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Series & Trilogias Literarias
Base Campo Ártico; Polo Norte.
89° 31’ 22” N e 30° 27’ 0” W.
19 de fevereiro de 1947; 06h00min.
Diário de bordo secreto do Almirante Richard Evelyn Byrd, transcritas de uma fita de som, durante seu registro de voo - Base Campo Ártico - 19/02/1947.
[06h00min] – Completamos os preparativos para nosso voo para o norte e estamos voando com os tanques cheios, às 06h10min.
Pausa.
[06h20min] – A mistura no motor de estibordo parecia estar muito rica, foram feitos os ajustes e os Pratt Whittneys estão funcionando suavemente.
Pausa.
[07h00min] – Radio check com o campo da base. Tudo está bem e a recepção via rádio é normal.
Pausa.
[07h40min] – Observado um pequeno vazamento de óleo no motor de estibordo, mas o indicador da pressão parece normal.
Pausa.
[08h00min] – Pequena turbulência vinda de leste numa altitude de 2321 pés; corrigido para 1700 pés; a turbulência acabou, mas aumenta o vento de popa; feito pequeno ajuste nos controles do acelerador e o avião está com desempenho muito bom.
Pausa.
[08h15min] – Radio check com o campo da base, situação normal.
Pausa.
[08h30min] – Nova turbulência; altitude aumentada para 2900 pés; voo tranquilo novamente. Vastidão de gelo e neve abaixo, notando uma coloração amarelada; exame desse padrão de cor abaixo; notando também coloração azul ou púrpura. Circulando esta área com duas voltas completas e voltando ao curso traçado. Checagem de posição novamente com a base do campo e transmitindo informação sobre as colorações no gelo e na neve abaixo.
Pausa.
[09h10min] – Bússola e giroscópio começando a girar e oscilar; estamos incapazes de manter nosso rumo pelos instrumentos. Orientando-nos pelo Sol, mas tudo ainda parece bem. Os controles parecem lentos em responder, mas não há indicação de congelamento.
Pausa.
[09h15min] – Parece haver montanhas à distância.
Pausa.
[09h49min] – Já se passaram 29 minutos da primeira visão das montanhas; não é uma ilusão. São montanhas consistindo de uma pequena cadeia que nunca vi antes!
Pausa.
[09h55min] – Mudança de altitude para 2950 pés, encontrando forte turbulência outra vez.
Pausa.
[10h00min] – Estamos atravessando a pequena cadeia de montanhas e ainda indo para o norte da melhor maneira possível. Além da cadeia de montanhas está o que parece ser um vale com um pequeno rio correndo pelo meio. Não deveria haver um vale verde abaixo! Definitivamente, alguma coisa está errada e anormal aqui! Deveríamos estar sobre gelo e neve! Há grandes florestas nas encostas das montanhas. Nossos instrumentos de navegação ainda estão girando e o giroscópio está oscilando para trás e para frente.
Pausa.
[10h05min] – Altero a altitude para 1400 pés e executo uma volta fechada para a esquerda, para examinar melhor o vale abaixo. É de um tom verde azulada com musgo ou uma espécie de relva muito fechada. A luz aqui parece diferente. Já não vejo o Sol.
Pausa.
[10h17min] – Fizemos outra curva para a esquerda e vemos o que parece ser um grande animal abaixo de nós. Parece um elefante! Não! Parece mais um mamute! É inacreditável! Ainda assim, lá está ele! Diminuindo a altitude para 1000 pés e pegando binóculos para examinar melhor o animal. Confirmado: definitivamente é um animal semelhante a um mamute! Relatamos isso para a base.
Pausa.
[10h30min] – Encontrando mais colinas verdes ondulantes. O indicador de temperatura externa marca 74 graus Fahrenheit. Continuando agora o nosso curso. Os instrumentos de navegação agora parecem normais. Estou intrigado com seu desempenho. Tentativa de contatar a base. O rádio não está funcionando!
Pausa.
[11h30min] – O campo abaixo está mais plano e normal (se é que posso usar essa palavra). Adiante vemos o que parece ser uma cidade! Isso é impossível! O avião parece leve ou estranhamente flutuante. Os controles se recusam a responder! Meu Deus!!! Ao lado de nossas asas, direita e esquerda, estão aeronaves de um tipo estranho. Estão se aproximando rapidamente! São em forma de discos e irradiam luz. Estão agora suficientemente perto para ver suas insígnias. É uma espécie de Swastika! Isso é fantástico. Onde estamos? O que aconteceu? Puxo os controles outra vez. Não respondem! Fomos apanhados por uma garra de algum tipo.
Pausa.
[11h35min] – Nosso rádio estala e uma voz fala em inglês com o que talvez seja um ligeiro sotaque nórdico ou alemão! A mensagem é: ‘Bem-vindo, Almirante, está em boas mãos’. Reparo que os motores de nosso avião pararam. O aparelho está sob algum controle estranho e está virando. Os controles são inúteis.
Pausa.
[11h40min] – Recebida outra mensagem pelo rádio. Começamos a aterrissagem agora e, em momentos o avião treme ligeiramente, e começa a descer como se houvesse sido apanhado num enorme elevador invisível! O movimento para baixo é mínimo e tocamos o chão apenas com leve salto!
Pausa.
[11h45min] – Estou fazendo uma última anotação apressada no diário de voo. Uma porção de homens se aproxima a pé de nossa aeronave. São altos com cabelo louro. À distância, pode-se ver uma grande cidade, reluzente, pulsando com matizes do arco-íris. Não sei o que nos acontecerá agora, mas não vejo sinais de armas nos que se aproximam. Ouço agora uma voz ordenando-me para abrir a porta. Eu obedeço.
Fim do diário de bordo do Almirante Richard Evelyn Byrd, em posse da Sociedade da Terra Oca, Austrália.
1
Centro da Cidade de São Paulo, capital; Brasil.
23° 32’ 38” S e 46° 38’ 02” W.
21 de janeiro; 17h15min.
O jovem Sean Queise entrou no lobby do pequeno hotel, nas proximidades do Mosteiro de São Bento, centro da capital de São Paulo. Havia uma agitação a poucos metros dali, indicando que uma greve acontecia no já complicado sistema de transportes da metrópole.
Pequenos aglomerados de gente e um pouco de mídia se locomovia pela região.
Loiro, de olhos azuis, Sean tentava se vestir o mais comum que conseguia; camisa e calça jeans escura, casaco de moletom cinza com capuz.
Não queria atrair atenção.
— Senhor? — chamou um homem a alguns metros dele, sentado no final da sala escura e abafada do lobby do pequeno hotel, vestindo um terno bege, amassado pelo constante uso.
— Enlouqueceu Alcântara? — Sean sentou-se ao lado dele. — Eu disse que não seria...
O 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara sorriu calmamente, e com um rápido de movimento de mão o fez calar-se.
— Não se preocupe Sr. Queise... — falou baixinho.
— Não me preocupar? A Poliu está em todos os lugares, provável lá fora, no tumulto, fazendo o tumulto.
— Já disse para não se preocupar. Venha! — levantou-se se dirigindo ao elevador esperando mesmo que Sean o acompanhasse.
Frederico Alcântara era um homem com um queixo proeminente, nariz afilado, levemente arrebitado, e olhos azuis, mas não bonito. Na casa dos cinquenta anos, tinha em seu dedo anular esquerdo, uma profunda marca circular mostrando que já fora casado; e por muito tempo.
— Aonde vamos?
— Ao meu quarto, Senhor — indicou o corredor à frente. — Não se preocupe...
Sean o seguiu não muito confiante daquilo, em não se preocupar.
O quarto de número 8 era pequeno, mas limpo se considerássemos a espelunca que era o hotel. Sean viu uma cama desarrumada, uma mala tipo ‘bagagem de mão’ aberta num canto, e alguns metros de fios que iam da parede oposta até uma mesa com cinco telas de computador conectadas a um só notebook, um Computer Co..
Atrás dele, outra mesa com muitos cafés esfriados e restos de refeições. Pelas paredes, três quadros de cortiça e uma infinidade de fotos, artigos de jornais e revistas; algumas amareladas.
— Há quanto tempo está aqui? — Sean leu alguns títulos das notícias ali espetadas.
“Terra Oca?” se questionou ao lê-las.
— Tempo suficiente para saber que a Poliu está envolvida no reaparecimento de um marinheiro chileno na Serra do Roncador.
— “Marinheiro chileno”? — Sean gargalhou com gosto. — Só pode estar brincando Alcântara. Você me trouxe até aqui para...
— Já lhe disseram que você é um jovem sem paciência, Sr. Queise?
Sean voltou a rir.
— Já! — foi só o que disse.
— Pois bem! — sentou-se numa cadeira e apontou para trás. — Acomode-se! — ele viu Sean obedecer.
Alcântara sabia que havia ganhado a atenção dele quando ao rastrear as ações de Mr. Trevellis, encontrou aquele reaparecimento.
— Pensei que depois do sumiço de seu filho em Peruíbe, você havia parado com tais rastreamentos, Alcântara — Sean voltou a ler da cama onde estava sentado, alguns recortes espetados nos três quadros de cortiças na parede.
— Parar? — Alcântara virou a cadeira bruscamente para ele. — Como posso parar se a Poliu mandou meu filho outra vez para aquele buraco, sabendo que foi um milagre o termos encontrado ano passado?
‘Milagre’ não era bem uma palavra apropriada para definir, o que Sean foi obrigado a fazer para salvar o filho do Tenente Aviador Frederico Alcântara e a equipe de dez espiões psíquicos da Poliu, desaparecidos na Ilha de Peruíbe, atrás de um mito sobre relíquias.
Como o filósofo David Hume, Sean achava que milagres eram violações das leis da natureza, utilizado pelas religiões, e que tais leis da natureza fundamentavam-se em experiências firmes e, portanto, invioláveis. E Sean havia usado mais que ‘sorte e milagre’, usara os mainframes da Computer Co..
E o fez obrigado, sem seu pai Fernando Queise saber.
— Por que diz ‘aquele buraco’?
— Porque é onde enfiaram meu filho.
— Ok! — respirou pesado. — Fale-me sobre esse marinheiro chileno.
— Mais que isso, Sr. Queise. Vou lhe contar uma história acontecida tempos atrás — pigarreou ao ver Sean outra vez olhar os recortes pendurados. — O frio havia invadido o cais do porto de Santiago do Chile onde cinco marinheiros descansavam após a descarga da embarcação NOA, uma embarcação que três horas atrás, desembarcara artigos trazidos da Índia. Estavam exaustos, inclinados na mureta do porto quando estranharam a água se agitar, em meio a um som que vinha do casco e repercutia por metros. De repente a embarcação NOA, ela toda, ergueu-se das águas turvas e volitou até os cinco marinheiros virem que o céu havia se aberto, e dentro de uma grande névoa enegrecida saiu uma grande nave metálica, um grande prato metálico com uma suástica desenhada na fuselagem.
— Uma suástica? — Sean ergueu-se da cama.
— Acalme-se Sr. Queise... — o 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara viu Sean extasiado, voltando a se sentar. — Quando os gritos dos marinheiros em terra se confundiram aos gritos desesperadores dos marinheiros dentro da embarcação, mesas, cadeiras e todo tipo de utensílios de dentro do navio volitaram para fora dele. Os marinheiros da embarcação tentaram correr, fugir, mas seus corpos eram arrancados das camas, de onde se seguravam, e levados, sugados para dentro do grande prato metálico que planava sobre a embarcação.
— Deus... Um UFO Nazi?
E Alcântara voltou a pedir que ele se acalmasse.
— Os marinheiros em terra juraram que havia uma ‘estrada de luz enegrecida’, que os levava para dentro, do que agora eles tinham certeza, ser uma grande nave espacial com suástica; um UFO Nazi.
“Uma nave espacial com suástica”, Sean mal podia acreditar.
— Contudo... — prosseguiu o 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara. —, essa luz enegrecida cedeu e a embarcação NOA foi então devolvida às águas, batendo seu casco com força, para então adernar para a direita, para esquerda e novamente para a direita até afundar — Alcântara ia ver Sean falar algo, mas outra vez não deixou. — No dia seguinte, equipes de resgate sob o comando de um homem de terno preto e óculos de lentes grossas e escuras, carregado sotaque italiano e cabelos avermelhados, fizeram emergir a embarcação NOA, que quando veio à tona não tinha sinal algum de corpos, nem uma única peça que um dia pertenceu àquela embarcação, levantando a hipótese de que tudo fora sugado para dentro da grande nave metálica com uma suástica desenhada, em meio a um silêncio que reinou muito tempo.
— Muito tempo, quanto Alcântara? — perguntou Sean não gostando de ter ouvido algo sobre ‘homens de terno preto’ na mesma frase de ‘grande nave metálica com uma suástica desenhada’, nem que ele tivesse ‘cabelos avermelhados’.
— Doze anos! — e o 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara virou-se para as cinco telas ligadas ao notebook.
“Doze anos!” Sean se lembrava de doze anos atrás quando Mr. Trevellis pela primeira vez adentrou sua casa. Trazia cinco homens vestindo terno preto, acompanhado de um jovem escudeiro; um jovem de cabelos avermelhados, muito nervoso para portar uma arma que não largava. E não fora uma visita cordial pelo montante de energia estranha, que uma criança de dez anos, com dons paranormais latentes, captou no ar.
— O que Trevellis queria com meu pai doze anos atrás, Alcântara?
— Não sei responder Sr. Queise. Não trabalhava na Poliu nessa época.
— Mas sabia que meu pai era um hacker tão bom quanto eu sou, não? — Sean viu só um sorriso brotar nele e logo sumir. Arrastou uma cadeira e se sentou ao lado dele. — E o que está fazendo agora? — Sean viu que algumas telas mostravam alguns programas hackers de invasão.
— Invadindo! Como ensinou!
— Deus... — Sean ouviu cada exclamação. — Alcântara eu ensinei você a hackear a Poliu usando o SiD, porque Oscar obrigou-me, por causa do desaparecimento de seu filho. E você sabe que a Polícia Mundial não sabe sobre as modificações que fiz no SiD instalado nos mainframes do satélite de observação, sem que meu pai também soubesse.
— Sim, eu sei que o Sr. Queise pai não sabe — sorriu-lhe.
Mas Sean não estava tão alegre assim.
— Droga Alcântara! Então sabe que não podia usar o Sistema de interceptação de Dados para... — e parou de falar ao ler o que apareceu na tela. — O que é isso?
— Um Chat! — sorriu outra vez Alcântara sabendo que ganhara definitivamente a atenção dele.
— Eu sei que é um Chat, Alcântara. Perguntei o que é isso?
— Leia! O SiD interceptou os seis primeiros pares do IP, e o provedor do site me diz que o Chat está rodando num hospital psiquiátrico, em Puente Alto, Província de Cordillera no Chile.
— Um hospital psiquiátrico no Chile? — Sean estranhou assumindo o notebook, rastreando o provedor, e chegando ao mesmo registro. — Algo haver com o NOA e o marinheiro chileno?
— É o que estou tentando descobrir.
— Há quanto tempo intercepta esse Chat?
— Desde ontem.
Sean não acreditou naquilo. Conhecia Alcântara e suas atividades hackers utilizadas com louvor pela Poliu.
— Sabe que Oscar vem apertando o cerco comigo, não Alcântara? Que Oscar só desmente minhas ações perante meu pai e Trevellis, sobre o SiD, para me proteger, só por isso. Porque no fundo, ele não aprova o que eu faço. E se não bastasse isso, o mercado vem dizendo que o SiD existe, e que funciona como um Echelon. E que eu... — e Sean voltou a digitar sem completar a frase.
Alcântara também sabia tudo sobre o jovem Queise, que há muito se utilizava de Phishing Scan, técnica cada vez mais sofisticada para crackers ‘pescarem’ informações sensíveis como senhas. E Alcântara sabia que Sean fazia phishing através de e-mails, de mensagens instantâneas, ou de um link mal-intencionado, porque o ajudou a esconder suas ações dentro da Poliu, onde tinha grandes contatos. Os mesmos contatos que Sean utilizou numa troca de favores para coletar informações que abasteciam o programa SiD, um Sistema de interceptação de Dados criado por ele e os cientistas da Computer Co., sob supervisão de Gyrimias Leferi, homem de confiança de Sean Queise.
O que nem todos seus funcionários sabiam era que Sean acrescentava ‘milagres’ ao SiD, como interceptar em nuvens, durante os envios, informações de ações da Poliu, para então encaminhar para um arquivo de log, todas as comunicações e movimentações de agentes da Poliu ao redor do mundo; e eram arquivos de log que não existiam, porque não deixavam textos nem rastros.
E a Poliu, Polícia Intercontinental Unida, uma corporação de inteligência não muito explicada aos olhos do homem comum, desconfiava dele, desconfiava que ele houvesse feito melhorias no programa de rastreamento, que ele os rastreavam, interceptava seus movimentos os deixando vulneráveis.
Isso enfurecia Mr. Trevellis, que não conseguia provas contra o filho de Oscar Roldman.
Porque Sean passava todas as suas noites assim mesmo, interceptando, tramando, buscando qualquer coisa, qualquer indício de erro da Poliu mesmo sem o apoio de seu pai, dos dois. Precisava de provas maiores que sua própria desconfiança, para destruir a corporação como ela destruíra a sua paz, seu amor, sua vida.
E foi assim que conseguiu rastrear Alcântara Jr. que desaparecera nas trilhas de Peruíbe, litoral de São Paulo, após uma reunião de mentalização. Porque persuasivo, Alcântara Jr. costumava arrastar muitos dos espiões psíquicos da Poliu para desespero de Mr. Trevellis, que não queria ter seus melhores agentes envolvidos naquele tipo de atividade. E como cada vez mais Alcântara Jr. se envolvia com uma entidade secreta, financiada por pessoas sem identidade, e com ideais arianos atrás de relíquias ditas religiosas, ao desaparecer, obrigou o 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara procurar o amigo Oscar Roldman, já que não podia envolver a jurisdição Brasileira; e Alcântara pai já havia movimentado todos os trâmites legais de busca.
Oscar Roldman mesmo não podendo ir contra a Poliu, marcou uma reunião entre ele e Sean, permitindo que se usasse o ‘SiD que não existia’. E o fez, porque o desespero de Alcântara atrás de seu filho mexeu com seu brio de pai. Sean Queise que não fazia perguntas do por que Oscar agir daquele jeito, usou o SiD ou perderia definitivamente o controle dele; SiD, um milagre computacional que ele vinha desenvolvendo para a Polícia Mundial sob o comando de Oscar Roldman e que fora instalado no satélite de observação Spartacus para rastreamentos.
Mas quando rastreou Alcântara Jr. no meio de uma floresta fechada, em uma adiantada desidratação, desorientado, com marcas estranhas pelo corpo, e falando uma língua desconhecida de qualquer interprete das polícias, e sem os agentes espiões psíquicos da Poliu, Sean foi retirado da investigação sem saber o final da aventura. Só teve conhecimento que o rapaz Alcântara Jr. fora resgatado através de suas coordenadas e internado longe do contato de Alcântara pai, que mesmo assim, passara a ser grato a Sean e a Oscar Roldman.
Até ontem.
— Por que diz que seu filho voltou?
— Porque ele saiu do hospital onde estava internado.
— Como sabe?
— Ainda tenho contatos dentro da Poliu.
— Contatos esses que não lhe ajudam muito.
— Verdade!
— Então Alcântara Jr. voltou para onde exatamente, Alcântara?
— Para a Serra do Roncador.
— Mas ele desapareceu em Peruíbe.
— Não está mesmo entendendo? Tudo se liga, todas as entradas!
“Entradas?”, Sean realmente não estava entendendo.
— Ele está envolvido no reaparecimento do marinheiro?
— Sim.
— Oscar sabe?
— O Sr. Roldman traiu-me, disse que meu filho havia pedido para voltar, que precisava resgatar os homens da Poliu. E disse que também havia deixado algo inacabado lá, mas sei que é Mr. Trevellis quem está por trás dessa ordem, que ele manda e desmanda no Sr. Roldman. E por sua culpa, pelo Sr. Roldman lhe proteger demais.
Sean não gostou de ouvir aquilo; ele sabia, Fernando Queise sabia e Oscar Roldman sabia que quando Nelma Queise se separou de Fernando e foi morar com Oscar, seu primeiro e grande amor, as coisas ficaram difíceis, e quando Nelma retornara para Fernando, carregava no seu ventre um bebe, que Sean Queise era filho de Oscar.
“Droga!”, Sean tentou afastar aqueles pensamentos.
— Afinal Alcântara Jr. está na Serra do Roncador atrás dos espiões psíquicos?
— Não sei Sr. Queise.
— Pare de me chamar assim. Tenho 22 anos.
— Mas quem cria comandos construídos com a habilidade de um profissional computacional... — e deixou o resto da frase no ar.
Sean nada falou dessa vez.
— O que Alcântara Jr. fazia realmente em Peruíbe ano passado quando desapareceu? — Sean viu Alcântara escorregar um olhar para ele. — Porque sabe que se estou lhe perguntando isso, é porque não alcancei nenhuma resposta no éter, não? E se tratando de ações de agentes da Poliu, também estou sendo bloqueado por você.
Alcântara respirou profundamente. Sabia, porém que precisava dizer aquilo a ele.
— Já ouviu falar na Terra Oca Sr. Queise?
— Que a Terra tem bolsões de ar, que não é totalmente oca, e que dentro vivem atlantes, lemurianos e alienígenas furtivos? Não!
O 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara caiu em gargalhada.
— Seu estilo de levar a vida é perigoso, com ou não com idade para ser chamado de ‘Senhor’. Mas sim, a Terra é oca como o tinha demonstrado o Almirante Richard E. Byrd nas suas expedições aos Polos, e onde dizia haver não gelo nem neve, e sim vastas áreas de montanhas, florestas, vegetação, lagos e rios, e raças avançadas.
— Teoria de conspiração.
— Não Sr. Queise, está longe de ser uma teoria. E lá estão os tais atlantes que citou. E digo que meu filho Alcântara Jr. ia além, quando dizia que lá estavam guardados todos os segredos do mundo; o Santo Graal, a Arca da Aliança, a espada Excalibur, a fonte da juventude e mais relíquias que tirariam seu sono — ele viu Sean só piscar, talvez esperando mais que aquilo. — Ok! Ele recebeu informações que em Peruíbe...
— Peruíbe, palavra indígena que significa morada dos deuses — Sean cortou a fala dele.
— Pode ser... Pode ser... Mas Mr. Trevellis e a Poliu sabiam que no litoral norte de São Paulo, na Serra dos Itatina, existe um ninho de UFOs, e que a chamada ‘Porta de Pedra’ ou como místicos chamam ‘Portal da Serpente’, na estrada que a liga ao Guaraú, é uma das entradas para a Terra Oca.
— Entradas para a Terra Oca... Não é de hoje que muitos estudiosos dizem que há uma raça alienígena reptiliana, do tipo crocodilo, de pele escamosa e de um tom enegrecido, brilhante como o piche, e que consomem suas vítimas com uma espécie de óleo negro, que penetra pela pele, navega pelos olhos e domina suas mentes — Sean viu Alcântara lhe olhando. — Teoria de conspiração!
— Será? Os moradores da Serra dos Itatina contam que há UFOs, que depois de vistos somem pela tal pedra, que se abre só Deus sabe como, não pensam assim Sr. Queise. E Alcântara Jr. se arriscou por Mr. Trevellis para...
— Está bem Alcântara! Está bem! Vamos pela cronologia; seu filho desapareceu em Peruíbe ano passado, foi encontrado em Peruíbe pelo SiD ano passado, e agora sumiu na Serra do Roncador onde já havia estado; é isso?
— Não! Alcântara Jr. disse-me que ia voltar a Peruíbe por uma passagem que existe na Serra do Roncador, e desapareceu lá, no Roncador.
— E por que não foi direto a Peruíbe? — Sean não esperou respostas. — Ah! Porque a Poliu estava lá.
— Alcântara Jr. queria ter voltado a Peruíbe, porque de tempos em tempos é comum ver estranhas bolas de fogo saindo pelo portal, que alguns atribuem poderes energéticos àquela antiga construção, e que dizem que gera bem-estar para quem tocar os seus sinais, mas como disse, a Poliu estava lá, procurando os espiões psíquicos desaparecidos.
— A Poliu conhece essa entrada na Serra do Roncador que leva até Peruíbe? Porque Peruíbe fica aqui no Estado de São Paulo e o Roncador no extremo do Estado de Mato Grosso.
— Não sei o que responder. Mas há a aparição do tal homem alto, louro, com feições belas e roupas brancas, que fez todos, e digo todos, topógrafos fugirem de lá impedindo a demarcação do terreno para a construção de uma Usina Nuclear, que dizem não aconteceu pelo medo que tiveram do tal alienígena conhecido como um protetor espiritual da cidade de Peruíbe — e o 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara voltou sua atenção outra vez para as cinco telas conectadas ao notebook.
Sean olhou o quarto, algo o estava incomodando, mais que as incongruências de Alcântara. Mas lá só a cama desarrumada, a mala desmontada, e os muitos recortes na parede sobre a Terra Oca; imagens de crocodilos negros num lago, uma tradução do Épico Mahabharata, vimanas sobrevoando uma cidade dourada, e uma imagem em particular que lhe chamou a atenção, uma imagem de H. P. Blavatsky ladeando por um lado um grande sino de ferro com suásticas desenhadas nele, e também ladeado, um reptiliano crocodilo, de pele escamosa e de um tom enegrecido, brilhante como o piche, e que provável consumia suas vítimas com uma espécie de óleo negro, penetrava pela pele, navegava pelos olhos, e dominava suas mentes.
— Wow! Onde conseguiu aquilo Alcântara? — Sean apontou para a imagem de Madame Blavatsky e o reptiliano crocodilo.
Alcântara pareceu ter receios de falar.
— Leilões da Internet.
Sean sabia que aquilo podia ser verdadeiro, que Alcântara andava comprando mais que fotos antigas pela Internet.
— Oscar me disse ano passado que Alcântara Jr. estava envolvido com uma entidade secreta, ariana, que financiava buscas atrás de relíquias religiosas; relíquias como o Graal, como o sino de Hitler — Sean voltou a olhar Madame H. P. Blavatsky ao lado do que realmente parecia ser um grande sino.
— Isso é coisa daqueles espiões psíquicos malucos que veem coisas durante os sonhos, e arrastam pessoas fracas atrás dessas baboseiras.
— Que tipo de baboseiras?
— Do tipo ‘Sempre ocultaremos a verdade divina deles, de que somos todos um!’
— Como é que é?
— Não sei o que responder para ‘como é que é’ Sr. Queise, mas sei que tem haver com isso... — apontou para a imagem. —, haver com as suásticas e essa raça alienígena reptiliana, lagartos do tipo crocodilo, de pele escamosa e de um tom enegrecido, com esse da foto, em pé, com Blavatsky.
“Droga!”, agora Sean sentiu todo seu interior arder.
Oscar lhe dissera que fora Alcântara Jr. quem levava espiões psíquicos da Poliu atrás de suas ideias arianas, ideias sobre um mundo iluminado e poderoso, habitado por seres com dons paranormais e forças extraordinárias. Levantou-se e ficou olhando a imagem de Madame H. P. Blavatsky de mais perto.
Havia algo errado ali, nele, no quarto.
— Há muito, teorias contam que os nazistas tentaram construir aeronaves em formato de disco de nomes como Haunebu e Vril, mas o que a princípio parecia ser o projeto de uma aeronave não tripulada, deixou duvidas se aquilo não seria engenharia reversa.
— Os alemães desmontaram uma nave alienígena e a estavam estudando?
— Uma nave tão alienígena quanto esse crocodilo humanoide, de pele escamosa e de um tom enegrecido, ao lado do que parece ser o sino de Hitler... — Sean apontou a imagem de Blavatsky na parede e viu Alcântara calado; e não gostou daquilo. — Os reptilianos são definidos como uma raça de humanoides répteis, que podem ter a aparência de serpentes, dragões ou crocodilos.
— Comprei em leilões da Internet, Sr. Queise. Já disse!
— Mas em 20 de julho de 1988, numerosas pessoas em Bishopsville, Carolina do Sul, disseram que elas ficaram aterrorizadas quando apareceu um ‘homem-crocodilo de sete pés de altura que não tinha cabelo, sobrancelha ou lábios, tinha três dedos em cada mão, e olhos grandes e inclinados, com uma pele que brilhava num tom enegrecido’. E existiram cinco avistamentos deste tal crocodilo humanoide relatados no Los Angeles Times e no Herald Examiner — e Sean percebeu que aquilo parecia mesmo um sino, em alemão ‘Die Glocke’, a grande massa de ferro onde o alienígena e Blavatsky se apoiavam.
— Leilões da Internet Sr. Queise! — voltou Alcântara a afirmar.
— Não é disso que falo Alcântara. É sobre Madame H. P. Blavatsky ter possuído essa imagem, se ela morreu em 1891, antes da Germânia se tornar Alemanha. E também pelo fato desse ser o ‘Sino de Hitler’, que está na lista de superarmas do Führer; as superarmas chamadas ‘Wunderwaffe’ — se virou para o quarto que o incomodava; havia algo errado ali, uma sensação de inchaço. — Dizem que o sino era uma máquina capaz de criar gravidade zero, e abrir um portal que o permitisse viajar no tempo. E seu projeto era tão secreto, que até hoje não ficou claro se o próprio Hitler tinha conhecimento dele.
— Já disse que comprei essa imagem na Internet. Não posso averiguar se é legítimo.
— Mas se for legítimo, Alcântara, então o Sino funcionou e voltou no tempo, mais precisamente à época em que Blavatsky estava viva. Porque Hitler mantinha uma cópia da obra teosófica de Blavatsky intitulada A Doutrina Secreta em sua mesa de cabeceira apesar de...
Alcântara caiu em grande gargalhada.
— Baboseiras Sr. Queise! Porque não é com isso que devia se preocupar.
Sean olhou em volta; porta, mala e cortinas cerradas. Era verdade, havia algo ali para se preocupar.
— Não sei ao certo com o que me devo preocupar Alcântara, mas de acordo com o material que caiu na Internet, o Sino era feito de um metal duro e pesado, com 2.75 m de diâmetro e de 3.65 a 4.6 m de altura, e emitia forte radiação quando acionado; efeito que teria causado a morte de vários cientistas além de animais e plantas sujeitos a testes.
— Hitler querendo criar gravidade zero para voar nos chamados UFOs Nazis?
— Especula-se que as ruínas de uma estrutura metálica chamada de Henge, círculo, nas vizinhanças da Mina Wenceslau, pode ter servido para testes de um experimento de propulsão antigravitacional gerada pelo Sino.
— Acredita nos nazistas trabalhando em uma nave de propulsão eletromagnética capaz de viajar no tempo? — Alcântara riu.
— Não sei, já disse. Mas a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein diz que podemos viajar para o passado, onde répteis gigantes dominavam, e próximo à velocidade da luz, viajar para o futuro; onde reptilianos do tipo crocodilo humanoide também dominam.
— Está dizendo que o nosso planeta será dominado por esses crocodilos humanoides?
— Estou? — Sean se virou para Alcântara agora sabendo que seu filho havia encontrado algo. Mas nada conseguiria com ele, Alcântara havia sido preparado pela Poliu para não permitir que espiões psíquicos lessem suas mentes. — Jim Marrs conta em seu livro A Ascensão do Quarto Reich que o comandante das SS, Hans Kammler, desapareceu momentos antes de se entregar em troca de imunidade. Kammler teria então tomado o rumo para essa mina onde estava o Henge, e teria aberto um Star Gate, um Portão Estelar, já que o Sino funcionava como uma passagem entre dimensões.
Sean voltou a não gostar do silêncio dele.
“Droga!”
— Como conseguiu entrar nesse Chat, Alcântara?
O 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara se assustou pela repentina troca de assunto.
— Ahhh... Um inexperiente agente da Poliu nada desconfiou de meu e-mail, e clicou num link para uma falsa foto entre amigos. É fácil fazer phishing em distraídos.
Sean riu:
— Não há ‘inexperiente agente’ na Poliu, Alcântara. Nem distraídos.
— Não se preocupe. Foi realmente um descuido do agente acionar o Cavalo de Tróia que permitiu o phishing, no qual pesquei seu login e senhas para os canais de Chat, frequentemente usados pela Poliu.
— Deus... Alcântara... Sabe que podia ser interceptado? Que iriam chegar a Oscar e a mim?
— Não arrisquei nada se...
— Agora é comigo! — e a rede Wi-Fi se desconectou no que Sean só o olhou.
Alcântara ia falar, mas as cinco telas também se desligaram.
— O que fez? — Alcântara olhou as telas desligadas, olhou os plugues fora da tomadas, olhou Sean longe da parede e de novo os plugues.
— Vá buscar café, Alcântara. Não quero você participando disso.
— Você não...
— Café? — e a porta do quarto se abriu sem que ninguém tivesse tocado na maçaneta.
— Por que vai se arriscar, Sr. Queise? — Alcântara sabia que fora ele quem desligara as telas, que abrira a porta do quarto, sabia que Sean possuía poderes paranormais, e telecinese era só um deles.
— Café! — voltou a falar.
Alcântara levantou-se contra a vontade. Saiu do hotel atrás de um bom café na redondeza.
Sean enxergou cada passada dele, cada movimento dele pelo corredor, elevador, as ruas, e sem mesmo sair do lugar. Quando ele o viu longe do hotel, entrou no Chat usando o Wi-Fi do tablet que tirou do bolso. Acionou programas hackers e os enviou ao notebook de Alcântara, para então entrar no Chat em modo stealth, rastejando-se pelo mundo cibernético, invisível para qualquer participante, e uma comunicação se materializou no Chat.
Sean leu:
[17h44min] <AB>: Ele entrou no canal de Chat, Juan?
[17h44min] <JY>: Cuidado Senhor Álvaro. Ainda não estamos no modo reservado. Já falei que o Echelon pode localizar-nos.
[17h45min] <AB>: Acredita mesmo neste programa Echelon, onde um monte de países estão nos vigiando, rastreando, ouvindo e gravando nossas conversas pela WWW?
[17h46min] <JY>: E o Senhor não? Já não tivemos sustos o suficiente com a Poliu nos vigiando, sabendo o que há em nossos e-mails?
[17h46min] <AB>: Está bem! Está bem! Pronto, Juan?
“Bip!”, um sinal sonoro se fez.
[17h49min] <JY habla en modo privado>: Pronto! Agora o Senhor e o Senhor Rogério já podem perguntar algo ao marinheiro.
[17h49min] <AB habla en modo privado>: Hei? Marinheiro? Você é mesmo o marinheiro da embarcação NOA, desaparecido há doze anos na costa do Chile?
[17h50min] <Marinero del embarcación habla en modo privado>: ¡Si! ¡Si! Pero disse ao Cortés que no queria mío nombre envolvido en la misiòn.
[17h50min] <AB habla en modo privado>: Fique tranquilo, nossa missão é sigilosa. Nós só queremos saber se o que os índios Xavantes disseram é real. Você é o único sobrevivente encontrado na Serra do Roncador, no Brasil?
[17h51min] <Marinero del embarcación habla en modo privado>: ¡Si! ¡Si! Pero no recuerdo muy bien. Tudo era obscuro, pardo, caliente. Só el brillo bermejo en los ojos rojos queimava tudo.
[17h52min] <RP habla en modo privado>: Brilho? Nos olhos vermelhos de quem?
[17h52min] <Marinero del embarcación habla en modo privado>: Deles... Assustadores.
[17h57min] <AB habla en modo privado>: Hei? Marinheiro? Você fez o que esse tempo todo? Comeu o que? Dormiu aonde? Usou a mesma roupa? Como chegou ao Roncador?
[17h57min] <Marinero del embarcación habla en modo privado>: ¿Comer? ¡Ni hablar! ¡Ni dormir! Ni tampouco respirar el liquido. Só viajar de un lugar a outro pelos buracos.
“Buracos?”, Sean mal podia acreditar, até achou ter perdido o rastro da corporação.
Mas Sean tinha dons, instintos que lhe falavam que tudo estava relacionado com a Poliu, com uma missão; talvez com o fato dele estar ali no centro da cidade, escondido num hotel barato, hackeando um Chat clandestino, e tudo aquilo batia com o Echelon, um sistema de rastreamento tão sofisticado quanto seu SiD.
“Echelon?”, refletiu Sean sabendo que havia dedo da Poliu, a Poliu que nunca fora rastreada, que temia as sua habilidades de hacker; controvérsias entre Fernando Queise, pai de Sean e Mr. Trevellis, atual chefe de operações da Poliu.
Os Queise desconfiavam que a Poliu estava por detrás das falsas acusações que chegavam à imprensa marrom. Sean se abstinha de respostas, calado como de costume, mesmo que alegando inocência. Mas seu pai Fernando já não sentia tanta inocência, na maneira com que seu filho agia em sua busca desenfreada para derrubar Mr. Trevellis, que num passado não muito distante acusara Sandy Monroe, noiva de Sean, de roubos e espionagem.
Apesar dele nunca ter encontrado provas do envolvimento de Sandy na venda dos cálculos de um dos espelhos de captação de energia de Spartacus, Sean também não conseguiu provas que a Poliu armara para ela, a fim de atingi-lo. Sandy Monroe, desesperada pela desconfiança gerada entre eles, havia se suicidado na noite de noivado deles com um tiro na cabeça. Sean ainda tinha pesadelos com a morte dela, com o vestido de chiffon branco manchado de sangue, com os flashes dos jornais sensacionalistas que invadiram a castelo, o mostrando com o corpo ensanguentado em seus braços.
“Sandy” soou dolorido.
E não conseguindo esquecer aquela dor, tornou-se frio, fechado ao amor, a qualquer um. Nem mesmo ao amor de Kelly Garcia, sua sócia, que se ressentia do ódio que Sean nutria pela Poliu. Ódio que o fez procurar desenvolver mais que dons para o hackerismo; Sean desenvolveu um dom mais sinistro dentro dele, um dom paranormal.
— Não entendo o programa SiD estar confirmando a presença do IP da Poliu no Chat. A menos que a corporação esteja stealth também — ergueu a sobrancelha. — Mas por quê? — se questionou.
Sean voltou a ler:
[17h59min] <RP habla en modo privado>: Viajar? Do que ele está falando, Álvaro?
[18h00min] <AB habla en modo privado>: Não sei Rogério. Também não entendi como não comeu nem respirou.
[18h00min] <RP habla en modo privado>: Pergunte novamente ao marinheiro.
[18h02min] <AB habla en modo privado>: Hei? Marinheiro? Você disse ao Cortés que foi levado até as pirâmides da Amazônia?
[18h02min] <RP habla en modo privado>: Que saco Álvaro! Pergunte se ele comeu, respirou?
[18h03min] <AB habla en modo privado>: Acalme-se Rogério. Só as coisas importantes. Hei? Marinheiro? Fale-nos sobre as pirâmides da Amazônia?
[18h03min] <Marinero del embarcación habla en modo privado>: ¿Piràmides? ¡Si! ¡Si! La explosión del piràmides. El brillo és alienación, enajenación, locura. Mí cuerpo voou ar de gran tamaño. Muy muertos lá abajo.
[18h04min] <RP habla en modo privado>: Mortos? Como assim mortos? Lá embaixo onde? Jesus Cristo! Quer dizer embaixo da terra, marinheiro? Marinheiro? Marinheiro? Maldita Internet lenta!
[18h09min] <Marinero del embarcación habla en modo privado>: ¡Si! ¡Si!
[18h09min] <RP habla en modo privado>: Viu Álvaro? Não falei que o Almirante Byrd estava certo? A missão está correta, a Terra é oca!
[18h10min] <AB habla en modo privado>: Acalme-se Rogério! Acalme-se! Hei? Marinheiro? Os índios o acharam numa das cavernas da Serra do Roncador, correto? E não viram mais ninguém lá? Hei? Marinheiro? Marinheiro?
[18h10min] <RP habla en modo privado>: Ele ainda está on-line Álvaro? A conexão está lenta. Então ele viu alguma daquelas armas?
[18h11min] <AB habla en modo privado>: Hei? Marinheiro? Falou algo sobre isso com mais alguém além do Cortés e do Juan...
E a conexão caiu.
Sean desesperou-se tentando buscar os rastros do IP usado. Não podia perder a conexão stealth, não quando a palavra ‘arma’ entrou na conversa.
— Deus... Pirâmides na Amazônia é um dos temas mais polêmicos da Segunda Grande Guerra quando dizem que Nazis se esconderam na Amazônia... E armas e superarmas deve ser somente a ponta do iceberg — Sean digitava como louco no notebook buscando os backbones.
Um som de passos fora do quarto o alertou. Sean viu o casal que passava pela sua porta como se a parede não existisse. O casal sumiu e a parede voltou ao lugar. Sean olhou em volta e a mala no chão, os recortes na parede sobre a Terra Oca, as vimanas de Mahabharata, a imagem de Blavatsky, e outra vez a porta fechada e a mala no chão.
Algo, alguma coisa dizia que estava tudo errado, que ele não devia estar ali, que sua vida corria perigo e que levaria à morte a vida de outros.
Mas os recortes, e novamente Blavatsky e seu templo de paredes de suásticas desenhadas, estavam ali. E a imagem do grande sino na foto parecia querer fugir do recorte, invadindo o quarto, se materializando e voltando para dentro da foto amarelada.
Sean ergueu-se pelo susto, sentindo toda sua adrenalina esparramar. Voltou a se sentar, e deletou todas as comunicações e rastreamentos feitos nas cinco telas conectadas ao notebook de Alcântara.
Mas eram tão insanas as palavras escritas que ele não teve coragem de abandonar aquele Chat.
— Droga... — recuou na ação e voltou ao Chat sabendo que ia se arrepender.
Acessou o backbone da Computer Co. que acionou os bancos de dados dos mainframes, a partir do computador de mesa da sua sala na cobertura da Computer Co. Houses’s, seu escritório particular para onde mandou cópias daquela conversa enquanto voltava ao Chat.
Voltou a ler as telas do notebook:
[18h28min] <Marinero del embarcación habla en modo privado>: ¡No! ¡No hablei! Pero no recuerdo... Só el calor dos corpos vindo delas armas, delos barcos que vuelan.
[18h28min] < RP habla en modo privado>: Armas? Isso! Fale sobre as armas. Percebeu que ele falou de barcos que voam Álvaro?
[18h29min] < AB habla en modo privado>: Acalme-se Rogério. Fale devagar e só o que nos interessa.
[18h29min] < RP habla en modo privado>: Não! Não! Quero saber sobre as armas.
[18h29min] <Marinero del embarcación habla en modo privado>: ¿Las armas de luz enegrecida? ¡Si! ¡Si! ¡Las armas íntimas!
— “Armas íntimas”? — Sean voltou a olhar em volta. — Alcântara disse algo sobre relíquias que me fariam perder o sono...
E voltou a ler o Chat:
[18h30min] <RP habla en modo privado>: Pergunte então você sobre os barcos que voam. Eram Vimanas?
[18h30min] <AB habla en modo privado>: Já disse para acalmar-se Rogério. Você está fazendo muitas perguntas ao mesmo tempo. Ele vai se confundir, nos confundir.
[18h31min] < RP habla en modo privado>: Não! Não! Álvaro. Pergunte se ele viu as vimanas.
[18h32min] <Marinero del embarcación habla en modo privado>: ¡Si! ¡Si! Vimanas y varios otros discos en lo hangar, con enormes poderes que voam pela Tierra Hueca, pelo crânio.
[18h32min] <RP habla en modo privado>: Pelo crânio? Fala dos crânios de cristal azulado? Marinheiro? Marinheiro? Como eles voam?
[18h33min] <AB habla en modo privado>: Acalme-se Rogério! Hei? Marinheiro? Nesses doze anos, você viu os intraterrenos?
[18h33min] <Marinero del embarcación habla en modo privado>: ¡Si! ¡Si!
[18h34min] <RP habla en modo privado>: Jesus Cristo! Álvaro, o marinheiro poderia nos levar até a caverna? Poderíamos ir lá e receber todas as informações dos intraterrenos e os crânios; segredos milenares, armas, imortalidade...
[18h34min] <Marinero del embarcación habla en modo privado>: ¡Jamás! ¡Nunca! ¡No vuelto! ¡Crânio de cristal azulado mal!
[18h35min] <AB habla en modo privado>: Hei? Marinheiro? Acalme-se! Está bem? Falemos sobre a embarcação NOA, está bem? Foi mesmo um UFO que a atacou? De onde vinha esse UFO? De que planeta? Eles tinham olhos vermelhos, é isso?
[18h35min] <Marinero del embarcación habla en modo privado>: ¿UFO? ¡Si! ¡Si! Embarcación grandiosa, disco monumental. Luces fuertes como un rayo, como un relámpago. El brillo arde, quema, provoca derretimiento por adentro, cristalización dos hombres, os hombres do NOA muertos pelo rayo de luz enegrecida comandados pelos crânios.
[18h37min] <RP habla en modo privado>: Do que ele está falando, Álvaro? Por que a insistência na maldade dos crânios? E que derretimento? Que raio de luz enegrecida? Seria radiação? Marinheiro? Marinheiro? Maldita Internet lenta!
[18h40min] <Marinero del embarcación habla en modo privado>: ¡Si! ¡Si! Hacer y disolver radiación. Y ellos hablan com répteis niegros, grandes répteis niegros feito notche, hablando com os répteis del cristal azulado, di ojos rojos, na mata que hablan...
— Mas que droga toda é essa? — Sean estranhou toda aquela conversa de um homem dito desaparecido há doze anos, falando de répteis negros, de naves com suásticas voando pela Terra Oca, de crânios de cristal azulados que faziam o mal.
Respirou pesado e voltou a ler:
[18h42min] <AB habla en modo privado>: Répteis negros que falam com répteis vermelhos de olhos vermelhos? O marinheiro está confuso, Rogério. Não devíamos ter essa conversa sem o Cortés.
[18h43min] <RP habla en modo privado>: Cale-se Álvaro! Cale-se! Você vai assustá-lo.
[18h44min] <AB habla en modo privado>: Assustá-lo? Eu é que estou assustado. Não quero ser comido por répteis enegrecidos.
[18h44min] <RP habla en modo privado>: Pergunte de novo!
[18h44min] <AB habla en modo privado>: Isso não vai acabar bem. Hei? Marinheiro? Marinheiro? Está entendendo nossas perguntas? Que mata é essa de répteis enegrecidos e de cristal azulado de olhos vermelhos?
[18h46min] <Marinero del embarcación habla en modo privado>: ¡Si! ¡Si! Mucha personas lá. Voz suave. A hablar que viven en buenas manos.
[18h46min] <RP habla en modo privado>: Muitas pessoas? Nas mãos de quem?
[18h47min] <Marinero del embarcación habla en modo privado>: ¡Si! ¡Si! Hablar que viven en buenas manos. Mas su mente patraña. ¡Desgraciados! ¡Brillo desgraciado! Su mente torrada pela arma de luz enegrecida do crânio de grandes répteis niegros.
[18h48min] <RP habla en modo privado>: Mas que maldita arma de luz enegrecida afinal é essa?
[18h48min] <Marinero del embarcación habla en modo privado>: ¿Llamar las cosas por su nombre?
[18h49min] <RP habla en modo privado>: Sim.
[18h49min] <Marinero del embarcación habla en modo privado>: ¡Alienígenas!
[18h49min] —— iniciar cancelamiento.
[18h49min] —— privación de derechos en la conexión.
[18h49min] —— iniciar cancelamiento.
[18h49min] —— privación de derechos en la conexión.
Conexão encerrada.
Sean mal podia acreditar, estava quase conseguindo provas do envolvimento da Poliu com alienígenas crocodilos humanoides, quando algo sobressaiu acima de tudo, o filho do 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara, o jovem Alcântara Jr., estivera envolvido em duas missões; uma missão em Peruíbe e outra na Serra do Roncador; ambas, entradas da Terra Oca, com portais interdimensionais, intraterrenos, crânios de cristal azulado controlando o voo de UFO Nazis, e crocodilos humanoides, convivendo com alienígenas feitos de cristal azulado.
E que tinham olhos vermelhos, que derretiam a mente das pessoas com armas de luz enegrecida; possíveis relíquias que lhe tirariam o sono.
“Relíquias... Relíquias... Relíquias...”; soava intermitente.
Sean olhou em volta, percebeu que passava das dezenove horas e que o 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara não voltara. Entrou novamente no backbone da Computer Co. para apagar o programa stealth, mas a conexão também havia sido encerrada.
Sean ficou estático, alguém fizera flood e com um nuke, derrubara-o do seu próprio backbone.
Ele tentou voltar a se conectar, precisava saber se só ele havia sido jogado para fora do Chat ou todo Chat havia sido interceptado. Tinha que descobrir o provedor do IP daquele Chat no Chile, e precisava entender o que afinal era aquela conversa toda entre “RP”, “AB” e o tal marinheiro. E tinha que ser rápido, antes que descobrissem que ele estivera lá. Mas tudo, todos os mainframes e o sistema operacional da Computer Co. havia levado um nuke, havia sido derrubado.
— Mas que droga! — e Sean ergueu-se da cadeira em choque.
Outra vez correu os olhos para a porta, para a mala de mão no chão e para a porta; e algo avisava que alguém desligara todos os bancos de dados da empresa.
“Eles vão à Computer Co.!” foi só o que conseguiu pensar.
Voltou ao notebook deletando todo conteúdo, e enviou à primeira tela a desconexão, à segunda tela, à terceira tela, à quarta tela, e o tempo voava quando acionou o programa hacker para deletar a quinta tela e um tiro perpetuou na noite quieta do centro da cidade, com as lojas do comércio fechadas àquela hora.
Sean levantou-se e olhou a janela fechada pela cortina grossa. Olhou a porta, a mala, a porta, a janela e a cortina suja, grossa e mal cheirosa, fechada. Ele havia ouvido o tiro que rasgara o silêncio da noite, o tiro que atingira Alcântara, que o fazia correr ferido por ruas escuras.
Jogou tudo o que havia na mala para fora. Era como se ele soubesse, como se algo dissesse a ele que havia uma arma lá, que ele ia precisar dela. Porque havia realmente uma arma lá, uma Tyron, um arma calibre 9 mm que a Poliu criara com travamento por biometria. Uma arma íntima como a que o agente ruivo Vincenzo Bertti carregava há doze anos.
“Droga!”, Sean sabia que a arma não funcionaria nas mãos de outra pessoa que não a que deixou arquivada suas digitais.
Pegou a arma e voltou à quinta tela conectada ao notebook para dar o último ‘enter’, mas a tela congelou. Sean arqueou toda a testa e digitou no teclado, mas nada funcionou; ele sabia que algo muito maior congelara o notebook.
Olhou, olhou e olhou em volta, tinha que apagar sua ida até lá, mas não havia nada que os provasse ali; nem ele, nem o 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara.
Aquilo sim o alertou.
Sean abriu as duas mesas de cabeceira, o guarda-roupa e não viu nada, nenhuma roupa pendurada, nenhuma escova de dente, perfume ou documento que provasse que Alcântara estivera lá. Voltou à mala no chão, e dentro roupas jovens que não condiziam com Alcântara; nem os sapatos eram de seu número.
Aquilo soou muito estranho a ele.
“Alcântara não se atreveria...” olhou a janela de cortina fechada e mais dois tiros foram disparados na noite, com o som de um corpo caindo foi o próximo.
Sean abriu a cortina grossa e logo abaixo da janela, num espaço imundo, de latas cheias de lixo esparramadas, o corpo do 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara jazia morto. Mal teve tempo de arregalar os olhos, arrancou alguns desenhos e fotos do quadro de cortiça na parede, e os enfiou nos bolsos junto ao tablet. Abriu a porta e se lançou pelo corredor sem tocar em nada.
O elevador subia com dois homens de terno preto, Sean os viu, os podia ver através das paredes, dos muitos metros de cabos que subiam o elevador. Apavorou-se com o que via com o dom que lhe permitia ver. Abriu a porta corta-fogo e se lançou escada abaixo engolindo degraus. Invadiu a rua correndo pelo centro da cidade escura, vazia, perigosa com o rosto escondido pelo capuz do moletom cinza.
Mas Sean Queise era só mais um que se escondia no pouco de luz refletida. Havia mais alguém ali, atrás dele e não eram os ‘MIB’.
Sean correu até alcançar a avenida larga, movimentada, escondendo a Tyron, a arma de biometria calibre 9 mm no bolso do casaco de moletom, entrando num táxi, indo à Computer Co. House’s. Precisava deletar o programa stealth agora do computador de sua mesa, porque não podia permitir que a Poliu o interceptasse, que Mr. Trevellis provasse ao seu pai Fernando que ele era um hacker.
Não com todo o mercado coorporativo esperando uma pequena falha dele.
“Eu me arrisquei...” pensava nervoso olhando o vidro do taxi que embaçava.
Computer Co. House’s; São Paulo, capital, Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
21 de janeiro; 22h53min.
O imponente edifício de 48 andares da Computer Co. House’s se fez. Sean pagou o táxi e saltou antes mesmo dele entrar no port-cochere.
— Boa noite... — e a voz do taxista se perdeu na noite.
Sean correu pelo átrio de mármore italiano assustando os poucos funcionários que lá fazia hora extra.
Subiu até a cobertura do 48°andar e a porta aberta da sua sala o fez recuar para dentro do elevador, o fazendo ficar em alerta. Tentou sair pelo éter, desdobrar-se em alma e corpo, ir até a sala sem sair do lugar, mas seu medo, toda sua adrenalina não lhe permitia controlar aquilo.
E ele nunca soube o que a egípcia Mona Foad realmente fizera com ele, com seus dons paranormais.
A luz na sua sala apagou-se; eram duas funcionárias encarregadas da limpeza. Sean suspirou e se escondeu esperando elas descerem por um dos dois elevadores para então travá-los, invadir sua sala e ligar os mainframes a partir do computador de mesa.
Mas os mainframes haviam realmente sofrido um nuke.
— Droga! — bateu na mesa balançando tudo ali em cima, com a glote ainda a pulsar pela visão de Alcântara morto, da fuga, da sensação de não estar sozinho ali no centro da cidade.
E teria que reportar tudo aquilo a Oscar Roldman.
Sean enviou um e-mail criptografado ao satélite de observação Spartacus, que enviaria o mesmo para a sala da Polícia Mundial na Trafalgar Square, Londres, Inglaterra.
Ele precisava que o corpo do 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara fosse resgatado, que as cinco telas, o notebook e os restos de recortes e fotos na parede sumissem, e precisava que Alcântara Jr. fosse protegido no Hospital Psiquiátrico do Chile em que fora internado.
O e-mail atravessou os backbones mundiais e chegou a Oscar Roldman, que gritou furioso na Londres úmida.
O celular de Sean foi o próximo a tocar, ele nem precisava de dons para saber que o e-mail chegara, que Oscar iria querer satisfações de como ele sabia que Alcântara Jr. estava num Hospital Psiquiátrico chileno.
Mas Sean não respondeu àquele telefonema, e passou a se arriscar mais ainda. Passou a rastrear a Poliu pedindo pesquisas a três itens específicos como ‘UFO Nazis’, ‘Terra Oca’ e ‘Armas íntimas’ num sofisticado programa de computador que vinha modificando e aprimorando cada vez mais, o SiD, um programa de sistema de interceptação de dados como o Echelon que apoiado por uma rede de navios, aviões e radares localizados em pontos chave do mundo, conectados por satélites, estabelecia a maior cadeia espiã da história; cadeia que todos juravam não conhecer, não participar, não existir.
Um programa que rastreava palavras atrás de ações terroristas, mas que já havia sido usado para rastrear drogas, armas, mafiosos, e guerras das mais diversas, inclusive atividades ilícitas de políticos, e posições nada convencionais de algumas celebridades.
Primeiramente em escutas telefônicas, faxes, e ultimamente em e-mails, SMS e sites de relacionamentos da Internet. E como o Echelon, o programa SiD da Computer Co. era desmentindo por seu pai, pessoalmente, e pelo todo poderoso Oscar Roldman, chefe de operações da Polícia Mundial.
Mas a Poliu vinha cada vez mais implacável, tentando tudo para derrubar Sean Queise da presidência da Computer Co. e o SiD era a chave para isso.
“A missão está correta; a Terra é oca!”, porém, era o Chat que reverberava em suas lembranças.
O computador consumiu quase toda a memória, parecendo por vezes querer travar, mas enfim as três informações lhe chegaram, uma para cada pedida: Primeiro a imagem de Madame H. P. Blavatsky sobre o Glocke ou Sino, uma suposta máquina alemã para se viajar no tempo no item ‘UFO Nazis’. Segundo, fotos do III Reich na Amazônia durante a Segunda Grande Guerra no item ‘Terra Oca’. Terceiro a informação de uma ação da Poliu no Tibet, datada do começo do início do século XX, arquivada e reaberta recentemente sob o Código Mahabharata no item ‘Armas íntimas’.
Sean jurava que não entendeu o que o SiD lhe enviou. Na duvida, criptografou tudo quanticamente utilizando uma chave tão secreta que só poderia ser quebrada por um computador quântico, um computador capaz de um processamento assustadoramente superior aos atuais, por possuírem, mesmo que hipoteticamente, uma capacidade fenomenal de realizar cálculos simultâneos.
— Mas qual interesse da Poliu no Tibet? Será que a liga à suposta viagem do Almirante Byrd e sua ida a Terra Oca que o Chat levantou? Mas por que chamá-la de Mahabharata, um livro sagrado indiano com mais de quatro mil anos de idade? — começou a imaginar que não devia ser coisa pequena.
“Sean, meu amor?”, foi a voz de Sandy Monroe que alertou agora cada poro do corpo dele.
Sean se levantou em choque vendo a noiva morta à sua frente. Sabia que estava se arriscando, sabia, mas sentou-se novamente e colocou as palavras ‘Livro Mahabharata’ no programa SiD e mandou refinar a pesquisa; um trecho do livro copiado pela corporação de inteligência estava arquivado nos mainframes da Computer Co.:
— “Foi um simples projétil carregado com todo o poder do Universo. Uma coluna incandescente de fumaça e fogo, tão brilhante como dez mil sóis, elevou-se em todo seu esplendor. Era uma arma desconhecida, um raio de ferro, um gigantesco mensageiro da morte que reduziu às cinzas a raça inteira dos Vrishins, e também os Andakas. Os cadáveres estavam queimados a ponto de ficarem irreconhecíveis. Cabelos e unhas caíram, utensílios de cerâmica quebraram sem motivo aparente e os pássaros tornaram-se brancos…”.
Sean acabou de ler e a imagem fantasmagórica de Sandy se foi de vez.
“Radioatividade!”, concluiu quando foi a luz da Computer Co. que se extinguiu, escurecendo todos os 48 andares do edifício. Sean se levantou com a arma de biometria que não podia usar em punho. Ele invadiu a grande sacada ajardinada. Lá embaixo o trânsito infernal da Marginal Pinheiros e todos os andares abaixo no breu.
“Droga!”, Sean voltou à sua sala.
— Abreu? — falou ao interfone. — O que está acontecendo? O gerador de emergência não funcionou?
— Aqui na cabine está tudo bem, Sr. Queise! — Abreu colocou a cabeça para fora do vidro blindado e olhou para cima. — Que estranho! O edifício todo está sem luz, Sr. Queise?
— Não sei! — respondeu preocupado. — Onde estão os seguranças?
— Fazendo a ronda Senhor.
— Eles nada relataram?
Abreu abriu o canal de som:
— Segurança ala sul, responda! Câmbio! — só um chiado, ambos ouviram. — Segurança ala norte, responda! Câmbio! — nada além de chiado. — Ala oeste? Ala leste? Câmbio!
— Abreu? — chamou Sean outra vez. — Verifique os elevadores.
— O computador daqui mostra a energia de emergência desligada, mas nada apitou. Vou subir Sr. Queise.
— Quarenta e oito andares?
— E o Senhor?
— Vou desligar meu computador e vou descer! — fez uma careta. — Vou com o celular ligado.
— Na escuridão?
— Não discuta! Espere-me no saguão de entrada.
— Sim, Senhor! — e Abreu desligou.
Sean voltou ao computador e outra vez ele havia sido desconectado dos mainframes da Computer Co.. Um frio percorreu-lhe o corpo. Sentiu-se mal, com um sentimento que avisava do perigo. Mas era exatamente o perigo que a trazia, o fantasma de Sandy Monroe.
— Sandy... — os lábios dele tremeram no nome dela. — Eu me arrisquei, não? — foi só o que falou para a imagem que embaçava, sumia outra vez.
Sean aproveitou e transferiu para o tablet informações lidas no site de um francês de nome Pierre Lemarc antes de ser desconectado. Pierre era um estudioso sobre teorias da Terra invertida, era mais precisamente, um espeleólogo e ufólogo de muito prestígio nas listas de e-mails sobre ufologia.
Outros nomes também chamaram atenção de Sean que vinha investigando a Terra Oca com mais afinco que qualquer nuke preveria, que nem Alcântara sonhara.
Sean também investigava Kabir Kamadeva, físico quântico, polêmico estudioso do espiritismo, professor em muitas universidades pelo mundo, chamado pela mídia de ‘Kabir, o sábio’.
E foi justamente isso que levantara a atenção de Sean; um sábio que se dizia além de ser um ex-agente secreto, um colecionador de crânios de cristal azulado.
Sean não entendia como um homem conhecido e respeitado no meio acadêmico tivera coragem de revelar aquilo, algo tão polêmico. Um entendimento ele tinha, no entanto, um ex-agente secreto espírita polêmico estava intimamente ligado a Alcântara Jr. e os espiões psíquicos sumidos porque também havia investigado um proeminente professor da Universidade Federal do Mato Grosso de nome Álvaro Buzzara. Sean se lembrava do nome que havia surgido no SiD, quando rastreava Alcântara Jr. ano passado e um som de vidro quebrado o alertou. Sean pegou a arma de biometria nas mãos outra vez e se assegurou que o tablet estava bem guardado no bolso do moletom, saiu da sua sala e desceu pela escada, chegando ao piso térreo ofegante pelos 48 andares descidos.
— Tudo bem, Sr. Queise? — perguntaram por detrás de seu corpo.
Sean não respondeu nem se virou para olhar, percebendo que não era a voz do Sr. Abreu quem falava com ele. Continuou a caminhar para as portas de acesso às garagens nervoso, quando ao invés da escada, escolheu a rampa de acesso quando um estardalhaço ecoou, o fazendo virar-se rapidamente para trás.
— Que susto, Sr. Queise — falou Abreu, chefe da central de segurança.
— Assustou-se com o que? — falou Sean se protegendo da lanterna de Abreu que ofuscava sua vista ao acionar a porta do carro Lamborghini, que levantou.
— Bem... — Abreu sorriu sem graça ao ver que dois seguranças se aproximavam deles. — Com a chuva que vem por aí... — Abreu também viu Sean jogar o tablet no banco do carro. — Não é melhor o Senhor esperar um pouco?
Um som de vidro quebrado se fez outra vez ali por perto. Sean ergueu a cabeça. Olhou em volta, e voltou a olhar para Abreu sem encontrá-lo. A lanterna do segurança estava caída no chão.
— Sr. Abreu? — Sean inclinou-se para pegá-la e iluminação, agora, só a produzida pela arma de fogo disparada. — Ahhh!!! — se jogou ao chão, ouvindo outro corpo tocar o piso junto a ele. — Sr. Abreu?!
Seu grito atônito se misturou a passos, parecendo muitos, e se dirigiram para ele. Sean arrastou Abreu com ele para trás de outro carro em meio à escuridão, que não o permitia delinear mais nada nem ninguém na garagem. Olhou o segurança desmaiado e verificou sua pulsação o percebendo vivo, quando outro tiro se fez e a lataria da Lamborghini brilhou com o impacto que o projétil provocou. Num lance de corpo, Sean se jogou dentro da Lamborghini, pegou o tablet que já havia deixado no banco, saiu e fechou a porta, se jogando atrás de outro carro.
Tirou a arma Tyron do bolso do casaco de moletom e outra vez viu que sem as informações das digitais de Alcântara nela, a arma não dispararia. Mas Sean também sabia que a Tyron era uma máquina, um computador que recebia ordens, e ele sabia ordenar máquinas através do pensamento. Quando mais dois tiros vieram em sua direção, Sean deu uma ordem à arma de biometria que leu suas digitais. A Tyron acionou um ruído agudo e ele atirou três vezes a esmo, no que um grito ele ouviu.
Sean havia atingido alguém com uma arma que fazia mais que lançar projéteis, que lançavam também uma espécie de luz enegrecida junto.
“Laser negro?” se questionou quando um tiro de revólver no para-brisa dianteiro da Lamborghini lançou vidros para todos os lados.
Sean acionou por controle remoto o motor do carro e correu sabendo que os atiradores não tinham como saber se ele estava ou não dentro do carro. Tiros, aos montes foram dados na Lamborghini enquanto Sean corria para longe da movimentação. E correu até a porta de acesso bater denunciando que escapara para o hall de entrada.
Ofegante, Sean invadiu o saguão do térreo, onde dois corpos jaziam em meio a uma poça de sangue que o fez escorregar, caindo sobre eles, sujando o moletom de sangue, reconhecendo seus seguranças mortos.
— Deus... — Sean só teve tempo de sussurrar aquilo após ouvir a porta de acesso à garagem também bater, denunciando que estavam de novo atrás dele.
Sean atirou mais duas vezes a esmo e outra vez uma luz enegrecida se fez junto ao projétil, mostrando que ele havia acertado o alvo. Ele agora percebeu que a luz enegrecida que caminhava junto ao projétil era uma mira e ela fazia o projétil encontrar o alvo.
Voltou a correr, alcançou a rua após passar por mais corpos de funcionários.
O trânsito não havia diminuído e ele fazia malabarismos por entre carros que trafegavam em baixa velocidade por causa da chuva.
— Atrás dele!!! — alguém gritou.
Buzinaço, tiros, tempestade, e Sean correu ao ver que os dois homens vestindo terno escuro o seguia armados. No ímpeto, abriu a porta do carro verde que passava por ele lançando-se para dentro ensopado.
Sean apontou a arma para a mulher de cabelos negros e grandes óculos de grau, e que engoliu o grito no que um som agudo se fez.
— Dirija!!! — Sean berrou e a mulher de cabelos negros e grandes óculos de grau acelerou na mira da arma acionada.
Assustada bateu em dois carros escapando por cima da calçada, entrando na rua à direita, fugindo do trânsito, deixando para trás caos e pânico.
— Se...
— Continue dirigindo!!! Continue dirigindo!!! — gritava com a arma em punho e os olhos no espelho retrovisor. — Lá!!! Pare lá!!! — apontava para a rua que se aproximava.
A mulher de cabelos negros e grandes óculos de grau brecou e Sean desceu batendo a porta, sem ao menos agradecê-la, no que ela enfim conseguiu respirar, mordendo o lábio esquerdo.
“Droga!” Sean correu com o casaco de moletom encharcado de sangue, procurando algum ferimento. Chamou um táxi e outra vez entrou com a arma na cabeça do motorista, acionando-a.
— Dirija!!! — gritou ao motorista.
Sean foi deixado tempos depois numa esquina qualquer com uma arma para lá de íntima.
2
Aeroporto de Congonhas; São Paulo, capital.
23° 37’ 34” S e 46° 39’ 23” W.
22 de janeiro; 08h33min.
O burburinho característico do aeroporto acentuava a cada chamada. Sean Queise olhava um lado e outro, tenso.
— O que é um nuke? — Kelly Garcia interrogou-o no que os passos dela estancaram à sua frente, no agitado Aeroporto de Congonhas.
— Um o quê? — ergueu-se da cadeira a vendo linda como sempre.
De descendência espanhola sua sócia Kelly Garcia tinha pele suave, branca e bem tratada, que Sean gostava de relar ‘sem querer’. Kelly também tinha pernas que Sean gostava de apreciar, tinha cabelos que Sean gostava de tocar, mas a Kelly que entrou no café do aeroporto não vinha com a face de bons amigos.
Sean esperou o pior.
— Alguém chamado Sr. Antonio Buzzara, que se identificou como antropólogo e professor da Universidade Federal do Mato Grosso, lhe escreveu um e-mail interessante onde o convidava para participar de uma trilha.
— “Trilha”? — ele não gostou de ver Gyrimias Leferi, seu fiel ajudante e o melhor cientista de computação atrás dela. — O que Gyrimias faz aqui?
— Mandou-o chamar não?
— Mandei? — Sean olhou Gyrimias branco como papel, suando muito, no que balançava a cabeça tentando negar algo.
— Mandou Sean! Mandou Gyrimias preparar-se para uma trilha pela Serra do Roncador!
Sean fechou os olhos nervoso, não era para Kelly saber que ele havia pedido a Gyrimias que se encontrasse com ele no aeroporto, e viesse preparado para uma trilha.
— Olá Gyrimias... — foi o que Sean respondeu para o funcionário.
— Senhor... — também foi só o que conseguiu falar.
Kelly não esperou convite. Sentou-se à mesa.
— Achei que você seria a última pessoa no mundo a me julgar, Kelly.
Ela arregalou os olhos para o belo e jovem empresário.
— Oh... Desculpe-me patrãozinho — foi puro sarcasmo.
— Kelly...
— Como acha que fiquei, hein? Hein? Estou nervosa; entende, não? Havia mortos no saguão da Computer Co., na garagem, no elevador. A polícia de São Paulo está atrás de você, há um jornalista a cada metro da Computer Co. e seu pai liga de um em um minuto, para então sua mãe me questionar se a Polícia Mundial está a sua procura e saber se o Sr. Roldman está... — e parou de falar. — E sim, sua mãe sempre me coloca numa posição complicada.
— Ok! Vamos começar de novo — Sean chamou o garçom e pediu três cafés. — Desculpe-me Kelly.
— Por ter que pagar uma corrida de taxi de um homem que gritava comigo por você ter colocado uma arma na cabeça dele ou por me deixar de fora da sua vida?
Sean piscou e piscou.
— Vou ter que responder?
— Sean! — e Kelly desabou. — Oh... Sean... — Kelly passou as mãos pelo rosto dele, pela roupa. — Está ferido?
— Não! O taxi que mandei cobrar-lhe a corrida deixou-me próximo a sua lavanderia 24 horas para pegar umas roupas que...
— Minha lavanderia? — Kelly cortou sua fala.
— Não é na lavanderia perto da sua casa onde leva minhas roupas para lavar?
— Como sabe que... — Kelly estava indignada por ter seus pensamentos invadidos. Provável Sean sabia que ela gostava de manusear suas roupas. — Você lê meus... — sentiu-se insultada.
Gyrimias Leferi também os olhava de olhos arregalados. Era magrinho, franzino mesmo.
Sua aparência de nerd acentuava-se com o passar dos anos. Cabelos lisos, pretos, escorridos, e desalinhados, era tido como uma mente brilhante, dono de memória privilegiada e componente importante no quadro de funcionários da Computer Co..
— Parcelada todas as dores, como está se sentindo, Senhor Sean Queise? — perguntou ele.
— Bem, Gyrimias. Apesar de tudo, agora estou bem.
— Você viu os corpos, Senhor? — voltou Gyrimias a perguntar.
— Vi... Alguns... — Sean abaixou os olhos e se virou para a sócia. — Desculpe-me te deixar com esse problema nas mãos, Kelly. Sabe que tenho meus funcionários como a uma família, mas não posso ficar e resolver isso. Preciso ir a essa ‘trilha’ agora mais do que nunca.
— Acha que era atrás do Senhor que estavam?
— Por que diz isso, Gyrimias?
— A mídia desde manhã anuncia que houve um assalto a Computer Co.; que cinco pessoas morreram — respondeu Gyrimias.
— A mídia? A cada metro... — Sean olhou para Gyrimias e o café chegou. — Acha que tiveram tempo de rastrear nossas passagens para Barra do Garças?
— Não! Fiz como me ensinou Senhor, por despistador. Se bem que se entrarem no banco de dados do aeroporto, eles saberão sobre nós porque nossos nomes estão nas passagens.
— Vamos tomar o café. Ainda temos 40 minutos para o voo levantar, Gyrimias — e se virou para Kelly. — Por que me perguntou sobre o nuke, Kelly? — e Sean não previu mais nada. Kelly saltou da cadeira e se jogou nos seus braços, em meio à multidão do Aeroporto de Congonhas. Sean olhou sem graça para os lados, vendo Gyrimias Leferi com a opinião que a patroa tinha no mínimo algum distúrbio de dupla identidade; Sean também achava aquilo. — Kelly... Kelly... — ele a viu pelo canto dos olhos. — Meu pescoço...
— Oh... Desculpe-me Sean... Eu me descontrolo, e fico brava, e grito, e brigo sempre que você porque você se arrisca — e a voz dela era de uma mulher muito brava.
“Se arrisca...” “Se arrisca...” “Se arrisca...”; Sean até teve medo do perfume que se seguiu, de saber que ela, Sandy, estava por perto, que não havia alcançado a paz.
— O que é um nuke, Sean?
A voz dela o acordou e o café foi sorvido.
— Os endereços dos sites na rede obedecem a um protocolo chamado TCP/IP que permite que dois ou mais computadores, não importem a distância física entre eles, possam se comunicar. Se você rastrear e obtiver o endereço IP no qual o computador em questão entrou na rede, você pode jogá-lo num programa que vai sobrecarregar o envio e forçar a sua conexão cair. Cada método de ataque possui uma característica e geralmente são chamados de Nukes.
— Qual a graça de desconectar uma pessoa aleatoriamente na Internet?
— Aleatório? — riu sentando olhando Gyrimias que nada movia no rosto suado. — Nada é aleatório, Kelly. Não existem coincidências. Olham bem nos seus olhos e flood. Você cai!
Gyrimias sabia que estava na hora de dar um tempo. Levantou-se e foi embora para o local de embarque.
Kelly voltou a ativa no que ele se afastou.
— Eu perguntei sobre o nuke porque esse tal Sr. Antonio Buzzara, telefonou-me após não ter tido uma resposta ao e-mail dele. Eu disse que o Sr. Queise andava ocupado e ele cortou minha fala, e disse que o Sr. Queise deveria se distrair e viajar para umas férias ufológicas na Barra do Garças, no Mato Grosso, a fim de fazer trilha na Serra do Roncador se não quisesse sofrer um nuke outra vez.
“AB”; foi o que Sean pensou.
— Foi por isso que pediu a Gyrimias passagens, roupas e apetrechos às três da manhã, Sean?
— Como sabe que pedi? Ele lhe contou?
— Pare Sean! Como pode querer ter ‘férias ufológicas’ antes de ser convidado a ter ‘férias ufológicas’? — Kelly sabia mesmo que ele não responderia àquilo. — Vai se arriscar, não vai? E vai se arriscar porque sabia antes mesmo do telefonema, que ia precisar ir à Serra do Roncador. Como?
— Como é algo que deixei de me questionar a muito tempo, Kelly.
— Posso ir com você? — foi o que Kelly disse.
Sean acordou na última pergunta.
— Não!
— Por que não patrãozinho?
— Por favor, Kelly — girou os olhos. — Já falei que não gosto que me chame assim?
— Estou nervosa demais para perceber como lhe chamo; está bem?
E Sean balançou a cabeça desordenadamente.
— Desculpe-me... Sou eu que...
— Posso ir? — insistiu.
Sean perdeu a linha do pensamento.
— Não, Kelly!
— Por que não?
— Deus... Porque não.
— Sou geóloga formada. Posso ajudar numa...
— Não, Kelly!
— Tenho 37 anos Sean?
— Não! — exclamou mais forte ainda. — Droga Kelly! Precisa ficar me lembrando de sua idade sempre?
— Porque sempre sou deixada para trás!
— Nunca lhe deixei...
Mas Kelly sabia que ele lhe deixava, a afastava dele. E odiava ser deixada de lado na vida dele, na vida particular dele. Ela até servia para as loucuras e erros que ele cometia ao perseguir a Poliu, mas nunca era levada até elas, às loucuras, por causa da sua idade, da diferença de idade.
— Eu te amo Sean...
Os olhos dele se arregalaram.
— Eu sei...
— Não era o que eu queria ter ouvido.
— Não era o que eu queria ter dito.
— Então me diga. Diga que me ama.
— Não faça isso Kelly. Sabe que não posso.
E Kelly se levantou.
E voltou a se sentar.
— Posso perguntar por que vai levar Gyrimias Leferi?
— Porque preciso fazer ‘lição de casa’ — riu cínico levantando-se, pagando a conta, e se dirigindo ao local de embarque sem que Kelly ficasse satisfeita com tudo aquilo. Sean aliviou a tensão para com ela. — Desculpe a mim, Kelly querida; estou nervoso também.
Do ‘querida’, Kelly gostou. Andavam juntos pelos amplos saguões.
Kelly teve vontade de pegar-lhe na mão. O fez. Sean arregalou os olhos azuis para Gyrimias que teve a impressão de vê-los chegando de mãos dadas.
Sean largou-se dela que sentiu um rombo no estômago. Provável no coração.
— Quantos funcionários da Computer Co. morreram?
— Cinco!
— Deus... Sr. Abreu, como está?
— Está vivo!
— E as famílias? — Sean fez o check-in.
— Mandei Renata contatar o Rh e o jurídico...
— Por favor, Kelly. Diga a minha família que está tudo bem e que eu já tinha ido viajar quando... quando assaltaram a Computer Co.. Não quero minha mãe buscando a ajuda de Oscar, entendeu? Isso mataria meu pai de desgosto.
— O Sr. Roldman vai atrás de você e você sabe...
— Não vai se não souber que eu estava no tiroteio, entendeu Kelly? E ele não pode saber, porque já sabe que eu estive em outro.
— “Outro”?! — gritou tampando a boca com a mão no que Sean a fuzilou. — Oh! Patrãozinho? O que houve?
— Alcântara está morto.
— Fala do aviador? Mas... Mas... Você salvou a vida do filho dele ano passado, não?
— Por favor, Kelly. Não faça mais perguntas. Estou mais que atordoado.
— Houve algo maior?
— Os homens que atiraram na Computer Co. eram homens de terno preto.
— Homens da Poliu?
— Não sei. Pode ser um racha dentro da corporação de inteligência ou algo diferente, muito diferente. Sei que alguns agentes andam, digamos, desgostando da maneira como Trevellis vem tratando o problema com...
— “Problema com”?
— Com provas de crocodilos humanoides na Terra, na Terra Oca.
— Terra o quê?
— Prometa-me que não vai contar isso a ninguém. Não posso deixar Oscar saber que usei o SiD para investigar a Poliu, está bem?
— Mas... — Kelly abaixou os ombros. — Está bem.
— Ótimo! — olhou para o lado indeciso entregando uma sacola com um pacote dentro. — Preciso que dê isso a Oscar — Sean entregou a sacola e Kelly viu que havia uma arma grande dentro do pacote.
— Que arma diferente — apontou.
— Se chama Tyron. É uma arma de trava por biometria. Só quem tem as digitais gravadas no microcircuito pode acioná-la — Sean viu Kelly voltar a olhar a sacola. — Sim, Kelly. Eu a acionei ontem — Sean viu que Kelly arregalava os olhos. — Sim Kelly... Eu não tinha as minhas digitais gravadas.
Kelly teve medo do que mais ele leu em seus pensamentos.
— Sean...
— Não posso falar sobre isso agora, mas preciso que leve isso a Oscar. Ou que pelo menos o avise que está em posse dela. A arma pertencia à biometria de Alcântara e dispara um projétil juntamente com uma luz enegrecida, talvez seja laser, não sei, mas ela encontra o alvo.
— Como assim ‘ela encontra o alvo’?
— Não sei, não sei. Juro! Mas acho que usando a força do pensamento. Você atira a esmo e ele encontra o alvo porque usa forças paranormais para isso.
— Mas o tal Alcântara tinha poderes paranormais?
— Não.
— Então por que uma arma controlada pela mente se...
— Por favor, Kelly. Agora não dá para responder isso. Mesmo porque quando investiguei sobre essa arma ano passado, não tive acesso a essa luz enegrecida, e não sei que modificações Trevellis andou fazendo na Tyron — e Sean respirou bufando.
— Minha Nossa Sean... Por que eu acho que tem algo muito maior, atrás de tudo isso?
— Porque você me conhece, porque sabe que estou preocupado e eu estou mesmo preocupado Kelly, preocupado em achar que essa arma Tyron estava lá para eu usá-la. De alguma forma a arma estava lá por minha causa.
— Sua causa? Está dizendo que o tal Alcântara levou a arma para você usar? — Kelly olhava Sean lhe olhando. — Mas se for isso, então ele sabia que você corria perigo?
— Não sei... Juro!
— Por que essa arma Tyron é importante?
— Porque é por causa dela que Alcântara Jr. sumiu outra vez. Armas íntimas...
— Minha Nossa Sean... — e outra vez a frase ficou não ar; Kelly arregalou os olhos e não disse mais nada.
Não ia entender as explicações mesmo.
— Não sei se vamos conseguir nos comunicar, mas aguarde mensagens minhas através das listas de e-mails de ufologia — Sean esperou Kelly ficar brava. — Não participo mais, Kelly, se vai me perguntar. Só vou acessá-las, está bem? Use o nickname ‘Espanhola’. E tome cuidado Kelly.
— Tome cuidado, você... — e o beijou fogosamente na boca.
Gyrimias tossiu sem graça e quis sumir dali se soubesse fazê-lo. Sean esperou ela sorrir-lhe e ir embora. Pegou o celular e trocou o chip e gerou um Wi-Fi para conectar o tablet, acessando a rede para não ser interceptado, e baixando um único e-mail da sua caixa de entrada onde e-mails da Lista de Ufologia eram baixados.
Mas não era o que esperava, havia um e-mail de um ufólogo de nickname “JY”, lá.
Sean arquivou o e-mail e seguiu viagem sem mais pensar naquilo.
Aeroporto de Barra do Garças; Mato Grosso.
15° 51’ 39” S e 52° 23’ 22” W.
22 de janeiro; 11h44min.
O avião aterrissou no Aeroporto de Barra do Garças sem mais problemas e na hora estipulada. O voo havia sido tranquilo e Sean agradeceu; odiava aviões. Um homem de proeminente barriga e por volta de cinquenta anos, vestindo bermuda colorida e chapéu de tecido escuro, encaminhou-se para os dois quando ainda retiravam as malas da esteira.
— Sr. Queise?
Sean olhou para os lados de sobreaviso.
— Nos conhecemos?
— Não! O reconheci de fotos nos jornais.
Sean olhou para Gyrimias de lado.
— “Fotos”?
— Sim. É um homem público, principalmente depois que a informação sobre suposta construção de um satélite de observação espião vem se espalhando pelo mundo acadêmico.
Sean que percebeu não saber onde pisava.
— Conhece o satélite de observação Spartacus?
— No meio acadêmico, dizem que o satélite vai além de suas possibilidades. Spartacus foi exibido com certas reservas, se me entende?
— “Reservas”? — Sean ergueu o sobrolho. — Não sei do que está falando Senhor...
— Meu nome é Álvaro — esticou uma mão gorda e suada. —, Professor Álvaro Buzzara.
“AB” Sean se lembrou.
— Sou arqueólogo e professor de História da arte na Universidade de Cuiabá.
— Compreendo! Esse é meu funcionário Gyrimias Leferi; ele é meu cientista da computação chefe. Eu o trouxe porque preciso terminar um projeto e o tempo me é curto.
— Eu sinto muito, Sr. Queise, mas a trilha está lotada.
— “Trilha”? Desculpe-me... Não sei ao certo o que vim fazer aqui.
Álvaro olhava para os lados o tempo todo percebendo alguém, o que o fez puxar os dois pelo braço.
— Vamos embora para o hotel. É um pouco longe. Lá discutiremos quem vai, quem fica, e por quê.
— Não vou a lugar algum — Sean soltou seu braço das mãos do arqueólogo.
— Vai sim Sr. Queise, e vai porque já percebeu que eles não estão para brincadeira.
— Eles?
— Ou acredita que foi assaltado ontem por homens de armas íntimas?
“Armas íntimas?”, agora Sean sentiu o coração disparar.
— Poliu! — disse Gyrimias como que para si mesmo.
Sean seguiu o olhar de Gyrimias e seus olhos deram de encontro com um par de olhos escondidos atrás de óculos de grossas lentes espelhadas, cabelos avermelhados e encaracolados, na casa dos quarenta anos, usando terno escuro e arma visivelmente pouco escondida; provável travada por biometria.
“Vincenzo Bertti”, Sean lembrou-se do ruivo agente da Poliu.
— Os táxis ficam na ala oeste do estacionamento. Por favor, Sr. Queise, sejamos breve — insistiu Álvaro Buzzara.
— O nuke? — ainda perguntou.
Álvaro pareceu não querer falar.
— Depois falamos nisso Sr. Queise! — disse chamando um táxi e dando logo o endereço. — City Palace Hotel, por favor.
Sean sentiu um ácido enegrecido subir à sua boca; odiava a Poliu, a todos eles.
City Palace Hotel, Barra do Garças; Mato Grosso.
15° 53’ 24” S e 52° 15’ 24” W.
22 de janeiro; 13h30min.
Já era hora do almoço e Sean Queise e Gyrimias Leferi foram levados ao salão do restaurante do hotel, no centro de Barra do Garças, e que se encontrava lotado. Sean ficou sem saber se toda aquela lotação fazia parte da tal trilha, porque Álvaro os deixou lá, numa mesa reservada, para então voltar até a recepção e fechar as contas dos outros hóspedes. Sean preferiu mesmo não o seguir nem comer algo, uma azia o corroía por dentro.
— Quem são eles, Senhor Sean Queise?
— Me chame de Sean, Gyrimias. Não estamos a trabalho apesar do que eu disse.
— Achei que...
— Achou errado.
— Por que me trouxe então?
— Porque precisava de alguém que lidasse com esse programa... — bateu no tablet. — Caso... Sei lá...
— Caso lhe acontecesse algo?
— Sim — observava o salão cheio.
— Parcelado todos meus medos, Senhor Sean Queise, os do Senhor também... Aquele homem de terno preto no aeroporto era o Senhor Vincenzo Bertti?
— Sim. Eu também o reconheci do enterro de Sandy.
— Ele é um grandão na Poliu, não é?
— Sim, Bertti é considerado um agente promissor dentro da Poliu. Alto QI, assistente direto de Trevellis na Itália desde o ano 2000.
— Mr. Trevellis? O chefe da Poliu? — Gyrimias sobressaltou-se. — E ele vai ser o próximo chefe?
— Não! Bertti não pode assumir a Poliu porque só aristocratas e gente de muito dinheiro podem estar no comando.
— Parcelado seu conhecimento sobre a Poliu, Senhor. Bem, tenho que perguntar o porquê do Senhor Vincenzo Bertti estar aqui no Brasil? Sozinho? Atrás da gente?
— Porque algo maior ainda está acontecendo ou aconteceu. E acredite Gyrimias, Vincenzo Bertti nunca trabalha sozinho — olhou para ele. — Desculpe-me Gyrimias, não posso falar do que também não entendo. Vamos comer... — mudou de ideia chamando o garçom ao perceber uma moça loira, jovem e bonita na mesa ao lado, que não tirava os olhos dele. — Vamos comer Gyrimias, porque não tenho a mínima ideia em que trilha ou missão vamos nos meter.
As refeições de todos no salão foram servidas. Sean e Gyrimias terminaram e se levantaram, encontrando já alguns homens e mulheres com malas na porta do hotel. Lá havia dois ônibus parados na frente do hotel. Tinham um logotipo estampado, uma espécie de gruta iluminada e as palavras ‘Contatos com a natureza!’, embaixo.
A mala de Sean Queise e a de um Senhor de idade já bem avançada foram às últimas a serem guardadas; as malas e alguns apetrechos seguiriam no segundo ônibus. Já o primeiro ônibus levaria os integrantes do que o arqueólogo e professor Álvaro chamou de ‘trilha’. Eram ônibus confortáveis, com poltronas-camas, e com dois andares tinha TV e uma pequena copa.
Sean percebeu que Álvaro conversava o tempo todo com outro homem que tinha cabelos mais grisalhos e uma barriga mais proeminente que a dele; um homem a quem não lhes fora apresentado quando sentiu todo seu corpo amolecer e uma voz lhe falar baixinho. Sean olhou cada um dos componentes ali. Jurava que um deles conversava mentalmente com ele.
Na duvida, não insistiu em uma aproximação com nenhum deles; não ainda.
— Buonesera a todos! — falou a bela e ruiva guia, num nada disfarçado sotaque italiano que fez Sean erguer os olhos do chão e observá-la. — Il sou a guia di empresa ‘Contatos com a natureza!’ — era alta, próximo dos 27 anos, dona de curvas generosas, não podendo ser classificada como magra; mesmo porque suas coxas eram para lá de avantajadas. Seu cabelo mais para um loiro-avermelhado que propriamente vermelho, estava preso num rabo-de-cavalo adornado com um enfeite igual ao logotipo da empresa, fazendo os olhos verdes e a pele branca sobressaírem. Uma estranha sensação tomou conta de Sean Queise, ele não soube por quê. — Il mio nome è Ambrósia Lambrusco — toda sorriso, era uma bela e ruiva guia italiana, que mordia o lado esquerdo do lábio ao ver Sean lhe observando. — Spero che il mio sotaque italiano non atrapalhe chem non domina o italiano, va bene? — falou charmosamente olhando a todos, depositando seu último e longo olhar em Sean, que o percebeu. — Il programma da trilha se encontra nos prospectos che distribuirà… — Ambrósia distribuiu os prospectos. — Durante esses cinque dias… — mostrou os cinco dedos da mão. —, espero contar com a contribuição di cada uno de tu, perché a trilha non se torne pericolose, perigosa — Ambrósia traduziu. — Obedecendo às norme di empresa, às norme di bonna conduta e non arriscando nem tu vita nem a di seus compagni — todos se olharam. — Tutto leram nos jornais... — e Ambrósia deu uma pausa quando todos se viraram para olhar Sean Queise que se sentiu incomodado. —, che o tempo non estará molto propício per atividades ao ar livre.
Sean percebeu que não foi só a condição do tempo que muitos leram nos jornais, o assalto à Computer Co. invadiu jornais e sites de notícias desencontradas. Olhou um e outro e acabou por olhá-la; a guia Ambrósia Lambrusco era charmosa, com um sotaque delicioso, mas que provocava um incomodo que começava a trazer-lhe de volta aquela acidez.
Ele não sabia o que era aquilo, só que seus poderes paranormais outrora adormecidos durante sua infância estavam à tona naquele momento, o avisando.
— Un problema, Signore? — Ambrósia olhou Sean distante.
— Ãh? Não... — Sean sorriu o mais cínico que conseguiu para a guia.
Ambrosia sorriu de volta.
— La trilha deve ser completada in duo dia… — fez um sinal de ‘dois’ nos dedos. —, e se tutto sono d’accordo non enfrentaremos dias ruins — Ambrósia olhou para todos. — Alguma dúvida per agora?
— Não nos foi falado nada sobre rapel. Tenho 81 anos — falou um homem idoso, com sotaque chileno.
— Comprendere Signore...
— Doutor Lucio Ataliba!
— Comprendere Douttore Lucio Ataliba, o rapel faz parte, mas por causa di tua idade, cercare di trovare le tracce — todos a olharam e ela se pôs a traduzir. — Scusa! Visto sua idade tentaremos encontrar trilhas suplentes che possa fazer, se non quiser descer utilizzando técnicas di rapel.
— Scusa Ambrósia Lambrusco?
Ambrósia se virou para quem falava com ela também em italiano.
— Per favore, quando dirigirem a parla, a palavra a me, se apresentem — sorriu Ambrósia.
— Mio nome è Miss Ãnkanna, sono paleontóloga — foi logo falando uma mulher que apesar de falar italiano, tinha fortes traços turcos, corpulenta, de grandes e coloridos colares. Seu cabelo percebidamente clareados por tinta era maior que sua cabeça permitia, e a maquiagem era tão exagerada, que se levava um tempo até localizar seus olhos azuis e apertados. Sua testa era proeminente, de pessoas inteligentes, com lábios que se apertavam vez ou outra. Ambrósia ficou esperando ela terminar os trejeitos afetados e continuar a perguntar. — Abbiamo per campeggio in barraca o rimorchi sono lì? — olhou todos esperando a tradução dela também. — Oh! Scusa! Teremos che acampar em barracas ou teremos trailers lá?
— Va bene! O prospetto dice, Miss Ãnkanna, cosa vamos atravessar montagna, trilha ardilosa, grotte e rios. Non posso immaginare trailers nos acompanhando — falou rapidamente, por entre um sorriso maravilhoso e uma mordedura no lado esquerdo do lábio.
Sean adorou sua resposta prática.
— Genau dort, wo unsere Reise beginnt? — falou uma mulher de longos cabelos negros, se comportando e vestindo-se como uma adolescente que já não era há muito tempo, mexendo num GPS. A mulher olhou para todos, e sorriu. — Oh! Entschuldigung! — desculpou-se. — Onde exatamente começa nossa viagem? — traduziu a alemã de cabeça bem equilibrada no pescoço de cisne, de nariz de corte delicado e queixo resoluto, e que trocaram toda sua atenção do GPS para o corpo de Sean Queise, que desviou olhar irmão. — Ah! Meu nome é Heidi Zuckeuner, casada com Schiller Zuckeuner — apontou meio a esmo para um homem magro, de cabelos negros que começam a rarear dentro do boné de tecido que usava, ao lado dela.
— Molto piacere Signor e Signora Zuckeuner.
— Das Vergnügen ist ganz meinerseits! — Schiller ergueu a mão e cumprimentou a todos num sorriso tímido, que mostrou rugas no canto da boca e também um cansaço nos olhos que de tão próximos e negros, encurtavam sua face. — O prazer é todo meu! — traduziu Schiller.
— Va bene! Va bene! Io vou tentar o máximo parlare português para a gente non precise parlare in outra língua — sorriu Ambrósia encantadora. — A Serra do Roncador inizia qui na Comune de Barra do Garças e se estende até a Serra do Cachimbo in Pará.
— Pode informar meu GPS? Danka! — Heidi voltou a atrapalhar Ambrósia falando num forte sotaque alemão, só para voltar chamar atenção de Sean que parecia ser seu foco de interesse.
Sean prestou atenção em tudo, nelas também. E sentiu logo de cara algo errado com Ambrósia, com Heidi, provável com todos ali.
— Va bene! — Ambrósia sorriu pegando das mãos de Heidi querendo poder ter deixado ela ali. Entregou o GPS a um dos motoristas do ônibus que digitou algo, no que leu as informações no GPS do ônibus. — La nostra trilha vai se restringir às adjacências das terras dos índios Xavantes, e das quais non podemos ultrapassar — a guia completou.
O motorista devolveu o GPS para Ambrósia que o devolveu para Heidi.
— Licença! — falou o pequeno asiático. — E se precisarmos passar pela aldeia? Vamos ser trucidados? — olhou um e outro. — Meu nome é Pii Tii! — completou um homem pequeno.
E Pii era pequeno, mas com notável tendência a obesidade no rosto onde recolocou os óculos de Sol que demoraram a se acomodar. Sua pele era brilhante de tantos cremes e afetamentos.
— Signor Pii Tii, a região di Serra do Roncador foi explorada a partir di 1938, quando o então Presidente da República Getúlio Vargas, criou a Bandeira Piratininga, com o objetivo di conquistar il Roncador e il Rio das Mortes, cosa recebera io nome em 1682, quando a comitiva di Bandeirante António Pires di Campos fora trucidada pelos índios Acarajás e Araés. Os Xavantes non vão trucidar o Signor; promessa.
Sean voltou a adorar sua maneira de lidar com eles; eles quem ele não sabia quem.
— Sumimassen! — desculpou-se Pii. — Não foi a resposta que eu esperava.
— Non?
— Lie! — disse ‘Não!’. — E você sabe bem disso — e Pii entrou no ônibus.
Ambrósia pareceu ficar momentaneamente sem ação. Arrumou o cabelo loiro-avermelhado preso no rabo-de-cavalo e ia continuar quando um jovem de sotaque inglês americano a interrompeu.
— Well... Espero que tenhamos tempo para que eu possa praticar botânica na região — emendou o jovem de sotaque inglês, transbordando repulsão pelos poros. — Ou eu não teria vindo — sorriu cínico.
— Signor Michel Shipton — Ambrósia o reconheceu. —, fui avisada della sua vinda ao Brasile — e Ambrósia parecia estar o detalhando; homem aparentando trinta anos, belo, usando calça de tecido inglês, levemente quadriculada e acentuada nádegas.
— Well...
Sean girou os olhos vendo somente um homem usando camisa social quente para a região, músculos bem resolvidos mostrando que fora um atleta a não muito tempo, e dentes brancos, que sorriram mais que o necessário para Ambrósia, que viu Sean girando debochadamente os olhos novamente.
— Sì! Esteja certo cosa a Serra do Roncador sta cheia di grotte e caverne com inscrições pré-históricas, com grandi galerias com estalactites, estalagmites e lagos subterrâneos di acqua calcária azul profunda — balançava os braços como toda boa italiana os balançaria.
— Well...
E Sean já estava se cansando daquilo.
— Acredito che amplas espécies di plantas che nos fará dedicar três dias exclusivos a sua botânica... — Ambrósia pegou sua mochila do chão com os três dedos esticados. —, perché una dessas grotte, perto di Rio das Mortes, está entre os paralelos 14º e 15º — e Ambrósia olhou profundamente para Sean que não entendeu aquele olhar.
Todos entraram no ônibus da frente, a maioria preferindo o andar de baixo, e partindo sem mais nada perguntarem.
Barra do Garças; Mato Grosso.
15° 52’ 20” S e 52° 24’ 22” W.
22 de janeiro; 17h00min.
Todos adormeciam e Sean aproveitou a chance para falar a sós com Gyrimias que dormia. Naquele andar do ônibus dez poltronas, naquele andar apenas Sean, Gyrimias, a bela e jovem loira do restaurante que voltava a observá-lo, o homem que viajava com ela, e o idoso doutor chileno ao lado do pequeno japonês nervoso.
— Gyrimias... — sussurrou vendo que Gyrimias abria metade dos olhos. — Shiu! Não fale nada! — o funcionário nada falou. — Veja essas fotos... — e Sean entregou algumas fotos arrancadas às pressas da parede de cortiça do quarto de Alcântara.
Gyrimias viu imagens de algo que lhe parecia ser indiano, indianos azuis voando em carruagens de fogo em meio ao lançamento de muitas flechas. Também noutras fotos, viu um sítio arqueológico, onde alguns homens estavam cavando o que lhe parecia ser um cemitério; nele, muitos corpos calcinados.
— O que é isso Senhor? — apontou o cemitério no sítio arqueológico.
— Um míssil nuclear destruiu Mohenjo-Daro, no Paquistão.
— “Mohenjo-Daro”? Fala da cidade de...
— Sim. Mohenjo-Daro, ‘O Monte dos Mortos’, a maior civilização da Índia arcaica, dita exterminada por uma inundação. Mas isso não explica a calcificação dos corpos lá encontrados — apontou para as fotos.
— Já disseram ter sido um meteoro Senhor, que a cidade teve tempo de ser evacuada... — e Gyrimias parou. — O Senhor disse míssil nuclear?
— Em 1978, David Davenport releu clássicos como o Ramayana, que é o mais extenso escrito com mais de mil estrofes, e que integrado ao confuso Mahabharata, ‘Grande Índia’ em sânscrito, formam o grande escrito Épico Hindu recheado de relatos de guerras e aventuras em épocas míticas, ditado por Krishna-Dwaipayana Vyasa, o compilador. Sua versão completa, incluindo o Bhagavad Gita, que data do século VIII a.C. e faz menção a artefatos bélicos — e parou para respirar.
— Artefatos bélicos no século VIII a.C.? — e Gyrimias voltou a olhar as fotos. — O Mahabharata é o texto sagrado de maior importância no hinduísmo, e pode ser considerado um verdadeiro manual de psicologia-evolutiva de um ser humano.
— Mais que isso Gyrimias... “Bhima voou com sua vimana num raio imenso, que tinha o clarão do Sol e cujo ruído era como o trovejar de um temporal”; ou “O valoroso Aswatthaman, resoluto, tocou a água e invocou o braço de Agneya, e apontando para seus inimigos, disparou uma coluna explosiva que se abriram em todas as direções e causou fogo como luz sem fumaça, seguido de uma chuva de faíscas que cercaram o exército dos Partha completamente” — Sean olhou Gyrimias lhe olhando. — “Os quatro pontos cardeais se cobriram de cinzas, e um vento violento e mal começou a soprar. O Sol parecia girar ao contrário, e o Universo ficou febril. Então os elefantes, aterrorizados, correram por suas vidas. A água ferveu e os animais aquáticos demonstraram intenso sofrimento” — Sean viu os olhos arregalados e vidrados do funcionário. — Os textos hindus, Gyrimias, não cansam de mencionar os mais variados tipos de artefatos voadores. O termo sânscrito Vimana, por exemplo, significa ‘ave artificial habitada’. Os manuscritos de época as descrevem como máquinas voadoras cujo interior não é nem demasiado quente, nem demasiado frio, moderado em qualquer estação do ano, e sendo em quatro tipos; Rukma Vimana, Shakuna Vimana, Sundara Vimana e Tripura Vimana — Sean parou e ficou olhando os componentes do segundo andar do ônibus dormindo bancos à frente enquanto Gyrimias voltava a olhar as imagens das Vimanas nas fotos. — Naves voadoras, Gyrimias!
— Naves Senhor? UFOs?
Sean sorriu com o canto da boca e prosseguiu:
— Davenport e Ettore encontraram no Ramayana passagens intrigantes, como o 81 do Uttara Kanda, que relata a saga dos habitantes da Cidade de Lanka, ou ilha, assim chamada porque se encontrava isolada pelas águas do Rio Indo.
— Os estudiosos concluíram, após longas pesquisas, que Lanka corresponderia a localização de Mohenjo-Daro, centro da arcaica civilização hindu de Harappa, composta de sete cidades — Gyrimias usou todo sua memória. —, das quais Mohenjo-Daro seria a capital que floresceu até extinguir-se subitamente por volta de 2000 a.C.
— Exato Gyrimias! — voltou a vigiar todos dormindo. — E mais, certo dia sua população recebeu um aviso de abandonar a cidade, porque iria acontecer uma grande calamidade, o que nos faz lembrar Sodoma e Gomorra, da Bíblia. E mais, o Império Rama existiu há pelo menos 15.000 anos no norte da Índia. Aparentemente, existiu paralelo à civilização atlante, que pelos cálculos de Platão deve ter sido destruída há 12.000 anos, submersa nas águas de um Dilúvio.
— Senhor... — e Gyrimias não sabia o que falar.
— Armas como a ‘Flecha Inteligente’ que ia aonde se queria que fosse, como nossos mísseis teleguiados, como luzes enegrecidas que saem de armas íntimas — Sean voltou a olhar para cada um dos componentes do ônibus. — Ou ainda armas como a Narayana onde os guerreiros ‘retiraram suas armaduras e os lavaram na água’ após intensa radiação — Sean não deixou Gyrimias se quer respirar. — Antigamente tudo isto poderia soar como metáforas, alegorias como diria Mircea Eliade, mas não na nossa era nuclear, que nos faz lembrar-se de Hiroshima e Nagasaki — Sean voltou a olhar os componentes dormindo. — E há inúmeras descrições que nos remetem a alta tecnologia, como o glossário de armas do Mahabharata compilado pelo ilustre sânscrita Hari Prasad Shastri, que menciona uma arma chamada Kamaruchi. E ainda o Murchchdhana, uma arma que suspendia os sentidos humanos, um possível gás sonífero, ou ainda o Nadana, que produzia alegria como o gás hilariante, ou o Shabdavetiva, outra flecha, que desta vez seguia os sons e perseguia objetos ocultos, como os mísseis atuais que seguem ondas sonoras produzidas por aviões inimigos — olhou Gyrimias, olhou o ônibus e viu que Ambrósia havia subido ao segundo andar e se sentava bancos à frente os observando.
Sean teve medo daquela observação toda.
— Parcelado o que penso Senhor, a que realidades apontam essas descrições? Poderiam ter existido realmente esses dispositivos?
— Não entendeu nada Gyrimias? — falou próximo. — Armas tão sofisticada e de poder tão destrutivos, que só alcançaríamos milênios depois de muito estudo. Armas Gyrimias, armas íntimas — e se levantou encarando Ambrósia na frente do ônibus para então voltar para bem próximo do funcionário. — E Alcântara foi morto por homens de terno preto, usando essas armas íntimas Gyrimias — e Sean se foi, passando por Ambrósia Lambrusco que nada falou.
Acampamento ‘Contatos com a natureza!’; Serra do Roncador.
15.67° 52’ 24” S e 54.99° 16’ 24” W.
22 de janeiro; 20h00min.
Depois de horas de estradas esburacadas, paradas nada aconchegantes e a promessa de uma tempestade que escureceu o dia, os dezesseis componentes chegaram num pequeno bosque iluminado por lampiões a gás.
Os ônibus foram embora e onze barracas haviam sido montadas.
Havia uma grande barraca localizada pouco atrás da entrada, reservada à cozinha, onde uma enorme mesa de alimentação estava colocada no canto direito do acampamento. Havia também quatro banheiros químicos espaçosos e completos, e o alojamento para os três cozinheiros da trilha, Romeu, Paulo e o garoto Leandro ficarem.
— Per favore, tutto! — Ambrósia falou alto. — Como alguns chegaram depois che minha lista fora entregue, queria organizar migliori as tendoni, as barracas.
— Well... Eu contei onze barracas e somos dezesseis pessoas. Isso quer dizer que vou ter que dormir com alguém? — se adiantou o botânico inglês.
— Signor Michel Shipton — Ambrósia arrumou os cabelos loiro-avermelhados que começavam a cair do rabo-de-cavalo, enrolando-os nos dedos. — Comprendere... Alguns de tu chegaram depois, então...
— Me recuso terminantemente and ‘the end’! — saiu Michel.
— Scusa! Também me recuso! — Miss Ãnkanna saiu da barraca grande.
— E eu também, Srta. Desorganização! Oyassumi nassa! — deu Pii Tii um ‘Boa noite!’ tão ríspido que deixou Ambrósia sem ação.
— Dio mio! Serei então ‘Signorita Organização’ e organizar tutto tu — sorriu sem graça para os outros doze que riram; Ambrósia olhou em volta. — Nas oito tendoni restantes... — Ambrósia olhou para alguns nomes rabiscados a caneta. — Quero dizer, nas oito barracas restantes...
— Eu fico com meu amigo, Rogério Plavuska — se adiantou Álvaro.
“RP” foi só o que Sean pensou ao ouvir o nome do homem com semblante assustado, olhando incessante para os lados, até Álvaro o tocar no braço. Era como se Rogério tivesse entendido o código e parado de olhar o entorno.
— Grazie Signor Álvaro Buzzara. Fique com a tendoni número quattro. Serão responsáveis por ela quando desmontá-la domani, amanhã, e remontá-la mais adiante — Ambrósia olhou para Sean e percebeu que ele a observava. Ela se inclinou incomodada para o papel e anotou algo, enquanto Sean prosseguia olhando-a com interesse. — A tendoni número cinque ficará com o Signor Ralph Kinchër e sua filha, Signorita Deborah Kinchër — anotava.
Sean se virou para ouvir o nome da moça loira e jovem que o observara tão atentamente no salão do restaurante.
Deborah era mignon, de olhos grandes e azuis parecendo mesmo que ia explodir das órbitas oculares, o que lhe dava um aspecto exótico e delicado ao mesmo tempo. Mas algo nela também estava errado. Sean não sabia onde. Depois pensou se não se achava cansado, com seu feeling afetado.
— Danke! — foi o pai dela, que agradeceu em alemão. — Gute nacht fur alle! Boa noite para todos! — se despediu Ralph sendo seguido pela filha até então calada.
— No voltará para mangiare, Signore? — Ambrósia o chamou.
— Nein! Danke Fräulen Lambrusco! Creio que estou indisposto para comer — e Ralph olhou para a filha que desde a chegada não levantara o olhar do chão.
— Va bene! — e Ambrósia voltou a anotar. — O casal, Signor Schiller e Signora Heidi Zuckeuner ficarão na tendoni de número seis — olhou para o outro lado.
— Danke Fräulen Lambrusco. Barraca número seis — sorriu gentil Schiller Zuckeuner no mesmo confuso português/alemão usado pela esposa Heidi de manhã. — Gute Nacht fur alle! Boa noite para todos!
O casal alemão foi embora contra a vontade da esposa Heidi que não tirava os olhos de Sean, deixando o marido Schiller um tanto sem graça.
— A tendoni de número sette ficará então com o Douttore Lucio Ataliba e os medicamentos, e a tendoni de número otto com o Signor Pierre Lemarc e o Signor Kabir Kamadeva.
“Pierre Lemarc?” “Kabir, o sábio?”; Sean quase saltou do chão ao ouvir aqueles nomes. Naquele instante percebeu que a trilha começava aos poucos a eliminar as coincidências aos que nela se envolviam.
— Signor Sean Queise? Salve Signor Sean Queise? — Ambrósia o chamava sem êxito.
— Ãh? — Sean olhou para Ambrósia que fazia uma cara de espera. — Desculpe-me... — viu Pierre e Kabir se afastando da barraca grande e olhou-a. —, me distrai — e voltou a olhá-los.
— Se va con qualcuno? — Ambrósia apontou para Gyrimias Leferi e outro homem ali parado.
— Se me importo em ficar com alguém? Ãh?! Ah! Posso ficar com... — e Sean voltou a parar de falar.
E Ambrósia o viu olhando o Dr. Lucio, Pierre e Kabir, que se distanciavam cada vez mais.
— Signor Sean Queise? È che sobraram três tendonis para nós quattro... — fez um movimento de mãos em sentido de vai-e-vem que fez Sean piscar. — Con la confusione só temos três tendonis, mas nenhuma outra Donna para dividir com me... Ele ascoltare? — perguntou para Gyrimias que via Sean indo embora.
— Parcelado, acho que o Senhor Sean Queise não a escutou, Senhorita Ambrósia Lambrusco — Gyrimias foi solícito.
— Então facciamo assim. Tu, Signor Gyrimias Leferi fica com o Signor Edegar Cascco na tendoni de número nove — ela viu os dois se olharem. — Va bene?
— Sim, sem problemas — responderam em uníssono, Edegar num sonoro “Si!” no mesmo sotaque espanhol/chileno que o Dr. Lucio.
— A tendoni de número dez fica comigo e Signor Sean Queise fica com a última tendoni — Ambrósia olhou para Sean já distante. — Mette in guardia?
— Se eu o aviso? Sim! Barraca número onze! — e Gyrimias o seguiu.
Acampamento ‘Contatos com a natureza!’; Serra do Roncador.
22 de janeiro; 21h52min.
Após incessantes filas nas portas dos banheiros, todos conseguiram se reunir, limpos, para o jantar. Não compareceram Ralph Kinchër, Kabir Kamadeva, nem o Dr. Lucio Ataliba. Os três alegaram cansaço físico extremo. Sean também ficou a pensar porque três homens de idade tão avançada se embrenhariam pela mata.
— Comban’ua Sean Queise! Boa noite Sean Queise! — aproximou-se Pii Tii. — Radimemachite, doozo yorochiku! Muito prazer em conhecê-lo! — traduziu depois.
— Boa noite, Pii Tii — bocejou. — O prazer é todo meu... — voltou a bocejar.
— Está sendo drenado.
Sean só escorregou um olhar a ele.
— Como disse?
— Não parece mesmo saber o que faz aqui.
— Acho que não... — tentou Sean entender, mas o pequenino asiático Pii o deixou falando sozinho.
Gyrimias Leferi aproximou-se e logo foi falando.
— Tudo bem Senhor?
— Não. Parece que estou sendo drenado.
— Como é que é?
— Também gostaria de saber Gyrimias — Sean achou graça.
— Quem disse isso? Ele? — Gyrimias apontou para Pii. — Dizem que ele é meio doido, um místico, coisa assim. Um desses espiritualistas que veem nos cometas, o fim do mundo, Senhor.
— Quem disse isso? — foi a vez dele.
— Ouvi no banheiro. Dizem que ele é uma figura difícil no meio acadêmico do Japão. Respeitado por uns, desacreditado por outros.
— Desacreditado como?
— Não sei. Dizem que ele costuma falar sozinho... — Gyrimias fez uma careta com os lábios. — Viu como ele tratou a Senhorita Lambrusco?
— Eles não parecem ter muita química — Sean gostou de ver Gyrimias rir, mas já arrependido de ter arrastado o funcionário até ali. — Sua ‘tendoni’ é confortável, Gyrimias?
Ele voltou a rir.
— Parcelado tudo, não se preocupe Senhor Sean Queise. Meu companheiro de barraca já me preparou psicologicamente para os roncos, apneias e gazes que ocorrem enquanto ele dorme.
Sean voltou a rir preparando o prato e se dirigindo à grande mesa de refeições.
— Se vai sentir-se incomodado, venha dormir na minha barraca, Gyrimias. Tem dois quartos separados por uma parede dupla. Se é que podemos chamar uma parede de náilon fechada por zíper de parede — riram ambos outra vez.
Sean e Gyrimias sentaram-se à mesa ao lado de Rogério e Álvaro, que começou a ficar visivelmente incomodados com a presença deles.
— Boa noite Sr. Queise! — foi logo falando Álvaro ao abafar o fato.
— Boa noite, Professor Álvaro! — Sean olhou para os lados, viu que a bela e jovem Kinchër o observava, viu também que ela só levantava os olhos do chão longe da figura paterna.
Sean sorriu para ela e cumprimentou-a com um aceno de cabeça. Ela sorriu tímida fazendo uma mesura. Achou-a encantadora, apesar de ainda sentir algo errado com ela, nela, nele próprio; talvez por estar sendo drenado.
“Droga!” foi o que pensou.
Depois foi a vez de ver que Ambrósia o observava como também Pii e Pierre. Sean tomou a decisão de conversar com o espeleólogo francês tão cedo conseguisse.
— Precisamos conversar... — mas Sean sussurrou foi com Álvaro. — É realmente muito importante — foi logo dizendo para o arqueólogo e professor brasileiro que parou a torrada que comia no ar, olhando para os lados.
Álvaro limpou o patê que escorreu da boca aproveitando para indicar com um olhar o vasto e escuro espaço por detrás das barracas montadas. Sean levantou-se após pedir que Gyrimias não deixasse tirar o prato dele, nem que ninguém fosse atrás dele. Ele achou quase impossível quando Ambrósia e Michel se levantaram repentinamente seguindo a mesma direção. Álvaro também percebeu a saída deles, mas não teve alternativa a não ser pegar um atalho conhecido e ir atrás de Sean, o alcançando antes deles.
— Venha! — o puxou pelo braço e Sean foi obrigado a correr.
— Está me confundindo agindo dessa maneira — Sean se embrenhava rapidamente na mata com Álvaro a puxá-lo. —, porque não tenho a mínima ideia de por que tenho que correr ou o que faço aqui afinal.
Álvaro limpou-se com um lenço após se ensopar de suor e parou observando que estavam a sós e seguros.
— Por favor, Sr. Queise, não queria mostrar tanto conhecimento assim sobre o Senhor.
— Me chame de Sean.
— Já disse que não posso mostrar intimidade Sean.
— Mas entramos juntos no hotel.
— Isso foi diferente, fui eu quem organizou essa trilha. Lembre-se do que nos ocorreu.
— Nos ocorreu?
— É! Eu sei! Devo mesmo uma explicação — olhou para os lados.
— Muitas eu diria — Sean olhou para os lados também. — Não tem ninguém aqui.
— Mas vi o botânico Sir Shipton abrir uma garrafa de vodka e vir atrás de você.
Sean o encarou. E seus dons falharam.
— Por que isso o incomoda, Professor Álvaro? — perguntou mesmo assim.
— Ele é um famoso ex-agente da Poliu — Álvaro viu Sean arregalar os olhos. — Fazia muito tempo que não o via; ele está tão diferente. Só sabia que vivia recluso no Tibet — completou Álvaro.
— Famoso? E como sabe sobre esse tal ex-agente Michel Shipton?
— Somos estudiosos Sr. Queise, nada passa despercebido de nós, arqueólogos, quando se trata de um botânico forense com ligações nada saudáveis com agências secretas.
— Que tipo de botânica forense exatamente?
— Dizem muita coisa.
— É... Dizem, não? — Sean não gostou da agência secreta ali, porque era a Poliu recrutando botânicos forenses famosos, reclusos no Tibet. — E como sabia que eu havia levado um nuke naquele Chat se eu estava stealth?
Álvaro agora respirou profundamente procurando uma rocha para sentar; Sean fez o mesmo.
— O Sr. Roldman nos avisou.
— Oscar?! — gritou. — Desgraçado! Ele era o único que podia mesmo... Ele entra e sai dos meus mainframes agora tenho certeza.
— Desculpe Sr. Queise. Pode ver que não fui eu quem o envolvi nisso.
— Não, não foi. Provável Alcântara tenha obedecido a ordens de Oscar para me levar lá...
— Do que está falando?
— Nada! Trabalha para Oscar?
— Sim, trabalho para a Polícia Mundial.
— E o Sr. Plavuska?
— Fomos amigos durante um tempo, na faculdade. Rogério era professor de geologia e hoje é geólogo e vulcanólogo da Polícia Mundial. Hoje trabalha com o Sr. Roldman.
— “Hoje”? Por que enfatizou ‘hoje’ Professor?
— O Senhor é esperto, não? — sorriu Álvaro. — Não sei o que meu amigo Rogério fez logo depois que saiu da faculdade.
— Por que disse que eu me envolvi nisso? Envolvi-me no que afinal?
— Quando começamos a investigação sobre o reaparecimento do marinheiro chileno, a Poliu nos interceptou e veio nos contatar. Aparentemente, não sabiam que nós trabalhávamos para a Polícia Mundial porque nosso trabalho com Sr. Roldman não é interno. Somos apenas contratados para esclarecer duvidas e fazer certos tipos de avaliações.
— E por que a Poliu iria atrás de vocês em especial?
Álvaro suspirou profundamente.
— Somos estudiosos e especialistas naquilo que a Poliu se interessa.
— Algo forense, suponho? Especializados em relíquias.
— Sim... — Álvaro não gostou da ironia. Sabia que ele não era um jovem muito fácil de lidar. — E como a Poliu nos vigiava, quando marcamos o Chat com o marinheiro no Hospital Psiquiátrico Central, em Puente Alto, Província de Cordillera no Chile, o Sr. Roldman nos disse que se a Poliu tentasse penetrar no nosso sistema, você estaria lá também, invisível.
Sean gargalhou.
— Oscar sabe que eu os rastreio, não sabe? Que eu rastreio a Poliu usando o SiD...
— Não sei bem o que significa o SiD, mas foi o que ele nos disse.
— Ainda sim, como sabiam que eu estava lá? Foi Alcântara quem conseguiu informações sigilosas de... — e parou de falar já não tendo tanta certeza daquilo.
— Sr. Roldman nos disse que para o Senhor invadir e hackear com segurança, o Senhor havia criado um programa espião que o permitia fazer uma ponte com os mainframes do satélite de observação Spartacus, que estão ligados ao backbone da Computer Co., e assim entrar sem ser visto nos sistemas que quisesse, sem que seu IP fosse lido pelas máquinas provedoras — Álvaro viu Sean rir e prosseguiu. — Para isso, o Senhor precisava se arriscar e entrar com um IP definido pelos seus mainframes, pelo próprio backbone da Computer Co., mas sem usar o IP da empresa e nem um IP aleatório como é o normal, então este IP teria que ser mascarado — Álvaro tossiu. — E é claro que a Computer Co. não seria interceptada.
— Então Oscar contou-lhe que eu mascaro IPs? — Sean ria com gosto. — Continue Professor Álvaro, mas sem o ‘Senhor’ na frase.
— Como queira, Sean. Bem, o Sr. Roldman nos passou alguns números de IP que o Senhor, quer dizer, você costumava usar, e entregamos ao operador do canal do Chat, para que ficasse avisado. Quando entramos, o operador avisou que você estava lá.
— Não sei como seu operador poderia localizar algum dos meus IPs mascarados, porque eu não estava lá. Foi Alcântara quem se conectou ao Chat e me chamou ao hotel; eu só fiz a besteira de conectá-lo à Computer Co. para poder entrar stealth, que como pôde ver, não funcionou.
— Não funcionou?
— A menos que... Droga! Oscar deu a Alcântara meus IP. Por quê?
— Não saberia dizer o porquê, mas não sabíamos que a Poliu também estava stealth; e então ela nos derrubou.
— A Poliu então também tem minhas numerações usuais de IP, não é?
— Não saberia dizer.
— Ou é isso ou quando a Poliu derrubou o Chat com um ataque nuke, meu IP roubado por Alcântara, ficou travado no seu sistema, porque deixei de estar invisível, e a Poliu me descobriu lá de alguma forma — tossiu nervoso. — E o marinheiro da embarcação? Quem é ele?
— Isso é mais complicado. Há doze anos, uma embarcação chamada NOA desapareceu aos olhos de cinco marujos no porto de Santiago do Chile. Os marujos disseram às autoridades que um grande UFO metálico e redondo, feito um prato com cúpula de vidro e com suásticas desenhadas na fuselagem...
— “Suásticas”? — cortou-o.
— Vou explicar melhor. Porque o UFO apareceu do nada, pairou sobre a embarcação que se aproximava do porto, e lançou uma luz enegrecida feita um fio de piche sobre eles, sugando, literalmente, todos os marinheiros e utensílios do NOA para dentro da nave, desaparecendo logo em seguida.
— “Fio de piche”? Feito um óleo viscoso?
— Nunca parei para pensar assim, mas pode ser que tenha sido essa a interceptação da luz enegrecida.
— E qual o interesse desse UFO em sugar utensílios do NOA?
— Não saberia dizer.
— E o tal UFO tinha desenhos de suástica nele?
— Pelo que consta, o navio NOA também.
— Mas o tal NOA vinha da Índia não?
— A Índia é conhecida por ter a cruz suástica também chamada de shubhtika, em diversas cerimônias civis e religiosas. Muitos templos indianos, casamentos, festivais as tem presente. No peito de Buda, por exemplo.
— Mas por que para Alcântara, a Poliu teria ligado o NOA a nazistas, se... — e Sean parou de falar.
— Não saberia dizer Sean, só que após isso, a embarcação NOA adernou até afundar na baía.
Sean olhou em volta:
— Prossiga!
— Quando conseguiram resgatar o navio, dia seguinte, não havia sinal de nada em parte alguma, mas suas paredes estavam tomadas delas, de suásticas.
— As suásticas foram desenhadas depois? — olhou um lado e outro.
— Também não saberia dizer.
— Então doze anos depois...
— Doze anos depois, meu primo Cortés, que é enfermeiro no Hospital Psiquiátrico Central, disse que havia dado entrada um homem recém-chegado do Brasil, que fora resgatado por um indigenista que trabalhava com os índios Xavantes em suas terras, e que dizia ser um dos marinheiros chilenos sumidos da NOA.
— Marinheiro do NOA? Então quem deu entrada no Hospital Psiquiátrico Central não foi Alcântara Jr.?
— Quem?
— Wow! — Sean se levantou e sentou-se confuso. — O que não estou entendendo Professor Álvaro? Fui eu quem resgatou Alcântara Jr. em terras dos índios Xavantes. Quero dizer, o SiD instalado em Spartacus o localizou, e o indigenista da Polícia Mundial avisou Oscar que o recuperou... — e Sean olhou Álvaro confuso. — Então havia mais gente lá? Alcântara Jr. e o marinheiro do NOA desaparecido a doze... — e Sean parou de falar de repente se levantando.
— Ah! Voi siete qui? — foi logo dizendo Ambrósia Lambrusco com um belo sorriso aos encontrarem. — Cosa c’è che no vá?
— “Qual é o problema”? — traduziu Sean. — Mi sono perso — falou Sean.
— “Perdido”? — Ambrósia adorou o sotaque italiano perfeito dele.
— Eu ia para as barracas, mas entrei no atalho errado.
— Va bene! O jantar è quasi acabado e nostro horário sta apertado Signor Queise. Temos che descansar para nos levantarmos domani bem cedo, e irmos acampar del pés di ‘Dedo de Deus’ — Ambrósia fez menção que ia esperá-los. Sean deu um sorriso rápido e voltou para a barraca grande. — Quella persona... — Ambrósia segurou o braço de Álvaro que também ia saindo. — Faça tutto para che non atrapalhe — e Ambrósia fez que ia e voltou. — E la prossima volta, fare più attenzione, Signor Buzzara.
— Sim, Srta. Lambrusco. Terei cuidado — Álvaro engoliu tudo a seco. — Lembrar-me-ei disso da próxima vez; obrigado — e partiu.
Acampamento ‘Contatos com a natureza!’; Serra do Roncador.
22 de janeiro; 22h31min.
— Quase não comeu Sean bonitinho — falou Heidi Zuckeuner jogando-lhe um indiscreto charme, ao sentar-se ao lado de Sean Queise que retornara à mesa de jantar.
Ele imediatamente procurou com os olhos o marido dela que estava distraído conversando com Pii perto da garrafa de café.
— Estou cansado.
— Tão jovem... — o observou com gosto.
— Jovem e cansado — falou friamente percebendo a antipatia que crescia por ela.
— Vai nos acompanhar na fogueira Signor Sean? — questionou Miss Ãnkanna o salvando.
— Adoraria! — Sean levantou-se sem comer, deixando Heidi sem mais nada a dizer.
Foi sentar-se em volta da brasa da fogueira seguido por Pii, Ambrósia, Rogério, Deborah, Schiller, os três cozinheiros e Miss Ãnkanna, escolhendo uma cadeira de abrir e fechar vazia, próximo a Gyrimias, depois de perceber a oferecida Heidi atrás dele.
Heidi era uma mulher vistosa, que se vestia como adolescente. Poderíamos até dizer que era uma coroa metida a jovenzinha. Seus cabelos eram negros, ondulados e brilhantes, bem tratados. Sua pele tinha marcas que tanto poderiam ser de espinhas juvenis como sinais de algum tratamento de embelezamento, e que deu muito errado.
Lá na fogueira também já estavam Edegar, Álvaro, Michel, Pierre, e Kabir, que também apareceu.
O ambiente parecia calmo e amistoso, e Sean percebeu o quanto diferentes todos ali eram. E eram diferentes também na constituição física.
Edegar parecia uma montanha de músculos, um homem de força acostumada a usá-la. Tinha as costas largas e olhos sempre apertados, parecendo sofrer de miopia. Cabelos negros, começando a acinzentar.
Pierre tinha os cabelos loiros já há muito mesclados com cabelos brancos. Sua pele também era branca e avermelhava-se pelo calor da trilha. Tinha um bigode ruivo, manchado pelo uso constante do cachimbo que acendia na fogueira naquele momento.
Um cheiro de mel e tabaco invadiu Kabir que se incomodou.
Kabir, o sábio era um homem de pele morena, olhos e cabelos negros como o breu, e nariz tão afilado que parecia existir somente quando era visto de lado.
— Alguém aqui sabe me dizer por que a serra tem esse nome? — perguntou Deborah Kinchër com uma voz encantadora e um sotaque alemão carregado.
Sean percebeu a imediata reação que ela causou no empolado Michel. Ele parecia embasbacado pela beleza dela. Também percebeu que seu funcionário Gyrimias se encantara com a beleza doce dela; Deborah era uma loira mignon, e que só observava Sean.
E ela lhe sorria com dentes brancos e perfilados, que expressava covinhas no rosto delicado e angelical. Suas pernas eram finas e se perdiam na saia, sapatos de número pequeno, e gosto fashion um tanto antiquados.
— Questo nome deriva di che muitos ouvem questa montagna falar, roncar, e suo intorno é marcado por aventuras, lendas e mistérios — explicou a guia Ambrósia, com o corpo roliço, longe de ser parecido a pequena Deborah. — A região possui belíssimas grotte e caverne ainda non exploradas, e è região di índios Xavantes e Bororos, che aguça a curiosidade di quem visita a città.
— “Aguça a curiosidade”? — perguntou Gyrimias com a tal curiosidade.
— Si... — Ambrósia viu Sean levantar os olhos do chão para ouvi-la; havia conseguido chamar a sua atenção. — Há molti vulcani extintos e fósseis di dinossauros qui.
— Sem falar de Agartha, não é? O chackra do planeta. O que por si só, são atrativos para nós cientistas e para curiosos e místicos de toda parte — era a primeira vez que Rogério Plavuska se pronunciava; ele não havia perdido o sotaque russo.
— “Agartha”? Aqui na Serra do Roncador? Então é verdade? — o chileno Edegar Cascco se pronunciou também.
— Não sei o que responder Edegar — respondeu Rogério Plavuska. — Ainda não sei o que responder.
Sean ficou na duvida se a maneira como Rogério disse ‘Edegar’ mostrava alguma intimidade entre eles, mas seus dons pareciam estranhamente desligados.
— O que é Agartha, Herr Plavuska? — perguntou Schiller Zuckeuner curioso.
Sean viu Schiller abafado, abanando os braços brancos, magros, peludos, que o fazia mais parecer um urso, no que pernas e braços despontaram na bermuda e camisa colorida.
Mais parecia um turista deslocado entre tantos eruditos.
— Agartha é uma longa história Sr. Schiller... — e Rogério levantou-se num rompante e todos se assustaram.
No ímpeto todos se levantaram também.
— O que foi?
— O que houve?
— Por que levantamos Senhor?
— Não sei Gyrimias.
— O que viu Herr Plavuska? — perguntou Schiller ao olhá-lo em pé, arregalando os olhos para o arbusto atrás deles.
Todos dirigiram seu olhar para lá.
— Che cosa vedete Signor Plavuska? — foi a vez de Ambrósia perguntar no silêncio seguido.
— Eu vi... Algo... — Rogério tremia.
Sean ficou a tentar ver algo também, mas nada vira. Só uma voz arrastada, falando com ele, com a mente dele, fazendo uma proposta assustadora. Sean olhou um e outro e não localizou quem falava com ele. Começou a temer estar ali, de ter levado Gyrimias junto, de acontecer o que a voz dizia que ia acontecer.
— Alguém? — perguntou Heidi.
— Um bicho? — perguntou Pii Tii.
— Um morcego? — perguntou Gyrimias.
— Não sei... — Rogério pareceu estar em alerta. Depois olhou para Ambrósia que lhe devolveu um olhar significativo. Algo que ele viu o assustara mesmo. Voltou a sentar-se em total alerta. — Nada!
Todos se sentaram novamente.
— Nossa! Que gente assustada — riu Heidi. — Você é russo Herr Plavuska?
— Sim, sou russo. Nasci na Sibéria — Rogério mal olhou para ela. — Vivíamos numa casa flutuante.
— Então se é russo, como ainda não sabe onde está Agartha? — insistiu Heidi. — Ai! — e levou um beliscão do marido Schiller. — Que foi? — olhou assustada para ele.
— Che cosa tem o Signor Plavuska ser russo com Agartha, Signora Zuckeuner? — não compreendeu Ambrósia.
— Ele conhece Madame Blavatsky! É óbvio! — Heidi falava como se fosse a coisa mais natural do mundo.
“Blavatsky!”, foi a vez de Sean se alertar.
— “Óbvio”? — Rogério outra vez olhou para Ambrósia parecendo pedir socorro e Sean ficou duplamente em alerta.
— Ah! Foi a partir das informações fragmentárias que Madame Blavatsky pôde recolher acerca de atlantes de Akakor, em Agartha... — Heidi estava sem paciência. —, que nasceu nela a ideia da Grande Loja Branca. Aliás, muitos acham que seja uma caricatura de Agartha — Heidi parecia entender do assunto.
— “Atlantes de Akakor”? Que significa isso, Senhora Heidi Zuckeuner? — questionou Gyrimias.
Mas Gyrimias ficou sem respostas porque Rogério se alterou.
— Muitos pretendem transformar em charlatã, a grande Mestra do ocultismo ocidental, Helena Petrovna Blavatsky, só porque ela nunca soube impor suas ideias! — Rogério estava realmente alterado, com a fala falha. — Quem nunca entendeu de nada, se baseia em falsas premissas para serem extremamente preconceituosos. A incapacidade de compreender os meandros que envolveram a vida e a obra de uma mulher, com a insigne ocultista, é puro impulso de inveja.
— Nein Herr Plavuska. Madame Blavatsky era um perigo em pessoa — Heidi queria confusão. — Ela levou o ocultismo a Europa, inspirando sociedades iniciáticas como a Sociedade de THULE e a Sociedade VRIL que Adolf Hitler fazia parte.
Sean olhou um e outra.
— Lie! Isso é infâmia! — foi à vez de Pii enervar-se. — Foi em 1875, juntamente com Henry Steel Olcott, que Helena Petrovna Blavatsky formou a Sociedade Teosófica.
“Blavatsky?” aquilo realmente afetou Sean Queise.
— Seus objetivos eram promover o estudo comparativo das religiões, filosofias e ciências, investigar as leis inexplicadas da Natureza e os poderes latentes no homem, para formar um núcleo de Fraternidade Universal da Humanidade sem distinção de raça, crença, sexo, casta ou cor — voltou Pii a dizer.
— Não quero jogar de um lado ou de outro, mas Helena Petrovna Von Blavatsky era uma mulher extraordinária, Frau Zuckeuner — a voz de Deborah encantou a todos. — Seus escritos acerca dos Mundos Subterrâneos no livro A Doutrina Secreta têm vastas referências aos Mahatmas e Lamas Perfeitos da Índia e do Tibet.
“Mundos Subterrâneos”, Sean mal acreditou no que acabara de ouvir, os desenhos e fotos do 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara estavam naquela parede por causa daquela trilha.
— Perfeito Srta. Kinchër. Devemos lembrar de que Madame Blavatsky não foi a pessoa quem trouxe o ocultismo e a suástica para a Europa, já que faleceu antes mesmo da Primeira Grande Guerra. Esta missão foi de outra pessoa, cujo nome é Guido von List — tentou Rogério outra vez defendê-la.
— Mas os ideais arianos já estavam latentes na virada do século XX — Heidi voltou a entrar na discussão. — Friedrich Wilhelm Nietzsche era um nazista. Sua teoria do Super-Homem foi adaptada para servir ao arianismo.
— Ah! Dio mio! Quanta besteira! — Miss Ãnkanna se irritou. — Nietzsche nunca foi isso. Foi sua irmã Elizabethe Foster che casou com uno louco antissemita, e manipulou seus escritos para ganhar dinheiro a favor di fascismo, já che era admiradora di Mussolini.
— Signores... Signoras... Per favore! — Ambrósia antecipou confusão.
— “Olhemos-nos face a face. Somos hiperbóreos. Sabemos bastante bem que estamos vivendo fora dessa trilha” — e Sean com dom ou não, sabia que havia atingido todos. — É a frase que Nietzsche inicia seu livro Der Antichrist, O Anticristo.
— Mas não devemos esquecer que Adolf Hitler era ocultista, que acreditava em seres poderosos e suas magias, que viveria para ver a Alemanha triunfar séculos e séculos, ou como fora dito no Reich dos Mil Anos — Pii emendou.
— Por que mil anos’? — Leandro falou fazendo Ambrósia o olhar, sabendo que ele não podia se meter a conversar com os convidados da trilha.
— Reich é uma palavra alemã que significa literalmente reino, porque os nazistas tentaram legitimar o seu poder retratando o seu regime como uma continuação do Sacro Império Romano ou Primeiro Reich, e que deveria durar mil anos, porque era perfeito, sem necessitar qualquer modificação — falou Gyrimias Leferi fazendo Miss Ãnkanna o observar com interesse.
— É realmente interessante saber que Hitler tinha uma cópia de A Doutrina Secreta, mas também é interessante ressaltar que ele acreditava que o Homem Novo surgiria da Alemanha, que seria devido a sua pureza racial. No entanto, Blavatsky escreveu que a Nova Raça estava se preparando para se formar, e que era nas Américas que a transformação iria acontecer silenciosamente — a voz de Sean se fez.
Ambrósia prestou atenção naquilo; nele e naquilo.
— Talvez por isso que Hitler tinha uma base no Polo Sul, na Antártida para onde fugiu após inventar sua morte? — a voz do cozinheiro Paulo ecoou por ali.
— Sim jovem Paulo! — respondeu Kabir com firmeza para um rapaz magro, de óculos circulares, pele e cabelos negros, e olhos de um castanho indefinido, e que suava muito. — Os nazistas estão na Selva Amazônica há muito tempo, nas pirâmides que existem na Amazônia, entrada para Agartha, onde escondem os discos voadores que a Sociedade VRIL criou.
— Nazistas onde? — Schiller não entendeu.
— Pirâmides onde? — Gyrimias não entendeu.
— Discos voadores onde? — Edegar não entendeu.
“Sociedade VRIL!”, Sean entendeu.
E entendeu que devia ter medo de estar ali, e que errou ter arrastado Gyrimias. As listas de ufologia há muito falavam sobre ligações dos nazistas com uma raça alienígena reptiliana do tipo crocodilo, que os ajudou com armas; talvez íntimas. E entendeu por fim a imagem de Sandy Monroe, sabendo que ele se arriscara quando viu Kabir lhe sorrindo.
— Em 1942, Adolf Hitler enviou uma equipe para investigar algumas ilhas bálticas, localizadas nas imediações do Polo Norte. Acreditava que, sendo a Terra oca, era possível conseguir imagens da frota inglesa dentro da Terra — a voz de Pierre se fez forte.
— Que ridículo Herr Lemarc! — a exclamação de Heidi foi mais rápida que seu marido, que não teve tempo de dar-lhe um beliscão.
— Ridículo não, assessores diretos de Adolf Hitler, foram fortemente influenciados por teorias esotéricas, Sra. Heidi. Por exemplo, Hermann Göring… — e Rogério se enervou novamente. —, braço direito do Führer e criador da Gestapo, e que foi o responsável pela divulgação da teoria da Terra Oca na alta cúpula do Partido Nacional-Socialista.
— Mas...
— ‘Mas’ nada Sra. Schiller, ligações perigosas como a geopolítica de Karl Haushofer, o esoterismo ariano de Hermann Göring, e o carisma de Adolf Hitler, nos trouxe até aqui — Rogério não conseguia se acalmar.
— Nos trouxe aqui aonde Senhor? — Gyrimias olhou Sean que não conseguia entender a linha de pensamento de Rogério.
— Viu o que a leitura deturpada sobre o filósofo Nietzsche e seu Super-Homem fez? — Michel se divertia.
— Por que Hitler se interessaria tanto por ocultismo Senhor? — falou Gyrimias outra vez como que sozinho, observando Sean observar todos para então estancar nele, que recuou.
— Não sei se Hitler se interessou ou não Gyrimias, mas é verdade que todo o nazismo foi impresso em cima do ocultismo. Primeiro a sociedade secreta de THULE, e depois as sociedades de VRIL e LINK.
— “LINK”? É uma nova sociedade Sean bonitinho? — Heidi era charme só com ele.
— Dizem...
— Sim Sean Queise. E por isso digo que Adolf Hitler era ocultista — prosseguiu Pii. —, porque entre os líderes do partido, estava Dietrich Eckart, um jornalista ocultista que se converteu no guru espiritual do partido Nazi, e passou a cuidar dele e a prepará-lo para o poder; assustador não?
— O dito ‘misticismo Nazi’ é um termo usado para descrever una subcorrente di nazismo quase religioso, cheio di insígnias e mitos, como eles queriam che fosse, una nova religião. Era caracterizado pela combinação di ocultismo, esoterismo, e paranormalidade — Miss Ãnkanna gostou daquela roda de conversas.
“Paranormalidade?”, mas Sean se perguntou quem era Miss Ãnkanna.
— A paranormalidade é uma colcha de retalhos de histórias e feitos desencontrados, Miss Ãnkanna... — e Sean percebeu que Deborah, Heidi e Ambrósia o olharam de uma forma que não sabia se queria ter sido olhado. —, quero dizer… — prosseguiu mesmo assim. —, depois do fim da segunda guerra, quando as tropas aliadas invadiram Berlim, muita coisa foi dita, como por exemplo, o governo possuir um departamento oficial de psiquismo, onde vários paranormais, altamente pagos foram secretamente treinados.
— Ouvi falar deles Sean bonitinho, dos que tinham o dom do desdobramento astral, da projeção astral ou viagem fora do corpo, e que usavam esse poder para espionar os segredos dos inimigos antes das batalhas. — Heidi sorriu-lhe perigosamente.
— Sim, Senhora. Como os nazis que acreditavam serem de uma raça pura, advinda de outro planeta mais desenvolvido, e que usavam paranormais para se comunicarem com eles, com esses crocodilos humanoides — Sean agora tinha a atenção de todos; provável até do que estava escondido na mata.
— Croco o que? — a pergunta de Gyrimias se perdeu ali.
— Ah! Por isso essa conversa de um Hitler bruxo? — Schiller quis saber.
— Bruxaria não Schiller Zuckeuner, ocultismo — Pii estava enervado. — E o Super-Homem nietzcheano era prova disso para o Partido Nazista, um ser acima do normal capaz de gerir o mundo, talvez todo Sistema Solar.
— Por isso dizem que a Sociedade de THULE recebeu esse nome, da crença no Continente Perdido de Thule, dos Super-Homens Teutônicos; uma ordem secreta onde muito nacionais socialistas foram iniciados antes da guerra — Deborah emendou após um sorriso que outra vez alertou Ambrósia. — Os fundadores do Terceiro Reich acreditavam que eram arianos, descendentes dos Super-Homens que tinham governado o Continente de Thule, na Idade Dourada. Acreditavam que a história do nosso planeta se constituía por ciclos de civilizações, que crescia e se tornava grande, para então serem destruídas como no passado.
— Muitíssimo certo, Mademoiselle! — a voz de Pierre soou forte. — As quatro raças raízes: A primeira raça raiz ‘Etérea’, a segunda raça raiz ‘Hiperbórea-Thule’, a terceira raça raiz ‘Lemuriana’ e a quarta raça raiz ‘Atlante’, de onde fizemos parte.
— Well! Fizemos? — Michel se divertia.
— E para isso Karl Maria Wiligut era um estudioso das runas. Ele acreditava que as runas não eram só um alfabeto, mas que também tinham poderes mágicos, gravadas na forma de orações e preces. E convenceu Heinrich Himmler de que tinha uma conexão psíquica, com alemães ancestrais de 2000 anos atrás — Pii voltou.
— Ah! Sim! O comandante militar Senhor Heinrich Himmler acreditava ser a reencarnação do Rei germânico Henrique I, o Passarinheiro — foi a vez de Gyrimias, com ou sem Michel se divertindo com eles.
— O que corrobora que tanto a suástica como a SS vem de mitos — falou Sean.
— Mitos, Signor Queise?
— Sim Miss Ãnkanna. A sigla ‘SS’ é uma runa, usada na verdade na horizontal e não na vertical, uma sobre a outra; uma patente de coronéis SS, os Standartenführer.
Mas Michel outra vez riu sarcasticamente:
— Blá! Blá! Blá! Não sei o porquê dessa lorota toda só para chegar num homem de nome Weisthor, que foi chefe do departamento da pré-história e história antiga do Escritório Central da Raça e Liquidação, a RuSHA, considerado um especialista em runas alemãs antigas.
— Um bruxo? — Schiller voltou a se animar.
— Não acredito Sir Zuckeuner, mas um charlatão, onde seu verdadeiro nome era Karl Maria Wiligut, um fugitivo de um hospital mental — Michel gostou de seu próprio sarcasmo olhando Sean que o olhava. — E Adolf Hitler era um louco atrás de poder, relíquias e juventude eterna.
“Poder, relíquias e juventude eterna”; soava por Sean Queise.
— Quando o conhecido Barão von Sebottendorf criou uma sociedade chamada THULE-GESELLSCHAFT, aderiram Joseph Goebbels, Rudolf Hess, Alfred Rosemberg e o próprio Adolf Hitler — e Sean foi alvo de olhares. —, provavelmente o único plebeu no meio de um grupo de aristocratas, que buscavam relíquias sagradas para alcançar o Vril, uma força considerada fenomenal. A Hohlweltlehre, a doutrina da Terra Oca, buscou tudo isso; poder, relíquias e juventude eterna — e o silêncio foi sentido até pelos mosquitos que picaram Heidi.
— E sabe disso come Signor Queise? — Ambrósia ficou interessada.
— Dizem... — Sean até gostaria de ter dito ‘SiD’, mas não podia se expor. — E dizem que o campo de pesquisas dos nazistas se estendia pelos quatro cantos do mundo, tentando comprovar a veracidade dessas teorias; juventude e relíquias... — sorriu para Michel que só o olhou. — Há rumores de que espiões, militares, geólogos, arqueólogos, espeleólogos e botânicos alemães estiveram no Brasil, no Tibet, na Mongólia, no Egito, na Índia, no Extremo Oriente, no Sudoeste Africano. Achavam que um eventual contato com uma avançada civilização intraterrena facilitaria o domínio da Terra.
— Uma civilização intraterrena, Sean bonitinho?
— Uma civilização intraterrena ajudada por alienígenas reptilianos do tipo crocodilos, que se arrastam pela mata sob quatro patas e garras, até obter mãos e pés e se tornarem humanoides, de pele escamosa e de um tom enegrecido, brilhante como o piche, que consomem suas vítimas com uma espécie de óleo negro que penetra pela pele, navega pelos olhos e domina suas mentes — e Sean provocou um ‘Oh!’ que fez a chegada de Ralph à reunião, na fogueira, nem ser percebida.
— Well! Sir Queise parece que gosta dessas coisas — gargalhou.
“Poliu!”, soou por todo Sean.
— Defina ‘coisas’, Sir Shipton?
— Blá! Blá! Blá! Coisas do tipo que se vê em sites lunáticos.
— Alienígenas da Lua, Sean bonitinho? — Heidi foi mais rápida outra vez. — Ai! — mas o beliscão veio logo após.
— Não Senhora... — Sean não tirava os olhos era de Michel. —, sociedades secretas como a THULE acreditavam em intraterrenos vivendo numa Terra oca, onde vivia uma raça superior, antecessora dos arianos; uma raça alienígena das Plêiades, que dizem, serem crocodilos humanoides.
— É verdade! A Sociedade de THULE acreditava em mundos plurais — e a voz suave de Deborah voltou a espalhar-se. — Era uma sociedade secreta que praticava magia Herr Queise — Deborah olhou Sean. —, talvez bruxaria Herr Zuckeuner — Deborah olhou Schiller. —, unicamente preocupada em elevar suas consciências por meios de rituais, para conhecer as inteligências malignas e não humanas no Universo.
— Quando diz ‘não humanas no Universo’, quer dizer alienígenas outra vez Deborah Kinchër?
— Sim Herr Tii. E procuravam meios de obter comunicação com essas inteligências que julgavam existir no interior da Terra; inteligências alienígenas, no interior da Terra, provável vindas das Plêiades como disse o Herr Queise.
Sean percebeu que Deborah o conhecia, e que talvez o ‘Senhor Queise’ fosse mais que uma questão de educação.
— Mas as Plêiades sono um grupo di estrelas na constelação di Touro, Signorita Kinchër — foi a vez de Ambrósia. — Sono isso.
— Já io acho che os Plêiadianos são pessoas come tu Signor Queise e tu Signorita Lambrusco, brancos, de olhos claros... — mas foi Miss Ãnkanna quem falou. —, só che mais evoluídos — Miss Ãnkanna viu a careta que Ambrósia fez.
— Mas dizer ‘alienígenas das plêiades’, ou aglomerado estelar M45 é genérico, já que existem milhares de planetas e luas por lá — tentou Schiller entender.
— Si loiros ou repteis, isso realmente non importa Signor Zuckeuner, perché eles existem há muito tempo, mais tempo che nós, e vivem mais anos. Sua vida é di 1000 anos plêiadianos, o che equivale a 700 anos terrestres — Miss Ãnkanna estava empolgada, e empolgada com Gyrimias, a quem não perdia um único movimento.
— Sério, Miss Ãnkanna? — falou Gyrimias.
— Si, sono filha de una mama italiana e uno papa indiano. Estudo para sapere che a maioria dos plêiadianos é quase cópia exata uns di outro; com cabelos loiros e olhos azuis come o belo Signor Queise — e apontou para ele.
Sean concordou que Miss Ãnkanna achá-lo um plêiadiano foi o ápice da noite.
— Blá! Blá! Blá! — mas Michel gostou de irritar a todos antes mesmo que Sean agradecesse o elogio.
— E esses Super-Homens ou super-raça nórdica, loura di olhos azuis come tu, era plêiadiana Signor Queise? — foi a vez de Ambrósia confusa querer entender algo mesmo percebendo a animosidade de Michel para com Sean e como isso atrapalharia a missão.
— Dizem... — Sean olhou Michel antes de responder à Ambrósia. —, que tudo começou quando Karl Haushofer, conselheiro junto aos japoneses após a Guerra Russo-Japonesa de 1904 a 1905, ficou impressionado com a cultura japonesa. Também interessado na cultura indiana e tibetana, aprendeu sânscrito, e afirmava que tinha visitado o Tibet. Haushofer fundou a Sociedade VRIL, em Berlim, em 1918 e partilhava das ideias da Sociedade de THULE, que afirmava que a raça ariana tinha tido origem na Ásia central, protetores dos segredos do Vril, uma fenomenal força psicocinética capaz de mover objetos.
— Em 1873, Lord Edward Bulwer-Lytton publicou um romance intitulado A Raça Invasora, onde descrevia pessoas vivendo no centro da terra: os VRIL-ya — Deborah olhava Sean com muito gosto.
Gyrimias e Sean perceberam, e ambos desgostaram daquilo.
— Podemos dizer que sim Srta. Kinchër — Sean continuou. —, e embora Nietzsche nunca mencionasse o Vril, seus aforismos Der Wille zur Macht ou A Vontade de Poder, enfatizavam o papel de uma força interior no desenvolvimento super-humano.
— Nietzsche scritto che ‘o rebanho’ significava a gente comune em busca de segurança dentro de si, mediante a moral e as regras.
— Sim Miss Ãnkanna, mas Nietzsche também escreveu que os Super-Homens já tinham a força vital interior, fenomenal, que os levava além do rebanho.
— “Mentir ao rebanho para ser independente e livre di mentalidade di rebanho” — Ambrósia repetiu Nietzsche, mostrando-se mais entendida do que queria passar inicialmente.
— Exato Senhorita!
— Mas os primeiros seres humanos inteligentes não foram os Sumérios? — Schiller deu a palavra.
— Blá! Blá! Blá! Sempre se estuda na escola que a primeira civilização foi as dos Sumérios, ou que o homem veio da África, ou que as primeiras sociedades eram rudimentares, e tinham um sistema muito próximo daquele que é visto nas tribos de índios, e Blá! Blá! Blá! Entretanto, Sir Zuckeuner há indícios pré-históricos assustadores de diversos objetos, os quais a Ciência não consegue explicar, sobre um povo muito evoluído que vivia entre os humanos, e eram capazes de realizar feitos inimagináveis, e que construíram a Cidade de Shambhala e a ilha mítica de Thule; seres que dominavam uma forma de energia chamada VRIL, uma energia telúrica, oferecendo capacidades aos seus seguidores... — e Michel parou de falar.
“Botânico forense” ecoou por Sean Queise.
— Che tipo di capacitá, Signor Shipton? — a voz de Ambrósia acordou Sean.
— A capacidade de curar ou ferir pessoas.
E um ‘Oh!’ explodiu em todos. Sean poderia jurar que logo após a explosão, todos olharam para ele. Nunca a menção da família Roldman pesou tanto como naquele momento; uma família nórdica, antiga, cheia de mistérios e forças Vril, talvez capazes de ferir e curar.
— Já ouvi falar de levantar objetos, abrir e fechar portas, mas nunca ouvi falarem de curar e ferir... Ai! — e Heidi foi beliscada.
— È verdade che sociedades usavam o Vril para curar. Usavam em associação com fenômenos paranormais come tais ‘mesas girantes’ — Miss Ãnkanna completou a Heidi.
— Minha sugestão é de que se foi possível aos espíritos usarem de recursos físicos, ectoplasmáticos talvez, para levantar as mesas em sessões espíritas, então pode mesmo haver um intercâmbio entre o mundo visível e invisível para mover objetos físicos através de paredes. Quem sabe os atlantes não poderiam ter utilizado recursos equivalentes de PK, com base em tecnologia usada no passado? — Pierre foi a fundo.
— “PK”? — perguntou Schiller.
— Não devíamos estar falando esse assunto — o garoto Leandro falou como que sozinho.
Mas Ambrósia foi a única a escutar.
— Há uma história muito interessante sobre ‘PK’, é como os cientistas chamam a Psicocinese Herr Zuckeuner, ocorrida em Honolulu, Havaí, quando um homem caiu e fraturou um osso que rompeu a carne — a doce voz de Deborah retornou. — A avó de alguém, considerada uma das mulheres kahunas mais poderosas nas ilhas, não deixou o homem ser socorrido. Ela então se abaixou e fez pressão sobre o osso quebrado, e então rezou e meditou durante vários minutos, para então se levantar e anunciar que a cura estava terminada. O homem se levantou surpreendentemente, deu um passo e então outro, e estava completamente curado, com sua perna não mostrando nenhum indício de fratura.
— Bruxa! — explodiu Schiller olhando um e outro, sem entenderem tamanha animação.
— Cruzes! — mas daquilo Gyrimias teve medo. E ainda embasbacado pela beleza dela perguntou. — Senhorita Deborah Kinchër, parcelado o que disse agora a pouco, quando disse ‘no interior da Terra’, falava de intraterrenos? — falou Gyrimias.
— Sim! E pode chamar-me só de Deborah... — sorriu Deborah atenciosa para Gyrimias que derreteu.
Sean não gostou daquilo, ela fazia algum tipo de jogo.
— Por isso vemos que essas expedições secretas nazistas pelo mundo usavam PK atrás de relíquias. Elas também foram encontradas aqui no Brasil, em sítios espeleológicos nas Serras do Roncador e dos Parecis — falou Rogério encarando Ralph calado.
Ralph então levantou um olhar e encarou Rogério como se soubesse que ele o encarava.
“Wow!” soou dentro de Sean Queise.
— Oui! Mas também nas cavernas de Borodla na Hungria, nas cavernas dos Mil Budas na China, no sistema de túneis dos Montes Chandore, no Lago Manasarowar e a Porta Vermelha do Potala, no Tibet, na Índia, e também na cidade subterrânea de Derinkuyu, na Capadocia — foi a vez de Pierre.
— Buracos! — a voz de Sean penetrou cada um.
— “Buracos”? Oui! As rochas dominantes na região de Derinkuyu são de origem vulcânica e textura areada, porosa, muito suscetível à erosão — Pierre prosseguiu.
Sean estranhou aquilo, buracos também soava na voz do 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara.
— Pena que o final da guerra enterrou todas as provas dos contatos com pessoas e sociedades ligadas às ideias da Terra Oca e o uso da paranormalidade — a voz do misterioso Kabir acordou a todos.
— Enterrou? — Sean acabou de acordar o resto.
— Por que tal duvida? Acha então que eles haviam realmente encontrado algo Sean bonitinho?
Todos o olharam.
— Defina ‘algo’ Senhora? — ele percebeu a intimidade com seu nome e a maneira nada ortodoxa de se chamar outro homem na frente de um marido.
— Algo que prove tais insanidades. Talvez alienígenas paranormais — se divertia.
— Perché insanidade? — Miss Ãnkanna alterou-se. — Se considerarmos che tais alienígenas estão à frente di nostro tempo, então suo paranormalidade non é anormale.
— É verdade! — disse um.
— É verdade! — disse outro.
— É verdade! — disse outro ainda.
— Por isso que dizem que o sumiço de mais de um terço dos nazistas após a Segunda Grande Guerra, se deve ao fato de que eles fugiram para América do Sul, para esconder-se na Terra Oca através de um buraco, uma entrada, atrás desse conhecimento paranormal que Madame H. P. Blavatsky previra nas Américas — completou o jovem e bonitinho Sean Queise mostrando que ele e SiD faziam hora extra.
— O fato de Josef Mengele ter vivido na Argentina é sinal da fuga dos nazistas para a América do Sul, não Senhor? — relembrou Gyrimias sob forte olhar de Sean Queise.
— Entre outros, dizem que Gustav Wagner, oficial da SS, esteve no Brasil, Josef Mengele, médico do campo de concentração de Auschwitz, na Argentina e Walther Rauff, que ajudou a desenvolver as câmaras de gás portáteis, no Chile.
— Fugindo para Agartha, non? — perguntou Miss Ãnkanna.
— Agartha ou não; vários nomes para o mesmo lugar — falou Ralph até então calado desde sua chegada.
— Theodore Fitch é um escritor americano que acreditava que os UFOs vinham do interior oco da Terra e que lá tinham bases — a voz de Romeu se fez.
Todos se olharam pelo inédito. Romeu então olhou um e outro e calou-se. Era um rapaz do tipo saudável, com braços que puxavam ferro, mas nada do tipo marombado. Era loiro, de sobrancelhas extremamente carregadas, e olhos azuis que encaravam Sean, que outra vez não conseguiu nada; nada mesmo.
— “Bases”? Interessante! — mas Sean não se calou. — O casal Betty e Barney Hill descobriram após uma sessão de hipnose, que haviam sido abduzidos, e que haviam tido contato com alienígenas crocodilos humanoides que os examinaram no interior de um disco voador, informados que eles, os alienígenas, tinham bases em toda a Terra, algumas no fundo do mar e pelo menos uma na Antártida.
— Alguém já ouviu falar do Coronel inglês Percy Fawcett que desapareceu na Terra Oca atrás da Manoa? — Gyrimias gostou de participar. — A lenda de Manoa surgiu nas terras do Peru. Os Chankas eram um Império oculto nas montanhas onde a capital se chamava justamente Manoa, a cidade de Ouro, o El Dorado.
— Já ouvi falar nele Signor Leferi — Miss Ãnkanna foi solicita.
— Ah! Por favor! Pode me chamar só de Gyrimias — sorriu mais solicito ainda.
Miss Ãnkanna gostou dele, de todo ele.
— Scusa! Gosto di cerimônia, Signor Leferi; va bene? — e Miss Ãnkanna olhou para todos. — Mas o Coronel Fawcet sumiu qui no Brasil, non Signor Queise? Em 1925?
— Dizem que o Coronel Fawcett visava encontrar uma cidade no interior da Terra quando sumiu. Dizem em algumas tribos da região que ele fora morto pelos índios, e dizem que foi citado pelos extraordinários irmãos Antonio e Cláudio Vilas Boas, da FUNAI.
— Quantos ‘dizem’ Sean bonitinho...
Sean e os outros não deram muita trela.
— Entretanto, Signor Queise, índios negato che ele desapareceu qui Serra do Roncador — e a voz de Ambrósia se fez.
— E che ele atravessou un grande portal dimensionale — emendou Miss Ãnkanna.
— Também falam sobre os índios brancos, os Wairas, que são os temíveis guardiões desses locais interiores, como também os Índios Morcegos que protegem a lendária cidade oculta de Agartha e suas plantas medicinais — e o ajudante de cozinheiro, o garoto Leandro, se intrometeu.
— Plantas o quê? — Michel acordou.
Todos se olharam novamente em torno da fogueira e o garoto Leandro, um rapaz de não mais que quinze anos, se calou.
Tinha barriga saliente, cabeça grande, pele mestiça, avermelhadamente indígena, nascido no Mato Grosso. Estudava botânica amadoramente e se atreveu estar ali, sem a autorização do pai após implorar que Paulo e Romeu o levasse. E Ambrósia sabia sobre aquilo, da incoerência de se ter uma criança sob sua proteção.
Ela mordeu o lado esquerdo do lábio e Sean arqueou o sobrolho para o lábio esquerdo de Ambrósia que ela ainda mordia; e ela fazia aquilo num charme só.
— E se o objetivo principal do Coronel Percy Fawcett fosse outro? — Gyrimias estava realmente gostando de participar do jogo.
— Outro qual Signor Leferi? Afirmam che após esses longos anos, o Coronel Fawcett ainda sta vivo. E mais, com a mesma aparência di data di seu desaparecimento — Miss Ãnkanna terminou animada com a ênfase que sua última frase causou.
“Com a mesma aparência da data de seu desaparecimento”, cada um pensou naquela frase.
— Blá! Blá! Blá! This is a big travel! — riu Michel debochado não dando muita vez a Heidi que ia voltar a falar algo e desistiu. — Vão dizer agora que Fawcet vai retornar mais racista que nunca? — ria.
— Ah! Sabiam que o racismo moderno começou realmente com o Senhor Arthur Count de Gabon ao publicar o livro Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas? — explicou Gyrimias explicando mais para Deborah que para outros. — Ele escreveu sobre uma raça ariana loura, que era superior a todas as outras, e que se tinha constituído como uma minoria racial aristocrática que decaía sob o peso esmagador das raças inferiores; raça ariana vinda de outro planeta, e que encarnaram na Terra.
E Sean viu Gyrimias animado, olhando Deborah.
— “A recusa em admitir que em todo o Sistema Solar possam existir outros seres racionais e inteligentes no plano humano, além de nós mesmos, constitui a maior das presunções de nossa época” — a voz de Sean silenciou todos.
— Isso mesmo, Sr. Queise! Isso mesmo! — Rogério se iluminou. — Esse trecho de A Doutrina Secreta de Madame Blavatsky diz tudo sobre outros mundos habitados.
— Idêntica dottrina di Giordano Bruno, che acabou sendo preso e morto pela inquisizione del Vaticano, non? — falou Ambrósia nem soube por que.
— Sim... — concordou Sean. —, o filósofo Giordano Bruno falava de outros mundos habitados, e se havia outras terras também haveria outros deuses. Imagina como não ficou a igreja nesse novo pensar? Ele foi levado à fogueira e teve um prego atravessado na língua para não blasfemar enquanto morria uma ‘morte sem sangue’.
— Cruzes! — exclamou Gyrimias outra vez.
— Poderemos então questionar o porquê de ainda não detectarem vida de outros seres nos planetas já investigados? — quis Schiller saber olhando para todos em volta da animada e culta fogueira.
— Acho que não é uma resposta fácil, Sr. Schiller — Sean adiantou-se. — Apesar de todo o avanço em telescópios e lentes cada vez mais precisas, há áreas dentro da ciência dita convencional, que ainda estão presas a uma visão materialista da vida e do cosmos.
— Uma visão ocultista, Herr Queise?
— Me chame de Sean, Srta. Kinchër. Somos jovens para tantos ‘Senhores e Senhoras’! — gostou de incomodar Heidi acima de tudo com aquela intimidade.
— Está bem Sean... — Deborah dessa vez não olhou para Ralph pedindo permissão. — Explique...
— Talvez haja realmente uma visão ocultista em tudo isso, uma visão que talvez os crocodilos humanoides sejam feitos de energia, ou que nós não vibremos na mesma frequência deles, por isso não os vemos.
— Interessante meu jovem! — Kabir gostou daquilo.
— E não vemos também com a visão de telescópios, como Spartacus que nada vê? — foi a vez de Michel cutucá-lo em voz de deboche.
“Poliu!”; foi o que Sean pensou.
— Mas o reducionismo não é exclusivo da ciência, jovem Queise — Kabir pigarreou a fim de chamar atenção.
— O que é reducionismo Herr Kabir ou só Kabir, bem íntimo? — Heidi provocou-o.
Kabir sentiu-se oprimido pela provocação dela.
— Jovem Zuckeuner. Pode-me chamar de Kabir, o sábio, como todos me chamam.
Ela ia rir, mas o beliscão veio rápido dessa vez e Heidi calou.
— Afinal o che é reducionismo?
— É uma espécie de miopia Miss Ãnkanna, tipo quando o Hubble ou Spartacus está com a tampa da lente fechada para novas observações — gargalhava Michel entrando na conversa sem ser chamado.
— Spartacus nunca fechou suas lentes! — Sean se irritou.
— Quer parar, Signor Shipton? — todos olharam a guia.
— “Parar” por que, Signorita Lambrusco? Ah... ‘Scusa!’ é Ambrósia, com pouca intimidade — riu Michel alertando todos para o fato dele a conhecer, talvez intimamente. — Pois a miopia reducionista é igual a um supertelescópio espacial, que pode ver uma estrela de milhões de formas, mas não consegue enxergar o defeito porque uma tampa impede o ângulo de curvatura da luz real, e também as adjacentes. Não é assim ‘Sean’? — usou do mais puro cinismo. — Quer dizer, enxerga, mas é cego — voltou Michel a irritá-lo.
Sean precisou pensar mais de duas vezes.
— Dio mio! Agora chega! — exclamou Ambrósia que de tanto enrolar os cabelos loiro-avermelhados, os deixaram com nítidos tufos de nó. — Vorrei vedere um pouco de música... — procurava com os olhos um de seus empregados para ligar o som. — Porca miseria... Quando comprenderanno che non è buono?
— Quê? — Gyrimias tentou entender o que acontecia.
— Chega di discussões sobre intra e extraterrestres, va bene?
— Mas discutíamos sobre satélites não? Ai! — e Heidi levou mais um beliscão seguido do som forte da voz da guia Ambrósia.
— Eu disse chega di storias fantásticas sobre Terra Oca e intraterrenos e crocodilos humanoides, va bene Signora Zuckeuner?! — exclamou tão forte e tão próximo a Gyrimias que ele jurava que ela gritava era com ele. — Chega non Signor Plavuska? Non Signor Queise?
— Mas não fui quem...
— Chega Signor Queise! — Ambrósia Lambrusco exclamou tão forte que Sean se calou; a odiou também. — Il Signor Plavuska è di estrema importanza il domani — fazia movimento com as mãos para que todos se levantassem, fossem embora. — Dormir, dormir e riposati.
Rogério levantou-se e foi seguido por Álvaro que desde que ali sentou, não abriu a boca nem para engolir o chá servido por Romeu, atento a todas as conversas.
Sean ficou observando Pii quase explodir nas ordens dela; ele, porém se controlou dessa vez e levantou-se largando a cadeira por lá. Ambrósia não se fez de rogada, arrumou os cabelos loiro-avermelhados num coque improvisado, fechou a cadeira de Rogério, Álvaro e Pii e as encostou-se a um canto, calmamente, esperando os outros levantarem.
— Herr Plavuska descansa, mas eu não estou nem um pouco a fim de... — Ai! — exclamou Heidi pelo apertão no braço que levou do marido. — Que é? Que foi?
— Como que foi? — falou ele enfim. — Temo que a madrugada se estenda, mesmo — levantou Schiller Zuckeuner, enfim. — Gute nacht fur alle! Boa noite para todos!
Todos responderam ‘Boa noite!’ e Schiller encarou a esposa Heidi.
— Scheiße Schiller! — explodiu Heidi Zuckeuner com um palavrão se levantando, levantando folhas secas por onde passou sumindo da vistas de todos.
Ambrósia fechou as cadeiras deles juntando-as às outras encostadas na pedra, e deu as mãos para Gyrimias Leferi se levantar, o intimando a ir embora. Gyrimias olhou Sean de rabo de olho e se levantou fechando sua cadeira, totalmente intimidado. Depois foi à vez dela se aproximar de Sean, esticar-lhe a mão e ele só a olhar. A bela guia italiana sorriu sem graça e desistiu indo dar a mão para Edegar Cascco se levantar. Edegar pareceu engolir a saliva a ponto de fazer barulho, e foi embora sem se despedir. Pierre também saiu e Deborah ficou tão agitada com a confusão que deixou a cadeira cair duas vezes, enquanto Michel correu a ajudá-la e Ralph o fuzilar com um olhar rasteiro.
Gyrimias ainda olhou para trás, e viu que Sean era o único a continuar sentado na cadeira, observando Ambrósia extremamente eficiente fechando a cadeira de Pierre e Kabir. Ela então se virou para Sean pela última vez e a cadeira de Kabir abriu-se ao lado das outras. Ambrósia voltou então até as cadeiras, e voltou a fechá-la quando a cadeira abriu-se. Ela fechou-a e a colocou atrás de todas as outras cadeiras fechadas, encostadas na pedra, para então se virar e dar de encontro com a cadeira de Kabir aberta à sua frente.
O longo olhar que ela deu em Sean Queise a denunciou. Ela sabia que fora ele quem abrira a cadeira.
Ele então riu baixinho, se levantou e deixou sua cadeira lá, indo em direção às barracas. Ambrósia o olhou se afastar e se virou para pegar a cadeira dele, mas ela não mais se encontrava ali. Olhou um lado e outro e quando se virou, a cadeira dele estava lá, com as outras cadeiras, encostadas na pedra, todas de uma forma assustadoramente alinhadas.
3
Acampamento ‘Contatos com a natureza!’; Serra do Roncador.
15.67° 50’ 24” S e 54.99° 16’ 24” W.
23 de janeiro; 03h00min.
Um som metálico se seguiu a gritos, a muitos deles. Gritos histéricos de mulheres, corpos que tombavam ao chão, desmaiados; foi o que Sean Queise ouviu e viu às três horas da manhã, quando chegou de short e camiseta perto da fogueira recém-acesa.
— O que houve aqui? — perguntou ele para Gyrimias Leferi que vestia um robe de seda que o cobria até a ponta do chinelo.
Ele mal acreditou no que o funcionário vestia.
— Não sei Senhor Sean Queise.
Heidi ainda gritava quando parou de gritar e caiu ao chão.
— Mais uma? — correu Dr. Lucio largando Deborah também desmaiada nos braços do pai.
Sean aproximou-se de Michel Shipton armado com uma Tyron, vendo em estado de choque o corpo seco de Rogério. Michel então deixou cair da mão amolecida a Tyron, e saiu. Mas Sean olhou para o chão não vendo sangue no corpo estático, embranquecido e seco de Rogério Plavuska, nem em volta do corpo.
Procurou imediatamente com os olhos pelo outro professor, mas Álvaro não estava lá. Abaixou e pegou a Tyron entregando-a a Gyrimias.
— Segure isso Gyrimias.
Mas Ambrósia arrancou a arma de sua mão.
— Io fico com isso, va bene, Signor Queise?
— Não vai funcionar, Senhorita — ele viu Ambrósia olhar para a arma. — Ela é travada por biometria — ele viu Ambrósia olhar para Michel indo embora.
E Sean não gostou do que viu; ela sabia algo mais, ficou claro.
Ambrósia nada falou e guardou a arma no elástico do short e Sean ergueu as sobrancelhas ao ver a arma e o baby-doll curto que ela usava, encantado mais pelas pernas roliças que caminharam para longe dele, até a barraca grande, do que pela arma que mal se sustentava no pouco tecido.
— Socorro!!! — e o ajudante de cozinheiro, o garoto Leandro, gritou dentro da barraca grande antes de Ambrósia se quer entrar.
Ela correu, e também Sean, Pii, Edegar e Ralph que apoiou o corpo, agora acordado, da filha Deborah num travesseiro improvisado, correram também. Um verdadeiro banho de sangue, diferente do seco Rogério, se estendia por toda a cozinha.
— Meu Deus! — exclamou Sean atordoado para o corpo do professor Álvaro, caído no chão de terra batida. Sean se aproximou ao perceber pequenos movimentos na roupa suja. Tocou-o percebendo que sua pele começava a endurecer e tomar um tom enegrecido. — Ele está respirando! — anunciou Sean.
— Chamem o Douttore Ataliba!!! — gritou Ambrósia ordenando ao ajudante de cozinheiro, o garoto Leandro que tremia.
O garoto Leandro saiu e o Dr. Lucio Ataliba chegou ofegante.
— Ele vai ficar bem? — Sean apavorava-se. — Sua pele está esquisita, dura — tocou-a.
— Álvaro teve mais sorte que Rogério — o Doutor tirou da maleta agulhas e linhas para sutura, mostrando a tal intimidade.
— “Sorte”? Sua jugular quase foi rompida — apontava Sean.
Mas o Dr. Lucio não lhe respondeu. Enfiou três agulhas que quebraram no ato.
Sean percebeu que o Dr. Lucio ainda insistia.
— Dio mio! Si tratta di un corte pequeno para tanto danno, non? — questionou Ambrósia. — Parlatto, um corte preciso.
— O que quer dizer com isso Senhorita? — Sean a observou.
— Solo uno comentário.
— Ele vai ficar bem — o Dr. Lucio administrou antitetânica na perna e também suturou a artéria que esvaecia em sangue. — Agora o leve para a barraca! — ordenou ao o garoto Leandro e Romeu, já começando a guardar suas coisas na maleta.
— Como o Sr. Plavuska morreu? — Sean ainda tentava concatenar as ideias.
— Não sei ao certo Sr. Queise. Algo; um bicho, talvez.
— Talvez o bicho que ele viu ontem? — perguntou Edegar para todos a sua volta.
— Signor Plavuska só se levantou perché stava stanco — respondeu Ambrósia afobada.
— “Stanco”? E cansaço morde e suga sangue? — perguntou Sean cínico para Ambrósia.
— Suga... — e Ambrósia não terminou.
— Foi o chupa-cabras! — falou o cozinheiro Paulo, tremendo todo.
— Non parlare besteiras, porca miseria! — repreendeu Ambrósia. — Quer assustar a tutto, Paulo?
— Talvez não seja besteira Senhorita. Na Argentina e Chile ocorrem histórias semelhantes — Edegar intrometeu-se.
— Argentina e Chile, Signor Cascco. Stamos in Brasile. Dio mio, non andare acreditar nessas storia di caipira, andare? — Ambrósia gesticulava o tempo todo.
— Chupa o que? — Ralph pareceu não entender.
O Dr. Lucio Ataliba se retirou.
— A ferida na jugular é profunda para serem mordeduras — falou Edegar confuso como se falasse com ele mesmo.
— Sim, as mordidas não são... — Sean olhava em volta procurando algo que lhe escapara.
Edegar prosseguiu animado:
— Na década de cinquenta, o agricultor Alejandro Gil, contou a um padre que tudo era culpa do ‘Vampiro chileno’, denominado cientificamente como Desmodus rotundus, único mamífero hematófago, que se alimenta de sangue, que se conhece em Chile.
A bela Ambrósia só ergueu a sobrancelha ruiva.
— Há décadas que a imprensa, e digo que já não é a sensacionalista, têm propagado um fenômeno que se popularizou como ‘Chupa-cabras’, Srta. Ambrósia — Sean enfrentou o desafio. — Estranhas mutilações provocadas em mamíferos quadrúpedes, especialmente caprinos, bovinos e equinos; e se tem conhecimentos até de coelhos sendo sugados.
— “Sugados”? Como assim ‘sugados’ Herr Queise?
— Eles têm alguns órgãos, como línguas e sexo removidos com precisão cirúrgica, o que levanta questão que não são desse planeta.
— Isso explica porque o Sr. Rogério lá fora não tem sangue; ele foi sugado — completou Paulo.
E Sean não tirava a bela guia e seu curto baby-doll de sua vista, e ela viu aquilo.
Sean recuou.
— Relatos contam que tal desaparecimento do sangue é feito por dois orifícios, com cortes que se cauterizam — Edegar completou.
— “Cauterizam”? — Ambrósia riu com gosto.
— Como acha que conseguem cauterizar algo, Sean? — Romeu nem se preocupou com o deboche da patroa ou o fato dele estar sendo para lá de íntimo com um componente da trilha.
Mas Sean não se preocupou em como foi chamado, mas pelo fato de Romeu ter voltado à surdina.
— Talvez a resposta, se é que seja uma resposta, Romeu, está no formato físico do chupa-cabras. As testemunhas oculares dizem que ele é uma espécie de réptil de pele escamosa e de um tom enegrecido, com corcunda espinhosa, alguns com asas de morcego, e possuí na saída de sua boca um instrumento que lembra a boca de um mosquito, por onde suga o sangue. Algumas dessas testemunhas acreditam que seja uma língua com algum tipo de cicatrizante, que ao penetrar nas vísceras dos animais cauterizam a incisão após sua saída.
Ambrósia gargalhou até não poder mais. Os cinco homens ficaram olhando-a com interesse.
— Vai ver sono aquelas listas ‘pazzo’ che falou isso — Ambrósia quis irritá-lo.
— Listas o quê? — Sean partiu para a briga.
— Pazzo! Tontas! Ridículas! Quer mais Signor Queise?
— Bitte! Por favor! — Ralph teve que intervir quase precisando os separar mesmo sem ter entendido a provocação. — Não vamos discutir em meio à confusão, wir?
— Talvez seja outra coisa — interrompeu Pii se aproximando deles.
— Ecco vem un’altra besteira? — correu Ambrósia a ficar nervosa.
— Não é besteira. Todos conhecem a lenda de entidades intraterrenas que atacam suas vítimas com precisão cirúrgica, sem deixar para trás uma única gota de sangue se quer.
— Isso! Lenda! Mito! Parlatto bene Signor Tii.
— O homem é um ser em busca do sentido e a prolífica quantidade de mitos, tornou-se referência para se desenvolver uma humanidade curiosa e inquieta, por desvendar os enigmas dos fenômenos que regem o mundo, Senhorita — Sean viu Ambrósia virar-se para olhá-lo, e sua maneira de falar tão bem sobre aquilo a alertou. — Ou será somente que apenas o espírito científico é dotado de capacidade para compreender corretamente a realidade?
— “Realidade”? — ela olhou o sangue manchando o chão. — Che realidade?
— Uma realidade que diz que os mitos são narrativas de caráter sagrado, posto que seus personagens principais são sempre os deuses e os entes sobrenaturais, que devem ser compreendidos como a religião dos povos antigos e primitivos.
— Entes de che?
— Entes que contam histórias mágicas de intraterrenos na busca de reafirmação de suas necessidades de conhecimento.
— Quantos anos têm Signor Queise? — Ambrósia definitivamente não gostou do que ouviu; também não gostou de algo nele que a incomodou.
— Minha idade não...
— Espere! Espere! — Ralph parecia ter voltado à estaca zero. — Disse “intraterrenos”?
— Sim! — exclamou sem perder um único movimento dela.
— E perché nada disso chega aos jornais ditos convencionais, Signor Queise?
— Manipulação Senhorita Lambrusco. Governos secretos, ocultos.
Ambrósia também não gostou daquilo. Agora era Sean quem a desafiava de alguma forma.
— O chupa-cabras então vivem na Terra Oca?
— Não sei dizer Sr. Kinchër — e Sean ainda fuzilava a bela ruiva.
— Viu? Tu non sapere nada.
— Eu... — Sean foi realmente seguro pelo pequeno Pii.
— O que teme Ambrósia Lambrusco? — Pii prosseguia na discussão acirrada percebendo a aura dela voltar a ficar carregada.
Ambrósia engoliu a saliva a tossir.
— O che temo? Non sapere. Mancanza di istruzione, forse tuo — os cinco a olharam. — Falta di educação dele, talvez? — piscava nervosa ao traduzir.
— Falta de que? — Sean quis realmente explicação do ataque a ele.
— Acalme-se Sean Queise — Pii segurou-o. — E talvez não seja falta de educação Ambrósia Lambrusco, talvez seja sua aura sempre carregada, drenando todos — Pii girava sua mão pequena sobre a cabeça agora dela, a enfrentado.
— Drenando che? — Ambrósia fuzilava o pequeno Pii.
— Perceberam que não havia cheiro ao redor de Herr Plavuska? — falou Ralph vendo Ambrósia quase avançar no pequeno asiático.
— “Cheiro?” — Edegar não entendeu.
— Os animais atacados não costumam mesmo cheirar — Romeu falou em meio a discussão e Ambrósia queria ter engolido ele também. — Desidratam-se sem apodrecer ou exalar cheiro. Por isso não atraem abutres ou outros animais carnívoros, e por isso muitos são atacados na floresta fechada Sean — Romeu voltou a falar.
Agora Sean ficou imaginando como Romeu sabia daquilo e porque o chamava daquele jeito.
— Se o chupa-cabras não deixa sangue para trás então por que Herr Buzzara derramou tanto sangue aqui? — questionava Ralph apontando o chão sujo.
— Talvez tenha sido interrompido — falava Pii nervoso a olhar Ambrósia.
— Mas não disseram que ao retirar a língua, a ferida cicatrizaria? — perguntou Ralph.
— E se for como a aranha? — todos olharam Romeu. — Não é anormal insetos injetarem algo parecido como anestésico para paralisar sua presa, e depois injetarem substâncias que derretem os órgãos; algo como ácido enegrecido. Se ele tem boca de mosquito então vai precisar disso, já que não teriam um estômago adequado. Nossa anaconda também age assim.
“Répteis”; soou por todo Sean.
— Temos que chamar a polícia — falou Edegar Cascco olhando em volta.
— Non podem usare il telefono.
— Por quê? — falou Edegar outra vez.
— Perché non temos telefono! — respondeu totalmente descontrolada.
— Como assim ‘não temos telefone’? — Sean a estranhava cada vez mais.
— Cosa c’è che no va? — ela descarregou em Sean com uma voz carregada.
Sean ergueu o sobrolho e apontou em volta.
— Qual é meu problema? — foi o mais cínico possível traduzindo-a. — Problema algum Senhorita. Qual é o seu?
— E onde está o rádio? Não estava ali? — apontou Edegar não levando em conta as respostas ríspidas da bela guia.
O cozinheiro Romeu se virou assustado quando todos o olharam.
— Foi ele! — apontou para a poça de sangue. — O Sr. Álvaro veio aqui correndo e perguntou sobre o rádio. Eu apontei e entrei para a cozinha — falou Romeu.
— “Correndo”? Signor Buzzara fugia di algo?
— Não sei Srta. Ambrósia. Só sei que o Sr. Michel pediu-me para colocar sua vodka no freezer, e tentei explicar que nossas refeições eram muito simples por causa da pequena geladeira a carvão, e não vi mais nada.
— Sir Shipton entrou no momento que o Professor Álvaro usava o rádio? — perguntou Sean.
— Sim, Sean. Ele entrou e eu disse não à sua vodka, então ele saiu irritado. O Sr. Álvaro... — Romeu apontava para a poça de sangue outra vez. —, ainda tentava falar, mas havia interferência.
— Na hora che o Signor Plavuska sta atacado?
— Não. Foi antes — e Romeu olhou Ambrósia. — Acho...
— Acha? — Edegar não acreditou no que ouviu.
— Onde sta il rádio agora? — procurava Ambrósia em volta.
— Não sei onde está o rádio Srta. Ambrósia.
— Tentaram matar o Professor Álvaro por causa de um rádio? — divagou Sean no que Ambrósia soltou um som que mais parecia um desanimo. — Que foi?
— Presto percebe che sta divagando, Signor Queise. Deve ter sido o mesmo animale che ha attaccato il Signor Plavuska. Va bene?
— Va bene! — Sean a desafiava.
E Ambrósia apontou para fora da barraca, enrolando os cabelos loiro-avermelhados no dedo sistematicamente, tentando que eles saíssem também.
Mas ninguém se moveu do lugar.
— Usaremos o celular — procurava Ralph no bolso do robe. — Ele descarregou. Onde temos uma tomada?
— “Tomada”? Percebeu que estamos num acampamento? — cortou Edegar.
— Baterias então?
— Batterie somente in autobus. Autobus in ‘Dedo de Deus’. Domani! — explicou Ambrósia.
— Quer dizer que não temos luz elétrica nem baterias até amanhã?
— Exato Signor Kinchër! — respondeu Ambrósia contrariada. — Suo normas da empresa. Sono utilizzare le cose naturali.
— “Cose naturali”? Bene! Faremos mensagens de fumaça amanhã de manhã — insinuou Sean fazendo Ambrósia arregalar os lindos olhos verdes.
— E os ônibus só estarão a nossa disposição amanhã?
— Parlatto ‘exato’ Signor Kinchër?
— E o corpo morto do Sr. Plavuska? E quem vai carregar o Sr. Buzzara pela trilha? — questionava Edegar desorientado.
— A Srta. Desorganização! — emendou Pii Tii apontando para ela.
— Perché non dormire, Signor Tii? — explodiu Ambrósia sob forte pressão. — Questo stanco...
— Cansado não, Ambrósia Lambrusco; ando sendo drenado. Estou perdendo minhas forças vitais desde que me encontrei com sua áurea carregada — Pii saiu furioso.
— Questo! Se ne vada! Vattene? — Ambrósia mandou-o embora com frenéticos movimentos dos braços fortes.
— Que desorganização... — completou Sean.
— Ahhh!!! — gritou Ambrósia deixando a todos lá.
Sean se afastou também, não queria mais se envolver em discussão; não com ela. Foi atrás de Gyrimias que mal se continha em pé de tanto sono ao lado da agora acordada, Miss Ãnkanna.
— Vá se deitar Gyrimias. Ninguém mais vai morrer até de manhã.
— Cruzes Senhor Sean Queise.
— Desculpe-me... — Sean olhou para os dois. —, só estava sendo irônico.
— Aonde foram colocar o corpo do Signor Plavuska? — Miss Ãnkanna olhou em volta.
— Não sei Miss Ãnkanna. Até nossa guia italiana se recuperar das insinuações feitas por um Sr. Tii drenado, acredito que não saberemos — respondeu Sean.
— Scusa! Todos estão indo deitar. Então buona notte — anunciou Miss Ãnkanna.
— Buona notte! — exclamou Gyrimias que ia também embora, mas foi puxado.
— Por que disse ‘morcego’ ontem na hora que Rogério disse ter visto algo?
— Parcelado minhas duvidas achei ter ouvidos sons de morcegos — e Gyrimias sorriu no que Sean fez uma careta de quem não entendeu. — É que passava as férias na Aquitânia, área rural na França onde minha avó paterna morava, e nos fazia ficar de prontidão todo o verão quando as janelas ficavam abertas por causa do calor. Meus ouvidos foram trabalhados para escutar o som dos morcegos — Gyrimias viu a careta ainda pregada no rosto dele. — Acha que foram morcegos que o atacaram, Senhor Sean Queise?
— Não, claro que não. Edegar lembrou-se de um caso interessante da década de cinquenta, o ‘Vampiro chileno’.
— Que agiria como morcego?
— Talvez... Mas o cozinheiro Paulo falou algo sobre o chupa-cabras e... — e Sean olhou para trás. — E o outro cozinheiro...
— Ah! Cruzes! Parcelado o que diz, fala daquele bicho alienígena que chupa o sangue dos animais? Como o de Varginha? O Senhor entende disso?
— Parece-me que não só eu — Sean olhou rapidamente para os lados e alguns circulavam não tão longe deles dois. — Cuidado, Gyrimias. Se isso for parar na mídia de alguma maneira, estou ferrado.
— Ah! Parcelado o que penso, eu...
— Você o quê? — Sean o olhou de lado com cinismo. — Eu não vi nada, Gyrimias. Não posso afirmar nada também. Não sabia de atividades de chupa-cabras aqui na Serra do Roncador.
— Mas poderia saber não Senhor?
— “Poderia”?
— Não falo de suas invasões... — olhou para os lados. — Falo de suas visões... — e parou arrependido do que falou.
— Minhas visões remotas? — Sean o viu só balançar a cabeça num movimento afirmativo sabendo que Sean lera seus pensamentos; e aquilo também era assustador. — A Argentina tem casos quase que semanais, mas eu não sabia que algo acontecia por aqui. Ultimamente minhas visões remotas só vão até onde a Poliu está — suspirou sabendo que Gyrimias sabia daquilo. — E parece-me que a Poliu estava em Peruíbe esperando algo; algo que a envolveu a ponto de contratar espiões psíquicos para me bloquear.
— E se eles o bloquearem?
— Não consigo nada, Gyrimias. Nem saber que um buraco está sob meus pés — Sean viu Gyrimias olhar para baixo. — Foi metafórico Gyrimias — ele viu o funcionário só arquear o sobrolho. — Dezenas de cabeças de gado têm aparecido mortas e mutiladas em circunstâncias estranhas na região de La Pampa, província do Rio Negro — aquilo ele comentou. — Veterinários e patologistas ficam atônitos com a precisão e a limpeza dos cortes apresentados. Ao mesmo tempo, diversos UFOs são relatados sobre as regiões do ataque — ele viu Gyrimias o olhando. — E eu não soube por visões remotas.
— Isso então não é possível? Parcelado, quero dizer, os ataques de chupa-cabras a homens?
— A literatura ufológica nada cita. Aqui no Brasil, o que mais chega perto, é uma história bizarra de um homem mutilado encontrado na Represa Guarapiranga, na capital de São Paulo, em 1988. Nem os médicos legistas conseguiram explicar as mutilações. E as semelhanças com mutilações alienígenas tipo crocodilos humanoides aos animais, são assustadoras.
— Quem o estudou?
— O boletim de ocorrência foi o primeiro registro do caso, depois houve um enxame de informações na Internet que atribuíam as mutilações a provável ataque de urubus, mas na necropsia foi averiguado, que seu corpo teve todas as vísceras retiradas por uma perfuração de apenas três centímetros de diâmetro. Uma perfuração feita na altura do umbigo, que também foi extirpado.
— Cruzes!
— No boletim também estava escrito que o lábio e grande parte da pele do maxilar inferior, bem como a língua e o esôfago, haviam sido extraídos com ‘precisão cirúrgica’. Os músculos do braço, retirados simetricamente na parte superior dos dois membros por um orifício de apenas dois centímetros, acredite.
— Acredito!
— E também haviam sido removidas a bolsa escrotal, anus e reto.
— Cruzes! Não acredito...
Sean olhou-o.
— Os legistas analisaram também as roupas do cadáver e não encontraram uma única gota de sangue, Gyrimias.
— Seco! Como o Senhor Rogério Plavuska?
— Ele está tão seco que mal posso ver se há ou não vísceras nele — Sean coçou o queixo, pensativo. — O Dr. Lucio nada comentou, não é?
— Não, Senhor! Eu fui acordado com os gritos e o Doutor Lucio Ataliba já estava aqui — uma agitação e falatório próximo às barracas fizeram os dois se virarem para ouvir. — Acha que a Senhorita Ambrósia Lambrusco tem algum fato para seguir?
— Albert Einstein dizia que se os fatos não se encaixassem na teoria, modificavam-se os fatos — riu.
— Acha que vão mudar os fatos?
— Provável...
— Vai chamar a polícia, Senhor?
— Sem celulares, sem rádio, e meu tablet está sem bateria... — Sean olhou o burburinho outra vez. — Ralph também falou que o celular dele descarregou.
— O calor?
— Não Gyrimias, há algo aqui, uma força que faz descarregar baterias.
— Eu... Parcelado Senhor... Disse-me que vínhamos a uma trilha então não trouxe nada — olhou o relógio de pulso.
— Viu o Professor Álvaro ontem falar algo sobre o rádio?
— Não! O Senhor Álvaro Buzzara se sentou aqui na fogueira e não abriu a boca.
— Tem algo errado nisso tudo, Gyrimias. Sei que tem...
— Nós vamos continuar na trilha; é isso?
— É isso! Só não sei o que vamos conseguir Gyrimias — Sean se despediu indo para sua barraca também.
O corpo seco, a ser removido, ia ter que esperar até o amanhecer.
Acampamento ‘Contatos com a natureza!’; Serra do Roncador.
23 de janeiro; 10h12min.
A luz do dia atravessava as pupilas do belo e jovem empresário, já que o zíper da sua barraca havia sido aberto. Sean ergueu o corpo num rompante. Procurou em volta, mas ninguém estava lá. Levantou-se até próximo da porta da barraca para ver que o zíper não fora exatamente aberto; uma fina lâmina cortara o náilon na junção.
Alguém tentara entrar na sua barraca.
Sean vestiu a calça de brim comprida por cima do short do pijama e correu descalço e descamisado para fora, chegando ofegante na barraca grande onde todos já tomavam o café da manhã.
— Alguém queria falar comigo? — falou Sean num tom furioso.
Todos se olharam.
— Che cosa disse? — questionou Ambrósia da mesa ao vê-lo descalço e sem camisa.
— “Disse” se alguém queria falar comigo? — todos se olharam de novo. — Porque cortaram a minha barraca antes que eu o convidasse a entrar! — apontou nervoso.
Ambrósia Lambrusco levantou-se ao ver que Sean Queise além de sem camisa, e descalço, tinha o pijama a aparecer por debaixo da calça de brim comprida.
— Perdoname! — e seus olhos caíram foi no peito viril e jovem dele. — Che cosa voi che parlate, Signor Queise?
— Pare com esse negócio de ‘Signor’. Falei que alguém cortou o náilon da minha barraca enquanto eu dormia, porque quando fui dormir teria percebido ao fechar o zíper!
Ambrósia olhou para todos. Nada falaram.
— Credere che sua tendoni já stava assim... — tentava Ambrósia, convencê-lo.
— Eu disse que ‘não’ estava cortada quando fechei o zíper!
— Non sei perché sta tão nervoso Signore. No viu direito che...
— Não vi o quê direito?! — gritou.
E Ambrósia não gostou daquele grito.
— Sta stanco!
— “Cansado”? Ótimo! Agora estou cansado?
— Jovem, bonitinho e cansado — emendou Heidi Zuckeuner para atiçar ele.
— O que disse Senhora Zuckeuner? — perguntou um Sean ainda furioso para além da barraca de refeições.
— Nada... — voltou Heidi a tomar goladas de café observando as réguas de músculos que Sean apresentava.
— Sua tendoni é a mais afastada di tutto. Ninguém poderia ter chegado lá sem passar per tutto as tendoni restantes — explicava Ambrósia. — Acho bom o Signore vestire una roupa… — e voltou a prestar atenção no peito musculoso dele. —, e tomar un caffè perché partiremos em mezz’ora.
— “Meia hora”? Vamos partir em meia hora? — Sean olhou para fora da barraca grande. — O que é aquele monte de terra? — apontou.
— Se lo sono preoccupato. Enterramos o corpo gasto di Signor Plavuska.
— “Enterramos”? Não vão esperar a polícia? Ele precisa ser autopsiado, necropsiado, sei lá.
— Non me olhe assim, non foi mia idea! — Ambrósia apontou para a barraca grande. — Foi idea di Douttore, pode perguntar — ela viu Sean a encarar. — Agora vá...
— Não vou com você há mais nenhum lugar! — e Sean se virou sem falar com ela, voltando para sua barraca.
— Signor Queise?! — gritou Ambrósia.
— Não vá atrás dele, Ambrósia dear! — se aproximou Michel dela. — O Sir Queise está caindo fora como sempre! — falou Michel ao lado de Ambrósia no que Sean quase alcançava as primeiras barracas e estancou num ato só.
— Como é que é?! — Sean gritou de lá de cima, voltando atrás, descendo outra vez fazendo todos seus músculos brilharem no calor.
— Per favore, Michel — Ambrósia segurou os braços do botânico como se fossem conhecidos.
— “Michel”? — riu Sean incomodado não soube por que com o tratamento íntimo dado ao inglês. — Well! — ironizou. — Já está dando para ver — e se virou para voltar para a sua barraca.
Ambrósia foi ofegante atrás dele.
— “Ver” o che? — quis Ambrósia saber.
— Ver o fim dessa maldita viagem com um tipo de guia como você… — e Sean só acabou de falar para ser esbofeteado.
Demorou até que sua vista voltasse a fixá-la em meio há alguns ‘Oh!’ que pipocaram ali. E por uma misera fração de segundos, Sean teve a sensação de ver Sandy Monroe, de vê-la o esbofeteando no lugar da guia Ambrósia; da noite do noivado, da briga, da fuga dela escada acima, da porta trancada, do tiro fatal. Sean voltou tonto à realidade se percebendo fora do controle. Os outros na barraca grande, vendo toda a confusão logo adiante, abaixaram a cabeça. Só os dois ficaram lá, a se odiarem; até mesmo Michel deu um tempo e voltou à sua xícara de café.
Sean então se virou e voltou a subir a trilha das barracas totalmente desnorteado e Ambrósia foi atrás dele.
— Tu vai ter che vir con me, Signor Queise.
— Vá para o inferno! — Sean entrou na barraca furioso.
Ambrósia estava sem fôlego quando entrou na barraca dele.
— Essa è una missione, è necessario completare — entrou com a cabeça na barraca.
— Eu não vim em missão alguma, Srta. Ambrósia. A não ser ver pessoas serem mortas enquanto sou esbofeteado em italiano.
Ambrósia não se deteve pela ironia.
— Todos vieram com tu missione Signor Queise — ela o viu desarrumando o resto da mochila ao invés de arrumá-la. — Per favore! Io to perdendo la pazienza mais di che já tenho perso.
— Não me interessa. Quero saber por que tenho que continuar?
— Perché o Signor Buzzara me parlatto che tu era a chave dessa missione — olhou para a barraca dele cortada e não gostou daquilo. — Non tenho a mínima idea di che faz qui Signor Queise… — o olhou estranhamente. —, mas dependemos che tu continuare, se quisermos sair vivos questa trilha.
E Ambrósia saiu da barraca voltando para a barraca grande.
“Missione” lembrou-se do corpo seco de Rogério, do corpo ensanguentado de Álvaro, do reaparecimento do marinheiro no Hospital Psiquiátrico que sabia, era onde estava Alcântara Jr.. E lembrou-se da visão de Vincenzo Bertti no Brasil, segundo na hierarquia da Poliu, e que usava armas íntimas.
E tudo naquela ordem.
Acampamento ‘Contatos com a natureza!’; Serra do Roncador.
23 de janeiro; 11h53min.
As barracas e todos os apetrechos que carregavam em volumosas e altas mochilas, pesavam. Nem Deborah, nem Miss Ãnkanna e nem Heidi foram liberadas da carga.
A mata se fechava de vez em quando e o cozinheiro Paulo e o garoto Leandro, iam à frente abrindo-a a facão. Ambrósia alegou que sua bússola estava com as agulhas descontroladas. Passou a se mover e mover a trilha através do GPS de Heidi que parecia ter baterias ainda; Sean não gostou daquilo, do porque o GPS dela ainda ter bateria.
— Absurdo! Onde já se viu essa guia não usar um GPS, telefone global, tablet? — proclamava Pii o tempo todo para Sean que se absteve de falar que estavam no meio de uma mata, num acampamento natural, ao ver a guia os olhando.
E Ambrósia vinha se esforçando para não voar em cima do pequenino japonês.
Já Miss Ãnkanna foi diminuindo seus passos até parecer ficar lado a lado de Sean, que só entendeu a aproximação quando ela parou para arrumar os laços da bota que usava.
— Precisando de ajuda, Miss Ãnkanna? — falou Sean vendo todos passarem por ele.
— Grazie! Non consigo alcançar as botas com esse peso i... Scusa! — segurou-o pelo braço. — Minha tendoni também foi cortada.
— Quê? — Sean levou um susto fingindo amarrar as botas dela.
— Alguém tentou me matar ontem, e si non fosse o despertar di enorme e barulhento relógio di tuo funcionário Gyrimias Leferi, percebi che ele o usava no café domani. Bene, non teria acordado a tempo di ver di relance algo se aproximando di mio pulmão.
— Se machucou?
— Non! Eu o empurrei rapidamente e seja lá quem foi só conseguiu destruir o náilon di minha tendoni — Miss Ãnkanna arrumou a mochila nas costas. — Grazie, Signor Queise! — falou em voz alta.
Agora Sean quis mesmo interpelar Ambrósia e reclamar da falta de segurança da ‘Srta. Desorganização’, mas Ambrósia não aguentava mais ninguém. Em toda sua vida de guia, nunca ninguém morrera em tais circunstâncias. Ela prosseguia nervosa, em meio a galhos arrancados que voavam por cima dos homens que seguiam à frente, por vezes atrapalhando o andar de Ralph Kinchër, que parecia muito cansado.
Sua filha Deborah o observava o tempo todo quando um som agudo e estático atordoou a todos.
— Ahhh!!! — gritos foram dados por todos até não se poder mais aguentar.
Os tímpanos pareciam querer explodir e o chão então tremeu rapidamente, para então tudo cessar.
— Dio mio! — Ambrósia Lambrusco tentava entender. — Che aconteceu?
— Não sei — Sean mal conseguia parar de apertar a cabeça, que parecia mesmo querer implodir.
— Ai! Meus ouvidos... — reclamava Heidi. —, estão doendo muito — olhou para o marido Schiller que também sentia sua cabeça girar.
— Srta. Ambrósia? — perguntou o garoto Leandro. — Que som foi esse?
— Non sappia.
— Que dor!!! — gritava Dr. Lucio Ataliba achando ter ficado surdo.
— Foi um som diferencial.
— Um som “o quê”?
— Diferencial! — explicou Heidi Zuckeuner. — No cinema chamamos de som diferencial o terceiro som produzido pela execução de dois sons simultâneos de elevação diferente.
— E quando um som... — ia Edegar falando quando foi cortada por Ambrósia.
— Per favore, Signore, Signora. Vamos si abster di explicações soantes e continua questa trilha — ordenou Ambrósia. — Siamo chegar até o fim da tarde in ‘Dedo de Deus’.
Todos retomaram o peso nas costas e se preparam para ir em frente.
— Ahhh!!! — gritou Deborah ao ser picada.
Ambrósia largou os ombros. Sabia que outro imprevisto acontecera.
— Was ist passiert? — gritou seu pai ‘O que houve?’.
Kabir Kamadeva e Michel Shipton largaram as mochilas ao chão, também.
— Não sei... Acho que foi aquilo — apontou Deborah para uma grande formiga.
— Tomem cuidado todos vocês! — falou o cozinheiro, Romeu. — As formigas aqui são saúvas muito doloridas.
Ambrósia correu a entregar-lhe gelo que havia tirado da geladeira a carvão puxada pelo cozinheiro Paulo.
— O som agudo pode ter as tirados dos buracos profundos onde ficam — explicou Paulo.
— Espero que não seja alérgica a penicilina!!! — continuava gritando Dr. Lucio com uma agulha já preparada, não ouvindo a própria voz, afastando todos até chegar nela.
— Ele é rápido na agulha, não? — Schiller cutucou Sean que nada falou.
— Dói muito — Deborah se ergueu, mas sentiu suas pernas falsearem.
Michel ia pegá-la no colo, mas Ralph o empurrou para longe. Porém seu corpo não aguentou o corpo que desfalecia, e Sean correu para segurar os dois.
— Por favor! — insinuou Sean erguendo a filha de Ralph, que o observava com gosto.
— Danke! — exclamou Ralph no chão.
Sean, porém não teve coragem para olhá-la nos olhos, sentiu-se tímido de repente. Ralph nada falou e Michel teve ciúme de Sean Queise indo para bem longe deles.
Já Ambrósia olhava em volta, olhava no GPS, e estranhava a presença da brecha de luz na densa mata.
— Coloque-a qui! — apontou Ambrósia para Sean após percebê-la no colo dele. — Daremos una parada até a Signorita recuperato.
Sean então colocou Deborah no chão, e todos pararam aliviados, antes do som ensurdecedor já haviam andado mais de quatro horas sem descanso.
Gyrimias que ia atrás de todos carregando o corpo de Álvaro foi o mais aliviado; e todos os homens carregavam o corpo doente do arqueólogo numa maca, por meia hora, alternando-se.
Michel chegou à clareira junto com Ambrósia e franziu o sobrolho:
— Que folhagem estranha.
— Como assim estranha?! — passou Dr. Lucio por ele guardando um montão de agulhas.
— Elas estão dispostas dentro desse enorme círculo, amassadas no chão.
Heidi olhou para baixo.
— Tem cobra aqui?
— Nunca visto essa clareira, Signora Zuckeuner — Ambrósia ainda tentava entender o que se passava no GPS.
— É um círculo estranho mesmo — emendou Edegar. — É extremamente circular.
— Quanto de diâmetro acha que tenha a clareira meu jovem? — perguntou Kabir a Michel.
— Uns três quilômetros de diâmetro.
— Ach du lieber gott! É um ‘henge’ mesmo grande, não? — Schiller girava extasiado em torno dele mesmo.
Sean havia acomodado o corpo de Deborah no saco de dormir que Miss Ãnkanna pegou de dentro da grande mochila dela e esticou-o sob algumas folhagens dobradas.
— Danke, Herr Queise — agradeceu Ralph Kinchër sentando-se ao lado da filha.
— Não há de que! — Sean se afastou sob olhares inquisidores de Ambrósia.
Sean começava a se sentir mal quando seus olhos cruzavam daquela maneira com os da bela guia de viagem, e ele nada conseguia captar dos pensamentos dela. Também estava tão tenso que nada, absolutamente nada conseguia ler no éter. E aquilo lhe deu ideias; ou seus dons falhavam pela tristeza que lhe acometia nos últimos anos, ou ele não queria pensar no outro ‘ou’.
— Ela é tão delicada — Miss Ãnkanna foi logo dizendo para o pai dela, Ralph, fazendo massagens nos seus próprios ouvidos.
— É sim. Eu trabalhei muito à vida toda, sempre viajando. Deborah e a mãe Gretta eram muito unidas — fez-lhe um carinho. — Desde o desaparecimento de sua mãe há dois anos que ela desmaia com facilidade — explicou Ralph.
— Oh! Quanto mi dispiace! Que pena!
— Sinto-me culpado por isso.
— Non si senta male, la colpa non è tua. — falou a meia italiana meia indiana Miss Ãnkanna mostrando toda sua sensibilidade. — Come ela desapareceu?
— Gretta era jornalista investigativa, cobria a história das últimas atividades dos vulcões na Itália e desapareceu quando estava próxima da boca do Etna. O vulcão entrou repentinamente em erupção... — Ralph olhou para Deborah num suspiro. —, e nunca encontraram o corpo dela.
— “Gretta”? — estranhou Miss Ãnkanna. — Si! Ricordo! Dove abiti ora?
Sean ficou ali por perto os ouvindo, estranhou a pergunta de Miss Ãnkanna e mais ainda os olhares trocados entre pai e filha no ‘agora’.
— Agora vivemos no Chile — respondeu Ralph Kinchër com certa mudança na voz.
— Parlate che o ar lá é ótimo — completou a paleontóloga Miss Ãnkanna levantando-se para observar algumas rochas ao seu redor, espalhadas sob a estranha folhagem amassada.
— Podemos comer? — ranhetou Heidi não gostando da conversa.
— Fósseis! — Miss Ãnkanna não se conteve.
— O que disse Miss Ãnkanna?! — gritou Heidi indignada.
— Parlatto fósseis!
— Quer que eu coma fósseis?
— Non! Non! Parlatto che as rochas qui são fósseis — olhava em volta atordoada, girando até quase cair tonta.
Todos olharam em volta, olharam para o solo, olharam para ela.
— Que tipo de fóssil? — interessou-se Pierre Lemarc até então calado ao lado de Kabir.
Sean se aproximou mais ao ouvir a voz do espeleólogo, percebeu que ele andava muito arredio. Nem quando Rogério morreu, ele e Kabir apareceram.
— Me parecem che são rochas plutônicas.
— Impossible! — exclamou Pierre em alto e bom som.
— Scusa! Non sou vulcanóloga Signor Lemarc, ma capisco di fósseis, credere; pode acreditar.
— E eu sou um espeleólogo. Já disse que isso é impossible Mademoiselle — se enervava vendo todos se aproximaram deles.
— Perché?
— Olhe em volta! — Pierre esticava as mãos, nervoso. — Rochas plutônicas numa clareira?
— Guarda! Olhe o Signore! — Miss Ãnkanna apontou para pequenas rochas espalhadas.
— Mon Dieu! Impossible! Impossible! — enervava-se enquanto as segurava.
— Che cosa sta succedendo qui? — correu Ambrósia.
— Herr Lemarc e Miss Ãnkanna estão discutindo por causa de umas pedras — Schiller adiantou-se.
— “Pedras”?! — gritaram Ãnkanna e Pierre em uníssono.
— Nota-se logo Monsieur Zuckeuner, que és um ignorantim — explodiu Pierre.
— Um o quê?! — gritou Schiller se erguendo do chão.
— Sir Lemarc quis dizer que você é burro, Sir Zuckeuner. Em latim ficou mais bonitinho — riu Michel observando a folhagem interessado.
Schiller ficou com o rosto vermelho, arregalou os olhos, mal pode conter a respiração.
— Não é nada disso! — entrou Kabir na gritaria odiando ver o que Michel causou. — Isso é latim, jovem Zuckeuner. Ele quis dizer que você é ignorantim, sine intelligentia, inculto, não quer dizer burro; quer dizer apenas que nada entende sobre o assunto.
— Ah! — ficou Schiller ainda na duvida.
— Quis dizer que isso não é uma pedra, é uma rocha — Pierre Lemarc voltava a falar alheio as indignações de Schiller.
— Scusa outra vez, ma são fósseis numa rocha plutônica! — exclamou Miss Ãnkanna convencida, e no máximo de português que conseguiu.
— Impossible! — exclamava nervoso.
— Por que é impossível Sr. Lemarc? — interessou-se Sean.
— Io parlatto... — correu Miss Ãnkanna a falar, empurrando Pierre para o lado. —, che as rochas ígneas, di latim ignis, fogo, são também conhecidas come rochas magmáticas. São formadas pela solidificação, cristalização di magma, che um líquido quente, em torno di 1200º C e claro proveniente di interior di Terra. O tamanho dos cristais di rochas ígneas tem haver com o tempo di resfriamento di magma. Allora! — mostrou.
E todos olharam.
— Prossiga! — pediu Sean.
— Magmas cristal azulados in grandes profundidades, all’interno della... — Miss Ãnkanna encarou Pierre. —, se resfria próximo à superfície di crosta em temperatura ambiente; rochas di tipo subterrâneo vulcânicas come o diabásio.
— E esses fósseis que a Senhorita têm na mão foram fossilizados em que rocha? — questionou Sean outra vez.
— Fossilizados em granito.
— Pardon?! — gritou Pierre. — Impossible! — apontou em volta. — E onde está o vulcão? — afastava nervoso com os pés, as folhagens que não tinham sinais de terem sido aquecidas nem queimadas.
Miss Ãnkanna balançava a cabeça.
— Não é esse o problema, não é Miss Ãnkanna? — percebeu Sean.
— Non Signor Queise — ela olhou para ele e depois para Pierre. — O problema é che fósseis non podem ficar expostos ao tempo e non se deteriorar; e esse fóssil sta intacto come...
— Como se tivesse acabado de ser retirado das entranhas da Terra — completou um Sean pensativo.
O indiano Kabir olhou Sean que olhou o velho indiano Kabir.
— Si! Come paleontóloga che sono, as rochas me fornecem importantes informações ao longo di tempo geológico. Os fósseis são vestígios di seres vivos antigos preservados questas rochas.
— Come on, Miss Ãnkanna. Não temos mais um geólogo especializado aqui para confirmar isso — interveio o botânico Michel.
— A Paleontologia, Signor Shipton, é a ciência che estuda evidências di vida pré-histórica preservadas nas rochas. Os fósseis elucidam non apenas...
— Mas afinal qual é a da rocha ser ou não ser plutônica, Ãnkanna? — Pii pensava alto.
— É por isso que Sr. Plavuska era tão importante nessa viagem, não é Srta. Ambrósia? — aproximou Sean dela; o corpo de Ambrósia descompensou inteiramente. — Rogério ia chegar até aqui e nos dizer exatamente isso...
— Que um vulcão repentinamente abriu sob nossos pés e desapareceu em seguida — tirou Pii, a frase da boca dele.
Um mal estar se instalou sob eles dois.
Sean se afastou de Ambrósia e foi se sentar ao lado de Gyrimias que estava embranquecido com tamanha informação.
— Senhor... Não pode mesmo?
— Posso o que Gyrimias?
— Isso que acabou de não poder.
Sean o olhou com interesse. Era verdade. Ele não se adiantou aos pensamentos do funcionário, não previu o ataque dos professores nem que sua barraca fosse ser cortada, invadida, não conseguia saber o que significavam os fósseis, o vulcão, nem porque a clareira se parecia com o pouso de um grande UFO; nem nenhum pensamento ali.
Começou a achar que era o lugar, toda a mata da Serra do Roncador, todo Roncador. Talvez uma informação que ainda não se mostrara. Ou a informação se mostrara e ele não conseguira captar. Ou captara, mas não conseguira entender tal captação.
Olhou Gyrimias e nada respondeu.
— Aquele som... Poderia ter sido um vulcão abrindo? — perguntou Deborah para o pai que observava tudo a sua volta.
— Eu pelo menos nunca ouvi falar nisso — completou Edegar.
— Eu sim! — exclamou Michel Shipton. — Uma vez no Tibet. Foi por isso que abandonei a botânica forense.
— Pensei que você só tinha abandonado a Poliu — foi à vez de Sean criar um clima ruim na clareira.
— Que está falando, Warez?
— Do que me chamou Michel? — Sean levantou-se para cima dele sendo seguro por Ambrósia que adorou tê-lo tocado.
— Per favore, Signores — correu ela outra vez para apaziguar os ânimos o segurando pelo braço. — Non vamos chegar a lugar nenhum; literalmente parlando.
— E ainda quer ir a outro lugar, Senhorita? — Sean se virou para ela que o largou.
— Parcelado ser verdade o vulcão — Gyrimias conseguiu desgrudar a língua seca do céu da boca em meio a toda a discussão. —, por que... — fez movimentos inconsistentes com as mãos. —, por que um vulcão abriria e fecharia após... — e parou de falar.
— Quem era Rogério, Srta. Ambrósia? — perguntou Sean mais nervoso ainda, deixando Gyrimias sem respostas, que até acreditou não querer.
— Amico di Signor Professore Álvaro Buzzara — Ambrósia apontou com desdém para o corpo ainda adormecido atrás deles.
Sean quis fazer mais que bater boca com ela; em italiano ou em português.
— Quem era Rogério?
— Non sei!
— Sabe sim!
— Non sei!
— Quem era Rogério?! — gritou Sean.
— Non grite comigo! — Ambrósia se alterou no que ele gritou com ela.
— “Il Signor Plavuska è di estrema importanza il domani. Dormir, dormir e riposati” — repetiu Sean o que ela falara um dia antes.
— Ahhh! — Ambrósia explodiu. — Era geólogo e vulcanólogo! Capiche?
— “Vulcanólogo”? Capito! Exatamente quem poderia responder sobre um vulcão que aparece e some no meio de uma mata!
— Non sei Signor Queise! — respondeu Ambrósia mais irritada.
— Então quer dizer que se ele foi trazido a essa trilha é porque o vulcão já se abriu outras vezes?
— Perché mi põe in una situazione complicata Signor Queise?
— Porque começo achar que Sr. Tii tem razão, Srta. Desorganização — ele viu ela o fuzilar, ter vontade de esbofeteá-lo com as mãos ainda no ar, e vê-lo esperando ela fazê-lo. — Vamos! — ele ainda desafiou-a. — Bata-me!
Ambrósia desistiu caminhando para um lado enquanto Sean foi para o outro totalmente descontrolado.
— Agora podemos comer? — Heidi Zuckeuner conseguiu quebrar o mal estar.
Os três cozinheiros correram para as panelas fazendo um barulho danado.
Acampamento ‘Contatos com a natureza!’; Serra do Roncador.
23 de janeiro; 19h13min.
Sean não foi o único a desejar que fossem obrigados a pernoitar na estranha e grande clareira circular. As horas voaram e prosseguir na mata fechada até o anoitecer era se colocarem em riscos desnecessários. Pareceu mesmo mais ajuizado deixar para o dia seguinte.
Fora o desconforto de ter que montar a barraca, Sean tinha outras preocupações, sentia que devia ter pensado num jeito de deixar Kelly em estado de alerta caso não conseguisse contatá-la, quando o farfalhar do náilon da barraca o alertou.
— Posso entrar? — perguntou Deborah Kinchër já lá dentro da barraca dele.
— Ah! — Sean estava deitado sem camisa, no chão duro da barraca. — Desculpe-me Senhorita — percebeu que estava só de shorts pensando se mais alguém não estava por ali.
— Mach dir keine sorgen! Não se preocupe! — traduziu Deborah. — Não há ninguém lá fora!
— Ah... Não me preocupo.
— Por que está deitando no chão duro?
— Minha coluna... — Sean curvou-se, mostrando a Deborah suas pernas torneadas como também as réguas de músculos que ela rapidamente tocou fazendo enrijecer o tórax dele.
— Mach dir keine sorgen! — ela sorriu encantadoramente.
“Não se preocupe!” não era bem o que Sean achava, o perfume forte que ela usava atravessou-lhe a pele.
Percebeu também que ela colocara uma roupa mais feminina do que usara até então. Ele até teria dito roupa ‘mais insinuante’, mas só sorriu sem graça, com estranhas sensações para com ela. Sensações, porém, confusas, pela metade; como a sensação de que ela tinha mais idade do que aparentava.
— Quantos anos você tem? — mas foi ela quem perguntou de repente.
— Vinte e dois.
— E seu ajudante?
— Gyrimias? Vinte e sete.
— Vocês são jovens para o trabalho que exercem.
— Então sabe quem eu sou, não?
— É conhecido o adolescente mega empresário que assumiu a maior empresa de computadores do mundo, Herr Queise.
— “Adolescente”? — riu. — E depois me chama de ‘Senhor’?
— Todos lhe chamam...
— Não na minha barraca — e recuou totalmente alertado com o que disse, com o olhar que ela lhe deu. — E você? Quantos anos têm?
— Vinte e quatro. Formo-me ano que vem em jornalismo, como minha mutter, minha mãe — sorriu-lhe olhando para os lados. — Estão todos falando.
— Falando o que?
— Sobre o diâmetro e nunca ter sido vista pela Fräulen Ambrósia.
— Ela disse mais alguma coisa?
— Fräulen Ambrósia diz estar tão surpresa quanto Michel, que fica pegando, cheirando e depois catalogando num saco plástico toda folhagem que encontra. Acho que ele vem ficando meio doidão com tantas plantas — Deborah gostou de ver Sean rir. — Mesmo Herr Tii dizendo que ele drena a mata...
— Você o chama com intimidade; o conhecia?
— Michel? Papai o conhecia. Ele é um dos especialistas originais contratado para traduzir o Manuscrito Voynich.
— Wow! O Voynich? O manuscrito tem realmente intrigado pesquisadores desde que o livreiro Wilfrid Voynich o encontrou. Além de palavras indecifráveis, as 240 páginas incluem desenhos de ninfas nuas, diagramas astrológicos e plantas que ninguém foi capaz de identificar. Michel foi capaz?
— Identificaram algo numa línguagem estruturada, que segue a Lei de Zipf; a palavra mais comum em uma línguagem natural é duas vezes mais usada que a segunda, e três vezes mais do que a terceira, e assim sucessivamente.
— Falo das plantas; ele identificou alguma?
— Papai diz que sim, mas não há registros acadêmicos.
— Nunca há.
— Mas sei que Michel esteve no México, Tibet, Parque Mammonth no Kentucky, Jordânia, em florestas da Costa Rica e Nicarágua, Sibéria, Honolulu, Ilhas Fiji, e mais recentemente no Mar Tirreno.
— E o que ele veio fazer aqui no Roncador? Além de drenar a mata?
Ambos riram e Deborah se inclinou até Sean não poder escapar, o beijando profundamente. Uma corrente de baixa voltagem percorreu seu corpo.
— Senhorita... — Sean estranhou o choque, ela, ele, tudo ali. — O que quer?
— O que quero? Nada! — Deborah se ergueu um pouco. — Só vim realmente ver por que você se escondeu aqui.
— Não me escondi... Eu só... — e foi à vez Sean beijá-la quando ela soltou todo seu peso sobre ele.
O beijo rolava e Deborah se movia sobre as réguas de músculos. Sean sentiu-se quente, excitado. Ela o beijava com tanta intensidade que ele demorou a arregalar os olhos azuis para a figura roliça, que os observava na porta de sua barraca; uma figura ruiva, de olhos verdes e cabelos presos em coque alto, pescoço longo, banhado em perfume de rosas, o predileto dela, Sandy Monroe, a noiva morta.
“Droga!” Sean sobressaltou-se empurrando Deborah com a sensação de que Ambrósia e Sandy eram umas só, ali paradas.
Chacoalhou a cabeça com força e Deborah arrumou os fios do cabelo loiro que caíram da faixa que usava na cabeça, saindo da barraca por detrás do corpo de Ambrósia que ainda o observava. Sean não soube se a guia ia falar algo ou agredi-lo, mas ela ficou lá, estática, com as feições carregadas.
— Não é o que está pensando...
— Io sta a pensare alguma coisa, Signor Queise? — a bela guia Ambrósia deu meia volta e foi-se tão sorrateira quanto chegou.
Acampamento ‘Contatos com a natureza!’; Serra do Roncador.
23 de janeiro; 23h08min.
— Senhor Sean Queise? — foi à vez de Gyrimias ir até ele.
Sean acordou do cochilo que começava a pegar; saiu do quarto para a antessala da barraca.
— Desculpe-me Gyrimias — olhou o relógio no pulso dele. — Wow! Passam das vinte e três?
— O jantar está sendo servido com atraso, Senhor.
— Pare de me chamar de ‘Senhor’ Gyrimias. Não estamos na Computer Co. e sou mais novo que você.
— Desculpe-me por isso Senhor — ergueu os óculos que escorregaram no rosto fino pelo calor local. —, é o costume.
— Por que seu relógio não parou?
— Como é que é?
— Não sei. O GPS de Heidi também não parou... — Sean viu Gyrimias confuso. — Tem algo que preciso dizer Gyrimias. Desde quando começamos essa trilha meus dons vêm falhando, cada vez mais, e eu nada! Entende? Não consigo sentir nada — Sean fez menção de tocar o ar. — Achei que todos aqui fossem espiões psíquicos preparados para me bloquear, mas não consigo nada com você também — ele viu a careta do funcionário, provável pensou no que Sean lia nos pensamentos dele. E Sean nem precisou dos ditos poderes. — Ãh... Estão todos lá? —
Sean também ficou na duvida se encarava Ambrósia ou fugia do problema e deixava a coisa esfriar até outro dia.
— Sim Senhor.
— Gyrimias... — colocou uma camiseta branca em cima do short. — Eu havia conversado com o Professor Álvaro e ele havia me dito que Michel era um ex-agente da Poliu, mais exatamente, um botânico da Poliu, e Deborah me disse quando esteve aqui... — e Sean viu que Gyrimias não gostou de saber aquilo. —, que Michel trabalhou no Manuscrito Voynich.
— Parcelado o que sei, o manuscrito é o mais enigmático dos livros que se conhece. Até mais que o Codex Seraphinianus, uma enciclopédia sobre um mundo imaginário, indecifrável, com mais de mil desenhos feitos pelo artista Luigi Serafini, entre 1976 e 1978.
— Que ‘dizem’, apesar de realmente ter sido feito por Serafini, ele afirma que toda a obra foi revelada a ele por vozes, como numa psicografia. E dizem alguns ufólogos, que foram os crocodilos humanoides quem mantinham comunicação telepática com Serafini.
Gyrimias riu e parou de rir.
— Desculpe-me Senhor. Falávamos do Manuscrito Voynich, não? Que o Senhor Michel Shipton anda cheirando e catalogando plantas desde que começamos a trilha.
— Para que Michel faz isso? Botânica forense?
— Parcelado o que sei, não é muito. Sei que o botânico americano Arthur Tucker, notou semelhanças entre certas plantas do Manuscrito Voynich e ilustrações de plantas em registros do México do século XVI.
— Também não sei o que dizer Gyrimias, esse manuscrito há tempos frustra os maiores especialistas em decifrar códigos criptografados. O que me leva a questionar o porquê do uso da criptografia. Para esconder algo? Botânica ou Farmacologia era comum no final da Idade Média para incomodar a Igreja a ponto de precisarem criptografar algo. Metade do volume retrata plantas inteiras, segue uma seção astrológica, com desenhos do Sol, da Lua, de estrelas, o zodíaco, círculos no céu e muitas mulheres nuas. Depois estranhos desenhos de tubos, dizem, vasos sanguíneos, e mais mulheres nuas em piscinas. Em seguida vem a seção chamada de farmacêutica, que parece uma lista aparentemente sobre folhas e raízes, como as que Michel cataloga.
— Acha que o Senhor Michel Shipton ainda está trabalhando no manuscrito? Parcelado Senhor, poderia ser um tratado alquímico? Os alquimistas lidavam com um conhecimento considerado sagrado e poderoso, como transmutar o ouro e curar pessoas. Talvez o manuscrito quisesse esconder algo da população, já que a caça às bruxas era forte, e era sabido que mulheres nuas e plantas medicinais era sinal de bruxaria.
— Não sei. O mesmo Tucker dizia que uma das plantas de Voynich se parecia à Viola bicolor, o amor-perfeito do campo, que só cresce na América do Norte, e que só foi descoberta depois do Manuscrito Voynich chegar até nós; tirando uma viagem no tempo, como isso teria sido possível?
— Viagem no tempo Senhor? — e ambos saíram para jantar.
— Sim Gyrimias. Há algo na seção astronômica do manuscrito que parece ser a imagem de uma galáxia, que só poderia ter sido conseguida com observações através de um telescópio construído por volta de 1608; uma galáxia que muitos acreditam ser a nebulosa de Andrômeda e Plêiades...
E Gyrimias arregalou os olhos fazendo com que o calor e o suor escorregassem os óculos de lente grossa.
— Senhor, acredita-se que o manuscrito seja obra de um charlatão do século XVI, de olho no ouro que Rodolfo II oferecia por relíquias místicas.
“Relíquias!”; soou em Sean como um gongo.
— Gyrimias, preciso de sua ajuda para conseguir falar com Kabir a sós... — sussurrou ao ouvido do funcionário. — Acho que ele é o elo dessa trilha e o porquê de meus dons estarem desligados.
Sobre isso Gyrimias nada comentou.
— Signor Queise?! Signor Leferi?! — gritou Miss Ãnkanna ainda longe. — Venham! Junte-se a nós! — Miss Ãnkanna apontou a toalha estirada no chão onde Edegar, também de shorts e camiseta, sentava-se ao lado de Pii usando calça social e camisa, que sentava do lado dela, usando um enorme vestido colorido, enquanto Dr. Lucio de bermudas e camisa social estava do outro lado da toalha.
Sean achou-os totalmente desconectados de uma trilha. Depois procurou Deborah com um rápido olhar e a percebeu sentada numa segunda toalha com seu pai Ralph, Pierre e Kabir; os quatros usando roupas mais confortáveis.
Numa terceira toalha estava sentado Michel e o casal Schiller, com Heidi usando um vestido azul para lá de curto, vigiando de um pouco mais perto, o corpo de Álvaro Buzzara, que estranhamente ainda dormia apesar dos medicamentos já terem sido diminuídos.
Os três cozinheiros não armaram a barraca grande, cozinhavam num espaço mais afastado da mata e agora serviam as três toalhas.
Ambrósia ainda de bermuda e camiseta da empresa de trilhas, estava em pé, dando as últimas coordenadas quando serviu seu prato e encarou Sean. Porém, ela preferiu sentar-se ao lado de Michel que usava algo parecido a um macacão, e que havia sido separado de Deborah pelo pai dela, porque Ralph não gostava de Michel, talvez por conhecê-lo demais.
Já Ambrósia parecia deliberadamente estar dando trela para Michel. Agora Sean sentiu-se mal ao ver a bela guia italiana derreter-se para o empolado botânico britânico.
Ele teve mais ódio ainda do ex-agente da Poliu.
— Não pensei que sopa de potinho fosse ser um cardápio a minha altura. E a água mineral está quente, o ar está quente, o chão está quente. Milagre não ter mosquitos e muriçocas — reclamava Heidi.
Miss Ãnkanna resolveu salvar o abatido marido e uni-los mais a turma.
— Cerchiamo di conoscere meglio? Oh! Scusa! Vamos nos conhecer melhor? O che faz Signor Zuckeuner? — perguntou ainda sentada na primeira toalha após a tradução. — E perché veio in questa trilha?
Ele pigarreou antes de falar.
— Sou astrônomo e fotógrafo amador. Vim por causa das belas paisagens. Venho montando um livro de fotos sobre cavernas e conheci Herr Rogério Buzzara pela Rede Internet quando aconteceu o convite.
— Come interessante. É algo conflitante trabalhar con as estrelas e si apaixonar pela escuridão di cavernas.
— Nem todas as cavernas são escuras, Mme. — Pierre falou bem baixinho.
Sean, que há muito prestava atenção nele, escutou-o.
— Io Signor Leferi? — falou Miss Ãnkanna com todo seu charme e intimidade. — O che faz e o che faz qui?
— Sou cientista em computação — sorriu sem graça ao ver a atenção de Miss Ãnkanna para com ele. — Trabalho há catorze anos na Computer Co..
— “Catorze”? Nossa! Parece tão novo? — Heidi acordou para conversa.
— É. Sou novo. Tenho 27 anos e comecei cedo, com treze anos.
— “Treze”? Dio mio!
— Well! Um nerd! — Michel foi vil.
— Nerd, não, Senhor Michel Shipton. Acima da média — o franzino e tímido Gyrimias devolveu-lhe vendo que Sean gostou, e Michel não gostou dele ter gostado. E Ambrósia os ficava observando, esperando o próximo ataque direto. — Meu pai me levava para ajudá-lo nas linhas de montagens da Computer Co. na França, Miss Ãnkanna, e o Senhor Fernando Queise permitiu que eu trabalhasse como aprendiz — Gyrimias olhou Sean. — Depois me formei em Harvard com vinte e dois anos.
— Vinte e dois?
— Sim, Senhora Heidi Zuckeuner. Eu ia para o MIT, mas o Senhor Fernando Queise me chamou, e agora que o Senhor Sean Queise assumiu a empresa, sou ‘first’; faço parte do primeiro time de cientistas dele — limpou os óculos. — Vim como convidado... Acho eu.
— E tu Signor Queise? Che cosa?
— Que faço? — Sean parou de comer para olhar Miss Ãnkanna e ver que todos o olhavam novamente. — Wow! Antes eu poderia dizer que brincava de computadores, que era um nerd... — sorriu para Michel que nada falou. —, mas o trabalho de empresário é muito delicado, dedicado, e também muito estressante... Hoje sento na minha mesa e me vejo fazendo coisas que até Deus duvidaria.
— O “que até Deus duvidaria” tem haver com sua fama? — interrompeu Michel.
— “Minha fama”? Aonde quer chegar Michel? — partiu Sean para o ataque sem nenhuma formalidade.
— Me? No way... — deu de ombro tomando o fundo do copo de sopa.
— Signor Michel... — foi a vez de Ambrósia instigá-lo. —, chi ha tegoli di vetro, non tiri sassi al vicino.
— “Quem tem telhado de vidro não atira pedra no do vizinho?” provérbio interessante Ambrósia Darling, porque o vidro do Sir Queise estilhaça mais ultimamente — gargalhou Michel.
O desconforto pairou sobre todos e os cozinheiros Paulo, Romeu e o garoto Leandro se olharam enquanto Michel encarava Sean que realmente tinha vidro estilhaçando mais ultimamente.
— E estilhaça Sean bonitinho? — provocou Heidi.
— Yes, Mrs. Zuckeuner, estilhaça no mundo underground da Internet onde Sir Queise é um hacker — Michel inclinou-se. — Um mestre hacker.
— Um mestre? Que chique? Ai?! — e um beliscão estreou a sua noite. — Que foi?! — gritou Heidi com o marido.
— Chega Heidi! — Schiller enfim se irritou.
— Chique não diria, Mrs. Heidi — continuava Michel. —, mas pluralidade há; Hacker, Cracker, Phreacker, Warez — gargalhava o botânico inglês. — Ou seria um Black hat?
Gyrimias soou litros, foi à sensação que teve ao ver Sean calado fuzilando Michel. E a demora em vê-lo responder mostrava que Sean estava sentindo-se vulnerável.
— Você é um ‘chapéu preto’, Sean? — Romeu quis saber.
De Romeu, Sean também não gostava. Nem daquela intimidade toda.
— Come on! Não vai perguntar o que é um ‘Chapéu Preto’, Sra. Zuckeuner que pergunta tudo? — riu vendo que Schiller não gostou.
— Um Black hat, na línguagem underground, é uma expressão sobre aqueles que não seguem a ética hacker — foi Sean quem respondeu.
— Porque hackers tem ética! — exclamou Michel visivelmente se divertindo com tudo aquilo.
— Eu já ouvi falar muito de você — Ralph Kinchër agora entrou de vez na conversa. — Li também uma reportagem onde seu pai dizia que já havia trabalhado demais e lhe passara o comando de todas as empresas Computer Co..
— Meu pai preferiu se aposentar cedo.
— Seu pai também era um exímio programador, um nerd de sua época.
— Sim, Sr. Kinchër. Meu pai me ensinou muita coisa — e Sean deixou pensar que tudo que sabia lhe havia sido ensinado.
Gyrimias estranhou-o. Mesmo sabendo que Fernando Queise era tido no passado como um hacker habilidoso, ele nunca ensinara nada a Sean Queise, nada haver com a Deep Web ou ensinar seu filho a não ter éticas.
— Por isso é considerado pela mídia como um exímio empresário na área de informática, apesar da pouca idade, Herr Queise?
Sean aliviou um pouco as suas feições:
— Eu diria Sr. Kinchër, que é uma das poucas vezes que eu a mídia fomos gentis um com a outra.
— Mas essa mesma mídia também diz que você é um Warez assíduo da Deep web, e isso vem se complicando, não Herr Queise?
Sean não gostou das perguntas cada vez mais explícitas de Ralph.
— O che o Signor Kinchër quis dizer com isso Signor Queise? — e Miss Ãnkanna até podia ter ficado quieta.
— Warez é um termo usado para identificar ‘copiadores de softwares’, Miss Ãnkanna; o nome saiu do final do software. E faz parte da vida digital desde os computadores Apple II, Atari 800 e Commodore 64. A chegada da Web só complicou um pouco a coisa já que permitiu que uma Internet mais escusa, ajudasse a disseminar.
— Os primeiros hackers envolvidos no software cracking se juntaram em grupos, criando os ‘Cracking Crews’, ou grupos de cracking, normalmente ligados a pirataria de softwares comerciais — Gyrimias não sabia se aquilo ia ajudar ou não.
— E perché Signor Shipton lhe chamou assim Signor Queise? Uno Blach hat? — Ambrósia também podia ter ficado calada.
— Porque corre uma maldição no sangue de todos nerds da computação que um dia se tornarão hackers, criadores de algo, copiadores de algo, que saem da luz para vier na escuridão da Internet, sem éticas — Sean estava por um fio.
— Que absurdo! — disse um.
— É mesmo. Um absurdo! — disse outro.
Sean tentava se manter frio e Michel atento àquela frieza.
— Quanto ann Signor Queise? — Miss Ãnkanna ainda tinha o controle da conversa.
— Vinte e dois anos, Miss Ãnkanna.
— Dio Mio! Che nuovo!
Sean não achava aquilo. Para seus pais ele nunca foi novo.
— Você não construiu um satélite de observação para a Polícia Mundial? Spartacus? — inquiriu Edegar.
— Um satélite espião — mas Michel queria briga.
— Não é um satélite espião! — e foi uma exclamação forte a de Sean Queise. — Só não veio a público.
— E como se chama isso? — perguntou Michel. — Espião! — foi o próprio quem respondeu sorrindo um sorriso debochado.
Gyrimias só olhava Sean perder a frieza cada vez mais rápido.
— Não é espião. Foi encomendado pela Polícia Mundial, Sr. Cascco, como deve conhecer — Sean diria que nem soube por que falou, mas Edegar não gostou de ouvir. —, mas os mainframes que se conectam com o satélite de observação Spartacus são meus; eu os alugo apenas. E isso o mundo acadêmico sabe. Portanto não é espião.
— Quanta informação disponível — tratou Michel de lançar mais lenha na fogueira.
Sean cerrou os olhos e os abriu rápido para Michel.
— Disponível para quem?
— Por que deu ao satélite o nome de Spartacus, Herr Queise?
Sean olhou para Deborah ainda sentindo as suas veias saltarem.
— Spartacus foi o escravo romano que liderou a rebelião contra o Império Romano. O satélite é para mim, Srta. Kinchër, a forma que encontrei de me rebelar contra os que não acreditavam em minha capacidade, como a Poliu.
O mal estar foi geral. Se a Poliu era conhecida de todos ou não, ninguém perguntou agora ‘O que é a Poliu?’.
— A Computer Co. do Brasil foi assaltada faz poucos dias, não foi jovem Queise? — lembrou-se Kabir em meio ao fogo cruzado.
Gyrimias outra vez sentiu a demora nas respostas do patrão.
— Uma infeliz ocorrência, Sr. Kamadeva — Sean encarou o chão.
— Sabe que nada é por acaso, não sabe?
Sean encarou Kabir.
— Não entendi; entendi? — começava a se sentir pressionado pelas perguntas.
Sean arrependeu-se de ter ido jantar.
— Ainda bem que não estava lá na hora do assalto — falou Michel em tom de deboche.
— Quem disse ao Sir Michel que eu não estava? — Sean desafiou-o de uma maneira que ele parou com as gracinhas.
— E estava? — perguntou Heidi agora sem malícia.
— Não Senhora — Sean voltou a aprumar-se.
— Che milagre, non star Signor Queise.
— Não acredito em milagres Miss Ãnkanna.
— Morreu alguém? — insistiu Michel mais uma vez.
— Infelizmente!
— Oh! Deve ser horrível dormir achando que se é culpado pela morte de alguém.
— Quer acabar com isso Herr Shipton? — repreendeu Deborah. — Está incomodando Herr Queise à toa.
— Não se incomode Senhorita — falou Sean. —, porque nada me incomoda.
— Nada te incomoda, Sean Queise? Nem quando sua noiva ladra suicidou-se por sua causa? — Michel terminou por desfiar o veneno fatal e Sean voou de uma toalha para a outra caindo com tudo em cima dele.
E foi tão rápido que todos juraram que não o viram sair do lugar, que nada se moveu, que o corpo dele se teletransportou na velocidade empreendida. Sean sentiu os cinco dedos adormecerem no contato com o rosto de Michel, que caiu desmaiado levando toalha, pratos, potinhos e gritinhos para a folhagem que passara a tarde toda catalogando.
— Não se atreva mais, ouviu?! — gritou Sean por entre os dentes cerrados de ódio. — Nunca mais!!! — saiu do jantar para sua barraca sem ser seguido.
E não foi seguido porque Heidi Zuckeuner foi impedida pelo beliscão de Schiller Zuckeuner, Deborah Kinchër foi impedida pelo pai Ralph Kinchër após um olhar frio, visto por Gyrimias Leferi, que se impediu de ir. Miss Ãnkanna também foi impedida por Kabir Kamadeva e Pii Tii, que a desaconselharam de interferir num momento de pura tensão astral. Enquanto isso Pierre Lemarc, Edegar Cascco, Dr. Lucio Ataliba e os três cozinheiros só observavam ao lado de Ambrósia Lambrusco, que ficou com o coração na mão por não ter tido coragem de ir atrás de Sean Queise, que sofreu.
4
Acampamento ‘Contatos com a natureza!’; Serra do Roncador.
15.67° 50’ 24” S e 54.99° 16’ 24” W.
24 de janeiro; 07h45min.
O café da manhã não podia ser chamado de café continental, nem as acomodações eram de um hotel cinco estrelas. Faltava banho, faltavam comunicação e luz elétrica. Sean Queise sentiu tanta dor nas costas que não sabia mais se doía carregar a pesada mochila ou dormir no saco. Também nem podia chamar aquilo de dormir, teve pesadelos à noite toda; Sandy Monroe povoava seus pensamentos, todos eles. Por vezes sentia seu corpo sair, se projetar no éter, vagar em busca do perfume dela, de rosas, em busca do perdão da imagem nublada que Sandy se tornara para ele, da imagem confusa que agora parecia se misturar à de Ambrósia Lambrusco.
O Sol raiara há muito e o barulho e o buchicho aumentavam cada vez mais. Sean não queria mais enfrentar o botânico Michel, não queria mais ouvir o som da voz da guia Ambrósia, nem queria mais ver o corpo de pele de um tom enegrecido, estranhamente endurecida do Professor Álvaro.
Queria poder sumir dali e deixar as irritações no meio da serra.
— Mas que droga eu vim fazer aqui? — perguntava-se, a tentar lembrar as palavras de Álvaro antes do ataque. Ataque que também o deixava inquieto. Não acreditava em morcegos como Gyrimias. — Mas o que poderia ter sido? Chupa-cabras como falou o cozinheiro Paulo? Uma EBE? Um alienígena? — se questionava. — E por que o Sr. Edegar sabia tanto sobre as EBEs? Será que é por causa do Vampiro chileno? — Sean precisava questioná-los a sós.
Aliás, ficar só estava parecendo a pior parte da trilha. Lembrou-se da entrada de Deborah e a posterior entrada de Ambrósia.
— Sean Queise? — falou o cozinheiro Romeu tirando-o de seus pensamentos. — Srta. Ambrósia mandou o chamar. Disse que você é sempre o último.
— Ela disse isso... — ia retrucar algo, mas desistiu. — Seu nome é Romeu, não?
— Sim — o cozinheiro entrou na barraca.
— Por que Paulo disse que os ataques a Rogério e Álvaro foram feitos por um chupa-cabras? — e Sean foi obrigado a segurar Romeu que já ia escapar.
E sentiu algo quando o tocou, uma energia que fluía de uma maneira desordenada. Sean soltou o braço dele totalmente confuso.
— A Srta. Ambrósia me despede se...
— Ela não despede, não. Asseguro-lhe que ela não vai querer fazer café para toda essa gente.
Romeu achou graça, mas viu Sean sério com alguma coisa. Temeu que ele pudesse descobrir algo que não viesse de informações corretas.
— É por causa dos ataques que vem acontecendo a algumas fazendas da região, Sean Queise. Dizem que um animal ataca os frangos e os deixa sem sangue. Veio muita gente da capital dizendo que era um bicho de outro planeta, uma tal de...
— EBE! Entidade Biológica Extraterrestre!
— Isso. Fiquei sabendo que estudiosos de discos voadores do Planalto Central registraram inúmeros contatos com eles. Veio também gente do Chile. Disseram que lá chamam a EBE de chupa-cabras, porque os primeiros animais mortos assim eram cabras da região, e elas eram chupadas, ficando sem sangue.
— Edegar é do Chile. Disse que conhecia histórias...
— Essas EBEs, Sean Queise, o que acham que são?
Sean olhou para fora da barraca e viu que ninguém estava à espreita ouvindo.
Voltou e respondeu:
— Não sei o que pensar Romeu. Algo mordeu o Sr. Rogério e atacou o Professor Álvaro.
— E o chupa-cabras se encaixa nessa lacuna?
— Você é muito mais do que diz, não Romeu?
Agora Romeu deu um passo atrás.
— Está usando em mim?
— “Usando”?
— Dizem que costuma usar PK. Como quando saltou de uma toalha na outra.
“Saltou!”; sim, Sean havia saltado, e saltado de uma dimensão noutra. Sentiu-se mal, não imaginava que seus dons paranormais haviam escapado ao controle do silêncio.
— Não vou responder a isso, Romeu. Não vou porque não posso — Sean viu Romeu parecer concordar com algo. — Só mais uma coisa... — ainda tentou. — Quando o Professor Álvaro entrou para falar no rádio, Michel ainda estava lá, não estava? — Sean e Romeu saíram da barraca.
— Sim… — Romeu olhou-o com afinco. —, e eu achei que ia ser despedido; então menti.
— Por quê?
— Porque Michel parece que está fazendo algo maior que ficar cheirando aquelas plantas todas.
— Você o conhecia?
— Não com todas as letras.
— O que quer dizer?
— Que ele já foi comentado em algumas das nossas reuniões, mas nenhum dos meus há muito não ouvia falar dele. Era como se ele tivesse sumido e reaparecido anos depois.
— 12 anos depois?
— Como disse? — Romeu paralisou.
E como Sean não sabia muito bem o que falava resolveu mudar o foco.
— A guia...
— Cuidado Sean Queise, Michel tem influência sobre a Srta. Ambrósia... — e Romeu calou-se no que ambos deram de encontro com Ambrósia Lambrusco.
— Ho pensato che Romeu tinha se perdido — Ambrósia olhou para o cozinheiro Romeu, que percebeu ter parado de falar. — Já ia mandar un altro cozinheiro atrás di Signor Queise.
Romeu abaixou a cabeça e se retirou. Ambrósia se virou também e foi sem falar com ele.
— Como foi sua noite, Senhor? — foi à vez do cientista da Computer Co. se aproximar.
— Como achou que seria Gyrimias? — falou tristemente ao vê-los se afastarem.
— Parcelada minha opinião, sinto muito. Acho que o Senhor não devia ter incentivado aquela discussão.
— Eu também acho — olhou-o de lado. — Alguém comentou algo sobre ontem?
— Ainda não — Gyrimias arrumou os óculos de lente grossa no rosto franzino e suado.
Sean percebeu que ele desistira das lentes de contato.
— Posso te fazer uma pergunta estranha Gyrimias?
— Parcelado tudo Senhor, o que não faz que não seja estranho? — ele viu o olhar de olhos arregalados. — Ahhh... Desculpe-me Senhor... O que ia perguntar? De estranho?
— Deixa para lá Gyrimias! Vamos comer! — se aproximou da mesa e pegou um prato colocando três fatias de bolo de chocolate, não querido ter ouvido aquilo.
Depois pegou um sonho com bastante recheio de goiabada e completou com uma xícara que encheu de café preto e muito açúcar.
— Por uma manhã mais doce, Herr Queise? — perguntou Deborah bem baixinho antes que seu pai percebesse.
Sean a olhou. Viu que ela olhava para o pai que se aproximava e nada respondeu. Não queria deixá-la numa situação embaraçosa.
Deborah agradeceu calada afastando-se imediatamente.
— Bonita; não é Senhor Sean Queise? — animou-se o cientista.
Sean novamente prestou atenção em Deborah que se afastava.
Algo nela o perturbava.
— Me chame de Sean, Gyrimias.
— Ah! É a força do hábito, Senhor.
Miss Ãnkanna se aproximava sorridente também ao ver Gyrimias ali.
— Parece que tem uma fã, não Gyrimias? — Sean apontou para a paleontóloga que abria um sorriso monstruoso.
— Parcelado... — e Gyrimias não prosseguiu, se encolhendo tímido.
Sean se virou e viu Michel discutindo com o garoto Leandro. Tentou, mas nada conseguiu alcançar, nenhuma única forma-pensamento. Ainda tinha muito a acertar com o ex-Poliu, quando viu Michel apertando o braço do garoto Leandro, que fez uma careta logo depois do empolado botânico britânico seguir para as barracas. Sean se interessou por aquilo, em ver Michel extremamente nervoso quando percebeu que o garoto Leandro entrava na sua barraca com Romeu, Paulo e Ambrósia.
— Mas que atrevi... — e largou o prato e a xícara na mesa fazendo o café levantar e manchar a toalha.
Sean correu de volta a sua barraca empurrando Ambrósia que caiu no saco de dormir dele.
— Porca miseria!!! — gritou Ambrósia caída no chão da barraca. — Acha che? Che io ia mexer em algo?
— Claro que não! — Sean a fuzilou com um olhar, enfiou o tablet que com a bateria descarregada não podia usar, numa sacola menor, e saiu com ela nas costas.
— Porca miseria! — exclamou Ambrósia outra vez fazendo uma careta que Romeu, Leandro e Paulo não compreenderam.
Acampamento ‘Contatos com a natureza!’; Serra do Roncador.
24 de janeiro; 14h10min.
Acabou-se o café e Ambrósia foi a primeira a levantar acampamento, literalmente. Pediu o GPS de Heidi outra vez, e tomou o rumo com a pesada mochila nas costas e a geleira de carvão no ombro direito. Todos a seguiram. Já vinham caminhando a mais de cinco horas, alternando-se com a maca que levava o corpo de Álvaro. Na vez de Sean, ele aproveitou para verificar que ele respirava apesar da pele de um tom enegrecido e endurecida, que apresentava. Por diversas vezes comentou com Dr. Lucio sobre a pele parecer estar cristalizada num tom enegrecido, e este continuava a dizer que era por ação de muitos antibióticos e histamínicos, de ação vasodilatadora e constritora dos músculos lisos, administrados por ele. Sean não acreditava naquilo, em nada daquilo. Havia algo estranho com Álvaro, com o Chat e com o marinheiro achado em meio a pessoas cristalizadas num tom azulado.
O tempo estava levemente úmido quando se aproximaram do pé de uma parede rochosa, que em nada se lembrava do que fora apelidado por muitos como ‘Dedo de Deus’. Sean ficou a observar Miss Ãnkanna mais adiante, e Schiller e Heidi calados, para então ver Michel que ia sempre à frente, com os cozinheiros, coletando todo tipo de planta e flores que via, quando vozes sussurradas chegaram até seu ouvido.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh... — Sean parou de andar. Olhou em volta e Gyrimias vinha com Kabir, que parecia afetado cada vez pelo calor assim como Ralph apoiado na filha Deborah. Sean balançou a cabeça e os sons pararam.Ambrósia voltou a olhar o GPS, não entendendo o que estava acontecendo enquanto os cozinheiros cortavam as folhagens, assustados com o fato de também não saberem onde estavam, quando as vozes voltaram. — Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh! Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh! — Sean agora teve medo de voltar a olhar para trás, estava no final da fila, carregando o corpo de Álvaro e sons de muitos homens chegavam até ele. — Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh! Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh! Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh! Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh! — as vozes se duplicavam, quadriplicavam, aumentavam e ficavam cada vez mais audíveis. Sean não entendia por que ninguém ouvia quando Ambrósia levantou a mão e todos atrás dela pararam fazendo uma onda de paradas e trombadas atrás dela.
As vozes coincidentemente pararam também.
— Ahhh!!! — mas foi o grito do garoto Leandro que ecoou por todos.
— Che accadere? — perguntou Ambrósia a um Leandro embranquecido, se aquilo fosse possível.
— Perché o ajudante di cozinheiro gritou? — perguntou Miss Ãnkanna.
— Por que paramos? — perguntou Michel aturdido.
— Já chegamos? — perguntou Heidi quase despencando com a mochila que jogou ao chão.
Romeu olhou para o lado procurando o olhar de Ambrósia.
— Ciò non è possibile! — exclamou ela para uma massa escura, retorcida, sem qualquer sinal de um dia ter sido um ônibus, dois, e Ambrósia desmaiou.
— Socorram!!! — gritou Paulo com o corpo da guia caído em seus braços.
Sean e Schiller se aproximaram. Viram os corpos carbonizados de duas pessoas ainda no volante; um em cada ônibus.
— O que é aquilo? — foi à vez de Edegar inquirir.
— Blá! Blá! Blá! O que era, deveria ser a pergunta mais apropriada.
— Aquilo ali eram nossos ônibus? — perguntou Pierre incrédulo.
— Eram! — respondeu Kabir.
— Que horror! Não tiveram tempo de fugir do incêndio? — falou Schiller olhando Sean, olhando Ambrósia desmaiada, nos braços de Paulo.
Sean se inclinou e pegou o corpo de Ambrósia desmaiada em seus braços, levando-a para longe dos ônibus em meio às muitas vozes que voltaram:
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh! Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh! Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh! Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh! Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh! Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh! Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh! — falavam sem dó, até Ambrósia voltar a si e as vozes cessarem novamente.
Sean a colocou no chão, a encostando em uma pedra lisa e côncava, tendo mais medo dela em seus braços do que aquilo que só ele ouvia, sabendo que as vozes se mostravam e sumiam por causa dela.
— Ela era muito íntima dos motoristas? — perguntou Schiller ao cozinheiro Romeu.
— Um dos motoristas era irmão dela — respondeu Paulo atordoado.
— Que horror! — foi à vez de Heidi exclamar.
— Pobre ragazza! — emendou Miss Ãnkanna.
Sean ouvia todos os comentários quando Ambrósia abriu os olhos novamente e pôde ver como ele era lindo, e como apesar das circunstâncias que os envolvia, começava a se interessar por ele. Sean se ergueu e nada falou. E nada falou porque aqueles pensamentos chegaram até ele.
— Perdoname... — e foi só o que ela disse a ele.
Sean quis ter entendido aquilo, quis também tocar-lhe, sentir sua pele branca, de tons avermelhados, mas desistiu de tudo afastando-se.
— O que acha que aconteceu aqui, Leandro?
— Não sei Sr. Queise.
— Sem o ‘Senhor’, Leandro. Tenho 22 anos.
— Sei Senhor, mas a...
— É! A Poliu me chama assim — e Sean encarou Leandro que conseguiu outra vez perder a cor, agora sabendo que Sean sabia de algo sobre eles.
Edegar olhou em volta, deitava no chão a cheirar o solo. Depois pediu uma pinça e uma lente de aumento para Miss Ãnkanna, e pegou um pedaço da carroceria retorcida de um dos ônibus. Levou até onde havia deixado sua mochila, e de dentro dela pegou uma maleta cheia de vidros etiquetados. Colocou o material retorcido numa tigela rasa de vidro transparente, e com uma pipeta adicionou vários líquidos em cima.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh!!! — gritos fizeram Sean alertar-se. Ele olhou assustado para os lados. Ninguém parecia ter ouvido. Sean ficou sem ter certeza do que ouvira, quando novos gritos de dor e desespero perpetuaram. — Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh!!! — Sean tampou os ouvidos e Kabir percebeu.
Sean agora tinha certeza que escutava pessoas que falavam uma língua estranha, que aquilo era resquícios do que ali acontecera, e que ali houve morte, dor e choro.
Seus dons, os que Romeu conhecia, iam e vinham.
— O luminol está mostrando presença de sangue, Sr. Queise — falou Edegar.
— Me chame de Sean, Edegar.
— Como queira — olhou de lado. — Eles sofreram cortes múltiplos antes de queimarem, Sean.
Sean olhou os ônibus de dois andares retorcidos.
— Acha que foi usado algum tipo de catalisador no ônibus? — questionou Sean ao perceber outros tipos de materiais de análise.
— Não duvido de mais nada.
— O que faremos agora Sean? — perguntou Schiller cessando de vez.
— Não sei Schiller.
Todos olhavam em volta tentando entender aquilo.
— Temos mais um problema... — apresentou o cozinheiro Romeu no que Ambrósia se aproximou dos ônibus.
— Che Romeu? — ela ainda tinha lágrimas a escorrer.
— Não sabemos onde estamos Srta. Ambrósia — anunciou.
— Come? — ela olhou em volta e olhou o lenço que Schiller ofereceu-lhe. — No, Grazie — Ambrósia não aceitou.
— A Senhorita disse que os ônibus nos esperavam ao pé do ‘Dedo de Deus’, como o combinado? — Romeu apontou em volta.
— Si! Os autobus ci attende per il combinato.
— Já estive aqui, mas sei que isso aqui não é onde deveríamos estar. E que aqui não é aqui.
Ambrósia sentiu algo lhe queimar por dentro.
— Tudo bem?
— Tutto Signor Queise — tentou mostrar-se fria. — Solo un azia.
— Onde está o GPS da sua esposa Schiller? — pediu Sean ao olhar para o céu que de repente também lhe pareceu estranho.
Schiller pegou da mão de Ambrósia, que o pegou de dentro do bolso do colete, e entregou a Sean, com Kabir o observando com interesse dobrado, no que Sean franziu a testa para o céu.
— Che cosa aconteceu? — olhou Ambrósia para suas mãos e para o GPS depois. — Non funciona?
Sean olhou para o relógio de pulso de Gyrimias e depois o céu.
— Está acontecendo um lapso de tempo.
— Meu GPS quebrou? — Heidi se adiantou. — Mas o vendedor disse que esse era o melhor GPS do mercado.
— Antigamente os detentores da invenção do GPS ficaram preocupados com o uso inadequado do aparelho, Sra. Heidi, e só o liberaram para o comércio com precisão de 100 metros. Então se houvesse alguma interferência deliberada, o GPS de uso civil desconheceria o valor do erro e os colocava entre 15 e 100 metros...
Heidi viu Sean movendo os lábios como se fizesse contas.
— E?
— E que os GPS militares não eram afetados por causa da taxa mínima — olhou Heidi. — Hoje todos os GPS dão milímetros de precisão, algo como um Y-Code, um GPS quase sem erro.
— I? — questionou Ambrósia.
— “E” o quê? — Sean viu que Ambrósia se limitou a fazer uma careta. — Quando um sinal de rádio percorre os elétrons livres na ionosfera, cada um dos 24 satélites do sistema, envia o código de precisão P, que no GPS recebe duas ondas de rádio que mede a diferença, e calcula o atraso de tempo para dar uma direção precisa. Dependendo do intervalo de tempo entre a emissão do seu próprio sinal e a chegada do sinal do espaço, o receptor calcula a distância que está.
— I?
— ‘E’ é esse lapso de tempo a que me refiro — olhou para Ambrósia, para o GPS, para depois olhar para todos. — Estamos sendo guiados por um GPS com um erro implantado e um céu sem ionosfera.
— Sem uno che?
— Estragaram meu aparelho implantando um erro nele?! — Heidi deu um grito.
Sean começava a perder a paciência com a impaciência delas.
— Quem fez isso tem muito mais recurso do que estragar seu aparelho, Sra. Heidi — explicava Sean.
— Mas io detto che o céu non tem ionosfera? — Ambrósia olhou para cima e para ele.
— Olhe de novo para cima Srta. Ambrósia — Sean viu todos olharem. — Romeu disse que não sabia o que era aqui, mas que aqui não era o ‘Dedo de Deus’. Então eu digo, eu não sei o que é isso — apontou para o céu. —, mas isso não é o céu.
Uma agitação se fez e todos olharam para cima outra vez.
— Calme! Calme! Va bene! — pediu Ambrósia. — Signor Queise poderia explicatto melhor?
— Não posso! E não posso porque não sei o que está acontecendo aqui — Sean viu outra agitação se fazer. — Os 24 satélites giram em torno da Terra em seis planos orbitais, a cerca de 20.200 quilômetros de altitude, 24 horas por dia, e o que está sob nossa cabeça não é o céu.
Outra agitação e um grito.
— Chega tutto!!! — Miss Ãnkanna se excedeu. — Come isso pode ser possibile Signor Queise?
— Não sei. Já disse.
— E como non sapetto?
— Não sabendo.
— E come...
— Droga! Quero dizer que um sinal leva um determinado período de tempo para chegar à Terra. Isto tem de ser incluído nos cálculos — foi a vez de Schiller observar o GPS. — Os próprios satélites têm um relógio extremamente preciso, que juntamente com o relógio incorporado no receptor GPS, permite que o cálculo seja exato.
— E me parece que foram os GPS dos ônibus que nos trouxeram até aqui ao informarem o GPS da Sra. Heidi — Sean olhou Ambrósia se lembrando das vozes, dos gritos, de que ouviu os gritos de dor e desesperos dos que morriam ali.
Porque havia outros sons ali também. Talvez não tão diferencial como alegou Heidi, mas um som de animal; ele tinha certeza no que Ambrósia voltou a encará-lo.
— Signore...
— Sinto muito Srta. Ambrósia, mas alguém nos trouxe exatamente onde queria nos trazer — e Sean se retirou para longe visivelmente nervoso.
— O que vamos fazer? — perguntou Deborah ao pai.
— Nada! — foi Michel quem respondeu. — Porque temos um ‘sky’ que não é ‘sky’ e uma ‘here’ que não é ‘here’ — e Michel se pôs a gargalhar.
Acampamento ‘Contatos com a natureza!’; Serra do Roncador.
24 de janeiro; 20h35min.
A noite estava úmida, gelada mesmo. As barracas não tinham espaço suficiente para serem armadas no local onde pararam, e Ambrósia disse que precisavam redefinir os alojamentos. A proximidade dos ônibus incinerados e a promessa de que sob suas cabeças não havia um céu estrelado, provocava medo em todos e total desconforto nela.
Ela reuniu todos após a última gota de água ter sido consumida enquanto Heidi estava querendo banho.
— No prendiamo un acquazzone — anunciou a bela ruiva.
— O que ela disse? — falou Heidi indignada com o tom da voz dela.
— Che non podemos tomar banho. Non tem acqua — foi a própria Ambrósia quem traduziu.
A comoção foi geral.
— Ainda temos vinte garrafas de isotônicos e algumas latas de refrigerantes — anunciou o cozinheiro Paulo.
— Está querendo dizer que o calor evaporou o resto de água que possuíamos Srta. Desorganização? — insinuou Pii até então quieto.
— Di nada adiantará seu attacchi, Signor Tii — conseguiu Ambrósia se impor. — Non pensi che isso fosse ser uno problema perché estaríamos autobus abastecidos, o rádio disponível e comida di riserva.
— E com os ônibus destruídos como ficamos?
— Semplicemente ‘ficamos’ Signor Kamadeva. Oggi recuperare la nostra forza e dormire bastante. Domani si sceglie il più adatto e provare a scalare la parete di roccia. Forse prendono tutto e giorni... — e Ambrósia parou de falar olhando todos de olhos arregalados esperando a tradução. — Ahhh... Oggi vamos recuperar nossas forças dormindo bastante. Domani selecionaremos os mais aptos e tentaremos escalar il picco rochoso. Talvez levemos o dia tutto até chegar il picco, mas di lá teremos una vista mais privilegiada di onde stamos.
— Scusa, mas non sabe mesmo, onde stamos?
— Non Miss Ãnkanna.
— Blá! Blá! Blá! Algum satélite do GPS da Mrs. Zuckeuner falhou no céu de mentirinha — insinuou Michel rindo outra vez, voltando a criar um desconforto maior em Sean do que nos outros.
— Já medimos o terreno em volta. Dá para cortar algumas folhagens e montar apenas cinco das barracas — anunciou Paulo espantando todos.
— Então Miss Ãnkanna e Signora Heidi Zuckeuner ficarão cada una num vestibolo e Signorita Deborah Kinchër e mi, ficaremos no anti-vestibolo da tendoni uno.
— É bom mesmo perché minha tendoni está danificada.
— “Danificada”? Perché no comunichi con me, Miss Ãnkanna?
— Scusa! Esqueci — falou temerosa.
Ambrósia largou os ombros parecendo cansada, triste e cansada, achando mesmo que Miss Ãnkanna não poderia ter se esquecido.
— Signor Ralph Kinchër e Signor Michel Shipton ficarão cada uno num vestibolo e Signor Schiller Zuckeuner e Signor Pii Tii ficarão no anti-vestibolo da tendoni due.
— Ok! — eles concordaram.
— Signor Edegar Cascco e Signor Pierre Lemarc ficarão cada um num vestibolo e o Signor Sean Queise e o Signor Gyrimias Leferi ficarão no anti-vestibolo da tendoni tre — falava enquanto escrevia Ambrósia num papel. — Douttore Lucio Ataliba ficará na tendoni quattro com o corpo di Signor Álvaro Buzzara, com o Signor Kabir Kamadeva, e as provisões e medicamentos no anti-vestibolo para evitar che molhem no sereno ou acabe sendo comido por animali durante la notte — todos concordaram com um ‘Ok!’. — Os tre cozinheiros, Leandro, Paulo e Romeu, ficarão com a tendoni cinque — Ambrósia olhou para todos. — Vou precisar juntar todas as cordas che temos perché Leandro e Romeu partiram domani em torno di tendonis, para procurar acqua enquanto Paulo preparara o café. Depois subiremos il picco.
Todos se olharam desanimados com a situação, trocaram de roupa, e se reuniram com roupas aquecidas em torno de uma fogueira; ficar nas barracas apertadas e frias não era um programa muito fantástico.
— Tenho fome! — anunciou Heidi com gorro e luvas de lã.
— Tu é magrinha di ruindade, non? — Miss Ãnkanna.
Heidi nem se deu ao trabalho de responder, lambeu o resto do pote de sucrilhos com o leite quente e ficou quieta.
Deborah olhou em volta fazendo contas e sentindo a falta de um componente.
— Onde está o Dr. Lucio?
— Ele se deitou, Senhorita. Disse estar muito cansado — respondeu Romeu. — Eu o ajudei a trocar os curativos e dar os medicamentos ao Sr. Álvaro.
— O que faz o Dr. Lucio? — questionou Deborah tremendo de frio sendo coberta pelo pai com uma manta.
— Ele é médico forense no Hospital Psiquiátrico de Santiago do Chile — Edegar viu Sean sobressaltar-se. — Dr. Lucio veio porque o professor Álvaro lhe garantiu que haveria ótimos espécimes para estudar.
— “Ótimos espécimes”? — perguntou Sean ainda sobressaltado.
— Não contaram para você Sean?
— Contaram o quê Edegar?
— Estranho! O Dr. Lucio está à procura dos corpos dos outros marinheiros do NOA — Edegar olhou em volta vendo que esperavam mais dele. — Também estou aqui por causa disso, Sean.
Sean sentiu um mal estar, ficava claro que Edegar sabia que ele estivera naquele Chat.
Um silêncio só quebrado pela paleontóloga.
— Perché questa informazione é importante, Signor Edegar? — foi à vez de Miss Ãnkanna, confusa com a revelação.
Sean percebeu que de alguma forma ela não se encaixava ali. Em nada dali.
— Sou da polícia secreta do Chile, e estamos investigando o reaparecimento de um marinheiro desaparecido há doze anos — Edegar Cascco se expôs.
Foi a vez dos três cozinheiros sentirem aquela informação e Sean, usando moletom fechado puxou Gyrimias de casaco de pele.
— Lembra que o empolado do Michel disse que eram onze barracas e Ambrósia respondeu que ‘alguns chegaram depois’? Tirando nós dois, então quem mais chegou depois?
— Paracelado o que sei, é verdade Senhor...
Os dois voltaram a olhar o redor.
— E onde ele esteve durante esses doze anos? — riu Michel.
— Em Agartha.
A comoção só foi silenciada por Pii Tii que vibrou ao ver todos se agitarem.
— Sumimassen! Minha missão parece ser irmã da sua — falou Pii numa tacada só, escondido no casaco de forro de pele de carneiro.
— “Irmã”? — Heidi riu não entendendo.
— Minha missão aqui é espiritual, Heidi Zuckeuner. Vim vibrar nas entradas da Terra Oca à procura dos Incas e dos Atlantes — falou Tii.
— Oh! Perdoname! — gargalhava Ambrósia. — Va bene! Conseguiu attenzione.
— Por que Ambrósia Lambrusco? — defendeu-se o místico Pii. — Acha que Atlântida não existiu?
— Dio mio! Atlântida é una utopia, todos sabem che Platão, o filósofo — a ruiva girou os olhos. —, parlate sobre uma ‘città’ modelo para ele e todos, nel suo tempo conturbado e infelice.
Kabir pigarreou.
— Quanta besteira, fala a jovem Lambrusco — foi a vez de Kabir. — Os atlantes existiram e ainda existem sim. Quando as grandes mentes perceberam que Atlântida seria varrida pelas águas de um tsunami fugiram para Agartha. Só uns poucos lá ficaram.
— ‘Agartha’? — Heidi lembrou. — Não é o assunto sobre o qual o falecido não podia falar por que precisava descansar? — Heidi instigou a guia. — Agora que ele está ‘descansando’ Ambrósia, podemos falar mais sobre Agartha?
A bela guia sentiu-se notadamente incomodada, achando que Heidi vinha se tornando um problema sério, quando Edegar Cascco de repente se levantou e deu boa noite a todos alegando uma dor de cabeça.
Todos deram boa noite e foi a vez do calado Pierre Lemarc falar.
— Pardon por interromper o silêncio, mas Agartha também é o motivo que me trouxe aqui — falou Pierre com um simpático gorro laranja neon.
— Já eu como físico quântico que sou, minha missão na Terra tem haver com essa miscigenação — falou Kabir também.
— Que miscigenação Herr Kabir? Fala sobre várias religiões estarem ligadas à Terra Oca?
— Não, jovem Kinchër. Falo sobre nós, híbridos de alienígenas, muitos vivendo na Terra Oca.
Gyrimias olhou Sean lembrando-se dele ter falado algo sobre Kabir ser o elo daquela trilha ou que nomes dessem a ela.
— Como assim híbridos? — Heidi se interessou. — Somos alienígenas?
Schiller pareceu ficar desconcertado com o interesse, aliviou, porém de não ouvir Kabir responder a ela. Já Sean prestava atenção a todos, principalmente no garoto Leandro, agora notoriamente incomodado com algo.
— Está bem Leandro?
Ele ergueu os olhos vidrados do chão.
— Sim, Senhor. Vou preparar mais chá para podermos dormir.
— E vamos conseguir dormir? — Heidi voltou à ativa. — Porque pensando bem, foi um milagre não estarmos nos ônibus incendiados.
Todos olharam para trás e a voz de Sean alcançou a todos.
— Não existem milagres — a sua voz era triste.
— Perché diz isso Signor Queise? — Ambrósia não se segurou.
— É quase impossível crer que algo que não exista, passe a existir em preces, em probabilidades não acontecidas, mudadas pelo livre-arbítrio, ou interpretada pelos sentimentos como milagres — todos quase não o entenderam. — E que apenas mostram tendências para ocorrer.
— Quando são expressas como probabilidades no formalismo da teoria quântica, jovem Queise, diz-se que estas tendências estão associadas com quantidades matemáticas que tomam a forma de ondas, que talvez seja porque as partículas podem ser ondas ao mesmo tempo, e que probabilidades geram incerteza, Princípio da Incerteza de Heisenberg, ‘não autênticas ondas tridimensionais, como o som, mas ondas de probabilidade’ — foi a vez de Kabir olhar todos o olhando.
— E o que é provável, Sr. Kabir? Milagres?
— Provável, jovem Queise, como ondas de probabilidade, como dons paranormais que veem o futuro que ainda não existe, podendo o modificar como num milagre, as PK que a jovem Kinchër lembrou tempos atrás.
Sean nada falou.
— Também me lembro de uma das mais surpreendentes manifestações de PK ou psicocinese, que aconteceu em Paris na primeira metade do século 18, precipitada pela morte de um diácono jansenista, santo e venerado chamado François de Paris — Deborah voltou a falar. — Logo, uma seita puritana de católicos de influência holandesa, conhecida como jansenistas, passou a se reunir em seu túmulo, e muitas curas milagrosas foram relatadas. Mas o mais incrível era que os curadores passavam a ter uma capacidade de suportar sem sentir dor, uma variedade quase inimaginável de torturas físicas; açoitamento, facadas, estrangulamentos que não deixavam marcas nem os matavam — um ‘Oh!’ correu de um a outro. —, e eram testemunhados literalmente por milhares de observadores.
— Eu li sobre isso — Gyrimias queria chamar a atenção de Deborah. — Um investigador, membro do Parlamento de Paris chamado Mister Louis-Basile Carre de Montgeron, escreveu quatro volumes sobre o assunto, que publicou em 1737 sob o título de A Verdade dos Milagres, onde conta a história de um incidente no qual a ponta afiada de uma verruma de ferro, foi posta contra o abdome de uma dessas mulheres, e a martelada foi tão violenta que conta que penetrou através da espinha e rompeu todas as entranhas.
E outro ‘Oh!’ correu.
“Wow!” correu por todo Sean Queise.
— Mas ela em expressão de perfeito êxtase, dizia: ‘Isso me faz bem! Coragem, irmão; bata duas vezes mais forte, se puder!’ — compleotu Gyrimias.
E daquilo Sean não gostou. O silêncio fez muitos, o olharem outra vez. O porquê, ele não imaginava. Não ainda.
— Não. Não. O Monsieur Queise tem razão, milagres não existem. E milagres não fazem parte da parapsicologia. Isso se chama misticismo quântico — disse Pierre parecendo querer atingir Kabir.
— Não idoso Pierre. O físico Deepak Chopra em 1989 promoveu com sucesso a noção do que ele chama de cura quântica, que sugere que nós podemos curar todos os nossos males pela aplicação de energia mental suficiente; PK! — Kabir se defendeu.
— Isso se chama charlatanismo quântico — disse Michel as gargalhadas. — Uma teoria revolucionária devolvida no início do século XX, para explicar o comportamento anômalo da luz e dos átomos, deturpado na forma a implicar que apenas os pensamentos são reais, e que o universo físico é o produto de uma mente cósmica, à qual a mente humana está ligada através do espaço e do tempo — Michel realmente se divertia, mas mostrava a Sean um conhecimento além das plantas. Talvez ser chamado para investigar o Manuscrito Voynich não tenha sido algo aleatório. Sean precisava investigar Michel melhor. — Essa interpretação tem fornecido uma base aparentemente científica para várias alegações de mente sobre a matéria, da PES ou Percepção Extrassensorial à medicina alternativa, religião e milagres — e Michel falava olhando para Sean Queise. — Interpretações fantasiosas da mecânica quântica.
— Amit Goswami, em suo livro Universo Auto Consciente, argumenta che a existência di fenômenos paranormais é apoiada pela mecânica quântica. Ele diz che fenômenos físicos, como a clarividência che levantou Signor Kamadeva... — e Miss Ãnkanna olhou-o. —, e as experiências fora do corpo como paranormais fazem... — e Miss Ãnkanna olhou Sean. —, são exemplos di operação non localizada da consciência — e foi a vez de Miss Ãnkanna olhar Michel rindo. — A mecânica quântica dá sustentáculo a tal teoria Signor Shipton, fornecendo um apoio crucial para o caso.
— Os dois tipos de propriedade, onda e partícula, parecem ser incompatíveis. A medida de uma quantidade geralmente afeta o valor que a outra quantidade vai ter em uma medição futura, portanto, o valor a ser obtido na medição futura é indeterminado, ou seja, é imprevisível — foi a vez de Gyrimias. — Por isso o encontro entre a física e o misticismo.
— Isso! Dons paranormais che veem o futuro che ainda non existe.
“Está usando em mim?” voltou Romeu a ecoar em Sean.
— Steve Allen diz que se você rezar por chuva por bastante tempo, ela eventualmente cai. Se você rezar para que enxurradas se acalmem, elas eventualmente o farão. Contudo o mesmo acontece na ausência de preces; milagres — Sean quis acabar com aquilo. — E Freud dizia que na maioria das vezes, um pepino é somente um pepino — Sean viu todos acharem graça.
Sentiu-se aliviado pelo acabamento, principalmente ao ver Ambrósia interessada no que ele falava, com a tristeza com que falava tudo aquilo.
— Acha então que todo nosso desenvolvimento tecnológico fica fora da esfera do milagre? E que tenha vindo de outras civilizações Sean bonitinho? — mas Heidi não dava trégua.
“Lá vamos nós!”; pensou Sean girando os olhos.
— Desenvolvimento tecnológico de que civilização Senhora?
— Discos Voadores, Sean bonitinho, dentro da Terra Oca.
— Não devíamos falar sobre isso — a voz do garoto Leandro apagou a de todas.
— Come ho detto?
— Nada, Srta. Ambrósia — o ajudante de cozinheiro abaixou a cabeça.
Sean e também Michel perceberam que outra vez o garoto Leandro desistia de falar algo.
— Fala das Vimanas indianas, Frau Zuckeuner? — Deborah prosseguiu.
— Por que não? Pode ser não, Sean bonitinho?
— Pode ser Sra. Zuckeuner — Sean não queria intimidades com ela. — O Ramayana, épico da Índia antiga, tem uma história que remonta há pelo menos 5000 anos, com relatos sobre as Vimanas, ou máquinas voadoras, hasteada em grandes alturas que dizem.
— As vimanas... — parecia até um deboche.
— Sim, vimanas que utilizam combustível de mercúrio e ventos fortes como propulsões — Sean viu todos o olharem. — Estas máquinas poderiam, dizem, voar através de grandes distâncias, e também, dizem, ser manobrado para cima, para baixo e para frente.
— Quantos ‘dizem’ outra vez, Sean bonitinho.
— É porque dizem, tudo fica na esfera dos mitos, Senhora — Sean respondeu àquilo, mas Heidi se divertiu mesmo assim.
— Mitos ou non, os tibetanos em seus antigos livros Tantyua e Kantyua descrevem máquinas voadoras conhecidas come ‘pérolas no céu’, Signor Queise — foi a vez de Miss Ãnkanna. —, mas ambos os livros são inflexíveis quanto a informação di che sua construção deve ser mantida em segredo para as massas.
— É verdade! — emendou Kabir. — No ano 1766 d.C., em Pequim, o jovem Cheng Tang está registrado como inventor de um carro voador para o jovem imperador chinês Ki-Kung-Shi, que voou com sua carruagem sobre a província de Honan.
— Parcelado o que contam, o carro voador foi destruído por ordem do Imperador, por temer que o segredo de seu mecanismo caísse em mãos inimigas, mas como ele foi capaz de criar esta nave voadora permanece um mistério.
— Dizem... — e Sean sorriu cínico esperando mesmo todos o olharem. —, que essa crônica sugere que Ki-Kung-Shi trabalhou a partir de ‘blueprints’ Gyrimias.
— Blueprints?
— Engenharia reversa! — Sean completou.
— Ah! Desmontando-a... — sorriu. — E desmontando o que?
— UFOs! Dizem...
Todos riram.
— E se não foram os UFOs, como podem tais máquinas existirem naquela época Senhor Sean Queise? Desmontadas, remontadas, assim?
— Não sei Gyrimias, mas o conceito de helicóptero não é novo. No século três a.C., o poeta chinês Chu Yuan descreveu como ele voou em uma carruagem de jade, em uma alta altitude sobre o Deserto de Gobi, em sentido ao oeste, as Montanhas Kun; e precisamente descreveu como sua carruagem não foi afetada pela poeira e ventos do deserto.
— Parcelado... — e Gyrimias não desenvolveu aquilo.
Sean só deu segundos.
— Também no início do século quatro d.C. o cronista Ko-Hung registrou que “alguns fizeram carros voadores com a madeira da parte interna da árvore do jujuba, usando tiras de couro de boi presas, a girar lâminas para definir a máquina em movimento”. Há menções em diversos livros antigos sobre como fazer carros voadores que viajavam com um ‘vento muito adequado’.
— Uau! — foi o que saiu da boca dos três cozinheiros ao mesmo tempo.
Todos se olharam e Sean não usou um único ‘dizem’ dessa vez.
— E tais carros, as Vimanas, ainda trafegam pelo mundo subterrâneo iniciado pelos Vedas — Débora voltou a falar e seu pai Ralph, sobressaltou-se. Pareceu a Sean que ele não queria que Deborah falasse nunca. —, em meio as deidades védicas que coexistem com milhões de habitantes, residentes em diversas cidades, onde Shambhala é a capital de Agartha, abaixo do Tibet — Deborah sorriu graciosamente.
Gyrimias sentiu-se enamorado por ela.
— Eu li sua teoria sobre a Terra Oca numa lista de discussão na Internet, Pierre — falou Sean para Pierre enfim. — Agartha, onde vivem os intraterrestres, os Atlantes, os Incas, os Lemurianos, e os crocodilos humanoides furtivos...
— Eu já acho que Agartha não tenha só alienígenas furtivos, jovem Queise, mas outras entidades que vivem na Terra Oca — foi Kabir quem respondeu a insinuação de Sean para com Pierre. — Falo de entidades de luz, espíritos.
“Espíritos?”, e Sean se ergueu no que a imagem de Sandy surgiu em meio a fogueira, sorrindo, dançando. Todos se levantaram pelo susto e a noite do noivado, a música, o perfume de rosas brancas se moldaram, para então sumir no que o som da voz o funcionário chegou ao seu tímpano.
— Senhor? Senhor? Senhor Sean Queise? Está tudo bem?
Sean voltou a si e viu todos de pé, alertas, assustados.
— Ah... Não... Sim... — sentou-se em choque.
Todos sentaram.
— Mas o espírito não é o corpo morto? Como poderia um espírito viver nessa Terra Oca, se... Ai! — Heidi levou outro beliscão.
— Acho que está havendo uma abertura maior do canal, jovem Zuckeuner. Canalização se me entende? — Kabir também olhou Sean.
— Drenagem! — falou Pii.
Ambrósia só girou os olhos.
— É normal, clarividentes acessarem tais informações — falou Sean.
— Através do terceiro olho? — Pii quis saber.
— Pessoas defeituosas? — e Heidi recebeu outro beliscão em resposta. — Ai? Que foi agora?
— O terceiro olho significa que eles têm o dom de ler a mente, atravessar paredes e elevadores, enxergando o além no éter... — Sean socorreu-a com todo seu cinismo; sabia que atingiria alguém, talvez todos. — Paranormais com dons de preverem o futuro — olhou Michel que só observava o chão.
— E tem paranormais na Terra Oca, Sean?
— Talvez, Deborah.
Outro silêncio incômodo.
— A existência de intraterrestres, seres que vivem dentro da terra, aqui na Serra do Roncador atraem continuamente ufólogos e esotéricos — falou Paulo.
— Well! Amadores na sua maioria.
— Do mundo inteiro, jovem Shipton, desde as expedições do oficial da Real Artilharia Britânica, relembrando o desaparecido do Coronel Percy Fawcett, em 1919 — Kabir emendou.
— Não devíamos voltar a falar nesse assunto — Leandro ficou alerta.
— Por quê? — Michel agora quis saber.
— É que... — Leandro derrubou algumas panelas no nervoso. —, há cavernas aqui.
E Romeu olhou torto para o garoto Leandro.
— Cavernas aqui? Na Serra do Roncador? — Sean o incentivou no mesmo momento que outro olhar fuzilador de Romeu se dirigiu ao ajudante de cozinheiro Leandro.
— Lugares sagrados aqui na Serra do Roncador... — mas Leandro não se deu por intimidado. — Lugares como a Cidade de Posid, Senhor.
— Strano. No mio mapa nunca ouvi referências sobre ela — Ambrósia fez uma careta.
— Ela não está no mapa Srta. Ambrósia. Está sob nós! — foi Paulo quem respondeu.
— “Sob nós”? — Miss Ãnkanna achou não ter entendido.
— Ih! Agora é um piso de mentirinha? — riu Michel olhando Sean.
— Não devia falar assim Michel. Alguns sensitivos dizem que há uma cidade construída por remanescentes da civilização da Atlântida chamada Posid abaixo daqui, e que sua entrada se dá por uma caverna mágica — agora Romeu se enervou.
“Alcântara Jr.!”; Sean agora teve certeza que Alcântara pai não estava naquele Chat à toa, não investigava a Poliu à toa. Queria mais que nunca queria saber se Oscar Roldman estava por trás daquilo tudo, da sua ida à Serra do Roncador.
— Como sabe tudo isso, Romeu? — Sean quis saber.
Romeu olhou o garoto Leandro que olhou Paulo. Sean passou a desconfiar dos três.
— Através da sociedade, LINK, que fazemos parte — foi o garoto Leandro quem respondeu olhando os outros dois cozinheiros.
“LINK” agora Sean teve medo de estar ali.
— É uma pequena linha que segue para o lado da... Bem... Da ufologia mística, Senhor — completou o garoto Leando.
— Quanti anni hai? — questionou Miss Ãnkanna.
E Leandro não entendeu nada.
— Ela perguntou quantos anos tem Leandro? — socorreu Sean.
— Leandro é jovem Miss Ãnkanna — mas foi Romeu quem respondeu. —, mas já conhece sua parte na nossa grande obra.
“Nossa grande obra?” aquilo alertou muitos ali.
— Há relatos na Internet de canalizações de seres intraterrenos que contam sobre essa Cidade de Posid. Eles se auto intitulam guardiões das energias do cristal azulado — foi a vez de Paulo.
— “Cristal azulado”, você disse? O que sabe sobre cristais Paulo? — foi a vez de Sean gerar mais mal estar do que já estava sendo gerado.
Paulo não se preocupou em olhar Ambrósia, mesmo por que ela não entendia mais nada do que acontecia ali.
— Os intraterrenos tem a tecnologia de criar, a partir da estrutura orgânica dos níveis subterrâneos da Terra, uma nova forma de cristal azulado, que emite uma vibração de energia muito mais alta do que tivemos disponível até agora na superfície — respondeu Paulo.
— São cidades-irmãs, Senhor — falou Leandro. — Posid e Telos. E enquanto Posid foi construída abaixo das terras Brasileiras, Telos foi construída por remanescentes da civilização da Lemúria, abaixo do Monte Shasta na Califórnia.
— Nossa! Uma cidade de mortos... Ai! — e Heidi nem olhou para Schiller ao sentir o beliscão.
— Os seres intraterrenos não estão mortos Heidi Zuckeuner — Pii perdia a paciência. —, eles habitam a quinta dimensão, e usam a telepatia e canalizações para se comunicar com os seres humanos.
Sean olhou um e outro.
— Quando o canal é criado para o contato, eles enviam informações e energias através dessa abertura que você mesmo criou — falou o garoto Leandro nervoso e jovem para saber tanto.
— É que... Esses cristais estão começando a vir à superfície em formas diversas — Paulo completou.
— Em forma de que?
— Armas Senhor.
“Armas... Armas... Armas... Armas... Armas... Armas...”; e Sean sabia que não devia ter levado Gyrimias ao perigo extremo.
Conteve-se não soube como.
— Sociedades místicas e teosóficas do mundo todo, relacionam a origem dos seres intraterrenos a uma civilização antediluviana, que poderia ter migrado para o centro da Terra num passado remoto — conseguiu Pii voltar a se expressar. — Por exemplo, os antigos rosa-cruzes e alquimistas utilizavam o VITRIOL, Visita Inferiora Terrae Rectificando Invenies Omnia Lapidem, como uma palavra mágica, onde através da visita ao interior da Terra, a pedra oculta, a pedra filosofal, poderia ser descoberta.
— “Pedra filosofal”? — Heidi se abismou.
— A pedra filosofal ou mercúrio dos filósofos, era o principal objetivo dos alquimistas — Sean prosseguiu olhando Michel. — Filósofos, alquimistas e botânicos, que podiam transmutar qualquer metal inferior em ouro, como também obter o ‘Elixir da Longa Vida’, que permitiria prolongar a vida indefinidamente.
Michel só escorregou um olhar.
— Elixir da longa vida... — escapou da boca de Ralph extremamente quieto.
— Este preceito iniciático só viria a ser manipulado pelo adepto, após ter ele mesmo, realizado sua completa purificação, Monsieur Queise — Pierre completou.
— Razão esta o porquê de se ocultar toda e qualquer conotação espiritual sobre a pedra filosofal e a manipulação dos metais — falou Deborah. —, se nos lembrarmos de que na Idade Média qualquer um poderia ser acusado de heresia, satanismo ou coisas piores, e acabar queimado na fogueira como Giordano Bruno.
— Parcelado o pouco que entendo, o que seria o tal ‘Elixir da Longa Vida’? — questionou Gyrimias.
— O Elixir da Longa Vida, tão comentado entre os conhecedores da arte alquímica, seria inúmeras receitas secretas cuja manipulação resultaria na obtenção de tal elixir — o cozinheiro Romeu se mostrou cada vez mais por dentro do assunto. Sean e todos o olharam. — Segundo os Mestres seria a panaceia universal, eficaz para curar todas as doenças, manter o vigor físico e, por conseguinte a juventude ininterrupta.
— Blá! Blá! Blá! Quanta besteira! — a voz de Michel se fez ouvir a metros. — É essa total falta de conhecimento e estudo que leva homem ao misticismo.
— Está duvidando di tutto dito, Signor Shipton? Non disse che era uno botânico místico? — quis Miss Ãnkanna saber.
— Forense Miss Ãnkanna, botânico forense. Mesmo porque já temos um longo processo de evolução e descobertas, e a cada dia que passa, possuímos explicações lógicas e coerentes. Blá! Blá! Blá! São esses mistérios que ainda possuímos e não foi analisado nem pesquisado pela ciência, que dão asas a imaginação humana que tenta explicá-los de uma forma superficial, irreal e ridícula, criando desta forma lendas e mitos que passaram a ser temidos e respeitados pela população, como mundos subterrâneos, intra e extraterrestres, chupa-cabras ou relíquias que...
— Se não acredita em mitos e lendas por que estudou o Manuscrito Voynich? — Sean derrubou Michel que olhou um e outro, e Sean outra vez.
— Há... Houve... O manuscrito parece não ser um amontoado aleatório de símbolos sem sentido... — Michel se viu inquerido por olhares. — Só está escrito em um alfabeto inventado...
— E as armas? — Sean fez Michel para de falar e respirar também.
O botânico escorregou um olhar tão ferino a ele que Sean nem precisou de dons para decifrá-lo.
Mas foi Pii outra vez quem se excedeu:
— Se alguém tentar tirar algo de Agartha terá que dar contas! — a voz de Pii foi forte.
— De onde? — olhou Heidi para o marido.
— Terá que prestar contas Heidi Zuckeuner!!! — berrou violentamente.
— Hei! Acalme-se Pii! — Sean segurou o pequeno que se ergueu furioso da cadeira a derrubando no chão.
— Não entende Sean Queise? — abaixou-se e arrumou a cadeira. — Os cristais... — voltou Pii a falar. —, eles se encontram abertos, energizados à consciência do indivíduo. Os cristais refletem a cor da vibração da pessoa, a cor da aura.
E o garoto Leandro parecia ter medo do pequeno toda vez que ele falava. Sean passou a não mais ver a aura de Pii, como se ele tivesse morrido, deixado de existir.
— Che cosa è ‘aura’? — Ambrósia se interessou.
— A existência da aura não é provada cientificamente, mas aura é um campo energético, um elemento etéreo, imaterial, que emana e envolve todos os seres e objetos. Podemos vê-la, Senhorita... — Sean viu Ambrósia o olhar com interesse. —, quando temos problemas toda nossa energia muda de cor relacionada com nossos chackras.
— Eu também posso vê-la! — falou Kabir. — Sua aura é azul escura, jovem Queise.
— Inspirações criativas? — correu Heidi a falar.
— Non! Espiritualidade bem desenvolvida! — completou Miss Ãnkanna com um sorriso.
— Criança índigo! — Kabir a corrigiu.
Michel e Ralph foram os mais interessados na aura de Sean.
— “Criança índigo”? — Heidi realmente não entendeu.
— O termo ‘criança índigo’ vem da cor da aura de crianças ditas especiais — Kabir viu Sean ficar incomodado.
— Está indo longe demais Sr. Kabir — a voz de Sean já não parecia de bons amigos. — Não há nada que prove tal coisa.
— A jovem Nancy Ann Tappe, autora do livro Entendendo a Sua Vida Através da Cor, observa que a aura dessas crianças tem mesmo uma cor azul forte, quase enegrecida. E não só sua aura tem cor, como tais crianças deixam rastros de luzes enegrecidas, de energia, por onde passam.
— Come assim ‘energia’?
— Rastros de energia jovem Lambrusco, que permite que sensitivos leiam o que tocam — e Kabir olhou Sean. — Porque essas crianças conseguem decifrar tudo que tocam; objetos e pessoas.
— Há alguns relatos que contam que a partir da década de 80, crianças ditas especiais começaram a surgir no Planeta Terra — Pii se intrometeu.
— Surgir? Quer dizer nascer?
— Não é nada disso — falou Kabir enfim. — ‘Criança índigo’ é um termo utilizado para descrever crianças com dons paranormais, como a capacidade de prever o futuro, conversar com os mortos, alienígenas, e com os elementais, como essa grande floresta e seus habitantes — apontou para a mata atrás deles.
— E os habitantes elementais e alienígenas também têm aura? — riu Heidi.
— Cale-se Heidi!!! — e Leandro berrou, perdendo o controle.
— Hei?! — Schiller saiu em defesa da esposa. — Controle-se meu rapaz!
— Peça un ‘perdoname’ Leandro! — ordenou Ambrósia.
— Perdão... — soou de um Leandro nervoso. — Só não devíamos mexer com isso! — e Leandro se retirou.
Todos se olharam e Sean não se conformava em não ver a aura de Pii, encolhido dentro de um casaco de pele de carneiro; todos ali tinham aura menos ele. Se bem que a aura de Deborah, Heidi e Edegar era um tanto apagada e a de Pierre e Kabir apagava e acendia.
Sean então olhou os dois cozinheiros o olhando.
— Vocês conheceram Alcântara Jr.? Filho do 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara? — disparou.
— Não Senhor! — falaram rapidamente os dois cozinheiros, ao mesmo tempo.
Gyrimias olhou o patrão com interesse; pela mudança de assunto e pelo assunto em si. Ele se lembrava daquele nome, Sean havia dito que ia encontrá-lo no centro da cidade. Romeu então se virou e saiu atrás do garoto Leandro.
Só Paulo ficou lá tremendo.
— In Índia, por gerações, le persone in città e villaggi juntavam-se à noite, intorno al fogueira, come ora fazemos qui, per ascoltare leituras di histórias védicas come o Mahabharata — Miss Ãnkanna voltou a quebrar o silêncio.
— Não é no Mahabharata que falam daquelas navezinhas que falou Deborahzinha? — Heidi parecia querer recomeçar com ou sem beliscão.
— Não só o Mahabharata. Uma das teorias mais extravagantes para explicar os discos voadores, os verdadeiros... — Sean encarou Heidi sob atenção. —, afirma que o Planeta Terra é oco, aberto nos polos e que os UFOs vêm de civilizações subterrâneas ou que se escondem dentro delas, onde navezinhas voam de uma lado a outro — Sean viu Ambrósia o olhar com interesse. — O escritor Theodore Fitch diz em seu livro Our Paradise inside the Earth, que os UFOs são veículos para viagens atmosféricas que vêm do interior oco da Terra.
— Interior oco, não Monsieur Queise. Invertido! — Pierre agora bagunçou mais ainda.
— “Invertido”? — perguntou Schiller.
— “Invertido”? — perguntou Deborah.
— “Invertido”? — perguntou Miss Ãnkanna.
— “Invertido”? — perguntou Ambrósia.
— Invertido! — afirmaram Leandro e Romeu, uníssonos, não muito longe dali.
— Signores... Signoras... Per favore! — todos começaram a falar ao mesmo tempo, talvez o céu sob suas cabeças agora fizessem sentido.
Sean estranhou que Heidi, a que sempre fazia perguntas esdrúxulas, dessa vez não ter dito ‘Invertido?’.
— Invertidos, conosco vivendo dentro — Pierre completou.
— Se a Terra fosse oca e estivéssemos vivendo lá dentro, nunca haveria noite já que a luz do Sol não poderia ser escondida — tentou Sean voltar ao assunto tumultuado sem dar atenção à ruiva guia.
— Realmente a geometria moderna e o conceito de espaço curvo de Albert Einstein, tornam a teoria matematicamente irrefutável, Monsieur Queise — tentou Pierre se defender. —, porém, se usarmos técnicas geométricas para virar a Terra do avesso, a superfície interna iria imitar fielmente a superfície externa, uma imagem espelhada do que vemos.
— Na verdade... — interrompeu Schiller. —, seria espelhada, porque se o Sol estivesse parado, os planetas não girariam em torno dele e não dá para algo ficar parado no Universo.
— Mas todos os fenômenos astronômicos teriam algum tipo de espelhamento — insistia Pierre Lemarc. — Todos concordam!
— Cruzes! Quanta informação! — Gyrimias estava pasmado.
— Por isso a presença dos discos voadores que a tradição iniciática prefere chamar de Vimanas, jovem Zuckeuner, que podem viajar pelo centro da Terra invertida — Kabir voltou a falar mais comedido.
— Fico pensando... — Gyrimias secou o suor gelado que escorreu para as lentes dos óculos. — Vida intraterrena no planeta? E com entradas e saídas por aberturas na crosta, aberturas submarinas e nos polos? Sei não... Parcelado que conhecemos mais a Lua do que o interior do nosso planeta, duvido que exista vida inteligente lá dentro. Uma bactéria ou micróbio, ainda vai lá, mas algo como raça adiantada?
— Si, Gyrimias. Concordo! A ideia absurda di diversos desdobramentos, di haver um sole interior di Planeta Terra é una teoria del cospirazione come o Almirante Byrd, comandando as forças americanas em spedizione in continente gelado e come o Cel. Fawcett na Serra do Roncador — Ambrósia viu Sean a observando. — Acredito che com toda nostra tecnologia di satelliti, alguma cosa viriam — o ‘satelliti’ se traduziu em Spartacus.
— Wow! Quanto conhecimento Senhorita Ambrósia Lambrusco.
— O suficiente! Grazie Signor Sean Queise!
— E o tal relatório, diário, do Almirante Byrd, Senhor?
— Não sei Gyrimias. Isso é tão conspiratório quanto... — e Sean olhou Ambrósia com gosto. —, quanto acreditar que o Almirante Byrd encontrou um buraco no polo norte, que adentrou com sua aeronave, e que lá encontrou uma civilização adiantada tecnologicamente.
— Dizem que o diário do Almirante Byrd está em mãos de uma entidade na Austrália — falou Deborah.
— Adoro esses ‘dizem’... — e Sean se ergueu novamente.
Uma onda se seguiu com todos em pé.
— Che cosa Signor Queise? — Ambrósia se assustou se erguendo também. Havia algo ali, em algum lugar, os olhando. Algo que os estudava, cada movimento, cada informação ali dita. — Signor Queise? — Ambrósia o chamou novamente. — Signor Queise?
— Uhahh uahhaaah uggaahh uggahahag ugahagahagahhh uggaahh uggahahag ugagahagahagahhh uggaahh! — as vozes ficavam cada vez mais rápidas.
— Ouviu isso?
— Che?
— Uhahh uahhaaah uggaahh uggahahag ugahagahagahhh uggaahh uggahahag ugagahagahagahhh uggaahh! — cada vez mais nervosas.
— Isso! Essas vozes!
— Vozes? — perguntou Heidi.
— Vozes? — perguntou Ralph.
— Vozes? — perguntou Deborah.
— Vozes? — perguntou Michel.
— Vozes? — perguntou Romeu.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh?! — cada vez mais intensas. — Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh!!! — e que gritavam.
Sean girava e girava em torno dele mesmo.
— Signor Queise pode parar di assustar a tutto?
— Senhor? — Gyrimias pediu para que ele sentasse. — Senhor? — mas Sean estava em pé, alerta, assustando Michel, Leandro, Paulo, Deborah, Ralph, Kabir, Pierre, Pii, Romeu, Ambrósia, Schiller, Miss Ãnkanna e Heidi próximas à fogueira que foi apagada.
— Ahhh!!! — todos gritaram na escuridão.
Deborah, Miss Ãnkanna e Ralph correram enquanto Gyrimias paralisou no breu que se seguiu.
— Leandro?! Paulo?! Romeu?! — gritava Ambrósia. — Acendetta o fogo!!!
Os cozinheiros correram na escuridão se chocando e os gritos do místico Pii Tii foram assustadores.
— Ahhh!!! — berrava Pii sendo levado dali.
— Pii?! — gritaram Sean e Ambrósia ao mesmo tempo.
— Vejam! — exclamou Paulo no que conseguiu reacender a fogueira, apontando para uma trilha de sangue que levava para fora da clareira improvisada para acampar.
— Minha nossa!!! — gritou Deborah.
O garoto Leandro vinha com um lampião a gás quando Sean empurrou Ambrósia, e pegou o lampião a gás da mão de Leandro antes que ela o fizesse.
— Eu vou!
— No! Sono vado anche! — Ambrósia puxou o lampião a gás de volta.
— Vamos ambos então!
Sean e Ambrósia se mediram.
— Vou também! — anunciou Edegar aparecendo do nada.
— Não! — Sean viu Gyrimias tremer mais que as mulheres; e não era de frio. — Você disse que é um policial, vai ser de melhor proveito ficando aqui no acampamento.
Ambrósia saiu correndo de volta para a barraca e voltou com a arma que guardara de Michel.
— Sabe que ela não vai atirar Senhorita — falou Sean apontando para a Tyron.
— Mas non vamo entra na mata sem una pistola — Ambrósia se impôs.
Ambos se mediram novamente e seguiram o sangue que tomava rumo da parede rochosa. Caminharam cada vez mais mata adentro até quase a luz da Lua ficar escassa, embrenhando-se numa mata que dificultava o andar.
Sean sentiu uma gota que pingou sobre o moletom. Ele pegou o lampião a gás das mãos da guia italiana e iluminou a folhagem alta sobre suas cabeças, quando outras gotas caíram.
— Cuidado!!! — e Sean puxou Ambrósia no que o corpo de Pii despencou sobre eles.
— Non!!! — gritou ela abraçando-o.
Sean iluminou o que o lampião a gás permitiu.
— Meu Deus! — exclamou ele para o monte de carne retalhada em meio ao casaco de pele de carneiro, cheirando algo acre. — Me dê a arma! — Sean pegou a Tyron e abriu a palma da mão de Ambrósia sobre o coldre da arma.
— Mas disse que ela... — e a arma Tyron soltou um ruído agudo.
Ambrósia olhou sua própria mão e viu a arma acionada, com suas digitais inseridas, e uma luz azul parecendo purpurina se espalhou pelo coldre.
“Energias!” foi o que Ambrósia pensou.
Ambos voltaram a se medir na quase escuridão do local quando algo se mexeu sobre eles. Ambrósia atirou para cima e uma luz enegrecida, guiou o projétil. Um som agudo de animal ferido, seguido de um estardalhar de vidro quebrado, ecoou por toda a mata fechada.
— Arghhh!!! — algo fez um grunhido.
— Ahhh!!! — gritou Sean sendo atingido por trás.
Caiu no chão ferido com o lampião a gás escapando de suas mãos, se apagando.
— Sean?! — gritou ela no escuro. Ambrósia desesperava-se tateando em volta, não conseguindo tocar nele. — Sean?! Sean?!
Ambrósia chutava a relva com os pés atrás do lampião a gás e também não o encontrava.
E Sean mal teve tempo de responder ou de esperá-la encontrar o lampião a gás e algo o puxou pelos pés, para longe.
— Ahhh!!! — ele foi arrastado.
Ambrósia ouviu a voz dele se afastando rapidamente. Um som de animal em ataque a alertou também e ela atirou duas vezes a esmo. Mas a esmo a coisa não acontecia, ou era a luz enegrecida que seguia o projétil ou o projétil que seguia a luz enegrecida, fazendo-a acertar o alvo.
— Arghhh!!! — a coisa grunhiu outra vez ao ser atingida pelos dois tiros.
— Sean?! Sean?! Onde tu sta?! Sean?! Porca miseria! — ela atirou mais uma vez.
Sean era arrastado pelo chão de galhos secos e pontiagudos vendo que o projétil dessa vez passou por seu calor.
— Pare de atirar Ambrósia!!! — gritou descontrolado tentando agarrar-se a algo.
Todavia nem toda a força empregada o fazia se segurar a qualquer coisa que fosse. A incessante batida de suas costas no chão não o deixava pensar rápido. Sean sentiu a umidade da vegetação atravessar o moletom que se rasgava, sentiu a terra batida misturada ao cascalho, sentiu uma vegetação forte o bastante para segurá-lo e enrolou sua mão na mata.
O agressor foi erguido no ar quando o puxar do corpo cessou.
— Arghhh!!! — a coisa grunhiu.
Sean sentiu algo grande, pesado, e gelado cair sobre seu corpo apavorando-se mais que a dor que sentia.
— Ambrósia?! — berrou Sean em todo seu desespero. — Socorro!!!
Sean empurrou a coisa para o lado e correu, quando foi puxando por algo parecido a afiadas garras que lhe rasgaram o moletom e a pele.
“Ahhh...” e sua garganta foi apertada impedindo do som sair.
— Sean?! Sean?! Sean?! — gritava Ambrósia desesperada no breu que se formou em volta. — Sean?! — e voltou a atirar.
— Arghhh!!! — a coisa grunhiu no que outra vez o projétil a acertou.
Uma baba ácida e fétida escorreu de um dos olhos da coisa, que foi destruído, no rosto dele e Sean tentou sair do corpo, invadir o éter, tentar enxergar a essência da coisa, mas não conseguia respirar, saber como fazer. Seus batimentos cardíacos totalmente frenéticos não o deixavam estabilizar a alma.
— Sean?! Sean?! Sean?! — ainda gritava Ambrósia o procurando.
A coisa se colocou em alerta, tentando escutar de onde Ambrósia gritava e Sean viu o olho da coisa estilhaçado pelo tiro.
Num relance de descuido ergueu a perna e chutou a coisa que voou longe. Sean se ergueu e correu.
— Ambrósia?! Ambrósia?! Ambrósia?! — e a coisa jogou-se sobre ele novamente enterrando a garra em seu ombro. — Ahhh!!! — ele voltou a sentir o peso, o corpo gelado e duro feito de cristal azulado, e a dor que fez cada sinapse de seus neurônios alertarem-no para a morte.
Sean socou-o sendo lançado longe em devolução. A força fenomenal da coisa feita de um gelado cristal azulado era muito maior, e ele viu sua visão distorcer para então inverter as pernas e derrubar a coisa que o agarrou com uma língua e o puxou para tão próximo dele, que Sean viu cada detalhe do rosto de cristal azulado, da língua bifurcada e comprida, do único ‘ojo rojo’ que brilhou ao vê-lo morrendo asfixiado.
E Sean morria quando a voz de Ambrósia ficou mais próxima.
— Sean?! — ela gritou e atirou outra vez quando mais uma vez a luz enegrecida e o projétil acertaram a coisa feita de cristal azulado.
— Arghhh!!! Arghhh!!! Arghhh!!! — a coisa feita de cristal azulado, de mãos afiadas feito garras, berrava até não poder mais.
Ela largou o corpo de Sean quase desfalecido no chão.
— Sean?! — gritou Ambrósia e estancou na mesma velocidade.
— Arghhh!!! Arghhh!!! Arghhh!!! Arghhh!!! Arghhh!!! Arghhh!!! Arghhh!!! Arghhh!!! — grunhia a coisa feita de cristal azulado, para Ambrósia que paralisou pela cena, ao ver que havia atingindo um dos olhos dela.
A coisa feita de cristal azulado pulou para as árvores acima deles e desapareceu no breu.
— Ambrósia... — falava Sean quase sem voz, com a dor que cada rasgo na sua pele provocava, vibrava.
Ela encontrou-o jogado no chão em meio a cristal quebrado, num breu que mal dava para delinear a silhueta um do outro.
— Sean? È vivo? — sentiu-o todo ensanguentado.
— Sim... — falou ofegante. — Acho... Acho que sim.
— Dio mio! — sentiu pisando algo. — De onde veio todo esse vidro?
— Não é vidro — Sean mal conseguia engolir a saliva. —, é o corpo dele.
— Cosa? Che urla... Dio mio! Qual è stato che, Sean? Che gritos... Dio mio! Non cosigo parlatto... O che era aquilo, Sean?
— Não sei... — engoliu a saliva. — Por quê?
— Perché? — Ambrósia não compreendeu.
— Por que me chamou de Sean?
Ela pareceu gelar toda, não sabendo responder. Foi salva pelo lampião a gás de Edegar, Schiller, Kabir e Ralph que correram para a mata atrás dos gritos e tiros. Sean ainda teve tempo de ver o olhar da guia Ambrósia a observá-lo atentamente. Foi erguido do chão sentindo muita dor no corpo, sendo levado por Edegar e Schiller até o acampamento.
— Senhor Sean Queise?! — gritou e correu Gyrimias ao ver seu moletom todo em tiras. — Meu Deus! O que foi isso? — agora viu todo o moletom e a calça rasgada, em meio a uma meleca enegrecida feito um óleo viscoso. — Isso é piche? — Gyrimias tocou-o.
— Non só... Non sabemos — foi Ambrósia quem tentou responder. Sean também não estava muito a fim de contar, não depois de ver os olhos vidrados dos três cozinheiros. — Chamem o Douttore! — a guia percebeu que ele não estava por perto.
— Não podemos chamar — Gyrimias estava branco.
— Encontraram o corpo dele na cama — foi Heidi quem falou. — Ele foi sugado.
— Suga... Che cosa? — arregalou os olhos, a bela guia italiana.
— Sugado que nem o Sr. Rogério — completou o garoto Leandro apavorado, arrancando os cotocos de unha que ainda sobreviveu do primeiro ataque.
Paulo e Romeu também balançaram a cabeça fazendo estarem de acordo com o medo dele.
Ambrósia inclinou a cabeça olhando para o chão. Sentiu-se tonta, mas recuperou-se.
— Tragam-me a maleta dele — conseguiu a guia falar um português correto.
Deborah correu para a barraca.
— Acharam Herr Pii?
— Sim, Sr. Ralph — falou Sean sentido muita dor, sendo ladeado por Miss Ãnkanna e Gyrimias. — Ou o que restou dele.
— Parceladas minhas duvidas, acha que o que atacou o Senhor Pii Tii era a mesma coisa que o atacou, Senhor? — perguntou Gyrimias apontando para as marcas de rasgo nele.
— Não sei dizer — Sean olhou para Ambrósia que olhou Sean com gosto; ele não entendia mais nada. Ela o ajudou ficar sentado e tentou tirar o que restou da camisa e moletom dele. — Ahhh...
— Scusa! — Ambrósia observou cada detalhe dele, o cheiro dele, a proximidade da pele dos músculos trabalhados que surgiram no retirar da roupa; mal conseguiu prestar atenção ao que fazia.
“Belli!”, foi o que pensou.
Sean arregalou os olhos azuis no que ‘ouviu’ o pensamento dela.
— Não devíamos ter falado tudo aquilo — o garoto Leandro tremia.
— Stanco Leandro! — exclamou Ambrósia.
— Não! Não! Não! Todas essas coisas sobre entradas Srta. Ambrósia e o dono dos subterrâneos... E os... E os sons do inferno...
— Leandro!!! — Ambrósia agora gritou. — Avanti!!! — mandou-o para longe.
— Pôde vê-lo, não Sean Queise? — mas Romeu tirou Sean de seus pensamentos. — Pôde ver aquela coisa com a visão além do alcance.
— O terceiro olho... — escapou da boca de Heidi.
— Che parlatto querida? — Miss Ãnkanna quis saber.
Heidi não se deu ao trabalho de responder.
— Pôde senti-lo? — insistiu o garoto Leandro não mais obedecendo a Ambrósia, que já não era tão dona da situação.
— Sentir o que? Quem? — Deborah de repente se interessou em Sean de outra maneira no que voltou com a maleta de primeiros socorros.
— Não... Não sei do que está falando. Ahhh... — Sean sentiu toda sua pele queimar.
— Ele pode sentir o Sistema Infernal! — apontou Paulo para ele. — Como também pode sentir os crocodilos que lá vivem, fabricados pelos nazistas.
— “Crocodilos”? — perguntou um.
— “Fabricados pelo quê”? — perguntou outro.
— Sta pazzo Paulo? Pare di parlatto tutto isso! — se enervava Ambrósia cortando trechos da calça de moletom de Sean tentando ver o tamanho do estrago, olhando com gosto apesar de tudo.
— Não estou ‘pazzo’ não Senhorita, porque o Sr. Queise sabe que estamos falando dos crocodilos humanoides que aniquilaram os dinossauros quando aqui chegaram... — insistia Paulo, que como Leandro, não mais obedecia. — E o Sr. Queise também sabe sobre as EBEs e outras experiências genéticas alienígenas que não deram muito certo nos centros de genética nazista.
— “Centros de genética nazista”? — Schiller pela primeira vez não gostou de estar ali. — Que tipo de experiências?
Schiller e todos olharam Sean ensanguentado.
— Não sei do que ele está falando.
— Talvez não saiba Sr. Queise, mas aqueles crocodilos humanoides como o breu, acampam na Terra Oca; e são alienígenas do mal, furtivos, que buscam armas para nos destruir, só esperando a ordem dele, do dono do mundo... — e Leandro apontou para baixo. —, que quer dominar a Terra Oca que abriga lagartos fugitivos!
— Stanco Leandro! É una criança ainda. E tu Romeu e Paulo! Stanco!
— Como assim ‘Dono do mundo’?
— Leandro?! Non tente! — Ambrósia tentava acabar com aquilo, com tudo aquilo.
Mas a informação que crocodilos humanoides como o breu eram alienígenas do mal, manipulados pelos nazis, fez Sean realmente ter medo de estar ali. Mesmo porque Sean já não sabia mais nada, havia perdido o fio da meada. Porque se esses alienígenas do mal buscavam armas para nos destruir, sob as ordens de um dono do mundo, então talvez aquilo explicasse Vincenzo Bertti tão exposto. Porque Sean nunca havia ouvido falar até então, de alienígenas crocodilos humanoides que aniquilavam outros alienígenas crocodilos humanoides.
Paulo se virou e foi para longe. Heidi olhou um e outro percebendo que ia ficar sem respostas, mesmo depois de nenhum beliscão a ter calado.
— Não liga para esse negócio de dono de mundo, Mrs. Heidi — mas Michel parecia se divertir com tudo aquilo. —, é que crocodilos humanoides furtivos são comandados por...
— Basta Michel! Isso é teoria de conspiração que não interessa mais a ninguém — e foi um Sean Queise nervoso quem falou aquilo.
Michel fez um som de deboche e se aproximou de Ambrósia e pegou sua Tyron das mãos dela.
— Ambrósia Darling, ainda tem munição na minha arma?
Ambrósia voltou a si e olhou para a arma Tyron que agora só ela podia atirar.
— Receio che usei tutto — mentiu não sabendo quanto nem que tipo de munição era aquela.
— Receia? — riu Michel agora incomodado, olhando Sean lhe olhando.
Porque Michel sabia que só Sean Queise poderia conhecer que tipo de munição era aquela, e só Sean Queise poderia mudar os comandos da arma, porque sabia que só Sean Queise poderia comandar máquinas pela força do pensamento; talvez todas as máquinas. E Michel não gostou de até aonde os poderes dele chegaram, nem gostou de saber que ele podia atravessar as dimensões atrás de crocodilos humanoides furtivos fabricados.
“Shit!” Michel foi embora irritado para a sua barraca.
Ambrósia já havia colocado luvas cirúrgicas, aberto uma mistura de surfactantes e álcool e encharcado alguns pacotes de gases.
— Isso vai doer! — ela anunciou quando derramou o líquido roxeado.
— Ahhh! — Sean espremeu-se sem encará-la.
— Dio mio! Io parlatto che doia.
— É! Você disse... — olhou todo seu corpo ser tomado pelo líquido roxo.
— Iodopovidona; uno antisséptico à base di iodo! — anunciou.
— Ahhh... — Sean se espremeu outra vez de dor. — Obrigada por dizer o nome, Senhorita. Doeu menos.
E Ambrósia fez uma careta para a ironia dele.
— Meglio che vada a vedere Signor Pii solo con la luce del giorno. La foresta è chiuso e molto scuro in quel tratto — e Ambrósia fez outra careta. — Scusa! Acho bom irmos vedere Signor Pii com a luz do dia. A mata é fechada e molto scuro naquele trecho.
— É bom mesmo! — concordou Edegar.
— Tenho um revólver calibre .21 Hornet, com oito tiros, se ajudar — anunciou Ralph.
— Isso vai ajudar. Ahhh... — ranhetou Sean outra vez com dor.
Ambrósia nem se deu o trabalho de falar. Ficou observando Heidi desejar estar no lugar dela.
E elas odiaram-se.
— Non tem nada profonda — Ambrósia acabou de limpar as feridas das costas, depois do peito, das pernas e anunciou. — Non necessitare suturar nada.
— Saberia fazê-lo?
— Fiz primo socorro, Signor Queise. Come pode perceber — o olhou com interesse. — Tome! — Ambrósia deu a ele anti-inflamatórios e antibióticos com um pouco do chá de camomila.
Sean percebeu o “Signor” e o sobrenome dele, na frase. Percebeu também que não havia mais intimidade nas palavras dela.
Foi carregado para a barraca e colocado num dos quartos.
Dormiu até de manhã.
5
Acampamento ‘Contatos com a natureza!’; Serra do Roncador.
15.67° 50’ 24” S e 54.99° 16’ 24” W.
25 de janeiro; 07h49min.
Sean Queise ainda dormia, havia mais que chá de camomila na xícara que a guia Ambrósia Lambrusco deu a ele. E como ela havia dito, o cozinheiro Paulo fazia café enquanto Leandro e Romeu procuravam água em volta da clareira aberta.
Levaram também alguns sacos de lixo, luvas e máscaras para resgatar o corpo dilacerado de Pii Tii.
Leandro vomitou o trajeto todo de volta, chegando verde na frente de Ambrósia que os mandou colocar o corpo ao lado da cova que Michel, Gyrimias e Edegar abriram para enterrar os três corpos; não havia mais como carregar o corpo endurecido de Álvaro Buzzara e nem deixar o sugado Dr. Lucio Ataliba ali.
Leandro e Romeu até tentaram seguir as pistas deixadas pelos pneus dos ônibus, mas os caminhos feitos por eles pareciam ser pequenos demais para terem conseguido chegar até ali, e que talvez somente os tais portais dimensionais fossem capazes daquilo. Por isso Leandro acreditava que não deveriam ter falado tudo àquilo nas noites anteriores. Ambos avisaram a guia que não encontraram água nem nada que os pudesse alimentar.
Ambrósia não via alternativas a não ser escalar o paredão de pedra para encontrar água do outro lado. Pediu a todos que cedessem seus cantis e Leandro os reuniu numa sacola. Ambrósia também tivera muito trabalho naquela manhã, preparando o material para a escalada, observando atentamente a todos da trilha, não sabendo ao certo quem poderia levar.
— Eu vou com você! — falou Sean abatido, na frente dela, como quem acabara de ler seus pensamentos.
Ela sobressaltou ao vê-lo de camiseta e shorts.
“Come sono belli!”, ela só teve tempo de pensar nisso.
— Difficilmente pode dar un passo — falou ela dando um último nó na corda que transpassara por um forte gancho.
— Se mal posso dar um passo então olhe à sua volta! — ele viu Ambrósia olhar. — Vê alguém preparado para escalar?
— Michel talvez. Ele tem uno porte físico — fez um gesto para o físico malhado dele.
— Michel só sabe subir de elevador.
Ambrósia riu, mas Sean ainda estava sério.
Ela parou.
— Signor Edegar talvez — falou ela enfim. — É di polizia, non?
Sean só a olhou.
— Gyrimias também pode ir conosco; sei que ele escala paredes de academia.
— Dio mio! “Paredes de academia”? — agora Ambrósia riu com gosto.
— Vê alternativa? — Sean continuava com a cara fechada.
— Non... — suspirou ao acabar de preparar mais uma corda, enfiando tudo dentro da mochila onde alguns grampos, martelos, binóculo e luvas já haviam sido guardados. — Vou perguntar ao Signor Edegar se...
— Edegar está acostumado a escalar.
— Come... — e não mais perguntou. — Per favore tutto! — Ambrósia esperou todos a olharem. — Io vou scalare la parete com o Signor Sean — ela viu todos olharam para ele e mal puderam acreditar que ele ia se arriscar novamente. — Gostaria che o Signor Edegar e o Signor Gyrimias nos acompanhasse. Tenho approvazione?
— Estou acostumado a escalar — anunciou Edegar à guia.
Ambrósia olhou para Sean, ele parecia adivinhar pensamentos. E ele adivinhava; o dela inclusive, que tinha medo de concluir relatórios.
Gyrimias também concordou em ir e os quatros foram para o paredão atravessando os ônibus queimados. Sean sentiu Ambrósia afetada pela visão dos ônibus, mas nada comentou. Demoraram mais de uma hora para atravessarem a mata que cada vez se fechava mais; mata que só podia ser aberta a facão por Edegar.
Sean sentiu dores fortes nas costas onde a mochila raspava o tempo todo e Gyrimias ameaçou tirar dele, mas Sean negou.
O calor também começava os afetar, era tudo muito abafado.
— Calor não Senhor?
— Sim Gyrimias... Eu não sei se aquilo é o Sol, mas ele está de rachar.
Ambrósia riu e os três a olharam.
— Ah... Scusa! Stava a pensare... — e voltou a rir. — A pensare che si houvesse una estrela brilhante come un Sol no centro da Tierra e tutto nós dentro dela, há muito a Tierra toda teria derretido e despencado sobre tal estrela — ria Ambrósia com gosto.
— Mas parcelado o que penso Senhorita Ambrósia Lambrusco, o Sol seria a menor preocupação se pensarmos de que serve uma Terra Oca, onde todos morrem jovens.
— E por que morrem jovens Gyrimias? — Sean não conseguia compreendê-lo.
— Não Senhor, não morrem. Vão lá atrás da imortalidade e ficam jovens... — Gyrimias olhou Sean totalmente confuso. — E morrem?
— O calor te afetou?
— Não Senhor...
— E perché iriam a busca di immortalità Signor Gyrimias? Niente è eterno! — falou uma Ambrósia sentimental.
— Para Friedrich Nietzsche a eternidade existia, mas era um castigo, Senhorita — ela se virou para Sean. — Ele criou o que chamou de Eterno retorno, um aforismo sobre vivermos eternamente as mesmas coisas, as mesmas agruras, com as mesmas pessoas.
— Ah... Si... O sofrimento.
— Exato! Como era um homem sofrido, em nenhum momento Nietzsche pensou em reviver a felicidade.
— Tu és felity, Signor Sean?
— Você não?
Ela parou de andar e o olhou, e o olhou não o respondendo. Ali só um clima surgindo entre eles.
— Mas por que tudo exatamente no centro da Terra Senhor? — Gyrimias não pareceu ver o clima ali.
— “Tudo”? Acho que não o entendi outra vez Gyrimias.
— Só queria saber por que toda essa controvérsia de Terra Oca Senhor.
— Não sei Gyrimias, só sei que há muito tempo existem referências que se fazem a respeito de mundos existentes no interior da Terra; poetas, romancistas, filósofos... — voltaram a andar. — Dante Alighieri escreveu A Divina Comédia por volta de 1317, onde descreveu o Inferno de forma abismal, circular, que se estreitava de cima para baixo, até o centro da Terra. Localizou-o abaixo de Jerusalém, nos mundos subterrâneos, onde as almas recusadas pelo ‘Alto’ eram encaminhadas para sua punição — e mundos subterrâneos em eterna punição doíam em Sean. — O mitológico Orfeu, poeta e cantor grego também teria descido aos mundos subterrâneos, à procura da alma de sua amada Eurídice. Porque para os gregos, Hades era o Senhor dos reinos subterrâneos, reinando sobre os mortos e sendo assistido por inúmeras outras divindades menores. Um mundo cheio de capricórnios e outros animais exóticos — emendou.
— Os espíritas dizem que o umbral fica a certa altura do globo terrestre e é invisível àqueles que não vibram igual, que não o encontram — Edegar enfim falou.
Houve segundos de pensamentos conflitantes no silêncio que reinou e Gyrimias de repente olhou no relógio.
— Nossa! Não está muito tarde para escalarmos, Senhorita? Vai escurecer logo — alertou Gyrimias.
— Non temos alternativa Signor Gyrimias.
— Tarde como? — enfim Sean entendeu. — Vocês acabaram de tomar o café da manhã, não?
Os três pararam para olhar Gyrimias.
— É que... Meu relógio diz que já são 17 horas, Senhor.
Sean, Ambrósia e Edegar se olharam.
— Non è possibile. Saímos agora.
Os quatro se olharam e não tentaram entender. Correram se aproximando da parede rochosa.
— Por que estamos correndo Senhor?
— Porque o tempo parece estar correndo num céu de mentirinha, Gyrimias. Numa terra sem água, com um Sol que nos racha, e uma noite que nos mata.
Os quatros agora tiveram medo para parar e decifrar tudo aquilo se a noite trazia habitantes da mata. Ambrósia começou a martelar os pregos na parede rochosa enquanto Sean vinha atrás dela colocando os ganchos e encaixando as cordas, para que Gyrimias e Edegar pudessem subir. Numa única olhada, Sean percebeu o quanto bonita e roliça a guia ruiva ficava no short curto que usava.
Atrás de Sean subia Gyrimias, seguido por Edegar, que na retaguarda com o revólver que Ralph dera a ele, protegia-os de algo ou alguém. Ambrósia nada falava; e nada falava porque tinha medo de comentar com eles sobre a dificuldade de colocar os pregos, sentindo a parede estranhamente endurecer quanto mais alto subiam.
Seguiram assim por mais de uma hora, com o Sol se pondo, quando Gyrimias escapou do encaixe e seu corpo cedeu.
— Socorro!!! — ecoou a voz dele por toda a extensão que anoitecia.
— Cuidado Ambrósia!!! — gritou Sean para ela ao ser puxado junto.
— Não!!! — berrou ela sendo puxada para baixo também. — Sean?!
— Te peguei! — exclamou Sean ao abraçá-la após se agarrar com uma das mãos numa fresta da parede, estancando a queda de Gyrimias e Edegar presos a ele pela cintura.
“Wow!” Sean a olhou de muito perto, com o calor do corpo dela fazendo seu corpo latejar por inteiro.
Ambrósia também gostou de estar ali, mas Sean sentiu sua força começou a rarear.
— Edegar?! — Sean gritou. — Apoie-se numa fresta!!!
Edegar obedeceu dando uma jogada de corpo e se soltou estacionando. Gyrimias ainda estava preso à cintura de Sean, quando foi laçado por Edegar que o puxou para a fresta. Ambrósia então se agarrou à corda e tentou voltar a subir, no que Sean passou a colocar outra corda mais estável; eles trocaram rápidos olhares quando um passou pelo outro. Edegar fazia o que podia para estabelecer Gyrimias num outro prego, o prego de segurança que Ambrósia colocava mais à direita de cada prego instalado por ela. Suas habilidades em questões de segurança os salvaram.
— O que houve? — questionou Gyrimias a ela agora voltando à corda principal.
— Non sei — Ambrósia voltou a subir na frente de Sean. —, la roccia essere endurecendo e soltando os grampos... Ahhh!!! — e foi a vez de seu corpo voltar a se soltar no vácuo. — Sean?! — ela caiu e levou Sean outra vez abaixando Gyrimias e Edegar já abaixo deles.
Sean outra vez se segurou e Ambrósia sentiu-se desconfortável ao sentir seu corpo girar no ar, grudado ao do belo e jovem empresário que se chocaram uma, duas, três vezes. Ela arrumou os cabelos loiro-avermelhados em desalinho e sentiu-se tímida de repente, mordendo o lado esquerdo do lábio, vendo os lábios de Sean Queise se movendo, mas não o ouvindo.
— Che parlatto? — ela não conseguiu ouvi-lo.
— Grampos soltos?! — gritou Sean para que fosse escutado.
— Che parlatto?! — ela ainda não o ouvia.
— Disse grampos soltos!!!
— Non ascoltare... — e seu corpo desceu mais ainda. — Ahhh!!!
O ar também pareceu estar rareando.
— Eu perguntei se é possível a parede fazer isso? — Sean percebeu o som reverberar outra vez. — Soltar os grampos?
— Non! Non è possibile! — Ambrósia sentiu-se confusa.
Gyrimias conseguiu fixar-se e puxou Sean para perto dele que sentia câimbras por arcar com tanto peso, enquanto Ambrósia permanecia pendurada no ar, abaixo dele.
Sean soltou-se do prego de Gyrimias e prendeu sua corda no prego mais acima dele percebendo que a noite caía. Mas o prego de segurança soltou fazendo seu corpo cair em queda livre, abaixando mais ainda o corpo de Ambrósia que com o balançar forte da corda, a fez chocar-se com a rocha abrindo-lhe o supercílio.
— Ambrósia?! — Sean a chamou. — Você está bem?
— Non Sean... — voltou a chamá-lo com intimidade. — Sto sanguinando... Mio olho sta turvo — ela fixou um olhar e percebeu estar vendo tudo embaçado.
— Eu vou puxá-la para perto de mim e vou subir com você amarrada ao meu corpo — ele o fez. Ambrósia foi amarrada ao cinto dele, que gostou novamente do contato das pernas roliças, do cheiro dela, enquanto fazia realmente força para erguer ambos.
Ela o observava vendo-o totalmente fora de foco.
— Dio mio! Sono non vejo direito.
— Calma! — olhou o supercílio dela sangrando muito. — Você abriu um talho na testa — Sean passou a camisa no rosto dela e Ambrósia sentiu todo seu corpo vibrar perante a beleza dele. Sean abaixou a camisa e percebeu que um clima realmente acontecia ali. — A sua vista está se enchendo de sangue e isso está fazendo você ver turvo — ambos disfarçaram o clima. — Vamos tentar de novo?
— Va bene...
Sean chegou outra vez ao prego de segurança de Gyrimias torcendo para que o prego aguentasse o peso dos dois. Martelou outro prego acima deles e entendeu o que a guia falara sobre a primeira martelada ser fácil enquanto as que se seguiam, faziam à rocha endurecer cada vez mais. Ele percebeu a rocha mutando, mudando sua composição para não ser penetrada. Apavorou-se sem, contudo comunicar os outros três. Desconectou Ambrósia do seu cinto e avisou-a.
— Espere aqui!
Ela o olhou como quem responde “E vou aonde?”.
Sean subiu achando dificuldades em fazer os ganchos atravessarem a rocha. Empregou mais força, mas nada cedia até fazer algo que consideraria inédito.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh... — conversou com a rocha pedindo permissão.
A rocha, antes incomodada com a intrusão, permitiu que o prego se fixasse. Quando Sean olhou os três logo abaixo eles estavam estáticos.
— Parlato com quem Sean?
— Ninguém.
— Parlato ‘Uhahhhhaaahuuhahh’ qualquer cosa assim.
— Estava rezando.
— Achei che non acreditasse em milagres.
Sean nada comentou, teve mais medo dele próprio do que da rocha viva que ouvia sua fala. Colocou outro gancho e se desconectou do gancho de Gyrimias. Desceu e voltou a conectar Ambrósia à sua cintura subindo com o corpo dela grudada nele.
As pernas roliças dela esbarrando nas dele faziam seu corpo entrar num estranho comportamento, um comportamento que Sean a muito não sentia por outra mulher; sentiu excitação pela guia italiana. E ela parecia também estar se sentindo diferente, com ideias confusas começando a passar por sua cabeça.
Sean martelou mais um prego, e mais outro, voltando a subir. Mais vinte pregos colocados, e Sean subiu com uma carga extra até chegar num patamar permitindo que parassem. Abriram isotônicos e tomaram. Depois prosseguiram até alcançarem o topo da parede rochosa
— O ar... — Ambrósia se jogou ao chão totalmente exausta.
Sean e Gyrimias também sentiram suas gargantas fecharem quando Edegar riu.
— Pelo visto nunca foram ao altiplano chileno... — e parou de rir no que seus olhos se arregalaram pelo pavor que o tomou; e o horizonte foi assustador.
Sean seguiu seu olhar e também mal pôde acreditar.
— Deus...
— Che... — tentou Ambrósia arrastar-se para mais próximo dele. — Che cosa é isso? — apontou tremendo.
— Nada! — respondeu Sean. — Nada explicável pelo menos...
Ambrósia olhava Sean tentando pensar.
— Cruzes! — exclamou Gyrimias também. — Parceladas minhas duvidas, onde é que estamos Senhor?
— Onde não estamos é uma pergunta melhor formulada Gyrimias — Sean começou a sentir o ar entrar nos pulmões. —, parceladas suas duvidas...
Edegar, Sean, Gyrimias e Ambrósia olhavam para o horizonte no que devia ser o ‘outro lado da parede rochosa’.
— De onde saiu aquela cidade? — perguntou Edegar.
— De onde saiu a iluminação daquela cidade? — foi à vez de Gyrimias.
— Di onde saiu tutti aquelas casas, ascensoris, antennes, e cascates? — foi à vez de Ambrósia.
— De onde eles vieram, seria a melhor pergunta — foi à vez de Sean falar. — Porque como eu disse, se olharem para o céu verão que o ‘Sky não é Sky’.
Os três olharam para cima sem entender.
— Dio mio! Ecco la terra cava? — disse ela.
— Aqui deve ser a cidade intraterrena de Posid.
— Como aqueles cozinheiros sabiam tanto sobre isso? — apontou Edegar. — Achei que alienígenas não se interessavam em mostrar provas ou tentarem convencer que são reais.
— A razão impede que a consciência desperte. A abertura espiritual é muito importante para que comecemos a perceber a realidade das outras dimensões.
— E estamos abertos Senhor? — Gyrimias olhava aquela cidade dentro da uma terra oca, abismado.
— Provável Gyrimias… e mais provável ainda que a cachoeira que Ambrósia vê, não deva ser de água.
— Como assim non deve ser di acqua?
— Veja! — Sean apontou para a refração que o céu amarronzado provocava na textura da água. — A água se comporta como um cristal líquido azulado.
Ambrósia riu achando que ele estava brincando e ele a fuzilou.
— Sta parlando questo il mare é cristal líquido?
— Sim!
— Estamos... — Gyrimias não sabia se continuava a falar. — Estamos na terra invertida, Senhor?
— Isso mesmo, Gyrimias. Estivemos dentro da caverna o tempo todo. Toda a trilha.
— Por isso o GPS non funcionou, porca miseria; perché o céu non era o céu.
Gyrimias voltou atrás e olhou para baixo, para a mata escura.
— Foi quando ouvimos o tal som diferencial Senhor?
— Pode ser Gyrimias. Muito bem lembrando. Provável, atravessamos uma entrada da Terra Oca e nos transportamos para cá, pelo que os cozinheiros chamaram de caverna mágica.
— Siamo in una ‘Terra invertida’ o in un altro Universo?
— Não. Só estamos na Terra invertida — e Sean olhou Ambrósia com os olhos verdes arregalados para ele.
Ambrósia riu:
— E tu parlatte ‘só’?
— Não pode estar falando sério, Senhor — foi à vez de Gyrimias.
— Posso sim — Sean pegou a corda do chão. — E vamos voltar e tentar sair dessa mata com todos os outros antes que a noite nos mate.
— Quem vai nos matar, Senhor?
— Quem vive aqui Gyrimias — apontou com um movimento de cabeça. —, que veio de outra dimensão e aqui acampou, só não sei para quê.
— Está falando em crocodilos humanoides? — olhou Edegar assustado para baixo.
— Questa qui é una cittá di alienígena? — Ambrósia riu nervosa.
— Provável... Eles parecem ter recriado aqui algo parecido com sua casa. E talvez aquela EBE feita de cristal azulado e olhos vermelhos, que nos atacou, seja algum animal de estimação dos crocodilos humanoides.
— Estimação... — Gyrimias mal conseguiu terminar.
— Como pode parlare una cosa dessas, Signor Queise. Tu è uno cientista, alguém estável.
— O que sabe sobre minha estabilidade, Senhorita Lambrusco?
A guia não respondeu, nem sobre o ‘Senhorita’ tão bem soletrado.
— O teto da caverna é uma holografia projetada. Fantástico! E fazendo parecer o topo de uma montanha — riu Gyrimias. — Isso é fantástico! — e olhou Sean. — Parcelado nosso impacto, como vamos explicar que o que encontramos seja fantástico? — falou Gyrimias.
— Não vamos! — respondeu Sean. — Não sei vocês, mas não vou descer até aquela cidade, para poder explicar ao acampamento o que não quero explicar.
— E a acqua? Precisamos di acqua.
— Sei disso Srta. Ambrósia, mas não acredito que o cristal líquido azulado daquela cachoeira ali vá matar nossa sede — concluiu o mega empresário.
Ambrósia caiu no chão atordoada, sentindo-se cansada, vencida.
— Onde nos enfiamos Senhor?
— Não nos enfiamos Gyrimias. Fomos enfiados aqui.
— Então as rochas plutônicas que Miss Ãnkanna achou vieram daquele vulcão, Senhor? — apontou Gyrimias.
Os dois ainda se encaravam.
— Provável! — Sean não tirava a guia de sua vista. — Ou de outro que lá abriu antes de chegarmos.
— Você viu quem te atacou, não foi Sean? — Edegar percebeu que algo muito maior estava escondido.
— Não vi, não exatamente. Mas o corpo que caiu em cima de mim era gelado, estranhamente gelado. Tinha corcovas parecendo ser feito de uma espécie de cristal, e corria feito um réptil; e acredite, tinha garras que corriam feito um réptil.
— Um réptil feito de cristal azulado? — aquilo pareceu alertar Edegar.
— Um do tipo, em que em nada se assemelha a qualquer coisa réptil conhecida, que me venha à mente — Sean enganchou a corda e se preparou para descer à mesma parede que subira. — E não ia querer ficar aqui se sentissem a baba ácida tipo piche, escorrendo sobre seu rosto, Edegar — Sean desceu.
— Signor Queise?! — gritou Ambrósia o fazendo parar; ele odiava ser chamado assim. — Non può tornare sem acqua.
— Então não volte sem água você — voltou a descer.
Gyrimias a olhou de olhos arregalados; correu e se enganchou atrás de Sean começando a descer. Rapel não era seu forte, mas tinha que aprender rápido se quisesse voltar a salvo para o acampamento.
Edegar enganchou-se logo atrás.
— Vai mesmo ficar Ambrósia? — falou o policial chileno com cinismo.
— Porca miseria!!! — Ambrósia gritou sendo a última a se enganchar à corda. Ainda deu mais uma olhada para a cena fantasiosa que se encontrava ali, para a cidade subterrânea. — A Poliu non vai acreditar nel mio relatório — falou sozinha olhando eles já bem embaixo. — Non vai mesmo! — prosseguiu o rapel.
Os quatro pisaram em terra firme já não sabendo até onde ia tal firmeza sob uma estranha noite que se fazia. Desengancharam-se e recolheram o material voltando ao acampamento.
— E si tentássemos o GPS outra vez? — Ambrósia tentou falar quando o ar voltou aos pulmões dos quatro. Mas só ela parecia sentir-se diferente. — E si tentássemos o GPS outra vez?
— Aonde quer chegar? — Sean explodiu com ela. — Acha que eu estava mentido sobre o erro embutido no GPS ou não viu o céu vermelho lá? — apontou para cima.
— Non! Quero parlare che tu pode mexer in GPS se quiser! — alterava-se.
— O que está dizendo? — Sean estancou quase gritando. — Acha que não quero sair daqui também?
— Estou a parlare che tu non quer se expor por ser un hacker warez che utilizza chapeu preto.
— Você ficou louca? O ar lá em cima afetou sua cabeça?
— Ele pode, non é Signor Leferi? — tentava Ambrósia, agora o funcionário dele. — Signor Queise pode alterar si quiser qualquer macchina, come qualquer arma, come qualquer satellitare.
Sean ouviu aquilo totalmente atordoado, contudo recomeçou a andar em passos largos quando Edegar puxou-lhe o braço quase o deslocando.
— Está louco, Edegar? — Sean se desvencilhou dele.
— É verdade o que ela diz?! — Edegar se alterava também.
— Não sei do que essa louca está falando!
— O Senhor... — ia falar Gyrimias quando foi detido pelo olhar fuzilador que Sean deu para cima dele.
— Você pode nos tirar daqui e não quer?! — gritou Edegar.
— Não! Não posso!
— Pode sì! — partiu Ambrósia para o ataque o derrubando no chão.
— Enlouqueceu? — Sean caiu no chão com o peso da mochila e as cordas já não entendendo as atitudes da bela guia italiana. — O ar afetou-lhe, sim! — levantou-se limpando a poeira, sentindo dor.
— Io conheço il tuo curriculum come ninguém — se descontrolava. — Ele non pode se expor perché a Poliu sta qui — continuou. — Signor Michel Shipton, non é isso hacker warez?
— É isso mesmo! — partiu Edegar para o ataque. — Você falou na primeira noite que o Michel era da Poliu.
— O que sabe sobre a Poliu, Edegar? — Sean falou enfim.
— Muito! — desafiou-o.
— Não veio acompanhar o Dr. Lucio, não foi?
— Vim aqui investigar o que meu primo Cortés, que é enfermeiro no Hospital Psiquiátrico Central, me contou sobre um marinheiro resgatado...
— Mentira! Está investigando a Poliu!
— Isso não é da sua conta Sean. Só quero saber por que a guia diz que pode alterar qualquer satélite?
— Porque rastreei Alcântara Jr., o filho do 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara que foi morto por ter entrado no seu Chat, Edegar.
— Meu Chat? — gargalhou Edegar. — Não armei Chat algum, só o derrubei — empurrou Sean que foi ao chão novamente. — Exatamente assim — Edegar viu Sean derrubado sendo socorrido por Gyrimias em choque.
— Então eles foram a Computer Co. àquela noite matá-lo, Senhor?
— Sinto Gyrimias ter envolvido você nisso — abaixou a cabeça.
— Como sabia sobre o Chat? — insistiu Edegar.
Sean nada falou, mas Ambrósia ia falar.
— Conseguiu rastrear queste informazioni utilizzando o Echelon ou fala com outras macchinas também? — Ambrósia não podia ter sido mais direta.
Mas Sean gargalhou com gosto.
— “Echelon”? O que é isso? Propaganda de conspiração ou anda lendo muita besteira na Internet, Senhorita?
— “Talvez você nunca tenha escutado algo sobre o Echelon, mas com certeza o Echelon tem escutado sobre você” — ela gargalhou e Sean não gostou de ver Ambrósia gargalhar num português perfeito, como se repetisse alguém. Ela sabia mais do que queria parecer, inclusive quando sabia sobre a arma Tyron. — Ah! Vejo qui algo come una copia macchina chamada SiD.
— A Computer Co. tem seu próprio Echelon, Sean? Isso pode capturar todos os sinais de satélites, micro-ondas, celulares e todo tráfico de comunicações de fibra ótica — Edegar esperou uma reação e Sean outra vez sentiu-se pisando em ovos. — E os sinais capturados serão processados então por uma série de supercomputadores, que procuram por palavras e textos chaves.
— Se responder isso... — Sean olhou um e outro para estancar em Ambrósia. Ele nunca a imaginou sabendo aquilo, não aquilo. — Se eu...
— Rispondere Signor Queise!
— Eu queria destruir a Poliu! — exclamou com a mesma força.
— Ahhh!!! Porca miseria!
Sean voltou a olhar um e outro.
— Criei um programa rastreador de palavras, SiD, que uma vez rastreando, consegue interpretar tudo.
— Per distruggere a Poliu?!
— Não grite comigo!
— Rispondere!!!
— Sim!!! Para destruí-la!!! Porque eles a culparam!!! Está bem?! — Sean gritou também. — Eles culparam minha noiva de roubo dos projetos de Spartacus! — sentiu que toda sua estabilidade emocional se esvaecia. — Sandy discutiu comigo na noite do noivado, me esbofeteou, correu escada acima, e... e... — sua voz tremia. — E eu tentei! Eu juro! Tentei... — e um tiro ecoou em suas lembranças. Sean encarou Ambrósia mais do que os outros dois homens. — Mas Sandy se matou, me culpando de não acreditar na inocência dela... — virou-se e foi embora.
Os três ficaram lá, como que paralisados.
Acampamento ‘Contatos com a natureza!’; Serra do Roncador.
25 de janeiro; 21h20min.
O clima esquentou no acampamento quando os quatros chegaram tarde da noite e disseram nada terem encontrado. Leandro anunciou também que a comida havia terminado.
Sean sentiu-se mal com o olhar penetrante de Edegar nele.
— Estou com medo! — falou Deborah para o pai. — Já anoiteceu!
— Tenha calma, filha! Há nesse vasto mundo subterrâneo cidades de estátuas vivas que correspondem a cada homem e mulher que despertou para a luz, e podem ser vivificadas no instante em que for estabelecida a ligação aos seus princípios superiores. Tudo como o previsto!
Sean ficou prestando atenção no pai, na filha e na conversa insólita.
— Facciamo turnos; quattro acordados, per tre horas! — Ambrósia estipulou ordens.
— Fico no primeiro turno por três horas — anunciou Sean. — Depois que pegar no sono não sei se consigo mais acordar.
— Ficamos io, tu, Gyrimias e Edegar. Mais tardi, Heidi, Deborah, Signor Ralph e Schiller. Notro turno, Michel, Romeu, Leandro e Paulo. La mattina, volto a stare con Signor Pierre, Signor Kabir e Miss Ãnkanna.
Todos concordaram e Sean sentou-se em torno da fogueira aconchegante. Ambrósia sentou-se ao seu lado, mas nada falou. Ele, porém desconfiava que a bela e ruiva guia italiana também fosse da Poliu.
Não conseguia se controlar; odiava a Poliu, a corporação toda.
— Fiz café, Senhor — anunciou Gyrimias quase uma hora depois lhe dando uma xícara. — Está com gosto meio esquisito porque usei isotônico.
— Isso é que é receita para se ficar acordado, Gyrimias — todos quatro riram.
A alegria terminou de repente quando algo se mexeu na mata. Sean e Edegar deram um salto das cadeiras. Olharam-se e correu cada um para um lado.
— Che houve? Che? — tentava Ambrósia entender ao vê-los correr.
— Shhh! — pediu Sean silêncio.
Ela calou e Gyrimias Leferi também; além do que Gyrimias já tinha perdido a voz no susto.
Edegar andava pé ante pé; mal se ouviam sua respiração. Apontou para frente e mandou Sean pegar um dos galhos da fogueira. Mandou-o segurar na mão um isqueiro que jogou, e o mandou ir pelo outro lado. Edegar também mandou Ambrósia pegar um dos galhos da fogueira e também pegou um para si; tudo em códigos. Depois Edegar pediu que Gyrimias ficasse parado na claridade da fogueira, na cadeira, como se nada tivesse acontecendo. Ele seria usado como uma espécie de isca.
Os três estavam se preparando para dar o bote no invasor, fechando o cerco em torno dele.
Os sons nas folhagens secas fizeram Gyrimias sentir o coração subir até a garganta, sentiu que sua urina não ia se manter dentro dele. Sean saiu da sua visão, assim como Edegar e Ambrósia. Gyrimias estava lá, sentado na fogueira, sozinho, quando algo, alguma coisa, ele não teve tempo para decifrar, foi lançado no fogo o apagando. Gyrimias encolheu-se todo, ao ver-se na escuridão. Ele tentava se controlar; precisava, mas iluminação só as réstias da lenha apagada quando um som de farfalhar se fez.
Alguma coisa se aproximava vindo da mata, sorrateiro, quando Gyrimias apurou os ouvidos e entendeu o que era.
— Morcegos! — exclamou para depois perder a voz e ver que aquilo à sua frente não era o tipo de morcegos a que estava acostumado.
— Arghhh! — a EBE grunhiu mostrando uma face que lembrava morcego sim, mas com uma estranha face parecendo ser feita de cristal líquido azulado, enegrecido e viscoso; um réptil de garras de unhas afiadas, tomado por corcovas que lembravam as de um crocodilo, e uma grande boca fina que em muito se assemelhava a de um mosquito. Gyrimias o estudou e a EBE grunhiu outra vez para ele. — Arghhh!
Gyrimias ainda viu que os olhos da coisa estavam focalizando o rosto dele, que parecia estar sendo refletido numa tela de cristal líquido azulado vermelho, embutida nos olhos vermelhos da EBE; grandes ojos rojos que pareciam refletir não só a cara deformada de Gyrimias, mas todo o acampamento em volta.
Edegar apitou e Sean e Ambrósia acenderam o pedaço de lenha que tinham em mãos.
— Agora!!! — e os três atiçaram o fogo para cima da EBE que foi atingida pela claridade, saltando alto sem, porém nada para se agarrar.
— Arghhh!!! — ela grunhiu furiosa caindo no chão a saltar novamente. Edegar levantou a tocha para o alto e a EBE gritava desesperada. — Arghhh!!! Arghhh!!! Arghhh!!!
Sean avançou sobre ela até seus olhos se encontrarem e se ver refletido ali. Sabia, porém, que aquela era outra EBE já que Ambrósia havia atirado no olho da EBE que o atacara, o quebrando. A EBE babava um ácido enegrecido, tipo piche, pela boca fina, estreita e comprida, que vez ou outra projetava para fora uma língua que parecia sentir aromas no ar quando o ácido enegrecido foi lançado sobre seu rosto, paralisando-o. Sean entrou em uma espécie de diplegia no lado direito forçando sua mão ficar paralisada, caída, percebendo que sua imagem estava refletida no globo ocular da EBE feita de cristal azulado, para de repente muitas imagens passarem pela lente dos olhos. Como uma TV, os olhos vermelhos da EBE mostravam a cena do ataque e o corpo dilacerado de Pii Tii.
“Eles se comunicam por um computador central?”, foi o que pensou.
— Sean... Sean... — sussurrava Edegar.
Mas a EBE dominava Sean que não conseguia se mover, gritar, respirar. Os olhos se moviam, e Sean os movia para o lado desesperado vendo que Ambrósia se aproximava não entendendo o porquê da paralisação dele. Voltou a olhar a EBE, e viu agora nos ojos rojos o ataque que ele próprio sofrera na noite da morte de Pii.
“Uma câmera!” foi o que a belo jovem teve certeza, percebendo que as EBES tinham algum tipo de banco de dados, e que sua face havia sido incluída em suas memórias, no que a paralisia cessou e ele atiçou a tocha nela.
— Arghhh!!! Arghhh!!! Arghhh!!! Arghhh!!! Arghhh!!! Arghhh!!! — a EBE gritava apavorando todo o acampamento.
Ralph foi o primeiro a chegar atirando nela, fazendo um estardalhar de cristal azulado no que ela foi atingida. A EBE lançou ácido enegrecido para todos os lados e saltou sobre Ambrósia que caiu no chão.
— Ahhh!!! — gritou Ambrósia para a EBE.
— Arghhh!!! — berrava a EBE para ela.
— Ahhh!!! — berrava Ambrósia desesperada para a EBE.
— Arghhh!!! — e a EBE voltou a berrar para tudo a sua volta.
— Ambrósia?! — gritou Sean correndo atrás dela. — Pare de encará-la!!!
— Ahhh!!! — mas ela se apavorava cada vez mais.
— Arghhh!!! Arghhh!!! Arghhh!!! — a EBE ferida gritava para Ambrósia sem parar, no que o ácido enegrecido que escorria, atingiu-a no ombro.
— Ahhh!!! — berrava ela sentindo queimar.
— Cubra-se!!! — Sean gritou e a EBE parou percebendo que a mulher no chão era do interesse dele.
A EBE ferida fugiu, mas gravara a face de Ambrósia Lambrusco em sua memória, em seu banco de dados.
— Ahhh!!! — mais gritos ecoaram no acampamento e Leandro acendeu a fogueira novamente.
Todos se olharam, se procuraram e fizeram contas, vendo que alguém faltava ali.
— Herr Kabir?! Oh!!! — gritou Heidi.
Sean, Schiller e Michel correram até a barraca que tinha seu interior sendo dilacerado velozmente, com pedaços de náilon e carne voando para os lados. Sean e Schiller arrancaram Heidi da frente que desabou no chão após ver a cena, e ambos entraram na barraca se enchendo do sangue de Kabir, que espirrava realmente para todos os lados. Sean ateou fogo na segunda EBE vendo que um dos ojos rojos estava quebrado, percebendo que aquela era a EBE que atacara ele e Pii, quando a EBE lançou um ácido enegrecido e gelado que apagou as tochas.
— Ahhh!!! — gritou Michel a fugir dali, ao ver a EBE sem um dos olhos saindo da barraca destruída de Kabir.
— Aonde vai idiota?! — gritou Sean desesperado. — Volte aqui com a tocha acesa!!!
A EBE sem um dos olhos então correu para longe da fogueira e saltou sobre Michel que virou o corpo, fazendo a EBE sem um dos olhos escorregar e ele escapar. A EBE sem um dos olhos então se levantou e se lançou sobre Pierre que começou a ser dilacerado.
— Ahhh!!! — berrava Miss Ãnkanna vendo o francês Pierre ser dilacerado no que Ralph correu saltando com toda sua idade sobre a EBE sem um dos olhos.
A EBE sem um dos olhos se ergueu e lançou Ralph longe.
— Pai?! Pai?! — berrava Deborah desesperada atrás de Ralph enquanto a EBE sem um dos olhos voltava a dilacerar Pierre.
— Michel?! — gritou Sean o mandando voltar, correr para onde a EBE sem um dos olhos dilacerava Pierre.
— Shit! — Michel exclamou nervoso voltando com a tocha acesa e atacando a EBE sem um dos olhos que grunhiu novamente.
— Arghhh!!! Arghhh!!! Arghhh!!! — a EBE sem um dos olhos saltou mais uma vez sobre Ambrósia, e então fugiu sem nada fazer a Ambrósia nem carregar mais nada nem ninguém, quando Miss Ãnkanna viu que Gyrimias Leferi estava petrificado, sua boca retorcida, fora da perfeita bilateralidade.
Ela correu e ofereceu-lhe chá quando ele gritou.
— Ahhh!!! — e desmaiou.
Já o corpo de Pierre tremia todo. Seus pés, uma parte do estômago e seus dois braços haviam sido dilacerados. Entrava em choque quando Ambrósia correu com toalhas e lençóis.
— Estanque!!! Estanque!!! — berrava para os cozinheiros quando Pierre virou os olhos e morreu.
— Chega mi querida... — falava Miss Ãnkanna chorando, vendo Ambrósia em descompasso.
— Ma Io... Ma Io... Porca miseria! — Ambrósia viu o corpo dilacerado de Pierre escapar de suas mãos cheias de sangue.
— O Sr. Kabir e o Sr. Pierre estão mortos — anunciou Romeu ainda com um pedaço de carne nas mãos trêmulas.
— Você tinha duvidas? — Sean estava descontrolado.
— Peguem... — Ambrósia mal sabia o que falar. — Peguem una pá e saccos di lixo... — e quase desmaia sendo segura pela mão de Sean que chegou tão rápido nela, que ela não soube dizer como, só que quis saltar no pescoço dele e beijá-lo até de manhã cedo, com ou sem sangue neles, no que Sean a olhou outra vez confuso com os pensamentos dela.
Já Miss Ãnkanna ainda tentava fazer Gyrimias acordar e não conseguia.
— Ele está bem, foi só paúra — anunciou Edegar Cascco para todos sobre a condição do cientista da Computer Co.. — Devemos é tentar entender o que era aquilo.
— O que era aquilo... — Deborah repetiu como que mecanicamente.
— Índios morcegos! — exclamou Michel para espanto de todos.
— Quer dizer que os tais Índios morcegos que protegem as cavernas da Serra do Roncador existem? — falou Paulo apavorado.
— Não enxergam na claridade, a luz é sua inimiga — e foi Romeu quem completou.
— Não era um índio, era uma EBE! — exclamou Sean.
— Uma o quê? — perguntou Schiller Zuckeuner com o corpo de Heidi acordando.
— Entidade Biológica Extraterrestre!
— Dio mio! Che cosa orribile. Parecia un réptil con face di morcego e olhos di vidro, non sei... — falava Ambrósia olhando o sangue no chão.
— Viram os olhos vermelhos?
— Ojos rojos que gravam imagens... — divagava Sean. — Como um computador biológico.
— A tal EBE não deveria ser escamosa como os outros répteis? — foi à vez de Heidi ainda tonta ao ver que todos tentavam catar pedaços de corpos do chão.
Michel ia falar algo, mas desistiu. Voltou para a barraca dois e se preparou para dormir sozinho no vestíbulo, como se nada tivesse acontecido enquanto Sean quis realmente saber o que Heidi sabia sobre escamas.
6
Acampamento ‘Contatos com a natureza!’; Serra do Roncador.
15.67° 50’ 24” S e 54.99° 16’ 24” W.
26 de janeiro; 08h23min.
O dia amanheceu e Sean Queise acordou dolorido, encontrando Ambrósia Lambrusco acordada como havia prometido. Uma coisa tinha que admitir, a bela e roliça guia italiana era forte.
“E como é bela”, pegou-se a olhando com interesse.
— Fizemos chá com garrafas de isotônico — anunciou o garoto Leandro oferecendo uma xícara a ele. — O café também acabou Sr. Sean.
— Obrigado Leandro! — e Sean se aproximou de Heidi. — Seu GPS ainda tem carga, Senhora? — ela o olhou de cima a baixo com gosto. — Ainda tem? — Sean perguntou mais uma vez.
Heidi foi até a barraca e voltou entregando-o. Sean sentou-se e abriu o compartimento traseiro com uma faca sem ponta, fazendo algo que ninguém soube compreender. Depois inseriu um pequeno cartão de memória que tirou de seu tablet, e que na confusão do tiroteio à Computer Co. ainda teve tempo de transferir informações.
— Che cosa tem no cartão Signor Queise?
Sean odiava ser chamado assim, porque ela insistia em não chamá-lo pelo nome como fazia com os outros.
— Não é seu conteúdo o que importa.
— Well! E o que importa? — foi Michel quem continuou.
Sean só escorregou um olhar nada amigável a ele.
— Importa si são carregados di mappe, espero.
— Sim, Srta. Ambrósia. Carregados de mapas.
— Deveríamos saber que tipo de mapas? — voltou Michel a provocá-lo.
— E o che importa? — Miss Ãnkanna saiu em defesa de Sean.
— Mas se estamos com um céu que na verdade é o teto da Terra Oca, do que adianta? — Edegar quis saber.
Um mal estar geral se instalou ali.
— Teto?! — gritou Heidi.
— Terra Oca? — falou Deborah mais comedida. — Do que Herr Edegar está falando Sean?
— Estamos naquilo que o Sr. Pierre chamou de Terra invertida Senhorita. Não sei dizer como entramos ou quando, mas estamos dentro da Terra Oca.
— Mas... — Paulo olhou para um lado. — Mas... — Paulo olhou para o outro lado. — Não passamos por nenhuma entrada mágica. Passamos?
— Não sei dizer Paulo, mas Gyrimias levantou a hipótese de algo ter ocorrido naquele som diferencial — e Sean pediu papel e lápis.
— Virgem santíssima... — a voz do garoto Leandro se perdeu.
Todos se sentaram e ficaram vendo Sean Queise se por a fazer contas tão estranhas quanto o silêncio dele. Depois ele pegou uma faca grande, e usando-a como régua, traçou algumas retas, anotando nos encontros delas, um ponto. E para cada vértice ele deu um codinome; todos acharam que era.
— Faria melhor e mais rápido no tablet, mas não posso usar o resto da bateria do GPS.
— Well! Um tablet? E que imagino, tenha muitas coisas proibidas — picou Michel.
— Quer calar a boca?! — e foi a vez de Ambrósia gritar com Michel no mais perfeito português. — Porca miseria!!!
Aquilo Sean adorou.
— Vai conseguir nos tirar daqui, Sean? — perguntou Edegar.
— Não sei quanto a você, Edegar, mas a ideia de dividir meu chá de isotônico com aquela coisa feita de cristal azulado não me agrada mais.
— A mim também não — riu o agente chileno. — Pode acreditar.
— O que são esses pontos Sean?
— Coordenadas de fusos, Srta. Deborah. Possuímos 24 fusos de 15 graus de largura cada, com uma hora de intervalo, partindo do meridiano que passa por Greenwich, e que até hoje não mudou de lugar.
— Sim — Gyrimias soltou a língua. — A ‘Hora Média de Greenwich’ ou Greenwich Mean Time, ou GMT, utilizado como padrão mundial de tempo até 1986, surgiu como o ‘Tempo Universal Coordenado’, que é baseado em padrões atômicos em vez da rotação da Terra — sorriu para ela.
Sean não gostou de ver Gyrimias dando trela a Deborah, mesmo sabendo que nada sabia, porque seus dons não se completavam por causa da interferência daquele lugar etéreo, ou do que fosse feito.
— Preciso da sua ajuda, Sr. Schiller — Sean anunciou e Schiller se levantou sentando-se ao lado dele, na mesa improvisada.
— Também não precisa me chamar de ‘Senhor’ meu jovem. Já estamos todos íntimos por aqui.
Sean gostou dele.
— Está bem! Quero que marque por cima dos vértices anotados por mim, onde estariam as estrelas a essa hora da manhã — entregou o relógio de Gyrimias após pedi-lo.
— Efemérides? — Michel quis saber.
Schiller olhou Sean que não respondeu; então não respondeu, também. Já Sean fazia contas atrás de contas e voltava a riscar o que Schiller entregava para ele.
— Como vai fazer meu GPS conseguir retornar o tempo se não temos antenas aqui? — insistiu Heidi nervosa. — Nem céu nem tempo Sean bonitinho?
E o suspiro de desanimo que Schiller deu afetou mais Sean que a ele próprio.
— Não devia se preocupar com o que nunca vai entender... — Sean foi a frieza em pessoa com Heidi Zuckeuner.
— Well... O menino hacker está abusado, não Schiller? — provocou-o.
— Cale-se Michel! — foi o próprio Schiller Zuckeuner quem saiu em defesa de Sean Queise, e com toda a intimidade impressa.
Sean outra vez escorregou aquele olhar de poucos amigos para Michel que se calou.
— Io non quero briga, ma devo chiedere se questo può essere fatto — questionou Miss Ãnkanna.
— Não Miss Ãnkanna! Isso não pode ser feito! — e sem olhar Michel, Sean completou. — Mas não há nada que eu não possa fazer.
— Well! Ele pode! — riu Michel. — Pode e vai inserir outros satélites sem antenas... — ria. — E sem céu... — ria. — E sem tempo... Ahhh!!! — e o grito foi por causa de uma cadeira que apareceu do nada e o derrubou.
Um ‘Oh!’ correu e Sean viu que Ambrósia foi a única pessoa a olhá-lo. Provável ela sabia que foi ele quem jogou a cadeira em Michel. Romeu e Leandro correram a ajudá-lo e Michel se levantou meio tonto, sem saber o que o atingiu.
— Como sabe que contas feitas de qualquer jeito nos vão tirar daqui Sean? — Edegar fez Schiller parar de escrever e encarar Sean.
— Yes, warez Sean... — tonto ou não Michel voltou a provocar Sean Queise. — Como você vai saber?
Sean não acreditou que Michel não tivesse aprendido a lição.
— Eterno ensaio e erro Michel, através de interpretações errôneas de fenômenos naturais, que levaram o homem comum a importantes descobertas — ninguém entendeu.
Miss Ãnkanna segurou o rosto de Sean e o beijou na boca fazendo um estalo.
— Grazie... Seja lá come faz.
— Não precisa agradecer Miss Ãnkanna — Sean sorriu sabendo que fazia a coisa certa fosse ela qual fosse. —, mas pode ficar ao meu lado para dar sorte — voltou a sorrir-lhe e ela sentou próxima dele e de suas contas, que foram muitas, e que foram complexas, e que foram de difícil resolução, quando ele olhou-a. — E pelo beijo dado, vou te contar um segredo antes de dar ‘enter’ — todos eram ouvidos e Miss Ãnkanna se encolheu tímida. — Todos dizem que sou hacker, cracker, talvez um warez Black hat... — Sean voltou a sorrir-lhe. —, mas quando acesso a Internet, eu o faço usando sempre uma senha completamente aleatória, gerada por uma keygen instalada em meus mainframes, conectados virtualmente pelo mundo, pelas nuvens, acessando o centro de controle de meu banco de dados, esteja eu onde estiver — e olhou todos.
E todos o olharam.
“Wow!” correu por todo ele.
— Então escrevo minhas diretrizes diárias em forma de boletim, faço alguns ‘copy and paste’, respondo às listas que faço parte e clico ‘SEND!’ — e deu ‘ENTER!’.
E Miss Ãnkanna o viu fazê-lo.
— Perfetto!
— Sim! Os e-mails então são enviados em menos de um nano segundo para mais de um milhão de endereços na Internet, que se amarram na WEB, todos cadastrados como assinantes, funcionários, compradores. Todos, menos as cópias que seguem hackeadas, sem minha autorização, para um dos satélites controlados pela gigantesca Poliu, que opera mais de oito satélites produzidos mundo afora por países nem sempre estáveis em sua base governamental — Sean só parou para respirar e pegar as contas de Schiller. — Obrigado Schiller!
— De nada Sean!
E todos estavam lhe olhando no silêncio que se seguiu.
— Parlato satelliti controllato, Signor Queise?
— Sim, falava. Satélites localizados em uma órbita específica que não vem ao caso, mas que possuem trinta estações de monitoramento de escuta e interceptação — ele a viu sorrir-lhe. — E lembra-se das cópias de que falei Miss Ãnkanna? Pode imaginar para onde as cópias dos meus e-mails foram? Para onde meu telefonema da semana passada foi? Echelon! — Sean viu todos se olharem, com Heidi não se dando ao trabalho de perguntar o que era. — Mas sabe o que a Poliu não sabe, Miss Ãnkanna? Que os e-mails, músicas e toda minha programação que capturaram sou eu quem controlo — e voltou a olhar todos. — E sabe por que? — fez a voz mais debochada que podia fazer. — Por que tenho um Echelon particular para reverter os dados que o Echelon deles me rouba: telefonemas, fax, correio eletrônico, mensagens de textos, redes sociais, transmissões via rádio ou micro-ondas, até cochichos ao pé do ouvido, tanto faz; tudo vai para o SiD! — um ‘Oh!’ e outro ‘Oh!’ e muitos pensamentos conflitantes ali mostrando que SiD já não era um segredo. — E eu, eu e o SiD, capturamos cada e-mail, cada música, cada linha de programação que a Poliu captura e as mascaro tão rapidamente que nem o ‘nano segundo’ deles, seria capaz de me perceber fazer aquilo, quando envio de volta só o que quero, para onde quero, e que só chega à Poliu porque eu quero — e entregou o GPS de volta a Heidi.
E o silêncio só foi quebrado por uma Ambrósia furiosa.
— Finita Signor Queise?
— Não Srta. Ambrósia. Agora estou esperando um milagre — e se recolheu no silêncio que se seguiu.
Acampamento ‘Contatos com a natureza!’; Serra do Roncador.
26 de janeiro; 12h33min.
Ninguém entendeu, mas ‘milagre’ tinha outro nome, e respondia por Oscar Roldman. Um fuzuê se alastrou no acampamento improvisado quando a equipe da Polícia Mundial chegou com três helicópteros V-22 Osprey, oito carros Hummer blindados, dois tanques de guerra, e cinquenta homens armados até o pescoço, em meio a muitas plantas e folhagens que se quebraram pelo caminho.
Água e alimentos foram distribuídos para todos e alguns componentes da trilha já começavam a tomar seus lugares nos carros Hummer blindados, quando só então Oscar Roldman dirigiu-se para Sean Queise; porque ambos não havia trocado uma só palavra desde a sua chegada. E Sean teve mesmo a sensação que todos haviam parado para ver o todo poderoso homem da Polícia Mundial falar com o maior empresário da área da informática, um warez para lá de perigoso.
— Você está bem, Sean querido?
— Não me chame assim! — exclamou nervoso.
— É essa a recepção que eu tenho por vir salvar você?
— Me salvar? — riu debochadamente saindo e o deixando plantado no mesmo lugar.
— Como conseguiu entrar no sistema de Spartacus?
Sean parou de caminhar, levando o tablet debaixo dos braços.
— Não sei do que está falando.
— Sabe Sean! O homem é aquilo que sabe.
— Wow! Parafraseando o filósofo Francis Bacon?
— Só cheguei aqui porque ordenou Spartacus a desativar todos os meus computadores, a desativar todos os meus satélites, a acionar doze satélites que não existem, mas que os rastrearam dentro de uma caverna que não existe.
A guia de turismo, Ambrósia Lambrusco ficou impressionada. Com Echelon, SiD ou o que fosse ainda a ser criado, ele podia mesmo. Sean voltou a andar e se dirigir até o Hummer.
— Tu ‘modus faciendi’ és interessante, Signor Queise — picou Ambrósia quando ele passou por ela.
— Minha maneira de agir não é da sua conta, Srta. Ambrósia.
Ela riu e o som metálico de engrenagens se fez. Sean olhou para trás e viu Oscar dar uma ordem.
— Derrube!
— Oscar?! — Sean correu de volta até ele.
— Você não me dá alternativas, não Sean querido? — Oscar estava bravo. — Nunca me dá alternativas!
— O que está fazendo? O que pensa que está fazendo Oscar? — mas Sean sabia o que Oscar estava fazendo, e nem de seus dons precisou para conhecer a ordem dada por ele. — O que pensa que vai fazer?! — Sean gritou e partiu para cima de Oscar fazendo dois seguranças avançar sobre ele.
— Não! — exclamou Oscar para que os agentes da Polícia Mundial nada fizessem a ele.
— Você está cometendo um erro, Oscar!
— Eu cometo erros, Sean. Sou humano.
— Erros do tipo em não me ouvir? Isso aqui não é o que parecer ser. A Poliu tem escondido esse segredo há muito...
— Ahhh! A Poliu? A Poliu?! — alterava-se. — É a corporação de inteligência então?
— É! É a corporação! Sempre foi! — e Sean viu Oscar fazer um movimento com a cabeça que voltou a fazer seus agentes da Polícia Mundial acionar um dos tanques. — Pare Oscar! Você não sabe o que tem lá em cima! — apontou nervoso. — Oscar?! — berrou Sean no que o tanque acionou um som agudo e uma luz enegrecida saiu de dentro fazendo o projétil não errar o alvo.
Não demorou segundos para o piso tremer e desaparecer. A floresta se fez de um céu azulado e pequenos vulcões brotaram do chão, mostrando que todos já não estavam mais na Terra, no Mato Grosso, nem na Serra do Roncador.
A gravidade alcançou o zero da escala e o peso não existiu mais. Sem massa, eles flutuaram. Sem ar nos pulmões, eles se sufocaram.
Sean viu os olhos do garoto Leandro saltarem do globo ocular, viu o sangue de Paulo ser expelido e planar no espaço gélido. O coração de Schiller não aguentou a despressurização sobre o corpo, explodindo, deixando pedaços de carne planando ao lado de Heidi, que morria asfixiada. Gyrimias, Ralph, Edegar, Michel, Deborah e Miss Ãnkanna nos carros blindados se soltaram dos bancos, planando paralisados. Sean também se despregou do chão com todos os cinquenta corpos dos agentes à sua volta, e Oscar e Ambrósia desmaiaram, com os braços largados, para de repente, a mata em volta, a parede rochosa, casas e antenas e elevadores, as barracas, a cachoeira de cristal líquido azulado, os ônibus queimados, o céu azulado deles e a mata fechada serem sugados para dentro de uma enorme nave-mãe, que saiu de debaixo da terra.
E tudo cedeu.
Todos foram lançados ao chão, na força gravitacional restabelecida, caindo numa terra batida, seca, quase sem vida.
7
Computer Co. House’s; São Paulo, capital, Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
15 de fevereiro; 09h26min.
A cidade de São Paulo era considerada a terra da garoa, e do concreto. Com vida pulsante e muito quente no verão que ainda persistia, ela era também a São Paulo do centro, da periferia, das lojas famosas, dos shoppings, dos estádios de futebol, do skate, da bike, das corridas de carro, cavalos; da cultura, dos parques pulmões, da gastronomia, do rush.
O jovem e belo Sean Queise estava nele, no rush, tentando chegar à Computer Co. com a sua Lamborghini Murciélago Roadster preta para mais um dia de trabalho.
Após seu retorno da Serra do Roncador no Mato Grosso, sua vida parecia ter voltado a entrar no eixo e adquirir características totalmente usuais. Kelly Garcia o esperaria como de costume, usando seus terninhos Channel, com uma xicrona de café quente na mão e um largo sorriso no rosto perfeito. Mas não foi isso o que ele encontrou logo no saguão de entrada, após a tragédia que levou a vida de alguns funcionários.
— Kelly? — Sean a encontrou nervosa, agitada, andando de um lado para o outro, e tudo aquilo usando um salto que ecoava pelo mármore branco.
— Ele… — respirou. —, está aqui!
— Oscar? — Sean balançou o pescoço.
— Na sua sala. Desde manhã. Renata estava em estado de exaustão de tanto tentar ligar para você.
— Sabe que desligo o celular no carro — balançava o pescoço cada vez mais se dirigindo aos elevadores.
— O que vai fazer?
— Não dá mais para fugir, Kelly. Não atendo seus telefonemas há mais de duas semanas.
— Eu disse que você estava muito estressado, que ia tirar um descanso, mas parece que o Sr. Roldman não acredita mais no que lhe digo quando liga.
— Não, não acredita — suspirou nervoso.
— Vai enfrentá-lo, patrãozinho?
— Já pedi, não pedi? — olhou-a sorrateiro.
— Sei, sei, não quer que te chame de patrãozinho.
— E você esquece sempre?
Kelly fez uma careta e nada falou.
— Quer que eu entre na sala com você?
— Não, Kelly — chamou o elevador. — Tenho que enfrentar minha sina.
— Sean... — ela o viu olhar para ela. — Vá com calma. Ele é seu...
— Chega! — Sean não permitiu que ela falasse e Kelly se arrependeu por ter se metido.
Sean entrou no elevador e ficou pensando em seu pai e sua mãe, de como eles eram felizes juntos e como manter aquela felicidade pesava a ele mais que tudo. E tudo por uma briga, por logo após sua mãe, Nelma Queise, ter se casado com Fernando Queise; a vida de empresário viajante como a que Fernando levava incomodou o casal que ficava muito tempo afastado.
Brigas constantes os levaram à separação.
Oscar Roldman, que sempre nutrira um amor doentio por Nelma, vira a oportunidade de um relacionamento nascer em meio à dor que ela sentia e ambos foram morar juntos. Fernando sentindo um vazio enorme prometera a Nelma que tão cedo conseguisse, largaria tudo para se dedicar a ela e que brigas nunca mais haveria. Nelma deixou Oscar e voltou para Fernando logo engravidando, provocando muita especulação sobre quem era o verdadeiro pai da criança, na rica sociedade da época em que viviam. Sean até hoje se esquivava de tais comentários e Oscar se eximia de respostas complexas.
Um grande segredo estava enterrado ali, ele desconfiava.
“Pai”, Sean sentiu dor.
O elevador abriu na cobertura e ele passou por Renata, sem encará-la. Ergueu a cabeça, balançando o pescoço com mais intensidade e entrou na sua sala, como quem entra numa arena, preparando-se para o ataque mais do que para a defesa.
— O que esperava me protegendo da Poliu, Oscar querido? Destruir todas as entradas para Agartha?
Oscar Roldman se virou e viu Sean encostado à porta fechada.
— Você está doente, Sean querido. Ficou muito tempo sem água e alimentação na Serra do Roncador — Oscar ouviu Sean gargalhar para depois vê-lo andar e se sentar sério na sua cadeira de espaldar alto.
E Sean ficou lá, a olhar o nórdico Oscar Roldman e o que os anos de labuta envelheceram-no rapidamente. Alto, esguio e inteligente; era assim que ele o via. Belo, é o que era Oscar Roldman.
— O que quer aqui? Não temos nada a nos falar.
— Engano seu, temos muito a falar depois da morte de Alcântara Jr..
— Deus... Alcântara Jr. morreu? Aonde?
— O encontramos na Serra do Roncador quando fomos resgatar os corpos que lá ficaram.
— Como? Onde?
— Dentro daquela mata, daquilo que chamou de Terra Oca.
Sean sabia que tinha mais.
— Os ônibus?
— Agentes fizeram a perícia. Havia realmente um catalisador ali.
— Colocaram fogo deliberadamente nos ônibus com os motoristas dentro? — e um silêncio se fez. — Alcântara Jr. era um deles?
— Sim.
E Sean não gostou do que pensou. Nada comentou, porém. Virou os olhos e inclinou seu corpo para trás fazendo a cadeira dobrar-se, puxando os cabelos curtos e loiros, os fazendo levantarem por entre seus dedos.
— Eu não tive culpa. Não sabia o que Alcântara Jr. fazia.
— Mentira! Você pode saber Sean, Mona o preparou para saber tudo.
— Não me chame de mentiroso.
— Chega Sean!
— “Chega”? E o que quer de mim afinal, Oscar? O que sempre quer de mim se sou um poço de mentiras?
— Quero o controle do SiD modificado no satélite de observação Spartacus.
— Não sei do que está falando.
— Você mudou os códigos de entrada dos mainframes do satélite quando modificou o programa SiD!!!
— Não grite comigo! Não fiz nada disso!
— Fez!!!
— Não fiz nada!!! — gritou também. — Porque SiD não existe!
— SiD não existe para o idiota do seu pai que acredita em tudo....
— Não chame meu pai de idiota!!! — debruçou-se descontrolado, se erguendo da cadeira quando todas as cadeiras, tapetes, objetos afins se ergueram ao seu lado.
— Não grite você comigo moleque atrevido!!! — e Oscar ergueu o resto do que lá havia, volitando no espaço.
Kelly Garcia e Renata Antunes do outro lado da porta de carvalho se apavoraram por ver que cadeiras, mesas e o andar inteiro saíram do chão, que os dons dos dois podiam fazer aquilo.
— Droga!!! — Sean explodiu e tudo voltou ao normal.
— Agora que já mostramos um ao outro do que somos capazes... — e Oscar viu Sean arregalar os olhos. —, vamos nos ater ao que interessa. Quero o acesso ao banco de dados!
— Você não tem que querer nada! Os mainframes são ‘Queise’ e pelo que me lembro, sou um Queise!
— Um Queise? — riu Oscar extremante nervoso.
— Não sou?
— Sean?! — Oscar bateu com força na mesa fazendo o som reverberar para a sala de Renata. Oscar jogou o corpo para fora da cadeira e erguendo-se, apontou o dedo indicador de uma maneira autoritária. — Quero o controle do programa aprimorado do SiD instalado em Spartacus!
Sean riu.
— Fala do programa SiD que fiz para você perseguir gente após 12 anos ou fala do programa SiD que não existe para o idiota do meu pai? Ou para o idiota do Trevellis? De toda Poliu? De toda Polícia Mundial?
— Sean!!! — Oscar voltou a gritar totalmente descontrolado. — Não me provoque! Quero o SiD que vem abastecendo com informações que nem a Poliu sabe que existem!
E Sean realmente alertou-se ao ver o cartão tipo pendrive que Oscar lhe dava.
“Droga!” soou por todo ele.
— Vamos! Coloque os códigos aí! — Oscar tremia ao apontar.
Sean piscou e piscou descontrolado.
— Não existe programa aprimorado — Sean sabia que Oscar estava no limite, mas também sabia que ambos não se liam, não penetravam um no pensamento do outro. — SiD é único, e você o único que o controla.
— Coloque... Os códigos... Aqui... — e apontava tremendo, fazendo tudo tremer em volta deles.
Sean só escorregou um olhar e viu tudo vibrando na sala da cobertura. Ficou a imaginar o que os dons dele seriam capazes de fazer se ele os tivesse desenvolvido, aceitado sua sina, não escondido um dom que fez perder Nelma para Fernando Queise.
Porque Sean sabia que Oscar lutava contra tais dons, que o faziam diferente, esquisito.
— Não estou mentindo. O SiD ainda é o mesmo, único, instalado em Spartacus. Só o aprimorei com chaves de acesso criptografadas quanticamente — e Sean pegou o pendrive sob fortes olhares de Oscar Roldman. Inseriu no seu computador e copiou algumas chaves de desencriptação. — Agora saia! — jogou o pendrive pela mesa.
— Não vou sair Sean! Porque sei que essas chaves são a ponta de um iceberg, que você começou a derreter quando obrigou a Poliu lhe seguir no Chat que Edegar Cascco derrubou com um nuke.
Sean gelou.
— Edegar não trabalha para a Poliu?
— Diga você!
— Droga Oscar! Como a Poliu chegou naquele Chat?
— Diga você!
— Até me afogar no iceberg que derrete?
Oscar se levantou.
— Eu não sei como nem o que a Poliu fazia naquele Chat — Oscar se virou para ele e resolveu não mais provocá-lo. —, muito menos sei o que esse tal de Edegar fazia lá.
— Sabe mais.
— Ao contrário de você, não leio pensamentos.
Sean não gostou daquilo; realmente não gostou daquilo, de ter que enfrentar sua sina.
— Digamos que SiD tem se abastecido diariamente de teorias de conspiração — Sean viu Oscar sob controle. —, porque digamos que, SiD tenha rastreado uma sociedade secreta chamada LINK, que conta que crocodilos humanoides, com EBES serviçais feitas de cristal azulado, se escondem numa Terra que não é oca, e viajam por ela usando vimanas do Mahabharata após criarem armas íntimas...
Foi a vez de Oscar piscar e piscar e saber onde Sean ia chegar. Arrumou a cadeira, sentou-se e respirou profundamente:
— No final da década de 80 o intransponível segredo a respeito dos UFOs adotado pelos governos do mundo todo, ruiu. Um número cada vez maior de cientistas, ex-agente dos serviços de inteligência e espionagem, militares de vários países que haviam trabalhado em projetos secretos relacionados com crocodilos humanoides desde a década de 40, começaram a falar o que sabiam. E o que sabiam se tornou a chave para a Poliu se tornar a maior corporação de inteligência do mundo.
— Que projetos secretos relacionados com crocodilos humanoides?
Oscar ergueu o sobrolho.
— Experiências genéticas nazistas.
— Wow! Essa é a hora em que você me diz que Álvaro e Rogério se envolveram com tudo isso por causa de um só homem; Michel Shipton?
— O que faz com suas horas de descanso Sean querido?
— Não tenho!
Oscar balançou a cabeça.
— A Poliu havia criado para ela mesma o chamado Governo Oculto, Secreto como diz, manipulando altos escalões, todo tipo de mídias e até crocodilos humanoides quando isso era para sua própria comodidade. Então fechou os olhos para as mutilações de animais, abduções, coleta de amostras de sangue e esperma realizados por esses alienígenas, aceitando desaparecimento de gente importante, e engenharia genética nas mãos de nazistas, que se esconderam atrás de sociedades secretas, manipulando DNA humano durante a Seghuinda Grande Guerra — Oscar não esperou mais nada.
— Deus… — Sean teve medo daquilo.
— Aonde… Aonde os nazis… — e tomou folego. — Aonde esses nazis faziam tais experiências?
— Campos de concentração!
— Meu Deus! E sabe tudo isso porque a Poliu é uma corporação de inteligência antiga.
— Antiga o suficiente para estar presente na história desde os Egípcios, talvez os Atlantes.
— Meu Deus...
— E não tão antiga para estar envolvida com a queda de UFOs em Roswell, após a Segunda Grande Guerra, como sabe.
— Mas foi durante a Segunda Grande Guerra que meu iceberg se formou, não? Com nazis procurando a criação de uma raça de super-homens, indestrutíveis ou capazes de se auto curar, sob o comando de um homem; Michel Shipton.
— Mas Michel escapou do controle da Poliu quando resolveu se tornar o ‘Rei do mundo’, e controlar não só esse mundo em que você respira, mas outros mundos, inclusive os de dentro da Terra que parece ser realmente oca.
— O Chat era para...
— Para saber o que Michel Shipton ia fazer na Serra do Roncador após um hiato de anos sumido.
— Quem afinal é esse Michel Shipton que trabalhou como botânico para os nazis na Segunda Grande Guerra e para a Poliu no Tibet na década de 80?
— Só Trevellis pode responder isso.
— Claro! Com Trevellis preparado para me bloquear — e Sean viu um sorriso cínico surgir no canto da boca do todo poderoso homem da Polícia Mundial. — Deborah disse que Michel fez parte dos investigadores originais do Manuscrito Voynich. Sei que ela queria me dizer que ele o fez em 1912, quando o livreiro Wilfrid Voynich o encontrou em um mosteiro italiano. Então pergunto novamente quem é Michel Shipton e por que parece ser tão jovem?
— Vai ficar surpreso com que Agartha faz com as pessoas.
— Agartha existe, então?
— Não sei nada sobre Agartha. Só sei que aquilo não vai mais agir.
— Você destruiu Posid.
— Aquilo não era Posid. E eu precisava eliminar a passagem deles. A Poliu não faria nada para detê-los e você não me deu escolhas; eles iam atrás de você.
— “Eles”?
— ¿Llamar a las cosas por su nombre?
E Sean sentiu que algo acontecia com ele, com Oscar e ele, pensamentos evasivos, vozes e gritos. E o calor da floresta, e a bela guia Ambrósia sorrindo, enrolando os cabelos loiro-avermelhados nos dedos, e o perfume de rosas brancas num carro verde que o salvou do tiroteio.
— Então o Professor Álvaro lhe contou sobre o Chat?
— Álvaro me passou a informação via rádio.
— “Via rádio”? Então era com você que o Professor Álvaro falava no rádio antes de ser atacado?
— Álvaro me disse que contaria tudo a você. Disse que ia organizar a trilha com o melhor do ramo.
— Os ufólogos amadores e até Ambrósia achavam que foi Rogério quem levou nomes importantes como Pierre Lemarc e Kabir Kamadeva à trilha.
— Que ufólogos amadores?
— Romeu, Paulo e o garoto Leandro.
— Meu Deus Sean... Você leu os arquivos sobre... — e Oscar não prosseguiu. — Conversou com eles?
— Não precisei. Leandro desembestou a falar sobre Posid e cristais.
E Oscar balançou tanto a cabeça que Sean não sabia mais como agir. Ele, porém parou de balançar e o encarou:
— Foi Álvaro quem organizou, Rogério convidou-os apenas.
— Você foi contra, Oscar? Contra o Professor Álvaro dar uma basta no que a Poliu fazia lá?
— E o que a Poliu fazia lá, Sean querido?
— Diga-me você, Oscar querido já que foi armado com tanques de guerra — debochou. — Além do que Alcântara disse que Trevellis manda e desmanda em você... — e o som da cadeira sendo arrastada na velocidade de Oscar ao se levantar interrompeu a voz de Sean.
Oscar ficou em pé, o encarando, furiosamente o encarando para então tentar tocá-lo no rosto. Mas Sean esquivou-se arregalando os olhos.
— Por que faz isso comigo? — Oscar fechou a mão, os olhos; sentiu-se arrasado pela distância gerada para com ele. Sean também se sentiu mal, amava demais seu pai, Fernando Queise. — Não sei ao certo o que Álvaro fazia lá! — exclamou com força, tentando voltar ao assunto.
Começou a andar pela sala de Sean que ainda estava extasiado pela nova tentativa de aproximação dele, mas Sean respirou compassado.
— E o que lhe impede de saber?
— Porque há 12 anos o NOA foi roubado no seu retorno da Índia.
— “Roubado”? Mas Alcântara disse que tudo saiu de dentro quando um UFO...
— O NOA trazia algo da Índia, uma relíquia cheia de suásticas! — cortou sua frase.
— Wow! Deixe-me adivinhar... Um sino?
— Não Sean. Um crânio de cristal azulado, ainda preso a um corpo cristalizado e insígnias suásticas; um corpo usando um uniforme de suásticas, cristalizadas num tom azulado.
— Está dizendo... Deus! Está dizendo que o corpo todo era de um homem de cristal? — Sean arregalou os olhos azuis. — Um nazi de cristal azulado?
— Exato!
— Vivo? — os olhos de Oscar só brilharam. — Wow! Como aqueles crocodilos humanoides o transformaram em cristal azulado?
— Não sabemos se foram os crocodilos humanoides quem fizeram isso Sean. Por isso o interesse em Michel Shipton. Ele tem as respostas.
— Porque Michel fez mais que estudar o Manuscrito Voynich, ele também estudou Serafini e seu Codex, com suas imagens surreais...
— Foi SiD que descobriu isso?
— Não! Mas a maneira fantástica e visionária com que Serafini interpreta a zoologia, a botânica, a mineralogia me fazem pensar na segunda página, onde o escritor/desenhista encontra-se no chão, assassinado com uma caneta esferográfica enfiada na barriga, e do seu corpo escorre nanquim, que é seu sangue.
— Galos sem corpo, faisões com três cabeças, tubarões submarinos, bananas com pernas, braços humanos com asas. Faça-me um favor, Sean. Surreais, só isso.
— Experiências genéticas, Oscar. Só isso! — Sean viu Oscar o encarar em silêncio. — Há uma página no Codex Seraphinianus que mostra um casal na cama, transando, ele sobre ela, quando ambos começam a ter seus pés e mãos se tomando de pele escamosa e de um tom enegrecido, suas cabeças se transformando cada uma, numa parte de uma grande boca de crocodilo, com pernas e braços se transformando em patas com garras, até que os dois se fundem num só, e se transformam num grande crocodilo de cauda e corcovas; experiência genética.
Mas Oscar permaneceu em silêncio.
“Droga!” explodiu em cada poro de Sean Queise.
— Não Oscar, não é Michel quem tem as respostas. Eram os três cozinheiros que morreram na explosão. Eles sabiam sobre Posid, sobre a cidade de elementais que cuidavam e manipulavam os cristais. E provável conheciam os crocodilos humanoides, que faziam engenharia genética, e que criaram aberrações como as EBEs de cristal azulado que nos atacou na mata.
— Tem ideia de quem sejam esses elementais?
— Intraterrenos! “Porque Sir Michel parece que está fazendo algo maior que ficar cheirando aquelas plantas todas”; foi o que disse Romeu. E Michel estava atrás deles, os cheirando, para saber se eles estavam ali... Droga! Droga! Por que Michel aparenta ser tão jovem? Que plantas afinal ele encontrou?
— Não sabemos!
— Por isso explodiu aquela entrada de Agartha? Mesmo sabendo que a força G estava sendo mantida pela nave-mãe?
— Você que está falando — Oscar se aproximou da mesa, pegou o pendrive, e se virou para ir embora.
— Você colocou minha vida em risco.
Oscar estancou de uma maneira que todo seu corpo vibrou.
— Como você se atreve?! — seus olhos faiscavam no descontrole. — Eu sou um homem de grande poder Sean, mas nunca fui irresponsável a ponto de...
— A ponto de colocar minha vida em risco? Por quê? Porque sou importante para você Oscar?
— Eu... Eu... — Oscar mal acreditou no que acabara de ouvir.
E Sean temia mais que ansiava a resposta quando de repente sentiu que algo não fazia sentido.
— A Poliu?
— Não imaginava a Poliu te defendendo, não é? — sorriu enigmático.
— A Poliu tentou me defender? Foi por isso que Ambrósia estava ali, no trânsito? No carro verde? Esperando-me?
— Se você não está entendendo, não serei eu quem vai explicar — Oscar voltou até a mesa e colocou o pendrive em cima, para então se virar outra vez para ir embora.
Sean olhou e olhou o pendrive.
— Hei?! — Sean viu odiava jogos e Oscar jogava com ele o tempo todo. — Aonde vai?
— Para casa! — Oscar riu. — Aguardar o programa SiD aprimorado estar à minha mesa no fim de semana — abriu a porta.
— “No fim de semana”? — estranhou Sean olhando o pendrive outra vez. — Hoje é segunda-feira, isso quer dizer que ainda posso usá-lo até o fim de semana?
— Como pode usar algo que não existe, Sean querido? — e Oscar saiu.
Sean sabia que Oscar Roldman estava tramando algo, que fora até ali só para vê-lo, provocá-lo.
E ele fora provocado, porque tinha seus pensamentos todos em fila, prontos para serem investigados, um a um; e tinha uma semana para descobrir por que a Poliu o defendera, por qual milagre a Poliu o defendera.
E Sean não acreditava em milagres.
8
Aeroporto de Milão-Malpensa, Itália.
45° 37’ 50” N e 8° 43’ 41” E.
16 de fevereiro; 06h00min.
— L’aereo sarà atterrato, Signore — avisou a comissária em italiano, no que o sinal sonoro de ‘apertar o cinto’, na poltrona de Sean Queise, apitou.
Ele sorriu-lhe agradecido. Viajava na primeira classe da Alitalia, empresa aérea italiana que o levava para Milão. Estava absorto, confuso, em busca de um milagre.
“Os numerosos exemplos de milagres forjados, de profecias e de eventos sobrenaturais que, em todas as épocas, têm sido revelados por testemunhas que se opõem ou que se retratam a si mesmos por seu absurdo, são provas suficientes da forte tendência humana para o extraordinário e o maravilhoso, e deveriam razoavelmente engendrar suspeitas contra todos os relatos deste gênero”, as palavras de um David Hume, filósofo cético por natureza, voltou-lhe em lembranças.
No fundo Sean temia que a morte de Sandy Monroe também o tivesse tornado cético, com suas crenças apagadas.
O avião aterrissou na terça-feira de manhã no Aeroporto de Malpensa e Sean tomou outro avião para o Aeroporto Capodichino, em Nápoles. Em Nápoles pegou um táxi para o Porto de Mergellina onde comprou uma passagem de balsa para o porto de Casamicciola, em Ischia, uma ilha do mediterrâneo.
A viagem de 1 hora e 50 minutos não foi tão cansativa para o jovem mega empresário, seu tablet e uma grande mala carregada de ternos Armani que Kelly cismava em sempre colocar. Ele realmente não sabia no que a ex-secretária Kelly Garcia e agora sócia pensava quando arrumava a mala dele. Ele aceitou os ‘Armanis’ evitando assim, uma discussão com ela que não se conformara em não ir viajar com ele outra vez. Mas o que Sean ia fazer em Ischia, mais exatamente no Monte Epomeo não podia ser divulgado.
Também não podia explicar o porquê da viagem repentina à Itália, nem podia comentar que Oscar Roldman dera a ele até o fim de semana para usar o programa SiD aprimorado antes de destruí-lo.
Sean sabia que era o que Oscar ia fazer com o programa antes que a Poliu tentasse roubá-lo da Polícia Mundial.
A balsa aportou e ele desceu como qualquer turista na bela ilha do mediterrâneo, com circunferência em torno de 39 km e uma superfície aproximada de 47 km, com população de 50.000 habitantes. Com três portos turísticos e comercias – Ischia port, Forio e Casamicciola, a Ilha de Ischia era dominada pelo Monte Epomeo de 789 metros de altura, mostrando colinas frequentemente separadas por vales e barrancos, que criavam uma paisagem sugestiva e sinuosa.
Sean tomou um táxi para o hotel em que fizera reservas via site, evitando que Kelly soubesse para onde iria.
— Via Mezzatorre, 23. Hotel Mezzatorre Resort & Spa in Forio d’Ischia, per favore — e Sean Queise foi levado a uma construção erguida sobre um promontório, uma ponta de terra que adentrava o mar.
Mezzatorre Resort and Spa, Forio d’Ischia; Nápoles, Itália.
40.75° 44’ 0” N e 13.74° 51’ 0” E.
16 de fevereiro; 11h00min
Construído ao redor da torre do relógio, do século XVI, o Hotel Mezzatorre, de atmosfera refinada tinha uma visão empolgante do mar e a costa sem negligenciar a esplendida Baía de San Montano.
— Buono juorno! — anunciou o gerente. — Suas chaves, Signor Queise — entregou sorrindo. — O café da manhã e o almoço podem ser servidos na piscina. À noite, o restaurante serve cozinha italiana e música ao vivo para os jantares ao ar livre — falou-lhe num quase português.
— Grazie! — Sean foi direto para o quarto, desmaiando sobre uma cama macia, direcionada para uma visão do paraíso, acordando, contudo assustado com o som da campainha do despertador do celular correndo a se trocar e sair.
Ilha de Ischia, Mar Tirreno; Nápoles, Itália.
40° 43’ N e 13° 57’ E
16 de fevereiro; 11h48min.
O centro da cidade de Ischia possuía lojas coloridas e tavernas animadas, e Sean procurava uma galeria de arte.
Ainda tinha o recorte do panfleto retirado do hotel.
— Buono juorno! — falou a simpática proprietária para um jovem loiro e muito bonito que olhava a etiqueta de preços de algumas peças de arte.
— Ah! Buono juorno! — Sean apontou para um quadro. — Quanto costa?
— 333€! — ela viu que Sean fez uma cara de quem não entendeu. — Potrebbe aiutarmi? — ela insistiu.
— Non capisco! Alguém aqui fala português? — Sean olhou em volta. — Una marchand?
— Vorrei vedere uma! Uno momento! — e a proprietária foi para dentro da galeria chamar uma de suas marchands para ajudar o jovem comprador. Voltou com uma mulher jovem, de cabelos loiro-avermelhados e corpo do tipo saudável. — Signore? — chamou a proprietária. — Questo è Ambrosia, nostra marchand! — apresentou-a.
Ambrósia murchou o sorriso até a boca abrir para o que julgava ser um comprador de arte.
— Che? Sorpresa? — Sean foi puro cinismo.
Ambrósia só esperou a proprietária se retirar.
— Vai al diavolo! Va bene? — e se retirou também sumindo para dentro da loja.
Sean riu com gosto depois do ‘Vá para o inferno!’ e foi atrás dela, para dentro da galeria.
— Per favore! Já que non fui bene atendido, posso usare il telefono para voltar a mio hotel? — falou mais para o fundo da galeria.
A proprietária encarou Ambrósia não entendendo como ela perdera um comprador tão rápido.
Ambrósia odiou-o.
— Andrò bere un caffè, Signore? — Ambrósia olhou a proprietária, sorriu cínica, e saiu piscando, dizendo que nada estava perdido.
Sean cancelou a ligação e ambos saíram da galeria em silêncio mortal. E Sean poderia até dizer que se não fosse por uma Ambrósia furiosa, o xingando em italiano numa voz baixa, ele teria dito que conseguiu o que havia ido buscar.
— Que dia lindo não? — Sean não teve respostas enquanto andavam. — E que vento úmido, não? — Sean nada ouvia. Divertia-se, porém. — Em Ischia, os turistas só dirigem carros alugados daqui mesmo? — olhou a paisagem maravilhosa a sua volta.
— Pretendia alugar un auto a Napoli e vir de carro pela acqua? — explodiu Ambrósia andando nervosa a pé pelas ruas da ilha lotadas de turista, vestindo um vestido rosa claro e sandálias se salto alto, acompanhando Sean que ria até não poder mais, adorando vê-la sem ação.
— Ah! Adoro seu senso de humor ácido, Srta. Ambrósia Lambrusco — ria. — Não, eu alugaria o carro aqui — Sean olhou em volta.
— È più comodo pegar un táxi, pazzo.
— Não é por comodidade, não ‘pazzi’. Queria ver como você fica com peruca negra e óculos de lentes grossas ao volante de um carro verde, enrolando os fios por dedos nervosos — fazia mímica quando Ambrósia estancou, se virou para ele e o fuzilou com um olhar certeiro. — O que fazia no Brasil, em frente à Computer Co., ao volante de um carro verde pronta para me salvar? — Sean voltou a gargalhar com gosto.
— Che cosa quer de mim, Signor Queise? — se aproximou até colar os fartos seios no peito dele que vibrou cada músculo.
— Wow! Não devia perguntar isso colando seus seios em mim — Sean riu ao vê-la arregalar os olhos e se afastar dele. — Ok! Se eu pedir vai sair fazendo um relatório para a Poliu? Para Vincenzo Bertti? — falou agora sério, mas Ambrósia nada respondeu. — Ele é seu chefe imediato, não é Ambrósia?
— Stato ‘navegando’ pelo Echelon agora? — ela insinuou com cinismo.
— “Talvez você nunca tenha escutado algo sobre o Echelon, mas com certeza o Echelon tem escutado sobre você” — Sean gargalhou a mostrar o belo rosto iluminar-se. — Não foi o que disse?
Ambrósia voltou a andar nervosa.
— Perché sta qui, Signor Queise?
— “Por que estou aqui”? Fora a saudades que fiquei de você? — gargalhava chamando atenção de todos, percebendo o incomodo causado em Ambrósia. — Não sei... Mas eu diria que vê-la agora a pouco na galeria em ‘saia justa’ com sua chefa, valeu todo o sofrimento que passei na Serra do Roncador tomando chás de isotônicos — Sean ainda ria com gosto chamando realmente a atenção de todos nas ruas.
— Dio mio! Quer parar de chamar tanto l’attenzione?
— Por quê? Chamar a atenção é ruim para seus negócios? Ou Bertti também mora aqui?
Ambrósia estancou novamente dessa vez fazendo Sean tropeçar nela. Ambrósia sentiu o perfume másculo que exalava da camisa branca dele; sentiu seu cheiro, seu feromônio. Sentiu-se atraída por ele como nunca. Ficou sem ação sem, porém dessa vez, Sean perceber.
— Dove... Onde sta installato?
— Vai me visitar? — balançou a cabeça, cínico.
— Lhe fiz una pergunta. Non mereço risposta?
— Mezzatorre Resort and Spa.
— Sabe escolher bene — sorriu fria.
— Sou um homem caro, Senhorita — insinuou, vendo agora que ela prestava atenção nele, da cabeça aos pés.
— Se isso me convier, può também essere una donna cara, Signor Queise — esforçou-se no português.
— Pois eu adoraria pagar seu preço, Dona Ambrósia — Sean insinuou-se também para desespero do corpo da agora marchand, desafiando-se em meio ao burburinho de férias.
— Vorresti uscire questa sera?
— Se quero sair esta noite? — Sean se fez de difícil. — Não sei. Tantos compromissos...
— L’uno-venti ore?
— Às vinte horas? Está bem!
— Dove ci troviamo?
— Não! Você escolhe aonde quer ir.
— In ristorante di Mezzatore! — e Ambrósia se virou sem paciência para o charme dele e se foi.
Sean ainda ficou um tempo a olhando ir.
“Poliu!”, foi o que Sean pensou naquele momento.
— Que pena...
Mezzatorre Resort and Spa, Forio d’Ischia; Nápoles, Itália.
40.75° 44’ 0” N e 13.74° 51’ 0” E.
16 de fevereiro; 20h00min.
Sean lera nos folhetos que Ischia era mundialmente conhecida por suas termas e fumarolas vulcânicas. Apesar do cansaço, retornara ao hotel e não dormira, preferindo um relaxante banho de imersão.
Trocara-se vestindo um de seus Armanis e descera. Estava ansioso pela chegada de Ambrósia. Não queria admitir, mas ficaria arrasado se ela lhe desse um fora, não comparecendo ao jantar marcado.
Olhou a hora insistente, virando a cabeça para um lado e para o outro. Distraíra-se sem notar que ela já parava à sua frente.
Levantou os olhos, assustado.
— Wow! — Sean parou para observá-la, embasbacado. — Linda! — saiu da sua boca sem querer. — Ãh! Sua... — riu sem graça. — roupa vermelha?
Nunca vira Ambrósia em trajes tão sensuais, com o corpo robusto quase exposto no tecido de renda acetinada, de corte quadrado, tocando o chão. E tinha que concordar que o tom de cabelo cor de fogo, acrescentava-lhe um apelo ludibriante.
— E il proprietaria? — ela desafiou-o.
— “Proprietária”?
— Do vestiti Signor Queise.
— É... — levantou-se para puxar a cadeira para ela. — Está no mesmo patamar de beleza.
— Grazie! — Ambrósia sentou-se olhando para os lados enquanto ele ainda atrás dela se perdia nas curvas do decote do insinuante vestido vermelho que usava. — Signor Queise? — exclamou ela sem se virar. — Problemi con la parte posteriore del mio vestiti?
— Ah! — Sean sentou-se à sua frente confuso, perturbado mesmo. — Nem o havia percebido... — ele viu Ambrósia erguer o sobrolho. —, mesmo porque seu vestido não tem parte posterior, não é Senhorita?
Ambrósia nada comentou, ela mantinha-se distante e ele se incomodou em se ver sob o domínio de seu corpo insinuante, exposto pelo vestido quase inexistente. Alguma coisa também acontecia com ele, e Sean não estava aprovando aquilo.
— Cansado? — perguntou ela por perguntar, olhando o cardápio, como se não estivesse interessada nos incômodos dele. — Di viaggio?
Ele realmente não gostou da frieza.
— Per favore! — Sean chamou o garçom. — La lettera del vino — a carta de vinho lhe foi entregue. — Seria impertinente de minha parte escolher um vinho tão gelado quanto você? — Sean olhou-a e Ambrósia arregalou os olhos, não respondendo a pergunta feita. — ‘Perdoname’! Fiz um trocadilho com seu antigo sobrenome? — riu por dentro. — Garçom? Um vinho Lambrusco, branco, bem gelado, per favore.
Ambrósia não o encarava. Agora Sean se divertia com aquilo.
— Quindi, andiamo! — ela olhou-o. — Então, vamos lá! — traduziu. — Parlatto sobre che cosa Signor Queise?
Sean a observou por alguns segundos. Depois balançou o pescoço vendo que ela o mantinha a certa distância.
— Preciso da sua ajuda.
— Mio ajuda? — riu. — E’stata l’ultima cosa che ho pensato parlare.
— E quais eram as outras? — perguntou Sean deixando Ambrósia sem entender. — As outras coisas que imaginava que eu falaria Senhorita?
Ela ergueu-se da cadeira.
— Che cosa quer comigo Signor Queise?
Ele olhou para os lados, ela em pé começava a chamar atenção do lotado restaurante.
— Amanhã já é quarta-feira e preciso encontrar a entrada de Agartha no Monte Epomeo até o fim de semana.
Ambrósia caiu em risada aberta e voltou a se sentar.
— Che cosa voi che parlate?
— ‘Parlatto’ alguma coisa que já não saiba?
Ambrósia estancou.
— Che sta falando, Signor Queise? — falou mais controlada.
— Você acha que vou acreditar que veio trabalhar agora como marchand aqui na Ischia, aos pés do Monte Epomeo, outra entrada de Agartha, por mera coincidência?
— Perché se arrisca Signor Queise? È giovane, belli, ricco.
— Wow! Quanta qualidade, mesmo dita em italiano, não? — sorria charmoso.
— E mesmo assim desafia la propria sicurezza — continuou apesar do deboche dele. — Perché?
— “Minha própria segurança”? A Poliu sabia sobre a cidade intraterrena?
— Se a Poliu sabia, io non sabia. Perché apesar di come tu, non arrisco mio vita, mio beleza nem mio fortuna à toa.
— Wow! Não tem medo de trabalhar na corporação de inteligência? — sorriu cínico. — Espera o que? Mudar o clima do mundo? Acabar com a fome das criancinhas?
Dessa vez Ambrósia levantou-se num rompante derrubando a cadeira; pegou a bolsa e saiu. Sean ficou olhando ela ir embora sem se levantar, quando ela pareceu desistir. Deu meia volta, entrou no restaurante outra vez, levantou a cadeira caída, sentou-se à mesa, depositou a bolsa no mesmo lugar, jogou os cabelos avermelhados para trás, cruzou as pernas, tomou um flut de vinho espumante Lambrusco, e pegou o cardápio ficando a escolher algo como se nada tivesse acontecido.
— Prefiro escolher la pasta ao sugo. Verá che la pasta qui ilha è più umido che ha fatto in Brasile — falou Ambrósia. — E a Poliu l’única paura che non ho.
“E a Poliu é o único medo que eu não tenho”, Sean ficou extasiado e sem ação, procurando situar-se na maneira nada ortodoxa dela funcionar, de escolher molhos e massas úmidas.
Apesar de achar o controle emocional dela um luxo, ficou imaginando o que então lhe dava medo.
— Por que Miss Ãnkanna disse a Ralph onde ele morava agora, depois que ele contou que a esposa Gretta desapareceu na Itália?
— Non sei.
— Talvez porque Ralph já tenha morado na Itália?
— Qual è il tu punto Signor Queise? — abaixou o cardápio.
— O ‘ponto’ é Bertti ter colocado você aqui para vigiar a entrada de Agartha!
Ambrósia pareceu pensar muito antes de responder.
— Non me comunico com Vincenzo Bertti desde mio viaggio in Brasile.
— Nem através de relatórios?
— Come me encontrou Signor Queise?
— Foi um palpite.
— “Palpite”? — fazia movimentos com as mãos como toda boa italiana faz. — Ora questi aqueles mainframes che navigazione tem altro nome? Chamam-se ‘palpite’?
Sean gargalhou. Adorou-a como nunca.
— Foi apenas um palpite que ainda usaria seu primeiro nome em todas as suas ações. Talvez até seja seu nome verdadeiro.
— Mio nome e Ambrósia, Signore, mas tu palpite talvez seja otro.
— “Outro”?
— Um palpite che acessa utilizzando e mainframe che acessa usando un doni speciali.
— Wow! — arregalou os olhos azuis no mais puro deboche. — Um dom especial que acessa meus mainframes? O que será?
— Sabe... Penso che tu é un duplice perigo — ela olhou Sean rindo. —, perché tua intelligenza è ‘superiori alla media’, ‘acima da média’ come disse Gyrimias para hackear computadores, mas o faz utilizzando un doni psichico ‘superiori alla media’ treinado por Mona Foad — agora ela viu Sean parar de rir.
E foi a vez dele nada dizer.
“Poliu!”, foi o que ele pensou.
— Não, Srta. Ambrósia. Não controlei as máquinas com o poder PK treinado por Mona amiga, só naveguei como disse por entre todas as atividades que a Poliu usa como fachada na Itália e encontrei uma Ambrósia, marchand, em Ischia — Sean já não ria. — Então eu disse; “Adivinha Sean, onde fica o Monte Epomeo?” “Em Ischia, é claro!” — girou os olhos azuis agora em puro charme.
— Va bene! Scusa! Ho pensato che era come Mona io fa.
“Eu pensei que era como Mona faz” soou outra vez como um alerta por todo ele.
O garçom chegou e serviu como entrada torradas queimadas no alho e azeite embebido em ervas finas.
— Uhm... Brusquettas — Sean beliscou a torrada e o garçom serviu Ambrósia que estava agora tão calada como ele.
— Perché precisa ser até fine di semana? — falou ela enfim.
Sean olhou o garçom parado após servi-lo, olhando-os com interesse. Ele se retirou após o percebido.
— Porque Oscar me deu até o fim de semana para devolver-lhe o programa SiD aprimorado.
— “Aprimorado”? Uhm! O Signor Oscar Roldman sabe sobre il vostro modificações no tuo programma?
— Sobre o que Oscar, não sabe Senhorita?
— Non sapere. Deve sapere melhor che me. Digo, intimamente.
Sean percebeu algo naquelas palavras.
— Do que está falando?
— Di come è balança o pescoço quando è nervoso.
Sean arregalou os olhos azuis.
— Lendo imprensa marrom, Srta. Ambrósia?
— Ha qualche verdade nos tabloides?
— Não sei do que está falando — desviou o assunto, não queria nem podia imaginar-se filho de Oscar Roldman. — E não tenho a mínima ideia de como você soube que fiz modificações em SiD.
— La gente parla troppo.
“As pessoas falam demais” Sean não gostou daquilo, daquela insinuação.
— Não contrato pessoas que falam demais, Srta. Ambrósia.
— Então sono la gente che postam o che non devem.
— Ninguém da minha confiança posta coisas que só se referem a Computer Co.; não permito acessos a redes de relacionamento de dentro da minha empresa, não permito troca de imagens nem documentos sigilosos.
Os dois se encararam e Ambrósia resolveu mudar o foco.
— Como chegou la trilha di Serra do Roncador, Signor Queise?
— Já não estou bem certo de que Oscar não me quisesse lá também, no Chat. Ele sabe muito mais do que fala. Porque talvez até soubesse o que a Poliu fazia na Serra do Roncador — se inclinou todo. — Devo realmente ter algo que Oscar quer.
— Talvez la genética.
Sean sentiu-se totalmente gelado, paralisado, em torpor.
Ambrósia percebeu.
— Aonde quer chegar com as insinuações?
— Da nessuna parte... — ela sorriu. — Diga tutto sobre o Chat — voltou Ambrósia a falar.
Sean tentou voltar ao normal. Contou-lhe detalhadamente ‘tutto’ sobre o Chat e a morte do 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara com a arma de luz enegrecida que não erra o alvo, em meios às imagens pregadas em cortiça, contando sobre sinos, viagens no tempo que nazis de cristal azulado fazia, o Mahabharata e talvez experiências genéticas sobre um crocodilo humanoide ladeando um sino enquanto Madame Blavatsky era viva; evitou, porém comentar sobre sua linhagem.
— E perché acha che o Signor Oscar Roldman esteja envolvido in questta trilha?
Sean percebeu a educação dela para com Oscar.
— Porque ele falou-me em espanhol a mesma frase que o marinheiro do NOA escreveu no final do Chat, “¿Lhamar las cosas por su nombre?”, antes de Edegar derrubar a conexão com um ataque nuke.
— Poderia essere outra persona.
— É! Ele até cogitaria algo assim, mas não é do feitio dele receber cartinhas. Oscar é homem de participar muito mais do que diz participar, e não obedece Trevellis; acredite. Além do mais nem sei se o NOA realmente existe — e bufou colocando todo ar do pulmão para fora. — Eu não sei mais nada Srta. Ambrósia, mas Leandro disse que os intraterrenos tinham a tecnologia de criar, a partir da estrutura orgânica dos níveis subterrâneos da Terra, uma nova forma de cristal azulado, que emitia uma vibração de energia muito mais alta do que tivemos disponível até agora na superfície, e Michel era um botânico forense usado pela Poliu. E eu não acredito como Deborah, num Michel botânico que ficava doidão cheirando plantas. Michel queria algo naquela trilha, uma entrada talvez.
— O Signor Oscar Roldman disse che o NOA trouxe di Índia um nazi de cristal azulado che falava e andava?
— Sim!
— E perché non acredita no NOA? — mordeu o lado esquerdo do lábio.
Sean adorou aquilo.
— Porque não acredito que o NOA seja um navio comum, e sim uma vimana, um UFO gigantesco. E acredito que o tal marinheiro sequestrado e resgatado, era um nazi de cristal azulado, e que estava em poder da Poliu quando foi roubado. O resto são lendas e mitos.
— Então quem tu acha che roubou tal nazi de cristal azulado?
— Os crocodilos humanoides.
— Perché?
— O porquê eu ainda não sei, mas tem haver com um campo de concentração nazista que ficava em Liechtenstein, durante a Segunda Grande Guerra, e que a Poliu comprou depois do fim da guerra.
— Um campo di concentramento? Perché?
— Ainda não sei. Mas havia naquela trilha um ladrão, um que precisava estar ali quando o tal som diferencial abrisse a entrada para a Terra Oca.
— Io non estou entendendo. Come Michel conseguiria tirar di Serra do Roncador uno homem em forma di cristal?
— Talvez ele não fosse sair de lá. Talvez ele fosse atravessar a Terra Oca através das muitas entradas com ele.
— E as outras personas che stava ali?
— Não sei. Não consegui usar PK em ninguém — foi cínico.
— Ah... PK? Come a mulher esfaqueada che nada sentia — riu.
— Acha isso divertido?
— E tu non?
— Não. Embora hoje em dia todos tenham se esquecido dos milagres dos jansenistas, eles estavam longe de serem ignorados pelos intelectuais da época. A sobrinha do matemático e filósofo Pascal obteve sucesso fazendo desaparecer uma grave úlcera no olho, em horas, como resultado do milagre de um jansenista.
— E tu non disse um único ‘dizem’ — Ambrósia se divertia.
Sean a achou linda apesar de tudo.
“Poliu!” soou por todo ele.
— Que pena... — escapou.
— Pena di che? — ela olhava o cardápio.
— Nada...
— Mas Edegar detto qualcosa sobre o Douttore Lucio cuidar di marinheiro encontrado.
— Acredito que o marinheiro realmente exista, mas não que tenha conseguido em choque como estava, se comunicar pelo computador.
— Ok! Uno marinheiro che non era um nazi cristalizado e uno navio che era uno UFO?
— Você não entendeu nada não? — sorriu para ela.
— Non credo!
— O navio, Ambrósia era uma projeção, como a trilha onde estávamos. Quem o via navegar, o via como um navio, mas era um UFO ali. E seus ‘marinheiros’ eram crocodilos humanoides a seu comando.
— Dio mio! Che paura!
— Ah! Disso você tem medo? — riu. — Também tem o problema de Alcântara Jr. ter sido encontrado por Spartacus no mesmo lugar que o marinheiro, porque talvez seja a mesma pessoa.
— Come pode ser isso? O papa dele, o tal Alcântara, mentiu? Era a mesma persona?
— Não sei... Não sei mesmo... Mas deve haver algum envolvimento a mais nisso tudo, como os agentes da Poliu que sumiram com Alcântara Jr.. Porque a Poliu não se daria ao trabalho de colocar seu irmão de motorista e você de guia de turismo na Serra do Roncador, exatamente após o aparecimento do marinheiro na aldeia dos índios Xavantes, mesmo que Alcântara Jr. tivesse sido uma grande coincidência.
Ambrósia sentiu-se mal de repente, mas Sean nada percebeu. Sabia, porém, que havia algo mais ali.
— E non acha che o Signor Oscar Roldman queria era proteger a Computer Co. che o atende em tantos programas computacionais?
— É assim que a Poliu vê o relacionamento da Computer Co. com a Polícia Mundial, Senhorita?
— “Relacionamento”? — Ambrósia tossiu e nem se preocupou em disfarçar.
Sean sentiu-se mal com a insinuação novamente. Tomou outro flut de Lambrusco e mudou de assunto imediatamente.
— Acha que seu irmão sabia sobre a alteração no GPS do ônibus?
— Mio fratello? — Ambrósia abaixou a cabeça. — Non credo! Ou non morreria carbonizado in terre alienígena.
— Como entrou para a Poliu?
Ambrósia agora o olhou assustada com a pergunta. Há muitos anos não pensava naquilo.
— Mio fratello; ele mi levou para trabalhar come traduttore nel Poliu. Também fui ginnasta olimpico e minha constituição física influenza na ida ao Brasile come una guia.
— Então se não era você a agente da Poliu mandada para me vigiar na Serra do Roncador, quem era? E por que não sabia nada sobre Michel?
— Vincenzo Bertti non detto nada sobre Michel Shipton. L’unica cosa che percebi foi ele e una animosidade para tu... — Ambrósia riu. —, e tu para com ele.
— Talvez porque ainda seja muito crua na corporação — ele viu Ambrósia abaixar os olhos novamente. — Por que continua na Poliu mesmo depois da morte de seu irmão? — e ele sentiu a respiração dela acelerar; agora sentiu que ela mentia.
— Penso che continuare a dare continuità ao che ele me pediu. Non éramos molto unidos, mas aqueles meses in Brasile foram molto buone para nós.
— Sinto por ele.
— Credo che ci. Conheço una dolore della perdita, quando vedo uno — foi bem clara.
Sean lembrou-se de Sandy Monroe e sua dor pela perda.
— Quem a mandou à Computer Co. àquela noite?
— Vincenzo Bertti mandou-me vigir tu in San Paulo já un bom tempo. Quando ho visto sair correndo daquele hotel no centro de città, liguei mio carro. Pretendia seguir tu até a Computer Co., mas non stava programado che tu alcançasse mio carro daquela maneira. Parece até...
— “Até”?
— Che sabia che alguém esperava tu lá.
Sean sentiu-se mal com aquilo. Não queria pensar que seu dom o movia sem controle.
— Obrigado por ter me salvado.
— Mio trabalho.
A frieza dela voltou a incomodá-lo.
— Mas se estava trabalhando como guia na Serra do Roncador como apareceu em São Paulo ‘já fazia algum tempo’? — ele só viu Ambrósia sorrir enigmática e não responder. — Contou a Trevellis sobre ter me salvado? — Sean percebeu.
— Mr. Trevellis non sabe.
— Devo perguntar ‘perché’?
— Salvei-o! Isso non basta Signor Queise? — balançou a cabeça com charme.
— Para mim, sim.
Chegou a massa pedida, vinha com deliciosos e perfumados molhos de alcaparras e de tomate juntos. A conversa restringiu-se aos molhos que Sean considerou deveras ácido. As horas passaram e o corpo do belo empresário sentiu toda a mudança de fuso horário.
— Stanco, vejo — Ambrósia pegou a bolsa após terminar a sobremesa. Chamou o garçom. — Duo caffè, per favore — o garçom se retirou, retornando com os dois cafés. — Domani venho buscá-lo para mostrare algumas peças di artesanato della regione — sorriu-lhe a sorver toda a xícara. —, e acho buon começar a gastar qualcosa in mio gallerie. Disse a minha chefa che vinha mangiare... — fez sinal de ‘comer’ com as mãos. —, con tu per vendergli qualcosa.
— E o que veio vender-me afinal Senhorita? — se insinuou a delineá-la com os olhos.
Ambrósia se levantou o desejando ali mesmo, no meio do restaurante. Sean ergueu-se como um cavalheiro deveria fazer e Ambrósia foi embora. Ele seguiu cada movimento do pouco pano nas costas dela mostrando o quanto a ginástica olímpica a modelara.
“Poliu!”, pensou.
— Que pena... — de alguma forma ele preferia que ela tivesse ficado.
9
Mezzatorre Resort and Spa, Forio d’Ischia; Nápoles, Itália.
40.75° 44’ 0” N e 13.74° 51’ 0” E.
17 de fevereiro; 09h12min.
O café da manhã servido à beira da piscina era para Sean Queise uma visão primorosa. Como o hotel se projetava para o mar, dava-lhe a sensação de estarem invadindo a água.
O garçom servia-lhe mais suco de amoras quando ele a viu. Ambrósia entrou usando um vestido de chiffon amarelo que balançava com os movimentos das longas pernas, dos quadris largos, dos seios volumosos que pareciam ainda maiores no decote em V que usava. Quando passou por todas as cadeiras de Sol, Sean viu que ninguém ali era páreo para sua beleza.
E Sean paralisou mesmo quando ela sorriu-lhe e tirou o escandaloso óculos escuros, depositando a nada menos extravagante bolsa de palha amarela na mesa dele. O Sol refletindo seus cabelos avermelhados jogados a esmo foi à segunda visão maravilhosa do dia.
Ele ficou torcendo por mais.
— Buongiorno, Sean!
— Buongiorno, Ambrósia! — adorou ser chamado com intimidade, sentiu o dia prometendo uma melhora de humor por parte dela; sorriu-lhe encantadoramente.
Ambrósia percebera também a calça clara e justa que ele usava com a camisa social de mangas curtas e largas no seu corte colocadas para fora.
Sean Queise estava lindo.
— Che cosa sta mangiando?
— “Comendo”? Ovos, pães, queijo provolone, manteiga com sal, café forte com muito açúcar e um delicioso suco de amoras — sorriu-lhe.
— Sta bene con la vita oggi?
— Sì! Bene con la vita! — sorriu-lhe cínico. — Tu non?
Ambrósia sentiu um frenesi como há muito não sentia. Algo ele tinha, ela via, ela sentia, ela desejava.
— Ah! — pigarreou sentindo a voz quase não sair. — È una bella giornata. Você quer rodar a regione ou quer passear in centro di Ischia?
— Adoraria ir lá! — apontou para a alta montanha que despontava sobre suas cabeças.
— Monte Epomeo! — exclamou Ambrósia.
— Ah! Não diga! É mesmo?
Ambrósia beliscou um pedaço de pão passando-o na manteiga, sorriu-lhe e levantou-se pegando a extravagante bolsa de palha. Sean limpou a boca e saiu correndo atrás dela. Ela alcançou o hall do hotel e a porta de vidro, saindo. Chamou um táxi ali parado e os dois entraram.
— É a primeira vez che vai passear sem io tablet? — falou Ambrósia num português mais limpo que pôde.
Sean gargalhou.
— Também funciono sem as máquinas, Ambrósia — sussurrou ao seu ouvido.
Ela o olhou de lado tendo vontade de jogar-se em seus braços.
— Io devo far impazzire — pensou alto.
— O que disse?
— Nada! O Monte Epomeo è un vulcano e che è stato in attività desde 1302.
— Ah! — percebeu que não era aquilo que ela falara.
— Vi è un livello sotto il suo fresco, apparentemente di azione, con alcune ittività, nel nord-ovest. Che mai a quasi tutte le bocche vulcaniche attive in questo periodo si trovavano nella parte orientale dell ‘isola, dove si formano depositi piroclastici. Ma lontano da Ischia, che è cresciuto di mano.
Sean girou os olhos.
— Pode traduzir?
Ela o olhou com brilho nos olhos.
— Perdono! Há ainda per debaixo dele una camada resfriada, aparentemente fora di ação, con alguma atividade na área noroeste; o Monte Epomeo — apontou. — Quase tutto as aberturas vulcânicas ativas neste período stavam localizadas in parte oriental di ilha, onde se formaram depósitos piroclásticos. Mas bem longe di Ischia, che cresceu desse lado qui.
Sean sorriu.
— E você aprendeu tudo isso quando?
— Quando cheguei.
— Há três semanas?
— Dio mio! Dove stai andando?
— Aonde quero chegar? Não sei. Você é minha guia... Leve me onde quiser... — brincou com as palavras.
O motorista do táxi os olhou pelo espelho, viu Ambrósia a respirar aceleradamente; e viu Sean a observando com interesse.
— Dove alloggiare? — falou o motorista.
— Scusa? — Ambrósia voltou a si. — Aonde vamos? Pode nos levar a Comuni di Lacco Ameno — respondeu Ambrósia totalmente afetada.
Sean olhou para fora, viu um carro branco seguindo-os desde a saída do hotel pelo retrovisor do motorista de táxi.
— O que tem lá? Na Comuni di Lacco Ameno?
— La città di Lacco Ameno? Bene... Fica às inclinações du Monte Epomeo. É a menor città d’Ischia, famosa pela rocha grande che fica fora di sua costa, numa estranha forma di cogumelo; “Il Fungo”. Acreditam che a rocha tenha caído di Monte Epomeo. Lá fica una caverna cheia di vapore, chamada di ‘Caverna San Lorenzo’ — sorriu enigmática. — Alguns arriscam dizer che o nome deriva di etimologia “di Lacco”, mas Lo Ziccardi diz significar fossa ou grotta.
Sean a olhou com interesse.
Ela idem.
Lacco Ameno; Nápoles, Itália.
40° 45’ 0” N e 13° 53’ 0” E.
17 de fevereiro; 10h50min.
Depois de belíssimas paisagens, o táxi chegou numa cidade costeira de casinhas floridas, praia pitoresca e um cheiro maravilhoso de peixe do mar.
— Ristoranti! — exclamou Sean.
— Mangiare? Cucina mediterranea ou internazionale?
— Está brincando? Quero comer esse peixe que está cheirando na baía toda.
O motorista riu, sabia onde levá-los. Sean e Ambrósia deliciaram-se com um arroz feito com frutos do mar e um peixe cozido na telha ao molho de alho, limão e alcaparras quando ela saiu para telefonar e voltou anunciando que havia alugado uma Lancha.
— Vamos dar una volta quando si è terminato — ela sorriu magistralmente.
— Como quiser.
— Perfetto!
O almoço matutino terminou e eles saíram à rua de pedras. Sean percebeu que Ambrósia agia como uma turista; sorrindo muito, apontando para lojas, parando para comprar um lenço que amarrou nos cabelos, adornando a cabeça que ficara mais linda ainda.
Ele percebeu também que o carro branco estacionado atrás deles no restaurante, agora os seguia até o ancoradouro onde Ambrósia alugara uma grande Lancha.
— Bonita Lancha!
— É! — ela sorriu-lhe e dispensou o piloto que lhe entregou as chaves; ia pilotar ela mesma a Lancha.
“Droga!”, Sean percebeu que ela parecia saber mais do que montanhismo, línguas e ginástica olímpica.
Ambrósia então amarrou o vestido de chiffon amarelo no meio das pernas, e retirou e dobrou a capota removível que protegia a Lancha do Sol e da chuva. Entrou na cabine, abriu o armário suspenso e guardou a capota lá.
Sean só a observava.
— Siediti sulla prua! Sente-se na proa! — traduziu ao sentar-se na cadeira e ligar a Lancha. — La vista è bella per desfrutar.
Sean olhou em volta.
— Vamos até o “Il Fungo”?
— Si! — Ambrósia acelerou. — Se tiver sede, il frigorifero è abastecida.
— De quem era o carro branco que nos seguia?
A água espirrava por todos os lados.
— Ha visto troppo? — Ambrósia pilotava enquanto falava.
— Se eu viu também? Impossível não vê-lo — Sean olhou em volta novamente enquanto se distanciavam cada vez mais. — O que viemos fazer aqui, Senhorita? — Sean a viu desligar a Lancha longe da costa onde havia muitas Lanchas indo e vindo da rocha apelidada de cogumelo.
— Tu sabe che io posso encontrar problemi si tentar ajudar?
— “Problemas”? Do jeito que a turista Ambrósia vem agindo não sei como — e Sean a viu abaixar a cabeça e rir discretamente. — Vincenzo Bertti te procurou, não foi?
— Depois che deixei tuo hotel. Mandou-me essere gentile com tu.
— “Gentile”? — riu. — Wow! Então faz parte da gentileza me levar para passear na sua Lancha off-shore?
— Minha Lancha off-shore? — Ambrósia gargalhou ao abrir o bar e tirar de lá uma garrafa de vodka siberiana do congelador. — Acha che tenho cacife para manter una barca no ancoradouro, Sean?
— Cacife para a Lancha. Cacife para a vodka de Khatanga — olhou a garrafa nas mãos dela. — O que? Sei ler mapa-múndi.
— “Khatanga”? — Ambrósia riu ao ler o rótulo da garrafa outra vez; se aproximou mais ainda dele. — Pensare che também non è possibile che eu tenha una vodka di Khatanga, feita in Sibéria, in Lacco Ameno?
— A Poliu está aqui, não está? Fazendo o quê?
— E tu, Sean? Che sta fazendo qui? Vero!
— Não entendi. Já disse que tenho que devolver o programa SiD...
— Tu pode devolver o SiD, tu pode destruir o SiD, tu pode fazere un altro SiD.
Sean a olhou profundamente.
— Quero saber qual o real interesse da Poliu em Agartha. Nunca estive tão perto de suas ações...
— É tão importante assim? Dio mio! Credo che io vai conseguir com isso resgatar as memórias del vostro noiva? — ela o viu sentir dor naquelas palavras. — Ou è qualcosa maior? — ela sentou-se ao lado esquerdo dele, no confortável sofá de napa branca.
Ela então se levantou e colocou a garrafa na mesa externa após servi-lo.
— Gretta e Ralph Kinchër não tiveram uma filha — ele aceitou um cálice de vodka.
Ambrósia achou não ter escutado direito, estava terminando seu cálice de vodka.
— Che cosa voi parlate?
— Nem adotaram ninguém — já ele tomou o cálice de vodka siberiana gelada num gole só. — Nenhum documento, nenhum registro, nenhum pedido de adoção.
Ambrósia o olhava assustada parecendo não saber daquilo, e parecendo estar sendo sincera.
— Come...
— Nem fotos de aniversários, nem nenhuma comemoração. Deborah Kinchër não existe.
Ambrósia riu.
— Dio mio! Tu sta pazzo? Vê agentes da Poliu em tutto mundi...
— Não é nada disso! — explodiu. — Quis dizer que Miss Ãnkanna sabia algo sobre a história do desaparecimento de Gretta Kinchër. Ela disse “onde moram agora?”.
— Ahhh! Perché são alemães, trabalharam in Itália, è normale querer sapere onde vevem ora, já che estavam in Brasile.
— Viu o que disse? “São alemães”. “Trabalharam na Itália”. Como sabe Ambrósia?
Ambrósia levantou-se e sorveu mais vodka.
— Ralph Kinchër non ha detto che trabalhava tanto che abandonara Gretta e Deborah sozinhas por molto tempo?
— Trabalhava aonde, Ambrósia? SS? Sociedade VRIL?
Ambrósia deu uma pausa na respiração. Tomou o terceiro cálice de vodka sem sentir o sabor.
— Non capisco.
— Eu também, Ambrósia. Continuo sem entender. Por isso vim aqui.
— Mas Ralph detto che Gretta desaparecera numa reportagem un vulcano... Etna?
— E se foi no único vulcão na Itália que também é considerado uma das entradas para Agartha? Monte Epomeo?
— Va bene! Va bene! Diciamo che tutto questo è vero, qual interesse di Ralph in Agartha?
— Não sei. Se tudo é verdade, então eles estavam atrás dos cristais que consertam tudo. Veja! — deslocou-se do lugar. — Todos na trilha tinham certa interferência com Agartha, mas Ralph era o quê? Fazia o que lá? Estava sob ordens dos nazis? — ele viu Ambrósia achar que ele estava brincando.
— Achar che ele trabalhou para a Gestapo non è una ‘viagem’ tua?
— Eu não disse que ele trabalhou na Gestapo, disse? — Sean sorriu enigmático.
— Non...
— E tem mais... — ele viu Ambrósia olhar para ele, tão perto dele que podia sentir a pulsação da sua jugular. Ele encheu os cálices com vodka siberiana outra vez. — Eu ouvi vozes, Ambrósia. Como Mona faz — e ele não gostou de Ambrósia arregalar os olhos verdes para ele. — Sabe que posso, não? Ouvir vozes? Vê-los.
— “Vê-los”?
— Os mortos — agora Sean viu Ambrósia estancar a respiração. — Eu ouvi os gritos dos motoristas ao serem mortos quando os achamos. Também vi sangue que depois Edegar comprovou com o luminol. E havia mais vozes, vozes que não soube decifrar, que eram talvez de outros que lá se perderam...
— Che lá se perderam... — soou da sua boca repetindo Sean.
As Lanchas iam e vinham fazendo marolas que balançavam a Lancha. Ambrósia arregalou os olhos outra vez para Sean e levantou-se, voltando a ligar a Lancha.
— Aonde vai?
— Andare al mare.
— Por quê?
— Sono turistas, Signor Queise; ricordare?
Sean olhou para os lados, viu um grande Veleiro aportado não muito longe. Dentro da cabine, alguém os observava.
— Poliu?
— Non sei — Ambrósia acelerou a Lancha, que numa velocidade de 27 knots, distanciou-se do “Il Fungo”.
— Queria lavar minhas mãos — falou Sean, se levantando com dificuldades.
— Ha un bagno descendo as escadas — apontou para a portinhola ao lado dela. — Toalha na gaveta di esquerda, sapone liquido parte di cima.
Sean nada disse, desceu as escadas prestando atenção no painel de controle que Ambrósia pilotava: volante, radar, GPS, sonda, controle de antena VHF. Desceu sem que ela percebesse seu interesse e viu uma sala confortável, com uma pia, fogão e uma mesa desmontável. Uma porta de correr espelhada se abria mostrando um compacto quarto com cama de casal e um banheiro com chuveiro. Abriu e fechou portas de armários, lavou-se e voltou sem nada comentar.
— Potente, não? — foi só o que falou ao sentar, a olhar o infinito.
— O motor é um Volvo KAD 43 DP. In una barca come sta, com 30 pés, 9 metros, vira una macchina potente, si — Ambrósia sorriu-lhe da cadeira.
— Você leu isso no manual da Lancha enquanto eu fui lavar as mãos? — ele viu Ambrósia rir, não se dando ao trabalho de responder. Quando alcançaram alto mar e ela lançou âncora, Ambrósia desligou os motores e colocou um CD; uma música tecno foi para os alto-falantes da Lancha. — Killing time, Infected Mushroom? — Sean quis saber. — Te achava mais conservadora — riu ao vê-la sair da cadeira e balançar as ancas para ele.
— “Conservadora”? Pelo menos non parlare conservada — ambos riram. — Gosta?
— ‘Matando o tempo’? Sugestivo! — ambos voltaram a rir.
— In my dreams e can kill you… — cantarolava. — Come to me… We run away forever from this misery… Lost my mind... — Ambrósia chacoalhava o corpo robusto, sensual.
— Wow! As gentilezas já começaram? — perguntou cínico.
Ambrósia sorriu apenas. Tirou o vestido de chiffon amarelo o jogando sobre o banco.
Sean acompanhou o voo do tecido.
— Killing time that e left behind. Everything changes to a point that it stops and it… — Ambrósia afastou as sandálias que usava, dobrou o lenço que retirara da cabeça e mordeu o canto esquerdo do lábio grosso.
Ele a viu de lingerie branca, de renda, quase transparente. Sentiu-se quente, com a certeza de que não era o efeito do Sol do mediterrâneo.
Ambrósia sorriu outra vez, olhou-o de lado e jogou-se na água cristalina na da baía de Lacco Ameno. Sean arregalou os olhos azuis, fechou, suspirou e os abriu novamente. Virou o pescoço para o lado, depois para o outro, tenso muito tenso, mesmo que aquilo fosse algo do tipo ‘matando o tempo’.
Tirou os sapatos, meias, calça clara, camisa de corte largo, tudo isso a olhando da Lancha. Ambrósia vislumbrava da água o corpo malhado que se despia na proa. Também vislumbrou marcas deixadas pelo ataque da EBE, ainda cicatrizando.
Sean jogou-se de underware nas águas mornas onde Ambrósia estava, em meio a olhos que se cruzaram várias vezes, sem que ficassem por muito tempo se encarando. Ela deu algumas braçadas e voltou para a Lancha subindo bem devagar pela escada, fazendo de propósito, fazendo para matar. Sean pôde delinear o quanto generosas e belas eram as curvas da agente da Poliu e como isso o incomodava.
Ele subiu também sem ainda nada se falarem, e ela desceu as escadas internas da Lancha enquanto a extensa música ainda tocava, matava o tempo, e voltou com duas toalhas macias e perfumadas. Ele agradeceu com um movimento de cabeça e amarrou-a na cintura tirando a underware molhada por baixo. Ambrósia mordeu o lado esquerdo do lábio e ficou a delinear o físico malhado por horas de academia. Virou-se de costas e tirou toda lingerie ficando nua. Sean sentiu-se extasiado, excitado, com tesão pelas coxas roliças, as nádegas avantajadas e pelas costas moldadas pela ginástica olímpica quando Ambrósia se virou e aproximou-se, o fazendo recuar.
Sean mal soube por que fez, mas o fez.
Ela voltou a se aproximar e ele a recuar. Caiu sentado no sofá de napa branca com a toalha a quase se soltar do corpo nu. Ambrósia também nua se inclinou empinando os seios, a fazer os bicos duplicarem de tamanho. Sean ergueu-se e num jogo de corpo os engoliu com sua boca quente; um de cada vez para então seus lábios carnudos a delinearem novamente.
— Sean... — ela dobrou-se mais sobre ele e sentou-se no colo dele puxando-lhe a toalha.
— Não — Sean tentou segurar as mãos dela, queria parar-lhe, algo que nela o alertou, algo como uma Sandy por entre o corpo de Ambrósia, como se elas fossem uma só. Tentou levantar, mas foi tarde porque seu sexo foi tocado — Ahhh... — Sean encolheu-se com a mão que o abraçou.
— Oh! Sean... — ela deliciava-se de libido, energia motriz dos instintos.
Sean perdeu o ar, a linha do pensamento. Tentou manter-se sóbrio em meio a música sem conseguir. Ergueu-se nu e mal conseguiu chegar à mesa se servindo de mais vodka. Ambrósia levantou-se sem o compreender. Seguiu-o nua até ele e lhe tirou o cálice da mão bebendo.
Sean ficou a olhá-la desabar nua no chão molhado da proa da Lancha, após tomar a bebida que ele lhe preparara.
— Poliu... — escapou dos lábios excitados. — Que pena...
Il Fungo, Lacco Ameno; Nápoles, Itália.
40.74° 45’ 13.27” N e 13.86° 53’ 24.77” E.
17 de fevereiro; 21h00min.
Quando a noite caiu, Sean mergulhou com o equipamento encontrado no armário superior da suíte da Lancha. Ambrósia dormia dopada pelo remédio que ele encontrara no banheiro, que colocara no cálice de vodka, que ela bebeu sem saber. Ela também nada notou quando ele pilotou a Lancha para mais perto do “Il Fungo”.
E Sean mergulhava rápido, aproximando-se o máximo que podia da estrutura de rocha que diziam ter se desprendido do Monte Epomeo quando uma fina, quase tênue luz enegrecida, saiu de uma fenda na estrutura. Uma parede de fumaça foi expelida da fenda formando-se numa grande bolha que se dirigiu para cima dele.
Sean estancou olhando para os lados, que com a noite caída, fizeram as águas ficarem deveras escuras. Ele voltou a mergulhar mais tentando contornar a estrutura da rocha e a bolha passou longe. Fosse o que fosse aquilo não era para cima dele que parecia querer ir; ele também não procurou se preocupar com as respostas.
A fenda era pequena, mas espaçosa o bastante para sua mão penetrá-la. Ele recuou assustado percebendo a estrutura ser elástica. Voltou a colocar a mão e a fenda alargou-se para que seu corpo fosse engolido. Sean levou um susto quando foi tragado por uma corrente forte de água que o puxava para baixo, cada vez mais para baixo, por meio de longos túneis, sentindo-se como água que desce após uma descarga.
Seu corpo girou desgovernadamente até ser expelido no vácuo, fazendo seu corpo cair de muito alto para dentro de um pequeno lago subterrâneo, fazendo o impacto soltar e amassar um dos cilindros de ar presos a suas costas.
— Ahhh!!! — gritou de dor, mal conseguindo se mover. Ficou tonto tentando sair da água, retirando o equipamento de mergulho que se danificou.
As paredes da caverna subterrânea eram estranhas, mas havia ar respirável na câmara.
“Agartha!”, não conseguia acreditar no que via.
Olhou em volta sentindo muita dor nas costas. Olhou para cima e viu vários dutos naturais, que vertiam água como cachoeira para um lago pequeno, que parecia fazer a água escoar para baixo da terra.
Sean olhou para si e viu que estava machucado, que a queda rasgara o neoprene da roupa e suas cicatrizes do ataque da EBE na Serra do Roncador romperam-se, sangrando. Ficou a pensar no que faria dali em diante mesmo tendo certeza que muitas opções, ele não tinha.
— Devia ter vindo com a mulher maravilha que sempre sabe o que fazer — debochou decidindo entrar no túnel à sua esquerda, o mais iluminado, sem saber que tipo luminosidade azulado era aquela e se tampouco era segura, quando sons indecifráveis e vozes chegarem até ele.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… — ecoava.
Sean sentia-se cada vez mais cansado, talvez por estar abaixo do nível do mar, depois de percorrido o que calculou uns cinco quilômetros de túnel. E pelo relógio de pulso, foram três horas e meia. Nem todo o físico preparado dele havia sido designado para tal missão. Até sabia estar numa, só não sabia qual missão era quando algo metálico ecoou por toda a caverna subterrânea.
Tal qual numa igreja o som reverberou em uma intensidade muito maior do que o costume faria. Sean estancou encostando-se à parede sentindo como era quente. Olhou para o teto e estalactites começavam a aparecer. Andou mais até sair noutro lago subterrâneo, onde agora só um túnel existia limitando-se a entrar nele sem pensar em mais nada, sem conseguir pensar em mais nada. Contudo a visão que se moldava à sua frente era tão irreal como o topo da parede rochosa escalada por ele, Edegar, Gyrimias e Ambrósia na Serra do Roncador.
Lá, um vulcão interno solto do chão, mas também sem ligação com o teto, ou céu, ou o que fosse aquilo azulado acima dele. No lago escuro de cristal líquido que contornava o vulcão, três barcas atravessavam-no sem se incendiarem, remadas por humanos cristalizados, ao lado de entidades gigantes que Sean teve medo de pensar se eram os tais crocodilos humanoides.
Sean perdeu o ar e não foi por escassez de oxigênio.
Escondeu-se ainda dentro do túnel não sabendo mais o que fazer sentindo sede, com a dopamina se esparramando por seu sangue. Sean procurou água, mas nada ali demonstrava ser o que queria que fosse. Pensou em descer a encosta que se encontrava, mas sua cabeça girava muito, era muita informação para ser assimilada. O máximo que podia fazer era acreditar estar num acampamento de crocodilos humanoides, dentro da Terra Oca que cristalizavam seres humanos os transformando em super-homens, provável super-soldados.
10
Il Fungo, Lacco Ameno; Nápoles, Itália.
40.74° 45’ 13.27” N e 13.86° 53’ 24.77” E.
18 de fevereiro; 03h01min
Ambrósia puxava tanto os cabelos avermelhados que os sentia despregando do couro cabeludo.
— “Che coisa quer che eu faça?!” — gritava Vincenzo Bertti mais uma vez, tomando um cálice da vodka siberiana. — Tu é una agente classe A, Ambrósia! — falava o ruivo homem alto, corpulento, de beleza mediana, com olhos tão verdes quantos de Ambrósia.
— Parlate... — falava alterada. — Parlate ‘qualcosa’.
— Disse che Sean Queise non era fácil. Mas tu non acreditou.
— Ahhh!!! — irritou-se. — Mas e ora? Non sta preoccupato?
— Preoccupato? E perché me preoccupato com Sean Queise? — riu Vincenzo bebendo mais vodka. — Já se tivesse sido mais gentile...
— Mais gentile ainda? Io foi a ‘atenção’ in persona.
— A atenção in persona menos vestida che encontrei — ria ao lembrar-se de tê-la encontrado dopada e nua na cama. — Digo che se tivesse sido attenzione, ele teria lhe levado junto, cara Ambrósia! — agora Vincenzo Bertti se irritou.
— Attenzione? Attenzione? Porca miseria! — Ambrósia havia colocado a capota da Lancha a fim de protegê-la do orvalho. Foi até a proa e debruçou-se na grade usando um robe florido por cima de nada. — Dio mio! Perché Sean? — olhava para as águas do mar mediterrâneo, vendo a luz do luar refletir nelas.
— Vou notificare a Poliu. Devo dizer a Mr. Trevellis che falhou.
— No vengo a mancare!!! — gritou Ambrósia. — Io non falhei Vincenzo!
— “Non falhou”? — apontou Vincenzo Bertti. — Olhe intorno, agente classe A. Sean Queise sta qui? Sob tu controle?
— Ele non... Ele non... — Ambrósia não conseguia.
— Non è che cosa?
— Ele... Ele... Dopou-me. Levou-me a cama e non me tocou — ela teve que ouvir Vincenzo desabar de rir outra vez. — Che?! — ela se irritou.
— Che talvez tu non faça il vostro tipo.
— Ah! E qual o tipo di female dele, Vincenzo? Tipo ‘noiva ladro’ ou o tipo ‘sócia impertinente’?
Agora Vincenzo a encarou.
— Attenzione, Ambrosia. Non substime e sentimenti di Sean Queise.
— Come tu subestimou?
— Tu... — e Vincenzo quis responder a altura, mas não o fez. Ao invés disso, virou-se para subir ao tombadilho. Mas antes de subir pegou uma lanterna do bolso. — Vou ti mostrar algo — acendeu a lanterna na parede da Lancha após apagar as luzes enegrecidas. — Sta vendo isso? Essa energia qui? — Vincenzo Bertti viu Ambrósia olhar algo brilhando na parede, algo que lembrava purpurina azul.
— Io já vi isso.
— Quando?
— Na trilha... Quando... — e parou com medo do que Vincenzo Bertti falaria.
— Questa coisa brilhante è a energia di Sean Queise, che ele transferiu ao tocar questa parede di Lancha, atrás di formas-pensamento, informações che sempre chega até ele quando toca algo. Sempre Ambrósia! E só conseguimos saber isso perché estudamos outros espiões psíquicos.
Ambrósia arregalou os olhos para o irmão. Depois ficou a tentar raciocinar quantas e quais informações Sean tirou dali, da parede de sua Lancha.
Vincenzo Bertti enfim subiu e alcançou o tombadilho.
— Per favore, Vincenzo! — ela subiu atrás dele. — Faça isso per me!
— Non è perché tu è mi irmã, Ambrósia, che vão ter dar mais facilidades in Poliu. La mia posizione è previlegiada, mas sou assistente di Mr. Trevellis. Tenho diretriz a seguir. In aggiunta...
— “Além do mais”?
Agora Vincenzo Bertti demorou em responder.
— Além do mais, Sean Queise non me deixa muita alternativa — ele engoliu a saliva como se fosse um peso.
— Fala dela, non? Tu e Mr. Trevellis a culparam de algo che ela non fez, non? Culparam Sandy di...
— Sandy non conta! — Vincenzo se virou e encheu o cálice de vodka Khatanga outra vez, e o despejou com força goela abaixo.
Saiu da Lancha e subiu no Veleiro parado ao lado quando Ambrósia ouviu o motor ser ligado, ainda lembrando que ‘Sandy não contava’.
Foi até a proa e o chamou:
— Vincenzo?! — gritou Ambrósia ao ver Vincenzo Bertti se preparando para sair com seu Veleiro Fast 500 que estava ancorado à Lancha dela, próximos do “Il Fungo”.
— Acalme-se! Vou dar uno jeito irmãzinha! — Vincenzo Bertti ironizou em português. — Inviare os Hummers e as armas para o porto. Com o motor Westerbeke de 70 Hps chegarei in quattro minuti — e Vincenzo Bertti antes de partir, avisou-lhe.
— Quattro minuti... — repetiu mecanicamente.
— Mas si prepare Ambrósia, perché o preço desse resgate non vai sair barato! — e se foi.
Monte Epomeo, Ischia; Nápoles, Itália.
40° 43’ 49.44” N e 13° 53’ 43.8” E.
18 de fevereiro; 04h33min.
Sean ainda estava sentado no chão do túnel em que saíra. Estava imaginando onde ele poderia estar, onde todos aqueles túneis iam dar.
Percebeu duas barcas aportando do outro lado do grande lago de cristal líquido, que lhe dava uma singular cor enegrecida, também percebeu que a faixa de terra seca em torno estava deserta. Ficou a pensar em qual dos túneis devia tomar um rumo e outra vez decidiu-se pelo mais brilhoso.
Entrou no quinto túnel à sua esquerda, que por vezes encolhia fazendo o pé direito diminuir, o fazendo sentir-se claustrofóbico quando foi obrigado a se arrastar por um longo trecho onde mal seu corpo cabia.
Saiu num outro extremo da caverna subterrânea, chegando ao que parecia ser um Coliseu; escadas de mármore que davam para um patamar que lembrava e muito um altar, e Sean olhou em volta não entendendo aquilo. Viu, porém que no altar havia um monólito preto e sobre ele um crânio de cristal azulado, quase do tamanho de um crânio humano.
Aproximou-se com temor olhando com atenção para cada degrau que subia. Mas algo no crânio de cristal azulado chamava-lhe a atenção, e não só por sua beleza e complexidade, mas por sua estranha maneira de brilhar. Imagens que pareciam se projetar no seu interior, imagens que por vezes escapavam para o todo o espaço externo pela ação de um laser interno.
Sean se afastou por cautela.
— É uma floresta? — tentou entender a imagem que vinha do crânio de cristal azulado, imagens embaçadas de uma mata verde azulada, onde pessoas, gente pequenina vestindo himation, peças retangulares usadas pelos gregos, corriam para todos os lados fugindo de luzes enegrecidas negras. — Armas... — escapou de sua boca voltando a se aproximar, criando coragem de tocá-lo, quando uma gama de imagens escapou do crânio de cristal azulado.
Sean percebeu que acionara algo no toque, algo que se projetava para todo o altar como se interagisse com ele e a caverna.
“Holografias!” ficou extasiado ao ver que a terra que ganhava contorno em torno dele parecia estar pegando fogo.
Pessoas corriam desorientadas numa floresta que Sean agora pisava, sentindo o calor no rosto, o incêndio, a mata fechada onde se podiam ver ao longe cinco pirâmides não muito grandes, em meio às pessoas que escapavam do crânio de cristal azulado, atravessando seu corpo, se perdendo na imensidão da caverna viajando em vimanas.
— Vimanas... — foi a palavra que soou de Sean que sentia dor a cada imagem que lhe atravessava, podendo outra vez sentir o calor de seus corpos em fuga, os gritos que reverberavam no seu tímpano, o desespero de estar lá também.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh…
Sean voltou a si assustado com o que vira, sentira, ouvira.
— Atlantes... — ficou impactado ainda ouvindo as vozes, os gritos, as lamurias. Agora sabia a quem pertenciam as vozes da Serra do Roncador. — Cidade de Posid! — e um som seco o fez voltar à total realidade, um eco que reverberou por todas as cavidades fazendo as imagens retornarem ao crânio de cristal azulado, o chão tremer e ele desorientar-se rolando as escadas de mármore até alcançar o chão úmido de terra batida.
Sean levantou-se e correu para onde o som mais forte reverberava enquanto as paredes balançavam e ficavam instáveis. Ele também percebeu que as paredes não eram paredes, eram holografias imitando paredes, imitando piso, imitando teto, imitando caverna. Se Carl Sagan estava certo ao listar a razão para as crenças errôneas de Alfonso, o Sábio Rei de Castela que por volta de 1248 estabelecia fantasia e até a alucinação a qualquer coisa provocada por uma queda, então Sean Queise tinha alucinações após cair ali.
Mas Sean sabia que aquilo não era uma fantasia, que aquilo era real dentro da irrealidade projetada por crocodilos humanoides que podiam a qualquer momento deixar de existir e ele deixar de respirá-lo, quando uma voz o alcançou.
“Sean Queise?!”, alguém gritou não muito longe.
— Vincenzo Bertti! — Sean o sentiu ali por perto. — A Poliu está tentando invadir o esconderijo alienígena... — e seus pés começaram a soltar-se e o piso a sumir de vez fazendo seu corpo flutuar. — Não!!! — berrou desesperado agarrando-se às paredes sem que elas lhe dessem sustentação, tentando desesperado agarrar-se a algo que ainda permanecia ali, que ainda não havia sido deletado da holografia criada.
Sean corria pelas paredes, pelo piso, alternando os movimentos. Saltando, pulando, planando, caindo quando a instável força da gravidade se fazia, levantando-se ao chegar à uma grande área da caverna, onde agentes da Poliu pareciam atirar a esmo, com seus corpos a girar 360º como num turbilhão.
Ele viu que eram homens de Vincenzo Bertti, que também estava lá.
— Sean Queise... — Vincenzo Bertti correu ao seu encontro quando Sean foi sugado por uma luz enegrecida que tomou conta de toda a caverna.
— Ahhh!!!
A luz enegrecida o puxava para cima.
— Sean Queise?! — Vincenzo Bertti viu que a luz enegrecida estava contida no que parecia ser um túnel, e que parecia vir do nada.
O corpo de Sean volitava dentro do túnel de luz enegrecida quando a fuselagem de uma nave feita de metal, com uma cúpula de vidro em cima e suásticas desenhadas, apareceu. Os agentes da Poliu em volta também ficaram atônitos, se viram em meio à agora, uma quadra de naves, que antes em modo de invisibilidade no ambiente, agora estavam visíveis.
Sean se tomou de coragem e tocou-a; todas as naves ali se ligaram fazendo um ruído ensurdecer. Vincenzo Bertti e os agentes da Poliu se jogaram ao chão e Sean atordoado, olhava para Vincenzo Bertti tentando dizer ‘não fui eu’. Mas Vincenzo sabia que fora Sean, que ele fizera algo usando uma energia que ele tinha dentro dele, quando a nave que incidia o túnel de luz enegrecida e que prendia Sean, disparou contra uma EBE de cristal azulado, que explodiu pedaços de cristal azulado para todos os lados.
— Ahhh!!! — a luz enegrecida cedeu e Sean caiu no vácuo.
Vincenzo Bertti viu Sean se estatelar no chão de terra batida ferindo o rosto, quando um reptiliano azulado, bem diferente dos crocodilos humanoides, e que surgiu correndo sob quatro patas por entre colunas de mármores brancas, que sustentavam um grande castelo vitoriano, para então saltar no ar e toda castelo sumir, e Sean ver que ambos voltaram à caverna, quando esse mesmo reptiliano azulado saltou e se agarrou à fuselagem da nave que havia atirado na EBE. Sean e Vincenzo trocaram olhares entendendo que aquele reptiliano era uma espécie de alienígena diferente até então, e que ele havia se comunicado com a nave, e a nave atirado na EBE para que ele pudesse fugir; e provável até que estivesse ali em modo de invisibilidade como a quadra de naves que sumiu túnel adentro.
— Guarda Sean Queise? — Vincenzo Bertti correu para acudi-lo.
Mas Sean viu um crocodilo humanoide também aparecer do nada, rastejando em direção a eles.
— Cuidado Bertti!!!
Vincenzo Bertti viu o grande crocodilo humanoide vindo em sua direção e acionou a Tyron, atirando quatro vezes; contudo nem o laser enegrecido nem os projéteis relaram no crocodilo humanoide, que mudou o rumo e ganhou pernas.
O crocodilo humanoide então correu e sumiu para dentro do túnel de onde Sean viera, provável atrás das naves vimanas e o reptiliano azulado. Vincenzo Bertti ainda atirou mais cinco vezes, mas diferente das EBEs, a Tyron que não errava o alvo, mal o tocou.
— Dio Mio! Come consegue? — Vincenzo tentava compreender quando pequenos pontos de luzes enegrecidas incidiram sobre seu peito.
Vincenzo Bertti olhou desesperado para os lados não vendo a origem dos tiros, e atirou a esmo deixando a Tyron sem munição. Sean percebeu que Ambrósia não havia mentido quando disse a Michel que a Tyron estava sem munição, percebendo que ele precisava investigar afinal como funcionava aquela arma íntima, quando um novo tumulto se fez; agentes da Poliu apontavam para cinco UFOs Nazis, com MG42, metralhadoras de calibre 7.92 x 57 mm, desenvolvida durante a Segunda Grande Guerra pela Alemanha, e instaladas na fuselagem, e que apontaram para eles.
— Corram!!! — gritou um dos agentes da Poliu e uma rajada de balas se seguiu.
Sean se jogou ao chão com medo de que no controle daquelas armas, estivessem nazis cristalizados por cristais azulados, criados pelos elementais de Posid, reminiscentes de uma guerra que parece, não haviam terminado.
Quando as naves sumiram tuneis adentro, Sean se ergueu e correu até um agente da Poliu que agonizava no chão. Tentou a pulsação, mas já era tarde. Correu até outros três agentes, mas estavam todos mortos quando uma EBE de cristal azulado o encarou; com garras no lugar de dedos, dentes desalinhados que não cabia na boca grande de língua bifurcada, ‘ojos rojos’ e costas de corcovas.
A EBE abriu uma grande asa de morcego, uma que Sean ainda não havia a visto possuir, e seus ojos rojos giraram procurando a imagem dele em meio há muitas imagens de rostos.
Sean apavorou-se a ver tantos rostos humanos gravados na memória do alienígena; rostos de crianças, animais, homens, mulheres, alguns vestindo roupas muito antigas – vikings, gregos, egípcios, homens da caverna, o fazendo imaginar que já há muito tempo, aquelas EBEs estavam no Planeta Terra, no centro da Terra Oca.
— Ahhh... Ahhh... Ahhh... — um som miúdo se fazia não longe dali.
Sean escorregou os olhos sem tirar muito a EBE de sua mira e viu o corpo aparentemente ferido de Vincenzo Bertti caído no chão. Outra EBE de cristal azulado havia se aproximado dele, e estava pisando sua garganta com garras que soavam como teclas de piano ao tocar o chão. Sua estranha boca fazia uma língua sair e entrar várias vezes sentindo no ar cheiros mil, o cheiro do ferimento de Vincenzo Bertti preso pela garra, enquanto ela também o vasculhava no banco de dados.
Sean não viu alternativa e fez o impensado, chamou a arma Tyron de Vincenzo Bertti do chão, que voou pelo ar e se acomodou em sua mão. Vincenzo arregalou os olhos para ele pedindo que nada fizesse, mas Sean não parecia disposto a obedecer a ordens, não as da Poliu. Porém encarou a EBE feita cristal azulado e ela parecia haver recebido algum tipo de informação, porque tirou a garra de cima do corpo do segundo na hierarquia da Poliu e se virou para Sean, olhando-o. Vincenzo Bertti não entendeu aquilo, mas entendeu que a EBE obedecia a uma ordem, provável ordenada por Sean Queise. Apavorou-se realmente com o que Sean fazia, podia fazer.
A EBE então se afastou do corpo caído de Vincenzo e se colocou ao lado da outra EBE que observava Sean de perto. As duas EBEs então se olharam e entraram na mesma letargia que Sean experimentou na Serra do Roncador, desligando-se.
“Corra Bertti!” foi o que Vincenzo Bertti escutou de Sean Queise, que não abriu a boca.
Ambos correram e uma Tyron saiu da mão de um dos agentes da Poliu ali morto e se acomodu na mão de Sean Queise, acionando-a, com dois únicos tiros que seguiram a luz enegrecida, e acertaram cada um, uma EBE, fazendo gritos ensurdecedores e pedaços de cristal azulado voar para todos os lados.
O tiro e a explosão alertaram mais EBEs que saíram de sua invisibilidade, mostrando aos poucos espiões da Poliu ainda vivos que havia centenas, se não milhares delas ali em modo de invisibilidade, em letargia.
— Corram!!! Corram!!! Corram!!! — Sean percebeu que Vincenzo estava ferido na perna esquerda, e o apoiou em um de seus ombros no que driblavam agentes da Poliu correndo, atirando e morrendo.
Sean Queise e Vincenzo Bertti alcançaram o lado de fora do que imaginou ser uma das entradas da caverna, no topo do Monte Epomeo. Seus pés tocaram a terra firme e ele sentiu o aroma de árvores úmidas pelo orvalho da madrugada.
Sean viu homens aos montes, helicópteros, carros Hummer, muito barulho, e mais e mais agentes da Poliu que entravam armados dentro da caverna atirando. Em meio à movimentação, se jogou para dentro de um dos Hummer quando este partia. Vincenzo Bertti pegou o próximo Hummer em fuga e todos saíram durante a última explosão que estremeceu o chão fazendo árvores despencar ao longo do caminho.
Sean passou a mão no rosto e o viu sangrando. Levantou a camisa para limpá-lo e percebeu soldados dentro do Hummer o olhando; Sean viu homens vestidos com uniformes de guerrilha, com seus rostos cobertos por tinta, usando binóculos de visão noturna e armas Tyron de última geração controladas por biometria. Teve mais medo daqueles humanos do que dos crocodilos humanoides que deixou para trás.
Lacco Ameno; Nápoles, Itália.
40° 45’ 0” N e 13° 53’ 0” E.
18 de fevereiro; 06h12min.
Sean Queise foi levado no Hummer até o porto onde fez duas ligações para o Brasil. Primeiro ligou para Gyrimias Leferi e pediu-lhe que acionasse Spartacus como ele o ensinara, e rastreasse Ralph Kinchër e Michel Shipton para saber onde eles estavam agindo. Depois de tudo, deixasse na portaria do Hotel Mezzatore a resposta sob os códigos de “RK” e “MS”. Gyrimias apavorou-se com a ideia de ‘tocar’ em Spartacus, mas obedeceu às ordens dadas.
Em segundo, ligou para a sócia Kelly Garcia lhe passando ordens sobre o que ela deveria cumprir em relação as suas malas no Hotel Mezzatore. Kelly não entendeu o porquê daquilo, mas obedeceu como de praxe; e obedeceu quando ele disse “Faça o que for preciso” para localizar uma mulher de nome Miss Ãnkanna nos arquivos da Poliu.
Ela acessou por dentro dos mainframes da Computer Co., e que deixasse as informações obtidas no e-mail que usava nas listas de ufologia, no nickname Darknet, que ele as resgataria; ele precisava falar com a paleontóloga. Mas como a mídia toda já divulgara globalmente o acontecido como uma nova erupção vulcânica no Monte Epomeo, aquilo atraiu vulcanólogos do mundo todo, inclusive Miss Ãnkanna, que tomou o primeiro voo da manhã de Roma para Nápoles, rumo a Ischia.
Um bote a motor da Poliu o aguardava na marina e Sean foi encaminhado para o mesmo Veleiro que vira dia anterior, não muito longe de onde ele e Ambrósia estavam ancorados.
Estranhou, porém, quando viu a própria Ambrósia, apreensiva após as explosões ocorridas no Monte Epomeo, no convés do Veleiro. Sean foi deixado nas escadas e ela viu que ele estava com um corte no rosto.
— Sean... — Ambrósia tentou tocá-lo, mas ele afastou sua mão.
— De quem é esse Veleiro, agente Ambrósia?
— Io chiedere saber se tu sta...
— De quem é?! — alterou-se.
— Mio! — apareceu Vincenzo Bertti vindo da proa, usando uma bermuda caqui e um curativo na coxa esquerda.
Por momentos Sean teve vontade de se lançar ao mar e voltar nadando, mas tinha que admitir que Vincenzo Bertti e a Poliu estiveram lá para salvá-lo dos crocodilos humanoides. Nada falou com ela, e seguiu Vincenzo até a proa quando ele se colocou ao leme. Sean também viu que o Veleiro era equipado por GPS, sonda, e muita parafernália quando os três ganharam o alto mar.
— Aonde vamos Bertti?
Vincenzo colocou o Veleiro no automático, se virou e se pôs a caminhar mancando.
— Non muito longe.
— Aonde?
— Palermo!
— Claro! Vamos descer o Mar Tirreno para encontrar Michel. O que? Não foi aqui sua última aparição antes do Roncador?
— È melhor tomar uno banho, Sean — Vincenzo Bertti apontou para baixo, mandando-o seguir.
Sean girou os olhos muito nervoso.
— Sean... — a voz de Ambrósia ficou no ar outra vez.
Já Sean, desceu atrás de Vincenzo Bertti sentindo-se oprimido, nervoso, e sem muita saída.
A sala abaixo do convés tinha três sofás de couro marrom em formato de L, encostados nas paredes revestidas de madeira escura. Sean viu também que o grande Veleiro era bem equipado; TV de plasma, DVD, CD, geladeira, freezer, micro-ondas, ar condicionado central e uma bela mesa de madeira para doze pessoas, embaixo de um teto envidraçado decorado por belíssimos vitrais. Outras portas no Veleiro indicavam que ele deveria comportar pelo menos seis pessoas para dormir em suítes separadas.
— Qui Sean! — apontou Vincenzo Bertti para uma suíte; e Sean era a frieza em pessoa.
Uma frieza que destoava da intimidade com que Vincenzo o tratava. Sean entrou na suíte que foi trancada à chave. Lá, roupas novas em cima de uma das camas. Não eram dele, mas servia-lhe; ficou sem saber se elas já haviam sido compradas com antecedência. Havia também uma bandeja com um caldo de peixe e sucos de frutas.
Sean tomou um banho, se alimentou e depois se jogou em lençóis macios, dormindo.
E foi um sono muito longo mesmo à base do mesmo sonífero que usou em Ambrósia.
11
Palermo, Mar Tirreno; Sicília, Itália.
38° 11’ 30” N e 15° 34’ 30” E.
19 de fevereiro; 10h00min.
Sean só acordou no dia seguinte, sobressaltado, com o burburinho de cascos batendo pela proximidade. Foi até a escotilha e viu que o Veleiro se encontrava perto de uma costa. Subiu até o convés do Veleiro vazio e leu as coordenadas: estavam no porto de Palermo.
— Droga! — praguejou.
Sean também percebeu que ancoravam agora entre dois barcos maiores, muito maiores; uma belíssima Escuna Luxury de 123 pés aportada de um lado e um Yacht Motor de 85 pés do outro lado, ambos com completo equipamento de salvatagem.
Só a Lancha de Ambrósia não estava lá.
Sean atravessou a ponte colocada entre o Veleiro e a Escuna que se chocava lentamente com o Yacht, e entrou numa espaçosa sala envidraçada da Escuna onde uma mesa de madeira maciça, maior que a do Veleiro, e tinha algumas xícaras já usadas. À mesa, sentava-se Vincenzo Bertti, Ambrósia Lambrusco e Mr. Trevellis que se ergueu da cadeira.
— Folgo ver que está bem filho de Oscar! — falou Mr. Trevellis com a mão estendida para o cumprimento.
E Mr. Trevellis era um homem grande, de pele jambo e olhos verdes e brilhantes, vindo de família abonada e secular. Considerado uma mente extremamente estrategista, era o primeiro na hierarquia da corporação de inteligência Poliu.
— O que é isso lá fora? — Sean deixou a mão de Mr. Trevellis estendida, sem cumprimentar. — Feira náutica ou desfile para saber quem tem o barco mais bonito? — eles se encaravam.
— Posso annullare questa confusione? — correu Vincenzo Bertti ao ver Mr. Trevellis ainda com a mão estendida, porém sem recuar.
Mr. Trevellis era duro na queda.
— Fale comigo em português Bertti; sei que consegue — e Sean ainda encarava Mr. Trevellis que recuou a mão.
— Como quiser Sr. Queise! — e aquilo foi mesmo uma exclamação irônica.
— Por que me salvou?
— Io pedi! — Ambrósia conseguiu falar algo para ele.
Sean ergueu a testa, mas não falou com ela.
— Como chegou lá? — Sean perguntava somente a Vincenzo Bertti.
— Pela parede noroeste di Monte Epomeo, Sr. Queise.
— Sem o ‘Senhor’, Bertti. Sei que sabe que eu não gosto disso — e aquilo foi um desafio ao segundo da hierarquia.
— Como quiser Sean! — Vincenzo Bertti não se deixou levar, Sean era perigoso e ele não podia se dar ao luxo de deixar Mr. Trevellis saber algo.
E Sean sabia que de alguma forma tinha como machucá-lo. Sorriu, porém sem nada mais falar e foi até a mesa pegar uma maça que mordeu furioso, com Ambrósia em seu raio de olhar.
— Suponho que já conhecia essa entrada para Agartha, Bertti?
— Há dois anos! — Vincenzo Bertti falava sem olhar em volta. — Começamos nossas pesquisas atrás de Agartha pela Itália.
— Sabe o que são aqueles crocodilos humanoides, Bertti?
— Uma raça alienígena que segundo nossas fontes, esteve envolvida com o lado místico do nazismo.
— E acha que só místicos como Heinrich Himmler usava crocodilos humanoides?
Vincenzo Bertti deu um longo olhar para Mr. Trevellis que só encarava Sean Queise.
— Nossas fontes dizem que sim.
— Suas fontes? — Sean achou graça sabendo que espiões psíquicos foram usados durante a Segunda Grande Guerra, por uma Poliu muito antiga. — E o alienígena azulado? Sabe por que ele era mais reptiliano que os outros?
— Non! Foi a primeira vez que vi um.
— Está mentindo!
— Non estou! E sabe que sei que pode saber que non estou.
Os dois se encararam.
— E posso saber? Achei que o pré-requisito para fazer parte da escória da Poliu era saber bloquear-me — mas Sean viu que foi Mr. Trevellis quem riu com gosto. — Por que o Mar Tirreno, Bertti?
— O Mar Tirreno, englobando Sicília, Sardenha e Córsega, possui nada menos de 11 vulcões submersos. Alguns apresentam atividade, e um deles pode se tornar uma poderosa central de energia, segundo nossas fontes.
— Crocodilos humanoides procurando vulcões como energia?
— Com o uso de um sonar multifásico, foi possível mapear com precisão as 11 montanhas submersas, onde se pode aproveitar a energia geotérmica para...
— Basta disso Bertti! Vá ao ponto!
— Uma vimana em forma de sino foi avistada um ano atrás. Michel esteve aqui, mas o perdemos de vista.
— E a vimana?
— Sumiu no fundo do mar.
— Uma viamana com suásticas, suponho?
— Supôs correto!
— A mesma vimana com suástica que atacou o NOA?
— Se você está dizendo… — agora Vincenzo Bertti pareceu gostar do jogo de palavras.
Mas Mr. Trevellis não parecia gostar daquilo.
— E por que o Monte Epomeo?
— Perché... — e parou para voltar a falar em português. — Miss Ãnkanna nos procurou após ter decifrado uma parte de um tratado alquímico, che lhe caiu em mãos durante a escavação de uma antiga aldeia aos pés do Monte Epomeo. Ela fazia parte de uma equipe che fazia escavações para o museu arqueológico do Lacco Ameno, e encontrou mapas escritos numa línguagem indecifrável, che continha milhares de mapas de entradas para a Terra Oca.
— Wow! — Sean sentiu o impacto da informação. — Seria o mesmo tratado alquímico que levou Julio Verne a escrever Viagem ao Centro da Terra? O mesmo tratado escrito em línguagem Voynich? Ou o mesmo tratado que guiou Serafini a escrever sobre experiências genéticas?
Vincenzo, Ambrósia e Mr. Trevellis se olharam.
— Está falando do casal que se transforma em crocodilo?
— Não sei... Estou?
Vincenzo Bertti respirou profundamente:
— Talvez haja muitos desses tratados perdidos pelo mundo — sorriu-lhe cínico.
— O que mais Miss Ãnkanna procurava?
Agora Vincenzo Bertti riu.
— Fico sempre mais impressionado com sua inteligência de que com seus atos Sean... — voltou Vincenzo Bertti a rir e Sean ver que ele gostava daquela maneira de lhe chamar. — Miss Ãnkanna trabalhava para a Poliu como paleontóloga. Ela procurava um dos treze crânios de cristal que ainda está perdido, e que havia sido trazido do México para a Ischia no começo do Século V, juntamente com o tratado.
— “México”? Um crânio Maia ou Asteca?
— Um crânio de cristal azulado, quase transparente, aparentemente pertencente à época Maia.
— E o crânio que o NOA contrabandeou da Índia?
— Você sabe que ele desapareceu — Vincenzo viu Sean o olhar de lado. —, e sabe, porque Oscar Roldman lhe contou sobre o homem cristalizado.
— Quem era ele?
— Non sabemos. Ele falava uma língua que non conseguimos decifrar.
— Wow! É sempre a tal língua indecifrável do Manuscrito Voynich.
E Vincenzo Bertti sabia que aquilo era uma ironia.
Prosseguiu mesmo assim:
— Pelo que tradutores da Poliu puderam averiguar, havia similaridade si.
— Então o que Alcântara Jr. fazia em Peruíbe?
Vincenzo, Ambrósia e Mr. Trevellis voltaram a se olhar.
— Sabemos que Oscar usou-lhe para encontrá-lo — Mr. Trevellis gostou de falar aquilo, sentando-se à mesa para comer frutas.
— Usou-me? — Sean não gostou daquilo.
Ele era peça intrincada daquele jogo, mas Vincenzo não queria provocar Sean Queise mais ainda.
— Alcântara Jr. procurava um homem de cristal azulado após espiões psíquicos da Poliu o sentirem lá.
— Mas a vimana NOA desapareceu há doze anos, com o homem de cristal azulado vindo da Índia. O que ele fez esse tempo todo... — e Sean parou de falar olhando Vincenzo com interesse. — Wow! Foi o que Rogério perguntou no Chat, não?
— Que você invadiu filho de Oscar.
— Eu não invadi nada! — alterou-se. — Foi Alcântara pai quem pescou senhas...
— Usando uno programa pericoloso — Ambrósia se meteu na conversa.
— Quem disse isso Signora Ambrósia Bertti?
— “Signora?” — Ambrósia ergueu-se da cadeira e Sean recuou sentindo-se totalmente sem graça por estar lá, na frente de Ambrósia e Vincenzo, após ter sido tocado intimamente por ela.
Engoliu tudo aquilo e encarou Mr. Trevellis.
— Eu vi um crânio de cristal azulado! VITRIOL!
— O que? — agora Mr. Trevellis se alertou.
— Visita Inferiora Terrae Rectificando Invenies Omnia Lapidem, ou Visita o interior da Terra para procurar a pedra oculta; esqueci-me de perguntar qual, não Trevellis?
— Como era o crânio, Sean? — perguntou Vincenzo Bertti.
Sean o encarou depois.
— O que Alcântara Jr. fazia na Serra do Roncador se já haviam resgatado o marinheiro que sabia sobre EBEs de ‘ojos rojos’, que sentia ‘el calor dos corpos vindo delas armas, delos barcos que vuelan’, em meio a ‘muy muertos lá abajo’? — Sean devolveu outra questão. — Porque sabe que eu sei sobre os dois — e Vincenzo Bertti só o olhava. — E porque sabe que eu sei que Alcântara Jr. também estava naquela trilha atrás do marinheiro que não existe.
E Vincenzo encarou Ambrósia.
— Non me olhe assim. Parlato che non sabia sobre...
— Chega Ambrósia! — Vincenzo perdia o controle. Virou-se para Sean Queise e o confrontou. — Sabe que non posso responder a isso.
— Não pode? Pois vai me responder se me quiser aqui.
— Se o quisermos? — riu Mr. Trevellis — Não acha que você está...
— Quero saber por que Alcântara me disse que Alcântara Jr. sumiu em Peruíbe, porque realmente rastreei Alcântara Jr. em Peruíbe, mas ele foi achado na Serra do Roncador? — mas Sean queria era manter um diálogo somente com Vincenzo Bertti.
— Ora! Ora! Parece que o amiguinho de Oscar não era tão amigável assim — Mr. Trevellis não perdia o controle da situação.
— Alcântara era um homem integro, amigo de meu pai — Sean viu Mr. Trevellis erguer o sobrolho. — Amigo de meu pai Fernando, em quem você não tem acesso — completou sabendo o que significava aquele levantar de sobrancelha.
— Cuidado, filho de Oscar! Não sabe quem é Fernando Queise realmente.
— Cale-se!!!
— Cale-se você filho de Oscar!
— Não me chame assim!!! — Sean exclamou com força.
— Chamo-lhe como eu quero! — Mr. Trevellis se aproximou dele.
Vincenzo Bertti correu a separá-los.
— Per favore, Sean — Vincenzo Bertti o afastou dali. — Non sabemos do real envolvimento de Alcântara no sumiço do filho, nem porque Alcântara Jr. se envolveu com aquela Sociedade secreta LINK, se era um rapaz estável, bom estudante no ITA e com considerações positivas na Poliu.
— Talvez porque o fato dele saber onde está um sino que atravessa dimensões, deixe de serem consideradas ações positivas para a Poliu, que o caçava na Serra do Roncador.
— “Caçava”? — gargalhava Mr. Trevellis com gosto. — Sabe do que o bastardo fala Vincenzo?
— Cale-se!!! — Sean gritou e tudo saiu do chão; sofá, mesa, frutas e cadeiras; e também os corpos dos três componentes da Poliu, que sentiram que os dons de Sean, moviam objetos muito mais pesados que a bela Kelly Garcia em seus gracejos.
Sean deu passos instáveis para trás e tudo voltou ao piso. Ambrósia, Vincenzo e Mr. Trevellis se olharam mais uma vez.
— Per favor Sean, vamos nos ater qui ao crânio de cristal azulado che encontrou, va bene? — Vincenzo Bertti esperou Sean o olhar. — Começando a contar onde o crânio de cristal azulado che viu, estava.
Sean balançou e balançou a cabeça vendo que Ambrósia prestava atenção naquilo, naquilo que ele e Oscar faziam quando se enervavam.
“Droga!” explodiu com ele mesmo.
— Num altar, uma espécie de Coliseu com piso de mármore; e havia holografias saindo dele.
— Viu holografias? — gargalhou Mr. Trevellis. — No mínimo deve ter sofrido uma queda e estava desmaiado tendo sonhos lúcidos.
— Sonhos o que?
— Ou talvez estivesse num Universo paralelo? — Mr. Trevellis se divertia.
— Per favore Mr. Trevellis, não o provoque.
E Mr. Trevellis olhou Vincenzo Bertti de uma maneira inédita.
— Ele não me provoca Bertti, porque psicólogos sempre foram interessados nos sonhos lúcidos, um tipo de sonho no qual o sonhador mantém a consciência totalmente desperta, e dizem, está ciente de que está sonhando, porque dizem… — e Sean sorriu cínico. —, que diferente dos sonhos normais, o sonhador é capaz de controlar o sonho, e até transformar pesadelos em experiências excitantes, mudando cenários que podem até gerar indivíduos.
— Gerar... — e Mr. Trevellis não terminou.
E Sean sabia que ele tinha medo dele. Continuou a encarar Mr. Trevellis que sabia que ele era capaz de criar sonhos, dar vida a eles se quisesse; porque sabia que Sean se tornava em algo perigoso, que fugia ao seu controle.
— Eu não inventei um crânio de cristal azulado que mostrava algo.
— Eu sei! Acredito em você Sean — a voz de Vincenzo o acalmava, contudo. — Mas sabe che os sonhos lúcidos são muito mais vividos e cheios de vitalidade che sonhos normais, Sean. E che um sonho lúcido como chão de mármore parece misteriosamente sólidos e reais, e che flores são deslumbrantemente coloridas e perfumadas.
Sean teve medo do que ouviu de Vincenzo Bertti. Ficou em duvida se estivera realmente em transe ou num universo paralelo como Mr. Trevellis julgava. Porque parecia que Mr. Trevellis estava fazendo exatamente aquilo, desmenti-lo, dizer que estivera sonhando, que era louco.
Deu um passo para cima de Mr. Trevellis que recuou igual.
— O que há Trevellis? Com medo que eu perca a noção do real? Ou com medo que eu faça sonhos se tornarem realidade?
— Você não se atreveria filho de Oscar.
— Pois sabia que o físico Fred Alan Wolf disse que ele próprio era um sonhador lúcido ocasional, chamando a atenção para o fato de que um pedaço de filme holográfico realmente gera duas imagens; uma imagem virtual que parece estar no espaço atrás do filme e uma imagem real que entra em foco, no espaço da frente.
Mr. Trevellis olhou Vincenzo esperando algo.
— Bertti! Diga ao filho de Oscar que essa reunião terminou.
Mas Sean deu outro passo em sua direção.
— Sabia Trevellis, que a diferença entre os dois, é que as ondas de luz enegrecida que compõem uma imagem virtual parecem estar divergindo a partir de um foco ou fonte aparente — Sean se aproximou outra vez de Mr. Trevellis que recuou não gostando de tal aproximação. —, então uma ilusão é uma imagem virtual de um holograma que não tem mais extensão no espaço, do que a imagem de um espelho, e a imagem real de um holograma Trevellis, é formada pelas ondas de luz que estão entrando em foco e isto não é uma ilusão.
— Diga Bertti?!
Mas Sean se divertia com o medo do homem que não tinha medo.
— Não precisa dizer nada Bertti. A reunião terminou. Porque havia realmente um holograma dentro do crânio de cristal azulado, uma imagem real que possuía extensão no espaço.
— Extensão do tipo, você viajou filho de Oscar? — gargalhava Mr. Trevellis mostrando um falso controle.
— Do tipo eu estive lá Trevellis, dentro da holografia, vivendo o calor das pessoas que morriam queimadas, porque sabe que posso.
E sabia, porque Mr. Trevellis sabia que nenhum sino que Alcântara estudava se igualava a ele, sua maior obra.
Sean arregalou os olhos azuis para o que Mr. Trevellis permitiu que ele captasse, e o odiou por aquilo; por ele ter permitido saber, e pelo fato de que talvez fosse verdade, que ele talvez fosse a maior obra da Poliu. Virou-se e se encaminhou para a porta acabando realmente com aquela reunião quando a voz de Mr. Trevellis o paralisou:
— Há uma teoria que diz que os crânios estão ligados a um tipo de crânio superior ou computador principal, em outra dimensão. Uma teoria que diz que os crânios são bancos de dados com a incrível capacidade de projetar imagens holográficas em seu interior — Mr. Trevellis viu Sean parar de andar e ficar lá, na porta, de costas para eles. — E você sabe que é capaz de ter acesso a imagens provenientes do inconsciente coletivo, do inconsciente de universos paralelos, que esse computador principal pode entrar em contato com os registros ativos da mente de uma pessoa que esteja com um crânio de cristal.
— Por que exatamente os crânios de cristal? Quem é o computador principal?
— Filho de Oscar... — Mr. Trevellis foi o mais debochado possível. —, há muitos segredos indecifráveis nesse Universo. Só sabemos que tais crânios de cristal foram programados por uma civilização avançada.
— A questão é programada para que?
— Para se comunicar com pessoas especiais… — Mr. Trevellis gostou de atingi-lo. —, com dons especiais.
— Dons especiais como os de Mona amiga, Trevellis? Preparada pela Poliu para se comunicar com alienígenas?
— Dons especiais como os da família Roldman, preparada como você pela Poliu, para se comunicar com alienígenas.
Sean agora deu mais que um ou dois passos, e Mr. Trevellis os recuou em igual quantidade.
— Não fui preparado pela Poliu!
Mr. Trevellis atreveu-se e voltou os dois passos de distância.
— Foi! — exclamou a milímetros de distância dele.
Sean pela primeira vez de que ali chegou, sentiu-se oprimido pela presença grande do jambo Mr. Trevellis.
— Não fui preparado! Nem eu nem os ocultistas do passado atrás de crânios de cristal, relíquias e qualquer comunicação com alienígenas que...
— Foi! — Mr. Trevellis o desafiava. — Porque sabe que Mona Foad foi programada para muito mais que ler a mente dos alienígenas — Mr. Trevellis não ia deixar aquilo barato, não depois de tanto investimento.
— Receber quem? Fala das EBEs ou dos crocodilos humanoides Bertti? — Sean olhou Vincenzo Bertti desconfortável com aquelas revelações. — Quem são eles Bertti?
— Non sabemos! — Vincenzo se enervou, nunca se envolvera com os espiões psíquicos e Mona não era sua área de atuação. — Já disse che non sabemos. Sabíamos apenas che existia vida na Terra Oca, homens predestinados, com uma obra a ser feita; obra oculta, executada por seres humanos che como você, são canais espirituais. E cada um estava executando suas tarefas e missões Sean, fazendo a sua parte, tudo para benefício da evolução da humanidade até alienígenas do mal, como tais crocodilos aparecerem e se juntarem aos nazistas do Terceiro Reich. E então tudo saiu do controle da missão.
— “Missão”? Que missão Bertti? — Sean viu que Vincenzo Bertti dessa vez não foi solicito. — E eu? Também estou em uma missão? Conectado à Terra Oca?
— Temo che sim Sean.
Mas foi Sean quem temeu aquilo. E teve mesmo temor de ser um agente psíquico da Poliu.
— Já não é mais uma impressão, não é Signora Ambrósia Bertti? — perguntou Sean sem tirar os olhos de Mr. Trevellis e Vincenzo Bertti para a até então calada ‘donna’. — Todos na Serra do Roncador estavam atrás de Agartha; todos, agentes da Poliu.
Ambrósia olhou para Vincenzo Bertti profundamente irritada com até onde chegou aquela situação.
— Ambrósia nada sabia — Vincenzo Bertti a defendeu.
Mas Sean captou algo mais ali.
— Então Schiller Zuckeuner fazia parte da equipe que fotografou o donut?
Mr. Trevellis e Vincenzo se olharam.
— Qual de nossas mentes invadiu filho de Oscar?
— Bom dia Sean querido! — falou alguém por detrás deles deixando a pergunta no ar.
— Ah! A dele... — Mr. Trevellis sorriu vencido, após alta e larga gargalhada.
Sean se virou para Oscar Roldman totalmente transtornado.
— O que está fazendo aqui? — Sean irritou-se ao vê-lo sentar-se de frente a Ambrósia para tomar café, numa mesa preparada para um banquete. — Também é prisioneiro? — debochou.
— Tu non é prisioneiro, Signor Queise — respondeu Ambrósia visivelmente chateada.
— Então posso ir embora Signora Ambrósia Bertti? — olhou para Vincenzo Bertti que riu, percebendo que ele estava com ciúme dele.
Sean teve vontade de agredi-lo, agradecido ou não pelo salvamento.
— Não, Sean querido. Não sou prisioneiro, e nem você.
— Wow! Então veio por quê? Porque hoje é sexta-feira?
Mr. Trevellis olhou Vincenzo Bertti que também nada entendeu.
— Temo que tenhamos que ficar e ajudar querendo ou não.
— Os alieni... — tentou Ambrósia. — Necessità di unire le forze.
— Unir forças para o que Bertti? — se virou para ele. — Agora os crocodilos humanoides vão nos atacar? — Sean debochou.
— Non. Precisamos unir forças com os crocodilos humanoides se quisermos sair dessa confusão.
— Nós e os crocodilos humanoides? Juntos? — Sean se virou para Mr. Trevellis — Quem caiu e bateu a cabeça agora?
— Non deboche, Sean, porque onde antes havia alienígenas do mal, crocodilos humanoidess, agindo com cientistas nazis durante a Segunda Grande Guerra a fim de dominar o mundo, talvez o mundo todo, escravizando outra raça alienígena que usava cristais para criar suas EBEs, agora temos essa raça alienígena, de crocodilos humanoides, fugindo, se escondendo em buracos, com suas naves invisíveis, tentando desesperadamente sobreviver ao ataque que Michel Shipton está preparando, trazendo de volta os nazistas cristalizados da Terra Oca — completou Vincenzo Bertti.
— Deus... — Sean sentiu-se tonto. — Nazis vivos?
— Ou quase isso!
— Então as sociedades secretas como THULE, VRIL, e até a LINK, conseguiram alcançar a imortalidade?
— Nao sabemos se conseguiram, já que algo deu errado e eles foram cristalizados.
— E Michel busca nas plantas mágicas do Manuscrito Voynich, uma forma de os trazer à vida?
— Quase isso…
— E essa raça alienígena... Aqueles crocodilos humanoides?
— Non sabemos a real extensão de tudo isso. Mas sabemos che as EBEs foram criadas por essa raça de reptilianos não tão crocodilos assim, e depois dominadas por crocodilos humanoides — completou Vincenzo Bertti.
Sean sentiu um frio percorrer-lhe a espinha.
— Wow! Então há dois tipos de alienígenas, e Michel que não envelhece, enganou os crocodilos humanoidess, que o ensinou o uso dos cristais? Mas isso... Wow! Isso muda tudo, não? Porque as experiências nazistas incluíam engenharia reversa em vimanas, UFOs, mas também armas e genética, estudando a fisiologia desses crocodilos humanoides, para criarem super-homens, super-soldados e super-nazistas, que provável criaram esses ‘reptilianos não tão crocodilos assim’ — e Sean se virou para Mr. Trevellis. — Quem era mesmo seu chefe no Tibet, Trevellis?
Mr. Trevellis arregalou os olhos para Vincenzo Bertti que fez um sinal negativo. Depois olhou Oscar Roldman sabendo que ele não sabia aquilo.
— Seu moleque atrevido. Como conseguiu ler minha mente?
— Consegui?
— Chega filho de Oscar!!! — gritou.
— Trevellis!!! — Oscar gritou mais forte ainda não gostando da maneira com que Sean era chamado por ele.
— O que há amigo velho? Sabe que ele não poderia ler minha mente — Mr. Trevellis estava vermelho como se aquilo fosse possível.
Toda sua pele jambo brilhava pelo nervoso, pela situação, pelo momento tenso.
— E quem disse a você que não posso o quê, Trevellis? Mona já não tão amiga assim? — riu com gosto ao ver Mr. Trevellis o encarando. — Quem era seu chefe Trevellis?
Mr. Trevellis levantou-se da cadeira de couro que acabara de sentar, e andou pelo piso de madeira minuciosamente encerado parando bem na frente dele, e o observando de cima abaixo. Sean sentiu-se oprimido outra vez, sem saber se ainda tinha o controle da conversa, mas Mr. Trevellis se afastou um pouco e respondeu:
— Você sabe que era Michel Shipton!
Sean riu com vontade de rir.
— “Não sabe o que Agartha faz com as pessoas” — repetiu a frase de Oscar que sabia que Sean ia conseguir saber aquilo, porque ele era seu filho.
Mr. Trevellis fuzilou Oscar Roldman, mas prosseguiu:
— Michel Shipton era meu chefe superior quando eu era um aprendiz de estratégias de comunicação. Quando comecei na Poliu na década de 80, eu e Oscar já sabíamos sobre o time de espiões psíquicos que a Poliu vinha preparando desde 1857, no alvorecer do espiritismo e seus estudos. E foi nesse, como diria, núcleo de paranormais que nasceu o interesse maior da corporação nos estudos da PK.
— Você e Oscar juntos? — Sean sabia que ia temer ouvir a resposta.
— Não só eu e Oscar, mas Nelma e Fernando também; já que estudamos todos juntos na Suíça.
Sean perdeu a fala e Oscar se enfureceu.
— Chega Trevellis!
— Ah! Amigo velho... Tem medo que seu protegido consiga chegar até isso? — Mr. Trevellis apontou para Sean que ia falar e calou-se perante o calor da discussão que se iniciava.
— ‘Meu protegido’ é o único que vai nos poder ajudar, então cuidado em mantê-lo do nosso lado.
— Manter para que? Acha que não tenho agentes competentes na Poliu Oscar, depois de Fernando preparar a Poliu para ser o que é?
— Chega Trevellis! Fernando não está aqui para se defender.
— Mas você o defende — riu Mr. Trevellis — E o defende mesmo sabendo que...
— Chega Trevellis!!! — Oscar gritou e foi a vez dele ergeuerem copos e xícaras que saíram e à mesa voltaram. — Saí da Poliu porque não concordava com suas ideias sobre...
— Saiu depois de formar o time de espiões psíquicos que Fernando financiou!
Sean olhou um e outro ainda em choque. Oscar Roldman e seus dons paranormais genéticos na linha de frente dos espiões psíquicos, financiados por Fernando Queise que roubou o amor dele.
— Deus... — escapou da boca de Sean que amolecia pela emoção, pela vontade de se projetar para fora dali, quando todo seu corpo vibrou e Sean viu suas mãos virando rabiscos.
Sean fechou os olhos e sentiu que voltava ao barco.
Oscar não perdeu aquilo de vista e Sean o olhou furioso por ter aqueles dons, por não poder nem saber como controlá-los, e a voz de Mr. Trevellis chegou até eles com ou sem dons desgovernados.
— Por isso digo, para que preciso de um hacker-psi novato para controlar SiD?
Sean ergueu os olhos.
“Hacker-psi?” soou por todo ele.
— Chega Trevellis! Acho que se você tivesse gente competente na Poliu...
— Levantou utópico, Oscar querido? — Mr. Trevellis cortou-lhe a frase aos risos. — Ah! O que há Oscar amigo velho? Por que dar tanta trela a um garoto de vinte e dois anos que nem sabe o que é amar?
Agora Sean sentiu-se atingido por todas as frontes, Mr. Trevellis não tinha mais limites.
— O que quer com o SiD, Oscar? — e Sean cortou-os.
Mr. Trevellis foi quem falou:
— Michel está armando um ataque; e ele vem a um bom tempo tramando algo que nos é incompreensível.
— E como não sabem o que é com tantos espiões psíquicos sem furos dizendo que Michel quer trazer os nazis da Terra Oca de volta a vida?
— Chega filho de Oscar!!! — Mr. Trevellis explodiu. — Não sabemos, porque ele está sozinho nessa maldita empreitada!!!
— Não grite com...
— Não mande eu não gritar!!! — Mr. Trevellis gritava. — Porque o maldito Michel está sozinho e desesperado, com dons paranormais para bloquear meus melhores homens que se não percebeu, não conseguem muita coisa quando entram naquela maldita Terra Oca!!! — apontou a esmo para o lado.
— Michel também tem dons? Mas que droga! — Sean olhou um e outro lhe olhando. — Que tipos de dons?
— Dos tipos jansenistas — a voz de Vincenzo Bertti se fez e Sean encarou Ambrósia que fazia relatórios. —, dos tipos que ferem e se curam, que alcançam a juventude eterna.
— Se Michel já tem dons que não o permite se ferir ou morrer, ou não envelhecer, então o que ele quer com os crocodilos humanoides?
Todos se olharam.
— Algo que a Poliu impediu na década de 80.
— Não na década de 80. Porque Michel é muito mais velho que você não Trevellis? Mais velho que todos, porque Michel ainda era jovem quando... — e Sean parou. — Edmund Halley propunha que a estrutura interior da Terra era uma série de esferas ocas contidas sucessivamente uma dentro da outra.
— “Halley”?
Mr. Trevellis, Vincenzo, Ambrósia e Oscar se olharam sem entender a mudança de assunto.
— Sim! Halley! Porque Newton nunca poderia ter produzido o Principia, sem o encorajamento de Halley, nem sem seu apoio financeiro.
— Aonde quer chegar Sean querido?
— Ainda não sei, mas terremotos, vulcões, buracos de drenagem profundos, fontes, e poços bastam para mostrar que nem tudo é sólido abaixo de nossos pés.
— Está louco filho de Oscar?
— Louco? O livro Mundus Subterraneus do jesuíta alemão Athansius Kircher, publicado em 1664 foi seguido pelo livro Sagrada Teoria da Terra, do clérigo britânico Thomas Burnet, publicado em 1681. E os cortes transversais de Kircher, aliás, ilustravam um ‘Fogo Central’, alimentado por raios cósmicos, antigo tema alquímico, do tempo do geógrafo medieval Bartolomeu da Inglaterra.
— Sean? — Oscar também não o compreendia.
— O que? Ele afirmava que a abertura polar norte era marcada por uma pedra magnética preta, de cinquenta quilômetros de diâmetro, com quatro entradas nas quais o oceano fluía em um imenso redemoinho de água.
— Perché isso Signor Queise?
— Perchè Signora Ambrósia Bertti, hoje nós sabemos que o campo magnético terrestre tem, de fato, apenas dois polos, mas Halley estava trabalhando com dados incompletos, porque John Cleves Symmes só iria propor em 10 de abril de 1818, que a Terra era oca, habitável em seu interior, e formada por várias conchas esféricas concêntricas, com uma abertura no Polo de 12 ou 18 graus. E ele morreu em 1829 onde em sua lápide, foi gravada uma imagem da terra oca, com a inscrição ‘Ele defendeu que a Terra é oca e habitável em seu interior’.
— Sean...
— Não Oscar! Não vê? Michel estava vivo em todas essas ocasiões. Ele conseguiu se manter jovem por todo esse tempo, com eles, com essas mentes brilhantes porque teve acesso ao sino, a uma vimana Rukma Vimana, onde ele aparece e some.
— Uma o que?
— Porque são quatro as vimanas descritas no Mahabharata; Shakuna Vimana, Sundara Vimana, Tripura Vimana e Rukma Vimana que tem o formato de um sino, como o Glocke de Hitler.
E cada um desviou seu olhar para um canto da Escuna. Sean só se interessou para onde o olhar de Ambrósia se fez; Vincenzo Bertti.
“Poliu!”, soou com raiva em suas lembranças.
— Provável Sean — Bertti falou mesmo vendo Sean encarando Ambrósia. — Mas até então, alienígenas crocodilos humanoides faziam parte do depositário de especulações e mitos que corriam durante a Segunda Grande Guerra.
— Isso... Segunda Grande Guerra... Porque Paulo disse algo sobre EBEs e outras experiências genéticas que não deram muito certo nos centros de genética nazista.
— Parlando de che Signor Queise?
— Falando da raça de reptilianos não tão crocodilos assim — e Sean viu os quatro voltarem a se olhar. — Não vê? Tudo se resume as experiências genéticas feitas pelos nazis na Segunda Grande Guerra.
— Non temos tanta certeza che os nazis… — e Ambrósia teve sua fala cortada por Mr. Trevellis.
— Em meados da década de 1930, a Sociedade VRIL buscava informações que pudessem auxiliá-los no campo da psique, com o intuito de travar um possível contato com raças de alienígenas crocodilos humanoides — Mr. Trevellis falou de uma maneira que Sean considerou inédita, aterrorizadamente inédita. — Eles acreditavam ali residir a raça-mãe do povo ariano. Então a Ordem ou Sociedade VRIL contratou uma famosa sensitiva alemã chamada Maria Orsic, como também outra sensitiva de nome Sigrum.
“Sensitivos”, Sean ficou pensando numa Poliu há muito tempo em ação com crocodilos humanoides; e o quanto um não influenciou o outro.
— Vero! Segundo alguns membros di Sociedade VRIL, os Aldebarianos aterrissaram qui quando a Terra ainda era pouco habitável, na Mesopotâmia, formando una casta dominante questa chamada Sumerianos — a voz de Ambrósia o agradava e o irritava.
— Anunnakis!
— Si! Tais médiuns telepatas decifraram mensagens enviadas por seres Anunnakis, di questa constelação. Para Maria Orsic, os Anunnakis stavam repassando tutto coordenadas para se projetar una incrível máquina voadora, jamais construída in Terra.
— O sino!
— Eles alegavam que os arianos de Aldebaran derivavam seu poder a partir da energia Vril do Sol Negro, um sol feito de cristal azulado — foi a vez de Oscar. — Eles ensinavam que a raça ariana vinha de origem alienígena, e que tinha uma missão divina de dominar todas as outras raças. Por isso, os adeptos acreditavam que havia uma frota enorme em outros planetas ocos, e partir de Aldebaran se juntariam aos UFO Nazis para montar uma base no gelo da Antártida, e estabelecer o Quarto Reich.
— Sabe o quanto é assustador ouvir isso da sua boca Oscar? — Sean só viu os olhos dele brilharem.
— Se isto corresponderia à realidade, Signor Queise, non sabemos — a voz de Ambrósia voltou a chegar até ele. — Podemos dizer simplesmente che houve planos di construção di naves e as informações técnicas foram recebidas pelas telepatas.
— Wow! Quanta informação vindo de alguém que não acreditava em pessoas pazzas, não Signora Ambrósia Bertti?
Ambrósia não gostou da ironia dele, nem do ‘senhora’ na frase.
— E embora mais tarde Adolf Hitler tivesse denunciado e ridicularizado muitos adeptos dessas ordens e società segreta, ele dedicato il suo libro Mein Kampf ou Minha Luta a seu mentor e professor Dietrich Eckart. Por isso se levanta a hipótese di um plano di construção chamado ‘máquina do além’. Perché quando Karl Haushofer fundou a Sociedade VRIL, suo objetivo era explorar as origens di raça ariana, e realizar exercícios di concentração para despertar as forças fenomenais do Vril, che tiveram contatos com crocodilos humanoides che ensinaram muitas tecnologias, inclusive discos voadores gerados por essa força sexual.
— “Força sexual”? Como o tipo de sexo que transforma casais em crocodilos?
— A ideia do sexo onde se retém o orgasmo para gerar um acumulo de energia, uma vez liberada, é a força motriz do Vril, que segundo alguns esotéricos que se reúnem na Serra do Roncador, podem gerar energia para mover máquinas — foi a vez de Vincenzo Bertti.
— Os cozinheiros? — voltou Sean a falar.
— Non trabalhavam para nós. Ambrósia só os conheceu quando foi trabalhar na trilha, che também non era nossa.
Sean agora sabia que a foto amarelada no quarto de Alcântara estava lá para despertar nele seu interesse, porque Alcântara estava lá para atraí-lo, levá-lo até a trilha, envolvê-lo com crocodilos humanoides e forças motrizes tiradas do sexo.
— E Michel sabe onde encontrar o Sino de Hitler movido a sexo Signora Ambrósia Bertti?
Ambrósia girou os olhos:
— Non sabemos! Michel vem questa missione molto tempo già che questa energia Vrill era alcançada através di meditação, orgias sexuais, e até sacrificios di bambinis. Sabemos apenas che trabalhou com o americano Cyrus Teed.
— Em 1870 Cyrus Reed Teed propôs o que chamou de ‘Cosmogonia Celular’ quando fundou um grupo chamado Unity Koreshan, que acreditava que a Terra não só era oca, como todos nós vivíamos do lado de dentro; tese irmã de Pierre Lemarc — Sean prosseguiu após cada pensamento ali vagando. — Cyrus dizia que a Terra era formada por metais e minerais, que tinha 160 km de espessura e no centro desta esfera, ficaria o ‘Sol Central’, em torno do qual todo o planeta girava num período de 24 horas. A esfera teria sete camadas metálicas, cinco minerais e cinco de estratos geológicos. A última camada seria de ouro, e além dela haveria o nada; um nada com três atmosferas sendo a primeira de oxigênio e nitrogênio, a segunda de hidrogênio e a terceira de ‘aboran’, acredita-se feita de auroras boreais e austrais — e Sean terminou tudo aquilo encarando Ambrósia.
— Porca miseria! — Ambrósia sentiu-se oprimida pelos olhares devastadores que Sean deu a ela. — Già detto che non lo sapeva che ritornare della gamma della montagna di Roncador e di Bertti contare...
— Pare de falar em italiano!!! — gritou Sean revoltado.
Mr. Trevellis e Oscar se olharam.
— Perdoname! — exclamou Ambrósia atordoada. — Io disse che non sabia nada sobre Michel até voltar di Serra do Roncador e Vincenzo contar-me. A Poliu non sabe che cosa Michel prometeu aos nazis di cristal azulado. Juro! Mas credero che em troca dos poderes dos cristais, Michel dê códigos che lhes interessem.
— Como assim “códigos que lhes interessem”? Barganharam os códigos do que? — arregalou os olhos para Ambrósia que agora mordia o lado esquerdo do lábio de puro nervoso. — SiD! — ele mesmo respondeu.
— Sinto Sean querido, mas Michel Shipton quer algo com SiD que não sabemos ainda o que é. Por isso você e seus códigos são importantes nessa missão.
— Nossos códigos!!! — gritou Mr. Trevellis olhando Oscar.
— Seus o quê? — Sean encarou Oscar. — Você ia vender o SiD para a Poliu?
— Ele não! Seu pai! — Mr. Trevellis parecia mesmo gostar de provocá-lo.
— Meu pai nunca... — Sean se virou para Oscar. — Meu pai nunca... — Sean se virou para Vincenzo Bertti. — Meu pai nunca...
E Sean gelou de uma forma que toda sua ação congelou-se junto.
Talvez até respirar ele não conseguisse naquele momento.
“Droga!”
— Estão falando sobre Spartacus? — Sean olhava para todos, totalmente perdido, sem que ninguém falasse. — Vocês fizeram... Vocês fizeram... Meu pai permitiu que fizessem algo com Spartacus? — olhou um e outro e mais outro e mais outro. — Wow! Era isso que queria com SiD Oscar? Um SiD adulterado o suficiente para que o banco de dados de Spartacus pudesse... Pudesse fazer algo? Algo que a Poliu precisava fazer? Sem que meu pai me pedisse para suar seus dons Oscar? Dons dos Roldmans? — e parou de falar porque todas suas sinapses haviam congelado.
— Eu disse para você me dar o controle de SiD, não Sean querido?
— Você... Você... Deus... Você nunca quis SiD Oscar. Porque sabia que meu pai venderia minha inteligência a fim de rastrear crocodilos humanoides na Terra Oca, a fim de rastrear as armas íntimas mais poderosas que a Tyron, a fim de...
— Chega filho de Oscar!!! — Mr. Trevellis se descontrolou, Sean saía do controle ou Oscar permitia que ele soubesse aquilo. E foi para ele o próximo ataque. — Você o deixou saber não amigo velho? Porque você não controla SiD!!! — Mr. Trevellis não poderia estar mais descontrolado. — E você não controla SiD, amigo velho, porque você moleque atrevido... — e se virou para Sean. —, porque você modificou SiD!!! — berrou.
— Não me olhe assim Trevellis, SiD é só um guia de busca.
E Mr. Trevellis colou-se nele alertando Ambrósia.
— SiD deveria obedecer a palavras específicas em seu guia de busca filho de Oscar, e as palavras específicas comandariam Spartacus que então controlariam armas que nos saiu ao controle, porque você... Você... — Mr. Trevellis apontava os dedos nervosos, que tremiam descontrolados. —, você moleque atrevido, controla Spartacus que controla SiD, e você não se controla!!! — berrava a fazer saliva explodir da boca irritada.
— Achei que fosse você quem não controlasse coisas, pessoas, crocodilos humanoides...
— Cale-se!!! Cale-se!!! Cale-se!!! — Mr. Trevellis saía do eixo.
— Calmati Mr. Trevellis! — Ambrósia realmente se apavorara.
Só Oscar manteve-se controlado, em parte era bem dito, porque ele sabia que se Sean se sentisse oprimido ele se projetaria para longe dali, com ou sem controle daquilo. Mas não foi o que ele fez, Sean enfrentou Mr. Trevellis mais uma vez.
— Que tipos de armas íntimas Trevellis? Armas do Mahabharata?
Aquela palavra foi o que fez, agora cada sinapse nervosa de Mr. Trevellis alertar-se, que sabia que era hora de dar um basta.
— Um tipo de arma, filho de Oscar, que a ladra da Sandy Monroe não teve tempo de lhe contar.
— Como é que é?
— Foi isso che Sandy Monroe tentava roubar Sean, uma particular ‘Guerra nas estrelas’ instalada em Spartacus — falou Vincenzo Bertti para um Sean cada vez mais congelado. — Non é o que imaginava, non? Che Sandy Monroe vinha roubando informações para te ajudar?
Sean sentiu vertigem, sentiu que ia desabar, desabou.
— Sean?! — gritou Ambrósia sendo segura por Vincenzo Bertti.
Sean ficou no chão sentindo seu mundinho diluir enquanto o mundo de Mr. Trevellis ruiu de vez.
— Maldita!!! Maldita!!! — berrava Mr. Trevellis — Aquela maldita não sabia obedecer!!!
— Trevellis!!! — Oscar sabia que hora de fazê-lo parar.
Mas Mr. Trevellis não parava. Não descontrolado como estava, com aquela informação que Vincenzo Bertti escondera dele todo esse tempo.
— Maldita!!! Maldita!!! — ainda berrava Mr. Trevellis. — A maldita só tinha que ter tirado Sean da construção de Spartacus!!!
Mr. Trevellis surtava em meio o cheiro de sangue que tomou conta da Escuna, de Sean que via Sandy de mãos ensanguentadas, que via a imagem dos braços que a carregaram morta para fora de seu quarto, do som do tiro que ainda ecoava em suas memórias quando Sean se virou mecanicamente.
— Quem disse que Sandy não me alertou sobre armas do Mahabharata em Spartacus, Trevellis querido?
E Mr. Trevellis parou com o show no que a mesa do lado oposto da Escuna se arrastou até ao encontro dele, se posicionou atrás dele, que só escorregou um olhar para Vincenzo Bertti.
— Ahhh!!! — e o grito de Mr. Trevellis ao ser imprensado no teto da Escuna pela mesa que o ergueu até lá em cima, quebrou o silêncio.
— Sean?! — Oscar ficou temeroso ao ver Mr. Trevellis perdendo o ar no que a mesa imprensava seu peito contra ela.
— Ahhh!!! — e foi a vez de Ambrósia gritar ao ver que facas e garfos foram arremessados, ficando presos no veio da madeira, linearmente arrumados, a poucos centímetros de não atravessar a madeira e atingir Mr. Trevellis.
— Sean! — tentou Vincenzo Bertti também barganhar. — Pare com isso!
Mas as facas e os garfos se moveram.
— Chega Sean! — Oscar viu Mr. Trevellis se desesperando para respirar quando as lâminas tocaram seu corpo após atravessarem toda a estrutura de madeira da mesa e o fazer sangrar.
— Ahhh!!! — foi um grito de dor, com a proeminente barriga de Mr. Trevellis sangrando.
— Chega Sean!!! — gritou Oscar quando a porta de vidro que os protegia do lado externo fechou, trancando-se e Oscar viu que Sean estava do lado de fora e eles trancados ali, na sala da Escuna.
— Sean Queise?! — gritou Vincenzo. — Faça algo Oscar Roldman! — implorou pegando uma cadeira, e subindo nela tentou alcançar o corpo grande e jambo de Mr. Trevellis que desmaiava pela falta de ar, pela dor das lâminas o atravessando quando vidros explodiram. — Ahhh!!! — gritou Vincenzo e Ambrósia Bertti no que os vidros da porta foram projetados para todos os lados pela força paranormal de Oscar.
O corpo de Mr. Trevellis atingiu o chão num baque. Ambrósia e Vincenzo Bertti correram para acudi-lo e Oscar foi atrás de Sean que já havia atravessado a ponte entre a Escuna e o Yacht aportado, sem se quer atravessá-la.
— Não faça isso Sean... — falou Oscar bem baixinho. — Sabe que não controla esse maldito dom.
Mas Sean o ouviu mesmo a distância, que podia ouvir coisas apesar das distâncias. E que sabia que não controlava o maldito dom que enfiou lâminas em Mr. Trevellis, que trancou o vidro e o projetou da sala da Escuna para o deque, e que o projetou da Escuna para o Yacht.
— Sean Queise?! — Vincenzo Bertti também alcançou o tombadilho da Escuna e viu Sean já no Yacht de Oscar. — Traga-o de volta Oscar!
— Traga você! — e Oscar entrou para a sala lotada de vidros.
Vincenzo olhou um lado e outro:
— Sean Queise?! Não entende?! Michel Shipton precisa desesperadamente de SiD em Spartacus para continuar vivo!!! E ele não vai medir esforços para consegui-lo!!!
Sean nada respondeu quando os quatro ouviram o motor do Yacht ser acionado. Oscar deu uma risada gélida e sentou-se à mesa desarrumada, pegando uma xícara e a enchendo de café.
— Faça alguma coisa Oscar... — falou Mr. Trevellis quase sem fôlego vendo Oscar sentado. — Oscar?! — gritou Mr. Trevellis descontrolado. — Sabe que se ele não cooperar... — e Mr. Trevellis saiu.
Ambrósia correu até o tombadilho.
— Per favore, Sean!!! — Ambrósia chamou-o.
— É só isso? — Mr. Trevellis chegou ao tombadilho sangrando. — “Per favore, Sean”? Não tem mais nada?
— Mas Mr. Trevellis...
— “Mas” nada Ambrósia. Você é bem paga para isso.
Sean olhou-a do Yacht como se pudesse ter ouvido aquilo. Porque Ambrósia sabia que ele ouviu aquilo.
— Por favor, Sean Queise!!! — tentava Vincenzo Bertti também. — Podemos conversar com mais calma se...
— Calma?! Calma?! — gritava Sean. — Vocês nunca tiveram calma comigo, nunca gostaram de mim e agora o quê?! Precisam de SiD?!
— Por que acha que a Poliu precisa de SiD, filho de Oscar?! — e Mr. Trevellis se virou para Vincenzo Bertti. — Por que acha que a Poliu precisa de SiD? — e não houve resposta. — Por que a Poliu precisa de SiD, Vincenzo?! Por quê?! Por quê?! Por quê?! — surtava.
— Porque SiD não mais é controlado pelos computadores da Computer Co., Mr. Trevellis. Porque SiD foi modificado para ser controlado pela mente, e somente pela mente, Mr. Trevellis. E porque o SiD modificado é controlado pela mente de Sean Queise, somente pela mente de Sean Queise, Mr. Trevellis.
Mr. Trevellis achou que ia ter uma sincope. Ele criara os espiões psíquicos, ele investira em Mona Foad, ele a obrigara a seguir Sandy Monroe porque queria Sean, seus poderes genéticos, seus dons acima da média. Não podia perder o controle sobre ele, mas Sean estava fora de seu controle.
E Sean zarpara.
Mr. Trevellis quase engoliu Vincenzo Bertti que sem alternativa, procurou as chaves de seu Veleiro. Se pudesse, aliás, porque Ambrósia já tinha feito aquilo, roubando o Veleiro de Vincenzo Bertti que não se lembrava de ter deixado as chaves no contato. Ele fez um gesto engraçado para Mr. Trevellis dizendo que nada mais podia fazer e Sean dava toda a força no Yacht, enquanto Ambrósia pilotava o Veleiro numa velocidade de cruzeiro de 15 knots quase alcançando Sean Queise, que virou a toda velocidade, o volante a bombordo.
O Yacht com mais motor imprimiu dificuldades para Ambrósia que ainda tinha que manobrar o Veleiro com ventos agindo contra a direção bombordo.
Sean olhou para o lado distanciando-se dela, percebendo que ela quase adernava com o Veleiro.
— Porca miseria!!! — praguejava a bela ruiva aos quatro ventos.
Já Sean virou o volante a estibordo e deu a volta, precisava voltar à Forio d’Ischia, fazendo o grande Yacht voar, literalmente, sobre as ondas.
Mezzatorre Resort and Spa, Forio d'Ischia; Nápoles, Itália.
40.75° 44’ 0” N e 13.74° 51’ 0” E.
19 de fevereiro; 14h00min.
Quando o Hotel Mezzatorre entrou no seu campo de visão, Sean aproximou-se o máximo que pôde fazendo as pessoas sentadas no alpendre do restaurante, achar que ele ia atravessar o promontório e arremessar-se contra eles. Ele então virou o volante todo a bombordo fazendo o Yacht deslizar pelas águas cada vez mais rasas, levantando uma parede de água salgada e cristalina. Sean desligou o Yacht tirando a chave e soltando o jet-ski do encaixe, jogou-o na água o mais rápido que sua habilidade permitia, o pilotando até atingir a areia da praia particular do hotel.
Correu pela areia alcançando o átrio do Hotel Mezzatore todo ensopado e as pessoas acharam que aquilo tudo fazia parte de algum espetáculo contratado.
Sean entrou ainda pingando para susto do gerente, que estancou na portaria.
— Signor Queise? — olhou-o. — Perché...
— O recado?! — Sean gritava ofegante para o gerente. — Qual foi o recado?!
O gerente virou-se atônito para ler o que havia escrito no fax que chegara de manhã.
— “RK” interrogação. “GK” na Amazônia. “MS” no gelo. “V” onde nasce o gelo — leu o gerente em português.
— Não pode ser... — falou Sean dando um susto no gerente quando arrancara de suas mãos a chave magnética de seu quarto — Tem que haver um erro em algum lugar, em alguém daquela trilha — subiu as escadas aos tropeços e abriu a porta encontrando em cima da cama.
Como o combinado com a sócia Kelly Garcia e as ordens que ela enviara à gerência, apenas uma calça, uma camiseta, uma underware e um par de meias, dentro do tênis trazido. Ao lado, o tablet que pegou após arrancar da gaveta uma sacola plástica destinada a roupas sujas da lavanderia. Sean jogou tudo dentro, desaparecendo muito antes de Ambrósia, que também muito ensopada, invadiu os salões do hotel de arma em punho e um distintivo da polícia local na mão.
Gritos histéricos por todos os lados alertaram toda a gerência e os seguranças.
— Dove è?! Onde sta?
— Che?
— Signor Queise?!
— Perdoneme...
Mas Ambrósia não deu chance a respostas e mulheres e homens assustaram-se ao ver Ambrósia arrastando o gerente para o andar do quarto de Sean. O gerente abriu a porta com a chave mestra e ela se atirou dentro vendo os armários vazios.
— Ele non teve tempo!!! — gritava Ambrósia. — Non avuto tempo!!! — olhou e olhou em volta. — Dove sono le sue cose? Onde estão as coisas dele?!
O gerente viu as roupas de Ambrósia molhando o carpete.
— A secretária telefonou di São Paulo, do Brasil.
— Che?!
— Ela mandou che fechássemos as malas e despachássemos ainda hoje domani — foi uma funcionária ao lado do gerente quem falou.
— E o che ele fez con il tablet?! — berrava descontrolada. — Siete sordi?! — e berrava de arma em punho fazendo os serviçais surdos ou não se espremerem na porta.
— Ele levou! — respondeu outra funcionária.
Ambrósia arregalou os olhos.
— Ahhh!!! — Ambrósia atravessou o corredor totalmente histérica. — Ahhh!!! — berrava no elevador. — Ahhh!!! — berrava no hall de entrada alcançando o alpendre do restaurante, onde viu Sean ancorando o jet-ski no encaixe e subindo para o volante do Yacht. — Ahhh!!! — berrava descontrolada para o susto de todos os hóspedes que lotaram toda Ischia para ver o vulcão que entrou em erupção.
Lacco Ameno; Nápoles, Itália.
40° 45’ 0” N e 13° 53’ 0” E.
19 de fevereiro; 15h00min.
O Yacht cortava o mar como uma lâmina afiada. Sean estava apaixonado pelo barco de Oscar, que sabia pertencer a ele. Quando se viu já bem longe da costa de Forio d’Ischia, contornando a ilha e seguindo para Lacco Ameno, começou a respirar aliviado. Sabia que tinha que ser rápido antes que Ambrósia comunicasse a Poliu sobre sua fuga do hotel. Abriu o tablet e acoplou-o ao gabinete de controle do Yacht, acionando a linha telefônica por satélite e chamando os mainframes da Computer Co.. Entrou em seus arquivos particulares acionando o programa rastreador instalado em Spartacus; SiD. Criptografou os códigos de entrada ao satélite de observação usando criptografia quântica, e tirou o controle da Polícia Mundial. Daquele momento em diante para se voltar a ter o controle de Spartacus, Oscar Roldman e Mr. Trevellis iam precisar ter o controle da Computer Co., e aquilo, Sean sabia que Fernando Queise não iria permitir; torcia por aquilo.
E ao contrário do que havia dito a Vincenzo Bertti, Sean podia dar aos computadores da Computer Co. aquela ordem; uma ordem que permitia que outros comandassem SiD.
Sean respirou profundamente e deu ‘enter’, ia se arriscar novamente, sabia, mas não podia deixar a Poliu barganhar com Michel Shipton o que construíra. Porque sabia que Mr. Trevellis era capaz de dar Spartacus de presente para não divulgar ao mundo seus erros. Por isso Sean fez mais, invadiu a Poliu e criptografou todos os códigos de defesa dos satélites espiões de Mr. Trevellis; sem satélites e suas armas poderosas, a Poliu ia pular miudinho atrás dele, da mente dele. Uma mente que de verdade podia controlar máquinas com os pensamentos, e desviar, através dessa genética dos Roldman, os GPS que o rastreava. Porque desde criança as coisas o obedeciam, levantavam e desciam, fechavam e abriam; como as cadeiras com que provocou Ambrósia na Serra do Roncador.
Numa última ação, resgatou o e-mail que Kelly deixou na lista de ufologia para o nickname “patrãozinho”.
— Que mania que Kelly tem de me chamar assim! — ficou realmente bravo. — Ristorante do Hotel Antares - Via Litoranea, 27 - 80076 Lacco Ameno Isola d’Ischia, Italy — leu. — É isso aí! — assumiu o volante do Yacht novamente e deu mais força aos motores para chegar ao porto e encontrar Miss Ãnkanna.
Já Kelly Garcia só esperava a confirmação do gerente do Mezzatore dizendo que Sean resgatara o tablet, e que saiu a salvo do hotel num barco Yacht; porque Kelly há muito tempo tinha outros planos para quando aquela informação chegasse. Uma informação que provocava uma ação, e outra, e outra como numa cascata de escolhas e decisões, como aquela que não conseguiu evitar; entrar numa loja Victoria Secret onde havia lindos sutiens bordados expostos ali. E ela ainda teve tempo para enviar as fotos para seu diário virtual.
Ristorante do Hotel Antares; Ischia.
40.60° 45’ 0” N e 13.77° 53’ 0” E.
19 de fevereiro; 14h37min.
Miss Ãnkanna tomava um café olhando para todos os lados, estava sentada numa mesa no terraço do hotel Antares em Lacco Ameno, com vista para o mar. Apesar do isolamento parcial do hotel, Miss Ãnkanna estava apreensiva. Sabia que Vincenzo Bertti morava ultimamente em Ischia. Avisara sobre o fato a Kelly Garcia, sócia de Sean Queise, mas ela respondeu que o sócio estava irredutível, insistira que precisava encontrá-la de qualquer maneira, e tinha que ser o mais rápido possível.
Se ela estava em Ischia, então ia ter que ser debaixo das ‘barbas’ da Poliu.
Sean chegou ao hotel Antares pelo mar após parar no porto e pegar informações sobre ele. Haviam lhe informado que através de uma passagem subterrânea era possível ir da praia diretamente para o hotel e vice-versa. Ele passou pela recepção e foi levado até a piscina onde a localizou na última mesa do canto direito.
— È libero questo tavolo? — brincou Sean Queise charmoso.
— “A mesa está livre?” — riu Miss Ãnkanna traduzindo. Levantou-se com todo seu peso e colares. — Oh! Che bonnacera che chegou Signor Queise — o abraçou. — Tu sócia disse che tu vinha di Yacht e fiquei preocupada.
— Pode me chamar somente de ‘Sean’ se quiser, Miss Ãnkanna.
— Non se ne parla! Sta fora di cogitação! Altri tempi, altri costumi.
— Outros tempos, outros costumes... Va bene!
E Miss Ãnkanna sorriu num gracejo.
— O porto sta em polvoroso per causa di vulcão.
— Não foi o vulcão, fui eu — Sean sentou-se. — Quer dizer, a Poliu também.
— Encontrou Agartha, non foi? — estava extasiada.
— Não exatamente. Mas o que encontrei vai me apavorar para o resto da vida.
— Fala daquela cosa di corcova di cristal azulado e olhos vermelhos na Serra do Roncador?
— Não! Falo de crocodilos humanoides atacando um humanoide não tão crocodilo assim.
— Non ci posso credere! — olhou-o.
— Eu também não acreditaria se me contassem Miss Ãnkanna, mas encontrei o que parece ser um esconderijo desses crocodilos humanoides que não podem ser atingidos pela Tyron, e toda sua tecnologia. E que já não sei ensinada por quem, para que os permite ficarem numa espécie de hibernação, e em estado de invisibilidade, dentro de máquinas também invisíveis.
— Dio mio!
— E que estão com medo de algo que Michel pode fazer a eles e a nós.
— Che cosa horribile — Miss Ãnkanna parecia realmente assustada.
— Miss Ãnkanna, quando me contou sobre a sua barraca estar rasgada, por que não me disse que trabalhava para a Poliu?
— Come dice il detto, accostati ai buoni e sarai uno di essi.
— Como diz o ditado, junte-se aos bons e serás um deles.
— E io non era um deles do bene — Miss Ãnkanna olhou para os lados a procura de alguém, ele percebeu. — Depois, tu e o Signor Shipton pareciam tão hostis che tive receios che descobrisse. Non sono una agente propriamente dita... — sorriu com graça. —, só trabalho para una instituição che financia minhas atividades caríssimas. Posso parecer una persona mesquinha Signore, mas meu trabalho exige o che a Poliu tem; poder, portas abertas e dinheiro farto.
Sean respirou profundamente assimilando muitos odores. Olhou em volta sem conhecer ninguém.
— Não estou aqui para julgá-la, Miss Ãnkanna — virou-se novamente para ela. — Sinto se passei essa impressão.
— Io vim para cá...
— Eu sei, Bertti me contou sobre o crânio de cristal azulado. Preciso falar-lhe exatamente sobre isso. Eu sei que o crânio que desapareceu do NOA era na verdade o crânio de um homem inteiro, cristal azulado, que falava uma língua estranha.
— Maravilhoso! Fantástico! O tamanho di crânio stava no tamanho normale? Quero dizer, non diminuiu apesar di cristalização?
— Fala das tribos de aborígines equatorianos chamados Jívaros que encolhem cabeças cozinhando-as? Não... Não... Não está entendendo Miss Ãnkanna.
— Fala di uno crânio come che Mitchell-Hedges encontrou, non?
— Não. Falo de um crânio preso a um corpo, todo um homem de cristal azulado, vivo e falante.
— Dio mio! — Miss Ãnkanna arregalou os olhos azuis que cresceram de tamanho.
— Até arrisco em dizer que aquelas EBEs são feitas do mesmo cristal azulado de quartzo negro.
— Dio mio! Pensò che tutto se resumia ao crânio che encontrei. Ele havia sido visto pela última vez na Guatemala in 1986, em poder di nativos locais, sendo levado di um lugar a outro entre o sul do México, Guatemala, Honduras até ter sido levado a uno mosteiro na Índia.
— E a Polícia Mundial foi buscá-lo? Por quê?
— Perché io non sappere. Achei que Mr. Trevellis ia buscá-lo para mi. Ele me garantiu che ia trazê-lo. Non imnaginei che vinha preso a uno corpo.
— Também não posso imaginar isso, mas acho que Oscar e Trevellis encontraram esse homem, um nazista cristal azulado, e o levaram para o Chile quando um UFO e crocodilos humanoides o resgataram, e a Poliu criou toda essa lenda sobre um ‘marinheiro’ sequestrado — Sean sentiu o perfume ali, no ar. Virou-se para trás, mas nada viu. Virou-se para Miss Ãnkanna e prosseguiu. — Então doze anos depois, o agente da Poliu Alcântara Jr. e espiões psíquicos localizaram esse ‘marinheiro’ em Peruíbe, após mentalização. Mas tudo saiu do controle quando todos desapareceram. Trevellis ficou furioso e obrigou Alcântara pai a mexer com os brios de pai de Oscar e ajudá-lo a encontrar seu filho, porque Trevellis sabia que SiD estava pronto, e que não podia pedir a meu pai Fernando para usá-lo, porque sabia que meu pai não sabia o quanto ele estava pronto. Desgraçado! Trevellis sempre está um passo a frente.
— Mr. Trevellis é uno homem ‘passos a frente’.
Ambos riram.
— Sim! Então usei o SiD para localizar Alcântara Jr., e quando eu o fiz, me tiraram do jogo, obrigando Oscar a mudar as senhas de SiD.
— Que tu non mudou.
Ambos riram outra vez.
— Mudar, mudei, mas não preciso de senhas para usá-lo — riu agora sozinho. — Não mais.
— E perché precisava da trilha?
— Isso que venho me perguntando. Porque Alcântara pai me procurou, pedindo minha ajuda outra vez para encontrar seu filho que desparecera na Serra do Roncador. Eu não entendi no começo, porque Alcântara pai dizia que ele desapareceu em Peruíbe, outra vez, atrás de seus agentes psi, mas Alcântara havia invadido um chat onde o professor Álvaro e Rogério conversavam com o tal marinheiro que apareceu doze anos depois vindo da Terra Oca, sem respirar ou comer.
— Dio mio! E come non respiraram nem comeram?
— Eles também se perguntaram aquilo, mas o marinheiro falava coisas insólitas como vimanas, armas e cristais.
— Non tão insólitas.
— Exato!
— Perché na Serra do Roncador?
— Não sei dizer, Miss Ãnkanna, mas como descobrimos lá havia uma entrada para a Terra Oca. O que me faz pensar que os recortes das fotos que Alcântara pai tinha no quarto, foram para me atiçar a participar do Chat que o Professor Álvaro e Rogério abriram para pesquisar esse marinheiro. E que não era um marinheiro, porque todos naquela trilha estavam atrás dele, que contava sobre crocodilos humanoides de olhos vermelhos que queimavam a pele e torravam o cérebro, e que havia estado na Terra Oca onde cristais milagrosos podiam tornar alguém imortal, jovem para sempre.
— E perché o Chile?
— Também não sei dizer, Miss Ãnkanna.
— E quem cuidava di crânio de cristal azulado enegrecido che encontrou in Monte Epomeo? Quem o colocou lá?
— Intraterrenos!
— Intraterrenos come aqueles che o ragazzo Leandro disse existir na Cidade di Posid?
— Acredito que sim. E sei que Ralph acreditava que cada um vê no cristal azulado o que quer ver, ou que lhe deve ser mostrado — Sean voltou a sentir um perfume conhecido no ar; alertou-se olhando em volta. —, porque Ralph sabia que havia uma cidade de pessoas estátuas.
— Persone statue?
— Sim. Mas me pergunto como essas pessoas que viravam estátuas, ou eram cristalizadas, podiam fugir daquelas luzes enegrecidas que se projetavam para fora do crânio de cristal?
— Dio mio!
— Porque elas estavam fugindo dos mesmos crocodilos humanoides que se escondiam no Roncador, Miss Ãnkanna, fugindo dos crocodilos humanoides — e Sean se pôs a olhar o mar. — De qualquer forma, deve haver uma razão específica para o cristal de quartzo ter sido escolhido como o material a ser empregado na confecção dos crânios, porque o quartzo não é um material facilmente entalhado.
— É provável che o quartzo tenha sido escolhido perché ajuda a drenar a auto percepção.
— Ahhh! O Sr. Pii e suas drenagens — riu. — Mas uma das propriedades do cristal de quartzo é chamada de efeito piezelétrico, uma minúscula partícula de quartzo em um micro circuito que amplia um sinal elétrico. O quartzo se transforma em energia e submetido à pressão, gera eletricidade. Os cristais de quartzo têm a capacidade de armazenar grandes quantidades de informações, em uma estrutura de átomos disposta de maneira altamente ordenada, semelhante a dos nossos computadores — olhou o além-mar outra vez. — Se Atlântida... Digo... Se os atlantes existiram mesmo, poderiam ter sido destruídos por UFOs armados com armas que o livro Mahabharata conta?
— Pensato interessante!
— Sabia quando um repórter perguntou ao inventor da bomba atômica, se essa era a primeira vez que o homem detonava um artefato nuclear, ele disse, ‘Sim!’, e acrescentou rapidamente uma coisa interessante; ‘Nos tempos modernos’.
— No livro Mahabharata há escritos descrevendo una poderosa arma di ferro usada por eles contra uno povo inimigo, che o reduziram a pó. Questo potente arma quando acionada liberava o poder dell'universo, fazia ferver água di rios, queimava florestas, derretia tutto che estivesse nas redondezas; e tempos depois as pessoas ficavam sem uno fio di cabelo, os pássaros ficavam brancos, unhas caíam...
— Efeito da radioatividade! — Sean arregalou os olhos azuis. — O que mais sabe sobre Agartha, Miss Ãnkanna?
— Dediquei minha vida toda a encontrá-la.
— Por quê?
— Sono stato cresciuto da una zia italiana, qui di Lacco Ameno dopo l'inspiegabile scomparsa dei miei genitori in Amazzonia. Avevo solo otto anni quando sono stati presunti morti.
— Pode traduzir?
— Ah! Scusa Signore! Fui criada por una tia italiana, qui, di Lacco Ameno, após o desaparecimento inexplicado de meus pais na Amazônia. Io só tinha oito anos quando eles foram dados come mortos — traduziu. — Desde então busco desesperadamente tudo o che me possa trazê-los de volta à vida, se me entende? — sorriu tímida.
— É isso o que espera ver na Terra Oca? Saber se eles estão vivos?
— Si!
— Mas nós não morremos Miss Ãnkanna, o que perdemos é só esse invólucro. Talvez não uma eternidade Nietzschiana, mas o espírito é eterno.
— Si! O eterno retorno di Friedrich Nietzsche é una prova di amor.
— Minha interpretação sobre o eterno retorno de Nietzsche, coincide com a do filósofo Heidegger e sua recusa por uma responsabilidade político-social, como a do filósofo Habermas. E é uma interpretação que ocorre num período de crucial transformação no pensamento Heideggeriano, um afundamento nas relações com os outros e o mundo, como o que venho fugindo. Sem amigos, sem namoradas, sem adolescência. Talvez por isso, se encaixe com o meu pensar Miss Ãnkanna, quando Nietzsche se pergunta ‘Onde está o anel que finalmente abraça o homem? Se é o mundo ou Deus?’ — ele voltou a olhar Miss Ãnkanna. — Às vezes fico pensando se a morte de minha noiva não matou essa crença em mim, essa crença que não mais acredita em milagres. Será que perdi minha fé no amor das pessoas? Retornar e retornar e retornar e sofrer a perda? Será que tenho medo de amar?
— Quanti anni di essere il più sentimentale come bene? — sorriu Miss Ãnkanna.
“Quantos anos tem para ser tão sentimental assim?” aquilo Sean entendeu, e entendeu que havia um perfume conhecido ali com eles, e que não era o de Sandy Monroe.
— O que disse mesmo que minha sócia falou?
— Che o Signore vinha di Yacht?
— E como Kelly sabia que eu estava de Yacht se... — e Sean ergueu-se em choque dando de encontro com a maravilhosa mulher de cabelos negros que lhe sorria. — Kelly... — a voz mal saiu.
— Olá patrãozinho! — beijou seu rosto com força. — Achou mesmo que dessa vez eu não ia viajar com você?
E ela estava encantadora dentro do vestido de linho verde.
— Você é louca? — a puxou para sentar na cadeira quando já começavam a chamar atenção. — Não sabe que está correndo riscos?
— Correr riscos ao seu lado é tudo o que eu queria.
Sean olhou Miss Ãnkanna com reservas.
— Ah! Faça-me o favor Kelly... — respirou outra vez. — Seu perfume é inconfundível — riu. — Você não... Como chegou até aqui?
— De avião! — sorriu magistralmente, parecendo desamassar um inexistente vinco na camiseta dele e ele se olhou confuso. — Saí ontem à noite do Brasil, fiz escala em Portugal e depois segui para Nápoles. Cheguei a Ischia no momento que o gerente avisou pelo celular que você havia saído do hotel de Yacht.
— Então ela foi me buscar na casa de minha tia — explicou Miss Ãnkanna.
— Casa da tia dela? — Sean a olhou profundamente, balançando pescoço nervoso.
— Eu dei uma olhada no seu programa SiD... — Kelly riu ao ver Sean arregalar os olhos até quase saltarem das órbitas. — Você me ensinou, não ensinou? Disse, ‘faça o que for preciso’, não disse?
— Você acionou o rastreador reverso de Spartacus atrás de Miss Ãnkanna a partir de onde?
— Do seu computador de mesa. Sabia que lá o firewall não iria me bloquear nem criar rastro se assim você desejasse.
— Eu criei um monstro!
Kelly e seus cabelos negros de espanhola bela sorriram com todo o charme devido, balançando de um lado a outro. Sean tinha que admitir, se encantava sempre com aquele eterno jogo de cabelos dela.
— Aqui é lindo, não é? — falou Kelly olhando o mar pelo terraço do hotel. — Viu a cor da água? — tirou uma foto. — Viu as florzinhas nas sacadas das casas dessa cidade? — e tirou outra foto.
— Disse firewall?
— Quê, patrãozinho? — e ela fotografava toda aquela beleza usando um tablet.
— Quando ficou pronto? — Sean sorriu para o tablet que ela lhe entregou.
— Gyrimias ia fazer surpresa no seu retorno, mas mandou-me trazer um. Disse que o programa reverso SiD está instalado no tablet.
— Então Gyrimias conseguiu instalar um programa robusto como SiD num tablet?
— Acho que ele teve um bom professor.
— Acho que Gyrimias já nasceu sabendo Kelly.
Ambos riram enquanto Miss Ãnkanna os observava.
— Mas Gyrimias disse que ainda está instável porque ‘precisava de sua mente’ — sorriu. — Assustador não?
Sean só escorregou um olhar para ela e ela lhe sorriu. E como era maravilhoso aquele sorriso, e como ele adorava vê-la sorrir, andar, jogar os cabelos que lhe traziam o perfume dela até ele.
“Droga...” soou do fundo do seu coração.
E Kelly até parecia que podia ler-lhe os pensamentos, sabendo o quanto ele realmente lhe amava, e o quanto a evitava. Abaixou a cabeça e a ergueu olhando Miss Ãnkanna que sorriu para ela. Depois se virou para Sean que mexia no tablet.
— Não imagina como ele funciona estranho como máquina fotográfica digital. Contudo tirei fotos lindas do Mar Mediterrâneo para meu álbum digital na Internet.
— Você não... Não...
— Calma, está bem? Sei que não me permite ter uma conta em redes sociais, que twittar nem pensar, mas não entendo por que não posso ter uma conta em sites de relacionamento? — insinuou Kelly maliciosa.
Ele ia retrucar, desistiu também.
— Desculpem-me! — levantou-se. — Preciso fazer uma ligação — e se afastou das duas. — Gyrimias? — falou no que a imagem do cientista apareceu na tela do tablet de Kelly.
— Bom dia, Senhor Sean Queise. Vejo pelo GPS do SiD que está em Lacco Ameno, Ischia — Gyrimias acionou a câmera digital e a imagem de Sean Queise também se formou na tela do tablet. — Percebo que também já descobriu sobre a Senhorita Kelly Garcia. Sinto Senhor se vai me despedir ou não, mas ela obrigou-me a...
— Esqueça Gyrimias! Como está acessando SiD se eu o bloqueei?
— Então é por isso que o GPS não encontra o Yacht do Senhor Oscar Roldman?
— Como sabe que o Yacht é dele, Gyrimias?
— O Senhor Oscar Roldman conecta os mainframes da Polícia Mundial com os mainframes da Computer Co. e tenta rastreá-lo. Acho que o Senhor Fernando Queise permitiu isso, Senhor.
Sean teve medo de ver os dois permitindo algo entre si.
— Droga! Os quatro estudaram juntos...
— O que disse Senhor?
— Nada! O piloto automático o desligou após Spartacus encriptar os códigos. Agora só meu computador de mesa aí na Computer Co. acessa o SiD; e acessa porque permiti que você e Kelly o acessasse.
— Parcelado o que vejo, não encontro nenhuma entrada de ordem sua nos mainframes Senhor.
— Porque não há.
— Mas disse que...
— Não se preocupe com SiD nem a Polícia Mundial, e nem a Poliu, Gyrimias. É minha mente quem comanda entrada de ordens.
E Gyrimias teve medo daquilo.
— Parcelado, gostou de saber que instalamos SiD no tablet que enviei Senhor?
— Obrigado por isso Gyrimias.
— Parcelado seu agradecimento Senhor, será que o Senhor Oscar Roldman sabe como podemos rastrear os rastreamentos com o programa reverso de SiD?
— Só nos dois sabemos como o programa funciona, Gyrimias.
— Nós e a Senhorita Kelly Garcia — Gyrimias riu sem graça. — E se ela sabe... Bem... Parcelada minha opinião sobre as atitudes perigosas da Senhorita Kelly Garcia na Internet, ela pode ter sido observada esses tempos e acabar entregando algum IP a Poliu.
Sean engoliu aquilo a seco. Ver Gyrimias falar de Kelly o deixou temeroso. Ele pouco ou nunca se expressava.
— Kelly sabia sobre as modificações do SiD?
— Ah... Senhor... A Senhorita Kelly Garcia, ela... Bem... Parcelado...
— Basta de parcelamentos Gyrimias! Kelly vem usando SiD?
— Para saber o que faz, Senhor.
— Ah! Deus... — caiu sentado no banco do jardim. — Criei um monstro que me rastreia?
— A Senhorita Kelly Garcia lhe entregou Senhor Sean Queise? — agora teve medo de falar.
— O que? — Sean sentiu-se perdido sem conseguir ler os pensamentos do funcionário.
— A sua mala; a Senhorita Kelly Garcia me fez ajudá-la a montar, a mala, que usará no Polo Norte.
— Quê?! Falou a ela sobre o “onde o gelo nasce”?
Gyrimias sorriu.
— Parcelada minhas ações, o Senhor não ficou bravo com meus enigmas, ficou?
— Não, não adianta ficar bravo! — exclamou bravo.
— Então vai ficar mais bravo ainda com as malas da Senhorita Kelly Garcia.
Sean girou os olhos.
— Vamos mudar de foco Gyrimias. Eu proibi Kelly e as redes sociais. Alcântara teria dito que é fácil fazer phishing em distraídos.
— Então acha que a Polícia Mundial pode tentar forçar-me a algo também, Senhor Sean Queise?
— Não sei. De qualquer forma, não ceda Gyrimias. Spartacus filtrara e revertera toda vez que Oscar rastrear de alguma forma as coordenadas do Yacht, o levando para outra coordenada longe da minha. As criptografias quânticas darão conta do recado — e olhou Gyrimias de uma maneira que o cientista da Computer Co. não gostou de ser olhado. — Kelly vem dando ordens em cima das minhas ordens na Computer Co., não vem?
— Senhor...
— Foco Gyrimias! — exclamou nervoso mudando o assunto. — Preciso que faça dois favores para mim; há algo errado com ‘onde o gelo nasce’ — Sean olhou para os lados e se viu em meio a muitos turistas do hotel. — Preciso que repasse algumas coordenadas de algo que sempre me pareceu ser uma lenda; Hitler e a SS na Amazônia.
— A Selva amazônica no Amazonas?
— Conhece outra? — Sean suspirou desanimado.
— É... Bem... Vou usar o SiD de Spartacus?
— Não, deu muito trabalho escondê-lo lá em cima.
— Parcelado, se não posso ativar as câmeras de Spartacus, aonde exatamente posso investigar, Senhor?
— Kelly me deu uma ideia sobre fotos digitais. Crie um álbum com fotos que Alcântara conseguiu na Internet, porque sei que ele deixou rastros. Encontre os rastros e copie postando as fotos para serem vistas por todos; os hackers Black hat vão lhe procurar.
— E como sabe que os Blach hat vão me procurar? Está usando Senhor?
— Não Gyrimias, mas sei que hackers vão atrás de informações sobre a Poliu estar envolvida na aquisição de fotos sobre uma máquina do tempo nazista, e que pode ter ou estar voltando no tempo atrás de informações que lhe ajudarão no presente — e Sean viu Gyrimias fazer uma careta do tipo ‘Eu não entendi!’.
“Droga!” explodiu em Sean Queise.
— Desculpe-me Gyrimias. Não posso usar meus dons porque não sei como direcioná-los para o passado.
— E o que tem no passado exatamente Senhor?
— Informações sobre se os nazistas morreram ou não, Gyrimias.
— Cruzes Senhor! Eles não morreram? Digo, os nazistas da década de 40? — e Gyrimias fez outra careta. — Ah! Parcelado o que entendi, são os tais que fugiram para a Terra Oca?
— Não sei se fugiram Gyrimias, nem se tornaram imortais e estão vivos até hoje, nem se foram cristalizados pelos crocodilos humanoides que por algum motivo romperam códigos que tinham com esses nazis, mas uma coisa eu sei, Michel quer encontrar o sino e voltar no tempo para ajustar tais códigos, e conseguir se tornar dono do mundo usando a Vril.
— Cruzes! — soou de um Gyrimias apavorado. — Então vou trocar informações com hackers de chapéu preto sem me denunciar?
— Isso! Depois coloque as fotos de satélites que por ventura encontrar.
— “Fotos de satélites”?
— Dos satélites da Poliu, que fotografaram donuts e pirâmides na Amazônia, sob o comando de Schiller Zuckeuner.
— Cruzes! Ele então...
— Não. Por favor, Gyrimias. Não esmoreça agora. Na verdade foram esses hackers nada éticos que roubaram arquivos da Poliu, e venderam a Alcântara pai as tais fotos da Internet. Ele também achava que chegou ao Chat sozinho, com phishing e distraídos, mas fui eu quem o levou até lá, para poder ser chamado pelo Professor Álvaro, sem que Oscar desconfiasse que eu rastreava Alcântara pai usando o SiD.
— Incrível Senhor! — foi um Gyrimias impactado quem falou aquilo. — Passou-se por um distraído para liberar algo ao 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara, que não sabia que o Senhor já sabia que ia ser chamado? — e outra careta de repente, do tipo ‘nada entendi’, estampou-se.
— Eu disse a Alcântara pai que não havia agentes da Poliu distraídos. E não me congratulo, Gyrimias, porque Alcântara morreu por minha causa. E talvez eu tenha deixado seu filho desprotegido nessa loucura.
— Sinto muitíssimo por isso Senhor.
— Eu também Gyrimias. Mas a corporação tem informações sobre um documento secreto, que foi descoberto nos arquivos secretos da inteligência nazista, dando conta que no distante ano de 1945, quase final da guerra, Hitler despachara para o Brasil um submarino equipado com aviões anfíbios, e tropas de elite da SS, precisamente em direção às densas e impenetráveis florestas da Amazônia.
— Incrível.
— Incríveis são esses documentos que continham um filme Super-8, que mostrava a montagem de uma base alemã ultrassecreta nas selvas brasileiras.
— Parcelado o que penso que sei, por que o Senhor Adolf Hitler se interessaria pela selva amazônica?
— Embora a predileção do Führer pelas ciências ocultas e as suas obsessões religiosas se mantenham obscuras, certas coisas vão muito mais além do que possa alcançar a nossa imaginação. Porque corre nas listas de ufologia a história de um suposto mendigo, que em 1971 abordou nas ruas de Manaus a tripulação da Swissair, que passeava na folga. Dizem que o mendigo vestia roupas esfarrapadas e num influente idioma alemão, pediu que lhe pagassem um almoço. Dizem que após beber algumas coisas, o suposto mendigo, revelou ser um membro de uma tribo desconhecida chamada Ugha Mogulala, e que era mestiço de soldado alemão e mãe indígena. E dizem que revelou também que entre os anos de 1939 e 1941, seu povo recebera a visita de cerca de dois mil soldados nazistas, que traziam pesados armamentos e sofisticados equipamentos, talvez armas crocodilos humanoides, e algo que se assemelhava a um disco voador circular.
— Como teria dito a Senhora Heidi Zuckeuner, quantos ‘dizem’, Senhor...
Sean não entrou em debate.
— ‘Dizem’, há fotos, que se não forem montagens photoshopadas, mostram bandeiras da suástica e índios em acampamentos assustadoramente nazistas, com Blavatsky e um crocodilo humanoide enegrecido abraçados a um grande sino.
— Ah! Então o sino está na floresta amazônica?
— Calculo que esteve durante a Segunda Grande Guerra. Arrisco a pensar que a selva amazônica é a mesma floresta mostrada no crânio de cristal azulado do Monte Epomeo.
— “Crânio de cristal azulado”? — Gyrimias ficou mais confuso ainda.
E Sean só esperou o casal que passou por ele se afastar.
— Sim, Gyrimias! E o mais surpreendente com certeza foi o suposto mendigo declarar a existência de três cidades perdidas nas selvas amazônicas, cujos nomes seriam Akahim, Akhanis e Akakor.
— “Akakor”? Não foi o que a Senhorita Heidi Zuckeuner falou? Atlantes de Akakor?
— Talvez os atlantes que fugiam nas holografias fossem de Akakor, na selva amazônica, entre o Brasil e o Peru, e que fica perto da nascente do Purus — fez uma careta. — E tudo se encaixa numa lenda contada pelos índios ao historiador alemão Fernandes de Oviedo, em 1535, que Paititi teria tido uma capital de nome Manoa, ‘a cidade dos telhados resplandecentes’, e que seria habitada por uma estranha raça de seres, adoradores do Sol, desprovidos de pescoço e cujos rostos ficariam situados à altura dos seus peitos. E os seus templos e imponentes palácios seriam ornados do mais puro ouro, o que provocou a morte de todos pela cobiça dos colonizadores espanhóis, que estavam em busca do chefe supremo, o Príncipe Dourado ou Eldorado, cujo próprio corpo seria recoberto de ouro e pedras preciosas. Como disse, tudo se encaixa.
— Parcelada minhas opiniões, se encaixa no quê, Senhor? Não consigo nem ver aonde? — tentou Gyrimias entender. — Há mais?
— Há algo mais Gyrimias, e aconteceu em campos de concentração nazistas. Algo entre médicos e sociedades secretas, entre vindas de crocodilos humanoides à Terra, em naves que sofreram engenharia reversa.
— Cruzes! — Gyrimias pensou e pensou. — E qual é a segunda coisa que precisa de mim, Senhor? — deu-se por vencido.
— Preciso que invada a empresa de Ralph Kinchër. Ela está sediada no Chile. Quero saber o que ele tem lá que possa barganhar, digamos, com os crocodilos humanoides.
— Com quem?! — quase gritou.
— É só outra longa história, Gyrimias — Sean olhava todos os rostos que olhavam para ele; tinha receios que agentes da Poliu estivessem infiltrados entre os turistas, que iam e vinham por entre as alamedas e arcos do hotel em estilo mediterrâneo.
Sean usava tudo o que Mona ensinara.
— Senhor? — Gyrimias percebeu o hiato.
— Preste atenção Gyrimias... — suspirou. —, quero que faça uma ponte entre os mainframes da Computer Co. e os mainframes da Poliu.
— Podemos fazer isso sem usar os mainframes que controlam Spartacus?
— Podemos — Sean viu Gyrimias fazer uma careta pior. — Se Ralph trabalhava para a Poliu deve ter uma backdoor instalada nos seus computadores.
— E é a partir dessa backdoor que você vou entrar? Parcelado e se vou usar IP fixo mesmo stealth, posso ser derrubado? Temo cair e deixar o IP da Computer Co. lá como aconteceu com o Senhor no Chat. Estarei arriscando a sua vida e da Senhorita Kelly Garcia.
— Primeiro vamos descobrir do que estamos tentando nos proteger, Gyrimias. E somente um firewall instalado no provedor onde você vai invadir, poderá impedir um ataque NUKE da Poliu ou de quem for.
— Tenho uma ideia. Mas vai me matar por isso. Porque vamos ter que dar um jeito de entrar no provedor das empresas de Ralph e instalar lá o firewall, que criaremos para proteger nosso IP fixo, e então voltar à Computer Co. e invadir — Gyrimias viu Sean fazer cara de quem gostou da ideia. — E vamos ter que ir na ‘realidade real’ e não na ‘realidade virtual’, Senhor.
Sean fez uma cara de quem não gostou da ideia de Gyrimias.
— Não posso arriscar sua vida, Gyrimias — um silêncio se perpetuou. — Gyrimias? — a imagem dele estava congelada. — Gyrimias?! — Sean olhou o tablet que Kelly trouxera fora do ar. — Droga! Ele vai se arriscar... — gesticulava nervoso voltando novamente para a mesa. — Venham! Venham! — levantou as duas, quase as derrubando.
— Aonde vamos, patrãozinho?
— Sair daqui! — olhou-a. — Percebe que só crio monstros na minha vida?
Sumiram dali os três e uma penca de malas.
Escuna de Mr. Trevellis, Palermo; Mar Tirreno, Sicília.
38° 11’ 30” N e 15° 34’ 30” E.
19 de fevereiro; 17h00min.
— Ótimo Bertti! Muito eficaz a sua irmã Ambrósia! — falava Mr. Trevellis com uma carranca estampada no rosto jambo enervado.
E que agora sapateava no piso lustroso da rica Escuna após o curativo recebido.
— Non a culpe Mr. Trevellis, criei Ambrósia para ser una agente infiltrada non una agente de campo. Ela non sabe como lidar com fugas nem com... — e Vincenzo Bertti viu a cara grande e jambo de Mr. Trevellis esperando algo. — Ela non foi programada para a inteligência de Sean Queise.
— Tente novamente!
— Já disse! Non adianta. Sean sabia que a Poliu possuía satélites espiões — suspirou Bertti. — Ele os encriptou a todos.
Mr. Trevellis bufava, era como se traduzia o som que fazia.
— Diz-me também que ele não aparece no radar da Poliu por que encriptou as transmissões dos 24 satélites do sistema de GPS da Terra?! — aumentou tanto a voz que gritou no final da frase.
— Non acredito che Sean colocasse vidas inocentes em perigo.
— Mas que inferno! Por que sempre o defende, Bertti? — explodiu.
Vincenzo Bertti espantou-se com aquela frase, não havia percebido que Mr. Trevellis o observava tanto.
— O Senhor me coloca numa posição delicada, Mr. Trevellis.
— Não sou eu, é sua consciência! — apontou a quase tocá-lo. — Você não dorme desde o suicídio de Sandy Monroe porque era apaixonado por Sean Queise, mesmo antes de apresentar-lhe Sandy.
Vincenzo Bertti sentiu seu mundo ruir ao se erguer furioso.
— Nunca admiti che se metesse em minha vida! — Vincenzo Bertti ficou chocado. — Sou-lhe fiel Mr. Trevellis, há muitos anos e também à Poliu, mas minha vida pessoal é...
— Nunca a perdoou, não é Bertti? — Mr. Trevellis fora vil. — Nunca perdoou Sandy Monroe por ela ter se apaixonado por Sean Queise, por ele ter se apaixonado por ela, por os verem felizes. Isso deve tê-lo devorado por dentro, anos a fio.
Vincenzo Bertti sentiu dor no peito, no peito que sofria por um amor impossível. Virou-se, saiu da sala e desceu as escadas da Escuna deixando Mr. Trevellis contente com o que fizera.
— Sandy! — Vincenzo Bertti bateu a porta, arrasado. — Por que me traiu? — chorou como um adolescente no fechar da sua suíte.
Ambrósia escutou as lamúrias do irmão noutro quarto. Estava chocada com a revelação de Vincenzo Bertti. Ela até notara que seu irmão era um homem solitário, monástico, sem namoradas. Mas o fato do irmão ser gay, apaixonado por Sean Queise, aquilo foi informação demais para ela. Odiou Sean Queise, odiou Mr. Trevellis; odiou-se. Esperou até as horas avançarem para sair da Escuna e levantar as velas do Veleiro atracado à Escuna da Poliu, e sumir silenciosa no breu da madrugada.
Mr. Trevellis percebeu o movimento de ondas causadas pela fuga de Ambrósia, ficou feliz mais uma vez.
Yacht de Oscar Roldman, Ilha de Ústica; Província de Palermo.
38° 43’ 00” N e 13° 11’ 00” E.
19 de fevereiro; 18h18min.
Quando abandonou Lacco Ameno, Sean Queise ligou o seu tablet trocando as senhas diárias dos seus mainframes e deu download dos programas do rastreador de SiD no tablet de Kelly para seu tablet. Passava por Ústica, uma comuna italiana a cerca de 67 km a noroeste de Palermo. Não queria por nada dar de encontro com a Escuna de Mr. Trevellis.
Sean já havia acomodado Miss Ãnkanna na suíte master com jacuzzi e telão e acomodado Kelly na suíte de casal com TV, vídeo e as dez malas que trouxera só para ela. O Yacht ainda possuía mais três suítes; duas suítes de cama de solteiro e outra de cama de casal onde Sean se instalara.
Depois ligou o motor e seguiriam em mar aberto, pelo Tirreno.
Valeta, Ilha de Malta; Mar Mediterrâneo.
35° 54’ N e 14° 30’ E.
19 de fevereiro; 23h28min.
Sean aportou na Cidade de Valeta, capital de Malta, para abastecer as geladeiras e freezers. Deixou um recado para Kelly que descansava e saiu.
O serviço de transporte de Malta era por taxi, como na Ischia. Estes circulavam pela cidade. Lá, também havia sido criado um serviço de autocarros nas horas de ponta da manhã e da tarde, que ligavam a capital às cidades. Como o trânsito de automóvel era bastante restrito, as principais vias de circulação na cidade eram feitas por pedestres.
Sean foi até um grande mercado e voltou ao Yacht carregado, mesmo com um GPS alterado, esperava não ser visto por aviões ou radares de navios da corporação que por ventura estivessem no Mar Tirreno, Jônico, Egeu, porque voar até onde o gelo nasce, o Polo Norte, iria ter que esperar mais que o esperado; estava confuso quanto essa entrada para Agartha.
Kelly ainda estava no andar abaixo, e ele aproveitou o tablet de Kelly e acionou SiD atrás dos rastros de Alcântara pai atrás de Alcântara Jr., sem usar seus IPs definidos. Sean acreditava que Alcântara Jr. estava enganando o pai e a todos com seu novo sumiço, e morrer na Serra do Roncador talvez tivesse sido um embuste, e que Alcântara Jr. talvez ainda estivesse vivo nas entranhas de uma Terra oca. Mas o que encontrou nos rastros deixados por Alcântara pai, o deixou extasiado, porque Alcântara procurava bases subterrâneas, militares ou não, em diversos lugares do mundo, que podiam alcançar entradas para a Terra Oca.
Sean quase não acreditou no que leu, porém sabia que a Poliu estava por detrás de todas elas, caso fosse verdade.
— Wow! Uma entrada nas imediações do centro de Manhattan, New York, através de um poço de elevador abandonado, uma entrada no extremo sul das Montanhas Mackenzie do Canadá, que com fontes termais e gêiseres de enxofre mantém o vale quente e perpetuamente coberto por uma névoa onde, dizem, as pessoas que entram no vale normalmente eram encontradas mortas e sem cabeça. Cruzes! — exclamou Sean tal qual Gyrimias. — Também há uma entrada em Theozapotlan, no sul do México, onde fica a ‘A Caverna da Morte’, selada por padres católicos. Também uma entrada aqui, na Ilha de Malta, chamada ‘Hypogeum’, uma estrutura subterrânea onde após cavarem uma mina, um buraco se abriu e os levou a uma série de câmaras e túneis, onde crianças e monitores de uma escola entraram e nunca mais saíram...
Sean já não acreditava que havia ido até Malta por instinto. Porém, não podia se dar ao luxo de investigar aquilo, não no momento, não no que o final de sua pesquisa com SiD mostrava.
“Wow!” ele nem conseguiu abrir a boca.
SiD encontrava uma nova entrada, uma não catalogada pela mídia.
— Há uma entrada abaixo do Castelo Stoff, um antigo campo de concentração alemão em Liechtenstein, explodido um dia depois da morte de Hitler — e Sean parou de ler. — Liechtenstein? Por que um campo de... — e Sean parou de falar no que viu todo entorno do Yacht tomar-se de um piso de mármore branco e colunas dóricas onde um crocodilo para lá de humanoide o encarou. — Ahhh!!! — e Sean voltou a si com medo do que viu. — Deus... — Sean parou de ler e desceu cambaleando até a cozinha, percebendo que Kelly se aproximava só de sentir o perfume dela no ar. — Ah... Kelly...
— Algum problema patrãozinho?
— Não... — Sean não ia mesmo conseguir explicar. — Não...
— O que tem no freezer? — se dirigiu a ele.
— Não sei...
Ela parou de andar.
— Não sabe?
— Acabei de abastecer...
— E não sabe o que acabou de abastecer? — Kelly adorou a brincadeira. — Onde estamos indo?
— Nesse exato momento para alto mar — beliscou uma fruta da geladeira que Kelly investigava. — Saímos de Valeta.
— Eu vi pela janela da suíte. Mais fotos para meu álbum — ela sorriu e Sean devolveu o olhar. — E depois?
— Pretendo amanhã ancorar e abastecer em Citera, uma ilha grega que faz parte das Ilhas Jônicas, extremidade oriental da Península do Peloponeso.
— Aonde vai Sean? De verdade.
— Por que acha que não estou sendo verdadeiro? Pretendo subir o Mar Mediterrâneo e atingir a Ilha de Chipre; de lá desembarcar no Porto de Iskenderun, na Turquia — Sean tinha um palpite forte para Derinkuyu, as cidades subterrâneas da Capadócia nem que levasse o que calculava, cinco dias de viagem com aquele Yacht possante.
— Ok...
— Estou sendo sincero Kelly.
Ou quase aquilo.
— Disse ‘Ok!’
— Então aproveite para dormir um pouco.
— Sua amiga Miss Ãnkanna já faz isso por nós. E há um bom tempo — Kelly riu e Sean a olhou bonita no vestido verde amassado. Apesar de tudo, gostou da presença da sócia ali. — O que fazia lá em cima?
— Investigava Spartacus.
— Onde ele está?
— Castelo Stoff.
— E onde fica isso?
— Arredores de Triesenberg, em Liechtenstein, encravado entre os Alpes Suíços e a Áustria — Sean viu Kelly de perto. — Antigo campo de concentração nazista comprado pela Poliu na década de 80.
— A Poliu comprou um antigo campo de concentração nazista? Por quê?
— Não sei Kelly.
— E por que direcionou Spartacus para lá?
— Não sei Kelly, nem sei ao certo se Oscar e Trevellis ou os dois estão juntos nisso, mas a crença em um mundo subterrâneo tem sido transmitida como mito, conto, ou alegoria ao longo das gerações de todo o mundo.
— Mundos subterrâneos? Como o Hades grego?
— Algumas dessas histórias remontam a tempos tão antigos, que se misturaram a contos de flora e fauna tão fantásticos, que só podem ser encontrados em mitos.
— Mitos Sean? Por que não estou entendendo?
— Porque o filósofo Sócrates uma vez falou de buracos enormes no interior da Terra que eram habitados pelo homem, e que lá havia vastas cavernas onde corriam rios. Há uma caverna lendária assim grande, que dizem, está abaixo de Kokoweef Peak, no sudoeste da Califórnia, encontrada pelo mineiro Earl Dorr, seguindo pistas dadas a ele pelos índios. E ele diz que entrou nessa ‘Crystal Cave’, nos anos trinta, por uma passagem até atingir uma profundidade de cerca de um quilômetro. Lá, no fundo da caverna, um rio corria, subindo e descendo com as marés lunares, e depositava ouro ao longo de suas margens.
— Ouro?
— Sim! Um dia, enlouquecido por febre, Dorr usou dinamite para selar a entrada de sua caverna fabulosa, e começou o mito que ainda atrai os homens em busca da riqueza lendária abaixo Kokoweef.
— Você me disse que os Sumérios contavam que os Anunnakis, ‘os que vieram do céu para Terra’, buscavam ouro no nosso planeta.
— Sim! Tábuas sumérias contam.
— E a Poliu está atrás de ouro?
— Um ouro diferente do que acredita existir Kelly.
Kelly olhou em volta, o Yacht e tudo mais.
— O que está fazendo realmente aqui, Sean? — porque ela sabia que ele não era verdadeiro. — O que está procurando meu amor, em campos de concentração nos Alpes Suíços e em cavernas mitológicas?
— Respostas...
— Sean... — Kelly ficou triste por ele e aquela busca desenfreada.
Ficou pensativa em como poder ajudá-lo a superar aquela dor e Sean viu Kelly sabendo que ‘respostas’ tinha haver com Sandy e a Poliu.
— Troque de roupa, Kelly — ele a fez voltar à realidade.
— Algo mais confortável? — se insinuou.
Sean apenas sorriu. Saiu da cozinha voltando para a proa e de lá para a cabine de comando. Ficou a pilotar o volante e ganhar velocidade.
Kelly foi atrás dele, o fotografando. Ele achou graça nas atitudes dela e ela achava que Sean ficava ainda mais lindo pilotando aquele grande barco sofisticado, com os cabelos loiros ao vento em meio a águas tão azuis e brilhantes quanto seus olhos.
Os cabelos negros dela também ganharam forma e volume na luz que a Lua incidia. Ele a olhou na mesma intensidade que ela a ele. Talvez na mesma frequência das batidas do coração.
Ela ameaçou subir até cabine e Sean só ergueu a mão, que ficou no ar até ela desaparecer de sua vista.
Kelly entendeu que não era hora.
12
Yacht de Oscar Roldman; Porto de Palermo, Itália.
38° 11’ 30” N e 15° 34’ 30” E.
20 de fevereiro; 03h00min.
O Yacht ganhava o azul do Mar Mediterrâneo, e Sean estava apaixonado por sua beleza natural, iluminado pelo luar. Estanhou que nenhum agente da Poliu o ainda tivesse interceptado. Estava confuso, eles ainda tinham espiões psíquicos do calibre de Mona Foad, talvez até do dele que podiam vê-lo, localizá-lo como um ponto no mapa.
Sean então não pensou duas vezes, entrou no banco de dados de seus mainframes com informações ‘phishing’, pescadas por SiD e puxou nomes conhecidos de espiões psíquicos nas folhas de pagamento da Poliu. Depois fechou o tablet e fez o impensado. Concentrou-se saindo do corpo, invadindo o éter, buscando a Poliu, rostos da mesma maneira como ‘ojos rojos’ faziam. Ficou impressionado com os dons que adquiria e viu um deles, um espião psíquico o olhando numa sala fechada, escura, em silêncio; ao lado dele um telefone, em cima de uma mesa de madeira copos de água inacabados.
Sean se concentrou mais e um grito ele ouviu o agente dar, ao ser acordado do transe. O celular de Mr. Trevellis tocou segundos depois na rica Escuna. A central da corporação de inteligência avisava que o espião psíquico havia perdido Sean Queise de sua ‘linha de viagem’.
Mr. Trevellis jogou o celular violentamente contra a parede da Escuna o estilhaçando, e Sean voltou a si no tombadilho do Yacht. Sorriu o cínico que era e foi dormir deixando o Yacht no piloto automático com a certeza de que o dom que adquirira era muito bom para ser verdade.
E foi dormir esperando um descanso merecido.
Yacht de Oscar Roldman, Mar Jônico.
38° 6’ 4” N e 18° 17’ 41” E.
20 de fevereiro; 07h12min.
— Bom dia patrãozinho! — anunciou Kelly Garcia, após dormir tão bem.
Sean estava na cozinha, fazendo café, ovos e bacon.
— Bom dia Kelly... — e Sean a viu usando uma comportada bermuda de seda branca e uma nada comportada regata de algodão branca, que anunciava os belos seios, e o quanto bela era ela toda.
Tentou o mais rápido possível focar nos ovos na panela de cobre onde preparava o café. Havia realmente sido afetado pela visão de uma Kelly bela.
— Sabia que mal acreditei quando o Sol atravessou a minha escotilha, patrãozinho? — e ela nem precisou ver a careta dele para saber que ele fez uma.
— Com fome? — ele olhou para ela e viu os olhos dela brilharem para as pernas musculosas, que despontavam no short curto que ele usava. E cada pensamento dela chegou até ele. — Não falo desse tipo de comida Kelly.
— Ah... Imaginei mesmo que não falasse — ela gostou de ver Sean sorrir, estar de bom humor. —, porque estou com fome.
E ele dessa vez não a olhou.
— Não tinha pão francês como gosta, mas os pães italianos que comprei em Citera são muito bons.
— Ficar com fome já seria um banquete ao seu lado.
Sean gargalhou:
— Você não existe Kelly.
— Existo sim. Você é que não percebe — picou a sócia com inteligência.
— O que eu não percebo Kelly? — serviu-a.
— Que não há nada como sentir os lençóis quentes onde o Sol tocou-os e sentir-me de bem com a vida.
Sean nada falou. Sabia que ela estava sendo gentil, sensualmente gentil.
Agora ele se esquivou de mais.
— Miss Ãnkanna?
— Dormindo.
— Acha que ela está bem? Mesmo depois de todo meu barulho de porcelanas e talheres? — se serviu e sentou-se ao lado dela.
— Pela força do ronco, acredito que sim — ambos riram. — Venha! — Kelly levantou-se. — Vamos tomar café em alto mar — e ela subiu para o convés.
Sean teve medo daquele café. O infinito azul, porém valia a pena. Que não era exatamente uma pena já que Kelly e sua regata quase transparente o encantavam cada vez mais rápido.
E ela sabia disso.
— O café está bom?
— Sim! — sorriu-lhe. — Onde estamos? — olhou para a infinitude.
— Alto mar.
— Ahhh... — Kelly suspirou.
— Estamos em águas do Mar Jônico em sentido ao Mar Egeu.
— Qual o itinerário?
— Desceremos o Mar Tirreno até próximo a Palermo. Contornaremos Malta, Citera e alcançaremos o Mar Jônico. Vamos ficar alguns dias em mar aberto e chegar à Creta, atracando em Heraclito, talvez no final da tarde.
— De lá?
— Subir todo Mar Egeu até Istambul, para então ir a Derinkuyu, Capadócia.
— O que quer realmente na Turquia Sean?
— Eu? Nada! Mas Pierre disse que Derinkuyu é de origem vulcânica e textura areada, porosa, muito suscetível à erosão — sorriu charmoso.
Kelly sabia que não adiantava ele explicar nada, porque ela nada entenderia. Estava feliz por estar com ele; bastava.
— Ahhh... — foi só.
Kelly levantou-se e foi até o gradil, com o mar aos seus pés.
Sean riu novamente.
— Traduza esse novo suspiro, Kelly? — acompanhou-a.
— ‘Ahhh’ se estivéssemos sozinhos... — olhou o mar.
Ele a encarou.
— O que faria?
Kelly brilhou os olhos.
— Comia-te.
— Ah! Kelly! — Sean dessa vez gargalhou com mais empenho. — Você é sempre... — e Kelly o imprensou no gradil com um longo beijo.
Ele abriu os olhos azuis quando os lábios carnudos dela se soltaram de seus lábios carnudos; era carne demais ali exposta para não ser aproveitada. Sean voltou a beijá-la e ela se enroscou nele, nas pernas musculosas que escalava com sua perna macia, de penugem fina, cheirosa.
— Ahhh Sean...
— Ahhh Kelly... — voltou a si. — Não! — exclamou nervoso se afastando dela, e indo até a mesa tomar o último gole de café que colocara numa xicrona que encontrara no armário.
Subiu para rever as senhas de Spartacus no tablet dele e Kelly olhou o tombadilho vazio.
— Vamos ficar assim em alto mar até quando? — ela o seguiu com inteligência, mostrando-se encantada com o horizonte de águas cristalinas, mudando de tática com ele, que conhecia todas.
— Tenho combustível estocado.
— Não é isso — fotografou o mar da cabine. — Queria poder passear com você.
— Sinto Kelly. Não estou aqui a passeio. Acho que o combustível aguenta até atracarmos em Iracli, ou Heráclião, em Creta. Posso mudar um pouco e te levar para fazer as compras, está bem? Podemos até visitar as ruínas de Cnossos, o maior centro populacional de Creta na época Minoica, mas será só isso.
— Está bem Sean... — e fez um movimento charmoso com a mão. — Espere aqui, tenho algo para você!
Sean a viu sumir e voltar minutos depois com uma pequena caixa.
— O que é isso? — pegou da mão dela.
— Abra!
Sean abriu e viu que era um colar de ouro com as letras ‘SQ’ adornadas de diamantes.
— Wow! Por que isso?
— Por carinho.
— Kelly...
— Por favor, Sean. Só tenho você com quem me importar.
Sean sorriu e o colocou. Kelly o olhou, ele a olhou, ambos se olharam. E eles não sabiam mais como agir. Sean sorriu e voltou sua atenção aos controles. Ela olhou em volta e foi embora, o deixando com o colar no pescoço.
Kelly desistiu de ficar perambulando sozinha e decidiu enviar pela Internet suas fotos para o álbum digital com o pouco de sinal que seu modem ainda permitia, ficando recolhida em sua cabine também.
As horas passaram e cada um beliscou uma comida e outra.
Miss Ãnkanna dormia.
Yacht de Oscar Roldman; Heraclião, Creta.
35° 19’ 30” N e 25° 7’ 50” E.
20 de fevereiro; 20h09min.
— Vou fazer um jantar especial — anunciou Kelly o beijando no pescoço.
— Ahhh... — Sean levantou do sofá num salto só.
Havia levado um susto por não anteceder a presença dela. A noite havia caído e ele adormecera no sofá; ficou imaginando que ela estava lá já a um bom tempo, o observando dormir.
Nada comentou.
— Abre um vinho? — ela pediu da cozinha vestindo um belo vestido envelope cor de rosa, de uma seda quase transparente.
E transparente o suficiente para mexer com seus instintos.
— Ok! — mas foi só o que respondeu.
A cave climatizada tinha deliciosos vinhos italianos. Sean, porém não titubeou, escolheu uma vodka siberiana. Começava a gostar do sabor forte arranhando sua garganta.
Tomou dois goles a senti-la descer destruindo tudo, e depois abriu um vinho servindo uma taça a Kelly. Kelly agradeceu com um sorriso demorado e insinuante, se aproximando da mão dele e beijando os dedos que seguravam a taça.
Sean ficou por momentos, paralisado. Nunca havia ficado tão perto da sócia que não fosse por um motivo ligado a negócios. Gostou, porém de vê-la vestindo um avental, cozinhando para ele.
Kelly descongelava em salmoura quente, grandes camarões que Sean comprara. Também preparava um carpaccio de bacalhau para comer com cebolas cozidas com alcaparras quando olhou para fora.
— Onde estamos? Aquela cidade de nome engraçado?
Sean também olhou para fora achando graça nela.
— Sim, ancorados em alto-mar, próximo a Heraclião, à beira do Mar Egeu.
— Interessante... — ela foi puro charme.
Ambos beberam a taça e encheram de novo.
— Sabia que em 1204, os venezianos compraram Creta de Bonifácio de Montferrat como parte de um complicado acordo, que envolvia, entre outras coisas, os cruzados da Quarta Cruzada? Depois dos venezianos seguiram-se os otomanos, que cercaram a cidade durante mais de 21 anos, possivelmente o cerco mais longo da história.
E os dois trocaram olhares.
— Oh! Buona sera, Signor Queise! Buona sera, Signorita Garcia! — exclamava Miss Ãnkanna vinda das suítes. — Quase che durmo muito, non?
Kelly e ele riram discretamente. Miss Ãnkanna não vinha fazendo outra coisa a não ser dormir.
— Fique a vontade Miss Ãnkanna. Estamos em Creta — Sean mostrou-lhe o vinho. — Uma taça?
— Non! Grazie! — o olhou com espanto. — “Creta”?
— No que pensava Miss Ãnkanna?
— Achei che ia voltar ao Brasile.
— Por quê?
— Nada! — Miss Ãnkanna subiu para o convés do Yacht.
Sean olhou Kelly de lado, a viu ocupada com o jantar. Foi atrás de Miss Ãnkanna para a área externa.
— No que estava pensando, Miss Ãnkanna? — sentou-se à mesa com ela.
— Scusa! Eu achei che fosse ficar longe do Mar Mediterrâneo. Longe da Poliu.
— Longe de Bertti, não é?
— Non sei quais são suas diretrizes Signor Queise — Miss Ãnkanna sentou à mesa de longos bancos de napa colorida. —, mas dovrebbe rimanere fuori dalla portata... Scusa! Deveria ficar longe do alcance di Vincenzo Bertti e consequentemente, longe di Mr. Trevellis.
— O conhece mais que diz, não?
— Digamos che sim. Di un modo... — olhou-o sorrateira. —, íntimo.
— Namoraram? — Sean ergueu o sobrolho. — A Senhorita e Trevellis?
— Quando giovane. Quando molto giovane.
— Perdão! — Sean ficou extasiado. — Não consigo ver a Poliu gostar de alguém.
— “A Poliu”? — Miss Ãnkanna não entendeu e Sean também não explicou; ele ficou a fitar o mar que era só água cristalina por onde navegavam. Quando muito, um ou outro sinal de luz se via ao longe. — Io sei che pode parecer estranho, mas como paleontóloga di Poliu... — Miss Ãnkanna parou de falar.
Sean percebeu que aquela conversa a incomodava.
— Vai me falar sobre a cidade de Akakor, Miss Ãnkanna?
— Come sabia che ia falar dela? — sobressaltou.
Sean brilhou os olhos à luz do luar. Limitou-se a não responder mesmo porque estava em choque tentando enxergar a aura de Miss Ãnkanna que se apagava rapidamente.
E temeu o que aquilo significava.
— Prossiga, por favor!
— Va bene... — Miss Ãnkanna prosseguiu sem perceber a preocupação dele. — Io ia falar di Akahim, Akhanis e Akakor. As tre città perdidas in Amazônia, Signore.
— “Amazônia”? — Kelly vindo carregada da cozinha, serviu a mesa com rosados camarões pistola.
Sean sorriu para ela agradecido. Ela teve vontade de fazer muito mais e ele estranhou as feições carregadas dela.
Miss Ãnkanna também percebeu algo diferente com a sócia de Sean; prosseguiu em meio aos camarões deliciosos.
— As cittàs sono lendas. Come a lenda amazônica che conta che os deuses vieram ‘do céu’, instruíram il primo essere umano, deixaram atrás di si alguns misteriosos instrumentos e desapareceram novamente no céu. Ou ainda histórias come do Lago Iacy, ‘Espelho da Lua’, che di acordo com a lenda, as amazonas desciam até o lago vindas di montanha che os rodeavam quando havia Lua cheia, para encontrarem os apaixonados che as esperavam, e mergulhavam em busca di pedras estranhas che debaixo di água podiam ser amassadas como pão, mas che em terra firme adquiriam dureza.
— Rochas que mutam? Que se tornam elásticas?
— Pode ser. Perché?
— A fenda no IL Fungo... — lembrou-se. — E antes também quando subimos o ‘Dedo de Deus’; os pregos soltavam da parede rochosa. Ela parecia não nos querer ali.
— Non posso dizer Signor Queise di certeza, mas as amazonas chamavam questas pedras di ‘muiraquitã’ e davam-nas aos seus apaixonados. Os cientistas consideram-nas ‘milagres arqueológicos’; duras come o diamante, ma com formas artificiais. Porém os índios Tapajós non tinham ferramentas para trabalhar questa espécie di material.
— Incrível como não temos conhecimentos de nossas lendas, não patrãozinho?
— É verdade — Sean evitou o chamado. — Há uma lenda sobre uma cidade subterrânea na região onde fica atualmente Diamantina, Minas Gerais, que conta que o Império Inca se expandia até ali e que lá havia uma princesa de nome Acaiaca, que se apaixonou por um dos oficiais invasores. Com medo de serem achados, construíram uma cidade dentro das montanhas, formando enormes salões onde depois ergueram as casas e demais construções, e que saíam somente para caçar, pescar, colher frutas, mas com sentinelas a postos, no que ficaram conhecidos como Povo Formiga.
— Que interessante patrãozinho.
Sean se absteve de reclamar.
— Interessante sim Kelly. A crença em seres inteligentes habitando os subterrâneos do planeta é disseminada em todo o mundo.
— Como a alegoria da ideia de Inferno?
— Sim Kelly. Hindus, chineses, mesopotâmicos, gregos, romanos, nórdicos, pré-colombianos, todos localizam seus infernos nas profundezas, em um lugar embaixo da Terra, habitação tradicional da maldade personificada na mitologia dos demônios.
— Entre os hindus, a tradição fala de um povo que vive nas entranhas do planeta, sábios extremamente avançados nos mistérios da metafísica associados aos poderes da mente — e ela viu Sean com cara de quem não acreditou no que ouviu. — O quê? Leio!
— Minha literatura, pelo visto.
Kelly sorriu maravilhosamente e ele recuou na baba.
— Eu... Há muito tempo as montanhas da Índia e do Tibet são associadas a túneis subterrâneos e cidades que teriam sido criadas e habitadas por deuses reptiliano crocodilos; serpentes, crocodilos, dragões — e Sean olhou Miss Ãnkanna o olhando, pensando, querendo falar. — Fale-me sobre o que o mendigo falou da tribo dos Ugha Mongulala.
Miss Ãnkanna achou graça de como ele funcionava e Kelly de repente sentiu-se perdida na conversa.
— “Mendigo” patrãozinho?
— Sim, Signor Queise — sorriu Miss Ãnkanna. — O mendigo contou sobre o Ugha Mongulala, uno povo che há quinze mil anni foram os eleitos dos Deuses. Descreveu duo grandes catástrofes che haviam devastado a Terra e referiu-se ao príncipe Lhasa, uno filho dos Deuses, che governou no Sul do continente americano; tutto relações com o Egito, à origem di Incas, à chegada di Bárbaros e à aliança dos índios brasileiros com duo mil soldati alemães. Falou-se di gigantescas cidades di pedra e instalações subterrâneas di divinos antepassados, e contou tutto estes fatos, registrados num documento chamado A Crônica de Akakor, publicado por Karl Brugger, com prefácio di non menos importante escritor Erich Von Daniken, che escreveu o libro Eram os Deuses, astronautas? — e parou para respirar.
Kelly se levantou e trouxe mais vinho em três taças.
— Nossa! Que mistura! Egito, Inca, mendigos, índios brasileiros, formigas e soldados alemães na Índia e no Tibet — riu Kelly sentindo o vinho fazer cócegas no seu estômago.
Sean voltou a admirá-la e a recuar.
— A Crônica de Akakor compreende cinque libros — prosseguiu Miss Ãnkanna embalada também. — O quinto libro, O Livro da Serpente-d’Água, descreve a chegada di dois mil soldados alemães a Akakor e a sua integração no povo dos Ugha Mongulala.
— Mas o que é tudo isso, patrãozinho? — Kelly arregalou os olhos já entorpecidos pelo vinho Lambrusco.
Ele ia reclamar de como era chamado, mas outra vez desistiu. Sean e Miss Ãnkanna também estavam altos depois da terceira garrafa.
— Tem una cosa, Signor Queise che é interessante. Akahim é una palavra che significa ‘Elevar ao trono; coroação di um rei’. A correta leitura di sinais hieroglíficos di Akhanis é Akaii, che significa o guardião do portal do tuat, a noite personificada, e Tuat quer dizer mundo subterrâneo. E também Akakor pode significar ‘o Deus da luz’, ou ‘as flores do céu’.
— As estrelas.
— Si. Se lembrarmos de che segundo a tradição, os hieróglifos egípcios foram igualmente presentes dos deuses celesti ao Egito.
— Como estes nomes foram parar no coração da floresta amazônica brasileira?
— Non sei...
— Por que tanta migração? — Kelly quis entender. — O Estreito de Bering foi palco de tantas migrações para as Américas, mas o que as Américas podiam fornecer?
— Do que está falando? A era do gelo cobriu quase todo o globo.
— Ah! A era do gelo foi depois dos atlantes? — perguntou uma Kelly já alterada pelo álcool.
— Claro que não! — riu Sean.
— Então acho que tem algo mais profundo nisso.
Sean se apegou a metáfora.
— Entradas! — concluiu Sean. — Você é um gênio, Kelly!
— Sim... — sorriu se insinuando para ele. —, além de linda e maravilhosa — pousou-lhe a mão na perna dele até Sean sentir o impacto das mãos da sócia, no seu sexo.
— Não... — ele nem sabe como falou aquilo segurando sua mão.
— Vado a dormire — Miss Ãnkanna se levantou.
— Kelly também vai dormir! — ele quase ordenou ao arrancar a mão dela do sexo dele.
— Vou? — Kelly se largou das mãos dele que a segurava com força.
Miss Ãnkanna sumiu e Sean olhou Kelly tremendamente irritado como até então nunca ficara. Kelly também se levantou e desceu as escadas com pressão nos pés. Bateu a porta da suíte tão alto que Sean ouviu do convés.
O jantar acabou em meio a um clima muito ruim.
Yacht de Oscar Roldman; Heraclião, Creta.
20 de fevereiro; 23h50min.
Já era tarde da noite e Sean não conseguia dormir depois do show de Kelly. Subiu ao convés só de shorts e colar de ouro e diamantes para ver o piloto automático, e viu que o Yacht estava a contendo. Resolveu, porém atracar pela manhã no porto, e lá mesmo reabastecer caso acontece algo; algo que sentia que ia acontecer. E ia levar Kelly para dar uma voltinha longe de Miss Ãnkanna, porque a sócia precisava escutar algumas coisinhas.
Também desistiu de ir para a suíte acabando por adormecer no sofá da sala quando passos ecoaram vindos das suítes. Sean abriu os olhos e Kelly estava belíssima na camisola de seda dourada que usava. Tinha uma infinidade de laços a fechando, entremeando vãos que o fez vislumbrar a lingerie delicada que cobria o corpo da sócia.
— O que faz aqui... — se aprumou no sofá de couro branco, puxando o short curto como se quisesse que o tecido crescesse de tamanho.
— Eu o ouvi se deitar e levantar logo depois — Kelly o viu sem camisa com o reluzente colar adornando as réguas de músculos no tórax viril.
— Perdi o sono.
Kelly observou-o mais atentamente.
— Onde se machucou dessa maneira?
— Não quero falar sobre isso.
— Desculpe-me! — andou em direção a ele. — Só vim ver se você estava bem.
— Eu...
— Você brigou comigo.
— Eu... — Sean esfregou a vista como quem demonstra um cansaço latente. — Eu não briguei com você, Kelly. Eu só...
— Mandou-me dormir — estancou quase em cima dele.
— Estamos cansados... — Sean levantou-se num rompante quando Kelly ameaçou inclinar-se sobre ele. — Confusos também — e mais cicatrizes apareceram sob o olhar dela.
— Onde você se machucou assim Sean? — agora apontou para manchas roxas nas costas dele.
Sean parou de andar sentindo sua própria respiração alterar e Kelly começou a desamarrar os laços da camisola dourada. Ele deu alguns passos desorientados e caiu no outro sofá. Tentou outra vez se levantar, mas Kelly dessa vez impediu-o.
— O que está fazendo, Kelly? — viu a camisola cair no chão.
— Nada! — voltou a se aproximar e tocou os mamilos dele. Sean sentiu tesão no contato que seu peito teve com os dedos delicados e compridos dela. — Acho que nunca tive a oportunidade de tocá-los.
— Acho bom irmos dormir...
— Dorme comigo?
Sean arregalou os olhos azuis, para depois rir.
— Quê? — achou graça, achou não ter compreendido. Mas Kelly continuava séria e ele percebeu que ela se inclinava sobre ele, cada vez mais, até beijá-lo, fazendo o bico de seu mamilo másculo no novo toque dela provocar frenesi em todo o resto de seu corpo. — Ah! Kelly! — levantou-se num rompante.
Mas Kelly o segurou outra vez o derrubando no sofá.
— Do que foge? — ela falou com uma voz arrastada, parecendo entorpecida.
— Não fujo de nada — segurou-a quando ela voltava a se inclinar sobre ele.
— Você foge Sean. Foge da minha idade.
— Não repita isso! Não gosto que me...
— Que o quê? Que eu lhe lembre de que tenho 36 anos? Que nossa diferença de catorze anos só serve para que seu seja sua sócia?
— Basta Kelly! Mas que droga!
— Não! — Kelly tirou as mãos dele que a segurava. — Não me detenha! — e ainda segurando uma das mãos de Sean, ela a levou até seu seio fazendo-o sentir uma excitação até então não sentido por ela.
— Kelly! Não! — Sean teve vontade de tocá-los, de engoli-los; o fez sem controle.
— Oh! Sean... — Kelly sentiu a boca molhada dele no seu seio, sentiu a língua que caminhava por terreno desconhecido, para depois ser engolida pela fome que ele tinha.
Sean olhou para ela, olhou para si, riu sem graça; se levantou voltando a colocar o sutiã dela no lugar.
— Perdoa-me, Kelly. Eu não... — sua língua secou. — Não sei como isso foi acontecer... — sorria sem graça se sentando. — Eu... Perdoa-me... — e Sean a encarou para ver que ela havia tirado o sutiã fazendo dois seios volumosos, redondos, perfeitos em seu tamanho e textura, caminharem na direção dele que recuava como podia, até onde podia, quase entrando no sofá da sala do Yacht. — Não sabe o que está fazendo Kelly.
Mas Kelly sabia o que fazia.
— Eu sempre te amei, patrãozinho... — e Kelly fez, ajoelhando-se no chão de madeira.
Sean a seguiu com o olhar estagnado, e talvez antecedendo o que ela pretendia fazer segurou-lhe o rosto.
— Kelly...
— Não faça isso Sean! — Kelly segurou-lhe as mãos como ele fizera antes, e tocou o sexo dele com seu rosto fazendo o tecido do short ficar cada vez menor.
— Ahhh... — Sean balançou a cabeça, excitado, quando Kelly engoliu o sexo dele com o short e tudo. — Não... — gemeu. — Não... — gemeu. — Kelly, não... — Sean tentava raciocinar perante anos de negação, perante a vontade de muitas vezes ter feito amor com ela pelo simples prazer de ter feito amor com ela.
— Sean... — e Kelly o engolia com prazer.
Sean quis se entregar sentindo o short ser retirado.
— Não Kelly. Não faça isso... — e Sean ficou nu, vendo-a o vendo nu, com Kelly o delineando como nunca tivera chance de fazê-lo. — Por favor... — ele pedia mais a ele mesmo que a ela.
Mas Kelly voltou a engolir seu sexo livre de tecido, de pudor, de retenção. Sean gemeu sentindo-se tonto, embebido de prazer.
— Sean...
— Ahhh Kelly... Que loucura... Que loucura... — não soube mais o que falar o que fazer, pedir-lhe que parasse.
Kelly soltou-lhe de sua boca e tocou-lhe com todo seu rosto, com Sean sentindo seu sexo tocar a face da sócia, úmida de tesão. Ela ergueu-se por cima do corpo nu dele e o beijou na boca. Ele sentiu toda sua boca seca umedecer em meio à saliva quente dela, em meio a boca que cheirava seu sexo másculo quando Kelly se sentou de lingerie.
— Ahhh... Sean... — ela inclinou-se pelo corpo dele.
— Ahhh... Kelly... — ele era caminhado pela lingerie cara, de corte excepcional, que vestia o corpo feminino, de contornos perfeitos, que se mexia lentamente sobre o corpo dele nu, que se excitava cada vez mais.
Sean sentia que seus segredos, se ainda tinha algum para com ela, estavam sendo desvelados.
— Eu te amo Sean... — soou muito longe.
Sean mal conseguia entender as palavras. Queria amá-la, precisava quando Kelly voltou a escorregar pelo corpo nu, atordoado de tesão e engoliu o sexo dele com a boca úmida.
— Ahhh!!! — Sean gritou. — Ahhh... Ahhh... Ahhh... Não Kelly... — mas a sua mão se juntou a boca úmida que o apertavam cada vez mais. Sean entrou e saiu da boca dela. — Ahhh... Kelly?! — berrou de puro tesão. — Não posso... Não posso...
— Pode Sean... Me ama...
— Não... não...
— Ah... Sean, meu amor. Não quer?
— Quero... quero... quero... — e Sean foi engolido. — Kelly?! Não posso... Não posso...
Miss Ãnkanna começou a subir no mesmo momento que um som seco os alertou de repente; algo caíra no andar acima, na proa do Yacht.
Sean saiu da boca dela tão rápido que sua visão ficou turva, escondendo-se como pôde entre mãos trêmulas, encarando uma Kelly seminua, que voltava a si.
— O que...
— Miss Ãnkanna... — a língua dele descolocou do céu da boca. — Tem uma arma? — a questionou quando ela acabou de subir o último degrau vinda das suítes no andar abaixo dele.
Miss Ãnkanna respondeu um não com um movimento de cabeça sem se quer entender a cena vista, e Sean pegou do chão o short e colocou-o enquanto Kelly recolocava o sutiã, arregalava os olhos, e tudo isso quando outro som ecoou novamente no andar de cima.
Os três olharam para cima e voltaram a se olhar.
Sean correu e abriu a gaveta de cozinha tirando uma faca afiada de dentro. Subiu após pedir para Kelly vigiar Miss Ãnkanna. Ele ainda estava excitado, tonto, ludibriado pela boca, pelo corpo todo de Kelly sentado no seu sexo. Mal conseguia enxergar o que fazia em meio a uma névoa que tomava conta do tombadilho, quando viu de relance a grande silhueta que o atacara.
Caiu no chão úmido, desacordado.
13
Yacht de Oscar Roldman, Ágios Nikolaos; Creta, Grécia.
35° 11’ 23” N e 25° 43’ 0” E.
21 de fevereiro; 03h40min.
Uma dor perpetuou por todo seu corpo que fora arrastado por todo convés, pelas escadas, pela sala de jantar, pelas escadas novamente até um quarto e um colchão macio. Uma dor que ainda se misturava ao tesão sentido pela sócia Kelly Garcia.
Sean viu Kelly sobre ele quando abriu os olhos, e se viu só de shorts e colar caríssimo, visualizando a suíte que dera a ela, em meio à luz da Lua que invadia tudo.
— O que... — tentou se levantar quando Kelly foi puxada para trás, sendo jogada no chão pela força empregada por Ambrósia Bertti. — Kelly?! — gritou ao vê-la caída.
— Non tente Signor Queise...
E Sean foi mesmo obrigado a recuar perante a mira de uma arma Tyron encostada na sua têmpora; uma Tyron agora com as digitais da agente da Poliu.
— Onde estamos?
— Isso non...
— Onde?! — gritou Sean deixando Ambrósia mais furiosa ainda.
— Trouxe o Yacht di suo papà até Ágios Nikolaos, porto da antiga città dórica di Lato.
— Ágios Nikolaos? Por que aqui?
— Perché non?
— Não sei por que não, mas sei que a Poliu não dá ponto sem nó — e Sean olhou Kelly caída.
E Ambrósia não se conteve.
— Porca miseria! Foi por isso che escapou? — Ambrósia apontou a sócia caída. — Per ir atrás di geóloga che virou secretária che virou sócia?
Kelly arregalou os olhos não entendendo quem era a figura grande e ruiva, nem como ela sabia tudo aquilo. Sean só conseguia ver Miss Ãnkanna assustada, sentada na poltrona à frente da cama.
— Não sei do que está falando... — Sean só tentou se erguer e Ambrósia engatilhou a Tyron que fez um som agudo.
— Sean?! — Kelly gritou.
Ambrósia desengatilhou, fazendo Sean ficar na duvida se ela iria mesmo atirar. Ele se ergueu a encarando e ajudou enfim Kelly a se levantar, e que estava realmente muito assustada.
— Você está bem?
— Oh! Sean — Kelly o abraçou ainda usando apenas a lingerie bordada.
Aquilo fez Ambrósia sentir um fogo queimá-la por dentro. Nunca em toda sua vida sentira tanto ciúme como naquele momento.
— Está tudo bem, Kelly — a abraçava ainda sem camisa.
Depois viu a cara nada convidativa de Ambrósia e a arma Tyron, e desistiu de provocá-la.
— Quem é ela? — perguntou Kelly enquanto Sean pegava uma blusa na mala e colocava nela, que tremia se não por frio, por medo.
— Agente da Poliu! — exclamou com vontade.
— Nostro! — Ambrósia gargalhou. — Tu faz parecer algo tão stupore, Signor Queise. Qualquer uno in mondo mesquinho já trabalhou para a Poliu.
Miss Ãnkanna sentiu-se incomodada por ter sido incluída na ferocidade da agente Ambrósia, no mundo mesquinho da Poliu.
— Nem todos se vendem tão baixo.
— Tem certeza, Signor Queise? Vai ver che il vostro sócia secretária geóloga vende informações per Oscar como Sandy vendia per il mio fratello...
E Sean esbofeteou-a. Nem soube como se esticou tanto a ponto de alcançá-la no meio da suíte, mas a alcançou. Ambrósia girou no ar até se espatifar no chão acarpetado do Yacht de Oscar Roldman. E caiu engatilhando a Tyron outra vez, cega de ciúme, cega de ódio por ele.
— Atira! — Sean exclamou com a mesma segurança. — Sou para você apenas mais um trabalhinho cheio de gentilezas, que vai terminar quando conseguir o que a corporação quer.
— Tu... Tu...
— Eu o que? Como você tem coragem de falar de alguém se mentiu o tempo todo? Ou o seu falso irmão motorista-de-ônibus-de-turismo, que sei que era seu amante, morreu fazendo trabalhinhos gentis também? — desafiava-a.
Ambrósia retomou a compostura e desengatilhou a Tyron para alívio de Miss Ãnkanna, que se apavorara em ver os dois travando uma batalha nada silenciosa.
— Isso! ‘Trabalhinhos gentis’ come Sandy fazia! — Ambrósia não demorou a devolver-lhe.
— Nem tente Ambrósia.
— Tu è un comico, Signor Queise. Non enxerga um palmo a tu frente quando si tratta di una donne — voltou a apontar a sócia.
Kelly não gostou daquilo.
— Patrãozinho? — o puxou para perto dela.
Ambrósia viu como Kelly o chamou, como Kelly a olhava segura de si.
Odiou-a.
— Sandy foi colocada por Vincenzo na Computer Co. para guardarlo, è rubare, destabilizzare até largar o projeto di satellitare Spartacus — quis feri-lo.
— Mentira!!!
— Sandy sabia che fazia tutto para a Poliu, non para tu.
— Mentira! Mentira! Mentira! — Sean descontrolava cada vez mais rápido. — Sandy nunca foi agente da Poliu.
— Sandy era una agente dupla!
— Per favore Signorita Ambrósia Bertti. Per favore Signor Sean Queise. Precisamos nos unir e non nos separar — Miss Ãnkanna estava desesperada. — Disse-me che a coisa é muito difícil e se non juntarmos força non vamos ajudar o mundo em nada.
— “Ajudar o mundo”? — Kelly voltou a si. — Do que ela está falando, patrãozinho?
— Pare Kelly!!! — gritou Sean já totalmente descontrolado. — Já não disse para não me chamar assim?!
Kelly ficou horrorizada por ele ter gritado. Sean nunca havia gritado com ela na frente de alguém. Levantou-se e passou calada por Ambrósia nem lembrando quem ela era, ou que arma estranha e sofisticada ela empunhava.
— “Wow!” — exclamou Ambrósia com cinismo.
— Kelly?! — gritou Sean para fora da suíte sendo seguido por Ambrósia. — Me desculpa Kelly! — alcançou-a segurando pelo braço. — Não fuja! — a beijou nos lábios.
— Me larga... — chorava, gostando de ser beijada.
— Vem aqui! — Sean segurou Kelly com força. — Perdão! Eu fiquei nervoso... — respirava ofegante vendo que estava sem camisa para enxugar-lhe as lágrimas. —, mas não era com você... — enxugou suas lágrimas com a ponta de tecido da blusa que colocara nela. — Perdão! Perdão! Perdão!
— Oh! Sean! — ela sorriu desabando num choro longo, abraçada ao corpo dele sem camisa, fazendo Ambrósia girar os olhos nervosa.
Ele então cerrou os olhos e a abraçou com força. Kelly o segurou com as mãos e o beijou com gosto, na boca, olhando Ambrósia que a odiou.
Sean nem se importou com elas duas. Algo que a agente da Poliu falara começava a entrar na sua mente agora.
— O que você quis dizer com Sandy sendo uma agente dupla? — empurrou Kelly.
Ambrósia olhou em volta, olhou para baixo.
— Quante camere avete?
— Como é que é? Eu te fiz uma pergunta...
— Quantos quartos têm qui?! — gritou.
— Cinco suítes!
— Ótimo! — Ambrósia desarmou a Tyron. — Cada uno fica em una suíte até domani. E volte a conectar il Yacht della Oscar ao satellitare Spartacus. Stará in ‘buone mani’ — apontou para o céu insinuando sobre Spartacus comandar o Yacht.
— Como sabe que o Yacht não está conectado ao satélite de observação?
Ambrósia só riu.
— Dormire bene Miss Ãnkanna — falava Ambrósia sem tirar Sean e Kelly de seu campo de visão. — Domani proseguiamo il viaggio e aportaremos in Esmirna, na Turquia. Lá encontrarei un modo di Poliu non localizar nossa ida para Derinkuyu — e se virou para ir para algum quarto vago.
Sean arregalou os olhos azuis até deformar sua bela face.
— Como me encontrou Ambrósia? Como, se não tem dons? — Sean viu ela se virar maravilhosamente para ele.
Só naquele momento Sean percebeu o quanto linda Ambrósia estava dentro da calça de linho branco e camiseta justa, vermelha como seus cabelos. E Ambrósia se aproximou tanto dele que Kelly teve a sensação de que ela iria o beijar. E Ambrósia o fez, o beijou fazendo Sean sentir o impacto do beijo roubado que ela deu-lhe na boca totalmente paralisada.
— Sean? — a voz de Kelly mal chegou nele.
Ambrósia então se virou e foi embora para o final do corredor.
— Como... Como me encontrou Ambrósia? — Sean ainda encontrou forças em meio ao susto dele e de Kelly.
— Il suo sócia usa sites di relacionamento, non?
— Kelly não tem...
— Tem!!! — berrou Ambrósia descontrolada. — Un interessante programma di perseguidor onde tutto segue, perseguem tu, sabe o qui scrivere, foto che posta!!! — e Ambrósia a encarou. — E Kelly então scrivere o che stai facendo, os amigos di Kelly sapere o che Kelly stai facendo, e tutto mundi sapere o che Kelly stai facendo!!! — gritou Ambrósia se aproximando tanto que Kelly quis avançar nela.
— Ela... ela...
Mas Sean segurou Kelly não soube com que forças.
— Sai cosa penso Signor Queise? Che non devia ensinar tanta così a suo sócia... Perché ela os coloca em periculo... — Ambrósia sorriu se retirando para uma das suítes vagas, fechando uma porta que mal fez som algum.
Sean largou os ombros como quem sente o peso, o fardo da sua posição.
— Por que ela falou comigo naquele tom, patrãozinho? — se encolheu toda de raiva.
— Você criou uma conta, Kelly?
— Ela leu meus posts, patrãozinho? — Kelly estava indignada, no meio do corredor do Yacht. — O que? Eram somente fotos...
— E você escreveu nas fotos o que não devia? — Sean olhou-a cínico se retirando para sua suíte.
— Sean? Sean? Sean?! — gritou Kelly revoltada com a invasão de privacidade da Poliu, enciumada com a presença da agente Ambrósia, e muito brava por não ter tido coragem de fazer mais, até ir atrás de Sean que a viu entrar e fechar a porta de sua suíte.
— Hoje não Kelly...
— Quando?
Sean ainda sentia seu corpo vibrar por todos aqueles tipos de emoções; o toque dela, a pancada na cabeça, ser arrastado pela escada, ter sido colocado frente a frente aos seus sentimentos por Sandy, Kelly e Ambrósia.
— Hoje não! — exclamou Sean agora totalmente controlado para uma Kelly que chorou ao sair dali e para uma Ambrósia que ouviu o choro pela madrugada adentro.
Yacht de Oscar Roldman, Porto de Maltese; Ágios Nikolaos, Creta.
35,33° 11’ 23” N e 25,12° 43’ 0” E.
21 de fevereiro; 08h08min.
Amanheceu um dia ensolarado e Kelly Garcia sentiu-se mal ao chegar à sala de jantar e ver que havia mais um passageiro no Yacht tomando café. Ficou a imaginar quem era o quarentão ruivo e bonito, para depois reconhecê-lo como o braço forte de Mr. Trevellis. Também ficou a imaginar se Sean Queise já sabia sobre aquela visita quando ele apareceu portando uma face deformada pelo ódio.
— Era a última pessoa que eu imaginar ver aqui está manhã — falava Sean, secamente.
— Buono juorno, Sean! — Vincenzo Bertti levantou-se da cadeira da sala de jantar do Yacht.
— Quero que pegue aquela Lancha... — apontou para fora. —, e vá embora com seu irmão — Sean viu Ambrósia arregalar os olhos verdes. — Não tenho mais nada a oferecer a vocês.
— Che?! — gritou Ambrósia se levantando, para então ser brecada pela sempre calma e sensatez de seu irmão.
— Tu non deve saber mesmo do che está falando, Sean — falava Vincenzo Bertti com calma. — Non pode imaginar a grandeza da ‘Missão Terra Oca’, nem pode saber o che todos esses anos nos ensinaram.
— Ah! — Sean o encarou. — Não sei realmente de nada, Bertti. Nem você pelo que diz, já que a Poliu não costuma fazer apostilas didáticas.
Vincenzo Bertti fez uma cara de desgosto.
— Nossa missão...
— Missão sua!!! — gritou descontrolado. — Missão sua, não Bertti? A Poliu e seu governo oculto, escondido por detrás de instituições fantasmas, que vem todos esses anos destruindo ufólogos e ufologistas, deturpando pesquisas sérias e abrangentes, inventando hoax pela Internet, fechando salas de Chat, desacreditando cientistas por detrás de ações dos ‘ternos pretos’, sumindo com gente séria que dedica a vida para investigar os mistérios que nos cerca.
— “Sumindo”? Está nos chamando de assassinos, Sean?
— Assassinos, sim! Assassino como você, Bertti! E não me chame de ‘Sean’! Não somos íntimos!
Aquilo feriu Vincenzo Bertti. Ele começava a perder a notável segurança que mantinha para com ele.
— Como queira, Sr. Queise! Mas tenha uma coisa em mente, você corre perigo, perchè realmente non sabe onde se meteu.
— E onde me meti Bertti? Ou deveria dizer, onde vocês me meteram? — falou Sean com Vincenzo, mas olhando para Ambrósia atrás do irmão.
Ambrósia se afastou deles e chegou ao gradil da sacada que saía da sala de jantar e lá ficou olhando a beleza da Cidade de Ágios Nikolaos, parecendo ter saída de filmes antigos.
— Non metemos tu em lugar algum — Vincenzo Bertti recuou vendo o interesse dele na irmã. — Vem todos esses anos correndo atrás de nós, perseguindo cada sombra nossa, catando qualquer migalha che derrubamos para tu catar.
E Sean o alcançou o socando uma, duas, três vezes; Vincenzo Bertti caiu no chão sangrando.
— Sean?! — gritou Kelly.
— Vincenzo?! — berrou Ambrósia se jogando em cima do irmão para protegê-lo quando o alcançou.
Vincenzo Bertti pediu que ela nada fizesse e Ambrósia parou fuzilando Sean Queise.
— Já ouviu falar da Confederação dos Mundos da Galáxia, a Confederação Intergaláctica, Sr. Queise, se prefere ser chamado assim? — falou Vincenzo Bertti do chão já sem intimidade, e afastando as mãos insistentes de Ambrósia que limpava seu sangue.
— Está falando de ficção científica, suponho.
— Sabe che non falo sobre livros de ficção científica ou episódios de série de TV perchè ano passado teve a chance de conhecer a Confederação Intergaláctica pessoalmente — e Vincenzo Bertti viu Sean encarar Kelly que lhe olhou sem entender muito aquilo. — Então tu sabe che segundo informações passadas pelos próprios crocodilos humanoides, a Confederação tem o poder de impedir che uma civilização mais desenvolvida tecnologicamente invada e escravize a civilização de outro planeta — e Kelly voltou a olhar Sean para então abaixar a cabeça triste com ele. Vincenzo Bertti viu Sean baquear naquilo, percebendo o montante de amor que havia dentro dele; um amor tão impossível quanto o dele. E Vincenzo Bertti também sofreu. — Scusa Sr. Queise, mas sabe disso perchè ouve esse assunto o tempo todo em tuas listas de ufologia... — viu os olhos de Sean brilhar. —, e perchè ouve usando seus dons paranormais para contatar alienígenas.
— Contatar... — e Kelly não conseguiu acabar de falar.
Ela virou-se e saiu.
— Kelly? — ele a chamou, mas ela não voltou à sala.
Sean sentiu seu mundo esfriar, o que andava fazendo com seus dons não podia ser exposta a mídia, aos seus funcionários, muito menos a Kelly Garcia.
— Você é tão insano quantos todos daquela corporação, Bertti! — voltou sua fúria para ele.
— Non estou inventando nada, estou Sr. Queise? — e Vincenzo Bertti se levantou do chão, após Sean se acalmar e esticar a mão a fim de ajudá-lo. — Então também sabe che a Confederação Intergaláctica non pode interferir em nosso livre-arbítrio, che o che os governos fazem non pode ser impedido.
— Para que uma confederação de ajuda se não ajuda?
— Non dessa maneira.
— Quer dizer auxiliando-nos com armas? Com projetos de armas íntimas? — seus olhos azuis voltaram a brilhar.
— Hoax!
— Wow! Então o que corre pela Internet sobre Hitler ter tido acesso a armas alienígenas, e ter fugido para a Terra Oca, após seu falso suicídio, é hoax? Que os crocodilos humanoides que os ajudavam durante a Segunda Grande Guerra continuaram através de Sociedades secretas é hoax? Que toda a movimentação pós-guerra por toda Liechtenstein foi para se proteger de um ataque alienígena é hoax?
“Liechtenstein?”, ecoou por todo Vincenzo Bertti antevendo confusão a Sean Queise.
— Acredita em hoax Sean? — foi só o que falou. — Pensei che o che já estudou sobre UFO Nazis havia sido suficiente.
Sean ficou sem saber o que ele sabia. Porque se Vincenzo Bertti o havia rastreado realmente, então saberia da sua desconfiança de que um campo de concentração nazista ainda exista em Liechtenstein. E não gostou daquilo. Ainda estava caminhando atrás de informações no éter, de antigos agentes secretos da Poliu da Segunda Ggrande Guerra, da própria envolvida naquele absurdo.
— Talvez nos hoax criados pelo governo oculto da Poliu eu acredite — sorriu Sean friamente.
— Attenzione! Isso é Teoria de conspiração, Sean.
— Já disse para não me chamar de ‘Sean’.
Vincenzo Bertti sentiu-se mal outra vez perante Ambrósia. E Ambrósia correu para amenizar o ambiente.
— E por isso che quer ir a Derinkuyu, Signor Queise?
— Não foi o post menos acessado na trilha? — desafiou-a. — Ou acha que corro atrás daquilo de que todos já conhecem? Porque é daquilo que ninguém falou que estou atrás, Signora Ambrósia Bertti.
— Não sou ‘Senhora’!
— Wow! Scusa! Achei que era mais que amante de Alcântara Jr..
E Sean foi esbofeteado.
— Do che ele está falando Ambrósia? Ambrósia? — repetiu Vincenzo Bertti que viu Sean sair da sala de jantar com o rosto ardendo. — Ambrósia?
— Niente!
— “Nada”? O che você fez com o filho de Alcântara? — Vincenzo Bertti estava furioso.
— Niente! Parlatto! — e Ambrósia foi atrás de Sean que encontrou Kelly e Miss Ãnkanna sentadas cada uma num sofá.
E Sean estava paralisado, com uma sensação de inchaço, como se a sala tivesse inchado. Ele se olhou, olhou suas mãos que sentiam a pressão no ar e Vincenzo Bertti chegou à sala também.
— Sr. Queise?
Mas Sean só o olhou e Vincenzo arregalou os olhos também sentindo aquilo, o inchaço, a impressão da sala ter mais gente que ele, Ambrósia, Sean, Kelly e Miss Ãnkanna.
Sean abriu a boca e nada falou.
— Sean? — a voz de Kelly era de medo.
Mas Sean estava alerta, voltando a olhar a sala, Ambrósia, a sala, Kelly, a sala, Miss Ãnkanna, a sala e Vincenzo.
— Podemos ir lá dentro, Signor Queise? — foi o que Ambrósia disse fazendo Sean voltar a si.
Ele a seguiu e Kelly esticou-se na cadeira. Sean olhou para ela e outra vez leu em Kelly algo que ela pensava sobre ele e a agente. E não gostou daquilo. Mas Sean e Ambrósia chegaram ao andar abaixo e Ambrósia entrou numa das suítes com Sean atrás dela.
— O complexo subterrâneo di Derinkuyu foi construído para che, Signor Queise? — Ambrósia trancou a porta.
— Como é que é? — e Sean também não gostou da porta trancada.
— Alguns adeptos di ‘Teoria dos alienígenas do passado’ defendem — e Ambrósia chegava cada vez mais perto. —, che a Città di Derinkuyu é muito mais velha do che se imagina e foi criada por visitantes alienígenas — e ambos estavam tão próximos que podia se dizer que o ar era compartilhado quando seu corpo relou no dele.
E outra vez e outra vez.
— Wow! Você me trouxe aqui embaixo para isso? Podia ter tirado a roupa e tentado se esfregar em mim lá em cima, na frente da minha sócia — Sean viu Ambrósia sorrir cínica. — Porque sei que pensa que eu e Kelly temos um caso, que pensa que eu e Kelly trabalhamos mais tempo no meu flat que na Computer Co. — e Ambrósia apenas piscou, confusa, porém. — Wow! Percebo! Você acha que só agentes da Poliu sabem fazer gentilezas quando querem... — e Sean foi outra vez esbofeteado.
Sean ficou furioso agarrando as mãos dela e as erguendo para cima, por sobre a cabeça dela, quando seu corpo já próximo o suficiente, a imprensou na parede da suíte do Yacht. Ambrósia riu cínica outra vez e Sean a soltou mais furioso ainda. Ela estava notoriamente se divertindo com aquilo, com o ciúme que provocava em Kelly Garcia, nele, e provável em Vincenzo Bertti.
Sean se virou e ameaçou sair do quarto.
— Vuole arrivare dove Sean?
— Aonde quero chegar? — ele se virou para ela. — Em nenhum lugar, agente Ambrósia. Só me incomoda ver a Poliu fechar os olhos quando algo não mais lhe interessa — arqueou as sobrancelhas. — Como o que fizeram na Serra do Roncador quando seu amante Alcântara Jr. foi morto.
— Come sabe?
— Oscar me contou que encontraram seu corpo.
— Stava queimado.
— DNA!
— Che pode ser manipolato.
Sean se aproximou dela.
— Do que é que está falando?
— Non se conhece? — Ambrósia também se aproximou dele e Sean sentiu o corpo dela outra vez encostar-se ao seu, sentindo um frenesi.
E Ambrósia encarou os lábios dele como se eles fossem o ar que respirava, o que compartilhavam quando ela engoliu-o, fazendo Sean perder a linha do pensamento. Ele titubeou, titubeou e a beijou com força também. Sentiu raiva, sentiu desejo, sentiu ódio, tudo em uma mescla, percebendo o quanto esteve vulnerável esses anos todos. Seus corpos se tocavam, se esfregavam, caminhavam pela suíte quando Sean ficou de frente para a escotilha vendo algo que se assemelhava ao Mar Egeu em toda sua infinidade.
— Mandou Bertti navegar? — a encarou confuso.
— Come è?
Uma luz enegrecida incidiu por todo o Yacht e Ambrósia acordou de vez do entorpecimento.
— Kelly?! — Sean correu e encontrou a porta trancada. — Ahhh!!! — e a porta se desprendeu da parede.
— Sean?!
Mas Sean não parou para explicar nada.
— Kelly?! — gritava pelo corredor, pela escada e a outra porta se escancarou com Sean alcançando a sala de jantar vazia. — Kelly?!
— Porca miseria! Che cosa sta succedendo? — falou nervosa ao chegar aonde Sean girava como que um pião desgovernado, quando marcas de queimadura se mostraram por todo o piso. — Che cosa è Sean?
Ele estancou:
— Eles estavam aqui Ambrósia! — foi o que respondeu. — O tempo todo! Aqui! — Sean olhava em volta atordoado. — Porque Bertti sentiu algo... Porque os sentiu aqui, misturados ao ambiente...
— Mistu… come? — e não conseguiu falar quando todo Yacht adernou para a direita e mesa, cadeiras, e taças de vinho se encontraram com Sean e Ambrósia, que foram jogados para o lado direito.
— Ahhh!!! — e tudo se chocou com eles.
O Yacht então adernou para o outro lado, e Ambrósia e Sean foram lançados para o lado oposto em meio a almofadas, quadros, e vidros mil.
— Sean?!
E Sean se levantou quase não conseguindo se levantar. O corpo dele tentava se manter preso ao piso inclinado, lhe dando a mesma sensação de inchaço, quando o Yacht começou a volitar, sair do mar, sendo sugado por um imenso funil feito de uma luz.
— Kelly?! — correu Sean.
Ambrósia correu tomando a dianteira e chegando atônita ao tombadilho, não vendo Vincenzo Bertti e nem Kelly Garcia. Além da luz enegrecida que quase os cegava, o além-mar Egeu e o corpo de Miss Ãnkanna ainda pairando sob as águas em meio a um cheiro de réstias que tomou conta de tudo.
Sean passou por ela e saltou do gradil se lançando no espaço, projetando-se para dentro do funil de luz enegrecida que sugava o corpo da paleontóloga.
— Sean?! — Ambrósia gritou.
Sem alternativas voltou passos atrás, correu e se jogou atrás dele sendo sugada junto aos dois quando o funil de luz enegrecida cedeu, fazendo tudo voltar o normal. O Yacht caiu fazendo a quilha trincar, a água começar a entrar no barco e Sean foi jogado na água morna, desmaiado, afundando, com Ambrósia também caindo, mergulhando à sua procura, ficando desesperada quando não o encontrou.
Mergulhou mais e mais profundo até ver uma figura não muito nítida se segurando às correias da âncora. Sean a observava e ela se aproximou para resgatá-lo quando ele a brecou a mandando ficar quieta.
“Não se mexa!” chegou até os ouvidos dela percebendo que ele não abrira a boca, que não podia falar dentro da água.
Ambrósia fazia uma negativa com a cabeça, dizia que não tinha mais como ficar submersa, que o ar já tinha se esgotado nos pulmões. Ele, porém estava irredutível, negava com um movimento de cabeça a mandando ficar mergulhada.
Sean então subiu bem devagar, algo no Yacht o deixara prevenido. Tirou calmamente a cabeça para fora da água, e na proa pôde ver uma figura descomunal olhando para a água do mar, para dentro do Yacht, para o céu, para o mar de novo, a procura dos corpos. Sean mergulhou outra vez e vendo que Ambrósia não conseguia mais segurar a respiração, mandou-a subir. Ela também estava preocupada, percebeu que havia algo errado com o Yacht.
Sean fez um sinal positivo com a cabeça, parecia responder aos pensamentos dela.
Ambrósia tirou a cabeça da água e enfim viu a EBE, as garras no tombadilho a bater feitos dedos dedilhando um piano; asas de morcego arqueadas, costas de porco espinho em corpo de cristal azulado e ojos rojos que tanto a assustaram na Serra do Roncador, girando como uma lente de câmera, programada a fotografar e gravar imagens, no que outro funil de luz enegrecida incidiu do espaço e mais duas EBEs se materializaram no tombadilho.
Uma delas tinha um dos ojos rojos danificados. Ambrósia percebeu que era a EBE ferida por ela na Serra do Roncador.
O UFO devia estar invisível já que não se via a nave alienígena, quando um novo funil de luz enegrecida se fez e as três EBEs desapareceram carregando algo nas mãos que Ambrósia não conseguiu identificar.
O funil de luz enegrecida também desapareceu logo em seguida e Sean tirou a cabeça para fora da água não vendo mais ninguém no Yacht.
— Dove siamo? — sussurrou.
Sean olhou para cima.
— Estamos no Mar Egeu... Provável seguindo viagem...
— Porca miseria... Detto che non movi la barca... — e sua boca foi fechada.
— Eu sei que não moveu o Yacht, mas alguém o moveu.
Os dois se olharam e Sean apontou para o pequeno barco à motor aonde Vincenzo Bertti chegara de manhã. Os dois voltaram a mergulhar, chegaram bem perto subindo o mais silencioso possível e ambos perceberam que o pequeno barco à motor não tinha as chaves.
Sean começou a se desesperar, concentrou-se, mas não conseguiu fazer o motor funcionar. Estava sob pressão, sem conhecer totalmente seus dons. Olhou o Yacht novamente e viu uma sombra na popa, e abaixou a cabeça de Ambrósia tão rápido que quase a esmaga. Ela ia reclamar, não teve como. Sean voltou para a água, a deixando escondida no pequeno barco à motor, em pleno silêncio.
O Yacht era grande, 85 pés e Sean passou a ficar mais nervoso ainda; ele tinha uma só certeza, precisava chegar rápido à cabine de comando e pegar seu tablet ou Spartacus estaria perdido para sempre na órbita da Terra, preso a chaves de criptografia diárias que ninguém a não ser ele, poderia abrir e trocar.
Subia pela escada lateral quando algo no mar lhe chamou a atenção.
“Sean?”; chamou Kelly ferida, boiando.
Sean arregalou os olhos azuis para a imagem dentro da água. Ia atrás dela quando algo o alertou.
“Não!”, fechou os olhos e os abriu; a imagem sumira.
Sean percebeu o quanto os crocodilos humanoides podiam gerar ambientes e pessoas holográficas, e o quanto também podiam se camuflar nelas.
Ambrósia o via parado na lateral do Yacht, Sean esperava ver se a imagem de Kelly voltava se era real, mas sabia que havia driblado aquela holografia momentaneamente. Voltou a subir e chegou à proa, a mesma proa onde a EBE de cristal azulado estivera. Mas foi só pisar no tombadilho que se sentiu totalmente desorientado, como quando subira a parede rochosa da Serra do Roncador; alguma coisa muito forte alterava a força de gravidade local.
Tentou aproximar-se da cabine e um homem de costas para a porta observava as anotações de um pequeno caderno sem parecer compreender o que era; um homem com uma estranha pele cristalizada num tom enegrecido, e que olhou para trás vendo Sean Queise molhado, na porta.
— Olá Romeu! — Sean falou cínico. — Passeando pela Grécia?
— Sean Queise? — e o cristalizado cozinheiro Romeu só tentou fazer um movimento.
Sean deu um giro de 360º sob o mesmo pé e o derrubou fazendo o choque da cabeça de um Romeu cristalizado tocar o chão, e se quebrar em pedaços de cristal azulado que se esparramou pelo piso, que se molhou de um líquido viscoso e negro. Sean olhou atônito para aquela cena começando a entender o que havia acontecido com o Professor Álvaro na Serra do Roncador.
— Alcântara desgraçado! Ele armou para mim naquele Chat — e parou de falar olhando em volta e não encontrando seu tablet. — Mas que droga!
Sean percebeu que o cofre havia sido aberto e que um Romeu cristalizado tirara de dentro um caderno contendo hieróglifos incompreensíveis a ele. Sean o pegou do chão que começava a se manchar, e colocou num plástico, escondeu-o dentro do bolso da calça molhada. Também pegou as chaves do pequeno barco à motor que trouxera Vincenzo Bertti das mãos de um Romeu cristalizado, e mergulhou novamente nas águas mornas.
Contudo, um movimento no casco do pequeno barco à motor o fez apavorar-se, lá estava Ambrósia Bertti acompanhada de um ‘homem de terno preto’ com uma arma Tyron apontada para sua cabeça.
O homem com a arma Tyron e que usava terno preto apesar do calor do mediterrâneo, usava óculos escuros e estava cristalizado igual ao cozinheiro Romeu.
“Wow!” e só, Sean saltou de dentro da água agarrando o homem de terno preto cristalizado pelo pescoço, e o levando de volta a água jogou as chaves para Ambrósia, que mal teve tempo de digerir tamanha movimentação por cima de sua cabeça.
Ambrósia ligou o motor e o homem de terno preto cristalizado atirou nela. Mas o projétil e a luz se desviaram do alvo, quando a mão de Sean se colocou na linha de fogo e uma luz azulada feito purpurina, desativou a Tyron que o homem de terno preto cristalizado segurava. Ele se virou furioso para Sean que percebeu que o homem de terno preto cristalizado era um Ralph Kinchër extremamente jovem, e que usava num dos braços o escandaloso relógio de Gyrimias. Sean sentiu a queimação que tomou conta do seu estômago quando Ralph Kinchër cristalizado se jogou sobre Sean o afundando.
— Sean?! — gritou Ambrósia ouvindo o som da arma sendo acionada outra vez debaixo da água.
Mas Sean nadou e chegou à superfície quando Ralph Kinchër cristalizado submergiu atirando em Ambrósia outra vez, acertando o pequeno barco à motor que explodiu levantando uma grande coluna de fogo e fumaça, e que quando se dissipou, mostrou a um Ralph Kinchër cristalizado que ninguém estava no barco à motor.
Ele se virou atônito para o Yacht e Sean do tombadilho o mirava; Ralph Kinchër cristalizado explodiu em pedaços pequenos quando a luz e o projétil o acertaram.
— Sean... — a voz de uma Ambrósia atônita pelo teletransporte do barco ao Yacht se perdeu no que Sean se virou e correu aos trancos, pela sala bagunçada, ainda segurando a Tyron de Ralph Kinchër cristalizado nas mãos.
Sean alcançou a escada interna, descendo os degraus até as suítes inundadas. Primeiro entrou na sua suíte e pegou o colar que Kelly lhe dera, depois foi para a suíte de Kelly destruída. Suas pernas se movimentavam com dificuldade, mergulhadas na água agora gelada em meio às cadeiras que tombaram, roupas de cama, cobertores e travesseiros que boiavam em meio às muitas malas de roupas.
— Eles queriam meu tablet! — foi só o que conseguiu falar para Ambrósia parada o olhando.
Sean revirava o ambiente numa velocidade desordenada, jogando tudo molhado para o alto. Ambrósia viu roupas, travesseiros, toalhas molhadas serem levantados pela fúria dele, sem que ele tocasse em nada. Quando Sean encontrou o tablet de Kelly na água nem um movimento a mais, fez. Passou por ela na porta e subiu para a popa correndo sem ao menos saber se o tablet de Kelly ainda funcionava, e se os computadores da Computer Co., eram ou não de primeira linha.
Ambrósia também correu até a suíte dela à procura de outra arma que trouxera, uma Tyron mais diferente ainda. Subiu até o deque o encontrando outra vez ocupado, já soltando o jet-ski do encaixe.
— Che cosa sta succedendo? — tentava ser ouvida pelo som alto do crispar do fogo que ainda destruía o barco à motor.
— Não sei! — respondia um Sean Queise apavorado.
— Vincenzo? — tentava Ambrósia se recordar. — Kelly?
— Nada vai acontecer a Bertti!
— Come sapete?
— As EBEs o reconheceram! Temo sim, por Kelly e Miss Ãnkanna que não constavam do banco de dados deles! — lançou o jet-ski no mar. — E tenho mesmo medo de pensar que o querem de Kelly ela não possa dar... — disse um Sean abalado.
Ambrósia o alcançou e só teve tempo de se agarrar nele. Olhou para trás e viu os muitos pedaços do corpo do cristalizado do jovem Ralph Kinchër boiando em meio às águas gregas, que Sean levantava pela velocidade empreendida.
Porto de Maltese, Ágios Nikolaos; Creta.
35,33° 11’ 23” N e 25,12° 43’ 0” E.
21 de fevereiro; 10h50min.
Ainda em plena tensão e sem trocarem se quer uma palavra, Sean e Ambrósia chegaram de jet-ski no porto, onde todos ainda comentavam a explosão corrida perto dali. Eles evitaram aglomerações e policiais ali chamados, porque era obvio que um acontecimento como aquele já havia chegado até os olhos e ouvidos da Poliu, espalhada por toda região.
Sean e Ambrósia usaram o pouco de euros que ela ainda tinha, e alugaram uma Lancha. Precisavam alcançar o Veleiro de Vincenzo Bertti, tirar duvidas principalmente. Ambrósia também viu que Sean tentava fazer o tablet de Kelly funcionar, mas a água havia comprometido algo; ou ele mentia para ela.
Escuna de Mr. Trevellis, Palermo; Mar Tirreno, Sicília.
38° 11’ 30” N e 15° 34’ 30” E.
21 de fevereiro; 15h00min.
Oscar Roldman estava desesperado atrás de notícias. Não encontrava Gyrimias Leferi, não encontrava Kelly Garcia, não encontrava o satélite de observação Spartacus. Largou o notebook no quarto da Escuna onde ainda estava instalado, e foi atrás de Mr. Trevellis. E antes não tivesse ido. Mr. Trevellis estava uma fera com o filho de Oscar e seu maldito satélite de observação.
Também não encontrava Vincenzo Bertti nem sua irmã Ambrósia Bertti, e não podia acionar o espião psíquico preparado porque Sean bloqueara sua mente.
Oscar ficou a pensar o pior, Sean já começava a controlar seus poderes.
Veleiro de Vincenzo Bertti; Heraclião, Creta.
35° 19’ 30” N e 25° 7’ 50” E.
21 de fevereiro; 15h00min.
A Lancha os deixou onde Ambrósia havia deixado o Veleiro quando interceptou o Yacht de Oscar, em Heraclião, capital da ilha de Creta. Sean queria ter podido ver que Kelly havia sido levada para lá e não para onde sabia que ela estava.
— Dove sono Sean? — “Onde eles estão Sean?” foi a preocupação de Ambrósia.
Ele só encarou Ambrósia com um olhar triste.
— Na Terra Oca! — foi o que respondeu.
Ambrósia suspirou profundamente e nada falou. Dirigiu-se a cabine de comando do Veleiro e nada havia sido mexido. Ela realmente estranhou que a Poliu ainda não tivessem interceptado o Veleiro.
Já Sean não estranhou que a Poliu não os tivesse interceptado, e nem foi porque desligou o agente psíquico que o seguia, sabia que no fundo de todo o pedantismo de Mr. Trevellis, ele o queria prosseguindo, ele queria sua ajuda.
Ambos tomaram banho, se trocaram e comeram algo sem trocarem mais uma única palavra. Ambrósia então levou o Veleiro para o porto de Heraclião. Lá, Sean alugou um jato para o dia seguinte, após vender o colar de ouro e diamantes dado por Kelly. Ele sentiu-se mal fazendo aquilo, mas não podia acionar cartões de crédito que por ventura fosse buscar em alguma embaixada brasileira no mediterrâneo; não podia ser rastreado por Michel Shipton, e era Michel quem ele temia naquele momento.
Ambrósia ainda ofereceu algumas economias, mas ele recusou em meio a olhos mareados. Sentia mais que o colar indo embora, sentia Kelly Garcia se afastando dele.
— Dove stiamo andando Sean? — ela o via agitado, de pouca conversa nas horas que se seguiram.
— Aonde vamos? Se não estou enganado e muito me engano — e Sean a encarou. —, vamos seguir Spartacus em 36° 34’ 54.12” N e 36° 9’ 54” E — e ele não gostou que Ambrósia nada falou.
14
Iskenderun, Turquia.
36° 34’ 54.12” N e 36° 9’ 54” E.
22 de fevereiro; 17h18min.
No dia seguinte, o jato os deixou em Iskenderun, antiga Alexandreta. A cidade fundada por Alexandre, o Grande após a vitória sobre os Persas, é hoje um importante centro comercial e principal porto da Turquia.
— Inonu Heydani, Dr. Maummer Aksoy Cad, n°.8 — anunciou Sean ao motorista de táxi que os levaria. — Grand Ontur Hotel.
Ambrósia percebeu que ele estava bem mais preparado do que ela imaginava. Percebeu também que subestimara a inteligência dele. E ela o olhava com interesse por diversas vezes. Se Sean percebia ou não, ou se queria perceber, não deixou uma única vez transparecer. Ele só conseguia pensar que se arriscara que arriscara seus amigos, Kelly, e o quanto ela mexia com seu brio de homem.
— Conhece qui? — Ambrósia o tirou de seus pensamentos ainda no táxi.
— Não. E você?
— Un pouco. Il mangiare è particolarmente delizioso. Inclusive o ‘Kunefe’, una sobremesa a base di formaggio che si mangia...
— Não estou de férias! — cortou-a.
— Ah! A sócia impertinente, non?
Sean a odiou. Um silêncio quase mortal se instalou ali.
O táxi parou na frente do hotel, um edifício não muito alto, todo envidraçado refletindo a imagem de um Sean Queise que desceu não muito feliz de estar ali. Ambrósia achou que era ela, o problema da infelicidade, mas não podia imaginar o quanto ele se encontrava dividido entre a agente e a sócia.
— Vamos dormir aqui hoje. Amanhã de manhã partiremos para Derinkuyu.
— Pensate che vamos encontrar una entrada para Agartha debaixo di varie gallerie e túneis di Derinkuyu, Signor Queise?
— Não sei o que realmente significa Agartha ou se a Terra Oca existe, mas sei que Kelly, Gyrimias e Bertti estão em algum lugar, nas entranhas da Terra.
— Perché non falou il nome di Miss Ãnkanna?
Sean pareceu temer falar.
— Não sei. Só não a sinto mais viva.
— Porca miseria! Che cosa stai parlando?
— Quando Miss Ãnkanna estava no Yacht, eu vi... Eu vi sua aura se apagando.
— “Aura”?
— Sim. Como a aura de Pii que se apagou pouco antes do ataque e as auras de Pierre e Kabir que piscavam como uma bateria descarregando.
— Si può vedere che morirà?
“Pode ver quem vai morrer?”; Sean sentiu medo do que ouviu, do que traduziu.
Não respondeu e Ambrósia se arrependeu do que falou.
A fila do check-in era grande. Muitos turistas iam e vinham pelo hall do hotel. Ambrósia procurava entre um e outro algum rosto conhecido.
— Ela não está aqui.
Ambrósia sobressaltou com a frase.
— ‘Ela’ chi Signor Queise?
— A Poliu.
Ela arregalou os olhos.
— Come sapete? — ela o pegou pelo braço começando a apertar Sean que sentiu mais dor do que quis sentir e encarou-a. — Come sapete Signor Queise?
— Porque os bloqueei. Todos os espiões psíquicos. Inclusive os que iam lhe procurar.
O olhar sem espanto dela mostrou-o que ela sabia sobre os espiões psíquicos treinados para segui-lo no éter; talvez soubesse até muito mais do que queria demonstrar, como nada ter falado sobre eles serem tirados da explosão do barco de Vincenzo.
Sean odiou-a mais uma vez. Também não queria ter que dormir com ela no quarto, mas não podia se dar ao luxo de perdê-la de vista. Pediu um quarto só, mas com camas separadas.
Ambrósia nada cogitou, mesmo sabendo que algo estava acontecendo com ela, uma experiente agente da Poliu que sentia um desejo que só crescia, como aquele que acontecia naquele momento quando Sean resolveu tomar um banho, e começou a tirar a roupa.
Quando a viu o olhando se preparou para recolocar a camisa.
— Non lasciarlo metterlo — falou Ambrósia ‘Não o deixe colocá-la’ para a camisa.
— Tentando usar sua influência em minhas roupas, Signorita? — se virou para ela de peito nu; réguas de músculos que saltaram aos olhos.
— Perché fuggire daquela maneira?
Sean a olhou confuso com a pergunta.
— De onde?
— Della mia Lancha. Di mi corpo.
Sean sentiu-se mal. A voz dela atravessava-o.
— Talvez porque você seja da Poliu.
— Sou menos donna?
— É mulher nenhuma — foi vil.
Ambrósia deu um, dois, três passos e o esbofeteou. Sean sentiu dor na força empregada sem, porém ativar nada além do que seu brio.
— Talvez io seja una donna che nunca possuirá Signor Queise.
Sean entrou no banheiro sem responder. Tomou um banho e saiu avisando que ia fazer algumas compras. Quando voltou a encontrou praticamente no mesmo lugar. Ficou sem saber se ela tentou alguma coisa, ou se comunicou com alguém. Torceu mesmo que nada daquilo tivesse acontecido. Deitou-se calado com o tablet de Kelly na mão, com a tez carregada, não sabendo ao certo o que fazer com os dados soltos na tela já que todos seus programas hackers não estavam instalados ali.
E pior, sem SiD, do qual desinstalou.
15
Iskenderun, Turquia.
36° 34’ 54” N e 36° 9’ 54” E.
23 de fevereiro; 07h00min.
Quando Sean acordou de supetão com os primeiros raios de luz atravessando a janela, Ambrósia estava em pé, guardando o que ele calculou ser uma arma numa bolsa que ela colocou na cintura.
— Vamos nos passar por turisti. Non podemos chamar l’attenzione.
— Onde conseguiu essa arma?
— Adiamo! — ela limitou-se a falar apenas aquilo.
Distrito de Derinkuyu, Província de Nevsehir; Capadócia, Turquia.
38° 22’ 30” N e 34° 44’ 05” E.
23 de fevereiro; 12h10min.
O voo da Turkish Airlines aterrissou e o ônibus contendo trinta turistas vindo da Espanha já estava estacionado na pista do aeroporto de Derinkuyu. Foi só então que Ambrósia entregou a ele seu passaporte.
As mãos dele tremeram.
— Non ti preoccupare Signor Queise. Io usato la mia influenza nella regione per conseguir questo passaporte. Sem il Signor Oscar Roldman nem il Mr. Trevellis sapere.
Ele percebeu quantos ‘Signor’ ela usou, e também como foi chamado. Fosse como fosse a atual situação, as gentilezas tinham acabado há muito tempo.
— Por que está fazendo isso, Ambrósia?
— Perché devo isso a mio fratello — o olhou quando ficaram sozinhos. — e também perché quero sapere o quanto Mr. Trevellis é agradecido a Vincenzo — foi fria e direta.
A guia de viagens da excursão turística era uma mulher grande, espanhola, de pele avermelhada, mas mais para um banho de Sol no fim de tarde de verão. Olhou Ambrósia e Sean com empenho. Era o único casal que não pareciam muito conectados.
— Capadócia, Anatólia central, Turquia año 1963, un habitante derribo una pared de su casa-cueva, para su asombro encontró que detrás de la misma se encontraba una misteriosa habitación que no salían en los planos, pero lo mejor vino cuando tras esta había otra habitación, y de ésta otra, y outra, y este tipo por orden y reforma había descubierto la ciudad subterránea de Derinkuyu del que se cree pudo ser excavado por los hititas sobre el 1.400 a.C. — espanto geral entre todos.
Sean viu Ambrósia quieta, e não gostou daquilo.
Cidade subterrânea de Derinkuyu; Capadócia, Turquia.
38° 22’ 33” N e 34° 44’ 10” E.
23 de fevereiro; 11h11min.
Sean, como todos, estava encantado com o lugar remoto onde pisava. A cidade subterrânea de Derinkuyu ou ‘poço profundo’ é uma das várias cidades subterrâneas localizadas na Turquia, no Distrito de Derinkuyu, província de Nevsehir, na antiga região histórica da Capadócia. Ele olhou Ambrósia fria e distante, não gostando do que via enquanto a guia da excursão espanhola prosseguia. A fila de turistas então seguiu e ele foi atrás; mesmo porque Ambrósia não parecia muito propensa a se separar do grupo.
O primeiro jogo de cavernas que adentraram era marrom claro, tudo cor de areia clara, ‘vulcânica’ como teria dito Pierre Lemarc. As paredes tinham plaquetas de identificação, pequenas histórias da grande história que lá continha.
O grupo seguia a guia por paredes iluminadas por lâmpadas presas a elas, indicando por onde andar, passar. E como aquilo fora possível àquela época, Sean não sabia. Mas sabia uma coisa, ele a sentia ali, sentia Kelly por todas as paredes de rocha basáltica que tocava.
Ambrósia o viu tocar as paredes, sabia o que ele fazia, quem ele procurava; e nem precisava acionar qualquer lanterna para ver que uma luz azul, feito purpurina escapava das mãos dele quando ele as tocava. Porém, a única coisa que conseguiu sentir foi ciúme de Kelly Garcia, do amor dele por ela.
— Pozos de agua ya que contaban con un río subterráneo, y un magnífico sistema de ventilación con la asombrosa cantidad de 52 pozos — a voz da guia prosseguia. Sean estava encantado pelo lugar. Ambrósia encantada por ele. —, descubiertos a día de hoy sigue asombrando a ingenieros y especialistas del sector, lo dicho, impresionante... — e a voz da guia agora se distanciava.
Sean voltava a tocar as paredes.
— Vincenzo talvez estivesse errado con Kelly Garcia — ela viu Sean sentir medo do que ela falaria. Só a olhou e continuou a tocar as paredes, metros à frente. — Tu sempre foi innamorato por ela — ela viu o medo dele se transformar em tristeza.
“Kelly”; Sean fechou os olhos sabendo que amava Kelly Garcia.
Desde o dia em que a jovem geóloga fora contratada ainda na Espanha por seu pai, para estudos da camada dielétrica em dióxido de silício, que ele a amava. Desde quando ela adentrou seu quarto, perdida no corredor entre muitas portas da castelo dos Queise, que ele a amava. Desde quando Kelly percebeu-se enlouquecendo, interessada pelo filho do patrão, pelo jovem de pouca idade, mas de muita inteligência; pelo jovem que se apaixonava pela mulher errada. Sean fechou os olhos tristemente, havia mesmo se apaixonado pela mulher errada.
Ambrósia de repente parou fazendo Sean parar.
— Che cosa sta acontecendo? — perguntou furiosa.
— Como é que é?
— Come è possibile che?
— Eu não estou...
— Onde stamos Signor Queise?! — gritou descontrolada ao vê-lo perceber que as paredes já não tinham iluminação elétrica como as que encontraram ao longo do caminho. — Porca miseria!!! — passou por ele nervosa andando mais rápido do que já andara.
Ambrósia entrou e saiu de cavernas, uma atrás da outra, aumentando o passo, correndo, agitada, nervosa.
— Chega! — Sean a segurou com tanta força que ela sentiu dor.
— Ai!!! — gritou ela. — Sta pazzo?!
— Não adianta isso agora! — ele ainda a segurava. — Estamos perdidos!
— Hei?! — gritou se soltando dele e correndo de caverna em caverna — Hei?! Dove sei?! Cadê vocês?!
— Pare de andar Ambrósia! Ambrósia? Ambrósia? Ahhh... — Sean não viu alternativa a não ser segui-la passando o que imaginaram ser um hotel, tamanha era a quantidade de pequenos cubículos. Depois mais a frente algo se assemelhava a uma cozinha com buracos na terra batida, para certamente serem preenchidos por lenha ou qualquer outro tipo de combustível da época. — Pare de andar Ambrósia! Já disse!
— Io trabalho come guia em trilhas per lungo tempo, Signor Queise para sapere che já descemos os 40 metros conhecidos pelos arqueólogos, e os 85 metros che calculam arrivare qui — olhava para cima, para os lados, para adiante e para trás.
— E acha que vamos descer até quanto mais guia Ambrósia?
— Porca miseria!!! — explodiu. — Dove siamo Signor Queise?!
— Perdidos? — foi irônico.
— “Perdidos”? “Perdidos”?! — gritou em meio a ironia. — Non brinque comigo Signor Queise!!!
— Não estou brincando. Não devíamos ter nos afastado do grupo.
— Ahhh! “Afastado”?! — explodiu outra vez. — “Afastado”?! — gritava Ambrósia a reverberar por todas as milhares de entradas que ali tinham. — Tu te afastou Signor Queise! — meteu os dedos no rosto dele. — Tu! Non io!
— Eu não me afastei de...
— Non?! Non?! — e terminou por explodir tudo guardado. — Se non ficasse tocando tutto as parede come un ritardato non estaríamos perdidos adesso!!!
— “Retardado”? Eu?
— Ritardato si!!! Tu!!!
— Não grite comigo!
— Grito!!! Grito!!! Grito!!!
— Só achei que com sua experiência de... — ele estancou a ironia antes do final da frase.
— Infelice!!! — e se virou se jogando em cima dele o derrubando no golpe dado.
— Ahhh!!! — Sean sentiu dor no impacto do seu corpo no chão duro, de rocha. — Está louca?!
— Pazza?! Pazza?! Acha-me pazza?!
Sean tentou se levantar outra vez, mas foi derrubado pelo jogo de pernas que se enrolaram nas suas o derrubando.
— Hei?! — Sean se levantou após a derrubar também. — Você está ficando descontrolada! É visto que se não fosse seu irmão Bertti estar numa posição de lucro na Poliu, estaria desempregada dormindo com qualquer motorista de excursão barata!
— Ahhh!!! — e ela voou para cima dele o derrubando outra vez.
Sean desvencilhou dela e se afastou.
— Non vou entrare nella tua Signor Queise!!! Pode fugir!!! Se esconder come o fraco che é!!! — Ambrósia se pôs a andar sozinha cada vez se embrenhado mais, mais e mais até perceber que Sean não havia se desesperado uma única vez. — Ahhh!!! — voltou correndo por onde já passara e se lançou em cima dele o fazendo bater com a cabeça na parede e cair ao chão ensanguentado.
— Você não está! — olhou a testa sangrando. — É louca!
— Io so pazzo mesmo si Signor Queise!!! E sabe perché?! Sabe perché?! Non?! Non?! Então io parlato! — ela viu que Sean evitou encará-la. — Tu me trouxe qui tutto il tempo, perché sabia aonde dove ir. Ficou se guiando sei lá come, toccando il parede, a chamando...
— Como sabe que eu a chamo... — e Sean foi esbofeteado, com a imagem de Sandy Monroe nunca sendo tão nítida por entre Ambrósia, como naquele momento. — Sandy... — soou da boca dele alertando Ambrósia que se virou para trás e para frente e para trás novamente não vendo nada.
Mas as feições dele eram de quem a via, agora nítida.
— Che cosi vede? — mas ela via Sean arregalando os olhos para o nada, na quase escuridão que os tomava.
— Ah! Sandy... — e a imagem se nublou. — Não!!! — ele lançou a mão no ar sem tocar nada.
— Signor Queise! Sta mi assustando...
— Sandy?! Não!!! — ele correu não sabendo muito bem para onde.
— Sean?! — Ambrósia alertou-se ao vê-lo descer cada vez mais; se perder também. — Sean non!!! Aonde vai?!
Mas Sean corria sentindo um rastro de perfume de rosas brancas, o preferido.
— Sandy... Sandy... — Sean a chamava e Ambrósia não teve alternativa a não ser se lançar sobre ele novamente agora caindo os dois no solo de terra batida. — Me larga! — se debatia com Ambrósia tentando amarrá-lo com seus braços. — Não!!! Me larga!!!
— Non! È pazza!
— Me larga! Me larga! Ela vai embora!
— Quem vai embora? Ascolto, Sean... — Ambrósia não conseguia segurá-lo. Sean se soltou e saiu a correr novamente. Tentava seguir o que sabia ser Sandy Monroe. Ambrósia o agarrou novamente no giro de corpo que deu em cima dele que foi ao chão num estrondo. — Guardami! Olha para mim, Sean! — Ambrósia segurou seu rosto, tentava sem sucesso segurar o corpo também.
— Não!!! Ela vai sumir!!!
— Chi?! Sandy è morto!
— Não! Ela está ali! — apontou o vácuo.
Ambrósia até teve medo de olhar para trás, mas o fez.
— Non tem ninguém ali Sean! Sandy è morto! Tu sta descendo molto rápido. Il nostro oxigênio sta comprometido.
— Não! Não! Não! — e se colocou a correr sem que ela conseguisse segurá-lo. — Sandy?!
— Sean?! — ela foi atrás conseguindo segurar seu braço, mas ele a arrastava cada vez mais. — Sean?! Sean, non!!! Per favore me asculta!!! — ela o alcançou com a tez embranquecida. — Sandy è morto!
— Atire em mim! — estancou.
Ambrósia parou de falar sem saber se o tinha escutado direito.
— Che parlatte?
— Atire em mim! Atire em mim! — se preparou batendo peito. — Não é letal! — apontou para arma que ela carregava.
Ela olhou a bolsa que carregava na cintura, percebeu que Sean sabia sobre a Tyron de eletrochoque.
Não acreditou que aquilo houvesse escapado ao sigilo.
— Non vou atirar!
— Vai! Vai! Atire em mim! Atire em mim!
— Non vou atirar!
— Não é letal! Não é letal! Atire!
— Non, claro che non é letal. È solo un arma letale che morto les persones.
Sean girou os olhos nervoso e a arma foi tirada a força da bolsa da cintura dela sem que ambos a tocasse.
Ambrósia arregalou os olhos e se viu segurando a Tyron de eletrochoque.
— Atire em mim, Ambrósia!
E a Tyron de eletrochoque se carregou.
— Non Sean! Tu non é um jansenista, non?
— Por favor, Ambrósia! Atire! Preciso morrer para vê-la!
— Non! Non! Non!
— Basta Ambrósia!!! — gritava quase a deixá-la surda. — Me escute!!! Preciso sair do corpo rápido e ir atrás de Sandy!!!
— Você vai...
— Vou!!! Vou morrer, sim!!! — gritou no que ela arregalou os olhos que brilhavam. — Você me faz reviver depois! Você sabe primeiros socorros!
— Non! Non! Non! — balançava a cabeça freneticamente.
— Atire!!! — e Sean socou sua mão fazendo-a acionar a arma; Ambrósia atirou antes que Sean pudesse pedir novamente. — Ahhh!!! — uma descarga elétrica de 5 segundos o lançou contra a parede da caverna no que foi atingindo por dois fios de cobre que ficaram grudados no tecido da roupa, imobilizando-o em meio a uma luz azul que escapou do corpo dele para todo o entorno.
— Sean?! Sean?! Sean?! — berrava Ambrósia ao desarmar a arma e Sean cair no chão se sentindo tonto.
Ele levantou-se sem entender muito bem o que acontecia até ver Ambrósia chorando ao lado do seu corpo desmaiado. O impacto do susto o fez soltar-se do chão, volitar e atravessar o teto da caverna sem controle, subindo.
“Não?!”; gritou para o éter sem que sua voz reverberasse, percebendo-se fora do corpo que morria.
Concentrou-se e voltou ao nível de construção onde Ambrósia fazia massagem cardíaca nele; e chorava, e gritava e voltava a fazer massagem. Sean aproveitou o momento e correu sem saber se podia, se almas afinal corriam.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… — Sean viu pessoas e parou de correr. — Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… — ficou prestando atenção, elas iam e vinham com grandes sacos nas costas, na cabeça. — Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… — alguns tinham cavalos carregados e todas passavam pelos corredores estreitos, metros abaixo da Terra.
“Elas viviam numa Terra Oca”; pensou.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… — Sean voltou a olhar em volta. Agora era o perfume de Kelly Garcia que se espalhava por todo o ambiente. — Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… — as pessoas ainda iam e vinham quando uma figura se destacou entre eles.
Um jovem usando terno preto e óculos escuros; Michel Shipton, com uma arma Tyron em punho levando o corpo de uma mulher morena, bonita, que volitava, paralisada feito estátua.
“Kelly?”; pensou mais confuso ainda ao abrir os olhos e ver Ambrósia chorando, fazendo massagem nele, dizendo que o amava.
— Ahhh... — Sean se engasgou perante a aceleração do coração que parecia não caber no peito, a latejar por toda sua boca.
Boca tocada por ela que o beijou em meio a lágrimas no que o viu vivo outra vez.
— Sean!!! Sean!!! — Ambrósia gritava e chorava.
Ele sentiu-se extasiado. Havia saído do corpo, havia morrido e voltado; uma sensação de nonsense tomou conta dele. Sean tentou se erguer, mas caiu. Ambrósia o olhava como antes, com carinho. Ele tentou levantar-se e outra vez caiu. Ambrósia fez menção em ajudá-lo, mas não o fez. Sean se ergueu novamente e a beijou por puro agradecimento.
Ela o beijou também e ele a beijou mais uma vez, e mais uma vez, e mais uma vez já indo além do agradecido; um longo beijo que dizia muito. Sean então se sentou com o coração acelerado com Ambrósia em pé o observando. Ela então tirou o casaco que usava; ele ficou sem saber se ela tinha calor. Ambrósia se ajoelhou e tirou o casaco dele; ele não sabia mesmo se estava tão quente assim. Ameaçou se levantar perante a dor do corpo, mas Ambrósia tirou sua blusa a mostrar um par de seios.
Agora que ele não queria mais saber de nada. Sua boca ainda trêmula alcançou os gêmeos que o chamavam, que duplicavam de tamanho ao encará-lo. Ambrósia tirou a blusa dele. Ele ameaçou tirar a calça jeans dela; ela a dele. Um lance de ginástica rápida até ficarem nus no que já fora uma cidade subterrânea.
Ele olhou-a nua. Tinha que retirar o que falara, a agente da Poliu era realmente uma mulher bonita. Ela também o olhava não sabendo por onde começar.
— Do começo — foi ele quem respondeu a pergunta não feita.
Ambrósia o derrubou no chão vulcânico e Sean se viu nu abaixo dela que se encaixou nele.
— Ahhh!!! — gritou de prazer, sem ninguém em volta para ouvir.
Ambrósia segurou a cabeça dele colocando os dedos na boca; dedos que dentes fortes, morderam.
— Sean... — ela então o beijou e o lambeu para depois beijá-lo novamente.
Os olhos dele viajavam, giravam igual a ginasta que se encaixava cada vez mais nele.
— Ahhh... Ahhh... Ahhh... — Sean era amado, comido, consumido.
Contorcionista por natureza, por esporte, Ambrósia girava a fazer seu corpo de mulher madura alcançar os lábios de Sean, que de tão próximos, tão disponíveis, fizeram-no beijá-la, lambê-la, delineá-la em todas as suas curvas.
— Ahhh! Sean... Ahhh... Ahhh... Ahhh... — foi a vez de ela sussurrar.
Seu corpo entrava e saía. Sean viajava, voltava e viajava novamente; profusões de luzes enegrecidas e cheiros, e vozes, e música. Ambrósia o beijou como nunca, fazendo línguas se misturarem, pensamentos também. Ele sentiu tesão, sentiu calor, sentiu tudo em meio a dor de quase ter morrido, em meio a lembranças das outras mulheres que também amava.
Mas Sean a queria, queria Ambrósia. Queria tudo. Tudo e mais que a agente da Poliu podia vir a dar-lhe.
— Me ame... — sussurrou ao ouvido dela.
— Amarei... — ela não teve pudor em fazê-lo chegar ao orgasmo.
— Ahhh!!! — e Sean viajou sim, enfim, uma viagem sem volta em meio a uma energia Vril, de purpurina azulada, que ele viu escapando dele.
Porque ambos eram adrenalina pura, queda vertiginosa, êxtase total.
16
Cidade subterrânea de Derinkuyu; Capadócia, Turquia.
38° 22’ 33” N e 34° 44’ 10” E.
24 de fevereiro; 06h10min.
Quando se deu conta, Sean se viu nu, abraçado a uma Ambrósia também nua, após haverem dormido num dos milhares de cubículos ali escavados em meio a vozes agora humanas que começavam a ser ouvidas não muito longe dali.
— Ambrósia... — chamou-a. — Alguém está chegando...
— Oh! Sean... Non pode deixar che nos encontre.
— Por quê?
— Talvez... — ela não teve como completar.
Sean e Ambrósia só trocaram olhares no que a última peça de roupa arrancada as pressas foi colocada e a arma Tyron escondida.
O que quer que aqueles olhares signifiquem, ficaria para mais tarde.
Distrito de Derinkuyu, Província de Nevsehir; Capadócia, Turquia.
38° 22’ 30” N e 34° 44’ 05” E.
24 de fevereiro; 10h10min.
O resto dos turistas havia sido levado a uma viagem de balão pela exuberante Capadócia, mas Sean e Ambrósia foram deixados num hotel para repouso após terem passado a noite perdidos.
Ambrósia saiu do banho revigorante e os dois trocaram olhares.
— Já parou para pensar que se os crocodilos humanoides considerados pelos mitos como deuses astronautas visitaram a Terra num passado remoto?
— Che?
— Acha que eles poderiam ter nos dado a tecnologia avançada que foi passada através da história humana?
— Che parlatte?
— Será que essa tecnologia poderia ter ajudado o Terceiro Reich a construir armas misteriosas e artefatos muito além dos limites da ciência do século 20? — Sean viu Ambrósia em silêncio. — Durante a Segunda Grande Guerra houve relatos de que os alemães construíram um ‘disco’ em forma de pires conhecido como Haunebu, em que dizem, foi usada uma tecnologia mítica encontrada em antigos textos indianos. Dizem também que essas informações escaparam como boato de propósito, e para que fossem posteriormente investigadas por alguém para não chegarem aos seus relatores, e que realmente os nazis tiveram ajuda de médiuns, paranormais se me entende; médiuns que afirmavam ter recebido esquemas detalhados de seres crocodilos humanoides de como usar uma força existente nos seres humanos, e que ficaram fora do nosso conhecimento; por medo ou qualquer coisa assim. Explicaria a força para mover objetos na construção das grandes pirâmides e outros monumentos que ainda hoje desafiam a engenharia, também explicaria como os xamãs sabem tanto sobre nossas energias vitais e fazem curas através delas, e que cada cultura deu-lhe um nome; Pneuma na Grécia, Kundalini na Índia, Ti no Havaí, Aura em Roma. O modelo da energia de Reichenbach era o Od, de Eliphas Levi era a Luz Astral e de Madame Blavatsky, a ideia de Prana, o que originaria da filosofia da Yoga. Foi também nessa época que a antropologia e a etnologia descobriram o costume corrente na Polinésia da utilização do Mana e os estudiosos das tradições orientais começaram a pesquisar com a noção chinesa de Ki ou Chi. Esses dois últimos exemplos mostram claramente como a ideia da existência de uma energia sutil ocorreu bem antes do século XVIII.
— Energia para che?
— Não sei, ainda não sei.
— Acha possibile che a busca de Heinrich Himmler para dominar o mundo tenha tido ajuda di tecnologia alienígena?
— Não sei Ambrósia. Mas Heinrich Himmler viajou até a Índia convencido de algo. Algo que Hitler aceitou usar em algum momento.
— Che momento?
— Bulwer Lytton, da Societas Rosicruciana in Anglia, o SRIA, disse que havia uma energia sutil que ele denominou de Vril, provavelmente derivando do termo virilitas, que em latim significa força, poder ou energia.
Foi a vez de Ambrósia anunciar:
— Schiller e Heidi não eram alemães.
— Como é que é? — Sean ergueu-se na cama.
— Eram liechtensteinenses, como disse vieram de Liechtenstein.
— Wow! E sabe disso como?
— Importa?
— Não exatamente. É sabido que aparições de UFOs na Europa se dão muito em Liechtenstein, principalmente pelas proximidades com a Suíça, que dizem é mística.
— Existem in Suíça cerca di 7.500 cavernas e grotte, num totalle di mil quilômetros di mundo subterrâneo. Entre ela, o ‘Höllloch - O Buraco do Inferno’ — viu Sean a olhando pensativo, com ideias sobre Mr. Trevellis, Oscar, Fernando e Nelma estudando juntos na Suíça. — Então sabe perché Pierre Lemarc falou sobre as rochas dominantes daqui serem ‘de origem vulcânica e textura areada, muito suscetível à erosão’? — foi num português quase tão preciso que Sean perturbou-se; ela escondia algo.
— Vá em frente Signorita Agente Ambrósia.
— Il Poliu encontrou pedaços di cristais numa das scavi che Miss Ãnkanna fazia qui, em Derinkuyu.
— Cristais... — sentiu o corpo pesado. — Todos naquela maldita trilha sabiam do que falavam, não?
— Non! Acredito che tu, Gyrimias, Kabir, Pii e Schiller nada sabiam.
— Por que diz isso se Schiller fotografou o donut?
— Antes di Vincenzo mi ha mandato a Ischia, io havia colocado na parete sobre tantas mortes na Serra do Roncador.
— Você o colocou contra a parede por quê?
— Vincenzo disse sobre il crânio de cristal azulado sumido do NOA ser um homem de cristal azulado come Ralph, e mi disse che una daquelas cose foi captturati após encontrarem crânios humanos cristalizados.
— A Poliu capturou uma EBE viva? — saltou da cama. — Então era por isso que Vincenzo constava no bando de dados das EBEs?
— Si!
— Wow! Ela realmente o gravou quando foi capturada e se comunicou com a nave-mãe através dos cristais de seu corpo, e você sabia o tempo todo.
— Já parlato che non sabia. Vincenzo disse che nem todos in trilha sabiam o che faziam ali e che foi una fogosa Heidi che a Poliu nunca viu nem saber existir quem se aproximou e casou com Schiller o arrastando até a Serra do Roncador, após saber che Schiller havia feito parte da ida ao donut com seu pai, che também era fotógrafo na Poliu.
— Então uma Heidi que não existe casou-se com o ‘pequeno’ Schiller. Por quê? Para ter acesso ao donut que o pai de Schiller fotografou? Não! Eles têm tecnologia suficiente para fazer um monte de coisas. Ela queria algo mais com essa aproximação de Schiller...
— Sapete questo come?
— Como sei disso? Que pergunta...
— Porca miseria! Dormire com ela?
— É claro que não!
— Non ‘Sean bonitinho’?
— Já disse que não.
— Porca miséria! Vincenzo também me garantiu che Kabir havia aparecido in trilha sem ser convidado.
— Os extras que você cogitou ao ter que rearrumar as tendonis?
— Perché me trata mal Sean?
— Eu não... — e Sean recuou, havia feito sexo com ela, um sexo que não se permitia fazer com Kelly.
— Porca miseria! — ela também desistiu de algo. — Io non sabia sobre polo norte, sul, entradas de Terra Oca capiche? Nem donut fotografados. E isso perché Vincenzo nunca me preparou para ir a campo, me enfiar numa trilha come me enfiou. Mas io sapetto che Michel stava rondando os cozinheiros, em especial o garoto Leandro che parecia sappere algo sobre os intraterrenos. E mais, io havia auscultado Romeu falando com Schiller sobre uno buraco che havia in Khatanga, Sibéria, onde Schiller havia fotografado algo ‘mirando para cima’; um sky che non era sky, capiche? Mas Schiller riu e o deixou sem respostas. Depois vi che Heidi stava na barraca com Romeu, em alto e bom sexo oral nada casto, logo após aquilo. Incribile, non?
Sean a olhou muito antes de falar alguma coisa.
— Muitas histórias impregnadas de mitos e alegorias nos contam que a grande ilha descrita por Platão era na verdade o que restou da terceira catástrofe que a atingiu, para então ela emergir na quarta e última. O apogeu dessa civilização teria ocorrido entre 1.000.000 a.C. onde haveria espécies de plantas e animais nunca vistas, elementos à base de cristais, mágicos, e teria sido caracterizada por uma avançada tecnologia baseada em uma energia psíquica chamada Vril, com a qual teriam sido construídos barcos voadores. Pois bem; John Clevers Symmes se baseava na migração das aves para o Norte, em altura inexplicável porque acreditava que esses animais eram atraídos pela fonte das correntes quentes oceânicas, e um Sol existente no interior da Terra, do qual as auroras boreais seriam o reflexo, onde esotéricos dizem, é o que restou da quarta destruição que levou Atlântida a encontrar uma maneira de prosseguir. E embora Julio Verne em 1864 tenha escrito Viagem ao centro da Terra, e nunca ter se referido à Teoria da Terra Oca, ele se baseou nesse estudo mesmo sabendo que uma Terra oca violaria a Lei da Gravidade, já que essa depende da massa. Ok? Mas o americano Cyrus Teed afirmava que a Terra não só era oca, como todos nós vivíamos do lado de dentro, o que fez Hitler em 1942 enviar uma expedição nazista ao Báltico para tentar tirar fotos secretas da frota britânica apontando as câmeras para o alto, e tentando captar raios infravermelhos através do centro da Terra oca, onde o almirante Byrd em 1947 sobrevoou um polo norte, que tinha um buraco em forma de donut. E não viu só gelo como supunha, e sim uma terra verde azulada, de montanhas e rios e mamutes e pessoas que falavam ‘alemão’, que os nazis tinham certeza eram descendentes da Atlântida. E fotografias do Polo Norte tiradas pelo satélite ESSA-7 em 23 de novembro de 1968 mostrava que onde deveria haver gelo havia um imenso buraco — Sean viu que o silêncio de Ambrósia deixava mais lacunas do que eles as preenchia. — E H. P. Lovecraft escreveu em 1936 o livro A Sombra Além do Tempo, onde descrevia uma raça antiga e subterrânea que dominou a Terra há 150 milhões de anos e que, desde então, refugiaram-se no interior da Terra, e inventaram aviões e veículos atômicos, e dominavam a viagem no tempo e a percepção extrassensorial. Incrível, não? — e se virou para o lado.
Mas Ambrósia estava disposta a abrir mais ainda o jogo.
— Io sei che il Poliu tem una base segreta in Kaymakli, cidade che se liga a Derinkuyu. Lá existem alguns mainframes alugados.
Um frio percorreu-lhe a espinha.
— O que você quer Ambrósia?
— Achar mio fratelo.
— E a quantas anda suas linhas de influências?
— Quer che io mande tirar a roupa?
— Não obrigado. Agora temos outro tipo de ‘viagem’ a fazer.
Ambrósia voltou a movimentar sua rede de conhecimento e conseguiu que um carro os viesse buscá-los de madrugada para levá-los a Kaymakli.
Sean não sabia se aquilo era uma armadilha, mas vê-la chorando e ter feito amor com ela, não dava alternativa a desconfianças.
Não naquele momento.
Vila de Kaymakli, Província de Nevsehir; Capadócia, Turquia.
38° 27’ 40” N e 34° 45’ 7” E.
23 de fevereiro; 23h00min.
A noite caíra e o calor do dia nem mostrava mais serviço. O frio era cortante e Sean se encolheu para dentro do capuz. Ambrósia também se protegeu com uma pashimira envolvendo o rosto bonito. Dois agentes da Poliu encaminharam Sean e Ambrósia para dentro de uma casa nos arredores de Kaymakli. Ambrósia estava extasiada, talvez mais que ele. Nunca havia se envolvido tanto com a espionagem. Sempre trabalhara como informante infiltrada; uma ou duas vezes colocada em observações. Mas nunca lidando com tanta gente, tantos lugares.
Lá dentro da casa havia uma passagem secreta no piso de um dos quartos, e que mostrava uma enorme escada de madeira encravada na rocha escavada. Sean desceu muitos degraus até ver que uma cidade inteira estava iluminada, agora por gente muito mais atual, mais atualizada, perigosa. Para ele aquilo mais parecia um bunker, dos que a SS tivera na Segunda Grande Guerra se não pelos seus mainframes modernos que via ali instalados.
Mais uma vez entristeceu-se por não saber o que acontecia à Computer Co., e quantos eram os envolvimentos de Fernando Queise com a Poliu, com Mr. Trevellis num passado não tão remoto assim já que os três mais sua mãe haviam estudado juntos na Suíça. Sean não se deteve pelas angustias, pegou o tablet de Kelly e conectou-o ao mainframe ligado.
— Cosa fazere?
— Tentar localizar Gyrimias em suas últimas horas.
— “Últimas”. Pensate che è morto troppo?
— Gyrimias morto? Não... Não sei. Não sinto nada. Não como sinto Miss Ãnkanna.
Dados eram carregados para dentro do aparelho e Sean os observava impactado.
— Pode carregar il tuo mainframes no bolso? — apontou para o tablet que ele carregava.
Sean nada falou, ela era esperta demais. Depois de quarenta minutos ele se ergueu e anunciou:
— Temos que viajar! — ele a viu arquear a sobrancelha. — Vamos para a América do Sul! — subiu as escadas deixando Ambrósia sem ter o que falar, pensar, agir.
17
Província de Cordillera; Chile.
33° 43’ 0” S e 70° 14’ 0” W.
28 de fevereiro; 10h12min.
Foi exatamente o caminho anunciado a Ambrósia Bertti que Sean Queise fez. Do aeroporto de Derinkuyu viajou até Ancara e de lá para Lisboa, Portugal. Por vezes sentiu-se tentado em ficar ali, em correr atrás de Mona Foad, pedir-lhe ajuda, orientação, mas desistia segundos depois. Se Mona quisesse ajudá-lo já teria feito. Então se ela não queria, ele não ia insistir. Sabia que fizera algo que magoara Mona, talvez sua proximidade com Mr. Trevellis depois de tudo.
De Lisboa voaram para o Aeroporto Internacional Comodoro Arturo Merino Benítez, em Santiago, e de lá para a Província de Cordillera, Chile, ainda usando passaportes falsos comprados no mercado negro com toda a influência da agente Ambrósia em jogo. E isso tudo porque ele tinha uma peça do quebra-cabeça que não se encaixava e precisava resolvê-la antes de procurar Kelly onde o gelo nascia. O que também não era o suficiente, uma caixa de vodka de Khatanga não era motivo para acreditar que Michel Shipton havia ido para lá; por hora, ambos iam atrás do policial Edegar Cascco no Chile.
Já Ambrósia lutava como podia usando seus contatos, comprando armas comuns e celulares sem rastreamento no mercado negro para fugir de Mr. Trevellis, após ele ter sido avisado de sua invasão ao bunker da Poliu. Além do que, a lista que Sean dera a ela, pedindo alguns itens, continha muita coisa difícil para ela encontrar na América do sul.
“Se ainda fosse na Itália?” foi o que pensou.
Ambrósia percebera que ele pedira um GPS com receptor de 12 canais paralelos, baterias de alta autonomia, 2 binóculos de visão noturna com suporte a baixas temperaturas de operação de -40º C, máquina digital com recurso de vídeo, intercomunicadores e roupas de neve para três, mas não pedira computador algum, e que agora ele carregava só aquele tablet que ele salvou da suíte inundada de Kelly Garcia, e que ele acessava longe de seus olhares.
Sean Queise não parecia confiar nela e Ambrósia Bertti percebera.
Porque depois daquela noite de amor nas entranhas de uma terra para lá de oca, Sean calou-se; e calou-se sentindo culpa pelo sequestro de Kelly e pelo sumiço de Gyrimias, mais que pelas horas de luxuria com a roliça Ambrósia. Durante os quase cinco dias que atravessaram o mapa através de aviões, navios, e carros, tudo o que lhes fora ofertado, o casal pouco ou nada se falaram que não fosse relacionado às suas ações do momento. Nem nos mesmos quartos de motéis e hotéis em que se esconderam, eles dormiram juntos. Sean jamais a procurou como amante, e Ambrósia não forçou uma aproximação.
Ele agradeceu calado.
E calado, rastreava as últimas ações do cientista da Computer Co. pelo tablet de Kelly abastecido pelos mainframes da Computer Co. encontrados em Kaymakli. Mas só o quê encontrava eram as mesmas chaves de criptografia quântica, que Gyrimias usara na cifração, método que embaralhou as mensagens a fim de se ocultar o conteúdo; e eram as mesmas chaves que pareciam hieróglifos para o cristalizado Romeu na cabine do Yacht de Oscar, que como ele, também não tinha o controle de Spartacus, travado por senhas e códigos, que não tivera tempo de trocar no seu tablet que sumira.
SiD e o satélite de observação Spartacus estavam perdidos para sempre.
Uma certeza, porém, Sean tinha, o sumiço de Gyrimias e a cifração se deviam a invasão na ‘realidade real’ que Gyrimias havia feito, para instalar algum tipo de programa espião capaz de ler as portas de comunicação dos computadores das empresas de Ralph Kinchër, em Santiago, Chile. Porque o fato de um jovem e cristalizado Ralph estar morto em Lacco Ameno com o relógio de Gyrimias no pulso, significava que o cientista da Computer Co. conseguira copiar e criptografar algo sobre os dados que encontrou antes de ser pego.
Sean até podia imaginar que Spartacus já tinha todas as respostas.
“Que droga!”, pensava sem parar.
Hospital Psiquiátrico Central, Puente Alto; Província de Cordillera.
33° 37’ 0” S e 70° 34’ 0” W.
28 de fevereiro; 11h11min.
O táxi parou em frente a um hospital psiquiátrico de paredes caiadas de um amarelo desbotado e janelas de madeira, hora ou outra, retocadas de um azul navy. Umas poucas flores ainda resistiam ao clima severo quando Sean esmigalhou algumas pétalas.
— Che cosa facendo?
— Vendo até onde o que nos rodeia é verdadeiro.
Ambrósia ia falar algo mais, mas o policial Edegar Cascco que chegou à portaria não tinha uma cara muito boa. Nem surpreso ele ficara quando Sean Queise, pelo celular, ligou do aeroporto marcando uma visita.
— Por que uma visita num hospital psiquiátrico, Sr. Queise? — Edegar foi logo falando.
— Primeiro vamos parar com os ‘Senhores’, já que fomos apresentados — sorriu cínico. — Segundo porque eu queria conversar pessoalmente com o marinheiro encontrado na Serra do Roncador pelos índios Xavantes.
Edegar sorriu sem graça.
— Sabe que não pode, não é ‘Sean’?
— Sei ‘Edegar’! — foi a resposta.
Ambrósia se agitou toda.
— Sta pazzo, Sean? Voi ha detto che atravessamos o mapa sabendo che non podia parlare com ele?! — Ambrósia Bertti quase gritou.
— Acalme-se Ambrósia!
— Acalmar-me? Che cosa stiamo facendo qui? — apontou para os jardins de flores secas que os rodeavam.
— Queria ver com meus próprios olhos que o marinheiro nunca existiu, que Alcântara pai e eu fomos enganados por Edegar a mando de Oscar, que queria enganar Trevellis, que queria enganar Oscar mandando Alcântara Jr. voltar a uma Terra Oca cheia de alienígenas — e se virou para ela. — Deliciosos esses jogos de espionagem não Srta. Agente Ambrósia? — ele até sabia que ela não ia responder àquilo. — E o Chat foi armado para enganar os professores Álvaro e Rogério, que não falavam com o marinheiro, porque nunca houve um marinheiro sumido, nenhum marinheiro encontrado, nem navio de nome NOA que nada mais era que um UFO nazi, capturado pela Polícia Mundial em Peruíbe, onde Oscar foi encontrar um Alcântara Jr. desaparecido — e Sean também sabia que Edegar não ia responder àquilo.
— Porca miseria! Ma lui non era andato? — girou os olhos nervosa e traduziu. — Mas ele non stava desaparecido?
— Não exatamente desaparecido, porque nunca houve essa história de ‘doze anos atrás’.
— Ma... ma...
— Como eu no Monte Epomeo, também Alcântara Jr. e alguns agentes psíquicos da Poliu entraram por uma entrada e saíram por outra, mais precisamente, entraram na Terra Oca por Peruíbe e saíram na Serra do Roncador, por tuneis onde levou o NOA, um UFO nazi, com um nazi de cristal azulado dentro, vestindo uniforme de insígnias nazis. O resto é lenda, Ambrósia! — Sean estava furioso. — Porque Alcântara pai sabia que o filho estava perdido e pediu ajuda a Oscar, que quando soube no que o filho dele estava metido, pediu-me ajuda com o SiD que nunca foi pensado para isso. Então localizei Alcântara Jr. em Peruíbe e logo fui tirado da investigação. Ainda não sei se Spartacus enxergou os agentes em Peruíbe e depois os localizou na Serra do Roncador, mas Oscar apagou tal informação, porque o satélite de observação não pode ser enganado. Só eu! — fuzilou-a.
— Ma o satellitare Spartacus può vedere qualcosa nella Terra Oca? Mr. Trevellis detto che niente ha funzionato a contento lá dentro?
— E não funciona mesmo a contento Ambrósia. Além do que, quem foi encontrado na Serra do Roncador era quem cozinhava para nós.
Agora Edegar e Ambrósia paralisaram.
— O garoto Leandro? — perguntou Ambrósia.
— Paulo? — perguntou Edegar.
— Romeu! — respondeu Sean. — Que sabia sobre dons paranormais capazes de voar entre toalhas.
Ambrósia e Edegar se olharam em forma de perguntas, quando Ambrósia viu Sean girar o pescoço lentamente para ela.
— Porca miseria! Non me olhe assim. Io non sappere. Os três já faziam parte di trilha antes — e ela não viu Sean parecendo acreditar nela. — E tu Signor Queise? O cozinheiro Romeu era Alcântara Jr. e tu sappere?
— Não, meus dons ficaram distorcidos na Serra do Roncador por causa da influência daquela força telúrica. Foi só um palpite, algo, alguma forma-pensamento que ficou no ar quando ele entrou na minha barraca.
— Uno palpite? — gargalhou. — Ovviamente a Poliu treina ‘palpiteiros’ atrás di formas-pensamento.
Sean não gostou da palavra treino, nem que ela soubesse algo sobre aquilo.
— Não se faça de vítima Ambrósia — e Sean se virou para enfrentar Edegar.
Mas Ambrósia ainda estava furiosa por ter sido enganada.
— E perché non sou una vítima Signor Queise? Alcântara Jr. me detto che...
— Já disse que Alcântara Jr. era Romeu, que usava espiões psíquicos da Poliu para suas mentalizações e sei lá mais o que, deixando Trevellis furioso o suficiente para enviar ele de volta a Serra do Roncador, a fim de talvez ele fosse comido pelas aquelas EBEs. E Alcântara pai sabia que Trevellis estava armando alguma coisa, porque sabia que Alcântara Jr. usava os espiões psíquicos para obedecer a suas ordens, para fazê-los se passarem por ele, como fez com o motorista seu amante, que mentiu a você que era Alcântara Jr., um filho devotado e mal compreendido.
E Ambrósia estava por um fio. Queria esbofeteá-lo, esbofetear Mr. Trevellis e talvez até Vincenzo quando o encontrasse. Porque estava claro que eles sabiam que Alcântara Jr. era capaz de tudo aquilo.
— Porca miseria! Che palpite mais acertado, non Signor Queise?
Sean não respondeu e Edegar então abaixou os ombros e resolveu responder às duvidas dos dois.
— Quando Alcântara Jr. desapareceu na Serra do Roncador, o Sr. Oscar Roldman chamou-me porque sabia sobre meu envolvimento com o SETI no passado, e sobre meu envolvimento com a Confederação Intergaláctica no presente. Mandou-me reunir os melhores em torno do Prof. Rogério Plavuska para que pudéssemos ir à Serra do Roncador resgatar o tal jovem outra vez, porque outra vez sentiu muita tristeza no relato do amigo Frederico Alcântara, porque eu não tinha ideia da dor de perder um filho.
Aquilo mexeu com Sean. E nunca o filho de Oscar soou tão verdadeiro aos ouvidos de Ambrósia Bertti.
— Prossiga... — foi só o que Sean conseguiu falar.
— Eu chamei todos que conheceu na trilha, porque sabia que atrairia sua atenção e curiosidade através daquele Chat, que como percebeu, funcionou — ele viu Sean só piscar. — Não sei como Frederico Alcântara chegou até o Chat, porque o Sr. Roldman nos garantiu que era você quem iria nos seguir.
— Isso é uma longa história.
— Está bem, mas não fui eu quem chamou os três cozinheiros e nem sabia que Romeu se parecia com a foto que Frederico Alcântara forneceu ao Sr. Roldman.
— Já disse o porquê, e porque Alcântara Jr. também podia mudar de rosto, se fazer parecer com outra pessoa.
— Porca miseria! A Poliu tem agentes psíquicos desse calibre? — ela viu Sean só a olhar, e ela queria mais que ele a olhando, queria respostas, queria saber afinal quem era Sean Queise, e por que Vincenzo Bertti mentiu, omitiu, ou qualquer coisa no gênero, sobre tantas informações que poderiam ter sido valiosa para ela desde o começo.
— Mas também não chamei o Sr. Pii Tii, nem o Sr. Kabir Kamadeva — prosseguiu Edegar. — E muito menos o estranho casal Schiller e Heidi Zuckeuner, que não sei como chegaram lá, porque nem o Sr. Álvaro nem o Sr. Rogério sabiam.
— Já sabemos que Kabir, Pii e Gyrimias não faziam parte do convite, mas Schiller foi levado por Heidi, que a Poliu não consegue saber quem é, nem de onde ela apareceu — e Sean e Ambrósia perceberam que Edegar não gostou de ouvir aquilo.
— Interessante... — foi o que Edegar só falou.
— Mas interessante mesmo, Edegar, foi saber que Gyrimias encontrou um dossiê sobre Schiller Zuckeuner que é de Liechtenstein, como sabia a agente da Poliu aqui… — apontou para uma Ambrósia incomodada. —, porém o dossiê estava em forma de um doc criptografado, protegido por senhas randômicas, nos computadores da empresa de Ralph Kinchër. E sabe por que Edegar?
— Deveria saber?
— Sim. Porque isso desmascaria Romeu.
— Perché Romeu non podia ser desmascarado? — ninguém respondeu. — Signores? Signores?
— E eu saber que Ralph fazia dossiês altera algo Sean? — Edegar não respondeu a ela.
— Sim. Porque Oscar sabia que Alcântara Jr. era Romeu, e sabia sobre o envolvimento dele com a Confederação Intergaláctica, então não poderia ter lhe dado uma foto errada dele, nem poderia ser enganado por Alcântara pai; não um Roldman.
O silêncio de Edegar mostrava que o conhecimento sobre os dons da família Roldman atravessou a América Latina, mas que havia uma falha ali.
— Ma o Signor Oscar Roldman esteve na serra, ele teria visto Romeu che... Porca miseria! Perché non sto entendendo?
— Porque não quer! — ele a viu fuzilá-lo. — Mas não se preocupe, Ambrósia. Há coisas que também não entendo, como o porquê de Oscar ajudar tanto seu irmão? Porque foi Bertti quem armou todo esse circo e não Trevellis. E porque Bertti quer algo com Michel que Trevellis nem sonha, e quer porque há algo escuso entre seu irmão e Oscar.
— Sta pazzo? Acha che mio fratello... Impossibile! Mio fratello jamais iria contra a Poliu.
— Talvez não contra a Poliu, mas há algo que Edegar deveria ter dito a nós que não disse — e Sean nem precisou olhar o ex-policial chileno para saber que ele sorria. — Algo que Oscar pediu a Bertti, e Edegar resolveu ajudar.
— E come...
— Já disse! São apenas formas-pensamento que ficam vagando. Não leio Oscar. E não leio Bertti porque sabe que ele pode bloquear-me.
— Porca miseria! — ela viu Sean e Edegar ainda se olhando.
Ambrósia teria dito ‘se estudando’.
— Porque deveríamos era estar pedindo respostas sobre o tipo de médico que era exatamente o Dr. Lucio Ataliba, não Edegar?
— Um homem de muita idade, Sean — riu Edegar vendo que Ambrósia não parecia muito animada com sua alegria. — Desculpe-me, Senhorita. Não consegui ceder a tentação — ria. — O Dr. Lucio trabalhava aqui no Hospital Psiquiátrico Central — e Sean e Ambrósia olharam para trás, para a antiga construção amarela e desbotada. —, porque ele cuidava de abduzidos cristalizados desde 1877.
Agora Ambrósia teve mesmo medo de continuar.
— O Dr. Lucio era o que? — continuou então Sean. — Um serviçal de alienígenas?
— Devia saber já que leu minha mente — sorriu Edegar animado.
Ambrósia não estava tão animada assim.
— Não li sua mente. Já disse! São formas-pensamento que ficam aqui e ali — Sean apontou para os lados, para cima, para baixo.
Mas Ambrósia seguiu cada movimento de mão dele em busca de rastros de energia, que Sean captava. Sean a olhou espantado com o que lia na mente dela.
Nada falou, porém.
— O Dr. Lucio servia aos alienígenas da Confederação Intergaláctica — Edegar abriu o jogo. — Por isso sua medicação estava disponível na trilha. Ele era o único que podia estancar tal cristalização.
— Ah! É! Nenhum lugar melhor que um Hospital Psiquiátrico onde ninguém acredita no que você fala para se trabalhar com alienígenas.
— E tu non conseguiu ler isso na mente de Douttore Lucio perché? — Ambrósia desafiou-o. — Perché poderia non Signor Queise?
— Poder, poderia se não fosse a Serra do Roncador me brecar. Mas também não poderia ler a mente do Dr. Lucio porque ele também era um alienígena — olhou-a. — E eu não leio mentes alienígenas! — soou cínico, falsamente cínico.
— Douttore Lucio? Alienígena? Porca miseria!
Edegar riu com gosto.
— Tentou mesmo ler a minha mente Sean?
— Sim Edegar. E também não consegui.
— E sabe por que não conseguiu?
— Se não consegui ler... — Sean se divertia também.
Edegar olhou Ambrósia em choque.
— Não, não sou alienígena Senhorita. Minha mente está bloqueada porque o Dr. Lucio bloqueou-a. E não pode imaginar o que um alienígena de energias é capaz de fazer com as energias Vril do nosso corpo, Senhorita.
— Alienígenas... Porca miseria! Non quero sappere mais Signor Edegar. Grazie!
Sean e Edegar riram.
— Então Dr. Lucio era um alienígena de energia como o Sr. Pii?
— Signor Pii?! — gritou Ambrósia para Sean. — Io non... Porca miseria!
— Não imaginava mesmo o porquê de Pii ter tanto medo de ser drenado, não Senhorita? — Sean se divertia ao vê-la em choque.
— E tu viu isso na Serra che te bloqueava?
Sean voltou a rir, agora com mais empenho. Depois voltou sua atenção a Edegar outra vez.
— E você trabalhava para o Doutor, Edegar?
— Sim. Desde quando abandonei o SETI, que convenhamos Sean, não acreditaria em mim — achou graça parando no rosto lívido de Sean Queise. — Bem... Como eu disse, o Dr. Lucio chegou à Terra no início do século 19 e começou a trabalhar como cientista. Por isso estava na trilha pronto para ajudar os ‘secos’. Nesses últimos anos, com o avanço da medicina e da indústria farmacêutica, o Dr. Lucio vinha desenvolvendo medicamentos aqui na Terra mais eficazes, a partir de fórmulas muito além de nossa compreensão que estavam contornando o problema.
— Non me diga che são medicamentos feitos di folhas como as che Michel cheirava.
— Sim, Srta. Ambrósia. O Dr. Lucio vinha investigando Michel, que entrou na trilha atrás da Cidade de Posid, atrás da fonte inesgotável de plantas e cristais que ajudam os cristalizados. E ele sabia o risco que corria e que teria que matá-lo caso algo Michel tentasse.
— Mas Michel é um paranormal jansenista que não pode ser ferido pelo dom excepcional que tem.
— Já tinha ouvido falar desses paranormais, Sean. O Dr. Lucio até recebeu alguns aqui, como o Alcântara Jr., ou Romeu, que você percebeu que eu conhecia desde sua primeira vinda após ser resgatado.
— Então Alcântara Jr. ou Romeu havia estado mesmo aqui no hospital psiquiátrico quando o encontraram em terras indígenas?
— Sim. Quando Alcântara Jr. foi resgatado desorientado e desidratado em terras de índios Xavantes pelo SiD, ele nos contou que havia entrado numa fenda que existia em Peruíbe e saiu na Serra do Roncador, após ter visitado uma cidade de pessoas cristalizadas num tom azulado, vivendo numa espécie de imersão, como que paralisadas. E entre uma frase e outra, falava uma língua desconhecida, como se tivesse algum tipo de ensinamento — Edegar viu Sean pensativo.
Mas nem Edegar nem Ambrósia podiam imaginar o quanto ‘Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh’ passou a fazer sentido a Sean.
— Ma se Romeu poteva se curar perché è morto?
— Ele não morreu.
— Ma l'uomo bruciato? — e girou os olhos verdes traduzindo depois. — Ma o homem queimado?
— Não era ele.
— Così egli è vivo?
— Não sei Ambrósia.
— Então foi lá che Alcântara Jr. encontrou il marinaio de vimanas cristallo?
— Dr. Lucio acreditava que sim depois de ouvir todas essas histórias… — foi Edegar quem respondeu a Ambrósia. —, que fora isso que Alcântara Jr e os espiões psíquicos da Poliu estavam procurando em Peruíbe, esse marinheiro nazista cristalizado.
— Porca miseria! — explodiu Ambrósia sabendo que estavam numa encrenca daquelas. — Stou pazza che tu Edegar, nem o Signor Oscar Roldman e nem mesmo o Douttore conseguiram enxergar Alcântara Jr. em Romeu.
— Mas há algo que chamou a atenção do Dr. Lucio, o fato de apesar de muito ferido, Alcântara Jr. quando chegou aqui, curou ele próprio suas feridas, porque disse que podia se curar sozinho. Dr. Lucio se animou achando que ele era um alienígena, um híbrido ou coisa assim, mas o Sr. Roldman nos garantiu que Frederico Alcântara nunca havia falado nada sobre seu filho ser uma mistura de alienígenas e humanos.
— E ele era?
— Provável Sean, já que Deus não permite que seus filhos terráqueos se curem sozinho.
Houve um silêncio incomodativo ali. Sean escapara de uma Tyron que dava grandes descargas elétricas.
Ambrósia nada comentou e Sean agradeceu calado mais uma vez.
— Quem extamnete Michel está querendo descristalizar?
Edegar riu com o montante de informações que Sean tinha. Ficou imaginando se ele não usara SiD, Echelon ou outros tipos de ‘máquinas’.
— O Dr. Lucio não teve tempo de me dizer.
— Porca miseria! Che fazemos realmente qui, Signor Queise?
— Aqui? Nada! Viemos tomar vinho com Edegar já que a Comuna de Pirque fica aqui na província, e dobrando à direita... — Sean apontou. —, na Av. Concha y Toro... — sorriu-lhe. —, chegamos à famosa vinícola Concha y Toro — Sean viu a cara dos dois. — Não, não fiquei maluco; não ainda — ele viu Ambrósia com medo de continuar. — Não ainda porque quando localizei Alcântara Jr. em Peruíbe, um ano atrás, Oscar foi ao encontro de um indigenista de nome Juan Yapacu, que consta na lista de agentes da Polícia Mundial. “JY” estava no Chat porque ele também havia ido receber Alcântara Jr. ou Romeu na Serra do Roncador. Agora quem mentia para quem ainda não consegui saber — encarou Edegar que não gostou de ser encarado.
— Acha che o Signor Roldman...
— Não sei o que realmente Oscar faz Senhorita, porque como sabe não leio a mente dele — os dois se olharam; e foi um olhar diferente. — Podemos entrar Edegar? — Sean começava a se agitar ali, porque havia algo ali, como no Yacht, inchando o ar, os espreitando.
Edegar de repente fez o mesmo.
— Sim! Claro! — e num rápido olhar, Edegar esquadrinhou cada canto do jardim de belos Cyclamen persicum rosas, violetas e roxas, um tanto secas.
Sean não gostou daquilo, seguiu atrás de Ambrósia e Edegar e se viu entrando num grande hospital psiquiátrico. Não aquele, mas outro hospital psiquiátrico, um de piso branco e grandes colunas dóricas de mármore carrara, pé direito triplo, datado do século dezesseis, em meio a idosos e idosas acorrentados uns aos outros, que passaram a lhe olhar como se fosse Sean Queise o estranho ali; um estranho no ninho.
— Ahhh! — e todas as sinapses nervosas de Sean explodiram como fogos de artifícios e ele viu o chão diferente que tocou ao cair.
— Sean?! — gritou Ambrósia o acudindo.
Sean levantou-se percebendo que o piso do Hospital Psiquiátrico do Chile onde pisava, era feito de tijolos escuros, que as paredes eram caiadas de amarelo e as janelas de azul navy recém-pintada. Percebeu que estivera em outro hospital psiquiátrico, em outro lugar que não o Chile, e que ali havia gente acorrentada.
Nada comentou, porém.
— Sente-se aqui Sean — apontou Edegar uma cadeira. — Está sentindo um pouco da influência da altitude — chamou uma das enfermeiras. — Adelante! Pegue-nos um vinho! — ordenou.
— Não estamos a passeio apesar do que disse Edegar. Preciso de sua ajuda para encontrar esses crocodilos humanoides que estão atrás de manufaturas de cristais mágicos, que estavam sob o poder de uma civilização adiantada, também alienígena de répteis, que aqui chegaram para fazer e trazer o bem, vindos de Aldebarã e aqui ergueram uma cidade chamada Atlântida. Mas algo saiu do controle deles, e toda Atlântida foi atacada, reptilianos e humanos, os obrigando a fugir para uma Terra oca, com alguns se escondendo no Egito, outros no Tibet, onde mitos e lendas atraíram os nazis, que os queriam — Sean olhou em outro.
— E Michel di utilizzare i cristalli per la fabbricazione di armi che emette luce nerastra in grado di eliminare tutta una legione di nemici, armi e Mahabharata Howard Phillips Lovecraft?
Sean arregalou os olhos azuis.
“E Michel que utilizar os cristais na fabricação de armas que emite uma luz enegrecida capaz de eliminar toda uma legião de inimigos, armas do Mahabharata e de H. P. Lovecraft”, foi o que traduziu.
— Mas Michel não vai conseguir Ambrósia, porque aparentemente só Alcântara Jr. ou Romeu conseguiu encontrar tais cristais. E Michel não vai conseguir nada com ele.
— Perché tem tanta certeza Signor Queise?
— Porque eu matei Alcântara Jr. no Yacht! Na verdade um Romeu cristalizado, que tentava roubar meus apontamentos sobre SiD, que estavam no cofre com meu tablet.
— Por isso sta usando o tablet de Kelly?
— As EBEs levaram meu tablet, enquanto Alcântara Jr./Romeu tentava entender o que estava escrito ali.
— E o que você escreveu ali?
— Nada! Não fui eu quem escreveu — sorriu o cínico que era. — Bertti abriu o cofre do Yacht de Oscar, porque devia saber as senhas, e deixou os apontamentos lá...
— Então Vincenzo...
E Sean viu o susto de Ambrósia. E não foi igual ao de Edegar.
— Esses apontamentos eram sobre o que Gyrimias havia conseguido com Ralph Kinchër, criptografado quanticamente. Por isso Alcântara Jr./Romeu não conseguiu entender o que eram tais hieróglifos — e Sean voltou a ver que Ambrósia continuava assustada com algo.
— Ma Michel também non conseguiu sappere que Alcântara Jr. era Romeu.
— Exato! E Michel sem Alcântara Jr./Romeu vai precisar trazer de volta à vida um dos cristalizados do Terceiro Reich, para que uma Sociedade Secreta de nome LINK possa dar o que ele quer.
— Che non sabemos o che é.
— Exato! E ele vai tentar usar o sino que temo, pode viajar no tempo usando uma força de nome Vril — e agora Sean viu Edegar se mover agitado.
— E che também non sabemos onde o sino stá.
— Exato outra vez! E Michel ainda vai aproveitar para eliminar todas as pontas que ficaram soltas após o fim da Segunda Grande Guerra — Sean olhou cada um. — Isso incluiu a Poliu, Srta. Agente Ambrósia.
— Porca miseria! — e Ambrósia também não gostou de como foi chamada outra vez, decididamente não gostou, eles também já haviam sido para lá de apresentados.
Edegar Cascco nada falou. Tinha receios das constantes descobertas do mega empresário brasileiro. Preferiu ligar para sua secretária na delegacia e pedir que a mãe arrumasse uns apetrechos na mala.
Ele iria viajar outra vez.
18
Aeroporto Internacional de Guarulhos, São Paulo, capital; Brasil.
23° 25’ 55” S e 46° 28’ 10” W.
01 de março; 19h00min.
O dinheiro que Sean Queise e Ambrósia Bertti conseguiram levantar havia terminado, e ele teve que ir a um banco no Brasil e se identificar a fim de conseguir meios financeiros para se locomover, agora sabendo que ia ser rastreado. Contudo imaginava que quando tal informação chegasse, ele já pudesse ter escapado do cerco da Poliu.
“Mr. Trevellis jamais imaginaria que eu estaria retornando a São Paulo”, pensou seguro.
A noite caía quando os três chegaram ao Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, no Brasil. Tomaram um táxi e Sean anunciou ao taxista que os levasse até a Computer Co. House’s. Ele ia se arriscar novamente; os três sabiam.
Computer Co. House’s; São Paulo, capital, Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
01 de março; 21h44min.
Ambrósia encantou-se com a riqueza dos largos átrios de mármore carrara e os pés-direitos triplos onde panos de vidro traziam para dentro os bem cuidados jardins floridos. A Computer Co. House’s havia sido construída com esmero e bom gosto, e reformada após ataques.
Sean preocupava-se com coisas maiores, precisava acessar o satélite de observação Spartacus a partir de seu computador de mesa. E já que seu tablet fora levado, esperava que Oscar Roldman e seu pai Fernando não atrapalhassem. Saber que todos estudaram juntos começava a perturbá-lo.
Sabia que um dia ainda teria a coragem de tirar aquilo a limpo.
Sean entrou na calada da noite na sua sala e os mainframes giraram todo o seu banco de dados. Ele tentou mais uma vez retroceder as informações ao dia em que conversara com Gyrimias Leferi, mas não conseguiu acessar o satélite de observação Spartacus. Lá só encontrou a navegação de Kelly Garcia e o tal álbum digital sem que algumas fotos ainda tivessem sido adicionadas à sua conta.
Sentiu saudade dela, sentiu remorso por não tê-la amado como deveria e uma mensagem criptografada de Gyrimias, ele também achou.
Identificou-a:
— Key ID: pub 1024D/5572E1F5 5503-05-05 Computer Co. Mainframes Package signing key (www.computerco.web) gy@computerco.web Fingerprint: A4A9 4068 886FC BD3C 4567 99C8 8C71 8D3B 5972 E1F4 Public Key (ASCII-armored): -BEGIN PGP PUBLIC KEY BLOCK-Version: GnuPG v1.0.6 (GNU/Linux) QGiBD4+owwRBAC14GIfUfCyEDSIePvEW3SAFUdJBtoQHH/nJKZyQT7h9bPlUWC3jQReyCITRrdwyrKUGku2FmeVGwn2u2WmDMNABLnpprWPkBdCk96+OmSLN9brZw2vOUgCmYv2hW0hyDHuvYlQA/BThQoADgj8AW6/0Lo7V1W9/8VuHP0gQwCgvzV3xRznNCRCRxAuAuVztHRcEAJooQKiSiunZMYD1WufeXfshc57S/+yeJkegNWxwR9pR//WVArNYJdDRT+rf2RUe3vpquKNQU/hnEIUHJR.QqYHo8gTxvxXNQc7f“JY”LV2HtkrPbP72vwsEEspanholaYhhr0eKCbtLGfls9krjsBgAC“JY”/Vb7hiPwxh6rDZ7ITnEXBACmWpPAod3d3Lm15c3Fs//LmNvbSespanholaPGJ1aWxkQG15c3FsLmNvIXQQTEQIAHQUCPj6iQ/lpEAoIhpp6BozKI8pabzF5MlJH58pAKCu/ROofK8J890de3jj7ug2aLos+5zEYrB/LsrCDQQ+PqMgA7+GJfxbMdY4wslPnjH9rF4N2qfWsEN/lloppp9aZo“JY”c3a6M02WCnHl6ah3X4BrRsKTfozBu74F47D8Ilbf5vSYHbuE5p/lopk1oIDznespanhola/p8kW+3FxuWrycciqFTcNz215yyX39LXFnlLzKUb/F5GwADBQf+Lwqqii988CGrRfsOAJxim63CHfty5mUc5spanhola4u5xf3vn55VjnSd1aQ9eQnUcXiL4cnBGoTbOWN739EcyzgslzBdC++MQTcA7p6JUVsP6oAB3FQWg54tuUo0Ec8bsM8b3Ev42LmuTY33vuuwqp2H139pXGEespanhola===YJkx -END PGP PUBLIC KEY BLOCK — foi o que ele leu.
“Espanhola?”; foi o que se perguntou.
Sean percebeu que era a mesma contida nos apontamentos de Vincenzo Bertti deixado no cofre do Yacht. Enviou a mensagem criptografada para o tablet de Kelly e a deletou dos mainframes antes que Edegar ou Ambrósia pudessem perceber. Também buscou uma cópia de SiD nos mainframes para voltar a instalar no tablet, mas ele havia sido deletado. Era mesmo só até aquela sexta-feira dada por Oscar Roldman.
Sean o odiou, Oscar realmente apagara o SiD dos bancos de dados da Computer Co., e com a autorização de alguém acima de suas ordens; Fernando Queise. Porém havia outra mensagem arquivada por Spartacus antes que Sean deletasse suas comunicações a partir do Yacht, uma mensagem direta à lista de ufologia ao nickname “SQ”.
Sean gelou perante aquilo, alguém na lista o havia identificado; e era uma mensagem de “JY” com uma única palavra ‘Abaçaís!’
Ambrósia assustou-se quando viu toda a energia da Computer Co. House’s ser consumida.
— Porca miseria! Che sta acontecendo Signor Queise?
— Fui eu!
— In che modo “fui eu”?
Sean sorriu cínico e Ambrósia olhou Edegar. Uma só coisa pareceram entender, que a falta de energia ali significava que Sean privara os computadores da sua central de processamento de dados a se comunicarem entre si, deixando os mainframes da Poliu e da Polícia Mundial a total mercê de hackers.
Sean então pegou a arma calibre .32 que guardava na gaveta e anunciou:
— Recomendo hoje dormirmos num hotel aqui em São Paulo mesmo, e amanhã perder um pouco de tempo fazendo compras. Vamos nos misturar à ilustres hóspedes na Amazônia.
Centro da cidade de São Paulo, capital; Brasil.
23° 32’ 38” S e 46° 38’ 02” W.
01 de março; 23h30min.
Sean até queria poder ter dormido na sua cama, no conforto de seu flat onde agora morava, mas isso iria alertar seu pai Fernando Queise e consequentemente a amizade com Mr. Trevellis. Odiava pensar que aquilo realmente ocorria, mas ocorria.
Um táxi os deixou exatamente onde Sean pediu, no centro da cidade, no mesmo hotel em que o 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara o havia chamado.
Sean sabia que Ambrósia conhecia aquele lugar.
A noite estava estrelada e o lobby menos movimentado que da primeira vez em que lá estivera com Alcântara. Sean pediu o mesmo quarto número 8. Ambrósia ficou com o quarto número 15 no andar acima, exatamente em cima do quarto de Sean e Edegar com o quarto número 33, três andares acima, reclamando que o centro da cidade não era o lugar mais seguro para descansarem.
A água estava fria, mas a noite estava quente o que equilibrou o banho e suas energias. Sean se enrolou em uma toalha e ficou olhando da janela do quarto, a madrugada chegando. As águas de março começavam a dar sinais lá fora e uma chuva forte se precipitou sobre o centro da cidade. Ele continuou lá parado, repensando sua vida, em como havia sido injusto com todos, com ele próprio. O quanto obrigara Kelly em ser seu apoio, sua amiga, sua funcionária em tempo integral. O quanto era injusto com seus sentimentos, com os de Kelly, com os de Ambrósia um andar acima, que ele podia sentir, pensava nele.
Estava tão atordoado com o que se tornara sua vida, desde pequeno cobrado, medido, estudado; a Computer Co., o mercado cada vez mais competitivo, as poucas horas de sono, os poucos amigos, nenhuma diversão. Sabia que estava envelhecendo rápido aos vinte e dois anos, que provável se tornaria amargo, insensível, triste como seu pai; os dois.
A porta se abriu e se fechou sem que ele a percebesse, escutasse, se adiantasse. Uma perna longa, envolta em meia-calça preta, exposta em saia curta e insinuante, adentrou seu quarto no que o perfume de rosas se espalhou. Sean sentiu cada poro, cada pelo de seu corpo alertá-lo no que foi atingido pela força de uma arma alienígena que o lançou contra a janela de vidro, que embaçou com seus lábios próximos, com todo o suor de seu corpo paralisado, grudado a ela.
— Olá Sean bonitinho! Confortável?
Os olhos de Sean, que se moviam, correram para o lado. Cama, cadeira, mesa e só a imagem dele refletida no vidro cada vez mais embaçado por dentro, pela chuva torrencial por fora.
“Como?” tentava entender.
— O que foi Sean bonitinho? Confuso? — e Heidi beijou o rosto dele colado no vidro, paralisado, em choque por não tê-la visto entrar, por não vê-la exatamente dentro do quarto. Os olhos de Sean Queise voltaram a escorregar para o vidro e a imagem dela não se fazia ali. Ele escorregou um olhar para um lado e outro lado e ela não estava lá. Nunca o medo lhe fora tão presente. — Como chove não Sean bonitinho? — Heidi olhou para fora. — Um ótimo momento para curtir um lance a dois — e o lambeu. — O que é uma pena — e o lambeu novamente. —, já que você fez questão de escolher a grande e bem servida italiana lá de cima — Heidi ria com gosto no que Sean foi mergulhado num líquido enegrecido, que não parecia precisar de invólucro.
— Ahhh... — e Sean nada mais conseguiu falar, fazer.
E arregalou mais ainda os olhos azuis, mergulhado em algo que lhe fugia a compreensão.
“¡Ni hablar! ¡Ni dormir! ¡Ni tampouco respirar el líquido!”, soou cada palavra, cada frase do falso marinheiro/Alcântara Jr./Romeu.
Sean se desesperou, concentrou-se e tentou, e tentou, e tentou mover objetos, lançá-los sobre ela, fugir dali, mas não sabia ao certo onde ela estava.
A luz rareou e voltou a se firmar; nada mais conseguiu fazer. Sabia que aquilo não era suficiente para enfrentar uma Heidi alienígena que voltava a lambê-lo, e lambê-lo e lambê-lo quando enfim a língua dela se moldou fina e sua pele de crocodilo se tomnou de um tom enegrecido.
Sean podia sentir tudo aquilo no que o corpo dela entrou no líquido enegrecido e a mão dela lhe atingiu o sexo.
“Ambrósia?!” “Ambrósia?!” “Ambrósia?!” Sean chamava-a desesperadamente pelo pensamento não tendo muita certeza se um tipo de alienígena como Heidi, que era capaz de ficar invisível, também era capaz de captar seu chamado.
— Está se perguntando de onde eu vim, Sean bonitinho? — perguntou uma Heidi crocodilo.
Sean fechou os olhos, aliviado.
“Não! Ela não é capaz!”; foi o que pensou.
Heidi aliviou a mão no sexo dele e Sean girou os olhos azuis sem saber o que fazer para ela não voltar a fazer aquilo. Porém ela voltou a lambê-lo ainda dentro do líquido enegrecido, e Sean dessa vez conseguiu que os quadros se locomovessem um pouco na parede.
— Ou talvez esteja se perguntando por que só você é capaz de me ver assim? — gargalhou. — Porque já adianto que ninguém me vê assim, Sean bonitinho. Porque ninguém é especial como você.
Sean teve mais medo ainda do que ouviu. Ele sabia que era especial, o quanto e como nunca saberia. Não, se não enfrentasse Oscar e a família Roldman atrás de respostas que sabia, no fundo tinha medo.
Heidi não esperou mais também, a língua fina voltou a sair da sua boca e alcançou o pescoço dele, envolvendo-o, crescendo em comprimento, descendo até tomar todo seu tronco, envolver a cintura, as coxas, o enroscando numa quilométrica língua verde azulada em meio ao líquido enegrecido, viscoso, que Sean já não tinha mais certeza do que era feito.
“Ambrósia?! Ambrósia?! Ambrósia?!”, se desesperava sem conseguir ir além do movimento de pálpebras.
Estava paralisado, em total letargia, dentro de um invólucro de energia etérea, quando desejou e tudo inclinou, pareceu inclinar. As cadeiras, o piso, a mesa, a cama, portas de armários, suas roupas tiradas para o banho.
— Ahhh!!! — e Heidi foi atingida por tudo aquilo.
Caiu no chão, fora do invólucro que se rompeu, perdendo uma arma feita de cristal azulado, que caiu de sua mão de crocodilo.
Sean também foi ao chão, atordoado, com o líquido agora enegrecido a se esparramar, vendo o corpo de Heidi e sua longa língua verde azulada no chão, desmaiada após cadeira, mesa e portas se deslocarem do local de origem e acertá-la. Sean sabia que não tinha tempo para respostas, mas todo seu corpo não respondia; não ainda. Tentou se arrastar até suas roupas, mas não conseguiu. Ele chamou Ambrósia outra vez, mas estava fraco, sem saber o que fazer quando Heidi ameaçou acordar.
“Deus” foi só o que conseguiu.
Sean olhou a sua camisa em cima da cama e ela se dirigiu a seu corpo, olhou a calça e meias e underware, e tudo o vestiram. No fundo estava em choque com o que fazia. Também olhou a mesa e ela ficou de pernas para o ar se lançando contra o teto, numa velocidade que Ambrósia deu um pulo da cama com a arma Tyron em punho, atordoada com o barulho, apontando para todos os lados até a mesa se chocar dez, vinte vezes, rachar de tanto se chocar contra o teto do quarto abaixo e ela saber que era o piso do quarto dela que vibrava.
Ambrósia sabia que o quarto de Sean estava abaixo do seu, quando viu a planta baixa do hotel no quadro de fuga de emergência na parede da portaria.
— Sean?! — gritou desesperada colocando os sapatos, a calça por cima da lingerie e abotoando a blusa já na frente da porta dele, que caiu pelo chute dado. Ambrósia entrou para ver tudo preso ao teto, ele de olhos arregalados no chão, e algo parecido com Heidi Zuckeuner desmaiada. — Io sta bene?
— Fugir... Nós... Chame... Edegar...
— O che tu tem? Perché non consegue... — e a imagem de uma Heidi desmaiada no chão a calou. — Porca miseria! Come ela entrou qui? — apontou Heidi desmaiada.
— Não... não... não...
— Ahhh! Porca miseria! Vamos sair qui... — e o agarrou do chão.
— Preciso... tablet...
Ambrósia olhou um lado e outro em meio a tudo revirado, jogado no chão, sobre Heidi, preso ao teto. Não acreditou ao ver o tablet lá também.
— Porca miseria... — e arrastou uma cadeira para alcançar o tablet preso ao teto.
O barulho alertou Heidi que abriu um olho. Sean continuava amolecido, com sua paranormalidade afetada. Mas outra vez o perfume de rosas fez Sean escorregar os olhos para uma Heidi de pele de croco, de um tom enegrecido, que como ela disse, só ele podia vê-la assim.
— Amb... Amb... — Sean só teve tempo daquilo.
— Ahhh!!! — e Ambrósia foi lançada para o lado de fora do quarto, jogada contra a parede oposta fazendo o tablet cair de suas mãos, e lá ficar atordoada.
— O que foi italiana bem servida? — Heidi foi atrás dela no corredor, vestindo meia-calça preta, saia curta, blusa insinuante, corpo de mulher sensual. — Ainda com medo dos acordos que seu fratelo faz?
“Acordos?”, pensou Sean, pensou Ambrósia.
— Ou acha que os agentes da Poliu não sabiam o que faziam durante a Segunda Grande Guerra? — ria Heidi assustadoramente diferente.
Ambrósia sacou sua Tyron e gritou:
— Ahhh!!! — uma corrente de alta-voltagem que só conseguiu erguer Ambrósia do chão e a lançar no teto, para então voltar o chão desacordada.
Sean sabia que tinha que fazer algo ou nada mais seria feito. Ergueu-se do chão com a força do seu pensamento. Se seu dom o vestiu, então ele o ergueria do chão.
Heidi se virou em choque no corredor e o viu volitando, não entendendo como ele escapara de seu laço energético feito de Vril, mas laçou Sean novamente com a arma feita de cristal azulado e o lançou para dentro do quarto novamente, que foi direcionado contra o teto para então deixá-lo ir ao chão como fizera com Ambrósia.
Heidi então tomou a forma de mulher sensual para ele também, e sua cor voltou ao normal para então se aproximar dele, que sorriu com um olhar cínico como se aquilo fosse possível. Heidi pareceu não entender tal olhar, mas foi lançada contra o final do corredor no que Edegar acionou e atirou nela com sua Tyron. Heidi ficou lá em choque, perdendo o controle de seu corpo que enegreceu para um Edegar e uma Ambrósia agora acordada, em choque com o que viam; uma crocodilo humanoide chacoalhando no chão.
— Não disse que o centro da cidade não era o lugar mais seguro para descansarmos Sean? — foi só o que Edegar falou.
— É... Você disse... Vamos sair daqui... — e Sean se levantou, jogando numa mochila o dinheiro, passaportes e o tablet.
Os três correram descendo os degraus aos triplos, chegando à portaria vendo pedaços de corpos de dois homens e uma mulher, espalhados no chão. Ambrósia ia vomitar, mas Sean a agarrou sem tocá-la e os três alcançaram a rua encharcada.
— Che... Che... Foi ela?
— Agora não há como saber.
Trovões rasgavam os céus do centro da cidade. Sean os arrastava pela chuva que voltava a cair fortemente.
— Aonde vamos?
— Não sei... Não sei... Precisamos chegar ao aeroporto. Preciso contatar alguns amigos de meu pai.
— Mas io...
E Sean parou de andar. Edegar olhou para um lado e outro não entendendo porque pararam.
— Por que paramos?
Sean girava, e girava, e girava em torno dele próprio como já fizera na trilha do Roncador, no Yacht.
— Sentiram isso?
— Isso? — Ambrósia também girava em torno dela, com a chuva os encharcando em meio a relâmpagos de ferir os tímpanos, não vendo nada além da noite vazia, fria. — Che? Che Sean?! — berrou descontrolada.
— Vril... — soou da boca de Sean quando todos os carros soltaram-se do piso e um buzinaço se alastrou pelo centro da cidade no que alarmes dispararam.
Sean, Edegar e Ambrósia correram; e correram sabendo que não fora ele quem provocara aquilo em meio às ruas encharcadas que dificultavam o trajeto. Ambrósia enfiava os pés em um e outro buraco. E quando ia cair Sean a erguia sem que a tocasse, correndo à frente dela.
Ela começava a desgostar daquilo, da maneira como ele vinha escancarando seus poderes.
— Sean?
— Vamos!!! Vamos!!! Agora não é hora de pensar!
— Come sabe che...
— Corra!!! — e Sean viu Ambrósia correr agora nervosa com ele, gritando com ela.
— Ma... — e Ambrósia não gostava que gritassem com ela.
Ela era uma agente da Poliu, sabia seu valor. E não tinha que obedecer a ordens de um moleque quando Sean voltou a gritar.
— Corra!!!
— Porca miseria!!! Come se atreve?! Non grite mais com... — e o chão se inclinou.
Sean escorregou um olhar para trás e tudo se distorceu.
— Corram!!! — e o piso, o ar, toda São Paulo se inclinou.
— Sean?! — e a água do piso que dificultava a fuga não foi motivo para ela não se lançar sobre ele o derrubando.
— Está louca?!
— Pazza?! Pazza Io?! Tu che... Ahhh!!! — o som infernal de relâmpagos cortando o céu os atingiu. — Interrompere com isso!!!
— Parar com isso o que? Não sou eu!
E o som infernal de relâmpagos cortando o céu os atingiu novamente.
— Ahhh!!! Interrompere com isso, Signor Queise, perché...
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh!!! Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh?! Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh?! — e gritos ecoavam agora para os três.
— Che? Che foi isso?
— Sociedade VRIL!
Edegar e Ambrósia se olharam agora em choque.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh!!! — e os gritos voltaram. — Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh!!! — e as vozes se juntaram ao som de alarmes acionados. — Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh!!! — e as vozes eram apavorantes.
Sean correu, e Ambrósia e Edegar também deram de tudo deles para não ficar ali. Corriam desesperados agora sabendo que havia crocodilos humanoides ali, muitos deles, invisíveis quando o piso se inclinou e poças de um líquido enegrecido, oleoso, brotavam os engolindo.
— Ahhh!!! — e Sean, Edegar e Ambrósia mergulharam nele.
— Ambrósia?! Ambrósia?! — Sean tirou a cabeça para fora. — Não respire!!! Não respire!!!
Ambrósia se ergueu do chão respirando ou não. Edegar foi arrancado da poça por Sean e os três voltaram a correr.
— Sean?! Sean?! Fare qualcosa!!! Porca miseria!!! Fare... Fare... Faça algo!!! — berrava Ambrósia em fuga.
— O que quer que eu faça?!
— Faça!!! Faça!!! Faça!!! — perdia a paciência com ele quando portas de carros se abriram e fecharam freneticamente, luzes enegrecidas explodiram poste atrás de poste ao longo das ruas, vitrines de casas de comércio e prédios estilhaçaram-se para todos os lados e mais alarmes surgiram por todo centro de São Paulo. — Ahhh!!! Sta pazzo?! — berrava Ambrósia tentando não ser atingida pelos vidros e caos que Sean criava por onde eles passavam, tendo certeza que não fora aquilo que ela pediu para ele fazer.
Mas fosse o que fosse o que vinham atrás deles eram atingidos por todas as manifestações de Poltergeist que ele inseria na fuga.
— Corram!!! Corram!!! Corram!!! — era só o que insistia.
— Ahhh... — Ambrósia então sacou sua Tyron e atirou no vidro de um carro, abrindo a porta e entrando nele.
Um chute no painel e fios despencaram em suas pernas. Ambrósia se abaixou e fez ligação direta quando Edegar e Sean se lançaram dentro do carro.
— Ensinam isso na Poliu?!
Ambrósia nem teve tempo de responder sobre os ensinamentos dela, dele ou de qualquer outro agente. Ele leu seus pensamentos e riu com gosto. Mas a preocupação de Ambrósia era com a não preocupação de Edegar Cascco, que nada perguntou, nenhum único questionamento sobre portas de carros que se abriram ou toda a iluminação destruída no centro da cidade, em meio a vozes que não estavam ali.
Eles conseguiram fugir agora sabendo que a Sociedade VRIL não era um mito e os crocodilos humanoides não estavam para brincadeira. Os três só não sabiam, era que a sociedade que os perseguiam se chamava LINK.
19
Aeroporto Campo de Marte, São Paulo; Brasil.
23° 30’ 32” S e 46° 38’ 4” W.
02 de março; 09h55min.
Após uma madrugada para lá de agitada, Sean Queise não se fez de rogado, aceitou de imediato o jato que um rico banqueiro, amigo de seu pai, oferecera emprestado após os três dormirem no carro roubado, no estacionamento de um Hipermercado 24 Horas. Mas foi Fernando Queise quem apareceu pessoalmente naquela manhã nublada ao Campo de Marte, aeroporto doméstico da capital de São Paulo. Queria ver se Sean estava tão bem quanto queria demonstrar ao celular.
Fernando também precisava perguntar-lhe algo.
— Pai? — espantou-se ao vê-lo na pista.
O homem alto, de corpo avantajado e bigodes brancos o encarou:
— Você está bem? — pigarreou Fernando. Sean percebeu certa frieza por parte dele. — Viajando a negócios? — olhou em volta dele e não viu mala alguma.
Sean sentiu o chão faltar-lhe.
— Você sabe que não, pai.
— Compreendo!
— Não, não compreende. E não estou trabalhando para Oscar se é o que...
— Eu não quero falar sobre isso! — Fernando cortou-o bruscamente. — Você parece bem adulto para tomar suas decisões e fazer suas escolhas.
— “Escolhas”? O que quer dizer com isso?
— Você deve saber. Apesar da pouca idade lhe dei o comando da Computer Co. sabendo o que ela representava, Sean. Hoje com vinte e dois anos, o esperava mais bem preparado para assumir a Computer Co. e o que ela representa para mim, para o mercado.
— “Preparado”? — gargalhou. — E como fui preparado, não? Aos dez, aos quinze, aos vinte. Provável desde o nascimento.
Fernando deu um passo à frente e ficou tão junto a ele, que Sean temeu aquela aproximação. Podia ler cada linha de tensão na testa de seu pai; ele estava tremendamente irritado.
— Estou cansado de vê-lo jogar na minha cara o fato de não ter tido infância, Sean. Achando sempre que foi tudo um jogo programado — Fernando ficou mais próximo ainda e Sean sentia que não ia gostar daquilo. — Não foi o que me disse? Um jogo de interesses? Eu teria Nelma de volta se me desfizesse da Computer Co.?
— Pai... Eu nunca disse...
Mas Fernando ergueu a mão e o calou:
— Pois foi isso mesmo que barganhei com Trevellis, com o maldito Trevellis, Sean. Eu comandaria a Computer Co., que cresceria, que se tornaria a maior do ramo, para então eu me aposentar. Então ganharia Nelma de volta, um filho e uma família feliz — Fernando viu Sean arregalar os olhos azuis que lacrimejaram. — E você? Você teria uma família estável, com pais presentes, tudo o que um o garoto normal desejaria — Fernando viu que Sean chorava. — E quando tudo parecia estar de acordo, me vinguei de Trevellis e coloquei você para me suceder, contra as ordens dele.
— Então Trevellis queria o comando da...
— Mas foi Trevellis quem me deu a maior rasteira do mundo, não? Porque você não era uma criança normal, não Sean?! — a voz subia de tom. — Porque Trevellis sabia que você não era uma criança normal, porque conhecia seus dons paranormais, e do que era capaz de fazer com eles, não Sean?! — e o berro se propagou pelo aeroporto. — Você e esse maldito dom que movia os móveis da casa, que batia porta por pura birra, que enlouquecia os empregados que procuravam as panelas e as encontravam penduradas no teto, com todos os vidros de ponta-cabeça Sean, que não derramavam líquido, que desafiava a gravidade Sean! — e Fernando viu Sean agora não esboçar nada. — Isso não é engraçado Sean!!! — berrou.
— Eu não disse que era...
— Não!!! Não disse!!! Porque você se enervava e então líquidos e copos com líquidos explodiam pelas paredes!!! — voltava a berrar.
— E eu não pedi para nascer assim; pedi?! Pai!
A respiração se descontrolava em todo Fernando Queise.
— Pediu! — Fernando estava furioso demais; enciumado e furioso para amenizar o clima. — Pediu e pediu e implorou para Trevellis lhe preparar, para Trevellis dar uma rasteira em mim, para Trevellis lhe transformar num agente...
— Não!!! Não!!! — berrou agora ele descontrolado. — Eu nunca pedi...
— Pediu Sean!!! Pediu quando obrigou Mona Foad, a melhor espiã psíquica que Trevellis...
— Não! Não! Não! Nunca quis isso! Nem nunca trabalhei para a Polícia Mundial, muito menos para a Poliu.
— Nunca o imaginei mesmo trabalhando para Oscar Roldman, Sean, mas sei que é atrás da corporação de inteligência que você está! Sempre esteve! Até se tornar um deles!
“Um deles... um deles... um deles...”; aquilo soava insano, totalmente nonsense.
A imagem de Sandy Monroe morta no seu quarto apareceu do nada. Sean se viu numa eterna ida Nietzschiana ao passado, em eterno ajuste com a corporação de inteligência que preparou cada dom que o consumia.
Agora Sean sabia o porquê de Mona amiga o evitar.
— E ainda tem sua mãe, não Sean? Sua mãe, preocupada com você... — sua voz tremia pela emoção.
— Perdão pai... Eu...
— Viaja sem se despedir, volta machucado de sei lá onde num helicóptero da Polícia Mundial, faz Kelly ir para Itália...
— “Itália”? — foi a vez de Sean o cortar.
— Ela nos disse que ia à Ischia encontrar você. Ela pelo menos nos avisa onde você está.
— Meu Deus! Kelly não podia falar...
— O que aconteceu com ela, Sean?
— Nada...
— Por que não encontro Gyrimias Leferi? — Fernando usou uma entonação um tanto forte no nome do cientista da Computer Co. que foi a gota de água, Sean percebeu que o pai desconfiava de algo. — O que está me escondendo Sean?
— E você pai? Quantos segredos ainda têm para comigo quando estuda com Trevellis, Oscar e mamãe na Suíça?
Fernando sentiu medo da frase, da pergunta, das dúvidas que ainda pairavam sobre eles. Temeu que de alguma forma Oscar Roldman tivesse rompido seu voto de silêncio e contado o que a Computer Co. fora realmente obrigada a fazer para a Poliu, a fim de se manter num mercado cada vez mais competitivo. E como a colega de escola Nelma lhe custou caro.
Ambrósia Bertti via e ouvia de longe a discussão. Contudo foi Edegar Cascco quem respondeu às suas perguntas.
— Aquele é Fernando Queise.
— Padre di Sean?
— Sim.
— Eles non se parecem molto.
Edegar riu:
— Não devia levar em conta o que Mr. Trevellis espalha sobre a família Queise, Senhorita Ambrósia. Ele o faz para atingir o Sr. Roldman mais que a Sean Queise.
— In qualquer caso, egli non parece ter gostado di ver Sean viaggio furtivamente.
— É... — Edegar deu de ombros e Ambrósia se aproximou mais deles.
Sean Queise estava cabisbaixo, havia contado ao pai que desligara os mainframes pondo em risco toda a central de dados da empresa. Fernando saiu furioso sem cumprimentar a estranha e bela mulher ruiva que se aproximava.
— Problemi in paradiso? — foi só o que ela falou.
— É só o que eu tenho na vida, Senhorita — e nada mais falou pegando a maleta de roupas que comprara pela manhã das mãos dela.
E subindo a escada do jato ficou olhado para o pai que se afastava tão cabisbaixo, quanto ele com vontade de recuar, cair nos braços dele como a muito não fazia.
Sean sentia que seu pai tinha ciúme de Oscar Roldman, que parte desse ciúme ele mesmo provocara ao aceitar o que Oscar lhe pedia, o que lhe mandava seu filho fazer.
Acomodou-se na poltrona do fundo e nada comentou com Ambrósia ou Edegar.
Aeroporto Ponta Pelada, Manaus; Amazônia, Brasil.
3° 8’ 46” S e 59° 59’ 11” W.
02 de março; 14h30min.
Foi pouco mais de quatro horas de voo de São Paulo à Manaus para a capital da Amazônia se desenhar abaixo deles. O piloto deu sinal para colocarem os cintos e aterrissou tão suavemente quanto uma pluma. Um vento abafado atingiu o rosto bonito do mega empresário. O dia parecia prometer ser quente.
Sean pediu que Ambrósia e Edegar o esperassem, e se dirigiu ao balcão de informações a fim de alugar uma Lancha. Não queria que o piloto do jato avisasse a seu pai para onde ele estava indo, indo realmente, ao mais famoso hotel de selva do Amazonas.
Ariaú Amazon Towers Hotel, Manaus.
3° 5’ 35” S e 60° 26’ 29” W.
02 de março; 15h20min.
Sean chegou no Porto de Manaus, e não levou nem uma hora de Lancha pelo belo Rio Negro e seus afluentes. Valeu a pena o despertar para todas as belezas naturais ao longo do trajeto, descobrindo a cada curva jacarés, macacos, pássaros e até botos.
Inaugurado em 1987, o Ariaú Amazon Towers Hotel, contava com 288 unidades habitacionais entre apartamentos e suítes. Localizados nas torres e casas do ‘Tarzan’, as dependências do Ariaú Amazon ficavam interligadas por um sistema de passarelas à altura da copa das árvores que totalizam quase oito quilômetros.
Ambrósia quase nada falava. Quando falava, Sean desconversava ou simplesmente não respondia ficando o tempo todo entre ver as belezas locais e ler algo no tablet. Quando a Lancha os deixou, não foi o gerente quem os veio receber, e sim um homem de pele morena, corpo atlético, estatura média e passos confiantes; um homem bonito e muito influente na região.
— Olá, Sean. Espero que tenha feito uma boa viagem.
— Na medida do possível. Obrigado!
— E então? — o homem bonito de pele morena olhou os acompanhantes de Sean. — Ainda atrás de vulcões?
Ambrósia se alertou.
Sean virou-se para Edegar e Ambrósia.
— Esse é Edegar Cascco, ele é ex-policial no Chile. Você deve conhecê-lo, ele trabalhava para a Polícia Mundial.
— Como vai? — perguntou o homem bonito de pele morena.
— Bem! — respondeu Edegar sem saber com quem falava.
— E essa é a Srta. Ambrósia — Sean viu que Ambrósia não gostou de como foi apresentada. — Ela é irmã de Bertti.
— Vincenzo Bertti? — o homem bonito de pele morena espantou-se. — Ora... Ora... Olá, Srta. Ambrósia — ficou encantado, deixando Sean enciumado. — Meu nome é Juan Yapacu. Sou botânico e indigenista.
— O indigenista che stava in chat con Signor Roldman?
— Sim — Juan olhou foi para Sean. —, mas Sean me conhecia das Listas de Ufologia pelo nickname “JY”. Nós nos comunicávamos sem que eu soubesse que minha identidade havia sido hackeada por ele — Juan sorriu para ele.
Ambrósia também não demorou a olhar para Sean. Ele parecia realmente não mais se incomodar com aquilo.
— Meu nickname também foi hackeado, não? — foi a vez de Sean.
— De certa forma, foi Kelly quem me contou sobre “SQ” — não tirava os olhos da bela e roliça ruiva.
— Kelly anda fazendo coisas que até Deus duvida — Sean sorriu sem graça.
— Ela estava atônita nas listas, fazendo perguntas estranhas. Quando Oscar me permitiu hackear a lista, descobri Kelly usando o site da Computer Co.. Então liguei suas iniciais ao seu nome. Parece que todos nós gostávamos de usar esse recurso.
Juan viu que Edegar estava cansado e de pouca conversa.
— Podemos entrar? — foi só o que Edegar falou.
— Sim! Vamos entrar! Vocês vão gostar do hotel. Até o Bill Gates já se hospedou aqui.
— Ah! Um concorrente... — todos riram com Sean.
Os quatro atravessaram um corredor extenso até o lobby. Sean se sentiu o próprio desbravador naquela floresta. Mas foi Ambrósia quem tomou a dianteira.
— Questa è bella! — exclamou encantada.
Juan ficou pensando que bela era ela, ao medi-la de alto a baixo novamente e fazendo novamente Sean sentir ciúme. Já Ambrósia percebeu tudo ao seu redor. Inclusive sua beleza analisada.
— Dentre as facilidades do hotel estão duas piscinas na altura da copa das árvores, duas torres de observação de 41 metros de altura, auditório panorâmico com vista para o Rio Negro e Floresta Amazônica, dois restaurantes, um bar e um cyber café — ia Juan apontando e os três seguindo suas indicações. — Há também lojas de conveniência e de souvenires e também incluem excursões na floresta como passeio de canoa, caminhada na selva, pesca da piranha...
— Juan — Sean foi direto. —, é maravilhoso ver que gosta daqui, mas não viemos a turismo e você sabe. Preciso acessar as pirâmides até o cair da noite.
— As... — Juan parecia não ter escutado direito.
— As pirâmides em Madre de Dios que a Poliu fotografou usando Spartacus.
Os quatro sentaram-se numa das varandas.
— Você deve estar louco.
— Não parecia louco quando me chamou aqui para ver os abaçaís.
— Eu falei sobre o abaçaí para testá-lo. Precisava saber se você era realmente Sean Queise.
— Por quê? Alguém mais usava os mainframes da Computer Co.?
— Acredito que nessas últimas semanas alguém tenta penetrá-lo, mas nem o Sr. Roldman consegue.
— Não se preocupe com os mainframes e Spartacus de agora em diante.
— Hei? Hei? Che cosa è abaçaí? — perguntou Ambrósia perdida.
— Abaçaí é uma palavra tupi, Srta. Ambrósia — prosseguia Juan encantado com a beleza dela. —, e quer dizer uma pessoa que espreita, persegue. Abaçaí é para os índios um gênio perseguidor de índios, um espírito maligno que perseguia os índios, enlouquecendo-os.
— O abaçaí è una EBE?
— Sim!
— E viemos atrás di EBEs, Signor Queise? — Ambrósia virou-se para ele que também percebeu como foi chamado.
— Eu menti na Escuna quando disse que nada vi no crânio de cristal azulado — Sean viu que Edegar pareceu se interessar mais que os outros dois. — Eu vi uma floresta fechada onde discos voadores circulares com suásticas na fuselagem, disparavam raios de laser matando os atlantes.
— Dio mio! Mahabharata!
— O que realmente sabe sobre a Tyron, Senhorita?
— Non muito. Apenas me deram una arma che gravou mio informação. Seja lá o che for, era una versão di algo muito antigo.
— Droga! Não posso imaginar que seja laser porque não há como retê-lo no formato de uma espada, que eram as armas usadas na antiguidade. Armas como a espada de Lancelot, do Rei Artur, que emitia uma luz de 30 sóis. Há também uma lenda no Camboja chamada Bismoka, sobre um homem que se dizia filho de um Deus e uma mulher do espaço, uma alienígena em forma de lagarto do tipo crocodilo e que eles lhe deram uma espada ‘tão fina quanto uma pena’ que alguns traduzem por laser, o que também não pode ser como já disse, porque acredito que seja uma arma de cristal. Um cristal azulado que emite luz enegrecida de plasma que se molda em forma de espada. O mais impressionante é que depois de muitas lutas e batalhas Bismoka a devolveu ao lago quando ela ficou fraca para ser usada, como uma bateria que se esgota. Ele jogou a espada no lago como Artur fez com a Excalibur.
— Então temos outra vez lendas e mitos se misturando, e se encontrando, e contando a mesma história de armas alienígenas — Edegar enfim falou.
— Muito mais que isso Edegar — foi Sean quem respondeu. — Mostra que as armas se esgotam e que os cristais têm que ser renovados, como a Tyron que fica sem munição. E que para se armar um exército inteiro é necessária uma fonte sempre as renovando.
— Per isso o interesse in Vril, una energia inesgotável.
— O problema Srta. Ambrósia, não está em saber como alcançar essa Vril já que os nazis conseguiram algo, alguma coisa com os alienígenas através das médiuns usadas para se comunicar com eles — sorriu Juan outra vez. —, o problema está em como armazená-la.
Os quatro se olharam apavorados até Ambrósia se incomodar com algo.
— Mi manipolare anche quando, Signor Queise?
Sean olhou e outro.
— Não sei do que está falando. Não a estou manipulando, ‘Signorita’ Ambrósia Bertti. A trouxe porque achei que quisesse resgatar seu irmão.
— Vincenzo qui?
— Em uma das entradas de Agartha. Mais precisamente na Cidade de Akakor — Sean viu Edegar dar um pulo da poltrona e Juan gargalhar abismado. — Já esteve lá, não Juan? Na cidade perdida de Akakor? — perguntou Sean sem tirar os olhos da italiana. No fim também gostava de encará-la. — Porque sei que Oscar o contratou para receber Alcântara Jr., porque é um indigenista de campo, porque conhece ufologia, e porque já esteve em Akakor com agentes da Polícia Mundial.
— Foi para isso que modificou o programa SiD, Sean? Para rastrear agentes de Oscar Roldman? — Juan não se conteve em olhar Ambrósia.
Os olhos de Sean brilharam e Ambrósia cortou a discussão.
— E che cosa ti fa pensare, Signor Queise, che Atlantes venuto qui? Che l’Amazzonia era una rota de fuga?
— Talvez não fosse rota de fuga. Kelly me abriu os olhos quando falou em migrações. Os Atlantes vieram para cá, sim, mas foi na época de seu auge. Platão menciona Atlântida em seus diálogos Timeu e Crítias. “Era um país que ficava situado além das colunas de Hércules, o estreito de Gibraltar até as ilhas de Cabo Verde”, se referindo evidentemente à América, no meio do Oceano Atlântico.
— Heidi falou qualcosa sobre ‘Atlantes di Akakor’.
— As três cidades perdidas nas selvas amazônicas: Akahim, Akhanis e Akakor. Akahim, já não existe mais — explicava Juan. —, mas lá existia um objeto de adoração da tribo Ugha Mogulala, um objeto milenar que fora entregue aos antigos sacerdotes pelos ‘Deuses vindos do céu’.
— Come os sumérios?
— Sim. Mas segundo as mais antigas tradições, “começaria a cantar no momento em que aqueles deuses estivessem prestes a retornar à Terra”.
— E che cosa è questo objeto?
— “Blá! Blá! Blá!” — Sean repetiu Michel e Ambrósia e Edegar mergulharam em pensamentos. — O Brasil tem sido o país menos estudado em assuntos arqueológicos, Srta. Ambrósia. Quando muito um cientista estrangeiro descobre aqui e ali um indício.
— A lenda de Akakor é conhecida desde tempos remotos pelos moradores da região do Amazonas — prosseguiu Juan. — Sua civilização teria sido fundada em 13 mil a.C. por brancos de cabelo e barba vermelha, que vieram de um sistema solar chamado Schwerta, relacionado ao alemão Schwert, que significa espada.
— Maru kitae, wariha kitae, makuri kitae, honsammai kitae, shihõ-zume kitae! — e Sean olhou Ambrósia lhe olhando. — O que? São pontas de lâminas japonesas.
Ambrósia nada falou e voltou seu charme para Juan vendo que Sean se incomodava.
— Dimmi di più! — e traduziu. — Fale mais!
— Falar mais? Sim Srta. Ambrósia Bertti — falou Juan encantado, sem perceber o joguinho dela. —, esses alienígenas escolheram várias famílias humanas para serem seus servidores, e com elas tiveram relações sexuais construindo um povo híbrido, diferente dos demais indígenas do continente, e que teria pele branca, cabelos vermelhos, olhos verdes, e nariz bem delineado, com pomos e maçãs do rosto salientes, e um Rh negativo.
— Rh negativo? Por que isso é importante Juan?
— O Fator Rh negativo está ligado ao que a lista de ufologia chama de ‘Traços Reptilianos’.
— Deus... — escapou de Sean Queise.
— Ma o che são os traços?
— Dentre outras coisas, uma vértebra a mais, chamada ‘Osso de Cauda’, temperatura corporal e pressão sanguínea mais baixa que a normal, e habilidades mentais analíticas superiores à média — e Juan piscou para ela.
— Os Rh negativos são raros — e Sean não gostou daquilo, daquela Ambrósia atrevida. —, mas por incrível que pareça, uma pessoa com sangue tipo O, Rh negativo é considerada ‘Doadora Universal’.
— O fator Rh negativo é considerado uma mutação de origem desconhecida, Sean; para os africanos, o percentual de Rh positivo é de 90 a 95% e para os asiáticos, o percentual de Rh positivo é de 98 a 99% — prosseguiu Juan. — Mas incrível, são relatos sobre o Rei do povo dos Ugha Mongulala e Príncipe de Akakor, uma mítica cidade subterrânea além dos Impérios Asteca e Inca e que a cidade tinha um Grande Templo do Sol contendo documentos, mapas e desenhos que contavam a história da Terra, inclusive estudos sobre genética — Juan estava encantado por ela.
— E Michel quer questi document per avere alieni a seu lado?
— Michel já está com esses documentos... — Sean sentiu-se tão cansado de repente no entardecer, que era uma imagem deslumbrante e também sonífera.
— Vejo que está cansado, Sean. Fiz check-in para os três.
Sean olhou Ambrósia que devolveu o olhar tipo ‘ouvi você dizer algo?’. Foi a vez de Sean piscar e ela se levantou como que numa ordem, se despedindo dos três homens ali e sumindo pelo lobby.
Sean também se despediu e a encontrou como o combinado.
— Tu...
— Preciso de algo — Sean só entregou-lhe um pedaço de papel e sumiu.
Ambrósia pegou as chaves de seu quarto e desapareceu também pelos corredores do que parecia ser uma casa de árvore.
Ariaú Amazon Towers Hotel; Manaus, Amazônia.
02 de março; 21h21min.
Uma pancada seca fez Sean dar um pulo da cama e acordar no chão, enrolado nos lençóis de algodão macios.
— Quem é?
— Io! Chi altro?
Sean girou os olhos, abriu a porta e girou os olhos outra vez para Ambrósia.
— Não sei “que outro”, Ambrósia. Não enxergo através da porta — ficou com a porta aberta, segurando-a e olhando-a enrolada numa canga vermelha. — Ou talvez enxergue através da porta — desafiou-a que continuava parada. — Satisfeita?
— Feche-a! — ela entrou.
Sean girou os olhos mais uma vez não gostando de receber ordens.
— O que você quer? Por que está vestida assim? Não era para descansarmos?
— Non vim qui para brigar — Ambrósia colocou uma mochila em cima da cama dele. — Lo vostro quarto è mais bonito — olhou as toras de madeira na parede, que brilhavam pelo lustro.
— Como é que é? Achei que Juan havia pedido quartos iguais e... — Sean só ergueu o sobrolho. Depois voltou a si e a puxou pelo braço. — Você não veio me acordar de um sono justo para ver a decoração do meu quarto, veio?
— Non! — Ambrósia deu a ele um embrulho. — Trouxe o che pediu.
Sean desembrulhava o pacote enquanto Ambrósia media cada parte do corpo dele.
— Pare de me olhar! — soou como uma ordem. Ele viu que ela não gostou. — Como conseguiu isso no meio da noite?
— A 15 minuti di Zona Franca di Manaus? A Poliu sta in tutto il mondo.
— Ah! Vê-se logo que se encontra a Poliu em qualquer rolha de esgoto.
— Non me desafie Signor Queise. Mi havia pedido e qui sta vostro binocolo modelo dual con dois tubos intensificadores, con iluminador IR integrado, con imagens disponíveis di 1º geração — Ambrósia mostrava com esmero. — Il binocolo magnificação di 1X, tubo di intensificação di geração uno, alcance di detecção di 150 metros, alcance di reconhecimento di 100 metros, sistema di Lente F 1.4, 35 mm, resolução di 40 lp/mm, iluminação minime per il funzionamento è di 0,0 Lux, distância focal di 1 metro até o infinito, campo di visão di 30 graus, dioptria di +/- 5... — e não viu o espanto dele.
“Wow!” Sean ficou a olhando extasiado enquanto ela prosseguia.
— Os controles sono digitais, a autonomia di bateria è di 10 - 20 horas e contínuas, la potenza della batteria è di Lítio de três volts, a temperatura di operação di -40°C até 40°C. e tua dimensão, pode perceber, sono di 137 x 125 x 250 mm. Per non parlare che il peso è aproximadamente 800 gramas e... — olhou Sean a olhando. — Che?
— Enquanto o hotel todo dormia você decorava as instruções?
Ambrósia ficou piscando, pensando.
— Penso che perdi il mio tempo... — ergueu a mão para alcançar a maçaneta da porta quando ele a brecou se colocando na frente dela, fazendo o coração da agente da Poliu disparar.
— Hei? — ele inclinou-se e a beijou na face. — Obrigado!
Ela não conseguiu encará-lo, temeu que Sean descobrisse o quanto estava apaixonada por ele.
— Non... — olhou em volta e viu o tablet dele ligado, conectado a linha telefônica. — Il resto della lista consigo domani.
Sean percebeu o interesse dela, que andava até a mesa no canto, onde estava seu tablet.
— Estava navegando... — coçou a cabeça com sono depois da noite mal dormida no carro arrombado. — Quem mandou Michel na Serra do Roncador?
Ambrósia parou de andar.
— Io non sei — respondeu depois. — Detto che non sabia che ele era chefe di Mr. Trevellis e Vincenzo no passado. Juro! Credetemi, per favore. Mio fratello non parlato sobre Michel... Nem sobre Sandy...
Sean arqueou-se.
— Não vamos falar sobre isso.
— Sabia che Vincenzo mantinha um amor secreto por você? — disparou no silêncio dele.
Sean sentiu-se mais mal ainda pelo prazer que ela teve em traduzir aquilo.
Coçou a cabeça, confuso.
— Eu estava... Estava furioso com a Poliu... — Sean olhou em volta. — Capaz de tudo para destruí-la... — Sean a olhou. — E eu quis retirá-lo do enterro de Sandy quando Mona não deixou. Disse-me que ele também sofria por causa de um grande amor.
— Sabia che Vincenzo era gay?
— Sabe que não posso saber nada dele, não?
— Mas Sapeva che mio fratelo o amava e nunca o expôs ao ridículo? Perché?
Sean a olhou com firmeza.
— Não tive coragem... — ele viu Ambrósia o amando muito mais. — Além do mais, eu achava que Vincenzo gostava de Sandy.
— E tu, Sean?
— Eu o quê Ambrósia?
— Gostava dele?
— Não!
— E anche allora non siano esposti ai media, gli hacker di informazioni che potrebbero distruggere entro il Poliu? — disse o que queria dizer para então traduzir. — E mesmo assim non o expôs a mídia ou aos hackers informações che pudessem destruí-lo dentro di Poliu?
— Não sou o monstro que a Poliu pinta, Senhorita. Eu nunca faria isso, mas Trevellis, sim. Ou acha que Trevellis nunca ameaçou Bertti sobre o amor dele por mim?
Agora Ambrósia sentiu ódio dele.
— Mr. Trevellis nunca...
— Trevellis sempre o usou para que conseguisse algo.
— Qualcosa qual?
— Qualquer coisa escusa! Como os que só Trevellis é capaz de fazer... — e Sean pegou do chão alguns papéis que ela derrubara.
— E ela?
— Traduza “ela”.
— Sandy Monroe.
Sean agora sentiu toda sua energia se esvaecer.
— Já disse que não vamos falar...
— Vem tomar uno banho con me?
Sean ficou confuso com a mudança nela.
— “Banho”? Com você?
— Di piscina — ela viu que Sean viu seus olhos brilharem por ele. — Non credo di perder il panorama là fora, acha Signor Queise?
Sean não viu muita escolha. Havia algo em Ambrósia que lhe fugia a compreensão, e não era o fato dela ter escolhido a Poliu como sua casa ou sua família. Ele entrou no banheiro e se trocou colocando um short e uma camiseta para depois a seguir pelos corredores dependurados em árvores. A piscina estava estranhamente vazia, como se todo o hotel tivesse criado clima aos dois amantes. Era exatamente aquilo que Ambrósia queria.
Não era o que Sean desejava naquele momento.
O maiô escolhido por ela tinha mais vãos que tecido, e ele deslumbrou o excesso de Ambrósia esparramando-se na lycra branca, sensual, quase transparente no que ela desamarrou a canga vermelha. Ele, porém nada comentou, não se deixando pegar pelas circunstâncias que ela criava, ele sabia quando a canga vermelha foi ao chão. E Ambrósia não podia imaginar o quanto Sean a amou novamente, desejando o corpo roliço que adentrava a água num mergulho rápido, perfeito, sensual. Ele mergulhou de camisa e short. Também não queria arriscar a deixar que Edegar os vissem ali; íntimos.
Ambrósia nada falava, outra vez fazia o joguinho do olhar, que iam e vinham a se estudar. Ela puxou os cabelos avermelhados para trás mostrando que sua face molhada era bela. Sean só olhava os lábios grossos, que o desejavam. Sentiu-se perdido, perdendo a linha do que propusera à ele, à ela. Mergulhou para esfriar as ideias que a água quente não ajudava muito, e ela se aproximou em meio a braçadas lentas, femininas, erguendo as pernas, mergulhando, as deixando expostas.
Sean sentia seu coração bater rápido. Temeu ao vê-la mergulhada tanto tempo, que o que estava exposto na água cristalina fosse seu sexo a pedi-la, cada vez mais rápido. Ela voltou à tona quase colada a ele que torcia que ela colasse nele.
— A Amazônia brasileira é conhecida mais pelas diversas lendas e mitos que povoam a região do que por outra coisa — a voz dele soou máscula.
Ambrósia gargalhou não acreditando que Sean mudava a linha da ação do momento.
— Mais mitos?
— Alguns tristes, outros nem tanto.
— Non parlatto...
— Explicam, por exemplo, o surgimento das coisas, tais como a Lua, rios, plantas, entre outros — Sean a encarava de muito perto.
— Explicam? — Ambrósia sentiu que seus lábios tocariam os deles se qualquer milímetro de movimento fosse feito.
Eles não se tocaram, contudo.
— O índio Manduka namorava sua irmã sem que ela soubesse. Todas as noites ele ia se deitar com ela, mas não mostrava o rosto e nem falava, para não ser identificado. A irmã, tentando descobrir quem era, passou tinta de jenipapo, uma fruta, no rosto de Manduka. Ele lavou o rosto, porém a marca da tinta não saiu. Então ela no dia seguinte descobriu quem era. A irmã ficou envergonhada, muito brava e chorou muito. Manduka também ficou envergonhado, pois todos souberam o que ele havia feito.
— Un amore proibito Sean? — Ambrósia sentiu tesão por ele; proibido ou não.
Ele só fechou e abriu os olhos azuis.
— Então Manduka subiu numa árvore que ia até o céu. Depois, desceu e foi dizer aos Jurunas, que voltaria para a árvore e que não desceria nunca mais. Levou uma cutia, um mamífero roedor, para não sentir-se muito só e virou Lua — e Sean viu que Ambrósia cedeu à tentação e lambeu-lhe o rosto com cloro. Girou os olhos mal acreditando no que seu corpo fazia com sua mente. — Por isso a Lua tem manchas escuras, por causa do jenipapo que a irmã passou em Manduka — ele sentiu Ambrósia voltar a lamber-lhe o pescoço e perdeu a noção do espaço; pensou que afundaria mesmo. — No meio da Lua... — tentou Sean falar. —, costuma aparecer uma cutia comendo coco. É a outra mancha que a Lua tem — e Ambrósia invadiu o short dele com mãos ágeis. — Ahhh!
Sean sentiu realmente que ia desmaiar.
— Che sente Sean?
— Prazer... — ele não sabia se queria lutar contra ela, contra a mão que o tocava embaixo d’água.
Ambrósia sorriu e ele só voltou a si quando ela o soltou e percebeu que todas suas barreiras haviam sido ultrapassadas. Ela levou suas mãos até suas costas e abriu o maiô que desceu se não pela força da gravidade pela força de Sean que o puxou com um olhar. Ele então invadiu os seios dela os levando até sua boca.
— Ahhh! — foi à vez de ela exclamar.
Ambrósia, nua, tirou-lhe a camisa e o abraçou. Sean ergueu a perna dela, uma após a outra. Ela enfiava os pés por dentro do short que cedia, encontrava outro rumo, outro dono. Sean e Ambrósia, agora nus se abraçavam em meio aos lábios que se beijavam com fome. Ela tocou seu sexo novamente o puxando, o indicando uma entrada, o enterrando para dentro dela.
— Ahhh... — Sean foi ao delírio, entrando e saindo do corpo dela na piscina quente em meio à floresta amazônica, sentindo-se tão pitoresco quanto a paisagem.
— Sean... Sean... Sean... — Ambrósia gemia, gritava baixinho pedindo a Lua de Manduka de que não os iluminassem tanto, que ninguém acordasse, lá chegassem, os viessem. Ele, porém acordou, a viu, e engoliu o momento em total letargia, dentro dela, da agente da Poliu que por sua vez ia ao total desvairamento.
E Sean temeu o envolvimento, o sexo, gozar dentro dela. Recuou sem que ela o soltasse sentindo mais excitado ainda.
— Me solte Ambrósia... Solte-me... Ahhh... Ahhh... Ahhh... Solte-me Ambrósia... — tentou sair, mas ela fazia ginástica para prendê-lo lá. — Ahhh... Ahhh... Ahhh... — delirava de tesão. — Está... Ahhh... Está me prendendo... — ele a segurou pelo quadril e arrancou-a dele.
Ambrósia o encarou sem nada dizer. Ele em estado de choque também nada disse. Ambrósia mergulhou com raiva à procura de seu maiô e do short dele, e voltou à tona o encarando novamente. Ele realmente não sabia o que falar a vendo se vestir.
— Viene! — entregou o short dele. — Tu non pediu un binocolo noturno para usare di dia, pediu?
Sean não entendeu mais nada; entendeu apenas que ela entendera algo. Ficou a fitando ainda em choque para entender tudo.
— Você já esteve aqui, não esteve Ambrósia? Por isso o silêncio durante esse tempo todo. Sabia que eu viria aqui, exatamente aqui.
— Voi mesmo detto che era o mais intelligente — Ambrósia nem sorria. — Che Mr. Trevellis non sabia di sua vinda qui.
— Como eu pude ser tão descuidado com você, Ambrósia?
Ela não demonstrava um só sentimento no rosto bonito.
— Io non vim qui. Non pessoalmente. Mas a Poliu já stato qui. Durante la Seconda Grande Guerra.
— As SS? Então a Poliu realmente vigiava os nazis?
— A Poliu è una corporação di inteligência molto grande, Signor Queise. Molto antiga também. Come parlato, a Poliu é mais antiga che o che chamamos hoje di ‘sociedade’ — ela viu Sean brilharem os olhos. — Por isso Signor Queise, deixe-me detto una cosa. Io combattete iguale Dom Quixote, contra o vento, che nunca vai atingir.
— E por que acha que nunca vou conseguir atingi-la, agente Ambrósia? Ou talvez eu não queira atingi-la, agente Ambrósia. Porque talvez não seja eu quem vá atingi-la — Sean saiu da piscina vestindo a camiseta que espremeu para tirar a água.
Com frio atravessou todo o trajeto com ela no seu encalço e sem uma única palavra sobre o ato libidinoso entre eles. Entrou no quarto com ela ainda atrás dele, abriu o armário e retirou o short molhado ficando nu, de costas para ela. Colocou uma underware, uma calça de brim que se umedeceu pelas pernas ainda molhadas, e vestiu uma blusa. Depois colocou um agasalho amarrado na cintura, pegou a mochila e guardou o binóculo e três garrafas de água gelada que retirou do frigobar, sorriu cínico e saiu.
Ambrósia teve que correr para seu quarto e jogar um vestido por cima do maiô o alcançando já fora do hotel.
Ariaú Amazon Towers Hotel; Manaus, Amazônia.
02 de março; 23h43min.
A noite estava clara, que adicionada ao calor, ficou sufocante. E mosquitos voavam sobre a água que Sean atingiu após desatar os nós da Lancha que retirara do píer. Ele aproveitou para pegar dois remos do barco ao lado, e Ambrósia não gostou de saber que iria usar um deles, mas Sean não podia se arriscar a colocar o motor da Lancha em funcionamento e acordar meio hotel.
— Perché mentiu sobre Madre di Dios?
— Reme!
Ambrósia o fez de mau agrado.
— Perché non trouxe Edegar?
— Reme!
— Porca miseria! — ela girou os olhos nervosa.
Quase estafa quando percebeu Sean acionando as hélices. Ela se jogou sobre a proa da pequena, mas ágil Lancha, e lá ficou.
— Uyrangê Bolivar Soares Nogueira de Hollanda Lima.
— Chi? Un altro índio amando su irmã? — a água ganhava contornos no que a Lancha a cruzava e Ambrósia molhou as mãos e o rosto.
— Não! — Sean a encarou. — Este é o nome do primeiro oficial de nossas Forças Armadas a vir a público falar sobre as atividades de pesquisas ufológicas desenvolvidas secretamente no Brasil.
— Pesquisas segretas?
— Com nome de guerra ‘Hollanda’, o coronel reformado da FAB, Força Aérea Brasileira comandou a famosa e polêmica ‘Operação Prato’, realizada na Amazônia entre setembro a dezembro de 1977. Segundo Hollanda, os militares não viram apenas luzes enegrecidas, mas naves espaciais gigantescas, que teriam sido filmadas e fotografadas pela equipe.
— “Operação Prato”?
— Sim, talvez a única vez em que o Brasil todo se interessou pelos UFOs.
— Che cosa?
— Havia uma série de relatos de pessoas que tinham sido atingidas por raios de luz. Todas julgavam que o efeito sugava-lhes o sangue. E realmente verificaram alguns. Era sempre a mesma coisa; uma luz enegrecida, algumas vezes vermelha, que vinha do nada e seguia alguém, geralmente uma mulher, que era atingida no seio esquerdo. Às vezes eram homens que ficavam com marcas nos braços e nas pernas. A população ribeirinha atingida chamava os raios emitidos por grandes aparatos voadores de ‘Luz chupa-chupa’, o que se pode remeter a ideia de que tais luzes enegrecidas eram laser.
— Perché a Poliu non teve accesso a tale operazione?
— E por que acha que não teve acesso? — Sean olhou para trás para vê-la. — Hollanda se suicidou após uma reportagem dada a uma revista de ufologia.
E Sean viu Ambrósia ficar fitando o piso da Lancha não gostando como ele falou aquilo.
— Porca miseria! A Poliu non o matou.
— Não disse que havia matado, disse? — e um silêncio incomodativo se fez ali. — Contudo é conhecido hoje que a tecnologia terrestre tem acesso a três tipos de raios laser, o primeiro e mais difundido comercialmente é o laser vermelho; o segundo é o verde e o terceiro e mais poderoso é o laser azul.
— “Azul”?
— Sim. O blu-ray ou laser azul é a última tecnologia em laser. Mas por incrível que pareça muitos dos relatos da década de 70 incluíam uma luz enegrecida. Relatos como o da Dra. Wellaide Cecim de Carvalho, médica responsável pelo atendimento a estas vítimas, as queimaduras na pele era geralmente no pescoço e no hemitórax, acompanhadas de dois pequenos furos paralelos, como se fossem ‘mordidinhas’, mas que na realidade não eram; qualquer pessoa, e não precisava ser médico para saber que uma queimadura só apresenta necrose da pele após 96 horas. Só que as queimaduras das vítimas das luzes enegrecidas apresentavam necrose da pele imediata, cinco minutos após o acontecido.
— Porca miseria! Se autocuravam?
— Há um relato de uma Senhora em Colares, Belém do Pará que disse ter sido atacada pelo que apelidaram de ‘Chupa-chupa’. Ela tinha uma marca marrom no seio esquerdo, como uma queimadura, e dois pontos de perfuração. Ela relatou que estava deitada em uma rede fazendo uma criança dormir quando, de repente, o ambiente começou a mudar de temperatura. Então deitada, viu que as telhas começaram a ficar enegrecidas, para em seguida, ficarem transparentes e ela pôde ver o céu através do telhado. Era como se as telhas tivessem se transformado em vidro; ela via o céu e até as estrelas.
— Vidro o cristallo?
— A Dra. Wellaide também conta a história de um rapaz que viu quando a luz enegrecida desceu para lhe atacar, e ela perguntou-o porquê ele não correu, por que não gritou, e ele disse que não conseguia; e que não era de medo, era como se tivessem atingido seu sistema nervoso e ele tivesse sido paralisado — ele viu Ambrósia a olhar para os lados e só a água ela via.
— Ma entramos naquele túnel di luz enegrecida che incidiu sobre o Yacht levando Vincenzo, Kelly e Miss Ãnkanna. Então perché non queimamos, perché non há marcas di mordinhas em nós?
— Não sei responder a isso Srta. Ambrósia, mas em meio ao pânico que se instalaram no povo, os pescadores tinham medo de irem a alto mar e as mulheres não saíam para a rua, o que fez o prefeito na época enviar um documento para a Aeronáutica, solicitando uma providência para salvar a população, porque ‘um aparelho estava trafegando no espaço aéreo e ninguém sabia o que era aquilo’. Foi então executada pelo e Comando Aéreo da Aeronáutica, o COMAR, sediado em Belém, através da sessão A2, que fazia serviços de investigações; nascia a ‘Operação Prato’.
— Perché sta falando isso, Signor Queise?
— Porque eu tenho um palpite de onde ocorreram ataques desse tipo aqui, no Rio Negro — a Lancha ganhava mais e mais velocidade adentro das águas em meio à mata cerrada.
— “Palpite”? Devia perguntar si o palpite stava nos mainframes dibunker, num acesso di SiD a algum computador ou se stava nella mente di uno espião psíquico che tu lacrou?
Sean sentiu um frio percorrer toda sua espinha.
— Palpite Srta. Agente Ambrósia Bertti! Palpite! — foi cínico.
Ela nada falou. Mordeu o canto esquerdo do lábio e mudou a linha da conversa.
— Che tipo di tribos indígenas visitará?
— Não iremos lá. Não quero correr o risco de acabar contaminando os índios com algum tipo de virose que estejamos carregando após viajarmos tanto de avião. Nós temos anticorpos, tomamos vacinas desde crianças. Algumas tribos nunca tiveram contato com o homem que eles chamam de ‘branco’ — e Sean parou.
Puxou uma espécie de capota que cobria a Lancha e Ambrósia percebeu algo que até então não vira.
— Stà armado com una Tyron? — olhou a arma no bolso da calça de brim que ele usava. — Come conseguiu viajar com isso em uno aeroporto? — ele nada falou. — Dio Mio! Perché se arrisca tanto Signor Queise?
Sean apagou as luzes da Lancha e colocou o binóculo que Ambrósia conseguira com seus contatos a deixando no escuro; literalmente. Ela colocou o dela e esperou segundas ordens. O breu tomava conta do rio e Sean desligou o motor ficando a ouvir o ambiente. Sons de animais se espalhavam e se misturavam. Mas o som de um animal em especial eles escutaram quase instantaneamente.
— Morcegos! — anunciou ele e a capota da Lancha envergou pelo peso extra.
Ambrósia sentiu um jorro de ácido tomar conta de seu estômago. Até sua transpiração se descontrolou. Já Sean ficou extasiado com a rapidez com que eles os alcançaram. E ela até ia falar algo, mas viu Sean na iluminação da Lua com a mão levantada; ele pedia silêncio. Os dois prosseguiram com a visão noturna, mas nada viram até que a EBE se moldou ali com olhos vermelhos e boca de mosquito no teto, procurando-os em sua memória através dos ojos rojos, que mostraram imagens confusas, animais, insetos, e seres nunca catalogados.
Ambrósia viu Sean ficar mais calmo ao ver o rosto de Gyrimias Leferi e Kelly Garcia também. Temeu, porém não ter visto Vincenzo Bertti dessa vez; nada comentou. A EBE então saltou até a margem do rio desaparecendo e Sean se pôs a remar até a margem.
— Sapeva che a EBE non nos attacco? — Ambrósia o ajudou empurrar a Lancha para dentro da terra úmida.
— Se eu sabia que a EBE não nos atacaria? Não. Palpite!
— Quanto palpite terá questa notte? — sabia que agora ‘palpite’ tinha outro nome; e também outro sobrenome.
Sean Queise a encarou sem responder.
Ambos ainda usavam o binóculo de visão noturna enquanto andavam mata adentro afastando os galhos com dificuldades. Ambrósia retirou um pequeno facão e ameaçou cortá-los.
— Não! — exclamou segurando a mão dela. — Não podemos ameaçar a mata.
— “Ameaçar”? Che parlate?
— A EBE era uma guardiã da mata.
— Parla come se fosse ‘boazinha’.
— É uma EBE domesticada. Boazinha para quem eu não sei.
Ambrósia riu para então perceber a seriedade da feição que Sean trajava.
— “Domesticada”? State brincando non sta?
— Temo que não.
— “Mata deles”? Che... A Amazônia agora é ‘mata deles’?
— Não estamos na Amazônia Ambrósia.
— Un altri palpite o voi sabe mais che io?
— Eu sei mais que você — riu.
— Per quanto tempo me maneggia, Signor Queise?
Sean arrancou o binóculo e se aproximou tanto dela, que o cheiro da pele dele entranhou nas suas narinas. Ela se segurou para não beijá-lo novamente.
— Já disse que não manipulo você, Ambrósia. Não eu! — e o som gutural de mais morcegos invadiu a mata fechada os cercando. Sean não precisou olhar para Ambrósia para saber que ela estava apavorada. Ele outra vez acionou a visão noturna e pediu que ela se calasse. Sean recomeçou a andar tentando danificar ao mínimo, a ‘mata deles’. — As EBEs nos atacaram na Serra do Roncador porque cortamos a folhagem para andarmos. Acendemos fogueiras, destruímos a mata deles.
Ambrósia paralisou o andar.
— Porca miseria! Qui non é...
— Aqui é sim! Estamos numa holografia. Gyrimias havia retirado dos computadores de Ralph um estudo sobre a dinâmica das EBEs. Lembra o que Ralph disse na trilha? “Tudo ocorrera como o previsto”? Ralph estava tentando acalmar Deborah porque estudara as EBEs todos esses anos, e sabia que ela só atacaria se recebesse ordens, porque são animais secundários, domesticados pelos alienígenas crocodilos humanoides, que querem atacar a Terra.
— E perché Ralph estaria falando isso si tutti quelle gente era alienígena?
— Não disse que todos eram alienígenas, Ambrósia.
— Porca miseria! Stanco Signor Queise! Sta me fazendo di pazza? E os alienígenas do male, tipo crocodilo humanoide, che nem a afetada Heidi, se strofinato in tu naquele hotel?
— “Strofinato”? Ela não estava se esfregando em mim. No fundo aquele joguinho era para me matar.
— E tale Deborah? Se non esiste, chi era quella ragazza che strofinato nella tendonni?
— Por que acha que todas as mulheres se esfregam em mim?
— Perche Il tuo sócia strofinato em tu.
E Sean estancou.
— Você já estava no Yacht há bastante tempo, não?
— Abbastanza per odiare Il tuo sócia.
Sean agora não quis mais falar sobre aquilo. Lembrar-se de Kelly era demais para ele naquele momento.
Ambrósia percebeu que havia ultrapassado os limites, invadido sua privacidade.
Odiou-se.
— Porca miseria! Mi dispiace — ela viu que Sean sentiu o ‘sinto muito’, prosseguiu sabendo que devia mudar de assunto. — Responda-me! I tutti isso perché Michel stava negoziando io satelliti?
— Nada sei sobre negociatas, ok?
— Mas se as EBEs receberam ordinato para cristalizar Álvaro e Rogério, então perché trucidaram o alienígena Pii, Pierre e Kabir? Perché invadiamo a mata deles na dimensione deles?
— A coisa é mais complicada que isso, Ambrósia. As EBEs queriam Álvaro e Rogério porque precisavam entrar no corpo deles; porque eles precisavam cristalizá-los. E é durante esse processo que eles entram num corpo.
— “Entram”? Io devia ter medo, non?
— Sim, devia. Mas é necessário que os corpos vibrem na mesma frequência das EBEs para descobri-las. Por isso Pii, Pierre e Kabir descobriram, porque eram alienígenas e místicos — e parou de andar. —, quer dizer, Pii era um alienígena. E Pii de alguma forma os mentalizou em busca de respostas. E eles o mataram principalmente porque ele compreendeu o que acontecia com Michel, porque Pii foi o homem escolhido por Oscar no Nepal para controlar a tal força telúrica Vril, que Michel quer dominar.
— Quele franzino?
— Não gostava do Sr. Pii mesmo, não Ambrósia? — riu.
— Non!
— Só não entendo por que os três nada falaram, nem alertaram Álvaro e Rogério que iam ser atacados, cristalizados, ou que fosse acontecer. Não entendo por que se calaram.
— Foram calados per paura, talvez?
— Não. Pii tinha um propósito, estava a serviço da Polícia Mundial, tinha obrigação de alertar-nos. Para piorar, o assunto ‘Terra Oca’ proliferava, e Pierre e Kabir acabaram por serem os próximos esotéricos a serem atacados.
— Mas non sappere quem é Kabir?
— Exato! Ainda não sabemos quem era Kabir afinal. Porque também não sabemos como funciona essa ligação dos crocodilos humanoides com essas entidades biológicas, porque não consigo entender esse lance de porque estarmos gravados na memória das EBEs.
— Perché quando una EBE lhe attacato, tu ainda non stava in questo memória — Ambrósia se embrenhava na mata atrás dele sem titubear.
— Não, a EBE me tinha em sua memória, só não sei quando entrei nela. Ela me atacou porque fugia quando fomos atrás dela após o ataque a Pii; a melhor defesa é o ataque. Quando a EBE me localizou na sua mente, tentou me levar para seu esconderijo.
— E quando fomos parar in memória deles? — se embrenhavam cada vez mais. — Perché io também stava nella vostra memória, non? — Ambrósia sentiu que Sean demorou a responder aquilo. — Io stava, non?
Ele riu:
— Sim. Provável foi incluída durante algumas de suas trilhas, ou quando você esteve na Computer Co., no carro verde que me resgatou porque provável, foi naquela noite que fui incluído no ‘sistema de dados’ dos cristais.
— Porca miseria! Fico solo pensatto cosa mais espera.
Sean estancou levando Ambrósia se chocar com ele.
— Quer mesmo saber o que mais nos espera? — apontou para trás dele.
Ambrósia levantou o binóculo e ficou sem ação ao ver o que via; uma caverna no meio da Selva Amazônica se desenhou à sua frente.
Uma luz tênue, enegrecida, escapava dela.
— Che... che cosa è questo?
— Terra Oca! — foi uma voz suave de mulher quem respondeu.
— Deborah? — Ambrósia teve um choque ao ver a mulher jovem, vistosa, insinuante por detrás do corpo de Sean que também tirou o binóculo porque a luz enegrecida começava a incomodar sua vista. — Ou devia detto ‘Gretta’?
Deborah/Gretta ficou a fitar um e outro, totalmente perdida.
— “Gretta”? — ela olhou Sean. — Você também sabia Sean?
Sean a olhou cínico e Ambrósia não gostou de vê-lo olhá-la assim. Aquilo significava que talvez ele soubesse até mesmo durante a trilha. Odiou-o por enganá-la. Os três então se dirigiram para dentro da fenda da caverna que se abriu até onde as proporções dos seus olhos permitiram, para então sumir totalmente por detrás deles.
De repente nada mais pareceu fazer sentido, a próxima visão não podia ser mais surrealista, a imagem de uma grande, se não uma descomunal cidade se fez.
Havia rochas e montanhas tingidas de verde azulada, com picos cobertos de gelo, dominando a paisagem do entorno, e até onde Ambrósia podia ver o céu não era o limite. Havia grandes construções de pedras tomadas por vegetação que subia pelas paredes, e duas extensas e assustadoras pontes também feitas de pedra azulada, que levavam até um palácio central. Inúmeras torres e pequenos palácios também a rodeavam; Ambrósia calculou mais de duas mil construções.
Os três começaram a atravessar uma das pontes e a imagem de que havia um ‘embaixo’ se fez. E toda aquela cidade era construída num precipício, que demonstrava que aquela era a ‘cidade de cima’ já que havia a ‘cidade de baixo’, abaixo de toda àquelas construções de pedras reluzentes. Havia também algo no ar, uma fragrância doce que se misturava ao som da água que os alcançou; todo o som daquele espaço místico, onde uma grande queda de água, com espuma, umedecia a travessia.
Nunca o mito de Shambhala, segundo o budismo, ‘lugar de felicidade e tranquilidade’, foi tão explicito.
Porque a polícia secreta soviética foi procurar Shambhala na década de 1920, e os nazistas Heinrich Himmler e Rudolf Hess enviaram expedições para encontrá-la em 1930. Não se sabe se um ou outro a encontraram, mas se aquilo que via, era a cidade de Agartha, capital Shambhala, então nem tudo era mito ou lenda.
Mas Ambrósia estava temerosa, aquilo podia ser uma holografia, uma mentira alienígena tal qual Vincenzo Bertti havia lhe alertado. Porque Gretta, ou Deborah, ou quem quer que fosse, caminhava calada à frente deles.
— Qui è Agartha?
— Não! — respondeu Gretta e Ambrósia arregalou os olhos. — Essa é apenas uma cidade pequena — falava sem tirar os olhos de Sean que percebeu o interesse dela outra vez.
Mas que interesse era aquele, seus dons foram outra vez brecados pela força telúrica local.
— “Pequena”? — Ambrósia também percebeu o interesse de Gretta nele. — Como a Città di Posid?
— Aqui fazemos uma triagem para os que devem ou não seguir a Agartha — não foi a resposta exata que Deborah deu que fazia Ambrósia arregalar os olhos verdes cada vez que ouvia o som da voz dela, era como a voz dela vibrava dentro do seu aparelho auditivo.
— Io pensato che... Io pensato che tu...
Mas Gretta não deixou Ambrósia terminar de pensar. Porque não parecia se importar com as duvidas da agente da Poliu.
— Ralph está morto, não Sean? — perguntou Gretta passando a mão na camiseta dele.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… — e as vozes voltaram; Sean percebeu que Ambrósia não ouvia.
— Sim. Ele foi cristalizado pelas EBEs a mando dos crocodilos humanoides — mentiu sem saber o que mentia.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh…
— Espero que ele não tenha machucado ninguém.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh! — tornavam-se cada vez mais audíveis para ele.
— Ele sequestrou Gyrimias, Gretta... Sinto mesmo, porque nem Gyrimias nem Kelly sabem lidar com Spartacus.
— “Sequestrou”? — Gretta não conseguiu disfarçar a tempo. Estancou olhando um e outro. — Oh! Não! Ralph se deixou levar pelos crocodilos humanoides? Isso não é possível... Ele lutou tanto esses anos.
— Perché voi due foram la Serra do Roncador?
Gretta voltou a encarar Ambrósia antes de responder.
— Ralph nunca quis se aproveitar da imortalidade de Agartha quando eu tive chance. Eu o convenci tarde demais.
— Você então é a mulher de Ralph que Miss Ãnkanna sabia que havia sumido?
— Sim. Quando a trilha foi montada pelo Herr Álvaro, Ralph enfim aceitou participar.
— Então a trilha buscava mesmo os cristais controlados pela Vril?
— Eu e Ralph estávamos lá por ela.
Sean se apavorou. Queria ter respostas rápidas e sair dali o quanto antes.
— Eu pensei que a ida de Ralph à trilha fosse para descobrir o que Michel fazia. Eu não sabia que Ralph era uma boa pessoa até decifrar há pouco, uma das chaves criptografadas por Gyrimias — e Sean jogou uma de suas cartas.
Gretta parou de olhar Ambrósia e o olhou com mais atenção; coincidentemente as vozes também pararam.
— Disse chaves criptografadas?
— Sim! Pena que Gyrimias as codificou e decodificou tantas vezes que sem Spartacus não conseguiremos entender — Sean completou.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh! — voltou a falarem ali.
— Está sem o uso de Spartacus?
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh... — ecoava sem trégua.
— Sim Gretta. Meu tablet foi roubado e lá estava instalado uma path do SiD que permitia entrar no satélite de observação. E o tablet só funciona com o comando de minha mente — e as vozes pararam. Sean não sabia o que mais lhe dava medo. — Como eu disse — e Sean tentou realmente sair dali o mais rápido possível. —, sem a path, sem comando, e Gyrimias e Kelly não vão conseguir decifrar o que Michel quer.
Ambrósia olhou Sean de canto de olho, estava tão perdida na conversa quanto naquele lugar. Mas temeu que aquilo que Sean falava complicasse as vidas de seus funcionários, uma vez que deixariam de ter valor aos crocodilos humanoides. Já Gretta abaixou a cabeça triste; uma tristeza estranha. Sean, Ambrósia e ela sentaram-se num lindo banco que lembrava madeira, mas que ao toque em nada se parecia com o material conhecido.
Ambrósia se distraiu, e olhou assustada para as pessoas à sua volta, elas pareciam poder atravessar as árvores, bancos e tudo o que viam pela frente. Ambrósia achou mesmo que todas aquelas pessoas estavam mortas. Teve medo dos pensamentos que se seguiram.
Gretta a via em contraste com o ambiente.
— Não está vibrando na mesma frequência que a Terra Oca, agente Ambrósia Bertti — Gretta mostrou que a conhecia realmente. — Não poderá ver mais nada, nem a mim, se prosseguir drenando o entorno dessa maneira.
“Drenando?”; Ambrósia sobressaltou-se, lembrou-se de Pii e suas palavras, e o quanto drenava a áurea alheia.
— Concentre-se agente Ambrósia Bertti, já disse — a voz de Gretta realmente vibrava em Ambrósia. — Ou vai ser projetada para fora daqui, para a selva escura novamente, e as EBEs guardiãs estarão lá lhe esperando — Gretta mais parecia estar desejando que a alertando.
— Ouviu isso Sean? — Ambrósia olhou Sean em silêncio. Temeu aquela estranha mulher que um dia já fora uma agente da Poliu, como ela. — Sean? Sean? Está ouvindo Gretta me desafiar?
Gretta riu de uma maneira assustadora.
“E não pode imaginar o que um alienígena de energias é capaz de fazer”; a voz de Edegar chegou às lembranças dela.
— Porca miseria!
— Assustada por que Sean Queise não a ouve agente Ambrósia Bertti?
E Ambrósia viu Gretta segurar as mãos de Sean com carinho e beijá-las. Sean nada fez e Gretta avançou e tomou-lhe os lábios.
— Sean?! — aquilo sim fez Ambrósia ficar carregada, Sean nada fazia, nada respondia àquela provocação, e um ciúme doentio a tomou por completo. — Sean?! Parece che solo io devo avere rispetto per la memoria di quela secretariazinha... — e Ambrósia parou de falar no que Gretta era uma imagem cristalizada num tom enegrecido, até quase ficar transparente.
Ambrósia desesperou-se quando Sean a tocou no rosto, e Gretta gostou.
— Gretta... — Sean então beijou os lábios de Gretta que retribuiu.
— Sean?! — um ácido jorrou pelo estômago de Ambrósia.
Gretta sabia que se Ambrósia continuasse daquela maneira seria projetada para fora da dimensão em que vibravam; e mais imagens holográficas lhe foram incutidas. Imagens que jamais existiram, porque Sean jamais tocara o rosto de Gretta, jamais beijara Gretta, e estava ali, confuso, preso ao banco, paralisado, em meio a crocodilos humanoides com dois metros de altura que apareciam e sumiam; apareciam e sumiam.
Sean teve medo do que aquilo significava. Olhou Gretta e ela era um borrão enegrecido. Olhou Ambrósia e não a olhou, porque Ambrósia não mais estava lá. Lá, só ele, paralisado em meio a crocodilos humanoides de dois metros, que se aproximavam sorrateiramente.
— Conhece os Panditas Sra. Gretta? — Sean conseguiu manter sua alma presa ao corpo e a imagem de Gretta se fez outra vez.
— Como disse Sean bonitinho?
Agora Sean teve realmente medo de estar ali.
— Os... Os Panditas eram deuses encarnados aqui no Nepal, e os Panditas estudavam o mundo e suas forças, um mundo onde os olhos humanos jamais viram.
Gretta deu uma grande gargalhada.
— “Nepal”? Não estamos no Nepal Sean bonitinho — e os olhos de Gretta refletiam os crocodilos humanoides de dois metros, em volta de Sean, sentado num banco que imitava madeira, úmido pela espuma de uma água que se tornava tão enegrecida quanto o entorno que se tingia.
Sean olhou-a.
— Estamos no Nepal, sim. Em Shambhala. Porque Pii desceu aqui; aqui dentro da Terra Oca.
— Pii desceu? Um alienígena Shambhaliano? — ria.
Sean outra vez temeu Gretta ou quem quer que fosse rindo escandalosamente.
— Muito se contava ao longo dos mosteiros do Nepal sobre os Panditas, que punham a mão sobre os olhos e outra sobre a nuca de jovens sacerdotes e os adormeciam profundamente, e lavavam seus corpos com uma infusão de ervas tornando-os imunes à dor, endurecendo-os como pedras. Jovens sacerdotes, deitados e petrificados, mas de olhos e ouvidos alertas viam, ouviam, entendiam e observavam todo o passado, todo o presente, todo o futuro — e Sean viu uma Kelly inerte passar por ele, dura como estátua, volitando. Outra vez tentou manter-se inteiro e não deixar sua alma sair do corpo. — Então um Goro ficava vendo os corpos astrais soltarem-se da carne, desaparecendo em seguida, presos por fios invisíveis subordinados à vontade do Goro que ficava sentado.
Sean também viu Gyrimias passar, seguido por muitos abduzidos, paralisados num líquido enegrecido que não tinha nada que os contivesse, que apenas estava lá, o líquido, os envolvendo.
“Com todos os vidros de ponta-cabeça Sean, que não derramavam o líquido que desafiava a gravidade”; nunca a voz de seu pai Fernando o perturbou tanto.
Ele também tinha aquela técnica, aquele conhecimento, porque ele era especial para vê-los. A fila de abduzidos também só crescia e Sean temia o que via.
“¡Ni hablar! ¡Ni dormir! Ni tampouco respirar el liquido. Só viajar de un lugar a otro”, agora Sean entendeu Alcântara Jr..
Sean Queise sabia que estava no Nepal, que aquela abertura na Floresta Amazônica o levara ao Nepal, que estava próximo a Shambhala, que os sequestrados e abduzidos estavam presos em cristal azulado, talvez em estado criogênico, por uma força telúrica, paranormal, chamada Vril; e que Michel a controlava, provável como ele, com ensinamentos de espiões psíquicos, e que Michel queria algo que Pii lá deixou, lá possuía para então tudo sumir.
— Não!!! — Sean gritou se erguendo, vendo seus pés outra vez ao lado de Gretta e das coisas abomináveis, crocodilos humanoides ali presentes.
— O que foi Sean bonitinho? O que lhe assustou? — a voz de Gretta se firmava.
Sean Queise também sabia que Michel estivera ali e que então no Nepal já não mais estavam, que Kelly e Gyrimias e todos aqueles haviam sido levados a outra entrada de Agartha, e que Michel ainda procurava algo, talvez a Brahmastra, a arma das armas. E também sabia que a mulher ao seu lado não era Gretta, que nunca fora Gretta, nunca fora Deborah, que elas nunca existiram, e que talvez Ralph tenha morrido quando foi cristalizado; que era ele em Lacco Ameno os atacando, porque no final de tudo, ele também nunca esteve na Serra do Roncador, e aquela ali, lhe olhando, era Heidi; todos crocodilos humanoides.
Sean tentou colocar todos aqueles pensamentos em segurança, fechando sua mente.
— Onde está Ambrósia?
— Venha comigo para Agartha Sean bonitinho! — Deborah/Gretta o segurou. Sean experimentou a mesma onda de choque que o tomou na barraca quando ela o beijou na Serra do Roncador. Uma força que Deborah/Gretta agora possuía que fluía por todo seu corpo, que cristalizava. — Venha! Venha ver Sandy!
Sean estancou e virou-se para a bela Deborah/Gretta que se moldava em Heidi, até se tornar algo irreal, de uma monstruosidade que assustariam todos os dias de sua vida.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh!!! — gritavam. — Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh!!! — gritavam cada vez mais. — Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh!!! — berravam.
Deborah/Gretta/Heidi tentou segurá-lo, mas Sean desejou como fazia na infância para que os brinquedos se locomovessem, panelas grudassem no teto, líquidos não caíssem de seus envoltórios e uma névoa surgiu, mesclando branas, fazendo sutil matéria se esvaecer do corpo, atravessar as dimensões o projetando além do corpo, para então o corpo ir junto se projetando no éter e teletransportando. Quando abriu os olhos, Sean estava do lado de fora, na Selva Amazônica fria, noturna, perigosa e real.
— Deus... — escapou dos lábios apavorados. Mal pôde acreditar que conseguira se teletransportar sozinho quando gritos de Ambrósia se mostravam distantes dele. — Ambrósia? — passou ele a chamá-la.
Já Ambrósia lutava em meio a imagens desconexas que a tomaram, que a fizeram vibrar por inteira, até ser expulsa do banco, de perto de Sean. Sangue, dor, gritos e imagens de gente morta a tomou por completo, tomou conta do seu redor; uma mata onde pessoas vestindo longas túnicas corriam, crianças e mulheres e jovens e velhos sendo atingidos por raios vermelhos até virarem cinzas no chão.
— Mahabharata... Non!!! — gritou para ninguém ouvi-la.
Mãos, algumas desprendidas dos corpos de origem, se estendiam para ela, lhe suplicavam algo.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… — falavam. Ambrósia arregalou os olhos verdes e ficou tentando ouvir novamente. — Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh…
Ela balançou a cabeça se achando enlouquecendo quando suas pernas foram agarradas e uma grande nave espacial passou sobre sua cabeça.
— Ahhh!!! — Ambrósia gritou a sentir algo quente lhe tocar, uma luz enegrecida que a erguia do chão, que a fazia volitar para então ser jogada sobre uma areia fria, úmida, aos pés das pirâmides de Madre de Dios. — Dio mio... — foi só o que conseguiu falar ao vê-las, as cinco pirâmides e uma aldeia que parecia ainda não ter tido contato com homem branco, que falavam e agiam como Neandertais, sendo atacada por homens de terno preto. — Poliu? — Ambrósia se apavorou ao ver a corporação de inteligência matando; aquilo ia contra tudo que aprendera.
Toda uma criação correta de pais que pouco ficaram encarnados, mas que deram, que se esforçaram por dar uma criação, noções de valor pela vida, por qualquer vida.
“Ainda com medo dos acordos que seu Fratello faz?” soou uma Heidi em lembranças.
Agora Ambrósia sabia, sabia o que seu fratello era obrigado a fazer para esconder o amor por Sean Queise.
— Ahhh!!! — e ela atacou um dos homens de terno preto que foi ao chão, perdendo uma arma Luger 9 mm. Ambrósia paralisou ao ver que aquela arma, era uma arma da Segunda Grande Guerra, uma arma nazista. Seu coração disparou e seus olhos vereds escorregaram para os lados, vendo suásticas por todo ao acampamento indígena; uma Poliu antiga ou crocodilos humanoides estavam exterminando todos na entrada da Terra Oca, em Madre de Dios, provável na década de 40. — Sean?! — gritou apavorada. — Sean?! — ela havia voltado no tempo. — Sean?! Sean?! Sean?!
“Sean... Sean... Sean...” era como chegavam aos seus ouvidos; e Sean corria, corria e corria sem a encontrá-la.
— Ambrósia?! Ambrósia?! — Sean adentrava a mata fechada afastando galhos e mais galhos. — Ambrósia?! Onde você está?!
O som gutural de morcegos, EBEs, se espalhou pela mata. Um terror tomou Ambrósia, tomou as pessoas que gritavam, fugiam.
— Sean?! Sean?! Sean?! — berrava descontrolada afundando em uma poça de cristal azulado. — Sean?! Sean?! Sean?! — gritos e mais gritos, e sua garganta foi sufocada por uma mão gelada, feita de cristal azulado.
Ambrósia num golpe de cotovelo quebrou algo. Conseguiu fugir não soube como, não soube do quê nem em que ano.
— Ambrósia?!
— Sean?! Qui!!! — berrava correndo sem rumo. — Aiuto! Aiuto! Socorro!!!
— Ambrósia?! Ambrósia?! Ambrósia?!
— Sean?! Sean?! Sean?!
Sean desesperava-se ao se chocar com galhos e mais galhos, aos afastar-lhes e a voltar a se chocar contra eles. Corria mata adentro sem os binóculos, sem a arma Tyron que percebera ter sumido de sua calça, quando sentiu seus pés afundarem numa terra úmida. Sean entendeu que se aproximava da margem do rio quando se viu na presença de uma EBE de puro cristal azulado.
“Wow!” sentiu seu coração chegar à boca.
Tentou devagar dar passos para trás quando sentiu um movimento de folhagem não muito longe, duas EBEs se encontravam ao seu lado esquerdo, para então mais duas se encontrarem no lado direito. Sean escorregou os olhos, não entendendo por que as quatro EBEs não o atacavam quando ouviu Ambrósia o chamar.
“Sean?! Sean?! Sean?!”, a voz de Ambrósia ainda era longínqua.
Sean a sentia ali, mas ali aonde ele não conseguia ver. Ainda tinha as quatro EBEs no seu raio de visão quando tudo aquilo que aprendera, que achava ter aprendido, lhe mostrara que ainda não havia aprendido nada na vida. Sean se concentrou e um rasgo no espaço temporal lhe mostrou Ambrósia correndo de homens da SS, com armas Luger 9 mm em mãos, com suásticas no uniforme e botas reluzentes quando ele se virou tão rápido que as quatro EBEs não o perceberam se mover.
Sean saltou sobre o rasgo temporal e agarrou o corpo de Ambrósia que estava na mira do projétil, e ambos foram ao chão da mata úmida da Floresta Amazônica, desmaiados, sob o olhar de quatro entidades biológicas no que o rasgo temporal se fechou.
Parecia que Sean Queise aprendera mais que saltar de toalha em tolha.
20
Ariaú Amazon Towers Hotel; Manaus, Amazônia.
3° 5’ 35” S e 60° 26’ 29” W.
03 de março; 09h33min.
— O Senhor se arrisca, não? — Juan tinha uma bronca colada à face quando Sean acordou.
Ainda atordoado, Sean Queise olhou em volta. Tentou se erguer, mas sentiu fortes dores no corpo. Olhou Ambrósia com um medo estampado, temeu que ela tivesse contado a eles sobre a viagem à Terra oca ou sobre seu resgate entre décadas. Levantou-se agora num jogo maior de corpo e foi até o espelho vendo que havia sido arranhado pelos galhos quando sentiu o quarto girar.
— Deite-se Sean... — Ambrósia o segurou com carinho. — Ainda sta sob efeito di sedativos.
— Como chegamos até aqui?
— A gerência deu falta de uma Lancha no píer e saiu batendo de quarto em quarto. Quando foram ao meu quarto imaginei se não era você, o ‘ladrão de Lanchas’. Então avisei Juan — falou Edegar.
— Ainda não entendi como sabiam ‘onde’ estávamos?
Juan pareceu confuso de repente.
— O gerente nos disse que havia sinais de que um barco não muito grande tomara o rumo do rio, e que poderia ter sido feita pela Lancha roubada. Então seguimos a rota e Edegar achou a Srta. Ambrósia vagando próxima a Lancha, quando eu o encontrei desmaiado — foi Juan quem falou.
— O que descobriu Sean?
— Nada, Edegar! Estávamos passeando, eu e Ambrósia.
Juan olhou descrente para um e para outro.
— Descanse Sr. Queise — a voz de Juan já não era de bons amigos no ‘Senhor’ outra vez incluído na frase. — Compreende que precisei chamar os homens do Sr. Oscar Roldman. Sua atitude arriscou sua vida.
— Arrisquei minha vida ou a sua? — ele viu Juan fazer uma careta. — Não está muito a fim de ir contra o todo poderoso Oscar Roldman, está?
— Está sendo fútil, Sr. Queise. Nem todos nascem ricos, influentes e filhos de poderosos como você.
Sean se sentiu mal com aquilo, pelo uso do plural na frase.
Juan saiu do quarto.
— Eu acho que vou descansar também, Sean — anunciou Edegar saindo também.
— Como eles sabiam... — e não pôde terminar a frase porque Ambrósia colocou suaves dois dedos nos lábios dele para que parasse de falar, se inclinou o mais que pôde e o beijou.
Ele realmente sentiu o quanto gostava dela; ela dele.
— Sinto perché cosa fiz Sean. Io non vibrei como devia — temeu falar sobre o ciúme que sentira.
— Não se preocupe. Aquilo não era Agartha.
— Non? Claro che non! Era uma Agartha década di 40!
— Não sei do que...
— Porca miseria!!! — berrou agora descontrolada o assustando. — Io vi as Luger 9 mm, va bene?! Io stava no passado, va bene?!
— Já disse que não sei do que...
— Non?! Non?! Voglio delle risposte!
— Que tipo de resposta?
— Do tipo Tu saltou no tempo Sean!!! Saltou e atravessou sei lá come e me trouxe di volta!!! — berrava.
Sean se ergueu nervoso.
— Por que está berrando? — abriu a porta e viu o corredor vazio. — Quer que...
— Quero!!! Quero respostas!!! Porca miseria!!!
— Por favor, Ambrósia, não grite. Ninguém pode saber disso...
— Há quanto tempo faz isso?
— Isso o...
— Non minta para mim, porca miseria!!! Tu pode se teletransportar?!
— Por favor, Ambrósia! Vão nos ouvir lá...
— Ouvir?! Ouvir?! Ahhh!!! — berrou e calou-se. E calou-se bufando no canto do quarto. Estava descontrolada, com medo de tudo que a Poliu fazia. — Vincenzo sappete?
— Não...
Ela se virou furiosa para ele:
— Vincenzo sapatte?!
— Não grite comigo! Já disse que ele não sabia, porque eu não sabia, está bem?
— Come non podia sapette? Non se enxerga? Non vê coisas esquisitas acontecendo?
— Não sou esquisito Ambrósia. Sou... — olhou-a com firmeza. —, especial.
— Ahhh... — sentou-se atordoada com o que a Poliu fazia e com que a Poliu escondia dela. Ficou na duvida se era ou não uma agente classe A, como afirmava Vincenzo Bertti. — Tu è specialle come Mona Foad?
— Talvez mais...
— Dio mio...
— Ambrósia... Escute-me! Alguém está brincando conosco!
— Além di tu?
— Não estou brincando! Já disse que não posso falar sobre isso! Isso não; está bem? — Sean viu Ambrósia arregalar a bela face. — Droga Ambrósia! Agora não é hora para desconfiarmos um do outro. Eu vi Michel, ele havia ido ao Nepal com Kelly, Gyrimias e outros.
— “Outros”? Non viu Vincenzo nem Miss Ãnkanna?
— Não... Desculpe-me.
— Dio mio... E agora? Non vamos ao Nepal, é isso? — começou a rodar pelo quarto quando o encarou. — As coisas chegaram! Ainda quer continuare con questa follia?
— Sim, ainda quero continuar com essa loucura... E vamos ter que levar Edegar. Vai me ajudar?
— Non tenho feito altro cosa — Ambrósia se aproximou dele e fez o impensável; desabotoou a camisa que ele usava, tirou sua própria blusa, e se deitou sobre ele que só a olhava.
Incontáveis minutos de silêncio, de prazer; pura troca de energia no que Sean fechou os olhos desejando naquele instante esquecer a Poliu, a invasão, o quanto queria que sua vida voltasse à normalidade. Ambrósia chorou, ele sentiu as lágrimas o molharem. Ele afastou-lhe os cabelos loiro-avermelhados e ela ergueu o queixo mordendo o lábio no lado esquerdo.
— O que houve?
— Eu a vi Sean — Ambrósia falou quase quebrando o encanto. — Akakor!
— Deus...
— Os atlantes di Akakor fugiam Sean; sono morto... — e o beijou, com lágrimas nos olhos.
— O que houve? — voltou a perguntar.
— Che cosa si fa per amore è sempre là del bene e del male.
“Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal”, Sean traduziu.
— Nietzsche?
— Si!
— E por que isso?
— Perché ti amo
Sean sentiu todas suas defesas transpassadas. Afastou-se dela. Não sabia como prosseguir com os seios dela nele.
Mas Ambrósia o olhou com firmeza. Levantou-se, recolocou sua blusa e saiu.
Ele ficou sem saber o que ela fora fazer.
21
Pulkovo International Airport; St. Petersburg, Russia.
59° 48’ 1” N e 30° 15’ 45” E.
24 de março; 09h41min.
Foi uma verdadeira expedição a que Sean, Ambrósia e Edegar fizeram, consumindo três semanas de desaparecimento para amigos e familiares, Computer Co., Poliu e a Polícia Mundial.
E os três nada mais fizeram além do que se esconder e esfriar qualquer pista que por ventura a Poliu tivesse deles. Quando Ambrósia quis descansar um dia em Moscou, Sean ficou irredutível, queria tentar encontrar Kelly e Gyrimias no Polo Norte o mais breve possível, mesmo que fosse mais um tiro no escuro. Ela o questionou sobre tantos ‘tiros’ e o porquê dele ainda ter tanta certeza que enfim os encontraria no Polo Norte, mas ele nada respondeu.
Ambrósia acabou por se estressar, disse que não iria continuar se eles não ficassem na cidade de St. Petersburg uns dois dias. A insistência dela era totalmente desproposital e deixou no ar um ‘ar’ de Poliu.
— Qual a última vez que foi a Khatanga? — Sean quebrou o silêncio.
— Parla di vodka? — riu irritando-o. — Hotel Pribaltiskaja! — Ambrósia anunciou ao motorista do taxi.
Hotel Pribaltiskaja; St. Petersburg, Russia.
59° 56’ 10” N e 30° 19’ 6” E.
24 de março; 10h30min.
Os três chegaram e ela foi fazer o check-in como se de repente passara a comandar aquela investigação, fuga ou que nome tivesse.
Sean não gostou daquilo; daquilo e do fato que ela fechara sua mente.
— Le chiavi! — entregou as chaves a eles. — Domani mattina partiamo per Noril’sk — completou.
— Até amanhã Srta. Ambrósia Bertti.
— Buono descanso, Signor Edegar.
Sean só a observava autoritária. Ela o encarou e pediu algo à gerência que lhe entregou duas sacolas.
— Noril’sk é um palpite Srta. Agente Ambrósia?
— Ho anche intuizioni, no?
— Claro que sim Srta. Agente Ambrósia. Quantas intuições e palpites quiser ter — e Sean se virou para ir embora, mas seu braço foi seguro.
— Per un buon cocktail o una birra serale niente di meglio dei bar che, dislocati su diversi piani, sono frequentati luoghi d’incontro. Sauna, piscina, massaggi... — sorriu enigmática.
— Quê?
Ambrósia riu.
— Vamos tomar uno drink na piscina — gastou o português indo ele nem sabe para onde.
Sean ergueu o sobrolho e temeu outro encontro na piscina. Olhou para os lados e a viu saindo por uma porta de vidro.
“Droga!”, pensou.
A piscina era interna, aquecida, com toda sua extensão decorada. Ambrósia continuava com aquele olhar enigmático, olhando-o paralisado, sabendo que ficava cada vez mais difícil para ambos.
— Tome! Para ti! — entregou uma das sacolas que retirou na gerência, com uma toalha e um roupão felpudo dentro.
Ela realmente já conhecia aquele lugar.
Sean sentou-se numa das muitas cadeiras e ficou observando a bela e roliça agente entrar na água, após tirar toda roupa sem qualquer cerimônia e entrar nua na água onde a névoa morna tomava conta de tudo.
“Wow!” só pensou.
Ambrósia achou graça de vê-lo ali, parado, sabendo que Sean não ia ceder a ela. Ambrósia então ergueu a mão e chamou o garçom que parecia não se incomodar com a roliça ruiva nua.
Ambrósia pediu dois drinks Kvas, um drink soviético. Sean saboreou o estranho drink com gosto de pão ainda vestido com roupas da viagem, só a observando. Ambrósia também o observava de dentro da água que fumaçava cada vez mais.
— Tem gente che diz che cerveja non è bebida, è pane liquido, pão líquido — ela o viu tomar tudo e ver o garçom retornar com mais dois copos. — Piace? È una bebida típica.
— É o caldo de cana do leste europeu.
— Esatto! — Ambrósia sorriu. — Dizem che esiste dai tempi di Genghis Kahn... — e viu Sean com uma cara estranha. — Che?
— Gretta Kinchër tinha um irmão que criava como filho enquanto estava viva — Sean cortou o ambiente que se formava.
— Perché utilizzare sempre il questo assunto para rompere lo stato d’animo?
Sean achou graça.
— Porque ele estava na Serra do Roncador.
— O garoto Leandro?
— O garoto Leandro ou Paulo. Não consegui descobrir qual deles.
— Come pode non descobrir?
— Não descobrindo?
Ambrósia não gostou da ironia.
— E o che o irmão di Gretta afinal fazia lá? Che sentido faz tutto se Gretta non existe?
— Gretta Kinchër existiu, foi casada com o comerciante de nome Ralph Kinchër. Eram alemães, nascidos durante a Guerra Austro-prussiana, travada pelo Império Austríaco e o Reino da Prússia em 1866.
— Porca miseria!
— E eles tiveram um filho que morreu de febre tifóide ainda pequeno. Eles foram atrás de Agartha por causa da frase em latim ‘Descendit ad Inferna’ ou ‘Desceu ao Hades’: Campos Elísios, Érebo, Tártaro que Gretta descobriu trabalhando para a Poliu.
— E come questo Poliu deixou escapar essa Gretta di idade tão avanzata?
— Quem disse que algo escapa da Poliu agente Ambrósia?
Ela não gostou de ouvir aquilo.
— O filho di Gretta e Ralph Kinchër foi para o inferno perché?
— Não era só o Hades que ali se encontrava, lá também ficava o Campos Elísios para onde as boas almas iam, o céu cristão, e os Kinchër queriam desesperadamente alcançar seu filho morto, e o procuram desde então.
— E che faziam no Chile?
— Doutor Lucio cuidava deles. Porque o que Agartha faz com seus habitantes imortais talvez os cristalizem.
— E eles foram cristalizados?
— Provável quando entraram em contato com crocodilos humanoides entre uma busca e outra.
— E perché a Gretta che stava in questa trilha era jovem se Ralph stava velho?
— Não sei o que aconteceu com eles, se o Dr. Lucio ajudava sua cristalização a ponto de voltarem a terem aparência humana. E talvez o que aconteceu para Ralph acabar envelhecendo, seja o medo que se instala em Michel; envelhecer quando deixa de cristalizar.
— E a Gretta da Selva amazônica?
— A alienígena Heidi usando toda sua ‘magia’.
Ambrósia se serviu de outro drink após chamar o garçom novamente.
Precisava beber e muito.
— Perché Signor Edegar sta qui? Perché trazê-lo?
— Edegar está escondendo algo.
— Tutto nós stiamo escondendo algo — Ambrósia viu Sean sentir-se mal com o que ela disse. Ele estava realmente escondendo algo. Levantou-se e foi embora. — Hei?! Aonde vai, Sean? — saiu da piscina e vestiu o roupão de sua sacola.
Seguiu Sean que andou até o átrio onde turistas animados cantarolavam algo.
— Eu não sei por que o trouxe, mas precisava tê-lo ao meu alcance, porque Edegar não podia ter me salvado naquela mata.
— Non entendi... — Ambrósia o seguia molhada, pelo frio corredor do hotel.
— As viu Ambrósia? — parou de andar.
— As EBEs? Si!
— Perguntei se viu as pessoas cristalizadas num tom azulado?
— “Cris” che? Dio mio... O frio non me faz pensare.
— Não acha estranho que Alcântara Jr./Romeu durante a trilha do Roncador estava estável? E que quando ele me atacou no Yacht estava cristalizado?
— Perché strano? Detto che o doutore cuidava... Ah! Porca miseria! Alcântara Jr./Romeu havia sido cristalizado antes, non? E se descristalizou para ir a questa trilha?
— Exato! Quando eu o localizei com o SiD e Oscar me tirou do resgate, Alcântara Jr./Romeu havia sido encontrado cristalizado. Então Oscar, Juan e Edegar levaram-no ao Dr. Lucio para que ele pudesse salvá-lo. E Oscar escondeu isso de Alcântara porque isso chegaria mais cedo ou mais tarde no seu irmão Bertti, e consequentemente em Trevellis.
— Alcântara trabalhava para mio frattelo?
— Sim. Ou quem mais me arrastaria àquele hotel sabendo que eu já investigava sua trilha?
Ambrósia arregalou tantos os olhos verdes que eles congelaram no frio corredor russo.
— Tu investigava... — e Ambrósia não terminou. Sean a olhou de cima abaixo e voltou a andar. — Mio fratello non...
Sean parou de andar.
— Sim! Ou quem mais mandaria Alcântara levar uma Tyron para me proteger?
— Ele o ama, non?
E muita gente em volta os olhava com Ambrósia molhando o chão do corredor que congelava seus pés.
— Sim... — Sean abaixou a cabeça e continuou a caminhar.
Ambrósia olhou para os lados.
— Há algo mais non?
— O algo mais, reside no problema de que acredito que as EBEs podem usar corpos cristalizados, como entrantes.
E Sean foi parado com a força que ela usou para pará-lo.
— Sta... — e arregalou os olhos. — As EBEs podem tomar corpos?
— Não sei o que aconteceu no Chile após a chegada de Alcântara Jr./Romeu, mas sei que Edegar emprestou seu corpo para uma EBE ir à trilha.
— Ma se Edegar chegou à trilha come un EBE, é perché è morto ou è stato cristalizado?
— Não disse que ele chegou ‘como’, disse que havia uma EBE no corpo dele, que entrava e saía.
— Ma... ma... Então Alcântara Jr./Romeu já havia morrido e você, o SiD, o Signor Oscar Roldman, Juan... Todos enganados por una EBE?
— Por uma EBE não, uma colônia toda! Eles vão chamando a um e outro toda vez que uma oportunidade aparece. Por isso Álvaro só foi tomado pouco antes dele sentar-se na fogueira. E que não se manifestou como devia porque a luz e o calor os afetam.
— Signor Álvaro Buzzara? — quase gritou. — Porca miseria!
— E a EBE que estava em Álvaro pulou para outro quando ele foi morto — olhou em volta. — Ralph sabia sobre a presença das EBEs dentro do corpo de alguém, e sabia que se ele ficasse por tanto tempo dentro dum corpo, começava a cristalizar a pele, vasos sanguíneos, até que ela abandona o corpo, e você vira puro cristal azulado de quartzo de um tom enegrecido. E lembra o que Ralph disse? Que havia nesse vasto mundo subterrâneo cidades de estátuas vivas? — e ambos atingiram o andar onde suas suítes ficavam. — E que poderiam ser vivificadas no instante em que fosse estabelecida a ligação aos seus princípios superiores? Dr. Lucio devia saber fazê-lo já que a Polícia Mundial e o alienígena Pii encontraram no Nepal um nazista cristalizado que falava e andava. E a vimana NOA havia sido encontrada em Catmandu, capital do Nepal, um país asiático da região dos Himalaias.
— Ah! Il vaso NOA che non esiste.
Sean riu.
— Existe Ambrósia, mas não como possa conceber. E não era um UFO como também conhecemos, e sim uma vimana; uma grande vimana Rukma, em forma de sino. E provável Alcântara Jr./Romeu também atravessou Peruíbe numa vimana.
— E os crânios di cristal azulado sono mesmo crânios humanos?
— Sim. Oscar não mentiria para mim. Não para mim.
— E come a EBE è sobreviveu all’attacco do Signor Oscar Roldman in Serra do Roncador?
— Ah! Bem! Isso é mais complicado... — Sean abriu sua porta sem entrar. —, porque depois da explosão que Oscar causou, a EBE que veio com Edegar voltou a entrar nele.
— Voltou a... Porca miseria!
— E voltou com o consentimento dele porque eu, você e Gyrimias não permitiríamos isso. E Rogério, Álvaro, Pii, Kabir, Pierre estavam todos mortos, e uma EBE não pode ficar num corpo morto.
— Dio Mio. Sto congelando — olhou Sean que a olhou mais frio que todo frio ali a congelando. Ela entendeu que ele não a convidaria a entrar. — Parla un’ultima cosa. Quem nos ha attaccato?
— A EBE que veio com Edegar e você danificou um olho, e que não pode perceber que nós sabemos que as EBEs podem entrar nele a qualquer momento — e abriu a porta sendo seguro.
Ele a olhou o segurando.
— Non so se avete notato Il Signor Queise, mas havia duo EBE nel secondo attacco.
— Não sei com quem a outra EBE veio.
— Como non sabe?
— Não sabendo. Não consigo saber tudo, consigo? — piscou malicioso entrando e fechando a porta.
“Porca miseria!”, ecoou em seus pensamentos congelados.
Hotel Pribaltiskaja; St. Petersburg, Russia.
24 de março; 21h17min.
Sean dormia quando um som de porcelana não muito longe dele, o fez acordar. Ambrósia estava ao seu lado. Ele deu um pulo da cama, levando um tempo para se situar.
Viu o quarto, viu sua cama, se tocou, e viu Ambrósia sorrindo.
— Se la montagna non va da Maometto, Maometto va alla montagna — apontou para a mesa colocada; duas taças de cristal, um vinho Lambrusco gelado, um salmão defumado com batatas sotè, arroz branco e uma salada russa; não podia ter escolhida outra. Sean só a olhou e Ambrósia serviu as taças. — Salute! A nostra vitória! — arrastou uma cadeira, sentou-se, colocou o guardanapo no colo e as taças se tocaram no que ela disparou. — Perché Gyrimias foi sequestrado, Sean?
Sean suspirou profundamente olhando o vinho e as pernas dela cruzadas.
Lá vinha ela.
— Ele foi introduzir um firewall nas empresas de Ralph Kinchër.
— Perché?
— Para impedir que os crocodilos humanoides tivessem acesso às informações que Ralph tinha por todos esses anos, e eu pudesse entrar e criptografar tudo para... — e parou de falar.
— Perché parou di falar? Isso non é da minha responsabilidade?
— É muito técnico! — e Sean achou graça de repente.
— Perché riu?
— Porque quando eu estava na escola, todos me chamavam de nerd e eu não era, digamos, popular; então os caras fugiam de mim com medo das explicações que minha inteligência acima da média fornecia, e a meninas me achavam tão esquisito que eu só servia quando estava de sunga na beira de alguma piscina.
Ela o olhou de cima abaixo, sorrindo com charme, sentando na ponta da cadeira, fazendo a abertura do penhoar que usava, mostrar que a camisola não existia.
— Parece che as garotas sabiam o che queriam sem corro rischios, non? — e Ambrósia reconheceu a marca registrada dos Roldmans quando Sean balançou o pescoço nervoso. — Diciamo che io também gosto de corro il rischio.
Sean ficou ali, tentando engolir a mensagem da falta da camisola dela por debaixo do penhoar, e todos os riscos que ela gostava de correr por ele.
— Como eu disse, usamos as ferramentas da criptografia para embaralhar a mensagem de tal forma que somente o destinatário autorizado possa recuperá-la.
— Uhm! — ela trocou de pernas.
Sean sentiu seu pescoço enrijecer junto a seu corpo.
Prosseguiu, contudo.
— A mensagem original é chamada de texto claro, e o processo de embaralhar para ocultar seu conteúdo é chamado cifração. A mensagem embaralhada, então cifrada, é chamada de texto cifrado ou criptograma — e houve mais uma troca de pernas. — O processo inverso de recuperar a mensagem é denominado decifração, que utiliza um algoritmo e um parâmetro de controle denominado chave criptográfica — ele suspirou olhando a mesa e o jantar, e o vinho, e ela, e imaginando o final daquela noite.
— E è questa che cosa il programma SiD faz? ‘Dado reverso’? ‘Criptoanálise’? Il relativo programma rastreia tutto il tipo di informazioni e criptografa e descriptografa sem precisar delle chiavi originale?
— É só uma das coisas que ele faz — Sean gargalhou com gosto. — Gyrimias fez exatamente isso na empresa de Ralph. Copiou e criptografou pessoalmente toda informação contida e as enviou para meus mainframes, no meu computador de mesa que não está, digamos, ligado à Computer Co. — sorriu. — Então tudo o que aqueles crocodilos humanoides já tinham conseguido com Ralph e Michel ficou embaralhado, impossível de se ler com Spartacus fora do alcance por causa das senhas para decifrá-los.
— Então trouxeram Gyrimias per qui. Para accesso aos mainframes che você obstruiu.
— Espero que seja nessa entrada de Agartha, mesmo — deu de ombros. — É meu último palpite.
— Non se preocupe. Seus palpites costumam dar resultado.
Ela a olhou profundamente.
— Estou dando um passo muito largo, Ambrósia, porque venho arriscando a vida de amigos queridos — Sean comeu uma batata. Ela o sentiu mais aberto, sincero. Serviu-lhe mais vinho que ele aceitou tomando-a num gole só. — Estou comprometendo a Computer Co., o meu nome e o nome de meu pai.
— E deixaria di ser un hacker del benne para se transformar nun cracker, un hacker del mal, um warez Black hat.
— Não pode entender, não é Ambrósia? Não posso abandonar Kelly e Gyrimias. Sinto-me culpado por eles.
— Sinto o mesmo per il mio fratello.
— Veja! — Sean apontou para tablet que pegou em cima da mesa. — A chave b03f5f7f11d50a3a e a chave b77a5c581934e089, são chaves públicas, mas estão fora do ar. Algo ou alguém está tirando todas as chaves disponíveis e conhecidas da Internet.
— E podem fazer isso?
— Teoricamente sim. A Poliu teria forças para isso — e a observou.
— Porca miseria! Non me olhe assim. Non fiz nada disso.
E Sean viu o quanto ela era bela.
— É! Eu sei! — eles voltaram a trocar olhares. — Mas encontrei algo... — Sean leu. — MGET Michel. Gets all keys which have ‘Michel’ in them. MGET iastate. All keys which contain ‘iastate’. MGET F605A5|3A738B. Those two keyid’s — e Sean parou de ler respirando profundamente. — O desgraçado Michel estava dentro dos servidores da Poliu esse tempo todo.
— Come Gyrimias ia lhe mandar la chiave di acesso? Ele encriptou, tu teria che desencriptar, non? — ela viu Sean ficar a olhando até que isso a incomodou. — Che cosa?
— Você sabe de tudo não Ambrósia? Sabia de tudo o tempo todo...
— Io... — e Ambrósia relaxou os ombros. — Sì! Io ia contar-lhe! — suspirou a comer duas batatas de uma só vez. — Io entendo tutto sobre tu; tu computadores, tu hackeamento, tu comportamento, tuas pesquisas, tu problemas na adolescência. E Io sappia sobre o programa di dados reverso, sabia che tramava roubar informações da Poliu com o SiD e travá-las num código che solo tu tivesse acesso com tuo mente.
— Você também estava lá? No Chat? Era você a Poliu no Chat, Ambrósia?
— Perdoname! Non podia parlatto. Io rastreava Michel sob ordens di Vincenzo quando percepito il IP attivo.
— Deus... — Sean sentiu-se derrotado, lesado por todos os lados. — Por quê?
— Perché sono una agente da Poliu! Che se non percebeu, Signor Queise, stamos en lados opostos.
— E para isso deita-se comigo? Gentilezas da Poliu?
— Non! — exclamou Ambrósia brava. — Era affinche il piacere lo tocchi, per ritenere il relativo odore di I, per averlo sotto il mio controllo.
“Foi pelo prazer de tocá-lo, de sentir seu cheiro, de tê-lo sob meu controle”, soou por todo ele.
Sean gargalhou e Ambrósia levantou-se. Sean se alertou e também ia se levantar, mas não teve tempo para aquilo. Ela puxou-lhe o rosto e por cima dele, beijou-lhe violentamente o lançando contra o colchão.
— Non consegue também, Sean?
— Quê?
— Dominar-se!
— Você está louca... — ele levantou da cama e Ambrósia num jogo de corpo o lançou de volta. — Está louca? — ele balançou no colchão macio se levantando, e Ambrósia deu outro giro no corpo dele que voltou ao colchão que balançou o derrubando no chão. — Ambrósia! Pare com isso! — e se levantou outra vez para ela o fazer voar do chão no colchão outra vez. — Ambrósia?! — gritou. — Mandei parar com isso... — e tentou se levantar quando ela girou-lhe e ele caiu outra vez agora com todo peso e tesão.
E Sean a desejou como nunca antes. Ela que desabotoava cada botão do penhoar sob fortes olhares dele, que já não sabia mais o que fazer na presença dela.
Numa mescla de incompreensão e tesão, do colchão que ainda balançava, Sean cerrou os olhos, deixando-se levar mais uma vez pelo corpo farto da italiana, da agente da Poliu, que se aproximava cada vez mais.
— Sean...
— Ambrósia... — foi só que conseguiu falar quando ela sentiu o perfume dele, lambeu o gosto da pele lavada pelo suor noturno, o sal do corpo que suava, que desestabilizava pela emoção latente, cúmplice.
— Cosi então... as ragazzas gostam di Tu in piscina? — Ambrósia caminhou pelo elástico do pijama com uma mão e Sean a segurou, ela se soltou da mão dele e ele a segurou, eles se encararam e ela se soltou enquanto a outra mão puxava a camisa para o lado, dando passagem ao peito viril que ela rapidamente mordiscou; uma, duas, três vezes.
Os olhos voltaram a se encontrar e Sean sentiu seu corpo desejá-la, pedi-la implorá-la. E antes que qualquer mão fosse proibida de algo, ela o tocou por dentro do pijama que já não existia mais.
— Ambrósia... — soou da boca que encontrou o seio dela, que o engoliu, que engoliu os dois, trocando de um para outro.
Ela atacou-lhe o pescoço e Sean sentiu o fino curso de saliva que escorria por seu corpo. Ela o chupava, o mordia, o amava e Sean alcançou o vinho Lambrusco banhando o corpo dela que retesou, arrepiou-se no contato. Ele a lambeu, lambeu o Lambrusco, lambeu Ambrósia Lambrusco, Bertti, ela toda, nenhuma gota desperdiçada, gravando cada marca tênue que ela possuía, desenhando e redesenhando o corpo que lhe aumentava a adrenalina, que lhe liberava a dopamina, que lhe levava a um êxtase total.
O lençol escorregava pelo corpo, tocava o sexo dele que vibrou; que vibrou numa intensidade única. O corpo nu, feminino, enrijecido pelo frio da bebida, se movia lentamente pelo lençol macio e Sean a virou sob o lençol colorido, perfumado penetrando o corpo farto, redondo, em meio ao grito que ela não deu.
— Ahhh... — mas Ambrósia gemeu; Sean também. Ela lhe puxou os cabelos, ele idem. A dor era intensa, sentida por ambos que se olhavam, mediam, se excitavam. Ela penetrou-lhe a unha na carne, tal qual ele fazia. — Ahhh!!! — Ambrósia gritou, gritou e Sean segurou o terceiro grito. O sexo ia e vinha. Sean entrava e saía. Uma sensação de alta voltagem tal qual a arma Tyron que o atingira. — Ahhh!!! Ahhh!!! Ahhh!!! — Ambrósia agora gritava já não mais se preocupando com o redor, com sua posição, com a Poliu, com Sean que viu Sandy em êxtase, para depois ver Kelly em posição nunca tomada, mas tomada sim no Yacht, no couro do sofá macio, da lingerie amarela Victoria Secret, no colar de diamantes que gelava cada poro de seu corpo dentro do corpo da agente Ambrósia.
— Ahhh... — Sean se ergueu tão rápido que todo seu corpo retesou e caiu no chão nu sofrendo uma onda de energia percorrer todo o corpo.
— Sean? Che cosa? — Ambrósia o tocou e ele teve medo dela, do seu toque, não encontrando explicação para o porquê daquilo.
— Eu não posso...
— Che cosa?
— Eu não...
— Non! Non! Mi ama Sean — e ela se jogou ao chão engolindo o sexo dele para dentro de sua boca, no chão mesmo.
— Ahhh... — Sean sentiu o teto rodar. Ele queria amá-la outra vez, precisava amá-la outra vez. — Eu...
— Non parla! — tirou a boca e voltou a chupá-lo.
— Não aguento...
— Ahhh Sean... Ahhh Sean...
Sean nem soube como outra vez encontrou forças para lutar.
— Não... Não... Não... Você e a Poliu...
— Non me soggetto, Sean! Mi ama! — Ambrósia o chupava, o engolia, o amava. — Mi ama! Mi ama! Mi ama!
— Não... Não... Não... Não... Não...
— Mi ama! Mi ama! Mi ama! Mi ama! Mi ama!
— Ambrósia... — foi só o que conseguiu falar. Porque Sean até tentou falar mais, mas não saberia o quê. Levantou-se do chão confuso, se cobrindo com o primeiro pedaço de tecido que encontrou. Ela se levantou atrás dele e arrancou a almofada que mal o cobria para então voltar a enfiar a boca no sexo dele. — Ahhh!!! — Sean não sabia mais como agir, mas agiu.
Sean ergueu-a do chão, levantou sua perna e jogou-a contra a parede invadindo-a. Uma, duas, três, quatro, quinze, vinte vezes; vezes cada vez mais rápidas, mais alucinantes, mais promíscuas.
Ambrósia ia a loucura.
— Ahhh!!! Ahhh!!! Ahhh!!! — gozava ela, o desejando cada vez mais fora de si, querendo mesmo enlouquecer, invadi-lo, gritar.
Sean girou os olhos até chegar ao orgasmo, caindo no chão, em total exaustão, estagnado, em total confusão.
Toda sua corrente elétrica estava em curto, todo seu corpo em êxtase, todos seus pensamentos em profusão quando levantou-se e cambaleou.
Levantou-se outra vez e pegou o penhoar caído.
— Vista!
Ela não acreditou quando ele o entregou.
— Sean...
Ele voltou a entregá-lo tremendo cada músculo rígido.
Ambrósia deixou rolar lágrimas de dor e vestiu o penhoar o encarando, esperando uma explicação.
Sean se desviou daquele olhar, cambaleou e abriu a porta esperando ela sair; sua respiração acelerada o fazia respirar pela boca, pelos poros que teimavam em não fechar.
Ele sabia que a noite terminaria em tristeza.
Ambrósia o olhou e Sean se desviou daquele olhar outra vez. Ela saiu e chorou mais no que a porta se fechou atrás dela.
22
Aeroporto Alykel, Noril’sk; Sibéria, Rússia.
69° 18’ 36” N e 87° 20’ 0” E.
25 de março; 09h00min.
O café da manhã foi morno. Depois da noite conturbada Sean sonhara com Sandy, Kelly e Ambrósia numa mescla alucinada. Sentia-se perdido, com os sentimentos feridos, todos eles, pela Poliu.
Era ela, a corporação, ele sabia.
“Um o garoto de vinte e dois anos que nem sabe o que é amar”; Mr. Trevellis ainda soava dolorido para ele.
Sean, Ambrósia e Edegar partiram do Aeroporto Pulkovo, pela Sibéria Airlines, para o Aeroporto Alykel, em Noril’sk, Sibéria, num silêncio mortal.
Ambrósia ficou preocupada ao ver o aeroporto com os voos de aircraft fechados por causa de obras internas.
— Che cosa sta facendo? — Ambrósia não se conteve ao vê-lo trabalhando em seu tablet.
— Decifrando as chaves criptografadas da mensagem que Alcântara Jr. tinha nas mãos quando eu o ataquei — ele viu Ambrósia arregalar os olhos verdes que contrastavam com o cabelo vermelho. — Acredito que uma das EBEs havia conseguido aquilo com Gyrimias.
— Porca miseria! — e enterrou a mão no pescoço dele chamando a atenção de todos ao lado que pararam para vê-la enforcando-o. — Scuta qui Signor Queise... — Ambrósia olhou em volta e olhou para um Sean Queise cínico, para então voltar a olhar em volta e perceber estar sendo observada, e tirar as mãos do pescoço dele. — Na próxima... — ela só ouviu Sean tossir quando o ar voltou aos pulmões. — Non haverá próxima! — arrancou-lhe o tablet de suas mãos lendo-o.
— Wow! — saiu dele.
— Non haverá altro ‘Wow!’ Signor Queise... — e viu algo no tablet que não percebera até então. — Tu decifrato una parte... — e o olhou assustada com suas descobertas. — È voi, non? Capaz di ler e messaggi cifradas só fazendo contas? — ela não esperou Sean responder. — Come quando il satellitare Spartacus ha modificato il GPS di Heidi para rastrear-nos.
— O que foi agente Ambrósia Bertti? — sorriu cínico. — Espantada por nunca ter lido isso sobre mim nos arquivos da Poliu que tudo conhecia? — riu e a mão de Ambrósia voltou ao seu pescoço com ou sem pessoas os olhando. — Está me... — Sean tossiu. — Está me machucando... — morrendo seria mais plausível dizer.
Ambrósia o largou totalmente perdida, realmente nada havia lá nos arquivos dele; nenhuma informação, nada sobre contas, sobre controle de mentes, sobre teletransporte.
Arregalou os olhos e enfim compreendeu.
— Tu apagou! È entrato negli archivi di Poliu e cancellato quantas informações il relativo rispetto?
— Quantas eu achei necessário, quantas eu ainda achar necessário, Srta. Agente — e arrancou o tablet das mãos dela. Mas Ambrósia o puxou pelo braço, empregando mais força que o necessário para voltar a sentá-lo no banco de espera do aeroporto, que em peso voltou os observar. — Está me machucando, Ambrósia! — Sean curvou-se sobre ela, sentindo dor. — Me machucando e chamando a atenção!
— Vai conseguir accesso il satellitare Spartacus?
— Não! — sentiu dor no braço que roxeava. — Os códigos tinham que ter sido trocados diariamente e o programa estava instalado no meu tablet, que deve estar em poder dos crocodilos humanoides — Ambrósia apertou mais. — Ahhh... — Sean olhou para os lados, as pessoas iam e vinham.
— Por isso Gyrimias e Kelly sono stati presi?
— Está me machucando Ambrósia... — e Ambrósia o apertou mais ainda. — Ahhh! — Sean sentiu a unhas dela penetrar-lhe a carne.
O ódio pelo desprezo dele, o ciúme pela secretária e a busca dele por ela, tomava conta dela.
— Che cosa sta? — apontou para o tablet que ele segurava.
— Michel e as EBEs achavam que eles podiam abrir.
Ambrósia o largou.
— Deixe-me ler tutto! — ela pegou o tablet outra vez e o viu massageando o braço ferido. Leu: — Key ID: pub 1024D/5572E1F5 5503-05-05 Computer Co. Mainframes Package signing key (www.computerco.web) gy@computerco.web Fingerprint: A4A9 4068 886FC BD3C 4567 99C8 8C71 8D3B 5972 E1F4 Public Key (ASCII-armored): -BEGIN PGP PUBLIC KEY BLOCK-Version: GnuPG v1.0.6 (GNU/Linux) O recorte foi deletado acima do azimute. Michel encontrou o nazi cristalizado. Ele tinha o código que os nazistas usavam para entrar em Madre de Dios onde uma máquina viajava no tempo. Imagens comprovam que a máquina tinha a forma de sino. Armas lasers estão instaladas nos satélites da Poliu nas coordenadas anteriormente indicadas por //WVArNYJdDRT+ rf2RUe3vpquKNQU/ Michel vai tentar voltar ao ponto zero nas coordenadas e espanhola corre riscos //LmNvbSespanhola PGJ1a WxkQG15c3FsLmNv IXQQTEQIAHQUCPj6// Cuidado com Gretta. Ela é um deles. Falsa Agartha ela irá apresentar nas coordenadas //espanhola/p8kW+ 3FxuWry cciqFTcNz 215yyQnU cXiL4cnB GoTb OWN739Ecyzgslz BdC++ MQTcA7p6 JUVsP6o AB3FQW g54tuUo0 Ec8bsM8b3Ev42 LmuTY33vuuwqp2H139p XGEespanhola === YJkx - END PGP PUBLIC KEY BLOCK — Ambrósia terminou de ler e deformou a face de tanto que a esticou.
Pegou-lhe novamente pelo braço machucado o levando para um lugar mais afastado.
— Droga Ambrósia! Está me machucando...
— Farò mais che isso!
— É... Vai sim. Enforcar-me na próxima vez — ria a deixando mais nervosa ainda.
— Cale-se! — Ambrósia apertou mais ainda, querendo realmente marcá-lo. Sean ria apesar da dor. — Che cosa era?
— Vejo que demorou a perceber que não conhecia minhas loucuras nos arquivos da Poliu que eu não apaguei — Sean desafiou-a.
Ambrósia quis esbofeteá-lo, mas se impôs. Preferiu deixar um contato mais direto para mais tarde.
Ela largou com força o braço dele que arrumou a camisa, a encarando.
— Deixou-nos levar à falsa Agartha perché? Perché se arriscou a ir ao encontro di una alieno Gretta Kinchër croco?
— Porque Gyrimias havia localizado “GK” na Amazônia. Aquilo não se encaixava no estudo sério que Ralph Kinchër fazia sobre as EBEs, e que descobri posteriormente após a visita de uma também falsa Heidi em São Paulo. Porque ela me disse que só eu, meus poderes, podiam ver como eram de verdade, um crocodilo humanoide. Então se Ralph era verdadeiro na Serra do Roncador, e estava do nosso lado, então as EBEs também deveriam tê-lo atacado.
— Ma aquela EBE o attaccato.
— Não. Deborah gritou e a EBE parou.
— Perché ela mandava nas EBEs.
— Não! Para nos despistar que a Deborah e o Ralph ali, eram falsos, porque seu beijo era elétrico.
— Che?
— E que foi o fato de ver um jovem e cristalizado Ralph no Yacht que não me deixou enxergar o verdadeiro inimigo.
— Quem cristalizou Ralph?
— Ninguém.
— Che? Sta brincando comigo, Signor Queise?
Ele gargalhava com gosto.
— Não estou brincando, mas estou encantado com tamanha tecnologia Srta. Agente. Porque Heidi comandava as EBEs que era hologramas de Ralph e Deborah. Mas Heidi sabia sobre o irmão de Gretta, um dos cozinheiros, que deve ter sido orientado por Alcântara Jr./Romeu a manter-se quieto pelo bem de Posid.
— Diz che as EBEs podem tomar rostos...
— Corpos Ambrósia, e se parecer com elas.
— Dio mio... O Signor Álvaro programou una trilha para juntar tutti e irem até una città subterrânea Posid, che diziam haver debaixo da Serra do Roncador e di lá, chegar até Agartha?
— Exato! Cidade de Posid! E a Cidade de Posid era onde todos ali queriam chegar já que Peruíbe estava descartada porque lá, EBEs estavam vigiando. Por isso a Confederação chamou Kabir, o sábio, Pierre e a Terra invertida, e o alienígena Pii e seu conhecimento sobre Shambhala, no Nepal.
— E Schiller?
Sean olhou em volta e ninguém parecia ouvi-los.
— Heidi arrastou Schiller para a trilha do Sr. Álvaro porque atrairia Michel, que a Poliu também vigiava. E tudo isso porque Michel fez um acordo com os crocodilos humanoides que dominam aquelas EBEs, crocodilos humanoides que não faço ideia de onde vem, como aqui chegaram ou o que querem de nós, mas que barganharam armas com os nazistas durante a Segunda Grande Guerra. E Michel conhecia o pai de Schiller e suas fotos sobre o donut.
— E troco di che?
— Não sei. Deles, só sei uma coisa, que eles fizeram e amarraram muitos acordos, e ensinaram armas de tecnologia além da nossa compreensão, em meio a governos ocultos, subterrâneos, misturados a nós, nos comandando, dando ordens e obedecendo na mesma frequência. E o fato de nazis terem fugido para a Terra Oca é porque ainda há algo lá embaixo que lhes interessam, e que consequentemente interessam a Poliu — Sean apontou para o chão. —, algo que todos naquela trilha queriam e eu preciso descobrir o que é porque arrisquei a vida de Kelly e Gyrimias para isso.
— Mas io non sei.
— Se sabe ou não, agora não faz diferença porque Trevellis perdeu Miss Ãnkanna, perdeu Bertti e perdeu Michel — mas Ambrósia lhe olhou de uma maneira que Sean teve medo de traduzir. — Mas não me perdeu, não é Ambrósia? Era a mim que Trevellis queria o tempo todo lá. Foi ele quem mandou você entrar no Chat, mandou seu irmão abastecer aquela parede de fotos, porque Alcântara pai nunca poderia tê-las comprado na Internet, porque Bertti sabia que fiz hackers Black hat fornecerem a Alcântara pai, arquivos da Poliu, para fazê-lo levar-me até a trilha sabendo que eu o vigiava, a vigiava, vigiava todo mundo com SiD — e respirou profundamente. — Porque Trevellis me deu uma arma para me defender, salvou-me de qualquer ataque, porque precisava de mim naquela trilha, com poderes superiores aos psi, para chegar até Posid e descobrir o que Michel queria lá — e riu. — E claro... Tudo isso regado a gentilezas... — e se foi arrasado.
Não mais que Ambrósia que viu seu mundinho ruir.
23
Khatanga, Território de Krasnojarsk; Sibéria, Rússia.
72° 58’ 47” N e 102° 28’ 22” E.
26 de março; 08h12min.
O GPS do tablet registrava o voo sobre o Polo Norte Geográfico da Terra, 90 graus de latitude norte, para então o avião os deixar em Khatanga, latitude 72 graus no dia seguinte; e se não fosse pelo único hotel da cidade, o Hotel Khatanga, nem pelo pesado e complexo equipamento que Sean pedira a Ambrósia, a presença do grande homem jambo, de astutos olhos verdes, à frente do hotel, dentro do grande jipe Hummer, por entre roupas maiores ainda, nada surpreenderia Sean.
— Olá Trevellis! — Sean sorriu. — Chegou rápido!
— Não me vanglorio, filho de Oscar. Nós dois chegamos juntos — apontou para o lado.
Sean seguiu a orientação e arregalou os olhos para o todo poderoso homem da Polícia Mundial.
— Olá, Sean querido.
— Por que se arrisca assim, Oscar?
— Porque você ainda é a única coisa importante que eu tenho.
Sean sentiu o impacto das palavras ainda parado na frente do Hotel Khatanga, carregado de mochilas.
— Quem mais além de Vincenzo Bertti estava no meu noivado, Oscar?
Oscar pareceu não entender a pergunta. Fez uma cara estranha que enrugara ainda mais o cenho e a testa.
— Eu achei...
— “Achou”?
— Achei que o choque tivesse feito você esquecer aquela noite. Você nunca havia comentado comigo que vira Vincenzo Bertti, lá.
Foi à vez de Sean arregalar os olhos.
— Por que a Poliu estava lá no meu noivado?
— Atrás de um desfecho — foi Mr. Trevellis quem respondeu.
— Como se atreveu?! — e Sean largou as mochilas no chão e se virou tão rápido que Mr. Trevellis mal teve tempo de piscar e já estava no chão.
E não teve tempo de piscar porque Sean não saiu do lugar, não pisou em nenhum outro lugar, mas foi até Mr. Trevellis socando-o e voltando sem sair do lugar.
Oscar e Ambrósia arregalaram os olhos e Mr. Trevellis estava caído pelo soco que Sean dera, fazendo a imaculada neve branca marchar-se de vermelho.
— Oh! — Ambrósia voltou a si e levantou Mr. Trevellis do chão, protegendo-o de qualquer nova investida.
Sean a olhou e ela o encarou segurando Mr. Trevellis como quem o defende.
— Claro que percebi Agente Ambrósia Bertti — Sean se abaixou e pegou as mochilas. — Lados opostos! — e se foi.
Sean entrou no Hotel Khatanga sendo seguido por Edegar que nem quis se meter na confusão. Mr. Trevellis também nada falou, limpou o sangue e foi para o hotel atrás dele.
Ambrósia sentiu um buraco abrir no que sobrou de seu estômago, um fel a corroer por dentro. Pegou as coisas de Mr. Trevellis do chão e caminhou para o Hotel Khatanga.
— Ambrósia? — foi só o que Oscar falou ainda parado no mesmo lugar. — Espero que tudo tenha saído como mandei Senhorita.
Ela olhou Sean sumir para dentro do hotel.
— Come mandou, Signor Oscar Roldman! — voltou a caminhar triste por amá-lo tanto.
Sean estava no lobby fazendo check-in. Pegou a chave do quarto avisado que o banheiro ficava no fim do corredor. Ele subiu sem falar com ela que só abaixou a cabeça. Abriu a porta do quarto e jogou as mochilas pesadas no chão com equipamentos pedidos. Pegou uma toalha, roupas limpas e passou por Oscar no corredor sem trocarem uma única palavra.
Trancou-se no banheiro, tomou banho e voltou ao quarto se trancando por horas.
Hotel Khatanga, Território de Krasnojarsk; Sibéria, Rússia.
71.97° 58’ 47” N e 102° 28’ 22” E.
26 de março; 19h00min.
A noite caiu rápido e o frio acentuava-se apesar da calefação do hotel funcionar a contento. Sean desceu e viu o lobby vazio. Foi avisado pela gerência que as refeições eram feitas num restaurante próximo.
Atravessou a rua a pé e encontrou Mr. Trevellis e Oscar Roldman separados, cada um numa mesa, cada um num canto distante.
— Não tire conclusões alguma — Sean sentou-se à mesa de Oscar que ficou feliz em vê-lo do seu lado. Minutos em silêncio quebrado por ele mesmo. — Por que veio, Oscar?
— Há um erro em tudo isso.
— “Um erro”? — riu Sean ao ler o rótulo da garrafa de vodka em cima da mesa. — Eu vi milhares deles — e encheu um copo tomando toda a vodka.
— Michel não está aqui, Sean.
— Como assim?
— Não foi para o Polo Norte que Michel se dirigiu.
— Você tem seguido ele?
— Dia após dia, desde que saiu do Roncador.
— E para onde ele foi? Como pôde...
— Ele esteve na Turquia, sozinho, e depois esteve aqui em Khatanga. Depois se dirigiu a Island Srednii e de lá desapareceu — Oscar só esperou Sean erguer o sobrolho.
— Disse que ele esteve aqui em Khatanga?
— Dois nativos agentes meus disfarçados, faziam parte da equipe de trabalho do botânico Michel Shipton aqui na base. Numa noite, eles foram para o quarto dormir e Michel desapareceu, reaparecendo dois dias depois não dando explicação alguma. Estava sujo, cansado, com fome e muito, muito velho — ele viu Sean observando-o enquanto sorvia a vodka que já conhecia da Lancha de Ambrósia, do Yacht dele, do hotel na Rússia.
— Prossiga!
Oscar prosseguiu:
— Michel depois levantou acampamento, e partiu de avião para latitude 53º 01’ N e longitude 158º 39’ E, Kamchakta, extremo leste da Sibéria, desaparecendo de vez num dos 12 vulcões.
— Desaparecendo, não antes de deletar da Internet todas as chaves públicas alocadas em sites — e se aproximou dele. — E se ele fez por dentro dos computadores da Poliu, arrisco a dizer que ele invadiu os computadores a partir do meu tablet, que se não percebeu, não está mais comigo.
Oscar beliscou um pouco de peixe defumado.
— O que pretende fazer, Sean querido?
— E por que o interesse no que vou fazer?
— Sem brincadeiras Sean. O fato de Michel estar envelhecendo não me agrada. Isso prova que aqueles crocodilos humanoides não querem mais barganhar com ele.
— Crocodilos humanoides que barganharam com os nazistas, não? Crocodilos humanoides que ainda se escondem na Terra Oca que os nazis tanto queriam, a ponto de ir atrás deles no final da guerra — ele só viu Oscar o olhar. — Deus... Eles estão vivos?
— Os nazistas? É claro que não. Tudo isso na Internet não passa de lendas e alegorias. Os alemães foram derrotados.
— Os alemães foram derrotados na Segunda Grande Guerra, Oscar, mas não os nazistas — e Sean olhou, e olhou, e olhou Oscar Roldman.
Oscar sabia que ele não o olhava, que tentava lê-lo. Sean respirou pesado e encostou-se à cadeira sem tirar Oscar da vista, sabendo que não conseguiria que não tinha estômago para aquilo.
— Se vou trabalhar com a Polícia Mundial, não vou levar Ambrósia nem Trevellis.
— Não posso fazer isso.
— Eu não os quero lá.
— Já disse que não posso fazer isso.
— Tem muito mais, não é Oscar querido?
— Tem sim, mas não é da sua conta. E sabe por que não é da sua conta Sean querido? Porque são coisas que já eram assim antes de você nascer, antes da Poliu nascer, antes da Terra ser o que é hoje.
— “Wow!” — Sean foi puro deboche.
— Pode brincar Sean. Pode até mostrar a Trevellis que você é um moleque irresponsável. Mas sabe que de nada vai adiantar lhe passar tanta informação que nem eu mesmo tenho acesso.
— A Poliu tem acesso?
— Não sei — Oscar olhou demoradamente para Mr. Trevellis do outro lado do restaurante. —, acho que Trevellis tem conseguido muita coisa nesses últimos anos — depois se voltou para Sean. — E como sabe não posso saber.
— Mas você o lê.
— Eu o leio. Dia após dia. Insistentemente. E ele me bloqueia.
Sean chocou-se com aquilo. Sabia que Oscar renegava sua paranormalidade.
— Você...
— Também não vou entrar no mérito dessa questão.
— Mas você a conhecia, não?
Oscar sentiu-se de repente patinando com ele.
— Conhecia quem Sean? — Oscar viu Sean olhar Ambrósia o olhando do outro lado do restaurante. — Não conhecia Ambrósia Bertti!
— Mentira, Oscar.
— Então por que perguntou?
— Porque gosto de vê-lo sentir-se mal por mandá-la fazer coisas que ela não queria.
Oscar sentiu que Sean lia sua mente.
— Minha mente é tão aberta assim, Sean querido?
— Não! Mas a dela às vezes é! — Sean olhou Ambrósia. — Garçom? — chamou assustando Oscar com a repentina mudança dele. — Fala inglês?
— Sim?
— Como posso conseguir uma caixa dessa vodka?
— No bar. Nós vendemos. Fabricação do dono. Daqui de Khatanga. Do dono do restaurante.
Sean olhou para a garrafa.
— Obrigado! Era só isso! — e o garçom se virou para ir embora. — Ah! — chamou-o de volta. — Tome! — entregou alguns dólares altos para ele. — Entregue uma caixa dessas ‘vodka da casa’ àquela Signorita ali no canto — Sean apontou para Ambrósia que percebeu que falavam dela.
Mr. Trevellis também ficou os observando sem, porém nada comentar.
— Sean...
Mas Sean levantou a mão não deixando Oscar completar a frase.
— Diga que é para renovar o estoque pessoal da Lancha dela — e ficou olhando Oscar o olhando. — Mandou ela me amar, não é Oscar?
— A mandei não tocar um dedo em você!
— Ahhh! — Sean se aproximou dele. — Então folgo mesmo em saber que não foi obedecido, Oscar querido — e se levantou indo embora.
Oscar Roldman fuzilou Ambrósia Bertti do outro lado do restaurante, que se encolheu.
“Porca miseria!”, foi só o que a agente da Poliu pensou.
24
Base Campo Ártico; Polo Norte.
89° 31.5' 30? N e 30° 27' 0? W.
27 de março; 10h00min.
Partiram de Khatanga num avião L’Antonov 74 fretado pela Poliu: Sean, Ambrósia, Mr. Trevellis, Oscar, Edegar, três agentes da Poliu, cinco agentes da Polícia Mundial e dez homens locais, residentes na cidade, para ajudar no carregamento. Sean ouviu Mr. Trevellis mandar um cargueiro sair do porto de Khatanga levando dois contêineres que ele não teve acesso sobre sua carga. Ele ainda tentou algo com Ambrósia, mas ela disse nada saber sobre a carga que Mr. Trevellis despachara e na sua mente ele não conseguiu ler nada.
O avião desceu para abastecer no final da tarde na Ilha Srednii, uma das ilhas do arquipélago Sedova, Severnaya Zemlya. Havia uma longa pista no aeroporto da pequena aldeia, alguns prédios, numa área reservada a cientistas e pesquisadores, e um museu. A Poliu precisou de muita lábia para conseguir permissão para o avião pousar sem que os passaportes e vistos fossem exigidos de seus ocupantes. Mr. Trevellis e Oscar Roldman não podiam se expor, e Sean, Edegar e Ambrósia viajavam com passaportes falsos. E ainda por não terem visto separados para o desembarque, receberam ordens para que ninguém descesse do avião e o avião abasteceu sem demoras.
Chegaram tarde da noite no Ice Camp onde mais cinco agentes da Polícia Mundial, remanescentes da equipe de Michel Shipton, os esperavam na pista, que fez o grande Antonov deslizar até conseguir parar completamente.
Sean odiava aviões.
O Ice Camp, também chamado de “Borneo” era uma base no gelo, um acampamento para temporadas. Dentro das barracas, o frio era tão cortante quanto do lado de fora. Sean percebeu que seu corpo demorava a estabilizar a temperatura. Sentia dores fortes nas juntas dos dedos das mãos e dos pés como se estivesse cristalizando.
Ambrósia percebia que ele fazia exercícios com os dedos o tempo todo, e aquilo a incomodava. Ela sabia que era um risco muito grande Sean acreditar tanto em UFOs e crocodilos humanoides com os dons esquisitos que tinha.
Havia uma barraca grande para provir a alimentação, mas os ventos fortes não deixavam o fogo se firmar. O jeito foi comer feijão e legumes enlatados e frios. Sean nem ligava para a comida e sua temperatura, sentia falta de Kelly e Gyrimias, sentia culpa no desaparecimento mesmo sabendo que não chamara Kelly à Itália. Oscar não voltou a falar com ele, nem com Mr. Trevellis. Estava na sua barraca numa reunião com seus homens. Os agentes remanescentes contaram a eles, logo que desceu do Antonov que um pescador local apareceu todo cristalizado, seu corpo virara cristal azulado literalmente. Era possível ver o que restou de seu sangue fluindo pelo corpo, nos olhos vermelhos, vidrados, mas que estranhamente ele ainda podia andar.
Já Mr. Trevellis ao contrário, não trocou uma só palavra com seus agentes da Poliu, e isso preocupava Sean. Significava que Mr. Trevellis havia ido a Khatanga com um propósito definido e nada ia demovê-lo.
Base Campo Ártico; Polo Norte.
27 de março; 22h00min.
Ambrósia estava perdida. Sem a orientação da corporação não sabia mais qual seu papel na trama. Se no início as ordens de Mr. Trevellis eram de proteger Miss Ãnkanna, agora estava lá para proteger Sean por quem se apaixonara, e para salvar seu irmão Vincenzo Bertti, o pouco de família e estabilidade que lhe restara na vida.
— Posso sentar-me, Sean? — anunciou ainda de pé, ao lado da cadeira de abrir-e-fechar dele, toda enrolada em um cobertor especial. Ele deu de ombros, e ela ficou na duvida. — Tu passou a viaggiare tutto tentando acessar o tablet; conseguiu? — sentou-se enfim.
— Não!
— Pensatto...
— A NASA confirmou.
— Che a NASA confermato?
— Muitas pesquisas vêm revelando que após grandes explosões solares, há liberação de neutrinos no espaço e isso afeta a força gravitacional dos planetas. A falta de proteção na camada de ozônio provoca as fendas. Só que elas estão ficando abertas por um espaço de tempo muito grande, e seja lá o que causou essas brechas deve estar correlacionado a deslocamentos das naves-mãe da Terra Oca para o espaço.
— Debandando?
— Sim, talvez estejam escapando de algo — e olhou-a de lado. — Assustador não acha Ambrósia? Saber que vamos morrer? — a viu de muito perto, podendo ver que sua pele brilhava no crispar da fogueira, acesa pelo frio não pela escuridão, porque a claridade parecia não querer ir embora. — Assustador saber que Michel está muitos passos a nossa frente, que ele estava naquela trilha catalogando plantas porque é botânico molecular.
— Botânico? Michel fazia modificações in plantas come o Dottore Lucio? — ela ergueu a mão agora um pouco aquecida e Sean não moveu um músculo do lugar. — E perché isso é importante? — ela ficou na duvida, mas o tocou mesmo assim no rosto.
Ele a olhava sem se preocupar com o redor e ela moveu os dedos até alcançar os lábios dele, ressecados pelo frio. Ambrósia teve vontade de muito mais que tocá-los, mas Sean nada falava, nada movia. Ela se esticou a quase a cadeira fechar. Ele só a olhava. Ela se ergueu e o beijou. Sean deixou-se ser beijado já não se importando com as ordens de Oscar que os olhava da barraca ou Mr. Trevellis que observava Oscar os observando.
Lábios que se encontravam, rolavam um sobre o outro. Úmida ideia de se amar, libidinosa maneira de se enfrentarem quando algo caiu na barraca grande, fazendo um estrondo perpetuar pelo acampamento.
Sean se levantou esquecendo-se de Ambrósia que foi quase ao chão para então ser segura por ele antes que tocasse a neve fria. Eles se olharam naquela fração de segundos, na rapidez dele que ela passara a conhecer tão bem.
Os dois olharam e um grande buraco estava aberto no meio do gelo, em frente da grande barraca.
— O que é isso? — perguntou Mr. Trevellis correndo ao encontro deles.
— Uma polynya! — respondeu um dos carregadores siberianos.
— Uma o quê? — questionou Edegar.
— Polynya é uma palavra russa que significa uma abertura na cobertura de gelo do mar — falou outro carregador. — Elas podem ser bem grandes, e permitem que o oceano respire.
— É durante este processo que se forma o gelo do mar. Não se assustem, é uma parte importante da produção anual de gelo no Polo Norte — completou um dos agentes da Polícia Mundial.
— Mas o buraco é no gelo e o barulho foi em cima da barraca grande — falou Sean Queise nervoso, no que um zumbindo muito forte eles escutaram.
— Morcegos!!! — gritou um dos agentes e todos se jogaram ao chão frio.
Numa revoada, algo parecido com morcegos lançaram-se para fora do buraco, da polynya agora ainda mais aberta, tomando conta das cadeiras onde sentavam, tomando conta da fogueira que desapareceu.
Outro agente correu e foi agarrado.
— Ahhh!!! — e ele começou a ser trucidado.
Sean e Ambrósia se olharam do chão e um dos carregadores siberianos também gritou e correu. E também foi alcançado, se lotando de sangue, do seu próprio sangue até ser totalmente sugado.
— Ahhh!!! — gritavam todos quando os morcegos deram nova revoada.
Sean ficou espantado com a velocidade com que eles faziam aquilo. As EBEs, mais de cinquenta, então voltaram para a polynya tão rápido quanto saíram.
— Senhor?! Veja!!! — gritou outro agente da Polícia Mundial quando um dos morcegos que ainda permanecia ali se materializou naquilo que Sean também conhecia como EBE.
Agora um silêncio mortal caiu sobre todos e Oscar apavorou-se pela visão.
A EBE caminhava pelo acampamento, passando pela polynya no gelo como se não existisse, como se não precisasse firmar suas garras em chão seguro. Sean percebeu que definitivamente eles dominavam a força gravitacional como se vivessem sempre dentro da Terra, ou dentro de outros planetas.
A EBE sentia-se perdida em meio à claridade que não ia embora mesmo com a hora avançada. Sean ficou pensando no que o agente da Polícia Mundial fez para ser atacado e fez um sinal para Mr. Trevellis, Oscar e alguns agentes ali misturados para que não se mexessem, para que não fizessem barulho algum. Mesmo com a fogueira apagada, havia muita claridade no local e a EBE não conseguia enxergar com a luz.
Mais duas EBEs voltaram a sair da polynya aberta como morcegos até se materializarem numa besta de cristal azulado, corcova nas costas, garras de piano e boca de mosquito aproximando-se da outra EBE.
Sean percebeu que a EBE perdida chamara as outras.
As três EBEs olhavam para os lados com os olhos vermelhos a girar, a brilhar, a procurar algo arquivado quando Sean se materializou nos olhos das três.
Oscar ia falar, mas Sean outra vez pediu que ninguém se movesse. As três EBEs se aproximaram dele e línguas se projetaram no ar, cheirando-o. Sean se viu entre as três que nada faziam, só giravam em volta dele.
Sean olhou para a barraca e a chaleira apitou no fogo dando sinal que a água fervera para fazer o café. Mr. Trevellis arregalou os olhos vendo que não havia fogo para aquecer a chaleira e Sean escorregou outro olhar e as barracas soltaram de suas amarras volitando, mostrando mesas, cadeiras e camas que antes protegiam. Também todos os líquidos ali contidos em garrafas soltaram-se invadindo o espaço, formando uma cascata de líquidos que se projetavam para cima e para baixo numa fluxo assustadoramente rápido, colorido e de muitos aromas e ingredientes.
As três EBEs inclinaram a cabeça, uma após a outra e arquivaram aquilo.
Sean voltou a escorregar outro olhar e cadeiras abriram e fecharam, a grande fogueira acendeu e apagou, sons diversos espalharam-se, multiplicaram, ensurdeciam em meio a imagens que se projetavam de um lado a outro; carros, pessoas, imagens de filmes, musicais, tudo que continha em sua memória se espalhava para fora dele, para fora de Sean, como se ele fosse todo um sistema de projeção de holografias, enquanto as três EBEs, maravilhadas, ficaram a estudá-lo, sabendo que era ele quem fazia tudo aquilo.
Mas Sean sentia toda sua pele cristalizar, todo o fluxo sanguíneo desordenar-se a ponto de câimbras e formigamentos tomarem conta de cada pedaço de corpo que lutava para não virar cristal azulado. As três EBEs continuavam a observá-lo, gravar cenas, o entorno, Mr. Trevellis, Oscar, Ambrósia, agentes de ambas policias, quando um som agudo se fez e a polynya ameaçou fechar. As três EBEs perceberam a força dele em tentar fechá-la, prende-las ali, e viraram morcegos desparecendo no que ela fechou, e Sean foi ao chão desmaiado.
“Sean?!”, se perdeu na noite fria.
25
Base Campo Ártico; Polo Norte.
89° 31.5’ 30” N e 30° 27’ 0” W.
28 de março; 08h00min.
O dia começou já clareado e o frio se fazia presente em meio a agentes ainda estupefatos, e uma Ambrósia cheia de questões nada amigáveis.
Mas Sean acordou determinado em colocar os equipamentos nos trenós, vinte ao todo, com suprimentos, medicamentos e até um barco preparado para as águas geladas do Polo Norte, sem muita vontade de responder a quem quer que fosse.
Alguns trenós funcionavam por combustível, outros puxados por cães Hans siberianos, trazidos de helicóptero russos MI-8 naquela manhã, quando Mr. Trevellis apareceu do nada e tirou Ambrósia do lugar onde observava Sean numa mescla de ódio e paixão.
Sean a viu ser levada pelo braço não gostando da maneira como foi levada. E Mr. Trevellis perguntava algo que ela só negava com a cabeça. Mas Mr. Trevellis alertou-se com algo, e deu passos tão largos e pesados que chegou rapidamente em Sean com todo seu peso e brilho na pele jambo.
— Por que é importante Michel ser botânico molecular filho de Oscar?
Oscar Roldman e alguns agentes da Polícia Mundial se aproximaram no que Oscar deu passos tão rápidos quanto Mr. Trevellis.
— Vamos Trevellis... Tente! Você consegue! — sorriu Sean cínico sabendo que ele não conseguiria que não podia ler mentes.
— Não me desafie filho de Oscar!
— Trevellis?! — gritou Oscar. — Não me desafie você falando assim com meu filho.
Sean olhou um, olhou outro e voltou a olhar Oscar em total choque, mas chegara até ali e não ia voltar atrás.
— Não se preocupe Oscar. Trevellis vai ficar tentando, tentando e tentando — sabia que Trevellis adoraria poder ter tido dons paranormais naquele instante. — Mas você não pode não Trevellis? — Sean leu cada linha do pensamento dele. — Não poderia ser um ‘Mister’ se tivesse dons.
Mr. Trevellis não gostou de ser lido daquele jeito.
— Mande seu filho parar de me analisar, Oscar. Eu ainda não acabei com ele.
— Cale-se Trevellis! Você não se atreveria!
— Não mesmo amigo velho? — foi pura ironia.
— E por que quer saber sobre Michel, Trevellis? Porque se Michel entender o funcionamento das plantas alienígenas naquela ‘floresta mágica’, talvez entenda o funcionamento da Vril? — riu Sean. — E talvez Michel tire os nazis cristalizados das entranhas da terra para transformar essa Vril, em algo que a Poliu não conseguiu ter acesso no final da Segunda Grande Guerra?
— Está blefando! Não sabe de nada filho de Oscar!
— Trevellis! — soou forte da boca de Oscar Roldman.
— Ora vamos Trevellis! Diga a Oscar que foi esse o motivo que o trouxe, que você me trouxe, e que me quer em Liechtenstein...
Oscar olhou um e outro e voltou a olhar Mr. Trevellis.
— O que quer dizer com querer Sean em Liechtenstein, Trevellis?! — e a fúria de Oscar Roldman fez Mr. Trevellis ser lançado no chão.
— Ahhh!!! — Mr. Trevellis foi ao chão e agentes da Poliu e da Polícia Mundial só se moveram, como piões de xadrez.
Mr. Trevellis olhou Sean, olhou Oscar, e não gostou de estar ali, entre Roldmans.
Sean aquilo captou e foi a vez dele fazer Mr. Trevellis voar para a outra extremidade do acampamento, agora em meio a gritos e movimentação.
Mr. Trevellis levantou-se irado com o moleque atrevido, filho de Oscar, porque ele estava ali porque queria.
Foi a vez de Oscar escorregar um olhar ferino e Sean sabia que ele sabia que ele estava ali porque queria estar ali, que vinha investigando a Terra Oca, trilhas místicas, Liechtenstein e uma Poliu muito antiga. E Oscar nunca havia ficado tão nervoso com ele como naquele momento, porque Sean permitiu que Oscar soubesse de muito mais.
— Sean?! — gritou Oscar descontrolado. — Você enlouqueceu?!
Briga entre pai e filho encantava Mr. Trevellis, mesmo estatelado no chão. Mas alertava mais ainda Ambrósia e suas perguntas que não queriam calar.
Ela adentrou a conversa, briga, discussão, ou que o que ocorresse ali.
— Che cosa? Qual è stato Sean? Cosa sta escondendo?
— Por que acha que estou escondendo algo Srta. Agente?
— Não me chame assim! — alterou-se.
— Por que não? Isso nunca lhe incomodou não é mesmo? Ah! Claro! Enquanto tivesse sexo e gentilezas tudo estava sob controle não Srta. Agente Ambrósia?
— Chega Sean... — a voz de Oscar era fraca.
— Chega por que Oscar? A Poliu me queria naquela trilha. Sempre me quis ali e aqui, porque só eu posso me comunicar com os cristais, porque fui programado para conversar com eles, os alienígenas que fazem mágicas... — gargalhava.
— Não!!! — Oscar se descontrolou. — Nunca!!!
Sean sentiu-se mal. Sabia que era aquilo, sabia o tempo todo que se preparara para aquilo e deixou aquilo acontecer. Até perder a amizade de Mona Foad, até perder o respeito de seu pai, dos dois, até perder o amor próprio.
Virou-se e deu o último nó no equipamento que se abriu. Sean arregalou os olhos azuis e voltou a dar outro nó e ele desmanchar pela fraqueza empregada, porque estava fraco, percebendo que suas mãos já não conseguiam nada.
Inclinou o pescoço e sabia que estava perdendo o jogo.
— Sta cristalizando, non Signor Queise? — a voz de Ambrósia atravessou a todos.
— Sean querido? Por quê?
Sean não se virou, não respondeu a Ambrósia nem a Oscar, e Mr. Trevellis deu um passo em direção a ele.
— Seu filho se deixou cristalizar? — e um ‘Oh!’ correu ali. — Para penetrar na mente deles? — e Mr. Trevellis não acreditava naquilo. — Você abriu a polynya ontem filho de Oscar?
— Trevellis...
— Cale-se Oscar! — Mr. Trevellis estava uma fera. — Arriscou nossa segurança chamando aquelas EBEs ontem filho de Oscar?
Sean outra vez nada respondeu, voltou a agarrar com força as duas extremidades da corda e sua mão fraquejou.
— Eu me arrisquei... — soou da sua boca.
— Oscar?! — e foi com Oscar quem Mr. Trevellis gritou mais furioso ainda.
— Avanti Signor Queise! Conte a Mr. Trevellis e tuo padre tutto.
Oscar e Mr. Trevellis se olharam.
— Não sei o que...
— Cale-se Signor Queise! — Ambrósia também estava descontrolada. — Conte con chi altri EBE che nos atacaram in trilha chegaram? Perché una EBE chegou sabemos con quem, e a outra con aquela destrambelhada non?
— Não faça isso Ambrósia! — e Sean temeu mesmo que ela deixasse escapar que sabiam que Edegar levara a EBE que perdeu um olho com ele, e que provável ela estava ali com eles, onde nasce o gelo.
Sean só teve tempo de brilhar os olhos.
— Parlatto!
— Sabe que não posso... Porque não foi com Heidi que ela chegou.
— Parlatto!!! — berrou mais descontrolada ainda.
— Com Gyrimias!
— Come è? — e o susto maior foi o dela em meio a um ‘Oh!’ aqui e ali.
— Você levou uma EBE à trilha Sean querido? Como?
— Ela estava com Alcântara, no quarto do hotel, nos observando. Eu senti a sensação de inchaço, não sabia o que era exatamente, mas senti que havia algo errado ali. Só não consegui entender o que acontecia a tempo, porque Alcântara levou um tiro e eu fugi. Não tive alternativa, precisava me arriscar que ela me seguisse até a Computer Co. quando houve o ataque.
— Quem lhe atacou Sean? — Oscar estava visivelmente abalado.
— Homens de terno preto, agentes de uma Poliu antiga, que foram lá para me matar, para que eu não chegasse até Michel e descobrisse algo — olhou em e outro. — Mas eu não sei o que é esse algo. Juro! Ainda não sei! Mas esse algo que Michel tanto quer, está enterrado no passado de um castelo usado como campo de concentração nazista, em Liechtenstein, que Trevellis sabe que existe, porque superiores antes dele compraram esse castelo depois da guerra.
— Meu Deus Sean... — Oscar abalou-se de vez.
— E não devem ter encontrado nada já que precisaram de Alcântara Jr., agentes psíquicos e eu naquela trilha, buscando informações.
— “Wow!” — debochou Mr. Trevellis em seu total controle.
Aquilo alertou Sean como nunca.
— Eu fugi da Computer Co. após o ataque, e a EBE me acompanhou até o dia seguinte, quando a capturei e a prendi em Gyrimias.
— Meu Deus Sean, você arriscou Gyrimias?
— Eu não tive escolha. Já disse! Não sabia o que fazer com ela.
— Como conseguiu tal façanha filho de Oscar?
— Trevellis!!! — Oscar exaltou-se.
— Pode deixar Oscar. Isso não me incomoda nenhum um pouco.
Mr. Trevellis realmente não entendeu aquilo.
— Como filho de Oscar?
— Na hora não sabia o que era, não havia visto a EBE até que outra EBE me atacou, e eu vi os ojos rojos, as câmeras que gravavam tudo, porque a EBE é feita de cristal azulado; um computador em forma de EBE.
— E tu controllare computadores non Signor Queise?
— Gyrimias não percebeu que eu controlava a EBE, e eu usei o corpo dele para mantê-la ali. Percebi que ele não cristalizaria porque não acreditava naquilo, mas quando se pôs a falar e ouvir toda aquela conversa, confesso que me apavorei. Eu juro que não sabia que ia perder o controle daquilo quando Pierre me propôs.
— Quando... Quando che?
— Na saída do hotel, no Mato Grosso. Ele disse que sabia que eu tinha dons paranormais, que sentiu o que eu poderia fazer, e havia combinado com Rogério para começar uma discussão, mas Deborah desandou a falar sobre Agartha, e eles aproveitaram.
— E che l'olografia ha parlato?
— Não sei o quê, nem como tais holografias falavam, Ambrósia, talvez a mando de Heidi que queria confusão.
— La confusione che ela non creare perché Schiller era un uomo buono e non conseguia creare confusione in trilha.
— Isso! Ou quase isso! Mas Pierre e Rogério acreditavam que haveria alienígenas do tipo EBE na Serra do Roncador, e que elas iam se aproximar de nós para nos estudar, e que eu tinha dons para controlá-las se quisesse. Eu só não disse que eu tinha uma sob controle... — Sean olhou Oscar furioso. —, ou quase isso.
— Come se arriscou? Tu te atreveu a mettere tutti in pericolo?
— Não! Já disse que não! Mesmo porque quem atacou Pii foi a EBE de... — e Sean parou de falar no que Edegar se aproximou da discussão.
— Mas foi tua EBE che attaccato Kabir e Pierre!
— Minha EBE? — Sean riu.
— Si! Si! A mesma EBE che non attaccato tu e mi, in Amazzonia perché è controllato por ti!
— Eu já disse que não as controlo.
— Non? Non? E tu abriu a fessura? — apontou para o gelo. — E elas vieram qui para te cheirar? Perché?
Sean voltou a escorregar um olhar para todos.
— Porque eu as chamei.
— Oscar!!! — gritou Mr. Trevellis.
— Bastardo miserabile!!! — gritou Ambrósia o atacando com tapas.
— Hei? — Sean recuou, mas ela voltou a atacá-lo. — Basta Ambrósia!!! — Sean a segurou e ela se debatia tentando atingindo-o. — Quando voltamos do Dedo de Deus, eu estava descrente que meus poderes pudessem realmente controlá-las, depois que aquela EBE nos atacou. Eu sabia que a ordem que ela tinha era eliminar os místicos; Pii, Kabir, Rogério, e Pierre, e que ela só se defendeu porque fomos atrás de Pii. Desculpe-me! Não sabia até onde a força dos crocodilos humanoides sobre ela funcionaria. Não imaginei que ia sair do controle.
— Miserabile!!! Miserabile!!! Miserabile!!!
— Chega Ambrósia!!! — agora foi Mr. Trevellis quem gritou. — Achavam o que vocês dois? Que estavam numa espécie de clínica de testes? Acha que toda aquela trilha foi programada para que? Você se testar filho de Oscar?
— Não me...
— Cale-se!!! Ou estava achando que tudo isso era ‘hotel de sacanagem’? — Mr. Trevellis nem esperou ver Sean se virar. — Eu já estou cansado de você, de suas gracinhas, de seu cinismo, de sua inteligência de quiz, filho de Oscar!!! — berrava descontrolado fazendo agentes da Poliu se moverem e da Polícia Mundial se mover, também.
Ambrósia se alertou como nunca.
— Desculpe-me Trevellis, pela minha inteligência de quiz. Vou melhorar, prometo que vou! E você, seu governo oculto e suas trilhas não vão sair impune disso tudo, porque quando eu voltar das minhas férias sacanas, eu vou diagnosticar cada arquivo da Poliu que ainda não tenha sido diagnosticado pelo SiD.
— Você sempre se acha o tal, não filho de Oscar?! — gritava Mr. Trevellis com cada vez muito mais raiva dele.
— Você é um idiota, Trevellis... — Sean adorou aquilo, se achou mesmo o filho de Oscar Roldman.
Mesmo que aquilo o perturbasse para sempre.
— Não filho de Oscar, você é um idiota! Um idiota que não sabe mesmo onde se meteu! — insistia Mr. Trevellis. — Porque a Poliu não sou ‘eu’. Não ‘é’ só ‘eu’. Não sabe nada sobre como esse dinheiro foi parar nas mãos deles. Drogas, vendas de armas, falcatruas. Bilhões e bilhões de dólares que financiaram a construção de bases alienígenas subterrâneas. Porque em troca dos favores, os alienígenas nos deram armas de partículas, tecnologia laser, stealth, e duplicação genética de seres humanos; talvez híbridos — e Trevellis viu Sean paralisar todo corpo. — Bases subterrâneas nossas também, filho de Oscar, bases para nos proteger deles, porque os alienígenas estão construindo uma verdadeira civilização subterrânea anos a fio, e não digo alienígenas genericamente, falo de alienígenas crocodilos humanoides, azulados, querendo dominar tudo, e a Poliu tentando evitar que isso aconteça com ou sem... — e Mr. Trevellis calou-se no que cadeiras, mesas, trenós, agentes da Poliu, cobertores e líquidos foram erguidos no ar e lá ficaram suspensos, em cima dele.
— Sean?! — gritou Oscar se virando para ele. — Não faça isso de novo!
Mas Sean fez de novo; cadeiras, mesas, trenós, agentes da Poliu, cobertores e líquidos foram lançados sobre Mr. Trevellis, que caiu ensanguentado, desmaiado, na imaculada neve branca.
Sean depois acionou o trenó e partiu sabendo que Oscar, Edegar, Ambrósia e agentes da Polícia Mundial vinham atrás dele.
Base Campo Ártico; Polo Norte.
28 de março; 17h22min.
Os cães mostravam sinais de esgotamento, os homens também. O gelo não estava particularmente bom para esquiar. Uma grande polynya cheia de água havia se aberto na frente, ficaram na duvida se deviam atravessá-la, mas contorná-la lhe roubariam um dia, um dia e meio.
Desmontaram ali os equipamentos e armaram acampamento, ia anoitecer e a pouca claridade traria mais frio e menos segurança. Mas Sean brigou, não queria parar. Queria atravessar de barco até o outro lado da polynya e continuar.
Oscar disse que tanto fazia acampar ali ou lá, teriam que parar pela hora avançada, mas Sean estava irredutível e vestiu a roupa de mergulho.
— Isso é loucura! — exclamou Oscar quando todos se afastaram.
— Não posso recuar.
— Falo da roupa de mergulho. Ou acha que não entendi?
— Por favor, Oscar! Não atrapalhe! — o encarou. — É só o que peço!
— Então vou junto!
— Não! Apenas eu e Edegar.
— Estou batendo o último martelo, Sean. Você, eu, Edegar, dois carregadores e dois agentes da Polícia Mundial, além de Ambrósia.
— Não a quero lá, Oscar.
— Não tem que querer! Ela vai e ponto final!
Sean bufou, bufou e bufou e Oscar foi se reunir com seu pessoal.
Alguns decidiram ficar por causa dos cachorros e os trenós que não podiam ser deslocados e dos três botes apenas um seria usado, o mais espaçoso e o único de metal que levaria suprimentos e um esqui.
Oscar saiu balançando o pescoço e Ambrósia percebeu a peculiaridade de ambos.
— É ela non?— Ambrósia aproveitou estarem a sós para discutir. — É Sandy Monroe, non? — viu Sean continuar a remontar a mochila, não dando trela às insinuações dela. — Sempre foi quella maledetta!
— Não fale assim!
— Si pensa molto intelligente, mas non è.
— Não, não sou nem um pouco inteligente, Ambrósia. Principalmente quando tem mulher envolvida, não é?
— Io sabia! — Ambrósia falou tão alto que todos olharam para os dois; Sean não gostou. — Tu non veio por Gyrimias, non veio por Kelly e non veio per Computer Co.. Veio a Agartha a causa di quella maledetta Sandy perché só quer fazê-la reviver e... Ahhh!!! — e Ambrósia foi ao chão sangrando.
Todos ouviram o giro, o grito, o baque e a mão de Sean que cristalizava no ar. Oscar correu e segurou à mão de Sean que se preparava para arrancá-la do chão a força, vendo a mão dele cristalizar, para então voltar ao normal depois de bater nela.
Os dois trocaram olhares vistos do chão por Ambrósia.
— Chega! Vocês dois! — a força de Oscar Roldman repercutiu pelo acampamento todo.
Sean balançou a cabeça totalmente atordoado e chorou. Ambrósia sentiu dor por vê-lo chorar; tinha vontade de machucá-lo, feri-lo, magoá-lo, mas tinha que admitir, o estava amando.
Lágrimas também avançaram no rosto da agente da Poliu, no rosto que nunca chorara.
E foi a vez de Oscar se sentir mal por ter colocado Sean naquela situação.
O bote ficou pronto e eles se prepararam para partir à remo. O motor poderia ser destruído por algum gelo solto na abertura da polynya. Sean sentou-se bem longe dela, preferindo que Edegar ficasse ao seu lado, estranhamente calado desde muito tempo.
Mas a voz de Edegar se fez no silêncio:
— Sabe o que não entendi Sean? Por que Pierre foi àquela trilha?
— Pierre era um espeleólogo, um estudioso de cavernas. Provável que a alienígena Heidi precisava do conhecimento dele para alguma coisa muito importante — e Sean esperou o silêncio voltar.
E o silêncio voltou.
E o silêncio se foi.
— Então Ralph e a filha eram holografias?
— Sim, Edegar. Controladas pela alienígena Heidi.
— Entendi.
— Mas eu não. Há algo que realmente não entendi Edegar.
— Achei que nunca ficasse sem respostas Sean.
— Mas fiquei, porque quando eu cheguei ao hotel de Mato Grosso com Gyrimias e todos nos dirigimos aos ônibus, ali, naquele momento eu li cada pensamento, cada forma-pensamento que reverberava — Sean ouviu em meio à névoa a risada metálica de Edegar assustando a todos. — As ideias de Pii e sua chegada a Shambhala após uma longa viagem pelo espaço, Kabir e sua roupa espacial brilhante que ele escondia na holografia de humano — Sean sabia que Ambrósia não gostou de ouvir aquilo. —, os motoristas e suas vidas íntimas — e Ambrósia também não gostou de ouvir aquilo. — Miss Ãnkanna e sua procura pelos pais, Michel e a presença de uma Tyron codificada atrás de relíquias; e também Ralph e uma filha que eu não enxergava — riu ele próprio. —, porque em nenhum momento conseguia enxergar Ralph e Deborah nitidamente, porque nenhum dos dois tinha áurea, o que sabemos era impossível, porque até alienígenas têm algo de vivo dentro deles; e Pii também já tinha percebido aquilo. E os dois Kinchër fugiam de Pii quando ele se aproximava — Sean viu o entorno se tomar de uma névoa densa. — E eu sabia que Ambrósia era da Poliu, que Miss Ãnkanna era da Poliu, que Schiller era da Poliu, que Michel era da Poliu e Rogério era da Poliu, e a Poliu ali me enervava.
— Meu filho... — Oscar não acreditou naquilo, no que Sean se tornava.
A névoa se foi.
— E por isso eu ficava tão preocupado, porque sabia que Pierre sabia de tudo aquilo, que tudo o que eu vi, foi com o auxílio dele, porque sabia que ao entrarmos na Serra do Roncador meus poderes seriam bloqueados.
— Mas há algo que escapou?
— Sim, Edegar. Escapou de Pierre algo sobre você. Contudo não escapou de SiD que eu acessei quando fiz Spartacus nos salvar no meio do nada.
— É... Tinha o SiD não Sean?
— É! Tinha o SiD Edegar, que é mais que um SiD pode ser quando comandado pela minha mente — foi sua vez de Sean se divertir.
— Porca miseria! Come pode saber tutto isso?
— Podendo Senhorita — e a névoa voltou deixando tudo pouco delineável. — Mas Pierre não pôde, não sabia que o policial Edegar Cascco era um policial da brigada secreta do Chile, que havia morrido há cinco anos quando ativistas explodiram seu corpo em uma emboscada — Sean e todos ouviram Edegar cair em nova risada metálica. — Por isso você não podia estar trabalhando pela causa do alienígena Dr. Lucio Ataliba, não é?
Um som de algo batendo no casco do bote feito teclas de piano alertou a todos.
— Sean... — Ambrósia sentiu seu coração ir à boca e Oscar mandou-a calar-se enquanto tentavam ambos, delinear Sean e Edegar na proa sem conseguir.
Outro silêncio seguido por novos pequenos tilintares de cristal tocando ao metal do barco.
— Você então pegou o corpo emprestado de Edegar, não foi? — Sean prosseguia e Ambrósia percebeu que algo dera um peso inusitado ao bote. Ela entendeu que o corpo de Edegar já não estava mais lá. — Ambrósia? — Sean perguntou quando a delineou. — Sabia que foi Edegar quem atacou Pii? —, mas Ambrósia permaneceu calada, sentindo um lufar de ar quente no seu ouvido. — Sabia que Edegar havia atacado Rogério enquanto Heidi atacava Álvaro na grande cabana quando ele correu até o rádio? — e Sean viu um dos ‘ojos rojos’ se delineando na névoa já que o outro foi destruído pelo tiro de Ambrósia. — Por isso Rogério foi sugado e cristalizado, porque uma EBE o atacou. E por isso Álvaro foi retalhado, porque foi um crocodilo humanoide quem o atacou — e Sean sabia que aquele silêncio significava muitas coisas. — E foi por isso que quando o Dr. Lucio foi medicar Álvaro no chão da cozinha, ele sentiu o cheiro da EBE em Edegar, que já não era o policial, seu conhecido de antes, porque não era Edegar com uma EBE dentro dele e sim uma EBE na holografia de Edegar; e isso o condenou.
E outro silêncio se fez ali. Oscar e Ambrósia viram Sean e algo que parecia um enorme morcego de cristal azulado ao lado dele.
— Porca... — e Oscar tampou a boca de Ambrósia.
— E sabia Ambrósia, que quando o cozinheiro Paulo começou a falar de chupa-chupa e chupa-cabras ele também sentiu algo em Edegar? Provável, ambos se calaram de medo — Sean viu a EBE sem um olho respirando ofegante bem perto dele, e Ambrósia e Oscar e os agentes mal se moviam. — Por isso que quando voltamos do ‘Dedo de Deus’, a EBE/Edegar precisou atacar Pierre e Kabir, porque os ouviu conversando sobre ele ter ido dormir antes do ataque a Pii; Edegar precisava sair da roda de conversas e se embrenhar na floresta para matar Pii. E tudo isso porque a EBE/Edegar é uma EBE domesticada pelos crocodilos humanoides, como Heidi.
E o peso do bote cedeu quando a EBE voltou a ter a holografia do corpo de Edegar. A névoa se dissipou e Sean viu Oscar e os agentes em estado catatônico, e percebeu que Edegar encarava-o enquanto segurava o braço de Ambrósia que sabia que seria levada às águas frias a qualquer momento.
— Sean... — foi só o que ela conseguiu falar.
Sean ainda tentava manter Edegar ocupado enquanto seu pé se enrolava num dos respiradores.
— Sabia que Juan era uma EBE também, Ambrósia? Que foi Juan quem viajou conosco em cima da capota da Lancha do Aruá Hotel e que depois nos recolheu? — Sean ouviu Edegar voltar a rir aquela risada metálica. Oscar e os dois carregadores ainda paralisados pela letargia comum ao ataque alienígena, observava. O policial chileno então se levantou e puxou Ambrósia a erguendo. — Sente-se Edegar! — Sean ordenou, mas Edegar insistia em ficar em pé com Ambrósia desequilibrando o bote. — Sente-se Edegar! — Sean rapidamente inclinou-se e encaixou o braço direito no respirador e no cilindro de oxigênio.
A EBE largou Ambrósia e se lançou sobre seu corpo fazendo os dois caírem na água com o equipamento de respiração.
— Sean?! — Ambrósia se jogou atrás dele instintivamente.
Os dois carregadores, Oscar e os agentes mal tiveram tempo de uma reação e Sean, Ambrósia e Edegar, ou o que quer fosse ele, estavam afundando nas águas congelantes da Sibéria.
FINAL
Polo Norte.
— Teoria das cordas, Universos paralelos, multiversos com realidades alternativas. Para compreendê-los Ambrósia, é necessário estarmos cientes de que todos nós somos um só espírito e de que tempo e espaço na verdade não existem como dizia Santo Agostinho.
— Questo è insano... — falava Ambrósia após encontrar o corpo de Sean desmaiado pelo baque na água.
Ela conseguiu resgatá-lo assim como os dois equipamentos de respiração. Sean acordou e ambos nadaram até encontrar uma caverna de águas rasas.
Já a EBE/Edegar sumira como por encanto.
— Parece insano tudo a sua volta, Signorita? — Sean sentia dor por todo seu corpo.
— È insano... — Ambrósia olhou tudo outra vez, mal acreditando que caíra nas águas congelantes da Sibéria e estava morna como as águas de Lacco Ameno, na sua querida Ischia.
— Por que salvou minha vida, Ambrósia?
— Perché ti amo! — Ambrósia viu Sean sentir o impacto da exclamação. Ela voltou a tirar e colocar a cabeça alternadamente dentro e fora da água. — Perché a luz è diferente? E colori... E texture... — entrava e saía da água com a cabeça diversas vezes. Na quinta vez Sean a segurou. — Che?
— Que está fazendo? Parece pazza.
— Porca miseria! — Ambrósia se esquivou. — Si tratta da paisagem...
— Isso é tudo holografia, como o policial Edegar — ele só viu Ambrósia erguer a sobrancelha.
— Porca...
— E não me pergunte como eles conseguem a materialização das plasmagens. Estão anos luz adiantados em relação aos cientistas da Computer Co..
E outra vez, Ambrósia colocava a cabeça e tirava de dentro da água repetidamente.
— Che? — ela perguntou mais desentendida ainda.
Sean girou os olhos, já não tendo mais paciência com ela e a estranha maneira dela ser. Ambos alcançaram a parte mais rasa da caverna e ele retirou o tanque de oxigênio.
— Veja! — apontou para cima onde grandes tubos feitos de pedras desenhavam o teto da caverna. — São entradas! Como a do Il Fungo. Eu entrei num desses tubos de água e caí numa caverna como essa.
— Ma ha detto che tutto è stato ‘holografia’.
— Sim, como essa terra onde pisa.
— Dio mio! È insano!
— Insano, sim. Mas real. Pelo menos até desmancharem.
— “Desmancharem”? — arregalou os olhos mordendo o lábio no lado esquerdo como de costume. — Deveria estar spaventata?
— Sim. Deveria estar apavorada. E muito...
— Che cosa succede se desmancharem? Cairemos num buraco cheio di acqua congelante?
— Sim. Parece que entendeu o espírito de Agartha.
— Ma questo non è Agartha è?
— Não, Ambrósia, não é. Aqui ainda não é Agartha. Isso é um mundo paralelo, um mundo alienígena criado por uma ciência da qual ‘ainda’ — Sean como que frisou. —, não temos conhecimento — Sean escondeu o tanque debaixo de uma depressão da pedra sabendo que se a pedra não existia e se a holografia desmanchasse o tanque afundaria sabe se lá quantos metros no gelo, onde o gelo nasce. — Vamos entrar numa dessas cavernas, a mais iluminada.
Os dois caminharam horas seguidas, um cansaço começou a tomar conta deles.
— E agora?
— Agora? Agora eu queria falar, porque queria ter podido falar mais na trilha sobre Helena Petrovna Blavatsky o quanto a acho uma mulher intrigante e fascinante, mas já havia tanta discussão — ele viu a careta dela.
— “Fascinante”?
— É sério. Acredito que muito sobre ela tenha sido realmente deturpado numa época de tantas desconfianças quanto ao espiritismo. E a Teosofia a qual ajudou criar, nunca negou os espíritos. Porque Blavatsky ia mais longe. Ela dizia que em espiritualismo a palavra ‘materialização’ significava o aparecimento objetivo do espírito, denominado morto, que o revestia ocasionalmente. Que eles se formavam dos materiais achados na atmosfera, e as emanações desses se apresentavam como um corpo temporário fiel à semelhança humana do defunto, como se parecesse ele quando vivo.
— Sim. Teosóficos aceitam o fenômeno di materialização.
— Mas dizia também que nas ‘sessões de materialização’ eram apresentados pelos médiuns, algumas aparições peculiares que pertenciam a outro nível de fenômenos psíquicos.
— Che aparições peculiares?
— Alienígenas que pertenciam a ‘outro nível de fenômenos psíquicos’.
— Então os nazistas di Sociedade VRIL sabiam che médiuns podiam contatar alienígenas?
— Sim. A Sociedade de THULE, a Sociedade VRIL e uma sociedade mais secreta ainda chamada Sociedade LINK. E os nazis as usaram, Ambrósia; usaram mulheres médiuns.
— Dio mio!
— Preciso voltar Ambrósia. Preciso saber o que a Poliu conseguiu com essas mulheres na década de 40, com esses dons paranormais para entender o que fiz comigo, o que permiti que Trevellis fizesse comigo sem saber que ele fazia comigo.
— Ritorno? Ritorno a década de 40? — e Sean não respondeu. — Sean... Perché se arrisca mio amore? — e Ambrósia ouviu Vincenzo Bertti a chamar. — Si adiamo... Vincenzo sta chamando para mangiare.
— Comer? — Sean olhou um lado e outro e Ambrósia o olhava.
— Cosa? Non siamo in grado di materializzare questo?
— Materializar uma pizza? Você é que é insana — riu não entendendo se aquilo fora uma brincadeira ou ela disfarçara algo de repente.
— Tu parou di cristalizara? — e Ambrósia sabia que Sean estancara perante a pergunta. — Si è vibrante por ela, por Sandy, non?
— Vamos brigar outra vez?
— Non stou brigando, mas tu vibrou per quella maledetta in Epomeo, in Turquia, nella grotta, ora un pouco atrás. Isso te deixa vulnerabile aos alienígenas, non? — e olhou-o com interesse. — Che? Ainda me achando insana? E perché pensa che parou di cristalizar, Sean?
— Não sei...
E a terra estremeceu. Ambrósia se segurou em Sean para não cair. Sons indecifráveis ecoaram pela caverna quando a terra deslocou-se só cessando quando a mesma terra parou de tremer e Sean a olhou de uma maneira que ela não gostou.
— Tu sentito, non?
— Senti o que? Quer me contar algo Ambrósia?
— E contar perché se pode ler minha mente? — e Ambrósia largou os ombros. — È! Devo contar! Io mentito!
— Mentiu? Em qual das vezes?
— Non brinque! È stato difficile ir contra a Poliu.
— E por que você iria contra a Poliu?
— Parlatto! Ti amo!
— Basta Ambrósia! No que mentiu?
— Contenitoris!
Sean ergueu as costas, sentiu o ar falar nos pulmões.
— Que contêineres?
— Mr. Trevellis os embarcou di Khatanga qui. Se il tempo scorre diferente, então o navio deve avere chegado in Is. Srednii.
— Que navio Ambrósia? Pelo amor de Deus não me diga que Trevellis... Não... não... não...
— O Antonov deve essere descarregando in quel momento in Ice Camp a bomba che Poliu montou per questa missione.
— “Missão”?
— “Foi un simples projétil carregado con tutto o poder do Universo. Una coluna incandescente di fumaça e fogo, tão brilhante come dez mil sóis...”.
— Trecho do livro sagrado indiano Mahabharata. Deus... É a Brahmastra?
— Non! Há uma arma mais poderosa.
— Mais poderosa ainda?
— O alvo quando atingido pela Brahmastra, questa sera totalmente destruído, mas o Deus Brahma havia criado una arma ainda mais poderosa di che a Brahmastra, chamado di Brahmashira. O Brahmashira nunca foi usado questa guerra, e como ele tinha o poder di quatro vezes mais di che a Brahmastra ao quadrado, ‘o quarto poder’ como o nome sugere, una vez che Brahma tem quatro cabeças.
— ‘Quarto poder’! ‘Quarto Reich’! Era por isso que Himmler e a Gestapo estavam procurando algo na Índia, estavam atrás de hindu-arianos. Deus... O que eles queriam afinal? Como essa arma seria acionada?
— Parlatto che apenas alguns usuários possuíam o conhecimento para chamar a Brahmashira, e di acordo com antigos escritos em sânscrito, as armas são invocadas por una frase-chave dada ao usuário quando recebeu questa arma. E através dessa invocação, o usuário pode chamar a arma e usá-la através di um meio contra o seu adversário e sua completa aniquilação.
— Qual é a palavra-chave?
— Non sei, mas havia una frase num e-mail di mio fratello Vincenzo che o deixou muito nervoso por dias.
— Que frase?
— “Sempre ocultaremos a verdade divina deles, de que somos todos um!”.
— Sabe o que isso significa?
— Non!
— Mas não é só isso, não?
— Vero! Non solo isso — ela viu Sean a encarar. — A Poliu teme algo muito maior in Tierra Oca, Sean. Algo che os crocodilos humanoides che chegaram a Tierra deram ou ensinaram aos nazistas através di sociedades secretas, como a THULE, a VRIL e a LINK che falou. E ainda vai ouvir muito sobre ela perché Mr. Trevellis sabe che eles estão atrás di tu.
Sean só arregalou os olhos.
— As sociedades secretas estão atrás de mim? Por quê?
— Non sei.
— Mas Trevellis sabe, não? E ele me guiou o tempo todo, não?
— Mr. Trevellis sabia che Michel estava envolvido com essa Sociedade LINK, che eles o queriam para muito mais che acionar io tablet com tua mente.
— Mais o quê Ambrósia? São as sociedades secretas ou os alienígenas que querem algo comigo?
— Non sapetto. Juro! Uno, talvez duo. Mas agora o che importa é che a Poliu sta qui, e sono mais di 10.000 agenti in tutto il mondo envolvidos nella distruzione di tutto entradas di Agartha enquanto há tempo.
Sean sentiu-se tonto a ponto de sentar-se no chão.
— Trevellis não entende Ambrósia? Quando a Poliu atacar os crocodilos humanoides e eles sem ter como sair por causa do Sol, vão ter que fugir cada vez mais para o centro da Terra. Vão atacar Agartha e dominar sua capital Shambhala para esconderem-se das ações da Poliu, e vão voltar mais bravos ainda, porque não vieram ao Planeta Terra para brincadeira. E que talvez os dizeres de Karl Marx para Hegel tenham sentido agora, porque a primeira vez foi uma tragédia a segunda é pura farsa — e outro abalo, agora mais forte fez seus corpos balançarem até cair.
A terra cedeu tanto que uma abertura se moldou em forma de escada e a voz de Vincenzo Bertti se fez outra vez.
“Vincenzo?”, ela o chamou por pensamento. Aproximou-se de uma escada esculpida e ameaçou descer.
— Hei? Ambrósia? Aonde vai? — Sean a agarrou.
— Ãh? Che? — Ambrósia acordou do encanto.
— Você ia descer isso Ambrósia — apontou para a escada de terra que acabara de se moldar.
— Ah! Io senti mi Vincenzo. In frazioni di secondo senti sua voz — ela o olhou, transtornada.
— Do que está falando? Voz de Vincenzo? Não ouvi nada.
— Ãh? Come strano... Io...
— Você está bem? Ambrósia? — Sean chacoalhou-a para acordá-la. — Vamos continuar na caverna à direita. Vamos prosseguir por essa que está mais iluminada — Sean começou a prestar mais atenção a Ambrósia, ela estava avoada, pensativa.
Durante as horas que se seguiram ela nada falou. Quando sons de metal começaram a reverberar, Sean entendeu que as naves estavam próximas e as EBEs também.
Era outra imagem surrealista, a que se moldou para eles, um grande acampamento em meio a um lago de cristal líquido azulado, cheio de EBEs, confabulando numa línguagem ininteligível; se reunindo, entrando e saindo de naves com suásticas na fuselagem e não maiores que cinco metros de diâmetro.
Sean ficou imaginando aquelas EBEs monstruosas entaladas num UFO Nazi daquele tamanho.
“Ou não eram as EBEs que as pilotava?”, ficou pensando no alienígena azulado que ele e Vincenzo Bertti viram.
— Nazis... — foi o que Sean se respondeu.
Ele fez sinal para que Ambrósia o seguisse. Ela o fez mecanicamente, sentindo sua imaginação muito distante, até para entender o que via. Sean entrou numa caverna estreita, comprida, quente e abafada que desembocou noutro lado do acampamento alienígena onde centenas, se não milhares de casulos de cristal azulado continham espécimes vegetais, minerais e humanas.
Ambos viram animais, alguns extintos; um mamute ocupava uma grande extensão de espaço. Também viram homens antigos; gregos, egípcios, até homens da era das cavernas em estado de emersão num líquido enegrecido, oleoso.
— Sean...
— Estátuas vivas... — Sean enfim entendeu.
— Stranho! Perché questo cristal líquido azulado è oleoso?
— Heidi perguntou na Serra do Roncador por que as EBEs não eram escamosas.
— I?
— ‘E’ que Heidi era uma alienígena. Por que ela faria aquela pergunta?
“Ambrósia...” “Ambrósia...” “Ambrósia...”, soava pelo corpo roliço da agente da Poliu imprensado na roupa justa de neoprene não entendendo o que Sean falava.
Estava estática, extasiada, ouvindo ainda a voz de Vincenzo Bertti a chamá-la.
Sean localizou Gyrimias dentro de um casulo de cristal líquido azulado com a suástica impressa no vidro.
— Nazis... — soou outra vez da sua boca. Sean e Ambrósia se olharam, entenderam que eles estavam por ali. — Vamos! Ajude-me! — Sean voltou a olhar em volta, girando, pensando numa maneira de tirar ele de lá sem chamar atenção das EBEs; era a última coisa que queria fazer, se queria.
Gyrimias ainda tinha os olhos arregalados, talvez ainda do dia da captura e Ambrósia se aproximou do casulo dele.
— Come vai tirá-lo? — sussurrou ela.
— Não sei! Não sei! — Sean a rodeava nervoso. — Devia ter algo aqui... Não sei... Uma alavanca, um botão, um crânio... — arregalou os olhos. — É isso.
— Il crânio di cristal azulado?
— Não, a força do pensamento. Foi assim que acionei o crânio de cristal azulado. Eu vibrei até que minhas vibrações chegaram até Agartha, tal como fazia o Mahabharata e as armas — gesticulava nervoso entendendo um pouco do que Michel queria com ele. — ‘Vamos Sean!’ — falava consigo mesmo. — ‘Vibre!’ ‘Peça para que o casulo se desmanche!’.
— Porca miseria! Detto non podia minha pizza aparecer di nada.
— Não é hora para brincadeiras Ambrósia. Por favor, vibre.
— E se vibrar? Qualquer cosa? Sei lá... — apontou. — E se tirarmos un homem bárbaro ou o mamute di emersão?
Sean ficou estático.
— É... — rodeava nervoso. — É verdade! Mas cada um deve ter sua própria vibração — e Sean simplesmente olhou para o seu cientista de computação e o casulo de cristal azulado, onde Gyrimias estava imerso no que parecia piche, perdeu a estabilidade e se esparramou pelo chão, fazendo seu corpo estatelar.
Ambrósia arregalou os olhos para ele.
— O che Mona Foad fez com tu enfim?
Sean a olhou mais espantado ainda enquanto levantava Gyrimias do chão.
— Gyrimias... Gyrimias... Gyrimias... — Sean chacoalhava o rosto de Gyrimias até Ambrósia o empurrar e esbofetear Gyrimias. — Eficiente não? — Sean arregalou os olhos azuis para ela.
— Non tão eficente quanto tu, non? Come conseguiu Sean?
— Não vou falar sobre isso.
— Non! Non vai! Perché non se conheci ainda. Mas vai se conhecer Sean, da maneira pior.
“Ambrósia?”; soou a voz de Vincenzo por toda a extensão.
Ela olhou Sean em choque.
— Escutou non?
— Sim. Bertti está em Agartha, Ambrósia.
— Vincenzo... — Ambrósia ergueu-se e ficou girando e girando em torno dela mesma. Ela voltou a olhá-lo confusa e Sean segurou-a pelo braço. — Chame-o Ambrósia. Peça para ele nos ajudar a achar Kelly — ele a viu piscar várias vezes até o olhar profundamente. — Você pode Ambrósia. Por favor! Ajude-me a achá-la.
Sean sabia que ela alcançaria Vincenzo mais rápido que ele se quisesse.
— Va bene! Va bene! — Ambrósia fez uma careta após um estardalhaço som de voz enciumada. — Vou ajudar a vibrare por Kelly — ela entendeu o recado. — Solo perché a ama.
E um corpo caiu não muito distante dali. Sean ouviu o barulho do corpo da sócia tocando o chão, alguns metros deles. Correu e a abraçou em meio ao cristal azulado quebrado, em meio ao liquido oleoso feito piche, e que não molhou sua roupa de mergulho.
— Oh! Meu Deus, Kelly? — Sean beijou-a. — Querida! — Sean beijou-a novamente. — Você está bem?
Kelly Garcia abriu os olhos, acordou com a pele iluminada como se toda a fuga não a tivesse atingindo.
— Aonde? Onde estamos Sean? — Kelly olhou em volta. — Como ela foi parar lá? — apontou.
— Quem? — Sean levantou os olhos azuis e viu Ambrósia por detrás de uma parede de cristal azulado de grande espessura. Sean largou Kelly, correu e tocou desesperado na parede que parecia vidro. — O que está fazendo aí?! — berrava.
— Perdoname...
— Não!!! Está louca?! — gritava Sean batendo na parede que parecia vidro.
— Perdoname mio amore por todo el daño. Perdono per tutto il male che accusava il tuo cuore.
— Não! Não! Você não feriu meu coração, não feriu nada... — tocava a parede tentando achar uma passagem. — Não! Não! Não!
— Te prometo... Ti amarei...
— Pare!!! — gritava descontrolado. — Pare de falar assim!!!
— Non tenho alternativas, Sean, mio amore. Devo trovare Vincenzo.
— Não! Não! Não, você não pode fazer isso! Você está sozinha. Eu vou com você.
— Non, non vai. È necessario salvati Gyrimias e Kelly.
— Não!!! Não, sua louca! Insana! Vamos todos juntos!!! — batia e socava a parede de vidro. — Não! Não! Não! — procurava um botão, uma fresta, algo que pudesse fazê-lo entrar, tirá-la de lá.
— Andare, mio amore! Mr. Trevellis distruirá questo lugar.
Sean estancou.
— Não! Não! Você vai morrer! Eu vi! As EBEs vão atacar Agartha!
— Tu estudare o Mahabharata e solo tu pode fare, Sean. Direi aos intraterrenos e tutto si preparazione para ajudá-lo.
— Não!!! Não!!! Não sei usar o Mahabharata!!! Não sei!!! Não sei!!!
— Sapetto Sean!
— Eles não saberão se preparar. Você não sabe! Não pode! Você não entende nada.
— Incredulo questo pazzo mondo, mas Vincenzo è minha famiglia.
— Não, sua louca, pazza... Você não sabe se Vincenzo está lá! Volte já aqui!!! — gritou.
— Não, Sean; vamos! — Kelly o segurou pelo braço. — Ela tem razão, seja lá qual for!
Sean olhou para Gyrimias ainda atordoado, olhou para Kelly apavorada, olhou para tudo aquilo que seria destruído. Não podia arriscar a vida deles outra vez, não pelo sentimento que também nutria, agora sabia, por Ambrósia Bertti.
E ele tinha que aprender a colocar suas escolhas em segundo plano em prol da segurança dos que amavam.
— Sean? — Ambrósia ainda chamou-o mais uma vez. Ele virou para vê-la. — — Che cosa si fa per amore è sempre là del bene e del male! — e a parede que parecia vidro e Ambrósia desapareceram, mostrando agora o outro lado do acampamento.
E Sean olhou para Kelly, confuso.
— Perdão... — soou verdadeiro.
— Vamos Sean...
Ela ajudou Sean erguer Gyrimias que nada entendia, olhando cada vez mais confusa para animais e pessoas; algumas nem pessoas se pareciam, presas em tubos de líquido enegrecido, oleoso.
— Senhor?
— Agora não Gyrimias. Vamos!
Sean seguia por outro túnel iluminado. Estava triste, arrasado e Kelly sentiu aquilo.
Gyrimias ainda zonzo era guiado por eles, que corriam sem se quer olhar para trás, alcançando uma das cavernas que possuíam outras saídas.
Parque Nacional Mammoth Cave; Kentucky, USA.
37° 11’ 0” N e 86° 6’ 0” W.
28 de março; 17h22min.
Um homem vestindo roupa camuflada depositava no chão os últimos metros de fios. Estavam desde a manhã obedecendo a ordens de Mr. Trevellis.
— Sr. Queise? — um dos agentes da Poliu parou o ato no que o viu ali.
Todos os agentes da Poliu ali reconheceram Sean Queise. Ajudaram-no a retirá-lo, mais Kelly Garcia e Gyrimias Leferi, sem qualquer comentário de ambas as partes. Sean se viu saindo no meio da mais extensa e intrincada rede conhecida de cavernas, grutas e túneis naturais do mundo, o Mammoth Cave System, com cerca de 591 km explorados no Kentucky
Os três foram colocados num V-21 Osprey, em meio a muito equipamento eletrônico. De lá partiram ao perceber uma grande, porém silenciosa explosão que puxou a máquina para baixo, quase fazendo o V-21 desestabilizar e ameaçar cair.
O piloto de muita experiência normalizou a aeronave e nada aconteceu a eles, mesmo porque Sean tinha certeza que Agartha estava sendo atacada.
— Que dia é hoje? — foi só o que disse desde que chegou ali.
— 28 de março, Sr. Queise.
Sean nada mais falou. Olhou para baixo como numa última vez e ele, Kelly e Gyrimias entraram num estranho silêncio.
Fosse o que fosse aquele silêncio, os três tinham muito que pensar, e Sean investigar também. Porque se os nazistas ainda estiverem lá, numa terra oca, com crocodilos humanoides que queriam as armas do Mahabharata, então seria algo que ainda não terminara, algo do tipo ‘Sempre ocultaremos a verdade divina deles, de que somos todos um!’.
E Sean sabia que não terminara, porque Oscar Roldman, Mr. Trevellis e toda a corporação de inteligência Poliu estavam mais que envolvidos nessa volta dos nazistas da Terra Oca. E porque os nazistas queriam alguma coisa, um Quarto Reich comandado por uma estranha sociedade de nome LINK. E porque para o bem da Terra, do nosso Planeta Terra, ele precisava continuar.
Marcia Ribeiro Malucelli
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