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Series & Trilogias Literarias
Eu era uma garota comum, vivendo uma vida normal, até vender minha alma para salvar minha mãe. Agora sou forçada a escolher entre meu coração e minha consciência.
De qualquer forma, alguém que eu amo vai morrer.
Capítulo 1
REI MORTO
“Nosso pai, o rei Lucian. Ele pode ser... difícil, às vezes, mas sempre foi justo”.
— Asher
Lição número um ao fazer um acordo com o diabo... Nunca confie no diabo. Asher me encantou. Ele me fez acreditar em suas mentiras. E agora ele está aqui diante de mim, com seu sorriso irritante e uma boca cheia de enganação, esperando que eu confie nele. Novamente.
Engane-me uma vez, a culpa é sua. Engane-me duas vezes. Apenas não.
— Ari, por favor, me permita explicar — diz ele, suas palavras como carícias suaves.
Eu não sou influenciada — Não acreditarei em nada do que você disser, então por que eu deveria ouvir? — Cruzo meus braços no peito, escondendo o sangue fresco do ferimento no punho que reabri contra a borda de pedra da mesa. Tento não tremer, e tento esconder a marca de demônio que eu desenhei em sangue na parede atrás de mim. Fen foi convocado. Ele virá. Agora só posso esperar viver o suficiente para vê-lo. Eu espirro e gemo com a percepção de que estar presa em uma caverna congelada com um vampiro doente me deu uma gripe. Minha cabeça está pesada e minha pele está quente. Ainda assim, devo manter meu juízo sobre mim.
As paredes são escuras e ásperas, mal iluminadas por tochas que lançam luz azul, cintilantes sombras sinistras no chão nu e frio. Em alguns lugares, o cristal branco irrompe da pedra, como se ameaçasse consumir todo o cômodo.
Asher se aproxima. — Eu entendo porque você desconfia de mim, mas juro que não é o que você pensa.
O pai dele, o rei Lucian, que deveria estar morto, permanece em silêncio, bebendo de uma taça de prata. Linhas cinza riscam seu cabelo preto. Uma capa vermelha caindo de seus ombros. Armadura negra vestindo seu corpo. O rei me estuda como homens estudam cavalos, seus olhos azuis escuros frios e calculistas. Seus lábios não revelam emoção. Ele deixa seu filho fazer toda a conversa.
— Então você não mentiu para seus irmãos? — pergunto. — Não escondeu o fato de que o rei ainda vive, ou deixou Fen investigar um assassinato que nunca aconteceu? Você não conspirou para me sequestrar e me trazer aqui? — Há um tom na minha voz que minha mãe teria chamado de sarcástico. E é o pensamento dela que provoca um arrepio em minhas costas. — O que acontecerá com a minha mãe? — grito alto, asperamente, enquanto o cuspe voa da minha boca. — Não posso mais cumprir minha barganha de passar tempo com cada príncipe. Não posso mais escolher um para casar.
Asher não responde.
Eu pergunto novamente, mais devagar, meus olhos perfurando os dele. — O. Que. Acontece. Com. Minha. Mãe?
Ele levanta a mão e dá um passo em minha direção. Ele tem os olhos azuis de seu pai, seu cabelo preto. — Ela estará segura. Eu dou a minha palavra.
Eu ri. — Como se sua palavra significasse alguma coisa agora.
— Ari, por favor...
— Como você pôde fazer isso? — assobio para ele. — Fen confiava em você acima de tudo. E você o traiu. Você me traiu.
Asher suspira. Sua mão cai ao lado dele. A diversão desapareceu de seu rosto, substituída por algo mais sombrio. — As coisas nem sempre são em preto e branco. Não no seu mundo, e certamente não no meu. Meus irmãos querem guerra. Eles querem escravizar os Fae. Seu povo. É isso que você quer?
Eu paro, impressionada com as palavras dele. Nem tive tempo para considerar as implicações do que eles me disseram. Eu sou Fae? Como?
Asher dá mais um passo à frente e eu me ajusto, mantendo meu corpo entre ele e a marca de demônio. Eu preciso...
— Saia do caminho, garota — diz Lucian.
Eu não obedeço.
O rei se levanta. Enquanto ele caminha em minha direção, quase posso sentir o cômodo tremer por suas pesadas botas de ferro. Ele puxa uma espada do seu lado, enorme e cinza. Uma caveira com chifres de algum animal forma o punho da lâmina e símbolos estrangeiros foram gravados no aço. O rei levanta a espada com uma das mãos e aponta para o meu pescoço. Deve ser três vezes o tamanho de Spero. Como esse homem pode levantá-la? E então eu lembro... Esse não é um homem. Este é o monstro que expulsou os Fae de seu mundo e escravizou sua raça. Este é o monstro que reivindicou a alma de minha mãe.
— Mova-se — ordena o rei.
Eu me movo para o lado, e a espada pressiona contra a minha garganta, tirando uma gota de sangue.
Os olhos de Asher pousam na marca. Ele olha para mim, tristeza no rosto. Ele não diz nada.
Pela primeira vez, os lábios de Lucian mostram emoção, curvando-se numa careta. — Você convocou o Príncipe da Guerra? Você tem alguma ideia do que ele faria com esse reino, essas pessoas, se ele encontrasse um caminho para cá?
Não respondo. Ele não terá pena de mim.
— Asher, leve esta... Princesa... Aos seus aposentos. Até que ela saiba a verdade, ela deve ser mantida sob guarda.
Fecho meus punhos, meus dedos ficam brancos. — Você não vai me manter aqui. Você...
Ele levanta sua lâmina. A ponta atinge minhas costelas, me jogando para trás. Eu bato na parede, o ar deixando meus pulmões rapidamente.
— Você é um cachorro — cospe Lucian. — Um cachorro. E você saberá o seu lugar, no calcanhar do seu mestre. — Ele se afasta, sussurra algo para Asher, e sai.
O Príncipe do Orgulho se aproxima de mim.
Eu recuo, embalando minhas costelas doloridas, me enrolando em uma bola. Lágrimas picam meus olhos pela dor.
— Sinto muito, Arianna.
Eu cuspo nele.
Ele não recua. Nem parece chocado.
— Madrid e Durk vão levá-la para o seu quarto. Eles cuidarão de você. — Ele sai, seguindo o pai.
A mulher e um dos homens – o baixinho – que me ajudaram a me sequestrar, se aproximam. Durk joga um saco na minha cabeça e amarra na garganta, dificultando a respiração. Madrid segura meus pulsos atrás de mim. Eles me empurram para frente, e quase tropeço em meus próprios pés enquanto eles me guiam rudemente pela porta e pelos corredores que eu não posso ver.
Ouço Asher gritar. — Eu posso lidar com a Princesa.
Lucian. — Você se tornou muito suave. Gosta muito da garota.
— Eu me tornei compassivo. Não é por isso que lutamos?
— Lutamos por muitas razões. Precisamos da Estrela da Meia-Noite, mas devemos permanecer no comando. Temos de...
Sou jogada em um quarto. A porta é trancada atrás de mim. Madrid solta seu aperto de ferro e se inclina para falar baixinho no meu ouvido. — Peço desculpas por esse tratamento, Sua Graça. Em breve tudo será revelado, e entenderá o quão importante você é para o seu povo.
— Meus pais eram humanos — digo através do saco. — Eu sou humana. Você tem a garota errada.
Durk ri, mas é Madrid quem fala. — Você é meio humana, o que é um problema para alguns. Para quem acredita que o trono só deve ser habitado pelo mais puro da nossa espécie. Mas o seu sangue é o mais poderoso, o do Alto Fae, o da linhagem real. Você é herdeira de nossas terras, herdeira de Avakiri. E todos logo verão que sua metade humana não corrompeu o que você é. Você despertará os poderes antigos da nossa espécie e trará o equilíbrio de volta às Quatro Tribos. E então vamos libertar nosso povo e governar nosso mundo novamente.
Suas palavras são carregadas com a promessa de guerra, de derramamento de sangue, de morte. E eu sei de quem ela pede a morte. Dos vampiros. Dos demônios. Talvez até os Shades. Qualquer um que compartilhe o sangue de seus opressores.
Meus amigos. As pessoas que eu aprendi a amar.
Minha mente recua para suas outras palavras — Meio humana? — Eu sei que minha mãe é humana. Ela não é? Mas, então, eu pensei que era humana também. E o meu pai?
Clique. Outra porta destrancada, e sou escoltada através dela. Madrid gentilmente me senta em uma cadeira. Ela puxa o saco da minha cabeça, e eu pisco algumas vezes para acostumar meus olhos. Como pode ser isso? Não é um calabouço, nenhuma câmara de tortura medieval. Estou em uma suíte espaçosa, com um fogo ardente e uma confortável cama de dossel. Eu me sento em uma pequena mesa com duas cadeiras, e estudo a estante de carvalho, escrivaninha, cômoda, armário e porta, que presumivelmente leva a um banheiro. O rei me tratou como uma escrava, e ainda assim eu recebo o quarto de uma princesa.
Minhas mãos ainda estão amarradas. Eu checo a janela. Há barras sobre ela do lado de fora. Então é uma gaiola, uma dourada, mas uma gaiola, no entanto.
Sem dúvida, a porta do meu quarto será trancada por fora.
Madrid se inclina para desamarrar minhas mãos. Peles brancas cobrem seu corpo, e couro marrom cobre as pernas dela. Um cordão vermelho está amarrado em volta da cintura.
Durk resmunga. Uma pele de urso marrom derrama sobre o ombro dele. — Deve mantê-la trancada. Não sabemos o que ela fará.
Madrid retruca para ele. — Ela já fez o pior, convocando o Príncipe de Guerra. Ela ainda não tem seus poderes. È inofensiva e nós precisamos que ela coopere.
— Nós só precisamos que o sangue dela coopere — diz ele.
Madrid o ignora e senta na cadeira à minha frente, forçando Durk a permanecer em pé. Seu cabelo branco é longo, quase tocando o chão, descendo pelas costas em várias tranças. — Você ainda não descobriu? — pergunta ela.
Balanço a cabeça, porque embora as peças estejam clicando juntas, a imagem que elas fazem é muito confusa para minha cabeça latejante fazer sentido.
— Seu pai era Alto Fae. Ele estava na fila para ser rei. Isso foi há milhares de anos, claro, quando havia qualquer realeza de nossa espécie. Antes que os príncipes e seus demônios invadissem tudo, matando nossa própria raça quase à extinção, acabando com a linhagem real.
— Exceto meu pai — digo, minha garganta seca.
— Exceto seu pai — diz ela. — Ele já havia sido banido deste reino e enviado para o seu mundo como castigo, para viver entre os humanos, escondendo para sempre quem ele era. Ele deveria viver nas sombras, viver na obscuridade pelo que fez. Mas parece que ele não pode se comportar, mesmo lá. Ele se apaixonou. Por uma humana. Ele manchou sua linhagem e criou uma criança que era meio humana. E então ele se matou, e você e sua mãe desapareceram. Até agora.
— Meu pai era Fae? Realeza? — Minha febre está aumentando. Tudo parece desarticulado. Irreal. Eu tremo, mas estou tão quente que quero arrancar minha própria pele.
Madrid responde, mas suas palavras se misturam, como dois compositores tocando músicas diferentes ao mesmo tempo.
Meus olhos se fecham e o mundo vira de cabeça para baixo. Algo duro bate na minha cabeça. Alguém grita. Mãos no meu corpo. Frio. Tão frio na minha pele quente.
Estou sendo levantada e carregada e não me importo, porque tudo que eu quero é seguir a escuridão.
E assim eu faço.
***
Quando acordo, estou enrolada em camadas de cobertores e usando um longo vestido de algodão. Meu cabelo é um ninho emaranhado espalhado sobre meu travesseiro, e minha cabeça ainda dói, mas pelo menos não estou tendo alucinações. Eu tento sentar, mas uma voz me impede. — Vá devagar. Você ainda está fraca.
Madrid entra no meu campo de visão, seu rosto perfeitamente jovem justaposto contra seus longos cabelos brancos e olhos antigos. Suas orelhas pontudas são pontilhadas com brincos de prata em forma de ondas, e ela usa um vestido verde de espuma do mar amarrado na cintura com uma fina fita prateada. Desenhos azuis e prateados cobrem o peito e a bainha, e uma capa azul cai sobre o ombro.
— Há quanto tempo estou aqui? — pergunto.
— Você dormiu durante a noite e a maior parte do dia. Eu lhe dei remédio para curar sua doença. Ainda assim, você se sentirá cansada por alguns dias. — Ela desliza a mão nas minhas costas e me ajuda a sentar.
O quarto está quente, a lareira resplandecente. Eu encharquei minhas roupas e lençóis, e minha pele parece úmida, mas não tão quente quanto antes. — Minha febre passou — digo.
Madrid concorda. — Eu deveria ter visto como você estava doente, mas havia outros assuntos para focar. Foi descuido da minha parte. Você é valiosa demais para perder.
Olho em volta para me certificar de que o homem assustador não está por perto antes de fazer a minha próxima pergunta. — Durk disse que você só precisava do meu sangue. Por quê?
Ela me entrega uma xícara de água e senta em uma cadeira perto da minha cama enquanto bebo avidamente. Não percebi como estava sedenta.
— A magia do nosso povo está morrendo — diz ela. — Quando os demônios vieram do céu e mataram os Alto Fae, os Espíritos nos deixaram.
— Espíritos?
— Existem cinco, e eles usam muitos nomes. Nós os chamamos de Riku, Wadu, Tauren, Zyra e Yami. Riku é fogo, paixão e a formação da verdade. Wadu é água, paz e cura. Tauren é terra, força e vida. Zyra é vento, conhecimento e sabedoria. E Yami... Yami é todos eles, e nenhum deles. Yami é a vida. Morte. Equilíbrio. Esperança. Ele tem mais nomes que os outros. Um que você pode ter ouvido é... a Estrela da Meia-Noite.
Ela olha para a lareira, seus olhos distantes, perdidos em alguma memória distante. — Quando o último Alto Fae morreu, Yami morreu com ele. A nossa magia começou a desvanecer. Os outros Espíritos ficaram fracos e começaram a adormecer. Eles foram trancados, escondidos do nosso mundo, para serem mantidos seguros para quando... — Ela olhou nos meus olhos. — Quando a Estrela da Meia-Noite retornar.
Engulo o nó na garganta. — Eu não posso te ajudar.
— Você pode. Você vai. — Ela pega minha mão. — Se o seu sangue for forte o suficiente, e eu acredito que seja, você pode reverter o nosso sofrimento. Você pode trazer de volta os antigos e restaurar a nossa magia. Só então poderemos sobreviver. Só então poderemos viver.
Puxo minha mão. — Eu sou a garota errada. Encontre alguém.
Ela sorri, e é um sorriso triste e melancólico. — Não há mais ninguém. Nós Fae estamos ligados à nossa magia. E quando nossa magia morrer, nós morreremos.
Não digo nada. Não posso dizer o que ela quer ouvir.
Madrid suspira. Ela abre a boca, como se fosse dizer alguma coisa, mas depois se levanta e se dirige para a porta. — Vou deixar você tomar banho e se vestir. Agora que está acordada, não devemos perder tempo.
Antes que ela saia, eu tenho mais uma pergunta. — Você conheceu meu pai?
Ela faz uma pausa. — Sim, eu o conhecia bem. Você tem os olhos dele.
— Como ele era?
Ela inclina a cabeça, pensando. — Ele era impetuoso. Imprudente. Descuidado. Mas também era gentil. Era um bom homem que não merecia seu destino. — Com essas palavras, ela fecha a porta e ouço o clique do batente.
Cuidadosamente levanto meu corpo da cama, testando meu próprio peso nas minhas pernas trêmulas. A pedra fria está coberta de tapetes que amortecem meus passos e mantêm meus pés aquecidos. Ando devagar até a porta que presumo ser o banheiro e encontro uma grande banheira no centro, cheia de água fumegante. Há um robe sobre uma cadeira ao lado da banheira, e frascos de óleos e sabonetes perfumados na borda. Eu entro, testando o calor com o dedo do pé, em seguida, tiro meu vestido e afundo na água quente.
Meu corpo está cheio de hematomas e dores, e o calor rouba alguns deles, pelo menos por um tempo. Cheiro as garrafas de sabonetes e escolho um que tem cheiro de rosas para colocar no meu banho.
Então me inclino para trás e fecho os olhos. Eu gostaria de poder escapar por um momento. Fingir que estou em casa com Fen, com Barão me esperando na minha cama. Ou, mais provavelmente, sentada na banheira com sua cabeça apoiada na borda da banheira para eu acariciar.
Casa. É isso que Stonehill é para mim agora? Casa? Não Oregon? Nem minha mãe? Mas o Castelo Stonehill, Fen e Barão, Kayla e...
Daison.
Daison está morto.
Como eu poderia ter esquecido? Como a morte dele poderia estar tão profundamente presa em minha mente que só agora estou me lembrando? Kayla sabe? Eles encontraram o corpo dele? Eles sequer sabem onde procurar?
Os Faes. O ataque deles o matou. Ele era um Fae. Ele era um deles. Shade ou não, ele era Fae também. E eles acham que eu vou ajudá-los? Que vou perdoar e esquecer o que eles fizeram com meus amigos?
Mas Fen tem escravos Shade. Fen faz parte do sistema que destruiu e matou os Fae e tomou conta do mundo deles. Fen deve ter sabido quem eu era e não me contou. Fen mentiu para mim como todo mundo.
Se eu fosse Fae, poderia querer todos os vampiros mortos também.
Se eu fosse Fae, iria querer libertar meu povo.
E eu sou Fae, percebo. Ainda é um pensamento tão estranho. Eu sou Fae. E quero que os Faes e o Shades sejam libertados.
Mas não quero matar os vampiros. Não quero ajudar as pessoas que acham que não há problema em matar inocentes.
Eu afundo, submergindo minha cabeça. Submersa, os sons do mundo desaparecem. Só o barulho da própria água me envolve. Prendo o fôlego tanto quanto posso e fecho os olhos, tentando esvaziar minha mente de tudo, menos do momento.
Quando me levanto para a superfície e sugo ar, não estou mais perto de nenhuma resposta. Não sei o que é certo e o que é errado. Não sei quem está mentindo para mim e quem está me contando a verdade.
Se há algo que aprendi na vida, é que a realidade nunca é preto-e-branco. E devo mexer em um monte de cinza ambíguo para descobrir onde estou.
Suspiro e saio da banheira, a água e as bolhas pingando do meu corpo. Estremeço, já sentindo falta do calor, mas não conseguirei nenhuma resposta aqui.
Depois que estou seca, procuro no meu quarto roupas adequadas. Quantas vezes uma garota pode encontrar-se em um castelo estranho com roupas estranhas que se encaixam? Muitas vezes, aparentemente.
Não encontro nenhuma calça de couro e túnica foda pela qual Fen fosse sorrir.
Encontro muitas roupas que Asher gostaria, o que me deixa ainda mais mal-humorada. Relutantemente, visto um vestido preto na altura do tornozelo com longas mangas e uma faixa prateada que envolve minha cintura. Como o vestido de Madrid, este tem bordados prateados na bainha e decote, e apresenta uma capa costurada nas costas. Não sei qual é o tecido. É macio, sedoso, mas mais durável que seda ou cetim. Devo admitir que é confortável.
Encontro um par de sapatos, algo menos funcional do que minhas botas, mas mais funcional do que salto, e os coloco. Tem um espelho aqui. Não vejo um espelho apropriado há muito tempo, desde que entrei no Inferno. É estranho ver meu reflexo com tanta clareza, em vez de vislumbrar na água ou no reflexo de talheres. Não é um grande impulso do ego. Estou muito pálida, com círculos escuros sob meus olhos, e meu cabelo está bagunçado mesmo depois do banho. Procuro na cômoda até encontrar um pente, então faço o meu melhor para domar meu cabelo até que ele caia sobre meus ombros. Nada pode ser feito sobre minha pele, exceto sol e tempo, então eu desisto disso e checo a porta do quarto. Trancada.
Eu esperava isso, mas ainda assim... Até os príncipes do inferno – demônios da lenda – não me mantinham trancada como uma prisioneira. É assim que as pessoas que pensam que eu sou a princesa Fae há muito perdida me tratam? Não estou impressionada.
Verifico a janela, puxando as barras pretas que bloqueiam minha fuga. Resistente demais. Minhas mãos doem. E se eu saísse, para onde iria? Eu poderia encontrar o caminho para o elevador?
Sento na cama, planejando meu próximo passo. Quando Madrid voltar, talvez eu possa passar por ela e escapar. Talvez eu possa...
A porta se abre e não é Madrid. É Asher, parecendo arrependido e totalmente culpado. Trouxe comida. Com chocolate.
Que desonesto.
Ele me entrega o prato, e o cheiro faz meu estômago roncar. Legumes salteados, verduras frescas, pão quentinho com manteiga de mel, salada de frutas frescas com creme de leite e uma fatia de bolo chocolate com cobertura de creme branco. Eu faço uma careta para ele, mas pego minha comida na mesa e me sento. Devo comer para recuperar minha força.
— Nenhuma carne? — pergunto, precisando de mais energia antes de mergulhar nas perguntas difíceis.
Ele balança a cabeça. — Somente a Tribo do Fogo come carne. É desaprovado pelas outras tribos.
Eu aceno e como, saboreando cada mordida. Asher sabiamente fica em silêncio até eu ter lambido meus dedos, e sento na minha cadeira, minha barriga cheia e meu humor muito melhor pelo sustento. — Você fingiu a morte de seu pai.
Não é uma pergunta, porque nisto eu me sinto segura.
Asher ri. — Eu me perguntei se ele havia lhe contado... Não... — murmura ele, falando meio para si mesmo. — Não... Suponho que ele não confie em nenhum de nós. — O Príncipe do Orgulho olha para mim, sua voz clara e fria. — Fen envenenou nosso pai.
Estremeço. — Outra mentira.
Ele se inclina, sorrindo. — Oh não, querida Princesa. Isso, eu asseguro, é verdade. Nosso pai contou a Fen seus planos para libertar os escravos. Em troca, seu precioso demônio envenenou sua própria carne e sangue. Não acredito que ele tenha planejado matar nosso pai, apenas prendê-lo, interrogá-lo, possivelmente destruí-lo completamente.
— Mas ele não o fez — digo, procurando por buracos em sua mentira.
— Ele nunca teve a chance. Veja, meu pai me disse que ele sempre foi cauteloso com venenos. Ele construiu uma resistência para muitos deles. Depois que Fen completou sua ação suja, ele deixou o pai sozinho, provavelmente para buscar correntes. Mas levou apenas um momento para Lucian despertar. Ele percebeu o que aconteceu. Seu filho o traíra. Fen, o cara honrado. Como Levi ou Dean reagiriam? Niam? Não. Ele sabia que nunca poderia libertar os escravos como Rei dos Vampiros. Ele precisava partir, se esconder. Precisava se juntar aos Fae. Então meu pai tomou uma de suas próprias misturas, uma que ele usou durante a invasão, uma que finge a morte.
— Mas eu vi o corpo dele...
— Você viu os restos mortais de um vampiro morto que Lucian colocou em seu túmulo depois que a poção se dissipou. E ele deixou o mausoléu.
A história dele fazia sentido, exceto que Fen não é um envenenador. — Como você sabe de tudo isso?
— Porque Lucian me disse. Ele precisava de alguém ainda dentro. Então ele veio até mim, disse que eu era o único em quem ele podia confiar.
As imagens passam pela minha mente. Fen olhando para Asher. Fen chateado que Lucian sempre confiou mais em Asher. Ele... Ele realmente envenenou seu pai?
Asher levanta uma sobrancelha, vendo a incerteza no meu rosto. Ele leva uma taça de prata nos lábios, bebendo. — Eu quero paz, Ari. Quero que os Fae, os vampiros e Shade vivam lado a lado sem guerra, sem escravidão, sem ódio. Sim, eu sabia que você era uma princesa Fae, mas nunca menti para você. Eu nunca te disse nada que não fosse verdade. A vontade de meu pai exigiu seu compromisso de casar com um de nós. Entrou em vigor quando ele renunciou a coroa, embora meus irmãos acreditem que ele esteja morto. Ele sabia que não poderia fazer um acordo com você, não enquanto estivesse escondida. Ele sabia que precisava de você neste mundo. Sua mãe planejou isso dezesseis anos atrás, quando você morreu, e ela vendeu sua alma para trazer você de volta à vida. Meu pai aceitou o acordo e esperou. Nós não poderíamos te forçar a vir aqui. Você deveria vir de boa vontade.
Ele respira fundo e fecha os olhos por um longo momento antes de abri-los novamente. Ele fala suavemente, sem a típica arrogância a qual estou acostumada. — Você é a única esperança que este mundo tem de sobreviver.
Balanço a cabeça, atordoada por seu comportamento calmo. — Então tudo isso é justificado em sua mente? Você apenas fez o que precisava fazer?
— Sim. Talvez houvesse uma maneira melhor, mas não sei o que seria. Ari, eu estou te implorando, por favor, acredite em mim. Não sou seu inimigo. Eu me preocupo com você.
Ele pega minha mão e não me afasto. Minha mente está cheia de muitas emoções conflitantes.
— Não vou mentir — diz ele. — Eu quero ser rei. De todos os meus irmãos, acho que seria a melhor escolha. De todos nós, só eu quero paz. Apenas eu quero acabar com esta guerra. E com você, eu sei que posso.
Seus olhos se enchem de tristeza e algo mais... Esperança. — Dê-me este mês, Ari. Sua mãe será mantida em segurança. O contrato não será quebrado. Você visitará seu mundo. Você cumprirá sua obrigação passando tempo comigo. Dê-me este mês para provar que sou a melhor escolha para este mundo. Dê-me este mês para reconquistar a sua confiança.
Eu respiro fundo, depois retiro minha mão lentamente. — Você sabe o que Fen me disse depois que eu descobri quem ele realmente era?
Asher balança a cabeça.
— Ele disse para eu não confiar em ninguém, muito menos nele ou em seus irmãos.
Capítulo 2
COMO RAPUNZEL
“Meus irmãos e eu vivemos há muito tempo. Você sequer poderia imaginar quanto tempo se você tentasse”.
— Fenris Vane
Minhas últimas palavras silenciam Asher. Ele senta diante de mim, esperando que eu fale, que eu tome alguma decisão sobre o que eu vou fazer. Não estou em uma posição de fugir no momento – na minha cela de prisão, então devo fazer o que puder até que uma oportunidade se apresente. Se isso significa que eu devo jogar este jogo agora... Eu vou.
— Não sei em que acreditar, Asher. Mas se você me jurar que isso continuará a cumprir meu contrato, que minha mãe estará segura, eu passarei um tempo com você. Não posso prometer que me convencerá a fazer o que você quer. Mas não vou cuspir na sua cara de novo... A menos que você realmente mereça.
Ele ri, e se levanta. — Justo o suficiente, princesa. Justo. Eu juro que sua mãe estará segura, o contrato cumprido.
Inclino minha cabeça para ele, uma sugestão de um sorriso nos meus lábios. — Dean não deveria ter a sua vez comigo? Ele não gostará disso.
Asher sorri, exibindo covinhas adoráveis. — É bom para ele ter seus desejos frustrados de vez em quando. — Ele estende o braço. — Você gostaria de ver mais da sua atual casa? Eu acredito que você tenha um destino a cumprir e Madrid e Durk estão esperando.
Pego seu braço, mas enrugo meu nariz. — Eu não gosto de Durk.
Asher sorri. — Ninguém gosta de Durk. Durk não gosta de Durk. Apenas ignore-o.
Eu assinto enquanto saímos do quarto e entramos em um dos corredores mais magníficos que já vi. Um lustre de cristal brilha no teto. Tapetes roxos cobrem o chão. Coloco minha mão na parede de mármore negro que entra em erupção com pedras preciosas claras. — Que lugar é este?
— É o que resta do Palácio de Cristal. Foi construído dentro de uma montanha — diz Asher.
Andamos pelo corredor de pedra, em uma passagem construída de vidro. Pequenas cachoeiras caem atrás das paredes claras. No final do corredor, Madrid e Durk nos encontram.
— Eu estava contando a Ari sobre o palácio — diz Asher. — Mas você sabe mais sobre isso do que eu.
Madrid assente e nos leva por portas gigantescas, fora do palácio, e na enorme caverna que vislumbrei antes. Ao nosso redor, Faes cuidam de seus negócios. Um homem, gigante e encorpado com músculos, trabalha em uma forja, criando uma espada. Isso me faz sentir falta da minha própria espada, Spero. Vou ter que encontrar uma maneira de recuperá-la.
Outro Fae, pequeno e com longos cabelos azuis, cuida de homens e mulheres feridos que estão deitados ao lado da parede da caverna.
— O que aconteceu com eles? — pergunto.
— Foram feridos lutando contra os vampiros — diz Madrid.
Então eles são os Invasores. Eles não se limitam a ficar nas Terras Distantes, como pensa Fen.
— Esta é a nossa capital, onde o Alto Fae governou uma vez — explica Madrid. — Desde então, caiu em desordem. Em caos e ruína.
Durk bufa. — Isso se transformou em um buraco, é o que ela quer dizer.
Nós andamos mais fundo através das cavernas, e vejo a verdade em suas palavras. Um desespero se agarra às pessoas aqui. A brilhante maravilha do cristal perde o brilho quando você olha mais de perto e vê a sujeira e as rachaduras. Diante de nós, um pedaço de cristal repousa de lado, o topo arruinado de uma torre do palácio. Poucos Fae ocupam esta área, e não há crianças. Eles são os sem-teto, os vagabundos, os sem nome... Os quebrados. Esta não é uma cidade, mas uma carcaça apodrecendo lentamente. Uma vez teria sido magnífica. Vislumbro a beleza em suas sombras. Em suas memórias. Mas agora não é nada além de alimento para os corvos.
Saímos das cavernas e subimos uma longa escadaria com paredes claras. Através delas, eu vejo o palácio esculpido na montanha como uma antiga escultura desgastada pelo tempo. — Este é o lugar onde meu pai viveu, não é?
Madrid assente. — Não só ele, mas toda a sua família uma vez chamou isso de casa.
Eu me viro para Asher, franzindo a testa enquanto a maior história toma forma em minha mente. — E você os matou. Você e sua espécie, vocês eliminaram os Fae, a família real.
Asher vira a cabeça, um olhar de vergonha em seu rosto. — Isso foi há muito tempo.
— Não entendo — digo a ele. — Você fala de paz, mas quase destruiu uma raça inteira... O que te faz diferente agora?
A mandíbula de Asher endurece, e ele se vira para mim, sua voz firme. — Eu nunca... Eu nunca quis guerra. Mas não fiz o suficiente para pará-la. Eu falhei. — Sua mão forma um punho. — Não vou falhar novamente.
Espere... Ele não queria a guerra?
Eu suspiro. Ainda há muito que não sei sobre Asher, Fen, a história deles. Este mundo. Quero fazer mais perguntas, mas passamos por uma porta no final da escada, e o vento frio acerta o meu rosto.
Estamos do lado de fora, perto do topo da montanha com o pico de neve. Terras de verde e azul se espalham diante de nós.
Estremeço, tentando me manter aquecida enquanto meus olhos se ajustam ao brilho.
Asher envolve seu manto em volta de mim.
Não quero a ajuda dele, mas... É um manto quente. — Obrigada.
Ele sorri. — Veja, já estamos nos dando bem.
Balanço a cabeça. Ele ainda é meu captor. Nós não estamos nos dando bem.
— Continue — brada Durk. Ele e Madrid nos conduzem por uma escadaria de pedra sinuosa esculpida no lado da montanha.
— Para onde estamos indo? — Minha voz está quase perdida no vento.
Asher aponta, e eu olho para cima. Três grandes feras voam em direção ao topo da montanha. Cada uma tem o corpo, cauda e pernas traseiras de um leão, e a cabeça, asas e garras de uma águia. Uma é coberta de penas brancas, suas patas e pelo dourado. O outro é preto e vermelho, e o terceiro é de prata.
Eu suspiro. — Eles são...
— Grifos — diz Asher. — Nós devemos viajar para o Reino do Ar, e este é o único caminho.
Engulo quando alcançamos o topo da montanha. — Vamos montá-los?
O Rei Lucian espera por nós no pico, e quando ele me vê, sobe no topo do grifo negro, puxando as rédeas da fera que agarra a neve. Madrid e Durk sobem em cima do grifo prateado, sussurrando um para o outro. Asher me guia para um branco e dourado, estendendo a mão. — Depois de você, princesa.
A besta é enorme, magnífica e totalmente intimidante. Cada uma de suas garras tem o tamanho das minhas mãos. A sela é gigante e embelezada com ouro. Se eu estava com medo de andar a cavalo, mal posso registrar o que estou sentindo agora.
Asher se inclina com a mão na minha cintura. — Eu não deixarei nada acontecer com você. Isso é totalmente seguro — diz ele contra meu ouvido. — Bem... Geralmente.
Sua provocação só me dá mais determinação. Endireitando minhas costas e ombros, eu monto no grifo. Asher segue o exemplo, envolvendo seus braços em volta de mim e pressionando seu corpo contra o meu. — Finalmente — diz ele —, eu tenho você só para mim.
Não posso deixar de rir. Seus flertes parecem tão artificiais, mas sua afeição é genuína e tão inofensiva, divertida... Inocente. Não sei como eu sei disso, mas sei.
Eu me inclino sobre o pescoço da besta e acaricio sua cabeça. — Ei, amigo. Não sei como fazer isso, mas só quero agradecer por nos levar para onde precisamos ir. Por favor, não me deixe cair, e me esforçarei para lhe cavalgar gentilmente.
Eu me volto para Asher. — Então, como você controla um desses...
Asher puxa as rédeas, e o grifo pula da montanha e para o ar.
Eu grito.
Sinto que estou prestes a morrer.
E então – então me sinto mais viva do que eu já estive.
Estou voando.
Em uma criatura que nem deveria existir.
É um dia frio, o ar bate forte no meu rosto, e respirando profundamente, eu sorrio, segurando uma tira de couro presa ao redor do grifo.
Voamos mais e mais alto, e deixo escapar um grito de pura alegria enquanto nos elevamos para o céu, nuvens brancas girando ao nosso redor. Não sinto mais a pressão de Asher nas minhas costas, nem os olhares pesados ??de Durk e Madrid voando ao nosso lado. Não tenho mais medo da longa queda abaixo de mim ou do peso das escolhas que pesam sobre minha alma. Eu apenas me sinto livre. Feliz. Viva. No ar!
Mas quando o Palácio de Cristal desaparece da minha vista, a preocupação se instala. Eu chamei Fen com sua marca de sangue no palácio, mas se ele vier até mim, não estarei mais lá. Preciso encontrar uma maneira de chamá-lo novamente assim que chegar aonde vou.
Observo qualquer marca de terra abaixo de nós, para o caso de precisar encontrar o caminho de volta: uma gigantesca árvore marrom caindo em cascata sobre uma floresta, um rio longo e reluzente.
Não sei quanto tempo dura o voo, mas logo vejo uma ilha flutuante no céu, cercada por nuvens que parecem mais corpóreas do que eu sei que são. O grifo pousa na beira da ilha, numa clareira cercada por árvores prateadas. Acima, em penhascos escarpados, outros grifos rugem. Eles têm correntes nas patas, amarrando-os à montanha.
— Isso deve ser como um aeroporto dos Fae — digo a Asher. — Grifon Internacional, talvez?
Ele apenas revira os olhos. Vampiro bobo. Nenhum senso de humor.
Quando Asher e eu escorregamos do grifo – eu com tanta graça quanto posso reunir – um grupo de Fae usando vestes brancas e azuis se aproxima de nós. O homem que os guia tem longos cabelos brancos e uma barba branca comprida trançada em três tranças com penas tecidas nelas. Ele franze a testa para nós. — Madrid, Durk, vocês não são bem-vindos aqui. E como ousa trazer estes... — Ele zomba, acenando com a mão para Asher e Lucian... — Essas criaturas para a nossa Tribo.
— Eles estão do nosso lado, Norin — explica Madrid pacientemente. — Eles a encontraram. — Ela me puxa para frente. — A Estrela da Meia-Noite.
O grupo de Fae atrás de Norin começa a falar em sussurros abafados, olhando para mim, mas o homem fica quieto, olhando em minha direção para uma breve avaliação. — A última Alto Fae? Ela parece humana demais para qualquer utilidade. Mas vamos ver. — Ele olha para Madrid. — Vocês podem ficar por três dias. Se ela puder convocar a Estrela da Meia-Noite, vamos reavaliar.
— Dana e Dala irão mostrar-lhe seus aposentos — diz ele, apontando para as duas mulheres ao seu lado. Elas são gêmeas, idênticas em todos os sentidos, de seus longos cabelos safira até suas vestes combinando. — Um aviso, nós somos uma tribo pacífica. Não haverá violência de qualquer tipo tolerada aqui. — Ele olha para os vampiros. — Não desejamos participar nesta guerra que você nos impôs.
— Nós entendemos — diz Madrid, curvando-se. — Você não terá nenhum problema conosco. — Ela dá um olhar de advertência a Lucian e Asher, e eu reprimo um sorriso. Não sei se os vampiros são o problema nesse cenário. Eles me trouxeram aqui contra a minha vontade. É a garota humana com quem devem se preocupar.
Dana e Dala – que não posso distinguir porque soam e falam da mesma maneira – nos escoltam pela cidade. Uma brisa suave sopra pelas ruas, carregando o cheiro de flores exóticas. Atravessamos o centro da cidade, onde as ruas estão cheias de Fae cuidando de suas vidas diárias. As crianças brincam com algum tipo de jogo de bola no ar em um pequeno parque entre lojas, enquanto seus pais navegam pelas lojas locais. O caminho que percorremos é ladeado por árvores altas decoradas com sinos e carrilhões que captam o vento, criando uma música ao nosso redor. Longas bandeiras de branco e azul caem de duas torres no centro da cidade. As torres são obras de arte, esculpidas em pedra e vidro e brilhando ao sol. Há buracos esculpidos nelas, me lembrando de pinturas abstratas, e me pergunto como eles conseguem se sustentar.
— Essas são as bibliotecas principais — diz Dana ou Dala. — Somos conhecidos por nossa sede e amor ao conhecimento. Coletamos as histórias de nosso povo, histórias e contos. As estudamos.
A outra gêmea fala. — A Tribo do Ar produz os estudiosos dos Fae, os professores, historiadores e contadores de histórias.
Alcançamos uma árvore alta com uma escada esculpida no centro e corredores de vidro que se ramificam do tronco. As gêmeas nos conduzem pelas escadas e viramos um corredor de vidro em direção a um grande cômodo.
É feito de madeira e pedra cinzenta, com janelas que ocupam a maior parte das três paredes, exceto que elas não são cobertas por vidro, mas por cortinas brancas que balançam com o vento de cheiro adocicado.
Você não gostaria de ter medo de altura neste quarto. Uma queda da varanda ao ar livre implicaria na morte ou ruptura grave de partes do corpo.
Minha cama está situada no meio da sala, uma cama de dossel com mais cortinas brancas penduradas na moldura de madeira esculpida. Elas se erguem como trepadeiras do chão e quase alcançam os altos tetos abobadados.
Asher me acompanha. — Eu passarei amanhã. Fique bem princesa. Haverá guardas à sua porta durante a noite para se certificar de que você está segura.
Sim, certo. Mais como para ter certeza de que eu fique aqui.
O príncipe caminha até a porta, depois se vira para olhar para mim. — Acho que podemos ajudar um ao outro, Arianna. Acho que podemos até sermos amigos. Há esperança para isso, afinal. Dum spiro spero.
Ele fecha a porta, e espero que seus passos desapareçam.
Sozinha no meu quarto, eu fico na varanda, olhando para uma visão pitoresca das montanhas e do céu até onde a vista alcança. Não há janelas gradeadas, mas ainda é uma prisão.
Sinto-me como Rapunzel, presa em uma torre esperando por um príncipe para vir me salvar. Mas a donzela em perigo não é um papel que eu gosto de interpretar.
Então eu decido tomar as coisas em minhas próprias mãos. Não espero por alguém para me salvar. Eu vou me salvar.
Hora de pensar em como sair da guarita. Ou melhor, da gaiola dourada empoleirada no alto de uma árvore.
Olho para a varanda e estimo quanto pano eu precisaria para chegar ao chão. Então puxo as cortinas das janelas e as amarro juntas. Posso não ter o cabelo de Rapunzel, mas vou fazer um.
Antes de tentar isso, preciso de um plano reserva. Preciso de uma maneira para Fen me encontrar aqui, por via das dúvidas. Procuro no quarto por algo afiado. Quando não encontro nada útil, estudo o espelho acima da cômoda. Isso vai funcionar. Enrolo um pouco de pano em volta do meu cotovelo e o uso para quebrar o espelho. Pego um pedaço de vidro. Com isso, eu corto meu dedo e uso o sangue para desenhar a marca de demônio de Fen no chão.
Agora estou pronta. Jogo minha longa corda improvisada sobre a varanda e amarro-a na cama. Meu coração acelera no meu peito. Minhas mãos estão suadas. É um longo caminho. Mas não posso sentar aqui e esperar que outros decidam o meu destino.
O sol está se pondo, e considero esperar até que esteja completamente escuro, mas e se alguém retornar? Não tenho garantia de que ficarei sozinha pela noite. Eu fico na beira da minha varanda, olhando para o penhasco onde o meu quarto está esculpido. Uma floresta de árvores prateadas cresce no fundo. Um longo... longo... caminho abaixo.
Vamos. Você pode fazer isso.
Subo pelo corrimão de madeira da sacada e uso minhas mãos e pés para mover o tecido com nó. Eu me movo devagar. Não olho para o chão. Inspire. Expire. Foco. Relaxe. Apenas...
Uma rajada de vento me atinge, me empurrando contra o penhasco. A pedra raspa meus joelhos e cotovelos. A corda queima meu pulso, reabrindo meu ferimento e cobrindo o pano com sangue, tornando-o escorregadio.
O vento passa. Aperto com mais força e continuo minha descida. O bosque de árvores prateadas está perto. Enquanto ninguém olhar na minha direção, eu devo ir bem.
Mais baixo.
Mais baixo.
Deslizo pelo pano. O chão não está muito longe. Não devo quebrar nada se eu cair. Respiro fundo e solto, caindo e rolando quando eu aterrisso exatamente como Fen me ensinou. Um pouco de ar é arrancado de mim, mas nada está quebrado, e ainda posso andar – na maior parte, então eu chamo isso de sucesso.
Demora um momento para me situar e descobrir em que direção eu preciso ir. Ouço alguém acima de mim, na minha varanda, e me escondo nas sombras, meio correndo, meio mancando, na direção das montanhas onde está o grifo. O sol se pôs. As ruas estão quase vazias.
Não demoro muito para encontrar o caminho para a Grifon Internacional. Preciso voar de volta para o Palácio de Cristais, usando as marcações de que lembro e pegar o elevador de volta para os Sete Reinos.
Subo os degraus de pedra e procuro o grifo dourado e branco que montei antes. Está descansando como um gato contra uma árvore. Eu me aproximo cautelosamente da magnífica fera. Ele me percebe e pula em suas patas traseiras, rugindo para mim enquanto ataca com suas garras. Levanto meus braços em defesa.
E as garras rasgam minha carne.
É uma ferida profunda e ardente no meu antebraço, e mordo meu lábio para evitar gritar por causa da dor.
O grifo recua, cauteloso. Mas pelo menos ele não está mais atacando.
Ouço gritos atrás de mim. Alguém está vindo. Preciso agir rápido.
Dou um passo à frente, minha mão boa estendida, e faço sons suaves quando me aproximo.
O grifo me permite aproximar e acaricio sua cabeça. — Bom menino. Posso montar você agora? Isso estaria bem?
O grifo parece pensar no meu pedido, depois desce para o chão, inclinando a cabeça. Solto o grilhão ao redor de sua perna e subo na sela mais graciosamente do que antes.
Os gritos se elevam mais.
Pego as rédeas e puxo, e o grifo se lança no ar.
Mergulhamos na ilha, rápido, o vento rasgando minhas feridas e a noite congelando meus ossos. O chão se aproxima e se aproxima.
Eu puxo as rédeas. — Suba!
Mas meu grifo continua voando para baixo. Precisamos nos nivelar. Puxo com mais força e ele levanta, me empurrando de volta na sela tão rápido que eu perco o aperto e caio para o lado. Minha perna pega uma tira de couro e viro de cabeça para baixo, balançando como uma boneca de pano na sela. O grifo voa loucamente para o céu, confuso sem que seu cavaleiro o guie.
Pego minha perna, tentando me levantar, mas meu braço está quase inútil dos cortes e do sangue, e é difícil encontrar uma alavanca. Pego meu tornozelo e tento me alavancar em uma posição melhor, mas minhas mãos ensanguentadas escorregam. A correia de couro arrebenta.
E eu caio.
A terra corre para me receber, e sei que neste momento vou morrer. Eu serei uma gota de sangue e osso em um mundo que não entendo.
Fecho meus olhos. Não quero ver quando a morte me roubar. Em vez disso, penso em minha mãe, em como me sentia perto dela quando eu era pequena. Penso em Fen, em como me sentia em seus braços quando ele me abraçou enquanto estava dormindo.
E então sinto braços ao meu redor. Braços reais de carne e osso.
Não caio mais. Eu flutuo pelo céu.
Abro meus olhos, seu nome em meus lábios. — Fen?
Asher sorri para mim. — Não exatamente, amor.
* * *
Voamos mais alto até chegarmos a um penhasco bem acima da Ilha do Ar. Asher me carrega do grifo preto que ele guiou e me senta contra uma árvore prateada. Meu braço queima de dor, sangue pingando de todos os lados do meu pulso e antebraço.
Ele não fala, apenas tira tiras de pano de seu terno bonito e envolve-os em meus cortes até que eles parem de sangrar. Quando termina, ele se senta na minha frente, com o rosto duro.
— Você quase morreu!
Esfrego meu braço, recuando com a dor. — Eu preferiria morrer a ser prisioneira.
Ele faz uma pausa, a raiva se esvaindo de seus olhos. Ele cai para se sentar em uma pedra, a lua brilhando atrás dele. — Eu nunca quis que você fosse uma prisioneira. Eu queria te dizer a verdade... Você se juntou aos Faes de bom grado. Mas meu pai, ele não confia em você.
— Você não tem que segui-lo — digo. — Você é o seu próprio homem.
Asher olha para mim com mais vulnerabilidade do que eu já vi nele. — Ele é meu pai. Ele é o Rei. Ele me ensinou tudo o que sei.
Apesar da minha raiva e dor, algo em seus olhos me puxa. Coloco uma mão na dele. — Você é um homem melhor.
Ele bufa. — Tive milênios de pessoas me dizendo o contrário. — Os olhos de Asher se dirigem para o céu, um céu cheio de estrelas. — Às vezes... Às vezes, eu apenas desejo casa.
— Seu reino?
Ele balança a cabeça. — Casa. Meu verdadeiro lar. Onde meus irmãos e eu brincamos nos Jardins de Prata. Onde minha mãe cantou para mim canções dos anjos.
Fecho meus olhos, imaginando suas palavras em minha mente. — Conte-me sobre sua casa. A casa em que você viveu.
— É... É difícil lembrar. — Ele ri, mas não é um som feliz. — Dotado de imortalidade, mas sem grande memória. Há apenas flashes, poeira que tento agarrar ao vento. Eu me lembro... Lembro-me de um palácio branco e dourado. Eu me lembro de torres que brilham como o sol. Eu... — seus olhos ficam marejados, em seguida, lágrimas deslizam. — Me desculpe.
Aperto a mão dele. — Todos nós sentimos falta de casa.
Ele sorri. — Obrigado. Por me ajudar a lembrar.
— Asher, deixe-me ir para casa. Deixe-me voltar para Fen.
Ele olha para mim profundamente, uma grande tristeza espreitando em seus olhos. — Às vezes, nunca podemos voltar.
Capítulo 3
CIDADE PERDIDA
Fenris Vane
“Fen é um bom homem, mas ele é míope em seu foco”.
— Kayla Windhelm
Seu sangue bombeia através de minhas veias, como fogo e gelo. Minha marca demoníaca queima com seu chamado, um pulso estimulante que me chama, me puxando para fora, através das camadas de neve fresca e gelo, através da carcaça de inverno deixada pela tempestade.
Não sou um homem acostumado a temer, mas eu sinto isso agora, a dúvida me enchendo com seu veneno. O que eles fizeram com ela? O que eles farão? E se eu nunca mais vê-la?
Kayla coloca uma mão no meu braço. — Eu vejo a preocupação em seu rosto, irmão. Ari é forte. E se eles quisessem matá-la, eles não teriam ido tão longe para mantê-la viva.
Minha meia-irmã não está errada, mas faz pouco para temperar minha raiva. Eu deveria tê-la mantido a salvo, em vez disso, ela salvou minha vida e arriscou a própria.
Eu esperava algumas pistas no Castelo de Stonehill, mas é claro que não havia nenhuma. E apesar de alguns refugiados da minha capital se aglomerar no castelo em busca de segurança e ajuda, apesar do caos causado pela batalha e morte, eu saí no momento em que senti Ari chamar por mim com sangue.
Kayla insistiu em vir, embora eu saiba que ela se preocupa com seu ajudante, Daison, que não partiu com os outros. Ela se preocupa com as pessoas sob meus cuidados. Mas ela também ama Ari, eu me lembro. Ela a quer em segurança e em casa quase tanto quanto eu.
— Não há nada aqui — diz Kayla enquanto caminhamos ainda mais para a selvageria que é a periferia do meu reino. Estamos chegando perto das Terras Distantes, onde os Faes rebeldes provavelmente se reúnem para planejar seu próximo passo.
Eles devem tê-la lá, nas Terras Distantes, no limite de nosso mundo. Onde mais eles poderiam tê-la levado? Certamente não para um dos meus irmãos – nenhum deles trabalharia com os Fae. E se os atacantes ainda a tiverem em meu reino, eles são mais tolos do que lhes dei crédito. Eu já tenho os olheiros que posso poupar procurando em minhas terras. Com ordens para matar.
O pulsar no meu pulso muda e eu paro, olhando em volta para as árvores murchas e pedras velhas. — Ela está perto. — O lobo branco ao meu lado fareja algo no ar e rosna. Descanso a mão na cabeça de Barão. — Encontre-a, garoto. Encontre Ari.
Ele uiva e pula através da neve. Kayla e eu o seguimos. Em instantes, Barão sobe na montanha e desaparece.
Uma caverna, quase escondida por trepadeiras cobertas de neve, está esculpida na pedra, e Kayla e eu nos escondemos, nós dois puxando nossas espadas em preparação.
Barão não perde tempo verificando se estamos seguindo. Ele atira através da escuridão para um destino para o qual só ele pode sentir o cheiro. Kayla agita sua mão e um suave brilho de luz branca aparece diante de nós, iluminando a escuridão – ela sabe que pode usar sua magia comigo, nas não com qualquer outra pessoa. Rastejamos para frente, a luz de Kayla e nossa visão noturna melhorada nos guiam.
Percorremos passagens estreitas guardadas por estalactites e estalagmites que ameaçam nos empalar com um movimento errado, até chegarmos a um espaço cavernoso com dois imponentes blocos de rocha como sentinelas nos cantos de uma porta de pedra. No meio está uma impressão cravada na forma de uma mão.
Minha marca brilha. Ela tem que estar aqui em algum lugar.
Kayla caminha até a porta e examina as marcas esculpidas em pedra. — Esta é a magia Fae — diz. — Apenas um Fae pode usar isso, eu acho.
— Faça isso — digo.
— Eu sou apenas metade Fae, Fen. Pode não funcionar. — Mas ela coloca a mão sobre a marca e empurra a carne para dentro da porta até que seu sangue cobre a marca.
Nada acontece.
Eu xingo e soco um dos pilares de pedra.
— Isso não é útil — diz Kayla, arrancando um pedaço de tecido de sua bolsa e envolvendo ao redor da mão sangrando.
Eu ando e coloco a mão sobre a marca. Eu ouço alguma coisa, o som fraco de metal rangendo, mas depois nada. Usando pura força, tento abrir a porta de pedra, mas, apesar do meu considerável poder, eu não consigo movê-la.
— Volte para Stonehill — ordeno a Kayla. — Consiga uma equipe. Encontre Ace e consiga sua ajuda. Diga a ele que precisamos de algo que possa abrir isso. Vou esperar aqui. Vou arrombar essa porta e cavar meu caminho até o centro do inferno para salvá-la se for preciso.
Kayla hesita, e Barão olha entre nós dois, esperando. — Fen... — sua voz é suave, conciliatória e eu sei o que ela dirá antes que diga. — Nem sabemos onde isso leva. Se levar a algum lugar. — Ela coloca uma mão no meu braço, como se para suavizar o golpe de suas palavras. — Deixe-nos pesquisar. Vamos pensar sobre isso. E vamos voltar para Stonehill. Sua cidade está queimada. Suas pessoas deslocadas. Eles perderam suas casas. Seus entes queridos. Eles precisam do príncipe deles.
— Ari precisa mais de mim.
* * *
Eu considero ficar. Mas as palavras de Kayla me assombram. O que eu faria sozinho na caverna? Bater a cabeça teimosa de encontro à pedra esperando que ela se quebre? Eu serei mais útil em Stonehill, então saio com Kayla enquanto Barão dança em círculos ao redor da porta estranha; uivando, rosnando, ofegando e abanando o rabo em aflição. Ele pode senti-la. Cheirá-la. Ele sabe que eles a levaram por aqui. Mas nenhum de nós pode decifrar o código de como essa porta se abre ou para onde ela leva, então não temos escolha a não ser voltar para o castelo. O sol está perto de se pôr quando retornamos.
Percorremos a cidade mais devagar dessa vez, absorvendo o dano. Casas queimadas, lojas de comida destruídas e árvores caídas. Corpos que sujam as ruas. O fedor de carne queimada que ainda permanece no ar apesar da tempestade.
— Vamos precisar montar grupos de trabalho para recolher, enterrar ou queimar os mortos — digo enquanto andamos.
Kayla assente, mas não diz nada.
Até que ela vê algo dentro das ruínas de um prédio desmoronado e queimado. Ela grita e corre para as cinzas. Paro e espero, meu coração pesado quando a vejo voltar com um corpo carbonizado nas mãos e lágrimas escorrendo pelo rosto sujo de sujeira.
— É Daison — diz ela. — Ele está morto.
— Sinto muito, irmã. — É tudo que posso dizer. Ari saberia consolá-la, como compartilhar a tristeza com ela, mas tive que bloquear meu coração contra o custo da guerra, ou nunca poderia fazer o que faço. Ainda assim, entendi. Sua dor é crua, sua dor é profunda. Ela criou aquele menino, treinou-o como aprendiz de ferreiro, amou-o como família. A parede ao redor do meu coração racha um pouco por ela enquanto andamos.
Ela carrega o corpo do garoto todo o caminho de volta para o castelo, e eu decidi limpar a cidade. Os restos dos vampiros serão queimados em piras funerárias, como é o nosso costume. Os escravos Fae que morreram serão enterrados, assim como os deles. Os Shades podem ir de qualquer maneira, dependendo da preferência de seus parentes próximos. Hoje à noite, o céu queimará com o fogo da tristeza.
Eu pedi a Kal, o Guardião, mandar seis corvos, um para cada um dos reinos dos meus irmãos, com ordens para realizar uma reunião do Conselho imediatamente. Precisarei da ajuda deles se for encontrar Ari e recuperar meu reino após o ataque das Terras Distantes.
Esperar é a parte mais difícil. Não passo muito tempo no mundo humano, mas invejo a tecnologia e os métodos de comunicação rápida. Um telefone celular seria particularmente útil agora.
Para ficar ocupado, faço minhas rondas pelos campos de refugiados que se formaram dentro das muralhas dos castelos. As piras funerárias já foram construídas, e muitas iniciaram o processo de queimar seus mortos e sussurrar adeus. Vampiros não acreditam muito em vida após a morte. Somos imortais. Se nós morremos, esse é o fim. Mas Fae tem crenças diferentes, de ressurreição, de viver além. Shades muitas vezes transpõem a cerca para o que acontece depois da morte.
Paro em cada cerimônia, dando respeito aos mortos antes de passar para a próxima. Eu me pergunto o que Arianna faria para ajudar as pessoas a se curarem, e tento oferecer suas palavras e sua bondade através do meu corpo. Não é o mesmo. Ela é muito melhor nisso do que eu, mas é o melhor que posso fazer.
Quando chego à pira para Daison, paro e fico ao lado de Kayla. Não a toco ou a seguro porque não sinto que ela quer essas coisas. Em vez disso, ofereço minha força em silêncio com a minha presença.
Ela fala uma velha bênção Fae e acende as chamas para libertar o corpo de Daison. Estou surpreso que ela tenha escolhido esse jeito e não o Fae, e digo a ela quando acaba.
— Ele e eu vivíamos perto do fogo da forja. Parecia adequado que ele também deixasse este mundo em chamas.
Eu assinto e então finalmente a puxo para um abraço. Barão uiva quando o fogo desvanece e as cinzas são tudo que restou de Daison. Kayla chora silenciosamente.
Haverá muitos buracos de cinzas nesta noite. Muitas novas sepulturas pontilham as paisagens além, algumas marcadas, outras não.
Muitas casas e corações vazios que antes estavam cheios.
E, no final, haverá mais guerras. Isso é o que eu fazia. Eu sou o príncipe da guerra. Eu sou o Príncipe da Morte.
* * *
Marco e Roco, dois dos meus soldados mais confiáveis, me interceptam quando Kayla e eu caminhamos de volta ao castelo sob o luar.
— Senhor, precisamos de você na cidade — diz Marco. Ele tem círculos escuros sob os olhos e parece ter envelhecido dez anos nos últimos dias.
— Qual é o problema? — pergunto.
— Lorde Salzar está torturando e executando os rebeldes Fae capturados na batalha. Ele os colocou no centro da cidade.
Amaldiçoo sob a minha respiração. — Por ordem de quem? — pergunto.
Roco franze a testa. — Pela própria autoridade dele. Ele diz que é apoiado por sua própria lei.
Kayla e eu nos viramos e seguimos Marco e Roco de volta para Stonehill. Os sons de gritos aumentam quando nos aproximamos do centro da cidade. Uma multidão de pessoas se reuniu ao redor da praça, uivando por sangue. Eles se estendem à minha frente, e nós caminhamos para o centro, onde Salzar reina como um rei, seus inimigos pendurados em ganchos atrás dele. Seu rosto está vermelho e saliva voa de sua boca enquanto ele grita para os espectadores excitados.
— E o que faremos com este? — Ele corta com um chicote encharcado de sangue e rasga as costas de uma mulher pendurada diante dele. Ela está de topless e lutando contra suas amarras. Seu longo cabelo azul está coberto de sangue e sujeira.
— Destripe-a — grita alguém da multidão.
— Decapitação! — grita outro.
As sugestões se tornam mais e mais horríveis, mais violentas e distorcidas. Kayla suga a respiração ao meu lado, e sei que essa visão deve chocá-la.
Ao lado da mulher, outro homem está nu. Ele já está morto, mas não foi uma morte fácil. Suas entranhas foram arrancadas violentamente e balançavam em seu corpo flácido.
— Pare! — grito em voz alta e autoritária.
A multidão fica em silêncio, e Salzar finalmente me nota. Uma capa vermelha cai de suas costas. O cabelo dele é curto e preto. Ele não se encolhe. Ele zomba. — Saudações, Príncipe Fenris. Tão feliz que você possa se juntar a nós em justiça sobre os monstros que devastaram este reino.
— Isso termina agora. — Eu rujo, trabalhando muito duro para controlar meu próprio temperamento. Abster-me de atacar o rosto do homem com meu punho.
A multidão silencia com minhas palavras, sussurrando.
Salzar levanta uma sobrancelha. — Você negaria às pessoas a vitória devida delas? Você pouparia os rebeldes que destruíram sua cidade e mataram seus cidadãos? Você não é o Príncipe da Guerra?
Há uma mudança no ar. Todo mundo está ouvindo, mas eles não têm certeza de quem seguir.
Barão está ao meu lado, alerta e pronto para a batalha. — Eu sou o mestre deste reino, Salzar. Você não tem autoridade aqui, e não tem o direito de decidir a punição dos prisioneiros de guerra. — Minha voz é baixa, mas é carregada para a multidão.
— Eles mataram nossas famílias — diz Salzar. Sua voz é convincente, apaixonada, um mestre manipulando a ânsia de vingança da multidão. — Não podemos deixar nossos inimigos viverem. Você me ensinou isso, Príncipe da Guerra, quando matou meu filho por atacar sua princesa.
E agora chegamos a isso. Eu sabia que o Salzar seria um problema, e ele escolheu o pior momento. Rodrigo mereceu o seu destino após atacar e tentar se alimentar de Arianna, mas essa multidão não entenderá porque os Fae que mataram suas famílias não merecem o mesmo destino. Estou perdendo o controle.
— Levem os prisioneiros restantes para o Guardião — comando a meus próprios soldados. — Deem comida, ajuda e descanso. — A multidão fica chocada em silêncio, depois o silêncio se quebra em uma onda de indignação.
— Considerem isso — digo calmamente, acalmando-os mais uma vez. — Como vocês querem que os Fae tratem qualquer refém que eles possam ter levado do nosso lado?
Salzar zomba. — Eles não fizeram prisioneiros. Todos foram contabilizados, mortos ou vivos.
Eu me viro para ele, cravando nele o meu olhar, mostrando a ira em meus olhos. Subo os degraus do palco, sacudindo a madeira sob minhas botas. — Você está errado, Salzar. Eles pegaram um. Eles levaram a Princesa Arianna.
Há suspiros no meio da multidão, uma dor chocada que aumenta. Eu estava contando com essa resposta. No pouco tempo em que Arianna viveu aqui, ela penetrou nos corações dessas pessoas. Eles a amavam.
Salzar está perplexo, então eu pressiono a minha vantagem. — Você já matou vários reféns que poderiam ter informações sobre onde a princesa Arianna está sendo mantida. Sua indiferença descuidada pela autoridade deste reino poderia ter custado a vida da princesa! — Só posso esperar que minhas palavras sejam exageradas para agitar a emoção da multidão, e não proféticas. — Guardas! Levem Lorde Salazar às masmorras para esfriar seu temperamento e lembrar a ele quem governa aqui. Três dias devem ser suficientes.
Marco e Roco pegam o homem que luta e o arrastam pelas ruas enquanto ele grita profanidades e jura acabar comigo. Eu riria, mas ainda há a questão de encontrar Ari.
— Para o resto de vocês, concentrem suas energias na reconstrução de suas casas, suas vidas, sua cidade. Os prisioneiros serão interrogados e eu encontrarei a princesa.
Eu saio então, com Kayla e Barão ao meu lado.
— Cuidado, irmão — diz Kayla, assim que estamos fora do alcance de ninguém. — Você não pode criar tantos inimigos e ainda governar.
* * *
A notícia foi divulgada agora sobre Arianna ser sequestrada e meus irmãos entrarão em pânico. Preciso encontrá-la.
Agora.
Volto ao castelo e caminho até a enfermaria. Kal está cuidando de três prisioneiros que estão muito piores. Ele não os tem acorrentado às camas, o que me preocupa. Marco e Roco ficam de guarda e peço mais dois homens para se juntarem a eles para vigiar os prisioneiros e manter Kal seguro. — Preciso questioná-los — digo a Kal.
— Você pode tentar, Alteza. Mas eles não estão muito coerentes.
Kal é quase tão alto quanto eu, mas mais magro, com uma longa barba branca e longos cabelos brancos. Ele pode parecer velho, envelhecido, mas a pele não tem rugas. Ele é antigo, no entanto. Apenas os Fae que vivem centenas de anos ou mais possuem cabelos tão brancos. Ele também é alguém em quem confio, apesar de sua herança e de nossa atual guerra com seu povo.
— Eles disseram alguma coisa útil? — pergunto.
— Não — diz ele, simplesmente.
Ando até a mulher que estava sendo chicoteada quando chegamos. Ela está gemendo de dor e me agacho ao lado de sua cama. — Qual o seu nome? — pergunto.
Seus olhos são vítreos e as pálpebras estão pesadas. Ela está muito pálida e claramente não me compreende.
Vou para o próximo prisioneiro, um homem mais velho com braços e peito grossos e uma mecha vermelha de cabelo na cabeça que cai sobre os ombros. — De onde você é? — pergunto a ele.
Suas pálpebras tremem, mas não se abrem. Ele parece febril.
O terceiro homem está totalmente inconsciente.
Suspiro e caminho de volta para Kal. — Quanto tempo antes que você possa tê-los curados o suficiente para a interrogação?
Kal franze a testa. — Depende de quão bem seus corpos respondem ao tratamento. Eles foram gravemente feridos na batalha, e depois torturados ainda mais.
Sua voz é impassível, mas eu me pergunto o que se esconde por baixo. Ele sente lealdade para com as pessoas de quem é originário? Ele abomina a violência perpetrada neles pela minha espécie?
— Envie-os para mim no momento em que um deles acordar. Se eles souberem alguma coisa sobre o paradeiro da princesa, eu preciso saber imediatamente.
Kal acena com a cabeça. Ele também ama Ari e trabalhou em estreita colaboração com ela nas últimas semanas. Ela passou muito tempo na biblioteca com meu Guardião, como em treinamento de espada comigo e fazendo a espada com Kayla. É surpreendente que ela tenha encontrado tempo para dormir.
Quando saio da enfermaria, um mensageiro chega com um pergaminho. O Conselho foi convocado. Meus irmãos aguardam minha chegada.
* * *
Os seis sentam-se ao redor da grande mesa redonda nas câmaras do Conselho. Seus respectivos estandartes, o meu vermelho, o roxo de Asher, estão pendurados atrás deles. Tochas azuis iluminam as paredes negras de mármore. Eu tomo meu lugar na grande cadeira de madeira esculpida com lobos e espadas.
— Arianna foi levada por rebeldes. Ela usou seu sangue para me chamar através da minha marca de demônio, mas levou a um beco sem saída. — Eu explico sobre a caverna e a porta. — Meu povo deve reconstruir após o ataque. Preciso de forças de cada um dos seus domínios para me ajudar a defender Stonehill enquanto procuro por Ari.
Levi bufa, sacudindo seus longos cabelos brancos para longe dos olhos. — Você? Irmão, você era responsável por manter a princesa segura e a perdeu. Precisamos de alguém mais capaz de salvar a princesa.
— Eu odeio dizer isso, mas não discordo — diz Dean. Ele não usa camisa. Nem mesmo para uma reunião. — Ela era para ser minha neste mês, quando você a levou. Agora ela se foi e eu ainda não tive a minha vez. Talvez outra pessoa precise tomar a dianteira para encontrar Arianna.
Eu rosno para os dois.
Niam se levanta e se inclina sobre a mesa, seus olhos fixos. Sua cabeça está raspada, sua pele escura brilhando do hidratante. Ele está vestido com as melhores roupas que o dinheiro pode comprar, como sempre. Niam nunca carece de riqueza ou das coisas boas. — Afaste-se, Fenris. Eles falam a verdade e não seria prudente não ouvi-los. Você tem uma cidade para defender e reconstruir. Uma guerra para lutar. Você é necessário para proteger todo este reino, além do seu. E o seu mês com a Princesa Arianna acabou. Deixe alguém levar este fardo para que você possa cuidar dos seus próprios assuntos.
Como eles se atrevem? Eu vou encontrar Arianna com ou sem a ajuda deles, esse reino está condenado. Eu irei...
— Eu vou encontrar a princesa — diz Asher calmamente. Sua pele está escura sob os olhos. Ele não deve ter dormido por muitos dias. — Eu a conheço melhor — ele olha para mim —, além de Fenris, que teve mais tempo com ela. Eu a recrutei do mundo dela. Eu a trouxe até aqui. Ela confia em mim.
Levi ri. — E por que deveríamos confiar em você? Você, que sempre está do lado do Príncipe da Guerra?
Asher se vira para encarar Levi. — Você acha que Ari irá com você, Levi? Depois do que você a fez passar na apresentação? Você imagina que ela queira alguma coisa com você agora?
Zeb sorri e passa a mão pelo cabelo curto e escuro. — Asher tem razão. Você foi um idiota com ela, e ela é humana, não Shade ou escrava. Eles têm ideias sobre igualdade e tal. Ela não é fã de você ou Dean neste momento. Concordo que Asher seja aquele a liderar a busca pela princesa.
Ace ficou quieto esse tempo todo, sem dúvida perdido em seus próprios pensamentos, mas ele olha para mim, balançando a cabeça lentamente, depois volta sua atenção para o grupo. — Eu também voto em Asher. Ele está na melhor posição para encontrar a princesa e trazê-la para casa, permitindo a Fen defender o seu reino e os outros.
Levi, Dean e Niam votam contra Asher. São três para três. Eu sou o voto decisivo. Está claro que se eu não ficar ao lado de Asher, Levi ou Dean podem ser escolhidos em vez disso. Eu suspiro. — Encontre-a, irmão — digo a Asher. — Encontre-a e mantenha-a segura.
O ou então está implícito em minha voz, e ele concorda. Eu sei que ele entende, e mesmo que tenha perdido um pouco da minha confiança com suas mentiras recentes, eu acredito que ele queira manter Arianna segura.
Dean dá de ombros. — Tudo bem, Asher fará isso. Apenas trague minha princesa. Tenho planos para ela que certamente mudará sua opinião sobre as coisas.
O bastardo ri e eu rosno.
Asher coloca uma mão cautelosa no meu braço. — Não agora, Fen. Este não é o momento.
Eu me viro e saio. Pouco me preocupo com o que o Conselho pensa. Eu encontrarei a mulher que amo.
Quando saio da sala, a voz de Ace me para. — Fenris... — Nós estamos sozinhos no corredor, mas não me viro para encará-lo, com medo da raiva que vou vomitar.
Ouço Ace se aproximando. Ele fala suavemente. — Eu sei para onde você está indo. E sei por quê. Mas considere isso, antes de agir precipitadamente. Seu povo caiu. Eles precisam do seu príncipe. O que você escolherá, Príncipe da Guerra? — Ele se aproxima. — Quem você salvará?
Capítulo 4
A ESCURIDÃO
“Quando os demônios vieram do céu e mataram os Alto Fae, os Espíritos nos deixaram”.
— Madrid
Estou nua na frente de um espelho de corpo inteiro no meu quarto. Os Faes me trancaram no mesmo quarto de antes, mas desta vez, eles removeram todas as cortinas. Minha túnica branca está em uma pilha aos meus pés enquanto considero o que vestir hoje. Minhas escolhas são limitadas a vestidos em azul claro e branco com tecido macio e fluido. Eu levanto um azul, estudando meu reflexo, depois troco por um vestido branco, quando a voz de um homem me assusta.
Eu giro, me cobrindo com o vestido branco.
— O azul fica melhor em você — diz Asher, sem se preocupar em esconder seu sorriso.
Arremesso o vestido azul no chão e deslizo o branco sobre a minha cabeça em um pequeno ato de desafio. Não me incomodo em tentar ser modesta. Deixe-o se contorcer. Não tenho vergonha do meu corpo.
Ele ri. — Psicologia reversa. Sempre funciona. O branco é mais marcante.
Minhas bochechas queimam, e quero lançar algum insulto a ele, mas ele salvou minha vida na noite passada, então eu acho que ele merece... O quê? Cortesia? Talvez se ele for legal.
Sento na cadeira perto da janela voltada para o norte, e ele põe uma bandeja na mesa de madeira ao meu lado. Está cheia de comida e uma taça de vinho. Eu como as frutas, nozes, queijo e pão, e depois tomo um gole de bebida. É leve, doce e refrescante.
— Eu vim para fazer as pazes com você — diz ele.
— Você já não tentou?
Ele ri e levanta ataduras. — Também vim para cuidar da sua ferida.
Levanto meu braço, e puxando uma cadeira para perto de mim, ele desenrola a atadura que cobre o ferimento feito pelo grifo. Eu recuo quando a atadura gruda no sangue seco.
— Desculpe — diz ele, encolhendo comigo.
Ele a limpa com um pano molhado e esfrega uma pomada roxa. — Parece estar curando bem — diz ele enquanto envolve bandagens limpas. — Madrid pode acelerar essa recuperação com magia, sabe.
Eu me afasto quando ele termina e volto para a minha comida. — Não preciso da magia dela. E não ficarei aqui por muito tempo, de qualquer forma. Encontrarei uma maneira de escapar — digo a ele.
Ele franze a testa.
— Fen está bem? Você já o viu? — Eu tenho assumido que Fen está curado e sentiu o sangue chamar, mas não tenho nenhuma prova.
— Ele está com raiva, mas vivo, se é isso que você quer dizer.
Eu aceno, consolada por esse fato, e encorajada na minha próxima declaração. — Você não pode me segurar aqui para sempre. Eventualmente, Fen me achará, e quando ele perceber que você me manteve prisioneira, ele matará todos vocês.
Digo as palavras sabendo que são verdadeiras, mas não quero que ninguém morra. Não odeio Asher, mesmo que não entenda completamente o que ele está fazendo ou o motivo. E não quero que Fen fique preso no meio de uma guerra sangrenta com seus irmãos por minha causa. Tem que haver uma maneira melhor.
Asher se senta do outro lado da mesa e bebe profundamente de sua taça. — Você está certa. Ele virá atrás de você. E enquanto não puder alcançá-la ele não vai desistir. Mas você quase morreu na noite passada tentando escapar. Você está disposta a arriscar sua própria vida novamente?
— Se for preciso — digo sem hesitação. — Estou cansada de ser tratada como um peão nos jogos de outras pessoas. Como um cão que deve se submeter ao seu mestre.
Ele se encolhe quando lanço as palavras de seu pai para ele. — E se eu conseguir que você saia daqui e veja Fen novamente? Sem tentativas de fuga que desafiam a morte ou uma guerra civil?
Inclino a cabeça e coloco uma uva na boca. — Estou ouvindo. — Venha conversar com meu pai, Madrid, Durk e eu. Eu tenho um plano, mas você terá que confiar em mim.
* * *
— Você propõe o quê? — O rosto do rei Lucian se contorce em desgosto. — Isso é loucura!
Mordo minha língua e espero. Asher disse que eu precisava confiar nele. Eu não confiava, não realmente. Mas tenho que acreditar que ele pode vender este plano para Lucian. É a minha única chance. Ainda assim, minhas costas estão rígidas enquanto descanso meus braços sobre a mesa de madeira resistente que todos nós sentamos ao redor.
— Ela viverá no meu reino — explica Asher —, mas voltará aqui regularmente para treinar.
Lucian franze o cenho. — E se ela não voltar?
— E se ela ficar aqui, mas não fizer nada? — Asher se inclina. — Pai, precisamos de cooperação, e como vimos, não vamos conseguir com ameaças. Precisamos de um compromisso. — Ele toma um gole de sua taça. — Arianna continuará passando tempo com os sete príncipes, cumprindo assim seu contrato, aquele no qual você insistiu. Por sua vez, ela fará o que é necessário aqui... — ele olha para mim —, sem reclamar.
Sorrio sem graça.
Durk grunhe. — O garoto tem um bom argumento.
Asher não parece tão divertido com o título, mas sabiamente não diz nada. Luto com um sorriso por alguém chamar um demônio imortal de garoto.
Lucian se inclina em sua cadeira dourada, suspirando. — Isso diminuirá a suspeita de seus irmãos...
— E — acrescenta Asher —, impedirá que o Príncipe da Guerra desça sua espada sobre os Fae quando tentarmos fazer a paz.
Lucian acena uma vez, agudamente. — Muito bem. Mas vamos precisar de um juramento de sangue.
Faço uma careta. — Já assinei um de seus contratos, demônio.
Lucian ri. — Então você não terá nenhum problema em assinar outro.
Então é aí onde Asher fica com sua inteligência.
O Príncipe do Orgulho olha entre seu pai e eu, seus olhos nervosos. Ele toca minha mão com a dele, então encara Lucian. — Ela vai assinar... Sob certas condições. O contrato terminará quando ela se tornar rainha, ou a qualquer momento caso você ou eu decidirmos dissolvê-lo.
Lucian olha para nós. — Eu posso dissolvê-lo. Ninguém mais.
— Não. — Asher aperta minha mão com mais força. — Qualquer um de nós. Você ou eu.
O Rei aperta a mandíbula, em silêncio.
— Pai, você está escondido, presumivelmente morto. É uma liderança esperta delegar alguém em seu lugar caso você esteja indisposto a tomar decisões importantes. — Asher espera, sua expressão clara.
Não consigo lê-lo. Não consigo ler o pai dele. Os dois estão frios.
Madrid se debruça sobre a mesa e olha para Lucian. — Nós nos aliamos a você porque você prometeu a paz, mas agora o Príncipe da Guerra se aproxima por causa da princesa. Até agora, você não está provando ser tão útil quanto prometeu.
Lucian suspira. — Ótimo. Reveja o contrato.
Asher sorri. — Já está feito. — Ele puxa um pergaminho, semelhante ao que eu assinei para salvar minha mãe, de algum lugar em sua capa. Não sei se estou feliz ou chateada por ele já ter um preparado.
Asher faz algumas mudanças.
O rei pega e lê através da escrita arcaica.
Eu cerro os dentes. Vamos ver se vou assinar ou não, mas não quero discutir com Asher aqui, na frente do rei. Não quero dar à Lucian essa satisfação.
— Muito bem — diz o rei, devolvendo o pergaminho para Asher. — Mas ela também deve ser apresentada antes de retornar ao Inferno.
Eu me arrepio com a ideia de ser apresentada. Não foi tão bem para mim da última vez.
— Só se ela for a escolhida — diz Madrid.
— Escolhida? — Olho em volta, esperando que alguém explique, mas ninguém diz nada até Asher piscar para mim.
— Você descobrirá esta noite.
O rei assente. — Se todos estiverem de acordo, cederei com essas condições. Mas ela deve assinar agora.
Madrid e Durk assentem.
Asher me entrega o contrato e a mesma caneta que eu usei antes. Levo meu tempo para ler cada palavra, me certificando que eu entendo o que está sendo requisitado de mim. Posso dizer que o rei está impaciente e quer que eu assine imediatamente, mas ele pode esperar.
Observo as partes mais importantes: não me será permitido discutir o envolvimento de Asher ou Lucian com os Fae. Não poderei compartilhar meu conhecimento do rei e seu verdadeiro destino.
— Eu quero minha espada de volta — digo. — Escreva isso.
Asher está prestes a falar, mas Lucian o interrompe. — Tudo bem. Não me importo.
Suspiro e continuo a ler. — Eu quero algo aqui que garanta que os termos do meu contrato original ainda serão honrados, e que nada que você me peça agora colocará em risco a saúde ou o bem-estar da minha mãe. Eu ainda poderei voltar para casa. Ela ainda estará segura e cuidada não importa o quê.
Lucian rosna. — Um contrato não pode negar o outro. O primeiro ainda está em vigor. Mesmo que meu filho idiota tenha dado muita margem para reescrevê-lo.
O rosto de Asher sequer se encolhe com o vítreo de seu pai.
Sorrio e entrego o contrato para Lucian. — Então não deveria ser um problema incluir isso aqui. Se você quer minha cooperação?
Lucian não parece querer minha cooperação. Ele parece preferir drenar o meu sangue e acabar com isso. Mas Asher tira o contrato dele e faz as mudanças, e então me devolve.
— O que acontece se eu quebrá-lo? — pergunto.
— Você não pode — diz Asher. — Se tentar, você descobrirá que não é capaz.
— Não é capaz como?
Asher aperta os olhos. — Vamos apenas dizer que há dor envolvida. Muita dor. Mas isso não será um problema, não é minha querida?
Corto meu braço e encho a caneta com o meu sangue, e pela segunda vez em um mês, eu faço um acordo com o diabo.
* * *
Spero é devolvida para mim, e eu a coloco – sim, ela é ela – contra a minha cama. Três garotas Fae chegam para me banhar e me vestir. Há uma grande banheira no canto do meu quarto e está cheia de água quente, óleos e pétalas de flores. Eu entro nela e me deleito com o calor e o cheiro inebriante, fechando os olhos enquanto tento esquecer por um momento onde estou e o que devo fazer.
Ao invés disso, penso em Fen. Às vezes, eu o sinto comigo, mas quando me viro para olhar, ele se foi. Sei que é apenas minha imaginação pregando peças, mas parece tão real que meu coração se quebra a cada vez que eu o perco de novo.
Eu gostaria que ele e Barão estivessem aqui agora. Estou nervosa com a escolhida e apresentação. Tentei arrancar mais respostas de Asher, mas ele desapareceu com o rei e disse que eu precisava ficar pronta para esta noite. Aparentemente, haverá uma multidão para testemunhar se eu sou ou não a escolhida.
Depois do meu banho, uma garota usa uma pedra pomes para polir as solas dos meus pés enquanto as outras duas trabalham nas minhas unhas. — Você tem muitos calos — diz a garota mais jovem e de cabelos azuis.
— Luta de espada. E ferraria. Não são fáceis para as mãos — explico.
Seus olhos se arregalam e ela parece querer fazer mais perguntas, mas a garota mais alta com cabelos vermelhos olha para ela, e ela fica em silêncio.
Eu gostaria que elas fizessem mais perguntas, ou conversassem. Este silêncio é enervante. Tento extrair alguma comunicação delas, mas elas respondem a todas as perguntas com respostas monossilábicas e curtas, até eu desistir. Não quero colocá-las em problemas, e talvez elas tenham sido proibidas de falar comigo. Eu não sei.
Meu cabelo é escovado até secar e trançado em dezenas de pequenas tranças que são então costuradas para formar um desenho elaborado em volta da minha cabeça, quase como uma coroa. Uma fita prateada foi tecida nas tranças, e minúsculos cristais são adicionados quando o desenho está completo. É impressionante contra o meu cabelo preto.
Óleo de rosa é esfregado no meu corpo antes das meninas me vestirem com um vestido prateado sem mangas, com safiras finas na bainha e decote.
Minha maquiagem é clássica: lábios vermelhos e olhos marcados. A menina mais nova acrescenta toques finais de pó prateado no meu rosto, peito e braços, o que me faz brilhar sob a luz certa. A garota alta desliza meu anel de pedra azul dourada no meu dedo e se afasta.
— Você está pronta — dizem as três juntas, então elas se curvam e saem do quarto.
Isso não foi nada estranho.
Sento na beirada da cama, esperando. Presumivelmente alguém virá por mim.
Parece que as horas passam antes que o sol comece a se pôr e haja uma batida na minha porta. Fico impaciente para que algo aconteça.
Asher sorri quando abro a porta, e percebe minha aparência. — Você está incrível.
— Eu estava incrível a cerca de três horas. — Eu franzo a testa para ele, mãos no quadril. — Por que eu tive que ficar pronta tão cedo? Você sabe quão difícil é não estragar um vestido ou maquiar esta fantasia? A luta é real, cara.
— De fato — diz ele secamente. — Você está pronta para ir?
Aceno e aceito seu braço quando é oferecido. Ele está vestido com um terno branco e capa com detalhes em azul e prata, e embora ele esteja agradavelmente bonito, não digo isso a ele. O Príncipe do Orgulho não precisa de encorajamento.
Atravessamos uma ponte que liga meu quarto a uma enorme árvore, nossas roupas ondulando no vento forte. Dentro do centro do tronco há uma escadaria sinuosa que usamos para chegar a terra. Madrid, Durk e o rei esperam abaixo, todos vestidos em tons de branco, prata e azul. As cores do céu e do ar representam seu elemento.
Um séquito de guardas vestidos com uniformes brancos formais escolta nosso grupo através da ilha flutuante, entre árvores prateadas e casas esculpidas em pedra. Neve esmaga sob nossos pés. Um pássaro canta no alto de uma torre. Enquanto viajamos, Faes na rua começam a nos seguir, sussurrando uns para os outros. Alguns até deixam suas casas para se juntar à multidão. Eles vêm em grupos de dois ou três, depois cinco, depois dez, até que eu não consiga mais contar.
Está claro que eles esperavam por isso. Todos estão vestidos formalmente em cores do ar. Muitos carregam penas brancas e prateadas como buquês. O caminho que percorremos brilha ao luar, iluminado por velas e orbes de luz que flutuam ao nosso redor.
Finalmente chegamos ao nosso destino: uma grande árvore tão alta que bloqueia o céu, e tão larga que você pode dirigir um carro por ela. Isso me lembra das sequoias da Califórnia, exceto que essa árvore é prateada, a casca, os galhos, até mesmo as folhas. Asher me posiciona diante do tronco, onde uma cavidade está coberta de raízes emaranhadas. No meio há uma marca de mão prateada.
— É hora de escolher — diz Madrid em voz alta para que todos possam ouvir. — Somente o sangue determinará se Arianna é realmente herdeira de Avakiri.
A multidão levanta as mãos e uma brisa sopra a noite, pegando meu vestido e girando-o em torno de meus tornozelos.
Asher pega minha mão e a coloca na impressão da mão. — Você deve dar sangue — diz ele.
Ele dá um passo para trás e eu olho para a minha mão, pálida contra o prateado da árvore, meu anel é o único toque de cor com sua escura pedra azul cheia de brilhos.
Os espinhos são profundos e a dor brilha na minha mão, pulso e braço enquanto o sangue escorre para dentro da árvore.
Nada acontece.
Um silêncio cai sobre as pessoas assistindo. Esperando. O vento morre ao meu redor.
Grânulos de suor se formam na minha testa e sob meus braços. Minha pele parece quente, pegajosa. Meu corpo dói. Quero afastar a mão dos espinhos, mas em vez disso empurro ainda mais a dor, envolvendo mais profundamente os espinhos prateados.
Tudo está quieto. Muito quieto. Como se o mundo inteiro tivesse desaparecido e só restasse eu.
Minha mão queima. Eu tento puxá-la, mas está presa. Meu anel aperta. A pedra cresce. É tão pesado que meu dedo dói.
Então minha visão escurece, e não consigo sentir mais nada além da ausência de peso.
Flutuo em um mar de estrelas.
Não há gravidade. Meu vestido flutua ao meu redor como se estivesse na água. Não consigo ver nada além dos pontos brilhantes de luz ao meu redor. Não ouço nada. Não.
Há algo. O balanço do ar. Movimento.
A escuridão toma forma. Pequeno primeiro, depois maior. Ela cresce pernas, garras, uma cauda, ??picos. Asas brotam de costas, abrangendo a eternidade. A escuridão se transforma para mim, seu rosto reptiliano, mas com uma consciência muito mais profunda que qualquer lagarto. Ele me olha com olhos de estrelas
— Você é minha — sussurra uma voz na escuridão. — Você é a escolhida. — É barulhento, consumindo tudo, em camadas, como um coro. É macio e duro ao mesmo tempo. É gentil e furioso. Não é do sexo feminino ou masculino. Algo mais. Isso me envolve. Isso me abraça e me envolve.
— Você é a Estrela da Meia-Noite.
Minha cabeça se enche de visões de vida e morte, visões que piscam como fogo diante dos meus olhos, e meus ouvidos parecem puxados, esticados, arrancados da minha cabeça. Giro no espaço e luz branca explode de dentro de mim. Fogo e gelo preenchem minhas veias, me transformando em algo novo, abrindo antigos segredos armazenados dentro de minhas células.
— Vá agora, criança da meia-noite — diz a voz dentro de mim. — Desperte as selvas.
* * *
O chão está duro embaixo de mim, e meu corpo vibra com uma nova energia. Inebriante. Inquietante. Uma mão me alcança, me ajudando a ficar em pé. Asher. Ele olha para mim, com os olhos arregalados, a mandíbula frouxa.
— Qual o problema? — pergunto. — Eu falhei?
Minha cabeça lateja, e não consigo ver todas as pessoas olhando para mim ainda, então eu me concentro nos olhos de Asher, nas mãos dele segurando as minhas.
— Você certamente não falhou, Princesa — diz ele com admiração. — Pelo contrário, temo que você tenha conseguido.
Madrid caminha em minha direção, com um sorriso secreto nos lábios. Ela acena com a cabeça e um dos guarda-costas traz um grande espelho prateado, colocando-o diante de mim. — Veja — diz ela.
Demora um momento para perceber que estou olhando para mim mesma. Diante de mim está uma Fae com cabelos negros tingidos de brilhos azuis. As orelhas estão pontudas. Não sou mais Arianna, a garota humana da terra. Eu sou algo totalmente diferente.
Estudo o resto do meu reflexo. Uma braçadeira de dragão negro envolve meu braço direito. É quente em minha pele, e quando estendo a mão para tocá-la, a faixa se move, desenrolando sua longa cauda e levantando a cabeça.
Eu suspiro, olhando para a faixa, primeiro através do espelho, então diretamente quando ela pula na minha mão, pequenas asas flutuando no céu. É da cor do meu novo cabelo, azul escuro – quase preto, com estrelas brilhantes movendo-se através de suas escamas. É do tamanho de um gatinho. Um dragãozinho. A cor da meia-noite.
Olho para o meu dedo, onde o anel da minha mãe descansava. A faixa de prata ainda está lá, mas a pedra bruta está rachada como...
Um ovo.
Olho nos olhos da criatura, que faz som cantante: — Você é Yami — digo.
Seus lábios se curvam, como se estivesse sorrindo, e ele pula na minha mão, cantando.
Asher e Madrid olham para mim, franzindo a testa. Eu estendo o bebê dragão para eles. — Isso deveria acontecer? — pergunto. — Não sei...
Madrid balança a cabeça. — Princesa, nós não vemos o que você está vendo.
Olho para Yami e viro novamente. — Este dragão. Ele nasceu do meu anel.
Os olhos de Madrid se arregalam e ela se curva. — A Estrela da Meia-Noite renasceu. — Outros Fae caem em seus joelhos, curvando-se, mas a maioria olha com ceticismo, como Asher. Lucian faz uma careta ao lado da árvore.
As palavras de Madrid despertam minha memória, minha transformação na escura noite estrelada. — Estrela da Meia-Noite. Sim. A voz disse que eu era a Estrela da Meia-Noite. Mas por que você não pode ver Yami?
A Fae olha para minha cabeça, seus olhos focalizados até que ela sorri. — Ele é um antigo espírito de nosso povo, e só se revela àqueles que ele escolhe. Acredito, sim, eu o vi por um momento, mas ele se foi novamente. Ele acaba de renascer, e você é como a mãe dele. Levará tempo para ele se acostumar com os outros, para se fortalecer novamente, assim como levará tempo para você dominar sua própria magia.
Asher faz uma careta e olha para a brilhante árvore prateada. Parece mais viva agora do que quando chegamos. Meu sangue parece tê-la revitalizado.
— Tem algo mais destinado a acontecer? — Todo mundo ainda parece esperar por algo, como se eu me transformar em Fae e chocar um dragão do meu anel não fosse show suficiente.
As palavras de Madrid são baixas, destinadas apenas para Asher e para mim. — Agora que Yami retornou, os outros Druidas vão despertar. Dentro dessa árvore, dorme o Druida do Ar e seu espírito. Estamos esperando seu sono terminar.
— O que acontece então? — pergunto.
Asher suspira. — O que de fato? Pecados antigos serão revisitados, sem dúvida.
Madrid olha para ele. — Ignore o vampiro. Quando o Druida acordar, ele te ensinará como dominar sua magia e vai ajudá-la a encontrar os outros três Espíritos, para que possamos unir os quatro cantos do nosso reino mais uma vez.
Relâmpagos brilham no céu escuro e atingem a árvore prateada, enchendo-a de luz. Cubro meus olhos com a minha mão, apertando-os.
Um silêncio cai sobre aqueles que vieram ver esta magia se desdobrar. A árvore geme e as raízes prateadas que cobriam o buraco começam a se afastar, até que uma abertura escura aparece. Yami pula para o meu ombro e empoleira em minha orelha, acariciando meu pescoço e cabelo, ronronando. Ele também encara a árvore.
Asher suga a respiração enquanto a forma de um homem se forma contra as sombras, pisando na luz.
Ele está vestido com vestes brancas, a cabeça careca e tatuada. Seus olhos são de um azul tão claro que são quase brancos.
Ele é lindo. Fascinante.
Ele olha para nós por um momento, depois olha para Asher.
— Olá, velho amigo — diz ele em voz baixa.
— Olá, Varis.
Capítulo 5
ALTO FAE
“Mas seu sangue é o mais poderoso, o do Alto Fae, o da linha real. Você é herdeira para as nossas terras, herdeira de Avakiri”.
— Madrid
Um zumbido varre a multidão, mas ao invés de escalar, ele se move em uma onda enquanto o Fae mais perto de nós fica quieto. O silêncio se espalha, e tudo que ouço é o arrastar de pés, o escovar de tecido contra a pele, os movimentos sutis de centenas de Fae se aproximando de nós.
Varis e Asher encaram um ao outro, falando mais do que palavras com os olhares que trocam. Eles têm história, isso é claro. E nem tudo é bom.
É um lembrete de quanto tempo essas pessoas viveram. Mais vidas do que eu posso imaginar.
Yami empoleira-se no meu ombro, esfregando-se contra o meu pescoço, escondendo-se sob o meu cabelo enquanto dezenas de mãos estendem-se para Varis. Os Fae seguram suas vestes, e um círculo se forma em torno dele enquanto as pessoas que não conseguem tocá-lo tocam aqueles que podem. Seus números crescem. Todos os Fae à vista agarram a pessoa na frente deles, todos conectados ao homem que saiu da árvore.
Uma rajada de vento nos envolve, trazendo um cheiro novo e picante. A escuridão da noite ganha vida com um brilho suave. Ela se irradia de Varis para a multidão, espalhando-se, crescendo, até que todos brilhem em prata.
— O que está acontecendo? — pergunto a Asher sob minha respiração.
— Ele é uma espécie de deus para eles — diz Asher. — O Velho. O Selvagem. O Druida do Ar. Ele está compartilhando seu poder com seu povo para mostrar que ele realmente acordou.
Madrid fica ao nosso lado. Ela toca a pessoa à sua frente e seu rosto brilha. — Você vai querer essa reverência também, Ari — diz ela suavemente. — Quando a Estrela da Meia-Noite é revelada, quando você é apresentada ao nosso povo, você se torna um deus para eles.
***
Suas palavras pesam sobre mim conforme eu sou escoltada de volta para o meu quarto por Asher. Parece que os Fae ficarão ao redor da árvore toda a noite, e preciso descansar para amanhã, para treinar e apresentar. Sento na minha cama e Yami adormece enrolado no meu pescoço. Esfrego as costas dele enquanto ele ronca no meu ouvido.
— Não quero ser um deus para essas pessoas — digo a Asher, que se senta em uma cadeira de prata.
Ele parece ligeiramente divertido. — Por que não? Essa não é a suprema elevação? Ser adorado por todos.
— Você nunca prestou atenção à história? Mitologia? Heróis só ficam elevados por um tempo. As pessoas se voltam contra eles e os matam. Deuses mortais nunca vivem muito em qualquer história que eu já ouvi — digo.
Ele franze a testa, franzindo as sobrancelhas ao considerar minhas palavras. — Entendo porque isso não seria ótimo. Mas isso é diferente. Os Fae reverenciam os Alto Fae e os Espíritos. Você é ambos. Eles não sonhariam em se voltar contra você.
Ele se levanta para ir, prometendo me buscar de manhã para treinar.
— E o que eu vou aprender?
Ele encolhe os ombros. — Cabe ao druida decidir.
Antes que eu possa perguntar mais, ele sai, fechando a porta. Ele troca palavras com meus guardas, mas não consigo entender o que eles estão dizendo. Passos desaparecem.
Desenrolo Yami do meu pescoço e o coloco no travesseiro na minha cama. Ele ronrona suavemente em seu sono, aparentemente feliz, contente.
Eu gostaria de poder pegar um pouco daquela alegria. Em vez disso, eu me levanto e caminho até o espelho de corpo inteiro ao lado da minha cômoda. Tiro meu vestido e estudo meu corpo. Ainda pareço comigo mesma em muitos aspectos, meu corpo é o mesmo, meu rosto é o mesmo, apenas meus cabelos e orelhas que me fazem algo não humano, passo um dedo na orelha e na ponta, explorando a nova pele, a nova cartilagem. Desfaço as tranças do meu cabelo e estudo o azul profundo que agora escurece o preto. Ele cintila sob o luar fluindo em meu quarto, assim como o anel que produziu Yami.
Volto para a cama e estudo o pequeno dragão que dorme ali. É uma maravilha que o anel da minha mãe tenha sido um ovo de dragão o tempo todo. Ela sabia? E meu pai?
Ondas de ressentimento se abrem em mim. Eles não fizeram nada para me preparar para o meu destino. Eles me deixaram para lidar com isso completamente sozinha.
Eles devem ter tido suas razões. Algum dia eu espero ter a chance de perguntar tudo à minha mãe. Até lá, devo tentar descansar. Sopro as velas azuis e me aconchego à cama com Yami. Um momento depois, algo lambe meu queixo.
— Yami?
Ele continua lambendo.
Eu me afasto, tentando dormir. Ele começa a lamber meu cabelo.
Ah! Os problemas de ser uma princesa feérica, uma selvagem...
* * *
Na manhã seguinte, Asher me guia para fora, através de uma floresta de árvores prateadas e névoa. Um arrepio percorre o ar e o orvalho da manhã cobre os arbustos, brilhando com uma luz etérea.
O Príncipe do Orgulho fica em silêncio enquanto andamos, uma ocorrência rara, e estou muito perdida em pensamentos para começar a conversa. Yami está comigo, é claro, empoleirado no meu ombro, farejando o ar com prazer. Sinto que nunca mais ficarei sem ele novamente. Posso sentir uma corda me ligando ao pequeno dragão. Uma corda espiritual que nos conecta para sempre. Não sei se ele e eu poderíamos sobreviver separados.
— O que ele come? — pergunto a Asher, quebrando o silêncio.
Ele franze a testa. — Quem? Varis?
— Não, não o druida. Yami. O que meu dragão come? Eu preciso ter certeza de que ele está sendo bem cuidado.
— Você não apenas... Sabe o que fazer?
Reviro os olhos. — Desculpe, a biblioteca estava sem o Como cuidar do seu novo bebê dragão. E o filme não foi útil.
Asher sorri pela primeira vez na manhã toda, e eu sorrio, meio descrente de como minha vida é diferente agora. Um mês atrás, eu era uma garçonete no Roxy, e agora sou a animadora oficial do Príncipe do Inferno. Yami lambe minha bochecha, despreocupado com a nossa conversa. Não sei quão grande ele ficará, ou o que eu farei com ele quando formos para o meu mundo. Eu tenho tantas perguntas.
Asher olha mais atentamente, presumivelmente tentando ver o dragão que ainda não quer ser visto por ninguém além de mim. — Varis vai te dizer tudo que você precisa saber.
— Você conhece o druida. Ou pelo menos, ele parece te conhecer. Vocês são próximos? — pergunto.
O rosto de Asher endurece e ele desvia o olhar, acelerando o passo. — Nós éramos amigos há muito tempo, mas não mais. — Há uma finalidade em suas palavras que deixa claro que ele não está interessado em falar mais.
Quando o sol sobe no céu nós chegamos a uma trilha que leva a uma montanha. Percebo que preciso estar em uma excelente forma para acompanhar todas essas caminhadas e alpinismo em que fui empurrada. É uma coisa boa que tive todo aquele treinamento com Fen e Kayla. Eu estou mais forte do que já fui.
Muitos minutos e intervalos depois, chegamos ao pico, a neve esmagando sob nossos pés. Uma árvore prateada com um tronco tão grande que você poderia colocar uma pequena casa dentro dele está diante de nós. Há uma abertura no tronco, e Asher me conduz através de uma grande câmara cercada por raízes prateadas e emaranhadas. Uma piscina de água limpa repousa no centro. Uma rocha preta plana se projeta para fora da água. O druida, coberto de peles e lãs brancas, flutua a centímetros da pedra em posição de lótus. Seus olhos estão fechados, sua respiração estável.
Asher me dá um pequeno arquear e sai antes que Varis perceba.
Eu me movo nervosamente de um pé para o outro, imaginando o que devo fazer. Devo dizer alguma coisa? Apresentar-me? Tossir para chamar sua atenção? Ao pensar em tossir, de repente eu preciso realmente fazer, mas não quero perturbar o que parece ser uma meditação muito séria acontecendo, com levitação e tudo mais. E se ele cair pelo barulho? E se machucar o cóccix naquela pedra preta? Tudo por minha causa? Eu poderia ser punida por causar dano ao traseiro de um deus?
Sou poupada de mais considerações sobre o assunto quando Yami pula do meu ombro, agita suas asas e solta guinchos tão altos que eu tenho certeza que toda a Aldeia do Ar poderia ouvi-lo. Ele olha para algo acima. Uma coruja prateada. Olhos azuis afiados.
O pássaro desliza em nossa direção, cavando na terra com garras afiadas, espalhando suas largas asas, parecendo maior do que é. Yami pula para longe, gritando, os olhos arregalados de medo. Os picos nas costas dele se eriçam e ele faz algo novo. Ele irrompe em chamas azuis.
— Silêncio!
A voz profunda do druida enche a caverna, e tanto a coruja quanto Yami congelam. Os guinchos param, as chamas morrem. Yami se acalma novamente, e ele pula, caindo no meu ombro, cavando garras na minha carne, olhos fixos no pássaro.
Não sei se devo me desculpar ou gritar. Então fico ali, em silêncio, esperando para ver qual direção isso vai.
Varis desce sobre a rocha.
E ele pula.
Não...
É mais um deslize, como se ele fosse mais leve que o ar, caindo na minha frente, seus pés mal fazendo um som. Suas peles brancas ondulavam atrás dele. Suas tatuagens, que eu pensei serem pretas, mas agora vejo que é um azul escuro que brilham na luz. Uma rajada de vento nos rodeia, embora não haja vento nesta árvore cavernosa.
O Fae antigo olha para mim, seus olhos sondando. — Arianna Spero, seu espírito é destreinado, jovem e impetuoso. Pelo que ouvi, ele é muito parecido com você.
Eu me arrepio com isso. — Não é por nossa culpa que somos jovens e destreinados — digo.
Um sorriso brinca em seus lábios. — E impetuosa?
— Muitas vezes, um insulto imposto aos ousados ??por aqueles que estão dispostos a se arriscar ou a procurar mudanças — digo.
Ele concorda. — Ouvi muitos contos sobre você na noite passada, alguns favoráveis, muitos não. É bom ver a verdade das coisas em seus olhos. Parece que meu povo realmente se tornou muito determinado em suas maneiras de ver o Selvagem em você.
Ele estende seus dedos, e a coruja pousa em sua mão esquerda, segurando o couro marrom ali. — Esta é Zyra, meu espírito do ar. Ela é antiga, sábia e... Muito peculiar. — A coruja dá-lhe uma olhada. Uma carranca? As sobrancelhas são muito expressivas. Varis sorri. — Será interessante ver como o seu Yami lida com ela.
Yami grita com o som do seu nome, e faço sons de sussurros para ele, na esperança de acalmar o espírito. — Você pode ver meu dragão? — pergunto.
Varis assente. — Ele se mostrou para mim e para Zyra. Mas é fundamental que ele se mostre na apresentação esta noite.
— Ele não vai — digo. — Ninguém pode vê-lo, a não ser você e eu.
— É por isso que você deve treinar. Eu vou te ensinar como usar e controlar seus poderes, como usar seu espírito para o bem maior. Você está pronta para aprender?
Eu aceno.
— Muito bem — diz ele, pulando de volta para a rocha. — Começaremos com o mais simples dos poderes. A ilusão. Madrid me disse que você voltará aos Sete Reinos. Você precisará da Ilusão para ocultar sua verdadeira identidade dos demônios. Esse é um poder que nossos Fae mais jovens aprendem quando crianças, por isso não deve demorar muito.
* * *
Últimas palavras famosas, Druida. Últimas palavras famosas.
Estou rígida, fria, cansada e com fome, e ainda me sento em lótus, meditando sobre a brasa que queima com magia.
Não há brasa.
Não há queimação.
Não há magia.
Estou começando a temer que não eu tenha sangue Fae suficiente em mim para ser o que essas pessoas precisam. Digo isso para Varis e ele balança a cabeça. — Yami não teria vindo até você se isso fosse verdade. Eu não teria acordado. A brasa está dentro de você, mas está enterrada profundamente. Devemos trazê-la à superfície.
— Se você diz. — Ele e eu não conversamos muito, e há muito sobre o que eu gostaria de perguntar, mas o treinamento vem primeiro, e aparentemente o treinamento envolve silêncio e meditação.
Um sino soa à distância, e Varis se levanta. — Isso é tudo por hoje. Você deve voltar ao seu quarto e se preparar para a apresentação desta noite.
Eu me levanto e estico as partes do meu corpo que caíram no sono. Todas elas. Yami boceja e se aconchega mais no meu cabelo. Ele dormiu a maior parte do dia, dragão sortudo.
Varis se vira para a saída.
— Espere — digo. — Com o que eu alimento Yami?
— Alimentar? — Ele levanta uma sobrancelha. — Sinto muito. Esqueço o quão pouco você sabe dos nossos costumes. Yami vai comer carne. Ele vai comer muito. Esteja preparada.
Olho para o pequeno dragão, não acreditando muito em Varis. — Ele ainda não pediu comida...
— Ele é um espírito, mas tomou forma física. Logo, ele começará a desejar coisas físicas. Mantenha-o alimentado e exercitado. Oh, e ele gosta se você fizer cócegas em seus picos.
Faço um pouco de cócegas, e Yami ronrona enquanto dorme. — Obrigada, Varis. Você estará lá, na apresentação? — pergunto.
Ele assente.
Agito minhas mãos. — Eu não terei que me despir, vou?
Ele franze a testa. — Por que você teria que se despir para uma apresentação?
Soltei um suspiro de alívio. — Não pergunte.
* * *
Madrid me informa que a apresentação ocorrerá no Palácio de Cristal, então devemos voar de volta. Asher me acompanha até a Grifon Internacional, e diz que os outros seguirão em breve. Parece que o grifo dourado se lembra de mim, e eu certamente me lembro dele – particularmente a nitidez de suas garras. Eu subo nele cautelosamente, mas logo percebo que não perdi meu prazer em voar. Yami enrola o rabo em volta do meu braço e abre as asas, sentindo prazer no vento que empurra contra ele enquanto nos elevamos. Ele nunca me solta, no entanto, parece que meu dragão ainda não aprendeu a voar.
Uma vez de volta ao palácio, Asher me acompanha até meu quarto, onde uma equipe de três pessoas aguarda. Mais uma vez, sou esfregada, mimada e vestida, desta vez num vestido prateado com uma longa cauda coberta de pedras preciosas. Meu cabelo é preso, trançado e enrolado até que Asher considere perfeito, então ele coloca uma caixinha de veludo na minha penteadeira. Eu abro e prendo a respiração.
Ele sorri. — Esta coroa está na sua família a mais anos do que você pode imaginar, princesa.
É um delicado círculo de platina, com pequenas folhas incrustadas com esmeraldas e acentuadas com minúsculas flores de safira. Ele coloca na minha cabeça e tece no meu cabelo para que não caia.
Yami se enrola no meu pescoço, batendo em um dos meus cachos com sua garra e as retrai. Quando meu cabelo sai do lugar, Asher olha para o meu pescoço. — É o dragão, não é? Diga a ele para não estragar a perfeição que passei horas criando.
Eu rio e tiro Yami do meu pescoço, segurando-o em minhas mãos. — Ouviu isso, Yami? Comporte-se ou o grande vampiro pode te comer.
Yami se agacha e se inclina em uma bola de terror minúsculo, como se para combater qualquer mal jogado nele. Dou risada e olho para Asher. — Ele está pronto para destruí-lo com seu poder.
Asher revira os olhos. — Destrua, desde que ele esteja pronto para se mostrar hoje à noite. Os Fae devem vê-lo para acreditarem que a Estrela da Meia-Noite retornou.
— O que acontecerá se ele não se mostrar? — pergunto enquanto ele oferece seu braço.
— Espero que não tenhamos que descobrir.
* * *
O salão de festas foi transformado em algo saído de um conto de fadas. Não é mais os restos destruídos de um palácio há muito esquecido. Hoje à noite, ele brilha com luzes flutuantes e tecido iridescente, mesas cheias com os melhores alimentos. Pássaros brancos voam acima, empoleirando-se nas pedras negras que se projetam das paredes de cristal. Cheiros de mel, especiarias e carne assada pela Tribo do Fogo enchem o ar. Yami se anima com o cheiro de carne. O salão está repleto de uma variedade de Fae, alguns de pele clara, alguns escuros, alguns altos e alguns baixos. Eles se separam para nós enquanto Asher me acompanha até a frente.
— Todas as quatro tribos enviaram representantes para a apresentação — diz Asher. — Fogo, Ar, Terra e Água. Eles estão aqui para ver a Estrela da Meia-Noite.
— Nenhuma pressão então — sussurro.
Ele sorri.
Um dos Fae, um homem baixo com barba verde, nota Asher e franze a testa. Ele não é o único: ao redor o vampiro é recebido com olhares. A presença do rei Lucian na frente não passa despercebida, com sussurros sobre o rei monstro se espalhando pela sala. Até eu sinto repugnância por vê-lo aqui, vestido com armadura preta, com a capa vermelha descendo pelas costas, sentado em uma cadeira dourada ao lado do Trono de Cristal, um lugar de honra, no palácio das pessoas que ele quase extinguiu.
Asher me leva até uma plataforma diante do trono. Ele levanta minha mão para seus lábios e dá um beijo. — Boa sorte.
Enquanto ele caminha para ficar ao lado de seu pai, Madrid se aproxima de mim. Ela usa um vestido intrincado de prata, e pedras azuis pendem de seu pescoço. Ela levanta os braços para as centenas de Fae reunidos abaixo. — Eu apresento a vocês, a Princesa Arianna, a Alto Fae, que retornou para nós finalmente. Ela foi escolhida, e através de seu sangue, despertou os Selvagens, os Antigos, Os Cinco Espíritos. Levantem-se, Fae das Quatro Tribos, levantem-se e cumprimentem sua futura Rainha.
Eu encaro as pessoas e vejo como elas reagem.
O uníssono de seu movimento troveja pelo salão. — Ela é meio humana! — grita alguém da multidão. — Ela não está em condições de nos liderar.
Outro Fae concorda. — O sangue dela não é puro.
A multidão ruge. — Ela comunga com vampiros!
— Onde está Yami?
— Ela é falsa!
— Isso não é...
As portas gigantes de pedra para o salão de baile se abrem. Elas foram abertas por um homem. Varis. Ele fica na entrada, suas peles brancas balançando em um vento natural. Suas tatuagens brilham na claridade. Zyra está apoiada em seu braço esquerdo, olhando para os Faes que ficaram em silêncio. Eles encaram o druida com os olhos arregalados. Muitos deles não viram um Selvagem em séculos. Alguns nunca viram nenhum deles.
O Druida do Ar avança, uma rajada de vento empurrando contra tudo em sua presença: pratos, joias, capas, até mesmo homens e mulheres que se aproximam demais tropeçam para trás. Sua voz ecoa entre o cristal. — Eu fui acordado pelo sangue da Estrela da Meia-Noite, o sangue que flui através dela. Ela é a Alto Fae. Ela é nossa verdadeira governante.
A multidão se vira para mim, olhos curiosos, até... Esperançosos, e eu sei o que eles estão esperando.
Yami.
Cutuco o dragão no meu ombro. — Vamos, Yami — sussurro. — Essas pessoas amam você. Adoram você. Mostre-se por um momento. Isso é tudo o que precisam. Isso é tudo o que eu preciso. — Meus olhos ardem com lágrimas enquanto imagino o que Lucian fará se eu falhar esta noite. Meu corpo lembra a dor nas minhas costelas de sua lâmina. — Por favor, Yami. Por favor, por mim.
Seus olhos ficam brilhantes, e ele parece tão perto de chorar quanto eu. Ele examina a multidão, seus rostos silenciosos, o modo como eles se inclinam para ficarem mais próximos dele. E então ele pula na minha frente. Ele caminha para frente no pedestal, e sei em meu coração que ele fará isso. Ele fará isso por mim. — Obrigada, Yami...
— O que isso importa? — Ressoa uma voz áspera e dura.
Yami recua, deslizando para trás, escondendo-se atrás do meu vestido.
Um novo homem, maior do que qualquer Fae que eu já vi, está na entrada, seu corpo coberto por uma armadura vermelha e dourada. Um pó branco, talvez cinza, pinta as mãos e os antebraços. Sua barba é Borgonha e chega até a cintura. Tatuagens vermelhas escuras rodam sobre seus braços, pescoço e careca. Um Druida.
— O que importa se ela é a Alto Fae? — Sua voz é baixa, retumbante, poderosa mesmo quando baixa. — Eles falharam antes. E falharão novamente.
Varis se aproxima do homem. — Oren, por favor...
Oren olha para Varis, estudando-o e zombando. — Quem é que nos levou no momento do Desembaraçar? Quem perdeu batalha atrás de batalha?
— O ??Alto Fae — grita alguém.
Oren avança, dirigindo-se à multidão, ossos entrelaçados em sua barba e joias chocalhando com cada passo. — O Alto Fae. — Ele para e olha para mim, seus olhos vermelhos escuros queimando de raiva. — A Estrela da Meia-Noite.
Madrid corre pelo pedestal, parada entre o druida e eu. Ela levanta a mão. — Oren, por favor...
Por um momento, os olhos do druida suavizam, mas depois ele olha para o outro lado. — Não seguirei o Alto Fae novamente. Eu liderarei minha própria guerra contra os demônios. Quem se juntará a mim?
Concordância se move através da multidão. — EU!
— E eu.
— Eu vou me juntar a você.
Uma nova voz, suave e fria como água gelada entra no salão. — E eu. — Uma mulher entra no salão de baile, o longo vestido turquesa ondulando atrás dela. Sua pele é escura, coberta de tatuagens prateadas. A cabeça dela é careca. Uma serpente azul clara e verde, o corpo escamado, os dentes longos e afiados, torcendo o braço direito, deslizando para cima e para baixo ao seu alcance. Quando ela fala, um calafrio passa pelo quarto. — Nós fomos acordados. Que outra necessidade há para a Estrela da Meia-Noite?
Sussurros movem-se através da multidão.
Varis franze a testa. — Metsi, este não é o nosso caminho...
A serpente de Metsi agarra o Druida de Ar. Metsi ri, acariciando sua cobra na cabeça. — Agora, agora, pequenino, onde estão nossas maneiras? Este homem tolo não merece tanto ódio.
Ela passa por Varis, parando ao lado de Oren na base do pedestal. — Nós vamos manter a Estrela da Morte segura. Mas ela não será líder.
Varis caminha para o lado deles, seu rosto cheio de raiva, o vento rugindo ao redor do corredor. — Yami é o que nos liga. Ele é a vida. Ele é a morte.
— Ele é fraco — diz Metsi. — O Yami que conhecíamos morreu no Desembaraçar. O que ele é agora? — Ela olha de mim, suas sobrancelhas curiosas.
Ela quer que eu convoque Yami para todos verem. Eu tremo, minhas mãos cobertas de suor. Minha boca está seca. Yami se senta sob o meu vestido, tremendo contra a minha perna. — Eu... Eu...
Oren ri. — Ela nem consegue controlá-lo. — Ele aponta para mim com um dedo gigante cinza. — Fique atenta menina, se você não domar o espírito, ele domará você.
Ele se vira para a multidão, e puxa um colar de rubi por trás de sua barba. Ele sussurra e a gema começa a brilhar. As luzes flutuantes piscam e brilham mais forte. Oren estende a mão e bate os dedos. Eles acendem, e das faíscas surge um pássaro de chamas vermelhas. Ela está sentada em seu braço.
— Eu sou Oren, Druida da Chama, Guardião de Riku, Espírito de Fogo.
A mulher de pele escura ergue o braço direito, e sua serpente grita, espinhos eriçam seu dorso. A água começa a flutuar pelo corredor, deixando taças e tigelas. Um homem deixa cair seu prato, tremendo na água clara que enche o ar diante dele. Uma raia de vinho passa por mim, e corro minha mão através dela, dividindo-a em dois. A serpente se guincha para mim.
Sua mestre sorri. — Eu sou Metsi, Druida das Ondas, Guardiã de Wadu, Espírito da Água. — Ela se vira para a multidão. — Juntem-se a nós. Amanhã marcharemos sobre os demônios.
Os Fae rugem com raiva e sede de sangue.
Uma rajada de vento passa por eles, derrubando homens e mulheres, aquietando a todos. Varis salta, deslizando pelo ar, e pousa no pedestal ao meu lado. — O que Lianna acha disso? Vocês são apenas dois dos cinco.
Lianna. O último de nós. A Druida da Terra.
Oren encolhe os ombros. — Não ouvi nenhuma notícia dela. Nem a vejo aqui. Aparentemente ela foi mais inteligente do que eu, não honrando essa farsa com sua presença.
Varis franze a testa, olhando para a porta, aparentemente esperando o último Druida chegar. Ninguém vem. Ele aponta para mim. — A Estrela da Meia-noite nos une. Une as Quatro Tribos. E ela trará a paz entre nós e os demônios.
Oren cospe em nós. — Como você pode falar de paz quando minha própria irmã é escrava de vampiros? Não podemos fazer as pazes com monstros. — Ele aponta para Asher. — Por que esse ainda vive?
Um silêncio preenche a sala com um clima nervoso. A raiva nos olhos de Oren enche seu corpo. Ele não deixará isso. Ele...
Eu corro para Asher.
Oren estende o braço, arremessando Riku no príncipe. A fênix se torna um raio de chamas, brilhante como o sol. Eu pulo para o lado, empurrando Asher para fora do caminho, me jogando na frente do fogo. O calor queima minha pele. Cega meus olhos. Meus pulmões queimam. Minha língua tem gosto de cinza.
E então...
Frio. Vento suave. Ar fresco nos meus pulmões. Abro meus olhos lacrimosos.
Varis está diante de mim, uma rajada de vento explodindo ao redor dele, mantendo a chama na baia. — Você realmente vai lutar aqui, Oren, no Palácio de Cristal? Onde está a sua honra?
A chama morre. Eu verifico Asher, deitado debaixo de mim. Sua pele está lisa. Não carbonizada. Não queimada. Não como Daison.
Meu corpo desmorona, lágrimas escorrem.
Ele me segura, sussurra palavras de calma, sua respiração fria contra a minha pele. Eu levanto meus braços. Eles estão pálidos e claros. Eu também estou segura.
Oren olha para nós. Ele ruge de raiva. Suas mãos pálidas brilham com fogo, seus olhos brilham vermelhos. — Onde está sua honra, Varis? Protegendo nossos assassinos. Com nossos traficantes de escravos. Com aqueles que vieram ao nosso mundo pacífico e o destruíram!
Varis não diz nada. Mas o vento aumenta. Cada vez mais forte. Oren começa a deslizar para trás. Ele franze a testa, levantando os braços.
Metsi toca seu ombro. — Chega, irmão.
Oren olha de Metsi para Varis, de Asher para mim, de Durk para Lucian. Seu ódio cresce em seus olhos.
E então ele olha para Madrid.
— Muito bem — sussurra. Ele abaixa as mãos e o fogo morre, sua fênix apaga, transformando-se em um monte de cinzas a seus pés. Ele e Metsi caminham até a porta, mas, mais uma vez Oren se vira. Ele se vira para a multidão, mas eu posso ver, ele só olha para Madrid. — Haverá guerra — diz ele. — De que lado você estará?
Capítulo 6
RIKU
Fenris Vane
“Eu sou Oren, Druida da Chama, Guardião de Riku, Espírito de Fogo”.
— Oren
O sono não nubla os meus sentidos da mesma forma que os humanos. Eu a ouço, eu sinto seu cheiro, a sinto, antes que ela saiba que estou acordado.
Ela é da água. Ela cheira a sal e mar, a peixe e vento. Ninguém pode se esgueirar até o Príncipe da Guerra enquanto ele dorme, nem mesmo um druida.
Eu viro e a estudo, de pé junto à minha janela aberta. Sua pele escura brilha ao luar. Tatuagens rituais cobrem sua cabeça careca. Uma cobra verde azulada se enrola em torno de seu braço.
— Você tem um dia para libertar todos os escravos no Inferno — diz ela com seu sotaque cadenciado. — Ou vamos invadir e destruir as terras aqui e além. Você, seus irmãos, e o próximo e o próximo até que todos os soldados sejam extintos.
Eu pulo para frente, meu corpo saltando pelo quarto com a velocidade e agilidade da minha espécie. Deveria ter sido o suficiente para pegá-la, imobilizá-la, mas ela se desmaterializou, transformando-se em névoa e desaparecendo pela minha janela.
Minhas mãos se agarram ao ar úmido e eu grunhi de frustração. Barão está ao meu lado, uivando para a noite, tão frustrado quanto eu por nossa presa ter escapado.
Os druidas retornaram. Mas como?
Escrevo mensagens para meus irmãos, pedindo reforços, mas não divulgo mais nada, para o caso dos papeis chegarem às mãos erradas. Vestindo-me com peles cinzentas e botas de couro, eu entrego as mensagens para Marco na minha porta e vou à biblioteca, onde sei que Kal estará.
Ele se senta à luz de velas, lendo um livro grosso com páginas ásperas. O velho Fae nunca dorme.
Eu me sento na frente dele. Não demora muito para contar o que aconteceu. Quando termino, faço a pergunta mais importante primeiro. — Como isso é possível?
Kal está pensativo, puxando sua longa barba branca enquanto considera. — Só há um jeito de despertar os druidas — diz ele em seu sotaque Fae, que sempre parece mais denso a essa hora da noite. — Com sangue de Alto Fae.
Raiva e medo me inundam com suas palavras. Conheço apenas uma fonte de sangue Alto Fae neste mundo.
Arianna.
Desde que ela foi levada, eu lutei comigo mesmo sobre o curso correto de ação. Desafiar meus irmãos e buscar por ela, abandonando assim meu povo, ou confiar em Asher e cumprir meus deveres.
Mas no fim, se eu deixasse meu povo apodrecer, Arianna não me perdoaria. Ela os ama demais, então me concentrei no meu reino. Asher sabe das consequências se ele falhar.
Volto minha atenção para Kal. Ari está em maior perigo do que eu imaginava, e começo a me arrepender da minha escolha.
Kal não pisca quando segura meu olhar. E sei que ele sabe a verdade sobre Ari. Talvez soubesse antes de mim. Talvez sempre soube. Mas não posso me distrair com esses pensamentos. Arianna poderia estar em perigo. Ela poderia estar morta. Não há como dizer o que eles fizeram com ela. — Arianna, ela é...
— A Alto Fae — diz Kal, confirmando minhas suspeitas. — Mas por que trazê-la ao Inferno? — pergunta ele.
— Não sei, mas essa é a questão final, não é? Acredito que meu pai procurou unir nossas linhagens. Alto Fae e os Caídos, ligados por sangue. Acredito que ele buscou a paz entre nossas terras.
Kal franze a testa e aperta a ponta do nariz. — Se ele fez, ele falhou. Isso só trará guerra.
Eu concordo. Até Kal, um Fae, entende que as coisas não são tão simples como meu pai gostaria que acreditássemos.
— Você libertará os escravos? — pergunta Kal depois de um tempo.
Eu ando na biblioteca, minhas botas grossas ecoando no chão de pedra. — Não posso deixá-los ir. Já perdi o apoio de muitos do meu povo. Eles vão se rebelar se eu fizer isso. Algo que meu pai nunca entendeu. Você não pode mudar tudo durante a noite e esperar que seus súditos sigam sem se revoltar. Sem consequência. Mudança não é fácil para o imortal, se é que ocorre.
Kal assente. Toda essa conversa sem soluções faz minha cabeça doer. Deve haver uma resposta sem a guerra. Tenho que encontrar Ari. — Os prisioneiros ainda estão coerentes? — pergunto, uma ideia se formando.
— Siga-me, Sua Graça.
Kal me leva da biblioteca para a enfermaria, um local de pouca decoração, pouco iluminado, onde os prisioneiros estavam deitados em suas camas, bem guardados. — Embora sejam capazes de falar, eles não estão dispostos a isso — diz Kal.
— Eles encontrarão palavras hoje à noite — digo, a raiva se construindo em mim. Eu entro na sala e encontro o maior e mais perigoso prisioneiro do bando. Um enorme Fae com músculos volumosos e um rosto desafiador. — Eu o puxo da cama e empurro-o contra a parede. — Onde está a princesa Arianna? — pergunto a ele calmamente.
Os outros prisioneiros olham com cautela.
O grandão olha para mim, exatamente como eu esperava. — Não vou te dizer nada...
Eu o chuto no joelho. Forte. Tão forte que seus ossos quebram e sua perna se inclina para trás, não natural. Ele cai em uma pilha, gritando.
Os outros Fae tremem em suas camas. Um, um rapazinho, faz xixi, manchando o lençol branco.
Eu me viro para eles. — Diga-me para onde eles levaram a Princesa, ou compartilharão a dor dele.
Uma jovem fala, a que eu salvei de mais tortura. — Se nós a encontrássemos, nós iríamos levá-la a uma caverna nas montanhas, uma com uma porta de pedra, eu posso te mostrar.
— Onde a porta leva? — pergunto.
Seu lábio inferior treme e lágrimas caem de seus olhos. — Não sei.
Não posso me dar ao luxo de ter simpatia agora. Eu pego minha espada e aponto para o pescoço dela.
Seu rosto se enche de pavor. — Eu juro pelos Cinco, eu não sei. Não sei.
Eu a estudo tremendo, chorando. Ela está cheia de medo. Desespero. Mas sem engano. Por que me contaria sobre a caverna, mas manteria o resto em segredo, ao custo de sua vida?
Eu me volto para os outros. — Alguém mais conhece a porta?
Eles balançam a cabeça. O jovem diz. — Alguém estava esperando lá para recolher a princesa, é tudo o que sabemos, sinceramente.
— Há mais uma coisa — choraminga a mulher —, eu ouvi os comandantes falando sobre isso uma noite. Um espião. Um espião nos Sete Reinos.
Aperto minha espada com mais força. — Quem?
— Não ouvi nome. Mas ele está em uma posição elevada, sabe todos os tipos de coisas.
Olho para Kal. Não pode ser ele. Eu não vou entreter a ideia, mas e se...
Suspiro, abaixando minha espada e a devolvendo à bainha. Parece que poucos conhecem o destino da porta, e eu ainda tenho que encontrá-los.
Volto para Kal, cujo rosto é impassível. — Cuide do joelho do homem. Tenha o resto alimentado e banhado.
Ele se curva. — Posso garantir-lhe meu senhor, eu não sou o...
Aperto o ombro dele. — Eu confio em você, Kal. Esteja certo disso, e continue seu trabalho.
Sem outra palavra, eu saio do castelo.
Barão me segue, suas patas deixando grandes marcas na neve. Lobos uivam durante a noite, mas ele não se junta a eles. Ele é determinado em seu propósito como eu.
Encontramos Kayla pela floresta, onde uma equipe de vampiros, Shades e escravos trabalham para cortar árvores para a reconstrução de casas. Um pinheiro gigante cai no chão, sacudindo a terra. Kayla ordena a um Shade que carregue pequenos troncos em uma carroça puxada por gigantescos cavalos pretos. Sua voz é calma, mas assertiva, entregando comando atrás de comando.
— Como as coisas estão progredindo? — pergunto a ela.
Ela grita uma ordem para amarrar as toras na carroça, depois se vira para mim. — Bem o suficiente, apesar do que aconteceu. Os homens estão trazendo uma invenção que Ace criou. Algo que deve nos ajudar a mover a madeira mais rapidamente. Teremos a cidade reconstruída em breve.
— Não — digo, meu cérebro girando com novos planos forjados pelas ameaças. — Você deve instruir todo mundo a construir fortificações ao longo dos rios.
Kayla olha para mim, seus olhos selvagens. — Fortes? Nós derrotamos o exército deles. Agora é a hora de reconstruir.
— Você fará o que eu digo — rosno. — Os Faes retornarão e devemos estar preparados.
Quero contar a ela sobre as ameaças da druida, mas ela deve se concentrar em sua tarefa. Todo meu pessoal deve. Contar a eles agora só os distrairá e nos machucará no final.
O trovão ressoa à distância. É um tempo ruim o suficiente para construir como está, mas se chover... Meu povo deve estar no seu melhor.
Mas Kayla não é idiota. Ela vê a preocupação nos meus olhos. — Você descobriu alguma coisa com os prisioneiros? — pergunta ela, os braços cruzados sobre o peito enquanto me olha de lado.
— Eles sabem sobre a porta, mas não o que está por trás dela.
Ela assente, parecendo perdida em pensamentos. — Eu me pergunto se...
— O quê?
— Nada. — Ela acena com a mão no ar, com desdém. — Pensei ter me lembrado de algo, mas... Não é nada.
Eu aceno. — Muito bem então. Transporte a lenha para os rios. Vou contatá-la mais tarde com planos adicionais.
— Eu me viro com Barão em meus calcanhares e volto para o castelo antes que ela possa responder. Ela sabe que algo está errado, mas não é hora de me questionar.
De volta ao meu quarto, começo a construir uma fogueira na minha lareira. Meus servos foram todos enviados para ajudar na reconstrução, me deixando sozinho para cuidar de mim. Eu gosto do silêncio, da paz, da solidão. Ou gostaria, se a ameaça da aniquilação do meu povo não pairasse sobre minha cabeça, junto com a perda de Arianna.
Eu me dispo, sabendo que devo descansar, já que mal dormi desde que Arianna foi levada.
Um guincho me congela. Alto, tudo consome. Lá fora.
Corro para a janela, meu estômago se contrai.
Sou o Príncipe da Guerra. O Príncipe da Morte.
Mas quando olho para fora, conheço o medo. Uma fênix resplandece no céu. Suas asas se estendem por metros. Suas garras são grandes o suficiente para rasgar uma casa. Ele grita, um grito alto, cheio de malícia e terrível, e sei que todo o meu reino consegue ouvi-lo. Hoje, todos eles olharão para o céu, e verão fogo.
A fênix mergulha sobre a floresta. A floresta onde Kayla e meu povo trabalham.
Ela desliza sobre as árvores altas, incendiando-as com chamas vermelhas.
Colocando a floresta em chamas.
Homens e mulheres gritam e correm para buscar água.
Mas eles não conterão esse inferno furioso.
O mundo queima.
E nossa esperança queima com ele.
Capítulo 7
LEMBRE-SE DE MIM
“O seu é o sinal de Lucian.”
— Kal'Hallen
Ficamos desolados, espalhados por um corredor estéril. A maioria dos Fae saiu logo depois dos Druidas. Asher e o Rei Lucian estão em um canto, envolvidos em uma discussão acalorada. Por duas vezes os ouvi gritar o meu nome.
Madrid está sentada sozinha à mesa, bebendo diretamente de uma garrafa de algo que brilha em azul. Varis se foi, não sendo visto desde a apresentação desastrosa, e aqui estou eu, afogando minhas mágoas com Durk, de todas as pessoas.
Ele é menos irritante quando nós dois estamos bêbados.
Levanto minha taça e bato na lateral. — Está vazia — digo. Ele balança a cabeça sombriamente e reabastece meu vinho, completando o dele também.
— Pelo menos ninguém tentou rasgar minha roupa desta vez — digo enquanto bebo profundamente da minha taça, o sabor queimando minha língua.
Durk levanta uma sobrancelha vermelha espessa. — Você é da realeza, independentemente do que os outros Antigos dizem. Ninguém ousaria tocá-la de tal maneira.
Levanto a minha taça. — Eu vou beber para isso.
Nossos copos tilintam, e nós bebemos. Minha cabeça gira. Tudo parece confuso e menos importante. Menos pesado. Eu sei que isso não resolverá meus problemas, mas é bom ficar fora da minha cabeça por algumas horas, mesmo que eu provavelmente vá me arrepender de manhã.
— Não estou quebrando nenhuma lei sobre bebida aqui, estou? Isso é mais como a Europa, com um jovem bebendo, não é?
Ele franze a testa para mim. — Não conheço esta Europa, mas você é a lei.
— Certo.
Nós brindamos novamente. Pois eu sou a lei.
Ouço um soluço e viro para ver Yami levantando uma garrafa de vinho inteira para sua boca. Eu pego dele antes que ele se afogue. — Você é definitivamente muito jovem para isso!
Ele mia e abaixa a cabeça, me dando grandes olhos tristes.
— Não. Sem vinho para você. Venha aqui.
Yami pula no meu braço e sobe no meu ombro. Eu coloco a garrafa de vinho em segurança, notando o dragão lambendo os lábios e inclinando-se um pouco. Há uma mancha vermelha na boca dele.
Eu suspiro. — Ótimo. Meu bebê dragão está bêbado.
Durk balança a cabeça. — A Estrela da Meia-Noite não soa tão formidável quanto antes.
— Ele é um bebê — lembro a ele. — Ele vai crescer. — Eu espero.
Sem garrafa de vinho no local, Yami olha para um prato de carnes e queijos. Ele mergulha em meu ombro, de cabeça na comida. Suas garras afastam o queijo, e suas pequenas presas rasgam uma fatia de carne de porco. Essa deve ser a fome de que Varis me alertou.
Durk grunhe para a comida – que desaparece no ar para todos, menos para mim – e deixa a mesa bruscamente, retornando alguns minutos depois, com uma garrafa de algo que brilha em prata, e dois pequenos copos de dose.
Ele enche os dois e me entrega um.
— O que é isso? — pergunto.
— Magia — diz ele, tomando o seu gole em um gole. Seu corpo inteiro treme e ele grita e ri, e então seus lábios se curvam em um sorriso agradável.
Eu cheiro minha bebida, depois o copio, tomando tudo de uma vez. Quase engasgo. Queima meu esôfago e engasgo, agarrando minha garganta, procurando algo para apagar o fogo dentro do meu corpo. Posso sentir a dor na parede do meu estômago!
Durk gargalha e bate nas minhas costas, depois enche outra rodada.
— Você deve estar brincando — sufoco, ainda ofegante e acenando para a minha boca.
— Única maneira de domar a fera — diz ele.
Tomo outra dose e meu mundo balança. Durk sorri para mim e eu juro que é a primeira vez que ele olha para mim com algo diferente de repulsa ou desdém. — Você pode não ser tão ruim assim — diz ele.
— Obrigada, eu acho.
Yami retorna, o prato de carne vazio, e cheira minha bebida. Ele faz um som de engasgo, depois volta para o meu pescoço e se esconde atrás do meu cabelo. Eu rio incontrolavelmente e Durk franze o cenho.
— Você sabe por que isso é importante? — pergunta ele, sua voz baixa.
Eu paro de rir e olho para ele. — O que é importante?
— Isto! — Ele agita os braços no ar como se quisesse abranger tudo. — Você. A Estrela da Meia-Noite.
— Eu sei por que é importante para mim — digo, pensando em paz, em Fen. — Por que isso importa para você?
— Tive um irmão mais novo uma vez. Nat era o nome dele. Eu me lembro de uma época em que éramos pequenos, brincando com os grifos. Ele queria montar um e eu não o parei a tempo. Quase quebrou seu pescoço, e nossa mãe quase quebrou meu traseiro depois disso. Eu jurei que nunca deixaria algo de ruim acontecer com ele novamente. — Durk suspira e toma outra dose, e eu espero, em silêncio. — Ele foi levado como prisioneiro há muito tempo. Levado pelos vampiros. Nem mesmo sei se ele está morto ou vivendo como escravo. Mas ele é a razão pela qual ajudei a iniciar essa rebelião. Para encontrar meu irmão. Para trazê-lo para casa, ou colocá-lo para descansar de uma vez por todas.
Penso em todos aqueles Fae mantidos em cativeiro pelos vampiros. Por Fen. Eu me aproximo e coloco minha mão em Durk. — Eu sinto muito.
Ele assente. — Então você vê, é por isso que você é importante para mim, Estrela da Meia-Noite. Eu não quero guerra. Quero a paz, um mundo onde não tenho que temer pela minha família. E você é a única maneira que eu vejo.
Eu forço um sorriso, embora por dentro eu não saiba como terei sucesso. Yami não vai me ouvir. Os druidas não vão me seguir. E Lucian... Ainda temo o que o rei fará se ele decidir que meu valor se foi.
Eu olho para Madrid, que ainda está bebendo sozinha, o seu vestido prateado sujo com partículas de poeira e vinho. — E quanto a ela? Por que ela está tão triste?
Durk me atira outra dose. — Há muito tempo, Madrid e Oren, o druida de fogo que você conheceu esta noite, eram Karasi – espírito do coração. Ela esperou por seu retorno por muitos e muitos anos. Mas Oren a fez escolher: Você – a Estrela da Meia-Noite – ou ele. Ela escolheu você.
Talvez seja o licor, ou o desastre de uma noite, mas suas palavras me quebram. Ela sacrificou seu coração para fazer o que achava certo. Não posso nem imaginar a força que foi necessária.
Eu me levanto, me despedindo de Durk, e ando até Madrid, me sento em frente a ela, em uma mesa cheia de comida não comida, manchada de vinho derramado.
— Olá, Ari — diz ela, forçando um sorriso no rosto cansado. — Sinto muito que esta noite não foi como esperávamos.
— Não se preocupe com isso — digo. — Você está bem?
Ela parece prestes a responder com um sim educado, mas então seu rosto desmorona em tristeza. Seus olhos se enchem de lágrimas e ela toma um gole de sua bebida azul brilhante. — Peço desculpas por mostrar tanta emoção. É impróprio.
Estendo minhas mãos, uma ideia se formando em minha mente. Yami pula nelas. — Eu acho que podemos ajudá-la, Yami, o que você acha?
Yami olha para Madrid, depois para mim. Esperando que ele entenda, eu concentro minha intenção no que eu quero que ele faça. — Vamos dar a ela um pouco de amor.
Yami pula da minha mão e caminha lentamente para Madrid. Ele estuda o rosto dela. Ele brilha mais, seu corpo mais claro.
E sei que ele se mostrou.
Seus olhos se arregalam e toda a dor e tristeza são apagadas de seu rosto. — Eu... Eu posso vê-lo!
Yami avança para a mão dela e lambe seus dedos. Ele sobe no ombro dela e ronrona no seu ouvido. O rosto de Madrid está eufórico. Lágrimas caem de seus olhos, mas são lágrimas de alegria enquanto gentilmente acaricia as costas de Yami. — Obrigada. Obrigada, Yami. — Ela olha para mim, seus olhos cheios de admiração. — E obrigada, Princesa Arianna.
* * *
No dia seguinte, meu treinamento começa com a pior ressaca do mundo. Culpo o material prateado brilhante que Durk me serviu. Ou talvez fosse a bebida azul brilhante que compartilhei com Madrid. De qualquer maneira, aprendi. Não consuma bebidas que brilham.
Como não estamos mais na vila do Ar, temos um novo local de treinamento: uma ponte de pedra negra que cobre um abismo subterrâneo. Bem abaixo de nós, magma flutua em um rio vermelho.
Varis fica em frente a mim em lótus, desenhando símbolos na terra com um pedaço de pau. — Você parece cansada. Vá para o seu quarto, descanse.
— Eu ficarei bem — digo em meio a um bocejo.
— Saia. Não tenho tempo para treinar alguém despreparado.
Eu endireito minhas costas, cruzando minhas pernas em lótus. Por mais que eu gostaria de dormir, também gostaria de aprender mais sobre Ilusão. Eu preciso antes de poder voltar aos Sete Reinos.
— Eu não vou.
Espero Varis latir mais comandos, mas ele sorri. — Fico feliz em ver que você está comprometida — sussurra alguma coisa, e os símbolos que ele desenhou entre nós se transformam em uma poça de água.
Eu suspiro, vendo meu reflexo no que era apenas sujeira um momento atrás. — Como?
— Você aprenderá com o tempo. Primeiro, a ilusão. Você se lembra do encantamento?
Eu aceno, fecho meus olhos e me concentro. Com meus pensamentos claros, meus sentidos aumentam. Ouço Yami lambendo suas garras, ouço o magma gemendo abaixo. E sinto as dores no meu corpo. Minha cabeça lateja. Meus membros estão suaves. Não sou forte o suficiente para fazer o que Varis pede. E se falhar... Lembro-me de Lucian, como ele zombou de mim na noite passada. Não o vejo desde...
Zyra golpeia meu rosto com sua asa. — O que...
— Ela quer que você se concentre — diz Varis. — E eu também. Limpe sua mente.
Suspiro, respiro fundo e falo com convicção. — Celare!
Nada acontece.
— Concentre-se — diz Varis.
— Celare!
Nada.
— Celare! Celare! Celare!
Nada muda. Eu gemo. Varis insiste que continue tentando. Passamos a próxima hora praticando, mas tudo o que acontece é uma dor de garganta.
O druida anda ao meu lado, a testa franzida. — Estou sentindo falta de algo... — murmura ele baixinho.
Zyra franze a testa, sacudindo a cabeça.
Sinto-me um completo fracasso.
— Sim... — murmura Varis. — Talvez... — Ele se senta ao meu lado. — Vamos tentar algo diferente. Por que você deseja esconder sua aparência Fae?
Penso nisso por um momento. — Porque os vampiros não gostam de Fae.
Ele balança a cabeça. — Você não se importa com a opinião deles sobre os Fae.
— O contrato — digo. — Preciso cumprir o meu contrato. Devo esconder meu conhecimento sobre os Fae.
— Só porque o contrato a força. Vá mais fundo.
Eu aceno e me concentro no caminho que ele me ensinou, fechando os olhos, mudando através dos meus pensamentos. Yami se empoleira no meu ombro, sua respiração calma. Ele parece entender que temos que fazer isso funcionar. Estamos correndo contra o tempo. Asher disse que Fen está ficando cada vez mais desesperado para me encontrar. Se não voltarmos logo, ele encontrará Avakiri e trará guerra a essas terras.
Eu preciso voltar pelos Fae.
Por Fen.
Não sei até onde a traição dele se estende, se é que há, mas devo a ele uma chance de explicar. E sinto sua falta mais do que posso pensar.
— Celare — sussurro.
Abro meus olhos e respiro fundo. Meu reflexo mudou, minhas orelhas parecem humanas e meu cabelo é preto, eu toco a ponta da minha orelha, e sequer a sinto pontuda, incrível.
Varis sorri. — O que você achou?
Eu olho para a distância, onde uma abertura na pedra leva para fora, onde a neve e o vento dançam. — Alguém com quem me importo. Ele está no Inferno, e se eu puder trazer paz entre nossas terras, então eu posso mantê-lo seguro.
* * *
Ando por uma caverna escura, indo para o meu quarto, Yami empoleirado no meu ombro. Um sopro frio passa pelo meu vestido. O frio está se infiltrando em meus ossos. E sinto aquela sensação de pavor novamente.
Alguém está me seguindo.
Ando mais rápido, meu coração tamborila, minhas palmas suadas.
As tochas azuis piscam e projetam uma sombra torcida. A sombra de um homem.
Lucian emerge da escuridão: — Eu gosto mais de você desse jeito — diz ele, estudando meu cabelo preto. — Menos Fae. Mais vampira. Mais como minha esposa. — Ele levanta um braço, alcançando para mim.
Eu recuo, minhas mãos enrolam em punhos, minhas unhas cravando em minha pele. — O que você quer?
Seu braço cai. Seu rosto fica frio. — Dizer-lhe que estou partindo. Por causa de sua falha durante a apresentação, tenho outros assuntos a tratar. Questões que me levarão para longe daqui.
— Bom.
Ele sorri. — Você já considerou porque não fiz de você minha noiva?
Meus olhos se arregalam. Se me casar com ele fosse o único jeito de salvar minha mãe, eu não sei o que teria feito.
Ele ri. — Não tenha medo. É tarde demais para isso. Eu estava tão preocupado em garantir minha linhagem, meu legado, que não considerei que... Beleza você se tornaria. — Suas palavras gotejam como veneno. Ele caminha até mim, tocando meu queixo com o dedo.
Empurro sua mão — Você me dá nojo.
— Eu entendo — diz ele friamente — Você é tão linda, tão jovem e fresca, mas quando me lembro do que você é... — Ele levanta a mão, segurando-a sobre a minha cabeça como uma garra. Ele treme de raiva. Seus olhos brilham com desejos sombrios. — Quando lembro o que você é todo o meu ser se enche de ódio. Eu quero arrancar seu rosto. Quero imaginar que você é um inseto, e quando pisar em você, eu mato sua raça inteira.
Dou um passo atrás. — Mas pensei que você queria paz.
Ele ri e corre uma longa unha pela parede, e o som estranho ecoa. — Eu vou dizer algo, princesa. Algo que não contei a mais ninguém. — Ele se vira para mim. — Não tenho interesse na paz. Não. Há outra coisa que eu quero depois. Algo muito mais precioso.
Eu recuo. — O quê?
Seus olhos piscam para o meu ombro, onde Yami bate no meu cabelo. — Os Espíritos.
Eu seguro o dragão perto. Ele treme em meu aperto. Lucian é mais perigoso do que eu temia. Eu me inclino contra a parede e pouso minha mão em uma pedra afiada. Meus dedos traçam a pedra áspera. — Por quê?
— Para isso, você terá que esperar. Mas asseguro, no final, será glorioso. — Seus olhos se fixam na distância, em uma visão que só ele pode ver.
— Por que me diz isso? — pergunto.
Ele sorri, sem humor. — Por que o Alto Fae uma vez tirou algo muito precioso de mim.
Um momento. — Sua esposa.
— Sim. E eu quero que você saiba que um dia eu também levarei algo especial de você. — Ele olha novamente na direção geral de Yami, fome em seus olhos.
— Eu direi a Asher. Direi a todos.
— Tente. Tente gritar.
— Asher, eu... — A dor aperta minha garganta. Ela queima meus pulmões. Eu caio de joelhos, sufocando.
Lucian avança, sua sombra um gigante sobre mim. — Lembre-se, Princesa. Você assinou um contrato. Você não pode compartilhar o que sabe sobre mim. — Ele sorri. — Você não pode falar de nada que eu faça.
Eu tremo, a magnitude do meu erro me esmagando. — Eu...
Lucian agarra meu cabelo, me puxando contra sua armadura. Seu rosto está perto, seu forte hálito no meu rosto. Ele passa a mão na minha bochecha. — Agora Princesa, talvez eu pegue o que desejo...
— Alguma coisa errada? — Asher aparece ao nosso lado, os olhos dele sérios.
Lucian me solta. Seus olhos vislumbram o que desenhei na parede com sangue. A marca de Asher. — Nada, meu filho. Eu estava apenas dizendo adeus. — Ele se vira para ir. — Lembre-se de mim, princesa. No final, quando você pensar que tudo o que você propõe está feito, lembre-se de mim.
Ele desaparece na escuridão, e eu caio de joelhos, chorando por quão tola eu fui.
Capítulo 8
CASA
“Você pode olhar agora, princesa. Bem-vinda ao inferno”.
— Asher
Asher me segura. Pelo que parece horas, ele me segura. Quando meu choro para, ele finalmente fala. — O que aconteceu?
— Seu pai... — minha garganta queima, minha boca se fecha.
— O que ele fez?
— Ele... — A dor é muito grande. Eu mordo minha língua.
Asher cai para trás, seus olhos arregalados com entendimento. — Fui um tolo. Eu propus o contrato e agora...
— Dissolva o contrato — digo. — Faça.
— Não. Lucian vai sentir. Ele saberá que algo está errado, e ele voltará. Não. Temos que esperar. Devemos levá-la para Fen. Talvez um dia, eu possa dissolvê-lo, mas... Devemos ter cuidado. Meu pai, meu pai é um homem sombrio e desonesto. Ele jogou esse jogo de mentiras e enganos muito mais do que eu.
Consigo me levantar, a dor desaparecendo. — Então não fazemos nada?
Asher se levanta e agarra minhas mãos. — Nós unimos Inferna e Avakiri. Unir os Fae e os vampiros. Então nada poderá nos impedir.
Puxo minhas mãos para trás, tremendo, uma nova percepção me enchendo. — Se eu casar com você... Isso pode realmente acontecer. Podemos realmente ter paz. Mas... — Meus pensamentos vão para Fen, para seus braços ao meu redor.
Asher sorri um pouco e faz algo pelo qual serei eternamente grata. — Princesa, não fique muita apressada — diz ele. — Devemos nos conhecer primeiro, afinal de contas. Acredito que seja o meu mês para passar com você. — Ele me oferece seu braço. — Pronta para voltar ao inferno?
Limpo meus olhos, sorrio e tomo seu braço. — Definitivamente.
Ele me guia através da caverna e até uma pequena caverna iluminada por tochas azuis. Este não é o caminho em que viajei na primeira vez para chegar a Avakiri. — Quantos elevadores secretos para o inferno existem? — pergunto.
Ele ri. — Antes de Inferna ser o inferno, era simplesmente a outra metade do reino Fae. As Quatro Tribos estavam espalhadas pelos dois lados do mundo, Avakiri e Inferna, e esses elevadores os conectavam facilmente.
— Deve ter havido muitos Faes na época.
Asher franze a testa. — Havia. E nós os abatemos. — Seus olhos escurecem. — Meu povo foi para esta terra como lobos jogados sobre ovelhas. Nós não entendemos nossa própria carnificina, nossa própria luxúria, até que fosse tarde demais. Um dia, eu encontrarei aquele que nos enviou até aqui. E farei com que ele pague.
Eu toco a mão dele. — Seu tio.
Ele assente. — Ele nos despojou de nossas asas, nos amaldiçoou com um desejo de sangue, nos transformou em bestas e nos libertou em um povo pacífico cujo sangue era um vício para nós. Ele condenou os Faes. Ele condenou todos nós.
— Você tinha asas?
— Uma vez, sim.
— Você... Fen... Vocês eram anjos? — Isso se encaixa na mitologia, mas é difícil imaginar os vampiros voando.
— Todos nós que fomos banidos aqui – aqueles de nós que são os Caídos – uma vez tivemos asas. — Ele sorri maliciosamente. — Mas nunca fomos anjos.
Chegamos a uma porta de pedra coberta de marcas. Coloco a mão na impressão pontiaguda no centro e meu sangue preenche as runas antigas. A terra treme e a porta se abre, gemendo no escuro. A poeira cai do teto quando entramos.
Yami dá um gritinho no meu ombro e começa a bater as asas. Ele flutua no ar, ficando perto. Aw. Meu bebezinho está aprendendo a voar.
Ele pousa de volta no meu ombro, sorrindo.
Procuro no meu bolso, pego uma trouxinha com pedaços de carne e lhe dou pequenas fatias. Os Faes não ficaram felizes em preparar carne, mas quando Madrid os convenceu de que era para o meu dragão invisível, eles cederam. Ou melhor, eles encontraram um Fae de Fogo para fazê-lo.
Asher me olha calmamente. Acho que ele está acostumado comigo interagindo com o ar rarefeito agora. Ele adverte quando estamos prestes a virar no centro do mundo. Eu guardo a carne e agarro Yami, segurando-o perto. — Firme agora, amigo.
Nós flutuamos no ar, e torço para que quando a gravidade retornar, eu não caia de cabeça. Meu estômago ressoa e Yami grita, mas nós caímos bem. Eu não vomito desta vez.
A porta de pedra se abre e saímos para outra caverna, esta sem luzes. Asher me guia através da escuridão, sua visão noturna muito melhor que a minha. Nós saímos para a luz, para a grama macia e as árvores fluindo. Há um frio no ar, mas é leve em comparação com a vila do Ar ou o Reino da Guerra. O gelo cobre as folhas e os arbustos, mas não há neve. Ao longe, um castelo branco coberto por bandeiras púrpuras brilha ao sol.
— Bem-vinda ao meu reino, princesa.
— Como? O Palácio de Cristal não está abaixo de Stonehill.
Ele me leva para frente, em um caminho de paralelepípedos no meio de um campo de grama. — Mais ou menos. Os Caminhos de Pedra, o que vocês chamam de elevadores, não viajam diretamente para cima ou para baixo. Eles se movem em ângulos, permitindo que se percorram vários lugares de regiões como o Palácio de Cristal.
Eu aceno, imaginando o gênio por trás desses dispositivos. Eles foram construídos pelos Fae? Ou eram ainda mais velhos?
Antes que eu possa perguntar, uma carruagem aparece no horizonte, feita de madeira escura, as rodas revestidas de ouro.
— Ah — diz Asher. — Nossa carona.
Nós encontramos a carruagem na estrada. O motorista, coberto por uma jaqueta verde escura e capuz, não diz nada. Os cavalos, dois garanhões negros gigantes, tentam me beliscar.
Yami se afasta, rosnando.
Dou tapinhas nas costas dele. — Está tudo bem, pequenino. Eles não sabem nada melhor.
Ele continua rosnando.
Asher suspira. — Sinto muito, princesa. Não fui quem escolheu esses corcéis, eu lhe garanto...
A porta da carruagem se abre. Uma jovem garota Fae com um cabelo roxo curto e um traje prateado imaculado que se agarra firmemente ao seu corpo – provavelmente escolhido por Asher – salta. — Mestre — diz ela, alta e gentil, com forte sotaque Fae. — Eu trouxe a carruagem como solicitado. Eu... — ela tropeça em suas botas altas, enlameando seu vestido.
Asher geme. — Olá, Seri. Permita-me apresentar a Princesa Arianna.
Estendo a minha mão.
Seri olha para mim. Então aperta minha mão rapidamente como se fosse uma cobra. — Prazer em conhecê-la, Sua Alteza, Graça.
Asher suspira. — Seri, por favor, mande mensagens para meus irmãos. Diga a eles que eu encontrei a princesa e ela está segura no meu reino. Ela ficará aqui pelo próximo mês.
— Uh, então uma mensagem para cada príncipe, ou uma para todos eles, ou... — Ela tira papel e uma pena e tenta tomar notas, mas o papel se curva em suas mãos.
— Seis mensagens, uma para cada príncipe.
— Certo — diz ela, mordendo o lábio. — E você quer que eles venham ver a Princesa Arianna?
— Maldição, não. Você está louca? Essa é a última coisa que eu quero. Apenas informe que ela está segura e de volta aos Sete Reinos. Você entendeu?
Ela acena e entra na carruagem para escrever. Soluços são ouvidos pelo lado de fora.
Asher suspira dramaticamente e esfrega a ponte de seu nariz. — Minha nova Guardiã. Seu avô, meu Guardião anterior, faleceu repentinamente. Ela é sua infeliz e única substituta.
— Ela vai melhorar — digo, sabendo muito bem como é ser novo em alguma coisa. — E lembre-se, ela acabou de perder seu avô. Provavelmente ainda está de luto.
Asher inclina a cabeça. — Eu não havia pensado nisso. Pensei que ela chorasse por causa de sua falha em me agradar. Mas faz sentido agora.
É a minha vez de suspirar. — Vocês príncipes poderiam pagar uma ou duas aulas de empatia.
— Sim, bem, seja como for, eu ainda preciso que ela faça seu trabalho adequadamente. — Ele escova a mão como se quisesse se limpar de algo desagradável. — Você está pronta para o grande tour no melhor reino? Afinal de contas, será a sua casa no próximo mês.
— Parece adorável — digo, e Yami se anima com a ideia de conhecer novos lugares. — Mas... Será que Fen virá logo? — Não quero fazer Asher se sentir mal perguntando sobre Fen, mas agora que estou de volta, eu não quero nada além de ver o Príncipe da Guerra e ter certeza que ele está bem.
— Ele estará a caminho daqui a pouco, sem dúvida. Não há nenhum ponto em ir para o norte até ele, quando ele provavelmente está vindo para o sul ver você. Dois navios passando na noite, isso bastaria. Ele estará aqui antes que o dia termine, com nossos reinos adjacentes um ao outro.
A atitude agradável de Asher me deixa à vontade, então eu aceno e ele me ajuda a entrar na carruagem. Seri se contorce chorando ao nosso lado, concentrando-se nas mensagens. O motorista estala nos cavalos e as carruagens começam a rolar.
Em instantes, entramos em uma cidade cheia de plataformas e pontes. Canais correm abaixo e ao redor dos prédios de pedra polida, a água cheia de barcos grandes e pequenos, transportando vampiros e Shades. Na cabeceira de uma pequena embarcação, um homem de cabelo azul toca violino e canta uma melodia assombrosa em tom menor. O aroma de flores frescas carrega no vento. A carruagem para e saímos diante de um grande castelo com torres que passam pelas nuvens. Videiras verdes brotando flores roxas rastejam até a pedra de mármore, e antigos glifos cobrem os vitrais coloridos.
Asher ergue as mãos. — Bem-vinda ao Castelo Céu.
Ele me guia para frente, passando por gigantescos portões abertos decorados com águias. Jardins ??cultivados com imenso cuidado e detalhes, os arbustos cortados nas formas de dragões, lobos e águias, as folhas púrpuras, rosa e verde. Flores gigantes oscilam e dançam na brisa suave. Um perfume faz cócegas no meu nariz.
Yami pula do meu braço e avança, farejando os jardins e explorando todas as novas visões e sons. Isso me deixa nervosa, ele por conta própria, mas lembro-me que ninguém pode vê-lo além de mim. Suponho que ele esteja seguro o suficiente.
O dragão pula em uma roseira e guincha alto. Corro, me inclino e puxo-o, picando meu dedo em um espinho. Yami lambe a ferida.
Asher inspira profundamente. — Melhor não sangrar nessas partes, Princesa. Fen pode ter regras rígidas a respeito de seus vampiros se alimentarem, mas nós somos mais liberais aqui. E você cheira deliciosamente.
— Eu tenho cheiro de... Fae? — pergunto, percebendo que nunca fiz nada para encobrir meu perfume.
— Você cheira diferente, mas não Fae. De acordo com Fen, seu sangue não tem propriedades de Fae também. Talvez porque você é meio humana.
— Quão diferente é o meu sangue?
Asher sorri. — Fen disse que não tinha um efeito tóxico, mas ainda era... Viciante.
Enrolo meu dedo em um pedaço de pano do meu bolso, parando qualquer sangramento. Yami se empoleira em meus ombros, olhos arregalados e alertas; parece que saltar em espinhos foi o suficiente de exploração para ele.
— Por aqui, princesa. — Asher me guia para fora do jardim e para um canal. Um grande barco de madeira repousa na água, envolta em faixas roxas, Fae e vampiros caminham no convés. Subimos a bordo e pegamos assentos perto dos fundos. — Esta é a minha barca pessoal — diz Asher, reclinado. — A partir daqui, podemos explorar todo o meu reino com conforto. — Pelo menos uma dúzia de escravos de ambos os lados do barco começam a mexer os remos, e nós vagamos pela água.
— Por que você não usa magia para energizar este barco? — pergunto, olhando os escravos com desconforto.
— Uma barcaça deste tamanho exigiria muita magia — explica Asher casualmente enquanto se reclina com os olhos fechados, o sol no rosto. — E como você viu, minha nova Guardiã não é a mais confiável com novas tarefas. Assim é mais fácil.
— Mais fácil? Ter escravos trabalhando para você é mais fácil?
Ele aperta os olhos para olhar para mim, uma resposta pronta em sua boca, quando duas garotas Fae trazem uvas e vinho em pratos de prata.
— Kara? Julian?
As duas garotas que Fen me designou no Castelo de Stonehill. — Sua Graça — dizem em uníssono. Kara sorri, seu cabelo dourado brilhando ao sol, seus olhos escuros mais cansados ??do que eu me lembro. Julian, com o cabelo ruivo amarrado em um coque, os olhos verdes cheios de vida, enche a taça de Asher com bebida vermelha.
O Príncipe do Orgulho sorri. — Pensei que você se sentiria mais confortável com elas aqui. Fui informado que você tem o contrato delas.
— Sim... Bem, tecnicamente, eu suponho... — sorrio para as garotas. — Como vocês estão?
Elas fazem uma reverência. — Muito bem, Vossa Graça. Nós fomos bem cuidadas enquanto você esteve... Fora.
— Bom. — Há mais que elas não estão dizendo, mas falarei com elas mais tarde, em particular. Quero saber como as escravas que eu comprei também estão. E quero saber sobre Fen. Os escravos frequentemente ouvem e veem coisas que os outros não ouvem, então devem poder me contar muito. Agradeço a Asher por considerar meu conforto e trazê-las para o seu reino.
Ele assente, um brilho de flerte em seus olhos. — Qualquer coisa para deixar Milady mais confortável. Quero que você experimente todas as alegrias e prazeres que esse reino pode oferecer.
Eu rio, bebendo o vinho. — Muito bem então. Vamos aproveitar. — Eu me volto para as garotas Fae. — Vão e relaxem pelo resto do passeio. Não preciso de nada agora.
Elas se curvam e saem, encontrando alguns travesseiros para sentar enquanto viajamos.
Asher estala a língua para mim — Essa não foi uma boa ideia, princesa.
Eu me inclino e sussurro. — Como você pode falar de paz entre os vampiros e Fae e ainda usar escravos? — A presença de escravos aqui é muito mais forte do que no reino de Fen: escravos na água, na costa, barcos a remos, empurrando carroças, limpando ruas. Percebo que o Príncipe da Guerra pode ser o mais civilizado de todos os seus irmãos.
— Para manter as aparências. Para manter a ordem — diz Asher. — Meu pai tentou libertar seus escravos. E veja o que isso fez com ele. Devemos ter cuidado. Até mesmo seu pequeno ato de compaixão tem consequências. Olhe para os outros escravos. — Ele aponta para dois homens remando a barcaça perto da parte de trás. Eles franzem o cenho para as garotas que agora se sentam em cadeiras em frente a eles. De vez em quando, eles me encaram. — Eles vão se ressentir das garotas agora, e se ressentir de você por ter mostrado tratamento preferencial.
Inclino minha cabeça. — Essa coisa toda é ridícula. Você está certo, mas não deveria estar. Eu serei mais cuidadosa. Mas tem que haver uma maneira de ajudar alguns sem piorar a situação para todos.
Ele zomba. — Quando você descobrir, me avise.
— Acho que é para isso que estamos trabalhando, você e eu. É por isso que vamos unir o...
O barco treme sob nossos pés. Largo o prato e o copo, e eles se quebram no convés, manchando-o de vermelho. Os escravos olham em volta, confusos, mas ainda não assustados.
— Nós batemos em alguma coisa — diz Asher, em pé.
Dois guardas, vestidos com armaduras prateadas e roxas, olham para o lado do barco. Yami bate as asas e voa em volta dos meus ombros, guinchando. É a primeira vez que ele ficou no ar por tanto tempo. Tento chamá-lo sem chamar atenção para mim. Percebo que tenho que ter mais cuidado. Os Fae sabem que eu tenho um dragão, mesmo que eles não possam vê-lo. Mas aqui, ninguém pode saber sobre Yami. Isso significaria perigo para nós dois.
O vento aumenta, soprando meu cabelo na minha cara. Aumenta, crescendo em tamanha força que as cadeiras e mesas soltas são jogadas do barco. Ondas se erguem ao nosso redor.
— O que está acontecendo? — pergunto, olhando para a borda, mas não vejo nada além de água azul escura.
Asher olha em volta, mas seus olhos estão distantes. — Eu já vi isso antes. Muito tempo atrás. — Sua voz é suave, quase um sussurro. — Wadu.
O barco treme.
Um grito enche o ar.
Agarro a lateral da barca para não cair. Alguma coisa. Há algo na água. Uma cobra cinzenta. Ela escapa do canal. Não. Não é uma cobra. Não há olhos. Sem boca. É um tentáculo. Balançando ao vento. Seus movimentos são lentos, graciosos, hipnóticos.
Ele se lança para frente.
Saio do caminho.
O tentáculo acerta um dos guardas. Ele gira em torno de seu torso e atira de volta na água, puxando-o para o fundo. Todos gritam. Os escravos pegam armas, remos, talheres, qualquer coisa que possam encontrar. Eu puxo Spero, minha espada, e seguro em uma guarda defensiva. Yami se agarra ao meu pescoço, tremendo. De trás de sua cadeira, Asher levanta uma lâmina de aço negro, uma coisa maior do que posso carregar. Uma pedra púrpura brilha no pomo. — Arianna — disse ele —, fique em segurança.
Eu estou firme no chão.
— Você não pode lutar contra esse inimigo.
Uma mulher – uma vampira – corre para o lado do barco. Ela é rápida, pronta para pular.
Eu grito para ela. — Não toque na água!
Tarde demais.
Ela mergulha.
Ela toca as ondas.
E uma garra de prata gigante irrompe das profundezas, perfurando seu corpo inteiro. Ela a empurra para cima, onde todos nós podemos ver seu cadáver ensanguentado, e então a puxa para dentro do canal.
Ninguém mais corre para a beira do barco.
— Para o centro do barco! — grita Asher. — Para o centro. — Os escravos fazem o que ele manda. Asher e sua guarda restante se juntam a eles. Eu sigo. — Fique juntos — diz ele. — Não...
O barco balança novamente.
Caio de joelhos.
Um tentáculo voa sobre o convés, agarrando-se descontroladamente, cegamente. Ele segura um homem, o remador, o escravo que fez uma carranca para mim. Kara e Julian agarram suas mãos, impedindo que o tentáculo o puxe para as extremidades.
Mas o tentáculo aperta, e o homem começa a engasgar. Seu rosto fica roxo.
Corro e bato, cortando o tentáculo ao meio com a minha lâmina.
O homem cai no convés, tossindo incontrolavelmente.
Mais tentáculos começam a subir na beira do barco. Estes são maiores, mais grossos que um homem. Eles destruirão esta barcaça. — Saia do barco — grito. — Todos os que são Fae, vão para a água!
O homem, que não está mais tossindo, olha para mim, confuso. — Mas você disse...
— Você é Fae — digo. — Ela não está atrás de você. Uma vez que você estiver na água, ela vai te ver. Vai reconhecê-lo e mantê-lo seguro. No barco você é um alvo como nós. Vá!
O homem concorda. — Se você pensa assim, princesa. — Ele pula na água.
Um segundo passa.
Um momento em que rezo para não ver seu cadáver ensanguentado flutuar até a superfície. Um momento em que me preparo para o que acontecerá a seguir.
Sua cabeça aparece através das ondas e ele nada em direção à praia. Suspiro e rio loucamente, meus joelhos se dobrando embaixo de mim. Eu tinha razão. Wadu não irá prejudicar Faes conscientemente. O homem na água é a prova que os outros escravos precisam. Eles mergulham atrás dele.
Kara e Julian não se juntam a eles. — Ficamos com você, princesa — diz Kara.
Os outros escravos chegam à costa. Nenhum parece prejudicado.
— Vá — digo. — Eu ficarei bem.
Julian assente, agarrando Kara e puxando-a para o lado do barco. Elas saltam para a água.
Algo me atinge por trás.
Caio no convés, o ar saindo dos meus pulmões. Um tentáculo, frio e viscoso me envolve. O Druida da Água não se importará que eu seja Fae. Ela me vê como o inimigo. Como aquela que vai destruir seu povo fazendo acordos com demônios.
O tentáculo me puxa para a proa do barco, minhas costelas esmagadas sob o peso da serpente. Eu apunhalo com Spero, mas meu braço está fraco. O ar parece fino. Mal faço um arranhão. Yami morde o tentáculo. Suas tentativas não fazem nada.
Das profundezas da água, algo emerge. Uma cabeça. Uma serpente. Wadu.
Tentáculos brotam como cabelos da parte de trás de sua cabeça. Sua boca gigante está aberta, dentes afiados cheios de saliva. Isso me puxa para mais perto. Mais perto de suas mandíbulas. Para a escuridão que eu vejo lá.
Asher pula no céu. Mais alto do que eu acho possível. Ele voa por cima de mim. E acerta sua lâmina no olho da fera.
A serpente ruge, um grito primordial. Os tentáculos se agitam ao redor. Eu sou batida no navio. Mais uma vez. Novamente. Enquanto a criatura convulsiona em sua raiva. Minha cabeça dói e gira. Meu corpo está se partindo.
Asher se agarra à cabeça da fera, apunhalando seus olhos, nariz, lutando contra os tentáculos que chicoteiam tentando acertar o demônio.
Flechas voam em direção à serpente e eu me encolho, mesmo em minha própria dor e pânico. Espero que nenhum tenha atingido Asher. Elas erram a cabeça e acertam apenas o pescoço grosso e escamado da fera.
Devo ajudá-lo. Devo ajudar Asher.
Luto novamente com Spero. Minha mão é leve, meu corpo parece pesado. Eu solto minha lâmina. Minha visão desaparece.
Yami grita, mas é um som distante. Tão longe. E eu me esforço para ouvir. Estou cansada. Estou com sono. Talvez eu possa apenas descansar. Sim. Descansar. Eu fecho meus olhos.
E então eu ouço.
O som que traz um último sorriso aos meus lábios.
Um uivo.
Barão pula em cima do tentáculo e rasga a carne da fera, arrebentando-a. A serpente afrouxa seu aperto e desmorono no convés do barco, o ar retorna aos meus pulmões em uma explosão dolorosa. Eu engasgo, arquejo e agarro a minha espada enquanto tento limpar a minha cabeça e recuperar minha inteligência.
Uma mão me alcança.
Uma mão que eu memorizei.
Uma mão que eu sonhei.
Eu a aceito, e ele me levanta.
— Sabe, você realmente deveria parar de ser atacada por criaturas do mar — diz Fen, seus olhos azuis brilhando.
Tento rir, mas sai como um coaxar. — As criaturas do mar deveriam realmente parar de me atacar.
Ele ri e o momento é breve demais. Ainda há Wadu para lidar. Mas meu coração está tão cheio, tão completo com ele aqui, que é difícil reunir medo ou pânico.
Talvez eu ainda seja privada de oxigênio.
Fen vira para a fera, seus longos cabelos castanhos chicoteando ao vento, seus reflexos acobreados captando o sol. — Asher! — Sua voz rasga o ar tempestuoso.
Asher vê seu irmão e salta ao convés. — Levou-lhe tempo suficiente — diz ele, sorrindo.
Fen pega uma longa corda do navio e joga uma extremidade para Asher. Eles olham um para o outro conscientemente e acenam com a cabeça. E então avançam em sincronia perfeita.
Eles correm para frente do navio e saltam para o ar em ambos os lados da besta, desafiando a gravidade novamente, provando quão desumanos eles são. A corda prende Wadu no pescoço e se encaixa. Asher e Fen usam o impulso para girar em torno da fera por trás, amarrando a corda ao redor da base da cabeça dela. A próxima vez que tocam o chão, eles pousam no navio, seus lugares invertidos.
E então eles puxam, movendo-se para trás.
Juntos, eles estrangulam a fera.
Ela ruge e se agita. Não é forte o suficiente.
Os irmãos puxam com mais força, indo mais para trás.
A serpente lamenta. Seus movimentos se tornam mais lentos, mais confusos, seus poderosos rugidos se enfraquecem.
É uma visão terrível e maravilhosa, ver esses irmãos coordenarem sem palavras, sem um plano, se moverem com tanta fluidez, graça e poder. O conhecimento um do outro é mais profundo do que qualquer coisa que testemunhei.
Mais um puxão.
E a fera desmorona, sua cabeça caindo no convés.
Fen e Asher trocam outro olhar. — Pronto? — pergunta Fen.
Asher sorri. — Pensei que você nunca perguntaria.
Eles avançam, espadas desembainhadas, e cada lâmina pega a fera em um olho.
Eles retiram suas espadas, e o espírito, agora imóvel, escorrega do convés e volta para a profundidade da água, seu corpo se desvanece em névoa.
Os irmãos agarram seus braços ensanguentados, e as pessoas na praia aplaudem.
Então Fen olha para mim, deixando Asher enquanto ele se dirige para onde estou em apenas alguns passos longos. Seus braços me envolvem e nossos corpos se pressionam um contra o outro. Não sinto a dor das costelas machucadas ou falta de ar.
Eu apenas sinto Fen.
— Bem-vinda ao lar, Princesa.
Capítulo 9
CASTELO CÉU
“Não há Fae livre para salvar os Shades, e chamá-los de livres seria brincar com a verdade. Todos os Fae são escravos de um grau ou outro neste mundo.
— Kal'Hallen
Não quero soltar a mão dele, mas estamos molhados e sangrando, e minha cabeça está confusa. Meus joelhos fracos. Eu começo a cair. Alguém... Fen... me segura. Ele me leva à praia. Eu me inclino contra o peito dele, ouvindo o ritmo constante de seu coração. Ele me deita, estuda meu corpo. Costelas machucadas e rachadas são o diagnóstico. Ele me leva ao castelo, a um quarto, a uma cama. Mulheres que nunca encontrei me envolvem em bandagens limpas. Eles me dão um espesso elixir para a dor. Adormeço e sonho com Stonehill, as cachoeiras que ressoam como trovões, os rios que deixam as rochas lisas. Há pinheiros ao vento e neve sob meus pés. E lá, ao longe, ao lado de um lago congelado, está Fen. Sorrio e o abraço, e pela primeira vez em muito tempo, eu me sinto em casa.
* * *
Eu sento em uma cama branca, uma lareira crepitando perto de mim, cortinas roxas bloqueando a maior parte da luz. Um tapete grosso decorado com uma águia cobre o chão de pedra. Este é o meu quarto no Castelo de Asher. É lindo, mas parece muito escasso, muito estranho, para chamar de lar.
Fen chega com o Barão ao seu lado. Ele está limpo, seu grosso cabelo castanho está menos bagunçado do que o habitual, e vestido em couro marrom fino, tendo deixado suas peles devido ao tempo mais quente. Barão sacode a cauda e coloca a cabeça no meu colo. Eu quase choro ao rever o grande lobo. Esfrego a cabeça dele. — Eu senti sua falta, garoto.
Fen sorri e se senta ao meu lado na cama. — Ele sentiu sua falta também. Não parou de ganir por você.
Eu sorrio. — Só ele sentiu a minha falta?
Fen segura meus olhos. — O que aconteceu com você, Ari? Você quase me matou de susto quando desapareceu.
Eu quero contar tudo a ele. Sobre o Fae, sobre seu pai, sobre o contrato, mas no momento de falar, dor física agarra minha garganta. Engasgo e Fen me entrega um copo de água.
— Sinto muito — diz ele. — Você acabou de passar por uma provação significativa. Eu não queria te interrogar. Estou feliz por você estar de volta, feliz que esteja segura.
Eu o deixo pensar que meus ferimentos recentes causaram a dor, porque não posso falar a verdade. Mas há algo que posso tentar. — Fen, o que realmente aconteceu com seu pai?
Ele faz uma pausa.
— Você encontrou o assassino? — Espero conseguir a verdade, convencê-lo a falar sobre o envenenamento. Talvez eu possa levá-lo a respostas sem dizer a ele diretamente, contornando assim as regras do contrato.
— Estive ocupado — diz Fen, evitando minha pergunta. Ele coloca a mão no meu joelho. — Tem havido assuntos mais importantes.
Eu sorrio, segurando a mão dele.
Yami boceja, acordando de uma soneca no meu ombro. Ele pula e vaga pelo quarto, e Barão se levanta para explorar essa nova criatura, farejando sua cauda preta. Aparentemente, o lobo pode ver o dragão. Interessante. Yami só se esconde das pessoas?
— Ari... — Fen se inclina mais perto. — Há algo que devo te dizer, mas eu me esforço para encontrar as palavras. Eu... — Ele desvia o olhar.
Eu toco seu rosto, voltando-o para o meu, olhando em seus olhos azuis. O mundo desaparece, e não há nada além de nós, minha mão em sua pele e a respiração entre nós. — Fale — sussurro.
Sua voz é calorosa e suave. — Quando você foi levada, foi como se meu coração tivesse sido arrancado. Não posso te perder de novo. Eu não vou.
Engasgo com as lágrimas que não posso derramar. Eu quero fazer tantas perguntas a ele. Ele sabe que eu sou Fae? Isso importa para ele? Há uma coisa que posso dizer, que nenhum contrato pode impedir.
— Fen, eu pensei em você a cada momento que estive longe. Senti tanto a sua falta que doeu. Não sei o que vamos fazer. Não sei o que o futuro reserva para nós. Não sei como lidar com o fato de que você não quer ser rei e eu preciso escolher e casar com o próximo governante. Tudo o que eu sei é que não posso ficar sem você novamente. Eu não vou. De alguma forma, devemos fazer isso funcionar.
Ele parece prestes a dizer algo mais, quando Barão lambe Yami, e o dragão faz um trinado e sobe e desce, suas asas batendo. Os dois se tornaram amigos.
Fen franze a testa, parecendo confuso. — Por que ele está lambendo o ar? Você bateu a cabeça, garoto?
Há uma batida na porta, e Asher entra, carregando bebidas para todos nós. Barão descobre os dentes para o príncipe, e eu me lembro do quanto ele não gosta de ninguém além de Fen e eu. E aparentemente Yami.
— Pensei que poderíamos precisar de algo mais forte do que suco depois de matar um espírito da água — diz Asher, puxando uma cadeira ao nosso lado.
Cada um de nós pega uma xícara e bebo minha bebida, esperando não ter outra ressaca como da última vez. Nenhum brilho, então é um bom sinal.
— Está realmente morto? — pergunto. — O espírito da água?
Fen balança a cabeça. — Os Espíritos não podem ser mortos, não verdadeiramente. Apenas feridos. O melhor que podemos fazer é encontrar o Druida da Água. Se ela morrer, Wadu será forçado a encontrar outro Guardião, a escolher outro Fae que seja digno. O espírito renascerá, jovem novamente, mais fraco – por um tempo.
Asher acena. — Ouvi o que o Espírito do Fogo fez ao seu reino. Meus pêsames, irmão.
Meus olhos se arregalam. Isso é novidade para mim. — O que aconteceu?
Fen suspira. — Riku, a fênix, queimou nossas florestas. Não temos madeira para reconstruir Stonehill.
Eu me lembro de Oren, a raiva em seus olhos, Riku, a fênix em sua mão. Quase posso sentir o fogo contra a minha pele. — Sinto muito, Fen.
O príncipe da guerra grunhe, olhando para Asher. — Você nunca me disse, onde você a encontrou?
— Em uma aldeia nas Terras Distantes ao norte do seu reino — diz Asher, mentindo com facilidade.
Fen me estuda novamente. — E você não foi ferida?
— Não. Fui mantida em cativeiro, mas eles não foram cruéis comigo.
— Eu senti você me chamando através da marca de sangue. Tentei te encontrar, mas levou a um beco sem saída em uma caverna. Uma antiga porta de algum tipo. Você sabe algo sobre isso?
Olho para Asher, sem saber como responder. Eu odeio mentir para qualquer um, mas especialmente para o Fen. Dói mais do que qualquer ferida física. — Os Fae que me capturaram acamparam na caverna por um tempo. Eles não pareciam saber o que era a porta também.
Barão uiva e persegue Yami pelo quarto. Eu acho que os dois estão brincando de pega-pega, e sufoco uma risada. — Eu terei que examiná-lo. — Ele olha para Asher. — Precisarei de um quarto perto de Ari enquanto ela ficar aqui.
Não quero nada mais do que Fen ficar, mas Asher franze a testa. — Irmão, seu reino precisa de você agora mais do que nunca. E esta é a minha vez com ela. Os outros príncipes franziriam o cenho para você estar aqui. Eles veriam isso como uma vantagem injusta.
Fen inclina a cabeça. — Eu precisarei vê-la novamente, Asher.
Asher concorda. — Eu sei, irmão. Vou garantir que você vá. Mas confie em mim para cuidar da princesa. Não deixarei nada acontecer com ela.
Fen fica de pé, e eu fico em pé, sem saber o que fazer. Asher olha para nós dois. — Tenho alguns negócios para resolver — diz ele. — O ataque causou danos que eu preciso ajudar a consertar. Por que vocês não se despedem em privado enquanto eu... Cuido disso?
Ele nos deixa sozinhos e Fen se aproxima de mim, me puxando para um abraço mais longo e íntimo do que no barco. Descanso minha cabeça em seu ombro e respiro fundo. É tão bom estar em seus braços novamente, eu não quero deixá-lo ir.
— Você curou bem? — pergunto. — Eu tive que te dar meu sangue. Desculpe-me.
Ele ri e beija minha testa. — Só você se desculparia por salvar a vida de alguém ao custo para si mesmo. Estou bem. Obrigado.
— A qualquer hora — digo. — Mas você realmente deveria parar de ser sequestrado e torturado pelos das Terras distantes.
Ele ri. — Eu senti sua falta, Ari.
— Eu ainda sinto sua falta — digo. — Não parece que você está aqui, sabendo que está indo embora. Quando vou te ver de novo?
— Logo — diz ele, sua voz baixa. — Logo.
Barão lamenta e empurra seu nariz entre nós. Coloco minha mão em sua grande cabeça peluda. — Cuide desse cara para mim, Barão, ok? Não o deixe fazer nada estúpido.
Barão lambe minha mão e eu o acaricio, e em seguida coloco minhas mãos no peito de Fen.
— Nós vamos resolver isso, mas por enquanto, cuide de seu reino. Seu povo precisa de você.
— Eles precisam de você também — diz ele suavemente.
— Diga a eles que estou bem, e que sinto falta deles e meu coração sofre por suas perdas. E diga a Kayla... — Minha voz vacila. — Diga a ela que eu sinto muito. Sinto muito. Eu tentei salvá-lo. Mas não pude. Eu não sabia como, e é minha culpa. Eu deveria ter deixado que ela fosse. Ela saberia o que fazer...
— Ela não te culpa — diz Fen. Ele levanta meu queixo com o dedo, olhando nos meus olhos. — Ninguém culpa. Isto é guerra. As pessoas morrem.
— Não morra — digo a ele. — Eu não conseguirei lidar com isso.
— Não sou fácil de matar — diz ele, sorrindo de um jeito arrogante. — Você ficará cansada de mim muito antes de eu morrer.
Ele sai então, com Barão seguindo-o relutantemente. Yami se inclina e faz pequenos barulhos enquanto seu novo amigo desaparece pela porta.
— Nós dois sentiremos falta deles, hein? — pergunto. — Eu acho que você não tem muitos amigos. Desculpe-me por isso. — Eu ando até minha cama nova e me sento. — Você está com fome? Devo pedir um pouco de carne?
Yami abana o rabo e bate as asas, e eu rio e bato o sino do servo. Kara e Julian chegam, e abraço cada uma delas. — É tão bom ver vocês seguras. Vocês estão sendo bem cuidadas? Tem um lugar para dormir e se trocar?
— Sim — diz Kara. — Obrigada.
— Você poderia buscar alguma comida? — pergunto. — Preciso de muita carne. Crua, ou tão crua quanto possível. — Elas me encaram. — Acho que estou com deficiência de ferro.
Isso não ajuda. Elas trocam um olhar confuso, em seguida, saem para buscar a comida. Eu troco para roupas mais resistentes, calças pretas de couro e camisa. Asher diria que eu deveria estar descansando. Curando. E sim, minhas costelas ainda doem, mas o remédio que bebi está ajudando. Eu amo as poções que este mundo oferece. Elixires que podem curar qualquer coisa, seria interessante aprender mais sobre a medicina aqui.
Quando as garotas voltam com um prato de carne crua, eu aviso que vou dar um passeio e não precisarei delas por um tempo, mas que eu gostaria de conversar com elas mais tarde, caso estejam por perto. Elas vão embora e alimento Yami, que age como se não tivesse comido em toda a sua vida, embora eu saiba que ele come o tempo todo atualmente. Logo que parece saciado, ele se enrola em volta do meu pescoço como um colar e ronrona. Eu pego uma capa preta e vermelha e saio do castelo.
A temperatura caiu, como se Fen trouxesse o frio com ele quando chegou. Sinto falta do Príncipe da Guerra, então procuro outra coisa para ocupar meus pensamentos.
Ando pela cidade e admiro as diferentes lojas. A maioria vende roupas e joias, o dom de Asher. As mulheres andam em trajes de penas e seda fluindo, do tipo que eu esperaria ver em uma passarela. Os homens usam dezenas de anéis em cada mão, os colares cheios de ametistas e rubis. Mas não estou interessada em roupas e bugigangas agora.
Nuvens de fumaça preta saem de um prédio de pedra, e sorrio, caminhando em direção ao ferreiro. Um grande martelo está no balcão e eu o pego, aproveitando a sensação do peso na minha mão. Com um toque, traz de volta uma enxurrada de lembranças, de Daison e forjando ferro, risos, brincadeiras e amizade. De fogo.
Largo o martelo.
Um homem grande – o ferreiro – aparece. — Você está bem, senhorita?
Ele não parece saber quem eu sou. Isso é bom. Eu gostaria de algum anonimato agora. — Estou bem, obrigada — digo, enquanto minhas mãos tremem. Tento me distrair. Algo chama minha atenção à esquerda. Uma grande tenda branca reunindo a pessoas. — O que está acontecendo lá?
— A tenda de cura — diz ele rispidamente. — O novo Guardião a preparou para atender os feridos no ataque recente. Ouvi dizer que eles estão procurando por voluntários, se você tiver alguma habilidade. Foi uma luta desagradável.
— Foi mesmo — digo. Desejo-lhe um bom dia e caminho em direção à tenda.
A nova Guardiã, Seri, está lá, seu vestido branco substituído por um simples cinza. Ela se inclina sobre a cama, cuidando de um dos guardas feridos no ataque. A perna dele está quebrada, ossos saindo da carne. Seri tem homens segurando-o enquanto coloca a perna no lugar. Ele grita e eu me encolho, mas a Guardiã não é afetada. Calma, precisa. Ela lava as mãos de sangue e vai até o próximo paciente, um rapaz Fae que quebrou o pulso na água. Na presença de Asher, ela era toda nervosa e mais do que um pouco incompetente, mas aqui ela está no comando.
Devo admitir que eu estou surpresa. — Posso fazer alguma coisa para ajudar? — pergunto.
Ela franze a testa para mim, as pontas de suas orelhas Fae ficando vermelhas. — Esse não é lugar para uma princesa. — Ela faz uma pausa. Em seguida, acrescenta: — Sua Graça.
Eu grunhi. — Já ouvi isso antes, mas sou uma aprendiz rápida e não tenho medo do trabalho manual ou de ficar suja. Posso limpar, carregar suprimentos, o que você precisar.
Ela parece surpresa com a minha tenacidade e ergue a cabeça, me estudando. — Muito bem então, vamos ver como você faz. Pegue um balde e comece a esvaziar os penicos.
Eu assinto e faço o que é dito. É um trabalho fedorento e não particularmente agradável, mas não reclamo e isso parece impressioná-la mais do que qualquer outra coisa. Yami, no entanto, não está satisfeito. Ele enfia a cabeça em um dos baldes e faz sons de engasgar ao sair. Eu rio e continuo trabalhando, ignorando os olhares estranhos de todos ao meu redor.
* * *
O tempo passa rapidamente no Reino do Orgulho, como é costume quando se fica ocupado. Minhas costelas se curam em alguns dias devido às poções que tomo. Vejo Asher no jantar e às vezes no almoço. Ele está sempre trabalhando, e passo a maior parte do meu dia na barraca de cura. A Guardiã finalmente começa a confiar em mim e pede mais ajuda. Ela até me mostra diferentes ferramentas e seus nomes, e eventualmente começa a me contar sobre a arte e a ciência da cura.
Ela me mostra como e por que cortar carne podre, como colocar uma articulação deslocada ou um osso quebrado no lugar, que cremes usar para tratar feridas e queimaduras, e como fazer as mais simples. É um trabalho gratificante e promissor. Talvez, se aprender a curar, eu consiga salvar aqueles que amo. Talvez eu pudesse ter salvado Daison.
Não vejo Kayla desde que deixei Stonehill, e me pergunto se Fen estava certo sobre ela não estar com raiva. Tenho minhas dúvidas, e elas aumentam quanto mais tempo eu fico sem uma visita dela. Devo lembrar a mim mesma que estamos em guerra com os Fae, sob ataque dos druidas. É egoísmo da minha parte pensar que me visitar seria a maior prioridade de Kayla.
Três vezes por semana eu volto ao Palácio de Cristal, como prometido, para meu treinamento com Varis. Na maioria das vezes nos concentramos menos na magia e mais na história dos Fae, seus costumes e culturas. Enquanto o Druida trabalha comigo, Zyra treina Yami, e agora meu pequeno dragão pode voar por um bom tempo antes de precisar descansar no meu ombro. Nós dois estamos ficando mais fortes.
Mas hoje é diferente. Hoje, Varis renuncia a nossa meditação inicial. Hoje ele me entrega um casaco quente. — Nós devemos viajar.
— Para onde? — pergunto, envolvendo-o sobre o meu ombro.
— Para a Tribo da Terra.
Suas palavras me enchem de emoção. Já estive na Tribo do Ar, mas em nenhuma outra.
Saímos da caverna e entramos na fria e nevada montanha. Viro para subir os degraus em direção ao grifo, mas Varis não me segue. Em vez disso, ele sussurra para Zyra, e a coruja prateada voa alto para o céu, desaparecendo no brilho do sol. Quando desce, ela está gigante, maior que um grifo, magnífica e feroz, suas longas garras e plumas reluzindo na luz.
Ela cai diante de nós, e a rajada de vento de suas asas quase me derruba. Yami não consegue se conter. Ele pula dos meus ombros e voa para ela, suas asas uma agitação de excitação e entusiasmo.
— Esta é outra forma de Zyra — explica Varis. — Yami, você também tem muitas formas, as quais você descobrirá um dia.
Yami ergue a cabeça e se endireita, satisfeito com a ideia de que ficará grande e forte também.
— Nós vamos montar nela? — pergunto. Varis acena e um pensamento me ocorre. — Isso significa que algum dia eu poderei cavalgar Yami?
Varis sorri. — Algum dia.
— Eu vou montar um dragão? — Pulo como uma criança.
Varis ri. — Suba na coruja, Arianna. Hora de idiotice mais tarde.
Tento conter meu sorriso, e ele me ajuda a subir em Zyra. Montar uma coruja gigante sem arreios é tão desconfortável e difícil quanto se possa imaginar. Envolvo meus braços ao redor de Varis e seguro firme, como instruído. Yami envolve o meu braço e juntos nós decolamos para o céu.
Grito de alegria.
Voar sobre Zyra é diferente de voar em um grifo.
Não me sinto como uma passageira.
Eu me sinto como o vento.
Eu me torno o ar. Sou o voo. O pássaro e eu somos um, e sinto a felicidade fluir através de mim.
O tempo parece parar, e não sei quanto tempo nos leva para alcançar a Tribo da Terra. Nós pousamos em uma ponte natural que se estende ao longo de um desfiladeiro. Uma cachoeira cai diante de nós. Rochas gigantescas projetam-se do chão, cobertas de musgo verde. Vinhas de flores vermelhas rastejam até a pedra. Mais pontes atravessam o desfiladeiro abaixo.
Desmontamos e Zyra agita suas penas, e elas explodem em uma grande rajada de vento. O espírito é pequeno novamente e empoleira-se no braço de Varis.
Balanço a cabeça, maravilhada com essa habilidade, tentando imaginar Yami sendo capaz de fazer algo semelhante. Mal posso esperar para que nossa magia se torne mais poderosa.
Um grupo de Fae nos aborda, liderado por uma mulher vestida de peles marrons, usando ossos como joias. Sua pele é acobreada, não tão escura quanto a Tribo da Água, mas mais escura que a minha. Eles caem de joelhos diante de Varis e batem os dedos no peito, um sinal de respeito aos Espíritos – algo que aprendi nas minhas lições.
— Druida dos Ventos, o que o traz às nossas terras? — pergunta a mulher. — Rita, eu vim buscar Lianna e seu espírito, Tauren. Eles não apareceram no Palácio de Cristal.
Rita, a líder, olha para a mulher à sua direita, preocupada, depois para Varis. — O espírito não retornou ao Palácio, porque Tauren nunca acordou.
* * *
Rita guia Varis pelo caminho do desfiladeiro e eu o sigo. Os Fae da Terra não me dão sua atenção, e eu me pergunto se eles sabem que eu sou a Estrela da Meia-Noite. Talvez saibam, e é por isso que me ignoram.
O caminho se torna cada vez mais estreito ao longo da encosta da montanha, e temo cair, mas não expresso minha preocupação. Esse não parece ser o momento de me preocupar com as alturas. Ou a morte.
Chegamos á base da cachoeira. É um córrego pequeno, mais elegante que as cachoeiras em Stonehill, e nós caminhamos ao redor da torrente e em uma caverna pequena. Uma velha árvore cresce ali, suas trepadeiras subindo pela pedra marrom e úmida.
— Veja — diz Rita. — Tauren ainda dorme.
Varis caminha até as raízes e coloca as mãos sobre elas. Ele coloca o ouvido contra a madeira e fecha os olhos, acalmando a respiração.
Eu sei o que ele está fazendo e faço o mesmo, praticando as técnicas que ele tem me ensinado. Silencio minha mente e me concentro em minha respiração para ver se consigo ouvir o que ele está ouvindo.
— Garota — diz Rita, apontando para mim e quebrando minha concentração. — Você é o que eles chamam de a Estrela da Meia-Noite?
Eu me viro para encará-la. — Sim.
— Você é falsa — diz ela, cuspindo no chão na minha frente. — Seu sangue não despertou o nosso espírito. Ele ainda espera por Yami.
Endireito minha espinha e olho para a mulher. — Yami está comigo — digo. O dragão se levanta e se alonga meu ombro, em resposta ao seu nome.
— Então me mostre — desafia.
Olho para Yami e ele balança a cabeça, se escondendo atrás do meu cabelo, com medo da mulher e de seu discurso cruel.
Meu rosto endurece. — Você foi desrespeitosa comigo e com ele. Não faremos nada por você.
Ando até Varis, deixando-a em estado de choque, seu queixo caído.
Varis se levanta e vira para nós. — Pelos Espíritos...
Ele franze a testa. Algo está muito errado.
— Tauren ainda descansa? — pergunto.
— Não — diz ele, seus olhos assustados pela primeira vez desde que eu o conheço. — Ele não dorme. Ele nunca esteve aqui.
Capítulo 10
UM AMIGO
“Não há necessidade de se atirar em mim ainda. Nós teremos nosso tempo juntos em breve.”
— Asher
Retorno ao Castelo Céu e volto minha atenção para a Tenda de Cura. Nós não tratamos mais apenas aqueles feridos no ataque, mas qualquer um com doenças. Meu treinamento com o Druida está suspenso por alguns dias. Enquanto Varis procura por Lianna e Tauren, eu continuo ocupada aqui. Seri começa a usar minha ajuda mais e mais vezes. Às vezes, ela me pede para diagnosticar um paciente. Muitas vezes estou errada. Mas algumas vezes eu estou certa.
— Você está melhorando, Sua Graça — diz Seri.
— Por favor, me chame de Ari.
— Ari, passe a bacia de água.
Eu passo, e ela limpa as mãos, suspirando. A lua está fora, e foi um dia difícil. Sombras escuras sob seus olhos.
— Você é muito hábil nisso — digo. — Parece ser mais útil aqui do que sendo Guardiã.
Ela ri. — Obrigada. Toda a minha vida eu treinei para ser uma curadora. Você pode não saber, porque eu sou Fae, mas sou jovem. Em torno de sua idade. Meu avô era Guardião e minha irmã mais velha treinava com ele. Fiz o que quis e desejei curar as pessoas. Perdi meus pais por doenças, entende? Então eu pratiquei com os curandeiros. Cerca de um mês atrás, minha irmã foi ferida, um ataque em Stonehill. Ela morreu, e toda a minha cura não poderia ajudá-la. Meu avô não aguentou a dor. Alguns dias depois, ele também se foi. Eu era a única que restava na minha família e, assim, o dever do Guardião caiu sobre mim.
Toquei a mão dela. — Sinto muito. Eu também perdi alguém no ataque.
Ela olha para cima, surpresa. — Somos pessoas complicadas, não somos, princesa? Os vampiros me mantêm escrava. Mas os Fae mataram meu sangue. Às vezes, não sei quem está certo. Às vezes, não sei onde estou.
Nós duas compartilhamos a mesma luta. Divididas entre dois mundos. — Nós encontraremos o nosso caminho — digo. — Dum spiro spero.
Ela pisca. — O que isso significa?
— Enquanto respiro, eu tenho esperança.
Ela assente, uma nova certeza em seu rosto. — Sim. Você está certa, princesa. Dum spiro spero.
* * *
No dia seguinte, enquanto tomo o café da manhã, Asher me informa que é hora de visitar a Terra. Eu solto um gritinho de excitação. Sinto falta dos meus amigos, e Es deve ter acabado de fazer sua cirurgia de mudança de sexo. Ela vai querer o meu apoio.
Mas há outra razão pela qual estou empolgada, e não tem nada a ver com visitar o Oregon. Para chegar ao meu mundo, temos que viajar através do reino de Fen, até o espelho nos arredores, o que significa vê-lo novamente. Já faz semanas, e meu anseio por ele só se aprofundou.
Estou praticamente explodindo de alegria quando entramos no barco de Asher para navegar para o norte, nos canais sinuosos. O sol está alto. A brisa morna.
Asher franze a testa para mim. — Animada para ver alguém, não é?
Eu coro. — Bem... Espere. Você está... Você está com ciúmes? Eu sei que este é o seu mês comigo, e não passamos muito tempo juntos para... Um vínculo.
Ele ri. — Não. Eu não sou ciumento. Esse seria o departamento de Levi, não meu. Só espero que você faça essa escolha com a cabeça e não com o coração. Nada de bom vem de tomar decisões a partir de emoções, confie em mim.
Deito em travesseiros, observando a terra mudar diante de mim. — Isso tem algo a ver com Varis? Como vocês costumavam serem amigos?
Ele desvia o olhar. — É apenas um fato. Seja esperta. Seja lógica.
Eu suspiro, revirando os olhos. Mas por dentro, suas palavras me rasgam. Devo escolher o próximo rei do inferno. Devo escolher, não só por mim, mas por um reino inteiro. E se o melhor governante não for aquele que eu amo?
O ar esfria e chegamos ao reino de Fen. Seu castelo se ergue à distância, uma enorme massa de pedra esculpida em uma montanha coberta de neve. Barão está na praia, esperando nossa chegada.
Quando pisamos em terra, ele rosna para Asher, em seguida, abana o rabo e lambe a minha mão.
O Príncipe do Orgulho franze a testa. — Besta desagradável.
Eu bato no braço dele. — Não seja cruel. Ele é o melhor lobo do mundo inteiro, não é garoto?
Barão sorri, lambendo Yami. O dragão voa em suas costas e cavalga o lobo até a cidade.
— Tenho alguns negócios na cidade, então eu acredito que você pode encontrar o seu caminho — diz Asher.
Eu aceno. — Encontro você daqui a pouco.
Enquanto ando por Stonehill, eu corro minhas mãos sobre os cristais pingando de pedras e árvores. Edifícios destruídos marcam a paisagem à distância, uma grande cicatriz cobre a terra onde uma floresta se encontrava. Os aldeões me cumprimentam com sorrisos e reverências, e logo se espalha que a princesa está de volta. Eu sorrio e falo com todo mundo que posso, mas quando vejo Kayla, paro. Meu coração acelera. Não sei como ela responderá a mim. Nós não nos vemos desde a noite em que Daison morreu.
Ela corre até mim e me puxa para seus braços como uma irmã, e quase caio de alívio.
Eu fungo e enxugo uma lágrima quando ela me libera. — Pensei que você me odiaria — digo.
— Nunca — diz ela. — Todos nós fazemos nossas escolhas. Ele fez a dele, eu fiz a minha. Se eu tivesse ido com você, muitos outros teriam morrido.
Isso não era um conforto fácil, mas ainda assim, alivia algo em mim. — Sinto muito, Kayla.
Ela pega minha mão e me leva através da aldeia para o memorial onde tantos foram enterrados ou queimados. Daison não foi enterrado, mas havia uma espada presa no chão sob sua árvore favorita para comemorar sua vida. Está gravado com o seu nome e as datas do seu nascimento e morte. Caio no chão diante dela e rego a terra com minhas lágrimas.
Kayla se junta a mim, e passa algum tempo antes de nos levantarmos novamente, mas quando fazemos isso é com os corações mais calmos.
— Obrigada — digo a ela depois de um tempo, e vamos para o castelo.
— Não há necessidade. Não fizemos nada de errado. Os Faes trouxeram essa dor. E logo teremos a nossa revanche.
Sinto um nó no meu peito com suas palavras e não respondo. Como eu digo a ela que sou Fae, que conheço os caminhos deles agora? Que não posso matá-los mais do que eu posso matar vampiros?
Passamos pela forja de Kayla, onde eu fiz Spero com sua ajuda. — Eu poderia precisar de alguma ajuda — diz Kayla. — Você deveria vir depois.
— Não posso — digo. — Mas obrigada.
Ela inclina a cabeça, franzindo a testa. Ela sabe que estou com muito medo de pegar um martelo desde a morte de Daison? Que apenas estar aqui, com lembranças dele em todos os lugares, me deixa ansiosa?
Uma voz profunda vem de trás de mim. — Ainda bem que decidi passar por aqui — diz Fen.
Viro e corro para os braços dele.
O nosso abraço perdura enquanto posso permitir. Quando me afasto, ele reluta em me soltar. — Não tenho muito tempo — digo. — Asher está lidando com alguns negócios, então vamos ao meu mundo para visitar a Es. Ela está fazendo a cirurgia.
Fen assente. — Deseje-lhe sorte por mim. Eu gosto dela.
Sorrio. — Ela também gostou de você.
Kayla caminha até nós. — O que te traz aqui, irmão?
— Preparativos. Como estão as armas?
— Quase prontas.
Uma garota com cabelos verdes sai da forja, carregando algumas ferramentas que parecem ter sido limpas recentemente. E a reconheço. Uma das escravas Fae que comprei para mantê-las longe de Levi. Ela me vê e faz uma reverência, com os olhos guardados e cautelosos. — Min, esta é a princesa Arianna — diz Kayla. — Ela é a pessoa que...
— Eu me lembro. Ela é minha dona — diz Min com um desafio.
Sorrio. — Isso é verdade, mas não é do jeito que eu quero que seja.
Ela bufa. — Palavras ditas por uma proprietária de escravos.
Kayla a manda sair em busca de madeira e pede desculpas para nós. — Ela é afiada, mas é uma trabalhadora com talento real para isso. O resto dos escravos que você comprou também está fazendo um bom trabalho, tem boas casas.
— Não precisa se desculpar — digo, embora eu perceba que Fen não ache assim. Coloco uma mão de advertência em seu braço. — Min passou por muita coisa, sem dúvida. E ainda é propriedade de outra pessoa, mesmo que esteja fazendo um trabalho que ela acha gratificante. Eu sentiria o mesmo. — Olho para Fen, com uma expressão firme. — Você não sentiria o mesmo no lugar dela? — pergunto, forçando empatia em seu coração teimoso.
Ele grunhe. — Muito provavelmente. Talvez.
Kayla ri. — É tão bom ter você aqui novamente, Ari. Você é a única que pode colocar bom senso nesse cabeça dura.
Eu sorrio, enlaçando meu braço no de Fen. — Então eu terei que vir mais vezes.
Kayla olha entre nós dois. — Há algo que eu preciso te dizer. Vocês dois. Estou indo com Salzar, para atacar os Faes.
Aperto o braço de Fen. — Não entendo.
Ele suspira. — Salzar, um dos meus nobres, tem reunido uma força para invadir as Terras Distantes. Muitos querem a vingança por suas famílias perdidas. — Ele olha de lado Kayla. — E não sou aquele que vai negá-los.
A Shade acena. — Obrigada, Fen. Farei seu pedido antes de partir. E Ari, me desculpe por não te visitar no Reino do Orgulho. Houve muito trabalho, mas espero vê-la novamente. Agora, aproveitem seu tempo juntos. — Ela me beija na bochecha, depois se afasta e desaparece na forja.
Seguro o braço de Fen enquanto caminhamos para o castelo, Barão no meu calcanhar, Yami nas costas do lobo. — Você não parece apoiar Salzar — digo.
Fen aperta o nariz dele. — Ele tem sido um problema. Eu o prendi por alguns dias, esperando que isso aliviasse seu temperamento. Mas apenas aguçou a raiva dele. Ele incitou uma multidão, reuniu voluntários para invadir as terras. Considerei pará-lo, mas aquelas pessoas, aqueles que preferem segui-lo, não são as pessoas que eu preciso no meu reino agora. Então eu permiti que uma pessoa por família se juntasse a Salzar, que eles atacassem, que satisfizessem seu ódio. No final, isso ajuda a ambos.
Eu aceno, entendendo a triste lógica. — E você? Como você está? — pergunto.
— Tem sido difícil equilibrar as exigências da guerra com a necessidade de reconstruir e prover meu povo.
Coloco minha mão livre em seu ombro. — Você é um bom homem, Fen. Fará as escolhas certas.
Ele olha para mim, uma expressão cautelosa em seu rosto. — Você não pensaria assim se soubesse tudo.
— Eu sei mais do que você pensa, e ainda acredito que você tem um bom coração. Mesmo as pessoas boas optam por escolhas ruins de tempos em tempos.
Ele congela, olhando para mim. — Arianna, do que você fala?
— Eu... — Há tanta coisa que não posso dizer, então eu o farei dizer para mim.
Ele me encara, segurando minhas duas mãos. — Eu não sabia quem você era até que acordei tendo provado seu sangue. Por favor, acredite em mim.
Sinto alívio com suas palavras. Mais do que tudo, eu precisava saber: ele mentiu para mim?
Mas eu não podia perguntar. O contrato não permitiria isso. Mesmo agora, eu sinto que estamos nos aproximando do assunto. Sorrio e aperto suas mãos. — Obrigada. Isso é tudo que preciso saber.
— Então nós estamos... Bem? — pergunta ele incerto.
— Sim. Nós estamos bem.
Asher chama meu nome e eu me viro, franzindo a testa. Ele está pronto para partir.
Fen acaricia minha bochecha. — Vejo você em breve. — Ele me beija nos lábios, gentilmente. É o nosso primeiro beijo desde a caverna, e eu o seguro, me apegando ao momento em que é só ele e eu, e ninguém mais importa.
Ainda posso sentir o calor de seus lábios contra os meus enquanto viajo com Asher além da parede, para o espelho, e entro no meu mundo mais uma vez.
* * *
Otimizando o tempo, vamos direto para o hospital na limusine de Asher. A lua está brilhante, e abaixo minha janela, apreciando o ar fresco e frio. Altos edifícios de metal passam por nós, tão estranhos para mim agora. Mas Portland é menos Castelo Céu, mais Stonehill, e cheio de lembranças reconfortantes.
Asher olha para o meu pescoço e inclina a cabeça. — Onde você conseguiu esse fabuloso colar de dragão?
Olho para baixo e franzo a testa. Yami está enrolado na minha garganta como um colar, mas não parece real. Ele parece uma joia.
— É Yami — digo.
— Ah, é claro — diz Asher. — Os espíritos ficam mais fracos longe de seu mundo natal. Ele não pode tomar a forma viva aqui.
Toco a cabeça de Yami, imaginando se ele está sonhando. — Vejo você em breve, amigo — sussurro.
Em instantes, chegamos ao hospital e cumprimentamos Pete na sala de espera. Seu cabelo vermelho está selvagem e círculos escuros estão sob seus olhos. Eu o abraço e o apresento a Asher.
— Como ela está? — pergunto.
— Ela está fora de cirurgia e se recuperando. Não posso vê-la ainda. Mas ela é forte e está indo bem. — Percebo que ele está nervoso, mas também feliz por ela ter conseguido passar com segurança.
— Me desculpe por não poder estar aqui antes — digo.
— Você está aqui agora — diz ele sorrindo. — É o que importa. — Ele olha para o meu pescoço. — Colar bonito. Eu quase juro que é...
Um médico entra na sala. — Ela está acordada e gostaria de vê-lo. Há uma Arianna aqui?
Dou um passo à frente. — Eu sou Ari.
— Es também gostaria de vê-la.
Deixo Asher no saguão aparentando estar profundamente desconfortável e sigo o médico para o quarto de Es. Ela está ligada a monitores e tubos, e está muito pálida, o seu cabelo loiro está uma bagunça, mas ela está viva, e seu sorriso é brilhante.
— Ei, baby — diz Pete, caminhando para segurar sua mão e beijar sua testa.
Seus olhos estão caídos de analgésicos, mas ela sorri. — Sou toda mulher agora — diz ela.
— Você sempre foi toda mulher — diz Pete. — Mas estou feliz por seu corpo se parecer mais como um. Se encaixa com você agora. Eu te amo independentemente de qualquer coisa. Você sabe disso, certo?
Uma lágrima vaza do canto do olho dela. — Sim, eu sei disso.
— Ei, Es — digo, andando para frente. — Você está bonita.
Ela revira os olhos e alcança minha mão. — Querida, como eu senti sua falta. Preciso de maquiagem, e Pete, abençoado seja, não sabe nada sobre delineador. Agora pegue minha bolsa ali.
Pego sua bolsa e seu kit de maquiagem, e pelos próximos vinte minutos nós conversamos enquanto eu a maquio. Quando termino, ela se examina no espelho e sorri. — É mais parecido com isso. Agora me diga, aquele seu sexy pedaço de mau caminho está aqui com você?
— Não, Fen tinha alguns negócios para cuidar.
Pete enruga o nariz. — Ela trouxe o outro. Asher.
Es levanta uma sobrancelha. — Aquele de terno sexy e alto? Ele não é tão ruim também. Mas tenho a sensação de que você é toda Fen hoje em dia, não é?
Eu sorrio. — Gosto muito dele.
Pete franze a testa. — Eu gostaria de tê-lo conhecido. Este aqui eu não tenho tanta certeza. Tenha cuidado com ele.
Ele está mais certo do que imagina.
— Asher não me machucaria — digo. E eu acredito.
— Se Pete está preocupado, não ignore isso — diz Es, em seguida, boceja. — Oh senhorita, meus remédios estão entrando, crianças. Acho que não poderei ficar acordada por muito mais tempo. — Ela olha para mim. — Faça um pouco de companhia para Pete, sim?
— Eu vou — digo.
Eu os deixo para dizer adeus e encontro Asher esperando no lobby.
— Podemos, por favor, voltar para casa agora? — implora ele.
— Eu tenho meio dia, lembra?
Asher revira os olhos. — É claro. Talvez meu pai estivesse certo sobre eu ser muito suave.
Sorrio para ele. — Tarde demais. Não há como mudar um contrato feito com uma ex-estudante de direito.
Ele revira os olhos para mim e eu sorrio mais amplamente.
Quando Pete retorna do quarto de Es, eu digo a eles que gostaria de visitar minha mãe antes de irmos embora. Ela está em uma enfermaria diferente e um andar diferente, e Pete e Asher esperam no corredor enquanto eu entro.
O quarto dela é pequeno, mas privado, e ela parece a mesma de antes. Está escuro, as cortinas fechadas, as luzes apagadas para lhe dar descanso. Mas seu quarto cheira agradavelmente, e noto que além das rosas que Fen está enviando, há vasos de orquídeas roxas em vários estados de floração.
Sempre foram as suas favoritas.
Verifico o vaso em busca de um cartão, mas não há. Eu me sento perto dela e seguro sua mão. Como começo a dizer o que passei e o que ainda estou passando? Eu gostaria que ela estivesse aqui agora. Acordada. Viva. Gostaria de poder pedir seu conselho e ouvir como ela faz o complicado parecer muito mais simples com sua lógica de mãe.
Essas são razões egoístas para querer ela de volta, mas ela é minha mãe, e embora eu seja adulta, ainda preciso dela.
Eu sei que ela pode não me ouvir, que nunca será capaz de responder, mas derramei meu coração, e isso ilumina algo dentro de mim.
Estou contando a ela sobre Yami quando a porta se abre. Paro de falar quando um homem entra. Ele é alto, pálido, com cabelos crespos, uma barba preta e uma cicatriz no rosto. Ele segura um buquê de orquídeas roxas.
— Me desculpe — diz ele, recuando. — Eu não sabia que alguém estava aqui.
Estou de frente para ele. — Está tudo bem. Eu estava apenas visitando minha mãe.
Ele arregala os olhos. — Você é filha dela?
— Sim.
— Claro — diz ele. — Eu vejo a semelhança.
O comentário me parece estranho, já que eu pareço mais com meu pai e nada como minha mãe.
— Somos velhos amigos — diz ele. — Sua mãe e eu.
— Eu saberia o seu nome?
Ele balança a cabeça. — Não, provavelmente não.
Inclino a cabeça, estudando-o. Ele parece familiar. — Obrigada por visitá-la. Tenho estado ocupada com o trabalho e não tenho sido capaz de vir tantas vezes quanto eu gostaria.
— Sua mãe iria querer você lá fora, vivendo sua vida. Ela sempre colocava você em primeiro lugar.
Talvez ele conhecesse minha mãe, afinal. Porque ele está certo. Minha mãe sempre me colocou em primeiro lugar. Ela até trocou sua alma para me salvar, e o que eu fiz? Devolvi tudo para salvá-la. Fiz a coisa certa fazendo esse acordo? Ela ficaria triste ou com raiva sabendo que assinei minha alma por ela?
O homem estende as flores. — Eu trouxe estas para ela, mas eu acho que você pode precisar mais delas esta noite. — Ele me entrega o buquê e eu o estudo, fechando os olhos para respirar o doce aroma.
— Obrigada. — Abro meus olhos para falar com o homem, mas ele se foi. Desapareceu como se nunca tivesse aparecido.
Eu poderia facilmente acreditar que imaginei a coisa toda se não fosse pelas flores. Mas por que ele parecia familiar? Algo sobre a gentileza de seu sorriso... E o verde de seus olhos.
* * *
Asher e Pete estão esperando por mim depois que eu digo adeus a minha mãe, mas nenhum dos dois viu o homem que eu descrevi para eles. Asher olha minhas flores. — Ele lhe deu essas?
Eu assinto.
— Curioso — diz ele.
Mas o mistério é colocado em espera enquanto voltamos para o meu antigo apartamento, agora a casa de Pete e Es. Estou impressionada com o que eles fizeram com o lugar. O aquecedor está funcionando de novo, e eles decoraram com lindas obras de arte, tapeçarias e tapetes, transformando a sala de estar em um recanto acolhedor e colorido, as paredes forradas de estantes cheias.
— Eu adorei — digo enquanto afundo no meu sofá, agora coberto por uma manta de tricô roxa.
Pete sorri. — Foi principalmente Es. Ela adora cor.
Asher se senta ao meu lado, admirando o roxo.
Pete fica em frente a nós. — Tenho checado sua mãe regularmente. Como você viu, ela está na mesma.
Engulo um nó na garganta. Com a guerra, com o meu treinamento, com tudo o que está acontecendo, é fácil esquecer por que estou fazendo isso. É tudo por ela.
— Obrigada. Não posso te dizer o quanto isso significa para mim.
Asher joga um braço atrás de mim e cruza uma perna sobre um joelho. — Então, Pete, Arianna aqui me disse que você lê a sorte.
— Sim — diz ele simplesmente.
— Pode ler a minha? Estou morrendo de vontade de conhecer o meu futuro.
Dou uma cotovelada nas costelas dele. — Não seja um idiota — assobio baixinho.
Ele parece ofendido. — O quê? Eu realmente quero saber. Não pode culpar um homem por querer saber o que acontecerá, pode?
Reviro meus olhos para ele, mas Pete já está tirando suas cartas de tarô. Ele pede a Asher para tirar três cartas. — Para o seu passado, seu presente e seu futuro.
Asher tira, e Pete apresenta o passado. O Dez de Pentagrama. Na carta, um velho sábio senta-se confortavelmente em uma cadeira, cercado por sua família.
Pete estuda isso. — Você viveu uma vida longa.
Asher levanta uma sobrancelha e se inclina, levando isso muito mais a sério agora.
Pete vira a segunda carta. Um homem e uma mulher se abraçam. Os Amantes. — Você está suspenso entre dois possíveis cursos de ação. Ambos têm seus riscos. No entanto, você deve escolher um. Indecisão só vai piorar as coisas.
— Bem, isso é simplesmente adorável, não é? — diz Asher.
Eu o calo quando Pete vira a última carta. Uma torre atingida por um raio. Seus olhos arregalam. — A Torre. Você em breve enfrentará um desastre. Seus preconceitos anteriores serão mudados, mas no lugar deles você encontrará uma nova verdade.
Asher parece desconfortável. Ele ajusta o colarinho e verifica o relógio. — Hora de pegar um avião — diz ele, ficando em pé e deixando Pete e eu nos despedir.
Eu abraço meu amigo. — Cuide de Es. Cuidem um do outro.
Ele assente. — Cuide de você — diz ele. Ele se afasta e olha para mim. — Há algo diferente em você, Ari. Você está bem?
Eu quase ri de quão verdadeiras são as palavras dele. — As pessoas mudam, Pete. A vida nos muda.
— Só não perca quem você é por dentro.
* * *
Asher quer voltar para a mansão e ir para casa, mas eu ainda tenho alguma escuridão com a qual brincar, então eu o faço andar comigo. — É hora de você ver como os 99% vivem — digo, arrastando-o pela rua. Uma chuva leve salpica. Carros zumbem e um cachorro late à distância.
— Não quero ver como os 99% vivem, muito obrigado. Prefiro ficar no meu 1% do mundo, qualquer que seja o mundo que eu esteja ocupando.
Balanço a cabeça. — Você vai andar comigo, e nós conversaremos e pegaremos uma bebida, e por algumas horas eu serei a garota que eu costumava ser antes de tudo isso acontecer.
— Muito bem, princesa. Se você insiste.
Coloco meu braço no dele e nós caminhamos. Mostro a ele a minha loja favorita de doces, e o lugar onde vou tomar café. Tudo está fechado, é claro, então vamos para um bar e peço as bebidas mais ornamentadas do cardápio – a minha é virgem, é claro, já que claramente não posso beber segundo a lei neste mundo. Ela tem um guarda-chuva e várias cerejas.
Sentamos do lado de fora, observando principalmente pessoas intoxicadas passando a caminho de casa.
— Sabe, eu devo admitir ter um pouco de inveja — diz ele de repente, enquanto eu tomo minha bebida.
— De quê?
— De você. Suas amizades. Es e Pete, eles são família para você.
— Eles são — admito.
— Deve ser bom, ter pessoas que significam algo. Para mim, todo mundo é uma peça em um tabuleiro para ser manipulado.
Nós terminamos nossas bebidas e continuamos nossa caminhada. O tempo está esfriando, e puxo meu casaco. Sinto falta do peso da minha espada no meu quadril, mas amo usar jeans aqui.
— Essa é uma maneira triste de viver — digo enquanto atravessamos a rua e vamos para um parque. Casais passeiam ao longe. Patos nadam em um lago, caçando qualquer coisa restante de piqueniques.
Paramos perto da água, observando os pássaros.
— Acho que aprendi com meu pai — diz Asher. — Nunca pensei em questionar, mas você tem uma maneira de me fazer ver minha vida de forma diferente.
Eu me viro para ele. Em seus olhos azuis e rosto esculpido. — Certamente nem todo mundo é um peão no seu jogo?
Ele levanta a mão na minha bochecha. — Nem todo mundo.
Ele não é Fen. Mas ele é Asher. Bonito, charmoso, o encantador Asher. Alguém que acredita na paz, que está lutando para tornar esse sonho uma realidade. Ele pode ser a melhor escolha para ser rei. Não devo isso a esse mundo para ver se existe uma faísca?
E então, quando ele pergunta se pode me beijar, eu aceno.
Nossos lábios se juntam.
E é terno. E doce.
E como beijar meu irmão.
Ou seja, se eu tivesse um irmão.
Nós nos afastamos um do outro.
Ele olha para mim de forma estranha. — Nada?
Balanço a cabeça. — Não, na verdade não. Sem ofensa.
— Nenhuma. Foi... Estranho.
Eu rio. — Obrigada.
— Você sabe o que quero dizer — diz ele, cutucando meu ombro com o dele.
— Eu sei. O problema é que eu acho que não sou a pessoa que você deveria estar beijando.
Ele não diz nada, mas sei que estou certa pelo olhar distante em seus olhos. — Há muitas maneiras pelas quais essas coisas podem funcionar — diz ele.
— Sério? Como o quê?
Ele se vira para mim e sorri da maneira mais encantadora. — Casar comigo. Não insistirei em fidelidade. Você pode ter Fen e ainda ser rainha. Escolha um rei que será mais adequado para governar o nosso mundo.
Sufoco uma risada. — Então você se propõe a me compartilhar com Fen? Você já conheceu seu irmão?
Asher esfrega o queixo. — Você está certa. Isso pode não funcionar tão bem na realidade como na teoria.
— Somos amigos, Asher. Bons amigos. Verdadeiros amigos.
— Não... Você só está dizendo...
— Não, Asher. Estou sendo honesta. Então veja, o Príncipe do Orgulho de fato tem um amigo.
Seus olhos brilham. Um toque de lágrimas. Mas apenas por um momento. Ele enxuga o rosto e sorri. — Mas você ainda deve escolher um príncipe para se casar e torná-lo rei. E Fen não deseja governar.
— Mas essas escolhas não têm que ser feitas hoje à noite — digo.
— É verdade, mas elas precisam ser feitas.
— Se há algo que aprendi nos últimos meses, é que é impossível prever o futuro. Você nunca sabe o que acontecerá para mudar as circunstâncias.
Ele suspira. — Isso pode muito bem acontecer, mas contratos com demônios não podem ser quebrados.
Sorrio e puxo meu casaco. — Eu sei.
— Então por que você está sorrindo?
— Porque se há mais alguma coisa que eu aprendi, é que todo contrato tem uma brecha. Mesmo um demoníaco. E vou encontrá-la.
Capítulo 11
NO SEU DESPERTAR
“É barulhento, consumindo tudo, em camadas como um coro. É macio e duro ao mesmo tempo. É gentil e furioso. Não é do sexo feminino ou masculino. Algo mais. Isso me envolve. Ela me abraça e me envolve”.
— Arianna Spero
Quando chegamos ao castelo de Asher, Seri está andando no corredor da frente. No momento em que nos vê ela corre, endireitando seu vestido prateado.
— Houve mais ataques — diz ela. Ela parece mais confiante desde a nossa última conversa. — Wadu destruiu um dos navios mercantes de Zeb, e Riku ateou fogo ao palácio de Niam. Os príncipes estão reunidos no Castelo Principal para votar em um curso de ação.
Asher franze a testa. — Quando?
— Agora, meu senhor.
— Maldito inferno. É melhor que eles não tomem nenhuma decisão sem mim.
— Sem nós — corrijo.
Ele suspira. — Suponho que é melhor você vir junto. Afinal, você está mais segura com um príncipe.
Deixamos o castelo e entramos novamente no barco de Asher. O sol está alto no céu enquanto viajamos para o sul. — Não podemos deixá-los invadir as Terras Distantes — digo fracamente. Fiquei acordada a noite toda, e isso está cobrando um pedágio.
Asher assente. — Concordo. Se passarmos pelas paredes, os druidas reunirão um exército para nos encontrar. Será o caos. Ambos os lados sofrerão. E nossa esperança de paz será apenas um sonho.
Eu me acomodo com minhas mãos, pensando em alternativas. — Talvez possamos oferecer um tratado de paz.
Ele ri. — Meus irmãos não se importam com a paz, lembre-se. — Mais uma vez eu sou lembrada da razão de Asher ser o melhor rei. — E se eles capturarem um dos druidas... Eu rezo para que eles não descubram sobre os Caminhos de Pedra.
As portas de pedra. Os elevadores. O caminho para Avakiri. — Asher, como os vampiros não sabem das portas?
Ele olha para o horizonte. — Quando invadimos Inferna, nós dizimamos tudo em nosso caminho. Os Faes que os conheciam começaram a fugir. Pensamos que eles se retiraram para as Terras Distantes. Na verdade, eles fugiram para Avakiri. Os seus exércitos voltaram para nos encontrar, para tentar recuperar suas terras. Cada soldado jurou guardar segredo. Eles morreriam antes de revelar o propósito das portas. Quando matamos o último dos Alto Fae neste mundo, pensamos que a guerra estava vencida. Mas então meu pai, através de métodos de tortura que mal posso imaginar, descobriu sobre os Caminhos de Pedra. Ele descobriu que os Fae ainda detinham metade deste mundo, ainda tinham exércitos, ainda possuíam fortalezas. Ele não contou a mim nem aos meus irmãos. Optou por nos fazer acreditar que governamos tudo, que ganhamos. No final, ele salvou muitas vidas.
Balanço a cabeça, confusa com Lucian e o que ele me disse na caverna. Metade de suas ações parece gerar guerra, a outra metade, paz. — Entendo como Lucian sabia dos Caminhos de Pedra. Mas como você descobriu?
Ele desvia o olhar.
— Varis — digo, juntando as peças. — Vocês eram amigos. Ele lhe contou sobre as portas.
Ele sorri. — Talvez meu pai tenha me dito recentemente?
— Não. Você sabia andar ao redor do Palácio de Cristal. Em volta da Aldeia de Ar. Você viajou por esses caminhos muitas vezes.
O sorriso dele se torna mais amplo. — Impressionante, princesa. Sabe, às vezes eu me pergunto se quem você escolher terá realmente importância. Às vezes me pergunto se, no final, você governará a todos.
Torres brancas espiam no horizonte. Estandartes de todas as cores voam ao vento. O Castelo Principal.
Alcançamos a margem e nos apressamos para as Câmaras do Conselho. Elas estão escuras, mal iluminadas por tochas azuis. Grandes cadeiras cercam uma mesa redonda. Os banners de cada príncipe caem pendurados atrás de suas cadeiras. Os irmãos já estão lá, gritando um com o outro.
Asher pigarreia, acalmando a sala, e toma seu lugar diante da águia roxa. Eu fico ao seu lado.
Fen olha para cima e sorri. Barão contorna a mesa e cumprimenta Yami e eu, e dou um tapinha na cabeça do lobo.
Levi, com os olhos cansados, o cabelo branco desgrenhado, aponta para mim. — Esse não é o lugar da princesa.
— Ela fica — diz Fen, olhando para seu irmão.
Asher mantém seu rosto sem emoção. — Eu concordo.
Os príncipes trocam olhares nervosos. Ace verifica o relógio em seu pulso e encolhe os ombros. — Ela será rainha um dia. Deixe-a testemunhar a reunião — diz ele suavemente.
Dean faz uma careta. — Não vejo por que ela deveria ser Rainha de qualquer coisa...
— Já chega — geme Niam. — Eu voto para a princesa ficar. Quatro contra três. Agora, por favor, vamos voltar ao assunto em questão.
Zeb acena. — Devemos pelo menos considerar seriamente às palavras do druida — diz ele calmamente. — A guerra vai custar a todos nós.
Dean zomba. — Considerar seriamente libertar todos os escravos? Como isso funcionaria, exatamente?
Levi se reclina em sua cadeira, jogando os pés sobre a mesa. Ele passa os olhos frios pela sala. — Sim, vamos considerar. Como isso funcionaria? Suponho que Dean teria que se banhar novamente, e Ace precisaria transportar todos os materiais para suas invenções à mão, e os nobres de Zeb precisarão cultivar suas próprias plantações. E os senhores de Niam...
— Chega — diz Niam. — Dean e Levi estão certos. Do ponto de vista financeiro, isso nunca funcionaria. Nossa economia entraria em colapso durante a noite. Nossos nobres, até mesmo a classe média, se revoltariam. Lutamos contra os Fae ou lutamos contra nossa própria espécie. Parece uma escolha simples para mim.
— Nós lutamos contra os Fae — diz Levi enquanto saliva voa de sua boca torcida. — Derrotamos os Druidas antes, e podemos fazê-lo novamente.
Zeb levanta um dedo no ar. — Tecnicamente irmão, nós derrotamos os Alto Fae, e os Druidas adormeceram. Como eles poderiam ter retornado se a linhagem de sangue Alto Fae foi morta séculos atrás?
Meu sangue esfria com a conversa deles, e Fen olha para mim, franzindo a testa.
— Alguém deve ter sobrevivido — diz Levi. — O que nos deixa apenas uma escolha. Temos que encontrar o Alto Fae e matá-lo, assim como fizemos antes. Isso terminará esta guerra antes mesmo de começar.
— Concordo — diz Dean. — Atinja a cabeça e a fera cairá.
Isso está indo longe demais.
— E se houver outro jeito? — digo.
Levi zomba de mim. — Você não faz parte deste Conselho, garota.
Fen rosna. — Deixe-a falar.
Levi olha em volta em busca de apoio, mas Ace concorda. — Eu também quero ouvir o que a princesa tem a dizer.
E fico mais ereta ao encontrar os olhos de todos, pelo menos uma vez enquanto falo. — Não sabemos por que o Alto Fae retornou, ou quem ele poderia ser. Talvez os Faes tenham descoberto outra maneira de trazer de volta os druidas. Em vez de apostar em um talvez, por que não trabalhar com o que sabem?
— E o que poderia ser? — pergunta Niam.
— Vocês sabem que os Fae querem que seu povo seja libertado — digo. — Não é um pedido irracional. É um pelo qual vocês estariam lutando se os papéis se invertessem.
Levi tenta interromper, mas Fen o chuta por debaixo da mesa.
Abro um sorriso e continuo. — E se, ao invés de liberar todos os escravos, vocês os transformassem em trabalhadores remunerados? Dê-lhes uma parte dos lucros, ou talvez uma parte da terra. A economia ainda poderia funcionar, com alguns ajustes, e os Fae seriam cidadãos livres. Pode aplacar os druidas. Pode ser o suficiente para uma trégua.
Niam bate na mesa com o dedo. — E se os Fae não quiserem trabalhar para nós quando estiverem livres? Nós os forçamos?
Não tenho a chance de responder antes que Levi expresse suas objeções. — Mesmo que permaneçam, como mantê-los na linha? Como podemos impedi-los de usar sua magia contra nós?
Limpo minha garganta, ganhando a atenção deles. — De onde eu venho, há muitas regras que governam até cidadãos livres. Se aplicarmos os mesmos princípios aqui, podemos determinar algumas coisas: os cidadãos não podem deixar seus reinos sem uma boa razão e aprovação do seu senhor. Eles devem pagar por sua própria moradia e comida, então, se eles quiserem viver, devem trabalhar. Lutar ou usar magia sem permissão é ilegal, e será punido pela prisão ou pior.
Niam e Zeb erguem as sobrancelhas, impressionados. Eles não consideraram isso antes? Os conceitos parecem tão simples para mim...
Mas então eu me lembro da maldição. A maldição que os impede de aprender coisas da Terra. A maldição que os mantém presos em seus jeitos. E pela primeira vez, eu percebo, não estou presa por tais coisas, e isso me dá poder.
Dean franze a testa. — Isso não funcionará. Você não pode mudar um sistema que está em vigor durante séculos sem guerra.
Asher dá de ombros. — Não vejo uma maneira melhor. Considerando que nenhuma de nossas opções é ótima, vamos votar na ideia da Ari.
Levi franze a testa.
Niam assente. — Vamos votar então. — Ele olha para mim, simpatia em seus olhos. — A ideia tem mérito, Arianna, mas isso causaria transtornos. E se os Fae decidirem invadir apesar do que fazemos, nós seremos desfeitos. Eu voto contra libertar os escravos.
Dean se inclina. — As coisas que os escravos fazem no meu reino, os prazeres e entretenimento que proporcionam... Acho difícil imaginar homens livres fazendo tais coisas. Eu tenho que votar contra.
Levi acena com a cabeça. — Eu também voto contra.
Asher limpa a garganta. — O plano de Ari poderia resultar na menor quantidade de derramamento de sangue entre as pessoas. Dou meu apoio.
Fen acena. — Eu nunca sou de fugir da guerra, mas não gosto da morte se ela puder ser evitada. Eu voto favoravelmente no plano de Ari também.
Zeb debate por um momento, mordendo o lábio. — Se eles vão ficar e trabalhar conosco, para nós, então eu também voto a favor da libertação dos escravos.
Todos os olhos se voltam para Ace. Seu voto determinará o futuro. Tudo depende do que ele está prestes a dizer. Se formos à guerra, talvez eu nunca consiga fazer as pazes com os Fae, e os escravos nunca serão libertados. E se eles seguirem a ideia de Levi de caçar o Alto Fae, minha própria vida estará em perigo.
Prendo a respiração e espero.
Ace suspira. — Talvez seja hora dos Fae serem livres. Talvez...
O castelo treme com um estrondo alto. Seguro a mesa, me equilibrando. Os irmãos estão de pé. Ace pula e vira para as janelas atrás dele.
Elas queimam com a luz.
O vidro estilhaça. As paredes se abrem. E lá, no céu da noite, eu vejo fogo.
A Fênix.
Riku.
Tudo acontece em um piscar de olhos.
O espírito ataca com uma garra flamejante, esmagando Ace, fazendo-o voar pela sala. Ele atinge a parede distante com um baque profundo, sua carne queimada rasgada em seu peito e pernas.
Faíscas de fogo pegam os estandartes da parede, incendiando-os.
Eu não penso. Apenas corro para Ace, para ajudá-lo, para afastá-lo do fogo que agora se espalha na sala.
Fen grita para eu parar, mas é tarde demais. A fênix ataca novamente através da parede aberta, batendo no centro, fazendo o teto cair em torno de nós. Eu pulo para frente, fugindo das pedras caindo e arranhando meus joelhos com força no chão de pedra.
A sala está em frangalhos. Uma parede de escombros separa Ace e eu dos outros príncipes. Felizmente, também bloqueou a parede arruinada, mantendo a fênix longe. Através da pedra, fumaça e poeira, ouço o espírito guinchar e os príncipes gritam.
Preocupo-me com Fen, com Asher, com Barão, mas não posso fazer nada para ajudá-los agora. Yami treme no meu ombro quando eu me aproximo de Ace. O fogo se espalhou por toda a sala, um furioso inferno ao nosso redor.
— Ace, nós precisamos sair daqui antes de engasgarmos com a fumaça ou queimarmos vivos.
Seus olhos abrem lentamente e ele concorda. — Me ajude a ficar de pé — diz ele, com a voz rouca e desvanecida. Seu corpo está queimado e sangrando. Sua carne cheira cozida. Imagens de Daison preenchem minha mente. Empurro-as para longe.
Levanto o corpo dele o mais suavemente que posso, mas o homem é mais pesado do que parece e tem pouca força para ficar em pé sozinho. Eu cedo sob seu peso. À medida que avançamos, percebo que não poderei fazer tudo isso por muito mais tempo.
— Yami, você pode ajudar? — sussurro, esperando que Ace esteja fora demais para se perguntar por que estou falando comigo mesma.
Yami pula no meu braço e respira uma explosão de chama azul na minha pele. Ele queima e eu grito, quase soltando Ace, que geme de dor. Olho para o meu braço e vejo uma marca azul escura se formando, uma tatuagem, como a do druida. Sussurro o encantamento para a ilusão e ela desaparece da vista, mas sinto os efeitos da marca. Meu corpo está mais forte, cheio de novo poder. Ergo Ace e avançamos mais fácil do que antes, entrando em um longo corredor.
— Como saímos daqui? — pergunto.
— Não há como descer até a saída daqui. Precisamos atravessar uma ponte para a outra metade do túnel — diz ele. Ele aponta para a esquerda e sigo suas direções até chegarmos a uma arcada prateada do lado de fora. Uma ponte atravessa os dois lados do castelo, de uma torre para outra. Está escuro, os pontos são brilhantes. O chão está bem abaixo. O vento está forte.
Olho para baixo, sobre a borda, tremendo de medo e adrenalina. Se nos depararmos com a fênix, não passaremos por essa ponte. Mas os céus parecem claros. Riku deve estar preocupado com os outros príncipes. Tento não pensar no que isso significa para Fen e Asher. Preciso me concentrar em ajudar Ace, que se desvanece cada vez mais a cada passo.
Resmungo um encantamento sob a minha respiração, esperando nos tornar invisíveis. Olho para Ace. Ele não está invisível, mas translúcido. Eu também estou. Pelos Espíritos, isso é difícil. Bem, pelo menos seremos mais difíceis de ver à distância.
Dou um passo à frente, sustentando Ace contra o meu corpo.
Outro passo.
Uma rajada de vento quase me derruba, mas mantenho meus pés plantados. Respirações profundas. Um passo de cada vez. Um passo de cada vez, Ari. Vamos devagar, mas chegamos à metade do caminho. Só um pouco mais. Assim que chegarmos, posso encontrar curandeiros para Ace. Posso salvá-lo.
— Eu vejo você, garota. — Uma voz ruge acima. Oren, o Druida de Fogo.
Examino os céus. A fênix irrompe de trás de uma torre, nos circulando como uma presa. A voz de Oren sai de dentro do espírito. — Deixe o príncipe e não lhe causarei nenhum dano.
— Não!
— Que assim seja.
A fênix mergulha e o chão treme.
Eu caio de joelhos, soltando Ace.
O espírito está diante de mim, enorme, envolto em chamas. Quando respira, o próprio ar arde com a sua luz.
A luz de suas asas transforma a noite em dia, cegando meus olhos. Mas de dentro da forma do pássaro eu vejo a sombra de um homem. Oren. Ele está lá. Fundido com seu espírito.
Sua voz é baixa, poderosa, reverberando através de mim. — Deixe o príncipe ou você também pagará.
Eu me levanto, colocando-me entre Ace e o espírito, e levanto minha espada. Eu vou lutar. Não sei como vou ganhar. Mas não abandonarei Ace, que fala gentilmente, que pensa em liberdade, para essa criatura de guerra.
A fênix dá um passo à frente, sacudindo a ponte. — Muito bem, então. — Ele levanta uma garra.
E então Yami faz um som que eu nunca ouvi.
Um rugido tão alto que os ventos parecem parar em seu rastro.
Ele pula do meu ombro e para o ar.
E se transforma em pó.
Oren ri dentro da Fênix. — Até Yami abandonou você. Agora não há razão para você viver, princesa. — Ele cospe o título como um insulto.
Meus olhos ardem de lágrimas. Eu sei que vou morrer e Ace também. Mas não cairei suavemente. Eu vou lutar. Lutarei até que não possa levantar minha espada. Até que não consiga abrir meus olhos. Eu vou lutar até o fim.
Dum spiro spero.
Enquanto respiro, eu tenho esperança.
E eu ainda respiro.
Algo chama a minha atenção. Acima, entre as estrelas, surge uma forma gigante. Eu já vi isso. Eu vi isso na Escuridão.
Ele explode em nossa direção.
Ele cai atrás de mim como um trovão. E a ponte quase cai com o peso, despedaçando com as rachaduras. Vislumbro a besta nas minhas costas. Olhos como estrelas. Pele como a meia-noite.
Yami.
O dragão ruge.
E tudo se desvanece.
O calor.
O vento.
O medo.
Não há nada além desse som. Nada além da escuridão.
O dragão passa sobre mim. Direto na fênix. Ele rasga o pescoço do pássaro com suas mandíbulas. Oren uiva de dor. E as duas feras caem da ponte. Eles torcem no céu. Fogo e escuridão, rasgando um ao outro.
Sussurro uma oração pelo meu doce e pequeno Yami. Por favor, fique bem. Por favor.
E levanto Ace, puxando-o através da ponte.
Este lado do castelo não foi tocado pelo fogo, e pergunto a Ace aonde vamos em seguida. Ele não diz nada e percebo que ele ficou inconsciente. Ele está muito pálido, muito indiferente. Ele perdeu muito sangue. Preciso encontrar um lugar para ele descansar.
Atravesso os corredores até chegarmos ao que parece ser o alojamento dos empregados. A cozinha está vazia e levanto o corpo de Ace para a grande mesa no centro, examinando suas feridas. Elas são ruins, piores do que percebi. Eu rasgo parte de suas roupas em tiras para fazer torniquetes para os ferimentos ainda sangrando, depois procuro por uma faca e corto meu pulso, permitindo que meu sangue pingue em sua boca. Levo a cabeça para ajudá-lo a engolir.
Ele engasga e bebe. Deixo que ele se alimente até eu me sentir tonta e sei que devo parar antes de desmaiar também. Afasto minha mão. O sangue deve ajudar, mas ele não acordou, então eu faço o meu melhor com a pequena quantidade de conhecimento e suprimentos aos quais tenho acesso.
Busco ervas e cremes na cozinha e encontro a lavanda esmagada usada para o chá. Perfeito. Transformo a erva em uma pomada o mais rápido possível e esfrego sobre suas queimaduras, depois encontro outra erva, folha da lua, única neste mundo, que anestesiará suas feridas e colocá-lo para dormir.
Eu lhe alimento com a erva e ele se mexe, abrindo os olhos. — Eu vi uma coisa ali na ponte — diz ele por causa da febre. — Estrelas. Meia-noite. Eu já vi isso antes...
— Shh... Você está cansado e fraco. Vendo coisas — sussurro. Há medo na minha voz. Se ele souber o que eu sou, quem sou, ele será um perigo para mim.
Os olhos ficam claros por um momento e ele pega minha mão, sorrindo. — Não se preocupe, Princesa. Eu te devo minha vida. Além disso, é você quem me assusta... — Seu sorriso desvanece e ele cai num sono agitado.
Capítulo 12
A VERDADE
“Um cálice continha vinho envenenado. E como meu pai respondesse às minhas perguntas, determinava que cálice ele receberia.”
— Fenris Vane
Uso um pouco de sangue do meu pulso para desenhar a marca de Fen no chão. Com sorte, ele nos encontrará logo.
Eu gostaria de ter uma maneira de chamar Yami para mim tão facilmente. Sei que ele não pode morrer enquanto eu viver, mas isso não significa que ele não pode ser ferido.
Fecho meus olhos e tento meditar, tento alcançar Yami, mas estou muito cansada, dolorida e distraída para focar. Ace geme em seu sono, e corro para o lado dele para checá-lo, mas minhas habilidades médicas são rudimentares, na melhor das hipóteses. Ele precisa de um curandeiro de verdade, não de qualquer um.
Enquanto espero a cavalaria chegar, coloco lenha na lareira e atiço o fogo de volta à vida. Podemos ter quase queimado até a morte, mas esta sala está fria. Ace ainda está respirando de forma irregular, e considero dar-lhe mais do meu sangue quando Fen entra, parecendo machucado nas extremidades, mas muito vivo.
— Senti a marca me chamando — diz ele, me puxando em um abraço. Ele está com sangue, queimado e coberto de fumaça, mas não me importo. Eu me afasto apenas o suficiente para beijá-lo. Ele faz uma pausa, assustado por um momento, e então suas mãos me apertam, uma mergulhando na parte inferior das costas e a outra subindo até a base do meu pescoço para me puxar para mais perto.
Ele tem gosto de fumaça e aquele sabor amadeirado que é tudo Fen. O beijo se aprofunda e eu me perco.
Termina cedo demais. Há coisas maiores que exigem nossa atenção, mas enquanto o espaço entre os nós cresce e o calor de seus lábios me deixa, sinto falta disso. Eu sinto falta dele.
— O que aconteceu após a sala desabar? — pergunto.
— Nós lutamos contra a fênix — diz ele. — Ela voou para trás do castelo. Da próxima vez que o vi, ela estava caindo no céu, fora de controle. Depois de um momento, ela pareceu se recuperar, então voou para longe, uma de suas pernas contorcidas.
Dou um suspiro de alívio. Feliz por Yami ficar invisível para todos, feliz por ele ter ganhado a batalha contra Riku e Oren.
Fen solta minha mão e caminha até Ace, estudando suas feridas. — Ele precisa de curandeiros — digo. — Dei a ele sangue e fiz o melhor que pude com o que eu sei, mas não é muito.
Fen olha para cima. — Seu sangue?
— Não — digo sarcasticamente —, dei a ele o sangue que carrego na minha bolsa para ocasiões especiais. Sim, meu sangue. O que mais?
Fen balança a cabeça. — Ele saberá quem você é agora.
Eu aceno. — Ele sabe, mas não dirá nada. Eu confio nele.
Fen levanta uma sobrancelha. Ele começa a falar quando Seri chega. Ela usa o vestido prateado apertado que Asher escolheu, mas seus pés estão nus. Ela deixou os sapatos para trás para se apressar. Uma bolsa de couro cheia de loções e poções descansa de seu quadril, e imediatamente começa a trabalhar em Ace.
Alguns instantes depois, os príncipes restantes entram na sala. Eles discutem entre si, sobre os escravos, sobre a fênix, suas vozes ásperas preenchendo toda a cozinha. Fen assobia para calá-los.
Eles não o fazem.
Mas quando eles veem Ace deitado na mesa parecendo perto da morte, eles se calam. Levi, em particular, parece triste. Ele caminha até Ace e acaricia sua testa. — Como ele está?
A guardiã olha para cima, uma mecha de cabelo azul caindo em seus olhos. — Não é bom. Ele está vivo, mas suas feridas são profundas, mesmo para um Caído. Só o tempo dirá. Agora eu preciso levá-lo para a enfermaria.
Levi se inclina e sussurra no ouvido de Ace tão suavemente que não consigo ouvir as palavras. Então ele beija o irmão na testa e se vira para os outros. — Não devemos deixar que isso fique impune.
Zeb, Niam, Dean e até Fen concordam. Asher parece cauteloso. — O plano para libertar os escravos ainda é bom — diz ele.
— Não — diz Fen, raiva queimando em seus olhos. — Nós vamos para a guerra. O tempo para a paz passou.
Meu coração cai. Fen sabe quem eu sou. Como ele pode querer atacar os Fae? Mas então eu olho para Ace inconsciente. E lembro que o Príncipe da Guerra lutará e morrerá por aquele que ele ama.
* * *
Ace é transportado para a enfermaria do Castelo Principal e deixado aos cuidados de Seri, enquanto o resto de nós se reúne na sala do trono: um gigantesco salão de pedra branca, estéril e cheio de ecos. Os irmãos fazem um plano. Todos nós viajamos para o norte, parando em cada reino, reunindo forças. Quando os vampiros ouvem o que aconteceu com o Príncipe Ace, eles se juntam ao exército ansiosamente. Aqueles que hesitam ainda devem fidelidade a seus senhores. Nossos números crescem. Centenas. Milhares. Depois de três dias, chegamos a Stonehill, o castelo mais próximo das Terras Distantes. O castelo de onde os príncipes do inferno vão guerrear.
O tempo todo, Barão fica ao meu lado e procura por Yami. Enquanto nos sentamos no meu quarto em Stonehill, a lareira crepitando, ele geme e fareja meu cabelo, como se o dragão estivesse escondido lá. Eu acaricio sua cabeça.
— Eu sei, garoto. Eu sei.
Parece que estar longe de Yami incomoda a nós dois. Talvez Varis saiba para onde meu o dragão foi. E se ele tiver voltado para Castelo Principal, mas não conseguiu me encontrar? E se ele retornar ao Palácio de Cristal e esperar por mim sozinho? Os pensamentos e perguntas giram em minha mente até que não consigo pensar direito.
Sou grata pela distração quando alguém bate na minha porta. — Entre.
Fen entra e meu coração dispara um pouco. É tão estranho, como a visão dele faz meu corpo suspirar de felicidade, mesmo no meio da guerra e do medo.
Tento não pensar em como não podemos ficar juntos.
Como meu destino e o dele são inteiramente opostos.
Como ele quer guerra quando eu quero paz.
Como ele não deseja ser rei e eu devo ser a rainha deste reino e o dos Fae.
Em vez disso, eu respiro fundo, sorrio e dou um tapinha no tapete ao meu lado, e ele se senta, seu corpo comprido se dobrando no espaço enquanto pressiona contra mim.
Inalo o cheiro dele e aproveito o calor da sua pele contra o meu braço.
Permaneço neste momento, onde estamos juntos e não há sangue, luta ou morte. Apenas nós, um fogo, um lobo e nossos sentimentos.
Mas esses momentos são feitos de sonhos, e sempre é preciso acordar.
— Não posso ficar muito tempo — diz Fen. — Eu devo preparar minhas tropas para a guerra. Nós marchamos amanhã ao raiar do dia.
Deito minha cabeça em seu ombro, encarando as chamas dançantes. — Por favor, não lute. Por favor, não vá para a guerra contra os Fae.
Ele beija o topo da minha cabeça. — Eu sinto muito, Arianna. Mas o Conselho decidiu, e concordo com essa decisão. Os druidas quase mataram meu irmão e ele ainda pode morrer. Eles devem pagar pelo que fizeram. Eles não vão parar até que sejamos destruídos, você não vê isso?
— Não é preto e branco — digo. — Violência só criará mais violência.
Fen balança a cabeça e levanto a minha, olhando em seus olhos azuis.
— Eles mataram Daison — diz ele. — Por que você se importa tanto com a paz com eles? Por que é sua espécie? Eu sei que você tem o sangue deles, mas o que isso significa? Eles sequestraram você. Eles mataram aqueles que você ama. Eles não são o seu povo.
Abro minha boca, preparada para dizer a ele que nem todos os Fae são como ele imagina. Que há bondade neles. Amor. Bondade. Que eles estão sofrendo e com medo. Que o mundo deles foi destruído e eles estão com raiva e querem que seu povo seja libertado. Que nem todos os druidas querem guerra.
Agonia me agarra.
Caio da minha cadeira, agarrando minha garganta. Mas ainda não desisto. Preciso que ele saiba, que compreenda. Então eu continuo tentando, através da dor, através da asfixia, até o sangue escorrer da minha boca e eu estou tossindo.
Fen me pega quando meu corpo convulsiona. — O que é, Arianna? O que está acontecendo?
Barão chora e lambe meu rosto.
Tento dizer a ele, e a dor piora. Meus pulmões queimam. E então finalmente paro de tentar.
Os sintomas diminuem, me deixando exausta e coberta de suor.
O rosto preocupado de Fen se torna mais sombrio, mais sinistro, à medida que a verdade desponta. — Quem? — rosna ele. — Quem fez você assinar outro contrato?
Capítulo 13
KARASI
Asher
"Estou feliz que você pelo menos ache que eu sou sexy".
— Asher
Tudo se transformou em uma confusão sangrenta e eu, é claro, preciso encontrar uma maneira de consertar isso antes que meus planos vão para o inferno.
Naturalmente, isso significa voltar para Akaviri e tentar negociar uma trégua. Agora, como impedir meu irmão de travar a guerra, essa é outra questão bestial que eu terei que resolver mais tarde.
Mas quando vejo Fen avançando em minha direção, endurecido pela raiva, sei que não escaparei dos Reinos ileso pelos pecados do passado.
Seu punho faz contato com meu rosto e tropeço para trás, esfregando minha mandíbula. Por que ele é muito mais forte do que todos nós, eu me pergunto, não pela primeira vez. — Isso deixará uma marca, irmão — digo. Nós estamos em um frio salão de pedra, as janelas escuras, as tochas azuis se apagando. O lobo não está aqui, felizmente. — Mas você não precisa ser tão dramático. Foi apenas um beijo amigável. Nada aconteceu. Você capturou muito bem o coração dela.
Os olhos de Fen se arregalam e o punho aperta novamente. — Você a beijou?
Inferno. — Pensei que se tratasse disso. Não?
— Agora é — diz Fen, balançando novamente. Pelo menos ele deu o golpe na outra bochecha. Marcas correspondentes e tudo mais. A simetria é um belo toque.
— Se isso não era sobre o beijo, então o quê?
— Você fez Ari assinar outro contrato!
— Certo. Isso. Como você descobriu? — Esfrego minha mandíbula e a estico.
— Ela tentou me dizer algo e quase se matou. Eu percebi o resto sozinho.
Garota forte, aquela. Pena que não posso ter uma boa luxúria por ela. Seríamos um esplêndido casal e fabulosos governantes desse reino atrasado. Mas, infelizmente, ela não estava errada em me acusar de ansiar por outra. Ela não estava totalmente certa, mas não estava errada.
Fen pega meu colarinho e me levanta no ar.
— Calma, você vai bagunçar a roupa. — Tento ficar indiferente, mas o Príncipe da Guerra está em busca de sangue. Meu sangue. É difícil não levar isso a sério.
— Eu vou matar você, Asher. O que você fez com ela e por quê?
Nunca vi Fen com raiva. Ele levanta um punho.
— Foi nosso pai! — digo finalmente.
Isso o congela e ele me solta. Eu uso a pausa para tirar as rugas da minha lapela.
Seus olhos se arregalam. — Nosso pai? Mas como? Ele está morto.
— Ele não está morto — digo. — Ele sobreviveu ao veneno. Mas sabia que o que ele queria, o que ele planejava, nunca funcionaria como as coisas estavam, então ele se juntou aos Fae e se tornou aliado, fingindo a própria morte no processo.
— Ele está ajudando os Faes esse tempo todo? — Fen dá um passo para trás.
Eu assinto. — Ele orquestrou o sequestro de Arianna, organizou o ataque contra você. Eu a salvei, mas ela já havia assinado um contrato para não revelar os planos dele. — Uma pequena mentira, aquilo.
— Por quê? Por que você não me contou a verdade, Asher? Eu confiei em você.
Eu bufo. — Você confiou em mim? Realmente? Foi por isso que você envenenou nosso pai e depois fingiu estar chocado quando ele morreu? Foi por isso que você realizou uma investigação fictícia sobre a morte dele quando soube o tempo todo quem era o responsável?
— Você sabia?
Eu concordo. — Eu vi você naquela noite, saindo do quarto dele. Esperei você me contar a verdade, mas você não disse nada. Então... Por que eu não contei? Porque ele era nosso pai, e você o machucou. Eu vi como a ideia da morte dele doía em você, e eu queria que você sentisse aquela dor um pouco mais.
Fen aperta a mandíbula e o punho simultaneamente, os olhos ardendo de raiva, e então todos os sentimentos de raiva se esvaziam. — Aquilo nunca foi feito para matá-lo. Aquele veneno era para apenas subjugá-lo enquanto eu tentava descobrir seus planos antes que ele arruinasse o nosso reino.
— Você não vê, irmão? — Olho para Fen, o irmão que eu sempre amei mais que os outros. Em quem eu mais confiei até recentemente. — É você quem arruinará nosso reino, se persistir nesta guerra.
Ele não diz nada.
Eu me viro e vou embora, deixando Fen sozinho para chafurdar em sua dor.
Não tenho tempo para mimar o Príncipe da Guerra.
Quando tenho certeza de que não estou sendo seguido, faço meu caminho através dos bosques cobertos de neve, correndo para economizar tempo, até chegar à caverna com os Caminhos de pedra.
Ele foi ativado com sangue Fae, conforme o pedido, e rapidamente caminho para o outro lado do mundo, onde Varis, Madrid e Durk esperam no dilapidado Palácio de Cristal. Lucian também está lá. Parece que ele voltou de qualquer negócio que tivesse.
Eles estão em volta da mesa de jantar, bebendo e conversando quando chego. Conto a eles o que aconteceu, e eles franzem a testa.
— Então a guerra chegou — diz Varis, com os ombros pesados. — Devemos considerar os planos com os Fae. Se os Druidas perderem esta batalha, os Fae nunca se recuperarão. Isso significará o fim de nossa espécie.
Meu queixo endurece. — E se os príncipes perderem, então nossa raça nunca se recuperará!
Meu pai se levanta e bate na mesa com a mão. — Ainda há uma maneira de garantir a paz.
Como assim, novamente, Lucian agora está atrás de paz? Depois de tantos anos de amarga guerra, escravidão e egoísmo? Ah, certo, ele nunca me disse por quê.
Ele ainda é um gigantesco idiota.
— Talvez a paz seja um mito — digo. — A fantasia de uma criança. — Aponto para o meu pai. — Os druidas quase mataram seu filho. Ele está morrendo nos Sete Reinos enquanto nos sentamos aqui falando de trégua. Como meus irmãos perdoarão os Fae?
Varis se levanta e anda pela sala. Ele leva a mão ao pescoço. Ah, um gesto que reconheço. Ele está particularmente estressado. Seus músculos saltam da tensão reprimida. — Não apoiarei os demônios que destroem os Fae — diz o druida. — Devo proteger o meu povo acima...
— Acima de tudo! — digo, minha voz muito alta. — Eu ouvi tudo isso antes. Você fala em se juntar às nossas espécies, mas você sempre está do seu lado.
Varis se aproxima e coloca a mão no meu braço, mas eu a retiro. Raiva ferve em mim. Eu não deixarei isso acontecer novamente. Não serei traído de novo.
Antes de dizer ou fazer algo incrivelmente estúpido, abro a porta e fujo para os corredores. Encontro uma grande varanda com vista para as montanhas. A brisa da noite esfria meu rosto quente. Eu olho para a lua cheia e um céu cheio de estrelas. É de tirar o fôlego, mas não o suficiente para me distrair.
Sei que ele está lá antes de eu sentir sua mão no meu ombro. — Asher...
Eu viro para Varis. — Não. Eu tenho algo a dizer. Algo que guardei dentro de mim por séculos. E você vai ouvir.
Varis, sabiamente, não discute.
E as palavras de repente ficam presas na minha garganta. De pé aqui, ao luar, com ele tão real, tão vivo, tão perto. É fácil esquecer a dor. A traição. Mas eu não vou. Não posso. — Como você pôde? Como você pôde me trair todos aqueles anos atrás? Trair todos nós? Nosso povo? Nós tínhamos um plano. Falaríamos com meu pai e a Rainha Fae. Nós diríamos a eles que nosso povo poderia viver em paz. Que poderia acontecer, por que... — A emoção me inunda e pego a mão de Varis, acariciando-a. — Porque aconteceu conosco. Nós íamos mostrar a eles que nosso povo poderia viver junto. Poderiam amar uns aos outros. Porque nós nos amávamos.
Eu me afasto dele, soltando a mão dele, uma lágrima ameaçando escapar do meu olho. — Eu estava errado?
— Não — diz o druida suavemente. — Você não estava errado, Asher.
Olho para cima de novo, e vejo seus olhos brilhando ao luar. — Então por quê? — pergunto. — Por que nós fomos atacados pelo seu povo quando a reunião começou? Por que você levou minha família para uma armadilha? Minha irmã morreu naquele dia, por sua causa.
Seu belo rosto contorce-se de tristeza. — Asher, eu não consegui parar a Rainha. Ela descobriu sobre nós, sobre nossos planos. Ela armou a armadilha.
— Por que você não me avisou, Varis? Por que você deixou minha irmã morrer? — Faz anos que pensei em Maya, desde que me deixei lembrar a garota que trouxe tanta alegria a uma família cheia de homens.
Varis afasta o olhar, envergonhado. — Pensei que o plano da Rainha funcionaria, e... Nosso plano? De nossas pessoas vivendo juntas pacificamente? Eu... Não acreditei então. Não verdadeiramente. Mas... — Ele se vira para me encarar novamente. — Mas acredito agora. Eu estava errado na época. Quando vi o que aconteceu com Maya, quando vi a dor e a traição em seus olhos, eu sabia que havia cometido um erro terrível. Eu sabia que você nunca me perdoaria.
— Você lutará amanhã contra minha família? — pergunto a ele.
Varis não desvia os olhos dessa vez. — Sim, mas não para matar. Lutarei para conter a guerra até que os demônios se rendam. Então eu terminarei a batalha. Nenhuma vida será sacrificada desnecessariamente.
Eu aceno. É mais do que poderia ter esperado, embora não seja o que eu quero. — Farei o mesmo então. Mas estaremos em lados diferentes.
Eu me viro para sair, mas Varis pega minha mão e me puxa para ele. Ele toca meu rosto suavemente. — Não importa o que aconteça amanhã, Asher, você é, e sempre será, meu Karasi. Espírito do meu coração.
Capítulo 14
A ESCOLHA
“Este mundo não se importa com nada”.
— Arianna Spero
Fogo está em todo lugar. Enchendo a minha visão, lambendo minha pele como demônios famintos, queimando minhas narinas. A fumaça obscurece minha visão e tropeço em um corpo. Estou com medo de olhar para baixo, porque sei o que vou ver. O que sempre vejo.
Daison. Ele está preso sob os troncos queimados. Ele está morrendo. Eu puxo e puxo, mas não consigo salvá-lo. Não consigo salvá-lo.
Seu rosto se transforma e agora ele é Ace, seu peito desmoronando devido as queimaduras, sua pele pálida pela perda de sangue, seu corpo carbonizado. Rasgo meu pulso e jogo sangue em sua boca, mas ele não acorda.
Enquanto encaro horrorizada, suas feições mudam, e estou segurando Fen. Fen, que está morrendo. Que está queimando. Abro meu outro pulso. Eu sangro e sangro, mas nunca consigo salvá-lo.
Nunca consigo salvar nenhum deles, não importa quanto sangue eu dê.
* * *
Meu coração martela no meu peito e acordo com um sobressalto, ofegando no frio e no ar da noite. Checo meus pulsos. Eles não estão cortados. Um ainda está enfaixado, mas está curando. Eu não estou morrendo.
Mas Daison está morto.
Ace pode morrer.
E Fen.
Fen precisa viver.
O vento muda no meu quarto e noto uma silhueta na minha janela. Uma pessoa. Saio da cama e pego Spero, segurando minha espada firmemente enquanto caminho até a figura espreitando no escuro.
— Metsi. — Eu a reconheço da apresentação, embora não a tenha visto desde então. Sua pele escura brilha sob a luz da lua, e sua serpente se enrola em seu pulso direito, aplacada por agora. — Você veio para me matar em meu sono?
— Meu irmão, Oren, me disse o que você fez, convocando a Estrela da Meia-Noite. — Sua voz é cadenciada, suave, sotaque irlandês soando em sua cadência, carregando o vento.
Meu coração pula. Ela sabe se Yami está bem?
— Não é tarde demais — diz ela. — Você ainda pode ficar do lado do seu povo. Lute conosco, Princesa. Lute conosco e nos ajude a salvar os Fae.
Sinto a atração de seu apelo, mas vejo em minha mente o que isso significaria. Vejo Daison morto. Ace morrendo. Vejo Fen... Sangrando. — Não — digo —, não posso. Eu não vou.
Seu rosto endurece, sua serpente levanta a cabeça e assobia para mim. A chuva começa a cair do lado de fora. A luz pisca. — Então você lutará pelos demônios? Você vai causar a aniquilação do seu povo?
— Não — digo novamente —, lutar não é a resposta. Enquanto ambos os lados continuarem a buscar sangue por causa dos pecados do passado, eles irão destruir um ao outro. Isso nunca acabará.
Ela inclina a cabeça careca, suas tatuagens tribais captando o luar. — Agora é a única escolha que temos. Você deve escolher, Princesa Arianna. Deve escolher quem você é. Você é a Estrela da Noite, enviada para salvar seu povo? Ou é um peão dos demônios, ajudando-os a matar e escravizar nossa espécie? Quem você será?
Suas palavras se desvanecem e seu corpo se transforma em névoa, desaparecendo na noite.
Volto para a minha cama e sento na beirada, tremendo de nervosismo e medo. Não sei qual caminho é o certo, mas tenho certeza de que todos os que me foram apresentados até agora estão errados.
A chuva cai. O raio e o trovão param. Tento voltar a dormir, mas isso não acontecerá. Não consigo acalmar minha mente ou descansar meu corpo. Continuo olhando para minha janela, esperando por outra visita, outro ataque.
Então eu puxo meu robe, saio do meu quarto e pelo corredor até os aposentos de Fen. Eu bato, mas ele não responde. Quando abro a porta, o quarto está vazio. Desapontada, eu entro de qualquer maneira e rastejo em sua cama. Cheira como ele, e por enquanto, isso terá que ser o bastante.
* * *
Não percebo que adormeci até que seus braços me envolvem.
Eu me viro para encará-lo, colocando minhas mãos em seu rosto. — Fen.
— Você está bem? — pergunta ele. Ele me puxa para mais perto de seu peito, seu braço em volta de mim, sua mão grande espalmada contra as minhas costas.
Eu amo seus olhos, amo olhar profundamente para eles, me perdendo no penetrante azul cobalto. — Isso é algo que você teme tanto que o mantém acordado à noite?
Ele fecha os olhos, depois os abre devagar. — Perder aqueles que eu amo. — Seu braço flexiona, me apertando em um abraço protetor.
Minha respiração fica rasa. — Fen... Eu... Há muito que eu quero te contar, mas não posso.
Ele traz o dedo aos meus lábios, acariciando-os. — Eu sei. Asher me disse. Eu sei que você foi forçada a outro contrato. Sei que meu pai está vivo e por trás de tudo isso.
Mas ele sabe sobre a Estrela da Meia-Noite? Ele conhece os planos que eles têm para mim? Não posso perguntar. Mas estou feliz que esse segredo não seja mais um muro entre nós.
— Quando cheguei ao Inferno — digo —, eu não esperava que fosse isso... Bonito. Mágico. Eu não achava que encontraria amigos. Família. Amor. — Prendo minha respiração na última palavra, esperando, mas ele apenas assente, me encorajando a continuar.
— Eu me sinto dividida entre dois mundos. E nenhum deles, bizarramente, é o mundo em que nasci. Mas há uma coisa pela qual não estou mais dividida. Não mais.
— O que é? — pergunta ele suavemente, sua respiração acariciando meu rosto.
— Meus sentimentos por você.
— Ari...
— Não, me deixe terminar. Há muita coisa que não posso dizer, mas eu posso dizer isso. Fen, eu não sei como essa guerra acabará, ou quem se tornará rei, ou quem deve ser o rei. Não sei o que acontecerá com... — Minha garganta se contrai quando eu quase cruzo uma linha falando sobre os Fae. Acho que não precisamos estragar outro momento com um de nós vomitando sangue novamente. — Com outras coisas que não serão nomeadas.
Seus lábios se contorcem.
— Mas eu sei que até mesmo uma vida imortal é muito curta para ignorar o coração. Sei que não consigo tirar você da minha cabeça, e que o pensamento de qualquer coisa acontecer com você quase me mata. Sei que eu daria qualquer coisa para impedi-lo de ir à guerra amanhã, e não apenas porque estou preocupada com... As coisas. — Eu respiro fundo, mas antes que eu possa terminar meu discurso, Fen fecha aqueles poucos centímetros entre nós e me beija. É um beijo gentil. Suave. Caloroso. Delicado.
— Ari — diz ele contra meus lábios. — Eu te amo. Nunca me importei com ninguém tão profundamente ou verdadeiramente como você. E não posso imaginar perder você também.
Lágrimas queimam meus olhos. Eu me aproximo nele, beijando-o novamente. Após um momento, me afasto para olhar nos olhos dele. — Eu também te amo, Fenris Vane.
Ele acaricia meu rosto com os dedos. — Não sei o que o futuro reserva também, mas vamos resolver isso de alguma forma.
Naquela noite, eu durmo em seus braços, na segurança de nossos sentimentos reconhecidos, por mais desconhecido que seja nosso futuro.
Quando a manhã chega, algo lambe meu queixo. Eu abro meus olhos. — Barão?
Meu bebê dragão, agora pequeno novamente, olha para mim com grandes olhos escuros. — Yami!
* * *
Fen e eu ficamos em seu quarto o máximo que podemos naquela manhã, e embora ele ainda não possa ver Yami, acho que ele está começando a descobrir que o comportamento estranho do Barão tem um propósito. Eu, claro, não posso contar a verdade, mas estarei forçando Asher a terminar meu contrato o mais rápido possível. E não assinarei outro que envolva segredos e dores físicas.
— Gostaria de se juntar a mim em Stonehill hoje? — pergunta Fen quando nos dirigimos ao café da manhã. — Preciso verificar os soldados antes da batalha.
— Eu adoraria. — Tento me concentrar em estar com Fen, e não na guerra que estamos prestes a lutar.
Asher está terminando o café da manhã quando entramos no refeitório com o Barão a nossos pés. — Aí estão vocês — diz ele, se levantando e enxugando os lábios com um guardanapo de pano. — Estão preguiçosos, não é?
Eu bufo e sento para comer. Acho que estou faminta depois de tudo.
— Você gostou do café da manhã? — pergunto a Asher.
— Bastante. Mas estou precisando de sangue. Os outros rapazes e eu estamos ficando inquietos. — Ele se vira para Fen, que se senta à minha frente. — Onde podemos encontrar uma nova fonte em seu reino selvagem?
Fen olha para ele. — Você sabe que eu limito esse tipo de coisa aqui, Asher. Faça o devido com os animais.
Asher faz uma careta. — Que chocante. Vocês vivem como selvagens. Como você aguenta, querida Ari?
Dou de ombros. — Eu não bebo sangue.
Ele ri. — Ainda não, pelo menos.
Asher sai antes de Fen ficar mais irritado, e sorrio. — Vocês se amam. Você deveria ser mais gentil.
Fen olha para cima, estreitando os olhos. — Ele beijou você.
Quase engasgo com o meu suco. — Ele te contou?
— Sim.
— Então ele também deve ter dito que não significou nada. Foi como beijar meu irmão, se eu tivesse um. Além disso, tenho quase certeza de que não sou o tipo dele.
Fen franze o cenho. Comemos rápido e caminhamos até a cidade. O exército montou um acampamento do lado de fora das muralhas, não há espaço suficiente dentro. Barão trota entre nós, parecendo muito feliz por estarmos juntos novamente. Yami anda nas costas dele e ocasionalmente voa sobre o lobo, fazendo Barão latir e perseguir o bebê dragão.
Fen só olha para mim estranhamente, e faço um movimento como se fechando meus lábios. Ele franze a testa, mas não força.
Caminhamos até a periferia da cidade, até a maior cachoeira de cristal, a que bloqueia a passagem secreta de Stonehill.
Esfrego o anel no dedo, o que Fen havia projetado para mim. — Eu o uso o tempo todo. Faz-me pensar nesse lugar. Em você.
Nós ficamos ao lado da água, cristais pegando raios de sol, lançando cor e luz por toda parte.
— Não preciso de um anel para pensar em você — diz ele. Ele me beija, e é um beijo demorado. Quando se afasta, eu suspiro. — Eu devo checar os soldados. Vamos sair em breve.
— Eu me preocupo com você. Se alguma coisa acontecer...
Eu toco seu peito e ele cobre minhas mãos. — Eu sou o Príncipe da Guerra. São os Fae que deveriam estar preocupados.
Capítulo 15
O QUE É IMPORTANTE
Fenris Vane
“A guerra está chegando”.
— Fenris Vane
Não quero deixar Ari, mas Asher se aproxima, e sei que é para me dizer que nossos irmãos estão ansiosos e está na hora. — Eu devo ir — digo baixinho, tocando a suavidade de sua bochecha.
— Eu sei — diz ela. — Mas eu gostaria que você não fosse.
Eu a beijo uma vez. — Meu coração fica aqui com você.
— Você é meu Karasi — diz ela suavemente.
— Espírito do meu coração — digo. Ouvi os Fae falarem disso, mas nunca senti, até agora. O tempo dirá se esse amor me dá força ou fraqueza.
Arianna assente. — Você é meu. E eu sou sua. Nós estamos presos, você e eu. Venha o que vier, nós estamos presos.
— Vou deixar o Barão com você para defendê-la — digo.
Mas Ari não aceita. — Eu me sentirei melhor sabendo que ele está te protegendo. Eu estarei segura no castelo.
Quando Asher nos alcança, nós nos despedimos. Ari abraça Asher e sussurra algo para ele que não consigo ouvir, e então nós partimos.
— O que ela disse a você? — pergunto ao meu irmão.
Ele olha para mim com uma expressão estranha. — Ela me disse que encontramos mais força no amor do que no ódio.
Eu não deveria estar surpreso que de alguma forma Arianna ouviu as palavras em meu coração e as respondeu. Não é a primeira vez ela fez isso. — Ela é sábia. Nós não a merecemos.
Asher concorda. — Nisso nós concordamos.
Um menino Shade corre até nós, sem fôlego. — O exército Fae violou a grande muralha, eles estão se juntando ao norte, perto das Terras Distantes.
Lembrando-me da gentileza de Ari, eu digo ao garoto para pegar um pouco de comida antes de voltar.
Asher sorri para mim. — Ela realmente roubou seu coração, não é?
Eu franzo a testa e ando mais rápido.
Os exércitos dos Sete Reinos se reúnem fora de Stonehill, perto do cadáver queimado de uma floresta, cada um com suas cores. Os soldados de Ace estão sob o meu comando, uma vez que ele ainda está convalescendo no Castelo Principal. Asher e eu entramos em uma grande tenda vermelha, grande o suficiente para caber dezenas de homens. Levi, Niam, Dean e Zeb esperam dentro, reunidos em volta de uma mesa de guerra cheia de mapas.
Levi aponta para um. — Vamos marchar a frente, para os bosques do norte, e cortá-los.
— Não — digo —, devemos evitar as florestas. Se elas forem incendiadas, nós queimaremos vivos dentro delas. E devemos ficar longe dos rios, a menos que desejemos combater Wadu mais uma vez.
— Onde isso nos deixa, então? — pergunta Dean, que pelo menos por uma vez veio vestido apropriadamente, com equipamentos de batalha e armadura.
— As montanhas — digo.
Asher geme, mas não discorda.
Levi balança a cabeça. — Elas vão nos atrasar, e se ficarmos presos, ficaremos em desvantagem.
— Isso não acontecerá — digo. — Não se os druidas acharem que estamos em outro lugar.
Zeb balança a cabeça. — O que você propõe então?
— Um chamariz — digo. — Enviamos um Shade em quem confiamos que diz ser um desertor. Eles dizem aos druidas que estamos tomando a passagem do rio, que temíamos a floresta por causa de incêndios, mas estávamos menos preocupados com o druida da água. Nós lutamos com ela antes.
— E por que eles acreditariam nessa pessoa? — pergunta Levi.
— Eles estão muito envolvidos com a ideia de que todos os Fae e Shade estão do lado deles, que ninguém com sangue Fae lutaria por nós — digo. — Os druidas dormiram há milhares de anos. Eles não perceberam que as coisas mudaram. Não perceberam que existem Fae e Shade que lutam e morrem conosco e não com eles, mesmo que tenham a escolha.
Levi cruza os braços sobre o peito. — Vamos dizer que seja verdade. Como podemos confiar que o Shade não nos trairá?
— Eles não sabem o suficiente do nosso plano para dar muito, então o risco é pequeno.
— É o nosso melhor plano — diz Dean, me surpreendendo. — Eu concordo com Fen.
Zeb, Niam e Asher também concordam. Levi franze a testa, mas não discute. Eu chamo um Shade e digo a ele quais são suas ordens. Ele parece nervoso, mas eu lembro a ele que suas ações ajudarão a salvar Princesa Arianna e seus olhos se iluminam. Ele fará o que eu pedir, isso eu tenho certeza.
Assim que o garoto sai, meus irmãos e eu enviamos nossos batedores a frente e assumimos a liderança de nossas tropas. Caminhamos pelas montanhas, contra a neve e o vento, para reivindicar o terreno elevado antes que os Fae nos notem.
É uma longa e difícil caminhada, dificultada ainda mais pelo contínuo dilúvio de chuva que desce sobre as quedas de água. — É a maldita Druida da Água — resmunga Niam. — Ela está tentando nos afogar antes de termos uma batalha.
Asher toca seu manto, um olhar de desgosto em seu rosto. — Está funcionando. Sinto como se eu nunca mais poderei me secar novamente.
— Pelo menos isso deixará nossas florestas mais difíceis de queimar — lembro a eles.
— Eu gostaria que Ace estivesse conosco — diz Asher. — Ele poderia ter uma boa invenção para tornar esta subida miserável um pouco mais agradável.
À menção de Ace, o humor de todo mundo muda de frustração para tristeza. Levi parece ser o mais afetado, dando um tapinha no ombro de Asher quando ele passa. — Logo ele estará conosco novamente, irmão — diz o príncipe da inveja, enrolado em seu manto vermelho.
Leva muitas horas para chegar a um platô alto e grande o suficiente para acampar. Nossos comandantes se reportam a cada um de nós e reúnem os soldados em suas estações, organizando turnos para guardas e patrulhas. Nós escolhemos uma área separada do resto para dormir durante a noite.
Quando a lua está alta no céu, a chuva finalmente para, dando um breve alívio.
— Talvez ela tenha ficado sem magia — diz Dean, tirando a camisa, naturalmente. Ele sorri enquanto todos gemem. — O quê? Está encharcada. Estou secando. Não tenham inveja do meu físico majestoso. Não podemos ser todos irresistíveis.
Asher ri. — Também não podemos ser tão irritantes assim.
Zeb traz um prato de queijos e carnes e duas garrafas de vinho. Ele estende uma. — Álcool. — Então levanta a outra. — Sangue. — Ele coloca as duas na nossa frente. — Eu tenho mais. Escolha seu veneno.
A maioria opta por ambos, misturando o sangue e o vinho em um coquetel de vampiros. Não tomo nenhum. Bebi sangue recentemente, e não desejo entorpecer meus sentidos com álcool antes da batalha. Aconselho meus irmãos a não exagerarem, mas Zeb ri.
— Coma, beba e seja feliz, Fen. Amanhã pode ser o fim — brinca ele.
— Sim, especialmente se você estiver de ressaca — lembro a ele, mas ele não me escuta, não que eu esperasse que o Príncipe da Gula parasse de beber.
— Como você coloca tudo isso na sua mochila? — pergunta Niam, enchendo outro copo.
Zeb sorri. — Magia.
Não leva muito tempo para a combinação de sangue e vinho deixá-los bêbados e nostálgicos. Cutuco o fogo com um pedaço de pau e ouço-os relembrarem sobre um passado tão longínquo que é quase um sonho para mim.
— Lembra quando éramos crianças, e Dean se perdeu nos Jardins de Prata? — pergunta Zeb.
Ele fala do Velho Mundo, o tempo antes da queda. Quando não éramos os Caídos, mas os Escolhidos.
— Ele alegou que não era culpa dele, que o lugar era enorme — diz Niam.
Asher ri. — Ele estava muito ocupado olhando para seu reflexo nas estátuas para prestar atenção em onde estava.
Zeb ri. — E foi Levi quem o encontrou primeiro, mas depois... — ele ri tanto que quase engasga e toma outro gole antes de continuar. — Então os dois se perderam.
Todos riem disso, e Niam entra em cena. — Então eu juntei o resto de nós e fiz um plano. Nós íamos procurá-los, mas marcaríamos nosso caminho com moedas.
— Bom plano — diz Asher —, só que você era muito ganancioso para usar as suas próprias.
Niam assente. — Verdade. Acredito que você cobriu essa despesa, Asher.
Zeb aponta para Levi e Dean. — E então, lembram como nós os encontramos, e era tão tarde, tão frio, que os dois estavam abraçados como amantes atrás de uma das estátuas?
Dean encolhe os ombros e Levi balança a cabeça.
— Mas a melhor parte — diz Zeb entre bebidas —, a melhor parte foi quando Ace pulou das sombras e caiu ao nosso lado. Ele perguntou onde vocês estiveram o dia todo, e você disse que preso no jardim e ele disse: bem, por que vocês não voaram para sair? Então o bastardo atrevido salta para o céu e nos deixa como idiotas para trás.
Todos riem disso, mas eu franzo a testa. — Por que não me lembro de nada disso? — Eu sinto que já ouvi a história, mas não tenho nenhuma lembrança disso tudo acontecendo.
Meus irmãos olham um para o outro, e Zeb me dá um tapinha no ombro. — Você está ficando velho, companheiro. Logo esse seu lobo terá que governar o reino. — Barão geme e deita a cabeça no meu colo enquanto o resto ri.
Enquanto o fogo começa a diminuir, também diminuem os risos, e embora não precisemos de muito sono, vamos nos retirando para o nosso próprio espaço, para pensar, ponderar, planejar para a guerra.
* * *
Na manhã seguinte, nossos batedores relatam que encontraram o exército dos Fae, centenas de soldados, acampados atrás de uma das florestas perto do rio. — Esta será a nossa melhor chance — digo. — Precisamos atacar cedo, enquanto aqueles que despertam ainda estão lentos, e os que estão em guarda pela noite estão cansados ??e prontos para descansar. É quando eles mudam de turno que estarão mais vulneráveis. Nós viajaremos devagar, nos escondendo atrás das árvores, e os surpreendemos.
— Nós estaremos perto do rio — diz Asher. — Não tememos os poderes do druida tão perto do seu elemento?
— Se nos movermos rápido o suficiente, e com bastante discrição, vamos vencer a luta antes que eles consigam um ataque ao acaso — digo.
Os cinco concordam, e escolhemos os soldados para liderar o primeiro ataque. O resto do exército seguirá de perto. Nós ficamos escondidos, atrás de pedra e árvore, movendo silenciosamente através das florestas e descendo a montanha. Estamos nos espalhando em um semicírculo, alguns entrando pela cobertura do rio, para que possamos tirar suas sentinelas antes que eles possam reagir.
Passo a passo, avançamos. Todos os meus sentidos estão alertas, em busca de uma emboscada. Os ouvidos de Barão se erguem, absorvendo todos os sons, seus dentes à mostra, prontos para lutar.
Ninguém nos vê.
Ninguém solta um grito.
Está muito quieto.
Muito fácil.
Alguma coisa está errada.
Nós descemos sobre o acampamento, e vejo a verdade.
Não há Fae vigiando.
Não há Fae dormindo.
O acampamento está vazio.
Levi entra em uma tenda, com a espada desembainhada, depois sai com uma carranca no rosto. — Não há ninguém — grita ele.
Os outros confirmam o mesmo.
E então eu entendo.
Nós pensamos que éramos tão espertos, indo atrás deles ao invés de deixá-los atacar o castelo.
Mas por que eles estariam aqui? Não há nada importante aqui.
Tudo o que é importante para eles, o que é mais importante para eles... Está em Stonehill.
Capítulo 16
SANGUE E DOR
“Há muito tempo, Madrid e Oren, o druida de fogo que você conheceu esta noite, eram Karasi - espírito do coração. Ela esperou por seu retorno por muitos e muitos anos. Mas Oren a fez escolher: Você – a Estrela da Meia-Noite – ou ele. Ela escolheu você”.
— Durk
Eu ando pelo meu quarto enquanto Yami tremula ao meu redor, espelhando minha própria ansiedade. Nada disso parece certo. Os exércitos não deveriam ter saído para perseguir o exército dos Fae. Stonehill é defensável. As Terras Distantes não são.
A cidade e o castelo parecem quase abandonados com todo mundo fora. Até Kayla está fora em incursão. Há uma batida na minha porta, e Julian entra com uma bandeja de comida e uma caneca com algo fumegante nela. — Pensei que você poderia querer algo para comer e uma bebida quente para evitar o frio.
Ela coloca na minha mesa e caminha até a lareira para atiçar o fogo. — Obrigada — digo, pegando as uvas. Yami olha as tiras de presunto, mas eu o encaro até ele se afastar da comida. Ele sabe melhor do que comer quando está invisível.
Julian se ergue assim que o fogo está aceso novamente. — Posso trazer mais alguma coisa?
— Não, obrigada. Onde está Kara?
— Ela está ajudando Olga na cozinha com o jantar — diz Julian.
— Ok, bem, eu estou bem para a tarde, então não se preocupe comigo.
Ela sai, e sinto uma solidão cair sobre mim, mas não quero companhia, não realmente.
Eu quero Fen.
Ele não deveria ter ido. Disso, eu estou cada vez mais certa. Se eu fosse os Fae... O que, eu acho, que tecnicamente eu sou... Eu apenas encontraria algum lugar seguro para me esconder e esperar pela batalha. Talvez perto da água, da floresta ou de um forte... Ou...
Um castelo.
Largo minhas uvas na bandeja e corro para a sacada do lado de fora do meu quarto, meus olhos examinando o horizonte. Posso distinguir a aldeia de Stonehill daqui, e a montanha que a conecta para o castelo. O portão está fechado, mas há outro caminho, o caminho por trás da cachoeira. Os Fae souberam disso durante o ataque a Stonehill?
Olho mais atentamente, meu coração batendo freneticamente. Sombras se movem atrás da água.
Eles estão vindo.
O exército Fae está vindo, marchando através da passagem que deveria ser um refúgio seguro para a aldeia.
Uma explosão de chamas dispara pelo céu, e Oren, o Druida de Fogo, aparece diante de mim, a Fênix em sua mão. — Você escolheu errado, garota!
Yami se lança na fênix, atacando com dentes e garras, mas o espírito o morde, prendendo-o com garras afiadas. Yami grita e se transforma em pó.
Pego minha espada, Spero, e enfrento o druida. Ele desembainha sua própria lâmina, uma coisa de aço preto envolvida em chamas. Eu avanço.
Nossas lâminas se encontram.
E Spero quebra. Quebra ao meio. A força do golpe de Oren me derruba no chão, perto da borda da varanda.
Ele caminha até mim, seu corpo em chamas. — Agora você é minha. — Posso sentir o calor emanando dele. Meus pesadelos são reais.
Ele ri. — Os príncipes perderam. Pegamos Stonehill e logo vamos destruir os demônios. Você deveria ter se aliado ao seu povo quando minha irmã lhe deu a chance. Talvez ela propusesse isso a você mesmo agora, mas não sou tão indulgente. — Ele segura a espada no meu pescoço, queimando a pele. — Sua fera feriu meu espírito. Você me deve sangue e dor, e eu vim para coletar.
Capítulo 17
NÓS VAMOS PERMITIR
Fenris Vane
“Há muita tentação em tocá-la, abraçá-la, e tê-la tão perto, mas não perto o suficiente, é um tipo de tortura doce a qual não estou acostumado”.
— Fenris Vane
Nossos exércitos se movem devagar, então meus irmãos e eu levamos nossos melhores soldados e corremos à frente, usando toda a velocidade e força para voltar a Stonehill.
Sinto o presságio da morte.
Cometi o pior erro da minha longa vida, e agora a pessoa que eu mais amo está em perigo.
Barão uiva enquanto corre. Ele sabe que Ari está em apuros. Ele sabe que temos que alcançá-la antes que eles façam isso.
Mas eu sei que já é tarde demais.
Quando chegamos a Stonehill, bandeiras verdes dos Fae estão penduradas nas paredes. Soldados Fae guardam o perímetro. Quando nos aproximamos, eles levantam suas lanças e espadas. Mas não atacam.
— Finalmente você se juntou a nós — diz uma voz alta sobre a parede. Um homem. Enorme e inchado com músculos. Tatuagens vermelhas cobrem sua cabeça careca. Chamas cobrem suas mãos. O Druida de Fogo. Ele está esperando por mim, e agora que tem uma audiência, ele executa.
Ele aponta sua espada negra para a figura ao lado dele. Uma mulher amarrada a uma cadeira, a boca cheia de pano. Ari.
— Solte-a — exijo. — Não é ela que você quer.
A espada explode em chamas, e Ari grita através da mordaça. Consigo sentir o cheiro da carne dela queimando, e todos os músculos do meu corpo ficam tensos.
— Renda-se! — A voz do druida voa, cheia de raiva e censura. — Renda-se, ou vou torturar essa criatura patética.
— Você não vai matá-la — grito. — Você precisa dela. — Percebo que estou dando muito. Meus irmãos, a maioria deles de qualquer forma, não sabe quem ela é, ou porque é importante. Mas eu sim. Asher também. Eu me inclino para o meu irmão e sussurro em seu ouvido. — Ela é Alto Fae. Eles não podem machucá-la, podem?
— Eles não vão matá-la. Isso mandará o druida de volta ao sono. Mas não significa que ele não fará com que ela desejasse estar morta — diz Asher, franzindo a testa.
Eu rosno.
O Druida corta o braço de Ari.
Ela grita.
Barão uiva em sofrimento.
Preciso decidir. Arianna ou meu povo.
Eu nunca vou sacrificá-la.
Mas a rendição não salvará ninguém. O Druida de Fogo parece louco de poder e vingança. Ele não a libertará, não importa o que façamos.
Pulo numa pedra e grito para todos que possam ouvir. Para os vampiros mantidos em cativeiro. Para aqueles que estão a caminho. Para os Fae e Shades que viveram conosco por muitos anos. Minha voz ecoa em todo o meu reino. — Estes são os Fae que mataram nossas famílias. Que levaram nossas casas. Destruíram nossas colheitas e queimaram nossas florestas. E agora eles têm a Princesa Arianna. Eles a torturam. Esta mulher que não nos mostrou nada além de bondade. Que lutou por igualdade e justiça para os vampiros, Fae e Shades de nossa terra. Que ajudou a todos vocês de uma forma ou de outra. Eles irão feri-la? Torturá-la? Usá-la como um peão em seus jogos contra nós?
As pessoas rugem. Os exércitos rugem. Eles estão prontos para lutar. E nós atacamos de frente, sede de sangue em nossos corações.
Nós salvaremos nossa princesa.
Capítulo 18
ESTRELA DA MEIA-NOITE
“Tem mais nomes que os outros. Um que você pode ter ouvido é... a Estrela da Meia-Noite”.
— Madrid
Oren está em cima de mim, regozijando, sua espada em chamas. Ele corta meu braço repetidamente. Não tento gritar, mas não consigo aguentar.
A dor. O cheiro da minha própria carne queimada. Meus pesadelos se tornando reais. Ambos os meus braços estão amarrados com as fitas vermelhas em chamas por sua tortura, e posso ver em seus olhos que ele tira prazer disso. Como Madrid já amou esse monstro?
Outro corte.
A dor me consome. É tudo o que eu sei ou saberei em algum dia de novo. Dor. Queimando.
Caio na cadeira em que estou amarrada, a luta em mim morrendo enquanto meu corpo enfraquece.
Oren fala para a multidão reunida abaixo. Para os vampiros. Para Fen.
Quando ouço a voz de Fen, algo em mim desperta mais uma vez.
Não posso desistir.
Não posso deixar Fen se render a esse monstro.
Fen faz um discurso, mas não consigo distinguir as palavras através da dor. Ainda assim, a cadência da sua voz me acaricia, me trazendo uma espécie de paz na minha escuridão. E então os exércitos se animam. E eu os ouço avançar.
Oren recua, uma expressão de choque no rosto. Isso desaparece. — Eu deveria saber. Os demônios não se importam com nada...
Ele está perto o suficiente agora. Eu bato minha cabeça na dele e ele cai para trás, atordoado. Uso a distração para jogar meu corpo sobre a borda da varanda.
Não tenho nenhum plano. Nenhuma maneira de parar a queda. Ainda estou presa a uma maldita cadeira. Mas eu me recuso a ser usada como um peão no jogo deles. Recuso a ser torturada para controlar Fen.
Vou morrer do meu próprio jeito.
Eu me preparo para a queda, para bater forte no chão e – se não morrer – pelo menos quebrar meus ossos. Mas honestamente, o que é um pouco mais de dor neste momento?
O chão se aproxima para me cumprimentar, e fecho meus olhos, mas então... Começo a desacelerar. Como? Yami? Eu olho em volta procurando pelo meu dragão, mas ele não está aqui.
Não é um dragão me pegando, mas vento. Aterrisso gentilmente, e Varis pousa ao meu lado, me ajudando a sair das minhas amarras. — Você não vai sofrer — diz ele. Ele vê meus braços e recua. — Sinto muito por não ter chegado a tempo de impedi-lo.
Tento agradecê-lo, mas as lágrimas ardem nos meus olhos quando outra dor me atinge.
O ar está frio e Metsi, o Druida da Água, aparece diante de nós. Sua serpente, Wadu, envolve meu braço direito, sibilando. Ela levanta uma espada de prata.
Varis levanta a mão. — Não, irmã. A Estrela da Meia-Noite não é nosso inimigo. Nós precisamos dela. Ela é a chave para a paz.
Metsi faz uma pausa, considerando suas palavras. Ela também percebe meus braços e franze a testa. — Os vampiros estão se aproximando. Eles estarão em cima de nós em breve. Mas será como você diz, Varis. Espero que você esteja certo sobre ela. — Ela larga a minha espada quebrada aos meus pés e desaparece na névoa.
— Eu devo ir — diz Varis. — Fique segura. Quando esta batalha acabar, vou me certificar de que ambos os lados ainda estejam vivos.
Sob o abrigo do ar, e a coruja a seu lado, ele se eleva para o céu, direto para a fênix que voa acima de nós.
Tremo quando caio de joelhos, a neve fresca sob o meu corpo. Eu a coloco sobre meus braços para aliviar minhas queimaduras. O frio é quase tão doloroso quanto o calor, mas sei o que deve ser feito.
Para controlar a dor, inalo profundamente e exalo lentamente, usando técnicas de meditação que Varis me ensinou. Eu devo recuperar meu foco e encontrar Fen. Ele está com problemas. Um profundo conhecimento se agita dentro de mim. Ele está em perigo e devo ajudá-lo.
Pego minha espada quebrada e sussurro uma ilusão de ocultamento. Mais uma vez, eu me torno translúcida ao invés de invisível. Ainda assim, ajuda a ficar escondida enquanto me arrasto pela neve, procurando Fen. Onde ele deveria estar? Olho para cima, seguindo os traços de fogo no céu brilhante. Isso leva a Stonehill.
Soldados se enfrentam ao meu redor. Anéis de aço no ar. O exército de vampiros chegou e os Fae saíram da cidade para encontrá-los. O portão está aberto.
Corro mais rápido, ignorando a minha dor, evitando a luta ao meu redor. Quando passo pelo portão, um soldado Fae passa pela minha ilusão e se lança em mim. Bloqueio sua espada com o que resta da minha. Um vampiro desliza uma lança em suas costas, e eu quase tropeço enquanto observo o homem morrer.
Isso tem que acabar.
A cidade queima. É como antes. Nada mudou. Apesar de tudo o que fiz, não há paz.
Corro para o outro lado do castelo, para a clareira por seus portões, onde os fogos brilham mais intensamente. No meio das chamas, na terra preta carbonizada, encontro Fen e Barão na batalha contra Oren. Sua fênix está acima dele, no céu, lutando contra Zyra, contorcendo-se no ar. Varis monta seu espírito gigante, guiando-a, atingindo a fênix com uma lâmina. Abaixo, Fen luta com velocidade, agilidade e uma lâmina mortífera, mas Oren é maior e mais forte. Suas mãos estão acesas com fogo, e ele lança chamas em Barão.
Os corpos dos mortos cobrem o chão ao redor deles, alguns Fae, alguns vampiros, alguns Shade. Toda a vida desperdiçada.
Barão investe em Oren.
O druida levanta sua espada.
E corta as patas do lobo.
Barão cai, choramingando. Fen ruge, atacando com mais ferocidade do que antes. Mas os combates dos druidas sempre explodem. Ele empurra Fen.
O vampiro está ficando cansado. Oren é muito forte. Ele ataca. De novo. E de novo. E Fen cai em seus joelhos.
Fen não pode vencer essa luta sozinho.
Corro para frente, pulando entre o Fae e o vampiro. — Pare!
Oren ri. — Os vampiros pararam quando estavam massacrando meu povo? Eles pararam quando mataram minha rainha?
— É um ciclo que nunca termina — digo enquanto as histórias dessas pessoas se espalham em minha mente. — Os vampiros foram lançados aqui contra a sua vontade, amaldiçoados com a luxúria do sangue, devastados com este novo desejo, apenas para encontrar um povo cujo sangue é um vício.
— Devo sentir pena deles? — pergunta Oren. — Devo oferecer misericórdia a esses monstros?
— O ??que eles fizeram não foi certo. A escravidão não é certa. Mas há outro caminho. Nós podemos libertar os escravos — digo, me agarrando à esperança. — Transformá-los em trabalhadores. Olhe ao seu redor — grito. — Muitas vidas estão perdidas, e não apenas de vampiro, mas Fae, Shade, seu povo!
Ele lança fogo para mim e pulo para o lado, evitando a incineração. — O que Madrid quer? O que ela diria para o que você se tornou?
Oren faz uma pausa. — É tarde demais para nós — diz ele suavemente. — É tarde demais para a paz! — Oren corre para mim.
Fen me tira do caminho, colocando-se na frente do druida. Ele ataca, acertando Oren no ombro.
E Oren atinge Fen na barriga.
O Príncipe da Guerra cai, seu corpo carbonizado e sangrando. Eu desmorono ao seu lado, segurando-o, puxando-o para perto. Barão está ao nosso lado, choramingando, lambendo o rosto de seu mestre. Coloco minha cabeça no peito de Fen. Ele mal está respirando. Seus olhos não se abrem, e posso sentir sua vida se esvaindo.
Ele está morrendo.
Meu amor está morrendo.
Meu peito contrai.
Não consigo respirar.
As lágrimas caem sobre seu rosto devastado. — Fen, por favor. Seja forte. Fique comigo. — Isto é minha culpa. Isso é tudo minha culpa. Ele vai morrer por minha causa. Porque eu trouxe os druidas de volta. Porque mudei os destinos.
Oren paira sobre nós. Ele arranca a lâmina de Fen do seu ombro e a joga de lado. Não.
Não é minha culpa.
Vamos colocar a culpa onde ela pertence, vamos? Eu odeio deixá-lo, me afastar dele, mas eu devo. Deito Fen gentilmente no chão e beijo sua testa. Então eu fico de pé, minha espada quebrada na mão, minhas lágrimas secando e minha dor se transformando em ira.
— Como você pode fazer isso? — pergunto, minha voz gelada. Mortal. — Como você pode destruir tanta vida? — Palavras se formam na minha garganta que não são apenas minhas. Algo mais fala através de mim. — Não é por isso que você foi escolhido. — Dou um passo à frente, todo medo desaparece. Toda fraqueza e dor se foram. — Este não é seu dever. — Seguro minha espada e aponto para o Druida enquanto todas as minhas ilusões caem e eu me revelo como Fae. — Você fracassou com seu povo. Você fracassou com você mesmo. Você...
Oren tropeça para trás. — Não...
Ele cai de joelhos.
— É...
Seu fogo desvanece.
— Digno.
— Não! — implora Oren, medo em seus olhos. Sua fênix desaparece no céu, transformando-se em cinzas. — Você não pegará o Riku de mim. Você não...
— Os Selvagens, os Espíritos do nosso povo, não pertencem a ninguém.
Corto minha espada através do ar, e onde uma vez estava quebrado metal, agora ele reforma com as cores da meia-noite. A lâmina acerta o druida na garganta, e ele cai, sua vida sangrando por ele. Seus olhos perdem o foco, desaparecem na vida após a morte, e um brilho vermelho dourado emerge dele. É o calor, a luz e o espírito buscando forma. Ele se eleva no ar, procurando... Procurando por alguém que seja digno.
Levanto minha espada acima da minha cabeça e mais poder surge através de mim. Relâmpagos piscam. Escuridão bloqueia o sol, transformando o dia em noite. Trovões caem. As estrelas brilham intensamente. E lá, na escuridão, uma fera toma forma. Uma besta da meia-noite.
Meu dragão abre suas asas e fogo azul irrompe de sua boca.
Aqueles que ainda são deixados vivos e lutando, olham para cima e tremem. Fae e vampiros soltam suas armas e correm. Eles vasculham os ventos. Eles gritam para o céu.
A Estrela da Meia-Noite retornou.
* * *
Estou consumida pelo poder que flui através de mim, e leva um momento para me encontrar novamente. Yami sobre aos céus escuros, certificando-se de que todo mundo o veja, parando a luta por sua mera presença.
É o nariz frio do Barão empurrando contra a minha perna que me puxa para o mundo. Fen! Ele está morrendo.
Corro para ele e caio de joelhos. Seu corpo está queimando, sua cor está desaparecendo. Concentro-me na runa no meu braço, e busco a força para levantar Fen nos meus braços, carregando-o para o castelo, apesar da minha própria dor agonizante que está ressurgindo agora que meu poder está diminuindo. Eu o carrego através dos exércitos em retirada e dos soldados que coletam seus mortos. Através dos fogos. Através do caos.
Encontro o quarto mais próximo, os aposentos de um empregado, cinza e quase vazio, e coloco-o na cama. Preciso de um curandeiro, mas não tenho ideia de onde encontrar um. — Barão, encontre Kal. Traga-o para cá imediatamente!
Barão sai correndo, suas patas deixando marcas molhadas no tapete.
— Oh Fen. Acorde. Respire. Viva. Eu preciso de você — imploro a ele, minhas lágrimas retornando agora que a raiva me deixou. Agora estou apenas cheia de mágoa e medo. Com uma dor que ameaça me desfazer.
Corro para o meu quarto e trago uma sacola com material de cura rudimentar. Quando volto para Fen, tiro uma pomada e esfrego sobre a pele queimada, onde a lâmina flamejante de Oren o acertou. Eu recuo, sabendo quão profundas são essas queimaduras. Sabendo que não há nada que irá curar isso. Ele precisa de um pronto-socorro com enxertos de pele e cirurgia. Não cremes e ervas. Sinceramente não sei como ele vai sobreviver.
Preciso de algo mais forte. Talvez no quarto de Kal...
Corro para o corredor.
E para a ponta da espada de Levi.
O Príncipe da Inveja olha para mim, com raiva nos olhos, fúria na voz. — Você é um deles. O Alto Fae. A razão pela qual os druidas retornaram. A razão pela qual Ace quase morreu. Mas uma vez que eu te matar, eles vão dormir novamente, e nossa espécie estará segura.
— Levi, não faça isso — digo. Minha voz vacila, minhas pernas tremem. — Preciso voltar para Fen. Ele está morrendo.
— Por sua causa! Tudo isso, todo esse sangue e morte... É por sua causa.
Não sei mais o que fazer, e então eu corro. Corro pelo corredor e viro a esquina...
Bato nos braços de um homem. Ele me segura na vertical.
Levi vira a esquina e para, olhando para mim.
Eu olho para cima.
E vejo Ace.
Ele se move para frente, colocando seu corpo entre Levi e eu, seu manto marrom raspando o chão. Ele está pálido, fraco e anda com uma bengala. Ferramentas ressoam em seu cinto a cada passo.
— Irmão, o que é isso? — pergunta ele.
— Ace, deixe-me passar — diz Levi. — Ela é Alto Fae. Ela nos enganou. Basta olhar para o cabelo dela, suas orelhas. Você sabe o que deve ser feito.
— E o contrato? — pergunta Ace. — Estamos tão ligados a ela como ela é.
— Você quase morreu — diz Levi. — Pensei que morreria. — Sua voz soa quebrada agora, pequena.
Ace põe a mão no braço de Levi. — Mas não morri. Estou aqui, vivo. E eu vim para ver como meus irmãos se saem, apenas para descobrir que você está tentando matar a princesa.
— É a única maneira de sobrevivermos — diz Levi.
— Há sempre outras maneiras. Eu não te ensinei isso em todos esses anos? — Ace recua, me protegendo com seu corpo frágil. — Acredito que vou reivindicar o meu mês com a princesa, irmão. A partir de agora, ela está sob minha proteção. Se quiser matá-la... — Ace faz uma pausa, encarando o irmão. —... Você deve me matar primeiro.
Epílogo
Fenris Vane
“Só restaram os flashes. Só poeira que eu tento agarrar no vento. Eu me lembro... Eu me lembro de um palácio branco e dourado. Eu me lembro de torres que brilham como o sol.”
— Asher
Estou acordado? Sonhando? A realidade está suspensa entre o tempo e o espaço. Eu estou lá. No estado de espírito que existe entre a escuridão e a luz.
A dor se foi. Eu a sinto como apenas uma lembrança do que uma vez foi.
O ar não tem mais cheiro de sangue e metal, de batalha e morte. De fogo e enxofre.
O céu é azul e claro. O horizonte brilha com luz forte. Meu corpo parece etéreo. Há uma leveza em meu ser que nunca conheci.
Ando em meio à neblina, mas meus pés não conseguem tocar a terra. Estou flutuando? Estou morto?
Eu perdi a batalha. Deixei Arianna sozinha em um mundo dilacerado pela guerra. Falhei com ela. Falhei conosco. Falhei com meu povo. Meu reino.
Há um grunhido baixo à minha direita, e olho para baixo, surpreso ao ver Barão ali. O lobo branco parece com o ambiente. Levo a mão na cabeça dele e me pergunto se ele é real. Será que minha mão sentirá pele, carne e osso, ou cairá através da ilusão como fumaça?
Mas ele está lá. Eu sinto o calor dele, a seda de sua pele, sua presença. Engasgo com a emoção, e não posso dizer se estou aflito pelo fato de meu amigo mais querido ter morrido comigo, ou se estou aliviado pelo fato de não estar sozinho. Sou altruísta ou imperdoavelmente egoísta?
Eu sou ambos.
Não sou nenhum.
Não sou nada.
Continuo andando. Flutuando. Avançando para mais névoa, brancura e alteridade.
E então ouço sua voz. Ela está cantarolando uma melodia que eu não sabia que conhecia. Minha alma responde a essa música, esta canção de ninar, com uma guinada visceral que me deixa sem fôlego.
Ela aparece através da névoa. Seu cabelo branco selvagem voa ao seu redor como uma coisa viva, entrelaçada com folhas e flores, seu vestido caindo aos pés descalços, agarrando-se a seu corpo como raízes e ramos, aparentemente feitos da própria terra. Seus olhos são grandes safiras salpicadas contra a pele clara. Ela é uma deusa. Uma ninfa da floresta.
E na minha alma, eu sei quem ela é.
— Mãe — sussurro.
Ela está diante de mim agora, suas mãos estendendo para as minhas. Quando eu as agarro elas estão quentes, aterradas na terra.
— Esperei tanto tempo para te ver novamente — diz ela, sua voz melódica, suave, cheia dos ecos de tudo que já foi. — Para te abraçar. Para te conhecer. Mas aqui não é onde você deveria estar.
— Estou morto. — É um pensamento tão estranho estar morto depois de ser imortal por mais gerações do que eu possa lembrar.
— Você não está morto nem vivo — diz ela. — Você está renascendo.
— Então eu posso voltar? — Meu coração se acelera com o pensamento. Preciso voltar, mas as razões estão desaparecendo. O nada está me roubando.
— Se você quiser — diz minha mãe. — Você deseja isso?
— Arianna. Eu devo voltar para Arianna.
Minha mãe sorri. — Ela precisa de você, e você precisa dela. Mas você é mais do que imagina, meu filho. Você é meu herdeiro. Meu legado. Eu lhe dei tudo.
Suas palavras não fazem sentido, e ainda assim eu sei que elas são verdade. Minha mãe morreu anos atrás, sim, mas essa não era ela. Esta não era a mulher nas imagens que meus irmãos me mostraram. Esta não era a rainha que governou o inferno com meu pai.
— Eu sou a mãe que ele escondeu de você — diz ela. — Eu sou a mãe de todos. Uma vez, eu era uma guardiã da natureza, da vida. E você é meu herdeiro.
O herdeiro. O herdeiro. O herdeiro. As palavras continuam se repetindo na minha cabeça. Barão me cutuca, como se tentasse comunicar algo de grande importância.
Gostaria que ele tivesse palavras. Eu não entendo.
Ela se aproxima, me abraça. Sinto o seu poder, emana dela, derramando-se em mim, em volta de mim, descendo algo novo por dentro. Queima. Engasga. Sufoca.
Ela se afasta. — Desperte, meu filho. Viva. Salve seu amor. Salve seu povo. — Quando ela se vira para partir, seu cabelo sopra ao redor do vento.
E vejo.
Eu percebo.
Entendo.
Suas orelhas.
Ela é Fae.
Eu sou Fae.
* * *
Queima. Dói. O ar cheira a morte, sangue, metal e guerra. Meu corpo está em chamas. Uma língua áspera lambe meu rosto e eu abro meus olhos para ver Barão olhando para mim, seu rosto de lobo cheio de preocupação.
Algo rasga minha pele. Dor. Eu me inclino na cama e examino meu corpo. Um corte vermelho escuro cobre o estômago. Mas está desaparecendo. O sangue seco cai e, por baixo, está a nova pele. Suave e saudável. Algo se espalha lá. Um símbolo, uma árvore, raízes, galhos. Uma tatuagem.
Barão uiva para a noite. Ele fica luminoso no escuro. Glifos prateados atravessam seu corpo, desaparecendo e aparecendo novamente. Não entendo o que está acontecendo, não consigo me lembrar de onde estou ou por quê.
Eu recolho meus pensamentos e lembro. — Arianna!
— Ela se foi deste lugar, irmão. — Asher se senta em uma cadeira no escuro, onde não o vi antes. Ele se inclina, seu rosto frio entrando na luz. — Então finalmente é hora. Hora de você descobrir quem você é.
Minha respiração é rápida e pesada, meu corpo está escorregadio de suor. Não sei do que ele fala, mas minhas memórias retornam. Memórias de um sonho. De uma mulher.
Levo a mão aos meus ouvidos...
E sinto as pontas pontiagudas. — Não pode ser. Eu tenho memórias. Memórias da terra de antes.
Asher franze a testa. — Memórias reais? Ou aquelas que lhe foram contadas repetidas vezes?
Reais. Elas devem ter sido. Mas não me lembro da história dos meus irmãos nos Jardins de Prata. Não me lembro de nada além de flashes, imagens, lugares que eu ouvi falar repetidas vezes. Às vezes, eu lutava para me lembrar do outro mundo, mas eu dizia a mim mesmo que havia milhares de anos, minha memória estava desaparecendo. Vi o mesmo acontecer com meus irmãos. Eu nunca fui um deles? Foi tudo mentira?
Asher olha além de mim, seus olhos distantes. — Eu me lembro da última batalha, onde o Alto Fae caiu — diz ele suavemente. — Encontramos uma mulher morrendo entre os cadáveres e em seus braços um bebê. Ela havia dado à luz no meio da batalha, uma criança nascida da guerra. Mas o bebê estava fraco e quase morto. Não fez nenhum som. Mal respirava. E nossa mãe, nossa mãe teve pena da criança. Ela deu seu sangue e transformou-o em um dos Caídos. Disse que iria criá-lo como se fosse dela. E então o bebê começou a chorar, e sua mãe Fae sorriu e passou deste mundo. Algo deixou seu corpo então. Um espírito no vento. Um lobo branco. Ele lambeu o menino e desapareceu. Anos depois, quando você encontrou o filhote de lobo, eu soube o que realmente era. Eu sabia que o Espírito havia tomado forma. E sabia que você era o guardião dele. Você era o Druida da Terra.
Seus olhos escurecem. Sua voz é suave. — Então, veja irmão, você nunca foi um de nós. Você sempre foi um deles.
Karpov Kinrade
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