Capítulo 22
Lucan e Gideon os aguardavam assim que Brock saiu do elevador com Jenna e Chase.
– Que dia, hein? – resmungou Lucan, fitando-os de relance. – Vocês dois estão bem?
Brock desviou o olhar para Jenna, que permanecia calma e composta ao seu lado. Estava um pouco ralada e arranhada, mas, ainda bem, inteira.
– Poderia ter sido pior.
Lucan passou a mão pelos cabelos escuros.
– Dragos está ficando cada vez mais ousado. Servos Humanos na droga do FBI, pelo amor de Deus...
– O quê? – Chase crispou a testa, lançando um olhar incrédulo para Brock e Jenna. – Quer dizer que a reunião com o federal de hoje...
– Ele pertencia a Dragos – Brock completou. – Ele e outro dos escravos da mente de Dragos a pegaram dentro do prédio e fugiram com ela. Persegui o veículo, mas só consegui alcançá-los quando bateram o carro debaixo da ponte do Brooklin.
Chase exalou uma imprecação baixa.
– Vocês dois têm sorte de estarem vivos.
– Pois é – concordou Brock. – Graças a Jenna. Ela acabou com os dois Servos, depois ainda salvou minha pele de ser torrada.
– Sério? – Um pouco da irritação do olhar de Chase sumiu quando ele a fitou. – Nada mal para uma humana. Estou impressionado.
Ela dispensou o elogio com um dar de ombros.
– Eu deveria ter sabido que havia alguma coisa de errado com o agente quando o conheci. Na verdade, eu sabia. Tive uma... sensação ruim, acho que posso chamar assim. Mas não sabia bem o que era... Porém, durante toda a reunião, fiquei pensando que havia algo de estranho com ele.
– Como assim? – perguntou Gideon.
Pensativa, ela franziu o cenho.
– Não sei direito. Acho que foi uma coisa instintiva. Os olhos dele me deixavam incomodada, e fiquei com a sensação de que ele não era... normal.
– Você sabia que ele não era humano – sugeriu Brock, tão surpreso quanto o restante dos guerreiros ao ouvi-la. – Você pressentiu que ele era um Servo Humano?
– Acho que sim. – Assentiu. – Mas eu não sabia como chamá-lo na hora. Eu só sabia que ele deixava minha pele arrepiada.
Brock não deixou passar o olhar silencioso trocado entre Gideon e Lucan.
Nem Jenna.
– O que foi? Por que ficaram tão calados de repente?
– Seres humanos não têm a habilidade de detectar Servos Humanos – respondeu Brock. – Os sentidos dos Homo sapiens não são aguçados o bastante para perceber as diferenças entre um mortal e alguém que pertença a um mestre da Raça.
Ela arqueou as sobrancelhas.
– Acham que isso tem a ver com o implante, não? O presente alienígena que continua surpreendendo... – Ela bufou numa risada irônica. – Devo ter ficado louca mesmo para achar que isso era esperado, não acham?
Brock mal resistiu ao impulso de passar o braço ao redor dela. Em vez disso, olhou para Gideon com gravidade.
– Encontrou algo mais nos resultados dos exames de sangue?
– Nada significativo além das anomalias já descobertas. Mas eu gostaria de fazer mais exames, além de um teste de esforço para mensurar força e resistência.
Jenna assentiu em concordância.
– Quando você quiser, estou de acordo. Já que parece que não vou conseguir me livrar dessa coisa, acho que é melhor começar a tentar entendê-la.
– Os testes terão que esperar um pouco – interveio Lucan. – Quero todos reunidos no laboratório de tecnologia em dez minutos. Muita coisa ruim aconteceu hoje, e preciso garantir que estejamos prontos antes que os convidados do Refúgio Secreto cheguem.
O líder da Ordem lançou um olhar de aprovação para Jenna e Brock.
– Fico feliz que tenham voltado inteiros. Os dois.
Jenna agradeceu, mas sua expressão estava marcada pelo desapontamento.
– Infelizmente, uma vez que a reunião foi uma armação, não conseguimos nenhuma informação sobre a TerraGlobal.
Lucan grunhiu.
– Talvez não, mas descobrir que Dragos tem Servos Humanos infiltrados no governo humano pode se mostrar muito mais valioso para nós a longo prazo. Não é uma boa notícia, claro, mas é algo que precisávamos saber.
– Ele está subindo as apostas – acrescentou Gideon. – Com essa descoberta e o sequestro do neto de Lazaro Archer, ficou bem claro que Dragos não pretende desistir.
– E ele é capaz de tudo – enfatizou Brock, sério ante as possibilidades. – Isso o torna mais perigoso do que nunca. É melhor nos prepararmos para o pior no que se refere a esse bastardo.
Lucan assentiu, o olhar grave, pensativo.
– Por enquanto, vamos enfrentar uma crise de cada vez. Chase, venha comigo. Quero que acompanhe Tegan quando ele subir para ir buscar os Archer. Todos os outros, laboratório em dez minutos.
Acreditava-se que Lazaro Archer tivesse aproximadamente mil anos de idade, mas, como qualquer outro membro da Raça, a aparência exterior do Primeira Geração de cabelos negros se parecia mais com a de alguém de trinta. As linhas de expressão ao redor da boca sisuda e as sombras debaixo dos olhos azuis, ainda que pronunciadas, eram apenas evidências da angústia pelo sequestro do neto.
Os olhos astutos, porém cansados, perscrutaram os rostos dos que se reuniam no laboratório de tecnologia – os guerreiros e as suas companheiras, bem como Jenna ao lado de Brock –, todos observando e aguardando enquanto Lucan e Gabrielle acompanhavam o ancião da Raça e seu filho de expressão austera, Christophe, para a sala.
Apresentações rápidas e educadas circularam pela ampla mesa de reuniões, mas todos sabiam que aquela não era uma visita social. Brock não conseguia se lembrar da última vez em que um civil da Raça entrara no complexo. Poucos da nação vampírica sabiam a localização do quartel-general da Ordem, muito menos tinham permissão para entrar.
Nenhum dos dois Archer pareceu à vontade em estar ali, o pai do garoto sequestrado em especial. Brock não deixou escapar o ligeiro elevar do queixo altivo do mais jovem, enquanto ele passava o olhar pelo laboratório e por cada um dos guerreiros sentados à mesa, em sua maioria ainda trajando as roupas da patrulha noturna e portando as armas. Christophe Archer parecia hesitante, senão relutante, em se acomodar na cadeira vazia em meio aos bárbaros da Ordem.
Mas, em tempos de desespero, pensou Brock com gravidade, inclinando a cabeça para cumprimentar o macho civil de segunda geração que, em seu longo casaco de caxemira e calça e camisa impecavelmente feitos à mão, se sentava ao seu lado.
Lucan limpou a garganta, a voz grave assumindo o controle da sala de imediato ao fitar os recém-chegados.
– Antes de mais nada, quero lhes garantir que todos nesta sala partilham da sua preocupação quanto à segurança de Kellan. Como lhe disse quando nos falamos antes, Lazaro, vocês têm o comprometimento total da Ordem para que o garoto seja encontrado e trazido para casa.
– Isso tudo parece muito bom – Christophe Archer disse ao lado de Brock, com uma pontada de tensão na voz. – A Agência de Policiamento também prometeu a mesma coisa, e, por mais que eu queira acreditar, a verdade é que sequer sabemos por onde começar a procurar pelo meu filho. Alguém pode me dizer quem faria uma coisa dessas? Que tipo de criminosos impiedosos invadiria nossa casa enquanto estamos fora e levaria meu filho?
Depois de conversar novamente com Mathias Rowan da Agência, Chase relatara detalhadamente o sequestro antes de os Archer chegarem. Três machos da Raça enormes e muito bem armados aparentemente invadiram a propriedade do Refúgio Secreto onde moravam as famílias de Lazaro e de Christophe Archer. O pai e o filho tinham ido a um evento de caridade de levantamento de fundos com as companheiras naquela noite, deixando o adolescente Kellan em casa sozinho.
Pelo que parecia, o sequestro fora tanto furtivo quanto preciso, tudo planejado com um alvo específico. No período que só deve ter durado poucos minutos, os invasores entraram no Refúgio por uma janela dos fundos, mataram dois dos seguranças de Christophe e apanharam o jovem de seu quarto no andar superior, escapando com ele.
A única testemunha do sequestro foi um primo, muitos anos mais novo do que Kellan, que se escondera no armário quando a invasão aconteceu. Compreensivelmente assustado e amedrontado, ele não conseguiu descrever os sequestradores a não ser para dizer que estavam vestidos de preto dos pés à cabeça, com máscaras que escondiam tudo a não ser os olhos. O menino também havia percebido que os três machos traziam coleiras grossas pretas e estranhas nos pescoços.
Enquanto a Agência não compreendera as ramificações desse detalhe crucial, todos os membros da Ordem entenderam. Haviam suspeitado que Dragos estivesse por trás daquilo, mas, ao saberem que o trio era formado pelos assassinos criados por ele – membros da Primeira Geração treinados para servi-lo, tendo sua lealdade garantida pelas coleiras de raios UV letais que eram forçados a usar –, tiveram suas suspeitas confirmadas.
– Eu não consigo entender esse tipo de loucura – disse Christophe, apoiando os cotovelos na mesa, as feições tensas, olhos suplicantes. – Por quê? Por certo, nossa Raça não é tão cruel quanto a dos humanos, que brigam e conspiram por causa de dinheiro, portanto, o que eles têm a ganhar com o sequestro do meu único filho?
– Nada disso – respondeu Lucan, a palavra tão séria quanto a sua expressão. – Não acredito que isso esteja relacionado a um possível ganho financeiro.
– Então o que podem querer com Kellan? O que podem ganhar ao sequestrá-lo?
Lucan relanceou para Lazaro Archer.
– Poder de barganha. O indivíduo que comandou esse sequestro sem dúvida pedirá um resgate.
– Pedindo o que em troca?
– A mim – disse Lazaro baixinho. Quando o olhar do filho passou para ele questionador, o Primeira Geração fitou-o com remorso evidente. – Christophe não sabe da conversa que tivemos há quase um ano, Lucan. Nunca lhe contei sobre o alerta que me deu e aos poucos Primeira Geração remanescentes de que alguém está querendo nos matar. Ele não sabe dos outros homicídios dos membros da nossa geração.
O rosto de Christophe Archer empalideceu um pouco.
– Pai, sobre o que está falando? Quem quer feri-lo?
– O nome dele é Dragos – explicou Lucan. – A Ordem vem promovendo uma guerra particular contra ele já há algum tempo. Mas não antes de ele ter tido muitas décadas, séculos, na verdade, para construir um império secreto. Ele já matou diversos Primeira Geração apenas no ano passado, e isso, infelizmente, só revela a superfície da sua loucura. Ele só conhece poder e a necessidade de conquistá-lo. Não se deterá diante de nada para conquistar o que quer; nenhuma vida é sagrada.
– Jesus Cristo, está me dizendo que esse doente maldito está com Kellan?
Lucan assentiu.
– Sinto muito.
Christophe se pôs de pé e começou a andar de um lado para o outro atrás da mesa.
– Temos que pegá-lo de volta. Maldição, temos que trazer meu filho para casa, não importa o que for preciso.
– Todos concordamos com isso – disse Lucan, falando em nome de todos os reunidos em silêncio solene no laboratório. – Mas você tem que entender que não importa como isso vá se desenrolar, há riscos envolvidos.
– Ao inferno com os riscos! – exclamou Christophe. – Estamos falando do meu filho, meu único filho. Meu menino amado e inocente. Não me fale dos riscos, Lucan. Darei a minha vida em troca da do meu filho sem pestanejar.
– Eu também – Lazaro acrescentou com severidade. – Qualquer coisa pela minha família.
Brock observou as palavras emotivas, sabendo o que era se sentir impotente diante de uma perda daquela monta. Contudo, por mais tocado que estivesse com o sofrimento dos Archer, estava chocado com a expressão de Jenna ao seu lado.
Apesar de manter o maxilar firme, tensão marcava a sua boca. Os lábios tremulavam de leve, e os olhos castanhos estavam úmidos pelas lágrimas represadas. Se em sinal de empatia pelo que os dois machos estavam passando ou pela lembrança da própria angústia por ter um ente querido arrancado do seu convívio tão abruptamente, ele não tinha certeza. Mas a ternura que enxergou nela o tocou imensamente.
Por debaixo da mesa, a mão dela procurou a sua. Ele a segurou com firmeza e ela o fitou, com um sorriso frágil enquanto os dedos se entrelaçavam num silêncio confiante. Algo muito profundo se passou naquele momento – a compreensão da ligação crescente entre eles.
Ele sabia que ela era forte. Sabia que era uma mulher corajosa e resistente que recebera mais do que a sua porção de golpes na vida e ainda conseguia ficar de pé. Mas vê-la assim num momento de vulnerabilidade fez seu coração se partir um tanto.
Ele adorava o fato de ela não ser uma florzinha delicada que murchava sob um mínimo de calor. Mas também adorou essa suavidade.
Deus, havia tanto para amar nela.
Se não pelo pequeno detalhe de ela não ter nascido Companheira de Raça, Jenna Darrow era o tipo de mulher que ele enxergava ao seu lado, uma verdadeira companheira, na vida e em todas as coisas. Mas ela era mortal, e se apaixonar por ela inevitavelmente significaria perdê-la. O que acontecera em Nova York naquele mesmo dia, vê-la nas mãos dos Servos de Dragos, apenas servira para ilustrar claramente esse detalhe.
A morte de Corinne fora um golpe para o qual ele não estivera preparado, mas ele conseguira sobreviver. Perder Jenna, quer para a idade que no fim a alcançaria ou por qualquer outro motivo, de alguma forma era impossível de imaginar.
Enquanto segurava sua mão, ele sabia que não podia mais fingir que ela era apenas mais uma missão, ou que protegê-la era apenas seu dever na Ordem. Apaixonara-se rápido demais para negar o quanto ela significava para ele.
Ainda pensava nessa perturbadora revelação quando Lucan se levantou e andou até se aproximar de Christophe Archer. Pousando uma mão no ombro do macho, as sobrancelhas unidas formaram um ar solene.
– Não descansaremos até encontrarmos seu filho e trazê-lo de volta. Você tem a minha palavra, e a palavra dos meus irmãos reunidos nesta sala.
Ante seu juramento, Brock e os outros guerreiros também se levantaram ao redor da mesa em sinal de solidariedade. Mesmo Hunter, o Primeira Geração que conhecia por experiência própria o quanto Dragos e seus assassinos eram impiedosos, levantou-se em sinal de apoio à missão.
Christophe voltou o olhar para o líder da Ordem.
– Obrigado. Não posso pedir outra coisa a não ser isso.
– E não há nada que eu não dê – disse Lazaro, aproximando-se do filho e de Lucan na extremidade da sala. – A Ordem tem a minha fidelidade e a minha mais absoluta confiança. Não posso me perdoar por ignorar seu aviso do ano passado, Lucan. Veja o que isso está me custando agora. – Balançou a cabeça, tomado pela tristeza. – Talvez eu já tenha vivido tempo demais, se um mal como Dragos existe entre nós. É isso o que se tornou a nossa Raça? Fazemos guerra uns contra os outros, deixando que a ganância e o poder nos corrompam, assim como os seres humanos. Talvez não sejamos tão diferentes deles, no fim. Aliás, somos muito diferentes dos alienígenas selvagens que nos criaram?
Os olhos cinza-chumbo de Lucan nunca pareceram mais determinados.
– Estou contando com isso.
Lazaro Archer assentiu.
– E eu estou contando com você – disse ele, passando o olhar por todos os guerreiros e as fêmeas de pé. – Estou contando com todos vocês.
Capítulo 23
A Ordem continuou a reunião por mais algumas horas depois que Lazaro e Christophe Archer saíram. Um pouco antes, Jenna e o restante das mulheres saíram para jantar em algum lugar no complexo, deixando os guerreiros discutindo as limitadas opções táticas em relação à procura e resgate do garoto sequestrado.
Embora Brock tenha ouvido e dado muitas sugestões quando as tinha, sua cabeça e seu coração estavam distraídos. Boa parte da sua concentração abandonou a sala quando Jenna saiu e, desde então, vinha contando os minutos até que pudesse estar com ela novamente. Assim que a reunião se encerrou, seguiu para o corredor para procurá-la.
Alex estava saindo dos seus antigos aposentos, fechando a porta atrás de si, quando ele se aproximou. Ela sorriu quando o viu.
– Como ela está? – perguntou.
– Muito melhor do que eu estaria depois do que ela passou hoje. Está exausta, mas sabe como ela é, jamais admitiria isso.
– É – disse ele, retribuindo o sorriso de Alex. – Sei como é.
– Mas acho que ela está mais preocupada com você. Ela me contou o que você fez, Brock. Como a seguiu, dirigindo em plena luz do dia.
Ele deu de ombros, pouco à vontade com o elogio.
– Eu estava bem equipado. As minhas queimaduras foram mínimas. Já tinham sarado quando chegamos ao complexo.
– Isso não importa. – A boca de Alex se curvou com cordialidade. Então, sem sobreaviso, ela ficou nas pontas dos pés e depositou um beijo no rosto dele. – Obrigada por salvar a minha amiga.
Quando ele continuou parado, sem saber como reagir, ela revirou os olhos.
– O que está esperando? Entre e veja por si só.
Ele esperou até que a companheira de Kade se afastasse antes de bater à porta. Demorou um pouco até que Jenna atendesse. Estava descalça, vestindo seu roupão branco, e imaginava que não houvesse nada por baixo dele.
– Oi – ela lhe lançou um sorriso de boas-vindas que fez seu sangue ferver nas veias. – Eu estava para entrar no banho.
Puxa, ele não precisava dessa tentadora imagem mental para deixá-lo ainda mais excitado.
– Quis ver como você estava – murmurou, a voz saindo rouca quando ele se lembrou das curvas femininas e das pernas longas e sensuais escondidas debaixo do roupão largo. Amarrado apenas por um cinto frouxo na cintura fina. Pigarreou. – Mas se estiver cansada...
– Não estou. – Ela virou, deixando a porta aberta num convite.
Brock entrou e fechou a porta atrás de si.
Ele não fora até ali com ideias de sedução, mas tinha que admitir que essa era, de fato, uma ideia brilhante agora que estava perto o bastante para tocá-la. Perto o bastante para perceber que ela se sentia do mesmo modo.
Antes de pensar duas vezes, alcançou a mão dela e a trouxe para junto de si. Ela não se opôs. Os olhos castanhos estavam arregalados e bem receptivos quando ele amparou a cabeça entre as mãos e a puxou para perto. Capturou-lhe a boca num beijo profundo e ardente. Ela sugou o lábio inferior entre os dentes, e todas as suas boas intenções viraram cinzas.
– Deus, Jenna – disse ele ao encontro da sua boca. – Não consigo ficar longe de você.
A resposta dela foi um gemido estrangulado, o ronronar feminino vibrando pelo corpo dele, indo direto para seu sexo, que estava tão duro quanto o aço. A pele estava tensa e superaquecida, cada terminação nervosa latejando em compasso com sua pulsação.
Ele tirou o roupão do corpo lascivo de Jenna, revelando-a para o seu olhar sedento, centímetro a centímetro, curva a curva. Passou as mãos pela pele aveludada, deleitando-se com a suavidade sob seus dedos. Os seios preencheram-lhe as palmas, os montes brancos cobertos pelos picos rosados que exigiam que ele os saboreasse... Ele afundou a cabeça e a acariciou com a língua, sugando os botões rijos e grunhindo de prazer enquanto ela gemia e suspirava.
O doce perfume da sua excitação o atingiu, fazendo as suas presas já protuberantes descerem ainda mais das gengivas, numa reação primitiva e urgente. Ele desceu a mão até a fenda úmida do corpo dela.
– Tão macia – murmurou, incitando as pétalas do seu corpo, e se deleitando com o modo como ela florescia ainda mais sob seu toque. – Tão úmida, tão quente. Você é sensual demais, Jenna.
– Ah, Deus – arfou ela, os dedos se enterrando nos ombros quando ele a penetrou primeiro com um dedo, depois com o outro. – Mais – sussurrou. – Não pare.
Com um rosnado, ele mexeu a palma ao encontro dela, tomando-lhe a boca num beijo possessivo, língua e dedos mergulhando, dando e recebendo até ele sentir os primeiros tremores do gozo dela. Jenna emitiu um suspiro trêmulo e agudo, mas ele não a soltou até ela se deixar cair sobre ele, dizendo seu nome na explosão do clímax.
Ela ainda resfolegava, ainda o segurava pelos ombros enquanto ele acariciava seu sexo com lentidão, e se inclinou para beijar os mamilos rijos.
– Você está vestindo roupas demais – murmurou, os olhos sensuais dilatados e exigentes, ainda que não mais do que as mãos que agora desciam pelos braços, indo na direção do volume logo abaixo do cós da calça do uniforme. Ela o massageou por cima do tecido, seu toque nem um pouco tímido deixando o sexo dele ainda mais tenso, querendo ser libertado. – Tire isso, agora.
– Mandona como sempre – disse ele, sorrindo ao se apressar para obedecer suas ordens lascivas.
Ela riu, passando as mãos pelo corpo que ele desnudava. Quando ficou nu, passou os braços ao redor dela, atraindo-a até que as curvas se moldassem aos seus músculos. Ela não era uma coisinha frágil, e ele adorava isso. Amava sua força. Percebeu, parado pele contra pele, olhos nos olhos, que havia muitas coisas que amava naquela mulher.
Ah, sim... Ele estava em apuros.
– Você mencionou um banho... – murmurou ele, tentando fingir que não estava se apaixonando naquele segundo. Tentando se convencer de que não havia se apaixonado antes do que isso, no instante em que a vira, aterrorizada, mas ainda inteira, naquele chalé escuro do Alasca.
Ela lhe sorriu, sem saber das revelações que o acometiam.
– Cheguei mesmo a falar numa chuveirada. Mas o banheiro está lá longe, e nós estamos aqui.
– Fácil cuidar disso. – Ele a suspendeu nos braços e usou a velocidade sobre-humana com que nascera para carregá-la ao banheiro anexo antes que ela sequer conseguisse exclamar, pedindo que a colocasse no chão.
– Ah, meu Deus! – exclamou ela, rindo enquanto ele a colocava de pé sobre o piso de mármore. – Que truque legal.
– Gata, fique por perto, há muitos outros de onde veio esse.
Ela arqueou uma sobrancelha.
– Isso é um convite?
– Quer que seja?
Em vez de responder com uma brincadeira, ela ficou quieta. Desviou o olhar por um segundo. Quando voltou a fitá-lo, seu rosto estava muito sério.
– Não sei o que quero... Além de mais disto com você. Mais de você.
Brock ergueu o lindo rosto dela com a ponta dos dedos.
– Pegue tudo que quiser.
Ela o enlaçou pelo pescoço e o beijou como se nunca quisesse soltá-lo. Ele a abraçou, as bocas unidas e ávidas, enquanto os guiava para o box e abria as torneiras. Água quente os açoitou enquanto eles se beijavam e se acariciavam.
Jenna comandou o ritmo, e ele se submeteu com alegria, recostando-se nos azulejos de mármore do chuveiro quando ela se afastou da boca e se ajoelhou lentamente diante dele. Ela passou a boca pelo peito e abdômen, a língua seguindo os contornos dos glifos enquanto as mãos molhadas subiam e desciam pelo seu membro. Ela o sugou, deixando-o sem consciência após apenas alguns momentos de doce tortura.
– Ah, Cristo – sibilou ele, já muito perto do limite. – Suba para cá.
Ele a puxou em direção ao seu corpo, beijando-a com avidez, enfiando a língua na cavidade úmida da boca da mesma maneira como estava louco para estar dentro dela. Abaixou a mão e a alargou por trás, afastando os montes firmes das nádegas lindas. Trouxe-a para perto, fazendo com que a mão tocasse no seu centro quente e úmido.
– Preciso te penetrar – grunhiu, o desejo tão forte que ele se sentiu prestes a explodir.
Enterrando os pés no chão, a coluna pressionada na parede, ele a ergueu. Devagar, sibilando de prazer sublime, ele a guiou pela extensão do seu sexo.
Ela gemeu, enterrando o rosto no ombro dele, enquanto ele a balançava num ritmo lento, deliciando-se com cada suspiro e arquejo que emitia. Ela gozou num grito trêmulo, sua cavidade ordenhando-o com pequenas pulsações que lhe percorriam o membro.
A necessidade de gozar rugia dentro dele. Virou-a e afastou-lhe as pernas. Ela se inclinou para a frente, as palmas ao encontro da parede de mármore, a água escorrendo pelo vale da sua coluna e pela fenda das lindas nádegas. Voltou a penetrá-la, passando o braço ao redor da cintura enquanto isso, perdido demais no momento para ir devagar.
Ele nunca vivenciara um sexo tão intenso. Jamais conhecera o desejo profundo que sentia por aquela mulher. A necessidade de possuí-la o açoitou, assim como acontecera na primeira vez em que fizeram amor. O desejo ardente de clamá-la, de marcá-la como sua apenas e de afastá-la de qualquer outro macho para sempre foi algo que ele nunca esperou sentir.
Mas que estava vivo dentro dele agora. Enquanto a estocava em seu doce calor, suas gengivas latejavam com a necessidade de saboreá-la. De uni-la a ele, a despeito da impossibilidade de um dia tomar aquela fêmea, aquela mulher mortal, como uma Companheira de Sangue.
Rosnou com a força desse desejo, sem conseguir se conter e pressionando a boca na curva entre o pescoço e o ombro enquanto a penetrava cada vez mais fundo. Nesse tempo todo, as pontas das presas apoiadas na pele macia. Provocando... testando.
– Morda – ela sussurrou. – Ah, Deus, Brock... Quero sentir. Quero sentir você por inteiro.
Ele grunhiu baixo na garganta, deixando as pontas afundarem um pouco mais, quase rompendo a superfície.
– Não vai significar nada – ele disse, sem saber se era o desejo ou o arrependimento que o deixava tão rouco. O orgasmo estava próximo, à beira da explosão. – Eu só... cacete... preciso te saborear, Jenna.
Ela levou a mão para trás, espalmando a cabeça dele, pronta para forçá-lo.
– Morda.
Ele a mordeu, penetrando a pele suave no mesmo instante em que a penetrou até o fundo, derramando-se dentro dela. O sangue de Jenna estava quente em sua língua, um jorro de glóbulos vermelhos humanos espessos e metálicos, mas ele nunca saboreou nada mais doce. Bebeu dela enquanto ela mais uma vez chegava ao clímax, tomando cuidado para não machucá-la, querendo lhe dar apenas prazer. Quando ela relaxou uma vez mais, descendo da crista da explosão de gozo, ele lambeu as perfurações gêmeas em sua pele para fechá-las.
Ele a virou de frente, os dois ensopados debaixo do dilúvio quente do chuveiro. Estava sem palavras; sentia apenas reverência e admiração por aquela fêmea humana que, de algum modo, roubara-lhe o coração. Ela o fitou por baixo dos cílios molhados, o rosto rosado, a boca ainda inchada pelos beijos.
Brock lhe acariciou o queixo, aquele queixo lindo e teimoso. Ela sorriu, uma curva sensual dos lábios, e então, de repente, estavam se beijando de novo. Seu sexo reagiu de pronto, e o fogo em seu sangue logo o deixou fervendo. Jenna abaixou a mão para acariciá-lo, da mesma maneira como a língua entrava na boca dele para cutucar a extensão das suas presas.
Ah, sim...
Aquela seria uma noite bem longa.
Capítulo 24
Jenna despertou na cama de Brock, envolvida pelos braços fortes.
Fizeram amor por horas infindáveis: debaixo do chuveiro, ao encontro da parede do quarto, no sofá da sala... Perdera a noção de todos os lugares e todas as maneiras criativas que ele encontrara para dar prazer a ambos.
Agora ela tentava suspender as pálpebras num estado de contentamento bem-aventurado enquanto se aninhava ainda mais em seu abraço, o rosto pressionado no peito, uma perna dobrada sobre o seu quadril. Sua movimentação provocou um gemido bem dentro dele, um estrondo que vibrou através dela.
– Não quis te acordar – sussurrou.
Outro grunhido, algo sombrio e atrevido.
– Eu não estava dormindo.
Os bíceps se curvaram quando a aproximou, depois cobriu a mão dela com a sua e a guiou para uma parte que estava, sem sombra de dúvida, bem desperta. Jenna gargalhou.
– Sabe, para um velhote, até que seu nível de energia é surpreendente.
Ele movimentou o quadril para a frente enquanto ela o espalmava, o membro ficando ainda mais rijo, impossivelmente mais largo em sua pegada.
– Você tem alguma coisa contra centenários?
– Cem anos? – perguntou ela, soerguendo-se no cotovelo para fitá-lo. Havia tantas coisas que ela não sabia a respeito dele. Tantas coisas que queria aprender. – Você é tão velho assim?
– Por volta disso. Mais velho, provavelmente, mas parei de contar os anos já há algum tempo. – Sorriu, apenas uma curva dos lábios sensuais, ao ajeitar uma mecha do cabelo dela atrás da orelha. – Tem medo de que eu não a consiga acompanhar?
Ela ergueu uma sobrancelha.
– Não depois da noite passada.
Enquanto ele ria, ela se inclinou para beijá-lo. Ergueu-se e se acomodou sobre ele, suspirando de prazer pelo modo como se encaixavam à perfeição. Enquanto se movia preguiçosamente sobre ele, apenas se deleitando com a sensação de tê-lo preenchendo-a uma vez mais, notou as minúsculas marcas de mordida já cicatrizando que ela fizera em seu pescoço durante a última rodada de sexo entre eles.
Ela não resistira ao impulso de mordê-lo, ainda mais depois que ele bebera dela no chuveiro. Só de pensar naquilo, ficava excitada. Mesmo agora, só queria devorá-lo. Mas, em vez disso, inclinou-se sobre ele e lambeu o ponto pulsante na base de sua garganta.
– Hummm – gemeu ao encontro da pele dele. – Você é incrível.
– E você é insaciável – replicou ele, apesar de o comentário não ter parecido uma crítica.
– Bem, então se considere avisado. Parece que tenho energia para queimar, ainda mais no que se refere a você. – Ela teve a intenção de fazer daquilo uma brincadeira, mas, ao dizer as palavras, percebeu o quanto de verdade havia naquela declaração. Endireitou-se e o fitou, chocada com tudo o que estava sentindo. – Não consigo me lembrar qual foi a última vez que me senti tão bem assim. Nunca me senti mais... Não sei... Mais viva, acho.
Os olhos escuros a prenderam.
– Você me parece cada dia melhor.
– E estou. – Ela engoliu em seco, ponderando sobre todas as mudanças que lhe aconteceram desde que estava sob os cuidados da Ordem. Sentia-se mais sintonizada com o mundo ao seu redor, mais curiosa e envolvida com a vida. Fisicamente, ainda estava se recuperando, ainda aguardava para ver qual impacto sua provação no Alasca teria em seu futuro. Mas, por dentro, sentia-se forte e animada.
Pela primeira vez em muito tempo, ela se sentia em paz, esperançosa. Parecia-lhe possível voltar a se apaixonar de novo.
Talvez já tivesse acontecido.
Tal percepção roubou-lhe o fôlego. Fitou Brock, perguntando-se como deixara aquilo acontecer. Como pôde abrir seu coração para ele tão rapidamente, tão completamente? Tão descuidadamente...
Ela o amava, e essa ideia a terrorizava.
– Ei – disse ele, tocando nela. – Você está bem?
– Estou – sussurrou. – Nunca me senti melhor.
A carranca que se acentuou revelou que ele não acreditava nela.
– Venha cá – disse ele, trazendo-a para baixo, diante dele na cama, aninhando-a ao seu corpo.
Não a penetrou de imediato, apenas acomodou a ereção entre as coxas dela e a manteve na proteção aquecida do seu abraço. Beijou-a no ombro, no exato lugar em que enterrara suas presas na noite anterior. Naquele instante, sua boca foi gentil, a respiração acariciando-lhe a pele.
Jenna suspirou profundamente, tão contente em apenas relaxar com ele.
– Quanto tempo acha que podemos ficar na cama juntos antes que alguém note nossa ausência?
Ele grunhiu baixinho, depois depositou um beijo em seu ombro.
– Tenho certeza de que já notaram. Alex sabe que estou aqui; portanto, Kade sabe que estou aqui.
– E o seu colega de quarto – ela o lembrou.
– É. – Deu uma risada. – Hunter não deixa nada passar. Gosto do cara, mas juro que ele mais parece uma máquina, na maioria das vezes.
– Não consigo imaginar como deve ter sido para ele, o modo como foi educado – murmurou Jenna, incerta se alguém seria capaz de sair daquele tipo de ambiente sem algumas cicatrizes bem profundas. Enregelada por pensar nisso, aninhou-se ainda mais no círculo formado pelos braços de Brock. O corpo dele era quente e firme às suas costas, algumas partes significativamente mais firmes que outras. Ela sorriu, imaginando que conseguiria se acostumar àquilo com relativa facilidade. – Falando em colegas de quarto...
– O que tem? – perguntou ele, os dedos acariciando-lhe os cabelos.
– Eu só estava pensando que é besteira você abrir mão do seu quarto, ainda mais agora que nós... – Ela não concluiu o pensamento, sem saber como classificar o relacionamento deles, que supostamente seria descomplicado e casual, mas que, de alguma forma, se tornara muito mais.
Ele arrastou a boca devagar até a curva do ombro dela, depois subiu até o pescoço.
– Está pedindo que eu me mude para cá, Jenna?
Ela estremeceu ante a umidade cálida dos lábios dele e do resvalar erótico das presas em sua pele.
– É, acho que estou. Quero dizer, esta cama é sua, afinal. Tudo aqui é seu.
– E quanto a você? – Ele juntou o cabelo dela e o puxou para o lado, pressionando a boca na nuca. – Você também é minha?
Ela fechou os olhos, deliciando-se com o prazer do beijo dele, sentindo uma felicidade eletrizante e aterrorizante.
– Se quer saber a verdade, acho que uma parte de mim pertence a você desde o Alasca.
O gemido de resposta dele não soou nem um pouco descontente. Ele a abraçou mais, a língua atormentando a pele sensível atrás da orelha. Mas, de repente, ele ficou bem imóvel.
Ela não estava esperando a imprecação que se seguiu.
– Jenna – murmurou ele, com uma ponta de alarme ecoando nas suas palavras. – Ah, merda...
Uma pontada renovada de medo a trespassou, fria e pungente.
– O que foi?
Ele precisou de um segundo antes de responder.
E quando o fez, sua voz soou carregada de descrença:
– É um glifo. Caramba, Jenna... Você tem um dermaglifo se formando na nuca.
Uma hora mais tarde, Jenna estava sentada na mesa de exames na enfermaria, tendo se submetido a mais uma rodada de exames de sangue e de amostras de epiderme a pedido de Gideon. Ficara tão chocada ao ver o pequeno dermaglifo que cobria a incisão do implante do Antigo... Apesar de, talvez, não mais chocada que o restante dos residentes do complexo. Todos foram ver a marca do tamanho de uma moeda em sua pele, escondida pelos cabelos. Ninguém dissera nada em voz alta, mas Jenna sabia que cada um deles estava preocupado com ela, incertos quanto ao que esse novo acontecimento significaria a longo prazo.
Agora todos já tinham ido embora, a não ser Brock, que ficou ao seu lado, calado, com o rosto sério em suas roupas pretas. Jenna tampouco tinha muita coisa a dizer, relanceando ansiosa enquanto o gênio da Ordem enchia um último frasquinho com seu sangue.
– Você disse que está se sentindo bem? – perguntou Gideon, olhando para ela por cima do aro dos óculos. – Não notou nenhuma outra marca no corpo? Nenhuma alteração física ou sistêmica desde a última vez em que conversamos?
Jenna meneou a cabeça.
– Não, nada.
Gideon olhou de relance para Brock, antes de voltar sua atenção para ela novamente.
– E quanto a outras funções corporais? Notou alguma alteração no seu sistema digestório? Mudança de apetite, inapetência?
Ela deu de ombros.
– Nada. Como igual a um cavalo, como de costume.
Isso pareceu aliviá-lo de algum modo.
– Então nenhum interesse diferente no que se refere a comer e beber?
Uma onda de calor a assolou quando ela levantou o olhar para Brock. A marca da mordida que dera nele já havia sumido, mas ela se lembrava vividamente da necessidade que a habitara quando cravara os dentes na pele dele enquanto faziam amor. Ela o desejara com uma avidez que não conseguia entender, muito menos explicar.
E agora ela ficou imaginando se...
– Hum... Se você está falando de sangue... – murmurou, envergonhada pelo modo como seu rosto enrubesceu ante o olhar fixo de Brock. – Tive determinados... desejos.
As sobrancelhas loiras de Gideon se ergueram em sinal de surpresa um instante antes de sua atenção se voltar para Brock.
– Quer dizer que vocês dois...
– Eu o mordi – Jenna disse de uma vez. – Ontem à noite, e há algumas noites também. Não consegui evitar.
– Puta que o pariu... – disse Gideon, sem nem tentar esconder seu divertimento ao perceber que ela e Brock estavam intimamente envolvidos. – E quanto a você, meu chapa? Bebeu dela também?
– Há poucas horas – respondeu Brock, assentindo solene, mas não parecendo nem um pouco arrependido quando seu olhar se prendeu ao dela. – Foi incrível, mas sei onde quer chegar, Gideon, e posso garantir que o sangue dela é pura hemoglobina de Homo sapiens.
– Sem cheiro específico?
Brock apenas balançou a cabeça.
– Apenas hemoglobina cuprífera. Ela é humana.
– A não ser pelo acréscimo do DNA reproduzido que encontramos nela nos últimos exames e pelas outras coisas que ela relatou, e Jenna agora tem um glifo. – O guerreiro passou os dedos pelos curtos e despontados cabelos dourados. – TEM mais uma coisa.
Quando ele olhou para Jenna, havia uma ansiedade em sua expressão que ela nunca tinha visto antes. Ele parecia incerto sobre o que deveria dizer, e, para um homem que parecia ter todas as respostas para cada problema imaginável, essa incerteza era, no mínimo, alarmante.
– Pode me contar, Gideon.
Brock se aproximou e segurou a mão dela.
– Caramba, Gideon, o que mais você descobriu?
O outro guerreiro tinha o cenho franzido, a boca pressionada enquanto pensava.
– Tenho a leitura de algum tipo de energia que parece associada ao implante... algum tipo de emissão.
– Que diabos isso significa? – perguntou Brock, os dedos apertando os dela.
Gideon deu de ombros.
– Nada que eu consiga captar com os meus equipamentos. Portanto, não tenho como dizer o que pode ser. É uma tecnologia avançada, muito mais avançada do que qualquer coisa que tenhamos aqui. Provavelmente mais avançada do que qualquer coisa existente neste planeta. O meu palpite é que a emissão dessa energia é parte integrante do próprio implante.
Jenna ergueu a mão livre para a nuca, sentindo o leve relevo das curvas e arcos do dermaglifo.
– Acha que essa energia é apenas um indicador de que o implante está ativo dentro de mim?
– Sim, pode ser apenas isso.
Ela o viu falar, notando que ele ainda demonstrava o mesmo grau de cautela e seriedade.
Ele esticou o braço e a tocou de leve no ombro.
– Vamos continuar procurando pelas respostas, eu lhe dou a minha palavra.
Brock assentiu com gravidade para o seu camarada antes de passar um braço protetor ao redor de Jenna.
– Obrigado, cara.
O sorriso de Gideon foi breve ao olhar para os dois.
– Vou fazer esses exames e trazer os resultados assim que puder.
Ele virou para seguir até a porta, ao mesmo tempo em que passadas pesadas se aproximaram pelo corredor. Kade apareceu, os olhos prateados revelando urgência.
– Harvard acabou de receber um telefonema de Mathias Rowan – anunciou de pronto. – A Agência tem uma possível pista sobre o paradeiro de Kellan Archer.
– O que temos? – perguntou Brock, o braço ainda ao redor dos ombros de Jenna, mas a postura mudando de imediato para a de guerreiro.
– Ao que tudo leva a crer, temos uma nova testemunha. Um humano sem-teto em Quincy alega ter visto três caras que pareciam pertencer à SWAT levar um garoto para a zona industrial de lá ontem à noite.
Brock grunhiu.
– Essa pista veio de um humano? Desde quando a Agência usa humanos sem-teto como informantes?
– Não me pergunte, cara – disse Kade, erguendo as mãos. – Um agente chamado Freyne reportou a pista. Harvard disse que o cara mantém um grupo de humanos na linha, dispostos a ficar de olhos e ouvidos abertos em troca de dinheiro e drogas.
– Pelo amor de Deus... – reclamou Brock. – Freyne e um humano viciado são as nossas fontes de informação para encontrar o garoto?
Kade balançou a cabeça.
– Neste instante, é só o que temos. Lazaro e Christophe Archer já combinaram de encontrar Mathias Rowan em Quincy hoje à noite com uma equipe da Agência para verificar o local.
A imprecação de Brock ecoou na igualmente vívida de Gideon.
– Pois é – disse Kade. – Lucan quer todos no laboratório de tecnologia para discutirmos as nossas opções. Parece que vamos unir forças com a Agência de Policiamento.
Capítulo 25
Não houve muito tempo para se prepararem para o encontro com Mathias Rowan e a equipe da Agência naquela noite. Na verdade, a operação toda se baseava numa pista dada por fontes menos que confiáveis e na determinação – e esperança desesperada – de Lazaro Archer e do filho de que Kellan tivesse, de fato, sido levado para a construção na cidade no limite oposto de Quincy.
Nem Brock nem o restante da Ordem tinham esperanças de que a pista se mostrasse proveitosa. Se Dragos estivesse por trás do sequestro, e parecia razoável deduzir isso, então a probabilidade de encontrarem o garoto vivo e com tanta presteza pouco depois de ele ter sido levado parecia, no mínimo, ínfima.
Contudo, nenhum dos guerreiros disse nada ao pararem atrás dos veículos da Agência estacionados na rua adjacente ao local.
Mathias Rowan foi o primeiro a se adiantar para recebê-los. Afastou-se de seis outros agentes que o acompanhavam e seguiu na direção do Rover enquanto Brock desligava o motor, e os guerreiros que vieram com ele pularam para a calçada gelada.
Chase fez as apresentações, começando com Tegan e Kade, depois Brock, que já estava familiarizado com o agente Rowan.
Hunter também fazia parte da operação da Ordem naquela noite, mas saltara do Rover um quarteirão antes do ponto de encontro a fim de se movimentar às escondidas e fazer uma verificação do perímetro ao redor do prédio e da área vizinha.
O prédio em questão era um condomínio de dez andares, ou teria sido, de acordo com a placa imobiliária diante dele, caso o banco financiador não tivesse falido depois da recente queda da economia humana. Construída até a metade há meses e demonstrando o fato de ter sido negligenciada, a torre de tijolos era pouco mais do que o esqueleto de um abrigo – andares vazios e incompletos com janelas ocas. O lugar parecia tranquilo, desolado o bastante para ser utilizado como um provável cativeiro.
– Lazaro Archer e o pai do garoto também estão aqui – Rowan informou aos guerreiros. – Ambos insistiram em vir, apesar de eu ter avisado que seria melhor para todos os envolvidos que eles permanecessem em um dos carros da Agência enquanto conduzimos a busca.
Tegan inclinou a cabeça em concordância.
– Seus homens não se aproximaram do prédio?
– Não. Chegamos um instante antes que vocês.
– E não viram nenhum movimento nem dentro nem fora do prédio? – perguntou Brock, olhando para a estrutura escura enquanto uma lufada de neve rodopiava ao redor deles.
– Não vimos nem ouvimos nada – respondeu Rowan. – Já vi pistas melhores do que esta.
– Vamos dar uma olhada – disse Tegan, seguindo na frente.
Enquanto se aproximavam dos veículos da Agência, Brock reconheceu Freyne dentre os que estavam na equipe de agentes com Rowan. Ele e dois outros homens estavam recostados em um dos sedãs, com semiautomáticas nos coldres visíveis por baixo dos casacos abertos. Brock encarou o agente encrenqueiro, torcendo para que um deles fizesse algum comentário idiota ao se aproximarem.
Chase foi menos sutil. Sorriu para o adversário de algumas noites antes.
– Fico feliz em ver que está de pé de novo depois que limpei o chão com sua cara na outra noite. Quando quiser repetir, é só avisar.
– Vá se foder – Freyne o olhou com desprezo, parecendo disposto a atiçar a fogueira com seu antigo colega.
A troca de farpas foi breve, encurtada pela porta do carro da Agência se abrindo. Lazaro Archer saiu para a rua, o rosto crispado de preocupação. Fez um gesto com a cabeça na direção dos guerreiros, num cumprimento solene.
– Christophe e eu quisemos estar aqui no momento da busca no prédio – disse ele, dirigindo seu comentário a Tegan. – Não podem pensar que devemos ficar sentados esperando...
– É exatamente isso o que estou pensando. – A voz de Tegan foi firme, mas respeitosa. – Não sabemos o que vamos encontrar lá, Lazaro. Pode não ser nada. Mas se não for isso, então vocês precisam nos deixar lidar com a situação.
– Meu filho e eu queremos ajudar – argumentou.
O maxilar de Tegan ficou travado.
– Então, ajude-nos deixando-nos fazer o nosso trabalho. Fiquem aqui. Logo saberemos se a pista foi verdadeira. Chase, fique de guarda com os homens de Rowan até voltarmos. Não os deixe fora das suas vistas.
Brock percebeu o olhar de irritação de Harvard, mas o ex-agente ficou para trás conforme instruído. Com Freyne e os outros dois sentinelas, ele ajudou Lazaro Archer a entrar no carro e fechar a porta.
Recostou-se no veículo, cruzando os braços diante do peito, e observou enquanto Brock e o resto do grupo seguiam na direção do prédio escuro.
Aproximaram-se em silêncio, os sinais de Tegan para que se dividissem em dois grupos entendidos e aceitos tanto por Brock e Kade quanto por Rowan e seus três agentes. Com a equipe da Agência seguindo para as escadas dos fundos, Tegan, Brock e Kade entraram pela casca vazia que era a entrada, aquilo que deveria ser o átrio do prédio.
Uma vez lá dentro, ficou claro que o edifício não estava inteiramente desocupado. Passadas se arrastaram no piso acima das suas cabeças. Mais ou menos na mesma direção, ouviram o raspar metálico da perna de uma cadeira. E depois, por baixo do sopro do vento invernal que uivava pelas cavidades abertas das janelas ao redor deles, surgiu o barulho abafado de lamúrias.
Tegan gesticulou na direção das escadas do piso térreo. Brock e Kade o seguiram, os três subindo o lance de escadas com as armas empunhadas.
Ao chegarem ao segundo andar, o olhar de Brock foi atraído por um facho de luz fraco que surgiu de algum lugar próximo ao fim de um apartamento inacabado. Tegan e Kade também o viram.
– Humanos? – Brock disse bem baixinho para seus irmãos, imaginando que fossem humanos sem-teto, uma vez que os de sua espécie enxergavam muito bem no escuro e não teriam necessidade de uma luz artificial.
Tegan gesticulou para que continuassem em frente para investigar a fonte de luz.
Andaram sorrateiros no escuro, os três se espalhando para chegar ao lugar de vários ângulos. Ao se aproximarem, Brock captou um relance de três figuras masculinas grandes vestidas dos pés à cabeça em roupas pretas, cada uma segurando pistolas semiautomáticas. Os guardas mascarados inclinavam-se sobre uma figura bem menor no meio do espaço sem paredes.
Kellan Archer.
Caramba, a pista de Freyne, no fim, fora verdadeira.
A cabeça do jovem pendia sobre o peito magro, o cabelo ruivo estava sujo e despenteado, as roupas rasgadas, aparentemente pelos maus-tratos dos sequestradores. Tinha as mãos presas atrás do corpo, os tornozelos e o tronco amarrados a uma cadeira de metal com uma corrente.
Sendo da Raça, mesmo um adolescente, Kellan poderia ter se livrado das amarras caso tivesse tentado. Mas ele tinha poucas chances de escapar de três assassinos de Dragos, cada um armado até os dentes e próximo o bastante para enchê-lo de chumbo.
Tegan relanceou para Brock, depois para Kade, um sinal silencioso para que se movessem como um só ao seu comando. Tinham que se mover em silêncio, entrando na melhor posição para que cada um deles pudesse atacar um Primeira Geração sem colocar Kellan Archer em fogo cruzado.
Mas antes que um deles pudesse dar sequer o primeiro passo, Brock ouviu o leve clique de metal vindo de uma parte mais escura do segundo andar.
Mathias Rowan e seus agentes estavam lá. E também viram o garoto sequestrado.
E, nesse mesmo instante, um dos idiotas da Agência de Policiamento abriu fogo.
O início do tiroteio dentro do prédio chegou à rua abaixo.
– Droga – rosnou Sterling Chase, a cabeça se erguendo rapidamente ante o súbito rompante de barulho. – Puta que o pariu, eles devem ter encontrado o garoto!
Freyne observou o ex-agente reagir num estado próximo ao pânico conforme o tiroteio prosseguia. Chase sacou a arma e lançou um olhar desvairado para o prédio do lado oposto à construção. Sterling Chase, o macho da Raça que tivera uma carreira estelar na Agência até não muito tempo atrás, mas que jogara tudo pelos ares para se filiar à Ordem.
Idiota.
Ele poderia ter se aliado a uma organização muito mais poderosa, como o próprio Freyne fizera há poucos meses.
– Vou entrar – disse Chase, armando a pistola nove milímetros e já se afastando do carro da Agência. – Você e os seus homens fiquem de guarda, Freyne. Não deem as costas a este posto nem por um segundo, entendeu?
Freyne assentiu, tentando com muita força não revelar seu sorriso. Aquela era a oportunidade por que esperava. De fato, ele contava que as coisas fossem acontecer exatamente daquele modo.
– Mantenha os Archer seguros dentro do carro – ordenou Chase conforme seus coturnos moíam a neve sobre o asfalto, conduzindo-o em direção ao caos dos tiros que ainda ecoavam na torre em forma de esqueleto logo adiante. – Não tire os olhos dele, não importa o que aconteça.
– Pode deixar – murmurou Freyne bem baixo depois que o antigo agente havia se afastado.
Ao seu lado da rua, o vidro do banco do passageiro se abaixou. Christophe Archer espiou para fora do sedã, o rosto normalmente altivo contraído de preocupação.
– O que está acontecendo? – Retraiu-se ante o estardalhaço que se desenrolava na escuridão. – Bom Deus, quem está atirando lá? Encontraram meu filho?
Archer fez um movimento como se tivesse a intenção de sair do carro. Freyne o impediu, bloqueando a porta.
– Relaxe – disse ao pai nervoso. Ao falar, retirou a semiautomática do coldre. Uma centelha fugidia em seu olhar comandou os outros dois agentes com ele do lado oposto do carro a seguir seu comando. – Temos tudo sob controle.
Capítulo 26
O segundo andar inteiro do prédio de apartamentos vazios se transformou num caos de balas voando e gritos tanto por parte da Ordem quanto de Mathias Rowan e seus homens. Os três guardas imensos no local com Kellan Archer retribuíram fogo, atirando para todos os lados nas sombras, atingindo dois dos agentes de Rowan em poucos instantes após o ataque-surpresa.
O terceiro foi abatido num grito de dor, após ter sido atingido no joelho pouco antes de outro tiro silenciá-lo de vez. O fogo cruzado continuou, Brock escapando por pouco de uma bala que passou raspando pela sua cabeça.
Na confusão e no tumulto, a vela grossa que estava sendo utilizada como única fonte de iluminação no cômodo em que Kellan estava foi derrubada. Rolou pelos pés dos captores, sua chama diminuta se extinguindo no chão e mergulhando o local em completa escuridão. Depois que a chama se apagou, Brock não percebeu a diferença, nem seus companheiros. Os homens de Dragos, contudo, pareceram momentaneamente desorientados no escuro.
Brock matou um com um tiro certeiro na cabeça. Tegan acertou outro nem um segundo mais tarde. Enquanto o assassino remanescente fazia chover balas com seu rifle automático, Brock se moveu de lado. Abaixou-se e arrastou-se na direção da cadeira onde Kellan Archer estava sentado, agora tentando, freneticamente, se livrar das suas amarras.
Os guerreiros e Rowan fecharam o cerco no terceiro assassino vestido de preto, as armas apontadas para ele. Houve uma saraivada de balas quando ele foi eliminado com precisão, caindo no chão numa poça sanguinolenta e disforme.
Brock segurou os ombros frágeis de Kellan Archer, acalmando os gritos aterrorizados do garoto.
– Está tudo bem, garoto. Está seguro agora.
O cheiro repentino de hemoglobina em algum ponto ali perto o tomou de surpresa.
Mas que merda era aquela?
Suas presas desceram das gengivas, numa reação biológica instintiva, conforme seus sentidos da Raça detectaram a presença de sangue fresco derramado. Olhou de pronto para Tegan e os outros, e notou que eles também haviam percebido o cheiro cuprífero das células vermelhas.
– Humanos – murmurou Tegan, os olhos transformados cor de âmbar fixando-se nos três guardas mortos em poças ensanguentadas no chão.
– Nada de coleiras – observou Brock, percebendo só então que por debaixo das máscaras pretas, os captores de Kellan não usavam o dispositivo de obediência dos verdadeiros assassinos de Dragos. – Puta merda. Esses não são os assassinos Primeira Geração que sequestraram o garoto.
Kade e Mathias Rowan se aproximaram ao mesmo tempo. Pararam para remover as máscaras dos homens caídos. Kade ergueu a pálpebra fechada de um deles e sibilou uma imprecação.
– Eles eram Servos.
– Que se passaram por assassinos Primeira Geração – acrescentou Brock, terminando de soltar as amarras de Kellan e ajudando-o a se pôr de pé. – Isso foi algum tipo de armação.
– Foi – concordou Kade. – Mas com que propósito?
– Jesus Cristo. – Chase parou atrás do grupo, tendo acabado de chegar naquele instante. Seus olhos emitiam fachos de luz âmbar, as pupilas estreitadas como fendas finas de aparência letal, as presas imensas por trás dos lábios encurvados. Ele encarou, a atenção fixa nos humanos mortos. – Que diabos aconteceu aqui?
Tegan se virou para ele.
– Onde estão os Archer?
– Lá fora – respondeu com voz séria. Pareceu que ele precisou se esforçar para prestar atenção em Tegan. – Deixei-os com Freyne e seus homens quando ouvi tiros aqui em cima.
Um súbito olhar de horror atravessou a costumeira expressão impassível de Tegan.
– Droga, Harvard. Eu mandei não tirar os olhos deles.
Hunter não emitiu som algum ao voltar da sua ronda de verificação ao redor da construção. Voltou correndo, após ouvir a saraivada de tiros saindo do prédio de apartamentos, mas, naquele instante, interessou-me mais pelo único tiro que ecoou próximo aos veículos da Agência estacionados na rua.
Em meio aos flocos de neve que caíam em círculos no ar noturno, ele avistou o agente chamado Freyne segurando uma pistola fumegante diante da janela aberta do sedã preto da Agência. No mesmo instante, os companheiros de Freyne também abriram fogo no carro, atirando de todos os lados.
Hunter saltou, atravessando os diversos metros que o separavam da cena em pouco mais que um mero piscar de olhos. Caiu sobre Freyne. Ao levar o vampiro ao chão, teve um vislumbre do que restou do crânio alvejado dentro do sedã. O fedor de pólvora e morte permeava o ar enquanto os outros dois agentes continuavam a atacar os ocupantes do veículo.
Freyne rosnou debaixo de Hunter, debatendo-se, tentando empurrá-lo. Hunter segurou as laterais da cabeça do vampiro com as mãos e deu um giro rápido e eficiente. A luta acabou. O corpo inerte de Freyne caiu na calçada, os olhos sem vida fitando por sobre o ombro num ângulo incomum.
No mesmo instante, um tremor sacudiu o carro. Um grito reverberou pelo chão, e, em seguida, a porta oposta saiu voando das dobradiças. Voou por vários metros antes de se chocar com o asfalto.
Lazaro Archer saltou para fora do carro, o casaco e o rosto manchados de sangue, ossos e massa cinzenta.
Lançou-se sobre um dos agentes traidores, apanhando o homem pela garganta com suas presas enormes e afiadas. Enquanto os dois caíam no chão num abraço letal, Hunter saltou sobre o capô do sedã e atacou o último dos agressores, incapacitando o agente com a mesma facilidade com que acabara com Freyne.
Lançou um olhar apático para Lazaro Archer e o macho da Raça de cuja garganta, agora aberta, jorrava sangue devido à mordida voraz. Archer não tinha terminado, mesmo com o agente preso debaixo de si praticamente morto. Estava selvagem em sua fúria, perdido numa dor que Hunter, tendo sido criado sem nenhum apego emocional, só podia imaginar.
Hunter ficou parado olhando para o carro, onde o filho morto de Lazaro estava largado sem vida no banco de trás, morto pela bala que Freyne atirara à queima-roupa na lateral da sua cabeça.
O receio que Tegan sentiu dentro do prédio não fora gratuito. De fato, o que aguardava o grupo ao sair com o jovem Kellan Archer foi muito pior do que ele poderia ter imaginado.
A morte era recente na rua em que os veículos da Agência estavam estacionados. Um deles, aquele em que estiveram Lazaro e Christophe, estava cravejado de balas e com os vidros estilhaçados. Aproximando-se mais, Brock viu que a porta oposta do sedã havia sido arrancada por completo das dobradiças.
Houve uma emboscada ao carro dos ocupantes, um ataque covarde do lado de fora do veículo. Não havia dúvidas de quem o executara... tampouco de como havia terminado. Freyne e os outros dois agentes estavam largados sem vida no chão, em poças sanguinolentas. Hunter se assomava sobre eles, impassível, os olhos dourados perscrutando a área em busca de mais problemas, pronto para resolver qualquer ataque sozinho.
E, sentado no carro, com a cabeça e o tronco inclinados sobre a forma sem vida deitada em seu colo, estava Lazaro Archer. Mesmo àquela distância, Brock enxergava o sangue e os pedaços de pele que maculavam o casaco escuro do ancião da Raça e os seus cabelos. O imenso Primeira Geração chorava baixinho, perdido na dor da perda do filho.
– Jesus... – sussurrou Chase ao lado de Brock. – Droga, não...
– Freyne – rosnou Brock. – O maldito devia estar trabalhando para Dragos.
Chase balançou a cabeça, esfregou a mão no alto da cabeça, em evidente estado de infelicidade. Quando falou, sua voz estava sem ar, inerte pelo choque.
– Não deveria tê-los deixado com ele. Ouvi o tiroteio dentro do prédio e pensei... Ah, merda. Não importa o que pensei. Maldição, deveria ter imaginado que Freyne não era confiável.
Provavelmente, pensou Brock, embora nem ele nem o resto do grupo dissesse isso em voz alta. A angústia de Chase estava escrita em sua expressão. Ele não precisava que mais ninguém o lembrasse que seu ato irrefletido custara a vida de Christophe Archer. O costumeiramente arrogante Harvard pareceu empalidecer um pouco, desaparecendo dentro de si mesmo ao se afastar da carnificina e andando na direção da escuridão da construção abandonada.
Quanto a Brock e os outros, um silêncio sepulcral se assentou entre os vivos ante tanto sangue derramado e morte. O neto de Lazaro Archer tinha sido recuperado dos seus captores, mas o preço fora alto. O filho de Lazaro jazia terrivelmente assassinado em seus braços a poucos metros.
Enquanto o grupo absorvia o peso da guinada dos eventos da noite, o jovem Kellan Archer subitamente saiu do seu estado de choque. Deu a volta em Brock, pelo visto notando que Lazaro estava sentado no sedã logo à frente.
– Vovô! – exclamou, as lágrimas sufocando a voz juvenil. Ele se livrou da pegada de Brock, depois, mancando, começou a correr devagar. – Vovô! Papai também está com você?
– Segurem o garoto – exclamou Hunter. – Não o deixem se aproximar.
Brock segurou Kellan pelo braço e o girou na direção oposta, bloqueando a visão da matança com seu corpo.
– Quero ver meu avô! – gritou o garoto. – Quero ver a minha família!
– Em breve – disse Brock. – Fique firme, amigo. Vai estar com a sua família daqui a pouco. Mas, primeiro, temos que cuidar de algumas coisas, está bem?
O esforço de Kellan para se soltar diminuiu, mas ele tentava se virar para olhar para trás. Ficava tentando ver o que estavam escondendo dentro do sedã cravejado de tiros na rua.
– Venha esperar aqui comigo – disse Kade, ao se aproximar e cercar o garoto, passando o braço sobre os ombros finos, guiando-o para longe, afastando do derramamento de sangue no fim da rua.
Depois que Kellan ficou longe o bastante para não ouvir, Mathias Rowan emitiu uma imprecação.
– Eu não fazia a mínima ideia de que Freyne ou os outros com ele eram corruptos, juro. Meu Deus, não consigo acreditar no que aconteceu hoje à noite. Todos os meus homens, Christophe Archer... todos mortos. – Pegou o celular. – Tenho que reportar isso.
Antes que ele conseguisse apertar a primeira tecla, Tegan segurou-lhe o pulso e meneou a cabeça.
– Preciso que esconda isso pelo tempo que puder. Pode retardar o seu relatório enquanto a Ordem investiga melhor o sequestro e a emboscada?
Rowan inclinou a cabeça em sinal de concordância.
– Posso retardar por algumas horas, mas mais do que isso vai ser difícil. Alguns desses agentes têm família. Vai haver perguntas.
– Entendido – respondeu Tegan. A sua pegada no pulso do agente não afrouxou, e Brock sabia que o talento do Primeira Geração em interpretar uma pessoa com um toque lhe diria se Rowan era um verdadeiro aliado da Ordem ou não. Depois de um instante, Tegan assentiu de leve. – Sei que tem sido o contato de Chase dentro da Agência há algum tempo, Mathias. A Ordem agradece a sua ajuda. Mas ninguém é confiável, nem mesmo os seus melhores agentes.
Mathias Rowan inclinou a cabeça em sinal de concordância, o olhar solene ao observar toda aquela destruição, depois voltando a se concentrar em Tegan e Brock.
– Se isso é um exemplo do que Dragos é capaz de fazer, então ele também é meu inimigo. Diga do que a Ordem precisa, e eu farei o que puder para ajudá-lo a acabar com esse filho da puta.
– Neste instante, precisamos de tempo e de silêncio – respondeu Tegan. – Não creio que Dragos tenha acabado com Lazaro Archer e a família dele, portanto, proteção é essencial. Tenho certeza de que Lucan concordará que o resgate hoje foi fácil demais, a despeito das baixas. Alguma coisa não está certa aqui.
Brock assentiu, com a mesma sensação que teve quando descobriram que os captores eram Servos e não os assassinos Primeira Geração que foram vistos sequestrando o rapaz.
– O sequestro foi uma armação. Dragos tem algo mais escondido na manga.
O olhar de Tegan se mostrou sério.
– É o que os meus instintos me dizem também.
– Rezo para que esteja errado – disse Rowan, o olhar severo desviando para o sedã onde Lazaro Archer ainda segurava o filho morto. – Estas últimas horas já foram bem sangrentas.
– Precisamos esvaziar o prédio e a rua e sair daqui – disse Tegan. – É arriscado demais deixar os dois Archer em campo aberto assim por mais tempo.
– Vou começar a limpar as provas lá dentro – Brock se ofereceu.
Assim que se virou para seguir na direção do prédio, Rowan se pôs ao seu lado.
– Deixe-me ajudá-lo, por favor.
Atravessaram a rua na direção da construção, porém não tinham chegado sequer à metade do caminho quando o celular de Rowan tocou. Ele o segurou diante de si, como que para pedir a permissão de Tegan para atender. O guerreiro Primeira Geração assentiu.
Rowan levou o aparelho ao ouvido, e Brock assistiu com alarme crescente ao perceber que o agente empalidecia.
– Deve haver algum erro – murmurou ele. – O Refúgio inteiro... Cristo...
Brock gesticulou para Tegan, sentindo um gelo começando a se formar em seu âmago enquanto Rowan dizia mais algumas palavras de descrença, depois terminava a ligação canhestramente.
– O que foi? – Tegan exigiu saber, tendo se aproximado correndo após o gesto de Brock. – O que diabos acabou de acontecer?
– O Refúgio Secreto de Lazaro Archer – murmurou Rowan. – Foi incendiado. Houve um aparente vazamento de gás que causou uma explosão. Não há sobreviventes.
Ninguém disse nada por um tempo. Uma nova nevasca se precipitou sob o céu invernal estrelado, a única movimentação numa noite que, de súbito, se tornara fria e escura como um túmulo.
E, então, do outro lado, o jovem Kellan Archer enterrou o rosto nas mãos e começou a chorar. Um choro forte, carregado de angústia. O garoto sabia o que havia perdido naquela noite. Sentia isso. E quando ergueu o rosto marcado pelas lágrimas, os olhos reluziram com uma luz âmbar furiosa, e Brock viu a raiva que já ardia latente dentro do jovem coração.
A partir daquela noite, o garoto que fora já não existia mais. Assim como o avô, que estava sentado a alguns metros dali, coberto pelo sangue do próprio filho, Kellan Archer jamais esqueceria – nem perdoaria – a morte e a tristeza provocadas pela traição daquela noite.
– Vamos limpar a porra deste lugar e sair daqui – disse Tegan, por fim. – Vou colocar o garoto e o avô no Rover. A partir de agora, estão sob a proteção da Ordem.
Capítulo 27
Lazaro Archer recusou estoicamente a oferta da Ordem de levá-lo para ver os escombros do seu Refúgio Secreto para se despedir. Ele não teve vontade alguma de ver os escombros daquilo que tomou a vida de quase uma dúzia de pessoas inocentes, inclusive sua amada Companheira de Raça de vários séculos. Embora o relatório oficial da Agência tivesse atribuído o incêndio a um vazamento de gás, todos na Ordem, e o próprio Lazaro, sabiam a verdadeira causa do incidente. Um extermínio absoluto, levado a termo sob as ordens de Dragos.
A dor de Lazaro tinha que ser profunda; porém, quando chegou ao complexo, ele era a imagem do controle emocional. Depois de ter tomado um banho e trocado as roupas sujas por um uniforme limpo apanhado na despensa da Ordem, Lazaro Archer parecia transformado, uma versão mais sombria e formidável do ancião civil da Raça que, na noite anterior, estivera no laboratório de tecnologia, desesperado para encontrar o neto. Melancólico, calado, ele parecia determinado a manter o foco centrado na saúde e no bem-estar do neto, seu único herdeiro sobrevivente.
– Kellan disse que não se lembra muito do sequestro – murmurou Lazaro enquanto ele e Lucan observavam o garoto através da janelinha da porta da sala de recuperação da enfermaria. O jovem estava limpo e descansava, no momento na companhia da pequena Mira, que tomara para si a tarefa de ler à sua cabeceira. – Ele disse que acordou naquele prédio infestado de ratos, congelando sob a mira de um revólver. As surras só começaram depois que ele recobrou a consciência. Ele disse que os bastardos disseram que queriam que ele sofresse e gritasse.
O maxilar de Lucan enrijeceu ao ouvir sobre o abuso sofrido pelo jovem.
– Ele está seguro agora, Lazaro. Vocês dois estão. A Ordem cuidará disso.
O outro Primeira Geração assentiu.
– Agradeço o que estão fazendo por nós. Como a maioria dos civis, sei que a Ordem valoriza sua privacidade, em especial no que se refere ao seu quartel-general. Percebo que não deve ser fácil para vocês permitirem forasteiros dentro do complexo.
Lucan ergueu uma sobrancelha em reconhecimento. Ele podia pensar em somente algumas raras ocasiões, começando com Sterling Chase e a companheira de Tegan, Elise, há mais de um ano, seguido mais recentemente por Jenna Darrow. Por mais de um século antes deles, não houve exceções.
Por mais que Lucan detestasse tomar decisões por obrigação, ele não era um líder rígido e insensível que daria as costas para alguém necessitado. Há muito tempo, talvez, antes de conhecer e se apaixonar por Gabrielle. Antes de saber o que era ter uma família e um coração que batia por devoção a outra pessoa.
Pousou a mão sobre o ombro forte do Primeira Geração.
– Você e o menino precisavam de um esconderijo seguro. Não encontrarão um abrigo mais protegido do que este complexo.
Em relação a preocupações que Lucan pudesse ter por confiar a localização do complexo a Archer e o neto, Tegan lhe garantira que os dois machos não davam margem a dúvidas. Não que Lucan suspeitasse que qualquer um deles pudesse ser menos que honrado.
Ainda assim, ele tomava cuidado e não depositava sua confiança às cegas. Tinha que ser cauteloso. Toda vez que olhava ao seu redor nos últimos tempos, sentia o peso de tantas vidas sobre seus ombros. Era uma responsabilidade que ele assumia com seriedade, muito ciente de que se Dragos quisesse atingir o coração da Ordem, ele o faria naquele mesmo local.
Era um pensamento que ele não gostava de acalentar, mas que não podia se dar ao luxo de ignorar.
Não sabia se suportaria se a Ordem, sua família, recebesse um golpe do tamanho que abatera Lazaro Archer naquela noite. Tudo o que restara ao Primeira Geração após um milênio de existência era o garoto surrado na enfermaria e o corpo baleado do filho, que Tegan e o restante da equipe trouxeram para o complexo.
Lucan pigarreou.
– Se desejar realizar os ritos funerários para Christophe pela manhã, podemos fazer os arranjos necessários.
Lazaro assentiu com gravidade.
– Obrigado. Por tudo, Lucan.
– As acomodações aqui no complexo são limitadas, mas podemos rearranjar as coisas para abrir espaço para você e Kellan em um dos dormitórios. Vocês são bem-vindos para permanecerem pelo tempo que for preciso.
Archer ergueu a mão numa recusa educada.
– Isso é mais do que generoso, porém, tenho propriedades em outro local. Existem alguns lugares em que eu e meu neto podemos ficar.
– Sim – concordou Lucan –, contudo, até que estejamos seguros de que você e Kellan não correm perigo imediato por parte de Dragos, não me sinto bem em deixá-los sair da proteção da Ordem.
– Dragos – disse Archer, o rosto endurecendo com uma fúria contida. – Lembro-me desse nome dos tempos antigos. Dragos e sua descendência sempre foram corruptos. Desonestos, conspiradores. Moralmente pútridos. Bom Deus, pensei que sua linhagem inteira tivesse morrido há muito tempo.
Lucan grunhiu.
– Um filho da segunda geração permaneceu, escondido por décadas atrás de codinomes, mas não morreu. Ainda não. E há mais, Lazaro. Coisas que você desconhece. Coisas que a população civil não desejaria saber sobre Dragos e as suas maquinações.
Olhos antigos e sérios o fitaram.
– Conte-me. Quero entender. Preciso entender.
– Venha – disse Lucan. – Vamos andar.
Ele guiou Lazaro para longe do quarto do neto na enfermaria ao longo do corredor externo. Os dois Primeira Geração caminharam em silêncio por um tempo enquanto Lucan pensava por onde começar com os fatos que sabiam a respeito de Dragos. Pelo começo, decidiu.
– As sementes desta guerra com Dragos foram semeadas há muitos séculos – disse, enquanto ele e Archer avançavam pelo corredor de mármore branco. – Deve se lembrar da violência daqueles tempos, Lazaro. Você viveu naquela época assim como eu, quando os Antigos andavam descontrolados, guiados por sua sede de sangue e pelo furor das caçadas. Eram nossos pais, mas tinham que ser detidos.
Archer assentiu com severidade.
– Lembro-me de como era naquela época. Quando garoto, não sei lhe dizer quantas vezes testemunhei a selvageria de meu pai. Ela pareceu aumentar com o decorrer do tempo, tornando-se mais feroz e incontrolável, em especial depois que ele retornava das reuniões.
Lucan inclinou a cabeça.
– Reuniões?
– Sim – respondeu Archer. – Não sei onde ele e os outros Antigos se encontravam, mas ele se afastava por semanas, por meses. Sempre sabia quando ele voltava para a nossa região porque as matanças dos humanos nos vilarejos ao nosso redor recomeçavam. Fiquei aliviado quando ele se foi de vez.
Lucas franziu o cenho.
– Meu pai nunca mencionou nenhuma reunião, mas eu sabia que ele vagava por longos períodos. Sei que ele caçava. Quando matou minha mãe num acesso de sede de sangue, soube que era chegada a hora de pôr um fim àquela selvageria.
– Lembro-me de ter ouvido o que aconteceu à sua mãe – replicou Archer. – E me lembro do seu chamado para que todos os Primeira Geração se juntassem a você numa guerra contra nossos pais alienígenas. Não pensei que fosse possível que fosse bem-sucedido.
– Muitos não acreditaram – lembrou-se Lucan, mas sem amargura, não naquela época nem agora. – Oito de nós se insurgiram contra o punhado de Antigos sobreviventes. Pensamos ter matado até o último deles, mas tínhamos traidores do nosso lado – meu irmão, Marek, descobrimos, por fim, e o pai de Dragos, também um Primeira Geração. Conspiraram em segredo e construíram uma cripta escondida numa montanha para abrigar o último dos Antigos. Alegaram que ele estava morto, porém o mantiveram em hibernação por séculos. Mais tarde, foi removido da cripta, sobrevivendo sob o controle de Dragos até bem recentemente. Dragos o manteve drogado e faminto num laboratório particular. Não conhecemos a extensão da sua loucura, mas uma coisa sabemos com certeza: ao longo de décadas, ele usou o Antigo para criar um pequeno exército de Primeira Geração. Esses filhos agora servem Dragos como seus assassinos particulares.
– Bom Deus – murmurou Archer, visivelmente abalado. – Custo a acreditar que tudo isso seja verdade.
Lucan pôde ter sentido o mesmo a certa altura, mas já vivera aquilo. Pensou em tudo o que acontecera no último ano. Todas as traições e revelações, os segredos explosivos e as tragédias inesperadas que atingiram o cerne da Ordem e os seus membros.
E a luta não tinha acabado. Longe disso.
– Até então, Dragos tem conseguido nos ludibriar, mas estamos cada vez mais próximos dele. Nós o obrigamos a se esconder ao destruir o que, provavelmente, era o seu local primário. Ele perdeu outra peça-chave de seu esquema quando o Antigo escapou dos seus homens no Alasca. Nós rastreamos a criatura e a abatemos. Mas muitos estragos já haviam sido feitos – acrescentou Lucan. – Não sabemos quantos Primeira Geração Dragos conseguiu criar e onde eles podem estar. No entanto, temos toda intenção de localizá-los. E temos um deles trabalhando conosco agora. Ele se uniu à Ordem não faz muito tempo, depois de se libertar das amarras de Dragos.
O rosto de Archer se mostrou cauteloso.
– Acredita que isso seja sensato? Depositar a sua confiança em alguém que esteve tão ligado a Dragos?
Lucan inclinou a cabeça.
– Tive o mesmo tipo de reserva no início, porém, Hunter tem se mostrado mais do que merecedor da confiança da Ordem. Você já o conheceu, Lazaro. Ele esteve com você hoje à noite e o ajudou a matar os assassinos de Christophe.
O Primeira Geração emitiu uma imprecação baixa.
– Aquele guerreiro salvou minha vida. Ninguém poderia ter agido com mais presteza para poder salvar meu filho, mas, se não fosse por Hunter, eu também não estaria aqui.
– Ele é um homem honrado – disse Lucan. – Mas nasceu e foi criado para ser uma máquina de matar. Baseado nas descrições que recebemos dos captores de Kellan, temos toda certeza que foram três dos assassinos de Dragos que o tiraram da sua casa.
– Pensei ter ouvido de alguns dos guerreiros de hoje que os captores que foram mortos dentro do prédio eram humanos, Servos Humanos.
Lucan assentiu.
– E eram. Por algum motivo, fizeram com que se parecessem com os mesmos indivíduos que levaram Kellan, mas os Servos Humanos fizeram parte de algum esquema maior. Não me restam dúvidas de que assim como o ataque ao seu Refúgio Secreto.
– Mas por quê? – murmurou Archer. – O que ele espera ganhar abatendo toda a minha família e reduzindo meu lar a cinzas?
– Ainda não temos essa resposta, mas não descansaremos até obtê-la. – Lucan parou no corredor, cruzando os braços sobre o peito. – Dragos nos deu muito para cuidarmos nos últimos tempos, e meus instintos dizem que só estamos vendo o início daquilo que ele é capaz de fazer. Recentemente descobrimos também que ele tem Servos Humanos infiltrados em pelo menos uma agência governamental humana. Sem dúvida, há mais notícias ruins de onde essa veio.
Archer praguejou, quase inaudivelmente.
– E pensar que tudo isso vem acontecendo sob os nossos narizes. Lucan, não sei o que dizer, a não ser que me arrependo de não ter lhe dado o meu apoio antes. Não sabe o quanto lamento isso.
Lucan meneou a cabeça.
– Não é necessário. A luta pertence à Ordem.
A expressão de Lazaro Archer se tornou séria e carregada de propósito.
– Daqui por diante, essa luta também é minha. Conte comigo, Lucan. Para qualquer coisa que eu possa lhe ser útil, ou aos seus guerreiros, se aceitar a minha oferta, por mais tardia que seja, conte comigo.
A limusine preta de Dragos parou perto da calçada coberta por neve suja onde seu tenente aguardava, soltando lufadas pela respiração e tremendo sob o poste de luz, dentro de seu casaco de caxemira e chapéu de aba curta.
Quando o Servo Humano pisou no freio, o homem de Dragos se aproximou da porta do passageiro e entrou no veículo. Tirou o chapéu e as luvas, virando-se para ficar de frente para Dragos no banco de trás.
– A Ordem recebeu a pista sobre o prédio em que o garoto estava sendo mantido, senhor. Apareceram lá bem como antecipávamos, juntamente com Lazaro Archer e seu filho, além de uma unidade da Agência de Policiamento. Os Servos Humanos que montavam guarda junto ao garoto foram mortos em questão de minutos após o confronto.
– Isso não me surpreende – Dragos disse, dando de ombros. – E o agente Freyne?
– Morto, senhor. Ele e seus homens foram mortos por um dos guerreiros enquanto tentavam dar cabo da missão deles. Christophe Archer foi eliminado, mas seu pai ainda vive.
Dragos resmungou. Se um dos Archer tinha que sobreviver ao atentado providenciado por ele, preferiria que Lazaro estivesse morto em vez de seu educadíssimo filho da alta sociedade. Mesmo assim, o ataque múltiplo orquestrado para aquela noite ainda fora um sucesso. Ele observara de uma distância segura, dentro de sua limusine, quando o Refúgio Secreto de Lazaro Archer explodira no meio da noite invernal como fogos de artifício.
Foi glorioso.
Uma aniquilação total.
E agora ele tinha os membros da Ordem precisamente como queria: confusos e dispersos.
Seu tenente da Raça prosseguiu, detalhando o restante dos resultados da noite.
– O incêndio no Refúgio dizimou todos os habitantes, e tenho relatos de que não se sabe do paradeiro de Lazaro Archer desde então. Apesar de não ter confirmação, suspeito que tanto o Primeira Geração quanto o garoto estejam sob a custódia da Ordem neste exato momento.
– Muito bem – respondeu Dragos. – Se Lazaro Archer ainda respira, não tenho como dizer que tenha sido uma execução impecável das minhas ordens. Mas, pensando bem, se esperava perfeição, eu teria que ter feito tudo sozinho.
Seu tenente teve a audácia de parecer afrontado.
– Com todo o respeito, senhor, mas caso eu soubesse que a Ordem hoje conta com um dos seus assassinos, eu teria tomado precauções adicionais em relação ao papel de Freyne na missão desta noite.
Dragos já vivera tempo o bastante para que surpresas raramente tivessem o poder de pegá-lo desprevenido. Essa notícia, porém, essa informação perturbadora, de fato fez seu coração bater mais rápido. Uma onda de raiva tomou conta de seu crânio, uma fúria gélida praticamente o fez cuspir a imprecação que surgiu em sua língua.
– O senhor não sabia? – perguntou seu tenente, aproximando-se da porta num esforço de se afastar ao máximo dele.
– Um assassino – disse Dragos, centelhas âmbares brilhando na escuridão do interior da limusine. – Tem certeza disso?
O homem assentiu com seriedade.
– Instalei câmeras de segurança na construção e em mais de um local das proximidades. O modo como ele se movia, seu tamanho e a precisão dos movimentos... Senhor, não há como confundi-lo com outra coisa que não um dos seus assassinos.
E só existia um dos seus assassinos especialmente criados e implacavelmente treinados que conseguira se libertar do seu controle e fugir. Que ele tivesse se aliado à Ordem era uma surpresa pura e simples.
Dragos deduzira que Hunter tivesse se libertado do elo de obediência da coleira e fugido para a obscuridade, um cão de rua, perdido sem seu dono. Imaginara que o assassino fugitivo tivesse acabado morto ou se transformado num Renegado a esta altura.
Mas não isso.
E não, pensava agora, não aquele assassino em especial.
Desde o começo ele fora diferente. Extremamente eficiente. De uma inteligência fria. Incansavelmente disciplinado, contudo, muito longe de ser submisso. Essa foi uma lição que ele nunca conseguira aprender, mesmo sendo impiedosamente treinado para tal. Deveria tê-lo matado, mas ele também fora o melhor assassino do seu exército pessoal de Primeira Geração.
E agora, ao que tudo levava a crer, ele se bandeara para o lado de Lucan e dos seus guerreiros na guerra que se aproximava.
Dragos rosnou de ultraje ante a mera ideia.
– Saia das minhas vistas – rosnou para o tenente. – Espere ordens minhas para dar início à nova fase do plano.
O outro macho da Raça saiu apressado do carro sem dizer mais nada, batendo a porta atrás de si, correndo apressado na direção oposta à da rua.
– Dirija – ordenou Dragos ao Servo atrás do volante.
Enquanto a limusine se apressava em meio ao trânsito noturno de Boston, ele endireitou as lapelas do seu smoking italiano de seda e passou a mão pelos cabelos meticulosamente penteados. Na luz tênue dos faróis retrovisores dos carros, puxou de dentro do bolso do paletó um convite e leu o endereço da festa de arrecadação de fundos políticos à qual acabara de comparecer no centro da cidade.
Uma gotícula de sangue humano manchava o canto inferior do papel branco, ainda fresco o bastante para sujar seu polegar.
Dragos riu baixo, lembrando-se de quanto o grupo de políticos locais se mostrou contente com a generosidade da sua doação.
E como ficaram surpresos alguns minutos mais tarde, quando perceberam o que cada um deles lhe devia em troca.
Agora se recostava no banco e fechava os olhos, deixando-se embalar pelo ronco da estrada enquanto saboreava o zunido do poder que ainda percorria suas veias.
Capítulo 28
Jenna jamais vira Brock tão calado.
Ele e os outros guerreiros haviam retornado há pouco tempo, acompanhados por Lazaro Archer e o neto. O alívio pelo resgate do garoto foi deveras abafado pelo custo a que fora conquistado. Enquanto se fizeram arranjos para acomodar os dois recém-chegados ao complexo, possibilitando que se lavassem e se acomodassem, Brock e os demais participantes da missão daquela noite se dispersaram para seus aposentos.
Brock mal emitira sequer uma palavra desde que retornara. Estivera coberto de sangue e sujeira, o rosto retesado de tensão e horror pelo que ele e seus irmãos de armas testemunharam durante o salvamento do garoto.
Jenna o acompanhara de volta ao quarto que agora partilhavam e, desde então, estivera sentada na beira da cama sozinha, fitando a porta fechada do banheiro enquanto ele tomava uma chuveirada do outro lado.
Não sabia se ele desejava companhia ou se preferia a solidão, mas depois de ter ouvido a respeito do acontecido durante a patrulha, descobriu que não podia ficar apenas esperando enquanto ele sofria do outro lado da porta fechada.
Andou até ela e a testou. Não estava trancada, por isso entreabriu-a e espiou lá dentro.
Brock estava nu debaixo do jato de água quente, os dermaglifos voltados para a porta, as mãos cerradas e apoiadas na parede do chuveiro diante dele. Embora ela não visse nenhum ferimento aparente, a água descia em trilhas rubras pela pele escura antes de escorrer pelo ralo aos seus pés.
– Posso entrar? – perguntou com suavidade.
Ele não respondeu, mas tampouco lhe disse para deixá-lo sozinho. Ela entrou, fechando a porta atrás de si. Não precisava perguntar se ele estava bem. Apesar de não apresentar ferimentos físicos, todos os músculos das costas estavam tensos. Os braços tremiam, a cabeça pendia em direção ao peito.
– Uma família inteira foi pelos ares hoje – murmurou ele, a voz rouca e tensa com uma emoção contida. – A vida daquele garoto nunca mais será a mesma.
– Sei disso – sussurrou ela, aproximando-se mais.
Ele levantou o rosto na direção da cascata, depois passou a mão pela cabeça.
– Sabe, algumas vezes eu acho que não vou suportar tanto sofrimento e tanta morte.
– É isso que te faz humano – disse ela, depois riu para si mesma por pensar nele como um homem com tanta facilidade, seu homem, apesar das coisas que o tornavam muito mais do que isso.
Inferno, estava ficando difícil pensar em si mesma como sendo simplesmente humana – cada dia mais difícil –, mas tinha menos medo das mudanças que lhe aconteciam. Elas a deixavam mais forte, concedendo-lhe uma sensação renovada de poder... Um renascimento.
Descobriu-se à procura de uma chance de ter uma vida diferente. Uma vida nova, talvez ali mesmo naquele lugar. Talvez com Brock ao seu lado.
Depois da última vez em que esteve em seus braços, percebeu, também, que tinha menos medo dos sentimentos que nutria por ele.
Foi a ausência desse medo que a incitou a tirar a blusa e as calças frouxas de ioga. O sutiã e a calcinha foram retirados em seguida, deixados no chão enquanto ela entrava no chuveiro, passando os braços ao redor das costas largas de Brock.
Ele se retesou ao contato, inspirando fundo. Mas logo seus braços se abaixaram e a seguraram, com mãos quentes e tranquilizadoras enquanto a acariciava.
– Estou imundo da missão, Jenna.
– Não ligo – disse ela, depositando uma trilha de beijos no arco suave e musculoso da coluna dele. Seus dermaglifos pulsaram ao mudarem de cor. – Deixe-me cuidar de você para variar.
Afastou-lhe os braços e pegou o sabonete do suporte na parede. Ele ficou parado enquanto ela fazia espuma nas mãos para depois começar a espalhá-la pelos ombros amplos e bíceps protuberantes. Lavou-lhe as costas largas, depois deixou as mãos descerem, além da cintura, pelas laterais do quadril estreito.
Ela sentiu a forte contração muscular em seu corpo quando passou para a frente, as mãos ensaboadas chegando ao limite da virilha. Ele estava ereto antes mesmo de ela chegar lá, gemendo enquanto ela esticava os dedos ao redor da base, incitando ainda sem tocar. Ela afastou as mãos novamente para ensaboá-las mais, depois se abaixou por trás para lavar-lhe as pernas por inteiro.
Ele estremeceu enquanto ela espalmava as mãos e os dedos subindo pelas coxas, pressionando o corpo molhado ao se erguer, escorregadio pelas bolhas que ainda se agarravam à sua pele. Envolveu a cintura com um braço e a outra mão desceu para afagar o mastro erguido. Ele emitiu um grunhido enquanto ela o acariciava, o sexo inchando ainda mais em sua mão.
Ela encontrou um ritmo que pareceu agradá-lo, e o bombeou sem misericórdia, deliciando-se com a sensação da reação do corpo dele ao seu toque. Com um gemido baixo, ele se inclinou para a frente, apoiando-se em um cotovelo na parede adiante.
– Cacete, Jenna... Adoro sentir suas mãos em mim.
Ela sorriu ante esse elogio, perdendo-se no prazer dele enquanto o bombeava com mais rapidez, mais intensidade. Ele grunhiu, o sexo reagindo à movimentação de pistão da mão dela. Depois, antes que conseguisse fazê-lo perder o controle, ele sibilou uma imprecação entre os dentes e as presas.
Virou-se para ficar de frente. O membro ereto se erguia até o umbigo, duro como o aço, mas quente como uma chama quando ele a arrastou para junto de si, as mãos grandes segurando-a pelos braços, a pegada possessiva e determinada. O lindo rosto estava esticado em ângulos agudos no limiar da paixão, os olhos brilhantes como carvão ardente, as presas brancas enormes, letalmente afiadas.
Jenna lambeu os lábios, a garganta ficando subitamente seca de desejo.
Ele sabia o que ela queria. E ela compreendia isso tão certamente quanto ele compreendia seu olhar ávido.
Ele a suspendeu, guiando-lhe as pernas ao redor da sua cintura, e a carregou para fora do banheiro, até a cama imensa no quarto. Os corpos estavam molhados, ainda escorregadios nos lugares em que algumas bolhas errantes de sabonete permaneciam, quando subiram juntos no colchão num abraço íntimo.
Ele manteve as pernas dela ao seu redor ao deitar de costas, acomodando-a por cima. Penetrou-a, preenchendo-a à perfeição. Ela inclinou a cabeça para trás e exalou um suspiro de prazer quando ele se ajustou até o fundo.
– Você é tão linda – murmurou ele, seu toque viajando pela pele sensível.
Ela abriu os olhos e o fitou.
– Quero ser bonita para você. É assim que você me faz sentir. – Ela sustentou o olhar ardente âmbar, forçando-se a não recuar por timidez ante a emoção que a assolava. Sentia-se segura com ele. Segura o bastante para lhe dizer o que se passava em seu coração. – Estou feliz, Brock, pela primeira vez em muito tempo. Por sua causa, tenho sentido tantas coisas...
– Jenna – murmurou ele, franzindo a testa conforme suas feições se tornavam sérias.
Ela avançou, já tendo passado pela beira do precipício, determinada a despencar de vez.
– Sei que você disse que não queria complicações, nem relacionamentos de longo prazo. Sei que você disse que não quer se envolver...
– Estou envolvido – disse ele, passando as mãos pelas laterais do corpo dela, parando no quadril onde seus corpos estavam intimamente unidos. Balançou o corpo devagar. – Não há como nos envolvermos mais do que isto. Deus, nunca esperava por você, Jenna. Pensei que estava agindo com cautela, mas você mudou tudo. – O toque dele foi leve ao acariciá-la no rosto e na mandíbula. – Não tenho as respostas no que se refere a você... a nós... e ao que temos juntos.
Ela engoliu em seco, meneando a cabeça.
– Não quis me apaixonar – sussurrou. – Não achei que, um dia, voltaria a me apaixonar.
Ele a manteve cativa num olhar carinhoso.
– E eu disse a mim mesmo que não o faria.
Jenna abriu os lábios, sem saber bem o que dizer. Um instante depois, isso deixou de ter importância. Brock a trouxe para baixo e a beijou, abraçando-a. A boca pressionou a sua, a língua passando em meio aos lábios dela, enlouquecendo-a com a necessidade de mais. Ela enterrou o quadril ao encontro do dele, o calor se acendendo em seu centro e se espalhando para cada terminação nervosa.
Soergueu-se, arfando, sem conseguir deixar de se mover, já que seu desejo passara ao ponto de ebulição.
– Você está no controle, querida – disse ele, a voz espessa e rouca. – Pegue o que quiser.
Ela fitou-lhe a garganta, observando a veia que pulsava com tanta força na lateral do pescoço. Uma fome a atingiu por dentro, assustando-a com tamanha ferocidade. Desviou o olhar e se deparou com o calor brilhante dos olhos transfigurados.
– O que quiser – repetiu ele, parecendo mais do que ansioso para que ela fizesse o que quer que estivesse pensando.
Ela balançou acima dele, saboreando a sensação dos corpos unidos, já meio tonta de excitação. Seu orgasmo a atingiu com rapidez. Ela bem que tentou retardá-lo, mas as sensações a inundaram enquanto ela cavalgava no calor e na força do sexo de Brock.
Ele a observava com ávido interesse, os lábios retraídos revelando as presas, os tendões esticados no pescoço enquanto ele erguia os ombros da cama. Jenna não conseguia desviar os olhos da batida frenética da pulsação dele, que ecoava em seus ossos, em suas veias, no ritmo impaciente do seu corpo, enquanto ela estremecia com a súbita detonação do seu gozo.
– Isso... – gemeu ele, espalmando as mãos nas costas dela para impedi-la de se afastar quando o desejo a assolou tal qual uma onda. – Solte, Jenna. Tudo o que quiser...
Com um grito estrangulado que não conseguiu refrear, ela afundou o rosto na lateral do pescoço e mordeu com força. O sangue inundou sua boca, quente, espesso e doce.
Brock sibilou uma imprecação que não soou nem um pouco pesarosa. Seu corpo estremeceu quando a penetrou mais profundamente, elevando o desejo dela ainda mais. Ele gritou em seu orgasmo, a pulsação reverberando na ponta da língua de Jenna enquanto ela fechava os lábios sobre a veia aberta e começava a beber.
Capítulo 29
Dois dias haviam se passado desde o ataque à família de Lazaro Archer e da missão de resgate que salvara o jovem Kellan. O garoto se recuperava fisicamente da captura e dos maus-tratos, mas Jenna sabia tão bem quanto qualquer pessoa que as cicatrizes emocionais – a realidade do que perdera num momento infernal – estariam com ele muito depois que os ferimentos e hematomas tivessem desaparecido. Só esperava que ele encontrasse os meios de lidar com essas cicatrizes em menos tempo e com menos sofrimento do que ela para lidar com as suas.
Desejou o mesmo para o avô dele, embora Lazaro Archer mal parecesse necessitar da empatia de alguém. Depois que a cerimônia fúnebre do filho, Christophe, foi realizada no complexo, Lazaro recusara-se a comentar sobre aquela noite violenta. Desde então, ele se devotava a trabalhar ao lado da Ordem. O civil da Primeira Geração agora parecia tão determinado quanto qualquer um dos guerreiros a ver Dragos e a sua operação inteira destruídos.
Jenna conhecia esse sentimento. Era enlouquecedor pensar que um mal como Dragos estivesse à solta no mundo. Ele vinha incrementando sua operação, o que significava que a Ordem não podia se dar ao luxo de deixar passar nenhuma oportunidade de levar a melhor. Depois do que ele se mostrou disposto a fazer com Lazaro Archer e a família, Jenna não conseguia deixar de se preocupar ainda mais com o grupo de Companheiras de Raça que se sabia estar sob seu domínio.
Pelo menos nesse front, havia uma centelha de esperança. Dylan recebera naquela manhã um telefonema da administradora do asilo em Gloucester em que estava a Irmã Margaret Howland. A freira idosa ficara sabendo que Dylan havia solicitado permissão para visitá-la e estava animada em ter companhia para conversar.
Jenna fora a primeira a se prontificar quando Dylan anunciou a excursão daquela tarde. Renata e Alex também se ofereceram para acompanhá-las, todas ansiosas para ver se os retratos falados das Companheiras de Raça prisioneiras providenciados por Claire Reichen dariam frutos.
Agora, enquanto as quatro mulheres dirigiam para Gloucester num dos Rovers pretos da frota da Ordem, só o que ousavam desejar era alguns momentos de clareza mental da freira idosa.
Mesmo Lucan teve que concordar que se conseguissem obter pelo menos o nome de uma das fêmeas, isso já faria a missão inteira ter valido a pena.
Brock não se mostrara muito animado ante a perspectiva de Jenna sair do complexo, ainda mais tão pouco tempo depois da violência perpetrada contra a família de Lazaro Archer. Ele se preocupava, como sempre, mas enquanto isso antes a teria irritado, agora a alegrava.
Ele se preocupava com ela, e Jenna tinha que admitir que a sensação de ter alguém cuidando da sua retaguarda era muito agradável. Mais do que isso, acreditava que Brock era um homem que protegeria seu coração com o mesmo cuidado com que cuidava da sua segurança e do seu bem-estar.
Desejou que fosse assim porque, nos últimos dias – e noites incríveis –, ela depositou seu coração aberto nas mãos dele.
– Chegamos – disse Dylan do banco da frente enquanto Renata manobrava para entrar na passagem de carros do asilo. – A administradora me disse que a Irmã Margaret toma seu chá da tarde mais ou menos nesta hora na biblioteca. E que podemos ir direto para lá.
– Ali está. – Alex apontou para uma placa grossa de bronze ressaltada em meio a um monte de neve diante de um chalezinho de madeira.
Renata parou no estacionamento meio deserto e desligou o motor.
– Boa sorte para nós, certo? Jenna, pode pegar a bolsa de couro no porta-malas?
Ela se virou para pegar o conjunto de arquivos e blocos de anotação do bagageiro, depois saiu do veículo com as amigas.
Enquanto Jenna dava a volta no carro, Dylan pegou a bolsa das mãos dela e a segurou junto ao peito. Pressionando os lábios, suspirou fundo.
Alex parou ao seu lado.
– O que foi?
– Toda a minha pesquisa dos últimos meses vai culminar neste momento. Se isso for um beco sem saída, meninas, então não faço ideia de onde começar a procurar em seguida.
– Relaxe – disse Renata, segurando Dylan pelos ombros num abraço fraternal. – Você se esforçou muito nessa investigação. Não teríamos chegado até aqui se não fosse por você. Por você e por Claire.
Dylan assentiu, apesar de não se mostrar muito esperançosa com o discurso incentivador.
– Só precisamos de uma pista concreta. Acho que não vou aguentar se a gente voltar para o ponto de partida.
– Se tivermos que recomeçar – disse Jenna –, então vamos nos esforçar ainda mais. Juntas.
Renata sorriu, os olhos verde-claros cintilando ao fechar o casaco de couro para esconder as adagas e o coldre que se esparramava ao redor do quadril coberto pela calça de uniforme.
– Venham. Vamos tomar chá com algumas velhinhas legais.
Jenna achou melhor também fechar o casaco, já que Brock insistira para que ela portasse uma arma sempre que saísse do complexo. Parecia estranho voltar a carregar uma arma de fogo, mas era um tipo diferente de sensação de quando morava no Alasca.
Tudo nela parecia diverso.
Estava diferente, e gostava da pessoa que estava se tornando.
Mais importante: estava aprendendo a perdoar a pessoa que fora no Alasca.
Deixara uma parte sua para trás em Harmony, uma parte que jamais tomaria de volta, mas, ao entrar no chalé aquecido da biblioteca com Renata, Dylan e Alex, não conseguia imaginar-se voltando a ser a mulher que fora antes. Tinha amigos ali agora, e um trabalho importante que precisava ser feito.
Acima de tudo, ela tinha Brock.
Foi esse pensamento que a fez sorrir um pouco mais enquanto Dylan as conduzia na direção de uma senhora de aparência frágil que estava sentada num sofá florido próximo à lareira da biblioteca. Olhos azuis embaçados piscaram algumas vezes por baixo de uma nuvem de cabelos brancos fofos e encaracolados. Jenna ainda conseguia enxergar a expressão bondosa da freira daquela fotografia do abrigo no rosto enrugado que fitava de baixo as mulheres da Ordem.
– Irmã Margaret? – disse Dylan, estendendo a mão. – Sou a filha de Sharon Alexander, Dylan. E estas são as minhas amigas.
– Ah, meu Deus – exclamou a freira amigável. – Me disseram que eu teria companhia no chá de hoje. Por favor, meninas, sentem-se. É tão raro eu ter visitas.
Dylan se sentou no sofá ao lado dela. Jenna e Alex ao lado da mesinha, num par de cadeiras de balanço. Renata se posicionou com as costas contra a parede, os olhos fixos na porta – uma guerreira treinada, sempre de prontidão.
Pouco importava que as únicas pessoas além delas quatro e da Irmã Margaret eram outras duas senhoras de cabelos brancos cambaleando atrás de andadores de metal, usando pingentes com botão de emergência pendurados nos pescoços junto com seus rosários.
Jenna ouvia distraída enquanto Dylan jogava um pouco de conversa fora com a freira, antes de se dirigir ao propósito daquela visita. Pegou um punhado de desenhos, tentando, desesperadamente, aguçar a memória falha da freira anciã. Mas isso não pareceu dar muito resultado.
– Tem certeza de que não se lembra de nenhuma dessas moças da época do abrigo? – Dylan colocou mais alguns retratos diante da senhora. A freira estreitou os olhos ante os rostos desenhados, mas não houve nenhum sinal de reconhecimento nos olhos azuis gentis. – Tente, por favor, Irmã Margaret. Qualquer coisa que lembrar pode nos ajudar.
– Sinto muito, minha querida. Lamento que minha memória não seja mais o que costumava ser. – Pegou uma xícara e sorveu um gole. – Mas, pensando bem, nunca fui muito boa com nomes e rostos. Deus achou por bem me abençoar de outras maneiras, imagino.
Jenna viu quando Dylan murchou ao juntar, com relutância, os desenhos.
– Tudo bem, Irmã Margaret. Agradeço por ter nos recebido.
– Ora, meu Deus – disse a freira, abaixando a xícara no pires. – Que anfitriã horrível eu sou! Esqueci-me de fazer chá para vocês, meninas.
Dylan apanhou a bolsa.
– Não é necessário. Não devemos tomar mais do seu tempo.
– Tolice. Vocês vieram tomar chá.
Quando ela se ergueu do sofá e se moveu na direção da pequena cozinha, Dylan lançou um olhar de desculpas para Jenna e as outras. Enquanto a freira se movimentava no cômodo ao lado, colocando água na chaleira e ajeitando as xícaras, Dylan juntou todos os desenhos e as fotografias. Guardou tudo de volta na bolsa de couro e a colocou no chão ao seu lado.
Depois de alguns minutos, a voz aguda da Irmã Margaret chegou até elas.
– A Irmã Grace as ajudou de algum modo, querida?
Dylan levantou o olhar, confusa.
– Irmã Grace?
– Sim. Irmã Grace Gilhooley. Ela e eu trabalhamos como voluntárias no abrigo juntas. Nós duas fazíamos parte do mesmo convento aqui em Boston.
– Caramba – Dylan disse baixinho, a animação reluzindo nos olhos. Ela se levantou do sofá e entrou na cozinha. – Eu adoraria conversar com a Irmã Grace. Por acaso a senhora sabe onde podemos encontrá-la?
A freira assentiu com bastante orgulho.
– Mas claro que sei. Ela mora a uns quinze minutos daqui, seguindo o litoral. O pai dela era capitão. Ou pescador. Bem, não me recordo muito bem, para falar a verdade.
– Não tem problema – garantiu Dylan. – Pode nos fornecer o telefone dela ou o endereço, para que possamos entrar em contato?
– Vou fazer mais do que isso, querida. Eu mesma vou ligar para avisá-la de que gostariam de lhe fazer perguntas a respeito das meninas do abrigo. – Atrás da freira, uma chaleira começou a apitar. Ela sorriu, tão sorridente quanto uma vovozinha. – Mas, primeiro, vamos tomar chá juntas.
Engoliram o chá o mais rápido que conseguiram sem parecer rudes.
Mesmo assim, levaram mais de vinte minutos para deixarem a doce Irmã Margaret Mary Howland. Felizmente, sua oferta de telefonar para a Irmã Grace se mostrou útil.
A outra freira aposentada aparentemente estava em melhores condições de saúde, morando sem ajuda, e, pelo lado da conversa que Jenna e as outras conseguiram ouvir, pareceu que a Irmã Grace estava disposta a conceder quaisquer informações que elas precisassem sobre o trabalho no abrigo de Nova York.
– Lugar agradável – Jenna observou enquanto Renata dirigia o Rover ao longo da estrada do litoral que conduzia a uma reservada casa amarela alegre ao estilo vitoriano na ponta de uma península de terras rochosas.
A casa grande devia fazer parte de uma propriedade de quase um hectare, um selo de correio se comparado às propriedades no Alasca, mas obviamente um cenário luxuoso ali no litoral de Cape Cod. Com a neve tomando conta do jardim e das rochas ao lado, o oceano azul se estendendo até o horizonte, a bela casa vitoriana amarelo-canário parecia tão salutar e convidativa quanto um raio de sol em meio a tanto frio e inverno.
– Espero termos mais sorte aqui – disse Alex, com Jenna no banco de trás, espiando a propriedade impressionante enquanto acompanhavam a cerca branca da frente, antes de virarem para a entrada de carros.
Enquanto Renata estacionava o Rover perto da casa, Dylan se virou para trás no banco ao seu lado.
– Se ela não conseguir nos ajudar a identificar algumas das mulheres desaparecidas do abrigo em Nova York, talvez consiga nos dizer os nomes das Companheiras de Raça dos dois novos desenhos que Claire Reichen nos deu.
Jenna saiu do banco de trás do carro junto com Alex, as duas dando a volta no Rover, onde Renata e Dylan já aguardavam.
– Não sabia que havia desenhos novos.
– Elise os apanhou de seu amigo do Refúgio Secreto ontem.
Dylan entregou o arquivo para Jenna enquanto andavam até a varanda da frente da casa. Ela abriu a pasta enquanto seguia as companheiras pelos degraus de madeira que rangiam até a porta da frente. Relanceou para os desenhos, baseados nas lembranças de Claire sobre os rostos que vira há alguns meses, quando seu dom de vagar pelos sonhos lhe dera acesso inesperado a um dos laboratórios escondidos de Dragos.
Dylan tocou a campainha.
– Cruzem os dedos. Droga, podem rezar, já que estamos aqui.
Uma empregada apareceu um momento depois e as informou educadamente que já estavam sendo esperadas. Nesse meio-tempo, Jenna estudou os dois desenhos mais atentamente... E seu coração despencou tal qual uma pedra até o estômago.
Uma imagem de uma jovem com cabelos escuros lisos e olhos amendoados a fitava. O rosto delicado era-lhe familiar, mesmo no desenho a lápis que não capturara o impacto total da beleza exótica.
Corinne.
A Corinne de Brock.
Podia ser mesmo ela? E se fosse, como? Ele tinha tanta certeza de que ela estava morta. Contara-lhe que vira o corpo da Companheira de Raça depois de ele ter sido recuperado do rio. Pensando bem, ele também mencionara que fazia meses desde que ela desaparecera antes que os restos fossem encontrados, e tudo o que tiveram para identificá-la foram as roupas e o colar que estivera usando no dia do desaparecimento.
Ah, Deus... Ela poderia estar viva? De algum modo acabara nas mãos de Dragos e estava sendo mantida em cativeiro por todo aquele tempo?
Jenna estava atordoada demais para falar, entorpecida demais para fazer qualquer outra coisa que não seguir as amigas pela casa depois que a empregada as convidara a entrar. Uma parte sua tinha esperanças de que a jovem presumidamente morta estivesse, de fato, viva.
No entanto, outra parte sua se agarrava a um medo vergonhoso: o medo de que aquele conhecimento lhe custasse o homem que amava.
Tinha que telefonar para Brock o quanto antes. Era a coisa certa a fazer – ele tinha que saber a verdade. Tinha que ver o retrato por si só e determinar se as suas suspeitas estavam corretas.
– Por favor, fiquem à vontade. Vou avisar a Irmã Grace que vocês chegaram – disse a agradável mulher ao deixar Jenna e as outras sozinhas na sala de estar.
– Alex – murmurou Jenna, dando um puxão na manga do casaco dela. – Preciso ligar para o complexo.
Alex franziu o cenho.
– O que aconteceu?
– Este desenho – disse ela, relanceando uma vez mais e tendo a mais absoluta certeza agora de que Claire Reichen vira Corinne em seus sonhos do covil de Dragos. – Reconheço o rosto desta mulher. Já o vi antes.
– O quê? – respondeu Alex, pegando a pasta das mãos dela. – Jen, você tem certeza?
Renata e Dylan se aproximaram também, as três companheiras de Jenna se apertando na sala de estar pacata da casa. Ela apontou para o rosto delicado da jovem de cabelos escuros do desenho.
– Acho que sei quem é esta Companheira de Raça.
– Ora, por favor, minha querida – disse uma voz feminina e fria. – Conte quem é.
O olhar de Jenna se ergueu de pronto e atravessou a sala até encontrar um par de calmos olhos cinza que a fitavam a partir de um rosto enrugado e belo. Os cabelos grisalhos longos presos num rabo frouxo, o vestido floral e a blusa de lã branca da Irmã Grace Gilhooley faziam-na parecer ter acabado de sair de um quadro de Norman Rockwell.
Mas aqueles olhos a denunciaram.
Os olhos enfadonhos e o formigamento dos sentidos de Jenna, que se acenderam como uma árvore de Natal assim que a mulher entrou na sala.
Jenna sustentou seu olhar de serpente, percebendo naquele momento o que, exatamente, a boa freira era.
– Puta merda – disse, relembrando o olhar peculiar dos agentes do FBI que tentaram matar ela e Brock em Nova York há poucos dias. Jenna relanceou para Renata. – Ela é uma maldita Serva Humana.
Capítulo 30
– Acho que essa é a décima vez que você olha essa coisa desde que veio para cá. – Brock caçoou de Dante enquanto o guerreiro – ansioso, pois faltava pouco para virar papai – se afastava do grupo na sala das armas para olhar seu palmtop. – Cara, você está mais irrequieto que um gato.
– Tess está descansando no quarto – respondeu Dante. – Disse para ela me mandar uma mensagem caso precise de alguma coisa.
Pelo visto sem ver nenhuma mensagem depois dos últimos cinco minutos que consultara o aparelho, ele voltou a colocá-lo sobre a mesa e retornou para a parte de prática de tiros onde Brock, Kade, Rio e Niko esperavam para voltar a praticar tiro ao alvo.
Enquanto Dante voltava para junto dos seus irmãos, Niko o fitou com fingida intensidade, chegando bem perto e encarando-o no rosto antes de dar de ombros.
– Puxa vida. Nada aí, no fim das contas.
– O que foi? – perguntou Dante, as sobrancelhas pretas se juntando numa carranca. – Que diabos você está fazendo?
Niko sorriu, revelando suas covinhas.
– Só estou procurando por um aro no nariz ou algo assim. Achei que Tess o tivesse mandado instalar para combinar com as rédeas curtas com que te prende.
– Não enche – disse Dante rindo. Apontou um dedo na direção de Niko. – Vou te lembrar disso quando a Renata estiver com oito meses e meio de gestação e for a sua vez de se preocupar.
– Não precisa esperar até lá – Kade interveio. – Renata já o treinou para atender ao primeiro chamado. Ela também deve ter colocado um par de rédeas nele.
– Ah é? – Niko pôs as mãos no cinto e fez que ia soltá-lo. – Me dá só um segundo para eu te mostrar.
Brock meneou a cabeça para os irmãos, sem estar com vontade de participar das tiradas sobre as Companheiras de Raça e seus possíveis bebês. Não conseguia parar de pensar em Jenna, e em como poderia encontrar uma maneira de terem um futuro juntos.
Ela não era Companheira de Raça, e isso o incomodava. Não pelo fato de nunca poderem ter filhos. Nem pela ausência do elo de sangue, que os uniria inexoravelmente pelo resto de suas vidas.
Ele não necessitava de um elo de sangue para fortalecer o que sentia por Jenna. Ela já era sua parceira, em todas as maneiras que contavam. Ele a amava, e apesar de não saber como seria seu futuro, não conseguia se imaginar vivendo sem ela.
Olhou para os demais guerreiros com ele na sala de armas, e soube que morreria por Jenna caso fosse preciso – assim como qualquer outro macho da Raça comprometido.
Enquanto seu olhar passava de Kade para Niko e Dante, percebeu que Rio estivera calado nos últimos minutos. O guerreiro espanhol cheio de cicatrizes estava recostado numa das paredes, olhando para o infinito enquanto esfregava um círculo no meio do peito distraidamente.
– Você está bem, Rio?
Ele relanceou para Brock e deu de ombros de leve. O punho ainda formava círculos bem em cima do coração.
– Que horas são?
Brock consultou o relógio na parede oposta do cômodo.
– Quase três e meia.
– As mulheres devem ligar daqui a pouco – disse Kade. Seu olhar pareceu preocupado também, as íris prateadas revelando uma nota de ansiedade.
Niko abaixou a arma e pegou o telefone.
– Vou ligar para Renata. De repente, fiquei com uma sensação esquisita.
– Pois é – concordou Kade. – Não acha que alguma coisa deu errado, acha?
Apesar de Brock não estar gostando da repentina vibração que emanava da sua irmandade, disse para si mesmo que estava tudo bem. A excursão que Jenna e as outras fêmeas estavam fazendo não passava de uma pequena viagem até Cape Cod. Uma visita a uma freira septuagenária, pelo amor de Deus.
Jenna havia levado uma arma, assim como Renata, e as duas sabiam cuidar de si mesmas. Não havia motivos para se preocuparem.
Dante se aproximou, parecendo preocupado, enquanto Niko esperava no silêncio prolongado para que sua companheira atendesse.
– Não atende?
– Não – Niko respondeu baixinho.
– Madre de Dios – Rio exclamou ao se afastar da parede. – Alguma coisa assustou Dylan. Sinto isso em minhas veias.
Brock registrou o alarme passando por cada um dos seus irmãos.
– Vocês dois também? – perguntou, lançando um olhar sério para Kade e Niko.
– A minha pulsação acabou de acelerar – disse Kade. – Merda. Alguma coisa muito ruim está acontecendo com Alex e as outras.
– Vai demorar pelo menos mais uma hora para escurecer – Dante os lembrou, solene ao dar o aviso.
– Não temos tanto tempo assim – disse Niko. – Temos que ir atrás delas agora.
Com Dante fitando-os, Brock se pôs atrás dos seus três companheiros guerreiros, sentindo-se perdido, dependendo dos instintos deles para guiá-lo na direção de qualquer que fosse o perigo que agora ameaçava Jenna e as companheiras dos outros machos.
Inferno. Jenna estava em perigo e ele não fazia a mínima ideia.
Ela podia estar morrendo naquele exato instante, e ele só saberia ao se ver diante do corpo.
Essa percepção era tão fria quanto a própria morte, alcançando seu peito e contraindo seu coração num punho gélido.
– Vamos – bradou para a irmandade.
Juntos, os quatro saíram correndo da sala de armas, juntando suas pistolas e munição antes de irem.
Na mesma hora, Jenna e Renata sacaram suas armas e as apontaram para a freira sorridente – a Serva, cujos olhos mortos olhavam através delas como se elas não estivessem ali.
Como se não fossem nada, não tivessem valor.
O que, para aquela mulher, Jenna sabia que elas não eram e não tinham.
Atrás da Irmã Grace, dois homenzarrões apareceram. Estiveram pairando nas sombras no corredor atrás delas, trazidos à frente antes mesmo de Jenna e Renata sacarem seus revólveres. Os olhos dos homens tinham a mesma frieza dos da freira. Cada um segurava uma pistola grande – uma mirada em Renata e a outra em Jenna.
O impasse se manteve num silêncio alerta por um instante, tempo que ela usou para calcular maneiras viáveis de desabilitar um ou os dois homens sem colocar Alex e Dylan em perigo. Mas, caramba, nada parecia possível. Mesmo que ela pudesse dispor da velocidade aumentada dos seus reflexos causada pelo implante, o risco às suas amigas parecia grande demais.
Em seguida, mais más notícias.
De algum lugar à sua esquerda, outro Servo Humano se apresentou e apoiou o cano frio de um revólver em sua cabeça.
A freira deu um falso sorriso.
– Terei que pedir a vocês duas que abaixem suas armas agora.
Renata não cedeu. Tampouco Jenna, apesar do clique metálico dentro da câmara das balas do revólver do Servo ao seu lado.
– Há quanto tempo vem trabalhando para Dragos? – Renata perguntou à escrava da mente. – Ele é o seu Mestre, estou certa?
Irmã Grace piscou, impassível.
– Vou repetir, queridas. Abaixem as armas. O tapete em que estão é da minha família há mais de duzentos anos. Seria uma pena arruiná-lo se Arthur ou Patrick tivesse que meter a porra de uma bala em vocês.
O peito de Jenna se contraiu de medo ao pensar que uma de suas amigas pudesse ser ferida nas mãos daqueles cretinos. Aguardou num silêncio tenso, aterrorizante, observando os músculos dos braços de Renata perderem um pouco da rigidez. Jenna pensou que ela estivesse prestes a obedecer, mas o olhar de esguelha sutil que ela lhe lançou pareceu indicar o contrário.
Jenna retribuiu o olhar com outro seu quase imperceptível. Só haveria uma chance de agir. Uma fração de segundo para fazer aquilo dar certo ou perder tudo.
Renata exalou um suspiro resignado.
Começou a abaixar a pistola...
Enquanto ela fazia isso, Jenna agregou toda a velocidade dos tendões e nervos dos seus braços humanos. Girou com uma rapidez impossível e quebrou o pulso do Servo que segurava a arma na sua cabeça. Ele berrou de dor, provocando o caos na sala inteira.
No que pareceu um movimento em câmera lenta para Jenna, mas que provavelmente se passou em frações de segundos, ela abaixou sua arma para o Servo caído e atirou duas vezes em sua cabeça. Nesse meio-tempo, Renata atirou em um dos que estavam atrás da freira. Quando jorrou uma fonte de sangue do peito do segundo Servo antes que ele caísse no chão, a Irmã Grace se virou para correr pelo corredor.
Jenna estava em cima dela antes que desse dois passos.
Lançou-se sobre a Serva, derrubando-a em um instante. Esticou as mãos e empurrou-a para trás, fazendo o monstro de cabelos grisalhos voar pelos ares. Ela se espatifou no chão da sala enquanto Renata acertava o último dos Servos machos, deixando o corpo se retorcendo e sangrando sobre o tapete de família.
Jenna se aproximou da freira rastejante e a suspendeu, levando-a até uma poltrona delicada de seda próxima à janela.
– Comece a falar, vadia. Há quanto tempo está servindo a Dragos? Já pertencia a ele quando começou a trabalhar no abrigo?
A Serva sorriu através dos dentes ensanguentados e balançou a cabeça.
– Não vai conseguir nada de mim. Você não me assusta. A morte não me assusta.
Enquanto falava, passadas pesadas ecoaram em alguma parte embaixo da casa. Mais dois Servos, subindo do porão. A porta do corredor se abriu num rompante quando eles entraram de repente. Renata se virou e acertou-os bem no meio da cabeça, detendo-os na mesma hora.
Dylan deu um gritinho de vitória quando a casa voltou a ficar silenciosa.
Mas, logo depois... Sons de vozes baixas vindos do porão logo abaixo.
Vozes femininas.
Mais de uma dúzia de vozes diferentes, todas gritando e berrando, chamando por quem quer que pudesse ouvi-las.
– Puta merda – murmurou Alex.
Os olhos de Dylan se arregalaram.
– Não estão achando que...
– Vamos lá ver – disse Renata. Virou-se para Jenna. – Vai ficar bem aqui em cima?
Jenna assentiu.
– Sim, estou bem. Seguro as pontas até vocês voltarem. Vão.
Nesse breve momento de desatenção, a Irmã Grace se remexeu no sofazinho, enfiando a mão no bolso do vestido. Jenna voltou a olhar para ela bem a tempo de vê-la colocando algo pequeno na boca. Ela engoliu rapidamente o tal objeto. Os tendões de sua garganta se contraíram. Sua boca começou a espumar.
– Merda! – exclamou Jenna. – Ela está se envenenando!
– Essa já morreu. Esqueça essa vaca – disse Renata. – Venha com a gente, Jenna.
Ela deu as costas para a Serva, deixando o corpo convulsionando no chão. Juntas, ela e as outras mulheres desceram correndo os degraus velhos que conduziam a um porão mal iluminado enorme que parecia entalhado nas rochas da península.
Quanto mais desciam, mais altos se tornavam os gritos por socorro.
– Nós estamos ouvindo vocês! – gritou Dylan para as mulheres aterrorizadas. – Está tudo bem, nós as encontramos!
Jenna não estava preparada para o que as esperava quando o porão se alargou diante delas. Havia uma enorme cela encravada na rocha, fechada por uma grade de ferro. Dentro dela, mais de vinte mulheres – sujas, desgrenhadas, maltrapilhas. Algumas estavam em estágios avançados de gestação. Outras, magras como crianças abandonadas. Pareciam as piores prisioneiras de guerra, negligenciadas e esquecidas, a maioria dos rostos sem expressão e cansada.
Encararam suas salvadoras, algumas mudas, outras chorando baixinho, enquanto outras ainda soluçavam alto num choro descontrolado.
– Jesus – alguém sussurrou, talvez a própria Jenna.
– Vamos tirá-las daí – disse Renata, a voz saindo desajeitada. – Procurem por uma chave que entre nessa maldita grade.
Dylan e Alex começaram a procurar no espaço escuro. Jenna andou até o canto oposto, que pareceu continuar até o infinito em buracos na caverna do velho porão. Em sua visão periférica, percebeu o movimento fortuito da mão de uma das prisioneiras. Ela estava tentando atrair a atenção de Jenna, gesticulando sorrateira na direção de um dos túneis não iluminados que se estendiam no fundo daquele lugar sombrio.
Tentando alertá-la.
Jenna ouviu o raspar quase inaudível de passadas vindas da escuridão. Virou a cabeça – bem a tempo de ver o clarão de um metal, um movimento apressado. Então, sentiu o baque do corpo de outro Servo, empurrando-a com força, quase derrubando-a no chão.
– Jenna! – Alex gritou. – Renata, ajude-a!
O som de um disparo ecoou como o tiro de um canhão no espaço fechado. As prisioneiras gritaram e se encolheram no fundo da cela.
– Está tudo bem – disse Jenna. – Ele está morto. Todas vão ficar bem.
Ela empurrou o corpo inerte e saiu de debaixo dele. Uma coisa metálica tilintou quando o Servo rolou de costas e deu seu último suspiro.
– Acho que encontrei a chave – disse ela, inclinando-se para puxar o molho de chaves do bolso da calça dele.
Correu até a grade da cela e começou a procurar por aquela que se encaixava na fechadura. O sangue do Servo sujou seu casaco e suas mãos, mas ela não se importou. Só o que importava era tirar as Companheiras de Raça daquele cativeiro.
A trava se abriu na segunda tentativa.
– Ah, graças a Deus! – arfou Dylan. – Venham todas. Estão seguras agora.
Jenna abriu a porta grande de ferro e observou com certo orgulho e alívio quando as primeiras prisioneiras começaram a sair da cela. Uma a uma, mulher a mulher, elas saíram, finalmente livres.
Capítulo 31
Faltavam poucos quilômetros para que os guerreiros chegassem ao local quando Rio recebeu um telefonema animado de Dylan, contando-lhe tudo o que acontecera. Mesmo sabendo o que veriam, e que, por algum milagre, ela, Alex, Renata e Jenna tinham conseguido encontrar e libertar as prisioneiras que Dragos mantinha em cativeiro há tantos anos, Brock e seus irmãos sentados no SUV da Ordem não estavam preparados para o cenário que os recebeu ao trafegarem pela estrada à beira-mar em direção à grande casa amarela nas rochas.
O sol acabara de se pôr no horizonte oposto, lançando suas últimas sombras alongadas sobre o terreno coberto de neve do jardim da casa ao estilo vitoriano. E nesse jardim, saindo pela porta da frente envoltas em cobertas, mantas e colchas de retalhos, havia pelo menos uma dúzia de jovens mulheres maltrapilhas e famintas.
Companheiras de Raça.
Já havia algumas dentro do Rover estacionado na passagem de carros. Outras estavam sendo conduzidas para fora da casa por Alex e Dylan.
– Jesus Cristo – sussurrou Brock, admirado com a enormidade do que acontecera.
Renata estava parada ao lado do Rover, ajudando uma das ex-prisioneiras a subir no banco de passageiros do carro.
Onde diabos estaria Jenna?
Brock perscrutou o local num rápido passar de olhos, o coração saltando do peito. Deus, e se ela estivesse ferida? Dylan por certo teria dito se tivesse acontecido algum incidente, mas isso não impedia a pedra que se formava na base do seu estômago. Se alguma coisa tivesse acontecido com ela...
– Segurem-se firmes – disse Niko ao entrar na passagem para carros, em seguida levou o SUV direto para cima do gramado.
Brock saiu antes mesmo de o carro parar por completo.
Ele tinha que ver a sua mulher. Tinha que senti-la aquecida e segura em seus braços.
Correu através do jardim congelado, as botas diminuindo a distância em meros segundos.
Alex levantou o olhar enquanto ele corria em sua direção.
– Onde ela está? – exigiu saber. – Onde está Jenna? Aconteceu alguma coisa com ela?
– Ela está bem, Brock. – Alex gesticulou para a porta de entrada aberta, por onde se via o cadáver ensanguentado de pelo menos um Servo imóvel. – Jenna está trazendo as últimas mulheres do porão de onde estavam sendo mantidas presas.
Cambaleou ao ouvir que ela estava bem, sem conseguir esconder seu alívio.
– Tenho que vê-la.
Alex lhe deu um sorriso caloroso enquanto conduzia uma das Companheiras de Raça lívida e trêmula na direção de um dos carros que aguardava. Ele se adiantou e já estava para pisar na varanda.
– Brock?
A voz feminina frágil – tão inesperada, tão longinquamente familiar – o fez parar de imediato. Algo estalou dentro do seu cérebro. Uma centelha de descrença.
Um raio opressor de reconhecimento.
– Brock... É você mesmo?
Lentamente, ele se virou de frente para a fêmea pequenina de cabelos escuros que estava parada na passagem de carros, logo abaixo dos degraus da varanda. Ele não a notara quando passara por ela há segundos. Bom Cristo, ele não sabia se a teria reconhecido se ela o abordasse no meio da rua.
Mas conhecia aquela voz.
Por baixo da sujeira do cativeiro e da negligência que encovara suas faces, a pele de alabastro estava coberta de arranhões, e ele notou que sim, reconhecia também o rosto.
– Ah, meu Deus. – Ele se sentia sem ar, como se alguém tivesse lhe dado um soco nos pulmões. – Corinne?
– É você – sussurrou ela. – Nunca pensei que voltaria a vê-lo novamente.
Seu rosto se crispou e logo ela se pôs a chorar. Correu para junto dele, lançando os braços emaciados ao redor da sua cintura e chorando contra seu peito.
Ele a abraçou, sem saber o que fazer.
Sem saber o que pensar.
– Você estava morta – murmurou. – Desapareceu sem deixar rastro, e depois tiraram seu corpo do rio. Eu o vi. Você estava morta, Corinne.
– Não. – Meneou a cabeça com vigor, ainda soluçando, o pequenino corpo tremendo enquanto arfava. – Eles me levaram para longe.
A fúria se acendeu dentro dele, sobrepondo-se ao choque e à descrença.
– Quem a levou?
Ela soluçou, inspirando fundo.
– Não sei. Eles me levaram e me mantiveram prisioneira todo esse tempo. Eles... fizeram coisas horríveis. Fizeram coisas horrendas comigo, Brock.
Ela se afundou no abraço dele, agarrando-se a ele como se nunca quisesse soltar. Brock a abraçou, atônito com tudo o que ouvia.
Não sabia o que lhe dizer. Não entendia como o que ela dizia podia ser verdade.
Mas era.
Ela estava viva.
Depois de tantos anos – década após década de se culpar pela morte dela –, Corinne subitamente aparecia viva, respirando, abraçada a ele.
Jenna subiu os degraus do porão com as últimas prisioneiras. Mal conseguia acreditar que tudo havia terminado, que ela, Renata, Dylan e Alex tinham, de fato, localizado as mulheres e conseguido libertá-las.
Seu coração ainda batia rápido dentro do peito, sua pulsação ainda acelerada com a adrenalina e a sensação profunda de realização – de alívio, porque a provação daquelas quase vinte mulheres havia, finalmente, chegado ao fim. Conduziu a última ao largo dos Servos Humanos mortos na sala até a varanda. A noite já caíra, banhando o jardim abarrotado com tons tranquilos de azul.
Jenna inspirou o ar frio ao pisar na varanda atrás da cambaleante Companheira de Raça. Fitou a passagem de carros, onde Renata e Niko ajudavam algumas mulheres a entrar no Rover. Rio e Dylan, Kade e Alex estavam ocupados acompanhando outras prisioneiras libertas até o outro SUV da Ordem.
Mas foi ver Brock que a fez parar de pronto onde estava.
Seus pés simplesmente pararam de se mover, o coração rachando ao vê-lo num abraço afetuoso com uma fêmea morena e pequenina.
Jenna não precisava ver seu rosto para saber que seria o mesmo do desenho que Claire providenciara. Ou que a beldade frágil aninhada tão gentilmente nos braços fortes de Brock era a mesma jovem da fotografia que ele manteve consigo durante todos aqueles anos em que a acreditava morta.
Corinne.
Por algum milagre do destino, o amor passado de Brock retornara. Jenna abafou o choro amargo, percebendo que ele acabara de receber o impossível: o presente da ressurreição de um amor.
Por mais que a dilacerasse testemunhar aquilo, ela não conseguiu deixar de se emocionar com o encontro carinhoso.
E não suportou a ideia de interrompê-lo, por mais desesperada que estivesse em ser a mulher no abrigo dos braços dele naquele instante.
Fortalecendo-se, desceu da varanda e passou ao largo deles para continuar a evacuação das outras prisioneiras libertas.
Capítulo 32
Brock ergueu os olhos e viu Jenna se afastando dele, indo na direção da movimentação na passagem de carros.
Ela estava bem.
Graças a Deus.
Seu coração saltou dentro do peito, acelerando tanto com o alívio por vê-la que acreditou que fosse pular para fora.
– Jenna!
Ela se virou devagar, e o alívio que ele sentiu um momento antes escorreu pelos calcanhares. Seu rosto estava pálido e contraído. A frente de seu casaco estava rasgada em alguns pontos e manchada de vermelho.
– Jesus. – Ele se afastou de Corinne e correu até onde Jenna estava parada. Segurando-a pelos ombros, ele a avaliou dos pés à cabeça, seus sentidos da Raça aguçados pela presença de tanto sangue derramado. – Ah, Cristo... Jenna, o que aconteceu com você?
Seu rosto se crispou quando ela balançou a cabeça e se afastou dele.
– Estou bem. O sangue não é meu. Um dos Servos me atacou no porão. Atirei nele.
Brock sibilou, atormentado de preocupação apesar de ela estar ali na sua frente, garantindo estar bem.
– Quando fiquei sabendo que alguma coisa tinha dado errado aqui... – Sua voz se partiu numa imprecação. – Jenna, fiquei com tanto medo de que você estivesse ferida.
Ela balançou a cabeça, os olhos castanhos parecendo tristes, mas ainda firmes.
– Estou bem.
– E Corinne – disse ele, olhando para onde ela estava, parecendo pequena e desamparada, uma sombra apagada da garota vibrante que desaparecera em Detroit há tantas décadas. – Ela está viva, Jenna. Ela estava sendo aprisionada junto com as outras.
Jenna assentiu.
– Eu sei.
– Sabe? – Ele a encarou, confuso.
– Fiquei sabendo por um dos retratos falados que Claire Reichen providenciou – explicou. – Só o vi quando chegamos aqui, mas reconheci o rosto de Corinne da fotografia que você tem no seu quarto.
– Não acredito – murmurou ele, ainda atordoado por tudo o que ouvira. – Ela me contou que alguém a levou naquela noite. Ela não sabe quem foi. Não faço a mínima ideia de quem era o corpo que vi, e por que providenciaram para que se passasse por Corinne. Meu Deus... Não sei o que pensar disso tudo.
Jenna o ouviu tagarelar, a expressão paciente e compreensiva. Muito mais calma do que ele se sentia. Para dizer a verdade, ela estava firme, controlada, a profissional fria, apesar de ter passado por uma situação infernal.
A emoção o assolou, seu respeito por ela imensurável naquele instante.
Assim como seu amor por ela.
– Percebe o que realizaram aqui? – perguntou-lhe, esticando a mão para alisar o rosto manchado de sangue. – Meu Deus, Jenna. Eu não poderia estar mais orgulhoso de você.
Ele a beijou e a trouxe para perto de si, pronto para lhe dizer o quanto estava grato por tê-la em sua vida. Queria gritar seu amor por ela, mas a profundidade dos seus sentimentos devorou sua voz.
Rápido demais, porém, Jenna se soltou dele, ambos alertas pelos sons de passos se aproximando deles. Brock se virou de frente para Nikolai e Renata. Dylan passou por eles para ir buscar Corinne e conduzi-la com cuidado até a porta aberta do passageiro no Rover estacionado na passagem de carros.
Niko pigarreou pouco à vontade.
– Desculpe interromper, cara, mas precisamos ir. O Rover está quase cheio, e Rio já ligou para o complexo para pedir mais dois carros para apanhar as fêmeas restantes. Chase e Hunter já estão a caminho com o transporte adicional.
Brock assentiu.
– Elas vão precisar de abrigo em algum lugar.
– Andreas e Claire ofereceram a casa deles em Newport para todas as prisioneiras – respondeu Renata. – Rio vai levar um dos carros para lá agora.
– Certo – disse Niko. – Kade e eu vamos ficar aqui com Renata e Alex para limparmos a cena e esperar que Chase e Hunter cheguem com o carro extra para as mulheres e outro para nos levar de volta ao complexo.
– Precisamos de alguém para dirigir o Rover até Newport – disse Renata.
Brock estava prestes a se prontificar, mas não suportava a ideia de se afastar de Jenna, mesmo que por poucas horas.
Dividido, olhou para ela.
– Pode ir – disse ela.
Ele desejou abraçá-la e nunca mais soltá-la.
– Você vai ficar bem até eu voltar?
– Sim. Vou ficar bem, Brock. – Seu sorriso parecia um tanto triste. Suas mãos tremiam quando as ergueu para segurar de leve as dele. Beijou-o, apenas um leve roçar de lábios. – Não tem que se preocupar comigo. Faça o que tem que fazer.
– Temos que ir – Niko pressionou. – Este lugar precisa ficar limpo antes que algum humano curioso comece a querer farejar por perto.
Brock anuiu com relutância, afastando-se de Jenna. Ela fez um gesto de concordância com a cabeça, quando ele deu outro passo.
Ele se virou e partiu na direção do Rover. Ao se pôr atrás do volante e começar a seguir Rio no outro carro, uma parte sua não conseguiu deixar de pensar que o beijo casto que Jenna lhe dera lhe pareceu mais um adeus.
Jenna e os outros levaram mais de uma hora para despachar os Servos mortos e limpar a casa de todos os vestígios da batalha ocorrida ali dentro. Hunter e Chase já tinham chegado e ido embora com as últimas prisioneiras, deixando um dos SUVs da Ordem para a equipe de limpeza para que eles voltassem para o complexo.
Jenna trabalhou em silêncio, sentindo-se cansada, exausta – emocionalmente arrasada –, enquanto ajudava Alex a enrolar um dos tapetes ensanguentados para carregá-lo até o veículo estacionado.
Não conseguia deixar de pensar em Brock. Não conseguia deixar de temer ter cometido um erro enorme ao permitir que ele fosse para Newport com Corinne.
Ela quis, desesperadamente, telefonar para ele e pedir que voltasse logo.
Mas, por mais que desejasse tomá-lo para si, ela não poderia ser injusta com ele.
Recebera um milagre naquela noite, e ela jamais sonharia tentar tirar isso dele.
Quantas vezes rezara pedindo uma segunda chance com Mitch e Libby depois que os perdera? Quantas vezes desejara que as mortes deles não tivessem passado de um erro cósmico que, de algum modo, poderia ser reparado? Quantas vezes tivera esperanças de que alguma guinada impossível do destino acontecesse e lhe trouxesse de volta o amor que perdera?
Perguntou-se se ainda seria capaz de fazer esses pedidos. Sabia que não. Fazer tal coisa seria negar tudo o que sentia por Brock, algo que lhe parecia ainda mais impossível do que a reversão miraculosa da morte.
Mas, ao mesmo tempo, ela não podia pedir que Brock fizesse a mesma escolha.
Ainda que deixá-lo ir partisse seu coração.
Uma onda de tristeza a assolou ante tal pensamento. Ela se segurou à lateral do carro, as pernas quase cedendo debaixo de si.
Alex se pôs ao seu lado em um instante.
– Jen, você está bem?
Ela assentiu meio fraca, subitamente se sentindo mais oca por dentro. Sua cabeça girou, a visão começou a embaçar.
– Jenna? – Alex foi para frente dela e arquejou. – Ah, droga, Jenna. Você está sangrando.
Atordoada, ela olhou para baixo. Alex já desamarrava seu casaco ensanguentado. Quando a lã grossa foi afastada, ela viu a horrenda verdade do que provocou a palidez no rosto da amiga.
A mente de Jenna voltou para o instante em que havia visto algo metálico reluzindo no Servo que a atacara na escuridão do porão. Uma adaga, supôs agora, olhando para o sangue que empapava sua camisa e escorria pela perna, formando uma poça debaixo do seu pé.
– Kade, depressa! – exclamou Alex, o pânico crescendo em sua voz. – Renata, Niko, alguém, por favor. Jenna foi ferida!
Enquanto os outros saíam apressados da casa atendendo ao seu pedido de socorro, o mundo de Jenna começou a girar à sua volta. Ela ouvia seus amigos falando ansiosamente ao seu redor, mas não conseguia abrir os olhos. Não conseguiu impedir que as pernas cedessem sob seu peso.
Soltou-se do carro quando uma escuridão pesada se apossou dela.
Capítulo 33
A casa de Andreas e Claire Reichen em Newport parecia uma colmeia de atividade ansiosa enquanto as Companheiras de Raça resgatadas chegavam naquela noite e começaram a se acomodar na ampla propriedade localizada na baía Narragansett. Brock e Rio foram os primeiros a chegar. Hunter e Chase haviam chegado há pouco com o restante das antigas prisioneiras e estavam no processo de levá-las para dentro.
– Inacreditável – disse Reichen, com Brock no corredor do segundo andar, parado no lado que dava vista para o mar. O vampiro alemão e a sua companheira nascida na Nova Inglaterra já moravam na casa há alguns meses, o casal recém-unido tendo se mudado para os Estados Unidos depois de sobreviverem às próprias provações nas mãos de Dragos e de seus aliados perigosos. – Claire vinha sendo assombrada, durante todo esse tempo, pelo que vira em seu sonho ao andar pelo laboratório de Dragos, mas ver essas mulheres pessoalmente agora, vivas e livres de perigo depois de tanto tempo... Cristo, é demais para qualquer um.
Brock assentiu, ainda descrente de tudo aquilo.
– Foi muito gentil da sua parte e de Claire recebê-las.
– Não aceitaríamos que fosse de outro modo.
Os dois machos se voltaram quando Claire saiu de um quarto carregando uma braçada de toalhas dobradas. A morena pequenina e bela tinha um ar reluzente ao atravessar o corredor e se deparar com o olhar de aprovação do seu companheiro.
– Venho rezando para que este dia chegasse há muito tempo – disse ela, os olhos castanhos se deparando com Reichen e Brock. – Quase não ousava manter as esperanças de que isso chegasse mesmo a acontecer.
– O trabalho que você e as outras mulheres da Ordem fizeram é muito mais que admirável – respondeu ele, certo de que jamais se esqueceria da imagem de Jenna e das outras guiando as prisioneiras libertadas para fora da casa de fachada alegre que fora o mais recente cativeiro delas.
Deus, Jenna, pensou ele. Ela esteve em sua mente esse tempo todo. O único lugar em que desejava estar era ao lado dela – sentindo-a segura e aquecida em seus braços.
Fora ela o motivo de ele ter ido calado de Gloucester a Rhode Island, atormentado pelo fato de que Corinne vinha cochilando no banco do passageiro ao seu lado – inacreditavelmente viva, depois de tantos anos. No entanto, cada fibra do seu ser era atraída irremediavelmente na direção de Boston.
Para junto de Jenna.
Mas ele não poderia simplesmente se afastar de Corinne. Devia-lhe mais do que isso. Por sua causa, por causa do seu descuido ao protegê-la, ela fora arrancada de tudo o que conhecia, forçada a suportar torturas impronunciáveis nas mãos de Dragos. Por sua causa, a vida dela fora dizimada.
Como ele poderia simplesmente ignorar tudo isso e voltar para a felicidade que encontrara com Jenna?
Como que atraída pelos seus pensamentos sombrios, sentiu a presença de Corinne atrás dele.
Reichen e Claire não disseram nada ao olharem, depois se viraram ao mesmo tempo, deixando-o para enfrentar o fantasma do seu passado fracassado.
Ela havia tomado banho e colocado uma roupa limpa. Mas, Deus, ainda parecia pequena e frágil demais. A blusa de mangas longas e as calças de ioga pendiam largas no corpo diminuto. O rosto estava pálido e emaciado. Círculos escuros se destacavam por baixo dos olhos amendoados outrora cintilantes.
Com o cabelo escuro preso num rabo de cavalo, ele viu que ela parecia ter envelhecido desde que a vira aos dezoito anos. Ainda que a passagem dos anos a deixasse com quase noventa agora, Corinne parecia perto dos trinta. Apenas a ingestão regular do sangue dos da Raça teria conservado a sua juventude, e Brock sentia horror ao imaginar as circunstâncias em que esse tipo de alimentação pôde ter acontecido enquanto ela permanecia nos terríveis laboratórios de Dragos.
– Jesus, Corinne – murmurou, chegando mais perto quando ela permaneceu congelada e silenciosa a poucos metros dele no corredor das escadas. – Nem sei por onde começar.
Cicatrizes pequenas maculavam o belo rosto, que, em sua lembrança, sempre fora impecável. Os olhos ainda eram exóticos, ainda eram corajosos o bastante para não titubearem, nem mesmo sob exame tão detalhado, mas havia uma agitação neles agora. Não existia mais a criança levada, a doce inocente. Em seu lugar, restara uma sobrevivente calada e perspicaz.
Esticou a mão para tocar nela, mas Corinne se afastou, meneando a cabeça de leve. Ele deixou a mão cair, o punho cerrado ao seu lado.
– Ah, Cristo... Corinne... Consegue me perdoar?
As sobrancelhas finas se ergueram e se uniram.
– Não...
A negação dita tão suavemente foi como um golpe. Ele sabia que merecia, e mal conseguiria dizer uma palavra em sua defesa. Fracassara com ela. Talvez mais ainda do que se ela tivesse morrido tantos anos atrás. A morte teria sido melhor do que aquilo que ela provavelmente suportara estando prisioneira de um bastardo como Dragos.
– Sinto muito – murmurou, determinado a dizer as palavras ainda que ela continuasse movendo a cabeça, a carranca se acentuando. – Sei que meu pedido de desculpas não significa nada agora. Não muda nada para você, Corinne... Mas eu queria que soubesse que não se passou um dia sem que eu não pensasse em você e desejasse que eu tivesse estado lá. Desejei trocar de lugar com você, a minha vida pela sua...
– Não – disse ela, a voz mais forte do que antes. – Não, Brock. Foi isso o que pensou? Que o culpei pelo que me aconteceu?
Ele a fitou, atordoado pela ausência de raiva nos olhos dela.
– Você tem todo o direito de me culpar. Era meu dever protegê-la.
Seu olhar escuro se mostrou um pouco triste.
– E você me protegeu. Por mais impossível que eu fosse, você sempre me protegeu.
– Não naquela noite – ele a lembrou com seriedade.
– Não sei o que aconteceu naquela noite – murmurou. – Não sei quem me levou, mas não havia nada que você pudesse ter feito, Brock. Não se culpe. Nunca quis que pensasse isso.
– Procurei por você em todas as partes, Corinne. Durante semanas, meses... Anos depois que tiraram o corpo do rio... O seu corpo, acreditei... continuei procurando por você. – Ele inspirou fundo. – Eu jamais deveria ter tirado os olhos de você naquela noite, nem por um segundo. Fracassei...
– Não – disse ela, balançando a cabeça devagar, o rosto livre de recriminações, repleto de perdão. – Você nunca falhou comigo. Me mandou de volta para o clube naquela noite porque acreditou que eu estaria mais segura lá dentro. Como poderia saber que eu seria raptada? Você sempre agiu certo comigo, Brock.
Ele meneou a cabeça, atordoado pela absolvição, comovido pela determinação em sua voz. Ela não o culpava, e parte da culpa pesada que ele vinha carregando por tanto tempo simplesmente se dissipou.
Na onda de alívio que o assolou, ele pensou em Jenna, e na vida que desejava começar ao seu lado.
– Você está envolvido com alguém – disse Corinne, observando-o em silêncio. – A mulher que ajudou a nos salvar hoje.
Ele assentiu, o orgulho se avolumando dentro de si, apesar da dor do arrependimento que ainda sentia ao olhar para a jovem – a agora mulher séria e frágil na qual Corinne se transformara nos anos de aprisionamento por Dragos.
– Está apaixonado?
Ele não tinha como negar, nem mesmo para ela.
– Sim, estou. O nome dela é Jenna.
Corinne sorriu com tristeza.
– Ela é uma mulher de sorte. Estou contente que esteja feliz, Brock.
Tomado por gratidão e esperança, ele não se conteve e puxou Corinne para um abraço apertado. A princípio, ela permaneceu rija em seus braços, o corpo diminuto se retraindo como se aquele contato a tivesse assustado. Mas, aos poucos, ela foi relaxando, as mãos envolvendo-o por trás.
Ele a soltou após um momento e se afastou dela.
– E quanto a você? Vai ficar bem, Corinne?
Ela deu um sorriso frágil ao erguer o ombro fino.
– Eu só quero ir para casa. – Uma espécie de chaga, algo que parecia sangrar dentro dela como uma ferida aberta, anuviou seu olhar. – Eu só preciso estar com a minha família.
O tenente de Dragos começou a tremer ao anunciar a notícia ruim do dia.
Todas as fêmeas que Dragos havia coletado nas últimas décadas em seu laboratório particular – isto é, aquelas que sobreviveram aos experimentos prolongados e às necessidades gestacionais – foram descobertas e libertadas pela Ordem.
E o pior, foram as mulheres da Ordem, não Lucan e seus guerreiros, que fizeram a descoberta mais cedo naquele mesmo dia. A Serva Humana freira que o auxiliara em localizar as Companheiras de Raça para a sua causa e, mais recentemente, que se prestara como guardiã em sua pequena prisão no litoral fracassara em proteger seus interesses. A vaca inútil estava morta, mas não antes de lhe custar as cerca de vinte fêmeas em sua custódia.
E agora a Ordem conseguira lascar mais um tijolo da fundação da sua operação.
Primeiro, tiraram-lhe sua autonomia, pondo um fim aos anos de poder desmedido como diretor da Agência de Policiamento. Depois, acabaram com o seu laboratório secreto, atacando seu quartel-general e obrigando-o a se esconder. Em seguida, mataram o Antigo, ainda que, muito provavelmente, Dragos acabaria por matar a criatura ele mesmo, cedo ou tarde.
E agora isso.
Parado próximo ao átrio da suíte de hotel de Dragos, seu tenente remexia no chapéu, retorcendo-o nas mãos como um trapo velho.
– Não sei como conseguiram encontrar o local, senhor. Talvez estivessem monitorando a casa por algum motivo. Talvez tenha sido mera sorte que as levou até lá, e elas...
O rugido furioso de Dragos silenciou a tagarelice de imediato. Ele deu um salto do sofá, os braços esticados diante do corpo, derrubando um vaso de cristal com orquídeas de um pedestal. A peça estilhaçou-se contra a parede, espalhando cacos, água e flores em todas as direções.
Seu tenente arfou e recuou um passo, batendo as costas na porta fechada. Os olhos praticamente saltavam para fora das órbitas, o rosto tomado de pânico. Sua expressão ficou ainda mais carregada de medo quando Dragos se aproximou, espumando de raiva.
Nos olhos arregalados e aterrorizados, Dragos viu a lembrança da sua ameaça, feita ali, naquele mesmo quarto de hotel, apenas uma semana antes.
– Senhor, por favor – sussurrou. – Foi a Serva quem fracassou hoje, não eu. Só sou responsável por entregar a notícia, não pelo erro.
Dragos pouco se importava com isso. Sua raiva estava descontrolada demais para ser contida agora. Com um grito de guerra animalesco mais dirigido a Lucan e seus guerreiros do que ao peão insignificante e trêmulo diante de si, recuou o braço e socou com força o peito do vampiro. Atravessou roupas, pele e ossos como um martelo, e arrancou o órgão pulsante que ali estava enclausurado.
O tenente morto despencou aos seus pés. Dragos baixou o olhar para ele, para o punho ensanguentado e a cascata rubra que descia do cadáver, e o tapete branco ao redor.
Dragos descartou o coração do vampiro como se fosse lixo, depois jogou a cabeça para trás e uivou, a fúria vibrando no ar ao seu redor como uma trovoada.
– Livrem-se desse lixo – ralhou para o par de assassinos que observaram tudo em silêncio no lado oposto da suíte.
Entrou no banheiro para livrar-se do sangue nas mãos, acalmando-se com a percepção de que, apesar de a Ordem ter conseguido lhe dar mais um golpe hoje, ele ainda levava a melhor. Uma pena que ainda não soubessem disso.
Muito em breve saberiam.
Ele tinha a Ordem bem em sua mira agora.
E estava mais do que pronto para puxar o gatilho.
Capítulo 34
Quando Jenna despertou, estava olhando para o teto da enfermaria do complexo. Piscou devagar, à espera da chegada da dor lancinante do ferimento na lateral do corpo. Em vez disso, sentiu um toque quente passando por seu braço.
– Oi – disse a voz aveludada e grave que vinha ouvindo em seu sono. – Estive esperando que você abrisse esses seus lindos olhos.
Brock.
Ela virou a cabeça no travesseiro e ficou comovida por vê-lo sentado ao lado da sua cama. Ele estava tão lindo, era tão forte e carinhoso. O olhar castanho a absorvia, a boca sensual se curvava num leve sorriso.
– Ligaram para mim em Newport e me contaram a respeito do seu ferimento – disse ele, emitindo um xingamento. – Vi o sangue em sua roupa do lado de fora da casa da Serva Humana, mas não achei que fosse seu, Jenna. Eu não consegui dirigir tão rápido quanto desejei para ver se você estava bem.
Ela lhe sorriu, o coração alçando voo por estar próxima dele de novo, mesmo tendo medo de ser feliz, incerta sobre se ele apenas regressara para ajudá-la a se curar.
– Como está se sentindo, Jenna?
– Bem – respondeu, e percebeu só então que estava muito bem fisicamente. Ergueu-se um pouco e afastou o lençol e a coberta que a cobriam. O corte feio que deveria estar abaixo da caixa torácica não passava de uma cicatriz, o ferimento que sangrara tão profusamente havia sumido por completo. – Quanto tempo fiquei desacordada?
– Algumas horas. – A expressão de Brock se suavizou ao fitá-la. – Você surpreendeu a todos, Gideon em especial. Ele está tentando descobrir o que está acontecendo com a sua fisiologia, mas, ao que tudo indica, o seu corpo está aprendendo a se curar sozinho. Regeneração adaptativa, acho que foi assim que ele chamou. Ele disse que quer fazer outros exames para determinar se a regeneração pode impactar o envelhecimento das suas células no decorrer do tempo. Parece acreditar que existem sérias possibilidades de que esse seja o caso.
Jenna meneou a cabeça, atordoada. E também um tanto divertida.
– Sabe, acho que estou começando a acreditar que vai ser divertido ser uma espécie de ciborgue.
– Não me interessa o que você é – respondeu ele com seriedade. – Só estou feliz em ver que está bem.
No silêncio que se seguiu entre os dois, Jenna remexeu na bainha do lençol.
– Como estão as outras mulheres, as Companheiras de Raça que resgatamos?
– Estão se acomodando na casa dos Reichen. Vai ser uma jornada bem longa para muitas delas, mas estão vivas e Dragos não pode mais chegar perto delas.
– Isso é bom – respondeu baixinho. – E Corinne?
O rosto de Brock se mostrou solene.
– Ela foi ao inferno e voltou. Diz que quer ir para a casa da família dela, em Detroit. Disse que precisa cuidar de algumas coisas do passado antes de pensar no futuro.
– Ah... – disse Jenna.
Ela entendia como Corinne se sentia. Ela mesma vinha pensando bastante no próprio passado e em todas as coisas que deixara inacabadas no Alasca. Coisas que fora covarde demais para enfrentar, mas que, agora, sentia-se pronta para confrontar assim que fosse possível.
Desde o resgate daquele dia, ela também vinha pensando em seu futuro, que era impossível de visualizar sem Brock, ainda mais agora que olhava para o belo rosto, sentindo o calor e o conforto de seu olhar castanho e do seu toque suave.
– Corinne me pediu que eu a acompanhasse até a casa dela – disse Brock, palavras que partiram seu coração.
Ela refreou a resposta egoísta que imploraria para que ele não fosse. Em vez disso, assentiu, depois começou a falar as coisas que sabia que ele precisava ouvir.
Coisas que o aliviariam de qualquer culpa quanto ao que partilharam juntos, ou sobre as promessas carinhosas que ele lhe fizera antes de saber que seu amor passado lhe seria devolvido.
– Brock, quero agradecer por me ajudar como ajudou. Salvou a minha vida – mais de uma vez – e se mostrou o homem mais gentil, carinhoso e altruísta que já conheci.
Ele franziu o cenho, abrindo a boca como que para falar alguma coisa, mas ela o atropelou.
– Quero que saiba que sou grata pela amizade que me ofereceu. Acima de tudo, sou grata por ter me mostrado que posso ser feliz novamente. Não achei, mesmo, que um dia eu voltaria a ser feliz. Nunca imaginei que poderia voltar a me apaixonar...
– Jenna – disse ele, com a voz séria e a carranca se acentuando.
– Sei que tem que ir com Corinne. Sei que não posso lhe dar nada das coisas que ela pode, como uma Companheira de Raça. Jamais teríamos filhos, nem um elo de sangue. A probabilidade de não termos nem de perto o tempo que teria ao lado dela é bem grande. – Ele balançou a cabeça, murmurou um xingamento, mas ela não conseguiria parar até dizer tudo. – Quero que vá com ela. Quero que tenha a sua segunda chance...
– Pare de falar, Jenna.
– Quero que seja feliz – prosseguiu ela, ignorando a ordem. – Quero que tenha tudo o que merece com uma companheira, mesmo que isso me exclua.
Por fim, ele a silenciou com um beijo, passando a mão por trás da cabeça dela e erguendo-a em sua direção. Ele se afastou, prendendo-a num olhar apaixonado e possessivo.
– Pare de dizer o que eu preciso fazer. – Beijou-a de novo, dessa vez com mais suavidade, a boca cobrindo a dela, a língua exigindo a entrada. Ela sentiu seu desejo, e a emoção que parecia dizer que ele jamais a deixaria ir embora. Quando, no fim, ele a soltou, os olhos escuros cintilavam com centelhas de luz âmbar. – Por um maldito segundo, Jenna, deixe que outra pessoa fique no comando.
Ela o encarou, mal ousando ter esperanças sobre o que ele faria agora.
– Estou apaixonado por você – sussurrou ele com determinação. – Eu te amo, e pouco me importo se você é humana, um ciborgue, alienígena ou uma combinação dos três. Eu te amo, Jenna, e quero que seja minha. Você é minha, maldição. Quer tenhamos apenas um punhado de décadas juntos ou algo perto da eternidade. Você é minha, Jenna.
Ela inspirou o ar aos poucos, tomada de alegria e alívio.
– Ah, Brock. Eu te amo tanto. Pensei que tivesse te perdido hoje.
– Nunca – disse ele, fitando-a profundamente. – Você e eu somos parceiros. Parceiros em tudo agora. Sempre vou cobrir a sua retaguarda, Jenna.
Ela riu ao mesmo tempo em que chorou e balançou a cabeça.
– E você sempre terá o meu coração.
– Sempre – disse ele, puxando-a em seus braços para um beijo interminável.
Epílogo
As botas de Jenna rangeram sob o luar quando ela pisou no terreno imaculado próximo ao vilarejo de Harmony, no Alasca.
Haviam se passado alguns dias desde que despertara na enfermaria do complexo, completamente recuperada da punhalada que recebera durante o resgate das Companheiras de Raça aprisionadas.
Apenas alguns dias desde que ela e Brock juraram passar o futuro juntos como amantes, como companheiros... como parceiros.
– Tem certeza de que está pronta para fazer isto? – ele lhe perguntou, passando o braço forte ao redor dos seus ombros.
Ela sabia que ele odiava o frio daquele lugar. No entanto, fora ele quem sugerira aquela viagem até o norte. Mostrara-se paciente e compreensivo, e ela sabia que ele ficaria para sempre ali ao seu lado, caso precisasse de mais tempo. Sua respiração se condensou no ar gélido noturno, o belo rosto solene, ainda assim tranquilizador por debaixo do capuz da sua parca.
– Estou pronta – disse ela, voltando um olhar úmido para o pequeno cemitério que se estendia adormecido diante dos dois. Entrelaçando seus dedos enluvados nos dele, caminhou em direção ao canto extremo do terreno, onde um par de pedras de granito estavam enterradas lado a lado, cobertas de neve.
Preparara-se para a onda de emoção que a assolou conforme ela e Brock se aproximavam dos túmulos de Mitch e de Libby pela primeira vez, mas ainda assim ficou sem ar. Seu coração se apertou, a garganta se contraiu e, por um instante, ela não teve certeza se teria forças para levar aquilo adiante, no fim das contas.
– Estou com medo – sussurrou.
Brock apertou-lhe a mão e sua voz soou gentil:
– Você consegue. Vou ficar bem do seu lado o tempo todo.
Ela fitou os olhos castanhos, firmes, sentindo o amor envolvê-la, emprestando-lhe suas forças. Assentiu, depois continuou a andar, o olhar cravado nas letras gravadas que tornavam tudo tão irrefutável.
Tão real e cruel.
As lágrimas começaram a cair no instante em que ela parou diante das lápides. Soltou a mão de Brock e se aproximou, sabendo que teria que enfrentar aquela parte sozinha.
– Olá, Mitch – murmurou baixinho, ajoelhando-se na neve. Colocou uma das duas rosas vermelhas que trouxera consigo ao pé do túmulo. A outra, presa com uma fita de cetim rosa a um ursinho de pelúcia, ela depositou com cuidado junto à lápide menor. – Olá, meu amorzinho.
Por um bom tempo ela ficou ali, ouvindo o vento que soprava em meios aos pinheiros boreais, os olhos fechados sobre as lágrimas enquanto ela se lembrava dos momentos felizes com seu marido e sua filha.
– Ah, Deus... – sussurrou, engasgada de emoção. – Eu sinto muito. Sinto tantas saudades de vocês.
Não conseguiu represar o sofrimento que emanou de si em soluços enormes, feios – com toda a angústia e a culpa acumuladas que manteve trancadas no peito desde a noite do acidente.
Nunca antes conseguira expurgar aquela dor. Teve medo demais. Teve raiva demais de si mesma para ceder à dor do luto e, por fim, deixar para trás.
Mas agora ela não tinha como deter aquilo. Sentia a presença firme de Brock atrás de si – sua corda de salva-vidas, seu abrigo em meio à tempestade. Sentia-se mais forte, mais segura.
Sentia-se amada.
E, ainda mais miraculoso para ela, sentia-se merecedora de ser amada.
Após mais algumas palavras sussurradas de despedida, tocou cada uma das lápides. Depois, lentamente, pôs-se de pé.
Brock estava bem ali, de braços abertos esperando para capturá-la num abraço carinhoso. Seu beijo foi doce e tranquilizador. Ele a fitou nos olhos, os dedos leves e gentis ao enxugar suas lágrimas.
– Você está bem?
Ela assentiu, sentindo-se mais leve apesar do nó que ainda sentia na garganta. Sentia-se pronta para começar um novo capítulo em sua vida. Pronta para começar seu futuro junto a um extraordinário macho da Raça que amava com todos os pedaços remendados do seu coração.
Fitando o olhar enternecido de Brock, entrelaçou os dedos nos dele.
– Estou pronta para ir para casa agora.
Capítulo 22
Lucan e Gideon os aguardavam assim que Brock saiu do elevador com Jenna e Chase.
– Que dia, hein? – resmungou Lucan, fitando-os de relance. – Vocês dois estão bem?
Brock desviou o olhar para Jenna, que permanecia calma e composta ao seu lado. Estava um pouco ralada e arranhada, mas, ainda bem, inteira.
– Poderia ter sido pior.
Lucan passou a mão pelos cabelos escuros.
– Dragos está ficando cada vez mais ousado. Servos Humanos na droga do FBI, pelo amor de Deus...
– O quê? – Chase crispou a testa, lançando um olhar incrédulo para Brock e Jenna. – Quer dizer que a reunião com o federal de hoje...
– Ele pertencia a Dragos – Brock completou. – Ele e outro dos escravos da mente de Dragos a pegaram dentro do prédio e fugiram com ela. Persegui o veículo, mas só consegui alcançá-los quando bateram o carro debaixo da ponte do Brooklin.
Chase exalou uma imprecação baixa.
– Vocês dois têm sorte de estarem vivos.
– Pois é – concordou Brock. – Graças a Jenna. Ela acabou com os dois Servos, depois ainda salvou minha pele de ser torrada.
– Sério? – Um pouco da irritação do olhar de Chase sumiu quando ele a fitou. – Nada mal para uma humana. Estou impressionado.
Ela dispensou o elogio com um dar de ombros.
– Eu deveria ter sabido que havia alguma coisa de errado com o agente quando o conheci. Na verdade, eu sabia. Tive uma... sensação ruim, acho que posso chamar assim. Mas não sabia bem o que era... Porém, durante toda a reunião, fiquei pensando que havia algo de estranho com ele.
– Como assim? – perguntou Gideon.
Pensativa, ela franziu o cenho.
– Não sei direito. Acho que foi uma coisa instintiva. Os olhos dele me deixavam incomodada, e fiquei com a sensação de que ele não era... normal.
– Você sabia que ele não era humano – sugeriu Brock, tão surpreso quanto o restante dos guerreiros ao ouvi-la. – Você pressentiu que ele era um Servo Humano?
– Acho que sim. – Assentiu. – Mas eu não sabia como chamá-lo na hora. Eu só sabia que ele deixava minha pele arrepiada.
Brock não deixou passar o olhar silencioso trocado entre Gideon e Lucan.
Nem Jenna.
– O que foi? Por que ficaram tão calados de repente?
– Seres humanos não têm a habilidade de detectar Servos Humanos – respondeu Brock. – Os sentidos dos Homo sapiens não são aguçados o bastante para perceber as diferenças entre um mortal e alguém que pertença a um mestre da Raça.
Ela arqueou as sobrancelhas.
– Acham que isso tem a ver com o implante, não? O presente alienígena que continua surpreendendo... – Ela bufou numa risada irônica. – Devo ter ficado louca mesmo para achar que isso era esperado, não acham?
Brock mal resistiu ao impulso de passar o braço ao redor dela. Em vez disso, olhou para Gideon com gravidade.
– Encontrou algo mais nos resultados dos exames de sangue?
– Nada significativo além das anomalias já descobertas. Mas eu gostaria de fazer mais exames, além de um teste de esforço para mensurar força e resistência.
Jenna assentiu em concordância.
– Quando você quiser, estou de acordo. Já que parece que não vou conseguir me livrar dessa coisa, acho que é melhor começar a tentar entendê-la.
– Os testes terão que esperar um pouco – interveio Lucan. – Quero todos reunidos no laboratório de tecnologia em dez minutos. Muita coisa ruim aconteceu hoje, e preciso garantir que estejamos prontos antes que os convidados do Refúgio Secreto cheguem.
O líder da Ordem lançou um olhar de aprovação para Jenna e Brock.
– Fico feliz que tenham voltado inteiros. Os dois.
Jenna agradeceu, mas sua expressão estava marcada pelo desapontamento.
– Infelizmente, uma vez que a reunião foi uma armação, não conseguimos nenhuma informação sobre a TerraGlobal.
Lucan grunhiu.
– Talvez não, mas descobrir que Dragos tem Servos Humanos infiltrados no governo humano pode se mostrar muito mais valioso para nós a longo prazo. Não é uma boa notícia, claro, mas é algo que precisávamos saber.
– Ele está subindo as apostas – acrescentou Gideon. – Com essa descoberta e o sequestro do neto de Lazaro Archer, ficou bem claro que Dragos não pretende desistir.
– E ele é capaz de tudo – enfatizou Brock, sério ante as possibilidades. – Isso o torna mais perigoso do que nunca. É melhor nos prepararmos para o pior no que se refere a esse bastardo.
Lucan assentiu, o olhar grave, pensativo.
– Por enquanto, vamos enfrentar uma crise de cada vez. Chase, venha comigo. Quero que acompanhe Tegan quando ele subir para ir buscar os Archer. Todos os outros, laboratório em dez minutos.
Acreditava-se que Lazaro Archer tivesse aproximadamente mil anos de idade, mas, como qualquer outro membro da Raça, a aparência exterior do Primeira Geração de cabelos negros se parecia mais com a de alguém de trinta. As linhas de expressão ao redor da boca sisuda e as sombras debaixo dos olhos azuis, ainda que pronunciadas, eram apenas evidências da angústia pelo sequestro do neto.
Os olhos astutos, porém cansados, perscrutaram os rostos dos que se reuniam no laboratório de tecnologia – os guerreiros e as suas companheiras, bem como Jenna ao lado de Brock –, todos observando e aguardando enquanto Lucan e Gabrielle acompanhavam o ancião da Raça e seu filho de expressão austera, Christophe, para a sala.
Apresentações rápidas e educadas circularam pela ampla mesa de reuniões, mas todos sabiam que aquela não era uma visita social. Brock não conseguia se lembrar da última vez em que um civil da Raça entrara no complexo. Poucos da nação vampírica sabiam a localização do quartel-general da Ordem, muito menos tinham permissão para entrar.
Nenhum dos dois Archer pareceu à vontade em estar ali, o pai do garoto sequestrado em especial. Brock não deixou escapar o ligeiro elevar do queixo altivo do mais jovem, enquanto ele passava o olhar pelo laboratório e por cada um dos guerreiros sentados à mesa, em sua maioria ainda trajando as roupas da patrulha noturna e portando as armas. Christophe Archer parecia hesitante, senão relutante, em se acomodar na cadeira vazia em meio aos bárbaros da Ordem.
Mas, em tempos de desespero, pensou Brock com gravidade, inclinando a cabeça para cumprimentar o macho civil de segunda geração que, em seu longo casaco de caxemira e calça e camisa impecavelmente feitos à mão, se sentava ao seu lado.
Lucan limpou a garganta, a voz grave assumindo o controle da sala de imediato ao fitar os recém-chegados.
– Antes de mais nada, quero lhes garantir que todos nesta sala partilham da sua preocupação quanto à segurança de Kellan. Como lhe disse quando nos falamos antes, Lazaro, vocês têm o comprometimento total da Ordem para que o garoto seja encontrado e trazido para casa.
– Isso tudo parece muito bom – Christophe Archer disse ao lado de Brock, com uma pontada de tensão na voz. – A Agência de Policiamento também prometeu a mesma coisa, e, por mais que eu queira acreditar, a verdade é que sequer sabemos por onde começar a procurar pelo meu filho. Alguém pode me dizer quem faria uma coisa dessas? Que tipo de criminosos impiedosos invadiria nossa casa enquanto estamos fora e levaria meu filho?
Depois de conversar novamente com Mathias Rowan da Agência, Chase relatara detalhadamente o sequestro antes de os Archer chegarem. Três machos da Raça enormes e muito bem armados aparentemente invadiram a propriedade do Refúgio Secreto onde moravam as famílias de Lazaro e de Christophe Archer. O pai e o filho tinham ido a um evento de caridade de levantamento de fundos com as companheiras naquela noite, deixando o adolescente Kellan em casa sozinho.
Pelo que parecia, o sequestro fora tanto furtivo quanto preciso, tudo planejado com um alvo específico. No período que só deve ter durado poucos minutos, os invasores entraram no Refúgio por uma janela dos fundos, mataram dois dos seguranças de Christophe e apanharam o jovem de seu quarto no andar superior, escapando com ele.
A única testemunha do sequestro foi um primo, muitos anos mais novo do que Kellan, que se escondera no armário quando a invasão aconteceu. Compreensivelmente assustado e amedrontado, ele não conseguiu descrever os sequestradores a não ser para dizer que estavam vestidos de preto dos pés à cabeça, com máscaras que escondiam tudo a não ser os olhos. O menino também havia percebido que os três machos traziam coleiras grossas pretas e estranhas nos pescoços.
Enquanto a Agência não compreendera as ramificações desse detalhe crucial, todos os membros da Ordem entenderam. Haviam suspeitado que Dragos estivesse por trás daquilo, mas, ao saberem que o trio era formado pelos assassinos criados por ele – membros da Primeira Geração treinados para servi-lo, tendo sua lealdade garantida pelas coleiras de raios UV letais que eram forçados a usar –, tiveram suas suspeitas confirmadas.
– Eu não consigo entender esse tipo de loucura – disse Christophe, apoiando os cotovelos na mesa, as feições tensas, olhos suplicantes. – Por quê? Por certo, nossa Raça não é tão cruel quanto a dos humanos, que brigam e conspiram por causa de dinheiro, portanto, o que eles têm a ganhar com o sequestro do meu único filho?
– Nada disso – respondeu Lucan, a palavra tão séria quanto a sua expressão. – Não acredito que isso esteja relacionado a um possível ganho financeiro.
– Então o que podem querer com Kellan? O que podem ganhar ao sequestrá-lo?
Lucan relanceou para Lazaro Archer.
– Poder de barganha. O indivíduo que comandou esse sequestro sem dúvida pedirá um resgate.
– Pedindo o que em troca?
– A mim – disse Lazaro baixinho. Quando o olhar do filho passou para ele questionador, o Primeira Geração fitou-o com remorso evidente. – Christophe não sabe da conversa que tivemos há quase um ano, Lucan. Nunca lhe contei sobre o alerta que me deu e aos poucos Primeira Geração remanescentes de que alguém está querendo nos matar. Ele não sabe dos outros homicídios dos membros da nossa geração.
O rosto de Christophe Archer empalideceu um pouco.
– Pai, sobre o que está falando? Quem quer feri-lo?
– O nome dele é Dragos – explicou Lucan. – A Ordem vem promovendo uma guerra particular contra ele já há algum tempo. Mas não antes de ele ter tido muitas décadas, séculos, na verdade, para construir um império secreto. Ele já matou diversos Primeira Geração apenas no ano passado, e isso, infelizmente, só revela a superfície da sua loucura. Ele só conhece poder e a necessidade de conquistá-lo. Não se deterá diante de nada para conquistar o que quer; nenhuma vida é sagrada.
– Jesus Cristo, está me dizendo que esse doente maldito está com Kellan?
Lucan assentiu.
– Sinto muito.
Christophe se pôs de pé e começou a andar de um lado para o outro atrás da mesa.
– Temos que pegá-lo de volta. Maldição, temos que trazer meu filho para casa, não importa o que for preciso.
– Todos concordamos com isso – disse Lucan, falando em nome de todos os reunidos em silêncio solene no laboratório. – Mas você tem que entender que não importa como isso vá se desenrolar, há riscos envolvidos.
– Ao inferno com os riscos! – exclamou Christophe. – Estamos falando do meu filho, meu único filho. Meu menino amado e inocente. Não me fale dos riscos, Lucan. Darei a minha vida em troca da do meu filho sem pestanejar.
– Eu também – Lazaro acrescentou com severidade. – Qualquer coisa pela minha família.
Brock observou as palavras emotivas, sabendo o que era se sentir impotente diante de uma perda daquela monta. Contudo, por mais tocado que estivesse com o sofrimento dos Archer, estava chocado com a expressão de Jenna ao seu lado.
Apesar de manter o maxilar firme, tensão marcava a sua boca. Os lábios tremulavam de leve, e os olhos castanhos estavam úmidos pelas lágrimas represadas. Se em sinal de empatia pelo que os dois machos estavam passando ou pela lembrança da própria angústia por ter um ente querido arrancado do seu convívio tão abruptamente, ele não tinha certeza. Mas a ternura que enxergou nela o tocou imensamente.
Por debaixo da mesa, a mão dela procurou a sua. Ele a segurou com firmeza e ela o fitou, com um sorriso frágil enquanto os dedos se entrelaçavam num silêncio confiante. Algo muito profundo se passou naquele momento – a compreensão da ligação crescente entre eles.
Ele sabia que ela era forte. Sabia que era uma mulher corajosa e resistente que recebera mais do que a sua porção de golpes na vida e ainda conseguia ficar de pé. Mas vê-la assim num momento de vulnerabilidade fez seu coração se partir um tanto.
Ele adorava o fato de ela não ser uma florzinha delicada que murchava sob um mínimo de calor. Mas também adorou essa suavidade.
Deus, havia tanto para amar nela.
Se não pelo pequeno detalhe de ela não ter nascido Companheira de Raça, Jenna Darrow era o tipo de mulher que ele enxergava ao seu lado, uma verdadeira companheira, na vida e em todas as coisas. Mas ela era mortal, e se apaixonar por ela inevitavelmente significaria perdê-la. O que acontecera em Nova York naquele mesmo dia, vê-la nas mãos dos Servos de Dragos, apenas servira para ilustrar claramente esse detalhe.
A morte de Corinne fora um golpe para o qual ele não estivera preparado, mas ele conseguira sobreviver. Perder Jenna, quer para a idade que no fim a alcançaria ou por qualquer outro motivo, de alguma forma era impossível de imaginar.
Enquanto segurava sua mão, ele sabia que não podia mais fingir que ela era apenas mais uma missão, ou que protegê-la era apenas seu dever na Ordem. Apaixonara-se rápido demais para negar o quanto ela significava para ele.
Ainda pensava nessa perturbadora revelação quando Lucan se levantou e andou até se aproximar de Christophe Archer. Pousando uma mão no ombro do macho, as sobrancelhas unidas formaram um ar solene.
– Não descansaremos até encontrarmos seu filho e trazê-lo de volta. Você tem a minha palavra, e a palavra dos meus irmãos reunidos nesta sala.
Ante seu juramento, Brock e os outros guerreiros também se levantaram ao redor da mesa em sinal de solidariedade. Mesmo Hunter, o Primeira Geração que conhecia por experiência própria o quanto Dragos e seus assassinos eram impiedosos, levantou-se em sinal de apoio à missão.
Christophe voltou o olhar para o líder da Ordem.
– Obrigado. Não posso pedir outra coisa a não ser isso.
– E não há nada que eu não dê – disse Lazaro, aproximando-se do filho e de Lucan na extremidade da sala. – A Ordem tem a minha fidelidade e a minha mais absoluta confiança. Não posso me perdoar por ignorar seu aviso do ano passado, Lucan. Veja o que isso está me custando agora. – Balançou a cabeça, tomado pela tristeza. – Talvez eu já tenha vivido tempo demais, se um mal como Dragos existe entre nós. É isso o que se tornou a nossa Raça? Fazemos guerra uns contra os outros, deixando que a ganância e o poder nos corrompam, assim como os seres humanos. Talvez não sejamos tão diferentes deles, no fim. Aliás, somos muito diferentes dos alienígenas selvagens que nos criaram?
Os olhos cinza-chumbo de Lucan nunca pareceram mais determinados.
– Estou contando com isso.
Lazaro Archer assentiu.
– E eu estou contando com você – disse ele, passando o olhar por todos os guerreiros e as fêmeas de pé. – Estou contando com todos vocês.
Capítulo 23
A Ordem continuou a reunião por mais algumas horas depois que Lazaro e Christophe Archer saíram. Um pouco antes, Jenna e o restante das mulheres saíram para jantar em algum lugar no complexo, deixando os guerreiros discutindo as limitadas opções táticas em relação à procura e resgate do garoto sequestrado.
Embora Brock tenha ouvido e dado muitas sugestões quando as tinha, sua cabeça e seu coração estavam distraídos. Boa parte da sua concentração abandonou a sala quando Jenna saiu e, desde então, vinha contando os minutos até que pudesse estar com ela novamente. Assim que a reunião se encerrou, seguiu para o corredor para procurá-la.
Alex estava saindo dos seus antigos aposentos, fechando a porta atrás de si, quando ele se aproximou. Ela sorriu quando o viu.
– Como ela está? – perguntou.
– Muito melhor do que eu estaria depois do que ela passou hoje. Está exausta, mas sabe como ela é, jamais admitiria isso.
– É – disse ele, retribuindo o sorriso de Alex. – Sei como é.
– Mas acho que ela está mais preocupada com você. Ela me contou o que você fez, Brock. Como a seguiu, dirigindo em plena luz do dia.
Ele deu de ombros, pouco à vontade com o elogio.
– Eu estava bem equipado. As minhas queimaduras foram mínimas. Já tinham sarado quando chegamos ao complexo.
– Isso não importa. – A boca de Alex se curvou com cordialidade. Então, sem sobreaviso, ela ficou nas pontas dos pés e depositou um beijo no rosto dele. – Obrigada por salvar a minha amiga.
Quando ele continuou parado, sem saber como reagir, ela revirou os olhos.
– O que está esperando? Entre e veja por si só.
Ele esperou até que a companheira de Kade se afastasse antes de bater à porta. Demorou um pouco até que Jenna atendesse. Estava descalça, vestindo seu roupão branco, e imaginava que não houvesse nada por baixo dele.
– Oi – ela lhe lançou um sorriso de boas-vindas que fez seu sangue ferver nas veias. – Eu estava para entrar no banho.
Puxa, ele não precisava dessa tentadora imagem mental para deixá-lo ainda mais excitado.
– Quis ver como você estava – murmurou, a voz saindo rouca quando ele se lembrou das curvas femininas e das pernas longas e sensuais escondidas debaixo do roupão largo. Amarrado apenas por um cinto frouxo na cintura fina. Pigarreou. – Mas se estiver cansada...
– Não estou. – Ela virou, deixando a porta aberta num convite.
Brock entrou e fechou a porta atrás de si.
Ele não fora até ali com ideias de sedução, mas tinha que admitir que essa era, de fato, uma ideia brilhante agora que estava perto o bastante para tocá-la. Perto o bastante para perceber que ela se sentia do mesmo modo.
Antes de pensar duas vezes, alcançou a mão dela e a trouxe para junto de si. Ela não se opôs. Os olhos castanhos estavam arregalados e bem receptivos quando ele amparou a cabeça entre as mãos e a puxou para perto. Capturou-lhe a boca num beijo profundo e ardente. Ela sugou o lábio inferior entre os dentes, e todas as suas boas intenções viraram cinzas.
– Deus, Jenna – disse ele ao encontro da sua boca. – Não consigo ficar longe de você.
A resposta dela foi um gemido estrangulado, o ronronar feminino vibrando pelo corpo dele, indo direto para seu sexo, que estava tão duro quanto o aço. A pele estava tensa e superaquecida, cada terminação nervosa latejando em compasso com sua pulsação.
Ele tirou o roupão do corpo lascivo de Jenna, revelando-a para o seu olhar sedento, centímetro a centímetro, curva a curva. Passou as mãos pela pele aveludada, deleitando-se com a suavidade sob seus dedos. Os seios preencheram-lhe as palmas, os montes brancos cobertos pelos picos rosados que exigiam que ele os saboreasse... Ele afundou a cabeça e a acariciou com a língua, sugando os botões rijos e grunhindo de prazer enquanto ela gemia e suspirava.
O doce perfume da sua excitação o atingiu, fazendo as suas presas já protuberantes descerem ainda mais das gengivas, numa reação primitiva e urgente. Ele desceu a mão até a fenda úmida do corpo dela.
– Tão macia – murmurou, incitando as pétalas do seu corpo, e se deleitando com o modo como ela florescia ainda mais sob seu toque. – Tão úmida, tão quente. Você é sensual demais, Jenna.
– Ah, Deus – arfou ela, os dedos se enterrando nos ombros quando ele a penetrou primeiro com um dedo, depois com o outro. – Mais – sussurrou. – Não pare.
Com um rosnado, ele mexeu a palma ao encontro dela, tomando-lhe a boca num beijo possessivo, língua e dedos mergulhando, dando e recebendo até ele sentir os primeiros tremores do gozo dela. Jenna emitiu um suspiro trêmulo e agudo, mas ele não a soltou até ela se deixar cair sobre ele, dizendo seu nome na explosão do clímax.
Ela ainda resfolegava, ainda o segurava pelos ombros enquanto ele acariciava seu sexo com lentidão, e se inclinou para beijar os mamilos rijos.
– Você está vestindo roupas demais – murmurou, os olhos sensuais dilatados e exigentes, ainda que não mais do que as mãos que agora desciam pelos braços, indo na direção do volume logo abaixo do cós da calça do uniforme. Ela o massageou por cima do tecido, seu toque nem um pouco tímido deixando o sexo dele ainda mais tenso, querendo ser libertado. – Tire isso, agora.
– Mandona como sempre – disse ele, sorrindo ao se apressar para obedecer suas ordens lascivas.
Ela riu, passando as mãos pelo corpo que ele desnudava. Quando ficou nu, passou os braços ao redor dela, atraindo-a até que as curvas se moldassem aos seus músculos. Ela não era uma coisinha frágil, e ele adorava isso. Amava sua força. Percebeu, parado pele contra pele, olhos nos olhos, que havia muitas coisas que amava naquela mulher.
Ah, sim... Ele estava em apuros.
– Você mencionou um banho... – murmurou ele, tentando fingir que não estava se apaixonando naquele segundo. Tentando se convencer de que não havia se apaixonado antes do que isso, no instante em que a vira, aterrorizada, mas ainda inteira, naquele chalé escuro do Alasca.
Ela lhe sorriu, sem saber das revelações que o acometiam.
– Cheguei mesmo a falar numa chuveirada. Mas o banheiro está lá longe, e nós estamos aqui.
– Fácil cuidar disso. – Ele a suspendeu nos braços e usou a velocidade sobre-humana com que nascera para carregá-la ao banheiro anexo antes que ela sequer conseguisse exclamar, pedindo que a colocasse no chão.
– Ah, meu Deus! – exclamou ela, rindo enquanto ele a colocava de pé sobre o piso de mármore. – Que truque legal.
– Gata, fique por perto, há muitos outros de onde veio esse.
Ela arqueou uma sobrancelha.
– Isso é um convite?
– Quer que seja?
Em vez de responder com uma brincadeira, ela ficou quieta. Desviou o olhar por um segundo. Quando voltou a fitá-lo, seu rosto estava muito sério.
– Não sei o que quero... Além de mais disto com você. Mais de você.
Brock ergueu o lindo rosto dela com a ponta dos dedos.
– Pegue tudo que quiser.
Ela o enlaçou pelo pescoço e o beijou como se nunca quisesse soltá-lo. Ele a abraçou, as bocas unidas e ávidas, enquanto os guiava para o box e abria as torneiras. Água quente os açoitou enquanto eles se beijavam e se acariciavam.
Jenna comandou o ritmo, e ele se submeteu com alegria, recostando-se nos azulejos de mármore do chuveiro quando ela se afastou da boca e se ajoelhou lentamente diante dele. Ela passou a boca pelo peito e abdômen, a língua seguindo os contornos dos glifos enquanto as mãos molhadas subiam e desciam pelo seu membro. Ela o sugou, deixando-o sem consciência após apenas alguns momentos de doce tortura.
– Ah, Cristo – sibilou ele, já muito perto do limite. – Suba para cá.
Ele a puxou em direção ao seu corpo, beijando-a com avidez, enfiando a língua na cavidade úmida da boca da mesma maneira como estava louco para estar dentro dela. Abaixou a mão e a alargou por trás, afastando os montes firmes das nádegas lindas. Trouxe-a para perto, fazendo com que a mão tocasse no seu centro quente e úmido.
– Preciso te penetrar – grunhiu, o desejo tão forte que ele se sentiu prestes a explodir.
Enterrando os pés no chão, a coluna pressionada na parede, ele a ergueu. Devagar, sibilando de prazer sublime, ele a guiou pela extensão do seu sexo.
Ela gemeu, enterrando o rosto no ombro dele, enquanto ele a balançava num ritmo lento, deliciando-se com cada suspiro e arquejo que emitia. Ela gozou num grito trêmulo, sua cavidade ordenhando-o com pequenas pulsações que lhe percorriam o membro.
A necessidade de gozar rugia dentro dele. Virou-a e afastou-lhe as pernas. Ela se inclinou para a frente, as palmas ao encontro da parede de mármore, a água escorrendo pelo vale da sua coluna e pela fenda das lindas nádegas. Voltou a penetrá-la, passando o braço ao redor da cintura enquanto isso, perdido demais no momento para ir devagar.
Ele nunca vivenciara um sexo tão intenso. Jamais conhecera o desejo profundo que sentia por aquela mulher. A necessidade de possuí-la o açoitou, assim como acontecera na primeira vez em que fizeram amor. O desejo ardente de clamá-la, de marcá-la como sua apenas e de afastá-la de qualquer outro macho para sempre foi algo que ele nunca esperou sentir.
Mas que estava vivo dentro dele agora. Enquanto a estocava em seu doce calor, suas gengivas latejavam com a necessidade de saboreá-la. De uni-la a ele, a despeito da impossibilidade de um dia tomar aquela fêmea, aquela mulher mortal, como uma Companheira de Sangue.
Rosnou com a força desse desejo, sem conseguir se conter e pressionando a boca na curva entre o pescoço e o ombro enquanto a penetrava cada vez mais fundo. Nesse tempo todo, as pontas das presas apoiadas na pele macia. Provocando... testando.
– Morda – ela sussurrou. – Ah, Deus, Brock... Quero sentir. Quero sentir você por inteiro.
Ele grunhiu baixo na garganta, deixando as pontas afundarem um pouco mais, quase rompendo a superfície.
– Não vai significar nada – ele disse, sem saber se era o desejo ou o arrependimento que o deixava tão rouco. O orgasmo estava próximo, à beira da explosão. – Eu só... cacete... preciso te saborear, Jenna.
Ela levou a mão para trás, espalmando a cabeça dele, pronta para forçá-lo.
– Morda.
Ele a mordeu, penetrando a pele suave no mesmo instante em que a penetrou até o fundo, derramando-se dentro dela. O sangue de Jenna estava quente em sua língua, um jorro de glóbulos vermelhos humanos espessos e metálicos, mas ele nunca saboreou nada mais doce. Bebeu dela enquanto ela mais uma vez chegava ao clímax, tomando cuidado para não machucá-la, querendo lhe dar apenas prazer. Quando ela relaxou uma vez mais, descendo da crista da explosão de gozo, ele lambeu as perfurações gêmeas em sua pele para fechá-las.
Ele a virou de frente, os dois ensopados debaixo do dilúvio quente do chuveiro. Estava sem palavras; sentia apenas reverência e admiração por aquela fêmea humana que, de algum modo, roubara-lhe o coração. Ela o fitou por baixo dos cílios molhados, o rosto rosado, a boca ainda inchada pelos beijos.
Brock lhe acariciou o queixo, aquele queixo lindo e teimoso. Ela sorriu, uma curva sensual dos lábios, e então, de repente, estavam se beijando de novo. Seu sexo reagiu de pronto, e o fogo em seu sangue logo o deixou fervendo. Jenna abaixou a mão para acariciá-lo, da mesma maneira como a língua entrava na boca dele para cutucar a extensão das suas presas.
Ah, sim...
Aquela seria uma noite bem longa.
Capítulo 24
Jenna despertou na cama de Brock, envolvida pelos braços fortes.
Fizeram amor por horas infindáveis: debaixo do chuveiro, ao encontro da parede do quarto, no sofá da sala... Perdera a noção de todos os lugares e todas as maneiras criativas que ele encontrara para dar prazer a ambos.
Agora ela tentava suspender as pálpebras num estado de contentamento bem-aventurado enquanto se aninhava ainda mais em seu abraço, o rosto pressionado no peito, uma perna dobrada sobre o seu quadril. Sua movimentação provocou um gemido bem dentro dele, um estrondo que vibrou através dela.
– Não quis te acordar – sussurrou.
Outro grunhido, algo sombrio e atrevido.
– Eu não estava dormindo.
Os bíceps se curvaram quando a aproximou, depois cobriu a mão dela com a sua e a guiou para uma parte que estava, sem sombra de dúvida, bem desperta. Jenna gargalhou.
– Sabe, para um velhote, até que seu nível de energia é surpreendente.
Ele movimentou o quadril para a frente enquanto ela o espalmava, o membro ficando ainda mais rijo, impossivelmente mais largo em sua pegada.
– Você tem alguma coisa contra centenários?
– Cem anos? – perguntou ela, soerguendo-se no cotovelo para fitá-lo. Havia tantas coisas que ela não sabia a respeito dele. Tantas coisas que queria aprender. – Você é tão velho assim?
– Por volta disso. Mais velho, provavelmente, mas parei de contar os anos já há algum tempo. – Sorriu, apenas uma curva dos lábios sensuais, ao ajeitar uma mecha do cabelo dela atrás da orelha. – Tem medo de que eu não a consiga acompanhar?
Ela ergueu uma sobrancelha.
– Não depois da noite passada.
Enquanto ele ria, ela se inclinou para beijá-lo. Ergueu-se e se acomodou sobre ele, suspirando de prazer pelo modo como se encaixavam à perfeição. Enquanto se movia preguiçosamente sobre ele, apenas se deleitando com a sensação de tê-lo preenchendo-a uma vez mais, notou as minúsculas marcas de mordida já cicatrizando que ela fizera em seu pescoço durante a última rodada de sexo entre eles.
Ela não resistira ao impulso de mordê-lo, ainda mais depois que ele bebera dela no chuveiro. Só de pensar naquilo, ficava excitada. Mesmo agora, só queria devorá-lo. Mas, em vez disso, inclinou-se sobre ele e lambeu o ponto pulsante na base de sua garganta.
– Hummm – gemeu ao encontro da pele dele. – Você é incrível.
– E você é insaciável – replicou ele, apesar de o comentário não ter parecido uma crítica.
– Bem, então se considere avisado. Parece que tenho energia para queimar, ainda mais no que se refere a você. – Ela teve a intenção de fazer daquilo uma brincadeira, mas, ao dizer as palavras, percebeu o quanto de verdade havia naquela declaração. Endireitou-se e o fitou, chocada com tudo o que estava sentindo. – Não consigo me lembrar qual foi a última vez que me senti tão bem assim. Nunca me senti mais... Não sei... Mais viva, acho.
Os olhos escuros a prenderam.
– Você me parece cada dia melhor.
– E estou. – Ela engoliu em seco, ponderando sobre todas as mudanças que lhe aconteceram desde que estava sob os cuidados da Ordem. Sentia-se mais sintonizada com o mundo ao seu redor, mais curiosa e envolvida com a vida. Fisicamente, ainda estava se recuperando, ainda aguardava para ver qual impacto sua provação no Alasca teria em seu futuro. Mas, por dentro, sentia-se forte e animada.
Pela primeira vez em muito tempo, ela se sentia em paz, esperançosa. Parecia-lhe possível voltar a se apaixonar de novo.
Talvez já tivesse acontecido.
Tal percepção roubou-lhe o fôlego. Fitou Brock, perguntando-se como deixara aquilo acontecer. Como pôde abrir seu coração para ele tão rapidamente, tão completamente? Tão descuidadamente...
Ela o amava, e essa ideia a terrorizava.
– Ei – disse ele, tocando nela. – Você está bem?
– Estou – sussurrou. – Nunca me senti melhor.
A carranca que se acentuou revelou que ele não acreditava nela.
– Venha cá – disse ele, trazendo-a para baixo, diante dele na cama, aninhando-a ao seu corpo.
Não a penetrou de imediato, apenas acomodou a ereção entre as coxas dela e a manteve na proteção aquecida do seu abraço. Beijou-a no ombro, no exato lugar em que enterrara suas presas na noite anterior. Naquele instante, sua boca foi gentil, a respiração acariciando-lhe a pele.
Jenna suspirou profundamente, tão contente em apenas relaxar com ele.
– Quanto tempo acha que podemos ficar na cama juntos antes que alguém note nossa ausência?
Ele grunhiu baixinho, depois depositou um beijo em seu ombro.
– Tenho certeza de que já notaram. Alex sabe que estou aqui; portanto, Kade sabe que estou aqui.
– E o seu colega de quarto – ela o lembrou.
– É. – Deu uma risada. – Hunter não deixa nada passar. Gosto do cara, mas juro que ele mais parece uma máquina, na maioria das vezes.
– Não consigo imaginar como deve ter sido para ele, o modo como foi educado – murmurou Jenna, incerta se alguém seria capaz de sair daquele tipo de ambiente sem algumas cicatrizes bem profundas. Enregelada por pensar nisso, aninhou-se ainda mais no círculo formado pelos braços de Brock. O corpo dele era quente e firme às suas costas, algumas partes significativamente mais firmes que outras. Ela sorriu, imaginando que conseguiria se acostumar àquilo com relativa facilidade. – Falando em colegas de quarto...
– O que tem? – perguntou ele, os dedos acariciando-lhe os cabelos.
– Eu só estava pensando que é besteira você abrir mão do seu quarto, ainda mais agora que nós... – Ela não concluiu o pensamento, sem saber como classificar o relacionamento deles, que supostamente seria descomplicado e casual, mas que, de alguma forma, se tornara muito mais.
Ele arrastou a boca devagar até a curva do ombro dela, depois subiu até o pescoço.
– Está pedindo que eu me mude para cá, Jenna?
Ela estremeceu ante a umidade cálida dos lábios dele e do resvalar erótico das presas em sua pele.
– É, acho que estou. Quero dizer, esta cama é sua, afinal. Tudo aqui é seu.
– E quanto a você? – Ele juntou o cabelo dela e o puxou para o lado, pressionando a boca na nuca. – Você também é minha?
Ela fechou os olhos, deliciando-se com o prazer do beijo dele, sentindo uma felicidade eletrizante e aterrorizante.
– Se quer saber a verdade, acho que uma parte de mim pertence a você desde o Alasca.
O gemido de resposta dele não soou nem um pouco descontente. Ele a abraçou mais, a língua atormentando a pele sensível atrás da orelha. Mas, de repente, ele ficou bem imóvel.
Ela não estava esperando a imprecação que se seguiu.
– Jenna – murmurou ele, com uma ponta de alarme ecoando nas suas palavras. – Ah, merda...
Uma pontada renovada de medo a trespassou, fria e pungente.
– O que foi?
Ele precisou de um segundo antes de responder.
E quando o fez, sua voz soou carregada de descrença:
– É um glifo. Caramba, Jenna... Você tem um dermaglifo se formando na nuca.
Uma hora mais tarde, Jenna estava sentada na mesa de exames na enfermaria, tendo se submetido a mais uma rodada de exames de sangue e de amostras de epiderme a pedido de Gideon. Ficara tão chocada ao ver o pequeno dermaglifo que cobria a incisão do implante do Antigo... Apesar de, talvez, não mais chocada que o restante dos residentes do complexo. Todos foram ver a marca do tamanho de uma moeda em sua pele, escondida pelos cabelos. Ninguém dissera nada em voz alta, mas Jenna sabia que cada um deles estava preocupado com ela, incertos quanto ao que esse novo acontecimento significaria a longo prazo.
Agora todos já tinham ido embora, a não ser Brock, que ficou ao seu lado, calado, com o rosto sério em suas roupas pretas. Jenna tampouco tinha muita coisa a dizer, relanceando ansiosa enquanto o gênio da Ordem enchia um último frasquinho com seu sangue.
– Você disse que está se sentindo bem? – perguntou Gideon, olhando para ela por cima do aro dos óculos. – Não notou nenhuma outra marca no corpo? Nenhuma alteração física ou sistêmica desde a última vez em que conversamos?
Jenna meneou a cabeça.
– Não, nada.
Gideon olhou de relance para Brock, antes de voltar sua atenção para ela novamente.
– E quanto a outras funções corporais? Notou alguma alteração no seu sistema digestório? Mudança de apetite, inapetência?
Ela deu de ombros.
– Nada. Como igual a um cavalo, como de costume.
Isso pareceu aliviá-lo de algum modo.
– Então nenhum interesse diferente no que se refere a comer e beber?
Uma onda de calor a assolou quando ela levantou o olhar para Brock. A marca da mordida que dera nele já havia sumido, mas ela se lembrava vividamente da necessidade que a habitara quando cravara os dentes na pele dele enquanto faziam amor. Ela o desejara com uma avidez que não conseguia entender, muito menos explicar.
E agora ela ficou imaginando se...
– Hum... Se você está falando de sangue... – murmurou, envergonhada pelo modo como seu rosto enrubesceu ante o olhar fixo de Brock. – Tive determinados... desejos.
As sobrancelhas loiras de Gideon se ergueram em sinal de surpresa um instante antes de sua atenção se voltar para Brock.
– Quer dizer que vocês dois...
– Eu o mordi – Jenna disse de uma vez. – Ontem à noite, e há algumas noites também. Não consegui evitar.
– Puta que o pariu... – disse Gideon, sem nem tentar esconder seu divertimento ao perceber que ela e Brock estavam intimamente envolvidos. – E quanto a você, meu chapa? Bebeu dela também?
– Há poucas horas – respondeu Brock, assentindo solene, mas não parecendo nem um pouco arrependido quando seu olhar se prendeu ao dela. – Foi incrível, mas sei onde quer chegar, Gideon, e posso garantir que o sangue dela é pura hemoglobina de Homo sapiens.
– Sem cheiro específico?
Brock apenas balançou a cabeça.
– Apenas hemoglobina cuprífera. Ela é humana.
– A não ser pelo acréscimo do DNA reproduzido que encontramos nela nos últimos exames e pelas outras coisas que ela relatou, e Jenna agora tem um glifo. – O guerreiro passou os dedos pelos curtos e despontados cabelos dourados. – TEM mais uma coisa.
Quando ele olhou para Jenna, havia uma ansiedade em sua expressão que ela nunca tinha visto antes. Ele parecia incerto sobre o que deveria dizer, e, para um homem que parecia ter todas as respostas para cada problema imaginável, essa incerteza era, no mínimo, alarmante.
– Pode me contar, Gideon.
Brock se aproximou e segurou a mão dela.
– Caramba, Gideon, o que mais você descobriu?
O outro guerreiro tinha o cenho franzido, a boca pressionada enquanto pensava.
– Tenho a leitura de algum tipo de energia que parece associada ao implante... algum tipo de emissão.
– Que diabos isso significa? – perguntou Brock, os dedos apertando os dela.
Gideon deu de ombros.
– Nada que eu consiga captar com os meus equipamentos. Portanto, não tenho como dizer o que pode ser. É uma tecnologia avançada, muito mais avançada do que qualquer coisa que tenhamos aqui. Provavelmente mais avançada do que qualquer coisa existente neste planeta. O meu palpite é que a emissão dessa energia é parte integrante do próprio implante.
Jenna ergueu a mão livre para a nuca, sentindo o leve relevo das curvas e arcos do dermaglifo.
– Acha que essa energia é apenas um indicador de que o implante está ativo dentro de mim?
– Sim, pode ser apenas isso.
Ela o viu falar, notando que ele ainda demonstrava o mesmo grau de cautela e seriedade.
Ele esticou o braço e a tocou de leve no ombro.
– Vamos continuar procurando pelas respostas, eu lhe dou a minha palavra.
Brock assentiu com gravidade para o seu camarada antes de passar um braço protetor ao redor de Jenna.
– Obrigado, cara.
O sorriso de Gideon foi breve ao olhar para os dois.
– Vou fazer esses exames e trazer os resultados assim que puder.
Ele virou para seguir até a porta, ao mesmo tempo em que passadas pesadas se aproximaram pelo corredor. Kade apareceu, os olhos prateados revelando urgência.
– Harvard acabou de receber um telefonema de Mathias Rowan – anunciou de pronto. – A Agência tem uma possível pista sobre o paradeiro de Kellan Archer.
– O que temos? – perguntou Brock, o braço ainda ao redor dos ombros de Jenna, mas a postura mudando de imediato para a de guerreiro.
– Ao que tudo leva a crer, temos uma nova testemunha. Um humano sem-teto em Quincy alega ter visto três caras que pareciam pertencer à SWAT levar um garoto para a zona industrial de lá ontem à noite.
Brock grunhiu.
– Essa pista veio de um humano? Desde quando a Agência usa humanos sem-teto como informantes?
– Não me pergunte, cara – disse Kade, erguendo as mãos. – Um agente chamado Freyne reportou a pista. Harvard disse que o cara mantém um grupo de humanos na linha, dispostos a ficar de olhos e ouvidos abertos em troca de dinheiro e drogas.
– Pelo amor de Deus... – reclamou Brock. – Freyne e um humano viciado são as nossas fontes de informação para encontrar o garoto?
Kade balançou a cabeça.
– Neste instante, é só o que temos. Lazaro e Christophe Archer já combinaram de encontrar Mathias Rowan em Quincy hoje à noite com uma equipe da Agência para verificar o local.
A imprecação de Brock ecoou na igualmente vívida de Gideon.
– Pois é – disse Kade. – Lucan quer todos no laboratório de tecnologia para discutirmos as nossas opções. Parece que vamos unir forças com a Agência de Policiamento.
Capítulo 25
Não houve muito tempo para se prepararem para o encontro com Mathias Rowan e a equipe da Agência naquela noite. Na verdade, a operação toda se baseava numa pista dada por fontes menos que confiáveis e na determinação – e esperança desesperada – de Lazaro Archer e do filho de que Kellan tivesse, de fato, sido levado para a construção na cidade no limite oposto de Quincy.
Nem Brock nem o restante da Ordem tinham esperanças de que a pista se mostrasse proveitosa. Se Dragos estivesse por trás do sequestro, e parecia razoável deduzir isso, então a probabilidade de encontrarem o garoto vivo e com tanta presteza pouco depois de ele ter sido levado parecia, no mínimo, ínfima.
Contudo, nenhum dos guerreiros disse nada ao pararem atrás dos veículos da Agência estacionados na rua adjacente ao local.
Mathias Rowan foi o primeiro a se adiantar para recebê-los. Afastou-se de seis outros agentes que o acompanhavam e seguiu na direção do Rover enquanto Brock desligava o motor, e os guerreiros que vieram com ele pularam para a calçada gelada.
Chase fez as apresentações, começando com Tegan e Kade, depois Brock, que já estava familiarizado com o agente Rowan.
Hunter também fazia parte da operação da Ordem naquela noite, mas saltara do Rover um quarteirão antes do ponto de encontro a fim de se movimentar às escondidas e fazer uma verificação do perímetro ao redor do prédio e da área vizinha.
O prédio em questão era um condomínio de dez andares, ou teria sido, de acordo com a placa imobiliária diante dele, caso o banco financiador não tivesse falido depois da recente queda da economia humana. Construída até a metade há meses e demonstrando o fato de ter sido negligenciada, a torre de tijolos era pouco mais do que o esqueleto de um abrigo – andares vazios e incompletos com janelas ocas. O lugar parecia tranquilo, desolado o bastante para ser utilizado como um provável cativeiro.
– Lazaro Archer e o pai do garoto também estão aqui – Rowan informou aos guerreiros. – Ambos insistiram em vir, apesar de eu ter avisado que seria melhor para todos os envolvidos que eles permanecessem em um dos carros da Agência enquanto conduzimos a busca.
Tegan inclinou a cabeça em concordância.
– Seus homens não se aproximaram do prédio?
– Não. Chegamos um instante antes que vocês.
– E não viram nenhum movimento nem dentro nem fora do prédio? – perguntou Brock, olhando para a estrutura escura enquanto uma lufada de neve rodopiava ao redor deles.
– Não vimos nem ouvimos nada – respondeu Rowan. – Já vi pistas melhores do que esta.
– Vamos dar uma olhada – disse Tegan, seguindo na frente.
Enquanto se aproximavam dos veículos da Agência, Brock reconheceu Freyne dentre os que estavam na equipe de agentes com Rowan. Ele e dois outros homens estavam recostados em um dos sedãs, com semiautomáticas nos coldres visíveis por baixo dos casacos abertos. Brock encarou o agente encrenqueiro, torcendo para que um deles fizesse algum comentário idiota ao se aproximarem.
Chase foi menos sutil. Sorriu para o adversário de algumas noites antes.
– Fico feliz em ver que está de pé de novo depois que limpei o chão com sua cara na outra noite. Quando quiser repetir, é só avisar.
– Vá se foder – Freyne o olhou com desprezo, parecendo disposto a atiçar a fogueira com seu antigo colega.
A troca de farpas foi breve, encurtada pela porta do carro da Agência se abrindo. Lazaro Archer saiu para a rua, o rosto crispado de preocupação. Fez um gesto com a cabeça na direção dos guerreiros, num cumprimento solene.
– Christophe e eu quisemos estar aqui no momento da busca no prédio – disse ele, dirigindo seu comentário a Tegan. – Não podem pensar que devemos ficar sentados esperando...
– É exatamente isso o que estou pensando. – A voz de Tegan foi firme, mas respeitosa. – Não sabemos o que vamos encontrar lá, Lazaro. Pode não ser nada. Mas se não for isso, então vocês precisam nos deixar lidar com a situação.
– Meu filho e eu queremos ajudar – argumentou.
O maxilar de Tegan ficou travado.
– Então, ajude-nos deixando-nos fazer o nosso trabalho. Fiquem aqui. Logo saberemos se a pista foi verdadeira. Chase, fique de guarda com os homens de Rowan até voltarmos. Não os deixe fora das suas vistas.
Brock percebeu o olhar de irritação de Harvard, mas o ex-agente ficou para trás conforme instruído. Com Freyne e os outros dois sentinelas, ele ajudou Lazaro Archer a entrar no carro e fechar a porta.
Recostou-se no veículo, cruzando os braços diante do peito, e observou enquanto Brock e o resto do grupo seguiam na direção do prédio escuro.
Aproximaram-se em silêncio, os sinais de Tegan para que se dividissem em dois grupos entendidos e aceitos tanto por Brock e Kade quanto por Rowan e seus três agentes. Com a equipe da Agência seguindo para as escadas dos fundos, Tegan, Brock e Kade entraram pela casca vazia que era a entrada, aquilo que deveria ser o átrio do prédio.
Uma vez lá dentro, ficou claro que o edifício não estava inteiramente desocupado. Passadas se arrastaram no piso acima das suas cabeças. Mais ou menos na mesma direção, ouviram o raspar metálico da perna de uma cadeira. E depois, por baixo do sopro do vento invernal que uivava pelas cavidades abertas das janelas ao redor deles, surgiu o barulho abafado de lamúrias.
Tegan gesticulou na direção das escadas do piso térreo. Brock e Kade o seguiram, os três subindo o lance de escadas com as armas empunhadas.
Ao chegarem ao segundo andar, o olhar de Brock foi atraído por um facho de luz fraco que surgiu de algum lugar próximo ao fim de um apartamento inacabado. Tegan e Kade também o viram.
– Humanos? – Brock disse bem baixinho para seus irmãos, imaginando que fossem humanos sem-teto, uma vez que os de sua espécie enxergavam muito bem no escuro e não teriam necessidade de uma luz artificial.
Tegan gesticulou para que continuassem em frente para investigar a fonte de luz.
Andaram sorrateiros no escuro, os três se espalhando para chegar ao lugar de vários ângulos. Ao se aproximarem, Brock captou um relance de três figuras masculinas grandes vestidas dos pés à cabeça em roupas pretas, cada uma segurando pistolas semiautomáticas. Os guardas mascarados inclinavam-se sobre uma figura bem menor no meio do espaço sem paredes.
Kellan Archer.
Caramba, a pista de Freyne, no fim, fora verdadeira.
A cabeça do jovem pendia sobre o peito magro, o cabelo ruivo estava sujo e despenteado, as roupas rasgadas, aparentemente pelos maus-tratos dos sequestradores. Tinha as mãos presas atrás do corpo, os tornozelos e o tronco amarrados a uma cadeira de metal com uma corrente.
Sendo da Raça, mesmo um adolescente, Kellan poderia ter se livrado das amarras caso tivesse tentado. Mas ele tinha poucas chances de escapar de três assassinos de Dragos, cada um armado até os dentes e próximo o bastante para enchê-lo de chumbo.
Tegan relanceou para Brock, depois para Kade, um sinal silencioso para que se movessem como um só ao seu comando. Tinham que se mover em silêncio, entrando na melhor posição para que cada um deles pudesse atacar um Primeira Geração sem colocar Kellan Archer em fogo cruzado.
Mas antes que um deles pudesse dar sequer o primeiro passo, Brock ouviu o leve clique de metal vindo de uma parte mais escura do segundo andar.
Mathias Rowan e seus agentes estavam lá. E também viram o garoto sequestrado.
E, nesse mesmo instante, um dos idiotas da Agência de Policiamento abriu fogo.
O início do tiroteio dentro do prédio chegou à rua abaixo.
– Droga – rosnou Sterling Chase, a cabeça se erguendo rapidamente ante o súbito rompante de barulho. – Puta que o pariu, eles devem ter encontrado o garoto!
Freyne observou o ex-agente reagir num estado próximo ao pânico conforme o tiroteio prosseguia. Chase sacou a arma e lançou um olhar desvairado para o prédio do lado oposto à construção. Sterling Chase, o macho da Raça que tivera uma carreira estelar na Agência até não muito tempo atrás, mas que jogara tudo pelos ares para se filiar à Ordem.
Idiota.
Ele poderia ter se aliado a uma organização muito mais poderosa, como o próprio Freyne fizera há poucos meses.
– Vou entrar – disse Chase, armando a pistola nove milímetros e já se afastando do carro da Agência. – Você e os seus homens fiquem de guarda, Freyne. Não deem as costas a este posto nem por um segundo, entendeu?
Freyne assentiu, tentando com muita força não revelar seu sorriso. Aquela era a oportunidade por que esperava. De fato, ele contava que as coisas fossem acontecer exatamente daquele modo.
– Mantenha os Archer seguros dentro do carro – ordenou Chase conforme seus coturnos moíam a neve sobre o asfalto, conduzindo-o em direção ao caos dos tiros que ainda ecoavam na torre em forma de esqueleto logo adiante. – Não tire os olhos dele, não importa o que aconteça.
– Pode deixar – murmurou Freyne bem baixo depois que o antigo agente havia se afastado.
Ao seu lado da rua, o vidro do banco do passageiro se abaixou. Christophe Archer espiou para fora do sedã, o rosto normalmente altivo contraído de preocupação.
– O que está acontecendo? – Retraiu-se ante o estardalhaço que se desenrolava na escuridão. – Bom Deus, quem está atirando lá? Encontraram meu filho?
Archer fez um movimento como se tivesse a intenção de sair do carro. Freyne o impediu, bloqueando a porta.
– Relaxe – disse ao pai nervoso. Ao falar, retirou a semiautomática do coldre. Uma centelha fugidia em seu olhar comandou os outros dois agentes com ele do lado oposto do carro a seguir seu comando. – Temos tudo sob controle.
Capítulo 26
O segundo andar inteiro do prédio de apartamentos vazios se transformou num caos de balas voando e gritos tanto por parte da Ordem quanto de Mathias Rowan e seus homens. Os três guardas imensos no local com Kellan Archer retribuíram fogo, atirando para todos os lados nas sombras, atingindo dois dos agentes de Rowan em poucos instantes após o ataque-surpresa.
O terceiro foi abatido num grito de dor, após ter sido atingido no joelho pouco antes de outro tiro silenciá-lo de vez. O fogo cruzado continuou, Brock escapando por pouco de uma bala que passou raspando pela sua cabeça.
Na confusão e no tumulto, a vela grossa que estava sendo utilizada como única fonte de iluminação no cômodo em que Kellan estava foi derrubada. Rolou pelos pés dos captores, sua chama diminuta se extinguindo no chão e mergulhando o local em completa escuridão. Depois que a chama se apagou, Brock não percebeu a diferença, nem seus companheiros. Os homens de Dragos, contudo, pareceram momentaneamente desorientados no escuro.
Brock matou um com um tiro certeiro na cabeça. Tegan acertou outro nem um segundo mais tarde. Enquanto o assassino remanescente fazia chover balas com seu rifle automático, Brock se moveu de lado. Abaixou-se e arrastou-se na direção da cadeira onde Kellan Archer estava sentado, agora tentando, freneticamente, se livrar das suas amarras.
Os guerreiros e Rowan fecharam o cerco no terceiro assassino vestido de preto, as armas apontadas para ele. Houve uma saraivada de balas quando ele foi eliminado com precisão, caindo no chão numa poça sanguinolenta e disforme.
Brock segurou os ombros frágeis de Kellan Archer, acalmando os gritos aterrorizados do garoto.
– Está tudo bem, garoto. Está seguro agora.
O cheiro repentino de hemoglobina em algum ponto ali perto o tomou de surpresa.
Mas que merda era aquela?
Suas presas desceram das gengivas, numa reação biológica instintiva, conforme seus sentidos da Raça detectaram a presença de sangue fresco derramado. Olhou de pronto para Tegan e os outros, e notou que eles também haviam percebido o cheiro cuprífero das células vermelhas.
– Humanos – murmurou Tegan, os olhos transformados cor de âmbar fixando-se nos três guardas mortos em poças ensanguentadas no chão.
– Nada de coleiras – observou Brock, percebendo só então que por debaixo das máscaras pretas, os captores de Kellan não usavam o dispositivo de obediência dos verdadeiros assassinos de Dragos. – Puta merda. Esses não são os assassinos Primeira Geração que sequestraram o garoto.
Kade e Mathias Rowan se aproximaram ao mesmo tempo. Pararam para remover as máscaras dos homens caídos. Kade ergueu a pálpebra fechada de um deles e sibilou uma imprecação.
– Eles eram Servos.
– Que se passaram por assassinos Primeira Geração – acrescentou Brock, terminando de soltar as amarras de Kellan e ajudando-o a se pôr de pé. – Isso foi algum tipo de armação.
– Foi – concordou Kade. – Mas com que propósito?
– Jesus Cristo. – Chase parou atrás do grupo, tendo acabado de chegar naquele instante. Seus olhos emitiam fachos de luz âmbar, as pupilas estreitadas como fendas finas de aparência letal, as presas imensas por trás dos lábios encurvados. Ele encarou, a atenção fixa nos humanos mortos. – Que diabos aconteceu aqui?
Tegan se virou para ele.
– Onde estão os Archer?
– Lá fora – respondeu com voz séria. Pareceu que ele precisou se esforçar para prestar atenção em Tegan. – Deixei-os com Freyne e seus homens quando ouvi tiros aqui em cima.
Um súbito olhar de horror atravessou a costumeira expressão impassível de Tegan.
– Droga, Harvard. Eu mandei não tirar os olhos deles.
Hunter não emitiu som algum ao voltar da sua ronda de verificação ao redor da construção. Voltou correndo, após ouvir a saraivada de tiros saindo do prédio de apartamentos, mas, naquele instante, interessou-me mais pelo único tiro que ecoou próximo aos veículos da Agência estacionados na rua.
Em meio aos flocos de neve que caíam em círculos no ar noturno, ele avistou o agente chamado Freyne segurando uma pistola fumegante diante da janela aberta do sedã preto da Agência. No mesmo instante, os companheiros de Freyne também abriram fogo no carro, atirando de todos os lados.
Hunter saltou, atravessando os diversos metros que o separavam da cena em pouco mais que um mero piscar de olhos. Caiu sobre Freyne. Ao levar o vampiro ao chão, teve um vislumbre do que restou do crânio alvejado dentro do sedã. O fedor de pólvora e morte permeava o ar enquanto os outros dois agentes continuavam a atacar os ocupantes do veículo.
Freyne rosnou debaixo de Hunter, debatendo-se, tentando empurrá-lo. Hunter segurou as laterais da cabeça do vampiro com as mãos e deu um giro rápido e eficiente. A luta acabou. O corpo inerte de Freyne caiu na calçada, os olhos sem vida fitando por sobre o ombro num ângulo incomum.
No mesmo instante, um tremor sacudiu o carro. Um grito reverberou pelo chão, e, em seguida, a porta oposta saiu voando das dobradiças. Voou por vários metros antes de se chocar com o asfalto.
Lazaro Archer saltou para fora do carro, o casaco e o rosto manchados de sangue, ossos e massa cinzenta.
Lançou-se sobre um dos agentes traidores, apanhando o homem pela garganta com suas presas enormes e afiadas. Enquanto os dois caíam no chão num abraço letal, Hunter saltou sobre o capô do sedã e atacou o último dos agressores, incapacitando o agente com a mesma facilidade com que acabara com Freyne.
Lançou um olhar apático para Lazaro Archer e o macho da Raça de cuja garganta, agora aberta, jorrava sangue devido à mordida voraz. Archer não tinha terminado, mesmo com o agente preso debaixo de si praticamente morto. Estava selvagem em sua fúria, perdido numa dor que Hunter, tendo sido criado sem nenhum apego emocional, só podia imaginar.
Hunter ficou parado olhando para o carro, onde o filho morto de Lazaro estava largado sem vida no banco de trás, morto pela bala que Freyne atirara à queima-roupa na lateral da sua cabeça.
O receio que Tegan sentiu dentro do prédio não fora gratuito. De fato, o que aguardava o grupo ao sair com o jovem Kellan Archer foi muito pior do que ele poderia ter imaginado.
A morte era recente na rua em que os veículos da Agência estavam estacionados. Um deles, aquele em que estiveram Lazaro e Christophe, estava cravejado de balas e com os vidros estilhaçados. Aproximando-se mais, Brock viu que a porta oposta do sedã havia sido arrancada por completo das dobradiças.
Houve uma emboscada ao carro dos ocupantes, um ataque covarde do lado de fora do veículo. Não havia dúvidas de quem o executara... tampouco de como havia terminado. Freyne e os outros dois agentes estavam largados sem vida no chão, em poças sanguinolentas. Hunter se assomava sobre eles, impassível, os olhos dourados perscrutando a área em busca de mais problemas, pronto para resolver qualquer ataque sozinho.
E, sentado no carro, com a cabeça e o tronco inclinados sobre a forma sem vida deitada em seu colo, estava Lazaro Archer. Mesmo àquela distância, Brock enxergava o sangue e os pedaços de pele que maculavam o casaco escuro do ancião da Raça e os seus cabelos. O imenso Primeira Geração chorava baixinho, perdido na dor da perda do filho.
– Jesus... – sussurrou Chase ao lado de Brock. – Droga, não...
– Freyne – rosnou Brock. – O maldito devia estar trabalhando para Dragos.
Chase balançou a cabeça, esfregou a mão no alto da cabeça, em evidente estado de infelicidade. Quando falou, sua voz estava sem ar, inerte pelo choque.
– Não deveria tê-los deixado com ele. Ouvi o tiroteio dentro do prédio e pensei... Ah, merda. Não importa o que pensei. Maldição, deveria ter imaginado que Freyne não era confiável.
Provavelmente, pensou Brock, embora nem ele nem o resto do grupo dissesse isso em voz alta. A angústia de Chase estava escrita em sua expressão. Ele não precisava que mais ninguém o lembrasse que seu ato irrefletido custara a vida de Christophe Archer. O costumeiramente arrogante Harvard pareceu empalidecer um pouco, desaparecendo dentro de si mesmo ao se afastar da carnificina e andando na direção da escuridão da construção abandonada.
Quanto a Brock e os outros, um silêncio sepulcral se assentou entre os vivos ante tanto sangue derramado e morte. O neto de Lazaro Archer tinha sido recuperado dos seus captores, mas o preço fora alto. O filho de Lazaro jazia terrivelmente assassinado em seus braços a poucos metros.
Enquanto o grupo absorvia o peso da guinada dos eventos da noite, o jovem Kellan Archer subitamente saiu do seu estado de choque. Deu a volta em Brock, pelo visto notando que Lazaro estava sentado no sedã logo à frente.
– Vovô! – exclamou, as lágrimas sufocando a voz juvenil. Ele se livrou da pegada de Brock, depois, mancando, começou a correr devagar. – Vovô! Papai também está com você?
– Segurem o garoto – exclamou Hunter. – Não o deixem se aproximar.
Brock segurou Kellan pelo braço e o girou na direção oposta, bloqueando a visão da matança com seu corpo.
– Quero ver meu avô! – gritou o garoto. – Quero ver a minha família!
– Em breve – disse Brock. – Fique firme, amigo. Vai estar com a sua família daqui a pouco. Mas, primeiro, temos que cuidar de algumas coisas, está bem?
O esforço de Kellan para se soltar diminuiu, mas ele tentava se virar para olhar para trás. Ficava tentando ver o que estavam escondendo dentro do sedã cravejado de tiros na rua.
– Venha esperar aqui comigo – disse Kade, ao se aproximar e cercar o garoto, passando o braço sobre os ombros finos, guiando-o para longe, afastando do derramamento de sangue no fim da rua.
Depois que Kellan ficou longe o bastante para não ouvir, Mathias Rowan emitiu uma imprecação.
– Eu não fazia a mínima ideia de que Freyne ou os outros com ele eram corruptos, juro. Meu Deus, não consigo acreditar no que aconteceu hoje à noite. Todos os meus homens, Christophe Archer... todos mortos. – Pegou o celular. – Tenho que reportar isso.
Antes que ele conseguisse apertar a primeira tecla, Tegan segurou-lhe o pulso e meneou a cabeça.
– Preciso que esconda isso pelo tempo que puder. Pode retardar o seu relatório enquanto a Ordem investiga melhor o sequestro e a emboscada?
Rowan inclinou a cabeça em sinal de concordância.
– Posso retardar por algumas horas, mas mais do que isso vai ser difícil. Alguns desses agentes têm família. Vai haver perguntas.
– Entendido – respondeu Tegan. A sua pegada no pulso do agente não afrouxou, e Brock sabia que o talento do Primeira Geração em interpretar uma pessoa com um toque lhe diria se Rowan era um verdadeiro aliado da Ordem ou não. Depois de um instante, Tegan assentiu de leve. – Sei que tem sido o contato de Chase dentro da Agência há algum tempo, Mathias. A Ordem agradece a sua ajuda. Mas ninguém é confiável, nem mesmo os seus melhores agentes.
Mathias Rowan inclinou a cabeça em sinal de concordância, o olhar solene ao observar toda aquela destruição, depois voltando a se concentrar em Tegan e Brock.
– Se isso é um exemplo do que Dragos é capaz de fazer, então ele também é meu inimigo. Diga do que a Ordem precisa, e eu farei o que puder para ajudá-lo a acabar com esse filho da puta.
– Neste instante, precisamos de tempo e de silêncio – respondeu Tegan. – Não creio que Dragos tenha acabado com Lazaro Archer e a família dele, portanto, proteção é essencial. Tenho certeza de que Lucan concordará que o resgate hoje foi fácil demais, a despeito das baixas. Alguma coisa não está certa aqui.
Brock assentiu, com a mesma sensação que teve quando descobriram que os captores eram Servos e não os assassinos Primeira Geração que foram vistos sequestrando o rapaz.
– O sequestro foi uma armação. Dragos tem algo mais escondido na manga.
O olhar de Tegan se mostrou sério.
– É o que os meus instintos me dizem também.
– Rezo para que esteja errado – disse Rowan, o olhar severo desviando para o sedã onde Lazaro Archer ainda segurava o filho morto. – Estas últimas horas já foram bem sangrentas.
– Precisamos esvaziar o prédio e a rua e sair daqui – disse Tegan. – É arriscado demais deixar os dois Archer em campo aberto assim por mais tempo.
– Vou começar a limpar as provas lá dentro – Brock se ofereceu.
Assim que se virou para seguir na direção do prédio, Rowan se pôs ao seu lado.
– Deixe-me ajudá-lo, por favor.
Atravessaram a rua na direção da construção, porém não tinham chegado sequer à metade do caminho quando o celular de Rowan tocou. Ele o segurou diante de si, como que para pedir a permissão de Tegan para atender. O guerreiro Primeira Geração assentiu.
Rowan levou o aparelho ao ouvido, e Brock assistiu com alarme crescente ao perceber que o agente empalidecia.
– Deve haver algum erro – murmurou ele. – O Refúgio inteiro... Cristo...
Brock gesticulou para Tegan, sentindo um gelo começando a se formar em seu âmago enquanto Rowan dizia mais algumas palavras de descrença, depois terminava a ligação canhestramente.
– O que foi? – Tegan exigiu saber, tendo se aproximado correndo após o gesto de Brock. – O que diabos acabou de acontecer?
– O Refúgio Secreto de Lazaro Archer – murmurou Rowan. – Foi incendiado. Houve um aparente vazamento de gás que causou uma explosão. Não há sobreviventes.
Ninguém disse nada por um tempo. Uma nova nevasca se precipitou sob o céu invernal estrelado, a única movimentação numa noite que, de súbito, se tornara fria e escura como um túmulo.
E, então, do outro lado, o jovem Kellan Archer enterrou o rosto nas mãos e começou a chorar. Um choro forte, carregado de angústia. O garoto sabia o que havia perdido naquela noite. Sentia isso. E quando ergueu o rosto marcado pelas lágrimas, os olhos reluziram com uma luz âmbar furiosa, e Brock viu a raiva que já ardia latente dentro do jovem coração.
A partir daquela noite, o garoto que fora já não existia mais. Assim como o avô, que estava sentado a alguns metros dali, coberto pelo sangue do próprio filho, Kellan Archer jamais esqueceria – nem perdoaria – a morte e a tristeza provocadas pela traição daquela noite.
– Vamos limpar a porra deste lugar e sair daqui – disse Tegan, por fim. – Vou colocar o garoto e o avô no Rover. A partir de agora, estão sob a proteção da Ordem.
Capítulo 27
Lazaro Archer recusou estoicamente a oferta da Ordem de levá-lo para ver os escombros do seu Refúgio Secreto para se despedir. Ele não teve vontade alguma de ver os escombros daquilo que tomou a vida de quase uma dúzia de pessoas inocentes, inclusive sua amada Companheira de Raça de vários séculos. Embora o relatório oficial da Agência tivesse atribuído o incêndio a um vazamento de gás, todos na Ordem, e o próprio Lazaro, sabiam a verdadeira causa do incidente. Um extermínio absoluto, levado a termo sob as ordens de Dragos.
A dor de Lazaro tinha que ser profunda; porém, quando chegou ao complexo, ele era a imagem do controle emocional. Depois de ter tomado um banho e trocado as roupas sujas por um uniforme limpo apanhado na despensa da Ordem, Lazaro Archer parecia transformado, uma versão mais sombria e formidável do ancião civil da Raça que, na noite anterior, estivera no laboratório de tecnologia, desesperado para encontrar o neto. Melancólico, calado, ele parecia determinado a manter o foco centrado na saúde e no bem-estar do neto, seu único herdeiro sobrevivente.
– Kellan disse que não se lembra muito do sequestro – murmurou Lazaro enquanto ele e Lucan observavam o garoto através da janelinha da porta da sala de recuperação da enfermaria. O jovem estava limpo e descansava, no momento na companhia da pequena Mira, que tomara para si a tarefa de ler à sua cabeceira. – Ele disse que acordou naquele prédio infestado de ratos, congelando sob a mira de um revólver. As surras só começaram depois que ele recobrou a consciência. Ele disse que os bastardos disseram que queriam que ele sofresse e gritasse.
O maxilar de Lucan enrijeceu ao ouvir sobre o abuso sofrido pelo jovem.
– Ele está seguro agora, Lazaro. Vocês dois estão. A Ordem cuidará disso.
O outro Primeira Geração assentiu.
– Agradeço o que estão fazendo por nós. Como a maioria dos civis, sei que a Ordem valoriza sua privacidade, em especial no que se refere ao seu quartel-general. Percebo que não deve ser fácil para vocês permitirem forasteiros dentro do complexo.
Lucan ergueu uma sobrancelha em reconhecimento. Ele podia pensar em somente algumas raras ocasiões, começando com Sterling Chase e a companheira de Tegan, Elise, há mais de um ano, seguido mais recentemente por Jenna Darrow. Por mais de um século antes deles, não houve exceções.
Por mais que Lucan detestasse tomar decisões por obrigação, ele não era um líder rígido e insensível que daria as costas para alguém necessitado. Há muito tempo, talvez, antes de conhecer e se apaixonar por Gabrielle. Antes de saber o que era ter uma família e um coração que batia por devoção a outra pessoa.
Pousou a mão sobre o ombro forte do Primeira Geração.
– Você e o menino precisavam de um esconderijo seguro. Não encontrarão um abrigo mais protegido do que este complexo.
Em relação a preocupações que Lucan pudesse ter por confiar a localização do complexo a Archer e o neto, Tegan lhe garantira que os dois machos não davam margem a dúvidas. Não que Lucan suspeitasse que qualquer um deles pudesse ser menos que honrado.
Ainda assim, ele tomava cuidado e não depositava sua confiança às cegas. Tinha que ser cauteloso. Toda vez que olhava ao seu redor nos últimos tempos, sentia o peso de tantas vidas sobre seus ombros. Era uma responsabilidade que ele assumia com seriedade, muito ciente de que se Dragos quisesse atingir o coração da Ordem, ele o faria naquele mesmo local.
Era um pensamento que ele não gostava de acalentar, mas que não podia se dar ao luxo de ignorar.
Não sabia se suportaria se a Ordem, sua família, recebesse um golpe do tamanho que abatera Lazaro Archer naquela noite. Tudo o que restara ao Primeira Geração após um milênio de existência era o garoto surrado na enfermaria e o corpo baleado do filho, que Tegan e o restante da equipe trouxeram para o complexo.
Lucan pigarreou.
– Se desejar realizar os ritos funerários para Christophe pela manhã, podemos fazer os arranjos necessários.
Lazaro assentiu com gravidade.
– Obrigado. Por tudo, Lucan.
– As acomodações aqui no complexo são limitadas, mas podemos rearranjar as coisas para abrir espaço para você e Kellan em um dos dormitórios. Vocês são bem-vindos para permanecerem pelo tempo que for preciso.
Archer ergueu a mão numa recusa educada.
– Isso é mais do que generoso, porém, tenho propriedades em outro local. Existem alguns lugares em que eu e meu neto podemos ficar.
– Sim – concordou Lucan –, contudo, até que estejamos seguros de que você e Kellan não correm perigo imediato por parte de Dragos, não me sinto bem em deixá-los sair da proteção da Ordem.
– Dragos – disse Archer, o rosto endurecendo com uma fúria contida. – Lembro-me desse nome dos tempos antigos. Dragos e sua descendência sempre foram corruptos. Desonestos, conspiradores. Moralmente pútridos. Bom Deus, pensei que sua linhagem inteira tivesse morrido há muito tempo.
Lucan grunhiu.
– Um filho da segunda geração permaneceu, escondido por décadas atrás de codinomes, mas não morreu. Ainda não. E há mais, Lazaro. Coisas que você desconhece. Coisas que a população civil não desejaria saber sobre Dragos e as suas maquinações.
Olhos antigos e sérios o fitaram.
– Conte-me. Quero entender. Preciso entender.
– Venha – disse Lucan. – Vamos andar.
Ele guiou Lazaro para longe do quarto do neto na enfermaria ao longo do corredor externo. Os dois Primeira Geração caminharam em silêncio por um tempo enquanto Lucan pensava por onde começar com os fatos que sabiam a respeito de Dragos. Pelo começo, decidiu.
– As sementes desta guerra com Dragos foram semeadas há muitos séculos – disse, enquanto ele e Archer avançavam pelo corredor de mármore branco. – Deve se lembrar da violência daqueles tempos, Lazaro. Você viveu naquela época assim como eu, quando os Antigos andavam descontrolados, guiados por sua sede de sangue e pelo furor das caçadas. Eram nossos pais, mas tinham que ser detidos.
Archer assentiu com severidade.
– Lembro-me de como era naquela época. Quando garoto, não sei lhe dizer quantas vezes testemunhei a selvageria de meu pai. Ela pareceu aumentar com o decorrer do tempo, tornando-se mais feroz e incontrolável, em especial depois que ele retornava das reuniões.
Lucan inclinou a cabeça.
– Reuniões?
– Sim – respondeu Archer. – Não sei onde ele e os outros Antigos se encontravam, mas ele se afastava por semanas, por meses. Sempre sabia quando ele voltava para a nossa região porque as matanças dos humanos nos vilarejos ao nosso redor recomeçavam. Fiquei aliviado quando ele se foi de vez.
Lucas franziu o cenho.
– Meu pai nunca mencionou nenhuma reunião, mas eu sabia que ele vagava por longos períodos. Sei que ele caçava. Quando matou minha mãe num acesso de sede de sangue, soube que era chegada a hora de pôr um fim àquela selvageria.
– Lembro-me de ter ouvido o que aconteceu à sua mãe – replicou Archer. – E me lembro do seu chamado para que todos os Primeira Geração se juntassem a você numa guerra contra nossos pais alienígenas. Não pensei que fosse possível que fosse bem-sucedido.
– Muitos não acreditaram – lembrou-se Lucan, mas sem amargura, não naquela época nem agora. – Oito de nós se insurgiram contra o punhado de Antigos sobreviventes. Pensamos ter matado até o último deles, mas tínhamos traidores do nosso lado – meu irmão, Marek, descobrimos, por fim, e o pai de Dragos, também um Primeira Geração. Conspiraram em segredo e construíram uma cripta escondida numa montanha para abrigar o último dos Antigos. Alegaram que ele estava morto, porém o mantiveram em hibernação por séculos. Mais tarde, foi removido da cripta, sobrevivendo sob o controle de Dragos até bem recentemente. Dragos o manteve drogado e faminto num laboratório particular. Não conhecemos a extensão da sua loucura, mas uma coisa sabemos com certeza: ao longo de décadas, ele usou o Antigo para criar um pequeno exército de Primeira Geração. Esses filhos agora servem Dragos como seus assassinos particulares.
– Bom Deus – murmurou Archer, visivelmente abalado. – Custo a acreditar que tudo isso seja verdade.
Lucan pôde ter sentido o mesmo a certa altura, mas já vivera aquilo. Pensou em tudo o que acontecera no último ano. Todas as traições e revelações, os segredos explosivos e as tragédias inesperadas que atingiram o cerne da Ordem e os seus membros.
E a luta não tinha acabado. Longe disso.
– Até então, Dragos tem conseguido nos ludibriar, mas estamos cada vez mais próximos dele. Nós o obrigamos a se esconder ao destruir o que, provavelmente, era o seu local primário. Ele perdeu outra peça-chave de seu esquema quando o Antigo escapou dos seus homens no Alasca. Nós rastreamos a criatura e a abatemos. Mas muitos estragos já haviam sido feitos – acrescentou Lucan. – Não sabemos quantos Primeira Geração Dragos conseguiu criar e onde eles podem estar. No entanto, temos toda intenção de localizá-los. E temos um deles trabalhando conosco agora. Ele se uniu à Ordem não faz muito tempo, depois de se libertar das amarras de Dragos.
O rosto de Archer se mostrou cauteloso.
– Acredita que isso seja sensato? Depositar a sua confiança em alguém que esteve tão ligado a Dragos?
Lucan inclinou a cabeça.
– Tive o mesmo tipo de reserva no início, porém, Hunter tem se mostrado mais do que merecedor da confiança da Ordem. Você já o conheceu, Lazaro. Ele esteve com você hoje à noite e o ajudou a matar os assassinos de Christophe.
O Primeira Geração emitiu uma imprecação baixa.
– Aquele guerreiro salvou minha vida. Ninguém poderia ter agido com mais presteza para poder salvar meu filho, mas, se não fosse por Hunter, eu também não estaria aqui.
– Ele é um homem honrado – disse Lucan. – Mas nasceu e foi criado para ser uma máquina de matar. Baseado nas descrições que recebemos dos captores de Kellan, temos toda certeza que foram três dos assassinos de Dragos que o tiraram da sua casa.
– Pensei ter ouvido de alguns dos guerreiros de hoje que os captores que foram mortos dentro do prédio eram humanos, Servos Humanos.
Lucan assentiu.
– E eram. Por algum motivo, fizeram com que se parecessem com os mesmos indivíduos que levaram Kellan, mas os Servos Humanos fizeram parte de algum esquema maior. Não me restam dúvidas de que assim como o ataque ao seu Refúgio Secreto.
– Mas por quê? – murmurou Archer. – O que ele espera ganhar abatendo toda a minha família e reduzindo meu lar a cinzas?
– Ainda não temos essa resposta, mas não descansaremos até obtê-la. – Lucan parou no corredor, cruzando os braços sobre o peito. – Dragos nos deu muito para cuidarmos nos últimos tempos, e meus instintos dizem que só estamos vendo o início daquilo que ele é capaz de fazer. Recentemente descobrimos também que ele tem Servos Humanos infiltrados em pelo menos uma agência governamental humana. Sem dúvida, há mais notícias ruins de onde essa veio.
Archer praguejou, quase inaudivelmente.
– E pensar que tudo isso vem acontecendo sob os nossos narizes. Lucan, não sei o que dizer, a não ser que me arrependo de não ter lhe dado o meu apoio antes. Não sabe o quanto lamento isso.
Lucan meneou a cabeça.
– Não é necessário. A luta pertence à Ordem.
A expressão de Lazaro Archer se tornou séria e carregada de propósito.
– Daqui por diante, essa luta também é minha. Conte comigo, Lucan. Para qualquer coisa que eu possa lhe ser útil, ou aos seus guerreiros, se aceitar a minha oferta, por mais tardia que seja, conte comigo.
A limusine preta de Dragos parou perto da calçada coberta por neve suja onde seu tenente aguardava, soltando lufadas pela respiração e tremendo sob o poste de luz, dentro de seu casaco de caxemira e chapéu de aba curta.
Quando o Servo Humano pisou no freio, o homem de Dragos se aproximou da porta do passageiro e entrou no veículo. Tirou o chapéu e as luvas, virando-se para ficar de frente para Dragos no banco de trás.
– A Ordem recebeu a pista sobre o prédio em que o garoto estava sendo mantido, senhor. Apareceram lá bem como antecipávamos, juntamente com Lazaro Archer e seu filho, além de uma unidade da Agência de Policiamento. Os Servos Humanos que montavam guarda junto ao garoto foram mortos em questão de minutos após o confronto.
– Isso não me surpreende – Dragos disse, dando de ombros. – E o agente Freyne?
– Morto, senhor. Ele e seus homens foram mortos por um dos guerreiros enquanto tentavam dar cabo da missão deles. Christophe Archer foi eliminado, mas seu pai ainda vive.
Dragos resmungou. Se um dos Archer tinha que sobreviver ao atentado providenciado por ele, preferiria que Lazaro estivesse morto em vez de seu educadíssimo filho da alta sociedade. Mesmo assim, o ataque múltiplo orquestrado para aquela noite ainda fora um sucesso. Ele observara de uma distância segura, dentro de sua limusine, quando o Refúgio Secreto de Lazaro Archer explodira no meio da noite invernal como fogos de artifício.
Foi glorioso.
Uma aniquilação total.
E agora ele tinha os membros da Ordem precisamente como queria: confusos e dispersos.
Seu tenente da Raça prosseguiu, detalhando o restante dos resultados da noite.
– O incêndio no Refúgio dizimou todos os habitantes, e tenho relatos de que não se sabe do paradeiro de Lazaro Archer desde então. Apesar de não ter confirmação, suspeito que tanto o Primeira Geração quanto o garoto estejam sob a custódia da Ordem neste exato momento.
– Muito bem – respondeu Dragos. – Se Lazaro Archer ainda respira, não tenho como dizer que tenha sido uma execução impecável das minhas ordens. Mas, pensando bem, se esperava perfeição, eu teria que ter feito tudo sozinho.
Seu tenente teve a audácia de parecer afrontado.
– Com todo o respeito, senhor, mas caso eu soubesse que a Ordem hoje conta com um dos seus assassinos, eu teria tomado precauções adicionais em relação ao papel de Freyne na missão desta noite.
Dragos já vivera tempo o bastante para que surpresas raramente tivessem o poder de pegá-lo desprevenido. Essa notícia, porém, essa informação perturbadora, de fato fez seu coração bater mais rápido. Uma onda de raiva tomou conta de seu crânio, uma fúria gélida praticamente o fez cuspir a imprecação que surgiu em sua língua.
– O senhor não sabia? – perguntou seu tenente, aproximando-se da porta num esforço de se afastar ao máximo dele.
– Um assassino – disse Dragos, centelhas âmbares brilhando na escuridão do interior da limusine. – Tem certeza disso?
O homem assentiu com seriedade.
– Instalei câmeras de segurança na construção e em mais de um local das proximidades. O modo como ele se movia, seu tamanho e a precisão dos movimentos... Senhor, não há como confundi-lo com outra coisa que não um dos seus assassinos.
E só existia um dos seus assassinos especialmente criados e implacavelmente treinados que conseguira se libertar do seu controle e fugir. Que ele tivesse se aliado à Ordem era uma surpresa pura e simples.
Dragos deduzira que Hunter tivesse se libertado do elo de obediência da coleira e fugido para a obscuridade, um cão de rua, perdido sem seu dono. Imaginara que o assassino fugitivo tivesse acabado morto ou se transformado num Renegado a esta altura.
Mas não isso.
E não, pensava agora, não aquele assassino em especial.
Desde o começo ele fora diferente. Extremamente eficiente. De uma inteligência fria. Incansavelmente disciplinado, contudo, muito longe de ser submisso. Essa foi uma lição que ele nunca conseguira aprender, mesmo sendo impiedosamente treinado para tal. Deveria tê-lo matado, mas ele também fora o melhor assassino do seu exército pessoal de Primeira Geração.
E agora, ao que tudo levava a crer, ele se bandeara para o lado de Lucan e dos seus guerreiros na guerra que se aproximava.
Dragos rosnou de ultraje ante a mera ideia.
– Saia das minhas vistas – rosnou para o tenente. – Espere ordens minhas para dar início à nova fase do plano.
O outro macho da Raça saiu apressado do carro sem dizer mais nada, batendo a porta atrás de si, correndo apressado na direção oposta à da rua.
– Dirija – ordenou Dragos ao Servo atrás do volante.
Enquanto a limusine se apressava em meio ao trânsito noturno de Boston, ele endireitou as lapelas do seu smoking italiano de seda e passou a mão pelos cabelos meticulosamente penteados. Na luz tênue dos faróis retrovisores dos carros, puxou de dentro do bolso do paletó um convite e leu o endereço da festa de arrecadação de fundos políticos à qual acabara de comparecer no centro da cidade.
Uma gotícula de sangue humano manchava o canto inferior do papel branco, ainda fresco o bastante para sujar seu polegar.
Dragos riu baixo, lembrando-se de quanto o grupo de políticos locais se mostrou contente com a generosidade da sua doação.
E como ficaram surpresos alguns minutos mais tarde, quando perceberam o que cada um deles lhe devia em troca.
Agora se recostava no banco e fechava os olhos, deixando-se embalar pelo ronco da estrada enquanto saboreava o zunido do poder que ainda percorria suas veias.
Capítulo 28
Jenna jamais vira Brock tão calado.
Ele e os outros guerreiros haviam retornado há pouco tempo, acompanhados por Lazaro Archer e o neto. O alívio pelo resgate do garoto foi deveras abafado pelo custo a que fora conquistado. Enquanto se fizeram arranjos para acomodar os dois recém-chegados ao complexo, possibilitando que se lavassem e se acomodassem, Brock e os demais participantes da missão daquela noite se dispersaram para seus aposentos.
Brock mal emitira sequer uma palavra desde que retornara. Estivera coberto de sangue e sujeira, o rosto retesado de tensão e horror pelo que ele e seus irmãos de armas testemunharam durante o salvamento do garoto.
Jenna o acompanhara de volta ao quarto que agora partilhavam e, desde então, estivera sentada na beira da cama sozinha, fitando a porta fechada do banheiro enquanto ele tomava uma chuveirada do outro lado.
Não sabia se ele desejava companhia ou se preferia a solidão, mas depois de ter ouvido a respeito do acontecido durante a patrulha, descobriu que não podia ficar apenas esperando enquanto ele sofria do outro lado da porta fechada.
Andou até ela e a testou. Não estava trancada, por isso entreabriu-a e espiou lá dentro.
Brock estava nu debaixo do jato de água quente, os dermaglifos voltados para a porta, as mãos cerradas e apoiadas na parede do chuveiro diante dele. Embora ela não visse nenhum ferimento aparente, a água descia em trilhas rubras pela pele escura antes de escorrer pelo ralo aos seus pés.
– Posso entrar? – perguntou com suavidade.
Ele não respondeu, mas tampouco lhe disse para deixá-lo sozinho. Ela entrou, fechando a porta atrás de si. Não precisava perguntar se ele estava bem. Apesar de não apresentar ferimentos físicos, todos os músculos das costas estavam tensos. Os braços tremiam, a cabeça pendia em direção ao peito.
– Uma família inteira foi pelos ares hoje – murmurou ele, a voz rouca e tensa com uma emoção contida. – A vida daquele garoto nunca mais será a mesma.
– Sei disso – sussurrou ela, aproximando-se mais.
Ele levantou o rosto na direção da cascata, depois passou a mão pela cabeça.
– Sabe, algumas vezes eu acho que não vou suportar tanto sofrimento e tanta morte.
– É isso que te faz humano – disse ela, depois riu para si mesma por pensar nele como um homem com tanta facilidade, seu homem, apesar das coisas que o tornavam muito mais do que isso.
Inferno, estava ficando difícil pensar em si mesma como sendo simplesmente humana – cada dia mais difícil –, mas tinha menos medo das mudanças que lhe aconteciam. Elas a deixavam mais forte, concedendo-lhe uma sensação renovada de poder... Um renascimento.
Descobriu-se à procura de uma chance de ter uma vida diferente. Uma vida nova, talvez ali mesmo naquele lugar. Talvez com Brock ao seu lado.
Depois da última vez em que esteve em seus braços, percebeu, também, que tinha menos medo dos sentimentos que nutria por ele.
Foi a ausência desse medo que a incitou a tirar a blusa e as calças frouxas de ioga. O sutiã e a calcinha foram retirados em seguida, deixados no chão enquanto ela entrava no chuveiro, passando os braços ao redor das costas largas de Brock.
Ele se retesou ao contato, inspirando fundo. Mas logo seus braços se abaixaram e a seguraram, com mãos quentes e tranquilizadoras enquanto a acariciava.
– Estou imundo da missão, Jenna.
– Não ligo – disse ela, depositando uma trilha de beijos no arco suave e musculoso da coluna dele. Seus dermaglifos pulsaram ao mudarem de cor. – Deixe-me cuidar de você para variar.
Afastou-lhe os braços e pegou o sabonete do suporte na parede. Ele ficou parado enquanto ela fazia espuma nas mãos para depois começar a espalhá-la pelos ombros amplos e bíceps protuberantes. Lavou-lhe as costas largas, depois deixou as mãos descerem, além da cintura, pelas laterais do quadril estreito.
Ela sentiu a forte contração muscular em seu corpo quando passou para a frente, as mãos ensaboadas chegando ao limite da virilha. Ele estava ereto antes mesmo de ela chegar lá, gemendo enquanto ela esticava os dedos ao redor da base, incitando ainda sem tocar. Ela afastou as mãos novamente para ensaboá-las mais, depois se abaixou por trás para lavar-lhe as pernas por inteiro.
Ele estremeceu enquanto ela espalmava as mãos e os dedos subindo pelas coxas, pressionando o corpo molhado ao se erguer, escorregadio pelas bolhas que ainda se agarravam à sua pele. Envolveu a cintura com um braço e a outra mão desceu para afagar o mastro erguido. Ele emitiu um grunhido enquanto ela o acariciava, o sexo inchando ainda mais em sua mão.
Ela encontrou um ritmo que pareceu agradá-lo, e o bombeou sem misericórdia, deliciando-se com a sensação da reação do corpo dele ao seu toque. Com um gemido baixo, ele se inclinou para a frente, apoiando-se em um cotovelo na parede adiante.
– Cacete, Jenna... Adoro sentir suas mãos em mim.
Ela sorriu ante esse elogio, perdendo-se no prazer dele enquanto o bombeava com mais rapidez, mais intensidade. Ele grunhiu, o sexo reagindo à movimentação de pistão da mão dela. Depois, antes que conseguisse fazê-lo perder o controle, ele sibilou uma imprecação entre os dentes e as presas.
Virou-se para ficar de frente. O membro ereto se erguia até o umbigo, duro como o aço, mas quente como uma chama quando ele a arrastou para junto de si, as mãos grandes segurando-a pelos braços, a pegada possessiva e determinada. O lindo rosto estava esticado em ângulos agudos no limiar da paixão, os olhos brilhantes como carvão ardente, as presas brancas enormes, letalmente afiadas.
Jenna lambeu os lábios, a garganta ficando subitamente seca de desejo.
Ele sabia o que ela queria. E ela compreendia isso tão certamente quanto ele compreendia seu olhar ávido.
Ele a suspendeu, guiando-lhe as pernas ao redor da sua cintura, e a carregou para fora do banheiro, até a cama imensa no quarto. Os corpos estavam molhados, ainda escorregadios nos lugares em que algumas bolhas errantes de sabonete permaneciam, quando subiram juntos no colchão num abraço íntimo.
Ele manteve as pernas dela ao seu redor ao deitar de costas, acomodando-a por cima. Penetrou-a, preenchendo-a à perfeição. Ela inclinou a cabeça para trás e exalou um suspiro de prazer quando ele se ajustou até o fundo.
– Você é tão linda – murmurou ele, seu toque viajando pela pele sensível.
Ela abriu os olhos e o fitou.
– Quero ser bonita para você. É assim que você me faz sentir. – Ela sustentou o olhar ardente âmbar, forçando-se a não recuar por timidez ante a emoção que a assolava. Sentia-se segura com ele. Segura o bastante para lhe dizer o que se passava em seu coração. – Estou feliz, Brock, pela primeira vez em muito tempo. Por sua causa, tenho sentido tantas coisas...
– Jenna – murmurou ele, franzindo a testa conforme suas feições se tornavam sérias.
Ela avançou, já tendo passado pela beira do precipício, determinada a despencar de vez.
– Sei que você disse que não queria complicações, nem relacionamentos de longo prazo. Sei que você disse que não quer se envolver...
– Estou envolvido – disse ele, passando as mãos pelas laterais do corpo dela, parando no quadril onde seus corpos estavam intimamente unidos. Balançou o corpo devagar. – Não há como nos envolvermos mais do que isto. Deus, nunca esperava por você, Jenna. Pensei que estava agindo com cautela, mas você mudou tudo. – O toque dele foi leve ao acariciá-la no rosto e na mandíbula. – Não tenho as respostas no que se refere a você... a nós... e ao que temos juntos.
Ela engoliu em seco, meneando a cabeça.
– Não quis me apaixonar – sussurrou. – Não achei que, um dia, voltaria a me apaixonar.
Ele a manteve cativa num olhar carinhoso.
– E eu disse a mim mesmo que não o faria.
Jenna abriu os lábios, sem saber bem o que dizer. Um instante depois, isso deixou de ter importância. Brock a trouxe para baixo e a beijou, abraçando-a. A boca pressionou a sua, a língua passando em meio aos lábios dela, enlouquecendo-a com a necessidade de mais. Ela enterrou o quadril ao encontro do dele, o calor se acendendo em seu centro e se espalhando para cada terminação nervosa.
Soergueu-se, arfando, sem conseguir deixar de se mover, já que seu desejo passara ao ponto de ebulição.
– Você está no controle, querida – disse ele, a voz espessa e rouca. – Pegue o que quiser.
Ela fitou-lhe a garganta, observando a veia que pulsava com tanta força na lateral do pescoço. Uma fome a atingiu por dentro, assustando-a com tamanha ferocidade. Desviou o olhar e se deparou com o calor brilhante dos olhos transfigurados.
– O que quiser – repetiu ele, parecendo mais do que ansioso para que ela fizesse o que quer que estivesse pensando.
Ela balançou acima dele, saboreando a sensação dos corpos unidos, já meio tonta de excitação. Seu orgasmo a atingiu com rapidez. Ela bem que tentou retardá-lo, mas as sensações a inundaram enquanto ela cavalgava no calor e na força do sexo de Brock.
Ele a observava com ávido interesse, os lábios retraídos revelando as presas, os tendões esticados no pescoço enquanto ele erguia os ombros da cama. Jenna não conseguia desviar os olhos da batida frenética da pulsação dele, que ecoava em seus ossos, em suas veias, no ritmo impaciente do seu corpo, enquanto ela estremecia com a súbita detonação do seu gozo.
– Isso... – gemeu ele, espalmando as mãos nas costas dela para impedi-la de se afastar quando o desejo a assolou tal qual uma onda. – Solte, Jenna. Tudo o que quiser...
Com um grito estrangulado que não conseguiu refrear, ela afundou o rosto na lateral do pescoço e mordeu com força. O sangue inundou sua boca, quente, espesso e doce.
Brock sibilou uma imprecação que não soou nem um pouco pesarosa. Seu corpo estremeceu quando a penetrou mais profundamente, elevando o desejo dela ainda mais. Ele gritou em seu orgasmo, a pulsação reverberando na ponta da língua de Jenna enquanto ela fechava os lábios sobre a veia aberta e começava a beber.
Capítulo 29
Dois dias haviam se passado desde o ataque à família de Lazaro Archer e da missão de resgate que salvara o jovem Kellan. O garoto se recuperava fisicamente da captura e dos maus-tratos, mas Jenna sabia tão bem quanto qualquer pessoa que as cicatrizes emocionais – a realidade do que perdera num momento infernal – estariam com ele muito depois que os ferimentos e hematomas tivessem desaparecido. Só esperava que ele encontrasse os meios de lidar com essas cicatrizes em menos tempo e com menos sofrimento do que ela para lidar com as suas.
Desejou o mesmo para o avô dele, embora Lazaro Archer mal parecesse necessitar da empatia de alguém. Depois que a cerimônia fúnebre do filho, Christophe, foi realizada no complexo, Lazaro recusara-se a comentar sobre aquela noite violenta. Desde então, ele se devotava a trabalhar ao lado da Ordem. O civil da Primeira Geração agora parecia tão determinado quanto qualquer um dos guerreiros a ver Dragos e a sua operação inteira destruídos.
Jenna conhecia esse sentimento. Era enlouquecedor pensar que um mal como Dragos estivesse à solta no mundo. Ele vinha incrementando sua operação, o que significava que a Ordem não podia se dar ao luxo de deixar passar nenhuma oportunidade de levar a melhor. Depois do que ele se mostrou disposto a fazer com Lazaro Archer e a família, Jenna não conseguia deixar de se preocupar ainda mais com o grupo de Companheiras de Raça que se sabia estar sob seu domínio.
Pelo menos nesse front, havia uma centelha de esperança. Dylan recebera naquela manhã um telefonema da administradora do asilo em Gloucester em que estava a Irmã Margaret Howland. A freira idosa ficara sabendo que Dylan havia solicitado permissão para visitá-la e estava animada em ter companhia para conversar.
Jenna fora a primeira a se prontificar quando Dylan anunciou a excursão daquela tarde. Renata e Alex também se ofereceram para acompanhá-las, todas ansiosas para ver se os retratos falados das Companheiras de Raça prisioneiras providenciados por Claire Reichen dariam frutos.
Agora, enquanto as quatro mulheres dirigiam para Gloucester num dos Rovers pretos da frota da Ordem, só o que ousavam desejar era alguns momentos de clareza mental da freira idosa.
Mesmo Lucan teve que concordar que se conseguissem obter pelo menos o nome de uma das fêmeas, isso já faria a missão inteira ter valido a pena.
Brock não se mostrara muito animado ante a perspectiva de Jenna sair do complexo, ainda mais tão pouco tempo depois da violência perpetrada contra a família de Lazaro Archer. Ele se preocupava, como sempre, mas enquanto isso antes a teria irritado, agora a alegrava.
Ele se preocupava com ela, e Jenna tinha que admitir que a sensação de ter alguém cuidando da sua retaguarda era muito agradável. Mais do que isso, acreditava que Brock era um homem que protegeria seu coração com o mesmo cuidado com que cuidava da sua segurança e do seu bem-estar.
Desejou que fosse assim porque, nos últimos dias – e noites incríveis –, ela depositou seu coração aberto nas mãos dele.
– Chegamos – disse Dylan do banco da frente enquanto Renata manobrava para entrar na passagem de carros do asilo. – A administradora me disse que a Irmã Margaret toma seu chá da tarde mais ou menos nesta hora na biblioteca. E que podemos ir direto para lá.
– Ali está. – Alex apontou para uma placa grossa de bronze ressaltada em meio a um monte de neve diante de um chalezinho de madeira.
Renata parou no estacionamento meio deserto e desligou o motor.
– Boa sorte para nós, certo? Jenna, pode pegar a bolsa de couro no porta-malas?
Ela se virou para pegar o conjunto de arquivos e blocos de anotação do bagageiro, depois saiu do veículo com as amigas.
Enquanto Jenna dava a volta no carro, Dylan pegou a bolsa das mãos dela e a segurou junto ao peito. Pressionando os lábios, suspirou fundo.
Alex parou ao seu lado.
– O que foi?
– Toda a minha pesquisa dos últimos meses vai culminar neste momento. Se isso for um beco sem saída, meninas, então não faço ideia de onde começar a procurar em seguida.
– Relaxe – disse Renata, segurando Dylan pelos ombros num abraço fraternal. – Você se esforçou muito nessa investigação. Não teríamos chegado até aqui se não fosse por você. Por você e por Claire.
Dylan assentiu, apesar de não se mostrar muito esperançosa com o discurso incentivador.
– Só precisamos de uma pista concreta. Acho que não vou aguentar se a gente voltar para o ponto de partida.
– Se tivermos que recomeçar – disse Jenna –, então vamos nos esforçar ainda mais. Juntas.
Renata sorriu, os olhos verde-claros cintilando ao fechar o casaco de couro para esconder as adagas e o coldre que se esparramava ao redor do quadril coberto pela calça de uniforme.
– Venham. Vamos tomar chá com algumas velhinhas legais.
Jenna achou melhor também fechar o casaco, já que Brock insistira para que ela portasse uma arma sempre que saísse do complexo. Parecia estranho voltar a carregar uma arma de fogo, mas era um tipo diferente de sensação de quando morava no Alasca.
Tudo nela parecia diverso.
Estava diferente, e gostava da pessoa que estava se tornando.
Mais importante: estava aprendendo a perdoar a pessoa que fora no Alasca.
Deixara uma parte sua para trás em Harmony, uma parte que jamais tomaria de volta, mas, ao entrar no chalé aquecido da biblioteca com Renata, Dylan e Alex, não conseguia imaginar-se voltando a ser a mulher que fora antes. Tinha amigos ali agora, e um trabalho importante que precisava ser feito.
Acima de tudo, ela tinha Brock.
Foi esse pensamento que a fez sorrir um pouco mais enquanto Dylan as conduzia na direção de uma senhora de aparência frágil que estava sentada num sofá florido próximo à lareira da biblioteca. Olhos azuis embaçados piscaram algumas vezes por baixo de uma nuvem de cabelos brancos fofos e encaracolados. Jenna ainda conseguia enxergar a expressão bondosa da freira daquela fotografia do abrigo no rosto enrugado que fitava de baixo as mulheres da Ordem.
– Irmã Margaret? – disse Dylan, estendendo a mão. – Sou a filha de Sharon Alexander, Dylan. E estas são as minhas amigas.
– Ah, meu Deus – exclamou a freira amigável. – Me disseram que eu teria companhia no chá de hoje. Por favor, meninas, sentem-se. É tão raro eu ter visitas.
Dylan se sentou no sofá ao lado dela. Jenna e Alex ao lado da mesinha, num par de cadeiras de balanço. Renata se posicionou com as costas contra a parede, os olhos fixos na porta – uma guerreira treinada, sempre de prontidão.
Pouco importava que as únicas pessoas além delas quatro e da Irmã Margaret eram outras duas senhoras de cabelos brancos cambaleando atrás de andadores de metal, usando pingentes com botão de emergência pendurados nos pescoços junto com seus rosários.
Jenna ouvia distraída enquanto Dylan jogava um pouco de conversa fora com a freira, antes de se dirigir ao propósito daquela visita. Pegou um punhado de desenhos, tentando, desesperadamente, aguçar a memória falha da freira anciã. Mas isso não pareceu dar muito resultado.
– Tem certeza de que não se lembra de nenhuma dessas moças da época do abrigo? – Dylan colocou mais alguns retratos diante da senhora. A freira estreitou os olhos ante os rostos desenhados, mas não houve nenhum sinal de reconhecimento nos olhos azuis gentis. – Tente, por favor, Irmã Margaret. Qualquer coisa que lembrar pode nos ajudar.
– Sinto muito, minha querida. Lamento que minha memória não seja mais o que costumava ser. – Pegou uma xícara e sorveu um gole. – Mas, pensando bem, nunca fui muito boa com nomes e rostos. Deus achou por bem me abençoar de outras maneiras, imagino.
Jenna viu quando Dylan murchou ao juntar, com relutância, os desenhos.
– Tudo bem, Irmã Margaret. Agradeço por ter nos recebido.
– Ora, meu Deus – disse a freira, abaixando a xícara no pires. – Que anfitriã horrível eu sou! Esqueci-me de fazer chá para vocês, meninas.
Dylan apanhou a bolsa.
– Não é necessário. Não devemos tomar mais do seu tempo.
– Tolice. Vocês vieram tomar chá.
Quando ela se ergueu do sofá e se moveu na direção da pequena cozinha, Dylan lançou um olhar de desculpas para Jenna e as outras. Enquanto a freira se movimentava no cômodo ao lado, colocando água na chaleira e ajeitando as xícaras, Dylan juntou todos os desenhos e as fotografias. Guardou tudo de volta na bolsa de couro e a colocou no chão ao seu lado.
Depois de alguns minutos, a voz aguda da Irmã Margaret chegou até elas.
– A Irmã Grace as ajudou de algum modo, querida?
Dylan levantou o olhar, confusa.
– Irmã Grace?
– Sim. Irmã Grace Gilhooley. Ela e eu trabalhamos como voluntárias no abrigo juntas. Nós duas fazíamos parte do mesmo convento aqui em Boston.
– Caramba – Dylan disse baixinho, a animação reluzindo nos olhos. Ela se levantou do sofá e entrou na cozinha. – Eu adoraria conversar com a Irmã Grace. Por acaso a senhora sabe onde podemos encontrá-la?
A freira assentiu com bastante orgulho.
– Mas claro que sei. Ela mora a uns quinze minutos daqui, seguindo o litoral. O pai dela era capitão. Ou pescador. Bem, não me recordo muito bem, para falar a verdade.
– Não tem problema – garantiu Dylan. – Pode nos fornecer o telefone dela ou o endereço, para que possamos entrar em contato?
– Vou fazer mais do que isso, querida. Eu mesma vou ligar para avisá-la de que gostariam de lhe fazer perguntas a respeito das meninas do abrigo. – Atrás da freira, uma chaleira começou a apitar. Ela sorriu, tão sorridente quanto uma vovozinha. – Mas, primeiro, vamos tomar chá juntas.
Engoliram o chá o mais rápido que conseguiram sem parecer rudes.
Mesmo assim, levaram mais de vinte minutos para deixarem a doce Irmã Margaret Mary Howland. Felizmente, sua oferta de telefonar para a Irmã Grace se mostrou útil.
A outra freira aposentada aparentemente estava em melhores condições de saúde, morando sem ajuda, e, pelo lado da conversa que Jenna e as outras conseguiram ouvir, pareceu que a Irmã Grace estava disposta a conceder quaisquer informações que elas precisassem sobre o trabalho no abrigo de Nova York.
– Lugar agradável – Jenna observou enquanto Renata dirigia o Rover ao longo da estrada do litoral que conduzia a uma reservada casa amarela alegre ao estilo vitoriano na ponta de uma península de terras rochosas.
A casa grande devia fazer parte de uma propriedade de quase um hectare, um selo de correio se comparado às propriedades no Alasca, mas obviamente um cenário luxuoso ali no litoral de Cape Cod. Com a neve tomando conta do jardim e das rochas ao lado, o oceano azul se estendendo até o horizonte, a bela casa vitoriana amarelo-canário parecia tão salutar e convidativa quanto um raio de sol em meio a tanto frio e inverno.
– Espero termos mais sorte aqui – disse Alex, com Jenna no banco de trás, espiando a propriedade impressionante enquanto acompanhavam a cerca branca da frente, antes de virarem para a entrada de carros.
Enquanto Renata estacionava o Rover perto da casa, Dylan se virou para trás no banco ao seu lado.
– Se ela não conseguir nos ajudar a identificar algumas das mulheres desaparecidas do abrigo em Nova York, talvez consiga nos dizer os nomes das Companheiras de Raça dos dois novos desenhos que Claire Reichen nos deu.
Jenna saiu do banco de trás do carro junto com Alex, as duas dando a volta no Rover, onde Renata e Dylan já aguardavam.
– Não sabia que havia desenhos novos.
– Elise os apanhou de seu amigo do Refúgio Secreto ontem.
Dylan entregou o arquivo para Jenna enquanto andavam até a varanda da frente da casa. Ela abriu a pasta enquanto seguia as companheiras pelos degraus de madeira que rangiam até a porta da frente. Relanceou para os desenhos, baseados nas lembranças de Claire sobre os rostos que vira há alguns meses, quando seu dom de vagar pelos sonhos lhe dera acesso inesperado a um dos laboratórios escondidos de Dragos.
Dylan tocou a campainha.
– Cruzem os dedos. Droga, podem rezar, já que estamos aqui.
Uma empregada apareceu um momento depois e as informou educadamente que já estavam sendo esperadas. Nesse meio-tempo, Jenna estudou os dois desenhos mais atentamente... E seu coração despencou tal qual uma pedra até o estômago.
Uma imagem de uma jovem com cabelos escuros lisos e olhos amendoados a fitava. O rosto delicado era-lhe familiar, mesmo no desenho a lápis que não capturara o impacto total da beleza exótica.
Corinne.
A Corinne de Brock.
Podia ser mesmo ela? E se fosse, como? Ele tinha tanta certeza de que ela estava morta. Contara-lhe que vira o corpo da Companheira de Raça depois de ele ter sido recuperado do rio. Pensando bem, ele também mencionara que fazia meses desde que ela desaparecera antes que os restos fossem encontrados, e tudo o que tiveram para identificá-la foram as roupas e o colar que estivera usando no dia do desaparecimento.
Ah, Deus... Ela poderia estar viva? De algum modo acabara nas mãos de Dragos e estava sendo mantida em cativeiro por todo aquele tempo?
Jenna estava atordoada demais para falar, entorpecida demais para fazer qualquer outra coisa que não seguir as amigas pela casa depois que a empregada as convidara a entrar. Uma parte sua tinha esperanças de que a jovem presumidamente morta estivesse, de fato, viva.
No entanto, outra parte sua se agarrava a um medo vergonhoso: o medo de que aquele conhecimento lhe custasse o homem que amava.
Tinha que telefonar para Brock o quanto antes. Era a coisa certa a fazer – ele tinha que saber a verdade. Tinha que ver o retrato por si só e determinar se as suas suspeitas estavam corretas.
– Por favor, fiquem à vontade. Vou avisar a Irmã Grace que vocês chegaram – disse a agradável mulher ao deixar Jenna e as outras sozinhas na sala de estar.
– Alex – murmurou Jenna, dando um puxão na manga do casaco dela. – Preciso ligar para o complexo.
Alex franziu o cenho.
– O que aconteceu?
– Este desenho – disse ela, relanceando uma vez mais e tendo a mais absoluta certeza agora de que Claire Reichen vira Corinne em seus sonhos do covil de Dragos. – Reconheço o rosto desta mulher. Já o vi antes.
– O quê? – respondeu Alex, pegando a pasta das mãos dela. – Jen, você tem certeza?
Renata e Dylan se aproximaram também, as três companheiras de Jenna se apertando na sala de estar pacata da casa. Ela apontou para o rosto delicado da jovem de cabelos escuros do desenho.
– Acho que sei quem é esta Companheira de Raça.
– Ora, por favor, minha querida – disse uma voz feminina e fria. – Conte quem é.
O olhar de Jenna se ergueu de pronto e atravessou a sala até encontrar um par de calmos olhos cinza que a fitavam a partir de um rosto enrugado e belo. Os cabelos grisalhos longos presos num rabo frouxo, o vestido floral e a blusa de lã branca da Irmã Grace Gilhooley faziam-na parecer ter acabado de sair de um quadro de Norman Rockwell.
Mas aqueles olhos a denunciaram.
Os olhos enfadonhos e o formigamento dos sentidos de Jenna, que se acenderam como uma árvore de Natal assim que a mulher entrou na sala.
Jenna sustentou seu olhar de serpente, percebendo naquele momento o que, exatamente, a boa freira era.
– Puta merda – disse, relembrando o olhar peculiar dos agentes do FBI que tentaram matar ela e Brock em Nova York há poucos dias. Jenna relanceou para Renata. – Ela é uma maldita Serva Humana.
Capítulo 30
– Acho que essa é a décima vez que você olha essa coisa desde que veio para cá. – Brock caçoou de Dante enquanto o guerreiro – ansioso, pois faltava pouco para virar papai – se afastava do grupo na sala das armas para olhar seu palmtop. – Cara, você está mais irrequieto que um gato.
– Tess está descansando no quarto – respondeu Dante. – Disse para ela me mandar uma mensagem caso precise de alguma coisa.
Pelo visto sem ver nenhuma mensagem depois dos últimos cinco minutos que consultara o aparelho, ele voltou a colocá-lo sobre a mesa e retornou para a parte de prática de tiros onde Brock, Kade, Rio e Niko esperavam para voltar a praticar tiro ao alvo.
Enquanto Dante voltava para junto dos seus irmãos, Niko o fitou com fingida intensidade, chegando bem perto e encarando-o no rosto antes de dar de ombros.
– Puxa vida. Nada aí, no fim das contas.
– O que foi? – perguntou Dante, as sobrancelhas pretas se juntando numa carranca. – Que diabos você está fazendo?
Niko sorriu, revelando suas covinhas.
– Só estou procurando por um aro no nariz ou algo assim. Achei que Tess o tivesse mandado instalar para combinar com as rédeas curtas com que te prende.
– Não enche – disse Dante rindo. Apontou um dedo na direção de Niko. – Vou te lembrar disso quando a Renata estiver com oito meses e meio de gestação e for a sua vez de se preocupar.
– Não precisa esperar até lá – Kade interveio. – Renata já o treinou para atender ao primeiro chamado. Ela também deve ter colocado um par de rédeas nele.
– Ah é? – Niko pôs as mãos no cinto e fez que ia soltá-lo. – Me dá só um segundo para eu te mostrar.
Brock meneou a cabeça para os irmãos, sem estar com vontade de participar das tiradas sobre as Companheiras de Raça e seus possíveis bebês. Não conseguia parar de pensar em Jenna, e em como poderia encontrar uma maneira de terem um futuro juntos.
Ela não era Companheira de Raça, e isso o incomodava. Não pelo fato de nunca poderem ter filhos. Nem pela ausência do elo de sangue, que os uniria inexoravelmente pelo resto de suas vidas.
Ele não necessitava de um elo de sangue para fortalecer o que sentia por Jenna. Ela já era sua parceira, em todas as maneiras que contavam. Ele a amava, e apesar de não saber como seria seu futuro, não conseguia se imaginar vivendo sem ela.
Olhou para os demais guerreiros com ele na sala de armas, e soube que morreria por Jenna caso fosse preciso – assim como qualquer outro macho da Raça comprometido.
Enquanto seu olhar passava de Kade para Niko e Dante, percebeu que Rio estivera calado nos últimos minutos. O guerreiro espanhol cheio de cicatrizes estava recostado numa das paredes, olhando para o infinito enquanto esfregava um círculo no meio do peito distraidamente.
– Você está bem, Rio?
Ele relanceou para Brock e deu de ombros de leve. O punho ainda formava círculos bem em cima do coração.
– Que horas são?
Brock consultou o relógio na parede oposta do cômodo.
– Quase três e meia.
– As mulheres devem ligar daqui a pouco – disse Kade. Seu olhar pareceu preocupado também, as íris prateadas revelando uma nota de ansiedade.
Niko abaixou a arma e pegou o telefone.
– Vou ligar para Renata. De repente, fiquei com uma sensação esquisita.
– Pois é – concordou Kade. – Não acha que alguma coisa deu errado, acha?
Apesar de Brock não estar gostando da repentina vibração que emanava da sua irmandade, disse para si mesmo que estava tudo bem. A excursão que Jenna e as outras fêmeas estavam fazendo não passava de uma pequena viagem até Cape Cod. Uma visita a uma freira septuagenária, pelo amor de Deus.
Jenna havia levado uma arma, assim como Renata, e as duas sabiam cuidar de si mesmas. Não havia motivos para se preocuparem.
Dante se aproximou, parecendo preocupado, enquanto Niko esperava no silêncio prolongado para que sua companheira atendesse.
– Não atende?
– Não – Niko respondeu baixinho.
– Madre de Dios – Rio exclamou ao se afastar da parede. – Alguma coisa assustou Dylan. Sinto isso em minhas veias.
Brock registrou o alarme passando por cada um dos seus irmãos.
– Vocês dois também? – perguntou, lançando um olhar sério para Kade e Niko.
– A minha pulsação acabou de acelerar – disse Kade. – Merda. Alguma coisa muito ruim está acontecendo com Alex e as outras.
– Vai demorar pelo menos mais uma hora para escurecer – Dante os lembrou, solene ao dar o aviso.
– Não temos tanto tempo assim – disse Niko. – Temos que ir atrás delas agora.
Com Dante fitando-os, Brock se pôs atrás dos seus três companheiros guerreiros, sentindo-se perdido, dependendo dos instintos deles para guiá-lo na direção de qualquer que fosse o perigo que agora ameaçava Jenna e as companheiras dos outros machos.
Inferno. Jenna estava em perigo e ele não fazia a mínima ideia.
Ela podia estar morrendo naquele exato instante, e ele só saberia ao se ver diante do corpo.
Essa percepção era tão fria quanto a própria morte, alcançando seu peito e contraindo seu coração num punho gélido.
– Vamos – bradou para a irmandade.
Juntos, os quatro saíram correndo da sala de armas, juntando suas pistolas e munição antes de irem.
Na mesma hora, Jenna e Renata sacaram suas armas e as apontaram para a freira sorridente – a Serva, cujos olhos mortos olhavam através delas como se elas não estivessem ali.
Como se não fossem nada, não tivessem valor.
O que, para aquela mulher, Jenna sabia que elas não eram e não tinham.
Atrás da Irmã Grace, dois homenzarrões apareceram. Estiveram pairando nas sombras no corredor atrás delas, trazidos à frente antes mesmo de Jenna e Renata sacarem seus revólveres. Os olhos dos homens tinham a mesma frieza dos da freira. Cada um segurava uma pistola grande – uma mirada em Renata e a outra em Jenna.
O impasse se manteve num silêncio alerta por um instante, tempo que ela usou para calcular maneiras viáveis de desabilitar um ou os dois homens sem colocar Alex e Dylan em perigo. Mas, caramba, nada parecia possível. Mesmo que ela pudesse dispor da velocidade aumentada dos seus reflexos causada pelo implante, o risco às suas amigas parecia grande demais.
Em seguida, mais más notícias.
De algum lugar à sua esquerda, outro Servo Humano se apresentou e apoiou o cano frio de um revólver em sua cabeça.
A freira deu um falso sorriso.
– Terei que pedir a vocês duas que abaixem suas armas agora.
Renata não cedeu. Tampouco Jenna, apesar do clique metálico dentro da câmara das balas do revólver do Servo ao seu lado.
– Há quanto tempo vem trabalhando para Dragos? – Renata perguntou à escrava da mente. – Ele é o seu Mestre, estou certa?
Irmã Grace piscou, impassível.
– Vou repetir, queridas. Abaixem as armas. O tapete em que estão é da minha família há mais de duzentos anos. Seria uma pena arruiná-lo se Arthur ou Patrick tivesse que meter a porra de uma bala em vocês.
O peito de Jenna se contraiu de medo ao pensar que uma de suas amigas pudesse ser ferida nas mãos daqueles cretinos. Aguardou num silêncio tenso, aterrorizante, observando os músculos dos braços de Renata perderem um pouco da rigidez. Jenna pensou que ela estivesse prestes a obedecer, mas o olhar de esguelha sutil que ela lhe lançou pareceu indicar o contrário.
Jenna retribuiu o olhar com outro seu quase imperceptível. Só haveria uma chance de agir. Uma fração de segundo para fazer aquilo dar certo ou perder tudo.
Renata exalou um suspiro resignado.
Começou a abaixar a pistola...
Enquanto ela fazia isso, Jenna agregou toda a velocidade dos tendões e nervos dos seus braços humanos. Girou com uma rapidez impossível e quebrou o pulso do Servo que segurava a arma na sua cabeça. Ele berrou de dor, provocando o caos na sala inteira.
No que pareceu um movimento em câmera lenta para Jenna, mas que provavelmente se passou em frações de segundos, ela abaixou sua arma para o Servo caído e atirou duas vezes em sua cabeça. Nesse meio-tempo, Renata atirou em um dos que estavam atrás da freira. Quando jorrou uma fonte de sangue do peito do segundo Servo antes que ele caísse no chão, a Irmã Grace se virou para correr pelo corredor.
Jenna estava em cima dela antes que desse dois passos.
Lançou-se sobre a Serva, derrubando-a em um instante. Esticou as mãos e empurrou-a para trás, fazendo o monstro de cabelos grisalhos voar pelos ares. Ela se espatifou no chão da sala enquanto Renata acertava o último dos Servos machos, deixando o corpo se retorcendo e sangrando sobre o tapete de família.
Jenna se aproximou da freira rastejante e a suspendeu, levando-a até uma poltrona delicada de seda próxima à janela.
– Comece a falar, vadia. Há quanto tempo está servindo a Dragos? Já pertencia a ele quando começou a trabalhar no abrigo?
A Serva sorriu através dos dentes ensanguentados e balançou a cabeça.
– Não vai conseguir nada de mim. Você não me assusta. A morte não me assusta.
Enquanto falava, passadas pesadas ecoaram em alguma parte embaixo da casa. Mais dois Servos, subindo do porão. A porta do corredor se abriu num rompante quando eles entraram de repente. Renata se virou e acertou-os bem no meio da cabeça, detendo-os na mesma hora.
Dylan deu um gritinho de vitória quando a casa voltou a ficar silenciosa.
Mas, logo depois... Sons de vozes baixas vindos do porão logo abaixo.
Vozes femininas.
Mais de uma dúzia de vozes diferentes, todas gritando e berrando, chamando por quem quer que pudesse ouvi-las.
– Puta merda – murmurou Alex.
Os olhos de Dylan se arregalaram.
– Não estão achando que...
– Vamos lá ver – disse Renata. Virou-se para Jenna. – Vai ficar bem aqui em cima?
Jenna assentiu.
– Sim, estou bem. Seguro as pontas até vocês voltarem. Vão.
Nesse breve momento de desatenção, a Irmã Grace se remexeu no sofazinho, enfiando a mão no bolso do vestido. Jenna voltou a olhar para ela bem a tempo de vê-la colocando algo pequeno na boca. Ela engoliu rapidamente o tal objeto. Os tendões de sua garganta se contraíram. Sua boca começou a espumar.
– Merda! – exclamou Jenna. – Ela está se envenenando!
– Essa já morreu. Esqueça essa vaca – disse Renata. – Venha com a gente, Jenna.
Ela deu as costas para a Serva, deixando o corpo convulsionando no chão. Juntas, ela e as outras mulheres desceram correndo os degraus velhos que conduziam a um porão mal iluminado enorme que parecia entalhado nas rochas da península.
Quanto mais desciam, mais altos se tornavam os gritos por socorro.
– Nós estamos ouvindo vocês! – gritou Dylan para as mulheres aterrorizadas. – Está tudo bem, nós as encontramos!
Jenna não estava preparada para o que as esperava quando o porão se alargou diante delas. Havia uma enorme cela encravada na rocha, fechada por uma grade de ferro. Dentro dela, mais de vinte mulheres – sujas, desgrenhadas, maltrapilhas. Algumas estavam em estágios avançados de gestação. Outras, magras como crianças abandonadas. Pareciam as piores prisioneiras de guerra, negligenciadas e esquecidas, a maioria dos rostos sem expressão e cansada.
Encararam suas salvadoras, algumas mudas, outras chorando baixinho, enquanto outras ainda soluçavam alto num choro descontrolado.
– Jesus – alguém sussurrou, talvez a própria Jenna.
– Vamos tirá-las daí – disse Renata, a voz saindo desajeitada. – Procurem por uma chave que entre nessa maldita grade.
Dylan e Alex começaram a procurar no espaço escuro. Jenna andou até o canto oposto, que pareceu continuar até o infinito em buracos na caverna do velho porão. Em sua visão periférica, percebeu o movimento fortuito da mão de uma das prisioneiras. Ela estava tentando atrair a atenção de Jenna, gesticulando sorrateira na direção de um dos túneis não iluminados que se estendiam no fundo daquele lugar sombrio.
Tentando alertá-la.
Jenna ouviu o raspar quase inaudível de passadas vindas da escuridão. Virou a cabeça – bem a tempo de ver o clarão de um metal, um movimento apressado. Então, sentiu o baque do corpo de outro Servo, empurrando-a com força, quase derrubando-a no chão.
– Jenna! – Alex gritou. – Renata, ajude-a!
O som de um disparo ecoou como o tiro de um canhão no espaço fechado. As prisioneiras gritaram e se encolheram no fundo da cela.
– Está tudo bem – disse Jenna. – Ele está morto. Todas vão ficar bem.
Ela empurrou o corpo inerte e saiu de debaixo dele. Uma coisa metálica tilintou quando o Servo rolou de costas e deu seu último suspiro.
– Acho que encontrei a chave – disse ela, inclinando-se para puxar o molho de chaves do bolso da calça dele.
Correu até a grade da cela e começou a procurar por aquela que se encaixava na fechadura. O sangue do Servo sujou seu casaco e suas mãos, mas ela não se importou. Só o que importava era tirar as Companheiras de Raça daquele cativeiro.
A trava se abriu na segunda tentativa.
– Ah, graças a Deus! – arfou Dylan. – Venham todas. Estão seguras agora.
Jenna abriu a porta grande de ferro e observou com certo orgulho e alívio quando as primeiras prisioneiras começaram a sair da cela. Uma a uma, mulher a mulher, elas saíram, finalmente livres.
Capítulo 31
Faltavam poucos quilômetros para que os guerreiros chegassem ao local quando Rio recebeu um telefonema animado de Dylan, contando-lhe tudo o que acontecera. Mesmo sabendo o que veriam, e que, por algum milagre, ela, Alex, Renata e Jenna tinham conseguido encontrar e libertar as prisioneiras que Dragos mantinha em cativeiro há tantos anos, Brock e seus irmãos sentados no SUV da Ordem não estavam preparados para o cenário que os recebeu ao trafegarem pela estrada à beira-mar em direção à grande casa amarela nas rochas.
O sol acabara de se pôr no horizonte oposto, lançando suas últimas sombras alongadas sobre o terreno coberto de neve do jardim da casa ao estilo vitoriano. E nesse jardim, saindo pela porta da frente envoltas em cobertas, mantas e colchas de retalhos, havia pelo menos uma dúzia de jovens mulheres maltrapilhas e famintas.
Companheiras de Raça.
Já havia algumas dentro do Rover estacionado na passagem de carros. Outras estavam sendo conduzidas para fora da casa por Alex e Dylan.
– Jesus Cristo – sussurrou Brock, admirado com a enormidade do que acontecera.
Renata estava parada ao lado do Rover, ajudando uma das ex-prisioneiras a subir no banco de passageiros do carro.
Onde diabos estaria Jenna?
Brock perscrutou o local num rápido passar de olhos, o coração saltando do peito. Deus, e se ela estivesse ferida? Dylan por certo teria dito se tivesse acontecido algum incidente, mas isso não impedia a pedra que se formava na base do seu estômago. Se alguma coisa tivesse acontecido com ela...
– Segurem-se firmes – disse Niko ao entrar na passagem para carros, em seguida levou o SUV direto para cima do gramado.
Brock saiu antes mesmo de o carro parar por completo.
Ele tinha que ver a sua mulher. Tinha que senti-la aquecida e segura em seus braços.
Correu através do jardim congelado, as botas diminuindo a distância em meros segundos.
Alex levantou o olhar enquanto ele corria em sua direção.
– Onde ela está? – exigiu saber. – Onde está Jenna? Aconteceu alguma coisa com ela?
– Ela está bem, Brock. – Alex gesticulou para a porta de entrada aberta, por onde se via o cadáver ensanguentado de pelo menos um Servo imóvel. – Jenna está trazendo as últimas mulheres do porão de onde estavam sendo mantidas presas.
Cambaleou ao ouvir que ela estava bem, sem conseguir esconder seu alívio.
– Tenho que vê-la.
Alex lhe deu um sorriso caloroso enquanto conduzia uma das Companheiras de Raça lívida e trêmula na direção de um dos carros que aguardava. Ele se adiantou e já estava para pisar na varanda.
– Brock?
A voz feminina frágil – tão inesperada, tão longinquamente familiar – o fez parar de imediato. Algo estalou dentro do seu cérebro. Uma centelha de descrença.
Um raio opressor de reconhecimento.
– Brock... É você mesmo?
Lentamente, ele se virou de frente para a fêmea pequenina de cabelos escuros que estava parada na passagem de carros, logo abaixo dos degraus da varanda. Ele não a notara quando passara por ela há segundos. Bom Cristo, ele não sabia se a teria reconhecido se ela o abordasse no meio da rua.
Mas conhecia aquela voz.
Por baixo da sujeira do cativeiro e da negligência que encovara suas faces, a pele de alabastro estava coberta de arranhões, e ele notou que sim, reconhecia também o rosto.
– Ah, meu Deus. – Ele se sentia sem ar, como se alguém tivesse lhe dado um soco nos pulmões. – Corinne?
– É você – sussurrou ela. – Nunca pensei que voltaria a vê-lo novamente.
Seu rosto se crispou e logo ela se pôs a chorar. Correu para junto dele, lançando os braços emaciados ao redor da sua cintura e chorando contra seu peito.
Ele a abraçou, sem saber o que fazer.
Sem saber o que pensar.
– Você estava morta – murmurou. – Desapareceu sem deixar rastro, e depois tiraram seu corpo do rio. Eu o vi. Você estava morta, Corinne.
– Não. – Meneou a cabeça com vigor, ainda soluçando, o pequenino corpo tremendo enquanto arfava. – Eles me levaram para longe.
A fúria se acendeu dentro dele, sobrepondo-se ao choque e à descrença.
– Quem a levou?
Ela soluçou, inspirando fundo.
– Não sei. Eles me levaram e me mantiveram prisioneira todo esse tempo. Eles... fizeram coisas horríveis. Fizeram coisas horrendas comigo, Brock.
Ela se afundou no abraço dele, agarrando-se a ele como se nunca quisesse soltar. Brock a abraçou, atônito com tudo o que ouvia.
Não sabia o que lhe dizer. Não entendia como o que ela dizia podia ser verdade.
Mas era.
Ela estava viva.
Depois de tantos anos – década após década de se culpar pela morte dela –, Corinne subitamente aparecia viva, respirando, abraçada a ele.
Jenna subiu os degraus do porão com as últimas prisioneiras. Mal conseguia acreditar que tudo havia terminado, que ela, Renata, Dylan e Alex tinham, de fato, localizado as mulheres e conseguido libertá-las.
Seu coração ainda batia rápido dentro do peito, sua pulsação ainda acelerada com a adrenalina e a sensação profunda de realização – de alívio, porque a provação daquelas quase vinte mulheres havia, finalmente, chegado ao fim. Conduziu a última ao largo dos Servos Humanos mortos na sala até a varanda. A noite já caíra, banhando o jardim abarrotado com tons tranquilos de azul.
Jenna inspirou o ar frio ao pisar na varanda atrás da cambaleante Companheira de Raça. Fitou a passagem de carros, onde Renata e Niko ajudavam algumas mulheres a entrar no Rover. Rio e Dylan, Kade e Alex estavam ocupados acompanhando outras prisioneiras libertas até o outro SUV da Ordem.
Mas foi ver Brock que a fez parar de pronto onde estava.
Seus pés simplesmente pararam de se mover, o coração rachando ao vê-lo num abraço afetuoso com uma fêmea morena e pequenina.
Jenna não precisava ver seu rosto para saber que seria o mesmo do desenho que Claire providenciara. Ou que a beldade frágil aninhada tão gentilmente nos braços fortes de Brock era a mesma jovem da fotografia que ele manteve consigo durante todos aqueles anos em que a acreditava morta.
Corinne.
Por algum milagre do destino, o amor passado de Brock retornara. Jenna abafou o choro amargo, percebendo que ele acabara de receber o impossível: o presente da ressurreição de um amor.
Por mais que a dilacerasse testemunhar aquilo, ela não conseguiu deixar de se emocionar com o encontro carinhoso.
E não suportou a ideia de interrompê-lo, por mais desesperada que estivesse em ser a mulher no abrigo dos braços dele naquele instante.
Fortalecendo-se, desceu da varanda e passou ao largo deles para continuar a evacuação das outras prisioneiras libertas.
Capítulo 32
Brock ergueu os olhos e viu Jenna se afastando dele, indo na direção da movimentação na passagem de carros.
Ela estava bem.
Graças a Deus.
Seu coração saltou dentro do peito, acelerando tanto com o alívio por vê-la que acreditou que fosse pular para fora.
– Jenna!
Ela se virou devagar, e o alívio que ele sentiu um momento antes escorreu pelos calcanhares. Seu rosto estava pálido e contraído. A frente de seu casaco estava rasgada em alguns pontos e manchada de vermelho.
– Jesus. – Ele se afastou de Corinne e correu até onde Jenna estava parada. Segurando-a pelos ombros, ele a avaliou dos pés à cabeça, seus sentidos da Raça aguçados pela presença de tanto sangue derramado. – Ah, Cristo... Jenna, o que aconteceu com você?
Seu rosto se crispou quando ela balançou a cabeça e se afastou dele.
– Estou bem. O sangue não é meu. Um dos Servos me atacou no porão. Atirei nele.
Brock sibilou, atormentado de preocupação apesar de ela estar ali na sua frente, garantindo estar bem.
– Quando fiquei sabendo que alguma coisa tinha dado errado aqui... – Sua voz se partiu numa imprecação. – Jenna, fiquei com tanto medo de que você estivesse ferida.
Ela balançou a cabeça, os olhos castanhos parecendo tristes, mas ainda firmes.
– Estou bem.
– E Corinne – disse ele, olhando para onde ela estava, parecendo pequena e desamparada, uma sombra apagada da garota vibrante que desaparecera em Detroit há tantas décadas. – Ela está viva, Jenna. Ela estava sendo aprisionada junto com as outras.
Jenna assentiu.
– Eu sei.
– Sabe? – Ele a encarou, confuso.
– Fiquei sabendo por um dos retratos falados que Claire Reichen providenciou – explicou. – Só o vi quando chegamos aqui, mas reconheci o rosto de Corinne da fotografia que você tem no seu quarto.
– Não acredito – murmurou ele, ainda atordoado por tudo o que ouvira. – Ela me contou que alguém a levou naquela noite. Ela não sabe quem foi. Não faço a mínima ideia de quem era o corpo que vi, e por que providenciaram para que se passasse por Corinne. Meu Deus... Não sei o que pensar disso tudo.
Jenna o ouviu tagarelar, a expressão paciente e compreensiva. Muito mais calma do que ele se sentia. Para dizer a verdade, ela estava firme, controlada, a profissional fria, apesar de ter passado por uma situação infernal.
A emoção o assolou, seu respeito por ela imensurável naquele instante.
Assim como seu amor por ela.
– Percebe o que realizaram aqui? – perguntou-lhe, esticando a mão para alisar o rosto manchado de sangue. – Meu Deus, Jenna. Eu não poderia estar mais orgulhoso de você.
Ele a beijou e a trouxe para perto de si, pronto para lhe dizer o quanto estava grato por tê-la em sua vida. Queria gritar seu amor por ela, mas a profundidade dos seus sentimentos devorou sua voz.
Rápido demais, porém, Jenna se soltou dele, ambos alertas pelos sons de passos se aproximando deles. Brock se virou de frente para Nikolai e Renata. Dylan passou por eles para ir buscar Corinne e conduzi-la com cuidado até a porta aberta do passageiro no Rover estacionado na passagem de carros.
Niko pigarreou pouco à vontade.
– Desculpe interromper, cara, mas precisamos ir. O Rover está quase cheio, e Rio já ligou para o complexo para pedir mais dois carros para apanhar as fêmeas restantes. Chase e Hunter já estão a caminho com o transporte adicional.
Brock assentiu.
– Elas vão precisar de abrigo em algum lugar.
– Andreas e Claire ofereceram a casa deles em Newport para todas as prisioneiras – respondeu Renata. – Rio vai levar um dos carros para lá agora.
– Certo – disse Niko. – Kade e eu vamos ficar aqui com Renata e Alex para limparmos a cena e esperar que Chase e Hunter cheguem com o carro extra para as mulheres e outro para nos levar de volta ao complexo.
– Precisamos de alguém para dirigir o Rover até Newport – disse Renata.
Brock estava prestes a se prontificar, mas não suportava a ideia de se afastar de Jenna, mesmo que por poucas horas.
Dividido, olhou para ela.
– Pode ir – disse ela.
Ele desejou abraçá-la e nunca mais soltá-la.
– Você vai ficar bem até eu voltar?
– Sim. Vou ficar bem, Brock. – Seu sorriso parecia um tanto triste. Suas mãos tremiam quando as ergueu para segurar de leve as dele. Beijou-o, apenas um leve roçar de lábios. – Não tem que se preocupar comigo. Faça o que tem que fazer.
– Temos que ir – Niko pressionou. – Este lugar precisa ficar limpo antes que algum humano curioso comece a querer farejar por perto.
Brock anuiu com relutância, afastando-se de Jenna. Ela fez um gesto de concordância com a cabeça, quando ele deu outro passo.
Ele se virou e partiu na direção do Rover. Ao se pôr atrás do volante e começar a seguir Rio no outro carro, uma parte sua não conseguiu deixar de pensar que o beijo casto que Jenna lhe dera lhe pareceu mais um adeus.
Jenna e os outros levaram mais de uma hora para despachar os Servos mortos e limpar a casa de todos os vestígios da batalha ocorrida ali dentro. Hunter e Chase já tinham chegado e ido embora com as últimas prisioneiras, deixando um dos SUVs da Ordem para a equipe de limpeza para que eles voltassem para o complexo.
Jenna trabalhou em silêncio, sentindo-se cansada, exausta – emocionalmente arrasada –, enquanto ajudava Alex a enrolar um dos tapetes ensanguentados para carregá-lo até o veículo estacionado.
Não conseguia deixar de pensar em Brock. Não conseguia deixar de temer ter cometido um erro enorme ao permitir que ele fosse para Newport com Corinne.
Ela quis, desesperadamente, telefonar para ele e pedir que voltasse logo.
Mas, por mais que desejasse tomá-lo para si, ela não poderia ser injusta com ele.
Recebera um milagre naquela noite, e ela jamais sonharia tentar tirar isso dele.
Quantas vezes rezara pedindo uma segunda chance com Mitch e Libby depois que os perdera? Quantas vezes desejara que as mortes deles não tivessem passado de um erro cósmico que, de algum modo, poderia ser reparado? Quantas vezes tivera esperanças de que alguma guinada impossível do destino acontecesse e lhe trouxesse de volta o amor que perdera?
Perguntou-se se ainda seria capaz de fazer esses pedidos. Sabia que não. Fazer tal coisa seria negar tudo o que sentia por Brock, algo que lhe parecia ainda mais impossível do que a reversão miraculosa da morte.
Mas, ao mesmo tempo, ela não podia pedir que Brock fizesse a mesma escolha.
Ainda que deixá-lo ir partisse seu coração.
Uma onda de tristeza a assolou ante tal pensamento. Ela se segurou à lateral do carro, as pernas quase cedendo debaixo de si.
Alex se pôs ao seu lado em um instante.
– Jen, você está bem?
Ela assentiu meio fraca, subitamente se sentindo mais oca por dentro. Sua cabeça girou, a visão começou a embaçar.
– Jenna? – Alex foi para frente dela e arquejou. – Ah, droga, Jenna. Você está sangrando.
Atordoada, ela olhou para baixo. Alex já desamarrava seu casaco ensanguentado. Quando a lã grossa foi afastada, ela viu a horrenda verdade do que provocou a palidez no rosto da amiga.
A mente de Jenna voltou para o instante em que havia visto algo metálico reluzindo no Servo que a atacara na escuridão do porão. Uma adaga, supôs agora, olhando para o sangue que empapava sua camisa e escorria pela perna, formando uma poça debaixo do seu pé.
– Kade, depressa! – exclamou Alex, o pânico crescendo em sua voz. – Renata, Niko, alguém, por favor. Jenna foi ferida!
Enquanto os outros saíam apressados da casa atendendo ao seu pedido de socorro, o mundo de Jenna começou a girar à sua volta. Ela ouvia seus amigos falando ansiosamente ao seu redor, mas não conseguia abrir os olhos. Não conseguiu impedir que as pernas cedessem sob seu peso.
Soltou-se do carro quando uma escuridão pesada se apossou dela.
Capítulo 33
A casa de Andreas e Claire Reichen em Newport parecia uma colmeia de atividade ansiosa enquanto as Companheiras de Raça resgatadas chegavam naquela noite e começaram a se acomodar na ampla propriedade localizada na baía Narragansett. Brock e Rio foram os primeiros a chegar. Hunter e Chase haviam chegado há pouco com o restante das antigas prisioneiras e estavam no processo de levá-las para dentro.
– Inacreditável – disse Reichen, com Brock no corredor do segundo andar, parado no lado que dava vista para o mar. O vampiro alemão e a sua companheira nascida na Nova Inglaterra já moravam na casa há alguns meses, o casal recém-unido tendo se mudado para os Estados Unidos depois de sobreviverem às próprias provações nas mãos de Dragos e de seus aliados perigosos. – Claire vinha sendo assombrada, durante todo esse tempo, pelo que vira em seu sonho ao andar pelo laboratório de Dragos, mas ver essas mulheres pessoalmente agora, vivas e livres de perigo depois de tanto tempo... Cristo, é demais para qualquer um.
Brock assentiu, ainda descrente de tudo aquilo.
– Foi muito gentil da sua parte e de Claire recebê-las.
– Não aceitaríamos que fosse de outro modo.
Os dois machos se voltaram quando Claire saiu de um quarto carregando uma braçada de toalhas dobradas. A morena pequenina e bela tinha um ar reluzente ao atravessar o corredor e se deparar com o olhar de aprovação do seu companheiro.
– Venho rezando para que este dia chegasse há muito tempo – disse ela, os olhos castanhos se deparando com Reichen e Brock. – Quase não ousava manter as esperanças de que isso chegasse mesmo a acontecer.
– O trabalho que você e as outras mulheres da Ordem fizeram é muito mais que admirável – respondeu ele, certo de que jamais se esqueceria da imagem de Jenna e das outras guiando as prisioneiras libertadas para fora da casa de fachada alegre que fora o mais recente cativeiro delas.
Deus, Jenna, pensou ele. Ela esteve em sua mente esse tempo todo. O único lugar em que desejava estar era ao lado dela – sentindo-a segura e aquecida em seus braços.
Fora ela o motivo de ele ter ido calado de Gloucester a Rhode Island, atormentado pelo fato de que Corinne vinha cochilando no banco do passageiro ao seu lado – inacreditavelmente viva, depois de tantos anos. No entanto, cada fibra do seu ser era atraída irremediavelmente na direção de Boston.
Para junto de Jenna.
Mas ele não poderia simplesmente se afastar de Corinne. Devia-lhe mais do que isso. Por sua causa, por causa do seu descuido ao protegê-la, ela fora arrancada de tudo o que conhecia, forçada a suportar torturas impronunciáveis nas mãos de Dragos. Por sua causa, a vida dela fora dizimada.
Como ele poderia simplesmente ignorar tudo isso e voltar para a felicidade que encontrara com Jenna?
Como que atraída pelos seus pensamentos sombrios, sentiu a presença de Corinne atrás dele.
Reichen e Claire não disseram nada ao olharem, depois se viraram ao mesmo tempo, deixando-o para enfrentar o fantasma do seu passado fracassado.
Ela havia tomado banho e colocado uma roupa limpa. Mas, Deus, ainda parecia pequena e frágil demais. A blusa de mangas longas e as calças de ioga pendiam largas no corpo diminuto. O rosto estava pálido e emaciado. Círculos escuros se destacavam por baixo dos olhos amendoados outrora cintilantes.
Com o cabelo escuro preso num rabo de cavalo, ele viu que ela parecia ter envelhecido desde que a vira aos dezoito anos. Ainda que a passagem dos anos a deixasse com quase noventa agora, Corinne parecia perto dos trinta. Apenas a ingestão regular do sangue dos da Raça teria conservado a sua juventude, e Brock sentia horror ao imaginar as circunstâncias em que esse tipo de alimentação pôde ter acontecido enquanto ela permanecia nos terríveis laboratórios de Dragos.
– Jesus, Corinne – murmurou, chegando mais perto quando ela permaneceu congelada e silenciosa a poucos metros dele no corredor das escadas. – Nem sei por onde começar.
Cicatrizes pequenas maculavam o belo rosto, que, em sua lembrança, sempre fora impecável. Os olhos ainda eram exóticos, ainda eram corajosos o bastante para não titubearem, nem mesmo sob exame tão detalhado, mas havia uma agitação neles agora. Não existia mais a criança levada, a doce inocente. Em seu lugar, restara uma sobrevivente calada e perspicaz.
Esticou a mão para tocar nela, mas Corinne se afastou, meneando a cabeça de leve. Ele deixou a mão cair, o punho cerrado ao seu lado.
– Ah, Cristo... Corinne... Consegue me perdoar?
As sobrancelhas finas se ergueram e se uniram.
– Não...
A negação dita tão suavemente foi como um golpe. Ele sabia que merecia, e mal conseguiria dizer uma palavra em sua defesa. Fracassara com ela. Talvez mais ainda do que se ela tivesse morrido tantos anos atrás. A morte teria sido melhor do que aquilo que ela provavelmente suportara estando prisioneira de um bastardo como Dragos.
– Sinto muito – murmurou, determinado a dizer as palavras ainda que ela continuasse movendo a cabeça, a carranca se acentuando. – Sei que meu pedido de desculpas não significa nada agora. Não muda nada para você, Corinne... Mas eu queria que soubesse que não se passou um dia sem que eu não pensasse em você e desejasse que eu tivesse estado lá. Desejei trocar de lugar com você, a minha vida pela sua...
– Não – disse ela, a voz mais forte do que antes. – Não, Brock. Foi isso o que pensou? Que o culpei pelo que me aconteceu?
Ele a fitou, atordoado pela ausência de raiva nos olhos dela.
– Você tem todo o direito de me culpar. Era meu dever protegê-la.
Seu olhar escuro se mostrou um pouco triste.
– E você me protegeu. Por mais impossível que eu fosse, você sempre me protegeu.
– Não naquela noite – ele a lembrou com seriedade.
– Não sei o que aconteceu naquela noite – murmurou. – Não sei quem me levou, mas não havia nada que você pudesse ter feito, Brock. Não se culpe. Nunca quis que pensasse isso.
– Procurei por você em todas as partes, Corinne. Durante semanas, meses... Anos depois que tiraram o corpo do rio... O seu corpo, acreditei... continuei procurando por você. – Ele inspirou fundo. – Eu jamais deveria ter tirado os olhos de você naquela noite, nem por um segundo. Fracassei...
– Não – disse ela, balançando a cabeça devagar, o rosto livre de recriminações, repleto de perdão. – Você nunca falhou comigo. Me mandou de volta para o clube naquela noite porque acreditou que eu estaria mais segura lá dentro. Como poderia saber que eu seria raptada? Você sempre agiu certo comigo, Brock.
Ele meneou a cabeça, atordoado pela absolvição, comovido pela determinação em sua voz. Ela não o culpava, e parte da culpa pesada que ele vinha carregando por tanto tempo simplesmente se dissipou.
Na onda de alívio que o assolou, ele pensou em Jenna, e na vida que desejava começar ao seu lado.
– Você está envolvido com alguém – disse Corinne, observando-o em silêncio. – A mulher que ajudou a nos salvar hoje.
Ele assentiu, o orgulho se avolumando dentro de si, apesar da dor do arrependimento que ainda sentia ao olhar para a jovem – a agora mulher séria e frágil na qual Corinne se transformara nos anos de aprisionamento por Dragos.
– Está apaixonado?
Ele não tinha como negar, nem mesmo para ela.
– Sim, estou. O nome dela é Jenna.
Corinne sorriu com tristeza.
– Ela é uma mulher de sorte. Estou contente que esteja feliz, Brock.
Tomado por gratidão e esperança, ele não se conteve e puxou Corinne para um abraço apertado. A princípio, ela permaneceu rija em seus braços, o corpo diminuto se retraindo como se aquele contato a tivesse assustado. Mas, aos poucos, ela foi relaxando, as mãos envolvendo-o por trás.
Ele a soltou após um momento e se afastou dela.
– E quanto a você? Vai ficar bem, Corinne?
Ela deu um sorriso frágil ao erguer o ombro fino.
– Eu só quero ir para casa. – Uma espécie de chaga, algo que parecia sangrar dentro dela como uma ferida aberta, anuviou seu olhar. – Eu só preciso estar com a minha família.
O tenente de Dragos começou a tremer ao anunciar a notícia ruim do dia.
Todas as fêmeas que Dragos havia coletado nas últimas décadas em seu laboratório particular – isto é, aquelas que sobreviveram aos experimentos prolongados e às necessidades gestacionais – foram descobertas e libertadas pela Ordem.
E o pior, foram as mulheres da Ordem, não Lucan e seus guerreiros, que fizeram a descoberta mais cedo naquele mesmo dia. A Serva Humana freira que o auxiliara em localizar as Companheiras de Raça para a sua causa e, mais recentemente, que se prestara como guardiã em sua pequena prisão no litoral fracassara em proteger seus interesses. A vaca inútil estava morta, mas não antes de lhe custar as cerca de vinte fêmeas em sua custódia.
E agora a Ordem conseguira lascar mais um tijolo da fundação da sua operação.
Primeiro, tiraram-lhe sua autonomia, pondo um fim aos anos de poder desmedido como diretor da Agência de Policiamento. Depois, acabaram com o seu laboratório secreto, atacando seu quartel-general e obrigando-o a se esconder. Em seguida, mataram o Antigo, ainda que, muito provavelmente, Dragos acabaria por matar a criatura ele mesmo, cedo ou tarde.
E agora isso.
Parado próximo ao átrio da suíte de hotel de Dragos, seu tenente remexia no chapéu, retorcendo-o nas mãos como um trapo velho.
– Não sei como conseguiram encontrar o local, senhor. Talvez estivessem monitorando a casa por algum motivo. Talvez tenha sido mera sorte que as levou até lá, e elas...
O rugido furioso de Dragos silenciou a tagarelice de imediato. Ele deu um salto do sofá, os braços esticados diante do corpo, derrubando um vaso de cristal com orquídeas de um pedestal. A peça estilhaçou-se contra a parede, espalhando cacos, água e flores em todas as direções.
Seu tenente arfou e recuou um passo, batendo as costas na porta fechada. Os olhos praticamente saltavam para fora das órbitas, o rosto tomado de pânico. Sua expressão ficou ainda mais carregada de medo quando Dragos se aproximou, espumando de raiva.
Nos olhos arregalados e aterrorizados, Dragos viu a lembrança da sua ameaça, feita ali, naquele mesmo quarto de hotel, apenas uma semana antes.
– Senhor, por favor – sussurrou. – Foi a Serva quem fracassou hoje, não eu. Só sou responsável por entregar a notícia, não pelo erro.
Dragos pouco se importava com isso. Sua raiva estava descontrolada demais para ser contida agora. Com um grito de guerra animalesco mais dirigido a Lucan e seus guerreiros do que ao peão insignificante e trêmulo diante de si, recuou o braço e socou com força o peito do vampiro. Atravessou roupas, pele e ossos como um martelo, e arrancou o órgão pulsante que ali estava enclausurado.
O tenente morto despencou aos seus pés. Dragos baixou o olhar para ele, para o punho ensanguentado e a cascata rubra que descia do cadáver, e o tapete branco ao redor.
Dragos descartou o coração do vampiro como se fosse lixo, depois jogou a cabeça para trás e uivou, a fúria vibrando no ar ao seu redor como uma trovoada.
– Livrem-se desse lixo – ralhou para o par de assassinos que observaram tudo em silêncio no lado oposto da suíte.
Entrou no banheiro para livrar-se do sangue nas mãos, acalmando-se com a percepção de que, apesar de a Ordem ter conseguido lhe dar mais um golpe hoje, ele ainda levava a melhor. Uma pena que ainda não soubessem disso.
Muito em breve saberiam.
Ele tinha a Ordem bem em sua mira agora.
E estava mais do que pronto para puxar o gatilho.
Capítulo 34
Quando Jenna despertou, estava olhando para o teto da enfermaria do complexo. Piscou devagar, à espera da chegada da dor lancinante do ferimento na lateral do corpo. Em vez disso, sentiu um toque quente passando por seu braço.
– Oi – disse a voz aveludada e grave que vinha ouvindo em seu sono. – Estive esperando que você abrisse esses seus lindos olhos.
Brock.
Ela virou a cabeça no travesseiro e ficou comovida por vê-lo sentado ao lado da sua cama. Ele estava tão lindo, era tão forte e carinhoso. O olhar castanho a absorvia, a boca sensual se curvava num leve sorriso.
– Ligaram para mim em Newport e me contaram a respeito do seu ferimento – disse ele, emitindo um xingamento. – Vi o sangue em sua roupa do lado de fora da casa da Serva Humana, mas não achei que fosse seu, Jenna. Eu não consegui dirigir tão rápido quanto desejei para ver se você estava bem.
Ela lhe sorriu, o coração alçando voo por estar próxima dele de novo, mesmo tendo medo de ser feliz, incerta sobre se ele apenas regressara para ajudá-la a se curar.
– Como está se sentindo, Jenna?
– Bem – respondeu, e percebeu só então que estava muito bem fisicamente. Ergueu-se um pouco e afastou o lençol e a coberta que a cobriam. O corte feio que deveria estar abaixo da caixa torácica não passava de uma cicatriz, o ferimento que sangrara tão profusamente havia sumido por completo. – Quanto tempo fiquei desacordada?
– Algumas horas. – A expressão de Brock se suavizou ao fitá-la. – Você surpreendeu a todos, Gideon em especial. Ele está tentando descobrir o que está acontecendo com a sua fisiologia, mas, ao que tudo indica, o seu corpo está aprendendo a se curar sozinho. Regeneração adaptativa, acho que foi assim que ele chamou. Ele disse que quer fazer outros exames para determinar se a regeneração pode impactar o envelhecimento das suas células no decorrer do tempo. Parece acreditar que existem sérias possibilidades de que esse seja o caso.
Jenna meneou a cabeça, atordoada. E também um tanto divertida.
– Sabe, acho que estou começando a acreditar que vai ser divertido ser uma espécie de ciborgue.
– Não me interessa o que você é – respondeu ele com seriedade. – Só estou feliz em ver que está bem.
No silêncio que se seguiu entre os dois, Jenna remexeu na bainha do lençol.
– Como estão as outras mulheres, as Companheiras de Raça que resgatamos?
– Estão se acomodando na casa dos Reichen. Vai ser uma jornada bem longa para muitas delas, mas estão vivas e Dragos não pode mais chegar perto delas.
– Isso é bom – respondeu baixinho. – E Corinne?
O rosto de Brock se mostrou solene.
– Ela foi ao inferno e voltou. Diz que quer ir para a casa da família dela, em Detroit. Disse que precisa cuidar de algumas coisas do passado antes de pensar no futuro.
– Ah... – disse Jenna.
Ela entendia como Corinne se sentia. Ela mesma vinha pensando bastante no próprio passado e em todas as coisas que deixara inacabadas no Alasca. Coisas que fora covarde demais para enfrentar, mas que, agora, sentia-se pronta para confrontar assim que fosse possível.
Desde o resgate daquele dia, ela também vinha pensando em seu futuro, que era impossível de visualizar sem Brock, ainda mais agora que olhava para o belo rosto, sentindo o calor e o conforto de seu olhar castanho e do seu toque suave.
– Corinne me pediu que eu a acompanhasse até a casa dela – disse Brock, palavras que partiram seu coração.
Ela refreou a resposta egoísta que imploraria para que ele não fosse. Em vez disso, assentiu, depois começou a falar as coisas que sabia que ele precisava ouvir.
Coisas que o aliviariam de qualquer culpa quanto ao que partilharam juntos, ou sobre as promessas carinhosas que ele lhe fizera antes de saber que seu amor passado lhe seria devolvido.
– Brock, quero agradecer por me ajudar como ajudou. Salvou a minha vida – mais de uma vez – e se mostrou o homem mais gentil, carinhoso e altruísta que já conheci.
Ele franziu o cenho, abrindo a boca como que para falar alguma coisa, mas ela o atropelou.
– Quero que saiba que sou grata pela amizade que me ofereceu. Acima de tudo, sou grata por ter me mostrado que posso ser feliz novamente. Não achei, mesmo, que um dia eu voltaria a ser feliz. Nunca imaginei que poderia voltar a me apaixonar...
– Jenna – disse ele, com a voz séria e a carranca se acentuando.
– Sei que tem que ir com Corinne. Sei que não posso lhe dar nada das coisas que ela pode, como uma Companheira de Raça. Jamais teríamos filhos, nem um elo de sangue. A probabilidade de não termos nem de perto o tempo que teria ao lado dela é bem grande. – Ele balançou a cabeça, murmurou um xingamento, mas ela não conseguiria parar até dizer tudo. – Quero que vá com ela. Quero que tenha a sua segunda chance...
– Pare de falar, Jenna.
– Quero que seja feliz – prosseguiu ela, ignorando a ordem. – Quero que tenha tudo o que merece com uma companheira, mesmo que isso me exclua.
Por fim, ele a silenciou com um beijo, passando a mão por trás da cabeça dela e erguendo-a em sua direção. Ele se afastou, prendendo-a num olhar apaixonado e possessivo.
– Pare de dizer o que eu preciso fazer. – Beijou-a de novo, dessa vez com mais suavidade, a boca cobrindo a dela, a língua exigindo a entrada. Ela sentiu seu desejo, e a emoção que parecia dizer que ele jamais a deixaria ir embora. Quando, no fim, ele a soltou, os olhos escuros cintilavam com centelhas de luz âmbar. – Por um maldito segundo, Jenna, deixe que outra pessoa fique no comando.
Ela o encarou, mal ousando ter esperanças sobre o que ele faria agora.
– Estou apaixonado por você – sussurrou ele com determinação. – Eu te amo, e pouco me importo se você é humana, um ciborgue, alienígena ou uma combinação dos três. Eu te amo, Jenna, e quero que seja minha. Você é minha, maldição. Quer tenhamos apenas um punhado de décadas juntos ou algo perto da eternidade. Você é minha, Jenna.
Ela inspirou o ar aos poucos, tomada de alegria e alívio.
– Ah, Brock. Eu te amo tanto. Pensei que tivesse te perdido hoje.
– Nunca – disse ele, fitando-a profundamente. – Você e eu somos parceiros. Parceiros em tudo agora. Sempre vou cobrir a sua retaguarda, Jenna.
Ela riu ao mesmo tempo em que chorou e balançou a cabeça.
– E você sempre terá o meu coração.
– Sempre – disse ele, puxando-a em seus braços para um beijo interminável.
Epílogo
As botas de Jenna rangeram sob o luar quando ela pisou no terreno imaculado próximo ao vilarejo de Harmony, no Alasca.
Haviam se passado alguns dias desde que despertara na enfermaria do complexo, completamente recuperada da punhalada que recebera durante o resgate das Companheiras de Raça aprisionadas.
Apenas alguns dias desde que ela e Brock juraram passar o futuro juntos como amantes, como companheiros... como parceiros.
– Tem certeza de que está pronta para fazer isto? – ele lhe perguntou, passando o braço forte ao redor dos seus ombros.
Ela sabia que ele odiava o frio daquele lugar. No entanto, fora ele quem sugerira aquela viagem até o norte. Mostrara-se paciente e compreensivo, e ela sabia que ele ficaria para sempre ali ao seu lado, caso precisasse de mais tempo. Sua respiração se condensou no ar gélido noturno, o belo rosto solene, ainda assim tranquilizador por debaixo do capuz da sua parca.
– Estou pronta – disse ela, voltando um olhar úmido para o pequeno cemitério que se estendia adormecido diante dos dois. Entrelaçando seus dedos enluvados nos dele, caminhou em direção ao canto extremo do terreno, onde um par de pedras de granito estavam enterradas lado a lado, cobertas de neve.
Preparara-se para a onda de emoção que a assolou conforme ela e Brock se aproximavam dos túmulos de Mitch e de Libby pela primeira vez, mas ainda assim ficou sem ar. Seu coração se apertou, a garganta se contraiu e, por um instante, ela não teve certeza se teria forças para levar aquilo adiante, no fim das contas.
– Estou com medo – sussurrou.
Brock apertou-lhe a mão e sua voz soou gentil:
– Você consegue. Vou ficar bem do seu lado o tempo todo.
Ela fitou os olhos castanhos, firmes, sentindo o amor envolvê-la, emprestando-lhe suas forças. Assentiu, depois continuou a andar, o olhar cravado nas letras gravadas que tornavam tudo tão irrefutável.
Tão real e cruel.
As lágrimas começaram a cair no instante em que ela parou diante das lápides. Soltou a mão de Brock e se aproximou, sabendo que teria que enfrentar aquela parte sozinha.
– Olá, Mitch – murmurou baixinho, ajoelhando-se na neve. Colocou uma das duas rosas vermelhas que trouxera consigo ao pé do túmulo. A outra, presa com uma fita de cetim rosa a um ursinho de pelúcia, ela depositou com cuidado junto à lápide menor. – Olá, meu amorzinho.
Por um bom tempo ela ficou ali, ouvindo o vento que soprava em meios aos pinheiros boreais, os olhos fechados sobre as lágrimas enquanto ela se lembrava dos momentos felizes com seu marido e sua filha.
– Ah, Deus... – sussurrou, engasgada de emoção. – Eu sinto muito. Sinto tantas saudades de vocês.
Não conseguiu represar o sofrimento que emanou de si em soluços enormes, feios – com toda a angústia e a culpa acumuladas que manteve trancadas no peito desde a noite do acidente.
Nunca antes conseguira expurgar aquela dor. Teve medo demais. Teve raiva demais de si mesma para ceder à dor do luto e, por fim, deixar para trás.
Mas agora ela não tinha como deter aquilo. Sentia a presença firme de Brock atrás de si – sua corda de salva-vidas, seu abrigo em meio à tempestade. Sentia-se mais forte, mais segura.
Sentia-se amada.
E, ainda mais miraculoso para ela, sentia-se merecedora de ser amada.
Após mais algumas palavras sussurradas de despedida, tocou cada uma das lápides. Depois, lentamente, pôs-se de pé.
Brock estava bem ali, de braços abertos esperando para capturá-la num abraço carinhoso. Seu beijo foi doce e tranquilizador. Ele a fitou nos olhos, os dedos leves e gentis ao enxugar suas lágrimas.
– Você está bem?
Ela assentiu, sentindo-se mais leve apesar do nó que ainda sentia na garganta. Sentia-se pronta para começar um novo capítulo em sua vida. Pronta para começar seu futuro junto a um extraordinário macho da Raça que amava com todos os pedaços remendados do seu coração.
Fitando o olhar enternecido de Brock, entrelaçou os dedos nos dele.
– Estou pronta para ir para casa agora.
Lara Adrian
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