Capítulo 17
Num instante, seu mundo girara subitamente em torno do seu eixo.
Alex se afastou de Kade, surpresa ao ver que as pernas estavam funcionando apesar da mente girando pela falta de lógica do que acabara de vê-lo fazer – não só com
Skeeter Arnold, mas também com Fran Littlejohn. Seria algum tipo de hipnotismo que ele usara nela ou algo mais poderoso, para que a mulher cedesse com tamanha facilidade
aos seus desígnios?
E Skeeter…
O que ele quis dizer ao falar aquelas coisas estranhas a Kade, a respeito de levar adiante as ordens do seu “Mestre”? Foi uma conversa maluca, mas Skeeter não parecia
louco. Parecia muito perigoso, não mais aquele pequeno traficante e o fracassado oficial da cidade que ela sabia que ele era, mas algo letal. Algo não humano.
Ele já não estava mais vivo… não passava de uma concha.
Ele matara Big Dave a sangue frio, e Kade torcera seu pescoço com as próprias mãos.
Ah, Deus. Nada mais fazia sentido para ela.
Há mais sobre os seus monstros do que você imagina, Alex.
O alerta de Kade ecoou em sua mente quando ela saiu para o frio sem luz da tarde. Como aquilo poderia estar acontecendo? Não podia. Como aquilo podia ser a realidade?
Mas ela sabia que era, assim como sempre soube que o que acontecera na Flórida tantos anos atrás também fora real.
Não confie em ninguém mais a não ser em mim.
Alex não sabia se tinha alternativa. A quem mais poderia recorrer? O que Kade fizera – tudo o que acabara de dizer na clínica – a deixara com mais perguntas do que
ela estava preparada a fazer. Estava aterrorizada e incerta, mais do que nunca. Kade era perigoso; vira isso apenas um minuto atrás. Entretanto, também era protetor,
não só com ela, mas também com Fran Littlejohn, uma mulher que ele nunca vira antes.
A despeito de tudo o que ele dissera e fizera, Kade era uma âncora sólida numa realidade que subitamente lançava Alex à deriva. Era a sua força e confiança que a
mantinha flutuando quando olhou para a pequena multidão ainda aglomerada diante da clínica. As mais de duas dúzias de rostos que ela conhecia há tanto tempo agora
lhe pareciam estranhos enquanto ela passava discretamente por entre eles. Mesmo Zach, que relanceou na sua direção quando ela conseguiu chegar do outro lado do agrupamento,
lhe pareceu mais uma fonte de dúvidas e complicações indesejáveis do que um amigo.
Seu olhar se estreitou sobre ela, mas ela continuou andando, desesperada para sair dali.
– Alex.
Uma flecha de pânico súbito e frio a atingiu. Zach era a última pessoa com quem precisava falar no momento. Fingiu não ouvi-lo e andou um pouco mais rápido.
– Alex, espere. – Ele abriu caminho, segurando-a pela manga da parca. – Você pode esperar um minuto só?
Já que não tinha escapatória, ela parou. Foi um esforço manter a expressão neutra ao olhar para ele. Não havia como refrear o tremor que perpassou seu corpo quando
Zach a encarou no escuro.
– Você está bem? Seu rosto está branco como cera.
Ela meneou a cabeça, dando de ombros sem jeito.
– Só estou um pouco cansada, acho.
– É, nem fale – concordou ele. – Escuta, desculpa se fui grosso agora há pouco. As coisas parecem estar indo de mal a pior por aqui.
Alex engoliu, assentindo com a cabeça. E ele não sabia nem metade da história.
Não confie em ninguém mais a não ser em mim… Não conte a ninguém o que viu aqui, Alex. Prometa.
As palavras de Kade entraram em seus pensamentos enquanto Zach a fitava na expectativa.
– Então? Você tem a minha completa atenção, pelo menos por enquanto. O que queria me dizer?
– Hum… – Alex não sabia o que responder, sentia-se incomodada com o modo com que Zach parecia fitá-la com especulação, com suspeita, até. – Eu só… estava preocupada
com Big Dave, claro. Como ele está? Como você acha que… que ele está?
A pergunta soou estranha em sua boca, ainda mais com o coração ainda descompassado pelo que testemunhara na clínica.
A expressão de Zach se tornou um pouco questionadora.
– Você mesma o viu, não?
Ela balançou a cabeça, sem saber se conseguiria mentir com convicção.
– Eu não a vi entrar na clínica… Com o seu novo… amigo? – Ele enfatizou a palavra, desnecessariamente. – A propósito, onde ele está? Ainda lá dentro?
– Não. – Faltou bem pouco para ela cuspir a palavra. – Não sei do que você está falando. Kade e eu estivemos aqui fora o tempo todo. Ele acabou de ir embora.
Zach não pareceu acreditar, mas antes que ele tivesse a chance de pressioná-la ainda mais, a porta da clínica se abriu e Fran Littlejohn parou nos degraus.
– Policial Tucker! Onde está Zach? Alguém chame o polical Tucker imediatamente!
Alex observou, sentindo o medo aumentar ao ver Fran inclinar o corpo, à procura de Zach no meio da multidão.
– Aqui! – Zach a chamou. – O que foi?
– Ah, Zach! – A funcionária da clínica soltou um suspiro, os ombros largos se curvando. – Acho que o perdemos. Eu tinha acabado de lhe dar mais uma dose de sedativo,
e me virei por não mais do que um minuto. Quando fui vê-lo novamente, percebi que ele havia morrido. Big Dave está morto.
– Maldição – murmurou Zach. Embora se dirigisse a Fran, lançou um olhar severo para Alex. – Não havia mais ninguém com você, Fran?
– Só eu estava lá – disse ela. – Pobre Dave. E pobre Lanny também. Que Deus os abençoe.
Enquanto uma onda de murmúrios e preces sussurradas atravessava a multidão, Alex pigarreou.
– Eu preciso ir, Zach. O dia foi longo, e eu estou muito cansada. Então, a menos que tenha mais perguntas…
– Não – respondeu ele, mas o olhar que lhe lançou foi reservado, carregado de relutante aceitação por tudo o que ouvira. – Vá para casa, então, Alex. Se eu precisar
de você, saberei onde encontrá-la.
Ela assentiu, sem conseguir se livrar da sensação de ameaça ante o comentário dele ao se virar para ir embora.
Uns oito quilômetros além de Harmony, em meio à floresta congelada, Kade se livrou do peso do corpo sem vida de Skeeter Arnold de cima dos ombros e o lançou em uma
ravina profunda.
Ficou ali um instante, depois que o cadáver do Servo Humano saiu do seu campo de visão, deixando o ar frio preencher seus pulmões e o vapor da respiração sair enquanto
olhava para a vastidão ao seu redor. O céu estava escuro, o chão coberto de neve reluzia num tom azul sob as estrelas vespertinas. Na floresta mais ao longe, um
lobo uivou, um chamado longínquo e triste para a sua alcateia. A selva que o cercava o chamava, e, por um instante, ele se sentiu tentado a ceder.
Tentado a ignorar o caos e a confusão que deixara para trás em Harmony. Tentado a fugir do medo que iniciara em Alex e da desagradável realidade que teria que lhe
contar quando voltasse.
Ela o desprezaria pelo que tinha que lhe contar?
Recuaria horrorizada quando entendesse a sua verdadeira natureza?
Não poderia culpá-la se fizesse isso. Sabendo pelo que ela passara na infância, e agora, tendo-o visto matar um homem, como ele podia ter esperanças de que ela o
fitasse com outra coisa senão medo e repulsa?
– Ah, merda – murmurou, agachando-se diante da ravina. – Merda!
– Problemas, irmão?
A voz inesperada, e a sua inesperada familiaridade – ali, dentre tantos lugares, justamente naquele momento – atravessou Kade como uma corrente de eletricidade.
Ficou de pé num pulo e se virou, a mão indo automaticamente para uma das facas que trazia na cintura.
– Devagar – disse Seth com uma fala arrastada, inclinando a cabeça na direção da beira precária da ravina imediatamente atrás de Kade. – Melhor olhar onde pisa.
A fúria de Kade se elevou ao ver a figura desgrenhada e malcuidada do irmão.
– Eu poderia dizer o mesmo para você… irmão.
Continuou segurando a faca, girando a lâmina para trás, cautelosamente seguindo Seth quando ele se aproximou para espiar por cima da ravina. Seth grunhiu.
– Não é a maneira mais astuta de se livrar de um cadáver, mas imagino que não demorará muito até que os animais o encontrem.
– Você sabe tudo a esse respeito, não é?
Seth olhou para ele, os mesmos olhos prateados de Kade – o mesmo rosto – encarando-o como se estivesse diante de um espelho. Só que o cabelo escuro de Seth estava
caído e sujo em mechas desgrenhadas, as faces encovadas, a pele suja de terra. O rosto dele estava mais magro do que Kade se lembrava, quase esquelético. Ele parecia
drogado e havia algo de feroz no brilho dos olhos pesados.
– Onde diabos você se meteu? – ele exigiu saber. – Há quanto tempo vem fazendo seus joguinhos homicidas doentios?
Seth riu com um divertimento sombrio.
– Não fui eu quem jogou um humano numa tumba de gelo.
– Servo Humano – Kade o corrigiu, sem saber por que sentia a necessidade de se explicar para ele.
– Mesmo? – Seth arqueou uma sobrancelha. – Um Servo Humano, nos confins desta selva… interessante.
– É, olha só como eu estou empolgado – disse Kade, irônico. – E você não respondeu à minha maldita pergunta.
A boca de Seth se curvou nos cantos.
– De que adiantaria, já que você sabe o que vou dizer?
– Talvez eu tenha que ouvir de você. Conte-me como vem perseguindo e matando humanos desde que saí do Alasca no ano passado – inferno, isso vem acontecendo há mais
tempo ainda, não é? – Ele emitiu um longo sibilo de desgosto. – Encontrei algo que talvez você consiga reconhecer. Tome…
Ele pegou a pulseira com dente de urso do bolso da calça e a lançou para o irmão.
– Agora você tem um par – comentou Kade. – Esse e aquele que você tirou do nativo quando o matou no inverno passado.
Seth olhou para a tira de couro entrelaçado com um dente branco preso a ela na palma da sua mão. Deu de ombros, sem se importar muito, curvando os dedos ao redor
do seu prêmio.
– Você voltou ao Refúgio – murmurou. – Vasculhou minhas coisas. Que falta de educação. Muito traiçoeiro e dissimulado, Kade. Esse sempre foi mais o meu estilo do
que o seu.
– O que aconteceu, Seth? Homicídios únicos já não o excitavam mais, por isso você passou a promover carnificinas?
Kade observou a máscara impassível do rosto do irmão revelar confusão.
– Não sei do que está falando.
– Vai ficar aí e tentar negar? Inacreditável – Kade escarneceu. – Vi os corpos, ou o que restou deles. Você matou uma família inteira – seis vidas numa só noite,
seu doente filho da mãe. E hoje acrescentou mais dois na sua lista, quando atacou aqueles homens de Harmony.
– Não – Seth balançava a cabeça. Ele tinha até mesmo a coragem de parecer insultado. – Você está errado. Se houve crimes como esses, eles não são meus.
– Não minta para mim, maldição.
– Não estou mentindo. Sou um assassino, Kade. Tenho um… problema, assim podemos dizer. Mas mesmo a minha moral pervertida tem seus limites.
Kade o encarou, avaliando-o. Mesmo depois de um ano afastado, ele conhecia bem o irmão e sabia que Seth estava lhe dizendo a verdade.
– Não matei uma família inteira, e também não sou responsável pelos dois homens que você disse terem sido atacados hoje.
Kade sentiu um buraco frio se abrindo em seu peito. Por mais pervertido que o irmão fosse, ele dizia a verdade agora. Ele não matara a família Toms. Não matara Lanny
Ham e não deixara Big Dave sangrando para morrer.
Se não foi Seth, quem foi, então?
Kade já abandonara a ideia de que Renegados pudessem ser os responsáveis – já que não havia relatos de machos da Raça desaparecidos na população dos Refúgios da
região ou qualquer outro indicador de que houvesse vampiros à beira da Sede de Sangue nas redondezas.
Então, qual possibilidade restava?
Poderia ser o vampiro que transformara Skeeter Arnold em seu Servo? Nesse caso, por que um poderoso macho ancião da Raça preferiria caçar na selva remota e despovoada
do Alasca quando poderia escolher dentre tantas cidades repletas de humanos? Aquilo simplesmente não fazia sentido.
Mas nada disso exonerava Seth dos seus crimes ou da ausência de arrependimento pelos seus atos.
– O que aconteceu com você? – Kade lhe perguntou, encarando o rosto que era tão semelhante ao seu, o irmão que ele ainda amava, apesar de tudo o que ele fizera.
– Por que, Seth? Como pôde se permitir perder o controle assim?
– Perder o controle? – Ele gargalhou, balançando a cabeça para Kade. – Onde mais podemos nos sentir mais no controle do que durante uma caçada? Somos da Raça, meu
irmão. É o que somos, está no nosso sangue. Nascemos para matar.
– Não. – Kade negou, enquanto Seth começava a se movimentar ao seu redor lentamente.
– Não? – perguntou ele, inclinando a cabeça numa pergunta. – Não foi por isso que agarrou a oferta de se unir à Ordem? Diga que não aprecia a sua licença para matar
a mando de Lucan e dos seus irmãos de armas em Boston. Diga isso e sou eu quem vai chamá-lo de mentiroso.
Kade travou os molares, admitindo, pelo menos para si mesmo, que havia um quê de verdade nas palavras de Seth. Unira-se à Ordem para fugir do que estava se tornando
no Alasca, assim como gostava de alimentar a selvageria em seu íntimo com algo que trazia algum grau de honradez. Mas agora havia um propósito maior no seu trabalho
para a Ordem. Com o inimigo que tinham em Dragos, seu trabalho para a Ordem nunca fora mais vital. E não permitiria que Seth o menosprezasse comparando-o com seus
joguinhos doentios.
– Sabe que isso não pode continuar, Seth. Você tem que parar.
– Não acha que já tentei? – Os lábios se repuxaram para trás dos dentes, expondo as pontas das presas. – No começo, quando éramos jovens, tentei controlar minhas…
necessidades. Mas a selva continuou me chamando. Ela não o chama mais?
– Todos os minutos em que estou acordado – admitiu Kade, num baixo tom de voz. – Às vezes até quando estou dormindo.
Seth riu com sarcasmo.
– Mas claro que você, o nobre, consegue resistir.
Kade o encarou.
– Há quanto tempo você me odeia, meu irmão? O que eu poderia ter feito de diferente para que você entendesse que nunca houve competição entre nós? Eu não tinha nada
a provar para você.
Seth nada disse, apenas o encarou pensativo.
– Você cometeu erros, Seth. Todos cometemos. Mas ainda há algo de bom em você. Sei que existe.
– Não. – Seth meneou a cabeça com vigor, com a agitação de uma mente doentia. – Você sempre foi o mais forte. Todo o bem foi para você, não para mim.
Kade escarneceu.
– Como pode dizer isso? Como pode pensar assim? Você, o filho favorito, a esperança da família. Papai jamais escondeu isso.
– Papai – Seth repetiu, exalando audivelmente. – Se ele sente algo por mim é pena. Precisei dele, enquanto você jamais precisou. Você é igual a ele, Kade. Será que
nenhum de vocês vê o que eu vejo?
– Besteira – disse Kade, certo da sua rejeição a essa ideia.
– E depois você partiu para se unir à Ordem – continuou Seth. – Você se foi e eu me afundei ainda mais na sua sombra. Quis odiá-lo por ter partido. Inferno, talvez
eu o odeie.
– Se precisa de uma desculpa pelo que fez, então que seja – Kade replicou com selvageria. – Culpe-me, mas você e eu sabemos que você só está procurando um modo de
justificar o que está fazendo.
O riso de resposta de Seth foi pouco mais do que um rugido profundo na garganta.
– Acha mesmo que estou procurando uma justificativa? Ou algum tipo de absolvição? Eu mato porque posso. Não vou parar porque isso faz parte de mim agora. Eu gosto
disso.
As entranhas de Kade se revolveram.
– Se isso é verdade, então sinto pena de você. Você é doente, Seth. Eu deveria livrá-lo do seu sofrimento… aqui, agora.
– Deveria – Seth replicou sem inflexão. – Mas não vai. Não pode, porque ainda sou seu irmão. A sua moral rígida nunca permitirá que me machuque, e nós dois sabemos
disso. Esse é um limite que você jamais cruzará.
– Não tenha tanta certeza assim.
Quando ele disse isso, o uivo que ele ouvira alguns minutos antes se repetiu de algum lugar mais próximo. Kade relanceou por sobre o ombro, na direção da aglomeração
de pinheiros e abetos na escuridão, sentindo o chamado da selva correndo em suas veias. Como também devia acontecer com Seth.
Mesmo devendo odiar o irmão, não poderia.
E ainda que sua ameaça fosse bem merecida, ele sabia que Seth estava certo. Jamais lhe provocaria mal.
– Temos que resolver isso, Seth. Você tem que me deixar ajudá-lo a…
Quando se voltou para olhar para o irmão novamente, tudo o que o recebeu foi o cenário invernal vazio… e a compreensão amarga de que qualquer esperança de salvar
Seth se fora junto com ele.
Capítulo 18
Cada passo era uma agonia.
Cada pedaço do seu corpo estava coberto de bolhas por conta da exposição aos raios ultravioleta, seu poder de recuperação normalmente acelerado comprometido pelos
ferimentos adicionais do tiro que o acertara na coxa e no abdômen. Sangue fresco aceleraria a regeneração necessária. Assim que se alimentasse, seus tecidos e órgãos
se remendariam em poucas horas, assim como a pele, mas ele não podia se arriscar nenhum minuto a mais sem um abrigo adequado.
Mal sobrevivera à luz do dia, tendo sido forçado a fugir da caverna depois que os humanos o encontraram sem querer. Fugira, sangrando e ferido, para a floresta que
o cercava, para os raios letais de sol do lado externo da caverna. Tivera apenas tempo suficiente para cavar um buraco fundo num banco de neve, cobrindo-se antes
que a gravidade dos ferimentos combinados subjugasse seu corpo, rendendo-o inconsciente.
Agora, pouco depois de ter despertado para encontrar a bem-vinda escuridão, ele sabia que só precisava encontrar abrigo antes da aurora seguinte. Precisava encontrar
um lugar seguro para se recuperar mais, a fim de poder ficar forte o suficiente para caçar novamente e alimentar suas células danificadas.
Os pés se arrastavam na neve iluminada pelo luar, o avanço lento e titubeante. Desprezava sua fraqueza física. Odiava que ela o lembrasse da tortura que enfrentara
em cativeiro. Mas o ressentimento o movia agora, forçava os músculos dilacerados das pernas a se moverem.
Ele não sabia por quanto tempo, nem a distância que caminhara. Alguns quilômetros, por certo, desde a caverna e seu esconderijo improvisado na neve.
Adiante, ele viu um brilho alaranjado através do véu da silhueta das árvores perenes. Uma residência humana, aparentemente ocupada, e bem distante de qualquer outro
sinal de civilização.
Sim, serviria.
Avançou, ignorando a dor ao se concentrar no chalé remoto e na presa desprevenida lá dentro.
Ao se aproximar, os ouvidos captaram sons baixos e chorosos de sofrimento humano. Algo suave, abafado pela madeira e pelas janelas de vidro fechadas. Mas a angústia
estava clara. Uma fêmea chorava dentro do chalé.
O predador rastejou até a lateral do domicílio e pressionou o olho numa fenda de uma das venezianas que cobria a janela para barrar o frio.
Ela estava sentada no chão diante de uma lareira com fogo quase morrendo, bebendo direto de uma garrafa pela metade com líquido âmbar. Diante dela havia uma caixa
vazia de imagens impressas espalhadas de qualquer modo ao seu redor. Uma pistola preta grande estava ao lado do joelho dobrado no chão. Ela soluçava, uma tristeza
indescritível emanando de dentro dela.
Ele conseguia sentir o peso insuportável da tristeza e entendeu que a arma ao lado dela não era uma forma de proteção. Não naquela noite.
A cena o fez parar, mas só por um instante.
Ela deve ter sentido o seu olhar. A cabeça se virou para o lado, os olhos avermelhados fixos exatamente no ponto em que ele estava, escondido pela veneziana fechada
e pela escuridão da noite.
Mas ela sabia.
Ela se levantou, pegando a pistola e cambaleando sobre os pés.
Ele se afastou, só para mover os pés silenciosos até a porta de entrada do chalé. Não estava trancada, mas não que isso o tivesse impedido. Ele virou a tranca com
a mente, abrindo a porta.
Estava dentro do chalé e com as mãos ao redor do pescoço da mulher antes que ela se desse conta da sua presença.
Antes que ela conseguisse abrir a boca para gritar, antes que ela conseguisse comandar seus reflexos comprometidos pelo álcool para puxar o gatilho defendendo-se
do ataque repentino, ele inclinou a cabeça e fincou as presas na carne macia do pescoço delgado.
Alex se sentou à mesa da cozinha com Luna descansando aos seus pés. Todas as luzes da casa estavam acesas, todas as portas e janelas trancadas.
Já fazia duas horas.
Não sabia quanto mais conseguiria esperar. Enquanto Luna dormia pacificamente por cima dos seus pés debaixo da mesa, a cabeça de Alex girava. Debatendo-se com perguntas
que não ousava formular e se preocupando com o homem que a deixara pensando sobre quem – ou o que – exatamente ele era.
Mas a vozinha dentro dela que a incitava a fugir das coisas que a assustavam ficava calada quando ela pensava em Kade. Sim, tinha dúvidas depois do que presenciara
aquela tarde. Assustada com a possibilidade de que o caminho adiante pudesse se tornar ainda mais instável do que o passado que deixara para trás. Correr, contudo,
era a última coisa que pretendia fazer, agora e no futuro.
Sem ter o que fazer, imaginou como Jenna devia estar. Não devia ser fácil para ela, ouvir os detalhes das mortes na cidade bem quando o aniversário de sua perda
pessoal se aproximava. Alex pegou o celular, querendo ouvir a voz da amiga. Mas justamente quando estava prestes a teclar o número de Jenna, ouviu uma batida suave
na porta dos fundos.
Kade.
Alex abaixou o aparelho e se levantou, deslocando seu aquecedor de pés canino, que gemeu em protesto antes de abaixar a cabeça novamente para dormir um pouco mais.
Alex foi até a porta onde Kade aguardava. Agora que ele estava lá, parecendo sombrio, imenso e perigoso através do vidro da janela, parte de sua coragem falseou.
Ele não exigiu nem forçou a entrada, mesmo ela sabendo, sem sombra de dúvida, que podia fazer bem pouco para barrar a sua entrada caso essa fosse a sua intenção.
Ele simplesmente ficou ali, deixando a decisão completamente em suas mãos. E por ele não ter forçado a entrada, porque ela conseguia ver o tormento, antes inexistente,
sombreando as profundezas dos penetrantes olhos prateados, Alex abriu a porta e o deixou entrar.
Ele deu um passo para dentro da cozinha e a puxou num abraço demorado e apertado. Os braços fortes a envolviam bem perto, como se ele nunca quisesse soltá-la.
– Você está bem? – ele perguntou, pressionando a boca no cabelo dela. – Odiei deixá-la sozinha.
– Estou bem – respondeu ela, afastando-se um pouco para fitá-lo quando ele finalmente afrouxou o abraço. – Eu estava mais preocupada com você.
– Não – disse ele. Franzindo o cenho enquanto afagava seu rosto, ele engoliu em seco. – Ah, não… Não se preocupe comigo.
– Kade, que diabos está acontecendo? Preciso que você seja honesto comigo.
– Sei disso – ele a segurou pela mão e a conduziu de volta à mesa. Ela se sentou numa cadeira enquanto ele se acomodava noutra ao lado. – Eu deveria ter explicado
tudo antes, assim que percebi…
O coração dela se encolheu um pouco quando as palavras dele ficaram pairando no ar.
– Assim que você percebeu o quê?
– Que você era parte disso, Alex. Parte do mundo que pertence a mim e àqueles da minha espécie. Eu deveria ter lhe dito antes que você me visse matar aquele Servo
Humano. E antes que fizéssemos amor.
Ela ouviu o arrependimento na voz dele pela intimidade partilhada, e sentiu mais do que uma pontada com isso. Mas a outra parte – o modo peculiar como ele se referiu
a si mesmo e à sua espécie, e o fato de ele, de alguma maneira, a incluir na equação – foi o que fez sua mente se debater para se concentrar. E também havia a expressão
estranha que ele usara para descrever Skeeter Arnold.
– Servo Humano? Não sei o que isso significa, Kade. Não sei o que nada disso significa.
– Sei que não – ele passou a mão na própria mandíbula e depois exalou uma imprecação bem audível. – Alguém se aproximou de Skeeter Arnold antes de mim. Alguém o
sangrou, quase a ponto de matá-lo, antes de trazê-lo de volta para que pudesse servir. Ele não era mais um humano, Alex. Era menos do que isso. Alguém o transformou
num Servo Humano, num escravo da mente.
– Isso é loucura – murmurou, e por mais que ela quisesse rejeitar o que ouvia, não conseguia descartar o comportamento sério e sombrio de Kade. – Você também disse
que faço parte disso. Como? E o que quis dizer lá na clínica quando afirmou que há mais sobre o ataque à minha família? O que você poderia saber sobre os monstros
que tomaram minha mãe e Richie de mim?
– O que eles fizeram foi monstruoso – disse Kade, num tom indecifrável, uniforme demais para ser reconfortante. – Mas também existe outro nome para eles.
– Vampiros – Alex nunca dissera a palavra em voz alta, não para se referir às mortes da mãe e do irmão. Ela se prendia à língua como uma pasta amarga, suja mesmo
quando cuspida para fora. – Está mesmo tentando me dizer – ai, meu Deus… Espera mesmo que eu acredite que eles eram vampiros, Kade?
– Renegados – disse ele. – Viciados em sangue e letais. Mas também parte de uma estirpe à parte da humana, chamada de Raça. Uma espécie muito antiga, não de mortos-vivos,
nem de condenados, mas uma sociedade de carne e osso. Uma existente ao lado da humanidade há milhares de anos.
– Vampiros – sussurrou ela, aflita com a ideia de que aquilo pudesse ser real.
Mas era real. Uma parte sua sempre soubera que aquilo era real, desde o instante em que a família foi dizimada pelo ataque há tantos anos.
Os olhos de Kade permaneceram grudados nela.
– Em termos simplistas, dizer que eles eram vampiros é bastante válido.
Nada mais parecia simples para ela. Não depois do que vira. Não depois do que estava ouvindo agora. E, definitivamente, não no que se referia a Kade.
Ela sentiu certo afastamento dele enquanto ele a fitava, algo de sofrimento em seu olhar vago, e isso a consumiu.
– Você me disse uma vez que nada é simples. Que nada no seu mundo é simplesmente bom ou ruim, preto ou branco. Tons de cinza, você me disse.
Ele não piscou, apenas continuou a olhá-la.
– Sim.
– Era disso que estava falando? – ela engoliu, a voz falhando um pouco. – É esse o mundo em que você vive, Kade?
– Nós dois vivemos – respondeu ele, a voz tão suave que a assustou. – Você e eu, Alex. Nós dois somos parte disso. Eu, porque meu pai é da Raça. E você, porque carrega
a mesma marca de nascença da minha mãe e de um pequeno número de mulheres raras. Você é uma Companheira de Raça, Alex. As propriedades do seu sangue e a combinação
celular incomum conectam-na à Raça no mais primordial dos níveis.
– Isso é ridículo – ela balançou a cabeça, lembrando-se da delicadeza com que ele tocara a estranha marca escarlate em seu quadril quando estiveram no chalé naquele
mesmo dia. Sem nenhum esforço, ela ainda sentia o calor do toque dele naquele lugar. – Uma marca de nascença não me transforma em nada. Isso não prova nada…
– Não – disse ele, com cautela. – Mas existem outras coisas que provam. Você já ficou doente alguma vez? Já se sentiu um pouco perdida, afastada, diferente das outras
pessoas que a cercavam? Uma parte sua sempre procurou por algo que nunca conseguiu entender muito bem. Você nunca conseguiu encontrar o seu lugar no mundo. Estou
certo, não estou, Alex?
Ela não conseguia falar. Que Deus a ajudasse, ela mal conseguia respirar.
Kade prosseguiu.
– Você também tem um dom que não consegue explicar – alguma habilidade inata que a separa do resto do mundo mortal.
Ela queria lhe dizer que ele estava equivocado. Queria, mas não podia. Tudo o que ele dissera resumia a sua experiência e seus sentimentos mais profundos. Era como
se ele a conhecesse a vida inteira… como se ele a compreendesse num nível que nem mesmo ela compreendia.
Até aquele momento, por mais impossível que parecesse.
– Desde que eu era criança, sempre tive uma intuição para saber se alguém me dizia a verdade ou uma mentira – Kade assentiu enquanto ela falava, sem se surpreender.
– Eu leio as outras pessoas, mas não você.
– É possível que o seu talento só funcione nos humanos.
Humanos. Não nele, porque ele era… algo mais.
Um frio a perpassou quando a compreensão total se fez.
– Você é… – a voz dela se partiu, quase sem se fazer ouvir. – Está me dizendo que você é como eles – aqueles que mataram minha mãe e meu irmão? Aqueles que mataram
os Toms e Lanny e Big Dave?
– Não sei a quem culpar pelas mortes recentes daqui, mas eu não sou assim. Somente os mais doentios, mais horrendos membros da minha espécie fariam o que foi feito
com a sua família, Alex. – Ele esticou a mão e aproximou os dedos dela da sua boca, beijando-os com ternura. Os olhos prateados prendiam o seu olhar com uma intensidade
que a marcava interiormente. – Sou da Raça, Alex. Mas eu jamais a ferirei, nem a ninguém que você ame. Nunca. Meu Deus, juro que não vi isso acontecendo, não percebi
nada disso… Nunca imaginei que acabaria me importando desse jeito.
– Kade – sussurrou, sem saber o que queria dizer depois das coisas que ele lhe contara. Estava repleta de perguntas e de incertezas, sobrepujada por uma confusão
de emoções, todas centradas naquele homem – no macho da Raça – que segurava sua mão naquele momento, e o seu coração.
Como se entendesse o tormento que ela sentia, ele se inclinou ao longo da mesinha e a puxou nos braços. Alex se aproximou dele, deixando que ele a pegasse no colo.
– Não sei o que pensar disso tudo – murmurou ela. – Tenho tantas perguntas.
– Eu sei – ele a afastou um pouco e passou os nós dos dedos ao longo do rosto dela, na curva do pescoço. – Responderei tudo o que me perguntar. Quando eu voltar,
você pode me perguntar o que precisa saber.
– Quando você voltar? – Pensar em ele sair agora, quando a sua cabeça – inferno, quando a sua vida toda – foi virada de ponta-cabeça, era impensável. Ele se levantou,
tirando-a do colo. – Aonde você vai?
– Algo tem me incomodado a respeito de Skeeter Arnold. Eu o vi com alguém na outra noite, do lado de fora do Pete’s. Levaram-no até uma mineradora a vários quilômetros
daqui.
– Qual o nome dela?
– Coldstream.
Alex franziu o cenho.
– O lugar foi fechado uns vinte anos atrás, mas ouvi dizer que há uma nova administração. Estão mantendo sigilo por lá. Colocaram um monte de equipamento de monitoramento
e cercas de segurança ao redor do perímetro.
– Nova administração, é? – A expressão sombria de Kade revelava muito.
– Você não acha…
– Acho, sim. Mas preciso ter certeza.
– Então eu vou com você.
As sobrancelhas escuras se juntaram.
– Não. Absolutamente, não. Pode ser perigoso…
– É por isso mesmo que não vou ficar aqui esperando e me preocupando. Vou com você. – Ela se adiantou para pegar a parca, fingindo não escutar a imprecação murmurada
atrás de si. – Bem, você vem ou não?
Capítulo 19
Já que a sua motoneve estava estacionada na casa de Alex desde cedo, cada um pegou a sua e saíram juntos, partindo na direção da Companhia de Mineração Coldstream,
vários quilômetros além da cidade. Para não chamarem atenção indevida, deixaram os veículos barulhentos um quilômetro antes do local e caminharam o restante com
raquetes de neve.
O reconhecimento teria sido muito mais rápido se ele estivesse sozinho, mas Kade internamente estava aliviado por ter Alex consigo. Pelo menos ela estava à vista
e ao seu alcance. Na cidade, sozinha, estaria vulnerável, uma ideia que fazia o seu coração contrair um pouco mais em seu peito conforme ele navegava pela tundra
escura e congelada ao lado dela.
Adiante, algumas centenas de metros mais à frente, onde luzes artificiais cobriam a neve, o complexo da mineradora estava movimentado. Assim como quando Kade vigiara
o local, naquela noite um punhado de funcionários continuava a descarregar um dos dois contêineres de carga estacionados do lado de fora da abertura da mina. Guardas
com rifles automáticos patrulhavam a barricada da frente; câmeras de segurança estavam apontadas para o terreno que circundava o perímetro cercado pelas grades de
aço.
Kade parou, pousando a mão enluvada no braço de Alex.
– Só vamos até aqui.
– Mas temos que nos aproximar muito mais para ver o que há lá dentro – sussurrou ela, a respiração evaporando ao penetrar a máscara de velo que protegia o rosto.
– É perigoso demais para você se aproximar mais, e não vou deixá-la aqui sozinha.
– Então vamos voltar para Harmony e pegar o meu avião. Podemos sobrevoar e dar uma bela olhada.
– E arriscar que consigam identificá-la do solo? – Kade deu um curto meneio de cabeça. – Nem mesmo se Harmony tivesse cem pilotos que possuíssem monomotores vermelhos.
Não, existe outro modo.
Ele inspirou fundo, deixando um uivo baixo se avolumar na garganta. Depois o lançou ao céu, num chamado longínquo. Só precisou de um minuto até receber uma resposta
selvagem de algum ponto não distante dali vindo do lado oeste. Kade procurou a voz lupina com a sua mente, depois, num comando silencioso, chamou o lobo.
Alex ficou assustada quando o animal de pelo cinzento apareceu em meio às árvores e veio diretamente na direção deles.
– Está tudo bem – Kade garantiu. Relanceou para ela, a boca se curvando ante a franca surpresa dela. – Você tem o seu talento; eu tenho o meu.
– O seu é muito mais legal – ela murmurou num sussurro sem ar.
Ele sorriu, depois fixou o olhar nos olhos luminosos e inteligentes do animal, que ouviu as instruções silenciosas que lhe foram passadas, depois disparou em movimentos
furtivos para levá-las a cabo.
Alex arregalou os olhos para ele.
– O que você fez? E… como?
– Pedi à loba que nos ajudasse. Ela vai se aproximar das instalações e, através da ligação que ela e eu agora partilhamos, vai me mostrar tudo o que vir.
Alex ficou em silêncio enquanto Kade se concentrava na conexão temporária que o colocava a par dos sentidos da loba. Kade fechou os olhos, sentindo a movimentação
ritmada das patas na neve, ouvindo os sopros de respiração saindo dos pulmões, a rapidez dos batimentos cardíacos. E através da visão noturna aguçada, ele viu a
cerca entrelaçada e as guaritas de segurança, os funcionários – Servos Humanos, todos eles, ele agora percebia – entrando e saindo da entrada da mina, carregando
caixotes de equipamentos e grandes caixas de papelão sem marcação que só Deus sabia que tipo de suprimento traziam.
Certo, a nova administração havia se mudado e, pelo que estava vendo, eles queriam garantir que ninguém se aproximasse demais para ver o que eles estavam aprontando.
E por falar na nova administração da mineradora…
As orelhas da loba se ergueram em estado de atenção, os instintos de autopreservação fazendo com que se agachasse quando um macho grande de cabelos claros e com
gosto por ternos caros saiu andando da mina. Embora Kade nunca o tivesse visto antes, logo percebeu que o macho era da Raça. Se seu tamanho e sua postura não o tivessem
denunciado, a grande extensão de dermaglifos o teria feito. As marcas saíam por debaixo das mangas enroladas da camisa e do colarinho aberto da camisa branca, em
desenhos que obviamente o declaravam como um antepassado da Raça.
Alguém com poder suficiente para facilmente transformar um humano como Skeeter Arnold em seu Servo Humano.
E ao seu lado, obediente como um cão de caça, havia outro macho da Raça. Se o primeiro, vestido como banqueiro de Wall Street, era formidável simplesmente pela pureza
da sua linhagem, o indivíduo parado ao seu lado o superava em muito. Armado até as presas e vestido dos pés à cabeça em uniforme de combate preto, a cabeça raspada,
coberta de glifos densos, aquele era um inimigo com quem Kade e a Ordem apenas recentemente se familiarizaram.
Através dos olhos da loba, ele viu a reluzente coleira negra que circundava o pescoço do assassino – uma coleira eletrônica com um equipamento explosivo que garantia
lealdade do vampiro às iniciativas desonestas do seu criador.
– Ah, que merda… – Kade murmurou em voz alta, ao observar remotamente a cena através dos olhos da sua ajudante lupina. – Dragos enviou um dos seus assassinos para
cá.
– Quem? – Alex sussurrou ao seu lado. – Assassinos? Ai, meu Deus, Kade, conte-me o que você está vendo.
Ele balançou a cabeça, sem conseguir explicar as coisas adequadamente enquanto suas entranhas queimavam com repentinos terror e suspeita.
Por que Dragos enviaria um tenente das suas operações e um dos seus assassinos pessoais gerados da Primeira Geração para o meio do interior gélido do Alasca?
O que diabos eles estariam aprontando?
Depois que os vampiros entraram em outra construção, Kade orientou a loba a mudar de localização, para encontrar um lugar escondido e seguro em que pudesse cavar
por baixo da cerca e invadir. Ele precisava ver melhor os contêineres, especialmente aquele pelo qual os Servos funcionários pareciam ter pouco interesse – um que
ele agora notava ter amassados grandes nas laterais e dobradiças dobradas e esmagadas nas portas de trás.
Esperou, com o coração batendo em compasso com o da loba, enquanto ela cavava na neve até conseguir passar com o corpo por debaixo da cerca. Ela saiu do outro lado,
arrastando-se, sabendo instintivamente que deveria ir pelas sombras. Quando ela se aproximou do contêiner, os músculos de Kade ficaram tensos.
Ele havia deduzido que encontraria más notícias dentro do contêiner. Não poderia ter estado mais certo. Enquanto a corajosa loba enfiava a cabeça no espaço entreaberto
das portas arruinadas, espiando o que fora um espaço refrigerado, Kade compreendeu de pronto os objetos que para ela não faziam sentido algum.
Ele viu uma caixa enorme de concreto e aço destruída ali dentro, com a tampa arrancada e reduzida a entulho. Viu as manchas de sangue ressecadas ficando quase negras
no chão e nas paredes – sangue com o cheiro dos da sua espécie, cujos traços a loba captou pelas narinas sensíveis. Ele viu as amarras de titânio que no passado
prenderam os pulsos e os tornozelos da criatura que a maioria da população da Raça acreditava ter se extinto há muitos séculos… uma criatura que a Ordem sabia, de
antemão, estar, na verdade, bem viva.
O Antigo.
Um dos antepassados extraterrestres que geraram a inteira Raça na Terra.
O extraterrestre selvagem e poderoso que Dragos vinha usando para atingir seus objetivos insanos.
Teria Dragos e seus associados se mudado para o norte depois do recente ataque da Ordem ao seu covil secreto? Pensaram em realocar o Antigo o mais longe possível
da Ordem, transferindo-o para a velha mina?
Ou fora esse o plano, até que o Antigo tivesse, de alguma maneira, encontrado uma fuga do seu cativeiro?
Kade repensou os homicídios recentes na floresta e o ataque brutal aos dois homens de Harmony daquele mesmo dia.
A culpa não era nem de Seth, nem de Renegados.
Agora ele sabia disso com a maior das certezas. A culpa era de algo muito pior.
– Meu Deus – Kade sibilou. – Ele está aqui fora, em algum lugar. À solta.
Ordenou que a loba abandonasse sua espreita imediatamente, e ficou com ela enquanto ela batia em rápida retirada da propriedade da mineradora. Quando a sombra acinzentada
desapareceu na floresta próxima, Kade desfez a conexão mental entre eles e pegou a mão de Alex.
– Temos que sair daqui. Agora.
Ela assentiu ante o tom urgente dele, sem desperdiçar tempo valioso em perguntas. Ele lhe explicaria tudo, mas antes precisava entrar em contato com a Ordem em Boston.
Lucan e os outros precisavam saber o que ele descobrira ali, e o quanto a sua missão tomara outro curso.
Zach Tucker bateu algumas vezes mais, com o cabo de carboneto da lanterna Maglite que o Estado lhe dera, contra o batente instável e esperou, sem um pingo de paciência,
na soleira do apartamento decrépito de Skeeter Arnold.
Visto que o idiota vinha ignorando os seus telefonemas e mensagens de texto nas últimas vinte e quatro horas, Zach não teve escolha a não ser investigar pessoalmente
a casa que Skeeter dividia com a mãe. Fazia cinco minutos que estava parado no frio, congelando as bolas enquanto batia à porta sem ser atendido, mas ele não pretendia
ir a parte alguma até obter algumas respostas daquele merdinha metido a besta.
Respostas e quinhentos dólares em dinheiro que Skeeter lhe devia da transação mais recente.
Se Skeeter achava que podia se safar sem dar a parte que lhe cabia, ele estava muitíssimo enganado. E caso tivesse colocado na cabeça oca dele que já não precisava
de Zach – por talvez ter encontrado outra fonte de abastecimento na região e tivesse tido ideias repentinas de romper o acordo entre eles –, então Skeeter Arnold
poderia muito bem descobrir que estava um tanto equivocado.
Zach bateu à porta novamente, com tanta força que era um milagre a madeira congelada não ter se partido com a pressão dos repetidos golpes do cabo da lanterna.
Por fim, uma voz abafada soou do interior – não de Skeeter, mas de Ida Arnold, sua afrontosa mãe. Zach desprezava aquela mulher, ainda que não tanto quanto Skeeter,
que devia odiá-la, tendo que se sujeitar ao seu veneno e ódio todos os dias.
– Maldição! Estou indo! Estou indo! – berrou ela, o arrastar pesado dos pés pontuando cada uma das sílabas. A luz da varanda sobre a sua cabeça foi acesa, depois
a porta foi puxada com outro resmungo rouco.
– Boa noite, Ida – Zach a cumprimentou de maneira educada, enquanto ela o olhava de cara amarrada.
– O que você quer? – Ela cruzou os braços sobre o peito, puxando as pontas do avental que usava em casa. – Veio me dizer que ele está encrencado de novo?
– Não, senhora.
Ela grunhiu.
– Ele morreu?
– Não, senhora. Nada disso. – Ele inclinou a cabeça. – Por que perguntou isso?
– Porque isso não me surpreenderia. Ouvi o que aconteceu com Big Dave e Lanny Ham hoje. – Ante o aceno sério de Zach, ela bufou e deu de ombros. – Nunca me importei
muito com nenhum dos dois, para falar a verdade.
– Bem… – Zach disse meio à toa. Pigarreou e adotou a sua voz de policial, aquela que Jenna disse que o fazia parecer um cretino virtuoso. Tudo o que ele sabia era
que normalmente obtinha resultados. – Na verdade, vim aqui falar com Stanley.
O fato de ele ter usado o nome de batismo do seu filho, e não o apelido pelo qual era chamado pela cidade inteira desde os tempos em que era um garoto magrelo de
nariz remelento, aprofundou a carranca de Ida Arnold.
– Ele está?
– Não, não está. Não vi nem sinal do traseiro dele desde manhã cedo.
– Ele não telefonou nem lhe disse onde estaria, senhora?
Ela soltou uma risada cortante.
– Ele não me diz nada, igualzinho ao pai dele, que não prestava para nada. O garoto acha que sou cega e surda – murmurou. – Mas eu sei no que ele está metido.
– É mesmo? E o que seria isso, Ida? – Zach perguntou com cautela, estreitando o olhar sob a luz da varanda enquanto via a expressão da mulher endurecer.
– Ele está traficando, com certeza. Meu palpite é que ele também está contrabandeando bebida para os nativos, rio acima.
Zach sentiu as sobrancelhas se erguerem, ao mesmo tempo em que o estômago virava uma bola.
– O que a faz suspeitar que Skeet – Stanley – esteja envolvido em algo desse tipo?
Ela bateu no meio do peito com o dedo.
– Eu o eduquei, para o bem ou para o mal. Não preciso de provas para saber que ele está metido em confusão. Não sei no que ele andou se metendo, mas começou a me
assustar. Acho que ele está com ideia de me machucar um dia desses. Na verdade, depois do jeito que ele me tratou da última vez em que esteve aqui, não duvido disso.
Nunca vi ele tão arrogante e malvado. Agiu como se de repente tivesse criado bolas.
Zach pigarreou ante a grosseria da mulher.
– Disse que isso foi ontem?
Ela concordou.
– Ele chegou todo sujo e desgrenhado. Quando comentei sobre isso, ele me agarrou pelo pescoço. Estou dizendo, pensei que ele fosse me matar ali mesmo. Mas depois
resmungou alguma coisa sobre trabalhar e entrou no quarto, fechando a porta. Pelo que sei, foi a última vez que esteve em casa. Uma parte minha quer que ele nunca
mais volte, do jeito que me trata. Outra parte quer que ele… só suma. Na cadeia, que é o lugar dele.
Zach a encarou, percebendo que o medo e o desprezo que ela sentia pelo filho poderia lhe ser vantajoso.
– Quando ele esteve aqui da última vez, ele disse que tipo de trabalho estava fazendo?
– Ele não disse, mas o garoto nunca teve um dia sequer de trabalho honesto. Vai querer dar uma olhada no quarto dele? É um tremendo pardieiro, mas se é de provas
que precisa…
– Não posso fazer isso – disse Zach, apesar de querer fazer aquilo mais do que tudo. – De acordo com as normas da força policial, não posso vasculhar a moradia dele.
Isso necessitaria muita burocracia e seguir determinados procedimentos.
A corcova dos ombros dela se acentuou um pouco.
– Entendo.
– No entanto – Zach acrescentou de maneira obsequiosa –, visto que os conheço faz mais ou menos uma década, desde que passei a morar em Harmony, imagino que se me
pedisse um favor pessoal de entrar e dar uma olhada – de modo não oficial, claro –, então eu não me oporia.
Ela o fitou por um instante, depois recuou um passo e gesticulou para que ele entrasse.
– É por aqui, no fim do corredor. Ele tranca a porta, mas eu tenho uma cópia da chave escondida no rodapé.
Ida Arnold andou lentamente até a porta do filho, apanhou uma chave de latão enferrujada do seu esconderijo, depois destrancou e abriu a porta para Zach.
– Só vou precisar de alguns minutos – disse ele, dispensando-a tanto com seu tom quanto com seu olhar muito bem treinado na academia de polícia. – Obrigado, Ida.
Depois que ela voltou pelo corredor, Zach entrou no apartamento imundo e começou a fazer uma busca completa no lugar. Embalagens de comida vazias, garrafas e outros
lixos cobriam o chão e praticamente toda superfície disponível. E lá – surpresa – no balcão ao lado de um antigo rádio policial, um rolinho de notas de vinte dólares,
amarradas com um elástico.
Não era do feitio de Skeeter deixar dinheiro solto. Tampouco o celular, mas lá estava ele, preso no canto de uma poltrona reclinável azul. Aquilo devia explicar
por que ele não retornara suas chamadas e mensagens, ainda que não desculpasse Skeeter pelo modo cretino com que se portara do lado de fora do Pete’s naquela manhã.
Zach pegou o dinheiro e o contou: quinze notas. Não eram os quinhentos dólares que Skeeter lhe devia, mas ele receberia com prazer o que conseguisse.
Foda-se, também ficaria com o celular.
Caso ele não o ajudasse a entender as atividades recentes de Skeeter ou o seu aparente novo associado nos negócios, então Zach poderia penhorar a maldita coisa da
próxima vez em que fosse a Fairbanks para apanhar novos produtos do seu contato na cidade. Skeeter Arnold lhe devia e, de um jeito ou de outro, Zach pretendia receber
o que lhe era devido.
Capítulo 20
Alex estava sentada no sofá de sua casa, dividindo uma fatia de torrada com manteiga com Luna, as duas observando Kade indo e voltando da cozinha até o corredor,
enquanto falava ao telefone via satélite com Boston.
No período desde que tinham voltado para a casa dela, ele a atualizou quanto a algumas coisas a respeito dele e do trabalho que fora enviado a fazer no Alasca. Sua
mente ainda processava o fato de ele não ser exatamente humano. Agora ela já sabia que ele também pertencia a um grupo de machos da Raça que jurou manter a paz entre
a espécie deles e a humanidade. Pelo que ele lhe descrevera, a Ordem se parecia com uma organização militar, o que fazia sentido para ela quando olhava para Kade
e observava a combinação sombria de força letal e confiança aguçada.
E, a despeito do perigo que emanava dele em ondas, especialmente o que ela testemunhara nesse dia, Kade era gentil com ela, protetor. Por mais atordoada que estivesse
por tudo o que vira e ouvira nas últimas horas – nos últimos dias –, ela se sentia segura com ele.
Mesmo quando ele lhe explicara a pior das ameaças que estava diante dele e dos guerreiros da Ordem.
Ele lhe contara a respeito do inimigo que a Ordem vinha perseguindo, determinada a destruir, um macho da Segunda Geração da Raça chamado Dragos. Alex ouviu atenta,
mas petrificada, enquanto Kade descrevia as diversas maldades que Dragos cometera, como a abdução e o abuso de um número desconhecido de mulheres como ela – Companheiras
de Raça, rastreadas e apanhadas durante décadas para serem usadas como depositório de um exército pessoal de assassinos que Dragos criara.
O que a fez pensar de fato, e o que fez seu sangue gelar nas veias, foi a verdade derradeira que Kade revelara aquela noite. O fato de que essa criatura, que não
era deste mundo – uma criatura muito pior do que os Renegados viciados em sangue que mataram sua mãe e seu irmão –, estar, de algum modo, à solta no interior do
Alasca.
Mesmo Kade se mostrou preocupado ao falar do Antigo para os amigos do complexo da Ordem em Boston, descrevendo o contêiner avariado e a presença de vampiros e de
funcionários Servos Humanos na propriedade da antiga companhia de mineração. Apesar de manter a voz baixa, foi impossível para Alex deixar passar o fato de que ele
e seus companheiros estavam se preparando para uma batalha contra essa nova ameaça.
Pensar que Kade estaria se encaminhando para o perigo fez sua respiração ficar mais rasa, o coração bater mais pesado. Não suportaria se algo lhe acontecesse. Não
depois do tempo que ficaram juntos, tempo incrivelmente curto no qual, de algum modo, ele estava se tornando uma parte inextricável da sua vida. Em apenas poucos
dias, ele se tornara seu amigo e amante, seu confidente. De alguma forma, ele estava se tornando algo maior do que tudo isso.
Poderia estar se apaixonando por ele?
Apaixonar-se… por um vampiro.
Não, ele não era isso.
Kade era da Raça, e isso era diferente. Ele era diferente.
Para ela, era difícil conciliar que ele fosse feito do mesmo estofo que os monstros que atacaram sua família. Difícil acreditar que em alguma parte do DNA dele,
Kade carregava genes de algo completamente não humano, incomensuravelmente letal. Algo que não era da Terra. Era difícil para ela conciliar que aquele homem forte,
orgulhoso e extremamente sensual caminhando pela sua casinha modesta não era, na verdade, nada humano, mas algo diferente. Algo muito além.
Alex o observava com fascinação, ainda mais pelo que o vira fazendo com a loba no lado de fora da companhia de mineração. Num instante, ele se tornara parte do belo
animal, ligando-se a ele num nível silencioso, deixando Alex boquiaberta de tão admirada. Mesmo agora, ela se maravilhava, sentindo as ondas de selvageria, de poder
sombrio e autoritário, ainda pairando ao seu redor. Ele era intenso e misterioso, forte e sedutor. E, sim, sexy demais.
Tudo em Kade a cativava.
Ela só precisava olhar para ele para se sentir incendiar.
E ele também sabia disso. Ela viu as centelhas de atenção no olhar prateado enquanto ele concluía a conversa e deixava o telefone na mesinha ao lado do sofá.
– Como você está? – perguntou ele, sentando-se ao seu lado. – Deve estar exausta. Sei que tudo isso é muita coisa para assimilar.
Ela ergueu os ombros num gesto de descaso.
– A minha cabeça ainda está girando, mas, pelo menos, agora tenho respostas. As coisas que nunca fizeram muito sentido para mim estão mais claras. Não é exatamente
um motivo para dar pulos de alegria, mas é bom finalmente ter a verdade, por mais aterrorizante que ela possa ser. Por isso, obrigada, Kade.
Ele tomou sua mão na dele, as palmas pressionadas de leve enquanto ele percorria a pele suave do pulso com o polegar. Seu toque era quente, calmante. Muito carinhoso.
– Deus, detesto o fato de você ter sido arrastada para isso. Existem lugares para onde você pode ir para ficar segura, Alex. A Raça tem inúmeros Refúgios Secretos
– comunidades seguras onde você será bem acolhida e protegida – que a aceitariam. Muito melhor do que posso fazer por você agora. Depois de ver o que vimos na mina
hoje, isso se tornou real demais. Perigoso demais…
– Não vou a parte alguma – disse ela, enroscando os dedos nos dele e prendendo o seu olhar grave. – Não vou fugir. Não me peça para fazer isso, Kade.
Seu maxilar se retesou ao fitá-la. As sobrancelhas negras se abaixaram próximas aos olhos, a boca ficou reta quando ele balançou a cabeça com inflexibilidade.
– Esta batalha é minha. Da Ordem. Amanhã alguns dos guerreiros chegarão de Boston. Vou me encontrar com eles quando chegarem, e de lá vamos partir para uma ofensiva
nas operações de Dragos na mina. Não sabemos o que vamos encontrar. Só sei que quero você o mais distante possível dessa missão – e de qualquer possível contratempo.
– Esticou a mão e a passou com leveza na bochecha dela. – Isso também significa ficar o mais distante possível de mim, antes que eu a exponha a um risco maior.
– Não. – Alex virou o rosto, pressionando a boca no calor da palma da mão dele. Não posso mais me esconder, Kade. Não quero viver assim, sempre olhando por cima
dos ombros, temendo coisas que não consigo entender. Não pode me pedir isso, não quando encontrar você me deu a força para acreditar que posso enfrentar meus medos.
Conhecer você me deu forças para entender que eu devo enfrentá-los.
Ele praguejou, mas sua carícia era suave, o olhar penetrante, a cor prateada que rodeava suas pupilas escurecendo de desejo.
– Você me dá muito crédito. Você já era mais forte do que acreditava ser, passou pelo que passou quando criança e não permitiu que aquilo a destruísse. Poucos conseguiriam
isso. Isso é coragem, Alex. Não precisou de mim para isso. E ainda não precisa.
Ela sorriu, esticando as mãos para segurar o rosto dele ao beijá-lo.
– Preciso, sim – sussurrou contra a boca dele. – E mais, eu te quero, Kade.
A respiração dele o abandonou num suspiro quando ela abriu os lábios sobre os dele novamente e se aproximou no sofá. Os braços dele a envolveram, prendendo-a numa
gaiola frouxa, enquanto ela subia em seu colo e enterrava a língua na boca dele.
Ele gemeu, capturou a língua dela com os dentes… edepois, subitamente interrompeu o contato e virou o rosto para o lado.
– O que foi? Por que parou? – ela arfou as palavras, os lábios e a língua ardendo com um calor delicioso. Sentiu o sabor de sangue, somente um vestígio, mas o instinto
a fez levar a mão à boca, e a ponta do dedo voltou tingida com uma mancha escarlate.
Relanceou para o rosto abaixado de Kade e sentiu o tormento dele no modo como o corpo grande vibrava com controle quase incontido, como se estivesse travando uma
guerra particular consigo mesmo.
– Olhe para mim – sussurrou. Quando ele não a atendeu de imediato, ela suspendeu o queixo teimoso e o obrigou, fisicamente, a fitá-la. – Olhe para mim… deixe-me
ver você.
– Confie em mim, você não vai querer ver – murmurou ele, desviando o olhar rapidamente.
Mas não antes que ela pudesse notar a mudança que acontecera em seus olhos. Ele não tinha conseguido se virar rápido o suficiente para esconder o fato de que seus
olhos normalmente cinzentos agora reluziam num âmbar ardente. E as pupilas… havia algo de diferente nelas também.
– Kade, por favor – pediu ela com gentileza. – Deixe-me ver como você realmente é.
Lentamente, ele levantou o rosto. Os cílios negros se ergueram, e Alex ficou atordoada com o facho de brasas claras que brilhava como carvão aceso. E no meio de
todo aquele fogo, as pupilas estavam estreitas, como as fendas dos olhos dos gatos. A estranheza do seu olhar, o modo como aquilo lhe transformava a face, aguçando
os ângulos das maçãs do rosto e do queixo quadrado, deixaram-na aturdida. Ela ficou olhando, sem palavras. Sem ar.
– Não quero que tenha medo de mim, Alex.
A voz grave saiu raspando, estranhamente grossa para seus ouvidos, e então ela entendeu o motivo. Viu o brilho das pontas afiadas dos dentes brancos atrás dos lábios
enquanto ele falava. As presas. Não exatamente ocultas, apesar dos esforços evidentes dele para escondê-las das suas vistas. Agora que a fitava, havia um desespero
em seus olhos âmbar. Desespero e desejo como ela nunca vira antes.
– Não quero que me odeie, mas este sou eu, Alex. Este é o meu verdadeiro eu.
Apesar do imperceptível estremecimento de compreensão que fez seu coração bater mais rápido, Alex se inclinou para a frente e segurou o rosto dele nas mãos. Prendeu
o olhar atormentado dele, depois desceu o seu olhar para os lábios entreabertos e para as pontas das presas, que pareciam ter se alongado ainda mais, ficando mais
afiadas.
– Não estou sentindo nada parecido com ódio – sussurrou, inclinando a cabeça e umedecendo os lábios subitamente ressequidos. – Se você ao menos me beijasse de novo,
saberia disso.
Centelhas reluziram como raios nos olhos dele no instante antes de ele se aproximar dos lábios dela. Alex sentiu o poder contido dele, e percebeu o controle que
ele exercia para manter esse poder represado enquanto tomava a sua boca num beijo ardente, faminto e possessivo.
Alex se entregou a ele, deliciando-se com o resvalar molhado e quente dos lábios dele sobre a sua boca, queixo e pescoço. Ela escorregou as mãos por debaixo da camiseta
preta de manga longa para sentir os músculos firmes e acetinados das suas costas. Conseguia sentir os contornos sutis das tatuagens sob as pontas dos dedos, um desenho
intricado de curvas e arcos que ela traçava com as unhas, mas que queria mesmo era seguir com a língua.
– Deixe-me ver o seu corpo. Quero ver você por inteiro – murmurou ela, puxando a camiseta. Tirou-a pela cabeça e só conseguiu fitar maravilhada depois de desnudá-lo.
– Meu Deus – arfou. – Estas não são tatuagens, são?
– São dermaglifos – explicou ele, recostando-se para permitir que ela visse os desenhos complexos que pulsavam em todo o seu torso, ombros e braços como se estivessem
vivos. As marcas que antes eram de um tom mais escuro que a pele agora estavam multicoloridas, oscilando entre um vinho escuro, índigo e dourado. – Nós nascemos
com eles, do mesmo modo que as Companheiras de Raça têm suas marcas de nascença.
– São lindos, Kade – os dermaglifos dele eram artísticos, entrelaçamentos rendados, uma teia gloriosa de cores mutantes. Alex se inclinou para correr um dedo ao
longo de uma linha particularmente graciosa que dava a volta ao redor do disco plano do mamilo direito. O tom roxo ficou mais escuro sob seu toque. Surpresa, ela
o fitou. – Como fez isso?
– Você fez isso – a boca dele se curvou. – As cores dos glifos mudam de acordo com o humor do macho.
– Ah! – exclamou ela, aquecendo-se sob o olhar significativo dele. – E o seu humor está…?
Ele não respondeu, apenas se moveu para frente, tomando-a noutro beijo lento e demorado que fez seu cerne derreter. Pressionou-a no sofá debaixo dele e começou a
despi-la, incitando Luna a saltar do sofá e ir para a cozinha com uma bufada incomodada.
– Xiii… acho que acabou de perder alguns pontos com ela – murmurou Alex, entre beijos.
Ele riu, um ruído baixo e profundo que vibrou contra a boca de Alex.
– Depois peço desculpas. Neste instante, só existe uma fêmea cuja opinião me importa.
Levou o tempo que precisou para retirar a dupla camada de camisetas e malhas de velo e os jeans de corte solto. Cobriu cada centímetro do seu corpo com a boca, beijando
uma trilha comprida e ardente do pescoço aos seios e depois ao abdômen, afagando os membros nus enquanto seu olhar febril se refestelava com ela.
Quando a finalmente deixou nua, Alex já arfava e doía de desejo. Ele se ajoelhou no sofá sobre ela, as coxas grossas encaixadas entre as pernas abertas dela. Ainda
vestia os jeans, que pendiam baixo nos quadris, esticando-se na região do inchaço da virilha.
Ela ergueu a mão e o apalpou, necessitando sentir o calor da pele dele em suas mãos. Em todo o seu corpo.
Dentro dela.
Ele nada disse quando ela desabotoou seus jeans e abaixou o zíper. Estava nu por baixo do denim escuro, o pênis rígido transbordando assim que se viu livre do seu
confinamento. Ergueu-se quando ela puxou as calças pelos quadris e empurrou-os até os joelhos, um movimento que aproximou a extensão gloriosa do membro a centímetros
da sua boca.
Alex não conseguiu resistir à tentação. Apalpou seu membro e bolas e levou-o até a boca, envolvendo a cabeça larga com os lábios, deliciando-se com o gemido estrangulado
de Kade quando ela escorregou a boca inteira até a sua base.
Sentiu-se tão bem contra a língua dela, quente e mundana, macia como um veludo a envolver a sua coluna sólida de aço. Alex mergulhou novamente nele, depois recuou
para sugar a ponta, tudo isso observando os glifos do abdômen e das coxas agitando-se em tons ainda mais escuros.
– Ah, caramba – ele sibilou, enquanto ela brincava com a borda ao redor da sua cabeça com a boca, depois tomando-o até o fundo da garganta. Segurou-a pelos cabelos,
prendendo-lhe a cabeça enquanto seu corpo ficava tenso como um cabo de aço. – Alex… ah, cacete…
As mãos tremiam quando ele a afastou de si. Seus olhos lançaram um calor intenso, e seu rosto estava rijo de paixão, enquanto rapidamente arrancava os jeans, largando-os
no chão. Gloriosamente nu, moveu-se na direção dela uma vez mais e gentilmente envolveu-lhe o pescoço com a palma da mão. Seu toque estava carregado de posse, contudo,
ele não a tomou simplesmente. Seu olhar transformado era faminto, mas paciente. Seu beijo passional, porém terno.
Não havia nada simples nele.
Nada simples no modo como ele a fazia se sentir.
Kade era simplesmente um amontoado de contradições, cada uma delas mais fascinante que a anterior.
Ele a fazia se sentir protegida, talvez essa fosse a maior das contradições. Ele a fazia se sentir cuidada… até amada.
E, por Deus, como ele a fazia arder.
Seu corpo se arqueou enquanto ele a afagava, cada centímetro seu hipersensível e ávido pelo toque dele. Ela não conseguia se aproximar o bastante, não conseguia
agarrá-lo o suficiente, enquanto ele se erguia sobre seu corpo, afastando-lhe as coxas com as suas.
– Quero que as coisas caminhem devagar hoje à noite – disse ele, a voz rouca e sombria, quase irreconhecível. – Quero saborear você, a nós…
Observou-a quando a penetrou, devagar, preenchendo-a com deliberada cautela, ainda que seus quadris quisessem se apressar e os tendões do pescoço se esticassem sob
a pele. Embalou-a com suavidade, atiçando o clímax crescente com uma reserva enlouquecedora.
Ela queria gritar pedindo que ele se apressasse, que a tomasse com força se isso fosse aplacar o desejo que colocara dentro dela.
Mas fazer amor com ele era bom demais para se apressarem. Ela não queria que aquela sensação – que aquela noite – acabasse. Nem ele; isso ela via em seu rosto. Sentia
em cada investida contida dos quadris. Em cada carícia ardente e saborosa da sua boca que a beijava, deixando-a sem ar.
As horas passariam com rapidez. No dia seguinte, a missão dele com a Ordem recomeçaria. Amanhã, toda morte e perigo que rodeavam o refúgio daquele momento retornariam.
Cedo demais, pensou Alex.
E por isso ela envolveu o pescoço dele com os braços, passando as pernas em torno dos quadris que investiam com lentidão, torturando-a deliciosamente, e deixou-se
girar em cima dele num abandono extático. Acolheu cada estocada profunda. Suspirou a cada recuo demorado. Deliciou-se com o peso e o calor do corpo maravilhoso de
Kade se esfregando ao encontro do seu.
– Kade – arfou. – Ai, meu Deus…
Ele gemeu com força e suspendeu a pélvis dela do sofá. As investidas ganharam força, aprofundando-se, mas ainda refreadas pelo seu rígido controle.
– Solte-se – Alex gemeu. – Venha. Quero você inteiro, Kade.
Ele rosnou, num som animalesco e puro de recusa. Quando a tomou nos braços e tentou esconder o rosto, Alex o empurrou. O rosto dele estava selvagem de tormento,
contraído de prazer e dor. E as presas… Deus, as pontas brancas reluzentes preenchiam sua boca, poderosamente impelidas, e ela não conseguiu conter um grito agudo.
Seu prazer mais uma vez se avolumava, trazendo com ele uma voracidade que revirava seu ventre, iniciando uma lenta fervura em seu sangue.
– Ah, Deus… Kade… – arfou com a sensação do desejo, tudo centrado nele. Cravou as unhas nos braços volumosos, enterrou o rosto na curva do pescoço e do ombro forte,
enquanto ele a penetrava com estocadas intensas e demoradas.
O espiral de desejo dentro dela se contraiu ainda mais, queimando num desejo tão primitivo que a sobressaltou. O cheiro da pele aveludada, suave contra seus lábios,
contra sua língua, deixou-a tonta de desejo. O ritmo aumentou ao cavalgá-lo, cada vez mais firme, mais duro, grunhindo a cada enterrada urgente da sua pélvis.
Alex suspirou seu nome. Gemeu, perdida na onda crescente de mais um orgasmo. Gritou quando ele a banhou, uma enchente de prazer que saciava e que deveria ter aplacado
a sede ardente que vivia dentro dela agora, mas que só a fez explodir em mais uma exigência corrosiva.
Ela queria saboreá-lo.
Não da maneira que já fizera, mas de um modo que a chocou. De um modo que deveria tê-la aterrorizado, mas que só fazia seu sangue correr mais quente, mais rápido,
mais vivo, com um poder sombrio que ela mal conseguia domar.
Sob a boca aberta, ela sentiu a pulsação acelerada do coração dele, batendo e vibrando dentro da veia do pescoço dele. Pressionou a língua, depois os dentes. Fechou-os
num experimento sobre os tendões tensos e sobre a pulsação aquecida que parecia correr no mesmo ritmo desesperado que a sua.
Kade rosnou uma imprecação sombria, mas apenas bombeou os quadris com mais fúria.
Alex se deleitou com a sensação de fazê-lo perder o controle. Passou a língua e os dentes sobre a pele sensível, depois os afundou mais…
Kade se arqueou sobre ela, lançou a cabeça para trás e urrou.
Capítulo 21
Ele não conseguia se conter nem mais por um segundo.
Seu gozo disparou numa corrente escaldante quando os dentinhos cegos de Alex o resvalaram, numa mordida de brincadeira que quase rompeu a superfície da sua pele.
Ela não tinha como saber o quanto ele desejava aquilo. Como era surpreendente o desejo de que ela sugasse o seu sangue, sorvesse-o. A intensidade com que desejava
clamar Alex para si e uni-la para sempre a ele.
– Merda – arfou, enquanto as paredes sedosas ordenhavam seu pênis e a boca criava o caos em seus sentidos. – Alex… ah, porra!
Ele gozou mais do que antes, perdido no seu desejo por ela. Perdido nas batidas ensurdecedoras da sua pulsação, que exigiam que ela fosse sua, unida pelo sangue
ou não.
A sua mulher.
A única fêmea que voltaria a desejar.
Sua companheira eterna.
Kade se ergueu sobre os joelhos para fitá-la, o sexo ainda cravado em seu calor, ainda rijo e desejando mais. O pescoço ardia por causa das mordidas de brincadeira
dos dentes dela. Ele ainda sentia a doçura do sangue dela em sua língua, do momento em que tão impensadamente permitia que as presas rasgassem seus lábios ao beijá-la.
Aquele pequeno aperitivo o condenara e também talvez a ela.
Desejo e sede de sangue o assolaram, aguçando sua visão e fazendo suas presas pulsarem com a necessidade de penetrar-lhe a pele macia. Agarrou-lhe o quadril e balançou
ao seu encontro, observando-a se arquear debaixo dele, seguindo-o em direção ao pico de outro orgasmo avassalador.
Ela gritou seu nome, a coluna se arqueou para cima, o sangue corou a pele branca com um brilho róseo. Kade a observou com uma admiração torturante, nunca tendo visto
algo mais belo do que Alex nos espasmos de um êxtase erótico.
Queria dar-lhe mais, o tipo de prazer e gozo – paixão e, sim, amor – que somente um macho unido pelo sangue poderia propiciar à sua companheira.
Deus, como ele queria isso.
– Alexandra – disse rouco, a única coisa que ele conseguia dizer quando a necessidade e a avidez por ela o assolaram, despindo-o de qualquer pensamento que não fosse
o desejo por aquela fêmea. Queria alertá-la de que era perigoso naquele estado, mas só o que saiu da sua boca foi um som misto de imprecação e gemido.
Ela poderia tê-lo empurrado, mas fez o contrário. As mãos se ergueram, puxando-o para cima dela novamente. Com a respiração saindo pelos lábios em pequenos arquejos,
puxou o rosto dele para perto do seu e o beijou, numa união úmida, profunda e bem recebida das bocas.
Kade tentou combater a necessidade – a avidez –, mas Alex rapidamente desfazia cada porção do seu controle. De modo vago, ele percebeu que não havia se alimentado
desde que chegara de Boston alguns dias antes, e por mais que quisesse nomear sua sede uma necessidade de sobrevivência, ele sabia, no fundo, que era o sabor de
Alex que ele queria.
Somente o dela.
Estava desvairado, caminhando sobre a beira de uma fenda bem profunda e prestes a arrastá-la consigo. Sabia disso. Sabia muito bem que deveria fazer com que Alex
também soubesse.
Em seguida, porém, ela aprofundou o beijo, sugando-lhe o lábio inferior entre os dentes com uma sofreguidão que ele não tinha como confundir, mesmo no mais sóbrio
dos momentos. E ele não estava nada sóbrio, seu corpo derretia, seu sangue corria pelas veias como fogo líquido.
Kade interrompeu o beijo com um grunhido. Traçou os lábios e a língua ao longo da linha delicada do maxilar dela, depois desceu para o ponto delicado atrás da orelha,
sabendo que aquilo o amaldiçoaria, mas já não podia parar. A sensação do pulso acelerado dela contra sua boca cravou esporas no centro da sua necessidade, transformando
uma dor aberta em franca agonia.
– Ah, Deus… Alex… – sussurrou rouco, depois tomou a pele suave da garganta entre os dentes e as presas e lentamente pressionou-os contra sua veia.
Ela inspirou arfando quando ele penetrou sua pele, uma fisgada repentina enrijecendo seu corpo e detendo sua respiração. Kade parou como se tivesse sido esbofeteado,
horrorizado pelo que acabara de fazer, temendo não ter a força de se afastar agora, ainda que ela o odiasse depois disso.
Mas então Alex relaxou as mãos em seus ombros e começou a afagá-lo. Exalou um suspiro trêmulo de prazer, e ele reagiu com um gemido rouco e agradecido ao sugar a
primeira golada na boca.
Ah, como ela era doce.
O sangue de Alex correu pela sua língua como seda, a fragrância única de mel e amêndoas misturada com o calor almiscarado da sua excitação. Kade sorveu ela, atônito
ante a onda de calor e desejo que fluía para dentro dele a cada gole que tomava da sua veia. O sangue dela o saciava, o fortalecia. Inflamando-o de novo, e mais
intensamente do que antes.
Ela era sua. E ainda que fosse necessária uma troca mútua de sangue para uni-los como companheiros, seu elo com ela agora era inquebrável. Era um elo visceral, um
que só poderia ser rompido pela morte.
E ele lhe impusera isso.
Tal pensamento o envergonhava, mas era difícil sentir remorso quando Alex o segurava com mãos ávidas, arfando e se contorcendo contra ele enquanto mais um orgasmo
a atingia. Ela gemeu sensualmente sob o feitiço hipnótico da mordida dele, os quadris se erguendo para tomá-lo mais profundamente enquanto ele sugava a doçura de
mel do sangue dela em sua boca.
Se ela fosse apenas uma Homo sapiens, ela teria sentido conforto, até prazer, quando ele se alimentasse dela. Mas por ser uma Companheira de Raça, e por causa da
paixão que ainda os percorria, a reação de Alex foi exponencialmente mais intensa. O êxtase dela era agora o seu, uma parte sua por meio do sangue dela que ele tinha
dentro de si. Agora, cada sentimento intenso que ela vivenciasse também seria seu, desde a alegria até o sofrimento.
Ao sorver mais, ele sentiu o desejo dela aumentando, irreversível, um anseio febril que ela se esforçava para conter. A sede dele não diminuíra, mas agora a necessidade
dela o moveu. Com uma lambida cautelosa sobre as perfurações, ele lacrou a mordida.
– Venha – murmurou, pegando-a nos braços. – Vou levá-la para a cama agora.
Atordoada e sem forças, ela apoiou a cabeça de leve no peito nu enquanto ele a carregava pelo corredor até seu quarto. Ele a depositou sobre a colcha de retalhos,
beijando-a ao se sentar ao seu lado na cama. Acariciou a pele sedosa, cada curva e músculo sendo marcados com seu toque.
– Olhe para mim, Alexandra – pediu, quando ela fechou os olhos de prazer. A voz soou rouca e sombria, quase irreconhecível aos próprios ouvidos. – Preciso saber
que você me vê agora, como eu sou. Este sou eu.
Ela suspendeu as pálpebras e o fitou. Ele esperou ver a repulsa dela, pois ele não poderia parecer mais feroz – mais inumano – do que naquele momento. Seus glifos
pulsavam em cores mutantes, tons de desejo e paixão se misturando com o do desejo restante e do tormento que ele sentia por tudo o que acontecera ali com Alex. Não
sendo o fato menor a união de sangue que ele iniciara e que não poderia ser rompida, mesmo que ela o desprezasse por isso.
Ele a viu observando-o, temendo falar. Temendo que ela o odiasse agora, ou que desviasse o olhar, repulsada pelo que ele se tornara.
– Este sou eu, Alex – disse baixinho. – Isto é tudo o que sou.
Os olhos castanhos o sorveram, sem titubear. Ela afagou os glifos mutantes do peito, seguindo o desenho com um toque lento, aprendiz. Desceu mais, espalmando a mão
pela coxa, depois pela ereção do pênis. Ele exalou um grunhido silencioso de prazer quando os dedos o acariciaram amorosamente.
Através do sangue dela, da parte preciosa dela que nadava dentro dele, alimentando suas células, ele leu a profundidade do desejo dela por ele. Não havia nem medo
nem incerteza enquanto ela o fitava. Só existia uma exigência suave, mas febril quando ela ergueu a mão para a sua nuca, guiando-o em direção à sua boca.
– Faça amor comigo de novo – sussurrou contra os lábios dele.
Era uma ordem que Kade estava mais do que disposto a obedecer. Gentilmente a rolou enquanto ela separava as pernas para acolhê-lo uma vez mais. Ele a penetrou lenta
e carinhosamente ao trazê-la para o seu abraço. O beijo foi longo, passional, febril, enquanto ela traçava a língua pelas presas, e o sexo dele entrou em erupção
dentro dela. Kade gritou seu êxtase e a esmagou ao seu encontro.
Que Deus o ajudasse, agora ele entendia o que os outros guerreiros comprometidos diziam sobre o prazer – o enlevo submisso – da união de sangue. Com Alex, com aquela
mulher que despertara sentimentos que antes ele nunca quis arriscar, agora Kade sabia o que para sempre poderia ser. E ele ansiava por isso, com uma intensidade
que o atordoava.
Naquele momento, com Alex enroscada nele tão aquecida, contente e exposta, ele quis prender aquele sentimento… mesmo que a selvageria dentro dele sussurrasse insidiosamente
que aquilo não poderia durar.
O fogo que estivera se extinguindo lentamente na lareira algumas horas antes há muito se apagara. Jenna Tucker-Darrow estava deitada de lado, enroscada em si mesma
no chão da sala principal do chalé, tremendo ao despertar das profundezas de um sono sem sonhos, pesado além do normal. Seus membros estavam frouxos, inertes, o
pescoço, fraco e sensível demais para sustentar a cabeça.
Com certo esforço, ela conseguiu entreabrir os olhos e espiar em meio à escuridão do seu chalé. O medo rastejou pela sua espinha em forma de garras de gelo.
O invasor ainda estava ali.
Sentado no chão mais adiante dela, a cabeça estava abaixada. Ele era imenso, uma presença ameaçadora, mesmo em repouso.
E não era humano.
Ela ainda se debatia com essa percepção, imaginando se o que estava vendo poderia ser atribuído ao malte escocês no qual estivera se afogando – o preferido de Mitch,
e a muleta na qual ela se apoiava todos os anos naquela época, para poder aguentar o terrível aniversário das mortes dos seus queridos Mitch e Libby.
Mas o invasor imenso que adentrara em sua casa e agora a mantinha prisioneira não era um tipo de alucinação alcoólica. Ele era de carne e osso, ainda que ela nunca
tivesse visto carne como aquela. Ele aparecera nu numa temperatura abaixo de zero, e sua pele, que não tinha pelos desde a cabeça até os pés, era recoberta por um
emaranhado de marcações densas em vermelho e preto que eram extensivas demais para que pudessem ser a obra de um tatuador. E o que quer que ele fosse, era mais forte
que qualquer homem que ela conhecera em seus tempos de força policial, mesmo estando desarmado, e aparentando ferimentos muito graves.
Jenna já vira seu quinhão de ferimentos de balas, o bastante para saber que a porção de pele, os músculos estourados na coxa direita e um machucado menor na lateral
do abdômen eram o resultado de tiros. Os outros machucados, bolhas e lesões que vazavam e cobriam boa parte da sua pele, eram menos discerníveis, ainda mais no escuro.
Pareciam-se com queimaduras de radiação, ou de uma séria exposição solar – do tipo que se consegue só se você for se bronzear debaixo de uma lente de aumento.
Jenna sequer conseguia começar a supor de onde ele viera, ou o que ele queria com ela. Acreditou que ele tivesse a intenção de matá-la ao invadir sua casa. Verdade
fosse dita, ela não se importaria caso isso acontecesse. De todo modo, era como se ela já estivesse meio morta. Estava cansada de viver sem as pessoas que mais amava.
Cansada de se sentir tão inútil e solitária.
Mas o invasor – a criatura, pois era isso o que ele era – não invadiu com a intenção de matar. Pelo menos, não de pronto, pelo que ela sabia.
Todavia, ele fizera algo igualmente hediondo.
Ele mordera sua garganta, e para sua surpresa e descrença, alimentou-se do seu sangue como um monstro.
Como um vampiro.
Impossível, ela sabia. A sua lógica queria rejeitar a ideia, assim como queria rejeitar o que seus olhos ainda testemunhavam agora, enquanto olhava para o outro
lado da sala, para a ideia impossível em carne e osso.
Jenna estremeceu ao se lembrar das presas imensas descendo sobre ela, rasgando-lhe o pescoço. Ainda bem que ela não se lembrava de mais nada depois disso. Ela poderia
ter desmaiado, mas suspeitava que ele lhe tivesse feito algo para deixá-la inconsciente. Quer ela estivesse fraca pela perda sanguínea ou pelo que quer que ele lhe
tivesse feito para derrubá-la, ela não tinha como saber.
Tentou se mover da sua posição fetal no chão, mas só conseguiu chamar a sua atenção. A cabeça dele se ergueu, os raios laser gêmeos dos seus olhos cravando-se nela
do outro lado da sala. Jenna tentou se sentar ereta, recusando-se a se acovardar, pouco se importando com o que ele era. Afinal, não tinha nada a perder.
Ele a observou por um bom tempo. Talvez estivesse esperando que ela recuasse, ou tentasse se levantar e se lançar sobre ele num ataque de raiva fútil.
Só depois ela percebeu que ele segurava um objeto retangular e brilhante nas mãos. Um porta-retratos. Ela sabia qual era, não precisou olhar para a cornija da lareira
acima de onde ela estava deitada para confirmar que ele segurava uma foto dela com Mitch e Libby. A última que tiraram juntos, poucos dias antes de serem mortos.
Sua respiração se acelerou um pouco ante a sensação de ultraje que a acometeu. Ele não tinha o direito de tocar nada que fosse seu, muito menos algo tão precioso
como a última imagem da sua família.
Do outro lado, a cabeça despelada se curvou num ângulo inquisidor.
Ele se levantou, iniciando uma caminhada lenta e dolorosa na sua direção. Sem querer, ela percebeu que os ferimentos de bala tinham parado de sangrar. A carne não
parecia mais tão danificada quanto antes, quase como se o processo de cicatrização estivesse acelerado – quase visivelmente acelerado.
Ele parou diante dela e se agachou. Embora estivesse ansiosa e nervosa pelo que ele pretendia fazer em seguida, Jenna se esforçou para não demonstrar.
Ele estendeu o porta-retratos para ela.
Jenna o encarou, sem saber o que fazer.
Ele continuou ali por um bom tempo, observando-a, a mão coberta de bolhas segurando, como um tipo de oferenda, a fotografia dela sorridente com o marido e a filha.
Quando ela não se moveu, nem disse nada, por fim, ele deixou o objeto no chão ao lado dela. O vidro estava partido, as pontas da moldura de prata estavam manchadas
com o sangue dele.
Jenna olhou para os rostos sorridentes através do vidro arruinado e não conseguiu segurar um grito estrangulado. A dor a engolfou, e ela deixou a testa caída no
chão e soluçou baixinho.
Seu captor coxeou de volta para o outro lado da sala e a observou com atenção antes de se virar para olhar pela janela sem venezianas para o céu estrelado logo acima.
Capítulo 22
Resistindo ao despertar que a tiraria do seu sonho profundo, sensual e muito agradável, Alex suspirou langorosamente e mudou de posição na cama. Além do sono aveludado
e profundo que a acariciava agora, ela só precisava de mais uma coisa para que seu estado de felicidade preguiçosa estivesse completo. Esticou o braço num arco lento
sobre o colchão à procura do calor de Kade.
Ele não estava ali.
Teria ido embora sem lhe dizer nada?
Bem desperta agora, apoiou-se sobre os cotovelos e fitou a escuridão vazia do seu quarto. Ligou a luz do abajur, soprando um gemido desapontado por ele ter ido embora.
Em seguida, porém, vindo do corredor, ela ouviu o rangido do chuveiro sendo desligado.
Um momento depois, Kade entrou devagar, nu exceto pela toalha rosa presa frouxamente ao redor dos quadris estreitos.
– Você acordou – disse ele, passando os dedos pelos espetos úmidos de ébano do seu cabelo.
– Já vai?
Ele se sentou na beira da cama. Gotículas de água reluziam nos ombros e no peito, algumas escorrendo pela pele macia e pelos glifos como pequenos riachinhos. Sua
aparência e seu cheiro eram deliciosos, e Alex sentiu uma necessidade urgente de secá-lo com a língua.
Ele sorriu como se percebesse a direção lasciva dos seus pensamentos.
– Tenho que ir. Meus companheiros de Boston chegarão a Fairbanks em poucas horas. Vamos nos reunir numa parada de caminhões antiga no meio do caminho entre aqui
e a companhia de mineração. Não podemos nos arriscar e dar a Dragos ou aos seus homens a chance de saberem que estamos na cola deles, por isso, vamos atacar a mina
sem demora.
Ele falou com muita casualidade sobre o perigo que os aguardava. Tudo o que Alex conseguia pensar era na real possibilidade de ele se machucar. Ou pior, algo que
ela sequer queria imaginar. Só de pensar em Kade entrando naquela mina – potencialmente nas mãos de Dragos, ou de um mal maior, caso cruzassem caminho com a criatura
que, suspeitavam, tinha sido transportada para aquela região – fez as entranhas de Alex se retorcerem com um medo profundo e indigesto.
– Não quero que você vá. Tenho medo de que, se você for, eu jamais volte a vê-lo novamente.
– Não se preocupe – disse ele, e algo soturno, algo irônico trespassou o belo rosto. – Não vai se livrar de mim com facilidade, Alex. Não agora.
Ele apoiou a palma da mão na bochecha dela, depois se inclinou e a beijou, a boca tão carinhosa que abriu uma dor no meio do seu peito.
Ela doía em diversos lugares, nos lugares certos.
Quando os lábios dele se afastaram dos seus, cada uma das suas terminações nervosas tinha sido acesa como se tivessem sido tocadas por um raio. Mais embaixo, uma
pulsação pesada em seu cerne lançou um calor que se avolumou entre as pernas. Depois das horas apaixonadas que tinham passado, ela ainda queimava por ele como se
tivesse tido apenas uma pequena prova.
Suspirou com a lembrança do prazer de tudo o que partilharam.
– A noite passada foi…
– É… foi… – Ele sorriu, mas havia uma hesitação na voz dele. Algo de atormentado no seu olhar.
Ele acariciou o ombro nu dela, depois deixou os dedos viajarem pela lateral do pescoço, a única parte do corpo dela que parecia mais viva e aquecida do que a fenda
úmida entre as coxas. Alex se aninhou nos toques leves como pluma, estremecendo com uma avidez crescente por ele enquanto ele passava o polegar pela veia que pulsava
mais freneticamente em reação ao seu toque.
– Você me mordeu – sussurrou ela, sentindo um estremecimento estranho ao dizer as palavras.
Ele inclinou a cabeça num aceno grave.
– Mordi. Não deveria. Eu não tinha o direito de tirar isso de você.
Ele se referia ao sangue?
– Está tudo bem, Kade.
– Não – disse ele com seriedade. – Não está bem. Você merece mais do que isso.
– Eu… gostei – ela lhe contou, falando com uma sinceridade que a chocou. – O que você fez foi bom. Ainda é. Todas as partes em que você me tocou estão bem.
Ele exalou devagar, e sua respiração quente a atingiu na testa. Ele não havia parado de afagá-la no pescoço. Ela poderia apreciar aquele toque calmante por muitas
horas mais.
– O que fiz na noite passada mudou tudo, Alex. Bebi de você. Eu me liguei a você, e não posso desfazer isso. Nem se você me odiar por isso.
Alex ouviu, vendo o tormento nos olhos dele. Também viu arrependimento, e isso apertou seu coração como uma chave de fenda.
– Na noite passada você não tinha como parar – disse ela, precisando compreender, mesmo se morresse ao ouvir uma confirmação. – Mas agora você deseja poder desfazer
isso. Porque se sente diferente… em relação a mim?
A cabeça dele se ergueu de pronto, as sobrancelhas abaixadas junto aos olhos.
– Não. Nossa… não, Alex. O que eu sinto por você… – As palavras ficaram suspensas, como se tivessem ficado presas na garganta. – O que sinto por você é mais forte
do que qualquer coisa que eu já tenha sentido. É amor, Alex, e isso aconteceu antes de ontem à noite. Isso estaria comigo mesmo se eu não tivesse tomado o seu sangue.
Ela não percebeu que estivera prendendo a respiração até o ar sair dos pulmões num suspiro.
– Ah, Kade…
Ele soprou uma imprecação ao acariciá-la.
– Não sei como permiti que isso acontecesse. Juro que nunca esperei encontrar o que tenho com você. Não agora, quando todo o resto ao meu redor parece tão desorganizado.
– Então daremos um jeito – disse ela, abraçando-o pela nuca. – Podemos resolver qualquer coisa, juntos. Porque também me apaixonei por você.
Ele praguejou de novo, mas dessa vez com reverência, um juramento sussurrado ao trazê-la para perto e puxá-la para um beijo apaixonado e delirante. Alex sentiu os
músculos dele se flexionarem e retesarem sob seus dedos. Sentiu o tremor do desejo que o atravessou quando ele a deitou de costas e rastejou sobre ela. A toalha
rosa voou pelos ares e Alex bebeu a visão magnífica do corpo dele, a saliência rija da ereção, toda aquela força pronta para penetrá-la.
O olhar dele era feroz, prata-claro cintilando com um fogo âmbar.
– Ah, Deus… Alexandra. Eu preciso ouvir agora. Diga que é minha.
– Sim – disse ela, depois gritou a palavra de novo quando ele a penetrou fundo, levando-a para a crista de uma onda quente e veloz de prazer.
Ele ficara na cama com Alex por quase uma hora, muito mais do que pretendera, mas, mesmo assim, fora quase impossível encontrar a disposição para sair. O que significou
ter que correr como o diabo para conseguir chegar a tempo ao ponto de encontro com os guerreiros. Conseguira – por pouco – e acabara de descer da motoneve quando
o ronco dos motores deles surgiu em meio à escuridão.
Os quatro vampiros estavam vestidos como ele, com uniforme invernal preto e capacetes de visores negros. Como membros da Raça, nenhum deles precisava da ajuda de
faróis para guiá-los. As silhuetas imensas, cada uma delas carregada de armas, transbordaram das sombras da noite até quase voarem para a parada de caminhões abandonada.
O lamento das motoneves preenchia o ar, correntes de tratores pesados cuspiam fumaça cinza e neve triturada atrás deles.
A versão da Ordem dos Cavaleiros do Apocalipse, pensou Kade com um sorriso amargo ao observar o grupo de guerreiros parar diante dele.
Brock foi o primeiro a saltar. Desligou o motor e ergueu a perna por sobre o assento, levantando o visor do capacete ao andar na direção de Kade para cumprimentá-lo
com um largo sorriso e um soco no ombro direito.
– Não sossegou até me arrastar para esta geladeira esquecida por Deus, não é? Tenho que dizer, cara, estou sentindo vibrações de ódio aqui, meu chapa. Ou estaria,
se conseguisse sentir outra coisa que não o Ártico gelando meus órgãos vitais.
Kade sorriu para o guerreiro que se tornara seu melhor amigo.
– Bom te ver também.
Logo atrás de Brock estava outro dos novos recrutas, o ex-agente Sterling Chase, ou Harvard, como era chamado, por conta de sua formação superior civil e do comportamento
metido que demonstrara no começo do seu envolvimento com os guerreiros. Seu ar frio de superioridade ainda estava lá, mas aguçado por uma ponta gélida desde que
se juntara à Ordem.
Chase era letal, e demonstrava uma satisfação insalubre no seu trabalho. Na verdade, Kade estava bem surpreso em vê-lo, considerando-se que só fazia algumas poucas
semanas desde que levara um tiro bem feio no peito numa batalha nas ruas de Boston. Olhando para ele agora, Kade não conseguia deixar de ver um pouco da arrogância
indesculpável de Seth nos olhos azuis gélidos do macho enquanto ele tirava o capacete e expunha a cabeça de cabelos loiros quase tão claros quanto a neve. Seu rosto
estava magro, quase magro demais, e havia um ar vazio nos olhos do guerreiro. Uma apatia que Kade sentiu como se estivesse notando pela primeira vez.
– Temos imagens de satélite da companhia de mineração – disse Chase sem cumprimentar, puxando um pequeno laptop do seu equipamento para mostrar as imagens aos outros
reunidos ao seu redor. – Informações fresquinhas. Gideon buscou as imagens logo depois que saímos do complexo.
– Bom – disse Kade. – Está se sentindo bem, Harvard?
Ele levantou o olhar, mas sua expressão estava ilegível.
– Nunca estive melhor.
Enquanto Kade observava o guerreiro, outros dois se aproximaram, ambos imensos, ambos armas impiedosas e eficientes do arsenal letal da Ordem. Eram da Primeira Geração
da Raça, embora Tegan fosse séculos mais velho que o macho ao seu lado, chamado Hunter. Enquanto Tegan era um dos membros fundadores da Ordem ao lado do líder da
Primeira Geração, Lucan, Hunter subira a bordo somente poucos meses atrás, um aliado improvável, visto que era um produto das experiências genéticas de laboratório
de Dragos.
Nascido do último Antigo sobrevivente – a mesma criatura que potencialmente estava à solta no Alasca naquele instante – e de uma das muitas desconhecidas Companheiras
de Raça cativas que Dragos vinha capturando durante décadas como parte da sua busca pelo poder, Hunter não devia ter mais do que quarenta ou cinquenta anos. No entanto,
durante esse curto período, ele só conhecera disciplina e objetivos únicos.
Fora criado como assassino, um caçador implacável, recebendo nenhum outro nome1 senão aquele da sua função – e de seu único valor – para Dragos, seu criador.
Atrás do visor espelhado do capacete, Hunter continuou em seu costumeiro comportamento autômato e silencioso, enquanto Tegan se aproximava do restante do grupo.
Quanto ao último, nunca fora considerado o senhor Simpatia. Não fazia muito tempo, pouco mais que um ano, que o envolvimento de Tegan com a Ordem pareceu ser, no
mínimo, duvidoso. No fim, porém, ele provara seu valor, sem falar que conquistara o amor de uma boa mulher. Hoje, como braço direito de Lucan, o guerreiro formidável
colocava plenamente a sua intensidade letal e impiedosa em todas as missões da Ordem.
O olhar verde-claro era penetrante ao retirar o capacete e lançar um aceno breve, à guisa de cumprimento, para Kade.
– Bom trabalho, ter descoberto essa pista até a Mineradora Coldstream. Gideon a rastreou a uma empresa chamada Sociedade TerraGlobal. É uma empresa falsa, uma fachada
para cerca de dez camadas de entidades de merda.
– Deixe-me adivinhar – disse Kade, secamente –, todas elas no fim apontam pra Dragos.
Tegan assentiu.
– Dante, Rio e Niko estão pesquisando as informações, seguindo cada migalha que conseguem encontrar, não importando o quanto sejam pequenas e dispersas. Nesse meio-tempo,
Lucan e Gideon estão segurando o forte em Boston. Quase tive que amarrar Lucan para que não viesse conosco, mas não podemos deixar o complexo desprotegido quando
ainda não temos uma pista direta para o próprio Dragos. Tesouros demais em casa.
Kade assentiu, notando a preocupação do macho ao falar de sua Companheira de Raça, Elise, e das companheiras dos outros guerreiros que consideravam o complexo da
Ordem um lar.
Kade agora entendia esse sentimento.
Enquanto pensava em Alex, e no fato de tê-la deixado em casa, em Harmony, enquanto ele estava em sua missão…
Enquanto pensava que existia a possibilidade, se as coisas dessem muito errado e ele não conseguisse voltar para ela, de que ela pudesse cair nas mãos do Antigo
e de algum outro perigo, e ele não conseguisse protegê-la…
Que inferno.
Era um pensamento pior do que o outro, uma espiral terrível da qual teve que se sacudir mentalmente para acompanhar o que Tegan estava dizendo.
– Baseado no que já vimos de Dragos, temos que deduzir que a mina tem algum tipo de mecanismo autodestrutivo armado. Se não conseguirmos chegar ao centro nervoso
do covil, nós mesmos teremos que detonar o lugar.
Brock grunhiu.
– Motivo pelo qual estou carregado de C-4 suficiente para detonar uma cratera do tamanho de um meteoro na lateral da montanha. Tenho que confessar, vou ficar feliz
de me livrar dessa merda.
Tegan acenou brevemente na direção dele, depois passou a dar instruções para o ataque à mina. Os guerreiros já tinham discutido o plano em Boston; agora era apenas
uma questão de levar a missão adiante.
– Uma pena que Andreas Reichen não esteja aqui para acender essa festa – acrescentou Chase, referindo-se à mais nova aquisição do grupo, o antigo líder do Refúgio
Secreto da Alemanha. – Um pouco de pirotecnia não faria mal hoje.
– Pois é – disse Tegan –, mas seu talento ainda está cru demais. Até ele conseguir dominá-lo, é melhor mantê-lo trabalhando nas relações diplomáticas da Ordem.
– Relações diplomáticas – Brock zombou, com um rugido divertido no peito. – Deus sabe que nenhum de nós aqui presente é apto para esse tipo de trabalho.
– Pode crer – concordou Tegan, sorrindo com ameaça fria. – Então, vamos parar de conversinha e botar pra quebrar.
Quando o grupo se separou e se preparou para sair, Brock ficou para trás e lançou um olhar questionador para Kade.
– O que aconteceu com você? Fiz patrulhas demais ao seu lado para não notar que alguma parada dura está rolando na sua cabeça, cara.
– Não, nada disso – Kade balançou a cabeça. – Não é nada. Está tudo bem. Vamos lá.
Os olhos escuros de Brock se estreitaram. Ele deu um passo para o lado e bloqueou o caminho de Kade, mantendo a voz baixa para que os outros não ouvissem.
– Sabe, esse é o tipo de desculpa esfarrapada que não se dá para alguém que esteve sempre olhando a sua retaguarda, do mesmo jeito que você olhou a dele também.
Por isso, vou perguntar mais uma vez. Que merda aconteceu desde que chegou aqui?
Kade encarou seu colega e amigo – o guerreiro mais próximo a um irmão para ele. Mais próximo até do que seu gêmeo idêntico. O gêmeo que Kade já não reconhecia, e
perdera há muito tempo.
Envergonhava-se ao pensar em Seth agora, quanto mais em tentar explicar o que descobrira a respeito dele nesse tempo em que estava no Alasca.
Ele teria que contar à Ordem tudo sobre aquilo em algum momento – sabia disso. Teria que contar a Alex também. Mas havia outras coisas mais importantes, como, por
exemplo, o fato de que, em meio à loucura e discórdia desde que saíra de Boston, de algum modo baixara a guarda e se deixara apaixonar.
– A mulher – disse ele sem graça. – Alexandra Maguire…
– Está falando da Companheira de Raça – Brock o corrigiu, tendo, sem dúvida, ouvido algo a respeito dela num dos telefonemas de Kade. – Alguma coisa aconteceu com
a fêmea?
– É, pode-se dizer algo assim – Kade exalou o ar aos trancos e barrancos. – Alex se tornou importante para mim. Muito importante.
Enquanto Brock o encarava, os outros guerreiros estavam subindo nas motoneves e dando partida. O ronco dos motores rugia ao redor deles, todos à espera da partida.
Brock o fitou com olhos arregalados mais um minuto, depois gargalhou.
– Nããão! Ah, inferno, não… você também?
Kade sorriu, dando de ombros.
– Eu a amo, cara. E ela disse que me ama também, acredite ou não.
– I-na-cre-di-tá-vel! – disse Brock, ainda rindo e sacudindo a cabeça. – Isso está se tornando uma maldita epidemia.
– É melhor olhar por onde anda, então.
– Merda – respondeu ele, deixando a palavras sibilarem numa lenta expiração. – Agora com quem vou sair depois das patrulhas – Harvard? Não, obrigado, cara. Aposto
como o Hunter ali também deve ser diversão pura…
Do outro lado, Tegan ergueu o visor do capacete e lançou um olhar de convocação.
– Vamos acabar logo com isso.
Brock deu um aceno, depois se voltou para Kade.
– Deixando a brincadeira de lado, cara, não vejo a hora de conhecer a sua mulher. Mas, antes, vamos chutar uns traseiros de Dragos.
Kade riu ao se encaminhar para a sua motoneve e se preparar para sair com seus companheiros, mas esse humor leve era em grande parte uma máscara ante a realidade
desagradável que pesava cada vez mais sobre seus ombros. Porque, supondo-se que ele sobrevivesse ao ataque à mina, ele teria a desagradável tarefa de lidar com Seth
logo em seguida.
Tinha a intenção de começar uma vida ao lado de Alex, se ela o aceitasse, mas não poderia fazer isso sem cuidar de um assunto que deveria ter resolvido antes mesmo
de deixar o Alasca.
Seth estava se aproximando da Sede de Sangue, se é que já não a possuía. A loucura dele tinha que ser detida.
E Kade era o único que poderia fazer isso.
A palavra “hunter”, em inglês, significa “caçador”. (N.T.)
Capítulo 23
Fazia poucas horas desde que Kade saíra, mas a espera estava enlouquecendo Alex.
Dormir estava fora de questão, mesmo que ela não estivesse dormindo muito nos últimos dias. Já alimentara Luna e tomara banho, e se andasse mais uma vez pela pequena
casa à procura de algo para limpar, lavar ou organizar, ela daria um grito.
Talvez pudesse convidar Jenna para vir até ali.
Melhor ainda, talvez pudesse ir até a casa dela. Deus bem sabia, ela se beneficiaria da distração de uma companhia, enquanto seu coração estivesse apertado por mãos
de ferro, à espera de notícias de Kade, para que ela soubesse que ele estava bem.
Normalmente, ela apenas montaria na motoneve e se dirigiria até lá sem avisar, mas aquela era uma época do ano em que Jenna apreciava sua privacidade – exigia-a,
na verdade. Os aniversários de morte de Mitch e de Libby sempre foram uma luta para a amiga, mas Alex se condoía ao pensar que Jenna preferia sofrer sozinha a contar
com ela em busca de apoio naqueles dias difíceis.
Alex também estava incomodada por não ter notícias de Jenna desde que se viram pela última vez.
Passar mais do que um dia ou dois sem nem um telefonema ou visita breve era incomum para Jenna, não importando que época do ano fosse.
Alex pegou o telefone para ligar para ela e notou que a luz da secretária eletrônica estava piscando. Devia ser Jenna, Alex pensou, sorrindo de alívio. Ela devia
ter deixado uma mensagem perguntando a Alex por que ela não havia telefonado, nem passado lá. Alex apertou a tecla de acesso às mensagens e aguardou.
Não era Jenna, mas uma das suas clientes, uma mãe recente com um bebê doente e um marido ausente por seis meses a trabalho no oleoduto, que queria saber se Alex
poderia passar lá levando leite em pó e combustível para o gerador do chalé, pois o estoque de ambos estava no limite e ela estava preocupada que a tempestade que
se aproximava piorasse a situação. A mensagem fora deixada na manhã anterior. Mais de vinte e quatro horas atrás.
– Mas que droga – sussurrou Alex.
O chalé da mulher não ficava mais do que quinze quilômetros distante da cidade, mas a ideia de se aventurar para fora de Harmony antes do amanhecer, ainda mais sabendo
da criatura selvagem que devia estar pairando na escuridão, fez com que Alex hesitasse.
Mas, pensando bem, poderia ficar em casa e deixar os outros na mão só porque estava com medo? Não dissera a Kade que estava farta de fugir e de se esconder do mal
que sempre soubera que existia, mas que fora covarde demais para enfrentar?
Ela tinha falado a sério.
Kade lhe dera forças para enfrentar seus temores.
E o fato de ele estar lá fora, em algum lugar, naquele instante, lutando por ela – por toda a humanidade e pela Raça –, renovou ainda mais a sensação de força em
Alex. Kade, nobre e corajoso, era o seu homem, o seu companheiro. Ele a amava. Sabendo disso, não havia nada que ela precisasse temer.
– Vamos, Luna – Alex gesticulou para que a malamute a seguisse ao ir para a cozinha e apanhar a parca do gancho da parede. Calçou as botas e apanhou a chave da motoneve.
– Vamos dar um passeio, menina.
E na volta da sua entrega ela pararia na casa de Jenna, só para garantir que estava tudo bem com ela também.
– Contamos dezessete Servos Humanos patrulhando as alas sul e oeste da propriedade – informou Kade, quando ele e Brock voltaram de um reconhecimento rápido da mineradora.
– Pelo que pudemos ver, todos estão armados com rifles semiautomáticos e equipados com aparelhos de comunicação. Não há sinais do assassino da Primeira Geração ou
do homem de Dragos, então é possível que estejam lá dentro.
Enquanto Tegan assentia, Chase chegou com seu relatório sobre o outro lado do alvo da operação.
– Quatro guardas Servos no portão da frente e mais alguns de vigia no lado leste da cerca perimetral. Deduzo que não sejam só esses. Vamos nos deparar com mais desses
malditos quando entrarmos. A única pergunta é: quantos mais?
– Pouco importa – a voz grave de Hunter não tinha nenhuma inflexão, apenas fria constatação. – Os Servos têm reflexos humanos, inferiores. Não importa a quantidade
deles e o quanto estão armados, é muito difícil que consigam incapacitar a todos nós. Eles só representam um obstáculo temporário à nossa missão.
– Correto – concordou Tegan, secamente. – Assim que nos infiltrarmos na propriedade e passarmos pelos Servos de guarda, nosso objetivo é duplo. Um, determinar se
o Antigo está sendo mantido no interior e onde, se estiver lá. Dois, capturar o vampiro encarregado. Se ele está recebendo ordens de Dragos, então sabe onde Dragos
está e o que está aprontando. Por isso, temos que pegar o homem e fazê-lo falar. E para isso ele precisa estar vivo.
– O que não quer dizer que ele precise estar feliz – Chase acrescentou com uma fala arrastada, as pontas das presas parcialmente visíveis em antecipação à batalha.
– Só temos que garantir que a boca dele esteja funcionando.
– Entramos despercebidos – prosseguiu Tegan, lançando um olhar estreito e breve na direção do guerreiro, antes de se dirigir ao bando como um todo. – Vamos nos
dividir em grupos e nos espalhar ao máximo em meio ao destacamento de segurança da mina, mas faremos isso em silêncio. Nada de balas, a menos que seja absolutamente
necessário. Quanto mais nos aproximarmos da entrada da mina sem alertar o maldito lugar inteiro sobre a nossa presença, melhor.
O grupo de guerreiros assentiu em concordância.
– Precisamos de uma equipe de linha de frente para se aproximar dos guardas do portão – disse Tegan, olhando para Kade e Brock. Ante a aquiescência deles, lançou
um olhar para Chase. – Nós dois vamos vasculhar e assegurar as construções externas e os contêineres, e garantir que Hunter tenha o caminho livre para a entrada
da mina. Quando os Servos Humanos estiverem incapacitados e os prédios externos seguros, precisaremos de todas as mãos para entrar e invadir a mina.
– Parece um bom plano – afirmou Brock.
Kade assentiu e encontrou o olhar do amigo em meio a uma neve fina que começara a cair nos últimos minutos.
– Vamos lá.
– Muito bem – disse Tegan. – Todos sabem o que devem fazer. Carreguem as armas e vamos começar.
Os guerreiros se dividiram nos grupos assinalados e partiram. A velocidade e agilidade sobrenaturais os beneficiariam naquela missão, ainda mais porque, como bem
apontara Hunter, apesar da quantidade de Servos, eles estavam em desvantagem naquela batalha simplesmente por serem humanos. Seus olhos não seriam capazes de captar
a rapidez dos movimentos dos guerreiros enquanto o bando de machos se apressasse ao longo das cercas perimetrais e saltassem a barreira de quase três metros com
graciosidade fluida e veloz.
Kade foi o primeiro a saltar pela cerca. Ele caiu sobre um Servo que estivera de guarda na guarita da frente, derrubando o segurança no chão congelado e silenciando
o grito de alarme com uma adaga, instantaneamente cortando sua garganta. Enquanto ele arrastava o corpo para dentro da guarita, relanceou e viu que Brock já havia
entrado, o Servo alvo do guerreiro negro eliminado com uma rápida e forte torcida do seu pescoço.
Juntos, os guerreiros se moveram para o ponto seguinte de ataque, Kade pulando no teto da construção externa ao lado enquanto Brock desaparecia na esquina de outra.
Kade avistou seu alvo no chão logo abaixo. O Servo vigiava a área entre a cerca perimetral e um dos trailers corrugados que serviam de depósito de equipamentos,
os olhos fixos na escuridão além da cerca. Ele foi abatido com menos do que um grunhido quando Kade saltou do telhado e o lançou para uma morte tranquila no chão.
Brock também marcou outro Servo em sua lista. E largou o corpo inerte do seu segundo Servo ao lado do de Kade.
Logo adiante, parcialmente escondido pela nevasca que começava a aumentar de intensidade, Tegan estava soltando o grande corpo sem vida de um Servo e livrando-o
das suas armas. Mais adiante ainda, na direção do caminho que levava até a entrada da mina, Kade mal conseguia divisar a silhueta de Hunter enquanto o macho da Primeira
Geração passava por dois Servos recém-mortos que estavam empilhados aos seus pés.
Kade lançou um olhar ao redor à procura do membro restante da equipe e o encontrou próximo aos contêineres de carga. Chase segurava um Servo pelo pescoço, estrangulando-o
a vários centímetros do chão, uma pegada letal lenta e dolorosa. O Servo Humano se debatia e convulsionava ao começar a sufocar.
– Termine com isso – murmurou Kade ao notar a expressão contorcida de Chase num tipo de acesso de fúria. Ao seu lado, Kade ouviu o grunhido de Brock, um ronco profundo
na garganta, quando ele também percebeu o guerreiro brincando com sua presa.
Chase puxou um punhal e se preparou para desferir o golpe letal.
Nesse mesmo momento, Kade viu a sombra de um movimento do outro lado – outro Servo, saindo da escadaria de um dos prédios vicinais. O segurança tinha o rifle apontado
para Chase, e estava prestes a apertar o gatilho.
– Maldição – rosnou Kade, erguendo a arma e mirando-a na súbita ameaça à vida de Sterling Chase. O aviso de Tegan para segurar o fogo a não ser que fosse absolutamente
necessário atirar ressoou em sua mente.
Que se dane.
Ele tinha que fazer aquilo. Se não fizesse, em outra fração de segundo, a Ordem perderia um membro da sua equipe.
Kade atirou.
O tiro soou como um estrondo de trovão. Na escada, uma explosão de sangue e carne se fez na lateral da cabeça do Servo quando a bala de Kade atingiu o alvo em cheio.
O corpo do Servo caiu para o lado, aterrissando num baque duro no terreno abaixo.
Ao mesmo tempo, um alarme disparou dentro dos prédios. A sirene estridente ecoou pelo exterior da propriedade, trazendo o caos instantâneo.
Antes que Kade tivesse a chance de lamentar o movimento que poupara a vida do seu companheiro, mas possivelmente arriscara a missão, um exército de Servos jorrou
de todas as direções. Um tiroteio se fez. Kade e Brock mergulharam atrás da construção mais próxima, devolvendo fogo para um grupo de Servos que se aproximara deles
vindo do lado oposto.
Em meio à cortina de neve espessa, Kade notou a companhia adicional de Servos próxima a um prédio baixo de tijolos aparentes que protegia a entrada da mina. Uma
dúzia deles saiu para fortificar a frente da construção, enquanto, atrás deles, outros mais apareciam nas janelas, que foram escancaradas, revelando canos longos
de semiautomáticas de alto calibre.
Balas voavam de todas as direções enquanto Kade e os outros tentavam ceifar a linha de frente e abrir caminho até a entrada da mina, evidente centro nervoso das
operações de Dragos no local. Os guerreiros abateram diversos alvos, mas não sem receber alguns tiros. Embora a genética da Raça lhes desse rapidez para antecipar
e se desviar de tiros, no calor da batalha era fácil perder o rumo – e, potencialmente, a cabeça também.
Kade levou um tiro de raspão no ombro enquanto atirava nos Servos. Ao seu lado, Brock se desviou de uma bala e quase não conseguiu se desviar de outra. O restante
dos guerreiros foi submetido a ataque semelhante e, como Kade e Brock, devolvia na mesma medida que recebia. Servos Humanos caíam por todos os lados, até que restaram
somente alguns guardas obstinados à frente da entrada da mina.
Então, como que para aumentar o desafio, a porta de aço do prédio foi aberta e uma forma imensa trajando preto emergiu.
– Assassino – Kade sibilou para Brock quando o imenso macho da Primeira Geração que tinha sido visto antes com o tenente de Dragos saiu para se juntar à confusão.
Assim que ele disse isso, um dos guerreiros quebrou a formação e avançou, com a arma disparando.
Cacete.
Hunter.
– Deem cobertura! – Tegan exclamou, mas Kade e os outros já estavam fazendo isso, erguendo-se de suas localizações e entrando em posição atrás do antigo assassino
para acabar com o inimigo e invadir a entrada da mina à força.
Muitos metros adiante, as passadas longas e determinadas de Hunter mastigavam o terreno coberto de neve, enquanto ele corria para se desviar da rajada de tiros que
vinha na direção dele pela direita. Outra saraivada respondeu, e o Primeira Geração levou uma bala na coxa esquerda. Depois outra no ombro direito.
Hunter sequer vacilou ao ter a pele rasgada com o impacto. De cabeça baixa, ele abaixou a arma e avançou numa velocidade que somente os olhos de um integrante da
Raça poderiam acompanhar. Toda a sua fúria – toda a sua intenção letal – estava concentrada no outro assassino de Primeira Geração, o macho da Raça que nascera e
fora criado do mesmo modo que ele, e que fora treinado para ser perito em apenas uma coisa: lidar com a morte.
No mesmo momento em que Hunter avançou, o assassino soltou as armas que segurava e se lançou no ar num grande salto. O par de Primeiras Gerações colidiu num baque
de ossos e músculos. Ao caírem no chão, travados num combate corpo a corpo violento que não terminaria até que um deles estivesse morto, o restante dos guerreiros
se movimentou rapidamente para dizimar os Servos restantes que guardavam a mina.
As duas batalhas foram violentas, sangrentas e pareceram acontecer num vácuo de tempo que era tanto agonizantemente lento quanto acelerado como se na velocidade
da luz.
Kade e os outros convergiram para a entrada da mina. Sangue, ossos e balas pulverizaram a escuridão coberta de neve. Servos caíram em maior número agora, seus gritos
agonizantes e agudos rompendo a noite, enquanto as sirenes da mina continuavam tocando.
E no chão, ali perto, Hunter e o assassino rolavam e giravam em movimentação indistinta, socando-se mutuamente. Enquanto Kade acabava com mais um Servo na entrada,
ele viu a brancura das presas do assassino na escuridão, quando o Primeira Geração abriu a carranca para morder o ombro de Hunter.
Kade teve uma oportunidade para atirar no bastardo, mas, no meio do caos que os rodeava, seria uma chance mínima. Se errasse, poderia acabar colocando uma bala na
cabeça de Hunter.
Soltou uma imprecação e mirou – bem quando Hunter agarrou a coleira de polímero preta ao redor do pescoço do assassino e o afastou. Hunter o golpeou no peito. Impiedosamente
e em silêncio, ele agarrou a imensa cabeça careca do vampiro entre as mãos e a bateu com força no chão duro de neve compactada. Kade ouviu o baque dos ossos do crânio
reverberar sob suas botas.
A luta do assassino desacelerou, mas Hunter ainda não tinha acabado. As mãos se moveram com eficiência inflexível e força implacável, e ele suspendeu o fardo pesado
do outro macho e fez o assassino incapacitado voar pelos ares. O corpo se chocou contra a lateral de um dos contêineres e a coleira eletrônica do assassino jorrou
uma saraivada de faíscas quando atingiu o aço corrugado.
– Ah, merda! – exclamou Kade, tendo visto de antemão o que aquelas coleiras faziam. – Explosão de raios UV, todos para baixo!
Seu comando fez Hunter e o restante dos guerreiros ir direto para o chão. Assim que se abaixaram, houve um súbito flash ofuscante de pura luz branca. O raio ultravioleta
disparou debaixo da cabeça do assassino, atravessando pele, carne, tendões e ossos. Quando se extinguiu no instante seguinte, o imenso assassino da Primeira Geração
jazia na neve derretida num amontoado alquebrado, a cabeça careca e coberta por glifos cortada do resto do corpo.
Sem piscar, Hunter sacou a pistola do coldre e apertou o gatilho mais algumas rodadas na direção de um punhado de Servos que cambaleava por perto, temporariamente
cegos pela explosão do segundo anterior. Kade e o resto do grupo se uniram a ele e, em questão de poucos momentos, nada ficou de pé entre eles e a entrada da mina
a não ser um campo de cadáveres.
Tegan chutou a porta de aço e liderou o grupo para dentro do prédio. A sala da frente estava vazia, a não ser pela carnificina de mais Servos e algumas câmeras de
segurança. No fundo do cômodo havia outra porta, também de aço, mas fortificada por um trinco pesado e uma trava giratória, como a de um cofre de banco.
– Brock – chamou Tegan –, me passe um pouco do C-4.
Brock se adiantou e tirou das costas a mochila com munição. Apanhou um dos bolos claros de material explosivo e cortou um pedaço pequeno. Quando o pressionou na
porta de aço e acionou a pólvora, todos voltaram a sair e cobriram as cabeças no instante em que ele apertou o detonador e estourou a porta.
– Entramos – disse, quando a fumaça e a poeira começaram a baixar.
Empurraram a porta estourada e entraram cautelosamente no corredor do outro lado. Quartos com beliches enfileiravam-se em um dos lados da passagem, presumivelmente
para os Servos que guardavam o local. Mais no fundo, havia um depósito, uma cozinha simples e, mais além, uma sala de comunicação que parecia ter sido evacuada há
pouco tempo.
Os guerreiros continuaram a busca, passando por um cômodo espartano que não era mais que uma cela de prisão sem luz nem cama, apenas uma coberta dobrada no chão.
Sobre um banquinho baixo no canto havia uma caixa aberta de munição e a bainha de uma adaga grande.
Hunter olhou dentro do quarto com um olhar impassível.
– O assassino dormia aqui.
A cela fria contrastava com o dormitório opulente que o grupo encontrou poucos metros adiante no fim do corredor. Através de uma porta parcialmente aberta, Kade
vislumbrou muita madeira escura lustrada e mobília luxuosa. Atrás de uma escrivaninha de cerejeira imaculada, uma cadeira de couro ainda girava, movimentando-se
pela partida abrupta do seu ocupante recente.
Sem dúvida, a suíte luxuosa pertencia ao tenente de Dragos.
Kade indicou o quarto restante enquanto seguiam pela passagem, antes que o corredor se abrisse na própria mina.
– Ele só pode ter fugido numa direção.
– É. – O olhar verde de Tegan o encontrou em sinal de concordância. – Direto para uma armadilha.
Gesticulou para que os outros ficassem atrás dele, depois liderou o caminho até a boca escura do corredor.
Capítulo 24
A nevasca que começara de maneira bem suave estava se intensificando em flocos persistentes e pesados enquanto Alex e Luna voltavam da entrega feita na floresta.
Alex estava contente em ter podido ajudar a jovem mãe que contara com ela, mas ainda estava preocupada por não ter conseguido falar com Jenna. Pegou o celular e
tentou falar com ela em seu chalé mais uma vez.
Ninguém atendeu.
A preocupação que vinha sentindo pela amiga só aumentou no tempo em que esteve fora, avolumando-se. E se Jenna estivesse enfrentando a situação de modo pior este
ano? Alex sabia que ainda era difícil, que ela ainda se desesperava com a perda do marido e da filha. E se o desespero tivesse se aprofundado dessa vez?
– Ah, meu Deus… Jenna. Por favor, permita que eu esteja errada.
Com Luna correndo ao seu lado, Alex acelerou a motoneve ao desviar da trilha de caça que no fim conduziria a Harmony. Em vez disso, afastou-se da cidade, indo na
direção do chalé de Jenna, a um quilômetro do centro.
Ela devia ter ainda uns quinze minutos de estrada quando viu algo se mover entre as árvores adiante. Não conseguiu discernir a forma na escuridão, mas parecia… uma
pessoa?
Sim, era isso mesmo. Alguém no meio da folhagem rasteira da floresta carregada de neve. Por mais incrível que fosse, apesar do frio de gelar, ele estava completamente
nu.
E não estava sozinho.
Muitas outras formas se materializaram nas sombras ao lado dele, formas escuras de quatro patas… uma alcateia de uma dúzia de lobos. A visão do homem e dos animais
silvestres juntos não a chocou muito, porém a deixou confusa.
Kade?
Alex diminuiu a velocidade da motoneve, Luna parando ao seu lado.
– Kade – chamou, o nome saindo apressado da sua boca como num sopro instintivo. Ela sentiu um breve instante de alegria em vê-lo, mas a razão a esmagou tal qual
uma marreta. Kade partira horas atrás para se encontrar com os guerreiros de Boston. O que poderia estar fazendo ali, daquele jeito?
Algo nele não parecia certo…
Aquele não podia ser Kade.
Mas… era.
O farol da motoneve cravou seu facho sobre ele. Os lobos se espalharam pela floresta, mas ele parou ali, sozinho, um braço erguido para proteger os brilhantes olhos
cor de âmbar da luz forte. Seus dermaglifos estavam tão escuros contra a pele e algo quase tão negro – algo que sua mente se recusou a reconhecer a princípio – lambuzava
sua pele dos pés à cabeça.
Sangue.
Ah, meu Deus…
Ele estava machucado… muito machucado, a julgar pela aparência horrível.
O coração de Alex deu um salto dentro do peito. Ele estava machucado. Sua missão com a Ordem deve ter ido terrivelmente mal.
– Kade! – exclamou ao descer da moto e começar a correr na direção dele. Luna a circundou, bloqueando o caminho e latindo bem alto, um aviso ou, talvez, até mesmo
a cadela pudesse ver que havia algo de muito errado com ele.
– Kade, o que aconteceu com você?
Ele inclinou a cabeça na direção dela e a encarou como se estivesse hipnotizado, o cabelo negro desgrenhado no alto da cabeça e molhado. Mesmo com os trinta metros
que os separavam, Alex conseguia ver sangue borrifado no rosto, descendo em linhas pelo queixo.
Por que ele não respondia?
Que diabos havia de errado com ele?
Alex parou, os pés subitamente se recusando a se mover.
– Kade? Ai, meu Deus… por favor, fale comigo. Você está machucado. Conte-me o que aconteceu.
Mas ele não proferiu nem uma palavra.
Como uma criatura da floresta, ele se afastou dela, desaparecendo nas sombras escuras.
Alex o chamou, mas ele não estava mais à vista. A luz da motoneve invadia a parte entre as árvores onde Kade e os lobos estiveram. Ela deu alguns passos hesitantes,
tentando ignorar o nó de terror em suas entranhas e o alerta baixo do ganido de Luna ao seu lado.
Ela tinha que encontrar Kade.
Tinha que descobrir o que acontecera.
Os passos incertos de Alex se transformaram num trote, as botas se arrastando pela neve. Seu coração estava acelerado, os pulmões se contraindo a cada respiração
enquanto corria na escuridão gélida, seguindo o facho penetrante do farol da sua motoneve.
Ela arfou quando viu manchas de sangue na neve. Tanto sangue. As passadas de Kade estavam em todos os cantos. Assim como as marcas das patas da alcateia.
– Ai, meu Deus… – sussurrou Alex, sentindo-se nauseada, quase vomitando, ao se aventurar mais na floresta, seguindo a trilha de sangue.
Quanto mais ela avançava, mais a neve ficava escura. Sangue como ela nunca vira. Sangue demais para Kade ter perdido e ainda conseguir ficar de pé e correr como
tinha corrido ao perceber quem ela era.
Alex andou entorpecida, todos os seus instintos clamando para que ela desse meia-volta antes que visse algo que nunca seria capaz de arrancar da lembrança.
Mas ela não conseguia se virar.
Não conseguia fugir.
Ela tinha que saber o que Kade estivera fazendo.
Os pés de Alex desaceleraram ao chegarem ao lugar onde a carnificina se iniciara. A sua visão embaçou quando ela viu o resultado de um ataque feroz. Um ataque de
vampiro – pior do que qualquer outra selvageria vista por ela. Outro ser humano, outra pessoa inocente, brutalizada pelos monstros assassinos dos seus pesadelos.
Brutalizada por Kade, ainda que ela nunca tivesse acreditado se não tivesse visto com os próprios olhos.
Alex não conseguia se mexer. Deus, ela mal conseguia ficar de pé ali, atordoada com um choque e um horror tão profundos que ela não era nem capaz de juntar fôlego
para gritar.
Kade sentiu algo estranho no peito quando ele e os outros guerreiros avançaram pelo corredor da entrada da mina. Prosseguiu pelo escuro, com a pistola na mão pronta
para ser usada, tentando desprezar a sensação gélida que se avolumava atrás do esterno.
Caramba, será que tinha levado um tiro durante a confusão anterior?
Secretamente, procurou por um ferimento ou pela umidade de sangue derramado, mas não encontrou nada. Nada além de uma dor fantasma que parecia querer sugar o ar
dos seus pulmões. Sacudiu-se, tentando manter a atenção focada na caverna escura que se estendia à frente dele e dos outros guerreiros.
As sirenes ainda soavam atrás deles; nada além do silêncio os aguardava nas profundezas da mina. Em seguida, um resvalar mínimo de sapatos surgiu de algum lugar
bem no fundo da escuridão. Kade ouviu e tinha certeza de que o resto dos guerreiros também ouvira.
Tegan ergueu a mão para impedir o avanço deles na passagem.
– Parece que este lugar dos infernos está vazio – disse ele, tentando atrair o tenente de Dragos ao falar para o abismo obscuro adiante. – Me passe um pouco de C-4.
Vamos explodir esse filho da…
– Espere – a voz imparcial soou arrogante e relutante, um grunhido no meio do escuro. – Apenas espere… por favor.
– Apareça – ordenou Tegan. – Venha bem devagar, cretino. Se estiver armado, vai comer chumbo antes de dar o primeiro passo.
– Não tenho nenhuma arma – a voz rugiu a resposta. – Sou um civil.
Tegan escarneceu.
– Não hoje. Apareça.
O associado de Dragos apareceu na escuridão conforme fora instruído, mas só um pouco. Vestindo calças de alfaiataria cinza e uma casimira preta, ele se parecia mais
com um chefe de estratégia do que um militar tático. Pensando bem, pelo que a Ordem vira no passado a respeito dos associados escolhidos a dedo por Dragos, ele parecia
recrutar seus tenentes baseando-se mais no pedigree e na capacidade para a corrupção do que em qualquer outra coisa.
Com as mãos erguidas num gesto de rendição, o homem de Dragos permanecia na escuridão da entrada da mina. Ele se movia com lenta deliberação, a expressão culta atenta,
sem conseguir disfarçar muito bem o medo quando seus olhos captaram os cinco guerreiros da Raça mantendo-o em suas miras letais.
– Quem é você? – Tegan exigiu saber. – Qual o seu nome?
Ele não disse nada, mas seu olhar pareceu desviar ligeiramente para o lado.
– Há alguém com você aí dentro? – perguntou Tegan. – Onde está o Antigo? Onde está Dragos?
O macho avançou um passo com hesitação.
– Eu preciso de algum tipo de garantia por parte da Ordem – ele ousou dizer, seguido de novo desvio de olhar. – Eu preciso de um refúgio…
Um tiro explodiu na escuridão, interrompendo as palavras, visto que arrancou uma parte considerável da cabeça do vampiro.
– Assassino – grunhiu Hunter na mesma hora, mas seu aviso foi eclipsado por mais disparos vindo da escuridão.
O tenente de Dragos – o vampiro que poderia ter fornecido à Ordem uma pista sobre o inimigo – estava caído no chão num monte inerte e ensopado. Kade e os outros
quatro guerreiros abriram fogo na direção da boca escura da caverna, saraivando a área ao descarregar seus pentes de munição ao mesmo tempo em que se desviavam dos
tiros a eles direcionados.
– Procurem abrigo! – exclamou Tegan quando os tiros recebidos não davam sinal de parar.
Kade e Brock mergulharam no quarto mais próximo à entrada da caverna, Tegan foi logo atrás. Chase e Hunter assumiram seus postos mais à frente na passagem, devolvendo
fogo para a chuva incansável de balas que atravessava a escuridão.
– Brock – disse Tegan com as presas cintilando na escuridão. – Jogue um pouco de explosivo no corredor. Atiramos daqui para detoná-lo.
Brock abaixou a pistola e pegou a sacola de C-4 da mochila. Trabalhando rapidamente, ele colocou uma cápsula explosiva e um pequeno detonador na pasta branca. Assim
que terminou, acenou para Tegan.
– Tem que acertar em cheio. Se não acertarmos o detonador embutido, não temos faísca.
Kade captou o olhar negro do guerreiro.
– Sem faísca, sem explosão.
– Isso mesmo.
– Jogue – disse Tegan.
Brock se moveu para a abertura da porta. Jogou o C-4 num arco alto, e ele desapareceu nas sombras da entrada da mina; os três abriram fogo. Foi difícil determinar
se eles tinham acertado a pasta, até que uma faísca brilhou no escuro. Em seguida, o material explodiu com um estampido atordoante.
Uma nuvem crescente de fumaça e de cascalho avançou como um tsunami, lançando pedaços de concreto e poeira asfixiante na sala em que Kade, Brock e Tegan tinham entrado
para se protegerem.
E depois, avançando em meio à onda cegante de escombros, apareceu o assassino da Primeira Geração.
Ele não passava de um borrão de movimento, avançando como uma bala de canhão. Tegan pulou para interceptá-lo, e logo os dois machos da Primeira Geração se engalfinharam
numa luta mortal. A escuridão e a nuvem de detritos os engoliu quando a luta se intensificou, as armas batendo no chão de pedra, punhos batendo em carne e ossos.
Um odor pungente e repentino de sangue surgiu da confusão dos movimentos.
Um rugido de fúria – o grito grave de ódio de Tegan… depois silêncio.
Alguém encontrou um interruptor e o apertou. Tubos fluorescentes iluminaram o corredor numa luz branco-azulada nebulosa.
E lá estava Tegan, com a coxa sangrando por conta de um ferimento profundo, a adaga de titânio serrilhada entre o pescoço grosso do assassino e a coleira de polímero
preta que o circundava.
– Devagar, agora – ele aconselhou o assassino doméstico de Dragos. – Levante-se bem devagar.
O Primeira Geração careca grunhiu, os olhos reluzindo ódio puro.
– Vai se foder.
– Levante – ordenou Tegan. – Devagar. É muito fácil perder a cabeça numa situação como essa.
De má vontade e irradiando perigo, o assassino se pôs de pé. Com Kade e os outros apontando as armas para o vampiro, Tegan lentamente o conduziu para a sala mais
próxima. A função da sala era conhecida o bastante para Kade, uma vez que ele e a Ordem já tinham se deparado com uma similar quando atacaram o quartel-general de
Dragos em Connecticut, apenas poucas semanas antes. Era uma cela, com uma gaiola cilíndrica no meio, com amarras eletrônicas e painel de controle computadorizado,
projetada para receber um prisioneiro em particular.
– Onde está o Antigo? – Tegan exigiu saber, guiando o assassino para as amarras que haviam sido feitas para prender o extraterrestre. Tegan relanceou para Kade e
Brock. – Amarrem esse filho da puta.
Cada um deles pegou uma mão e prendeu uma algema em cada pulso do Primeira Geração. Enquanto eles prendiam os braços, Chase se aproximou e ajustou duas outras algemas
nos tornozelos.
– Onde está o Antigo? – Tegan perguntou uma vez mais, as palavras saindo tensas. – Ok, que tal assim: onde está Dragos? Obviamente ele está diversificando suas atividades
agora, transferindo as operações em vez de mantê-las num só lugar. Então, ele mudou o Antigo para este depósito frio, mas e quanto ao resto? Onde estão as Companheiras
de Raça que ele mantém como prisioneiras?
– Ele não vai saber – a voz profunda de Hunter sobressaiu-se sobre o barulho das sirenes do lado externo e a tensão crescente dentro da câmara de contenção do Antigo.
– Dragos não nos diz nada. Como seus caçadores, nós servimos. Apenas para isso.
Tegan rosnou, parecendo querer disparar a coleira do assassino ali, naquela hora. Mantendo uma mão na adaga que pressionava a coleira de UV, ele pôs a outra mão
na testa do assassino e empurrou a cabeça grande.
– Filho da puta. Ele sabe de alguma coisa.
A boca do assassino se curvou numa piada particular.
– Comece a falar, seu merdinha de laboratório, ou vai virar fumaça agora mesmo.
O olhar do assassino era glacial.
– Todos nós vamos virar fumaça – ele sibilou por entre dentes e presas.
Kade relanceou para o painel de controle na parede oposta, só naquele segundo percebendo que havia um relógio digital retrocedendo na marca dos cinco minutos. Além
do frio que esmagava seu peito, agora havia uma sensação de déjà vu agarrando-se a ele quando ele viu que o mecanismo autodestruidor da mina contava os segundos.
– Merda. Ele já apertou o botão. Este lugar vai explodir inteiro.
Tegan grunhiu, baixo e letal, ao afastar a adaga debaixo do queixo do assassino e deixá-lo ali, na cela do Antigo. Kade e os outros recuaram quando ele se aproximou
do painel de controle e apertou a tecla que operava as grades de luz ultravioleta. Os fachos verticais de luzes reviveram, circundando o assassino, aprisionando-o
de um modo mais seguro do que qualquer metal o faria.
– Vamos sair daqui – disse Tegan, partindo para a porta. O restante dos guerreiros saiu atrás dele, Kade e Brock na retaguarda.
Brock parou para lançar um sorriso amplo para o prisioneiro.
– Não vá a parte alguma, entendeu?
Normalmente, Kade teria rido do humor sombrio do parceiro, mas era bem difícil apreciar qualquer coisa quando seu coração batia como se ele tivesse corrido cem quilômetros
e suas veias estavam acesas com o mesmo tipo estranho de frio que se abrigara no seu peito.
Correu com o restante do grupo para fora do prédio da mina até o pátio externo, que mais parecia uma zona de guerra. As sirenes berravam mais alto do lado de fora,
gritando no meio da noite. A neve descia num ritmo furioso, encobrindo o campo de corpos de Servos e fazendo a visibilidade cair a quase zero.
– Precisamos dar um adiós a esses corpos, garantir que não sobre nada depois da explosão deste lugar – disse Tegan. – Venham, vamos arrastá-los para dentro de um
dos prédios e detoná-los com o que resta do C-4.
– Pode deixar – disse Brock.
Kade se uniu aos outros guerreiros que trabalhavam para limpar o pátio antes que o relógio autodestrutivo chegasse a zero. Estava mais difícil para ele respirar,
o sangue pulsava com as próprias sirenes de alarme, a consciência cobrindo a onda de adrenalina e o foco de combate que permearam seus sentidos por boa parte do
confronto na mina.
Enquanto ele e os companheiros arrastavam os últimos Servos mortos, e os primeiros estrondos de explosão começavam a sacudir o chão, a causa do seu incômodo interno
o atingiu.
Alex.
Puta merda.
Alguma coisa tinha acontecido. Ela estava perturbada, abalada. Algo terrível acontecera com ela… a horrorizara. E ele sentiu o trauma dela como se fosse seu, porque
sorvera o sangue dela, e era esse elo de sangue que vinha clamando em suas veias.
Seu nome era um chamado – uma oração – quando o chão debaixo dele começou a tremer, e a companhia de mineração explodiu pelos ares atrás dele.
Capítulo 25
– Tudo bem, Alex, mas espere um segundo só. Devagar, ok? – Zach Tucker fechou devagar a porta do abrigo atrás de sua casa e olhou para Alex em completa descrença.
Ela não poderia culpá-lo. Ninguém em seu juízo perfeito acreditaria no que ela acabara de lhe contar – não a menos que tivessem visto com seus próprios olhos. –
Está me dizendo que acabou de encontrar outro corpo na floresta e acha que foi um ataque… de vampiro?
– Sei que foi, Zach – seu coração doeu quando ela disse isso, mas a imagem de Kade e a do corpo trucidado que ele deixara para trás dilacerava-a como garras gélidas.
– Ai, meu Deus, Zach… Sei que não acredita em mim, mas é verdade.
Ele franziu o cenho e a fitou por um longo momento.
– Por que não entra? Está frio demais aqui, você está tremendo como vara verde.
Não por conta do frio do exterior, mas pela confusão e pelo terror ao descobrir que Kade a traíra. Ele jurara ser diferente dos monstros dos seus pesadelos, e ela
acreditara. Ela teria acreditado em tudo o que ele lhe dissesse, se não tivesse acabado de ver a prova sangrenta da sua traição.
– Venha – disse Zach, passando o braço ao redor dos ombros dela e guiando-a para fora do abrigo, tomando a direção da casa. Luna se levantou para segui-los, acompanhando
os passos de Alex, mas antes que a malamute conseguisse entrar na casa, Zach fechou a porta em seu focinho. – Sente-se, Alex. Vamos devagar, ok? Ajude-me a entender
o que você acha que viu.
Obedecendo, entorpecida, ela se afundou no sofá na sala de estar. Ele se acomodou ao seu lado.
– Eu não acho que vi nada, Zach. Eu vi de verdade. Tudo o que contei a você é verdade. Vampiros existem.
– Ouça o que está dizendo. Isso não se parece em nada com você, Alex. Tem agido de maneira estranha desde o ataque aos Toms. Desde que aquele cara – Kade – apareceu
em Harmony. – Seu olhar se estreitou. – Ele te deu drogas? É isso o que ele está fazendo aqui em Harmony? Por que se esse cretino acha que pode chegar na minha cidade
para começar a traficar…
– Não! – Alex balançou a cabeça. – Deus, é isso o que você está achando? Que estou te contando isso porque estou drogada?
– Eu tinha que perguntar – contemporizou, ainda observando-a com uma intensidade que a incomodava. – Desculpe, Alex, mas tudo isso parece meio… uma loucura, ora.
Ela exalou profundamente.
– Sei o que isso parece. Assim como você, não quero acreditar nisso. Mas é a verdade. E sei disso desde que eu tinha nove anos de idade.
– Como assim?
– Os vampiros, Zach. Eles são reais. Há muitos anos, eles mataram a minha mãe e o meu irmão.
– Você disse que tinha sido um motorista embriagado.
Ela balançou a cabeça lentamente.
– Não foi. Eu vi o ataque com meus próprios olhos. Foi a pior coisa que já vi na vida. E não precisei ver o ataque a Pop Toms e à família dele para saber que o mesmo
mal os matou. Eu deveria ter dito alguma coisa. Talvez eu pudesse ter impedido o que aconteceu a eles, ou a Lanny Ham e Big Dave.
A carranca de Zach se acentuou.
– Está dizendo que vampiros os atacaram na caverna?
– Um vampiro – corrigiu-o. – O mesmo que provavelmente matou a família Toms. Ele é mais forte que os outros vampiros, Zach. É um dos pais de toda a raça de vampiros.
E ele… ele não é deste mundo.
Zach se recostou no sofá e emitiu uma gargalhada.
– Meu Deus, Alex! Mas que merda você está me dizendo? Você me parece bem sóbria, mas só pode estar completamente chapada se está esperando que eu acredite nessa
merda toda. Vampiros alienígenas, é isso o que está me dizendo?
– Sei que é difícil de imaginar que algo assim possa existir, mas estou dizendo que existe. Vampiros existem, e eles se chamam de Raça. – Ela parou antes de mencionar
Kade, pois ainda não estava pronta para traí-lo, ainda que ele não tivesse dificuldade alguma em fazer o mesmo.
Zach se levantou e estendeu as mãos para ela.
– Vá para casa e tente dormir um pouco para ver se isso passa.
– Preste atenção – suplicou ela, desesperada para que ele não a dispensasse pensando que estivesse drogada ou louca. Via que estava perdendo aquela batalha e temia
que seu fracasso em convencê-lo pudesse custar as vidas de outras pessoas. – Zach, por favor! Temos que avisar as pessoas. Você tem que acreditar em mim.
– Não, Alex, não tenho. – Ele se virou para fitá-la e havia algo de brutal em sua expressão. – Nem sei se posso acreditar em nada que tenha me contado hoje, inclusive
na sua alegação de haver outro cadáver na floresta. Não tenho tempo para esse tipo de merda, ok? Tenho meus próprios problemas! As pessoas já estão bem nervosas
com o que tem acontecido aqui. Os estaduais chegam amanhã, e a última coisa de que preciso é você me trazendo mais dor de cabeça com um monte de asneiras sobre alienígenas
assassinos com sede de sangue correndo à solta na floresta!
Alex desviou os olhos, sem suportar a fúria do olhar dele.
Nunca o vira tão zangado. Tão… descontrolado. Ele estava praticamente em pânico, e não parecia ser pelo que ela lhe dissera. Ao virar a cabeça, notou umas cédulas
enroladas sobre a mesinha lateral e um celular que lhe parecia vagamente familiar. Encarou os dois itens, e uma suspeita estranha começou a se formar em sua espinha.
– Esse não é o celular de Skeeter Arnold?
Zach se surpreendeu com a pergunta.
– O quê? Ah. Sim. Eu o confisquei do merdinha hoje de manhã.
Ele pegou o rolo de notas de vinte sem oferecer nenhuma explicação e o colocou no bolso da calça, os olhos presos nela o tempo inteiro. O sangue de Alex desacelerou
nas veias, esfriando de modo estranho.
– Não vi Skeeter hoje. Quando você se encontrou com ele?
Zach deu de ombros.
– Acho que não foi muito antes de você aparecer aqui. Deduzi que os estaduais iriam querer o aparelho por causa da investigação deles, já que foi usado para a filmagem
na propriedade dos Toms.
Essa explicação fazia sentido.
Porém…
– Quando foi mesmo que o viu?
– Mais ou menos uma hora atrás – respondeu ele, de modo seco. – Por que isso importa?
Ela sabia por que ele estava na defensiva, mesmo sem ter que esticar a mão para tocá-lo e confirmar com seu dom de adivinhar a verdade. Zach estava mentindo. Já
fazia horas que Skeeter estava morto – pelas mãos de Kade, depois que Skeeter acabara de vez com Big Dave.
Por que Zach estaria mentindo para ela?
Enquanto a pergunta se formava em sua mente, ela pensou no dinheiro que Zach guardara e no celular que ele não teria como ter pegado no momento em que alegara tê-lo
feito… e no fato de que, apesar de quase a cidade inteira de Harmony e das comunidades que a cercavam saber que Skeeter tinha ligações com o tráfico de drogas e
com bebidas ilegais, Zach nunca encontrara provas suficientes para prendê-lo. Talvez Zach não tivesse procurado com muita vontade.
Ou talvez Zach não tivesse vontade de remover Skeeter Arnold do seu ramo de atividade.
– Ai, meu Deus… – murmurou. – Você e Skeeter tinham um tipo de arranjo, Zach?
O olhar defensivo dele se acentuou ainda mais.
– Que diabos você está falando?
Alex se levantou, sentindo parte do horror por tudo o que acontecera naquele dia se dissolver sob o calor do seu ultraje.
– Tinham, não tinham? Todas aquelas suas viagens para Anchorage e Fairbanks. Era lá que você conseguia o estoque dele? Que tipo de comissão você arrancava dele por
ele repassar as drogas, ou às custas dos garotos nativos que desperdiçavam a vida com as bebidas que ele vendia ilegalmente? Bons garotos como Teddy Toms…
Os olhos de Zach arderam de fúria, mas ele lhe lançou um sorriso de empatia.
– É isso mesmo o que você acha de mim? Você me conhece há anos, Alex.
– Será? – ela balançou a cabeça. – Não tenho mais certeza. Não tenho mais certeza de nada.
– Então me deixe cuidar de você – disse ele num tom gentil, mas que não a convenceu. – Vou pegar o meu casaco e vou levá-la para casa para que possa descansar. Acho
que é disso que você está precisando, Alex. – Pressionou os lábios e balançou a cabeça uma vez. – Já volto, está bem?
Enquanto ele saía da sala, Alex continuou de pé, sobrecarregada de incertezas.
Era como se lhe tivessem tirado o chão debaixo dos pés. Já não sabia em quem podia confiar.
Não em Kade.
E, pelo visto, tampouco em Zach.
Ela não considerava sensato confiar nele agora.
Chamas e fragmentos voaram pelos ares na escuridão quando a mineradora explodiu atrás dele.
Kade relanceou para trás, sentindo a força do calor em expansão contra o rosto, o calor que transformara a tempestade de neve que caía sobre ele e sobre seus companheiros
guerreiros numa chuva breve e morna. Esse calor não durou muito. O frio enregelante retornou, concentrado no peito de Kade.
– Alex… – sussurrou.
Ele tinha que encontrá-la.
Brock lhe lançou um olhar preocupado.
– O que foi?
Kade esfregou a dor gélida por trás do peito.
– Não sei bem. É Alex, e o que quer que eu esteja sentindo, não é nada bom.
Mesmo tendo certeza, por conta do elo de sangue que os unia, que ela não estava em perigo mortal, seus instintos ordenavam que fosse procurá-la. Mas ele tinha uma
obrigação para com a Ordem, e um dever para com os guerreiros, com os quais ele já poderia ter fracassado ao perder de vista o foco daquela missão. O posto militar
de Dragos no Alasca fora destruído, alguns dos seus homens também foram eliminados, mas o Antigo ainda estava à solta. A missão dos guerreiros só estaria completa
quando o alienígena letal fosse localizado e contido.
– Merda – sibilou.
Aquilo não era nada bom. Não poderia continuar nem mais um segundo sem pelo menos falar com Alex. Tinha de se certificar de que ela estava bem. Uma parte sua só
precisava ouvir a voz dela.
– Ligue para ela – sugeriu Brock. Quando Kade hesitou, perguntando-se por que o gelo em seu peito subia pela garganta e tinha o sabor do terror, Brock lhe lançou
um olhar grave. – Telefone para a sua fêmea.
Kade pegou o celular do bolso e se afastou alguns metros dos guerreiros. Discou o número de Alex. O telefone tocou três vezes antes que ela atendesse.
– Alex? – ele a chamou no silêncio do outro lado da linha. Às suas costas, a crepitação das chamas e a chuva suave dos estilhaços pareceram ensurdecedores ante o
silêncio dela. – Alex… você está aí? Consegue me ouvir?
– O que você quer? – Ela parecia um pouco sem fôlego, como se estivesse andando apressada.
– O que eu quero… – ecoou ele. – Eu… você está bem? Sei que está perturbada. Estou sentindo isso. Fiquei preocupado que algo tivesse acontecido…
A zombaria dela o acertou nos joelhos.
– Engraçado. Quando o vi antes, você não pareceu se preocupar por eu estar perturbada.
– O quê? – Ele balançou a cabeça, tentando entender o que ela dizia. – O que está acontecendo com você?
– Você queria que eu o visse daquele jeito? Foi isso o que quis dizer quando disse que temia que eu o odiasse um dia? Porque, neste instante, não sei o que pensar.
– A voz dela demonstrava raiva e mágoa. – Depois do que vi, não sei o que estou sentindo. A respeito de você e de nós e de qualquer outra coisa.
– Alex, não sei do que está falando…
Mais respirações ofegantes, as botas dela esmagando a neve.
– O que foi aquela história de uma missão com a Ordem? Tudo besteira, não é, Kade? Um joguinho seu para me fazer acreditar que você é algo melhor do que é na verdade?
– Alex…
Ela sufocou o choro.
– Meu Deus, tudo o que houve entre nós não passou de um monte de besteira, não é?
Kade se afastou ainda mais da destruição atrás dele e dos guerreiros, que haviam notado seu afastamento do grupo.
– Alex, por favor. Conte-me que diabos está acontecendo.
– Eu vi você! – exclamou ela. – Eu vi, Kade. Na floresta, coberto de sangue, correndo com uma alcateia de lobos. Vi o que você fez com aquele homem.
– Ah, meu Deus… – murmurou, a compreensão o esmagando como uma onda gigante. – Alex…
– Eu te vi! – sussurrou ela agora, a voz se partindo. – E sei que você me viu, porque você olhou bem na minha direção.
– Alex, não era eu – disse ele, com o coração pesado. – Era o meu irmão. Meu irmão gêmeo, Seth.
– Ora, por favor – caçoou ela. – Que conveniente você se lembrar dele agora. Deixe-me adivinhar, você é o Dr. Jekyll e ele é o Mr. Hyde.2
Kade compreendia a dúvida dela. Entendia a raiva dela e seu desprezo por ele. As emoções dela invadiam seu peito, apertando-lhe o coração como se estivesse sendo
segurado por mãos de ferro.
– Alex, você não entende. Não quis contar sobre o Seth porque tinha vergonha. Dele, do que ele fez. De mim também e do fato de que não pus um fim à loucura dele
antes. Não lhe contei sobre ele porque pensei que você pudesse achar que sou como ele. – Ele soltou um suspiro pesado. – Que inferno… talvez fosse apenas questão
de tempo antes que você percebesse que sou como ele.
Ela ficou em silêncio por um bom tempo, o ruído de passos parando. Ao fundo, ele ouvia os latidos de Luna.
– Vou desligar agora, Kade.
– Espere. Preciso ver você. Onde você está, Alex?
– Eu não… – Ela inspirou profundamente, exalando num sopro. – Não quero ver você. Não agora. E talvez nunca mais.
– Alex, não posso deixar que você faça isso. Quero conversar com você. Pessoalmente, não assim. – Ele fechou os olhos, sentindo parte da esperança desvanecendo.
– Diga onde está. Posso chegar à sua casa em poucos minutos…
– Não estou em casa. Depois do que vi hoje, fiquei sem saber o que fazer ou aonde ir. Por isso procurei por Zach.
O policial humano. Merda.
O pânico surgiu no peito de Kade.
– Alex, sei que está triste e confusa, mas não conte a ele nada sobre…
– Tarde demais – murmurou ela. – Tenho que ir, Kade. Fique longe de mim.
– Alex, espere. Alex! – O celular emitiu um sinal quando a ligação foi interrompida. – Maldição.
Ele tentou ligar novamente, mas não obteve resposta. Três toques, quatro… caiu na caixa de mensagens e ele desligou.
Tentou novamente. Mesmo resultado.
– Merda! – rosnou com raiva, frustração e fúria ante si mesmo pelo que Alex passara. Um trauma pelo qual ele tinha responsabilidade e que, provavelmente, lhe custaria
a mulher que ele tinha esperanças de poder ter ao seu lado pelo resto da vida.
Quando se virou, Tegan estava logo ali.
– Isso não me parece nada bom.
Kade sacudiu a cabeça de leve.
– Uma fêmea, obviamente – Tegan concluiu. – A Companheira de Raça de Harmony?
Kade sustentou o olhar do guerreiro da Primeira Geração.
– Estou ligado a ela. E eu a amo.
Tegan, um macho da Raça igualmente comprometido, grunhiu.
– Existem coisas piores.
– É verdade – concordou Kade. – Existem coisas piores. Ela pensa que eu a traí. Não traí, mas não fui totalmente honesto com ela, e a decepcionei. Ela disse que
nunca mais quer me ver.
– Prossiga – disse Tegan.
– Alex sabe sobre a Raça – disse Kade. – Também sabe sobre o Antigo. Cacete, ela sabe de tudo. E acho que ela pode ter contado tudo a um policial de Harmony.
Tegan não piscou. Seu olhar era equilibrado, calculista. Implacável.
– Isso seria uma infelicidade.
Kade assentiu e emitiu uma imprecação.
– Acho que é tarde demais para detê-la. Ela disse que foi procurá-lo. Ela está magoada e assustada. Acredito que ela tenha procurado o humano em busca de ajuda.
– Entendo. – O rugido de Tegan foi tão profundo que mal se fazia ouvir. – Então parece que vamos para Harmony agora. Precisamos conter essa situação. E, caso seja
necessário, teremos que conter a sua fêmea também.
Referência a O Médico e o Monstro, livro escrito por Robert Louis Stevenson em 1886. (N.T.)
Capítulo 26
– Venha, Luna. Vamos embora.
Alex se sentou na motoneve que estava estacionada do lado de fora da casa de Zach e esperou que Luna se acomodasse na sua frente. Colocando o celular desligado no
bolso da parca depois dos telefonemas repetitivos de Kade, Alex só conseguiu ficar ali, um minuto parada na escuridão sob os flocos de neve, ordenando-se a simplesmente
inspirar e expirar.
Não conseguiria mais falar com ele. Não naquele momento. Seu coração estava fraco, e mesmo tendo dito a Kade para que se mantivesse afastado, havia uma parte sua
que o queria de volta, mesmo tudo estando tão confuso à sua volta. Talvez por causa disso ela ainda quisesse o conforto dos braços de Kade ao seu redor.
Ela ainda queria o seu amor.
Mas ela não sabia se poderia confiar em seus sentimentos agora. Nada lhe parecia claro. Desde que conhecera Kade, seu confortável mundo da dualidade preto e branco,
bom e ruim, se fora. Ele mudara tudo. Abrira-lhe os olhos, e ela nunca mais poderia voltar a viver como vivera.
Estava mudada para sempre, basicamente porque, não importando o quanto quisesse temê-lo, odiá-lo pelo que ele era, seu coração se recusava a abandoná-lo.
Alex deu partida na motoneve. Só precisava se afastar de todos para poder pensar, esfriar a cabeça. Precisava de um porto seguro, e só conseguia pensar em um lugar
onde poderia consegui-lo – o chalé de Jenna. Na confusão das últimas horas, a intenção de ir visitar a amiga fora desviada. Se existia uma pessoa na qual poderia
confiar agora, Alex sabia que essa pessoa era Jenna.
Atrás dela, a porta da casa de Zach bateu.
– Ei, aonde você vai? – ele a chamou, atravessando o quintal em passadas rápidas. – Eu disse que queria levá-la para casa, para garantir que você chegasse bem. Acho
que você não está em condições de…
– Não quero a sua ajuda, Zach. – Alex o fitou com seriedade, desgostosa em pensar que o considerara um amigo. Pior, que se permitira ter intimidades com ele uma
vez. Se Kade era perigoso por causa do sangue da Raça que fluía em suas veias, então Zach era uma ameaça muito maior pelo modo como estava disposto a usar pessoas
inocentes – corrompendo e arruinando vidas – em benefício próprio. – Quanto dinheiro você e Skeeter ganharam juntos ao longo dos anos? Por que valoriza tão pouco
as vidas das pessoas que jurou proteger e servir, já que se mostra disposto a desperdiçá-las como tem feito?
Zach a fitou de olhos arregalados.
– Você não sabe o que está dizendo, Alex. Está alucinando.
– Estou mesmo?
– Sim, está. – Ele se aproximou. – Temo que represente um perigo para si mesma.
– Na verdade está preocupado que eu seja um perigo para o seu sustento, não é?
Ele riu, mas sem humor algum.
– Como representante da lei, não posso, em sã consciência, permitir que saia da minha custódia estando assim, Alex. Agora desça da motoneve.
Ela balançou a cabeça e acelerou o motor.
– Vai se foder.
Antes que pudesse sair, a mão de Zach a segurou pelo pulso. Ele segurou firme seu braço, quase a desequilibrando. Alex viu, alarmada, que ele sacara a pistola do
coldre da cintura.
Ela arfou horrorizada, mas, nesse exato instante, Luna virou a cabeçorra e enterrou os dentes no braço que segurava Alex.
Zach gritou de dor e afrouxou a pegada, e Alex, passando um braço protetor ao redor de sua amada Luna para segurá-la à sua frente, acelerou o veículo, fugindo a
toda velocidade.
Acelerou em meio à cortina de neve, sem ousar olhar para trás.
Nem mesmo quando ouviu Zach gritando seu nome, seguido do ronco de outra motoneve que vinha atrás dela.
A mulher jazia inerte no piso do chalé, apenas o peito subia e descia lentamente com sua respiração. Estava em estado de transe, despercebida da incisão que ele
lhe fizera na nuca pouco tempo antes.
Essa incisão cuidadosa agora vertia um fio fino de sangue, enquanto ele permanecia agachado ao seu lado, juntando a delicada pele humana. Inclinou-se e lambeu o
fio cuprífero, depois pressionou a língua na ferida para selar a pele.
Seu corpo também se recuperara. As queimaduras dos raios ultravioleta esfriaram, a pele já não estava mais cheia de bolhas doloridas. Os ferimentos de bala na coxa
e no abdômen estavam fechados com uma pele regenerada. E a sede, que fora sua fiel companheira desde que escapara do cativeiro, por fim fora aplacada.
Agora que a mente estava lúcida, ele tinha a oportunidade de refletir, considerar o que o aguardava.
Mais fugas. Mais esconderijos, mais luta para ficar sempre um passo adiante da descendência que queria ou capturá-lo ou destruí-lo. Mais da mesma existência que
conhecera desde que ele e seus companheiros deram o primeiro passo naquele inóspito mundo humano.
Sobreviveria.
Mas com que finalidade?
Enquanto seus instintos garantiam que ele estava bem longe de ser derrotado, sua lógica calculava que não havia modo de um dia ele vencer. Não havia um fim a ser
vislumbrado, apenas mais do mesmo.
Ele e os outros sete conquistadores que haviam aterrissado ali há tantos e tantos anos deveriam ter sido reis dos seres humanos inferiores que habitavam aquele planeta.
Poderiam ter sido reis, não fosse pelo levante dos seus filhos meio-humanos. Não fosse pela guerra que o deixara sozinho, sua sobrevivência dependendo da traição
do filho que o mantivera escondido na caverna de uma montanha.
Não deveria ter ficado surpreso com a traição que o aguardava depois de ter despertado.
Depois do seu período de hibernação, esperava que o mundo tivesse se modificado, disposto como uma recompensa na qual ele poderia se banquetear. Todavia, ele fora
acorrentado e deixado à míngua, enfraquecido por drogas e tecnologia que ele imaginara estarem muito além da inteligência da humanidade grosseira que existia quando
ele a tinha visto pela última vez.
A Terra avançara. Não se parecia em nada com o que ele deixara para trás, mas apenas o bastante para que a vida ali para ele fosse uma eterna provação. Uma monotonia
infindável de dias e noites, de perseguições e recuos.
Ele não sabia bem se tinha a força de vontade ou o desejo para enfrentar aquilo.
A mulher à sua frente estava na mesma cilada. Ele testemunhara seu desespero, e sentira o sabor da derrota em cada pulsação do seu coração, por ter se nutrido dela.
Seu sabor era de solidão, de desesperança, e isso atiçava algo em seu íntimo.
Ela também era uma guerreira. Percebera isso nas poucas imagens espalhadas pela casa. Aquela mulher no uniforme dos guerreiros humanos, portando armas e com um olhar
determinado. Aquele olhar não sumira, mesmo quando ela estivera assustada e enfraquecida pela perda de sangue. Ainda era forte, ainda uma guerreira em seu coração,
mas ela já não enxergava isso em si mesma.
Ela também estava perdida… sozinha.
Porém, por mais que ela estivesse pronta a desistir de tudo nos momentos anteriores à sua intromissão nos planos dela, a genética avançada dele jamais permitiria
tal sujeição. Nascera um conquistador, pronto para a guerra. Era, no fim, um predador. Quer desejasse, quer não, seu corpo resistiria à morte até o fim… não importando
quanto tempo demorasse para esse fim chegar.
E ele também era movido pelo desejo de ver seus inimigos derrotados, por qualquer meio necessário.
Foi essa motivação que o impeliu a agir do modo como agira há poucos minutos com aquela mulher inconsciente, e totalmente alheia, deitada no chão do chalé.
Agora ele se afastava dela perdido em pensamentos. Automaticamente levou o pulso esquerdo à boca e selou o pequeno corte que ali fizera. A língua passou pela pequena
fenda no músculo sob a pele e logo fechou a ferida, que desapareceu como se jamais tivesse existido.
Ao se levantar e seguir para o lado oposto da sala, ouviu a aproximação de motores não muito longe do chalé.
Será que já o teriam localizado?
Ele não tinha como saber se seus perseguidores eram humanos ou da Raça.
Mas, ao testar a nova força e a pele dos braços, sorriu com gravidade, satisfeito ao ver que estava preparado para enfrentar o perigo iminente.
Capítulo 27
Alex acelerou o quanto pôde em meio à neve e à floresta a caminho do chalé de Jenna. Ainda ouvia Zach vindo atrás, aproximando-se cada vez mais. Fazendo um zigue-zague
perigoso, rezando para quem sabe despistá-lo em meio à tempestade forte, ela tinha esperanças de que a arma que ele sacara pouco antes na cidade tivesse sido apenas
um lapso temporário do seu juízo e bom senso.
Contudo, enxergara o brilho perigoso no olhar dele. Ele, provavelmente, estava furioso, e desesperado para proteger seu segredo. Principalmente de Jenna. Mas estaria
tão desesperado a ponto de matar Alex no processo?
O nó de medo preso em sua garganta dizia a ela que sim.
O coração de Alex batia como se quisesse sair pela boca quando ela chegou à propriedade de Jenna. Parou abruptamente e desligou o motor. Luna pulou com ela, e as
duas começaram a correr na direção da varanda do chalé.
– Jenna! – ela chamou. – Jenna, sou eu!
Bem perto dos degraus, Alex ouviu a motoneve de Zach parar atrás dela.
– Não dê nem mais um passo, Alex.
Ah, Deus.
– Jenna! – gritou novamente. – Você está aí?
Não houve resposta. Nenhum movimento de nenhum tipo veio de dentro do chalé.
Atrás dela, o clique suave da trava de uma pistola.
– Maldição, Alex. – A voz de Zach soou fria, desprovida de qualquer emoção. – Por que está me obrigando a fazer isso?
– Jenna – chamou novamente, mais baixo dessa vez, percebendo a futilidade da coisa.
O chalé estava silencioso. Ou Jenna não conseguia ou não queria ouvi-la. E se seu medo em relação a Jenna tivesse fundamento? Alex mal ousava imaginar tal coisa.
Mas nem teria chance de fazê-lo, porque Zach, pelo visto, estava fora de si, e Alex estava prestes a morrer.
Então, em meio à quietude, Alex ouviu um barulho bem baixo – um gemido, quase imperceptível mesmo perto da porta como estava. O coração de Alex deu um salto de esperança.
– Jenna? – ousou dar um passo adiante, apenas um pé no último degrau da varanda. – Se consegue me ouvir, por favor, abra…
O tiro ressoou como um canhão atrás dela. Alex sentiu o sussurro quente da bala passar ao seu lado e se enterrar no batente de madeira nem um metro mais à frente.
Ah, meu… Deus.
Zach atirara nela.
O corpo de Alex ficou congelado pelo choque e pelo medo, e o frio a fez tremer por inteiro. Exalou trêmula e girou devagar, sem permitir que Zach a alvejasse pelas
costas. Se ele pretendia fazer aquilo, então, por Deus, ele teria que olhar para ela.
No entanto, assim que se virou, houve uma explosão atrás dela. Algo imenso saiu explodindo do chalé de Jenna num borrão de movimento, arrancando a porta das dobradiças.
Zach berrou. A arma disparou mais uma vez, a bala voando pelos pinheiros cobertos de neve logo acima.
Alex agarrou Luna e se lançou ao chão, o rosto enterrado no pelo quente do pescoço da cadela. Não entendia o que estava acontecendo. Por um instante, sua mente se
esforçou para processar o grunhido gutural e os golpes líquidos e repugnantes que se seguiram.
Logo entendeu do que se tratava.
Lentamente levantou a cabeça. O grito que chegou aos lábios morreu quando vislumbrou a criatura letal que não se comparava a nada que ela tinha visto antes.
O Antigo.
Em meio à neve forte que caía na escuridão, o olhar âmbar queimava como laser, carregado de selvageria. Ele estava nu, não tinha pelos, era coberto da cabeça aos
pés por dermaglifos tão densos e entrelaçados que praticamente escondiam sua nudez. As presas imensas pingavam de sangue – do sangue de Zach, retirado do buraco
que um dia fora a garganta dele.
Um pensamento terrível cruzou sua mente: será que o monstro também atacara Jenna?
Alex fechou os olhos, sussurrando uma prece pela amiga, desejando desesperadamente que algum tipo de milagre a tivesse poupado da selvageria brutal que acabara de
recair sobre Zach.
Luna ganiu nos braços de Alex, e a criatura inclinou a cabeça num ângulo exagerado, encarando o animal. Ela começou a se afastar do corpo de Zach, um grunhido baixo
saindo do fundo da garganta do alienígena.
Os pulmões de Alex se contraíram, apertando o pouco de ar dentro deles. Ela teve certeza de que o Antigo a atacaria, mas seu olhar questionador perdurou alguns segundos
agonizantes. Tempo durante o qual o ronco de mais motores foi trazido pelo vento.
Alex lançou um olhar nervoso na direção do som.
E quando retornou o olhar, o Antigo se fora, e nada além de alguns galhos baixos balançando na floresta indicavam que direção ele havia tomado.
O medo de Alex atingiu Kade como uma bigorna no estômago.
Ele e os outros guerreiros aceleravam nas motoneves, estando bem próximos de Harmony, quando a sensação de que estavam se afastando de Alex, e não se aproximando,
tomou conta dele. Com presteza, ele redirecionou o grupo, liderando o caminho ao longo de uma trilha de caça que partia a oeste de Harmony.
Marcas recentes de outros veículos ainda eram visíveis na trilha, mas não mais do que a sensação de aproximação do elo de sangue que o unia a Alex, que pulsava mais
forte enquanto sua motoneve avançava na trilha, indo na direção de um chalezinho algumas centenas de metros mais adiante na escuridão.
O coração de Kade flanou ante a sensação de tê-la encontrado, só para afundar no instante seguinte quando o cheiro acre de sangue humano atingiu suas narinas. Não
era o dela – ele reconheceria a fragrância doce como o mel do seu sangue em qualquer lugar –, mas a ideia de que Alex estivesse próxima a qualquer tipo de morte
fez o medo disparar em suas veias.
Kade apertou mais a manopla do acelerador, mas a maldita coisa era lenta demais para o seu gosto. Ele saiu da trilha e abandonou o veículo, saltando com fluidez
antes de atingir o chão e começar a correr, usando todo o potencial da agilidade da Raça para alcançá-la.
– Alex! – chamou num grito, passando às pressas pela carnificina diante do chalé, relanceando apenas para ver o cadáver brutalizado do policial Zach Tucker e os
restos do que antes fora a porta do chalé. – Ah, meu Deus… Alex!
Correu para dentro e a encontrou sobre os joelhos dobrados ao lado da amiga Jenna, que estava deitada no chão do chalé escuro. Kade acendeu a luz, não porque precisasse,
mas para o bem das duas mulheres. Jenna parecia confusa, os olhos estavam sonolentos, a voz empastada como se tivesse acabado de acordar depois de ter desmaiado.
– Alex – murmurou Kade com suavidade, a voz entrecortada de emoção.
Ela se virou para fitá-lo, depois se levantou lentamente. Deu um passo hesitante para a frente, e isso foi tudo de que ele precisou. Kade foi até ela e a puxou para
si, passando os braços ao seu redor. Ele beijou o topo da sua cabeça, aliviado demais em ver que ela não estava ferida.
– Alex, eu sinto muito. Por tudo.
Ela se afastou um pouco e desviou o olhar. Ele viu a emoção nos olhos dela. A incerteza que dizia que ela ainda não sabia ao certo se deveria confiar nele plenamente.
Sentiu-se esmagado ao ver essa dúvida no olhar dela. Era ainda pior saber que era o responsável por colocar aquela dúvida ali.
Ela o afastou de Jenna, que ainda murmurava coisas incoerentes, entrando e saindo do estado de consciência.
O olhar de Alex o prendeu com uma calma desoladora.
– Foi o Antigo, Kade. Ele esteve aqui.
Ele praguejou, apesar de não estar surpreso, devido às condições do corpo do lado de fora.
– Você o viu? Ele tocou em você? Ele… meu Deus… ele chegou a fazer alguma coisa com você?
Ela balançou a cabeça.
– Ele devia estar se escondendo no chalé de Jenna quando Zach e eu chegamos há poucos minutos. Ele saiu numa explosão pela porta da frente depois que Zach tentou
atirar em mim…
– O quê? – O sangue de Kade passou de gélido por conta do medo a fervente de raiva. Se Tucker já não estivesse morto, Kade arrancaria os pulmões dele. – Que diabos
aconteceu? Por que o filho da puta tentou machucar você?
– Porque percebi o que ele estava aprontando. Zach e Skeeter estavam em conluio, vendendo drogas e bebidas alcoólicas aos nativos da floresta. Entendi que havia
alguma coisa errada quando vi o celular de Skeeter e um punhado de dinheiro na casa de Zach hoje. Ele tentou mentir a respeito, mas eu logo percebi.
– Ele escolheu a pessoa errada para fazer isso, hein?
O sorriso dela foi breve e superficial.
– Não quero que Jenna veja… – Ela gesticulou para o quintal da frente quando as palavras se perderam. – Ela vai ter que saber da verdade, claro, mas não desse jeito.
Kade concordou.
– Sim, claro.
Enquanto conversavam, o restante dos guerreiros chegou até o chalé em seus veículos. Kade saiu para interceptá-los, informando-lhes que o Antigo acabara de sair
dali e que a vítima era o irmão da amiga de Alex.
Chase e Hunter se adiantaram para fazer uma limpeza discreta do local, enquanto Tegan e Brock entravam no chalé com Kade.
– Essa é a Alex – disse ele, apresentando rapidamente os guerreiros. Era difícil não tocar nela enquanto explicava o que acontecera antes da chegada deles, só para
se certificar de que ela não fora ferida.
– Você e a sua amiga estão bem? – perguntou Tegan, a voz do Primeira Geração grave, em sinal de respeito, apesar do fato de ele estar ali para avaliar uma situação
que passara de uma confusão leve para um caos completo.
– Estou bem – garantiu Alex –, mas estou preocupada com Jenna. Não vejo nada de errado com ela, mas ela não me parece muito bem também.
Tegan relanceou para Brock, mas o grande guerreiro já estava se encaminhando para dar uma olhada na mulher do outro lado da sala.
– O que ele vai fazer com ela? – perguntou Alex com a preocupação, franzindo as sobrancelhas.
– Está tudo bem – Kade a assegurou. – Se houver algo errado, ele poderá ajudar.
Brock passou as mãos pelas costas de Jenna, depois, com suavidade, afastou os cabelos e pousou os dedos negros na palidez do rosto dela.
– Ela foi colocada em estado de transe – explicou. – Mas já está se recuperando. Vai ficar bem.
Chase e Hunter entraram no chalé e olharam para Tegan.
– O jardim está limpo. Nós dois podemos começar a vasculhar a área em busca do rastro do Antigo.
Tegan pressionou os lábios e soprou um suspiro pesado.
– Ele deve estar a quilômetros de distância agora. Uma agulha num palheiro. Nunca o apanharemos no meio dessa floresta. Seria impossível rastrear o filho da puta
nesse maldito interior vasto no meio da tempestade.
Kade sentiu o olhar de Alex sobre si.
– E quanto a Luna? Se você usar o seu talento com ela, ela seria capaz de ajudar a rastrear o Antigo?
Tegan olhou para a malamute que se aproximara para passar o focinho na mão de Kade.
– Pode ser a nossa melhor chance, cara.
– Sim, posso fazer isso – disse ele –, mas e quanto a vocês? Vamos todos correr atrás dela, carregados de armas para o caso de encontrarmos o bastardo?
– Posso levá-los de avião – sugeriu Alex.
– De jeito nenhum. – Kade meneou a cabeça. – Absolutamente não. Não vou envolver você ainda mais nessa merda do que já envolvi. Esse é um risco que não estou disposto
a correr.
– Quero fazer isso. Não vou deixar Luna, e posso levá-los todos no meu avião, enquanto ela rastreia o Antigo no solo.
– Está escuro, Alex – ele alertou com rispidez. – E está nevando pra cacete.
– Não entendo aonde quer chegar – ela contra-argumentou. – E quanto mais nos demorarmos aqui discutindo sobre isso, mais longe essa criatura vai chegar. Esse é um
risco que eu não estou disposta a correr.
Tegan lançou um olhar questionador para Kade.
– Ela tem razão. E você sabe disso.
Kade se voltou para Alex, vendo nos olhos dela toda a coragem e a determinação que o fizeram se apaixonar por ela. O fato era que a Ordem precisava dela naquela
hora. Sentia orgulho de Alex, mas, ao mesmo tempo, estava aterrorizado. E exalou um xingamento baixo e disse:
– Sim. Ok, vamos fazer isso.
– E quanto à humana? – perguntou Chase, gesticulando na direção de Jenna. – É melhor apagar a memória dela antes que ela veja mais do que já viu.
Quando o ex-agente começou a andar na direção dela, Brock virou a cabeça, com as presas reluzindo por trás dos lábios.
– Para trás, Harvard. Não toque nela. Entendeu?
Chase parou de imediato. Deu de ombros como se não se importasse e recuou quando Brock voltou a atenção para a fêmea humana novamente.
Quando a tensão dentro do chalé diminuiu, Alex se ajoelhou ao lado de Luna e passou os braços ao redor da malamute num abraço amoroso, sussurrando-lhe algo antes
de levantar o olhar para Kade.
– Muito bem. Ela está em suas mãos agora. Prometa que será cuidadoso com ela.
– Prometo – disse com toda a sinceridade.
Enquanto Alex se afastava, Kade segurou o queixo de Luna na palma da mão e se deparou com seu olhar inteligente. Estabeleceu sua conexão com a mente canina, depois
lhe deu o comando silencioso para mostrar-lhe para onde o Antigo fora.
Alex tinha os braços cruzados sobre o peito, uma mão pressionando a boca, quando Luna saiu correndo do chalé para enfrentar a nevasca do lado de fora.
Capítulo 28
Não muito tempo depois, Alex os levava de avião pelo cenário escuro e selvagem, com Kade como seu copiloto e três dos seus amigos da Raça acomodados no compartimento
de carga atrás deles. Kade lhe passava as instruções, navegando pelo caminho através de seu elo mental com Luna, no chão.
Alex não conseguia vê-la. Estavam muito no alto, e a neve era densa demais na escuridão para que ela enxergasse muito além do nariz do avião. Aquelas condições de
voo eram muito perigosas – potencialmente letais –, mas Alex conhecia a região como a palma da sua mão. Seguia as instruções de Kade praticamente antecipando o caminho
que Luna percorria ao longo do rio Koyukuk, a rota mais sensata que o Antigo devia ter tomado.
– Continue seguindo o rio – Kade lhe disse. – O rastro está mais fresco agora. Estamos nos aproximando dele.
Alex assentiu, concentrando-se na pilotagem e nos ventos fortes que vinham de Brooks Range conforme seguiam mais ao norte ao longo do rio congelado. Embora mal conseguisse
enxergar a faixa congelada de água, ela sabia que estavam se aproximando de um ponto em que o Antigo seria forçado a fazer uma escolha: ficar no chão e confiar na
mata densa para escondê-lo da perseguição ou virar para o oeste e subir num terreno mais alto, escalando os cumes escarpados da montanha. Nenhuma das opções oferecia
as melhores condições de pouso, mas, naquele tempo, existia pouca coisa mais traiçoeira do que tentar aterrissar sobre rochas altas potencialmente instáveis.
– O rastro está virando – anunciou Kade. – Temos que virar à esquerda.
– Ok – respondeu Alex, lançando uma prece silenciosa para os céus enquanto mudava de curso, abandonando o rio e seguindo a montanha. – Segurem-se todos. Vamos ter
um pouco de turbulência por conta dos ventos.
– Como estamos aí na frente? – perguntou Tegan, logo atrás dela. – Tem certeza de que consegue lidar com a situação?
– Fácil, fácil – disse ela, mas não era bem a verdade, e sentiu a mão de Kade resvalar na sua.
O contato com a mão dele foi bom. Apesar de ainda trazer consigo a visão aterradora que vira na floresta, do seu estômago ainda estar revirado de medo pela experiência
que tivera e pelo terror maior de ter visto o Antigo no chalé de Jenna, Alex não tinha como negar seus sentimentos por Kade. Ele era a única pessoa que a conhecia,
melhor do que qualquer outro. A despeito de tudo o que acontecera com eles e ao redor deles, seu coração não teria como se proteger do conforto que somente ele era
capaz de lhe dar.
Parte da traição e da raiva que sentira por Kade e pelo restante da sua espécie se dissolveu quando ela vira como ele e os amigos da Ordem lidaram com a horrível
situação do chalé. Kade fora atento e carinhoso com Alex, respeitoso e cheio de consideração para com Jenna. Os outros guerreiros também. Particularmente aquele
chamado Brock, que ficara para trás para cuidar de Jenna.
Era complicado conciliar uma raça de seres que conseguia demonstrar tamanha humanidade e, ao mesmo tempo, pertencia à mesma linhagem alienígena implacável da criatura
que matara Zach e tantos outros nos últimos dias. Ou dos Renegados viciados em sangue que mataram sua mãe e seu irmão. Ou do irmão gêmeo que Kade se envergonhara
de admitir ter até que Alex tivesse visto a selvageria de Seth por si só.
Mas Kade e os outros machos da Raça que ele lhe apresentara eram diferentes. Eram bons homens, apesar da genética que fazia deles algo além – algo mais – do que
homens.
Eles tinham honra.
Kade também tinha. E agora, enquanto ela levava os guerreiros da Ordem em meio a ventos fortes, na direção do penhasco denteado da montanha e de uma batalha iminente
com uma criatura que não era daquele mundo, ela só podia esperar que ela e Kade tivessem a chance de desatar os nós daquele emaranhado e ver o que um significava
para o outro. Só podia rezar para que houvesse algum tipo de futuro para eles do outro lado do perigo que os aguardava.
– Luna está rastreando o cheiro do Antigo na base da montanha – informou Kade ao seu lado. – Ah, merda… é uma rocha bem alta. O filho da puta está escapando pela
encosta. Vamos perdê-lo na montanha.
– Apenas me diga para onde Luna está indo – pediu Alex. – Deixe que eu me preocupe com o que fazer para chegar lá.
Ela pilotou o avião ao longo da encosta, seguindo as orientações de Kade, esforçando-se para ver através do para-brisa enquanto flocos finos dançavam e atrapalhavam
sua visão.
– Maldição – grunhiu ele um momento depois. – O rastro sumiu. Acabou de sumir. Luna está dando voltas no rochedo logo abaixo de nós, mas não consegue mais farejar
o cheiro do Antigo.
– Porque ele saltou nesse ponto – observou Hunter sem emoção alguma. – Ou o Antigo está acima do animal, ou abaixo dela.
– Estamos próximos o bastante agora para seguirmos a pé – disse Tegan. – O Antigo não vai conseguir se distanciar muito sem nos ter no seu traseiro. Mas temos que
descer deste avião agora.
– Ok, lá vamos nós – disse Alex ao espiar pela janela, vendo opções limitadas para nada mais do que a mais curta das aterrissagens.
Ela apontou o avião na direção de uma faixa estreita de neve imaculada numa plataforma rochosa, e começou a descer.
Kade já vira Alex em ação atrás do manche do avião dela, mas isso não diminuía a admiração que sentia por ela quando ela aterrissou a aeronave numa saliência estreita
da montanha coberta de neve. Foi só depois que aterrissaram que Kade notou que ela conseguira pousar num deslize suave que deixara pouco menos de um metro como margem
de erro para cada lado.
Nenhum dos guerreiros emitiu palavra quando o monomotor gemeu até silenciar e o avião descansou na beira do cume.
Nem mesmo Hunter, que estava sentado ereto no compartimento de carga, com o rosto impassível, apesar de as juntas dos dedos estarem brancas devido à força com que
se segurara na tela acima da cabeça.
Por fim, Chase emitiu um xingamento bem sonoro.
Tegan riu baixinho.
– Que diabos de aterrissagem, hein, Alex?
– Que mulher – disse Kade, olhando para Alex do outro lado da cabine e sentindo um orgulho que muito provavelmente não tinha o direito de sentir. Mas o olhar dela
foi suave, ainda que breve, na sua direção, e lhe deu uma onda de esperança de que talvez não a tivesse perdido completamente ainda.
Talvez ainda existisse uma chance para eles.
Enquanto o grupo desembarcava do avião e se preparava com armas e munição, Luna surgiu subindo o declive, indo direto para os braços de Alex. Por um instante, Kade
se permitiu continuar com a ligação telepática com a cadela para poder aproveitar o calor do amor de Alex pelo animal.
Quando a ligação se rompeu, Tegan estava ao seu lado, armado para uma guerra.
– Vamos nos dividir: Hunter vai pelo declive, Chase e eu cobriremos o terreno lá embaixo.
Kade assentiu.
– Aonde quer que eu vá?
Tegan relanceou para Alex, que elogiava Luna baixinho.
– Fique aqui e certifique-se de que a sua fêmea esteja em segurança. Isso é mais importante do que qualquer coisa que possa fazer, não acha?
Kade refletiu sobre o comentário, sentindo o dever de dizer que a missão era a coisa mais importante agora. Que nada mais importava do que seu juramento para com
a Ordem, seus irmãos de armas e seus objetivos. Uma parte sua acreditava nisso. Parte sua sabia sem sombra de dúvida que daria a vida por qualquer um dos guerreiros,
assim como eles o fariam por ele. Eram a sua família, um elo tão firme como qualquer outro já conhecido.
Mas Alex era algo mais.
Ela era dona do seu coração agora. Ele nem tentaria negar isso. E sabia que quando Tegan se referiu a ela, o guerreiro da Primeira Geração comprometido sabia disso
por experiência própria.
– Verdade – admitiu Kade. – Sem Alex… ah, caramba. Sem ela nada mais importaria.
Tegan assentiu, a boca contraída numa linha fina.
– Talvez você deva lhe dizer isso.
Deu um tapa no ombro de Kade, depois gesticulou para que os guerreiros começassem a última etapa da perseguição. Quando Hunter saltou para o rochedo mais acima e
Tegan e Chase desceram, Kade se encaminhou para junto de Alex.
– Acho que nós três formamos uma boa equipe – comentou, esticando a mão para coçar Luna atrás da orelha, só para distrair as mãos em vez de tocar em Alex.
Ela envolveu o próprio corpo com os braços.
– Não vai com os outros?
– Tegan quis que eu ficasse aqui para proteger você. Ele sabe o quanto você significa para mim, e sabe que eu morreria se algo acontecesse com você.
Uma linha tênue se formou entre as sobrancelhas dela quando ela o fitou. Por um bom tempo, só houve silêncio entre eles. A tranquilidade da neve que caía e o uivo
fraco de um lobo ao longe.
Quando, por fim, Alex falou, sua voz mal passava de um sussurro.
– Quis odiar você. Quando o vi na floresta, coberto de sangue…
– Não era eu – ele a lembrou. – Não era eu, Alex. Era Seth, não eu.
Ela assentiu.
– Sei disso. Acredito em você. Mas foi você que eu vi naquele momento. Era você, Kade, parecendo tão monstruoso quanto os Renegados que mataram minha mãe e Richie.
Quis odiá-lo naquele momento… mas não consegui. Uma parte minha se recusava a desistir de você, mesmo lá, quando você não poderia parecer mais horrendo ou maligno
para mim. Eu ainda o amava.
Ele exalou um suspiro de alívio e a trouxe para os braços.
– Alex… Sinto muito pelo que você pensou. Pelo que viu. Sinto muito por tudo.
– Foi o que mais me assustou, Kade. Que eu poderia amá-lo mesmo que você fosse um assassino. Mesmo que você fosse um monstro, como…
– Como o meu irmão – ele completou com suavidade. – Não sou ele. Eu juro. Nunca precisará ter medo de mim. Eu te amo, Alexandra. E sempre amarei.
Devagar, ele segurou o belo rosto dela entre as mãos e a beijou. Era tão bom tê-la nos braços, ao encontro dos seus lábios; ele poderia beijá-la para sempre.
Mas, atrás deles, o rosnado de Luna fez os instintos de combate de Kade ficarem alerta.
Ele sentiu uma ínfima mudança no ar ao se afastar de Alex e passá-la para trás do seu corpo num reflexo…
Bem quando uma figura grande e escura caiu dos céus.
Vários metros adiante, o Antigo aterrissava com graciosidade fluida sobre a neve. Arreganhando os dentes e as enormes presas, a criatura letal fixou o olhar âmbar
em Kade e sibilou com intenção assassina.
Capítulo 29
Alex gritou.
O terror tomou conta dela quando as pernas cobertas de glifos do Antigo se contraíram e se agacharam, os olhos âmbar banhando Kade numa luz horrenda.
– Alex, saia daqui.
Ela engoliu em seco.
– O q-quê?
– Vá! – Kade lhe ordenou, os olhos fixos na ameaça diante dele. – Volte para o avião, decole. Afaste-se desta rocha o máximo que puder. Vá agora!
O medo pulsou em suas veias, mas as pernas recusavam-se a se mexer. Ela não abandonaria Kade assim, não importava o que ele lhe dissesse. Não importando o que ele
estivesse enfrentando. Eles o enfrentariam juntos.
– Não vou embora. Eu não…
– Maldição, Alex, vá! – rosnou ele, pegando uma das grandes pistolas semiautomáticas no coldre sob a parca.
Ele se mexeu com uma velocidade que ela não pôde acompanhar. Num segundo, a mão estava escorregando para baixo do casaco aberto; no seguinte, ele empunhava a pistola
diante dele, atirando sem parar.
Mas o Antigo era mais rápido, até mais do que Kade.
Ele se desviou da saraivada de balas, e depois suas pernas potentes empurraram o chão num salto que o teria feito cair sobre Kade – teria, não fosse por um súbito
borrão de movimento que se mostrou ser Hunter. O imenso guerreiro da Primeira Geração adernou sobre o Antigo vindo da rocha de cima, derrubando a ambos no chão coberto
de neve numa confusão caótica de rolamentos e empurrões.
Lutaram quase que em termos de igualdade em relação a força e potência, os dois brigando como se estivessem preparados para batalhar até a morte.
Kade se juntou à luta bem quando Hunter recebeu um golpe violento na base da nuca e do ombro. O sangue verteu da ferida, o que só fez o Antigo ficar ainda mais agitado,
os olhos mais selvagens, as presas se alongando ainda mais. Ele jogou a cabeçorra para trás e abriu a mandíbula num uivo furioso.
Kade atirou e, em vez de o Antigo atingir Hunter novamente, ele desperdiçou um tempo precioso desviando-se da bala de Kade.
Alex piscou, tempo suficiente para o Antigo agarrar o cano da arma de Kade entre os dedos. O metal se esmagou no seu punho e, depois, usando uma força que ela mal
podia imaginar, o alienígena lançou Kade pelos ares. Ele aterrissou próximo à borda do penhasco, cortando a cabeça numa pedra, sangrando acima da têmpora.
– Kade! – exclamou Alex, o coração congelando.
Ele tentou se levantar, mas o esforço não passou de uma tentativa desorientada e desajeitada. Ele caiu de costas com um gemido.
Um passo em falso, e ele estaria perdido.
– Kade! Ah, meu Deus… Não se mexa!
A neve girava ao redor deles, a tempestade tendo se intensificado desde que aterrissaram. Ela mal pôde distinguir a silhueta de Hunter quando ele se levantou e avançou
sobre o Antigo novamente. Com um sibilo malévolo, a criatura girou sobre si mesma e empurrou o enorme Primeira Geração para longe dele.
Então, o Antigo começou a rastejar na direção de Kade, na beira do penhasco.
O coração de Alex queria explodir para fora do peito enquanto ela se aproximava cada vez mais do avião. Não pretendia fugir, nem mesmo naquele instante. Estava morrendo
de medo, mais do que tivera em todas as outras situações de sua vida, mas tinha que fazer algo – por Kade e pelo seu companheiro de armas –, pouco importando se
seus atos fossem insignificantes ante aquela ameaça.
Agarrou o rifle carregado e ficou de costas para o avião.
Ergueu-o quando o Antigo se aproximou ainda mais do lugar onde Kade estava, ainda tentando se levantar. Ela não permitiria que a criatura o alcançasse.
Alex puxou o gatilho.
O tiro ressoou como um trovão na escuridão repleta de neve.
O Antigo não antecipara aquilo. A mãozorra pressionou o peito, mas o sangue escorreu pelos dedos.
O extraterrestre curvou os lábios para trás e rosnou. Em seguida voltou a rastejar… não mais na direção de Kade, mas na sua e de Luna, próximas ao avião.
Alex ouviu o uivo de lobos em algum lugar ali perto. Tantas vozes. Pelo menos meia dúzia ou mais. Escutou-os e quase conseguiu ouvir as batidas das patas se elevando
em meio ao frio mordaz da tempestade e do terror enregelante da situação que se desenrolava naquela rocha.
Alex sabia que os lobos estavam próximos, mas não estava preparada para a visão deles, subitamente se apressando pela encosta íngreme logo abaixo. A alcateia atacou
em conjunto, todos os lobos saltando juntos no mesmo alvo: a criatura extraterrestre que rosnava seu ultraje enquanto os oito predadores atacavam.
Enquanto os lobos mordiam e rasgavam, saltando sobre o Antigo, outro adversário surgiu da rocha logo abaixo.
Seth.
A respiração de Alex ficou presa quando o macho da Raça que se parecia tanto com Kade emergiu das sombras e do turbilhão caótico da tempestade. Ele já não parecia
tão idêntico a Kade, era mais uma imagem espelhada – de algum modo reversa, ainda que ele fosse a metade mais selvagem e mais perigosa do macho da Raça que ela amava.
As imensas presas de Seth reluziam como a alvura dos ossos. Os olhos lançaram uma luz âmbar feroz que queimava como dois lasers. Alex engoliu em seco quando ele
lhe lançou um breve olhar de esguelha. Ela pensou ter visto um pedido de desculpas na expressão severa do seu rosto. Talvez uma pontada de remorso.
Mas, em seguida, com um grito de guerra que fez seu sangue gelar, ele se lançou num salto potente e caiu sobre o Antigo.
Estavam demasiadamente próximos do despenhadeiro.
O movimento foi forte demais para ser detido.
Os olhos de Alex se arregalaram quando ela percebeu o que estava prestes a acontecer. Contraiu-os no instante seguinte, enquanto Seth e o Antigo inclinavam-se em
direção ao precipício juntos.
– Seth!
Kade exclamou o nome do irmão, o torpor em sua mente causado pelo golpe contra a rocha se dissipando por completo quando viu Seth envolvido na luta contra o Antigo.
O horror o deixou sem ar no instante seguinte, quando os viu deslizar diante dele na beira do penhasco e cair na escuridão.
Houve um estrondo que pareceu vir de todas as partes ao seu redor, como uma sequência de trovões, só que ele também o sentiu sob os pés. E acima dele também.
Em seguida, um rasgo violento de gelo e de neve compactada cedendo da rocha acima deles.
A avalanche rugiu ao descer da encosta, toneladas de neve e de gelo, descendo como uma onda ao lado da cabeça de Kade, indo parar na fenda íngreme montanha abaixo.
Uma fina nuvem sufocante e cegante de cristais em pó se ergueu em seguida, gelando o rosto de Kade e forçando-o a desviar o olhar da fenda recheada de neve em que
o Antigo e o seu irmão caíram. Nada poderia sobreviver ao peso sufocante de tanta neve.
Kade sentiu mãos suaves segurando-o pelos ombros, o calor do corpo de Alex prendendo-o num abraço próximo a ela. E, atrás deles, na rocha, ele ouviu o som baixo
de vozes. Hunter, Tegan e Chase, um silêncio de descrença murmurada por tudo o que acabara de acontecer.
– Kade – sussurrou Alex, o tom baixo e reconfortante. – Ah, meu Deus… Kade.
Tudo o que ele queria era passar os braços ao redor dela e aceitar o amor que ela lhe oferecia agora, mas seu coração clamava pelo seu gêmeo. A perda do seu irmão
o dilacerava; o sacrifício de Seth era difícil demais para processar. Terrível demais para ser real.
Kade se afastou dos braços protetores de Alex e engatinhou até a beira do precipício.
– Seth! – exclamou ele para o vazio rochoso, esforçando-se para encontrar até o mais ínfimo fio de esperança de que seu irmão não estivesse morto.
E, então… uma forma escura, alquebrada, deitada numa rocha estendida cerca de trinta metros abaixo. Movendo-se somente de leve, mas viva.
A esperança se fez no peito de Kade.
– Meu Deus. É ele. – Kade se pôs de pé. – Seth, aguente firme!
Alex arfou.
– Kade, o que vai fazer? Kade, não…
Ele se jogou no precipício.
O grito de Alex o seguiu quando ele caiu num salto calculado, no meio da extensão rochosa. Os pés aterrissaram bem ao lado do irmão. Kade se agachou e limpou o gelo
e a neve do rosto abatido e do corpo de Seth.
– Maldição, Seth… – Sua voz se partiu num misto de alívio e sofrimento ao ver a extensão dos ferimentos do irmão, resultado tanto da luta com o Antigo quanto da
queda. Seth sangrava em contusões múltiplas na cabeça e nos membros, mas o corte mais profundo e que mais preocupava Kade era o do torso.
Regenerar-se desse tipo de ferimento seria um desafio para um macho da Raça em plena forma, mas para alguém nas condições emaciadas de Seth? Merda. A situação não
era nada boa para ele.
Os olhos de Seth estavam fechados, o corpo flácido e alquebrado. Ele mal respirava, a não ser por um fio de ar que chiou para fora dos pulmões quando ele partiu
os lábios e tentou falar com Kade.
– V-vá… – enunciou ele após um segundo. – Não pode… me salvar… irmão.
Kade exalou um xingamento brusco.
– O diabo que não posso. Não vou deixá-lo aqui.
– Não. Deixe-me… Estou morrendo. Já estou morto… Você e eu sabemos disso.
– Não, irmão, assim não – Kade ralhou. – Você vai se recuperar. Vou levá-lo ao Refúgio Secreto do nosso pai e você se recuperará de tudo isso.
– Não. – Seth murmurou baixo. Os olhos se entreabriram lentamente no sibilo de dor. – Não, Kade, não vou.
O olhar do irmão gêmeo quase o fez desviar o seu. As pupilas eram fendas verticais finas, banhadas em luz âmbar clara. O olhar de Seth era feroz, repleto de angústia.
As presas ainda estavam alongadas. Os glifos que estavam visíveis em meio aos rasgos nas roupas estavam escuros, pulsando em cores como se ele estivesse ávido por
sangue.
Todos os sinais estavam presentes, mas para Kade era a morte reconhecê-los.
Desde que o vira pela última vez, seu irmão sucumbira à Sede de Sangue.
Seth era um Renegado.
– Não há volta agora – murmurou Seth. – Você tentou me avisar.
– Ah, cacete… – sussurrou Kade. – Maldito seja, Seth. Não, não pode ser…
Seth inspirou de leve e um acesso violento de tosse o acometeu. Seu corpo estremeceu. A pele pareceu empalidecer bem diante dos olhos de Kade.
– Deixe-me ir, irmão. Por favor.
Kade balançou a cabeça.
– Não posso. Sabe disso. Eu não teria desistido de você, nem antes… nem agora. Você salvou a minha vida lá em cima, Seth. Maldição, agora eu vou salvar a sua.
Ele virou a cabeça e gritou para o alto do penhasco onde estavam Tegan e os outros.
– Preciso de cordas. Meu irmão está ferido. Ele não vai conseguir subir sozinho. Vou precisar içá-lo para cima.
Os guerreiros espiaram para baixo, depois sumiram para atender ao pedido de Kade. Em seguida, o rosto de Alex apareceu no lugar deles, a sua simples visão era como
um porto seguro para ele, dando-lhe a sensação de amor puro e verdadeiro – algo que ele precisava mais do que tudo naquele instante.
Os lábios partidos e ensanguentados de Seth formaram um sorriso fraco.
– Está apaixonado – deduziu ele, com um quê de melancolia na voz.
– Estou – confirmou Kade. – O nome dela é Alexandra. Vou torná-la minha companheira, se ela me aceitar.
Seth fechou os olhos, acenando de leve com a cabeça.
– Eu teria gostado de conhecê-la.
– Você vai. – Kade o fitou, vendo o corpo machucado do irmão ficar ainda mais parado. – Você tem que aguentar firme, Seth. Vamos… abra os olhos. Continue respirando,
maldição!
Mas os olhos de Seth continuaram fechados.
Ele respirou, mas só uma última vez. O peito ficou contraído na última expiração, e depois ele se foi.
O sofrimento de Seth se acabara.
Kade segurou o corpo alquebrado do irmão gêmeo nos braços. Ficou sentado com ele na rocha congelada e o ninou com suavidade, rezando para que Seth finalmente encontrasse
paz.
Capítulo 30
Ninguém disse nada enquanto os guerreiros ajudavam Kade a suspender Seth pelo penhasco. Trabalharam sobriamente, manuseando o corpo sem vida como uma carga preciosa,
mesmo estando evidente, ainda que na morte, que o gêmeo de Kade era um Renegado.
Os dermaglifos de Seth ainda estavam escuros, as presas ainda se alongavam para fora dos lábios frouxos. Embora os olhos estivessem fechados sob as pálpebras, as
pupilas ainda estariam alongadas, as íris ainda estariam banhadas num tom âmbar feroz.
Todos sinais da Sede de Sangue que o tomara e que o declarara como um inimigo para cada membro da Raça respeitador das leis. E ainda mais para os guerreiros da Ordem,
que juraram extirpar da população qualquer assassino em seu meio.
Não obstante, Tegan e Chase deitaram Seth com cuidado reverente no chão forrado de neve diante de Kade, enquanto Hunter foi até a beira do precipício para averiguar
a fenda profunda muito abaixo. Ele voltou um olhar grave para Tegan e balançou a cabeça de leve.
– Não vejo sinal de vida lá embaixo. O Antigo por certo está morto.
Tegan assentiu.
– Muito bem. Mesmo que a queda não o tenha matado, alguns milhares de toneladas de gelo e neve por certo darão cabo do serviço.
Nesse instante, Alex se aproximou, vinda do avião, com uma coberta dobrada nas mãos. Tinha os olhos rasos de lágrimas ao relancear para Kade, depois sacudiu a mortalha
que cobriria o corpo danificado e sangrento de Seth.
Kade estendeu a mão.
– Espere. Preciso vê-lo assim. Preciso que todos vocês o vejam assim e saibam que esse poderia muito bem ser eu – fitou os rostos sérios dos seus companheiros da
Ordem, desde os impassíveis olhos dourados de Hunter, a carranca de Chase, até o olhar firme e insondável de Tegan. Por fim, Kade olhou para Alex, a pessoa cuja
opinião mais lhe importava. – Seth, meu irmão gêmeo, era um assassino. Eu sabia disso há muito tempo, mas não queria admitir. Nem para mim mesmo. O que eu de fato
não desejava admitir era que ele e eu não éramos assim tão diferentes.
– Ele era um Renegado – disse Tegan. – Existe uma diferença.
– Sim – Kade ergueu os ombros em reconhecimento. – Mas ele levou muitos anos para cair. E durante esses anos, ele caçou como um animal. Ele matou a sangue frio.
Seth estava doente, com uma selvageria que não conseguiu conter. Sei disso porque essa selvageria também habita em mim.
Kade viu Alex engolir em seco, viu que ela segurava a coberta mais próxima ao corpo como se subitamente necessitasse do seu calor. Sentiu a leve aceleração em sua
pulsação quando ela o fitou em silêncio circunspecto. Através do seu elo, ele sentiu o medo dela como se fosse seu.
Odiou saber que ele era a causa, e o impulso de aplacar suas preocupações com uma mentira confortadora era quase impossível de conter. Mas ele estava farto de mentiras.
Não poderia mais esconder, ou fingir ser algo mais forte do que era, mesmo com o risco de perder Alex naquele lugar, naquele instante.
Ela tinha que saber a verdade, assim como o grupo de machos da Raça diante dele.
– Desde a época em que Seth e eu éramos garotos, permitimos que nosso talento nos regesse. Era difícil resistir à liberdade que ele nos oferecia, e o poder. Na
época, eram coisas irrefletidas: comandar predadores mortais, correr ao lado deles. Caçar com eles. Às vezes, vivenciar a precisão de um ataque mortal através dos
olhos deles. E uma vez que a selva nos clamou, refrear isso só ficou mais difícil. Às vezes ainda é.
Ainda que Alex sequer piscasse, Kade sentiu o nó no estômago dela enquanto ela o ouvia. Estava enojada, não por Seth dessa vez, nem por algum mal-entendido que Kade
pudesse aplacar com charme e promessas bem-intencionadas. Ela agora via a verdade, finalmente, e por mais terrível que fosse para ele saber que a estava afastando
com a sua honestidade, ele não conseguiria se conter até ela saber tudo.
– Poder demais nunca é bom – interveio Chase no longo silêncio que se seguiu, a voz do ex-agente carregada de reflexões. – Ele corrompe até os mais fortes.
– Sim, é verdade – concordou Kade. – Corrompeu Seth há muito tempo. Não sei quando ele começou a matar humanos. Isso não importa agora. No fim descobri, e eu deveria
tê-lo detido então, mas não o fiz. Em vez disso, saí do Alasca. Recebi o telefonema de Niko dizendo que a Ordem estava procurando novos recrutas e mal pude esperar
para sair daqui. Para impedir que eu me tornasse o que Seth se tornara, fugi para Boston e o deixei para que se defendesse sozinho.
Tegan o fitou com seriedade.
– Isso foi no ano passado. Seth já não era uma criança. Por quanto tempo mais você o teria considerado sua responsabilidade?
– Ele era meu irmão – disse Kade, lançando um olhar sofrido para o Renegado que um dia fora o seu reflexo. – Seth era uma parte de mim, quase uma extensão do que
eu sou. Eu sabia que ele estava doente. Eu deveria ter ficado para mantê-lo na linha. E se ele não parasse de matar, ou, no fim, fosse provado que ele não conseguiria
parar, então eu deveria ter me certificado de que ele fosse detido para sempre.
O olhar de Tegan se estreitou.
– Não seria fácil matar um irmão, não importando o que ele tivesse feito. Pergunte a Lucan, ele lhe dirá isso.
– É mais fácil partir o coração de um pai? – escarneceu Kade, o som amargo raspando em sua garganta. – Meu pai teria esperado isso de mim, não de Seth. Todas as
esperanças e atenções sempre estiveram em Seth. Ele ficará arrasado em vê-lo assim. Assim como teria ficado caso eu tivesse exposto o segredo de Seth em vez de protegê-lo
durante todo esse tempo.
Tegan grunhiu:
– A verdade só se torna mais feia quanto mais se tenta escondê-la.
– Sim, sei disso. – O olhar de Kade se desviou para Alex, mas ela lhe dera as costas. Tendo entregado a manta para Chase, voltou para o avião em silêncio, com Luna
trotando aos seus pés. Kade pigarreou. – Preciso levar meu irmão para casa, para a família, que é onde ele deve ficar. Mas antes quero me certificar de que Alex
esteja bem. E a amiga dela, Jenna, também.
– Também temos o problema adicional de um policial morto na cidade – Chase acrescentou.
Kade assentiu.
– Sem falar nas diversas outras pessoas no gelo depois dos ataques do Antigo, e uma unidade de policiais estaduais a caminho, vinda de Fairbanks, para averiguar
essas mortes.
– Merda – disse Tegan. Gesticulou para que Chase cobrisse o corpo de Seth. – Você e Hunter levem-no para o avião. Cuidado, hein? Renegado ou não, o irmão de Kade
salvou a vida dele hoje. O que Seth fez muito provavelmente salvou os nossos traseiros aqui.
Os dois guerreiros assentiram em concordância ao carregarem Seth. Quando Kade deu um passo para segui-los, Tegan o deteve com um olhar significativo.
– Ei – disse ele, num tom alto o bastante apenas para os ouvidos de Kade. – Entendo um pouco a situação pela qual está passando, por isso, você não está só. Muito
tempo atrás, eu cedi a uma selvageria semelhante, só que a minha droga escolhida era a fúria. Ela quase me matou. E teria, se Lucan não tivesse me livrado dela.
Agora é Elise quem me mantém com os pés no chão. Mas ela está sempre aqui. A fera nunca se vai por completo, mas estou aqui para lhe dizer que ela pode ser controlada.
Kade ouviu atentamente, lembrando-se de ter ouvido sobre as dificuldades de Tegan, tanto nos primeiros anos da Ordem na Europa, há séculos, quanto em eventos mais
recentes que uniram Tegan e a sua Companheira de Raça, Elise, no ano anterior.
– Não vou dizer que estou contente em ouvir isso hoje – o Primeira Geração disse –, mas respeito o fato de você ter confiado em nós para desabafar.
Kade assentiu uma vez.
– Eu devo isso a vocês.
– Deve, sim – respondeu Tegan. – Você tem que se lembrar de uma coisa, meu chapa. Você perdeu um irmão no Alasca hoje, mas terá sempre uma família em Boston.
Kade sustentou o olhar verde cristalino.
– Verdade?
– Verdade – confirmou Tegan, a boca larga se abrindo num sorriso breve. – Agora vamos sair dessa porra de rocha congelada e cuidar das coisas.
Alex não podia fingir que ouvir a confissão de Kade não a tivesse assustado. Vendo o irmão dele – o gêmeo que se assemelhava tanto a ele – transformado no mesmo
tipo de monstro que matara sua mãe e Richie só fez piorar as coisas.
Será que Kade poderia um dia se transformar num monstro também? Ele acreditava piamente que sim, e a preocupação cravou uma dor no peito de Alex, não tanto por medo,
mas por preocupação com ele.
Não queria vê-lo sofrer. Não queria perdê-lo para a doença – ou para a selvageria viciante – que reivindicara Seth.
Com exceção de Jenna, por quem só lhe restava rezar para que estivesse bem, Alex perdera todos a quem amara. Agora Kade poderia ser o próximo. Ele temia a natureza
sedutora do seu talento. Vendo o que ele fizera com Seth, Alex também a temia. Não sabia se poderia permitir se apaixonar ainda mais por Kade, só para perdê-lo para
algo com que jamais poderia competir na esperança de vencer.
Mas o problema era que ela já o amava.
Era a profundidade desse amor que mais a aterrorizava enquanto levava ele e os demais guerreiros de volta a Harmony. Não poderia desconsiderar o fato de que o irmão
Renegado de Kade jazia morto e coberto no compartimento de carga do seu avião, um aviso sombrio do futuro que poderia aguardar Kade.
Perder os seus entes queridos para Renegados já fora muito difícil. Perder Kade para o mesmo inimigo maligno que lhe roubara a família era uma perspectiva terrível
demais para ser contemplada.
Alex afastou seus pensamentos dessas preocupações sombrias e procurou um lugar para aterrissar perto do chalé de Jenna, na periferia da cidade. No caminho, tinham
decidido evitar a pista de pouso de Harmony, para não arriscarem atrair mais atenção indesejada dos já perturbados moradores. Por isso, Alex pousou o avião numa
clareira não muito longe da propriedade de Jenna.
– O caminho para o chalé é por aquelas árvores – explicou a Kade e aos outros ao parar a aeronave e desligar os motores.
Kade se virou para fitá-la do banco de passageiro, pela primeira vez desde que deixaram a montanha em direção a Harmony. Os olhos se abaixaram por um instante quando
ele limpou a garganta.
– Depois que encaminharmos a situação aqui na cidade, eu gostaria de levar Seth para o Refúgio Secreto da família perto de Fairbanks. Sei que é muito pedir isso.
Demais até, ainda mais depois…
– Não é demais pedir isso – replicou Alex. – Claro, Kade. Eu o levo até lá quando estiver pronto.
A expressão dele era séria, reservada.
– Obrigado.
Ela assentiu, sentindo-se triste pelo modo como ele parecia estar se afastando dela com seu silêncio e seu cuidado ao falar com ela. Ou talvez ele não estivesse
se afastando, mas empurrando-a.
Alex saiu do avião junto com ele e os outros machos da Raça, deixando Luna para tomar conta do corpo de Seth, enquanto voltavam para ver como Jenna e Brock estavam.
Assim que avistou o chalé com a porta destruída e o sangue de Zach ainda visível por baixo da neve recém-caída, a realidade do que acontecera tomou conta de Alex
como uma onda de emoções.
– Ai, meu Deus – arfou, começando a correr quando estava mais próxima. – Jenna!
Brock apareceu na soleira da porta, o imenso corpo do macho da Raça bloqueando a entrada, enquanto Alex se apressava degraus acima.
– Ela está bem. Confusa e não exatamente coerente no momento, mas não está ferida. Ela vai ficar bem. Coloquei-a no quarto para que pudesse descansar com mais conforto.
Alex não se conteve e passou os braços ao redor dos ombros largos do macho, abraçando-o num gesto de agradecimento.
– Obrigada por ter cuidado dela, Brock.
Ele assentiu solenemente, os olhos castanho-escuros carregados de uma gentileza que parecia incongruente num guerreiro imenso e de aparência letal.
– O que aconteceu? – perguntou ele, quando Alex passou por ele para entrar no chalé e Kade e os outros entraram atrás dela. – Encontraram o Antigo?
– É uma longa história – disse Tegan. – Contaremos tudo mais tarde, mas basta dizer que o Antigo está morto. Infelizmente, não sem perdas para o nosso lado. Kade
perdeu o irmão na batalha.
– O quê? – A expressão de Brock se contraiu quando ele pousou uma mão reconfortadora sobre o ombro de Kade. – Ah, meu Deus. O que quer que tenha acontecido, eu
sinto muito.
Alex estava movida pela emoção genuína – pelo elo forte – entre Kade e Brock, entre todos os guerreiros reunidos na saleta do chalé. Ela se sentia tocada ao ver
homens tão fortes – homens que, em sua essência, eram algo muito mais extraordinário do que isso, na verdade – cuidando uns dos outros como uma família.
Sentindo-se uma intrusa naquele momento, Alex escapou para o quarto onde Jenna estava deitada, enrolada de lado, onde Brock a deixara.
Jenna se esticou quando Alex se sentou com cuidado na ponta do colchão.
– Oi – murmurou ela, a voz grogue, mal passando de um sussurro. As pálpebras se ergueram apenas por uma fração de segundo.
– Oi – Alex sorriu e afastou uma mecha de cabelos do rosto pálido. – Como está se sentindo, querida?
Jenna murmurou algo indecifrável quando os olhos se revolveram e voltaram a se fechar novamente.
– Ela vem oscilando entre consciência e inconsciência desde que vocês saíram.
Alex virou a cabeça e encontrou Brock de pé atrás dela. Kade e os outros guerreiros entraram no quarto também, todos eles observando Jenna com silenciosa preocupação.
– Ela ainda está fraca pela perda de sangue – explicou Brock. – O Antigo deve ter ficado por tempo suficiente para se alimentar dela. Ela teve mais sorte do que
a maioria. Pelo menos está viva.
Alex fechou os olhos, o lamento pela provação de Jenna extraindo o pouco ar que prendia nos pulmões.
– Coloquei-a sob um transe leve para acalmá-la – acrescentou Brock –, mas algo não está certo. O transe não está deixando-a completamente inconsciente, o que é estranho,
levando-se em consideração que ela é humana.
– Não é uma Companheira de Raça? – Tegan inquiriu.
Brock balançou a cabeça.
– Somente uma Homo sapiens comum, até onde sei.
Tegan grunhiu.
– Imagino que isso, pelo menos, seja uma boa notícia. O que está acontecendo com ela?
– Ah, se eu soubesse… Ela não sente dores, mas fica despertando, murmurando coisas sem sentido. Não são nem palavras, mas murmúrios estranhos e incoerentes.
Alex olhou para a amiga e a acariciou com cautela.
– Pobre Jenna. Ela já passou por tanta coisa. Não merecia mais isso depois de tudo pelo que já passou. Eu bem que gostaria de poder estalar os dedos e apagar tudo
o que aconteceu aqui hoje.
– Na verdade, isso pode ser arranjado – comentou Tegan. Quando Alex girou com um olhar questionador, ele prosseguiu: – Podemos apagar as lembranças dela quanto a
tudo o que aconteceu. É indolor e rápido. Ela nem saberá que estivemos aqui. Podemos fazer de modo que ela não se lembre de nada referente a um ou dois dias atrás…
mais até, se for necessário.
– Consegue fazer isso?
Tegan deu de ombros.
– Vem a calhar de tempos em tempos.
Alex olhou para Kade.
– E quanto a mim? Também consegue apagar as minhas lembranças de tudo isso?
Kade sustentou o olhar dela pelo que pareceu um momento infindável.
– É isso o que você quer?
Houve um tempo em que Alex teria abocanhado a chance de se livrar das lembranças terríveis que a atormentaram. Ser capaz de piscar os olhos e não se lembrar de nenhuma
perda, nenhum medo.
Houve uma época, na verdade não muito tempo atrás, em que ela daria qualquer coisa para se esquecer de tudo aquilo.
Mas não mais.
Seu passado era parte de quem ela era. As coisas que testemunhara, por mais terríveis que fossem, moldaram sua vida. Ela não poderia descartar de livre e espontânea
vontade as lembranças da mãe e do irmão, nem mesmo as lembranças da noite em que foram mortos. Fazer isso seria outro modo de fugir, de se esconder das coisas que
ela não se sentia forte o bastante para enfrentar.
Ela não queria mais ser essa pessoa.
Não poderia voltar a viver daquele modo, nunca mais.
Antes que pudesse dizer isso, Jenna começou a se debater na cama. Flexionava e contraía pernas e braços, o rosto estava tenso, a respiração saía em sopros pelos
lábios. Ela murmurou algo ininteligível, em seguida seus movimentos se tornaram ainda mais agitados.
Brock foi para o lado de Alex e colocou a mão grande nas costas de Jenna com o máximo de cautela. Fechou os olhos, concentrando-se enquanto resvalava a mão nela
com carinho, e parte da perturbação de Jenna pareceu diminuir ante seu toque.
– Brock – Tegan disse, balançando a cabeça de leve. – Não a coloque em transe ainda. Preciso ouvir o que ela está dizendo.
O guerreiro assentiu, mas manteve a mão nas costas de Jenna, ainda afagando-a num movimento muito leve. Ela relaxou na cama, mas seus lábios continuaram a se mexer,
sussurrando mais dos resmungos peculiares enquanto passava para um estado mais calmo.
Tegan escutou por um momento, o rosto ficando ainda mais sério a cada sílaba estranha que saía da boca de Jenna.
– Puta merda. Não podemos apagar a memória dessa fêmea. Tampouco podemos nos arriscar a colocá-la em transe novamente.
– O que está acontecendo? – Alex perguntou, preocupada pelo olhar atônito do guerreiro normalmente impassível. – Há alguma coisa errada com Jenna?
– Não temos como saber até levá-la para Boston.
Alex se levantou, alarmada.
– Do que está falando? Levar Jenna para Boston? Não pode tomar essa decisão por ela. Ela tem uma vida aqui em Harmony…
– Não mais – interrompeu Tegan, a voz impedindo qualquer tipo de argumentação. – Quando sairmos daqui, a mulher virá conosco.
Kade se moveu para ficar ao lado de Alex.
– O que foi, Tegan?
O macho mais velho da Raça inclinou a cabeça na direção de Jenna, que continuava a murmurar baixinho sob o toque gentil da mão de Brock.
– A amiga humana de Alex não está sendo incoerente. Ela está falando outra língua. A língua do Antigo.
Capítulo 31
Levou um tempo para que o choque, depois da bomba lançada por Tegan sobre Jenna, se dissipasse. Enquanto Kade e os companheiros falavam por telefone via satélite
com o quartel general da Ordem para comunicar a Lucan os diversos desdobramentos e desastres em potencial no Alasca, Alex continuou no quarto de Jenna o tempo inteiro
com ela.
Kade sabia que ela estava preocupada com a amiga.
Alex tentara argumentar com Tegan que não era justo arrancar Jenna do seu mundo em Harmony e levá-la para Boston como se Jenna não tivesse o poder de opinar a respeito.
Mas Tegan não foi dissuadido, tampouco Lucan, depois que o líder da Ordem fora informado da revelação surpreendente a respeito de Jenna Tucker-Darrow, e do fato
de que a fêmea humana subitamente estava falando um idioma que não tinha origem naquele planeta e que há séculos não era ouvido.
Uma língua reconhecida apenas por poucos dos mais antigos da Raça, e algo que a Ordem esperava, de algum modo, que pudesse ser útil nos esforços contra o inimigo,
Dragos.
Alex relutara em deixar Jenna sozinha com os companheiros de Kade quando chegou a hora de Kade e ela partirem para o Refúgio Secreto da família dele. Tegan dera
sua palavra de que Jenna ficaria segura com eles, mas Kade notou que somente a garantia pessoal de Brock finalmente pusera fim em parte das preocupações no olhar
de Alex.
– Ele cuidará bem dela até voltarmos – Kade lhe disse agora, sentado ao lado dela na cabine do monomotor enquanto sobrevoavam as luzes de Fairbanks, algumas centenas
de metros abaixo. Alex também confiara Luna ao guerreiro, tendo mandado a cadela de volta para o chalé de Jenna antes que ela e Kade partissem. – Você não precisa
se preocupar, Alex. Combati ao lado de Brock no último ano, confiando nele para que cobrisse minha retaguarda, assim como eu cobri a dele. Quando ele dá a sua palavra,
pode confiar que ele a mantém. Jenna não poderia estar em melhores mãos.
O que era mais do que ele poderia garantir em relação a Alex, Kade ponderou. Se não tivesse precisado do transporte aéreo para levar o corpo de volta de Seth para
os domínios da família, ele teria insistindo para que ela também tivesse ficado para trás, sob a guarda de Brock. A recepção que o aguardava no Refúgio da família
não seria agradável, ele bem sabia disso. A última coisa que ele queria era que Alex testemunhasse sua vergonha, ou visse a dor que seu regresso por certo causaria
em sua família quando lhes apresentasse o corpo de Seth.
Aquele era um caminho que ele desejava poder trilhar sozinho, mas havia uma pequena porção sua que estava agradecida pela companhia ao seu lado. De modo egoísta,
ele se reconfortava apenas com a presença dela junto de si.
Alex o fitou em seu silêncio.
– E quanto aos outros moradores de Harmony? Ouvi Tegan dizer ao telefone que ele, Chase e Hunter iriam conter a situação enquanto nós cuidamos de Seth. O que exatamente
significa “conter a situação”? Eles não… não vão ferir ninguém na cidade, vão?
– Não. Ninguém sairá ferido – garantiu Kade, tendo participado da discussão com Lucan e os demais para montar uma estratégia para os passos finais da missão no Alasca.
– Lembra quando você disse que gostaria que houvesse um modo de apagar as lembranças de Jenna a respeito do Antigo e do que ela deve ter passado com ele?
Alex lançou um olhar incrédulo quando entendeu o que ele queria dizer.
– Está falando da cidade inteira? Existem quase cem pessoas em Harmony. O que Tegan e os outros vão fazer? Bater de porta em porta?
Kade sorriu, a despeito da gravidade da situação, incluindo o hiato formado pelos assuntos não resolvidos entre Alex e ele.
– Tenho certeza de que encontrarão um modo de cuidar disso. Tegan é mais do que eficiente.
Kade relanceou pela janela em direção ao cenário logo abaixo do avião, que passara do terreno uniforme da cidade, com suas ruas limpas e telhados cobertos de neve,
para a extensão de floresta indomada.
– Os quatro mil hectares do meu pai começam a partir daquele cume à frente. Há uma clareira onde podemos pousar do outro lado daqueles abetos ao norte. O complexo
do Refúgio Secreto fica a uma distância fácil de caminhar dali.
Alex assentiu em concordância ao direcionar o avião para o terreno por ele indicado.
Assim que pousaram, Kade foi para o compartimento de carga para apanhar o corpo de Seth envolvido na manta. Ele suspendeu o fardo sem vida com cuidado, o peso de
Seth uma carga preciosa que ele nunca mais seguraria. Por mais que intencionasse levar o irmão para casa sozinho, como era seu dever, ele tinha que admitir que a
presença de Alex enquanto ele caminhava até o Refúgio lhe deu um conforto do qual ele não esperara precisar.
Ela andou ao seu lado com sobriedade, até o quintal forrado de neve da residência principal. Já devia ser o fim da manhã, deviam faltar poucas horas para o nascer
do sol. Grande parte dos habitantes da Raça daquela pequena comunidade devia estar recolhida em seus aposentos, dormindo talvez, outros fazendo amor.
Kade parou diante da casa grande onde a mãe e o pai moravam, refletindo que em poucos minutos abalaria suas vidas com sofrimento e perda. As mesmas coisas das quais
ele tentara protegê-los ao guardar o segredo de Seth por tanto tempo.
– Você está bem? – Alex hesitou ao seu lado. Pôs a mão em seu ombro, num toque gentil e carinhoso que lhe deu mais força do que ela jamais poderia imaginar.
Ele precisou dessa força no momento que se seguiu.
De dentro do Refúgio veio o som das passadas atravessando o piso de tábuas de madeira. A voz da mãe chamou de algum lugar lá dentro:
– Kir? Kir, o que foi? Aonde você vai?
O pai de Kade não respondeu.
As portas da casa principal se abriram num rompante somente com a força das emoções do macho mais velho. Ele passou pela soleira como uma tempestade, obviamente
tendo sido despertado do seu repouso e tendo parado apenas para vestir um par de calças de flanela antes de disparar para fora, para enfrentar a notícia que nenhum
pai gostaria de ouvir.
Alex arfou ao vê-lo, embora o choque dela não tenha sido nenhuma surpresa para o filho sobrevivente de Kir.
Quase dois metros de músculos furiosos, dermaglifos latejando em tons escuros de alarme e de raiva, parados na varanda do casarão de madeira. Os olhos cinzentos
ardiam com um tom âmbar, rapidamente inquirindo Alex antes de se depositarem em Kade num juízo abrasador.
– Conte-me o que aconteceu com o meu filho.
Kade nunca ouvira a voz do pai estremecer, nem mesmo nos piores momentos de Kir. O tremor na voz grave de barítono era como uma adaga cravada nas entranhas de Kade.
– Pai… eu sinto muito.
Kir avançou pelos degraus para a neve. Parou diante de Kade e de Alex, esticando uma mão trêmula para levantar a manta que cobria o rosto de Seth.
– Ah, meu Deus… Não. – As palavras ficaram presas na garganta, carregadas de angústia. Ele olhou uma vez mais, dessa vez demoradamente, como se estivesse se forçando
a assimilar o rosto de Renegado que estivera escondido sob a mortalha. – Rezei para que isso não acontecesse de novo. Maldição, não com um dos meus filhos.
– Kir! – Kade levantou o olhar quando a mãe, gestante, parou na varanda, a camisola engolfada por uma parca grande que ela deve ter apanhado antes de sair de casa.
Seus passos falsearam quando ela viu Kade parado na neve, os braços tomados por um fardo inconfundível. – Ah, meu Deus! Não, meu Deus, não! Por favor, diga-me que
esse não é…
– Para trás – ordenou o pai de Kade. Depois suavizou o tom, tornando-o mais suave. – Victoria, eu imploro… não se aproxime. Por favor, meu amor, entre. Faça o que
eu digo. Você não precisa ver isto.
Com um soluço de choro, ela retrocedeu, ajudada por Maksim, que acabara de aparecer. Max a segurou pelo braço para ampará-la, enquanto ajudava a companheira do irmão
a entrar na casa.
– Entregue-o para mim – pediu o pai de Kade, assim que as portas se fecharam e Max e Victoria entraram. – Deixe-me segurar o meu filho.
Kade passou Seth para os braços dele e observou o pai carregar o corpo, descalço na neve que o alcançava nos tornozelos, indo na direção da capela do Refúgio, no
centro do complexo. Ali, como era o costume, o corpo de Seth seria preparado para os ritos finais que aconteceriam na aurora seguinte.
Kade sentiu os braços de Alex envolvê-lo num abraço quente, mas isso pouco serviu para aplacar o frio do remorso que o corroía tal qual um abutre devora um cadáver.
Em poucas horas, nada além de um monte de cinzas restaria do seu irmão – ou do lugar de Kade em sua família.
Em Harmony, os guerreiros se esfalfavam para deixar a situação ajustada para os moradores, o que começara ainda antes, quando iniciaram a tarefa de desaparecer com
os diversos cadáveres do depósito frio da pista de decolagem e na clínica minúscula da cidade.
– Uma coisa boa a respeito de toda essa neve e vastidão daqui é toda essa maldita neve e vastidão daqui – observou Tegan com objetividade, quando Chase e Hunter
se encontraram com ele nas motoneves que os aguardavam numa trilha de caça muitos quilômetros floresta adentro.
Eles partiram de Harmony nos veículos carregando os membros da família Toms, Big Dave e Lanny Ham, todas vítimas recentes dos ataques do Antigo, para uma caverna
nas montanhas da região. Alguns tiros estrategicamente disparados precipitaram a queda de gelo e de pedra na boca da caverna, selando-a e garantindo que os mortos
não seriam encontrados até algum momento da próxima era glacial.
– Alguma novidade de Gideon quanto à fase dois dessa operação? – Tegan perguntou a Chase, que estava encarregado de coordenar a parte urbana da lista de tarefas
do dia.
– Está tudo organizado – respondeu Chase. – Gideon falou com Sidney Charles, o prefeito de Harmony, informando-o de que a unidade despachada pela Polícia Estadual
do Alasca da divisão de Fairbanks chegaria em uma hora para se endereçar a todos os moradores de uma vez, a fim de coletar testemunhos.
– Deduzo que o bom prefeito tenha concordado?
Chase assentiu.
– Ele disse a Gideon que cuidaria pessoalmente para que cada cidadão estivesse presente. Eles se reunirão na igreja de Harmony à nossa espera.
Tegan riu baixo.
– Com isso, como fica a situação? Invasão de propriedade, adulteração de provas, comprometimento das cenas de crimes, personificação da força policial, cerca de
uma centena de mentes humanas apagadas numa só investida e tudo isso antes que o sol nasça…
Chase sorriu.
– Apenas mais um dia de trabalho…
Kade não tinha certeza se seria bem recebido na capela do Refúgio, onde todos os moradores do complexo se reuniram para se despedir de Seth nos minutos restantes
antes do nascer do sol. Tivera a intenção de não comparecer, andando de um lado para o outro diante de Alex como um animal enjaulado conforme a hora se aproximava
cada vez mais do meio-dia. Por fim, não suportou esperar mais.
– Tenho que estar lá – explodiu, parando na frente de Alex, sentada no sofá da sala de estar do chalé dele. – Se eles acreditam que tenho o direito de estar lá ou
não, não importa, preciso estar lá. Por Seth. E por mim também. Maldição, todos precisam ouvir o que tenho a dizer.
Saiu apressado do chalé e atravessou o terreno congelado. A neve levemente tingida de azul, devido à luz da aurora próxima, esmigalhou-se sob suas botas a cada passada
larga que o conduzia até a capela.
As janelas da pequena construção de madeira já estavam cerradas em antecipação ao dia. Conforme Kade se aproximou, ouviu o murmúrio suave de vozes baixas em orações
privadas, misturadas aos sons intermitentes das pessoas em luto, vindos de dentro.
Mesmo antes de chegar ao ferrolho da porta, sentiu o cheiro da parafina das oito velas que estariam queimando no altar, e o odor fragrante do óleo perfumado que
envolvia o corpo de Seth em preparação aos ritos eternos que logo aconteceriam.
Oito onças de óleo para abençoá-lo e purificá-lo.3 Oito camadas de seda branca imaculada para envolvê-lo até que seu corpo fosse entregue ao sol. Oito minutos de
exposição aos ardentes raios ultravioleta para aquele que fosse escolhido dentre os vivos para acompanhar Seth em particular nos minutos finais da cerimônia fúnebre.
– Merda – sussurrou Kade, parado diante da porta da capela enquanto absorvia a realidade da situação.
Seu irmão estava morto.
Sua família estava em luto.
E Kade sentia-se mais do que responsável por isso.
Abriu a porta da capela e entrou. Quase todas as cabeças se viraram na sua direção, alguns fitando-o com pena, outros como o estranho que ele se tornara no ano em
que estivera afastado com a Ordem.
Todos os reunidos na capela trajavam roupas cerimoniais – as fêmeas em vestidos negros de capuz, machos em longos robes negros com cintos. Encontrou os pais na fileira
da frente, ao lado de Maksim e de Patrice, todos de preto, todos com os rostos pálidos ante o choque, olhos vermelhos e úmidos de lamento. Caso Seth tivesse se unido
a Patrice, como sua viúva, ela estaria trajando um vestido vermelho para sinalizar a união de sangue. O corpo dele, envolto em branco no altar, traria um beijo rubro,
pois sua Companheira de Raça teria cortado os próprios lábios para depois pressionar a boca à dele num último adeus.
Enquanto Kade refletia a respeito das tradições solenes da sua espécie, ele não conseguia deixar de pensar em Alex. Não conseguia deixar de pensar num futuro onde
ele estaria deitado no altar fúnebre, o rosto transformado como o de Seth, fixo pela Sede de Sangue sob a mortalha branca de seda. Alex o amaria então?
Poderia pedir que o amasse agora, depois de tudo o que ela sabia sobre ele? Depois de tudo o que vira e ouvira nas últimas horas, ele poderia esperar receber a confiança
ou o afeto dela novamente?
E quanto às pessoas ali reunidas? Seus parentes naquele Refúgio Secreto teriam outra coisa a não ser desprezo assim que dissesse o que tinha a dizer?
Kade não sabia. Naquele momento, pouco se importava. Caminhou pelo corredor central, sabendo o quanto estava deslocado em suas roupas de combate sujas de sangue,
armas e adagas penduradas no cinto ao redor dos quadris, enquanto os coturnos ecoavam nas tábuas enceradas de madeira que conduziam ao altar.
O olhar do pai se estreitou sombriamente quando Kade seguiu para a frente da capela. Enquanto passava entre as fileiras dos bancos, ouviu murmúrios baixos das orações
e dos elogios sussurrados sobre seu irmão.
– Um garoto tão bom, não foi? – alguém refletiu num tom quase inaudível. – Que tragédia algo assim acontecer com ele.
– Seth sempre foi o estudioso e o responsável – outro sussurro declarou. – Ele poderia ter sido um grande líder de Refúgio um dia.
– Pobres Kir e Victoria, eles devem estar arrasados – observou outro morador tomado pelo sofrimento. – Como alguém haveria de imaginar que Seth se tornaria um Renegado?
Que desperdício e que desapontamento para a família.
– Kir se recusou a comentar o assunto – foi a resposta sussurrada. – Ouvi dizer que está tão envergonhado que não deixou ninguém se aproximar do corpo depois que
Kade trouxe Seth para casa.
– Isso mesmo – alguém concordou em tom confidencial. – E só porque Victoria insistiu com Kir que ele permitiu a reunião para os ritos fúnebres. É como se ele só
quisesse fazer Seth desaparecer, como se jamais tivesse existido.
Kade ignorou a onda de especulações sussurradas atrás dele quando abriu caminho até o altar diante da capela. A vergonha e a desaprovação do pai não o surpreendiam.
O ferrenhamente disciplinado, rigidamente perfeito Kir jamais toleraria um Renegado na família. Quanto mais se dignar a admitir que seu filho favorito se entregara
à Sede de Sangue.
Kade também estava envergonhado, não tanto pela fraqueza do irmão e pelos males imperdoáveis causados por ele, mas por seu fracasso em ajudar Seth a dar a volta
por cima antes que fosse tarde demais.
– Este momento pertence ao meu irmão – disse, dirigindo-se à congregação de parentes e outros moradores do Refúgio. – Não desejo roubar de Seth nem um segundo disso,
mas existem algumas coisas que todos vocês devem saber. Coisas que todos vocês têm que entender antes de condená-lo pelo que ele foi transformado no final.
– Sente-se, Kade. – A voz do pai soou baixa e equilibrada, porém os olhos reluziam uma ordem. – Este não é o lugar nem a hora para isso.
Kade assentiu.
– Sei disso. Eu deveria ter vindo muito antes. Talvez, se eu tivesse dito algo antes, meu irmão tivesse tido uma chance. Talvez ele não estivesse morto.
O pai se levantou, afastando-se do banco.
– Nada do que tem a dizer vai mudar alguma coisa. Por isso, rapaz, segure sua língua. Deixe estar.
– Não posso – replicou Kade. – Carreguei o segredo de Seth por tempo demais. Também tenho carregado os meus segredos. Já passou da hora de me libertar deles.
A mãe de Kade piscou, refreando uma nova onda de lágrimas, uma mão pousada no volume do ventre onde outro par de irmãos gêmeos crescia dentro dela.
– Do que está falando? Que segredos, Kade? Por favor… quero saber.
Ele fixou o olhar além da desaprovação do pai, fixando-se na súplica que nadava nos olhos úmidos da mãe. Talvez o que dissesse naquela sala, diante de todas aquelas
testemunhas, pudesse de algum modo ajudar seus novos irmãos, que logo nasceriam com o mesmo talento – o mesmo chamado selvagem e sedutor – que tanto ele quanto Seth
possuíam. Por esse motivo, ele tinha que falar.
E também havia Alex.
O olhar de Kade se desviou para o fundo da capela lotada, na qual ela entrara em silêncio e agora permanecia ao lado da porta fechada, o olhar firme também carinhoso
e forte. Ela assentiu de leve, a única aprovação que verdadeiramente contava naquela sala.
– Meu irmão não estava bem – disse ele para a congregação. – Desde o tempo em que éramos garotos, nós dois nos debatemos com a habilidade herdada no nascimento.
Talvez em outra pessoa, como na senhora, mãe – disse, olhando para ela ao falar sobre o dom singular que ela também possuía –, esse talento poderia ser considerado
uma força. Para Seth e para mim, ele se tornou uma maldição. Era poder demais para dois garotos que eram idiotas, ingênuos e arrogantes demais para entender as consequências.
Abusamos do talento que herdamos da senhora. A princípio, nós o tratamos como um jogo, correndo com alcateias de lobos na floresta, caçando com eles… matando com
eles. Deixamos que a natureza nos regesse. A certa altura, percebi que Seth não conseguia parar.
– Ah, meu filho – arfou ela. – Eu sinto muito. Eu não fazia ideia…
– Sei disso – disse ele, interrompendo-a antes que ela assumisse mais culpa que não lhe pertencia. – Ninguém imaginava. Foi errado da parte de Seth e da minha escondermos
a verdade. Piorei as coisas ao sair do Alasca no ano passado.
A carranca de Kir se acentuou.
– Piorou como?
– Seth havia matado um humano. – Kade ignorou o arfar horrorizado que perpassou a congregação, os olhos cravados no pai. – Ele havia matado, e eu sabia disso. Ele
me prometeu ter sido um erro que jamais se repetiria. Não acreditei nele. Eu quis, mas conhecia meu irmão bem demais. Eu deveria ter feito alguma coisa na época.
Deveria ter encontrado um meio de garantir que ele não repetisse aquilo. Contudo, eu fui embora.
O silêncio recaiu na sala enquanto Kade falava, um silêncio que se estendeu infinitamente, um peso frio e carregado que ele portava sobre os ombros enquanto sustentava
o olhar indecifrável do pai. A mãe de Kade se apressou a preencher o silêncio tenebroso.
– Você tinha que ir, Kade. A Ordem precisava da sua ajuda em Boston. Você tinha um trabalho importante a fazer lá…
– Não – negou Kade com um meneio da cabeça. – Fiquei contente em me unir à Ordem, mas não foi por isso que parti. Não de verdade. Saí do Alasca porque tive medo
de que, se ficasse, eu me transformaria como Seth. Para me salvar, abandonei meu irmão – abandonei todos vocês – e fugi para Boston por minhas razões egoístas. Não
há honra no que eu fiz.
Relanceou para o fundo da igreja ao dizer isso, encontrando o olhar de Alex. Ela o ouvia sem julgamentos, o único par de olhos que não o fixava com desprezo ou descrença
atordoada.
– O que Seth fez foi errado – continuou. – Ele estava doente, além de qualquer ajuda, talvez, mesmo antes que a sua fraqueza o transformasse num Renegado. Mas, apesar
disso tudo, ele morreu com honra. Por causa do sacrifício de Seth há poucas horas, eu estou vivo. Mais importante ainda, há uma mulher linda e extraordinária no
fundo desta sala que também está viva por causa das ações de Seth nos momentos finais da sua vida.
Como um todo, o grupo se virou para olhar Alex. Ela não se retraiu ante a repentina atenção, nem ante os sussurros de especulação e curiosidade que atravessaram
a igreja após o anúncio de Kade.
– Seth não era perfeito – disse Kade. – E Deus bem sabe que eu jamais serei. Mas eu amava o meu irmão. E devo a ele por tudo o que ele fez hoje.
– Você o honra desse modo – uma voz masculina murmurou de algum lugar à esquerda de Kade, que relanceou e encontrou Maksim de pé. Ele assentiu com sobriedade. –
Você nos honra a todos hoje, Kade.
O elogio do tio – do seu amigo – foi inesperado e fez a garganta de Kade se contrair. Em seguida, murmúrios semelhantes se ergueram dos outros na sala.
Kir andou até a frente e pousou uma mão no ombro dele.
– Chegou a hora. A aurora está se aproximando, e eu tenho que levar Seth para o sol.
Kade levantou a mão e envolveu o pulso forte do pai com os dedos.
– Deixe que eu faça isso. Por favor… tem que ser eu, pai.
Ele esperava receber uma recusa firme. Um olhar sombrio que forçaria Kade a insistir em carregar o fardo – a honra final – de acompanhar o corpo de Seth pelos oito
minutos de exposição solar exigidos pelas tradições fúnebres da Raça.
Kir, porém, não discutiu. Recuou um passo, sem dizer nada enquanto Kade se despia da camiseta preta suja pelo combate e do cinturão de armas, deixando-as num banco
de madeira próximo.
Ninguém enunciou sequer uma sílaba quando ele foi até o altar, ergueu o corpo envolto do irmão nos braços e começou a caminhar pelo corredor que dava no jardim de
trás forrado de neve, onde o sol do meio-dia estava rompendo a suspensa escuridão invernal. Oito onças equivalem a aproximadamente 227 gramas. (N.T.)
Capítulo 32
Alex aguardava no chalé de Kade, ansiosa de preocupação pelo que ele estava se sujeitando no jardim de trás da capela do Refúgio. Oito minutos de exposição aos raios
ultravioleta em sua pele descoberta. Oito minutos de dores excruciantes, antes que o dever permitisse que Kade deixasse o corpo do irmão para ser consumido pelos
raios solares.
Alex não faria ideia da tradição fúnebre da Raça se não fosse pelo tio dele, Maksim, e pela jovem Companheira de Raça chamada Patrice, os dois tendo seguido para
os fundos da igreja para se apresentarem depois que Kade levara embora o corpo de Seth. Os dois se mostraram calorosos e acolhedores, esperando com ela enquanto
o restante da congregação saía pelos túneis subterrâneos que se ligavam às construções do complexo do Refúgio.
Max e Patrice se ofereceram para fazer companhia a Alex no chalé de Kade para esperá-lo e ajudá-la a cuidar das queimaduras, mas Alex declinou a oferta de modo educado.
Ela não achava que Kade fosse gostar de receber tantas atenções. Sequer sabia se ele a quereria ali agora, uma preocupação que tornava a espera ainda mais arrastada.
Mas os pensamentos a seu respeito voaram como cinzas ao vento quando ouviu as passadas de Kade na varanda do chalé.
Alex correu para a porta e a abriu, aflita ao vê-lo de pé com a luz do sol brilhando atrás dele. De maneira inacreditável, após os oito minutos em que estivera com
o irmão, Kade não tomara um dos túneis, mas caminhara pelo pátio desde a capela até seu chalé.
– Ai, meu Deus – sussurrou Alex, enquanto os olhos cinzentos a fitaram do rosto vermelho e coberto de bolhas. Sua garganta se contraiu como se estivessem prendendo-a
com um punho cerrado. – Venha, entre.
Quando ele passou por ela, os ombros, os braços e o torso nus radiavam um calor palpável que ela conseguia sentir mesmo a trinta centímetros de distância. Ele obviamente
estava em agonia, mas não demonstrou nenhum sinal disso além dos danos visíveis dos raios ultravioleta na pele.
– Venha comigo – disse Alex. – Tenho um banho frio à sua espera.
Ele lhe lançou um olhar questionador.
– Conheci Maksim e Patrice na capela. Eles me contaram o que você poderia precisar quando voltasse. – A boca dele se curvou de leve, mas quando ele tentou falar,
a voz não passou de um som rouco. – Venha, Kade. Deixe-me cuidar de você.
Ele a acompanhou até o banheiro no fim do corredor. Não opôs resistência quando ela o ajudou a se despir, retirando-lhe os coturnos e as meias, uma de cada vez,
enquanto ele permanecia de pé no piso de azulejos, a palma larga, que se apoiava no ombro dela, mais se parecendo um ferro elétrico. Alex tomou cuidado ao retirar
as calças e cueca. Não conseguiu conter um leve arfar, atordoada como sempre ante a perfeição masculina do corpo dele e da complexidade artística dos seus glifos,
mas naquele momento estava preocupada demais em aliviar as queimaduras para ficar se deleitando com a nudez dele.
Ajudou-o a entrar na banheira, observando-o enquanto ele afundava lentamente na água fresca, num sibilo que se alongou num suspiro profundo.
– Está bem assim?
Ele gemeu e assentiu de leve, os olhos se fechando quando o vapor do contato da pele quente contra a água se elevou.
– Obrigado – murmurou, afundando ainda mais.
Alex apanhou um pano macio e o mergulhou na água.
– Apenas relaxe. Eu cuido do resto.
Com cuidado, derramou água fresca sobre os ombros largos. Repetiu o processo nas costas e no peito queimados, depois nos braços nus. Com o máximo de cuidado possível,
aproximou o pano do rosto e lavou a pele avermelhada sobre os ângulos das maçãs do rosto e das linhas firmes do queixo e da testa.
Enquanto ele relaxava mais, Alex gentilmente inclinou a cabeça dele para trás para poder molhar os cabelos de ébano e deixar água fresca cair sobre o crânio.
– As coisas que você disse hoje na capela a respeito de Seth e sobre si mesmo… senti muito orgulho de você, Kade. Foi preciso muita coragem para enfrentar todos
daquela forma.
Ele grunhiu, um som de rejeição sem palavras.
– Você pode duvidar, mas foi um bom irmão para Seth. Acho que todos viram isso hoje. E também é um bom filho para os seus pais.
As pálpebras se ergueram quando as sobrancelhas desceram numa carranca.
– Alguns minutos de conversa – disse com voz rouca. – Foi só. Isso não apaga o passado. Não quer dizer porra nenhuma.
Alex deixou cair mais água contra a cabeça dele e com carinho passou os dedos pelos cabelos sedosos.
– Por que você é tão duro consigo próprio?
– Ver o que o meu irmão era deveria responder à sua pergunta – disse ele, praticamente rosnando as palavras. – Estou certo de que não tenho que lembrá-la do que
ele foi capaz. Você viu pessoalmente na floresta na periferia de Harmony.
– Sim – Alex concordou com suavidade. – Vi, sim. Mas aquele foi Seth, e não você. Ou devo lembrá-lo de que essas foram exatamente as palavras que você me disse quando
lhe contei o que tinha visto? Seth era um assassino, você não é.
Kade exalou um xingamento vívido, mas Alex ignorou a ira crescente dele.
– Foi Seth quem se transformou em Renegado, Kade. Isso não significa que você também se tornará.
Ele mudou de posição na banheira, erguendo a cabeça para fitá-la diretamente nos olhos.
– Por grande parte da minha vida, Alex, eu fugi da verdade, vivendo em negação. Fugindo das coisas que não podia controlar. Pensei que colocando uma distância suficiente
entre mim e os meus problemas, eles simplesmente… desapareceriam. Bem, não desapareceram.
Alex concordou. Ele bem poderia estar descrevendo a vida dela.
– Sei que fugir não resolve nada – sussurrou. – É preciso se erguer e enfrentar as coisas que mais nos assustam. Você me ensinou isso, Kade.
A carranca dele se acentuou.
– É o que pretendo fazer. Mas preciso fazer isso sozinho, Alex.
– O que quer dizer?
– As coisas que eu disse hoje na capela, e na montanha antes de trazermos o corpo de Seth… Não posso me arriscar a colocar você em meio aos meus problemas.
– É um pouco tarde para isso, não acha? – Acarinhou o maxilar duro, apenas com um resvalar de dedos sobre a pele sensível. – Ouvi tudo o que disse. Vi o que aconteceu
com o seu irmão. Entendo seus medos, Kade. Mas não vou fugir. Nunca mais. E também não vou permitir que você me afaste. Eu te amo.
Ele exalou um suspiro rouco, e quando a fitou novamente, centelhas de luz âmbar iluminavam as íris prateadas. Ela viu o brilho das presas brancas por trás dos lábios,
reluzindo com poder letal.
– Eu te amo, Kade – ela disse, insistindo e recusando-se a recuar. – E a menos que você me diga aqui e agora que não me ama, então não consigo pensar em nenhum motivo
para que qualquer um de nós fique sozinho.
Ele a encarou, o maxilar travado.
– Maldição, Alex. Você sabe que não posso dizer isso. Eu te amo. E isso complicou tudo.
Ela sorriu com um humor que mal sentia.
– Um pouquinho de cinza em demasia para você? – perguntou com suavidade. – E eu aqui pensando ser a única que gostava das coisas simples, preto e branco.
Ele não retribuiu o sorriso. Estava exausto demais para isso. Quando Alex se afastou um pouco, notou que o olhar dele passara dos seus lábios para o seu pescoço.
A pulsação dela palpitava naquele ponto, num ritmo rápido que se acelerou para uma palpitação acelerada enquanto via Kade encarando-a com avidez naquele lugar. Ele
percebeu que era observado e abruptamente desviou o olhar. Tentou ocultar que percebia a pulsação do sangue dela logo abaixo da pele. Tentou esconder a sua sede
por ela.
Alex o coagiu a fitá-la novamente com um toque.
– Você não tem que negar quem é ou do que precisa, Kade. Não para mim. Não mais.
Silenciosamente, abaixou o pano úmido e se posicionou ao encontro da boca dele, afastando o cabelo do pescoço.
Seu nome foi um sussurro reverente nos lábios dele quando ele inspirou, depois expirou um ar cálido contra a sua pele. Kade desceu sobre ela num movimento rápido,
a mordida afiada repleta de uma necessidade e de um desespero que ele não fez esforço algum para esconder.
Na casa de Zach Tucker, em Harmony, um par de policiais estaduais recentemente chegados do posto em Fairbanks estava sentado em silêncio submisso, os dois homens
em transe no sofá.
Numa poltrona reclinável ao lado deles, o prefeito Sidney Charles roncava suavemente, também em transe. O ancião nativo se mostrara muito colaborador, ainda que
inadvertidamente, para os objetivos da missão da Ordem na cidade. Não só cumprira a promessa de juntar os moradores na igreja algumas horas antes, como também teve
os bons modos de acompanhar os recém-chegados policiais para a casa de Zach Tucker, quando o avião deles pousou, vindo de Fairbanks, em torno do meio-dia.
Com Brock ainda a postos no chalé de Jenna, Tegan, Chase e Hunter desde então realocaram a operação para a casa de Tucker. Aguardaram a passagem das poucas horas
de sol ali, usando o tempo livre para fuçar os registros de computador do policial em busca de mais provas de corrupção na casa. Não tiveram que procurar muito.
Zach Tucker podia ter sido um policial do interior, mas tinha talento para contador. Ele registrara todas as transações ilegais de drogas e bebidas que passaram
das suas mãos para as de Skeeter Arnold, a fim de que as distribuísse na região.
Quando os dois policiais acordassem, encontrariam um livro-razão escrito e uma planilha de computador na casa de Zach. Encontrariam o cofre onde Zach mantinha um
montante considerável de dinheiro em espécie que lucrara com seu negócio paralelo, no período de alguns bons anos.
Os policiais seguiriam um palpite, que nenhum deles desconsideraria e que os levaria à floresta, onde encontrariam o único policial da cidade, brutalmente assassinado
e destroçado pelos animais. Próximo ao corpo, encontrariam o celular de Skeeter Arnold, mostrando o histórico de telefonemas para e do policial Tucker. Sem terem
como localizar Skeeter, os policiais estaduais concluiriam que Tucker, e possivelmente Skeeter, pelo visto levaram a pior numa negociata que acabara mal.
O que os estaduais não encontrariam eram provas de qualquer coisa estranha acontecendo em Harmony. Ninguém na cidade se lembraria das mortes recentes, quanto mais
dos nomes das vítimas, e com um vírus estrategicamente instalado por Boston no sistema de computação, todos os despachos para a Polícia Estadual da última semana
seriam apagados, não dando nenhum motivo para os estaduais investigarem mais a fundo o desagradável problema de corrupção policial numa cidade que de outro modo
seria totalmente pacífica.
– Acho que isso dá conta do problema – Chase disse ao sair do escritório domiciliar de Tucker. – Desabilitei a senha de acesso ao computador e há uma planilha das
transações recentes do nosso garoto estrategicamente aberta no monitor. Esses policiais vão pensar que Tucker era não só um cretino, mas também um completo idiota.
Tegan riu.
– Já estou acabando aqui com estes humanos. Diga a Hunter que partimos em cinco minutos.
Chase assentiu. Deu um passo, depois parou.
– Alguma notícia de Kade?
– Nada ainda.
– Uma pena essa história do irmão – Chase comentou em sua voz estranhamente impassível.
– Pois é – concordou Tegan. – Uma pena mesmo.
Quando o ex-agente virou para sair, Tegan pigarreou.
– Escute, Harvard. Eu queria falar com você a respeito do que aconteceu na mina.
– O que foi?
– Só fiquei imaginando em que merda você estava pensando quando estava segurando aquele Servo Humano pelo pescoço em vez de acabar de vez com ele, numa morte rápida.
O sorriso de Chase lhe pareceu de algum modo rígido demais no rosto.
– Só estava me divertindo um pouco, nada mais.
Tegan o fitou, observando o agente antes puritano que se mostrara um bem valioso para a Ordem, mesmo que por vezes um tanto descuidado.
– A diversão pode acabar matando você, cara. É melhor se lembrar disso.
A expressão de Chase era indiferente, o erguer dos ombros casual, despreocupado.
– Claro, Tegan. Obrigado pelo conselho. Vou me lembrar dele.
Tegan o viu sair, depois voltou a atenção para as instruções que dava aos humanos em transe para que acordassem quando ele e os outros vampiros tivessem tido tempo
suficiente para se afastarem diversos quilômetros da cidade.
Capítulo 33
Kade estava do lado de fora do seu chalé no Refúgio, vestindo um roupão de seda preto, apoiado na coluna de madeira da varanda dos fundos, que dava para a vastidão
da propriedade. Fazia algumas horas que o sol se pusera, e a escuridão encobria a região uma vez mais. Estava perdido em pensamentos, fitando o horizonte, onde o
brilho esverdeado da aurora boreal manchava o céu estrelado.
Alex saiu para se encontrar com ele. Ele a ouviu caminhando suavemente logo atrás dele, fechou os olhos quando ela o envolveu pela cintura com os braços. Ela emitiu
um som suave no fundo da garganta e depois suspirou quando ele resvalou a ponta dos dedos nos braços nus sob a manga de seda branca do roupão.
Haviam passado boa parte do dia na cama, um deitado nos braços do outro. Seu corpo ainda se recuperava das queimaduras do ritual fúnebre, ainda que estivesse bem
melhor, graças ao sangue que Alex lhe dera. Agora sua pele só estava avermelhada e sensível, sem nenhuma bolha mais e sem lhe causar dores. Sua libido lhe lembrava
de que ele estava bem o bastante para desejar Alex. Deus bem sabia, não existia nada que o impedisse de desejá-la.
– Não quis acordá-la – ele murmurou, enquanto os dois permaneciam de pé, unidos como um, sob o céu estrelado, observando a
aurora boreal ao longe. – Você enfrentou muitas coisas nos últimos dias. Devia descansar mais.
Alex foi para a frente dele e se enterrou em seu calor.
– Vim aqui lhe dizer a mesma coisa. Como está se sentindo?
Ele grunhiu e balançou a cabeça de leve.
– Melhor, graças a você. E ainda mais quando a tenho nos braços.
Ela ergueu a cabeça para lhe dar um beijo suave. O resvalar dos lábios dela era um convite cálido. Repleto de ternura pelo que passaram juntos, e verdejante com
a esperança sutil pelo caminho que os esperava adiante.
– Precisei de você hoje, Alexandra – sussurrou ao encontro da boca dela. – Tentei me convencer de que não precisava, mas tudo de que precisei foi você. Obrigado
por tudo o que fez por mim hoje. Obrigado por estar aqui.
Ela lhe sorriu e sua voz soou suave de emoção.
– Você nunca terá que me agradecer por isso.
– Deus, como eu te amo – murmurou, o peito se comprimindo ao fitá-la. – Você me deixa honrado, Alex. Agradecido. Acho que não sabe o quanto. Você poderia ter qualquer
macho que escolhesse…
Ela esticou a mão para acariciá-lo com doçura.
– Só há um homem que eu escolheria. Só um macho para eu amar.
As palavras dele morreram com um gemido quando ele inclinou a cabeça e apanhou a boca suave num beijo profundo e apaixonado. O desejo surgiu dentro dele, sensual
e exigente. Queria Alex – em sua cama, sob suas presas. Desejava-a de todos os modos que pudesse tê-la.
Seu desejo era tão completo que ele mal ouviu a batida na porta da frente do chalé.
Ele a teria ignorado por completo caso Alex não tivesse recuado, sem fôlego.
– Chegou alguém.
– Não me importo – Kade se moveu para beijá-la novamente.
A batida soou novamente, dessa vez mais alta. Insistente e exigente.
Kade grunhiu uma imprecação ao acariciar o belo rosto antes de recuar para atender a porta. Sabia quem encontraria do outro lado, mesmo antes de abri-la.
– Pai – disse. Seu tom entrecortado não poderia ser interpretado como um cumprimento.
Kir o fitou, depois relanceou por sobre o ombro dele, onde Alex vinha da varanda de trás.
– Precisamos conversar.
Kade manteve-se firme, bloqueando a entrada com seu corpanzil.
– Eu já disse tudo o que tinha para dizer.
– Mas eu não – outro olhar na direção de Alex. – Escute-me. Por favor, filho.
Kade nunca ouvira seu pai enunciar nenhuma dessas palavras numa conversa com ele. Talvez por isso tenha afrouxado a mão na maçaneta e dado um passo para o lado para
permitir a entrada dele.
Mas não estava disposto a ceder no que se referia a Alex.
– Tudo o que tiver a dizer pode ser dito na frente de Alexandra. Ela é a minha companheira. Não escondo nada dela.
As sobrancelhas de Kir se ergueram de leve na testa orgulhosa.
– Claro. – Inclinou a cabeça na direção de Alex, num gesto de respeito que lhe rendeu uns pontos a mais com Kade. – Tudo bem se nos sentarmos um pouco, filho?
Kade assentiu, depois estendeu a mão para que Alex se unisse a eles. Ela foi até eles e se acomodou ao seu lado do sofá, enquanto Kir tomava a poltrona de couro
diante deles. Por um instante, o macho mais velho apenas os fitou, a expressão inescrutável, os olhos rabugentos sem piscar enquanto os avaliava.
– Hoje foi um dia que rezei para que nunca chegasse – disse ele por fim. A voz parecia oca, ainda carregada de sofrimento. – Por muito tempo, desde que vocês eram
meninos, vivi o medo de pensar em perder seu irmão.
Kade abaixou o rosto, a vergonha renovada voltando a aparecer.
– Sei que está desapontado, pai. Eu sei… ah, meu Deus… – Alex entrelaçou os dedos nos dele. Kade engoliu as cinzas que pareciam ter se alojado em sua garganta. –
Sei que deve desejar que tivesse sido eu e não Seth.
– Você não sabe de nada – Kir rosnou. A cabeça de Kade se ergueu, e a voz do pai se suavizou. – Não sabe o que eu desejo ou o que eu sinto. Como poderia, quando
nunca lhe dei nada de mim? Em vez disso, dei tudo a Seth. Dei-lhe demais.
Kade deu de ombros.
– Ele era seu filho. Você o amava.
– Você também é meu filho – replicou ele. – E amo os dois, Kade. Mas Seth precisava mais de mim. Ele nunca teve a sua independência. Ele não nasceu com a sua coragem.
Kade franziu o cenho.
– O senhor o amava. Todos amavam.
– Sim – admitiu ele. – Porque você era mais forte do que ele, Kade. Em todos os modos, você era melhor do que ele. Seth sabia disso tanto quanto eu. Tentei compensar
as falhas dele dando-lhe mais atenção do que a você, mas isso o arruinou ainda mais.
– O senhor deixou que ele cuidasse dos assuntos do Refúgio em seu lugar – observou Kade. – Pareceu estar moldando-o para ter um Refúgio próprio.
Kir balançou a cabeça de leve.
– Tentativas fúteis de um pai, nada mais. Tentei lhe dar oportunidades para que fizesse algo para si próprio. Fracassei vezes sem conta. Seth jamais seria um bom
líder. Ele era fraco demais, inseguro demais.
– E eu? – perguntou Kade, a pergunta escapando dos lábios antes que ele conseguisse contê-la.
– Você – disse Kir, pensativo ao fitá-lo. – Você era indomável. Incontrolável, desde o instante em que saiu berrando e chutando do ventre da sua mãe. Você era uma
força da natureza, Kade. Todos os que o olhavam enxergavam algo único, algo especial, em você. Já conheci outra criança não muito diferente de você.
– Grigori – murmurou Kade, observando a expressão do pai mudar de surpresa leve a arrependimento.
– Grigori – repetiu Kir lentamente. – Imagino que tenha ouvido algo sobre ele pelo meu outro irmão, Maksim.
Kade confirmou.
– Max me contou um pouco. Sei que Grigori significou muito para o senhor e sei que ele se tornou um Renegado.
As sobrancelhas de Kir se ergueram apenas uma fração.
– Sim, é verdade.
– E também que pensou que eu acabaria como ele um dia.
– Você? – Ele fez uma careta e balançou a cabeça. – Nunca pensei isso de você. Era com Seth que eu me preocupava. Sim, é verdade que você me lembrava Grigori. Tudo
o que era vibrante, robusto e forte dele, eu via em você, Kade. Seth, por sua vez, não tinha nenhuma dessas qualidades. Ele se parecia com meu irmão por ter as mesmas
fraquezas e inseguranças que, no fim, o condenaram. Eu sabia disso, e vivia aterrorizado com o que poderia acontecer com Seth. Quanto a você, só me restava esperar
que você jamais fosse colocado na posição em que estive em relação a Grigori. Rezei para que você nunca tivesse que enfrentar tal tipo de decisão.
Algo muito frio se enrolou ao redor do coração de Kade ante as palavras do pai. Os dedos de Alex se contraíram entre os seus, como se ela também temesse o que Kir
poderia dizer.
– Conte-me o que aconteceu, pai.
– Nunca quis que você tivesse que sustentar o fardo de ter destruído algo que amava. – O olhar de Kir se embaçou com arrependimento. – Pensei que se mantivesse Seth
perto de mim, se eu lhe desse oportunidades de provar seu valor, a minha força seria o bastante para sustentá-lo. Se eu pudesse impedir que Seth cedesse para a fraqueza
que eu enxergava nele desde que era criança, então, talvez, ele não acabasse como Grigori. Talvez você não fosse forçado a fazer o que eu tive que fazer.
– Max disse que Grigori nunca mais foi visto, nem tiveram notícias depois que a família soube que ele se tornara um Renegado e que matara alguém em sua Sede de Sangue.
Mas disse que o senhor se recusou a falar de Grigori depois disso.
Kir assentiu com gravidade.
– Não havia por que falar dele novamente. Ele morreu. Como irmão dele, senti-me no dever de garantir que ele nunca mais matasse alguém.
Alex exalou um arfar ante a confissão solene. Kade ficou atordoado ao descobrir a semelhança entre a trajetória do pai e a sua, o quanto nunca soube sobre o macho
que o gerara ou sobre a vida que ele tivera antes do seu nascimento e de Seth.
Murmurou uma imprecação, mas sem nenhum veneno. Nunca mais haveria, depois daquela noite.
– Guardei rancor a vida inteira – admitiu. – Pensei que me desprezasse.
Kir estalou a língua, balançando a cabeça num sinal de remorso.
– Jamais. Só desejei o melhor para você. Para os meus dois filhos. E agora, para os dois novos que nascerão daqui a poucas semanas.
– Desperdiçamos muito tempo com segredos e temores envenenantes – Kade lhe disse. Virou-se para Alex, tomado de amor pela fêmea dona do seu coração. – Não posso
mais gastar um minuto sequer assim.
Kir se levantou.
– Nem eu devo tomar o seu tempo quando você e Alex podem passá-lo juntos. Quero que saiba que sinto orgulho de você, Kade. E que estou contente que tenha encontrado
a felicidade. Você encontrou o amor, e junto com todas as suas outras qualidades, é isso o que o fará superar seus desafios.
Kade engoliu em seco, dando um aceno desajeitado.
– Obrigado, pai.
– Por quanto tempo você e Alex ficarão aqui no Refúgio?
– Não muito – respondeu Kade. – No máximo mais algumas horas. Alguns dos meus companheiros da Ordem estão à nossa espera numa cidade próxima daqui. Temos que concluir
uma missão e depois voltaremos para casa.
– Os dois? – perguntou Kir, olhando de Kade para Alex.
– Acho melhor tornar isso oficial e perguntar para ela – disse Kade, sorrindo ao afagar o rosto de Alex. Virou o rosto dela para o seu. – O que me diz, Alex? Existe
alguma chance de eu convencer você a ir comigo para Boston?
Os suaves olhos castanhos cintilaram.
– Nunca fui para a Nova Inglaterra. Acho que eu gostaria de conhecer.
O sorriso de Kade se ampliou.
– Eu lhe mostrarei o maldito mundo inteiro se deixar…
Beijaram-se, interrompidos um segundo depois pelo leve pigarrear pouco à vontade de Kir. Alex corou intensamente. Kade não se sentiu envergonhado pelo seu amor,
deparando-se com o olhar divertido do pai com um levantar de sobrancelhas indefensável.
Kir sorriu, depois caminhou para a porta, com Kade e Alex vindo ao seu lado. Quando pararam na soleira, Kade estendeu a mão, mas o pai não a apertou. Em vez disso,
puxou Kade num abraço forte.
– Sei que você criou uma família em Boston, junto à Ordem – disse, afastando-se para fitar Kade nos olhos. – Estou contente por isso. Mas você também tem a sua família
aqui. Você e a sua bela Alexandra têm uma família aqui.
– Posso abraçá-lo também? – perguntou Alex, voltando a sua gentileza para o pai durão de Kade.
A boca de Kir se curvou num raro sorriso.
– Eu me sentirei honrado se o fizer.
Enquanto Alex o abraçava, o ancião fitava Kade, o olhar repleto de emoções em demasia para Kade enumerá-las. Orgulho, perdão, arrependimento, esperança… anos de
emoções não verbalizadas entre pai e filho. Talvez agora eles pudessem ter a oportunidade de reparar as coisas que foram soterradas por tantos segredos, tantos medos
inúteis.
E também havia Alexandra.
Kade olhou para a fêmea que amava – sua fêmea, sua companheira. Seu coração transbordava com todas as coisas que queria lhe dizer, coisas que queria partilhar com
ela… promessas que pretendia lhe fazer agora, na esperança de ter o resto da vida ao lado dela para sustentá-las.
Kade passou o braço ao redor dos ombros de Alex, enquanto juntos acompanhavam com o olhar a caminhada do pai por sobre a neve iluminada de luar até a casa principal.
Quando ele se foi, Kade se virou para Alex e a tomou nos braços.
Ela arquejou quando seus pés deixaram o chão, depois gargalhou quando ele a girou e começou a andar na direção do quarto.
– Coloque-me no chão! Você ainda não se recuperou das queimaduras, Kade. Não deveria estar fazendo isso.
– Ah, deveria, sim – replicou ele, fitando-lhe os olhos com uma avidez que não conseguiria ocultar mesmo que tentasse.
Fizeram amor, primeiro numa junção tempestuosa e febril, ambos perdidos em suas próprias emoções crescentes e nas exigências urgentes do desejo que nutriam um pelo
outro. Kade arrebatou o corpo dela, fazendo-a chegar ao orgasmo tantas vezes que, por fim, ela desistiu de tentar contar.
Os sentidos de Alex estavam repletos dele, o corpo se fragmentando conforme alcançava a crista de outra onda de prazer, aninhada nos braços protetores de Kade.
Ela o amava tão profundamente que se condoía de tanta devoção. E nos momentos seguintes à paixão, ela soube que também era amada.
O toque dele era gentil enquanto acariciava a pele sensível do pescoço dela, os dedos resvalando a pele macia atrás da orelha.
– Não agi corretamente com você – murmurou baixinho. – Quando bebi de você naquela primeira noite na sua casa. Aquela deveria ter sido uma escolha sua, Alex. Tomei
isso de você. Eu deveria ter lhe dito o que aquilo significava antes de me unir a você. Eu deveria ter sido honrado o suficiente para conquistar esse direito, e
não roubá-lo de você, como fiz.
– Isso não importa para mim – murmurou ela. – Tudo o que importa é que estamos juntos agora. Quero você para sempre, Kade. Eu quero… – As palavras se perderam, não
por medo ou incerteza, mas devido à profundidade do desejo dela. Virou-se para ele. – Tudo o que quero é você. Estar unida a você como a sua Companheira.
– E tudo o que eu quero é fazer você feliz, e saber que está segura e protegida.
– E eu estou. Não existe lugar em que eu esteja mais feliz – ou mais segura – do que nos seus braços. – Acariciou o belo rosto, vendo o tormento que ainda permanecia
na expressão dele. Uma ponta de dúvida sobre si mesmo que ainda não desaparecera dos olhos dele, e que talvez nunca desaparecesse por completo. – Juntos somos fortes,
Kade. Mais fortes do que a selvageria que há dentro de você. Você ouviu o que o seu pai disse: o amor é a força mais poderosa. Nada tem mais poder do que ele.
– Acredita mesmo nisso?
– Mais do que tudo – respondeu. – Mas a questão é: você acredita?
Ele a encarou por um bom tempo, os olhos prateados perscrutadores.
– Contanto que eu tenha você ao meu lado, acredito que tudo seja possível. Eu te amo, Alexandra. Você é tudo para mim.
Ele a trouxe para perto e a beijou – o beijo mais reverente e terno que ela jamais saboreara. Alex se derreteu ao seu encontro, o corpo reagindo numa corrente fluida
de calor que se empoçou em seu cerne. Inclinou a cabeça para trás quando a boca dele viajou pela linha da mandíbula até a lateral do pescoço.
Kade afastou a cabeça num grunhido. Fitou-a, os olhos reluzindo na luz âmbar, as presas cintilando sua brancura. Já estava sôfrego de desejo, ávido de fome por ela.
Franziu a testa, as emoções sombrias se debatendo na profundeza do olhar prateado.
– Para sempre?
– Para sempre, Kade. – Passou as pontas dos dedos sobre a boca sensual dele, onde as pontas das presas reluziam por trás dos lábios entreabertos. – Una-me a você
agora. Quero saboreá-lo. Quero ter a eternidade ao seu lado.
Num grunhido profundo, ele a encarou erguendo o próprio pulso até a boca. Entreabriu os lábios, depois cravou as presas na pele e nos músculos. O sangue gotejou
das perfurações, caindo-lhe do queixo. Hesitante, ofereceu o braço para ela.
Alex o segurou nas mãos e levou o pulso dele aos lábios.
A primeira sensação foi um choque. Ela não sabia o que esperar, mas nada em sua imaginação a preparara para a realidade do que era beber de Kade. O sangue dele era
uma doçura que rolava em sua língua, uma surpreendente selvageria que roubou seu ar. Bebeu o cheiro da pele dele, e o sabor mundano do seu sangue quando sugou da
veia aberta.
Uma força a atravessou como um raio.
Kade gemeu de prazer e ela bebeu mais, ávida, o desejo pulsando em cada terminação nervosa e fazendo todos os seus sentidos viverem ativamente. O calor rugia dentro
dela, e ela choramingou quando a primeira onda de orgasmo se ergueu e a levou.
O rosnado de Kade era um triunfo puramente másculo.
Alex ainda flanava de prazer quando ele lambeu o pulso, depois deitou o corpo dela, abrindo-lhe as pernas ante seu olhar faminto e ardente.
– Você agora é minha, Alex. Que Deus a ajude, mas você é minha para sempre.
– Então me mostre – sussurrou, a voz rouca de prazer. Lambeu os lábios, saboreando até a última gota dele em sua língua. Inclinou a cabeça para o lado, apresentando
a garganta para Kade. – Mostre-me que eu sempre serei sua, Kade.
Os lábios dele se curvaram expondo as presas, que brilhavam afiadas como diamantes na luz tênue da aurora que dançava ao longe daquele chalé. Alex acolheu a beleza
selvagem do rosto dele, sentindo nada semelhante a medo ao fitá-lo naquele instante.
Ele era seu coração, seu amante, seu companheiro.
Seu tudo.
– Kade, me ame – murmurou uma súplica.
– Para sempre – respondeu ele.
Então, com um gemido de prazer e de entrega, ele abaixou a cabeça e cravou uma mordida profunda na carne dela, mostrando-lhe como a eternidade deles seria prazerosa.
Lara Adrian
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