisse a seus intentos de lhe amar, mas não havia nada que pudesse fazer se ele decidia rechaçá-la. Como tinha feito essa noite.
Tinha-lhe dado seu sangue, seu corpo e seu coração, e ele a havia rechaçado.
Agora já não ficava energia.
Já não podia lutar.
Se ele estava tão decidido a permanecer sozinho, quem era ela para obriga-lo a trocar? Se ele queria isolar-se, tinha muito claro que não ia ficar ali para esperar a vê-lo.
Iria à casa.
Ao fim, as pesadas portas de ferro se abriram e permitiram lhe sair. Gabrielle acelerou e saiu a toda velocidade para a rua silenciosa e escura. Não tinha uma idéia muito clara de onde se encontrava até que, depois de conduzir uns três quilômetros, encontrou-se em um cruzamento conhecido. Girou a esquerda pelo Charles Street em direção a Beacon Hill e se deixou conduzir, aturdida, pelo piloto automático.
Quando estacionou o carro na esquina de fora de seu apartamento, seu edifício lhe pareceu muito mais pequeno. Seus vizinhos tinham as luzes acesas mas, apesar do resplendor dourado no ambiente, esse edifício de tijolo lhe pareceu sombrio.
Gabrielle subiu as escadas da fachada e procurou as chaves no bolso. A mão tropeçou com uma pequena adaga que levou do armário das armas de Lucan: a tinha levado como defesa em caso de que se encontrasse com problemas em seu caminho a casa.
Quando entrou e acendeu a luz do vestíbulo, o telefone estava soando. Deixou que a secretária eletrônica respondesse e se deu a volta pra fechar todos os ferrolhos e passadores da porta.
Da cozinha ouviu a voz entrecortada da Kendra que lhe deixava uma mensagem.
—É de muito má educação por sua parte me ignorar desta maneira, Gabby. —A voz de seu amiga soava extranhamente estridente. Estava zangada.
— Tenho que ver-te. É importante. Você e eu temos que falar, de verdade.
Gabrielle se dirigiu a sala de estar e notou todos os espaços vazios que tinham ficado depois de que Lucan tivesse tirado as fotografias das paredes. Parecia que tinha passado um ano da noite em que ele foi a seu apartamento e lhe contou a assombrosa verdade a respeito de si mesmo e da batalha que estava fazendo estragos entre os de sua classe.
«Vampiros», pensou, surpreendida ao dar-se conta de que essa palavra já não a surpreendia.
Provavelmente havia muito poucas coisas que pudessem surpreendê-la já nesses momentos.
E já não tinha medo de perder a cabeça, como lhe tinha acontecido a sua mãe. Inclusive essa trágica história tinha cobrado um significado novo agora. Sua mãe não estava louca absolutamente. Era uma moça aterrorizada que se viu apanhada em uma situação violenta que muito poucos humanos seriam capazes de conceber.
Gabrielle não tinha intenção de permitir que essa mesma situação violenta a destruíra. Pelo menos agora estava em casa e já pensaria em alguma maneira de recuperar sua antiga vida.
Deixou a bolsa em cima da mesa e foi até o contestador automático. O indicador de mensagens piscava e mostrava o número dezoito.
—Deve ser uma brincadeira —murmurou, apertando o botão de reprodução.
Enquanto a máquina ficava em funcionamento, Gabrielle se dirigiu ao banho para inspecionar o pescoço. A mordida que Lucan havia lhe dado debaixo da orelha tinha um brilho vermelho escuro e se encontrava ao lado da lágrima e da lua crescente que a assinalavam como companheira de raça. Tocou-se as duas ferroadas e o hematoma que Lucan lhe tinha deixado mas se deu conta de que não lhe doíam absolutamente. A dor surda e vaziu que sentia entre as pernas era o pior, mas inclusive este empalidecia comparado com a fria crueldade que lhe instalava no peito cada vez que recordava como Lucan se apartou dela essa noite, como se ela fosse um veneno. Como tinha saído da habitação, cambaleando-se, como se não pudesse apartar-se dela com a rapidez suficiente.
Gabrielle abriu a água e se lavou, vagamente consciente das mensagens que soavam na cozinha. Para ouvir a quarta ou quinta mensagem, deu-se conta de que havia algo estranho.
Todas as mensagens eram da Kendra, e os tinha deixado todos durante as últimas vinte e quatro horas. Uma depois da outra, e entre algumas delas não havia mais que cinco minutos de diferença.
Sua voz tinha adquirido um tom grandemente mais amargo da primeira mensagem em que, em tom despreocupado e alegre, havia-lhe próposto sair e comer ou a tomar uma taça ou algo que queria. Logo, o convite tinha adquirido um tom mais insistente: Kendra dizia que tinha um problema e que necessitava que Gabrielle a aconselhase.
Nas duas últimas mensagens lhe tinha exigido de forma áspera que lhe respondesse logo.
Gabrielle correu até a bolsa e comprovou as mensagens da secretaria de voz do telefone celular: encontrou-se com o mesmo.
Com as repetidas chamadas da Kendra.
Com seu estranho tom ácido de voz.
Um calafrio lhe percorreu as costas ao recordar a advertência de Lucan a respeito da Kendra: se ela tinha caido vítima dos renegados, já não era amiga dela. Era como se estivesse morta.
O telefone começou a soar outra vez na cozinha.
—OH, Meu deus —exclamou, atendida por um terror crescente.
Tinha que sair dali.
Um hotel, pensou. Algum lugar longínquo. Algum lugar onde pudesse ocultar-se durante um tempo e decidir o que fazer.
Gabrielle tomou a bolsa e as chaves do BMW virtualmente correndo para a porta. Abriu as fechaduras e girou a maçaneta. Assim que a porta se abriu se encontrou ante um rosto que em outro momento tinha sido amistoso.
Agora estava segura de que era o rosto de um servente.
—Vai a algum lugar, Gabby? —Kendra se apartou o telefone celular do ouvido e o desligou. O timbre do telefone da casa deixou de soar. Kendra sorriu fracamente com a cabeça inclinada em um estranho ângulo.
— Ultimamente, é terrivelmente difícil de localizar.
Gabrielle se estremeceu de dor ao ver esses olhos vazios e perdidos que não piscavam.
—Me deixe passar, Kendra. Por favor.
A morena riu com uma gargalhada estridente que se apagou em um vaio surdo.
—Sinto muito, carinho. Não posso fazê-lo.
—Está com eles, verdade? —disse-lhe Gabrielle, adoecendo só de pensar.
— Está com os renegados. Meu Deus, Kendra, o que lhe têm feito?
—Te cale —repôs ela, com um dedo sobre os lábios e meneando a cabeça.
— Não falemos mais. Agora temos que ir.
Assim que a servente alargou a mão para ela, Gabrielle se apartou. Recordou a adaga que levava na bolsa e se perguntou se poderia tirá-la sem que Kendra se desse conta. E se conseguia fazê-lo, seria capaz de utilizá-la contra sua amiga?
—Não me toque —lhe disse, enquanto deslizava os dedos lentamente por debaixo da lapela de pele da bolsa.
— Não vou a nenhuma parte contigo.
Kendra lhe mostrou os dentes em uma terrível imitação de um sorriso.
—OH, acredito que deveria fazê-lo, Gabby. Depois, a vida do Jamie depende de ti.
Um temor gelado lhe atendeu o coração.
-O que?
Kendra fez um gesto com a cabeça em direção aos Sedam que estava esperando. O cristal tinto de um dos guichês se abriu e alí estava Jamie, sentado no assento traseiro ao lado de um tipo enorme.
—Gabrielle? —chamou Jamie com uma expressão de pânico nos olhos.
—OH, não. Jamie não. Kendra, por favor, não permita que lhe façam mal.
—Isso é algo que está completamente em suas mãos —repôs Kendra em tom educado e lhe tirou a bolsa das mãos.
— Não vais necessitar nada do que leva aqui.
Fez um sinal a Gabrielle para que caminhasse diante dela em direção ao carro.
—Vamos?
Lucan colocou duas barras de C4 debaixo dos enormes aquecedores de água da habitação das caldeiras do psiquiátrico. Agachou-se ante o equipamento, desdobrou as antenas do transmissor e conectou o micro para informar de seu progresso.
—Habitação de caldeiras verificada —disse a Niko, que se encontrava ao outro extremo da linha.
— Tenho que colocar três unidades mais e logo sairei...
Ficou imóvel de repente, para ouvir uns passos ao outro lado da porta fechada.
—Lucan?
—Merda. Tenho companhia —murmurou em voz baixa enquanto se incorporava e se aproximava com sigilo a porta para preparar-se a golpear.
Levou-se a mão enluvada até o punho de uma perigosa faca com serra que tinha embainhado em cima do peito. Também levava uma pistola, mas todos tinham concordado que não utilizariam armas de fogo nessa missão. Não fazia falta avisar aos renegados de sua presença e além disso, dado que Niko ia desviar o tubos de fora e encher de gases o edifício, um disparo podia acender os foguetes antes do tempo.
O trinco da porta da habitação das caldeiras começou a girar.
Lucan cheirou o fedor de um renegado, e o inconfundível aroma metálico do sangue humano. Ouviu uns grunhidos animais afogados mesclados com uns golpes e com um débil lamento de uma vítima a quem lhe estavam chupando o sangue. A porta se abriu e um fortíssimo ar pútrido penetrou na habitação enquanto um renegado arrastava a seu brinquedo moribundo dentro da sala escura.
Lucan esperou a um lado da porta até que a enorme cabeça do renegado esteve plenamente ante sua vista. Esse chupão estava muito concentrado em sua presa para dar-se conta da ameaça. Lucan levantou uma mão e cravou a faca na caixa torácica do renegado. Este rugiu com as enormes mandíbulas abertas e os olhos amarelos inchados ao sentir que o titânio lhe penetrava no sistema circulatório.
O humano caiu ao chão com um golpe seco como um boneco e seu corpo se contraiu em uma série de espasmos de agonia de morte depois do corpo do renegado que se alimentou dele começava a emitir uns assobios, a tremer e a mostrar umas feridas como se o houvessem orvalhado com ácido.
Assim que o corpo do renegado teve terminado sua rápida descomposição, outro deles se aproximou correndo pelo corredor. Lucan se precipitou para frente para voltar a atacar, mas antes de que pudesse dar o primeiro golpe, o chupão se deteve em seco quando um braço negro lhe obrigou a deter-se por detrás.
Viu-se o brilho de um fio com a rapidez e a força de um raio que atravessava a garganta do renegado e separava a enorme cabeça do corpo com um corte limpo.
O enorme corpo ficou estendido no chão como um montão de lixo. Tegan se encontrava ali em pé, com sua espada gotejando sangue e seus olhos verdes, tranqüilos. Tegan era uma máquina assassina, e o gesto sério de seus lábios parecia reafirmar a promessa que lhe tinha feito a Lucan de que se a sede de sangue podia com ele, Tegan se asseguraria de que Lucan conhecesse a fúria do titânio.
Ao olhar agora a esse guerreiro, Lucan esteve seguro de que se alguma vez Tegan ia por ele, ele morreria antes de dar-se conta de que o vampiro tinha aparecido ao seu lado.
Lucan se enfrentou a esse olhar frio e letal e lhe saudou com um gesto de cabeça.
—Me diga algo —ouviu que lhe dizia Niko através do auricular—.Está bem?
—Sim. Tudo tranquilo. —Limpou a adaga com a camisa do ser humano e a voltou a embainhar. Quando voltou a levantar a vista, Tegan tinha desaparecido, desvaneceu-se como o espectro da morte que era.
—Agora dirijo aos pontos de entrada da zona norte para colocar o resto dos explosivos —disse a Nikolai enquanto saía da habitação das caldeiras e percorria o corredor vazio.
Capítulo trinta e dois
— Gabrielle, o que acontece? O que acontece com Kendra? Veio a galeria e me há dito que tinha tido um acidente e que tinha que ir com ela imediatamente. Por que me mentiu?
Gabrielle não sabia o que responder as perguntas que Jamie, ansioso, sussurrava-lhe do assento traseiro do Sedam. Afastavam-se a toda velocidade do Beacon Hill em direção ao centro da cidade. Os arranha-céu do distrito financeiro se abatiam sobre eles na escuridão e as luzes dos escritórios piscavam como luzes natalinas. Kendra estava sentada no assento dianteiro ao lado do condutor, um gorila de pescoço largo embelezado de negro como um valentão e com óculos escuros.
Gabrielle e Jamie tinham a um companheiro similar detrás que os encurralava a um lado do brilhante assento de pele. Gabrielle não acreditava que fosse um renegado, não parecia que escondessem umas presas enormes detrás desses lábios tensos, e pelo pouco que sabia dos mortais inimigos da raça, não acreditava que nem ela nem Jamie tivessem demorado nem um minuto em ter as gargantas abertas se esses dois homens tivessem sido de verdade uns renegados viciados no sangue.
Serventes então, deduziu. Escravos humanos de um poderoso senhor vampiro.
Igual a Kendra.
—O que vão fazer conosco, Gabby?
—Não estou segura. —Alargou o braço e lhe deu um carinhoso apertão na mão. Também falava em voz baixa, mas estava segura de que seus captores estavam escutando cada uma de suas palavras.
— Mas não vai passar nada. Prometo-lhe isso.
O que sim sabia era que tinham que sair desse carro antes de que chegassem ao seu destino. Era a regra de defesa própria mais básica: nunca deixe que lhe levem a uma segunda localização. Porque então se encontrava em campo inimigo.
As oportunidades de sobrevivência passariam de ser escassas a nulas.
Olhou o fechamento de segurança da porta que Jamie tinha a seu lado. Ele observou seus olhos com o cenho franzido e expressão de interrogação. Olhou a ele e logo voltou a olhar o fechamento. Então ele o entendeu e lhe dirigiu um assentimento de cabeça quase imperceptível.
Mas quando se dispunha a colocar as mãos na posição adequada para abrir o fechamento, Kendra se deu a volta e lhes provocou:
—Quase chegamos, meninos. Estão excitados? Eu sim que o estou. Não posso esperar a que meu senhor por fim te conheça em pessoa, Gabby. Mmm! Te vai comer imediatamente.
Jamie se inclinou para diante e quase cuspiu veneno:
—Te aparte, puta mentirosa!
—Jamie, não! —Gabrielle tentou lhe reter, aterrada ante esse inocente instinto de amparo. Ele não tinha nem idéia do que estava fazendo ao irritar a Kendra ou aos outros dois serventes que se encontravam no carro.
Mas ele não ia deixar se controlar. Equilibrou-se para frente:
—Se nos tocarem um cabelo a qualquer dos dois,vou arrancar seus os olhos!
—Jamie, basta, não passa nada —disse Gabrielle, atirando dele para que voltasse a recostar-se no assento.
— Se tranqüilize, por favor! Não vai passar nada.
Kendra não se alterou. Olhou a ambos e deixou escapar uma risada repentina e estremecedora:
—Ah, Jamie. Sempre foste o pequeno e fiel terrier da Gabby. Au au! Au au! É patético.
Muito devagar e evidentemente satisfeita consigo mesma, Kendra se voltou a sentar de forma correta no assento lhes dando as costas.
—Detenha no semáforo —lhe disse ao condutor.
Gabrielle deixou escapar um tremente suspiro de alívio e se recostou outra vez no respaldo de fria pele. Jamie estava esquecido contra a porta, zangado. Quando os olhares de ambos se encontraram, ele se apartou um pouco a um lado e lhe permitiu ver que a porta agora não estava fechada.
O coração de Gabrielle deu um tombo ante essa ingenuidade e esse valor. Quase não pôde dissimular o sorriso enquanto o veículo reduzia a velocidade ante o semáforo, a uns metros diante deles. Estava em vermelho, a julgar pela fila de carros que se encontravam detidos diante dele, ia trocar para verde em qualquer momento.
Esta era a única oportunidade que tinham.
Gabrielle olhou a Jamie e se deu conta de que ele tinha compreendido o plano perfeitamente.
Gabrielle esperou, observando o semáforo; dez segundos que pareceram horas. A luz vermelha piscou e ficou verde. Os carros começaram a avançar diante deles. Assim que o Sedam começou a acelerar, Jamie levou a mão ao ponteiro da porta e a abriu.
O ar fresco da noite entrou no veículo e os dois se atiraram de cabeça para a liberdade. Jamie deu contra o pavimento e imediatamente alargou a mão para ajudar a Gabrielle a escapar.
—Detenham! —chiou Kendra.
— Não deixem que escape!
Uma pesada mão caiu sobre o ombro de Gabrielle e atirou dela para o interior do carro fazendo que se estrelasse contra o enorme corpo do servente. Os braços deste a rodearam, apanhando-a como barras de ferro.
—Gabby! —chiou Jamie.
Gabrielle emitiu um soluço desesperado.
—Vai daqui! Vai, Jamie!
—Acelera, idiota! —gritou-lhe Kendra ao condutor ao ver que Jamie se dispunha a agarrar-se ao ponteiro da porta para voltar pela Gabrielle. O motor rugiu, os pneumáticos chiaram e o carro se uniu ao tráfico.
—O que fazemos com ele?
—Deixe-lhe —ordenou Kendra em tom cortante. Dirigiu- um sorriso a Gabrielle, que se debatia em vão no assento traseiro.
— Já serviu ao nosso propósito.
O servente sujeitou a Gabrielle com força até que Kendra ordenou que o carro se detivera diante de um elegante edifício de escritórios. Desceram do carro e obrigaram a Gabrielle a caminhar para a porta de entrada. Kendra falava com alguém através do telefone celular e parecia ronronar de satisfação.
—Sim, temo-la. Agora vamos subir.
Guardou-se o telefone no bolso e lhes conduziu através de um vestibulo de mármore vazio até a zona de elevadores. Quando entraram em um deles, apertou o botão do apartamento de cobertura.
Gabrielle recordou imediatamente a mostra privada de suas fotos. Ao fim o elevador se deteve no piso superior e as portas de espelho se abriram; nesse momento Gabrielle teve a horrível certeza de que seu anônimo comprador ia dar-se a conhecer.
O servente que a tinha estado sujeitando a empurrou para que entrasse na suíte, fazendo-a tropeçar. Ao cabo de uns segundos, o medo de Gabrielle se fez maior.
Diante da parede de cristais se encontrava em pé uma alta figura de cabelo negro vestida com um comprido abrigo negro e óculos de sol. Era igual de corpulento que os guerreiros e dele emanava o mesmo ar de confiança. A mesma ameaça fria.
—Adiante —lhes disse em um tom grave que trovejou como uma tormenta.
— Gabrielle Maxwell, é um prazer conhecê-la por fim. Ouvi falar muito de você.
Kendra se colocou a seu lado e lhe deu uns tapinhas com expressão de adoração.
—Suponho que me trouxe aqui por alguma razão —disse Gabrielle, tentando não sentir pena por ter perdido a Kendra nem ter medo desse perigoso ser que tinha convertido a Kendra no que era.
—Converti-me em um grande admirador de seu trabalho. —Sorriu-lhe sem mostrar os dentes e com uma mão apartou sem contemplações a Kendra.
— Você fez umas fotos interessantes, senhorita Maxwell. Por desgraça, tem que deixar de fazer. Não é bom para meus negócios.
Gabrielle tentou agüentar o olhar tranqüilo e ameaçador que, sabia, estava-lhe dirigindo detrás dos óculos.
—Quais são seus negócios? Quero dizer, além de exercer de sanguessuga chupador de sangue.
Ele riu.
—Dominar o mundo, é obvio. Acredita que há algo mais pelo que valha a pena lutar?
—Posso pensar em umas quantas coisas.
Uma sobrancelha escura se arqueou por cima da arreios desses óculos.
—OH, senhorita Maxwell, se se referir ao amor ou a amizade, terei que dar por terminado este agradável e breve encontro agora mesmo.
—Juntou os dedos das mãos e os anéis que levava brilharam sob a tênue luz da habitação. A Gabrielle não gostava da maneira em que ele a estava olhando, como avaliando-a. O vampiro se inclinou para frente com as fossas nasais dilatadas.
— Aproxime-se.
Ao ver que ela não se movia, o corpulento servente que se encontrava a suas costas a empurrou para frente. Gabrielle se deteve um metro de distância do vampiro.
—Tem você um aroma delicioso —disse em um lento vaio.
— Cheira como uma flor, mas há algo... mais. Alguém se alimentou de você recentemente. Um guerreiro? Não se incomode em negá-lo, posso cheirá-lo em seu corpo.
Antes de que Gabrielle pudesse dar-se conta, ele a sujeitou pelo pulso e a atraiu para si de um puxão. Com mãos arrudas, fez-lhe inclinar a cabeça e lhe apartou o cabelo que escondia a mordida de Lucan e a marca que tinha debaixo da orelha esquerda.
—Uma companheira de raça —grunhiu, lhe passando os dedos pela pele do pescoço.
— E recentemente reclamada como tal. Faz de você mais inteiressante a cada segundo que passa, Gabrielle.
Não gostou do tom íntimo que empregou ao pronunciar seu nome.
—Quem a mordeu, companheira? A qual desses guerreiros o permitiu colocar-se entre essas largas e formosas pernas?
—Vá-se ao inferno —respondeu ela, apertando as mandíbulas.
—Não me vai dizer isso? —Fez estalar a língua e meneou a cabeça.
— De acordo. Poderemo-lo averiguar muito em breve.
Podemos fazer que venha. Finalmente, ele se separou dela e fez um sinal a um dos serventes estavam vigiando.
—Levem ao telhado.
Gabrielle se debateu contra seu captor, que a aferrava com ímpeto, mas não podia vencer a força desse bruto. Obrigaram-na a dirigir-se para uma porta sobre a qual havia o pôster vermelho de saída e uma placa em que se lia acesso ao heliporto.
—Um momento! E eu? —queixou-se Kendra da suíte.
—Ah, sim. Enfermeira K. Delaney —disse seu senhor escuro, como se acabasse de lembrar-se dela—. Quando nos tivermos ido, quero que saia ao telhado. Sei que a vista dele te parecerá espetacular. Desfruta-a durante um momento... e logo salta ao vazio.
Ela olhou, piscando aturdida. Logo baixou a cabeça, mostrando que estava sob seu domínio.
—Kendra! —gritou Gabrielle, desesperada por chegar até sua amiga.
— Kendra, não o faça!
O vampiro do casaco negro e os óculos escuros passou ao seu lado sem mostrar nenhuma preocupação.
—Vamos. Terminei aqui.
Uma vez colocado o último cartucho de C4 em seu lugar ao extremo norte do psiquiátrico, Lucan se abriu passo por um condutor de ventilação que conduzia ao exterior. Tirou o ralo e se içou até o exterior. Rodou por cima da grama, que rangeu sob seu corpo; logo ficou em pé e começou a correr em direção a cerca que rodeava o terreno, sentindo o ar fresco na boca.
—Niko, Como vamos?
—Vamos bem. Tegan está voltando e Gideon vem detrás de ti.
—Excelente.
—Tenho o dedo no detonador —disse Nikolai. Sua voz quase resultava inaudível pelo ruído de um helicóptero que alagava a zona.
— Dá a ordem, Lucan. Morro por fazer voar a estes chupões.
—Eu também —repôs Lucan. Olhou o céu noturno com o cenho franzido, procurando o helicóptero.
— Temos visita, Niko. Parece que um helicóptero se dirige diretamente ao psiquiátrico.
Assim que o houve dito, viu a escura silhueta do helicóptero em cima da fileira de árvores. Umas pequenas luzes piscaram no veículo enquanto este girava para o telhado do recinto e iniciava a descida.
O constante movimento da hélice levantou uma forte brisa e Lucan cheirou o aroma dos pinheiros e do pólen... e de outro perfume que lhe acelerou o pulso.
—OH, Jesus —exclamou assim que reconheceu o aroma de jasmim.
— Não toque o detonador, Niko! Por Deus, seja como for, não permita que este maldito edifício voe pelos ares!
Capítulo trinta e três
Uma mescla volátil de adrenalina e fúria, além de um medo que o cobria até os ossos, fez saltar a Lucan ao telhado do velho psiquiátrico. O helicóptero acabava de posar-se nos trilhos de aterrissagem e Lucan se precipitou para ele da beirada do edifício. O corpo tremia por causa de uma fúria mais explosiva e instável que um caminhão carregado de C4. Tinha toda a intenção de lhe arrancar as pernas a quem estivesse retendo Gabrielle.
Com a arma na mão, Lucan se aproximou do helicóptero por detrás, com cuidado de que não lhe vissem, e deu a volta pela cauda para acercar-se ao lado dos passageiros da cabine de mando.
Viu Gabrielle dentro do helicóptero, no assento traseiro, ao lado de um enorme macho que ia vestido de negro e que levava uns óculos escuros. Parecia tão pequena, a via tão aterrorizada. Seu aroma lhe banhou por inteiro. E seu medo lhe destroçou o coração.
Lucan abriu de um puxão a porta da cabine e colocou a arma diante do rosto do captor do Gabrielle enquanto sujeitava a ela com a mão que ficava livre. Mas atiraram de Gabrielle para trás antes de que ele pudesse sair com ela.
—Lucan? —exclamou Gabrielle com os olhos exagerados por causa da surpresa.
— OH, Meu deus, Lucan!
Ele realizou um rápido exame visual da situação e viu o servente que pilotava o avião e a um humano escravo que se encontrava ao seu lado, diante. O servente do assento do co-piloto se deu a volta com intenção de lhe dar um golpe no braço, mas recebeu uma bala na cabeça.
No momento em que Lucan voltou a dirigir o olhar para a Gabrielle, ao cabo de um instante, se encontrava com uma faca na garganta. Por debaixo da manga do comprido abrigo lhe assomavam os dermoglifos que Lucan tinha visto nas fotos da Costa Oeste.
— Solte disse o líder de primeira geração dos renegados.
—Vá, vá, foi uma resposta mais rápida do que houvesse imaginado, inclusive para um guerreiro com vínculo de sangue. O que pretende? Por que está aqui?
O arrogante tom de voz lhe desconcertou.
Conhecia esse bode?
—Solta-a —disse Lucan—, E te mostrarei por que estou aqui.
—Parece-me que não. —O vampiro de primeira geração lhe sorriu ampliamente, lhe mostando os dentes.
Não tinha presas. Era um vampiro, mas não era um renegado.
Que diabos?
—É encantadora, Lucan. Esperava que fosse tua.
Deus, conhecia essa voz. Ouvia-a como procedente de algum lugar muito profundo, enterrado em sua memória.
Do passado longínquo.
Um nome lhe formou na mente, cortante como o fio de uma espada.
Não, não era possível que fosse ele.
Impossível...
Concentrou-se para sair dessa confusão momentânea, mas esse breve momento de perda de concentração lhe custou caro. Desde um dos lados, um par de renegados tinha subido ao telhado do interior do psiquiátrico lhe aproximava com sigilo. Com um gruido, levantou a porta do helicóptero e golpeou com o canto da mesma a Lucan na cabeça.
— Lucan! — chiou Gabrielle.
— Não!
Lucan estremeceu e uma das pernas lhe falhou. A arma caiu da mão e escorregou pelo chão do telhado uns quantos metros, ficando fora de seu alcance.
O renegado lhe deu um murro na mandíbula com o enorme punho. Ao cabo de um segundo, um golpe brutal lhe destroçou as costelas. Lucan caiu ao chão, mas fez um giro e com o pé embainhado na bota fez cair ao renegado ao chão. Precipitou-se sobre ele enquanto tirava a faca que tinha embainhado no torso.
A uns metros de ambos, a hélice do helicóptero começou a girar. O piloto se preparava para levantar outra vez.
Não podia permiti-lo.
Se permitia que Gabrielle se fosse desse coberto, não ficaria nenhuma esperança de voltar a vê-la viva nunca mais.
—Nos tire daqui —ordenou o captor de Gabrielle ao piloto enquanto as hélices do helicóptero giravam cada vez mais depressa.
Fora, arrastando-se pelo telhado, Lucan lutava contra o renegado que lhe tinha atacado. Apesar da escuridão, Gabrielle viu que outro mais se aproximava da porta de entrada ao telhado.
—OH, não —exclamou, quase sem respiração e sem poder mover-se por causa do cortante fio de aço que lhe cravava na pele da garganta.
O enorme macho se inclinou por diante dela para olhar o que estava acontecendo no telhado. Lucan havia tornado a ficar em pé e lhe abriu o ventre ao primeiro dos renegados que lhe tinha atacado. O grito deste foi audível inclusive apesar do forte ruído da hélice do helicóptero. Seu corpo começou a convulsionar-se, a ter espasmos... A desintegrar-se.
Lucan girou a cabeça para o helicóptero. Tinha os olhos cheios de furia, brilhavam-lhe como duas pedras de âmbar acesas com o fogo do inferno. Precipitou-se para diante, rugindo, carregando com os ombros contra o veículo como um trem de carga.
—Nos tire daqui agora mesmo! —gritou o macho que estava ao lado de Gabrielle, pela primeira vez em tom preocupado.
— Agora mesmo, porra!
O helicóptero começou a levantar-se.
Gabrielle tentou apartar da faca apertando-se contra o respaldo do pequeno assento traseiro. Se pudesse encontrar a maneira de lhe apartar o braço, possivelmente pudesse alcançar a porta da cabine...
O helicóptero sofreu uma sacudida repentina, como se tivessem se chocado contra alguma parte do edifício. O motor pareceu gemer, esforçado.
O captor do Gabrielle estava furioso já.
—Desapega, idiota!
—Estou-o tentando, senhor! —disse o servente que se encontrava ante os mandos. Levantou uma alavanca e o motor protestou com um terrível grunhido.
Houve outra sacudida, como se atirassem do aparelho para baixo, e todo o interior tremeu. A cabine se inclinou por volta da frente e o captor do Gabrielle perdeu o equilíbrio no assento e deixou de lhe emprestar atenção durante um momento.
A faca se separou de sua garganta.
Com uma repentina decisão, Gabrielle se lançou para trás e lhe deu um pontapé com as duas pernas que lhe fez cair contra o respaldo do assento do piloto. O veículo se precipitou para frente e Gabrielle trabalhou em excesso por alcançar a porta da cabine.
Esta se abriu de tudo e ficou aberta, pendurando das dobradiças, depois do helicóptero tremia e se balançava. Seu captor se estava recompondo e estava a ponto de alcançá-la outra vez. Por causa do caos tinham caido os óculos de sol. Olhou-a com um gelado olhos cinzas cheios de malignidade.
—Diga a Lucan que isto não terminou nem muito menos — ordenou o líder dos renegados, pronunciando as palavras em um assobio e olhando-a com um sorriso diabólico.
—Vai para o inferno —respondeu Gabrielle. Nesse mesmo instante, lançou-se para a porta aberta e se deixou cair ao chão do telhado.
Assim que a viu, Lucan soltou o trilho de aterrissagem do helicóptero. O veiculo se elevou repentinamente e começou a dar voltas sobre si mesmo descontrolado enquanto o piloto se esforçava por dominá-lo.
Correu ao lado de Gabrielle e a ajudou a ficar em pé. Passou-lhe as mãos por todo o corpo para assegurar-se de que estava inteira.
—Está bem?
Ela assentiu com a cabeça.
—Lucan, detrás de ti!
No telhado, outro dos renegados se dirigia para eles. Lucan enfrentou a esse desafio com agrado, agora que Gabrielle estava com ele; todos os músculos de seu corpo se dispuseram a dar morte. Tirou outra faca e se aproximou da ameaça.
A luta foi selvagem e rápida. Lucan e o renegado se enfrentaram em um mortal combate corpo a corpo com os punhos e os fios das armas brancas. Lucan recebeu mais de um golpe, mas era imparável. O sangue de Gabrielle ainda tinha um efeito forte nele, e lhe dava uma fúria que lhe tivesse permitido enfrentar-se com dez competidores de uma vez. Lutou com uma força e uma eficiência letal, e acabou com o renegado com um corte vertical que lhe atravessou o corpo.
Lucan não esperou a ver o efeito do titânio. Deu-se a volta e correu para Gabrielle. Assim que chegou, quão único pôde fazer foi toma-la entre os braços e abraçá-la com força. Pôde ficar assim toda a noite, sentindo como lhe pulsava o coração e acariciando a pele suave.
Levantou-lhe a cabeça e lhe estampou um beijo forte e tenro nos lábios.
—Temos que sair daqui, carinho. Agora mesmo.
Sobre suas cabeças, o helicóptero continuava subindo.
O vampiro de primeira geração que tinha capturado a Gabrielle olhou para baixo desde atrás do cristal da cabine e dirigiu uma vaga saudação à Lucan, sorrindo enquanto o veículo subia no céu noturno.
—OH, Deus, Lucan! Estava tão assustada. Se tivesse acontecido algo...
O sussurro de Gabrielle lhe fez esquecer completamente a seu inimigo que escapava. A única coisa que lhe importava era que ela era capaz de lhe falar. Que respirava. Gabrielle estava com ele, e esperava que pudesse continuar estando ao seu lado.
—Como demônios lhe capturaram? —perguntou-lhe com voz tremente e tom urgente a causa do medo que havia sentido.
—Depois de que você partiu do complexo esta noite, precisava ir e pensar. Fui para casa. Kendra apareceu. Tinha a Jamie como refém em um carro que se encontrava fora. Não podia deixar que lhe fizessem mal. Kendra é, era, uma servente, Lucan. Mataram-na. Minha amiga está morta.
—Gabrielle soluçou de repente.
— Mas pelo menos Jamie escapou. Agora está em algum lugar do centro da cidade, provavelmente aterrorizado. Tenho que lhe encontrar e lhe dizer que tudo está bem.
Lucan ouviu o som grave do helicóptero que continuava subindo por cima de suas cabeças. Além disso, tinha que fazer a Niko o sinal de que voasse esse lugar antes de que os renegados tivessem a oportunidade de escapar.
—Vamos daqui, e logo me encarregarei do resto.
Lucan tomou a Gabrielle pelos braços.
—Segura em mim, carinho. Com toda a força que possa.
—De acordo. — pendurou-se os braços ao redor do pescoço.
Ele voltou a beijá-la, aliviado de tê-la entre os braços.
—Não te solte em nenhum momento — disse-lhe, olhando os olhos brilhantes e formosos de sua companheira de raça.
Então se colocou na beirada do edifício e se deixou cair com ela em seus braços, com toda a suavidade de que foi capaz, até o chão.
—Lucan, me diga algo, cara! —chamou-lhe Nikolai pelo auricular.
— Onde está? Que merda está acontecendo aí?
—Tudo vai bem —respondeu ele, enquanto levava a Gabrielle pelo escuro terreno coberto de grama da propriedade em direção ao ponto onde se encontrava o veículo de vigilância esperando.
— Agora tudo está bem. Apura o detonador e acabemos com isto.
Gabrielle estava encolhida sob o forte braço de Lucan quando o veículo de vigilância subia pela rua que conduzia ao terreno do complexo. Ele a tinha obstinado ao seu lado desde que escaparam da zona do psiquiátrico e lhe havia coberto os olhos enquanto todo o complexo de edificios voava pelos ares como uma infernal bola de fogo.
Lucan e seus irmãos tinham conseguido: tinham acabado com o quartel general dos renegados com um incrível golpe. O helicóptero tinha conseguido escapar a explosão e se desvaneceu no céu, envolto na fumaça negra e escondida no céu da noite.
Lucan estava pensativo: olhava para fora dos cristais escuros dos guichês para cima, para a abóbada de estrelas. Gabrielle tinha visto sua expressão de surpresa, de incredulidade e de atordoamento, quando se encontrava no telhado e abriu a porta da cabine de comando do helicóptero.
Foi como se tivesse visto um fantasma.
Inclusive nesse momento, Lucan continuava com esse estado de ânimo, enquanto entravam no terreno e Nikolai conduzia em direção à garagem. O guerreiro deteve o carro uma vez que estiveram dentro da enorme garagem. Quando desligou o motor, Lucan falou por fim.
—Esta noite conseguimos uma importante vitória contra nossos inimigos.
—Porra , sim —assentiu Nikolai.
— E vingamos a Conlan e a Rio. Teria-lhes encantado estar ali para ver voar esse lugar.
Lucan assentiu na escuridão do veículo.
—Mas não nos equivoquemos. Estamos entrando em uma nova fase do conflito com os renegados. Agora é a guerra, mais que nunca. Esta noite agitamos o ninho de vespas. Mas ao que necessitávamos capturar, seu líder, continua vivo.
— Deixemos que corra. Já lhe apanharemos —disse Dante, com expressão de confiança.
Mas Lucan negou com gesto sério.
—Este é distinto. Não nos porá isso fácil. Antecipará-se a nossos movimentos. Compreende nossas táticas. A Ordem vai ter que fortalecer as estratégias e aumentar o número de seus guerreiros. Temos que organizar alguns quadros mais que ainda estão dispersados pelo mundo, conseguir mais guerreiros, quanto antes melhor.
Gideon se deu a volta no assento dianteiro.
—Crê que é o vampiro de primeira geração da Costa Oeste quem está à frente dos renegados?
—Estou seguro —repôs Lucan.
Estava no helicóptero, no telhado, esta noite, onde tinha a Gabrielle. —Acariciou-lhe o braço com um afeto tenro, e fez uma pausa para olhá-la, como se sua só visão lhe tranqüilizasse de algum jeito.
— E esse bode não é um renegado: não agora, se é que o foi em algum momento. Uma vez foi um guerreiro, como nós. chama-se Marek.
Gabrielle sentiu uma quebra de onda de frieza que procedia da terceira fila de assentos do veículo de vigilância e soube que Tegan estava olhando a Lucan.
Lucan sabia também. Girou a cabeça para olhar ao outro guerreiro aos olhos.
—Marek é meu irmão.
Capítulo trinta e quatro
A carga da revelação de Lucan ainda lhes pesava enquanto saíam do veículo e subiam ao elevador do hangar para baixar ao complexo. Seu amado, Gabrielle entrelaçou os dedos da mão com os dele enquanto baixavam. Sentia o coração comocionado e cheio de compaixão; ele a olhou e ela soube que ele percebia a preocupação em seus olhos.
Gabrielle observou que seus irmãos guerreiros também tinham expressões de preocupação similares nos olhos e que, silenciosamente, haviam dado conta do significado do que tinham descoberto essa noite.
Chegaria o momento em que Lucan teria que enfrentar-se com a necessidade de matar a seu próprio irmão.
Ou de que seu irmão matasse a ele.
Gabrielle ainda não tinha conseguido aceitar a frieza desse fato no momento em que as portas do elevador se abriram e se encontraram ante o Savannah e Danika, que tinham estado esperando com ansiedade a volta dos guerreiros. Houve bem-vindas cheias de alívio, muitas pergunta sobre o resultado da missão dessa noite, assim como de por que Gabrielle partiu do complexo sem dizer nenhuma palavra a ninguém. Gabrielle estava muito cansada para responder, demasiado esgotada depois dessa terrível experiência para tentar sequer expressar o que sentia.
Mas sabia que logo teria que oferecer algumas respostas, a Lucan ao menos.
Os guerreiros se afastaram em meio de uma discussão sobre táticas e novas estratégias de batalha contra os renegados. Savannah e Danika empurraram imediatamente a Gabrielle em direção contrária, que se mostraram preocupadas com seus vários arranhões e contusões e insistiram em que comesse e se desse um comprido banho quente.
Gabrielle concordou a contra gosto, mas nem sequer as incríveis habilidades culinárias de Savannah nem o fragrante vapor do banho que lhe prepararam logo conseguiram relaxá-la.
A mente não parava de lhe dar voltas em relação a Lucan, Jamie e tudo o que tinha acontecido essa noite. Devia a vida a Lucan. Amava-lhe mais que a nenhuma outra coisa e sempre lhe estaria agradecida por havê-la resgatado, mas isso não trocava o que sentia a respeito de como foram as coisas entre ambos. Não podia permanecer no complexo dessa forma. E não importava o que lhe dissesse, não tinha intenção de ir a nenhum dos Refúgios Escuros.
Então, que possibilidade ficava? Tampouco podia voltar para seu apartamento. Sua velha vida já não era possível. Voltar para ela significaria que teria que negar tudo o que tinha experimentado com Lucan durante essas últimas semanas e esforçar-se por lhe esquecer. Teria que negar tudo o que agora sabia sobre si mesmo, e sobre sua conexão com a raça.
A verdade era que não sabia qual era seu lugar agora. Não sabia por onde começar a procurar, mas depois de dar voltas pelo labirinto de do complexo, Gabrielle se encontrou em pé ante a porta das habitações privadas de Lucan.
A porta que dava à habitação principal estava aberta e uma suave luz saía de dentro. Gabrielle a empurrou e entrou.
A luz de umas velas iluminava o dormitório adjacente. dirigiu-se para essa luz ambiental até que esteve na porta de entrada e parou ali, maravilhada do que viu. O austero dormitório de Lucan se havia convertido em um pouco saído de um sonho. Havia um castiçal de intrincada prata em cada esquina. A cama estava coberta por um cobertor de seda vermelho. No chão, diante da chaminé, havia um montão de almofadas e sedas carmesins. Era tão romântico, tão acolhedor.
Era uma habitação pensada para fazer o amor.
Deu um passo para o interior da habitação. A suas costas, a porta se fechou brandamente sozinha.
Não, não de tudo sozinha. Lucan estava ali, em pé, ao outro extremo da habitação e a estava observando. Tinha o cabelo molhado pela ducha. Levava uma bata solta de cetim vermelho que lhe caía até os tornozelos , e tinha um olhar quente nos olhos que se fundia no Gabrielle.
—Para você —lhe disse, assinalando o romântico ambiente.
— Para nós, esta noite. Quero que as coisas sejam especiais para você.
Gabrielle se sentiu comovida, e imediatamente excitada ao lhe ver, porem não podia suportar fazer amor depois de como tinham ficado as coisas entre eles.
—Quando fui esta noite, não pensava voltar —lhe disse de uma distância segura. Se aproximava mais, não acreditava que tivesse a força de lhe dizer o que tinha que dizer-lhe.
— Não posso voltar a fazer isto, Lucan. Necessito coisas de você que você não pode me dar.
—Me diga quais. —Foi uma ordem suave, mas uma ordem. Ele se aproximou dela com passos cautelosos, como se notasse que ela podia lhe rechaçar em qualquer momento.
— Me diga o que necessita.
Ela negou com a cabeça.
—Do que serviria?
Uns quantos passos lentos mais. Deteve-se um metro de distância dela.
—Eu gostaria de sabê-lo. Tenho curiosidade do que me custaria convencer-te de que fique comigo.
—Para passar a noite? —perguntou ela em voz baixa, odiando a si mesmo por quanto precisava sentir os braços dele ao redor de seu corpo depois de tudo o que lhe tinha acontecido durante essas últimas horas.
—Quero-te, e estou disposto a te oferecer algo, Gabrielle. Assim me diga o que é o que necessita.
—Sua confiança —lhe disse ela, pedindo uma coisa que sabia que se encontrava fora de seu alcance.
— Não posso... fazer isto mais, se você não confia em mim.
—Eu confio em ti — disse ele, com tanta solenidade que ela acreditou.
— Você é a única que me conheceu de verdade, Gabrielle. Não te posso ocultar nada. Viu-o tudo: o pior, certamente. Eu gostaria de ter a oportunidade de te mostrar a parte boa que há em mim. —aproximou-se um pouco mais. Ela notava o calor que emanava de seu corpo. Notava seu desejo.
— Quero que se sinta tão segura comigo como eu me senti contigo. Assim que a pergunta é: pode confiar em mim, agora que sabe tudo a respeito de mim?
—Sempre confiei em ti, Lucan. Sempre o farei. Mas não é isso...
—Pois o que, então? —perguntou ele, interrompendo sua rápida negativa.
—Diga-me que mais posso te dar para fazer que fique.
—Isto não vai funcionar —disse ela, retrocedendo um pouco.
— Não posso ficar. Não desta maneira. Não agora que meu amigo Jamie...
—Está a salvo. —Ao ver que lhe olhava com expressão de confusão, acrescentou—: Mandei a Dante ao exterior assim que chegamos para que fosse lhe buscar. Faz uns minutos que retornou e me informou que achou seu amigo em uma delegacia de polícia do centro da cidade e o levou a casa.
Gabrielle sentiu que o alívio a embargava, mas imediatamente a preocupação o substituiu.
—O que lhe disse Sante? Apagou-lhe a memória?
Lucan negou com a cabeça.
—Pensei que não era justo que eu tomasse esta decisão por ti. Dante simplesmente disse que você também estava a salvo e que lhe poriam em contato com ele muito em breve para lhe explicar tudo. O que ditas lhe contar ao seu amigo é tua coisa. Vê-o? Confiança, Gabrielle.
—Obrigado —murmurou ela, sentindo-se reconfortada pela consideração.
— Obrigado por me haver ajudado esta noite. Salvaste-me a vida.
—Então, por que me tem medo agora?
—Não te tenho medo —repôs, mas estava se separando dele, quase sem dar-se conta disso, mas a cama, que tinha detrás, bloqueou-lhe a escapatória. Em um instante ele esteve diante dela.
—Que mais quer de mim, Gabrielle?
—Nada —disse ela, quase em um sussurro.
—Nada absolutamente? —perguntou ele em tom grave e exigente.
—Por favor, não me faça desejar ficar esta noite quando amanhã vais desejar que vá. Deixa que vá agora, Lucan.
—Não posso fazer isso. —Tomou uma mão e a levou aos lábios. Gabrielle sentiu a calidez e a suavidade de seus lábios nos dedos e sentiu que era presa de um encantamento que somente ele podia lhe fazer. Ele levou a mão dela contra o peito, apertando a palma contra o mesmo, sobre o batimento de seu coração contra as costelas.
— Não poderei te deixar partir nunca, Gabrielle. Porque o queira ou não, tem meu coração. Tem meu amor, também. Se o aceitar.
Ela tragou saliva com dificuldade.
—O quê?
—Amo-te. —Pronunciou as palavras em voz baixa e com sinceridade, como uma carícia que ela sentiu no mais profundo do coração:
— Gabrielle Maxwell, amo-te mais que a vida. Estive sozinho durante muito tempo, e não soube me dar conta até que quase foi muito tarde. —Deixou de falar e a olhou aos olhos com intensidade.
— Não é... muito tarde, verdade?
Ele a amava.
Uma alegria, pura e brilhante, encheu-a para ouvir essas palavras do lábio de Lucan.
—Volta a dizê-lo —sussurrou ela, com a necessidade de saber que esse momento era real, que isso ia durar.
—Amo-te, Gabrielle. Até o último fôlego de vida que tenho. Amo-te.
—Lucan. —Pronunciou seu nome com um suspiro, com lágrimas nos olhos que lhe derramavam pelas bochechas.
Ele a tomou entre os braços e lhe deu um beijo comprido, profundo e apaixonado que fez que a cabeça desse voltas e o coração queria levantar o vôo. Sentia o sangue como fogo nas veias.
—Você merece a alguém muito melhor que eu —lhe disse com um tom de voz e expressão reverente.
— Conhece meus demônios. Pode me amar... aceitará-me... Apesar de conhecer minhas debilidades?
Tomou o rosto com a mão e olhou, lhe expressando com os olhos todo o amor que sentia.
—Você nunca foste débil, Lucan. E te amarei seja como for. Juntos podemos superar tudo.
—Você me faz acreditar nisso. Deste-me esperança. —Com um gesto amoroso, acariciou-lhe o braço, o ombro, a bochecha. Percorreu-lhe o rosto com o olhar enquanto o acariciava com a mão.
— Meu Deus, é tão deliciosa. Poderia ter a qualquer macho, da raça ou humano...
—Você é o único a quem quero.
Ele sorriu.
—Que Deus te ajude, mas não o aceitaria se fosse de outra maneira. Nunca desejei de forma tão egoísta como quero a você neste momento. Seja minha, Gabrielle.
—Sou-o.
Ele tragou saliva e baixou os olhos como se de repente se sentisse inseguro.
—Refiro-me para sempre. Não posso aceitar menos que isso. Gabrielle, aceitaria-me como companheiro?
—Para sempre —sussurrou ela, tombando-se de costas na cama e trazendo-o para si.
— Sou tua, Lucan, para sempre.
Voltaram a beijar-se, e esta vez, quando se separaram, Lucan alargou a mão até uma magra adaga de ouro que estava na mesinha ao lado da cama. Aproximou-a de seu rosto. Gabrielle se sobressaltou um pouco ao ver que ele
Levava-se a folha até os lábios.
—Lucan...
Ele a olhava com ternura e seriedade aos olhos.
—Você me deste seu sangue para me curar. Você me fortalece e me protege. Você é a única que quero, e a única que sempre necessitarei.
Nunca lhe tinha ouvido falar com tanta solenidade. As íris de seus olhos começavam a brilhar, a pálida cor cinza se misturava com a cor âmbar e com a profundidade de sua emoção.
—Gabrielle, quer me fazer a honra de aceitar meu sangue para cerrar nosso vínculo?
A voz de Gabrielle foi débil.
—Sim.
Lucan baixou a cabeça e levou a adaga até o lábio inferior. Logo a apartou e a olhou outra vez: seus lábios brilhavam com o escuro sangue vermelho.
—Vêem aqui. Deixa que te ame —lhe disse, unindo seus lábios escarlates com os dela.
Nada a teria podido preparar para o que sentiu ao provar pela primeira vez o doce sangue de Lucan.
Mais intenso que o vinho, instantaneamente embriagador, o sangue dele fluiu por sua língua com toda sua força e seu poder. Sentiu que uma luz a alagava do mais profundo de seu corpo e lhe oferecia uma pista do futuro que a esperava como companheira de Lucan. Encheu-se de felicidade, ficou ruborizada desse calor, e sentiu uma alegria que nunca antes tinha experimentado.
Sentiu desejo, também.
Mais intenso do que o havia sentido nunca.
Gabrielle emitiu um profundo gemido de desejo e empurrou a Lucan no peito para lhe tombar de costas. Tirou a roupa em um instante, subiu em cima dele e lhe montou escarranchada.
O sexo dele se enervava diante dela, grosso e forte como a pedra. Os formosos desenhos de sua pele tinham uma profunda cor púrpura com uma tintura avermelhada e adquiriam um tom mais profundo quando a olhava com desejo. Gabrielle se inclinou para frente e passou a língua pelas linhas sinuosas e intrincadas que lhe cobriam o corpo das coxas até o umbigo e subiam até os músculos do peito e os ombros.
Era dele.
Esse pensamento foi ferozmente possessivo, primitivo. Nunca lhe tinha desejado tanto como nesse momento. Ofegava e estava úmida e desejava lhe montar com força, lhe queimava por dentro.
Deus, era a isto ao que Savannah se referia quando dizia que um vínculo de sangue intensificava o ato amoroso?
Gabrielle olhava a Lucan com uma necessidade puramente carnal, quase sem saber por onde começar com ele. Desejava lhe devorar, lhe adorar, lhe utilizar. Aplacar o incêndio que sentia dentro do corpo.
—Deveria me haver avisado de que me tinha dado um afrodisíaco.
Lucan sorriu.
—E arruinar a surpresa?
—Ria, vampiro. —Gabrielle arqueou uma sobrancelha, tomou seu membro ereto e deslizou a mão por ele até a base com um movimento comprido.
— Me prometeu a eternidade. Vais arrepender- te.
—Ah, sim? —Mas foi mais um gemido estrangulado porque lhe montou e ele começou a mover-se com um rebolado de quadril desenfreado debaixo dela. Com olhos brilhantes, olhou-a e mostrou as presas ao sorrir, uma amostra clara de que desfrutava dessa tortura.
— Companheira, acredito que me vai encantar que o tente.
Capítulo vinte e quatro
As palavras de Lucan —e todas as coisas incríveis que lhe havia dito— ainda lhe ressonavam nos ouvidos enquanto saía debaixo da água da ducha do banho. Fechou o grifo e se secou com a toalha, esperando que a água quente lhe tivesse aliviado parte da dor e a confusão que sentia. Havia muitas coisas com as que devia enfrentar-se, e a menor delas não era o fato de que Lucan não tivesse nenhuma intenção de estar com ela.
Tentou dizer-se a si mesmo que não lhe tinha feito nenhuma promessa, mas isso somente o fazia sentir-se mais tola. Ele nunca lhe tinha pedido que pusesse seu coração aos seus pés; tinha-o feito ela sozinha.
Aproximou-se do espelho que ocupava todo o largo da parede do lavabo e se apartou o cabelo para olhar com atenção a marca de nascimento carmesim que tinha debaixo da orelha esquerda. Melhor dizendo, a marca de companheira de raça, corrigiu-se a si mesmo, enquanto observava a pequena lágrima que parecia cair na terrina da lua crescente.
Por alguma retorcida ironia, essa pequena marca no pescoço a unia ao mundo de Lucan e, apesar disso, era o mesmo que lhe impedia de estar com ele.
Possivelmente ela representava uma complicação que ele não queria ou não necesitava, mas o fato de haver-se encontrado com ele tampouco tinha feito que sua vida fora uma festa.
Graças a Lucan, ela se tinha metido em uma sangrenta guerra que havia parecer com os violadores em grupo uns fanfarrões de pátio. Ela tinha abandonado um dos melhores apartamentos do Beacon Hill, e ia perde-lo se não voltava e a trabalhar para pagar as faturas. Seus Amigos não tinham nem idéia de onde estava, e dizer-lhe nesse momento poria, provavelmente, suas vidas em perigo.
Para cúmulo de tudo isso, havia-se meio apaixonado por mais escuro e mortífero deles, o homem mais fechado emocionalmente que tinha conhecido.
Que, além disso, resultava ser um vampiro chupador de sangue.
E, que diabos, já que estava sendo sincera consigo mesma, não estava meio apaixonada por Lucan. Estava completa, inteira, perdidamente e sem poder superá-lo na vida apaixonada por ele.
—Bem feito —disse a seu miserável reflexo.
— Malditamente brilhante.
E Apesar de tudo o que lhe havia dito, não havia nada que desejasse mais que ir para lhe buscar ali onde estivesse no complexo e envolver-se com seus braços, o único lugar onde tinha encontrado algum consolo.
Sim, como se precisasse acrescentar a humilhação em público a humilhação íntima com que tentava enfrentar-se nesse momento. Lucan o tinha deixado muito claro: o que pudessem ter tido os dois —se é que houvesse tido verdadeiramente algo que estivesse além do físico—, terminou-se.
Gabrielle voltou para seu dormitório, recuperou sua roupa e seus sapatos e se vestiu depressa, desejosa de estar fora dos aposentos pessoais de Lucan antes de que ele voltasse e ela fizesse alguma coisa verdadeiramente estúpida. Bom, corrigiu-se ao ver os lençóis enrugados por haver feito amor, alguma coisa ainda mais estúpida.
Com a idéia de ir procurar a Savannah e, possivelmente, tentar encontrar um telefone fora do complexo —já que Lucan não o havia parecido adequado lhe devolver o celular— Gabrielle se escapuliu do dormitório. O pesseio resultava confuso, sem dúvida por causa de seu traçado, assim fez uns quantos giros errôneos até que finalmente reconheceu onde se encontrava. Estava perto das instalações de treinamento, a julgar pelo agudo som dos disparos contra os alvos.
afastou-se de uma esquina e se viu detida repentinamente por uma rígida parede coberta de pele e armas que se encontrava em seu caminho.
Gabrielle olhou para cima, e um pouco mais para cima, e se encontrou com uns olhos verdes e desconfiados que a olhavam com uma arrepiante expressão ameaçadora. Esses olhos frios e calculadores se cravaram nela desde detrás de uma cascata de cabelo avermelhado, como um gato que aconchega e valora a sua presa. Gabrielle tragou saliva. Um perigo evidente eemanava do corpo grande desse vampiro e da profundidade de seus olhos de depredador.
«Tegan.»
O nome desse macho desconhecido lhe veio a cabeça, o único dos seis guerreiros do complexo a quem ainda não tinha conhecido.
O mesmo com quem Lucan parecia compartilhar um mútuo e mau dissimuladou desprezo.
O guerreiro vampiro não se separou de seu caminho. Nem sequer reagiu quando ela teve se chocado contra ele, exceto pela ligeira careta que dava com os lábios quando seus olhos encontraram os peitos dela Aplastados contra a superfície de duro músculo justo debaixo do peito. Levava umas doze armas e essa ameaça se via reforçada por uns noventa quilogramas de músculo.
Ela deu um passo para trás e logo se fez a um lado para ficar em um lugar seguro.
—Sinto muito. Não me tinha dado conta de que estava aqui.
Ele não disse nenhuma palavra, mas ela sentiu como se tudo o que lhe estava acontecendo tivesse ficado exposto e visível ante ele em um instante: no instantâneo contato do corpo dela contra o dele. Ele a olhou com uma expressão gelada e desprovida de emoção, como se pudesse ver através dela. Embora não disse nada e não expressou nada, Gabrielle se sentiu diseccionada.
sentiu-se... invadida.
—Perdão —sussurrou.
No momento em que se moveu para passar de comprimento, a voz do Tegan a deteve.
—Né. —Sua voz era mais suave do que tivesse esperado; uma voz profunda, escura e áspera. Contrastava de forma peculiar com a desnudez do olhar, que não se moveu nem um milímetro,
— Faça um favor a você mesma e não te aproxime demasíado de Lucan. Há muitas posibilidades de que esse vampiro não viva muito mais tempo.
Disse-o sem rastro de emoção na voz, foi somente a plana constatação de um fato. O guerreiro passou por seu lado e levantou uma brisa atrás dele impregnada de uma apatia fria e perturbadora que lhe penetrou até os ossos.
Gabrielle se deu a volta para lhe olhar, mas Tegan e sua inquietante predição tinham desaparecido.
Lucan comprovou o peso de uma brilhante nove milímetros com a mão e logo levantou a arma e realizou uma série de disparos contra o alvo que se encontrava ao outro extremo da zona de tiro.
Apesar de que era agradável encontrar-se no terreno conhecido das ferramentas de seu ofício e sentir o sangue fervendo, a ponto para uma briga decente, uma parte dele continuava divagando sobre o encontro com Gabrielle. Apesar de tudo o que havia dito para aparta-la dele, tinha que admitir que se afeiçoou profundamente dela.
Quanto tempo acreditava ser capaz de continuar com ela sem render-se? Ou mais exatamente, como acreditava que seria capaz de suportar a idéia deixa-la partir? De mandá-la longe com a idéia de que ela se emparelharia com outro?
As coisas se estavam pondo indevidamente muito complicadá.
Deixou escapar uma maldição. Disparou outra série de balas e desfrutou com o estrondo do metal quente e com o aroma azedo no peito do alvo ao explodir por causa do impacto.
—O que pensa? —perguntou-lhe Nikolai, lhe olhando com seus olhos frios, limpos e cintilante.
_ Uma peça pequena e doce, não? Endiabradamente sensível, além disso.
—Sim. É agradável. Eu gosto. —Lucan pôs o fecho de segurança e jogou outra olhada a sua pistola.
— Uma Beretta 92FS convertida em automática com carregador. Bom trabalho, tio. Verdadeiramente bom.
Niko sorriu.
—Não te falei que as balas que vão levar os meninos. Hei trocado as pontas ocas de policarbonato das balas. tirei a pólvora das pontas e a substituí por pó de titânio.
—Isso deve provocar um horrível desastre no sistema sangüíneo desses chupões —acrescentou Dê, que se encontrava sentado no bordo de uma vitrine de armas afiando umas facas.
Sem dúvida, o vampiro tinha razão a respeito. Nos velhos tempos, a forma mais limpa de matar a um renegado consistia em separar a cabeça do corpo. Isso funcionava bem quando as espadas eram a arma habitual, mas a tecnologia moderna tinha apresentado novos desafios para ambos os bandos.
Não foi até princípios de 1900 quando a raça descobriu o efeito corrosivo do titânio no sistema sangüíneo sobreactivo dos vampiros renegados. Devido a uma alergia que tinha aumentado por causa de mudanças celulares no sangue, os renegados reagiam ao titânio como um efervescente reage em contato com a água.
Niko tomou a arma de Lucan e lhe deu uns golpezinhos, como se fora um prêmio.
—O que tem aqui é um autêntico destruidor de renegados.
—Quando podemos prová-la?
—Que tal esta noite? —Tegan tinha entrado sem fazer ruído, mas sua voz atravessou a habitação como o rugido de uma tormenta.
—Refere a esse lugar que encontrou perto do porto? —preguntóu Dante.
Tegan assentiu com a cabeça.
—Provavelmente seja uma guarida que albergue possivelmente a uma dúzia de indivíduos, mais ou menos. Acredito que ainda estão verdes, acabam de comverter-se em renegados. Não será muito difícil acabar com eles.
—Faz bastante tempo que não fazemos uma batida para limpar uma casa —comentou Rio, arrastando as palavras e com um amplo sorriso de satisfação.
— Me parece que será uma festa.
Lucan devolveu a arma a Nico e olhou ao outros com o cenho franzido.
—por que diabos me acabo de inteirar disto agora?
Tegan lhe olhou com expressão categórica.
—Tem que te pôr um pouco ao dia, tio. Enquanto você estava encerradou com sua fêmea durante toda a noite, nós estávamos acima fazendo nosso trabalho.
—Isto foi um golpe baixo —disse Rio.
— Inclusive vindo de você, Tegan.
Lucan recebeu o golpe com um silêncio calculado.
—Não, tem razão. Eu deveria ter estado aí acima me ocupando do trabalho. Mas tinha que me encarregar de algumas coisas aqui embaixo. E agora já terminei. Já não vão ser um problema nunca mais.
Tegan lhe dirigiu um sorrizinho de suficiência.
—De verdade? Porque tenho que te dizer que faz uns minutos hei visto a nova companheira de raça na sala e a encontrei bastante inquieta. Parecia que alguém tivesse quebrado o coração dessa pobre garota. Deu-me a sensação de que necessitava que alguém lhe fizesse as coisas mais fáceis.
Lucan respondeu ao vampiro com um furioso e escuro rugido de raiva.
—O que lhe disse? Tocou-a? Se lhe tiver feito algo...
Tegan rio, verdadeiramente divertido.
—Calma, tio. Não faz falta que saia de suas casinhas desta maneira. Sua fêmea não é meu assunto.
—Pois recordem isto —disse Lucan. deu-se a volta para enfrentar-se aos olhares de curiosidade de outros vampiros.
— Ela não é assunto de nenhum de vocês, está claro? Gabrielle Maxwell se encontra sob meu amparo pessoal enquanto esteja neste complexo. Quando tiver ido a um dos Refúgios Escuros, tampouco será meu assunto.
Necessitou um minuto para tranqüilizar-se e não render-se ao impulso de enfrentar-se diretamente com o Tegan. Um dia, provavelmente chegaria a faze-lo . E Lucan não podia culpar por completo a esse macho por sentir rancor. Se Tegan era um bode desumano e mesquinho, Lucan era quem lhe tinha ajudado a ser assim.
—Podemos voltar para o trabalho agora? —disse com um grunhido, desafiando a que ninguém lhe desafiasse.
— Preciso ouvir dados a respeito desse refúgio.
Tegan se lançou a lhe oferecer uma descrição do que tinha observado nesse provável refúgio de renegados e comunicou suas sugestões a respeito de como podiam fazer uma batida nele. Apesar de que a fonte dessa informação chateava um pouco a Lucan, não podia pensar em nenhuma forma melhor de obter que passasse o mau humor que realizando uma ofensiva contra seus inimigos.
Deus sabia que se se encontrava perto de Gabrielle outra vez, todas essas fanfarronadas sobre o dever e de fazer o correto se converteriam em pó. Fazia duas horas que a tinha deixado em seu dormitório e ela todavia era o principal em sua cabeça. A necessidade dela ainda o desgarrava cada vez que pensava em sua cálida e suave pele.
E pensar em como a tinha ferido-lhe fazia sentir um buraco no peito. Ela tinha demonstrado ser uma verdadeira aliada quando lhe havia aberto frente aos demais guerreiros. Lhe tinha acompanhado através desse inferno íntimo a outra noite, tinha estado a seu lado, tão tenra e amorosa como qualquer macho pudesse desejar de sua amada companheira.
Uma idéia perigosa, olhasse-a por onde a olhasse.
Deixou que a discussão a respeito dos renegados continuasse, e esteve de acordo em que tinham que dar o golpe contra esses selvagens no lugar onde viviam em vez de ir para lhes buscar um por um na rua.
—Encontraremo-nos aqui ao pôr-do-sol para nos preparar e sair.
O grupo de guerreiros se dispersou e Tegan saiu a passo lento detrás dele.
Lucan pensou nesse estóico solitário que se sentia tão deploravelmente orgulhoso pelo fato de não necessitar a ninguém. Tegan se mantinha afastado e isolado por vontade própria. Mas nem sempre tinha sido assim. Uma vez tinha sido um menino brilhante, um líder nato. Tivesse podido ser alguém grande... tinha-o sido, na verdade. Mas todo isso trocou no curso de uma noite terrível. A partir desse momento, começou a descer por uma espiral. Tegan tocou fundo e nunca se recuperou.
E apesar de que nunca o tinha admitido ante esse guerreiro Lucan nunca se perdoaria a si mesmo o papel que ele tinha jogado nessa queda.
—Tegan, espera.
O vampiro se deteve com uma reticência evidente. Não se deu a volta, simplesmente ficou em silencio com um gesto de arrogância no corpo esperando a que outros guerreiros saíssem em fila das instalações de treinamento para o corredor. Quando estiveram sozinhos, Lucan se esclareceu garganta e falou com seu irmão de primeira geração.
—Você e eu temos um problema, Tegan.
Ele soltou ar pelo nariz.
—vou avisar aos meios.
—Este assunto entre nós não vai desaparecer. Faz muito tempo, choveu muito após. Se tiver que saldar contas
comigo...
—Esquece-o. É história passada.
—Não é se não podermos enterrá-la.
Tegan soltou uma risada zombadora e, por fim, deu-se a volta para lhe olhar.
—Quer me dizer algo, Lucan?
—Só quero te dizer que começo a compreender o que te custou. O custo que eu te supus. —Lucan meneou a cabeça devagar e se passou uma mão pela cabeça.
— Tegan, tem que saber que se tivesse havido alguma outra forma... Acredito que tudo teria sido distinto.
—Lucan, está tentando te desculpar comigo? —Os olhos verdes do Tegan tinham um olhar tão duro que tivesse podido cortar um cristal.
— Me Evite isto, tio. Chega uns quinhentos anos tarde. E senti-lo não muda uma merda as coisas, não é verdade?
Lucan apertou as mandíbulas com força, assombrado de não tar um verdadeiro zango nesse macho grande em lugar de sua habitual e fria apatia.
Tegan não lhe tinha perdoado. Nem sequer o tinha considerado.
Depois de todo esse tempo, não acreditava provável que o fizesse nunca.
—Não, Tegan. Tem razão. Senti-lo não troca as coisas.
Tegan lhe olhou durante um comprido momento, logo se deu a volta e saiu da habitação.
A música em direto soava desde uns alto-falantes do tamanho de um frigorífico diante do subterrâneo clube privado noturno. .. embora a plavra «música» era um qualificativo generoso para descrever os patéticos e discordantes acordes de violão. Os membros do grupo se moviam como autômatos no cenário, arrastavam as palavras e perdiam o compasso mais vezes das que o seguiam. Em uma palavra, eram horríveis.
Mas como se podia esperar que uns seres humanos atuassem com alguma competência ao encontrar-se diante de uma multidão de sedentos vampiros?
Protegido por uns óculos escuros, o líder dos renegados entrecerró os olhos e franziu o cenho. Já tinha uma horrorosa dor de cabeça ao chegar, fazia muito pouco momento, mas agora sentia as têmporas como se estivessem a ponto de lhe estalar. Recostou-se contra as almofadas em seu reservado, aburrido dessas festas sangrentas. Com um leve gesto da mão fez que uns de seus guardas se aproximasse dele. Logo fez um gesto de desprezo em direção ao cenário.
—Que alguém lhes alivie de seu sofrimento. Por não falar do meu.
O vigilante assentiu com a cabeça e respondeu com um vaio. Fez uma careta que descobriu umas presas enormes que se sobressaíam de seu boca, que já salivava ante a possibilidade de outra massacre. O renegado saiu a passo rápido para cumprir as ordens.
—Bom cão —murmurou seu poderoso amo.
Nesse momento soou seu telefone celular e se alegrou de ter a oportunidad de sair a respirar um pouco o ar. No cenário havia começado um novo barulho e a banda de música calou sob o repentino ataque de um grupo de renegados frenéticos.
Enquanto a completa anarquia estalava no clube, o líder se dirigiu a sua habitação privada de atrás do cenário e tirou o telefone celular do bolso interior de seu casaco. Tinha acreditado que se encontraria com o número ilocalizavel de um de seus muitos serventes, a maioria dos quais tinham sido enviados a procurar informação sobre Gabrielle Maxwell e sobre sua relação com a raça.
Mas não era um deles.
Deu-se conta disso assim que abriu o aparelho e viu o número oculto piscando na tela.
Intrigado, respondeu a chamada. A voz que ouviu o outro extremo da linha não lhe era desconhecida. Fazia alguns trabalhos ilegais com esse indivíduo fazia muito pouco tempo e ainda tinham umas quantas coisas por discutir. A seu requerimento, o tipo lhe ofereceu uma série de detalhes a respeito de uma batida que ia se realizar essa mesma noite em um dos locais mais pequenos que os renegados tinham na cidade.
Em questão de segundos soube tudo o que necessitava para conseguir que essa batida se girasse a seu favor: a localização, os presuntos métodos dos guerreiros e a rota, e seu plano de ataque básico. Tudo com a condição de que um membro da raça se salvasse da vingança. Mas este único guerreiro não ficaria completamente a salvo, simplesmente receberia as suficientes feridas para que não pudesse voltar a lutar nunca mais. O destino do resto de guerreiros, incluindo ao quase imparavel Lucan Thorne, era decisão dos renegados.
A morte de Lucan já tinha formado parte de seu acordo uma vez, anteriormente, mas a execução da tarefa não tinha sido como tinham planejado. Esta vez, seu interlocutor queria ter a segurança de que essa ação sim se levaria a cabo. Inclusive chegou tão longe que lhe recordou que já lhe tinham dado uma remuneração considerável por realizar essa tarefa que ainda tinha que cumprir.
—Estou bem informado de nosso acordo —repôs, com fúria.
— Não me tente a te pedir um pagamento maior. Prometo-te que não o vais lamentar.
Apagou o aparelho com uma maldição, cortando a resposta diplomática que o outro iniciou atrás de sua ameaça.
Os dermoglifos que tinha na boneca brilhavam com um profundo tom que delatava sua fúria. As cores trocavam entre o desenho de outras marca que se fez ao tatuar na pele para dissimular estes. Não gostava de ter tido que ocultar sua linhagem —seu direito de nascimento— com tinta e secretismo. Detestava ter que levar uma existência oculta, quase tanto como detestava a todos aqueles que se interpunham no camino de conseguir seus objetivos.
Voltou para a zona principal do clube, ainda zangado. Na escuridão, seu olhar tropeçou com seu tenente, o único renegado da história recente que tinha olhado a Lucan Thorne aos olhos e que tinha podido contá-lo. Fez um sinal a esse macho enorme para que se aproximasse e logo lhe deu as ordens para que se encarregasse da diversão e os jogos dessa noite.
Sem ter em conta suas negociações secretas, queria que essa noite, quando toda a fumaça se dissolvesse, Lucan e todos quão guerreiros estavam com ele estivessem mortos.
Capítulo vinte e cinco
Ele a evitou durante o resto do dia, o qual a Gabrielle pareceu que dava igual. Agora, justo depois do anoitecer, Lucan e os outros cinco guerreros saíam das instalações de treinamento como uma unidade militar, todos eles a viva imagem de uma ameaça, vestidos com couro negro e carregados de armas letais. Inclusive Gideon se uniu a batida dessa noite e tinha tomado o lugar do Conlan.
Savannah e Eva tinham esperado no corredor para lhes ver sair e se acercaram a seus companheiros para lhes dar um comprido abraço. Intercambiaram umas palavras íntimas em voz baixa e em tom amoroso, uns tenros beijos que denotavam o temor das mulheres e a atitude tranqüilizadora dos homens para lhes assegurar de que voltariam para elas sãs e salvos.
Gabrielle se encontrava a certa distancia, no vestíbulo, e se sentia uma estranha enquanto observava a Lucan dizendo algo a Savannah. A companheira de raça assentiu com a cabeça e lhe depositou um pequeno objeto na mão enquanto levantava a vista por cima do ombro dela e a dirigia para o Gabrielle. Não disse nada, não fez nenhum movimento para aproximar-se dela, mas seu olhar se atrasou um pouco nela, observando-a do outro lado do amplo espaço que lhes separava nesses momentosse.
E então se foi.
Lucan, que caminhava diante de outros, girou a esquina ao final do corredor e desapareceu. O resto do grupo lhe seguiu, e a seu passo somente ficou o seco ressonar dos saltos das botas e o ruído metálico dos aços.
—Está bem? —perguntou-lhe Savannah, aproximando-se de Gabrielle e passando um braço pelos ombros com amabilidade.
—Sim. Me passará.
—Queria que te desse isto. —Ofereceu-lhe o telefone celular do Gabrielle.
— uma espécie de oferta de paz?
Gabrielle tomou e assentiu com a cabeça.
—As coisas não vão bem entre nós agora mesmo.
—Sinto muito. Lucan há dito que confia em que entenda que não pode ir do complexo nem lhes dizer a seus amigos onde está. Mas se quer lhes chamar...
—Obrigado. —Olhou À companheira do Gideon e conseguiu sorrir levemente.
—Se quer ter um pouco de intimidade, ponha cômoda onde queira. —Savannah lhe deu um breve abraço e logo olhou a Eva, que acabava de unir-se a elas.
—Não sei vocês —disse Eva, seu bonito rosto gasto pela preocupação—, mas iria bem uma taça. Ou três.
—Possivelmente as três venha bem um pouco de vinho e de companhia — respondeu Savannah.— Gabrielle, vêem te unir conosco quando termine. Estaremos em minhas habitações.
—De acordo. Obrigado.
As duas mulheres saíram juntas, falando em voz baixa, com os braços entrelaçados enquanto percorriam o sinuoso corredor em direção aos Aposentos do Savannah e do Gideon. Gabrielle partiu na direção contrária, sem saber onde desejava estar.
Isso não era de tudo certo. Desejava estar com Lucan, em seus braços, mas era melhor que superasse esse desejo desesperado, e logo. Não tinha intenção de lhe suplicar que estivesse com ela, e caso que consiguisse voltar inteiro depois da batida dessa noite, era melhor que se preparasse para tirar-lhe completamente da cabeça.
Dirigiu-se para uma porta aberta que havia em um ponto tranqüilo e pouco iluminado do vestíbulo. Uma vela brilhava dentro da habitação vazia: a única luz nesse lugar. A solidão e o aroma de incenso e a madera velha a atraíram. Era a capela do complexo; recordava ter passado por ali durante a visita com o Savannah.
Gabrielle caminhou entre duas filas de bancos em direção a um pedestal que se levantava no outro extremo da habitação Era ali onde se encontrava a vela: sua chama estava profundamente aninhada no centro e irradiava um suave resplendor carmesim. Sentou-se em um dos bancos de diante e ficou uns momentos simplesmente respirando, deixando que a paz do santuário a envolvesse.
Conectou o telefone celular. O símbolo de mensagens estava piscando. Gabrielle apertou a tecla da secretaria de voz e escutou a primeira chamada. Era de Megan, de fazia dois dias, mais ou menos a mesma hora em que tinha chamado ao apartamento do Gabrielle depois do ataque do sirviente no parque.
«Gaby, sou eu outra vez. Deixei-te um montão de mensagens em casa, mas não me chamaste. Onde está? Estou-me preocupando de verdade! Não acredito que deva estar sozinha depois do que aconteceu. Chama-me assim que ouça esta mensagem: e quero dizer no mesmo momento em que o receba, de acordo?»
Gabrielle apagou a mensagem e passou ao seguinte, que era da noite anterior, Às onze. Ouviu a voz da Kendra, que parecia um pouco cansada.
«Né. Está em casa? Responde, se estiver. Merda, suponho que é um pouco tarde: sinto muito. Provavelmente esteja dormindo. Bom, queria chamar os meninos, para ver se íamos de taças ou algo, possivelmente a outra sala? Que tal manhã de noite? Me chame.»
Bom, pelo menos Kendra estava bem fazia umas quantas horas. Isso aliviou parte da preocupação que sentia. Mas ainda ficava o asunto do menino com quem tinha estado saindo. O renegado, corrigiu-se Gabrielle, com um estremecimento de medo ao pensar na proximidade de sua amiga ao mesmo perigo que lhe estava pisando nos pés a ela.
Passou ao última mensagem. Megan outra vez, fazia somente duas horas.
«Olá, carinho. Era uma chamada de comprovação. vais chamar me alguma vez e me dirá como foi na delegacia de polícia a outra noite? Estou segura de que seu detetive se alegrou de verte, mas sabe que morro por saber todos os detalhes de como foi de intensa sua alegria.»
O tom de voz do Megan era tranqüilo e brincalhão, perfeitamente normal. Completamente distinto ao pânico das primeiras mensagens que hábía deixado no telefone de casa do Gabrielle e em seu telefone celular.
Deus, isso estava bem.
Porque não havia nenhum motivo de alarme por ela, nem por seu amigo policial, dado que Lucan lhes tinha apagado a memória.
«Bom, fiquei com o Jamie para jantar esta noite no Ciao Bela... seu favorito. Se pode arrumá-lo, vêem. Estaremos ali Às sete.Para você guardaremos um assento.»
Gabrielle marcou o botão de pendurar e olhou a hora no telefone: as sete e vinte.
Devia a seus amigos, pelo menos, chamar e lhes fazer saber que se encontrava bem. E uma parte dela desejava ouvir suas vozes, já que eram a única conexão com a vida que tinha antes. Lucan Thorne tinha dado a volta a sua vida por completo. Apertou o botão de marcação rápida do celular do Megan e esperou com ânsia enquanto o telefone soava. No mesmo momento em que seu amiga respondeu, Gabrielle ouviu uma conversação apagada.
—Olá, Meg.
—Né... por fim! Jamie, é Gabby!
—Onde está essa garota? vai vir ou o que?
—Ainda não sei. Gabby, vais vir?
Para ouvir a familiar desordem do bate-papo de seus amigos, Gabrielle desejou estar ali. Desejou que as coisas pudessem voltar a ser como eram antes de...
—Né... Não posso. surgiu um assunto e...
—Está ocupada —disse Megan a Jamie.
—Mas, onde está? Kendra me chamou hoje, estava-te procurando. Há-me dito que tinha ido a seu apartamento mas que não parecia que estivesse em casa.
—Kendra apareceu por aí? Viu-a?
—Não, mas quer reunir-se com todos nós. Parece que há terminado com esse menino que conheceu na discoteca.
—Brent —acrescentou Jamie em voz alta
—Têm quebrado?
—Não sei —respondeu Megan—. Lhe perguntei como ia com ele e ela somente me disse que já não se estavam vendo.
—Bem —repôs Gabrielle, muito aliviada—. São muito boas notícias.
—Bom, e você? Quem é tão importante como para que não jante esta noite?
Gabrielle franziu o cenho e olhou ao seu redor. Na sala havia levantado um pouco a brisa e a chama vermelha da vela tremeu. Ouviu uns pés suaves e uma afogada exclamação de surpresa de alguém que tinha entrado e se deu conta de que a sala estava ocupada. Gabrielle se deu a volta e viu uma loira alta na porta de entrada. A mulher olhou a Gabrielle com expressão de desculpa e logo se dispôs a sair.
—Estou... isto... fora da cidade, agora mesmo —disse a seus amigos em voz baixa.
— Certamente estarei fora uns quantos dias. Possivelmente mais.
—Fazendo o que?
—Né, estou fazendo um trabalho por encargo —mentiu Gabrielle, diando ter que fazê-lo, mas sem encontrar outra alternativa.
— Chamarei assim que possa. Se cuidem. Quero-lhes.
—Gabrielle...
Pendurou antes de que a obrigassem a dizer nada mais.
—Sinto-o —lhe disse a mulher loira enquanto Gabrielle se aproximava dela.
— Não me tinha dado conta de que a habitação estava ocupada.
—Não o está. Por favor, fique. Só estava... —Gabrielle soltou um suspiro.
— Acabo de mentir a meus amigos.
—OH. —Uns amáveis olhos de cor azul pálida a olharam comprensivamente.
Gabrielle fechou o telefone e passou um dedo por cima da carcasa chapeada e polida.
—Deixei meu apartamento precipitadamente a outra noite para vir aqui com Lucan. Nenhum de meus amigos sabe onde estou, nem por que tive que partir.
—Compreendo. Possivelmente algum dia lhes possa dar alguma explicação.
—Isso espero. Não quero lhes pôr em perigo lhes contando a verdade.
A mulher assentiu com a cabeça, pormenorizada, e seu halo de cabelo comprido e loiro seguiu o movimento.
—Você deve ser Gabrielle. Savannah me há dito que Lucan havia trazido para uma mulher que estava sob seu amparo. Sou Danika. Sou... era... a companheira do Conlan.
Gabrielle aceitou a esbelta mão que Danika lhe ofereceu como saudação.
—Sinto muito sua perda.
Danika sorriu com uma expressão triste nos olhos. Soltou a mão do Gabrielle e, sem dar-se conta, baixou a sua para acariciar o abdômen, imperceptivelmente inchado.
—Queria ir para te buscar para te dar a bem-vinda, mas imagino que não sou a melhor das companhias neste momento. Não tive muita vontade de sair de minhas habitações durante estes últimos dias. Todavía está sendo muito difícil para mim, tentar realizar este... ajuste. Tudo é tão distinto agora.
—É obvio.
—Lucan e outros guerreiros foram muito generosos comigo. Cada um deles me jurou amparo quando a necessitar, esteja onde esteja. Para mim e para meu filho.
—Está grávida?
—Desde quatorze semanas. Desejava que este fora o primeiro de muitos filhos. Estávamos tão iludidos com nosso futuro. Tínhamos esperado muito tempo a fundar nossa família.
—por que esperaram? —Gabrielle franziu o cenho assim que se deu conta de que tinha feito a pergunta.
— O sinto, não tento bisbilhotar. Não é meu assunto.
Danika estalou a língua, lhe tirando importância.
—Não há necessidade de desculpar-se. Não me importa que me faça prerguntas, de verdade. Para mim é bom falar de meu Conlan. Vêem, vamos sentar nos um momento —lhe disse, conduzindo a Gabrielle até uma das cadeiras bancos da capela.
—Conheci Conlan quando era só uma menina. Meu povo da Dinamarca tinha sido saqueado por uns invasores, ou isso acreditávamos. A verdade é que eram um grupo de renegados. Mataram a quase todo mundo, as mulheres velhas e aos meninos, Aos velhos de nossa aldeia. Ninguém estava seguro. Um grupo de guerreiros da raça chegou a metade do ataque. Conlan era um deles. Resgataram a tantos dos nossos como puderam. Quando descubriram minha marca, levaram-me a Refúgio Escuro mais próximo. Foi ali onde aprendi tudo a respeito da nação dos vampiros e do lugar que eu ocupava nela. Mas não podia deixar de pensar em meu salvador. Foi coisa do destino que, ao cabo de uns anos, Conlan fora outra vez a essa zona. Eu estava tão iludida de lhe ver. Imagine a comoção que senti ao saber que ele tampouco se esqueceu de mim.
—Quanto faz disso?
Danika quase não teve que deter-se para calcular o tempo.
—Conlan e eu compartilhamos quatrocentos e dois anos juntos.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle—. Tanto tempo...
—passou em um abrir e fechar de olhos, se te disser a verdade. Não te mentirei te dizendo que sempre foi fácil ser a mulher de um guerreiro, mas não trocaria nem um só instante. Conlan acreditava por completo no que estava fazendo. Queria um mundo mais seguro, para mim e para nossos filhos que estavam por chegar.
—E por isso esperou todo este tempo para conceber um filho?
—Não queríamos fundar nossa família enquanto Conlan sentisse que precisava permanecer com a Ordem. Estar em primeira linha não é o melhor para os meninos, e esse é o motivo pelo que não há famílias entre os membros da classe dos guerreiros. Os perigos são muito grandes, e nossos companheiros precisam poder concentrar-se únicamente em sua missão.
—Não se dão acidentes?
—Os embaraços acidentais são completamente desconhecidos na raça porque nós necessitamos algo mais sagrado que o simples sexo para conceber. O momento de fertilidade das companheiras de raça é durante a lua crescente. Durante este momento crucial, se desejamos conceber um filho, nossos corpos devem conter tanto a semente de nosso companheiro como seu sangue. É um ritual sagrado que ninguem planeja realizar as pressas.
A idéia de poder compartilhar esse profundo e íntimo ato com Lucan fez que Gabrielle sentisse que o centro de seu ser entrava em calor. A idéia de unir-se dessa forma com outro, de engordar com o filho de outro que não fora Lucan, era uma possibilidade que se negava a ter em conta. Preferia estar sozinha, e provavelmente o estaria.
—O que vais fazer agora? —perguntou-lhe, rompendo o silêncio em que se ficou ao imaginar sua própria solidão futura.
—Ainda não sei —respondeu Danika.
— Sim sei que não vou unir-me com nenhum outro macho.
—Não necessita um companheiro para continuar jovem?
—Conlan era meu companheiro. Agora que ele se foi, uma só vida já será muito tempo. Se me negar a ter um vínculo de sangue com outro macho, simplesmente envelhecerei de forma natural daqui em diante, igual que antes de conhecer Conlan. Simplesmente serei... mortal.
—Morrerá —disse Gabrielle.
Danika sorriu com expressão decidida, mas não de tudo triste.
—Ao final.
—Aonde irá?
—Conlan e eu tínhamos planejado nos retirar a um dos Refúgios Escuros da Dinamarca, onde eu nasci. Ele queria isso para mim, mas agora acredito que prefiro criar a seu filho em Escócia para que tenha a oportunidade de conhecer algo de seu pai Através da terra que ele tanto amava. Lucan já começou a fazer os preparativos para que possa ir quando dita que estou preparada.
—Isso foi amável por sua parte.
—Muito amável. Quando veio a me buscar para me dar a notícia, e para me prometer que meu filho e eu sempre estaríamos em comunicação direta com ele e com o resto da Ordem se por acaso alguma vez necessitávamos algo, não me podia acreditar isso. Foi o dia do funeral, só umas quantas horas depois do mesmo, e suas queimaduras ainda eram extremamente gravê. E apesar disso, ele estava mais preocupado por meu bem-estar.
—Lucan sofreu queimaduras? —Gabrielle sentiu que um sentimento de alarme lhe assaltava o coração.
— Quando? E como?
—Faz só três dias, quando realizamos o ritual funerário do Conlan. —Danika arqueou as finas sobrancelhas—. Não sabia? Não, claro que não o sabia. Lucan nunca mencionaria esse ato de honra, nem o dano que sofreu para levá-lo a cabo. Olhe, a tradição funerária da raça estabelece que um vampiro deve levar o corpo do morto fora para que os elementos da natureza o recebam —disse, fazendo um gesto em direção a uma sombria esquina da capela onde havia uma escura escada.
— É um dever que mostra um grande respeito e exige um grande sacrifício porque, uma vez fora, o vampiro que atende a seu irmão deve ficar ao seu lado durante oito minutos durante a saída do sol.
Gabrielle franziu o cenho.
—Mas eu acreditava que a pele de um vampiro não suporta os raios do sol.
—Não, não os suporta. Sofre queimaduras graves e de forma muito rápida, mas ninguém sofre mais que um vampiro de primeira geração. Os mais velhos da raça sofrem mais, inclusive em um tempo de exposição muito breve.
—Como Lucan —disse Gabrielle.
Danika assentiu com expressão solene.
—Para ele, estar exposto oito minutos a saída do sol deve haver sido insuportável. Mas o fez. Pelo Conlan, deixou que seu corpo se queimasse. Inclusive tivesse podido morrer ali acima, mas não tivesse deixado que ninguém mais assumisse o peso de oferecer repouso a meu amado Conlan.
Gabrielle recordou a urgente chamada Telefónica que tinha tirado Lucan fora da cama em meio da noite. Não lhe tinha contado do que se tratava. Tampouco tinha compartilhado sua perda com ela.
Sentiu que a dor lhe retorcia o estômago ao pensar no que tinha suportado, segundo a descrição da Danika.
—Falei com ele... esse mesmo dia, de fato. Por sua voz soube que algo ia mau, mas ele o negou. Parecia tão cansado, mais que exausto. É esta me dizendo que sofreu queimaduras pela luz ultravioleta?
—Sim. Savannah me contou que Gideon o encontrou não muito tempo depois. Lucan tinha queimaduras da cabeça aos pés. Não podia abrir os olhos a causa da dor e a inflamação, mas rechaçou qualquer tipo de ajuda para voltar para suas habitações para curar-se.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle, estupefata—. Ele nunca me contou isso, não me contou nada disto. Quando lhe vi mais tarde, essa noite... só ao cabo de umas horas, parecia completamente normal. Bom, o que quero dizer é que parecia e atuava como se nada mau lhe tivesse ocorrido.
—A pureza de linha de sangue de Lucan lhe faz sofrer mais, mas também lhe ajuda a curar-se mais depressa das queimaduras. Inclusive então não foi fácil para ele; ele necessitaria uma grande quantidade de sangue para repôr seu corpo depois de um trauma tão forte. Quando esteve o bastante bem para abandonar o complexo e ir de caça, devia ter uma fome voraz.
Tinha-a tido. Gabrielle se dava conta agora. A lembrança de lhe ver alimentar do servente a quem tinha matado lhe passou pela mente, mas agora tinha um significado distinto, já não lhe parecia o ato monstruoso que lhe tinha parecido de forma superficial, a não ser um meio de sobrevivemcia. Tudo adquiria um significado novo desde que conhecia Lucan.
Ao princípio, tinha-lhe parecido que a guerra entre os da raça e seus inimigos não era mais que um mal enfrentado a outro, mas agora não podia evitar sentir que também era sua guerra. Ela se jogava algo no desenlace, e não somente pelo fato de que seu futuro se encontrava ligado a este estranho mundo. Para ela era importante que Lucan ganhasse não só a guerra contra os renegados, mas também a devastadora guerra pessoal que liberava em privado.
Estava preocupada com ele, e não podia ignorar a queimação de medo que tinha começado a sentir na base das costas desde que ele e os outros guerreiros tinham abandonado o complexo para ir de batida.
—Quer-lhe muito, verdade? —perguntou-lhe Danika. Entre elas se havia feito um angustiante silêncio.
—Quero-lhe, sim. —Olhou a mulher aos olhos e não encontrou motivo para esconder uma verdade que, provavelmente, se traslucía em seu rosto.
— Posso te dizer uma coisa, Danika? Tenho uma horrível sensação a respeito do que está fazendo esta noite. E para piorá-lo, Tegan disse que não acreditava que Lucan fora a viver muito mais. quanto mais momento levo aqui sentada, mais medo tenho de que Tegan possa ter razão.
Danika franziu o cenho.
—Falaste com o Tegan?
—Tropecei-me com ele —literalmente— muito recentemente . Disse-me que não me afeiçoasse muito de Lucan.
—Porque acreditava que Lucan ia morrer? —Danika deixou escapar um comprido suspiro e meneou a cabeça—. Esse parece desfrutar pondo a outros no fio. Provavelmente o há dito somente porque sabe que isso te inquietará.
—Lucan disse que entre eles havia animosidade. Crie que Tegan é de confiar?
Pareceu que a companheira de raça loira o pensava um momento.
—Posso dizer que a lealdade é uma parte importante do código dos guerreiros. È tudo para esses machos, faz-os um. Nada deste mundo pode lhes fazer violar essa confiança sagrada. —levantou-se e tomou a mão do Gabrielle.
— Vêem. vamos procurar a Eva e a Savannah. E a espera será menos larga para todas se não a passarmos sozinhas.
Capítulo vinte e seis
Do ponto de observação onde estavam apostados em um dos edifícios do porto, Lucan e outros guerreiros observaram um pequeno caminhão cujas rodas cromadas cuspiam cascalho, dirigir-se a localização que estavam vigiando. O condutor era um ser humano. Se seu aroma a suor e a ansiedade não tivesse delatado, a música country que saía estrondosamente pelo guichê aberto o tivesse feito. Saiu do veículo com uma bolsa de papel marrom repleta de algo que cheirava a arroz frito e porco.
—Parece que os meninos jantam dentro esta noite —disse Dê. O confiado mensageiro comprovou o papel branco que tinha grampeado no pedido e olhou para o dique com cautela.
O condutor se aproximou da porta de entrada do armazém, dirigiu outro olhar nervoso ao seu redor, soltou um juramento em meio da escuridão e apertou o timbre. Não havia nenhuma luz dentro do edifício, somente havia o feixe de luz amarela que caía da lâmpada nua que pendurava em cima da porta. Lucan viu os olhos ferozes de um Renegado e o mensageiro gaguejou umas palavras do pedido e alargou o papel para o buraco escuro que se aberto diante dele.
—O que quer dizer trocando-o? —perguntou o cowboy urbano com um forte acento de Boston.
— Que diabos...?
Uma enorme mão lhe sujeitou pelo peito da camisa e lhe levantou do chão. ele chiou e em seu ataque de pânico conseguiu largar-se da mão do renegado.
—Uf! —exclamou Niko desde sua posição perto da cornija.
— Parece que acaba de dar-se conta de que não há comida a Chinesa no menu.
O renegado voou até o ser humano como uma sombra, assaltou-lhe por detrás e lhe abriu a garganta com uma eficiência selvagem. A morte foi sangrenta e foto instantânea. Logo o renegado se levantou de um salto e se dispôs a carregár a presa ao ombro para levá-la dentro, e Lucan ficou em pé.
—chegou o momento de nos pôr em marcha. Vamos.
Ao uníssono, os guerreiros saltaram ao chão e se dirigiram a grande velocidade para o armazém que servia de guarida aos renegados. Lucan, que lhes marcava o caminho, foi o primeiro em alcançar ao vampiro com sua inerte carrega humana. Com uma mão, sujeitou ao renegado pelo ombro e lhe obrigou A dár a volta ao tempo que tirava uma de suas folhas mortíferas da capa que levava no quadril. Golpeou com força e uma pontaría certeira, e decapitou a essa besta com um corte limpo.
As células do renegado começaram a fundir-se imediatamente e este caiu, empapado de sangue, ao chão. O contato da folha de Lucan foi como um ácido que atravessou o sistema nervoso do vampiro. Ao cabo de uns segundos, quão único ficava do renegado era um atoleiro negro e putrefato que se diluía na sujeira do chão.
Mais adiante, na porta, Dante, Tegan e os outros três guerreiros se formavam em um grupo fechado e armado, disposto a iniciar a ação réal. À ordem de Lucan, os seis se introduziram no armazém com as armas A ponto.
Os renegados que se encontravam dentro não tiveram nem idéia do que era o que lhes estava atacando até que Tegan lançou uma adaga que foi cravar se na garganta de um deles. Enquanto o renegado chiava e se retorcia ao desintegrar-se, seus cinco companheiros, enfurecidos, se dispersaram em busca de refúgio ao tempo que tomavam as armas sob a chuva de balas e folhas afiadas que Lucan e seus irmãos lançavam a discrição.
Dois dos renegados caíram ao cabo de uns segundos de haver-se iniciado o enfrentamento, mas os outros dois que ficavam haviam ocultado nas profundidades escuras do armazém. Um deles disparou contra Lucan e Dante desde detrás de um velho montão de gavetas. Os guerreiros esquivaram esse ataque e lhe responderam, o qual lhe fez sair ao descoberto e lhe deu a oportunidade a Lucan de acabar com ele.
Lucan percebeu na periferia de seu campo de visão que o último deles tentava escapar por entre um montão de barris derrubados e de tubos de metal que havia na parte traseira do edifício.
A Tegan tampouco tinha passado desapercebido. O vampiro se precipitou para o renegado como um trem de carga e desapareceu nas prófundidades do armazém em uma mortal perseguição.
—Tudo espaçoso —gritou Gideon desde algum ponto da escuridão fumegante e poeirenta.
Mas assim que o houve dito, Lucan percebeu que um novo perigo se abatia sobre eles. Seu ouvido distinguiu o discreto roce de um movimento sobre sua cabeça. Os lúgubres abajures do teto que se encontravam em cima dos tubos do sistema de ventilação do armazém estavam quase negras de sujeira, mas Lucan estava seguro de que algo avançava pelo telhado.
—Vigiem acima! —gritou aos outros, e nesse momento o telhado caiu e sete renegados mais se deixaram cair de acima disparando com suas armas.
De onde tinham saído? A informação que tinham sobre essa guarida era de confiar: seis indivíduos, provavelmente convertidos em renegados recentemente, que operavam de forma independente, sem nenhuma filiação. Então, quem tinha dado aviso a essa cavalaria para que lhes apóiassem? Como se tinham informado de que havia uma batida?
—Uma maldita emboscada —grunhiu Dante, pondo em voz alta o pensamento de Lucan.
Não era possível que esses novos problemas tivessem aparecido por acaso. Lucan se fixou no mais volumoso dos renegados que se estavam precipitando contra eles nesses momentos e sentiu que uma furia negra lhe fervia no ventre.
Era o vampiro que lhe tinha escapado a noite do assassinato Aos subúrbios da discoteca. O bode da Costa Oeste. O canalha que havia podido matar a Gabrielle e que possivelmente ainda pudesse fazê-lo algum dia se Lucan não acabava com ele nesse preciso momento.
Enquanto Dante e outros respondiam ao fogo do grupo de renegados, Lucan foi unicamente por esse objetivo.
Essa noite ia terminar com ele.
O vampiro vaiou amenaçadoramente ao lhe ver avançar e seu horrível rostro se deformou com um sorriso.
—Encontramo-nos de novo, Lucan Thorne.
Lucan assentiu com expressão lúgubre.
—Pela última vez.
O ódio mútuo fez que ambos os machos se desprendessem das armas para encetar-se em um combate mais pessoal. Em um instante desenfunderam as facas, um em cada mão, e os dois vampiros se prepararam para cercar um combate a morte. Lucan lançou a primeira estocada, e recebeu um perigoso corte no ombro: o renegado lhe tinha esquivado com sigilosa velocidade e se deslocou, em um abrir e fechar de olhos, ao outro lado dele. Tinha as mandíbulas abertas e uma expressão de triunfo ante o primeiro sangue derramado.
Lucan se deu a volta com igual agilidade e suas facas assobiaram perigrosamente perto da cabeça do renegado. O chupão baixou a vista e viu sua orelha direita no chão, A seus pés.
—começou o jogo, imbecil —grunhiu Lucan.
«Com uma vingança.»
Lançaram-se um contra o outro em um torvelinho de fúria com seus acertos frios e mortais. Lucan tinha consciência da batalha que se cercou ao seu redor, de que os guerreiros se estavam enfrentando ao segundo ataque. Mas toda sua concentração, todo seu ódio, centrava-se na afronta pessoal com o renegado que tinha em frente.
Quão único Lucan tinha que fazer para acender-se de fúria era pensar em Gabrielle e no que esta besta lhe tivesse feito.
E alimentou essa fúria: fez retroceder ao renegado estocada atrás de cada, implacável. Não sentiu os golpes que recebeu no corpo, embora foram muitos. Tombou a seu competidor e se preparou a lançar a última e mortífera estocada.
Com um rugido, realizou um profundo corte na garganta do renegado e separou sua enorme cabeça do corpo destroçado. Uns espasmos sacudiram os braços e as pernas do vampiro e este se desabou, retorcendo-se, ao chão. Lucan ainda sentia a fúria martilando com força nas veias; deu a volta à faca que tinha na mão e o cravou com força no peito do renegado para acelerar o processo de desintegração do corpo.
—Santo inferno —exclamou Rio desde algum ponto perto dele com voz seca.
— Lucan, tio, em cima de ti! Há outro nas vigas.
Aconteceu em um instante.
Lucan se deu a volta, sentindo a fúria da batalha em todos os músculos do corpo. Jogou uma olhada para cima, onde Rio havia lhe indicado. Muito acima por cima de sua cabeça outro vampiro renegado se pendurava pelos tubos do teto do armazém com uma coisa sob o braço que parecia ser uma pequena bola de metal. Mas uma pequena luz vermelha parecia rapidamente nesse aparelho e imediatamente ficou acendida.
—Ao chão! —Nikolai levantou sua Beretta trucada e apontou.
— O tipo vai lançar uma maldita bomba!
Lucan ouviu o repentino disparo da arma.
Viu que o renegado recebia o disparo do Niko justo entre os brilhantes olhos amarelos.
Mas a bomba já estava no ar.
Ao cabo de segundo meio, estalou.
Capítulo vinte e sete
Gabrielle se incorporou repentinamente, despertando sobressaltada de outra inquieta cabeçada que acabava de jogar no sofá da sala de estar do Savannah. As mulheres tinham ficado juntas as últimas horas, consolándo-se na companhia mútua, exceto Eva, que se tinha ido a capela para rezar. A companheira de raça estava mais nervosa que as demais e se tinha passado grande parte da tarde caminhando acima e abaixo e mordendo o lábio inferior com impaciência e ansiedade.
Em algum lugar por cima do labirinto de corredores e habitações se ouviram os movimentos surdos e as vozes tensas dos machos. O barulho zumbido do elevador fez vibrar o denso ar da sala e se deram conta de que a cabine estava baixando ao piso principal do complexo.
«OH, Deus.»
Algo ia mau.
Notava-o.
«Lucan.»
Jogou a um lado o xale de felpilla com que se cobria e pôs os pés no chão. O coração lhe tinha desbocado, e lhe encolhia com força a cada pulsado.
—Tampouco eu gosto desses sons —disse Savannah, jogando uma tensa olhada a habitação.
Gabrielle, Savannah e Danika saíram das habitações para ir em busca dos guerreiros. Nenhuma disse nenhuma palavra e com muita dificuldade respiravam enquanto se dirigiam ao elevador.
Inclusive antes de que as portas de aço se abrissem, por causa dos sons precipitados que se ouviam dentro do elevador, fez-se evidente que foram receber más notícias.
Mas Gabrielle não estava preparada para quão más foram ser.
O fedor a fumaça e a sangue a assaltou com a força de um murro. Fez uma careta ante o nauseabundo aroma de guerra e morte mas se esforçou por ver qual era a situação na cabine do elevador. Nenhum dos guerreiros saía dela. Dois estavam tombados no chão da cabine e os outros três estavam agachados ao seu redor.
—Traz umas quantas toalhas e lençóis limpa! —gritou-lhe Gideon a Savannah.
— Traz todas as que possa, menina! —Assim que ela se dispôs a fazê-lo, ele acrescentou:
—Também vamos precisar movê-lo. Há uma cama na enfermaria.
—Eu me ocupo —repôs Niko de dentro do elevador.
Saltou por cima de um dos dois vultos informe que se encontrava tendido de barriga para baixo no chão. Quando passou por seu lado, Gabrielle viu que tinha o rosto, o cabelo e as mãos enegrecidos de fuligem. As roupas estavam rasgadas e a pele salpicada com centenas de arranhões sangrando. Gideon mostrava contusões similares. E Dante também.
Mas suas feridas não eram nada comparadas com as dos dois guerreros da raça que estavam inconscientes e a quem seus irmãos haviam transportado pelas ruas.
O peso que sentiu no coração lhe fez saber de Gabrielle que um deles era Lucan. Aproximou-se um pouco mais e teve que reprimir uma exclamação ao ver confirmados seus temores.
O sangue se formava redemoinhos debaixo de seu corpo, um atoleiro da cor do vinho escuro que se estendia até o mármore branco do corredor. Tinha a vestimenta de couro e as botas feita migalhas, igual à maior parte da pele dos braços e as pernas. O rosto estava cheio de fuligem e de cortes de uma cor escarlate. Mas estava vivo. Gideon lhe moveu para lhe aplicar um torniquete improvisado para parar o sangue de uma ferida que tinha no braço e Lucan soltou um vaio de dor por entre as presas alargadas.
—Porra... sinto muito, Lucan. É bastante profundo. Merda, isto não vai deixar de sangrar.
—Ajuda... ao Rio —pronunciou as palavras com um grunhido apagado. Foi uma ordem direta apesar de que se encontrava convexo de costas—. Estou bem —acrescentou, gemendo de dor.
— Porra... quero que... dê-te... dele.
Gabrielle se ajoelhou ao lado do Gideon. Levantou a mão para sujeitar o extremo da atadura que ele tinha na mão.
—Eu posso fazê-lo.
—Está segura? É uma ferida feia. Tem que colocar as mãos justo aí para apertá-lo com força.
—Tenho-o. —Fez um gesto com a cabeça em direção a Rio, que se encontrava convexo ao lado.
— Faz o que te há dito.
O guerreiro ferido que estava convexo no chão ao lado de Lucan estava sofrendo uma agonia. Ele também sangrava profundamente por quão feridas tinha no torso e a causa do terrível dano que tinha sofrido no braço esquerdo. Levava uma perna envolta em um farrapo empapado de sangue que devia ser uma camisa. Tinha o rosto e o peito queimados e rasgados até tal ponto que era irreconhecível. Começou a emitir uns gemidos graves e guturais que lhe encheram os olhos de lágrimas a Gabrielle.
Piscou para reprimir as lágrimas e, ao abrir os olhos de novo, encontrou-se com os pálidos olhos cinzas de Lucan cravados nela.
—Acabei... com o bode.
—Shh. —Secou-lhe o suor da frente, maltratada.
— Lucan, te esteja quieto. Não tente falar.
Mas ele não fez conta. Tragou saliva com dificuldade e logo se esforçou em pronunciar as palavras.
—o da discoteca... o filho de puta que estava ali essa noite.
—que te escapou?
—Esta vez não. —Piscou devagar. Seu olhar era tão feroz como brilhante.
— Agora não poderá nunca... te fazer danifico...
—Sim—disse em tom irônico Gideon, que se estava ocupando de Rio.
— E tem muita sorte de estar vivo, herói.
Gabrielle sentiu que a angústia lhe atendia a garganta ao olhar a Lucan. Apesar de que tinha afirmado que seu dever era o primeiro e que alguma vez haveria um lugar para ela em sua vida, Lucan tinha pensado nela essa noite? Estava ferido e sangrando a causa, em parte, por algo que tinha feito por ela?
Ela tomou uma de suas mãos entre as suas e lhe acariciou no único lugar do corpo em que podia fazê-lo enquanto a apertava contra o coração.
—OH, Lucan...
Savannah chegou correndo com o que lhe tinham pedido. Niko a seguiu imediatamente, empurrando a maca de hospital diante dele.
—Lucan primeiro —lhes disse Gideon.
— Levem a uma cama e logo voltarei por Rio.
—Não —grunhiu Lucan, com tom de maior determinação que de dor.
— Ajudem a me levantar.
—Não acredito que... —disse Gabrielle, mas ele já estava tentando levantar-se do chão.
—Tranqüilo, chiou.
—Dante entrou no elevador e colocou sua mão forte sob o braço de Lucan. Tombaram-lhe por que não toma um descanso e nos deixa que lhe levemos a enfermaria?
—Hei dito que estou bem. —Lucan, apoiando-se em Gabrielle e em Dante, incorporou-se e se sentou. Respirava com dificuldade, mas permaneceu incorporado.
— recebi uns quantos golpes, mas merda... vou andando até minha cama. Não vou deixar que me... arrastem até aí.
Dante olhou Gabrielle com expressão exasperada.
—Sabe que tem a cabeça tão dura que o diz a sério?
—Sim, sei.
Gabrielle sorriu, agradecida a essa obstinação que o fazia ser forte. Ela e Dante lhe emprestaram o apoio de seus corpos: colocaram-se um a cada lado dele, com os ombros sob cada um de seus braços, e lhe sujeitaram até que Lucan começou a ficar em pé, devagar.
—Por aqui —disse Gideon a Niko, e este colocou a maca no lugar adequado para levantar Rio enquanto Savannah e Danika faziam tudo o que podiam por conter o sangue de suas feridas, por lhe tirar a roupa destroçada e o desnecessário peso das armas.
—Rio? —A voz da Eva soou aguda. Correu até o grupo com o rosario ainda apertado em uma das mãos. Quando chegou ao elevador aberto se deteve imediatamente e agüentou a respiração.
— Rio! Onde está?
—Está aqui dentro, Eva —disse Niko, apartando-se da maca, onde já tinham colocado a Niko, para lhe impedir o passo. Apartou-a dali com mão firme para que não se aproximasse muito ao açougue.
— Houve uma explosão esta noite. Ele se levou a pior parte.
—Não! —levou-se as mãos ao rosto, horrorizada.
— Não, está equivocado. Esse não é meu Rio! Não é possível!
—Está vivo, Eva. Mas terá que ser forte por ele.
—Não! —Começou a chiar grosseiramente, histérica, enquanto tentava abrir passo com a força para aproximar-se de seu companheiro.
— Meu Rio não! Deus, não!
Savannah se aproximou e tomou a Eva do braço.
—Vamos agora —lhe disse com suavidade.
— Eles sabem como lhe ajudar.
Os soluços da Eva alagaram o corredor e encheram a Gabrielle de uma angústia íntima que era uma mescla de alívio e de medo frio. Estava preocupada com Rio, e lhe rompia o coração pensar no que Eva devia estar sentindo. Gabrielle sabia que isso lhe doía em parte porque Lucan tivesse podido encontrar-se no lugar de Rio. Uns quantos milímetros, umas frações de segundo, podiam ter sido quão único tinha determinado qual dos dois guerreiros ia estar convexo em um crescente atoleiro de sangue lutando por manter-se vivo.
—Onde está Tegan? —perguntou Gideon, sem apartar a atenção de seus próprios dedos com os quais, e com movimentos rápidos, ocupava-se de curar ao guerreiro cansado.
— retornou já?
Danika negou com a cabeça, mas olhou a Gabrielle com olhos angustiados.
—por que não está aqui? Não estava com vocês?
—Perdemo-lhe de vista muito pouco tempo depois de que entrássemos na guarida dos renegados —lhe disse Dante.
— Quando estalou a bomba, nosso principal objetivo foi trazer Rio e a Lucan ao complexo o mais breve possível.
—vamos mover isto —disse Gideon, colocando-se a cabeça da cama de Rio.
— Niko, me ajude a mover isto.
As perguntas a respeito do Tegan se apagaram enquanto todo mundo trabalhava em excesso em fazer todo o possível para ajudar a Rio. Todos percorreram o caminho até a enfermaria. Gabrielle, Dante e Lucan eram os que se deslocavam com maior lentidão pelo corredor: Lucan se cambaleava sobre os pés e se sujeitava a eles dois enquanto se esforçava por manter-se em pé com firmeza.
Gabrielle reuniu valor para lhe olhar. Desejava tanto lhe acariciar o rosto ferido e cheio de sangue. Enquanto lhe olhava com o coração encolhido, ele levantou as pálpebras e a olhou aos olhos. Ela não sabia o que era o que se estabeleceu entre eles durante esse comprido instante de quietude no meio do caos, mas sentiu que era algo quente e bom Apesar de tudo quão terríveis tinham sido os sucessos dessa noite.
Quando chegaram À habitação onde foram atender a Rio, Eva ficou a um lado da maca, ante seu corpo quebrado. As lágrimas lhe caíam pelas bochechas.
—Isto não tinha que ter acontecido —gemeu—. Não deveria ter sido meu Rio. Não desta maneira.
—Faremos tudo o que possamos por ele —disse Lucan, respirando com dificuldade por causa de suas próprias feridas—. Lhe prometo isso, Eva. Não lhe deixaremos morrer.
Ela negou com a cabeça, com o olhar fixo em seu companheiro tendido na cama. Acariciou-lhe o cabelo e Rio murmurou umas palavras incoerentes, semi inconsciente e com uma clara expressão de dor.
—Quero-lhe fora daqui imediatamente. Deveria ser transladado a um Refúgio. Necessita atenção médica —disse Eva.
—Seu estado não é o bastante estável para que lhe translade —repôs Gideon.
— Tenho os conhecimentos necessários e a equipe adequada para lhe tratar aqui por agora.
—Quero-lhe fora daqui! —Levantou a cabeça súbitamente e dirigiu o olhar brilhante de um guerreiro a outro.
— Não resulta de utilidade para nenhum de vocês agora, assim me deixem isso . Já não lhes pertence, a nenhum de vocês. Agora é completamente meu! Somente quero o melhor para ele!
Gabrielle notou que o braço de Lucan entrava em tensão por causa dessa reação histérica.
—Então tem que te apartar de diante do Gideon e deixar que faça seu trabalho —lhe disse, assumindo com facilidade o papel de líder apesar de sua má condição física.
— Agora mesmo, quão único importa é manter com vida Rio.
—Você —disse Eva, em tom seco enquanto lhe dirigia um olhar severo. Seus olhos mostraram um brilho mais selvagem e seu rosto se transformou em uma máscara de puro ódio.
— Deveria ser você quem se estivesse morrendo agora mesmo, e não ele! Você, Lucan. Esse foi o trato que fiz! Sabiam que tinha que ser você!
Na enfermaria pareceu abrir um abismo que se tragasse todo som exceto a surpreendente verdade do que a companheira de Rio acabava de confessar.
Dante e Nikolai se levaram as mãos as armas, ambos os guerreiros dispostos a responder a mais ligeira provocação. Lucan levantou uma mão para contê-los com o olhar fixo na Eva. A verdade era que não lhe importava absolutamente que sua malevolência se dirigisse diretamente contra ele; se ele tinha sido uma espécie de alvo para sua fúria, havia sobrevivido a isso . Rio possivelmente não o fizesse. Qualquer dos irmãos presente na batida dessa noite tivesse podido não sobreviver a traição da Eva.
—Os renegados sabiam que íamos estar ali —disse Lucan em um tom frio por causa de uma profunda fúria.
— Caímos em uma emboscada no armazém. Você o preparou.
Outros guerreiros emitiram uns grunhidos guturais. Se a confissão a tivesse feito um macho, Lucan tivesse podido fazer muito pouco para impedir a seus irmãos que atacassem com uma força letal. Mas se tratava de uma companheira de raça, uma dos seus. Alguém a quem conheciam e em quem confiavam desde fazia mais de uma vida.
Agora Lucan olhava a Eva e via uma desconhecida. Viu loucura. Um desespero mortal.
—Rio tinha que salvar-se. —inclinou-se sobre ele e lhe passou o antebraço por debaixo da cabeça enfaixada. O emitiu um som descarnado e indecifrável enquanto Eva lhe abraçava.
— Eu não queria que ele tivesse que lutar mais. Não, por vocês.
—Assim preferiria lhe ver destroçado, em lugar disso? —perguntou-lhe Lucan.
— Assim é como lhe quer?
—Amo-lhe! —gritou ela.
— O que tenho feito, tudo o que tenho feito, foi por amor a ele! Rio será mais feliz em algum outro lugar, longe de toda esta violência e morte. Será mais feliz em um Refúgio Escuro, comigo longe de sua maldita guerra!
Rio emitiu o mesmo som gutural, mas agora soou mais lastimero. Não cabia dúvida de que era um som de agonia, embora se era devido à dor física ou a inquietação pelo que estava acontecendo ao seu redor não estava claro.
Lucan negou com a cabeça lentamente.
—Essa é uma afirmação que você não pode fazer por ele, Eva. Não tem direito. Esta é a guerra de Rio, tanto como a de qualquer outro. É no que ele acreditava, no que sei que ainda crie, inclusive depois do que lhe tem feito. Esta guerra concerne a toda a raça.
Ela franziu o cenho com gesto azedo.
—Resulta irônico que o cria, dado que você mesmo estiveste a ponto de te converter em um renegado.
—Jesucristo —exclamou Dante de onde se encontrava, perto.
— Esta equivocada, Eva. Está terrivelmente equivocada.
— Ah, sim? —Ela continuou cravando o olhar em Lucan com expressão sádica.
— Te estive observando, Lucan. Vi-te lutar contra a sede quando acreditava que não havia ninguém perto. Sua aparência de controle não me engana.
—Eva —disse Gabrielle. Sua voz tranqüila foi um bálsamo para todos os que se encontravam na habitação.
— Está alterada. Não sabe o que está dizendo.
Ela rio.
—lhe peça que o negue. lhe pergunte por que se priva de sangue até que está quase a ponto de morrer de sede!
Lucan não disse nada em resposta a essa acusação pública, porque sabia que era verdade.
Também sabia Gabrielle.
Sentiu-se comovido de que lhe defendesse, mas nesses momentos não se tratava tanto dele como de Rio e do engano que ia destroçar a esse guerreiro. Possivelmente já o tinha feito, a julgar pelo crescente movimento de suas pernas e pelo esforço que realizava para falar apesar das feridas.
—Como fez esse trato, Eva? Como entrou em contato com os renegados, em uma de suas excursões fora?
Ela bufou com gesto de brincadeira.
—Não foi tão difícil. Há serventes passeando por toda a cidade. Somente tem que olhar fora. Encontrei a um e lhe disse que me pusesse em contato com seu chefe.
—Quem era? —perguntou Lucan—. Que aspecto tinha?
—Não sei. Somente nos encontramos uma vez e manteve o rosto oculto. Levava uns óculos escuros e teve as luzes da habitação do hotel apagadas. Não me importava nem quem era nem que aspecto tinha. O único que me importava era que tivesse o poder suficiente para fazer que as coisas ocorressem. Somente queria sua promessa.
—Imagino que te fez pagar por isso.
—Foram somente um par de horas com ele. Tivesse pago algo —disse, agora sem olhar a Lucan nem aos outros, que a olhavam com expressão de desagrado, mas sim manteve a vista fixa em Rio.
— Faria algo por ti, querido. Suportaria. .. algo.
—Possivelmente vendeu seu corpo —disse Lucan—, mas foi a confiança de Rio o que traiu.
Dos lábios de Rio surgiu um som áspero. Eva lhe arrulhava e o acariciou. Ele abriu as pálpebras e se ouviu sua respiração, oca e esforçada, enquanto tentava pronunciar umas palavras.
—Eu... —Tossiu e seu corpo maltratado sofreu um espasmo—. Eva...
—OH, meu amor... sim. Estou aqui! —gritou—. Me diga o que queira, carinho.
—Eva... —De sua garganta não saiu nenhum som durante uns instantes, mas voltou a tentá-lo.
— Eu... lhe... acuso.
—O que?
—Morta... —Gemeu. Sem dúvida a dor psicológica era maior que a fisica, mas a ferocidade de seus olhos brilhantes e injetados em sangue diziam que não ia se deter.
— Já não existe... para mim... está... morta.
—Rio, é que não o compreende? Tenho-o feito por nós!
—Vai —disse ele com voz entrecortada.
— Não te quero ver... nunca mais.
—Não o pode dizer a sério. —Levantou a cabeça e seus olhos procuravam freneticamente um ponto onde posar-se.
— Não o diz a sério! Não é possível! Rio, me diga que não fala a sério!
Alargou a mão para lhe tocar, mas ele emitiu um grunhido e utilizou a pouca força que ficava para rechaçar seu contato. Eva soluçou. O sangue das feridas dele cobria a parte dianteira da roupa. Baixou a vista até as manchas e logo olhou a Rio, que agora a tinha afastado dele por completo.
O que aconteceu a seguir durou somente uns segundos como máximo, mas foi como se o tempo se houvesse ralentizado a uma lentidão implacável.
O olhar aniquilado da Eva caiu sobre o cinturão das armas de Rio, que estava no chão ao lado da cama.
Uma expressão de determinação se formou em seu rosto e se lançou por volta de uma das facas.
Levantou a adaga brilhante por cima de seu rosto.
Sussurrou a Rio que sempre lhe amaria.
Então girou a faca que tinha na mão e o cravou a si mesmo na garganta.
—Eva, não! —gritou Gabrielle. Seu corpo reagiu automaticamente, como se acreditasse que podia salvar À outra fêmea.
— OH, Meu deus, não!
Mas Lucan a sujeitou ao seu lado. Rapidamente tomou entre os braços e lhe fez girar o rosto para seu peito para evitar que visse Eva cortar sua próprio jugular e cair, sangrando e sem vida, ao chão.
Capítulo vinte e oito
Recém tomada banho, nas habitações de Lucan, Gabrielle se secou com uma toalha o cabelo molhado e colocou em cima um suave penhoar. Estava exausta depois de ter acontecido a maior parte do dia com o Savannah e Danika ajudando a Gideon a atender a Rio e a Lucan. No complexo todo mundo se encontrava em um estado de surda incredulidade por causa da traição de Eva e do trágico desenlace: Eva morta por sua própria mão e Rio agarrado precariamente a vida.
Lucan se encontrava em mal estado físico, além disso, mais fiel a sua palavra a sua obstinação, tinha abandonado a enfermaria por seus próprios pés pra ir descansar a suas habitações pessoais. Gabrielle estava assombrada de que ele tivesse aceito algum tipo de cuidado, mas a verdade era que as outras mulheres e ela mesma não lhe tinham deixado muitas posibilidades de rechaçá-lo.
Gabrielle se sentiu invadida pelo alívio ao abrir a porta do banho e lhe encontrar sentado na enorme cama com as costas apoiada na cabecera, sobre um montão de almofadas. Tinha uma bochecha e a frente cheias de pontos e as vendagens lhe cobriam a maior parte do largo peito e das pernas, mas se estava recuperando. Estava inteiro e, com o tempo, curaria-se.
Igual a ela, ele não levava nada em cima exceto um penhoar branco; isso era quão único as mulheres lhe tinham permitido ficar em cima, depois de ter acontecido horas limpando e lhe curando as contusões e as feridas cheias de metralha que tinha em quase todo o corpo.
—Sente-se melhor? —perguntou-lhe Lucan, olhando-a enquanto ela passava os dedos pelo cabelo úmido para apartar-lhe do rosto.
— pensei que teria fome ao sair do banho.
—A verdade é que morro de fome.
Ele assinalou uma robusta mesa de coquetel que se encontrava na salinha do dormitório, mas o olfato de Gabrielle já tinha detectado o impressionante bufé. O aroma de pão francês, a alho e especiarias, a molho de tomate e a queijo alagava a habitação. Viu um prato de verduras e um tigela cheio de fruta fresca, e inclusive uma coisa escura com aspecto de chocolate em meio das outras tentações. aproximou-se para jogar uma olhada mais de perto e o estômago lhe retorceu de fome.
—Manicotti —disse, inalando o aromático aroma da massa. Ao lado de uma taça de cristal havia uma garrafa de vinho tinjo aberta.
— E Chianti?
—Savannah queria saber se você tinha algum alimento preferido. Isso foi o único que me ocorreu.
Essa era a comida que ela preparou a noite em que ele tinha ido a seu apartamento para lhe devolver o telefone celular. A comida que ficou fria, esquecida, em cima do mármore da cozinha enquanto ela e Lucan ficavam como coelhos.
—recordou o que eu tinha cozinhado essa noite?
Ele se encolheu de ombros ligeiramente.
—Sente-se. Come.
—Somente há um assento.
—Está esperando uma visita?
Ele olhou.
—De verdade não pode comer nada disto? Nem sequer um mordisco?
—Se o fizesse, somente poderia agüentar uma pequena quantidade no estômago. —Fez-lhe um gesto para que se sentasse.
— Comer os mantimentos dos humanos é somente algo que fazemos pelas aparências.
—De acordo. —Gabrielle se sentou no chão com as pernas cruzadas. Tirou o guardanapo de linho debaixo dos talheres e a colocou em cima do regaço.
— Mas não me parece justo me pôr morada diante de ti.
—Não se preocupe por mim. Já recebi muitas cuidados e cuidados femininos por hoje.
—Como quer.
Ela estava muito faminta para esperar um segundo mais e a comida tinha um aspecto muito delicioso para resistir. Com o garfo, Gabrielle cortou uma parte de manicotti e o degustou em um estado de absoluto êxtase. Comeu a metade do prato em um tempo recorde e somente fez uma pausa para encher a taça de vinho, que também bebeu com um prazer voraz.
Durante todo o tempo Lucan a esteve olhando da cama.
—Está bom? —perguntou-lhe em um momento em que lhe olhava por cima do bordo da taça de vinho enquanto tomava um sorvo.
—Fantástico —murmurou ela e encheu a boca de verduras com vinagrete. Sentia o estômago muito mais tranqüilo agora. Comeu o resto da salada, serviu outro copo do Chianti e se recostou com um suspiro.
— Obrigado por isso. Tenho que dar as graças a Savannah também. Não tinha por que haver-se incomodado tanto.
—Agrada-lhe —disse Lucan com uma expressão atenta mas indescifravel.
— Foi de grande ajuda ontem de noite. Obrigado por cuidar de Rio e dos outros. De mim, também.
—Não tem por que me dizer obrigado.
—Sim, tenho que fazê-lo. —Franziu o cenho e uma pequena ferida que tinha costurada, na frente, inchou-se com o movimento.
— Foi amavel e generosa durante todo o tempo e eu... —interrompeu-se e disse algo inaudível.
— Te agradeço o que tem feito. Isso é tudo.
«OH —pensou ela.
— Isso é tudo.» Inclusive sua gratidão aparecia depois de uma barreira emocional.
De repente se sentiu como uma estranha com ele nesse momento, assim que lhe deu vontade de trocar de tema.
—ouvi que Tegan voltou de uma peça.
—Sim. Mas Dante e Niko estiveram a ponto de destroçá-lo quando lhe viram por ter desaparecido durante a batida.
—O que lhe aconteceu a outra noite?
—Quando as coisas ficaram feias, um dos renegados tentou sair por uma porta traseira do armazém. Tegan lhe perseguiu até a rua. Ia acabar com esse chupão, mas decidiu lhe seguir primeiro para ver aonde ia. Perseguiu-lhe até o velho psiquiátrico que se encontra fora da cidade. Esse lugar estava infestado de renegados. Se havia alguma duvida, agora já estamos seguros de que é uma enorme colônia. Próvavelmente seja o quartel geral desta Costa.
Gabrielle sentiu um calafrio ao pensar que tinha estado nesse psiquiátrico, que tinha estado dentro dele, sem saber que era um refúgio de rénegados.
—Tenho umas quantas fotos do interior. Ainda estão em minha câmara. Não tive tempo das descarregar, ainda.
Lucan tinha ficado imovel e a olhava como se ela houvesse acabado de lhe dizer que tinha estado jogando com amadurecidas. Seu rosto pareceu empalidecer um pouco mais ainda.
—Não somente foi ali mas sim entrou nesse lugar?
Ela se encolheu de ombros, sentindo-se culpado.
—Jesus Cristo, Gabrielle. —Baixou as pernas da cama e ficou sentado ali um momento comprido, simplesmente olhando-a. Demorou um momento em poder pronunciar as palavras.
— eles poderiam ter te matado. Dá-te conta disso?
—Mas não o fizeram —respondeu; uma pobre observação, mas um feito.
—Não é esse o tema. —passou-se as duas mãos pelo cabelo das têmporas.
— Merda. Onde está sua câmara? '
—Deixei-a no laboratório.
Lucan tomou o telefone que tinha ao lado da cama e marcou o número do intercomunicador. Gideon respondeu no outro extremo da linha.
—Né, o que há? Tudo vai bem?
—Sim —disse Lucan, mas estava olhando a Gabrielle.
— Diga a Tegan que deixe o reconhecimento do psiquiátrico de momento. Acabo-me de me interar de que temos fotos do interior.
—Sério? —fez-se uma pausa—. Ah, porra. Quer dizer que ela de verdade entrou nesse maldito lugar?
Lucan a olhou e arqueou uma sobrancelha com uma expressão como de «lhe havia dito».
—Descarrega as imagens da câmara e diga aos outros que nos reunirémos dentro de uma hora para decidir a nova estratégia. Acredito que nos economizamos um tempo crucial com isto.
—Bem. Vemo-nos as quatro.
A chamada terminou com um som do intercomunicador.
—Tegan ia voltar para o psiquiátrico?
—Sim —respondeu Lucan.
— Provavelmente era uma missão suicida, já que ele foi tão louco que insistiu em que se infiltraria sozinho esta noite para conseguir informação sobre o lugar. Embora ninguém ia convencer lhe de que não o fizesse, e muito menos eu.
Levantou-se da cama e começou a inspecionar-se algumas das bandagem. Fez um movimento que lhe abriu o penhoar, mostrando a maior parte do peito e o abdômen. As marca que tinha no peito tinham um pálido tom de henna, viam-se mais claras que a noite anterior. Agora tinham quase a mesma cor que o resto de seu corpo. Torradas e quase sem cor.
—Por que Tegan e você têm tão má relação? —perguntou-lhe sem mover a vista de cima ao atrever-se a lhe fazer essa pergunta que tinha tido na cabeça do momento em que Lucan tinha pronunciado o nome do guerreiro.
— O que aconteceu entre vocês?
Ao princípio pensou que ele não ia dizer nada. Ele continuou inspecionando as feridas, flexionando os braços e as pernas em silêncio. Então, justo no momento em que ela ia desistir, ele disse:
—Tegan me culpa de lhe haver tirado algo que era dele. Algo que ele amava. —Olhou-a diretamente agora:
— Sua companheira de raça morreu. Em minhas mãos.
—Deus santo —sussurrou ela.
— Lucan, como foi?
Ele franziu o cenho e apartou o olhar outra vez.
—As coisas eram diferentes quando Tegan e eu nos conhecemos ao principio. A maioria dos guerreiros decidia não ter nenhuma companheira porque os perigos eram muito grandes.
Naquela época, fomos muito poucos na Ordem, e proteger as nossas famílias era algo muito difícil dado que o combate nos obrigava a estar quilômetros de distância e, freqüentemente, durante muitos meses.
—E os Refúgios Escuros? Não tivessem podido lhes oferecer amparo?
—Havia menos refúgios, também. E ainda eram menos os que ouvessem arriscado a aceitar o risco de albergar a uma companheira de raça de um guerreiro. Nós e nossos seres queridos fomos um branco constante da violência dos renegados. Tegan sabia tudo isto, mas de todas formas estabeleceu um vínculo com uma fêmea. Não muito tempo depois, ela foi capturada pelos renegados. Torturaram-na. violaram-na. E antes de devolve-la ele, chuparam-lhe quase todo o sangue. Ela se haviabía ficado vazia; pior que isso, converteu-se em uma servente do renegado que a tinha destroçado.
—OH, Meu Deus —exclamou Gabrielle, horrorizada.
Lucan suspirou, como se o peso dessas lembranças fora muito para ele.
—Tegan se voltou louco de fúria. Comportou-se como um animal, assassinando tudo aquilo que encontrava ao seu passo. Acostumava a estar tão coberto de sangue que muitos pensavam que se banhava nela. Se recriava em sua fúria e, durante um ano, negou-se a aceitar o fato de que sua companheira de raça tinha perdido a cabeça para sempre. Continuou alimentándo-a de suas veias, sem querer ver sua degradação. Alimentava-se para alimentar a ela. Não lhe importava o fato de que se estava precipitando para a sede de sangue. Durante todo esse ano desafiou a lei da raça e não a tirou de seu sofrimento. Quanto a Tegan, estava-se voltando pouco a pouco em um renegado. Terei que fazer algo...
Gabrielle terminou a frase que ele tinha deixado incompleta.
—E como líder, foi tua responsabilidade entrar em ação.
Lucan assentiu com expressão triste.
—Coloquei a Tegan em uma cela de grossos muros de pedra e utilizei a espada com sua companheira de raça.
Gabrielle fechou os olhos ao perceber seu arrependimento.
—OH, Lucan...
—Tegan não foi liberado até que seu corpo ficou limpo da sede de sangue. Fizeram falta muitos meses de passar fome e de sofrer uma completa agonia para que pudesse sair da cela por seu próprio pé. Quando soube o que eu tinha feito, acreditei que tentaria me matar. Mas não o fez. Tegan que eu conhecia não foi o que saiu dessa cela. Era alguém muito mais frio. Nunca o há dito, mas sei que me odeia desde esse momento.
—Não tanto como você odeia a você mesmo.
Ele tinha as mandíbulas apertadas com força e uma expressão tensa no rosto.
—Estou acostumado a tomar decisões difíceis. Não tenho medo de assumir as tarefas mais duras, nem de ser o objetivo da raiva, inclusive do ódio, por causa das decisões que tomo para a melhora da raça. Importa-me um nada tudo isso.
—Não, não é verdade —disse ela com suavidade—. Mas teve que fazer mau a um amigo, e isso foi um grande peso para ti durante muito, muito tempo.
Ele a olhou com intenção de discutir, mas possivelmente não tinha a força necessaria para isso. Depois de tudo pelo que tinha passado se sentia cansado, destroçado, embora Gabrielle não acreditava que ele estivesse disposto a admiti-lo, nem sequer ante ela.
—Você é um homem bom, Lucan. Tem um coração muito nobre debaixo dessa dura armadura.
Ele emitiu um grunhido irônico.
—Somente alguém que me conheça desde umas poucas semanas atrás pode cometer o engano de pensar isto.
—De verdade? Pois eu conheço uns quantos aqui que lhe diriam o mesmo. Incluindo Conlan, se estivesse vivo.
Ele franziu o cenho com expressão atormentada.
—O que sabe você disso?
—Danika me contou o que fez por ele. Que lhe levou acima durante a saída do sol. Para lhe honrar, queimou-te.
—Jesucristo —exclamou ele em tom cortante, ficando imediatamente em pé. Começou a caminhar acima e abaixo em um estado de grande excitação e ao final se deteve repentinamente ao lado da cama. Falou com voz rouca, como um rugido quase incontrolável.
— A honra não teve nada que ver com isso. Quer saber por que o fiz? Foi por um terrível sentimento de culpa. A noite da bomba na estação de trem eu tinha que ter estado cumprindo com essa missão ao lado do Niko, e não Colan. Mas não te podia tirar de minha cabeça. Pensei que, possivelmente, se te tinha. .. se finalmente entrava dentro de você... isso satisfaria minha ânsia e poderia continuar adiante, te esquecer. Assim que essa noite fiz que Conlan fora em meu lugar. Tivesse tido que ser eu, e não Conlan. Tinha que ter sido eu.
—Meu Deus, Lucan. É incrível. Sabia? —Deixou cair as mãos com força em cima da mesa e emitiu uma gargalhada furiosa.
— por que não pode te relaxar um pouco?
Essa reação incontrolada lhe chamou a atenção como nenhuma outra coisa o tinha feito. Deixou de caminhar de um lado a outro e a olhou.
—Você sabe por que —repôs com tom tranqüilo agora.
— Você sabe melhor que ninguém. —Meneou a cabeça com uma expressão de desgosto consigo mesmo nos lábios.
— Resulta que Eva também sabia algo à respeito.
Gabrielle recordou a impactem cena da enfermaria. Todo mundo se tinha ficado horrorizado ante os atos da Eva, e assombrado pelas loucas acusações contra Lucan. Todos menos ele.
—Lucan, o que ela disse...
—Tudo é certo, tal e como você mesma viu. Mas você ainda me defendeu. Foi a segunda vez que ocultaste minha debilidade ante outros. —Franziu o cenho e girou a cara.
— Não vou pedir te que o faça outra vez. Meus problemas são minha coisa.
—E precisa solucioná-los.
—O que preciso é me vestir e jogar uma olhada a essas imagens que Gideon está descarregando. Se nos oferecerem a informação suficiente sobre a distribuição do psiquiátrico, podemos atacar esse lugar esta noite.
—O que quer dizer, atacá-lo esta noite?
—Acabar com ele. Fechá-lo. Fazê-lo voar pelos ares.
—Não é possível que fale a sério. Você mesmo há dito que possívelmente esteja cheio de renegados. De verdade crie que você e três tipos mais vão sobreviver se lhes enfrentam a um número desconhecido deles?
—Temos feito antes. E seremos cinco —disse, como se isso o fosse distinto.
— Gideon há dito que quer participar do que façamos. Vai ocupar o lugar de Rio.
Gabrielle se burlou, incrédula.
—E o que me diz de você? Quase não te tem em pé.
—Estou caminhando. Estou o bastante bem. Eles não esperam que contrataquemos tão logo, assim é o melhor momento para dar o golpe.
—Deve ter perdido a cabeça. Precisa descansar, Lucan. Não está em condições de fazer nada até que não recupere a força. Precisa te curar. —Observou que ele apertava as mandíbulas: um tendão lhe marcou por debaixo de uma de suas esbeltas bochechas. A expressão de seu rosto era mais dura do habitual, seus rasgos pareciam muito afilados.
— Não pode sair aí fora tal como está.
—Hei dito que estou bem.
Pronunciou as palavras precipitadamente e em um tom rouco e gutural. Voltou a olhá-la e seus olhos chapeados se viam atravessados por umas brilhantes línguas de cor âmbar, como se o fogo lambesse o gelo.
—Não o está. Nem muito menos. Precisa te alimentar. Seu corpo sofreu muito ultimamente. Precisa te nutrir.
Gabrielle sentiu que uma onda fria alagava a habitação e soube que próvinha dele. Estava provocando sua fúria. Lhe tinha visto em seus piores momentos e tinha vivido para contá-lo, mas possivelmente agora estava pressioando muito. dava-se conta de que ele estava inquieto e tenso e de que se controlava com força desde que a tinha levado a complexo. Agora ele estava no fio, perigosamente; de verdade queria ser ela quem lhe empurrasse ao outro lado da linha de seu autocontrole?
«A merda.» Possivelmente era isso o que fazia falta.
—Tem o corpo destroçado agora, Lucan, não somente por causa das feridas. Está débil. E tem medo.
—Medo. —Dirigiu-lhe um olhar frio e depreciativo, com um sarcasmo gelado.
— Do que?
—De você mesmo, para começar. Mas acredito que inclusive tem mais medo de mim.
Ela esperava uma refutação foto instantânea, fria e desagradável, acorde com a sombria raiva que emanava dele como a gelada. Mas ele não disse nada. Olhou-a durante um comprido momento, logo se deu a volta e se alojo, um pouco tenso, em direção a um armário alto que havia ao outro extremo da habitação.
Gabrielle permaneceu sentada no chão e lhe observou abrir abruptamente as gavetas, tirar umas roupas e as lançar sobre a cama.
—O que está fazendo?
—Não tenho tempo de discutir isto contigo. Não tem sentido.
Um armário alto que continha armas se abriu antes de que ele o tocasse: suas comporta se deslizaram ao redor das dobradiças com uma violenta sacudida. ele se aproximou a passo lento e estirou uma prateleira dobradiça. Em cima da superfície de veludo da prateleira havia pelo menos uma dúzia de adagas e outras armas brancas de aspecto letal ordenadas em filas. Com um gesto descuidado, Lucan tomou duas grandes facas embainhadas em pele. Abriu outro das prateleiras e escolheu uma pistola de aço inoxidável gentil que parecia saída de um terrível filme de ação.
— Como você não gosta do que estou dizendo vais sair fugindo? —ele nem a olhou nem soltou nenhuma maldição como resposta. Não, ignorou-a por completo, e isso a tirou de gonzo completamente.
— Adiante, pois. Finge que é invencível, que não está morto de medo de deixar que alguem se preocupe de ti. Escapa de mim. Isso somente demonstra que tenho razão.
Gabrielle sentiu uma absoluta desesperança enquanto Lucan tirava a munição do armário e a introduzia no carregador da pistola. Nada do que ela pudesse dizer ia deter lhe. Sentia-se necessitada, como se intentasse rodear com os braços uma tormenta.
Apartou o olhar dele e dirigiu os olhos a mesa frente à qual estava sentada, Aos pratos e aos talheres que tinha diante. Viu uma faca limpa em cima da mesa; polida a folha brilhava.
Não podia lhe reter com palavras, mas havia outra coisa...
Subiu a manga larga da bata. Com muita tranqüilidade, com a mesma determinação atrevida de que se valeu centenas de vezes anteriormente, Gabrielle tomou a faca e apertou o fio contra a parte mais carnuda de seu antebraço. Realizou pouca pressão, um muito ligeiro corte sobre sua pele.
Não soube qual dos sentidos de Lucan foi o que reagiu primeiro, mas levantou a cabeça imediatamente e soltou um rugido. Ela se deu conta de que o que tinha feito ressonava em cada um dos móveis da habitação.
—Maldita seja... Gabrielle!
A folha saiu voando de sua mão, chegou ao outro extremo da habitação e foi cravar se até o punho na parede mais afastada da mesma.
Lucan se moveu com tanta rapidez que ela quase não pôde perceber seus movimentos. Um momento antes ele tinha estado em pé a uns metros de distância da cama e ao cabo de um instante uma de suas enormes mãos lhe sujeitava os dedos e atirava dela para que ficasse em pé. O sangue emanava pela fina linha do corte, suculenta, de uma profunda cor carmesí, e gotejava ao longo de seu braço. A mão de Lucan ainda sujeitava com força a sua.
Ele, ao seu lado, parecia uma muito alta torre escura e ardente de fúria.
O peito agitado, as fossas nasais dilatadas enquanto seu fôlego saía e entrava em seus pulmões. Seu formoso rosto estava contraído por causa da angústia e a indignação, e seus olhos ardiam com o inconfundível calor da sede. Não ficava nem rastro de sua cor cinza e suas pupilas se esgotaram formando duas finas linhas negras. As presas lhe haviam alargado e as pontas, afiadas e brancas, brilhavam por debaixo do depravaso sorriso de seus lábios.
—Agora tenta dizer que não necessita o que te estou oferecendo —lhe sussurrou ela com ferocidade.
O suor aparecia a frente enquanto observava a ferida fresca e o sangue. Lambeu-se os lábios e pronunciou uma palavra em outro idioma.
Não soou amistosa.
—por que? —perguntou, em tom acusador.
— Por que me faz isto?
—De verdade não sabe? —Lhe agüentou o furioso olhar, acalmando sua raiva enquanto umas gotas de sangue salpicavam com uma cor carmesí a brancura da bata.
— Porque te amo, Lucan. E isto é quão único posso te dar.
Capítulo vinte e nove
Lucan acreditava que sabia o que era a sede. Acreditava que conhecia a fúria e o desespero —o desejo, também— mas todas as míseras emoções que tinha sentido durante sua eterna vida se desfizeram como o pó quando olhou aos desafiantes olhos marrons de Gabrielle.
Tinha os sentidos embargados, afogados no doce aroma de jasmim de seu sangue, essa fonte perigosamente perto de seus lábios. De um brilhante cor vermelha, denso como o mel, um fio carmesim brotava pela pequena ferida que ela se fez.
—Amo-te, Lucan. —Sua suave voz se abriu passo Através do som dos batimentos do coração de seu próprio coração e da imperiosa necessidade que agora lhe atendia.
— Com ou sem vínculo de sangue, amo-te.
Ele não podia falar, nem sequer sabia o que houvesse dito se sua garganta seca tivesse sido capaz de emitir alguma palavra. Com um grunhido selvagem, separou-a dele, muito fraco para permanecer ao lado dela agora que sua parte escura lhe empurrava a fazê-la sua dessa forma firme e errevogavel.
Gabrielle caiu sobre a cama; a bata com muita dificuldade cobria sua nudez. Umas brilhantes mancha lhe salpicavam a manga branca e a lapela. Tinha outra mancha vermelha sobre a coxa, de uma vivido cor escarlate que contrastava com o tom de sua pele.
Deus, como desejava levar os lábios até essa sedosa ferida na carne, e por todo seu corpo. Somente o seu.
«Não.»
A ordem lhe saiu em um tom tão seco como as cinzas. Sentia o ventre atendido pela dor, retorcido e como cheio de nós. O fazia desfalecer. Os joelhos lhe falharam assim que tentou dár a volta para apartar essa imagem tentadora dela, aberta e sangrando, como um sacrificio devotado a ele.
Deixou-se cair sobre o tapete do chão, uma massa inerte de músculo e ossos, lutando contra uma necessidade que não tinha conhecido até esse momento. Lhe estava matando. Esta ânsia dela, como se sentia desgarrado ao pensar que ela podia estar com outro macho.
E além disso, a sede.
Nunca tinha sido tão intensa como quando Gabrielle estava perto. E agora que seus pulmões se encheram com o perfume de seu sangue, sua sede era devoradora.
—Lucan...
Ele percebeu que ela se separava da cama. As suaves pisadas de seus pés soaram no tapete e estes apareceram lentamente ante sua vista, as unhas pintadas como a fina laca de umas conchas. Gabrielle se agachou ao seu lado. Ele sentiu a suavidade da mão dela em seu cabelo, e logo a sentiu sob seu queixo, levantando a cabeça para lhe olhar ao rosto.
—Bebe de mim.
Ele apertou os olhos com força, mas foi um intento débil de rechaçar o que lhe oferecia. Não tinha a força necessária para lutar contra a força tenra e incessante dos braços dela, que agora lhe atraíam para si.
Lucan cheirava o sangue no pulso dela: cheiraria tão de perto lhe despertou uma furiosa corrente de adrenalina que lhe atravessou. A boca lhe fez água, as presas lhe alargaram mais, esticando as gengivas. Provocou mais lhe levantando o torso do chão. Com uma mão se apartou o cabelo a um lado tirando o chapéu o pescoço para ele.
Ele se removeu, mas lhe sujeitou com firmeza. Atraiu-lhe mais para ela.
—Bebe, Lucan. Toma o que necessite.
Inclinou-se para frente até que somente houve um sopro de ar entre os relaxados lábios dele e o delicado pulso que pulsava debaixo a pele pálida debaixo de sua orelha.
—Faz-o —sussurrou ela, e lhe atraiu para si.
Pressionou os lábios com força contra seu pescoço.
Ele agüentou nessa posição durante uma eternidade de angústia. Mas somente demorou uma fração de segundo em pôr a ceva. Lucan não estava seguro. Do único que era consciente era do quente contato da pele dela em sua língua, do batimento do coração de seu coração, da rapidez de sua respiração. Do único que era consciente era do desejo que sentia por ela.
Não ia rechaçar o mais.
Desejava-a, desejava-o tudo dela, e a besta se desatou e já era impossível ter piedade.
Abriu a boca... e cravou as presas na flexível carne de seu pescoço.
Ela afogou uma exclamação ao sentir a repentina penetração de seus dentes, mas não lhe soltou, nem sequer quando notou que ele tragava pela primeira vez o sangue de sua veia aberta.
O sangue se precipitou dentro da boca de Lucan, quente e com um sabor terroso, delicioso. Era muito superior Ao que teria imaginado nunca.
Depois de viver durante novecentos anos, finalmente sabia o que era o céu.
Bebeu com urgência, em quantidade, com uma sensação de necessidade que lhe transbordava enquanto saciava do sangue da Gabrielle lhe descia pela garganta e penetrava a carne, os ossos e as células. O pulso acelerou, sentiu-se renascer, o sangue voltou a correr pelas pernas e lhe curou as feridas.
O sexo tinha despertado com o primeiro sorvo; agora pulsava com força entre as pernas. Exigia inclusive uma maior posse.
Gabrielle lhe acariciava o cabelo, sujeitava-lhe contra ela enquanto ele bebia. Gemeu com cada uma das chupadas de seus lábios, sentia que lhe desfazia o corpo. Seu aroma se fez mais escuro e úmido A causa do desejo.
—Lucan —disse quase sem fôlego, estremecendo-se.
— OH, Deus...
Com um grunhido sem palavras, empurrou-a contra o chão, debaixo dele. Bebeu mais, perdendo-se no erótico calor do momento com uma desesperada e frenezi que lhe aterrorizou.
«Minha», pensou, sentindo-se profundamente selvagem e egoísta.
Agora era muito tarde para deter-se.
Esse beijo lhes tinha amaldiçoado aos dois.
Enquanto que a primeira dentada lhe tinha provocado uma comoção, a aguda dor se dissipou rapidamente para converter-se em uma sensação suntuosa e embriagadora. Sentiu o corpo alagado pelo prazer, como se cada larga chupada dos lábios de Lucan lhe injetasse uma corrente de calidez no corpo que lhe chegava até o mesmo centro e lhe acariciava a alma.
ele a levou até o chão com ele, as batas se entreabriram e a cobriu com seu corpo nu. Notou as mãos dele, ásperas, que lhe sujeitavam a cabeça para um lado enquanto bebia dela. Sem fazer caso da dor que as feridas lhe pudessem estar fazendo, pressionou seu peito nu contra seus peitos. Seus lábios não se separaram de seu pescoço nem um momento. Gabrielle sentia a intensidade da necessidade dele a cada chupada.
Mas sentia sua força, também. Estava-a recuperando, pouco a pouco, graças a ela.
—Não te detenha —murmurou ela, pronunciando com lentidão por causa do êxtase que crescia em seu interior a cada movimento de seus lábios.
— Não vais fazer me danifico, Lucan. Confio em ti.
O som úmido e voraz que provocava sua sede era o mais erótico que tinha conhecido nunca. Adorava sentir o calor dos lábios dele em cima de sua pele. Os arranhões que lhe provocavam as presas dele enquanto se enchia a boca com seu sangue lhe resultavam perigosos e excitantes.
Gabrielle já se deslizava para um orgasmo dilacerador no momento em que notou a grosa cabeça da ereção de Lucan lhe pressionando o sexo. Estava úmida, desejando dolorosamente. Ele a penetrou com uma investida que a encheu por completo com um calor vulcânico e potente que detonou dentro dela ao cabo de um instante. Gabrielle gritou enquanto ele a investia com força e depressa, sentindo os braços dele que a aprisionavam, apertando-a com força. Investia a um ritmo amalucado, empurrado por uma força de puro e magnífico desejo.
Mas permaneceu grudado em seu pescoço, empurrando-a para uma doce e feliz escuridão.
Gabrielle fechou os olhos e se deixou flutuar envolta em uma formosa nuvem de cor obsidiana.
Como desde muito longe notou que Lucan se retorcia e investia em cima de seu corpo com urgência, que todo seu corpo vibrava pela potência do climax. Emitiu um grito áspero e ficou completamente imovel.
A deliciosa pressão no pescoço se afrouxou de forma abrupta e logo depois desapareceu, deixando uma grande frieza a seu passo.
Gabrielle, que ainda se sentia alagada pela embriaguez de notar a Lucan dentro dela, levantou as pálpebras, pesados. Lucan estava colocado de joelhos em cima dela e a olhava como se ficou gelado. Tinha os lábios de um vermelho brilhante e o cabelo revolto. Seus olhos selvagens lançavam brilhos de cor âmbar, de tão brilhantes. A cor de sua pele parecia mais saudável e o labirinto de marcas que lhe cobriam os ombros e o torso tinha um brilho de um tom carmesim escuro.
—O que acontece? —perguntou-lhe, preocupada—. Está bem?
Ele não falou durante um comprido momento.
—Jesucristo. —Sua voz grave soou como um grunhido trêmulo, de uma forma que não lhe tinha ouvido antes. Tinha o peito agitado.
— Acreditei que estava... acreditei que te havia...
—Não —lhe disse ela, fazendo um gesto negativo com a cabeça e com uma expressão preguiçosa e saciada.
— Não, Lucan. Estou bem.
Ela não compreendeu o que significava a expressão intensa dele, mas ele não a ajudou. separou-se dela. Seus olhos, que se tinham transformado, mostravam uma expressão de dor.
Gabrielle sentia o corpo frio e vazio sem o calor dele. sentou-se e se esfregou para fazer-se passar um repentino calafrio.
—Está bem —lhe tranqüilizou—. Tudo está bem.
—Não. —O negou com a cabeça e ficou em pé—. Não. Isto foi um equívoco.
—Lucan...
—Não devi ter permitido que isto acontecesse! —gritou.
Emitiu um grunhido de fúria e se dirigiu aos pés da cama para agarrar suas roupas. Colocou uma calça de camuflagem negra e uma camiseta de algodão, logo tomou suas armas e suas botas e abandonou a habitação com uma fúria tempestuosa e ardente.
Lucan quase não podia respirar por causa da força com que o coração lhe pulsava no peito.
No momento em que sentiu que Gabrielle ficava inerte debaixo dele enquanto ele bebia dela, atravessou-lhe um medo descarnado que o desgaro por completo.
Enquanto ele bebia febrilmente de seu pescoço, lhe havia dito que confiava nele. Sentiu que o incentivo da sede de sangue lhe aguilhoava o corpo enquanto o sangue de Gabrielle lhe enchia. O som de sua voz tinha suavizado a dor, em parte. Ela se tinha mostrado tenra e cuidadosa: seu tato, sua emoção nua, sua mesma presença, tinha-lhe dado forças no momento em que sua parte animal tinha estado a ponto de tomar as rédeas.
Ela confiava em que não lhe faria mal, e essa confiança lhe tinha dado forças.
Mas então tinha notado que ela se desvanecia e temeu... Deus, quanto medo tinha sentido nesse instante.
Esse medo ainda lhe apertava, um terror escuro e frio a lhe fazer mal, a que poderia matá-la se permitia que as coisas chegassem mais longe do que o tinham feito.
Porque, por muito que ele a tivesse afastado e por muito que houvesse negado, lhe pertencia. Ele pertencia a Gabrielle, em corpo e alma, e não simplesmente pelo fato de que seu sangue lhe estivesse nutrindo nesse momento, estivesse-lhe curando as feridas e fortalecendo o corpo. Ele se tinha unido a ela muito antes desse momento. Mas a prova irrefutável disso tinha aparecido nesse funesto instante, fazia um momento, assim que temeu que podia havê-la perdido.
Amava-a.
Da parte mais profunda e solitária de si mesmo, amava a Gabrielle.
E queria tê-la em sua vida. De forma egoísta e perigosa, não havia nada que desejasse mais que tê-la ao seu lado para o resto de seus dias.
Dar-se conta disso lhe fez cambalear, ali, no corredor, diante do laboratório técnico. Na verdade, quase lhe fez cair de joelhos.
—Né, calma. —Dante se aproximou de Lucan quase sem avisar e lhe sujeitou por debaixo dos braços.
— Porra. Tem um aspecto infernal.
Lucan não podia falar. As palavras estavam além dele.
Mas Dante não necessitava nenhuma explicação. Jogou uma olhada ao seu rosto e a suas presas alargadas. As fossas nasais dilataram ao sentir o aroma de sexo e a sangue. Deixou escapar um assobio baixo e nos olhos desse guerreiro apareceu um brilho de ironia.
—Não pode ser certo... uma companheira de sangue, Lucan? — riu, meneando a cabeça enquanto lhe dava umas palmadas a Lucan no ombro.
— Porra. Melhor que seja você e não eu, irmão. Melhor você que eu.
Capítulo trinta
Três horas mais tarde, quando a noite era completa ao seu redor, Lucan e os outros guerreiros se encontravam preparados e sentados em um veículo de vigilância negro na rua, a uns oitocentos metros do velho psiquiátrico.
As fotografias de Gabrielle tinham sido de grande utilidade para planejar o golpe contra a guarita dos renegados. Além de várias fotografias exteriores do ponto de acesso da planta baixa, fez fotos interiores da habitação das caldeiras, de vários corredores, de escadas e inclusive algumas que inadvertidamente mostravam umas câmeras de segurança a rede que teriam que ser desativadas quando os guerreiros ganhassem acesso a esse lugar.
—Entrar vai ser a parte fácil —disse Gideon, enquanto o grupo estava a revisar por última vez a operação.
— Interromperei o sinal de segurança das câmeras da planta baixa mas, quando estivermos dentro, colocar essas duas dúzias de barras de C4 nos pontos críticos sem alertar a toda a colônia de chupões vai ser um pouco mais difícil.
—Por não mencionar o problema da publicidade não desejada dos humanos —disse Dante.
— O que é o que está fazendo que Niko tarde tanto em localizar esses tubos de gás?
—Aí vem —disse Lucan, ao ver a figura escura do vampiro que se acercava ao veículo de vigilância da fila de árvores da rua.
Nikolai abriu a porta traseira e subiu depois de Tegan. tirou o capuz negro e seus invernais olhos azuis faiscaram de excitação.
—É um caramelo. A linha principal está em uma caixa do extremo leste do complexo. Possivelmente esses chupões não necessitem calefação, mas o serviço público lhes subministra um montão de gás.
Lucan olhou os olhos ansiosos do guerreiro.
—Então entramos, deixamos nossos presentes, limpamos o lugar...
Niko assentiu com a cabeça.
—Me façam um sinal quando a merda esteja em seu lugar. Moverei o tubo principal e logo farei detonar o C4 quando todos estejam aqui de volta. Aparentemente será como se uma fuga de gás tivesse causado a explosão. E se os corpos de segurança querem meter-se nisto, estou seguro de que as fotos de Gabrielle dos grafites dos grupos farão que esses humanos farejem em círculos durante um tempo.
Enquanto, os guerreiros teriam mandado uma importante mensagem a seus inimigos, especialmente ao vampiro de primeira geração que Lucan suspeitava se encontrava ao mando desta nova sublevação dos renegados. Fazer voar o quartel general seria um convite suficiente para que esse bode saísse ao ar livre e começasse a dançar.
Lucan estava ansioso por começar. Inclusive estava mais ansioso por terminar com a missão dessa noite porque tinha um assunto por terminar quando voltasse para o complexo. Odiava ter deixado a Gabrielle dessa maneira e sabia que ela devia sentir-se confusa e, provavelmente, mais que inquieta.
Ficaram coisas por dizer, seguro, coisas nas que ele não tinha estado preparado para pensar muito e, muito menos, para as falar com ela nesse momento em que a surpreendente realidade de seus sentimentos por ela assaltou.
Agora tinha a cabeça cheia de planos.
Planos imprudentes, estúpidos e esperançosos, todos eles centrados nela.
No interior do veículo, ao seu redor, outros guerreiros estavam comprovando seu equipamento, carregando as barras de C4 dentro de bolsas com cremalheiras e realizando os ajustes finais aos auriculares e os micros que lhes permitiriam estar em contato uns com os outros quando chegassem ao perímetro do psiquiátrico e se separassem para colocar os explosivos.
—Esta noite vamos fazer isto por Rio —disse Dante_ enquanto fazia voltear suas facas curvadas entre os dedos enluvados e os introduzia nas capas que levava no quadril.
— Chegou o momento da vingança.
—Porra, sim —respondeu Niko, ao qual outros se ecoaram.
Quando se dispunham a sair pelas portas, Lucan levantou uma mão.
—Um momento. —A tristeza de seu tom de voz lhes fez deter-se.
— Há uma coisa que têm que saber. Dado que estamos a ponto de entrar aí e que é provável que nos dêem uma boa surra, suponho que este é um momento tão bom como qualquer outro para ser claro com vocês a respeito de um par de coisas... e necessito que cada um de vocês me façam uma promessa.
Olhou os rostos de seus irmãos, esses guerreiros que tinham estado lutando ao seu lado durante tanto tempo que parecia uma eternidade. Eles sempre lhe tinham cuidadoso como à um líder, tinham crédulo nele para que tomasse as decisões mais difíceis, sempre se tinham sentido seguros de que ele saberia como decidir uma estratégia ou como tomar uma decisão.
Agora duvidava, sem saber por onde começar. Esfregou-se a mandíbula e deixou escapar um forte suspiro.
Gideon lhe olhou com o cenho franzido e expressão de preocupação.
—Vai tudo bem, Lucan? Recebeu um bom golpe na emboscada da outra noite. Se não quiser participar disto...
—Não. Não é isso. Estou bem. Minhas feridas estão curadas... graças a Gabrielle —disse.
— Faz um momento, hoje, ela e eu...
—Não me diga —respondeu Gideon ao ver que Lucan se interrompia. Foder com o vampiro, mas estava .
—Bebeste dela? —perguntou Niko.
Tegan soltou um grunhido do assento traseiro.
—Essa fêmea é uma companheira de raça.
—Sim —respondeu Lucan com calma e seriedade—. E se me permitir isso, lhe vou pedir que me aceite como companheiro.
Dante lhe olhou, zombador, com uma expressão de risonha exasperação.
—Felicidades, cara. De verdade.
Gideon e Niko responderam de maneira similar e lhe deram umas palmada nas costas.
—Isso não é tudo.
Quatro pares de olhos se cravaram nele: todo mundo lhe olhava na espera séria exceto Tegan.
—A outra noite, Eva tinha umas quantas coisas que dizer de mim... —Imediatamente se levantaram uns protestos por parte de Gideon, Niko e Dante. Lucan continuou falando apesar dos grunhidos de irritação.
— A traição a Rio e a nós é indesculpável, sim. Mas o que disse de mim... era a verdade.
Dante lhe olhou com suspicácia.
—Do que está falando?
—Da sede de sangue —respondeu Lucan. A palavra soou com força no silêncio do interior do veículo.
— É... bom, é um problema para mim. È a muito tempo tempo. Estou-o dirigindo, mas algumas vezes... —Baixou a cabeça e olhou ao chão do veículo.
— Não sei se poderei vencê-la. Possivelmente, com Gabrielle a meu lado, possivelmente tenha uma oportunidade. Vou lutar como um demônio, mas se piorar...
Gideon cuspiu uma obscenidade.
—Isso não vai acontecer, Lucan. De todos os que estamos aqui sentados, você é o mais forte. Sempre o foste. Nada te pode tombar.
Lucan negou com a cabeça.
—Já não posso continuar fingindo que sou o que sempre controla. Estou cansado. Não sou invencível. Depois de novecentos anos de viver com esta mentira, Gabrielle não demorou nem duas semanas em desmascarar-me. Obrigou-me a ver como sou de verdade. Eu não gosto muito o que vejo, mas quero ser melhor... por ela.
Nico franziu o cenho.
—Porra, Lucan. Está falando de amor?
—Sim —disse ele com solenidade.
— Eu estou fazendo. A amo. E é por isso que tenho que lhes pedir uma coisa. A todos.
Gideon assentiu.
—Diga-o.
—Se as coisas ficarem feias comigo... em algum momento, logo, ou na rua... tenho que saber que conto com vocês, meninos, para que me apóiem. Se virem que me perco na sede de sangue, se creem que vou voltar me... Necessito sua palavra de que vão acabar comigo.
—O que? —exclamou Dante.
— Não pode nos pedir isso, cara.
—Me escutem. —Não estava acostumado a suplicar. Pronunciar essa petição era como suportar cascalho na garganta, mas tinha que faze-lo. Estava cansado de suportar sozinho esse peso. E o último que desejava era ter medo de que em um momento de debilidade pudesse lhe fazer algum mal a Gabrielle.
— Tenho que ouvir seus juramentos. O de cada um de vocês. Prometam-me isso .
—Merda —disse Dante, lhe olhando boquiaberto. Mas ao final assentiu com a cabeça e com expressão grave.
— Sim. De acordo. Está fodidamente louco, mas de acordo.
Gideon meneou a cabeça, logo levantou o punho e fez chocar os nodulos contra os de Lucan.
—Se isso for o que quer, tem-no. Juro-lhe isso, Lucan.
Niko pronunciou sua promessa também:
—Esse dia não chegará nunca, mas se o faz, sei que você fara o mesmo por qualquer de nós. Assim sim, tem minha palavra.
O qual deixava somente a Tegan por fazê-lo, que se encontrava sentado no assento traseiro com atitude estóica.
—E você, Tegan? —perguntou Lucan, dando-a volta para olhar aos olhos verdes e impassíveis.
— Posso contar contigo nisto?
Tegan lhe olhou larga e silenciosamente com atitude pensativa.
—Claro, cara. Porra, o que diga. Se te converter nisso, estarei em primera linha para acabar contigo.
Lucan assentiu com a cabeça, satisfeito, e olhou os rostos sérios de seus irmãos.
—Jesus —exclamou Dante quando o denso silêncio do veículo lhe fez interminável.
—Todo este sentimentalismo me está pondo impaciente por matar. Que tal se deixarmos de nos fazer palhas e vamos fazer voar o teto a esses chupões?
Lucan sorriu em resposta ao sorriso arrogante do vampiro.
—Vamos a isso .
Os cinco guerreiros da raça, vestidos de negro da cabeça aos pés, saíram do veículo como um só homem e começaram a aproximar-se sigilosamente ao psiquiátrico, ao outro lado das árvores, banhados pela luz da lua.
Capítulo trinta e um
— Vamos, vamos. Abra, porra!
Gabrielle estava sentada ante o volante de um cupé BMW negro e esperava com impaciência a que a enorme porta de entrada do terreno do complexo se abrisse e a deixasse sair. Desgostava-lhe que a tivessem obrigado a levar o carro sem permissão, mas depois do que tinha acontecido com Lucan estava desesperada por partir. Dado que todo o terreno estava rodeado por uma cerca elétrica de alta voltagem, somente ficava uma alternativa.
Já pensaria em alguma maneira de devolver o carro uma vez estivesse em casa.
Uma vez que se encontrasse de volta ao lugar ao que verdadeiramente pertencia.
Essa noite tinha dado a Lucan tudo o que tinha podido, mas não era suficiente. Preparou-se a si mesmo para a eventualidade de que ele a apartasse e resistisse a seus intentos de lhe amar, mas não havia nada que pudesse fazer se ele decidia rechaçá-la. Como tinha feito essa noite.
Tinha-lhe dado seu sangue, seu corpo e seu coração, e ele a havia rechaçado.
Agora já não ficava energia.
Já não podia lutar.
Se ele estava tão decidido a permanecer sozinho, quem era ela para obriga-lo a trocar? Se ele queria isolar-se, tinha muito claro que não ia ficar ali para esperar a vê-lo.
Iria à casa.
Ao fim, as pesadas portas de ferro se abriram e permitiram lhe sair. Gabrielle acelerou e saiu a toda velocidade para a rua silenciosa e escura. Não tinha uma idéia muito clara de onde se encontrava até que, depois de conduzir uns três quilômetros, encontrou-se em um cruzamento conhecido. Girou a esquerda pelo Charles Street em direção a Beacon Hill e se deixou conduzir, aturdida, pelo piloto automático.
Quando estacionou o carro na esquina de fora de seu apartamento, seu edifício lhe pareceu muito mais pequeno. Seus vizinhos tinham as luzes acesas mas, apesar do resplendor dourado no ambiente, esse edifício de tijolo lhe pareceu sombrio.
Gabrielle subiu as escadas da fachada e procurou as chaves no bolso. A mão tropeçou com uma pequena adaga que levou do armário das armas de Lucan: a tinha levado como defesa em caso de que se encontrasse com problemas em seu caminho a casa.
Quando entrou e acendeu a luz do vestíbulo, o telefone estava soando. Deixou que a secretária eletrônica respondesse e se deu a volta pra fechar todos os ferrolhos e passadores da porta.
Da cozinha ouviu a voz entrecortada da Kendra que lhe deixava uma mensagem.
—É de muito má educação por sua parte me ignorar desta maneira, Gabby. —A voz de seu amiga soava extranhamente estridente. Estava zangada.
— Tenho que ver-te. É importante. Você e eu temos que falar, de verdade.
Gabrielle se dirigiu a sala de estar e notou todos os espaços vazios que tinham ficado depois de que Lucan tivesse tirado as fotografias das paredes. Parecia que tinha passado um ano da noite em que ele foi a seu apartamento e lhe contou a assombrosa verdade a respeito de si mesmo e da batalha que estava fazendo estragos entre os de sua classe.
«Vampiros», pensou, surpreendida ao dar-se conta de que essa palavra já não a surpreendia.
Provavelmente havia muito poucas coisas que pudessem surpreendê-la já nesses momentos.
E já não tinha medo de perder a cabeça, como lhe tinha acontecido a sua mãe. Inclusive essa trágica história tinha cobrado um significado novo agora. Sua mãe não estava louca absolutamente. Era uma moça aterrorizada que se viu apanhada em uma situação violenta que muito poucos humanos seriam capazes de conceber.
Gabrielle não tinha intenção de permitir que essa mesma situação violenta a destruíra. Pelo menos agora estava em casa e já pensaria em alguma maneira de recuperar sua antiga vida.
Deixou a bolsa em cima da mesa e foi até o contestador automático. O indicador de mensagens piscava e mostrava o número dezoito.
—Deve ser uma brincadeira —murmurou, apertando o botão de reprodução.
Enquanto a máquina ficava em funcionamento, Gabrielle se dirigiu ao banho para inspecionar o pescoço. A mordida que Lucan havia lhe dado debaixo da orelha tinha um brilho vermelho escuro e se encontrava ao lado da lágrima e da lua crescente que a assinalavam como companheira de raça. Tocou-se as duas ferroadas e o hematoma que Lucan lhe tinha deixado mas se deu conta de que não lhe doíam absolutamente. A dor surda e vaziu que sentia entre as pernas era o pior, mas inclusive este empalidecia comparado com a fria crueldade que lhe instalava no peito cada vez que recordava como Lucan se apartou dela essa noite, como se ela fosse um veneno. Como tinha saído da habitação, cambaleando-se, como se não pudesse apartar-se dela com a rapidez suficiente.
Gabrielle abriu a água e se lavou, vagamente consciente das mensagens que soavam na cozinha. Para ouvir a quarta ou quinta mensagem, deu-se conta de que havia algo estranho.
Todas as mensagens eram da Kendra, e os tinha deixado todos durante as últimas vinte e quatro horas. Uma depois da outra, e entre algumas delas não havia mais que cinco minutos de diferença.
Sua voz tinha adquirido um tom grandemente mais amargo da primeira mensagem em que, em tom despreocupado e alegre, havia-lhe próposto sair e comer ou a tomar uma taça ou algo que queria. Logo, o convite tinha adquirido um tom mais insistente: Kendra dizia que tinha um problema e que necessitava que Gabrielle a aconselhase.
Nas duas últimas mensagens lhe tinha exigido de forma áspera que lhe respondesse logo.
Gabrielle correu até a bolsa e comprovou as mensagens da secretaria de voz do telefone celular: encontrou-se com o mesmo.
Com as repetidas chamadas da Kendra.
Com seu estranho tom ácido de voz.
Um calafrio lhe percorreu as costas ao recordar a advertência de Lucan a respeito da Kendra: se ela tinha caido vítima dos renegados, já não era amiga dela. Era como se estivesse morta.
O telefone começou a soar outra vez na cozinha.
—OH, Meu deus —exclamou, atendida por um terror crescente.
Tinha que sair dali.
Um hotel, pensou. Algum lugar longínquo. Algum lugar onde pudesse ocultar-se durante um tempo e decidir o que fazer.
Gabrielle tomou a bolsa e as chaves do BMW virtualmente correndo para a porta. Abriu as fechaduras e girou a maçaneta. Assim que a porta se abriu se encontrou ante um rosto que em outro momento tinha sido amistoso.
Agora estava segura de que era o rosto de um servente.
—Vai a algum lugar, Gabby? —Kendra se apartou o telefone celular do ouvido e o desligou. O timbre do telefone da casa deixou de soar. Kendra sorriu fracamente com a cabeça inclinada em um estranho ângulo.
— Ultimamente, é terrivelmente difícil de localizar.
Gabrielle se estremeceu de dor ao ver esses olhos vazios e perdidos que não piscavam.
—Me deixe passar, Kendra. Por favor.
A morena riu com uma gargalhada estridente que se apagou em um vaio surdo.
—Sinto muito, carinho. Não posso fazê-lo.
—Está com eles, verdade? —disse-lhe Gabrielle, adoecendo só de pensar.
— Está com os renegados. Meu Deus, Kendra, o que lhe têm feito?
—Te cale —repôs ela, com um dedo sobre os lábios e meneando a cabeça.
— Não falemos mais. Agora temos que ir.
Assim que a servente alargou a mão para ela, Gabrielle se apartou. Recordou a adaga que levava na bolsa e se perguntou se poderia tirá-la sem que Kendra se desse conta. E se conseguia fazê-lo, seria capaz de utilizá-la contra sua amiga?
—Não me toque —lhe disse, enquanto deslizava os dedos lentamente por debaixo da lapela de pele da bolsa.
— Não vou a nenhuma parte contigo.
Kendra lhe mostrou os dentes em uma terrível imitação de um sorriso.
—OH, acredito que deveria fazê-lo, Gabby. Depois, a vida do Jamie depende de ti.
Um temor gelado lhe atendeu o coração.
-O que?
Kendra fez um gesto com a cabeça em direção aos Sedam que estava esperando. O cristal tinto de um dos guichês se abriu e alí estava Jamie, sentado no assento traseiro ao lado de um tipo enorme.
—Gabrielle? —chamou Jamie com uma expressão de pânico nos olhos.
—OH, não. Jamie não. Kendra, por favor, não permita que lhe façam mal.
—Isso é algo que está completamente em suas mãos —repôs Kendra em tom educado e lhe tirou a bolsa das mãos.
— Não vais necessitar nada do que leva aqui.
Fez um sinal a Gabrielle para que caminhasse diante dela em direção ao carro.
—Vamos?
Lucan colocou duas barras de C4 debaixo dos enormes aquecedores de água da habitação das caldeiras do psiquiátrico. Agachou-se ante o equipamento, desdobrou as antenas do transmissor e conectou o micro para informar de seu progresso.
—Habitação de caldeiras verificada —disse a Niko, que se encontrava ao outro extremo da linha.
— Tenho que colocar três unidades mais e logo sairei...
Ficou imóvel de repente, para ouvir uns passos ao outro lado da porta fechada.
—Lucan?
—Merda. Tenho companhia —murmurou em voz baixa enquanto se incorporava e se aproximava com sigilo a porta para preparar-se a golpear.
Levou-se a mão enluvada até o punho de uma perigosa faca com serra que tinha embainhado em cima do peito. Também levava uma pistola, mas todos tinham concordado que não utilizariam armas de fogo nessa missão. Não fazia falta avisar aos renegados de sua presença e além disso, dado que Niko ia desviar o tubos de fora e encher de gases o edifício, um disparo podia acender os foguetes antes do tempo.
O trinco da porta da habitação das caldeiras começou a girar.
Lucan cheirou o fedor de um renegado, e o inconfundível aroma metálico do sangue humano. Ouviu uns grunhidos animais afogados mesclados com uns golpes e com um débil lamento de uma vítima a quem lhe estavam chupando o sangue. A porta se abriu e um fortíssimo ar pútrido penetrou na habitação enquanto um renegado arrastava a seu brinquedo moribundo dentro da sala escura.
Lucan esperou a um lado da porta até que a enorme cabeça do renegado esteve plenamente ante sua vista. Esse chupão estava muito concentrado em sua presa para dar-se conta da ameaça. Lucan levantou uma mão e cravou a faca na caixa torácica do renegado. Este rugiu com as enormes mandíbulas abertas e os olhos amarelos inchados ao sentir que o titânio lhe penetrava no sistema circulatório.
O humano caiu ao chão com um golpe seco como um boneco e seu corpo se contraiu em uma série de espasmos de agonia de morte depois do corpo do renegado que se alimentou dele começava a emitir uns assobios, a tremer e a mostrar umas feridas como se o houvessem orvalhado com ácido.
Assim que o corpo do renegado teve terminado sua rápida descomposição, outro deles se aproximou correndo pelo corredor. Lucan se precipitou para frente para voltar a atacar, mas antes de que pudesse dar o primeiro golpe, o chupão se deteve em seco quando um braço negro lhe obrigou a deter-se por detrás.
Viu-se o brilho de um fio com a rapidez e a força de um raio que atravessava a garganta do renegado e separava a enorme cabeça do corpo com um corte limpo.
O enorme corpo ficou estendido no chão como um montão de lixo. Tegan se encontrava ali em pé, com sua espada gotejando sangue e seus olhos verdes, tranqüilos. Tegan era uma máquina assassina, e o gesto sério de seus lábios parecia reafirmar a promessa que lhe tinha feito a Lucan de que se a sede de sangue podia com ele, Tegan se asseguraria de que Lucan conhecesse a fúria do titânio.
Ao olhar agora a esse guerreiro, Lucan esteve seguro de que se alguma vez Tegan ia por ele, ele morreria antes de dar-se conta de que o vampiro tinha aparecido ao seu lado.
Lucan se enfrentou a esse olhar frio e letal e lhe saudou com um gesto de cabeça.
—Me diga algo —ouviu que lhe dizia Niko através do auricular—.Está bem?
—Sim. Tudo tranquilo. —Limpou a adaga com a camisa do ser humano e a voltou a embainhar. Quando voltou a levantar a vista, Tegan tinha desaparecido, desvaneceu-se como o espectro da morte que era.
—Agora dirijo aos pontos de entrada da zona norte para colocar o resto dos explosivos —disse a Nikolai enquanto saía da habitação das caldeiras e percorria o corredor vazio.
Capítulo trinta e dois
— Gabrielle, o que acontece? O que acontece com Kendra? Veio a galeria e me há dito que tinha tido um acidente e que tinha que ir com ela imediatamente. Por que me mentiu?
Gabrielle não sabia o que responder as perguntas que Jamie, ansioso, sussurrava-lhe do assento traseiro do Sedam. Afastavam-se a toda velocidade do Beacon Hill em direção ao centro da cidade. Os arranha-céu do distrito financeiro se abatiam sobre eles na escuridão e as luzes dos escritórios piscavam como luzes natalinas. Kendra estava sentada no assento dianteiro ao lado do condutor, um gorila de pescoço largo embelezado de negro como um valentão e com óculos escuros.
Gabrielle e Jamie tinham a um companheiro similar detrás que os encurralava a um lado do brilhante assento de pele. Gabrielle não acreditava que fosse um renegado, não parecia que escondessem umas presas enormes detrás desses lábios tensos, e pelo pouco que sabia dos mortais inimigos da raça, não acreditava que nem ela nem Jamie tivessem demorado nem um minuto em ter as gargantas abertas se esses dois homens tivessem sido de verdade uns renegados viciados no sangue.
Serventes então, deduziu. Escravos humanos de um poderoso senhor vampiro.
Igual a Kendra.
—O que vão fazer conosco, Gabby?
—Não estou segura. —Alargou o braço e lhe deu um carinhoso apertão na mão. Também falava em voz baixa, mas estava segura de que seus captores estavam escutando cada uma de suas palavras.
— Mas não vai passar nada. Prometo-lhe isso.
O que sim sabia era que tinham que sair desse carro antes de que chegassem ao seu destino. Era a regra de defesa própria mais básica: nunca deixe que lhe levem a uma segunda localização. Porque então se encontrava em campo inimigo.
As oportunidades de sobrevivência passariam de ser escassas a nulas.
Olhou o fechamento de segurança da porta que Jamie tinha a seu lado. Ele observou seus olhos com o cenho franzido e expressão de interrogação. Olhou a ele e logo voltou a olhar o fechamento. Então ele o entendeu e lhe dirigiu um assentimento de cabeça quase imperceptível.
Mas quando se dispunha a colocar as mãos na posição adequada para abrir o fechamento, Kendra se deu a volta e lhes provocou:
—Quase chegamos, meninos. Estão excitados? Eu sim que o estou. Não posso esperar a que meu senhor por fim te conheça em pessoa, Gabby. Mmm! Te vai comer imediatamente.
Jamie se inclinou para diante e quase cuspiu veneno:
—Te aparte, puta mentirosa!
—Jamie, não! —Gabrielle tentou lhe reter, aterrada ante esse inocente instinto de amparo. Ele não tinha nem idéia do que estava fazendo ao irritar a Kendra ou aos outros dois serventes que se encontravam no carro.
Mas ele não ia deixar se controlar. Equilibrou-se para frente:
—Se nos tocarem um cabelo a qualquer dos dois,vou arrancar seus os olhos!
—Jamie, basta, não passa nada —disse Gabrielle, atirando dele para que voltasse a recostar-se no assento.
— Se tranqüilize, por favor! Não vai passar nada.
Kendra não se alterou. Olhou a ambos e deixou escapar uma risada repentina e estremecedora:
—Ah, Jamie. Sempre foste o pequeno e fiel terrier da Gabby. Au au! Au au! É patético.
Muito devagar e evidentemente satisfeita consigo mesma, Kendra se voltou a sentar de forma correta no assento lhes dando as costas.
—Detenha no semáforo —lhe disse ao condutor.
Gabrielle deixou escapar um tremente suspiro de alívio e se recostou outra vez no respaldo de fria pele. Jamie estava esquecido contra a porta, zangado. Quando os olhares de ambos se encontraram, ele se apartou um pouco a um lado e lhe permitiu ver que a porta agora não estava fechada.
O coração de Gabrielle deu um tombo ante essa ingenuidade e esse valor. Quase não pôde dissimular o sorriso enquanto o veículo reduzia a velocidade ante o semáforo, a uns metros diante deles. Estava em vermelho, a julgar pela fila de carros que se encontravam detidos diante dele, ia trocar para verde em qualquer momento.
Esta era a única oportunidade que tinham.
Gabrielle olhou a Jamie e se deu conta de que ele tinha compreendido o plano perfeitamente.
Gabrielle esperou, observando o semáforo; dez segundos que pareceram horas. A luz vermelha piscou e ficou verde. Os carros começaram a avançar diante deles. Assim que o Sedam começou a acelerar, Jamie levou a mão ao ponteiro da porta e a abriu.
O ar fresco da noite entrou no veículo e os dois se atiraram de cabeça para a liberdade. Jamie deu contra o pavimento e imediatamente alargou a mão para ajudar a Gabrielle a escapar.
—Detenham! —chiou Kendra.
— Não deixem que escape!
Uma pesada mão caiu sobre o ombro de Gabrielle e atirou dela para o interior do carro fazendo que se estrelasse contra o enorme corpo do servente. Os braços deste a rodearam, apanhando-a como barras de ferro.
—Gabby! —chiou Jamie.
Gabrielle emitiu um soluço desesperado.
—Vai daqui! Vai, Jamie!
—Acelera, idiota! —gritou-lhe Kendra ao condutor ao ver que Jamie se dispunha a agarrar-se ao ponteiro da porta para voltar pela Gabrielle. O motor rugiu, os pneumáticos chiaram e o carro se uniu ao tráfico.
—O que fazemos com ele?
—Deixe-lhe —ordenou Kendra em tom cortante. Dirigiu- um sorriso a Gabrielle, que se debatia em vão no assento traseiro.
— Já serviu ao nosso propósito.
O servente sujeitou a Gabrielle com força até que Kendra ordenou que o carro se detivera diante de um elegante edifício de escritórios. Desceram do carro e obrigaram a Gabrielle a caminhar para a porta de entrada. Kendra falava com alguém através do telefone celular e parecia ronronar de satisfação.
—Sim, temo-la. Agora vamos subir.
Guardou-se o telefone no bolso e lhes conduziu através de um vestibulo de mármore vazio até a zona de elevadores. Quando entraram em um deles, apertou o botão do apartamento de cobertura.
Gabrielle recordou imediatamente a mostra privada de suas fotos. Ao fim o elevador se deteve no piso superior e as portas de espelho se abriram; nesse momento Gabrielle teve a horrível certeza de que seu anônimo comprador ia dar-se a conhecer.
O servente que a tinha estado sujeitando a empurrou para que entrasse na suíte, fazendo-a tropeçar. Ao cabo de uns segundos, o medo de Gabrielle se fez maior.
Diante da parede de cristais se encontrava em pé uma alta figura de cabelo negro vestida com um comprido abrigo negro e óculos de sol. Era igual de corpulento que os guerreiros e dele emanava o mesmo ar de confiança. A mesma ameaça fria.
—Adiante —lhes disse em um tom grave que trovejou como uma tormenta.
— Gabrielle Maxwell, é um prazer conhecê-la por fim. Ouvi falar muito de você.
Kendra se colocou a seu lado e lhe deu uns tapinhas com expressão de adoração.
—Suponho que me trouxe aqui por alguma razão —disse Gabrielle, tentando não sentir pena por ter perdido a Kendra nem ter medo desse perigoso ser que tinha convertido a Kendra no que era.
—Converti-me em um grande admirador de seu trabalho. —Sorriu-lhe sem mostrar os dentes e com uma mão apartou sem contemplações a Kendra.
— Você fez umas fotos interessantes, senhorita Maxwell. Por desgraça, tem que deixar de fazer. Não é bom para meus negócios.
Gabrielle tentou agüentar o olhar tranqüilo e ameaçador que, sabia, estava-lhe dirigindo detrás dos óculos.
—Quais são seus negócios? Quero dizer, além de exercer de sanguessuga chupador de sangue.
Ele riu.
—Dominar o mundo, é obvio. Acredita que há algo mais pelo que valha a pena lutar?
—Posso pensar em umas quantas coisas.
Uma sobrancelha escura se arqueou por cima da arreios desses óculos.
—OH, senhorita Maxwell, se se referir ao amor ou a amizade, terei que dar por terminado este agradável e breve encontro agora mesmo.
—Juntou os dedos das mãos e os anéis que levava brilharam sob a tênue luz da habitação. A Gabrielle não gostava da maneira em que ele a estava olhando, como avaliando-a. O vampiro se inclinou para frente com as fossas nasais dilatadas.
— Aproxime-se.
Ao ver que ela não se movia, o corpulento servente que se encontrava a suas costas a empurrou para frente. Gabrielle se deteve um metro de distância do vampiro.
—Tem você um aroma delicioso —disse em um lento vaio.
— Cheira como uma flor, mas há algo... mais. Alguém se alimentou de você recentemente. Um guerreiro? Não se incomode em negá-lo, posso cheirá-lo em seu corpo.
Antes de que Gabrielle pudesse dar-se conta, ele a sujeitou pelo pulso e a atraiu para si de um puxão. Com mãos arrudas, fez-lhe inclinar a cabeça e lhe apartou o cabelo que escondia a mordida de Lucan e a marca que tinha debaixo da orelha esquerda.
—Uma companheira de raça —grunhiu, lhe passando os dedos pela pele do pescoço.
— E recentemente reclamada como tal. Faz de você mais inteiressante a cada segundo que passa, Gabrielle.
Não gostou do tom íntimo que empregou ao pronunciar seu nome.
—Quem a mordeu, companheira? A qual desses guerreiros o permitiu colocar-se entre essas largas e formosas pernas?
—Vá-se ao inferno —respondeu ela, apertando as mandíbulas.
—Não me vai dizer isso? —Fez estalar a língua e meneou a cabeça.
— De acordo. Poderemo-lo averiguar muito em breve.
Podemos fazer que venha. Finalmente, ele se separou dela e fez um sinal a um dos serventes estavam vigiando.
—Levem ao telhado.
Gabrielle se debateu contra seu captor, que a aferrava com ímpeto, mas não podia vencer a força desse bruto. Obrigaram-na a dirigir-se para uma porta sobre a qual havia o pôster vermelho de saída e uma placa em que se lia acesso ao heliporto.
—Um momento! E eu? —queixou-se Kendra da suíte.
—Ah, sim. Enfermeira K. Delaney —disse seu senhor escuro, como se acabasse de lembrar-se dela—. Quando nos tivermos ido, quero que saia ao telhado. Sei que a vista dele te parecerá espetacular. Desfruta-a durante um momento... e logo salta ao vazio.
Ela olhou, piscando aturdida. Logo baixou a cabeça, mostrando que estava sob seu domínio.
—Kendra! —gritou Gabrielle, desesperada por chegar até sua amiga.
— Kendra, não o faça!
O vampiro do casaco negro e os óculos escuros passou ao seu lado sem mostrar nenhuma preocupação.
—Vamos. Terminei aqui.
Uma vez colocado o último cartucho de C4 em seu lugar ao extremo norte do psiquiátrico, Lucan se abriu passo por um condutor de ventilação que conduzia ao exterior. Tirou o ralo e se içou até o exterior. Rodou por cima da grama, que rangeu sob seu corpo; logo ficou em pé e começou a correr em direção a cerca que rodeava o terreno, sentindo o ar fresco na boca.
—Niko, Como vamos?
—Vamos bem. Tegan está voltando e Gideon vem detrás de ti.
—Excelente.
—Tenho o dedo no detonador —disse Nikolai. Sua voz quase resultava inaudível pelo ruído de um helicóptero que alagava a zona.
— Dá a ordem, Lucan. Morro por fazer voar a estes chupões.
—Eu também —repôs Lucan. Olhou o céu noturno com o cenho franzido, procurando o helicóptero.
— Temos visita, Niko. Parece que um helicóptero se dirige diretamente ao psiquiátrico.
Assim que o houve dito, viu a escura silhueta do helicóptero em cima da fileira de árvores. Umas pequenas luzes piscaram no veículo enquanto este girava para o telhado do recinto e iniciava a descida.
O constante movimento da hélice levantou uma forte brisa e Lucan cheirou o aroma dos pinheiros e do pólen... e de outro perfume que lhe acelerou o pulso.
—OH, Jesus —exclamou assim que reconheceu o aroma de jasmim.
— Não toque o detonador, Niko! Por Deus, seja como for, não permita que este maldito edifício voe pelos ares!
Capítulo trinta e três
Uma mescla volátil de adrenalina e fúria, além de um medo que o cobria até os ossos, fez saltar a Lucan ao telhado do velho psiquiátrico. O helicóptero acabava de posar-se nos trilhos de aterrissagem e Lucan se precipitou para ele da beirada do edifício. O corpo tremia por causa de uma fúria mais explosiva e instável que um caminhão carregado de C4. Tinha toda a intenção de lhe arrancar as pernas a quem estivesse retendo Gabrielle.
Com a arma na mão, Lucan se aproximou do helicóptero por detrás, com cuidado de que não lhe vissem, e deu a volta pela cauda para acercar-se ao lado dos passageiros da cabine de mando.
Viu Gabrielle dentro do helicóptero, no assento traseiro, ao lado de um enorme macho que ia vestido de negro e que levava uns óculos escuros. Parecia tão pequena, a via tão aterrorizada. Seu aroma lhe banhou por inteiro. E seu medo lhe destroçou o coração.
Lucan abriu de um puxão a porta da cabine e colocou a arma diante do rosto do captor do Gabrielle enquanto sujeitava a ela com a mão que ficava livre. Mas atiraram de Gabrielle para trás antes de que ele pudesse sair com ela.
—Lucan? —exclamou Gabrielle com os olhos exagerados por causa da surpresa.
— OH, Meu deus, Lucan!
Ele realizou um rápido exame visual da situação e viu o servente que pilotava o avião e a um humano escravo que se encontrava ao seu lado, diante. O servente do assento do co-piloto se deu a volta com intenção de lhe dar um golpe no braço, mas recebeu uma bala na cabeça.
No momento em que Lucan voltou a dirigir o olhar para a Gabrielle, ao cabo de um instante, se encontrava com uma faca na garganta. Por debaixo da manga do comprido abrigo lhe assomavam os dermoglifos que Lucan tinha visto nas fotos da Costa Oeste.
— Solte disse o líder de primeira geração dos renegados.
—Vá, vá, foi uma resposta mais rápida do que houvesse imaginado, inclusive para um guerreiro com vínculo de sangue. O que pretende? Por que está aqui?
O arrogante tom de voz lhe desconcertou.
Conhecia esse bode?
—Solta-a —disse Lucan—, E te mostrarei por que estou aqui.
—Parece-me que não. —O vampiro de primeira geração lhe sorriu ampliamente, lhe mostando os dentes.
Não tinha presas. Era um vampiro, mas não era um renegado.
Que diabos?
—É encantadora, Lucan. Esperava que fosse tua.
Deus, conhecia essa voz. Ouvia-a como procedente de algum lugar muito profundo, enterrado em sua memória.
Do passado longínquo.
Um nome lhe formou na mente, cortante como o fio de uma espada.
Não, não era possível que fosse ele.
Impossível...
Concentrou-se para sair dessa confusão momentânea, mas esse breve momento de perda de concentração lhe custou caro. Desde um dos lados, um par de renegados tinha subido ao telhado do interior do psiquiátrico lhe aproximava com sigilo. Com um gruido, levantou a porta do helicóptero e golpeou com o canto da mesma a Lucan na cabeça.
— Lucan! — chiou Gabrielle.
— Não!
Lucan estremeceu e uma das pernas lhe falhou. A arma caiu da mão e escorregou pelo chão do telhado uns quantos metros, ficando fora de seu alcance.
O renegado lhe deu um murro na mandíbula com o enorme punho. Ao cabo de um segundo, um golpe brutal lhe destroçou as costelas. Lucan caiu ao chão, mas fez um giro e com o pé embainhado na bota fez cair ao renegado ao chão. Precipitou-se sobre ele enquanto tirava a faca que tinha embainhado no torso.
A uns metros de ambos, a hélice do helicóptero começou a girar. O piloto se preparava para levantar outra vez.
Não podia permiti-lo.
Se permitia que Gabrielle se fosse desse coberto, não ficaria nenhuma esperança de voltar a vê-la viva nunca mais.
—Nos tire daqui —ordenou o captor de Gabrielle ao piloto enquanto as hélices do helicóptero giravam cada vez mais depressa.
Fora, arrastando-se pelo telhado, Lucan lutava contra o renegado que lhe tinha atacado. Apesar da escuridão, Gabrielle viu que outro mais se aproximava da porta de entrada ao telhado.
—OH, não —exclamou, quase sem respiração e sem poder mover-se por causa do cortante fio de aço que lhe cravava na pele da garganta.
O enorme macho se inclinou por diante dela para olhar o que estava acontecendo no telhado. Lucan havia tornado a ficar em pé e lhe abriu o ventre ao primeiro dos renegados que lhe tinha atacado. O grito deste foi audível inclusive apesar do forte ruído da hélice do helicóptero. Seu corpo começou a convulsionar-se, a ter espasmos... A desintegrar-se.
Lucan girou a cabeça para o helicóptero. Tinha os olhos cheios de furia, brilhavam-lhe como duas pedras de âmbar acesas com o fogo do inferno. Precipitou-se para diante, rugindo, carregando com os ombros contra o veículo como um trem de carga.
—Nos tire daqui agora mesmo! —gritou o macho que estava ao lado de Gabrielle, pela primeira vez em tom preocupado.
— Agora mesmo, porra!
O helicóptero começou a levantar-se.
Gabrielle tentou apartar da faca apertando-se contra o respaldo do pequeno assento traseiro. Se pudesse encontrar a maneira de lhe apartar o braço, possivelmente pudesse alcançar a porta da cabine...
O helicóptero sofreu uma sacudida repentina, como se tivessem se chocado contra alguma parte do edifício. O motor pareceu gemer, esforçado.
O captor do Gabrielle estava furioso já.
—Desapega, idiota!
—Estou-o tentando, senhor! —disse o servente que se encontrava ante os mandos. Levantou uma alavanca e o motor protestou com um terrível grunhido.
Houve outra sacudida, como se atirassem do aparelho para baixo, e todo o interior tremeu. A cabine se inclinou por volta da frente e o captor do Gabrielle perdeu o equilíbrio no assento e deixou de lhe emprestar atenção durante um momento.
A faca se separou de sua garganta.
Com uma repentina decisão, Gabrielle se lançou para trás e lhe deu um pontapé com as duas pernas que lhe fez cair contra o respaldo do assento do piloto. O veículo se precipitou para frente e Gabrielle trabalhou em excesso por alcançar a porta da cabine.
Esta se abriu de tudo e ficou aberta, pendurando das dobradiças, depois do helicóptero tremia e se balançava. Seu captor se estava recompondo e estava a ponto de alcançá-la outra vez. Por causa do caos tinham caido os óculos de sol. Olhou-a com um gelado olhos cinzas cheios de malignidade.
—Diga a Lucan que isto não terminou nem muito menos — ordenou o líder dos renegados, pronunciando as palavras em um assobio e olhando-a com um sorriso diabólico.
—Vai para o inferno —respondeu Gabrielle. Nesse mesmo instante, lançou-se para a porta aberta e se deixou cair ao chão do telhado.
Assim que a viu, Lucan soltou o trilho de aterrissagem do helicóptero. O veiculo se elevou repentinamente e começou a dar voltas sobre si mesmo descontrolado enquanto o piloto se esforçava por dominá-lo.
Correu ao lado de Gabrielle e a ajudou a ficar em pé. Passou-lhe as mãos por todo o corpo para assegurar-se de que estava inteira.
—Está bem?
Ela assentiu com a cabeça.
—Lucan, detrás de ti!
No telhado, outro dos renegados se dirigia para eles. Lucan enfrentou a esse desafio com agrado, agora que Gabrielle estava com ele; todos os músculos de seu corpo se dispuseram a dar morte. Tirou outra faca e se aproximou da ameaça.
A luta foi selvagem e rápida. Lucan e o renegado se enfrentaram em um mortal combate corpo a corpo com os punhos e os fios das armas brancas. Lucan recebeu mais de um golpe, mas era imparável. O sangue de Gabrielle ainda tinha um efeito forte nele, e lhe dava uma fúria que lhe tivesse permitido enfrentar-se com dez competidores de uma vez. Lutou com uma força e uma eficiência letal, e acabou com o renegado com um corte vertical que lhe atravessou o corpo.
Lucan não esperou a ver o efeito do titânio. Deu-se a volta e correu para Gabrielle. Assim que chegou, quão único pôde fazer foi toma-la entre os braços e abraçá-la com força. Pôde ficar assim toda a noite, sentindo como lhe pulsava o coração e acariciando a pele suave.
Levantou-lhe a cabeça e lhe estampou um beijo forte e tenro nos lábios.
—Temos que sair daqui, carinho. Agora mesmo.
Sobre suas cabeças, o helicóptero continuava subindo.
O vampiro de primeira geração que tinha capturado a Gabrielle olhou para baixo desde atrás do cristal da cabine e dirigiu uma vaga saudação à Lucan, sorrindo enquanto o veículo subia no céu noturno.
—OH, Deus, Lucan! Estava tão assustada. Se tivesse acontecido algo...
O sussurro de Gabrielle lhe fez esquecer completamente a seu inimigo que escapava. A única coisa que lhe importava era que ela era capaz de lhe falar. Que respirava. Gabrielle estava com ele, e esperava que pudesse continuar estando ao seu lado.
—Como demônios lhe capturaram? —perguntou-lhe com voz tremente e tom urgente a causa do medo que havia sentido.
—Depois de que você partiu do complexo esta noite, precisava ir e pensar. Fui para casa. Kendra apareceu. Tinha a Jamie como refém em um carro que se encontrava fora. Não podia deixar que lhe fizessem mal. Kendra é, era, uma servente, Lucan. Mataram-na. Minha amiga está morta.
—Gabrielle soluçou de repente.
— Mas pelo menos Jamie escapou. Agora está em algum lugar do centro da cidade, provavelmente aterrorizado. Tenho que lhe encontrar e lhe dizer que tudo está bem.
Lucan ouviu o som grave do helicóptero que continuava subindo por cima de suas cabeças. Além disso, tinha que fazer a Niko o sinal de que voasse esse lugar antes de que os renegados tivessem a oportunidade de escapar.
—Vamos daqui, e logo me encarregarei do resto.
Lucan tomou a Gabrielle pelos braços.
—Segura em mim, carinho. Com toda a força que possa.
—De acordo. — pendurou-se os braços ao redor do pescoço.
Ele voltou a beijá-la, aliviado de tê-la entre os braços.
—Não te solte em nenhum momento — disse-lhe, olhando os olhos brilhantes e formosos de sua companheira de raça.
Então se colocou na beirada do edifício e se deixou cair com ela em seus braços, com toda a suavidade de que foi capaz, até o chão.
—Lucan, me diga algo, cara! —chamou-lhe Nikolai pelo auricular.
— Onde está? Que merda está acontecendo aí?
—Tudo vai bem —respondeu ele, enquanto levava a Gabrielle pelo escuro terreno coberto de grama da propriedade em direção ao ponto onde se encontrava o veículo de vigilância esperando.
— Agora tudo está bem. Apura o detonador e acabemos com isto.
Gabrielle estava encolhida sob o forte braço de Lucan quando o veículo de vigilância subia pela rua que conduzia ao terreno do complexo. Ele a tinha obstinado ao seu lado desde que escaparam da zona do psiquiátrico e lhe havia coberto os olhos enquanto todo o complexo de edificios voava pelos ares como uma infernal bola de fogo.
Lucan e seus irmãos tinham conseguido: tinham acabado com o quartel general dos renegados com um incrível golpe. O helicóptero tinha conseguido escapar a explosão e se desvaneceu no céu, envolto na fumaça negra e escondida no céu da noite.
Lucan estava pensativo: olhava para fora dos cristais escuros dos guichês para cima, para a abóbada de estrelas. Gabrielle tinha visto sua expressão de surpresa, de incredulidade e de atordoamento, quando se encontrava no telhado e abriu a porta da cabine de comando do helicóptero.
Foi como se tivesse visto um fantasma.
Inclusive nesse momento, Lucan continuava com esse estado de ânimo, enquanto entravam no terreno e Nikolai conduzia em direção à garagem. O guerreiro deteve o carro uma vez que estiveram dentro da enorme garagem. Quando desligou o motor, Lucan falou por fim.
—Esta noite conseguimos uma importante vitória contra nossos inimigos.
—Porra , sim —assentiu Nikolai.
— E vingamos a Conlan e a Rio. Teria-lhes encantado estar ali para ver voar esse lugar.
Lucan assentiu na escuridão do veículo.
—Mas não nos equivoquemos. Estamos entrando em uma nova fase do conflito com os renegados. Agora é a guerra, mais que nunca. Esta noite agitamos o ninho de vespas. Mas ao que necessitávamos capturar, seu líder, continua vivo.
— Deixemos que corra. Já lhe apanharemos —disse Dante, com expressão de confiança.
Mas Lucan negou com gesto sério.
—Este é distinto. Não nos porá isso fácil. Antecipará-se a nossos movimentos. Compreende nossas táticas. A Ordem vai ter que fortalecer as estratégias e aumentar o número de seus guerreiros. Temos que organizar alguns quadros mais que ainda estão dispersados pelo mundo, conseguir mais guerreiros, quanto antes melhor.
Gideon se deu a volta no assento dianteiro.
—Crê que é o vampiro de primeira geração da Costa Oeste quem está à frente dos renegados?
—Estou seguro —repôs Lucan.
Estava no helicóptero, no telhado, esta noite, onde tinha a Gabrielle. —Acariciou-lhe o braço com um afeto tenro, e fez uma pausa para olhá-la, como se sua só visão lhe tranqüilizasse de algum jeito.
— E esse bode não é um renegado: não agora, se é que o foi em algum momento. Uma vez foi um guerreiro, como nós. chama-se Marek.
Gabrielle sentiu uma quebra de onda de frieza que procedia da terceira fila de assentos do veículo de vigilância e soube que Tegan estava olhando a Lucan.
Lucan sabia também. Girou a cabeça para olhar ao outro guerreiro aos olhos.
—Marek é meu irmão.
Capítulo trinta e quatro
A carga da revelação de Lucan ainda lhes pesava enquanto saíam do veículo e subiam ao elevador do hangar para baixar ao complexo. Seu amado, Gabrielle entrelaçou os dedos da mão com os dele enquanto baixavam. Sentia o coração comocionado e cheio de compaixão; ele a olhou e ela soube que ele percebia a preocupação em seus olhos.
Gabrielle observou que seus irmãos guerreiros também tinham expressões de preocupação similares nos olhos e que, silenciosamente, haviam dado conta do significado do que tinham descoberto essa noite.
Chegaria o momento em que Lucan teria que enfrentar-se com a necessidade de matar a seu próprio irmão.
Ou de que seu irmão matasse a ele.
Gabrielle ainda não tinha conseguido aceitar a frieza desse fato no momento em que as portas do elevador se abriram e se encontraram ante o Savannah e Danika, que tinham estado esperando com ansiedade a volta dos guerreiros. Houve bem-vindas cheias de alívio, muitas pergunta sobre o resultado da missão dessa noite, assim como de por que Gabrielle partiu do complexo sem dizer nenhuma palavra a ninguém. Gabrielle estava muito cansada para responder, demasiado esgotada depois dessa terrível experiência para tentar sequer expressar o que sentia.
Mas sabia que logo teria que oferecer algumas respostas, a Lucan ao menos.
Os guerreiros se afastaram em meio de uma discussão sobre táticas e novas estratégias de batalha contra os renegados. Savannah e Danika empurraram imediatamente a Gabrielle em direção contrária, que se mostraram preocupadas com seus vários arranhões e contusões e insistiram em que comesse e se desse um comprido banho quente.
Gabrielle concordou a contra gosto, mas nem sequer as incríveis habilidades culinárias de Savannah nem o fragrante vapor do banho que lhe prepararam logo conseguiram relaxá-la.
A mente não parava de lhe dar voltas em relação a Lucan, Jamie e tudo o que tinha acontecido essa noite. Devia a vida a Lucan. Amava-lhe mais que a nenhuma outra coisa e sempre lhe estaria agradecida por havê-la resgatado, mas isso não trocava o que sentia a respeito de como foram as coisas entre ambos. Não podia permanecer no complexo dessa forma. E não importava o que lhe dissesse, não tinha intenção de ir a nenhum dos Refúgios Escuros.
Então, que possibilidade ficava? Tampouco podia voltar para seu apartamento. Sua velha vida já não era possível. Voltar para ela significaria que teria que negar tudo o que tinha experimentado com Lucan durante essas últimas semanas e esforçar-se por lhe esquecer. Teria que negar tudo o que agora sabia sobre si mesmo, e sobre sua conexão com a raça.
A verdade era que não sabia qual era seu lugar agora. Não sabia por onde começar a procurar, mas depois de dar voltas pelo labirinto de do complexo, Gabrielle se encontrou em pé ante a porta das habitações privadas de Lucan.
A porta que dava à habitação principal estava aberta e uma suave luz saía de dentro. Gabrielle a empurrou e entrou.
A luz de umas velas iluminava o dormitório adjacente. dirigiu-se para essa luz ambiental até que esteve na porta de entrada e parou ali, maravilhada do que viu. O austero dormitório de Lucan se havia convertido em um pouco saído de um sonho. Havia um castiçal de intrincada prata em cada esquina. A cama estava coberta por um cobertor de seda vermelho. No chão, diante da chaminé, havia um montão de almofadas e sedas carmesins. Era tão romântico, tão acolhedor.
Era uma habitação pensada para fazer o amor.
Deu um passo para o interior da habitação. A suas costas, a porta se fechou brandamente sozinha.
Não, não de tudo sozinha. Lucan estava ali, em pé, ao outro extremo da habitação e a estava observando. Tinha o cabelo molhado pela ducha. Levava uma bata solta de cetim vermelho que lhe caía até os tornozelos , e tinha um olhar quente nos olhos que se fundia no Gabrielle.
—Para você —lhe disse, assinalando o romântico ambiente.
— Para nós, esta noite. Quero que as coisas sejam especiais para você.
Gabrielle se sentiu comovida, e imediatamente excitada ao lhe ver, porem não podia suportar fazer amor depois de como tinham ficado as coisas entre eles.
—Quando fui esta noite, não pensava voltar —lhe disse de uma distância segura. Se aproximava mais, não acreditava que tivesse a força de lhe dizer o que tinha que dizer-lhe.
— Não posso voltar a fazer isto, Lucan. Necessito coisas de você que você não pode me dar.
—Me diga quais. —Foi uma ordem suave, mas uma ordem. Ele se aproximou dela com passos cautelosos, como se notasse que ela podia lhe rechaçar em qualquer momento.
— Me diga o que necessita.
Ela negou com a cabeça.
—Do que serviria?
Uns quantos passos lentos mais. Deteve-se um metro de distância dela.
—Eu gostaria de sabê-lo. Tenho curiosidade do que me custaria convencer-te de que fique comigo.
—Para passar a noite? —perguntou ela em voz baixa, odiando a si mesmo por quanto precisava sentir os braços dele ao redor de seu corpo depois de tudo o que lhe tinha acontecido durante essas últimas horas.
—Quero-te, e estou disposto a te oferecer algo, Gabrielle. Assim me diga o que é o que necessita.
—Sua confiança —lhe disse ela, pedindo uma coisa que sabia que se encontrava fora de seu alcance.
— Não posso... fazer isto mais, se você não confia em mim.
—Eu confio em ti — disse ele, com tanta solenidade que ela acreditou.
— Você é a única que me conheceu de verdade, Gabrielle. Não te posso ocultar nada. Viu-o tudo: o pior, certamente. Eu gostaria de ter a oportunidade de te mostrar a parte boa que há em mim. —aproximou-se um pouco mais. Ela notava o calor que emanava de seu corpo. Notava seu desejo.
— Quero que se sinta tão segura comigo como eu me senti contigo. Assim que a pergunta é: pode confiar em mim, agora que sabe tudo a respeito de mim?
—Sempre confiei em ti, Lucan. Sempre o farei. Mas não é isso...
—Pois o que, então? —perguntou ele, interrompendo sua rápida negativa.
—Diga-me que mais posso te dar para fazer que fique.
—Isto não vai funcionar —disse ela, retrocedendo um pouco.
— Não posso ficar. Não desta maneira. Não agora que meu amigo Jamie...
—Está a salvo. —Ao ver que lhe olhava com expressão de confusão, acrescentou—: Mandei a Dante ao exterior assim que chegamos para que fosse lhe buscar. Faz uns minutos que retornou e me informou que achou seu amigo em uma delegacia de polícia do centro da cidade e o levou a casa.
Gabrielle sentiu que o alívio a embargava, mas imediatamente a preocupação o substituiu.
—O que lhe disse Sante? Apagou-lhe a memória?
Lucan negou com a cabeça.
—Pensei que não era justo que eu tomasse esta decisão por ti. Dante simplesmente disse que você também estava a salvo e que lhe poriam em contato com ele muito em breve para lhe explicar tudo. O que ditas lhe contar ao seu amigo é tua coisa. Vê-o? Confiança, Gabrielle.
—Obrigado —murmurou ela, sentindo-se reconfortada pela consideração.
— Obrigado por me haver ajudado esta noite. Salvaste-me a vida.
—Então, por que me tem medo agora?
—Não te tenho medo —repôs, mas estava se separando dele, quase sem dar-se conta disso, mas a cama, que tinha detrás, bloqueou-lhe a escapatória. Em um instante ele esteve diante dela.
—Que mais quer de mim, Gabrielle?
—Nada —disse ela, quase em um sussurro.
—Nada absolutamente? —perguntou ele em tom grave e exigente.
—Por favor, não me faça desejar ficar esta noite quando amanhã vais desejar que vá. Deixa que vá agora, Lucan.
—Não posso fazer isso. —Tomou uma mão e a levou aos lábios. Gabrielle sentiu a calidez e a suavidade de seus lábios nos dedos e sentiu que era presa de um encantamento que somente ele podia lhe fazer. Ele levou a mão dela contra o peito, apertando a palma contra o mesmo, sobre o batimento de seu coração contra as costelas.
— Não poderei te deixar partir nunca, Gabrielle. Porque o queira ou não, tem meu coração. Tem meu amor, também. Se o aceitar.
Ela tragou saliva com dificuldade.
—O quê?
—Amo-te. —Pronunciou as palavras em voz baixa e com sinceridade, como uma carícia que ela sentiu no mais profundo do coração:
— Gabrielle Maxwell, amo-te mais que a vida. Estive sozinho durante muito tempo, e não soube me dar conta até que quase foi muito tarde. —Deixou de falar e a olhou aos olhos com intensidade.
— Não é... muito tarde, verdade?
Ele a amava.
Uma alegria, pura e brilhante, encheu-a para ouvir essas palavras do lábio de Lucan.
—Volta a dizê-lo —sussurrou ela, com a necessidade de saber que esse momento era real, que isso ia durar.
—Amo-te, Gabrielle. Até o último fôlego de vida que tenho. Amo-te.
—Lucan. —Pronunciou seu nome com um suspiro, com lágrimas nos olhos que lhe derramavam pelas bochechas.
Ele a tomou entre os braços e lhe deu um beijo comprido, profundo e apaixonado que fez que a cabeça desse voltas e o coração queria levantar o vôo. Sentia o sangue como fogo nas veias.
—Você merece a alguém muito melhor que eu —lhe disse com um tom de voz e expressão reverente.
— Conhece meus demônios. Pode me amar... aceitará-me... Apesar de conhecer minhas debilidades?
Tomou o rosto com a mão e olhou, lhe expressando com os olhos todo o amor que sentia.
—Você nunca foste débil, Lucan. E te amarei seja como for. Juntos podemos superar tudo.
—Você me faz acreditar nisso. Deste-me esperança. —Com um gesto amoroso, acariciou-lhe o braço, o ombro, a bochecha. Percorreu-lhe o rosto com o olhar enquanto o acariciava com a mão.
— Meu Deus, é tão deliciosa. Poderia ter a qualquer macho, da raça ou humano...
—Você é o único a quem quero.
Ele sorriu.
—Que Deus te ajude, mas não o aceitaria se fosse de outra maneira. Nunca desejei de forma tão egoísta como quero a você neste momento. Seja minha, Gabrielle.
—Sou-o.
Ele tragou saliva e baixou os olhos como se de repente se sentisse inseguro.
—Refiro-me para sempre. Não posso aceitar menos que isso. Gabrielle, aceitaria-me como companheiro?
—Para sempre —sussurrou ela, tombando-se de costas na cama e trazendo-o para si.
— Sou tua, Lucan, para sempre.
Voltaram a beijar-se, e esta vez, quando se separaram, Lucan alargou a mão até uma magra adaga de ouro que estava na mesinha ao lado da cama. Aproximou-a de seu rosto. Gabrielle se sobressaltou um pouco ao ver que ele
Levava-se a folha até os lábios.
—Lucan...
Ele a olhava com ternura e seriedade aos olhos.
—Você me deste seu sangue para me curar. Você me fortalece e me protege. Você é a única que quero, e a única que sempre necessitarei.
Nunca lhe tinha ouvido falar com tanta solenidade. As íris de seus olhos começavam a brilhar, a pálida cor cinza se misturava com a cor âmbar e com a profundidade de sua emoção.
—Gabrielle, quer me fazer a honra de aceitar meu sangue para cerrar nosso vínculo?
A voz de Gabrielle foi débil.
—Sim.
Lucan baixou a cabeça e levou a adaga até o lábio inferior. Logo a apartou e a olhou outra vez: seus lábios brilhavam com o escuro sangue vermelho.
—Vêem aqui. Deixa que te ame —lhe disse, unindo seus lábios escarlates com os dela.
Nada a teria podido preparar para o que sentiu ao provar pela primeira vez o doce sangue de Lucan.
Mais intenso que o vinho, instantaneamente embriagador, o sangue dele fluiu por sua língua com toda sua força e seu poder. Sentiu que uma luz a alagava do mais profundo de seu corpo e lhe oferecia uma pista do futuro que a esperava como companheira de Lucan. Encheu-se de felicidade, ficou ruborizada desse calor, e sentiu uma alegria que nunca antes tinha experimentado.
Sentiu desejo, também.
Mais intenso do que o havia sentido nunca.
Gabrielle emitiu um profundo gemido de desejo e empurrou a Lucan no peito para lhe tombar de costas. Tirou a roupa em um instante, subiu em cima dele e lhe montou escarranchada.
O sexo dele se enervava diante dela, grosso e forte como a pedra. Os formosos desenhos de sua pele tinham uma profunda cor púrpura com uma tintura avermelhada e adquiriam um tom mais profundo quando a olhava com desejo. Gabrielle se inclinou para frente e passou a língua pelas linhas sinuosas e intrincadas que lhe cobriam o corpo das coxas até o umbigo e subiam até os músculos do peito e os ombros.
Era dele.
Esse pensamento foi ferozmente possessivo, primitivo. Nunca lhe tinha desejado tanto como nesse momento. Ofegava e estava úmida e desejava lhe montar com força, lhe queimava por dentro.
Deus, era a isto ao que Savannah se referia quando dizia que um vínculo de sangue intensificava o ato amoroso?
Gabrielle olhava a Lucan com uma necessidade puramente carnal, quase sem saber por onde começar com ele. Desejava lhe devorar, lhe adorar, lhe utilizar. Aplacar o incêndio que sentia dentro do corpo.
—Deveria me haver avisado de que me tinha dado um afrodisíaco.
Lucan sorriu.
—E arruinar a surpresa?
—Ria, vampiro. —Gabrielle arqueou uma sobrancelha, tomou seu membro ereto e deslizou a mão por ele até a base com um movimento comprido.
— Me prometeu a eternidade. Vais arrepender- te.
—Ah, sim? —Mas foi mais um gemido estrangulado porque lhe montou e ele começou a mover-se com um rebolado de quadril desenfreado debaixo dela. Com olhos brilhantes, olhou-a e mostrou as presas ao sorrir, uma amostra clara de que desfrutava dessa tortura.
— Companheira, acredito que me vai encantar que o tente.
Capítulo vinte e quatro
As palavras de Lucan —e todas as coisas incríveis que lhe havia dito— ainda lhe ressonavam nos ouvidos enquanto saía debaixo da água da ducha do banho. Fechou o grifo e se secou com a toalha, esperando que a água quente lhe tivesse aliviado parte da dor e a confusão que sentia. Havia muitas coisas com as que devia enfrentar-se, e a menor delas não era o fato de que Lucan não tivesse nenhuma intenção de estar com ela.
Tentou dizer-se a si mesmo que não lhe tinha feito nenhuma promessa, mas isso somente o fazia sentir-se mais tola. Ele nunca lhe tinha pedido que pusesse seu coração aos seus pés; tinha-o feito ela sozinha.
Aproximou-se do espelho que ocupava todo o largo da parede do lavabo e se apartou o cabelo para olhar com atenção a marca de nascimento carmesim que tinha debaixo da orelha esquerda. Melhor dizendo, a marca de companheira de raça, corrigiu-se a si mesmo, enquanto observava a pequena lágrima que parecia cair na terrina da lua crescente.
Por alguma retorcida ironia, essa pequena marca no pescoço a unia ao mundo de Lucan e, apesar disso, era o mesmo que lhe impedia de estar com ele.
Possivelmente ela representava uma complicação que ele não queria ou não necesitava, mas o fato de haver-se encontrado com ele tampouco tinha feito que sua vida fora uma festa.
Graças a Lucan, ela se tinha metido em uma sangrenta guerra que havia parecer com os violadores em grupo uns fanfarrões de pátio. Ela tinha abandonado um dos melhores apartamentos do Beacon Hill, e ia perde-lo se não voltava e a trabalhar para pagar as faturas. Seus Amigos não tinham nem idéia de onde estava, e dizer-lhe nesse momento poria, provavelmente, suas vidas em perigo.
Para cúmulo de tudo isso, havia-se meio apaixonado por mais escuro e mortífero deles, o homem mais fechado emocionalmente que tinha conhecido.
Que, além disso, resultava ser um vampiro chupador de sangue.
E, que diabos, já que estava sendo sincera consigo mesma, não estava meio apaixonada por Lucan. Estava completa, inteira, perdidamente e sem poder superá-lo na vida apaixonada por ele.
—Bem feito —disse a seu miserável reflexo.
— Malditamente brilhante.
E Apesar de tudo o que lhe havia dito, não havia nada que desejasse mais que ir para lhe buscar ali onde estivesse no complexo e envolver-se com seus braços, o único lugar onde tinha encontrado algum consolo.
Sim, como se precisasse acrescentar a humilhação em público a humilhação íntima com que tentava enfrentar-se nesse momento. Lucan o tinha deixado muito claro: o que pudessem ter tido os dois —se é que houvesse tido verdadeiramente algo que estivesse além do físico—, terminou-se.
Gabrielle voltou para seu dormitório, recuperou sua roupa e seus sapatos e se vestiu depressa, desejosa de estar fora dos aposentos pessoais de Lucan antes de que ele voltasse e ela fizesse alguma coisa verdadeiramente estúpida. Bom, corrigiu-se ao ver os lençóis enrugados por haver feito amor, alguma coisa ainda mais estúpida.
Com a idéia de ir procurar a Savannah e, possivelmente, tentar encontrar um telefone fora do complexo —já que Lucan não o havia parecido adequado lhe devolver o celular— Gabrielle se escapuliu do dormitório. O pesseio resultava confuso, sem dúvida por causa de seu traçado, assim fez uns quantos giros errôneos até que finalmente reconheceu onde se encontrava. Estava perto das instalações de treinamento, a julgar pelo agudo som dos disparos contra os alvos.
afastou-se de uma esquina e se viu detida repentinamente por uma rígida parede coberta de pele e armas que se encontrava em seu caminho.
Gabrielle olhou para cima, e um pouco mais para cima, e se encontrou com uns olhos verdes e desconfiados que a olhavam com uma arrepiante expressão ameaçadora. Esses olhos frios e calculadores se cravaram nela desde detrás de uma cascata de cabelo avermelhado, como um gato que aconchega e valora a sua presa. Gabrielle tragou saliva. Um perigo evidente eemanava do corpo grande desse vampiro e da profundidade de seus olhos de depredador.
«Tegan.»
O nome desse macho desconhecido lhe veio a cabeça, o único dos seis guerreiros do complexo a quem ainda não tinha conhecido.
O mesmo com quem Lucan parecia compartilhar um mútuo e mau dissimuladou desprezo.
O guerreiro vampiro não se separou de seu caminho. Nem sequer reagiu quando ela teve se chocado contra ele, exceto pela ligeira careta que dava com os lábios quando seus olhos encontraram os peitos dela Aplastados contra a superfície de duro músculo justo debaixo do peito. Levava umas doze armas e essa ameaça se via reforçada por uns noventa quilogramas de músculo.
Ela deu um passo para trás e logo se fez a um lado para ficar em um lugar seguro.
—Sinto muito. Não me tinha dado conta de que estava aqui.
Ele não disse nenhuma palavra, mas ela sentiu como se tudo o que lhe estava acontecendo tivesse ficado exposto e visível ante ele em um instante: no instantâneo contato do corpo dela contra o dele. Ele a olhou com uma expressão gelada e desprovida de emoção, como se pudesse ver através dela. Embora não disse nada e não expressou nada, Gabrielle se sentiu diseccionada.
sentiu-se... invadida.
—Perdão —sussurrou.
No momento em que se moveu para passar de comprimento, a voz do Tegan a deteve.
—Né. —Sua voz era mais suave do que tivesse esperado; uma voz profunda, escura e áspera. Contrastava de forma peculiar com a desnudez do olhar, que não se moveu nem um milímetro,
— Faça um favor a você mesma e não te aproxime demasíado de Lucan. Há muitas posibilidades de que esse vampiro não viva muito mais tempo.
Disse-o sem rastro de emoção na voz, foi somente a plana constatação de um fato. O guerreiro passou por seu lado e levantou uma brisa atrás dele impregnada de uma apatia fria e perturbadora que lhe penetrou até os ossos.
Gabrielle se deu a volta para lhe olhar, mas Tegan e sua inquietante predição tinham desaparecido.
Lucan comprovou o peso de uma brilhante nove milímetros com a mão e logo levantou a arma e realizou uma série de disparos contra o alvo que se encontrava ao outro extremo da zona de tiro.
Apesar de que era agradável encontrar-se no terreno conhecido das ferramentas de seu ofício e sentir o sangue fervendo, a ponto para uma briga decente, uma parte dele continuava divagando sobre o encontro com Gabrielle. Apesar de tudo o que havia dito para aparta-la dele, tinha que admitir que se afeiçoou profundamente dela.
Quanto tempo acreditava ser capaz de continuar com ela sem render-se? Ou mais exatamente, como acreditava que seria capaz de suportar a idéia deixa-la partir? De mandá-la longe com a idéia de que ela se emparelharia com outro?
As coisas se estavam pondo indevidamente muito complicadá.
Deixou escapar uma maldição. Disparou outra série de balas e desfrutou com o estrondo do metal quente e com o aroma azedo no peito do alvo ao explodir por causa do impacto.
—O que pensa? —perguntou-lhe Nikolai, lhe olhando com seus olhos frios, limpos e cintilante.
_ Uma peça pequena e doce, não? Endiabradamente sensível, além disso.
—Sim. É agradável. Eu gosto. —Lucan pôs o fecho de segurança e jogou outra olhada a sua pistola.
— Uma Beretta 92FS convertida em automática com carregador. Bom trabalho, tio. Verdadeiramente bom.
Niko sorriu.
—Não te falei que as balas que vão levar os meninos. Hei trocado as pontas ocas de policarbonato das balas. tirei a pólvora das pontas e a substituí por pó de titânio.
—Isso deve provocar um horrível desastre no sistema sangüíneo desses chupões —acrescentou Dê, que se encontrava sentado no bordo de uma vitrine de armas afiando umas facas.
Sem dúvida, o vampiro tinha razão a respeito. Nos velhos tempos, a forma mais limpa de matar a um renegado consistia em separar a cabeça do corpo. Isso funcionava bem quando as espadas eram a arma habitual, mas a tecnologia moderna tinha apresentado novos desafios para ambos os bandos.
Não foi até princípios de 1900 quando a raça descobriu o efeito corrosivo do titânio no sistema sangüíneo sobreactivo dos vampiros renegados. Devido a uma alergia que tinha aumentado por causa de mudanças celulares no sangue, os renegados reagiam ao titânio como um efervescente reage em contato com a água.
Niko tomou a arma de Lucan e lhe deu uns golpezinhos, como se fora um prêmio.
—O que tem aqui é um autêntico destruidor de renegados.
—Quando podemos prová-la?
—Que tal esta noite? —Tegan tinha entrado sem fazer ruído, mas sua voz atravessou a habitação como o rugido de uma tormenta.
—Refere a esse lugar que encontrou perto do porto? —preguntóu Dante.
Tegan assentiu com a cabeça.
—Provavelmente seja uma guarida que albergue possivelmente a uma dúzia de indivíduos, mais ou menos. Acredito que ainda estão verdes, acabam de comverter-se em renegados. Não será muito difícil acabar com eles.
—Faz bastante tempo que não fazemos uma batida para limpar uma casa —comentou Rio, arrastando as palavras e com um amplo sorriso de satisfação.
— Me parece que será uma festa.
Lucan devolveu a arma a Nico e olhou ao outros com o cenho franzido.
—por que diabos me acabo de inteirar disto agora?
Tegan lhe olhou com expressão categórica.
—Tem que te pôr um pouco ao dia, tio. Enquanto você estava encerradou com sua fêmea durante toda a noite, nós estávamos acima fazendo nosso trabalho.
—Isto foi um golpe baixo —disse Rio.
— Inclusive vindo de você, Tegan.
Lucan recebeu o golpe com um silêncio calculado.
—Não, tem razão. Eu deveria ter estado aí acima me ocupando do trabalho. Mas tinha que me encarregar de algumas coisas aqui embaixo. E agora já terminei. Já não vão ser um problema nunca mais.
Tegan lhe dirigiu um sorrizinho de suficiência.
—De verdade? Porque tenho que te dizer que faz uns minutos hei visto a nova companheira de raça na sala e a encontrei bastante inquieta. Parecia que alguém tivesse quebrado o coração dessa pobre garota. Deu-me a sensação de que necessitava que alguém lhe fizesse as coisas mais fáceis.
Lucan respondeu ao vampiro com um furioso e escuro rugido de raiva.
—O que lhe disse? Tocou-a? Se lhe tiver feito algo...
Tegan rio, verdadeiramente divertido.
—Calma, tio. Não faz falta que saia de suas casinhas desta maneira. Sua fêmea não é meu assunto.
—Pois recordem isto —disse Lucan. deu-se a volta para enfrentar-se aos olhares de curiosidade de outros vampiros.
— Ela não é assunto de nenhum de vocês, está claro? Gabrielle Maxwell se encontra sob meu amparo pessoal enquanto esteja neste complexo. Quando tiver ido a um dos Refúgios Escuros, tampouco será meu assunto.
Necessitou um minuto para tranqüilizar-se e não render-se ao impulso de enfrentar-se diretamente com o Tegan. Um dia, provavelmente chegaria a faze-lo . E Lucan não podia culpar por completo a esse macho por sentir rancor. Se Tegan era um bode desumano e mesquinho, Lucan era quem lhe tinha ajudado a ser assim.
—Podemos voltar para o trabalho agora? —disse com um grunhido, desafiando a que ninguém lhe desafiasse.
— Preciso ouvir dados a respeito desse refúgio.
Tegan se lançou a lhe oferecer uma descrição do que tinha observado nesse provável refúgio de renegados e comunicou suas sugestões a respeito de como podiam fazer uma batida nele. Apesar de que a fonte dessa informação chateava um pouco a Lucan, não podia pensar em nenhuma forma melhor de obter que passasse o mau humor que realizando uma ofensiva contra seus inimigos.
Deus sabia que se se encontrava perto de Gabrielle outra vez, todas essas fanfarronadas sobre o dever e de fazer o correto se converteriam em pó. Fazia duas horas que a tinha deixado em seu dormitório e ela todavia era o principal em sua cabeça. A necessidade dela ainda o desgarrava cada vez que pensava em sua cálida e suave pele.
E pensar em como a tinha ferido-lhe fazia sentir um buraco no peito. Ela tinha demonstrado ser uma verdadeira aliada quando lhe havia aberto frente aos demais guerreiros. Lhe tinha acompanhado através desse inferno íntimo a outra noite, tinha estado a seu lado, tão tenra e amorosa como qualquer macho pudesse desejar de sua amada companheira.
Uma idéia perigosa, olhasse-a por onde a olhasse.
Deixou que a discussão a respeito dos renegados continuasse, e esteve de acordo em que tinham que dar o golpe contra esses selvagens no lugar onde viviam em vez de ir para lhes buscar um por um na rua.
—Encontraremo-nos aqui ao pôr-do-sol para nos preparar e sair.
O grupo de guerreiros se dispersou e Tegan saiu a passo lento detrás dele.
Lucan pensou nesse estóico solitário que se sentia tão deploravelmente orgulhoso pelo fato de não necessitar a ninguém. Tegan se mantinha afastado e isolado por vontade própria. Mas nem sempre tinha sido assim. Uma vez tinha sido um menino brilhante, um líder nato. Tivesse podido ser alguém grande... tinha-o sido, na verdade. Mas todo isso trocou no curso de uma noite terrível. A partir desse momento, começou a descer por uma espiral. Tegan tocou fundo e nunca se recuperou.
E apesar de que nunca o tinha admitido ante esse guerreiro Lucan nunca se perdoaria a si mesmo o papel que ele tinha jogado nessa queda.
—Tegan, espera.
O vampiro se deteve com uma reticência evidente. Não se deu a volta, simplesmente ficou em silencio com um gesto de arrogância no corpo esperando a que outros guerreiros saíssem em fila das instalações de treinamento para o corredor. Quando estiveram sozinhos, Lucan se esclareceu garganta e falou com seu irmão de primeira geração.
—Você e eu temos um problema, Tegan.
Ele soltou ar pelo nariz.
—vou avisar aos meios.
—Este assunto entre nós não vai desaparecer. Faz muito tempo, choveu muito após. Se tiver que saldar contas
comigo...
—Esquece-o. É história passada.
—Não é se não podermos enterrá-la.
Tegan soltou uma risada zombadora e, por fim, deu-se a volta para lhe olhar.
—Quer me dizer algo, Lucan?
—Só quero te dizer que começo a compreender o que te custou. O custo que eu te supus. —Lucan meneou a cabeça devagar e se passou uma mão pela cabeça.
— Tegan, tem que saber que se tivesse havido alguma outra forma... Acredito que tudo teria sido distinto.
—Lucan, está tentando te desculpar comigo? —Os olhos verdes do Tegan tinham um olhar tão duro que tivesse podido cortar um cristal.
— Me Evite isto, tio. Chega uns quinhentos anos tarde. E senti-lo não muda uma merda as coisas, não é verdade?
Lucan apertou as mandíbulas com força, assombrado de não tar um verdadeiro zango nesse macho grande em lugar de sua habitual e fria apatia.
Tegan não lhe tinha perdoado. Nem sequer o tinha considerado.
Depois de todo esse tempo, não acreditava provável que o fizesse nunca.
—Não, Tegan. Tem razão. Senti-lo não troca as coisas.
Tegan lhe olhou durante um comprido momento, logo se deu a volta e saiu da habitação.
A música em direto soava desde uns alto-falantes do tamanho de um frigorífico diante do subterrâneo clube privado noturno. .. embora a plavra «música» era um qualificativo generoso para descrever os patéticos e discordantes acordes de violão. Os membros do grupo se moviam como autômatos no cenário, arrastavam as palavras e perdiam o compasso mais vezes das que o seguiam. Em uma palavra, eram horríveis.
Mas como se podia esperar que uns seres humanos atuassem com alguma competência ao encontrar-se diante de uma multidão de sedentos vampiros?
Protegido por uns óculos escuros, o líder dos renegados entrecerró os olhos e franziu o cenho. Já tinha uma horrorosa dor de cabeça ao chegar, fazia muito pouco momento, mas agora sentia as têmporas como se estivessem a ponto de lhe estalar. Recostou-se contra as almofadas em seu reservado, aburrido dessas festas sangrentas. Com um leve gesto da mão fez que uns de seus guardas se aproximasse dele. Logo fez um gesto de desprezo em direção ao cenário.
—Que alguém lhes alivie de seu sofrimento. Por não falar do meu.
O vigilante assentiu com a cabeça e respondeu com um vaio. Fez uma careta que descobriu umas presas enormes que se sobressaíam de seu boca, que já salivava ante a possibilidade de outra massacre. O renegado saiu a passo rápido para cumprir as ordens.
—Bom cão —murmurou seu poderoso amo.
Nesse momento soou seu telefone celular e se alegrou de ter a oportunidad de sair a respirar um pouco o ar. No cenário havia começado um novo barulho e a banda de música calou sob o repentino ataque de um grupo de renegados frenéticos.
Enquanto a completa anarquia estalava no clube, o líder se dirigiu a sua habitação privada de atrás do cenário e tirou o telefone celular do bolso interior de seu casaco. Tinha acreditado que se encontraria com o número ilocalizavel de um de seus muitos serventes, a maioria dos quais tinham sido enviados a procurar informação sobre Gabrielle Maxwell e sobre sua relação com a raça.
Mas não era um deles.
Deu-se conta disso assim que abriu o aparelho e viu o número oculto piscando na tela.
Intrigado, respondeu a chamada. A voz que ouviu o outro extremo da linha não lhe era desconhecida. Fazia alguns trabalhos ilegais com esse indivíduo fazia muito pouco tempo e ainda tinham umas quantas coisas por discutir. A seu requerimento, o tipo lhe ofereceu uma série de detalhes a respeito de uma batida que ia se realizar essa mesma noite em um dos locais mais pequenos que os renegados tinham na cidade.
Em questão de segundos soube tudo o que necessitava para conseguir que essa batida se girasse a seu favor: a localização, os presuntos métodos dos guerreiros e a rota, e seu plano de ataque básico. Tudo com a condição de que um membro da raça se salvasse da vingança. Mas este único guerreiro não ficaria completamente a salvo, simplesmente receberia as suficientes feridas para que não pudesse voltar a lutar nunca mais. O destino do resto de guerreiros, incluindo ao quase imparavel Lucan Thorne, era decisão dos renegados.
A morte de Lucan já tinha formado parte de seu acordo uma vez, anteriormente, mas a execução da tarefa não tinha sido como tinham planejado. Esta vez, seu interlocutor queria ter a segurança de que essa ação sim se levaria a cabo. Inclusive chegou tão longe que lhe recordou que já lhe tinham dado uma remuneração considerável por realizar essa tarefa que ainda tinha que cumprir.
—Estou bem informado de nosso acordo —repôs, com fúria.
— Não me tente a te pedir um pagamento maior. Prometo-te que não o vais lamentar.
Apagou o aparelho com uma maldição, cortando a resposta diplomática que o outro iniciou atrás de sua ameaça.
Os dermoglifos que tinha na boneca brilhavam com um profundo tom que delatava sua fúria. As cores trocavam entre o desenho de outras marca que se fez ao tatuar na pele para dissimular estes. Não gostava de ter tido que ocultar sua linhagem —seu direito de nascimento— com tinta e secretismo. Detestava ter que levar uma existência oculta, quase tanto como detestava a todos aqueles que se interpunham no camino de conseguir seus objetivos.
Voltou para a zona principal do clube, ainda zangado. Na escuridão, seu olhar tropeçou com seu tenente, o único renegado da história recente que tinha olhado a Lucan Thorne aos olhos e que tinha podido contá-lo. Fez um sinal a esse macho enorme para que se aproximasse e logo lhe deu as ordens para que se encarregasse da diversão e os jogos dessa noite.
Sem ter em conta suas negociações secretas, queria que essa noite, quando toda a fumaça se dissolvesse, Lucan e todos quão guerreiros estavam com ele estivessem mortos.
Capítulo vinte e cinco
Ele a evitou durante o resto do dia, o qual a Gabrielle pareceu que dava igual. Agora, justo depois do anoitecer, Lucan e os outros cinco guerreros saíam das instalações de treinamento como uma unidade militar, todos eles a viva imagem de uma ameaça, vestidos com couro negro e carregados de armas letais. Inclusive Gideon se uniu a batida dessa noite e tinha tomado o lugar do Conlan.
Savannah e Eva tinham esperado no corredor para lhes ver sair e se acercaram a seus companheiros para lhes dar um comprido abraço. Intercambiaram umas palavras íntimas em voz baixa e em tom amoroso, uns tenros beijos que denotavam o temor das mulheres e a atitude tranqüilizadora dos homens para lhes assegurar de que voltariam para elas sãs e salvos.
Gabrielle se encontrava a certa distancia, no vestíbulo, e se sentia uma estranha enquanto observava a Lucan dizendo algo a Savannah. A companheira de raça assentiu com a cabeça e lhe depositou um pequeno objeto na mão enquanto levantava a vista por cima do ombro dela e a dirigia para o Gabrielle. Não disse nada, não fez nenhum movimento para aproximar-se dela, mas seu olhar se atrasou um pouco nela, observando-a do outro lado do amplo espaço que lhes separava nesses momentosse.
E então se foi.
Lucan, que caminhava diante de outros, girou a esquina ao final do corredor e desapareceu. O resto do grupo lhe seguiu, e a seu passo somente ficou o seco ressonar dos saltos das botas e o ruído metálico dos aços.
—Está bem? —perguntou-lhe Savannah, aproximando-se de Gabrielle e passando um braço pelos ombros com amabilidade.
—Sim. Me passará.
—Queria que te desse isto. —Ofereceu-lhe o telefone celular do Gabrielle.
— uma espécie de oferta de paz?
Gabrielle tomou e assentiu com a cabeça.
—As coisas não vão bem entre nós agora mesmo.
—Sinto muito. Lucan há dito que confia em que entenda que não pode ir do complexo nem lhes dizer a seus amigos onde está. Mas se quer lhes chamar...
—Obrigado. —Olhou À companheira do Gideon e conseguiu sorrir levemente.
—Se quer ter um pouco de intimidade, ponha cômoda onde queira. —Savannah lhe deu um breve abraço e logo olhou a Eva, que acabava de unir-se a elas.
—Não sei vocês —disse Eva, seu bonito rosto gasto pela preocupação—, mas iria bem uma taça. Ou três.
—Possivelmente as três venha bem um pouco de vinho e de companhia — respondeu Savannah.— Gabrielle, vêem te unir conosco quando termine. Estaremos em minhas habitações.
—De acordo. Obrigado.
As duas mulheres saíram juntas, falando em voz baixa, com os braços entrelaçados enquanto percorriam o sinuoso corredor em direção aos Aposentos do Savannah e do Gideon. Gabrielle partiu na direção contrária, sem saber onde desejava estar.
Isso não era de tudo certo. Desejava estar com Lucan, em seus braços, mas era melhor que superasse esse desejo desesperado, e logo. Não tinha intenção de lhe suplicar que estivesse com ela, e caso que consiguisse voltar inteiro depois da batida dessa noite, era melhor que se preparasse para tirar-lhe completamente da cabeça.
Dirigiu-se para uma porta aberta que havia em um ponto tranqüilo e pouco iluminado do vestíbulo. Uma vela brilhava dentro da habitação vazia: a única luz nesse lugar. A solidão e o aroma de incenso e a madera velha a atraíram. Era a capela do complexo; recordava ter passado por ali durante a visita com o Savannah.
Gabrielle caminhou entre duas filas de bancos em direção a um pedestal que se levantava no outro extremo da habitação Era ali onde se encontrava a vela: sua chama estava profundamente aninhada no centro e irradiava um suave resplendor carmesim. Sentou-se em um dos bancos de diante e ficou uns momentos simplesmente respirando, deixando que a paz do santuário a envolvesse.
Conectou o telefone celular. O símbolo de mensagens estava piscando. Gabrielle apertou a tecla da secretaria de voz e escutou a primeira chamada. Era de Megan, de fazia dois dias, mais ou menos a mesma hora em que tinha chamado ao apartamento do Gabrielle depois do ataque do sirviente no parque.
«Gaby, sou eu outra vez. Deixei-te um montão de mensagens em casa, mas não me chamaste. Onde está? Estou-me preocupando de verdade! Não acredito que deva estar sozinha depois do que aconteceu. Chama-me assim que ouça esta mensagem: e quero dizer no mesmo momento em que o receba, de acordo?»
Gabrielle apagou a mensagem e passou ao seguinte, que era da noite anterior, Às onze. Ouviu a voz da Kendra, que parecia um pouco cansada.
«Né. Está em casa? Responde, se estiver. Merda, suponho que é um pouco tarde: sinto muito. Provavelmente esteja dormindo. Bom, queria chamar os meninos, para ver se íamos de taças ou algo, possivelmente a outra sala? Que tal manhã de noite? Me chame.»
Bom, pelo menos Kendra estava bem fazia umas quantas horas. Isso aliviou parte da preocupação que sentia. Mas ainda ficava o asunto do menino com quem tinha estado saindo. O renegado, corrigiu-se Gabrielle, com um estremecimento de medo ao pensar na proximidade de sua amiga ao mesmo perigo que lhe estava pisando nos pés a ela.
Passou ao última mensagem. Megan outra vez, fazia somente duas horas.
«Olá, carinho. Era uma chamada de comprovação. vais chamar me alguma vez e me dirá como foi na delegacia de polícia a outra noite? Estou segura de que seu detetive se alegrou de verte, mas sabe que morro por saber todos os detalhes de como foi de intensa sua alegria.»
O tom de voz do Megan era tranqüilo e brincalhão, perfeitamente normal. Completamente distinto ao pânico das primeiras mensagens que hábía deixado no telefone de casa do Gabrielle e em seu telefone celular.
Deus, isso estava bem.
Porque não havia nenhum motivo de alarme por ela, nem por seu amigo policial, dado que Lucan lhes tinha apagado a memória.
«Bom, fiquei com o Jamie para jantar esta noite no Ciao Bela... seu favorito. Se pode arrumá-lo, vêem. Estaremos ali Às sete.Para você guardaremos um assento.»
Gabrielle marcou o botão de pendurar e olhou a hora no telefone: as sete e vinte.
Devia a seus amigos, pelo menos, chamar e lhes fazer saber que se encontrava bem. E uma parte dela desejava ouvir suas vozes, já que eram a única conexão com a vida que tinha antes. Lucan Thorne tinha dado a volta a sua vida por completo. Apertou o botão de marcação rápida do celular do Megan e esperou com ânsia enquanto o telefone soava. No mesmo momento em que seu amiga respondeu, Gabrielle ouviu uma conversação apagada.
—Olá, Meg.
—Né... por fim! Jamie, é Gabby!
—Onde está essa garota? vai vir ou o que?
—Ainda não sei. Gabby, vais vir?
Para ouvir a familiar desordem do bate-papo de seus amigos, Gabrielle desejou estar ali. Desejou que as coisas pudessem voltar a ser como eram antes de...
—Né... Não posso. surgiu um assunto e...
—Está ocupada —disse Megan a Jamie.
—Mas, onde está? Kendra me chamou hoje, estava-te procurando. Há-me dito que tinha ido a seu apartamento mas que não parecia que estivesse em casa.
—Kendra apareceu por aí? Viu-a?
—Não, mas quer reunir-se com todos nós. Parece que há terminado com esse menino que conheceu na discoteca.
—Brent —acrescentou Jamie em voz alta
—Têm quebrado?
—Não sei —respondeu Megan—. Lhe perguntei como ia com ele e ela somente me disse que já não se estavam vendo.
—Bem —repôs Gabrielle, muito aliviada—. São muito boas notícias.
—Bom, e você? Quem é tão importante como para que não jante esta noite?
Gabrielle franziu o cenho e olhou ao seu redor. Na sala havia levantado um pouco a brisa e a chama vermelha da vela tremeu. Ouviu uns pés suaves e uma afogada exclamação de surpresa de alguém que tinha entrado e se deu conta de que a sala estava ocupada. Gabrielle se deu a volta e viu uma loira alta na porta de entrada. A mulher olhou a Gabrielle com expressão de desculpa e logo se dispôs a sair.
—Estou... isto... fora da cidade, agora mesmo —disse a seus amigos em voz baixa.
— Certamente estarei fora uns quantos dias. Possivelmente mais.
—Fazendo o que?
—Né, estou fazendo um trabalho por encargo —mentiu Gabrielle, diando ter que fazê-lo, mas sem encontrar outra alternativa.
— Chamarei assim que possa. Se cuidem. Quero-lhes.
—Gabrielle...
Pendurou antes de que a obrigassem a dizer nada mais.
—Sinto-o —lhe disse a mulher loira enquanto Gabrielle se aproximava dela.
— Não me tinha dado conta de que a habitação estava ocupada.
—Não o está. Por favor, fique. Só estava... —Gabrielle soltou um suspiro.
— Acabo de mentir a meus amigos.
—OH. —Uns amáveis olhos de cor azul pálida a olharam comprensivamente.
Gabrielle fechou o telefone e passou um dedo por cima da carcasa chapeada e polida.
—Deixei meu apartamento precipitadamente a outra noite para vir aqui com Lucan. Nenhum de meus amigos sabe onde estou, nem por que tive que partir.
—Compreendo. Possivelmente algum dia lhes possa dar alguma explicação.
—Isso espero. Não quero lhes pôr em perigo lhes contando a verdade.
A mulher assentiu com a cabeça, pormenorizada, e seu halo de cabelo comprido e loiro seguiu o movimento.
—Você deve ser Gabrielle. Savannah me há dito que Lucan havia trazido para uma mulher que estava sob seu amparo. Sou Danika. Sou... era... a companheira do Conlan.
Gabrielle aceitou a esbelta mão que Danika lhe ofereceu como saudação.
—Sinto muito sua perda.
Danika sorriu com uma expressão triste nos olhos. Soltou a mão do Gabrielle e, sem dar-se conta, baixou a sua para acariciar o abdômen, imperceptivelmente inchado.
—Queria ir para te buscar para te dar a bem-vinda, mas imagino que não sou a melhor das companhias neste momento. Não tive muita vontade de sair de minhas habitações durante estes últimos dias. Todavía está sendo muito difícil para mim, tentar realizar este... ajuste. Tudo é tão distinto agora.
—É obvio.
—Lucan e outros guerreiros foram muito generosos comigo. Cada um deles me jurou amparo quando a necessitar, esteja onde esteja. Para mim e para meu filho.
—Está grávida?
—Desde quatorze semanas. Desejava que este fora o primeiro de muitos filhos. Estávamos tão iludidos com nosso futuro. Tínhamos esperado muito tempo a fundar nossa família.
—por que esperaram? —Gabrielle franziu o cenho assim que se deu conta de que tinha feito a pergunta.
— O sinto, não tento bisbilhotar. Não é meu assunto.
Danika estalou a língua, lhe tirando importância.
—Não há necessidade de desculpar-se. Não me importa que me faça prerguntas, de verdade. Para mim é bom falar de meu Conlan. Vêem, vamos sentar nos um momento —lhe disse, conduzindo a Gabrielle até uma das cadeiras bancos da capela.
—Conheci Conlan quando era só uma menina. Meu povo da Dinamarca tinha sido saqueado por uns invasores, ou isso acreditávamos. A verdade é que eram um grupo de renegados. Mataram a quase todo mundo, as mulheres velhas e aos meninos, Aos velhos de nossa aldeia. Ninguém estava seguro. Um grupo de guerreiros da raça chegou a metade do ataque. Conlan era um deles. Resgataram a tantos dos nossos como puderam. Quando descubriram minha marca, levaram-me a Refúgio Escuro mais próximo. Foi ali onde aprendi tudo a respeito da nação dos vampiros e do lugar que eu ocupava nela. Mas não podia deixar de pensar em meu salvador. Foi coisa do destino que, ao cabo de uns anos, Conlan fora outra vez a essa zona. Eu estava tão iludida de lhe ver. Imagine a comoção que senti ao saber que ele tampouco se esqueceu de mim.
—Quanto faz disso?
Danika quase não teve que deter-se para calcular o tempo.
—Conlan e eu compartilhamos quatrocentos e dois anos juntos.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle—. Tanto tempo...
—passou em um abrir e fechar de olhos, se te disser a verdade. Não te mentirei te dizendo que sempre foi fácil ser a mulher de um guerreiro, mas não trocaria nem um só instante. Conlan acreditava por completo no que estava fazendo. Queria um mundo mais seguro, para mim e para nossos filhos que estavam por chegar.
—E por isso esperou todo este tempo para conceber um filho?
—Não queríamos fundar nossa família enquanto Conlan sentisse que precisava permanecer com a Ordem. Estar em primeira linha não é o melhor para os meninos, e esse é o motivo pelo que não há famílias entre os membros da classe dos guerreiros. Os perigos são muito grandes, e nossos companheiros precisam poder concentrar-se únicamente em sua missão.
—Não se dão acidentes?
—Os embaraços acidentais são completamente desconhecidos na raça porque nós necessitamos algo mais sagrado que o simples sexo para conceber. O momento de fertilidade das companheiras de raça é durante a lua crescente. Durante este momento crucial, se desejamos conceber um filho, nossos corpos devem conter tanto a semente de nosso companheiro como seu sangue. É um ritual sagrado que ninguem planeja realizar as pressas.
A idéia de poder compartilhar esse profundo e íntimo ato com Lucan fez que Gabrielle sentisse que o centro de seu ser entrava em calor. A idéia de unir-se dessa forma com outro, de engordar com o filho de outro que não fora Lucan, era uma possibilidade que se negava a ter em conta. Preferia estar sozinha, e provavelmente o estaria.
—O que vais fazer agora? —perguntou-lhe, rompendo o silêncio em que se ficou ao imaginar sua própria solidão futura.
—Ainda não sei —respondeu Danika.
— Sim sei que não vou unir-me com nenhum outro macho.
—Não necessita um companheiro para continuar jovem?
—Conlan era meu companheiro. Agora que ele se foi, uma só vida já será muito tempo. Se me negar a ter um vínculo de sangue com outro macho, simplesmente envelhecerei de forma natural daqui em diante, igual que antes de conhecer Conlan. Simplesmente serei... mortal.
—Morrerá —disse Gabrielle.
Danika sorriu com expressão decidida, mas não de tudo triste.
—Ao final.
—Aonde irá?
—Conlan e eu tínhamos planejado nos retirar a um dos Refúgios Escuros da Dinamarca, onde eu nasci. Ele queria isso para mim, mas agora acredito que prefiro criar a seu filho em Escócia para que tenha a oportunidade de conhecer algo de seu pai Através da terra que ele tanto amava. Lucan já começou a fazer os preparativos para que possa ir quando dita que estou preparada.
—Isso foi amável por sua parte.
—Muito amável. Quando veio a me buscar para me dar a notícia, e para me prometer que meu filho e eu sempre estaríamos em comunicação direta com ele e com o resto da Ordem se por acaso alguma vez necessitávamos algo, não me podia acreditar isso. Foi o dia do funeral, só umas quantas horas depois do mesmo, e suas queimaduras ainda eram extremamente gravê. E apesar disso, ele estava mais preocupado por meu bem-estar.
—Lucan sofreu queimaduras? —Gabrielle sentiu que um sentimento de alarme lhe assaltava o coração.
— Quando? E como?
—Faz só três dias, quando realizamos o ritual funerário do Conlan. —Danika arqueou as finas sobrancelhas—. Não sabia? Não, claro que não o sabia. Lucan nunca mencionaria esse ato de honra, nem o dano que sofreu para levá-lo a cabo. Olhe, a tradição funerária da raça estabelece que um vampiro deve levar o corpo do morto fora para que os elementos da natureza o recebam —disse, fazendo um gesto em direção a uma sombria esquina da capela onde havia uma escura escada.
— É um dever que mostra um grande respeito e exige um grande sacrifício porque, uma vez fora, o vampiro que atende a seu irmão deve ficar ao seu lado durante oito minutos durante a saída do sol.
Gabrielle franziu o cenho.
—Mas eu acreditava que a pele de um vampiro não suporta os raios do sol.
—Não, não os suporta. Sofre queimaduras graves e de forma muito rápida, mas ninguém sofre mais que um vampiro de primeira geração. Os mais velhos da raça sofrem mais, inclusive em um tempo de exposição muito breve.
—Como Lucan —disse Gabrielle.
Danika assentiu com expressão solene.
—Para ele, estar exposto oito minutos a saída do sol deve haver sido insuportável. Mas o fez. Pelo Conlan, deixou que seu corpo se queimasse. Inclusive tivesse podido morrer ali acima, mas não tivesse deixado que ninguém mais assumisse o peso de oferecer repouso a meu amado Conlan.
Gabrielle recordou a urgente chamada Telefónica que tinha tirado Lucan fora da cama em meio da noite. Não lhe tinha contado do que se tratava. Tampouco tinha compartilhado sua perda com ela.
Sentiu que a dor lhe retorcia o estômago ao pensar no que tinha suportado, segundo a descrição da Danika.
—Falei com ele... esse mesmo dia, de fato. Por sua voz soube que algo ia mau, mas ele o negou. Parecia tão cansado, mais que exausto. É esta me dizendo que sofreu queimaduras pela luz ultravioleta?
—Sim. Savannah me contou que Gideon o encontrou não muito tempo depois. Lucan tinha queimaduras da cabeça aos pés. Não podia abrir os olhos a causa da dor e a inflamação, mas rechaçou qualquer tipo de ajuda para voltar para suas habitações para curar-se.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle, estupefata—. Ele nunca me contou isso, não me contou nada disto. Quando lhe vi mais tarde, essa noite... só ao cabo de umas horas, parecia completamente normal. Bom, o que quero dizer é que parecia e atuava como se nada mau lhe tivesse ocorrido.
—A pureza de linha de sangue de Lucan lhe faz sofrer mais, mas também lhe ajuda a curar-se mais depressa das queimaduras. Inclusive então não foi fácil para ele; ele necessitaria uma grande quantidade de sangue para repôr seu corpo depois de um trauma tão forte. Quando esteve o bastante bem para abandonar o complexo e ir de caça, devia ter uma fome voraz.
Tinha-a tido. Gabrielle se dava conta agora. A lembrança de lhe ver alimentar do servente a quem tinha matado lhe passou pela mente, mas agora tinha um significado distinto, já não lhe parecia o ato monstruoso que lhe tinha parecido de forma superficial, a não ser um meio de sobrevivemcia. Tudo adquiria um significado novo desde que conhecia Lucan.
Ao princípio, tinha-lhe parecido que a guerra entre os da raça e seus inimigos não era mais que um mal enfrentado a outro, mas agora não podia evitar sentir que também era sua guerra. Ela se jogava algo no desenlace, e não somente pelo fato de que seu futuro se encontrava ligado a este estranho mundo. Para ela era importante que Lucan ganhasse não só a guerra contra os renegados, mas também a devastadora guerra pessoal que liberava em privado.
Estava preocupada com ele, e não podia ignorar a queimação de medo que tinha começado a sentir na base das costas desde que ele e os outros guerreiros tinham abandonado o complexo para ir de batida.
—Quer-lhe muito, verdade? —perguntou-lhe Danika. Entre elas se havia feito um angustiante silêncio.
—Quero-lhe, sim. —Olhou a mulher aos olhos e não encontrou motivo para esconder uma verdade que, provavelmente, se traslucía em seu rosto.
— Posso te dizer uma coisa, Danika? Tenho uma horrível sensação a respeito do que está fazendo esta noite. E para piorá-lo, Tegan disse que não acreditava que Lucan fora a viver muito mais. quanto mais momento levo aqui sentada, mais medo tenho de que Tegan possa ter razão.
Danika franziu o cenho.
—Falaste com o Tegan?
—Tropecei-me com ele —literalmente— muito recentemente . Disse-me que não me afeiçoasse muito de Lucan.
—Porque acreditava que Lucan ia morrer? —Danika deixou escapar um comprido suspiro e meneou a cabeça—. Esse parece desfrutar pondo a outros no fio. Provavelmente o há dito somente porque sabe que isso te inquietará.
—Lucan disse que entre eles havia animosidade. Crie que Tegan é de confiar?
Pareceu que a companheira de raça loira o pensava um momento.
—Posso dizer que a lealdade é uma parte importante do código dos guerreiros. È tudo para esses machos, faz-os um. Nada deste mundo pode lhes fazer violar essa confiança sagrada. —levantou-se e tomou a mão do Gabrielle.
— Vêem. vamos procurar a Eva e a Savannah. E a espera será menos larga para todas se não a passarmos sozinhas.
Capítulo vinte e seis
Do ponto de observação onde estavam apostados em um dos edifícios do porto, Lucan e outros guerreiros observaram um pequeno caminhão cujas rodas cromadas cuspiam cascalho, dirigir-se a localização que estavam vigiando. O condutor era um ser humano. Se seu aroma a suor e a ansiedade não tivesse delatado, a música country que saía estrondosamente pelo guichê aberto o tivesse feito. Saiu do veículo com uma bolsa de papel marrom repleta de algo que cheirava a arroz frito e porco.
—Parece que os meninos jantam dentro esta noite —disse Dê. O confiado mensageiro comprovou o papel branco que tinha grampeado no pedido e olhou para o dique com cautela.
O condutor se aproximou da porta de entrada do armazém, dirigiu outro olhar nervoso ao seu redor, soltou um juramento em meio da escuridão e apertou o timbre. Não havia nenhuma luz dentro do edifício, somente havia o feixe de luz amarela que caía da lâmpada nua que pendurava em cima da porta. Lucan viu os olhos ferozes de um Renegado e o mensageiro gaguejou umas palavras do pedido e alargou o papel para o buraco escuro que se aberto diante dele.
—O que quer dizer trocando-o? —perguntou o cowboy urbano com um forte acento de Boston.
— Que diabos...?
Uma enorme mão lhe sujeitou pelo peito da camisa e lhe levantou do chão. ele chiou e em seu ataque de pânico conseguiu largar-se da mão do renegado.
—Uf! —exclamou Niko desde sua posição perto da cornija.
— Parece que acaba de dar-se conta de que não há comida a Chinesa no menu.
O renegado voou até o ser humano como uma sombra, assaltou-lhe por detrás e lhe abriu a garganta com uma eficiência selvagem. A morte foi sangrenta e foto instantânea. Logo o renegado se levantou de um salto e se dispôs a carregár a presa ao ombro para levá-la dentro, e Lucan ficou em pé.
—chegou o momento de nos pôr em marcha. Vamos.
Ao uníssono, os guerreiros saltaram ao chão e se dirigiram a grande velocidade para o armazém que servia de guarida aos renegados. Lucan, que lhes marcava o caminho, foi o primeiro em alcançar ao vampiro com sua inerte carrega humana. Com uma mão, sujeitou ao renegado pelo ombro e lhe obrigou A dár a volta ao tempo que tirava uma de suas folhas mortíferas da capa que levava no quadril. Golpeou com força e uma pontaría certeira, e decapitou a essa besta com um corte limpo.
As células do renegado começaram a fundir-se imediatamente e este caiu, empapado de sangue, ao chão. O contato da folha de Lucan foi como um ácido que atravessou o sistema nervoso do vampiro. Ao cabo de uns segundos, quão único ficava do renegado era um atoleiro negro e putrefato que se diluía na sujeira do chão.
Mais adiante, na porta, Dante, Tegan e os outros três guerreiros se formavam em um grupo fechado e armado, disposto a iniciar a ação réal. À ordem de Lucan, os seis se introduziram no armazém com as armas A ponto.
Os renegados que se encontravam dentro não tiveram nem idéia do que era o que lhes estava atacando até que Tegan lançou uma adaga que foi cravar se na garganta de um deles. Enquanto o renegado chiava e se retorcia ao desintegrar-se, seus cinco companheiros, enfurecidos, se dispersaram em busca de refúgio ao tempo que tomavam as armas sob a chuva de balas e folhas afiadas que Lucan e seus irmãos lançavam a discrição.
Dois dos renegados caíram ao cabo de uns segundos de haver-se iniciado o enfrentamento, mas os outros dois que ficavam haviam ocultado nas profundidades escuras do armazém. Um deles disparou contra Lucan e Dante desde detrás de um velho montão de gavetas. Os guerreiros esquivaram esse ataque e lhe responderam, o qual lhe fez sair ao descoberto e lhe deu a oportunidade a Lucan de acabar com ele.
Lucan percebeu na periferia de seu campo de visão que o último deles tentava escapar por entre um montão de barris derrubados e de tubos de metal que havia na parte traseira do edifício.
A Tegan tampouco tinha passado desapercebido. O vampiro se precipitou para o renegado como um trem de carga e desapareceu nas prófundidades do armazém em uma mortal perseguição.
—Tudo espaçoso —gritou Gideon desde algum ponto da escuridão fumegante e poeirenta.
Mas assim que o houve dito, Lucan percebeu que um novo perigo se abatia sobre eles. Seu ouvido distinguiu o discreto roce de um movimento sobre sua cabeça. Os lúgubres abajures do teto que se encontravam em cima dos tubos do sistema de ventilação do armazém estavam quase negras de sujeira, mas Lucan estava seguro de que algo avançava pelo telhado.
—Vigiem acima! —gritou aos outros, e nesse momento o telhado caiu e sete renegados mais se deixaram cair de acima disparando com suas armas.
De onde tinham saído? A informação que tinham sobre essa guarida era de confiar: seis indivíduos, provavelmente convertidos em renegados recentemente, que operavam de forma independente, sem nenhuma filiação. Então, quem tinha dado aviso a essa cavalaria para que lhes apóiassem? Como se tinham informado de que havia uma batida?
—Uma maldita emboscada —grunhiu Dante, pondo em voz alta o pensamento de Lucan.
Não era possível que esses novos problemas tivessem aparecido por acaso. Lucan se fixou no mais volumoso dos renegados que se estavam precipitando contra eles nesses momentos e sentiu que uma furia negra lhe fervia no ventre.
Era o vampiro que lhe tinha escapado a noite do assassinato Aos subúrbios da discoteca. O bode da Costa Oeste. O canalha que havia podido matar a Gabrielle e que possivelmente ainda pudesse fazê-lo algum dia se Lucan não acabava com ele nesse preciso momento.
Enquanto Dante e outros respondiam ao fogo do grupo de renegados, Lucan foi unicamente por esse objetivo.
Essa noite ia terminar com ele.
O vampiro vaiou amenaçadoramente ao lhe ver avançar e seu horrível rostro se deformou com um sorriso.
—Encontramo-nos de novo, Lucan Thorne.
Lucan assentiu com expressão lúgubre.
—Pela última vez.
O ódio mútuo fez que ambos os machos se desprendessem das armas para encetar-se em um combate mais pessoal. Em um instante desenfunderam as facas, um em cada mão, e os dois vampiros se prepararam para cercar um combate a morte. Lucan lançou a primeira estocada, e recebeu um perigoso corte no ombro: o renegado lhe tinha esquivado com sigilosa velocidade e se deslocou, em um abrir e fechar de olhos, ao outro lado dele. Tinha as mandíbulas abertas e uma expressão de triunfo ante o primeiro sangue derramado.
Lucan se deu a volta com igual agilidade e suas facas assobiaram perigrosamente perto da cabeça do renegado. O chupão baixou a vista e viu sua orelha direita no chão, A seus pés.
—começou o jogo, imbecil —grunhiu Lucan.
«Com uma vingança.»
Lançaram-se um contra o outro em um torvelinho de fúria com seus acertos frios e mortais. Lucan tinha consciência da batalha que se cercou ao seu redor, de que os guerreiros se estavam enfrentando ao segundo ataque. Mas toda sua concentração, todo seu ódio, centrava-se na afronta pessoal com o renegado que tinha em frente.
Quão único Lucan tinha que fazer para acender-se de fúria era pensar em Gabrielle e no que esta besta lhe tivesse feito.
E alimentou essa fúria: fez retroceder ao renegado estocada atrás de cada, implacável. Não sentiu os golpes que recebeu no corpo, embora foram muitos. Tombou a seu competidor e se preparou a lançar a última e mortífera estocada.
Com um rugido, realizou um profundo corte na garganta do renegado e separou sua enorme cabeça do corpo destroçado. Uns espasmos sacudiram os braços e as pernas do vampiro e este se desabou, retorcendo-se, ao chão. Lucan ainda sentia a fúria martilando com força nas veias; deu a volta à faca que tinha na mão e o cravou com força no peito do renegado para acelerar o processo de desintegração do corpo.
—Santo inferno —exclamou Rio desde algum ponto perto dele com voz seca.
— Lucan, tio, em cima de ti! Há outro nas vigas.
Aconteceu em um instante.
Lucan se deu a volta, sentindo a fúria da batalha em todos os músculos do corpo. Jogou uma olhada para cima, onde Rio havia lhe indicado. Muito acima por cima de sua cabeça outro vampiro renegado se pendurava pelos tubos do teto do armazém com uma coisa sob o braço que parecia ser uma pequena bola de metal. Mas uma pequena luz vermelha parecia rapidamente nesse aparelho e imediatamente ficou acendida.
—Ao chão! —Nikolai levantou sua Beretta trucada e apontou.
— O tipo vai lançar uma maldita bomba!
Lucan ouviu o repentino disparo da arma.
Viu que o renegado recebia o disparo do Niko justo entre os brilhantes olhos amarelos.
Mas a bomba já estava no ar.
Ao cabo de segundo meio, estalou.
Capítulo vinte e sete
Gabrielle se incorporou repentinamente, despertando sobressaltada de outra inquieta cabeçada que acabava de jogar no sofá da sala de estar do Savannah. As mulheres tinham ficado juntas as últimas horas, consolándo-se na companhia mútua, exceto Eva, que se tinha ido a capela para rezar. A companheira de raça estava mais nervosa que as demais e se tinha passado grande parte da tarde caminhando acima e abaixo e mordendo o lábio inferior com impaciência e ansiedade.
Em algum lugar por cima do labirinto de corredores e habitações se ouviram os movimentos surdos e as vozes tensas dos machos. O barulho zumbido do elevador fez vibrar o denso ar da sala e se deram conta de que a cabine estava baixando ao piso principal do complexo.
«OH, Deus.»
Algo ia mau.
Notava-o.
«Lucan.»
Jogou a um lado o xale de felpilla com que se cobria e pôs os pés no chão. O coração lhe tinha desbocado, e lhe encolhia com força a cada pulsado.
—Tampouco eu gosto desses sons —disse Savannah, jogando uma tensa olhada a habitação.
Gabrielle, Savannah e Danika saíram das habitações para ir em busca dos guerreiros. Nenhuma disse nenhuma palavra e com muita dificuldade respiravam enquanto se dirigiam ao elevador.
Inclusive antes de que as portas de aço se abrissem, por causa dos sons precipitados que se ouviam dentro do elevador, fez-se evidente que foram receber más notícias.
Mas Gabrielle não estava preparada para quão más foram ser.
O fedor a fumaça e a sangue a assaltou com a força de um murro. Fez uma careta ante o nauseabundo aroma de guerra e morte mas se esforçou por ver qual era a situação na cabine do elevador. Nenhum dos guerreiros saía dela. Dois estavam tombados no chão da cabine e os outros três estavam agachados ao seu redor.
—Traz umas quantas toalhas e lençóis limpa! —gritou-lhe Gideon a Savannah.
— Traz todas as que possa, menina! —Assim que ela se dispôs a fazê-lo, ele acrescentou:
—Também vamos precisar movê-lo. Há uma cama na enfermaria.
—Eu me ocupo —repôs Niko de dentro do elevador.
Saltou por cima de um dos dois vultos informe que se encontrava tendido de barriga para baixo no chão. Quando passou por seu lado, Gabrielle viu que tinha o rosto, o cabelo e as mãos enegrecidos de fuligem. As roupas estavam rasgadas e a pele salpicada com centenas de arranhões sangrando. Gideon mostrava contusões similares. E Dante também.
Mas suas feridas não eram nada comparadas com as dos dois guerreros da raça que estavam inconscientes e a quem seus irmãos haviam transportado pelas ruas.
O peso que sentiu no coração lhe fez saber de Gabrielle que um deles era Lucan. Aproximou-se um pouco mais e teve que reprimir uma exclamação ao ver confirmados seus temores.
O sangue se formava redemoinhos debaixo de seu corpo, um atoleiro da cor do vinho escuro que se estendia até o mármore branco do corredor. Tinha a vestimenta de couro e as botas feita migalhas, igual à maior parte da pele dos braços e as pernas. O rosto estava cheio de fuligem e de cortes de uma cor escarlate. Mas estava vivo. Gideon lhe moveu para lhe aplicar um torniquete improvisado para parar o sangue de uma ferida que tinha no braço e Lucan soltou um vaio de dor por entre as presas alargadas.
—Porra... sinto muito, Lucan. É bastante profundo. Merda, isto não vai deixar de sangrar.
—Ajuda... ao Rio —pronunciou as palavras com um grunhido apagado. Foi uma ordem direta apesar de que se encontrava convexo de costas—. Estou bem —acrescentou, gemendo de dor.
— Porra... quero que... dê-te... dele.
Gabrielle se ajoelhou ao lado do Gideon. Levantou a mão para sujeitar o extremo da atadura que ele tinha na mão.
—Eu posso fazê-lo.
—Está segura? É uma ferida feia. Tem que colocar as mãos justo aí para apertá-lo com força.
—Tenho-o. —Fez um gesto com a cabeça em direção a Rio, que se encontrava convexo ao lado.
— Faz o que te há dito.
O guerreiro ferido que estava convexo no chão ao lado de Lucan estava sofrendo uma agonia. Ele também sangrava profundamente por quão feridas tinha no torso e a causa do terrível dano que tinha sofrido no braço esquerdo. Levava uma perna envolta em um farrapo empapado de sangue que devia ser uma camisa. Tinha o rosto e o peito queimados e rasgados até tal ponto que era irreconhecível. Começou a emitir uns gemidos graves e guturais que lhe encheram os olhos de lágrimas a Gabrielle.
Piscou para reprimir as lágrimas e, ao abrir os olhos de novo, encontrou-se com os pálidos olhos cinzas de Lucan cravados nela.
—Acabei... com o bode.
—Shh. —Secou-lhe o suor da frente, maltratada.
— Lucan, te esteja quieto. Não tente falar.
Mas ele não fez conta. Tragou saliva com dificuldade e logo se esforçou em pronunciar as palavras.
—o da discoteca... o filho de puta que estava ali essa noite.
—que te escapou?
—Esta vez não. —Piscou devagar. Seu olhar era tão feroz como brilhante.
— Agora não poderá nunca... te fazer danifico...
—Sim—disse em tom irônico Gideon, que se estava ocupando de Rio.
— E tem muita sorte de estar vivo, herói.
Gabrielle sentiu que a angústia lhe atendia a garganta ao olhar a Lucan. Apesar de que tinha afirmado que seu dever era o primeiro e que alguma vez haveria um lugar para ela em sua vida, Lucan tinha pensado nela essa noite? Estava ferido e sangrando a causa, em parte, por algo que tinha feito por ela?
Ela tomou uma de suas mãos entre as suas e lhe acariciou no único lugar do corpo em que podia fazê-lo enquanto a apertava contra o coração.
—OH, Lucan...
Savannah chegou correndo com o que lhe tinham pedido. Niko a seguiu imediatamente, empurrando a maca de hospital diante dele.
—Lucan primeiro —lhes disse Gideon.
— Levem a uma cama e logo voltarei por Rio.
—Não —grunhiu Lucan, com tom de maior determinação que de dor.
— Ajudem a me levantar.
—Não acredito que... —disse Gabrielle, mas ele já estava tentando levantar-se do chão.
—Tranqüilo, chiou.
—Dante entrou no elevador e colocou sua mão forte sob o braço de Lucan. Tombaram-lhe por que não toma um descanso e nos deixa que lhe levemos a enfermaria?
—Hei dito que estou bem. —Lucan, apoiando-se em Gabrielle e em Dante, incorporou-se e se sentou. Respirava com dificuldade, mas permaneceu incorporado.
— recebi uns quantos golpes, mas merda... vou andando até minha cama. Não vou deixar que me... arrastem até aí.
Dante olhou Gabrielle com expressão exasperada.
—Sabe que tem a cabeça tão dura que o diz a sério?
—Sim, sei.
Gabrielle sorriu, agradecida a essa obstinação que o fazia ser forte. Ela e Dante lhe emprestaram o apoio de seus corpos: colocaram-se um a cada lado dele, com os ombros sob cada um de seus braços, e lhe sujeitaram até que Lucan começou a ficar em pé, devagar.
—Por aqui —disse Gideon a Niko, e este colocou a maca no lugar adequado para levantar Rio enquanto Savannah e Danika faziam tudo o que podiam por conter o sangue de suas feridas, por lhe tirar a roupa destroçada e o desnecessário peso das armas.
—Rio? —A voz da Eva soou aguda. Correu até o grupo com o rosario ainda apertado em uma das mãos. Quando chegou ao elevador aberto se deteve imediatamente e agüentou a respiração.
— Rio! Onde está?
—Está aqui dentro, Eva —disse Niko, apartando-se da maca, onde já tinham colocado a Niko, para lhe impedir o passo. Apartou-a dali com mão firme para que não se aproximasse muito ao açougue.
— Houve uma explosão esta noite. Ele se levou a pior parte.
—Não! —levou-se as mãos ao rosto, horrorizada.
— Não, está equivocado. Esse não é meu Rio! Não é possível!
—Está vivo, Eva. Mas terá que ser forte por ele.
—Não! —Começou a chiar grosseiramente, histérica, enquanto tentava abrir passo com a força para aproximar-se de seu companheiro.
— Meu Rio não! Deus, não!
Savannah se aproximou e tomou a Eva do braço.
—Vamos agora —lhe disse com suavidade.
— Eles sabem como lhe ajudar.
Os soluços da Eva alagaram o corredor e encheram a Gabrielle de uma angústia íntima que era uma mescla de alívio e de medo frio. Estava preocupada com Rio, e lhe rompia o coração pensar no que Eva devia estar sentindo. Gabrielle sabia que isso lhe doía em parte porque Lucan tivesse podido encontrar-se no lugar de Rio. Uns quantos milímetros, umas frações de segundo, podiam ter sido quão único tinha determinado qual dos dois guerreiros ia estar convexo em um crescente atoleiro de sangue lutando por manter-se vivo.
—Onde está Tegan? —perguntou Gideon, sem apartar a atenção de seus próprios dedos com os quais, e com movimentos rápidos, ocupava-se de curar ao guerreiro cansado.
— retornou já?
Danika negou com a cabeça, mas olhou a Gabrielle com olhos angustiados.
—por que não está aqui? Não estava com vocês?
—Perdemo-lhe de vista muito pouco tempo depois de que entrássemos na guarida dos renegados —lhe disse Dante.
— Quando estalou a bomba, nosso principal objetivo foi trazer Rio e a Lucan ao complexo o mais breve possível.
—vamos mover isto —disse Gideon, colocando-se a cabeça da cama de Rio.
— Niko, me ajude a mover isto.
As perguntas a respeito do Tegan se apagaram enquanto todo mundo trabalhava em excesso em fazer todo o possível para ajudar a Rio. Todos percorreram o caminho até a enfermaria. Gabrielle, Dante e Lucan eram os que se deslocavam com maior lentidão pelo corredor: Lucan se cambaleava sobre os pés e se sujeitava a eles dois enquanto se esforçava por manter-se em pé com firmeza.
Gabrielle reuniu valor para lhe olhar. Desejava tanto lhe acariciar o rosto ferido e cheio de sangue. Enquanto lhe olhava com o coração encolhido, ele levantou as pálpebras e a olhou aos olhos. Ela não sabia o que era o que se estabeleceu entre eles durante esse comprido instante de quietude no meio do caos, mas sentiu que era algo quente e bom Apesar de tudo quão terríveis tinham sido os sucessos dessa noite.
Quando chegaram À habitação onde foram atender a Rio, Eva ficou a um lado da maca, ante seu corpo quebrado. As lágrimas lhe caíam pelas bochechas.
—Isto não tinha que ter acontecido —gemeu—. Não deveria ter sido meu Rio. Não desta maneira.
—Faremos tudo o que possamos por ele —disse Lucan, respirando com dificuldade por causa de suas próprias feridas—. Lhe prometo isso, Eva. Não lhe deixaremos morrer.
Ela negou com a cabeça, com o olhar fixo em seu companheiro tendido na cama. Acariciou-lhe o cabelo e Rio murmurou umas palavras incoerentes, semi inconsciente e com uma clara expressão de dor.
—Quero-lhe fora daqui imediatamente. Deveria ser transladado a um Refúgio. Necessita atenção médica —disse Eva.
—Seu estado não é o bastante estável para que lhe translade —repôs Gideon.
— Tenho os conhecimentos necessários e a equipe adequada para lhe tratar aqui por agora.
—Quero-lhe fora daqui! —Levantou a cabeça súbitamente e dirigiu o olhar brilhante de um guerreiro a outro.
— Não resulta de utilidade para nenhum de vocês agora, assim me deixem isso . Já não lhes pertence, a nenhum de vocês. Agora é completamente meu! Somente quero o melhor para ele!
Gabrielle notou que o braço de Lucan entrava em tensão por causa dessa reação histérica.
—Então tem que te apartar de diante do Gideon e deixar que faça seu trabalho —lhe disse, assumindo com facilidade o papel de líder apesar de sua má condição física.
— Agora mesmo, quão único importa é manter com vida Rio.
—Você —disse Eva, em tom seco enquanto lhe dirigia um olhar severo. Seus olhos mostraram um brilho mais selvagem e seu rosto se transformou em uma máscara de puro ódio.
— Deveria ser você quem se estivesse morrendo agora mesmo, e não ele! Você, Lucan. Esse foi o trato que fiz! Sabiam que tinha que ser você!
Na enfermaria pareceu abrir um abismo que se tragasse todo som exceto a surpreendente verdade do que a companheira de Rio acabava de confessar.
Dante e Nikolai se levaram as mãos as armas, ambos os guerreiros dispostos a responder a mais ligeira provocação. Lucan levantou uma mão para contê-los com o olhar fixo na Eva. A verdade era que não lhe importava absolutamente que sua malevolência se dirigisse diretamente contra ele; se ele tinha sido uma espécie de alvo para sua fúria, havia sobrevivido a isso . Rio possivelmente não o fizesse. Qualquer dos irmãos presente na batida dessa noite tivesse podido não sobreviver a traição da Eva.
—Os renegados sabiam que íamos estar ali —disse Lucan em um tom frio por causa de uma profunda fúria.
— Caímos em uma emboscada no armazém. Você o preparou.
Outros guerreiros emitiram uns grunhidos guturais. Se a confissão a tivesse feito um macho, Lucan tivesse podido fazer muito pouco para impedir a seus irmãos que atacassem com uma força letal. Mas se tratava de uma companheira de raça, uma dos seus. Alguém a quem conheciam e em quem confiavam desde fazia mais de uma vida.
Agora Lucan olhava a Eva e via uma desconhecida. Viu loucura. Um desespero mortal.
—Rio tinha que salvar-se. —inclinou-se sobre ele e lhe passou o antebraço por debaixo da cabeça enfaixada. O emitiu um som descarnado e indecifrável enquanto Eva lhe abraçava.
— Eu não queria que ele tivesse que lutar mais. Não, por vocês.
—Assim preferiria lhe ver destroçado, em lugar disso? —perguntou-lhe Lucan.
— Assim é como lhe quer?
—Amo-lhe! —gritou ela.
— O que tenho feito, tudo o que tenho feito, foi por amor a ele! Rio será mais feliz em algum outro lugar, longe de toda esta violência e morte. Será mais feliz em um Refúgio Escuro, comigo longe de sua maldita guerra!
Rio emitiu o mesmo som gutural, mas agora soou mais lastimero. Não cabia dúvida de que era um som de agonia, embora se era devido à dor física ou a inquietação pelo que estava acontecendo ao seu redor não estava claro.
Lucan negou com a cabeça lentamente.
—Essa é uma afirmação que você não pode fazer por ele, Eva. Não tem direito. Esta é a guerra de Rio, tanto como a de qualquer outro. É no que ele acreditava, no que sei que ainda crie, inclusive depois do que lhe tem feito. Esta guerra concerne a toda a raça.
Ela franziu o cenho com gesto azedo.
—Resulta irônico que o cria, dado que você mesmo estiveste a ponto de te converter em um renegado.
—Jesucristo —exclamou Dante de onde se encontrava, perto.
— Esta equivocada, Eva. Está terrivelmente equivocada.
— Ah, sim? —Ela continuou cravando o olhar em Lucan com expressão sádica.
— Te estive observando, Lucan. Vi-te lutar contra a sede quando acreditava que não havia ninguém perto. Sua aparência de controle não me engana.
—Eva —disse Gabrielle. Sua voz tranqüila foi um bálsamo para todos os que se encontravam na habitação.
— Está alterada. Não sabe o que está dizendo.
Ela rio.
—lhe peça que o negue. lhe pergunte por que se priva de sangue até que está quase a ponto de morrer de sede!
Lucan não disse nada em resposta a essa acusação pública, porque sabia que era verdade.
Também sabia Gabrielle.
Sentiu-se comovido de que lhe defendesse, mas nesses momentos não se tratava tanto dele como de Rio e do engano que ia destroçar a esse guerreiro. Possivelmente já o tinha feito, a julgar pelo crescente movimento de suas pernas e pelo esforço que realizava para falar apesar das feridas.
—Como fez esse trato, Eva? Como entrou em contato com os renegados, em uma de suas excursões fora?
Ela bufou com gesto de brincadeira.
—Não foi tão difícil. Há serventes passeando por toda a cidade. Somente tem que olhar fora. Encontrei a um e lhe disse que me pusesse em contato com seu chefe.
—Quem era? —perguntou Lucan—. Que aspecto tinha?
—Não sei. Somente nos encontramos uma vez e manteve o rosto oculto. Levava uns óculos escuros e teve as luzes da habitação do hotel apagadas. Não me importava nem quem era nem que aspecto tinha. O único que me importava era que tivesse o poder suficiente para fazer que as coisas ocorressem. Somente queria sua promessa.
—Imagino que te fez pagar por isso.
—Foram somente um par de horas com ele. Tivesse pago algo —disse, agora sem olhar a Lucan nem aos outros, que a olhavam com expressão de desagrado, mas sim manteve a vista fixa em Rio.
— Faria algo por ti, querido. Suportaria. .. algo.
—Possivelmente vendeu seu corpo —disse Lucan—, mas foi a confiança de Rio o que traiu.
Dos lábios de Rio surgiu um som áspero. Eva lhe arrulhava e o acariciou. Ele abriu as pálpebras e se ouviu sua respiração, oca e esforçada, enquanto tentava pronunciar umas palavras.
—Eu... —Tossiu e seu corpo maltratado sofreu um espasmo—. Eva...
—OH, meu amor... sim. Estou aqui! —gritou—. Me diga o que queira, carinho.
—Eva... —De sua garganta não saiu nenhum som durante uns instantes, mas voltou a tentá-lo.
— Eu... lhe... acuso.
—O que?
—Morta... —Gemeu. Sem dúvida a dor psicológica era maior que a fisica, mas a ferocidade de seus olhos brilhantes e injetados em sangue diziam que não ia se deter.
— Já não existe... para mim... está... morta.
—Rio, é que não o compreende? Tenho-o feito por nós!
—Vai —disse ele com voz entrecortada.
— Não te quero ver... nunca mais.
—Não o pode dizer a sério. —Levantou a cabeça e seus olhos procuravam freneticamente um ponto onde posar-se.
— Não o diz a sério! Não é possível! Rio, me diga que não fala a sério!
Alargou a mão para lhe tocar, mas ele emitiu um grunhido e utilizou a pouca força que ficava para rechaçar seu contato. Eva soluçou. O sangue das feridas dele cobria a parte dianteira da roupa. Baixou a vista até as manchas e logo olhou a Rio, que agora a tinha afastado dele por completo.
O que aconteceu a seguir durou somente uns segundos como máximo, mas foi como se o tempo se houvesse ralentizado a uma lentidão implacável.
O olhar aniquilado da Eva caiu sobre o cinturão das armas de Rio, que estava no chão ao lado da cama.
Uma expressão de determinação se formou em seu rosto e se lançou por volta de uma das facas.
Levantou a adaga brilhante por cima de seu rosto.
Sussurrou a Rio que sempre lhe amaria.
Então girou a faca que tinha na mão e o cravou a si mesmo na garganta.
—Eva, não! —gritou Gabrielle. Seu corpo reagiu automaticamente, como se acreditasse que podia salvar À outra fêmea.
— OH, Meu deus, não!
Mas Lucan a sujeitou ao seu lado. Rapidamente tomou entre os braços e lhe fez girar o rosto para seu peito para evitar que visse Eva cortar sua próprio jugular e cair, sangrando e sem vida, ao chão.
Capítulo vinte e oito
Recém tomada banho, nas habitações de Lucan, Gabrielle se secou com uma toalha o cabelo molhado e colocou em cima um suave penhoar. Estava exausta depois de ter acontecido a maior parte do dia com o Savannah e Danika ajudando a Gideon a atender a Rio e a Lucan. No complexo todo mundo se encontrava em um estado de surda incredulidade por causa da traição de Eva e do trágico desenlace: Eva morta por sua própria mão e Rio agarrado precariamente a vida.
Lucan se encontrava em mal estado físico, além disso, mais fiel a sua palavra a sua obstinação, tinha abandonado a enfermaria por seus próprios pés pra ir descansar a suas habitações pessoais. Gabrielle estava assombrada de que ele tivesse aceito algum tipo de cuidado, mas a verdade era que as outras mulheres e ela mesma não lhe tinham deixado muitas posibilidades de rechaçá-lo.
Gabrielle se sentiu invadida pelo alívio ao abrir a porta do banho e lhe encontrar sentado na enorme cama com as costas apoiada na cabecera, sobre um montão de almofadas. Tinha uma bochecha e a frente cheias de pontos e as vendagens lhe cobriam a maior parte do largo peito e das pernas, mas se estava recuperando. Estava inteiro e, com o tempo, curaria-se.
Igual a ela, ele não levava nada em cima exceto um penhoar branco; isso era quão único as mulheres lhe tinham permitido ficar em cima, depois de ter acontecido horas limpando e lhe curando as contusões e as feridas cheias de metralha que tinha em quase todo o corpo.
—Sente-se melhor? —perguntou-lhe Lucan, olhando-a enquanto ela passava os dedos pelo cabelo úmido para apartar-lhe do rosto.
— pensei que teria fome ao sair do banho.
—A verdade é que morro de fome.
Ele assinalou uma robusta mesa de coquetel que se encontrava na salinha do dormitório, mas o olfato de Gabrielle já tinha detectado o impressionante bufé. O aroma de pão francês, a alho e especiarias, a molho de tomate e a queijo alagava a habitação. Viu um prato de verduras e um tigela cheio de fruta fresca, e inclusive uma coisa escura com aspecto de chocolate em meio das outras tentações. aproximou-se para jogar uma olhada mais de perto e o estômago lhe retorceu de fome.
—Manicotti —disse, inalando o aromático aroma da massa. Ao lado de uma taça de cristal havia uma garrafa de vinho tinjo aberta.
— E Chianti?
—Savannah queria saber se você tinha algum alimento preferido. Isso foi o único que me ocorreu.
Essa era a comida que ela preparou a noite em que ele tinha ido a seu apartamento para lhe devolver o telefone celular. A comida que ficou fria, esquecida, em cima do mármore da cozinha enquanto ela e Lucan ficavam como coelhos.
—recordou o que eu tinha cozinhado essa noite?
Ele se encolheu de ombros ligeiramente.
—Sente-se. Come.
—Somente há um assento.
—Está esperando uma visita?
Ele olhou.
—De verdade não pode comer nada disto? Nem sequer um mordisco?
—Se o fizesse, somente poderia agüentar uma pequena quantidade no estômago. —Fez-lhe um gesto para que se sentasse.
— Comer os mantimentos dos humanos é somente algo que fazemos pelas aparências.
—De acordo. —Gabrielle se sentou no chão com as pernas cruzadas. Tirou o guardanapo de linho debaixo dos talheres e a colocou em cima do regaço.
— Mas não me parece justo me pôr morada diante de ti.
—Não se preocupe por mim. Já recebi muitas cuidados e cuidados femininos por hoje.
—Como quer.
Ela estava muito faminta para esperar um segundo mais e a comida tinha um aspecto muito delicioso para resistir. Com o garfo, Gabrielle cortou uma parte de manicotti e o degustou em um estado de absoluto êxtase. Comeu a metade do prato em um tempo recorde e somente fez uma pausa para encher a taça de vinho, que também bebeu com um prazer voraz.
Durante todo o tempo Lucan a esteve olhando da cama.
—Está bom? —perguntou-lhe em um momento em que lhe olhava por cima do bordo da taça de vinho enquanto tomava um sorvo.
—Fantástico —murmurou ela e encheu a boca de verduras com vinagrete. Sentia o estômago muito mais tranqüilo agora. Comeu o resto da salada, serviu outro copo do Chianti e se recostou com um suspiro.
— Obrigado por isso. Tenho que dar as graças a Savannah também. Não tinha por que haver-se incomodado tanto.
—Agrada-lhe —disse Lucan com uma expressão atenta mas indescifravel.
— Foi de grande ajuda ontem de noite. Obrigado por cuidar de Rio e dos outros. De mim, também.
—Não tem por que me dizer obrigado.
—Sim, tenho que fazê-lo. —Franziu o cenho e uma pequena ferida que tinha costurada, na frente, inchou-se com o movimento.
— Foi amavel e generosa durante todo o tempo e eu... —interrompeu-se e disse algo inaudível.
— Te agradeço o que tem feito. Isso é tudo.
«OH —pensou ela.
— Isso é tudo.» Inclusive sua gratidão aparecia depois de uma barreira emocional.
De repente se sentiu como uma estranha com ele nesse momento, assim que lhe deu vontade de trocar de tema.
—ouvi que Tegan voltou de uma peça.
—Sim. Mas Dante e Niko estiveram a ponto de destroçá-lo quando lhe viram por ter desaparecido durante a batida.
—O que lhe aconteceu a outra noite?
—Quando as coisas ficaram feias, um dos renegados tentou sair por uma porta traseira do armazém. Tegan lhe perseguiu até a rua. Ia acabar com esse chupão, mas decidiu lhe seguir primeiro para ver aonde ia. Perseguiu-lhe até o velho psiquiátrico que se encontra fora da cidade. Esse lugar estava infestado de renegados. Se havia alguma duvida, agora já estamos seguros de que é uma enorme colônia. Próvavelmente seja o quartel geral desta Costa.
Gabrielle sentiu um calafrio ao pensar que tinha estado nesse psiquiátrico, que tinha estado dentro dele, sem saber que era um refúgio de rénegados.
—Tenho umas quantas fotos do interior. Ainda estão em minha câmara. Não tive tempo das descarregar, ainda.
Lucan tinha ficado imovel e a olhava como se ela houvesse acabado de lhe dizer que tinha estado jogando com amadurecidas. Seu rosto pareceu empalidecer um pouco mais ainda.
—Não somente foi ali mas sim entrou nesse lugar?
Ela se encolheu de ombros, sentindo-se culpado.
—Jesus Cristo, Gabrielle. —Baixou as pernas da cama e ficou sentado ali um momento comprido, simplesmente olhando-a. Demorou um momento em poder pronunciar as palavras.
— eles poderiam ter te matado. Dá-te conta disso?
—Mas não o fizeram —respondeu; uma pobre observação, mas um feito.
—Não é esse o tema. —passou-se as duas mãos pelo cabelo das têmporas.
— Merda. Onde está sua câmara? '
—Deixei-a no laboratório.
Lucan tomou o telefone que tinha ao lado da cama e marcou o número do intercomunicador. Gideon respondeu no outro extremo da linha.
—Né, o que há? Tudo vai bem?
—Sim —disse Lucan, mas estava olhando a Gabrielle.
— Diga a Tegan que deixe o reconhecimento do psiquiátrico de momento. Acabo-me de me interar de que temos fotos do interior.
—Sério? —fez-se uma pausa—. Ah, porra. Quer dizer que ela de verdade entrou nesse maldito lugar?
Lucan a olhou e arqueou uma sobrancelha com uma expressão como de «lhe havia dito».
—Descarrega as imagens da câmara e diga aos outros que nos reunirémos dentro de uma hora para decidir a nova estratégia. Acredito que nos economizamos um tempo crucial com isto.
—Bem. Vemo-nos as quatro.
A chamada terminou com um som do intercomunicador.
—Tegan ia voltar para o psiquiátrico?
—Sim —respondeu Lucan.
— Provavelmente era uma missão suicida, já que ele foi tão louco que insistiu em que se infiltraria sozinho esta noite para conseguir informação sobre o lugar. Embora ninguém ia convencer lhe de que não o fizesse, e muito menos eu.
Levantou-se da cama e começou a inspecionar-se algumas das bandagem. Fez um movimento que lhe abriu o penhoar, mostrando a maior parte do peito e o abdômen. As marca que tinha no peito tinham um pálido tom de henna, viam-se mais claras que a noite anterior. Agora tinham quase a mesma cor que o resto de seu corpo. Torradas e quase sem cor.
—Por que Tegan e você têm tão má relação? —perguntou-lhe sem mover a vista de cima ao atrever-se a lhe fazer essa pergunta que tinha tido na cabeça do momento em que Lucan tinha pronunciado o nome do guerreiro.
— O que aconteceu entre vocês?
Ao princípio pensou que ele não ia dizer nada. Ele continuou inspecionando as feridas, flexionando os braços e as pernas em silêncio. Então, justo no momento em que ela ia desistir, ele disse:
—Tegan me culpa de lhe haver tirado algo que era dele. Algo que ele amava. —Olhou-a diretamente agora:
— Sua companheira de raça morreu. Em minhas mãos.
—Deus santo —sussurrou ela.
— Lucan, como foi?
Ele franziu o cenho e apartou o olhar outra vez.
—As coisas eram diferentes quando Tegan e eu nos conhecemos ao principio. A maioria dos guerreiros decidia não ter nenhuma companheira porque os perigos eram muito grandes.
Naquela época, fomos muito poucos na Ordem, e proteger as nossas famílias era algo muito difícil dado que o combate nos obrigava a estar quilômetros de distância e, freqüentemente, durante muitos meses.
—E os Refúgios Escuros? Não tivessem podido lhes oferecer amparo?
—Havia menos refúgios, também. E ainda eram menos os que ouvessem arriscado a aceitar o risco de albergar a uma companheira de raça de um guerreiro. Nós e nossos seres queridos fomos um branco constante da violência dos renegados. Tegan sabia tudo isto, mas de todas formas estabeleceu um vínculo com uma fêmea. Não muito tempo depois, ela foi capturada pelos renegados. Torturaram-na. violaram-na. E antes de devolve-la ele, chuparam-lhe quase todo o sangue. Ela se haviabía ficado vazia; pior que isso, converteu-se em uma servente do renegado que a tinha destroçado.
—OH, Meu Deus —exclamou Gabrielle, horrorizada.
Lucan suspirou, como se o peso dessas lembranças fora muito para ele.
—Tegan se voltou louco de fúria. Comportou-se como um animal, assassinando tudo aquilo que encontrava ao seu passo. Acostumava a estar tão coberto de sangue que muitos pensavam que se banhava nela. Se recriava em sua fúria e, durante um ano, negou-se a aceitar o fato de que sua companheira de raça tinha perdido a cabeça para sempre. Continuou alimentándo-a de suas veias, sem querer ver sua degradação. Alimentava-se para alimentar a ela. Não lhe importava o fato de que se estava precipitando para a sede de sangue. Durante todo esse ano desafiou a lei da raça e não a tirou de seu sofrimento. Quanto a Tegan, estava-se voltando pouco a pouco em um renegado. Terei que fazer algo...
Gabrielle terminou a frase que ele tinha deixado incompleta.
—E como líder, foi tua responsabilidade entrar em ação.
Lucan assentiu com expressão triste.
—Coloquei a Tegan em uma cela de grossos muros de pedra e utilizei a espada com sua companheira de raça.
Gabrielle fechou os olhos ao perceber seu arrependimento.
—OH, Lucan...
—Tegan não foi liberado até que seu corpo ficou limpo da sede de sangue. Fizeram falta muitos meses de passar fome e de sofrer uma completa agonia para que pudesse sair da cela por seu próprio pé. Quando soube o que eu tinha feito, acreditei que tentaria me matar. Mas não o fez. Tegan que eu conhecia não foi o que saiu dessa cela. Era alguém muito mais frio. Nunca o há dito, mas sei que me odeia desde esse momento.
—Não tanto como você odeia a você mesmo.
Ele tinha as mandíbulas apertadas com força e uma expressão tensa no rosto.
—Estou acostumado a tomar decisões difíceis. Não tenho medo de assumir as tarefas mais duras, nem de ser o objetivo da raiva, inclusive do ódio, por causa das decisões que tomo para a melhora da raça. Importa-me um nada tudo isso.
—Não, não é verdade —disse ela com suavidade—. Mas teve que fazer mau a um amigo, e isso foi um grande peso para ti durante muito, muito tempo.
Ele a olhou com intenção de discutir, mas possivelmente não tinha a força necessaria para isso. Depois de tudo pelo que tinha passado se sentia cansado, destroçado, embora Gabrielle não acreditava que ele estivesse disposto a admiti-lo, nem sequer ante ela.
—Você é um homem bom, Lucan. Tem um coração muito nobre debaixo dessa dura armadura.
Ele emitiu um grunhido irônico.
—Somente alguém que me conheça desde umas poucas semanas atrás pode cometer o engano de pensar isto.
—De verdade? Pois eu conheço uns quantos aqui que lhe diriam o mesmo. Incluindo Conlan, se estivesse vivo.
Ele franziu o cenho com expressão atormentada.
—O que sabe você disso?
—Danika me contou o que fez por ele. Que lhe levou acima durante a saída do sol. Para lhe honrar, queimou-te.
—Jesucristo —exclamou ele em tom cortante, ficando imediatamente em pé. Começou a caminhar acima e abaixo em um estado de grande excitação e ao final se deteve repentinamente ao lado da cama. Falou com voz rouca, como um rugido quase incontrolável.
— A honra não teve nada que ver com isso. Quer saber por que o fiz? Foi por um terrível sentimento de culpa. A noite da bomba na estação de trem eu tinha que ter estado cumprindo com essa missão ao lado do Niko, e não Colan. Mas não te podia tirar de minha cabeça. Pensei que, possivelmente, se te tinha. .. se finalmente entrava dentro de você... isso satisfaria minha ânsia e poderia continuar adiante, te esquecer. Assim que essa noite fiz que Conlan fora em meu lugar. Tivesse tido que ser eu, e não Conlan. Tinha que ter sido eu.
—Meu Deus, Lucan. É incrível. Sabia? —Deixou cair as mãos com força em cima da mesa e emitiu uma gargalhada furiosa.
— por que não pode te relaxar um pouco?
Essa reação incontrolada lhe chamou a atenção como nenhuma outra coisa o tinha feito. Deixou de caminhar de um lado a outro e a olhou.
—Você sabe por que —repôs com tom tranqüilo agora.
— Você sabe melhor que ninguém. —Meneou a cabeça com uma expressão de desgosto consigo mesmo nos lábios.
— Resulta que Eva também sabia algo à respeito.
Gabrielle recordou a impactem cena da enfermaria. Todo mundo se tinha ficado horrorizado ante os atos da Eva, e assombrado pelas loucas acusações contra Lucan. Todos menos ele.
—Lucan, o que ela disse...
—Tudo é certo, tal e como você mesma viu. Mas você ainda me defendeu. Foi a segunda vez que ocultaste minha debilidade ante outros. —Franziu o cenho e girou a cara.
— Não vou pedir te que o faça outra vez. Meus problemas são minha coisa.
—E precisa solucioná-los.
—O que preciso é me vestir e jogar uma olhada a essas imagens que Gideon está descarregando. Se nos oferecerem a informação suficiente sobre a distribuição do psiquiátrico, podemos atacar esse lugar esta noite.
—O que quer dizer, atacá-lo esta noite?
—Acabar com ele. Fechá-lo. Fazê-lo voar pelos ares.
—Não é possível que fale a sério. Você mesmo há dito que possívelmente esteja cheio de renegados. De verdade crie que você e três tipos mais vão sobreviver se lhes enfrentam a um número desconhecido deles?
—Temos feito antes. E seremos cinco —disse, como se isso o fosse distinto.
— Gideon há dito que quer participar do que façamos. Vai ocupar o lugar de Rio.
Gabrielle se burlou, incrédula.
—E o que me diz de você? Quase não te tem em pé.
—Estou caminhando. Estou o bastante bem. Eles não esperam que contrataquemos tão logo, assim é o melhor momento para dar o golpe.
—Deve ter perdido a cabeça. Precisa descansar, Lucan. Não está em condições de fazer nada até que não recupere a força. Precisa te curar. —Observou que ele apertava as mandíbulas: um tendão lhe marcou por debaixo de uma de suas esbeltas bochechas. A expressão de seu rosto era mais dura do habitual, seus rasgos pareciam muito afilados.
— Não pode sair aí fora tal como está.
—Hei dito que estou bem.
Pronunciou as palavras precipitadamente e em um tom rouco e gutural. Voltou a olhá-la e seus olhos chapeados se viam atravessados por umas brilhantes línguas de cor âmbar, como se o fogo lambesse o gelo.
—Não o está. Nem muito menos. Precisa te alimentar. Seu corpo sofreu muito ultimamente. Precisa te nutrir.
Gabrielle sentiu que uma onda fria alagava a habitação e soube que próvinha dele. Estava provocando sua fúria. Lhe tinha visto em seus piores momentos e tinha vivido para contá-lo, mas possivelmente agora estava pressioando muito. dava-se conta de que ele estava inquieto e tenso e de que se controlava com força desde que a tinha levado a complexo. Agora ele estava no fio, perigosamente; de verdade queria ser ela quem lhe empurrasse ao outro lado da linha de seu autocontrole?
«A merda.» Possivelmente era isso o que fazia falta.
—Tem o corpo destroçado agora, Lucan, não somente por causa das feridas. Está débil. E tem medo.
—Medo. —Dirigiu-lhe um olhar frio e depreciativo, com um sarcasmo gelado.
— Do que?
—De você mesmo, para começar. Mas acredito que inclusive tem mais medo de mim.
Ela esperava uma refutação foto instantânea, fria e desagradável, acorde com a sombria raiva que emanava dele como a gelada. Mas ele não disse nada. Olhou-a durante um comprido momento, logo se deu a volta e se alojo, um pouco tenso, em direção a um armário alto que havia ao outro extremo da habitação.
Gabrielle permaneceu sentada no chão e lhe observou abrir abruptamente as gavetas, tirar umas roupas e as lançar sobre a cama.
—O que está fazendo?
—Não tenho tempo de discutir isto contigo. Não tem sentido.
Um armário alto que continha armas se abriu antes de que ele o tocasse: suas comporta se deslizaram ao redor das dobradiças com uma violenta sacudida. ele se aproximou a passo lento e estirou uma prateleira dobradiça. Em cima da superfície de veludo da prateleira havia pelo menos uma dúzia de adagas e outras armas brancas de aspecto letal ordenadas em filas. Com um gesto descuidado, Lucan tomou duas grandes facas embainhadas em pele. Abriu outro das prateleiras e escolheu uma pistola de aço inoxidável gentil que parecia saída de um terrível filme de ação.
— Como você não gosta do que estou dizendo vais sair fugindo? —ele nem a olhou nem soltou nenhuma maldição como resposta. Não, ignorou-a por completo, e isso a tirou de gonzo completamente.
— Adiante, pois. Finge que é invencível, que não está morto de medo de deixar que alguem se preocupe de ti. Escapa de mim. Isso somente demonstra que tenho razão.
Gabrielle sentiu uma absoluta desesperança enquanto Lucan tirava a munição do armário e a introduzia no carregador da pistola. Nada do que ela pudesse dizer ia deter lhe. Sentia-se necessitada, como se intentasse rodear com os braços uma tormenta.
Apartou o olhar dele e dirigiu os olhos a mesa frente à qual estava sentada, Aos pratos e aos talheres que tinha diante. Viu uma faca limpa em cima da mesa; polida a folha brilhava.
Não podia lhe reter com palavras, mas havia outra coisa...
Subiu a manga larga da bata. Com muita tranqüilidade, com a mesma determinação atrevida de que se valeu centenas de vezes anteriormente, Gabrielle tomou a faca e apertou o fio contra a parte mais carnuda de seu antebraço. Realizou pouca pressão, um muito ligeiro corte sobre sua pele.
Não soube qual dos sentidos de Lucan foi o que reagiu primeiro, mas levantou a cabeça imediatamente e soltou um rugido. Ela se deu conta de que o que tinha feito ressonava em cada um dos móveis da habitação.
—Maldita seja... Gabrielle!
A folha saiu voando de sua mão, chegou ao outro extremo da habitação e foi cravar se até o punho na parede mais afastada da mesma.
Lucan se moveu com tanta rapidez que ela quase não pôde perceber seus movimentos. Um momento antes ele tinha estado em pé a uns metros de distância da cama e ao cabo de um instante uma de suas enormes mãos lhe sujeitava os dedos e atirava dela para que ficasse em pé. O sangue emanava pela fina linha do corte, suculenta, de uma profunda cor carmesí, e gotejava ao longo de seu braço. A mão de Lucan ainda sujeitava com força a sua.
Ele, ao seu lado, parecia uma muito alta torre escura e ardente de fúria.
O peito agitado, as fossas nasais dilatadas enquanto seu fôlego saía e entrava em seus pulmões. Seu formoso rosto estava contraído por causa da angústia e a indignação, e seus olhos ardiam com o inconfundível calor da sede. Não ficava nem rastro de sua cor cinza e suas pupilas se esgotaram formando duas finas linhas negras. As presas lhe haviam alargado e as pontas, afiadas e brancas, brilhavam por debaixo do depravaso sorriso de seus lábios.
—Agora tenta dizer que não necessita o que te estou oferecendo —lhe sussurrou ela com ferocidade.
O suor aparecia a frente enquanto observava a ferida fresca e o sangue. Lambeu-se os lábios e pronunciou uma palavra em outro idioma.
Não soou amistosa.
—por que? —perguntou, em tom acusador.
— Por que me faz isto?
—De verdade não sabe? —Lhe agüentou o furioso olhar, acalmando sua raiva enquanto umas gotas de sangue salpicavam com uma cor carmesí a brancura da bata.
— Porque te amo, Lucan. E isto é quão único posso te dar.
Capítulo vinte e nove
Lucan acreditava que sabia o que era a sede. Acreditava que conhecia a fúria e o desespero —o desejo, também— mas todas as míseras emoções que tinha sentido durante sua eterna vida se desfizeram como o pó quando olhou aos desafiantes olhos marrons de Gabrielle.
Tinha os sentidos embargados, afogados no doce aroma de jasmim de seu sangue, essa fonte perigosamente perto de seus lábios. De um brilhante cor vermelha, denso como o mel, um fio carmesim brotava pela pequena ferida que ela se fez.
—Amo-te, Lucan. —Sua suave voz se abriu passo Através do som dos batimentos do coração de seu próprio coração e da imperiosa necessidade que agora lhe atendia.
— Com ou sem vínculo de sangue, amo-te.
Ele não podia falar, nem sequer sabia o que houvesse dito se sua garganta seca tivesse sido capaz de emitir alguma palavra. Com um grunhido selvagem, separou-a dele, muito fraco para permanecer ao lado dela agora que sua parte escura lhe empurrava a fazê-la sua dessa forma firme e errevogavel.
Gabrielle caiu sobre a cama; a bata com muita dificuldade cobria sua nudez. Umas brilhantes mancha lhe salpicavam a manga branca e a lapela. Tinha outra mancha vermelha sobre a coxa, de uma vivido cor escarlate que contrastava com o tom de sua pele.
Deus, como desejava levar os lábios até essa sedosa ferida na carne, e por todo seu corpo. Somente o seu.
«Não.»
A ordem lhe saiu em um tom tão seco como as cinzas. Sentia o ventre atendido pela dor, retorcido e como cheio de nós. O fazia desfalecer. Os joelhos lhe falharam assim que tentou dár a volta para apartar essa imagem tentadora dela, aberta e sangrando, como um sacrificio devotado a ele.
Deixou-se cair sobre o tapete do chão, uma massa inerte de músculo e ossos, lutando contra uma necessidade que não tinha conhecido até esse momento. Lhe estava matando. Esta ânsia dela, como se sentia desgarrado ao pensar que ela podia estar com outro macho.
E além disso, a sede.
Nunca tinha sido tão intensa como quando Gabrielle estava perto. E agora que seus pulmões se encheram com o perfume de seu sangue, sua sede era devoradora.
—Lucan...
Ele percebeu que ela se separava da cama. As suaves pisadas de seus pés soaram no tapete e estes apareceram lentamente ante sua vista, as unhas pintadas como a fina laca de umas conchas. Gabrielle se agachou ao seu lado. Ele sentiu a suavidade da mão dela em seu cabelo, e logo a sentiu sob seu queixo, levantando a cabeça para lhe olhar ao rosto.
—Bebe de mim.
Ele apertou os olhos com força, mas foi um intento débil de rechaçar o que lhe oferecia. Não tinha a força necessária para lutar contra a força tenra e incessante dos braços dela, que agora lhe atraíam para si.
Lucan cheirava o sangue no pulso dela: cheiraria tão de perto lhe despertou uma furiosa corrente de adrenalina que lhe atravessou. A boca lhe fez água, as presas lhe alargaram mais, esticando as gengivas. Provocou mais lhe levantando o torso do chão. Com uma mão se apartou o cabelo a um lado tirando o chapéu o pescoço para ele.
Ele se removeu, mas lhe sujeitou com firmeza. Atraiu-lhe mais para ela.
—Bebe, Lucan. Toma o que necessite.
Inclinou-se para frente até que somente houve um sopro de ar entre os relaxados lábios dele e o delicado pulso que pulsava debaixo a pele pálida debaixo de sua orelha.
—Faz-o —sussurrou ela, e lhe atraiu para si.
Pressionou os lábios com força contra seu pescoço.
Ele agüentou nessa posição durante uma eternidade de angústia. Mas somente demorou uma fração de segundo em pôr a ceva. Lucan não estava seguro. Do único que era consciente era do quente contato da pele dela em sua língua, do batimento do coração de seu coração, da rapidez de sua respiração. Do único que era consciente era do desejo que sentia por ela.
Não ia rechaçar o mais.
Desejava-a, desejava-o tudo dela, e a besta se desatou e já era impossível ter piedade.
Abriu a boca... e cravou as presas na flexível carne de seu pescoço.
Ela afogou uma exclamação ao sentir a repentina penetração de seus dentes, mas não lhe soltou, nem sequer quando notou que ele tragava pela primeira vez o sangue de sua veia aberta.
O sangue se precipitou dentro da boca de Lucan, quente e com um sabor terroso, delicioso. Era muito superior Ao que teria imaginado nunca.
Depois de viver durante novecentos anos, finalmente sabia o que era o céu.
Bebeu com urgência, em quantidade, com uma sensação de necessidade que lhe transbordava enquanto saciava do sangue da Gabrielle lhe descia pela garganta e penetrava a carne, os ossos e as células. O pulso acelerou, sentiu-se renascer, o sangue voltou a correr pelas pernas e lhe curou as feridas.
O sexo tinha despertado com o primeiro sorvo; agora pulsava com força entre as pernas. Exigia inclusive uma maior posse.
Gabrielle lhe acariciava o cabelo, sujeitava-lhe contra ela enquanto ele bebia. Gemeu com cada uma das chupadas de seus lábios, sentia que lhe desfazia o corpo. Seu aroma se fez mais escuro e úmido A causa do desejo.
—Lucan —disse quase sem fôlego, estremecendo-se.
— OH, Deus...
Com um grunhido sem palavras, empurrou-a contra o chão, debaixo dele. Bebeu mais, perdendo-se no erótico calor do momento com uma desesperada e frenezi que lhe aterrorizou.
«Minha», pensou, sentindo-se profundamente selvagem e egoísta.
Agora era muito tarde para deter-se.
Esse beijo lhes tinha amaldiçoado aos dois.
Enquanto que a primeira dentada lhe tinha provocado uma comoção, a aguda dor se dissipou rapidamente para converter-se em uma sensação suntuosa e embriagadora. Sentiu o corpo alagado pelo prazer, como se cada larga chupada dos lábios de Lucan lhe injetasse uma corrente de calidez no corpo que lhe chegava até o mesmo centro e lhe acariciava a alma.
ele a levou até o chão com ele, as batas se entreabriram e a cobriu com seu corpo nu. Notou as mãos dele, ásperas, que lhe sujeitavam a cabeça para um lado enquanto bebia dela. Sem fazer caso da dor que as feridas lhe pudessem estar fazendo, pressionou seu peito nu contra seus peitos. Seus lábios não se separaram de seu pescoço nem um momento. Gabrielle sentia a intensidade da necessidade dele a cada chupada.
Mas sentia sua força, também. Estava-a recuperando, pouco a pouco, graças a ela.
—Não te detenha —murmurou ela, pronunciando com lentidão por causa do êxtase que crescia em seu interior a cada movimento de seus lábios.
— Não vais fazer me danifico, Lucan. Confio em ti.
O som úmido e voraz que provocava sua sede era o mais erótico que tinha conhecido nunca. Adorava sentir o calor dos lábios dele em cima de sua pele. Os arranhões que lhe provocavam as presas dele enquanto se enchia a boca com seu sangue lhe resultavam perigosos e excitantes.
Gabrielle já se deslizava para um orgasmo dilacerador no momento em que notou a grosa cabeça da ereção de Lucan lhe pressionando o sexo. Estava úmida, desejando dolorosamente. Ele a penetrou com uma investida que a encheu por completo com um calor vulcânico e potente que detonou dentro dela ao cabo de um instante. Gabrielle gritou enquanto ele a investia com força e depressa, sentindo os braços dele que a aprisionavam, apertando-a com força. Investia a um ritmo amalucado, empurrado por uma força de puro e magnífico desejo.
Mas permaneceu grudado em seu pescoço, empurrando-a para uma doce e feliz escuridão.
Gabrielle fechou os olhos e se deixou flutuar envolta em uma formosa nuvem de cor obsidiana.
Como desde muito longe notou que Lucan se retorcia e investia em cima de seu corpo com urgência, que todo seu corpo vibrava pela potência do climax. Emitiu um grito áspero e ficou completamente imovel.
A deliciosa pressão no pescoço se afrouxou de forma abrupta e logo depois desapareceu, deixando uma grande frieza a seu passo.
Gabrielle, que ainda se sentia alagada pela embriaguez de notar a Lucan dentro dela, levantou as pálpebras, pesados. Lucan estava colocado de joelhos em cima dela e a olhava como se ficou gelado. Tinha os lábios de um vermelho brilhante e o cabelo revolto. Seus olhos selvagens lançavam brilhos de cor âmbar, de tão brilhantes. A cor de sua pele parecia mais saudável e o labirinto de marcas que lhe cobriam os ombros e o torso tinha um brilho de um tom carmesim escuro.
—O que acontece? —perguntou-lhe, preocupada—. Está bem?
Ele não falou durante um comprido momento.
—Jesucristo. —Sua voz grave soou como um grunhido trêmulo, de uma forma que não lhe tinha ouvido antes. Tinha o peito agitado.
— Acreditei que estava... acreditei que te havia...
—Não —lhe disse ela, fazendo um gesto negativo com a cabeça e com uma expressão preguiçosa e saciada.
— Não, Lucan. Estou bem.
Ela não compreendeu o que significava a expressão intensa dele, mas ele não a ajudou. separou-se dela. Seus olhos, que se tinham transformado, mostravam uma expressão de dor.
Gabrielle sentia o corpo frio e vazio sem o calor dele. sentou-se e se esfregou para fazer-se passar um repentino calafrio.
—Está bem —lhe tranqüilizou—. Tudo está bem.
—Não. —O negou com a cabeça e ficou em pé—. Não. Isto foi um equívoco.
—Lucan...
—Não devi ter permitido que isto acontecesse! —gritou.
Emitiu um grunhido de fúria e se dirigiu aos pés da cama para agarrar suas roupas. Colocou uma calça de camuflagem negra e uma camiseta de algodão, logo tomou suas armas e suas botas e abandonou a habitação com uma fúria tempestuosa e ardente.
Lucan quase não podia respirar por causa da força com que o coração lhe pulsava no peito.
No momento em que sentiu que Gabrielle ficava inerte debaixo dele enquanto ele bebia dela, atravessou-lhe um medo descarnado que o desgaro por completo.
Enquanto ele bebia febrilmente de seu pescoço, lhe havia dito que confiava nele. Sentiu que o incentivo da sede de sangue lhe aguilhoava o corpo enquanto o sangue de Gabrielle lhe enchia. O som de sua voz tinha suavizado a dor, em parte. Ela se tinha mostrado tenra e cuidadosa: seu tato, sua emoção nua, sua mesma presença, tinha-lhe dado forças no momento em que sua parte animal tinha estado a ponto de tomar as rédeas.
Ela confiava em que não lhe faria mal, e essa confiança lhe tinha dado forças.
Mas então tinha notado que ela se desvanecia e temeu... Deus, quanto medo tinha sentido nesse instante.
Esse medo ainda lhe apertava, um terror escuro e frio a lhe fazer mal, a que poderia matá-la se permitia que as coisas chegassem mais longe do que o tinham feito.
Porque, por muito que ele a tivesse afastado e por muito que houvesse negado, lhe pertencia. Ele pertencia a Gabrielle, em corpo e alma, e não simplesmente pelo fato de que seu sangue lhe estivesse nutrindo nesse momento, estivesse-lhe curando as feridas e fortalecendo o corpo. Ele se tinha unido a ela muito antes desse momento. Mas a prova irrefutável disso tinha aparecido nesse funesto instante, fazia um momento, assim que temeu que podia havê-la perdido.
Amava-a.
Da parte mais profunda e solitária de si mesmo, amava a Gabrielle.
E queria tê-la em sua vida. De forma egoísta e perigosa, não havia nada que desejasse mais que tê-la ao seu lado para o resto de seus dias.
Dar-se conta disso lhe fez cambalear, ali, no corredor, diante do laboratório técnico. Na verdade, quase lhe fez cair de joelhos.
—Né, calma. —Dante se aproximou de Lucan quase sem avisar e lhe sujeitou por debaixo dos braços.
— Porra. Tem um aspecto infernal.
Lucan não podia falar. As palavras estavam além dele.
Mas Dante não necessitava nenhuma explicação. Jogou uma olhada ao seu rosto e a suas presas alargadas. As fossas nasais dilataram ao sentir o aroma de sexo e a sangue. Deixou escapar um assobio baixo e nos olhos desse guerreiro apareceu um brilho de ironia.
—Não pode ser certo... uma companheira de sangue, Lucan? — riu, meneando a cabeça enquanto lhe dava umas palmadas a Lucan no ombro.
— Porra. Melhor que seja você e não eu, irmão. Melhor você que eu.
Capítulo trinta
Três horas mais tarde, quando a noite era completa ao seu redor, Lucan e os outros guerreiros se encontravam preparados e sentados em um veículo de vigilância negro na rua, a uns oitocentos metros do velho psiquiátrico.
As fotografias de Gabrielle tinham sido de grande utilidade para planejar o golpe contra a guarita dos renegados. Além de várias fotografias exteriores do ponto de acesso da planta baixa, fez fotos interiores da habitação das caldeiras, de vários corredores, de escadas e inclusive algumas que inadvertidamente mostravam umas câmeras de segurança a rede que teriam que ser desativadas quando os guerreiros ganhassem acesso a esse lugar.
—Entrar vai ser a parte fácil —disse Gideon, enquanto o grupo estava a revisar por última vez a operação.
— Interromperei o sinal de segurança das câmeras da planta baixa mas, quando estivermos dentro, colocar essas duas dúzias de barras de C4 nos pontos críticos sem alertar a toda a colônia de chupões vai ser um pouco mais difícil.
—Por não mencionar o problema da publicidade não desejada dos humanos —disse Dante.
— O que é o que está fazendo que Niko tarde tanto em localizar esses tubos de gás?
—Aí vem —disse Lucan, ao ver a figura escura do vampiro que se acercava ao veículo de vigilância da fila de árvores da rua.
Nikolai abriu a porta traseira e subiu depois de Tegan. tirou o capuz negro e seus invernais olhos azuis faiscaram de excitação.
—É um caramelo. A linha principal está em uma caixa do extremo leste do complexo. Possivelmente esses chupões não necessitem calefação, mas o serviço público lhes subministra um montão de gás.
Lucan olhou os olhos ansiosos do guerreiro.
—Então entramos, deixamos nossos presentes, limpamos o lugar...
Niko assentiu com a cabeça.
—Me façam um sinal quando a merda esteja em seu lugar. Moverei o tubo principal e logo farei detonar o C4 quando todos estejam aqui de volta. Aparentemente será como se uma fuga de gás tivesse causado a explosão. E se os corpos de segurança querem meter-se nisto, estou seguro de que as fotos de Gabrielle dos grafites dos grupos farão que esses humanos farejem em círculos durante um tempo.
Enquanto, os guerreiros teriam mandado uma importante mensagem a seus inimigos, especialmente ao vampiro de primeira geração que Lucan suspeitava se encontrava ao mando desta nova sublevação dos renegados. Fazer voar o quartel general seria um convite suficiente para que esse bode saísse ao ar livre e começasse a dançar.
Lucan estava ansioso por começar. Inclusive estava mais ansioso por terminar com a missão dessa noite porque tinha um assunto por terminar quando voltasse para o complexo. Odiava ter deixado a Gabrielle dessa maneira e sabia que ela devia sentir-se confusa e, provavelmente, mais que inquieta.
Ficaram coisas por dizer, seguro, coisas nas que ele não tinha estado preparado para pensar muito e, muito menos, para as falar com ela nesse momento em que a surpreendente realidade de seus sentimentos por ela assaltou.
Agora tinha a cabeça cheia de planos.
Planos imprudentes, estúpidos e esperançosos, todos eles centrados nela.
No interior do veículo, ao seu redor, outros guerreiros estavam comprovando seu equipamento, carregando as barras de C4 dentro de bolsas com cremalheiras e realizando os ajustes finais aos auriculares e os micros que lhes permitiriam estar em contato uns com os outros quando chegassem ao perímetro do psiquiátrico e se separassem para colocar os explosivos.
—Esta noite vamos fazer isto por Rio —disse Dante_ enquanto fazia voltear suas facas curvadas entre os dedos enluvados e os introduzia nas capas que levava no quadril.
— Chegou o momento da vingança.
—Porra, sim —respondeu Niko, ao qual outros se ecoaram.
Quando se dispunham a sair pelas portas, Lucan levantou uma mão.
—Um momento. —A tristeza de seu tom de voz lhes fez deter-se.
— Há uma coisa que têm que saber. Dado que estamos a ponto de entrar aí e que é provável que nos dêem uma boa surra, suponho que este é um momento tão bom como qualquer outro para ser claro com vocês a respeito de um par de coisas... e necessito que cada um de vocês me façam uma promessa.
Olhou os rostos de seus irmãos, esses guerreiros que tinham estado lutando ao seu lado durante tanto tempo que parecia uma eternidade. Eles sempre lhe tinham cuidadoso como à um líder, tinham crédulo nele para que tomasse as decisões mais difíceis, sempre se tinham sentido seguros de que ele saberia como decidir uma estratégia ou como tomar uma decisão.
Agora duvidava, sem saber por onde começar. Esfregou-se a mandíbula e deixou escapar um forte suspiro.
Gideon lhe olhou com o cenho franzido e expressão de preocupação.
—Vai tudo bem, Lucan? Recebeu um bom golpe na emboscada da outra noite. Se não quiser participar disto...
—Não. Não é isso. Estou bem. Minhas feridas estão curadas... graças a Gabrielle —disse.
— Faz um momento, hoje, ela e eu...
—Não me diga —respondeu Gideon ao ver que Lucan se interrompia. Foder com o vampiro, mas estava .
—Bebeste dela? —perguntou Niko.
Tegan soltou um grunhido do assento traseiro.
—Essa fêmea é uma companheira de raça.
—Sim —respondeu Lucan com calma e seriedade—. E se me permitir isso, lhe vou pedir que me aceite como companheiro.
Dante lhe olhou, zombador, com uma expressão de risonha exasperação.
—Felicidades, cara. De verdade.
Gideon e Niko responderam de maneira similar e lhe deram umas palmada nas costas.
—Isso não é tudo.
Quatro pares de olhos se cravaram nele: todo mundo lhe olhava na espera séria exceto Tegan.
—A outra noite, Eva tinha umas quantas coisas que dizer de mim... —Imediatamente se levantaram uns protestos por parte de Gideon, Niko e Dante. Lucan continuou falando apesar dos grunhidos de irritação.
— A traição a Rio e a nós é indesculpável, sim. Mas o que disse de mim... era a verdade.
Dante lhe olhou com suspicácia.
—Do que está falando?
—Da sede de sangue —respondeu Lucan. A palavra soou com força no silêncio do interior do veículo.
— É... bom, é um problema para mim. È a muito tempo tempo. Estou-o dirigindo, mas algumas vezes... —Baixou a cabeça e olhou ao chão do veículo.
— Não sei se poderei vencê-la. Possivelmente, com Gabrielle a meu lado, possivelmente tenha uma oportunidade. Vou lutar como um demônio, mas se piorar...
Gideon cuspiu uma obscenidade.
—Isso não vai acontecer, Lucan. De todos os que estamos aqui sentados, você é o mais forte. Sempre o foste. Nada te pode tombar.
Lucan negou com a cabeça.
—Já não posso continuar fingindo que sou o que sempre controla. Estou cansado. Não sou invencível. Depois de novecentos anos de viver com esta mentira, Gabrielle não demorou nem duas semanas em desmascarar-me. Obrigou-me a ver como sou de verdade. Eu não gosto muito o que vejo, mas quero ser melhor... por ela.
Nico franziu o cenho.
—Porra, Lucan. Está falando de amor?
—Sim —disse ele com solenidade.
— Eu estou fazendo. A amo. E é por isso que tenho que lhes pedir uma coisa. A todos.
Gideon assentiu.
—Diga-o.
—Se as coisas ficarem feias comigo... em algum momento, logo, ou na rua... tenho que saber que conto com vocês, meninos, para que me apóiem. Se virem que me perco na sede de sangue, se creem que vou voltar me... Necessito sua palavra de que vão acabar comigo.
—O que? —exclamou Dante.
— Não pode nos pedir isso, cara.
—Me escutem. —Não estava acostumado a suplicar. Pronunciar essa petição era como suportar cascalho na garganta, mas tinha que faze-lo. Estava cansado de suportar sozinho esse peso. E o último que desejava era ter medo de que em um momento de debilidade pudesse lhe fazer algum mal a Gabrielle.
— Tenho que ouvir seus juramentos. O de cada um de vocês. Prometam-me isso .
—Merda —disse Dante, lhe olhando boquiaberto. Mas ao final assentiu com a cabeça e com expressão grave.
— Sim. De acordo. Está fodidamente louco, mas de acordo.
Gideon meneou a cabeça, logo levantou o punho e fez chocar os nodulos contra os de Lucan.
—Se isso for o que quer, tem-no. Juro-lhe isso, Lucan.
Niko pronunciou sua promessa também:
—Esse dia não chegará nunca, mas se o faz, sei que você fara o mesmo por qualquer de nós. Assim sim, tem minha palavra.
O qual deixava somente a Tegan por fazê-lo, que se encontrava sentado no assento traseiro com atitude estóica.
—E você, Tegan? —perguntou Lucan, dando-a volta para olhar aos olhos verdes e impassíveis.
— Posso contar contigo nisto?
Tegan lhe olhou larga e silenciosamente com atitude pensativa.
—Claro, cara. Porra, o que diga. Se te converter nisso, estarei em primera linha para acabar contigo.
Lucan assentiu com a cabeça, satisfeito, e olhou os rostos sérios de seus irmãos.
—Jesus —exclamou Dante quando o denso silêncio do veículo lhe fez interminável.
—Todo este sentimentalismo me está pondo impaciente por matar. Que tal se deixarmos de nos fazer palhas e vamos fazer voar o teto a esses chupões?
Lucan sorriu em resposta ao sorriso arrogante do vampiro.
—Vamos a isso .
Os cinco guerreiros da raça, vestidos de negro da cabeça aos pés, saíram do veículo como um só homem e começaram a aproximar-se sigilosamente ao psiquiátrico, ao outro lado das árvores, banhados pela luz da lua.
Capítulo trinta e um
— Vamos, vamos. Abra, porra!
Gabrielle estava sentada ante o volante de um cupé BMW negro e esperava com impaciência a que a enorme porta de entrada do terreno do complexo se abrisse e a deixasse sair. Desgostava-lhe que a tivessem obrigado a levar o carro sem permissão, mas depois do que tinha acontecido com Lucan estava desesperada por partir. Dado que todo o terreno estava rodeado por uma cerca elétrica de alta voltagem, somente ficava uma alternativa.
Já pensaria em alguma maneira de devolver o carro uma vez estivesse em casa.
Uma vez que se encontrasse de volta ao lugar ao que verdadeiramente pertencia.
Essa noite tinha dado a Lucan tudo o que tinha podido, mas não era suficiente. Preparou-se a si mesmo para a eventualidade de que ele a apartasse e resistisse a seus intentos de lhe amar, mas não havia nada que pudesse fazer se ele decidia rechaçá-la. Como tinha feito essa noite.
Tinha-lhe dado seu sangue, seu corpo e seu coração, e ele a havia rechaçado.
Agora já não ficava energia.
Já não podia lutar.
Se ele estava tão decidido a permanecer sozinho, quem era ela para obriga-lo a trocar? Se ele queria isolar-se, tinha muito claro que não ia ficar ali para esperar a vê-lo.
Iria à casa.
Ao fim, as pesadas portas de ferro se abriram e permitiram lhe sair. Gabrielle acelerou e saiu a toda velocidade para a rua silenciosa e escura. Não tinha uma idéia muito clara de onde se encontrava até que, depois de conduzir uns três quilômetros, encontrou-se em um cruzamento conhecido. Girou a esquerda pelo Charles Street em direção a Beacon Hill e se deixou conduzir, aturdida, pelo piloto automático.
Quando estacionou o carro na esquina de fora de seu apartamento, seu edifício lhe pareceu muito mais pequeno. Seus vizinhos tinham as luzes acesas mas, apesar do resplendor dourado no ambiente, esse edifício de tijolo lhe pareceu sombrio.
Gabrielle subiu as escadas da fachada e procurou as chaves no bolso. A mão tropeçou com uma pequena adaga que levou do armário das armas de Lucan: a tinha levado como defesa em caso de que se encontrasse com problemas em seu caminho a casa.
Quando entrou e acendeu a luz do vestíbulo, o telefone estava soando. Deixou que a secretária eletrônica respondesse e se deu a volta pra fechar todos os ferrolhos e passadores da porta.
Da cozinha ouviu a voz entrecortada da Kendra que lhe deixava uma mensagem.
—É de muito má educação por sua parte me ignorar desta maneira, Gabby. —A voz de seu amiga soava extranhamente estridente. Estava zangada.
— Tenho que ver-te. É importante. Você e eu temos que falar, de verdade.
Gabrielle se dirigiu a sala de estar e notou todos os espaços vazios que tinham ficado depois de que Lucan tivesse tirado as fotografias das paredes. Parecia que tinha passado um ano da noite em que ele foi a seu apartamento e lhe contou a assombrosa verdade a respeito de si mesmo e da batalha que estava fazendo estragos entre os de sua classe.
«Vampiros», pensou, surpreendida ao dar-se conta de que essa palavra já não a surpreendia.
Provavelmente havia muito poucas coisas que pudessem surpreendê-la já nesses momentos.
E já não tinha medo de perder a cabeça, como lhe tinha acontecido a sua mãe. Inclusive essa trágica história tinha cobrado um significado novo agora. Sua mãe não estava louca absolutamente. Era uma moça aterrorizada que se viu apanhada em uma situação violenta que muito poucos humanos seriam capazes de conceber.
Gabrielle não tinha intenção de permitir que essa mesma situação violenta a destruíra. Pelo menos agora estava em casa e já pensaria em alguma maneira de recuperar sua antiga vida.
Deixou a bolsa em cima da mesa e foi até o contestador automático. O indicador de mensagens piscava e mostrava o número dezoito.
—Deve ser uma brincadeira —murmurou, apertando o botão de reprodução.
Enquanto a máquina ficava em funcionamento, Gabrielle se dirigiu ao banho para inspecionar o pescoço. A mordida que Lucan havia lhe dado debaixo da orelha tinha um brilho vermelho escuro e se encontrava ao lado da lágrima e da lua crescente que a assinalavam como companheira de raça. Tocou-se as duas ferroadas e o hematoma que Lucan lhe tinha deixado mas se deu conta de que não lhe doíam absolutamente. A dor surda e vaziu que sentia entre as pernas era o pior, mas inclusive este empalidecia comparado com a fria crueldade que lhe instalava no peito cada vez que recordava como Lucan se apartou dela essa noite, como se ela fosse um veneno. Como tinha saído da habitação, cambaleando-se, como se não pudesse apartar-se dela com a rapidez suficiente.
Gabrielle abriu a água e se lavou, vagamente consciente das mensagens que soavam na cozinha. Para ouvir a quarta ou quinta mensagem, deu-se conta de que havia algo estranho.
Todas as mensagens eram da Kendra, e os tinha deixado todos durante as últimas vinte e quatro horas. Uma depois da outra, e entre algumas delas não havia mais que cinco minutos de diferença.
Sua voz tinha adquirido um tom grandemente mais amargo da primeira mensagem em que, em tom despreocupado e alegre, havia-lhe próposto sair e comer ou a tomar uma taça ou algo que queria. Logo, o convite tinha adquirido um tom mais insistente: Kendra dizia que tinha um problema e que necessitava que Gabrielle a aconselhase.
Nas duas últimas mensagens lhe tinha exigido de forma áspera que lhe respondesse logo.
Gabrielle correu até a bolsa e comprovou as mensagens da secretaria de voz do telefone celular: encontrou-se com o mesmo.
Com as repetidas chamadas da Kendra.
Com seu estranho tom ácido de voz.
Um calafrio lhe percorreu as costas ao recordar a advertência de Lucan a respeito da Kendra: se ela tinha caido vítima dos renegados, já não era amiga dela. Era como se estivesse morta.
O telefone começou a soar outra vez na cozinha.
—OH, Meu deus —exclamou, atendida por um terror crescente.
Tinha que sair dali.
Um hotel, pensou. Algum lugar longínquo. Algum lugar onde pudesse ocultar-se durante um tempo e decidir o que fazer.
Gabrielle tomou a bolsa e as chaves do BMW virtualmente correndo para a porta. Abriu as fechaduras e girou a maçaneta. Assim que a porta se abriu se encontrou ante um rosto que em outro momento tinha sido amistoso.
Agora estava segura de que era o rosto de um servente.
—Vai a algum lugar, Gabby? —Kendra se apartou o telefone celular do ouvido e o desligou. O timbre do telefone da casa deixou de soar. Kendra sorriu fracamente com a cabeça inclinada em um estranho ângulo.
— Ultimamente, é terrivelmente difícil de localizar.
Gabrielle se estremeceu de dor ao ver esses olhos vazios e perdidos que não piscavam.
—Me deixe passar, Kendra. Por favor.
A morena riu com uma gargalhada estridente que se apagou em um vaio surdo.
—Sinto muito, carinho. Não posso fazê-lo.
—Está com eles, verdade? —disse-lhe Gabrielle, adoecendo só de pensar.
— Está com os renegados. Meu Deus, Kendra, o que lhe têm feito?
—Te cale —repôs ela, com um dedo sobre os lábios e meneando a cabeça.
— Não falemos mais. Agora temos que ir.
Assim que a servente alargou a mão para ela, Gabrielle se apartou. Recordou a adaga que levava na bolsa e se perguntou se poderia tirá-la sem que Kendra se desse conta. E se conseguia fazê-lo, seria capaz de utilizá-la contra sua amiga?
—Não me toque —lhe disse, enquanto deslizava os dedos lentamente por debaixo da lapela de pele da bolsa.
— Não vou a nenhuma parte contigo.
Kendra lhe mostrou os dentes em uma terrível imitação de um sorriso.
—OH, acredito que deveria fazê-lo, Gabby. Depois, a vida do Jamie depende de ti.
Um temor gelado lhe atendeu o coração.
-O que?
Kendra fez um gesto com a cabeça em direção aos Sedam que estava esperando. O cristal tinto de um dos guichês se abriu e alí estava Jamie, sentado no assento traseiro ao lado de um tipo enorme.
—Gabrielle? —chamou Jamie com uma expressão de pânico nos olhos.
—OH, não. Jamie não. Kendra, por favor, não permita que lhe façam mal.
—Isso é algo que está completamente em suas mãos —repôs Kendra em tom educado e lhe tirou a bolsa das mãos.
— Não vais necessitar nada do que leva aqui.
Fez um sinal a Gabrielle para que caminhasse diante dela em direção ao carro.
—Vamos?
Lucan colocou duas barras de C4 debaixo dos enormes aquecedores de água da habitação das caldeiras do psiquiátrico. Agachou-se ante o equipamento, desdobrou as antenas do transmissor e conectou o micro para informar de seu progresso.
—Habitação de caldeiras verificada —disse a Niko, que se encontrava ao outro extremo da linha.
— Tenho que colocar três unidades mais e logo sairei...
Ficou imóvel de repente, para ouvir uns passos ao outro lado da porta fechada.
—Lucan?
—Merda. Tenho companhia —murmurou em voz baixa enquanto se incorporava e se aproximava com sigilo a porta para preparar-se a golpear.
Levou-se a mão enluvada até o punho de uma perigosa faca com serra que tinha embainhado em cima do peito. Também levava uma pistola, mas todos tinham concordado que não utilizariam armas de fogo nessa missão. Não fazia falta avisar aos renegados de sua presença e além disso, dado que Niko ia desviar o tubos de fora e encher de gases o edifício, um disparo podia acender os foguetes antes do tempo.
O trinco da porta da habitação das caldeiras começou a girar.
Lucan cheirou o fedor de um renegado, e o inconfundível aroma metálico do sangue humano. Ouviu uns grunhidos animais afogados mesclados com uns golpes e com um débil lamento de uma vítima a quem lhe estavam chupando o sangue. A porta se abriu e um fortíssimo ar pútrido penetrou na habitação enquanto um renegado arrastava a seu brinquedo moribundo dentro da sala escura.
Lucan esperou a um lado da porta até que a enorme cabeça do renegado esteve plenamente ante sua vista. Esse chupão estava muito concentrado em sua presa para dar-se conta da ameaça. Lucan levantou uma mão e cravou a faca na caixa torácica do renegado. Este rugiu com as enormes mandíbulas abertas e os olhos amarelos inchados ao sentir que o titânio lhe penetrava no sistema circulatório.
O humano caiu ao chão com um golpe seco como um boneco e seu corpo se contraiu em uma série de espasmos de agonia de morte depois do corpo do renegado que se alimentou dele começava a emitir uns assobios, a tremer e a mostrar umas feridas como se o houvessem orvalhado com ácido.
Assim que o corpo do renegado teve terminado sua rápida descomposição, outro deles se aproximou correndo pelo corredor. Lucan se precipitou para frente para voltar a atacar, mas antes de que pudesse dar o primeiro golpe, o chupão se deteve em seco quando um braço negro lhe obrigou a deter-se por detrás.
Viu-se o brilho de um fio com a rapidez e a força de um raio que atravessava a garganta do renegado e separava a enorme cabeça do corpo com um corte limpo.
O enorme corpo ficou estendido no chão como um montão de lixo. Tegan se encontrava ali em pé, com sua espada gotejando sangue e seus olhos verdes, tranqüilos. Tegan era uma máquina assassina, e o gesto sério de seus lábios parecia reafirmar a promessa que lhe tinha feito a Lucan de que se a sede de sangue podia com ele, Tegan se asseguraria de que Lucan conhecesse a fúria do titânio.
Ao olhar agora a esse guerreiro, Lucan esteve seguro de que se alguma vez Tegan ia por ele, ele morreria antes de dar-se conta de que o vampiro tinha aparecido ao seu lado.
Lucan se enfrentou a esse olhar frio e letal e lhe saudou com um gesto de cabeça.
—Me diga algo —ouviu que lhe dizia Niko através do auricular—.Está bem?
—Sim. Tudo tranquilo. —Limpou a adaga com a camisa do ser humano e a voltou a embainhar. Quando voltou a levantar a vista, Tegan tinha desaparecido, desvaneceu-se como o espectro da morte que era.
—Agora dirijo aos pontos de entrada da zona norte para colocar o resto dos explosivos —disse a Nikolai enquanto saía da habitação das caldeiras e percorria o corredor vazio.
Capítulo trinta e dois
— Gabrielle, o que acontece? O que acontece com Kendra? Veio a galeria e me há dito que tinha tido um acidente e que tinha que ir com ela imediatamente. Por que me mentiu?
Gabrielle não sabia o que responder as perguntas que Jamie, ansioso, sussurrava-lhe do assento traseiro do Sedam. Afastavam-se a toda velocidade do Beacon Hill em direção ao centro da cidade. Os arranha-céu do distrito financeiro se abatiam sobre eles na escuridão e as luzes dos escritórios piscavam como luzes natalinas. Kendra estava sentada no assento dianteiro ao lado do condutor, um gorila de pescoço largo embelezado de negro como um valentão e com óculos escuros.
Gabrielle e Jamie tinham a um companheiro similar detrás que os encurralava a um lado do brilhante assento de pele. Gabrielle não acreditava que fosse um renegado, não parecia que escondessem umas presas enormes detrás desses lábios tensos, e pelo pouco que sabia dos mortais inimigos da raça, não acreditava que nem ela nem Jamie tivessem demorado nem um minuto em ter as gargantas abertas se esses dois homens tivessem sido de verdade uns renegados viciados no sangue.
Serventes então, deduziu. Escravos humanos de um poderoso senhor vampiro.
Igual a Kendra.
—O que vão fazer conosco, Gabby?
—Não estou segura. —Alargou o braço e lhe deu um carinhoso apertão na mão. Também falava em voz baixa, mas estava segura de que seus captores estavam escutando cada uma de suas palavras.
— Mas não vai passar nada. Prometo-lhe isso.
O que sim sabia era que tinham que sair desse carro antes de que chegassem ao seu destino. Era a regra de defesa própria mais básica: nunca deixe que lhe levem a uma segunda localização. Porque então se encontrava em campo inimigo.
As oportunidades de sobrevivência passariam de ser escassas a nulas.
Olhou o fechamento de segurança da porta que Jamie tinha a seu lado. Ele observou seus olhos com o cenho franzido e expressão de interrogação. Olhou a ele e logo voltou a olhar o fechamento. Então ele o entendeu e lhe dirigiu um assentimento de cabeça quase imperceptível.
Mas quando se dispunha a colocar as mãos na posição adequada para abrir o fechamento, Kendra se deu a volta e lhes provocou:
—Quase chegamos, meninos. Estão excitados? Eu sim que o estou. Não posso esperar a que meu senhor por fim te conheça em pessoa, Gabby. Mmm! Te vai comer imediatamente.
Jamie se inclinou para diante e quase cuspiu veneno:
—Te aparte, puta mentirosa!
—Jamie, não! —Gabrielle tentou lhe reter, aterrada ante esse inocente instinto de amparo. Ele não tinha nem idéia do que estava fazendo ao irritar a Kendra ou aos outros dois serventes que se encontravam no carro.
Mas ele não ia deixar se controlar. Equilibrou-se para frente:
—Se nos tocarem um cabelo a qualquer dos dois,vou arrancar seus os olhos!
—Jamie, basta, não passa nada —disse Gabrielle, atirando dele para que voltasse a recostar-se no assento.
— Se tranqüilize, por favor! Não vai passar nada.
Kendra não se alterou. Olhou a ambos e deixou escapar uma risada repentina e estremecedora:
—Ah, Jamie. Sempre foste o pequeno e fiel terrier da Gabby. Au au! Au au! É patético.
Muito devagar e evidentemente satisfeita consigo mesma, Kendra se voltou a sentar de forma correta no assento lhes dando as costas.
—Detenha no semáforo —lhe disse ao condutor.
Gabrielle deixou escapar um tremente suspiro de alívio e se recostou outra vez no respaldo de fria pele. Jamie estava esquecido contra a porta, zangado. Quando os olhares de ambos se encontraram, ele se apartou um pouco a um lado e lhe permitiu ver que a porta agora não estava fechada.
O coração de Gabrielle deu um tombo ante essa ingenuidade e esse valor. Quase não pôde dissimular o sorriso enquanto o veículo reduzia a velocidade ante o semáforo, a uns metros diante deles. Estava em vermelho, a julgar pela fila de carros que se encontravam detidos diante dele, ia trocar para verde em qualquer momento.
Esta era a única oportunidade que tinham.
Gabrielle olhou a Jamie e se deu conta de que ele tinha compreendido o plano perfeitamente.
Gabrielle esperou, observando o semáforo; dez segundos que pareceram horas. A luz vermelha piscou e ficou verde. Os carros começaram a avançar diante deles. Assim que o Sedam começou a acelerar, Jamie levou a mão ao ponteiro da porta e a abriu.
O ar fresco da noite entrou no veículo e os dois se atiraram de cabeça para a liberdade. Jamie deu contra o pavimento e imediatamente alargou a mão para ajudar a Gabrielle a escapar.
—Detenham! —chiou Kendra.
— Não deixem que escape!
Uma pesada mão caiu sobre o ombro de Gabrielle e atirou dela para o interior do carro fazendo que se estrelasse contra o enorme corpo do servente. Os braços deste a rodearam, apanhando-a como barras de ferro.
—Gabby! —chiou Jamie.
Gabrielle emitiu um soluço desesperado.
—Vai daqui! Vai, Jamie!
—Acelera, idiota! —gritou-lhe Kendra ao condutor ao ver que Jamie se dispunha a agarrar-se ao ponteiro da porta para voltar pela Gabrielle. O motor rugiu, os pneumáticos chiaram e o carro se uniu ao tráfico.
—O que fazemos com ele?
—Deixe-lhe —ordenou Kendra em tom cortante. Dirigiu- um sorriso a Gabrielle, que se debatia em vão no assento traseiro.
— Já serviu ao nosso propósito.
O servente sujeitou a Gabrielle com força até que Kendra ordenou que o carro se detivera diante de um elegante edifício de escritórios. Desceram do carro e obrigaram a Gabrielle a caminhar para a porta de entrada. Kendra falava com alguém através do telefone celular e parecia ronronar de satisfação.
—Sim, temo-la. Agora vamos subir.
Guardou-se o telefone no bolso e lhes conduziu através de um vestibulo de mármore vazio até a zona de elevadores. Quando entraram em um deles, apertou o botão do apartamento de cobertura.
Gabrielle recordou imediatamente a mostra privada de suas fotos. Ao fim o elevador se deteve no piso superior e as portas de espelho se abriram; nesse momento Gabrielle teve a horrível certeza de que seu anônimo comprador ia dar-se a conhecer.
O servente que a tinha estado sujeitando a empurrou para que entrasse na suíte, fazendo-a tropeçar. Ao cabo de uns segundos, o medo de Gabrielle se fez maior.
Diante da parede de cristais se encontrava em pé uma alta figura de cabelo negro vestida com um comprido abrigo negro e óculos de sol. Era igual de corpulento que os guerreiros e dele emanava o mesmo ar de confiança. A mesma ameaça fria.
—Adiante —lhes disse em um tom grave que trovejou como uma tormenta.
— Gabrielle Maxwell, é um prazer conhecê-la por fim. Ouvi falar muito de você.
Kendra se colocou a seu lado e lhe deu uns tapinhas com expressão de adoração.
—Suponho que me trouxe aqui por alguma razão —disse Gabrielle, tentando não sentir pena por ter perdido a Kendra nem ter medo desse perigoso ser que tinha convertido a Kendra no que era.
—Converti-me em um grande admirador de seu trabalho. —Sorriu-lhe sem mostrar os dentes e com uma mão apartou sem contemplações a Kendra.
— Você fez umas fotos interessantes, senhorita Maxwell. Por desgraça, tem que deixar de fazer. Não é bom para meus negócios.
Gabrielle tentou agüentar o olhar tranqüilo e ameaçador que, sabia, estava-lhe dirigindo detrás dos óculos.
—Quais são seus negócios? Quero dizer, além de exercer de sanguessuga chupador de sangue.
Ele riu.
—Dominar o mundo, é obvio. Acredita que há algo mais pelo que valha a pena lutar?
—Posso pensar em umas quantas coisas.
Uma sobrancelha escura se arqueou por cima da arreios desses óculos.
—OH, senhorita Maxwell, se se referir ao amor ou a amizade, terei que dar por terminado este agradável e breve encontro agora mesmo.
—Juntou os dedos das mãos e os anéis que levava brilharam sob a tênue luz da habitação. A Gabrielle não gostava da maneira em que ele a estava olhando, como avaliando-a. O vampiro se inclinou para frente com as fossas nasais dilatadas.
— Aproxime-se.
Ao ver que ela não se movia, o corpulento servente que se encontrava a suas costas a empurrou para frente. Gabrielle se deteve um metro de distância do vampiro.
—Tem você um aroma delicioso —disse em um lento vaio.
— Cheira como uma flor, mas há algo... mais. Alguém se alimentou de você recentemente. Um guerreiro? Não se incomode em negá-lo, posso cheirá-lo em seu corpo.
Antes de que Gabrielle pudesse dar-se conta, ele a sujeitou pelo pulso e a atraiu para si de um puxão. Com mãos arrudas, fez-lhe inclinar a cabeça e lhe apartou o cabelo que escondia a mordida de Lucan e a marca que tinha debaixo da orelha esquerda.
—Uma companheira de raça —grunhiu, lhe passando os dedos pela pele do pescoço.
— E recentemente reclamada como tal. Faz de você mais inteiressante a cada segundo que passa, Gabrielle.
Não gostou do tom íntimo que empregou ao pronunciar seu nome.
—Quem a mordeu, companheira? A qual desses guerreiros o permitiu colocar-se entre essas largas e formosas pernas?
—Vá-se ao inferno —respondeu ela, apertando as mandíbulas.
—Não me vai dizer isso? —Fez estalar a língua e meneou a cabeça.
— De acordo. Poderemo-lo averiguar muito em breve.
Podemos fazer que venha. Finalmente, ele se separou dela e fez um sinal a um dos serventes estavam vigiando.
—Levem ao telhado.
Gabrielle se debateu contra seu captor, que a aferrava com ímpeto, mas não podia vencer a força desse bruto. Obrigaram-na a dirigir-se para uma porta sobre a qual havia o pôster vermelho de saída e uma placa em que se lia acesso ao heliporto.
—Um momento! E eu? —queixou-se Kendra da suíte.
—Ah, sim. Enfermeira K. Delaney —disse seu senhor escuro, como se acabasse de lembrar-se dela—. Quando nos tivermos ido, quero que saia ao telhado. Sei que a vista dele te parecerá espetacular. Desfruta-a durante um momento... e logo salta ao vazio.
Ela olhou, piscando aturdida. Logo baixou a cabeça, mostrando que estava sob seu domínio.
—Kendra! —gritou Gabrielle, desesperada por chegar até sua amiga.
— Kendra, não o faça!
O vampiro do casaco negro e os óculos escuros passou ao seu lado sem mostrar nenhuma preocupação.
—Vamos. Terminei aqui.
Uma vez colocado o último cartucho de C4 em seu lugar ao extremo norte do psiquiátrico, Lucan se abriu passo por um condutor de ventilação que conduzia ao exterior. Tirou o ralo e se içou até o exterior. Rodou por cima da grama, que rangeu sob seu corpo; logo ficou em pé e começou a correr em direção a cerca que rodeava o terreno, sentindo o ar fresco na boca.
—Niko, Como vamos?
—Vamos bem. Tegan está voltando e Gideon vem detrás de ti.
—Excelente.
—Tenho o dedo no detonador —disse Nikolai. Sua voz quase resultava inaudível pelo ruído de um helicóptero que alagava a zona.
— Dá a ordem, Lucan. Morro por fazer voar a estes chupões.
—Eu também —repôs Lucan. Olhou o céu noturno com o cenho franzido, procurando o helicóptero.
— Temos visita, Niko. Parece que um helicóptero se dirige diretamente ao psiquiátrico.
Assim que o houve dito, viu a escura silhueta do helicóptero em cima da fileira de árvores. Umas pequenas luzes piscaram no veículo enquanto este girava para o telhado do recinto e iniciava a descida.
O constante movimento da hélice levantou uma forte brisa e Lucan cheirou o aroma dos pinheiros e do pólen... e de outro perfume que lhe acelerou o pulso.
—OH, Jesus —exclamou assim que reconheceu o aroma de jasmim.
— Não toque o detonador, Niko! Por Deus, seja como for, não permita que este maldito edifício voe pelos ares!
Capítulo trinta e três
Uma mescla volátil de adrenalina e fúria, além de um medo que o cobria até os ossos, fez saltar a Lucan ao telhado do velho psiquiátrico. O helicóptero acabava de posar-se nos trilhos de aterrissagem e Lucan se precipitou para ele da beirada do edifício. O corpo tremia por causa de uma fúria mais explosiva e instável que um caminhão carregado de C4. Tinha toda a intenção de lhe arrancar as pernas a quem estivesse retendo Gabrielle.
Com a arma na mão, Lucan se aproximou do helicóptero por detrás, com cuidado de que não lhe vissem, e deu a volta pela cauda para acercar-se ao lado dos passageiros da cabine de mando.
Viu Gabrielle dentro do helicóptero, no assento traseiro, ao lado de um enorme macho que ia vestido de negro e que levava uns óculos escuros. Parecia tão pequena, a via tão aterrorizada. Seu aroma lhe banhou por inteiro. E seu medo lhe destroçou o coração.
Lucan abriu de um puxão a porta da cabine e colocou a arma diante do rosto do captor do Gabrielle enquanto sujeitava a ela com a mão que ficava livre. Mas atiraram de Gabrielle para trás antes de que ele pudesse sair com ela.
—Lucan? —exclamou Gabrielle com os olhos exagerados por causa da surpresa.
— OH, Meu deus, Lucan!
Ele realizou um rápido exame visual da situação e viu o servente que pilotava o avião e a um humano escravo que se encontrava ao seu lado, diante. O servente do assento do co-piloto se deu a volta com intenção de lhe dar um golpe no braço, mas recebeu uma bala na cabeça.
No momento em que Lucan voltou a dirigir o olhar para a Gabrielle, ao cabo de um instante, se encontrava com uma faca na garganta. Por debaixo da manga do comprido abrigo lhe assomavam os dermoglifos que Lucan tinha visto nas fotos da Costa Oeste.
— Solte disse o líder de primeira geração dos renegados.
—Vá, vá, foi uma resposta mais rápida do que houvesse imaginado, inclusive para um guerreiro com vínculo de sangue. O que pretende? Por que está aqui?
O arrogante tom de voz lhe desconcertou.
Conhecia esse bode?
—Solta-a —disse Lucan—, E te mostrarei por que estou aqui.
—Parece-me que não. —O vampiro de primeira geração lhe sorriu ampliamente, lhe mostando os dentes.
Não tinha presas. Era um vampiro, mas não era um renegado.
Que diabos?
—É encantadora, Lucan. Esperava que fosse tua.
Deus, conhecia essa voz. Ouvia-a como procedente de algum lugar muito profundo, enterrado em sua memória.
Do passado longínquo.
Um nome lhe formou na mente, cortante como o fio de uma espada.
Não, não era possível que fosse ele.
Impossível...
Concentrou-se para sair dessa confusão momentânea, mas esse breve momento de perda de concentração lhe custou caro. Desde um dos lados, um par de renegados tinha subido ao telhado do interior do psiquiátrico lhe aproximava com sigilo. Com um gruido, levantou a porta do helicóptero e golpeou com o canto da mesma a Lucan na cabeça.
— Lucan! — chiou Gabrielle.
— Não!
Lucan estremeceu e uma das pernas lhe falhou. A arma caiu da mão e escorregou pelo chão do telhado uns quantos metros, ficando fora de seu alcance.
O renegado lhe deu um murro na mandíbula com o enorme punho. Ao cabo de um segundo, um golpe brutal lhe destroçou as costelas. Lucan caiu ao chão, mas fez um giro e com o pé embainhado na bota fez cair ao renegado ao chão. Precipitou-se sobre ele enquanto tirava a faca que tinha embainhado no torso.
A uns metros de ambos, a hélice do helicóptero começou a girar. O piloto se preparava para levantar outra vez.
Não podia permiti-lo.
Se permitia que Gabrielle se fosse desse coberto, não ficaria nenhuma esperança de voltar a vê-la viva nunca mais.
—Nos tire daqui —ordenou o captor de Gabrielle ao piloto enquanto as hélices do helicóptero giravam cada vez mais depressa.
Fora, arrastando-se pelo telhado, Lucan lutava contra o renegado que lhe tinha atacado. Apesar da escuridão, Gabrielle viu que outro mais se aproximava da porta de entrada ao telhado.
—OH, não —exclamou, quase sem respiração e sem poder mover-se por causa do cortante fio de aço que lhe cravava na pele da garganta.
O enorme macho se inclinou por diante dela para olhar o que estava acontecendo no telhado. Lucan havia tornado a ficar em pé e lhe abriu o ventre ao primeiro dos renegados que lhe tinha atacado. O grito deste foi audível inclusive apesar do forte ruído da hélice do helicóptero. Seu corpo começou a convulsionar-se, a ter espasmos... A desintegrar-se.
Lucan girou a cabeça para o helicóptero. Tinha os olhos cheios de furia, brilhavam-lhe como duas pedras de âmbar acesas com o fogo do inferno. Precipitou-se para diante, rugindo, carregando com os ombros contra o veículo como um trem de carga.
—Nos tire daqui agora mesmo! —gritou o macho que estava ao lado de Gabrielle, pela primeira vez em tom preocupado.
— Agora mesmo, porra!
O helicóptero começou a levantar-se.
Gabrielle tentou apartar da faca apertando-se contra o respaldo do pequeno assento traseiro. Se pudesse encontrar a maneira de lhe apartar o braço, possivelmente pudesse alcançar a porta da cabine...
O helicóptero sofreu uma sacudida repentina, como se tivessem se chocado contra alguma parte do edifício. O motor pareceu gemer, esforçado.
O captor do Gabrielle estava furioso já.
—Desapega, idiota!
—Estou-o tentando, senhor! —disse o servente que se encontrava ante os mandos. Levantou uma alavanca e o motor protestou com um terrível grunhido.
Houve outra sacudida, como se atirassem do aparelho para baixo, e todo o interior tremeu. A cabine se inclinou por volta da frente e o captor do Gabrielle perdeu o equilíbrio no assento e deixou de lhe emprestar atenção durante um momento.
A faca se separou de sua garganta.
Com uma repentina decisão, Gabrielle se lançou para trás e lhe deu um pontapé com as duas pernas que lhe fez cair contra o respaldo do assento do piloto. O veículo se precipitou para frente e Gabrielle trabalhou em excesso por alcançar a porta da cabine.
Esta se abriu de tudo e ficou aberta, pendurando das dobradiças, depois do helicóptero tremia e se balançava. Seu captor se estava recompondo e estava a ponto de alcançá-la outra vez. Por causa do caos tinham caido os óculos de sol. Olhou-a com um gelado olhos cinzas cheios de malignidade.
—Diga a Lucan que isto não terminou nem muito menos — ordenou o líder dos renegados, pronunciando as palavras em um assobio e olhando-a com um sorriso diabólico.
—Vai para o inferno —respondeu Gabrielle. Nesse mesmo instante, lançou-se para a porta aberta e se deixou cair ao chão do telhado.
Assim que a viu, Lucan soltou o trilho de aterrissagem do helicóptero. O veiculo se elevou repentinamente e começou a dar voltas sobre si mesmo descontrolado enquanto o piloto se esforçava por dominá-lo.
Correu ao lado de Gabrielle e a ajudou a ficar em pé. Passou-lhe as mãos por todo o corpo para assegurar-se de que estava inteira.
—Está bem?
Ela assentiu com a cabeça.
—Lucan, detrás de ti!
No telhado, outro dos renegados se dirigia para eles. Lucan enfrentou a esse desafio com agrado, agora que Gabrielle estava com ele; todos os músculos de seu corpo se dispuseram a dar morte. Tirou outra faca e se aproximou da ameaça.
A luta foi selvagem e rápida. Lucan e o renegado se enfrentaram em um mortal combate corpo a corpo com os punhos e os fios das armas brancas. Lucan recebeu mais de um golpe, mas era imparável. O sangue de Gabrielle ainda tinha um efeito forte nele, e lhe dava uma fúria que lhe tivesse permitido enfrentar-se com dez competidores de uma vez. Lutou com uma força e uma eficiência letal, e acabou com o renegado com um corte vertical que lhe atravessou o corpo.
Lucan não esperou a ver o efeito do titânio. Deu-se a volta e correu para Gabrielle. Assim que chegou, quão único pôde fazer foi toma-la entre os braços e abraçá-la com força. Pôde ficar assim toda a noite, sentindo como lhe pulsava o coração e acariciando a pele suave.
Levantou-lhe a cabeça e lhe estampou um beijo forte e tenro nos lábios.
—Temos que sair daqui, carinho. Agora mesmo.
Sobre suas cabeças, o helicóptero continuava subindo.
O vampiro de primeira geração que tinha capturado a Gabrielle olhou para baixo desde atrás do cristal da cabine e dirigiu uma vaga saudação à Lucan, sorrindo enquanto o veículo subia no céu noturno.
—OH, Deus, Lucan! Estava tão assustada. Se tivesse acontecido algo...
O sussurro de Gabrielle lhe fez esquecer completamente a seu inimigo que escapava. A única coisa que lhe importava era que ela era capaz de lhe falar. Que respirava. Gabrielle estava com ele, e esperava que pudesse continuar estando ao seu lado.
—Como demônios lhe capturaram? —perguntou-lhe com voz tremente e tom urgente a causa do medo que havia sentido.
—Depois de que você partiu do complexo esta noite, precisava ir e pensar. Fui para casa. Kendra apareceu. Tinha a Jamie como refém em um carro que se encontrava fora. Não podia deixar que lhe fizessem mal. Kendra é, era, uma servente, Lucan. Mataram-na. Minha amiga está morta.
—Gabrielle soluçou de repente.
— Mas pelo menos Jamie escapou. Agora está em algum lugar do centro da cidade, provavelmente aterrorizado. Tenho que lhe encontrar e lhe dizer que tudo está bem.
Lucan ouviu o som grave do helicóptero que continuava subindo por cima de suas cabeças. Além disso, tinha que fazer a Niko o sinal de que voasse esse lugar antes de que os renegados tivessem a oportunidade de escapar.
—Vamos daqui, e logo me encarregarei do resto.
Lucan tomou a Gabrielle pelos braços.
—Segura em mim, carinho. Com toda a força que possa.
—De acordo. — pendurou-se os braços ao redor do pescoço.
Ele voltou a beijá-la, aliviado de tê-la entre os braços.
—Não te solte em nenhum momento — disse-lhe, olhando os olhos brilhantes e formosos de sua companheira de raça.
Então se colocou na beirada do edifício e se deixou cair com ela em seus braços, com toda a suavidade de que foi capaz, até o chão.
—Lucan, me diga algo, cara! —chamou-lhe Nikolai pelo auricular.
— Onde está? Que merda está acontecendo aí?
—Tudo vai bem —respondeu ele, enquanto levava a Gabrielle pelo escuro terreno coberto de grama da propriedade em direção ao ponto onde se encontrava o veículo de vigilância esperando.
— Agora tudo está bem. Apura o detonador e acabemos com isto.
Gabrielle estava encolhida sob o forte braço de Lucan quando o veículo de vigilância subia pela rua que conduzia ao terreno do complexo. Ele a tinha obstinado ao seu lado desde que escaparam da zona do psiquiátrico e lhe havia coberto os olhos enquanto todo o complexo de edificios voava pelos ares como uma infernal bola de fogo.
Lucan e seus irmãos tinham conseguido: tinham acabado com o quartel general dos renegados com um incrível golpe. O helicóptero tinha conseguido escapar a explosão e se desvaneceu no céu, envolto na fumaça negra e escondida no céu da noite.
Lucan estava pensativo: olhava para fora dos cristais escuros dos guichês para cima, para a abóbada de estrelas. Gabrielle tinha visto sua expressão de surpresa, de incredulidade e de atordoamento, quando se encontrava no telhado e abriu a porta da cabine de comando do helicóptero.
Foi como se tivesse visto um fantasma.
Inclusive nesse momento, Lucan continuava com esse estado de ânimo, enquanto entravam no terreno e Nikolai conduzia em direção à garagem. O guerreiro deteve o carro uma vez que estiveram dentro da enorme garagem. Quando desligou o motor, Lucan falou por fim.
—Esta noite conseguimos uma importante vitória contra nossos inimigos.
—Porra , sim —assentiu Nikolai.
— E vingamos a Conlan e a Rio. Teria-lhes encantado estar ali para ver voar esse lugar.
Lucan assentiu na escuridão do veículo.
—Mas não nos equivoquemos. Estamos entrando em uma nova fase do conflito com os renegados. Agora é a guerra, mais que nunca. Esta noite agitamos o ninho de vespas. Mas ao que necessitávamos capturar, seu líder, continua vivo.
— Deixemos que corra. Já lhe apanharemos —disse Dante, com expressão de confiança.
Mas Lucan negou com gesto sério.
—Este é distinto. Não nos porá isso fácil. Antecipará-se a nossos movimentos. Compreende nossas táticas. A Ordem vai ter que fortalecer as estratégias e aumentar o número de seus guerreiros. Temos que organizar alguns quadros mais que ainda estão dispersados pelo mundo, conseguir mais guerreiros, quanto antes melhor.
Gideon se deu a volta no assento dianteiro.
—Crê que é o vampiro de primeira geração da Costa Oeste quem está à frente dos renegados?
—Estou seguro —repôs Lucan.
Estava no helicóptero, no telhado, esta noite, onde tinha a Gabrielle. —Acariciou-lhe o braço com um afeto tenro, e fez uma pausa para olhá-la, como se sua só visão lhe tranqüilizasse de algum jeito.
— E esse bode não é um renegado: não agora, se é que o foi em algum momento. Uma vez foi um guerreiro, como nós. chama-se Marek.
Gabrielle sentiu uma quebra de onda de frieza que procedia da terceira fila de assentos do veículo de vigilância e soube que Tegan estava olhando a Lucan.
Lucan sabia também. Girou a cabeça para olhar ao outro guerreiro aos olhos.
—Marek é meu irmão.
Capítulo trinta e quatro
A carga da revelação de Lucan ainda lhes pesava enquanto saíam do veículo e subiam ao elevador do hangar para baixar ao complexo. Seu amado, Gabrielle entrelaçou os dedos da mão com os dele enquanto baixavam. Sentia o coração comocionado e cheio de compaixão; ele a olhou e ela soube que ele percebia a preocupação em seus olhos.
Gabrielle observou que seus irmãos guerreiros também tinham expressões de preocupação similares nos olhos e que, silenciosamente, haviam dado conta do significado do que tinham descoberto essa noite.
Chegaria o momento em que Lucan teria que enfrentar-se com a necessidade de matar a seu próprio irmão.
Ou de que seu irmão matasse a ele.
Gabrielle ainda não tinha conseguido aceitar a frieza desse fato no momento em que as portas do elevador se abriram e se encontraram ante o Savannah e Danika, que tinham estado esperando com ansiedade a volta dos guerreiros. Houve bem-vindas cheias de alívio, muitas pergunta sobre o resultado da missão dessa noite, assim como de por que Gabrielle partiu do complexo sem dizer nenhuma palavra a ninguém. Gabrielle estava muito cansada para responder, demasiado esgotada depois dessa terrível experiência para tentar sequer expressar o que sentia.
Mas sabia que logo teria que oferecer algumas respostas, a Lucan ao menos.
Os guerreiros se afastaram em meio de uma discussão sobre táticas e novas estratégias de batalha contra os renegados. Savannah e Danika empurraram imediatamente a Gabrielle em direção contrária, que se mostraram preocupadas com seus vários arranhões e contusões e insistiram em que comesse e se desse um comprido banho quente.
Gabrielle concordou a contra gosto, mas nem sequer as incríveis habilidades culinárias de Savannah nem o fragrante vapor do banho que lhe prepararam logo conseguiram relaxá-la.
A mente não parava de lhe dar voltas em relação a Lucan, Jamie e tudo o que tinha acontecido essa noite. Devia a vida a Lucan. Amava-lhe mais que a nenhuma outra coisa e sempre lhe estaria agradecida por havê-la resgatado, mas isso não trocava o que sentia a respeito de como foram as coisas entre ambos. Não podia permanecer no complexo dessa forma. E não importava o que lhe dissesse, não tinha intenção de ir a nenhum dos Refúgios Escuros.
Então, que possibilidade ficava? Tampouco podia voltar para seu apartamento. Sua velha vida já não era possível. Voltar para ela significaria que teria que negar tudo o que tinha experimentado com Lucan durante essas últimas semanas e esforçar-se por lhe esquecer. Teria que negar tudo o que agora sabia sobre si mesmo, e sobre sua conexão com a raça.
A verdade era que não sabia qual era seu lugar agora. Não sabia por onde começar a procurar, mas depois de dar voltas pelo labirinto de do complexo, Gabrielle se encontrou em pé ante a porta das habitações privadas de Lucan.
A porta que dava à habitação principal estava aberta e uma suave luz saía de dentro. Gabrielle a empurrou e entrou.
A luz de umas velas iluminava o dormitório adjacente. dirigiu-se para essa luz ambiental até que esteve na porta de entrada e parou ali, maravilhada do que viu. O austero dormitório de Lucan se havia convertido em um pouco saído de um sonho. Havia um castiçal de intrincada prata em cada esquina. A cama estava coberta por um cobertor de seda vermelho. No chão, diante da chaminé, havia um montão de almofadas e sedas carmesins. Era tão romântico, tão acolhedor.
Era uma habitação pensada para fazer o amor.
Deu um passo para o interior da habitação. A suas costas, a porta se fechou brandamente sozinha.
Não, não de tudo sozinha. Lucan estava ali, em pé, ao outro extremo da habitação e a estava observando. Tinha o cabelo molhado pela ducha. Levava uma bata solta de cetim vermelho que lhe caía até os tornozelos , e tinha um olhar quente nos olhos que se fundia no Gabrielle.
—Para você —lhe disse, assinalando o romântico ambiente.
— Para nós, esta noite. Quero que as coisas sejam especiais para você.
Gabrielle se sentiu comovida, e imediatamente excitada ao lhe ver, porem não podia suportar fazer amor depois de como tinham ficado as coisas entre eles.
—Quando fui esta noite, não pensava voltar —lhe disse de uma distância segura. Se aproximava mais, não acreditava que tivesse a força de lhe dizer o que tinha que dizer-lhe.
— Não posso voltar a fazer isto, Lucan. Necessito coisas de você que você não pode me dar.
—Me diga quais. —Foi uma ordem suave, mas uma ordem. Ele se aproximou dela com passos cautelosos, como se notasse que ela podia lhe rechaçar em qualquer momento.
— Me diga o que necessita.
Ela negou com a cabeça.
—Do que serviria?
Uns quantos passos lentos mais. Deteve-se um metro de distância dela.
—Eu gostaria de sabê-lo. Tenho curiosidade do que me custaria convencer-te de que fique comigo.
—Para passar a noite? —perguntou ela em voz baixa, odiando a si mesmo por quanto precisava sentir os braços dele ao redor de seu corpo depois de tudo o que lhe tinha acontecido durante essas últimas horas.
—Quero-te, e estou disposto a te oferecer algo, Gabrielle. Assim me diga o que é o que necessita.
—Sua confiança —lhe disse ela, pedindo uma coisa que sabia que se encontrava fora de seu alcance.
— Não posso... fazer isto mais, se você não confia em mim.
—Eu confio em ti — disse ele, com tanta solenidade que ela acreditou.
— Você é a única que me conheceu de verdade, Gabrielle. Não te posso ocultar nada. Viu-o tudo: o pior, certamente. Eu gostaria de ter a oportunidade de te mostrar a parte boa que há em mim. —aproximou-se um pouco mais. Ela notava o calor que emanava de seu corpo. Notava seu desejo.
— Quero que se sinta tão segura comigo como eu me senti contigo. Assim que a pergunta é: pode confiar em mim, agora que sabe tudo a respeito de mim?
—Sempre confiei em ti, Lucan. Sempre o farei. Mas não é isso...
—Pois o que, então? —perguntou ele, interrompendo sua rápida negativa.
—Diga-me que mais posso te dar para fazer que fique.
—Isto não vai funcionar —disse ela, retrocedendo um pouco.
— Não posso ficar. Não desta maneira. Não agora que meu amigo Jamie...
—Está a salvo. —Ao ver que lhe olhava com expressão de confusão, acrescentou—: Mandei a Dante ao exterior assim que chegamos para que fosse lhe buscar. Faz uns minutos que retornou e me informou que achou seu amigo em uma delegacia de polícia do centro da cidade e o levou a casa.
Gabrielle sentiu que o alívio a embargava, mas imediatamente a preocupação o substituiu.
—O que lhe disse Sante? Apagou-lhe a memória?
Lucan negou com a cabeça.
—Pensei que não era justo que eu tomasse esta decisão por ti. Dante simplesmente disse que você também estava a salvo e que lhe poriam em contato com ele muito em breve para lhe explicar tudo. O que ditas lhe contar ao seu amigo é tua coisa. Vê-o? Confiança, Gabrielle.
—Obrigado —murmurou ela, sentindo-se reconfortada pela consideração.
— Obrigado por me haver ajudado esta noite. Salvaste-me a vida.
—Então, por que me tem medo agora?
—Não te tenho medo —repôs, mas estava se separando dele, quase sem dar-se conta disso, mas a cama, que tinha detrás, bloqueou-lhe a escapatória. Em um instante ele esteve diante dela.
—Que mais quer de mim, Gabrielle?
—Nada —disse ela, quase em um sussurro.
—Nada absolutamente? —perguntou ele em tom grave e exigente.
—Por favor, não me faça desejar ficar esta noite quando amanhã vais desejar que vá. Deixa que vá agora, Lucan.
—Não posso fazer isso. —Tomou uma mão e a levou aos lábios. Gabrielle sentiu a calidez e a suavidade de seus lábios nos dedos e sentiu que era presa de um encantamento que somente ele podia lhe fazer. Ele levou a mão dela contra o peito, apertando a palma contra o mesmo, sobre o batimento de seu coração contra as costelas.
— Não poderei te deixar partir nunca, Gabrielle. Porque o queira ou não, tem meu coração. Tem meu amor, também. Se o aceitar.
Ela tragou saliva com dificuldade.
—O quê?
—Amo-te. —Pronunciou as palavras em voz baixa e com sinceridade, como uma carícia que ela sentiu no mais profundo do coração:
— Gabrielle Maxwell, amo-te mais que a vida. Estive sozinho durante muito tempo, e não soube me dar conta até que quase foi muito tarde. —Deixou de falar e a olhou aos olhos com intensidade.
— Não é... muito tarde, verdade?
Ele a amava.
Uma alegria, pura e brilhante, encheu-a para ouvir essas palavras do lábio de Lucan.
—Volta a dizê-lo —sussurrou ela, com a necessidade de saber que esse momento era real, que isso ia durar.
—Amo-te, Gabrielle. Até o último fôlego de vida que tenho. Amo-te.
—Lucan. —Pronunciou seu nome com um suspiro, com lágrimas nos olhos que lhe derramavam pelas bochechas.
Ele a tomou entre os braços e lhe deu um beijo comprido, profundo e apaixonado que fez que a cabeça desse voltas e o coração queria levantar o vôo. Sentia o sangue como fogo nas veias.
—Você merece a alguém muito melhor que eu —lhe disse com um tom de voz e expressão reverente.
— Conhece meus demônios. Pode me amar... aceitará-me... Apesar de conhecer minhas debilidades?
Tomou o rosto com a mão e olhou, lhe expressando com os olhos todo o amor que sentia.
—Você nunca foste débil, Lucan. E te amarei seja como for. Juntos podemos superar tudo.
—Você me faz acreditar nisso. Deste-me esperança. —Com um gesto amoroso, acariciou-lhe o braço, o ombro, a bochecha. Percorreu-lhe o rosto com o olhar enquanto o acariciava com a mão.
— Meu Deus, é tão deliciosa. Poderia ter a qualquer macho, da raça ou humano...
—Você é o único a quem quero.
Ele sorriu.
—Que Deus te ajude, mas não o aceitaria se fosse de outra maneira. Nunca desejei de forma tão egoísta como quero a você neste momento. Seja minha, Gabrielle.
—Sou-o.
Ele tragou saliva e baixou os olhos como se de repente se sentisse inseguro.
—Refiro-me para sempre. Não posso aceitar menos que isso. Gabrielle, aceitaria-me como companheiro?
—Para sempre —sussurrou ela, tombando-se de costas na cama e trazendo-o para si.
— Sou tua, Lucan, para sempre.
Voltaram a beijar-se, e esta vez, quando se separaram, Lucan alargou a mão até uma magra adaga de ouro que estava na mesinha ao lado da cama. Aproximou-a de seu rosto. Gabrielle se sobressaltou um pouco ao ver que ele
Levava-se a folha até os lábios.
—Lucan...
Ele a olhava com ternura e seriedade aos olhos.
—Você me deste seu sangue para me curar. Você me fortalece e me protege. Você é a única que quero, e a única que sempre necessitarei.
Nunca lhe tinha ouvido falar com tanta solenidade. As íris de seus olhos começavam a brilhar, a pálida cor cinza se misturava com a cor âmbar e com a profundidade de sua emoção.
—Gabrielle, quer me fazer a honra de aceitar meu sangue para cerrar nosso vínculo?
A voz de Gabrielle foi débil.
—Sim.
Lucan baixou a cabeça e levou a adaga até o lábio inferior. Logo a apartou e a olhou outra vez: seus lábios brilhavam com o escuro sangue vermelho.
—Vêem aqui. Deixa que te ame —lhe disse, unindo seus lábios escarlates com os dela.
Nada a teria podido preparar para o que sentiu ao provar pela primeira vez o doce sangue de Lucan.
Mais intenso que o vinho, instantaneamente embriagador, o sangue dele fluiu por sua língua com toda sua força e seu poder. Sentiu que uma luz a alagava do mais profundo de seu corpo e lhe oferecia uma pista do futuro que a esperava como companheira de Lucan. Encheu-se de felicidade, ficou ruborizada desse calor, e sentiu uma alegria que nunca antes tinha experimentado.
Sentiu desejo, também.
Mais intenso do que o havia sentido nunca.
Gabrielle emitiu um profundo gemido de desejo e empurrou a Lucan no peito para lhe tombar de costas. Tirou a roupa em um instante, subiu em cima dele e lhe montou escarranchada.
O sexo dele se enervava diante dela, grosso e forte como a pedra. Os formosos desenhos de sua pele tinham uma profunda cor púrpura com uma tintura avermelhada e adquiriam um tom mais profundo quando a olhava com desejo. Gabrielle se inclinou para frente e passou a língua pelas linhas sinuosas e intrincadas que lhe cobriam o corpo das coxas até o umbigo e subiam até os músculos do peito e os ombros.
Era dele.
Esse pensamento foi ferozmente possessivo, primitivo. Nunca lhe tinha desejado tanto como nesse momento. Ofegava e estava úmida e desejava lhe montar com força, lhe queimava por dentro.
Deus, era a isto ao que Savannah se referia quando dizia que um vínculo de sangue intensificava o ato amoroso?
Gabrielle olhava a Lucan com uma necessidade puramente carnal, quase sem saber por onde começar com ele. Desejava lhe devorar, lhe adorar, lhe utilizar. Aplacar o incêndio que sentia dentro do corpo.
—Deveria me haver avisado de que me tinha dado um afrodisíaco.
Lucan sorriu.
—E arruinar a surpresa?
—Ria, vampiro. —Gabrielle arqueou uma sobrancelha, tomou seu membro ereto e deslizou a mão por ele até a base com um movimento comprido.
— Me prometeu a eternidade. Vais arrepender- te.
—Ah, sim? —Mas foi mais um gemido estrangulado porque lhe montou e ele começou a mover-se com um rebolado de quadril desenfreado debaixo dela. Com olhos brilhantes, olhou-a e mostrou as presas ao sorrir, uma amostra clara de que desfrutava dessa tortura.
— Companheira, acredito que me vai encantar que o tente.
Capítulo vinte e quatro
As palavras de Lucan —e todas as coisas incríveis que lhe havia dito— ainda lhe ressonavam nos ouvidos enquanto saía debaixo da água da ducha do banho. Fechou o grifo e se secou com a toalha, esperando que a água quente lhe tivesse aliviado parte da dor e a confusão que sentia. Havia muitas coisas com as que devia enfrentar-se, e a menor delas não era o fato de que Lucan não tivesse nenhuma intenção de estar com ela.
Tentou dizer-se a si mesmo que não lhe tinha feito nenhuma promessa, mas isso somente o fazia sentir-se mais tola. Ele nunca lhe tinha pedido que pusesse seu coração aos seus pés; tinha-o feito ela sozinha.
Aproximou-se do espelho que ocupava todo o largo da parede do lavabo e se apartou o cabelo para olhar com atenção a marca de nascimento carmesim que tinha debaixo da orelha esquerda. Melhor dizendo, a marca de companheira de raça, corrigiu-se a si mesmo, enquanto observava a pequena lágrima que parecia cair na terrina da lua crescente.
Por alguma retorcida ironia, essa pequena marca no pescoço a unia ao mundo de Lucan e, apesar disso, era o mesmo que lhe impedia de estar com ele.
Possivelmente ela representava uma complicação que ele não queria ou não necesitava, mas o fato de haver-se encontrado com ele tampouco tinha feito que sua vida fora uma festa.
Graças a Lucan, ela se tinha metido em uma sangrenta guerra que havia parecer com os violadores em grupo uns fanfarrões de pátio. Ela tinha abandonado um dos melhores apartamentos do Beacon Hill, e ia perde-lo se não voltava e a trabalhar para pagar as faturas. Seus Amigos não tinham nem idéia de onde estava, e dizer-lhe nesse momento poria, provavelmente, suas vidas em perigo.
Para cúmulo de tudo isso, havia-se meio apaixonado por mais escuro e mortífero deles, o homem mais fechado emocionalmente que tinha conhecido.
Que, além disso, resultava ser um vampiro chupador de sangue.
E, que diabos, já que estava sendo sincera consigo mesma, não estava meio apaixonada por Lucan. Estava completa, inteira, perdidamente e sem poder superá-lo na vida apaixonada por ele.
—Bem feito —disse a seu miserável reflexo.
— Malditamente brilhante.
E Apesar de tudo o que lhe havia dito, não havia nada que desejasse mais que ir para lhe buscar ali onde estivesse no complexo e envolver-se com seus braços, o único lugar onde tinha encontrado algum consolo.
Sim, como se precisasse acrescentar a humilhação em público a humilhação íntima com que tentava enfrentar-se nesse momento. Lucan o tinha deixado muito claro: o que pudessem ter tido os dois —se é que houvesse tido verdadeiramente algo que estivesse além do físico—, terminou-se.
Gabrielle voltou para seu dormitório, recuperou sua roupa e seus sapatos e se vestiu depressa, desejosa de estar fora dos aposentos pessoais de Lucan antes de que ele voltasse e ela fizesse alguma coisa verdadeiramente estúpida. Bom, corrigiu-se ao ver os lençóis enrugados por haver feito amor, alguma coisa ainda mais estúpida.
Com a idéia de ir procurar a Savannah e, possivelmente, tentar encontrar um telefone fora do complexo —já que Lucan não o havia parecido adequado lhe devolver o celular— Gabrielle se escapuliu do dormitório. O pesseio resultava confuso, sem dúvida por causa de seu traçado, assim fez uns quantos giros errôneos até que finalmente reconheceu onde se encontrava. Estava perto das instalações de treinamento, a julgar pelo agudo som dos disparos contra os alvos.
afastou-se de uma esquina e se viu detida repentinamente por uma rígida parede coberta de pele e armas que se encontrava em seu caminho.
Gabrielle olhou para cima, e um pouco mais para cima, e se encontrou com uns olhos verdes e desconfiados que a olhavam com uma arrepiante expressão ameaçadora. Esses olhos frios e calculadores se cravaram nela desde detrás de uma cascata de cabelo avermelhado, como um gato que aconchega e valora a sua presa. Gabrielle tragou saliva. Um perigo evidente eemanava do corpo grande desse vampiro e da profundidade de seus olhos de depredador.
«Tegan.»
O nome desse macho desconhecido lhe veio a cabeça, o único dos seis guerreiros do complexo a quem ainda não tinha conhecido.
O mesmo com quem Lucan parecia compartilhar um mútuo e mau dissimuladou desprezo.
O guerreiro vampiro não se separou de seu caminho. Nem sequer reagiu quando ela teve se chocado contra ele, exceto pela ligeira careta que dava com os lábios quando seus olhos encontraram os peitos dela Aplastados contra a superfície de duro músculo justo debaixo do peito. Levava umas doze armas e essa ameaça se via reforçada por uns noventa quilogramas de músculo.
Ela deu um passo para trás e logo se fez a um lado para ficar em um lugar seguro.
—Sinto muito. Não me tinha dado conta de que estava aqui.
Ele não disse nenhuma palavra, mas ela sentiu como se tudo o que lhe estava acontecendo tivesse ficado exposto e visível ante ele em um instante: no instantâneo contato do corpo dela contra o dele. Ele a olhou com uma expressão gelada e desprovida de emoção, como se pudesse ver através dela. Embora não disse nada e não expressou nada, Gabrielle se sentiu diseccionada.
sentiu-se... invadida.
—Perdão —sussurrou.
No momento em que se moveu para passar de comprimento, a voz do Tegan a deteve.
—Né. —Sua voz era mais suave do que tivesse esperado; uma voz profunda, escura e áspera. Contrastava de forma peculiar com a desnudez do olhar, que não se moveu nem um milímetro,
— Faça um favor a você mesma e não te aproxime demasíado de Lucan. Há muitas posibilidades de que esse vampiro não viva muito mais tempo.
Disse-o sem rastro de emoção na voz, foi somente a plana constatação de um fato. O guerreiro passou por seu lado e levantou uma brisa atrás dele impregnada de uma apatia fria e perturbadora que lhe penetrou até os ossos.
Gabrielle se deu a volta para lhe olhar, mas Tegan e sua inquietante predição tinham desaparecido.
Lucan comprovou o peso de uma brilhante nove milímetros com a mão e logo levantou a arma e realizou uma série de disparos contra o alvo que se encontrava ao outro extremo da zona de tiro.
Apesar de que era agradável encontrar-se no terreno conhecido das ferramentas de seu ofício e sentir o sangue fervendo, a ponto para uma briga decente, uma parte dele continuava divagando sobre o encontro com Gabrielle. Apesar de tudo o que havia dito para aparta-la dele, tinha que admitir que se afeiçoou profundamente dela.
Quanto tempo acreditava ser capaz de continuar com ela sem render-se? Ou mais exatamente, como acreditava que seria capaz de suportar a idéia deixa-la partir? De mandá-la longe com a idéia de que ela se emparelharia com outro?
As coisas se estavam pondo indevidamente muito complicadá.
Deixou escapar uma maldição. Disparou outra série de balas e desfrutou com o estrondo do metal quente e com o aroma azedo no peito do alvo ao explodir por causa do impacto.
—O que pensa? —perguntou-lhe Nikolai, lhe olhando com seus olhos frios, limpos e cintilante.
_ Uma peça pequena e doce, não? Endiabradamente sensível, além disso.
—Sim. É agradável. Eu gosto. —Lucan pôs o fecho de segurança e jogou outra olhada a sua pistola.
— Uma Beretta 92FS convertida em automática com carregador. Bom trabalho, tio. Verdadeiramente bom.
Niko sorriu.
—Não te falei que as balas que vão levar os meninos. Hei trocado as pontas ocas de policarbonato das balas. tirei a pólvora das pontas e a substituí por pó de titânio.
—Isso deve provocar um horrível desastre no sistema sangüíneo desses chupões —acrescentou Dê, que se encontrava sentado no bordo de uma vitrine de armas afiando umas facas.
Sem dúvida, o vampiro tinha razão a respeito. Nos velhos tempos, a forma mais limpa de matar a um renegado consistia em separar a cabeça do corpo. Isso funcionava bem quando as espadas eram a arma habitual, mas a tecnologia moderna tinha apresentado novos desafios para ambos os bandos.
Não foi até princípios de 1900 quando a raça descobriu o efeito corrosivo do titânio no sistema sangüíneo sobreactivo dos vampiros renegados. Devido a uma alergia que tinha aumentado por causa de mudanças celulares no sangue, os renegados reagiam ao titânio como um efervescente reage em contato com a água.
Niko tomou a arma de Lucan e lhe deu uns golpezinhos, como se fora um prêmio.
—O que tem aqui é um autêntico destruidor de renegados.
—Quando podemos prová-la?
—Que tal esta noite? —Tegan tinha entrado sem fazer ruído, mas sua voz atravessou a habitação como o rugido de uma tormenta.
—Refere a esse lugar que encontrou perto do porto? —preguntóu Dante.
Tegan assentiu com a cabeça.
—Provavelmente seja uma guarida que albergue possivelmente a uma dúzia de indivíduos, mais ou menos. Acredito que ainda estão verdes, acabam de comverter-se em renegados. Não será muito difícil acabar com eles.
—Faz bastante tempo que não fazemos uma batida para limpar uma casa —comentou Rio, arrastando as palavras e com um amplo sorriso de satisfação.
— Me parece que será uma festa.
Lucan devolveu a arma a Nico e olhou ao outros com o cenho franzido.
—por que diabos me acabo de inteirar disto agora?
Tegan lhe olhou com expressão categórica.
—Tem que te pôr um pouco ao dia, tio. Enquanto você estava encerradou com sua fêmea durante toda a noite, nós estávamos acima fazendo nosso trabalho.
—Isto foi um golpe baixo —disse Rio.
— Inclusive vindo de você, Tegan.
Lucan recebeu o golpe com um silêncio calculado.
—Não, tem razão. Eu deveria ter estado aí acima me ocupando do trabalho. Mas tinha que me encarregar de algumas coisas aqui embaixo. E agora já terminei. Já não vão ser um problema nunca mais.
Tegan lhe dirigiu um sorrizinho de suficiência.
—De verdade? Porque tenho que te dizer que faz uns minutos hei visto a nova companheira de raça na sala e a encontrei bastante inquieta. Parecia que alguém tivesse quebrado o coração dessa pobre garota. Deu-me a sensação de que necessitava que alguém lhe fizesse as coisas mais fáceis.
Lucan respondeu ao vampiro com um furioso e escuro rugido de raiva.
—O que lhe disse? Tocou-a? Se lhe tiver feito algo...
Tegan rio, verdadeiramente divertido.
—Calma, tio. Não faz falta que saia de suas casinhas desta maneira. Sua fêmea não é meu assunto.
—Pois recordem isto —disse Lucan. deu-se a volta para enfrentar-se aos olhares de curiosidade de outros vampiros.
— Ela não é assunto de nenhum de vocês, está claro? Gabrielle Maxwell se encontra sob meu amparo pessoal enquanto esteja neste complexo. Quando tiver ido a um dos Refúgios Escuros, tampouco será meu assunto.
Necessitou um minuto para tranqüilizar-se e não render-se ao impulso de enfrentar-se diretamente com o Tegan. Um dia, provavelmente chegaria a faze-lo . E Lucan não podia culpar por completo a esse macho por sentir rancor. Se Tegan era um bode desumano e mesquinho, Lucan era quem lhe tinha ajudado a ser assim.
—Podemos voltar para o trabalho agora? —disse com um grunhido, desafiando a que ninguém lhe desafiasse.
— Preciso ouvir dados a respeito desse refúgio.
Tegan se lançou a lhe oferecer uma descrição do que tinha observado nesse provável refúgio de renegados e comunicou suas sugestões a respeito de como podiam fazer uma batida nele. Apesar de que a fonte dessa informação chateava um pouco a Lucan, não podia pensar em nenhuma forma melhor de obter que passasse o mau humor que realizando uma ofensiva contra seus inimigos.
Deus sabia que se se encontrava perto de Gabrielle outra vez, todas essas fanfarronadas sobre o dever e de fazer o correto se converteriam em pó. Fazia duas horas que a tinha deixado em seu dormitório e ela todavia era o principal em sua cabeça. A necessidade dela ainda o desgarrava cada vez que pensava em sua cálida e suave pele.
E pensar em como a tinha ferido-lhe fazia sentir um buraco no peito. Ela tinha demonstrado ser uma verdadeira aliada quando lhe havia aberto frente aos demais guerreiros. Lhe tinha acompanhado através desse inferno íntimo a outra noite, tinha estado a seu lado, tão tenra e amorosa como qualquer macho pudesse desejar de sua amada companheira.
Uma idéia perigosa, olhasse-a por onde a olhasse.
Deixou que a discussão a respeito dos renegados continuasse, e esteve de acordo em que tinham que dar o golpe contra esses selvagens no lugar onde viviam em vez de ir para lhes buscar um por um na rua.
—Encontraremo-nos aqui ao pôr-do-sol para nos preparar e sair.
O grupo de guerreiros se dispersou e Tegan saiu a passo lento detrás dele.
Lucan pensou nesse estóico solitário que se sentia tão deploravelmente orgulhoso pelo fato de não necessitar a ninguém. Tegan se mantinha afastado e isolado por vontade própria. Mas nem sempre tinha sido assim. Uma vez tinha sido um menino brilhante, um líder nato. Tivesse podido ser alguém grande... tinha-o sido, na verdade. Mas todo isso trocou no curso de uma noite terrível. A partir desse momento, começou a descer por uma espiral. Tegan tocou fundo e nunca se recuperou.
E apesar de que nunca o tinha admitido ante esse guerreiro Lucan nunca se perdoaria a si mesmo o papel que ele tinha jogado nessa queda.
—Tegan, espera.
O vampiro se deteve com uma reticência evidente. Não se deu a volta, simplesmente ficou em silencio com um gesto de arrogância no corpo esperando a que outros guerreiros saíssem em fila das instalações de treinamento para o corredor. Quando estiveram sozinhos, Lucan se esclareceu garganta e falou com seu irmão de primeira geração.
—Você e eu temos um problema, Tegan.
Ele soltou ar pelo nariz.
—vou avisar aos meios.
—Este assunto entre nós não vai desaparecer. Faz muito tempo, choveu muito após. Se tiver que saldar contas
comigo...
—Esquece-o. É história passada.
—Não é se não podermos enterrá-la.
Tegan soltou uma risada zombadora e, por fim, deu-se a volta para lhe olhar.
—Quer me dizer algo, Lucan?
—Só quero te dizer que começo a compreender o que te custou. O custo que eu te supus. —Lucan meneou a cabeça devagar e se passou uma mão pela cabeça.
— Tegan, tem que saber que se tivesse havido alguma outra forma... Acredito que tudo teria sido distinto.
—Lucan, está tentando te desculpar comigo? —Os olhos verdes do Tegan tinham um olhar tão duro que tivesse podido cortar um cristal.
— Me Evite isto, tio. Chega uns quinhentos anos tarde. E senti-lo não muda uma merda as coisas, não é verdade?
Lucan apertou as mandíbulas com força, assombrado de não tar um verdadeiro zango nesse macho grande em lugar de sua habitual e fria apatia.
Tegan não lhe tinha perdoado. Nem sequer o tinha considerado.
Depois de todo esse tempo, não acreditava provável que o fizesse nunca.
—Não, Tegan. Tem razão. Senti-lo não troca as coisas.
Tegan lhe olhou durante um comprido momento, logo se deu a volta e saiu da habitação.
A música em direto soava desde uns alto-falantes do tamanho de um frigorífico diante do subterrâneo clube privado noturno. .. embora a plavra «música» era um qualificativo generoso para descrever os patéticos e discordantes acordes de violão. Os membros do grupo se moviam como autômatos no cenário, arrastavam as palavras e perdiam o compasso mais vezes das que o seguiam. Em uma palavra, eram horríveis.
Mas como se podia esperar que uns seres humanos atuassem com alguma competência ao encontrar-se diante de uma multidão de sedentos vampiros?
Protegido por uns óculos escuros, o líder dos renegados entrecerró os olhos e franziu o cenho. Já tinha uma horrorosa dor de cabeça ao chegar, fazia muito pouco momento, mas agora sentia as têmporas como se estivessem a ponto de lhe estalar. Recostou-se contra as almofadas em seu reservado, aburrido dessas festas sangrentas. Com um leve gesto da mão fez que uns de seus guardas se aproximasse dele. Logo fez um gesto de desprezo em direção ao cenário.
—Que alguém lhes alivie de seu sofrimento. Por não falar do meu.
O vigilante assentiu com a cabeça e respondeu com um vaio. Fez uma careta que descobriu umas presas enormes que se sobressaíam de seu boca, que já salivava ante a possibilidade de outra massacre. O renegado saiu a passo rápido para cumprir as ordens.
—Bom cão —murmurou seu poderoso amo.
Nesse momento soou seu telefone celular e se alegrou de ter a oportunidad de sair a respirar um pouco o ar. No cenário havia começado um novo barulho e a banda de música calou sob o repentino ataque de um grupo de renegados frenéticos.
Enquanto a completa anarquia estalava no clube, o líder se dirigiu a sua habitação privada de atrás do cenário e tirou o telefone celular do bolso interior de seu casaco. Tinha acreditado que se encontraria com o número ilocalizavel de um de seus muitos serventes, a maioria dos quais tinham sido enviados a procurar informação sobre Gabrielle Maxwell e sobre sua relação com a raça.
Mas não era um deles.
Deu-se conta disso assim que abriu o aparelho e viu o número oculto piscando na tela.
Intrigado, respondeu a chamada. A voz que ouviu o outro extremo da linha não lhe era desconhecida. Fazia alguns trabalhos ilegais com esse indivíduo fazia muito pouco tempo e ainda tinham umas quantas coisas por discutir. A seu requerimento, o tipo lhe ofereceu uma série de detalhes a respeito de uma batida que ia se realizar essa mesma noite em um dos locais mais pequenos que os renegados tinham na cidade.
Em questão de segundos soube tudo o que necessitava para conseguir que essa batida se girasse a seu favor: a localização, os presuntos métodos dos guerreiros e a rota, e seu plano de ataque básico. Tudo com a condição de que um membro da raça se salvasse da vingança. Mas este único guerreiro não ficaria completamente a salvo, simplesmente receberia as suficientes feridas para que não pudesse voltar a lutar nunca mais. O destino do resto de guerreiros, incluindo ao quase imparavel Lucan Thorne, era decisão dos renegados.
A morte de Lucan já tinha formado parte de seu acordo uma vez, anteriormente, mas a execução da tarefa não tinha sido como tinham planejado. Esta vez, seu interlocutor queria ter a segurança de que essa ação sim se levaria a cabo. Inclusive chegou tão longe que lhe recordou que já lhe tinham dado uma remuneração considerável por realizar essa tarefa que ainda tinha que cumprir.
—Estou bem informado de nosso acordo —repôs, com fúria.
— Não me tente a te pedir um pagamento maior. Prometo-te que não o vais lamentar.
Apagou o aparelho com uma maldição, cortando a resposta diplomática que o outro iniciou atrás de sua ameaça.
Os dermoglifos que tinha na boneca brilhavam com um profundo tom que delatava sua fúria. As cores trocavam entre o desenho de outras marca que se fez ao tatuar na pele para dissimular estes. Não gostava de ter tido que ocultar sua linhagem —seu direito de nascimento— com tinta e secretismo. Detestava ter que levar uma existência oculta, quase tanto como detestava a todos aqueles que se interpunham no camino de conseguir seus objetivos.
Voltou para a zona principal do clube, ainda zangado. Na escuridão, seu olhar tropeçou com seu tenente, o único renegado da história recente que tinha olhado a Lucan Thorne aos olhos e que tinha podido contá-lo. Fez um sinal a esse macho enorme para que se aproximasse e logo lhe deu as ordens para que se encarregasse da diversão e os jogos dessa noite.
Sem ter em conta suas negociações secretas, queria que essa noite, quando toda a fumaça se dissolvesse, Lucan e todos quão guerreiros estavam com ele estivessem mortos.
Capítulo vinte e cinco
Ele a evitou durante o resto do dia, o qual a Gabrielle pareceu que dava igual. Agora, justo depois do anoitecer, Lucan e os outros cinco guerreros saíam das instalações de treinamento como uma unidade militar, todos eles a viva imagem de uma ameaça, vestidos com couro negro e carregados de armas letais. Inclusive Gideon se uniu a batida dessa noite e tinha tomado o lugar do Conlan.
Savannah e Eva tinham esperado no corredor para lhes ver sair e se acercaram a seus companheiros para lhes dar um comprido abraço. Intercambiaram umas palavras íntimas em voz baixa e em tom amoroso, uns tenros beijos que denotavam o temor das mulheres e a atitude tranqüilizadora dos homens para lhes assegurar de que voltariam para elas sãs e salvos.
Gabrielle se encontrava a certa distancia, no vestíbulo, e se sentia uma estranha enquanto observava a Lucan dizendo algo a Savannah. A companheira de raça assentiu com a cabeça e lhe depositou um pequeno objeto na mão enquanto levantava a vista por cima do ombro dela e a dirigia para o Gabrielle. Não disse nada, não fez nenhum movimento para aproximar-se dela, mas seu olhar se atrasou um pouco nela, observando-a do outro lado do amplo espaço que lhes separava nesses momentosse.
E então se foi.
Lucan, que caminhava diante de outros, girou a esquina ao final do corredor e desapareceu. O resto do grupo lhe seguiu, e a seu passo somente ficou o seco ressonar dos saltos das botas e o ruído metálico dos aços.
—Está bem? —perguntou-lhe Savannah, aproximando-se de Gabrielle e passando um braço pelos ombros com amabilidade.
—Sim. Me passará.
—Queria que te desse isto. —Ofereceu-lhe o telefone celular do Gabrielle.
— uma espécie de oferta de paz?
Gabrielle tomou e assentiu com a cabeça.
—As coisas não vão bem entre nós agora mesmo.
—Sinto muito. Lucan há dito que confia em que entenda que não pode ir do complexo nem lhes dizer a seus amigos onde está. Mas se quer lhes chamar...
—Obrigado. —Olhou À companheira do Gideon e conseguiu sorrir levemente.
—Se quer ter um pouco de intimidade, ponha cômoda onde queira. —Savannah lhe deu um breve abraço e logo olhou a Eva, que acabava de unir-se a elas.
—Não sei vocês —disse Eva, seu bonito rosto gasto pela preocupação—, mas iria bem uma taça. Ou três.
—Possivelmente as três venha bem um pouco de vinho e de companhia — respondeu Savannah.— Gabrielle, vêem te unir conosco quando termine. Estaremos em minhas habitações.
—De acordo. Obrigado.
As duas mulheres saíram juntas, falando em voz baixa, com os braços entrelaçados enquanto percorriam o sinuoso corredor em direção aos Aposentos do Savannah e do Gideon. Gabrielle partiu na direção contrária, sem saber onde desejava estar.
Isso não era de tudo certo. Desejava estar com Lucan, em seus braços, mas era melhor que superasse esse desejo desesperado, e logo. Não tinha intenção de lhe suplicar que estivesse com ela, e caso que consiguisse voltar inteiro depois da batida dessa noite, era melhor que se preparasse para tirar-lhe completamente da cabeça.
Dirigiu-se para uma porta aberta que havia em um ponto tranqüilo e pouco iluminado do vestíbulo. Uma vela brilhava dentro da habitação vazia: a única luz nesse lugar. A solidão e o aroma de incenso e a madera velha a atraíram. Era a capela do complexo; recordava ter passado por ali durante a visita com o Savannah.
Gabrielle caminhou entre duas filas de bancos em direção a um pedestal que se levantava no outro extremo da habitação Era ali onde se encontrava a vela: sua chama estava profundamente aninhada no centro e irradiava um suave resplendor carmesim. Sentou-se em um dos bancos de diante e ficou uns momentos simplesmente respirando, deixando que a paz do santuário a envolvesse.
Conectou o telefone celular. O símbolo de mensagens estava piscando. Gabrielle apertou a tecla da secretaria de voz e escutou a primeira chamada. Era de Megan, de fazia dois dias, mais ou menos a mesma hora em que tinha chamado ao apartamento do Gabrielle depois do ataque do sirviente no parque.
«Gaby, sou eu outra vez. Deixei-te um montão de mensagens em casa, mas não me chamaste. Onde está? Estou-me preocupando de verdade! Não acredito que deva estar sozinha depois do que aconteceu. Chama-me assim que ouça esta mensagem: e quero dizer no mesmo momento em que o receba, de acordo?»
Gabrielle apagou a mensagem e passou ao seguinte, que era da noite anterior, Às onze. Ouviu a voz da Kendra, que parecia um pouco cansada.
«Né. Está em casa? Responde, se estiver. Merda, suponho que é um pouco tarde: sinto muito. Provavelmente esteja dormindo. Bom, queria chamar os meninos, para ver se íamos de taças ou algo, possivelmente a outra sala? Que tal manhã de noite? Me chame.»
Bom, pelo menos Kendra estava bem fazia umas quantas horas. Isso aliviou parte da preocupação que sentia. Mas ainda ficava o asunto do menino com quem tinha estado saindo. O renegado, corrigiu-se Gabrielle, com um estremecimento de medo ao pensar na proximidade de sua amiga ao mesmo perigo que lhe estava pisando nos pés a ela.
Passou ao última mensagem. Megan outra vez, fazia somente duas horas.
«Olá, carinho. Era uma chamada de comprovação. vais chamar me alguma vez e me dirá como foi na delegacia de polícia a outra noite? Estou segura de que seu detetive se alegrou de verte, mas sabe que morro por saber todos os detalhes de como foi de intensa sua alegria.»
O tom de voz do Megan era tranqüilo e brincalhão, perfeitamente normal. Completamente distinto ao pânico das primeiras mensagens que hábía deixado no telefone de casa do Gabrielle e em seu telefone celular.
Deus, isso estava bem.
Porque não havia nenhum motivo de alarme por ela, nem por seu amigo policial, dado que Lucan lhes tinha apagado a memória.
«Bom, fiquei com o Jamie para jantar esta noite no Ciao Bela... seu favorito. Se pode arrumá-lo, vêem. Estaremos ali Às sete.Para você guardaremos um assento.»
Gabrielle marcou o botão de pendurar e olhou a hora no telefone: as sete e vinte.
Devia a seus amigos, pelo menos, chamar e lhes fazer saber que se encontrava bem. E uma parte dela desejava ouvir suas vozes, já que eram a única conexão com a vida que tinha antes. Lucan Thorne tinha dado a volta a sua vida por completo. Apertou o botão de marcação rápida do celular do Megan e esperou com ânsia enquanto o telefone soava. No mesmo momento em que seu amiga respondeu, Gabrielle ouviu uma conversação apagada.
—Olá, Meg.
—Né... por fim! Jamie, é Gabby!
—Onde está essa garota? vai vir ou o que?
—Ainda não sei. Gabby, vais vir?
Para ouvir a familiar desordem do bate-papo de seus amigos, Gabrielle desejou estar ali. Desejou que as coisas pudessem voltar a ser como eram antes de...
—Né... Não posso. surgiu um assunto e...
—Está ocupada —disse Megan a Jamie.
—Mas, onde está? Kendra me chamou hoje, estava-te procurando. Há-me dito que tinha ido a seu apartamento mas que não parecia que estivesse em casa.
—Kendra apareceu por aí? Viu-a?
—Não, mas quer reunir-se com todos nós. Parece que há terminado com esse menino que conheceu na discoteca.
—Brent —acrescentou Jamie em voz alta
—Têm quebrado?
—Não sei —respondeu Megan—. Lhe perguntei como ia com ele e ela somente me disse que já não se estavam vendo.
—Bem —repôs Gabrielle, muito aliviada—. São muito boas notícias.
—Bom, e você? Quem é tão importante como para que não jante esta noite?
Gabrielle franziu o cenho e olhou ao seu redor. Na sala havia levantado um pouco a brisa e a chama vermelha da vela tremeu. Ouviu uns pés suaves e uma afogada exclamação de surpresa de alguém que tinha entrado e se deu conta de que a sala estava ocupada. Gabrielle se deu a volta e viu uma loira alta na porta de entrada. A mulher olhou a Gabrielle com expressão de desculpa e logo se dispôs a sair.
—Estou... isto... fora da cidade, agora mesmo —disse a seus amigos em voz baixa.
— Certamente estarei fora uns quantos dias. Possivelmente mais.
—Fazendo o que?
—Né, estou fazendo um trabalho por encargo —mentiu Gabrielle, diando ter que fazê-lo, mas sem encontrar outra alternativa.
— Chamarei assim que possa. Se cuidem. Quero-lhes.
—Gabrielle...
Pendurou antes de que a obrigassem a dizer nada mais.
—Sinto-o —lhe disse a mulher loira enquanto Gabrielle se aproximava dela.
— Não me tinha dado conta de que a habitação estava ocupada.
—Não o está. Por favor, fique. Só estava... —Gabrielle soltou um suspiro.
— Acabo de mentir a meus amigos.
—OH. —Uns amáveis olhos de cor azul pálida a olharam comprensivamente.
Gabrielle fechou o telefone e passou um dedo por cima da carcasa chapeada e polida.
—Deixei meu apartamento precipitadamente a outra noite para vir aqui com Lucan. Nenhum de meus amigos sabe onde estou, nem por que tive que partir.
—Compreendo. Possivelmente algum dia lhes possa dar alguma explicação.
—Isso espero. Não quero lhes pôr em perigo lhes contando a verdade.
A mulher assentiu com a cabeça, pormenorizada, e seu halo de cabelo comprido e loiro seguiu o movimento.
—Você deve ser Gabrielle. Savannah me há dito que Lucan havia trazido para uma mulher que estava sob seu amparo. Sou Danika. Sou... era... a companheira do Conlan.
Gabrielle aceitou a esbelta mão que Danika lhe ofereceu como saudação.
—Sinto muito sua perda.
Danika sorriu com uma expressão triste nos olhos. Soltou a mão do Gabrielle e, sem dar-se conta, baixou a sua para acariciar o abdômen, imperceptivelmente inchado.
—Queria ir para te buscar para te dar a bem-vinda, mas imagino que não sou a melhor das companhias neste momento. Não tive muita vontade de sair de minhas habitações durante estes últimos dias. Todavía está sendo muito difícil para mim, tentar realizar este... ajuste. Tudo é tão distinto agora.
—É obvio.
—Lucan e outros guerreiros foram muito generosos comigo. Cada um deles me jurou amparo quando a necessitar, esteja onde esteja. Para mim e para meu filho.
—Está grávida?
—Desde quatorze semanas. Desejava que este fora o primeiro de muitos filhos. Estávamos tão iludidos com nosso futuro. Tínhamos esperado muito tempo a fundar nossa família.
—por que esperaram? —Gabrielle franziu o cenho assim que se deu conta de que tinha feito a pergunta.
— O sinto, não tento bisbilhotar. Não é meu assunto.
Danika estalou a língua, lhe tirando importância.
—Não há necessidade de desculpar-se. Não me importa que me faça prerguntas, de verdade. Para mim é bom falar de meu Conlan. Vêem, vamos sentar nos um momento —lhe disse, conduzindo a Gabrielle até uma das cadeiras bancos da capela.
—Conheci Conlan quando era só uma menina. Meu povo da Dinamarca tinha sido saqueado por uns invasores, ou isso acreditávamos. A verdade é que eram um grupo de renegados. Mataram a quase todo mundo, as mulheres velhas e aos meninos, Aos velhos de nossa aldeia. Ninguém estava seguro. Um grupo de guerreiros da raça chegou a metade do ataque. Conlan era um deles. Resgataram a tantos dos nossos como puderam. Quando descubriram minha marca, levaram-me a Refúgio Escuro mais próximo. Foi ali onde aprendi tudo a respeito da nação dos vampiros e do lugar que eu ocupava nela. Mas não podia deixar de pensar em meu salvador. Foi coisa do destino que, ao cabo de uns anos, Conlan fora outra vez a essa zona. Eu estava tão iludida de lhe ver. Imagine a comoção que senti ao saber que ele tampouco se esqueceu de mim.
—Quanto faz disso?
Danika quase não teve que deter-se para calcular o tempo.
—Conlan e eu compartilhamos quatrocentos e dois anos juntos.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle—. Tanto tempo...
—passou em um abrir e fechar de olhos, se te disser a verdade. Não te mentirei te dizendo que sempre foi fácil ser a mulher de um guerreiro, mas não trocaria nem um só instante. Conlan acreditava por completo no que estava fazendo. Queria um mundo mais seguro, para mim e para nossos filhos que estavam por chegar.
—E por isso esperou todo este tempo para conceber um filho?
—Não queríamos fundar nossa família enquanto Conlan sentisse que precisava permanecer com a Ordem. Estar em primeira linha não é o melhor para os meninos, e esse é o motivo pelo que não há famílias entre os membros da classe dos guerreiros. Os perigos são muito grandes, e nossos companheiros precisam poder concentrar-se únicamente em sua missão.
—Não se dão acidentes?
—Os embaraços acidentais são completamente desconhecidos na raça porque nós necessitamos algo mais sagrado que o simples sexo para conceber. O momento de fertilidade das companheiras de raça é durante a lua crescente. Durante este momento crucial, se desejamos conceber um filho, nossos corpos devem conter tanto a semente de nosso companheiro como seu sangue. É um ritual sagrado que ninguem planeja realizar as pressas.
A idéia de poder compartilhar esse profundo e íntimo ato com Lucan fez que Gabrielle sentisse que o centro de seu ser entrava em calor. A idéia de unir-se dessa forma com outro, de engordar com o filho de outro que não fora Lucan, era uma possibilidade que se negava a ter em conta. Preferia estar sozinha, e provavelmente o estaria.
—O que vais fazer agora? —perguntou-lhe, rompendo o silêncio em que se ficou ao imaginar sua própria solidão futura.
—Ainda não sei —respondeu Danika.
— Sim sei que não vou unir-me com nenhum outro macho.
—Não necessita um companheiro para continuar jovem?
—Conlan era meu companheiro. Agora que ele se foi, uma só vida já será muito tempo. Se me negar a ter um vínculo de sangue com outro macho, simplesmente envelhecerei de forma natural daqui em diante, igual que antes de conhecer Conlan. Simplesmente serei... mortal.
—Morrerá —disse Gabrielle.
Danika sorriu com expressão decidida, mas não de tudo triste.
—Ao final.
—Aonde irá?
—Conlan e eu tínhamos planejado nos retirar a um dos Refúgios Escuros da Dinamarca, onde eu nasci. Ele queria isso para mim, mas agora acredito que prefiro criar a seu filho em Escócia para que tenha a oportunidade de conhecer algo de seu pai Através da terra que ele tanto amava. Lucan já começou a fazer os preparativos para que possa ir quando dita que estou preparada.
—Isso foi amável por sua parte.
—Muito amável. Quando veio a me buscar para me dar a notícia, e para me prometer que meu filho e eu sempre estaríamos em comunicação direta com ele e com o resto da Ordem se por acaso alguma vez necessitávamos algo, não me podia acreditar isso. Foi o dia do funeral, só umas quantas horas depois do mesmo, e suas queimaduras ainda eram extremamente gravê. E apesar disso, ele estava mais preocupado por meu bem-estar.
—Lucan sofreu queimaduras? —Gabrielle sentiu que um sentimento de alarme lhe assaltava o coração.
— Quando? E como?
—Faz só três dias, quando realizamos o ritual funerário do Conlan. —Danika arqueou as finas sobrancelhas—. Não sabia? Não, claro que não o sabia. Lucan nunca mencionaria esse ato de honra, nem o dano que sofreu para levá-lo a cabo. Olhe, a tradição funerária da raça estabelece que um vampiro deve levar o corpo do morto fora para que os elementos da natureza o recebam —disse, fazendo um gesto em direção a uma sombria esquina da capela onde havia uma escura escada.
— É um dever que mostra um grande respeito e exige um grande sacrifício porque, uma vez fora, o vampiro que atende a seu irmão deve ficar ao seu lado durante oito minutos durante a saída do sol.
Gabrielle franziu o cenho.
—Mas eu acreditava que a pele de um vampiro não suporta os raios do sol.
—Não, não os suporta. Sofre queimaduras graves e de forma muito rápida, mas ninguém sofre mais que um vampiro de primeira geração. Os mais velhos da raça sofrem mais, inclusive em um tempo de exposição muito breve.
—Como Lucan —disse Gabrielle.
Danika assentiu com expressão solene.
—Para ele, estar exposto oito minutos a saída do sol deve haver sido insuportável. Mas o fez. Pelo Conlan, deixou que seu corpo se queimasse. Inclusive tivesse podido morrer ali acima, mas não tivesse deixado que ninguém mais assumisse o peso de oferecer repouso a meu amado Conlan.
Gabrielle recordou a urgente chamada Telefónica que tinha tirado Lucan fora da cama em meio da noite. Não lhe tinha contado do que se tratava. Tampouco tinha compartilhado sua perda com ela.
Sentiu que a dor lhe retorcia o estômago ao pensar no que tinha suportado, segundo a descrição da Danika.
—Falei com ele... esse mesmo dia, de fato. Por sua voz soube que algo ia mau, mas ele o negou. Parecia tão cansado, mais que exausto. É esta me dizendo que sofreu queimaduras pela luz ultravioleta?
—Sim. Savannah me contou que Gideon o encontrou não muito tempo depois. Lucan tinha queimaduras da cabeça aos pés. Não podia abrir os olhos a causa da dor e a inflamação, mas rechaçou qualquer tipo de ajuda para voltar para suas habitações para curar-se.
—Meu Deus —sussurrou Gabrielle, estupefata—. Ele nunca me contou isso, não me contou nada disto. Quando lhe vi mais tarde, essa noite... só ao cabo de umas horas, parecia completamente normal. Bom, o que quero dizer é que parecia e atuava como se nada mau lhe tivesse ocorrido.
—A pureza de linha de sangue de Lucan lhe faz sofrer mais, mas também lhe ajuda a curar-se mais depressa das queimaduras. Inclusive então não foi fácil para ele; ele necessitaria uma grande quantidade de sangue para repôr seu corpo depois de um trauma tão forte. Quando esteve o bastante bem para abandonar o complexo e ir de caça, devia ter uma fome voraz.
Tinha-a tido. Gabrielle se dava conta agora. A lembrança de lhe ver alimentar do servente a quem tinha matado lhe passou pela mente, mas agora tinha um significado distinto, já não lhe parecia o ato monstruoso que lhe tinha parecido de forma superficial, a não ser um meio de sobrevivemcia. Tudo adquiria um significado novo desde que conhecia Lucan.
Ao princípio, tinha-lhe parecido que a guerra entre os da raça e seus inimigos não era mais que um mal enfrentado a outro, mas agora não podia evitar sentir que também era sua guerra. Ela se jogava algo no desenlace, e não somente pelo fato de que seu futuro se encontrava ligado a este estranho mundo. Para ela era importante que Lucan ganhasse não só a guerra contra os renegados, mas também a devastadora guerra pessoal que liberava em privado.
Estava preocupada com ele, e não podia ignorar a queimação de medo que tinha começado a sentir na base das costas desde que ele e os outros guerreiros tinham abandonado o complexo para ir de batida.
—Quer-lhe muito, verdade? —perguntou-lhe Danika. Entre elas se havia feito um angustiante silêncio.
—Quero-lhe, sim. —Olhou a mulher aos olhos e não encontrou motivo para esconder uma verdade que, provavelmente, se traslucía em seu rosto.
— Posso te dizer uma coisa, Danika? Tenho uma horrível sensação a respeito do que está fazendo esta noite. E para piorá-lo, Tegan disse que não acreditava que Lucan fora a viver muito mais. quanto mais momento levo aqui sentada, mais medo tenho de que Tegan possa ter razão.
Danika franziu o cenho.
—Falaste com o Tegan?
—Tropecei-me com ele —literalmente— muito recentemente . Disse-me que não me afeiçoasse muito de Lucan.
—Porque acreditava que Lucan ia morrer? —Danika deixou escapar um comprido suspiro e meneou a cabeça—. Esse parece desfrutar pondo a outros no fio. Provavelmente o há dito somente porque sabe que isso te inquietará.
—Lucan disse que entre eles havia animosidade. Crie que Tegan é de confiar?
Pareceu que a companheira de raça loira o pensava um momento.
—Posso dizer que a lealdade é uma parte importante do código dos guerreiros. È tudo para esses machos, faz-os um. Nada deste mundo pode lhes fazer violar essa confiança sagrada. —levantou-se e tomou a mão do Gabrielle.
— Vêem. vamos procurar a Eva e a Savannah. E a espera será menos larga para todas se não a passarmos sozinhas.
Capítulo vinte e seis
Do ponto de observação onde estavam apostados em um dos edifícios do porto, Lucan e outros guerreiros observaram um pequeno caminhão cujas rodas cromadas cuspiam cascalho, dirigir-se a localização que estavam vigiando. O condutor era um ser humano. Se seu aroma a suor e a ansiedade não tivesse delatado, a música country que saía estrondosamente pelo guichê aberto o tivesse feito. Saiu do veículo com uma bolsa de papel marrom repleta de algo que cheirava a arroz frito e porco.
—Parece que os meninos jantam dentro esta noite —disse Dê. O confiado mensageiro comprovou o papel branco que tinha grampeado no pedido e olhou para o dique com cautela.
O condutor se aproximou da porta de entrada do armazém, dirigiu outro olhar nervoso ao seu redor, soltou um juramento em meio da escuridão e apertou o timbre. Não havia nenhuma luz dentro do edifício, somente havia o feixe de luz amarela que caía da lâmpada nua que pendurava em cima da porta. Lucan viu os olhos ferozes de um Renegado e o mensageiro gaguejou umas palavras do pedido e alargou o papel para o buraco escuro que se aberto diante dele.
—O que quer dizer trocando-o? —perguntou o cowboy urbano com um forte acento de Boston.
— Que diabos...?
Uma enorme mão lhe sujeitou pelo peito da camisa e lhe levantou do chão. ele chiou e em seu ataque de pânico conseguiu largar-se da mão do renegado.
—Uf! —exclamou Niko desde sua posição perto da cornija.
— Parece que acaba de dar-se conta de que não há comida a Chinesa no menu.
O renegado voou até o ser humano como uma sombra, assaltou-lhe por detrás e lhe abriu a garganta com uma eficiência selvagem. A morte foi sangrenta e foto instantânea. Logo o renegado se levantou de um salto e se dispôs a carregár a presa ao ombro para levá-la dentro, e Lucan ficou em pé.
—chegou o momento de nos pôr em marcha. Vamos.
Ao uníssono, os guerreiros saltaram ao chão e se dirigiram a grande velocidade para o armazém que servia de guarida aos renegados. Lucan, que lhes marcava o caminho, foi o primeiro em alcançar ao vampiro com sua inerte carrega humana. Com uma mão, sujeitou ao renegado pelo ombro e lhe obrigou A dár a volta ao tempo que tirava uma de suas folhas mortíferas da capa que levava no quadril. Golpeou com força e uma pontaría certeira, e decapitou a essa besta com um corte limpo.
As células do renegado começaram a fundir-se imediatamente e este caiu, empapado de sangue, ao chão. O contato da folha de Lucan foi como um ácido que atravessou o sistema nervoso do vampiro. Ao cabo de uns segundos, quão único ficava do renegado era um atoleiro negro e putrefato que se diluía na sujeira do chão.
Mais adiante, na porta, Dante, Tegan e os outros três guerreiros se formavam em um grupo fechado e armado, disposto a iniciar a ação réal. À ordem de Lucan, os seis se introduziram no armazém com as armas A ponto.
Os renegados que se encontravam dentro não tiveram nem idéia do que era o que lhes estava atacando até que Tegan lançou uma adaga que foi cravar se na garganta de um deles. Enquanto o renegado chiava e se retorcia ao desintegrar-se, seus cinco companheiros, enfurecidos, se dispersaram em busca de refúgio ao tempo que tomavam as armas sob a chuva de balas e folhas afiadas que Lucan e seus irmãos lançavam a discrição.
Dois dos renegados caíram ao cabo de uns segundos de haver-se iniciado o enfrentamento, mas os outros dois que ficavam haviam ocultado nas profundidades escuras do armazém. Um deles disparou contra Lucan e Dante desde detrás de um velho montão de gavetas. Os guerreiros esquivaram esse ataque e lhe responderam, o qual lhe fez sair ao descoberto e lhe deu a oportunidade a Lucan de acabar com ele.
Lucan percebeu na periferia de seu campo de visão que o último deles tentava escapar por entre um montão de barris derrubados e de tubos de metal que havia na parte traseira do edifício.
A Tegan tampouco tinha passado desapercebido. O vampiro se precipitou para o renegado como um trem de carga e desapareceu nas prófundidades do armazém em uma mortal perseguição.
—Tudo espaçoso —gritou Gideon desde algum ponto da escuridão fumegante e poeirenta.
Mas assim que o houve dito, Lucan percebeu que um novo perigo se abatia sobre eles. Seu ouvido distinguiu o discreto roce de um movimento sobre sua cabeça. Os lúgubres abajures do teto que se encontravam em cima dos tubos do sistema de ventilação do armazém estavam quase negras de sujeira, mas Lucan estava seguro de que algo avançava pelo telhado.
—Vigiem acima! —gritou aos outros, e nesse momento o telhado caiu e sete renegados mais se deixaram cair de acima disparando com suas armas.
De onde tinham saído? A informação que tinham sobre essa guarida era de confiar: seis indivíduos, provavelmente convertidos em renegados recentemente, que operavam de forma independente, sem nenhuma filiação. Então, quem tinha dado aviso a essa cavalaria para que lhes apóiassem? Como se tinham informado de que havia uma batida?
—Uma maldita emboscada —grunhiu Dante, pondo em voz alta o pensamento de Lucan.
Não era possível que esses novos problemas tivessem aparecido por acaso. Lucan se fixou no mais volumoso dos renegados que se estavam precipitando contra eles nesses momentos e sentiu que uma furia negra lhe fervia no ventre.
Era o vampiro que lhe tinha escapado a noite do assassinato Aos subúrbios da discoteca. O bode da Costa Oeste. O canalha que havia podido matar a Gabrielle e que possivelmente ainda pudesse fazê-lo algum dia se Lucan não acabava com ele nesse preciso momento.
Enquanto Dante e outros respondiam ao fogo do grupo de renegados, Lucan foi unicamente por esse objetivo.
Essa noite ia terminar com ele.
O vampiro vaiou amenaçadoramente ao lhe ver avançar e seu horrível rostro se deformou com um sorriso.
—Encontramo-nos de novo, Lucan Thorne.
Lucan assentiu com expressão lúgubre.
—Pela última vez.
O ódio mútuo fez que ambos os machos se desprendessem das armas para encetar-se em um combate mais pessoal. Em um instante desenfunderam as facas, um em cada mão, e os dois vampiros se prepararam para cercar um combate a morte. Lucan lançou a primeira estocada, e recebeu um perigoso corte no ombro: o renegado lhe tinha esquivado com sigilosa velocidade e se deslocou, em um abrir e fechar de olhos, ao outro lado dele. Tinha as mandíbulas abertas e uma expressão de triunfo ante o primeiro sangue derramado.
Lucan se deu a volta com igual agilidade e suas facas assobiaram perigrosamente perto da cabeça do renegado. O chupão baixou a vista e viu sua orelha direita no chão, A seus pés.
—começou o jogo, imbecil —grunhiu Lucan.
«Com uma vingança.»
Lançaram-se um contra o outro em um torvelinho de fúria com seus acertos frios e mortais. Lucan tinha consciência da batalha que se cercou ao seu redor, de que os guerreiros se estavam enfrentando ao segundo ataque. Mas toda sua concentração, todo seu ódio, centrava-se na afronta pessoal com o renegado que tinha em frente.
Quão único Lucan tinha que fazer para acender-se de fúria era pensar em Gabrielle e no que esta besta lhe tivesse feito.
E alimentou essa fúria: fez retroceder ao renegado estocada atrás de cada, implacável. Não sentiu os golpes que recebeu no corpo, embora foram muitos. Tombou a seu competidor e se preparou a lançar a última e mortífera estocada.
Com um rugido, realizou um profundo corte na garganta do renegado e separou sua enorme cabeça do corpo destroçado. Uns espasmos sacudiram os braços e as pernas do vampiro e este se desabou, retorcendo-se, ao chão. Lucan ainda sentia a fúria martilando com força nas veias; deu a volta à faca que tinha na mão e o cravou com força no peito do renegado para acelerar o processo de desintegração do corpo.
—Santo inferno —exclamou Rio desde algum ponto perto dele com voz seca.
— Lucan, tio, em cima de ti! Há outro nas vigas.
Aconteceu em um instante.
Lucan se deu a volta, sentindo a fúria da batalha em todos os músculos do corpo. Jogou uma olhada para cima, onde Rio havia lhe indicado. Muito acima por cima de sua cabeça outro vampiro renegado se pendurava pelos tubos do teto do armazém com uma coisa sob o braço que parecia ser uma pequena bola de metal. Mas uma pequena luz vermelha parecia rapidamente nesse aparelho e imediatamente ficou acendida.
—Ao chão! —Nikolai levantou sua Beretta trucada e apontou.
— O tipo vai lançar uma maldita bomba!
Lucan ouviu o repentino disparo da arma.
Viu que o renegado recebia o disparo do Niko justo entre os brilhantes olhos amarelos.
Mas a bomba já estava no ar.
Ao cabo de segundo meio, estalou.
Capítulo vinte e sete
Gabrielle se incorporou repentinamente, despertando sobressaltada de outra inquieta cabeçada que acabava de jogar no sofá da sala de estar do Savannah. As mulheres tinham ficado juntas as últimas horas, consolándo-se na companhia mútua, exceto Eva, que se tinha ido a capela para rezar. A companheira de raça estava mais nervosa que as demais e se tinha passado grande parte da tarde caminhando acima e abaixo e mordendo o lábio inferior com impaciência e ansiedade.
Em algum lugar por cima do labirinto de corredores e habitações se ouviram os movimentos surdos e as vozes tensas dos machos. O barulho zumbido do elevador fez vibrar o denso ar da sala e se deram conta de que a cabine estava baixando ao piso principal do complexo.
«OH, Deus.»
Algo ia mau.
Notava-o.
«Lucan.»
Jogou a um lado o xale de felpilla com que se cobria e pôs os pés no chão. O coração lhe tinha desbocado, e lhe encolhia com força a cada pulsado.
—Tampouco eu gosto desses sons —disse Savannah, jogando uma tensa olhada a habitação.
Gabrielle, Savannah e Danika saíram das habitações para ir em busca dos guerreiros. Nenhuma disse nenhuma palavra e com muita dificuldade respiravam enquanto se dirigiam ao elevador.
Inclusive antes de que as portas de aço se abrissem, por causa dos sons precipitados que se ouviam dentro do elevador, fez-se evidente que foram receber más notícias.
Mas Gabrielle não estava preparada para quão más foram ser.
O fedor a fumaça e a sangue a assaltou com a força de um murro. Fez uma careta ante o nauseabundo aroma de guerra e morte mas se esforçou por ver qual era a situação na cabine do elevador. Nenhum dos guerreiros saía dela. Dois estavam tombados no chão da cabine e os outros três estavam agachados ao seu redor.
—Traz umas quantas toalhas e lençóis limpa! —gritou-lhe Gideon a Savannah.
— Traz todas as que possa, menina! —Assim que ela se dispôs a fazê-lo, ele acrescentou:
—Também vamos precisar movê-lo. Há uma cama na enfermaria.
—Eu me ocupo —repôs Niko de dentro do elevador.
Saltou por cima de um dos dois vultos informe que se encontrava tendido de barriga para baixo no chão. Quando passou por seu lado, Gabrielle viu que tinha o rosto, o cabelo e as mãos enegrecidos de fuligem. As roupas estavam rasgadas e a pele salpicada com centenas de arranhões sangrando. Gideon mostrava contusões similares. E Dante também.
Mas suas feridas não eram nada comparadas com as dos dois guerreros da raça que estavam inconscientes e a quem seus irmãos haviam transportado pelas ruas.
O peso que sentiu no coração lhe fez saber de Gabrielle que um deles era Lucan. Aproximou-se um pouco mais e teve que reprimir uma exclamação ao ver confirmados seus temores.
O sangue se formava redemoinhos debaixo de seu corpo, um atoleiro da cor do vinho escuro que se estendia até o mármore branco do corredor. Tinha a vestimenta de couro e as botas feita migalhas, igual à maior parte da pele dos braços e as pernas. O rosto estava cheio de fuligem e de cortes de uma cor escarlate. Mas estava vivo. Gideon lhe moveu para lhe aplicar um torniquete improvisado para parar o sangue de uma ferida que tinha no braço e Lucan soltou um vaio de dor por entre as presas alargadas.
—Porra... sinto muito, Lucan. É bastante profundo. Merda, isto não vai deixar de sangrar.
—Ajuda... ao Rio —pronunciou as palavras com um grunhido apagado. Foi uma ordem direta apesar de que se encontrava convexo de costas—. Estou bem —acrescentou, gemendo de dor.
— Porra... quero que... dê-te... dele.
Gabrielle se ajoelhou ao lado do Gideon. Levantou a mão para sujeitar o extremo da atadura que ele tinha na mão.
—Eu posso fazê-lo.
—Está segura? É uma ferida feia. Tem que colocar as mãos justo aí para apertá-lo com força.
—Tenho-o. —Fez um gesto com a cabeça em direção a Rio, que se encontrava convexo ao lado.
— Faz o que te há dito.
O guerreiro ferido que estava convexo no chão ao lado de Lucan estava sofrendo uma agonia. Ele também sangrava profundamente por quão feridas tinha no torso e a causa do terrível dano que tinha sofrido no braço esquerdo. Levava uma perna envolta em um farrapo empapado de sangue que devia ser uma camisa. Tinha o rosto e o peito queimados e rasgados até tal ponto que era irreconhecível. Começou a emitir uns gemidos graves e guturais que lhe encheram os olhos de lágrimas a Gabrielle.
Piscou para reprimir as lágrimas e, ao abrir os olhos de novo, encontrou-se com os pálidos olhos cinzas de Lucan cravados nela.
—Acabei... com o bode.
—Shh. —Secou-lhe o suor da frente, maltratada.
— Lucan, te esteja quieto. Não tente falar.
Mas ele não fez conta. Tragou saliva com dificuldade e logo se esforçou em pronunciar as palavras.
—o da discoteca... o filho de puta que estava ali essa noite.
—que te escapou?
—Esta vez não. —Piscou devagar. Seu olhar era tão feroz como brilhante.
— Agora não poderá nunca... te fazer danifico...
—Sim—disse em tom irônico Gideon, que se estava ocupando de Rio.
— E tem muita sorte de estar vivo, herói.
Gabrielle sentiu que a angústia lhe atendia a garganta ao olhar a Lucan. Apesar de que tinha afirmado que seu dever era o primeiro e que alguma vez haveria um lugar para ela em sua vida, Lucan tinha pensado nela essa noite? Estava ferido e sangrando a causa, em parte, por algo que tinha feito por ela?
Ela tomou uma de suas mãos entre as suas e lhe acariciou no único lugar do corpo em que podia fazê-lo enquanto a apertava contra o coração.
—OH, Lucan...
Savannah chegou correndo com o que lhe tinham pedido. Niko a seguiu imediatamente, empurrando a maca de hospital diante dele.
—Lucan primeiro —lhes disse Gideon.
— Levem a uma cama e logo voltarei por Rio.
—Não —grunhiu Lucan, com tom de maior determinação que de dor.
— Ajudem a me levantar.
—Não acredito que... —disse Gabrielle, mas ele já estava tentando levantar-se do chão.
—Tranqüilo, chiou.
—Dante entrou no elevador e colocou sua mão forte sob o braço de Lucan. Tombaram-lhe por que não toma um descanso e nos deixa que lhe levemos a enfermaria?
—Hei dito que estou bem. —Lucan, apoiando-se em Gabrielle e em Dante, incorporou-se e se sentou. Respirava com dificuldade, mas permaneceu incorporado.
— recebi uns quantos golpes, mas merda... vou andando até minha cama. Não vou deixar que me... arrastem até aí.
Dante olhou Gabrielle com expressão exasperada.
—Sabe que tem a cabeça tão dura que o diz a sério?
—Sim, sei.
Gabrielle sorriu, agradecida a essa obstinação que o fazia ser forte. Ela e Dante lhe emprestaram o apoio de seus corpos: colocaram-se um a cada lado dele, com os ombros sob cada um de seus braços, e lhe sujeitaram até que Lucan começou a ficar em pé, devagar.
—Por aqui —disse Gideon a Niko, e este colocou a maca no lugar adequado para levantar Rio enquanto Savannah e Danika faziam tudo o que podiam por conter o sangue de suas feridas, por lhe tirar a roupa destroçada e o desnecessário peso das armas.
—Rio? —A voz da Eva soou aguda. Correu até o grupo com o rosario ainda apertado em uma das mãos. Quando chegou ao elevador aberto se deteve imediatamente e agüentou a respiração.
— Rio! Onde está?
—Está aqui dentro, Eva —disse Niko, apartando-se da maca, onde já tinham colocado a Niko, para lhe impedir o passo. Apartou-a dali com mão firme para que não se aproximasse muito ao açougue.
— Houve uma explosão esta noite. Ele se levou a pior parte.
—Não! —levou-se as mãos ao rosto, horrorizada.
— Não, está equivocado. Esse não é meu Rio! Não é possível!
—Está vivo, Eva. Mas terá que ser forte por ele.
—Não! —Começou a chiar grosseiramente, histérica, enquanto tentava abrir passo com a força para aproximar-se de seu companheiro.
— Meu Rio não! Deus, não!
Savannah se aproximou e tomou a Eva do braço.
—Vamos agora —lhe disse com suavidade.
— Eles sabem como lhe ajudar.
Os soluços da Eva alagaram o corredor e encheram a Gabrielle de uma angústia íntima que era uma mescla de alívio e de medo frio. Estava preocupada com Rio, e lhe rompia o coração pensar no que Eva devia estar sentindo. Gabrielle sabia que isso lhe doía em parte porque Lucan tivesse podido encontrar-se no lugar de Rio. Uns quantos milímetros, umas frações de segundo, podiam ter sido quão único tinha determinado qual dos dois guerreiros ia estar convexo em um crescente atoleiro de sangue lutando por manter-se vivo.
—Onde está Tegan? —perguntou Gideon, sem apartar a atenção de seus próprios dedos com os quais, e com movimentos rápidos, ocupava-se de curar ao guerreiro cansado.
— retornou já?
Danika negou com a cabeça, mas olhou a Gabrielle com olhos angustiados.
—por que não está aqui? Não estava com vocês?
—Perdemo-lhe de vista muito pouco tempo depois de que entrássemos na guarida dos renegados —lhe disse Dante.
— Quando estalou a bomba, nosso principal objetivo foi trazer Rio e a Lucan ao complexo o mais breve possível.
—vamos mover isto —disse Gideon, colocando-se a cabeça da cama de Rio.
— Niko, me ajude a mover isto.
As perguntas a respeito do Tegan se apagaram enquanto todo mundo trabalhava em excesso em fazer todo o possível para ajudar a Rio. Todos percorreram o caminho até a enfermaria. Gabrielle, Dante e Lucan eram os que se deslocavam com maior lentidão pelo corredor: Lucan se cambaleava sobre os pés e se sujeitava a eles dois enquanto se esforçava por manter-se em pé com firmeza.
Gabrielle reuniu valor para lhe olhar. Desejava tanto lhe acariciar o rosto ferido e cheio de sangue. Enquanto lhe olhava com o coração encolhido, ele levantou as pálpebras e a olhou aos olhos. Ela não sabia o que era o que se estabeleceu entre eles durante esse comprido instante de quietude no meio do caos, mas sentiu que era algo quente e bom Apesar de tudo quão terríveis tinham sido os sucessos dessa noite.
Quando chegaram À habitação onde foram atender a Rio, Eva ficou a um lado da maca, ante seu corpo quebrado. As lágrimas lhe caíam pelas bochechas.
—Isto não tinha que ter acontecido —gemeu—. Não deveria ter sido meu Rio. Não desta maneira.
—Faremos tudo o que possamos por ele —disse Lucan, respirando com dificuldade por causa de suas próprias feridas—. Lhe prometo isso, Eva. Não lhe deixaremos morrer.
Ela negou com a cabeça, com o olhar fixo em seu companheiro tendido na cama. Acariciou-lhe o cabelo e Rio murmurou umas palavras incoerentes, semi inconsciente e com uma clara expressão de dor.
—Quero-lhe fora daqui imediatamente. Deveria ser transladado a um Refúgio. Necessita atenção médica —disse Eva.
—Seu estado não é o bastante estável para que lhe translade —repôs Gideon.
— Tenho os conhecimentos necessários e a equipe adequada para lhe tratar aqui por agora.
—Quero-lhe fora daqui! —Levantou a cabeça súbitamente e dirigiu o olhar brilhante de um guerreiro a outro.
— Não resulta de utilidade para nenhum de vocês agora, assim me deixem isso . Já não lhes pertence, a nenhum de vocês. Agora é completamente meu! Somente quero o melhor para ele!
Gabrielle notou que o braço de Lucan entrava em tensão por causa dessa reação histérica.
—Então tem que te apartar de diante do Gideon e deixar que faça seu trabalho —lhe disse, assumindo com facilidade o papel de líder apesar de sua má condição física.
— Agora mesmo, quão único importa é manter com vida Rio.
—Você —disse Eva, em tom seco enquanto lhe dirigia um olhar severo. Seus olhos mostraram um brilho mais selvagem e seu rosto se transformou em uma máscara de puro ódio.
— Deveria ser você quem se estivesse morrendo agora mesmo, e não ele! Você, Lucan. Esse foi o trato que fiz! Sabiam que tinha que ser você!
Na enfermaria pareceu abrir um abismo que se tragasse todo som exceto a surpreendente verdade do que a companheira de Rio acabava de confessar.
Dante e Nikolai se levaram as mãos as armas, ambos os guerreiros dispostos a responder a mais ligeira provocação. Lucan levantou uma mão para contê-los com o olhar fixo na Eva. A verdade era que não lhe importava absolutamente que sua malevolência se dirigisse diretamente contra ele; se ele tinha sido uma espécie de alvo para sua fúria, havia sobrevivido a isso . Rio possivelmente não o fizesse. Qualquer dos irmãos presente na batida dessa noite tivesse podido não sobreviver a traição da Eva.
—Os renegados sabiam que íamos estar ali —disse Lucan em um tom frio por causa de uma profunda fúria.
— Caímos em uma emboscada no armazém. Você o preparou.
Outros guerreiros emitiram uns grunhidos guturais. Se a confissão a tivesse feito um macho, Lucan tivesse podido fazer muito pouco para impedir a seus irmãos que atacassem com uma força letal. Mas se tratava de uma companheira de raça, uma dos seus. Alguém a quem conheciam e em quem confiavam desde fazia mais de uma vida.
Agora Lucan olhava a Eva e via uma desconhecida. Viu loucura. Um desespero mortal.
—Rio tinha que salvar-se. —inclinou-se sobre ele e lhe passou o antebraço por debaixo da cabeça enfaixada. O emitiu um som descarnado e indecifrável enquanto Eva lhe abraçava.
— Eu não queria que ele tivesse que lutar mais. Não, por vocês.
—Assim preferiria lhe ver destroçado, em lugar disso? —perguntou-lhe Lucan.
— Assim é como lhe quer?
—Amo-lhe! —gritou ela.
— O que tenho feito, tudo o que tenho feito, foi por amor a ele! Rio será mais feliz em algum outro lugar, longe de toda esta violência e morte. Será mais feliz em um Refúgio Escuro, comigo longe de sua maldita guerra!
Rio emitiu o mesmo som gutural, mas agora soou mais lastimero. Não cabia dúvida de que era um som de agonia, embora se era devido à dor física ou a inquietação pelo que estava acontecendo ao seu redor não estava claro.
Lucan negou com a cabeça lentamente.
—Essa é uma afirmação que você não pode fazer por ele, Eva. Não tem direito. Esta é a guerra de Rio, tanto como a de qualquer outro. É no que ele acreditava, no que sei que ainda crie, inclusive depois do que lhe tem feito. Esta guerra concerne a toda a raça.
Ela franziu o cenho com gesto azedo.
—Resulta irônico que o cria, dado que você mesmo estiveste a ponto de te converter em um renegado.
—Jesucristo —exclamou Dante de onde se encontrava, perto.
— Esta equivocada, Eva. Está terrivelmente equivocada.
— Ah, sim? —Ela continuou cravando o olhar em Lucan com expressão sádica.
— Te estive observando, Lucan. Vi-te lutar contra a sede quando acreditava que não havia ninguém perto. Sua aparência de controle não me engana.
—Eva —disse Gabrielle. Sua voz tranqüila foi um bálsamo para todos os que se encontravam na habitação.
— Está alterada. Não sabe o que está dizendo.
Ela rio.
—lhe peça que o negue. lhe pergunte por que se priva de sangue até que está quase a ponto de morrer de sede!
Lucan não disse nada em resposta a essa acusação pública, porque sabia que era verdade.
Também sabia Gabrielle.
Sentiu-se comovido de que lhe defendesse, mas nesses momentos não se tratava tanto dele como de Rio e do engano que ia destroçar a esse guerreiro. Possivelmente já o tinha feito, a julgar pelo crescente movimento de suas pernas e pelo esforço que realizava para falar apesar das feridas.
—Como fez esse trato, Eva? Como entrou em contato com os renegados, em uma de suas excursões fora?
Ela bufou com gesto de brincadeira.
—Não foi tão difícil. Há serventes passeando por toda a cidade. Somente tem que olhar fora. Encontrei a um e lhe disse que me pusesse em contato com seu chefe.
—Quem era? —perguntou Lucan—. Que aspecto tinha?
—Não sei. Somente nos encontramos uma vez e manteve o rosto oculto. Levava uns óculos escuros e teve as luzes da habitação do hotel apagadas. Não me importava nem quem era nem que aspecto tinha. O único que me importava era que tivesse o poder suficiente para fazer que as coisas ocorressem. Somente queria sua promessa.
—Imagino que te fez pagar por isso.
—Foram somente um par de horas com ele. Tivesse pago algo —disse, agora sem olhar a Lucan nem aos outros, que a olhavam com expressão de desagrado, mas sim manteve a vista fixa em Rio.
— Faria algo por ti, querido. Suportaria. .. algo.
—Possivelmente vendeu seu corpo —disse Lucan—, mas foi a confiança de Rio o que traiu.
Dos lábios de Rio surgiu um som áspero. Eva lhe arrulhava e o acariciou. Ele abriu as pálpebras e se ouviu sua respiração, oca e esforçada, enquanto tentava pronunciar umas palavras.
—Eu... —Tossiu e seu corpo maltratado sofreu um espasmo—. Eva...
—OH, meu amor... sim. Estou aqui! —gritou—. Me diga o que queira, carinho.
—Eva... —De sua garganta não saiu nenhum som durante uns instantes, mas voltou a tentá-lo.
— Eu... lhe... acuso.
—O que?
—Morta... —Gemeu. Sem dúvida a dor psicológica era maior que a fisica, mas a ferocidade de seus olhos brilhantes e injetados em sangue diziam que não ia se deter.
— Já não existe... para mim... está... morta.
—Rio, é que não o compreende? Tenho-o feito por nós!
—Vai —disse ele com voz entrecortada.
— Não te quero ver... nunca mais.
—Não o pode dizer a sério. —Levantou a cabeça e seus olhos procuravam freneticamente um ponto onde posar-se.
— Não o diz a sério! Não é possível! Rio, me diga que não fala a sério!
Alargou a mão para lhe tocar, mas ele emitiu um grunhido e utilizou a pouca força que ficava para rechaçar seu contato. Eva soluçou. O sangue das feridas dele cobria a parte dianteira da roupa. Baixou a vista até as manchas e logo olhou a Rio, que agora a tinha afastado dele por completo.
O que aconteceu a seguir durou somente uns segundos como máximo, mas foi como se o tempo se houvesse ralentizado a uma lentidão implacável.
O olhar aniquilado da Eva caiu sobre o cinturão das armas de Rio, que estava no chão ao lado da cama.
Uma expressão de determinação se formou em seu rosto e se lançou por volta de uma das facas.
Levantou a adaga brilhante por cima de seu rosto.
Sussurrou a Rio que sempre lhe amaria.
Então girou a faca que tinha na mão e o cravou a si mesmo na garganta.
—Eva, não! —gritou Gabrielle. Seu corpo reagiu automaticamente, como se acreditasse que podia salvar À outra fêmea.
— OH, Meu deus, não!
Mas Lucan a sujeitou ao seu lado. Rapidamente tomou entre os braços e lhe fez girar o rosto para seu peito para evitar que visse Eva cortar sua próprio jugular e cair, sangrando e sem vida, ao chão.
Capítulo vinte e oito
Recém tomada banho, nas habitações de Lucan, Gabrielle se secou com uma toalha o cabelo molhado e colocou em cima um suave penhoar. Estava exausta depois de ter acontecido a maior parte do dia com o Savannah e Danika ajudando a Gideon a atender a Rio e a Lucan. No complexo todo mundo se encontrava em um estado de surda incredulidade por causa da traição de Eva e do trágico desenlace: Eva morta por sua própria mão e Rio agarrado precariamente a vida.
Lucan se encontrava em mal estado físico, além disso, mais fiel a sua palavra a sua obstinação, tinha abandonado a enfermaria por seus próprios pés pra ir descansar a suas habitações pessoais. Gabrielle estava assombrada de que ele tivesse aceito algum tipo de cuidado, mas a verdade era que as outras mulheres e ela mesma não lhe tinham deixado muitas posibilidades de rechaçá-lo.
Gabrielle se sentiu invadida pelo alívio ao abrir a porta do banho e lhe encontrar sentado na enorme cama com as costas apoiada na cabecera, sobre um montão de almofadas. Tinha uma bochecha e a frente cheias de pontos e as vendagens lhe cobriam a maior parte do largo peito e das pernas, mas se estava recuperando. Estava inteiro e, com o tempo, curaria-se.
Igual a ela, ele não levava nada em cima exceto um penhoar branco; isso era quão único as mulheres lhe tinham permitido ficar em cima, depois de ter acontecido horas limpando e lhe curando as contusões e as feridas cheias de metralha que tinha em quase todo o corpo.
—Sente-se melhor? —perguntou-lhe Lucan, olhando-a enquanto ela passava os dedos pelo cabelo úmido para apartar-lhe do rosto.
— pensei que teria fome ao sair do banho.
—A verdade é que morro de fome.
Ele assinalou uma robusta mesa de coquetel que se encontrava na salinha do dormitório, mas o olfato de Gabrielle já tinha detectado o impressionante bufé. O aroma de pão francês, a alho e especiarias, a molho de tomate e a queijo alagava a habitação. Viu um prato de verduras e um tigela cheio de fruta fresca, e inclusive uma coisa escura com aspecto de chocolate em meio das outras tentações. aproximou-se para jogar uma olhada mais de perto e o estômago lhe retorceu de fome.
—Manicotti —disse, inalando o aromático aroma da massa. Ao lado de uma taça de cristal havia uma garrafa de vinho tinjo aberta.
— E Chianti?
—Savannah queria saber se você tinha algum alimento preferido. Isso foi o único que me ocorreu.
Essa era a comida que ela preparou a noite em que ele tinha ido a seu apartamento para lhe devolver o telefone celular. A comida que ficou fria, esquecida, em cima do mármore da cozinha enquanto ela e Lucan ficavam como coelhos.
—recordou o que eu tinha cozinhado essa noite?
Ele se encolheu de ombros ligeiramente.
—Sente-se. Come.
—Somente há um assento.
—Está esperando uma visita?
Ele olhou.
—De verdade não pode comer nada disto? Nem sequer um mordisco?
—Se o fizesse, somente poderia agüentar uma pequena quantidade no estômago. —Fez-lhe um gesto para que se sentasse.
— Comer os mantimentos dos humanos é somente algo que fazemos pelas aparências.
—De acordo. —Gabrielle se sentou no chão com as pernas cruzadas. Tirou o guardanapo de linho debaixo dos talheres e a colocou em cima do regaço.
— Mas não me parece justo me pôr morada diante de ti.
—Não se preocupe por mim. Já recebi muitas cuidados e cuidados femininos por hoje.
—Como quer.
Ela estava muito faminta para esperar um segundo mais e a comida tinha um aspecto muito delicioso para resistir. Com o garfo, Gabrielle cortou uma parte de manicotti e o degustou em um estado de absoluto êxtase. Comeu a metade do prato em um tempo recorde e somente fez uma pausa para encher a taça de vinho, que também bebeu com um prazer voraz.
Durante todo o tempo Lucan a esteve olhando da cama.
—Está bom? —perguntou-lhe em um momento em que lhe olhava por cima do bordo da taça de vinho enquanto tomava um sorvo.
—Fantástico —murmurou ela e encheu a boca de verduras com vinagrete. Sentia o estômago muito mais tranqüilo agora. Comeu o resto da salada, serviu outro copo do Chianti e se recostou com um suspiro.
— Obrigado por isso. Tenho que dar as graças a Savannah também. Não tinha por que haver-se incomodado tanto.
—Agrada-lhe —disse Lucan com uma expressão atenta mas indescifravel.
— Foi de grande ajuda ontem de noite. Obrigado por cuidar de Rio e dos outros. De mim, também.
—Não tem por que me dizer obrigado.
—Sim, tenho que fazê-lo. —Franziu o cenho e uma pequena ferida que tinha costurada, na frente, inchou-se com o movimento.
— Foi amavel e generosa durante todo o tempo e eu... —interrompeu-se e disse algo inaudível.
— Te agradeço o que tem feito. Isso é tudo.
«OH —pensou ela.
— Isso é tudo.» Inclusive sua gratidão aparecia depois de uma barreira emocional.
De repente se sentiu como uma estranha com ele nesse momento, assim que lhe deu vontade de trocar de tema.
—ouvi que Tegan voltou de uma peça.
—Sim. Mas Dante e Niko estiveram a ponto de destroçá-lo quando lhe viram por ter desaparecido durante a batida.
—O que lhe aconteceu a outra noite?
—Quando as coisas ficaram feias, um dos renegados tentou sair por uma porta traseira do armazém. Tegan lhe perseguiu até a rua. Ia acabar com esse chupão, mas decidiu lhe seguir primeiro para ver aonde ia. Perseguiu-lhe até o velho psiquiátrico que se encontra fora da cidade. Esse lugar estava infestado de renegados. Se havia alguma duvida, agora já estamos seguros de que é uma enorme colônia. Próvavelmente seja o quartel geral desta Costa.
Gabrielle sentiu um calafrio ao pensar que tinha estado nesse psiquiátrico, que tinha estado dentro dele, sem saber que era um refúgio de rénegados.
—Tenho umas quantas fotos do interior. Ainda estão em minha câmara. Não tive tempo das descarregar, ainda.
Lucan tinha ficado imovel e a olhava como se ela houvesse acabado de lhe dizer que tinha estado jogando com amadurecidas. Seu rosto pareceu empalidecer um pouco mais ainda.
—Não somente foi ali mas sim entrou nesse lugar?
Ela se encolheu de ombros, sentindo-se culpado.
—Jesus Cristo, Gabrielle. —Baixou as pernas da cama e ficou sentado ali um momento comprido, simplesmente olhando-a. Demorou um momento em poder pronunciar as palavras.
— eles poderiam ter te matado. Dá-te conta disso?
—Mas não o fizeram —respondeu; uma pobre observação, mas um feito.
—Não é esse o tema. —passou-se as duas mãos pelo cabelo das têmporas.
— Merda. Onde está sua câmara? '
—Deixei-a no laboratório.
Lucan tomou o telefone que tinha ao lado da cama e marcou o número do intercomunicador. Gideon respondeu no outro extremo da linha.
—Né, o que há? Tudo vai bem?
—Sim —disse Lucan, mas estava olhando a Gabrielle.
— Diga a Tegan que deixe o reconhecimento do psiquiátrico de momento. Acabo-me de me interar de que temos fotos do interior.
—Sério? —fez-se uma pausa—. Ah, porra. Quer dizer que ela de verdade entrou nesse maldito lugar?
Lucan a olhou e arqueou uma sobrancelha com uma expressão como de «lhe havia dito».
—Descarrega as imagens da câmara e diga aos outros que nos reunirémos dentro de uma hora para decidir a nova estratégia. Acredito que nos economizamos um tempo crucial com isto.
—Bem. Vemo-nos as quatro.
A chamada terminou com um som do intercomunicador.
—Tegan ia voltar para o psiquiátrico?
—Sim —respondeu Lucan.
— Provavelmente era uma missão suicida, já que ele foi tão louco que insistiu em que se infiltraria sozinho esta noite para conseguir informação sobre o lugar. Embora ninguém ia convencer lhe de que não o fizesse, e muito menos eu.
Levantou-se da cama e começou a inspecionar-se algumas das bandagem. Fez um movimento que lhe abriu o penhoar, mostrando a maior parte do peito e o abdômen. As marca que tinha no peito tinham um pálido tom de henna, viam-se mais claras que a noite anterior. Agora tinham quase a mesma cor que o resto de seu corpo. Torradas e quase sem cor.
—Por que Tegan e você têm tão má relação? —perguntou-lhe sem mover a vista de cima ao atrever-se a lhe fazer essa pergunta que tinha tido na cabeça do momento em que Lucan tinha pronunciado o nome do guerreiro.
— O que aconteceu entre vocês?
Ao princípio pensou que ele não ia dizer nada. Ele continuou inspecionando as feridas, flexionando os braços e as pernas em silêncio. Então, justo no momento em que ela ia desistir, ele disse:
—Tegan me culpa de lhe haver tirado algo que era dele. Algo que ele amava. —Olhou-a diretamente agora:
— Sua companheira de raça morreu. Em minhas mãos.
—Deus santo —sussurrou ela.
— Lucan, como foi?
Ele franziu o cenho e apartou o olhar outra vez.
—As coisas eram diferentes quando Tegan e eu nos conhecemos ao principio. A maioria dos guerreiros decidia não ter nenhuma companheira porque os perigos eram muito grandes.
Naquela época, fomos muito poucos na Ordem, e proteger as nossas famílias era algo muito difícil dado que o combate nos obrigava a estar quilômetros de distância e, freqüentemente, durante muitos meses.
—E os Refúgios Escuros? Não tivessem podido lhes oferecer amparo?
—Havia menos refúgios, também. E ainda eram menos os que ouvessem arriscado a aceitar o risco de albergar a uma companheira de raça de um guerreiro. Nós e nossos seres queridos fomos um branco constante da violência dos renegados. Tegan sabia tudo isto, mas de todas formas estabeleceu um vínculo com uma fêmea. Não muito tempo depois, ela foi capturada pelos renegados. Torturaram-na. violaram-na. E antes de devolve-la ele, chuparam-lhe quase todo o sangue. Ela se haviabía ficado vazia; pior que isso, converteu-se em uma servente do renegado que a tinha destroçado.
—OH, Meu Deus —exclamou Gabrielle, horrorizada.
Lucan suspirou, como se o peso dessas lembranças fora muito para ele.
—Tegan se voltou louco de fúria. Comportou-se como um animal, assassinando tudo aquilo que encontrava ao seu passo. Acostumava a estar tão coberto de sangue que muitos pensavam que se banhava nela. Se recriava em sua fúria e, durante um ano, negou-se a aceitar o fato de que sua companheira de raça tinha perdido a cabeça para sempre. Continuou alimentándo-a de suas veias, sem querer ver sua degradação. Alimentava-se para alimentar a ela. Não lhe importava o fato de que se estava precipitando para a sede de sangue. Durante todo esse ano desafiou a lei da raça e não a tirou de seu sofrimento. Quanto a Tegan, estava-se voltando pouco a pouco em um renegado. Terei que fazer algo...
Gabrielle terminou a frase que ele tinha deixado incompleta.
—E como líder, foi tua responsabilidade entrar em ação.
Lucan assentiu com expressão triste.
—Coloquei a Tegan em uma cela de grossos muros de pedra e utilizei a espada com sua companheira de raça.
Gabrielle fechou os olhos ao perceber seu arrependimento.
—OH, Lucan...
—Tegan não foi liberado até que seu corpo ficou limpo da sede de sangue. Fizeram falta muitos meses de passar fome e de sofrer uma completa agonia para que pudesse sair da cela por seu próprio pé. Quando soube o que eu tinha feito, acreditei que tentaria me matar. Mas não o fez. Tegan que eu conhecia não foi o que saiu dessa cela. Era alguém muito mais frio. Nunca o há dito, mas sei que me odeia desde esse momento.
—Não tanto como você odeia a você mesmo.
Ele tinha as mandíbulas apertadas com força e uma expressão tensa no rosto.
—Estou acostumado a tomar decisões difíceis. Não tenho medo de assumir as tarefas mais duras, nem de ser o objetivo da raiva, inclusive do ódio, por causa das decisões que tomo para a melhora da raça. Importa-me um nada tudo isso.
—Não, não é verdade —disse ela com suavidade—. Mas teve que fazer mau a um amigo, e isso foi um grande peso para ti durante muito, muito tempo.
Ele a olhou com intenção de discutir, mas possivelmente não tinha a força necessaria para isso. Depois de tudo pelo que tinha passado se sentia cansado, destroçado, embora Gabrielle não acreditava que ele estivesse disposto a admiti-lo, nem sequer ante ela.
—Você é um homem bom, Lucan. Tem um coração muito nobre debaixo dessa dura armadura.
Ele emitiu um grunhido irônico.
—Somente alguém que me conheça desde umas poucas semanas atrás pode cometer o engano de pensar isto.
—De verdade? Pois eu conheço uns quantos aqui que lhe diriam o mesmo. Incluindo Conlan, se estivesse vivo.
Ele franziu o cenho com expressão atormentada.
—O que sabe você disso?
—Danika me contou o que fez por ele. Que lhe levou acima durante a saída do sol. Para lhe honrar, queimou-te.
—Jesucristo —exclamou ele em tom cortante, ficando imediatamente em pé. Começou a caminhar acima e abaixo em um estado de grande excitação e ao final se deteve repentinamente ao lado da cama. Falou com voz rouca, como um rugido quase incontrolável.
— A honra não teve nada que ver com isso. Quer saber por que o fiz? Foi por um terrível sentimento de culpa. A noite da bomba na estação de trem eu tinha que ter estado cumprindo com essa missão ao lado do Niko, e não Colan. Mas não te podia tirar de minha cabeça. Pensei que, possivelmente, se te tinha. .. se finalmente entrava dentro de você... isso satisfaria minha ânsia e poderia continuar adiante, te esquecer. Assim que essa noite fiz que Conlan fora em meu lugar. Tivesse tido que ser eu, e não Conlan. Tinha que ter sido eu.
—Meu Deus, Lucan. É incrível. Sabia? —Deixou cair as mãos com força em cima da mesa e emitiu uma gargalhada furiosa.
— por que não pode te relaxar um pouco?
Essa reação incontrolada lhe chamou a atenção como nenhuma outra coisa o tinha feito. Deixou de caminhar de um lado a outro e a olhou.
—Você sabe por que —repôs com tom tranqüilo agora.
— Você sabe melhor que ninguém. —Meneou a cabeça com uma expressão de desgosto consigo mesmo nos lábios.
— Resulta que Eva também sabia algo à respeito.
Gabrielle recordou a impactem cena da enfermaria. Todo mundo se tinha ficado horrorizado ante os atos da Eva, e assombrado pelas loucas acusações contra Lucan. Todos menos ele.
—Lucan, o que ela disse...
—Tudo é certo, tal e como você mesma viu. Mas você ainda me defendeu. Foi a segunda vez que ocultaste minha debilidade ante outros. —Franziu o cenho e girou a cara.
— Não vou pedir te que o faça outra vez. Meus problemas são minha coisa.
—E precisa solucioná-los.
—O que preciso é me vestir e jogar uma olhada a essas imagens que Gideon está descarregando. Se nos oferecerem a informação suficiente sobre a distribuição do psiquiátrico, podemos atacar esse lugar esta noite.
—O que quer dizer, atacá-lo esta noite?
—Acabar com ele. Fechá-lo. Fazê-lo voar pelos ares.
—Não é possível que fale a sério. Você mesmo há dito que possívelmente esteja cheio de renegados. De verdade crie que você e três tipos mais vão sobreviver se lhes enfrentam a um número desconhecido deles?
—Temos feito antes. E seremos cinco —disse, como se isso o fosse distinto.
— Gideon há dito que quer participar do que façamos. Vai ocupar o lugar de Rio.
Gabrielle se burlou, incrédula.
—E o que me diz de você? Quase não te tem em pé.
—Estou caminhando. Estou o bastante bem. Eles não esperam que contrataquemos tão logo, assim é o melhor momento para dar o golpe.
—Deve ter perdido a cabeça. Precisa descansar, Lucan. Não está em condições de fazer nada até que não recupere a força. Precisa te curar. —Observou que ele apertava as mandíbulas: um tendão lhe marcou por debaixo de uma de suas esbeltas bochechas. A expressão de seu rosto era mais dura do habitual, seus rasgos pareciam muito afilados.
— Não pode sair aí fora tal como está.
—Hei dito que estou bem.
Pronunciou as palavras precipitadamente e em um tom rouco e gutural. Voltou a olhá-la e seus olhos chapeados se viam atravessados por umas brilhantes línguas de cor âmbar, como se o fogo lambesse o gelo.
—Não o está. Nem muito menos. Precisa te alimentar. Seu corpo sofreu muito ultimamente. Precisa te nutrir.
Gabrielle sentiu que uma onda fria alagava a habitação e soube que próvinha dele. Estava provocando sua fúria. Lhe tinha visto em seus piores momentos e tinha vivido para contá-lo, mas possivelmente agora estava pressioando muito. dava-se conta de que ele estava inquieto e tenso e de que se controlava com força desde que a tinha levado a complexo. Agora ele estava no fio, perigosamente; de verdade queria ser ela quem lhe empurrasse ao outro lado da linha de seu autocontrole?
«A merda.» Possivelmente era isso o que fazia falta.
—Tem o corpo destroçado agora, Lucan, não somente por causa das feridas. Está débil. E tem medo.
—Medo. —Dirigiu-lhe um olhar frio e depreciativo, com um sarcasmo gelado.
— Do que?
—De você mesmo, para começar. Mas acredito que inclusive tem mais medo de mim.
Ela esperava uma refutação foto instantânea, fria e desagradável, acorde com a sombria raiva que emanava dele como a gelada. Mas ele não disse nada. Olhou-a durante um comprido momento, logo se deu a volta e se alojo, um pouco tenso, em direção a um armário alto que havia ao outro extremo da habitação.
Gabrielle permaneceu sentada no chão e lhe observou abrir abruptamente as gavetas, tirar umas roupas e as lançar sobre a cama.
—O que está fazendo?
—Não tenho tempo de discutir isto contigo. Não tem sentido.
Um armário alto que continha armas se abriu antes de que ele o tocasse: suas comporta se deslizaram ao redor das dobradiças com uma violenta sacudida. ele se aproximou a passo lento e estirou uma prateleira dobradiça. Em cima da superfície de veludo da prateleira havia pelo menos uma dúzia de adagas e outras armas brancas de aspecto letal ordenadas em filas. Com um gesto descuidado, Lucan tomou duas grandes facas embainhadas em pele. Abriu outro das prateleiras e escolheu uma pistola de aço inoxidável gentil que parecia saída de um terrível filme de ação.
— Como você não gosta do que estou dizendo vais sair fugindo? —ele nem a olhou nem soltou nenhuma maldição como resposta. Não, ignorou-a por completo, e isso a tirou de gonzo completamente.
— Adiante, pois. Finge que é invencível, que não está morto de medo de deixar que alguem se preocupe de ti. Escapa de mim. Isso somente demonstra que tenho razão.
Gabrielle sentiu uma absoluta desesperança enquanto Lucan tirava a munição do armário e a introduzia no carregador da pistola. Nada do que ela pudesse dizer ia deter lhe. Sentia-se necessitada, como se intentasse rodear com os braços uma tormenta.
Apartou o olhar dele e dirigiu os olhos a mesa frente à qual estava sentada, Aos pratos e aos talheres que tinha diante. Viu uma faca limpa em cima da mesa; polida a folha brilhava.
Não podia lhe reter com palavras, mas havia outra coisa...
Subiu a manga larga da bata. Com muita tranqüilidade, com a mesma determinação atrevida de que se valeu centenas de vezes anteriormente, Gabrielle tomou a faca e apertou o fio contra a parte mais carnuda de seu antebraço. Realizou pouca pressão, um muito ligeiro corte sobre sua pele.
Não soube qual dos sentidos de Lucan foi o que reagiu primeiro, mas levantou a cabeça imediatamente e soltou um rugido. Ela se deu conta de que o que tinha feito ressonava em cada um dos móveis da habitação.
—Maldita seja... Gabrielle!
A folha saiu voando de sua mão, chegou ao outro extremo da habitação e foi cravar se até o punho na parede mais afastada da mesma.
Lucan se moveu com tanta rapidez que ela quase não pôde perceber seus movimentos. Um momento antes ele tinha estado em pé a uns metros de distância da cama e ao cabo de um instante uma de suas enormes mãos lhe sujeitava os dedos e atirava dela para que ficasse em pé. O sangue emanava pela fina linha do corte, suculenta, de uma profunda cor carmesí, e gotejava ao longo de seu braço. A mão de Lucan ainda sujeitava com força a sua.
Ele, ao seu lado, parecia uma muito alta torre escura e ardente de fúria.
O peito agitado, as fossas nasais dilatadas enquanto seu fôlego saía e entrava em seus pulmões. Seu formoso rosto estava contraído por causa da angústia e a indignação, e seus olhos ardiam com o inconfundível calor da sede. Não ficava nem rastro de sua cor cinza e suas pupilas se esgotaram formando duas finas linhas negras. As presas lhe haviam alargado e as pontas, afiadas e brancas, brilhavam por debaixo do depravaso sorriso de seus lábios.
—Agora tenta dizer que não necessita o que te estou oferecendo —lhe sussurrou ela com ferocidade.
O suor aparecia a frente enquanto observava a ferida fresca e o sangue. Lambeu-se os lábios e pronunciou uma palavra em outro idioma.
Não soou amistosa.
—por que? —perguntou, em tom acusador.
— Por que me faz isto?
—De verdade não sabe? —Lhe agüentou o furioso olhar, acalmando sua raiva enquanto umas gotas de sangue salpicavam com uma cor carmesí a brancura da bata.
— Porque te amo, Lucan. E isto é quão único posso te dar.
Capítulo vinte e nove
Lucan acreditava que sabia o que era a sede. Acreditava que conhecia a fúria e o desespero —o desejo, também— mas todas as míseras emoções que tinha sentido durante sua eterna vida se desfizeram como o pó quando olhou aos desafiantes olhos marrons de Gabrielle.
Tinha os sentidos embargados, afogados no doce aroma de jasmim de seu sangue, essa fonte perigosamente perto de seus lábios. De um brilhante cor vermelha, denso como o mel, um fio carmesim brotava pela pequena ferida que ela se fez.
—Amo-te, Lucan. —Sua suave voz se abriu passo Através do som dos batimentos do coração de seu próprio coração e da imperiosa necessidade que agora lhe atendia.
— Com ou sem vínculo de sangue, amo-te.
Ele não podia falar, nem sequer sabia o que houvesse dito se sua garganta seca tivesse sido capaz de emitir alguma palavra. Com um grunhido selvagem, separou-a dele, muito fraco para permanecer ao lado dela agora que sua parte escura lhe empurrava a fazê-la sua dessa forma firme e errevogavel.
Gabrielle caiu sobre a cama; a bata com muita dificuldade cobria sua nudez. Umas brilhantes mancha lhe salpicavam a manga branca e a lapela. Tinha outra mancha vermelha sobre a coxa, de uma vivido cor escarlate que contrastava com o tom de sua pele.
Deus, como desejava levar os lábios até essa sedosa ferida na carne, e por todo seu corpo. Somente o seu.
«Não.»
A ordem lhe saiu em um tom tão seco como as cinzas. Sentia o ventre atendido pela dor, retorcido e como cheio de nós. O fazia desfalecer. Os joelhos lhe falharam assim que tentou dár a volta para apartar essa imagem tentadora dela, aberta e sangrando, como um sacrificio devotado a ele.
Deixou-se cair sobre o tapete do chão, uma massa inerte de músculo e ossos, lutando contra uma necessidade que não tinha conhecido até esse momento. Lhe estava matando. Esta ânsia dela, como se sentia desgarrado ao pensar que ela podia estar com outro macho.
E além disso, a sede.
Nunca tinha sido tão intensa como quando Gabrielle estava perto. E agora que seus pulmões se encheram com o perfume de seu sangue, sua sede era devoradora.
—Lucan...
Ele percebeu que ela se separava da cama. As suaves pisadas de seus pés soaram no tapete e estes apareceram lentamente ante sua vista, as unhas pintadas como a fina laca de umas conchas. Gabrielle se agachou ao seu lado. Ele sentiu a suavidade da mão dela em seu cabelo, e logo a sentiu sob seu queixo, levantando a cabeça para lhe olhar ao rosto.
—Bebe de mim.
Ele apertou os olhos com força, mas foi um intento débil de rechaçar o que lhe oferecia. Não tinha a força necessária para lutar contra a força tenra e incessante dos braços dela, que agora lhe atraíam para si.
Lucan cheirava o sangue no pulso dela: cheiraria tão de perto lhe despertou uma furiosa corrente de adrenalina que lhe atravessou. A boca lhe fez água, as presas lhe alargaram mais, esticando as gengivas. Provocou mais lhe levantando o torso do chão. Com uma mão se apartou o cabelo a um lado tirando o chapéu o pescoço para ele.
Ele se removeu, mas lhe sujeitou com firmeza. Atraiu-lhe mais para ela.
—Bebe, Lucan. Toma o que necessite.
Inclinou-se para frente até que somente houve um sopro de ar entre os relaxados lábios dele e o delicado pulso que pulsava debaixo a pele pálida debaixo de sua orelha.
—Faz-o —sussurrou ela, e lhe atraiu para si.
Pressionou os lábios com força contra seu pescoço.
Ele agüentou nessa posição durante uma eternidade de angústia. Mas somente demorou uma fração de segundo em pôr a ceva. Lucan não estava seguro. Do único que era consciente era do quente contato da pele dela em sua língua, do batimento do coração de seu coração, da rapidez de sua respiração. Do único que era consciente era do desejo que sentia por ela.
Não ia rechaçar o mais.
Desejava-a, desejava-o tudo dela, e a besta se desatou e já era impossível ter piedade.
Abriu a boca... e cravou as presas na flexível carne de seu pescoço.
Ela afogou uma exclamação ao sentir a repentina penetração de seus dentes, mas não lhe soltou, nem sequer quando notou que ele tragava pela primeira vez o sangue de sua veia aberta.
O sangue se precipitou dentro da boca de Lucan, quente e com um sabor terroso, delicioso. Era muito superior Ao que teria imaginado nunca.
Depois de viver durante novecentos anos, finalmente sabia o que era o céu.
Bebeu com urgência, em quantidade, com uma sensação de necessidade que lhe transbordava enquanto saciava do sangue da Gabrielle lhe descia pela garganta e penetrava a carne, os ossos e as células. O pulso acelerou, sentiu-se renascer, o sangue voltou a correr pelas pernas e lhe curou as feridas.
O sexo tinha despertado com o primeiro sorvo; agora pulsava com força entre as pernas. Exigia inclusive uma maior posse.
Gabrielle lhe acariciava o cabelo, sujeitava-lhe contra ela enquanto ele bebia. Gemeu com cada uma das chupadas de seus lábios, sentia que lhe desfazia o corpo. Seu aroma se fez mais escuro e úmido A causa do desejo.
—Lucan —disse quase sem fôlego, estremecendo-se.
— OH, Deus...
Com um grunhido sem palavras, empurrou-a contra o chão, debaixo dele. Bebeu mais, perdendo-se no erótico calor do momento com uma desesperada e frenezi que lhe aterrorizou.
«Minha», pensou, sentindo-se profundamente selvagem e egoísta.
Agora era muito tarde para deter-se.
Esse beijo lhes tinha amaldiçoado aos dois.
Enquanto que a primeira dentada lhe tinha provocado uma comoção, a aguda dor se dissipou rapidamente para converter-se em uma sensação suntuosa e embriagadora. Sentiu o corpo alagado pelo prazer, como se cada larga chupada dos lábios de Lucan lhe injetasse uma corrente de calidez no corpo que lhe chegava até o mesmo centro e lhe acariciava a alma.
ele a levou até o chão com ele, as batas se entreabriram e a cobriu com seu corpo nu. Notou as mãos dele, ásperas, que lhe sujeitavam a cabeça para um lado enquanto bebia dela. Sem fazer caso da dor que as feridas lhe pudessem estar fazendo, pressionou seu peito nu contra seus peitos. Seus lábios não se separaram de seu pescoço nem um momento. Gabrielle sentia a intensidade da necessidade dele a cada chupada.
Mas sentia sua força, também. Estava-a recuperando, pouco a pouco, graças a ela.
—Não te detenha —murmurou ela, pronunciando com lentidão por causa do êxtase que crescia em seu interior a cada movimento de seus lábios.
— Não vais fazer me danifico, Lucan. Confio em ti.
O som úmido e voraz que provocava sua sede era o mais erótico que tinha conhecido nunca. Adorava sentir o calor dos lábios dele em cima de sua pele. Os arranhões que lhe provocavam as presas dele enquanto se enchia a boca com seu sangue lhe resultavam perigosos e excitantes.
Gabrielle já se deslizava para um orgasmo dilacerador no momento em que notou a grosa cabeça da ereção de Lucan lhe pressionando o sexo. Estava úmida, desejando dolorosamente. Ele a penetrou com uma investida que a encheu por completo com um calor vulcânico e potente que detonou dentro dela ao cabo de um instante. Gabrielle gritou enquanto ele a investia com força e depressa, sentindo os braços dele que a aprisionavam, apertando-a com força. Investia a um ritmo amalucado, empurrado por uma força de puro e magnífico desejo.
Mas permaneceu grudado em seu pescoço, empurrando-a para uma doce e feliz escuridão.
Gabrielle fechou os olhos e se deixou flutuar envolta em uma formosa nuvem de cor obsidiana.
Como desde muito longe notou que Lucan se retorcia e investia em cima de seu corpo com urgência, que todo seu corpo vibrava pela potência do climax. Emitiu um grito áspero e ficou completamente imovel.
A deliciosa pressão no pescoço se afrouxou de forma abrupta e logo depois desapareceu, deixando uma grande frieza a seu passo.
Gabrielle, que ainda se sentia alagada pela embriaguez de notar a Lucan dentro dela, levantou as pálpebras, pesados. Lucan estava colocado de joelhos em cima dela e a olhava como se ficou gelado. Tinha os lábios de um vermelho brilhante e o cabelo revolto. Seus olhos selvagens lançavam brilhos de cor âmbar, de tão brilhantes. A cor de sua pele parecia mais saudável e o labirinto de marcas que lhe cobriam os ombros e o torso tinha um brilho de um tom carmesim escuro.
—O que acontece? —perguntou-lhe, preocupada—. Está bem?
Ele não falou durante um comprido momento.
—Jesucristo. —Sua voz grave soou como um grunhido trêmulo, de uma forma que não lhe tinha ouvido antes. Tinha o peito agitado.
— Acreditei que estava... acreditei que te havia...
—Não —lhe disse ela, fazendo um gesto negativo com a cabeça e com uma expressão preguiçosa e saciada.
— Não, Lucan. Estou bem.
Ela não compreendeu o que significava a expressão intensa dele, mas ele não a ajudou. separou-se dela. Seus olhos, que se tinham transformado, mostravam uma expressão de dor.
Gabrielle sentia o corpo frio e vazio sem o calor dele. sentou-se e se esfregou para fazer-se passar um repentino calafrio.
—Está bem —lhe tranqüilizou—. Tudo está bem.
—Não. —O negou com a cabeça e ficou em pé—. Não. Isto foi um equívoco.
—Lucan...
—Não devi ter permitido que isto acontecesse! —gritou.
Emitiu um grunhido de fúria e se dirigiu aos pés da cama para agarrar suas roupas. Colocou uma calça de camuflagem negra e uma camiseta de algodão, logo tomou suas armas e suas botas e abandonou a habitação com uma fúria tempestuosa e ardente.
Lucan quase não podia respirar por causa da força com que o coração lhe pulsava no peito.
No momento em que sentiu que Gabrielle ficava inerte debaixo dele enquanto ele bebia dela, atravessou-lhe um medo descarnado que o desgaro por completo.
Enquanto ele bebia febrilmente de seu pescoço, lhe havia dito que confiava nele. Sentiu que o incentivo da sede de sangue lhe aguilhoava o corpo enquanto o sangue de Gabrielle lhe enchia. O som de sua voz tinha suavizado a dor, em parte. Ela se tinha mostrado tenra e cuidadosa: seu tato, sua emoção nua, sua mesma presença, tinha-lhe dado forças no momento em que sua parte animal tinha estado a ponto de tomar as rédeas.
Ela confiava em que não lhe faria mal, e essa confiança lhe tinha dado forças.
Mas então tinha notado que ela se desvanecia e temeu... Deus, quanto medo tinha sentido nesse instante.
Esse medo ainda lhe apertava, um terror escuro e frio a lhe fazer mal, a que poderia matá-la se permitia que as coisas chegassem mais longe do que o tinham feito.
Porque, por muito que ele a tivesse afastado e por muito que houvesse negado, lhe pertencia. Ele pertencia a Gabrielle, em corpo e alma, e não simplesmente pelo fato de que seu sangue lhe estivesse nutrindo nesse momento, estivesse-lhe curando as feridas e fortalecendo o corpo. Ele se tinha unido a ela muito antes desse momento. Mas a prova irrefutável disso tinha aparecido nesse funesto instante, fazia um momento, assim que temeu que podia havê-la perdido.
Amava-a.
Da parte mais profunda e solitária de si mesmo, amava a Gabrielle.
E queria tê-la em sua vida. De forma egoísta e perigosa, não havia nada que desejasse mais que tê-la ao seu lado para o resto de seus dias.
Dar-se conta disso lhe fez cambalear, ali, no corredor, diante do laboratório técnico. Na verdade, quase lhe fez cair de joelhos.
—Né, calma. —Dante se aproximou de Lucan quase sem avisar e lhe sujeitou por debaixo dos braços.
— Porra. Tem um aspecto infernal.
Lucan não podia falar. As palavras estavam além dele.
Mas Dante não necessitava nenhuma explicação. Jogou uma olhada ao seu rosto e a suas presas alargadas. As fossas nasais dilataram ao sentir o aroma de sexo e a sangue. Deixou escapar um assobio baixo e nos olhos desse guerreiro apareceu um brilho de ironia.
—Não pode ser certo... uma companheira de sangue, Lucan? — riu, meneando a cabeça enquanto lhe dava umas palmadas a Lucan no ombro.
— Porra. Melhor que seja você e não eu, irmão. Melhor você que eu.
Capítulo trinta
Três horas mais tarde, quando a noite era completa ao seu redor, Lucan e os outros guerreiros se encontravam preparados e sentados em um veículo de vigilância negro na rua, a uns oitocentos metros do velho psiquiátrico.
As fotografias de Gabrielle tinham sido de grande utilidade para planejar o golpe contra a guarita dos renegados. Além de várias fotografias exteriores do ponto de acesso da planta baixa, fez fotos interiores da habitação das caldeiras, de vários corredores, de escadas e inclusive algumas que inadvertidamente mostravam umas câmeras de segurança a rede que teriam que ser desativadas quando os guerreiros ganhassem acesso a esse lugar.
—Entrar vai ser a parte fácil —disse Gideon, enquanto o grupo estava a revisar por última vez a operação.
— Interromperei o sinal de segurança das câmeras da planta baixa mas, quando estivermos dentro, colocar essas duas dúzias de barras de C4 nos pontos críticos sem alertar a toda a colônia de chupões vai ser um pouco mais difícil.
—Por não mencionar o problema da publicidade não desejada dos humanos —disse Dante.
— O que é o que está fazendo que Niko tarde tanto em localizar esses tubos de gás?
—Aí vem —disse Lucan, ao ver a figura escura do vampiro que se acercava ao veículo de vigilância da fila de árvores da rua.
Nikolai abriu a porta traseira e subiu depois de Tegan. tirou o capuz negro e seus invernais olhos azuis faiscaram de excitação.
—É um caramelo. A linha principal está em uma caixa do extremo leste do complexo. Possivelmente esses chupões não necessitem calefação, mas o serviço público lhes subministra um montão de gás.
Lucan olhou os olhos ansiosos do guerreiro.
—Então entramos, deixamos nossos presentes, limpamos o lugar...
Niko assentiu com a cabeça.
—Me façam um sinal quando a merda esteja em seu lugar. Moverei o tubo principal e logo farei detonar o C4 quando todos estejam aqui de volta. Aparentemente será como se uma fuga de gás tivesse causado a explosão. E se os corpos de segurança querem meter-se nisto, estou seguro de que as fotos de Gabrielle dos grafites dos grupos farão que esses humanos farejem em círculos durante um tempo.
Enquanto, os guerreiros teriam mandado uma importante mensagem a seus inimigos, especialmente ao vampiro de primeira geração que Lucan suspeitava se encontrava ao mando desta nova sublevação dos renegados. Fazer voar o quartel general seria um convite suficiente para que esse bode saísse ao ar livre e começasse a dançar.
Lucan estava ansioso por começar. Inclusive estava mais ansioso por terminar com a missão dessa noite porque tinha um assunto por terminar quando voltasse para o complexo. Odiava ter deixado a Gabrielle dessa maneira e sabia que ela devia sentir-se confusa e, provavelmente, mais que inquieta.
Ficaram coisas por dizer, seguro, coisas nas que ele não tinha estado preparado para pensar muito e, muito menos, para as falar com ela nesse momento em que a surpreendente realidade de seus sentimentos por ela assaltou.
Agora tinha a cabeça cheia de planos.
Planos imprudentes, estúpidos e esperançosos, todos eles centrados nela.
No interior do veículo, ao seu redor, outros guerreiros estavam comprovando seu equipamento, carregando as barras de C4 dentro de bolsas com cremalheiras e realizando os ajustes finais aos auriculares e os micros que lhes permitiriam estar em contato uns com os outros quando chegassem ao perímetro do psiquiátrico e se separassem para colocar os explosivos.
—Esta noite vamos fazer isto por Rio —disse Dante_ enquanto fazia voltear suas facas curvadas entre os dedos enluvados e os introduzia nas capas que levava no quadril.
— Chegou o momento da vingança.
—Porra, sim —respondeu Niko, ao qual outros se ecoaram.
Quando se dispunham a sair pelas portas, Lucan levantou uma mão.
—Um momento. —A tristeza de seu tom de voz lhes fez deter-se.
— Há uma coisa que têm que saber. Dado que estamos a ponto de entrar aí e que é provável que nos dêem uma boa surra, suponho que este é um momento tão bom como qualquer outro para ser claro com vocês a respeito de um par de coisas... e necessito que cada um de vocês me façam uma promessa.
Olhou os rostos de seus irmãos, esses guerreiros que tinham estado lutando ao seu lado durante tanto tempo que parecia uma eternidade. Eles sempre lhe tinham cuidadoso como à um líder, tinham crédulo nele para que tomasse as decisões mais difíceis, sempre se tinham sentido seguros de que ele saberia como decidir uma estratégia ou como tomar uma decisão.
Agora duvidava, sem saber por onde começar. Esfregou-se a mandíbula e deixou escapar um forte suspiro.
Gideon lhe olhou com o cenho franzido e expressão de preocupação.
—Vai tudo bem, Lucan? Recebeu um bom golpe na emboscada da outra noite. Se não quiser participar disto...
—Não. Não é isso. Estou bem. Minhas feridas estão curadas... graças a Gabrielle —disse.
— Faz um momento, hoje, ela e eu...
—Não me diga —respondeu Gideon ao ver que Lucan se interrompia. Foder com o vampiro, mas estava .
—Bebeste dela? —perguntou Niko.
Tegan soltou um grunhido do assento traseiro.
—Essa fêmea é uma companheira de raça.
—Sim —respondeu Lucan com calma e seriedade—. E se me permitir isso, lhe vou pedir que me aceite como companheiro.
Dante lhe olhou, zombador, com uma expressão de risonha exasperação.
—Felicidades, cara. De verdade.
Gideon e Niko responderam de maneira similar e lhe deram umas palmada nas costas.
—Isso não é tudo.
Quatro pares de olhos se cravaram nele: todo mundo lhe olhava na espera séria exceto Tegan.
—A outra noite, Eva tinha umas quantas coisas que dizer de mim... —Imediatamente se levantaram uns protestos por parte de Gideon, Niko e Dante. Lucan continuou falando apesar dos grunhidos de irritação.
— A traição a Rio e a nós é indesculpável, sim. Mas o que disse de mim... era a verdade.
Dante lhe olhou com suspicácia.
—Do que está falando?
—Da sede de sangue —respondeu Lucan. A palavra soou com força no silêncio do interior do veículo.
— É... bom, é um problema para mim. È a muito tempo tempo. Estou-o dirigindo, mas algumas vezes... —Baixou a cabeça e olhou ao chão do veículo.
— Não sei se poderei vencê-la. Possivelmente, com Gabrielle a meu lado, possivelmente tenha uma oportunidade. Vou lutar como um demônio, mas se piorar...
Gideon cuspiu uma obscenidade.
—Isso não vai acontecer, Lucan. De todos os que estamos aqui sentados, você é o mais forte. Sempre o foste. Nada te pode tombar.
Lucan negou com a cabeça.
—Já não posso continuar fingindo que sou o que sempre controla. Estou cansado. Não sou invencível. Depois de novecentos anos de viver com esta mentira, Gabrielle não demorou nem duas semanas em desmascarar-me. Obrigou-me a ver como sou de verdade. Eu não gosto muito o que vejo, mas quero ser melhor... por ela.
Nico franziu o cenho.
—Porra, Lucan. Está falando de amor?
—Sim —disse ele com solenidade.
— Eu estou fazendo. A amo. E é por isso que tenho que lhes pedir uma coisa. A todos.
Gideon assentiu.
—Diga-o.
—Se as coisas ficarem feias comigo... em algum momento, logo, ou na rua... tenho que saber que conto com vocês, meninos, para que me apóiem. Se virem que me perco na sede de sangue, se creem que vou voltar me... Necessito sua palavra de que vão acabar comigo.
—O que? —exclamou Dante.
— Não pode nos pedir isso, cara.
—Me escutem. —Não estava acostumado a suplicar. Pronunciar essa petição era como suportar cascalho na garganta, mas tinha que faze-lo. Estava cansado de suportar sozinho esse peso. E o último que desejava era ter medo de que em um momento de debilidade pudesse lhe fazer algum mal a Gabrielle.
— Tenho que ouvir seus juramentos. O de cada um de vocês. Prometam-me isso .
—Merda —disse Dante, lhe olhando boquiaberto. Mas ao final assentiu com a cabeça e com expressão grave.
— Sim. De acordo. Está fodidamente louco, mas de acordo.
Gideon meneou a cabeça, logo levantou o punho e fez chocar os nodulos contra os de Lucan.
—Se isso for o que quer, tem-no. Juro-lhe isso, Lucan.
Niko pronunciou sua promessa também:
—Esse dia não chegará nunca, mas se o faz, sei que você fara o mesmo por qualquer de nós. Assim sim, tem minha palavra.
O qual deixava somente a Tegan por fazê-lo, que se encontrava sentado no assento traseiro com atitude estóica.
—E você, Tegan? —perguntou Lucan, dando-a volta para olhar aos olhos verdes e impassíveis.
— Posso contar contigo nisto?
Tegan lhe olhou larga e silenciosamente com atitude pensativa.
—Claro, cara. Porra, o que diga. Se te converter nisso, estarei em primera linha para acabar contigo.
Lucan assentiu com a cabeça, satisfeito, e olhou os rostos sérios de seus irmãos.
—Jesus —exclamou Dante quando o denso silêncio do veículo lhe fez interminável.
—Todo este sentimentalismo me está pondo impaciente por matar. Que tal se deixarmos de nos fazer palhas e vamos fazer voar o teto a esses chupões?
Lucan sorriu em resposta ao sorriso arrogante do vampiro.
—Vamos a isso .
Os cinco guerreiros da raça, vestidos de negro da cabeça aos pés, saíram do veículo como um só homem e começaram a aproximar-se sigilosamente ao psiquiátrico, ao outro lado das árvores, banhados pela luz da lua.
Capítulo trinta e um
— Vamos, vamos. Abra, porra!
Gabrielle estava sentada ante o volante de um cupé BMW negro e esperava com impaciência a que a enorme porta de entrada do terreno do complexo se abrisse e a deixasse sair. Desgostava-lhe que a tivessem obrigado a levar o carro sem permissão, mas depois do que tinha acontecido com Lucan estava desesperada por partir. Dado que todo o terreno estava rodeado por uma cerca elétrica de alta voltagem, somente ficava uma alternativa.
Já pensaria em alguma maneira de devolver o carro uma vez estivesse em casa.
Uma vez que se encontrasse de volta ao lugar ao que verdadeiramente pertencia.
Essa noite tinha dado a Lucan tudo o que tinha podido, mas não era suficiente. Preparou-se a si mesmo para a eventualidade de que ele a apartasse e resistisse a seus intentos de lhe amar, mas não havia nada que pudesse fazer se ele decidia rechaçá-la. Como tinha feito essa noite.
Tinha-lhe dado seu sangue, seu corpo e seu coração, e ele a havia rechaçado.
Agora já não ficava energia.
Já não podia lutar.
Se ele estava tão decidido a permanecer sozinho, quem era ela para obriga-lo a trocar? Se ele queria isolar-se, tinha muito claro que não ia ficar ali para esperar a vê-lo.
Iria à casa.
Ao fim, as pesadas portas de ferro se abriram e permitiram lhe sair. Gabrielle acelerou e saiu a toda velocidade para a rua silenciosa e escura. Não tinha uma idéia muito clara de onde se encontrava até que, depois de conduzir uns três quilômetros, encontrou-se em um cruzamento conhecido. Girou a esquerda pelo Charles Street em direção a Beacon Hill e se deixou conduzir, aturdida, pelo piloto automático.
Quando estacionou o carro na esquina de fora de seu apartamento, seu edifício lhe pareceu muito mais pequeno. Seus vizinhos tinham as luzes acesas mas, apesar do resplendor dourado no ambiente, esse edifício de tijolo lhe pareceu sombrio.
Gabrielle subiu as escadas da fachada e procurou as chaves no bolso. A mão tropeçou com uma pequena adaga que levou do armário das armas de Lucan: a tinha levado como defesa em caso de que se encontrasse com problemas em seu caminho a casa.
Quando entrou e acendeu a luz do vestíbulo, o telefone estava soando. Deixou que a secretária eletrônica respondesse e se deu a volta pra fechar todos os ferrolhos e passadores da porta.
Da cozinha ouviu a voz entrecortada da Kendra que lhe deixava uma mensagem.
—É de muito má educação por sua parte me ignorar desta maneira, Gabby. —A voz de seu amiga soava extranhamente estridente. Estava zangada.
— Tenho que ver-te. É importante. Você e eu temos que falar, de verdade.
Gabrielle se dirigiu a sala de estar e notou todos os espaços vazios que tinham ficado depois de que Lucan tivesse tirado as fotografias das paredes. Parecia que tinha passado um ano da noite em que ele foi a seu apartamento e lhe contou a assombrosa verdade a respeito de si mesmo e da batalha que estava fazendo estragos entre os de sua classe.
«Vampiros», pensou, surpreendida ao dar-se conta de que essa palavra já não a surpreendia.
Provavelmente havia muito poucas coisas que pudessem surpreendê-la já nesses momentos.
E já não tinha medo de perder a cabeça, como lhe tinha acontecido a sua mãe. Inclusive essa trágica história tinha cobrado um significado novo agora. Sua mãe não estava louca absolutamente. Era uma moça aterrorizada que se viu apanhada em uma situação violenta que muito poucos humanos seriam capazes de conceber.
Gabrielle não tinha intenção de permitir que essa mesma situação violenta a destruíra. Pelo menos agora estava em casa e já pensaria em alguma maneira de recuperar sua antiga vida.
Deixou a bolsa em cima da mesa e foi até o contestador automático. O indicador de mensagens piscava e mostrava o número dezoito.
—Deve ser uma brincadeira —murmurou, apertando o botão de reprodução.
Enquanto a máquina ficava em funcionamento, Gabrielle se dirigiu ao banho para inspecionar o pescoço. A mordida que Lucan havia lhe dado debaixo da orelha tinha um brilho vermelho escuro e se encontrava ao lado da lágrima e da lua crescente que a assinalavam como companheira de raça. Tocou-se as duas ferroadas e o hematoma que Lucan lhe tinha deixado mas se deu conta de que não lhe doíam absolutamente. A dor surda e vaziu que sentia entre as pernas era o pior, mas inclusive este empalidecia comparado com a fria crueldade que lhe instalava no peito cada vez que recordava como Lucan se apartou dela essa noite, como se ela fosse um veneno. Como tinha saído da habitação, cambaleando-se, como se não pudesse apartar-se dela com a rapidez suficiente.
Gabrielle abriu a água e se lavou, vagamente consciente das mensagens que soavam na cozinha. Para ouvir a quarta ou quinta mensagem, deu-se conta de que havia algo estranho.
Todas as mensagens eram da Kendra, e os tinha deixado todos durante as últimas vinte e quatro horas. Uma depois da outra, e entre algumas delas não havia mais que cinco minutos de diferença.
Sua voz tinha adquirido um tom grandemente mais amargo da primeira mensagem em que, em tom despreocupado e alegre, havia-lhe próposto sair e comer ou a tomar uma taça ou algo que queria. Logo, o convite tinha adquirido um tom mais insistente: Kendra dizia que tinha um problema e que necessitava que Gabrielle a aconselhase.
Nas duas últimas mensagens lhe tinha exigido de forma áspera que lhe respondesse logo.
Gabrielle correu até a bolsa e comprovou as mensagens da secretaria de voz do telefone celular: encontrou-se com o mesmo.
Com as repetidas chamadas da Kendra.
Com seu estranho tom ácido de voz.
Um calafrio lhe percorreu as costas ao recordar a advertência de Lucan a respeito da Kendra: se ela tinha caido vítima dos renegados, já não era amiga dela. Era como se estivesse morta.
O telefone começou a soar outra vez na cozinha.
—OH, Meu deus —exclamou, atendida por um terror crescente.
Tinha que sair dali.
Um hotel, pensou. Algum lugar longínquo. Algum lugar onde pudesse ocultar-se durante um tempo e decidir o que fazer.
Gabrielle tomou a bolsa e as chaves do BMW virtualmente correndo para a porta. Abriu as fechaduras e girou a maçaneta. Assim que a porta se abriu se encontrou ante um rosto que em outro momento tinha sido amistoso.
Agora estava segura de que era o rosto de um servente.
—Vai a algum lugar, Gabby? —Kendra se apartou o telefone celular do ouvido e o desligou. O timbre do telefone da casa deixou de soar. Kendra sorriu fracamente com a cabeça inclinada em um estranho ângulo.
— Ultimamente, é terrivelmente difícil de localizar.
Gabrielle se estremeceu de dor ao ver esses olhos vazios e perdidos que não piscavam.
—Me deixe passar, Kendra. Por favor.
A morena riu com uma gargalhada estridente que se apagou em um vaio surdo.
—Sinto muito, carinho. Não posso fazê-lo.
—Está com eles, verdade? —disse-lhe Gabrielle, adoecendo só de pensar.
— Está com os renegados. Meu Deus, Kendra, o que lhe têm feito?
—Te cale —repôs ela, com um dedo sobre os lábios e meneando a cabeça.
— Não falemos mais. Agora temos que ir.
Assim que a servente alargou a mão para ela, Gabrielle se apartou. Recordou a adaga que levava na bolsa e se perguntou se poderia tirá-la sem que Kendra se desse conta. E se conseguia fazê-lo, seria capaz de utilizá-la contra sua amiga?
—Não me toque —lhe disse, enquanto deslizava os dedos lentamente por debaixo da lapela de pele da bolsa.
— Não vou a nenhuma parte contigo.
Kendra lhe mostrou os dentes em uma terrível imitação de um sorriso.
—OH, acredito que deveria fazê-lo, Gabby. Depois, a vida do Jamie depende de ti.
Um temor gelado lhe atendeu o coração.
-O que?
Kendra fez um gesto com a cabeça em direção aos Sedam que estava esperando. O cristal tinto de um dos guichês se abriu e alí estava Jamie, sentado no assento traseiro ao lado de um tipo enorme.
—Gabrielle? —chamou Jamie com uma expressão de pânico nos olhos.
—OH, não. Jamie não. Kendra, por favor, não permita que lhe façam mal.
—Isso é algo que está completamente em suas mãos —repôs Kendra em tom educado e lhe tirou a bolsa das mãos.
— Não vais necessitar nada do que leva aqui.
Fez um sinal a Gabrielle para que caminhasse diante dela em direção ao carro.
—Vamos?
Lucan colocou duas barras de C4 debaixo dos enormes aquecedores de água da habitação das caldeiras do psiquiátrico. Agachou-se ante o equipamento, desdobrou as antenas do transmissor e conectou o micro para informar de seu progresso.
—Habitação de caldeiras verificada —disse a Niko, que se encontrava ao outro extremo da linha.
— Tenho que colocar três unidades mais e logo sairei...
Ficou imóvel de repente, para ouvir uns passos ao outro lado da porta fechada.
—Lucan?
—Merda. Tenho companhia —murmurou em voz baixa enquanto se incorporava e se aproximava com sigilo a porta para preparar-se a golpear.
Levou-se a mão enluvada até o punho de uma perigosa faca com serra que tinha embainhado em cima do peito. Também levava uma pistola, mas todos tinham concordado que não utilizariam armas de fogo nessa missão. Não fazia falta avisar aos renegados de sua presença e além disso, dado que Niko ia desviar o tubos de fora e encher de gases o edifício, um disparo podia acender os foguetes antes do tempo.
O trinco da porta da habitação das caldeiras começou a girar.
Lucan cheirou o fedor de um renegado, e o inconfundível aroma metálico do sangue humano. Ouviu uns grunhidos animais afogados mesclados com uns golpes e com um débil lamento de uma vítima a quem lhe estavam chupando o sangue. A porta se abriu e um fortíssimo ar pútrido penetrou na habitação enquanto um renegado arrastava a seu brinquedo moribundo dentro da sala escura.
Lucan esperou a um lado da porta até que a enorme cabeça do renegado esteve plenamente ante sua vista. Esse chupão estava muito concentrado em sua presa para dar-se conta da ameaça. Lucan levantou uma mão e cravou a faca na caixa torácica do renegado. Este rugiu com as enormes mandíbulas abertas e os olhos amarelos inchados ao sentir que o titânio lhe penetrava no sistema circulatório.
O humano caiu ao chão com um golpe seco como um boneco e seu corpo se contraiu em uma série de espasmos de agonia de morte depois do corpo do renegado que se alimentou dele começava a emitir uns assobios, a tremer e a mostrar umas feridas como se o houvessem orvalhado com ácido.
Assim que o corpo do renegado teve terminado sua rápida descomposição, outro deles se aproximou correndo pelo corredor. Lucan se precipitou para frente para voltar a atacar, mas antes de que pudesse dar o primeiro golpe, o chupão se deteve em seco quando um braço negro lhe obrigou a deter-se por detrás.
Viu-se o brilho de um fio com a rapidez e a força de um raio que atravessava a garganta do renegado e separava a enorme cabeça do corpo com um corte limpo.
O enorme corpo ficou estendido no chão como um montão de lixo. Tegan se encontrava ali em pé, com sua espada gotejando sangue e seus olhos verdes, tranqüilos. Tegan era uma máquina assassina, e o gesto sério de seus lábios parecia reafirmar a promessa que lhe tinha feito a Lucan de que se a sede de sangue podia com ele, Tegan se asseguraria de que Lucan conhecesse a fúria do titânio.
Ao olhar agora a esse guerreiro, Lucan esteve seguro de que se alguma vez Tegan ia por ele, ele morreria antes de dar-se conta de que o vampiro tinha aparecido ao seu lado.
Lucan se enfrentou a esse olhar frio e letal e lhe saudou com um gesto de cabeça.
—Me diga algo —ouviu que lhe dizia Niko através do auricular—.Está bem?
—Sim. Tudo tranquilo. —Limpou a adaga com a camisa do ser humano e a voltou a embainhar. Quando voltou a levantar a vista, Tegan tinha desaparecido, desvaneceu-se como o espectro da morte que era.
—Agora dirijo aos pontos de entrada da zona norte para colocar o resto dos explosivos —disse a Nikolai enquanto saía da habitação das caldeiras e percorria o corredor vazio.
Capítulo trinta e dois
— Gabrielle, o que acontece? O que acontece com Kendra? Veio a galeria e me há dito que tinha tido um acidente e que tinha que ir com ela imediatamente. Por que me mentiu?
Gabrielle não sabia o que responder as perguntas que Jamie, ansioso, sussurrava-lhe do assento traseiro do Sedam. Afastavam-se a toda velocidade do Beacon Hill em direção ao centro da cidade. Os arranha-céu do distrito financeiro se abatiam sobre eles na escuridão e as luzes dos escritórios piscavam como luzes natalinas. Kendra estava sentada no assento dianteiro ao lado do condutor, um gorila de pescoço largo embelezado de negro como um valentão e com óculos escuros.
Gabrielle e Jamie tinham a um companheiro similar detrás que os encurralava a um lado do brilhante assento de pele. Gabrielle não acreditava que fosse um renegado, não parecia que escondessem umas presas enormes detrás desses lábios tensos, e pelo pouco que sabia dos mortais inimigos da raça, não acreditava que nem ela nem Jamie tivessem demorado nem um minuto em ter as gargantas abertas se esses dois homens tivessem sido de verdade uns renegados viciados no sangue.
Serventes então, deduziu. Escravos humanos de um poderoso senhor vampiro.
Igual a Kendra.
—O que vão fazer conosco, Gabby?
—Não estou segura. —Alargou o braço e lhe deu um carinhoso apertão na mão. Também falava em voz baixa, mas estava segura de que seus captores estavam escutando cada uma de suas palavras.
— Mas não vai passar nada. Prometo-lhe isso.
O que sim sabia era que tinham que sair desse carro antes de que chegassem ao seu destino. Era a regra de defesa própria mais básica: nunca deixe que lhe levem a uma segunda localização. Porque então se encontrava em campo inimigo.
As oportunidades de sobrevivência passariam de ser escassas a nulas.
Olhou o fechamento de segurança da porta que Jamie tinha a seu lado. Ele observou seus olhos com o cenho franzido e expressão de interrogação. Olhou a ele e logo voltou a olhar o fechamento. Então ele o entendeu e lhe dirigiu um assentimento de cabeça quase imperceptível.
Mas quando se dispunha a colocar as mãos na posição adequada para abrir o fechamento, Kendra se deu a volta e lhes provocou:
—Quase chegamos, meninos. Estão excitados? Eu sim que o estou. Não posso esperar a que meu senhor por fim te conheça em pessoa, Gabby. Mmm! Te vai comer imediatamente.
Jamie se inclinou para diante e quase cuspiu veneno:
—Te aparte, puta mentirosa!
—Jamie, não! —Gabrielle tentou lhe reter, aterrada ante esse inocente instinto de amparo. Ele não tinha nem idéia do que estava fazendo ao irritar a Kendra ou aos outros dois serventes que se encontravam no carro.
Mas ele não ia deixar se controlar. Equilibrou-se para frente:
—Se nos tocarem um cabelo a qualquer dos dois,vou arrancar seus os olhos!
—Jamie, basta, não passa nada —disse Gabrielle, atirando dele para que voltasse a recostar-se no assento.
— Se tranqüilize, por favor! Não vai passar nada.
Kendra não se alterou. Olhou a ambos e deixou escapar uma risada repentina e estremecedora:
—Ah, Jamie. Sempre foste o pequeno e fiel terrier da Gabby. Au au! Au au! É patético.
Muito devagar e evidentemente satisfeita consigo mesma, Kendra se voltou a sentar de forma correta no assento lhes dando as costas.
—Detenha no semáforo —lhe disse ao condutor.
Gabrielle deixou escapar um tremente suspiro de alívio e se recostou outra vez no respaldo de fria pele. Jamie estava esquecido contra a porta, zangado. Quando os olhares de ambos se encontraram, ele se apartou um pouco a um lado e lhe permitiu ver que a porta agora não estava fechada.
O coração de Gabrielle deu um tombo ante essa ingenuidade e esse valor. Quase não pôde dissimular o sorriso enquanto o veículo reduzia a velocidade ante o semáforo, a uns metros diante deles. Estava em vermelho, a julgar pela fila de carros que se encontravam detidos diante dele, ia trocar para verde em qualquer momento.
Esta era a única oportunidade que tinham.
Gabrielle olhou a Jamie e se deu conta de que ele tinha compreendido o plano perfeitamente.
Gabrielle esperou, observando o semáforo; dez segundos que pareceram horas. A luz vermelha piscou e ficou verde. Os carros começaram a avançar diante deles. Assim que o Sedam começou a acelerar, Jamie levou a mão ao ponteiro da porta e a abriu.
O ar fresco da noite entrou no veículo e os dois se atiraram de cabeça para a liberdade. Jamie deu contra o pavimento e imediatamente alargou a mão para ajudar a Gabrielle a escapar.
—Detenham! —chiou Kendra.
— Não deixem que escape!
Uma pesada mão caiu sobre o ombro de Gabrielle e atirou dela para o interior do carro fazendo que se estrelasse contra o enorme corpo do servente. Os braços deste a rodearam, apanhando-a como barras de ferro.
—Gabby! —chiou Jamie.
Gabrielle emitiu um soluço desesperado.
—Vai daqui! Vai, Jamie!
—Acelera, idiota! —gritou-lhe Kendra ao condutor ao ver que Jamie se dispunha a agarrar-se ao ponteiro da porta para voltar pela Gabrielle. O motor rugiu, os pneumáticos chiaram e o carro se uniu ao tráfico.
—O que fazemos com ele?
—Deixe-lhe —ordenou Kendra em tom cortante. Dirigiu- um sorriso a Gabrielle, que se debatia em vão no assento traseiro.
— Já serviu ao nosso propósito.
O servente sujeitou a Gabrielle com força até que Kendra ordenou que o carro se detivera diante de um elegante edifício de escritórios. Desceram do carro e obrigaram a Gabrielle a caminhar para a porta de entrada. Kendra falava com alguém através do telefone celular e parecia ronronar de satisfação.
—Sim, temo-la. Agora vamos subir.
Guardou-se o telefone no bolso e lhes conduziu através de um vestibulo de mármore vazio até a zona de elevadores. Quando entraram em um deles, apertou o botão do apartamento de cobertura.
Gabrielle recordou imediatamente a mostra privada de suas fotos. Ao fim o elevador se deteve no piso superior e as portas de espelho se abriram; nesse momento Gabrielle teve a horrível certeza de que seu anônimo comprador ia dar-se a conhecer.
O servente que a tinha estado sujeitando a empurrou para que entrasse na suíte, fazendo-a tropeçar. Ao cabo de uns segundos, o medo de Gabrielle se fez maior.
Diante da parede de cristais se encontrava em pé uma alta figura de cabelo negro vestida com um comprido abrigo negro e óculos de sol. Era igual de corpulento que os guerreiros e dele emanava o mesmo ar de confiança. A mesma ameaça fria.
—Adiante —lhes disse em um tom grave que trovejou como uma tormenta.
— Gabrielle Maxwell, é um prazer conhecê-la por fim. Ouvi falar muito de você.
Kendra se colocou a seu lado e lhe deu uns tapinhas com expressão de adoração.
—Suponho que me trouxe aqui por alguma razão —disse Gabrielle, tentando não sentir pena por ter perdido a Kendra nem ter medo desse perigoso ser que tinha convertido a Kendra no que era.
—Converti-me em um grande admirador de seu trabalho. —Sorriu-lhe sem mostrar os dentes e com uma mão apartou sem contemplações a Kendra.
— Você fez umas fotos interessantes, senhorita Maxwell. Por desgraça, tem que deixar de fazer. Não é bom para meus negócios.
Gabrielle tentou agüentar o olhar tranqüilo e ameaçador que, sabia, estava-lhe dirigindo detrás dos óculos.
—Quais são seus negócios? Quero dizer, além de exercer de sanguessuga chupador de sangue.
Ele riu.
—Dominar o mundo, é obvio. Acredita que há algo mais pelo que valha a pena lutar?
—Posso pensar em umas quantas coisas.
Uma sobrancelha escura se arqueou por cima da arreios desses óculos.
—OH, senhorita Maxwell, se se referir ao amor ou a amizade, terei que dar por terminado este agradável e breve encontro agora mesmo.
—Juntou os dedos das mãos e os anéis que levava brilharam sob a tênue luz da habitação. A Gabrielle não gostava da maneira em que ele a estava olhando, como avaliando-a. O vampiro se inclinou para frente com as fossas nasais dilatadas.
— Aproxime-se.
Ao ver que ela não se movia, o corpulento servente que se encontrava a suas costas a empurrou para frente. Gabrielle se deteve um metro de distância do vampiro.
—Tem você um aroma delicioso —disse em um lento vaio.
— Cheira como uma flor, mas há algo... mais. Alguém se alimentou de você recentemente. Um guerreiro? Não se incomode em negá-lo, posso cheirá-lo em seu corpo.
Antes de que Gabrielle pudesse dar-se conta, ele a sujeitou pelo pulso e a atraiu para si de um puxão. Com mãos arrudas, fez-lhe inclinar a cabeça e lhe apartou o cabelo que escondia a mordida de Lucan e a marca que tinha debaixo da orelha esquerda.
—Uma companheira de raça —grunhiu, lhe passando os dedos pela pele do pescoço.
— E recentemente reclamada como tal. Faz de você mais inteiressante a cada segundo que passa, Gabrielle.
Não gostou do tom íntimo que empregou ao pronunciar seu nome.
—Quem a mordeu, companheira? A qual desses guerreiros o permitiu colocar-se entre essas largas e formosas pernas?
—Vá-se ao inferno —respondeu ela, apertando as mandíbulas.
—Não me vai dizer isso? —Fez estalar a língua e meneou a cabeça.
— De acordo. Poderemo-lo averiguar muito em breve.
Podemos fazer que venha. Finalmente, ele se separou dela e fez um sinal a um dos serventes estavam vigiando.
—Levem ao telhado.
Gabrielle se debateu contra seu captor, que a aferrava com ímpeto, mas não podia vencer a força desse bruto. Obrigaram-na a dirigir-se para uma porta sobre a qual havia o pôster vermelho de saída e uma placa em que se lia acesso ao heliporto.
—Um momento! E eu? —queixou-se Kendra da suíte.
—Ah, sim. Enfermeira K. Delaney —disse seu senhor escuro, como se acabasse de lembrar-se dela—. Quando nos tivermos ido, quero que saia ao telhado. Sei que a vista dele te parecerá espetacular. Desfruta-a durante um momento... e logo salta ao vazio.
Ela olhou, piscando aturdida. Logo baixou a cabeça, mostrando que estava sob seu domínio.
—Kendra! —gritou Gabrielle, desesperada por chegar até sua amiga.
— Kendra, não o faça!
O vampiro do casaco negro e os óculos escuros passou ao seu lado sem mostrar nenhuma preocupação.
—Vamos. Terminei aqui.
Uma vez colocado o último cartucho de C4 em seu lugar ao extremo norte do psiquiátrico, Lucan se abriu passo por um condutor de ventilação que conduzia ao exterior. Tirou o ralo e se içou até o exterior. Rodou por cima da grama, que rangeu sob seu corpo; logo ficou em pé e começou a correr em direção a cerca que rodeava o terreno, sentindo o ar fresco na boca.
—Niko, Como vamos?
—Vamos bem. Tegan está voltando e Gideon vem detrás de ti.
—Excelente.
—Tenho o dedo no detonador —disse Nikolai. Sua voz quase resultava inaudível pelo ruído de um helicóptero que alagava a zona.
— Dá a ordem, Lucan. Morro por fazer voar a estes chupões.
—Eu também —repôs Lucan. Olhou o céu noturno com o cenho franzido, procurando o helicóptero.
— Temos visita, Niko. Parece que um helicóptero se dirige diretamente ao psiquiátrico.
Assim que o houve dito, viu a escura silhueta do helicóptero em cima da fileira de árvores. Umas pequenas luzes piscaram no veículo enquanto este girava para o telhado do recinto e iniciava a descida.
O constante movimento da hélice levantou uma forte brisa e Lucan cheirou o aroma dos pinheiros e do pólen... e de outro perfume que lhe acelerou o pulso.
—OH, Jesus —exclamou assim que reconheceu o aroma de jasmim.
— Não toque o detonador, Niko! Por Deus, seja como for, não permita que este maldito edifício voe pelos ares!
Capítulo trinta e três
Uma mescla volátil de adrenalina e fúria, além de um medo que o cobria até os ossos, fez saltar a Lucan ao telhado do velho psiquiátrico. O helicóptero acabava de posar-se nos trilhos de aterrissagem e Lucan se precipitou para ele da beirada do edifício. O corpo tremia por causa de uma fúria mais explosiva e instável que um caminhão carregado de C4. Tinha toda a intenção de lhe arrancar as pernas a quem estivesse retendo Gabrielle.
Com a arma na mão, Lucan se aproximou do helicóptero por detrás, com cuidado de que não lhe vissem, e deu a volta pela cauda para acercar-se ao lado dos passageiros da cabine de mando.
Viu Gabrielle dentro do helicóptero, no assento traseiro, ao lado de um enorme macho que ia vestido de negro e que levava uns óculos escuros. Parecia tão pequena, a via tão aterrorizada. Seu aroma lhe banhou por inteiro. E seu medo lhe destroçou o coração.
Lucan abriu de um puxão a porta da cabine e colocou a arma diante do rosto do captor do Gabrielle enquanto sujeitava a ela com a mão que ficava livre. Mas atiraram de Gabrielle para trás antes de que ele pudesse sair com ela.
—Lucan? —exclamou Gabrielle com os olhos exagerados por causa da surpresa.
— OH, Meu deus, Lucan!
Ele realizou um rápido exame visual da situação e viu o servente que pilotava o avião e a um humano escravo que se encontrava ao seu lado, diante. O servente do assento do co-piloto se deu a volta com intenção de lhe dar um golpe no braço, mas recebeu uma bala na cabeça.
No momento em que Lucan voltou a dirigir o olhar para a Gabrielle, ao cabo de um instante, se encontrava com uma faca na garganta. Por debaixo da manga do comprido abrigo lhe assomavam os dermoglifos que Lucan tinha visto nas fotos da Costa Oeste.
— Solte disse o líder de primeira geração dos renegados.
—Vá, vá, foi uma resposta mais rápida do que houvesse imaginado, inclusive para um guerreiro com vínculo de sangue. O que pretende? Por que está aqui?
O arrogante tom de voz lhe desconcertou.
Conhecia esse bode?
—Solta-a —disse Lucan—, E te mostrarei por que estou aqui.
—Parece-me que não. —O vampiro de primeira geração lhe sorriu ampliamente, lhe mostando os dentes.
Não tinha presas. Era um vampiro, mas não era um renegado.
Que diabos?
—É encantadora, Lucan. Esperava que fosse tua.
Deus, conhecia essa voz. Ouvia-a como procedente de algum lugar muito profundo, enterrado em sua memória.
Do passado longínquo.
Um nome lhe formou na mente, cortante como o fio de uma espada.
Não, não era possível que fosse ele.
Impossível...
Concentrou-se para sair dessa confusão momentânea, mas esse breve momento de perda de concentração lhe custou caro. Desde um dos lados, um par de renegados tinha subido ao telhado do interior do psiquiátrico lhe aproximava com sigilo. Com um gruido, levantou a porta do helicóptero e golpeou com o canto da mesma a Lucan na cabeça.
— Lucan! — chiou Gabrielle.
— Não!
Lucan estremeceu e uma das pernas lhe falhou. A arma caiu da mão e escorregou pelo chão do telhado uns quantos metros, ficando fora de seu alcance.
O renegado lhe deu um murro na mandíbula com o enorme punho. Ao cabo de um segundo, um golpe brutal lhe destroçou as costelas. Lucan caiu ao chão, mas fez um giro e com o pé embainhado na bota fez cair ao renegado ao chão. Precipitou-se sobre ele enquanto tirava a faca que tinha embainhado no torso.
A uns metros de ambos, a hélice do helicóptero começou a girar. O piloto se preparava para levantar outra vez.
Não podia permiti-lo.
Se permitia que Gabrielle se fosse desse coberto, não ficaria nenhuma esperança de voltar a vê-la viva nunca mais.
—Nos tire daqui —ordenou o captor de Gabrielle ao piloto enquanto as hélices do helicóptero giravam cada vez mais depressa.
Fora, arrastando-se pelo telhado, Lucan lutava contra o renegado que lhe tinha atacado. Apesar da escuridão, Gabrielle viu que outro mais se aproximava da porta de entrada ao telhado.
—OH, não —exclamou, quase sem respiração e sem poder mover-se por causa do cortante fio de aço que lhe cravava na pele da garganta.
O enorme macho se inclinou por diante dela para olhar o que estava acontecendo no telhado. Lucan havia tornado a ficar em pé e lhe abriu o ventre ao primeiro dos renegados que lhe tinha atacado. O grito deste foi audível inclusive apesar do forte ruído da hélice do helicóptero. Seu corpo começou a convulsionar-se, a ter espasmos... A desintegrar-se.
Lucan girou a cabeça para o helicóptero. Tinha os olhos cheios de furia, brilhavam-lhe como duas pedras de âmbar acesas com o fogo do inferno. Precipitou-se para diante, rugindo, carregando com os ombros contra o veículo como um trem de carga.
—Nos tire daqui agora mesmo! —gritou o macho que estava ao lado de Gabrielle, pela primeira vez em tom preocupado.
— Agora mesmo, porra!
O helicóptero começou a levantar-se.
Gabrielle tentou apartar da faca apertando-se contra o respaldo do pequeno assento traseiro. Se pudesse encontrar a maneira de lhe apartar o braço, possivelmente pudesse alcançar a porta da cabine...
O helicóptero sofreu uma sacudida repentina, como se tivessem se chocado contra alguma parte do edifício. O motor pareceu gemer, esforçado.
O captor do Gabrielle estava furioso já.
—Desapega, idiota!
—Estou-o tentando, senhor! —disse o servente que se encontrava ante os mandos. Levantou uma alavanca e o motor protestou com um terrível grunhido.
Houve outra sacudida, como se atirassem do aparelho para baixo, e todo o interior tremeu. A cabine se inclinou por volta da frente e o captor do Gabrielle perdeu o equilíbrio no assento e deixou de lhe emprestar atenção durante um momento.
A faca se separou de sua garganta.
Com uma repentina decisão, Gabrielle se lançou para trás e lhe deu um pontapé com as duas pernas que lhe fez cair contra o respaldo do assento do piloto. O veículo se precipitou para frente e Gabrielle trabalhou em excesso por alcançar a porta da cabine.
Esta se abriu de tudo e ficou aberta, pendurando das dobradiças, depois do helicóptero tremia e se balançava. Seu captor se estava recompondo e estava a ponto de alcançá-la outra vez. Por causa do caos tinham caido os óculos de sol. Olhou-a com um gelado olhos cinzas cheios de malignidade.
—Diga a Lucan que isto não terminou nem muito menos — ordenou o líder dos renegados, pronunciando as palavras em um assobio e olhando-a com um sorriso diabólico.
—Vai para o inferno —respondeu Gabrielle. Nesse mesmo instante, lançou-se para a porta aberta e se deixou cair ao chão do telhado.
Assim que a viu, Lucan soltou o trilho de aterrissagem do helicóptero. O veiculo se elevou repentinamente e começou a dar voltas sobre si mesmo descontrolado enquanto o piloto se esforçava por dominá-lo.
Correu ao lado de Gabrielle e a ajudou a ficar em pé. Passou-lhe as mãos por todo o corpo para assegurar-se de que estava inteira.
—Está bem?
Ela assentiu com a cabeça.
—Lucan, detrás de ti!
No telhado, outro dos renegados se dirigia para eles. Lucan enfrentou a esse desafio com agrado, agora que Gabrielle estava com ele; todos os músculos de seu corpo se dispuseram a dar morte. Tirou outra faca e se aproximou da ameaça.
A luta foi selvagem e rápida. Lucan e o renegado se enfrentaram em um mortal combate corpo a corpo com os punhos e os fios das armas brancas. Lucan recebeu mais de um golpe, mas era imparável. O sangue de Gabrielle ainda tinha um efeito forte nele, e lhe dava uma fúria que lhe tivesse permitido enfrentar-se com dez competidores de uma vez. Lutou com uma força e uma eficiência letal, e acabou com o renegado com um corte vertical que lhe atravessou o corpo.
Lucan não esperou a ver o efeito do titânio. Deu-se a volta e correu para Gabrielle. Assim que chegou, quão único pôde fazer foi toma-la entre os braços e abraçá-la com força. Pôde ficar assim toda a noite, sentindo como lhe pulsava o coração e acariciando a pele suave.
Levantou-lhe a cabeça e lhe estampou um beijo forte e tenro nos lábios.
—Temos que sair daqui, carinho. Agora mesmo.
Sobre suas cabeças, o helicóptero continuava subindo.
O vampiro de primeira geração que tinha capturado a Gabrielle olhou para baixo desde atrás do cristal da cabine e dirigiu uma vaga saudação à Lucan, sorrindo enquanto o veículo subia no céu noturno.
—OH, Deus, Lucan! Estava tão assustada. Se tivesse acontecido algo...
O sussurro de Gabrielle lhe fez esquecer completamente a seu inimigo que escapava. A única coisa que lhe importava era que ela era capaz de lhe falar. Que respirava. Gabrielle estava com ele, e esperava que pudesse continuar estando ao seu lado.
—Como demônios lhe capturaram? —perguntou-lhe com voz tremente e tom urgente a causa do medo que havia sentido.
—Depois de que você partiu do complexo esta noite, precisava ir e pensar. Fui para casa. Kendra apareceu. Tinha a Jamie como refém em um carro que se encontrava fora. Não podia deixar que lhe fizessem mal. Kendra é, era, uma servente, Lucan. Mataram-na. Minha amiga está morta.
—Gabrielle soluçou de repente.
— Mas pelo menos Jamie escapou. Agora está em algum lugar do centro da cidade, provavelmente aterrorizado. Tenho que lhe encontrar e lhe dizer que tudo está bem.
Lucan ouviu o som grave do helicóptero que continuava subindo por cima de suas cabeças. Além disso, tinha que fazer a Niko o sinal de que voasse esse lugar antes de que os renegados tivessem a oportunidade de escapar.
—Vamos daqui, e logo me encarregarei do resto.
Lucan tomou a Gabrielle pelos braços.
—Segura em mim, carinho. Com toda a força que possa.
—De acordo. — pendurou-se os braços ao redor do pescoço.
Ele voltou a beijá-la, aliviado de tê-la entre os braços.
—Não te solte em nenhum momento — disse-lhe, olhando os olhos brilhantes e formosos de sua companheira de raça.
Então se colocou na beirada do edifício e se deixou cair com ela em seus braços, com toda a suavidade de que foi capaz, até o chão.
—Lucan, me diga algo, cara! —chamou-lhe Nikolai pelo auricular.
— Onde está? Que merda está acontecendo aí?
—Tudo vai bem —respondeu ele, enquanto levava a Gabrielle pelo escuro terreno coberto de grama da propriedade em direção ao ponto onde se encontrava o veículo de vigilância esperando.
— Agora tudo está bem. Apura o detonador e acabemos com isto.
Gabrielle estava encolhida sob o forte braço de Lucan quando o veículo de vigilância subia pela rua que conduzia ao terreno do complexo. Ele a tinha obstinado ao seu lado desde que escaparam da zona do psiquiátrico e lhe havia coberto os olhos enquanto todo o complexo de edificios voava pelos ares como uma infernal bola de fogo.
Lucan e seus irmãos tinham conseguido: tinham acabado com o quartel general dos renegados com um incrível golpe. O helicóptero tinha conseguido escapar a explosão e se desvaneceu no céu, envolto na fumaça negra e escondida no céu da noite.
Lucan estava pensativo: olhava para fora dos cristais escuros dos guichês para cima, para a abóbada de estrelas. Gabrielle tinha visto sua expressão de surpresa, de incredulidade e de atordoamento, quando se encontrava no telhado e abriu a porta da cabine de comando do helicóptero.
Foi como se tivesse visto um fantasma.
Inclusive nesse momento, Lucan continuava com esse estado de ânimo, enquanto entravam no terreno e Nikolai conduzia em direção à garagem. O guerreiro deteve o carro uma vez que estiveram dentro da enorme garagem. Quando desligou o motor, Lucan falou por fim.
—Esta noite conseguimos uma importante vitória contra nossos inimigos.
—Porra , sim —assentiu Nikolai.
— E vingamos a Conlan e a Rio. Teria-lhes encantado estar ali para ver voar esse lugar.
Lucan assentiu na escuridão do veículo.
—Mas não nos equivoquemos. Estamos entrando em uma nova fase do conflito com os renegados. Agora é a guerra, mais que nunca. Esta noite agitamos o ninho de vespas. Mas ao que necessitávamos capturar, seu líder, continua vivo.
— Deixemos que corra. Já lhe apanharemos —disse Dante, com expressão de confiança.
Mas Lucan negou com gesto sério.
—Este é distinto. Não nos porá isso fácil. Antecipará-se a nossos movimentos. Compreende nossas táticas. A Ordem vai ter que fortalecer as estratégias e aumentar o número de seus guerreiros. Temos que organizar alguns quadros mais que ainda estão dispersados pelo mundo, conseguir mais guerreiros, quanto antes melhor.
Gideon se deu a volta no assento dianteiro.
—Crê que é o vampiro de primeira geração da Costa Oeste quem está à frente dos renegados?
—Estou seguro —repôs Lucan.
Estava no helicóptero, no telhado, esta noite, onde tinha a Gabrielle. —Acariciou-lhe o braço com um afeto tenro, e fez uma pausa para olhá-la, como se sua só visão lhe tranqüilizasse de algum jeito.
— E esse bode não é um renegado: não agora, se é que o foi em algum momento. Uma vez foi um guerreiro, como nós. chama-se Marek.
Gabrielle sentiu uma quebra de onda de frieza que procedia da terceira fila de assentos do veículo de vigilância e soube que Tegan estava olhando a Lucan.
Lucan sabia também. Girou a cabeça para olhar ao outro guerreiro aos olhos.
—Marek é meu irmão.
Capítulo trinta e quatro
A carga da revelação de Lucan ainda lhes pesava enquanto saíam do veículo e subiam ao elevador do hangar para baixar ao complexo. Seu amado, Gabrielle entrelaçou os dedos da mão com os dele enquanto baixavam. Sentia o coração comocionado e cheio de compaixão; ele a olhou e ela soube que ele percebia a preocupação em seus olhos.
Gabrielle observou que seus irmãos guerreiros também tinham expressões de preocupação similares nos olhos e que, silenciosamente, haviam dado conta do significado do que tinham descoberto essa noite.
Chegaria o momento em que Lucan teria que enfrentar-se com a necessidade de matar a seu próprio irmão.
Ou de que seu irmão matasse a ele.
Gabrielle ainda não tinha conseguido aceitar a frieza desse fato no momento em que as portas do elevador se abriram e se encontraram ante o Savannah e Danika, que tinham estado esperando com ansiedade a volta dos guerreiros. Houve bem-vindas cheias de alívio, muitas pergunta sobre o resultado da missão dessa noite, assim como de por que Gabrielle partiu do complexo sem dizer nenhuma palavra a ninguém. Gabrielle estava muito cansada para responder, demasiado esgotada depois dessa terrível experiência para tentar sequer expressar o que sentia.
Mas sabia que logo teria que oferecer algumas respostas, a Lucan ao menos.
Os guerreiros se afastaram em meio de uma discussão sobre táticas e novas estratégias de batalha contra os renegados. Savannah e Danika empurraram imediatamente a Gabrielle em direção contrária, que se mostraram preocupadas com seus vários arranhões e contusões e insistiram em que comesse e se desse um comprido banho quente.
Gabrielle concordou a contra gosto, mas nem sequer as incríveis habilidades culinárias de Savannah nem o fragrante vapor do banho que lhe prepararam logo conseguiram relaxá-la.
A mente não parava de lhe dar voltas em relação a Lucan, Jamie e tudo o que tinha acontecido essa noite. Devia a vida a Lucan. Amava-lhe mais que a nenhuma outra coisa e sempre lhe estaria agradecida por havê-la resgatado, mas isso não trocava o que sentia a respeito de como foram as coisas entre ambos. Não podia permanecer no complexo dessa forma. E não importava o que lhe dissesse, não tinha intenção de ir a nenhum dos Refúgios Escuros.
Então, que possibilidade ficava? Tampouco podia voltar para seu apartamento. Sua velha vida já não era possível. Voltar para ela significaria que teria que negar tudo o que tinha experimentado com Lucan durante essas últimas semanas e esforçar-se por lhe esquecer. Teria que negar tudo o que agora sabia sobre si mesmo, e sobre sua conexão com a raça.
A verdade era que não sabia qual era seu lugar agora. Não sabia por onde começar a procurar, mas depois de dar voltas pelo labirinto de do complexo, Gabrielle se encontrou em pé ante a porta das habitações privadas de Lucan.
A porta que dava à habitação principal estava aberta e uma suave luz saía de dentro. Gabrielle a empurrou e entrou.
A luz de umas velas iluminava o dormitório adjacente. dirigiu-se para essa luz ambiental até que esteve na porta de entrada e parou ali, maravilhada do que viu. O austero dormitório de Lucan se havia convertido em um pouco saído de um sonho. Havia um castiçal de intrincada prata em cada esquina. A cama estava coberta por um cobertor de seda vermelho. No chão, diante da chaminé, havia um montão de almofadas e sedas carmesins. Era tão romântico, tão acolhedor.
Era uma habitação pensada para fazer o amor.
Deu um passo para o interior da habitação. A suas costas, a porta se fechou brandamente sozinha.
Não, não de tudo sozinha. Lucan estava ali, em pé, ao outro extremo da habitação e a estava observando. Tinha o cabelo molhado pela ducha. Levava uma bata solta de cetim vermelho que lhe caía até os tornozelos , e tinha um olhar quente nos olhos que se fundia no Gabrielle.
—Para você —lhe disse, assinalando o romântico ambiente.
— Para nós, esta noite. Quero que as coisas sejam especiais para você.
Gabrielle se sentiu comovida, e imediatamente excitada ao lhe ver, porem não podia suportar fazer amor depois de como tinham ficado as coisas entre eles.
—Quando fui esta noite, não pensava voltar —lhe disse de uma distância segura. Se aproximava mais, não acreditava que tivesse a força de lhe dizer o que tinha que dizer-lhe.
— Não posso voltar a fazer isto, Lucan. Necessito coisas de você que você não pode me dar.
—Me diga quais. —Foi uma ordem suave, mas uma ordem. Ele se aproximou dela com passos cautelosos, como se notasse que ela podia lhe rechaçar em qualquer momento.
— Me diga o que necessita.
Ela negou com a cabeça.
—Do que serviria?
Uns quantos passos lentos mais. Deteve-se um metro de distância dela.
—Eu gostaria de sabê-lo. Tenho curiosidade do que me custaria convencer-te de que fique comigo.
—Para passar a noite? —perguntou ela em voz baixa, odiando a si mesmo por quanto precisava sentir os braços dele ao redor de seu corpo depois de tudo o que lhe tinha acontecido durante essas últimas horas.
—Quero-te, e estou disposto a te oferecer algo, Gabrielle. Assim me diga o que é o que necessita.
—Sua confiança —lhe disse ela, pedindo uma coisa que sabia que se encontrava fora de seu alcance.
— Não posso... fazer isto mais, se você não confia em mim.
—Eu confio em ti — disse ele, com tanta solenidade que ela acreditou.
— Você é a única que me conheceu de verdade, Gabrielle. Não te posso ocultar nada. Viu-o tudo: o pior, certamente. Eu gostaria de ter a oportunidade de te mostrar a parte boa que há em mim. —aproximou-se um pouco mais. Ela notava o calor que emanava de seu corpo. Notava seu desejo.
— Quero que se sinta tão segura comigo como eu me senti contigo. Assim que a pergunta é: pode confiar em mim, agora que sabe tudo a respeito de mim?
—Sempre confiei em ti, Lucan. Sempre o farei. Mas não é isso...
—Pois o que, então? —perguntou ele, interrompendo sua rápida negativa.
—Diga-me que mais posso te dar para fazer que fique.
—Isto não vai funcionar —disse ela, retrocedendo um pouco.
— Não posso ficar. Não desta maneira. Não agora que meu amigo Jamie...
—Está a salvo. —Ao ver que lhe olhava com expressão de confusão, acrescentou—: Mandei a Dante ao exterior assim que chegamos para que fosse lhe buscar. Faz uns minutos que retornou e me informou que achou seu amigo em uma delegacia de polícia do centro da cidade e o levou a casa.
Gabrielle sentiu que o alívio a embargava, mas imediatamente a preocupação o substituiu.
—O que lhe disse Sante? Apagou-lhe a memória?
Lucan negou com a cabeça.
—Pensei que não era justo que eu tomasse esta decisão por ti. Dante simplesmente disse que você também estava a salvo e que lhe poriam em contato com ele muito em breve para lhe explicar tudo. O que ditas lhe contar ao seu amigo é tua coisa. Vê-o? Confiança, Gabrielle.
—Obrigado —murmurou ela, sentindo-se reconfortada pela consideração.
— Obrigado por me haver ajudado esta noite. Salvaste-me a vida.
—Então, por que me tem medo agora?
—Não te tenho medo —repôs, mas estava se separando dele, quase sem dar-se conta disso, mas a cama, que tinha detrás, bloqueou-lhe a escapatória. Em um instante ele esteve diante dela.
—Que mais quer de mim, Gabrielle?
—Nada —disse ela, quase em um sussurro.
—Nada absolutamente? —perguntou ele em tom grave e exigente.
—Por favor, não me faça desejar ficar esta noite quando amanhã vais desejar que vá. Deixa que vá agora, Lucan.
—Não posso fazer isso. —Tomou uma mão e a levou aos lábios. Gabrielle sentiu a calidez e a suavidade de seus lábios nos dedos e sentiu que era presa de um encantamento que somente ele podia lhe fazer. Ele levou a mão dela contra o peito, apertando a palma contra o mesmo, sobre o batimento de seu coração contra as costelas.
— Não poderei te deixar partir nunca, Gabrielle. Porque o queira ou não, tem meu coração. Tem meu amor, também. Se o aceitar.
Ela tragou saliva com dificuldade.
—O quê?
—Amo-te. —Pronunciou as palavras em voz baixa e com sinceridade, como uma carícia que ela sentiu no mais profundo do coração:
— Gabrielle Maxwell, amo-te mais que a vida. Estive sozinho durante muito tempo, e não soube me dar conta até que quase foi muito tarde. —Deixou de falar e a olhou aos olhos com intensidade.
— Não é... muito tarde, verdade?
Ele a amava.
Uma alegria, pura e brilhante, encheu-a para ouvir essas palavras do lábio de Lucan.
—Volta a dizê-lo —sussurrou ela, com a necessidade de saber que esse momento era real, que isso ia durar.
—Amo-te, Gabrielle. Até o último fôlego de vida que tenho. Amo-te.
—Lucan. —Pronunciou seu nome com um suspiro, com lágrimas nos olhos que lhe derramavam pelas bochechas.
Ele a tomou entre os braços e lhe deu um beijo comprido, profundo e apaixonado que fez que a cabeça desse voltas e o coração queria levantar o vôo. Sentia o sangue como fogo nas veias.
—Você merece a alguém muito melhor que eu —lhe disse com um tom de voz e expressão reverente.
— Conhece meus demônios. Pode me amar... aceitará-me... Apesar de conhecer minhas debilidades?
Tomou o rosto com a mão e olhou, lhe expressando com os olhos todo o amor que sentia.
—Você nunca foste débil, Lucan. E te amarei seja como for. Juntos podemos superar tudo.
—Você me faz acreditar nisso. Deste-me esperança. —Com um gesto amoroso, acariciou-lhe o braço, o ombro, a bochecha. Percorreu-lhe o rosto com o olhar enquanto o acariciava com a mão.
— Meu Deus, é tão deliciosa. Poderia ter a qualquer macho, da raça ou humano...
—Você é o único a quem quero.
Ele sorriu.
—Que Deus te ajude, mas não o aceitaria se fosse de outra maneira. Nunca desejei de forma tão egoísta como quero a você neste momento. Seja minha, Gabrielle.
—Sou-o.
Ele tragou saliva e baixou os olhos como se de repente se sentisse inseguro.
—Refiro-me para sempre. Não posso aceitar menos que isso. Gabrielle, aceitaria-me como companheiro?
—Para sempre —sussurrou ela, tombando-se de costas na cama e trazendo-o para si.
— Sou tua, Lucan, para sempre.
Voltaram a beijar-se, e esta vez, quando se separaram, Lucan alargou a mão até uma magra adaga de ouro que estava na mesinha ao lado da cama. Aproximou-a de seu rosto. Gabrielle se sobressaltou um pouco ao ver que ele
Levava-se a folha até os lábios.
—Lucan...
Ele a olhava com ternura e seriedade aos olhos.
—Você me deste seu sangue para me curar. Você me fortalece e me protege. Você é a única que quero, e a única que sempre necessitarei.
Nunca lhe tinha ouvido falar com tanta solenidade. As íris de seus olhos começavam a brilhar, a pálida cor cinza se misturava com a cor âmbar e com a profundidade de sua emoção.
—Gabrielle, quer me fazer a honra de aceitar meu sangue para cerrar nosso vínculo?
A voz de Gabrielle foi débil.
—Sim.
Lucan baixou a cabeça e levou a adaga até o lábio inferior. Logo a apartou e a olhou outra vez: seus lábios brilhavam com o escuro sangue vermelho.
—Vêem aqui. Deixa que te ame —lhe disse, unindo seus lábios escarlates com os dela.
Nada a teria podido preparar para o que sentiu ao provar pela primeira vez o doce sangue de Lucan.
Mais intenso que o vinho, instantaneamente embriagador, o sangue dele fluiu por sua língua com toda sua força e seu poder. Sentiu que uma luz a alagava do mais profundo de seu corpo e lhe oferecia uma pista do futuro que a esperava como companheira de Lucan. Encheu-se de felicidade, ficou ruborizada desse calor, e sentiu uma alegria que nunca antes tinha experimentado.
Sentiu desejo, também.
Mais intenso do que o havia sentido nunca.
Gabrielle emitiu um profundo gemido de desejo e empurrou a Lucan no peito para lhe tombar de costas. Tirou a roupa em um instante, subiu em cima dele e lhe montou escarranchada.
O sexo dele se enervava diante dela, grosso e forte como a pedra. Os formosos desenhos de sua pele tinham uma profunda cor púrpura com uma tintura avermelhada e adquiriam um tom mais profundo quando a olhava com desejo. Gabrielle se inclinou para frente e passou a língua pelas linhas sinuosas e intrincadas que lhe cobriam o corpo das coxas até o umbigo e subiam até os músculos do peito e os ombros.
Era dele.
Esse pensamento foi ferozmente possessivo, primitivo. Nunca lhe tinha desejado tanto como nesse momento. Ofegava e estava úmida e desejava lhe montar com força, lhe queimava por dentro.
Deus, era a isto ao que Savannah se referia quando dizia que um vínculo de sangue intensificava o ato amoroso?
Gabrielle olhava a Lucan com uma necessidade puramente carnal, quase sem saber por onde começar com ele. Desejava lhe devorar, lhe adorar, lhe utilizar. Aplacar o incêndio que sentia dentro do corpo.
—Deveria me haver avisado de que me tinha dado um afrodisíaco.
Lucan sorriu.
—E arruinar a surpresa?
—Ria, vampiro. —Gabrielle arqueou uma sobrancelha, tomou seu membro ereto e deslizou a mão por ele até a base com um movimento comprido.
— Me prometeu a eternidade. Vais arrepender- te.
—Ah, sim? —Mas foi mais um gemido estrangulado porque lhe montou e ele começou a mover-se com um rebolado de quadril desenfreado debaixo dela. Com olhos brilhantes, olhou-a e mostrou as presas ao sorrir, uma amostra clara de que desfrutava dessa tortura.
— Companheira, acredito que me vai encantar que o tente.
Lara Adrian
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