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MISSÃO TERRA OCA - Parte II / M. R. Malucelli
MISSÃO TERRA OCA - Parte II / M. R. Malucelli

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Castelo Stoff.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
27 de abril de 1945; 18h00min.
O começo da noite parecia que não mudaria para o jovem biólogo jovem Maxuell Reingner, mas nuvens carregadas se precipitavam sobre o minúsculo e não catalogado Vilarejo de Wirgüs, distante da também úmida Cidade de Triesenberg, Liechtenstein, encravada entre os Alpes Suíços e a Áustria.
Maxuell odiava quando precipitações pluviométricas repentinas o pegavam justamente na sua hora de descanso, em sua pouca hora de descanso no campo de concentração do Castelo Stoff, uma grande construção de belos jardins de Cyclamen persicum rosas, violetas e roxas, mármores branco e colunas dóricas, datada do século dezesseis, e construída pelo Barão Von Stoffersen, patrono do Vilarejo de Wirgüs.
Formado na conceituada Friedrich-Wilhelms-Universität, de Berlim, Alemanha, Maxuell fora levado pelo conceituado Dr. Wolfgang Heissler, para trabalhar no ‘Instituto de Higiene’ da SS, dentro do Castelo Stoff. Sua função inicial seria controlar as epidemias, pois o tifo, a febre tifoide e a disenteria eram frequentes nos campo de batalha, e atacavam a todos, dos prisioneiros aos oficiais da SS. E nem o cheiro adocicado e podre o assustava, via possibilidades científicas jamais feitas, em laboratórios bem equipados, em meio a vários acadêmicos de reputação internacional.
Contudo o jovem Maxuell Reingner vinha ao longo dos últimos meses pensativo com sua carreira, não mais se preocupando com as formas do grande castelo ou qualquer coisa parecida. Os dias lhe passavam perturbadores, os meses se seguiam, e agora três anos se completavam, deixando o jovem e promissor cientista de vinte e quatro anos, muito doente. Mal podia ver a luz do dia enfurnado nos laboratórios subterrâneos do campo de concentração do castelo apossado pelo III Reich para as Waffen-SS.
E o jovem Maxuell Reingner as temia, temia as Waffen-SS que haviam em 1944, praticado uma das mais horríveis atrocidades ocorridas em solo europeu, a destruição da vila francesa de Oradour-sur-Glane, onde mais de 600 pessoas haviam sido brutalmente assassinadas. Os homens por fuzilamento, e as mulheres e crianças, amontoadas dentro da igreja da vila para ser incendiada em seguida.
O que poucos sabiam é que lá haviam além de humanos desprezados pelo sistema alemão, outros tantos vindos de estrelas distantes. Estrelas que já não apareciam no céu nublado que chovia.
Maxuell estava mesmo naquele momento sentado no banco, carregando seu maço de cigarros Lucky Strike branco, na chuva que riscava os céus, pensando na ligação do Cosmo e os espíritos evoluídos quando gritos horrendos ecoaram por toda a construção.
— Arghhh?!
Ele se ergueu pelo susto para voltar a sentar-se em total letargia. Cerrou os olhos para as belas colunas dóricas do Castelo Stoff, manchadas de sangue pela coisa azulada que urrava, que se arrastava pelo imaculado piso de carrara branco atrás de alimentação.
— Ela veio à tona... — falou Maxuell desanimado, passando a mão nos cabelos loiros encaracolados.
“Por que ele tem que soltá-la?”, se perguntava noite após noite.
Maxuell já devia estar acostumado, mas como se acostumar àquilo que lhe fugia a compreensão lógica, natural da vida humana, da vida humana terrestre. E os gritos infantis eram os mais difíceis de ouvir. Gritos de pequenos prisioneiros do campo de concentração, seguidos logo após, pelo silêncio completo.
Maxuell voltou a olhar o céu fechado imaginando se devia usar o trabalho de Camille Flammarion e seu ‘Teclado Cósmico’, se devia encontrar uma maneira, através da ‘escala de vibrações’ descritas por ele, para se comunicar com os mortos; com os mortos que via morrer dia após dia, que morriam ali perto dele, quando ela vinha à tona. E se devia interferir em corpos descartados e levados à Terra Oca.
Mas nada fez outra vez.
E nada fez porque no fundo desconfiava que o Dr. Wolfgang Heissler se utilizava do teclado de Flammarion para se comunicar com as pobres almas alienígenas, corpos atormentados, confusos com sua situação nessa Terra de expiações, levados para aquele buraco.
“A missão da Astronomia será mais elevada ainda. Depois de vos haver feito sentir e dado a conhecer que a Terra não é mais do que uma cidade na pátria celeste, e que o homem é cidadão do céu, ir mais longe. Descobrindo o plano sobre o qual o universo físico está construído, mostrar que o universo moral se acha alicerçado sobre esse mesmo plano; que os dois mundos não formam senão um mesmo mundo, e que o Espírito governa a matéria...”; ecoava a voz de Flammarion em suas lembranças outra vez.
Enfim, o jovem Maxuell Reingner apagou o cigarro ainda pela metade com o pé e entrou para seu alojamento desistindo de voltar aos laboratórios.
Castelo Stoff.
28 de abril de 1945; 07h11min.
O dia clareava quando Maxuell decidiu ir embora para sempre. Entrou de malas e tudo na cozinha confortável do Castelo Stoff para entregar sua dispensa, mas foi ludibriado mais uma vez pelo Dr. Wolfgang Heissler, que o lembrava da proximidade do prêmio maior, crente da descoberta maravilhosa que se abria à frente dele, à frente do III Reich, à frente da Sociedade Médica Mundial, e principalmente à frente do ocultista Führer, Adolf Hitler.
— Nein! Nein! Não entende Maxuell? Você tem que continuar! Continuar!
“Sim... continuar... preciso continuar...” Maxuell parou de pensar.
Castelo Stoff.
28 de abril de 1945; 16h32min.
Naquela tarde, contudo, algo mudaria para sempre por obra do destino. Uma decisão inesperada, vinda do próprio Führer, exterminaria qualquer vestígio das experiências ali realizadas tanto quanto o sonho do prêmio maior.
— Senhor?! Senhor?! — gritava Maxuell pelos corredores.
As oito poltronas de couro marchetado marrom foram desocupadas no levante repentino, que os oito personagens ali reunidos deram, no que o jovem Maxuell Reingner invadiu o gabinete que cheirava cigarro Lucky Strike branco; um luxo que poucas e altas patentes usufruíam.
O melhor da elite das Waffen-SS ali se reunia.
— O que significa isso? — foi o jovem oficial Klaus Brienn, quem se excedeu mais.
Loiro, também jovem, com acentuada careca apesar da pouca idade, Klaus não era um homem bonito. Contudo, desde tenra idade era temido por usa frieza e crueldade. E Klaus Brienn viu o jovem Maxuell Reingner tremendo, atordoado pelas ordens, pelos visitantes ali reunidos. Os outros seis oficiais de elite da Waffen-SS também não gostaram de tamanha invasão.
Maxuell sabia que Klaus Brienn era apenas um cabo mandado, mas estava sob suas ordens e jurisdição. Também sabia que Klaus era um cientista geneticista que havia se formado como ele com vinte e um anos, e que ele era importante peça naquela experiência macabra.
— O que houve Maxuell? — perguntou o Dr. Wolfgang Heissler enfim.
— É que... Pensei que havia... Que mandara... O Doutor mandou ligar a lareira? — Maxuell recuou perante o olhar inquisidor de Klaus para com o Dr. Wolfgang.
— Há algum problema com as lareiras do Castelo Stoff doutor? — Klaus se adiantou.
— Nein... Só uma lareira com defeito... — Maxuell deu uma parada significativa. —, no quarto acima... — apontou. — Mas já consertei.
Os sete oficiais da Waffen-SS sentaram-se. Dr. Wolfgang Heissler sabia que aquilo não condizia, Maxuell nunca havia se envolvido com conserto algum do castelo. Os sete oficiais de elite da Waffen-SS não vendo mais o que falar se levantaram novamente, num só movimento.
— Estamos em acerto, conjeturo? — foi só o que falou o renomado cientista geneticista, Klaus Brienn para o Dr. Wolfgang.
— Sim! Conjeturou corretamente.
— Lembre-se! Os russos estão muito perto, Dr. Wolfgang. Muito perto. Nosso lema é e sempre será, ‘Sempre ocultaremos a verdade divina deles, de que somos todos um!’.
— “Sempre ocultaremos a verdade divina deles, de que somos todos um!” — repetiu Wolfgang mecanicamente. — Não se preocupe. Tomei a liberdade de já adiantar o processo de exclusão — sorriu Wolfgang vendo Maxuell escorregar um olhar arregalado para ele.
— Congratulante! Sabe como o Führer lhe tem em grande apreço, Dr. Wolfgang Heissler. Depois de tanto absorver as obras de Lewis Spence, o Führer passou a acreditar muito nas suas pesquisas. Como você, o Führer acredita que é uma reencarnação de arianos puros da Lemúria.
“Arianos puros...”; ecoou por todo o jovem Maxuell Reingner sem que ele entendesse momentaneamente o que aquilo significava.
— Não posso medir tamanha atenção que o Führer tem por mim, por minha medicina curativa e minhas ideias espiritualistas. Sempre lhe fui muito grato por permitir ser um deles. Ser um membro da LINK.
— Acreditava mesmo que sua grandeza não passasse despercebida ao Führer. Nós da LINK, somos a elite.
“Somos a elite”; soou apavorante em o jovem Maxuell Reingner agora com medo de entender algo.
— Sim. Somos. O Führer sabe que as pesquisas jamais serão afetadas por contratempos — tentava Wolfgang, demonstrar uma segurança que ele próprio já não tinha.
— Congratulante! Tenha essa ideia por toda a eternidade.
— Por toda a eternidade — repetiu Wolfgang mecanicamente outra vez.
E sem mais delongas, Klaus Brienn estendeu sua mão direita ao horizonte numa saudação.
— Heil Hitler!
— Heil Hitler! — respondeu o Dr. Wolfgang firmemente.
Klaus Brienn então enterrou o quepe na cabeça, bateu a bota preta reluzente esquerda na direita como de costume e saiu. Mal notou a presença do jovem Maxuell Reingner com a sua arredondada cabeça, de cabelos loiros encaracolados, abaixada; totalmente desorientado.
E foi só no bater da porta que o som reverberou.
— Verzeihung!
— Nada de perdão Maxuell! Dê graças ao seu Deus, que Klaus Brienn não enxerga um palmo à frente de sua arrogância! — falou Wolfgang por entre dentes cerrados no que a porta do gabinete se fechou. — Nunca mais, entendeu Maxuell?
— Verzeihung! Queria ter dito forno aquela hora.
— “Forno”? Fala do forno que eu...
— Sim. Sim. A quimera, Doutor Wolfgang. A quimera ficou gritando, estalando toda, como que seu corpo fosse...
— Seu corpo, é Maxuell. Um réptil. É normal agir dessa maneira.
— Um réptil de outro mundo, não é Doutor...
E sua boca foi agarrada pela mão forte de Wolfgang Heissler.
— Enlouqueceu?! Por que acha que nossos laboratórios foram feitos de paredes duplas? Embaixo da terra?
— Eu... — soou por detrás da mão que o tampava. Wolfgang o soltou. — Pensei que... Que...
— Os rumores de que o III Reich detém em seu poder armas e veículos fora do convencional, assustam sobremaneira nossos inimigos desde o começo da guerra, que desejam mais que qualquer outra coisa, descobrir o que escondemos. Imagine o que a Poliu faria ao saberem que criamos uma arma indestrutível?
— Mas pensei... A Poliu, Doutor Wolfgang? Ela existe mesmo?
— Cale-se! Nossos homens e arsenais misteriosos não podem sair da toca. Não nessa hora tão frágil em que vivemos — Wolfgang sorriu de uma maneira que Maxuell não pôde identificar. — Mal sabem eles que o Castelo Stoff é o verdadeiro esconderijo de tamanha arma jamais pensada. Arma de guerra jamais sonhada até então por outra civilização — olhou o gabinete ainda envolto em fumaça de cigarro Lucky Strike branco. — Agora vá! Vá terminar com a exclusão antes que agentes dessa tal Poliu apareceram. Não podemos deixar nossas experiências cair nas mãos dos aliados.
Maxuell sentiu-se perdido em tanta informação.
— Sim Doutor... Sim Doutor... — e se virou para sair. E voltou a se virar para ele. — Quem é Lewis Spence?
— Mais um insano Maxuell. Sua obra An encyclopedia of occultism de 1920, ajudou a propagar a ideias dos poderes do ocultismo pelo mundo.
— “Insano”? Mas eu pensei que... Que o doutor se interessasse... — olhou Wolfgang lhe olhando de uma maneira inédita. — Pensei... O Führer se interessa por... Ocultista? Mas eu pensei...
— Pensou? Pensou?! Você não pensa Maxuell!
— Nein! Nein!
— Ótimo! Não pense Maxuell! Não pense! Já falei! O que vê aqui morre aqui.
— “Morre aqui... morre aqui...” — falou mecanicamente. — Mas o que morre aqui?
— Contam... — e Wolfgang assumiu uma estranha cor de pele azulada que fez os pelos do corpo de Maxuell levantarem. —, que Lewis era um estudioso das ciências ocultas na Atlântida. Que também estudou a Lemúria, artes mágicas, espíritos, e goblins.
— Fala de duendes? — assustou-se outra vez.
— Não! Falo de criaturas azuis... — Wolfgang não esperou outro susto. — Falo que talvez algumas interpretações de duendes no passado tenha sido errônea. Talvez tenham sido alienígenas que nos visitaram e se escondiam nas matas fechadas da antiga Germânia e não...
Maxuell arregalou mais ainda os olhos. Ficou com medo do resto da frase.
— Mas a Lemúria... Pensei que...
— Ahhh!!! — Wolfgang deu um grito paralisando de vez o jovem biólogo. — Para o resto da sua vida! Jure Maxuell! Para o resto de sua vida! Jamais pense!
— Eu... Eu juro Doutor! Não pensarei! Não pensarei mais! — e o jovem Maxuell Reingner saiu após tantas exclamações.
Mas foi o Dr. Wolfgang Heissler quem ficou lá, pensativo. Mesmo porque naquela mesma noite de sábado de 28 de abril de 1945, de nada seus pensamentos poderiam salvá-lo. Um tiro na nuca acabou com suas preocupações.
Até o virar do século.

 

 

 


 

 

 


1
Castelo Stoff.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
11 de janeiro do ano vigente; 14h00min.
Quando o carro tipo Van estacionou no fúnebre jardim de entrada do Castelo Stoff, os quatro agentes da Poliu vestindo terno imaculadamente preto e óculos que mal viam seus olhos desceram ansiosos e atravessaram as alamedas floridas com precaução. Os quatro agentes estavam acompanhados de uma mulher de lenço colorido na cabeça e acentuada corpulência, a egípcia Mona Foad; conhecida paranormal que um dia prestara serviços de espiã psíquica à Poliu. Lá também, no grupo, havia um homem ruivo, de olhos verdes e cabelos encaracolados, charmoso, mostrando que fora belo na sua juventude, e que todos chamavam de Akhilesh.
O idoso Maxuell Reingner, usando roupas de algodão e uma bengala de marfim acobreado com o qual se sustentava; o cansaço dos anos interferia no seu andar. Os cabelos esparsos e brancos estavam escondidos debaixo do chapéu de gorgorão italiano escolhido para suportar o calor.
Os quatro agentes da Poliu e homem ruivo, de olhos verdes e nome Akhilesh estavam curiosos, porém temerosos pelo o que a mulher corpulenta Mona Foad alertara, dito sobre o risco deles estarem ali. Risco pressentido por ela, ignorado por eles que começaram a ser rodeados por internos do Castelo Stoff, no que alcançaram o átrio principal.
— Há sempre alguém que fala alemão, ou arranha o inglês — o idoso Maxuell Reingner apontou para os internos também idosos. — Chegaram quase todos muito jovens, prematuros, atirados para esse tipo de vida no fio da navalha dos homens do Führer — ele prosseguiu no que os quatro agentes da Poliu e Akhilesh não se moveram. — Sou o Dr. Maxuell Reingner, e Mr. Trevellis avisou-me sobre a vinda de vocês. Quero, porém alertar que o que farão pode ser perigoso. Até então nunca diminuímos a dose recomendada pelo saudoso Dr. Wolfgang Heissler para qualquer tipo de testes.
Os quatro agentes da Poliu e o homem ruivo, de olhos verdes de nome Akhilesh olharam para Mona Foad que nada falou, mas centralizou seu olhar numa mulher jovem e bonita, vestida como médica, ali no meio deles.
Talvez cansada pela labuta, mas com certeza bonita, a Dra. Elvira usava um coque discreto que deixava o cabelo louro platinado em perfeito estado, que permitia que os olhos extremamente azuis dela refletissem na moldura de seu rosto; e toda ela destoava no meio do círculo de internos que os rodeavam.
O idoso Maxuell Reingner prosseguiu, percebendo o olhar de Mona Foad para com a loira platinada.
— Essa é a Dra. Elvira Heissler — apontou para a loira platinada. — Peça qualquer coisa a ela, mas peçam um número pequeno para estudo, talvez duas mulheres, e que o façam em apenas uma ala sob a direção da Dra. Elvira Heissler — apontou para a mesma mulher bonita, de cabelos platinados preso em coque, que Mona ainda olhava com interesse; uma mulher de lábios finos, característicos de quem se escondia pela timidez, que se limitava à vida. — Ou sob a direção do Dr. Björn Rahn… — o idoso Maxuell Reingner agora apontou para um homem vestido de médico, na casa dos quarenta anos, e que mais pareceria uma imagem aumentada dele próprio causado pela saliência óssea acentuada de sua face, mais precisamente de sua mandíbula disforme por uma displasia fibrosa.
O agente-chefe da Poliu, Smith se adiantou:
— Peça que todos escrevam o nome e nacionalidade declarada! — Smith foi entregando uma folha de papel timbrado a cada interno, alertando Elvira e Björn que se olharam pela proximidade do agente-chefe da Poliu com os internos. — Em seguida mande-os desenhar ou o que seja o que saibam fazer, sobre o que viram durante a viagem! — ordenou.
— Não pode perguntar isso — foi, porém o Dr. Björn quem falou.
— Por que não doutor?
— Por que a ‘viagem’ foi há muito tempo, e o tempo deles não é igual ao...
— Não queremos sua opinião Dr. Björn Rahn! — Smith, o agente-chefe da Poliu cortou sua fala com rispidez. — O segundo escalão nunca tem vez na Poliu.
O Dr. Björn arregalou os olhos azuis até sua saliência óssea acentuada iluminar-se.
— Mas eles não sabem que são...
— Está bem, Dr. Björn... Está tudo bem... — o idoso Maxuell Reingner se adiantou ante os dois, cortando a fala do Doutor indignado. — Vamos tentar mais uma vez — sorriu para o agente-chefe da Poliu que não parecia muito receptivo. — Acho que não está realmente entendendo, Herr... Frau... — olhou Mona novamente. — Não compartilhamos nada com nossos internos, nem mesmo formulários a serem preenchidos. Mr. Trevellis foi categórico em mandá-los e eu em alertá-lo. Façam e falem pouco. E nunca, entenderam? Nunca! Nein! Está expressamente proibido qualquer movimento de vocês à noite após o recolhimento dos internos.
— Isso não é da nossa conta Doutor. Viemos fazer nosso serviço e... — e Smith, agente-chefe da Poliu voltou a distribuir papéis e mais papéis. —, e o completaremos — e a roda começou a estreitar-se.
Mãos frenéticas e envelhecidas que seguravam os papéis meio que amarrotados. Era impossível conter a ansiedade. E eles, os internos, se olharam demoradamente; queriam mais papéis.
— Hei?! — gritou Serguei, um dos agentes suplentes da Poliu, percebendo estarem sendo rasgados e jogados no chão, enquanto iam pedindo cada vez mais papéis numa desenfreada aproximação.
— Acalmem-se! Acalmem-se! Há papéis para todos! — Smith, agente-chefe da Poliu foi enérgico ao ver seu agente suplente Sergio não dar conta da situação.
— Eles não querem os papéis — falou um Björn estranho, feliz por ver o medo estampado no rosto do agente-chefe.
— E o que querem Doutor estranho? — Smith não se fez de rogado.
— Comer vocês! — apontou em gargalhada. — Ele! Ela! Ele! — ia apontando. — Até o vermelhinho ali... — Björn viu o homem ruivo, de olhos verdes e nome Akhilesh não gostar daquilo.
Smith começou a perceber que já não estava no controle.
— Chega Dr. Björn! — Maxuell não gostou daquilo.
Os outros três agentes e o homem ruivo, de olhos verdes se olharam.
— Querem comer vocês todos! — Björn prosseguiu gargalhando.
— Björn! Nein! — Maxuell chamou-lhe a atenção. — Chega!
Akhilesh era o mais apavorado. Lá chegara já com o cheiro do medo a exalar. Mona não gostou de tê-lo lavado, de ser obrigada a estar ali com ele, um alto cargo da Poliu.
Mais folhas rasgaram-se, disputadas por mãos doentes.
— Eles vão obedecer ou não Doutor? — Smith, o agente-chefe da Poliu quis saber.
Maxuell olhou para Mona Foad para responder.
— Sabe que não deviam ter vindo não?
Mona Foad só o olhou.
— O que ele quer dizer com isso Mona? — Smith que parecia ter intimidade com a ex-espiã psíquica da Poliu quis saber.
Mona não conseguiu responder, começou a sentir-se tonta, drenada. O que por si era impossível devido seu grau de paranormalidade. No entanto algo muito poderoso os rodeava; poderoso até para ela. Uma força que a dominava, que a estudava enquanto sugava sua força, todo seu espírito, sentindo-se atravessada como se aquilo fosse praticável. Ela olhou-se e suas pernas lhe pareciam rabiscos sendo aos poucos apagados da história. Todo seu contorno começava a desaparecer mesmo que ninguém ali presente pudesse ver o que lhe acontecia.
Algo azulado de repente passou por ela. Mona se rodeou.
— O que foi Mona? — Smith percebeu algo ao vê-la girar em torno de si mesma. — O que foi? O que foi? — mas Mona Foad não respondeu. Tentou sair do corpo e alcançar o que fosse aquilo, mas não a encontrou no éter. E algo azulado passou por ela novamente. Mona voltou a rodear-se. — O que está acontecendo Mona? — o agente-chefe da Poliu voltou a alarmar-se.
Mona apavorou-se. Alguém tentava roubar sua paranormalidade e sua alma também.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh?!
Mona Foad ouviu gritos de desespero; gritos guturais que ainda ecoavam por todo o antigo Castelo Stoff, no pequeno e não catalogado Vilarejo de Wirgüs.
O chão foi seu próximo encontro. Caiu de joelhos sentindo dores pelo corpo avantajado.
— Senhora?! — gritaram outros.
Um dos agentes correu a acudi-la.
— Por Allah... Obrigada Serguei... — ela mal conseguiu falar aceitando as mãos que lhe foram esticadas pelo agente.
Maxuell não se moveu. Apenas a olhou como quem entendeu o que lhe acontecera.
— Estamos resolvidos então — voltou Smith a falar agora com medo de continuar ali. — Ficaremos somente hoje e vocês nos permitirão fazer testes de DNA em dois internos; uma fêmea e um macho. Então amanhã partiremos.
Maxuell suspirou desiludido. Não podia ir contra a Poliu. Ela o financiava, financiava aquela loucura que se tornara sua vida no pós-guerra, não importando quantos prêmios tenha alcançado em toda sua trajetória profissional, nem quanto seu nome tinha prestígio na secreta sociedade LINK.
— Se assim querem — o idoso Maxuell Reingner voltou a responder mais olhando Mona que outra pessoa do grupo.
A bela Dra. Elvira também se retirou levando todas as internas para sua ala, a Ala Rosa, no que a tarde começava a cair.
— Ahhh!!! — gritou a interna no que alcançou o homem ruivo, de olhos verdes.
— Ahhh!!! — gritou o homem ruivo, de olhos verdes de nome Akhilesh, no que foi mordido.
O resto do grupo se excitou pelos gritos, pelas presenças estranhas. Tudo se descontrolou de repente.
— Todos!!! Todos!!! — pedia Maxuell com toda sua idade tentando por ordem no caos que se seguiu. — Nein! Nein! Acalmem-se!!! Acalmem-se!!! Acalmem-se!!!
A interna que mordeu Akhilesh caiu no chão, com sua pele cristalizando. A bela Dra. Elvira entrou em choque, ela nunca havia visto aquilo.
Mona também não acreditou no que viu, e um enfermeiro com corpo avantajado pela musculatura trabalhada, correu a pegar a idosa que mais parecia uma estátua de cristal azulado.
— Corra enfermeira Lisa!!! — chamou o Dr. Björn. — Traga o líquido!!! Vamos!!!
Correria, gritos e mais agitação se fez por todos os lados. E Mona talvez também tenha sido a única a conseguir ver a alma do homem ruivo, de olhos verdes e da interna, tentando escapar-lhe dos corpos. Ficou em choque sem entender muito bem o que vira e os internos passaram a gritar.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh!!! Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh!!! Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh!!!
Elvira voltou a si e foi empurrando uma e outra interna, que gritavam, agora usando de mais força e palavras que a todos não pareceu muito compreensiva. Depois se aproximou do corpo da interna cristalizada nos braços do enfermeiro, e trocou de olhares com ele.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh!!! Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh!!! Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh!!! — e mais gritos se fizeram ali.
Sergei, agente suplente da Poliu, de cabelo crespo e negro e rosto sardento, pegou um papel e começou a escrever como se estivesse entendendo tudo o que era dito nos gritos dos internos, como se os gritos fossem uma linguagem reconhecida por ele.
Maxuell olhou para o Dr. Björn, e Björn arrancou das mãos do agente suplente o que ele escrevia. Sergio Sergei, agente suplente ia retrucar, mas foi brecado por Mona que recuperava a força.
— Não! — ela foi categórica. — Por Allah! Não deve contar isso a Poliu, agente Sergei.
O agente suplente Sergei era um espião psíquico, ex-aluno de Mona Foad. Ele a olhou apavorado ao ler-lhe o que Mona enviara telepaticamente. Engoliu com dificuldades tamanha informação mais que a força do Dr. Björn ao tirar-lhe as anotações.
A situação se acalmou e um silêncio quase sobrenatural tomou conta das colunas do grande Castelo Stoff no cair da tarde, em que os trabalhos dos agentes da Poliu começaram. Contudo a noite também caiu rapidamente e labaredas passaram a tomar conta dos céus do Vilarejo de Wirgüs.
Os bombeiros locais levaram um tempo para apagar as chamas que destruiu o laboratório farmacêutico e toda a Ala Branca. Todos os equipamentos, assim como todas as amostras de um líquido azulado, reunidos em frascos lacrados incendiavam-se ao lado dos corpos dos quatro agentes da Poliu mortos.
Akhilesh e Mona Foad foram retirados do incêndio com vida por outros agentes, agora trazidos pela Polícia Mundial. O todo poderoso Oscar Roldman, grande poder dentro da Polícia Mundial foi claro a não mais permitir que a Poliu arriscasse a vida de Mona Foad, que se fechou a qualquer tipo de comunicação para desespero de Mr. Trevellis que ficou sem respostas mais uma vez.
O Vilarejo de Wirgüs parecia conseguir enterrar mais uma vez a verdade.
Até o virar dos meses.
2
Nobel Prize, Estocolmo; Suécia.
59° 20’ 6” N e 18° 3’ 47” E.
01 de dezembro do ano vigente, 15h00min.
O Stockholm Konserthuset, Conservatório Real de Estocolmo, Suécia, estava lotado. O homem de costume impecável deu uma leve tossida. Já vinha falando há horas. Agora se preparava para anunciar o último prêmio da noite, o Prêmio Nobel de Medicina.
— Meus queridos companheiros aqui reunidos. Tenho a honra de premiar ele, que faz parte da antiga linhagem de cientistas, e que hoje compartilham seus sonhos e seus feitos com a nossa sociedade. Excelentíssimo geneticista Maxuell Reingner, um biólogo que deu os primeiros passos para criar formas alternativas de vida ainda em meio o caos da Segunda Grande Guerra. Organismos com códigos genéticos diferentes do compartilhado por todas as criaturas terrestres...
— Nazista!!! — gritou alguém no meio das cadeiras lotadas.
— Assassino!!! — prosseguiu-se de outro extremo do Stockholm Konserthuset.
Certa comoção se espalhou pelo conservatório. O Rei e importantes cientistas se sentiram atingidos.
O mestre cerimonial, abalado no palco, tentou prosseguir.
— Senhores... Cavalheiros... — vozes se misturavam de tal forma que mais ninguém conseguia se ouvir direito.
Os organizadores precisaram deter a enfurecida multidão de nobres colegas de profissão, indignados com tal nomeação, e flashes pipocaram por todo o conservatório enquanto pessoas já se juntavam na escada para cumprimentar o prêmio Nobel de medicina, Dr. Maxuell Reingner, que radiante de felicidade andava com sua bengala de marfim acobreado.
Sua cabeça arredondada, onde poucos fios brancos, outrora loiros encaracolados, ainda pereciam contra o tempo, inclinou-se em agradecimento.
— Senhores! Senhoras! — alguém tentava por ordem no caos.
O patrono pigarreou e voltou a falar.
— Tais organismos, com novas unidades químicas em seu DNA e blocos sintéticos de proteínas será a cura do Mal de Alzheimer... —apontou para ele.
O idoso Maxuell Reingner alcançava o palco de premiações e haveria uma inversão de braços, a troca de medalhas, e tudo estava feito; ele fora laureado. Após isso, um cheque de 1,5 milhão de dólares passaria de mãos.
— Que pretensão... — soou da boca de Sean Queise.
— O que disse Sean? — perguntou a fogosa e bela ao seu lado esquerdo.
— Não falei nada, Kelly.
— Sei... — sorriu.
Sean sorriu de volta. Sabia que não a enganava que era um livro aberto a Kelly Garcia sua sócia, que o conhecia como ninguém. Bela, estável e totalmente competente em seus trinta e seis anos, Kelly passou quase toda sua vida trabalhando para Computer Co.; primeiro como ajudante de Marta, secretária First do milionário Fernando Queise, segundo trabalhando e ajudando a construir a imagem de Sean Queise, um jovem empresário de 22 anos que assumira sozinho a Computer Co. aos dezoito anos, das mãos de seu pai após prematura aposentadoria.
E Kelly era sim competente, o braço direito e o esquerdo, como ele gostava de lembrar-se. Provável as pernas, também. Porque foi a perna dela que relou nele mais uma vez; dezesseis vezes, ele contou. Sean se incomodou pelo salão lotado, pela cadeira onde sentava estar rodeada de gente que se aproximava do palco, por ver olhares que não os dele apreciando a beleza estonteante dela ali, ao lado dele.
Kelly percebeu o duplo incomodo, era uma mulher bonita, plena aos 36 anos, e que chamava atenção dos homens que os viu a olhando também. E não era desse tipo de mulher construída, retocada. Sua beleza espanhola fluía no seu sangue há muitas gerações. Alta, de cabelos negros e pele pessegada, com pernas longas que buscavam encontrar as deles a cada trocar de perna.
— Kelly... — foi só o que ele falou na risada sensual dela que se seguiu. — Que tal não trocar tantas vezes de pernas?
— Trocar de pernas te afeta patrãozinho?
— Afeta como me chama.
— Ah! É por que faço biquinho no ‘patrãozinho’ ou por que sou sua empregadinha preferida?
Sean escorregou um olhar ferino a ela. Mas Kelly não se atingia, o amava demais para perder a oportunidade de provocar-lhe um pouquinho de ciúme, que ele sentia, sabia.
Como sabia que os anos construíram um amor impossível.
Após a trágica morte de sua noiva, Sandy Monroe, que se suicidou na noite do noivado, Sean havia se fechado ao amor. Kelly não se conformava que as portas se fecharam para ela também, não se conformava que Sean era belo e sozinho, que vinha lutando contra uma depressão, que talvez ele tenha perdido mais que a noiva, que Sean tenha perdido o amor da italiana Ambrósia Bertti, e que seu envolvimento com a agente da Poliu e seu suposto desaparecimento no final de março daquele ano, lhe tivesse levado àquela situação de desânimo, de abandono, o protótipo do jovem homem fadado a não ter ninguém.
— Talvez porque você seja mesmo minha empregadinha preferida — tentou aliviar seu mal humor.
Daquilo Kelly gostou, dando uma sensual gargalhada. Mesmo sabendo que Sean Queise não era uma pessoa muito simpática.
Talvez pelo humor sempre instável, talvez pela posição de poder que exercia no controle de grandes bancos de dados alugados a poderosas empresas de diversos setores; talvez por sua própria escolha, na escolha tomada ao se desenvolver, ao obrigar Mona Foad, espiã psíquica da Poliu, iniciá-lo em tratados ocultos, iniciá-lo numa variedade de fenômenos supostamente anômalos ou estranhos denominados paranormais ou talvez pelas muitas perdas. Porque todo o dinheiro e fama, não lhe trazia a felicidade de volta.
— O que foi Sean? Ainda achando estranho o convite?
— Meu pai me disse que nunca ouvira falar no Dr. Maxuell Reingner.
— Já li dois livros dele — Kelly viu Sean a olhar de lado. — Quê? Gosto dos assuntos picantes da ciência. Sou uma cientista, lembra? Uma geóloga que se transformou na melhor secretária do mundo — riu charmosa.
— Wow! — Sean também teve que rir.
E ele gostava tanto de tê-la ao seu lado, que prestou atenção nela, sentada a seu lado, num belo vestido negro Ferré, acentuado ombro nu e botões nas costas, banhado pelo parfum preferido, Giorgio Beverly Hills.
— Acabou?
— O que? — Sean alertou-se.
— De me apreciar?
— Sim... — Sean voltou a achar graça nela. — E se quer saber estranhei o convite, sim. Somos leitores, não Kelly?
— Como assim?
— Por que ele nos enviou um convite pessoal?
— O que você sabe sobre ele? — ela disparou. — Não estaria aqui se não o tivesse investigado, patrãozinho.
Sean gargalhou.
— Wow! Sou tão óbvio assim?
— Não. Você é só um hacker que construiu o SiD, um refinado programa de rastreamento que rastreia cada vez mais, refinando mais, um programa que foi exposto à mídia como um echelon.
— Wow!
— Não estou brigando, patrãozinho. Estou feliz em estar aqui com você — e pousou mãos bem tratadas no colo dele. Sean sentiu a química explodir dentro dele. Recuou tirando a mão dela. — Já fez isso outra vez.
— Fiz o que?
— Tirar minha mão de você.
Sean percebeu que a voz dela estava mais carregada.
— Não quero falar sobre aquilo. Também sabe que não gosto que me chame assim. Não trabalha mais para mim como secretária, empregada, ou o que seja. É minha sócia e isso...
— ‘Pega mal’ chamá-lo de patrãozinho?
— Fica estranho! — Sean vinha tentando fugir daquela situação, do amor de Kelly Garcia por ele, de tudo que o vinha incomodando. — E geólogos não leem literatura picante.
Ambos riram. Tensos, porém. E um silêncio se fez.
— Dizem que é um grande avanço para a medicina isso que ele fez — Kelly tirou Sean de seus pensamentos.
— O que disse?
— OGM, Organismo Geneticamente Modificado — respondeu vendo Sean ligado na premiação. — É a parte ‘picante’ que li sobre ele.
— ‘Picante’? — riu vendo que os ânimos se acalmavam na premiação, e Maxuell Reingner ia voltar a falar. — Não diria isso! — e olhou Kelly lhe olhando. — O leu realmente Kelly? Porque o Dr. Maxuell Reingner diz que criou em laboratório uma quimera, um organismo com característica de feto.
— Como assim, ‘características de feto’?
— O prêmio veio porque seu feito não pode ser chamado de clonagem, exatamente porque Maxuell Reingner não clonou nada, ou seja, não copiou a mesma identidade genética. Ele criou um DNA artificial, um ser humano artificial. Ele então interrompeu a vida desse ser humano artificial, para tirar-lhe as células-troncos em função da ciência.
— Por quê?
— Por que o quê? — Sean girou os olhos azuis, nervoso. — A ciência não tem muita explicação, tem?
— Aqui no panfleto diz que ele trabalha como médico para um hospício.
— Sanatório, Kelly. Castelo Stoff, para ser mais exato — corrigiu-se. — E Maxuell não é médico psiquiatra, é biólogo geneticista ou o que eles hoje chamam de engenheiro genético.
— Você o conhece, então?
Houve outro breve silêncio.
— Há um casal de médicos que trabalham com ele, e que também foram indicados, mas abriram mão em favor dele, do Prêmio Nobel de Medicina. Por isso Maxuell Reingner está sendo laureado, por causa de sua atuação na medicina como geneticista, estudando o Mal de Alzheimer através de pesquisas de DNA modificado; DNA artificial.
— E isso que ele está fazendo não é perigoso? Sempre ouço os cientistas que trabalham na criação de novos organismos dizerem, que não há como nada fugir ao controle... Mas criar novas vidas e depois se livrar delas? Isso não é brincar de Deus? — ela viu Sean limitar-se a olhá-la. — Está bem, patrãozinho... Vou te dizer o que é um perigo para mim... — sorriu encantadora. — Talvez seja um perigo o monstro ficar vivo.
Ele a achava um charme; mesmo quando o irritava.
— Químicos japoneses anunciaram a criação da primeira molécula de DNA, feita quase inteiramente de peças artificiais não faz muito tempo. A descoberta poderá levar a avanços nas terapias genéticas, na criação de computadores futurísticos em escala manométricas, e muitos outros avanços de altíssima tecnologia — arqueou o sobrolho ficando mais lindo ainda. — Mas “monstro ficar vivo”? Uma quimera que saia ao controle? Não sei o que dizer. Também tenho minhas dúvidas sobre a segurança dessa criação do Dr. Maxuell, Kelly. É uma tecnologia muito poderosa para ficar a mercê... — e não terminou.
— Não brinque Sean. Isso não tem haver com ela, tem? Tem haver com a Poliu?
Sean calou-se e Kelly teve medo do que pensou. Ele não podia ter feito aquilo. Ele prometera a ela, aos pais, a Oscar Roldman que não mais iria investigá-la, persegui-la. Mas Kelly sabia sim, que ele ainda queria se vingar de Mr. Trevellis, se vingar das acusações de Mr. Trevellis que culminaram no suicídio de Sandy Monroe ou talvez no desaparecimento não muito explicado de Ambrósia Bertti, a agente Ambrósia Bertti.
— Não a esqueceu?
Sean sabia de quem ela falava. Seus pensamentos eram sempre límpidos.
— Não vou falar com você sobre isso também! — foi rude.
— Deu para ler outra vez meus pensamentos? — ela percebeu que Sean não gostou do que ouviu, no que foi obrigado a ouvir. Suspirou pesado, não querendo calar-se mais uma vez. — Você vai falar com o Dr. Maxuell Reingner quando formos ao jantar?
— Não... — pigarreou. — Não sei se vou ao jantar.
— Por que, Sean?
Sean se deu por vencido. Kelly não era de dar trégua.
— Alguns anos atrás, o Dr. Maxuell foi crucificado pela sociedade médica quando veio com ideias nada ortodoxas sobre o Rh humano.
— Durante a Segunda Grande Guerra?
— Depois dela.
— Ah... Então ele fez mais que DNA artificial?
— Sim.
— Você o conhecia, então?
— Sim — desviou-se do olhar dela. — De certa forma.
— Oh! Sean! Que ‘certa forma’? Você fez viagens astrais atrás dele?
Sean girou os olhos nervosos olhando para os lados, vendo que havia gente ao redor deles, próxima a eles.
— Por favor, Kelly! Aqui não!
— Mas que droga Sean...
Kelly até não tinha poderes como os deles, mas o decifrava como ninguém. E aquilo o irritava.
— Não entende? Eu tinha que vir aqui em Estocolmo. Me afeta saber que ele me conhece sendo ele um ex-nazista — encarou a sócia de uma maneira nada usual.
— Não é o fato dele ser alemão, ter estado na Segunda Grande Guerra, que o faça nazista Sean. Havia milhares de alemães na alemã nazista que não eram nazistas.
Sean só girou os olhos e ela sabia que aquele não era o ponto.
Kelly calou-se e Maxuell voltou a falar no palco:
— E é por essa e outras necessidades que juro perante esse prêmio, continuar a servir a Sociedade Científica e o mundo com meu trabalho. Estamos perto sim, mas isso não quer dizer que estejamos tentando criar novas formas de vida. E ao contrário do que os nobres colegas falam, não estou tentando imitar a natureza ou como dizem os jornais sensacionalistas, “bancar Deus”.
— Uhm! — Kelly fez uma careta e Sean teve que achar graça.
— Até o momento… — prosseguiu o idoso Maxuell Reingner. —, conseguimos apenas fabricar uma proteína artificial como substituta de uma natural. Estamos testando sim, mas ninguém conseguiu ainda que um DNA artificial modifique células vivas, células humanas. Estou... — sorriu corrigindo, apontando para uma mulher loira, usando um coque clássico que deixava seu cabelo platinado em perfeita harmonia, e que ergueu uma mão discretamente a fim de ser identificada no conservatório lotado. —, eu e minha equipe estamos — Maxuell voltou a apontar para a mulher platinada sentada a sua frente. —, apenas suplementando a natureza. Salvando vidas criando novas vidas.
— Aplausos!!! — gritava emocionado, o patrono da festa de premiação.
Alguns já começavam a se retirar, Maxuell Reingner havia sido o último prêmio da noite.
Sean se levantou e Kelly continuou sentada pensando em algo.
— Não vai embora?
— Você vai a prefeitura não vai, Sean? — ela o viu a olhando de cima. — Vai ao jantar Sean?
Ele engoliu o reboliço do ambiente a seco.
— Vou!
Câmara Municipal, Estocolmo; Suécia.
59° 19’ 30” N e 18° 7’ 0” E.
01 de dezembro; 21h00min.
A cidade escandinava de Estocolmo estava construída literalmente sobre 14 ilhas, ligada entre si por 54 pontes e rodeadas pelos Lagos Saltsjön e Mälaren, que eram uma enseada do Mar Báltico. Muitas lendas envolviam a chamada Veneza do Norte e ir a Suécia e não conhecer o Blue Hall, o Salão Azulado da Câmara Municipal de Estocolmo, seria inadmissível. Não importa se fosse pintado de amarelo ou vermelho, ele era sempre lembrado por ser o Salão Azulado e que estava apinhado naquela noite para o festejado jantar de premiação do Nobel.
Porém, pouco menos de mil pessoas ocupavam as mesas ali finamente arrumadas, ao longo do extenso salão. Apesar de a mesa comportar até oito pessoas, Sean seguia sozinho com Kelly já que pela primeira vez na história o salão não estava lotado.
Talvez pela premiação polêmica.
— Mais vinho, Senhor? — perguntou o garçom.
Sean Queise se virou para o lado direito. Para o esquerdo. Olhou mais para cima, agora distraído. Estava absorto, se sentindo muito mal naquele ambiente, com as muitas conversas paralelas, com pensamentos que ele tentava captar, compreender, mas não conseguir.
Demorou a ver o garçom perguntar mais de uma vez se queria vinho.
— Ah! Por favor! — e estendeu o copo, mecanicamente.
O imenso salão estava lotado, com ilustres indo e vindo. Sean também tentava ver a mulher de coque clássico para quem o idoso Maxuell Reingner apontara na premiação e agora estava numa animada conversa, cinco mesas à sua frente, de costas para as mesas que se seguiam à sua frente.
— Você está estranho patrãozinho e não deve ser inveja — brincou Kelly retornando do toalete. —, já que você é considerado um gênio nos computadores e a Computer Co. já é uma das maiores do mundo e... — percebeu que ele não prestava atenção nela. Sean continuava inquieto a olhar o idoso Maxuell Reingner, recebendo agradecimentos. — Vai falar com ele?
— Por que a pergunta outra vez, Kelly? — Sean nem se deu o trabalho de olhá-la.
— Não sei. Não levantou da mesa desde que chegou.
Sean gelou-a com um olhar.
Depois se viu precisando falar.
— Estou sendo sincero Kelly. Não sei o porquê de não querer falar com ele. Tem algo no ‘Doutor’ Maxuell Reingner que me escapa a compreensão.
— Como você está profundo... Será que desconfia que ele trabalhe para a Poliu?
— Kelly! — repreendeu-a.
— É ela, Sean? — insistiu agora nervosa.
O salão cheio, os muitos tecidos aveludados caindo pelo pé-direito alto, as muitas colunas iluminadas, os muitos sons deixaram-no desconcertado.
— O sistema de campos de concentração nazista se expandiu rapidamente entre 1933 e 1945. A Alemanha nazista construiu cerca de 20.000 campos para aprisionar seus milhões de vítimas. Em alguns campos, médicos nazistas usavam os prisioneiros como cobaias em suas experiências — Sean disparou.
— “Campos de concentração”?
— Na primavera de 1933, Heinrich Himmler, então chefe da polícia de Munique, ordenou a abertura do primeiro campo de concentração, o Konzentrationslager ou KZ, próximo a Cidade de Dachau. Os judeus das terras ocupadas pelos nazistas foram os primeiros a serem deportados para os campos de transição, como o de Westerbork na Holanda ou de Drancy na França, ou o Castelo Stoff em Liechtenstein.
— Nunca ouvi falar de um castelo chamado Stoff.
— Nem você nem ninguém. Nem o próprio Vilarejo de Wirgüs onde o Castelo Stoff foi construído existe no Googlemaps — novo alvoroço de vozes fez Sean ter medo de algo, alguém, pensamentos que ali vagavam e ele não os conseguiam imprimir. Depois olhou Kelly sabendo que ela estava apreensiva com o que ouviu. — Quando nós saímos da Ischia no yacht de Oscar, eu acionei SiD antes de travar suas senhas — agora viu o olhar dela. —, e as senhas do SiD ainda estão travadas e ninguém consegue liberá-las, já que minha ordem aos mainframes era de que somente eu as pudesse mudá-las.
— Por isso seu pai… — olhou sorrateira para os lados. —, por isso seus dois pais estão furiosos.
Sean também com o que ouviu.
— Estou trabalhando nas senhas, Kelly, mas na época achei que isso não fosse ser problema. Droga! Eu estava desconfiado que Alcântara Jr. estava enganando o pai, e deixe-me levar por toda aquela insanidade. E ainda não entendi como ele conseguiu entrar na trilha da Serra do Roncador nem morrer lá, quero dizer, ser cristalizado daquela maneira se conhecia todos os truques dos alienígenas.
— Ah! Sean. Só de lembrar-me de tudo que me contou já fico toda empelotada — se olhou.
— Mas o que te contei é a ponta do iceberg Kelly, porque descobri que Alcântara Jr. procurava um UFO-nazi, uma vimana nazi, em bases subterrâneas, militares ou não, em diversos lugares do mundo; nas entradas para a Terra Oca.
— E fala como… — e Kelly parou de falar. — Minha nossa… Você encontrou o UFO-nazi que Alcântara Jr. procurava?
— Quando saímos pela entrada do Kentucky, você e Gyrimias ainda estavam atordoados com tudo, e eu não consigo desencriptar o resto da mensagem já que Gyrimias está com amnesia pós-trauma.
— Mas você conseguiu encontrar o UFO-nazi?
— Não exatamente!— e Sean viu Kelly com medo de perguntar. — Porque procurei pelas formas-pensamento! Todas elas! Agentes, socorristas, soldados. Mas ninguém ali sabia.
— Então onde… Se SiD está travado e você não decifrou… — e o silêncio. |— Onde Sean?
E Sean a encarou:
— Vincenzo Bertti!
Kelly arregalou os olhos fazendo toda sua face bonita embranquecer.
— Vincenzo Bertti está morto.
— Ninguém morre Kelly…
— Minha… — e Kelly perdeu a voz, provável a linha do pensamento.
— Bertti esteve no Castelo Stoff, em Liechtenstein, em onze de janeiro, dez dias antes de Alcântara pai me levar até o centro da cidade de São Paulo, ao chat. Em onze de janeiro, com Mona.
— Santo Deus! — Kelly olhou um lado e outro apavorada. — Mona voltou a trabalhar…
— Não! Não sei o que Mona fazia em Liechtenstein com Bertti. Mas Vincenzo Bertti foi atingido.
— Por quem?
— Não sei. O vi ferido, muito ferido.
— Ele não me parecia ferido quando esteve no Yatch.
— Também percebi. Mas foi no Yatch, dia seguinte à chegada de Ambrósia que… — Sean parou de falar e Kelly também não insistiu. — Suas formas-pensamentos diziam que ele havia sido ferido em janeiro, por algo que o atacou.
— Aquelas EBEs de cristal?
— Não consegui ver — e olhou Kelly o olhando. —, porque Mona não permitiu, porque ela me viu lá, viu que eu no futuro havia voltado ao passado, atrás das formas-pensamento de Bertti.
— Então! Mas! Minha Nossa Sean! Que confusão! — e foi um bocado de exclamações. — E o UFO-nazi?
— Algo aconteceu comigo na Sibéria Kelly… — e apertou a mão esquerda sem ela ver. —, algo que deixou meus dons adormecidos.
— Oh! Sean meu amor — e relaxou os ombros tensos indo passar a mão no rosto dele com carinho quando recuou. — E o que quer dizer com algo que deixou seus dons adormecidos?
— Algo que mexeu com minha paranormalidade.
— Ela? Ambrósia?
E Sean não quis conversar sobre aquilo; não sobre aquilo.
Mudou radicalmente de assunto quando o idoso Maxuell Reingner chegou seguido pelo médico que o acompanhara na premiação, e que estivera lá ao lado da apresentada como Dra. Elvira, com a face disforme.
— Dizem que o Castelo Stoff foi a ‘menina dos olhos’ de Himmler, que dizem era estudioso do ocultismo e de mitos esotéricos, fundador do Deutsches Ahnenerbe e um grupo pseudocientífico, com ideias de raça pura e descendência dos aqui chegaram de Aldebaran, a estrela mais brilhante da constelação de Touro, que parece seguir o aglomerado estelar das Plêiades — e Sean se virou para uma Kelly cada vez mais bela e assustada. — Pense Kelly... Se os alienígenas visitaram a Terra num passado remoto, então eles poderiam ter nos dado a tecnologia avançada que foi passada através da história humana, não? E essa tecnologia poderia ter ajudado o Terceiro Reich a construir armas misteriosas e artefatos muito além dos limites da ciência do século 20? Porque dizem, houve relatos de que os alemães construíram um disco voador operacional, um UFO-nazi, durante a Segunda Grande Guerra conhecido como Hannebu, usando uma tecnologia mítica encontrada em antigos textos indianos; o Mahabharata. E finalmente dizem, que os nazis se utilizaram de paranormais, médiuns se me entende, e que esses médiuns afirmavam terem recebido esquemas detalhados de seres alienígenas para construção de um sino que nada mais era que uma máquina para se viajar no tempo.
— Quantos ‘dizem’ patrãozinho — e Kelly viu Sean ficar estático. — Ok! — recuou. — Isso que falou, foi o que me contou sobre aquela trilha? Que todos estavam ali atrás de tais relíquias do épico Mahabharata? As superarmas de Hitler?
— Sim. Porque essas mesmas fontes dizem que após o fracasso do disco voador operacional Hannebu, a famosa paranormal Maria Orsic, psicografou instruções alienígenas de como se construir outro disco voador operacional. Após muita tentativa e erro, a Sociedade VRIL teria acabado um modelo definitivo em 1942, o disco voador operacional Vril-1, agora sob os olhos atentos de Adolf Hitler. E a Sociedade VRIL é uma sociedade secreta filha da Sociedade THULE e mãe da Sociedade LINK que dizem, é muito mais misteriosa.
E um tempo entre mais vinho, pratos do jantar que estava sendo servido pelas mesas e vozes para todos os lados, Kelly se virou para Sean outra vez.
— Por que esse UFO-nazi ou disco voador operacional Vril-1 é tão importante?
Sean até achou graça de como ela funcionava.
— Porque dizem que esse UFO-nazi era abastecido por uma força paranormal, a mesma que movia o sino, a força Vril.
— Quem é que ‘dizem’ tanto, Sean?
— A Poliu!
— Ah! É isso então? Voltamos a Poliu? — provocou-o. — Você gira e gira em torno dela não? Porque a persegue tanto quanto a admira.
— Basta Kelly... Não vai conseguir me irritar — já irritado.
— Sou mais que tua ex-secretária, mais que tua sócia; sou tua amiga a ponto de conhecê-lo — falou tão doce que Sean recuou aplaudindo alguém só porque todos a sua volta se levantaram e aplaudiram alguém. — Talvez uma amiga como jamais venha a ter — e se calou.
Sean Queise encarou Kelly Garcia agora em silêncio. Sentiu o ácido jorrar em seu interior, se espalhar, corroer. Levantou-se precisando de ar. Mal entendeu como chegou ao lado do idoso Maxuell Reingner.
— Guten Abend Senhorzinho Queise! — Maxuell viu Sean estancar atordoado na intimidade como foi chamado. — Que bom ter vindo! — falava Maxuell com palavras entoadas.
— Ahhh... Convidou-me não?
O homem com 102 anos, baixo, gordo e grisalho, de cabeça arredondada não se deu por vencido e riu.
— Vejo que me conhece.
— Você parece que também.
— Está fazendo de conta ou não sabe o que faz aqui Senhorzinho Queise?
— Não entendi.
— Pena! Quando tiver outra chance, se é que terá, venha me visitar.
“Se é que terei?”, pensou.
— “Visitar”? — falou.
— Sabe onde moro; não Senhorzinho Queise? Mesmo não sabendo até hoje se estamos sob a jurisdição do Vilarejo de Triesenberg ou do Vilarejo de Wirgüs, não somos mais um entreposto, somos um vilarejo à beira do pico suíço. Crescemos demais.
— Cresceram? Por que não entendi? Achei que a Poliu não permitisse que alguém evoluísse?
Aquilo foi o suficiente para Maxuell diminuir sua alegria em vê-lo. Sean sabia que o havia atingido.
— O fato de não estarmos no mapa lhe incomoda Senhorzinho Queise?
— Incomodo algum. A Poliu sempre soube apagar cidades do mapa — seguiu dono da situação.
— Apagar do mapa... — sorriu Maxuell com cautela. — Para o caso de nos visitar, estamos próximos à Cidade de Triesenberg, em Liechtenstein, que sabe, é um pequeno país aos pés dos Alpes Suíços, e consta no mapa — e se virou para ir embora.
— Sim eu sei que consta. Desde a escola — sorriu cínico vendo Maxuell continuar a andar. — Como também sei que a Suíça tem encantos alienígenas.
O idoso Maxuell Reingner estancou naquilo. Sean estava indo rápido demais. Maxuell virou-se e sorriu fazendo toda a pele envelhecida brilhar.
Mas Sean não gostou daquilo, daquele sorriso.
— Venha! Venha! — balançou o braço para ele. — Venha se sentar Senhorzinho Queise! — Maxuell apontou a cadeira vazia ao lado da loira platinada usando coque clássico. — Estamos começando a chamar a atenção em pé.
“Atenção?”; Sean o encarou.
Sentou-se totalmente perdido em meio à multidão de gente que começou a se aglomerar em volta.
Mas havia mais que multidão ali, havia a Poliu. Sean Queise olhou para os lados, a sensação de estar sendo observado não era de todo uma cisma. Olhos atentos não perdiam nenhuma movimentação dos lábios de Maxuell. A jovem, especialista em leitura labial nada perdia. Anotava tudo num Mini Tablet, passando despercebida a todos em sua volta. E só a insistência em não tirar os olhos do local onde Sean e Maxuell conversavam, entregou-lhe.
Kelly Garcia havia percebido a bela ruiva que usava um insinuante vestido verde oliva, a observá-lo. Cabelos acobreados mais puxando para o vermelho, cacheados até a cintura, escorregavam pelo espaldar da cadeira. Usando uma maquiagem pesada, de batom vermelho brilhante em lábios extremamente carnudos, aquilo deixou Kelly enciumada, talvez mais enciumada ainda quando a sensação de conhecê-la a tomou por completo.
Sean, por sua vez, continuava tentando raciocinar em dias conturbados. Sua vida pessoal e profissional o havia deixado estressado, deprimido como percebera erroneamente Kelly Garcia. Algumas notas nos jornais postados nas últimas semanas, sobre uma suposta ligação da Computer Co. com um mais suposto ainda satélite pertencente a Polícia Mundial, desenvolvido para criar uma rede de espionagem que iam de invasão de contas de e-mails e conversas de celulares até a privacidade digital de bancos, deixava o mercado de commodities instável. Era tudo o que ele não queria; dar explicações à mídia sobre SiD se SiD já não lhe pertencia; nem a ele nem a ninguém, travado por senhas randômicas que trocavam diariamente sem a ordem dele, de ninguém.
E insinuações aguçadas chegavam à mídia de hora em hora totalmente deturpadas alegando ele ser um agente secreto, envolvido com inteligências, desenvolvedor de tal rede de informações agora com um nome, SiD – Sistema de interpretação de Dados; um sistema que o próprio Sean Queise usava para interceptar em nuvens, durante os envios de comunicação por rede, todas as comunicações e movimentações dos agentes da Poliu ao redor do mundo.
Sua mãe Nelma Queise, e consequentemente seu pai Fernando Queise, lhe pediram explicações, mas Sean nada falava, nada respondia; não sabia se no fundo o próprio nórdico Oscar Roldman não achava aquilo, Sean ser um agente duplo.
— Está é minha assistente, Dra. Elvira Heissler — Maxuell fez Sean voltar à realidade.
— Esse nome... — Sean arregalou os olhos azuis para a bela mulher de coque loiro platinado, sentada à mesa, no que seu sobrenome foi dito. — ‘Heissler’? Ele era médico de Hitler...
— Foi! — ela foi direta.
A exclamação não passou despercebida a Sean Queise. Nem a beleza dela, de lábios extremamente finos que quase não lhe davam uma boca, e seu rosto apesar de belo, estranho.
— Foi! Claro! Senhorita... Estudei história na escola — Sean encarou Maxuell. — Ele suicidou-se dia 28 de abril de 1945, dois dias antes do também suposto suicídio de Adolf Hitler — Sean foi cruel.
— “Suposto”? — riu Maxuell apesar de sentir-se muito cansado. — Ainda participando daquelas estranhas listas ufológicas, Senhorzinho Queise?
Sean sentiu o chão tremer, mesmo que fosse só o dele.
— Elas são as melhores fontes de teoria de conspiração, não acha? — Sean viu Maxuell rir com mais gosto ainda. — Depois da Poliu, obviamente — Sean completou e Maxuell parou de rir.
— Nein! Nein! Senhorzinho Queise. Mais cuidado ou não chega a minha idade integro.
— Falando de integridade...
A Dra. Elvira Heissler cortou a insinuação de Sean antes de ser completada levantando-se, se impondo.
— Wolfgang Heissler era meu avô! Um homem tão integro quanto o Dr. Maxuell o é! — defendeu-o.
Sean se absteve de falar ao vê-la em pé lhe atacando verbalmente.
— Obrigado querida — foi só o que o idoso Maxuell Reingner falou lhe fazendo sentar-se na cadeira com movimentos cadenciados de mão.
Sean imaginou que ela deveria ser uma mulher jovem na idade, porém seu aspecto era de uma mulher mais envelhecida. Sua pele era muito branca e muito fina; micro veias aparecia deixando sua face carregada sem maquiagem. A Dra. Elvira com aquele coque clássico era uma bela mulher. Uma bela e pequena mulher loira, platinada, de olhos tremendamente azuis claros.
— Perdão Fräulein Elvira Heissler... — tentou Sean amenizar o mal entendido.
— Eu evito o meu sobrenome, Herr Sean Queise. Por favor, evite o meu sobrenome, também — cortou o resto da frase dele. — Porque o tenho evitado durante toda minha infância.
— Perdão outra vez, Fräulein Elvira... Não foi minha intenção atacá-la — houve um breve silêncio e alguns jornalistas voltaram a rodear a mesa. — Não vai falar com eles? — Sean desafiou Maxuell sem tirar os olhos de Elvira.
— Nada tenho a falar que a multidão já não tenha dito Senhorzinho Queise.
Sean o encarou.
— “A multidão”?
— Sabe qual a coisa que o homem mais sonha Senhorzinho Queise? Juventude! Sucesso! Eternidade!
— E o que a multidão tem haver com isso? — o ficou observando com ironia, a ‘multidão’ se traduziu em Poliu para Sean.
Mas o Dr. Maxuell Reingner parecia divagar. Sean teve essa impressão.
— Garantir a vida plena é a busca mais intensa da humanidade. Viver para sempre é tão intrínseco ao homem que ele busca alento, inclusive, na religião, qualquer espécie dela.
— A eternidade foi pensada por todos os filósofos; Platão, Aristóteles, Friedrich Nietzsche. A própria ideia de ‘eterno retorno’ inquire de um prisma a afirmação da existência de uma duração infinita; de outro, a afirmação da existência de algo que retorna sempre nessa duração — Sean encarou Elvira e voltou a encarar Maxuell. — Assustador o pensamento de Nietzsche, não Doutor? Voltar sempre e sempre e sempre no mesmo corpo, vivendo as mesmas coisas, sofrendo as mesmas agruras, sem direito de carma, de pagar seus erros?
“Erros”; soou no idoso Maxuell Reingner e Elvira Heissler.
— O pensamento do eterno retorno de Nietzsche não é sistêmico, Senhorzinho Queise. Além do mais, acredito numa continuidade de nossa existência, mesmo que fora do plano terrestre.
— Era isso que Hitler buscava na Sociedade LINK? Ou na Sociedade VRIL, não? Poder! Limpeza genética! Juventude! Limpeza genética! Eternidade! Limpeza genética...
— A Sociedade VRIL na qual supostamente Adolf Hitler fazia parte se baseava em muito mais coisas sobre ‘eternidade’, do que suas listas de ufologia e suas teorias fantásticas bradam aos quatro ventos, porque a própria VRIL era algo muito mais complexo que os livros de histórias divulgam… — falou Maxuell num fôlego só, até para alguém de sua idade. —, inclusive os da sua escola Senhorzinho Queise — respirou profundamente. — Contudo, se a fórmula da vida eterna ainda é um mistério, não acha que o caminho para a longevidade pode ser alcançado aqui mesmo nos domínios terrestres, Senhorzinho Queise?
“Domínios terrestres?”, aquilo reverberou ao seu ouvido.
Sean não respondeu, mesmo porque Maxuell sabia do hackeamento dele em mainframes da Poliu, que a Poliu sempre estivera envolvida com vidas alienígenas. Porque o Dr. Maxuell Reingner também sabia que suas pesquisas com estudos de Rh negativo considerado alienígena, jamais passariam despercebidos ao conhecimento do jovem Sean Queise, aos mainframes da Computer Co. que a Poliu alugava, às listas que frequentava.
— Ah! Percebo que sabe — o Dr. Maxuell sorriu e Sean teve medo do que sabia.
Elvira o olhou sem entender. Aquilo soou a Sean que a Dra. Elvira havia sido excluída dos segredos da vida do cientista ali laureado, de antigas participações do Dr. Maxuell Reingner com a Poliu e seus conhecimentos sobre ele, ‘Senhorzinho Queise’. E que o idoso Maxuell Reingner sabia sobre tudo o que havia acontecido naquela trilha, com as pessoas envolvidas, alienígenas envolvidos atrás de Agartha, atrás da juventude eterna.
E sabia, porque acabara de ler os pensamentos de Maxuell que sabia que ele os lia.
Sean então tentou mais, e de repente falhou. Sorriu discretamente, provável porque Maxuell sabia soltar informações e as brecar. E aquilo significava Poliu. E sim, ele mentira a Kelly, seus dons estavam cristalizando, mas nem um pouco adormecidos.
E foi justamente a mão esquerda dele que endureceu de repente. Sean experimentou outra vez a sensação que teve no Polo Norte próximo a entrada da Terra Oca, a mesma sensação de formigamento e cristalização da mão que Ambrósia Bertti presenciou.
Ele recuou com medo de estar ali, que aquilo significasse que estava próximo a uma força paranormal ou alienígena.
— Achei... — tentou se controlar. —, achei que a sociedade e os direitos humanos não aprovassem tais experiências, Dr. Maxuell.
Ele riu:
— Falamos de Rh negativo Senhorzinho Queise?
— Falamos? — Sean riu nervoso.
Maxuell Reingner agora era dono da conversa.
— A liberação das pesquisas de Rh negativo não significa que os tratamentos para o Mal de Alzheimer poderiam ser aplicados em curto prazo por outra forma. Nós cientistas ainda teríamos muitos passos a dar antes de termos a técnica necessária para se criar DNA, a fim de reconstruir rins, fígados, curar o Câncer ou o Alzheimer. Muitos ainda pensam que as pesquisas com células-troncos embrionárias significam clonagem humana. Isso dificulta a aceitação da população à liberação das pesquisas. E há ainda as religiões, gente espiritualizada que se opõem ao uso terapêutico das células-troncos por acreditar que estamos intervindo numa vida.
— Pois eu não acredito que ‘gente espiritualizada’ seja um estorvo. A parapsicologia levanta questões...
— Vejo que Mona criou você com afinco — Maxuell cortou sua fala.
— “Mona”? — Sean alertou-se. — Como conhece esse nome?
— Não vou falar sobre isso.
Mas Sean pegou no éter. Elvira lhe ‘dissera’ algo com um olhar desaprovador.
— Esteve envolvido com elas não? Com as paranormais da VRIL?
E um idoso Maxuell Reingner virou-se furioso para ele levando a cadeira ao chão, alertando muitos ao seu entorno.
— O que está fazendo Senhorzinho Queise? Não lhe dei direito de...
— Por isso foi chamado de nazista, não? — mas Sean desafiou-o mesmo assim, porque vinha conseguindo desbrecar formas-pensamento no éter. — Um participante da LINK.
Aquilo realmente o atingiu, o idoso Dr. Maxuell sentiu que o coração já não mais aguentava tamanha pressão vivida durante todo pós-guerra. Os dias atuais e sua premiação haviam avivado a memória pública. Saiu num rompante fazendo todos os sons ali se perderem no vácuo, fazendo todos à mesa se erguer junto; Elvira e mais quatro médicos ali sentados com ele.
Contudo Maxuell ainda se virou para um Sean em choque com tamanha movimentação.
— Ecos do passado parecem reverberar sempre, não Senhorzinho Queise? Freut mich Dich kennengelernt zu haben! — e se foi depois de um ‘Foi um prazer conhecer você!’, fazendo nova onda de movimentação correr atrás dele.
Sean viu o laureado homem velho se afastar com sua bengala de marfim acobreado e logo ser rodeado pela corja. Gente que nem sabia o que fazia ali, perante a grande e notória figura da noite. Sean saiu confuso com o que falara ou porque falara, sem saber ao certo se leu ou não os pensamentos da mesa ali presente.
Sentiu-se tão mal por aquilo que ao virar-se rapidamente se chocou com a ruiva usando o vestido verde oliva, que se levantou da cadeira só para esbarrar nele, pela oportunidade de esbarrar nele.
Mas Sean a derrubou tão rápido quanto às duas cadeiras à frente dele.
— Perdão! Eu... — Sean levantou-a sem se quer prestar atenção nela porque acabava de ser interpelado por uma estranha figura magra, com o queixo tão grande e tão projetado que assustaria alguém que não estivesse preparado.
— “A bruxaria venceu a ciência!” — falou o homem alto, magro, com óculos de lentes grossas. A ruiva usando o vestido verde oliva se foi e Sean Queise sobressaltou tanto com a saliência óssea acentuada do homem à sua frente, que não a viu ir para longe outra vez. Ele ficou encarando-o até que o homem alto, magro, com óculos de lentes grossas se moveu mais em sua direção. — Foi o que disse o presidente da Frente Nove Religiões Diferentes Mundiais sobre a criação de DNA — prosseguiu o homem. — Esses parlamentares representam nove religiões diferentes, que fazem parte do grande universo de sociedades secretas do mundo.
— O conheço?
— Sou o Dr. Björn Rahn, psiquiatra geriátrico da equipe de Maxuell Reingner — esticou uma mão que ficou muito tempo dependurada até ser recolhida; Björn percebeu que Sean fora puro desprezo. — As pesquisas do Dr. Maxuell estão bem além dos atuais processos de engenharia genética que envolve absurdas combinações de bases do DNA, de proteínas ou uma recombinação do DNA de um organismo noutro. Estão fazendo uma ‘tempestade em copo d’água’.
— Está querendo dizer que os geneticistas do Dr. Maxuell Reingner não alteram códigos genéticos criando DNA capazes de criar verdadeiras quimeras? Monstruosidades que podem escapar ao controle? — Sean só parecia querer piorar o quadro.
— Somar novos elementos ao DNA e às proteínas é fundamental para que se possa reescrever o código genético, a linguagem da vida, sim. Mas daí dizer que estamos criando monstros, Herr Queise? — Dr. Björn Rahn gargalhou, agora alto demais.
Sean sentiu a pressão daquela gargalhada. A ruiva de vestido verde oliva, que se afastava cada vez mais dos dois, também sentiu.
— A clonagem ainda é polêmica pelo que me lembro ‘Doutor alguma coisa’.
— Doutor...
— Que seja! — Sean não o deixou falar. — E diferente do prêmio que os trouxeram aqui, vocês trabalham em medicamentos e produtos à base de clonagem humana, não é? E manipulação genética, mesmo que a favor dos seres humanos, ainda é contraditória, não é?
Dr. Björn Rahn ficou irritado a pensar; foi notório. Algo que ele não disse, ele certamente pensou, com Sean se esforçando para decifrá-los, sem conseguir.
“Poliu!”, Sean odiou a todos.
— Tenha uma boa noite, Herr Queise — Björn que virou as costas começando a ir embora.
— É um homem polêmico Dr. Björn — Sean disparou. — Seu livro Da Lógica à Emoção, da psicanálise à física quântica; eu diria, é revolucionário.
— “Revolucionário”? — estancou. — Que palavra simpática para não me chamar de louco.
— “Louco”?
— É assim que me chamam porque acredito em espíritos, Herr Queise. Ou será que é porque acredito em espíritos alienígenas? — ele viu Sean arregalar os olhos. — Ou será que é porque acredito que alienígenas também vão para o céu ou para o inferno? Nein? Então é porque acredito em espíritos alienígenas presos na Terra Oca, pagando por erros do passado — e Dr. Björn se foi.
— Wow! Um homem da ciência que enfim acredita em nazis na Terra Oca... Atrás de erros... — Sean foi o mais cínico da noite. Mas Dr. Björn não cedeu e continuou a se afastar dele. — Como é mesmo o nome, doutor? Sociedade LINK? Uma sociedade compotas de alienígenas vivendo no centro da nossa Terra que é oca, mandando emissários, comandando grandes potências, polícias secretas, armas íntimas... — e ele teve prazer de dizer aquilo tudo.
Björn virou-lhe violentamente novamente e de longe só o observou fazendo toda sua acentuada arcada dentária se projetar mais ainda.
“Poliu”, foi só o que pensou Sean.
O jantar terminara ali.
3
The Radisson Hotel, Estocolmo; Suécia.
59.35°2’ 0” N e 18,06° 4’ 0” E.
02 de dezembro; 02h11min.
A noite para Sean Queise terminara naquela discussão. A noite de outros também. Quando Sean chegou ao hall do The Radisson SAS Strand Hotel, ele encontrava-se vazio. Kelly Garcia insistia em esticar a noite numa badalada casa noturna, queria poder passear, mas Sean insistia em ir embora logo pela manhã para o Brasil; estava irredutivelmente fechado, inclusive à diversão.
— Quero passear Sean — falou no que o elevador abriu-se no andar deles. — Estocolmo é a cidade de vikings e reis. O Palácio Real fica no alto de Slottsbacken uma colina que é o símbolo da prosperidade dos Séculos XVII e XVIII.
— Não Kelly.
— Não fale ‘não’, Sean. Quero ver o estilo rococó do Salão Nobre, a Capela Real, o Museu de Antiguidades Gustav III e o Museu Tre Kronor, e o...
— Chega! — exaltou-se. — Terá amanhã todo tempo do mundo para fazê-lo sozinha. Não vou a lugar algum — ele só a viu cogitar. — Ponto final!
— Que saco Sean! — ambos andaram em silêncio até o quarto dele, mas Kelly não desistiria. Ele parou para abrir a porta e mal teve tempo de se defender dela que após o último momento de lucidez, beijou-lhe os lábios. Sean ficou sem ação momentaneamente. — Uma taça de champagne?
— Não! — Sean ficou tão nervoso, que se virou colocando com força o cartão na porta de seu quarto totalmente irritado com as investidas cada vez maiores da sócia. Mas Kelly mordeu-lhe o tecido do smoking dele pelas costas. Sean a olhou de lado. Ela mordeu mais forte até atingir seu braço. Sean sentiu dor, excitação. — Ahhh! Kelly...
— Uma taça!
— Sabe que não posso.
— Uma taça? — ela viu Sean abrir a porta e entrar sozinho ameaçando fechá-la se Kelly não a brecasse com o pé. — Uma taça?
Sean quis beijá-la. Beijou-a. Um beijo longo, apaixonado, de línguas que falavam a linguagem do amor, do tesão, finalizado pelo empurrar do corpo dela.
— É tarde...
— É tarde, sim. Para você, Sean — e se virou para ir embora.
Sean ficou com o coração a palpitar. Foi tarde para Sandy, foi tarde para Ambrósia, seria tarde para Kelly também? Sean não sabia. Também não sabia se queria expulsá-la de lá, do lado dele, da vida dele, de todo ele. Não fez nada daquilo. Kelly foi agarrada sem que ninguém a tocasse, foi empurrada para dentro do quarto sem que ninguém a empurrasse, e tudo numa sequencia ensandecida e paranormal. Ela arregalou os olhos e estava dentro do quarto dele, com ele encostado à porta, longe de poder ter feito tudo aquilo manualmente.
Ela sorriu sem saber por que sorriu e ele ficou confuso, carente também.
Kelly Garcia foi até o frigobar e pegou o champagne que lá deixara. Sean percebeu que ela armara aquilo muito antes de saírem. Não soube o que pensar; o que querer afinal.
— Isso já estava ali? — apontou para a garrafa e o frigobar.
Kelly não respondeu e ambos riram. Ela entregou-lhe a taça.
— Nossa primeira viagem juntos.
— Segunda.
— É verdade! Ataquei-lhe no yacht do Sr. Roldman.
Sean só arqueou um olhar e a mão dela entrou na calça dele. Sean abriu a boca em choque e Kelly tirou a mão pegando entregando a taça, que ele aceitou. Sean bebeu toda champagne e ela desmanchou a gravata dele. Ele esticou a taça e ela encheu outra vez. Sean bebeu toda champagne e ela abriu o paletó dele. Ambos riram. Ele esticou novamente a taça e ela apenas sorriu. Depois foi até o frigobar e abriu outra champagne, o servindo. Sean bebeu a taça de champagne num jogo só e ela tirou-lhe a casaca do black-tie.
— Kelly...
— Sean...
Ambos riram. Ele esticou a taça e ela mais uma vez a encheu tirando-lhe a blusa concentrada a lamber cada músculo definido do peito dele. Sean viu que a garrafa esvaziava outra vez e voltou a esticar a taça. Mas Kelly sorriu e tomou no gargalo o resto de champagne, num charme tão grande que Sean sentiu tesão pela sócia. A boca dele fez par com o gargalo e línguas se lamberam mais que lábios se beijaram.
Sean se moveu do lugar e abriu a geladeira torcendo que tivesse uma terceira champagne gelada para continuar a coragem que iniciou ali, mas a garrafa que o esperava era uma vodka de Kathanga.
Toda sua estrutura emocional ruiu.
— Você colocou isso aqui?! — sua voz já não era de boa vizinhança.
Kelly estava tão excitada pelo momento, pelo corpo dele que não percebeu aquilo.
— Não. Coloquei duas garrafas de champagne.
Sean correu um olhar para um lado e outro do quarto já não gostando de estar ali com Kelly, sabendo que ela corria perigo.
— Vá para seu quarto Kelly!
— Sean...
— Vá!
— Mas eu...
— Eu vou te encontrar lá em alguns minutos!
Kelly e todo seu corpo se tomou de um frenesi. Ela olhou um lado e outro, meio desorientada, pegou sua bolsa e sua chave e se foi.
Sean voltou a olhar a vodka e todo quarto se inclinou. Já Kelly alcançava seu quarto, conjugado ao dele, sem nada perceber o que acontecia com Sean Queise. Abriu a porta, jogou a bolsa e o casaco em cima da cama, e jogou tudo que estava na cama no chão quando um som abafado no quarto conjugado de Sean ela ouviu.
— Sean... — falou a esmo. Mas o silêncio se fez. — Sean? — se aproximou da porta que os ligava. — Sean? — perguntou mais uma vez para então o som de algo se quebrando se espalhar. — Sean?! — gritou desesperada alcançando a porta e o corredor que se lotou de gente. — Sean?! Sean?! — Kelly batia na porta quando o som de vidro caindo e quebrando foi sua resposta. — Sean?! — Kelly recuou; olhando para os lados, aturdida. Socou a porta chamando-o desesperadamente. — Sean?! Sean?! Pelo amor de Deus, patrãozinho! Responda! — sons de vidros foi sua nova resposta. Seguiu-se um estampido seco que ecoou pelo corredor. — Socorro!!! Socorro!!! Socorro!!! — gritava Kelly, chamando a segurança pelo interfone do corredor. Seguranças, camareiras, todos tentando derrubar a porta que não respondia à chave mestra. Uma escuridão pelas cortinas cerradas foi à primeira cena encontrada no que enfim a chave mestra funcionou. — Sean? — reverberou a voz dela ainda no corredor.
Alguns hóspedes de quartos contíguos se espremeram na porta junto aos funcionários dentro do quarto. Um corpo que não era Sean Queise estava caído no chão. Uma poça de um líquido azul se formou em volta do que também não era um corpo, porque não havia corpo algum lá.
Kelly parou de gritar, seus olhos astutos fizeram um rápido reconhecimento do quarto; o armário estava aberto e a mala de Sean sumira, outro olhar rápido percebeu que o notebook também sumira, outro olhar mais rápido ainda percebeu que só havia a poça de líquido azul manchando o carpete.
Ela olhou mais uma vez em volta e voltou ao seu quarto em meio à confusão, para não responder as perguntas que certamente seriam feitas. Ficou sentada o começo da manhã toda na beirada da cama esperando o telefonema que custou a chegar.
Estocolmo; Suécia.
02 de dezembro; 03h33min.
Sean Queise corria desesperado pelas ruas desertas, pela noite escura. Toda sua adrenalina se esparramava após a luta com algo que não enxergou, não antecipou o ataque, que lutou até sentir que em sua mão se encaixara uma Tyron, que ela lera suas informações biométricas, que o aceitaram, que disparara matando um corpo de cristal que foi ao chão na escuridão que se tomou o quarto dele.
Sean ainda corria quando um beco ele encontrou. Entrou e se encostou à parede tentando engolir a saliva que não descia pela emoção, pelo medo. Sabia que não era um corpo humano o que lhe atacou no hotel, que ele matara, que a Tyron atirara num corpo cristalizado mandado até lá para matá-lo, quando uma luz tênue saiu do piso do beco onde se escondia.
Sean olhou a sua volta, impactou, não estava mais na rua, estava em pé, ao lado de um banco de concreto, úmido, num jardim extremante bem cuidado, com flores rosa, violetas e roxas em meio a chuva que caía; sentado no banco, um jovem de cabelos loiros e encaracolados com um maço de cigarros na mão, para então ao fundo da paisagem, uma construção borrada e acima, uma Lua escassa, escondida na precipitação pluviométrica que se fazia.
Sean sentou-se em choque no banco percebendo que o jovem de cabelos loiros ali sentado ao lado dele não o via, que ele havia saído do corpo e viajado, ele não sabia para onde, para quando.
Voltou a olhar em volta, o jovem de cabelos loiros, em volta, e outra vez o jovem de cabelos loiros que fumava com as mãos trêmulas; nas mãos um maço de cigarros Lucky Strike branco com os dizeres: ‘Rauchen kann tödlich sein!’, ‘Fumar pode matar!’; Sean não acreditou no que traduziu.
De repente o jovem de cabelos loiros ergueu-se apavorado. Sean se ergueu também, ao ver que ele olhava a construção atrás deles, uma grande construção de colunas dóricas e mármore branco.
— Arghhh?!
Um som gutural, em meio a gritos humanos que se misturavam ao de uma coisa que emitia sons roucos, profundamente assustadores, chegou até ele, até os dois. Sean viu que o jovem de cabelos loiros pensava algo.
“Ela veio à tona”; soou muito distante.
O jovem de cabelos loiros voltou a se sentar, talvez acostumado àquilo, aos sons, aos gritos. Sean o observou mais, olhou a construção, olhou o jovem de cabelos loiros, olhou a construção e outra vez o jovem de cabelos loiros, que não reconheceu, quando de repente o som cessou e tudo se calou. O jovem de cabelos loiros apagou o resto do cigarro com o pé, respirou desanimado e sumiu da sua vista.
Sean olhou em volta; só o banco úmido, o poste mal iluminado, a chuva fina a cair, a noite escura, o jardim florido e o piso do beco. Havia voltado a Estocolmo.
Tocou-se, estava úmido pela chuva. Olhou à sua frente e a imagem de Mona Foad estava ali, o vendo fazer aquela viagem.
Ele correu até um telefone público.
The Radisson Hotel, Estocolmo; Suécia.
59.35°2’ 0” N e 18,06° 4’ 0” E.
02 de dezembro; 05h08min.
— Sean?! — Kelly gritou antes de atender.
— Você está bem?
— Sim, mas...
— Por favor, Kelly. Confie em mim! Você mesmo disse que só tenho você de amiga.
— “Amiga”? Sou muito mais que isso, não?
— Por favor, Kelly! Por favor!
— Eu pensei... Eu pensei que... — ela suspirou, tremendo toda. — Oh! Patrãozinho... Perdão por ter feito aquilo quando disse que não mais faria aquilo...
— Agora não Kelly.
— Agora sim Sean. Não quero que diga que é ciúme porque eu a vi. Porque vi o tipo de mulher que ela era, Sean.
— “Tipo”? — arregalou os olhos.
— Cabelos acobreados e cacheados até a cintura. Batom vermelho brilhante, boca carnuda. E ela anotava tudo naquele Mini Tablet.
— Mini... — e Sean parou. — Kelly... Por que está me dizendo isso?
— Porque eu vi o liquido azul no chão do quarto ao lado... Com pedaços de cristais azuis...
— Kelly... Por favor! Escuta! Avise meus pais que precisei viajar.
— “Viajar”? Onde você está?
— Viajando...
— Como assim ‘viajando’? Enlouqueceu? Vai deixar-me aqui...
— Preciso Kelly!
— Mas o que... Quem era...
— Não sei quem era a mulher cristalizada, mas acho que a feri quando ela me atacou.
— “Mulher”? Mas não havia ninguém lá…
— Estávamos lá Kelly, eu e ela, invisíveis.
— Invi… — e Kelly não conseguiu terminar aquilo.
— Por favor, Kelly, por favor... — falava atônito entrecortando os resmungos dela. — Oscar vai cuidar de tudo.
— Sr. Roldman? Aqui?
— Lhe peço apenas isso, Kelly.
— Isso o quê, afinal, patrãozinho?
— Silêncio! — e desligou.
Kelly Garcia sabia que Sean Queise já estava envolvido com a Polícia Mundial, com o nórdico Oscar Roldman de alguma forma. Provável até que o envolvimento tivesse alcançado a Poliu, alcançado Mr. Trevellis ou coisa pior, já que ele agora está e não está num lugar.
Cidade de Lisboa; Portugal.
38° 42’ 50” N e 9° 8’ 22” W.
02 de dezembro; 11h52min.
Sean saiu do Aeroporto de Estocolmo-Arlanda pela TAP para o Aeroporto de Portela, Lisboa. Chegou sem conexões após cerca de 5 horas de voo sentindo muito frio.
Odiava aviões.
— A campainha!!! — gritou uma mulher por detrás da porta de madeira maciça do espaçoso apartamento. Sean olhou para o corredor vazio após ter passado pela portaria sem ser avisado. Sabia que se avisasse de sua presença ali, haveria de ficar um bom tempo esperando no hall de entrada do apartamento. — Ninguém abre a porta, não Manoel? — falou a vantajosa mulher egípcia ao abrir a porta de madeira maciça brigando com o marido afobado que a seguia.
Ela arregalou os olhos não acreditando que não o havia sentido, antecipado sua presença ali.
— Olá, Mona... — Sean não podia ser mais cínico.
— Sean?! — gritou um homem roliço, baixinho, de acentuado bigode negro e sorriso aberto ao ver o jovem loiro de olhos azuis e belo parado à sua porta. — Que surpresa! — Manoel empurrou Mona da porta e o abraçou.
— Olá, Barricas... — falou Sean a ele ainda encarando a egípcia Mona Foad que fazia mais que encará-lo; ela o ‘lia’. — Pronto? — foi o que Sean perguntou.
Mona se virou notadamente irritada com o cinismo e entrou na cozinha do apartamento espaçoso e confortável na zona nobre da Pontinha, Lisboa, Portugal. Já Manoel, mais conhecido pelo apelido de ‘Senhor Barricas’ estava todo sem graça; apagou o cigarro no cinzeiro que carregava e abriu toda a porta.
— Ãh... Entre Sean... Entre!
— Obrigado, Barricas — não se fez de rogado e entrou.
— Sua mãe, irmã, e pai?
— Vão bem.
— Pois, pois... Não vejo seu pai Fernando desde a reunião dos G7 ano... retrasado?
— Meu pai não trabalha há mais de quatro anos, Manoel.
— Ãh? Claro! Pois, pois... Esqueci-me! — riu. — E você? Cada vez mais bonito, não Sean? — ele viu Sean achar graça. — O que faz aqui? — ofereceu cigarros que Sean recusou.
— Passeando... — mentiu.
— Passeando com a bela secretária? — Manoel cutucou-o oferecendo um cálice de Vinho do Porto que Sean prontamente aceitou.
E a porta da cozinha se abriu.
— ‘Sócia’ Manoel! — corrigiu Mona encarando Sean ao vê-lo lhe olhando.
— Ãh? Claro! Pois, pois... Esqueci-me... Sócia... Claro! — agora Manoel viu Sean sorrir sem graça. — Aonde quer ir, Sean?
Sean despejou o cálice de Vinho do Porto num gole só.
— Ir?
— Pois... Não disse que veio a passeio?
— Ah... — Sean pediu outro cálice com um sorriso maroto no rosto. — Não sei... A última vez que estive aqui tinha quinze anos... Então, qualquer lugar que inclua muitos doces estará muito bem — olhava Mona ainda o encarando.
— Ah! Sim. Pois, pois... Passearemos pela zona de Belém. Este bairro dos séculos XV e XVI, na ida Idade de Ouro de Lisboa era um centro opulento e parte dessa riqueza ergueu magníficos monumentos, no exclusivo estilo decorativo ‘Manuelino’.
— Chega Manoel! — a voz de Mona era forte.
— “Chega”? Não... não... Faremos uma paragem na Torre de Belém e no Padrão dos Descobrimentos, bem como visitaremos o Mosteiro dos Jerónimos e tomaremos um maravilhoso Vinho do Porto — falava Manoel para Sean e Mona que não o ouviam. — E como pediu, uma paragem na conhecida pastelaria “Pastéis de Belém”.
— Isso. Já estive lá — voltou a si.
— Será uma ótima oportunidade para comermos os deliciosos pastéis de Belém, acompanhados de café que tanto gosta e... — e parou de falar vendo que Mona havia trazido três fluts de vinho e uma garrafa grande de vinho branco, na mesa improvisada na sala. Manoel olhou Mona com uma interrogação no rosto redondo. — Achei que íamos continuar com o Vinho do Porto?
— São de lá! — a voz forte de Mona atravessou a ambos.
Sean a olhou não entendendo.
— “De lá”?
— De lá... — Mona apontou o vinho. Mona viu Sean pegar a garrafa. — Liechtenstein! — ela viu Sean arregalar os olhos. — Achou que eu não conseguiria Sean amigo?
— Achei mesmo que seus poderes jamais a abandonariam — encarou Mona com a garrafa de vinho na mão. — Mesmo quando dizem que perdemos nossos poderes paranormais quando fazemos o mal com ele.
— Quem fez o quê Sean amigo?! — Mona ergueu-se do sofá tão furiosa que sua taça flut, enfeites e tudo mais a sua volta se ergueram e ficaram flutuando no ar.
Manoel também foi erguido; pelo susto, pela paranormalidade dela e pelo impacto de vê-la furiosa.
Sean sorriu pelo canto da boca ainda volitando.
— Então sabe que vou à Liechtenstein, não Mona amiga?
— Sei que esteve lá!
— Estive?
— Não esteve? — desafiou-o.
E tudo voltou ao normal.
— Estive em Liechtenstein? Era lá que o banco de concreto úmido ficava Mona amiga? O que você observava do beco de Estocolmo enquanto eu viajava na noite escura? — riu se divertindo.
— “Estocolmo”? — ficou Manoel temporariamente perdido na informação e em como se soltou do chão. — O que foi fazer em Estocolmo Mona?
— Não faça isso Sean amigo — Mona nem se deu ao trabalho de responder Manoel; era Sean quem ela queria atingir.
— Por quê?
— Porque não vai trazê-la de volta — Mona se virou para sair da sala.
— E por que acha que a quero de volta... — Sean esperou ela parar de andar. —, morta? — tremia.
— Quem disse que ela está morta Sean amigo? Quem disse que morremos realmente? — e se foi para a cozinha.
Manoel olhava um e outro sem entender se falavam de Sandy Monroe.
— Sean... — soou da boca de Manoel.
— Não é de Sandy que ela falava Barricas. Não se preocupe — Sean tremia, encarando Mona de costas, parada à porta, sabendo que ele lera muito mais que ela queria que ele lesse no éter.
— Peça almôndegas picantes conhecidas como ‘vapcici’ já no café da manhã, Sean amigo, quando estiver em Triesenberg, Liechtenstein — ela não se virou para ele. — E não deixe de experimentar a sopa de feijão típico da Sérvia servido por Frau Obecana Veca, ela é a cozinheira chefe do Castelo Stoff — e se foi para dentro do apartamento sem mais voltar.
As lágrimas rolaram do rosto bonito.
Manoel ficou sem ação ao ver Sean chorar.
— Sean... Eu... — olhou a porta fechada da cozinha para onde Mona fora. — Pois, pois... Eu sinto por isso. Vocês são amigos e agora veja só? O que fizeram? Fazendo coisas, levantando coisas, falando coisas um para o outro.
Sean sentou-se em frente à mesa da sala chorando, sem controlar. Sentia dor, sentia a falta da amiga que o acolhera após a morte de Sandy, após o fim de sua estabilidade emocional. Porque Mona Foad estivera o ajudando, o preparando com todo seu conhecimento milenar de técnicas ocultistas egípcias, sorvidas de Atlantes, descendentes da Lemúria.
Técnicas de clarividência, pré-cognição, retrocognição, psiônica, telepatia, viagem astral, radiestesia, percepção extrassensorial, teletransporte quando Sean lhe saiu do controle, quando se permitiu ir além, quando permitiu que todos seus dons fossem desenvolvidos por Mr. Trevellis.
— Esqueça Barricas, sou o único culpado disso tudo.
— Pois... pois... Não pode se culpar de ter nascido assim Sean. Você...
— É... Eu não sou um Queise, não é Barricas? — olhou-o.
— Não quis dizer isso! — foi uma exclamação alterada. — Sabe que seu pai Fernando e eu somos amigos de infância, que apesar de ter nascido rico, lutou muito para chegar até onde chegou para que chegasse aonde chegou, até onde deixou você desejar chegar.
— Nunca fui ingrato! — Sean alterou-se também. — Nem ao amor dele, Barri...
— Não Sean. Escute! — Manoel cortou-lhe a fala. — Você não tem ideia de como ele o ama. De quanto Fernando faz e fará por você.
— Mesmo sabendo que eu tenho dons paranormais?
— Sean! — chamou-o a atenção.
— Sem essa Manoel! O fato de meu pai me amar não muda minha genética — Sean terminara com as intimidades. — Não me venha com essa de não saber o que acontece a sua volta. De fazer de conta que não entende que os objetos saem e voltam ao chão, que Mona lê mentes e sabe tudo o que acontece à sua volta mesmo quando tudo não está à sua volta. Porque meu sabe.
— Como pode ser tão cínico Sean? Seu pai nunca permitiu que...
— Não permitiu o que? Como se o que eu soubesse ‘como saber’ fosse fácil, não? Ou quando eu lia o resultado da prova antes da professora a formular? Ou quando eu fazia panelas e talheres sumirem dos armários e aparecerem na mesa, e voltarem aos armários com um simples querer? Com objetos se erguendo à minha volta como Mona...
— Chega! — Manoel o cortou outra vez.
— Não chega não Manoel! Mona disse... — enxugou as lágrimas com a ponta da camisa polo que usava. —, que todos nós podemos possuir poderes PK latentes, mas nossa habilidade de desenvolvê-los está sendo anulada por nosso stress adquirido. Disse que enquanto eu sofresse pela morte de Sandy, meus poderes não se desenvolveriam e que minha visão remota, minha habilidade de ver coisas longe do corpo físico poderia transpassar o tempo, a vida e a morte, e ir até outras paragens estrelares — e olhou Manoel de olhos escuros e saltados o olhando. —, e que se eu conseguisse controlar minha... minha... — e não conseguiu completar. — Pois bem. Sandy morreu e eu a enterrei, mesmo meus pais ou Kelly lutando para acreditar — Sean levantou-se agora ele olhando a porta trancada do quarto para onde Mona fora. — Então se Mona ainda acha que perdi o controle dos meus dons está enganada. Porque Trevellis nunca me usou. Porque eu usei Trevellis! — e Sean se dirigiu para porta de saída.
Manoel ia falar. Desistiu. Depois falou.
— Por que fez isso, Sean? Por que desafiou a Poliu se tornando um risco a você mesmo?
Mas Sean chegou até a porta da entrada e se virou para ele:
— Ainda fuma, não Manoel? Lucky Strikes brancos — olhou o cinzeiro cheio.
— Em 1942, a embalagem passou a ser produzida na cor branca por causa da Segunda Grande Guerra, uma vez que o pigmento verde era utilizado para produção de acessórios militares. Então os alemães adotaram o slogan “Lucky Strike Has Gone To War!”.
“Segunda Grande Guerra”; aquilo realmente alertou Sean.
— Diga a Mona que estarei hospedado no Sheraton Lisboa Hotel & Spa, décimo andar, apartamento 1011; um belo quarto com banheiro de vidro — Manoel ia falar, mas Sean não deixou. — E que a espero as nove para o jantar! Sozinha! — e saiu sem mais nada falar.
Sem mais nada ouvir também.
Sheraton Lisboa Hotel & Spa; Portugal.
02 de dezembro; 21h00min.
A campainha do apartamento no décimo andar do hotel tocou insistentemente umas cinco vezes. Sean saiu correndo com uma toalha na cintura após ter abandonado o chuveiro.
— Não foi muito inteligente de sua parte dizer a um marido ciumento que quer a mulher dele num quarto de banheiro de vidros, sozinha... — Mona Foad viu Sean sorrir-lhe ao vê-la mais acessível. Entrou ao passar por ele. — Se o visse de toalhas, molhado e malhado assim, então... — voltou ela a falar e Sean a rir. — O que quer de mim, Sean amigo? — Mona sentou-se na poltrona de couro marrom.
— Onde eu estive? — ele preferiu a beirada da cama.
— Por que quer saber? Já esteve em lugares mais complexos.
— Não estou falando de lugares para onde me programou ir.
— Nunca falou isso a ninguém, não Sean amigo?
— Falou o que? Que você me ensinava a montar dossiês sobre pessoas escolhidas para que a Poliu os pudesse destruir? Não! Para então eu ir até lugares numa visão remota e deixar um aviso escrito, numa mesa qualquer, avisando-os que a Poliu os perseguia? Não! Para depois, então, penetrar os bancos de dados da Poliu nos meus mainframes, na Computer Co., remotamente, e mudar as linhas de programação para a Poliu não conseguir nada com os escolhidos? Não! — exclamava cínico. — Ah... Kelly sabe! — completou tão cínico quanto antes. — Kelly sempre sabe! — e Sean só viu Mona Foad expressar um sorriso na boca. O traduziu como um sorriso sarcástico. — Quem é Maxuell Reingner, Mona amiga?
Agora Mona sentiu algo.
— Por que acha que o conheço?
Sean conseguiu atravessá-la por míseros segundos.
— Você o conhece, não Mona?
— De outras vidas também — Mona foi direta.
Sean alertou-se.
— Como assim ‘outras vidas’.
— Eu e Maxuell Reingner. Encontrando-nos, cruzando nossos caminhos. Vida após vida. Num eterno retorno.
Sean levantou-se, com o corpo malhado e molhado ao lado dela.
— “Vida após vida”? Atrás de respostas? Que tipo de respostas?
— Como as suas, Sean amigo. Respostas que possam nos prevenir deles.
— Por que a incógnita, Mona amiga?
— Por Allah, Sean amigo, você é tão jovem... — se levantou e passou a mão no rosto dele. — Quando vai entender que de nada...
— Por favor, Mona — esquivou-se dela.
— Sinto Sean amigo, mas não posso falar sobre isso. Não vou arriscar sua vida se venho tentando...
— “Tentando”?
— Salvá-lo!
— Salvar-me de que? De quem exatamente?
— Não insista Sean amigo. E não tente penetrar minha mente.
— Conseguiria?
Ela o encarou.
— Conseguiria!
— Deus... — Sean assustou-se. Não se imaginou tão preparado assim. — Mas como... Como... Eu não sei...
— Sabe! Sempre soube! Nasceu assim.
— Assim como? Por que diz que eu nasci assim?
Mona viu Sean tremer de frio.
— Nasceu para isso, Sean! — e se dirigiu para a porta. — Nasceu para detê-los, para deter os que “Sempre ocultaremos a verdade divina deles, de que somos todos um!”.
Mas Mona ficou lá, como fizera em sua casa, parada na porta de costas para ele.
— Estive em Liechtenstein em 11 de janeiro desse ano.
— Dez dias antes que Alcântara me chamasse ao centro da cidade. Então a trilha aconteceu por causa dessa sua ida ao Castelo Stoff?
— Esteve com o 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara, Sean amigo? Por Allah! Eu não sabia.
— Não sabia? Desde quando não sabe algo Mona amiga? — ele ouviu o cartão magnético da porta girar e abrir-se. — Mona? — ela saiu sem responder. — Mona?! — ainda gritou sem que ela voltasse. Sean caiu em choque na beirada da cama sem entender nada, sem se entender. — Deus...
Sheraton Lisboa Hotel & Spa; Portugal.
38° 43’ 54.30” N e 9° 8’ 48.70” W.
02 de dezembro; 23h30min.
A noite chegara e seu sonho era obscurecido por algo grande e azulado que corria atrás dele, por corredores de mármore branco, altas colunas dóricas, manchadas de sangue. Sean tinha calor, fome e dor durante a viagem astral. Não sabia aonde sonhava, mas sons de chamas crepitantes o alcançaram; havia um incêndio em seu orbe, um incêndio de fumaça enegrecida misturada a fumaça de Lucky Strike brancos.
“Presente, passado, ou futuro?”; se perguntava em sonhos.
O calor do go aumentava e Sean sofria. Pessoas a sua volta queimavam, sofriam, também. Rostos deformados pelo calor, dores profundas em meio a lamúrias infantis, adultas. Gritos de dor entrecortados por sons guturais de algo monstruoso.
“Ela veio à tona”, falaram próximo a ele.
— Ahhh!!! — Sean gritou no tocar da campainha do telefone. Olhou para os lados. Havia se molhado, agora de suor. O telefone ao lado da mesa de cabeceira ainda tocava insistente. — Alô?
— Preciso que não retorne ao Brasil ou não conseguirá mais sair.
— O quê? — Sean tentou encontrar o abat-jour e uma luz avermelhada se acendeu.
— Terá de ir a Liechtenstein, seguir para Triesenberg, ir ao Vilarejo de Wirgüs.
— “Vilarejo de Wirgüs”? Sabia que eu estava em Lisboa? Mona contou-lhe que vim atrás dela?! — gritou.
— Não grite comigo! — foi a resposta que teve no levantar de voz dele.
E Sean sentiu o ácido jorrar.
— Sabia sobre o Castelo Stoff? Quando ainda fumavam Lucky Strike brancos?
Mas Oscar não respondeu ao filho de um amor platônico, ao filho que Nelma Queise nunca afirmara ser dele, fruto de um amor proibido.
— A Poliu não sabe quem era ou o que era, a mulher que lhe atacou em Estocolmo.
Sean teve medo do que ouviu.
— Havia uma arma Tyron lá, no quarto, junto a uma vodka de Kathanga.
E foi a vez de Oscar ter medo do que ouviu.
— Você usou a Tyron?
— Quando aquilo me atacou eu fui ao chão, quase sem sentidos, quando minha mão abriu e uma Tyron veio até mim assimilando minhas digitais e disparando no corpo cristalizado.
Sean só ouviu o respirar pesado de Oscar Roldman.
— Agentes da Poliu, que pelo que pude compreender não estão muito satisfeitos com os rumos que a corporação de inteligência vem dando ao problema, disseram-me que há documentos perdidos, famílias e filhos separados no pós-guerra.
— Que tipo de família?
— Soldados nazis.
— O corpo cristalizado que me atacou era da Segunda Grande Guerra? — e Sean sabia a resposta. — Ela vestia...
— Uniforme!
— Droga! Que tipo de documentos?
— É o que terá de descobrir.
— Por que eu?
— Porque quer saber quem fumava Lucky Strike brancos, não é Sean querido?
E Sean não se deixou levar pelo cinismo dele.
— Que Mona foi fazer 11 de janeiro em Liechtenstein? Com Vincenzo Bertti?
— O viu?
— E você o viu?
“Estive em Liechtenstein...” “Em 11 de janeiro...”, soava Mona Foad.
E houve um lapso de tempo ali, no silêncio que se fez.
— Trevellis me garantiu que ele podia ficar…
— Invisível!
E Oscar não gostou por onde aquela conversa caminhava.
— Trevellis não foi muito solicito ao contar-me onde nos metemos com Michel sumido, mas me contou que enviara Mona e quatro agentes seus ao Castelo Stoff.
— E agora tenho eu ir ao Castelo Stoff?
— Não vai ser uma estadia fácil. A Poliu acha que você é culpado pela morte do Dr. Maxuell Reingner.
— Quem?! — explodiu de vez. — Mas que droga é essa? Como posso estar envolvido com... — e parou com algo que lhe pareceu escapar. — Maxuell estava bem quando saí do jantar de premiação.
— O Dr. Maxuell Reingner estava sob a escolta de agentes da Poliu quando foi assassinado.
— “Poliu”? Que agentes são esses? Kelly disse que havia uma mulher ruiva no jantar de premiação... Que ela estava usando um mini Tablet...
— A Senhorita Garcia a viu? — Oscar notoriamente se apavorou. — Sinto, mas ela também foi morta. E parece-me que também morreram agentes da Poliu no Castelo Stoff no começo do ano.
— Eu... — Sean sentiu-se mal. — A mídia Oscar... Se a mídia souber que estou envolvido com mortes...
Oscar sabia onde Sean ia chegar. Seu envolvimento com a mídia depois da denuncia sobre SiD afetara sua credibilidade para com o mercado.
— Maxuell Reingner disse ao médico-chefe Dr. Björn Rahn que ia ao seu hotel, que você o havia chamado para um acordo.
— “Acordo”? — Sean não acreditava no que ouvia. — Que droga de acordo é esse? Como a Poliu acha que...
— Você tinha Sean querido? Um acordo a tratar?
— É obvio que não! Trevellis está me envolvendo em algo Oscar. Ele quer me forçar a algo.
— Ir a Liechtenstein!
— Deus... — Sean caiu sentado. — O que Trevellis quer comigo?
— Que você vá a Liechtenstein, ao Castelo Stoff e descubra o que Maxuell fazia ultimamente.
— Preciso ir? — riu cínico.
— Maxuell não usava computadores, não usava Rede Internet, não comunicava à sociedade médica suas descobertas, e em se tratando de Poliu... — Oscar deixou a frase inacabada.
— E em se tratando de Poliu eles me bloqueiam — Sean riu o cínico que era. — E me bloqueiam porque a Poliu investiga o Castelo Stoff... — e ele próprio parou de falar. —, investigam as pesquisas de Rh. E é por causa do Rh negativo, que fui à premiação. Porque eu investigava Maxuell, que me investigava, porque eu e a Poliu passamos a ser um denominador comum.
— Cuidado Sean.
— Você me pede cuidado enquanto trama com Trevellis minha... — e a linha foi interrompida. — Oscar?! Oscar?! — gritou Sean furioso com o encerramento da ligação. — Droga!!! — explodiu de vez no que a campainha do quarto foi acionada. — Quem é?! — gritou furioso escancarando a porta no que um jovem magro, de cabelos negros e corte moicano, usando óculos de vidro delicado não se alterou por ver a porta abrir sozinha.
“Poliu!”, soou por todo Sean Queise.
— Boa noite Sr. Queise. Estamos fazendo o possível para que seu nome não seja citado nas investigações que correm em Estocolmo, após a tragédia ocorrida com o Dr. Maxuell Reingner, por isso sua saída até Portugal não foi interrompida.
— Claro! Fazendo o possível!
— Aqui estão os documentos que vai precisar para entrar em Liechtenstein — o jovem magro, de cabelos negros e corte moicano se pôs a explicar, percebendo que Sean ainda não se levantara da cama, onde até segundos atrás gritava com Oscar Roldman. Deu cinco passos, depositou um envelope pesado em cima da mesa e voltou à porta como se temesse nunca mais sair dali. — Como não existe aeroporto em Liechtenstein por causa do terreno…
— Me priva da aula de geografia.
— Como queira Sr. Queise. Em Zurique poderá tomar o trem que vai até a Cidade de Schaan. Uma vez lá, aconselho que vá até Vaduz, capital de Liechtenstein e durma lá. Na manhã seguinte parta para Triesenberg que obviamente conhece a geografia.
— Obviamente!
O jovem magro, de cabelos negros e corte moicano não se perturbou.
— Haverá um carro a sua disposição que o levará até o Hotel Oberland. Fique por lá até segundas ordens para ir ao Vilarejo de Wirgüs.
— Que não existe no mapa de geografia.
— Que obviamente deve saber após nos ter hackeado.
— Wow! — Sean não gostou da ironia dele, só ele tinha aquele direito; de ser cínico e irônico.
— Existem ônibus, porém os horários são muito reduzidos. O carro é a melhor opção para percorrer este diminutivo país, Sr. Queise. Mas não haverá um disponível ao Senhor, visto que não teremos tempo hábil para fornecer-lhe uma carteira de motorista.
— Vocês tem tempo hábil para o que quiser... Se quiser...
Outra vez o jovem magro, de cabelos negros e corte moicano prosseguiu inabalado.
— A corporação de inteligência conseguiu que o Senhor, mais precisamente a Computer Co., ganhasse uma concorrência para a criação de um programa matemático que levará ao espaço, à Estação Espacial Internacional, as pesquisas realizadas no sanatório do Castelo Stoff, do qual foi premiado com um Nobel — e havia mais que ironia ali.
“Quando tiver outra chance, se é que terá, venha me visitar”, ecoou a voz de Maxuell por todo o quarto.
— Sobre o que é o programa matemático?
— O Dr. Maxuell Reingner era peça importante de um grande projeto da corporação de inteligência Poliu; Lógica booleana biológica.
— “Lógica booleana biológica”? Está falando de um computador biológico a base de DNA?
— Não conheço a fundo o programa, mas um transistor biológico leva computação para interior de células viva e...
— Me priva da aula de biologia também.
— Como queira! Mas saiba de qualquer forma, que em 2011 incorporaram um computador biológico em células humanas in vitro, que foi capaz de destruir células cancerosas que como vai saber, o computador biológico se conectará ao satélite de observação Spartacus num futuro não muito distante; queira o Senhor ou não ou suas senhas travadas — riu.
Sean só fechou o punho esquerdo que cristalizou. Pela primeira vez o jovem magro, de cabelos negros e corte moicano, sentiu insegurança.
— É só isso? — o timbre de voz de Sean Queise também havia mudado.
— Haverá um telefone celular pré-pago, sem rastreamento, quando chegar a Zurique, nesse armário… — voltou a dar os cinco passos, agora mais rápidos e deixar em cima da mesa uma chave. — Ligue para o número 33-110-77654-009. Haverá sempre uma mensagem gravada para o Senhor nesse número. Mantenha o máximo de contato através desse número, Sr. Queise. Mas preste bem atenção. A corporação de inteligência nunca lhe ligará. Nem o Sr. Oscar Roldman terá permissão para isso. As ordens sempre serão enviadas por SMS apenas pelo número 33-110-77654-009. Não deixe ninguém lhe enganar.
— Me enganar? Wow! Serei enganado? — riu Sean sarcástico.
— Preste atenção, Sr. Queise! — agora entrou e aproximou-se tanto dele que Sean se ergueu da cama o encarando de muito perto. — Não procure saber o que a corporação de inteligência Poliu faz ou quer fazer, ou isso lhe criará muita confusão, mais do que já tem. Vá ao sanatório do Castelo Stoff, prepare o programa matemático e não tente descobrir porque mataram o Dr. Maxuell.
— E não vou fazer tudo isso por que... — Sean foi pura ironia.
— Porque deve sua vida ao Dr. Maxuell Reingner Sr. Queise — e o jovem magro, de cabelos negros e corte moicano, entregou-lhe algo. — Essa é sua arma Tyron que obviamente conhece.
— Obviamente! Porque os hackeei.
O jovem magro, de cabelos negros e corte moicano, desgostava dele cada vez mais rápido. Virou-se e voltou até o limiar da porta.
— O registro da arma está codificado a nível A.
— O que é arma “nível A”?
— Sr. Queise com permissão de matar. Sr. Queise sem permissão de ir preso.
— Essa é a visão de justiça da corporação de inteligência? — e Sean viu o jovem magro, de cabelos negros e corte moicano, só se virar e sumir pelo corredor. — Sabia que a filosofia sempre buscou entendê-la? — Sean viu o jovem magro, de cabelos negros e corte moicano, parar de andar no que a parede do quarto de Sean Queise que lhe ficou transparente. Ele o viu lá dentro. — Que Aristóteles, o filósofo grego, defendia que a injustiça devia ser punida e que tal postura era própria do homem virtuoso?
— Não há virtude na vingança, Sr. Queise — falou do corredor, olhando a parede transparente.
— No passado feudal do Japão, a classe de samurais mantinha a honra de sua família, clã, ou senhor através do katakiuchi, o assassinato vingativo, porque ainda hoje pessoas acreditam que ela seja necessária para se manter uma sociedade justa; a vingança.
E o jovem magro, de cabelos negros e corte moicano, só deu-lhe um sorriso frio, inabalável:
— Por isso Adolf Hitler disse que o verdadeiro destino do homem é algo que o homem comum não pode conceber Sr. Queise.
— E obviamente também disse que nossa revelação faz parte de um estágio final de uma evolução, que terminará com a abolição da própria história. Talvez uma história escrita pela vingança deles... Deles na Terra Oca — e a porta do elevador abriu no final do corredor.
O jovem magro, de cabelos negros e corte moicano, percebeu que a porta fora aberta para ele sumir dali. E se foi. E se foi sabendo que Sean Queise queria mudar a história.
No fundo torceu por aquilo.
4
Zurique; Suíça.
46° 57’ N e 7° 25’ E.
03 de dezembro; 12h12min.
O avião aterrissou no dia seguinte em Zurique. Sean Queise odiava aviões. Dirigiu-se aos armários como programado e lá encontrou o telefone celular prometido. Ligou do celular dado para o número 33-110-77654-009. Estranhamente não foi a voz de Oscar Roldman nem do jovem magro, de cabelos negros e corte moicano, que estava gravada na mensagem eletrônica; era uma voz feminina, de forte sotaque alemão, porém delicada e jovem, e que anunciava a direção que Sean deveria tomar.
Ele ouviu a mensagem outra vez:
— “Guten Morgen Herr Queise. Espero que tenha feito uma boa viagem sabendo que odeia aviões — Sean não esperava por aquilo. — Tome o trem em Zurique com destino à Viena, e desça na estação de Schaan, ao norte de Vaduz, Liechtenstein. Depois siga de táxi até a Cidade de Vaduz. Sua primeira estadia será no Park hotel Sonnenhof, Mareestrasse 29, próximo ao Vaduz Castle. Um quarto já estará reservado. Acesse seu e-mail através de uma linha segura, a linha do celular dado que possui um dispositivo antirastreamento. Irá receber também um pendrive com o programa matemático a ser trabalhado — Sean olhou outra vez dentro do envelope. — No dia seguinte, vá para Triesenberg, Hotel Oberland, e não dê sinais que vá sair de lá. Trabalhe no programa e faça ajustes que ainda precisam ser feitos. Faça sua alimentação no hotel se possível, e use sempre os cartões de créditos fornecidos para que possamos rastreá-lo. Pass auf Dich auf!
— “Se cuide!” — traduziu. — Wow! Quanta preocupação...
Sean dirigiu-se à saída e pediu um táxi. Entrou e partiu no que o motorista guardou sua mala. Foi até a estação de trens e partiu para Schaan, maior comunidade de Liechtenstein, no centro do país, próximo a capital Vaduz e incrustada entre montanhas e matas fechadas.
Fez tudo como lhe foi mandado, nem se quer cogitando estar entrando numa fria porque sabia que estava.
Queria chegar a Vaduz e dormir.
E dormir sem sonhar.
5
Hotel Oberland, Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
47° 7’ 5” N e 9° 32’ 36” E.
04 de dezembro; 12h12min.
Sean obedeceu todas as ordens outra vez. De manhã partiu de Vaduz pelo carro que lhe foi buscar chegando para o almoço em Triesenberg, sob forte nevasca. Fez o check-in, subiu ao quarto, verificou o celular, tomou um demorado banho, trocou de roupa, e viu a figura de Sandy Monroe lhe olhando. Caiu em choque na beirada da cama fechando os olhos, com vontade de chorar.
Sabia o que a imagem do espírito da noiva significava; estava em perigo.
Durante anos, só conseguia lembrar-se da briga com Sandy em flashes, borrões que não se apagavam de sua memória. Maldita festa de noivado em que Sandy deu tudo por finalizado; seu noivado, seu amor, sua vida. E a corrida dela andar acima, a porta sendo trancada, Sandy engatilhando a arma na têmpora, tirando-lhe a própria vida.
— Ahhh... — o som do tiro o trouxe de volta, de volta a traição da mulher amada, do roubo dos projetos de Spartacus, do satélite de observação criado por ele e os melhores cientistas da Computer Co., do eterno retorno ao sofrimento; e não, Sean não a havia enterrado.
Jogou as roupas na mala a esmo, desconectou o celular da parede e desceu com a mala e o notebook na mão.
— Herr? — o gerente estranhou tal atitude.
— Poderia fechar minha conta?
— Fechar Herr Queise? — o gerente viu a concordância do hóspede.
Quando terminou Sean pagou em francos suíços e se foi. Telefonou a um táxi via Rede Internet e esperou muito, já que a nevasca havia fechado as estradas. Mas ele estava irredutível, havia algo na morte de Maxuell, na morte atribuída a ele, no fato de Dr. Björn Rahn ter dito a Poliu que Maxuell ia fazer um acordo com ele. E tudo aquilo porque sabia que fora Dr. Björn Rahn quem falara com Mr. Trevellis.
“Mas que droga de acordo é esse?”
Antes de sair se virou para o gerente:
— Conhece o Vilarejo de Wirgüs?
— Nein! Fica na Suíça?
Sean nada mais falou. Não entendia como a equipe do Google não tivera acesso a imagens aéreas nem tivera permissão para adentrar no Castelo Stoff, um antigo castelo tomado pelas Waffen-SS e transformado em campo de concentração; um experimental campo de concentração.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
Sem coordenadas.
04 de dezembro; 15h15min.
Sean pegou informações de preço de uma pensão de nome ‘Schwemmbaue’, no centro do Vilarejo de Wirgüs com um transeunte, já que o taxista precisou ser orientado até chegar num lugar que não sabia chegar, que não sabia existir, com Sean o guiando através de satélites ali disponíveis, numa estação geoestacionária de 35.786 km, já que Spartacus estava fora de uso, por causa do SiD fora de uso.
No fundo Sean achava que algo impedia o satélite de observação Spartacus a rastreá-lo como fazia.
O táxi chegou e Sean o pagou indicando como sair dali e ficou parado olhando a fachada da pensão, datada do começo do século passado. A pensão ou gästehäuser, em alemão, havia sido construída por seus proprietários com a finalidade de ser uma casa de veraneios. O piso de largas ripas de carvalho, os cristais da fachada destruídos por causa dos rigorosos invernos, os papéis de parede desbotados pelo tempo, e a grande lareira de pedra, faziam, juntas, a grande atração de sua beleza.
A pensão tinha quarenta quartos sendo que estavam distribuídos pelos segundo e terceiro andares. Sean pediu a Senhora que o atendeu no check-in que seu quarto desse para a rua. Recebeu a chave do quarto de número 25. E foi no corredor, ainda com a mala e o notebook na mão, que conheceu outra funcionária que ali fazia limpeza.
— Guten Tag! — Sean deu ‘Boa tarde!’ — Ich heisse Sean Queise — se apresentou.
A funcionária ali parada com escovão e balde na mão achou o sotaque dele conhecido.
— Eu falo português, Sean Queise.
— Wow! Alguém que fala português em Wirgüs que não existe no mapa — Sean achou graça.
— Não existe aonde? — mas ela não ouviu resposta. — O Senhor pode falar comigo em que língua preferir; falo alemão, francês, italiano e português de Portugal, como pôde perceber no sotaque. Sou Maria Carmem Pinhais… — deu uma mão calejada para ser cumprimentada. —, mas todos me chamam somente de Carmem.
— Obrigado, mas sem o ‘Senhor’ na frase — cumprimentou-a. — Sou Sean Queise, apenas Sean Queise.
— Bem! Vai gostar daqui, Sean Queise. Tenho uma boca do fogão à lenha acesa vinte e quatro horas; seja para uma xícara de chá seja para um banho milagroso — ela viu o silêncio dele. — Oh! Os banheiros foram construídos durante o final da Segunda Grande Guerra — apontou. — Fica no fim do corredor ao longo dos quartos. Mas não se preocupe aqui ninguém passa frio.
Sean não quis acreditar que escolhera a pensão em que falam português, através de um transeunte. Algo lhe dizia que não era bem aquilo.
— Muitos hóspedes?
— Estamos vazios nessa época do ano. Aqui só os cinco que vivem há muito tempo.
Sean agradeceu a atenção despendida e se despediu. Havia descansado muito pouco no trem e estava exausto para qualquer conversa prolongada, preferindo se recolher feliz de saber que não ia passar frio em Liechtenstein.
Seu quarto era largo em sua extensão e estreito em seu comprimento, mas era bem ventilado e iluminado. Após um extenso corredor na entrada ele se abria para uma cama grande e aparentemente confortável. Os móveis escuros e convidativos o fizeram viajar seus sonhos, neles. Quando a noite se fez, um chiado miúdo o alertou. Sean abriu os olhos azuis, viu-se quase no breu do seu quarto. Procurou numa rápida olhada o que estava diferente, nada viu.
Algo, porém estava.
— A janela! — saltou da cama na claridade da noite. A luz da Lua iluminava o quarto. Sean olhou para fora. As ruas, a neve que derretia e um jovem que corria em disparada. Não viu alternativa a não ser saltar também. — Ahhh!!! — descobriu tardiamente que a janela era alta demais e a rua estava úmida. — Como ele... — não pensou em se recuperar nem responder-se, sacudiu a água gelada e correu atrás do que julgava ser o intruso do seu quarto. Também não parara para averiguar, tinha certeza, podia sentir que quem quer que corria à sua frente estivera em seu quarto atrás de algo.
Sean correu por ruas vazias atrás de um rastro que começava a perder. Fechou os olhos, girou em torno dele tentando enxergar no éter, e viu que as ruas ganhavam forma enquanto sua visão nada via. Abriu os olhos, viu ruelas de calçamento de pedras e neve derretida. Correu novamente, sentindo o resto de calor que o intruso deixava pelo caminho. Mona o ensinara os recolher, mas Sean esticou a mão que sentiu o calor desprendido no mesmo momento que ela cristalizou. Um salto e o intruso caiu sobre ele, na rua de neve derretida. Sean foi ao chão de pedra do calçamento sem entender por que não pressentiu aquilo. O intruso então saltou para a parede, correndo nela feito uma lagartixa.
Sean se lançou na mesma velocidade, na mesma ginástica, porém no chão mesmo. O calçamento úmido e escorregadio era difícil, tropeçou uma vez e outra até desistir. Fosse quem fosse corria rápido, parecendo um réptil.
Quase sem fôlego, olhou em volta. Enfim percebeu que agira num impulso impensado até então nunca usado. Voltou para a Pensão Schwemmbaue após andar muito e olhar sua janela aberta. Olhou em volta e nada, absolutamente nada para ajudá-lo a alcançar sua janela novamente, e se teletrasportar para dentro do quarto não era uma coisa que ele dominava tão bem, não ainda.
Sean não viu alternativa a não ser acordar meia pensão até ser atendido na porta.
— Guten Abend!
— Como? Ah... Boa noite! — e Sean viu que a funcionária olhava seu pijama úmido. — Ah... Es ist kalt!
“Está frio!” foi o que a funcionária escutou.
— Yea! Es ist kalt! — se a funcionária que abriu a porta estava se perguntando por que seu hóspede estava do lado de fora da pensão àquela hora, descalço e molhado teve uma resposta inusitada.
— Ah... Ich glaube ich habe mich verlaufen — e foi um ‘Acho que me perdi’ que ela ouviu sem entender. — Ich habe Hunger — e um ‘Estava com fome’ resolveu o problema.
Sean subiu agora em silêncio alcançando a mesa no corredor lotada de toalhas e caminhou para um banho milagroso que o salvou da aventura gelada e frustrada. Desligou a água, a esperar o calor se dissipar. Não acreditou quando percebeu ter trazido a toalha de rosto, ao invés da toalha de banho.
“Droga!” enrolou-se como pôde, apagou a luz do banheiro, abriu a porta e estancou.
Uma bela jovem, de cabelos curtos, espetados pelo gel e negros como o breu, usando piercing no septo, na sobrancelha e a se perder pelas orelhas, o olhava. Sean teve uma sensação de déjà vu, algo que acelerou seu coração e fez cada sinapse de seu cérebro alterar.
Deu passos mecânicos e se viu no espelho enrolado na ridícula e minúscula toalha. Olhou para a mesa do corredor onde antes havia uma pilha de toalhas e a viu vazia.
“Droga” voltou a caminhar passando por ela, sentindo o perfume cítrico que ela usava, que exalava da bela para lá de moderninha.
Chegou ao seu quarto percebendo que ela o seguia com os olhos quando tropeçou na dobra do tapete e perdeu a minúscula toalha.
— Uhm! — foi só o que ele conseguiu ouvir dela, que desatou a rir com gosto logo depois de ver que a minúscula e agora inexistente toalha, mostrava o imaculado corpo viril.
Sean gelou e não foi pelo frio, fechou e abriu os olhos azuis não conseguindo abrir a porta de número 25.
— Droga! — agora foi audível.
— Está molhando o carpete — falou ela.
“E você com isso?”; pensou sem responder.
De corpo magro, mas de curvas acentuadas e grandes seios, que de tão petulantes teimavam em não caber na blusa que usava, a bela jovem moderninha de piercing ele só imaginou mais aonde, era mesmo uma mulher de chamar atenção. Sean ainda teve tempo de perceber tudo aquilo, e algo mais, enquanto tentava outra vez virar a chave que deu sinais de entortar na porta de número 25.
— Droga! — Sean inclinou o pescoço, era seu sinal de desespero. Abaixou-se, pegou a minúscula toalha tentando em vão se cobrir, e andou todo corredor novamente ao percebê-la ainda parada à porta de número 28; o quarto dela. — Frau?! — gritou de lá de cima.
— Yea?! — alguém respondeu ‘Sim!’ de lá de baixo.
— Könnten Sie mir bitte helfen? — tentou um ‘Você poderia me ajudar, por favor?’ ainda olhando a moça se divertindo. — Podia me trazer a chave mestra?!
— Yea! — foi a funcionária Ludmila quem havia respondido.
Ela não sabia ao certo quem gritara, mas subiu como o pedido. Encontrou uma moça de cabelos negros e arrepiados por gel no corredor em frente à porta de número 28 rindo muito, e Sean, molhado e quase nu, em frente à porta de número 25, querendo poder sumir dali.
Olhou ambos sem entender.
— A chave mestra? — perguntou ele aturdido. Ludmila ainda o olhou mais uma vez antes de enfiar a chave mestra na fechadura e abrir a porta de número 25 de Sean Queise. — Danke! — exclamou ele desconfortável fechando a porta em meio a mais uma debochada gargalhada que a moça de cabelos negros e arrepiados por gel dera. — Droga! — foi a última exclamação fechando a noite.
6
Pensão Schwemmbaue.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
05 de dezembro; 08h00min.
Era de manhã e todos pararam para olhá-lo retornando logo em seguida, numa rapidez tão grande que o fez pensar ter visto dois quadros distintos. Sean teve a sensação de não ser muito bem-vindo ali.
— Guten Morgen! — Frau Carmem deu ‘Bom dia!’ adentrando à sala logo atrás de Sean, quase empurrando o carrinho de apoio para cima dele.
— Guten Morgen!
Sean havia acessado o número 33-110-77654-009 do celular logo que acordou. A voz feminina de forte sotaque alemão e já não muito amigável, o repreendia pela atitude precipitada e perigosa de ter saído do Hotel Oberland. Pedia que ele anunciasse o local onde estava hospedado, mas Sean havia decidido não contar. A voz feminina também havia dito que se ele cometesse o erro de ir ao Vilarejo de Wirgüs antes do tempo programável, seria recebido sobre instável tempo, e não era o pluviométrico, porque muitos no Vilarejo de Wirgüs já comentavam sobre sua presença na cidade. Fantasias também foram criadas sobre o indivíduo que fora chamado para manipular os computadores, que pesquisavam ‘fetos artificiais’, e aquilo sinalizava problemas, tempestades para a Computer Co..
Ele ainda estava parado na porta da grande sala de jantar vendo aquilo, a tempestade.
— Sente-se naquela mesa cor laranja Sean Queise, que a minha ajudante virá trazer seu café — insistiu Frau Carmem.
— Danke! — agradeceu Sean.
Ninguém virou um único músculo para olhá-lo e ele começou a sentir-se mal.
— Café puro ou com leite, Herr? — perguntou a mesma funcionária da noite perturbada.
— Puro! Danke!
— Frau Camile; Ludmila Camile — se apresentou, respondendo.
— Hallo Frau Ludmila — completou Sean, perguntando logo após. — Saberia me dizer, por favor, onde poderia encontrar algumas lojas para comprar roupas? Não imaginava um final de outono tão quente em Liechtenstein — falou encantador.
— Já esteve aqui?
Sean a olhou sem saber o que responder nem porque falou aquilo.
— Não... — foi o que disse.
— Mas é verdade, desde o outono de 1945 que Wirgüs não via tanto calor após nevasca infernal. Viu como as ruas estão escorregadias? — disse Ludmila.
Sean havia visto. E de alguma forma também sabido que houvera outro outono quente no Vilarejo de Wirgüs.
— O Vilarejo de Wirgüs era grande em 1945?
— Wirgüs nunca será grande — apertou os olhos. —, mas o que foi que o Doutor perguntou mesmo?
— Doutor, não, por favor. Sou muito jovem para títulos — disse com toda atenção. — Eu queria comprar algumas roupas que não fossem muito frias.
— Quer dizer roupas frescas? É claro que com esse calor o Doutor vai precisar de roupas leves. Tem alguns malls, mas o Herr Philip vende estes artigos curtos e coloridos que talvez agradem a um menino tão jovem e bonito como você, que gosta de colorido e calça colorida e blusa colorida e um suéter colorido... — desatrelara a falar.
— Não... Não... Não gosto de nada tão colorido... — cortou sua fala, arrependido por ter perguntado.
Acabou seu café calado resolvendo dar um giro pela cidade. Saiu à rua ganhando as ruelas tão apertadas que carro não passava. Alguns bares disputavam o espaço com suas mesas e cadeiras já que a neve derretia rapidamente no calor que baixou ali.
As casas pareciam castelos, revestidas de pedras e Sean ficou encantado com a cidade e sua arquitetura perdida no tempo. Porém ficou mais impressionado com a recepção. Ninguém o olhava demoradamente. Não havia sinais de que alguém ali fosse tentar uma comunicação com ele.
Dois empórios, uma biboca de frutas, um café, um museu de vidros, a prefeitura, e ninguém se quer lhe deu um ‘Bom-dia!’; Sean começava a desgostar. Entendeu o porquê de um agente da Poliu ser rapidamente descoberto na cidade. Afinal Sean Queise era conhecido internacionalmente após ser considerado por revistas especializadas, como uma inteligência empresarial jovem e bem sucedida ao assumir com maestria a Computer Co., a maior indústria de computadores do mundo. Suas fotos de adolescente rico e bonito viviam nas capas do mundo todo. Fotos agora atreladas a uma concorrência ganha pela Computer Co., para levar ao espaço novas e aterradoras experiências genéticas do Castelo Stoff.
Sean se perguntava se seu pai Fernando estava por dentro de tudo aquilo quando o calor começou a dar-lhe dor de cabeça, e entrou numa farmácia para comprar algum medicamento.
— Aspirina? Não tenho! — o farmacêutico já foi respondendo. — Serve outro tipo de sal? — perguntou como se ele não estivesse ali. Sean o estranhou. — Costuma ter dores de cabeça? Que pena! — virou-se para arrumar uma imaginável desorganização na prateleira.
Sean só girou os olhos.
— Danka! — virou-se para sair percebendo que já não era uma impressão.
— Soube que o sanatório do Castelo Stoff em breve será aberto à visitação — o farmacêutico foi seco no estancar de passos que Sean deu. — Ficamos nos perguntando se queremos realmente isso?
Sean não soube realmente o que responder. O farmacêutico fechou mais ainda o semblante e virou-se de costas. Ele então entrou para o fundo da farmácia, não retornando mais. Sean saiu sem comprar nada e com uma dor de cabeça maior ainda.
Do outro da rua uma movimentação começava a dispersar. Quando Sean pôde enxergar melhor, leu a placa ‘Delegacia’. Nem soube por que entrou lá.
— Quer algo? — alguém falou de lá de dentro. Sean olhou para os lados, a cadeia era poucas jaulas engradadas de um lado e uma mesa e uma cadeira de madeira de outro; um pequeno fogão e uma geladeira fechavam a ‘decoração’. — Perguntei se quer algo? — insistiu o delegado. — Alguma reclamação da pensão?
— Como? — Sean percebeu que o delegado sabia quem era ele. — As pessoas na porta... Desculpe-me. Não sei o que faço aqui...
— Sou o delegado Austácio — ele prosseguiu.
Mesmo sendo um homem de pele azulada, pelo menos ele falava com Sean.
— Prazer!
A delegacia era escura e cheia de bolor pelas paredes. O delegado viu Sean observar seus ocupantes.
— Este é Morso, nosso bebum. E aquela é Amélie, nossa ‘dama-da-noite’; eles são nossos ilustres hóspedes habituais — apontou para sem Sean que não pediu tal apresentação.
Mas Sean enfim prestou atenção nele. O delegado Austácio não escapava de ser uma figura diferente de seus ilustres habituais. Era gordo, flácido e mal cheiroso, e azulado, provável com cianose, e estava mais para um carcereiro do que para um policial.
— Então Herr Queise quer mais alguma coisa?
Sean sobressaltou-se.
— Ainda não havia dito meu nome.
— Está brincando! Com o tamanho da cidade?
— O Vilarejo de Wirgüs esta de pé desde a Segunda Grande Guerra e nada aconteceu por aqui, além de bebedeiras casuais e visitas femininas a sua cadeia? — questionou incrédulo olhando a mulher de nome Amélie o olhar com interesse.
E ela era interessante também. Seu vestido, se é que tinha um, brilhava pelo tecido, pela pele exposta no longo decote que chegava abaixo do umbigo.
— E por que acha que aconteceria algo Herr Queise? — perguntou Austácio cuidadoso.
— Não disse que aconteceria — Sean sentiu-se pisando em algo que incomodava aqueles moradores. Preferiu recuar com ele também. —, apenas perguntei se... — e parou.
— Aqui Herr Queise, só festivais de musica, de dança e vidros; muitos vidros.
Sean ficou a pensar na morte não anunciada de um cientista do vilarejo. Despediu-se em meio a olhares insistentes de Amélie, uma morena fogosa, radiante com a notícia que ia sair dali ela não soube por que.
— Rufst Du mich oder ich Dich an? — alguém o interpelou na rua de pedras difíceis de pisar com um mais difícil ainda de entender num ‘Eu te ligo ou você me liga?’
— Como é que é? — Sean se virou para Amélie e seu longo decote quando todos haviam entrado em suas casas, lojas, trancando-as. A rua ficara deserta e aquilo começava a desgostá-lo. Ele olhou. — Isso não é nada bom, não? — apontou para os lados, se virando e indo embora.
— Ich danke Ihnen vielmals! — exclamou Amélie o vendo ir embora. — Lhe agradeço muito! — traduziu.
Sean parou de andar.
— Me agradece pelo que? — ficou observando que Amélie já não era mais uma garota, mas tinha atributos que tinham chances de enlouquecer alguém.
— Austácio disse que você mandou me soltar — ela rodeava-o.
Sean arregalou o sobrolho.
— Mandei?
— Ich habe Hunger!
— Com fome? — Sean apontou, mas o restaurante fechou-lhe as portas. — Vai ficar querendo... — e desistiu.
— Quero você!
— Quê? — Sean voltou a si voltando a parar. Depois achou graça pela cantada em meio à cidade toda que fugia dele. — Se me der licença, Fräulen... — e se foi de vez.
— Eu poderia também lhe ser de grande utilidade!!! — gritou para o resto de janelas que ainda estavam abertas se fecharem. — Sei de segredos sobre o sanatório Stoff que o faria ficar excitado... — ainda chegou aos seus ouvidos
“Excitado?”; Sean não imaginou como.
Foi embora curioso com a atitude da cidade e da mulher que mandou soltar. Chegou a Pensão Schwemmbaue vazia àquela hora. Movimento, só na biblioteca que nada mais era que uma sala de leituras, no fundo da casa, com uma de suas paredes forrada de tecido vermelho, como um convite à leitura nos dias de frio, e as outras paredes revestidas de carvalho, fazendo fundo para as estantes, lotadas até em cima, de livros.
— O tempo anda quente, não? — Sean tentou uma conversa com os cinco idosos ali sentados.
— Não me lembro — alguém falou.
— Não se lembra? — Sean achou graça. — Perguntei se...
— Não me lembro — falou outro.
— Ah... Não se lembram... Ok! — Sean viu que uma Senhora fazendo tricô foi a única que escorregou um olhar para ele. Sean sorriu para ela, mas ela voltou a se concentrar nas agulhas. — Santo Agostinho se perguntava o que era o esquecimento senão a privação da memória, e como o esquecimento podia ser objeto da memória se, se quando estava presente, não podíamos recordar — agora os cinco na biblioteca o olharam. — E concluiu que ao se perguntar se retemos na memória aquilo de que não nos lembramos, e se nos é impossível, ao ouvir a palavra ‘esquecimento’, compreender o que ela significava, a não ser que dele nos lembrássemos, então a memória retinha o esquecimento — e Sean saiu nervoso com o silêncio.
“Eu devia ter ficado calado”, pensou enquanto subia as escadas.
Olhou o quarto de número de número 28 onde dormia a bela mulher de piercing ele imaginava até onde, mas não havia nenhum movimento. Aproximou os ouvidos da porta e nada ouviu, olhou um lado e outro do corredor com cara marota e tocou a porta a fim de ‘ver’ o quarto quando algo azul passou pela sua frente.
— Ahhh! — Sean voltou a si em choque.
Olhou um lado e outro do corredor e nada ali. Olhou a porta fechada e temeu sair do corpo. Olhou um lado e outro e voltou a tocar a porta para algo azul se arrastar até a porta, e sua alma voltar tão rápido ao corpo que suas pernas não sustentaram o peso do seu corpo. Sean foi ao chão em choque, com o coração disparado, ficando sem saber se o que vira se arrastando estava dentro do quarto, no éter, ou em algum outro lugar por onde as cordas das onze dimensões se entrelaçavam.
Ergueu-se ainda em choque e entrou no seu quarto. Ligou o notebook resolvendo trabalhar um pouco no pendrive onde estava o programa da Poliu enviado a ele. Mas aquele susto havia aumentado a dor de cabeça, e ela havia lhe tirado a fome, e também a vontade de trabalhar.
Castelo Stoff.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
05 de dezembro; 11h00min.
A insistente campainha do telefone reverberou pelo sanatório do Castelo Stoff e tirou o Dr. Björn Rahn de seu sono ‘pré-almoço’. Ele teve que atravessar todo seu quarto no segundo andar do castelo, e descer até sua sala para alcançar um dos dois únicos telefones instalados. Acordá-lo era a pior coisa que alguém no sanatório poderia querer. Mal humorado, com os ossos do rosto mais acentuados ainda, ele acordava como sempre tomando fenobarbital, um forte sedativo para a fibrose que o atormentava naqueles últimos anos. E aquele telefonema exigiria dele doses extras dele.
Já se havia passado mais de uma hora que lhe falavam ao telefone, os óculos de lentes grossas começavam a embaçar perante o calor da sala trancada. A Dra. Elvira Heissler só conseguiu ouvir o final da conversa, mesmo que tenha sido por acaso. Ela que sempre fora integra, responsável com os medicamentos de seus pacientes, levantara cedo, e não encontrando as frutas necessárias para se aplicar certos tipos de drogas, procurava desesperadamente o jardineiro que acabava de voltar ao sanatório. E foi por isso que ouviu o final da conversa do Dr. Björn ao telefone com um homem que ela não reconheceu a voz, pelo segundo aparelho instalado na secretária.
— Você não compreende o que está acontecendo aqui? Fica ligado o tempo inteiro no seu mundo, e esquece que o inferno é aqui e quem o está vivendo, sou eu — Björn irritava-se cada vez mais.
— Recebe para isso, Doutor; esqueceu? — falava uma voz seca e sem emoção, do outro lado da linha.
— Não! Eu não me esqueci, não! E como posso? Sou mal pago para aguentar um bando de lunáticos mijando meus corredores; nem aguento mais ouvir baterem a cabeça às quatro horas da manhã e nem aguento...
— Chega! Idiota! Esqueceu com quem está falando?
— Eu... — o temor tomou conta do Dr. Björn Rahn.
— Cuidado com suas atitudes, Dr. Björn. Você sabia que ele viria — proferia a voz seca do outro lado da linha telefônica. — Lembre-se! Não esqueça! Nada pode chegar até ele.
— Nada chegará.
— Congratulante! E lembre-se também, nosso lema é e sempre será ‘Sempre ocultaremos a verdade divina deles, de que somos todos um!’.
— “Somos todos um”? Somos todos híbridos?
— Congratulante mais uma vez! Começa a ficar esperto — e a voz seca do outro lado da linha telefônica desligou.
Elvira também.
Contudo Dr. Björn estava tomado pela raiva e tinha que descontar em alguém.
— Dra. Elvira?! — gritou. A pequena e bela Dra. Elvira Heissler entrou esbaforida. — Estou muito tempo atrás de você. Onde estava? — perguntou o Dr. Björn nervoso.
— Ocupada... — tentou a Dra. Elvira, falar.
— Não me interessa. Eu a quero aqui, rapidamente, toda vez que chamar.
Elvira não gostou do que ouviu. As atitudes de Dr. Björn haviam mudado muito desde a morte do Dr. Maxuell Reingner. Ele sim era sua real motivação a continuar com aquilo. Ela não compreendia nem aceitava ter que receber ordens de Björn, a quem Maxuell não dava muitos votos de confiança. Mas os investidores do projeto do sanatório do Castelo Stoff escolheram o Dr. Björn Rahn para continuar o trabalho do Dr. Maxuell Reingner.
“Quê fazer?”, pensou ela.
— Vá à sala dos computadores e traga todos aqueles CDs de dados armazenados na estante do fundo.
— Não será necessário, Doutor — falou Sean adentrando na sala, com ares de não tão boa vizinhança. — Eu já os peguei.
— Fez o quê?! — exaltou-se Björn olhando Elvira que parecia tão confusa quanto ele, tentando se lembrar de onde conhecia o jovem loiro e bonito que adentrara na sala após ela. — E quem pensa que é para ter atitudes como essas no meu sanatório seu moleque...
— Sean Queise! Muito prazer! — respondeu, desafiando-o, esticando uma mão máscula e jovem. — Ah... Antes que alguém mais aqui tenha a mesma amnésia que os moradores do Vilarejo de Wirgüs… — olhou Elvira o olhando. —, a Computer Co. precisa de todo seu banco de dados o quanto antes.
— O quanto o quê?! — quase gritou Björn.
Sean olhou para os lados no mais puro deboche. Viu que Dr. Björn vestia calça jeans surradas e camisa branca de colarinho puído por baixo do jaleco azulado claro, contrastando com Elvira que vestia um belo vestido rosa de musseline que grudava em seu corpo bonito, agora todo escondido pelo jaleco rosa claro que usava. Sean ficou pensando se ambos divergiam em assuntos trabalhistas tanto quanto se vestiam, já que os sapatos de Björn também estavam gastos pelo uso, enquanto Elvira se equilibrava num salto 15, Labutam.
— Não sabia? A Computer Co. ganhou a concorrência para integrar seu programa científico de Lógica booleana biológica na ISS, a Estação Espacial Internacional, Dr. Björn. E acredite, não estou nada feliz com isso — Sean era um poço de secura.
— Eu... — Björn olhou assustado para Elvira que ainda não se manifestara. — Eu não sabia.
— Estranho. Talvez tenha sido por isso que nada falou dias atrás, no jantar da premiação, não? — Sean desafiava-o.
— Sim! Quer dizer, não… Só não sabia que viria tão rápido… — Björn foi mais seco que ele. — Nem que ficaria... — olhou Elvira ainda olhando Sean. —, um tempo conosco...
— “Ficaria”? Não vou ficar? — Sean sorriu cínico. — Ah! Está preocupado comigo vejo... Obrigado por isso. Minha vida até é muito atarefada, mas não se preocupe, conseguirei ficar um tempo aqui.
— Eu pensei que viria algum cientista da Computer Co.? — perguntou a Dra. Elvira não entendendo como ele entrara no sanatório sem ser avisado.
— Eu sou o cientista da Computer Co., Doutora. O melhor que ela tem — Sean espalhou cinismo de cima de seus um metro e oitenta e cinco. — Acredite!
Elvira, de estatura menor sentiu-se menor ainda.
— É que eu pensei... — Dr. Björn não conseguia disfarçar algo. — Nós pensamos… — olhou Elvira. — Na verdade...
— “Na verdade”? — Sean começava a gostar de perturbá-lo, de vê-lo perturbado.
— Na verdade esperávamos alguém... Alguém...
— Alguém mais velho?
— Alguém que não tivesse problemas com os computadores, Herr Queise — Björn enfim falou.
Daquilo Sean não gostou.
— Wow! Percebo que boato sobre eu ser um hacker atravessou oceanos.
— “Boato”? — riu Björn. — É esse o nome que dão ao que faz?
— Ao que faço? — Sean partiu para o ataque.
— Não é nada disso — Elvira sorriu-lhe para depois olhar Björn com uma carranca, que recuou. — Esperávamos realmente alguém mais velho — ela corrigiu-o, amenizando a conversa que se inflamava.
— Não me subestime, Doutora. Apesar dos meus poucos vinte e dois anos, posso mesmo lhe impressionar — brincou, sorrindo-lhe o seu mais belo sorriso.
— “Vinte e dois”?! — gritou Björn rindo. — Como conseguiu?
— Sendo filho do proprietário? Talvez?
— Hum! — Björn não entendeu a ironia. — Se não tenho como lutar contra, então peço apenas que não mais adentre desta maneira, Herr Queise — cortou Dr. Björn nervoso. — Somos tão atarefados por aqui quanto você.
Sean fez que não entendeu o recado. Sorriu maroto e perguntou:
— Por que CDs?
— Maxuell era conservador.
— Entendo! E por que os computadores sem Internet?
— E para que teríamos?
— Comunicação! Globalização! Eternidade!
Aquilo soou como um desafio. Björn sabia que Sean brincava com as palavras. Tentou manter o controle.
— A Internet atrapalha — Björn tentou manter a paciência.
— Essa é nova — riu e parou de rir na carranca que voltou ao rosto deformado de Björn. Sean resolveu mudar a linha de ação. — Por que todo o corpo clínico é alemão?
— Não entendi a pergunta — Elvira o olhou.
— É que ele pergunta demais — Björn perdeu a paciência.
O sorriso de Sean não podia ser mais irritante.
Elvira antecedeu confusão.
— Concordo que a globalização seja importante, mas o Dr. Maxuell não gostava da Internet, Herr Queise. E temos apenas duas linhas telefônicas; uma aqui na sala do Dr. Björn e outra na secretaria. Há uma extensão na recepção se precisar se comunicar com alguém, mas temo que nossa linha antiquada não seja suficiente para gerar Wi-Fi.
E Sean sorriu.
— O que é aquilo na primeira sala? — apontou para a terceira porta a esquerda. — Ou eu pergunto demais?
Björn olhou Elvira que o olhou.
— Aquela é nossa sala de espera — falou a doce Dra. Elvira olhando para fora.
— Aquilo não me pareceu muito convidativo — refutou.
— Aquilo o quê? — perguntava Dr. Björn, ainda visivelmente ‘despaciente’.
— Aquilo coberto por um lençol vermelho… — instigava Sean vendo Björn fuzilando a Dra. Elvira.
E Sean questionou a Elvira retirando percebidamente à hierarquia de Björn.
— “Lençol vermelho”?
— E por que temos que explicar algo, Herr Queise? — ele desafiou-o.
— E por que teria algo a me esconder, Dr. Björn Rahn? — o desafiou também. — A esconder da ISS?
A Dra. Elvira percebeu que o Dr. Björn e Sean realmente não se entendiam. Björn grunhiu algo, passou por Sean, e saiu da sala tremendamente contrariado; Sean e Elvira o seguiram. Quando chegou à sala de espera o Dr. Björn descobriu o lençol vermelho fazendo surgir uma máquina de tamanho mediano e explicou:
— Faz parte de um projeto de estudos. Eu a uso em meus pacientes.
— Poderia... — insistia Sean.
— É toda sua Herr Queise — incentivando-o a tocá-la.
— Ahhh!!! — gritou. — Isso dói! — exclamou Sean se inclinando.
— Mas é para doer, Herr Queise! — respondeu Dr. Björn Rahn satisfeito. — Certas doses de voltagem sempre foram usadas como corretivos — completou.
— “Corretivos”? Não acha que esse fim de vida, já seria dor suficiente para esses idosos sofrerem, Doutor?
— Herr Queise. Herr Queise. Compreenda uma coisa de uma vez por todas. Esses velhos, a quem chama delicadamente de idosos, são monstros.
— “Monstros”?
— Os vai achar quando os conhecer... — Björn riu até sua arcada dentária se projetar para frente e levar junto seu queixo já aumentado. — Quando os conhecer melhor — e saiu.
A Dra. Elvira nada falava, contudo observava Sean mais que o seu usual. Ela saiu logo depois e Sean a seguiu. Os corredores do sanatório do Castelo Stoff tinham a dose certa de nostalgia. Pisos de mármore carrara, paredes de mármore rosa e azulejos portugueses delicadamente pintados à mão. Grandes lustres de cristais em teto trabalhado em gesso, com um pé-direito extraordinariamente alto, com manutenção feita por especialistas vindos de Paris. Tudo ali era limpo e organizado.
Mas apesar do luxo antiquado, o sanatório do Castelo Stoff era mais antigo ainda. Sua construção datava do século dezesseis, e estava mais para um castelo mal assombrado do que para um palácio de contos de fada. Porque era vendido aos familiares que lá os colocaram, como uma passagem de eterna felicidade.
Sean não entendia onde o ‘mal de Alzheimer’ entrava.
Oscar Roldman, força maior dentro da Polícia Mundial irritava profundamente a mente dele. Sean já havia acessado a Internet do seu notebook antes de chegar ao sanatório do Castelo Stoff, usando o celular que descarregava muito rápido. Havia navegado por dados da Poliu, dados que a Poliu não disponibilizara a ele, numa Internet profunda, mergulhada em segredos; a Deep Web. E havia descoberto, por exemplo, que o Dr. Björn Rahn era filho de um alemão indiano, um industão, com uma alemã.
Björn era um psiquiatra criminalista controvertido, sumidade no assunto que se referia a ‘crimes de senilidade’. Exímio estudante de Mumbai, ligado a sociedades secretas, a sociedades que esperavam um ‘Jesus’ alienígena vindo de Aldebaran, na constelação de Touro, 65 anos luz da Terra, ligado à física quântica e tudo que se traduzia em ocultismo e espiritualidade. Aquilo havia chamado a sua atenção. Sean jurava que Björn nada mais era que um cabo mandado da Poliu. Contudo seus trabalhos haviam sido publicados por algumas das mais respeitadas revistas do ramo, provável extremamente necessário ao trabalho do Dr. Maxuell Reingner.
“Talvez algo relacionado com os Rh alienígenas?”, pensou mais um pouco recordando que nada encontrara nos computadores da suposta ‘sala de computadores’.
E todos os dons dele avisavam-no que havia mais computadores por ali. Ali onde, não sabia, quando um ar pesado o atingiu. Sean sentiu-se mal de repente. Algo naquelas paredes, na história toda do sanatório. Ergueu a mão como que por instinto e tocou uma das colunas fazendo gritos ecoarem de um ouvido ao outro.
— Ahhh!!! — gritou ao cair no chão pela dor provocada, pela mão que cristalizou.
Sean se ergueu em choque chacoalhando a mão como se quisesse que algo saísse dela. Levantou-se com dor, extasiado a perceber que a coluna havia absorvido gritos de outras eras, ecos do passado. Correu até o portão para talvez alcançar algum carro, mas foi um perfume e uma voz feminina o alcançou primeiro.
— Herr Queise?
— Doutora…
Sean se virou já próximo ao grande portão de ferro verde do sanatório.
— Como chegou até o sanatório?
— Eu... Peguei carona com o seu entregador de frutas.
— Compreendo! — olhou-o de cima abaixo. — Desculpe-me se...
— Não. Desculpe-me eu pela bronca que levou.
— Levei? Escutou?
Sean recuou.
— Imaginei... Depois que peguei os antiquados CDs de dados... — e Sean viu que Elvira viu que ele carregava o montante de dez CDs na mão.
— Como sabia que eles estavam lá?
Sean até pensou em recuar.
— Alguém no portão me indicou a sua sala.
— E como alguém no portão sabia que os CDs de dados estavam na minha sala Herr Queise, se o Dr. Björn achava que estavam na sala dos computadores que não usamos, como pôde ver?
— É... Eu e as teias de aranhas pudemos ver — sorriu cínico. E belo como Elvira percebeu. Ele olhou para o portão e para ela após aquilo chegar a ele. — Acho que o Dr. Björn também não sabe ainda que os HD dos computadores estão vazios, não doutora?
Elvira sentiu-se mal. Ficou pensando se talvez ele já não havia chegado lá antes do que dissera, na sala dos computadores, enquanto ela ouvia a conversa de Björn, já que tivera tempo de averiguar todos os computadores deletados.
— Acha que devo me dar ao trabalho de perguntar como sabe que os computadores estão vazios
— Acho que não, se sabe que o Dr. Maxuell transferiu todo material para pendrives, mais modernos, já que tinha medo de Internet e ela o atrapalhava — percebeu que Elvira via agora que o bolso do moletom que ele usava tinha um volume extra, talvez pendrives que saíam do Castelo Stoff sem sua autorização.
— Sabe que não posso deixar que os leve.
— Sei? Achei que talvez uma cidade sem carros que me levem a alguma lugar e uma neve que derrete rapidamente sob meus pés… — e ele a viu abaixar os olhos para o chão. —, fosse ser mais confortável se eu trabalhasse na pensão.
E Sean viu a figura óssea do Dr. Björn Rahn usando jaleco azulado claro os observando de longe. Teve medo de se indispor com o corpo clínico, teve medo de Björn atrapalhar o que viera fazer ali, e sabia que tinha que arranjar outras maneiras de saber o que foi apagado dos HDs dos computadores sem que alguém soubesse o que ele fazia. E teve realmente medo de estar ali porque o perfume de rosas brancas de Sandy o atingiu. Sorriu com charme e devolveu os pendrives, cinco no montante, à Dra. Elvira Heissler.
— Foi o Dr. Björn quem deletou os HDs dos computadores, Herr Queise — Elvira percebeu que Sean acreditou naquilo. — Ele só fez o que o Dr. Maxuell Reingner pediu-lhe antes de morrer. E hoje… — ela se virou e também viu de longe, Dr. Björn entrando de novo para sua sala. —, hoje particularmente, ele está um pouco cansado — Elvira tentou se desculpar por Björn.
— E qual é o grande cansaço ‘particularmente’ dele hoje? Eu?
— Vejo que possui um estranho senso de humor, Herr Queise — ela sorriu.
Sean achou o sorriso dela maravilhoso. Teria comentado se não estivesse tão nervoso.
— Sempre fico de humor estranho de estômago vazio.
— Vai precisar mais que estômago cheio, para enfrentar o que temos aqui — falou Elvira, fria de repente.
— Está me assustando, Doutora — disse todo sorriso.
— Não quis fazer isso, Herr Queise — recuou assustada enfiando os cinco pendrives no bolso do jaleco rosa, não sabendo ao certo como lidar com seus sentimentos.
— Por favor! Não me chame de ‘Senhor’, chame-me apenas de Sean. Apesar de achar que a minha mãe poderia ter se empenhado em escolher outro nome mais comum no Brasil... — e riram os dois, quebrando o gelo criado na sala do Dr. Björn. — Vocês são… — apontou para o Castelo Stoff. —, marido e mulher? — inquiriu Sean, deixando a Dra. Elvira vermelha.
— Nein! — e foi somente o que conseguiu responder.
— Então será que ele vai se importar se me ‘ciceronear’ pelo sanatório do Castelo Stoff amanhã?
— Acredito que não.
— Ok! — Sean achava que ele iria se importar, sim.
Elvira o olhou de repente.
— Mas por que amanhã?
— Ahhh... Tenho que trabalhar no programa — mostrou os CDs. — Hoje de manhã tive muita dor de cabeça.
— Compreendo! — os olhos azulados da Doutora escorregavam de vez em quando ao observá-lo.
Sean percebeu que a Dra. Elvira girava os fios loiros que despencavam do coque clássico. Algo nela, na sua estatura pequena, naquele coque clássico o fez se lembrar de Sandy Monroe e como ele não se perdoava por ainda amá-la.
— Eu... — sentiu-se tonto. — Preciso realmente ir... — e se virou tão rápido que outra tontura o titubeou.
Foi seguro pelo braço com a mão firme dela, que Sean percebeu, era forte.
— Está realmente se sentido bem, Herr Queise? Fico preocupada se...
Sean também não conseguiu completar o que ela diria. Ficou sem entendê-la e sem ler-lhe os pensamentos enquanto ela ainda o segurava pelo braço.
— Diga-me, por que os ambientes neste sanatório do Castelo Stoff têm cores?
Soltou-o.
— O Dr. Björn já não disse que você pergunta demais? — ela viu Sean sorrir-lhe charmosamente. — Desculpe-me. Aonde viu isso?
— Há placas nos corredores. Ala Rosa, Ala Azul, banheiros rosa, salas brancas, sauna rosa...
Elvira o olhou com interesse.
— Diagnosticado por Alois Alzheimer em 1906, o Mal de Alzheimer é uma doença degenerativa que destrói as células do cérebro, lenta e progressivamente, afetando o funcionamento mental e prejudicando atividades como o pensamento, a fala e a memória. Com o avanço da moléstia, o paciente começa a perder hábitos e a manifestar alterações de comportamento. É mais fácil para um interno decorar que sua ala é rosa ou azul, do que identificá-la como enfermaria ou qualquer outro nome.
— Interessante! Mas por que ‘sanatório’?
— Porque sanatório lhe é mais apropriado. Classificado como uma forma de demência, o Mal de Alzheimer atinge cerca de um por cento da população na faixa dos 65 anos de idade. Seu primeiro sintoma é, em via de regra, a perda da memória recente, sendo indicada, neste caso, a consulta a um neurologista.
— E por que a máquina de choques fica na Ala Branca? E onde fica a Ala Branca?
— A Ala Branca sofreu um incêndio... acidental. Algo assim.
— Quando?
— Há pouco tempo.
— Espero não ter machucado ninguém.
— Não... — olhou Sean com limites. — Não.
— E por que branco? Algo haver com ocultismo?
Elvira sentiu suas pernas pesarem.
— Seu humor não só é estranho como não é inteligente Herr Queise.
— Já disse isso! — falou quase sem ação. — Mas garanto-lhe que foi só uma pergunta, visto que Björn é um...
— A sala que também guarda alguns medicamentos é branca — Elvira falou com certa secura cortando qualquer coisa que ele ainda ia falar. —, porque ao contrário do que o Senhor imagina, o branco é o infinito, assim como o tratamento que recebem.
— Ok! — ele parou de falar a obrigando também a parar. — Podemos fazer as pazes agora? Não vou conseguir dormir brigado com a Doutora — brincou.
— Não briguei com o Herr Queise.
— Não! Mas eu vou brigar com a ‘Fräulen’ se me chamar de ‘Herr’ novamente. Ok?
As alamedas eram todas floridas e perfumadas. Havia uma energia confusa ali. Elvira era forte energicamente, toda sua áurea se iluminava e se Sean se concentrasse como naquele momento, veria uma profusão de cores neon. Já a terra onde pisava era rubra, mesmo que só vista com ‘os olhos da alma’; um rubro manchado de sangue, dor, morte.
— É lindo o outono/inverno, não Sean? Esse chão todo que até pouco tempo era lotado por folhas amarelas, própria da estação das perdas... E aquelas flores roxas... — Elvira apontou para mais adiante. —, escondidas pela neve branca de toque suave... — ela tirou Sean de suas visões.
— Como chama? As flores roxas... — Sean apontou para mais adiante.
— Ciclame ou Cyclamen persicum. É mais conhecida como violeta-persica ou violeta-dos-Alpes.
— Entendo... — Sean as conhecia de outro lugar; talvez aquele lugar de outras épocas. Como também conhecia algo sobre o passado de Elvira, algo que lera sobre ela nos arquivos da Poliu.
No fundo Sean não compreendia o porquê da Poliu investigar a vida de todos no sanatório do Castelo Stoff se o mantinha, os custeava. Elvira havia se formado pela Sorbonne, Universidade de Paris, que se orgulhava em formar apenas os melhores. A Doutora fazia parte de uma nova geração de psicanalistas que não aceitavam muitas das coisas feitas pela medicina antiga e isso fazia com que entrasse em constantes choques com o Dr. Björn e seus métodos antiquados e ortodoxos. Contudo, Sean lera que suas pacientes se rebelavam com mais frequência do que os pacientes masculinos do Dr. Björn, apesar de melhores trabalhadas.
Um silêncio se fez entre eles até um carro se aproximar do grande portão de ferro verde. Sean esticou uma mão e o carro acelerou.
Ambos riram.
— Acho que vai ter que ir a pé — voltou a rir e Elvira iluminou um olhar. — Vou pedir para o enfermeiro Sygfrid lhe levar. Temos dois carros e uma ambulância. Quer escolher?
Sean achou que se seu humor era esquisito e de mau gosto, ela não tinha humor algum. Escolheu um carro e Elvira abaixou a cabeça numa delicadeza, indo embora.
Já Sean ficou lá mesmo porque ir a pé até o centro do vilarejo não estava em seus planos, não com aquela dor de cabeça explodindo seus miolos. Elvira voltou e apontou um novo caminho, um corredor de lajotas ainda coberto de neve que margeava o muro do Castelo Stoff e os levava ao extremo lado direito. Lá um Ford preto ano 40 se aproximava.
Sean sentiu-se em pleno eco do passado.
— Por que realmente o Dr. Björn ficou tão nervoso quando entrei na sala dele? — Sean acabou com o silêncio.
— Acho que ele não gostou de ter um jovem encarregado de tamanha responsabilidade. Esse programa é muito importante para o sanatório do Castelo Stoff.
— Posso lhe garantir que sou extremamente competente com meu trabalho. Que vou me inteirar sobre essa lógica booleana biológica que o Dr. Maxuell Reingner trabalhava.
— Não tenho duvidas.
— E eu acho que tem.
— Se… — Elvira foi áspera no falar. —, o Dr. Maxuell confiava em você eu também confio.
— Então sabe que a concorrência não aconteceu não? Que o Dr. Maxuell me queria trabalhando nisso? — mostrou-lhe os CDs na mão.
— Talvez...
— E ‘talvez’ ache que eu preciso me inteirar disso também — apontou para os pendrives ainda guardados no bolso de seu jaleco rosa.
— Talvez...
— Como talvez não esteja gostando, não é?
— Gostando do que?
— De não ter assumido o lugar do Dr. Maxuell.
— Esse assunto não é de sua alçada, Herr Queise — a pequena Doutora parou de andar. — Sygfrid já chegou! — apontou para o Ford ano 40. — Vá! Por favor. Estou ocupada.
— Ficou ocupada de repente...
— Pass auf Dich auf! — se virou indo embora após um ‘Se cuida!’.
Sean já ouvira aquilo. Ficou a vendo partir tentando desvencilhar-se de qualquer pensamento e passar a entender o papel dela ali.
O carro chegou e Sean se foi após o enfermeiro menor Sygfrid Sylvestor se apresentar.
Pelo menos ele falava com ele.
Pensão Schwemmbaue.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
05 de dezembro; 22h40min.
Sean trabalhou até tarde, havia algo no programa que lhe fugia a compreensão. Sempre que inseria o cálculo o programa recuava uma ação. Não só atrasava sua conclusão como fazia os cálculos já alcançados se encriptarem vez ou outra. Ficava imaginando se a Poliu de alguma forma atrasava aquilo de propósito ou se tinha algo morfo acontecendo com aquele programa. Porque se aquilo era um programa para um computador biológico, então todo o programa podia estar vivo.
Definitivamente não gostou daquilo, ia além de suas capacidades de conhecimento em quebrar senhas ou executar algo computacional. Temeu estar frente a algo alienígena, e que não tivesse nada haver com o que Maxuell trabalhava. Sentia-se confuso e deprimido. Também não sabia se era tão inteligente quanto seu pai, os dois, achava. SiD ainda estava inoperante, Spartacus estava inoperante e ele temia que sem o acesso aos mainframes da Computer Co. para aquele processamento, nada conseguiria.
E sabia que Oscar vetaria aquilo já que não tinha mais como barganhar conhecimento.
Conhecimento, aliás, que Sean duvidava que a Poliu tivesse.
Porque levar ao espaço, à Estação Espacial Internacional tal programa do Castelo Stoff era uma coisa, mas se aquilo era um jogo de Mr. Trevellis para na verdade, instalar tal programa no satélite de observação Spartacus, então talvez os cientistas da Computer Co. estivessem envolvidos além do que ele poderia imaginar. Aquilo seria uma traição de seu pai, dos dois para com ele, que começou a achar que nada mais era que um brinquedo nas mãos deles, talvez nas mãos dos três, afinal Fernando, Oscar e Mr. Trevellis estudaram juntos na Suíça.
— Droga! — explodiu no silêncio da noite achando aquilo mesmo, que o programa era uma ‘furada’, uma farsa tão grande quanto sua ida ao Vilarejo de Wirgüs. — Droga! Droga! — e Sean sabia que havia uma série de ótimos descompiladores de softwares para engenharia reversa disponível gratuitamente na rede, porque sabia que o programa precisava ser desmontado; ele só não teria tempo para isso.
Uma ideia nada lógica lhe ocorreu pedir ajuda a Gyrimias Leferi, seu melhor cientista e um amigo em quem podia confiar certas atitudes ilícitas. Pensou em mandar Gyrimias usar um descompilador multiplataforma, como o REC, Reverse Engineering Compiler, que podia funcionar online, convertendo códigos como o Assembler, em códigos C, uma linguagem muito mais fácil de trabalhar. Só não sabia como se comunicar com Gyrimias sem que a Poliu rastreasse tal ligação. Não podia envolver Kelly sem que ela acabasse se machucando de alguma forma, mas podia acabar ‘machucando’ Gyrimias outra vez, se o colocasse em evidência e fora de segurança. — Droga! — voltou a explodir.
Como não sabia bem onde pisava resolveu por enquanto não envolver ninguém da Computer Co.. Havia algo muito maior que a morte do Dr. Maxuell Reingner e a estranha notícia que ele morrera para salvá-lo. Havia um incêndio, estranhos homens de terno preto em meio a computadores ‘esvaziados’.
Ideias que não o deixava descansar, esquecer, em meio a dores de cabeça, uma atrás da outra.
Sean resolveu que um banho gelado naquela noite abafada cairia bem. Escondeu a arma Tyron numa abertura do armário, colocou o celular para carregar e saiu dessa vez com a toalha certa, passando mais uma vez na porta do quarto número 28, tocando-lhe a porta e sentindo que agora nada havia ali.
Suspirou assustado com o que queria que estivesse ainda lá.
Ele não levou mais de dez minutos para voltar ao seu quarto onde um abat-jour de vidro verde aceso, um tapete de lã colorida e dois quadros pintados por artistas da região, sob o espaldar da cama, finalizavam a decoração em meio sua mala ainda largada no chão, aberta, revirada. Sean fechou a porta e a luz do abat-jour de vidro verde cedeu. Recuou para a curva do quarto sabendo que havia mais alguém ali e que esse alguém não o percebera entrar. Ficou imóvel tentando controlar sua própria respiração quando a luz fraca da lanterna se dirigiu à sua mala aberta, bagunçada. O intruso então passou a ficar mais barulhento, mais assustado do que inicialmente.
Sons do teclado de seu notebook foram acionados. Sean tentava enxergar-lhe o rosto quando a luz da lanterna atingiu-lhe os olhos.
— Ahhh... — Sean sentiu o impacto; também ouviu a lanterna que caiu no chão. Em uma ação rápida, o intruso saltou sobre ele. Sean sentiu repulsa no que todo o corpo do intruso o melou de algo gelado e pegajoso. Sean recuou assustado permitindo que fugisse. Contudo desejou e uma cadeira foi arremessada sobre ele com a força do pensamento. O intruso pegajoso caiu aturdido pela ação inesperada e caiu em cima da mesa levando o abat-jour e o notebook juntos, ao chão. Sean outra vez se lançou sobre ele, lutando com algo que melecava suas mãos, e o intruso pegajoso o laçou com uma língua gelada e azulada. — Ahhh... Ahhh... Ahhh... — Sean se sufocava.
O intruso pegajoso então o girou no ar 360° jogando todo o corpo de Sean Queise contra a parede. Na sequência, o intruso lançou-lhe algo que Sean traduziu visualmente como uma lâmina feita de cristal, que pairou no ar, centímetros dele, com a força paranormal que usou.
— Arghhh… — soou do intruso pegajoso se assustou com o que viu, com o que achou que entendeu nele, Sean Queise.
Numa fração de segundos, enviou uma segunda lâmina de cristal e outra terceira, que Sean jurava que não as via ser lançadas, a terceira o alcançou o pregando na parede com a camisa do pijama, se sujando de sangue.
— Ahhh!!! — a dor agora era incontrolável, Sean perdeu o ar. Ficou tonto sentindo todo braço e mão esquerda começar a cristalizar num estranho som agudo como a Tyron fazia. A dor realmente o tomara por completo. — Ahhh!!! — Sean gritou novamente quando conseguiu arrancar o pedaço de cristal do ombro esquerdo, e ver que na sua mão esquerda se encaixava a Tyron que provável chamou pela força do pensamento sem perceber.
Fora realmente uma Tyron que fizera aquele som.
O intruso pegajoso então ao vê-lo liberto, pegou as outras duas lâminas e saltou pela parede, realmente andando por ela. Sean impacto no que pouco pôde ver.
Voltou a olhar a escuridão do quarto, arrastando-se até o fio do abat-jour o puxando. A cúpula havia quebrado na queda e o bocal estava solto com a lâmpada ainda funcionando. Sean a direcionou para a mesa onde o notebook estivera ligado e só o encontrou no chão com as caixas de CDs esparramadas e vazias.
“Os dados!”, percebeu.
Sean recontou-se na parede fria em meio a muita dor, percebendo o sangue invadir o pijama, percebendo também que aquele momento havia sido o seu diferencial.
Com certeza não fora sua hora de morrer.
7
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
06 de dezembro; 06h35min.
Foi logo nos primeiros raios de Sol, que Sean Queise parou em frente ao que parecia ser um Pronto-Socorro e a porta se fechou. Ele sorriu já entendendo aquilo. E o único motorista de táxi local não havia gostado em nada de saber que ia ter que levá-lo até o sanatório do Castelo Stoff, mesmo depois de Sean oferecer dez vezes o valor da viagem.
Sean lembrou-se do Google e a falta de imagens aéreas, terrestres, mas ficou sabendo pelo taxista que havia na mata fechada que cercava todo o Castelo Stoff, por onde o Ford 40 dirigira dia anterior, que havia um lago dito mal-assombrado, onde vivera em tempos passados um bruxo azulado, capaz de fazer qualquer rocha de tamanho e pesos variados volitarem entorno da sua casa, que ninguém visitava, era óbvio. Estranhou, porém em saber que ninguém no Vilarejo de Wirgüs sabia sobre qualquer incêndio acontecido no sanatório em janeiro.
Sean até quis levantar mais a questão, mas o motorista de táxi estava destinado a não falar sobre os estranhos acontecimentos que tomavam conta do sanatório, ou qualquer coisa que rodeasse o lago dos arredores do terreno do Castelo Stoff. E Sean não estava muito interessado em bruxos azulados nem em rochas que mutavam talvez, como as do ‘Dedo de Deus’ na Serra do Roncador, nem gostou de se relembrar de lá. Tinha dor no ombro ferido, fome pelo café da manhã recolhido antes dele chegar, e dor de cabeça que crescia exponencialmente.
Sean foi deixado no grande portão de ferro verde. Achou a mesma coisa de quando chegara no dia anterior, a falta de uma cadeado ou um guarda no portão. E foi só entrar para ser recepcionado por ela, a Rainha Cleópatra do Egito; ela achava que era.
— Olá... — tentou Sean.
— Chega de comprimentos! Vamos! Vamos! Precisamos ser rápidos — e a Rainha Cleópatra o agarrou tão rápido pelo braço esquerdo que Sean ia gritar pela dor no ombro, quando se viu saindo pelo portão que acabou de entrar.
— Hei? Não tão rápido assim. Estou ferido.
— Oh! Oh! — a Rainha Cleópatra estancou. — Então eles te pegaram?
— Pegaram-me?
— Sim! Sim! Os estranhos vestidos de preto.
Foi a vez de Sean estancar.
— Quando os viu?
— Não vai gravar? — perguntou ao invés de responder.
— Deseja que eu grave o que? — estranhou.
— Inferno! Inferno! — a Rainha Cleópatra praguejou arrumando a coroa de latão que desceu da cabeça suada. — Devia escrever, mas se não for tão rápido pode gravar então — falava rápido e atropelado.
— Não tenho... — Sean olhou em volta e se viu sozinho com aquela estranha personagem. —, mas tenho uma boa memória, pode acreditar. Santo Agostinho iria adorar.
— Quem? — a Rainha Cleópatra mal o entendeu. — Ah! Inferno! Inferno! Não tenho tempo a perder — ela olhou para os lados, sorrateira. Agachou-se, obrigando Sean agachar-se também, já receoso do que fazia. — Eu a vi matá-los! — denunciou.
— Quem morreu? Os estranhos vestidos de preto?
— Sim! Sim! Os estranhos vestidos de preto. Quem mais?
Sean voltou a procurar alguém em volta. Estava sozinho, agachado, no meio do nada conversando não sabia o que.
— E por que eles estavam de preto?
— Acho que ficaram assim por causa do incêndio.
“Incêndio”, aquilo agora ganhou sua atenção.
— E por que houve um incêndio, rainha?
— Por causa do bebê! — respondeu friamente.
— A rainha está falando do que?
— Inferno! Inferno! Eles encontraram o bebê. Foi isso!
— Não estou entendendo que bebê?
— O dela. Que ela matou.
Sean ficou confuso.
— A rainha tem certeza? — Sean a chamava daquilo que ela gostava de ser chamada quando arrumou mais uma vez a coroa de latão.
— Com toda essa certeza e muito mais — respondeu esbugalhando os olhos, deformando-lhe o semblante. — Inferno! Inferno! A mãe sempre sabe quando seu bebê não tem futuro — ficou evidente que era uma das internas, completamente demente. Ela se ergueu e Sean se ergueu também. — Já faz tempo e ninguém nunca descobriu. É isso! É isso!
— Ninguém deu pela falta pelo bebê?
— Inferno! Inferno! E por que daria? Éramos somente nós três no lago.
— “Nós três no lago?” — perguntou Sean perdido em suas ações. — E o como ela matou o bebê, rainha? — procurava por alguém que por ventura passasse por ali.
— A princípio nada fez — explicou detalhista. —, porque tinham os outros e eles precisavam do bebê.
— “Precisavam do bebê”? Deus... Está falando de algum ritual macabro?
— “Macabro”? Não! Não! Normal até para os outros — a Rainha Cleópatra suava.
— “Outros”? Não disse que eram apenas vocês três no lago?
— Sim! Sim! Mas aí veio uma nave e trouxe os outros.
“Nave?”; Sean começou a se perder na ‘viagem’.
— “Uma nave”? A nave trouxe os outros? Outros bebês?
— Inferno! Inferno! Depois, os vermes levariam o resto do corpo do bebê. Inferno! Inferno! Não! Não! Os insetos primeiro levariam a pele. Isso! Isso! E então coloquei seus ossos numa caixa e levei até minha pirâmide, para que os Deuses tivessem suas lembranças. Então não sei por que tanta confusão.
— É... Também não sei... — olhava em volta tentando ver se alguém se aproximava para tirá-lo daquela situação quando alguém se aproximou — Ahhh! — Sean levou realmente um susto por não ter previsto que alguém chegaria ali tão rápido.
— Halo Herr Queise! Sou a Enfermeira chefe Elfriede Frick — esticou uma mão para ser cumprimentada. — Sou encarregada de cuidar da Ala Rosa do sanatório do Castelo Stoff e... — e Elfriede olhou a Rainha Cleópatra arrumando a coroa de latão na cabeça. —, e estava procurando Fräulen Carlotta Baptista.
— Já lhe disse que não sou Fräulen Carlotta Baptista!!! — gritou descontrolada, a interna enquanto Elfriede observava Sean, que arregalava os olhos azuis a cada atitude descontrolada da interna. — Inferno! Inferno! Sou a rainha do Egito Atlante!
“Egito Atlante?”; aquilo agora não soou tão alienado assim a ele.
— Desculpe-nos, Herr Queise — olhou para a ‘rainha’ Baptista. — Esqueça tudo o que ouviu, o que ela falou — falou Elfriede categoricamente encarando a interna Fräulen Baptista que surpreendentemente acalmou-se indo embora alameda adentro.
— “Esqueça tudo o que ouviu” — repetiu. — Não sei como...
Uma coisa compreendeu rápido, precisava saber de agora em diante separar o joio do trigo. E tinha que separar rápido para descobrir dentro de qual loucura se encaixava a necessidade dele próprio estar ali. Porque houve um incêndio, estranhos homens que se vestiam de preto morreram, e agora tinha um bebe desaparecido, provável morto no lago, em meio a computadores esvaziados, e uma nave que trouxe ‘outros’. Afinal, segundo Santo Agostinho, a presença do esquecimento fazia com que não nos esquecêssemos; então como se esquecer de algo.
Sean se perguntaria várias vezes tentando não esquecer o que disse Fräulen Carlotta Baptista.
O prédio principal, chamado de prédio central parecia assustadoramente deserto, ele desembocava num átrio envelhecido, de pintura descascada, diferente do resto do Castelo Stoff. Como ninguém apareceu Sean, resolveu tomar alguns anti-inflamatórios por conta própria que encontrou na sala de máquinas, as que davam choques, mas a combinação estômago vazio e dor não estavam se comportando como devia.
O Castelo Stoff era uma construção assustadoramente encravada no meio da mata fechada. Como nenhum som era ouvido pelo lado de fora das alas, Sean resolveu aproveitar o momento e voltar à sala dos computadores que ficava à esquerda da sala dos doutores, e que por sua vez não conhecia como supunha Dra. Elvira. Sean apenas sabia que os computadores estavam com seus HDs deletados, nunca havia realmente sentado fisicamente na frente deles. Mas outra vez o estômago vazio, lotado de anti-inflamatórios o fez sentir-se mal. Seu ombro doía, sua nuca doía, todo ele inteiro doía. Uma nova tontura e ele apoiou-se na coluna dórica imaculadamente branca, a fim de não cair para então vozes desconexas chegarem até ele.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… — vozes soaram.
Vozes pararam.
E então homens, mulheres e crianças quase cadavéricas, usando uniformes listrados, fugiam de algo que estampava medo nos seus rostos. Eles se precipitaram para cima dele o transpassando. Sean acordou do torpor sentindo dor, ajoelhado no piso frio em que caiu. Quando percebeu que as imagens sumiram, a Dra. Elvira se aproximava após ter saído muita nervosa de algum lugar.
Sean ergueu-se do chão já imaginando que ela diria a frase ‘Está bem Herr Queise?’, quando Elvira passou por ele, sem vê-lo.
Sean impacto, não estava ali.
Olhou em volta atordoado, tentava entender porque não estava lá. E se não estava lá, ajoelhado no piso do corredor, então onde poderia estar, se perguntava.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… — as vozes voltaram e Sean conseguiu tirar a mão da coluna onde se apoiara.
As vozes pararam e Sean se viu ajoelhado no piso do corredor, com o som voltando aos seus tímpanos, vendo Elvira entrando na sala de Björn após abri-la com uma chave. Sean foi atrás dela e entrou vendo Elvira abrindo uma gaveta, usando a mesma chave que usara para entrar ali. Mas ela novamente não o via ali dentro.
Sean temeu ter se perdido no limbo.
Elvira pareceu nada ter achado na gaveta, e abriu uma segunda gaveta trancada. Fez uma careta e fechou-a, trancando-a novamente. Ela respirou profundamente, arrumou o coque e saiu sem ver que Sean estava ali parado, invisível a ela, em êxtase. Sean percebeu que havia realmente voltado ao castelo, e como agentes psíquicos da Poliu, ele também podia ficar invisível.
“Droga!” exclamou nervoso quando a voz de Björn falando com outro homem chegou até ele.
Sean olhou em volta, havia um espelho no canto. Ele se aproximou e viu que ele mostrava sua imagem. Olhou em volta novamente sem saber como fizera aquilo, como ficara invisível para Elvira se estava se vendo. Ou se podia era controlar a mente de alguém e ‘sumir’ perante ela.
A voz de Björn agora se fez à frente da porta e Sean destrancou a porta se sentando na cadeira à frente da mesa de Dr. Björn no mesmo momento em que ele colocou a chave na fechadura e percebeu-a aberta.
— Estava aberta! — soou um Sean cínico vendo Dr. Björn de olhos arregalados para ele no que entrou.
— Não me lembro de tê-la deixada aberta Herr Queise — aquilo soou arrastado até os ouvidos de Sean que manteve a frieza.
— Desculpe-me Dr. Björn, mas só sei abrir senhas — sorriu-lhe novamente se erguendo rapidamente. — Mas como demorou muito, acabei me atrasando e já vou ter que ir embora — e se dirigiu para a porta passando por um Dr. Björn estático, pensativo.
Sean alcançou o corredor e novamente o salto 15 de Elvira estalava pelo mármore carrara. Foi atrás dela vendo-a entrar numa sala. Teve outra vez medo de não saber controlar aquela invisibilidade ou se a tinha realmente, mas recuou ao ouvir o salto do sapato dela retornando com mais pressa ainda. Mal teve tempo de se jogar num dos banheiros que faziam ligação com outro corredor e se viu abrindo e fechando portas até que acabou numa sala com uma mesa e dez cadeiras espalhadas ao longo dela.
— Herr Queise? — ela viu Sean dar quase um pulo do chão. — O que faz aqui na copa? — ela perguntou atrás dele.
— Ah! Dra. Elvira! Bom dia! Eu... Precisava de água... — suava incessantemente.
— Você está todo molhado — Elvira passou suas mãos na testa dele. — Está com febre?
— Acho... Que deve ser... — e não terminou, sentindo que ia cair no que sua vista embaçou de vez. A pequena Elvira segurou-lhe pelo braço como fizera no dia anterior. — Acho que não vou mais poder viver sem você, Doutora.
Ela o encarou de muito perto. E passou a olhá-lo de uma maneira diferente, algo naquele olhar que fez surgir um clima entre os dois, um clima diferente da premiação do Nobel.
— Você é muito bonito.
Sean sorriu de novo ainda tonto, gostando da sinceridade latente quando dessa vez foi ao chão.
“Herr Queise?” vinha de muito longe.
Quando Sean abriu os olhos estava deitado numa maca em algum lugar que cheirava a todos os tipos de medicamentos que lhe vinham à memória.
— Herr Queise? — falou Elvira outra vez. — Está melhor? — ela viu Sean esforçar-se para conseguir se erguer. — Sente-se! Os enfermeiros o trouxeram até aqui — o ajudou meio sem graça. — Vou lhe pegar água — e sumiu de sua vista.
Sean olhou em volta, a enfermaria geral era uma grande sala de pé-direito triplo com muitas camas uma ladeando a outra, trinta no mínimo; contou. Olhou para cima e viu os grandes janelões meticulosamente limpos, cobertos por cortinas de voil branco com paredes brancas emoldurando a bela tapeçaria grega.
— ‘Descendit ad Inferna’ — soou de sua boca sabendo que a tapeçaria mostrava o reino ctônio de Plutão mais comumente chamado de Hades.
Olhou-se, tinha algo que parecia cola fechando o corte provocado pela lâmina. Sean abriu a camisa percebendo-a encharcada de sangue seco, sem nenhuma ‘expressão de perfeito êxtase’. Quando Elvira voltou com a água o olhar dela caiu sobre o peito nu e malhado que despontava na camisa aberta.
Sean alcançou o copo da água e como com Kelly, bebeu a olhando sabendo qual o pensamento e desejo dela, que não ficou só no pensamento.
— Vai precisar trocar — Elvira tirou-lhe a camisa. O olhar entre ambos agora foi de múltiplas interpretações. — Tome! — entregou uma camiseta branca com um logotipo que Sean não identificou de imediato. — Não sei se é do seu... — olhou-o nu e malhado outra vez. —, tamanho.
— Alguém entrou no meu quarto ontem — foi o que respondeu colocando a camiseta. — E os CDs sumiram!
Ela o encarou.
Depois olhou em volta com o sobrolho franzido.
— Precisa comer algo — e Elvira saiu.
Sean a seguiu sem nada mais falar. As alamedas estavam estranhamente silenciosas até que avistou uma construção de tamanho mediano à direita do grande prédio que era o sanatório e à esquerda de onde estavam.
— O que é aquele sobrado?
— Os aposentos médicos — olhou Sean a seguindo. — Não fazia parte do Castelo Stoff em 1945.
Sean nada perguntou do por que a data 1945 ter sido citada.
— Que cor tem aquela enfermaria?
Elvira não gostou daquela curiosidade, malhado ou não.
— Branca, como pôde ver.
— Ela fazia parte do Castelo Stoff em 1945?
— Sim.
— Sabe o que significa aquela tapeçaria não? Sim, sabe. Significa que nem todos são jansenistas com ‘expressão de perfeito êxtase’ no rosto.
Elvira parou de andar o fazendo se chocar com ela.
— Aonde quer chegar Herr Queise?
— Eu? Na cozinha suponho.
— Claro! — Elvira continuou a andar. Sabia que precisava de muito jogo de cintura para sair do assunto levantado, porque ela sabia que os jansenistas eram manifestações de PK ou psicocinese acontecidas em Paris, na primeira metade do século 18, após a morte do diácono jansenista François de Paris, e sabia que havia desencadeado terríveis vinganças do governo a eles que foram queimados, enforcados e que não morriam, pedindo cada vez mais força na tortura em ‘expressão de perfeito êxtase’.
E sabia que o Dr. Maxuell conhecia os dons paranormais de Mona Foad, a espiã psíquica que estivera lá no começo do ano capaz de se auto curar.
Sean impacto com o que ela pensava. Precisava também ter jogo de cintura para saber as respostas às perguntas que surgiam cada vez mais rápidas.
— Por que não me levou a enfermaria do prédio central, Doutora?
— Não temos uma enfermaria no prédio central. As enfermarias que ficam nas alas são apenas suportes. Uma feminina e outra masculina.
— E os laboratórios?
— Que laboratórios?
— Onde ficam os pesquisadores, suponho.
— No outro extremo leste do sanatório. Eles ficam sob o prédio central.
— Sob as alas? — estranhou.
— Sim. São ambientes esterilizados e não podem ter acesso à luz e poluição.
— Quem trabalha lá?
— O Dr. Kim Warner e o Dr. Fran Hagster — Elvira o encarou novamente. — Engenheiros genéticos da equipe do Dr. Maxuell.
— Alemães suponho.
— Supôs corretamente.
— Deve ser muito ruim trabalhar o dia todo enterrado abaixo do solo.
— Não estão enterrados no Hades, Herr Queise. Apenas trabalham lá.
E Sean relevou aquilo.
— Quem paga as contas daqui?
— Como é que é?
— Vocês têm aparelho de tomografia, jardineiros, um corpo clínico dos melhores, impostos...
Elvira se virou tremendamente irritada e o deixou no meio do caminho, apontando para copa novamente, insinuando que ele se virasse para chegar lá, voltando à enfermaria.
Sean ficou lá, mais irritado do que ela, incomodado com os precários relatórios que a Poliu tinha sobre o corpo clínico do sanatório, bravo por ter se excedido nas perguntas. Mas o pouco que conseguira era saber que estranhamente todos tinham nomes germânicos, mas trabalhavam em Liechtenstein, e tinham pelo menos duas graduações profissionais.
Dr. Hanz Liechyt, biólogo ortomolecular e nutricionista, responsável pelas dietas e toda a infraestrutura alimentar. O Dr. Ludwick Fontash, neurologista forense e psicólogo. O Dr. Björn Rahn experiente e conceituado psiquiatra geriátrico e físico quântico. O Dr. Hohan Warner e o Dr. Fran Hagster, engenheiros genéticos e psicólogos. O Enfº. geral Hans-Joachim Tasttel e seus dois enfermeiros menores, o enfermeiro Berghaman Fredyskhein e o enfermeiro Sygfrid Sylvestor, além da irmã, a secretária e recepcionista Wilhelmina Sylvestor.
Também havia um relatório sobre os enfermeiros; a Enfª. geral e bióloga geneticista Elfriede Frick, seguida da enfermeira menor Anneta Mitzi Müller; e sobre essa sim, nenhum relatório.
Sean ficou pensando quem afinal era Anneta Mitzi.
Na cozinha ficavam duas cozinheiras alemãs, radicadas na Sérvia; Frau Obecana Veca e Fräulein Zemlja Veca, respectivamente mãe e filha, que também cuidavam da limpeza geral do sanatório.
Também no corpo de funcionários, o jardineiro alemão Herr Pretijin Feher, residente do Vilarejo de Wirgüs e dois faxineiros locais, os irmãos Walter Lau e Daniel Lau, residentes fixos do sanatório do Castelo Stoff.
O que ele não compreendia era o porquê dos relatórios serem tão pouco limitado. Não era comum a Poliu manter investigação de quem quer que fosse que não tinham muito a contar. Sean sabia que ou a Poliu segurava informações, ou o que segurava as informações era o passado daquelas pessoas.
Virou-se para ir à sala do Dr. Björn e voltou a se chocar com Elvira que voltava mais calma, desencadeando vozes.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… — e ele só conseguir enxergar os lábios finos de Elvira falando algo. — Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh… — e a voz dela chegava entrecortada; ‘jantar’, ‘noite fechada’, ‘vinho’.
Mas as vozes pararam no que Elvira lhe deu um beijo de despedida no rosto.
— Doutora?
Ela parou de andar ainda tímida com o que dissera.
— Desculpe-me. Eu me excedi de alguma forma, não?
— Ich gebe hier, geben Sie dort — disse em alemão. — Eu cedo aqui, você cede ali — sorriu para um Sean ainda traduzindo. — Eu penso Herr Queise, que talvez pudéssemos conversar melhor sobre esse assunto e outros hoje à noite, nos meus aposentos; 20 Stunden.
Sean ergueu os dois sobrolhos.
— Seus aposentos? E ainda insiste em me chamar de ‘Senhor’?
Elvira sorriu o deixando lá, a meio caminho de não saber como sair outra vez dali.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
06 de dezembro; 12h12min.
Mas Sean havia saído do sanatório pedindo carona outra vez, agora com o enfermeiro Berghaman Fredyskhein. E não era só o nome dele que era indecifrável, era todo ele.
Berghaman tinha uma voz cavernosa, orelhas pontiagudas e peludas e uma face quadrada, com dentes alinhadamente brancos e brilhantes; e devia ter mais de dois metros de altura, provável um metro de largura em musculatura. Sean nunca havia visto tamanha montanha de músculos, nem na época que frequentava academia, o que andava cada vez mais distante.
Andava cansado, com sono, com fome e agora afetado com o que acabara de ouvir do delegado Austácio, no que Berghaman o deixou na delegacia.
— Como não vai fazer nada?! — gritou Sean incrédulo.
— Herr mesmo disse que não viu nada, então quem eu vou prender? — respondeu sarcasticamente, o delegado Austácio, para lá de azulado, voltou a se sentar.
Sean olhou um lado e outro da delegacia vazia.
— O fato de não ter visto, não muda a situação — Sean ficou a olhá-lo da pequena cancela que o separava das grades. — O delegado tem que investigar fazer perguntas, achar o culpado.
— E perguntar para quem se Herr mesmo disse que ninguém estava lá no seu quarto para presenciar o ataque?
— É... Ninguém estava lá — Sean engoliu aquilo a seco.
O delegado Austácio arrumava a mesinha de trabalho, fingindo uma segurança que Sean lia nos seus pensamentos, o delegado não tinha.
— Disse que foi uma lâmina de cristal? Estranho não? — o delegado falou de repente a esmo. Depois pegou uma vassoura e começou a varrer mecanicamente o chão. Sean ficou o olhando em movimentos cadenciados. — E o que você acha?
— Acho o que?
— Pertencia a pensão?
— Pensão têm lâminas de cristais? — Sean olhou para os lados e percebeu as celas vazias. — Onde está o Sr. Morso?
— Quem?
— Como quem? O bêbado de ontem?
— Que bêbado Herr Queise?
Sean ficou ali, vendo Austácio de costas, voltando a varrer.
— Eu cheguei do Castelo Stoff na hora do almoço e outra vez não encontrei comida na pensão. Parece que lá todos comem, coincidentemente, antes da minha chegada. Os restaurantes fecham as portas quando me aproximo, a farmácia não tem medicamentos, o hospital não me socorre e o florista não tinha flores para me vender mesmo com a vitrine abarrotada delas — e o delegado fingiu não escutar.
Sean abaixou a cabeça e saiu sentindo-se derrotado.
Castelo Stoff, Vilarejo de Wirgüs; Liechtenstein.
06 de dezembro; 19h55min.
Quando chegou a noite, o sanatório do Castelo Stoff era uma escuridão só. Sean Queise vestia calça de alfaiate preta, camisa social azul marinho, e um paletó também azul marinho, Armani, que Kelly insistia em pôr em suas malas. Ele caminhou em silêncio após o entregador de verduras e frutas do Castelo Stoff lhe dar uma carona do vilarejo até ali. E o silêncio só não foi completo porque um grito horrendo ecoou por toda a mata fechada que rodeava o castelo.
Ele estancou com a mão ainda a segurando algumas flores Cyclamen persicum roxas que faziam as margens da estrada. Olhou em volta, o breu e mais nada lhe faziam companhia. Achou mesmo estar cansado, com fome, sono.
Arrancou algumas flores e algo muito sorrateiro passou-lhe por trás. Ele agora se sobressaltou com seu coração disparar e todo seu corpo ficar em alerta.
— Quem está aí? — perguntou à escuridão. Um cheiro até então nunca sentido alastrou-se rapidamente. Algo muito diferente do que suas narinas já haviam experimentado. Sean ficou temeroso, abaixou e pegou mais um pouco de flores e ergueu-se com a sensação que algo lhe passara por detrás novamente. — Quem está aí? — tentou fixar os olhos na escuridão, acostumar-se a ela e um jorro de ácido o tomou por completo em meio a gritos e gemidos que chegaram até ele.
Sean chacoalhou a cabeça e os gritos e gemidos sumiram.
Por uma fração de segundos pensou se talvez ele também não fosse um espião psíquico como Mona Foad, uma paranormal capaz de ouvir o outro lado do tecido etéreo que nos separa dos que já foram.
“Ecos do passado”; lembrou-se do campo de concentração nazista instalado no Castelo Stoff.
Porque havia algo mais acontecendo com ele, algo que Mona não previra, que seus pais, os dois, não tinham conhecimento. Porque Sean tinha uma ligação maior com o cosmo, com seus segredos e mistérios. E sabia que a Poliu estivera por detrás de sua preparação, por trás de seus dons nada adormecidos, de como ela própria, a corporação de inteligência chamada Poliu treinava seus espiões psíquicos, com dons iguais ao dele; preparados para se comunicar com o mesmo Cosmo, e quem lá habitasse.
Desligou-se de tudo quando avistou os aposentos dos médicos no sobrado que não estava lá em 1945. Uma construção separada do prédio central, imperceptível durante o dia, por detrás de arbustos altos, mas que a noite parecia realmente escondida pelo terreno. No sobrado ficava a Dra. Elvira, e os quatro médicos que constavam nos arquivos da Poliu, e que ele ainda não fora apresentado formalmente.
A campainha tocou mais de três vezes até que fosse atendida.
— Boa noite, Herr Queise! — disse a bela e pequena Doutora Elvira Heissler, dentro de um justo vestido azul anil, olhando Sean carregar um discreto buquê de flores. — Por favor, Herr Queise! — e fez uma mesura com a delicada mão para que ele entrasse.
— Ainda insiste em me chamar de Senhor? — ele correu rapidamente os olhos por uma sala com jeito de nunca ter sido usada.
— Entre! — nada respondeu e Sean sentiu-se mal com a aparente frieza dela. — Aqui temos uma sala… — dizia apontando para as coisas e lugares. —, mais à sua frente, temos duas suítes e uma cozinha com uma pequena dispensa que contém apenas chá — sorriu apenas. — Fazemos todas as nossas refeições no prédio central.
— Entendo… — Sean ficou na duvida se ela mudara de ideia quanto ao convite do jantar com a mesa da sala ainda arrumada com apenas um vaso de cristal.
— E lá em cima temos mais três quartos com banheiros privativos.
— Por que disse que o sobrado não estava aqui em 1945?
— Aqui ficava uma oficina mecânica, como me contou o Dr. Maxuell. Parece que também aqui ficava o alojamento de alguns pilotos.
— Pilotos? Havia uma pista de pouso aqui perto?
— Não sei — Elvira pareceu dar um sorriso, sentindo que seu coração paralisado por tantos anos, dava sinais de existir. Sean torceu por aquilo quando os pensamentos dela chegaram até ele, porque não estava gostando da frieza dela. — Deseja conhecer o andar de cima?
“Desejo conhecer?”, Sean não entendeu o porquê do tour.
— Antes de subirmos, pode colocar as flores num pouco de água?
— Oh! Herr Queise. Que indelicadeza a minha. Dê-me as — Elvira tremeu ao relarem as mãos.
Aquela mesma energia de cedo.
— Perdão pelo arranjo improvisado — Sean olhou Elvira o observando com o vaso de cristal na mão retirado da sala de jantar. — Parece que não tenho muito ‘crédito’ na cidade para comprar flores, nem flores que comprar — procurou outra vez com os olhos a mesa do jantar.
Elvira colocou as flores no vaso e anunciou:
— Vamos subir? — ela o viu seguindo-a em silêncio.
O quarto estava perfumado, resquícios do perfume adocicado que usava. Uma cama com uma colcha florida, um armário de madeira cara num canto, uma penteadeira da mesma madeira noutro. Cortinas de voil colorido e um delicado lustre de cristal. Sem fotografias, bibelôs ou qualquer coisa que demonstrasse intimidade com o ambiente de descanso e ela apontando a beirada da cama para ele se sentar.
— Obrigado!
— O que bebe para molhar a garganta? — perguntou com uma taça de cristal na mão.
— Bebo vinho! Se tiver — ele a viu se dirigir à penteadeira onde uma garrafa de vinho branco repousava no gelo. — De quem são os outros dois quartos aqui em cima?
— Como disse, o sobrado foi construído para desafogar um pouco o prédio central. Lá embaixo dormem o Dr. Hanz Eberhard e o Dr. Kim Warner. Então o que era para ser um quarto para o Dr. Ludwick e o outro para o Dr. Björn, com a admissão do Dr. Fran Hagster, obrigou o Dr. Björn a morar no sanatório do Castelo Stoff.
— Pensei que o Dr. Björn dormisse no prédio central por causa da morte do Dr. Maxuell.
Elvira ergueu a cabeça. Suspirou percebendo que Sean ia voltar no assunto.
— Também.
— Por que a mídia nada soube sobre a morte do Dr. Maxuell?
— Já temos problemas com nossas pesquisas de fetos artificiais. O nome do Dr. Maxuell ainda pesa positivo pela região.
— E os enfermeiros?
— Está insinuando o que, Herr Queise?
— Não estou insinuando nada — ergueu as mãos no mais puro charme.
— Os enfermeiros moram nos arredores — Elvira deu um tempo, não queria discussões naquela noite.
— A morte do Dr. Maxuell deve ter alterado a rotina do sanatório, não?
— A tragédia da morte do Dr. Maxuell nos atingiu de muitas maneiras — olhou-o. — Ele era... — suspirou. —, era tudo o que eu tinha.
Sean ficou na duvida em que fio de conversa seguir. Olhou em volta e não viu sinais de que jantar algum ia acontecer.
— O Dr. Maxuell me conhecia?
— Sabia sobre seu trabalho como empresário bem-sucedido apesar da idade, sobre sua inteligência relacionada a computadores, sobre suas atividades UFO-nazilógicas e sobre seus problemas com a Poliu.
Sean ergueu a cabeça que acabara de abaixar.
— Wow! Parece que realmente me conhece, não? — Sean sentiu que havia muito mais ali, esperou Elvira tomar toda sua taça de vinho. — Por que o interesse do Dr. Maxuell em Rh negativo? Por que dizia que o Rh negativo era alienígena? Por que arriscou sua carreira, seu nome perante a sociedade médica internacional quando ainda era jovem, quando estava retornando a carreira no tumultuado pós-guerra?
Elvira teria dito que também conhecia sobre sua curiosidade perigosa.
— Nada sei sobre alienígenas, Herr Queise. O Dr. Maxuell trouxe-me para cá há quatro anos para trabalhar com Rh, mas volto a afirmar que nada sei sobre alienígenas.
— Fale-me sobre os Rh negativos.
— Os Rh negativos são raros, Herr Queise. E mesmo assim, estranhamente, uma pessoa com sangue tipo 0 ou zero, Rh negativo, é considerado ‘Doador Universal’ — Elvira colocou uma música suave. — A distribuição de tipos sanguíneos dos doadores de sangue é, tipo 0 ou zero, Rh positivo igual a 37%, do tipo A Rh positivo igual a 36%, do tipo B Rh positivo igual a 9% e do tipo AB Rh positivo igual a 3% — olhou para a taça vazia dele. — Quer mais vinho?
— Sim — esticou sua taça se sentido tão suave quanto à música.
— Já para o Rh negativo a porcentagem é ridícula. O tipo 0 ou zero, Rh negativo é igual a 7%, o tipo A Rh negativo igual a 6%, o tipo B Rh negativo igual a 1% e o tipo AB Rh negativo igual a 1% — Elvira então o observou. — Acredita em suas listas, Herr Queise? — espremeu o belo rosto. — Suas listas falam coisas incoerentes.
— “Incoerentes”? Minhas listas falam sobre o trabalho do Dr. Maxuell e sua ideia do Rh negativo ser alienígena, e quem o possuir serem híbridos; meio homem, meio alienígena. Quem é o incoerente aqui?
— Não estou brigando com você Herr Queise, mas isso soa ridículo. É perceptível que o Dr. Maxuell foi mal compreendido.
— Mal compreendido por quem exatamente? — sorriu enigmático.
— O status do seu Rh descreve se você tem ou não uma proteína na superfície das células vermelhas sanguíneas. Se você não tem esta proteína, você é considerado Rh negativo, se você tem esta proteína, então você é considerado Rh positivo, embora isto deva variar de acordo com a raça. Para os afro-americanos, por exemplo, o percentual de Rh positivos é de 90 a 95% e para os asiáticos é de 98 a 99%.
— O fator Rh negativo é considerado uma ‘mutação de origem desconhecida’, que aconteceu na Europa, por volta de 25 mil a 35 mil anos atrás. Então este grupo se espalhou pesadamente na área do que hoje é a Espanha, Inglaterra, Irlanda, etc.
— Hum! — ela sorriu-lhe encantada. — Bem informado para um cientista da computação.
— Costumo ser — Sean sorriu-lhe com a taça vazia.
Elvira serviu as duas taças com vinho, outra vez. A música deu vontade de saírem dançando.
Contiveram-se, porém.
— Durante o processo do nascimento, as células sanguíneas da criança não nascida podem escapar para a corrente sanguínea materna. Estas células são reconhecidas como estranhas se elas são de tipo sanguíneo diferente da mãe, e uma rejeição natural se processa com a formação de anticorpos. O processo é conhecido como aloimunização da célula vermelha. O maior risco está em mulheres Rh negativo com parceiros Rh positivo, sob o risco de um aborto espontâneo e outros eventos de rejeição do feto.
— A mãe sempre sabe quando seu bebê não tem futuro...
— O que disse?
— Nada! Então a negatividade nada tem haver com a hibridez, Doutora?
— Quer dizer que é uma irregularidade, Herr Queise. Apenas isso. Em mais de 98% dos casos, a incompatibilidade sanguínea das células vermelhas envolvem o antígeno Rhesus ou Rh D, Fator Rh negativo, e então a doença é conhecida como Doença Rhesus ou Doença Rh.
Sean sentiu seus olhos se apertando, talvez pelo efeito do vinho e dos medicamentos, e do estômago cada vez mais vazio.
— As mulheres e homens Rh negativos tem vários traços raros, que os Rh positivos não têm. Alguns UFO-nazilogistas o chamam de ‘traços reptilianos’.
— “Traços reptilianos”? — foi à vez de Elvira sorrir enigmática. — Eu posso enumerá-los para você — debochou.
Sean não se deu por atingido.
— Está achando graça, Doutora?
— Não, claro que não. Uma vértebra extra, chamada de ‘osso de cauda’, que alguns chamam de cauda mesmo; temperatura corporal mais baixa que a normal, pressão sanguínea mais baixa que a normal, habilidades mentais analíticas mais altas, um escudo ao redor do corpo contra íons negativos mais elevados, o que quer dizer vírus ou bactérias positivamente carregados. Além de uma alta sensibilidade aos campos EM e ELF — Elvira agora riu.
— Hipervisão e outros sentidos extraordinários — tentou não dizer paranormal.
— E outros sentidos extraordinários Herr Queise — Elvira voltou a rir tentada a dizer paranormal, ludibriada pela música, pelo vinho, pelo corpo dele que não perdia do raio de visão.
Já Sean sentiu outra vez seus olhos se apertando.
— O que há de tão engraçado?
— O Dr. Maxuell ria sobre suas listas.
— Ria de mim, também, suponho?
Elvira remexia-se quando ria.
Ficava mais mignon dentro do vestido.
— Um tópico de suas listas que ele costumava lembrar-se sempre, era sobre um estudo muito complexo sobre alienígenas reptilianos azulados, um tipo de crocodilo humanoide, e que gostam de abduzir humanos Rh negativos.
— Crocodilos abduzindo humanos de Rh negativos? Acha que estou debochando da sua medicina, Doutora e debocha de pesquisas de ufólogos sérios.
— “Sérios”?
— Pois saiba que as pesquisas de R. Frank, uma erudita da Universidade do Iowa, sugerem que os Bascos tinham talentos navegacionais muito avançados, como a invenção de um sofisticado aparelho de navegação chamado de ‘abacus’ com nenhuma relação com o ábaco comum. E isso já era uma tecnologia elevada muito antes do Império Romano. Os bascos são os últimos remanescentes dos construtores megalíticos, que deixaram para trás os dolmens, pedras eretas, e outras estruturas rochosas por toda a Europa, como Stonehenge e similares estruturas megalíticas.
— E?
— ‘E’ que a língua basca é distintamente diferente, e os bascos tem a mais alta taxa registrada de sangue Rh negativo do mundo, grosso modo, duas vezes mais que a maior parte dos europeus.
Elvira parecia estar nitidamente pensativa. Sean sabia que precisava explorar tais pensamentos, precisava desvendar tudo e todos naquele sanatório, mas sem a ação do vinho que começava adormecê-lo.
— O Dr. Maxuell... Ele me procurou depois que... — Elvira parou apertando os lábios finos; depois se virou, voltou a tocar a música que acabara, e tomou mais uma taça inteira. —, depois que minha mãe morrera num acidente.
— E por que ele fez isso?
— Meu avô, Dr. Wolfgang Heissler fora seu grande mestre. Ele lhe devia isso.
— “Mestre”? Então o Dr. Maxuell Reingner também trabalhava para Sociedades secretas?
— Maxuell trabalhava para meu avô, que era um homem muito inteligente. Ele era o encarregado do Castelo Stoff após o III Reich a confiscá-la e transformá-la em centro de estudos.
— Centro de estudos se traduz em campo de concentração.
— Meu avô nunca participou dos ideais nazistas. Ele era um cientista, um ocultista, Herr Queise.
“Ocultista”, Sean gostou de ouvir aquilo.
— Seu avô era um grande ocultista? No nível de Björn Rahn?
— “Nível”? Creio que sim!
— No nível de Lewis Spence? — o vinho realmente o adormecia.
— Sim!
— Sabia que novas evidências sugerem que o nazismo não era apenas um movimento político, mas uma religião ocultista?
Dessa vez Elvira demorou alguns segundos para responder.
— Estamos falando de pesquisas...
Sean voltou a olhar em volta. Não via sinais de que jantar algum ia acontecer. A ideia que ambos bebiam sem se alimentar não estava nos planos dele, ele começava a sentir a bebida fazendo mais que molhar a garganta.
— Os nazistas têm um histórico um tanto controvertido em se tratando de pesquisas, Doutora. ‘Beppo’ foi o maior exemplo dessa insanidade.
— Quem?
— O apelido de Josef Mengele era Beppo, mas ele era conhecido nos campos de concentração como Todesengel, ‘O Anjo da Morte’.
— Não misture os estudos de gêmeos dele com os estudos genéticos de meu avô, foi ele quem começou os estudos com o genoma humano quando ainda nem se falava na possibilidade de se clonar algo, alguém. As pesquisas de meu avô eram conceituadas, vangloriadas no meio...
— “Vangloriadas”, Doutora? Por quem? — Sean esperou Elvira o olhar. — Porque Mengele era vangloriado por injetar tinta azul em olhos de crianças para mudar-lhe a cor dos olhos, unia as veias de gêmeos para saber se um morresse o outro também morreria, jogava pessoas em caldeirões de água fervente para testar suas reações, amputou membros de prisioneiros, dissecou anões vivos em busca do que encurtava ossos e coletou milhares de órgãos em seu laboratório para...
— Meu avô era um homem integro! Nunca o compare àquilo! — sua voz se alterou.
Elvira tentava se defender.
— Tão integro que se matou dois dias antes de Adolf Hitler. Provável prevendo que ia ser pego como ele... — e a taça dele voou longe pelo tapa que ela deu.
Sean viu o estilhaçar e o som que fez.
— Acho que bebeu demais Herr Queise! — Elvira se virou para a penteadeira e encheu ela, sua taça mais duas vezes, tomando tudo num gole só; a garrafa terminou e ela enterrou outra garrafa com tanta força no balde de gelo, que a garrafa vibrou. — Pensei que iríamos ter um jantar amistoso — ela pareceu ter adivinhado seus pensamentos.
Era verdade, ele bebera demais e não havia jantar algum ali.
— E eu achei até que havia esquecido que me convidou para jantar.
E um silêncio incomodativo está ali.
— Convidei Herr; ‘jantar’ você.
Sean até ameaçou rir se seus olhos não tivessem fechado com dificuldades em abrir, com ele caindo sentado e tonto na cama dela, que exalou todo o perfume dela ali concentrado.
— Está a debochar do meu convite? — perguntou ameaçadora, fazendo Sean recuar.
— Não... Achei até um tanto sutil... — e seus olhos teimaram em fechar e fechá-los naquele momento não era de toda uma boa ideia. —, mesmo sendo esbofeteado…
— Você é muito atraente, Sean… — a pequena Elvira se pôs a aproximar-se dele. Sean seguiu seus passos com os olhos vendo a maneira como foi chamado, com a intimidade usada sem entender o porquê daquele jogo estar acontecendo. — Muito bonito e atraente… — ela tocou-lhe o ombro ferido. Sean espremeu-se não gostando de como a coisa ia. Ela, porém continuou até os botões, que abria um por um, deslocando a camisa de seu corpo. Elvira viu o corte que fechou pela manhã ainda inflamado, também viu cicatrizes ali deixadas. — Bonito... — beijou seu tórax. — Atraente... — voltou a beijar cada centímetro de músculo.
— Creio que se alguém abrir a porta vai achar um tanto estranho... — olhou-a chegando ao cinto de sua calça. —, eu estar sem camisa — segurou a mão dela que partia para o botão da calça. —, no seu quarto, não? — e tentou se levantar.
— Está com medo?
— “Medo”? — sorriu totalmente embebecido, com todas as partes de seu corpo pegando fogo. — Não entende doutora? Não sou bem visto por aqui e, e isso porque só cheguei à apenas dois dias então... — disse Sean, se levantando e dirigindo suas mãos à maçaneta da porta.
— Vai sair sem camisa? — Elvira lhe brecou a passagem com seu corpo mignon olhando o corpo dele como um animal no cio.
Sean ficou excitado com o voyeurismo da Doutora, com o vinho, provável com o bofetão. Deu meia volta confuso, dirigindo-se até a penteadeira, abrindo a nova garrafa de vinho, enchendo sua taça de vinho e a despejando, agora ele, garganta abaixo, se sentindo apagar.
Elvira se achegou por trás, abraçando-lhe, levando os dedos até tocar-lhe os lábios umedecidos pelo vinho com movimentos suaves.
Ele sentiu o corpo dela no vestido azul anil colar-lhe por trás já não tendo muita certeza se aquilo era um teste. Virou-se para ela, e o corpo ainda colado ao seu se esfregava; Sean sentiu seu sexo pedir-lhe passagem, implorar pelo corpo dela, pelo sexo oposto.
Estava bêbado, com certeza quando ergueu a perna que Elvira esticou-lhe. Ela se inclinou sobre ele ainda em pé e os lábios se tocaram. Um beijo molhado, insinuante, explorador; e Elvira queria descobrir quem ele era.
As mãos femininas, agora mais decididas lhe passavam no peito viril, que tocou-lhe a ferida do ombro novamente. Sean sentiu dor, tesão, mal se recuperou quando as mãos da Doutora escorregaram pelo zíper de sua calça.
Sean tentou brecar-lhe confuso que estava, e Elvira não parecia dividir as mesmas duvidas. Estava a desejá-lo, tocá-lo. Alcançou o sexo dele em meio a voz que não saiu. O toque macio, saliente, decisivo fez Sean sentir suas pernas falsearem.
Segurou as mãos dela dentro da calça dele e a encarou. Elvira dessa vez ficou confusa, não conseguiu dar significado a expressão do rosto dele. Ela se esticou e o beijou. Ele cerrou os olhos com o seu sexo ainda envolto pela mão suave. Ela entendeu como um aceno positivo e tirou a calça dele que encontrou o chão. Largou-o em êxtase e tirou-lhe seu próprio vestido que escorregou para o tapete de linha, para onde a calça dele aguardava a lingerie dela.
Sean a olhou nua. Ele também estava nu. Elvira começou a descer em vertigem.
— Não...
— Não? — ela encarou o corpo dele nu. — Não sabe?
— Por favor... — Sean sentiu que realmente não sabia. — Eu acho...
— Você acha...
Elvira engoliu o sexo com a boca úmida.
— Ah...
Sean sentiu todas as tonturas a que tinha direito. Ergueu Elvira do chão, a beijou, sorriu e se afastou. Pegou as suas roupas do chão e começou a colocá-las. Elvira acordou do torpor o vendo se vestir.
— O que está... — sua voz estava diferente.
— Perdão! — ele não teve coragem de encará-la.
Elvira não soube o que falar segurando seus fartos seios, sentindo-se mal de repente por estar nua. Sean também engoliu a próxima frase. Agora a encarava, apenas, deixando a Doutora mais nervosa que já estava.
Abaixou a cabeça sem ter mais o que falar e abriu a porta.
— Olhe para mim — Elvira falou rouca. Sean percebeu a oscilação na voz dela. — Olhe para mim! — sua voz oscilava mais.
— Está se exaltando... — ameaçou sair.
— Não se atreva a sair desse quarto!!! — gritou.
Sean ficou tentado a voltar, mas saiu. Elvira não se deu por vencida, correu a imprensá-lo na parede do corredor que vibrou pelo peso dos dois. Sean a encarou e ela ainda nua, trançou as belas pernas nas calças dele que sentiu o corpo nu dela voltando a aquecer o dele.
Cerrou os olhos tentando raciocinar, para depois a olhar com firmeza.
— O que eu posso lhe dizer, Doutora? — a afastou dele e saiu sem olhar para trás.
Sabia que não havia desculpa ao que fizera, mas não queria envolvimentos com ela, que conhecia Mona e o fato dela ser uma jansenista. E não queria envolver-se com a neta de Wolfgang, um ocultista, como Björn. Porque aquilo havia deixado uma grande lacuna em suas ideias, porque nunca fora segredo que muitos no partido nazista eram ocultistas, adotivos de magias negras, astrologia, quiromancia, pertencentes às muitas sociedades secretas, como a Sociedade VRIL, ou a Sociedade LINK; uma sociedade que mantinha imenso arquivo sobre reencarnações alienígenas, com diretrizes a serem tomadas, baseadas em informações vindas de cerca de nove bilhões de anos atrás com o surgimento da espécie humana em nossa galáxia. Que diretrizes era, ele nunca descobriu, porque ficaram fora dos livros de história, porque se foi o Dr. Wolfgang Heissler quem apagou da história tais diretrizes, então quanto mais longe ficasse do corpo da bela doutora, melhor seria.
Castelo Stoff.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
06 de dezembro; 21h56min.
Dr. Björn Rahn sentia-se pressionado. Aquilo tudo era muito esquisito para ele, até para ele. Saiu da sala atordoado com a fumaça, com a pressão, com o futuro de sua carreira, metido até o pescoço fibroso naquela loucura. E aquele telefonema recebido horas atrás o descontrolara, ele não podia ceder ao que a Sociedade LINK queria, já que a Poliu o estava investigando. Björn também não sabia se Sean Queise havia sido colocado lá para investigá-lo após a morte repentina do Dr. Maxuell Reingner, que vinha se recusando às ordens da Sociedade LINK, a décima recusa desde o início do ano. Talvez Sean até já soubesse que agentes da Poliu foram assassinados lá em janeiro.
“Por que Sean Queise estava na premiação?”, tentava Björn entender.
— Boa noite, Dr. Björn! — Sean teve prazer em assustá-lo.
— Ah!!! — gritou Björn descontrolado. Mas foi o olhar de satisfação de Sean por vê-lo assustado que fez odiá-lo mais. — Alguém grita seu nome no meio da noite e você não se assusta Herr Queise? — perguntou friamente.
Dr. Björn e toda sua saliência óssea acentuada lhe virou as costas sumindo pela curva que completou. Sean ficou lá sozinho, sabendo que não estava sozinho, que devia ter tanto medo quanto o doutor agora pouco.
Escorregou um olhar e outro, mas ali só as Cyclamen persicum roxas. Olhou os céus escuros de Wirgüs e algo lhe passou perto.
— Ahhh... — foi sua vez de realmente saber o que era medo quando algo passou outra vez tão rápido que as Cyclamen persicum roxas balançaram na ação. — Quem esta aí? — nenhuma resposta a não ser sua mão cristalizando. Sean escorreu um olhar para baixo, e viu sua mão tomar um tom rosado, com a forma de uma mão feita do mesmo cristal da faca que o atacou na pensão. Esperou a mão voltar ao normal quando algo se arrastou por lá. — Ahhh... — e Sean correu com toda velocidade que podia empregar. Seus pés falseavam vez e outra na lama que se formara pela neve derretida, pelas Cyclamen persicum roxas, pelas pedras que encontrou no chão quando um tiro aconteceu. Sean olhou em volta atordoado, se levantou e correu não indo muito longe porque uma língua gelada e azulada o alcançou. — Ahhh... — Sean foi ao chão novamente com a língua gelada e azulada enrolada no seu pescoço, o enforcando.
Outro tiro e Sean escutou um grunhido. Fosse o que fosse aquele tiro, ele a atingira.
“Tyron!”, Sean tinha certeza.
Olhou sua mão e ela não cristalizou. Não fora ele quem chamara arma alguma por ali. Era alguém com uma Tyron na mão que atirava na coisa, que o enlaçou novamente o derrubando no chão, começando a arrastá-lo.
E Sean foi arrastado rapidamente; Cyclamen persicum roxas, terra enlameada e piso de mármore, que sentiu seu peso.
Sean tentava afrouxar a língua gelada e azulada que o enforcava, tentava desesperadamente respirar em meio à bebida e os medicamentos que o adormeciam, que não o deixavam ficar esperto, alerta.
A língua gelada e azulada o arrastava sem que Sean visse a quem pertencia quando um líquido azulado manchou o mármore por onde ele passava.
“Ela foi ferida!”, concluiu no que mais três tiros foram feitos.
O primeiro projétil atingiu a coluna dórica, o segundo projétil atingiu o cinto da sua calça. Sean arregalou os olhos azuis porque uma Tyron não errava o alvo. Alguém atirava já não querendo atingir mortalmente alguém. Mas o terceiro projétil atingiu novamente a coisa de língua gelada e azulada, que guinchou e largou Sean fazendo a língua gelada e azulada recuar.
Sean estava quase embriagado, quase entorpecido, e agora quase morto pela língua gelada e azulada que quase o enforcou.
Foi quase não ter morrido.
8
Castelo Stoff.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
09 de dezembro; 09h00min.
“Foi um sonho?”, pensou Sean vendo luzes amarelas sobre seu corpo, o deixando calmo.
— O que fazem aqui? — perguntou Sean às lâmpadas.
— Com quem ele está falando? — perguntou a primeira Senhora idosa à outra.
— Psiu! Deixe-o descansar — respondeu a segunda Senhora idosa.
— Descascar? Torta de maça? — perguntou Sean atordoado.
— Ih! Ele tá ruim mesmo — disse a terceira Senhora idosa, espremendo o rosto numa careta.
Sean abriu os olhos novamente e viu com mais clareza três simpáticas senhoras com cabelos que mais pareciam flocos de algodão, sob uma forte luz amarelada.
— Ah! As lâmpadas. A cruz nas lâmpadas... — Sean voltou a fechar os olhos.
— “Lâmpadas”? Que lâmpada que tem cruz aqui? — procurava uma delas em volta.
— Psiu!
— Estou com medo. Acho que não devíamos ter vindo.
— Ih! Mas cê sabe que ela nos mandou vir.
— É porque você tem medo dela e acaba fazendo o que ela quer.
— Não tenho medo dela. Cê é que tem.
— Eu não tenho medo dela. Ela é o que ela é, e nós temos...
— Psiu! Chega! — a segunda Senhora idosa puxou a primeira e a terceira Senhoras. — Não sejam bobas.
— Nós não somos bobas... — falaram uníssonas as outras duas.
Sean sentiu-se mal com a discussão e tossiu.
As três pararam e ficaram sorrindo para ele.
— É torta de que? — perguntou ele depois de ver a felicidade delas quando o viram acordar novamente.
— De morangos — sorriu uma delas.
— Ah! Nunca fui muito bom com frutas — falou um Sean confuso com o aroma que sentia.
— O coitado ainda está dopado.
Sean abriu os olhos ainda com dificuldade.
— Pedimos pra Obecana preparar pra você. Foi pra comemorarmos a sua volta — completou a terceira Senhora idosa. — Cê tá ouvindo? — o chacoalhou na ferida.
Sean arregalou os olhos azuis por não ter sentido dor no local do ferimento causado pela lâmina de cristal.
— Minha volta, você disse?
— É! A gente pensou que o cê tinha morrido de cabeça e ficado vivo de corpo — respondeu outra vez a terceira Senhora idosa.
— Por que diz isso?
— É uma maneira dela se expressar, Herr Queise. É esse seu nome? — falou a segunda, a mais estável delas.
— É! Acho...
— Viu que ele tá ruim?
— Psiu!
— Do que ela está falando? — Sean quis saber.
— Elas estão querendo dizer que ficou desacordado durante quatro dias, Herr Queise — respondeu a Dra. Elvira, ao abrir a porta e adentrar na enfermaria geral.
Sean olhou em volta, se viu deitado numa cama de hospital, coberto por um lençol rosa claro e um cobertor rosa numa tonalidade mais escura, na mesma enfermaria geral onde fora fazer o curativo anteriormente. Lá, muitas flores do campo em cinco vasos espalhados ao redor da cama, bexigas perdidas no teto, resquícios de mais outras tortas numa das mesas do fundo. À sua esquerda mais camas e uma estante de medicamentos. Pelas paredes de alto pé-direito triplo, os mesmos janelões fechados por cortinas de voil branco e as paredes brancas com a tapeçaria do inferno retirada.
Sean não gostou daquilo.
— Eu... Como pude ser anestesiado quatro dias?
— Anestesiado não, Herr Queise. Ficou desacordado — explicou Elvira. — Não se lembra de como foi ferido? — ela viu Sean se olhar não vestindo roupas por debaixo do lençol que o cobria. — Não se preocupe. Os enfermeiros estão preparados para lidar com esse tipo de situação — e o rosto de Elvira iluminou-se.
Ela ficou ainda mais bela naquele momento fazendo as internas perceberem o fato.
— Ahhh... — Sean tentou se levantar e caiu zonzo. — Eu só me lembro da coisa azulada — disse Sean de repente sem se dar conta da situação, passando a mão na garganta. — E a língua...
— “Língua”? — perguntaram as quatro.
— Ouviram os tiros, não?
— Não houve tiro algum aquela noite, Herr Queise.
— Como é que é? Não ouviram os tiros? Eu estava no meio das alamedas. O Dr. Björn havia acabado de ir embora e...
— O Dr. Björn?
— Sim. Ele levou um susto... E aquela coisa pegajosa azul agarrou-me pela garganta.
— “Coisa pegajosa azul”? Você está se sentindo bem? — questionou Elvira.
— Acha que estou delirando?
— Os medicamentos costumam...
— “Medicamentos”? — mostrou a ela seu pescoço que com certeza tinha marcas.
Mas não tinham marcas roxeadas.
— Não há nada aí Herr Queise.
Sean arregalou os olhos azuis. Passou a mão pela garganta e nada sentiu.
— Olha... Alguma coisa pegajosa azul se agarrou à minha garganta e me sufocou, Doutora.
A Dra. Elvira realmente não o entendeu.
— Não posso imaginar como possa ter acontecido Herr Queise, mas… — e Elvira apontou para o ombro. — estava sangrando novamente, então aproveitamos e demos alguns pontos.
— Obrigado!
— Fizemos o que pudemos — Elvira abaixou a cabeça. — Sinto se lhe falhei em alguma coisa...
— Não... Não... Por favor! Estou realmente agradecido — agradecido também por ela não ter começado a conversa por ‘aquela noite’.
Ela se virou vendo as três Senhoras idosas a olhando.
— Essas são... — Elvira apontou para a primeira e segunda Senhoras. — Essas são Fräulen Belinda e Fräulen Emille — Elvira viu Sean sorrindo para elas. — E essa é Frau Tomio — Sean sorriu para a terceira Senhora notadamente uma caipira de interior, quando um homem vestindo jaleco branco entrou na enfermaria e as três se abraçaram no mais puro pavor. Elvira repreendeu-as com um olhar e as três trataram de sorrir se despedindo e sumindo dali. Sean só olhou-as indo embora. — Esse é o Dr. Ludwick. Nosso neurologista. Ele veio fazer-lhe uma tomografia.
Sean dessa vez não ficou só no olhar.
— Quem me encontrou?
— As três Senhoras que acabaram de sair contaram que ‘o futuro príncipe’ estava em meio a uma poça de sangue.
— ‘Futuro’ o quê?
— Não se deixe levar pela imaginação delas. É extremamente perigoso não separar realidade de ficção aqui dentro do sanatório, Herr Queise.
Sean não gostou daquela resposta. Mesmo porque não fora aquilo o que perguntou.
— Aonde elas me encontraram? Ou a resposta será ‘noutro universo com passagem por um Stargate embaixo do chão, na Ala Rosa’?
— Estranho senso de humor para quem está hospedado num sanatório, Herr Queise — falou Ludwick.
Sean o encarou:
— Estou hospedado? — Sean viu Ludwick olhar Elvira que abaixou os olhos. — Estou doutora?
— Achamos melhor trazê-lo para cá já que tem sido visitado ultimamente Herr Queise.
— Tenho sido visitado? Como sabe?
— Herr Queise...
— Por favor, Elvira — Ludwick segurou-a pelo braço numa intimidade que fez Sean o encarar novamente. — Nós decidimos que pela profundidade de sua ferida precisava passar por uma cirurgia mais delicada, então decidimos trazê-lo para cá, Herr Queise, como hóspede.
— Quantos ‘decidimos’, não? — Sean percebeu que eles perceberam que ele estava arisco.
Ludwick então se virou e saiu da enfermaria.
— Está exaltado! Não foi muito gentil de sua parte tratar o Dr. Ludwick dessa maneira já que arrumamos sua saúde Herr Queise.
“Arrumamos?”, Sean definitivamente não estava gostando de estar ali. Moveu o ombro e ele parecia não doer.
— Exaltado, você diz? Desde que eu cheguei nesta cidade, fui colocado no gelo por todos, me grudaram na parede do meu quarto com uma adaga cristalizada, atiraram em mim, me enforcaram e me arrastaram como se eu fosse lixo, e você diz que eu estou exaltado?
— Foi você quem veio tumultuar tudo e não eu.
— “Tumultuar”? Wow! Desculpe-me se... — e recuou. — Desculpe-me. Estômago vazio não me faz pensar direito — olhou um lado e outro e sabia que estava nu. — Pode me conseguir algo para comer? Vestir talvez?
Um relampejo de felicidade surgiu no olhar de Elvira.
— Vou pedir a Frau Obecana para fazer vapcici para você — e se virou saindo.
“Peça almôndegas picantes conhecidas como ‘vapcici’ já no café da manhã, Sean amigo”, soou Mona.
E foi só ela fechar à porta que Sean deu um pulo da cama tentando ver no espelho, as cicatrizes que não havia.
— Deus... — Sean percebeu que não fora só um concerto, eles sumiram com cicatrizes e ferimentos. O Dr. Ludwick voltou carregando uma máquina que arrastava sob rodas vendo-o desconfortável, envolto em lençol. — Desculpe-me pelo descontrole já que me concertaram.
— Sem problemas — foi só o que Ludwick falou.
Mas Sean olhou Ludwick mexendo em algo e como a três senhoras temeram estar ali na presença dele.
— O que está fazendo?
— Lhe preparando um analgésico.
— A dor já passou — respondeu Sean mais que imediatamente.
— Não vai aguentar até amanhã de manhã.
— Terei de passar mais uma noite aqui... Ahhh! — Sean sentiu ardência quando um líquido azulado saiu da seringa no seu braço, e se espalhou num calor instantâneo, que subiu-lhe pelas pernas. — O que... — Sean estava apagando. — O que é essa coisa azulada... — chacoalhou a cabeça. — coisa azulada... — e voltou a olhar a agulha da seringa no seu braço. — coisa... — e Sean dormiu.
Ludwick chamou os enfermeiros Sygfrid e Berghaman para levar Sean Queise a seus aposentos.
Sobrado, Castelo Stoff.
09 de dezembro; 20h21min.
Um perfume cítrico invadiu sua narina. Todas as sinapses até então adormecidas se alertaram. Havia alguém ali, o observando; um Déjà vu que fez o seu coração disparar.
Sean abriu os olhos e o piso de madeira, a cama confortável e o mesmo armário de madeira cara que ele vira no quarto de Elvira, estavam ali. Sean alertou-se levantando e caindo. Olhou-se, vestia um pijama cinza listrado de branco como os campos de concentração usavam. Um terror passou por sua cabeça. Tocou-se, tocou o chão e nada viu, ouviu. Não havia histórias ali, provável porque ali não estivera em 1945, porque não existia aquele quarto em 1945.
Olhou em volta, era o quarto de outro médico do sanatório.
— Estou no sobrado... — teve a certeza quando passos se fizeram na escada.
Sean se arrastou até a cama e fechou os olhos. Alguém abriu a porta e Sean sentiu que sua mão esquerda cristalizava, mas nada mais conseguiu fazer adormecendo.
Castelo Stoff.
09 de dezembro; 22h55in.
O tempo se passou e ele sonhou com nuances azuis até ser acordado de supetão por uma gritaria não muito longe dali. A noite se fazia e uma escuridão agora tomara conta do sobrado.
Sean saltou da cama e as pernas outra vez não funcionaram.
— Ahhh... — foi ao chão num baque. — Droga... — praguejou levantando-se tonto percebendo que sua mão esquerda havia voltado ao normal.
Ficou imaginando por que ela cristalizava se ali não era a Terra Oca nem havia alienígenas por perto.
“Ou havia?”, começou a se perguntar.
Sean aprimorou a audição e a voz de Elvira era clara numa discussão. Ele se ergueu e olhou a porta trancada que se destrancou. Caminhou com as pernas amolecidas descendo as escadas, vendo a mesma sala intocada, alcançando a alameda usando aquele estranho pijama cinza com listras brancas.
— Já disse que não, Elfriede!!! — gritava Elvira descontrolada.
— Mas Doutora, pense bem. Tudo o que ele sabe pode ser...
— Por que insiste? Esse homem é um louco!
— Louco é o que não falta aqui...
— Chega Elfriede!!! — ela cortou a graça dela. — Não me venha com brincadeiras. A coisa é séria. Se esse homem, se esse tal de Akhilesh chegar perto do Dr. Björn, a pequena chama vai virar um incêndio outra vez. Cansei de tragédias, entendeu?
“Incêndio outra vez?”; Sean ficou a pensar.
— Mas o que faço se ele voltar aqui?
— Expulse-o! Não quero aquele indiano charlatão incutindo mais ideias ocultistas no Castelo Stoff — e olhou Elfriede. — Fui clara?
— Muito clara… — Elfriede sorriu languida. —, Doutora — e tomou o caminho das alamedas que levavam até o prédio central enquanto Elvira se virou e pegou o caminho das alamedas que levavam ao sobrado.
Sean deu meia-volta tão rápido pelas alamedas, que tropeçou nas próprias pernas bambas.
Foi ao chão vendo que Elvira se aproximava.
“Droga!” se levantou e correu caindo em seguida. Suas pernas não funcionavam a contento.
Sean se arrastou para baixo de uma grande concentração de Cyclames roxas e lá ficou quieto, tentando passar despercebido pela doutora que se virou para onde ele estava escondido. Sean a viu olhá-lo e não vê-lo, cheirar o ar como se o perfume dele fosse possível de estar por ali. Sean se cheirou, não sentia nada, mas Elvira se aproximava dele cheirando algo, o ar, provável ele.
Sean fechou os olhos e se concentrou.
“Eu não estou aqui! Eu não estou aqui! Eu não estou aqui!”
Elvira chegou milímetros perto dele e Sean arregalou os olhos azuis em pânico, vendo que Elvira sentia o cheiro dele, mas procurava um lado e outro sem vê-lo ali, tão próximo dela. Quando Elvira se virou para ir embora Sean ficou em êxtase. Havia conseguido se manter invisível a ela outra vez.
Porém temia, por alguma razão que ainda não compreendia só conseguir fazer aquilo com ela.
Quando Elvira se afastou de vez, Sean engoliu a saliva que parou na goela. Ergueu-se e caiu, ergueu-se e se arrastou, para então tentar se levantar de novo. Todo seu corpo parecia adormecido, com câimbras. Olhou sua mão esquerda, mas ela não havia se cristalizado; agradeceu por aquilo.
Tentou dar mais uns passos e foi a vez de ver Dr. Björn vindo da Ala Azul, percebendo que todo o Castelo Stoff estava acordado sob a luz da Lua cheia e da noite fria. Björn, porém fez uma curva e outra e outra e sumiu. Quando Sean terminou as mesmas curvas deu de cara com uma porta verde com uma cruz desenhada. De alguma forma sabia que fora ali, exatamente ali que a coisa azulada o havia deixado.
Tocou e tocou as paredes, também a porta que não tinha maçanetas atrás de algum orifício que pudesse ter ali, mas nada visível parecia abrir a parede. E Sean sabia que Dr. Björn não atravessava paredes porque sentia que ele era um humano.
Mas Björn havia atravessado a parede, só que por uma passagem. Atingia o final da longa escadaria incrustada na terra batida, e chegava numa espécie de atrium, com cinco portas direcionando o transeunte para cinco partes diferentes do grande complexo de laboratórios. Foi logo no primeiro laboratório subterrâneo que cheirava cigarro Lucky Strike branco, um luxo que poucas e altas patentes usufruíram na Segunda Grande Guerra que ele adentrou fazendo, como Maxuell em 1945 fizera, o levante de Klaus Brienn.
— Meu caro Björn! Que maneira estúpida de entrar assim!
Dr. Björn arrumou a arcada como se ela estivesse caindo e o olhou profundamente.
— Não imagino por que o temor capitão.
O homem de nome Klaus Brienn era magro, de acentuada careca que disfarçava agora numa moderna peruca feita de fios de cabelo verdadeiro, uma tecnologia da estética atual. Vestia um impecável uniforme cinza, com a runa SS na lapela, e envelhecera pouco se consideramos que sua idade era de 110 anos.
— ‘Temor’ algum meu caro.
— Chegam os dois! — falou uma voz metálica no final do laboratório. Dr. Björn e Klaus se viraram para ele que de costas, fumava um Lucky Strike branco numa poltrona. — Eu não sei o que você vai fazer Dr. Björn, mas se ele se aproximar de alguma coisa, por menor que seja eu destruo tudo isso aqui… — dizia alguém no escuro do canto da sala. —, mais uma vez.
Björn mesmo sabendo quem ele era, não via como teria tamanha força.
— Eu acho que está enganado com algo. Não sou Maxuell, não me atinjo por ameaças — Björn se exaltava como nunca fizera. — Levei muitos anos construindo a reputação da qual possuo hoje e não vai ser nenhum rostinho bonito que irá abalá-la. Se Sean Queise me puxar o tapete, levo todos vocês comigo.
A cadeira foi ao chão com o levante. O som só não reverberou pelos muitos corredores do Castelo Stoff porque a acústica era perfeita.
Dr. Björn até se achou seguro, mas foi levado rapidamente ao teto do laboratório por uma força que não o tocou, mas o estava enforcando.
— Eu... Eu... — e o Dr. Björn não conseguia falar, respirar.
As risadas de Klaus o atingiram. Ele parecia se divertir com a força do outro personagem ali, que o ergueu até o teto. O personagem então apareceu à luz e toda estabilidade e confiança de Dr. Björn esvaeceu quando ele viu a cópia perfeita do outro Klaus Brienn ali rindo. E este Klaus era mais jovem, mais forte, aparentemente mais saudável, e seus cabelos loiros pareciam nunca ter se perdido da origem; era enfim, outro Klaus melhorado, um super-Klaus.
— Cuidado comigo Dr. Björn — a voz metálica do clone de Klaus chegou até ele preso no teto do laboratório. — Sou Klaus Brienn, quarto capitão do III Reich e exijo respeito — falava ele. — E ouça bem uma coisa Dr. Björn, meu tempo aqui na Terra está só começando. E aqui nessa mesma Terra, você é apenas mais um em quem eu mando agora.
— Não devia se exaltar tanto, Björn, porque ele não vai gostar disso — falou o Klaus Brienn envelhecido, com a peruca de última geração apontando para o super-Klaus.
— Acalmem-se vocês dois — falou agora um terceiro personagem, Hans-Joachim, enfº. chefe da Ala Azul.
— “Calma”? Acha que o deteremos com um pouco de calma, Hans-Joachim? — perguntava o Klaus Brienn envelhecido.
— Poderíamos comprá-lo, como já fizemos com tantos outros? — perguntou Hans-Joachim, enfº. chefe da Ala Azul.
— Sean Queise é um milionário, Hans-Joachim. Nunca teve problemas com dinheiro — respondeu o Klaus Brienn envelhecido sem tirar Dr. Björn de seu raio de visão.
Hans-Joachim deu como os ombros.
— Sean Queise não é o único herdeiro da Computer Co., tem uma irmã, uma sócia. Por outro lado, ele tem o domínio completo sobre os negócios da empresa. E seus computadores são utilizados pela Poliu.
— E com essa informação espera comprar seu silêncio? — questionou um Björn descontrolado.
— Aonde quer chegar Hans-Joachim? — questionou o Klaus Brienn envelhecido.
— Não hora certa! — exclamou Hans-Joachim observando Björn alterado. — Na hora certa o envolvimento do milionário e a Poliu virão à tona!
— Congratulante! — exclamaram os dois Klaus baforando um cigarro ‘Rauchen kann tödlich sein’.
Castelo Stoff.
09 de dezembro; 23h59min.
Sean ainda tentava encontrar algo após ter tocado cada centímetro de parede e toda sua mão cristalizou. Ele se desesperou chacoalhando a mão que não voltava ao normal. Enrolou a mão na blusa do pijama de campo de concentração e olhou um lado e outro e outro, dando de cara com a misteriosa ocupante do quarto número 28 da Pensão Schwemmbaue.
— Signor Sean Queise!
Sean sentiu que tudo escureceu. A voz de Ambrósia Bertti penetrou cada poro de seu corpo.
— Herr Queise? — foi a vez de Dr. Björn atrás dele. Sean se virou para ele ainda em choque. Mas Dr. Björn havia visto a figura morena de cabelos arrepiados por gel e muitos piercing toda sorrisos ali. — O que faz aqui Indridi?
Sean voltou a se virar para a morena cheia de piercing com a voz de Ambrósia.
— Eu ouvi gritos zio — sua voz agora era mais carregada.
— Titio? — Sean mal respirou.
— Ola Signor Sean Queise. Io sou Indridi Rahn Miloccele… — esticou uma bela e magra mão para cumprimentá-lo. Mas Sean não se moveu, ela era uma alemã falando em italiano no meio de alemães. —, ché como percebeu tenho o sotaque italiano di mio papa.
Sean jurava que ia desmaiar ali se não fosse a parede onde praticamente se escorou.
— Não vai cumprimentá-la Herr Queise? — desafiou Dr. Björn Rahn atrás dele.
“Ainda tem ele!”, Sean queria sumir dali.
— Ahhh... Boa noite Senhorita Indridi — esticou a mão direita percebendo que sua mão esquerda havia voltado ao normal.
Mas Indridi Rahn parecia se divertir por vê-lo.
— Bello pijama cinza com listras brancas.
— Ahhh... Acordei assim, na moda de 1945.
E Dr. Björn não gostou do que ouviu.
— Então... — Indridi deu dois passos e Sean os recuou em igualdade. Ela não se afetou. — Foi qui che tu veio parar, zio? — sorriu Indridi batendo delicadamente as mãos no robe.
“Titio?”, Sean não podia acreditar naquilo. Virou-se para olhar Björn que mal sabia o que fazia ali, segurando dois potes lacrados na mão.
— Eu... — Björn olhou Indridi e voltou olhar Sean embasbacado pela beleza exótica dela. — E o que você faz aqui Herr Queise? Achei que estava em convalescência.
— Deveria estar não Dr. Björn? Já que me injetaram aquilo azulado e trancaram minha porta.
— Trancaram o que?
— Minha porta! No sobrado! Para onde fui convidado a ser hóspede! — e se virou para Indridi usando um robe de seda vermelha. — Também está trancada em algum dos aposentos Senhorita?
Indridi Rahn deu uma larga gargalhada fazendo os piercing se moverem em todos os ângulos.
— Non Signor Sean Queise. Parece ché minha estadia qui é mais convencional.
— Wow! Convencional? Que palavra interessante — olhou outra vez a pele branca e bela se mexerem contida nos muitos piercing, provável alguns nada convencionais, e que ainda balançavam.
Dr. Björn sentiu-se atingido pelo interesse de Sean Queise para com sua sobrinha.
Resolveu acabar de vez com aquilo.
— Alles gut! Alles gut! — Björn viu Sean traduzindo ‘Tudo bem! Tudo bem!’. — Vamos dormir Herr Queise.
— Também ouvi gritos! — ele completou fazendo Dr. Björn paralisar e quase um dos vidros cair de sua mão que Sean pegou antes mesmo dele cair.
Dr. Björn se assustou com aquilo.
— Como saiu do sobrado Herr Queise? Disse que estava trancado.
— Estava! Sabe quem o trancou? — se aproximou tanto que Dr. Björn engoliu o que ia falar.
Não teria como se explicar perante Indridi o porquê de tê-lo trancado. Ficou ciente naquele momento que Sean Queise era mais perigoso do que jamais sonhara. O viu sujo, molhado, suado.
Sean ficou esperando o Dr. Björn falar algo, mas ele controlou-se e sorriu. Sean adorou o autocontrole dele.
— Está tarde. Quero os dois em seus aposentos. Amanhã de manhã falaremos.
— Le urla? — perguntou Indridi sobre os gritos.
— As internas ficam agitadas em noite de Lua cheia.
— Por causa do lobisomem? — foi a vez de Sean Queise.
— Quem? — Dr. Björn piscou no que Indridi caiu em gargalhada outra vez. — Você tem um estranho senso de humor Herr Queise.
— Tenho não é? Principalmente sendo hóspede de um sanatório — Sean sorriu no mais puro cinismo.
Dr. Björn o odiava.
— E então zio?
— Então?
— Le urla?
— Amanhã Indridi — Björn olhava Sean ao invés de olhar a sobrinha.
Sean percebeu e parou.
— Mas zio...
— Já falei. Amanhã.
— Va bene zio — Indridi Rahn voltou a amarrar com força o robe na cintura, e olhou para Sean com um sorriso no rosto. — Bonna note Signor Sean Queise. Foi uno piacere conhecê-lo...
— Prazer foi todo meu… — sorriu pelo canto da boca cínico como era. E mesmo sujo, suado, e descabelado, Sean Queise era lindo. Ela sorriu-lhe e se foi para o prédio central. — De onde vinha, Doutor? — Sean foi implacável com Björn no que ele começou a andar para sair dali.
— E o Herr Queise? — desafiou Björn ao sair da sobrinha.
Sean se virou para ele com a voz de Ambrósia ainda cintilando em seus ouvidos.
— Sabe que fui trancado, não?
— Não sabia que havia...
— Esperava que me dissesse o que está acontecendo.
— Nada está acontecendo Herr Queise. Boa noite.
Sean sorriu cínico sem perder a atenção nos dois potes lacrados.
— Boa noite Dr. Björn.
E Dr. Björn saiu ainda escorregando um olhar discreto para Sean que o observava.
Sean voltou ao sobrado vendo a janela de Elvira com as luzes apagadas. Queria ter podido ter coragem de ir até lá e lhe fazer perguntas, talvez até se desculpar pelo que fez, mas não teve coragem. Entrou no seu quarto pela porta que trancava e destrancava sem o uso de chaves, porque não precisava de chaves, e foi direto para a cama.
Dormiu de pijama cinza com listras brancas, todas sujinhas.
9
Castelo Stoff.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
10 de dezembro; 07h55min.
Dois toques secos se fizeram à porta do consultório do Dr. Björn.
— Atrapalho? — perguntou a Enfª. chefe Elfriede, já entrando toda apressada. — Desculpe Dr. Björn, mas é sobre aquela paciente da Ala Verde.
— “Da Ala Verde”? — Björn tremeu.
Elfriede percebeu.
— Depois do atentado ao Herr Queise há quase quatro dias, os internos vêm ficando alvoroçados. Ela, Doutor. Ela tem incitado, a todas as outras, que estão correndo perigo de vida tal qual o futuro príncipe.
— ‘Futuro príncipe’, mas que diabo significa isso? Elvira já me havia dito isso, mas jurou-me que também não entendia.
— Não sei o que significa porque nada significa na cabeça deles, mas ela afirma que aqui já não é mais seguro para elas e que devem fugir...
— “Fugir”? — Björn caiu em sonora gargalhada. — O que aquele ridículo espécime acha que é?
— Um espécime com poderes suficientes para uma fuga?
— Não seja irônica, Elfriede. O Dr. Maxuell nunca permitiu que...
— Não! ‘O Dr. Maxuell’ nunca permitiu — cortou-lhe o resto da frase.
Björn sentiu sinais de desobediência em seus funcionários. Depois pigarreou tentando se impor.
— A Ala Verde está bem controlada. Ela não sairá de lá tão cedo.
— Ela fala… — deixou os ombros caírem em sinal de cansaço. —, de alguma maneira ela fala por entre as paredes — Elfriede não viu a saliência óssea acentuada dele no rosto avermelhar-se. — Eu não sei Dr. Björn, mas estou apavorada com a ideia. Ela não está tão doente como quer que vejamos.
— E ela não é doente, minha querida Elfriede. Ela é especial e sua inteligência a transforma nessa coisa abominável.
— Eles nunca previram isso? Uma personalidade forte?
— Acho que eles nem sabiam que eles tinham personalidade. Mas sua loucura não é diferente das outras, de um Nero, de um Napoleão, de uma Cleópatra; são apenas referencias. Veja Cleópatra, ela sabe que não é uma rainha, que é Carlotta Baptista, e usa esse fenômeno, em causa própria — falava Björn com inteligência. — Quem fora desses portões a julgaria alguém doente? Quem teria coragem de atirar a primeira pedra? — prosseguiu o Doutor, calmamente. — Elfriede... Elfriede... Ela já percebeu o seu fraco e vai se apoiar nele para dominá-la, pelo simples prazer de lhe ferir.
— Sabe que não é só isso.
— É só isso, sim. Autocontrole.
— Como queira doutor — mas Elfriede não estava tão aliviada quanto quis parecer, ela sabia que todos os internos o temiam até mais que ao Dr. Maxuell, mas até onde esse domínio os asseguraria ela não sabia.
— Mande a enfermeira-menor Anneta Mitzi ficar de olhos bem abertos em relação à Cleópatra. Depois a encarregue de observar também as outras internas e como elas estão reagindo quando estão em contato com Cleópatra, ou em contato com a Ala Verde. Quero três boletins diários durante esta fase crítica.
— “Fase crítica”? Todas nossas fases sempre foram críticas.
— Está querendo dizer que não conheço as alas? — agora o Dr. Björn ficou uma fera. — Está então querendo dizer que não conheço meus pacientes, Elfriede?
— Pacientes do Dr. Maxuell. Pacientes ele mantinha sob controle. Falei-lhe no dia do desaparecimento do Dr. Maxuell Reingner que não quero passar por aquilo de novo, Dr. Björn.
Björn arrumou a inexistente dobra da gola do jaleco azulado claro.
— Não haverá aquilo de novo. Garanto-lhe, Elfriede que todos estão sob controle.
— Mas alguém saiu do controle com os homens de terno preto. Não foi? E o Dr. Maxuell Reingner não nos permitiu saber quem...
— Chega!!! — estressou-se. — Já disse! Está tudo sob controle!
Elfriede só arregalou os olhos pelo grito dele.
— Enquanto o Herr Queise estiver aqui, nada estará sob controle — e saiu.
Björn Rahn ficou com a saliência óssea acentuada em total paralisação. Engoliu a seco aquela impertinência no bater da porta que voltou a ser aberta.
— Bom dia Dr. Björn.
Dr. Björn ficou a imaginar se Sean ouviu alguma coisa.
— Ah! Bom dia Herr Queise. Parece que gosta de assustar pessoas.
Sean só sorriu vestido com a roupa do jantar de cinco dias atrás lavada e remendada.
— Gostaria de acompanhá-lo em sua visita matinal à Ala Azul.
— Creio que um contato com estranhos, agora, não seja muito aconselhado. Pode compreender, não, Herr Queise?
— Aconselhado em quê?
Björn sentiu-se totalmente desconfortável com o pedido, mas não sabendo ao certo o que ele queria, e perante toda confusão gerada pela sua presença no sanatório, temeu negar-lhe.
— Os internos estão um pouco assustados.
— Não mais do que eu, posso lhe afirmar — completou Sean, conquistando a simpatia momentânea do Dr. Björn.
Björn Rahn deu uma pausa.
— No que isso ajudaria nosso programa?
Aquilo deu ideias a Sean.
— O programa está incompleto com o sumiço dos CDs. Sei que moléculas de DNA são o material ideal para um computador biológico; são eficientes, compactas, e o DNA acumula mais de 100 trilhões de vezes a informação armazenada nos atuais aparelhos sofisticados de computação. Sei também que grandes problemas gerados por grandes computadores, mainframes, quando são obrigados a utilizarem chips de silício, mesmo calculando um numero por vez, geram grande quantidade de calor. Porém computadores de DNA, embora mais lentos, poderiam calcular simultaneamente um número astronômico de moléculas e são bilhões de vezes mais eficientes do ponto de vista energético. Se pudesse levantar um aspecto psicológico, diria, visto de fora, por alguém não especializado, levantar até mais questões e como percebe estamos perto do Natal e pretendo estar no Brasil dia 24 de dezembro com meus pais.
— É por isso que a Poliu lhe escolheu?
Sean ficou na duvida se entendeu a pergunta.
— Talvez mais informações sobre os métodos usados nas alas com o DNA artificial pudessem me orientar — foi só o que falou.
O Dr. Björn não se sentiu em nada convencido, mas cedeu.
— Se não tenho argumentos, Herr Queise. Iremos primeiro a Ala Rosa.
— Achei que a Dra. Elvira cuidasse da Ala Rosa.
— O Dr. Maxuell as dividia com ela. Eu chefio todos agora.
Sean não contestou mais nada. Não era hora. Um confronto com o corpo clínico do castelo não era o mais ajuizado.
— Suas roupas... — apontou os rasgos antes de tudo. — as devia trocá-las.
— Estão na cidade, já que fui convidado a ficar.
Björn deu de ombros.
— Lembre-se, Herr Queise, não se manifeste de maneira alguma, e tente não ser humorístico — e partiu na sua frente sem ouvir mais nada, sem olhar para trás.
Ambos chegaram à Ala Rosa e um arrepio tomou Sean Queise por completo ao adentrar.
Uma sensação de Déjà vu que não se explicava por si só.
— Como é frio aqui — falou como que sozinho.
— Você se acostuma — respondeu Dr. Björn, passando por ele e se afastando novamente.
— Não tenho tanta certeza de me acostumar a algo aqui… — completou Sean, agora sozinho em meio a uma música suave tocava num canto qualquer.
O aroma doce de talco e perfume se misturou em suas narinas e Sean sentiu-se enjoado, lembrando-se que não se alimentava direito há alguns dias. Muitas mulheres ainda deitadas, algumas se levantando; duas enfermeiras auxiliando-as. A Ala Rosa era um grande galpão com pé-direito triplo, mais alto até que a enfermaria geral. Havia paredes pintadas de rosa e janelões em toda a sua extensão. Um gigantesco lustre de cristal tcheco chamava atenção pelo excesso de lâmpadas acesas. Sean ficou imaginando em que o sanatório se parecia com o antigo Castelo Stoff, e como deve ter sido modificado quando foi tomado de seus proprietários e transformando num campo de concentração para refugiados, durante o final da Segunda Grande Guerra.
E Sean ficou se perguntando se ali haviam ficado prisioneiros, amontoados como os livros de história mostravam, porque a única coisa que encontrou nos mainframes da Computer Co. que alugava à Poliu, que sabia, era a detentora do sanatório, um arquivo de erro demonstrando uma ação malsucedida em nome de seu pai Fernando Queise ao deletar um arquivo chamado CS, que sabia sem seus poderes que eram as inicias de Castelo Stoff.
Sean voltou a observar a Ala Rosa, o cheiro do talco, a música suave, e só voltou a si quando foi tomado de uma dor inexplicável. Algo que parecia vir de muito longe, uma anestesia que o paralisou da cabeça aos pés. Mal ouvia, sentia os membros, respirava o ar que lhe era devido, uma sensação de perda tão profunda, que impediu que seu grito fosse colocado para fora. Todos corriam ao seu auxílio, enfermeiras chegando de muito longe enquanto as internas gritavam, batiam à cabeça, arrancavam os lençóis das camas, gritavam o que ele não conseguia escutar, uma linguagem que não conseguia decifrar.
Sean girou os olhos, tentando se enquadrar àquela loucura vendo-se de repente encostado na parede e se viu tal qual num espelho, e viu-se de frente, com seu corpo sendo mordido por uma das internas. Olhou em volta, estava fora de seu corpo vendo o que lhe acontecia. E ali tudo era limpo, com camas espalhadas e homens uniformizados em torno delas as vendo, as testando, com bota preta reluzentes que usavam sobre a calça do uniforme da SS.
— Ahhh!!! — Sean gritou no que voltou ao corpo, ao corpo mordido.
Sean viu os olhos da interna arregalados olhando ele. Os dentes dela cravados à sua própria perna, um líquido azulado que escorria dos lábios dela, da boca dela, e o voo ligeiro do Dr. Björn agarrando-a pelos cabelos, injetando-lhe algo também azulado no pescoço, a arrastando Ala Rosa a fora.
O sangue lhe escorria da perna da sua calça rasgada quando olhou em volta e a visão de bota preta reluzentes pretas reluzentes, quepes notadamente impecáveis, homens de uniforme alemão da Segunda Grande Guerra andando em meio às internas que riam, rasgavam a roupa da cama se jogavam ao chão.
“Alemães?”, foi só o que conseguiu pensar ao ser acordado do torpor pelos novos gritos do Dr. Björn que retornava à Ala Rosa.
— Inconsequentes!!! Inconsequentes!!! Inconsequentes!!! — berrava Björn a todos.
Sean chacoalhou a cabeça atordoado no que todos os sons voltavam aos seus tímpanos.
Fechou os olhos e desmaiou em pleno mármore carrara da Ala Rosa.
Castelo Stoff, Vilarejo de Wirgüs; Liechtenstein.
10 de dezembro; 20h21min.
— Tire as mãos de mim?! — gritou uma das internas, ruiva, usando um gorro pink dentro da enfermaria da Ala Rosa. — Sabe o que vou fazer com você se me segurar?!
Sean foi acordado com aqueles gritos. Olhou em volta ainda desorientado. Havia uma interna ruiva debruçada sobre ele, estudando-o, foi sua impressão. Ele tentou se erguer, mas à dor de cabeça o derrubou com toda força. Passou a mão pela perna, apavorado com ideias que lhe surgiam; estava ferido era certeza.
A interna ruiva usando gorro pink encarava um Sean ainda estático, como quem o decifrava só de olhar. Ela era grande, ruiva, e de olhos negro feito o breu.
— Agora chega!!! — gritou Anneta Mitzi para a interna ruiva surtindo efeito nenhum. — Vamos deixá-lo se recuperar!
Sean a ficou fitando.
“Ou é ela que me fita?”, pensava sem conseguir falar.
A interna ruiva usando gorro pink sorriu enigmática e Sean teve medo dela.
Achou mesmo que tinha medo de todos ali dentro.
— Sempre ocultaremos a verdade divina deles, de que somos todos um! — sorriu a interna para um Sean agora atordoado.
Tão atordoado ou mais, porque estava sentado numa cama de hotel barato, no centro da Cidade de São Paulo, com o 2° Tenente Aviador Frederico Alcântara à sua frente.
“Isso é coisa daqueles espiões psíquicos malucos que veem coisas durante os sonhos, e arrastam pessoas fracas atrás dessas baboseiras”.
“Que tipo de baboseiras?”
“Do tipo ‘Sempre ocultaremos a verdade divina deles, de que somos todos um!’”
“Como é que é?”
“Não sei o que responder para ‘como é que é’ Sr. Queise, mas sei que tem haver com isso... haver com as suásticas e essa raça alienígena reptiliana, lagartos do tipo crocodilo, de pele escamosa e de um tom enegrecido, com esse da foto, em pé, com Blavatsky”.
E Sean voltou a maca onde havia sido levado, e a interna ruiva de gorro pink ainda o olhava.
— Não me tema! Não a mim! — exclamou a interna ruiva de gorro pink quando Anneta Mitzi, usando de toda sua força, injetou uma seringa de líquido azulado nela, parecida com a que pouco tempo atrás o Dr. Björn usara.
Sean desmaiou de vez.
Castelo Stoff.
Uma hora depois.
A enfermeira-menor Anneta Mitzi não parecia sem graça. Virou-se com o corpo todo quando viu que Sean a observava.
— Boa tarde Sean — falou Anneta encantada com ele. — Ainda chocado? — sorriu-lhe duplamente satisfeita por estar ali.
— O que supõe... — respondeu ainda meio anestesiado.
Anneta Mitzi era pequena de estatura tal qual Elvira, mas morena, de olhos mel e cabelo encaracolado, de uma beleza mais atrevida.
— Sente dor?
— Susto, você quis dizer? — disse meio incerto no que Anneta Mitzi riu. — Obrigado por me defender do gorro pink… — completou depois.
— Não há de que, Sean. É o meu trabalho.
Anneta Mitzi se virou para a mesa com medicamentos e encharcou o algodão com algo de cheiro forte e aspecto azulado. Levantou o curativo da perna e molhou-o.
Sean sentiu ardência para depois sentir todo local ser anestesiado.
— O que é isso?
— Um preparado especial. Não tema.
“Sempre ocultaremos a verdade...” “Não me tema!”, ecoava a voz da interna ruiva usando gorro pink.
— Como se sente Sean? — voltou a ecoar.
Sean demorou a abrir os olhos e entender o que lhe fora perguntado.
— Perplexo...
Anneta Mitzi riu novamente.
— Falava do curativo.
— Ah... Bem... Quem era?
— Era quem, Sean?
— A Senhora ruiva de gorro pink que você retirou daqui.
— Laura... — Anneta se virou visivelmente pouco confortável com o que falava.
Sean percebeu. Ficou a pensar quem eram os que sempre ocultariam a verdade divina.
— E a outra?
— A que lhe mordeu?
— Sim.
— Era a Frau Miriam Louise. Mas com essa não precisa se preocupar?
“Com essa não precisa se preocupar...”, também ecoou.
— Ah... — Sean sentiu preocupação sim. — Só devo me preocupar com as mordidas e não com quem morde?
— Isso! — Anneta Mitzi ria com gosto, o achando de muito bom humor apesar de tudo.
— Por que ela me mordeu?
— Por que alguém morde algo, Sean?
— Não sei. Tomar o gosto de algo, experimentar...
Anneta Mitzi voltou a rir e Sean não gostou de saber que alguém o quis experimentar, literalmente.
— Ela matou o jardineiro da vizinha porque as árvores delas pararam de crescer.
— O que? — perguntou Sean talvez mais perplexo do que antes.
— Era um verão muito quente e as árvores adoeceram. Miriam havia colocado na sua cabeça, que a culpa era do jardineiro, “O Lenhador”, como ela nos disse chamá-lo, quando aqui chegou. Então, numa manhã de domingo, ela o convidou para ver de perto as suas jabuticabeiras e o velho Senhor, encantado com a beleza das árvores frutíferas, não percebeu que ela se aproximava com uma escada. Ofereceu-lhe uma melhor vista, e para isso teria que subir e ver de mais perto. Depois lhe trouxe um balde amarrado em uma corda e o permitiu que retirasse algumas frutas para ele — Anneta Mitzi recolhia os algodões do curativo e os jogava fora. — Agradecido, o jardineiro fez sem perceber as intenções de Miriam e sem notar, seu pescoço já estava envolvido na corda, enroscada num galho alto e forte.
Sean ficou esperando o que vinha.
— Miriam se projetou escada abaixo, se machucando toda, mas retirando a escada antes que ele pudesse descer, o enforcando no meio do seu jardim. Depois, entrou, fez café, e bolinhos dele.
— Bolinhos de que? — Sean arregalou os olhos azuis.
— Dele, do ‘Lenhador’. Ah! Claro! Nem preciso dizer que quando acordou sua filha adotiva para o lanche matinal, e sentou-se na maior calma do mundo contando a ela a sua façanha, havia sangue espalhado por toda cozinha — parou para se aproximar de seu ouvido. — Ainda perplexo Sean? — ironizou Anneta Mitzi colocando um curativo na perna dele para então passar a língua por seus próprios lábios num gesto erótico.
Sean não gostou da erotização. Nem da ironia. Provável, nem da história.
— Desde quando sou ‘Sean’ para você?
A Enfª. Anneta Mitzi então se endireitou, riu outra vez e agora mais perto dos lábios de Sean, o imprensou sobre o travesseiro sem a maior cerimônia.
Sean sentiu-se acuado, beijando-a nem soube como.
— Anneta Mitzi!!! — gritou Elfriede.
“Poliu!”, pensou Sean.
Anneta Mitzi cerrou os olhos e os abriu novamente, saindo sem nada dizer. A Enfª chefe Elfriede havia lhe esfriando os ânimos.
— Herr Queise? Está com muita dor? — perguntou agora, Dr. Björn, à entrada da enfermaria da Ala Rosa logo após a saída de Anneta Mitzi, por detrás do corpo de Elfriede que nada comentou.
Sean agradeceu calado a discrição da Enfª chefe.
— Não! — respondeu categórico.
— Colocamos a Frau Miriam sob sedativos e vamos trancafiá-la por uns dias na Ala Verde — respondeu Björn ao arrumar os medicamentos deixados por Anneta Mitzi, na beirada da cama.
— Quem é Laura? — Sean perguntou e as mãos de Björn derrubaram tudo o que havia sobre a mesa. Sean o viu tremendo mais ainda ao tentar pegar tudo no chão quando Elfriede veio o ajudar de olhos tão arregalados quanto ele. — E onde fica a Ala Verde? — também perguntou.
Björn olhou de relance para Elfriede que não se movia, catando os vidros que se quebraram.
— A... Alguns metros da Ala Azul.
— Pronto! — Sean se ergueu num lance só.
— “Pronto”? — Björn não entendeu.
— Pronto! Podemos continuar!
— Continuar o quê? — perguntou Björn perplexo.
— O seu trabalho — Sean se fazia de desentendido.
Björn olhou Elfriede que não o olhava.
— Bem... — Björn ainda olhava para Elfriede. — Vamos então?
Björn e Sean saíram da enfermaria que ficava no final do galpão, da Ala Rosa.
Ele mancando.
— O que é a Ala Verde? — insistiu de repente.
— É lá que colocamos as nossas piores criaturas — dizia Dr. Björn, enquanto fazia algumas anotações.
— “Criaturas?” Wow! E quem a tirou de lá se ainda estava tão pior assim?
— Não a tiramos. Ela sempre esteve aqui na Ala Rosa...
— Não estou falando da interna Miriam que me mordeu — cortou a fala do Doutor. — Estou falando da interna Laura, aquela ruiva de gorro pink que ficava na Ala Verde de piores criaturas.
Björn deu um giro extremamente nervoso com Sean, com a situação a fazê-lo quase se chocar com a figura deformada.
— Por que fala dela?
— Ela entrou na enfermaria há pouco tempo — Sean o viu de muito perto.
— “Na enfermaria”? — Björn empalideceu.
— Anneta Mitzi a retirou da enfermaria com uma injeção de líquido azulado igual àquela que usou em Miriam.
Björn pareceu pensar.
— Não sabia de sua... De sua saída da... — olhou-o. — Como sabe que ela fica na Ala Verde?
Sean não ia perder tempo em falar de sua genética. Não ali, não com ele sendo quem Björn era.
— Por que verde? — foi o que falou.
Björn ficou mais suado e cadavérico ao olhá-lo.
— Verde? Não... É só uma referência a escuridão, temporária… — queria ter sumido com Sean e sua curiosidade. —, pois não tem janelas, uma vez que as paredes são todas forradas de colchões, para se evitar o batimento de cabeças nas paredes, uma vez...
— Isso é ilógico, não? — Sean cortou toda aquela baboseira. — Essa é a parte prática do seu dia-a-dia? — picou Sean.
— Parte prática do meu dia-a-dia; ossos do ofício de um psiquiatra geriátrico — completou o Doutor, na mesma moeda, voltando a andar e Sean a mancar para acompanhá-lo.
— Incrível sua frieza — disse Sean irritado, o irritando.
Björn olhou para as roupas rasgadas dele. Depois olhou a calça ainda manchada de sangue que coagulava até encará-lo.
— Acho que sabe, agora, o porquê da minha frieza.
— Onde está Elvira? — o alcançou novamente.
Björn ergueu o sobrolho percebendo com que intimidade sua médica fora chamada.
— A ‘Doutora’ Elvira está na cidade. Precisou ver um carregamento que chegou. Ninguém faz entregas para nós.
— E quem é Laura?
Björn parou de andar novamente. Começava a desgostar da presença dele ali.
— Senhora dor de cabeça, trazida ano passado, do Sul da Inglaterra. Era uma modesta moradora de uma aldeiazinha, que vivia sozinha com meia dúzia de gatos e outra meia dúzia de cachorros. A vizinhança não tinha muito contato com ela e apenas se encontravam, quando muito, nas missas de domingo.
— Em que dia tudo mudou? — perguntou, mostrando ao Dr. Björn um súbito interesse pelos internos.
— No dia em que um dos seus cães desapareceu. Desde então começou a agir como um deles, tentando comer primeiramente o carteiro, que nada comunicou e procurou auxilio médico sem avisar, por temer uma represália do chefe talvez.
— “Comer”?
— Canibalismo, Herr Queise. O carteiro ficou sem um pedaço do dedo da mão direita.
— Deus... Uma morde a outra come... Ah! Não! Claro! Ela também come... Bolinhos, não?
Björn se absteve do comentário.
— Mais duas vezes se repetiram e o carteiro de medo sumiu da vizinhança. Quando chegou à terceira vítima, uma vizinha de algumas quadras que perdeu a orelha num ataque de raiva dela, a polícia foi chamada e encontraram pedaços de seres humanos na sua geladeira.
“Não me tema...” ecoou por todo seu corpo; Sean não soube como.
— Mas por que o ataque?
— Você é um estranho. Estranhos às afetam, ordens às afetam — Björn gargalhou.
Sean ficou a tentar entender.
— Está querendo dizer que a interna Laura ordenou a interna Miriam a me morder?
— Herr Queise! Parece ser mesmo muito inteligente.
“Parece ser?”, Sean estava saindo do sério.
E o Dr. Björn tinha o dom de irritá-lo.
Provável vice-versa.
— O que tem nas injeções?
— O que quer realmente, Herr Queise? — estancou irritado. — Quer que na próxima eu deixe terminarem o serviço?
— Wow! “Na próxima”?
— Ou está insinuando que não faço bem o meu trabalho? — perguntou Björn se virando, meio corcunda para Sean, que percebeu um olhar estranho no Doutor de saliência óssea acentuada.
— E por que insinuaria isso, Dr. Björn?
— Então não compreendi a sua colocação, Herr Queise. Nenhuma delas até agora.
— E nem eu a sua posição, Doutor. Nenhuma delas até agora.
Dr. Björn tentou mais uma vez, uma comunicação mais amena com Sean, mas ficava difícil.
— Veja bem... Herr... — suspirou achando mesmo dificuldades naquilo. — Uma pessoa nasce perturbada ou com algum sintoma que nos leve a pensar, que num futuro próximo, ela venha a desenvolver alguma anormalidade. Ficando assim, um pouco mais fácil um diagnóstico. Mas quando uma pessoa passa a vida inteira, na mais perfeita harmonia moral e cívica, e enlouquece na entrada da terceira idade, nos deixa um tanto curioso e até duvidoso sobre esta causa. Tendências, talvez, de um Q.I. anormal, de uma pré-disposição genética, ou uma disfunção hormonal pela queda de sua produção.
— E vocês as tratam com doses de DNA modificado? É isso o líquido azulado nas seringas?
— Ainda estamos em fase de testes.
— É isso que sai injetando em todo mundo?
— É! — irritou-se. — É isso que saio injetando em todo mundo!
Sean e Björn se desafiavam.
— O DNA modificado muda suas personalidades?
— De certa forma ameniza seus temores.
Sean ficou imaginando que tipo de testes mais era feitos.
— O que elas temem?
— Temem o que perderam Herr Queise, o que nós também perdemos, nossos conceitos.
— Conceitos de vida?
— Os três conceitos básicos que dominam toda a obra de Deus, que lhe dão um sólido arcabouço, formando uma completa unidade; o Conceito Cosmogônico, a concordância do macrocosmo e do microcosmo, pela constituição trinitária da divindade, do Universo e do homem — Björn erguia as mãos a fazer quase a papeleta cair. —, o Conceito Psicológico, a evolução dos seres pela pluralidade das existências, e por fim o Conceito Histórico, a evolução da humanidade pela combinação da liberdade humana de um influxo divino dos muitos pelo Universo com quem travou conhecimento.
— Trava conhecimento com alienígenas, Dr. Björn? — Sean fez a face de Björn avermelhar-se.
— Como sua amiga Mona Foad.
“Mona?”, Sean impacto. Temeu que Björn soubesse mais do que dizia a respeito dele, também.
— Não acredita nisso Herr Queise? Em outros mundos como o nosso? Habitados?
— Nos muitos Universos, entre as muitas dimensões que se entrelaçam feito cordas de um violino, Dr. Björn. Ou no fato de não estarmos sozinhos nesta imensidão do Universo.
O Dr. Björn então se aproximou de uma maneira que Sean recuou como que por instinto, ou outro poder qualquer. Björn não se intimidou e se aproximou até tocar-lhe o rosto.
— Não terá 22 anos para sempre. Não tem medo de envelhecer, Herr Queise? — Björn foi tão categórico que Sean ficou confuso.
— A velhice assusta sob que aspecto?
— Respondendo como um ser humano normal? — Björn viu o susto dele. — A pele enruga, os músculos ficam frágeis, os cabelos caem, a vitalidade esvaece, o poder diminui e elas matam. Tragédia.
— Não sabe o que é uma tragédia, doutor. A velhice não é perda. Ainda estamos aqui. Tragédia se faz quando perdemos os que foram.
— A velhice é tão permanente quanto a morte, Herr Queise.
— Heráclito de Éfeso, filósofo pré-socrático, acreditava que nada era permanente no Universo, que em algum lugar que tudo muda nada permanece. Para ele, não podíamos entrar duas vezes no mesmo rio porque o rio, nós mesmos, nunca somos iguais duas vezes. Não há maior tragédia, acredite, que a morte, que nunca mais somos os mesmo após uma tragédia.
Elvira os viu de longe. Escutava sem interferir enquanto Björn deu de ombros e voltou a andar.
— Compreendo seu ponto de vista, Herr — prosseguiu pelo corredor de acesso de uma ala a outra.
— Não compreende, não — Sean mancou mais rápido passando por ele, deixando Björn parado no meio do corredor.
Sean dirigiu-se à sala de processamento de dados, e Björn ficou olhando até ele fazer a curva e desaparecer num dos corredores laterais, odiando Sean Queise naquele momento. Já Sean não se importava em ser odiado, no sentimento de ódio que chegou até ele graças a seus poderes paranormais.
“O que Trevellis iria querer comigo?”, pensou de repente olhando os computadores.
Decidiu terminar logo aquela implementação e cair fora dali tendo a certeza que Mr. Trevellis estava errado em tudo. Não havia nada que pudesse interessar a Poliu, ou Oscar e a Polícia Mundial, e os tais DNA artificiais, tirando o fato, claro, de que pessoas comiam pessoas ali dentro.
Mas uma lembrança de repente o acordou para uma realidade maior ainda.
— O celular! — havia se esquecido de trazê-lo na noite em que viera ao jantar dele mesmo.
Encostou-se à cadeira da sala de computadores totalmente perdido em pensamentos. A falta de uma linha para acessar a Internet o perturbava, seus programas hackers escondidos em sites escusos eram a sua arma. Sean ficou momentaneamente sem saber o que pensar, o que fazia ali. Olhou em volta, e algo lhe chamou a atenção, uma pequena e antiga plaqueta presa na lateral do grande servidor do sanatório do Castelo Stoff, uma antiga placa contendo o antigo logotipo da Computer Co..
“Pai...”, era o logotipo da Computer Co. ainda sob o comando de Fernando Queise. Sean os havia remodelado quando assumiu a empresa criando um logotipo mais ‘sua cara’.
Sean voltou a olhar a sala sentindo um aperto no coração, não sabia que seu pai Fernando Queise antes de entregar-lhe a direção da empresa havia alugado algo a algum sanatório de Liechtenstein, com suposta ligação da Poliu, com tudo aquilo. Ficou totalmente perplexo entendendo o que era o log de erro. Seu pai Fernando tentara apagar algo antes que Sean soubesse.
— Meu pai, não... Não... Claro que não...
Sean de repente sentiu-se mal por não saber de tudo o que acontecia com a própria empresa Computer Co., e o quanto ela era realmente dele. Desligou a fonte de energia desligando tudo de uma vez. Não havia nada para salvar. Não tinha ideia do que fazer quando o som de escapamento de carros o alertou. Sean não sabia que havia carros no sanatório. Puxou uma das cadeiras e a brecou na maçaneta impedindo que alguém conseguisse entrar. Depois arrastou outra cadeira e aproveitou que a sala tinha pé-direito baixo para olhar pela janela e ver três camionetes lotadas, estacionarem num grande galpão de cinco portas atrás da propriedade.
Sean não viu a exótica Indridi desde quando acordara, mas viu a Dra. Elvira ao lado de uma das camionetes, a viu entrar num dos cinco galpões, que percebeu serem, nas verdades cinco garagens fechadas. Dentro dessa terceira garagem Sean ainda pôde ver que uma mulher desconhecida até agora a ele, a esperava. A mulher talvez não fosse chamar-lhe a atenção se não estivesse vestida com roupas de enfermeira que Sean só vira nos filmes, nos livros de história.
Não absorveu de imediato o que significava aquelas roupas antigas, porque Elvira ficou apenas algum minuto parada em frente a essa mulher provavelmente conversando algo. E a Doutora ficara nervosa com o que parecia estar ouvindo. A mulher de roupas antigas então entrou para o fundo da garagem e sumiu de sua vista. Elvira saiu e fechou a porta da terceira garagem a deixando lá dentro.
Sean teve medo do que não entendeu.
As três camionetes foram descarregadas por homens vestidos de branco, com o logotipo do sanatório do Castelo Stoff costurado no bolso do jaleco. As duas portas da primeira e segunda garagem também foram abertas e Sean viu que extensas prateleiras estavam lotadas. Imaginou ser uma dispensa. Sean não viu como era a quarta e quinta garagem.
A caixa que um dos carregadores tirava do carro refletiu a luz do Sol que bateu no vidro aberto da sala de computadores. Elvira olhou para o reflexo, olhando para o sanatório e Sean se jogou ao chão temendo ter sido visto.
“Droga!” se irritou.
Levantou-se sem conseguir movimentar direito a perna medicada e ligou rapidamente todos os computadores; o servidor local girou as fitas de dados em toda velocidade.
“A cadeira na porta!”, lembrou-se.
Arrancou-a do encaixe no que Elvira colocou a mão na maçaneta. Assustaram-se, ambos, pela proximidade.
— Sean?
— Elvira — respondeu.
— O quê...
— Bom dia — ele correu a lhe dar um beijo no rosto segurando a cadeira atrás de si.
Ela avermelhou-se pela timidez.
— Oh! Sean... — tocou seu rosto sentindo que o beijo aquecera sua pele.
Sean só sorriu, não sabia ao certo o que havia feito.
— Não a encontrei de manhã.
— Fui ao mercado. Decidi que vai ficar conosco — entrou na sala de computadores sem falar que havia o visto discutindo com Björn.
— Decidiu? — Sean nem se virou.
— Está sem comida há muito tempo. Fui buscar mais mantimentos — se virou toda graciosa.
— Como sabe? — ele sorriu sem que ela percebesse sua tensão.
— Oh! — ela quase gritou olhando a calça dele. — O que... Quem? — foi só o que perguntou.
— A interna Miriam.
— Aquele desgraçado... — Elvira foi brecada no que se jogava para fora da sala.
Sean com ela nos braços percebeu o quanto Elvira era forte.
— Ele não teve culpa. O Dr. Björn avisou-me. Eu que insisti.
— Não podia ter sido levado à Ala Rosa.
— Por quê?
— Porque... Porque... Por causa disso... — Elvira apontou para a perna dele.
— Já aconteceram outras vezes?
Elvira estancou.
— Quantos estranhos vêm aqui diariamente, Herr Queise?
— A sobrinha do Dr. Björn, por exemplo.
— Quem?
— Como quem? Não há viu ontem?
— Não… Achei que ela ainda estudava psiquiatria na Medizinisch-Wissenschaftliche Fakultät, em Triesen.
— Ah! Psiquiatra?
— Isso lhe diz alguma coisa?
— Ela é um bocado exótica para parecer compreender os entremeios da mente humana.
— Humana? — e Elvira saiu deixando Sean com dor de estômago.
Porque o medo começava a mexer com sua saúde.
— Ouvi carros... — mudou o assunto.
— Desde a morte do Dr. Maxuell que a cidade parou de entregar-nos mantimentos e encomendas. Fui obrigada a ir pessoalmente fazer compras. Minha presença ainda tem alguma força.
— Posso imaginar por que — Sean sorriu cínico, a seguindo.
Elvira, porém nada comentou. Ele até queria saber mais, mas seu trabalho era usar os computadores e se via entrando em assuntos que não lhe competiam. Não podia entregar seu e verdadeiro motivo de estar ali porque também, não o sabia.
— Se não vai me permitir brigar com o Dr. Björn… — olhou-o. —, então vou lhe preparar café...
— Por onde entrou Elvira?
Ela estancou sem saber o que responder.
— Fala da minha saída outra vez? Há um portão na extremidade sul do terreno. Não saiu por ele aquela tarde?
— Dentro do terreno da mata fechada que rodeava o castelo?
— Sim... — Elvira sorriu-lhe de uma maneira que Sean não compreendeu, e voltou a se dirigir para a cozinha.
— Posso lhe perguntar algo? — mas Sean segurou-a pelo braço.
— Algo mais Sean? — se recostou bem próximo a ele.
— Sim... Algo mais... O gene ligado ao Mal de Alzheimer histona deacetilase 2...
— HDAC2 — Elvira cortou a frase dele.
— Sim... Ela regula a expressão de vários genes implicados na habilidade do cérebro de mudar em resposta a experiências e na formação da memória, não?
— Exato! Ela provoca mudanças de longa duração em como outros genes se expressa, o que provavelmente é necessário para aumentar o número de sinapses e reestruturar circuitos dos neurônios, e assim melhorar a memória.
— Como então suas pacientes chegaram aqui e contaram com detalhes tudo o que fizeram?
— Não entendi.
— Estes medicamentos azuis reformulam a estrutura do DNA que sustenta e controla a expressão de genes no cérebro, certo?
— O que entende disso?
— Como o satélite de observação Spartacus entra nesse programa?
— Achei que os astronautas iriam adaptar um aparelho experimental no espaço e precisavam que você adaptasse o programa para isso, não?
E Sean percebeu que precisava mesmo voltar a pensão e recuperar seu notebook e o celular agora mais do que nunca, mas tinha muita fome para fazer qualquer coisa naquele momento. Conheceu Obecana, a cozinheira. E também a cozinha. Um espaço muito grande com dois fogões industriais, quatro freezer, duas geladeiras muito antigas. De um lado duas pias, no outro extremo uma porta que dava para uma sala, com uma mesa para umas vinte pessoas, onde ele se escondera, quando fugira tempos atrás, da Dra. Elvira. Ali faziam refeições os médicos, enfermeiros, serviçais. Não havia propriamente uma sala de refeições, os internos comiam em mesas auxiliares nas suas camas e em suas respectivas alas.
Elvira permitiu que ele pedisse algo e Sean foi categórico.
— Quero almôndegas picantes.
Sean se fartou com café, queijo e almôndegas picantes misturado a uma carne seca para lá de salgada; também pães assados na hora e muito fígado de frango cozido e extremamente temperado; só dispensou os picles.
Terminou tomando suco de jabuticaba, vendo Obecana preparando o almoço na cozinha. Sean estranhou o sumiço de Indridi, havia algo nela que balançou sua estrutura. Saiu da cozinha agradecendo o dejejum e foi mancando pela alameda quando seus olhos outra vez lhe traíram, porque ela tinha seus cabelos vermelhos agora envoltos em um belíssimo rabo-de-cavalo, adornado por um colar de pérolas que lhe dava um ar nostálgico.
Sean imaginou-a, como uma boneca de porcelana, igual as que habitavam a cama de sua irmã Ana Claudia. Pele branca, vestido transparente, forma justa, figura mística, mulher-peixe.
Laura sorriu-lhe graciosamente.
— O Dr. Björn disse... — Sean olhou-a sorrindo.
— Björn disse o que Sean Queise?
— Que come...
— Que eu como?
— Gente... — e Sean teve sono, algo que produziu uma sonolenta paz, literalmente.
Laura riu com graça ao vê-lo adormecido, em pé, à sua frente. Uma risada melodiosa dela que já não usava o horrível gorro pink na cabeça, nem parecia usar as camisolas compridas da Ala Rosa.
— Laura! — exclamou Elvira atrás dela ao ver Sean em transe, balançando de um lado a outro no meio da alameda.
Mas Laura não gostou da presença dela.
— Fui pega em flagrante, Elvira Heissler? — perguntou Laura com voz arrastada e melodiosa sem perder Sean de vista, que balançava lentamente, para um lado e outro.
— O que está fazendo? — perguntou Elvira nervosa.
— Não pode imaginar? — respondeu Laura se deliciando com o controle sobre o corpo dele.
Porque Sean as ouvia, distante, ainda preso ao chão, balançando como tonto para um lado depois para outro.
— Libere-o! — falou Elvira com força.
— Cale-se Elvira Heissler!
— Libere-o! — falou Elvira com mais força.
— Por que quer isso Elvira Heissler? Também foi vencida pela inteligência de Sean Queise? — olhou para ele que não conseguia sair do laço psíquico em que ela o prendia.
Todo seu estômago se contorceu e Sean parou de balançar, voltando à realidade. Laura sorriu-lhe com Elvira ainda atrás dela, e Sean voltou a sentir-se tonto, voltando a balançar discretamente de um lado depois o outro.
— Já falei para liberá-lo Laura!
— Eu o conheci na enfermaria Rosa — Laura falava não tirando os olhos dele. — Hoje de manhã.
Elvira olhou-a, olhou-o e voltou a olhá-la. A doutora sabia que Laura a desafiava. Precisava usar de inteligência, e rápido.
— Essa é a Frau Laura Nico! A quarta raça-mãe! — exclamou Elvira a apresentando.
Sean tremeu voltando a acordar.
“Atlante?” foi o que pensou.
— Lembra-se? — perguntou Laura a ele.
E Sean viu que ela lia seus pensamentos. Temeu estar ali, naquele sanatório de pessoas que comiam pessoas como nunca na vida.
— Lembrar-me? — perguntou confuso.
— Lembramos todos, não é mesmo Herr Queise? — falou Elvira esperando uma reação da parte dele.
“Lembra-se?” “Lembramos todos?”, mas Sean estava para lá de confuso, naquele mesmo sanatório aonde a Poliu financiava, Mona amiga estivera com homens de terno preto que morreu, e uma mãe sabia que seu bebe não vingaria porque todos sempre ocultaram a verdade divina de que somos todos um.
Sean olhou para Elvira de relance, sem que ela percebesse, e viu o quanto à Doutora ficara abalada com aquele encontro.
— É isso que quis dizer com ‘somos todos um’?
Os olhos de Laura brilharam e os de Elvira se arregalaram. A Sean pareceu que ambas sabiam do que ele falava.
— Ele é um homem encantador, não Elvira? — Laura se virou para ela e foi embora. Depois voltou arrastando aquele vestido que ele não tinha a mínima ideia onde ela o arranjara e se aproximou ele. — O quanto se lembra de mim?
Sean olhou Elvira como quem busca ajuda, que lhe assentiu com um rápido movimento de rosto.
— Muito!
— Por isso foi mandado? Porque para os humanos é fácil esquecer as vidas que tiveram anteriormente, Sean Queise.
“Humanos?” dessa vez Sean não quis pensar.
— Platão dizia que não nos esquecemos de nossas vidas que tivemos anteriormente, que nós visualizamo-las no que chamou de ‘Mundo das ideias’. Também chamou a reencarnação de reminiscência, e que temos lembranças de vidas passadas porque as vivenciamos ao retornar a esse ‘Mundo das ideias’. E ao reencarnarmos, somos levados a atravessar o rio do esquecimento, que nos faz esquecer-se de tudo — foi quase filosófico.
E Elvira viu que estava na hora de cortar tudo aquilo.
— Vamos deixar a nossa raça-mãe descansar, Herr Queise?
Mas Laura inclinou-se numa mesura de dama e Sean não viu alternativa de devolver com uma mesura de cavalheiro. Ela o tocou no rosto e gritos ecoaram; crianças, homens, mulheres, um fogo que lhe subiu pelo corpo. Sean olhou Laura e um grito gutural reverberou em seu ouvido o fazendo ajoelhar-se na alameda fria.
— Sean? — ia Elvira falar quando Laura o largou, passando a encará-la furiosa.
— Da próxima vez será diferente, Elvira Heissler! — foi o que Laura exclamou ao sair.
Elvira estancou a mão que ia ajudá-lo no ar e sentiu seu coração disparado. Elvira enfim ajudou Sean a erguer-se do chão.
— Você está bem?
— Sim... — mentiu mais que nunca, Sean estava tudo menos bem. Ouvia vozes, muitas, em outras línguas, todas se afastando como Laura se afastava. — Todos... Estão aqui por que... — e olhou-a. —, ficaram loucos e cometeram um crime? Ou cometeram um crime e acabaram loucos? — perguntou com o resto de sobriedade que ainda permanecia nele.
— Cuidado, Herr Queise, não se deixe levar por esse tipo de emoção enquanto estiver aqui dentro — alertou a Doutora. — Com ninguém! — enfatizou.
Sean virou-se rapidamente na sua direção. Encarou-a sem que ambos pudessem decifrar o que o outro pensava.
— O Dr. Björn disse...
— Que ela come gente? — ela viu Sean arregalar os olhos azuis. — Sua mordida é um digestor; um veneno. — ela viu Sean arregalar mais ainda os olhos azuis.
— Como um réptil? — tomou coragem de falar.
Mas Elvira virou as costas es e foi.
“Wow!” foi só o que conseguiu pensar atônito.
Sean saiu dali o mais rápido que conseguia, com a perna mancando. E só conseguiu uma carona com um entregador de carvão, sendo deixado em frente da pensão Schwemmbaue.
Pensão Schwemmbaue, Vilarejo de Wirgüs; Liechtenstein.
10 de dezembro; 18h00min.
A tarde caíra e pela primeira vez o calor havia amenizado um pouco. Entrou na pensão sem encontrar uma viva alma pelo caminho. Nem se importou em saber se tinha um prato de comida o esperando no forno. Arrancou os sapatos e caiu na cama cansado, sujo, com dores pelo corpo.
Levantou-se num rompante, porém. A mesa onde o notebook havia sido deixado estava noutra posição. Sean pedira que o quarto não fosse mexido sob aspecto algum. Colocou os sapatos novamente, com sua perna latejando com força, lançando-se escada abaixo fazendo muito barulho.
Sean encontrou umas quinze pessoas numa roda muito falante. O susto foi imediato ao verem-no atrás deles naqueles trajes.
Carmem saiu do meio deles.
— Herr Queise? Não o vimos chegar.
— Não veem muita coisa por aqui.
— Está bem? — Carmem o viu rasgado e com manchas de sangue já desbotadas no tecido.
— Diga-me a Senhora — a desafiou vendo as pessoas dispersarem, passando por ele o mais longe possível, como se ele fosse leproso ou algo contagiosamente perigoso. Sean girou os olhos já sem muita paciência. — Quem entrou no meu quarto?
— O limpei.
— Havia dito...
— Há quase uma semana atrás.
Sean se tocou que acabara ficando no sanatório após o ataque.
— O meu...
— Está no cofre. Na recepção — ela viu Sean respirar aliviado. — E também um envelope — completou Carmen perante a frieza dele.
Sean voltou os olhos à órbita e a encarou.
Algo naquilo estava errado.
— Um envelope?
— Sim — Carmem sumiu para dentro de uma sala que ele imaginou ser a recepção falada. Ela voltou com uma sacola e Sean abriu-a localizando o notebook dentro, os documentos e o celular. — Ele descarregou — ela disse e ele olhou para a sacola imaginando que ela falava do celular. — Apitou um bocado, também.
Sean percebeu que ela agora falava do notebook. O apito sonoro devia ser Kelly Garcia tentando enviar-lhe e-mail. Ele lembrou-se dela e o quanto devia estar preocupada com ele.
Estalou o pescoço para um lado e para o outro; estava tenso.
Carmem voltou à recepção e trouxe o envelope padrão da Fedex sem remetente, destinado a Sean Queise.
— Algo chacoalha dentro dele — Carmem falou curiosa.
Sean agradeceu com um movimento de cabeça e subiu ao quarto. Fechou a porta e ficou olhando o envelope que jogara em cima da cama. Oscar disse que não iria se comunicar sob aspecto algum. Carregou o celular na parede e ficou preso a tomada tentando ouvir a próxima mensagem. Estranhou que durante aquela semana toda apenas uma mensagem havia sido deixada, datada da noite que fora jantar com Elvira.
— O Senhor procurou! O Senhor encontrou! — dizia a voz feminina com sotaque forte inglês, em tom de censura.
— Procurei? — olhou em volta. — Deus... Procurei o que? — Sean caiu dormindo um longo sono.
Todas as preocupações teriam que ficar para o dia seguinte.
10
Pensão Schwemmbaue.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
11 de dezembro; 09h00min.
O líquido azulado que lhe injetaram no sanatório do Castelo Stoff fazia efeito por um longo período de tempo. Tiravam-lhe toda sua dor, seu cansaço e principalmente sua fome. Sean acordou, porém exatamente o inverso. Sem o líquido tinha dores, cansaço e fome; muita fome.
Percebeu que sua mala havia sido desmanchada e que suas roupas haviam sido passadas e penduradas no cabide. Escolheu uma camisa de algodão, confortável e uma calça jeans desbotada; Armani, como gostava Kelly.
Sean ficou a lembrar dela, da sócia, da amiga que esperara todos esses anos pelo amor dele, pelo amor que nunca estivera disponível. Ele temia ter errado ao se envolver com a Dra. Elvira, mas andava tão desnorteado sentimentalmente após o suicídio de Sandy Garcia e a perda de Ambrósia, que já não sabia o que fazia. Também estranhava pensar na interna Laura Nico como alguém que conhecera. Tinha um sentimento incomum por ela, carinho; talvez reminiscências.
Outra vez ligou no celular para o número 33-110-77654-009 e nenhuma mensagem estava gravada.
— É... Parece que encontrei algo... — falou com sarcasmo.
Depois ficou na duvida se Oscar havia mudado de ideia e abriu o envelope, lá encontrou apenas uma chave de carro e um endereço escrito num papel comum. Sean percebeu que era o endereço da Garagem de Triesen. Lá também, agora um carro estaria a sua espera. Deixou no quarto um bilhete pedindo que nada fosse mexido dessa vez, nem no notebook que deixara ligado. Desceu e encontrou uma xícara e um prato de sobremesa sobre uma das mesas. Sean olhou para os lados perdido. Não sabia se era para ele. Foi embora na duvida resolvendo comer algo no caminho se algum restaurante ou lanchonete o vendesse.
Saiu de Wirgüs de ônibus chegando a Triesenberg de onde partiu para Triesen chegando a Garagem com a manhã adiantada.
Triesen, Comuna de Liechtenstein.
47° 6’ 0” N e 9° 32’ 0” E.
11 de dezembro; 14h00min.
A chave do carro era de fabricação alemã, Audi, e Sean encontrou cinco deles estacionados.
“Grande ajuda”, pensou.
Discretamente testou a chave em três deles conseguindo abrir um Audi A5 Sportback branco, cupê, na quarta tentativa. Entrou no carro e viu um mapa aberto no banco do passageiro, com a Cidade de Triesen marcada com caneta amarela.
Engoliu a seco.
— Droga! — exclamou pensativo.
O tanque estava cheio, Sean colocou o câmbio no ‘Drive’ e partiu imaginando onde deveria ir.
Triesen; Liechtenstein.
47° 6' 0? N, 9° 32' 0? E
11 de dezembro; 17h00min.
Sean acelerou pela estrada vazia, com o vento nos cabelos loiros esqueceu-se momentaneamente de toda aquela loucura, a que vinha vivendo desde março, desde a trilha pela Serra do Roncador.
Triesen é a terceira maior dos municípios de Liechtenstein, com várias igrejas históricas que datam do século XV, uma tecelagem de 1863, e uma população de cerca de 5.000 habitantes. Localizado entre a capital Vaduz, Triesenberg e Balzers, o município inclui o ponto mais alto de Liechtenstein, o Grauspitz, a 2.599 metros acima do nível do mar.
Sean estacionou primeiramente na frente de um cyber café e resolveu que acessaria a Internet de lá mesmo. Não iria se ariscar a ser rastreado pela Poliu. Tomou um frugal café da manhã enquanto invadia os computadores alheios. Alguém que não era Oscar Roldman nem a Polícia Mundial haviam mandado aquele mapa. Era óbvio que queriam que ele investigasse alguém de Triesen. Sean começou pelo cartório de registros geral. Um palpite que nada mais era que um tiro no escuro foi a opção mais acertada. Casamentos, nascimentos, falecimentos e ele encontrou cinco nomes Reingner e nenhum Heissler.
“Meu sobrenome me deu muita dor de cabeça na infância”, lembrou-se da Dra. Elvira Heissler falando na premiação.
— Se eu tivesse um avô nazista também teria dores de cabeça, Doutora — falou para si mesmo.
Sean vasculhou os endereços e ficou interessado no que descobriu. O dono do Galaxie Hotel em que havia se hospedado a mando de Oscar Roldman, era de propriedade de Lavínia Reingner.
— Sie wollen einen Kaffee? — o garçom ofereceu um café tirando Sean de seus pensamentos.
— Danka! — agradeceu.
Depois voltou a ler a tela, imaginando muitas coisas. Tomou o café e recomeçou a invadir sites da Deep Web, agora frequentados por hackers. Lá copiou alguns programas, trojans e tudo mais que precisaria. Seu nickname: SQ, e todos os hackers on-line o reverenciavam sem, porém saber que Sean Queise estava por ali. Se seu nome fosse exposto sua administração estaria comprometida dentro da Computer Co.. Algo, contudo travou de repente e Sean largou o teclado que usava. Sorriu sabendo o que havia acontecido; havia sido interceptado pelo site de hackers.
Uma conversa on-line se iniciou com um hacker de nickname InRed:
<Master SQ! Seja bem-vindo a nosso humilde lar>
Sean olhou para os lados; ninguém o vigiava.
O hacker InRed voltou a lhe enviar uma mensagem.
<Está longe, não?>
<Um pouco>
Pessoas entravam e saíam com muita frequência, na maioria, jovens. Os computadores todos estavam sendo usados, e estavam em rede. Sem muita alternativa, Sean invadiu a rede do cyber café. Todos gritaram ao ver seus computadores desligados. Sean calmamente digitou uma única linha de programação para a rede do cyber café e os computadores voltaram a ligar. Todos começavam a se acalmar e a voltar a escrever, jogar, navegar sem ter tido tempo de entender.
Sabia que logs gerados com todo o conteúdo de sua conversa não seriam armazenados.
O hacker InRed percebeu a saída dele do site.
<O que houve Master SQ? Flood?>
<Não!>
<O que quer de nós?>
<Um programa espião>
<Trojan Horse ou Rootkit?>
<Preciso de algo mais especial>
<Especial? Está conseguindo nossa atenção>
<Eu imaginava que sim>
<O que vai fazer?>
<Invadir um satélite e não ser pego>
<Master SQ! Tem realmente nossa atenção>
Sean deu todas as coordenadas e tudo o que queria que fosse invadido, copiado, deletado. Inclusive deu aos hackers outro endereço a ser hackeado. Eles não entenderam, também não cogitaram. Para mostrar suas façanhas a um Master, um Guru do calibre de SQ, os hackers jamais desperdiçariam tamanha chance. Desconectaram-se e começaram algo que Sean não quis participar; nem podia.
Sean voltou a digitar como louco, acessava os computadores da Poliu atrás de um nome: Akhilesh. Algo o avisava, o homem que a Dra. Elvira não queria que a enfermeira Elfriede deixasse se aproximar do Dr. Björn tinha ligação com tudo o que Sean fora fazer no sanatório do Castelo Stoff.
— Mas o que? — falou sozinho.
Contudo, não havia aquele nome nos arquivos da Poliu. Sean não entendeu como aquilo era possível. Não acreditou que alguém que o sanatório do Castelo Stoff temesse não estava sendo investigado. Resolveu que ia investigar Akhilesh no Vilarejo de Wirgüs, mesmo.
Agora ia atrás de Mona amiga, no éter, chamando-a com a força do pensamento. Saiu do Cyber café e escolheu um lugar sossegado, em frente à Paroquia de St. Gallus, onde lapides o aguardavam. Sean não podia imaginar lugar melhor para fazer uma viagem astral, porque a sentia lhe chamando de alguma forma.
“Sean?”, Mona Foad o sentiu sofrer. Despediu-se da amiga a qual visitava e se dirigiu para casa a pé, sabia que se ligasse ao perispírito de Sean, no silêncio de sua poltrona, eles se comunicariam, porque sabia que o havia abandonado no hotel sem respostas.
Lisboa estava linda aquela tarde. Mona Foad era uma egípcia que fora treinada para ser espiã psíquica. Quando descobriu que era usada pela Poliu para rastrear a mente de Sandy Monroe e destruir a estabilidade de Sean durante o projeto de Spartacus, ela se revoltou. O suicídio de Sandy a fez sair da corporação e se desligar desse trabalho. Seu dom paranormal, porém persistia, mesmo o tendo usado para o mal.
Mona Foad Almeida chegou em casa abafada com a corrida. Sentou-se após colocar as crianças para dormir e sentiu Sean ferido, cansado de alguma forma, próximo a um cemitério.
Concentrou-se:
“Sean?”
Sean olhou para os lados.
“Mona…” conectou-se.
“Espero que o lugar escolhido não reflita seu momento espiritual”
“Você lê pensamentos?”
Ambos riram.
“O que houve Sean amigo?”
“Eu saí do corpo e me vi sendo atacado por frações de segundos. Então voltei ao corpo”.
“Ensinei-lhe técnicas milenares, aflorei em você um dom que poucos têm. Não pode deixar dominá-lo sem controle”.
Sean demorou a pensar algo e Mona fechou os olhos tristemente.
“Eu vi alemães do III Reich! Em bota preta reluzentes”.
“Por Allah! O que anda fazendo? Está trabalhando para ele, não Sean amigo?”
“Temo que Trevellis tenha salvado minha vida”.
“Que posso dizer?”
“Por favor, Mona amiga, diga. Diga qualquer coisa. Não me deixe no escuro outra vez”.
“Gosto de você, Sean. Não me perdoei nunca pelo que fiz a você. Se Mr. Trevellis tentar magoá-lo, irei me vingar”.
Sean outra vez voltou ao silêncio.
“Quem são eles Mona? Quem são os que sempre ocultaram a verdade divina deles, de que somos todos um?”
“Por Allah! O que está fazendo? Sabe que se ficar voltando no passado, viajando pelo éter, um dia cairá no limbo, no nada existencial Sean amigo”
“Estou atrás de respostas Mona, as que não encontrei com Ambrósia Bertti, que sumiu na Terra Oca”
“Ainda pensa nela Sean amigo?”
Mas Sean não estava a fim de se aprofundar em feridas.
“Há algo errado com Hitler”.
“Hitler?”; Mona achou não ter entendido, que havia perdido a conexão perante algo que poluía a mente dele. “Adolf Hitler está morto, Sean amigo”.
“E suas ideias? E a Sociedade LINK?”
“Fale-me sobre seu ataque? Não consigo ler direito sua mente”.
“Uma interna do sanatório do Castelo Stoff. Porque sabia que eu viria, não? A garrafa de vinho?”
“O criei para isso”.
Sean impacto outra vez. Oscar tinha razão, ele era criatura dela.
“Fale sobre o Castelo Stoff, Mona”.
“O castelo pertenceu a Poliu no pós-guerra. Eles o desativaram depois de um tempo e o governo alemão então o comprou, e o transformou no sanatório do Castelo Stoff, o que depois retornou a corporação de inteligência”.
“Acredito que essa informação Trevellis jamais me daria”.
“Não espere informação alguma de Mr. Trevellis”.
“Isso explica por que Trevellis anda apagando informações de seus bancos de dados?”
“Ele anda?”
“O que? Mona Foad, espiã psíquica de primeira linha não sabe responder?”
“Não quero brigar com você, Sean amigo”.
“Sabia que meu pai apagou algo sobre o Castelo Stoff dos mainframes da Computer Co.?”
“Não sabia. Não sei tudo”.
“Mas sabia que a Poliu existia desde aquela época? Desde a Segunda Grande Guerra sob outra chefia? Outro ‘Mister’?”
“Por Allah! A Poliu não existe, Sean amigo. Quando vai entender isso?”
“Você sabe mais do que diz, não?”
Mona fechou sua comunicação mental com ele e Sean percebeu que dava dor de cabeça pensar nela.
“Está me bloqueando, Mona amiga?”
“Percebo que seu dom se desenvolve cada vez mais rápido”.
“Fale!”
E Mona falou:
“Em janeiro, quatro agentes especiais estiveram no Castelo Stoff. Fomos instruídos a buscar uma amostra de sangue de cada interno para a Poliu avaliar o quanto os internos tinham direito ou não de ficar lá”.
“Direito? Por que passei a ter medo de perguntar o que mais sabe Mona?”
“Não posso lhe falar mais nada do que isso”.
“O que houve com os agentes? Os homens de terno preto?”
“Foram mortos”.
“No tal incêndio?”
“Os corpos não estavam carbonizados, Sean amigo. Acredito que atearam fogo propositalmente. Para esconder suas mortes”.
“Queima de arquivo? Por quê? Quem?”
E Sean sentiu que Mona parara para pensar.
“Hitler faleceu em abril de 1945. Não se sabe se ele fugiu, suicidou-se ou se foi assassinado, mas depois do almoço de 30 de abril, Hitler trancou-se com Eva Braun nos seus aposentos. Ouviu-se apenas um tiro. Quando lá penetraram encontraram-no com a cabeça estraçalhada à bala e com a pistola caída no colo. Em frente a ele, em languidez de morta, estava Eva Braun, sem nenhum ferimento visível. Ela ingerira cianureto, um poderosíssimo veneno. Eram 15h30min. Rapidamente os dois corpos foram envolvidos num encerado, removidos para o pátio e, com o auxílio de 180 litros de gasolina que os embeberam, foram incendiados numa vigorosa pira. Ao redor deles, uma silenciosa saudação fascista prestou-lhes a homenagem derradeira”.
“Por que está falando isso, Mona?”
“Eu a vi, Sean”.
“Viu? A Terra Oca? Com nazis fugidos?”
“Ele estava comigo em janeiro, no Castelo Stoff”.
E Sean pareceu ter perdido algo. Mas Mona enviou-lhe a resposta.
“Eu sei que Vincenzo Bertti esteve com você no Castelo Stoff em janeiro. Mas por que? O que ele queria lá?”
“A Poliu não me deu diretrizes, porque sabia que eu não aceitaria, mas fui lá porque os queria ver, os experimentos da Sociedade LINK”.
“O líquido azul?”
“Cuidado Sean amigo, aquilo é muito mais do que já foi preparado para ver e conhecer”.
“Quem é Akhilesh?”
“Durante o seu início de pintor em Viena, Hitler foi dedicado ao estudo do ocultismo e da magia, e foi um ávido leitor do Jornal Ostara publicado por Lanz. Em 1912, quando foi fundada a Sociedade Thule, Hitler veio a conhecer através de seu secretário e lugar-tenente Rudolf Hess. A Sociedade foi criada pelo barão Rudolf von Sebottendorf que numa viagem à Turquia entrou em contato com iniciados drusos dizendo que eles recebiam ensinamentos espirituais do ‘Senhor do Mundo de Thule’, ou Shamballa, capital de Agartha, um mundo oculto, nas entranhas da Terra”.
“Por que mudou de assunto? Quem é Akhilesh?”
“Akhilesh foi o nome com que Vincenzo Bertti se apresentou no Castelo Stoff, em janeiro”.
E Sean sentiu tudo girar.
“Não é possível. Eu ouvi a Dra. Elvira e a enfermeira chefe falando que Akhilesh a procurara, que elas temiam o que ele podia fazer com o Dr. Björn, que ele poderia influenciá-lo”.
“Impossível Sean amigo. Não há mais batimentos cardíacos de Vincenzo Bertti no éter”.
“Mona…”
“Não estou mentindo Sean amigo. Shamballa, Agartha, Terra Oca, Reino de Hiperbórea, para onde dizem Hitler fugiu após o suicídio suposto, para onde Vincenzo foi levado”.
“Kelly e Gyrimias estavam naquela antecâmara da caverna, imersos em liquido, quando Ambrósia sumiu dizendo que Vincenzo a chamava, que ele estava com os intraterrenos”.
“Von Sebottendorf e Hitler queriam encontrar a raça Hiperbórea, a raça ariana, pura e assim ter um ‘poder oculto’, que controlaria o mundo. Este é o poder da VRIL. Mas Hitler também teve contado com a sociedade VRIL, ligada ao ocidente. Esta sociedade é um grupo esotérico que continua vivo hoje na Índia, seu país de origem, que tem mais de dois milhões de seguidores. VRIL, uma palavra que significa a grande reserva de energia no homem e que ele usa apenas uma pequena parte. Dentro dos conhecimentos iogues, kundalini e VRIL significam a mesma coisa: o fogo serpentino - o 3o Logos. A adoração do VRIL, adoradores do Sol, era levantando suas mãos em sua direção numa saudação semelhante à feita pelos nazistas e os antigos egípcios no culto de Ra, o Deus Sol”.
Algo passou pela cabeça de Sean.
“E com a morte de Hitler, Mona amiga? Como ficou tudo?”
“Com a queda do Terceiro Reich, veio a tona uma suposta ligação de alienígenas greys com os nazis; armamento, tecnologia genética e espacial. Por Allah! Prometa-me”.
“Prometer o que?”
“Cuide-se meu querido”.
E a conexão entre os dois se findou.
Sean foi embora aturdido.
Galaxie Hotel, Triesenberg; Liechtenstein.
47° 7’5.3” N e 9° 32’ 36.1” E.
11 de dezembro; 19h00min.
O Galaxie Hotel era uma boa opção naquele momento para um banho refrescante. O gerente levou um susto ao ver Sean Queise adentrar o saguão. Lembrava-se dele. Nunca havia tido um hóspede que entrara, tomara um banho, pagara a diária inteira e fora embora.
— Guten Morgen, Herr!
— Ich möchte ein Zimmer! — Sean pediu um quarto.
O gerente foi fazer o check-in e teve outra surpresa.
— Sua reserva já foi feita — falou em alemão.
— Quando?
— Agora a pouco. Por telefone.
Sean olhou para trás e alguns hóspedes entravam e saíam.
“Wow!” Sean viu-se perdido em pensamentos dos mais bizarros.
— Se importa se seu quarto for num andar baixo, Herr?
— Não! — exclamou Sean sem entender.
O gerente olhou para o chão.
— Malas?
— Lojas?
— No final da rua.
— Danka!
Sean saiu. Abriu a carteira e pegou o cartão da Polícia Mundial. Gastou na loja o que queria e o que não queria também. Comprou presentes para todas as internas. Ele havia contado 11 internas no relatório da Poliu; Belinda Luchesi, Emille Lydia, Carlotta Baptista, Miriam Louise, Laura Nico, Tiffany Dolson, Olinda Werner, Ângela Chung, Íris Lee Fee, Wanda Mascarin e Tomio Sakura. Não se esqueceu também das duas cozinheiras, Obecana e Zemlja Veca, mas para Laura Nico comprou algo especial; um colar de pérolas igual ao que comprara para Elvira e Kelly.
— Oscar quer me rastrear? Adivinhar meus pensamentos? Pagar minhas contas? — falava sozinho, sorrindo muito, gastando mais ainda.
Sean voltou às compras. Adorou os sapatos feitos de crocodilo. Comprou oito pares, de vários tamanhos. Aquilo de alguma forma tinha um duplo significado.
Depois foi a uma loja de camping e pesca. Comprou de tudo; varas de pescar, uma barraca, sacos de dormir, uma lanterna de bateria de lítio. Numa vitrine algo lhe chamou a atenção. Chamou o vendedor e comprou o GPS mais caro e sofisticado que a loja possuía, mesmo sabendo que algo acontecia naquele Castelo Stoff, e mandou entregar tudo no Galaxie Hotel; tudo guardado no porta-malas do Audi, na garagem do hotel.
Numa loja de artigos eletrônicos comprou muita coisa pequenina pagando em dinheiro; dessa vez não quis rastreamento. De lá, entrou num caríssimo empório e comprou caviar de esturjão e uma caixa de Dom Pérignon ano 69 pela bagatela de 125 mil Euros.
— Oscar vai adorar — finalizou rindo.
Voltou ao hotel com as sacolas e a caixa de champagne, e pediu ao hotel que alugasse um snowboard para ele praticar snowboarding, uma mistura de skate e surfe, se conseguisse equilibrar-se numa prancha. Ia descansar a tarde toda mesmo. Ou cansar-se, dependia do ponto de vista.
Chegou tarde da noite ao Galaxie Hotel, vermelho e acompanhado de duas garotas alemãs que riam o tempo todo ao seu lado, dirigindo-se à portaria para pegar suas chaves.
— Fazendo estragos, Senhorzinho Queise?
Aquela maneira peculiar de ser chamado fez o coração dele, disparar. Sean mal conseguiu virar-se para trás. As duas garotas perceberam a tensão no rosto bonito dele.
— Maxuell? — Sean olhou para um homem idoso, de cabeça chata usando peruca negra, chapéu de palha enterrado nela, e óculos escuros apesar da noite caída.
— Seu quarto? — apontou com a bengala de marfim acobreado para o elevador, já se dirigindo para ele.
Sean olhou para as duas garotas que muito tristes se despediram dele. Ele prometeu mais para o dia seguinte. Elas demoraram nos beijos e se foram. Sean virou para a recepção e viu que não era o mesmo gerente que o atendera pela manhã. Agora era uma mulher de idade avançada que o entregava a chave.
— Danka, Frau Lavinia Reingner — Sean arriscou um palpite.
O idoso Maxuell Reingner riu com gosto na porta do elevador.
— Falei para Mr. Trevellis que ele havia escolhido corretamente.
— “Escolhido”? Falou a Trevellis?
— Por favor! Vamos subir? — Maxuell suspirou. — Ich bin müde! — e foi um ‘Estou cansado!’ cansado.
— Está bem!
Ambos chegaram ao andar e ao quarto de Sean, e Maxuell sentou-se numa confortável poltrona à janela, com vista para o pico de neve.
— Sempre gostei desse quarto. Não gosto de quartos altos, Senhorzinho Queise.
— Ah! Entendi o porquê da reserva de andar baixo — Sean olhou em volta. — Esse era seu quarto?
— Akkurat!
— “Akkurat!”
— ‘De fato!’ — Maxuell traduziu. — Ah... Senhorzinho Queise, sempre que me hospedava no hotel de minha irmã Lavinia, pedia esse quarto. Já viu como é bela a vista da neve?
Sean olhou para fora. Estava imerso demais para reparar.
— Sabia que eu ia entender que procurasse os nomes Heissler e Reingner nos cartórios?
— Não, mas foi uma jogada de gênio, a sua — riu Maxuell.
— Por que se passou como morto?
— Sabia que ativaria sua curiosidade — riu novamente. — Sabia que é muito curioso Senhorzinho Queise?
— Sim. O primórdio para um bom hacker.
Maxuell voltou a rir.
— O champagne Dom Pérignon? — o velho Doutor apontou para o armário. — Podemos tomar ao menos um?
Foi à vez de Sean rir.
— Claro! E presumo que queira caviar de esturjões também?
Maxuell riu e Sean abriu o armário e pegou uma garrafa colocando numa máquina que gelava garrafas mais rápido que o usual. Abriu a geladeira e serviu o caviar. Abriu um pacote de torradas e sentou-se à frente do laureado geneticista; serviu-o e ergueu o sobrolho.
— Sinto pelos ataques, Senhorzinho Queise. Achei que meu sumiço teria sido suficiente.
— Sabe quem me atacou?
— Não — terminou o champagne e pediu mais.
— Mas soube sobre os ataques.
— Akkurat!
— Como?
— Uma rede de informações bem construída ao longo dos anos.
Sean riu.
— Você ainda é da Poliu, Dr. Maxuell?
— Akkurat! — voltou a exclamar ‘Exato!’
Sean balançou a cabeça não acreditando na sinceridade desprendida. Serviu-lhe mais champagne.
— Também pertence a Sociedades Secretas?
— Akkurat!
— Então devo realmente a Trevellis minha vida?
— Saí de cena justamente para salvá-lo, Senhorzinho Queise.
— Por quê?
— Porque estava muito perto de ser destruído.
— “Destruído”? Eu? O que eu fiz?
— Investigou o Rh negativo. Por dentro de listas de ufologia que lhe conhecem.
— É... Kelly fez o favor de me expor anos atrás... — Sean olhou Maxuell o olhando. — Você os lançou propositadamente nas listas de UFO-nazilogia, não foi?
— Akkurat! Esperando pescá-lo, Senhorzinho Queise. Só que arrastei outras coisas na minha rede.
— “Outras coisas”?
Maxuell suspirou ao terminar a taça de champagne. Olhou para Sean que esperava ansioso.
— Hitler era do tipo A e estava tentando salvar o sangue A para seus planos de expansão ariana. Muito tem sido dito que ele esteve em contato com as Plêiades, segundo várias fontes, como as da turma de sua Mona amiga — Maxuell esperou Sean arregalar os olhos. — Os nazistas na Antártica supostamente estiveram em ligação com renegados de Plêiades.
— “Ligações”? Isso quer dizer ‘LINK’?
— Akkurat! A Sociedade LINK é uma Sociedade secreta que desde a Segunda Grande Guerra mantém contato com Alienígenas das Plêiades.
— Wow! Alienígenas das Plêiades na Antártica? E a Terra Oca? Por que eles saíram de lá?
— Acho que nunca foram para a Terra Oca.
— E quem esta lá?
— Uma raça mais perigosa que Plêiades, acredite Senhorzinho Queise.
— Uma raça alienígena reptiliana, do tipo crocodilo, de pele escamosa e de um tom enegrecido, brilhante como o piche, e que consomem suas vítimas com uma espécie de óleo negro, que penetra pela pele, navega pelos olhos e domina suas mentes — Sean viu Maxuell com os olhos velhos brilhando. — Teoria de conspiração!
E Maxuell riu:
— Provável.
— Eu conheço tudo sobre a Terra Oca, Dr. Maxuell.
— Conhece tudo? Duvido muito. Mas deixe-me explicar melhor então, Senhorzinho Queise. Para isso, voltemos ao Rh... O livro As Pirâmides de Montauk, de Preston Nichols e Peter Moon, afirma que o sangue Rh negativo não contém os aspectos dos símios, possivelmente um humano original. É dito reverter aos sumérios, e suas tábuas cuneiformes, que indicam que os primeiros reis humanos era a prole dos governantes em custódia que se entrecruzaram com as mulheres da Terra. Estes chamados Deuses eram representados como tendo pele azulada.
— Quetzalcoatl era um reptiliano, nobre, de sangue azulado.
— William Bramley no livro Os Deuses do Éden afirma que a monarquia da Europa traça suas origens aos deuses da antiga Suméria. Enki, o engenheiro genético dos Anunnakis e a Irmandade da Serpente, uma Sociedade secreta que foi infiltrada, para que o seu conhecimento fosse distorcido. E talvez os nossos sangues AB um dia possam dar mais luz sobre isto.
— Não sou Rh negativo, Maxuell. Meus pais são do tipo 0 positivo, e consequentemente sou 100% 0 positivo.
— Tem certeza?
Sean não gostou do que ouviu, talvez do que ainda ouviria.
— Certeza! — ficou o observando. — Por que iam me querer morto? Onde o Rh entrelaça nossas vidas, Dr. Maxuell?
— Muito bem perguntado. E a resposta é nenhum lugar.
— São apenas ecos do passado...
Maxuell sorriu, gostava cada vez mais dele. Sean levantou-se estourando a outra rolha da segundo champagne que fez um som peculiar.
Ele serviu mais duas taças.
— Danke! — Maxuell agradeceu. — Quetzalcoatl, o profeta dos Maias e Astecas, era um estranho entre os índios, sendo de uma raça diferente por ser louro provido de barba branca. Figurativamente o desenham com uma serpente azulada. Os astecas o chamavam de ‘Deus da Abundância’, e segundo os relatos trajava um veste branca flutuante. Veio provavelmente do mundo subterrâneo, Agartha, na Terra Oca, e retornou a ela depois de observar que os índios pouco aproveitavam dos seus ensinamentos. Relato semelhante da presença destes avatares também ocorreu com os Incas, no Peru.
— E por que Quetzalcoatl?
— Outra pergunta bem feita, Senhorzinho Queise. Não sei… — Maxuell riu embalado pelo álcool. —, acredito que como bom pesquisador, eu deveria ter procurado em todas as áreas afins, e talvez elas levem a edificar a hipótese do uso de ayahuasca.
— “Ayahuasca”?
— Ayahuasca é o mais complexo de todos os alucinógenos, tanto botanicamente quanto quimicamente falando. São quarenta e tantas espécies de plantas diferentes, conhecidas com este nome: ayahuasca. Nem todas crescem no mesmo lugar, portanto, é preciso conhecê-las, a todas elas, para se fazer a mistura e o chá.
— Um líquido azulado, suponho?
— Você andou fazendo misérias pelo sanatório do Castelo Stoff?
— O líquido azulado? O que é?
— Intrincadas misturas de DNA.
Sean não tinha tanta certeza.
— Um xamã — prosseguiu o Dr. Maxuell. —, explicou-me uma vez que ayahuasca faz os espíritos se apresentarem.
— Mona faz isso sozinha.
— Mona é uma xamã de sua linhagem, Senhorzinho Queise.
“De sua linhagem”; Sean sentiu que o idoso Maxuell Reingner falava em entrelinhas.
— O que poucos sabem, bom Doutor, é que o termo tem origem em Tunguska, do povo nativo da Sibéria.
— Sim, Senhorzinho Queise, os tungues meridionais identificam no xamã os portadores de função religiosa, que podem voar, na língua deles, para outros mundos, entrar em um estado estático e ter acesso e contato com seus aliados; animais, vegetais, minerais.
— Pitágoras dizia que podemos reencarnar, de todas as formas; metempsicose. E Platão absorveu ensinamentos pitagóricos ao formular sua ‘teoria das ideias’, reminiscência.
— Os filósofos se esqueceram de acrescentar seres de outras dimensões. Podemos amanhã sermos um deles, não Senhorzinho Queise?
Sean sorriu lembrando-se de Mona e as várias vidas reencarnadas próximas a Maxuell. Ficou imaginando o que realmente Mona foi conhecer pessoalmente no Castelo Stoff. Sean levantou-se e foi enfim olhar o pico nevado. Maxuell ficou quieto, e Sean sabia o que aquela quietude significava.
— A conceituação antropológica de xamã ainda não é consensual, Senhorzinho Queise. Mona Foad Almeida é o que a ciência chama de paranormal. E sua paranormalidade é uma das mais intricadas detectadas pela literatura. Mona diz que os contatos em êxtase permitem a recepção de orientações.
— Você a conhece, não? Mona? De outras vidas?
Maxuell realmente alertou-se ao ouvir aquilo. Não respondeu e Sean não precisava insistir.
— Uma hipótese é a conexão demonstrável entre os ingredientes ativos na ayahuasca e o DNA contido nas células nervosas do cérebro humano. Foi o que o levou Wolfgang Heissler a estudar e pesquisar a biologia molecular.
— O DNA?
— Akkurat! O mestre Heissler descobriu após muito tempo de estudos que provavelmente o DNA correspondesse aos ‘maninkare’, essências com as quais os xamãs se comunicam e deles obtêm sabedoria.
Sean pareceu se iluminar mais que o efeito do champagne maravilhosamente fazia dentro dele.
— ‘Naga Panchami’, a serpente cósmica.
— Parece-me que sabe bem do que fala Senhorzinho Queise.
— Por isso Elvira disse que seu avô era ocultista?
— Eu vou chegar nesse que é o ponto inicial de tudo o que vivemos até agora.
Sean o olhou com interesse e a segunda garrafa se esvaziava rapidamente.
— O mestre Heissler insistia na inteligência das ‘serpentes cósmicas’, e ele entrava realmente, em diálogo inteligente com elas, como um xamã, como sua Mona amiga.
— Por isso Mona é tão importante para a Poliu? Trevellis sempre buscou a conversação com alienígenas.
— Akkurat, Senhorzinho Queise. O mais interessante é que as mulheres conseguem realizar este feito, naturalmente, sem o emprego de qualquer um dos alucinógenos, tendo as mesmas vantagens e sabedoria buscada tão arduamente pelos xamãs — Maxuell pigarreou. — Então, se o mestre Heissler se comunicava com o DNA das plantas alucinógenas e recebia sabedoria, então o DNA destas plantas respondia ao DNA do mestre Heissler.
— Wow! Isso sim é informação demais para mim — Sean colocou os dedos na cabeça deixando os cabelos loiros em desalinho. — O Dr. Wolfgang Heissler podia ler a mente, como diz o dito popular?
— Pode-se dizer que sim. E a mente do homem passa a ser um véu muito transparente — Maxuell observou Sean pensativo. — Mr. Trevellis permitiu que Mona Foad, sua espiã psíquica lhe ensinasse algo, Senhorzinho Queise?
“Mr. Trevellis permitiu?” reverberava por todo seu corpo. Sean sentiu que cada célula sua havia recebido aquela informação.
— Sim... — soou dolorido. — Mona explicou-me que essas transmissões são como uma radiação, a um nível muito sutil, e que não são todos os que os captam. Que não há regras para a radiação ser sentida e a PES, Percepção Extra-Sensorial, deveria ser diretamente detectável uma vez que uma energia caminha pelo éter.
— Acha que a Poliu tem instrumentos sensíveis para detectá-las?
Sean o olhou profundamente.
— Tais instrumentos não existem Dr. Maxuell porque tal radiação não existe em qualquer forma reconhecível.
O idoso Maxuell Reingner sorriu apenas. De uma maneira que fez Sean pensar que talvez não fosse verdade o que ele próprio dizia, o que havia aprendido com Mona.
— Talvez sua amiga lhe esconda algo muito maior, complexo.
— Complexo quanto?
— Complexo, Senhorzinho Queise. Como saber como os alienígenas se comunicam conosco ao longo de tantos e tantos séculos.
— “Tantos e tantos séculos”? Eles se comunicam?
— Ah... Senhorzinho Queise... A coisa é mais complexa que parece, não vê? Sabia, por exemplo, que a primeira raça a surgir na Via Láctea pertencia a categoria ariana, vinda do sistema estelar de LIRA? Sabia? Claro que sabia. Vem lendo o que lhe conto nas listas?
Sean riu e não foi pelo efeito constante do champagne.
— Era você nas listas de UFO-nazilogia, Dr. Maxuell?
— Akkurat! Instruindo você e os outros.
Sean não acreditava no que ouvia.
— Achei que a primeira raça, a raça mãe fosse a adâmica? De Adão.
— Ah! Claro! Falamos de religião agora... — e se acomodou melhor na poltrona. — Os que se autodenominavam ‘Raça Superior’ se desenvolveram pela evolução de espíritos menos desenvolvidos, que se manifestaram nas diversas facções arianas de Lira e dos postos colonizados, esses seres que através do processo de reencarnação… — disparou Maxuell. —, e mantendo parte dessas lembranças de vidas anteriores, perpetuaram essa ideologia de que era a raça mais evoluída devido a ser a mais antiga.
— Está dizendo que Hitler se achava uma reencarnação de arianos puros? Quem disse isso a ele?
— Lewis e tantos outros... Mestres de Sociedades secretas como a VRIL, como a LINK.
— Mestres como Wolfgang Heissler?
— O mestre Heissler conhecia o ‘povo com cabeça de réptil’, Senhorzinho Queise — disparou Maxuell e Sean só teve tempo de erguer o sobrolho. O idoso Maxuell Reingner parecia estar abrindo o jogo cada vez mais rápido. — Criaturas semelhantes a crocodilo humanoides, os verdadeiros deuses destes mundos.
— Por que a Poliu o protege, Doutor? — Sean divagou de repente.
— Sou um deles agora.
— Um deles?
— Comandante da Frota Interestelar, da Confederação Intergaláctica das Plêiades.
Sean Queise gargalhou nervoso. O idoso Maxuell Reingner permaneceu sério.
— Está me gozando, Doutor?
— Não.
Sean teve realmente que aguardar segundos para ‘se sintonizar’ de novo.
— Algumas listas de ufologia têm ligações com um site sobre ‘tipologia alienígena’. Dizem que a raça reptiliana vem de um planeta conquistado e controlado pelos Greys por meio de um implante; dizem, ser a mente mestre dos planos de abduções, porque dizem que... — parou.
— O que as listas ‘dizem’ Senhorzinho Queise?
Sean levantou-se.
— Dizem que há crocodilos humanoides em postos de comando. Governos ocultos, altos políticos, gente rica e influente... Linhagens híbridas réptil-humanas que se tornaram os governantes políticos e econômicos de muitas terras; crocodilos humanoides humanos.
— O que há Senhorzinho Queise? Achei que acreditasse em suas listas...
Sean só o olhou.
— Em todo lugar se encontra lendas e contos sobre antigos ‘deuses’ de outro mundo que cruzaram com a humanidade para criar uma rede de descendentes híbridos. O próprio Velho Testamento fala sobre os ‘Filhos de Deus’ que cruzaram com as filhas dos homens para criar a raça híbrida, chamada de Nefilin. As tábuas de barro sumérias, achadas no local que nós chamamos agora de Iraque, na metade do século 19, conta história semelhante.
— As tábuas falam de uma raça de deuses de outro mundo que trouxe conhecimento avançado para o planeta, e cruzou com humanos para criar uma descendência de híbridos. Esses deuses são chamados nas tábuas de Anunnaki que aparentemente traduz como ‘aqueles que do céu para a Terra vieram.
A janela escancarada trazia uma suave brisa gelada. Sean olhou para fora perdido em pensamentos, percebendo que Maxuell dava voltas, o levando a lugar nenhum.
— Quem morou aqui em Triesen, Maxuell?
Maxuell riu com gosto. Adorava ver a maneira como as ideias surgiam nele.
— Asha!
— Quem é Asha?
— Asha Heissler, filha de Wolfgang Heissler, mãe de Elvira.
— Você as escondeu? — sentou-se puxando a poltrona para bem mais perto dele. — Ambas?
— Asha era pequena e eu a criei. Quando ela conheceu um mochileiro e engravidou, cuidei dela, também. Quando Elvira nasceu, continuei meu trabalho e a criei como fiz com Asha.
— Que trabalho?
— Devia isso ao meu mestre.
— E seu mestre devia o que a Hitler?
— Sua admissão.
— Onde?
— Na Sociedade LINK.
Sean ergueu-se, aquilo era informação demasiada, não conseguia saber o que procurava, o que procuravam dele, nele. Desde março que colhia informações soltas e aquilo o estava cansando. Tanto a Sociedade VRIL como a Sociedade LINK eram citadas nas listas de ufologia como ligações dos nazistas com o mundo da Terra Oca, com alienígenas do mal, com acesso a conhecimento e acobertamento alienígena empregado na Segunda Grande Guerra, com construções de UFO-nazis e muitas mais teorias de conspiração que podia imaginar. Inclusive a existência de um braço da LINK no Vilarejo de Wirgüs, uma sociedade secreta de adoradores de alienígenas.
E como tudo o que se referia aquele sanatório do Castelo Stoff, Sean não encontrou material algum nos bancos de dados da Poliu. O que por si só era assustador; a corporação de inteligência nunca se dera ao trabalho de apagar nada.
— As listas falam que seus habitantes vieram do sistema solar de Aldebaran, tinham 4 metros de altura, pele branca, cabelos loiros e olhos azuis e isso, como disse, cruza informações com as dos Sumérios, traduzido por Zecharia Sitchin. Hiperbóreos que tinham uma tecnologia avançada, incluindo VRIL-ya, o UFO-nazi.
— E que eles usaram como combustível, o VRIL, que é a energia vital, o Prana, o Éter, derivado de VRIL-Il, que em acadiano significa ‘como Deus’.
— Para que?
— Mover ufos.
E Sean sentou porque precisava se sentar.
— Meu pai se envolveu com as Poliu para criar energia para mover UFOs?
— Não sei se seu pai, ou seu outro pai estão envolvidos nisso Senhorzinho Queise, mas sei que Mr. Trevellis acredita que o VRIL, vem do campo magnético da Terra, capaz de mover naves, algumas das quais ele quer fora do planeta Terra.
— Wow! — agora Sean teve medo de Mr. Trevellis.
— Como Hitler se envolveu com a Sociedade VRIL?
— Se formos entender a pretensão nazista de dominar o planeta temos de voltar a 1919, Senhorzinho Queise, onde uma Alemanha lesada pela Primeira Grande Guerra cresceu sob a revolta e o desejo de vingança.
— Vingança... — Sean se recordou de Eduard e seu estranho recado. — O estoico Zenão de Cítio, nos pórticos de sua escola Stoa cultivava a razão com a função de nos defender das agressões físicas e psíquicas, da natureza dos homens potencialmente ameaçadores da alegria e da vida, tinha na razão, a função de evitar tristes encontros com o mundo. Para os estoicos, a razão serviria para que tivéssemos consciência da realidade, evitando que os homens se colocassem em perigo através da vingança; como de fato, a que me move até hoje... — falou um Sean Queise atordoado para um idoso Maxuell Reingner alcoolizado.
— Sim, vingança Senhorzinho Queise; essa mesma... — soluçou. — E criaram sociedades secretas como a VRIL que executaria entre outras coisas projetos da psique humana e espiritualidade, como os espiões psíquicos que a Poliu desenvolveu mais tarde. Os nazis buscavam com isso descobrir a sabedoria da Atlântida e suas tecnologias avançadas, dos sumérios, que usavam a mesma linguagem das civilizações de Aldebaran, mantendo grandes semelhanças com a germânica, e das antigas ruínas como Stonehenge, onde Plêiades, segundo consta o mito, teriam ensinando aos nazis como construir naves em troca de uso de material genético para a criação de híbridos.
Sean arregalou os olhos azuis e só isso.
— Híbridos? Super-homens, super-soldados, superarmas, Wunderwaffen, porque a Alemanha precisava se rearmar depois do dramático Tratado de Versalhes, que literalmente a proibida de possuir Forças Armadas. É claro que isso gerou reações na população e, principalmente, nas possíveis lideranças políticas potenciais. Entre as várias consequências deste fato está a proliferação de sociedades secretas na Alemanha. E é neste cenário que surgiu a sociedade secreta THULE-GESELLSCHAFT.
— A Sociedade Thule, fundada em 17 de Agosto de 1918 por Rudolf von Sebottendorff, permanece até hoje em funcionamento, dispondo mesmo de uma página oficial na Internet. O seu nome original era ‘Studiengruppe für germanisches Altertum’ ou ‘Grupo de estudo para antiguidade germânica’. O símbolo associado com a Sociedade Thule era uma adaga. Depois passou a disseminar propaganda antirrepublicana e antissemítica. E sim uma segunda sociedade, a LINK, que dela resultou, uma sociedade paralela que tinha uma designação diferente desta, ou seja, ao invés de ter uma atuação político-econômica, com objetivo de estabelecer a relação entre as observações de UFO-nazi que vinham sendo registradas desde a Idade Média, no centro-norte da Europa, com as antigas civilizações da Mesopotâmia.
— Quem são os pacientes do Castelo Stoff Doutor? — e Sean não podia esperar mais.
— Não devia se envolver com aquilo Senhorzinho Queise.
— Não foi para isso que me chamou Doutor? Porque sou o único que posso lidar com eles?
E Maxuell o olhou nublado, com todo aquele álcool se perdendo dentro dele, e o celular tocou.
Sean viu que era um número restrito.
“Droga!” fez um sinal para Maxuell e abriu a porta do quarto.
— Senhorzinho Queise… — a voz de Maxuell ao tingiu. — No final do ano de 1919, a sociedade VRIL entrou em contato com a paranormal Maria Orsic, famosa na época com o objetivo de ajudá-los em suas investigações sobre a existência de vida alienígena e sua ligação com o surgimento do ser humano na Terra. E eles tiveram algum resultado em sua empreitada, porque pelo que consta, a paranormal Maria Orsic teria psicografado uma mensagem alienígena que descrevia como construir uma máquina aérea.
— “Psicografado”?
— Há muitas dessas mensagens psicografadas pelos estudiosos do Comando Asthar Sheran, e também pelas Fraternidades Branca da Terra e Fraternidades Azuis de Siriús; milhares de emanações de vida em diversos planos evolutivos, que ultrapassam nosso conceito atual de evolução espiritual e tecnológica, Senhorzinho Queise, quando penso que ela vem à tona...
“Ela veio à tona...” ecoava a imagem do jovem loiro de cabelos encaracolados sentado no banco de concreto úmido com um maço de cigarros Lucky Strike à mão.
E Sean saiu, não antes de num último rompante, Maxuell falar:
— Cuidado Senhorzinho Queise. Wirgüs esconde segredos milenares... UFO-nazis como Haunebu, Sino, e outros…
E Sean fechou a porta.
— Alô!
— Já bancou o moleque o suficiente? — a voz de Oscar não poderia ter sido das piores.
Sean não gostou do tom da conversa. Pensou mesmo em desligar e voltar para o quarto.
Tinha muito mais perguntas que respostas.
— O que você quer?
— Quero que retorne a pensão Schwemmbaue em Wirgüs e aguarde ajuda. Não vou colocar mais sua vida em risco queira Mr. Trevellis ou não.
— Não preciso de sua ajuda... — mas Sean não conseguiu acabar de falar. Um estrondo dentro do quarto o alertou. Ele colocou a mão na maçaneta e ela não girou. — Dr. Maxuell? — chamou-o e outro estrondo agora reverberou por todo o corredor. —Maxuell?! — gritou Sean.
— Sean?! Sean?! Sean?! — gritava Oscar para o celular.
Sean lançou-se sobre a porta, mas ela não cedeu. Algo naquilo fez lembrar-se de Sandy e seu suicídio.
Ele se jogou novamente contra a porta, agora desesperado.
— Ahhh!!! — Sean estourou um dos pontos do ombro machucado sentindo mais dor que outra coisa.
— Sean?! — gritou Oscar.
E o celular foi ao chão.
Sean voltou a se jogar mais duas vezes contra a porta e só na terceira vez, a derrubou, para ver algo que lhe pareceu surreal. A parede manchada de algo que lembrava uma gosma azulada, escorria, lançava-se ao chão encharcando o tapete. Sean não viu o corpo de Maxuell em nenhum lugar. Estranhou também não ter ouvido um grito se quer. Correu a janela sentido seus pés escorregarem.
— Não!!! — gritou para a noite sem que nada ou ninguém estivesse ao seu alcance. Sean jogou-se quarto a fora, correu pelo corredor se lançando escada abaixo nem se lembrando de que até pouco tempo atrás mancava. Chegou à recepção vendo a mesma gosma azulada esparramada pelos móveis, pelo chão, pelo balcão, pelo corpo da Frau Lavinia Reingner. — Droga!!! — gritou outra vez. Correu para fora do hotel totalmente sem rumo. Correu para a direita até suas pernas falsearem. Olhou em volta e nada viu. Voltou para esquerda correndo o máximo que pode e nada viu, nada entendeu. Ficou a girar o corpo sem rumo outra vez. — Maxuell?! — gritava na calada da noite.
Sean sentou-se na neve e prostrou.
O Dr. Maxuell Reingner agora havia morrido por causa dele.
11
Pensão Schwemmbaue.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
12 de dezembro; 03h00min.
Sean retornou a pensão no auge da madrugada, não podia continuar no Galaxie Hotel depois do corpo morto da Frau Lavinia Reingner estar esparramado logo na entrada. Havia corrido ao quarto, jogado todos os presentes, miúdos eletrônicos e os sapatos dentro das sacolas, colocando-os no porta-malas do Audi, onde já estavam os equipamentos de acampamento e pesca. Sean lembrou-se também do champagne e pegou os copos usados, limpou todas as maçanetas visíveis e desceu a caixa de champagne. Temeu que a polícia de Triesen rastreasse os códigos das garrafas e encontrasse o número do cartão de crédito usado para pagá-las. Odiou Oscar naquele momento. Odiou-se mais ainda por ter usado o cartão da Polícia Mundial. Num último momento de desespero, inseriu um vírus que copiara no site dos hackers para um pen-drive e instalou-o no computador da recepção. O vírus deletou da memória toda a informação nele contida. Por último, arrancara a página do livro de registro dos hóspedes, indo embora de Triesen para o Vilarejo de Wirgüs.
Telefonou ainda chocado, da estrada, ao número 33-110-77654-009 e dessa vez deixou ele a ligação terminar e gravar uma mensagem.
— Oscar... Preciso de você...
Oscar Roldman ia ter que se livrar de qualquer resquício do que ainda sua estadia no Galaxie Hotel de Triesen tenha deixado, porque o Dr. Maxuell Reingner e sua irmã Lavinia haviam sido mortos provavelmente por uma arma química alienígena, de cor azulada, à base de DNA, que Sean agora acreditava ser alienígena.
Sean havia deixado o Audi na mesma vaga da garagem de Triesen onde o havia encontrado. Preferiu não se arriscar à por tudo a perder andando de carro pelo Vilarejo de Wirgüs.
Temeu até que não lhe vendessem combustível.
— Herr Queise? — a Frau Ludmila o interpelou logo que ele adentrou na pensão, vestida com uma enorme camisola de feltro, olhando para porta trancada, imaginando como ele entrara.
— Sim? — Sean queria tudo menos ter que responder todas aquelas questões, estava suado de tanto andar, e sujo outra vez, com sua camisa agora com nódoas de uma tinta azulada.
— Alguém o procurou.
Sean sentiu o chão faltar-lhe.
— “Alguém”?
— Um homem.
— Disse-lhe seu nome?
— Não! Disse que retornaria mais tarde.
— A Senhora nunca o viu por aqui? — arriscou um palpite.
— Não!
— Ah! Bom... Se ele voltar...
— Comunico-lhe.
— Danka! — e se virou para subir carregando sacolas e uma caixa que fazia um peculiar som de vidro.
A Frau Ludmila ficou olhando-o subir as escadas. Sean entrou no seu quarto e colocou as sacolas e a caixa no chão e correu ao canto do armário. A arma Tyron ainda estava lá.
“Menos mal”, pensou.
Trocou-se e dormiu. Mas acordou num supetão, arrumando na sacola os presentes que comprara agora um tanto adulterado. Desceu e chegou embaixo, dessa vez vendo todos na sala de refeições comendo; eles nem notaram sua presença. Sean ficou tentado a sentar, mas tinha muito que fazer no sanatório do Castelo Stoff.
Queria se livrar dele o mais rápido possível.
“Só espero que os hackers consigam”, pensava atônito atrás de um dos dois táxis de Wirgüs sem que nenhum lhe parasse.
— Posso lhe levar se quiser — uma voz de mulher soou ali. Sean saltou pelo susto, Amélie parecia ser a última pessoa que imaginara ver e a única que parecia querer ajudar. — Só não vou entrar lá — completou.
— “Entrar”?
— Naquele manicômio...
— Então como pode ajudar?
Amélie apontou para o jardineiro do sanatório do Castelo Stoff. Sean ergueu o sobrolho e viu que Herr Pretijin tinha uma carroça cheia de verduras e plantas de todas as espécies, mas um lugar vago ao lado dele.
— Meu pai o levara até lá.
Sean a olhou e sorriu agradecido. Subiu na carroça com a sacola na mão e partiu sob fortes observações de Amélie. Chegou ao sanatório do Castelo Stoff três horas depois. Não podia reclamar, parecia ser a única maneira de ele passear pela cidade.
Os dois não trocaram nenhuma palavra. Sean ficou achando se talvez o Herr Pretijin não quisesse comentar sobre sua filha. Ele o respeitou e Sean o sentiu mais aliviado no final da viagem. Dessa vez eles entraram pelo portão sul que Elvira dissera ter. O portão e a pista para carros ficavam realmente dentro da mata fechada que rodeava o castelo.
Castelo Stoff.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
12 de dezembro; 11h11min.
Os cavalos pararam e Sean desceu.
— Danka! — exclamou Sean.
— Ela tem medo... — Pretijin apontou o sanatório do Castelo Stoff com um movimento de pescoço enrugado. — Medo deles...
Sean não soube o que falar, o que pensar naquele momento. Não entendia o ‘deles’ nem por que uma prostitua como Amélie saberia segredos sobre o sanatório do Castelo Stoff que o teria feito ficar excitado. Pretijin sumiu para dentro de uma das cinco garagens sem mais nada falar, e Sean olhou em volta outra vez sem saber o que pensar, tentado a conhecer as garagens, mas não podia chamar atenção. Vez ou outra se virava discretamente para trás para ver Herr Pretijin armazenando fertilizantes e mudas de plantas na primeira garagem aberta. Ele também ficou tentado a procurar Elvira, mas foi atrás da Enfª. chefe Elfriede. Queria que ela distribuísse os presentes das internas; e principalmente queria entregar o de Laura Nico pessoalmente.
Elfriede a princípio não gostara da ideia do alvoroço, as internas não estavam acostumadas a presentes. Sean insistiu apenas que pudesse entregar o de Laura pessoalmente. O susto estampado no rosto dela fez Sean ter muitas preocupações. A Enfª. chefe Elfriede concordou entregar os presentes durante o banho de Sol, isso deixaria a Frau Laura sozinha na Ala Rosa, uma vez que o banho de Sol estava proibido a ela.
Sean ficou sem saber o porquê.
Ambos foram à Ala Rosa e Elfriede começou a levar todas as internas ao banho de Sol.
— Frau Laura? — chamou Elfriede de cabeça baixa à porta da única cela da Ala Rosa que ficava separada das demais.
Sean não havia reparado que uma das camas ficava em quarto privativo. Laura a olhou de uma maneira que Sean por detrás da Enfª. chefe não compreendeu. Ela mudou radicalmente quando o viu.
— Senhorzinho Queise!
“Senhorzinho Queise?”, Sean percebeu que era primeira vez que Laura o chamava sob circunstâncias tão peculiares quanto Maxuell.
— Eu lhe trouxe algo — ele adiantou-se à Enfª. chefe Elfriede.
Laura olhou o pacote e Sean percebeu certa relutância nela. Ela então sorriu e o pegou. Sua respiração ficou diferente ao ver o colar de pérolas reluzindo na caixa de veludo azulado.
Sean traduziu-a como comoção.
— É diferente do dela?
Como?
Perguntei se a mulher de cabelos negros ganhou diferente de mim.
“Kelly?” Sean não gostou daquilo.
Daquilo não.
— Iguais — foi o que falou.
Laura não voltou a insistir e Sean viu Elfriede de cabeça abaixada.
“Sinal de respeito?”, pensou confuso.
— Coloque! — Laura disse. — Em mim!
Sean viu Elfriede se afastar e soltou o colar de pérolas da caixa de veludo, colocando-o no pescoço de Laura quando flashes de uma grande onda tomaram sua visão. Pessoas corriam desesperadas da grande onda que se formava para então a terra tremer sob os pés de alguns, enquanto outros eram engolidos pelo grande vão que se abriu numa terra de verde cintilante. Sean viu o fim de Atlântida e Laura sorria ao perceber.
“A mente do homem passa a ser um véu muito transparente”, lembrou-se das palavras de Maxuell.
Sean fechou o colar no pescoço e tomou-se de coragem a tocando novamente; uma grande onda varreu tudo sobre ele. Sean ouviu gritos, viu sangue e pessoas mortas ao longo de uma grande extensão de areia que alcançava construções de cor clara agora destruída, quando a água chegou aos seus pés e Sean acordou.
— Ahhh! — recuou sentindo seus pés molhados.
— Houve algo? — Laura lhe sorriu.
Ele olhou-a atordoado e não soube o que responder. Laura virou-se para um espelho e se olhou.
— Já tive um desse — ela falou virando-se novamente para ele.
Sean olhou em volta, não havia feito isso até então. Viu as paredes forradas de colchão como Björn havia lhe dito ter também na Ala Verde. Uma cama aparentemente confortável, uma mesa onde repousava alguns copos vazios e um par de chinelos extras debaixo de uma cadeira de aço. Isso resumia o quarto privativo de Laura Nico na Ala Rosa.
— Eu preciso ir — anunciou Sean.
— Comprou para Elvira Heissler também?
E Sean tinha medo dela.
— Sim... — começou a andar para trás.
— Aonde vai Senhorzinho Queise?
— Me encontrar com Elvira…
— Não devia fazer isso Senhorzinho Queise — Laura continuava alisando pérola por pérola do colar.
Sean saiu e fechou a porta. La estava Elfriede suspirando, como se tivesse acabado de acordar. Ela então encaminhou as outras dez internas e saiu da Ala Rosa com elas. Sean então puxou do bolso o GPS e acionou-o, sorrindo como se só ele soubesse o que acontecia.
Elvira Heissler andava quieta, o sumiço de Sean Queise a havia afetado. Não se imaginava apaixonada por homem algum. Desde a escola, a universidade que homem algum se aproximava dela. Ela podia até contar nos dedos os homens com quem saiu com quem conseguiu trocar algumas carícias. Mas Sean Queise era diferente. Se não por sua beleza e intocável forma física, por sua inteligência com certeza. Ela arrumava a colcha florida na cama quando sentiu o cheiro dele. Não era o perfume ou o aroma que exalava dele, era o cheiro dele, da pele dele, de todo ele. Virou-se num rompante e Sean estava parado na porta do quarto dela.
— Não ouvi você chegar.
— Minha maneira de chegar aqui é das mais variadas.
— Entendo…
Sean percebeu que ela não sabia como agir com ele. Ficou achando muitas coisas.
— Eu precisei viajar.
— Isso eu percebi! — Elvira se virou e arrumou os dois travesseiros no lugar. Depois tirou um amassado da colcha e sentou-se, o olhando ainda na porta. Os olhos lhe caiaram sob suas mãos. — O que é isso?
— Algo que me lembra de você — sorriu carinhoso.
Ela levantou-se e se aproximou da caixa de veludo, abriu-a e arregalou os olhos, perdendo a fala.
— Você...
Ele sorriu e ela tirou o colar que usava já adivinhando o que ele faria. Ele colocou o colar de pérolas que brilhava na pele branca. Elvira correu à penteadeira e se observou. Depois se virou sorrindo e o beijou antes mesmo que ele dissesse algo.
— Eu preciso lhe dizer algo Doutora...
— Vai brigar comigo, Sean?
— Eu trouxe um colar igual à Laura.
Elvira arregalou os olhos. Se Sean realmente tivesse dito ter a traído não teria sido pior.
— Não posso aceitar — ia tirando.
— Não! Por favor...
— As internas não podem ter nada que as façam pensar que são iguais...
— Isso é ridículo! — Sean cortou a fala dela. — Vocês os tratam como cobaias nada mais.
— O quê?
— Cadê o motivo da premiação?
— Você está duvidando do Dr. Maxuell...
Mas Sean não a deixava falar uma frase inteira.
— Björn não tem um só único paciente com mal de Alzheimer.
— O que está dizendo...
— Estou dizendo que a única coisa que vejo aqui é um bando de doidos sendo manipulado geneticamente não sei por que — e Sean bateu a porta com força.
— Você anda se metendo demais, Sean — falou sozinha.
Sean estava nervoso demais descendo a escada aos tropeções. Não devia ter se alterado daquela maneira.
— Eu e a minha boca! — esbravejou no meio das alamedas. — Eu, minha boca e o maldito programa matemático que não funciona para nada... — Sean falseou o pé novamente na terra úmida. — Ahhh... — Sean foi ao chão para então se levantar e dar de encontro com figura deformada de Björn. — Ahhh!!!
— O assustei tanto assim? — foi à vez de ele perguntar com ironia adorando tê-lo assustado.
— Não! — secou a umidade da boca com as costas da mão. — Não me assustou.
— Achei que havia desistido.
Sean olhou em volta.
— Parece que não desisti — respondeu com a mesma ironia.
— Vejo que está... — fez uma careta. — com um tom estranho de pele?
— Precisava de compras.
— Ah! Compras! — o Dr. Björn se virou e recomeçou o seu caminho.
— Podemos continuar de onde paramos?! — gritou Sean.
Björn parou de andar já bem distante.
— Paramos o que?
— As visitas às alas? — Sean se aproximou.
Björn o odiou.
— Pensei apenas que fosse querer rever a Dra. Elvira primeiro.
— Elvira deve estar atrapalhada. Eu a reverei, depois — Sean estava simpático ao extremo e Björn sorriu lânguido. Os dois se puseram a caminhar juntos. — Vim de carroça — puxou assunto.
— Ah! Deve ser desconfortável.
— Um tanto.
— Ah!
As amenidades estavam acabando. Sean não gostava de Björn e Björn não gostava dele.
A Ala Azul era escura, algo na porta pintada de azulado chamou a atenção dele. Sean não soube ao certo o que naquele momento. Também o tamanho da Ala Azul era desigual à Ala Rosa. Era mais comprida, porém as camas eram melhores distribuídas. Talvez pelo fato de haverem apenas três internos, Henrique Castella, Antônio Basquez e o Louis Arcade Lamir.
Sean entrou temeroso, mas não sentiu o ambiente fúnebre dessa vez. Foi apresentado ao enfº. chefe Hans-Joachim. Ele não simpatizou com ele, sua altura descomunal de quase 2 metros e seu tamanho avantajado retido em torno da cintura o deixava parecendo um saco de boxe.
Ele estava ocupado com o Sr. Henrique e só olhou Sean pelo canto dos olhos. Com certeza Hans-Joachim não dava sinais de ter simpatizo com ele.
— Wow! — Sean exclamou para si mesmo ao ver pelo canto dos olhos, agora ele, o par de pés a se aproximar. O pijama cinza com listras brancas denunciou ser um interno. Sean foi se virando devagar e o sorriso banguela do interno o fez ter menos cuidado. — Você não morde? — perguntou Sean cínico.
— Oi...
Falou tão baixinho que Sean teve que se aproximar mais um pouco.
— Quê?
— Oi.
— Olá — voltou a se afastar; andava arisco.
Björn ficou observando os dois de longe. Suspirou desanimado.
— Lá vem mais — falou Björn atravessando a Ala Azul.
Sean viu o Dr. Björn balançando a cabeça, vindo em sua direção. Arregalou os olhos para o interno ao lado dele.
— Oi — repetiu o interno para Sean.
— Olá — respondeu Sean não entendendo.
— Oi.
Aquilo estava o deixando nervoso. Deu meia volta e se lançou para fora da Ala Azul. O ar pareceu voltar a entrar no seu pulmão. Sean começava a ter medo.
Resolveu voltar a trabalhar nos computadores e parar de tentar descobrir algo no passado dos internos já que nos relatórios da Poliu nada constava. Um bip, porém o lembrou do GPS. Sean o pegou no bolso da calça e franziu o sobrolho não entendendo os dados que lhe eram mostrados. Olhou para cima a procura de algo, olhou em volta sem entender ao certo o que procurava, e suspirou percebendo que não podia desistir, não agora.
“Droga!” parou de andar e voltou à Ala Azul.
A porta pintada de azul voltou a deixá-lo cabreiro. Algo não se encaixava de jeito nenhum.
— Droga! Droga! Droga! — exclamava ao entrar novamente e colocar seus temores de molho.
Viu que Björn estava conversando com o interno banguela que foi acomodado na sua cama, e que saiu dela ao ver que Sean havia voltado.
Sean girou aos olhos ao vê-lo ao lado dele, novamente.
— Oi.
— Olá! — respondeu Sean desanimado.
— Oi.
— Olá!
— Oi.
— Olá!
— Gosta dela, não? — falou o banguela.
Sean se virou para ele.
— Como?
— Não deveria.
Sean começou a sentir-se mal com tudo aquilo.
— Por que não deveria? — Sean voltou a procurar o Dr. Björn com os olhos.
— Porque ela está morta.
“Ambrósia” Sean sabia do que ele falava, porque não era de Sandy que ele falava.
Virou-se para frente tentando não ouvir o que o interno lhe falava.
— Você ainda se culpa? — prosseguiu o interno e Sean sentiu-se apertado, angustiado. — Por ter escorregado? — o interno prosseguia sem dó. — Claro que se culpa.
Sean viu o interno de chinelo e sem dentes sorrindo-lhe, e que agora sim falava de Sandy.
— Vá embora!
— Doce, angelical, ladra — o interno foi cruel.
— Mandei ir embora! — Sean se alterava, com o teto parecendo ficar mais baixo.
Sua vista se embaçou e Sean viu que o interno ao seu lado não usava mais o pijama cinza com listras brancas. Vestia um uniforme listrado e pequeno quepe do mesmo tecido. Havia um número na sua roupa - ‘666’. Sean sentiu o suor lhe escorrer pela fronte. Olhou em volta, viu Björn do outro lado da Ala Azul escrevendo alguma coisa na papeleta que carregava, outros dois internos ao fundo sentados assistindo uma TV desligada, e o enfº. chefe Hans-Joachim, na enfermaria, arrumando algo nas estantes. E o interno de uniforme listrado ao seu lado sorria, agora com dentes.
“A mente do homem passa a ser um véu muito transparente” voltou as ecoar Maxuell.
— Oi — o interno agora voltava a usar pijama cinza com listras brancas e nenhum dente na boca.
— Olá... — falou um Sean totalmente aturdido, sentindo sua paranormalidade fora de controle, indo e vindo pela história.
Gritos de crianças ecoavam por seu ouvido. Sean esticou-se todo. Já não tinha certeza se havia saído do corpo, percebendo que se dobrava cada vez que o interno falava com ele.
— Ela se matou porque você não acreditava nela — ele voltou a falar.
— Eu acreditava nela.
— E ela se matou?
E Sean se virou para o banguela aturdido.
— Herr Antônio? — outro enfermeiro, vindo de onde Sean não havia visto se aproximou eles. — Hora do almoço! — o enfermeiro sorriu para um Sean em choque, pegou o interno banguela ao lado dele pelo braço e o levou.
Depois recuou ao ver a maneira como Sean se encolhia.
— Herr Queise está bem?
— Preciso sair daqui... — disse Sean com a voz sufocada.
Chocou-se com Elvira ao se projetar porta fora.
— Sean?! — gritou Elvira em vão. — Espere!
Mas Sean Queise estava fugindo dali. Corredores compridos e ele se sentiu perdido. Seus pés iam sem direção e ele parou e retornou. Depois virou para trás e encarou o resto do corredor sem saber ao certo o que fazia, aonde ir. Entrou noutro corredor e noutro, e noutro. Não sabia se estava perdido ou havia saído do corpo.
“Mona?”, chamou-a em pensamento sem obter resposta.
Aleatório, esbarrou nas paredes, se vendo em frente de uma placa envelhecida. Ala Verde estava escrito. Uma grande porta escura com uma cruz pintada num corredor que não dava a lugar algum, e tudo giraram, toda sua vida passou-lhe em flashes; Sandy Monroe, o vestido de chiffon branco, a festa de noivado, a Poliu, a briga. A corrida dela escadas acima. Sean tentando alcançá-la, escorregando, ela se trancando no quarto, ele tentando derrubar-lhe a porta, ela armando o gatilho, atirando.
— Não!!! — Sean ouviu o tiro em suas memórias.
“Ecos do passado”, falava Maxuell num passado também distante.
Ajoelhou-se chorando muito, olhando a cruz pintada de malta na porta envelhecida. Levantou-se e correu de volta ao corredor principal, à Ala Rosa, esbarrando nas internas, que se agitaram com a aproximação.
— Não!!! Não!!! Não!!! — Sean agora gritava sem controle.
Aos gritos, assustadas também com o impacto de vê-lo, lançaram seus corpos para cima dele. O chão foi o porto. Em pânico, Sean foi tocado, lambido, arranhado, e sem mais se conter, chorou outra vez.
— Calma!!! Calma!!! — gritavam os enfermeiros, as enfermeiras correndo para acudi-lo.
Sean empurrava todos e por todas era empurrado. Desesperava-se naquele ambiente que se fechava sobre ele, não conseguindo mais controlar seus dons.
— Acalme-se, Herr Queise!!!— gritava o enfº. menor Sygfrid Sylvestor.
Mas com o coração cada vez mais apertado, Sean se levantou e correu sem parar, sem saber para onde ia. Sua vista era um borrão só, escurecido pela emoção.
Tentou olhar para trás e tudo em câmera lenta, se passava ali; mulheres e crianças que corriam com ele, mulheres e crianças desidratadas e subnutridas que fugiam de um borrão azulado, que se corria atrás delas, de Sean Queise, as pegando, comendo, com sangue espirrando nas colunas, no piso, em Sean Queise que corria em meio aos gritos de mulheres e crianças que fugiam de alguma coisa azulada até se chocar com a bela e exótica Indridi.
— Tutto bene Signor Sean Queise?
E Sean foi ao chão desacordado.
12
Castelo Stoff.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
13 de dezembro; 09h00min.
— Ele está mais calmo? — perguntou Dr. Hanz ao adentrar a sala do sobrado e encontrar Elvira catalogando uma nova remessa de medicamentos perfeitamente alinhada numa mesa lateral.
— Um pouco — respondeu Dra. Elvira.
— Acha mesmo uma boa ideia o deixar continuar a frequentar as alas do sanatório do Castelo Stoff, depois de tudo o que lhe vem acontecendo?
— Ele não está nas alas, está no meu quarto.
— Ainda sim, ele está dentro do sanatório. Acho que ele devia ir voltar a dormir na cidade e esfriar a cabeça por alguns dias.
— Sua cabeça está ótima. Danke! — continuou convicta do que dizia enquanto arrumava as coisas.
— Mas a sobrinha de Björn está aqui. Podíamos aproveitar seu estudo sobre…
— Ela é mosca morta!
— Mas Herr Queise precisa…
— Já disse que a cabeça dele está ótima.
— Está sendo egoísta, Elvira — falou Hanz afetado.
— E você está se metendo onde não foi chamado — retrucou friamente.
— Só estou querendo ajudar Herr Queise com o trabalho de Indridi...
— Ajude-se primeiro. Não sinto a força de Maxuell em Björn. Ele está pondo tudo a perder e eles não vão gostar de saber disso.
— Eles não podem influenciar nosso trabalho. Temos um trato com as Plêiades.
— Nós temos um trato com as Plêiades. E eles? Tem um trato conosco? — Elvira o encarou.
— O que está insinuando, Elvira?
— Não estou insinuando nada. Só temo perder o controle como meu avô um dia perdeu.
O Dr. Hanz abaixou a cabeça e começou a sair extremamente preocupado. Mas Elvira emendou algo que o deixou, sim, temeroso.
— Sean não é qualquer pessoa, apenas se sentiu mal com as internas.
— E por ‘Sean’ não ser qualquer pessoa, devíamos mantê-lo o mais longe daqui que pudermos — ele viu que Elvira não gostou do que ouviu. — Ah! E por favor, esqueçam que eu me pronunciei — o Dr. Hanz bateu a porta da sala do sobrado e se foi de vez.
Sobrado, Castelo Stoff.
13 de dezembro; 10h00min.
Sean ainda estava deitado na cama de Elvira, no sobrado, que nem tivera tempo de tirar a colcha florida. Deitava-se sobre ela olhando o teto meio perdido.
“Quem é ele?” “Como sabia sobre Ambrósia e Sandy?”, se perguntava, sem entender o que acontecia ali, quem eram as mulheres e crianças sendo caçadas pela coisa azulada.
“Ela veio à tona…” soou o jovem Maxuell Reingner.
Seu olhar distante não viu Elvira entrar, e antes que pudesse evitar Elvira o beijou. Sean levantou rápido da cama, deixando a Doutora cair nela.
— O que deu em você?
— O que deu em mim?
— Correndo daquele jeito ontem, se jogando sobre todas as internas, chorando...
Sean respirou profundamente.
— Preciso ir embora, Elvira.
— Por que eu te beijei?
— Preciso ir embora! — reafirmou sem delongas.
— Não te faço feliz?
— Não tem nada haver com felicidade.
— Então o que?
— Não sei... Tenho que fazer... Desenvolver isso em mim.
— “Desenvolver isso” o que?
Sean olhou em torno confuso.
— Eu apenas preciso terminar isso aqui o mais rápido possível e voltar ao Brasil — Sean recuou no que Elvira levantou-se e tentou mais uma vez dissuadi-lo com um beijo. — Por favor! Não insista!
Elvira ficou imóvel e fria a observá-lo. Sean saiu sem olhar para trás. Agora tinha certeza que foi um erro seu envolvimento com a Dra. Elvira. Aceitou a carona de Pretijin, voltando de carroça para Wirgüs, pensativo a viagem toda. Contudo Sean se virou de repente para o jardineiro Pretijin o assustando.
— Herr?
— Eu não tive oportunidade de lhe agradecer, Pretijin.
— Agradecer?
— Por ter salvado a minha vida na noite em que fui atacado.
— Não estou entendendo, Herr… — se virou assustado.
— Não vou denunciá-lo, não se preocupe. Só quero agradecer por ter estado ali naquele momento.
— Ah! Entendo! Eu o encontrei caído... E as Senhoras internas pediram ajuda...
— A quem está tentando enganar, Pretijin? Nós dois sabemos muito bem que não caí na porta da Ala Rosa.
— Não? — tremia.
— Você que me arrastou para a Ala Rosa, não foi?
— Não sei...
— Eu vi a porta da Ala Verde. Seja lá o que era aquela coisa pegajosa azul que me arrastou das alamedas, me levou até a Ala Verde naquela noite — e nem o deixou mentir mais. — Tem uma cruz pintada na porta.
— Ôôôhhh! — Pretijin parou os cavalos e encarou Sean. — Não podia deixar as Senhoras serem punidas por estarem nas imediações da Ala Verde. Também não podia deixá-lo lá sangrando.
— Por que as Senhoras não podiam ir à Ala Verde?
— Por causa dela.
— De Laura? Era ela que estava na Ala Verde quando fui atacado, não?
— Sim.
— Por que todos a temem?
— Não sei. E Herr também não devia ficar sabendo. Ôôôhhh! — Pretijin fez com que os cavalos voltassem a cavalgar.
“Droga!”, Sean sentiu o ácido jorrar na boca de seu estômago.
Retirou o GPS do bolso da calça e ficou olhando-o. Se Pretijin entendeu o que o aparelho significava nada perguntou. Sean voltou a olhar o céu, parecia compenetrado, fazendo contas. Suspirou outra vez sem entender os dados transmitidos.
Pretijin cortou caminho pela mata fechada que rodeava o Castelo Stoff.
— Estava escuro… — Pretijin voltou a falar novamente. —, eu achei que estava morto.
— Havia sangue?
— Cheguei logo após ouvir os tiros.
— Ah! Alguém ouviu os tiros pelo menos.
— Não vou falar para ninguém o que estou lhe dizendo.
— Por quê? — encarou-o.
— Temo por mim e por minha filha — Pretijin voltou a chicotear os cavalos para irem mais rápidos. — Juro! Não sabia que ficaria desacordado por tanto tempo.
— Por que aquela coisa pegajosa azul queria que eu fosse deixado na Ala Verde? Eu era um presente a Laura? — Sean desconfiava que ele soubesse até muito mais, mas Pretijin não respondeu aquilo. Nem se entendeu o que significava ‘coisa pegajosa azul’. — Há quanto tempo vem roubando medicamentos das alas, Pretijin?
O homem tossiu pelo impacto.
— Herr sabe? — pigarreou outra vez. — Foi à primeira vez — respondeu cabisbaixo.
— Ah! Não me faça rir, Pretijin. Doem todos os meus ferimentos. Porque foi você que fazia os pedidos em Triesen para o sanatório do Castelo Stoff na época em que o Dr. Maxuell estava vivo, e foi você quem pediu o tal carregamento, do qual o Dr. Björn foi incriminado anos atrás, não foi?
— Como... Como Herr soube disso? — perguntou o velho, apavorado, espremendo o rosto, acentuando mais ainda as rugas que lhe teimavam formar na testa.
— Não cheguei até aqui por acaso, Pretijin — Sean viu o velho virar para frente empalidecido. — Deveria, mas não vou denunciá-lo, porque imagino que seja um pobre coitado, tentando arranjar uns trocos a mais para sua filha sair daquela vida — e Sean não esperava ver Pretijin chorar como homem nenhum até então chorara na presença dele. Sean sentiu-se mal de repente. — Tem algum medicamento que faça mal a saúde de alguém?
— Não!!! — gritou. — São apenas alguns sais e nada mais!
— Então eu vou esquecer a nossa conversa — desceu dolorido da viagem na frente a pensão. —, se me fizer um favor... — Sean sentiu Pretijin suar frio. — Pegue essa chave. Tem um Audi na garagem de Triesen — entregou-lhe uma chave. — Quero que vá agora até lá e pegue tudo o que encontrar no porta-malas e leve para sua casa. Não abra nem venda nada. Quero o material intacto às três horas da manhã.
— ‘Essa’ três da manhã?
— Sim. De madrugada eu lhe visitarei.
— Sabe onde moro?
— Alguém em Wirgüs não sabe?
Pretijin suspirou incomodado. Pegou a chave e iria cumprir o combinado. Sean torcia por aquilo.
— Droga! — falou Sean sozinho.
— O Senhor falou comigo? — perguntou Frau Ludmila, prostrada à porta da pensão, ao lado de Sean que levou um susto.
— Frau Ludmila? Meu Deus, nem percebi que já havia chegado — sorriu. — Obrigado, Pretijin! — agradeceu Sean de longe, disfarçando para a Frau Ludmila Camile.
— Oh! — A mulher deu um grito, de repente ao ver Sean com um pequeno hematoma, na testa. — Herr sempre se machuca?
— Sim — riu.
— Ouvi falar que o Senhor estava em coma.
— Não... — e sorriu, acalmando-a. — O que realmente ouviu falar?
— Que o forasteiro havia sofrido outro ataque e que havia tido mortes…
— Quando foi isso?
— Ontem.
Sean arregalou os olhos azuis.
— Ah! As notícias correm muito rápidas e correm erradas. Não aconteceu nada comigo.
— As pessoas temem que tenha vindo destruir a imagem do sanatório do Castelo Stoff — falou de repente, com voz velada.
Sean paralisou a beira da escada.
— Eu sei Frau Ludmila. Percebi desde o dia em que aqui cheguei. Mas não sou ameaça para ninguém. Não é comigo que eles têm que prestar alguma conta.
Ludmila corou e Sean teve a sensação que ela entendera o recado tenha sido ele qual fosse.
— Eu posso levar um lanche ao seu quarto, Herr Queise?
— Nada me faria mais feliz — respondeu com carinho.
Subiu os degraus que levavam ao primeiro andar. Tudo que queria agora era um bom e longo banho, mesmo que tivesse que pagar pelas horas extras de água corrida. Foi direto ao banheiro pegando uma toalha em cima da mesa do corredor. A fumaça do banho invadiu o cristal do espelho. Sean saiu do chuveiro e a sua imagem ficava tão distorcida quanto as que viam nas Alas Rosa e Azul. Limpou o espelho pelo pavor que lhe tomou e sentiu a textura da umidade ao tocá-lo. Via apenas metade de seu rosto, como via metade de sua vida naquele ambiente.
Não compreendia qual o medo que liberava ao entrar lá ou do que fugia realmente.
“Você se culpa?”, pensava sem parar.
A água rolava pelo ralo do chuveiro, Sean voltou ao banho deixando a água quente o banhar, deixando sua visão se embaçar novamente. Laura o perturbava, perturbava a todos.
— Até Elvira temia ter um colar igual ao dela — falou sozinho.
13
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
14 de dezembro; 03h00min.
Por falta de escuridão aquela madrugada não sofria. Sean nunca havia visto breu tão intenso. A casa de Pretijin e da filha Amélie estava pouco iluminada no final da ruela. Ele havia atravessado ruas e mais ruas estreitas com casas de pedras dependuradas no morro. E as ruelas pareciam fazê-lo retornar à época dos grandes castelos e de uma vida feudal.
Sean havia deixado dar três horas para tocar a campainha. Herr Pretijin teve um sobressalto. Abriu a porta sonado vendo Sean todo vestido de preto.
— Minhas coisas?
Pretijin abriu a porta em toda sua extensão e apontou para o pequeno sofá furado no canto da minúscula sala. Os apetrechos de Sean quase o ocuparam totalmente. Sean rasgou os pacotes e numa mochila de trilha acomodou uma parafernália de coisas. Amarrou dois sacos de dormir e outra vez amarrou tudo à barraca inflável. Na cabeça colocou um gorro preto e algo que o Herr Pretijin tentou traduzir como um binóculo. Uma lanterna num bolso lateral da calça preta e o seu notebook no bolso da frente da mochila finalizaram o que carregava às costas. Depois abaixou o gorro escondendo o rosto todo. Pretijin até achou que ele fosse esquiar para depois recordar-se que a neve derretia rápido.
— Herr...
— O Senhor não me viu.
— Não vi.
Antes de sair perguntou:
— Sua filha?
— Na rua.
— Menos mal — se Sean foi.
Sean abaixou o binóculo de visão noturna e com o GPS na mão partiu ruelas acima. Andou muito pelas marginais da estrada, a densa mata fechada que rodeava o Castelo Stoff estava assustadoramente silenciosa.
Penetrou mata adentro até que se acomodou num banco de terra à beira de um lago e desmontou a mochila, armando a barraca de dois quartos e esticando os dois sacos de dormir; um em cada quarto. Armou uma mesa desmontável e ligou seu notebook com toda carga de bateria carregada.
— Senhor?
Sean levou um susto.
— Deus! Gyrimias! Podia ao menos fazer barulho ao chegar?
— O Senhor chegou, mas estava tão escuro...
— Entre Gyrimias! Aí fora começa a congelar.
Sean tirou o gorro.
— Como está Senhor? — Gyrimias o viu com o curativo na testa.
— Estou bem, Gyrimias. Agora não temos tempo para isso.
— Parcelando minha opinião, eu estranhei o recado dos hackers.
— E eu imaginei que você não viria.
— Não o deixaria com problemas, Senhor. Cheguei ontem de tarde.
— Foi você que me procurou na pensão?
— Sim, mas não me identifiquei como pedido.
— Desculpe-me ser dessa maneira, mas não podia deixar a Poliu nem a Polícia Mundial saber que estava me comunicando com você.
— Os hackers, Senhor?
— Não se preocupe. A vontade deles em desafiar Trevellis é tão grande que eles não vão tentar descobrir enfim quem é SQ.
— Por isso não me mandou nenhuma mensagem pela Senhorita Kelly? — Gyrimias percebeu que Sean sentiu-se mal de repente, e nada mais comentou. — Os hackers lhe mandaram um recado, que de todos foi o que eu menos compreendi, Senhor.
— O que os hackers falaram Gyrimias?
— Que ela está viva, Senhor.
Sean arregalou os olhos azuis sentindo todo seu corpo pesar no piso da barraca.
— Não pode ser... — Sean coçou a cabeça nervoso. — Não... Não pode ser Gyrimias — repetiu.
— O que não pode ser Senhor?
— Isso! Estava nos mainframes da Computer Co. esses anos todos. Estava e meu pai tentou apagar...
— Senhor Fernando? Parcelado meu susto, apagar o que Senhor?
— Cada vez me convenço mais que meu pai esteve envolvido com a Poliu durante esses anos todos... Coisas como Sociedades Secretas e homens ricos e poderosos envolvidos...
Gyrimias entendeu menos ainda.
— Os hackers gravaram todos os arquivos como fotos — Gyrimias entregou um SD Card contendo fotos para ele e Sean só o olhou. — E pensar que começamos com floppy-disk de 5”¼, não Senhor? — Gyrimias não percebeu o silêncio e se pôs a falar. — Os disquetes foram os primeiro transmissores de vírus de computador. Lembra? Não... Claro... Mas no fim dos anos 80, o Vírus Ping-Pong, Vírus Stoned, Vírus Jerusalem e Vírus Sexta-Feira 13 eram disseminados através do disquete quando inseridos na máquina... Senhor? — Gyrimias enfim percebeu que Sean sentia-se tão tonto que a barraca ficou pequena. Ele então abriu uma garrafa que trouxe contendo chá. — Tome Senhor! É camomila. Vai lhe fazer bem.
Mas Sean suspirou e entregou o notebook a Gyrimias Leferi que o observou com mais afinco.
— Quero te mostrar algo Gyrimias. Veja esse programa...
Gyrimias franziu o sobrolho, arregalou os olhos, e franziu-os novamente. Olhou para Sean, voltou a olhar o programa matemático que a Poliu dera a Sean, e arregalou os olhos o mais que pôde.
— O que é isso, Senhor?
— Diga-me você.
— Isso são fórmulas. Intrincadas fórmulas de matemática e química.
— Foi o que pensei — virou o notebook para ele. — Matemática, química, biologia, física, mecânica, astronomia e sabe lá mais o quê...
— Parcelando minhas duvidas, para que servem Senhor?
— Ainda não sei Gyrimias, mas precisava trazê-lo até Wirgüs para lhe mostrar isso. Preciso que trabalhe nesse programa. Que consiga traduzi-lo para mim.
— Como? Parecem...
— Parecem, não, Gyrimias, são programas matematicistas; avançados para nós, humanos.
Gyrimias sentiu seu mundo seguro ruir.
— Matematicismo, doutrina segundo a qual tudo que acontece no mundo pode ser entendido por meio da matemática e obedece a leis matemáticas.
— Ratio pro libertas, algo que Pitágoras nem sonhava existir. Ou sonhava, sei lá... Os hackers vão lhe ajudar, Gyrimias. Devem existir mais programas desses com a Poliu.
— Nos mainframes da Computer Co., Senhor? Vai deixar os hackers invadirem seus mainframes?
— Preciso Gyrimias. Não posso fazê-lo publicamente. Sinto muito. Nem posso incluir você ou Kelly nisso ou vocês estariam correndo perigo de vida.
— “Perigo de vida”? Vejo que está machucado, Senhor — Gyrimias outra vez percebeu que Sean sentiu-se mal. — Esses tipos de hieróglifos no programa, o que são? — Gyrimias não insistiu e voltou a olhar o notebook.
— É escrita suméria, Gyrimias. O que você está vendo é um programa matemático sumério.
— Quer dizer os sumérios? Da mesopotâmia? Primeira civilização da Terra em 4000 a.C.?
— Esses mesmos.
— Mas como...
— É a grande teoria dos ‘Deuses astronautas’, Gyrimias. Uma crença de que criaturas inteligentes vindas de outros sois visitaram a Terra, e que tal contato estaria relacionado com a origem ou o desenvolvimento da cultura humana.
— Fala do livro Eram os deuses Astronautas? de Erich von Däniken, não?
— Também. Segundo Zecharia Sitchin, historiador, ex-consultor da NASA que nasceu na Rússia e morou na Palestina, e que é autoridade em cuneiforme, os Sumérios, na mesopotâmia foram visitados por alienígenas ao longo de sua história; eles próprios e nós somos híbridos desse encontro.
Foi a vez de Gyrimias suspirar.
— Nós? Híbridos, Senhor?
— Zecharia teorizava que os deuses eram de fato astronautas do planeta Nibiru, que os sumérios acreditavam ser um distante ‘décimo segundo’ planeta já que contava, a nossa Lua e o Sol. Em seu livro Crônicas da Terra, ele trás a luz da humanidade, uma nova versão para os acontecimentos do Velho Testamento, tese plausível de ser aceita, onde ele prova que os deuses da antiguidade vieram de Nibiru/Marduk, outro planeta do Sistema Solar, que tem uma órbita de 3600 anos, passando junto ao cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter. Segundo Zecharia Sitchin, os Nefilin, como são chamados no Velho Testamento vieram à Terra há 450.000 anos, e usaram seu conhecimento científico para acelerar o desenvolvimento da humanidade. Em seus laboratórios, cruzaram nosso ancestral primitivo, o Homo Erectus com eles, gerando aquele que os Sumérios conheceram como Adapa, Adão, ou terráqueo.
— A tese tem fundamento?
— Se considerarmos que do Australopitecos até o Homo erectos, um meio macaco, foram mais de quatro milhões de anos, entre ficar de pé e caçar com paus e pedras, para de repente surgir há 300.000 o Homo Sapiens, que foi levado para o Éden para cultivar... Pode ser a resposta ao nosso “Elo perdido” de Darwin.
— Estamos aqui por causa dos Sumérios então?
— Não, Gyrimias. Estamos aqui porque Hitler teve esse conhecimento através da Sociedade VRIL, e não foi segredo no pós-guerra saber que o Führer queria uma raça ariana, pura, talvez não tão pura, mas com mais sangue alienígena de alto grau de sabedoria que de humanos sujeitos a defeitos de fábrica.
— Ah! A história de Mengele querer recriar um Führer através de clonagem que comprovadamente estava fora de seu alcance — Sean nada falou e o franzino Gyrimias suou. — Estava, não, Senhor? Fora do alcance?
— Se a clonagem for uma técnica alienígena repassada pelas Plêiades a nós...
— Parcelado tudo que penso... — Gyrimias se viu em choque. — Não tem medo de pensar o porquê de Mr. Trevellis nos deixar saber tudo isso, Senhor?
Sean ponderou.
— Não sei. Acredito que o programa que Trevellis possuía, ele me deu para me provocar, para me fazer descobrir o que ele significava e quem o criou. Porque a própria Poliu não conseguiu, e porque também, não foram os sumérios, Gyrimias, que escreveram esse programa de computador. Foram os crocodilos humanoides que raptaram você e Kelly.
— Cruzes! — Gyrimias olhou-o apavorado mais do que antes. — E o que esses crocodilos humanoides querem?
— As armas do Mahabharata, em troca de nosso DNA.
— Parcelado todo meu medo, quem está propondo essa troca?
— Michel.
— Achei que havia dito que ele envelhecera e sumira.
— Sumira Gyrimias, não morrera. E se ele fugiu para Terra Oca como antes fizera, então ele conseguiu como um jansenista, se curar e voltar mais jovem do que era até — e Sean apontou para tela do notebook. — Porque uma avançada civilização alienígena das Plêiades ensinaram isso aos Sumérios, a tratar cristais como armas.
— O aglomerado estelar aberto das Plêiades é o aglomerado de estrelas mais brilhante em todo o céu. Aproximadamente 500 estrelas pertencem ao aglomerado estelar aberto das Plêiades e a maioria delas é fraca — Gyrimias olhou Sean. — Trouxe um celular, Senhor? Posso mostrar através de Spartacus alguma coisa.
— Spartacus não funciona aqui. E não acredito que seja por causa da Poliu.
— O que acha então Senhor?
— Que alguma força maior o está brecando, como nos brecava na Serra do Roncador.
— Estamos na Terra invertida? — Gyrimias arregalou os olhos.
— Estamos Gyrimias, dentro da Terra Oca.
— Cruzes! O Senhor sabia quando veio para cá?
— Desconfiava.
— Parcelado… E por que Senhor? Por que se arriscar sabendo que Spartacus não pode ser atingido porque… — olhou para fora da barraca. —, porque estamos em alguma entrada da Terra Oca?
— Não sei Gyrimias.
— Mas na Serra do Roncador disse que seus poderes estavam adormecidos, por causa da influencia de alguma força telúrica.
— São dons, Gyrimias, não poderes. Mas também lá consegui alguma coisa.
— Então seus dons não estão adormecidos?
E Sean olhou a mão quem cristalizava, mas que estava normal.
— E acredita em mim?
E Gyrimias pareceu não saber responder momentaneamente.
— Não entendi a pergunta Senhor.
— Por que acredita em tudo o que falo Gyrimias?
— Porque… Porque precisou dos hackers para invadir o satélite de observação, e Spartacus enxergue as Plêiades como devem. E se comunique com elas.
E Sean deu uma gargalhada.
— Sabe que só criei monstros não Gyrimias?
Gyrimias também achou graça apesar do frio, apesar do medo, e voltou a olhar a tela do notebook.
— O que são essas repetições booleanas aqui — apontou na tela.
— Isso não é um erro inserido Gyrimias, essa imagem é uma nebulosa de reflexão.
— Nebulosa de reflexão? — olhou mais de perto. — Nuvens de poeira que refletem a luz de uma ou mais estrelas vizinhas.
— São mais de 500 nebulosas de reflexão, e a mais famosa delas é a nebulosa de reflexão que rodeia as estrelas das Plêiades.
— Está dizendo que toda essa poeira aqui pode ser uma nave mãe escondida, Senhor?
— Não sei responder, Gyrimias.
— Isso explicaria em parte os espelhos refletivos do satélite de observação Spartacus estar fora de foco. O aglomerado aberto das Plêiades se espalha por um campo de dois graus no céu, isto significa quatro vezes o diâmetro da Lua — e parou para pensar. — Então se os alienígenas das Plêiades criaram o programa para os sumérios é porque já estiveram aqui?
— Não, Gyrimias. Não estiveram aqui. Ainda estão. Entre nós. Misturados. Literalmente.
Gyrimias pareceu pensar para depois surtar.
— Ah! Os Rh negativo que estudava? Parcelando minha opinião, estamos falando de híbridos, não é Senhor?
— Sim. Gyrimias. Por isso lhe trouxe aqui. Adoro como pega as coisas no ar — riu e um movimento na selva alertou Sean, que cristalizou sua mão apavorando Gyrimias. — Você não viu isso.
— Não vi não Senhor — apavorado com o que viu.
Sean ergueu-se esquecendo de ser uma barraca de camping. Bateu com a cabeça e retornou.
Gyrimias Leferi arregalou os olhos.
— O que houve Senhor?
— Achei ter ouvido...
E algo se arrastou em volta da barraca.
— Senhor...
Sean correu a tampar-lhe a boca e desligou o notebook acionando o binóculo infravermelho, deixando Gyrimias no escuro.
— Fique aqui… — sussurrou ao pé do ouvido dele.
Gyrimias amedrontou-se ao sentir que uma faca havia lhe sido dada nas mãos. Sean abriu o velcro da barraca e odiou-se por ter feito barulho no momento que algo como uma garra arrancou toda lateral da barraca.
— Ahhh!!! — Gyrimias gritou.
— Quieto... — sussurrou Sean novamente.
O coração de Gyrimias e o odor de medo que exalava eram impossíveis de deter. Sean, temeroso com a segurança de Gyrimias saiu da barraca para a mata densa, tentando chamar a atenção do que fosse para longe do cientista. Tentava visualizar qualquer contorno que fosse, mas nada via.
— Arghhh?!
Um grito gutural espalhou-se pela mata fechada que rodeava o castelo e Sean sobressaltou. Outro movimento se fez às suas costas e sumiu mata adentro. Sean correu atrás a adentrando. Corria sem rumo ao ver rastros de um líquido azulado fosforescente sendo deixado para trás. Ainda a esmo, virou a direita e depois à esquerda e depois novamente a direita até que estancou.
— Deus! — exclamou olhando em volta; estava perdido. Sean ainda tentou ver o líquido, mas ele havia sumido, parado de deixar rastros. Um perfume inusitado de café tomou conta do redor. Ficou claro que havia uma moradia ali perto. — Akhilesh! — exclamou Sean desesperado do porque pensar aquilo.
Se Akhilesh significava Vincenzo Bertti então estava encrencado.
Sean tentou voltar para a barraca, mas percebeu que estava perdido quando um tiro não muito longe dali o alertou.
“Gyrimias?”, correu em direção ao som, às luzes vindas de holofotes que quase o cegaram com o binóculo de infravermelho.
— Ahhh!!! — gritou de dor, o arrancando.
— Parado!!! — alguém gritou e Sean tentou dar um passo, mas um tiro passou-lhe de raspão. — Parado!!! Polícia!!! — alguém voltou a gritar.
“Delegado Austácio?”, Sean reconheceu a voz.
Mas um corpo pesado e grande saltou sobre Sean que foi ao chão úmido. Suas mãos foram atadas atrás de suas costas por um par de algemas apertada.
— Não há necessidade de... — Sean tentou falar, mas uma coronhada terminou sua noitada.
14
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
15 de dezembro; 08h00min.
A cadeia estava vazia, Sean acordou ainda atordoado com a coronhada vendo que sua mão não cristalizou. Não entendia mais nada.
Ele sentiu o cheiro de café sendo coado. O mesmo aroma que sentira na mata fechada que rodeava o Castelo Stoff, que tinha um lago, que tinha um bruxo de nome Akhilesh.
— Achou que ele vinha livrá-lo?
Sean ouviu falarem e levantou-se da cama dura. Todos os seus ossos reclamaram da acomodação. Ele tentou se situar e estava na cadeia da delegacia de Wirgüs.
— Ele quem? — perguntou atordoado para o nada.
Sean viu que o delegado Austácio não respondeu, continuava a coar o café enquanto procurava xícaras; duas.
— Soube que gosta de xicronas — falou Austácio do lado de fora das grades.
— Por que Oscar lhe mandou à mata fechada que rodeava o castelo delegado?
— Ele se preocupa com você. Herr Queise deve ser uma figura muito importante para a Polícia Mundial.
Sean não quis falar sobre aquilo.
Olhou em volta.
— Onde estão minhas coisas?
— Seu funcionário, Herr Leferi, fez um pacote grande.
— Isso incluiu a barraca?
— Sim.
Sean sorriu satisfeito. Se Oscar visse o estado da barraca, molhada de um líquido azulado fosforescente ia entender o que acontecia, talvez analisar o que era; esperava.
Depois o olhou com interesse, estava mais gordo e com a pele mais azulada.
— Cianose!
Austácio o encarou.
— Como?
— Sua pele. O termo é derivado do grego kuaneos, que significa obscuridade.
Austácio não gostou daquilo e voltou para as xicaras de café.
— Quer algum tipo de açúcar?
— Quero me explique como sobreviveu àquelas injeções de líquido azul.
E Austácio se virou com todo seu peso e azulão.
— Deveria estar entendendo o que fala Herr Queise?
— Não, já que o todo ser humano tem uma proteína de sangue chamada hemoglobina, que leva oxigênio às artérias e diferentes órgãos. E quando a hemoglobina é oxigenada, sua cor é vermelho brilhante, quando a hemoglobina tem redução de oxigênio, ela tem uma cor escura, azulada ou roxo, que obscurece de azul a pele e mucosas.
E Austácio chegou muito perto da grade que os separavam.
— Devia ter ficado no Brasil Herr Queise.
— E perder a chance de conhecer alienígenas tentando se transformar em humanos?
E Austácio caiu sentado no que andou de ré até uma cadeira quando toda a forma exótica de mulher entrou na delegacia. Sean viu a Dra. Indridi Rahn e o seu Zio Dr. Björn Rahn, adentrarem.
— Viemos soltar Herr Queise! — Indridi mal deixou o delegado Austácio fazer algo e voltou a falar. — Quero Herr Sean Queise livre — voltou ela a bradar.
— Não posso Doutora...
— O terreno da mata fechada que rodeia o castelo nos pertence, pertence ao sanatório do Castelo Stoff. Não fizemos queixa alguma sobre invasão, delegado.
Mas Sean calmamente tomava café perante eles. Eles se olharam e Austácio quis falar algo, mas não pôde. Sean sorriu pelo canto do olho e Austácio abriu a cela sem entender tal olhar. Sean saiu atrás de Indridi que parecia estar determinada a não falar com ele, já alcançando uma das camionetes do lado de fora da delegacia.
— Senhorita...
Ela estancou quase fazendo Björn e Sean cair sobre ela.
— Não quero falar sobre esse ou outro assunto se quer — Indridi virou-se para Sean. — Vamos voltar ao sanatório do Castelo Stoff — falou agora mais próxima dele. —, tem um trabalho a terminar antes de voltar ao Brasil — e se virou.
Sean arregalou os olhos azuis. Se não pela frieza dilacerante dela, o fato dela achar que mandava nele.
Até Björn se encolheu perante a ira que a sobrinha exalava.
— E tudo isso, suponho, Doutora, porque eu quis acampar no lago dos arredores? — falou ele de longe.
Indridi estancou novamente quase dentro da camionete. Voltou com tanta rapidez que quase passa por cima dele.
— E tudo isso, suponho, Herr Sean Queise, que é porque você tem um trabalho importante a fazer para nós, e a Computer Co., suponho, não costuma arcar com seus compromissos.
Sean ergueu o sobrolho e odiou-a naquele momento. Odiou-a porque ela tinha razão. Ele havia assumido um compromisso, mesmo não sabendo qual era. Recolheu-se a sua insignificância, cerrou os olhos, abriu-os e partiu na segunda camionete dirigida por um dos faxineiros.
Indridi junto com o zio Björn partiram na frente.
Eles também não trocaram uma só palavra e chegaram todos ao sanatório do Castelo Stoff, com Sean sendo avisado que o quarto do Dr. Hanz, no sobrado, estava livre, e que suas roupas e os ‘oito’ pares de sapatos de crocodilo já estavam guardados no armário.
Sean sentiu um frio percorrer-lhe o corpo.
Agora sim, sentiu-se encrencado.
Castelo Stoff.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
15 de dezembro; 17h55min.
— Pensando no Senhorzinho Queise, Elvira Heissler? — perguntou uma voz feminina, porém aterradora, atravessando o silêncio do lago da mata fechada que rodeava o castelo, naquela manhã quente.
— Não!
Mas sim, Elvira havia deixado Björn no sanatório do Castelo Stoff e retornado a mata fechada que rodeava o castelo. Queria saber se Sean havia feito algo ou deixado na mata fechada que rodeava o castelo, algo que o incriminasse, ou que justificasse a ida dele ali, já que foi relegada a segundo plano pela sobrinha dele, Indridi, na soltura dele.
Estava enciumada e revoltada com a perda de seu poder ali dentro.
— A mulher é sempre tão transparente para outra mulher — voltou Laura a falar, ao lado dela. — E tão inevitável.
— “Inevitável”? — questionou Elvira puxando a saia para esconder as pernas.
Mas Laura percebeu.
— Coloca-se um belo par de pernas numa mulher solitária e o que acontece? O inevitável!
— Não sei do que está falando Laura.
— Não devia ter se envolvido.
— E você não deveria ter saído dos arredores do sanatório do Castelo Stoff. O Dr. Björn está começando a ficar nervoso com você rondando as alas.
— Ele o quê? — Laura riu de uma forma mais aterradora que sua voz.
— Por favor, Laura. Não pode se expor dessa maneira.
— Estava pensando nele! — Laura nem se deu ao trabalho de rebater.
— Está tão visível assim? — respondeu Elvira, com uma pergunta, impondo-se a ela, e um bofetão a levou a relva úmida. — Ahhh!!!
— Quero você longe do Senhorzinho Queise!
— Não vai mandar em mim!
— Mando em você!
— Eu o quero para mim! — Elvira ergueu-se furiosa.
— Acho que quem vai decidir é o Senhorzinho Queise!
— Você fez isso com Klaus Brienn e ele não teve opção! — e outro bofetão a levou ao chão. — Ahhh!!!
— Klaus Brienn é assunto terminado com a morte de Wolfgang Heissler. Não quero ouvir mais o nome deles.
— Sean é meu, Laura.
— Não se eu puder evitar.
— Você o está fazendo mudar. Levando ele embora; para longe de mim — Elvira chorava copiosamente.
— Eu o estou levando? — Laura gargalhou.
— Isso não é justo!
— Não conhecemos justiça, Elvira Heissler!!! — gritou. — Nunca houve justiça para nós!!!
— Não é verdade… Maxuell foi bom para você…
— Os humanos nunca foram bons!
— Ele é diferente! Sean é diferente Laura. Por favor... Eu o amo!
— Amor? Sentimento menor. Próprio de sangue misturado.
Elvira chorou.
— Por favor!
— Implorando? Sentimento menor. Próprio de sangue misturado.
— Chega! — explodiu Elvira com todas as suas forças. — Pouco me importa o tamanho dos sentimentos menores dos terráqueos — balançava os braços a revelia. — Eu o quero! Eu o amo!
— Ridícula! Você se tornou ridícula, Elvira Heissler!
— Eu nunca tive nada. Você nunca...
— Você tem sua missão!
— Não! Eu dei tudo de mim. Não é justo.
— Não vou discutir justiça com você outra vez, Elvira Heissler. Tome todas as precauções para que o Senhorzinho Queise não volte aqui no lago e não encontre o que não deve ser encontrado.
Laura se virou deixando Elvira no chão da mata fechada que rodeava o castelo.
— Laura?! — mas Elvira que Laura não parou. — Ahhh!!! — Elvira chorou ali no chão úmido, por muito tempo.
Castelo Stoff.
15 de dezembro; 17h59min.
Enquanto isso o telefone já tocava fazia dois minutos e Sean, adormecido no quarto do Dr. Hanz não conseguia ouvir.
— Alô! Alô! — atendeu, enfim.
— Herr Queise?
Sean abriu mais os olhos, estranhou o quarto e o sono que vinha sentindo.
Lembrou-se que estava no sobrado.
— Quem fala?
— É Fräulein Wilhelmina. Sou a telefonista do sanatório do Castelo Stoff. A Frau Ludmila telefonou agora pouco.
Sean sentiu algo.
— Sim?
— Ela disse que estava arrumando seu quarto e encontrou um celular caído debaixo de sua cama.
— Sim? — falou impaciente.
— Ela disse que ele tocava, e quando ela atendia alguém desligava. Perguntou se Herr Queise poderia passar pela pensão Schwemmbaue e pegá-lo, já que sua conta foi encerrada.
— “Encerrada”? Quem encerrou minha conta?
— Ela não disse.
Sean desligou deixando Fräulein Wilhelmina tão curiosa quanto ele. Olhou em volta; uma cama de carvalho, uma escrivaninha com uma poltrona giratória e um grande armário trabalhado era a única decoração do quarto. Abriu o armário e sua roupa havia sido passada e pendurada no cabide como acontecera na pensão. Viu que os oito pares de sapato de crocodilo ainda estavam lá, mas o GPS havia sumido do bolso do paletó Armani. Lembrou-se que havia levado ao acampamento, e que provável Gyrimias levara com os apetrechos dele para o Brasil.
“Menos mal”, pensou.
Saiu do quarto sem ver ninguém no corredor. Desceu a escada e não encontrou ninguém no sobrado. Foi até a cozinha e uma porta que dava para os fundos ele abriu. Havia muito terreno no fundo para se chamar de quintal; o terreno do sanatório do Castelo Stoff realmente era enorme. Sean correu escuso pelo terreno do sanatório e chegou até as garagens encontrando as três primeiras portas fechadas com cadeados.
Uma das garagens estava aberta, Sean entrou e se fechou silenciosamente lá dentro. Procurou pelas paredes uma lanterna e havia muitas ferramentas, na maioria de mecânica. Havia, também, duas camionetes estacionadas, uma delas com o motor ainda quente; alguém a usara não fazia muito tempo.
A acústica realmente era boa por ali.
Sean não se lembrava de ter ouvido motor algum do sobrado. Ficou na duvida se havia sido dopado novamente. Chegara da delegacia e apagara na cama do Dr. Hanz, no quarto que agora usava.
Por detrás de um cortador de grama, uma antiga moto de dois lugares, empoeirada, com uma suástica pintada à lataria. Sean engoliu aquilo com dificuldades. Procurou as chaves não a encontrando e algo caiu fora da garagem. Sean abaixou-se e ficou na espreita. Ouviu uma das portas das garagens serem abertas.
“Qual delas?”, pensou sem poder saber.
Ele ficou olhando em volta, tirar a moto seria arriscado demais. Sua posição dentro do sanatório seria discutida mais uma vez. Já deviam ter percebido que ele pouco trabalhava nos computadores.
O som extinguiu-se, Sean esgueirou-se para fora correndo pelas alamedas, tentando chegar ao portão e ir à Vilarejo de Wirgüs saber qual o recado que o celular de Oscar havia enviado. Mas foi só começar a atravessar as alamedas, que de repente algo fez Sean estancar. Tinha certeza de ter ouvido passos miúdos a sua volta. Virou-se tão rapidamente que quase se choca com o homem alto, musculoso, usando uniforme do III Reich estancado à sua frente.
Sean perdeu a voz e a noção da realidade.
Correu os olhos em volta não sabendo se via realmente ou imaginava estar vendo o homem a sua frente. As bota preta reluzentes, o uniforme impecável, o quepe na cabeça, cobrindo o rosto que lhe sorria de forma aterradora.
Sean tocou-se, teve certeza que não fazia uma viagem astral, que não havia saído do corpo e visto os ecos do sanatório do Castelo Stoff que ainda vagavam pelo éter, mas o silêncio reinava entre os dois. Sean sabia de alguma forma que ele não pertencia à Ala Azul.
— Procurando algo? — perguntou Sean sem que lhe nada fosse respondido. Sua face era dura e seu semblante másculo, aterrorizava. — Eu disse ‘procurando algo’?
— Olá Herr Queise — falou Elvira atrás dele.
— Ah! — Sean quase gritou ainda olhando o oficial a olhá-lo. — Que susto Elvira! — Sean virou-se para vê-la. — De onde vem? — perguntou assustado.
— Venho de Triesen. Precisei passar um telegrama para a Suécia, para a família de um das internas — falou calmamente.
— Veio com uma das camionetes?
Elvira piscou sem entender.
— Não! Vim de táxi.
Sean ficou sem entender. Uma das camionetes estava com o motor quente.
“Alguém chegou!”, pensou a procurar pelo homem vestido de III Reich sem achá-lo.
— E você? — ela questionou.
— Ãh? — percebeu que Elvira nada vira. — Ah! Eu perdi a hora. Acho que estava... — Sean procurou em volta sem achar o oficial do III Reich.
— Acho que estava o que?
— Procurando...
Elvira estranhou-o.
— Procurando o que?
— Foi o que perguntei.
— Perguntou? — Elvira olhou em volta. — A quem?
— Ao homem do III Reich.
Elvira arregalou os olhos.
— A quem? — voltou a perguntar achando não ter ouvido direito.
Sean se virou para ela. Temeu que ela achasse que estava ficando tão maluco quanto os internos.
Até achou estar.
— Ah... Havia um homem aqui. Com um uniforme nazista — Sean moveu o pescoço começando a suar de nervoso. Ela o olhou e Sean completou. — Estudei história! — cortou o que ela ia falar.
Elvira passou por ele carregando uma pequena maleta na mão.
— Não há ninguém aqui, Herr Queise.
— Impossível que não tenha visto — disse irritado.
— Não há muito lugar para se esconder aqui — apontou para tudo à volta deles. — Há?
Sean virou-se para todos os lados e reconheceu que aquela parte das alamedas era bem aberta para poder alguém se esconder, e não daria tempo para ele sumir tão ligeiramente.
— Pensei ter visto um dos... Eles usam fantasia?
Elvira fez uma careta.
— Acho que devia voltar para a cama e descansar Herr Queise.
— Cleópatra tem. Fantasia…
— Cleópatra veio vestida daquele jeito para cá.
— Wow! Era uma fantasia para lá de nova a que usava.
— Bem cuidada! — corrigiu-o.
— Ah... Bem cuidada... Claro.
— Além do mais neste horário... — parou a Doutora para consultar o relógio. —, nenhum interno deve estar acordado.
— Algum problema com esta hora?
— Provavelmente — respondeu Elvira, com um estranho olhar para Sean, que resolveu não insistir mais. — Horários são regrados aqui.
— Preciso ir a Wirgüs, Doutora.
— Acabaram de tirá-lo da prisão.
— Preciso ir a Wirgüs... — Sean repetiu.
— Com licença, Herr Queise — cortou sua fala. — Tenho que me refrescar, o calor está insuportável — e foi-se, sem mais nada a completar.
Sean ficou a observá-la ir embora, ainda parado no mesmo lugar. Ficou imaginando se um táxi também o levaria para cima e para baixo como queria. Desistiu momentaneamente e voltou para o prédio central. Resolveu ir à Ala Azul, vasculhar os pertences, se é que tinham, atrás de uniformes nazis. A Ala Azul era menos iluminada que a Ala Rosa, Sean estranhou que o sanatório do Castelo Stoff possuísse mais mulheres do que homens.
Entrou, mudou de ideia e saiu dirigindo-se à sala de Björn. Mas Elvira estava lá dentro.
— Pensei que ia se refrescar?
— Sou rápida.
Sean sorriu e apontou para a Ala Azul.
— Vai trabalhar lá?
— Sim.
— Posso?
Ela demorou a responder.
— Se quiser — Elvira sorriu e nada mais.
Os dois seguiram pelo corredor em silêncio mortal, mas Sean entrou e recuou.
— Eles têm um momento de lucidez, Doutora?
Elvira percebeu que ele estava diferente.
— Acredito que uma vez ou outra eles retornem a realidade, mas a maioria do tempo é gasta nesta busca.
— A realidade os incomoda?
— A vida que levavam os incomodava Herr Queise. Sem bem que acredito que venham à tona para respirar de vez em quando.
“Ela veio à tona...”; ecoou novamente.
Sean ficou a observá-la, não havia entendido nada, mas tentava captar o pensamento dela quando falava de seus pacientes. Talvez fosse uma vaga impressão dele, mas também sentia certa distorção em Elvira.
— Eu vou recomeçar meu trabalho nos computadores. Preciso saber se chegou alguém novo.
— “Alguém novo”? Que pergunta mais despropositada.
Sean não esperava uma reação dura.
— Aquele na primeira cama, da direita para esquerda? — apontou Sean para o banguela.
— Antônio Basquez? O ‘666’? Um dos guardas da SS. Ele se vestia de prisioneiro por fetiche, e perturbava as crianças do campo de concentração.
— Pedófilo? Aqui no castelo?
— Não. Auschwitz.
— Quantos anos ele tem?
— Muitos, acredito — e Elvira se perdeu pela Ala Azul.
— Claro… Muitos… tipo Michel e os jansenistas… — falou sozinho.
“Droga!” Sean quis sumir dali, mas viu ampolas daquele liquido azul na bandeja, pegou três ampolas e colocou no bolso da camisa e olhou em volta. Ficou achando que se alguém as encontrasse iria culpar um dos enfermeiros. Mas outro personagem despontava, outro médico saindo do que supôs ser uma porta secreta na parede da Ala Azul.
Ele vinha do mesmo lugar de onde o Dr. Björn saíra àquela noite, provável um bunker. Sean só esperou ele virar o corredor e anunciou sua presença.
— Doutor? — Sean viu o médico saltar do chão; literalmente. — Nunca o vi por aqui.
— Sou o Dr. Fran Hagster.
— Geneticista da Poliu.
Toda personalidade de Fran Hagster era sebosa, cabelos loiros e oleosos, mal cortado, puxados a esmo para trás de grandes orelhas, que lhe dava o aspecto de um felino. Sean achou que o fato da barba mal feita e os cabelos mal limpos era o tempo gasto lá embaixo.
— Trabalho para Poliu sim, Herr Queise. Sou engenheiro genético da corporação de inteligência há oito anos.
— Estava aqui quando os agentes morreram?
O Dr. Fran Hagster sentiu-se perdido enquanto Sean dava tiros no escuro.
— “Agentes”?
— Estiveram aqui, não?
— Como sabe?
Há muito Sean parou de se perguntar como sabia as coisas no seu atribulado desenvolvimento paranormal.
— Vincenzo me disse.
E Fran Hagster não sabia mesmo o que falar.
— Não fomos chamados. Eles chegaram e se reuniram ainda no portão de entrada quando aconteceu.
— Vincenzo me disse — voltou a atirar a esmo.
— Acredito que ele deva ter ficado um bocado perturbado. Teve febre e dores a noite toda depois da mordida.
“Mordida?” Sean não sabia o que pensar.
— O que agentes da Poliu vieram fazer aqui?
— Se Vincenzo lhe disse tanto, Herr Queise, por que pergunta o que vieram fazer aqui? — Fran Hagster parecia ter retomado a calma, indo embora.
— Você sabia que durante a II Guerra Mundial o regime nazista tinha um plano para transformar seus homens em ‘super-heróis’? Que uma sociedade secreta buscava evidencias de que alienígenas podiam realmente criar híbridos para o Führer ter um exército superdotado? E que trocaram informações em troca de experiências genéticas com presos de campos de concentração? — foi a vez de Sean voltar a buscar respostas e Fran Hagster só teve tempo de engolir a saliva, olhando para os lados em busca de ajuda. — Há uma empresa criada por um culto UFO-nazilógico conhecido como ‘Raelianos’, que diz já ter clonado diversos bebês. Não é da concordância da maioria dos cientistas que as tentativas de clonar um bebê humano são perigosas e erradas?
— Está dizendo que humanos estão criando híbridos? Suas teorias de conspiração não dizem o contrário?
— Wow! Minhas teorias?
— Sim, Herr Queise, criaturas sobrenaturais e entidades humanoides forçando cópulas e intercursos sexuais a fim da clonagem... — Hagster ria sob o fino disfarce do deboche.
— Então Reingner conseguiu?
Agora Fran Hagster teve medo dele, das palavras que lhe chegavam ao ouvido.
— O que quer aqui Herr Queise? — Fran Hagster se aproximou dele com cabelos e tudo mais seboso.
— É isso o que o Dr. Reingner visava? — Sean se arriscava cada vez mais. — A pesquisa da genética humana para conhecimento científico, depois a reconstituição dos próprios códigos genéticos e alienígenas que viessem a se danificar durante as viagens espaciais, depois o aprimoramento da raça terrestre através da hibridização com a raça deles, como cita os Sumérios, para então o melhoramento de sua própria espécie por meio de alguns de nossos genes melhorados, principalmente genes de adaptação? Esse era o estatuto principal da Sociedade LINK?
— Encantador, não acha Herr Queise? Alienígenas se clonando? Se reproduzindo? Se adaptando à Terra?
— Trevellis compartilha desse encanto todo com você?
— Cuidado Herr Queise… Por que sempre ocultaremos a verdade divina deles, de que somos todos um! — e ele se foi.
“Somos todos um...”, nunca uma frase fizera Sean sentir tanta medo.
Fran Hagster seguiu para o sobrado e Sean ficou paralisado tentando entender seu papel real no sanatório. Foi para o refeitório em choque, agora temendo tudo e todos. Sean tinha fome; duvidas e fome. Sentou-se à mesa com as mãos na cabeça para depois a cabeça despencar sobre as mãos.
— Deus... — foi só o que conseguiu falar, arrastando a cadeira que fez um som agudo.
— Ai!!! — gritou Indridi da porta.
Sean olhou para trás. Levantou-se com o coração disparado. O perfume cítrico dela era mais forte que qualquer geleia feita por Frau Obecana.
— Droga! — exclamou baixinho indo até a mesa encher uma xicrona de café com ela o olhando como fizera na pensão. — Aparentemente não está mais nervosa não Dra. Indridi?
E Indridi riu.
— Apparentemente Signor Queise?
— Pare de falar italiano — Sean jogou pães, queijo e presunto defumado a esmo no prato e sentou-se.
Indridi enfim deslocou-se da porta. Arrastava o salto do sapatinho que usava. Era charme puro.
— Geleia? Hum! Che delizie... — falava sozinha atrás dele. Sean a olhou discretamente. Não conseguia se concentrar no café. — Ah! Ovos pouchet! — ela vibrou e Sean girou os olhos achando-a extremamente afetada; odiava mulheres afetadas. — Molto buon gusto! — ela parou ao seu lado.
— Não estou de bom humor.
Ela riu gostoso com também fizera antes e voltou à bancada enchendo seu prato de geleias; de todos os sabores.
Sentou-se ao lado dele novamente a quase colar uma cadeira na outra.
— Ah! Marmellate... — ela lambeu os dedos de geleia e Sean teve vontade de lambê-los também. Sacudiu a cabeça, irritado. Indridi estava o provocando. — Excusa! — passou praticamente por cima dele para alcançar uma lata de manteiga no outro extremo da mesa.
Os seios fartos dela lhe esfregaram a face.
— Ahhh... — Sean mal teve tempo de falar outra coisa.
— Excusa!
A cartilagem do nariz dele ainda vibrava pela aproximação dos seios dela e Indridi pegou a lata de manteiga fechada fazendo uma força descomunal para abri-la. Sean girou os olhos outra vez, sabendo que ela mentia. Tomou um gole de café irritadíssimo enfiando o presunto como pode dentro do pão. Como o presunto lutava para não entrar, Sean o socou até fazer o presunto atravessar o pão que se rompeu caindo no colo.
— Droga! — esbravejou.
— Precisando di aiuto? — apontou com a boca carnuda para o colo dele. Sean sentiu um frenesi como há muito não sentia, engolindo a provocação a seco. Como ele nada respondeu ela voltou a tentar a abrir a lata de manteiga dando gritinhos. — Si prega di aprire? — Indridi pediu então para ele abrir a lata. Sean a abriu num toque e ela sorriu-lhe cínica. — Hum! — Indridi tocou o braço dele e ele a olhou com interesse. — Robusto… — a voz dela era pura sedução.
Sean ergueu a sobrancelha.
— Você é tão louca quanto seus pacientes.
E Indridi riu com gosto, com os seios fartos balançando.
Sean achou-a, a companhia mais chata do Universo.
— È possibile chiudere a me? — pediu para fechar a lata com todo charme permitido.
Até um pouco mais se tivesse conseguido.
— Já disse para não falar italiano comigo — até a voz de Sean era rude.
Indridi riu com gosto, parecia estar debochando dele. Ele não gostou, ficou achando que o problema devia ser algo com a família Rahn.
— Si dispone di un dizionario?
— Engraçadinha!
Ela gargalhava num charme só e Sean achou-a linda demais. Mas conhecia o jogo dela. Ela o provocava, ele tinha certeza. Indridi sorriu até lindas covinhas desenharem o rosto não muito mignon.
— Pensi che pioverà?
Sean girou os olhos novamente.
— Não sei. Talvez chova, sim... — Sean acabou o café e deliciou-se com as geleias e os biscoitos caseiros.
Sua boca encheu-se de geleia na primeira mordida. Indridi adiantou-se a ele e pegou o guardanapo com os seios fartos outra vez na cara dele. Mas foi com o dedo que limpou ela a boca dele para outra vez lamber os próprios dedos maravilhosamente bem. Sean seguiu todo trajeto sentindo todo seu corpo desejá-la. Balançou a cabeça se achando enlouquecido.
“Deve ser excesso de sono”, pensou aturdido.
Indridi se esticou como pôde para enxergar a janela e a previsão do tempo só não se completou porque o Dr. Björn entrou na sala de almoço.
— Indridi?! — gritou Björn os deixando sobreaviso.
— Ola zio! — disse Indridi totalmente recomposta.
“Falsa” concluiu Sean, ele sim, assustado com o grito.
— Como foi sua noite, zio? — Indridi se levantou e beijou Björn delicadamente na bochecha e voltou a sentar-se para desespero de Björn.
“Titio?” pensou Sean não acreditando naquilo, na mulher que de manhã foi resgatá-lo furiosa na delegacia, que se deliciava com geleias e potes de manteiga, e beijava a bochecha do titio que a olhava, achando que ela era tão louca quanto todos ali.
— Me viu hoje de manhã, Indridi.
— É vero! Fomos resgatá-lo, no Signor Queise?
Sean não respondeu, mas Björn não o queria ali.
— Soube que é nosso hospede outra vez Herr Queise?
— Já que foram me resgatar não Dr. Björn?
— Amanha poderá voltar a sua pensão. Acho que trabalhará melhor lá.
— Meu notebook sumiu. Vou ter que ir a Triesen e baixar da Internet alguns documentos.
— Ah! Um percalço Herr Queise? — sorriu cínico.
— Mais um Dr. Björn — sorriu tão cínico quanto.
Mas Sean se levantou e sumiu dali. A noite caía e ele queria dormir e se levantar cedo para ir a Triesen, porque realmente precisava baixar documentos.
Saiu sem despedir de Indridi e suas geleias. Entrou na sala do sobrado e pisou no assoalho que rangeu ao passo dele. Sean recuou e percebeu que as tábuas estavam soltas, olhou um lado e outro e ergueu o assoalho escondendo embaixo as três ampolas de líquido azul.
Ia levar a Triesen, num laboratório, a fim de averiguar o que andavam injetando nele, mas subiu até o quarto e algo apagou.
Sean foi ao chão desacordado.
15
Castelo Stoff.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
Um som não muito longe da cama de Sean Queise o acordou. Sean olhou para cima e o rangido no piso da sala anunciava alguém ali. Ele sabia que era madrugada, que dormira porque alguém batera nele, sem jantar, e que o frio estava de lascar lá fora. Mas foi só colocar o pé para fora da cama que Sean percebeu que a cama não era a dele, porque o quarto não era o dele.
Sean se tocou, não sabia se havia saído do corpo, mas toda a parede era de madeira pintada de branco, com cartazes pregados nela. O piso também era de madeira e cheiro de diversos tipos de graxa o atingiu.
“A oficina” foi só o que pensou.
Sean deu alguns passos e alcançou uma maçaneta que em nada se parecia a que fechava e abria sua porta, percebendo que o quarto desembocava num corredor envidraçado, e que estava num andar superior, com um grande galpão abaixo dele, cheirando a graxa que sentia. Sean recuou e sabia que voltara a 1945. Voltou a se tocar, não estava em rabiscos, não havia se teletransportado, então como fizera aquilo ele tinha medo de se perguntar.
O frio e a escuridão mostrava que lá fora também era noite, Sean desceu a escada de madeira percebendo que o quarto aonde acordara era uma espécie de quarto de mecânicos, provável de alguém que trabalhava na oficina mecânica.
Do ponto de vista da engenharia, a Segunda Grande Guerra foi um período de evolução sem igual. Ali, motos de dois lugares sidecars, e cinco motos Zundapp KS 750, construídas entre os anos de 1940 e 1944 para o Alto Comando Alemão, com o apelido de ‘elefante verde’, pois tinha o torque tão alto que conseguia transportar quatro pessoas e ainda rebocar certas cargas pesadas. Também ali, oito VW Type 166 “Schwimmwagen”, jipe militar idealizado por Ferdinand Porsche, com carroceria em forma de casco flutuante, tração nas quatro rodas, e diferencial blocante em ambos os eixos. Na água, uma hélice era acoplada ao virabrequim do motor traseiro, e a direção era determinada pelas rodas dianteiras, que atuavam como lemes.
Uma beleza da engenharia da época. Sean diria, atual.
Mas sons de vozes não muito longe dali o alertou. Um cheiro de carne queimada também. Sean correu a grande porta da garagem e ganhou a noite fria. Estava vestido de pijama leve e todo seu corpo sentiu a umidade do ar. Havia mais carros VW Type 166 do lado de fora, estacionados, com motoristas vestindo uniforme e bota preta reluzentes.
Mas o porquê de tantos carros anfíbios no meio de Liechtenstein ele não sabia.
“A menos que…” Sean pensou por um momento no extenso lago que contornava o Castelo Stoff, porque as rodas do VW Type 166 ainda tinham água e algas presas a elas.
Nunca o medo se fez tão presente.
Mais vozes chegaram até ele. Sean recuou e deu a volta por trás, alcançando a cozinha em toda sua utilidade. Lá, o jovem loiro que Sean vira no banco fumando um cigarro Lucky Strike branco. Ele vinha visivelmente nervoso, do mesmo lugar onde Björn desapareceu e reapareceu com vidros herméticos nas mãos.
Acima, nos céus, uma fumaça negra e o cheiro de carne queimada quando um grito gutural perpetuou ali.
— Arghhh?!
Sean estremeceu e todo seu corpo na cama do sobrado, no ano vigente, estremeceu também. Ali a bela Indridi, observando Sean Queise dormir, provável sonhar.
Mas Sean não sabia que alguém estava lá, o vendo viajar no astral, porque estavam queimando algo, alguém, e novo grito gutural aconteceu.
— Arghhh?!
E Sean viu o jovem Maxuell Reingner entrar no castelo, que em nada se parecia com alas coloridas. Lá, uma sala carregada de fumaça de cigarros Lucky Strike brancos, um luxo que poucas e altas patentes usufruíam, e o jovem Maxuell Reingner invadiu o gabinete fazendo os oito personagens ali reunidos, desocuparem oito poltronas de couro marchetado marrom, no levante repentino.
— O que significa isso? — perguntou o oficial de alta patente, um homem loiro, também jovem, com acentuada careca apesar da pouca idade, extremamente nervoso.
Os outros seis oficiais de elite da Waffen-SS também pareceram não gostar da invasão.
— O que houve Maxuell? — perguntou alguém.
— É que... Pensei que havia... Que mandara... O Doutor mandou ligar a lareira?
— Há algum problema com as lareiras do Castelo Stoff doutor? — o oficial de alta patente perguntou.
— Nein... Só uma lareira com defeito... No quarto acima... Mas já consertei.
Os sete oficiais da Waffen-SS sentaram-se e alguém ali continuava a olhar o jovem Maxuell quando os sete oficiais de elite da Waffen-SS, não vendo mais o que falar, se levantaram novamente, num só movimento.
— Estamos em acerto, conjeturo? — foi só o que falou o oficial de alta patente.
— Sim! Conjeturou corretamente Herr Klaus Brienn.
— Lembre-se! Os russos estão muito perto, Dr. Wolfgang Heissler. Muito perto. Nosso lema é e sempre será, ‘Sempre ocultaremos a verdade divina deles, de que somos todos um!’.
— “Sempre ocultaremos a verdade divina deles, de que somos todos um!” — repetiu Wolfgang. — Não se preocupe. Tomei a liberdade de já adiantar o processo de exclusão.
E Sean viu que o homem ali era o avô de Elvira Heissler, pai de Asha Heissler, ambas cridas por Maxuell Reingner.
— Congratulante! Sabe como o Führer lhe tem em grande apreço, Dr. Wolfgang Heissler. Depois de tanto absorver as obras de Lewis Spence, o Führer passou a acreditar muito nas suas pesquisas. Como você, o Führer acredita que é uma reencarnação de arianos puros da Lemúria.
“Arianos puros” também ecoaram por Sean Queise.
— Não posso medir tamanha atenção que o Führer tem por mim, por minha medicina curativa e minhas ideias espiritualistas. Sempre lhe fui muito grato por permitir ser um deles, Herr Klaus Brienn. Ser um membro da LINK.
— Acreditava mesmo que sua grandeza não passasse despercebida ao Führer. Nós da LINK, somos a elite.
— Sim. Somos. O Führer sabe que as pesquisas jamais serão afetadas por contratempos.
— Congratulante! Tenha essa ideia por toda a eternidade.
— Por toda a eternidade — repetiu Wolfgang mecanicamente outra vez.
E sem mais delongas, Klaus Brienn estendeu sua mão direita ao horizonte numa saudação.
— Heil Hitler!
— Heil Hitler! — respondeu o Dr. Wolfgang firmemente.
Klaus Brienn então enterrou o quepe na cabeça, bateu a bota preta reluzente esquerda na direita como de costume e saiu não notando a presença do jovem Maxuell Reingner com a sua arredondada cabeça, de cabelos loiros encaracolados, abaixada; totalmente desorientado.
E foi só no bater da porta que o som reverberou.
— Verzeihung!
— Nada de perdão Maxuell! Dê graças ao seu Deus, que Klaus Brienn não enxerga um palmo à frente de sua arrogância! — falou Wolfgang por entre dentes cerrados no que a porta do gabinete se fechou. — Nunca mais, entendeu Maxuell?
— Verzeihung! Queria ter dito forno àquela hora.
— “Forno”? Fala do forno que eu...
— Sim. Sim. A quimera, Doutor Wolfgang. A quimera ficou gritando, estalando toda, como que seu corpo fosse...
“Quimera?” aquilo alertou Sean que sentia seu corpo vibrando na cama do sobrado.
— Seu corpo, é Maxuell. Um réptil. É normal agir dessa maneira.
— Um réptil de outro mundo, não é Doutor...
E sua boca foi agarrada pela mão forte de Wolfgang Heissler quando Sean acordou no quarto do sobrado, suando, sozinho.
— Droga! — explodiu.
Castelo Stoff.
16 de dezembro; 09h00min.
Sean sabia que era a hora que Björn costumava tomar seu café, não estava a fim da melação de Elvira nem discursar geleias com Indridi, queria colocar Björn no lugar, mas no caminho viu o enfermeiro Sygfrid Sylvestor entrando sorrateiro na Ala Rosa e o seguiu invisível, porque Sygfrid Sylvestor não o enxergava ali, ao seu lado, o vendo com a bandeja com ampolas de líquido azulado.
— Sygfrid é seu nome, não?
Sygfrid Sylvestor se assustou por não ter visto Sean Queise se aproximar.
— Sygfrid Sylvestor.
— Onde mora?
— Em Wirgüs.
— E o que faz aqui há essa hora? A Dra. Elvira disse que as nove elas dormem.
— Me esqueci dos medicamentos da Ala Azul… — e sorriu ao bater na própria testa e sair.
— Não me parece de seu feitio, esquecer uma coisa rotineira, Sygfrid — Sean viu o enfº. menor Sygfrid não saber o que responder, e parar de andar. — Sabe que é um bocado arriscado o que faz? Os internos não vêm tomando os medicamentos corretamente há muito tempo, não é mesmo Sygfrid?
Sygfrid balançava a cabeça.
— Não sabe como eles sofrem. Como gritam e... e... Retorcem-se.
— Seu gesto impensado fez a interna Baptista fugir, a interna Emille me morder e faz Laura mandar em todos.
— Não! — riu de uma maneira indecifrável. — Laura, não! — Sygfrid arregalou os olhos. — Não posso... — Sygfrid suava, a olhar para o lado apavorado. — Não posso falar... — Sygfrid olhava para cima, para baixo, para os lados.
Mas Sean não imaginava que ele se descontrolaria tanto. Sygfrid saiu correndo deixando-o com a bandeja na mão. Ele pegou mais uma ampola e foi atrás de Björn, porque Sean não tinha mais tanta certeza de haver segurança para os internos e consequentemente para ele mesmo.
— Quem é Klaus Brienn? — invadiu a sala de refeições.
E Björn sentiu um ácido jorrar dentro dele, sua úlcera dava sinais de estar viva.
— Guten Morgen Herr Queise.
— Sabia que ele trabalhava aqui? No Castelo Stoff?
— Nein… — Björn pegou sua papeleta e arrastou a cadeira levantando-se.
— Por que os projetos daquela época não constam nos dados atuais?
— Isso é irrelevante.
— Não se pensarmos que o Dr. Maxuell Reingner continuou as pesquisas do Dr. Wolfgang Heissler, que recebia Klaus Brienn para fumar cigarros Lucky Strike brancos.
E Björn odiou-o.
— Dr. Wolfgang Heissler foi um médico geneticista brilhante, que durante a Segunda Grande Guerra trabalhou para a elite de Adolf Hitler.
— Sabia quem era a ‘elite de Hitler’, Doutor?
— Não! Mas imagino que suas almas perturbadas ainda vaguem pelo inferno.
— Céu e Inferno não são lugares propriamente reais, Dr. Björn. São estados conscientes que cada um carrega consigo. A lei de Deus está escrita em nossa consciência, portanto quando passamos dessa vida de penúria para a verdadeira vida espiritual, é que pagamos nossa dívida.
— Foi sua amiga paranormal quem ensinou isso?
— Parece me conhecer mais do que diz, não Dr. Björn?
— Conheço Herr Queise? “O reino de Deus está dentro de vós” e “Aquilo que semeardes, tereis que colher”. Para mim, Herr Queise, Adolf Hitler desencarnou e sofreu a beça nas regiões umbralinas.
— Ele não morreu — Sean o desafiou e Björn respirou profundamente deixando Sean sentir-se drenado de repente. — Sabia que o Dr. Wolfgang Heissler pertencia à Sociedade LINK?
— Já disse que é irrelevante.
— Não posso levar irrelevâncias às pesquisas que irão ao espaço.
Björn virou-se furioso.
— Vai levar ao espaço os dados que lhe foram fornecidos, Herr Queise. Não se meta onde não foi chamado.
— Fico mesmo abismado que o Dr. Maxuell tenha conseguido reabrir o castelo depois que a Poliu tomou conta dela em 1945 — não deu trégua.
— “Abismado”?
— Soube que durante o domínio alemão, os campos de concentração, possuíam centro de pesquisas. Abismado porque o castelo não foi diferente.
— E? — Björn já não sabia onde encontrava tanta paciência para não atacar Sean.
— A Poliu tem arquivos que provam que houve manipulação genética por parte do Dr. Wolfgang Heissler e sua equipe.
— Era o início da fertilização artificial — completou Björn com ironia.
— A Poliu também tem arquivos interessantes sobre alienígenas do tipo reptilianos crocodilos se aproximando da Sociedade LINK para fazer-lhe promessas de controlar o mundo, oferecendo-lhe avanços tecnológicos e supremacia.
— Herr Queise... — gargalhou.
— Em suas discussões com os crocodilos humanoides, lhe foi transmitido a necessidade de perpetuar a sua raça, porque estavam morrendo após uma doença, e precisavam criar um ser alienígena que era parte humana e parte alienígena para continuar a sua civilização aqui na Terra… — Sean foi pura ironia. —, e que as tais experiências aconteceram aqui, com humanos, tentando alcançar a imortalidade jansenista, que não se machucava, não se feriam, não morriam.
— Está dizendo que o campo de concentração...
— Após a decisão de se criar a raça híbrida, os crocodilos humanoides não tendo conhecimento tecnológico da fisiologia humana, precisaram fazer experimentações.
— “Experimentações” Herr Queise? A engenharia genética estava fora de questão durante a Segunda Grande Guerra, e tais equipamentos necessários não existiam.
— Não existiam na Terra.
E Björn sabia que estava cada vez mais difícil controlar aquilo.
— É sabido por toda a história, que Hitler queria um exercito de invencíveis...
— Engenharia genética! — exclamou Sean furioso. — Eles a estavam testando nos campos, com a fabricação de um híbrido, de um alienígena híbrido Dr. Björn, transformando alienígenas em humanos.
E Björn sentiu toda sua face cadavérica aquecer. E nem a entrada de bela e exótica Indridi ali, conseguia apagar o incêndio provocado por Sean Queise, que nada falou e se virou indo embora, se dirigindo para as alamedas, para o portão, para a pensão a pé, porque a mãe que sabia quando o bebe não tinha chances, nunca foi tão explicativo.
Pensão Schwemmbaue.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
16 de dezembro; 11h30min.
Sean havia andando muito pela terra batida até encontrar um carro de entregas que passava ao longo da estrada. Conseguiu chegar a Wirgüs com a manhã acabando. A Frau Ludmila havia ido à missa e ninguém parecia ainda querer conversar com ele. Sean estranhou que não via a Frau Carmem já há algum tempo.
Esperou todos tomarem um rumo dentro da pensão, e sorrateiro chegou a recepção puxando o livro de hóspedes que ficava fechado na segunda prateleira atrás do balcão.
Seu check-out havia sido feito por um homem que assinara ‘Sr. Rafael’, apenas. Sean não reconheceu a letra com sendo de Gyrimias Leferi ou Oscar Roldman. Nem a letra de Mr. Trevellis ele acreditava ser.
Ficou imaginando quem pagaria suas contas e fecharia sua conta na pensão.
“Um agente, talvez?”, pensou.
A Frau Ludmila entrou no que Sean recolocava o livro de hóspedes no local. Ela nada viu, e junto a ela mais duas Senhoras entraram e subiram a escada para seus quartos.
— Oh! Herr Queise. Vai voltar?
Aquilo lhe deu ideias.
— Sim. Vim abrir nova conta — sorriu maroto.
— Temos um quarto mais próximo do banheiro. Número 27.
Sean lembrou-se de Indridi no número 28.
— Ótimo! O celular?
— Claro! — sumiu para dentro da gerência, um quarto escuro e sem janelas. — Aqui está! — entregou-lhe. — Outra vez...
“Droga!” Sean percebeu estar com a bateria descarregada ‘outra vez’.
— Havia algo mais no quarto 25 — Ludmila completou.
Sean gelou.
“A arma” lembrou-se.
— Essas pequenas coisinhas eletrônicas… — espalhou-as no balcão. —, estavam caídas pelo quarto todo.
Sean respirou aliviado, porém temeroso sobre quem espalharia aquilo. Ficou olhando para o restante dos circuitos eletrônicos que havia comprado para instalar nos chinelos das internas e assim rastrear com o GPS.
— Danka! — pegou o pequeno pacote da mão de Ludmila. — Posso já fazer o check-in?
Ludmila olhou em volta.
— Está sem malas?
— Amanhã chegarão.
— Ah! Herr... Sabe que ela não deixará trazer, não?
Sean arregalou os olhos azuis.
— “Ela”?
— A Doutora.
— Entendo…
Sean sentiu-se mal. Não sabia de qual das duas ela falava.
— Vou pedir para que Herr Steiner traga um bom pijama de algodão e você o pagará depois — Ludmila se aproximou dele. — Ele me deve alguns favores — piscou.
Sean sorriu. Começava a gostar dela. Pegou a chave de número 27 e correu escada acima. Entrou, ligou o celular na tomada de energia e ficou aguardando. Quando acessou o número não havia mensagem alguma, nem antigas nem novas. Sean apavorou-se, aquilo não era normal. Alguém havia deletado propositadamente dali as mensagens.
Ficou pensativo até resolver tomar um banho. Saiu com a toalha certa e voltou congelado, Voltou ao celular, agora com um pouco de bateria e deixou agora ele, um recado a Oscar Roldman.
“Vou a Índia atrás do NOA!”, foi o que deixou gravado.
A Frau Ludmila chegava ofegante com uma sacola nas mãos. Sean arregalou os olhos azuis quando viu o pijama azul marinho de bolinhas brancas dentro da sacola. Sorriu-lhe achando-a uma graça. Agradeceu, deitou-se e desmaiou mais pelo cansaço do que pelo algodão realmente macio.
Mas uma forte batida na sua porta, muitas horas depois, o acordou de supetão.
Uma chuva fina caía no lado de fora e a noite começava a gelar. Sean abriu a porta de pijama azul marinho de bolinhas brancas e arregalou os olhos; estava parado à sua frente, Sygfrid Sylvestor e Elfriede Frick. Sean não conseguiu imaginar um motivo para vê-los no corredor do segundo andar da pensão àquela hora da madrugada.
— Preocupados comigo? — questionou confuso.
— Em termos, Herr Queise — respondeu Sygfrid Sylvestor
— “Em termos”?
— Aconteceu um imprevisto e precisamos que Herr volta ao sanatório.
— Que tipo de imprevisto?
— Uma coisa inédita — respondeu Sygfrid.
— Tudo aqui é muito inédito, não é? — questionou irritado.
— O delegado está vindo para cá, Herr Queise. Quer lhe fazer perguntas. Achamos melhor que as faça no sanatório do Castelo Stoff que é nosso terreno. A Frau Laura morreu.
— Laura? — Sean achou ter ouvido errado. Começou a ficar na duvida se continuava ou não àquela farsa. — Deus... — caiu em si. — Como está Elvira?
— O Dr. Björn a está medicando. Ele acha que ela já sofreu impactos demais.
— Vai nos acompanhar? — insistiu Elfriede.
— Tenho alternativas? Talvez me trocar? — apontou para o pijama.
— Pensei que não tivesse roupas aqui, Herr?
Sean não gostou de todos saberem que Elvira mandava nele, ou até a Doutora. Nem respondeu, descendo atrás dos enfermeiros do jeito que estava. A Frau Ludmila estava confusa com a agitação na madrugada. Sean se voltou para Ludmila e entregou-lhe a chave do seu quarto.
— Ah! — Sean parou na porta como quem esquece algo. — Preciso pegar meu celular.
— Não sei para que, Herr — falou Sygfrid. — Temos antenas que brecam os sinais.
Sean sabia que tinham era uma plasmagem ali, que estavam na Terra Oca, como na Serra do Roncador, mas relevou tudo aquilo
Elfriede olhou atravessado para Sygfrid.
— Pode pegá-lo, Herr Queise — anunciou a Enfª. chefe Elfriede. — Rápido!
Sean voltou ao quadro de chaves e apontou a chave do quarto de número 25. Ludmila ficou confusa, porém pareceu pensar rápido. E pouco entendendo a entregou. Sean subiu com a chave e entrou no quarto de número 25 pegando a arma escondida no canto de armário. Foi para o sanatório agora portando uma arma Tyron nível A.
Significasse o significasse aquilo.
16
Pensão Schwemmbaue.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
17 de dezembro; 03h00min.
— Foi a Dra. Elvira quem a encontrou Sean... — a Enfª. menor Anneta Mitzi começou a falar, estancando em seguida ao olhar Elfriede atrás dele extasiada pela intimidade que sua enfermeira menor o chamava.
— Onde ela está?
— Em estado de choque, sob efeitos de calmantes — Anneta Mitzi era agora mais comedida.
— Perguntei sobre Laura.
Anneta Mitzi arregalou os olhos para Elfriede.
— Ninguém pode vê-la — Björn cortou a fala de Anneta Mitzi ao adentrar na recepção.
— Como não podemos? — foi à vez do azulado Austácio cortar a fala de Björn.
O delegado Austácio acabava de chegar com dois policiais fardados, sem, porém ter vindo com Sean e os enfermeiros.
— Precisamos… — começou Elfriede a falar e parou no que Björn grudou nela.
— Cale-se! — exclamou Björn descontrolado. — Já disse o que havia para ser dito.
— Espere aí! — Austácio suava. — Sou uma autoridade.
— Como sempre soube Delegado… — Björn parecia mais alto e mais cadavérico que antes. —, aqui no sanatório do Castelo Stoff você não tem autoridade alguma. Mandei buscar Herr Queise… — e Björn olhou para ele. —, que ainda não entendi o porquê de ter retornado a pensão… — e Björn não esperou nada mais que um levantar cínico de sobrancelha dele para se voltar ao delegado. —, para que ele não fosse pressionado outra vez por sua ‘autoridade’.
— Houve uma morte Dr. Björn...
— A Frau Laura Nico era mulher muita idosa, doente; descansou.
Sean ficou olhando o chão. O delegado Austácio até quis que ele tivesse falado algo com o rosto, até queria poder tido a chance de se comunicar com ele, mas foi embora cabisbaixo, ciente que a coisa para a Polícia Mundial ou para a Poliu estava complicada.
Já Sean não via nenhuma alternativa além de manter-se no disfarce de ‘hacker’ da Computer Co..
Björn se aproximou dele no sair do delegado e os dois policiais fardados.
— Bonito pijama.
Sean engoliu a graça a seco. Sygfrid Sylvestor o puxou pelo braço para fora antecipando algo pior entre eles dois, e Sean balançou o pescoço nervoso, acompanhado em silêncio por Sygfrid até o sobrado, até o quarto do Dr. Hanz.
— Estou sendo convidado a ficar? — perguntou cínico após ver uma arma tradicional na calça do enfermeiro, provável calibre .32.
Subiu e deitou-se com o pijama úmido do cair fino de chuva e sujo pela viagem, pela poeira da camionete, por tudo.
Sobrado, Castelo Stoff.
17 de dezembro; 07h30min.
Era de manhã e a Dra. Elvira estava acordada, no escuro, apesar dos calmantes deixá-la atordoada. Desde a chegada de Sean Queise que sua vida estava por deveras confusa. Difícil aceitar, mas sabia que sua relação com Sean estava perdida.
Uma leve batida à sua porta a tirou de seus pensamentos.
— Posso entrar? — perguntou Sean ainda parado na porta.
— Sua voz está rouca! — exclamou confusa.
— Foi a chuva... Ontem. Eu... Eu queria conversar, Dra. Elvira.
— ‘Doutora’? Não faça nada que possa me magoar, por favor — falou uma Elvira delicada.
Sean vestia-se um pouco melhor que os últimos dias já que suas roupas haviam sido penduradas no quarto em que dormia.
— Não a magoaria por nada, mas não posso deixar as coisas continuarem assim.
— Por favor, Sean. Não seja prematuro em suas conclusões.
— “Prematuro”? Deus... Já lhe perguntei em que mundo você vive, Elvira? Por que o defende assim?
— Quem?
— Como quem? Björn Rahn!
Elvira ergueu-se e tocou os lábios dele tão rápido que ele mal teve tempo de recuar ao beijo.
— Eu o amo tanto — passou suas mãos delicadas, pelo rosto dele.
Sean sentiu-se confuso.
— Eu... — afastou-se. — Sabe que o Dr. Björn não é o Dr. Maxuell, não?
— O Dr. Björn é um excelente comandante. Sempre foi.
Sean não entendeu. Quis, mas não entendeu.
— Eu preciso denunciar a morte de Laura Nico. O delegado nada pôde fazer ontem...
— Por favor, Sean. Eu cuidarei disso. Prometo!
— Cuidar? Laura está morta, Maxuell está morto, e alguém gritava de dor…
— Gritava de dor?
Sean recuou, estava em 1945 quando ouviu os gritos.
— Vou tomar café. Estou me sentindo fraco; confuso. Preciso retomar meu trabalho e ir embora, Elvira.
— Por quê?
— Porque você não vai fazer nada para mudar o quadro aqui dentro, Doutora.
— Está procurando fazer algo, Herr Sean Queise?
— Vou conseguir Dra. Elvira Heissler? — saiu batendo a porta com força, deixando Elvira mais uma vez entregue à sua dor.
Anneta Mitzi estava esperando no que Sean contornou o longo corredor de mármore do Castelo Stoff.
— Como passou a noite, Sean?
— Não devia me chamar assim. Ontem Elfriede desconfiou.
Ela passou a mão pela camisa dele.
— Kelly lhe veste bem.
— Cale-se! — afastou-lhe a mão com força. Indridi escondida atrás da porta da cozinha os ouviu. Sean não viu porque se achava minado de todas as maneiras. — Onde está o enfº. chefe Hans-Joachim?
— Não sei... Björn disse que ele foi viajar.
— “Viajar”? — desconfiou. — Eles podem sair assim?
— Não que eu tenha permitido.
Sean se virou e começou a ir embora.
— O que há realmente entre vocês dois, Sean?
— Björn é falso, Björn é escorregadio, e eu não gosto dele.
— E você gosta de alguém?
Sean se lembrou de Sandy, do tiro, dela morta. De Ambrósia e a parede de cristal que os separava.
“Será que eu me suicidei também?”, divagou, voltando logo à realidade.
— Não gosto de ninguém! — exclamou Sean com firmeza.
— Que pena! Poderia lhe ajudar já que Mr. Trevellis não aceita erros —gargalhou com gosto saindo.
Sean ainda teria oportunidade de colocá-la em seu lugar. Foi atrás do delicioso aroma de café e geleia de frutas que invadiu o corredor, mas ele entrou encontrando o Dr. Hanz e outro médico comendo.
— Gaut Morgen Herr Queise.
Sean sorriu não muito convidativo, pegou um prato na bancada e encheu de doces. Pegou uma xícara, a maior que achou e transbordou de café. Virou-se e Hanz continuava solicito.
— Olá!
Algo até lembrou-se do ‘666’. Não gostava do Dr. Hanz também.
— Esse é o Dr. Kim Warner — Hanz apontou. — Ele é o engenheiro genético aqui no sanatório.
— Enfim saiu à luz? — Sean foi puro fel.
Os dois médicos se olharam. Kim também era um homem abrutalhado, com barba mal feita e um cabelo negro e oleoso que não ajudava sua imagem. Sean pensou que se o encontrasse fora do sanatório do Castelo Stoff jamais diria que era um médico.
— Foi um prazer também — respondeu o Dr. Kim não muito atencioso, se retirando com Hanz.
— Não houve de que.
A porta bateu e Sean foi atrás deles. Depois desistiu e desistiu de desistir, voltando a segui-los, agora mais afastado, vendo-os se dirigindo para Ala Rosa, para conversar com Elvira, que estava lá trabalhando apesar da dor. A Dra. Indridi também estava lá, Sean ficou tentado a brigar com o mundo mas recuou, no fundo não queria saber o resultado da noite tumultuada das internas depois da morte de Frau Laura.
Saiu seguido por Indridi que passou por Elvira, que não gostou de vê-la seguindo Sean Queise; estava enciumada com a chegada de uma mulher jovem e bonita ao sanatório do Castelo Stoff, que discutia o fato das roupas da internas serem iguais, que as alas precisavam ser mais arejadas, as internas necessitavam mais atividades lúdicas, causando confusão num ambiente para lá de administradamente confuso.
Indridi vestia com um tailleur rosa coberto por um jaleco rosa, e o tilintar do salto atrás dele o deixava nervoso, porque o mundo passou a deixá-lo nervoso.
Ele se dirigiu até os computadores, para outra vez fingir que trabalhava. Sean acionou o mainframe e achou uma caixa de ferramentas que meteu no bolso da calça, também duas ferramentas para abrir os parafusos dos antigos computadores da Computer Co. depois ficou horas testando os HDs, tentando encontrar algum rastro deixado para trás, algum arquivo de Log, alguma trilha que o computador pudesse ter gravado antes de ter sido apagado.
Testou alguns programas que conseguem recuperar quase todas as informações de discos rígidos formatados, mesmo se o HD for reparticionado e testou um verificador de programas que utilizam processos especiais, que impedem que outros programas possam recuperar o conteúdo do HD formatado e concluiu; o interno tenha sido ele qual fora, nada apagou dali, simplesmente porque nunca nenhuma informação foi colocada nos dados do computador. Não havia lá uma única linha de programação, uma única linha de informação sobre o projeto de DNA que lá realizavam ou qualquer outra coisa. Os computadores nunca haviam sido usados, mesmo sendo antigas máquinas da Computer Co..
— Espertos! Muito espertos! — Sean sorria. — Ou Maxuell nunca permitira que as informações sobre as experiências nos computadores lhe escapassem ao controle por vírus ou hackers ou elas nunca existiram — Sean suspirou pensativo. — Era isso que Trevellis queria? Mostrar-me que nunca houve experiência? Que a premiação e o próprio Prêmio Nobel foram uma farsa montada pela Poliu para me levar até aqui. Para fazer alguém sair da toca? — Sean girou na cadeira. Ficou vendo o teto da sala de computadores girarem junto com ele. — Não podia ser Maxuell simplesmente porque ele os estava ajudando — prosseguiu.
“Agora sou um deles”, ecoava.
— Um “deles” quem, Maxuell? Qual era seu papel na Sociedade LINK? Qual era seu papel na Confederação Intergaláctica? — Sean falava sozinho. — Quem? — parecia a ele a coisa que mais que se perguntava isso desde que lá chegara. — Björn? Elvira? Os médicos? Os enfermeiros? Os internos? Qual deles? — e Sean deu um pulo da cadeira. Colocou as mãos para cima como se algo o tivesse atingido. — Deus! — exclamou aturdido ao cair sentado novamente.
Aquilo parecia o ter alertado. Sean nunca havia pensado que estava atrás de um interno e não da vida passada de um interno.
“Qual deles?”, foi a pergunta mais complexa que já se fizera nas horas que se seguiram e Indridi entrou na sala.
Todo o perfume dela o invadiu.
— Ola...
— Ah... — Sean sentiu-se um colegial perante a beleza exótica de Indridi.
— Cosa stai facendo?
— O que me contrataram para fazer.
E Indridi riu.
— Essere stato arrestato per atti osceni?
— ‘Ser preso por atentado ao pudor’? Do que está falando? Estava acampando com meu cientista.
E ela voltou a rir. Sean começava a achar maluca como o Zio, titio.
— Perche non parlatto a zio sobre nos conhecer?
— Ah! Claro! Vou contar a Björn que me viu nu.
E ela riu aliviando um pouco a tensão vivida.
— Toalha de rosto, no? — Indridi viu Sean se virar para ela. — Mio zio é molto ciumento. No ia querer contar che o vidi nuda Signor Queise, con o corpo malhado e molhado... — ela viu Sean só erguer o sobrolho. — Ele já stava arrabbiato con la mia venuta a Wirgüs, che io non quis arriscar — arrumou o esmalte que parecia querer soltar de uma das unhas tão exóticas quanto ela.
— Doutora em que?
— Psichiatra forense!
— Fale comigo em português. Você consegue
E Indridi riu, ela conseguia.
— Mia madre Caulina Rahn casou-se molto nova com uno italiano e foi viver em Bangalore comigo, aos tre anni; davvero, cresci na Índia. Depois perdeu il contatto con il suo fratello che dopo aver studiato a Mumbai, e che veio per Liechtenstein fazer especialização. Mia madre sapeva il premio Nobel e ha deciso di scrivere sobre mi a mio zio, che ha mandato qui, a fim di lavorare.
— Isso aqui não é o que eu chamaria de melhor opção de trabalho para uma recém-formada, Senhorita.
— Nessuna casa di cura è.
— Em português…
Indridi riu.
— Nenhum sanatório é Signor Queise. Ah... Quer ser chamado di ‘Herr Queise’?
Sean brilhou os olhos.
— Como queira.
— Então será Signor — sorriu. — De qualquer caso, sono venuto qui por vontade própria.
— Me chame de Sean, Senhorita.
Ela sorriu com gosto.
— Há quanto tempo sta qui, ‘Sean’?
— Semanas que parecem uma eternidade.
— Qui em Wirgüs o tempo custa a passar.
— Como sabe que o tempo custa a passar nesta cidade?
— Perche cresci qui em Wirgüs.
— Disse que cresceu em Bangalore.
— Più o meno. Mia zia Carmem se casou com o tio Björn e foi assim che ele veio parar nessa região com mia madre, che conheceu um indiano na pensão che a levou per Bangalore.
— Björn casado com Frau Carmem? Sua tia? — Sean riu. — Frau Carmem e Björn casados? — gargalhou até.
— Separados. Há molto tempo.
— Então seu zio Björn comprou o casarão e fez a pensão Schwemmbaue? Interessante! Onde dorme? — Sean perguntou aparentemente desinteressado.
— Qui! Nos aposentos do zio.
— Deve ser muito frio lá, não?
— “Frio”?
— Precisou usar a lareira ontem.
— Come fai a saperlo? Dormiu qui? — e sorriu. — Mas a lareira nunca foi usada. Até perguntei isso a zio perche esteve frio dias atrás.
Aquilo apavorou Sean. Havia um erro ali ele não sabia aonde. Ele fingiu voltara a trabalhar teclando algo sem importância.
— Também estudam a loucura sob o prisma da física quântica?
— Esatto! Vivemos a física quântica, no?
— Não sei. Vivemos? — ele viu Indridi sorriu apenas. Sabia que ele estava sendo cínico. — Descartes disse que a alma, ou a mente, devia ser estudada por introspecção enquanto o corpo, pelos métodos da ciência natural. Porém hoje sabemos que a mente nos guia, Senhorita; somos observadores e observados segundo a Incerteza de Heisenberg.
— E per quem somos osservano, Sean?
— O comportamento ondulatório dos fótons ou elétrons pode ser observado através do experimento da dupla fenda ou colapso da função de onda. E existem três interpretações possíveis para este experimento; quando a onda é detectada, ela ‘colapsa’ e fica com dimensões bem reduzidas, parecendo um ponto, quando a onda serve para ‘guiar’ apenas onde há ondas, ou quando não faria sentido associar uma trajetória ao quantum detectado, ou seja, ele não deve ser pensado como uma partícula que passou por um lado bem definido.
— E levamos em conta o osservano?
— O mundo só acontece se nós, observadores estivermos ali para fazê-lo. Somos coautores, Senhorita.
— Mi piace quando mi chiami Signorina.
“Gosto de quando me chama de Senhorita” Sean traduziu.
E Indridi foi puro charme.
— “Portanto, as partículas subatômicas não são coisas, mas interconexões entre ‘coisas’, e essas ‘coisas’, por sua vez, são interconexões entre outras ‘coisas’, e assim por diante”; Fritjof Capra — e foi um português para lá de perfeito.
“Poliu!” soou dele.
— Que pena…
E Indridi o olhou.
— Pena di che?
— Meu cientista Gyrimias, diria que o modelo atômico de Bohr de 1913 deixou a impressão que ocorre saltos quânticos nos átomos, apesar de a mecânica ondulatória de Schrödinger de 1926 indicar que não. O próprio Einstein refutava a mecânica quântica. E acredite, Einstein refutava muita coisa antes de morrer.
Os dois se olharam.
— Mas podemos vedere os saltos? Os tais saltos che dizem os alieni usano para viajarem pelos molti mondi?
Sean riu, era tão maluca quanto o tio.
— É de família?
— O gosto per alieni? — levantou-se e começou a andar com o tailleur rosa coberto por um jaleco rosa que ele achou um charme. —, ou che experimentos confirmaram a intuição di Dehmelt di che io telégrafo poderia ser usado per vedere cada salto quântico individual?
— Wow! Saltos que produzem a interferência... Interessante! Celulares estão sendo usados para ondas magnéticas prevenirem a agregação da proteína maligna no cérebro.
— Gostaria de mangiare come, Sean? — Indridi foi direta.
Sean mal conseguiu formular a próxima frase. E até teria conseguido aceitar o convite se Elvira não estivesse atrás dela, parada à porta, também, os ouvindo. Indridi percebeu que ela a seguira após sua saída da Ala Rosa onde estivera trabalhando pela manhã.
— Herr Queise almoça sempre comigo, cara Indridi — entrou de supetão. — Talvez tenha me esquecido de alertá-la sobre isso.
“Alertá-la...”; reverberou por Sean e Indridi ao mesmo tempo.
Sean percebeu que se tratando de amor, Elvira parecia conseguir impor suas vontades. E Indridi parecia não querer confusão.
— Ah! Va bene... — Indridi sorriu maliciosa para Sean. — Já io estou alertada — e se levantou. — Ah! Una última coisinha... — e olhou-o de uma maneira inédita. — Aprendemos che Freud, per cireare a ‘Psicanálise’ i compreender a operazione di inconsciente, Sean, fora obrigado a se autoanalisar; analisar i propri sogni, compreender i propri atos falhos e as razões de perche simplesmente esquecia coisas ou cometia vários lapsos, ou enganos durante os esquecimentos — e saiu.
Elvira não gostou da historinha sem nexo dela. Já Sean viu nexo em tudo. Sentiu sim, um recado assustador.
— Não sou sua propriedade Elvira — Sean disse no que Elvira se virou para sair após a saída de Indridi. Elvira saiu sem responder àquilo. — Droga! — foi só o que ele conseguiu falar.
Castelo Stoff.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
17 de dezembro; 11h00min.
Uma pancada seca à porta do Dr. Björn e ele gritou:
— Pode entrar! — disse Dr. Björn visivelmente sonado.
— Precisamos conversar! — Sean falou tão sério, com uma entonação tão forte que fez o Doutor se assustar.
— Sente-se, Herr Queise — suspirou profundamente. Björn sentia-se realmente estafado com aquela noite mal dormida. O Sol penetrava quase que por completo na sala dele e o dia prometia ser quente. — Sobre qual assunto vamos falar agora? — Björn se arrumou na cadeira.
Sean olhou em volta. Viu um sofá ainda desarrumado com dois travesseiros e um cobertor. Ficou imaginando se o Dr. Björn dormiu ali depois da noite agitada.
— Sobre seus internos.
— Outra vez?
— Sim!
— Qual deles?
— “Qual deles”. Exatamente isso.
— Não entendi.
— O quarto.
Björn arrumou-se melhor.
— Quem?
— Não é o Antônio ‘666’ Basquez. Não é Henrique Castella. Nem o terceiro interno Louis Arcade Lamir; é o quarto interno que escondem em algum buraco do Castelo Stoff.
Björn se engasgou com o ar. Ficou tão fora de si que se fosse um pouco maior teria avançado sobre ele.
— Tem sempre acusações muito fortes, Herr Queise! — vociferou.
Sean não se deu por atingido.
— Gostaria que me fosse permitido olhar todos os seus prontuários.
— “Prontuários”? — perguntou petrificado.
— Algum problema em me ceder?
— Não consigo imaginar no que ajudaria ver alguns rascunhos com letras às vezes até inelegíveis...
— Não estou preocupado com sua caligrafia, Doutor. Sei que se apagou algo do computador… — mentiu. —, não o fez com seus prontuários que carrega com toda atenção naquelas papeletas.
Björn levantou-se visivelmente cansado.
— Tem mesmo certeza que é isso que quer?
Sean teve medo do que responder.
— Sim.
— Acompanhe-me, por favor… — saíram da sala em direção do quarto do Dr. Björn que ficava isolado, no fim do corredor do segundo andar sobre a sala de computadores, secretaria, sanitários externos, e outras salas do sanatório do Castelo Stoff. — Entre, Herr Queise! Por favor! — disse ao mostrar a porta de seu quarto.
— Danka! — até então, Sean não havia ido aos aposentos de Björn, antes pertencente ao Dr. Maxuell.
Havia uma antessala contendo uma pequena poltrona e uma grande lareira. Sean caiu sua atenção nela. A lareira realmente nunca fora usada.
— Algum problema? — perguntou Björn da porta do quarto.
Sean o olhou.
— Não!
Elvira tinha razão num ponto, Sean não gostava de Björn Rahn.
Entrou no quarto onde uma cama grande, de dossel, coberta por tecido quadriculado verde e vermelho que a revestia. Uma mesa de cabeceira, uma antiga estante e de novo uma pequena poltrona encostada a uma grande janela, que dava vistas para o fundo do sanatório. Provável tinha vista para as cinco garagens. Depois, um apertado banheiro, com nada de especial.
Sean sentiu o perfume cítrico de Indridi no ar e algumas roupas femininas sobre um cabide. Entendeu que ela realmente ocupava o quarto do tio.
— As informações que precisa estão aí nestes prontuários — e entregou um grande e antigo caderno brochura que tirou de dentro de um baú. — Cuidado! Conhecimento é algo muito perigoso, Herr Queise.
Sean não se deu por atingido.
— Isso não lhe pertence?
— Não! Pertenciam ao Dr. Maxuell. Espero que possa me devolver como o encontrou.
— Acredito que o terá como encontrei.
Björn se virou para sair.
— Vai me acompanhar outra vez?
Sean não esperava tal convite.
— Sim! — exclamou ligeiro.
Eles desceram até o térreo e a Ala Azul foi a única parada. Os internos dormiam. Eles não pareciam ter sido tão afetados pela morte de uma interna quanto a Ala Rosa.
Sean adentrou a Ala Azul e viu Björn indo conversar com o interno Louis. Sean se achou cansado, extremamente cansado. Depois olhou Björn anotando algo, e percebeu que Louis parecia estar cada vez mais jovem desde que chegou a Wirgüs.
Björn levantou-se e foi em direção dele. Sean percebeu que Björn olhou Louis de canto de olho, que fingiu virar-se para o lado e dormir. Björn então arrumou o jaleco e se aproximou do ouvido dele.
— Podemos dar uma volta? — Björn indicou o átrio e Sean não entendeu, mas saiu seguido por ele. — Sabe quando lhe disse que a verdade era perigosa? — Björn ficou olhando Sean o olhar. — “Sempre ocultaremos a verdade divina deles, de que somos todos um!” é um acordo... — Björn sentia-se notoriamente mal.
— Que tipo de acordo?
— Só lhe estou falando porque Louis permitiu que...
— Que tipo de acordo? — insistiu.
— Um acordo reptiliano que Maxuell uma vez citou.
O coração de Sean disparou.
— O que Maxuell sabia sobre esse acordo?
— Nunca me disse. Sempre fui excluído dessas informações.
— Quem era o incluído?
— Louis, Elfriede, Hagster; Elvira talvez.
Sean percebeu a mensagem subliminar. Absteve-se de contar que Laura já o citara.
— Indridi me disse que a família Rahn tem um gosto por alienígenas.
— Indridi disse... — Björn realmente foi afetado pela frase. — Ela disse...
Sean havia blefado como num jogo.
— Até onde Maxuell Reingner foi, Björn? Até onde ele realmente foi?
— Cuidado, Herr Queise — e foi indo embora. — Não imagina quanto sensível é o terreno onde pisa.
Sean olhou o chão em choque. Sabia que a frase fora metafórica, mas o chão estava realmente diferente. Quando ergueu a cabeça não havia mais Björn, nem a segurança pretendida.
— Ola Sean bonitinho? — uma perigosa Heidi o olhava. — Com medo dos acordos que o fratello de Ambrósia faz?
E Sean caiu no chão.
Castelo Stoff.
17 de dezembro; 17h21min.
O quarto estava iluminado e arejado, ele acordou e sentou-se na cama ainda atordoado, sem saber como fora levado até ali. Heidi estava viva, provável tudo o que vivera na Serra do Roncador estava vivo, porque cristais da Terra Oca traziam eternidade.
“Droga!”
Sean deu um pulo da cama e espalhou papéis pelo chão. O Dr. Maxuell Reingner não podia ter sido mais especifico com o interno Klaus Brienn como fora com qualquer outro. Sean havia dado um tiro no escuro novamente, era no quarto interno da Ala Azul que ele devia se empenhar.
Klaus Brienn era seu nome verdadeiro, e a ficha dizia que havia trabalhado nas Waffen-SS como cientista. Sean o conhecia de outras paradas também; Klaus fizera parte da equipe do Dr. Wolfgang Heissler antes de seu suicídio, e também porque o vira naquela viagem astral, erguendo a mão num ‘Heil Hitler!’; a Hitlergruß, saudação nazista variada da saudação romana, adotada pelo Partido Nazista, como um sinal da lealdade e culto da personalidade do Führer Adolf Hitler.
Sean leu mais sobre Klaus, um típico representante da chamada ‘geração perdida’ da Primeira Grande Guerra, que acreditava no ideário nazista, quando aderiu ao partido em 1918 como tantos outros. Logo no ano seguinte, Klaus passou a integrar o privilegiado grupo de amigos pessoais de Adolf Hitler. Ele demonstrava um desprezo profundo pelo que chamava de “farisaísmo e hipocrisia burguesa”.
Nos primórdios do movimento nazista, Klaus revelara-se como um cientista organizador e talentoso, atraindo um grande número de adeptos; todos os cientistas para o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores da Alemanha, o NSDAP, inclusive Maxuell Reingner e Wolfgang Heissler. Klaus então passou a Segunda Grande Guerra entre um campo de concentração e outro até ser nomeado para o posto de oficial maior das Waffen-SS. Sua participação na destruição da vila francesa de Oradour-sur-Glane foi direta. Quando 45 ex-nazistas foram condenados à morte no processo de Oradour-sur-Glane, seus advogados mudaram seu nome e o levaram ao sanatório do Castelo Stoff.
— Como ele pode ter participado da Primeira Grande Guerra? Quantos anos afinal ele tem?
“Sabe qual a coisa que o homem mais sonha Senhorzinho Queise? Juventude! Eternidade!” “Garantir a vida plena é a busca mais intensa da humanidade.”, Sean se recordou.
— Era de Klaus que Maxuell falava — e Sean continuou a ler. — As Waffen-SS foram formadas em Dezembro de 1940, como uma subdivisão das SS, SCHWARZE SONNE ou Sol Negro, na Alemanha Nazi com três funções principais: Tropas regulares, as Verfügungstruppe, SS-VT que servia como tropa de elite lutando ao lado da Wehrmacht, no controle dos guetos e como guarda pessoal de Hitler, as ‘LAH’, Leibstandarte Adolf Hitler. Era nesse último nicho que Klaus Brienn se encaixava — Sean olhou em volta, os muitos papeis espalhados ali. — Por que um cientista geneticista faria parte da LAH? Da guarda pessoal do Führer?
Sean nem sentia fome estudando os apontamentos de Maxuell, continuava a fazer anotações em cima das anotações do Doutor. Havia algo que chamara a sua atenção para com o interno Klaus. Ele era estéril, algo que provavelmente na mente de Hitler para um ariano perfeito, jamais seria permitido. Klaus deve ter escondido esse fato e Maxuell havia feito uma anotação em vermelho por algum motivo que fugia a compreensão de Sean naquele momento. Havia também nas anotações do Dr. Maxuell, algumas observações em caneta vermelha sobre as internas, três em especial. Exatamente as três Senhoras que o encontraram na Ala Verde após ser atacado; Belinda Luchesi, Emille Lydia e Tomio Sakura.
Sean sabia que elas eram diferentes de alguma forma, ele apostava seus ‘tiros no escuro’ nisso; só não sabia ainda no que.
Interessante foi nada achar sobre a interna Laura Nico. O Dr. Björn disse que Maxuell havia trazido Laura pessoalmente ao sanatório do Castelo Stoff e que ela era sua principal paciente até antes de sua morte. E Sean verificou que nada fora arrancado daquele caderno brochura. Björn havia realmente entregue os apontamentos do Dr. Maxuell sob a permissão o interno Louis.
“Por quê?”, se perguntou no abrir de sua porta.
— I armeggiare? — “Eu atrapalho?”, falou Indridi numa voz arrastada, já entrando.
Sean gelou, Indridi era jovem, de corpo bem moldado, mas parecendo uma mulher madura e decidida, e exótica. Usava uma fita azulada nos cabelos, combinando com o vestido curto que usava agora.
Ela andou até sentar-se a beira de sua cama, e alguns papéis espalhados moveram-se.
— Seu ‘zio’ não vai gostar de vê-la aqui.
— Nem il vostro Dottore.
— Ela não é minha Doutora.
— Age come se fosse.
— Estou ocupado Dra. Indridi — e ele só a ouviu rir. — Alguém a viu entrar aqui? — levantou-se a olhar pela porta entreaberta e a fechar.
— No! Suponho! — os grandes e expressivos olhos verdes completavam o belo e delicado perfil que o rosto de Indridi possuía. — Paura del Dottore che ‘solo lei può pranzare con te’?
“Medo da Doutora que ‘só ela pode almoçar você’?”, traduziu Sean que gargalhou.
— Não é me almoçar.
— Ah! Problemi di grammatica.
E ele voltou a gargalhar. Indridi tinha razão, ele precisava sair um pouco.
— Venha! — e deu a mão para que ela se levantasse da cama.
— Mi ha messo fuori?
E Sean voltou a gargalhar.
— Não! Não vou colocar você para fora… Vou comer ‘com você’ — olhou o relógio na parede. — Se não estiver muito cedo.
— Niente è troppo presto per me.
“Nada mais é cedo para mim” Sean traduziu sem entender aquilo.
— Fale português. O máximo que conseguir. Está bem?
— Va bene! — gargalhou com gosto, porque estava gostando de tê-lo por perto, por completo, com todos os detalhes do corpo másculo, que não passavam despercebidos a ninguém, ali com ela.
— Tu non apareceu para o almoço.
— Não estava com fome — Sean saiu e nada ouviu nos corredores, não queria mesmo um enfrentamento com Elvira, não no ponto em que chegava sua investigação. — Por que está vestida para um passeio?
— Ah! Tu notou? Bello il mio vestito Channel, no? Pena! Non tinha amarelo.
E Sean não gostou do que ouviu. Ela parecia provocá-lo.
— Por que tenho a impressão de lhe conhecer?
Indridi sorriu novamente.
— Ho pensato che mi ero presentato?
— Não estou brincando. Conheço-lhe.
— Un'altra vita? — continuava charmosa. — Vamos... Vamos... — saíram do sobrado. — Chega de papo furado e vamos fare una passeggiata con me, Sean. Está crepuscolo.
Sean olhou para cima, escurecia rápido mesmo.
— Não disse que seu ‘zio’ é ciumento? — perguntou em tom de brincadeira.
— Vai continuar a chamá-lo assim?
— Ah! O ‘Björn’, está bem assim?
Indridi sorriu com toda graça que tinha.
Os dois ganharam as alamedas e Indridi enroscou seu braço no dele. O perfume cítrico dela era tão forte que Sean sentiu seu corpo ser invadido pelo cheiro dela. Não imaginou o desespero que a Dra. Elvira e o Dr. Björn ficaram ao assistirem ao mesmo tempo, a mesma cena, apesar de estarem em ambientes diferentes.
— Você tinha razão. Está anoitecendo rápido — Sean olhou para o céu.
— Che cos'è? — Indridi apontou para o céu.
— O que é aquilo? Elas estiveram juntas pela última vez em 2004.
— Quem? — estranhou Indridi.
— ‘Quem’ não, ‘o quê’.
— Ah! Che?
— Vênus e as Plêiades. Juntas em termos de distância, claro.
— Ah! Diz o Pianeta Vênus i o Aglomerado Plêiades?
— Acontece a cada oito anos — Sean apontou. — O Planeta Vênus desliza através do enxame estelar das Plêiades formando um belo conjunto. Não era o que apontava, Senhorita? — Sean olhou para cima.
— Ah! Si! — sorriu. — Bello! — Indridi o ficou observando.
Ele prosseguiu andando tanto que a distância do sanatório do Castelo Stoff ficou cada vez maior. Acabaram por entrar no território da mata fechada que rodeava o castelo.
— É vero, Sean. Non se consegue tirar os olhos di Pianeta Vênus.
— As Plêiades são uma ninhada de estrelas bebê. Elas formaram-se apenas há 100 milhões de anos, durante a época dos dinossauros na Terra, de uma nuvem colapsante de gás interestelar. As maiores e mais brilhantes estrelas do enxame são azulado-brancas e cerca de cinco vezes maiores do que o nosso próprio Sol. Vênus é exatamente o oposto das Plêiades. Deslumbrante, suficientemente brilhante para projetar sombras tênues, e emitir intensos feixes de luz que agarram a nossa atenção, de forma hipnótica.
— Come fai a sapere tutto isso?
— Sou... Interessado — e Sean estancou olhando em volta. — Lembrou-se de jogar os pedacinhos de miolo de pão pelo caminho, Maria?
— Che? — Indridi pareceu não entender.
— Perguntei se sabe o caminho de volta, ‘Maria’ porque eu ‘João’ não sei.
Indridi olhou em volta, viu-se numa mata fechada.
— Ãh... Che è qui, Sean? — olhou em volta assustada.
— A mata fechada que rodeia o castelo.
— Você está brincando comigo? — falou incrédula.
— Pareco estar?
— Sta pazzo?
— Louco? Por que? Não era aqui que queria me trazer? Talvez saber onde acampei com meu cientista?
— Sta pazzo. È vero!
— Com medo?
— Non!
— Se tivesse sido criada aqui teria medo.
— Fui criada in città i non na mata fechada di questo mausoleo.
— Wow! “Mausoléu”? Pensei que tivesse vindo para trabalhar aqui por vontade própria?
— Qual è il tuo problema? Non tenho che gostar del aspecto lugar, non è vero? — respondeu irritada.
— Sei lá… — e Sean deu com os ombros.
Indridi olhou em volta.
— Sta bastante crepuscolo, Sean. Penso che sia meglio retornare...
— Cuidado!!! — gritou Sean puxando Indridi com força, para baixo.
Um feixe de luz se fez arrancando um pedaço do galho da árvore.
— Che... Che... — estava atordoada. — Porca la miseria! Isso foi uno tiro?
— Cale-se! — Sean colocou a mão na boca de Indridi para lhe brecar o som.
Indridi arregalou os olhos. Um som de água parecia próxima, e ambos viram as águas do lago parecerem agitadas.
— Cosa sta succedendo?— ela sussurrou.
— Não sei... — ambos estavam escondidos atrás de arbustos espessos. Sean ia se levantar quando outro tiro quase os acerta. Ele se jogou ao chão puxando Indridi junto. Depois não pensou duas vezes. — Corre!!! — deu a sociedade correndo com Indridi arrastada por ele.
Sabia que de um lado ficava o sanatório do Castelo Stoff, do outro a Vilarejo de Wirgüs, e no centro um lago. Sean e Indridi corriam em meio a umidade do ar que os levava cada vez mais perto para a opção do meio.
Sean viu entre arbustos espessos e árvores cerradas uma iluminação fora do comum vindo do lago. Outro tiro passou de raspão, e ele achava que os tiros não eram para eles. A presença dele e de Indridi ainda não havia sido notada.
Contudo alguém tentava matar alguém e ele tentava imaginar o porquê.
Mais tiros e um grito seguindo de um estrondo. Alguém fora atingido dessa vez, e sua queda no chão provocou aquele som estridente. Indridi agarrada a Sean tentava colocar todo seu sentido auditivo para funcionar, mas o silêncio reinou na mata fechada que rodeava o castelo.
— Sean?
— Psiu! — pediu ele.
A umidade do ar era crescente e nova movimentação de água no lago fez um som característico invadir seus tímpanos. Eles se arrastavam para mais perto do lago e alguns galhos arranhava-os vez ou outra, quando os dois chegaram num ponto da extremidade do lago que não podia mais ultrapassar ou ficariam no campo de visão de quem quer que estivesse por lá.
Sean ficou parado, vendo o que o movimento das águas realmente produzia; a saída de uma peça redonda, dourada e brilhante que parecia submergir das águas.
— Uno UFO-nazi? — foi Indridi que nitidamente expôs sua descoberta.
Sean a olhou apavorado talvez mais do que ela. Depois voltou a olhar a nave que mais lembrava um prato dourado com uma redonda de vidro onde uma cruz suástica estava desenhada no que imaginou ser a cabine de comando. Sean já havia visto aquele UFO, no Monte Epomeo, na Ischia, quando Vincenzo Bertti e agentes da Poliu invadiram para resgatá-lo.
“Droga!” Sean também se lembrou de que dentro tinha um alienígena azul, um reptiliano que estava fugindo de EBEs feitas de cristal azul, sob o comando de crocodilos humanoides enegrecidos como a Heidi que voltou dos mortos.
Quando a nave submergiu totalmente das águas escuras do lago de mata fechada, que rodeava o castelo, passos atrás deles se aproximavam cada vez mais.
— Corra!!! — gritou ele, Sean e Indridi resolveram que era hora de correr; e muito. — Corra!!! Corra!!! Corra!!!
Corriam quase sem rumo, sem saberem para onde estava indo, se embrenhando cada vez mais. Sean começava a desgostar daquela corrida quando um tiro acertou Indridi na perna.
— Ahhh!!! — gritou Indridi ao cair. — Sean, socorro!!!
Sean se virou atônito, havia por algum motivo se distanciado muito dela.
— Droga! — exclamou nervoso ao vê-la caída. Não parou nem para ver o que tinha acontecido, pegou Indridi nos braços e saiu em disparada para ódio de alguém que descarregou projeteis para todos os lados.
Agora sim sabiam da presença deles.
Alguns galhos lascados o acertaram, Sean caiu com Indridi ao sentir seu rosto perfurado por duas lascas.
— Ahhh... — Sean as arrancou sentindo seu olho direito tomar-se de sangue, agarrou Indridi nos braços novamente e ela começava a dar sinais de desfalecimento.
Sean correu tropeçando em galhos que lhe trançavam os pés. Indridi sangrava muito e ele não conseguia ver a extensão do ferimento.
“Droga!” os dois caíram no chão úmido e escuro outra vez no que o piso traiu-lhe. Sean tocou no rosto de Indridi e a sentiu perdendo temperatura.
— Indridi?! Indridi?! — gritava sem ela responder. E sem tempo para respostas, lançou-a sobre seus ombros e correu; e correu até perder o sentido de onde poderiam realmente estar. Sem rumo, sem saída, sem noção Sean girava em torno dele mesmo com Indridi desmaiada nos ombros. — Droga! Droga!
Uma luz se mostrou no final da clareira e Sean correu apesar do peso de Indridi, que era magra, mas encorpada, se dando conta que os passos atrás deles pararam. Seu coração disparou mais rápido e ele girou outra vez em volta de seu próprio corpo atônito, sangrando, segurando Indridi.
E Sean só teve tempo de ter um pressentimento e uma língua gelada e azulada agarrou-lhe o sufocando. O corpo de Indridi foi aos seus pés e Sean debatia-se para tentar respirar.
“A quimera!”, concluiu.
Sean não conseguia enxergar tentando afrouxar a língua gelada e azulada que o enforcava, que aos poucos delineava, apesar da noite escura. Sean tateou os bolsos da calça tentando encontrar algo e só o que achou foi uma das ferramentas que pegara na caixa para abrir os computadores, esquecida ali. Furou a língua gelada e azulada da quimera que deu um grito gutural tão alto que Sean ensurdeceu por segundos.
— Arghhh?!
— Ahhh!!! — e Sean caiu no chão atordoado.
Limpou o sangue do rosto e pegou Indridi a arrastando pela grama até conseguir outra vez jogá-la sobre seu ombro e correr. Ele não conseguia pensar, isso lhe fazia suar cada vez mais frio. Sua percepção de direção estava tão afetada que acabou por se chocar com a quimera, voltando para trás com o peso de Indridi que outra vez tombou na grama úmida.
Sean sentiu o frio da textura em que esbarrara sem ainda conseguir vê-la nitidamente por causa da escuridão provocada pela vegetação fechada. Perguntou-se se talvez a quimera não estivesse invisível de alguma forma.
Ameaçou alcançar Indridi e um novo grito gutural, seguido da língua gelada e azulada que o agarrou.
— Arghhh?!
E Sean foi lançado metros longe arrancando galhos, se chocando com o tronco, caindo atordoado.
De repente os gritos guturais se afastaram e Sean temeu o pior.
“Indridi?” foi só o que pensou.
— Não!!! — correu atrás da quimera que arrastava Indridi para longe. E corria já com toda sua estrutura emocional afetada. Não enxergava nem pensava direito. Só o rastro confuso de um líquido azulado misturado a grama úmida, arrancada pelo corpo de Indridi que se afastava cada vez mais rápido. — Não!!! — e Sean se projetou sobre algo realmente úmido, azulado e pegajoso que passou a se debater ao contato do corpo dele.
Sean a socou uma e duas vezes até uma risada dos mais profundos infernos soar da boca da maldita. Ele se arrastou para longe sem ainda ver nitidamente com quem lutava, e outra vez agarrou Indridi que sangrava. Sean se ergueu e correu quando uma língua gelada e azulada o laçou-lhe pelas pernas fazendo cair os dois. A quimera o queria de todas as maneiras; lançando-o novamente para cima das árvores e o trazendo de volta até o chão, onde ele caiu para depois ser lançado novamente pelos ares até se chocar com as copas das árvores.
Mas Sean também a machucava como podia, a furando desesperadamente com a ferramenta enquanto voava por todo o lago da mata fechada que rodeava o castelo. Um líquido azulado começou a escorrer e outro grito gutural ensurdeceu-o.
— Arghhh?!
Sean foi ao chão úmido pela última vez, agarrando Indridi num último sopro de estabilidade, correndo em disparada sem olhar para trás. E apesar do cansaço e do peso, não diminuiu a corrida alcançando uma clareira de onde vinha uma luz de farol, se projetando pela estrada que margeava a densa mata fechada que rodeava o castelo.
Sean e Indridi quase foram atropelados por um caminhão de carga, que acabou freando em cima dos dois. Sem que o motorista pudesse compreender o que estava acontecendo, Sean jogou Indridi no engradado do caminhão e se projetou para dentro da boleia, ameaçando o motorista com a ferramenta na mão suja de um líquido azulado, que mal sabia o que era.
— Dirija!!! — gritou desesperado.
O motorista acelerou em disparada estrada a fora, tão rápido, que Sean só viu a enorme sombra da quimera azulada que os perseguia, ao chegar ao fim da estrada, depois que estavam longe.
Escapara outra vez, sem ainda saber de qual dos internos.
17
Choupana do casal Ximenes.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
18 de dezembro; 09h00min.
— Você vai fazer o que estou lhe dizendo? — Sean suava pela baixa da febre.
Tinha uma blusa e uma calça emprestada, que o deixava diferente do Sean Queise que usava Armani, com roupas compradas por Kelly, que o sentia cada vez mais longe dela.
— Isso vai lhe custar caro, Sean — respondeu Anneta Mitzi do outro lado da linha.
— Já disse que pode pedir o que quiser — dizia tremendamente irritado ao telefone. — Dinheiro nunca foi problema.
— Com tanto que eu seja uma menina obediente?
— Com tanto que seja uma menina discreta e eficiente.
— Não parece muito feliz em saber que ela também...
— Chega! Não quero que toque nesse assunto com ela. Faça apenas o que lhe mandei; e faça do jeito como eu disse a respeito do Dr. Björn — e desligou o telefone emprestado.
A sala estava vazia, o telhado estalava pelo excesso de neve que caíra de madrugada.
— Confia nela? — sussurrou Indridi de repente por detrás dele na porta do quarto.
Sean olhou em volta e voltou para o quarto com ela fechando a porta.
— Não confio em ninguém, Indridi.
— Non io?
— E quem é você, Indridi, para que eu confie? — perguntou irônico.
— Sta duvidando de mim troppo?
— Como está sua perna? — desviou a conversa.
— O tiro foi de raspão — respondeu uma mulher de meia-idade, com a cabeça toda rajada de fios brancos e pele muito vermelha, entrando no quarto.
— Danka, Frau. Eu não sei o que teria sido de nós se não tivessem nos abrigado.
— Mal tivemos tempo de nos apresentar, né? Meu nome é Augusta — esticou uma mão calejada.
De rosto rechonchudo, Frau Augusta, esposa do caminhoneiro, e que tinha covinhas quando sorria. Seu sotaque caipira demonstrava sua condição social local.
— Sou Sean Queise.
— Sabemos quem é. Não se fala noutra coisa em Wirgüs onde meu marido faz carreto.
— É! Devo ser figurinha tarimbada.
Frau Augusta sorriu até ficar mais vermelha. Um homem gordo e grande, usando calças de suspensórios e casaco pesado de lã, mordiscava um pedaço de algum tipo de planta quando adentrou no quarto.
— Apesar do susto de quase tê-los atropelados, estamos felizes que estejam bem — e viu Sean abaixar a cabeça sem graça por tê-lo ameaçado com uma ferramenta. — Sou Ximenes — esticou uma mão grossa.
— Sou Sean. Essa é a Dra. Indridi.
— Mais uma médica por aqui?
Indridi olhou Sean pelo canto dos olhos.
— Desculpe-me mesmo pelo que fiz.
— Não há problema, meu jovem. Se estivesse sendo perseguido por ladrões atirando em mim, também faria o mesmo.
Sean e Indridi voltaram a seu olhar.
— Poderia nos deixar um pouco a sós, por favor? — pediu Sean ao casal Ximenes, passando a mão num talho bem profundo na face direita onde as lascas haviam feito estrago.
O casal havia saído após um breve sorriso.
— Sta doendo? — perguntou uma Indridi por deveras assustada.
Sean estava absorto em seus pensamentos.
— Já tinha visto aquilo antes?
— Pensi che se avessi visto prima di quel mostro, stava tranquillamente camminare solo pelo sanatório?
— Falo da nave! — Sean exclamou tão alto que Indridi tremeu.
— “Nave”?
— Sabe mesmo do que falo não?
— Che? — Indridi ficou momentaneamente confusa.
— Viu a nave Indridi? Um mito baseado na criação e voo de UFO-nazistas? — e Sean mediu cada gota de suor dela. Ela mentia com certeza. — Se pudéssemos realmente entender as pretensões nazistas em dominar o planeta, então temos uma Alemanha lesada pela Primeira Grande Guerra, crescendo sob a revolta e o desejo de vingança, criando sociedades secretas como a VRIL, como a LINK, que executaria entre outras coisas projetos da psique humana e espiritualidade, como os espiões psíquicos que a Poliu desenvolveu.
— Che sta parlante, Sean?
— Estou falando na busca dos nazis em descobrir a sabedoria da Lemúria, Atlântida e suas tecnologias avançadas, os segredos astronômicos das antigas ruínas como Stonehenge, ou programas matemáticos para grandes viagens espaciais entre dobras do espaço-tempo continuum ensinadas aos Sumérios, que usavam a mesma linguagem das civilizações de Aldebaran, mantendo grandes semelhanças com a germânica, a raça primária, a raça-mãe.
— “Aldebaran”? Fala de alienes?
— Bem informada para uma psiquiatra — ele viu Indridi se limitar a uma careta. — Sim. Uma linha através das ‘Três Marias’ o leva a estrela Aldebaran, em Touro, e de lá para as Plêiades, também conhecidas como ‘Sete Irmãs’. Alienígenas, Dra. Indridi, e pelo que comumente corre na Internet e nem tudo levo em conta, das raças esta é a única que merece confiança dos humanos, apesar de serem sub-raças. Dizem que possuem grande desenvolvimento espiritual, são altos e possuem longos cabelos dourados. Além do que são aliados à Confederação Intergaláctica Espacial. Aliás, o Dr. Maxuell Reingner me disse que era um deles… — Sean olhou Indridi o olhando com interesse. —, um dos membros da confederação.
— “Confederação Intergaláctica Espacial”? Fantascienza!
— Mas não é ficção científica, porque contam através de mestres ascensionários que os mentalizam, ou psicografam, não sei, mensagens que contam que diversos governos da Terra estão trabalhando com os Zeta Reticuli, um povo alienígena que incita à guerra.
— E quem são os Zeta Reticuli?
Sean esperava outro tipo de pergunta, mas prosseguiu.
— Os Zetas Reticuli Greys, ou cinzentos, vem de Zeta Reticulan, próximo à estrela Barnard, nas vizinhanças do sistema estelar de Orion. Algumas Plêiades são subservientes aos Zetas que estão acostumados a abduzir as crianças Plêiades e treiná-las como servos.
— “Servos”? Porca la miseria! Viaggiando in maionese.
Sean não gostou do deboche.
— Fale o que quiser Senhorita, mas dizem que há uma espécie de lei espacial que proíbe as Plêiades de interferir nos grandes acontecimentos da Terra, a menos que haja riscos, como uma guerra atômica, e esta atinjam grandes dimensões. Então as Plêiades irão interferir, mas não acabar com a guerra; apenas diminuirão as consequências. E algo ou alguém durante a Segunda Grande Guerra conseguiu que as Plêiades, ensinassem aos nazis como construir naves em troca de uso de material genético para a criação de híbridos, porque achavam estarem contribuindo para um bem maior.
— Quem?
— Michel Shipton! — e Sean viu os olhos de Indridi a traírem. — Desgraçada!
E Indridi acordou de tudo.
— Sta pazzo?
— Louco? Eu? — e se aproximou dela, de muito próximo a ela. — Por que Trevellis mandou você?
— Che?
— Não se faça de idiota porque nunca foi idiota Srta. Indridi. Quero saber o que Trevellis pretende mandando você falando italiano?
— Mas Io...
— Chega?! — Sean exclamou tão alto quer o casal Augusta e Ximenes, na sala, se olhara. — Como se atreve a me enganar assim? Estou aqui para ajudar a Poliu também, que se não percebeu, perdeu as rédeas daquele castelo dentro da Terra Oca.
E Indridi voltou a acordar.
— Terra Cava? — e olhou em volta tocando a parede. — Stamo na Terra Cava? — e ela encontrou Sean Queise com os olhos faiscando de raiva.
— Como se atreveu?
— In realtà non sa cosa si sta parlando.
— Wow! Agora realmente não sei do que estou falando?
— Cosa sta succedendo?
— Responda você! Porque estamos no meio de alemães adoradores de alienígenas.
— Nem todos alemães Signor Queise.
— Diga você então se os nazis eram os mocinhos?
— Non existem lado buone in una guerra, Signor Queise.
Ele sabia que ela tinha razão, mas não entrou no mérito da questão. Ficara claro que Michel Shipton havia feito um acordo com as plêiades, que havia feito um acordo com Klaus Brienn, e talvez com os crocodilos humanoide também, que dominaram os plêiades azuis, que fugiam em UFO-nazis pelas muitas entradas da Terra Oca, e que haviam feito acordos com a Poliu, sob o intermédio de Vincenzo Bertti, que fazia muitos acordos.
Sean caiu sentado, cansado, com dores no rosto ferido.
— Io tinha che fazer aquilo…. — soou Indridi num português de Portugal. — Mostrar a Björn que estava do lado dele, brigando com você na delegacia.
E Sean teve medo de continuar aquilo.
— Por quê? — e Indridi se esticou alcançando o rosto dele, que passou a mão delicada. — Pare com isso! Eu sei quem você é.
Indridi se largou da mão dele.
— Non tenho a mínima ideia di chè fala.
— Pare de falar italiano. Eu sei que Trevellis lhe mandou aqui.
E Indridi não sabia mesmo que direção tomar.
— Sean…
— Como pôde? Como teve coragem de me sofrer?
E Indridi também não sabia se ele havia entendido toda a extensão daquilo.
— Io non tive alternativa.
— Nunca tem não é Senhorita Agente da Poliu?
Indridi sorriu com amor no coração, nos olhos, em todo seu corpo.
— Io também sofri Sean…
— Deus! — e Sean se ergueu olhando a neve cair pelo vidro da janela do quarto do casal Augusta e Ximenes. — Eu nunca vou entender não é Ambrósia?
E Ambrósia/Indridi chorou. E chorou como nunca em toda sua breve vida havia chorado.
— Io davvero non tive alternativa.
— Esse… — e Sean a olhou chorando. — Esse corpo?
— preso in prestito
“Emprestado” traduziu Sean..
— Deus... — caiu sentado chorando. — Eu sofri com sua morte Ambrósia.
— Ambrósia non existe Sean, ficou nas viscere di una terra cava.
— Desgraçada.
— Per favore Sean...
— Não! Não Ambrósia, Trevellis sabia que se a Poliu atacasse os crocodilos humanoides naquela entrada, eles iam ter que fugir cada vez mais para o centro da Terra, para atacar Agartha.
— Eles attaccato!
— Deus… — e Sean não sabia mais o que falar, estava em choque com tudo, com os segredos de uma vida pouco compreendida. — Karl Marx tinha razão quando disse a Hegel que a primeira vez havia sido tragédia, a segunda vez, farsa.
— L'ho detto uma vez.
— Não Ambrósia, está acontecendo, aqui, agora.
— Non capisco.
— Mas eu estou entendendo sim — levantou-se arrumando a camisa emprestada por Herr Ximenes, dentro da calça também emprestada.
— Dove stai andando? — Aonde sta indo?’ foi a pergunta.
— Se comunique com Trevellis. Mande-me encontrar na vaga do Audi! — e saiu.
— Sean?! — ela gritou ainda de dentro do quarto, mas Sean não voltou.
Ele encontrou o casal Augusta e Ximenes na sala, que se levantaram do sofá aonde os esperavam acabar a discussão ou seja la o que fosse aquilo, já que viram Sean Queise sair dela enxugando lágrimas.
— Herr… — Augusta ainda tentou uma comunicação.
— Preciso de uma carona! — foi só o que Sean disse.
O casal se olhou.
— Não devia sair agora, há uma nevasca prometida para hoje de manhã.
— Preciso ir a Triesen..
E o casal voltou a olhar-se quando Augusta deu um ‘sim’ num movimento de cabeça.
— Está bem!
Mas antes Frau Augusta, eu sei que já abusei muito de sua bondade, mas poderia lhe pedir um último favor? — ele viu a mulher lhe sorrir cortês. — Conhece alguém que pudesse entrar num lugar sem ser visto e sem ser pego? — e viu Frau Augusta sorrir marota. Ele agradeceu o sorriso com outro igual, sabendo o aquele sorriso significava. — Vamos?
— Vai ter que ter um pouco de paciência jovem, meu caminhão é velho, e demora a pegar.
— Não se preocupe com seu caminhão Herr Ximenes, ele vai pegar assim que eu tocá-lo — e Sean saiu.
Ambos se olharam sem entender muito bem o que ele falou e o som do motor funcionando os alertou. O casal correu até a porta da casa e o caminhão que demorava horas para pegar, funcionava, com Sean dentro da boleia, o esperando.
Ximenes achou graça sem muito entender como aquilo foi possível, e beijou carinhosamente a face vermelha de frio de Frau augusta, se despedindo.
— Aonde vamos exatamente? — perguntou Ximenes o olhando distante.
— Durante a Segunda Grande Guerra, os aliados tomaram um campo de concentração nazista e de lá resgataram 885 prisioneiros. Desses, 431 estavam com sarampo, 188 com tuberculose, 30 com tifo e 236 não tinham nenhuma doença.
— Sorte?
— Não Herr Ximenes, hibridismo — e Sean viu que Ximenes nada perguntou, nada cogitou. — Como sobreviveram? — e Sean viu que outra vez Ximenes não sabia que rumo tomar, não sem o consentimento de Augusta. — Quer voltar lá dentro e perguntar o que ela acha que deve responder?
— Se você já tem todas as respostas Herr Queise.
— O problema Herr Ximenes, é que não tenho todas as respostas, porque não sei como controlar esse maldito dom nem se enlouqueço cada vez que acho que tenho as respostas.
— Dr. Wolfgang Heissler nos coletou quando chegamos a Terra.
— Quem os trouxe?
E Ximenes apertou o volante do caminhão dando partida. O caminhão começou a ganhar a pista de neve e ambos começaram a se afastar da casa.
— Um homem. Híbrido.
— Michel Shipton?
— Esse!
— E isso foi quando?
— Por volta de 1930, na contagem terrestre.
— Quantos vieram?
— Milhares de nós.
— Quantos sobrevieram a viagem?
— Metade de nós.
— Quantos foram levados a campos de concentração?
— Não era um campo.
— Eu sei! Eram campos de pesquisas, laboratórios como o do Castelo Stoff, para o qual Klaus Brienn os levava.
— Sim. Esse Klaus.
— E o que Michel teve em troca levando vocês a Klaus?
— Poucos entendiam da coisa toda. Aplicavam-nos todo tipo de testes, alguns que não vai querer saber o que são Herr Queise. Já próximo ao fim da Segunda Grande Guerra, eles começaram a administrar um intrincado preparado de ervas, de cor azul, que propunha algo que os deixava animados.
— Transformar vocês em humanos, em super-humanos.
— Nunca entendemos muito bem o porquê daquilo tudo.
— Quem os salvou?
— Um Herr de nome difícil.
— E ganharam identidade e visto?
— Sim.
— E por que ainda há internos no Castelo Stoff?
— Porque eles não conseguiram fazer o líquido azul funcionar neles.
— O que há de diferente neles?
— Não sei, mas todo Vilarejo de Wirgüs são alienígenas de muitas paragens. Alguns deixados aqui há tanto tempo que perderam suas identidades galácticas.
— “Identidades”? Wow! — Sean queria não ter entendido, mas entendeu. — Deborah disse naquela trilha, que uma das mais surpreendentes manifestações de PK ou psicocinese aconteceu em Paris, na primeira metade do século 18, precipitada pela morte de um diácono jansenista de nome François de Paris, o que gerou uma sociedade puritana de católicos de influência holandesa, conhecida como jansenistas, com a capacidade de suportar sem dor uma variedade quase inimaginável de torturas físicas; açoitamento, facadas, estrangulamentos que não deixavam marcas nem os matavam.
— Por que está dizendo isso Herr Queise?
— Porque Michel Shipton trabalhou no Manuscrito Voynich, porque ficava cheirando e catalogando plantas.
E o silêncio.
Triesen, Comuna de Liechtenstein.
47° 6’ 0” N e 9° 32’ 0” E.
18 de dezembro; 11h11min.
Ambos chegaram à garagem onde Sean deixara o Audi e lá cinco homens de terno preto o esperavam.
— Quer mesmo ficar aqui sozinho Herr Queise?
Sean viu o braço de Ximenes cristalizar.
— Sim Herr Ximenes. Obrigado pela carona — e Sean abriu a porta.
— Herr… — a voz de Ximenes o alcançou. — Sabe mesmo controlar a força Vril que usou para ligar o caminhão?
Sean olhou os cinco homens de terno preto lhe olhando.
— Não… — e Sean se foi.
Ximenes deu meia-volta e foi embora.
— Olá filho de Oscar… — Mr. Trevellis não podia ser mais cínico.
Sean o viu sentado numa mesa, sob um toldo colorido, com duas taças e uma champagne no gelo. O bar aonde se sentava havia sido esvaziado, e lá, só eles dois e os cinco homens de terno preto.
— Olá, Trevellis. Percebo que sentiu saudades minhas.
Mr. Trevellis era um homem que beirava a idade de Oscar e de seu pai. Moreno jambo, com proeminente barriga, confortavelmente vestida sempre com os melhores ternos italianos. De família rica e influente Mr. Trevellis era um ‘mister’; a Poliu se orgulhava das melhores linhagens em seu comando.
Ele tirou os óculos italianos e dois astutos olhos esverdeados apareceram.
— Não tenho muito o quê falar com você, filho de Oscar — Mr. Trevellis voltou a sentar-se à mesa próxima a murada.
Sean sentiu aquilo, aquela frase, e um dos homens de terno preto se aproximou abrindo a champagne gelada.
— Não é Dom Pérignon? — ironizou.
— Não, filho de Oscar. Você parece que comprou todo estoque da região.
Sean gargalhou. Sabia que ele o vigiava.
— Não foram minhas habilidades hackers que levou a Poliu me trazer até aqui, não é Trevellis? Foram meus ideais e minhas ideias UFO-nazilógicas.
— O que houve com seu rosto bonito? — Mr. Trevellis limpou o suor dos óculos totalmente confortável.
Mas Sean não estava a fim de um papo entre amigos.
— Sabia Trevellis, que velhos recortes de jornais contam que antes de começar a Segunda Grande Guerra, alemães estavam por toda a parte do Novo México explorando cavernas e minas, comprando propriedades e se engajando em todo tipo de atividades misteriosas? Ou sabiam que Hitler possuía grupos de ‘construção subterrânea’, ou ainda sabiam que havia uma Base nazista-alienígena sob as montanhas de NEU SCHWABENLAND, na Antártica, com caçadores de armadilhas, coletores e zoólogos, botânicos, agrônomos, microbiologistas, parasitologistas, biologistas marinhos, ornitologistas e muitos outros; onde, possivelmente, a Antártica era verdadeira base por onde os alienígenas acessavam a Terra Oca.
Agora Mr. Trevellis sentiu-se notoriamente incomodado.
— Velhos recortes de jornais?
— Sabia que correria com o rabo entre as pernas se eu denunciasse a Terra Oca aso hackers, não? — Sean foi direto.
Mr. Trevellis riu.
— Comendo muito tarde e tendo pesadelos, ou andou falando com aquela maluca da sua Mona amiga?
— Nenhum das duas opções, Trevellis. Eles fizeram questão de visitar Wolfgang.
Mr. Trevellis arregalou os olhos até sua cara redonda, de um jambo brilhante quase explodir. E se não fosse realmente pela pele jambo, Sean diria que ele empalidecera.
— Eles o quê?
— Usando botas pretas reluzentes, extremamente reluzentes.
— O que quer de mim, seu moleque atrevido? — bateu com força na mesa que balançou as taças do champagne caro, que Sean bebeu.
— Por que o partido nazi desencorajava ativamente certas sociedades místicas e secretas, chegando a internar e executar diversos místicos conhecidos na Europa, nomeadamente membros da Maçonaria Livre, se foram criadas organizações místicas como a Sociedade Thule, o Sol Negro ou Schwarze Sonne, a Sociedade VRIL, a LINK e outras, normalmente ligadas a corpos de elite das SS, e adaptando crenças, rituais e iniciações específicas?
— Que pergunta complexa, filho de Oscar. Não o mandei ao sanatório do Castelo Stoff para...
— Não! Mandou-me lá para provocá-los, para vê-los sair da ‘toca’, para poder matá-los um a um como não fizeram antes.
— Está delirando... — gargalhou.
— Por que os nazis organizaram expedições ao Tibet, Nepal, ao Ártico e à Antártica em busca da nação Ariana de Hiperbórea, cuja Cidade de Agartha foi supostamente construída pelos antepassados extraterrestres das raças arianas, provenientes das Plêiades, tão íntimos dos Sumérios?
— Você...
— Eu o quê? Estava testando minha inteligência me mandando um programa matemático escrito por alienígenas Plêiades, para que os sumérios estudassem astronomia, Trevellis? Por que eles precisavam estudar astronomia Trevellis? Talvez por que alguns iriam para lá outros viriam para cá? Talvez usando naves que foram documentadas, descritas sobre montagem e tal, aos nazis?
— Fedelho! — Mr. Trevellis tremia de raiva.
— Sabia, Trevellis, que o III Reich gastou muitos recursos e tempo em pesquisas, com vista a criar uma base que tivesse aceitação popular sobre a origem cultural, científica e histórica da raça Ariana superior? E que ainda foram organizadas expedições similares em busca de objetos semimísticos que se acreditava trazerem consigo poderes especiais ao seu portador, como o Santo Graal e a Lança do Destino? As mesmas relíquias que Alcântara Jr. buscava na Serra do Roncador, naquela Cidade de Posid que não tinha água potável.
E Mr. Trevellis o olhou, olhou, e riu com gosto.
— Vou dizer que você enlouqueceu para todas as bolsas de valores, ‘filho de Oscar’! Vou derrubar as ações da Computer Co. o internando no sanatório do Castelo Stoff! Vou...
— Vai? Não foi você quem teve o prazer de me apresentar a Maxuell Reingner?
— Não me provoque ‘filho de Oscar’.
— Não me chame assim! — vociferou.
— O que há? Sei atingi-lo também?
— Qual delas, Trevellis? — cortou-o. — Qual das internas é a alienígena plêiade pura que Wolf testou suas plantas azuis a fim de transformá-la num super-humano?
— Você ficou muito tempo próximo a loucos, filho de Oscar.
— Quem delas?! — gritou fazendo os cinco homens de terno preto se postarem ao lado deles.
Mas Mr. Trevellis ergueu uma mão e os cinco se afastaram.
— É sabido por espiões psíquicos que no desenvolvimento de muitas outras raças também apareceram na Terra, na época da Lemúria, uma raça de cor azulada; alienígenas de pensadores profundos cuja filosofia de vida foi dedicada à meditação e a filosofia existencial pura; e que não foram capazes de sobreviver durante os processos evolutivos da Terra.
— Uma raça azulada?
— Sim — Mr. Trevellis sorveu todo champagne.
— Eu conheci Akhilesh, Trevellis.
Mr. Trevellis quase vomitou todo o champagne.
— Desgraçado! Você o mentalizou?
— Não, Trevellis. Vincenzo Bertti ainda está naquela cabana, noutro corpo do qual não irei reconhecer, como Ambrósia no corpo de Indridi.
E Mr. Trevellis perdeu o ar. Passou a mão pelo rosto jambo brilhante pela emoção, e olhou os cinco homens de terno preto ali, os dispensando.
— Se a Poliu souber…
— Wow! Se a Poliu souber? Está me dizendo que está escondendo os irmãos Bertti da Poliu?
— Estou dizendo? — foi o mais cínico possível.
E Sean precisou tomar folego, porque estava chutando tudo aquilo.
— Por que Vincenzo Bertti voltou?
— Eu o chamei!
E Sean precisou de mais folego.
— Para que?
— Para impedir que eles voltassem.
E mais folego.
— Então não os queria tirar da toca?
— É claro que não filho de Oscar! Eu os coloquei lá, trancados depois que explodi as entradas da Terra Oca.
— Mas faltava o Vilarejo de Wirgüs.
— Faltava o Vilarejo de Wirgüs e o Castelo Stoff.
— Sem a Poliu saber?
— Isso, filho de Oscar! Sem a Poliu saber.
— Ou você estaria encrencado por ter perdido Michel, Heidi e Klaus, que estão confortavelmente instalados no Castelo Stoff.
— Os viu? — Mr. Trevellis teve medo do que perguntou.
— Não! — e Sean viu Mr. Trevellis abaixar a cabeça. — Sim! — o viu levantar a cabeça. — Vi Klaus Brienn, em abril de 1945 — e toda cabeça de Mr. Trevellis brilhou novamente pela emoção.
Mr. Trevellis aproveitou e sacou um charuto do bolso do casaco de corte italiano e encarou Sean Queise.
— O quê? Preciso comemorar, não?
— Quem era Laura?
E Mr. Trevellis parou.
— Por que quer saber?
— Porque ela mandava em Elvira Heissler — e Sean ficou no vácuo. Mr. Trevellis não queria entrar nos detalhes daquela operação, não sabendo que Sean tinha que trabalhar sem perguntas. Mas Sean tinha muito mais que perguntas. — Ela me atacou!
— Elvira? — arregalou os olhos verdes.
— Não! A quimera!
Mas Mr. Trevellis demorou para voltar a respirar.
— Quando?
— Ontem! Eu e Indridi! — e o olhou lhe olhando. — Eu e Ambrósia.
E Mr. Trevellis gargalhou com gosto quando Sean lembrou-se de algo que Elvira falara.
— O que foi filho de Oscar?
“A coisa é séria. Se esse homem, esse tal de Akhilesh chegar perto do Dr. Björn a pequena chama vai virar um incêndio outra vez.”
Sean quis mesmo ter entendido aquilo.
— Por que mandou agentes seus ao sanatório do Castelo Stoff em janeiro?
Mr. Trevellis escorregou os olhos esverdeados para o lado e viu Sean fazendo algo.
— O que está fazendo?
— Por que fazer relatórios de onde vieram?
— O que está fazendo filho de Oscar? — e Mr. Trevellis viu Sean se tomando de rabiscos.
— Não me chame desse jeito!!! — alterou-se sabendo que ele queria ter dito muito mais que chamá-lo daquele jeito, mas Mr. Trevellis apenas jogou em cima da mesa uma passagem de trem. Sean se estabilizou e olhou a passagem, olhou para ele e voltou a olhar a passagem de trem. — Para onde é isso?
— Alsácia-Lorraine.
— Acha que vou… — e parou. — É onde as listas de ufologia dizem que há uma base do tipo ‘Dulce’? Base, diria, a favor de alienígenas com direitos a experimentos neles, com eles e por eles.
Mr. Trevellis caiu em sonora risada.
— Spartacus até já andou por lá, não ‘filho de Oscar’? — Mr. Trevellis o viu o observando com cuidado. Na verdade Sean nunca sabia onde pisava com Mr. Trevellis. — Mas não! Nada sei sobre bases militares deixando alienígena fazer experimentos com seres humanos ou com outros alienígenas! — exclamou Mr. Trevellis visivelmente a contragosto. — Escolhi Alsácia-Lorraine por conjetura. O affaire de Oradour devia provocar em Liechtenstein, quase 10 anos depois, profundo abalo. Um terço dos soldados do Regimento Der Führer eram jovens alsacianos alistados compulsoriamente, como, aliás, muitos alemães nas Waffen-SS. Doze deles, entre vinte acusados, se reencontraram diante do Conselho de Guerra de Bordéus, onde foram julgados em virtude de uma lei momentânea sobre culpabilidade coletiva.
— Quem está em Alsácia-Lorraine me esperando?
Mr. Trevellis gargalhou.
— Você é uma figura, ‘filho de Oscar’.
Sean levantou num rompante, levando a cadeira ao chão.
— Não sou filho dele. Nunca mais repita isso.
— Espanta-me um hacker de seu calibre nunca ter investigado o passado do seu ‘protetor’ — fez um gesto com os dedos para imitar as aspas. — Ou de seu ‘pai’ — prosseguiu. — Digo dos dois.
Sean balançou o pescoço totalmente descontrolado.
— Não vou discutir isso com você, Trevellis.
— Ah! Não vai mesmo. E sabe por quê? Porque pouco me importa o que sua mãe andou fazendo quando se separou de seu pai após um casamento relâmpago.
— Cale-se!!! — gritou ao lançar a garrafa longe.
Os cinco agentes se olharam e Sean voltou a se tomar de rabiscos sem que dessa vez Mr. Trevellis dissesse algo. Sean sumiu da vista dele e Mr. Trevellis caiu em sonora gargalhada outra vez.
Adorava o ‘filho de Oscar’.
Mas Sean se materializou no carro-restaurante. Uma moça com roupas típicas da região servindo vinho numa mesa quase derruba tudo ao vê-lo ali, lhe olhando.
— Para dois! — Sean pediu ainda em pé, atrás dela, e Gyrimias sobressaltou.
— Parcelado todos meus medos, como sabia que eu estava aqui Senhor?
— Preciso responder? — Sean sentou-se com o vinho sendo servido pela assustada moça de roupas típicas e olhou em volta. — Há quanto tempo está viajando Gyrimias?
— Desde o sequestro no acampamento.
— Droga!
— Mas fui bem tratado Senhor, Sean Queise, Mr. Trevellis deu-me tudo o que eu precisava.
— Tudo o que precisava?
— Para resolver o programa Senhor.
— Pensei que aquilo tudo fosse…
— Um embuste? Não Senhor! É uma maravilha intricadamente maravilhosa. Desculpe-me pelo trocadilho.
E Sean olhou a moça os olhando.
— Com licença! — ela se foi.
— Poliu... — soou da boca dele. — O que conseguiu com o programa Gyrimias?
— Saber que aquele crânio de cristal que Miss Ãnkanna encontrou é uma espécie de GPS, e que ele consegue direcionar as naves durante a viagem pelos muitos buracos de minhoca.
E Sean riu.
— Não imagina como fica estranho, ouvir você falando isso — e ambos riram quando o som estridente de freios fez tudo e todos ali irem ao chão. Sean segurou Gyrimias e ele o olhou como quem pergunta algo. — Fui eu Gyrimias… — e foi só.
O trem parou e Sean pegou Gyrimias e o notebook dele ali, e ambos se tomaram de rabiscos aparecendo numa estação de trem.
Schaan-Vaduz, Liechtenstein.
47° 10’ 07” N e 9° 30’ 30” E.
18 de dezembro; 12h12min.
— Senhor? — Gyrimias sentiu um arrepio, ele teria dito na alma, e ambos estavam em Vaduz.
— Preciso voltar Gyrimias, acabar com tudo isso de uma vez por todas.
— Senhor… vai se arriscar.
— Faço isso desde que nasci Gyrimias — e Sean atravessou a linha do trem.
— Senhor… — mas Sean nem se quer virou. — O GPS senhor… — Sean se virou. — Talvez o Senhor tenha errado em alguns cálculos e há uma área no Castelo Stoff que não está sob forças telúricas.
E Sean sorriu.
Ele sabia exatamente aonde.
Pensão Schwemmbaue.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Liechtenstein.
18 de dezembro; 18h00min.
Ludmila era uma mulher especial e excelente trabalhadora, mas sua idade e sua saúde lhe faziam às vezes, ser obrigada a tirar longas cochiladas aonde quer que estivesse, fosse a hora que fosse e isso irritava bastante Carmem. Foi fácil para o pequeno Pietro, moleque astuto, estudioso e inteligente, criado pela bondosa Frau Augusta Ximenes e que agora possuía uma missão de gente grande, entrar no quarto de número 27 e encontrar algumas coisas que o estrangeiro desenhara para ele.
Pietro não demorou muito a encontrar um celular, algumas peças eletrônicas e um aparelho que ele pouco compreendeu para que servisse.
“Não precisava!”, pensava ele.
Também encontrou uma camisa toda embrulhada onde encontrou uma pequena carteira contendo muito dinheiro, cartões de crédito e os passaportes de Sean Queise. Agora era preciso sim, sair o mais rápido possível e ir pela janela do quarto era impossível, pois era voltada para a rua e alguém poderia pegá-lo em flagrante.
Pietro resolveu então descer as escadas novamente, e então sair por trás; pela cozinha chegaria ao quintal. Mas no que Pietro aproximou-se da porta do quarto de número 27, a maçaneta começou a girar. Ele desesperou-se até entrar no armário e ficar lá escondido.
O pouco que viu pela fresta da madeira gasta o apavoraria para o resto da vida.
O pequeno soou litros de puro desespero.
Choupana dos Ximenes.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
18 de dezembro; 18h55min.
— Que demora cara! — brincou Sean ao ver Pietro chegar duas horas depois. O moleque estava branco, pálido, transparente até; Sean achou. — Aconteceu algo? — Sean perdeu o sorriso e Pietro não sabia como falar. Entregou tudo o que ele pedira e virou-se para ir embora totalmente apático. — Pietro? — Sean o chamou. — O que houve?
Frau Augusta entrava na sala, vinda da cozinha.
— Fale moleque! — ela repreendeu-o, mas ele continuava calado. — Moleque?! —gritou Augusta.
— Não! — Sean apontou com a mão. — Espere! — agachou-se e viu o coraçãozinho dele realmente disparado. — O que houve Pietro? Confie em mim!
— Havia... — e parou.
— Confie!
— Havia soldados, Herr.
Sean ergueu o sobrolho.
— Traduza soldados, Pietro.
— Dos livros.
— Havia o quê? — as batatas quase caíram da mão de Augusta. — Seu moleque! Que tá falando?
— Espere... — foi só o que Sean conseguiu falar reunindo forças para encontrar a frase certa. — As botas pretas reluziam? — fechou os olhos e os abriu. — Reluziam, Pietro?
Pietro esticou os olhinhos pequenos até ficar amedrontado.
— Igual ao dos livros, Herr.
Foi à vez de Sean Queise sentir medo.
— Eles voltaram... — soou da boca de Sean quando Ambrósia/Indridi saiu do quarto ao vê-lo chegar. — Eles voltaram da Terra Oca por causa da quimera, Ambrósia.
Pietro correu para fora e Sean estava atônito olhando Frau Augusta pelo canto dos olhos.
— Porca la miseria! — Ambrósia/Indridi só teve tempo de vê-lo tombar no sofá em estado de choque. Frau Augusto correu até a cozinha para preparar um chá e ela se aproximou dele. — Vou dar una festa.
— Uma o que?
— Preciso de una distrazione para agenti di Poliu entrar nel Castello Stoff.
— Wow! A agente da Poliu parece que não morreu com seu corpo Ambrósia.
— Attento a come parli, Io sou Indridi.
— Cuidado você. Qualquer erro e vamos trazer a Segunda Grande Guerra em peso.
E Ambrósia/Indridi se aproximou dele. Sean a viu o olhar de uma maneira que todo seu corpo vibrou de tesão. Ela até não podia mais ser a bem servida Ambrósia Bertti, mas era uma mulher para lá de exótica, que parecia também mexer com o brio dele.
Ela colocou as duas mãos no rosto dele e Sean as tirou com força. Indridi percebeu que ele não a queria por perto tão cedo.
— Che cosa?
— Trevellis me contou. Sobre você e seu irmão.
— Non trabalho mais per Poliu.
— Porque Trevellis não deixou a Poliu saber que os trouxe.
E Ambrósia/Indridi não quis continuar aquilo e voltou a se aproximar dele.
— Senti sua falta…
— Pare com isso! — e Sean ameaçou sair da sala, saindo. Entrou no quarto e encontrou suas roupas, as que vestia no ataque, lavada. Começou a girar atônito pelo quarto pequeno e suspirou. — O avô da Dra. Elvira Heissler, Wolfgang Heissler era um ocultista, mais precisamente um ocultista do Terceiro Reich pertencente a uma sociedade secreta chamada Sociedade LINK, braço de uma Sociedade chamada VRIL que Hitler também fazia parte — e olhou-a se aproximando. — Durante o funcionamento do Castelo Stoff na Segunda Grande Guerra houve testes com alienígenas, usando DNA humano. Acredito que a quimera que nos atacou, foi Wolfgang quem a criou, do zero, com DNA humano.
— Uno crocodilo alieno humano?
— Sim! Diferente de Heidi, que alias está viva.
— Porca la miseria! Cosa stai parlando?
— Michel Shipton, Heidi Zuckeuner e Klaus Brienn, chefe da divisão de testes com DNA humano e alienígena, estão no Castelo Stoff.
— Porca la miseria!
— Entendeu o risco que corremos com sua festa?
E Ambrósia/Indridi se sentou na beirada da cama.
— “No ato di concepção, quando o espermatozoide di macho penetra o óvulo di fêmea, a cadeia entrelaçada separa-se, e una das metades di macho combina-se com uma di fêmea per formar a nova cadeia dupla do filho. Dessa forma, non apenas é essencial che se juntem as cadeias di hélices duplas, mas também che se consiga una separação, um desenrolar, di hélices duplas, e depois che se recombinem utilizando una parte di cada doador per novo DNA” — Indridi repetiu O Código Cósmico de Zecharia Sitchin.
— Wow! Não sei me assusta mais seu português correto, ou você ter lido O código cósmico, porque Sitchin também conta que determinada a dar à luz um filho que pudesse vingar a morte do pai, Isis apelou para Thoth, o Guardião dos Segredos Divinos, pedindo que a ajudasse. Então, ao extrair a ‘essência’ de Osíris das partes disponíveis do Deus, Thoth ajudou Isis a empenhar-se a ter um filho, Hórus. E isso significa inseminação artificial. A essência, não a semente, agora sabemos, era o que hoje em dia chamamos de DNA modificado; os ácidos nucleicos que formam as cadeias de cromossomos, cadeias essas dispostas em forma de dupla hélice. Porque Sitchin decifrou tábuas cuneiformes que contam a história de deuses sumérios, vindos do espaço manipulados geneticamente antes mesmo que o estudo do DNA fosse se quer imaginado.
— As representações pictóricas di Egito Antigo indicam che Thoth, o filho di Ptah/Enki, era conhecedor desses processos genético-biológicos, i os empregava em seus feitos genéticos. Sitchin diz che em Abidos, uno afresco no qual o faraó Seti I faz o papel di Osíris, mostra Thoth dando a Vida, a cruz Ankh ao Deus morto, enquanto obtém per ele due correntes distintas de DNA. Numa representação di Livro dos Mortos, che trata di subsequente nascimento di Hórus, vemos como due ‘Deusas do Nascimento’ che auxiliam Thoth seguram uno cetro di DNA cada una, tendo a cadeia dupla di DNA sido separada di forma che apenas una delas se recombina com a di Isis.
— Wow! — voltou a exclamar. — Mas não são só híbridos, Ambrósia, São deuses. Um ‘deus’ um pouco humano. Com todos os gamas de emoções baratas e vis que os alienígenas tanto almejam, porque Gilgamesh ou Gilgamexe foi um dos reis sumérios que governou após o dilúvio histórico. Segundo a lenda, era ²/³ Deus e ¹/³ humano, e foi ‘autor de grandes feitos sobre-humanos’, sendo que se livrou de algumas armadilhas colocadas por feitiçaria. E sua mãe era divina, uma das mulheres Anunnakis, o que para os sumérios, se traduzia em alienígena.
Ambrósia/Indridi gostou de vê-lo ali, falando. Sentia saudades dele, de todo ele no inusitado que foi o fim de sua vida, ou recomeço, porque não morremos realmente.
“Droga!” Sean explodiu sabendo que aquilo não ia acabar bem; de novo.
— Você os viu Ambrósia? Na Terra Oca?
— Vi coisas che tu jamais vai credere existir Sean…
— As listas dizem que Hitler fugiu para a Terra Oca, e lá se esconde utilizando-se da força VRIL para viver até hoje. Uma força capaz de não envelhecer, como Michel, como Klaus.
— Vi coisas che non vai credere… — repetiu.
E Sean sentou-se, porque precisava se sentar.
— Edward Bulwer-Lytton era um diplomata e membro da elite Golden Dawn, que escreveu um romance em 1871, intitulado O Futuro da Raça, que contava a aventura de um povo superior, os VRIL-ya, que surgem a partir do reino subterrâneo, e que haviam sido exilados depois de um cataclismo na superfície da Terra; e que possuíam uma energia cósmica chamada VRIL.
— Sua VRIL?
E Sean não soube mesmo como prosseguir.
— O romance se refere a uma guerra entre raças e considera os habitantes deste mundo subterrâneo como descendentes do original Aryans, regido pelo ‘Rei do mundo’, um administrador das lendárias civilizações desaparecidas, como Lemúria e Atlântida.
— “Eles voltaram da Terra Oca por causa da quimera” — ela o repetiu. — Chi sono eles, Sean?
— A elite científica de Hitler, usando botas pretas reluzentes.
Ambrósia/Indridi não sabia se queria saber mais. Caiu sentada, prostrada, na beirada da cama.
— Então se você acha che o Dr. Maxuell Reingner prosseguiu com as pesquisas di DNA di Dr. Wolfgang Heissler... — Ambrósia/Indridi arregalou os olhos. —, então Björn e Elvira estão envolvidos?
— Se todos estão ou não diretamente envolvidos, Ambrósia, não sei, mas eles sabem o que acontece lá dentro e o que significa realmente aquelas injeções de líquido azulado. E tanto sabem, que esconderam o fato de que quatro agentes da Poliu morreram num suposto incêndio após uma vistoria no sanatório do Castelo Stoff.
— “Agentes da Poliu”? — Ambrósia/Indridi percebeu que nenhum músculo moveu-se nele.
— Por que não me contou na Ischia que seu irmão foi atacado por um deles?
— Mio fratello… — e Ambrósia/Indridi parou de falar se erguendo sem muita explicação e Sean a viu se aproximar.
E Ambrósia/Indridi se aproximava cada vez mais e ele não conseguia se mover, quando foi agarrado para dentro da boca dela, encostando seu corpo quente para junto ao dele. Sean sentiu seu corpo todo responder. Tentou se afastar, mas Ambrósia/Indridi era mais forte e passou-lhe a mão pelas suas pernas. Sean tentou agarrá-la parar tirar-lhe o outro braço que envolvia seu pescoço e ela se apertava a cada instante.
Todo seu sexo ergueu-se, pediu-a, desejou-a.
Ambrósia/Indridi o beijava girando-se sobre seus lábios que cresciam de excitação.
— Pare... — sussurrou ele.
— O che houve Sean?
— Não... — ele se afastou.
— Perche non?
— Porque não!
— Ho pensato che me amava?
— Te amei Ambrósia... — sentiu-se tonto.
— Non… non no passado…
— Eu amo Kelly.
__ Non… non Sean…
— Eu sinto muito.
— Sta me castigando — e o tocou sem pudor.
Sean sentia todas suas defesas serem ultrapassadas, com as mãos dela invadindo seu sexo por dentro da calça, numa velocidade jamais imaginada, despendida.
— Ahhh... — e seus corpos caíram na cama. Sean quis parar, mas não sabia como.
Ambrósia/Indridi o tocava por dentro, por fora, provocando uma revolução.
— Vou te amar por tutti a eternidade, Sean.
— Não... Não...
— Che cosa si fa per amore è sempre là del bene e del male.
“Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal”, Sean traduziu.
Ela era realmente Ambrósia Bertti.
— Ahhh... — ele sentiu que queria mais, que queria tudo. — Você não é... Não é... — e Sean era apertado, manuseado. — Pare...
— Non! Non vou parar.
— Pare Ambrósia!
E flashes do corpo robusto, bem servido da ruiva Ambrósia tomaram seus orbe, Sean estava na Serra do Roncador, na Ischia, na Grécia, na Turquia, no Amazonas. Não conseguia mais dominar seu dom e Ambrósia/Indridi não parecia querer que ele o dominasse, porque viajou com ele para todos aqueles lugares, no passado que não existe.
— Sean…
Mas Sean sentiu-se dominado, em pura excitação. Ambrósia/Indridi inclinou-se na cama e Sean até teve medo de até aonde ela iria, e ela abriu-lhe o zíper.
— Ambrósia...
— Vou amá-lo Sean — e sua boca invadiu todo seu sexo rígido que vibrou.
— Ahhh... Ahhh... Ambrósia não...
Ela soltou-lhe o sexo e subiu beijando-o todo, por cima da roupa que afastava como podia.
— Não... — Sean ergueu-se nem soube como. — Herr Ximenes?! — Sean chamou-o na porta, totalmente zonzo tentando fechar o zíper, sua mente, e ele entrou sem perceber o estado dele, dela. — Pode levar nossa ‘encomenda’ até o portão do sanatório do Castelo Stoff — apontou para Ambrósia/Indridi totalmente descontente com aquilo. —, de maneira que ninguém os veja?
E Sean sentiu que Ambrósia/Indridi se aproximava só pelo resto de perfume cítrico que usava. Ele cerrou os olhos e teve medo de ser agarrado na frente do Herr Ximenes. Ela se foi sem nada falar e Sean abriu os olhos, percebendo que também a amava.
18
Castelo Stoff.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
19 de dezembro; 02h00min.
— Indridi?! — gritou Björn ao vê-la chegando a pé, afundando na neve. — Por onde andou, ficamos loucos de preocupação — falava visivelmente nervoso.
Elvira mal se movia na cadeira, a olhando com ódio nos olhos.
E Ambrósia/Indridi sentiu cada peso daquele ódio.
— Já sono una donna adulta e stou acostumada a non ter horários, zio — Ambrósia/Indridi observou a Doutora calada.
— “Horários”? Sumiu há quase dois dias, e diz que não tem horários?
— Solo me diverti um pouco.
— O quê? — questionou.
Elvira levantou tão repentinamente que Ambrósia/Indridi teve medo dela. Não soube por que, mas teve medo dela. A Dra. Elvira a encarava como quem lia seus pensamentos, e Ambrósia/Indridi tentou se desviar de qualquer coisa que lembrasse Sean, o beijo, o quanto o amava durante tantos anos sob o comando dos espiões psíquicos da poliu, de tantas vidas que Mona mostrara a ela.
— Pietro i Cintilo — falou ela rapidamente.
Björn piscou para a sobrinha.
— Pietro i Cintilo sono due estudantes de arquitetura passando férias em Triesen — respondeu cínica. — Eu os conheci...
— Estava em Triesen? — perguntou Elvira desconfiada, cortando o resto da frase dela.
— Che se tem per fazere qui em Wirgüs, Doutora?
— Não fale assim, Indridi. Nem parece que passou sua infância aqui — disse chocado.
— Espero che non tenha que me ricordare disso o tempo inteiro — falou com secura se apontando. — E agora Io vou tomar uno banho e tirar una longa soneca num letto quente — sorriu graciosa que era. — Ho i crampi in entrambi ballare con loro — e Ambrósia/Indridi se retirou para os seus aposentos.
“Estou com cãibras de tanto dançar com eles” foi o que Björn traduziu.
— Não viu Sean, viu? — perguntou a Dra. Elvira sem que Ambrósia/Indridi ainda tivesse conseguido fechar a porta.
Ela voltou a abri-la em total controle.
— No! Non ho visto Signor Queise — sorriu e se foi.
Björn ficou observando Elvira. Nada se falaram. Ela sentou-se a ficar olhando o infinito para depois se levantar, arrumar o jaleco, o coque platinado clássico e ir embora para os seus aposentos no sobrado. Já Björn suspirou desanimado ao vê-la partir daquele jeito.
Entendeu mais do que devia.
Ambrósia/Indridi estava no final do corredor, quando viu a Dra. Elvira passar em sentido às alamedas e fechou os olhos, pensativa.
O sanatório do Castelo Stoff caiu em silêncio quase mortal senão pela agitação que crescia na Ala Rosa.
Castelo Stoff.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
19 de dezembro; 08h00min.
A Enfª. menor Anneta Mitzi bateu três vezes na porta do quarto do Dr. Björn que Ambrósia/Indridi ocupava. Ela abriu quase sem paciência com a insistência.
Anneta Mitzi balançava as ancas como num desafio.
— Aqui está o que Sean pediu! — e Anneta Mitzi entregou uma caixa que Ambrósia/Indridi abriu.
Três ampolas contendo um líquido azulado reluziram.
— “Sean”? — riu Ambrósia/Indridi. — Desde quando ele é ‘Sean’ per tu?
— E por que seu interesse em como eu o chamo?
— Cuidado! Tu sta qui a un filo.
— Ah! Eu tenho realmente muito a perder saindo desse inferno, dona Indridi — ironizou balançando as ancas outra vez.
— Essere aqui no inferno perche pediu per essere qui, donna Anneta Mitzi — devolveu-lhe.
— Estou aqui porque fui requisitada, pela minha folha corrida — a agente da Poliu Anneta desafiou-a furiosa.
— Então non devia essere fazendo perguntas — Ambrósia/Indridi começava a perder a paciência com ela.
— O quê? — debochou. — Vai parar no seu relatório as minhas atitudes com ‘Sean’? O papaizinho dele vai se aborrecer comigo? — debochou outra vez numa careta que ergueu toda sua face.
Ambrósia/Indridi bateu-lhe a porta na cara estremecendo todo corredor e Anneta Mitzi então caiu em gargalhada, achou que era hora de contar tudo a Sean Queise.
Mas Ambrósia/Indridi também tinha coisas a contar a Sean Queise, que não ia ‘credere’ no que ia ouvir.
Castelo Stoff.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
19 de dezembro; 11h18min.
Mas Sean não voltou. Ambrósia/Indridi pediu ao entregador, pai de Amélie, mas ele voltou sem notícias de Sean Queise, que não estava na choupana dos Ximenes, nem na pensão.
Ambrósia/Indridi não tinha alternativa a não ser mandar um recado pelo celular a Oscar Roldman. E o pai de Amélie que foi encarregado de fazer aquilo, após dinheiro e um extenso ensinamento de como fazê-lo.
Uma batida fraca na porta do Dr. Björn e ele não escutou, Ambrósia/Indridi entrou ouvindo o final da tensa conversa que Björn tinha ao telefone.
— Por favor, Herr Hans. Eu me comprometo com essa situação. Tudo será resolvido... — dizia Dr. Björn suando frio ao telefone.
Alguém do outro lado da linha não parecia ser dar por convencido.
— Eu quero resultados, Doutor! Preciso de resultados ou vou perder a última chance que tenho! — e bateu violentamente o telefone.
— Falava com quem, zio? — perguntou Ambrósia/Indridi toda delicada ao entrar na sala de Björn sem anunciar.
— Vocês mulheres são todas iguais, não?
— Curiosas?
— Metidas!
Mas Ambrósia/Indridi não perdeu o charme e continuou como se não tivesse percebido as atitudes tensas do tio.
— Estava pensando em agitar um pouco a vida do sanatório do Castelo Stoff — falava como quem nada queria. — Sabe que temos novos pensamentos sobre psiquiatria?
— Não acha o sanatório do Castelo Stoff agitado demais nesses últimos tempos, Indridi? — Björn mal sabia o que a sobrinha falava.
— Desde que eu cheguei, não — mentiu.
Ele levantou os óculos que escorregaram na saliência óssea acentuada. Piscou até entender sua presença ali.
— O que você disse mesmo?
— Uma festa!
— Ah! Achei que não tinha entendido... — e parou de falar. Indridi achou que ele até tinha parado de respirar. — Uma o quê?! — se enervou.
— Uma festa, zio — explicou. — A fantasia! — completou.
— Você deve estar ficando louca. Tão louca quanto todos aqui.
— Na faculdade fazíamos muito isso. Festas e confraternizações são muito importantes na psiquiatria atual. Não estava escutando o que eu estava falando agora pouco?
— Agora pouco... — a cabeça de Björn parecia não estar funcionando. — Preciso... — falou confuso.
— O Senhor precisa se atualizar.
— Me atualizar... — falou um Doutor incrédulo com a proposta da sobrinha.
— Isso quer dizer que posso organizá-la?
— Isso quer dizer que vou pensar.
— Não. Pensar, não. Será amanhã à noite.
— A minha cabeça está cheia de problemas, Indridi. Não tenho a mínima vontade de ir a uma festa.
— Não precisa ir. Pode ficar descansando.
— O que? — balançou a cabeça que parecia estar estilhaçada por dentro. — Vou pensar no caso.
— Eu aguardarei zio — Ambrósia/Indridi sentou-se, cruzou as pernas e suspirou bem alto.
Björn a ficou olhando.
— Eu estou sem paciência, Indridi. Não posso lhe responder agora.
— Mas zio... — insistiu.
— Não posso. Elvira tem que...
— A Dra. Elvira está sob seu comando, não? — desafiou-o sem que ele percebesse.
— Sim, mas...
— “Mas”?
— Ah! Não me perturbe mais por agora.
— Isso é um sim?
— É! É! Isso é um sim — Björn suava litros.
— Eu não o incomodarei mais, prometo.
O Doutor paralisou:
— Ouviu a minha conversa ao telefone?
— É claro que não, zio — respondeu, mostrando-se indignada com a pergunta.
— É claro, que besteira a minha. Eu ando... Realmente muito cansado.
— Eu posso compreender a pressão que é um sanatório desse tamanho e com tantos problemas sérios como o que aconteceu hoje.
— Sobre o sanatório, Indridi, estive pensando... Você tem tantas recomendações e títulos, e cursos, e...
— Outro dia? — sorriu Ambrósia/Indridi. — Pode ser outro dia?
— Mas eu prometi a Elvira que lhe colocaria a par de...
— Outro dia, zio?
— Ah... Está bem!
— A propósito, a Dra. Elvira e aquele cientista de computação... — ia Ambrósia/Indridi falar algo que Björn também não queria ouvir.
— Outro dia, Indridi. Não é assim?
— Ah! — sorriu-lhe. — Claro! — ela sorriu mais uma vez e saiu. — Droga! — foi à vez dela esbravejar.
Precisava encontrar Sean Queise, porque Wirgüs ia ser invadida por tudo que ele não ‘credere’.
Pensão Schwemmbaue.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
19 de dezembro; 15h00min.
Mas Sean não havia realmente sumido, estava na presença de Oscar Roldman e um homem que teve medo da apresentação, num dos quartos da pensão, com o cheiro gostoso de bolo de laranja se espalhando por toda pensão.
Ludmila na cozinha no final da tarde era sinal de bolos, de todos os sabores. Ela subiu e entrou no quarto. E só foi entrar que ela ficou encantada pela beleza nórdica de Oscar Roldman.
— Já devem se conhecer, não? — falou um Sean não muito feliz por estar ali.
Oscar Roldman dirigiu-se à porta a fechando e Ludmila não entendeu muito bem por que foi expulsa dali, enquanto o homem que ainda não havia se apresentando deliciou-se com o bolo.
“Droga!” Sean estava furioso com tudo aquilo.
— Há quanto tempo está aqui?
Mas Wolfgang Heissler não parecia estar muito interessado nele.
— Essas coisas terráqueas realmente são boas.
— Por que me chamaram aqui, Oscar? — Sean estava uma fera. — Para saber que o Dr. Wolfgang não morreu?
— Porque ninguém morre não é Sean querido?
E Sean ameaçou sair.
— Eu disse a Maxuell que não fosse conversa com você — a voz de Wolfgang Heissler estava metálica.
— O que Maxuell queria comigo?
— Estava furioso por ter sido tirado do jogo.
— Por que Maxuell não quis a eternidade de Klaus e Michel?
E Wolfgang Heissler riu.
— Ah! Ele quis! Só quis se entregar ao intricando tratamento de DNA— e Wolfgang voltou a rir. — Entendam, não era para ter escapado ao nosso controle. Na noite em que cometi ‘suicídio’, eu queimei a quimera no forno. Ela estalou até parar de gritar.
“Forno...” “Estalou...” “Gritar...”; Sean começou a entender o rumo também dado a Laura.
— Eu perdi contato com o sanatório do Castelo Stoff desde então — Wolfgang Heissler continuou sem ver Sean pensativo.
— Nunca soube por que Hitler quis apagar seus rastros?
— Não.
— Foi Klaus Brienn quem levou a sociedade LINK à frente?
— Sim.
— Já pensou que talvez Klaus era quem queria esconder algo? — Sean viu Wolfgang Heissler ficar realmente pensativo. — Maxuell sabia o que você criava?
— Entenda Herr Queise, talvez precise explicar melhor... A Sociedade LINK, filhote da VRIL... Bem... Os membros dessa misteriosa, e eu diria sinistra sociedade criada a mais de cem anos, acreditavam que podiam viver debaixo da Terra e voar até as estrelas usando não combustível fóssil como nós, ou energias exóticas como a ficção científica suporia, mas uma substância etérea chamada VRIL; uma energia interna que podia curar doenças, objetos, e matar pessoas a distância — e Wolfgang Heissler levantou-se indo até o armário, tirando de dentro uma garrafa de vodka de Khatanga.
Sean poderia até dizer que o cheiro do medo o invadiu. Mas foi Oscar quem mais se incomodou com aquilo.
— Há quanto tempo voltou?
— Desde que apareceu aqui Herr Queise.
— Maxuell sabia de sua volta?
— Sim! Eu fui vê-lo no Castelo Stoff.
— Quem me atacou em Escolmo?
— Não fui eu — Wolfgang Heissler gargalhou.
Aquilo era alegria demais para os Roldmans ali presentes.
— Fale da Sociedade LINK.
— De 1888 a 1920, sociedades e sociedades foram criadas e recriadas e delas se fizeram outras mais secretas ainda, como a ‘Mão negra’ nacionalista, responsabilizada pela Primeira Guerra Mundial após o assassinato do Arquiduque Austríaco pelos seus membros. A maioria das sociedades secretas nazistas, afirmavam que a raça ariana veio da estrela Aldebaran, originalmente para a Atlântida, supostamente baseando-se num antigo manuscrito sumério. Eles alegam que os arianos de Aldebaran derivam seu poder a partir da energia VRIL do Sol Negro. Ensinavam que a raça ariana tinha origem alienígena, e que tinham a missão divina de dominar todas as outras raças. Os adeptos destas acreditam que há uma frota enorme no espaço, que está a caminho da Terra, a partir de Aldebaran, e que quando na Terra chegar, irão juntar forças com os UFO-nazis escondidos na Terra Oca.
— Um enorme UFO-nazi em direção a Terra?
— Sim...
— Interessante... O mesmo princípio da LINK — Sean estava pensativo.
— Sempre houve sociedades secretas, Dr. Wolfgang — Oscar enfim falou. — Algumas do bem outras não.
— Vão perceber ao longo de nossa conversa que as intenções da Sociedade LINK não eram tão boas assim, Herr Roldman, porque são capazes de tudo para manter o poder ariano, porque acredita serem eles uma raça pura, vinda das estrelas. E capaz só não; eles faziam mais. Desde evocar espíritos em sessões macabras como vodu, magia negra, até sacrifícios humanos após orgias sexuais.
— Wow! “Sei de segredos sobre o sanatório do Castelo Stoff que o faria ficar excitado”.
— Sabe o quê? — Wolfgang Heissler arregalou os olhos.
— Não sou eu quem sabe, Dr. Wolfgang, é Amélie, filha de Pretijin. Ela disse que há segredos que...
— Já esteve lá, Senhorzinho Queise? — Wolfgang cortou a frase de Sean.
— “Lá”? — Sean viu Oscar o olhando.
— No freezer — Wolfgang caiu em gargalhada tão metálica que aquilo sim era assustador. — Havia um freezer na minha época. Klaus Brienn adorava o freezer.
— Que freezer? O que Klaus fazia no freezer?
— Experiências Herr Queise, experiências sobre ‘ficar excitado’ — riu mais metálico ainda. — O que mais seria? — os Roldmans o olharam mais interessados na história do que em suas risadas macabras. — Klaus era um apaixonado pelas Waffen-SS e todo seu ocultismo, e ninguém foi mais oculto que Heinrich Himmler em sua torre norte, de seu castelo de terror; Wewelsburg Castle. Lá, Himmler fazia testes que Klaus copiava. Por exemplo, Himmler congelava corpos de homens nus, para então chamar prostitutas, para então deitá-las sobre eles, para então aquecê-los durante o ato sexual. Porque para Himmler assim como para Klaus, a emanação dos corpos durante o ato sexual desprenderia a VRIL.
— Que loucura... — Oscar deixou escapar.
— Wow! Isso explica o medo de Amélie em ir ao sanatório...
— Sean querido?
— Eles estão atrás da VRIL, Oscar. Alguém dentro da Sociedade LINK contratou Amélie para alcançar o VRIL nos alienígenas.
— Isso é ilógico.
— “Ilógico”? Aqueles alienígenas comem carne humana.
— Está dizendo que as internas são alienígenas?
— A Poliu não lhe avisou sobre isso Oscar querido?
— Trevellis não teria se atrevido.
— Oscar… Não sabe mesmo a metade do que Trevellis se atreve…
— É sabido que durante a Segunda Grande Guerra, cientistas da Gestapo testaram em prisioneiros de guerra russos a suscetibilidade ao frio, o quanto aguentavam antes de sucumbir a hipotermia — Wolfgang Heissler voltou a falar. — Então Klaus os pegavam e os testavam para saber se tinham mais suscetibilidade ao frio, como nós, humanos — Wolfgang tirou os dois do lugar comum.
— Klaus fazia testes com os alienígenas?
— Se os alienígenas alcançassem o VRIL, sim. Entenda Herr Queise, tudo girava em torno do ocultismo. Cientistas e estudiosos da VRIL dizem que no final da primeira guerra, a Bavária abrigava muitas crianças órfãs, e não havia, na mentalidade de seus membros, nada que trazia mais poder que o sacrifício humano, o sacrifício de uma criança; e uma criança tinha a essência do VRIL que adultos perdiam no seu crescimento — prosseguiu Wolfgang.
— Eles mataram o bebê... — Sean arregalou os olhos azuis.
— Que bebê Sean querido?
— Eles mataram um bebê e a Cleópatra viu... — Sean olhou Oscar lhe olhando. — Ela me contou que estavam todos no lago e sacrificaram o bebê para poderem sobreviver.
— Acha que alguém matou um bebê tentando alcançar a VRIL, Sean?
— “A mãe sempre sabe quando seu bebê não tem futuro” — e Sean viu Wolfgang se incomodar. —, porque eles mataram o bebê de alguém para curá-la.
— Curar quem, Sean querido? — Indridi insistiu uma comunicação percebendo que ele nunca falava diretamente com ela.
— A quimera! — e Sean se ergueu tentando entender o que entendeu. — Foi Trevellis!
— O que?
— Foi Trevellis, Oscar — insistiu Sean. — Ele adoeceu a quimera.
— Do que está falando, Sean querido?
— Não entende? Trevellis conseguiu que Sygfrid Sylvestor começasse a diminuir a dosagem dos alienígenas e a quimera adoeceu, forçando os internos chamar Laura, que havia fugido com Wolfgang Heissler em 1945 — e Sean viu Wolfgang Heissler se levantar e se escorar na parede do fundo do quarto totalmente em choque. — Por isso os testes com o VRIL e Amélie. Eles precisavam de energia motora para trazer Laura e Wolfgang Heissler, a fim de salvar a quimera que Wolfgang Heissler criou para Klaus Brienn dominar provável até, o posto do Führer Hitler.
E Wolfgang Heissler olhou um e outro.
— Está tão enlouquecido quanto todos eles.
— Mas eles nunca estiveram loucos, não Dr. Wolfgang Heissler? Porque nunca foram doentes mentais com Alzheimer. Porque sempre foram alienígenas com identidades dadas, as quais não entenderam o que eram — e Sean abriu a porta do quarto para sair.
— Ela veio à tona... — soou da boca de Wolfgang como uma paúra latente.
Sean voltou a fechar a porta e olhou Oscar, olhando Wolfgang Heissler tremer.
— Sabia que Maxuell não havia matado a sua quimera naquela noite, não? — prosseguiu Sean.
— Eu a criei. Um bebê lindo.
— E o que houve?
— Eu não sei. Ela começou a demonstrar estranhos comportamentos durante os anos seguidos. Seu choro passou a serem gritos guturais, assustadores, que se espalhavam pelo Castelo Stoff. Aos poucos ela foi se transformando naquilo que chamou de quimera. Uma terceira vértebra se fez e um rabo cresceu. Sua pele começou a trocar-se por largas escamas azuladas, e a ficar úmida e gelada. Sua língua azulada crescia em tamanho espantoso, até não caber mais na sua boca, e seus olhos se triangulavam quando ela se transformava, quando ela ‘vinha à tona’ como Maxuell costumava falar.
— Klaus a viu?
— Sim. Mas como eu, quando o Führer perguntava sobre ela, mentíamos em nossos relatórios.
— Como Maxuell entrou nessa?
— Paralelo, pedi a meu jubilo, Maxuell, que encontrasse no sangue azulado, no DNA de alguma alienígena plêiade ali presa, uma fórmula química que reduzisse sua coloração, sua impulsividade e por final sua transformação. Criamos o que disse ter visto nas ampolas injetadas nos internos, um líquido azulado, um DNA artificial que controlava parcialmente sua transformação.
— Mas você não conseguiu estabilizá-la.
— Não. Ela se transformava quando contrariada por qualquer coisa. E tínhamos que soltá-la.
— “Soltá-la”?! — gritou Sean.
— Em meio aos presos? — foi a vez de Oscar Roldman chocar-se.
— Não havia presos, Herr Roldman! — Wolfgang se irritou. — O castelo não era um campo de concentração, era um campo de extermínio.
— Deus... — Sean sentiu-se enjoado, gritos que ecoavam ainda pelo sanatório do Castelo Stoff voltavam em seus ouvidos.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh?! Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh?! Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh?!
Oscar viu Sean sofrendo, entristeceu-se por não poder nada fazer para ajudá-lo.
— Como nossos resultados eram cada vez mais inconclusivos, pedimos a Klaus que nos arranjassem outras alienígenas plêiades para testar nelas, o líquido em produção.
— Injetaram aquilo em mim? — Sean avançou sobre Wolfgang que ficou preso pelas mãos fortes sendo acudido por Oscar que só de se aproximar dele o fez largar o Doutor.
— E parece-me que não funcionou, não? — Wolfgang gostou de ver Sean sob o domínio do todo poderoso homem da Polícia Mundial.
— Era você que devia estar num sanatório Wolfgang Heissler — e Sean voltou a abrir a porta.
— Aonde vai Sean querido?
— Você eu não sei Oscar, mas eu vou dar uma basta nisso.
— Amanhã Sean!
E Sean parou no corredor.
Voltou e encarou Oscar Roldman.
— Não vai deixar Ambrósia dar aquela festa, vai?
— Amanhã Sean! — agora soou como uma ordem.
19
Castelo Stoff.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
20 de dezembro; 07h00min.
O sanatório do Castelo Stoff estava de pernas para o ar, com os preparativos da festa e o sumiço repentino de Sean Queise. A Dra. Elvira culpava Dr. Björn com a falta de paciência para com ele, e Björn dizia-se incompreendido.
— Não fique triste, Elvira — dizia a Enfª. chefe Elfriede.
— Não consigo parar de pensar nele, Elfriede. Eu nunca imaginei o que era estar apaixonada por alguém.
— Mas sabia que não podia. Não era assim que deveria ser...
— Não quero ouvir mais nada, Elfriede — Elvira mandou-a sair.
Mas Elfriede não saiu.
— Fazem comentários na cozinha...
— Na cozinha?
— E agora que temos forasteiros...
— O Dr. Björn me garantiu que sua sobrinha em breve estará pronta para ser uma de nós.
— Acho isso uma loucura. Já arriscamos muito deixando o Dr. Maxuell colocar o Dr. Björn a par de tudo. Acho que está na hora de você assumir isso aqui como queria seu avô.
— Meu avô nunca me pediu nada. Nem Maxuell...
— Mas o Dr. Björn é fraco demais e...
— Chega!!! — gritou Elvira. — Já falei que não vou assumir mais nada. Sabe que o que fizemos gerou um erro, não vamos cometer o mesmo erro duas vezes.
— Erro ou não temos uma meta a seguir, Elvira. Se eles ficarem sabendo que falhamos...
— Obrigada pela atenção, Elfriede — Elvira se impôs. — Não será necessário se preocupar mais.
— É só chamar quando precisar — disse a Enfª. chefe Elfriede toda satisfeita por ter ferido a honra da Doutora.
Era obvio Elfriede sentia ciúme do posto que a Doutora ocupava dentro do sanatório do Castelo Stoff. Ela não viu quando Elvira saiu furiosa pelos corredores. E a porta da cozinha escancarou-se quase que por completo com a entrada violenta da Doutora Elvira.
Ninguém conseguiria acalmá-la naquele momento.
— Quem foi que começou?! — gritou Elvira para as duas cozinheiras que tremeram no canto da cozinha.
— Não sabemos nada sobre isso — respondeu a filha da cozinheira.
— A cozinha nada sabe sobre o assunto, não é mesmo? — desafiou Elvira.
— Não, Doutora — respondeu Fräulein Zemlja.
— Cale a boca!!! — gritou a Doutora, descontrolada.
— Elvira! — falou Dr. Hanz, ao entrar na cozinha, logo após ter visto passar por sua sala feito um furacão.
— Não se meta, Hanz!!! — gritava Elvira descontrolada.
— Você não pode fazer isso! — repreendeu-a.
— E quem é você para decidir o que posso fazer ou não?
— Está perdendo o controle, Elvira!
— Não sou Elvira!!! Sou Dra. Elvira Heissler, entendeu?!
— Doutora ou não, você está descontrolada! — continuava Hanz.
— Un problema, Elvira? — Ambrósia/Indridi intrometeu-se no que entrou na cozinha.
Mas a Dra. Elvira não a havia visto entrar na cozinha, e Ambrósia/Indridi não podia ter escolhido pior hora para encará-la. Elvira virou-se tão transtornada que Ambrósia/Indridi demorou a reconhecer de quem era o rosto que se delineava. Ela fez todo o possível para não deixar-se perceber, mas a coloração da pele de Elvira era assustadoramente indecifrável.
Elvira deu meia volta e saiu da cozinha tão rápida quanto lá entrou. O Dr. Hanz a seguiu e Ambrósia/Indridi olhou as duas cozinheiras tremendo. Nada falou e saiu, também temia por sua segurança, agora mais que nunca em toda sua carreira de agente da Poliu.
Saiu tonta pelas alamedas a mancar pelo tiro, que escondera de todos.
Castelo Stoff.
20 de dezembro; 21h30min.
Sean chegou sorrateiro, vindo da mata fechada que rodeava o castelo. Evitou o portão da frente lotado de gente que ele não sabia quem eram, nem como Ambrósia/Indridi conseguiu chamar.
Foi direto ao sobrado e levantou o piso da sala, resgatando as ampolas com o líquido de DNA azul, que sabia estarem adulteradas porque a agente da Poliu Anneta as trocara como ele pedira, e Ambrósia/Indridi as guardara outra vez ali como ele pedira. Mas o silêncio o assustou mais que tudo.
Sean subiu e o quarto em que dormia estava vazio. Até suas roupas haviam sumido do armário. Sean vasculhou onde podia estar e nada encontrou, nem os apontamentos de Maxuell. Olhou em volta e saiu. Bateu à porta do quarto de Elvira. Ninguém respondeu. Ele entrou o encontrando como de costume; impecável. Ele cerrou os olhos azuis, tamanha organização o incomodava. Cuidadosamente abriu as gavetas e afastou as roupas de Elvira nada encontrando. Abriu o seu armário de madeira cara e suas próprias roupas estavam todas penduradas.
Sean arregalou os olhos azuis. Ele não sabia que havia se mudado para o quarto dela.
— Parece que não é só almoçar comigo o que a Doutora quer — falou para si mesmo.
Sean vestiu o mesmo smoking da premiação que havia ficado na mala e encontrou uma caixa de tecido desbotado, gasto pelo tempo de uso, estava por detrás de algumas roupas de festa, inclusive o vestido que Elvira usara na premiação do Nobel. Sean pegou a caixa percebendo que ela havia sido manuseada anos a fio. Percebeu também que era a primeira vez que algo pessoal dela aparecia.
Ele abriu-a sentindo-se o hacker que Oscar dizia ele ser. Ele sabia que o era.
Um brinco de pérola com o encaixe quebrado, uma peça que lembrava uma lâmina de cristal azulado e umas poucas fotos amarelas de uma criança triste, usando sempre o mesmo vestido de cetim cor-de-rosa estavam guardadas ali. Sean imaginou que era Elvira quando pequena; só não conseguiu imaginar uma razão para sempre se fotografar com o mesmo vestido de cetim cor-de-rosa. Ele viu também um saquinho de tecido amarelo contendo algo muito grande. Sean o abriu. Os dois colares de pérolas que comprara para ela e Laura ali estavam. Ele sentiu o ar lhe faltar. Ficou triste em saber que Laura, a plêiade pura não foi enterrada com o colar de pérolas que ele lhe dera.
E os sons no autofalante chegaram até ele.
Sean colocou tudo dentro da caixa, achou ter colocado, e desceu as escadas com toda velocidade.
“Sempre ocultaremos a verdade divina deles, de que somos todos um!”
— Ecos do passado... — soou agora da boca de um Sean Queise que se pôs a correr, a alcançar as luzes coloridas, as que mais encantavam os olhos quase infantis daqueles alienígenas doentes, de pele escamosa azulada, a qual a vida não reservava mais tanta alegria.
Sean alcançou a festa propriamente dita. Muitos o olharam, ninguém falou com ele, mas ele só queria encontrar Mr. Trevellis, precisava lhe contar algo que desconfiava, algo que mudaria o curso de tudo.
— Lindo! — exclamou alguém. Sean se virou. — Herr Queise está lindo! — Frau Augusta servia alguns petit four.
— Danka, Frau — e olhou em volta. — O que faz aqui?
— Ele pediu-me ajuda!
Sean tirou a bandeja das mãos dela.
— Vá embora! Pegue Herr Ximenes e Pietro e sumam antes do amanhecer.
— Precisamos ficar para ajudar Herr Queise.
— Vocês não devem nada a Poliu. Vão embora!
E Frau Augusta ficou na duvida, mas acatou.
Sorriu e sumiu dali.
Sean avistou a interna Carlotta ‘Cleópatra’ Baptista, vestida a caráter. Não imaginava que ela se vestisse de outra maneira. Ela corria feita à criança que sua mente era. Também viu as internas Tomio Sakura, Melanie Mascarin, Iris Lee Fee e Tiffany Dolson. Elas se vestiam com uma estranha camisola dourada.
Sean tomou para si uma taça de champagne, que desceu escorregando. Ele bebeu outra e mais outra. O Dr. Björn vigiava o Antônio ‘666’ Basquez de perto, já que havia crianças na festa. Sean sabia que ‘666’ não era alienígena, então achou aquilo tão insano quanto o que vivia.
Não percebeu quando alguém parou ao seu lado.
— Ambrósia? — falou um Sean encantado com a agente da Poliu vestida de Rita Hayworth. — Você está... — não soube continuar.
— Inoltre! — ela ainda estava distante para com ele que ia falar-lhe algo. — non parlare — tocou-lhe os lábios. — Ho deciso qualcosa, Sean.
— Decidiu contar-me o que?
Indridi pegou sua mão e o puxou para longe, para cima, para o quarto de Björn onde ela dormia.
— Ricordate quando detto che Mde. Blavatsky ia mais longe? Que em espiritualismo a palavra ‘materialização’ significava o aparecimento objetivo dello spirito, denominado morto, che il rivestito di ocasionalmente?
— Que se formavam dos materiais achados na atmosfera, e as emanações desses se apresentavam como um corpo temporário fiel à semelhança humana do defunto, como se parecesse ele quando vivo.
— Capitiche? — ela viu Sean arregalar os olhos azuis no que afastou o quadro da parede e uma argola pendurada ali fez correr uma porta para dentro de u7ma pare4de, mostrando uma passagem de paredes de pedra e o cheio característico de um local com pouca ventilação, há muito tempo. — Eu vinha qui per trazer comida i medicamentos a prigionieri.
— Vinha aqui? — Sean teve realmente medo do que ia ouvir.
— Si! Prigionieri, speciale come te.
— Prisioneiros especiais quanto?
— Nem tu sappere, non é Signor Queise? O quanto é speciale?
— Pare de me chamar assim!
— Va bene! Non vou insistir — Ambrósia/Indridi estava mesmo se divertindo com ele. — Eu vinha due vezes por dia, mattino e nel tardo. Non mi era permesso sair do quarto la notte e mi creda, non vorrei. Havia algo ché era solto no cair da noite, na escuridão. Qualcosa che se rastejava pelo Castello Stoff, e ché era a ‘menina dos olhos’ do Terceiro Reich.
— Está dizendo que… Você viveu aqui? Na Segunda Grande Guerra?
— Emma Jürgen viveu!
— Quem é Emma?
— A enfermeira alemã que trabalhava qui, ma che ajudou os prigionieri. Ma che nunca conseguiu descobrir o che soltavam a noite, perche fui morto antes.
— Morta quando?
— 28 de abril de 1945.
— Quando Dr. Wolfgang Heissler se matou?
— No mesmo dia que Eva Braun e Adolf Hitler forgiato la loro morte e fuggirono per una das entradas di Terra Cava.
— Wow! — Sean viu que a escada forjada na pedra descia para algum lugar. — Quando Emma encontrou Ambrósia?
— Já disse ché sou Ambrósia.
— Chega!!!
— Psiu! Fale baixo. Non vai querer mesmo ché eles saibam ché estamos qui, non Signor Queise?
Sean olhou a escada íngreme, abafada e quase nula de ar respirável.
— Por que fez isso?
— Isso che?
Havia alguns velhos spots de luz na parede. Ambrósia/Indridi se aproximou de uma das paredes do fundo parecendo mesmo conhecer o local e girou uma manivela, Sean contou mais de trinta vezes o que causou um pouco de energia gerada e a luz, contudo fraca, se acendeu mostrando um grande ambiente redondo, com provável, calculou uns 30 metros de diâmetros escavados abaixo do Castelo Stoff, com várias portas de madeira; 28 ao todo, contou, e com um ínfimo buraco na madeira da porta para se ver dentro.
Mas dentro Sean só viu escuridão.
— O que tem lá dentro?
— Non há energia lá dentro. Ma possiamo vedere un pouco — e Ambrósia/Indridi abriu uma das portas com uma chave presa a uma velha argola de ferro já enferrujada, liberando um odor de urina e morte.
— Ahhh...
— Come si può vedere non c'era molto di ossigeno qui. Os ferros já estavam enferrujados quando sono stati utilizzati qui — e ela abriu mais a porta agora mostrando uma cama feita de concreto e restos de tecido que lembravam velhas estopas. — Era tudo o ché eles tinham.
— Quem eram eles?
— Médiuns russos.
Sean começava a achar que talvez Ambrósia/Indridi fosse tão louca quanto todos lá em cima, que não eram loucos.
— Por quê?
— Mulheres médiuns eram utilizzati una società segreta chiamata LINK, che ha usato nossos poderes psichici per comunicare con...
— Alienígenas! — Sean completou não muito feliz com aquilo. — Todas as portas? — apontou.
— Prisões! — e o olhou com mais que prazer nos olhos. Sean não gostou daquilo. — E qualcos'altro… — se aproximou de um das portas, parecendo ser aleatórias, mas que revelou outra escada após liberar o que Sean achou que fosse gelo.
— O que há lá embaixo?
— Uno freezer.
— Ainda funciona?
Indridi olhou para baixo.
— Stou contando com isso Signor Queise.
Sean não gostava quando ele a lembrava de Ambrósia, da italiana que não o deixava dormir. Ambrósia/Indridi então desceu e outra vez no escuro se dirigiu até onde Sean a perdeu de vista, ouvindo o mesmo som de antes. Provável ela girava uma nova manivela.
Quando a luz se fez Sean jurava que preferia nunca ter estado ali. Havia mais de cem criptas totalmente intactas, mostrando crocodilos humanoides congelados.
— Eles estão... Eles estão...
— Mortos.
— Eu ia perguntar ‘eles estão mortos’ desde quando, Senhorita?
— Dalla fine della prima guerra mondiale.
— E por que o freezer?
— Mantidos qui.
— Que podem se descongelados?
— Si DNA azul funcionar.
— Deus… — Sean se aproximou onde Ambrósia/Indridi estava, e havia algo ali que a fizera parar. Uma jovem de corpo avantajado, cabelos escuros e lindos olhos negros. — Quem é ela?
— Emma!
— Deus... — sentiu as pernas enfraquecerem no que o corpo da moça russa estava intacto. — Esse corpo que está usando agora?
— Indridi Rahn, sobrinha del Dr. Björn Rahn, che è morto in un incidente.
— Björn sabe?
— Non!
— Ela também estava na Terra Oca?
Ambrósia/Indridi se virou para ele.
— Ho detto a Miss Ãnkanna ché você non si credere.
— Miss Ãnkanna?
— Inoltre non è facile per me, va bene? Da quando Miss Ãnkanna detto tutto — apontou o entorno.
Sean sentiu a língua colar no céu da boca.
— Miss Ãnkanna está viva?
— Parecemos estar?
— Deus... — Sean teve medo do que ouviu. — Como conseguiu voltar com o corpo de Indridi? O que pretendia?
— L'idea non era affatto male.
— Fale em português, Ambrósia... — e a encarou. — Mas mesmo assim quis voltar como Indridi?
— Tinha mio motivos.
— Seu titio?
— Non é meu zio.
— Que seja. Por que não veio como Ambrósia?
— Perche tenho contas a acertar com Mr. Trevellis.
— E Vincenzo Bertti?
— Ainda non o encontrei.
— Droga! Mas que droga! — e Sean enxergou passos se aproximando. — Alguém vem para cá.
— Impossibile! Ninguém conhece isso qui!
— Estou dizendo que há passos vindo para cá.
— Porca la miseria! Depois di aver visto abrir e fechar portas di carro em meio a postes sendo estourados, io credo — e passou por ele que estava em estado de choque.
Ambos subiram e fecharam a passagem secreta. Sean enfim respirou com medo de respirar.
— E agora?
— Non sei… — e um tiro perpetuou na noite. — O che…
— Fique aqui! — Sean se virou e correu para porta.
Mas Ambrósia/Indridi o seguiu, colocando a mão no pescoço dele, desamarrando a gravata borboleta.
Sean a encarou.
— Ritiene che hai amato in molte altre vite prima di questa?
“Acredita que amei você em muitas outras vidas antes dessa?” Sean traduziu.
— Sim...
Ambrósia/Indridi abriu o botão da camisa dele, que arrancou, que jogou no chão. Depois se inclinou para trás, ainda o observando, ainda sendo observada, abaixando o zíper de seu vestido até a cintura, deixando cair o vestido justo, vermelho que usava. Dois seios perfeitos, volumosos, sedentos se pronunciaram se encostaram ao peito viril dele. Sean cerrou os olhos a sentir seu coração pulsar por toda sua garganta. Indridi o beijou. Os seios se arrastavam e Sean os tocou, engolindo-os com as mãos.
Ele inclinou-se e novos tiros perpetuaram na noite fria. Sean engoliu o seio esquerdo dela com a boca, e Ambrósia/Indridi gemeu de excitação, acariciando os cabelos loiros dele o levando percorrer seu corpo. Sean engoliu o outro seio, apaixonado; tinha que admitir, erguendo-a do chão, fazendo a lingerie enterrar-se no sexo dela; dedos hábeis que entravam e saíam.
Ambrósia/Indridi desceu do colo dele e tirou a lingerie. Abriu a calça dele e a tirou. Beijou-o todo de cima a baixo. Sean não sabia mais se queria odiá-la, desejá-la, detê-la. Ergueu-a novamente e enterrou-se, agora para dentro dela.
— Ahhh!!! — ela gritou ecoando por todo o sanatório do Castelo Stoff.
Elvira parou na frente da porta do Dr. Björn, e escutou o prazer de Ambrósia/Indridi, seus gemidos, seus sussurros apaixonados e chorou. Escorregou até sentar-se no chão gelado de mármore carrara e chorou muito.
Sean levou Ambrósia/Indridi até a cama, deitou-se sobre ela, e Ambrósia/Indridi o encarou nunca se imaginando próxima dele outra vez. Ele fez-lhe um carinho, ela sorriu em agradecimento. Ele afastou os cabelos macios que lhe caíam no rosto bonito, e foi à vez dele sorrir-lhe. Ele se moveu lentamente, sexo no sexo, e Ambrósia/Indridi foi outra vez invadida, apaixonada, vencida pela libido que tomava sua corrente sanguínea, que pedia mais.
O queria tinha certeza, se não fossem tiros cada vez mais próximos dali e o gritou gutural que se fez.
— Arghhh?!
Sean arregalou os olhos azuis para Ambrósia/Indridi imaginando o pior.
— Ela veio à tona... — falou como que para si mesmo.
— Sean, não?! — Ambrósia/Indridi gritou quando ele saiu dela.
Ele olhou em volta apavorado. A janela estava fechada, temeu até abri-la. Colocou a calça, os sapatos, a camisa como pôde e conseguia, e a encarou.
— Fique aqui!
— Non!
— Por nada nesse mundo. Por nada, Ambrósia, abra essa porta.
— Tu non pode ir lá solo.
— Prometa-me! Prometa-me que só eu vou!
Ambrósia/Indridi o agarrou. Foi um beijo dolorido. Sean sentiu aquilo como um beijo de despedida. Balançou a cabeça irritado com os pensamentos que não queria ter, abriu e fechou a porta.
Sean desceu e correu em meio à multidão de estranhos que por sua vez corriam desorientados para todos os lados. Chegou à porta dos computadores ainda com o cadeado. Lançou-se com toda sua força sobre a porta que não cedeu. Sean sentiu dor no ombro esfaqueado. Aquilo o apavorou mais. Lançou-se com chutes e a porta cedeu agora mais pela idade do que pela força empregada.
Entrou desorientado a jogar tudo ao alto. Achou a caixa de ferramenta onde havia escondido a arma Tyron nível A, embaixo de algumas ferramentas. Saiu para o caos em meio a pessoas que corriam para todos os lados.
Mais tiros, Sean ouviu.
“Poliu!”, pensou.
A noite começava a escurecer, a Lua queria se esconder e as alamedas agora estavam destruídas pelos passos apressados de um e outro, que em fuga não conheciam o caminho a seguir.
Sean correu ao sobrado, procurou Elvira em todos os quartos e não a encontrou. Lançou-se escada abaixo e um som na cozinha o alertou. Entrou sendo surpreendido por um nazi, um da Terra Oca.
— Ahhh?! — Sean foi chão após ser atingido pelo nazi, que estava longe de ser um cristalizado, porque era de carne e osso.
Sean rolou com o corpo uniformizado dele e antes que o nazi fizesse algo, Sean girou-lhe a perna o detendo, em vários golpes de Krav maga. A porta bateu atrás dele, alguém usando máscara apontava uma arma para ele.
— Atrapalhou tudo o que não podia atrapalhar! — exclamou o mascarado.
— Atrapalhei? — perguntou Sean cínico com o pescoço do nazi preso entre suas pernas.
Sean jogou-se antes que o projétil acertasse sua cabeça, caindo atrás da mesa que empurrou sobre o mascarado, que perdeu o equilíbrio. A arma do mascarado caiu da mão dele escorregando para a sala e Sean correu porta fora deixando os dois lá.
O quintal até as garagens nunca foram tão distantes. Outros projéteis e Sean jogou-se ao chão. Arrastou-se, levantou-se, levou tiro e se jogou novamente. Quando se virou para trás, ainda deitado, acionou a Tyron nível A e atirou no que visualizou como sendo um grande crocodilo azulado correndo sob duas patas atrás dele.
Sean mirou com precisão e o crocodilo humanoide mascarado foi atingido em pleno voo, caindo com os dentes enfileirados a milímetros de um Sean apavorado.
Sean arrancou-lhe a máscara.
— Dr. Kimberly Warner! — sorriu irônico para o crocodilo humanoide, um reptiliano azulado. — Quem diria.
— Arghhh?! — um gritou gutural seguido de gritos apavorados de pessoas comuns chegaram a ele.
Sean correu para a multidão que outra vez se espalhava pelo amplo terreno. Muitos haviam conseguido fugir para os portões do sanatório, alguns cometeram o erro de seguir para a mata fechada que rodeava o castelo. A quimera estava no seu meio e sabia agir. Sean seguiu a trilha de sangue e mortos pelo caminho. Um, dois, três, dez mortos pelo chão. Pedaços de outros também. Gente da vizinhança, de Wirgüs, de Triesen.
“Ela veio à tona… Ela veio à tona… Ela veio à tona…” soava nele.
Sean correu embrenhando cada vez mais na escuridão da mata fechada que rodeava o Castelo Stoff e gritos horríveis, sofríveis, vieram do lago.
— A nave? — Sean se perguntou. — Ela quer fugir? — se perguntou também.
O breu total tomou conta da mata cerrada. Sean estancou não enxergando mais nada nitidamente. Olhou em volta. Um horrível silêncio se espalhou. Estava atônito demais até para pensar.
Um movimento atrás dele e Sean estava cara a cara com a quimera. Alta, com quase dois metros de altura, azulada, pronta para enfrentá-lo. Sean podia sentir o hálito da boca aberta em sua direção.
Ele paralisou. Ela também. Por algum motivo a quimera azul não o matava.
“Por quê?” “Por quê?”, se perguntava em choque.
A saliva espumava, queimava a grama que tocava.
“O líquido azulado vem do organismo dela”, Sean concluiu.
Um som no lago os alertou; a ambos. A nave no fundo do lago começava a submergir. Alguém ia fugir e não era a quimera. A quimera então saltou por sobre o corpo de Sean que se agachou, e alcançou o vidro da nave, que começava a despontar das águas escuras.
— Arghhh?! — um grito gutural ensurdeceu muitos e a quimera socou o vidro da cabine de comando.
Sean aproveitou e correu de volta ao sanatório do Castelo Stoff. A quimera olhou para trás. Não o seguiu, Sean não sabia por quê. A quimera socou a cabine mais uma vez e outra, e o vidro trincou, com o ocupante desesperado, debatendo-se com a água escura e lamacenta do lago que entrava na cabine.
— Arghhh?! — a quimera voltou a gritar e Sean ainda a ouviu de longe.
Ele não imaginava quem estava na nave, mas sua lista de opções era intensa.
“Elfriede? Berghaman? Sygfrid? Hans-Joachim? Klaus?”, Sean sabia que um deles tentava roubar a nave e fugir.
Outro grito Sean ainda ouviu quando alcançou a clareira. Estava nos domínios do sanatório novamente. Correu a campo aberto voltando ao prédio central quando alguém saiu por detrás de uma floreira, e caiu sobre ele levando-o ao chão.
— Amélie?! — Sean ergueu-se atordoado e Amélie o olhou apavorada. Estava arranhada e muito machucada. — Amélie? — Sean a chacoalhou. — Você está bem?
— Eu...
Os olhos de Amélie pareciam ter visto fantasmas. Sean imaginava que ela vira muito mais.
— De onde você saiu Amélie? — olhou em volta.
— Eu... — apontava a Ala Verde.
— Os bunkers? Os bunkers, Amélie? — a chacoalhava. — É lá que eles ficam?
Sean a arrastou para a mata novamente.
— Não!!! — ela berrava.
Sean a arrastava.
— Venha aqui!
Sean continuava a arrastá-la para longe do prédio central.
— Não!!!
Amélie lutava contra. Uma trilha azulada ele viu. Olhou-a com a saia rasgada e embebida em líquido azulado. Imaginou algo que não quis.
— Sua saia, Amélie — Sean chacoalhou-a com força. — Sua saia está rasgada! — mas ele viu Amélie parecendo entorpecida, a ponto de perder os sentidos. — Quem, Amélie?! — gritou Sean. — Quem?!
— Um homem.
— Um interno?
— Não... Uniforme...
— Preste atenção! — Sean chacoalhou Amélie novamente. Esbofeteou-a até ela ouvir. — Amélie?! Escute-me?!
— Não...
— Volte a pensão!
— Não...
— Escute-me!!! Procure Oscar Roldman! Diga-lhe que eu a mandei!
— Não... Não...
— Amélie?! — Sean a esbofeteou com mais força, e Amélie foi ao chão chorando, e Sean a ergueu. — Austácio me disse que você fazia qualquer coisa para não ir presa, não é verdade? — Sean esperou ela olhá-lo em meio ao que já sofrera. — Não é, Amélie?! — gritou.
— Sim...
— Isso! Encontre Oscar! Diga que um deles fez sexo com você atrás do VRIL, que ele ia fugir com a nave do lago!
— O quê?
— Diga-lhe! Ele vai cuidar de você!
Amélie olhou em volta ainda assustada.
— Presa?
— Isso, Amélie. Se não você vai ser presa.
— Não... Oscar... Vou... — Amélie saiu cambaleando pela mata. — Vou procurá-lo... VRIL... Vou...
Sean voltou à clareira, alguns corpos ainda caídos, feridos, agonizavam. Sean não podia fazer nada, o líquido já havia penetrado a corrente sanguínea, provável que a já a tivesse derretido. E não era o líquido de ampolas diluídos, era o líquido de dentro da quimera, 100% original.
Sean ficou imaginando se teria sobrevivido se todo o líquido que lhe foi injetado tivesse alguma coisa da quimera e o quanto especial ela devia ser para Laura e Wolfgang Heissler voltarem e os nazis voltarem da Terra Oca para resgatá-la.
Mais gritos e gemidos se espalharam. Havia muita gente estranha lá. Sean imaginou que muitos eram agentes, e muitos haviam sido mortos. Procurou em volta por Mr. Trevellis, até por Oscar Roldman procurou. Temeu que eles tivessem saído a campo, tivessem se ferido.
Sirenes começaram a ser ouvidas ao longe e um tiro Sean ouviu. Ele olhou mais para cima, olhou para as alas, para o corredor principal.
O sanatório do Castelo Stoff todo ficou no breu.
— Ambrósia?! — gritou quando um pensamento horrível passou-lhe pela cabeça. Sean lançou-se novamente adentrando o sanatório do Castelo Stoff, apenas brecado pelo soco certeiro de Berghaman que o derrubou no chão. Berghaman estava molhado, com lama pelo corpo. — O que? A quimera não deixou você viajar com um UFO-nazi? — perguntou Sean irônico.
Berghaman o pegou pela camisa mal abotoada e lançou-lhe sobre uma das colunas dóricas, que estremeceram todos os ossos dele. Sean caiu no chão de mármore carrara sentindo-se quebrado. Berghaman saltou sobre ele e Sean rolou. Arrastou-se, correu, mas foi surpreendido pelo voo animalesco do corpo de Berghaman novamente sobre o dele. Sua pele estava azulada e ele tinha olhos enviesados, cobertos por uma camada escamosa.
E Sean não viu mais nada no que sua cabeça foi ao chão duro, só não morreu porque entre a visão avermelhada que sua orbe emitiu, viu Mr. Trevellis com algo brilhante na mão. Sean sacudiu a cabeça e viu que Mr. Trevellis matara Berghaman, o plêiade, com uma espécie de lâmina de cristal azulado.
Mr. Trevellis e Sean Queise trocaram informações nos olhares que se deram.
“Droga!” Sean lembrou-se de Ambrósia/Indridi.
Ergueu-se ferido e com sua cabeça sangrando, e subiu todos os degraus aos trancos. Encontrou a porta do quarto de Ambrósia/Indridi arrebentada e Oscar caído, ferido.
— Oscar?! Não?! Oscar?!
Ele abriu os olhos.
— Ele me forçou Sean… A fazê-la abrir a porta... — e Oscar desmaiou.
— Não?! — Sean largou Oscar no chão e desceu os degraus aos trancos, alcançando a sala de Björn trancada.
Não havia como fazer seus dons abrirem nada, estava sangrando, descontrolado e com a visão de Ambrósia/Indridi morrendo outra vez.
E Sean socava Björn no que ele abriu a porta, sem entender muito bem o que acontecia ali. As mãos de Sean lotaram-se do sangue de Björn.
— Sean?! — gritou Elvira da porta.
Sygfrid e Berghaman também entraram após os gritos de Björn ecoarem por todo o sanatório do Castelo Stoff. Os dois enfermeiros se lançaram sobre Sean que estava descontrolado e Sean os jogou longe. Sygfrid partiu de novo para cima dele e pegou-lhe a cabeça lançando-o no chão como já fizera uma vez.
Sean entendeu que era ele o crocodilo humanoide agressor na pensão ao roubar os Cds. Sean levantou-se e saltou sobre Sygfrid que ficou desacordado pelo soco que levou, mas Berghaman o segurou por trás. Era forte, não permitindo Sean se movimentar, fazendo-o jogar as pernas para o alto tentando atingi-lo, mas sua força era descomunal.
Elfriede entrou e injetou-lhe uma ampola. Sean ia reagir, mas desistiu. Só torceu para que aquela ampola tivesse apenas 10% de seu conteúdo. Desmaiou no chão da sala do Dr. Björn.
Todos se olharam.
O destino de Sean Queise havia sido selado.
20
Castelo Stoff.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
21 de dezembro; 03h00min.
Sean Queise sentiu um frio congelar lhe a alma. Havia saído do corpo por estradas nunca percorridas, com dons de deslocamentos, como diria Ambrósia/Indridi.
E Sean sentia-se tocado, excitado, fora de si.
— Uhahh uahhaaah uhahh ugahh ugahhaahh! — vozes miúdas de mulheres que o tocavam, que o manuseavam.
Tentou se mover, mas nada entendia nada podia fazer. Abriu os olhos e o éter nunca fora tão frio em meio às mulheres que riam, se satisfaziam ao tocar-lhe seu sexo.
Sean excitou-se com nunca.
“Sei de segredos sobre o sanatório do Castelo Stoff que o faria ficar excitado”; a voz de Amélie o acordou.
As imagens eram deturpadas pelo líquido azulado, nubladas, fora de foco. Seus olhos tentavam enxergar além da luz, que se incidia sobre ele. Mas nada pôde fazer, Sean estava dominado.
Sabia que não havia voltado totalmente ao corpo, seu corpo aquecia e esfriava e aquecia para então se esfriar novamente. Nada conseguia pensar, eram apenas formas libidinosas de alcançar o VRIL.
Era só ser tocado, tocado, tocado.
Sobrado, Castelo Stoff.
Vilarejo de Wirgüs, arredores de Triesenberg; Principado de Liechtenstein.
21 de dezembro; 05h00min.
Quando acordou Sean estava deitado nu, na cama de Elvira. O perfume adocicado dela se espalhava por todo seu corpo.
Ele estremeceu com o que pensou e a viu em pé, usando o surrado vestido de cetim cor-de-rosa agora manchado de azulado. Os dois colares de pérolas no pescoço e as mãos dela segurando a caixa de tecido.
— Você mexeu, não? — ela logo perguntou e Sean sabia que ela falava da caixa. — Você viu minha fotos, não viu Sean? — ela chorou.
— “Meu avô, Dr. Wolfgang Heissler fora seu grande mestre. Ele lhe devia isso”, — Sean repetiu a antiga frase da Doutora. E Sean viu Elvira erguer os olhos cheios de lágrimas. — Eu não entendi, não foi, Elvira? Se tivesse entendido teria sido melhor para todos; para Maxuell, para Indridi e para mim.
— Ela não devia...
— Não devia o quê?
— Ter vindo.
— Você matou Indridi, Elvira?
— Eu precisava. Não entende?
Sean sentiu a dor penetrar-lhe a alma, toda a segurança de seu corpo falhava.
— Deus... — soou com dor.
— Ela não podia ter feito aquilo.
— Aquilo o quê? — ele perguntava entre lágrimas que agora derrubava.
— Não entende? Indridi... Ela veio roubar meu lugar — olhou em volta. — Roubar você... Ela entre nós.
— Nunca existiu ‘nós’, Elvira. Nunca existiu ‘entre nós’.
Ela o encarou.
— Você é meu, ‘filho de Oscar’! — vociferou Elvira.
Sean a encarou novamente. Entendeu porque acordou nu, o frio, o VRIL.
— Não sou ‘filho de Oscar’, Elvira. Não sou Rh negativo...
— É sim!!! — ela gritou tão alto que Sean foi lançado longe pela vibração de sua voz.
Ele a encarou, a pele de Elvira mudava de coloração, azulava.
— Meu Deus! O que Wolfgang e Maxuell fizeram?
— Ele teve o que mereceu. Maxuell teve o que mereceu. Na poltrona que ele gostava, na janela que via o pico nevado.
— Por quê? Por que o matou?
— Por quê?! Por quê?! — berrava a fazê-lo perder a visão, o raciocínio. — Você pergunta por quê?! Arghhh!!! — Elvira gritou um grito gutural tão alto que Sean sentiu que seus tímpanos davam sinais de romper. — Olhe para mim?! Olhe para mim ‘filho de Oscar’!!!
Ele ergueu os olhos. Ela tinha escamas azuladas.
— Wow! — Sean nunca tivera tanto medo.
— Maxuell não pensou em mim! — Elvira falava complicada pelo excesso de língua gelada e azulada que soltava da boca espumosa.
— Maxuell pensou em você sua vida toda, Elvira. Largou tudo para cuidar de você. Salvou sua vida a tirando do fogo quando Wolfgang quis matá-la. Ele a escondeu em Triesen. Deu um nome, estudo, amor...
— Não!!! Arghhh!!! — a voz dela machucava. — Maxuell manteve suas experiências em mim.
— Não é verdade. O DNA era para controlá-la. Para que não viesse à tona.
— Arghhh!!! Arghhh!!! Arghhh!!! — gritava.
Mas de repente ela parou. Elvira pareceu pensar.
Ele aproveitou-se.
— Laura era Asha, sua mãe, não? Ela voltou quando as internas Plêiades pediram socorro sobre sua saúde.
— Eu não sabia o que fazia... Eu não sabia o que eu era...
— Não. Você não tinha culpa até matar Maxuell. Dali em diante você assumiu o que é.
— E o que eu sou, ‘filho de Oscar’?! — inclinou o pescoço de crocodilo.
— Uma híbrida… — e uma língua gelada e azulada se projetou para fora, enroscou-se sobre o pescoço dele, o sufocando agora mais rápido. E nem toda força que Sean empregasse iria detê-la. Ela lembrou-se dele na mata fechada que rodeava o castelo com Indridi, a ferindo com uma ferramenta. Liberou o pescoço dele fazendo Sean se engasgar quando o ar recomeçou a subir. — Elvira… — tossiu muito.
— Por que não me entregou?
— Porque eu... — Sean voltou a tossir muito. — Eu não sabia... Não tinha certeza... Achava que era uma das internas... Laura, mas nunca você.
— Por que nunca eu?
— Porque eu te amei, Elvira. Não da maneira que você quis, não na intensidade que exigiu... Mas eu te amei.
— Não!!! Arghhh!!! — gritou. — Ninguém pode amar um monstro — e sua língua gelada e azulada lançou-se pelo quarto e voltou a sua boca. — Meu pai me matou, minha mãe fugiu para outro planeta. Eu não vou fazer isso com ‘ela’ — Elvira passou a mão no ventre.
Sean sentiu um calor subir-lhe as costas.
— Sou Rh positivo, Elvira. Sou filho de Nelma Queise, Rh positivo, sou filho de Fernando Queise, Rh positivo. O bebe não vingará.
— Não!!! Arghhh!!! — Elvira ia lançar sua língua gelada e azulada sobre ele quando Sean saltou longe e sua língua gelada e azulada enroscou na poltrona.
Sean saltou nu sobre a cama e pegou o brinco com o fecho quebrado. Cravou na língua gelada e azulada dela e correu para a porta, mas um líquido ácido atingiu-lhe por trás.
— Ahhh!!! — gritou de dor caindo ao chão, sentiu suas costas queimarem.
Ele ainda tentou passar as costas no tapete, mas Elvira cravou-lhe os dentes na sua perna. A imagem de um monstro comendo gente, gritos de desespero, e Maxuell sentado no banco em frente do prédio central, fumando um Lucky Strike de caixa branca se mostrou a Sean. Ele havia saído do corpo, invadido o éter, alcançado os ecos do passado.
O líquido de Elvira penetrava em seu corpo. Sean sentia-se tonto, entorpecido, dopado de todas as maneiras de transporte, com sua alma abandonando seu corpo.
Sean olhou em volta, havia ido ao passado e a quimera se arrastava pelas colunas do Castelo Stoff, enquanto Wolfgang sorria satisfeito com sua cria, porque ele sabia o que ela fazia.
Elvira agora era uma quimera, seu corpo todo havia se transformado e o líquido escorria pela perna de Sean que viajava, que via Wolfgang colocar o corpo de Elvira no forno, que estalava toda. Laura/Asha estava lá. Wolfgang e ela entraram numa nave que partiu.
Maxuell estava parado em frente ao forno. Elvira gemia, gritava, urrava, estalava. A nave partiu e Maxuell parou a grade do forno nos laboratórios subterrâneos. Ele a pegou nos braços e a cobriu com carinho, Maxuell a havia salvado.
Sean voltou a si, viu que Elvira o olhava diferente. Ela também vira o que acontecera. Vira o erro que cometera com o Dr. Maxuell.
Seu corpo todo de quimera azul chorava.
— Ele... — a quimera azul Elvira chorava cada vez mais. — Ele me amou como filha?
— Sim...
Elvira olhava descontroladamente para os lados.
— Não vai me perguntar por que lhe ataquei nas alamedas após o jantar que não aconteceu, Herr Queise? — mas ela viu Sean não sabendo como respirar. Sua corrente sanguínea toda havia sido inundada pelo líquido azulado. — Me pergunte por que não lhe matei nas alamedas àquela noite do jantar — mas Sean não conseguia falar. — Me pergunte!!!
— Por que não...
— Pergunte!!! — berrava.
— Por que... Deus... Por que não me matou? — ainda encontrou forças.
— Porque eu te amei naquele beijo. Você era tudo de bom que eu já tivera, que eu queria ter para toda vida.
— Elvira… — Sean estava morrendo e Elvira sentou-se a olhá-lo.
Sua coloração começava a tornar-se novamente humana.
Ele não conseguia entender o que a fez retornar.
— Mas ela não deixou te amar.
“Ela?”, ele pensou confuso.
Sean sentiu-se leve, saindo do corpo novamente. Uma discussão no lago ele ouviu, viu Laura/Asha dizendo para ela se afastar dele.
— Laura não deixou eu te amar... — soou longe para ele.
Sean a olhou, Elvira havia voltado ao normal. Tinha uma estranha arma nas mãos.
“A adaga de cristal de Trevellis”, lembrou-se num lampejo.
— Ela me deu isso — Elvira mostrou um pedaço de cristal. — Laura deu-me isso — foi Elvira quem respondeu.
Sean ainda teve tempo de vê-la cair no chão duro do seu quarto. Elvira havia se matado com o estranho cristal que Laura/Asha lhe dera.
“A mãe sempre sabe quando seu bebê não tem futuro”, soou a voz de Cleópatra.
Sean Queise desmaiou achando ter morrido, em meio a uma força etérea que saía de seu corpo jovem.
FINAL
São Paulo, capital; Brasil.
23° 32’ 52” S e 46° 38’ 9” W.
05 de janeiro; 09h00min.
Fazia um dia muito bonito no Brasil, quando Sean atravessou o interminável trânsito de São Paulo e chegou ao restaurante onde Oscar Roldman o esperava uma semana depois de tudo.
Oscar parou o café que tomava e o olhou com carinho. Aquilo incomodou Sean mais que tudo.
— Como está, Sean querido?
Sean tremeu, ele percebeu.
— Eu não sabia que eu era Rh negativo, Oscar — foi só o que disse.
Oscar percebeu que a conversa não ia ser das mais fáceis. Nunca fora. Levantou-se e afastou a cadeira a frente dele esperando ele sentar-se. Sean sentou pesado, perdido em pensamentos.
Ele sentou-se e ficou olhando seu filho e o quanto o amava.
Todos aqueles pensamentos chegaram a Sean que os bloqueou-o imediatamente.
— Sean querido...
Sean fez um sinal para que ele parasse. Estava totalmente transtornado. Também sabia que aquela conversa não seria fácil.
— Só vim aqui porque minha mãe insistiu.
— Nelma?
— Ela pediu para agradecer-lhe por ter salvado minha vida mesmo ferido como você estava.
— Você estava letárgico. Se os médicos não tirassem o seu sangue você morreria...
— É! — cortou sua fala outra vez. — E você deu-me a vida, Oscar.
— Sean… — Oscar encarou Sean que o encarou, havia sido uma frase dúbia. Ambos sabiam.
Um silêncio perpetuou-se e Sean sentiu-se mal.
Oscar pediu café para dois.
— Os nazis... — Sean tentou falar.
Oscar olhou em volta, o restaurante estava cheio para o café da manhã. Muitos empresários se encontravam lá.
— A Poliu assumiu o controle.
— Reminiscências... — Sean tomou a primeira xícara de café num gole só. Mal sentiu o gosto. — Por que a melhor opção foi mandar-me ao sanatório do Castelo Stoff?
— Maxuell Reingner me procurou depois dos agentes de Trevellis morrerem, e morreram porque Mona quis pegar exemplos de sangue. A Poliu já desconfiava que alguma plêiade estava fora de controle. Mas as Plêiades terem mandado buscar Laura e Wolfgang Heissler me escaparam o controle.
— Porque as plêiades queriam salvá-la e Laura voltou para terminar o que Maxuell não teve coragem.
— Também acredito nisso. Por isso Elvira matou Laura.
— Onde está Vincenzo Bertti?
— Trevellis teve que contar sobre Ambrósia. Ele desistiu do que veio propor.
— Deus… Isso é ilógico…. — e suspirou. — Klaus Brienn?
— Não o encontramos!
— As garagens? Elas tinham ufo-nazis Oscar.
— Estavam vazias.
— Devem ter bunkers por debaixo daquele sanatório todo.
— Ele foi interditado.
— Sabe que isso não vai ser o suficiente para apagar tudo. Porque a LINK ainda existe em algum lugar, porque aquele lago ainda é uma entrada para Terra Oca, e lá ainda vivem atlantes, lemurianos e alienígenas furtivos.
E Oscar tomou o café que esfriava.
— Não foi só você que Nelma mandou vir, Sean querido.
— O que quer dizer com isso?
— Que Nelma mandou-me vir, para obrigá-lo a parar com isso.
— E você acha que ela vai conseguir isso?
— Não sei Sean. Ainda há muitos segredos escondidos naqueles mainframes.
E Sean o observou melhor.
O garçom trouxe o desjejum e nada mais falaram.
— Por que Trevellis tinha uma adaga?
— Adaga?
— A única arma capaz de matá-los.
— Não sei o que dizer...
— E alguma vez ficamos sem ter o que dizer? Nosso Rh?
— Não me desafie, Sean!
As pessoas do lado olharam-no. Sean balançou o pescoço nervoso. Oscar o copiou.
Os dois agora travavam uma batalha nada silenciosa.
— Por que as plêiades me queriam? Por quê? Por isso eu sou especial? Que maldito dom eu tenho?
Oscar olhou-lhe com interesse, mas não respondeu.
Sean levantou-se e começou a ir embora.
— Sean?
Ele parou não soube por quê. Voltou bem próximo a mesa e se inclinou sobre ele.
— Sabe que eu ainda tenho muito que fazer, não sabe? — Sean o encarou. — Não sabe?
Oscar o viu de tão perto que seu primeiro impulso foi abraçá-lo. Seu coração de pai endureceu quando se negou a si próprio.
Engoliu o resto da xícara de café.
— Você não vai continuar a investigá-los Sean querido! — agora soou como uma ordem.
Sean sorriu.
— Einstein dizia que o mais importante é não parar de questionar — virou-se indo embora com a certeza que voltaria.
Não naquele momento, mas num futuro próximo. Sean ainda tinha muitas duvidas sobre a Terra Oca, sobre alienígenas, sobre ele próprio.
Duvidas sobre seus mainframes.

 

 

                                                   Marcia Ribeiro Malucelli         

 

 

 

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