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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


MISSÃO SECRETA MOLUQUE / William Voltz
MISSÃO SECRETA MOLUQUE / William Voltz

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Com a descoberta de uma nave exploradora dos arcônidas, pousada na Lua, foi lançada a base da união da Humanidade terrana e do Império Solar, que haveria de sair dessa união. Então ninguém, nem mesmo Perry Rhodan, imaginava quantos esforços e firmeza de ânimo se tornariam necessários para, no curso dos anos, defender o Império dos ataques vindos de dentro e de fora.

Graças ao auxílio dos arcônidas, conseguiu-se vencer a ameaça mais grave que pesou sobre a Humanidade, e que culminou na invasão dos druufs e na batalha em defesa do Império Solar. E o perigo interno, provocado por Thomas Cardif, o renegado, foi removido graças à ação isolada de Gucky.

Acontece que a evolução pacífica da Humanidade só será possível, se a paz reinar na Galáxia — e parece que há um longo caminho a percorrer antes que isso aconteça...

Também Atlan, o imortal, que há pouco tempo passou a substituir a máquina gigantesca, que por intermédio das implacáveis frotas robotizadas abafava qualquer revolução no nascedouro, quer a paz.

Atlan, que passou a ser conhecido como Gonozal VIII, e Perry Rhodan, o administrador do Império Solar, apóiam-se mutuamente, nem que seja pelo simples instinto de autoconservação.

Atlan e Perry Rhodan são verdadeiros amigos e aliados.

Mas Perry Rhodan sabe que, dentro das atuais relações de forças no interior da Via Láctea, outros aliados representarão uma imensa vantagem...

Por isso dá a seguinte ordem ao cruzador ligeiro México: Missão Secreta: Moluque.

 

Em certas pessoas, o trabalho nas máquinas cibernéticas pode provocar um complexo de inferioridade.

Sentados junto ao setor de interpretação do computador, não conseguem conformar-se com o fato de que um banco positrônico de dados é mais rápido e meticuloso na formulação de conclusões e argumentos do que qualquer cérebro humano. Essas pessoas simplesmente se esquecem de que são elas que introduzem os fatos nos cérebros positrônicos e formulam as indagações corretas.

Walt Hunter ainda não corria esse tipo de perigo. A antipatia que Hunter sentia diante de um computador positrônico provinha exclusivamente do fato de que este o obrigava a trabalhar durante as horas de serviço. Quanto ao mais, manifestava a maior indiferença diante desse tipo de máquina.

Um dos psicólogos do Serviço de Defesa Solar afirmara que Hunter era de temperamento fleumático. O corpo volumoso do matemático reforçava essa assertiva.

Naquele momento, um cartão perfurado acabara de ser enviado a Hunter por meio do correio pneumático. Tirou-o da caixa.

— Ei, Ben! — exclamou em tom contrariado.

Um homem sentado à sua retaguarda levantou-se e aproximou-se. Hunter sacudiu o cartão.

— O que será que eles têm em mente? — perguntou.

Ben contemplou o cartão como se fosse um filé bem passado coberto por grande quantidade de cebolas.

— Epan — limitou-se a dizer e estalou a língua.

Hunter recebeu a manifestação de entusiasmo do colega com um resmungo aborrecido.

— Só pode ser isso — disse. — Todo o centro de computação positrônica do Serviço de Defesa Solar está atrás dos deformadores de moléculas. Ordens de Mercant.

Inchou as bochechas, o que lhe deu o aspecto de uma marmota dourada supersaciada.

— Pelo que ouvi dizer, a coisa mais urgente que o velho Mercant tem a fazer é enviar um cruzador ligeiro com dois mutantes a Epan, a fim de descobrir se o misterioso Mataal deixou alguma pista.

Moveu alguns controles do cérebro positrônico. Algumas luzes acenderam-se. Ben inclinou-se sobre o ombro de Hunter.

— A idéia de Mercant era correta — disse. — Os mutantes encontraram certos elementos no palácio residencial de Mataal, que podem levar a certas conclusões sobre outras naves dos deformadores de moléculas.

Os relês estalavam, ouviu-se um zumbido e Hunter empurrou o cartão perfurado na fenda do setor de programação.

— Na atual situação, o Império Solar só tem uma possibilidade: deve conquistar amigos fortes — disse Ben em tom professoral.

Hunter fungou numa atitude de desprezo.

— Já vejo Rhodan passear pelas ruas de Terrânia de mãos dadas com uma dessas criaturas — disse. — Você sabe perfeitamente que Everson teve muitas dificuldades em Epan. Se, naquela oportunidade, Goldstein não se tivesse libertado do domínio espiritual do deformador de moléculas, provavelmente a esta hora não estaríamos aqui.

O processamento de dados já havia fornecido alguns pontos de apoio aos especialistas do Serviço de Defesa Solar. Os mutantes, que Allan D. Mercant enviara a Epan, trouxeram minúsculas folhas de metal. Tais folhas foram encontradas durante as buscas na residência de Mataal. Os epanenses não haviam tocado na casa do falso gladiador, pois estavam convencidos de que o herói da arena haveria de voltar um belo dia.

Logo se verificou que aquelas finíssimas lâminas continham anotações. Os especialistas conseguiram traduzir a língua estranha por meio de máquinas e computadores especiais. Pelo que indicavam os resultados, dentro em breve, uma segunda nave deveria partir do planeta dos deformadores de moléculas. Os relatórios de Mataal não diziam nada sobre a posição de seu planeta. No entanto, havia esperanças de encontrar o planeta de destino da segunda nave.

— Não fique quebrando a cabeça sobre a política dos seus chefes — disse Ben, dirigindo-se a Hunter. — Nestes últimos tempos, os saltadores e os druufs já andaram vagando por nosso sistema solar. Ninguém pode afirmar que nos tenham dispensado um tratamento muito gentil. Se conseguirmos descobrir os deformadores de moléculas e transformá-los em nossos aliados, poderemos sentir-nos mais seguros.

O desejo de segurança de Hunter parecia ter morrido há alguns anos, pois limitou-se a responder com um sorriso irônico. A máquina positrônica interrompeu a discussão. O setor de interpretação entrou em funcionamento. Hunter comprimiu várias teclas. A máquina estava empenhada em extrair um resultado lógico dos dados que lhe haviam sido introduzidos.

— Trata-se da determinação de um lugar — observou Hunter. — Mercant quer conhecer o grau de probabilidade com que a máquina pode indicar a posição cósmica do planeta de destino da segunda nave dos deformadores de moléculas.

Num gesto que quase chegava a ser carinhoso bateu no revestimento de plástico do computador.

Dali a duas horas, segurava o resultado na mão. Até mesmo para um computador como este, a resposta era de uma precisão extraordinária.

O cérebro positrônico apurara a posição do planeta de destino com uma segurança de 95,639 por cento.

 

A grande calva do homem era cercada por uma coroa rala de cor dourada. O homem era pequeno e seu rosto parecia exprimir benevolência.

Foi descendo pelo corredor. Era uma figura cheia de vida, que parecia irradiar otimismo por todos os poros. Parou diante de uma larga porta.

— Aqui fala Mercant — disse para dentro de um microfone embutido na parede. — Posso entrar?

— Vá chegando! — disse uma voz convidativa.

Allan D. Mercant sabia que o homem com o qual se veria frente a frente estava carregado de preocupações como nenhum outro. Abriu a porta e entrou.

— Olá — disse Perry Rhodan a título de cumprimento.

Embora fosse um quente dia de agosto, o administrador usava o uniforme em conformidade com as normas do regulamento. Esse homem, que já durante a vida se transformara numa legenda, nunca se prevaleceria de sua posição para usufruir qualquer vantagem perante os subordinados. Rhodan estava sentado atrás da escrivaninha. Um jovem cadete, que estava sentado atrás de outra escrivaninha, muito menor, saltara sobre os pés à entrada de Mercant e fizera continência.

Mercant cumprimentou-o com um gesto, e o rapaz voltou a sentar-se. Havia em seu rosto algo da perplexidade que costuma acometer o homem comum que se vê diante de uma pessoa célebre. Apesar de todo embaraço, aquele jovem se daria por feliz por ter estado na mesma sala em que se encontravam Rhodan e Mercant.

Mercant colocou uma pasta sobre a mesa.

— Faça o favor de sentar-se — disse o administrador.

Na presença de outras pessoas, costumava usar maneiras formais.

O chefe do Serviço de Defesa agradeceu.

— Trata-se de Epan — disse, apontando para a pasta. — O senhor deve estar lembrado da missão realizada sob o comando do Coronel Everson. Naquela oportunidade Goldstein, um jovem telepata, salvou os tripulantes da nave girino.

— O senhor se refere ao problema surgido com aquela criatura medonha que, graças às suas faculdades parapsicológicas, conseguia afetar a estrutura molecular da matéria e introduzir-lhe modificações?

— Perfeitamente, Sir — confirmou Mercant.

O cadete estava inclinado sobre a mesa. Esquecera-se dos seus trabalhos escritos.

— Estou trazendo certos dados devidamente processados, que provavelmente lhe interessarão — prosseguiu o chefe do Serviço de Defesa Solar, em tom tranqüilo. — Meus colaboradores descobriram certas coisas que, na minha opinião, se revestem de muita importância.

O fato de sempre mencionar seus subordinados constituía uma das características de Mercant. Ele nunca pensaria em apresentar os resultados favoráveis como decorrência de sua capacidade.

Rhodan puxou a pasta para junto de si e abriu-a. Por algum tempo examinou seu conteúdo, sem dizer uma palavra. Mercant não o perturbou. De repente, Rhodan soltou um assobio.

— Vejo que seus colaboradores conseguiram calcular em que planeta deve ter pousado a nave dos deformadores de moléculas. Pelo relato de Mataal, trata-se de uma nave de emigrantes. Se já chegou ao destino, seus passageiros ainda devem encontrar-se lá.

O rosto de Mercant exprimia satisfação.

— O respectivo sistema solar fica junto ao setor central da Galáxia — disse. — Consta do catálogo estelar de Árcon como o sol verde MEG-1453-AS-34. Sua distância da Terra é de vinte mil anos-luz. Aquele sol, que poderemos chamar de Greenol, tem seis planetas. Todos eles são considerados como desabitados. O segundo poderia interessar-nos. Um dos cibernéticos já o batizou: Moluque.

Inclinou o corpo para a frente e tirou uma folha verde da pasta, a fim de entregá-la a Rhodan.

— Aqui está o relato do telepata Samy Goldstein sobre as espantosas faculdades paranormais daquele deformador de moléculas, que viajou como clandestino a bordo do girino de Everson. E procedeu assim, sem ninguém desconfiar, pois o coronel acreditava que se tratava de um nativo de Epan.

Rhodan dobrou o papel e tamborilou sobre a escrivaninha.

— Já conheço suas idéias — disse, dirigindo-se a Mercant.

O rosto de seu interlocutor exprimiu uma surpresa mal fingida. Antes que Mercant pudesse formular qualquer objeção, Rhodan prosseguiu.

— Para falar com franqueza, devo dizer que nossa situação é desesperadora. As raças de astronautas conhecem a posição da Terra. Por enquanto o Império Solar é muito fraco para resistir a um ataque mais sério. Atlan tem lá as suas preocupações e não nos pode proporcionar o apoio que gostaria de dar-nos. Pelo contrário. Muitas vezes terá uma necessidade premente do nosso auxílio. Uma frota medianamente poderosa poderia arriscar a invasão sem receio de uma reação mais séria. E essa situação poderá tornar-se fatal. Nem mesmo as naves que Atlan nos cedeu num gesto de generosidade, para compensar as pesadas perdas que sofremos, bastam para conferir-nos uma segurança total. É bem verdade que as linhas de montagem da Terra e da Lua estão funcionando dia e noite. A fabricação em série das naves de todos os tipos está sendo realizada a toda velocidade. Acontece que, no momento, ainda seríamos esmagados pela superioridade potencial de qualquer inimigo.

Fez um gesto com a cabeça.

— Nestas condições estaria disposto a fazer um pacto com o demônio para salvar a Humanidade. Devemos trilhar todo e qualquer caminho que possa levar-nos a um aliado poderoso. Nosso objetivo há de consistir na busca de amigos poderosos, que possam concorrer para o fortalecimento do Império.

— Sou da mesma opinião, Sir — confirmou Mercant. — A tentativa de entrar em contato com os deformadores de moléculas poderá ter um efeito de bumerangue, mas acho que devemos assumir o risco.

— Faça o favor de deixar estes dados comigo — disse Rhodan. — Farei um exame meticuloso dos mesmos. Será preferível conversar com vários amigos a este respeito.

— Permite que faça mais uma sugestão Sir? — perguntou Mercant em tom cortês.

— Naturalmente — disse o administrador, sentado atrás da escrivaninha.

— Mande Everson — disse Mercant. — E Goldstein.

O sorriso daqueles dois homens exprimiam preocupação. Tinham receios a respeito do desenvolvimento futuro e da própria existência da raça, cuja ascensão vertiginosa fora detida de uma hora para outra: a Humanidade.

 

Bastava que Poul Weiss se inclinasse sobre a grade protetora da plataforma para enxergar perfeitamente as outras áreas de decolagem. As nuvens já se haviam desfeito e o sol era refletido pelas polidas superfícies metálicas das espaçonaves. Mais embaixo, Weiss viu os mecânicos que examinavam as colunas hidráulicas de apoio da nave esférica. Nos seus trajes brancos pareciam grandes besouros que se arrastavam de um lugar para outro.

O elevador parou perto de Weiss. Werner Sternal também se dirigiu à plataforma situada diante da grande comporta de ar. Como de costume, seu bolso estava recheado, muito além do peso admissível.

— As eminências já estão reunidas? — perguntou.

— As eminências somos nós — disse Weiss, lançando um olhar de esguelha para a bagagem de Sternal. — A não ser que queiramos conferir este título ao paisano insuportável chamado Morton, que subiu a bordo há alguns minutos.

Sternal desapareceu na comporta de ar do novo cruzador da classe Estado. Tal qual todos os veículos espaciais de sua classe, a superveloz México tinha cem metros de diâmetro. Precisava-se de uma tripulação de cento e cinqüenta homens para dirigir a maravilhosa espaçonave através do cosmos.

Weiss sabia qual era a missão especial que teriam de cumprir. Sob o comando do Coronel Marcus Everson, materializariam-se no espaço, depois de três transições, a 20 mil anos-luz da Terra. Tentariam pousar no segundo planeta do sol Greenol, a fim de procurar os deformadores de moléculas, que, segundo a interpretação dos dados, realizada pelo computador positrônico, deviam viver por lá.

Weiss não gostava de pensar nas experiências pelas quais passara a bordo do girino, juntamente com seus colegas. Não sabia como comunicar-se com uma criatura do tipo de Mataal, sem levar desvantagem.

Viu Everson e Scoobey atravessarem o campo de pouso. Dez homens que pertenciam à antiga tripulação do girino subiriam a bordo da México. Graças à sua experiência, formariam a elite dos tripulantes.

O elevador desceu. Ao abandonar a plataforma, Weiss lançou mais um olhar pelos arredores.

“O astronauta vive se despedindo”, pensou.

Apesar disso, nem poderia imaginar em jamais fazer outra coisa, senão penetrar na comporta de ar, para logo depois deixar-se conduzir até o espaço infinito.

 

A México saiu do hiperespaço, concluindo o vôo fantasmagórico que lhe permitia vencer os anos-luz. Os efeitos das transições foram diminuindo. Poul Weiss ergueu-se. Esfregou os olhos.

Um estalido saiu do alto-falante.

— A terceira transição acaba de ser concluída.

Era a voz de Everson.

— Encontramo-nos no sistema de destino. A distância para o sol Greenol é de cento e setenta milhões de quilômetros. O planeta Moluque, ao qual devemos dirigir-nos, encontra-se, neste momento, situado exatamente atrás do sol. Por enquanto nos limitaremos a pesquisas à distância, a fim de conferir os dados do catálogo estelar de Árcon.

Weiss tirou as pernas de cima do leito pneumático.

Sem bater, Pentsteven, um dos astrônomos, entrou no pequeno camarote. Seus olhos de camundongo fitaram Weiss, que estava bocejando.

— É a primeira vez que me encontro numa missão como esta — disse.

— Ah, é? — disse Weiss, sem demonstrar muito interesse.

— Por que o comandante não se aproxima de Moluque? Na posição em que nos encontramos não poderá descobrir muita coisa.

Além da curiosidade típica do novato, Pentsteven ainda parecia possuir boa dose de obstinação.

— Até hoje o sistema não foi tocado por nenhum ser humano — explicou Weiss. — Não sabemos praticamente nada sobre os seis planetas. Seria um verdadeiro absurdo pousarmos, ao acaso, em qualquer lugar. É bem possível que, enquanto estivermos passeando no segundo planeta, alguém que se encontre no planeta número quatro nos envie uma armada. Por isso queremos adquirir uma visão de conjunto, antes de dedicarmos nossa atenção a Moluque.

— Naturalmente — disse Pentsteven em tom simplório.

Weiss lançou-lhe um olhar de recriminação.

— Quanto tempo demorará antes que pousemos em Moluque? — indagou o astrônomo. — Para mim, tudo isto é muito excitante.

O rosto de Weiss tornou-se rubro, o que fez com que Pentsteven saísse apressadamente.

Dali a pouco, quando Weiss se dirigiu à sala de comando e de navegação, os especialistas já haviam iniciado a interpretação dos resultados das primeiras medições. O computador positrônico de bordo foi alimentado ininterruptamente com novos dados.

— As condições reinantes nos dois planetas exteriores são semelhantes às de Plutão — estava dizendo Marcus Everson. — Não é de se supor que neles exista vida. Também não precisamos cogitar do planeta interno, que fica tão próximo de Greenol, que sua superfície provavelmente se encontrará em estado de incandescência. Quer dizer que só devemos interessar-nos pelos números dois, três e quatro.

O primeiro-oficial Scoobey disse:

— Por enquanto não descobrimos o menor vestígio de vida.

Weiss observou que de tanto nervosismo Pentsteven perfurava um mapa estelar com a ponta do compasso. Samy Goldstein, o telepata, encontrava-se próximo às instalações de intercomunicação. Seu rosto jovem parecia tenso. Não pertencia à primeira fornada de mutantes. No entanto, as experiências que colhera com Mataal o tornaram apto para a missão em que estavam empenhados.

— De qualquer maneira nos aproximaremos de Moluque — disse Everson. — Tenho certeza de que os especialistas do Serviço de Defesa interpretaram corretamente o material de que dispomos.

Weiss ouviu estas palavras com estranha sensação.

Compreendia perfeitamente que Rhodan desejasse conquistar aliados de qualquer maneira. No entanto, indagou a si mesmo se para a tripulação da México não seria preferível não descobrirem nenhum deformador de moléculas.

“Cada coisa tem dois lados”, pensou Weiss. “É que nem uma moeda jogada para o alto. Ninguém sabe qual a face que vai surgir.”

 

Depois de doze horas terranas, o Coronel Everson deu ordem para que a nave se aproximasse de Moluque. O exame dos outros planetas não trouxera qualquer resultado capaz de infundir maiores receios.

Moluque levava 38 horas e 18 minutos para girar em torno de seu eixo. Da lentidão do movimento de rotação resultavam perturbações atmosféricas, já que a face noturna esfriava por mais tempo e as massas de ar frio se precipitavam violentamente para as áreas de ar aquecido.

Everson, cuja cautela quase chegara a tornar-se proverbial nos seus longos anos de serviço, mandou que a México se aproximasse da face noturna do planeta. O primeiro resultado com os telerrastreadores individuais deu resultado positivo:

Moluque era um planeta habitado.

O serviço de escuta não revelou o menor sinal que permitisse concluir a existência de qualquer tipo de comunicações de rádio. É bem verdade que o operador de rádio de uma nave esférica costuma ficar muito nervoso, quando as perturbações, causadas por uma atmosfera agitada parecem enlouquecer o equipamento. Porém não se descobriu qualquer indício de uma transmissão de mensagens realizadas por seres inteligentes.

— Se por aqui realmente existem seres tecnicamente evoluídos, deveria haver algum sinal disso — observou Scoobey.

— Não nos restará outra alternativa, senão voltarmos a usar nossos aparelhos — disse Everson aos tripulantes. — E faremos um teste meticuloso.

Os aparelhos de rastreamento e de medição estavam funcionando a plena potência.

Ao que tudo indicava, Moluque ofereceria um tempo quente aos astronautas, se é que estes chegariam a pousar nesse planeta. Era um mundo pobre de água, coberto de grandes desertos e entrecortado apenas por algumas faixas estreitas de vegetação. Pelo que diziam os astrônomos, a temperatura média na face diurna ficava em torno de 42 graus centígrados.

— 42 à sombra! — disse Pentsteven, dirigindo-se a Weiss, que acabara de soltar um gemido.

De qualquer maneira, o ar era respirável. Sua percentagem de oxigênio era inferior à da atmosfera terrana. Segundo as medições e as análises, o teor de gases nobres era bastante elevado.

As tempestades de areia, os furacões de poeira e as trovoadas secas seguiam-se em rápida sucessão.

Goldstein, o mutante, captou vibrações mentais de seres primitivos. Não encontrou o menor sinal da existência de seres paranormais.

Seguiram-se outras 48 horas, durante as quais se realizaram todas as observações possíveis. Finalmente Everson deu ordem para que a México pousasse na face noturna do planeta Moluque.

 

O rosto impassível de Marcus Everson fitou a lâmina fosca que se encontrava à frente de seu peito. Sustentado pelo campo antigravitacional, o cruzador, agora sem peso, foi flutuando lentamente em direção à superfície. Everson preferira não deixar os propulsores ligados durante o pouso. A forte luminosidade do jato seria visível a longa distância em meio à noite.

O altímetro indicava 142 metros.

À esquerda de Everson estava sentado Carmene, o navegador.

A 34 metros acima do solo aconteceu o inesperado.

De repente, a mão de um gigante parecia segurar Everson. Seu estômago transformou-se numa massa espremida, que causou náuseas e vertigens. Embora tudo se desenrolasse dentro de poucos segundos, teve tempo para gritar.

— O campo antigravitacional entrou em pane!

No mesmo instante, houve o impacto. O coronel foi atirado para fora da poltrona. Sentiu-se levantado. Num movimento instintivo de defesa, colocou os dois braços à frente do rosto. Enquanto voava pela sala de comando, as luzes apagaram-se. Alguém soltou um grito em meio à escuridão.

Everson foi atirado contra o computador de bordo. Sentiu uma dor cruciante no ombro direito.

Uma das telas quebrou-se com um forte estouro. Em algum lugar ouviu-se um estalido de metais. Gemidos soaram em meio à escuridão. Um dos astronautas saiu rastejando debaixo da mesa de navegação. Everson ouviu seu corpo roçar nos mapas.

Empurrou-se para a frente, a fim de poder segurar-se na borda saliente do computador. Assim que pôs as mãos na mesma, levantou-se.

— Alguém se encontra próximo à iluminação de emergência? — perguntou Everson em meio à escuridão.

— Estou deitado bem embaixo dela — disse alguém.

Fora Scoobey que proferira estas palavras.

— Bellinger, esse hipopótamo, alojou-se em cima de minha barriga e não permite que eu me levante — acrescentou.

Apesar da dor que sentia, Everson não pôde deixar de rir. Imaginava como Bellinger, um homem maciço, devia estar comprimindo o oficial franzino.

— Acho que conseguirei — disse outro homem.

Everson esperou. Alguém começou a praguejar em voz baixa, mas enfática, contra o campo antigravitacional.

Finalmente as luzes acenderam-se.

A sala de comando oferecia um triste quadro. Até parecia que um gigante havia criado toda essa confusão com uma batedeira de dimensões enormes. Bem à frente de Everson, alguns homens se esforçavam para libertar seus corpos enlaçados uns nos outros. Poul Weiss saiu rastejando. Seu braço estava enfeitado por dois hematomas simétricos. Lançou um olhar expressivo para Everson e apontou com o polegar para trás. O comandante viu Pentsteven, que surgia em meio a um montão de mapas.

Carmene era o único que continuava sentado no mesmo lugar. Balançava elegantemente a perna e sorria.

— Tirem logo este sujeito de cima de mim — gritou Scoobey.

Sternal e Landis precipitaram-se sobre Bellinger e arrastaram-no para longe do primeiro-oficial. Alguns homens estavam inconscientes.

Everson pegou um microfone.

— Aqui fala o comandante — disse com a voz tranqüila.

Esperava que sua voz pudesse ser ouvida em todos os cantos da nave. E desejava que todos os tripulantes estivessem em condições de entendê-lo.

— O campo antigravitacional da México deixou de funcionar pouco antes do pouso. Ainda não conhecemos os motivos dessa falha. Todos sabem o que fazer num caso como este. A partir deste momento, entram em vigor as regras de emergência. Além disso, convoco os tripulantes para um estado de rigorosa prontidão.

Interrompeu-se a fim de fazer um sinal tranqüilizador para o Dr. Morton, que se aproximava apressadamente. O médico dedicou sua atenção aos homens feridos ou inconscientes.

— O impacto não foi forte; devemos recear a ocorrência de mortes — prosseguiu Everson. — O Dr. Morton e o Dr. Lewellyn cuidarão dos feridos. O Dr. Morton fará uma ronda pela nave. Os casos mais graves deverão ser entregues ao Dr. Lewellyn, que permanecerá na enfermaria. Os técnicos que não sofreram ferimentos começarão imediatamente a verificar as avarias ocorridas com a México. Quero ser informado sobre qualquer dano mais sério.

Viu Scoobey levantar-se e caminhar lentamente em sua direção. Bellinger continuava inconsciente. Pentsteven estava arrumando os mapas estelares.

— Não se esqueçam de que nos achamos num planeta desconhecido. Na situação em que nos encontramos, toda cautela é pouca. Ninguém sairá da nave sem que tenha ordens expressas para isso. Encontramo-nos na periferia de uma enorme área desértica. Daqui a sete horas a noite chegará ao fim. Depois disso, poderemos começar a investigar o ambiente externo, na medida em que os respectivos instrumentos ainda estejam em ordem. Mas é bom que saibam que não temos qualquer possibilidade de fugir. Oportunamente fornecerei novas notícias. Desligo.

Scoobey, que já se encontrava a seu lado, esfregou o peito.

— Acho que antes de mais nada devemos cuidar do sistema de condicionamento de ar — sugeriu. — Não teremos necessidade de expor nosso sistema de fornecimento de ar a uma solicitação excessiva, desde que queiramos contentar-nos com o ar de Moluque.

— Isso é apenas um dos problemas — disse o coronel.

— Qual é o outro? — indagou Walt Scoobey.

Os dedos de Everson crisparam-se em torno do microfone.

— Não é tanto um problema, mas antes uma pergunta muito importante — respondeu. — Por que o sistema antigravitacional falhou de repente? Não existe nenhum motivo para isso. A única explicação que consigo encontrar é que houve alguma influência externa.

— Isso parece um tanto fantástico — objetou Scoobey. — Talvez os técnicos descubram o motivo da pane.

O alto-falante emitiu um estalido e interrompeu a discussão.

— Aqui fala o técnico Ferranion, Sir — disse uma voz nervosa.

Everson colocou o microfone à frente da boca.

— O que houve? — perguntou.

— Tenho más notícias, Sir. O hangar com as naves auxiliares foi totalmente esmagado durante o impacto. Haverá necessidade de reparos extensos para colocá-lo em condições de uso. Duas naves auxiliares estão intatas, mas não existe a menor possibilidade de serem usadas...

— Obrigado — disse Everson em tom contrariado.

— Agora estamos presos na armadilha — constatou Carmene em tom seco.

— O senhor percebe tudo — disse Scoobey em tom irônico.

Dirigindo-se a Everson, acrescentou:

— Talvez possamos desmontar as duas naves auxiliares e retirá-las pela comporta de ar. Lá fora poderíamos montá-las de novo.

— Quanto tempo demoraria isso? — perguntou Everson.

Scoobey hesitou um pouco.

— Uns vinte dias — disse finalmente. — Talvez mais.

Foram interrompidos por um gemido. Era Edward Bellinger quem estava recuperando os sentidos. O Dr. Morton levantou-o. Bellinger segurava a cabeça.

— O que aconteceu? — perguntou num cochicho.

Enquanto Pentsteven lhe relatou em poucas palavras o ocorrido, Everson refletiu sobre a sugestão do primeiro-oficial.

— Acho que podemos poupar-nos o trabalho com as naves auxiliares — decidiu depois de algum tempo. — Faremos apenas os reparos, que não deverão consumir muito tempo.

Os indicadores de estabilidade da México não estavam funcionando. Everson acreditava que todas as colunas de apoio estivessem quebradas. A nave esférica apresentava uma inclinação para a frente de mais de vinte graus, conforme mostrava o ângulo do soalho da sala de comando.

Quatro horas depois, Everson ficou informado sobre a extensão do desastre.

Mais de cinqüenta homens estavam feridos a ponto de não poderem executar seus serviços costumeiros. Everson ainda contava com cerca de cem homens dos quais poderia lançar mão em caso de necessidade.

Os técnicos calcularam que os trabalhos necessários para colocar a México em condições de decolar demorariam cerca de trinta dias. Duas das colunas de apoio se haviam esfacelado como se fossem palitos de fósforo. Estavam completamente inutilizadas. Outra se desprendera e as demais estavam mais ou menos entortadas.

O dano mais lamentável foi o que atingiu o equipamento eletrônico hipersensível. Instrumentos preciosos estavam irremediavelmente inutilizados. Apenas um dos aparelhos de rastreamento resistira ao impacto. O rastreador de matéria estava completamente esfacelado. Quase todos os oscilógrafos, as telas e as lâminas translúcidas estavam quebradas. O pequeno observatório de bordo, que ficava ao lado do hangar das naves auxiliares, fora totalmente destruído por um veículo espacial que se desprendera.

O hangar propriamente dito era a imagem da desolação. Três barcos espaciais se haviam desprendido e causaram danos consideráveis nos lugares em que bateram.

O cruzador superveloz da classe Estado estava destroçado.

Imobilizado, jazia em meio ao deserto do estranho planeta.

 

Everson entrou na comporta aberta e “farejou” o ar. Era um dia de tempo bom. O sol verde ainda não atingira o ponto mais alto, mas o ar superaquecido já tremeluzia sobre o deserto.

À direita da México, estendia-se uma colina achatada, coberta por uma vegetação rala e sem folhas. Atrás dessa elevação, começava uma das estreitas faixas de vegetação de Moluque.

— Dê-me o binóculo — disse Everson, dirigindo-se a Weiss, que se encontrava a seu lado.

— O que pretende descobrir? — perguntou Goldstein, que também se encontrava na comporta de ar.

O telepata trazia o braço esquerdo numa tipóia: destroncara-o durante a queda.

Everson pegou o binóculo. Encostou-o aos olhos e regulou a distância.

— Daqui dificilmente poderemos descobrir alguma coisa — disse depois de algum tempo. — Esta colina impede a visão para a área que talvez seja habitada.

Sacudiu a cabeça e abaixou o binóculo.

— O que vamos fazer? — perguntou Weiss.

— Enviaremos uma expedição, que irá a essa colina para verificar o que existe do outro lado. No momento é só.

Fez um sinal para Weiss.

— Encarregue-se disso, Poul. Chame o Dr. Morton. Ele e Goldstein o acompanharão. Será conveniente colocar os trajes protetores. Peça a Mr. Scoobey que lhe entregue armas.

Weiss desapareceu com um sorriso de satisfação. Goldstein manteve-se em atitude de expectativa.

— Será que o senhor poderá acompanhar a expedição com esse braço machucado? — perguntou o coronel.

— Naturalmente, Sir.

Everson notou que o jovem mutante mantinha uma atitude hesitante. Havia alguma coisa que o deixava inseguro. Everson colocou a mão sobre o ombro do telepata.

— O senhor quer me dizer mais alguma coisa?

— Quero — disse Goldstein. — Desde o momento em que pousamos, minha faculdade telepática desapareceu quase por completo.

— O quê? — exclamou o comandante da México. — Quer dizer que o senhor não está mais em condições de penetrar nos pensamentos de outros seres?

— Acho que é isso — confessou Goldstein. — Estou enfrentando as maiores dificuldades, Sir. Não é apenas porque minha capacidade de percepção extra-sensorial tenha sido afetada, mas também sinto uma pressão mental vinda de fora.

Everson fitou-o com um nervosismo cada vez mais intenso.

— Explique-se melhor — pediu.

— Seus pensamentos só me atingem de forma totalmente confusa, Sir — enrubesceu ligeiramente. — Queira desculpar. Não pense que quero espionar. Foi apenas um teste.

— Está bem — disse Everson. — Prossiga.

Goldstein passou a mão pelo rosto. O suor começou a porejar na testa. Parecia muito nervoso.

— É difícil de explicar, Sir. Imagine que o senhor quer ler a letra de alguém na penumbra. Demorará bastante para conseguir.

— Compreendo — respondeu o coronel. — Os sintomas lhe evocam alguma lembrança de Mataal e de suas faculdades extraordinárias?

— De forma alguma — disse o mutante. Everson lançou um olhar pensativo para o deserto. Uma brisa ligeira agitava a vegetação ressequida das dunas.

— Apesar disso, quer acompanhar a expedição? — indagou Everson.

— Naturalmente — respondeu Goldstein em tom resoluto.

 

Três figuras caminharam lentamente pela areia.

Poul Weiss parou. Virou-se e olhou para a México. Acabavam de abandonar a segurança duvidosa da espaçonave. Weiss sabia que as torres de canhões e os lança-torpedos estavam prontos para entrar em ação.

Atrás de cada canhão de radiações, atrás de cada peça de nêutrons havia um artilheiro, que daria uma resposta adequada a qualquer ataque que fosse desfechado contra aqueles três homens.

Apesar disso, Weiss não se sentia muito à vontade.

— O que houve? — perguntou o Dr. Morton em tom impaciente.

Sua barba ruiva e rebelde aparecia mesmo através do visor do capacete. Os olhos azuis fitavam Weiss com uma expressão de hostilidade.

— Apenas resolvi olhar para trás — informou Weiss.

O médico resmungou e continuou a andar. O braço ferido de Weiss descansava na tipóia. Quando atingiram a primeira vegetação, Weiss parou de novo.

Esfregou uma folha entre os dedos polegar e indicador. A folha esfacelou-se. Weiss abriu o capacete e soprou os restos da palma da mão.

— Estão secas — disse em tom lacônico.

— Será preferível que o senhor volte a fechar o capacete — disse o Dr. Morton.

Weiss arrancou um galho e enfiou-o na mochila.

— Gostaria de saber onde essas coisinhas finas armazenam a água... — disse em tom curioso. — O caule é oco.

— Venha — disse Morton em tom insistente. — Vamos adiante.

Continuaram a subir pela suave encosta. Mantinham contato ininterrupto pelos comunicadores de capacete. Estes também lhes permitiam entrar em contato com a México.

À medida que subiam, a vegetação tornava-se mais densa. Pequenos arbustos foram surgindo.

Finalmente atingiram um lugar do qual podiam ver o outro lado da colina. Em certos trechos, a vegetação era muito densa. Animais parecidos com lagartos corriam velozmente sobre a areia, que apresentava uma coloração mais escura.

— Olhe, Poul! — exclamou Goldstein em tom exaltado. — Lá adiante!

Dr. Morton colocou a mão na frente do visor, a fim de proteger os olhos contra a luz do sol.

— O que é aquilo? — perguntou, quase gritando.

— Uma cidade — limitou-se Weiss a dizer.

 

Realmente era uma cidade, embora para os padrões terranos a palavra aldeia fosse mais adequada. Estava cercada de estranhas florestas e ficava no fundo do vale.

As casas pareciam cestos. Nenhuma delas tinha mais de quatro metros de altura. Ficavam bem juntas e eram feitas de um material branco reluzente. Viam-se aberturas altas e estreitas, que deviam ser portas, e janelas redondas. Num rápido olhar, acreditava-se que o número das casas não era muito elevado. Mas, a um exame mais atento, verificava-se que estavam tão estreitamente ligadas umas às outras, portanto, bem que podiam ser mais de mil.

O Dr. Morton foi o primeiro a voltar a falar.

— O aspecto é bastante primitivo — disse. — Parecem colméias de abelhas. Se os seres que as habitam forem tão produtivos como as abelhas terranas, mas menos dispostos para a luta, poderemos dar-nos por satisfeitos.

— Goldstein — disse Weiss, dirigindo-se ao telepata. — Está percebendo alguma coisa?

— Nada — respondeu Goldstein com a voz desanimada.

— Nada?

— Não consigo captar qualquer irradiação mental — explicou Goldstein, num tom que quase chegava a ser de desespero. — Minha capacidade telepática extinguiu-se de vez.

— Isso não é possível — interveio o médico. — Seu cérebro não pode tornar-se normal de uma hora para outra.

— Acontece que se tornou. Weiss observava a cidade.

Será que por lá havia alguma coisa capaz de afetar as qualidades paranormais de Goldstein? Será que já haviam descoberto um sinal da presença dos deformadores de moléculas?

“Não”, pensou Weiss. “Uma raça tecnicamente evoluída nunca viveria em construções desse tipo. Deve haver outra explicação para a mudança mental de Goldstein.”

— Parece que a cidade está habitada — disse o Dr. Morton. — Acontece que não se vê nenhuma criatura viva.

— Vamos dar uma olhada — sugeriu Weiss.

— Espere aí! — disse uma voz nos seus alto-falantes de capacete.

Era Everson. Viraram a cabeça e olharam para a México, embora a essa distância, nem os contornos da nave pudessem ser vistos.

— Não faça tolices, Poul — disse Everson. — O senhor não sabe o que o espera por lá. Antes de mais nada, devemos observar atentamente esse núcleo populacional.

Um tanto contrariado, Weiss mexeu na sua sacola.

— Aquilo tem um aspecto totalmente inofensivo — observou. — Estamos armados e permanecemos em contato com a nave.

Nesse momento, o Dr. Morton disse:

— Não há necessidade de procurarmos os nativos. Eles já vêm em nossa direção.

Apontou para o vale. Weiss tropeçou ao virar-se abruptamente. Seus olhos se arregalaram. Sentiu seu coração bater com mais força. Ouviu que Goldstein respirava pesadamente.

Um grupo de seres estranhos acabara de sair de sob as árvores, que cercavam a aldeia, e aproximava-se lentamente dos três astronautas. Seu andar era ereto, o que bastava para que se concluísse que tinham inteligência.

Antes que a Humanidade conquistasse o espaço já havia cientistas famosos que estavam convencidos de que só as criaturas de andar ereto eram capazes de criar uma civilização no sentido humano do termo. E essa teoria se confirmara em suas linhas gerais.

Os nativos eram um pouco mais altos que os homens. Possuíam dois braços e duas pernas. Weiss notou que tinham cabeças alongadas, em forma de abóbora. O tronco era muito curto. Em compensação dispunham de um par de pernas longas e robustas.

Quando os nativos se aproximaram, os terranos perceberam que a pele desses seres era de ura tom que quase chegava a ser verde-escuro e que suas bocas tinham o aspecto de bicos de pato.

Weiss disse o que todos estavam pensando.

— Parecem aves pernaltas!

— Não consigo senti-los — disse Goldstein em voz baixa. — Devem estar irradiando impulsos mentais.

— Estão carregando alguma coisa — constatou o Dr. Morton. — O senhor consegue ver o que é, Poul?

— Parecem bastões — disse o biólogo. — Bastões de madeira com uma extremidade mais grossa que a outra.

Morton segurou o braço de seu companheiro.

— Isso me faz lembrar alguma coisa — disse em tom tenso.

Os nativos — eram cerca de trinta — pararam a uma distância de cinqüenta metros. Antes que o médico tivesse tempo de dizer que lembrança aquilo lhe evocava, os seres iniciaram um trabalho incompreensível. Enfiavam as pontas dos bastões na areia, de maneira tal que as extremidades mais grossas ficavam cerca de um metro acima da superfície. Os homens fitaram-nos em silêncio.

— Estão pondo fogo naquilo! — exclamou Weiss em tom exaltado. — Veja, doutor. Conhecem o fogo.

Trinta explosões sacudiram o ar.

— Deitar! — gritou o Dr. Morton. — Com o rosto para baixo.

— O que será isso? — perguntou Weiss, respirando com dificuldade e comprimindo a cabeça contra a areia.

Alguma coisa caiu a seus pés. Levantou cautelosamente a cabeça. Os nativos vieram correndo em sua direção, desenvolvendo uma velocidade inacreditável. O Dr.

Morton pegou o paralisador e abriu fogo. Goldstein e Weiss seguiram seu exemplo. Os seres-pássaro tombaram. Seus fluxos nervosos deixaram de funcionar.

Goldstein arrancou do chão o objeto em forma de lança. Mostrou-o a Weiss.

— É um tipo de flecha — disse o biólogo em tom pensativo. — Parece que é de metal. A ponta deve ser de bronze.

— Já sei o que me lembraram esses bastões — disse o Dr. Morton e voltou a guardar a arma. — Foguetes.

— É verdade! — exclamou Weiss em tom de surpresa. — Trata-se de foguetes primitivos. Na ponta encontra-se a carga, que, no caso, consiste numa flecha metálica. Apenas precisam de uma substância explosiva e de pavio.

Em torno deles, estavam espalhados outros projéteis desse tipo. Um deles detonara no local do disparo e, em conseqüência disso, o respectivo possuidor caíra ao chão, ferido.

Os alto-falantes de capacete emitiram um estalido, e a voz de Everson se fez ouvir.

— Procure trazer para bordo dois desses seres, Poul. Retirem-se. Quando os outros recuperarem os sentidos, não terão uma disposição muito amistosa. Não gostaria de atacar esses seres primitivos com lança-raios.

Um sorriso triste surgiu no rosto de Weiss. Ao que tudo indicava, a esperança de Rhodan, que desejava encontrar aliados fortes, era enganadora. De qualquer maneira, as armas desses seres-pássaro não ajudariam em nada. Esse tipo de foguete já fora usado pelos chineses no ano de 1.232, durante a defesa de Kaifung-Fu. E os mongóis, contra os quais os mesmos foram disparados, eram um inimigo muito menos perigoso que uma frota dos saltadores.

 

O nativo estava estendido na cama e sua respiração era forte e ligeira. Mantinha os olhos fechados, mas não havia a menor dúvida de que recuperara os sentidos. As mãos de quatro articulações estavam firmemente comprimidas contra o corpo.

A pequena expedição trouxera para bordo dois greens, nome que Morton dera a esses nativos. A fim de dar uma demonstração de amizade, Morton libertara um dos dois nativos.

O outro estava deitado na enfermaria do Dr. Lewellyn e se fingia de inconsciente. Everson imaginava perfeitamente que medo devia ter essa criatura.

O Dr. Lewellyn inclinou-se sobre o green. O médico era uma pessoa de estatura média com rosto de artista de cinema. Ao contrário do Dr. Morton, tinha muito cuidado com sua aparência.

Bateu suavemente no braço do estranho. Weiss, que se mantinha num lugar mais afastado, pigarreou para demonstrar sua impaciência. O Dr. Morton estava sentado ao pé da cama e cocava a barba.

— Já lhe disse que seu método não presta — disse, dirigindo-se ao Dr. Lewellyn. — O senhor nunca conseguirá incutir-lhe boa vontade.

Everson fez um sinal para que se calasse. O Dr. Lewellyn começou a falar ao green com a voz tranqüilizadora. Vez por outra, tocava suavemente em seu corpo.

Depois de algum tempo, o green abriu os olhos. Eram olhos castanhos e sérios. As pestanas sem cílios davam-lhe um aspecto reptílico. Não havia um único cabelo na cabeça e no corpo do prisioneiro.

O green fitou o Dr. Lewellyn. Seus olhos exprimiam medo e incompreensão. Muito devagar, a fim de não assustar aquele ser, o médico levou a mão fechada ao peito.

— Doutor — disse em voz baixa.

Morton resmungou. Não se poderia saber se essa manifestação de desagrado se dirigia contra a pessoa do Dr. Lewellyn, ou contra a maneira pela qual seu colega pretendia estabelecer contato com o estranho.

— Prossiga — ordenou Everson. — Precisamos encontrar um meio de comunicar-nos com ele.

Com uma enorme paciência, o Dr. Lewellyn continuou a colocar a mão no peito, repetindo a palavra “doutor”.

O corpo do green descontraiu-se um pouco. A mão de quatro articulações subiu cautelosamente. A boca revestida de uma córnea moveu-se.

— Mrght — disse num grasnado.

Morton enfiou os dedos nos ouvidos.

— Não gosto das reuniões de consoantes — disse. — Elas me deixam doente.

— Está bem, Murgut—disse o Dr. Lewellyn. — Isso já é um bom começo.

— Dgtr — disse Murgut em tom esperançoso. — Drftgz hgbsg!

— Ele diz que quer beber alguma coisa — afirmou Weiss.

Começou a rir, mas sua risada cessou imediatamente, quando olhou para Goldstein.

O mutante comprimia ambas as mãos contra a cabeça.

— Não consigo alcançá-lo — disse o telepata com um gemido. — É inteligente, mas é difícil penetrar em sua mente.

Antes que alguém pudesse dizer qualquer coisa, Samy Goldstein saiu correndo do recinto. A escotilha fechou-se ruidosamente atrás dele. Murgut sobressaltou-se.

— O que é isso? — perguntou Everson, esticando as palavras.

— Cuidarei dele — disse o Dr. Morton e levantou-se.

Everson sentiu-se deprimido ao lembrar-se das ocorrências que se verificaram a bordo do girino.

Naquela oportunidade, Goldstein ficara maluco sob a influência de Mataal, um deformador de moléculas. Será que aqui o caso era semelhante? Ainda era cedo para dizer qualquer coisa. De qualquer maneira, as experiências teriam de ser realizadas com o maior cuidado. Rhodan, que não podia dispensar nenhuma de suas naves, só os mandara para Moluque porque esperava que eventualmente pudessem encontrar auxílio neste planeta. O comandante devia ter sempre em mente a seguinte norma: aproveitar todas as horas que passasse nesse mundo.

— Continue, doutor — disse, dirigindo-se a Lewellyn. — Faça o favor de me avisar quando ele estiver em condições de ser levado à tradutora.

Os nativos eram civilizados, mas sua evolução não era muito avançada. Justamente isso parecia representar um paradoxo, pois duas coisas haviam acontecido que não poderiam ter sido causadas pelos greens. O campo antigravitacional deixara de funcionar e, ao encontrar-se com os nativos, Goldstein perdera sua capacidade parapsicológica.

Everson era um homem experimentado. Não era qualquer suspeita que podia levá-lo a agir. Ninguém melhor que ele sabia que, na história da navegação espacial humana, muitas vezes coisas incríveis aconteciam.

Se houvesse alguma ligação entre os greens, o campo antigravitacional e o mutante, deveria ser possível descobri-la. Ou existiria neste planeta algo que ainda não haviam descoberto?

Lembrou-se que, quando a México ainda se encontrava no espaço, Goldstein captara impulsos. Após a queda da nave, a faculdade do mutante começara a diminuir e, depois do encontro com os greens, desapareceu de vez.

O comandante refletiu. Dali se concluía, simplesmente, que o dom de Goldstein se tornara mais fraco na medida em que ele se aproximara dos nativos.

Seria apenas uma coincidência? Ou será que os greens tinham a capacidade de impor um bloqueio parapsicológico a Goldstein? De qualquer maneira havia uma pista que deveria ser seguida.

Everson estava pensativo ao sair da enfermaria. Ao que tudo indicava, a situação da México e de seus tripulantes não era perigosa. Apenas havia algumas indagações ainda não respondidas. E respostas poderiam, de repente, revelar um perigo de cuja existência nem desconfiavam.

 

Depois de quatro dias, Everson, Weiss, Scoobey, Goldstein, Lewellyn e Morton adquiriram, por meio da máquina tradutora e do computador de bordo, conhecimentos do idioma dos greens que lhes permitiam comunicar-se com Murgut. Outros tripulantes estavam empenhados em torcer a língua para treinar a linguagem de Murgut.

— Se soubéssemos que vocês vinham do deserto não para destruir nossa nave nunca teríamos atacado — disse Murgut para desculpar o disparo dos foguetes.

O medo, que os greens sentiam pelo deserto e por tudo que estava ligado ao mesmo, era tão patente que se exprimia em cada frase pronunciada por Murgut. Não havia a menor dúvida de que essa atitude podia ser generalizada para toda a raça. Os nativos sentiam-se dominados por um medo supersticioso.

Depois que o Dr. Lewellyn conseguiu convencer o green de que a México caíra do céu, a desconfiança de Murgut diminuiu imediatamente. Tornou-se mais loquaz.

— Preste atenção, amigo — disse o Dr. Lewellyn, esfregando o queixo liso. — Por que vocês têm tanto medo do deserto? Será que é por causa das terríveis tempestades? Ou será que pensam que é habitado por deuses e demônios?

Sublinhou suas palavras por meio de sinais e gestos. O ser-pássaro fez um gesto afirmativo.

— A desolação do deserto é o mal em sua própria essência, doutor — disse Murgut em tom receoso. — Muitos greens desapareceram por lá, ou voltaram com o espírito doente. Coisas estranhas costumam acontecer, e nos infundem medo.

— Provavelmente alguns desses bicos de pato foram atacados de insolação — observou o Dr. Morton. — Isso não seria de admirar com o calor que reina lá fora, durante o dia.

— Também não seria de admirar se um deles morresse numa tempestade de areia — disse Weiss. — Para a mente primitiva destes seres, a culpa é do deserto, motivo por que dizem que suas areias são o mal em sua própria essência.

— Qual é sua opinião, doutor? — perguntou Everson.

— Acho que estamos simplificando demais as coisas — disse o Dr. Lewellyn. — Não nos esqueçamos de que os greens cresceram sob a influência deste ambiente. Uma geração após outra viveu aqui. O oceano de areia deveria fazer parte de seu ambiente; logo, deveriam considerá-lo normal. Na minha opinião, esta raça conhece perfeitamente os perigos de um furacão de poeira e sabe que alguém pode ser carregado por ele.

Refletiu por um instante. Murgut acompanhava a palestra em língua inglesa, batendo as pestanas, sem compreender nada.

— Segundo minha teoria — prosseguiu o Dr. Lewellyn — o medo dos nativos foi provocado por acontecimentos mais recentes. No deserto, devem estar acontecendo coisas que antes não aconteciam, e é por isso que os greens estão amedrontados.

Everson umedeceu cautelosamente os lábios.

— O senhor tem uma idéia definida sobre o que está acontecendo no deserto, não tem, doutor? — perguntou.

— Uma hipótese vale tanto quanto qualquer outra — disse o médico para esquivar-se.

— Não se incomode comigo — exclamou Samy Goldstein em tom estridente.

Deu alguns passos em direção ao Dr. Lewellyn.

— O senhor acredita que os deformadores moleculares estão lá fora — gritou para o médico. — E receia que já me tenham sob controle.

 

A tormenta trazia grossas nuvens de areia. Arbustos arrancados eram atirados pelo ar. O céu assumira uma coloração cinza-escura. Quatro vultos fantasmagóricos deslocavam-se em meio à tempestade.

Eram três homens, envergando trajes protetores e um green. Os homens caminhavam com o corpo inclinado para a frente, forçavam o corpo para resistir à força do vento, enquanto a tormenta turbilhonava.

Everson praguejou contra o azar que, logo agora, fez desabar a tempestade de areia sobre eles. O coronel, o Dr. Morton e Murgut estavam a caminho da cidade dos greens. A tormenta começara de repente. Everson não conseguiu livrar-se da suspeita de que o nativo soubera disso. Murgut era apenas uma sombra escura caminhando, mas movia-se sem a menor dificuldade, como se a tempestade de areia não fosse nenhum problema.

— Tenho a impressão de que estamos caminhando na direção errada — disse a voz do biólogo reproduzida pelo alto-falante do capacete de Everson.

— Só podemos confiar na capacidade de orientação de Murgut — respondeu o coronel.

Instintivamente, levantara a voz, a fim de superar o ruído do vento. Era uma reação do subconsciente, pois o capacete lhes dava uma proteção quase total contra os ruídos da natureza selvagem.

Weiss não se deu por satisfeito com tão pouca coisa.

— Prefiro confiar no meu sentimento — disse. — E meu sentimento me diz que estamos perdidos.

“Everson sentiu-se contagiado pelo nervosismo do biólogo. Será que o green quer levar-nos a uma armadilha e desaparecer?”, pensou.

Mas o coronel logo se lembrou de que mantinham contato com a México e, a qualquer momento, poderiam transmitir um pedido de socorro. Apesar disso não poderia fazer mal se interrogasse Murgut.

O green encontrava-se à sua frente. Suas pernas compridas pisavam com toda segurança nas dunas. Everson teve de esforçar-se para acompanhar a marcha. O vento soprava com toda força, ameaçando derrubá-lo. O vulto robusto de Morton surgiu a seu lado.

Sem dizer uma palavra, Everson apontou para o green. O médico fez sinal de que tinha compreendido. Fagulhas azuis e amarelas saltavam constantemente em meio à penumbra. Na opinião de Everson, deviam ser descargas elétricas. Cambaleou e teve de apoiar-se nas duas mãos para levantar. O chão em que pisavam parecia mole e movediço, como se fosse uma massa viva.

Everson colocou-se ao lado do ser-pássaro. Segurou o braço de Murgut. O green parou. Disse alguma coisa, mas o comandante da México apenas conseguiu enxergar os movimentos da boca em forma de bico. Everson ainda não conhecia a língua bastante bem, para poder ler as palavras pelos movimentos da “boca” do nativo.

Teve de abrir o capacete.

Weiss e os médicos já os haviam alcançado. O biólogo manteve o corpo ligeiramente inclinado para a frente. Parecia que a fúria dos elementos o comprimira. Morton, que era mais baixo, parecia uma rocha plantada em meio à paisagem fantasmagórica.

Everson abriu o visor do capacete. Felizmente se virará de costas para a tempestade, de maneira que esta não podia atingir o interior do capacete. Mas o barulho bastou para deixá-lo sem audição por alguns segundos.

Everson puxou Murgut para junto de si.

— Onde fica a aldeia? — berrou.

Sua voz foi arrastada pela tempestade e perdeu-se em meio ao fragor dos elementos.

O green encostou a cabeça de abóbora ao rosto de Everson. Por um instante, o astronauta teve a impressão de que via o brilho dos olhos castanhos.

— Onde fica a aldeia? — repetiu Everson.

Desta vez, Murgut o compreendera. Sua mão articulada apontou na direção em que vinham caminhando.

— Tem certeza? — gritou Everson, cujo rosto enrubescera com o esforço.

O green fez um gesto afirmativo. Everson soltou-o, e continuaram a caminhar pesadamente.

— Sir — disse uma voz saída do alto-falante do capacete de Everson. — Aqui fala Goldstein, a bordo da México.

— Tudo em ordem — disse o coronel. — Estamos a caminho da aldeia. Murgut conhece o terreno.

— Tenho uma notícia para o senhor — disse o mutante. Falava com a voz tão baixa que Everson mal conseguia entendê-lo. — O Dr. Lewellyn acha que devia informar...

— Fale logo — ordenou Everson.

— Depois que Murgut saiu da nave, tornei-me apto outra vez para captar impulsos débeis — disse o telepata.

As botas de Everson levantavam nuvens de areia.

“Então é isso mesmo”, pensou.

— São os nativos, Samy — disse. — Ao que parece, emitem impulsos mentais que têm um efeito colateral sobre as capacidades parapsicológicas. Mas, ao que tudo indica, não têm conhecimento desse dom. Quanto maior é seu número, e quanto mais se aproximam de você, maior é a redução de sua capacidade paranormal.

A resposta de Goldstein deixava entrever um forte nervosismo.

— O Dr. Lewellyn é da mesma opinião. Quer tentar, juntamente com os dois psicotécnicos, a criação de um campo defensivo psíquico que me resguarde da pressão mental.

— Está bem — concordou Everson. — Diga-lhes que se apressem.

Uma idéia passou pelo cérebro de Everson. Estacou instintivamente. A tempestade aproveitou a oportunidade para realizar um ataque frontal. A rajada de vento quase chegou a levantar Everson. O coronel cambaleou de encontro a Weiss. Ambos caíram. O Dr. Morton aproximou-se e ajudou-os a se porem de pé. Murgut parou, em atitude de expectativa.

Quando prosseguiram, a idéia que passara pela cabeça de Everson quase se consolidara numa certeza.

Se a qualidade parapsicológica de Goldstein sofrerá a influência da pressão mental, produzida pelas irradiações perturbadoras dos greens, a mesma coisa devia ter acontecido com os deformadores de moléculas. Nesse caso, seria apenas natural que os deformadores se retirassem para o deserto, a fim de conservar seus dons.

Se em Moluque havia deformadores, estes só poderiam ser encontrados nos areais do planeta.

Acontece que os desertos eram o mal em sua própria essência!

A idéia provocou um calafrio em Everson.

“Não importa”, pensou. “Na Terra há um homem altivo e solitário, Perry Rhodan, que não recua diante de qualquer luta que tenha de travar em benefício da Humanidade. E Rhodan necessita desesperadamente de auxílio...”

— Se nas planícies calorentas de Moluque existirem seres que possam aliar-se à Humanidade, eu os encontrarei — foi este o juramento que Everson balbuciou nesse instante.

Alguém tocou nele. Era Murgut. O ser-pássaro apontou para a frente.

Lá estava a aldeia.

Embora reconhecesse apenas os contornos das casas, o comandante teve uma sensação de alívio. Agora, que estavam descendo da colina, o furacão perdera um pouco de sua violência. Com um ligeiro movimento da mão, Everson certificou-se de que o paralisador continuava no mesmo lugar. Não queria, de uma hora para outra, ser perfurado por uma flecha-foguete. Murgut lhe garantira que não havia o menor perigo, mas o coronel não tinha tanta certeza. O objetivo do pequeno grupo consistia em interrogar outros greens sobre o deserto e os fenômenos estranhos de que Murgut lhes falara.

Atingiram as primeiras casas. Everson lamentou-se que a penumbra não lhe permitisse ver os detalhes. As portas e janelas estavam vedadas com placas, a fim de evitar a penetração da areia. Ruas estreitas, pelas quais o vento tangia arbustos e detritos, corriam entre as casas. Toda vida parecia ter cessado. Certamente, os greens se haviam retirado para suas casas, a fim de melhor resistir à tormenta. As construções esféricas davam uma impressão de robustez, muito embora parecessem apenas cavernas, e não alojamentos de seres evoluídos.

Murgut levou-os pela rua, até que parou diante de um dos “iglus”. Everson perguntou a si mesmo como os greens poderiam distinguir as casas umas das outras. Para ele, eram todas iguais. Uma luz trêmula passava pelas frestas das portas e janelas, mas dali não se poderia concluir que os nativos conheciam a eletricidade.

Murgut pediu aos homens que esperassem e desapareceu rapidamente no interior da casa. Everson arriscou-se a abrir o capacete, mas a única coisa que ouviu foi o vento que cantava sua triste canção, em meio aos iglus. O ar estava quente e seco. Everson sentiu a areia ranger entre seus dentes.

Depois que o coronel voltara a fechar o visor, Murgut retornou. Fez um sinal para que os terranos o acompanhassem até o interior da casa.

— Poul — ordenou Everson. — Espere aqui fora até que eu venha buscá-lo. Se dentro de três minutos não estiver de volta, haverá algo de errado.

Fez um sinal para Morton, e os dois acompanharam o ser-pássaro. Weiss permaneceu do lado de fora. Em meio a um mundo estranho, que recebera os visitantes com uma série de descortesias e segredos ameaçadores, parecia uma figura perdida.

Everson e o médico entraram num recinto bastante enfumaçado. Luminárias abertas, cheias de uma substância inflamável, estavam penduradas nas paredes e atiravam reflexos irreais sobre o solo. Everson percebeu que não teria outra alternativa, senão voltar a abrir o capacete.

Sentiu-se atingido por um fedor penetrante. Tossiu e diminuiu o ritmo da respiração. Só agora viu que o recinto estava repleto de greens. Agachados junto às paredes, fitavam os dois homens com os rostos apáticos. O comandante teve a impressão de se encontrar numa sessão espírita.

— Bem que gostaria de trocar de lugar com Lewellyn — disse o Dr. Morton em tom azedo. A fonte deste mau cheiro provavelmente representaria um problema grave para seu senso de limpeza.

— Meus amigos lhes dão as boas-vindas — disse Murgut. — Lamentam o ataque com foguetes e estão dispostos a prestar uma reparação. Estes, que aqui se acham reunidos, constituem o conselho de reprodução da cidade.

Everson achou preferível agradecer pela hospitalidade, antes de pensar seriamente na expressão “conselho de reprodução”. De qualquer maneira, viam-se diante da classe dominante dos greens.

— Chame Poul — disse, dirigindo-se ao médico.

Pela rapidez com que cumpriu a ordem concluía-se que o médico se sentia satisfeito por ter escapado, durante um instante, dos odores que o cercavam. Ao retornar em companhia de Weiss, seu rosto exibia um sorriso irônico, que se tornou ainda mais marcante, quando o biólogo abriu seu capacete.

Weiss “farejou” cautelosamente. Enquanto o sorriso morria nos lábios de Morton, seu rosto assumiu uma expressão de enlevo.

— Ah... — disse num arrebatamento. — Que perfume delicioso.

— O senhor acha? — perguntou o médico.

Weiss levantou ambas as mãos, num gesto de defesa, como se receasse que seu olfato pudesse sofrer os efeitos da voz zangada do Dr. Morton. Estendeu a cabeça para a frente e aspirou o ar como se fosse um elixir.

Everson pôs fim à demonstração de arte dramática de Weiss. Dirigiu-se aos greens ali reunidos:

— Viemos das... — estacou, pois não conhecia a palavra com que os greens designavam as estrelas, se é que tal vocábulo existia.

Murgut ajudou-o com uma explicação prolixa.

— Nosso mundo fica longe daqui, tão longe que vocês dificilmente poderiam imaginar a distância. Viemos com um objetivo e gostaríamos de contar com o auxílio de vocês. Queremos realizar uma expedição ao deserto.

Enquanto proferia as últimas palavras, um silêncio apavorante encheu o recinto. Os greens mantiveram-se totalmente imóveis.

— O mal em sua própria essência — disse Murgut, depois de algum tempo. — Não encontrarão ninguém que esteja disposto a acompanhá-los.

Outro green levantou-se e colocou-se à frente de Everson. Era mais velho que Murgut. Pelo murmúrio respeitoso que acompanhou seus movimentos, o coronel concluiu que devia tratar-se do chefe. O velho lançou um olhar prolongado para Everson.

— Já houve um tempo em que o senhor teria encontrado quem o ajudasse — grasnou o originário de pássaros. — Mas esse tempo já passou há muito. As terras arenosas encerram grandes perigos e trazem a morte. Coisas medonhas acontecem por lá. Qualquer um que, durante a caçada, se afaste muito da aldeia acaba morrendo.

Bateu com o pé córneo, a fim de reforçar suas palavras.

— Nós temos armas poderosas — disse Everson. — Não existe nenhuma força que não possamos vencer. Não tenham medo. Prometemos que os que nos acompanharem voltarão à aldeia.

— O mal em sua própria essência não pode ser derrotado — disse o green em tom enfático.

Ouviu-se um murmúrio de aprovação. Everson sentiu uma amargura cada vez mais forte apoderar-se dele. Como não dispusesse das naves auxiliares, seria obrigado a percorrer o deserto a pé. E para isso, não poderia dispensar o auxílio de um guia nativo. Durante a tempestade de areia, notara que Murgut fora o único que conseguira orientar-se. E era bastante duvidoso que, em meio à fúria dos elementos, os aparelhos de localização continuassem a funcionar.

— Dar-lhes-emos presentes — disse numa nova tentativa. — Traremos a luz eterna, o trovão mortífero e os raios para a caça.

— Um morto não pode caçar — dissera-lhe numa lógica contundente.

O velho retirou-se. Sua resposta fora definitiva.

— Não adianta — disse Weiss com um gesto de resignação. — Nunca conseguiremos convencê-los, Sir. A não ser que empreguemos a violência.

— Nem penso em usar de violência por aqui — asseverou o coronel.

— Conheço um green que talvez os acompanharia — disse Murgut.

Hesitou e lançou um olhar inseguro para seus companheiros de espécimen.

— Se eu os levar para junto dele, poderei ganhar um desses presentes?

— Claro! — disse Everson. — Se nos ajudar, será recompensado.

— O mal em sua própria essência mata-lo-á por esse desafio — exclamou uma voz de advertência em meio à fumaça.

— Acho que devemos apressar-nos — disse o Dr. Morton. — Senão esses tagarelas ainda farão nosso amigo mudar de opinião.

Murgut levou-os para a rua. A tempestade amainara.

A perspectiva de ganhar um presente parecia servir de estímulo ao green. Suas longas pernas caminhavam tão rapidamente que, só com muito esforço, os astronautas conseguiram acompanhá-lo. O sol, que antes estivera encoberto pelas nuvens de pó, dardejava seus raios com toda força. Everson lançou um olhar para o termômetro de pulso e verificou que a temperatura já era bem superior a quarenta graus.

Na periferia da aldeia, isto é, bem distante da México, os homens viram pela primeira vez construções alongadas que, ao contrário das residências, tinham um aspecto moderno.

— São nossas fábricas e pavilhões de criação — disse Murgut prontamente, respondendo a uma pergunta do comandante.

Ouviram um chiado retumbante e batidas. Uma fumaça azulada saía das aberturas existentes nos telhados.

— Estamos fazendo experiências com ar aquecido — explicou Murgut em tom orgulhoso. — Uma vez comprimido, pode ter várias utilizações.

— Estão inventando a máquina a vapor — disse Weiss em tom de espanto. — Pelo que se conclui dos ruídos, os primeiros modelos não ficam a dever nada ao engenho de James Watt.

Uma explosão fez com que se calassem.

— É claro que às vezes há um contratempo — disse Murgut com a voz deprimida.

Everson imaginava que, a essa hora, um grupo de greens decepcionados devia estar fitando o produto de um trabalho persistente, que acabara de ser destruído. Apesar disso, voltariam a tentar, da mesma forma que a Humanidade sempre o fizera. O desenvolvimento de um povo depende da obstinação com que este age. Isso se aplicava tanto à invenção de uma máquina a vapor, como na criação de uma astronáutica altamente desenvolvida.

Atrás das fábricas estendia-se uma espécie de plantação. Vários greens estavam trabalhando no campo. Ao lado das instalações, ficava um iglu solitário, bastante arruinado. Não exibia o branco reluzente das outras construções.

— Chegamos — disse Murgut. — Aqui mora Npln.

— Napoleão — disse o Dr. Morton, interpretando a palavra pronunciada por Murgut. — Até mesmo na periferia do centro galáctico seu nome continua vivo!

Em alguma época passada, houvera um antepassado do Dr. Morton em cujas veias corria o sangue real francês. E a tendência do médico, de ressaltar esse fato em qualquer oportunidade, não recuava diante de nada. Contemplou a choupana em ruínas com tamanho enlevo que até parecia ver diante de seus olhos o palácio de Luís XIV.

Passaram por uma trilha estreita que passava junto aos campos de cultura. Os greens interromperam o trabalho e fitaram-nos. Murgut fez um gesto tranqüilizador.

Quando chegaram à residência de “Napoleão”, Murgut pediu que esperassem.

— Npln é um velho rabugento — disse a título de desculpa. — Quase sempre está dormindo. Costuma ficar zangado quando é acordado. Quero prepará-lo para a visita.

— O senhor acredita que o velho que deve residir aqui poderá ajudar-nos, Sir? — perguntou Weiss em tom de desconfiança. — Com todo respeito que tenho pelo seu pomposo nome — lançou um olhar irônico para o Dr. Morton — sou de opinião que aqui dificilmente encontraremos quem nos apóie.

Antes que o coronel tivesse tempo de responder, Murgut voltou.

— Está de mau humor — disse em tom desanimado. — Tive de prometer-lhe muitos presentes para que concordasse em recebê-los.

Entraram por uma porta cujo batente começava a despedaçar-se. Tiveram de acostumar-se à penumbra que reinava no interior da casa. Everson sentiu-se satisfeito ao perceber que o mau cheiro não era tão intenso.

Npln estava sentado num dos cantos da sala.

Sempre era difícil avaliar corretamente a idade de um ser pertencente a uma raça estranha. Mas não havia dúvida de que o green que estava sentado no chão era alto.

Sua pele verde estava cheia de rugas. Era tão fino que lembrava uma armação de arame coberta de papel. Seu rosto era murcho e encovado, e os olhos inflamados, negros como pedaços de carvão, brilhavam no interior das covas profundas.

Ao que parecia, não estava muito impressionado com a aparição de seres dos quais nunca vira nem ouvira nada.

— São feios — resmungou, dirigindo-se a Murgut. — Gordos e feios. Especialmente aquele ali.

Um braço magro apontou para o Dr. Morton, que naquele momento bem que gostaria de trocar seu sangue real francês pelo de um guerrilheiro irlandês.

— Lamentamos profundamente que nosso aspecto lhe cause desagrado, Napoleão — asseverou Everson. — Mas nossos ricos presentes o recompensarão por essa visão lamentosa.

Napoleão soltou um arroto... de satisfação ou contrariedade, quem seria capaz de dizer?

Everson recorreu ao truque psicológico mais antigo, e que, mesmo nesses dias, ainda era o mais eficiente. Bajulou o velho, para satisfazer sua vaidade.

— Viemos à presença do homem mais valente desta aldeia, pois precisamos do seu auxílio — disse. — Todos têm o maior apreço pela sua experiência.

— Todo mundo me odeia — grasnou Napoleão em tom contrariado. — Sou um trambolho para todos. Um esquisitão velho que não serve para nada.

— Estamos à procura de um guia para uma expedição ao deserto — disse Everson, indo diretamente ao assunto. — Ninguém tem coragem de acompanhar-nos. Que tal você, amigo?

O velho soltou um assobio estridente. Fitou-os com uma expressão de sagacidade.

— O mal em sua própria essência — disse em tom matreiro. — Sou o único que se arrisca a andar por aqueles lados. Conheço a terra. Coisas estranhas costumam acontecer por lá. Lá existe uma torre habitada por demônios.

— Uma torre? — perguntou Weiss em tom nervoso. — Como é ela?

Com um gesto da mão Napoleão procurou indicar os contornos do edifício.

— É forte e enorme. Nem mesmo o furacão mais forte pode fazer-lhe qualquer coisa.

— Você poderia levar-nos para lá? — perguntou Everson em tom insistente.

— Vocês terão de carregar-me — disse Napoleão. — Sou tão velho e fraco que não posso andar por muito tempo. Dessa forma, eu os levarei a qualquer lugar situado nesse inferno.

Everson sentiu alguém puxar a manga de seu traje protetor. Virou a cabeça e fitou o rosto assustado de Murgut.

— Será que posso receber os presentes antes do início da expedição? — perguntou em tom preocupado.

Essa pergunta não era difícil de compreender.

Murgut tinha certeza de que Napoleão levaria os homens para o deserto.

Mas não os traria de volta!

 

O Coronel Marcus Everson escolhera trinta homens, que partiram há três horas, sob seu comando. Walt Scoobey foi investido no comando da México. O primeiro-oficial devia apressar os reparos, guardando todas as cautelas, e concluí-los até o regresso de Everson. A expedição levava aparelhos de radiofonia de grande alcance, a fim de manter contato ininterrupto com a nave. Todos os astronautas estavam fortemente armados e envergavam trajes protetores.

Dois robôs carregaram Napoleão numa maça especialmente feita para o transporte. A estranha trinca abria o cortejo. O coronel fez questão de levar uma boa provisão de alimentos concentrados, cápsulas de água e comprimidos de vitaminas. O Dr. Morton era uma verdadeira enfermaria ambulante.

Para as condições locais, o tempo era bastante calmo. Ainda era cedo, e a temperatura era perfeitamente suportável.

Segundo as indicações de Napoleão, levariam três dias e três noites de Moluque, para avistarem a misteriosa torre. Várias opiniões foram manifestadas sobre o assunto. Antes da partida, Scoobey opinara que essa construção só existia na fantasia do velho green.

Everson ouvira todas as objeções, mas não se deixara demover do seu intento.

Caminhavam pela crista de uma duna alongada, igual a muitas outras. Everson vinha logo atrás dos robôs e de Napoleão, ladeado por Weiss, Bellinger e Goldstein. Sternal, Landis e o Dr. Morton iam na retaguarda.

— Sir! — disse Goldstein, colocando-se ao lado de Everson. — À medida que nos afastamos da México, minha capacidade de captar impulsos mentais aumenta.

— Não se esqueça de que também nos estamos afastando da aldeia de nativos. A pressão mental dos greens está diminuindo.

— É estranho! — disse o mutante em tom pensativo. — O senhor deve estar lembrado de que Murgut me deu muito trabalho. Acontece que Napoleão não exerce a menor interferência na minha faculdade.

— Hum — fez o coronel. — Talvez já seja muito velho e não disponha das mesmas forças que os outros greens.

A palestra foi interrompida por um grito que ressoou nos alto-falantes dos capacetes. Pararam. Pentsteven, o astrônomo, correu para a frente. Seus pés levantavam nuvenzinhas de pó. O rosto do jovem estava pálido. Nem mesmo a lâmina do visor conseguia ocultar essa palidez.

— É nosso novato! — exclamou Weiss em tom de desprezo. — Deve ter areia nos sapatos e não sabe como tirá-la.

Pentsteven parou à frente de Everson. Sua respiração era ofegante, e a fala, entrecortada.

— O receptor de raios goniométricos desapareceu — disse fungando.

O aparelho servia para captar o raio vetor irradiado pela México. Os impulsos, que eram registrados, constituíam um bom meio de orientação. O transporte do aparelho fora confiado ao astrônomo.

— O quê? — gritou Everson. — O que está dizendo?

— Desapareceu — repetiu Pentsteven em tom queixoso.

— O senhor quer dizer que o perdeu! — disse Everson em tom penetrante. — Faça o favor de refletir um pouco, meu filho. Não estou gostando da sua negligência.

O astrônomo virou o rosto desolado para Weiss, mas o biólogo não lhe deu nenhum apoio.

— Sir, tenho certeza absoluta de que há alguns minutos ainda o tinha comigo. Controlava constantemente as correias que o prendiam ao cinto. De repente notei que o peso do aparelho estava diminuindo. Quando olhei, ele havia desaparecido.

— Será que o senhor quer nos fazer acreditar em milagres? — perguntou o comandante. — A negligência é um pecado grave. Mas se alguém tenta desculpar-se mentindo, esse alguém torna-se indigno de ser um cidadão astronauta do Império Solar.

— O que aconteceu? — perguntou Napoleão. Haviam pendurado um microfone e um alto-falante em seu pescoço, para que os astronautas não fossem obrigados a abrir o capacete toda vez que queriam falar com ele.

Everson explicou o acontecimento por alto.

— Os demônios do deserto carregaram o aparelho — afirmou o velho. — Este homem é inocente.

Everson não estava inclinado a acreditar na conversa de Napoleão.

— Volte ao seu lugar — disse, dirigindo-se a Pentsteven. — Tenho vontade de mandá-lo de volta.

— Sim senhor — disse Pentsteven num cochicho quase inaudível.

— Vamos andando — ordenou o coronel.

Não acreditou nem em Pentsteven, nem no nativo... até que acontecesse uma coisa com Edward Bellinger.

 

Edward Bellinger tinha um metro e noventa e sete centímetros de altura e pesava duzentos e dez quilos. Movia o corpo com a elegância de uma marmota, que, por um infeliz acaso tivesse sido colocada sobre uma superfície lisa de gelo. Nas atividades esportivas da Academia Espacial, Bellinger sempre ocupara uma posição de destaque na luta romana e no halterofilismo, mas sempre costumara ser derrotado no judô.

Um estudo caracterológico da cabeça de Bellinger estaria condenado ao fracasso, pois a camada de gordura que revestia suas faces podia ser esticada, enrugada, ou puxada para os lados à vontade. Bellinger chegara a tornar-se mestre nessa faculdade extraordinária. Encontrara muitos imitadores, mas nenhum concorrente de verdade. Com a idade de 36 anos, o tenente chegara a um ponto em que podia mover as orelhas num ângulo de trinta graus!

O sol a pino refletia-se nas costas polidas dos dois robôs, e só o efeito anti-ofuscante dos visores evitava que os reflexos luminosos perturbassem os homens. Para Bellinger, o fato de que ele, um astronauta, tinha de andar a pé pelo deserto, era uma verdadeira ofensa.

— Por que a México não trouxera nenhum dos veículos versáteis da frota espacial? — perguntou-se, em voz baixa.

Subitamente, o sangue parecia congelar nas veias do Tenente Edward Bellinger. Seus companheiros pareciam tornar-se cada vez maiores. Prendeu a respiração e um medo terrível cingiu-lhe a garganta.

O fenômeno continuou. Os robôs, o green, Everson, Weiss e os outros começaram a crescer e esticar-se.

Bellinger quis gritar, mas a garganta fechada recusava-se a obedecer. Pensou que iria enlouquecer. Seu cérebro transformou-se num feixe trepidante de pensamentos confusos. Sua mente recusava-se a aceitar a terrível realidade.

No seu subconsciente, deu-se conta de que o barulho que ouvia era o berreiro dos astronautas que o cercavam. Para o tenente, eles se haviam transformado em monstros enormes, em super-homens ou colossos. Até os grãos de areia eram maiores.

Sentiu-se paralisado pelo pavor. Ouviu que estava soluçando que nem uma criança. Acreditava que iria enlouquecer a qualquer momento. Até fazia votos de que isso acontecesse, pois parecia ser a única salvação.

Mas não enlouqueceu. Apenas reconheceu a realidade:

Os outros não haviam crescido.

Fora ele que mudara.

Encolhera-se e estava reduzido ao tamanho de um anão.

Era tão pequeno que receava ser pisado pelos outros.

Viu um pequeno buraco na areia. Uma caverna! Correu em direção ao mesmo, passando entre as pernas de um dos homens.

 

Everson foi o primeiro que venceu a rigidez causada pelo pavor. O acontecimento inacreditável deixara-os estupefatos. O Tenente Bellinger encolhera diante das vistas de todo mundo, até que desapareceu na terra, quando tinha apenas quinze centímetros de altura.

— Vamos depressa! — ordenou o coronel. — Cavem a areia. Tenham cuidado para não machucá-lo!

Caíram de joelhos e começaram a cavar a areia com as mãos enluvadas.

— Olhe, Sir! — gritou uma voz desfigurada pelo pavor.

Sternal tremia e apontava para o deserto.

A vinte metros do lugar em que cavavam, estava deitado um corpo imóvel. Era o Tenente Bellinger! Em seu tamanho normal...

— É o mal em sua própria essência — disse Napoleão num grito estridente.

 

O aprendizado na Academia Espacial de Terrânia era muito duro. E era bom que fosse. Ali os homens — e em casos mais raros também as mulheres — eram preparados para a vida no espaço cósmico. Mostravam-lhes, com todo realismo, o que teriam de esperar lá fora. Só os mais resistentes, corajosos e fortes passavam pelos exames. O homem tinha de aprender a desprender-se das trilhas convencionais do pensamento, pois as coisas que aconteciam entre as estrelas nem sempre correspondiam às concepções tradicionais. Só mesmo um espírito ágil, capaz de assimilar todas as novidades — tanto as positivas quanto as negativas — poderia satisfazer aos padrões exigidos.

Os homens que correram pelo deserto, em direção ao lugar onde Bellinger estava deitado, só eram capazes de lúcidas decisões, em virtude desse aprendizado.

O tenente abrira os olhos e esforçou-se para sorrir.

— Hematomas e escoriações — constatou o Dr. Morton depois de um ligeiro exame. — Um pequeno choque nervoso.

— Tolice! — respondeu Bellinger em tom indignado. — Estou bem.

— Muito bem — confirmou Weiss, depois de haverem cuidado do tenente. — E agora?

Num gesto instintivo, Everson pôs a mão para cima a fim de passá-la pela testa. Porém as pontas dos dedos tocaram no capacete. Por alguns segundos sentiu uma vontade quase irresistível de dar um beliscão no braço, a fim de verificar se aquilo não era um sonho. Estava com a boca ressequida e a dor de cabeça o martirizava.

— Ninguém há de dizer que sofremos uma alucinação coletiva — disse com a voz abafada. — O estado de Edward fala uma linguagem eloqüente. Cada um de nós viu que, numa questão de segundos, esse homem encolheu. A modificação foi proporcional, isto é, cada parte do corpo foi afetada pelo processo em igual extensão. Até mesmo o equipamento de Bellinger foi atingido. A estabilidade de uma estrutura molecular é constante, mas só em sentido relativo. A disposição das moléculas pode ser condensada e espalhada, sem que o sistema sofra qualquer alteração. Talvez seja mais fácil explicar o fenômeno por meio de uma fotografia. Pode-se fazer um retrato muito pequeno e ampliá-lo de tal maneira que suas dimensões atinjam proporções gigantescas. Apesar disso, ambas as fotos mostrarão o mesmo corpo, a mesma substância material.

Um sorriso débil surgiu em seu rosto.

— Nem penso em oferecer uma explicação do incrível fenômeno a que acabamos de assistir. Qualquer pessoa que tenha visto a demonstração das faculdades de Mataal, no interior da nave girino, poderá confirmar que um deformador molecular é capaz de superar a estabilidade de uma estrutura de moléculas. Esses seres podem modificar e reformular qualquer disposição de moléculas. Esse dom representaria praticamente a mais potente das armas, se não tivéssemos de admitir que até mesmo um deformador molecular esbarra em certos limites...

— Quer dizer que, em sua opinião, neste planeta existem seres dessa espécie, Sir? — perguntou Landis, o operador de rádio.

— Tudo indica que sim — respondeu Everson. — Suponho que os seres pertencentes à raça de Mataal lançaram mão deste fenômeno para mostrar que estão presentes. Talvez seja uma advertência. Quem sabe? Até agora ninguém de nós foi morto. Este fato não constitui necessariamente um indício das intenções pacatas dessas criaturas, mas faz supor uma certa disposição de aceitar nossa presença até determinado ponto. Só podemos fazer votos de que não demoremos a travar um contato mais estreito com esse seres.

Fez um sinal, e a coluna prosseguiu em sua marcha. Napoleão indicou a direção em que teriam de caminhar. Goldstein disse que não conseguia captar nenhum pensamento estranho.

Ao anoitecer, Everson mandou que o grupo parasse. Sternal sugeriu que tomassem comprimidos de neovitina e prosseguissem na marcha. Everson não concordou. Deviam guardar as forças, e qualquer estímulo artificial poderia produzir efeitos nocivos no futuro.

Landis entrou em contato com a México. Scoobey comunicou que os trabalhos de reparo estavam em pleno andamento e já mostravam os primeiros resultados positivos. No decorrer da tarde, vários greens haviam aparecido e permaneceram nas proximidades da nave. O Dr. Lewellyn chegou à conclusão de que temiam a cólera dos habitantes do deserto e procuravam a proteção dos estranhos. Murgut, que recebera de presente um holofote, chegara mesmo a permanecer no interior da nave.

Everson preferiu não informar Scoobey sobre o que acontecera com Bellinger. Não queria deixar o primeiro-oficial nervoso, pois isso poderia prejudicar seu trabalho.

Depois do jantar, Everson mandou montar as barracas, que eram feitas de plástico muito leve e praticamente indestrutível.

Napoleão recusou-se a dormir numa barraca. Cavou um buraco na areia, xingou os dois robôs, cuja programação não incluía qualquer tipo de conversação com os greens, e adormeceu momentos depois.

 

De início foi apenas um farfalhar como o do champanha borbulhante de um cálice que acabava de ser cheio. Depois disso teve-se a impressão de que eram inúmeros pés descalços de crianças que pisassem em ladrilhos. Finalmente, ouviu-se um crepitar, como se alguém remexesse ao longe a lenha de um forno quase apagado.

Everson acordou sobressaltado do sono leve em que estava mergulhado. Pegou a lâmpada e acendeu-a. Weiss e Goldstein, que compartilhavam a mesma barraca, dormiam profundamente. O coronel olhou para o relógio e constatou que a noite só havia começado há duas horas terranas. Haviam tirado os capacetes, já que, apesar do pequeno teor de oxigênio, o ar noturno era refrescante, fazendo com que Everson se lembrasse das excursões pelas montanhas, realizadas na juventude. Mas agora, que o sol se pusera há muito tempo, o ar parecia quente e abafado.

Everson abriu o tampo da barraca e olhou para fora. Uma lufada de ar quente atingiu seu rosto. Grãozinhos de areia fustigaram sua pele. Agora já conhecia a origem do ruído crepitante. Era o vento que carregava a areia e a tangia contra a barraca.

O comandante sacudiu os companheiros de barraca.

— Parece que alguma coisa está para acontecer — disse. — Convém que nos preparemos.

O coronel não poderia imaginar que, em meio à natureza enfurecida, todos os preparativos seriam inúteis.

Acordaram os outros homens. Everson mandou que seus comandados firmassem duplamente as barracas e voltassem a colocar os trajes protetores.

Napoleão foi o único a criar problemas. O nativo estava quase completamente coberto de areia e Weiss, que iria informá-lo sobre a situação, por pouco não tropeça nele. O green brindou o biólogo com alguns palavrões, sacudiu-se como um cão que acaba de sair da água e acompanhou-o para as barracas, xingando sempre.

— Parece que vamos ter uma tempestade de areia — disse Everson para dentro do microfone de capacete, quando viu Napoleão à sua frente.

— É claro que vamos ter uma tempestade de areia — respondeu Napoleão com a voz irritada, levantando a cabeça de abóbora murcha contra o vento.

— O que devemos fazer? — perguntou o astronauta.

O nativo começou a falar, usando um tom de desprezo.

— Vamos esperar. Que mais poderíamos fazer?

Everson resignou-se com a resposta. O ancião mais rabugento do planeta Terra seria um gentil cavalheiro em comparação com esse monstro. O fígado de Napoleão — se é que possuía esse órgão — devia produzir uma quantidade excessiva de bílis, ou então o velho estava afetado por uma arteriosclerose irreversível, fato que qualquer cosmobiólogo contestaria de forma categórica. Entretanto o certo era que, naquele momento, o green não passava de uma figura magra e bulhenta, do qual não se poderia esperar qualquer conselho válido.

— Todos para as barracas — ordenou Everson. — Talvez tenhamos sorte e escapemos sem maiores danos.

O vento já atingira uma velocidade considerável e sacudia ininterruptamente os alojamentos. O plástico era inflado. As lanternas dos astronautas brilhavam em meio à escuridão. Quando Everson voltou ao seu alojamento, Weiss e Goldstein já se encontravam lá.

— Tomara que os pinos agüentem — disse o mutante. — Acabo de abrir meu capacete.

O plástico das barracas chicoteava, produzindo estalos que nem os tiros de uma pistola.

Everson cruzou os braços embaixo da cabeça e olhou para o teto. Uma lâmpada espalhava uma luz irregular.

De repente, Everson viu que a barraca começava a girar. Parecia que duas mãos gigantescas estavam torcendo uma peça de roupa molhada. O coronel colocou-se de pé num salto.

— Segurem-se — gritou. À luz da lâmpada ainda chegou ver que os dois homens se levantaram.

Depois o furacão começou a deformar a barraca de tal maneira que Everson pareceu estar cercado por todos os lados. Sentiu a pressão do vento, que ameaçava derrubá-lo. Embaralhou-se nas peças de plástico. Os três reviraram os corpos e conseguiram libertar-se. A tormenta arrastava tudo que encontrasse pela frente. As mãos de Everson, que pretendiam segurar vários objetos, apenas atingiam o vazio.

— Fiquem juntos — ordenou o experiente coronel.

O ar se movimentava com tamanha velocidade que, em todos os lugares onde o corpo era atingido de frente, os trajes protetores comprimiam-se contra a pele. Everson ligou sua lanterna.

A areia revolvida praticamente sufocou a luz, que não chegava a mais de dois ou três metros. Duas rajadas, em rápida sucessão, derrubaram Everson. Não teve coragem de pôr-se de pé. Preferiu rastejar. Teve a impressão de que o chão vibrava sob suas mãos. Weiss rastejava a seu lado. O telepata estava fora do raio de visão. Provavelmente as rajadas de vento o haviam arrastado. Uma barraca, que estava sendo carregada pela tormenta, bateu ruidosamente no capacete de Everson e quase lhe arranca a cabeça. Sentiu uma dor lancinante na nuca. Qualquer movimento seria inútil. Estendeu-se rente ao chão e cravou as mãos na areia.

— Fiquem onde estão — gritou para dentro do microfone. Para muitos homens, não seria fácil cumprir esta ordem, mas de qualquer maneira o cumprimento desta evitaria que corressem ao acaso pela escuridão, à procura de abrigo.

As dores desciam pelas costas de Everson como um fluxo de lava incandescente. Teve a impressão de estar deitado numa grande lâmina que executava um movimento de rotação. Sem que o quisesse soltou um grito. Com um pavor crescente, constatou: o chão realmente se movia.

A rotação cada vez mais rápida gerou a força centrífuga que, junto com a tempestade, fez com que Everson escorregasse pela areia como se estivesse numa pista de gelo. Fez um esforço desesperado para segurar-se em alguma coisa. Um trecho bem definido do deserto girava que nem um pião, e trinta homens também escorregavam como se fossem insetos.

O derradeiro momento se aproximava...

Everson teve a impressão de que se encontrava a meio caminho entre o eixo central e a zona periférica do pião. Mais alguns instantes e os elementos enfurecidos o empurrariam cada vez mais para fora. Dominado pelo pavor, o comandante da México, pensou talvez se tratar de um redemoinho que formava um funil no solo e arrastava tudo para seu interior. Nesse caso, não se encontrariam na superfície de um disco, mas nas paredes internas de um funil. Everson sabia que esse fenômeno podia dar-se num mar tangido pela tempestade. Porém ali não havia condições para tal ocorrência.

Não haveria mesmo? Será que aquilo não representava um jogo das forças terríveis, aquelas mesmas forças que “brincaram” com Bellinger? Será que os invisíveis estavam desferindo seu golpe final, que destruiria os audaciosos terranos?

Em meio ao caos, não encontraria resposta a estas perguntas. Se não fosse o traje protetor, já teria morrido sufocado. Caso realmente se encontrasse na parede interna de um funil, o movimento giratório o levaria, numa série de amplas espirais, ao núcleo inferior e central do mesmo, de onde seria expelido.

Seu corpo estava quase coberto pela areia.

A dor na nuca transformara-se numa pressão surda. Embora não passasse de um joguete dos elementos, não parou de lutar contra aquelas estranhas forças. Perdeu por completo a noção do tempo. Em seus ouvidos havia um ruído igual ao de uma queda de água. Cerrou os dentes. Um objeto duro bateu em seu ombro. Estendeu a mão e conseguiu segurá-lo.

Provavelmente era uma peça de equipamento que também estava sendo tangida pelo solo. Everson não era nenhum jovem, e o esforço continuo deixou-o cada vez mais exausto. Agarrou-se a uma caixa quadrada, como se esta lhe pudesse dar novas forças. De repente levou uma pancada no capacete. Raios coloridos começaram a dançar diante de seus olhos. Ainda percebeu que estava sendo tangido cada vez mais depressa. Depois, teve a impressão de sofrer uma queda no escuro.

 

Uma mulher gordinha estava dobrando peças de roupa branca. Fazia-o com o maior cuidado, e suas mãos alisavam o tecido.

— Está recuperando os sentidos — disse uma voz.

Marcus Everson abriu os olhos. Sentiu-se ofuscado por uma forte luz. A mulher transformou-se no Dr. Morton, que manipulava as ataduras e, vez por outra, sacudia fortemente o coronel. Depois de algumas tentativas, Everson acostumou-se à luz do sol. Conseguiu ficar com os olhos abertos.

Estava estendido na areia. Em torno dele, os outros membros da expedição estavam sentados, deitados ou de pé na areia. Seus trajes pareciam bastante estragados. Everson teve a impressão de que seu aspecto também não devia ser dos melhores.

Levantou a cabeça, mas logo interrompeu o movimento, pois uma dor penetrante percorreu sua nuca. Aos poucos foi recuperando a memória.

Everson tentou erguer-se, com maior cuidado.

A expedição — ou melhor, aquilo que restava da expressão — estava numa depressão, em meio ao deserto.

— Tudo O.K.? — conseguiu perguntar Everson com grande esforço.

— Com exceção dos ferimentos, tudo bem — respondeu o Dr. Morton. — As barracas e grande parte do equipamento desapareceram.

Enrolou uma atadura. O visor do capacete estava tão sujo que mal se conseguia distinguir o rosto barbado.

— Quase todos os medicamentos se foram — disse em tom queixoso.

Everson teve de pensar num homem que, em meio a uma explosão nuclear, se queixasse da perda da obturação de um dente.

— Onde está Napoleão? — perguntou.

Morton fitou-o.

— Também desapareceu — disse em tom contrariado. — Sternal e Weiss já cavaram a areia, mas não o encontraram.

O coronel quis olhar para o relógio, mas constatou que este também se transformara numa vítima da tormenta. O Dr. Morton acompanhara a direção do olhar de Everson.

— Há uma hora começou a clarear... — falou reticencioso — ...e estávamos no centro de um belo torvelinho. Até agora vemos os sinais da catástrofe.

O estado da pequena tropa era péssimo, mas poderia ser bem pior. Landis estava limpando a poeira e a areia que penetraram no rádio, o que provava que ainda estariam em condições de falar com a México. Era bem verdade que, face ao desaparecimento do velho green, a procura da torre se transformara numa empresa arriscadíssima.

Poderiam marchar em qualquer direção, pois não havia a menor indicação do rumo que deveriam tomar para chegar ao legendário edifício. Poderiam sair em grupos separados, espalhando-se para todos os lados, mas à medida que se afastassem do centro, a distância entre os grupos aumentaria e, com isso, correriam o risco de não verem a torre.

A depressão era oval. No lugar mais largo chegava a medir 120 metros, e no mais estreito, 70. Suas paredes laterais descreviam um ângulo de cerca de 30 graus e subiam numa altura de menos de três metros, até atingirem a superfície do deserto. Evidentemente essas paredes eram irregulares. Porém em nenhum lugar, eram tão baixas que alguém pudesse deixar de notá-las.

Finalmente, Everson ergueu-se de vez. Ainda estava um pouco entrevado, mas conseguiu andar. Sentia a cabeça dolorida. Passou mancando por Landis e esboçou um sorriso animador. A cada passo que dava, uma agulha incandescente vinda de baixo parecia perfurar sua nuca. Depois de ter percorrido vinte metros, pareciam ser dez agulhas.

Everson ficou refletindo sobre como poderia percorrer vários quilômetros no estado em que se encontrava. Esperava que o Dr. Morton tivesse algum analgésico. O suor começou a porejar por todo o corpo. Não desistiu. Acabou atingindo um lugar onde a parede da depressão parecia ser mais baixa e menos íngreme. Dobrou os joelhos e ouviu as juntas estalarem. Deixou-se cair lentamente para a frente e aparou a queda com as mãos.

— Eu o apoiarei — disse uma voz saída de seu receptor de capacete.

Everson virou a cabeça e viu que Poul Weiss se encontrava atrás dele. Com uma agilidade de esportista, o biólogo colocou-se a seu lado.

— Faça de conta que sou uma escada — disse Weiss.

Enlaçou as mãos, para que Everson pudesse apoiar o pé nas mesmas. Everson era um homem grande e pesava mais de noventa quilos. Weiss dobrou ligeiramente os joelhos quando teve de sustentar todo o peso de Weiss. Apesar disso, a altura não foi suficiente para que Everson pudesse olhar para longe.

— Suba no meu ombro — sugeriu Weiss.

Everson esforçou-se para não decepcionar aquele homem tão disposto a prestar-lhe ajuda. Conseguiu subir. Uma vez sobre os ombros de Weiss, sentiu-se tão esgotado pelas dores e pelo esforço físico que teve de fechar os olhos por um instante.

— Está vendo alguma coisa, Sir, — perguntou a escada viva.

Everson fez um grande esforço. De início só viu a areia e o ar tremeluzente. Mas quando virou a cabeça um pouco para o lado, viu outra coisa.

Piscou os olhos e voltou a fitar o interior da depressão para, num segundo golpe de vista, excluir a possibilidade da ocorrência de uma miragem.

Weiss balançou um pouco, e Everson teve de segurar-se.

— Está vendo alguma coisa? — repetiu Weiss em tom impaciente.

— Estou — disse Everson muito devagar.

Depois de uma pausa destinada a ressaltar a extensão do milagre, acrescentou em tom seco:

— Estou vendo a torre!

Weiss soltou uma exclamação de surpresa e quase deixou cair a carga que pesava sobre seus ombros.

— Cuidado! — disse Everson.

A torre que, segundo as informações de Napoleão, só iriam atingir dentro de mais dois dias, estava bem à sua frente. Só havia duas possibilidades. A informação do green era falsa, ou então o furacão que soprara, durante a noite, os tangera misteriosamente para perto da torre. Everson achou que a última alternativa era menos plausível.

O edifício que se estendia em direção ao céu de Moluque era imponente. À primeira vista, parecia estranho e apavorante. Em hipótese alguma poderia ter sido construído pelos greens. Erguia-se uns cento e cinqüenta metros acima do solo. Pelo que Everson pôde constatar, seu formato era oitavado. O impacto contínuo das tempestades e dos furacões causara-lhe uma ligeira inclinação. Por certo, os sólidos e profundos alicerces evitaram seu desmoronamento.

Há algum tempo, cuja extensão não poderia ser calculada, o vento, a areia, o frio e o calor haviam corroído a torre. Estava coberta por uma camada verde-cinzenta. Em alguns lugares apareciam fendas de mais de dez centímetros de largura, que pareciam filigranas de vários metros de comprimento a enfeitarem a superfície da construção. Aquele edifício parecia exalar um sopro de infinito abandono. Everson teve a impressão de que era o monumento de um gigante há muito esquecido, que quisesse deixar gravada sua presença na memória dos seres nativos. Fosse quem fosse o idealizador de tal construção, uma coisa era certa: o arquiteto não era natural de Moluque.

 

Everson desceu, ainda um tanto perplexo com a estranha visão. Se é que já vira um rosto curioso, este rosto era o de Weiss naquele momento. Absteve-se de qualquer observação apressada.

— Acompanhe-me para junto dos outros — disse, dirigindo-se ao biólogo. — Não quero contar duas vezes a mesma coisa.

Weiss demonstrou seu desapontamento por meio de um pontapé na areia e acompanhou o comandante. Os astronautas haviam acompanhado tudo e sentiam-se muito curiosos.

— Encontramos a torre — principiou Everson laconicamente e relatou em palavras ligeiras o que acabara de descobrir.

— O que vamos fazer, Sir? — perguntou Bellinger, cujo corpo era o que mais devia ter sofrido na noite anterior.

— Iremos até lá e a examinaremos. Mas, antes disso, vamos verificar se Landis já está em condições de entrar em contato com a México. Não sabemos o que nos espera, e não podemos dispensar a cobertura de retaguarda.

— O senhor pode falar com a México quando quiser — anunciou Landis.

Num gesto quase carinhoso passou a mão pelo aparelho. Algumas peças eram mantidas presas pelo material retirado das caixas de ataduras do Dr. Morton. Everson fez questão de não ver esse tipo de improvisação.

— Está bem — disse o coronel com um olhar desconfiado para a obra de Landis. — Não custa tentar.

Contrariando sua previsão, o operador de rádio levou apenas dois minutos para estabelecer a ligação com a México. Scoobey informou que a espaçonave também fora atingida pela tormenta, mas não havia sofrido nenhum dano. O trabalho dos técnicos progredia bem. O primeiro-oficial acreditava que os reparos só consumiriam alguns dias. Neste ponto, o pessimismo inicial se revelara falso.

Scoobey obteve minuciosas informações sobre a situação da expedição. O rádio fazia com que, se necessário, os homens da nave pudessem encontrar a expedição, independentemente de um aparelho emissor de raios vetores ou da indicação de sua posição.

O coronel concluiu com as seguintes palavras:

— Não há a menor dúvida de que por aqui existem forças que se mostrarão infinitamente superiores a nós, caso resolverem agir seriamente. Reunirei alguns homens e procurarei entrar na torre. É possível que lá encontremos outros elementos.

Nos minutos que se seguiram, Everson submeteu-se ao tratamento do Dr. Morton. O médico conseguiu reduzir as dores o suficiente para que o comandante pudesse andar normalmente.

— Iremos para junto da torre — disse Everson, explicando a ação que pretendia desenvolver. — Bellinger, Goldstein, Weiss, Sternal e eu faremos o possível para penetrar no interior da construção. Combinaremos com os outros um tempo limite para estarmos de volta.

Constatou-se que os astronautas haviam superado relativamente bem os terríveis acontecimentos da noite anterior. Ajudaram-se mutuamente para sair da depressão.

Quando o imenso edifício surgiu à sua frente, Everson teve de esforçar-se para interromper a discussão que iria ter início.

A trinta metros do destino, Bellinger parou de repente. Apontou para o chão.

— São rastros, Sir — disse.

Everson colocou-se a seu lado. O tenente não se enganara. Meio encobertas pela areia tangida pelo vento, as impressões de pés largos, de quatro dedos, desenhavam-se à sua frente. Só havia uma pessoa que poderia ter produzido essas impressões.

Era Napoleão!

Acontece que o green desaparecera. Não havia a menor dúvida sobre a direção da pista. Os rastros iam até a misteriosa construção.

Será que Napoleão fora raptado, ou teria ido voluntariamente? Onde estaria naquele momento?

Everson não soube responder a essas perguntas. E sua perplexidade deveria aumentar ainda mais, instantes depois.

— Olhe a torre, Sir! — exclamou Landis.

— O que aconteceu com ela? — perguntou o coronel.

A resposta do operador de rádio esclareceu um mistério, mas trouxe muitos outros. A afirmação de Landis foi tão patente, e de tamanha simplicidade, que todos espantaram-se por não terem dado com a mesma.

— É uma espaçonave — disse Landis.

 

Não se precisava desenvolver muita fantasia para acrescentar outras conclusões à que acabava de ser enunciada. Tratava-se de uma nave que sofrerá um acidente. Mesmo que parte dela estivesse enterrada no solo, não era muito grande para os padrões terranos. A distância entre o piso inferior e superior devia ser de um pouco mais de quarenta metros. É claro que o veículo espacial ou seus construtores poderiam ser subestimados. A periculosidade não tinha nada a ver com o tamanho do engenho. Se a nave era a dos deformadores de moléculas, mencionada nas anotações de Mataal, suas dimensões não tinham a menor importância.

— É verdade — disse Everson depois de algum tempo.

À medida que se aproximavam, perceberam outros detalhes. O envoltório externo estava coberto por uma fina crosta de areia. Em vários lugares, a cor preta sobressaía sob a camada cinza-verde. A pista de Napoleão contornava o veículo espacial. Por mais que refletisse, Everson não conseguiu compreender que ligação o green teria com os acontecimentos.

Do lado oposto encontraram uma abertura. Era redonda, tinha um diâmetro pouco inferior a dois metros e ficava à altura dos joelhos. Atrás dela reinava uma escuridão que nem mesmo os raios do sol, que penetravam obliquamente pela abertura, conseguiam desfazer o bastante para que se pudesse reconhecer qualquer coisa.

— Conseguiu captar algum impulso mental ou modelo de pensamento? — perguntou Everson, dirigindo-se ao mutante.

— Não senhor — respondeu Goldstein. — Não encontrei o menor sinal de vida.

— Minhas ordens são claras — disse o coronel. — Se dentro de uma hora Samy, Sternal, Weiss e o tenente não tiverem saído, avise a México. Em hipótese alguma siga-nos, Landis.

Não perdeu mais tempo. Atravessou a abertura.

De início teve a impressão de que uma lufada de ar frio passara pelo seu rosto. Mas, evidentemente, era apenas sua imaginação, pois o capacete estava fechado. Olhou para trás e viu uma das pernas de Weiss.

No mesmo instante, foi atingido por um movimento de sucção, que o arrastou para cima.

Turbilhonava que nem um pedaço de papel numa chaminé. Felizmente não bateu em lugar nenhum. Num movimento instintivo, moveu as mãos pela escuridão, à procura de um lugar em que pudesse agarrar-se.

Naturalmente não se tratava de nenhum movimento de sucção, mas apenas de um campo energético de pólo invertido que eliminara a gravidade. E a tensão magnética arrastava-o para cima. Essas reflexões foram surgindo lentamente no cérebro de Everson, e este sabia que havia outras possibilidades. Talvez forças paramecânicas estivessem agindo sobre ele. Era uma sensação nada agradável.

Subitamente sentiu um ligeiro solavanco e foi empurrado para o lado. No mesmo instante, surgiu-lhe o chão firme. A gravitação normal fora restabelecida.

O coronel viu-se no interior de uma sala de quatro metros por oito, bem iluminada. De onde vinha tal luz? A cor das paredes era indefinível. O chão e o teto, brancos. O astronauta olhou em torno e viu uma abertura quadrática na parede. O recinto estava completamente vazio, com exceção de um objeto estranho que se encontrava diante dos pés de Everson.

O objeto lembrava uma roda dupla. Dois aros, que se encontravam a uns quarenta centímetros de distância, estavam ligados por várias hastes. Antes que Everson tivesse tempo para examiná-lo, alguém esbarrou em suas costas.

Estremeceu, mas viu que era apenas Weiss que tropeçara ao sair do poço.

— Cá estamos — disse, proferindo uma evidente redundância. — É um meio de transporte rápido e confortável, não acha?

Everson não conseguiu compartilhar desse entusiasmo. E Sternal, Bellinger e Goldstein, que apareceram logo depois, também não pareciam muito satisfeitos com a recepção que lhes fora proporcionada.

— Pronto! — disse Bellinger. — A ratoeira fechou-se atrás de nós.

— O que é isso? — perguntou Sternal, apontando para a roda dupla.

— Pode ser qualquer coisa — disse o tenente e abaixou-se para examinar o objeto de perto.

Tateou-a e tentou sacudi-la, mas a roda permaneceu imóvel.

— Psssum! — fez alguma coisa nos seus receptores.

— O poço! — gritou Goldstein. — Onde está?

A abertura pela qual haviam vindo parecia ter-se dissolvido. Em torno deles, só havia paredes inteiriças.

— Tolice — disse Everson em tom tranqüilizador. — Alguém fechou a entrada.

Suas palavras provocaram um resultado contrário ao pretendido. Os homens começaram a berrar ao mesmo tempo e a tatear febrilmente a parede, à procura do poço. Everson compreendia perfeitamente que não gostavam de ficar presos, mas dessa forma nunca recuperaria a liberdade.

— Parem! — gritou. — Isso não adianta.

Será que esses fenômenos não foram provocados por seres vivos, mas sim por uma máquina, que continuava em funcionamento e que fora programada para tomar automaticamente as medidas adequadas, assim que uma criatura estranha penetrasse na nave?

— Nossas intenções são pacíficas — gritou Everson. — Viemos para negociar.

Esperou, mas não obteve resposta. Qualquer inteligência desconhecida deveria supor que estava conversando com seus companheiros.

A roda que se encontrava à frente deles entrou em incandescência. Sua cor passou para o amarelo-escuro. Everson inclinou-se sobre a mesma. A temperatura marcada por seu termômetro de pulso permaneceu nos 43 graus. De repente, o coronel teve a impressão de que estava olhando para um espelho. Sentiu uma tontura. Não queria desprender-se da visão que, tinha diante de si. Seus lábios abriram-se para soltar um grito de advertência, mas as cordas vocais recusaram-se a obedecer. O quadro observado era tridimensional. Enquanto cerrava os olhos, para ver os detalhes, a miragem foi-se aproximando. Uma sala gigantesca estendia-se à sua frente.

De súbito, ouviu uma voz forte, que rugiu em seu receptor que nem uma trovoada:

— O que estão procurando aqui?

Até que Everson se desse conta de que essas palavras haviam sido pronunciadas por Samy Goldstein, passou-se algum tempo. Fez um esforço desesperado para libertar-se do poder quase hipnótico do estranho quadro que tinha diante de si. Seu corpo estava coberto de suor. Goldstein pendia frouxamente nos braços de Bellinger. Ao que parecia, estava inconsciente.

— De repente, desmaiou — informou Weiss.

— Alguém me formulou uma pergunta por intermédio dele — disse Everson em tom enfático.

— Não compreendo — disse o biólogo, perplexo. — O que quer dizer com isso?

Os rostos preocupados de Bellinger e Sternal convenceram o coronel de que só ele ouvira a voz do mutante... em seu cérebro. Não era telepata nem possuía outros dons paranormais.

Dali só se podia concluir que o estranho objeto, sobre o qual se inclinara, fizera a pergunta chegar à sua consciência...

Do lado oposto da sala, uma abertura surgiu na parede, com o que se tornou dispensável qualquer resposta de Everson. Contornaram a roda. Bellinger arrastava cuidadosamente o corpo de Goldstein. Saíram todos da sala em que se encontravam, passando pela abertura de, aproximadamente, um metro e oitenta. Viram-se num corredor estreito.

Notaram que alguma coisa se mexera no fim do corredor. Everson esforçou-se para enxergar melhor. Uma figura fina, de aparência quebradiça, foi-se aproximando. Mantiveram-se na expectativa. A criatura foi-se aproximando, muito embora se tivesse a impressão de que a cada passo dado, iria partir-se.

Era Napoleão!

 

O green continuou a caminhar em sua direção. O aparelho de comunicação permanecia pendurado em seu pescoço. Sob a estranha iluminação do corredor, a cabeça de abóbora enrugada era ainda mais feia. Todo sofrimento do planeta parecia ter-se gravado nesse rosto velhíssimo.

Se Napoleão tivesse aparecido no restaurante do Hotel Waldorf Astória, a clientela refinada não teria ficado mais surpresa do que, naquele momento, Everson e seus companheiros se sentiram. Naturalmente, o green poderia ter chegado a esse lugar pelo mesmo caminho que os astronautas praticamente foram obrigados a tomar. Everson refletia febrilmente. O mais simples seria interrogar o nativo. Antes que o coronel tivesse tempo para isso, a voz de Napoleão soou em seus alto-falantes de capacete.

— Achei preferível apresentar-me aos senhores sob a forma que já lhes é conhecida — disse com a voz firme. — Para que chocar ainda mais seus nervos já arrasados?

— O que está dizendo? — gaguejou Everson.

Será que o green enlouquecera, ou estaria sujeito a uma influência hipnótica? Estaria sendo usado como instrumento por alguém?

Um braço estendido com a pistola de choque surgiu no campo de visão de Everson. O braço pertencia a Weiss, cujo rosto furioso aparecia sob a lâmina do visor de seu capacete. O comandante da México empurrou a mão do biólogo para o lado.

— Esse jovem está um tanto exaltado — disse Napoleão, ou fosse lá quem fosse aquela criatura, em tom complacente. — Não devemos condená-lo por isso. A propósito, os senhores podem tirar os desconfortáveis trajes protetores, cavalheiros. O ar a bordo desta nave lhes parecerá muito agradável.

Cruzou os braços sobre o peito, bateu um pouco com a boca em forma de bico e prosseguiu muito satisfeito:

— Além disso, os senhores terão de acostumar-se à atmosfera deste planeta, pois nunca mais sairão daqui.

Agora o próprio Everson tirou a arma térmica e apontou-a para o peito do velho.

— Quem disse isso? — perguntou o coronel.

Napoleão fez um gesto de indiferença. Não se sabia por quê, mas a debilidade e a senilidade o haviam abandonado.

— Para mim, o fato de ser ameaçado de arma em punho nem de longe representa um perigo. Se resolver disparar, posso fazer muitas coisas diferentes. Posso desaparecer, absorver a energia e fazê-la refluir, destruir a arma, paralisar sua mão, criar uma barreira entre nós ou fazer o senhor explodir. São apenas algumas das possibilidades. Lembre-se de Bellinger ou do furacão, e há de reconhecer que essa arma não me pode causar a menor preocupação.

A busca não fora em vão. Haviam encontrado os seres cujo auxílio Perry Rhodan pretendia obter. A essa hora, já se sabia que Napoleão era um deformador de moléculas. Não poderia imaginar que os homens que se encontravam à sua frente, com exceção do Tenente Bellinger, já haviam tido suas experiências com outro membro de sua raça.

— Não pensem que eu os considero como inimigos — asseverou Napoleão. — Para mim, não passam de um meio de atingir determinado objetivo. O tremendo acaso que os fez pousar neste planeta representará minha salvação. Queiram acompanhar-me, cavalheiros!

Fez um movimento com a mão. Na parede surgiu uma abertura suficientemente larga para dar passagem a um homem. Goldstein continuava inconsciente. Na sala em que penetraram, a iluminação era mais agradável.

— Acho que os senhores preferem sentar-se confortavelmente — disse o green... ou melhor, o deformador de moléculas.

Cinco poltronas materializaram-se à sua frente. Napoleão fez um gesto convidativo.

— Se desejarem, posso modificar o formato destas poltronas. Basta dizer qual é o tipo preferido. Quanto a mim, prefiro ficar de pé.

O espetáculo foi encenado com a única finalidade de deixá-los perplexos e intimidá-los. Everson resolveu não capitular diante de uma série de impressões óticas. Antes de mais nada, as posições teriam que ser definidas.

— Os trajes protetores — lembrou Napoleão em tom amável.

Everson sabia que, por enquanto, qualquer resistência seria inútil. Tirou seu traje protetor, e fez sinal para que seus companheiros o imitassem. Bellinger retirou o mutante inconsciente do traje e colocou-o numa poltrona. Napoleão esperou até que todos se tivessem acomodado.

— Temos duas alternativas — principiou o ser misterioso. — Podemos chegar a um acordo, e nesse caso prometo-lhes que poderão passar tranqüilamente seus dias em Moluque, ou então os senhores resistem aos meus desejos, caso em que terei de recorrer à violência para executar meus planos.

— Estas palavras poderiam ser proferidas por mim e dirigidas ao senhor — disse Everson em tom audacioso. — Nem preciso repeti-las.

— Sua coragem não guarda a menor proporção com seus recursos — sentenciou Napoleão em tom suave. — Não quero roubar-lhes as esperanças infundadas que estão entretendo. Porém, dentro em breve, terão de reconhecer que não estão em condições de enfrentar-me. Permitam que antes de mais nada lhes explique por que estou nesta situação.

Goldstein foi recuperando os sentidos e movia-se nervosamente na poltrona. Everson inclinou-se sobre o telepata e sacudiu-o. O mutante abriu os olhos.

— Napoleão! — cochichou. — O que aconteceu?

— Este green é um deformador de moléculas — disse Everson em inglês. — Tenha cuidado, Samy.

— Conheço o dom insignificante que seu amigo possui — observou Napoleão em tom indiferente. — Não há necessidade de preveni-lo, pois não poderá fazer nada contra mim.

Com um sorriso de contrariedade, Everson lembrou-se de Mataal. Este fora vencido por Goldstein, embora, de certa forma, o deformador de moléculas tivesse cometido um grande erro ao fornecer energias paramecânicas àquele mutante...

— Encontro-me numa situação nada invejável: sou o último membro de meu povo — disse Napoleão, dando início à sua exposição. — Não falo isto para provocar qualquer sentimento de compaixão nos senhores. Tive tempo de sobra para dominar a tristeza. A gente aprende a suportar a solidão. A nave em que nos encontramos deveria ter deixado em Moluque cinco mil indivíduos da minha raça. Isso foi conseguido, mas o estado em que esses indivíduos se encontravam, com exceção de cinco oficiais, representava a consumação de tudo. Estavam mortos.

“Nossa nave desceu à superfície do planeta com a velocidade de um meteoro. Neste ponto, cabe ressaltar que o sistema de propulsão de nossas naves representa uma combinação de recursos técnicos e forças paramecânicas, cuja atuação conjunta produz resultados incomparáveis. Quando atingimos as camadas superiores da atmosfera, os parapilotos constataram, de repente, que a comunicação, que vinham mantendo os propulsores, se interrompera. Uma pressão mental de intensidade inconcebível desabou sobre nós. Perdemos inteiramente o controle. Numa questão de segundos, nossos dons se extinguiram por completo. Qualquer tentativa de salvar a nave estaria condenada ao fracasso. Encontrávamo-nos na mesma situação de um alpinista que, de repente, perde a visão no meio de uma perigosa ravina e está irremediavelmente condenado a cair.

“Ativei as forças que me restavam, a fim de preparar-me para o impacto. Talvez fosse minha salvação. Os outros quatro homens, que sobreviveram à queda sofreram ferimentos tão graves que morreram dentro de poucos dias. Com minhas faculdades paranormais mutiladas não consegui prestar um auxílio eficiente. Aos poucos, a pressão mental foi diminuindo. Nesse meio tempo, já havia descoberto sua origem, pois consegui identificar alguns modelos de atividade mental.

“Porém, meu conhecimento foi adquirido muito tarde para que pudesse ser útil ao meu povo. Os nativos deste planeta irradiavam um tipo de paraondas que sufocava qualquer outra atividade da mesma espécie. É claro que os seres primitivos que habitam este planeta nem desconfiavam de tal fato. Aos poucos, consegui resistir à pressão. Isso era de importância vital para mim, pois precisava entrar em contato com os nativos de qualquer maneira, se quisesse continuar vivo.

“Não vou narrar todas as dificuldades que tive de enfrentar para aproximar-me da aldeia. À medida que me aproximava dos greens, a influência que estes exerciam em minha mente voltava a aumentar. Apesar disso, consegui assumir o corpo do velho esquisitão que os senhores vêem à sua frente. Antes de minha chegada, já vivia nos arredores da aldeia e gozava da fama de ser imortal. E isso representava uma vantagem para mim. Os greens não atingem uma idade muito avançada, mas eu, Napoleão, podia continuar vivo sem provocar suspeitas.

“O corpo do esquisitão poupou-me o trabalho de criar uma nova identidade a cada geração que passava. Dentro da aldeia, tinha de fazer um esforço tremendo para ativar meus dons. Por isso, vez por outra, costumava vir até aqui, para evitar que os nativos tivessem a idéia de andar pelo deserto e espionar nas proximidades da nave. Provoquei alguns acontecimentos que, aos seus olhos, deviam parecer milagres. Dali em diante, não se afastaram nunca mais da aldeia.”

Fez uma pausa. Seus olhos escuros brilharam. Quando viu que nenhum dos cinco homens que se encontravam presentes dizia nada, prosseguiu:

— Sozinho, jamais poderia fazer a nave decolar. Até mesmo para uma equipe de paramecânicos experimentados, os trabalhos de reparo seriam um problema. Além disso, não fui treinado como parapiloto. Era possível que, a uma altura maior, a influência mental dos greens aumentasse novamente. No entanto, verifiquei que isso não passava de uma hipótese, que, mais tarde, revelou-se falsa. De qualquer maneira, não havia para mim a menor chance de sair de Moluque. Passei a vegetar, levando uma vida sem sentido ou finalidade.

“Pouco depois da decolagem da nave que me trouxe, meu planeta explodiu. Nossos cientistas pretendiam torná-lo independente do sol. Construíram gigantescas abóbadas e aqueceram o núcleo do planeta por meio da fusão nuclear de diversos elementos. A combustão nuclear foi mantida sob controle por meios paramecânicos, ou melhor, deveria ter sido mantida. Acontece, porém, que havia restos de um material desconhecido e, por isso, estranho ao plano.

“Não demorou que, sob a superfície do planeta se verificasse a fusão de dois núcleos diferentes. Foi o princípio do fim. A combustão atômica espalhou-se em inúmeras ramificações e carregou a incandescência para a superfície. O planeta levou menos de um dia para estourar. A última tentativa de uma raça moribunda, que queria continuar viva, antecipou sua destruição.”

Pela segunda vez Napoleão interrompeu a narrativa. Everson levantou-se, um pouco embaraçado. Engolia em seco. Estivera envolvido por tanto tempo no cenário cósmico que compreendia perfeitamente as proporções da terrível catástrofe. A compaixão não representaria qualquer ajuda para o deformador de moléculas. Era um ser solitário e perdido, amargurado pelo triste fim de sua raça.

Face à narração dessa catástrofe, o fato de a missão da México ter fracassado perdia toda importância. Seria impossível firmar uma aliança com os deformadores moleculares, pois estes não existiam mais. Napoleão era o último representante dessa raça.

— Minha apatia aumentou tanto que passei dias seguidos em minha miserável cabana. Foi então que aconteceu o milagre — prosseguiu Napoleão. — Uma nave estranha penetrou na atmosfera de Moluque. Foi fácil descobrir que esta utilizava um campo antigravitacional para realizar o pouso. Desenvolvi uma atividade febril. Superei as irradiações dos greens e estabeleci contato parapsicológico com a nave. Em hipótese alguma, deveria permitir que aqueles seres desconhecidos escapassem. Consegui encontrar uma das chaves de controle do campo antigravitacional e manipulá-la. Esperei que o veículo espacial se encontrasse tão perto do solo que a queda não o destruísse, tornando necessários apenas alguns reparos para que eu pudesse voltar a aventurar-me pelo espaço. Quando chegou este momento, desativei o campo antigravitacional. O resto da história os senhores já conhecem.

— Foi ele quem atacou a México — disse Bellinger em tom indignado e pôs a mão no paralisador. — Uma lição não lhe fará mal.

Antes que Everson pudesse fazer qualquer coisa, o tenente arrancara a arma e disparara. No mesmo instante, a poltrona em que Bellinger estava sentado desmaterializou-se e o pesado corpo caiu ruidosamente ao chão. Numa outra situação o quadro seria divertido. O tiro perdeu-se no ar. Bellinger voltou a levantar-se.

— Assim não conseguiremos nada, tenente — advertiu Everson. — Faça o favor de controlar-se.

Um tanto envergonhado, Bellinger procurou outro lugar para sentar-se. Mas, ao que parecia, Napoleão não estava mais disposto a prestar-lhe gentilezas.

Everson olhou para o relógio. Uma hora já se havia passado. Assim, o prazo que combinara com Landis chegara ao fim. Esteve prestes a informar Napoleão sobre isso, mas o deformador de moléculas estava desaparecendo. Para isso, deixou-se cair pelo soalho. O quadro era tão horrendo que Sternal soltou um grito de pavor. Mal o estranho ser desapareceu, Bellinger correu para o lugar em que, pouco antes, o deformador estivera. Suas mãos apalparam matéria compacta.

— Tenho a impressão de que, no momento, somos seus prisioneiros — disse Poul Weiss, esticando as palavras.

Na opinião de Everson, estas palavras ainda representavam uma apreciação muito lisonjeira da situação em que se encontravam. Estava convicto de que Napoleão pretendia alcançar um objetivo bem definido. Queria ficar com a México, deixando aos astronautas algo com que, em hipótese alguma, poderiam ficar satisfeitos: uma vida em meio aos greens.

 

No exato momento em que o Coronel Marcus Everson olhou para o relógio, Landis disse, em voz alta, cinqüenta metros abaixo, em meio às areias do deserto:

— O prazo terminou.

Vinte e quatro pares de olhos fitaram com uma expressão de ameaça a nave que acolhera cinco astronautas e ainda não os libertara. Muito embora as ordens do comandante fossem muito precisas, qualquer um desses homens estava disposto a correr para a desgraça. Poucos comandantes da frota solar eram tão estimados como Everson. Seus homens o veneravam. Sabia dar o máximo de liberdade e exigir apenas um mínimo de disciplina, sem que isso afetasse sua autoridade.

Por isso, não seria de admirar que, naquele instante, alguns dos homens pusessem as mãos nas armas térmicas e...

— Tenham calma, minha gente — gritou Landis, embora ele mesmo também teria o maior prazer em precipitar-se sobre o colosso oitavado que se erguia diante de seu grupamento, em direção ao céu verde-pálido. — Antes de mais nada, precisamos entrar em contato com Mr. Scoobey.

Passou a lidar com aquele amontoado que, dificilmente, poderia merecer a designação de aparelho de rádio. Os dedos ásperos do radiotelefonista correram leve e despreocupadamente sobre as teclas, como se o aparelho que tinha à sua frente fosse a coisa mais estável do Universo. Quando a voz do oficial da México saiu do alto-falante, todos seriam capazes de jurar que Landis era um verdadeiro gênio.

— Já passou seis minutos da hora indicada, Sir — disse Landis. — O comandante e os homens que o acompanharam ainda não voltaram. Por aqui está tudo em paz. O que devemos fazer?

Landis, que já teve o desejo de ser oficial ou mesmo comandante, agradeceu ao destino por tê-lo obrigado a seguir outra carreira. Sabia perfeitamente que, se estivesse no lugar do oficial, estaria indeciso quanto às providências a serem tomadas. Não se lembrava de qualquer tipo de ação que pudesse ser ao menos medianamente razoável.

Ao que parecia, Walt Scoobey defrontava-se com o mesmo problema, pois demorou bastante tempo para responder.

— Mande os dois robôs para a nave, a fim de que procurem os homens — ordenou.

Era uma boa idéia, mas havia um detalhe. Os robôs não existiam mais. Haviam desaparecido juntamente com muitos outros objetos na tormenta noturna, uma coisa que não deveria ter acontecido com os robôs de guerra. Landis informou o interlocutor invisível sobre essa circunstância.

— Bolas! — disse Scoobey em tom de decepção. — Mande mais quatro homens para dentro da nave, Toni. Talvez isso baste para manter o inimigo invisível ocupado por mais algum tempo. Os outros devem retirar-se com o aparelho de rádio, a uma distância em que ainda possam avistar a espaçonave. Observe tudo que se passar. E mantenha o rádio sempre em funcionamento. Usaremos o goniômetro e, dessa forma, não teremos a menor dificuldade em encontrá-lo. Formarei um pequeno grupo de combatentes e irei até aí pelo caminho mais rápido. Estaremos aptos a enfrentar os acontecimentos. Talvez consigamos sair com uma das naves auxiliares.

Landis confirmou o recebimento da mensagem. Ligou o rádio de tal forma que, a cada dez segundos, emitia um ligeiro sinal de chamada, que poderia ser captado por qualquer goniômetro num raio de quinhentos quilômetros.

— Quero quatro voluntários — disse. — Já apareceu um — apontou para si mesmo.

— Se me permite que, como paisano, faça uma sugestão — disse o Dr. Morton — direi que o senhor deve ficar junto ao aparelho “doente”, a fim de salvá-lo novamente, caso volte a entrar em pane. Por outro lado, o estado de saúde do grupo pode ser considerado bom. Portanto, não vejo por que eu mesmo não poderia ir à nave.

Sem dúvida, esta foi a fala mais longa, gentil e racional que o Dr. Morton proferiu em sua vida.

— De acordo — disse o operador de rádio, prontamente. — Delaney, Pentsteven e Okeda irão com o senhor. Desejo-lhe boa sorte, doutor.

O jovem Pentsteven provou mais uma vez que era um novato, pois, num gesto emocionado, apertou a mão de Landis. Antes que o astrônomo pudesse dramatizar ainda mais a situação, o médico empurrou-o em direção à nave.

— Vamos andando! — exclamou. — O que está esperando, meu filho?

Quatro homens caminharam com dificuldade pela areia, em direção à “porta” que os separava do desconhecido. Foram desaparecendo um após outro. Pentsteven, que caminhava no fim da fila, virou-se e cumprimentou os outros com um aceno da mão.

“Pode ser uma despedida por algum tempo ou para sempre”, refletia Landis muito preocupado. “E é provável que a última hipótese seja a correta.”

 

Desde que existem homens, também existem prisioneiros. Com a navegação espacial e o aparecimento de inteligências estranhas, esse fato adquirira novos contornos. Até então os homens sempre foram mantidos presos por outros seres de sua espécie. Mas agora tornou-se possível aparecer outra raça e colocar os seres humanos sob custódia. O encarceramento era um vício bastante disseminado pela Galáxia, praticado em todas as formas concebíveis. Ao ato tradicional de colocar o prisioneiro atrás das grades, acrescentaram-se inúmeras variantes. Com o tempo foram criadas prisões, onde o recluso nem percebia a situação lastimável em que se encontrava. Mas isso era bastante raro. Via de regra, o “dono” da prisão estava interessado em que a vítima soubesse o que lhe estava acontecendo.

Tão velha como a prática do aprisionamento de seres humanos é a idéia da fuga. O homem da Idade da Pedra já quebrava a cabeça para descobrir um meio de escapar da caverna do inimigo. À medida que as prisões se tornavam mais complicadas, os planos de fuga adquiriam uma sofisticação cada vez maior. Surgiram penitenciárias que podiam gabar-se de que jamais um prisioneiro passara por cima de seus muros. Nelas não havia a menor esperança de conseguir a liberdade tão ansiada, antes que as pessoas que tivessem o prisioneiro sob sua guarda julgassem chegado o momento. Mas bastou um prisioneiro passar por baixo do muro para essa penitenciária perder a fama conquistada.

Inventaram-se fechos com mecanismos de relógio, barreiras eletrônicas, campos de radiações, paredes impenetráveis, e tais equipamentos foram instalados nas prisões. Por espantoso que possa parecer, as fugas continuaram. Nenhum equipamento, por mais sofisticado que fosse, poderia quebrar a vontade de fugir que todo prisioneiro entretém. Mesmo na era da perfeição científica e da supertecnologia, houve pessoas que conseguiram pôr fim ao estado de isolamento em que se encontravam.

A sensação de estar preso é uma das piores de que a criatura humana pode ser acometida. Mas a esperança é uma sensação mais forte...

 

— Precisamos encontrar um meio de sair daqui — disse Werner Sternal. — De qualquer maneira, devemos tentar. É preferível fazer alguma coisa a ficarmos sentados por aqui, até que nosso amigo volte a interessar-se por nós.

Bellinger gostaria de dizer que ele estava cansado de ficar de pé, mas Everson cortou-lhe a palavra.

— Se estivermos com azar, aqui não haverá sequer uma abertura — disse o coronel. — Napoleão pode deslocar-se à vontade através das paredes.

Dirigiu-se a Samy Goldstein.

— O senhor consegue estabelecer algum tipo de contato mental com o deformador de moléculas? — perguntou. — Sente onde ele se encontra ou quando se aproxima?

O mutante fez um gesto vago. Era sensível como todos os mutantes.

— Pouco importa o que eu diga — começou, falando devagar. — O senhor nunca sabe se não o estou dizendo por estar submetido a uma influência estranha. Minhas informações não lhe servirão de nada, pois o senhor tem certa desconfiança de mim. Sempre se lembrará de que Mataal me dominou. E é perfeitamente possível que o mesmo venha repetir-se agora. Se eu lhe contar uma coisa, isso poderá induzi-lo em erro. Portanto, qualquer informação que eu lhe der só trará mais confusão.

Everson reconheceu que o mutante estava com a razão. Na situação em que se encontravam, não adiantaria contar com suas faculdades. Só quando tivesse certeza absoluta, Goldstein falaria. E mesmo quando isso acontecesse, Everson poderia não acreditar nele.

Weiss e Sternal levantaram-se e, juntamente com Bellinger, passaram a examinar as paredes. Apalparam-nas centímetro por centímetro, embora suas mãos não alcançassem o teto. Depois de algum tempo, Poul Weiss chegou a um lugar que resolveu submeter a um controle minucioso.

— Foi por aqui que entramos — disse. — Deve haver uma porta ou coisa que o valha.

— É bem possível que Napoleão tenha criado a abertura apenas para permitir nossa entrada — disse Everson. — Não sabemos se ela ainda existe.

— Não comece com isso, Sir — gritou Bellinger em tom estridente. — Daqui a algumas horas, o senhor começará a duvidar até da existência da sala em que nos encontramos. Quem toma essa atitude, acaba negando até a existência do mundo.

Everson sentiu-se apavorado ao notar o pânico do tenente. Colocou-se ao lado de Weiss. O biólogo não se deixara perturbar no seu trabalho.

“Mesmo que contra todas as expectativas conseguissem escapar dali”, pensou Everson, “o que fariam depois?”

Atrás dessa sala havia um corredor, e depois, outra sala. Se fugissem, não modificariam sua situação, mas apenas sua posição no espaço. Era como se um prisioneiro da penitenciária de Sing Sing cavasse um túnel que o levasse de sua cela à sala dos guardas.

— Consegui! — exclamou Weiss em tom exultante.

Everson piscou os olhos. Parecia perplexo. Para ele, a parede continuava a ser uma superfície impenetrável e contínua.

— O que estamos esperando? — perguntou Weiss.

Bellinger fungava. Sternal lançou um olhar bastante expressivo para Everson. O jovem mutante sacudiu a cabeça. Ninguém, a não ser Weiss, parecia enxergar qualquer coisa que pudesse possibilitar sua fuga.

— Vamos com cuidado, Poul — disse Everson em tom cauteloso. — Como conseguiu encontrar a passagem?

Weiss sorriu.

— Pode parecer ridículo — disse. — O fato é que desejei fortemente que houvesse uma abertura — e, no mesmo instante, esta surgiu à minha frente.

— Interessante — constatou Everson.

O coronel perguntou-se por que justamente o biólogo fora atingido por aquilo, pois, ao que tudo indicava, Weiss tinha um “couro” mais grosso que os outros.

— Vou dar uma olhada lá fora — anunciou o biólogo.

“Coitado”, pensou Everson. “Você terá uma bela surpresa, quando sua cabeça esbarrar na matéria sólida.”

Mas quem teve uma surpresa foi Everson.

Weiss atravessou a parede como se esta não existisse.

 

O Dr. Morton ligou a lanterna e olhou em torno. Pentsteven colocou-se ao lado do médico. Morton agitava a lanterna, como se fosse uma raquete de pingue-pongue, e virava a cabeça para ver os objetos no momento em que eram atingidos pela luz. O sargento Delaney, um homem baixo e robusto, mirava o chão. Eiji Okeda, o astronauta, enfiou os polegares no cinto do traje protetor e ficou à espera.

Ao lado deles havia um grande buraco; era talvez o poço do elevador... Em seu interior reinava a escuridão. Várias barras metálicas levavam para cima. Nas paredes laterais, havia saliências e reentrâncias dos mais variados tamanhos. Não se podia imaginar sequer qual era sua finalidade.

— Subiremos pelas barras — disse o Dr. Morton.

Com a agilidade de um macaco segurou uma dessas barras e começou a puxar-se para cima. Pentsteven seguiu-o. O astrônomo não era treinado e viu-se obrigado a fazer uma pausa. O sargento Delaney procurou animá-lo com alguns gritos. Finalmente conseguiu subir ao lugar em que se encontrava o médico. Okeda e o sargento não tiveram a menor dificuldade em superar o obstáculo.

— Por onde vamos? — perguntou Pentsteven.

Só se atrevia a falar aos cochichos.

Antes que alguém tivesse tempo de responder, ouviu-se um débil pedido de socorro em todos os receptores dos capacetes. Quatro feixes de luz procuraram vencer a escuridão.

— Isso pode ser uma armadilha — advertiu o Dr. Morton.

Os feixes de luz atingiram um vulto que se contorcia no solo, perto do lugar onde se encontravam.

— É o green! — gritou Pentsteven. — Olhe, doutor!

Correram para junto de Napoleão, que choramingava. O rosto enrugado do nativo estava desfigurado pelas dores. Ao que tudo indicava, alguém o golpeara brutalmente. O Dr. Morton abaixou-se sobre ele.

— Calma — disse. — Nós o ajudaremos, amigo.

Napoleão levantou os braços delgados, num gesto de recusa. Sob a ação da luz ofuscante, seus olhos pareciam lagos profundos cercados por altas montanhas. Sua respiração parecia ranger.

— Ajudem seus amigos — grasnou com dificuldade.

Girou o corpo, a fim de indicar a direção ao médico.

— Estão lá embaixo, com os demônios. Andem depressa!

O Dr. Morton levantou-se de um salto. Esbarrou no astrônomo, que se inclinara sobre seu ombro. O sargento Delaney tirou a arma térmica e olhava furiosamente em torno.

— Para trás — ordenou o Dr. Morton. — Precisamos descer por onde subimos.

Passou a mão pela horrível cabeça de Napoleão.

— Aguarde aqui — pediu.

Voltaram correndo pelo mesmo caminho. Os raios de luz de suas lanternas iluminavam as paredes.

Não viram que o green se levantou e mergulhou na escuridão.

 

— Todos vimos a mesma coisa; logo, aconteceu realmente — disse Marcus Everson e fitou os companheiros com uma expressão séria. — Devemos conformar-nos com o fato de que Poul atravessou esta parede como se ela não existisse.

Ninguém respondeu. Cada um seguia a trilha das próprias reflexões.

“Já que não poderia conquistar nenhum aliado para Rhodan, ao menos vou levar-lhe de volta o precioso cruzador”, decidiu Everson.

Isso parecia ser fácil, mas, na realidade, era dificílimo de ser feito. Os obstáculos pareciam invencíveis. Não havia a menor dúvida de que Napoleão pretendia apoderar-se da México. Nem mesmo um deformador de moléculas seria capaz de pilotar a nave sozinho. Precisaria de alguém que o ajudasse.

Everson imaginava mais ou menos quais eram as intenções do falso nativo.

Tentaria colocar fora de ação os membros da expedição e voltaria à México, dizendo que era o único sobrevivente. Uma vez no espaço, controlaria a tripulação e a faria trabalhar de acordo com seus desejos. De qualquer maneira, parecia ter a intenção de deixar em Moluque os elementos mais importantes. Dali se concluía que via um certo perigo ao menos no mutante.

Mas não adiantava pensar sobre isso. Precisavam descobrir um meio de livrar-se da situação em que se encontravam. Poul Weiss não dispunha de dotes sobrenaturais. Devia haver uma explicação racional para aquilo.

No momento em que Everson começou a refletir intensamente sobre isso, o biólogo voltou. Ele o fez da mesma forma pela qual saíra.

— Então; vamos andando, Sir — disse em tom animado. — O corredor está completamente vazio. Não se vê o menor sinal de Napoleão.

Não acontece todos os dias um terrano normal atravessar as paredes de espaçonaves estranhas como se estas não existissem. Até que o coronel resolvesse formular uma pergunta, passaram-se alguns segundos.

— Como foi que o senhor conseguiu, Poul? Como fez para sair desta sala?

No rosto de Weiss, o sentimento de culpa e um sorriso incontrolado misturaram-se numa careta.

— Desculpe, Sir — disse. — Pensei que o senhor soubesse.

— O senhor não perde por esperar — disse o Tenente Bellinger em tom sarcástico.

— No lugar em que entramos não existe nenhuma parede — explicou Weiss. — Ela só existe em nosso pobres cérebros iludidos. O deformador de moléculas recorreu a um truque psicológico para sugestionar-nos. Ficamos tão convencidos que até chegamos a sentir o material, ou melhor, acreditávamos que o sentíamos.

Sorriu, recuou alguns passos e estendeu o braço através da matéria aparentemente firme.

— Olhe — disse. — Aqui está a prova. Basta acreditar que aqui existe a abertura pela qual viemos.

— Não custa experimentar — disse Bellinger.

Num gesto que demonstrava desconfiança, estendeu as mãos para a frente, correu em direção ao obstáculo e... desapareceu. Depois sua cabeça voltou a surgir. Parecia um crânio de Buda sorridente que, contrário a todas as tradições, achava-se envolto por cabelos louros ondulados. Fez um gesto animador.

Agora, todos já estavam no corredor.

— Foi dali que viemos — disse Weiss. — Parece que há uma barreira... — apontou para uma mancha escura, cujo centro quase chegara a ser negro, enquanto as bordas eram franzidas como uma flor. — O radiador térmico não servirá de nada.

Everson apontou para a tal mancha.

— Parece que o senhor já tentou.

Weiss confirmou com um gesto. Ao que parecia, não temia as conseqüências dos seus disparos. Movia-se com a despreocupação de quem passeia pela Rua Goshun, em Terrânia. O biólogo era um homem de boa estatura, rosto liso e bem cuidado. Seu aspecto era simpático. Os astronautas jovens e inexperientes costumavam recorrer a ele para pedir conselhos. O biólogo fazia parte de um grupo esotérico. Pertencia a um círculo de estudos astrológicos, que, antes de qualquer viagem espacial, lhe fornecia um horóscopo. Tal fato deixaria muitos de seus amigos espantados, caso o soubessem.

Mas, naquele momento, Weiss pensava menos no seu horóscopo que nas possibilidades de levar avante a fuga.

— Daqui não vemos a outra extremidade do corredor; está muito escuro — disse. — Mas podemos andar até lá e dar uma olhada.

— Está certo — concordou Everson. Colocou-se na ponta do pequeno grupo e foram caminhando em direção ao destino. Numa atitude instintiva, evitaram qualquer ruído. O corredor foi-se estreitando, mas um homem podia passar confortavelmente.

— Gostaria de saber uma coisa — disse Sternal. — Será que nos deslocamos na vertical ou na horizontal em relação à superfície do deserto?

— Procure encontrar uma janela — sugeriu Bellinger com um sorriso.

Goldstein foi o único que se manteve em silêncio. Até parecia que não dava maior importância à fuga. Seu olhar mostrava-o introvertido. O mutante nunca fora muito loquaz, mas até então jamais pareceu desinteressar-se pelos acontecimentos.

— Podemos prosseguir — disse Everson. — Do lado de cá, a abertura não foi fechada.

— Mas parece que teremos de andar no escuro — disse Sternal, que parecia bastante preocupado. — Depois desta parede não há mais nenhuma luz.

— Liguem as lanternas — ordenou Everson. Constatou-se que, com exceção do coronel, todos haviam deixado suas lanternas nos trajes protetores.

— Ninguém vai voltar — decidiu o comandante da México. — Temos de arranjar-nos com apenas uma lanterna.

Ligou-a. O feixe de luz tremeu no chão, tateou as paredes e passou ligeiramente embaixo do teto. O lugar não sofrerá qualquer modificação. Avançaram devagar. Everson segurava a arma de choque. A ação era um tanto confusa, mas sempre seria preferível a uma atitude de resignação.

De repente, o coronel despencou. Deu um passo no vazio, embora sua lanterna tivesse iluminado chão firme, pouco antes. Agora, a luz passou a tatear por todos os lados, descrevendo trajetórias de fogo e rodopiando no nada pelo qual caía. Alguém soltou um grito.

Dali a pouco, ouviu-se o ruído produzido pelo impacto do corpo de Everson.

Um rosto demoníaco surgiu nitidamente diante dos olhos da mente de Everson. Procurou recuar, mas o rosto continuava a aproximar-se. Em desespero, teve a idéia de que talvez nem estivesse caindo, mas flutuando sem peso. Os lábios duros, em formato de bico abriram-se. Everson esforçou-se para respirar. Quis lutar, mas não encontrou nenhum ponto de referência contra o qual pudesse investir. Rolou, cambaleou, deu uma cambalhota. O corpo era incapaz de adaptar-se ao estado em que se encontrava.

Depois de algum tempo, uma voz falou em meio à infinita escuridão. Era uma voz que perdera totalmente a tonalidade juvenil:

— Isso não passa de um truque, Sir! Procure resistir; conseguiremos.

“Goldstein!”, pensou Everson, mas de sua boca só saiu um gemido martirizado.

Sentiu que em torno iria ter início uma coisa que se revestiria de importância decisiva.

Não poderia saber que aquilo era o começo de uma luta que seria travada com armas invisíveis. E tal embate poderia estender-se por várias horas, pois, durante seu prolongado silêncio, Samy Goldstein concebera um plano.

E acabara de passar à execução do seu intento.

 

Com o rosto contrariado, Scoobey observava os quatro robôs que arrastavam o canhão de radiações pela areia. As máquinas estariam em condições de deslocar-se mais depressa, mas, se isso ocorresse, os homens não seriam capazes de acompanhá-los. Um tanto triste, o oficial lembrou-se de que a tentativa de retirar um dos barcos auxiliares do interior da nave fracassara. Meio perplexo olhava para Murgut, que caminhava à frente do grupo.

As longas pernas do nativo venciam sem a menor dificuldade todos os acidentes do terreno. Scoobey tinha certeza de que o green era capaz de desenvolver uma velocidade considerável, caso isso se tornasse necessário.

Murgut vencera quase totalmente o pavor que lhe inspirava o deserto. A bordo da México travara conhecimento com as armas dos astronautas terranos. Sentiu-se profundamente impressionado, e afirmara que com tais armas seriam capazes de vencer até mesmo o mal em sua própria essência. Scoobey respirou profundamente.

O pequeno grupo estava fortemente armado. Um goniômetro captava ininterruptamente o chamado, emitido pelo rádio de Landis. Já haviam calculado a posição desse rádio, mas preferiram manter contato ininterrupto com o aparelho. Era possível que os homens de Landis tivessem de fugir.

Murgut andou mais devagar e esperou que Scoobey se colocasse a seu lado. O green amarrara ao pescoço, com um barbante, a lâmpada que lhe fora dada de presente. Dissera aos astronautas que pretendia cedê-la aos seus companheiros de raça, em troca dos auxílios prestados.

— Estou com dor de cabeça — queixou-se. — E a dor aumenta constantemente.

— Sinto muito — disse o oficial. — Com este calor, isso não é de admirar. O doutor lhe dará um remédio.

Murgut comprimiu as mãos contra as têmporas. Seus olhos escuros estavam arregalados de medo. Scoobey fez um sinal para que o Dr. Lewellyn se aproximasse. Antes que o médico chegasse ao lugar em que se encontravam, o green começou a gemer. Sua cabeça de abóbora balançava de um lado para outro.

— Depressa, doutor! — gritou Scoobey. O oficial sabia com toda certeza que seria relativamente difícil estabelecer um diagnóstico num ser estranho, e que um remédio capaz de curar um ser humano pode ser totalmente ineficaz numa criatura extraterrena.

— O medo é mais forte que as dores — disse Lewellyn.

Murgut, que usava um equipamento de comunicação igual ao que fora fornecido a Napoleão, agarrou-se ao médico com uma das mãos, enquanto passava a outra pela testa.

— É um demônio, doutor! — grasnou em tom de pavor.

— Tolice — disse Lewellyn. — Estamos a caminho há várias horas, e até agora não vimos nenhum fantasma neste deserto legendário. Os fantasmas não existem.

De repente, o nativo caiu na areia. Scoobey lançou um olhar de súplica para o médico. Lewellyn segurou os ombros de Murgut e procurou levantá-lo. O green tremia.

— Deixe-me — gritou. — O mal em sua própria essência me matará.

Num gesto de desespero desvencilhou-se. Comprimiu o corpo contra o solo, como se este lhe pudesse proporcionar proteção e auxílio. Sua voz tremia de pânico.

— Está dentro da minha cabeça — uivou Murgut. — Vai me matar...

 

O Dr. Morton colocou a mão sobre o peito de Delaney. O sargento parou. Pentsteven girava a lanterna para um lado e outro.

— Por que não prosseguimos? — perguntou Okeda com a maior tranqüilidade.

— Se alguém já me enganou, foi o tal do Napoleão — observou o Dr. Morton com a voz gelada. — Por algum motivo que só ele conhece, afastou-nos de lá de cima.

— É uma aranha venenosa! — exclamou Delaney.

Dali a pouco, viram-se novamente no lugar em que haviam encontrado Napoleão. O green havia desaparecido. O Dr. Morton praguejou e interceptou Pentsteven, que iria iniciar uma explicação prolixa sobre suas idéias relativas à situação.

— Vamos andando — ordenou. — Daqui em diante teremos o maior...

Um tremor sacudiu a nave e fê-lo calar-se.

— O que foi isso? — a voz de Pentsteven parecia atropelar-se de medo.

O segundo abalo foi mais forte. As vibrações foram violentas. Pentsteven afastou os braços do corpo, a fim de não perder o equilíbrio. O sargento Delaney apoiou-se à parede com uma das mãos. O Dr. Morton abriu o capacete, a fim de ouvir melhor os ruídos.

— Acho que devemos dar o fora — sugeriu Okeda.

Falou com a calma de quem convida alguém para um aniversário. Pentsteven concordou com a voz trêmula.

— E Everson? — objetou o médico. — Será que devemos abandoná-los? Acho que seremos capazes de suportar estas sacudidelas.

Para reforçar suas palavras, continuou a caminhar sobre o solo agitado. O Dr. Morton balançava, cambaleava e avançava que nem um bêbedo. Continuou a iluminar automaticamente o caminho. Não olhou para trás, a fim de ver se os outros o seguiam. Não sentiu medo, nem sequer insegurança. A onda de abalos foi diminuindo aos poucos. Ruídos fantasmagóricos encheram as salas e os corredores. Não descobriram o menor sinal dos homens que haviam desaparecido com Everson. Três feixes de luz surgiram ao lado dos raios projetados por sua lanterna. A voz de Delaney zumbiu no receptor do capacete como se fosse o ruído de um inseto enfurecido.

Seguiu-se o terceiro abalo. Houve um solavanco tão forte que os homens pisaram em falso e caíram ao chão.

De início, Morton pensou que alguém lhe tivesse dado um pontapé. Porém, quando tocou asperamente no chão, viu que os outros também tinham caído. Fez um esforço para levantar-se, mas houve mais três abalos que sacudiram a nave tão fortemente que o médico se admirou de que esta não se espedaçasse. Sentia uma dor cruciante do lado esquerdo do peito, sobre o qual tombara.

O Dr. Morton chegou à conclusão de que seria preferível ficar deitado e esperar os abalos cessarem. Nem quis pensar no que poderia acontecer, caso o estranho tremor se tornasse ainda mais intenso.

 

Samy Goldstein estava de costas para a parede. À sua frente, Everson, Bellinger, Weiss e Sternal cambaleavam como se estivessem bêbedos. O mutante sentiu a energia mental do deformador de moléculas. Era uma série ininterrupta de investidas no terreno mental. Napoleão fez de tudo para subjugá-lo. Acontece que Goldstein estava preparado para esse tipo de confronto, até onde fosse possível. Suas medidas de segurança se baseavam em duvidosas teoria. Até então resistira continuadamente ao campo de irradiação dos greens; lutara e o afastara de suas capacidades extra-sensoriais.

Mas, no momento em que descobriu a verdadeira identidade do velho green, Goldstein passou a absorver sistematicamente os fluxos paranormais irradiados pelos cérebros dos nativos. Napoleão confessara que também era atingido por tais fluxos. O telepata concentrou-se ao máximo para sugar os modelos mentais. Seu cérebro martirizado ameaçou estourar, quando a descontrolada força paranormal penetrou-lhe livremente.

De início, Goldstein receara que, em virtude da distância que o separava da aldeia, não pudesse alcançar mentalmente os nativos. Mas seus sentidos paranormais saíram à procura e encontraram entre a nave e a aldeia um tipo de estação retransmissora, por meio da qual conseguiu estabelecer contato.

Goldstein não poderia imaginar que apenas estava utilizando Murgut na execução de seus planos!

Quando o deformador de moléculas lançou o primeiro ataque contra o mutante, Goldstein deixou-o penetrar imediatamente, sem oferecer a menor resistência. Sabia que, se suas suposições fossem incorretas, estaria perdido. Ficou desmaiado por alguns segundos, em virtude da interferência mental de Napoleão. Depois de voltar a si, sentiu apenas a pressão vinda da aldeia. Preferiu não entreter qualquer sensação de triunfo, pois não sabia se o falso green aceitaria a derrota. Animado pelo êxito, perseguiu-o, mas Napoleão bloqueara seu espírito. Dali se concluía que não estava em condições de vencer Goldstein no estado em que o mutante se encontrava. Porém o telepata não se entregou a ilusões. Logo Napoleão iria procurar surpreendê-lo numa segunda tentativa. A única proteção era representada pelas irradiações dos greens.

Quando Napoleão voltou a avançar, o fez de tal maneira que Goldstein só o percebeu quase tarde demais. Edward Bellinger voltara a colocar-se firmemente sobre os pés. Antes que Goldstein pudesse admirar-se com isso, o tenente tirou a arma térmica e fez pontaria para o mutante.

— Edward! — gritou Goldstein. — Não faça isso!

Bellinger riu como se se sentisse desamparado. Ergueu ligeiramente a arma. Goldstein viu o dedo do oficial curvar-se vagarosamente sobre o gatilho. Atirou-se para a frente. Um raio quente passou pelas suas costas. Virou-se em desespero. Foi então que Napoleão investiu contra ele usando a violência paranormal.

Raios começaram a surgir diante de seus olhos. Em seu subconsciente, ouviu Bellinger soltar um grito de pavor. Seguiu-se o ruído de uma arma. Goldstein teve a impressão de que sua cabeça se dilatava como uma bolha de sabão. Devia fazer alguma coisa. Reunindo as últimas forças, voltou a entrar em contato com a paraonda dos greens. Alguém soluçava. Era ele mesmo. Teria de sair dali antes que Napoleão fizesse com que todos disparassem contra ele. Levantou-se de um salto e quis correr. Um abalo terrível atirou-o ao chão. A nave balançava. Goldstein não lamentou o fato, pois agora os homens dificilmente conseguiriam atingi-lo caso o último sobrevivente de uma raça estranha os obrigasse a atirar.

Uma ligeira sensação de mal-estar apossou-se dele. Tentou tossir, mas os pulmões, que queriam aspirar o ar comprimiram-se. Pequenos círculos dançavam diante de Goldstein. Sentiu dores atrozes no peito.

“Falta de oxigênio”, pensou no subconsciente. “Ele está retirando o ar do corredor.”

Voltou a lutar contra os abalos. Só conseguia aspirar o ar em pequenas golfadas.

O que teria acontecido com os outros? Devia haver uma saída. Alguém caiu a seu lado. Goldstein fungou e conseguiu desvencilhar-se. Sentia um cansaço infinito.

Ansiava pela paz e pelo sono. As pálpebras fecharam-se.

Foi então que Napoleão se dispôs a desferir o golpe decisivo.

 

De início tiveram a impressão de que havia uma camada de ar tremeluzente entre a nave espacial e o lugar em que se encontravam. Esse ar desmanchava os contornos de tudo que estava em seu caminho. Landis passou as mãos pelos olhos.

— Chancey — disse. — O que está vendo ali?

O homem, ao qual foram dirigidas estas palavras, levantou-se em atitude um pouco fleumática. Finalmente olhou na direção que lhe fora indicada.

— A nave está balançando — disse em tom exaltado.

Os astronautas tiveram sua atenção despertada pelo estranho acontecimento.

— O que estamos esperando, Toni? — exclamou Ogieva, um negro atlético. — Temos que tirar nossos companheiros de lá antes que seja tarde.

— Scoobey ainda não pode ter chegado — disse outro. — Não adianta esperar por ele. É possível que o coronel esteja envolvido numa luta e precise de auxílio.

— Nada disso — decidiu Landis.

Não se incomodou com os protestos e insultos que se fizeram ouvir. O Dr. Morton e seus acompanhantes também não haviam voltado, e era provável que um terceiro grupo que se dirigisse à nave teria o mesmo destino dos outros. Antônio Landis era um homem impetuoso, mas seu senso de responsabilidade era mais forte. Chegou à conclusão de que seria preferível esperar.

— Entre em contato com Mr. Scoobey

— sugeriu Ogieva. — Pergunte o que devemos fazer.

O operador de rádio não fez qualquer objeção. Mas duvidava de que o primeiro-oficial da México tivesse alguma idéia aproveitável. Na Terra sabia-se que esta missão envolvia certos riscos. Mas Landis começou a ter suas dúvidas de que Rhodan, ao ter autorizado a operação de busca de um aliado pudesse imaginar o que iria acontecer...

Manipulou o rádio e fez votos de que este fosse capaz de resistir a mais esta provação.

— Aqui fala Landis — disse o operador.

— Até agora nenhum dos homens voltou. Não conseguimos estabelecer contato por meio dos rádios de capacete. Há alguns minutos, a nave começou a sacudir-se como se tivesse um calafrio. Por aqui acham que deveríamos dar uma olhada para verificar o que aconteceu com o comandante.

Scoobey indagou com a voz rouca e exaltada:

— Tem alguma idéia do que pode ter acontecido?

— Sinto muito, Sir. A nave balança ininterruptamente de um lado para outro. Imagino perfeitamente que os homens no interior dela, não se encontrem numa situação muito agradável.

— Acha que existe perigo de vida? — perguntou Scoobey.

Landis teve a idéia de que no planeta em que se encontrava tudo representava um perigo para a vida. Em voz alta respondeu:

— Não acredito que haja um perigo direto, Sir.

— Fique onde está — ordenou o oficial. — Não faça nada antes que eu chegue com meu grupo. Se surgir alguma situação que justifique o receio de que a vida dos nove homens esteja em perigo, o senhor poderá fazer o que achar mais acertado. Aqui também estamos lutando com dificuldades. Murgut, o nativo que nos acompanha, está se fazendo de doido. Até agora o Dr. Lewellyn não pôde fazer nada por ele. Desligo.

Landis voltou a regular o aparelho, para o sinal automático de chamada pelo qual o grupo de Scoobey podia orientar-se. Agora, dependia exclusivamente do operador de rádio a escolha do momento em que sairiam atrás de Everson. Esse poder de decisão não o deixou muito feliz.

Landis lançou um olhar para o lugar que corporificava todas as preocupações. O tremor se tornara mais fraco. Em compensação, viu outra coisa. Pouco acima do solo havia nuvens finas de pó, que se moviam na sua direção. Se não estava muito enganado, estas tornavam-se cada vez mais densas e subiam para o ar.

— Parece que vamos ter outra tempestade de areia — disse Dealcour. — O vento já sopra com mais força.

— O furacão nos soprará até o inferno — disse Landis, dando vazão ao seu pessimismo. — Perderemos a nave de vista.

Landis pretendia fazer alguma coisa antes que isso acontecesse. Olhou para Ogieva. O negro estava firmemente de pé, com as pernas afastadas. Era um vulto impressionante, que não parecia incomodar-se com as tempestades do Universo. A primeira idéia sempre é a melhor.

— Vamos andando — disse laconicamente.

Não teve necessidade de mencionar o destino, pois todos o conheciam.

 

Quando o Dr. Morton obrigou o corpo estropiado a levantar-se, pensou que não teria tempo para cuidar de doenças. Os solavancos haviam diminuído bastante. Já se podia andar, sem correr o perigo de ser atirado ao chão.

— Estou com o corpo cheio de hematomas — disse o sargento Delaney. — Um bife batido está menos amassado que eu.

Dr. Morton certificou-se de que Okeda e Pentsteven também haviam resistido à tortura. Depois dirigiu o feixe de luz da lanterna para a frente. Ouviu Pentsteven soltar um gemido.

— Deixe a arrumação do corpo para mais tarde — disse, dirigindo-se ao astrônomo. — Vamos andando.

Era esta a única idéia que o Dr. Morton tinha sobre a maneira de prosseguir em sua ação. Não podia deixar de confessar que era simplória e pouco imaginosa. Mas teve suas dúvidas de que seria capaz de conceber outra melhor, por mais que refletisse.

Caminharam pelo corredor. Eram quatro vultos que se contorciam de dor, segurando as lanternas com uma das mãos, enquanto a outra apalpava cuidadosamente o corpo.

Enquanto o Dr. Morton refletia sobre se convinha chamar o Coronel Everson pelo rádio de capacete, um homem cambaleava em meio ao feixe de luz, a alguns metros de distância. O homem não usava traje protetor.

Era Bellinger. Tinha os cabelos desgrenhados e a camisa do uniforme estava rasgada. Cambaleou na direção em que se encontravam, apoiando-se ora numa, ora noutra parede do corredor.

Quando Bellinger pretendia passar por ele, o médico segurou-o. Ao que parecia, o tenente não o via, pois seus olhos pareciam ver para além do Dr. Morton. Fez um movimento débil, a fim de afastar o médico. Delaney aproximou-se de um salto e ajudou o médico a apoiar aquele homem, que não era nada leve.

— Você me compreende, Ed? — perguntou o Dr. Morton em tom insistente. — Queremos ajudá-lo. O senhor tem de levar-nos ao lugar em que estão os outros.

Num movimento infinitamente lento, o Tenente Bellinger levantou o braço direito. Fechou um dos olhos, como se estivesse fazendo pontaria para um alvo, e curvou o dedo indicador. Estava disparando uma arma imaginária. Num relance de olhos, o Dr. Morton viu que o astronauta estava sem a arma térmica.

— Deve ter havido uma luta, Ed — disse em tom insistente. — Conte o que aconteceu.

Pela primeira vez, Bellinger fitou-o. Seus olhos abriram-se um pouco. Tremia fortemente.

— Matei o rapaz! — exclamou.

Seu corpo amoleceu, e os dois homens tiveram de fazer um esforço tremendo para mantê-lo de pé. O Dr. Morton não era um homem muito corajoso, mas também não era nenhum covarde. Apesar disso, as palavras do tenente lhe provocaram um calafrio.

— Está se referindo a Goldstein? — perguntou.

O choque sofrido por Bellinger fora tão violento, que o tenente não era capaz de dizer qualquer coisa sensata.

Numa atitude inconsciente, o Dr. Morton entesou o corpo.

— Tente levá-lo para fora — ordenou, dirigindo-se a Pentsteven. — Não preste atenção a qualquer tipo de conversa.

O astrônomo, que estava com o rosto pálido, fez um gesto afirmativo. Devia sentir-se satisfeito por poder sair dali.

“Esta retirada não deve ser nada agradável para o coitado do Bellinger”, pensou o médico.

— Continuaremos a procurar — disse. — Everson não pode estar muito longe. Vamos ficar com as armas preparadas. Se houver uma luta, deveremos estar atentos para agirmos rapidamente.

Tirou a pistola de choque. Por um instante, o cano da arma foi atingido pelo feixe de luz da lanterna de Okeda e cintilou.

“Se por aqui houver um único deformador de moléculas”, pensou o homem barbudo, “esta arma não será mais eficiente que uma bombinha de São João.”

 

Nenhum homem, nem mesmo um mutante, é capaz de, ao mesmo tempo, lutar para respirar, manter o equilíbrio sob uma série ininterrupta de abalos e defender-se contra uma supercriatura, cujas energias paranormais são quase inesgotáveis. A paraonda dos nativos já não era suficiente para deter Napoleão. Agachado no chão, Goldstein percebeu que o controle de suas faculdades mentais lhe escapava.

O rosto de Napoleão surgiu em sua mente. O green sorriu. Sua cabeça balouçava ligeiramente. Parecia um velho que balança tranqüilamente a cabeça, para exprimir sua contrariedade com as artes de uma criança travessa.

— Não tive a intenção de agir com tamanha violência contra vocês — comunicou o deformador de moléculas. — Mas seu comportamento obrigou-me a isso. Seu raciocínio lhes poderia ter dito que qualquer resistência seria inútil.

As antenas telepáticas de Goldstein não conseguiram captar as emissões mentais dos greens. Estava inteiramente nas mãos do inimigo. Com um pavor crescente, o mutante percebeu que, dentro em breve, seria um instrumento passivo, que executaria quaisquer ordens e faria exatamente aquilo que Napoleão desejasse.

E assim jazia no chão, vencido pelo cansaço e pelo desespero. Levantou a cabeça. Everson, Weiss e Sternal estavam inconscientes. Bastaria estender o braço para tocar o comandante.

— É preferível que saiamos juntos da nave — voltou a falar Napoleão, que, neste momento, materializara-se. — Seu estado não é bom. Tive de ativar alguns aparelhos que podem causar uma catástrofe. A obstinação demonstrada por vocês obrigou-me a isso. Precisei de algum tempo, para adaptar-me à pressão mental que se concentrava em seu cérebro e fluía para mim. A idéia não foi nada má, mas você não poderia resistir por muito tempo. Como não conseguisse atingi-lo no plano mental, comecei por derrotá-lo no plano físico. Quando sairmos, lá fora rugirá uma tormenta que evitará que seus amigos se deixem levar a um ato irrefletido. Vai ser-lhes difícil até manterem-se de pé. Assim que os tenha colocado, um por um, sob o meu controle, o vento amainará, e poderemos regressar à sua nave. Durante os reparos que ainda faltam, terei tempo para escolher os homens mais submissos entre a tripulação. Os outros ficarão em Moluque. Poderão cuidar destes nativos primitivos e de seu progresso.

Goldstein preferiu não perguntar a que grupo pertenceria. A possibilidade de passar o resto da vida entre os greens não era nada agradável. Mas achou-a ainda melhor do que ficar escravizado mentalmente a bordo da México.

Nem se atrevia a pensar no que o deformador de moléculas faria com o cruzador terrano. Pelas leis do Império Solar, o procedimento de Napoleão era um ato de pirataria. Mas não havia ninguém que pudesse puni-lo por isso.

Mais uma vez, o telepata procurou concentrar-se na paraonda dos greens. Mas assim que pensava nos fluxos mentais dos nativos, seu cérebro começava a doer tanto que se sentia incapaz de lançar mão de suas forças paranormais. Napoleão paralisara o respectivo setor de seu cérebro por meio de um bloqueio psicológico. A força de vontade do jovem mutante não bastava para poder fazer algo contra isso. Seus sentidos paranormais estavam transformados em dons mentais mutilados, que se recusavam a desempenhar qualquer função.

— Espero que isto o tenha convencido da inutilidade das suas tentativas — disse Napoleão em voz alta. — Nesse caso, evitará medidas rigorosas de minha parte. Não tenho o menor interesse em deixar uma ruína espiritual em Moluque.

Everson recuperou os sentidos, evitando que Goldstein fizesse uma observação irônica. O coronel ergueu-se lentamente. Ainda estava um tanto inseguro sobre as pernas. Goldstein levantou os olhos para ele e sorriu.

— As coisas não estão nada boas, não é mesmo? — perguntou Everson.

— Não senhor — disse Goldstein, olhando para Napoleão. — Ele nos levará para fora. Só nos fez andar por aqui para submeter-me a seu controle. E agora conseguiu.

Num movimento ligeiro, o coronel tirou a arma térmica e atirou.

No entanto, o raio fulgurante, que o mutante esperava ver, não saiu.

— Deixe de ser idiota — advertiu Napoleão. — A hora para isso já passou.

Everson desistiu. Guardou a arma e olhou para Goldstein.

— De qualquer maneira, resolvi tentar — disse.

Tocou Weiss e Sternal com a bota. O biólogo resmungou alguma coisa. Dali a dez minutos, todos estavam de pé. Bellinger desaparecera. Goldstein preferiu não mencionar os tiros infelizes disparados pelo tenente. Sem dúvida o mesmo estivera sob a influência de Napoleão.

— Podem vestir os trajes protetores — disse Napoleão em tom amável. — Eu os acompanharei. Não adianta usarem as armas. Estão inutilizadas.

Naquele instante, um homem baixo apareceu na outra extremidade do corredor. Envergava um traje espacial. Um rosto barbudo aparecia sob o capacete aberto. Segurava uma pistola.

— Olá, doutor — disse Everson.

O Dr. Morton esticou o corpo para ver Napoleão, atrás do comandante. Guardou a lanterna no respectivo estojo, pois o lugar estava bem iluminado. Delaney e Eiji Okeda apareceram logo depois. Quando viram Everson e os outros homens do grupo, uma expressão de alívio surgiu em seu rosto.

O médico passou por Everson e apontou a arma térmica para Napoleão. Suas faces estavam afogueadas de cólera.

— Doutor, acho que preciso explicar-lhe alguma coisa, antes que nos cause maiores dificuldades — disse Everson.

 

Antônio Landis nunca acreditaria que pudesse levar mais que alguns minutos para vencer a distância de cem metros. Quando haviam percorrido a terça parte do caminho, a nave já havia desaparecido em meio às nuvens de pó e areia. Tiveram de marchar contra o vento. O operador de rádio teve a impressão de que, para cada passo que avançavam, eram tangidos para trás três passos. Sabia que os outros homens se esforçavam com a mesma estúpida obstinação, mas não conseguiam melhor resultado que ele. Landis transformara-se num autômato que movia as pernas numa resignação muda, embora soubesse que não saía do lugar. O pó e a areia batiam ruidosamente contra seu corpo, banhavam seu traje. Resistiu ao vento, tal qual uma sólida muralha. Empurrava-se para a frente com toda a força, os pés impeliam-no e o braço livre balançava descontroladamente.

De repente, alguma coisa se aproximou, saída da semi-escuridão. Estreitou os olhos para enxergar melhor.

Era um jovem, envergando traje protetor. Landis fez um sinal. Depois de algum tempo, conseguiram imobilizar seus corpos. Um terceiro homem surgiu à sua frente. Aproximou-se rastejando.

— Tudo bem? — perguntou o homem que se encontrava ao lado de Landis.

A voz grave fez com que Landis reconhecesse imediatamente o homem que via diante de si.

— Sir — balbuciou. — Como veio parar aqui?

— De certa forma foi o vento — disse o coronel. — Os outros logo vêm atrás de mim.

Como que para confirmar estas palavras, alguns vultos confusos desenharam-se em meio ao véus de areia. Landis teve vontade de gritar de tão aliviado que se sentia.

— O que houve? — perguntou. — Deu tudo certo, Sir?

Teve de esperar algum tempo, até que o comandante respondesse.

— Napoleão é um deformador de moléculas. Estamos nas mãos dele. Seu objetivo é a México.

Landis, que também se encontrara a bordo da nave girino cuja tripulação ficou sujeita à influência de Mataal, percebeu que sua alegria transformou-se de repente em preocupação.

— O que vamos fazer? — perguntou em voz baixa.

Antes que o coronel a pronunciasse, ficou conhecendo a resposta. Não tinham a menor chance face àquela criatura. Quando da luta contra Mataal, a sorte e o acaso vieram em seu auxílio. A sorte é muito rara e dificilmente se repete. O operador de rádio bem que gostaria de acreditar que conseguiriam vencer todos os perigos. Mas a realidade mostrava-lhe outra coisa: haviam chegado ao fim.

Em meio à fúria dos elementos, o astronauta deu-se conta de que qualquer esperança era mera quimera.

 

Os sinais de chamada cessaram. Há três horas ainda haviam soado ligeiramente por algumas vezes, mas acabaram silenciando de vez. Walt Scoobey gostaria de saber se as nuvens que apareciam no horizonte tinham alguma coisa a ver com o incidente. Sem dúvida, tratava-se de véus de pó tangidos para o alto por uma tempestade. Ao que parecia a tormenta se descarregava no lugar em que ficava o destino do seu grupo. O primeiro-oficial tentou em vão convencer-se de que nada acontecera com a expedição.

Esperava que, dentro de duas horas, conseguissem chegar ao lugar onde estava Landis. Restava saber se ainda conseguiriam encontrar os homens. Walt Scoobey não se atreveria a responder a esta pergunta.

Avançavam rapidamente. O estranho ataque sofrido por Murgut havia cessado. O nativo acreditou que isso tivesse acontecido por causa de uma injeção aplicada pelo Dr. Lewellyn. A essa hora estava totalmente convencido de que as armas de seus amigos eram mais poderosas que todos os espíritos do deserto. Vivia a lançar olhares de veneração para o canhão de radiações, que estava sendo transportado pelos robôs.

Nenhum envoltório de nave espacial que não fosse protegido por campos energéticos seria capaz de resistir a esse canhão. Scoobey perguntou a si mesmo se nos espíritos e nos demônios seus efeitos seriam tão fulminantes como costumavam ser na matéria sólida.

 

A tempestade amainara o bastante para que os astronautas pudessem manter-se de pé. O terreno foi-se iluminando. Napoleão mantinha-se afastado do grupo. Transmitia suas ordens por via telepática para Goldstein, que devia retransmiti-las aos outros. Dois ataques contra o deforma-dor de moléculas haviam fracassado vergonhosamente. Napoleão dera a entender de forma inequívoca que, se houvesse um terceiro, os homens seriam castigados. Goldstein imaginava que, naquela altura, o falso green estava empenhado em submeter os terranos, um por um, ao seu domínio mental. Se conseguisse, estariam irremediavelmente perdidos. Ogieva, Bellinger, Delacour e alguns outros pareciam tão apáticos que o mutante teve a impressão de que já se encontravam sob o domínio de Napoleão. Goldstein já desistira de resistir às ordens telepáticas. O último dos deformadores de moléculas sabia superar qualquer ação do mutante. Locomoviam-se devagar em meio ao vento cada vez mais fraco. Eram trinta terranos abatidos e um ser de pernas longas, cujo aspecto real poucos homens seriam capazes de imaginar.

Goldstein não se preocupava com o tempo que se passava. Não se importava nem um pouco quando do momento de entrarem na México.

O sol pôde ser visto de novo. Já se encontrava próximo à linha do horizonte.

O deserto jazia em silêncio. Não havia o menor sinal do furacão que rugira poucas horas atrás. O corpo de Goldstein doía em diversos lugares. No braço, que machucara durante a queda da México, espalhou-se uma sensação paralisante. Com um ligeiro olhar aos astronautas, o telepata verificou que nem um único destes se encontrava em boas condições. Bellinger teve de apoiar-se em dois homens. Pentsteven, o jovem astrônomo, arrastava a perna direita.

O mutante observou Everson. Mesmo que quisesse, não seria capaz de captar os pensamentos do comandante.

No momento em que Goldstein pretendia olhar para o chão, viu um ponto escuro sobre uma duna afastada. Antes que Goldstein tivesse tempo de dizer qualquer coisa, havia um grupo.

Era Scoobey e seus homens!

— Já os vi — observou Napoleão em seu cérebro. — Não poderão fazer nada por vocês.

Aproximavam-se ininterruptamente. Goldstein reconheceu um canhão de radiações que estava sendo arrastado por robôs. Sua coragem foi diminuindo. O tamanho da arma não importava nem um pouco. Scoobey teria uma surpresa.

De repente, Goldstein avistou o green, que vinha atrás dos homens de Scoobey. Suas pernas moviam-se por cima da areia pela forma inimitável que era peculiar dos seres de sua raça. Provavelmente era Murgut. Aos poucos, o mutante percebeu quem, realmente, lhe havia servido de estação retransmissora mental.

Naquele instante, teve uma idéia. Será que a energia paranormal de Napoleão não podia ser afetada pela proximidade do nativo? Goldstein fez um esforço desesperado para captar o modelo mental do nativo. Não aconteceu nada. O deformador de moléculas fizera um trabalho cauteloso, não deixando a menor chance para Goldstein.

Quando se encontravam a cinqüenta metros, a voz de Scoobey soou em seus receptores.

— Parece que nossos esforços foram em vão, Sir — disse em tom alegre. — Espero que sua excursão tenha sido bem sucedida.

Everson explicou que tipo de êxito puderam registrar. Teve de usar todo o poder de persuasão para convencer o oficial de que qualquer ataque seria condenado ao fracasso.

Depois de algum tempo, Murgut dispôs-se a cumprimentar o ser que acreditava ser seu companheiro de raça.

— Mantenha-o afastado de mim! — ordenou Napoleão por via telepática.

Todo o ser de Goldstein se rebelava contra essa ordem, mas não houve meio de resistir a ela. Seus nervos se revoltavam contra a pressão mental do deformador de moléculas. Sua cabeça parecia uma caixa de ressonância. Mas suas pernas carregavam-no em direção a Murgut, a fim de interpor-se entre ele e Napoleão.

— Mais rápido — foi a ordem que recebeu por via telepática.

Goldstein sabia que estava cometendo um erro, mas começou a correr. Precipitava-se sobre a areia, a fim de alcançar Murgut. Um estranho fenômeno começou a desenrolar-se em seu cérebro. À medida que o green se aproximava de seu falso amigo, a pressão que Napoleão exercia sobre a vontade do mutante ia diminuindo. Em compensação a estranha paraonda do green ia aumentando.

Goldstein passou a correr por sua livre e espontânea vontade. Enquanto corria, puxou a arma. Mas teve de constatar que subestimara Napoleão. Agora, que esse ser começava a perder o controle sobre ele, passou a lançar mão de outros meios. Bem à frente do mutante subiu um esguicho de areia cuja força seria suficiente para arrancar a cabeça de um touro. Com um salto, Goldstein colocou-se em segurança. Não teve tempo para verificar se os outros intervinham na luta. Murgut caminhava na direção de Napoleão sem desconfiar de nada.

O deformador de moléculas pôs-se a fugir. Os olhos de Goldstein estavam grudados de suor. Atirava sem fazer pontaria.

— Ele é um demônio — gritou para Murgut. Usara a língua inglesa, de tão nervoso que estava. Apressou-se em repetir suas palavras, para que o nativo pudesse compreendê-lo.

O deformador de moléculas tropeçou e caiu. Murgut foi o primeiro que chegou ao lugar em que ele se encontrava. O mutante não se arriscou a atirar, pois seria bem possível que acertasse no green. Ficou apavorado ao notar que o green ajudava o inimigo a pôr-se de pé.

O que poderia fazer para avisá-lo?

Goldstein recorreu às últimas forças que lhe restavam. Um gigantesco buraco surgiu à sua frente. Tropeçou e por pouco não escorrega para seu interior. Graças à pouca concentração do ataque traiçoeiro, fora salvo. Contornou a cratera. Seus olhos apavorados viram uma parede de areia erguer-se entre ele e o deformador de moléculas. Esta rolou em sua direção que nem uma gigantesca onda. Apesar da grande proximidade do green, o deformador de moléculas ainda conseguia influenciar a matéria à vontade.

— Abaixe-se, Samy! — ordenou uma voz saída de seu alto-falante de capacete.

Abaixou-se, esperando ser soterrado de um instante para outro pela gigantesca parede. Alguma coisa quente e malévola chiou acima dele. Cautelosamente levantou a cabeça. A parede artificial fora imobilizada. Com grande esforço, Goldstein ultrapassou-a.

Murgut ajoelhou-se diante do corpo enrijecido do último representante da estranha raça. O disparo de uma arma térmica produzira modificações profundas em Napoleão.

Já não parecia fino e quebradiço; as rugas de seu rosto haviam desaparecido. Estava meio coberto pela areia, mas aquilo que o mutante pôde ver não tinha mais nenhuma semelhança com um green.

A morte restituíra a Napoleão seu verdadeiro corpo.

Alguém foi-se aproximando de Goldstein. Era o Coronel Everson.

— Quem foi que atirou? — perguntou o mutante em voz baixa.

— Um robô — respondeu Everson com a voz tranqüila.

Os dois juntos afastaram Murgut do cadáver. Agora, que a luta cessara, Goldstein não teve nenhuma sensação de triunfo. Nem mesmo a idéia de que, dali a poucos dias, poderiam decolar com a México e voltar à Terra arrancou-o da depressão...

 

 

                                                                  WilliamVoltz

 

 

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