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Series & Trilogias Literarias
Eu era uma garota simples, vivendo uma vida simples, até que vendi minha alma para salvar minha mãe.
Agora a batalha final se aproxima, e eu não estou preparada.
“A escuridão toma forma. Pequena a princípio, maior depois”.
— Arianna Spero
Eu sonho com fogo e dor. Eu sonho com Daison e Ari. E então, quando as chamas ameaçam me consumir, ele está lá. Tavian Gray.
Ele me segura. E juntos nós queimamos.
Eu acordo ofegando, minha cabeça coberta de suor. Eu devo ter tido febre. Novamente. Muito comum agora. Doença. Desde que aquele desgraçado... desde que ele... Não. Eu não posso pensar nele. Não consigo pensar no que aconteceu. Se eu fizer, vou quebrar. Então eu empurro as memórias de Levi, memórias da masmorra, e tento me mover. Meus membros estão fracos, machucados, apertados por dias em uma cela, mas como uma porta enferrujada, acabam cedendo. Meus ossos estalam e rangem quando me sento. Minha respiração está pesada. E então, olhando para baixo, eu vejo ele. Eu vejo-o.
Eu suponho que eu sabia que esse dia chegaria. Eu temi isso. Mas agora, vendo-o no meu colo, não posso deixar de sorrir. — Olá... Riku.
A pequena fênix chilreia de volta para mim. Ele é de um roxo profundo com listras prateadas, suas penas com aparência metálica. Lentamente, eu levanto minha mão, movo-a para frente como faço para acalmar cavalos.
Riku não recua. Em vez disso, ele se inclina para frente, na minha palma, e eu acaricio suas penas. Elas são macias, suaves, apesar de sua aparência sólida. Ele parece gostar do meu toque. Ele continua esfregando contra o meu braço, então eu continuo acariciando-o, e ele chilreia no que parece ser felicidade.
Eu não posso deixar de rir. Rindo. Eu. Uma Shade que acabou de passar pelos piores dias de sua vida, rindo na cama com uma pequena fênix no colo.
E ele é minúsculo. Do tamanho de uma batata, encaixando-se facilmente na minha mão. Muito menor do que eu imaginava.
— O poderoso Riku — eu digo em falsa seriedade, levantando-o na minha cara. — Você é tão fofo.
Ele balança a cabeça, sorrindo com os olhos. Uma mistura de roxo profundo no centro e prata em torno das bordas.
Eu sempre pensei que Riku seria vermelho, talvez laranja. Você sabe, cores de fogo. Mas minha chama é inexplicavelmente prateada. Então eu suponho que ele combine comigo.
Eu me forço a me sentar ainda mais. De alguma forma, dói menos agora. Talvez por causa do fofo bebê fênix na minha mão. Ele pula no meu ombro, empoleirando-se ali, e eu olho para nós dois em um oval de aço polido que funciona como um espelho improvisado. Nós combinamos bem, meu cabelo azul complementando seus roxos profundos. Minha pele pálida combinando com a prata dele.
Meu vestido é um simples verde, ao contrário do meu quarto não muito simples. Fen insistiu que eu ficasse em um dos aposentos reservados para os hóspedes mais renomados de Stonehill. É enorme. Completo com uma lareira acesa e um tapete de pele grossa, estantes com mais livros do que eu já li, e até mesmo uma penteadeira! Quem precisa de tudo isso? Talvez uma princesa, mas eu não sou princesa. Sinto falta da minha própria casa, minha pequena casa do lado de fora do castelo. E como Daison costumava...
Eu empurro os pensamentos dele para longe, me voltando para Riku. — Então, cara, você está com fome? Você precisa de alguma comida? — Não me lembro se os Espíritos precisam comer. Eu tento lembrar se Ari alguma vez alimenta Yami, mas não consigo lembrar. Então penso no Baran. Barão definitivamente come comida.
Ainda louco por pensar que ele é um espírito. Quando Fen me contou todos os detalhes, meu cérebro quase explodiu. Ele tinha sido metade Fae durante séculos, mas nunca soube a verdade. Como essas coisas acontecem?
Eu tento não refletir muito sobre isso, enquanto vasculho meu quarto em busca de comida. Alguém deixou uma refeição variada de pão, queijo e presunto na minha penteadeira. Eu ofereço o presunto para Riku, mas ele acena seu pequeno bico para mim de uma forma muito desagradável. Então eu ofereço-lhe o pão.
Então ele canta e come.
Ele é bem impecável, pegando cada migalha. — Bom bebê fênix — eu digo, acariciando-o na cabeça. — Agora, que tal um pouco de água e...
Passos soam do lado de fora da minha porta.
Meu coração para, minha respiração engatando. Por favor, seja Tavian. Eu sofro por estar com ele. Ele visitou meu quarto desde que fomos libertados, mas eu estou meio dormindo a maior parte do tempo, lutando contra a febre. Hoje me sinto melhor do que há séculos. Eu preciso vê-lo.
Eu preciso...
A porta se abre.
Não é Tavian.
É Asher.
— Ah, vejo que nosso novo druida acordou. — Ele fecha a porta, ajustando as mangas pretas de seu terno imaculado. Seu cabelo escuro está arrumado, mas mais bagunçado que o normal para Asher. Eu me pergunto se algo aconteceu.
— Você pode ver ele? — Eu pergunto, levantando minha mão com Riku.
Asher acena com a cabeça. — Claro.
— E você não está surpreso?
— Porque eu estaria?
Porque eu não contei a ninguém que sou druida. Nem mesmo Fen. Apenas Tavian. Apenas Tavian sabe.
Asher parece notar minha pausa. — Eu ouvi o seu novo amigo falar sobre isso. Ele parece muito legal.
Então Tavian disse a ele. De alguma forma, algo parece errado sobre a ideia. Eu não conheço Tavian tão bem, mas sei que ele é uma pessoa privada. Eu não o imagino derramando os segredos dos outros.
— Eu tive minhas dúvidas — diz Asher, balançando as mãos no ar. — Mas agora que você tem Riku, não há como negar isso.
Eu deixo cair meus olhos, suspirando. — Não. Eu suponho que não há.
— Vamos minha querida — diz Asher, colocando um dedo sob o meu queixo. — Esta é uma boa notícia. Nós temos três druidas do nosso lado agora. E a Estrela da Meia-Noite. Levi não vai nos desafiar novamente.
Eu sei que ele está tentando me animar, mas com a menção de Levi eu me sinto doente. Curvo-me, tentando não vomitar, mas me preparando para tudo da mesma maneira.
Riku chilreia suavemente no meu ouvido, e isso ajuda um pouco.
— Eu sei que pode ser... difícil — continua Asher, — ter a responsabilidade imposta a você. Mesmo se você for criado para governar, a ideia de governar e o ato de governar são duas coisas muito diferentes. Como um druida, você tem um dever para com o seu povo. Talvez não como um governante supremo, mas como um guia. Um mentor. — Ele olha para longe, para as chamas da lareira, sua voz suave. — Eu sinto o mesmo.
Há algo sobre Asher hoje. Uma profundidade que eu não vi antes. Ou talvez, eu esteja simplesmente percebendo uma falta de inteligência. Ele parece mais sério que o normal.
— Eu não acredito que os outros saibam ainda — diz Asher. — Que você é um druida. Se você quiser, eu posso manter o segredo por mais algum tempo.
— Sim — eu digo, de repente me sentindo melhor e ficando mais ereta. — Isso seria legal. Até que eu esteja pronta para contar a eles por conta própria.
— Muito bem. Agora, para assuntos importantes. — Ele se inclina, farejando meu vestido, depois puxa de volta repelido. — Você deve tomar um banho.
***
Eu só encontro servos a caminho da casa de banho e ninguém parece notar Riku. Ele deve estar escondido, invisível. A luz fraca atravessa as janelas do corredor. Deve ser muito cedo. Explica a falta de pessoas. Quando entro na câmara de banho, estou sozinha, quase na escuridão, a água é azul pálida.
Bem. Estou quase sozinha. Há o Riku depois de tudo.
Eu tiro meu vestido e entro na água. É quente, calmante para minhas articulações doloridas. Um leve vapor paira sobre sua superfície, o calor lutando contra o ar frio. Eu suspiro e me inclino para trás contra as paredes da banheira, fechando os olhos e deixando meu stress derreter.
— Olá, princesa.
Eu reconheço sua voz instantaneamente. Profunda e quente e grave.
Tavian Gray, alto, musculoso e nu, está acima de mim.
Eu acho que... bem... acho que esqueço como pensar.
Então ele sorri.
E minha mente começa a vagar. Para coisas que eu poderia fazer para aqueles músculos, aqueles lábios...
Então Tavian pula na piscina, me molhando e quebrando meu sonho maravilhoso.
Eu rio e espirro de volta.
Antes que eu possa exigir minha vingança, ele agarra meus braços, prende-os e pressiona seu corpo duro como pedra contra o meu. Seu coração bate no tempo com o meu próprio. Sua respiração faz cócegas na minha pele. Seu cheiro é de pedra e madeira e fogo. Eu corro a mão pelo seu peito, estudando cada centímetro de seu ser, memorizando-o da melhor maneira possível. Então eu nunca posso deixar de ir neste momento. Então eu posso segurar isso para sempre.
— Eu senti sua falta — eu sussurro, nossos lábios se aproximam. Oh, tão perto...
— Isso é bom. — Ele coloca a boca no meu pescoço, beijando minha pele suavemente de novo e de novo. — Caso contrário, eu teria ficado por nada.
Ele se recuperou mais rápido que eu, de alguma forma. Lembro-me dele ao lado da minha cama enquanto lutava para viver. Ele parecia bem então. Ele parece bem agora.
— O que você é, Tavian Gray? — Eu pergunto, passando a mão pelo seu cabelo castanho espesso.
— Você sabe quem eu sou...
Eu puxo o cabelo dele. Apenas o bastante.
Ele inala profundamente, sorrindo. — Eu sou muitas coisas. Agora, acima de tudo, eu sou seu amigo.
— Só um amigo? — Eu pergunto, mordendo meu lábio.
— Bem, talvez eu seja um amigo especial.
Eu toco seu rosto com as minhas mãos, traçando seus ossos da bochecha, seu queixo firme.
Então ele pega meu rosto em suas mãos e me puxa para mais perto. Mais próximo. Mais próximo.
Até nossos lábios se tocarem.
Até eu sentir o gosto dele na minha língua.
Parece para sempre, até nos separarmos.
— Mmm — eu digo, ainda lembrando-me dele nos meus lábios.
Ele ri. — Mmm está certo. — Então ele coloca uma mão no meu queixo, seus dedos ásperos e fortes. Ele inclina meu rosto até que nossos olhos se encontrem. — Vou me lembrar disso, minha princesa. Vou me lembrar disso o tempo todo.
Há algo em suas palavras. Uma tristeza.
E percebo o que elas significam.
— Você está indo embora, não é?
Ele não desvia o olhar então. Eu acho que um homem menor faria. Mas ele não. — Sim. Este não é o meu mundo. Não é o meu lugar. Eu sou um viajante. E, em breve, devo viajar novamente.
Eu pego sua mão, segurando-a com força, com tanta força que temo machucá-lo, mas não me importo. — Eu posso ir com você.
— Você é um druida — diz ele olhando por cima do meu ombro. E percebo que ele pode ver Riku parado ali. — Onde você for, Faes a seguirão. Eles procurarão sua orientação, sua liderança. — Ele faz uma pausa, finalmente desviando o olhar, olhando para a água azul profunda. — Eu não sou líder. Eu não sou uma pessoa para seguir.
Eu balanço minha cabeça, lágrimas brotando nos meus olhos. — Por quê? Por que você insiste em ficar sozinho?
— Eu... — Ele faz uma pausa. — Você realmente quer saber?
Eu aceno, me preparando para o que está por vir. — Eu quero.
— Então fique comigo esta noite — ele diz, franzindo a testa. —As memórias, elas são piores do que de costume hoje. Fique comigo, e você vai ver. Então você vai entender.
Eu aperto sua mão ainda mais forte. — Eu vou ficar com você. Mostre-me.
***
Nós passamos o dia juntos, mas não é um caso feliz. Não verdadeiramente. Tavian parece perdido, enterrado em suas memórias. Enquanto eu como vorazmente, ele mal toca sua comida. Enquanto eu ando com um salto no meu passo, ele fica para trás. Quando eu pergunto o que está errado, “Você verá” é tudo o que ele diz.
Eu tento encontrar Fen, mas o Guardião Kal'Hallen me informa que ele e Dean estão procurando por Ari. Eles devem estar de volta amanhã.
Eu gostaria de poder estar lá fora, procurando minha amiga. Mas ainda estou muito fraca. Logo, no entanto. Eu prometo. Em breve.
— Ela é muito querida para você — Tavian observa enquanto caminhamos pelos jardins em capas de pele.
— Sim — eu digo, pensando em Arianna. — Ela é como uma irmã. Uma irmã que eu amo.
Ele assente, não dizendo mais nada.
Quando a noite cai, ele me acompanha até um barraco na periferia da cidade – um lugar que eu achava que estava abandonado. Ele parece ter feito uma casa aqui. Os tapetes grossos cobrem o chão e a lareira está cheia de madeira. Ele adiciona mais no fogo, e nos abraçamos em frente às chamas, aquecendo um ao outro.
Eu não sei quanto tempo ficamos assim. Juntos. Segurando um ao outro.
Mas em algum momento, Tavian se afasta. — É hora de eu dormir. — Ele caminha até a esquina, um lugar frio e úmido. Ele pega algo lá e joga nos meus pés. Uma espada.
— O que é isso? — Eu pergunto, não tocando a lâmina.
— Você pode precisar — diz ele.
— Por quê?
Ele não diz nada, soltando o robe de pele e fazendo uma cama para si.
— Eu já vi você dormir antes — eu digo. — Quando viajamos.
— Nem todas as noites são iguais. — Ele parece cansado, derrotado. Ele se deita nas peles e fecha os olhos. — Boa noite Princesa.
— Boa noite...
Ele não diz mais nada.
As horas passam. Nada. Nada além de um homem dormindo pacificamente. Eu trago mais lenha para o fogo. Mantenho-a queimando para ficar quente.
É em algum momento nas profundezas da noite, em algum momento quando as luas estão altas, que Tavian começa a tremer. Começa com um murmúrio, um sussurro que não entendo. Ele murmura mais alto, depois mais alto, numa língua que não conheço. Suas mãos começam a tremer com suas palavras. Sua cabeça sacode de um lado para o outro. Ele parece estar chamando. Ligando para alguém. Gritando. Gritando um aviso.
É então que o vento começa a se agitar. Ele grita ao meu redor, embora todas as janelas estejam fechadas. Isso me arrepia, apesar do fogo ardente. As luzes começam a escurecer. Uma sombra cai sobre o quarto.
Eu já vi isso antes. Quando Tavian ameaçou Metsi. Quando Tavian lutou contra os invasores.
Mas agora acontece enquanto ele dorme.
Ele treme e tem espasmos, gritando. Gritando.
Trovão soa.
Mas eu não vejo nenhum raio. Nenhuma tempestade lá fora.
Trovão novamente. A tempestade está aqui. Nesse quarto. A tempestade gira em torno dele.
Um flash de luz.
Outro.
Eles me cegam.
Mas entre os flashes, vejo vislumbres.
Tavian.
Diferente.
Sua pele mais escura.
Escura.
Preta.
Listras brancas em seu corpo.
Sua boca torce estranhamente, abrindo-se e ele ruge, rasgando o ar com sua voz.
Seus dentes são longos demais, afiados demais.
Ele é mais besta do que homem agora.
O que está acontecendo?
Riku grita de terror, tremendo no meu ombro.
Tavian ruge novamente, e é um som de agonia, uma agonia tão terrível.
Corro para frente, querendo sacudi-lo, acordá-lo, fazê-lo parar.
Mas algo me impede. Um sentimento. Um sentimento de que isso deve passar por conta própria.
Eu me contenho. Embora cada parte de mim queira ajudar. Eu me contenho.
Outro flash.
E o fogo se apaga. Escuridão envolve o quarto. Escuridão e silêncio. Um silêncio tão forte que arrepia.
E então eu ouço isso. Sinto.
Sua respiração contra a minha pele. O sopro pesado de uma fera.
Ele está na minha frente.
Não consigo vê-lo. Mas eu sei que ele está lá.
Um predador diante de sua presa.
Eu procuro a espada, mas não vejo nada na escuridão. Eu procuro com minhas mãos, mas não encontro nada.
A respiração ainda está em cima de mim. Quente. Alto.
Algo rosna na escuridão.
Meus dedos encontram algo. A espada. Eu espero.
Não me faça fazer isso. Não me faça fazer isso.
Algo avança. Ataca a minha garganta.
Eu dirijo a espada para frente.
E tão rapidamente quanto a escuridão veio, ela se retira.
As chamas retornam, piscando.
E diante de mim, vejo Tavian coberto de suor, tremendo no chão, sangrando de seu ombro.
— Não — eu caio de joelhos, puxando-o para mim, segurando firme. — Sinto muito. Sinto muito.
Ele deixa a cabeça cair para trás, então estamos olho a olho. E vejo que é ele de novo, o verdadeiro ele. — Eu te disse, princesa — diz ele, sua voz um sussurro rouco. — Eu te disse que devo ir.
Minhas mãos tremem. Meus olhos se enchem de lágrimas. Eu arranco um pedaço do meu vestido e o envolvo em seu ombro sangrando. A ferida não é profunda, graças aos Espíritos. — O que aconteceu? — Eu pergunto enquanto trabalho, minha voz tremendo.
— Você se lembra do que eu te disse? Como eu convoquei a escuridão? Como eu assisti isso matar minha família? Há outra coisa. — Ele aperta a mandíbula, cada palavra é um esforço claro. — A Escuridão poupou aqueles que realizaram o ritual da morte. Mas isso não nos poupou inteiramente. Fomos amaldiçoados. Uma maldição...
Ele alcança alguma coisa. A mesa. Água. Ele deve querer água. Eu corro, pegando um copo e colocando nos lábios dele. Ele bebe.
Eu acaricio seu cabelo suavemente, esperando. Quando ele termina, retiro a taça. — Qual é a sua maldição? — Eu pergunto.
— Eu não posso esquecer — diz ele. — Eu não posso esquecer nada. A escuridão consumindo minha esposa. Os gritos dos meus filhos quando eles morreram. Eu me lembro de tudo isso. Cada detalhe. Cada detalhe que eu já senti.
— O que você quer dizer? — Eu pergunto, franzindo a testa, sentindo sua dor.
Ele limpa a garganta, levantando a voz. — Você se lembra da última vez que tocou em ferro quente? A última vez que você queimou sua mão? Você se lembra de como realmente se sentiu? A dor?
— Não — eu digo, percebendo o que ele quer dizer. Eu me lembro de uma parte da dor, mas apenas uma parte.
— Eu me lembro de tudo — diz ele. — Cada corte. Cada queimadura.
— Isso é... Isso é...
— Horrível? — Ele sorri por um momento. — Imagine se as mulheres pudessem se lembrar do parto. Se elas conseguissem se lembrar de todos os detalhes. Teriam que conviver com isso todos os dias.
— Isso as deixaria loucas — eu digo, bebendo um pouco da água.
— Deixaria, não é? — Ele faz uma pausa. — Na maioria das vezes, eu posso me distrair com o presente. Mas o passado está sempre lá, sempre do meu lado, me assombrando. Zombando de cada erro. Toda tragédia. Por um tempo, eu posso ignorar o seu chamado. Mas alguns dias É mais difícil não escutar. E então... então eu vivo em agonia.
— Eu sinto muito — eu digo, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. — Eu sinto muito.
Ele levanta uma sobrancelha, aparentemente intrigado. — Não é sua culpa, princesa. É meu próprio fardo. Um fardo bem merecido.
— Ninguém merece tal destino.
Ele sacode a cabeça. — Se você pudesse saber como minha família sofreu, se você pudesse saber como eu sei, você não concordaria. — Ele tenta me afastar.
Eu não o deixo. Eu o seguro mais apertado. — Mas você não pretendia prejudicá-los.
— Não. Não, eu não fiz. Mas eu ainda devo pagar pelo que fiz. Pelo tolo que eu era.
Ele me empurra, então, mais forte do que eu esperava. Eu caio para trás, enxugando minhas lágrimas, Riku chilreando em meu ouvido, enquanto Tavian pega seus pertences. Ele envolve seu manto em volta dos ombros e se dirige para abrir a porta.
Ele faz uma pausa, segurando a alça. — Vou partir amanhã. É o melhor. Melhor viajar sozinho. E... não vou contar a ninguém sobre o Riku. Sobre o que você realmente é. Esse é o seu fardo a carregar.
Com isso ele abre a porta e sai.
Um forte vento frio me atinge e me envolvo no tapete de pele. Tapete de Tavian. Cheira a ele. E eu seguro isso perto. Chorando. Chorando pelo que poderia ter sido.
São horas depois, perto do amanhecer, quando me lembro do que Tavian disse. O que ele realmente disse. Eu não vou contar a ninguém sobre o Riku. Sobre o que você realmente é. Esse é o seu fardo para suportar.
Seu fardo. Seu fardo. Seu fardo...
Se Tavian mantive meu segredo, como Asher sabia? Como ele sabia?
Eu pego meu manto de pele e corro para o ar frio do inverno. Eu corro de volta para o castelo. Lá, em um corredor vazio, encontro Asher. Apesar da hora, ele está acordado e caminha com um propósito.
Eu permaneço na sombra, escondendo-me através de caminhos e portas sinuosas.
Uma vez, fecho uma porta muito alto e Asher olha para trás. Eu congelo, escorregando para um canto. Asher olha em volta, encolhe os ombros e continua.
Eu sigo com mais cuidado. Riku, felizmente, não faz nenhum som.
Ele sabe que algo está errado aqui. Algo que devemos descobrir.
Asher para no meio de um corredor, espreita por cima do ombro, em seguida, empurra algo na parede. Uma pedra.
Um gemido ecoa pelo chão e uma parte da parede desliza para longe. Uma porta secreta?
Eu pensei que conhecia as passagens. Fen me mostrou todos elas.
Mas essa. Essa não é uma que eu conheço.
Asher entra na nova porta, desaparecendo de vista.
O que ele está fazendo? Encontrando alguém?
Oh, Asher, por favor, não seja um traidor. Por favor.
Aperto minha mandíbula e sigo, esperando pelo melhor, temendo o pior. Eu sigo através da porta secreta, descendo degraus que levam ao fundo da terra. Levando a uma câmara envolta em escuridão, acendeu apenas algumas tochas lançando sombras sinistras. Atrás de um canto, vejo Asher agarrar algo do chão. Uma bandeja de comida.
Ele leva adiante. Para algo no centro da sala.
Não. Não é algo. Alguém. Um homem sangrento e machucado. De joelhos. Sua mão estendida, amarrada em correntes.
Eu sussurro um encantamento, aumentando minha visão noturna. E então eu vejo o rosto do prisioneiro.
Isso... isso não faz sentido.
O prisioneiro... o prisioneiro é Asher?
O homem, o prisioneiro, olha para cima e sorri. — Ninguém te descobriu ainda? Maravilha sangrenta. Significa que ainda sou aquele que te matará.
Com certeza soa como Asher. A voz. As inflexões. Até a sagacidade arrogante.
O outro Asher, o de pé, ri. Não é a voz dele. Não. Está mais profunda agora. Mais escura. Familiar.
Meu intestino torce. Minhas mãos tremem. Não pode ser...
O outro Asher acena com a mão, e sua forma brilha, muda. E lá está ele.
Meu pai.
Lucian.
Apesar de mim, as lembranças passam pela minha mente. Memórias da minha mãe me escoltando até High Castle. Minha primeira viagem até lá. Esperando por horas no corredor. Horas para ver o rei. Obtendo nossa chance. Caminhando até o grande rei na frente de centenas de pessoas. Oh, quão poderoso ele parecia. Que grandioso. Cabelos escuros com apenas algumas listras de cinza. Armadura negra cobrindo seu corpo como escamas de dragão. Uma poderosa espada em seu trono, certamente grande demais para qualquer homem normal. Minha mãe me empurrou para frente para ficar diante dele. — Esta é sua filha — ela disse.
O rei olhou para mim então. Uma vez. Apenas uma vez ele olhou.
— Minha única filha está morta — disse ele.
Mas o que ele quis dizer? Eu não conseguia entender. Eu era filha dele e certamente não estava morta. Ele era meu pai. Os pais cuidam dos filhos deles. Eles os abraçam. Dizem-lhes palavras de sabedoria.
Mas o rei não se moveu para me tocar. Ele não falou para compartilhar comigo uma história. Em vez disso, ele acenou com a mão em um gesto, e minha mãe me empurrou para sair do caminho. Eu não queria me mexer. Eu queria ficar. Para falar com o meu pai. Mas minha mãe me empurrou mais. — Por favor — ela sussurrou. — Antes que os guardas notem.
Eu deixo ela me mover, então, me leva de volta para a multidão. Eu tinha visto os guardas. Homens grandes em capacetes assustadores que pareciam feras. Eu não queria que aqueles homens me notassem. Então voltei para a multidão e depois fui para casa. Eu não vi meu pai novamente. Não por muito tempo.
Mas eu o vejo agora.
Ele está diante de mim.
Rindo.
Rindo do verdadeiro Asher.
Ele está se passando por ele. Usando ilusão para... quem sabe quanto tempo.
Uma vez eu pensei que Lucian estava morto. Se foi. Mas ele vive. Ele mantém meu meio-irmão prisioneiro. Não sei qual é o jogo dele, mas sei que não é bom. Lucian era... é... nunca é bom.
— O que é tão engraçado? — pergunta Asher. O verdadeiro Asher.
Lucian para de rir, ajustando sua capa vermelha. — Sua audácia, meu filho. Você sempre foi tão cheio de si mesmo, tão orgulhoso.
— Ha, ha, ha — Asher diz com uma risada zombeteira. — O Príncipe do Orgulho é orgulhoso. Oh pai, você é verdadeiramente hilário. Por favor, me diga, qual foi sua maldição de novo? Piadas ruins?
Algo muda, então.
Lucian continua a crescer. Frio. Este é o homem que conheço. O homem que vi naquele dia no tribunal.
— Eu gostaria que pudéssemos conversar mais, meu filho — diz o rei, sua voz clara, sem emoção, — mas estamos sendo rudes. Você vê, nós temos um convidado.
Um convidado?
Eu congelo.
Isso significa eu.
Lucian se vira, de frente para mim. E ele sorri. — Oh, Kayla, Kayla, na hora certa.
O que ele quer dizer?
— Venha agora — diz Lucian. — Saia das sombras.
Eu faço o que ele diz, não porque ele diz isso. Mas porque dessa maneira eu posso levantar minha espada. Levantar minha espada e apontá-la diretamente para o coração dele. — Deixe-o ir.
— Ainda não. A hora não está certa. Mas logo. Eu prometo.
— Não! — Eu grito, avançando. Eu não conheço meu plano. Eu não tenho um. Eu não posso lutar com o Lucian. Mas talvez, com Riku ao meu lado, talvez eu tenha uma chance...
— Você não vai precisar disso — diz o rei, apontando para minha lâmina. — Você não vê, você está aqui por uma razão. Ninguém. Ninguém descobriu a verdade. Ninguém sabe que eu tenho representado um príncipe. Ninguém além de você. Uma prostituta suja mestiça. Por que isso?
— Porque você deixou — eu digo, percebendo a verdade. — Você mentiu sobre Tavian de propósito. Você me levou até aqui.
— Hmm — diz Lucian, assentindo. — Talvez você seja mais esperta do que eu pensava. Mais esperta que sua mãe prostituta, de qualquer maneira.
— Não fale sobre ela — eu assobio. — Não se atreva!
Ele encolhe os ombros. Isso é tudo? Um encolher de ombros?
— Como você sabia que eu era um druida? — Eu pergunto, estudando o quarto. Procurando por outras saídas. Procurando uma maneira de libertar Asher.
— É uma habilidade que aprendi — diz Lucian, — de sentir o poder nos outros. Seu espírito é forte. Desde que a salvamos da masmorra, eu sabia o que você era. Seu potencial.
— Você sabia? Realmente? — Eu levanto minha mão livre e ela acende com uma chama prateada. — Então você sabe o que eu posso fazer com você. Deixe Asher ir. Agora. Ou eu queimo você até que não haja nada além de cinzas.
Os olhos de Asher se arregalam. — Kayla. Kayla você não pode...
Lucian bateu no rosto dele. — Quieto. Deixe a mestiço jogar seus jogos. Será melhor quando perder.
Asher abaixa a cabeça. Ele mal parece consciente.
Estou cansada dessa conversa. Dos insultos de Lucian. Eu carreguei uma vida inteira de ódio por esse homem. E agora eu solto isso.
Eu avanço e Riku se lança no ar. Suas asas ardem brilhantes com chamas. Como uma flecha, ele voa para Lucian.
Mas o rei é muito rápido. Ele pisa para o lado, evitando as chamas, e ele avança. Em mim.
Nossas lâminas se chocam.
E em um instante, acabou.
Minha espada cai no chão.
Ele me desarmou. Eu nem sei como. Ele se move tão rápido. É impossível.
Ele...
Lucian me chuta no estômago e eu caio, apertando meu estômago. Eu cuspo e o sangue voa da minha boca, manchando as pedras frias.
Riku grita em fúria e ataca, garras alcançando o rosto de Lucian.
O rei agarra a fênix no ar. Segura-a pelo pescoço.
— Não — eu tento gritar, mas sai um gemido fraco.
Riku chilreia em terror, se debatendo, mas Lucian não solta. Ele parece não ser afetado pelas penas queimando. Talvez a armadura dele o proteja. Talvez ele realmente não sinta dor.
— Chama de prata — diz ele, com os olhos arregalados de espanto. — Não há uma chama de prata há séculos. Não de acordo com os antigos textos Fae. Você realmente é especial. — Ele olha para Riku com prazer. Com ganância.
— Deixe-o ir! — Com a última das minhas forças, eu pulo, agarro minha espada e bato no braço dele.
Lucian bloqueia com uma mão. É tudo que ele precisa. Ele bate o punho da lâmina contra meus dedos, esmagando-os e eu solto a minha lâmina novamente. Qualquer energia que eu tenha me deixa, e eu caio de joelhos, chorando, implorando. — Por favor, deixe-o ir. Deixe-o ir.
Não suporto a dor que Riku sente. O terror. É a minha dor. Meu terror.
Lucian puxa algo de sua capa vermelha. Uma pedra cinzenta. Ele levanta e sussurra algo em voz baixa. Palavras que não entendo. Palavras como Tavian murmurou em seu sono.
Riku grita novamente. Mais alto. Um som de verdadeiro horror.
Alguma coisa. Algo está acontecendo.
Riku se torna mais chama do que pássaro. Seus gritos desaparecem. Eles morrem.
E então nada é deixado. Nada além de fumaça prateada.
Ela flui para a pedra cinzenta, muda-a. Transforma em um roxo profundo com listras prateadas.
— O que você fez com ele? — Eu grito, meu corpo tremendo de terror e raiva.
— Shhh — diz Lucian, acariciando a pedra. — Não se preocupe, minha querida. Riku está a salvo. Seguro e bem.
Ele está na pedra. O bastardo colocou Riku na pedra. — O que você quer com ele?
— Eu preciso da ajuda dele. E então ele estará livre. Eu juro. — Ele sorri para mim.
Eu cuspo em seu rosto.
Ele não o alcança. Mas eu não me importo.
Lucian apenas balança a cabeça. Uma estranha decepção em seus olhos.
— E agora? — Eu pergunto. — Me acorrentará como você fez com seu filho?
Ele levanta uma sobrancelha e senta ao meu nível. — Oh não, não há razão para isso. Não, eu tenho uma solução muito mais simples. — Ele puxa algo de sua capa. Um frasco. Uma poção.
Não. Não de novo. Eu não estou tomando algo de novo.
— Não tenha medo, minha querida. Isso simplesmente vai fazer você dormir. Um sono profundo e lindo. Seus amigos vão pensar que a febre quebrou você, que as torturas e venenos de Levi a colocaram em coma no final. Eles vão tentar ajudá-la, mas nada vai funcionar.
Eu me inclino para trás. — Não, por favor.
Ele não olha nos meus olhos. Ele não parece ouvir. — Mas você vai acordar. Um dia. Quando for a hora certa. Quando eu precisar de você.
— Não, por favor...
Ele agarra meu queixo. Eu tento mantê-lo fechado, mas ele abre. Vira o frasco na minha garganta. O líquido escorre, cobrindo minha língua com amargura. Eu tento não engolir, mas está me engasgando. Engasgo até meus músculos reagirem contra a minha vontade. Minha mente começa a desaparecer. Minha visão se afunila. Seu tosto é a última coisa que vejo. O rosto do meu pai.
— Bom — ele sussurra. — Bom.
Capítulo 1
SANGRE POR MIM
“Às vezes os lobos vêm em roupas de ovelha”.
— Fenris Vane
Eles não vão me matar. Pelo menos ainda não. No que diz respeito às palavras de consolo, estas são bastante patéticas, mas são tudo o que tenho. São as palavras que eu sussurro para mim mesma, quando Metsi vem todas as manhãs para administrar minha dose de ervas pré-natal fazendo com que seu lacaio force meu queixo aberto enquanto derrama o líquido amargo na minha garganta. São as palavras que uso para acalmar minha mente à noite quando estou sozinha, exceto pelo som do vento e dos animais selvagens do lado de fora da minha janela gradeada. São as palavras que eu penso para mim mesma todas as manhãs quando saio da cama para vomitar pelo enjoou matinal em um balde que eles deixaram para mim. Não sei se isso é causado pela minha gravidez ou pelas ervas que Metsi me dá – mas a cada dia me sinto pior.
Levou apenas uma semana para que essas palavras substituíssem dum spiro spero em minha mente. Ainda tenho esperança, no fundo, enterrada onde minha magia agora está adormecida. Eu tentei lançar feitiços, mas minha magia é uma coisa morta dentro de mim, inútil. Eles colocaram wards no meu quarto para garantir que eu não posso usar magia, e funciona.
Não é uma sala chique, mas não é uma masmorra. Então tem isso. Eu tenho um pequeno colchão no chão que está limpo e quente. Um quarto onde me banhar e me aliviar. E três mudas de roupa para que eu não feda. E há uma janela, sempre deixada aberta, mas grandeada para me impedir de escapar. Minha porta está sempre trancada. Não há decorações. Nada para ocupar minha mente, exceto o livro ocasional que Metsi traz para eu ler – principalmente livros muito antigos sobre a história dos Fae.
Cada dia eu dou uma caminhada para manter o bebê saudável. A caminhada envolve seguir Metsi e sua guarda até as masmorras, onde eu aguento uma hora observando-os torturarem Levi.
Enquanto eu sento e assisto agora, meu estômago aperta e bile sobe na minha garganta. Está sufocante e quente aqui embaixo, sem ventilação e com aquele cheiro de carne queimada. O ar é acre e rançoso e cheira a sangue, suor e excrementos. Eu não posso controlar o meu vômito quando estou aqui embaixo, então Metsi me entrega um balde, mas se recusa a permitir que eu volte para o meu quarto.
— Eu acho que você gostaria de ver esse monstro sofrer — diz Metsi, segurando uma faca, a ponta vermelha do fogo que ela segurou. — Afinal, você não sofreu nas mãos dele? Você não viu os efeitos do que ele fez com a sua amiga Kayla? Para as pessoas que você diz amar? Ele está recebendo nada menos do que o que ele merece.
Suas próximas palavras são abafadas pelos gritos. Levi não se parece mais com um homem, mas sim como uma coisa selvagem e esfolada que só quer ser expulsa de sua miséria.
E Metsi não está totalmente errada. Houve um tempo em que eu pagaria para ver Levi receber seu castigo. Uma vez eu teria me oferecido para fazer justiça em sua carne. Uma libra por uma libra. Mas eu não sabia o que sei agora. Eu não sabia que ver alguém ser torturado, ver alguém sofrendo além da medida, tem um preço em sua alma, não importando o que essa pessoa fizesse para merecer isso. Eu não sabia quão vil seria ver o que agora sou forçada a assistir.
Hoje, depois de Metsi terminar com Levi, ela se vira para mim com um sorriso cruel. — Eu tenho algo para cuidar, mas desde que você está sob contrato para passar o tempo com cada um dos príncipes, eu vou deixar vocês dois sozinhos para se relacionar. Considere o tempo de qualidade com o monstro deste mês.
Nós não somos deixados sozinhos, é claro. Dois guardas armados estão posicionados do outro lado da porta. Mas estamos sozinhos o suficiente. Mais sozinhos do que estivemos há muito tempo.
Um de seus olhos está inchado por uma contusão feia. Seu outro olho está injetado. Há pedaços de pele faltando em seu corpo e queimaduras que estão purulentas. Na mesa ao lado dele há uma variedade de instrumentos de tortura, bem como uma xícara de sangue humano, para ajudá-lo a curar um pouco, apenas o suficiente para feri-lo novamente.
Eu não acho que eles o deixaram dormir desde que chegamos, embora ele tenha desmaiado por curtos períodos.
Eu não tenho ideia do que dizer a ele. Eu o odeio. Detesto-o. Quando penso nas coisas que ele fez para mim, para os meus amigos, para o meu povo, sinto uma bola de raiva se retorcer no meu intestino, lutando pelo espaço com a vida inexplicável que agora cresce dentro de mim. Mas vê-lo sofrer me faz querer ajudar. Curar. Consertar. Claro, eu não posso fazer isso também. Não há nada que eu possa fazer para aliviar seu sofrimento, mesmo que eu desejasse. Então é isso. E espero.
— Você é a próxima — ele diz com a boca cheia de sangue.
— O quê?
— Você é a próxima. O que eles estão fazendo comigo, eles farão com você.
Eu sacudo minha cabeça. — Eles precisam muito de mim — eu lembro a ele. — Eles não precisam de você.
Seus lábios se enrolam em um sorriso grotesco que ainda é cheio de crueldade. — Eles precisam do que está em seu ventre, não de você.
— Gravidez leva tempo — eu digo. — Eu vou encontrar uma saída para isso até então.
A primeira coisa que fiz quando tive um momento sozinha, logo após minha captura, foi convocar Fen com meu sangue e sua marca demoníaca. Mas se a magia funcionou – o que era duvidoso, dadas as proteções – ele não veio. Ou talvez não possa vir. Não faço ideia do que aconteceu com ele e os outros quando fui capturada. Eu só posso esperar e rezar para que eles estejam seguros. E Es e Pete, meu deus, eu os trouxe para este mundo confuso e os deixei encalhados aqui. E não há nada que eu possa fazer sobre isso até encontrar uma maneira de escapar.
Eu coloco uma mão no meu estômago, algo que eu tenho feito muito ultimamente. É difícil pensar sobre esse bebê. Pensar que pertence a mim e a Fen. No meu mundo, eu nem saberia que estou grávida ainda, mas a magia tem vantagens, e uma delas é aparentemente a detecção precoce da gravidez.
— Você acha que eu mereço isso, não é? — diz Levi, com a cabeça baixa, mas os olhos fixos em mim. — Você acha que isso é justiça?
Eu não falo nada. Eu não vou dar a ele minha pena.
— Houve um tempo, sabe — continua Levi, — uma época em que eu não era nenhum perigo para ninguém. Eu era apenas um menino brilhante e ansioso por aprender. Mas o mundo levou aquele menino e o forjou em um homem severo. Não tinha que ser assim, mas foi. — Ele faz uma pausa, olhando para a lareira queimando dentro das pedras.
Ainda me lembro, nos Jardins de Prata, quando a mãe e o pai ainda moravam lá. Eu me lembro de estar perdido. Mais jovem que Niam e Zeb, mas mais velho que Dean, Ace e Asher. De alguma forma, meus irmãos mais velhos foram elogiados por serem sábios e maduros, meus mais jovens por serem espirituosos e jovens, e ainda assim eu não fui elogiado de forma alguma. Eu não deixei isso me impedir, não, não no começo. Eu levei a sério meus estudos, me destacando em minhas aulas e impressionando meus tutores. Eu cresci trabalhando especialmente como ferreiro, e trabalhei longas horas para aperfeiçoar o ofício. Quando o teste veio, eu trabalhei por semanas em uma lâmina, derramando minhas ambições e sonhos no aço. Era de ouro, com uma safira no punho. Lightbringer, a chamei. E quando finalmente estava terminada, levei para meu pai, ansioso para impressioná-lo pela primeira vez. Ele olhou para a lâmina e riu. "Oh Levi, você não poderia fazer tal lâmina” disse ele. “Diga-me, de quem você roubou?”. Eu argumentei com ele. Disse-lhe que era verdadeiramente o meu trabalho. Mas ele apenas riu mais uma vez e partiu para assuntos mais importantes. Levei a lâmina de volta para a forja e a bati até que quebrou. Eu não forjei novamente.
Ele vira o rosto para mim. — Quando o próximo teste veio, eu fiz como meu pai esperava. Eu roubei o projeto, um manto feito à mão, de Ace e passei por ele. Meu pai me parabenizou mais do que antes. — Ele ri, então seus olhos ficam mais escuros. — Ace e eu lutamos depois disso, mas não por muito tempo. Ele me perdoou, embora ele não tivesse motivo. Ele simplesmente... fez.
Ele faz uma pausa muito mais longa desta vez.
Eu cruzo meus braços. — E daí? Eu deveria te perdoar? É esse o ponto dessa história? Pobre Levi tinha uma coisa ruim acontecendo com ele, e em vez de trabalhar mais para provar que os outros estavam errados, ele apenas fez o que eles esperavam e ficou ruim? Bem, boo hoo, todos nós temos uma porcaria para lidar. Pelo menos você tem irmãos que se importam com você...
— Você acha que eles se importam comigo? — Ele vira a cabeça para trás e ri. — Sério? Você acha que Niam está comigo porque ele se preocupa com o pobre e velho Levi? Não, Princesa. Ele fica do meu lado por causa das oportunidades que vê para seu próprio benefício. Os esquemas que ele planeja me derrubar. E quem mais você acha que cuida de mim? Zeb, talvez? Oh, não, Zeb faz o que quer, querida Princesa. Às vezes ele ajuda, e outras vezes ele apunhala pelas costas. Por séculos, ele correu de um lado para outro entre mim e Asher, e ele vai virar os lados mais uma vez. Na verdade... não tenho certeza de quem ele apoia agora mesmo. Você sabe, princesa? Tem certeza?
Eu fico em silêncio porque ele não está errado. Eu não sei quem é o Zeb. Nem sei se ele votou para Fen e eu para morrermos, ou se ele tentou nos salvar.
Levi sorri para o meu silêncio e continua. — E eu espero que você não tenha ilusões sobre Asher e Fen. Eles me desprezam, posso assegurar-lhe.
— Só porque você fez isso — eu digo. — Só porque você traí e machuca em todas as chances possíveis.
— Como quando? — Ele olha para cima, como se estivesse tentando se lembrar de algo. — Como quando presenciei a Apresentação? Aquela que Dean e Asher também se juntaram? Eu entendo que foi difícil para você, Princesa, mas você deve entender que essas coisas não são raras em Inferna. Escravos são apresentados o tempo todo, até homens livres às vezes, se eles estão procurando por um trabalho particular. Você pode encontrar o costume nojento, mas meus irmãos não, garanto-lhe. Bem, talvez com exceção de Fen. Ele é um estranho.
— Agora, deixe-me ver, o que mais? Oh, talvez eu tenha os traído quando fomos lutar com os Fae? Não, espere. Eu não acredito que isso seja certo. Eu acredito que eu lutei ao lado deles, enquanto você escondeu o fato de que você era a Estrela da Meia-Noite, o fato de você ter tirado os druidas de seu sono.
— Ou talvez você se refira ao tempo em que eu te ameacei. Quando eu vi o que você realmente era, e eu tentei acabar com sua vida. Quando eu tentei parar a guerra e salvar as vidas de todos em Inferna. Mesmo as vidas de Fae inocentes.
— Ou talvez você se refira ao tempo em que eu – juntamente com outros cinco Príncipes do Inferno – sentenciei você e Fen à morte, a Estrela da Meia-Noite que trouxe ruína ao meu povo e o Druida da Terra que matou nosso pai.
Ele puxa suas correntes de raiva. — Eu posso ter ameaçado você, Princesa, machucá-la até mesmo. Mas eu nunca traí meus irmãos.
Eu... eu não sei o que dizer. Ele me machucou, quase me matou, e eu sempre achei que ele tinha feito pior para os outros... mas eu nunca o vi fazer mal a seus irmãos. Nunca o vi agir sozinho. Eu esqueço que Dean e Asher faziam parte da apresentação, mesmo perifericamente. Eu esqueço que eles faziam parte do Conselho que votou em minha morte.
Este é um mundo cruel. Eu me deixei esquecer, mas não mais. Antes de vir para cá, nunca tinha matado ninguém, nunca fui capturada ou visto outros torturados. Agora eu tenho suportado todas essas coisas. E eu sei que vou aguentar mais.
Levi fez coisas terríveis, mas e eu?
Eu matei.
Eu menti.
Eu arruinei.
Minha própria existência causa caos e desordem. Minha própria presença traz morte e dor.
— Existe uma maneira de escapar, sabe — Levi sussurra. — Muito simples, realmente.
— O que? Como assim?
Ele ajusta o pescoço, torcendo-o para o lado até os ossos estourarem. — Você me deixa alimentar do seu sangue. Eu vou recuperar minha força. Então eu posso quebrar esses grilhões com facilidade.
— E me matar — eu digo, me afastando.
Ele sorri. — Matar você? Verdade. Eu faria. Mas você não é apenas você agora, é? Eu ouvi falar do bebê que você carrega. Minha sobrinha ou sobrinho. O herdeiro. Que tipo de tio eu seria se eu matasse a criança? Que tipo de monstro eu seria?
Eu balancei minha cabeça, colocando uma mão protetora na minha barriga. — Você realmente espera que eu acredite nisso? Que você se importa com o meu bebê e Fen?
— Acredite no que você quiser. — Ele encolhe os ombros. — Do jeito que eu vejo, eu sou sua única opção. Deixe-me alimentar, e juntos podemos escapar. Não faça, e você permanecerá uma prisioneira para sempre. Isto é, até que seu bebê nasça. E então o que você pensa vai acontecer, princesa? Deixe-me dizer-lhe. Metsi vai cortar sua garganta e criar o bebê como dela. Ela vai ensinar a criança a chama-la de mãe. E seu precioso bebê vai crescer como a mamãe Druida, demente, louca, uma Fae que não vai parar até que todos os vampiros e Shades sejam massacrados. Isso é o que você quer para o seu filho? É o futuro que você imagina?
— Dane-se — eu digo com os dentes cerrados. Eu não sou idiota. Claro que eu considerei isso. Mas vou descobrir algo antes que isso aconteça. Eu devo.
Ele ri.
Uma parte de sua oferta me tenta, mas eu seria uma tola em aceitar isso. Mesmo que ele não esteja mentindo sobre proteger o bebê, ele não tem razão para me levar com ele. Ele poderia fugir por conta própria.
— Existe outro caminho — diz Levi. — Você poderia... — Ele olha para os guardas na porta e abaixa a voz ainda mais. Tão quieto.
— O quê? — Eu me inclino mais perto para ouvir.
E então ele me agarra.
Sua mão agarra meu cabelo e puxa minha cabeça para sua boca. Antes que eu possa reagir, seus lábios roçam meu pescoço. Seus dentes afundam na minha pele.
Eu suspiro quando o sangue corre para fora de mim. Eu tento lutar. Chute e grite. Mas já ficou mais forte. Ele continua me segurando. Bebendo. Bebendo.
Gritando.
Os guardas.
Eles investiram em Levi.
Por um momento, ele me deixa ir.
Com as mãos nuas, ele ataca os guardas, suas entranhas explodem nas paredes. Eu caio no chão. Fraca. Tão fraca. Eu tento ficar de pé. Rastejar. Eu não posso.
E então Levi retorna. Para terminar.
Ele me agarra pelo pescoço. Mordida novamente.
Eu não posso nem gritar desta vez.
Ele está me drenando. Drenando-me completamente.
Eu estou desaparecendo. Eu estou morrendo.
Ele nunca se importou com o bebê. Ele estava mentindo o tempo todo. Claro, ele simplesmente me mataria. Com a minha partida, os druidas teriam que voltar ao sono. Os poderes de Metsi desapareceriam. A guerra terminaria. E Levi poderia escapar com facilidade.
Ele está perto agora. Perto de acabar com tudo.
Minha visão se confunde. Minha mente escurece.
Eu coloco minhas mãos na minha barriga. No meu bebê. E eu penso em Fen.
Eu sinto muito. Eu sinto muito por vocês dois. Vocês merecem uma vida juntos.
Alguém entra no quarto. A água bate em Levi, empurrando-o de volta.
Mas é tarde demais.
Eu estou longe demais.
Eu fecho meus olhos.
E eu morro.
Capítulo 2
SILÊNCIO
Fenris Vane
“Nosso pai, o rei Lucian. Ele pode ser... difícil, às vezes, mas ele sempre foi justo”.
— Asher
Eu sinto isso. A quebra de ligação. Algo está errado.
Arianna!
Corro para frente pela neve e escovo, procurando, esperando, rezando. Galhos se abrem sob meus pés e poeira voa no meu rastro. Barão mantém o ritmo ao meu lado, correndo mais rápido do que nunca, nunca diminuindo a velocidade, mesmo quando sua respiração se esvai e a fadiga se instala em seus ossos. Por um dia direto, corremos. Nós corremos. Corremos. Até que não possamos mais correr. Quando o sol começa a se pôr, eu caio de joelhos em uma colina com vista para a floresta. Minha respiração está pesada. Meu corpo está encharcado de suor sob camadas de capas de pele marrom e coletes. Barão geme para a neve, seu corpo cansado como o meu, seus uivos fracos e melancólicos. Nós procuramos por dias. Semanas. Mas ainda não encontramos nada. E agora... agora algo mudou.
Desde que me alimentei de Arianna naquele dia na caverna, senti-me ligado a ela, senti a sua vida uma parte da minha. Mas agora não sinto mais. Em vez disso, estou vazio. Oco. Sozinho.
É hora de um novo plano. Hora de reavaliar. Hora de fazer algo que não quero fazer, mas devo fazer. Por Arianna. Porque não conheço outro caminho agora. Eu desembainho minha adaga e corto a palma da minha mão. Com sangue vermelho, eu desenho sua marca.
Então começo a construir uma fogueira atrás de um grupo de pedras grandes. Elas me lembram de uma garra, viscosa e cruel, alcançando os céus. Você é o Príncipe da Guerra, eles parecem sussurrar. Você é o príncipe da morte. Com qual finalização você sonhou? Você sonhou com a felicidade?
Meu corpo se enrola de raiva por meus próprios pensamentos sombrios. Queima com uma fúria que não senti na minha longa vida, mesmo no meu momento mais escuro. E então eu arremesso minha cabeça para trás e rujo para as estrelas. Eu bato meu punho no chão e sinto ele tremer embaixo de mim. Novamente. Novamente. Eu bato no chão até meus nódulos sangrarem, e então bato novamente.
E quando não tenho forças, recuo, de costas contra aquelas pedras frias e cruéis, e me perco em lembranças. Memórias de Arianna em meus braços, sua pele macia sobre a minha, seus lábios contra os meus. Sua respiração uma brisa fresca no meu ouvido, seu cheiro como flores frescas e um dia de verão. Oh, como eu anseio por tê-la de volta em meus braços. Saber que posso mantê-la segura, sussurrar palavras de conforto. Por que eu a deixei ir? Por que eu não a vi correr para Levi? Por que, quando fiz isso, não poderia lutar com os guardas com rapidez suficiente? Por quê? Por quê? Por quê? A palavra me assombra.
Mas eu não vou cair em desespero. Ainda não.
Eu salvarei Arianna. Eu farei qualquer coisa para fazer isso.
Eu até convocaria ele.
Barão está atento, farejando o ar.
Ele vem das sombras, uma cobra silenciosa vindo sobre sua presa. Eu olho para cima. Brilho em seus olhos escuros.
— Lucian.
Meu pai sorri, mas não há calor em seus olhos. Ele é frio e duro como a tempestade. Armadura preta e vermelha cobre seu corpo. Sua grande espada está em suas costas. — Você quer falar — ele diz, ainda meio nas sombras, meio escondido na escuridão. Como se a luz do meu fogo o queimasse.
Não vejo meu pai desde o dia em que o droguei. O dia em que achei que ele estava morto e meu mundo inteiro mudou. Eu me levanto, igualando-o em altura, meu corpo tão grande quanto o dele. Eu não olho para longe. Nunca mostre um sinal de fraqueza. — Onde ela está?
Ele não finge ignorância. Fingir ignorância é fingir torpor. — A druida Metsi a possui. Em um lugar que você nunca encontrará. Um lugar que ela nunca escapará.
É como eu temia. Eu vi o gelo quebrado. A água furiosa. A druida da água tem ela. Eu aperto meu queixo. — Sem Arianna, o contrato não pode ser honrado. Um novo Rei do Inferno não pode ser escolhido. Você deve ajudar a trazê-la de volta.
Ele ri. — Eu devo? Depois que você me traiu, seu próprio pai, seu próprio parente?
— Eu nunca fui seu — eu falo.
— Claro que você era meu. Eu te criei. O sangue da minha esposa trouxe você à vida, flui em suas veias mesmo agora. — Suas palavras pulsam de raiva. Ele está mais chateado do que eu imaginava. Chateado com o pensamento de que não sou dele. Ou talvez apenas chateado eu não estou dentro de seu poder.
— Se o contrato não for honrado — eu continuo, — os reinos vão sofrer. Não haverá governante, e seus filhos continuarão a brigar como eles fizeram, colocando a ruína um sobre o outro. Você já viu a destruição dentro do meu castelo? Você viu os Faes e as cabeças decepadas adornando piques? — Eu dou um passo à frente, implorando. — Você não procurou trazer equilíbrio entre os Fae e os vampiros? Você não procurou trazer a paz? Ajude-me. Ajude-me a salvar Arianna e trazer equilíbrio.
Ele olha para baixo pela primeira vez. — Mesmo se eu pudesse... mesmo se eu fizesse... o que importaria? Você não tem desejo de ser rei. Você não fará diferença.
Suas palavras me socam no estômago. Elas soam verdadeiras e, no entanto, me enchem de raiva. Como ousa se dignar a conhecer minha mente? Para saber o que posso ou não fazer?
— Eu trarei a paz — eu juro. — Vou trazer equilíbrio.
Lucian sorri, apontando para mim. — Você sempre teve um talento para os grandes gestos, um talento para o dramático. E muitas vezes, você manteve a sua palavra, conseguiu onde os outros achavam que você falharia. Mas desta vez, você não vai conseguir meu filho. Você não pode. Porque desta vez você está contra mim. — Ele olha para o fogo. — Você e seus irmãos jogam o seu jogo, brigando pelos meus restos como um bando de cachorros, mas no final, há apenas um Rei do Inferno. E ele está diante de você. — Ele se vira para sair.
Mas eu não vou deixar. Minha voz troveja pelo ar. Perguntando o que eu temia perguntar. — Eu sou um verdadeiro Príncipe do Inferno? Arianna pode me escolher para governar?
Ele se vira para trás, seu rosto meio à sombra, meio à luz. — Sim. Ela pode escolher você. Mas você vai deixar ela escolher?
Suas palavras me enchem de emoção. Eu sou um verdadeiro herdeiro. Arianna e eu ainda podemos ficar juntos. Mas antes que eu possa recolher todos os meus pensamentos, Lucian continua.
— Você sabe, eu te desprezei no início — diz ele. — Desprezou tudo o que você representou. Um Fae vivendo em minha própria casa, alimentando-se de minha comida, minha hospitalidade, meu conhecimento. Mas com o tempo, você me mostrou algo que nunca pensei ser verdade. Você me mostrou que não é o nosso nascimento que nos define somos, são nossas escolhas. É o nosso verdadeiro eu. — Seus olhos se enchem de tristeza; uma emoção que não me lembro de ter visto nele. — Uma vez eu pensei que eu estava condenado a este reino, condenado a viver uma vida menor do que a do meu irmão. Mas você me mostrou que eu poderia fazer qualquer coisa. Qualquer coisa. Eu me lembro de quando você foi matar a fera na Montanha Cinzenta. Era seu teste, seu teste para ver se você era digno de um reino próprio. Metade de seus irmãos riram e colocaram apostas em sua morte, a outra metade se preocupou e temeu pela sua segurança. Mas eu... eu não duvidei de você então. Muitas vezes você provou que eu estava errado. Muitas vezes você fez sonhos realidade. Então, quando você voltou da Montanha Cinzenta, seus farrapos encharcados de sangue, a cabeça da fera presa ao cinto, nem pestanejei. Esse é Fenris, eu disse. Esse é quem ele é. O Príncipe da Guerra.
Por que ele me diz tudo isso? — Você não se importa em nada comigo — eu assobio.
— Oh, eu me importo, meu filho. Eu me importo com todos vocês. É por isso que eu faço o que faço. Um dia, você vai entender. É por isso que eu te digo isso agora. Então você se lembrará. Lembrará que eu estou sempre no seu lado.
Suas palavras soam mentirosas, mas vou usá-las o quanto puder. — Se você está do meu lado, então me ajude. Diga-me onde está a Arianna. Se você não o fizer, eu juro que nunca vou te perdoar. Eu vou te caçar. Eu vou fazer o que os outros pensam que eu fiz, e você vai cair sobre minha lâmina.
Inexplicavelmente, ele sorri. — Talvez um dia, meu filho. Talvez um dia. — E tão rápido quanto ele veio, ele escorrega para as sombras.
Eu corro para frente, para agarrá-lo. Mas ele já se foi. Desapareceu pela magia que ele não compartilha com ninguém.
E eu estou novamente sozinho.
Eu caio de volta contra essas pedras e desenho outra marca.
É de manhã quando Dean me encontra. Ele não usa camisa apesar do frio, apenas calças pretas, uma espada em seu quadril, um arco amarrado em seu ombro. Seu cabelo dourado brilha ao sol. Ele faz uma careta quando me vê. — Sem sorte?
— Um pouco. — Eu digo, apagando o fogo. — Ela está com a druida Metsi, mas onde eu não sei.
— E você chegou a esse conhecimento exatamente como?
— Nosso pai.
Os olhos de Dean quase deixam seu crânio. — Ele veio até você?
— Sim. Ele respondeu a minha convocação. — Eu jogo meus suprimentos por cima do meu ombro e vou para a próxima montanha.
Dean segue, suas pernas afundando até os joelhos na neve. Ele pesquisou estas terras como eu tenho feito nestes últimos dias. Ele procurou dia e noite, mas não encontrou nada. — Então, o que vem a seguir? Nós continuamos a vasculhar as Terras Distantes?
— Não — eu digo, suspirando, desejando não ter que compartilhar esse conhecimento. Mas Dean era o único príncipe a me ajudar. Mesmo Asher se recusa a procurar. O Príncipe do Orgulho não tem sido ele mesmo ultimamente, mas eu não tenho tempo nem atenção para descobrir o que aflige meu irmão. — Há outro lugar — digo a Dean. — Outro lugar onde moram os Fae. — E então eu falo sobre Avakiri.
— Eu ouvi sussurros. Rumores. — Dean balança a cabeça, maravilhado. — Mas eu pensei que histórias falsas fossem invocadas para dar esperança aos Fae. Se este lugar realmente existe, você pode imaginar a história que encontraremos lá? A cultura?
Eu dou de ombros. — Só espero que encontremos Arianna.
Dean sorri como uma criança com a promessa de doces. — Então você sabe como chegamos a isso... Avakiri?
— Varis e eu falamos sobre isso brevemente. Antes de ele sair para procurar pelos céus por Arianna. — O druida não enviava mensagens há semanas. Espero que ele esteja seguro. Ele provavelmente retornou a Avakiri, na esperança de encontrar a Estrela da Meia-Noite, e se o que ele disse era verdade, seu povo não o teria recebido de braços abertos.
— Há uma porta por perto — continuo. — Um Waystone, eles chamam isto. Uma passagem em Avakiri. Eu não sei se eu poderei abri-la, mas eu tentarei. Meu sangue de Druida pode ser bastante. Deveria ser bastante.
Dean acena, e depois não falamos por um tempo enquanto eu o guio pelas montanhas congelantes e através de florestas densas. Baran fica perto do meu calcanhar enquanto andamos, e ocasionalmente coloco uma mão em sua cabeça enquanto meus pensamentos se voltam para os dias após Arianna desaparecer.
Dean, Asher e eu nos reunimos para discutir os planos. Pequenos grupos já haviam sido enviados para procurar Arianna, mas eles voltaram sem notícias, e nós mal podíamos arcar com a mão-de-obra extra quando cada pessoa era necessária aqui. Es e Pete, seus melhores amigos, também se ofereceram para procurar, mas não conheciam a terra e nem se defender na natureza. Então, Dean os escoltou de volta à Terra, depois de uma longa conversa que envolveu álcool e prometer informá-los no momento em que encontrarmos Arianna. Então tivemos que reavaliar e eu precisava de conselhos.
O Príncipe do Orgulho ajustou o colarinho, amaldiçoando em voz baixa, depois virou-se para o mapa diante de nós. — Como você vai encontrá-la? — ele perguntou. — Onde você vai começar?
Apontei para as diferentes aldeias e fortalezas das Terras Distantes espalhadas pelo mapa. — Dean e eu vamos viajar para o norte, não deixando pedra sobre pedra, varrendo toda a fronteira. Nós iremos...
— Você não vai encontrá-la — disse Asher. — Você não a encontrou antes. E você não a encontrará agora.
Dean inclina a cabeça para o lado. — Foi você quem a trouxe de volta na primeira vez que o Fae a levou, não foi, Asher? Talvez você possa oferecer alguns conselhos em vez de choramingar.
— Muito bem — disse Asher, sentando-se e ajustando seu terno preto. — Envie o Druida atrás dela. Ele conhece os Fae melhor do que todos nós. Se eles a tiverem, e eles provavelmente terão, ele saberá onde procurar.
Dean assentiu, girando um dedo pelos cachos loiros. — Parece muito bom, na verdade. Mas e se ela não estiver com os Fae? E se Levi estiver com ela?
Eu balancei a cabeça. — Não houve relatos dele. Provavelmente, ele está morto ou foi levado também.
Dean franziu a testa, procurando no mapa. — Ou talvez ele tenha levado Arianna para algum lugar secreto. Talvez ele esteja tentando... garantir sua ascensão.
Se ele a engravidasse e a transformasse em vampira, então o contrato seria cumprido. Seu tempo com os outros príncipes seria perdido, e Levi se tornaria o rei de todos. O pensamento me enojou. O pensamento de Levi e Arianna em algum lugar sozinhos. O pensamento dele...
Eu não conseguia nem imaginar isso.
— Se isso fosse verdade — eu disse, — e Levi realmente a tinha em suas garras, acho que ele teria retornado triunfante agora. Em vez disso, desapareceu faz dias.
— Teria, — concordou Asher. — Então, por que não fazer o que eu proponho e enviar o Druida? Ele será muito melhor do que vocês dois.
Eu apertei meu queixo. Era verdade que Dean e eu já começamos a procurar e não encontramos nada. Mas ainda não nos afastamos muito do castelo. Meu castelo. — Devemos olhar mais para o norte — eu disse. — Vamos sair hoje.
— E quem vai administrar Stonehill? — perguntou Asher. — Quem vai observar ao Jardim do Luar?
— Suponho que tem que ser você — eu disse. — Não se preocupe. Não será tão difícil. Os Guardiões vão lhe dizer o que precisa de atenção.
Asher zombou rindo. — Não é tão difícil? Administrar três reinos? Você deve estar fora de si.
Dean deu de ombros, servindo uma taça de vinho. — Eu acho muito fácil.
— Isso é porque o seu reino é construído sobre álcool e sexo — disse Asher. — Mas outros reinos não são tão simples.
Dean riu. — Sim, alguns são construídos em esmaltes e flores. Tão difícil.
Asher pulou da cadeira e prendeu Dean contra a parede. Ele agarrou-o pelo colarinho e empurrou-o para o ar. — Você não vai me insultar novamente. Você entendeu?
Houve um pânico nos olhos de Dean. E então se transformou em riso. — O suave Asher perdendo a paciência. Os tempos estão mudando, de fato. O que vem a seguir, irmão? Vamos pular em uma arena e lutar? Estou tão ansioso para chutar o seu traseiro.
Os olhos de Asher se contorceram, e ele parecia prestes a lutar, mas em vez disso suspirou e deixou seu irmão ir. — Eu tenho coisas mais importantes para fazer do que lutar com você, Dean. — E então Asher saiu da sala, evitando ambos os nossos olhares.
Eu mantive meus olhos nele enquanto ele desaparecia no corredor. — Ele está agindo de forma estranha — eu disse.
Dean assentiu. — Então você percebeu isso também.
— Eu também. — Uma terceira voz. Uma nova voz. O druida Varis entrou na varanda, sua roupa branca flutuando em um vento que eu não conseguia sentir. Sua cabeça careca brilhava à luz da tocha enquanto sua coruja branca prateada empoleirava-se em seu ombro. Ele deve ter voado para lá silenciosamente. Há quanto tempo ele estava ouvindo? — Asher e eu falamos brevemente — continuou o druida. — Ele estava... mais legal que o normal.
Eu levantei uma sobrancelha. — Mais legal? E isso é uma coisa estranha entre vocês? Considerando que vocês dois estavam...
— Sim. É estranho — disse Varis, interrompendo-me. — Depois do que passamos, nossas conversas são cheias de tristeza e arrependimentos. Pelo menos, costumavam ser. Agora ele é educado demais. Demasiado formal.
Dean esfregou o queixo. — Formal? Você está certo. Algo está errado com Asher.
— Devemos ficar de olho nele — eu digo. Um pensamento faz cócegas na minha mente. E se... não. Não poderia ser ilusão. Ele é muito idêntico ao irmão que eu conheço. Seria preciso muito conhecimento e grande poder para lançar esse feitiço. Ninguém seria capaz disso. Ninguém de quem eu já ouvi falar.
Eu me virei para o druida. — Varis, hoje à noite nós saímos para procurar por Arianna.
Ele abaixou a cabeça. — Então eu vou embora também. Zyra e eu vamos procurar nos céus.
Dean parecia hesitante. — Então deixamos Asher sozinho para governar nossos reinos?
— Só por um tempo — eu disse. — Além disso, que mal ele pode fazer? Os reinos são antigos. Eles são difíceis de mudar seus caminhos. E se ele fizer algo desagradável, nós o desfazemos quando retornarmos. — Eu paro. — Embora estas circunstâncias não sejam ideais, Arianna deve vir primeiro. Ela deve.
Os dois assentiram e depois nos separamos. Eu arrumei minhas coisas para viajar e então fui para as tendas de cura. Eu tinha estado lá muitas vezes ultimamente. Para ver Kayla.
Ela não estava em seu quarto, então eu procurei por ela nas tendas de cura. Talvez ela tivesse ido lá por mais remédio.
Eu não esperava encontrar minha meia-irmã em uma cama branca, sua pele mais pálida do que o normal, seus membros fracos devido à atrofia. A curandeira, Seri, ficou de pé sobre ela, aplicando panos úmidos na cabeça da minha irmã.
— O que é isso? — Eu perguntei. — Ela estava se recuperando da última vez que a vi. Eu só saí por alguns dias.
Seri cerrou os dentes. — Nós a encontramos assim em sua cama. Não conseguimos acordá-la.
Eu cerrei meu punho. — Por que ela recaiu tão de repente? O que você deu a ela, Fae? O quê?
O medo apareceu em seus olhos. Mas então passou, substituído por preocupação. — Nada novo. Isso deve ser um resultado das misturas que o Príncipe da Inveja deu a ela. Eles atacaram sua mente, levando-a a alucinações e loucura. Uma recaída não está fora do campo de possibilidades em um caso como este.
— Mas ela estava melhor — eu disse, minha voz perdendo sua força em pesar e preocupação.
— Ela estava fugindo de uma última explosão de energia, meu senhor — disse Seri. — Mas quando expirou, o corpo dela se desligou. Ela desmaiou.
Olhei para minha irmã, minha querida irmã, que sofreu torturas indescritíveis. Tortura que teria quebrado muitos que eu conheço. — Quando ela vai acordar?
— Eu não sei, meu senhor. Ela está lutando uma batalha difícil. Uma batalha para recuperar sua mente. Pode levar dias. Semanas. Talvez ainda mais.
Meu punho se desfez em uma mão trêmula. — Mas ela vai acordar, não é?
Seri olhou para longe, seus olhos nervosos. — É possível, meu senhor. Mas resta ver se é a Kayla que você conhece quem vai acordar, ou outra.
— Não. — Eu soquei o pilar de madeira ao meu lado, partindo-o ao meio e quase fazendo a tenda cair sobre nós. Mas segurou, apoiada por outros pilares. Olhei para Kayla e pensei na história que Varis me contou, de sua irmã que nunca foi a mesma. Se eu tivesse feito diferente. Se eu tivesse aumentado meus poderes. Talvez eu pudesse ter ido a Stonehill mais cedo. Talvez eu pudesse salvá-la.
Seri pegou minha mão, esfregando suavemente. — Não é sua culpa, meu senhor. Você retomou esta cidade. Você parou a tortura de Fae e Shade. E você salvou Kayla de um destino pior do que a morte. Por sua causa, ela ainda tem uma chance.
— Por minha causa... — eu sussurrei. — É por minha causa que isso aconteceu.
Então eu puxei minha mão e saí. Foi no caminho de volta aos meus aposentos, quando passei pela estalagem na base do castelo, que o vi.
Tavian Gray.
Ele se sentou em uma mesa do lado de fora de uma taverna, bebendo sob o sol forte. Bebendo. Enquanto minha irmã dormia, incapaz de acordar.
Eu dei um passo à frente e bati o copo de suas mãos. — Como é que você bebe e encontra prazer, enquanto Kayla sofre? Como você se recuperou tão rapidamente das torturas infligidas a vocês dois?
O Fae suspirou, sacudindo seu espesso cabelo escuro. Ele era um homem enorme, enrolado em músculos, maior do que qualquer Fae que eu já vi, pelo menos tão grande quanto eu. — Seu irmão passou mais tempo com ela do que ele fez comigo — disse Tavian. — Eu gostaria que não fosse assim. Eu gostaria de tê-lo parado.
Em suas palavras, me acalmei. Parecia que desejamos o mesmo. — Eu ouvi que você estava saindo.
— Eu estava — disse ele, pegando seu copo de volta da lama e enchendo-a com o jarro de cerveja na mesa. — Mas então eu ouvi que ela recaíra, e eu não podia deixá-la desse jeito.
— Quem é ela para você? — Eu perguntei.
— Uma amiga. — Ele não disse mais nada.
— E quem é você para ela?
— Eu não sei. Talvez eu nunca vou saber. — Ele levantou sua taça em um brinde. — Para Kayla.
Eu assenti. — Para Kayla.
Então eu deixei o homem com sua bebida e tristeza. Eu não o conhecia e isso me preocupou. Mas ele era um inimigo para Levi e um amigo para Kayla. Isso teria que ser o suficiente.
Enquanto caminhava de volta para o castelo, examinei os reparos no salão principal. O inverno havia chegado e isso tornava a junção de pedra e madeira mais dura do que nunca. Suprimentos eram poucos e trabalhavam devagar. Passaria muito tempo antes que Stonehill pudesse estar como antes. Talvez isso fosse apropriado. O lugar parecia errado sem Arianna. Talvez só fosse corrigido quando ela voltasse.
— Lá. — As palavras de Dean me puxam de volta para o presente. De volta ao frio e neve e procure. — Olhe ali. — Ele aponta para alguma coisa no morro.
Eu sigo seu olhar até as pilhas de madeira cinzenta que mal se pode chamar de casas. — Uma aldeia Fae. Então?
— Está vazia — diz Dean. — Totalmente vazia.
Eu olho de novo e vejo que ele está certo. Não há sinal de vida, nem fora das cabanas ou dentro delas. Não há sequer um indício de impressões na neve. Estranho. Como a maioria das coisas nos dias de hoje. Mas talvez seja uma pista.
Descemos o declive nevado e vasculhamos a aldeia em busca de pessoas. Eu encontro um cavalo de madeira e uma boneca feita de pano, mas não encontro crianças. Eu acho agulha e corda e um martelo para construir, mas não encontro ninguém para usá-los. Tudo que eu acho é o cheiro. Como brasas e cinzas. O cheiro de queimado, mas não há fogo. A sensação de fumaça no meu peito, embora o ar esteja limpo. Algo antinatural aconteceu aqui. Algo escuro.
Quando me deparo com o centro da aldeia, percebo algo cinza saindo da neve. Um osso. Eu cavo através de gelo e folhas brancas até encontrar mais. Eles fazem um círculo. Um círculo de ossos. E no centro, uma carcaça. Uma cabra morta cortada. Barão uiva para o vento frio, perturbado pelo poder que resta.
— Um ritual aconteceu aqui — eu digo, examinando ainda mais a cena.
Dean me ouve e corre para o meu lado. — Você acha que os Fae lançaram um feitiço?
— Talvez — eu digo, encontrando cordas e contas.
— Eles devem ter feito algo errado. Conjurado algo que deu errado.
Eu sacudo minha cabeça. — Este foi um ritual sombrio. Um sacrifício de sangue. O que quer que essas pessoas conjurassem, elas pretendiam fazê-lo.
Dean olha em volta, com os olhos assustados. — Então você quer dizer, esses Fae... esses Faes se foram... porque eles se sacrificaram?
— Eu acredito que eles sabiam o custo, sim. — Eu estou de pé, limpando minhas mãos da neve.
— Mas por que então? Por que dar a sua própria vida?
Eu dou de ombros. — Talvez Metsi tenha dito a eles. Talvez ela os tenha convencido de que o sacrifício venceria a guerra.
Dean examina as casas próximas. — Então você acha que Metsi começou este ritual. Por quê? Pelo poder?
— Ou conhecimento. — Eu ando por aí, procurando por algo mais incomum. — Eu já vi tais rituais antes, na base da Montanha Cinzenta. Os xamãs chamariam a sabedoria do futuro. Às vezes, pela força para derrotar as tribos rivais. Os Outlanders sempre faziam um sacrifício para convocar o poder. O poder que eles chamavam de a Escuridão.
— E ainda — diz Dean, — em todos os meus séculos de governo, nunca vi esse poder sombrio.
— Seu reino não fica na periferia — eu digo.
E então eu vejo isso.
Pegadas
Alguém sobreviveu.
Eles correram.
Eu sigo os rastros, Dean e Barão em meus calcanhares, até chegar a uma cabana na parte de trás da aldeia. Eu tento a porta e vejo que ela está barrada por dentro. Então eu a abro. No interior, não há nada além de escuridão. Nada além de sombra.
— Olá?
Um gemido. Fraco. Enfraquecido.
— Olá? — Eu avanço, olhando, procurando pelo som. — Queremos dizer que não faremos mal. Nós só queremos...
Barão fareja o ar e corre para frente. Eu sigo e a encontro. Eu acho a menininha chorando no canto, segurando uma boneca no peito. Eu estendo a mão para ela. — Nós só queremos ajudar.
A garota não se move. Ela só olha para cima. Nos meus olhos. E grita.
Capítulo 3
O WRAITH
Fenris Vane
“Há monstros no mundo, Arianna. Eles são reais. Eu sou real”.
— Asher
Leva horas para conseguir os detalhes mais básicos. Mas eventualmente, ela se abre. O nome dela é Romana. Seu pai era o ferreiro e sua mãe treinando para se tornar a anciã da aldeia. Ela iria treinar um dia também. Se as coisas tivessem sido diferentes.
— Eles vieram das montanhas — diz a menina Fae, não mais de dez anos, sentada ao lado do fogo, envolvendo os braços em volta das pernas. — Eles invadiram nossa aldeia. Mataram o açougueiro e roubaram nossa comida e nossas joias. Nos próximos dias, mais de nós morremos de fome. Ouvimos mais ataques nas aldeias vizinhas. Os vampiros estavam matando e tomando tudo em seu caminho. Eles disseram que alguém chamado Salzar os liderava. Eles disseram que ele era um monstro com quatro braços e cascos nos pés.
A garota treme e eu envolvo meu manto ao redor dela, mantendo-a protegida do frio. — Obrigada — ela sussurra, sua voz uma coisa suave e frágil.
— Aqui — diz Dean, passando-lhe o coelho assado que pegou e cozinhou mais cedo enquanto eu montava o acampamento.
— Obrigada. — Ela coloca a comida na boca e mordisca devagar. Depois de um momento, ela parece tremer menos e sua voz parece mais forte. — Depois de algumas semanas, nós começamos a fazer melhor, nós fizemos. Caçadores trouxeram comida novamente. E o papai começou a forjar armas. No caso de os vampiros voltarem. — Ela olha para nós, como se lembrasse do que somos. Então ela olha de volta para a comida em suas mãos e morde o lábio. — Todos os vampiros são maus?
— Nem todos — eu digo, alimentando a fogueira. — Alguns de nós são bons. Alguns de nós pelo menos.
A garota concorda com a cabeça. — Então vocês são como nós. Vocês têm pessoas boas e más. — Seus olhos ficam escuros novamente. — As pessoas más continuaram a atacar.
— Eles continuaram atacando as outras aldeias, e nosso povo não podia simplesmente ficar parado e deixar acontecer. Então eles fizeram um plano. Ouvi a Ancião dizer à minha mãe. Eles realizariam um ritual, lançariam uma praga sobre os atacantes. Isso teria um custo, ela disse, um grande custo, e eu estava pensando que talvez custasse muito dinheiro, como as cabras, mas a mãe me disse que não era bem assim, era mais como fazer algo legal para alguém, mesmo que não seja muito agradável para você. É como desacelerar quando jogamos Runner para que os jovens realmente possam continuar. É como perder às vezes de propósito para que eles se sintam especiais. Eu odeio perder.
Ela fica quieta depois disso. Eu não a cutuco. Eu não faço nada. As palavras virão com o tempo. Quando ela estiver pronta.
Dean passa outro pedaço de carne para Romana e ela mastiga mais vigorosamente do que antes. Quando termina, ela fala. — Eu estava brincando na floresta com meu irmão no dia do ritual. Nós deveríamos estar de volta ao pôr do sol, antes das três luas estarem levantando e ficando cheias. Ele começou a voltar no tempo apropriado, meu irmão fez, mas eu queria ficar e recolher algumas flores para a mamãe. Eu perdi a noção das coisas, e então, quando voltei...
Seus lábios tremem. Seus olhos se enchem de lágrimas.
— Quando voltei eles foram embora. Todos eles. E então eu encontrei os ossos. Todos aqueles ossos. Eram deles. Minha mãe e meu pai. Meu irmão... — Suas palavras se transformam em soluços, e eu envolvo um braço na garota, segurando-a perto como imagino que Arianna faria. Eu faço barulhos que espero que sejam calmantes.
Dean se inclina e sussurra no meu ouvido. — Você acha que essa praga matou os invasores?
— Talvez... mas, o ritual teria precisado de um alvo. Um acampamento talvez. — Eu olho para Romana. — Alguém falou onde os invasores estavam hospedados? Onde eles moravam?
Ela assente, enxugando as lágrimas do rosto. — Abaixo pelo Raven Rock.
Eu acaricio o topo de sua cabeça, alisando seu cabelo azul escuro. — Você sabe onde é isso?
Ela acena com a cabeça.
— Você pode nos levar até lá?
Ela assente.
Eu fico em pé, tirando a neve da minha roupa.
Dean pega meu braço. — E por que estamos indo para este lugar onde todos provavelmente estão mortos?
— Se houver uma praga — eu digo, — devemos nos certificar de que ela esteja contida. Caso contrário, ela pode se espalhar para Stonehill. — Eu abaixo minha voz para que só ele possa ouvir. — E eu não acredito que seja o máximo disso. Esses aldeões foram levados pelas Trevas. Eles não apenas morreram. O poder deles foi absorvido por alguma coisa.
Dean levanta uma sobrancelha. — Metsi?
Eu concordo. — Varis me disse que ela faria qualquer coisa para vencer essa guerra. Ele me disse que uma loucura a consumiu.
— Então, se formos a este Raven Rock, poderemos encontrar Metsi. E se encontrarmos Metsi, poderemos encontrar...
—... Arianna — eu termino.
Nós viajamos com um propósito renovado, seguindo a garota Fae através da escuridão, carregando tochas artesanais. Ela tem mais energia do que eu esperava, e ela parece temer as florestas menos do que temia sua própria aldeia. Ela agora é órfã, sem lar e sem pai. Se apenas Kayla se recuperasse, ela saberia como cuidar da garota. Como ajudá-la a se curar desse trauma. — Vai ser ao lado do rio — diz ela, apontando para a frente para onde uma cachoeira desaba.
A visão me deixa desconfortável. Metsi é mais poderosa perto das ondas. Mas não suspeito que a encontraremos agora. No máximo, preenchemos uma pista. Uma pista para onde ela pode ter ido.
Quando nos deparamos com Raven Rock, vejo que é uma caverna. Um lugar perfeito para acampar e resistir aos elementos. Barão se afasta da abertura, choramingando. Algo parece se mexer lá dentro.
Uma rajada de vento nos atinge. E Romana agarra minha perna. — Está aqui. A Escuridão.
— Só o vento — eu digo, embora eu não acredite verdadeiramente nisso. Eu olho para Dean. — Talvez seja melhor você ficar aqui com ela.
Ele franze a testa. — E deixar você ir lá sozinho? E se você encontrar Metsi? Ou essa... coisa da escuridão?
Eu me volto para Romana. — Barão vai ficar aqui com você. Você vai garoto? — Sua cabeça branca balança entre eu e a garota, e posso sentir sua indecisão. Ele não quer me deixar sozinho na caverna.
Eu me ajoelho e acaricio sua pele grossa. — Eu ficarei bem, garoto. Cuide de Romana. Ela precisa de você agora. Eu voltarei em breve.
Barão relutantemente fica com a garota enquanto Dean e eu entramos na caverna.
Nossas tochas são a única luz, revelando paredes de pedra cobertas de marcas. Runas que eu não reconheço. Desenhos de feras e homens.
Dean estuda os padrões, seu queixo cai enquanto ele faz. — Esta deve ter sido uma antiga habitação. Um lugar que os Fae viveram antes de desenvolverem a civilização.
Eu sorrio. — Ou estas são apenas as divagações de um homem louco. Um exilado enviado aqui para viver seus dias.
— Um exilado que conhece línguas antigas?
Eu dou de ombros, continuo até chegarmos a algo bloqueando nosso caminho. Raízes grossas e velhas.
Dean os observa sob a luz da tocha. — Isso não seria lugar para invasores. Essas raízes têm centenas de anos.
Eu pego minha espada. — A menos que essas raízes cresceram aqui somente após o ritual.
— Você acha — diz Dean. — Você acha que a Escuridão fez isso?
Eu concordo. — Talvez tenha algo a esconder. — Eu levanto minha espada e corto, cortando as raízes. Elas caem, gemendo sob o meu ataque. Eu digo a mim mesmo que são apenas os ecos, mas as raízes parecem mais sensíveis do que eu gostaria. Eu ignoro seus gritos e corto até passarmos pelo caminho delas. Com as raízes atrás de nós, entramos em uma caverna, onde o teto está aberto, permitindo que o luar caia no chão. É uma visão, a luz dançando e girando na escuridão. Um momento depois, percebo o que se esconde nas sombras.
Ossos. Centenas de ossos.
Os restos de um incêndio.
O sussurro de lâminas quebradas.
E então, eu vejo algo que não se encaixa em nada.
Eu vejo uma prateleira de livros. Velha e esculpida em ruínas antigas. No entanto, não há poeira sobre eles. Eles foram usados. Eles foram limpos. Algo tem vivido aqui.
E não foram os atacantes.
Um gemido ecoa atrás de mim. Cheio de dor e agonia. Um gemido de um animal ferido.
Barão!
Eu me viro com pressa.
E então eu a vejo.
Encoberto pela sombra.
Fagulhas de fumaça negra saindo de seu corpo.
Um pano preto pendurado sobre os olhos dela.
Há apenas uma parte dela que não foi escondida na escuridão. Os dentes dela. Brilhantes e nítidos. Muitos deles, em camadas sobre si mesmos. Muitos para caber em uma boca.
Ela cheira a brasas e cinzas. O cheiro de queimado sem fogo. A sensação de fumaça no meu peito, embora o ar esteja limpo. Eu não tinha notado antes, mas o cheiro só me deixou uma vez. Só quando deixamos a garota na beira da caverna.
Nunca houve uma criança Fae na aldeia. Nunca houve um acampamento de bandidos.
Havia apenas a Escuridão.
A criatura fala. Tem a voz de uma jovem. A voz de uma garotinha Fae. — Os aldeões eram tão fáceis de enganar quanto você, Fenris. Rapidamente eles correram para realizar meu ritual, quando eu lhes prometi segurança e vingança. Tão rapidamente eles se sacrificaram.
Pobres almas. Ela os enganou. Os enganou para lançar um falso ritual e absorveu seus poderes como seus próprios. Mas por quê?
Dean puxa seu arco, armando uma flecha. — O que você é! — ele brada.
A coisa, o Wraith, ri. Ela flutua pelo ar, movendo-se devagar, depois mais rápida do que o olho pode ver. Atrás do meu ombro. Atrás de Dean. Sussurrando no meu ouvido. Sussurrando no seu. Quando ela fala, sua voz é jovem e velha, clara e escura de uma só vez. — Eu sou antes do seu tempo, meu príncipe. Eu estava aqui quando este mundo era novo, e estarei aqui quando for velho. Vocês são apenas crianças para mim. — Ela passa a mão pela minha bochecha. Desaparece. Aparece diante de mim. — Crianças tão doces.
Ela ainda é. E esta é a nossa chance.
Dean dispara uma flecha. Eu o cubro.
E então, o mundo vira de cabeça para baixo.
Eu não estou mais no chão. Eu penduro do teto. Algo segura minhas pernas. Raízes escuras e grossas. Dean está ao meu lado.
O Wraith ainda está do lado certo, o rosto dela diante de mim. — Nós não vamos lutar, meus jovens príncipes. Não é por isso que eu trouxe vocês aqui.
Aqui. Este lugar do poder dela. Este lugar onde ela pode nos unir e nos aprisionar com meros pensamentos. É por isso que ela nos atraiu até aqui. E eu segui como um tolo, quando deveria estar procurando por Arianna.
Eu cuspi no Wraith. — Então o quê? O que você quer?
Ela desliza em torno de nós, deslizando as mãos sobre nossos corpos, batendo em nós com unhas longas e afiadas. — Eu tenho uma proposta, meus queridos príncipes. Há alguém que eu procuro. Alguém fora do meu alcance. Traga-o para mim.
Dean ri. — E o quê? Você vai nos deixar partir? Deixar-nos em paz?
O Wraith fala suavemente. — Eu farei mais do que isso, meu querido. Vou lhe dizer onde você pode encontrar sua princesa. Onde você pode encontrar Arianna.
Eu suspiro com a menção do nome dela. A chance. A esperança. Isso não pode ser verdade. Mas, se o Wraith tiver tal poder, ela saberá. Ela saberá onde devo ir.
— Quem? — Eu pergunto com os dentes cerrados. — Quem é que você quer?
Ela se inclina. Seu hálito frio e congelando na minha bochecha. E então ela sussurra o nome dele. — Tavian Gray.
Capítulo 4
A CADEIA QUE ME LIGA
Fenris Vane
“Fen é um bom homem, mas ele é míope em seu foco”.
- Kayla Windhelm
Eu acordo na neve, ofegando, a luz do sol cegando meus olhos. Barão pula ao meu lado, lambendo a geada no meu cabelo. Ele parece não estar ferido. Seja o que for que o Wraith fez, ele se recuperou. Pela primeira vez, eu sou grato que ele é um espírito e não um lobo mortal. Perdê-lo... perdê-lo não é algo que eu possa pensar, então ao invés disso acaricio sua cabeça, acalmando sua excitação. — Calma garoto, estou bem. Estou bem.
Ele coloca suas patas no meu peito, como se para verificar se há feridas, ou talvez apenas para estar mais perto. Por um momento, nós apenas olhamos um ao outro, homem e animal, gratos por estarmos vivos.
Então a neve ao meu lado se agita, e Dean sai de debaixo das camadas de branco. — O que diabos aconteceu? O que foi aquilo?
— A Escuridão — eu digo, memórias voltando para mim. Memórias de fumaça e osso.
Dean olha em volta, depois faz uma pausa, olhando para mim. — Você já viu isso antes, não viu?
— Uma vez. Na Montanha Cinzenta.
Dean assente. — Seu teste. Aquele que você teve que passar para ganhar seu próprio reino. Você se lembra?
Eu me levanto, me afastando. — Flashes e pedaços. Eles voltam para mim lentamente desde então... — Eu não posso dizer as palavras. Ainda não. Mesmo que eu fiz pedra se mover com minhas próprias mãos.
Dean termina para mim. — Desde que você descobriu que você é Fae.
Eu concordo. Todo o reconhecimento que posso dar. Então volto ao ponto. — Eu encontrei sua toca no fundo da montanha, cheia de ossos e livros. E então...
— Então o quê?
— Eu... eu não me lembro. — Estranho. A memória acaba de terminar. — Eu devo ter escapado. Então eu fiz meu caminho mais alto, para matar a Besta Cinza.
Dean se inclina para trás, sorrindo. — Oh sim, esses eram os dias. Quando ainda havia jogo perigoso para caçar.
Eu me lembro do pico coberto de neve. A nevasca. A besta escura escondida na torrente de vento e gelo. Quando falo, minha voz não traz felicidade. — Sim... esses foram os dias.
De certa forma, sinto falta deles. Mas é um tipo sombrio e melancólico de falta. Naquela época, eu estava livre. Eu não tinha reino. Nenhum grande dever. Eu só tinha meu pai e irmãos para agradar. Talvez eu nunca deveria ter me importado em agradá-los. Talvez então, eu ainda estaria livre.
Eu estudo o céu, determinando o tempo, por volta do meio-dia e as pedras, determinando nossa localização, não muito longe de Stonehill. — Nós devemos ir. O Waystone está próximo.
Dean pula de pé. — Acho que você errou, irmão. Precisamos voltar a Stonehill. Precisamos encontrar Tavian Gray.
Minha mandíbula aperta. — Você faria negócios com o Wraith?
— Eu faria qualquer coisa por Arianna — ele diz, sua voz suave, mas forte. — Qualquer coisa.
Eu também faria isso. Mas sacrificar um homem que mal conheço a um destino desconhecido... — Tavian não nos causou nenhum mal.
— Mas ele também não é um amigo. O que sabemos dele?
Lembro-me dos dias em que recuperamos Stonehill. — Ele é amigo de Kayla.
Dean zomba. — Então ele diz.
— Então ela diz. Eu a vi com ele antes que ela desmaiasse.
Dean enrola os dedos, sua voz atada com veneno. — Então ela diz depois de torturar e beber venenos. Pelo que sabemos, ele pode ser a razão pela qual ela sofre em primeiro lugar.
— Eu não penso assim — eu digo, lembrando-me da minha conversa com Tavian fora da taverna. — Por que ele iria ficar então? Por que ele ficaria a menos que a quer ver recuperada?
Dean esfrega o queixo. — Hmm, eu não sei, talvez ele possa matá-la se ela acordar? Ou talvez ele tenha outros motivos. Talvez ele seja um espião para os Fae. Talvez seja por isso que ele fica perto de Stonehill.
Ele faz bons pontos. Eu sei tão pouco sobre Tavian. Mas isso não significa que eu não possa descobrir.
— Vamos tentar o Waystone primeiro — eu digo.
Dean revira os olhos. — Mesmo que o Waystone funcione, ainda não sabemos onde procurá-la. Se o que você diz é verdade, Avakiri é tão grande quanto Inferna. Onde nós começaríamos mesmo?
Ele está certo, mas devo tentar encontrar outro caminho. Não posso condenar um homem antes de esgotar todas as outras opções. Nem posso fazer um acordo com a Escuridão a menos que seja verdadeiramente minha única opção. Eu não tenho um bom pressentimento sobre isso. — Nós tentamos o Waystone primeiro — eu digo, e então eu lidero o caminho, nunca olhando para o meu irmão.
Seus passos me dizem que ele segue, mas nós não falamos. Não por muito tempo. Eu sei que ele despreza seguir minha liderança. Eu não o culpo. Eu o desprezaria se os papéis fossem invertidos. Somos demônios de poder e influência, com vidas mais longas do que qualquer humano pode imaginar. Nós não fomos criados para sermos seguidores, mesmo um do outro.
Eventualmente, Dean fala. — Eu suponho que eu preciso da prática, para quando você for rei e tudo.
— Eu não vou ser rei — eu digo instantaneamente.
Ele zomba. — Oh, sim você vai. Quando Arianna lhe der um herdeiro.
— Arianna e eu, nós não... nós não vamos... — Eu paro, olhando para Dean. Ele tem culpa em todo o seu rosto. — O que você fez?
Ele bate nos lábios. — Lembre-se da noite da celebração? Logo antes de marcharmos? Bem... eu posso ter lhe dado uma poção de amor.
— Você o quê?
Ele pula para trás como um animal assustado. — Isso não afeta os que já estão apaixonados, mas pode dar um impulso na direção certa.
— Você quer dizer Arianna e eu? Você quer dizer, que é por isso que não consigo me lembrar daquela noite?
— Sim, Provavelmente.
Meu punho bate em seu rosto, enviando-o voando.
Ele cai pela neve, parando perto de uma árvore. Ele se senta contra o tronco, esfregando a mandíbula. — Ah, então é assim que Asher se sente. — Ele olha para mim. — Confie em mim, eu te fiz um favor.
Eu corro até ele, chutando a neve no meu caminho, enquanto Barão rosna para Dean. — Um favor? Você torceu minha mente, roubou a minha capacidade de escolher.
— Porque você estava demorando muito!
Eu levanto meu punho novamente. — Por que você faria isso? Você não quer ser rei?
Ele suspira, olhando para longe. E eu vejo a brincadeira deixá-lo. — Eu quero que isso acabe. Eu quero saber que ela nunca pode me escolher. Porque agora, enquanto ainda há uma chance, eu ainda espero. E a esperança só traz dor quando é uma falsa esperança. Eu só quero ser livre, irmão, eu só quero me libertar dela.
Eu abaixei minha mão, um pouco da minha raiva me deixando. — Então escolha ser livre, irmão. Escolha ser livre e seguir em frente.
Ele olha de volta para mim, seus olhos brilhando. — Você não vê Fenris? Eu segui em frente. Do meu próprio jeito.
Eu suspiro. — E que maneira tola. Uma poção de amor. Foi só uma vez. Arianna provavelmente não está grávida.
O rosto culpado retorna. — Bem, você vê, eu posso ter lhe dado uma poção também.
— Não.
— Uma poção que quase garante...
— Não pode ser...
— Quase garante gravidez.
Eu soco ele novamente.
Mais forte.
E então caio de joelhos e grito. — Como você ousa fazer isso? Como ousa me condenar a uma vida de servidão?
Dean recua. — Servidão? Irmão, você será rei.
— Você sabe que eu serei um escravo da coroa.
Ele fica de pé, ajustando sua mandíbula. — Bem, nesse caso, somos todos escravos, não somos? Você. Eu. Asher. Então, por que não ser o escravo encarregado de tudo? O escravo que pode realmente mudar as coisas neste mundo abandonado? Um escravo que ama a mulher que todos nós queremos? A mulher que te ama em troca.
Eu me afasto dele, choque consumindo meu corpo. — Ela pode não estar grávida. Ela pode não estar grávida. Ela não pode...
— Oh, ela malditamente pode, homem. Supere isto. E salve sua mulher e seu filho.
Eu o ataco, agarrando-o pelo colarinho e prendendo-o contra a árvore. — Seu idiota, idiota intrometido!
Espero que Dean lute, mas ele cai em derrota em meus braços. — Eu não tinha outra escolha. Eu não conheço outro jeito de superar ela, acabar com esse tormento constante que sinto. Ela só quer você.
Eu o deixo ir. Minha respiração é pesada. Eu tento acalmá-la. — Eu não precisava da sua ajuda. Eu teria chegado lá eventualmente. Por conta própria.
— Isso parece... improvável. Você a teve por um mês inteiro e não progrediu. Admita, você precisa do seu irmão de luxúria de vez em quando para manter as coisas funcionando.
Eu rio. Apesar de tudo, eu rio. Talvez eu esteja ficando louco.
Eu rio mais um pouco, sentindo o choque e a raiva drenarem de mim. Sentindo uma espécie de paz ao saber, não preciso mais escolher entre Arianna e a liberdade. A escolha foi feita por mim. Claro, eu preferiria decidir. Mas ainda. Há paz em ter a escolha tirada. Mesmo que seja a paz de um tolo.
Antes de me enfurecer mais uma vez, viro-me, barão no meu calcanhar, e continuo para o Waystone. — Hora de praticar mais em me seguir, irmão.
Dean ri, enquanto corre para acompanhar.
Eu me concentro no meu objetivo e tento afastar os pensamentos. Pensamentos de Arianna. Pensamentos do nosso filho. Pensamentos de ser rei.
Já é noite quando chegamos à caverna com o Waystone, a caverna onde procurei por Arianna antes. Eu coloco minha mão sobre a grande porta de pedra, e uma agulha perfura minha carne, deixando meu sangue fluir para as esculturas. Desta vez, eu sou um druida. Desta vez, deve funcionar.
A porta não se move.
Eu empurro minha mão com mais força na agulha, espremendo mais sangue.
Nada.
Dean senta em uma pedra, seus olhos escuros. — Só resta uma coisa, então.
Eu tento encontrar um argumento para nos influenciar, mas não há nenhum. Arianna vem acima de tudo. Acima da vida de Tavian Gray. Acima de todas as reservas que eu sinto sobre fazer acordos com a Escuridão. — Vamos falar com ele primeiro — eu digo.
Dean assente.
E então nos dirigimos para Stonehill.
A cidade é esculpida em uma montanha, cheia de cachoeiras e cristais brilhantes que se projetam da pedra. Passando pelos grandes portões, pequenos edifícios de madeira e pedra cobrem as ruas de paralelepípedos. Mais profundo na cidade, a arquitetura fica mais grandiosa, o uso de pedra mais comum e requintado. Mais fundo ainda está o castelo, uma massa de rocha cinzenta construída da encosta da montanha. Ele se eleva no céu pálido e nublado, pairando sobre os milhares de pessoas abaixo, lembrando-os de seu governante, de seu reino, de seu dever. É uma maravilha da arquitetura, arte e natureza convergentes.
E é a cadeia que me liga.
Eu afasto pensamentos de responsabilidade quando passamos pela praça do mercado, o palco onde os Fae são comprados e vendidos. Nenhum está em exibição hoje. Mas ainda assim as pessoas lotam essa parte da cidade, reunindo-se em barracas, trocando mercadorias, oferecendo serviços. Suas vozes se misturam, mas uma chama minha atenção.
— Você esquece o seu lugar, Fae — diz um homem quando ele bate o punho em sua escrava, derrubando-a na lama. Vestes grossas e joias pesadas balançam de sua pessoa, enquanto a Fae usa apenas farrapos. Ele agarra sua orelha, torcendo-a e ela grita de dor. — Como se atreve a esquecer de trazer minha bengala? Eu vou...
Eu agito minha mão e a terra abaixo do homem muda. Ele cai no chão, manchando suas vestes brancas na terra marrom. Ofegante, ele olha em volta, o rosto vermelho. Escondendo seu embaraço, ele cobre o rosto e tenta se levantar, apenas para cair de novo, desta vez beijando a lama com os lábios.
Dean olha para mim. — Cuidado, irmão.
Eu dou de ombros, meus lábios se curvando em um sorriso. — O homem é desajeitado. Eu não o fiz assim. — E, na verdade, não pretendia fazer o que fiz. Meus poderes são mais instintivos que planos. Quando corri para a frente de Arianna, pulando entre ela e as chamas, quando joguei meus braços em defesa, tudo que eu procurava era protegê-la com meu corpo. Eu não esperava mover a própria terra com a minha vontade, e ainda assim fiz. O que fazer disso, eu ainda não sei. Devo treinar como Varis sugere? Mas como? Como eu poderia encontrar tempo quando eu deveria primeiro encontrar Arianna?
Dean balança a cabeça para o meu silêncio, suspira e não diz nada enquanto seguimos para o castelo. Passamos pelos postes de madeira e cruzes levantadas pelos homens de Levi. Eles estão vazios agora, os Fae foram retirados e enterrados pelo meu comando. Mas ainda assim eles são como um lembrete de sangue inocente derramado. Quando puder poupar homens, devo mandá-los tirar isso da terra, mas por enquanto meus operários trabalham no castelo, consertando o muro destruído pelos explosivos de Levi. Eu não achava que ele arriscaria a vida de tantos inocentes para preparar uma armadilha para Arianna. Que idiota eu era.
Quando passamos pelos portões e entramos no grande salão, meio majestoso, meio carbonizado e quebrado, encontro meu Guardião, Kal'Hallen, supervisionando os reparos. — Encontre Tavian Gray. Eu preciso falar com ele.
— Claro, meu senhor — diz o antigo Fae, dando um passo à frente e apertando o estômago; ele ainda não se recuperou totalmente de sua ferida. — Quando devo enviá-lo para encontrar você?
Eu ando até a árvore no centro do corredor, subindo as escadas que levam ao meu quarto. — Esta noite.
O Guardião engole em seco, inquietação em seus olhos. — Mas meu senhor, e o baile?
Eu congelo. — Que baile?
— Oh senhor. Eu pensei que o Príncipe Asher tivesse consultado você...
— Que baile?
Ele lambe os lábios. — Na sua ausência, meu senhor, seu irmão planejou um baile para esta noite.
Dean e eu trocamos um olhar. Asher está exagerando. — Diga a ele que eu não vou participar — eu digo, rosnando: — É o que ele espera de qualquer maneira.
Eu me viro, subindo as escadas, e Kal corre atrás de mim. — Meu senhor, acho que seria imprudente. Ele estará aqui, afinal de contas.
Eu paro, temor torcendo meu estômago. — Quem?
— Seu irmão, meu senhor. Príncipe Niam.
Capítulo 5
PRÍNCIPE DA GANÂNCIA
Fenris Vane
“Não deixe as bonitas bugigangas enganarem você, Princesa. Nós ainda somos demônios. Este ainda é um lugar perigoso”.
— Fenris Vane
Meu punho bate no rosto de Asher.
Ele voa, batendo na parede de seus aposentos e caindo no chão. Ele esfrega o queixo e Dean, que está ao meu lado, faz o mesmo em algum estranho gesto simpático. Eu olho entre eles, perplexo. Em seguida, concentro-me em Asher. — Como você não ousa nos consultar?
Ele encolhe os ombros, ainda sentado no chão ao lado de sua cama. — Você estava ocupado procurando por Arianna. Na verdade, estou curioso para saber por que você voltou? Eu não vejo a princesa.
— Nós... — Eu paro, decidindo não dar muito para o meu irmão traiçoeiro. — Precisamos coletar mais suprimentos.
— Eu vejo — diz Asher. — Bem, assim como você precisa de suprimentos, eu preciso de segurança. É por isso que convoquei Niam. Para discutir a paz.
Eu cerro meus punhos. — Paz? Ele votou para ter Arianna e eu mortos! Que tipo de paz posso fazer com ele?
— Você apenas? Nenhuma. Mas nós três juntos... — Ele fica de pé, limpando o seu terno. — Embora a maioria dos nossos irmãos te odeie e não goste de mim, eles têm um carinho por Dean. E não importa a opinião deles, nós temos poder. Somos três. Quatro deles – três desde Levi ainda está desaparecido. Quase uma divisão igual dos Sete Reinos. Se eles nos desafiarem, eles começarão uma guerra civil completa. Uma guerra que destruirá a terra mesmo sem a ajuda dos Fae.
Dean assente. — Se Niam concordou em comparecer, ele deveria estar interessado em discutir um tratado. E se pudermos conseguir Niam, ele nos conseguirá os outros.
— Exatamente — diz Asher. — E vamos nos certificar de que é um tratado que beneficia ambas as partes. Um tratado que mantém a paz enquanto vocês dois vão em busca da Princesa.
Não gosto da ideia de encontrar Niam, mas não vejo outras alternativas. Ainda assim... — Um baile? Não poderia ter sido uma reunião do conselho? Você sabe que eu não sou feito para tais coisas, e o momento dificilmente parece apropriado. Nós temos nossos reinos para reconstruir e uma possível guerra para planejar. Para não mencionar Arianna para encontrar. Este não é o momento para uma festa.
Asher me estuda de cima a baixo. — Nem todo mundo compartilha sua aversão pelas coisas boas da vida, irmão. E um baile é exatamente o cenário que precisamos para uma conversa de paz. Vinho, mulheres, música... alguma distração muito necessária depois de tanto estresse. Você deve aprender a aliviar a pressão quando se constrói, para que não exploda em seu rosto. Isso vai lembrar nossos irmãos das regalias de uma família unida. Então, saia. Prepare-se para as festividades. Certifique-se de limpar-se. E encontrar algo legal para vestir. Você parece selvagem.
Dean ri, eu suspiro, Barão rosna, e depois voltamos para nossos quartos. Em instantes, meus criados, duas garotas Fae, me vestem de seda. Azul pálido e um colete branco. Um colarinho apertado e punhos mais apertados. Puta merda. Como Asher suporta tais roupas?
Quando terminam de me vestir como uma boneca, saio para o grande salão, suando abaixo das muitas camadas de roupas destinadas a torturar homens. Eu tento ignorar o desconforto. Ignorar o conhecimento de que cada momento que passo neste baile é um momento roubado da minha busca por Arianna. E quando vejo o salão de baile, cheio de danças e bebidas, de risadas e sorrisos, desejo que Arianna estivesse aqui. Eu queria que nós fossemos dançar. Que nós estivéssemos rindo.
Eu penso na noite antes de irmos para a batalha. A noite que pensei ter esquecido pelo álcool. Na noite em que fiz amor com Arianna pela primeira vez. Não é uma noite que ela provavelmente terá esquecido, o que significa que eu sou um completo idiota, porque no dia seguinte nós mal conversamos.
Eu tenho que encontrá-la. Tem que fazer as pazes com ela. Tenho que explicar... tudo.
Em breve, eu juro. Em breve.
Alguém passa por mim. Uma mulher usando um vestido dourado, o cabelo preto torcido em um coque complexo, certamente para impressionar os outros nobres. Sua pele é pálida e perfeita e seu sorriso é brilhante. Uma máscara prateada cobre o rosto. — Meu senhor se importaria com uma dança?
— Talvez mais tarde — eu digo, tentando ser delicado. Claro que o que eu realmente quero dizer é talvez nunca.
Eu faço o meu caminho através da sala, recusando educadamente todos os avanços, Barão ao meu lado, rosnando para qualquer um que empurre muito longe. Quando Asher vê o lobo, ele revira os olhos. — Sério? Você não podia deixá-lo em casa?
— Esta é a minha casa — eu digo, sorrindo. — Se você não gosta do Barão, pode ir embora.
Barão mostra os dentes de acordo e Asher se afasta. — Não. Não. Estou bem, querido irmão. — Ele dá um tapinha no meu colete, ajustando meu colarinho. — Quando os outros chegarem, não faça nada precipitado, ok? Nós buscamos a paz, não a guerra.
— Então você tem o príncipe errado — eu digo, bagunçando minha gola de volta para como era. — Quando podemos esperar Niam?
Asher encolhe os ombros. — Parece que ele está atrasado.
Eu examino o salão de baile, notando a mulher de ouro novamente. Ela dança com um homem de branco, a máscara no rosto combinando com a sua. Eles trocam de parceiros quando o fluxo da música se acelera, e todos os dançarinos se movem em padrões intricados. Dean está na pista de dança, vestindo um colete e calças, nada mais, seu peito dourado oleado e brilhando sob as luzes rodopiantes. Ele ri, flerta, bebe e dança. Parece que ele está bem a caminho de superar Arianna, mas eu me pergunto... até que ponto seus sentimentos vão para ela? Mais profundo do que ele está deixando transparecer, eu acho. E por um momento sinto pena dele. Eu percebo que com Arianna ele poderia ter tudo, e ainda assim ela me quer, um homem que não quer nada com essas maquinações políticas. É incrível que ele não me odeie só por isso.
Um criado me oferece carne de porco assada numa travessa. — Não, obrigado — eu digo, preferindo pegar minha própria comida. Embora talvez eu esteja apenas cansado de escravos atendendo a todos os meus caprichos. A todos os nossos caprichos Os vampiros vivem com muito lazer. O Fae com muita servidão.
Falando de Fae...
Varis se aproxima de mim enquanto Asher sai para dançar. O Fae parece mais cansado do que nunca, mas ele sorri brilhantemente. — Finalmente, uma companhia decente — diz ele.
— Alguma notícia de Arianna?
Ele balança a cabeça, servindo-se de uma bebida que brilha púrpura. — Não houve sinal dela. Nem sussurros.
Eu aperto meu queixo, nenhuma surpresa, mas frustrado do mesmo jeito. — E de Metsi?
— Ela parece ter se escondido também — diz Varis, suspirando. — E você? Alguma sorte?
Eu abaixei minha voz. — Nós encontramos uma criatura. Um Wraith envolto em escuridão. Ela jurou nos falar da localização de Arianna, se...
Os olhos de Varis se arregalam. O vento ao redor dele começa a se agitar. — Se? Se o quê?
Eu olho em volta, notando Tavian no bar, perdido em bebida. — Se entregarmos alguém a ela.
Varis segue meu olhar. — O viajante?
Eu concordo. — O que você sabe dele?
— Eu ouvi histórias de seus feitos, mas quantos deles são verdadeiros não posso dizer. Ele é um dos mais velhos, isso é certo.
Eu levanto uma sobrancelha, estudando o homem grande no bar que é Tavian Gray. — Os mais velhos? Mais velhos que você?
Varis assente, uma severidade no seu olhar.
Eu não consigo entender isso. Não pelo que sei. — Mas ele parece tão velho quanto Kayla. Seu cabelo ainda não é branco.
— Existem maneiras de colorir o cabelo, Fenris — diz Varis.
Verdade. Mas eu nunca vi um Fae fazer isso. A idade é um símbolo de respeito em sua cultura, então ninguém procura esconder a deles.
Varis toma outro gole, tremendo com os efeitos fortes. — Essa criatura que você falou. Parece que...
— A Escuridão — eu digo. — Isto é.
Varis agarra meu braço, sua voz tensa com urgência. — Então você não pode lidar com isso. A Estrela da Meia-Noite libertou a Escuridão no Jardim do Luar, e o bosque de meus ancestrais se incendiou como resultado. Inocentes ficaram feridos. A cidade quase arruinada.
— Eu sei — eu digo, puxando meu braço para longe e servindo uma bebida para mim. Eu coloquei o copo em meus lábios, fingindo beber, para que os outros me vissem à vontade. Mas eu não bebo. Eu devo manter meu juízo sobre mim. — Eu sou tão avesso em lidar com o Wraith quanto você, mas o que devemos fazer então? Não temos pistas.
— Alguma coisa ainda pode se apresentar. Enquanto isso, você pensou mais em...
— Sim — eu digo, lembrando nossas conversas nas últimas semanas. — E a resposta ainda é não. Eu não tenho tempo para treinar.
Varis levanta a voz sobre nossos sussurros abafados. — Seus poderes crescerão se você treinar ou não. Um dia, você perderá o controle.
— O quê você espera que eu faça? — Eu gesticulo para o baile. Nas festividades frívolas que desperdiçam meu tempo. — Eu preciso encontrar Arianna. Cada parte de mim deve estar focada nessa tarefa. Sem ela, nada vai importar. Nada.
— Eu sei — diz Varis, baixando o olhar para o chão. — Mas você já considerou o que vai fazer quando a encontrar? Metsi não é um inimigo fraco. Ela tem o Espírito da Água ao seu lado. Ela tem um exército de Fae disposto a morrer de fanatismo. E ela sabe como usar seus poderes para efeito completo. O que você tem?
Eu olho para Barão e acaricio sua cabeça. — Eu derrotei Wadu antes.
— Eu ouvi. Mas isso foi apenas o Espírito. Lutar tanto com o Espírito quanto com o Druida de uma vez é outra questão. Sem mencionar o exército que ela comanda. E, pelo que me lembro, você não se saiu bem contra Oren...
Oren, o Druida de Fogo que quase me matou. A razão pela qual meus poderes despertaram. — Eu vou encontrar uma maneira de derrotar Metsi — eu digo, me afastando, não querendo discutir mais isso.
Varis suspira novamente. — Por favor, deixe-me ensinar-lhe pelo menos...
Algo me chama a atenção. O homem de branco. Aquele com a máscara. Ele não está mais dançando. Em vez disso, ele alcança seu colete. Em um piscar de olhos, ele tira uma adaga.
E joga em Varis.
Não há tempo para pensar. Planejar. Apenas o instinto me leva. O instinto de batalha. De sobrevivência. Eu corro para frente, jogando meu braço no ar. E eu pego a adaga pelo cabo. Um pé do rosto do druida. Por um momento, ele não está nem ciente dos acontecimentos ao seu redor. Por um momento, ele ainda está terminando a frase para mim. Mas então ele percebe o que aconteceu. E seu rosto se enche de receio.
Alguém bate palmas. O homem de branco.
— Tão rápido como sempre, irmão — ele diz, sua voz suave e grossa. — Talvez até mais rápido. — Ele tira a máscara, revelando a cabeça careca e a pele escura e imaculada, e caminha para se juntar a nós, sentado à mesa.
Niam.
Eu aponto seu próprio punhal em seu peito. — Como você ousa atacar meu convidado?
Ele dá de ombros casualmente. — Como você se atreve a abrigar um druida? Pelo que vejo, as coisas agora são iguais.
Pesos e balanças. Isso é o que Niam é. O Príncipe da Ganância. O Príncipe da Riqueza. Suas vestes brancas brilham sob as luzes bruxuleantes. Botões dourados correm pelo colete e uma safira adorna o pescoço dele. Seu sorriso é encantador, talvez até mesmo sedutor para alguns. Ele aparece como um amigo, um confidente próximo em quem posso confiar, mesmo depois de tudo o que ele fez. Esse é o caminho com Niam. As pessoas sempre procuram ser seu amigo, seu aliado, mesmo quando ele as apunhala pelas costas. Até eu, por um momento, esqueço sua verdadeira natureza. Mas então eu lembro. Ele é meu inimigo, embora venha como meu convidado.
— Por que a farsa? — Eu pergunto, apontando para a máscara em sua mão quando volto ao meu lugar em frente a ele. Estamos aparentemente jogando isso casual. Eu posso fazer casual. Mais ou menos.
— Oh isso? — ele levanta a máscara. — Apenas um pouco de diversão. A chance de ver Stonehill como um homem comum. Eu faço o mesmo no meu reino, sabe. Ando pelas ruas e inspeciono as barracas sob o disfarce de um viajante. Você aprende muito sobre as pessoas dessa maneira, o que eles realmente pensam de seus governantes. — Ele pega uma maçã de um prato e dá uma grande mordida alta. Percebo que todos estão nos encarando, antecipando o que faremos em seguida. Niam aponta para mim. — Elas gostam de você, as pessoas. Mesmo que você seja um príncipe, mesmo que você seja um druida, de alguma forma, eles se relacionam com você. Eles te louvam por afastar Levi. Alguns até admiram seus regulamentos rígidos de alimentação. Eles pedem por mudança, eles fazem. E é isso que eles veem em você. Um símbolo de mudança. — Ele coloca os pés em uma das mesas de banquete. — Nós poderíamos usar isso para nossa vantagem.
— Nós? — Eu rio de sua ilusão.
— Nós — ele diz sorrindo, seus dentes brilhantes e perfeitos. — Por que não? Com ??Levi fora de cena, por assim dizer, preciso de um novo aliado.
— Você se vira tão facilmente?
Ele parece surpreso. — Não é o que todos nós fazemos? Lembro-me de um tempo não muito tempo atrás, quando éramos aliados, pouco antes de Arianna chegar a este mundo sangrento. Talvez possamos deixar de lado nossas diferenças mais uma vez. Não permitir que uma mulher fique entre irmãos.
— O que você propõe? — Eu não busco verdadeiramente uma aliança, mas preciso de paz enquanto busco por Arianna.
— Seu reino está em desordem — diz ele claramente. — Entre a invasão das Terras Distantes, a batalha Fae, e a ocupação de Levi, seu povo sofreu e seus bens murcharam. Você precisa de madeira e pedra para consertar seu próprio castelo. Você precisa de comida para alimentar seu povo durante o inverno. Eu posso fornecer tudo em troca de um pequeno serviço.
Certo. Niam não sabe o significado da palavra pequeno. — Que serviço?
— Sua ajuda. E seu exército. — Ele dá outra mordida em sua maçã. — Com a ausência de Levi, eu busco... garantir... seu reino.
Eu ri da audácia. — Você quer dizer conquistar ele?
— Quero dizer, salvar. Pois, sem um governante adequado, cairá no caos em breve. Os homens de Levi, no entanto, não querem delegar seu poder. Seus generais brigam por Crimson Castle enquanto conversamos.
— Você tem um exército — eu digo, acenando com a adaga na minha mão. — Tome o castelo você mesmo.
Niam esfrega o queixo. — Eu poderia, mas muitos cairiam na batalha. Com suas forças alinhadas com as minhas, talvez até com as de Dean e Asher, nós poderíamos forçá-los a se renderem. Nenhum derramamento de sangue.
Maldito seja ele. Ele sabe que eu não quero ver homens inocentes caindo. E ele sabe que precisamos de recursos para se recuperar de eventos recentes. Niam é egoísta, mas não é estúpido e sabe o valor das coisas. No entanto, é ele quem planeja a batalha. — E quanto a Ace e Zeb? Eles já se voltaram contra você?
Ele bate nos lábios. — Não. Mas Ace está ficando neutro, como ele chama. E Zeb, bem, Zeb não quer levar Crimson Castle para o caso de Levi retornar. Ele acha que isso vai refletir mal para ele.
— Mas você simplesmente não se importa com o que as pessoas pensam, não é?
Sua voz é fria quando ele fala. — O que as pessoas pensam é muitas vezes irracional e muda por capricho. Então não. Eu não me importo. Eu prefiro gastar meu tempo obtendo resultados. Os pensamentos podem ser facilmente influenciados mais tarde. — Ele dá outra mordida na maçã. — Então, o que você diz? Devemos discutir os detalhes?
Eu penso sobre a oferta dele. Isso significaria barrigas quentes e abrigo para o meu povo. Isso significaria reparos mais rápidos para o meu castelo. Isso significaria menos derramamento de sangue no sul. Mas no final, isso significaria um acordo com o diabo.
Eu enfrento meu irmão. E então eu pulo no ar e aterrisso na mesa. Pratos quebram sob o meu calcanhar e a mesa balança e geme sob minhas botas. Eu ando para frente, chutando pratos e refeições, até que eu fico em cima de Niam, olhando para baixo em sua pequena forma.
— Eu não vou ajudá-lo — eu digo, minha voz severa, uma voz que você não interrompe. — Mas você vai me ajudar. Você enviará suas mercadorias para o norte, para Stonehill. Você enviará seus suprimentos. E o fará prontamente.
Niam ri, mas o humor não toca seus olhos. — E por que eu faria uma coisa dessas?
— Porque se você não fizer isso, eu vou jogá-lo no chão deste corredor. Eu vou socar esses dentes bonitos até que eles caiam vermelhos e sangrentos. E eu vou te arrastar para o meu calabouço. Onde você vai ficar por toda a eternidade.
Ele se levanta da cadeira, o rosto cheio de raiva. — Você não ousaria. Eu sou seu irmão. Eu sou seu convidado.
Eu me ajoelho, encontrando-o ao nível dos olhos. — E talvez isso valesse para alguma coisa, se você não tivesse tentado matar seu irmão. Se você não tivesse atacado seu convidado em seu próprio salão. Talvez então, isso contaria. Mas quem sabe? Eu realmente nunca gostei você de qualquer maneira.
— Você... você... — Cuspe voa de sua boca enquanto ele procura pelas palavras. — Você não vai me ameaçar.
Eu agarro a adaga na minha mão. Sua adaga. E eu coloco isso contra a garganta dele. — Eu acho que você entendeu mal. Eu não faço ameaças, irmão. Eu sou o Príncipe da Guerra, ou você esqueceu? Eu só faço promessas.
— Eu... — Seus olhos correm pela sala, certamente procurando uma saída. Um caminho para a segurança. Ele procura seus guardas, vestidos com máscaras, plantados em toda a sala. Mas eu os vi no início e tive suas bebidas batizadas na expectativa de sua chegada. Eles estão dormindo em seu estado drogado em quartos vigiados. Ele não encontrará nenhum aliado nem ajuda. Ele subestima minha capacidade de antecipar o perigo e planejar isso. Eu posso não gostar do meu título de Príncipe de Guerra, mas eu ganhei e não uso de leve. O bastardo convencido deveria ter pensado no futuro. Mas esse é o caminho com Niam. As pessoas sempre gostam dele, mesmo quando ele as apunhala pelas costas. Por que ele deveria se preocupar? Ele apenas esqueceu, que eu não sou uma pessoa. Não verdadeiramente. Eu dei uma parte de mim, uma parte da minha humanidade, quando assumi o trono. Quando me tornei meia pessoa, meio príncipe. Meio humano, metade do dever. Quando me tornei o príncipe da guerra. O Príncipe da Morte
Eu empurro a adaga em sua pele, tirando uma gota de sangue.
Niam assobia, fechando os olhos. — Tudo bem. Muito bem. Vou enviar-lhe as provisões que você precisa. Agora me deixe ir.
— Parece que você esqueceu suas próprias regras, irmão — eu digo, torcendo a adaga contra sua carne. — Nada é final até que um assine um contrato. — Eu gesticulo para Asher que está com uma taça de vinho. — Faça um contrato para ele, não é? E rapidamente.
O Príncipe do Orgulho acena, procurando encontrar pergaminho e papel. Eventualmente, um servo lhe traz alguns e ele escreve os detalhes. Madeira, pedra e comida para o meu povo. Nada para Niam, exceto seu retorno seguro para casa. E ele promete não retaliar por este acordo. O espinho final.
Ele coloca o pergaminho na mesa. E eu enfio uma caneta na mão de Niam. — Placa.
Ele respira profundamente, mordendo o próprio lábio. Então, lentamente, como se resistindo com cada músculo, ele empurra a ponta afiada da caneta em seu braço, tirando sangue. Sua assinatura é apressada, mas satisfatória. Um redemoinho de magia sela o contrato, e vejo a compulsão de seu compromisso pesando sobre ele mesmo agora. Ele não descansará até que tenha cumprido sua barganha.
— Nós temos um acordo — eu digo, sorrindo, deixando a adaga cair ao meu lado.
Niam alcança seu pescoço, verificando o ferimento. — Você não vai gostar do resultado, asseguro-lhe.
Eu ergo minha cabeça, tomando sua medida e sorrio. — Por que eu não acredito em você?
Ele limpa o sangue em seu pescoço com um guardanapo de pano da mesa e endireita a roupa. — Eu não ia contar a você, não se tivéssemos feito uma barganha, mas Zeb e Ace gostariam que Levi voltasse.
Eu dou de ombros. — Então eles devem falar com os Fae. Metsi é quem provavelmente o segura.
— Sim. Mas do jeito que eles veem – do jeito que todos nós vemos – você é responsável. Você o atacou. E no meio do caos que você criou, ele foi capturado.
Eu me levanto e pulo da mesa, rindo dessa loucura. — O caos que eu criei? Eu estava recuperando meu próprio reino.
— Mesmo assim, é sua culpa o que quer que aconteça com Levi. Então, em nome de Ace e Zeb e eu, devo informar que você tem um mês. Um mês para devolver nosso querido irmão, o Príncipe da Inveja. E se você não fizer, nós vamos invadir. Com todas as nossas forças. Nós não vamos parar até que você esteja acorrentado, e aqueles que você ama mortos na lama.
Ele se vira, caminhando para a porta. — Da próxima vez que nos virmos, meu irmão, eu serei o único com o punhal. E você é aquele que será forçado a se submeter.
Capítulo 6
EU SOU O PRÍNCIPE DA GUERRA
Fenris Vane
“Um cálice continha vinho envenenado. E como meu pai respondesse às minhas perguntas determinaria qual cálice ele receberia”.
— Fenris Vane
O baile continua. Embora admitidamente com menos alegria do que antes. Asher está ao meu lado, puxando suas roupas distraidamente, aborrecido. — Você arruinou nossa chance de paz! O que eu devo fazer agora? Como devo me preparar para a guerra quando mal temos homens para consertar as fortificações?
Eu bato em seu ombro. — Você encontrará um caminho.
Dean assente, de pé no meu outro lado e bebendo um vinho roxo. — Nós temos um mês. Deve ser tempo suficiente para encontrar Arianna e Levi, talvez até mesmo derrotar Metsi e acabar com a guerra. Inferno, eu nem sei com o que você está preocupado. — Eu sei que seu tom é para aliviar o clima, mas ninguém ri.
Eu agarro os dois pelos ombros. — E vocês dois discutem planos? Eu tenho outros negócios para atender.
O queixo de Asher cai. — Outros negócios? Que tipo de outros...
Eu não estou ouvindo. Já estou me afastando deles. Só resta uma pessoa com quem devo falar esta noite.
Eu acho Tavian no bar, uma caneca de cerveja em seus lábios. Ele parece mais pálido do que antes, mais frágil de alguma forma. Estes últimos dias o afetaram. Um pedágio em todos nós.
Eu empurro os pensamentos para longe. Eu não posso ter empatia agora. Eu tomo o assento ao lado dele e olho em seus olhos. — O que um viajante saberia sobre um Wraith?
Tavian toma outro gole de sua bebida. — Você fala em enigmas, sua graça.
Eu bato meus dedos no balcão de madeira, minha mão enrolada como uma garra. — Então deixe-me ser claro. Acabei de receber uma oferta. Trocá-lo pela localização de Arianna. Cada parte do meu ser quer que eu aceite. Cada parte, menos uma. A parte que sussurra, o que Arianna faria? Eu acho que ela daria a você. uma chance. Veria por que essa coisa te quer. E então ela tomaria sua decisão.
Tavian se inclina para trás, olhando para a distância. — Você chama isso de uma coisa. Não é um homem. Não é uma mulher. Uma coisa. — Ele faz uma pausa. — Eu sei do que você fala. Uma criatura encapuzada na sombra. Envolta em fumaça.
— O que quer com você?
— Muitos anos atrás, meus colegas e eu realizamos um ritual. Procuramos explorar um poder incontrolável.
— A Escuridão — eu sussurro.
Tavian assentiu. — Ele respondeu nossa convocação. E no processo destruiu tudo o que eu amo. Mas três de nós ficaram intocados – bem, não intocados, mas vivos de qualquer forma. Eu e dois outros. Agora... procura por mim. Para terminar o que começou.
Havia algo no que ele disse. Uma pausa que me faz pensar que ele está se segurando. — Este Wraith — eu digo, — existe uma maneira de lutar contra isso?
— Não. Você só pode correr. Correr como eu tenho feito. — Ele não oferece mais, mas vejo o cansaço nele. O cansaço de um homem cuja vida não é dele. Nisto também somos iguais. Escravos para uma força externa.
Tudo por causa de um momento. Um erro.
— Você vai embora quando ela se recuperar? — Eu pergunto. Eu vejo isso em seu rosto, ele sabe de quem eu falo. A única pessoa que parece importar mais para ele.
Kayla.
Ele concorda. Uma tristeza em seus olhos. — Eu criei o hábito de evitar a política deste mundo e, quando ela acordar, sua vida não será nada além de política.
Suas palavras não fazem sentido. — O que você quer dizer?
— Ah, claro. — Ele ri. — Você não saberia. Mas eu não deveria ser o único a lhe dizer.
— Me dizer o quê?
— Quando Kayla acordar, você saberá. E se ela não acordar, então eu suponho que isso não importa. Nada disso terá importado.
Estou cansado desses jogos. Estas verdades meio faladas. — Agora quem é aquele falando em enigmas? Você não é meu amigo, Tavian Gray. Você é apenas um meio para um fim. Não me teste.
Ele encolhe os ombros. — Eu não vou trair a confiança de Kayla. Você faria algo diferente?
— Eu... — Minhas palavras me deixam. Pois ele está certo. Eu não trairia Kayla. E ferir esse homem, sacrificar esse homem, seria uma traição acima das outras. E até mesmo Varis insistiu em não cumprir o pedido da Escuridão, uma advertência que não tomo de ânimo leve.
— Então, eu tenho que ficar preocupado? — Eu pergunto com uma sobrancelha levantada.
Ele me olha com cautela. — Preocupado?
— Quando eu não te entregar ao Wraith, ele virá atrás de mim?
Ele encolhe os ombros. — Talvez. Mas ela é mais forte em lugares de poder. Ela tentará atraí-lo para um antes de atacar.
Lugares como Raven Rock. — Então, eu só preciso evitar seguir estranhos. Parece fácil o suficiente.
— Ela pode nem sempre aparecer como um estranho. — Há um pavor em suas palavras. Um medo primitivo.
E então alguém bate dois canecos na nossa frente.
Dean.
— Por que tão sombrios, meninos? Oh, espere, espere, eu sei. É porque você não está bebendo. Beba. — Ele se senta à mesa conosco e engole o líquido melado.
Eu suponho que com Niam longe, eu posso beber um pouco. Eu levanto minha caneca para Tavian. — Para Kayla.
Ele bate a taça na minha. — Para Kayla.
Nós bebemos.
E então nós bebemos um pouco mais.
Eventualmente, eu perco a conta.
E Tavian e eu começamos a falar mais abertamente. — Ouvi dizer que você matou um Dreadclaw — diz o Fae. — Que batalha que deve ter sido.
Dean parece intrigado. — Dreadclaw?
— Ele quer dizer a besta cinzenta — eu digo.
Tavian encolhe os ombros. — Besta cinzenta. Dreadclaw. Nomes diferentes de lugares diferentes, mas a coisa é a mesma. Por favor, você deve me contar a história.
— Bem, eu...
— Ele não fala sobre isso — diz Dean. — Mas meus irmãos e eu conhecemos a lenda. Fenris escalou a Montanha Cinzenta com nada além de uma lança. E no topo, ele encontrou a Besta Cinzenta, seu corpo mais osso que carne, sua respiração fria como gelo. A besta atacou meu irmão. E então Fenris saltou no ar. Como um demônio, ele voou com os ventos. E então ele enfiou a lança na cabeça do monstro. Em um único golpe a grande fera caiu. E Fenris permaneceu intocado.
Os olhos de Tavian se arregalam. — Incrível. Isso realmente aconteceu assim?
— Mais ou menos — eu resmungo, não querendo entrar nos detalhes muito reais e diferentes. — Que tal nós... — Minhas palavras enrolam mais do que o habitual. Minha cabeça fica confusa.
Algo está errado.
Eu tento ficar de pé, mas em vez disso caio para frente, meu rosto batendo no balcão. Eu olho para cima. Para Tavian. Seus olhos se esbugalham. Ele cai.
Apenas Dean está em pé. Dean. Quem nos deu as bebidas.
— Sinto muito, irmão, mas eu sabia que você nunca aprovaria. Vai parecer que você dormiu com muita bebida. Você vai acordar aqui em breve. Mas Tavian está vindo comigo.
***
Eu estou sonhando. Em uma terra onde não há terra debaixo dos meus pés. Nenhum horizonte diante dos meus olhos. Meu corpo parece etéreo. Há uma leveza no meu ser. Uma leveza que senti uma vez antes.
E ela está lá.
Radiante. Brilhando.
Seu cabelo branco agitando em um vento que eu não sinto.
Ela cantarola uma melodia que reconheço. Triste e solitária.
Quando ela olha para mim, ela não faz nenhum som, e ainda assim eu ouço suas palavras.
Você é meu herdeiro.
O herdeiro. O herdeiro. O herdeiro.
Sua voz não está sozinha.
E quando ela se vira, dando um passo para o lado, eu o vejo. Uma figura na sombra.
Eu alcanço por ele.
E eu sussurro.
— Pai?
***
— Não! — Eu rujo, pulo de pé no salão de baile, a mesa à minha frente virada pelo meu ressurgimento violento no mundo consciente.
Dean tropeça para trás, com os olhos arregalados e desnorteados. Ele derruba Tavian no chão. As pessoas ao nosso redor, os vampiros vestidos em trajes e os Fae vestidos em trajes de escravos congelam, virando-se para nós, esperando para ver o que acontece a seguir.
— Impossível — Dean sussurra. Então ele levanta os braços em sinal de rendição. — Agora, irmão. Eu só estava fazendo o que precisava ser feito. Por Arianna. Por todos nós. Então, que tal nos acalmarmos?
É porque ele me pede para ficar calmo que eu deixo a raiva me encher. Estou cansado de ser dito como ser. Cansado de Dean me controlando com suas poções. Cansado de Asher tentando me dizer como governar. Cansado de Niam tentando forçar minha mão. Então não. Eu não vou ficar calmo. Eu sou o Príncipe da Guerra.
Eu avanço, agarrando Dean pela garganta e prendendo-o contra uma parede. — Você não vai me drogar de novo, irmão. Nem vai tocar em Tavian. Ou seu destino será o mesmo que prometi a Niam.
Ele se contorce em meu aperto, agarrando sua garganta. — Eu... bem. Eu prometo. Eu não vou.
Eu o deixo ir. E ele cai no chão, tossindo e cuspindo.
Eu me volto para o meu outro irmão. Asher. — E você. Você não decide em meu lugar. Você não faz festas que eu não permito. Você não convida príncipes que eu não aprovo. Você entendeu?
Ele balança a cabeça, ajustando o colarinho, o suor escorrendo pela testa.
Eu me afasto dos dois e pego uma tocha das paredes. Eu vou para a porta.
— Onde você vai? — pergunta Asher.
Eu não respondo. Em vez disso, faço o meu caminho para fora do portão, descendo os degraus, minha tocha iluminando a noite, meu olhar focado à frente, meus passos firmes. Os convidados me seguem, talvez curiosos para ver aonde vou, talvez também prontos para sair. Eles se juntam atrás de mim, unidos por pessoas da rua. Dezenas, depois centenas. Eles me seguem enquanto eu alcanço a praça onde estão os postes e cruzes de madeira. Onde estão os símbolos da depravação.
E eu os queimo.
— Prestem atenção em mim — eu grito na noite, nos céus acima. — Ninguém mais viverá nos caprichos dos outros. Nós seremos livres. Livres para fazer o que quisermos. De agora em diante... — Eu me volto para a multidão, para os milhares de escravos reunidos lá. — De agora em diante... os Fae serão livres.
A multidão aplaude. E eu penso em quando me tornei um governante, quando voltei da Montanha Cinzenta e me tornei o Príncipe da Guerra. Tem aparecido muitas vezes na minha mente ultimamente. Por quê? Isto é porque... e depois me lembro de quem falou sobre isso: Lucian. Ele se lembrava bem disso. Como? Por quê? A menos que... a menos que ele esteve lá recentemente.
Eu me volto para meus irmãos e digo a eles. — Eu sei onde Arianna está.
Capítulo 7
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RENASCIDO
“Vamos apenas dizer que há dor envolvida. Muita dor”.
— Asher
Eu acordo lentamente em uma cama macia de linho, meus olhos nebulosos, minha boca seca. E então eu lembro. Levi me atacando. Me drenando. Eu lembro dos dentes dele penetrando no meu pescoço. Senti o pânico de Yami, sua magia batendo contra uma gaiola da qual ele não podia se libertar. E eu lembro... de morrer.
Minhas mãos caem na minha barriga, medo me domina. Meu bebê? Meu bebê está bem?
— Vocês estão bem — diz uma voz profunda.
Eu o vejo então, sentado ao lado da cama, vestido de preto, seu cabelo escuro riscado de cinza. Ele me observa com olhos azuis frios. Seu rosto é duro. Isso me lembra de Fen e Asher, e então eu desvio o olhar.
— Por que você está aqui, Lucian? — Eu pergunto, minha voz fraca e rouca, minha boca cheia de bolas de algodão, minha cabeça girando e doendo.
Do canto do meu olho vejo-o sorrir, dentes brancos e perfeitos. — É tão difícil de acreditar? Você sabe desde o começo que tenho trabalhado com os Fae. Agora, isso significa ajudar Metsi.
Eu me forço a encará-lo, a encarar seus olhos. — Você não se importa com os Fae. Você mesmo me disse.
Ele encolhe os ombros. — Eu digo muitas coisas. Quem pode dizer quais são as verdadeiras?
Ele não vai me enganar. Eu lembro. Eu lembro que ele não se importa com os Fae. E então eu lembro da promessa dele. Sua promessa de que ele virá por mim.
— Então é isso? — Eu pergunto. — É quando você se vinga de mim?
Ele faz uma pausa e depois ri. — Oh não. Muito pelo contrário. Eu vim aqui para ajudá-la.
— Ajudar-me? — Mais lembranças vêm inundando. Perdendo sangue. Queda. Desbotando. — O que aconteceu? — Eu pergunto, sentando-se. O movimento me dói, mas não tanto quanto eu esperava. — Eu lembro...
— Morrendo? Você fez. — Lucian sorri. — Eu te trouxe de volta. Vocês dois.
Como ele fez antes. Como ele fez quando eu morri quando criança. Quando minha mãe fez um acordo com o diabo. — Alguém te ofereceu a alma dele dessa vez também?
Ele pega uma maçã de um prato ao lado da minha cama e dá uma mordida. — Metsi me prometeu um favor, mas na verdade, ela não precisava. Você é útil para mim, você vê.
Ele e seus jogos. Estou cansada deles. — Quanto tempo? Desde que eu morri.
— Alguns dias. — Ele dá de ombros enquanto mastiga a maçã. — Não muito tempo, no grande esquema das coisas, embora o mundo continue girando e, inexplicavelmente, grande parte dele continua girando em torno de você.
— O que você quer de mim?
— Você vai ver em breve.
Mentiras. Segredos. Estou acostumada a eles agora, mas Lucian me preocupa. Mais que Metsi. Mais do que Oren fez. Em torno de Lucian, sinto um pavor, espesso e escorrendo. Derrama em mim, me faz tremer e suar.
Eu agarro os lençóis para ficar mais quente. — O que você é realmente?
Ele parece intrigado, embora pareça zombeteiro. — Um vampiro, claro.
— Você tem poderes que nenhum outro vampiro parece possuir. Trazer as pessoas de volta dos mortos.
Ele está agora andando lentamente pela sala. Seus olhos olham fixamente para o teto. — Ah, esse é um presente que eu possuí há muito tempo. Mesmo quando eu morava entre os céus, mesmo quando eu andava pelos Jardins de Prata. — Ele faz uma pausa, dando uma mordida em sua maçã. — Eu suponho, você teria me chamado de um anjo da morte. Um termo bruto, mas também elegante em sua simplicidade. Por que isso, Arianna, é o que eu sou. O que eu faço. — Ele caminha até mim, encontrando meu olhar. — Eu lido com a morte.
Ele começa a andar de novo. — Veja, meu pai deu dois presentes a seus filhos. Cada um de grande poder. Para o meu irmão, ele deu a capacidade de tirar a vida. Tão fácil é para ele. Tudo o que ele precisa é apenas um toque. Para mim, meu pai deu a capacidade de trazer a vida de volta. Tudo o que é preciso é uma simples carícia. — Ele suspira. — Há limitações, no entanto. O corpo deve estar relativamente fresco. Eu posso regenerar alguns tecidos, mas não posso regenerar um corpo de cinzas ou uma pilha de ossos. E, claro, há a maior limitação de todos. Eu não posso renascer um vampiro.
Ele se senta novamente, a cabeça pesada, os olhos escuros. — É parte da maldição que você vê. Quando meu irmão nos expulsou e nos transformou em vampiros, ele mudou nosso ser, nos transformou, para que meu presente não afetasse nossa espécie. Então, quando chegou a hora, eu não pude salvar minha esposa, eu não pude salvar minha filha. No final, meu dom se mostrou inútil, isto é, até que eu encontrei você.
Por um momento fugaz, sinto uma pontinha de simpatia. Ter poder, mas ser incapaz de usá-lo, ajudar os que você ama... muitas vezes eu senti o mesmo. Mas minha compaixão por ele desaparece. Este é o homem que matou os Fae. O homem que prendeu minha mãe. Apesar do meu ódio, decido continuar o atual tópico da conversa. Por qualquer motivo, Lucian está compartilhando, o que eu não o vi fazer antes. — Por que eu? — Eu pergunto. — O que me faz tão especial?
Ele se inclina mais perto, sua voz suave. — Você é o último High Fae. O único que poderia convocar Yami para este mundo. E nele reside um poder perdido há eras. Um poder que pode mudar as coisas para sempre.
Eu balancei minha cabeça, intrigada. — E para que você precisa de poder? Você já governou Inferna. Você expulsou os Fae de volta. O que você poderia possivelmente querer... — E então isso me atinge. As peças se encaixam. — Você quer ir para casa. Você quer voltar para os Jardins de Prata.
Ele respira profundamente e fica mais alto, como se um peso tivesse levantado. — Finalmente, alguém sabe. Tem sido tão difícil, você vê, manter isso em segredo.
— Por que manter isso em segredo? Seus filhos te apoiariam. — Disso eu sei. Asher me contou como ele sonha em ir para casa.
— Eles não fariam — diz Lucian. — Não se eles soubessem o que isso implicava. Comecei a revelar detalhes para Fen e ele me envenenou. Os outros... os outros teriam feito muito pior.
— O que isso implica?
Ele inclina a cabeça. — Venha agora, você não pode esperar que eu lhe conte tudo.
— Os Fae — eu cuspi fora, minha mente correndo. — Você precisa dos Fae de volta ao poder. Você precisa do retorno da Estrela da Meia-Noite. Você precisava... — algo que nunca passou pela minha cabeça antes, — ...você precisa dos Druidas. Você precisa dos Espíritos. E então... — Então... a ideia arranha na minha mente, fora do alcance da minha mente consciente. Então... então... então...
Lucian dá uma risadinha. — Você não sabe ainda. Isso é bom. Devo deixar alguma surpresa, afinal de contas.
Um pensamento passa pela minha cabeça. Algo que eu não tinha percebido e comecei a tremer. — Meu bebê. Meu bebê tem sangue de vampiro...
— Calma agora. Seu bebê é apenas parte vampiro. Há mais Fae e humano lá. Mais do que suficiente para deixar meu dom funcionar. Concentre suas energias. E você sentirá a criança dentro de você.
Eu faço o que ele sugere. Acalmando minha respiração. Concentrando minha mente como Varis me ensinou. E então eu sinto isso. Uma energia que não é minha. A energia do meu bebê. Do bebê de Fen.
Eu sinto falta dele então. Sinto tanto a falta dele que as dores me rasgam como uma fera dentro do meu peito tentando escapar.
— Venha — diz Lucian, batendo no lado da minha cama. — Deve ter sido um tempo desde que você esteve fora das paredes. Deixe-nos andar. Isto é, se você puder administrá-lo.
Não quero estar com ele, mas a ideia de sair do meu quarto me deixa tentada, e preciso me aliviar de algo feroz. Eu me esforço para ficar de pé, achando que tenho energia suficiente para andar. Talvez até correr. Pela primeira vez, percebo que alguém deve ter mudado minhas roupas. Eu uso um vestido branco, como fiz antes, mas é limpo, impecável. Meu último vestido teria sido manchado de vermelho. Ele vem à mente então. Somente agora. Isso é o quão pouco ele significa para mim. — O que houve com Levi? — Eu pergunto. — Onde ele está?
Lucian não pula uma batida. — Sua punição continua. Mais severamente agora, desde que ele tentou escapar.
— E Yami? O que aconteceu com o meu dragão? — Eu o alcanço com a minha magia, mas sinto apenas o vazio, como antes.
— Ele ainda está como era. Incólume e seguro.
— Você quer dizer preso. Preso. Cortado de mim, do nosso vínculo.
— Se é assim que você deseja perceber, mas há muitas maneiras de ver a verdade, Arianna.
Nós não dizemos mais nada, e eu uso o banheiro fornecido a mim e, em seguida, sigo Lucian para fora da porta e pelos corredores cinzentos. Em algum lugar ao longe, homens e mulheres gritam e riem. Os sons ficam mais altos à medida que caminhamos. — O que está acontecendo...
E então eu vejo isso. Quando viramos a esquina, vejo...
Um grande salão. Cheio de Fae, pele escura e clara, atravancando os dois lados da sala, entre eles um caminho aberto. E nesse caminho caminha Levi.
Nu.
Maltratado.
Sua pele coberta de cortes vermelhos e hematomas roxos.
As pessoas jogam comida nele. Paus e pedras.
Um tomate explode em sua cabeça, manchando seu cabelo prateado de vermelho.
Ele continua andando.
Um pau bate em suas pernas, fazendo-o tropeçar.
Ele continua andando.
Alguém grita uma piada sobre seus genitais.
Ele continua andando.
Eu me lembro da minha própria caminhada, a caminhada que Levi me fez passar. E embora eu odeie o Príncipe da Inveja, não acho que alguém tenha que suportar tal coisa.
Ao meu lado, Lucian ri.
Ele ri. Como a turba frenética. E lembro-me da história que Levi me contou. A história de um pai desaprovador e de um filho desesperado para honrá-lo.
— Devemos continuar? — Eu pergunto, gesticulando pelo corredor.
Lucian faz uma pausa. — Sim. Sim, acho que já estou entediado. Siga-me.
Ele me leva para longe do corredor, subindo um lance de escadas, e os gritos e risadas desaparecem. Ainda assim, eu ouço em minha mente. Nas minhas memórias. Coisas assim não te deixam. Não verdadeiramente.
Paramos em uma grande porta gigante de pedra, esculpida com símbolos de feras. Lucian a abre com uma mão. Nós emergimos em uma montanha coberta de neve, o vento uivando ao nosso redor. Lucian me oferece seu casaco de pele.
— Não — eu digo. Eu prefiro congelar do que usar sua roupa. Mas... lembro que preciso pensar no bebê. Eu me concentro, lembrando de um dos truques que Varis me ensinou, e meu corpo começa a se aquecer por dentro. Logo o vento gelado parece uma brisa de verão.
— Impressionante — diz Lucian. Ele deve sentir o poder dentro de mim. Ele continua andando em um caminho descendo a montanha. — Você já esteve aqui antes?
Toda a neve. Eu não fui a uma parte de Avakiri tão fria. Eu procuro por qualquer marco reconhecível. Ao longe, vejo o que parece ser um castelo. Cinzento. Torcido. Isso não é estrutura de Fae. Parece... — Não estamos em Avakiri, estamos? Estamos em Inferna.
Ele concorda.
— Por quê?
— Há algo aqui — diz ele. — Algo importante para Metsi e para mim.
Algo aparece no horizonte. Uma ruína de pedra antiga. Pilares despedaçados e deitados de lado. Arcadas faltando pedaços de pedra. Estátuas de homens e animais permanecem altas, algumas faltando um nariz, outras uma mão. A arquitetura é familiar. Isso me lembra das ruínas que Dean e eu descobrimos em seu reino. As ruínas onde encontramos o Espelho de Idis.
Apesar do meu feitiço, meu corpo começa a esfriar enquanto entramos na ruína. Existe um poder aqui. Uma força que eu posso sentir, mas não nomear. — É por isso que estamos aqui — eu digo. — Você procura algo na ruína.
Lucan levanta uma sobrancelha. — Garota esperta. Você sabia que os Fae da Antiguidade tinham poderes que superavam os que os Fae possuem agora?
— Eu vi dicas.
— É porque o Primeiro os deixou, você sabe, que eles caíram em desordem. Sem um governante adequado, as Quatro Tribos ficaram cada vez mais distantes, cada vez mais diferentes. Com o tempo, eles esqueceram o poder da unidade. Cada tribo procurava mais poder. Eles se interessavam por coisas que não tinham sido tocadas. E, eventualmente, as destruíram.
— A Escuridão — eu digo, ficando mais frio apenas com a menção da palavra.
Ele concorda. — Eles não sabiam como controlá-lo. E assim os consumiu.
— E os High Fae? Por que eles não pararam? Impediram os rituais? — Mas talvez eles tentaram. Talvez eles tentaram como Varis tentou impedir o meu próprio ritual, quando a Escuridão levou Yami à loucura.
— Os High Fae eram mais conselheiros do que verdadeiros governantes — diz Lucian, acenando com a mão com desdém. — Ninguém os escutou como fizeram com o Primeiro. Foi somente após o colapso, depois que os antigos Fae morreram, que o Grande Fae reforçou seu governo para prevenir tais desastres no futuro.
De repente, um frio profundo penetra em meus ossos. E apesar da minha magia, eu tremo.
— Ah — diz Lucian. — Estamos aqui.
Eu sigo seu olhar até o fim da ruína. Lá, esculpido na montanha, está uma gigantesca porta cinza, uma árvore gravada no centro. O vento se move estranhamente aqui. Pulsando, batendo como um coração. E no ar frio, leva um sussurro. Uma carícia suave. Isso me atrai. Me puxa para mais perto da porta. Sem pensar, me vejo caminhando para frente. Mais próximo. Mais próximo. A cada passo, meus membros ficam mais frios, minha pele fica mais pálida. Gelo se acumula nos meus cílios, no meu cabelo. Mas eu não me importo. Eu não sinto frio. Não mais. Em vez disso, sinto calor. O calor de um abraço suave. Quando eu coloco minha mão na porta, um flash de energia percorre meu corpo, como o toque de um amante. E quando eu coloco meu ouvido contra a pedra. Eu ouço isso. Eu sinto.
A Escuridão.
Capítulo 8
MARASPHYR
Fenris Vane
“Há muita tentação em tocá-la, abraçá-la e tê-la tão perto, mas não perto o suficiente, é um tipo de tortura doce que não estou acostumado”.
— Fenris Vane
Nós cavalgamos pela Montanha Cinzenta. Profundamente no reino da inveja. Profundamente no território de Levi. Mesmo com ele fora, devemos ter cuidado. Se os Príncipes da Guerra e da Luxúria fossem vistos viajando para as montanhas, a notícia poderia chegar a Metsi, dando-lhe tempo para fugir e levar Arianna com ela. Isso eu não podia permitir.
Então, usamos ilusões e evitamos conversas que revelam muito. Até o Barão está sob ilusão para parecer um cão em vez de um lobo. Eu pensei que Dean acharia isso um incômodo, mas há um fogo em seus olhos, um foco. Todos os pensamentos, exceto os de Arianna, parecem queimados de sua mente. — Quando chegarmos — ele diz, enquanto viajamos em uma estrada vazia, — deixe o druida para mim. Concentre-se em Arianna. Tire-a daqui.
Eu guio meu corcel para ficar no caminho de terra entre os campos de neve. Dean cavalga à minha direita, Tavian à minha esquerda e Barão corre na frente, farejando nosso caminho. Somos um grupo escasso, mas é melhor viajar com menos pessoas. Menos perceptível. Asher precisava ficar para administrar os reinos. Varis escolheu ficar e vigiar Asher, cada vez mais preocupado. E Tavian... ele me surpreendeu insistindo em vir.
— Se eu não ajudar você a resgatar Arianna, Kayla nunca me perdoaria — ele disse. Eu também acho que ele precisava de uma tarefa com o propósito de tirar sua mente da saúde decrescente de Kayla.
Nós cavalgamos duro no primeiro dia, mas nossos cavalos precisavam descansar, então agora viajamos a um galope lento. Até que possamos nos apressar mais uma vez. — Vamos precisar da nossa força combinada para derrotar Metsi — eu digo. — Nós devemos...
— Eu não me importo em derrotá-la — diz Dean, olhando para o horizonte, para o pôr do sol laranja. — Vou distraí-la. Você salvará Arianna. Se eu cair na batalha, que seja.
Eu nunca vi tanto fervor do meu irmão. Ele parece consumido. Mas, novamente, eu também estou. Meus pensamentos são de Arianna e nada mais. — Muito bem. Nós faremos como você diz.
Tavian acena em concordância.
Nós falamos pouco então. Até nos aproximarmos do Crimson Castle.
Está à distância sobre uma colina de neve. Barro vermelho vaza debaixo da terra, manchando a terra branca de vermelho. O castelo em si é construído de pedra azul pálida, suas torres irregulares e afiadas, seus tetos arqueados. Estátuas de pedra erguem-se acima do caminho de entrada, feras cruéis perseguem os que estão embaixo. Há uma escuridão no castelo. Um sentimento que faz seu cabelo ficar em pé. Arianna chamaria isso de gótico, eu acho. Mas há algo mais escondido atrás das camadas de beleza distorcida. Uma crueldade. Uma maldade que você pode provar.
Eu me afasto, não querendo olhar para a monstruosidade. Ao nosso redor, prédios brotam da neve, barracos de madeira pertencentes aos pobres que moram nos arredores da cidade. Alguns os telhados já cedeu. Outros estão faltando portas.
Tavian observa os Fae pelos quais passamos, os escravos vestindo apenas mantos esfarrapados que mal cobrem seus corpos, embora o dia seja frio e duro. Eles tremem, aquecendo as mãos com a respiração, enquanto correm de um dever para outro. Um Fae mais velho, com cabelos compridos e cinzentos, desmorona na neve. Ninguém parece notar. Ninguém para para ajudar.
Eu pulo do meu cavalo e corro para o lado dele. Eu tiro meu grosso manto de pele e o envolvo em torno do homem. Eu trago um frasco de água para seus lábios. Barão choraminga e se inclina para o homem para lhe oferecer calor.
Suas palavras são apenas um sussurro. — Obrigado, meu príncipe.
Príncipe? Mas a ilusão... — Eu... não sei o que você quer dizer.
Ele sorri. — Seus segredos estão seguros comigo. Eu ouvi falar de histórias do Príncipe da Guerra. Que outro vampiro trataria um Fae com tanta gentileza? — Seus olhos piscam para Barão. — E viajaria com um companheiro tão leal.
Eu sorrio, apesar de tudo. Eu não sei o que os Fae esperam de mim, ou se eles esperam por coisas que eu nunca trarei, mas agora, eu sorrio. Eu sorrio para o velho diante de mim. Isso é uma gentileza que posso fazer.
Tavian se inclina ao meu lado. Ele oferece uma porção de sua comida ao velho, e o homem come devagar, mas com firmeza.
— Devemos seguir em frente — diz Dean de cima de seu cavalo, embora em seus olhos, eu vejo que ele gostaria que pudéssemos ficar, gostaria que pudéssemos fazer mais por essas pessoas.
Mas ele está certo.
Deixamos o velho Fae com um manto de pele, água e comida, e cavalgamos para a montanha. Então sentimos o cheiro da morte. A decadência. Cruzes estão do lado da estrada, cadáveres ensanguentados pendurados em suas vigas, seus olhos devorados por corvos. Meu estômago torce e adoece com a visão. Eu tento desviar o olhar, mas eles estão ao meu redor. Eles descem o caminho até onde os olhos podem ver.
— Pelos Espíritos — sussurra Tavian, — por que seu irmão faria isso?
— Levi prefere governar com terror do que respeito — diz Dean, seu rosto torcido em uma carranca.
Eu me forço a enfrentar os cadáveres. Para me lembrar porque eu luto contra o Levi. Eu tento me irritar e, no final, só sinto pena. Piedade pelos Fae. Piedade por Levi. — Você assume que ele tem uma escolha — eu digo.
Dean franze a testa. — Todo mundo tem uma escolha.
— Tem? — Eu sussurro. — Podemos escolher como agir, com certeza, mas podemos saber todas as consequências? E se não sabemos todas as consequências, podemos realmente escolher nosso destino?
— Você está sendo muito filosófico, irmão — diz Dean. — Eu deveria estar preocupado?
Eu rio. — Possivelmente. — A piada parece aliviar nossos espíritos.
Exceto Tavian. Ele olha para a sujeira, longe dos cadáveres, sua voz suave. — Há verdade no que você diz, Fenris. Uma escolha tem muitos caminhos ramificados. Seu irmão, Levi, se derrotado, será lembrado como um tirano, um governante do medo, sim. Mas e se ele vencer? E se ele se tornar rei e destruir todos Fae? Então aqueles que são deixados, os vampiros, como eles vão vê-lo? Provavelmente com respeito, inveja. E assim Levi faz uma escolha, para torturar os Fae e ainda, no final, ele pode ser lembrado como muitas coisas diferentes.
Eu aceno, imaginando como serei lembrado. Eu serei o rei que governou ao lado de Arianna? O príncipe que jogou fora a coroa? Ou o guerreiro que deixa a Estrela da Meia-Noite morrer? Talvez algo completamente diferente.
Meu cavalo para. Barão rosna. Algo está errado. Eu estava distraído com meus pensamentos. Um erro fatal.
Eu olho para cima, me puxando de volta para o presente.
— Isso será um problema — diz Tavian.
Dean aperta o queixo. — Puta merda.
Eu vejo o que eles significam.
Um bloqueio fica no horizonte, paliçadas de madeira, soldados, todos bloqueando ainda mais a entrada no reino. As faixas vermelhas de Levi estão penduradas nas fortificações.
— Quando o bastardo configurou isso? — pergunta Dean, tecendo seu cavalo para a esquerda e para a direita para ter uma visão melhor.
— Talvez quando ele tomou Stonehill — eu sugiro. — Ou talvez seus generais o montaram depois que ele desapareceu. Niam está planejando tomar o reino.
Dean resmunga baixinho. — Estúpido Levi. Ele é uma gigante dor no rabo, mesmo quando ele está desaparecido.
— Calm,a irmão. Nós vamos encontrar um caminho.
Tavian move seu cavalo para o meu lado. — Nós lutamos contra no nosso caminho?
Eu estudo o bloqueio, contando os soldados que vejo e estimando os que se escondem atrás do muro. — Não. Existem muitos. Centenas na minha conta. Mesmo que pudéssemos derrotá-los, e eu duvido, a batalha duraria dias.
— Nós poderíamos voar — diz Dean. — Isto é, Varis poderia nos voar.
— Tarde demais para recuar agora — eu rosno, desejando ter uma ideia melhor. — Todos os dias que desperdiçamos é um dia em que Arianna está em perigo. Varis é demais. Mas...
Dean levanta uma sobrancelha. — Mas o quê?
Eu me viro para ele lentamente, meu rosto melancólico. — Há alguém que poderia nos ajudar.
Dean espera em silêncio para eu preenchê-lo, um olhar interrogativo em seu rosto.
— Devo soletrar para você, irmão? — Eu pergunto.
Ele sorri. — Aparentemente. Desde que eu não tenho noção de quem você está falando.
— Nós poderíamos visitá-la.
— Ela? — Seus olhos se iluminam com realização. — Oh, ela. — Ele começa a rir como um louco. — Oh, isso vai ser interessante. Tavian, você vai amar isso.
— O quê? — pergunta o Fae. — Quem nós estamos visitando?
— Marasphyr — eu resmungo com relutância.
— Uma velha amante de Fen — explica Dean.
— Isso soa... — Tavian faz uma pausa. — Complicado. — Ele não parece achar a noção engraçada. Seu rosto é sombrio.
E eu me sinto o jeito que ele parece.
***
Está a uma curta distância da estrada para chegar à Floresta Cinzenta. É um lugar mais morto que vivo. Cheio de árvores brancas pálidas e grama murcha. Os insetos emergem da terra úmida da lama, mas nenhum outro animal faz barulho ou aparece. Bijuterias, colocadas em barbante para parecerem bonecos pendurados em galhos; um antigo costume de manter os animais dentro da floresta e longe dos aldeões. E lá, no meio da floresta, entre as árvores que se dobram como garras, encontramos a cabana. Seu chalé.
É pequeno, construído em madeira e tijolos, mas elegante em seu design. A porta principal é grossa e esculpida em um carvalho vermelho profundo. As janelas estão cheias de desenhos coloridos. Há uma mudança quando nos aproximamos da casa.
O ar tem um cheiro mais nítido e limpo.
A grama muda de murcha para exuberante e verde.
As luzes alaranjadas flutuam no céu. Vaga-lumes, flutuando sobre um jardim de flores roxas e brancas.
— Há poder aqui — diz Tavian, quando desmontamos de nossos cavalos e caminhamos para a porta. — Quem é esse seu amigo? Um Fae?
— Não exatamente — eu digo, parando na porta, esperando que não tenhamos viajado por nada. E então eu bato.
— Eu na parte de trás.
A voz carrega de forma não natural. Perto, íntima como um sussurro, mas distante do mesmo jeito. E suave. Suave e rica como o mel.
Dean respira o ar profundamente, como se saboreasse um gosto. — Oh, eu senti falta dela — diz ele. — Você não, Fenris?
Eu me lembro de todas as razões pelas quais não funcionamos. Por que não podemos funcionar. — Estou aqui pela Arianna. Nada mais.
Dean sorri. — Por mim tudo bem.
Nós caminhamos ao redor da casa de campo, a um quintal cheio de grama fresca e flores. Borboletas e abelhas pairam sobre as plantas e um veado espreita perto das árvores, inflexível em nossa presença. No centro do jardim, há uma poça de água límpida e azul, lírios flutuando na superfície, cristais brilhando abaixo. E lá nada Marasphyr, a metade inferior de seu corpo uma cauda e barbatanas, suas escamas uma safira brilhante. Sua parte superior do corpo, bem, muito humana e muito nua.
Dean assobia. — Oh, eu senti falta dela.
— Foco — eu assobio.
— Uma sereia? — diz Tavian, olhando para a lagoa. Ele não está em transe como Dean, no entanto. Não. Há uma inquietação sobre ele. Talvez ele nunca tenha conhecido uma sereia antes. Elas não são comuns. Não neste mundo de qualquer maneira.
Marasphyr atravessa a superfície, virando os longos cabelos cor de água-marinha e reclinando-se na borda da piscina. — Na hora certa, Fenris. — Ela sorri, seus dentes brilhantes e perfeitos. Não afiado como eram antes, como são naturalmente.
As ilusões que usamos não parecem afetá-la. Não estou surpresa. Não com o poder dela.
Tavian levanta uma sobrancelha. — Ela sabia que estávamos vindo?
Eu suspiro. — Marasphyr tem vislumbres das coisas... — Eu suspiro novamente. — Do futuro.
Tavian fica tenso. — Isso... isso não é um presente natural.
— Quem vai dizer, meu querido? — pergunta a sereia. — Não somos todos seres naturais? Cada parte de nós não é uma coisa a ser valorizada?
— Algumas coisas devemos manter à distância — diz Tavian, com os olhos escuros. — Nossas falhas. Nossos defeitos. Até mesmo nossos presentes, se fizerem mais mal do que bem. — Ele se vira para mim e Dean. — Nós devemos ir. Este lugar, essa magia, não é algo para se brincar.
— Ela é nossa única chance — eu rosno, voltando para a sereia.
— Ah, Fenris, mal humorado como sempre, eu vejo. Suponho que você esteja procurando a princesa perdida? A palavra se espalha.
Eu dou um passo à frente, mais perto da piscina. — Há um bloqueio. Precisamos passar por isso.
— Hmm... me dê um momento. — Marasphyr acena com a mão e a água ao redor dela brilha e gira, se infiltrando em sua cauda, ??lentamente transformando-a em as pernas. Ela sai da piscina e, quando o faz, as roupas começam a tecer em volta dela, cobrindo sua pele pálida. Um vestido preto e roxo cai por seu corpo, cortado nas laterais para revelar suas pernas e botas de couro. Seu cabelo já está seco, seus olhos escuros e chamando. Ela tranca meu com o olhar dela. Me prende. Eu...
Eu olho para longe. Há algo sobre o Marasphyr. Algo que atrai homens para ela. Suponho que Dean tenha o mesmo efeito nas mulheres. Talvez eles iriam formar um grande par.
— Então, você vai ajudar ou não? — Eu pergunto.
— Oh, para ter o poderoso Fenris em dívida comigo eu faria qualquer coisa. — Ela anda para frente, para o meu irmão e passa o dedo sobre o peito dele. O tempo todo ela olha para mim. — Mas primeiro, eu devo...
— Não temos tempo para pechinchar — digo, cerrando os punhos. — Já perdemos muito tempo.
Ela não reage. Apenas mantém os olhos fixos em mim. — Mas primeiro... eu devo falar com seu amigo aqui.
— Tavian?
— Sim, Tavian. — Finalmente, ela olha para longe de mim e para o viajante. O Fae cheio de segredos. — Vai ser rápido, eu prometo.
Tavian range os dentes. — Eu suponho que isso aconteceria eventualmente.
— O que você quer dizer? — Eu pergunto, olhando entre o Fae e a sereia.
Marasphyr sorri. — Tavian e eu nos conhecemos. Do passado. E nós temos um assunto não resolvido.
Dean deixa cair sua mandíbula. — Você a conhecia? Por que não nos contou?
Tavian suspira. — Ela passou por um nome diferente então. Um rosto diferente também. Mas... — Ele olha para ela. — É você, não é?
Ela pisca para ele e o pega pelo braço. — Venha, velho amigo. Não vamos manter os cavalheiros esperando. — Ela o guia para longe, para a cabana.
Eu quero pará-los. Perguntar. Mas isso só iria perder tempo. Eu preciso ir até Arianna.
Dean tenta seguir o par, mas a porta se fecha atrás deles por conta própria. Não se abre.
— O que você acha que foi isso? — pergunta meu irmão.
— Eu não me importo. Marasphyr é... velha.
— Não parece.
— Você sabe o que eu quero dizer. Ela é antiga. O Fae também é. Eles tem mais séculos que nós para cruzar seus caminhos. E se tentássemos entender cada detalhe do passado deles, levaria séculos mais de conversa.
Dean balança a cabeça, esfregando o queixo. — Hmm. Nunca pensei sobre isso desse jeito. Todo imortal com quem eu me importei eu cresci. Compartilhando a maior parte da vida deles. Ter um relacionamento com uma sereia seria complicado. Sempre haveria segredos. Mesmo se não intencionalmente, sempre haveria informações omitidas, simplesmente porque haveria muita informação. É por isso que não funcionou entre vocês dois?
— Uma das razões — eu digo, não querendo discutir mais as coisas.
Dean começa a andar. — Mas sou um homem que perdoa. Um homem que gosta de viver no presente em vez de habitar no passado. Acha que Marasphyr e eu poderíamos...
— Talvez.
Ele para de andar. — Eu poderia viver com talvez.
Eu rio das palhaçadas do meu irmão. Suponho que este é o seu caminho de seguir em frente de Arianna. Seu jeito de tentar.
Marasphyr e Tavian emergem da cabana, ele parecendo cansado e surrado, ela mais alegre do que nunca. — As questões foram resolvidas — diz ela. — Por enquanto, de qualquer maneira. Venham. Temos que nos apressar.
Ela estala os dedos e uma rajada de vento me atinge no peito, quase me derrubando. O ar fica frio e parado. A grama começa a morrer. A piscina congela. No centro, uma sombra se reúne. Ele pulsa, como um coração negro, zumbindo, depois explode, transformando-se num redemoinho de escuridão.
Dean aponta para a coisa. — Isso é um portal?
Eu concordo. — Como mais nós estávamos passando pelo bloqueio?
Nós quatro seguimos em frente. No portal.
E na Montanha cinzenta.
Capítulo 9
UM UIVO NO VENTO
“É barulhento, todo consumido em camadas como um coro. É suave e duro ao mesmo tempo. É gentil e furioso. Não feminino ou masculino. Algo mais. Ele me cerca. Ele me abraça e me engolfa”.
— Arianna Spero
Não sei quanto tempo fiquei à porta, sentindo o pulsar da escuridão do outro lado. Poderiam ter sido minutos. Horas. Dias. Para mim, parecia uma eternidade. Para mim, parecia estar em um sonho. Um sonho perfeito do qual ninguém deseja acordar. Onde Fen, eu e nosso bebê vivemos felizes em Stonehill. Onde minha mãe comia conosco e segurava seu neto no colo. Onde nós estávamos seguros. Pacífico.
E então Lucian me puxou para longe.
— Já está quase na hora — diz ele.
Eu pisco, tentando me concentrar no presente. O sonho chama tão fortemente. — Hora... hora para quê?
Ele pisca. — Para tudo mudar.
Eu tento pedir mais, mas ela chega.
Seu longo vestido azul fluindo atrás dela. Suas joias de prata balançando em seu pescoço. Sua pálida serpente enrolada em torno de seu braço. Metsi
Uma onda de água se move em seu rastro, controlada por seus poderes. Ela está desenhando da neve, eu percebo. Criando água do gelo. Algo desliza dentro das ondas. Uma gaiola.
Yami!
Metsi para diante de nós, e com um movimento de sua mão, a água libera a gaiola, abaixando-a até o chão diante de nós. No interior, um pequeno Yami se enrola em uma bola molhada e trêmula. Mas quando ele me vê, seus olhos se iluminam e ele pula para cima e para baixo, guinchando, sua língua está abanando.
Eu caio de joelhos, radiante, estendendo a mão para ele. Minhas mãos tocam a gaiola e um choque me atinge, me empurrando de volta. As wards. As proteções que mantêm Yami preso me impedem de libertá-lo também.
— Deixe-o ir! — Eu falo.
Metsi e Lucian me ignoram, encarando um ao outro. — Eu trouxe os outros também — diz a Druida da Água. — Como você pediu. — Ela estala os dedos e a onda de água se dissipa. Em seu lugar, uma mulher cai no chão. Suas mãos atadas atrás das costas. Seu cabelo azul.
— Kayla! — Corro para ela, desatando as mãos e verificando as feridas. Ela parece bem. Melhor que a última vez que a vi. Mas ela está atordoada, sem voz, não totalmente consciente.
Lucian e Metsi não me impedem. Eles não parecem se importar.
Mais da água se dissipa e mais dois corpos caem no chão. Asher e Varis. Eles não se movem e, por um segundo, acho que estão mortos, mas depois noto uma subida sutil de seus peitos. Tudo bem. Eles esrão apenas inconscientes.
Mas como isso é possível? Lucian capturou Stonehill?
— Ari... — Kayla olha para cima, sua voz fraca e rouca. — Ari — ela diz novamente, desta vez mais forte, me abraçando com força. — Sinto muito — diz ela. — Eu não pude pará-lo. Eu não pude parar... — E então ela o percebe por cima do meu ombro. — Eu não consegui parar Lucian — ela diz, com raiva enchendo sua voz. Ela corre para frente, mãos como garras. Para tirar sangue.
Mas, em seguida, a água dispara em torno dela, enrola em torno de seus braços como algemas, e a puxa de volta para o chão.
— Onde ele está? — Kayla assobia. — Onde está Riku?
Riku? O espírito?
— Não se preocupe, menina — diz Lucian, tirando uma pedra de prata do bolso. — Riku está bem aqui. Seguro. Assim como Zyra. — Ele puxa outra pedra. Uma branca.
Lágrimas enchem os olhos de Kayla. — O que você fez com eles?
— Os espíritos podem assumir muitas formas. Eles frequentemente se transformam em objetos físicos quando lhes falta energia — diz Lucian.
Ele tem razão. Eu lembro quando Yami se transformou em um colar na terra.
Lucian continua: — Eu simplesmente forcei Riku e Zyra a um estado que eles não podem deixar por conta própria. Um truque simples, na verdade, se alguém souber o caminho. Agora, acredito que é hora de fazer o mesmo com Yami. — Ele tira uma pedra negra do bolso e a segura na gaiola, sussurrando palavras em voz baixa.
Yami começa a uivar.
— Seu desgraçado! — Eu rujo. Eu tento me lançar para frente, mas a água me agarra, me segura como fez com Kayla.
Lucian continua a sussurrar. E enquanto ele faz, Yami começa a se desmaterializar. Seus membros desaparecem. Sua voz se acalma. Com o tempo, ele se torna uma nuvem de fumaça negra e a fumaça entra na pedra. Até que não haja Yami adiante. A pedra mudou, percebo. Já não é simplesmente escura. Brilha como estrelas e meia noite.
— O que você está fazendo? — Eu pergunto. — Se você o machucou, eu vou te matar. — Minhas ameaças estão vazias, vazias, enquanto as lágrimas sufocam minha garganta. Eu pensei que não podia sentir Yami antes, mas agora percebo que não era inteiramente verdade. Ele esteve lá, nas bordas dos meus sentidos, e agora sinto sua dor, seu terror. Ele está preso e eu não posso fazer nada para libertá-lo. Eu devo pensar. Eu preciso descobrir como consertar isso.
Ele disse que tem Zyra... mas também Riku? Eu olho para cima, para seus olhos malignos, enquanto as peças do quebra-cabeça se espalham diante de mim. — Como Riku está aqui?
Lucian franze a testa. — Você não sabe? Kayla aqui é a nova Druida de Fogo. Ela é a Guardiã de Riku. E, como você mesmo imaginou, eu preciso dos Espíritos. Eu preciso dos Druidas também. Para os Espíritos estarem em plena força, Guardião e Espírito devem estar pertos. Capturar Varis foi... simples. Especialmente quando ele pensou que eu era seu amante.
Eu faço uma careta. — O que você quer dizer?
— Não é óbvio?
— Ele usou a ilusão — diz Kayla, com os olhos ardendo de ódio.
Lucian sorri. — De fato. Por quase dois meses eu me passei por Asher. E o tempo todo, ninguém notou. Que trágico.
Metsi geme. — Pare de perder tempo com os meio-sangues — ela diz a Lucian. — Eles estão quase aqui?
— Sim — diz o rei vampiro. — Eu os espiei na estrada. Eles estão perto. Eu não poderia dizer a Fen a nossa localização; ele teria assumido que era uma armadilha. Mas eu mencionei a Montanha Cinzenta e plantei a semente.
Os olhos de Metsi piscam para as ruínas, para as sombras onde alguém pode se esconder. Eles olham para a porta. A porta onde a escuridão mora. — Você tem certeza disso? Oren não aprovou. Ele...
— Oren não está mais aqui — fala Lucian. — Se tivéssemos feito o ritual antes, talvez ele ainda estivesse.
Metsi deixa cair o olhar. Ela se atrapalha com os dedos. Eu nunca a vi assim. Nervosa. — Mas e se não pudermos controlá-lo?
— Passei milênios preparando o ritual. Isso acontecerá conforme planejamos.
Metsi assente, embora ainda treme.
Minha mente está correndo, tentando decifrar o que eles estão dizendo. — O ritual? — Eu pergunto. — Você deseja invocar a Escuridão. Mas e o Fae Antigo? Você mesmo disse que a Escuridão não poderia ser controlada.
Ele balança a mão pelo ar. Bate na minha bochecha.
Eu caio para trás, meu rosto queimando.
Lucian se aproxima de mim. Suas palavras se infiltram de raiva, como se eu o tivesse ofendido pessoalmente. Os cálculos frios se foram. É a maldição dele, eu acho. A maldição da ira.
— Eu disse que eles não poderiam controlá-lo — ele fala. — Porque eles eram tolos. Eles perderam algo tão simples. Apenas um já domou a escuridão. E ele tinha os espíritos em seu poder.
— O Primeiro — eu sussurro.
Ele balança a cabeça sorrindo. — O Primeiro. Eu farei como ele fez. Mas ao invés de trancar a Escuridão, eu vou curvar isto à minha vontade. Não existe bem ou mal no mundo. Não há certo ou errado. Não verdadeiramente. Há escuridão. Há luz. E ambos são necessários. Ambos são necessários para a vida. Bloquear a Escuridão foi um erro. Um erro que pretendo corrigir.
Seus olhos piscam então. E seu sorriso se alarga, como se ele soubesse de um segredo que ninguém mais sabe. — Ah — ele diz. — Eles estão aqui.
E então eu ouço isso.
Um uivo no vento.
Capítulo 10
MONTANHA CINZENTA
Fenris Vane
“Você é um cachorro. E você saberá o seu lugar no calcanhar do seu mestre”.
— Rei Lucian
Algo está errado. Instintos aperfeiçoados ao longo dos séculos me dizem para recuar. Fugir. Nós não estamos no controle aqui. Alguém estabeleceu uma armadilha. Mas eu não posso correr. Eu não posso sair sem Arianna.
— O que há de errado? — pergunta Dean, agarrando meu ombro. Nós nos sentamos atrás de um pilar quebrado, nos escondendo de vista, nossas espadas prontas. Barão fica no meu calcanhar.
— Não é nada — eu digo, recusando-me a preocupar meus companheiros também.
— Não devemos estar neste lugar — sussurra Tavian. — Há um poder aqui. Um poder que é melhor ser deixado imperturbável.
Marasphyr revira os olhos. — Você e suas superstições, Tavian.
Ele olha para ela, palavras não ditas penduradas entre eles.
— Aqui é onde vimos as patrulhas — digo, lembrando o que notamos ao chegar à montanha. — Aqui é onde vamos encontrar alguém. Capturá-lo. Forçá-lo a nos levar para Arianna.
— Não deveríamos estar aqui — diz Tavian novamente.
Eu finjo não ouvir o seu aviso, mas na verdade eu concordo. Há algo sobre esta ruína. Um sentimento. Uma presença. Eu estudo as pedras cinzentas e as estátuas Fae. Elas parecem olhar para mim. Elas parecem estar vivas.
— Lá — sussurra Tavian. — Uma patrulha.
Eu olho por cima do pilar. Isso não é patrulha Isso é...
Arianna!
Eu pulo para os meus pés. Meu coração batendo no meu peito. Meu corpo pronto para a batalha.
Dean me puxa de volta. — Paciência irmão — ele sussurra em voz baixa. — Você não vê com quem ela está?
Eu olho de novo, apertando minha mandíbula. — Lucian.
— Não podemos vencê-lo, irmão — diz Dean.
— Somos quatro.
— Você sabe que não importa.
Marasphyr agita um anel no seu dedo. — Temo que ele esteja certo. Eu não quero enfrentar o rei vampiro.
Eu suspiro, caindo contra a pedra, amaldiçoando o dia. Metsi, eu estava preparado para enfrentar, mas Lucian... Ele é o homem que matou a última Estrela da Meia-Noite. O homem que abateu uma família inteira de High Fae.
Eu não estava lá quando aconteceu, mas os contos ainda trazem medo. Ainda assim, eles poderiam ser exagerados, não poderiam? Eu sei melhor do que a maioria como uma história pode se transformar em fantasia ridícula. Meu tempo na Montanha Cinzenta me ensinou isso.
— O que você propõe que façamos, então? — Eu pergunto. — Eu não vou deixá-la ir. Não de novo.
Dean faz uma pausa por um momento. — Nós esperamos. Lucian não pode protegê-la a cada momento. Tenho certeza de que ele tem outros assuntos. Nós esperamos. Siga-os se for necessário. E quando ele sair, nós atacamos.
Cada parte do meu ser deseja avançar. Atacar agora. Cada parte, menos uma. Arianna não gostaria que eu morresse tolamente. Ela gostaria que eu vivesse. Para nós dois morarmos juntos.
Então eu espero.
E espero.
Lucian não sai.
Em vez disso, outra pessoa chega. Metsi.
Das sombras, eu os assisto. Eles falam. E então Metsi dissipa uma onda de água, revelando uma mulher no chão. Ela parece familiar à distância. Kayla!
Tavian ficou ao meu lado, levantando sua lâmina. — Como ela poderia estar aqui? — ele rosna.
— Fácil, agora — diz Dean. — Não podemos lutar contra Lucian e Metsi. Isso é ainda mais certo.
— E se esperarmos por muito tempo? — Eu digo. — E se eles mudarem de ideia e matá-los?
— Papai sempre tem um plano. Se esse plano envolvesse Ari e Kayla mortas, elas estariam.
— Mas você sabe como ele pode ser — eu digo, olhando meu irmão nos olhos. — Você sabe que a raiva o impulsiona tanto quanto a lógica.
Dean não diz nada.
Eu olho para trás para Arianna. Mais dois corpos caem no chão. Asher e Varis. — Como? — Eu sussurro. — Stonehill caiu?
Dean encolhe os ombros, com medo nos olhos.
Há vozes elevadas agora. Então...
Então Lucian bate Arianna no rosto. Eu sinto o golpe no meu próprio intestino.
Ele grita com ela. Sua mão cai em sua espada.
Não! Eu não vou perdê-la novamente.
Eu pulo por cima do pilar, avançando para frente.
Barão segue no meu calcanhar, uivando.
Tavian corre atrás de mim, gritando um grito de batalha, Marasphyr bem atrás dele.
Dean segue por último. Mas ele segue. Eu noto o fervor em seus olhos. No final, ele fará qualquer coisa por Arianna.
Juntos, atacamos.
É um erro.
Lucian se vira, olha nos meus olhos e sorri.
Ele sabia que estávamos chegando. De alguma forma, ele sabia.
Ou, mais provavelmente, ele planejou isso. Isso é o que ele queria o tempo todo.
Nós devemos voltar atrás. Mas eu não posso. Eu não vou. Por Arianna. Pelo nosso filho, se o que Dean diz é verdade.
Lucian gesticula para Metsi e ela tira um frasco roxo de suas vestes. Ela segura-o com uma mão e quebra-a em seu aperto. O líquido roxo se derrama e começa a se transformar, transformando-se em névoa. Ela está usando seus poderes. Transformando o que quer que seja essa mistura com o ar.
E então, ela empurra o nosso caminho.
— Prenda a respiração! — Eu grito, mas estou atrasado.
A névoa roxa nos atinge como uma rajada de vento, penetrando em nossos pulmões. Tem gosto amargo no começo, e então, não tem gosto nenhum, deixando minha boca entorpecida. Então meu peito, depois meus braços, depois minhas pernas.
Eu desmaio, minha espada caindo da minha mão paralisada.
Os outros, Dean, Tavian, Marasphyr e até Barão também caem. Eu viro minha cabeça um pouco para vê-los. Parece que a única parte do meu corpo não está totalmente paralisada.
— Fen! — grita Arianna, contida por grilhões feitos de água, os olhos cheios de lágrimas. Feliz ou triste eu não posso dizer. Ela olha para Lucian. — Deixa-os irem!
Lucian ri, olhando para mim. — O sono roxo. Uma mistura rara, mas vale a pena para esta ocasião. Não se preocupe. Você vai recuperar a mobilidade e sentir-se bem logo. — Ele anda entre nossos corpos congelados, parando perto do Barão. Então ele puxa uma pequena pedra cinza e sussurra encantamentos em voz baixa.
A cabeça do barão se inclina de dor. Ele uiva, como se algo o estivesse comendo-o por dentro. Ele se contorce no chão e não posso fazer nada para ajudá-lo. Sinto sua dor e pânico em meu próprio corpo e isso me consome. Então ele começa a desvanecer-se, transformando-se em fumaça.
Eu tento gritar. Para lutar pelo meu amigo. Mas nem meus lábios se movem.
Lucian parece notar minha luta. — Não tenha medo, Fenris. Tauren – isto é, Barão – vai ficar bem. Tudo vai ficar bem.
O feitiço termina e Barão desaparece na pedra. Qual o significado disso? Por que ele precisa do meu Espírito?
Lucian se vira para Metsi. — Veja, tudo ocorreu como eu planejei. Agora, para o Espírito final...
Ela aperta a mandíbula, tremendo, então lentamente levanta o braço com Wadu. — Estaremos juntos novamente em breve — ela sussurra ao seu espírito.
Então Lucian puxa outra pedra, uma azul, e murmura os encantamentos novamente. Wadu grita e chia, enquanto os olhos de Metsi se enchem de lágrimas. — Sinto muito. Mas isso é para o melhor. Para todos nós. — Os guinchos desaparecem e Wadu desaparece na pedra.
Lucian empunha o Espírito e desce as ruínas até a porta de pedra esculpida na montanha.
Alguém murmura alguma coisa. Asher. Ele está começando a acordar. Varis também. Eu vejo seus dedos se contorcerem.
— Eis — diz Lucian, tirando todas as cinco pedras. — O poder do Primeiro na palma da minha mão. Wadu, Riku, Tauren, Zyra e Yami. Água, fogo, terra, vento e a Estrela da Meia-Noite. — Ele gesticula para o meio da porta. Há algo no centro. Uma impressão de mão. Isso me lembra dos Waystones. Deve ser a fechadura. Lucian murmura alguma coisa e todas as cinco pedras flutuam no ar. Então elas atiram no céu, se encaixando na pedra, fazendo um círculo perfeito ao redor da impressão da mão. Cada pedra, cada espírito, começa a brilhar. Um arco-íris de cores.
Arianna fica mais alta. — Não faça isso, Lucian. Você não pode controlar a Escuridão. Ninguém pode.
O rei vampiro olha para baixo, seus olhos azuis frios. — Eu não mais serei amarrado pela maldição do meu irmão. Primeiro, eu tomo este reino. E então eu marcho para o céu. — Ele se vira para a porta e coloca a mão na fechadura.
A terra geme.
O vento treme.
O sol escurece.
— Isso vem — sussurra Tavian, com os olhos para trás, falando como se ele estivesse paralisado. — Uma fera não natural. Uma criatura imprópria. A Escuridão. A Escuridão vem.
Uma dor irrompe dentro de mim, como algo mordendo meu coração e mastigando. Apesar da paralisia, meu corpo começa a tremer, ter espasmos. Meus membros se esticam, como se estivessem tentando se afastar em direções diferentes. Alguma parte de mim não é minha. Alguma parte quer sair.
Arianna geme, caindo. Kayla segue. Elas devem sentir isso também.
Asher parece não ser afetado, mas Varis...
Varis grita em agonia, seus membros se contorcem de forma não natural, seus olhos revirando. Metsi faz o mesmo. Talvez porque eles são Fae completos. Parece afetá-los mais.
Relâmpago atinge o céu.
Trovão rasga o ar.
E a chuva começa a cair.
Por um momento, tudo fica quieto. Os gritos desaparecem. O vento continua. Até mesmo gotas de água parecem distantes.
E então um rosnado baixo toma seu lugar. Um som não natural. Um som que arrepia até o núcleo.
A porta de pedra racha e, com um grande gemido, entra em erupção. As cinco pedras rodopiam no ar, pousando no braço de Lucian, girando ao redor de sua braçadeira como uma pulseira.
Dentro da porta antiga, não se pode ver nada além de um buraco negro. Mas não está vazio, não. Algo se agita por dentro. Quando ele avança, a terra treme em seu rastro. Quando respira, o ar se transforma em gelo. E quando ruge, a mente deseja a morte.
A criatura surge. Tão alto quanto um carvalho gigante. Tão largo quanto um salão. Anda de quatro, as patas traseiras como cascos, a frente como garras. O cabelo grosso cobre seu corpo, preto e viscoso e se contorcendo como cobras. Seu rosto gira e gira, meio homem, meio animal. Seus dentes são muitos, muitos, alguns molares maçantes, outros dentes afiados e compridos. No peito, o osso branco perfura a pele negra, partes da caixa torácica saem do corpo. Esta fera é uma tortura para ver, e ainda assim, algo atrai meu olhar. Algo me puxa para mais perto.
Fagulhas de fumaça negra caem da criatura, algumas girando em torno de Lucian. A fumaça se torna viscosa, como tinta, pendendo pesadamente no ar. Lucian respira profundamente a escuridão vil, e suas veias pulsam escuras sob a pele pálida, seus olhos escurecem em órbitas da meia-noite. Em seguida, a escuridão dentro dele desaparece, retornando a ele uma palidez normal, seus olhos do mesmo azul frio de sempre, e ele sorri. — Finalmente, estamos ligados. Sinto seu poder.
A criatura fala, sussurrando em milhares de vozes, sobrepostas umas às outras, como ecos dos mortos, frios e sem vida. — Qual... é o seu desejo?
— Primeiro, vamos conquistar este mundo. E depois retomaremos minha terra natal.
Asher se senta, finalmente acordado. — O que você fez, pai?
Lucian sorri. — Como eu disse que faria, meu filho. Eu trouxe a paz entre Fae e vampiro. Venha. Eu mostrarei a você.
Ele acena com a mão no ar e uma poça de escuridão gira sobre nós. Um portal. Como o que o Marasphyr pode fazer, mas maior, muito maior. Ele cresce e cresce até consumir todos nós.
Por um momento, tudo que vejo é sombra.
E então eu estou em um chão de pedra, em uma praça. Centenas de corpos circulam ao nosso redor. Eu conheço esse lugar. Essas pessoas. Esses edifícios. Estamos em Stonehill!
— Proteja o castelo — diz Lucian à Escuridão.
E o caos segue.
A criatura pula no ar, tão alto quanto uma montanha, e pousa no meu castelo, onde a parede ainda está aberta. Gritos surgem de dentro.
Ao nosso redor, as pessoas gritam e correm. Mas nem todos. Nem metade. Alguns ficam perfeitamente imóveis, com os olhos brancos, vidrados. O Fae. Os Fae não se movem.
Eu olho para Varis, para Metsi. Eles são os mesmos, parados, sem expressão ou emoção.
— O que você fez com eles? — A voz de Arianna é alta, gutural, zangada e aterrorizada.
Asher sacode o Druida do Vento, implorando. — Saia disso. Tire isso Varis.
Lucian ri. — Ele não pode. Você não entende, eu mantenho o poder do Primeiro.
— Ele... — sussurra Arianna, com o rosto corado, os olhos arregalados de horror. — Ele controla os Fae. Assim como o Primeiro fez, ele controla sua vontade.
Eu sinto a paralisia desaparecendo, sensação de formigamento retornando aos membros que dormiam. Eu me empurro para sentar, força voluntária de volta ao meu corpo, e olho para Tavian. Ele olha para trás, seus olhos sérios, mas ainda são seus. De alguma forma, ele não é afetado. Nem eu, Kayla ou Arianna. Parece que só os Fae completos perderam a vontade. Isso deve ter sido o que senti quando meu corpo se despedaçou. Deve ter lutado pelo controle. Ainda assim, isso não explica Tavian.
— Como Metsi concordou com isso? — pergunta Kayla.
— Ela não fez — diz Lucian. — Não inteiramente. Ela sabia que nós estávamos convocando a Escuridão. Mas, ela nunca considerou que eu iria atingir o poder sobre todos os Fae. Ela pensou que destruiríamos os vampiros juntos. Destruir meu próprio povo? Que tola ela era.
Alguns dos meus súditos, os vampiros e Shade, correm para o castelo, para defendê-lo da criatura. Mas então Lucian inclina a cabeça e Varis pula no céu. Um vento não natural atinge meus soldados e eles caem no chão, imobilizados. Aqueles que estão longe demais para serem afetados são atacados por seus próprios escravos, oprimidos e forçados a se submeter. Metsi conjura a água da neve e cachoeiras, enviando uma onda para a parede. Atinge os guardas que controlam suas estações, derrubando-os ou afogando-os.
— Seu monstro — eu rugido, vendo meu povo dizimado e incapaz de pará-lo.
— Não — diz Lucian. — Eu simplesmente trago paz. Os vampiros e Shade que se render, que jurarem lealdade a mim, serão deixados ilesos. E deixe-me ser claro... todos os vampiros e Shade.
Todos. Ele também quer dize nós. Ele quer que juremos fidelidade.
Lucian começa a andar, intocado pelo caos ao seu redor. Ele caminha até Asher. — Vamos começar com você, meu filho. Eu lhe disse que tudo ficaria claro. Eu lhe disse que você seria libertado. Junte-se a mim e juntos conjuraremos um portal para os céus e retomaremos os Jardins de Prata. Não é isso que você sempre quis?
Asher abaixa a cabeça, raiva e tristeza transparentes em seu rosto. Então ele olha para cima e cospe em seu pai. — Você transformou meus amigos, meu amante, em escravos irracionais!
Lucian suspira, como se esperasse isso. — Sim. Eu tive que acabar com sua pequena guerra. E garantir um exército para a guerra que viria. A guerra contra meu irmão. Então, sim, eu os fiz escravos, como o Primeiro, mas assim como o Primeiro, Posso devolver-lhes a vontade deles. Se você servir ao meu lado, se me ajudar a retomar os céus, juro-lhe que Varis terá novamente a vontade.
Nesse momento, Asher faz uma pausa. Sua respiração pega. — Eu... eu...
— E se você não está do meu lado — continua Lucian. — Então eu vou comandar Varis para cortar sua própria garganta agora enquanto você assiste. Quando ele morrer, alguns outro Fae herdará seus poderes, e você terá aprendido sua lição.
— Eu...
— Hmm. Você hesita. — Lucian olha para o céu, para Varis, e o druida levanta uma adaga, coloca-a contra a própria garganta. — Vamos ver. Na contagem de três. Um. Dois. Trê...
— Pare! — Asher grita caindo para frente, agarrando as botas do pai, chorando na pedra. — Eu vou servir você. Eu estarei ao seu lado. Apenas mantenha-o vivo. Mantenha-o vivo!
Lucian sorri, ajoelhando-se e segurando as mãos do filho. — Muito bem, meu filho. Será como você pede.
Eu mal posso assistir essa manipulação doentia. Eu preciso fazer algo para impedir isso. Lentamente, eu flexiono e desligo minha mão, testando minha mobilidade. A maior parte retornou. Minha espada está próxima, teletransportada junto conosco.
— E agora, meu outro filho, Fenris — diz Lucian se aproximando de mim. — Junte-se a mim e sua irmã, Kayla, vivará. Não, e eu a mato agora, transferindo seus poderes para algum Fae completo que se mostrará muito mais útil e submisso.
Kayla sacode a cabeça. — Não faça isso, Fen. Eu não me importo se eu viver.
— Cale-se! — ruge Lucian. — Você não se importa com a sua vida, mas ele faz. E, claro, há Arianna. Vou mantê-la viva até que o bebê nasça, mas como ela vai viver? Em conforto ou tortura? Ela vai dormir em uma cama macia, ou em um calabouço, o corpo dela cortado? Ela pode até morrer, você sabe, da dor. Eu só vou trazer ela e o bebê de volta. Eu já fiz isso uma vez, enquanto você procurava por ela. Todos os dias. Imagine-a morrendo durante a noite, apenas para despertar e morrer novamente. Você pode aceitar isso, Fenris? Você pode condená-la a tal destino?
As imagens que suas palavras conjuram no meu coração. Eu sei o que a Arianna vai dizer. Ela vai dizer que ele a torture. Não envie. Mas como posso jogar esse destino sobre ela? Sobre o meu filho?
Eu inclino minha cabeça. — Pai, eu...
Então eu pego minha espada e a enfio no coração de Lucian.
Ele tropeça para trás, o rosto estupefato. — Eu... eu não esperava isso. — Ele olha para o corpo dele estranhamente, então pega minha lâmina pelo cabo e a puxa para fora. Sangue escuro cobre o aço. Ele nem parece perturbado. Como...
— Eu temo — diz Lucian. — Vai precisar mais do que simples aço para me matar agora.
— O aço não pode cortar a sombra — sussurra Tavian.
Lucian assente com a cabeça. — Então, o que será, Fenris? Você se comprometerá comigo, ou verá Arianna morrer repetidas vezes?
— Eu...
Eu vejo algo passar entre Tavian e Marasphyr. Um olhar. Um entendimento.
Então o viajante pula e corre para frente, estendendo as mãos em garras, ficando preto. Ele corta para o rei.
Lucian caminha para o lado com facilidade, mas...
Dois portais escuros aparecem em um piscar de olhos. Um na frente de Lucian. Um ao seu lado. Conjurado por Marasphyr.
Tavian voa para aquele diante dele, pulando para fora do que está ao lado de Lucian, exatamente onde o rei pisou, e Tavian ataca.
Ele não pretende ferir embora.
Ele aponta para as pedras na braçadeira de Lucian.
Com um golpe, suas garras passam pelo braço de Lucian. Ele bate nas pedras.
E elas se quebram.
Orbes de luz explodem no ar e Lucian recua tremendo.
As luzes se movem, divergindo. Uma se dirige para mim. Uma para Kayla. Uma para Arianna.
— Corre! — grita Marasphyr. Ela levanta a mão e outro portal se abre entre nós.
Desejo ficar, lutar, mas se Lucian não puder ser morto
— Corre! — grita Marasphyr novamente.
E finalmente eu me movo. Todos nós fazemos. Marasphyr, Tavian e Dean. Até mesmo Arianna e Kayla. Quebrar as pedras deve ter enfraquecido suas amarras. Nós todos pulamos no portal.
Todos exceto Asher. Ele fica chorando. Ele fica por Varis.
Capítulo 11
LUAR
“Eu sou o Príncipe da Guerra. Eu sou o Príncipe da Morte”.
— Fenris Vane
A pressão se forma ao meu redor, como se eu estivesse espremendo através de uma pequena abertura, mas não sinto quaisquer paredes sólidas. Algo aperta meu ombro e, na escuridão, vejo...
Yami!
Eu cutuco sua cabecinha com a minha e meu bebê dragão ronrona. À distância, ouço um rosnado. Barão! Quando as pedras quebraram, os Espíritos devem ter sido libertados. Eles...
A pressão termina e eu caio no chão, na grama fresca. Este novo lugar é brilhante, mas eu não posso dizer de onde a luz vem. Eu não vejo sol, não há fonte para o brilho sempre presente que me rodeia. A grama em que estou sentada é a cor da berinjela, e as flores silvestres crescem em grupos ao meu redor em cada cor imaginável. Yami pula do meu ombro para cheirar as flores, fazendo pequenos ruídos de excitação.
O pavor que eu senti pelo que acabei de testemunhar foi temporariamente substituído pela alegria que sinto por ter Yami de volta. Eu posso sentir a nossa magia se conectando e se enrolando.
— Arianna? — Eu ouço a voz de Fen antes de vê-lo. Ele aparece por trás de uma grande árvore, seus olhos frenéticos até que ele me vê. Eu me levanto e ele corre para me abraçar. — Você está ferida?
Minha mão cai no meu estômago por reflexo, para o bebê do tamanho de uma ervilha dentro de mim. — Não, eu estou bem. Estamos bem. — Eu ainda não sei como Fen se sente sobre o bebê. Eu não tenho certeza se ele sabia da criança até que Lucian falou sobre isso. E se ele não quiser o bebê? E se ele...
Fen pega minhas mãos com ternura. Então ele cai de joelhos e descansa a cabeça na minha barriga. Sua voz é pesada. — Eu temia que nunca mais a visse. Que eu nunca conheceria nosso filho. Eu... — Sua voz se quebra, racha com tristeza. — Eu... eu te amo, Arianna Spero. Eu te amo.
Suas palavras me quebram. Mais do que qualquer outra coisa, suas palavras desfazem toda a compostura que eu lutei tanto para manter. Eu nem sabia o quanto precisava ouvi-lo dizer isso até ele falar. Ele fica de pé e acaricia meu rosto em suas mãos fortes, pressiona seus lábios contra os meus, enchendo-me com seu gosto, seu cheiro de pinho e terra. Nós nos beijamos tão ferozmente que quase dói. Suas mãos caem pelas minhas costas e sem aviso, ele me pega em seus braços, me embalando perto de seu peito. Eu envolvo meus braços as costas dele, passando meus dedos por seus músculos tensos. Puxando o cabelo dele.
Já faz muito tempo. Muito tempo desde que senti seus braços em volta de mim. Muito tempo desde que eu provei sua boca. Também muito tempo desde que eu poderia segurá-lo e sentir o calor do seu corpo. Tanta coisa aconteceu. Tanta tortura e dor e guerra. Mas no final ainda há isso. Ele. Eu. Nós.
Perto de nós, Yami e Barão dançam e brincam, perseguindo um ao outro e correndo selvagens através das árvores.
— Fen, os outros — eu paro, afastando minha mente dele por um momento. Tentando lembrar porque estamos aqui O que precisamos fazer, o que é mais difícil do que eu gostaria de admitir com o Príncipe da Guerra olhando para mim com aqueles olhos azuis quentes. — Nós deveríamos procurá-los. Precisamos...
— Eu não me importo — ele rosna, carregando-me para a frente, passando por árvores grossas que cobrem o céu. Ele vê uma caverna e nos leva para dentro, me deitando na terra macia, deixando Yami e Barão do lado de fora para brincar e se divertir juntos.
Eu não sei onde estamos, nem quão seguros estamos, mas tudo parece... diferente. Mais relaxado. Menos urgente. Eu sinto o desenrolar de algo no meu intestino, algo que não relaxou em... eu nem sei quanto tempo.
E neste momento, tudo o que me interessa é Fen. Tudo que eu quero é Fen. Tudo que eu preciso é Fen. Nada mais importa. Todas as minhas perguntas, todas as minhas preocupações, o peso de todas as minhas escolhas futuras, tudo isso se desvanece. Vou pensar nisso depois, prometo a mim mesma. Agora eu mereço um momento. Nós dois merecemos.
— Hmm, isso parece familiar — eu digo, sorrindo. — Me lembra quando tive que curar você.
— Eu teria curado sozinho.
— Certo... você estava bem fora disso. Eu me pergunto, você se lembra o que aconteceu depois? — Eu pergunto mordendo meu lábio.
Ele escova minha bochecha com a mão. — Nós nos beijamos.
— E apenas beijar é tudo o que vamos fazer desta vez também?
Ele me agarra e me puxa para mais perto contra seu corpo duro, sua respiração no meu ouvido. — Eu pretendo fazer mais desta vez, acredite em mim. E eu te aviso, eu não vou ser delicado. — Ele mordisca meu pescoço, cavando os dentes na carne o suficiente para picar sem cortar a pele, e eu gemo de desejo.
Então ele transforma aquela mordida em um beijo, sua boca correndo meu pescoço, meu ombro, então meu peito e estômago... então minhas pernas, deixando um rastro de calor e desejo a cada pincelada de seus lábios.
Eu me perco em êxtase.
Meu corpo treme sem minha permissão, meus dedos cavando na terra. Minha boca se move sem pensar, evocando sons de prazer. Isso está além de qualquer coisa que eu senti. Qualquer coisa que eu imaginava.
— Talvez devêssemos parar — ele brinca, sorrindo. — Afinal, você disse que os outros...
— Apenas cale a boca — eu sussurro sob minha respiração, raivosa.
Ele retoma seus métodos, deslizando os dedos sobre o meu corpo de maneiras que eu não consigo nem compreender, como se ele tocasse em todos de uma vez. Meus lábios. Meus seios. Minhas coisas.
Eu me perder nele.
E então nos tornamos um. Consumidos com desejo. Com fome um do outro. Nós fazemos coisas que eu nunca pensei que eu faria ou poderia, mas eu confio nele completamente, e assim damos tudo um para o outro. Eu não sei quanto tempo nós passamos na caverna, mas depois, eu mal posso ficar de pé, e eu sorrio como uma tola, se aquecendo no crepúsculo de algo mais mágico do que eu já senti.
— Isso foi... — Estou sem palavras. Eu rolo de lado e desloco os s sobre o peito dele.
Ele sorri para mim através das pálpebras pesadas. — A nossa primeira vez juntos... foi... influenciada pela bebida. Eu não estava no meu melhor.
Há algo em suas palavras que me fazem pensar que ele está segurando, mas isso não importa, porque agora tudo está como deveria ser. — Bem, se este foi o seu melhor, eu definitivamente quero mais.
Ele me beija, sorrindo contra meus lábios. — E eu quero dar tudo para você, Arianna.
Infelizmente, esses pensamentos perturbadores, o tempo e as consequências se agitam em mim, embora não tanto quanto antes. Ainda assim... — Devemos nos vestir. Encontrar os outros. Eles devem estar preocupados.
Eu não acho que ele me ouve a princípio; ele está tão quieto e sua expressão tão distante. Eu nunca vi Fen tão relaxado antes. É desconcertante. Mas seu rosto muda e é como se minhas palavras finalmente pousassem nele.
— Sim, você está certa. Claro.
Ele parece desligado. Confuso, mas ambos nos vestimos rapidamente e deixamos a caverna, embora com relutância. Meu corpo sente os efeitos do nosso amor. Eu não quero nada mais do que me enroscar com ele e passar horas em seus braços. O puxão é forte, mas isso terá que esperar. Nós tivemos nosso momento. Agora devemos nos preparar.
Quando saímos da caverna, Yami e Barão se juntam a nós, Yami cavalgando nas costas de Barão e claramente aproveitando cada momento disso. Barão corre até mim e esfrega o nariz na minha mão. Eu caio de joelhos e acaricio-o. — Eu também senti sua falta, garoto. Obrigada por cuidar de Fen por mim.
Barão dá um rápido latido de concordância e eu rio. É bom rir. Sorrir. Sentir prazer. Todas as coisas que eu tinha esquecido como sentir por tanto tempo.
— Onde devemos começar a procurar? — Pergunto a Fen, enquanto meus olhos absorvem a novidade e a admiração desse mundo. — E onde estamos?
Fen encolhe os ombros. — Eu não tenho ideia de onde estamos. Marasphyr poderia ter nos transportado para qualquer lugar. Quanto a onde devemos começar a procurar, acho que a nossa busca já acabou. — Ele aponta em frente e eu vejo um grupo caminhando em nossa direção.
Dean, em sua cota de malha preta, Kayla em um vestido verde – com uma fênix no ombro, e homem que eu vi brevemente nas masmorras. Ele usa um manto de pele branca e joias feitas de ossos no pescoço dele. E depois há a mulher que não conheço. Aquela com longos cabelos negros e pele pálida. Ela usa um maravilhoso vestido preto cortado na lateral para revelar suas longas pernas.
Quando eles se aproximam, Kayla corre até nós e nos abraça. — Ari, eu tenho estado tão preocupada com você.
Há algo diferente sobre a linda Fae que estava entre os primeiros amigos que fiz em Inferna e um dos melhores. Ela parece... envelhecida. Cansada. Não sua pele ou corpo, mas seus olhos. — Você está bem? — Eu pergunto, meu tom suave e cheio de preocupação.
Algo pisca em seus olhos e ela e o homem de pele branca compartilham um olhar. — Eu vou estar bem o suficiente, com o tempo.
Ela sorri novamente e estende a mão para o homem. — Este é o Tavian Gray, um... bom amigo. Tavian, este é Ari.
Tavian inclina a cabeça em sinal de respeito. — É uma honra conhecer a Estrela da Meia-Noite — diz ele em uma voz profunda.
Eu olho entre os dois e sorrio, então pisco para Kayla, que realmente cora. Há definitivamente mais do que vibrações de amigos acontecendo aqui. — É uma honra conhecê-lo também. — Eu olho dele para Kayla — Nós claramente temos que nos atualizar logo — eu digo com um sorriso provocante.
Sua fênix canta e meu sangue congela. A última vez que vi Riku ele estava com o Druida de Fogo que me torturou. Eu ainda tenho as cicatrizes, tanto no meu corpo quanto na minha alma. Por um momento sinto garras de pânico no meu peito e eu me esforço para respirar. Kayla franze a testa. — O que há de errado?
Sua mão fria toca meu braço e eu respiro fundo. — Eu só... estou chocada que você é a nova Druida do fogo.
Ela olha para Riku com carinho, do jeito que eu olho para Yami. — Não tão chocada quanto eu. Nós realmente temos muito para recuperar.
Dean se aproxima, seu rosto é uma máscara. Eu não posso sentir que emoções ele está segurando, mas eu lembro-me de suas declarações para mim e meu coração dói por ele. Mesmo assim, é bom ver o vampiro quase sempre sem camisa.
— Você está realmente completamente vestido para esta ocasião — eu digo, tentando aliviar o clima ao nosso redor.
— É um retrocesso temporário, asseguro-lhe.
Eu o abraço e ele me segura por mais tempo, antes de me soltar. Quando eu olho para Fen, espero ver ciúme, mas eu vejo apenas tristeza. O que esses dois tem feito, eu me pergunto?
A última que resta é a misteriosa mulher que parece absolutamente deslumbrante e perfeitamente equilibrada. — Quem é você exatamente? — Eu pergunto, mexendo no meu simples vestido branco.
Ela levanta uma sobrancelha perfeitamente bem cuidada. — Não me reconhece?
Fen limpa a garganta. — Este é Marasphyr. A...
— A sereia? Mas suas barbatanas? Seus dentes?
— Eu queria parecer diferente — ela diz, encolhendo os ombros. — Não é uma coisa difícil de mudar para mim.
— Mas, agora você parece... você parece... — Eu não posso dizer isso. Porque ela parece maldita perfeito. E Fen tinha uma coisa com ela.
Antes, com os dentes afiados e escamas e barbatanas viscosas, eu não estava realmente preocupada, mas agora... eu acho que responde a minha pergunta sobre como você tem uma aventura com uma sereia. Eles produzem pernas. E outras partes, presumivelmente.
Fen suspira, envolvendo o braço em volta de mim, me puxando para mais perto. — Marasphyr nos ajudou a resgatá-la. Em troca de um possível favor meu no futuro.
Um favor? Oh Deus. Que favor? E se ela quiser que ele...
— Não há nada entre nós — diz Fen, acariciando minhas mãos. — Nada mesmo. — Ele parece sincero. Honesto.
Por um segundo, Marasphyr perde a compostura e franze a testa, mas então, logo ela retorna: sorriso perfeito.
Deus, eu só quero dar um soco nos dentes. Eu...
Ok, Arianna. Ok. Relaxe. Concentre-se em outra coisa.
— O que é este lugar? — Eu pergunto, olhando em volta. — Não parece com nenhum dos sete reinos que eu visitei.
— Porque não é — diz Marasphyr, encostada em uma árvore. — Você pode chamar isso de um mundo inteiramente diferente, mas também não é isso. Não verdadeiramente. Este é um lugar entre mundos. Uma Fenda, se você quiser. Regras normais não se aplicam aqui.
Kayla levanta uma sobrancelha. — Regras normais?
Tavian coloca o braço em volta dela e eles compartilham um olhar de conforto. — O tempo muda de forma diferente aqui — ele diz. — Aqui, um ano é como uma semana na Inferna. Um dia é menos que um momento.
— Espere — eu digo, preocupações remexendo na minha cabeça. — E o meu contrato? Devo passar um mês com cada príncipe e Levi não está aqui. Mesmo que ele estivesse, meu tempo com ele estava praticamente acabado. Eu era devido para outro príncipe.
Fen aperta o punho dele. — Marasphyr, o contrato dela está em perigo de ser violado?
Ela revira os olhos. — Relaxe, Fenris. Quando sairmos desse lugar, menos de um dia terá passado em Inferna. Ela pode passar um pouco de tempo longe de um príncipe, não é?
— Correto — diz Fen.
— Então está tudo bem. Quando voltarmos, será como se não tivéssemos saído. Bem, na maior parte. Vamos continuar com nossas memórias deste lugar, é claro.
Limpo minha testa, aliviada por minha mãe estar segura. Minha mãe. Tudo isso foi por ela, mas ela parece tão distante agora. Eu não sou nada como aquela garota que eu era quando Asher entrou pela primeira vez no The Roxy. Isto parece que foi há muito tempo. Agora, minha mãe não é a única consideração. Agora há muitas outras peças em movimento na minha vida, tantas pessoas afetadas pelas escolhas que eu faço. Mesmo pensar nisso, tudo faz girar na cabeça, e quando estou prestes a dizer alguma coisa, os pensamentos, as preocupações, eles flutuam para longe, como bolhas mágicas. Tudo vai dar certo. Eu não preciso me preocupar. — Então, é por isso que você nos trouxe aqui?
Marasphyr acena com a mão com desdém. — Não realmente. Principalmente, eu levei-nos a algum lugar Lucian não pode nos seguir. Pelo menos, até que ele aprenda, e eu não acredito que ele irá. E, claro, temos tempo aqui. Tempo para pensar. Planejar. Quando voltarmos para Inferna, cada segundo contará. — Ela se senta e começa a desenhar redemoinhos na terra com o dedo.
— E você está nos ajudando – por que exatamente? — Eu pergunto, não querendo que Fen acumule mais dívidas com essa mulher.
Ela sorri. — Acredite ou não, Inferna é minha casa. Minha casa principal.
— Mas... eu não vi nenhuma sereia em Inferna ou Avakiri. Você não é de um mundo diferente?
Ela olha para baixo, seus olhos escuros. — Acho que temos coisas melhores para discutir do que o meu passado, garota. Como por exemplo, como nós derrotamos a Escuridão.
Dean assobia. — Isso não parece fácil. Quero dizer, Fen esfaqueou o bom e velho papai no peito, e ele não vacilou. E aquela criatura, você sabe, a feia, é difícil matar também?
Tavian assente. — Só o aço do luar pode prejudicá-lo.
Ele parece saber muito, esse Fae. Eu me pergunto quem é. Ele não parece tão velho, com seu cabelo castanho. Mas seus olhos falam de uma profunda sabedoria. E ele sozinho era o único Fae que não controlado pela magia do Primeiro de Lucian.
Fen franze a testa. — Aço de luar? Eu nunca ouvi falar de tal coisa.
— Eu tenho — diz Dean, seu rosto se iluminando. — Era um artefato antigo dos Fae, muito parecido com o Espelho do Idis. Mas eu nunca encontrei muita informação sobre isso. Eles dizem que foi usado pelo Primeiro para lutar contra as trevas. E, claro, havia o príncipe.
— Que príncipe? — pergunta Fen.
— O Príncipe do Luar. Você não se lembra? — Dean estuda seu irmão intrigado, depois encolhe os ombros. — O boato dizia que o príncipe tinha uma espada ao luar. Supostamente, é como ele conseguiu o apelido.
— É verdade — diz Tavian.
— Ah, então você trabalhou com o príncipe, não foi? — Dean sorri. — Eu sabia que você estava se escondendo alguma coisa. Você o ajudou durante a rebelião, não foi?
Tavian não diz nada.
— Que rebelião? — pergunta Fen.
— Realmente não lembra? — pergunta Dean. — O Fae teve uma grande revolta há muito tempo, liderada por alguém chamado o Príncipe do Luar. Foi em algum momento, bem, eu acredito em algum momento depois que você se tornou um príncipe.
Fen sacode a cabeça.
Tavian parece sombrio.
Uma tensão cresce no ar.
Eu falo antes que as coisas fiquem loucas. — Então, esse aço do luar, como conseguimos um pouco?
— Bem, a maneira mais fácil seria encontrar a espada, — diz Tavian. — Mas...
— Mas o que?
— Mas depois que o Príncipe do Luar desapareceu, a espada desapareceu também. Muitos Fae procuraram por ela, eu incluído, e nenhum encontrou a lâmina.
Marasphyr suspira. — Talvez pudéssemos ter sucesso onde você falhou.
Tavian franze a testa para ela. — A lâmina é impossível de encontrar. Confie em mim. Por milhares de anos eu tenho vagado, procurando pela espada no meu caminho. Já se foi.
— Bem, não pode ter sumido — diz Marasphyr. — Deve estar em algum lugar.
— Sim. — O Fae range os dentes. — Tecnicamente, está em algum lugar, em Inferna ou Avakiri provavelmente. Mas, da última vez que verifiquei, não temos mais mil anos para procurá-la.
Marasphyr encolhe os ombros como se quisesse dizer tudo bem.
— Então — eu digo. — E se esquecermos da espada? E se encontrarmos um pouco de aço?
Marasphyr ri. — Seria extremamente difícil de conseguir, e mesmo se você fizesse, você precisa de um mestre ferreiro para forjá-lo em uma arma.
Todos os olhos se voltam para Kayla. — Nós temos um mestre — eu digo.
— Eu posso forjar qualquer coisa. — Kayla coloca as mãos nos quadris. — Qualquer coisa.
— Tudo bem. Tudo bem — diz Marasphyr. — Mas você ainda precisa encontrar o aço do luar, e você não vai.
Agora eu coloco minhas mãos nos meus quadris. — Por que não?
— Somente alguém digno pode receber um pedaço de aço ao luar. E por merecer, eu não quero dizer eles são alguns heróis arrogantes ou uma princesa inocente. Quero dizer alguém sem restrições por falhas, desimpedida pela dúvida. Alguém, e eu odeio admitir isso, melhor do que eu. E certamente, muito melhor do que todos você.
Eu gosto desta Marasphyr cada vez menos. O que Fen já viu nela?
— Mas... — Marasphyr deixa cair os olhos. — Não há mal em tentar. Talvez um de vocês vá surpreender a todos.
— Tudo bem — diz Kayla, — mas depois que pegarmos o aço e fazermos a espada, então o quê? Lucian tem toda a raça de Fae sob seu controle. Dois druidas sob seu poder. E os vampiros também com medo ou morto para se opor a ele.
— E... — acrescenta Dean. — Não vamos esquecer meus adoráveis ??irmãos. Aposto que enquanto falamos eles estão seguindo o bom velho pai. Levi com certeza. Ele está sempre procurando agradar o pai. Niam sem dúvida. Ele segue poder e agora Lucian cheira a isso. Asher está sob o polegar para salvar seu amante. E Ace... na verdade, não tenho certeza sobre Ace. Mas vamos lá, ele realmente se oporá a um exército de Fae, Lucian, a criatura feia e a maioria de seus irmãos? Isso é suicídio, e ele não é bobo.
— E quanto a Zeb? — Eu pergunto, lembrando-me do gentil príncipe que convidou Fen e eu para comer em seu reino.
Dean esfrega o queixo. — Zeb... eu não acho que ele quer prometer lealdade. Mas assim como Ace, que escolha ele tem? Ele provavelmente está beijando as botas do papai agora mesmo.
— Você se esquece — diz Marasphyr. — O tempo muda de forma diferente aqui. Quando sairmos, provavelmente alguns de seus irmãos ainda não terão jurado a Lucian.
— Então podemos unir forças com eles — digo, ideias se formando em minha mente. — E eles devem ter exércitos. Vampiros e Shade que permanecem fiéis a eles.
Dean suspira. — Se os Fae não os alcançaram. Lembre-se, cada escravo e servo de Inferna está agora sob o controle de Lucian. Os invasores das Terras Distantes estão sob seu controle. Homens e mulheres em Avakiri. Seu exército abrange o mundo inteiro.
— Mas — diz Fen, seus olhos mudando rapidamente, enquanto ele pensa. — Se algum reino puder sobreviver a essa invasão, seriam os reinos da Preguiça e da Gula. Considere as situações deles. Preguiça, devido a todos as invenções de Ace, tem a menor população escrava de todos os reinos. Baixo o suficiente para que os vampiros e Shade vão facilmente segurar a mão superior. E glutonaria: Zeb tem uma população escrava alta, mas a maioria deles estão na água, barcos a remo. A maioria dos vampiros e Shade estão em terra. Se os Fae decidirem invadir do mar, Zeb pode bloquear seu portão, fortalecer suas defesas, até mesmo colocar fogo nos navios de um distância com arqueiros.
Eu concordo. — Então pode haver dois reinos livres quando voltarmos.
Fen aumenta seu aperto em mim. — Exatamente. Dois reinos e dois exércitos.
— Usando os exércitos, tiramos Lucian e o matamos com a lâmina do luar. — Eu franzo a testa. — Mas nós teríamos que lutar e matar Faes. Faes que estão sob o feitiço de Lucian e não no controle de suas escolhas. Isso parece... errado.
Dean encolhe os ombros. — É isso ou eles ficam prisioneiros mentais por toda a eternidade. Esta é realmente a única maneira de libertá-los.
Fen fecha os olhos, a voz cansada. — Liberdade... Oh, este não é o caminho para a liberdade.
— O que você quer dizer? — Eu pergunto.
Ele ri, então se afasta do grupo, encostando em uma árvore e olhando à distância.
Eu o sigo, enquanto os outros continuam discutindo planos. Eu fico ao lado de Fen, encostada em seu ombro. — O que há de errado?
Ele envolve um braço forte em volta de mim e eu me inclino para ele enquanto fala. — Do jeito que eu vejo, há dois caminhos que podemos tomar. Podemos adquirir o aço do luar, forjar a espada, retornar a Inferna e derrotar Lucian. Então eu posso realizar o ritual de sangue, transformando você em vampiro e completando seu contrato. Nós teremos um herdeiro e, juntos, você e eu governaremos os sete reinos. — Seu tom áspero. — Nós teremos que manter a paz entre Fae e vampiro, resolver disputas entre meus irmãos, ouvir as súplicas de cada cidadão esperando para nos pedir um favor ou outro. Às vezes, nós discordamos sobre o que fazer, e como. O tempo passa, nós vamos discordar mais. Eventualmente, talvez milhares de anos a partir de agora, vamos esquecer por que nos casamos em primeiro lugar. Você vai esquecer porque você me escolheu. E então nós brigaremos. Talvez até lutaremos. Talvez nós vamos começar uma nova guerra. Ou... — Ele faz uma pausa, seu rosto suavizando. — Podemos sair. Agora mesmo. Deixamos os sete reinos, voltemos à Terra e viveremos nossa vida. Você, eu e nosso filho. Nenhuma responsabilidade que não desejamos. Sem deveres que não desejamos atender.
Eu faço uma careta. — A vida raramente funciona dessa maneira.
— Mas pode funcionar. — Ele pega minhas mãos, acariciando-as. — Podemos começar essa vida, uma nova vida de felicidade e bondade, juntos. Nós podemos começar agora.
— Mas... e Asher e Varis?
— Quando Asher ajudar seu pai a reconquistar os céus, Varis estará livre. Por que devemos interferir? Eu não ligo para os anjos que amaldiçoaram milhares de seus próprios, os transformaram em vampiros e os enviaram para outro mundo para massacrar os Fae.
Eu entendo seu ponto. Os anjos não parecem valer a pena salvar. — E os seus outros irmãos? Zeb e Ace.
Ele encolhe os ombros. — Eles têm a mesma opção que nós. Eles podem deixar seus reinos agora, viver uma vida de Paz. Ou eles podem ficar e lutar para controlar suas próprias terras. A escolha é deles. Porque eles não deveriam enfrentar as consequências?
Uma parte de mim não pode acreditar no que estou ouvindo. O Príncipe da Guerra falando em rendição. Mas uma parte de mim não pode deixar de ser influenciada por seus argumentos. Por mais de quatro meses eu tenho sido uma prisioneira de Inferna. Torturada, forçada a fazer atos terríveis para sobreviver. Não quero voltar a esse mundo. Eu não quero, mas... eu tenho uma razão. A razão que começou tudo.
— Minha mãe — eu sussurro. — Eu não posso deixar minha mãe.
— Você não vai precisar.
Meu coração para. — O quê?
— Nós ainda podemos cumprir o contrato, se você quiser. Eu posso transformá-la, torná-la vampira. Sua mãe será livre. E então, juntos, deixamos Inferna e Avakiri e toda a tristeza que eles trazem.
— Eu... — Eu nunca considerei que poderia libertar minha mãe e realmente não governar. Eu seria uma rainha, sim, mas apenas no título. — Eu... eu não sei.
Fen suspira, depois respira profundamente, com os olhos cheios de compaixão. — Eu sei o que você sente. Mesmo quando eu digo estas palavras, uma parte de mim deseja correr de volta a Inferna, derrotar Lucian e recuperar Stonehill. Pois eu sou o Príncipe da Guerra, o Príncipe da Morte. Eu não me rendo. Eu não perco. Mas eu acho... eu acho que estou cansado de ser um príncipe. Eu acho que estou cansado de lutar. — Ele solta minhas mãos e se senta, contra a árvore. — Por tanto tempo eu tenho lutado, mas é apenas recentemente, desde que eu conheci você, que eu tenho pensado no porque eu luto. Pelos vampiros? Eles escravizaram metade de uma raça, mataram milhares e não têm intenção de parar. Os Fae? Eles capturaram você, manipularam você para seus próprios fins, procurando matar cada vampiro, para eliminar um povo inteiro. E não apenas eles, mas os Shades também, porque o seu sangue é impuro. Então, pelo que eu lutei? É só agora, percebo, que lutei por mim mesmo. Porque eu gostava disto. A emoção da batalha, o êxtase da vitória. Ver outros com inveja de minhas habilidades. Mas eu não me importo com essas coisas agora. Pelo menos, eu não desejo. Então, vamos acabar com a luta. Não voltando e lutando mais, mas deixando nossas espadas para trás.
Ele cai de joelhos, segurando minha mão na sua. — Por favor, Arianna, venha comigo. Venha comigo, e eu prometo que farei tudo o que puder para lhe trazer felicidade todos os dias da sua vida. Mesmo que essa vida seja para sempre.
Meus olhos se enchem de lágrimas. Meus joelhos estão fracos. Isso é... isso era tudo o que eu queria. Tudo que eu poderia ter esperado. Estar com o homem que amo, criar nosso filho juntos, minha mãe viva e livre. Eu quero ir com ele. Eu preciso. Eu sinto o mesmo murmúrio vago de urgência que senti na caverna. Esse mesmo capricho de abandonar tudo ao meu desejo por este homem. É difícil lutar contra isso. Difícil ficar focada em algo que não parece tão bom quanto desistir.
E ainda assim, não posso.
Porque algo dentro de mim sabe que é a escolha errada. Algo dentro de mim puxa de volta para Inferna. E não é porque eu gosto de batalhas ou vencer. É porque tenho esperança. Eu espero por um mundo melhor.
Para todos. E eu nunca vou parar.
Dum Spiro Spero.
Enquanto eu respiro, espero.
— Sinto muito — eu digo, me afastando, soltando suas mãos, enquanto as lágrimas ardem nos meus olhos. — Sinto muito, mas não posso ir com você. Eu preciso libertar os Fae. Eu preciso acabar com a escravidão. Porque, se eu não fizer, nunca serei feliz, não verdadeiramente, e isso não será justo para você. Não será justo para mim. E eu não vou viver assim. Eu sinto muito. — Antes que ele possa protestar mais, eu me viro e corro. Corro para a floresta, lágrimas caindo dos meus olhos.
Atrás de mim, ouço algo quebrar. Um punho encontrando madeira.
Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu sinto muito.
***
Eu corro até ficar sem ar perto de um lago. As águas brilham com azuis e verdes pálidos e peixes brilhantes nadam por baixo. As árvores balançam no céu, embora eu não sinta vento. O ar cheira a jasmim e rosas e mel, embora eu não veja nenhuma dessas coisas ao meu redor. Eu encontro uma grande pedra para sentar e refletir sobre minhas opções. Eu preciso voltar para Inferna, mas e se isso significa que as coisas entre Fen e eu nunca serão as mesmas? Posso realmente escolher os Fae sobre ele? Quando pela primeira vez em sua existência tão longa ele tem a chance de paz?
Alguém anda atrás de mim. — Sobre o que era tudo isso? — pergunta Dean. Ele se senta ao meu lado, jogando o braço dele sobre meus ombros.
Eu suspiro, tentando relaxar. — Fen e eu... nós discordamos sobre o que fazer a seguir.
— Deixe-me adivinhar, ele só quer das às costas para tudo em Inferna e fugir com você.
— Como você...
— Porque eu faria o mesmo. — Ele sorri maliciosamente. — Mas eu não posso. Então, eu vou voltar para recuperar meu reino, para preservar as artes e cultura de Inferna e Avakiri.
— Metas nobres — eu digo, descansando meu queixo na palma da minha mão.
— Mais egoísta, na verdade. Não posso viver sem beleza.
— É estranho, mas de alguma forma, voltar a lutar pelos Fae, de alguma forma, parece egoísta. Porque eu estou fazendo o que eu quero, apesar do que Fen quer. Porque ao fazer isso, se eu falhar, se eu morrer, minha mãe estará presa para sempre pelo contrato. Então... isso faz algum sentido?
Ele levanta uma sobrancelha. — Bem, é definitivamente confuso. Você quer lutar para que milhões possam ser livres, e de alguma forma isso te faz egoísta? Desculpe princesa, mas o mundo não funciona assim. Você é a pessoa mais altruísta que conheço. E, considerando que eu sou um antigo vampiro socialite carismático, eu acho que isso quer dizer alguma coisa.
Eu não posso deixar de rir. — Você faz parecer tão simples. Mas, é difícil saber o que é certo.
Ele encolhe os ombros. — Eh. Só se você pensar demais nisso.
Tavian e Kayla nos encontram. — Você está pronta para procurar o aço ao luar? — pergunta o viajante.
Penso em tudo o que Fen disse e assinto. — Me diga o que fazer.
***
Tavian nos guia profundamente na floresta, para um lugar onde raios de luar caem do céu, tão densos que você pode passar a mão através deles, e o vento canta uma canção solene. Um guardião nos espera lá. Um grande animal de pedra com asas que não voam e olhos que estão sempre observando. Eu chamaria isso de gárgula, mas esta besta é mais majestosa do que qualquer gárgula da minha mente. Parece eterno.
E isso me faz tremer.
— Quem procura o luar? — pergunta o guardião, voz como pedra de moer.
Tavian avança primeiro. — Eu faço.
A criatura de pedra o estuda. — Hmm. Um coração de bondade que você possui, mas com muito medo de si mesmo. Com muito medo de deixar que os outros te conheçam. O luar, você não possuirá.
Tavian inclina a cabeça graciosamente, recuando. — Obrigado, grandioso.
Kayla avança em seguida, com as mãos firmes.
O guardião a observa. — Você é forte, e corajosa. Mas dividida entre dois mundos. Você é a Shade, escondendo-se da grandeza, ou a Druida, liderando seu povo? O luar, você não possuirá.
Dean ergue o queixo. — Acho que estou vendo uma tendência aqui. — Ele avança em seguida. — Grande fera de pedra, eu acredito que sou digno.
O guardião olha para ele estranhamente. Então para nós. — Você está falando sério?
— Sim, valeu a tentativa — diz Dean voltando.
Bem, isso só me deixa.
Eu dou um passo à frente, tentando evitar que minhas mãos tremam. — Eu procuro o aço do luar.
A gárgula se inclina para baixo, seus olhos verdes no meu nível. — Interessante. Muito interessante. Você tem um coração puro, mas ele sabe o que quer? — Seu pescoço se move como uma cobra, enrolando-se em torno de mim. — Você tem força, mas pode ser controlada? — Seus olhos de pedra olham nos meus. — Você tem coragem, mas tem você realmente dominou o medo?
Ele faz uma pausa e depois se afasta. — O luar, você não possuirá.
Eu solto um suspiro que não percebi que estava segurando e me voltei para meus amigos. — Eu estou... sinto muito.
Dean acena com a mão. — Vamos, não é como se tivéssemos feito melhor.
Kayla cruza os braços, enquanto Riku se empoleira no ombro dela se preparando. — Estou começando a duvidar que qualquer um pode satisfazer este guardião. — Ela aponta para a gárgula. — Você está procurando por uma pessoa perfeita, é isso? Bem, pessoas perfeitas não existem.
O guardião está mais alto. Sua voz soa alta. — Eu não busco um sem falha. — Ele fala mais suave. — Mas quem não é cego para a verdade.
— E que verdade seria essa? — grita Kayla.
O guardião não diz nada.
Yami se aconchega no meu pescoço, ronronando para me acalmar. — Obrigada parceiro. — Eu digo, acariciando a cabeça dele.
— Mas o que fazemos agora?
Tavian balança a cabeça. — Isso eu não sei. Sem uma espada do luar, não podemos derrotar a Escuridão.
Eu suspiro, indo embora, meu tom dificilmente alegre. — Bem, pelo menos temos muito tempo aqui, certo? Talvez um de nós descubra.
— Talvez Marasphyr e Fen devessem tentar pelo menos — Dean sugere. — Não poderia doer.
Estou prestes a falar, argumentar porque Fen, pelo menos, não passaria nesse teste. Ele é muito internamente em conflito. Mas Tavian me bate nisso.
— Eles não vieram porque já sabiam o resultado — diz ele. — Temos que encontrar outro caminho.
Enquanto os outros discutem possíveis alternativas ao nosso plano, eu caminho de volta para a lagoa, desejando um lugar tranquilo para pensar. Quando eu encontro a piscina de água, vejo Marasphyr já pegou minha rocha. — Hey. Eu acho que é o meu lugar. Porque...
Marasphyr não está respondendo. Na verdade, ela está segurando os joelhos no rosto e... chorando?
Eu me aproximo dela lentamente, colocando uma mão nas costas dela. — O que há de errado?
E assim, ela se endireita e enxuga as lágrimas. — Nada. O que você quer dizer?
Eu tento ser o mais delicada possível. — Você parece melancólica.
— Eu? Talvez seja apenas a iluminação. — Ela ri de sua própria piada. Então a voz dela fica séria.
— Eu vi algo. Um campo de cadáveres. Milhares mortos. Eu... eu não consigo tirar isso da minha mente.
Eu me sento ao lado dela. — Quando isto aconteceu?
— Só agora. Ainda não. — Ela bate as mãos contra o colo. — Desculpe, isso não faz sentido. Eu vejo coisas que ainda não aconteceram. Só que é mais como se eu me lembrasse delas.
Eu realmente não tinha ouvido muito sobre esse poder antes. — Então, é como se você fosse uma cartomante?
Ela revira os olhos. — Os cartomantes são indivíduos simplesmente perceptivos. O que eu vejo é verdade. Real. Mas não posso escolher o que me lembro. É sempre aleatório e muitas vezes terrível.
Olho para o lago, para meu próprio reflexo triste, pensando no que o futuro pode conter. — Você já tentou mudar isso? Suas visões?
— Claro — ela diz. — Eu não pude ver uma criança morrer e não tentar salvá-la. Eu não pude testemunhar guerra e não tentar pará-la. Mas toda vez, não importa o quanto eu tentei, ou o que fiz, não mudei nada. Minha memória sempre acontecia. E assim, um dia parei de tentar. Talvez seja por isso que eu sou tão amarga. Esperança parece um conceito falso para mim.
Eu me aproximo dela, compartilhando seus problemas. — Eu sempre tenho esperança Mas não tenho certeza se isso sempre importa.
Marasphyr sorri, mexendo no anel. — Você me lembra de mim mesma, sabe. Há muito tempo atrás. Quando as coisas eram mais simples. — Ela faz uma pausa. — Você me perguntou por que Inferna é minha casa. Há uma razão. Muitos milênios atrás, antes que os príncipes fossem amaldiçoados, eu era apenas uma pequena garota crescendo em um palácio. Eles me chamavam de Merina, então. Eu era a criança abençoada, herdeira de toda a Ava, a terra do meu povo. Mas eu não me comportei como abençoada. Ser abençoado significava que você tinha que ser sacrificial em todas as coisas, colocando os outros antes de você a todo custo, tomando decisões não para o seu benefício, mas para o benefício de outros. Eu tentei por um tempo. Eu tentei muito duro. Mas algumas coisas, como quem amar, eu não poderia escolher pelo bem dos outros. Coisas que me apaixonaram, como descobrir novas terras, não pude abandonar pelos outros. E assim, quando chegou a hora de eu me casar e ser rainha, não pude. Não em seus termos, de qualquer forma. E então eu fui banida. Minha irmã mais nova se tornou rainha e eu fui proibida de nadar em Ava novamente.
Eu toco a mão dela. — Eu sin...
— Não se desculpe. Aconteceu há muito tempo, como eu disse. E depois do meu banimento, eu explorei terras e mundos que eu não conseguia nem sonhar. Eu até encontrei amor por um tempo. — Ela abaixa os olhos, suspirando. — Eventualmente, eu fiz uma casa em Inferna. É um bom lugar para alguém que deseja ser privado. E há uma beleza nesta terra. — Ela olha para mim. — Eu aceito isso, você não passou no teste do guardião?
— Não. Porque eu não sei o que quero. — Retornar a Inferna, ou sair com Fen.
Marasphyr assente, compaixão em seus olhos. — Eu não posso dizer o que você quer ou que caminho seguir. Mas posso lhe dizer que estar dividido entre duas coisas que você ama não é maneira de viver.
Eu paro, pensando em suas palavras. — Você deseja viajar de novo, não é?
Ela não diz nada.
— Mas você não vai? É... — Eu respiro, reunindo minhas forças. — É por causa do Fen?
Ela olha para longe. — Como eu disse, encontrei amor por um tempo.
Eu me lembro de como Fen é antigo. Quanto mais ele viveu do que eu? Existem partes dele que eu posso nunca conhecer. Partes talvez até ele tenha esquecido. Nós somos, no final, seres muito diferentes.
Marasphyr me puxa dos meus pensamentos. — Você está com criança, não é?
Eu aceno, colocando a mão na minha barriga. — Sim.
— Então eu posso sugerir isso. Imagine-se mais velha, seu filho crescido. Você conta a ele ou ela uma história. Uma história sobre seus maiores arrependimentos. Você tem muitas coisas que você teria feito de forma diferente. Mas o que está no topo da lista?
Eu olho para minha barriga. — Não salvar os Fae.
Ela sorri. — Então talvez você tem sua resposta.
Eu aceno, ponderando nossa conversa. Eu me sinto diferente de alguma forma. Mais certa.
Eu sei o que devo fazer.
Eu me levanto e deixo Marasphyr na lagoa, fazendo meu caminho de volta pela floresta. Até eu alcançar o guardião.
— Eu procuro o aço do luar — eu digo, meu corpo e minha mente focados.
A gárgula se abaixa, seus olhos verdes espreitam profundamente os meus. — Você tem um coração puro, mas...
— Ele quer Fen, e quer libertar os Fae. Mas se eu tiver que escolher, será os Fae.
Seu pescoço de pedra se estica, examinando-me de todos os ângulos. — Você tem força, mas...
— Eu vou aprender a controlá-la.
Seus olhos de pedra caem de volta para os meus e ele faz uma pausa, atento. — Você tem coragem, mas...
— Eu vou dominar meus medos.
O guardião congela. Por um longo tempo ele fica em silêncio, seus olhos sempre observando. — Assim seja. Você sabe a verdade de quem você é. O luar, você possuirá.
E então seus olhos se fecham e ele exala.
É o último suspiro que ele toma.
Seu peito de pedra se abre e dentro há um pedaço de aço que brilha de um azul pálido. Eu me aproximo e pego o coração de luar.
E agora eu entendo porque o teste foi tão difícil. Para alguém receber o aço do luar, o guardião teve que morrer.
Capítulo 12
A FENDA
“Você pode olhar agora, princesa. Bem-vindo ao inferno”.
— Asher
Eu encontrei Tavian e Kayla saindo de uma caverna. Eles parecem felizes, um pouco felizes demais. E eles estão juntos, como se seus corpos orbitassem um para o outro sem intenção consciente. Espere um minuto...
— Você entendeu! — grita Kayla, apontando para o pedaço de aço do luar em meus braços.
— Como você passou no teste? — pede Tavian, enquanto a parte de trás da sua mão escova contra Kayla em uma maneira tranquila.
Por um momento, fico triste, pensando no guardião. — Eu aceitei a verdade. Eu não menti para mim mesma.
Yami toca no meu cabelo, me confortando.
Tavian acena, apontando para o aço. — Isso será suficiente para uma espada?
Eu passo o pedaço para Kayla, e ela estuda isso. — Uau. É extremamente leve para o seu tamanho. Sim, isso vai ser o suficiente. Agora, eu só preciso de ferramentas.
Tavian e eu nos olhamos. Nós falamos em uníssono. — Oh...
Eu aperto meu queixo, olhando em volta para as florestas e lagoas. — Onde vamos encontrar ferramentas aqui?
— Eu sei onde podemos encontrá-las em Inferna — diz Kayla.
— Esse deve ser um último recurso — diz Tavian, acenando com a mão. — Vai levar tempo para forjar a espada, não é? Tempo que temos aqui. Em Inferna, devemos estar prontos para a batalha.
— Eu conheço um lugar — diz uma voz familiar. Marasphyr.
Ela, Dean e Fen aproximam-se, Barão ao seu lado. Yami pula para brincar com o lobo enquanto eu troco um olhar com Fen. Ele sorri. Pelos Espíritos, eu só quero agarrá-lo e puxá-lo de volta para aquela caverna. Mas... há outras coisas que devemos fazer.
Marasphyr estuda o aço do luar e me dá uma piscada. — Há um lugar não muito longe daqui que terá as ferramentas que você precisa. Venham. Siga-me rapidamente.
Ela lidera o caminho, passando por flores púrpura e amarelo, passando por grandes árvores e cavernas profundas, passando por raios de luar e sombra.
Então chegamos a uma aldeia.
É um lugar curioso, de casas escavadas no chão e edifícios construídos em árvores. É pequeno, mas intrincado. E vazio.
Ninguém anda pelas ruas. Ninguém faz um som.
Algo escuro cobre o centro da aldeia. Um poço de cinzas. Cheira a fumaça e morte.
Os olhos de Fen ficam frios. — Eu já vi isso antes — ele diz suavemente, indo em frente, estudando o buraco. Ele puxa algo das cinzas. Pedaços de osso.
Meu estômago fica enjoado e eu viro minha cabeça, incapaz de controlar o enjoo.
— Alguém fez um ritual aqui — explica Fen, lançando um olhar preocupado para mim enquanto limpo minha boca e me endireito. — Um ritual para a Escuridão.
Tavian olha para Marasphyr, uma carranca no rosto. — Aqui fora? Na Fenda?
Ela assente. — Parece que a escuridão não conhece limites. Qualquer um pode tentar convocá-lo.
Fen estuda mais ossos e depois desembainha a espada. — Sejam cautelosos. A última vez que Dean e eu chegamos a um lugar como este, os aldeões haviam convocado um Wraith. Se você vir algum sobrevivente, não confie nas palavras ou em seus rostos. Pode ser o Wraith disfarçado.
Todos concordam.
— Devemos procurar as casas — continua Fen. — Mas devemos ficar juntos. Tavian, você disse que o Wraith é mais forte em lugares de poder. Existe algum nas proximidades?
Ele olha em volta nervosamente. — A Fenda é um lugar de poder.
Fen rosna.
Eu pergunto a ele mais sobre esse Wraith que eles encontraram, e ele explica os detalhes. — Ela queria Tavian Gray.
— Por quê? — Eu pergunto.
— Porque — diz Tavian, suas palavras pesadas. — A escuridão me amaldiçoou. E assim, eu devo fugir para sempre da sua sombra. Essa maldição também torna quase impossível para eu lutar contra isso.
Não sei por que, mas Marasphyr franze as sobrancelhas com as palavras dele.
Então Tavian nos conta o resto de sua história. Sobre como ele convocou a escuridão, como isso matou sua família e a maldição que isso lhe deu. — Havia três de nós — diz ele. — Três que convocaram a sombra. Três que pagaram o preço.
— E quem são os outros dois? — pergunta Fen.
Tavian olha para ele, por um momento sorrindo e franzindo a testa. — Você não os conheceria.
Há mais para em Tavian Gray do que ele revela. Eu me aproximo dele. — Em Inferna, você usou um poder que eu não vi antes. Suas mãos se transformaram em garras. Meu mentor, Varis, nunca me ensinou algo assim.
— Ele estava certo em não fazê-lo — diz Tavian, afastando o manto de pele branca. — A maioria dos Fae se esqueceram da velha magia. Eu não fiz. É como eu posso resistir a Lucian e a Escuridão. A maioria dos Fae extrai poder dos quatro elementos, água, terra, fogo e ar. Mas existe outro poder. Vida e morte. Luz e escuridão.
— A Estrela da Meia-Noite — eu digo.
Ele concorda. — Você está certa, de certa forma. Lembre-se que Yami é tudo. Ele é os elementos e mais. Seu mentor teria lhe ensinado como usar os mesmos poderes que todos os Fae possuem, os poderes que conecta-os à natureza. Existe um poder mais profundo, mas é perigoso se não for controlado adequadamente. Eu duvido que seu mentor, Varis, sabia como. Poucos fazem. E assim, é melhor que ele dissuadiu você de seu uso.
Eu esfrego minhas mãos juntas, lembrando do meu tempo no Jardim do Luar. — Eu nem sempre escuto. Eu tentei um ritual uma vez para fortalecer Yami. Eu perdi o controle.
Ele acena sabiamente. — Então você viu como a magia antiga pode ser perigosa.
— Sim. — Ainda me lembro dos gritos. A floresta ardente — É por isso que... é por isso que que quero que você ensine-me.
Ele congela. — Tem certeza que é isso que você quer?
Eu estou mais ereta, olhando em seus olhos. — Eu prometi ao guardião que eu vou aprender a controlar os meus poderes, e eu vou.
Ele não diz nada por um tempo. Percebo que todos os outros pararam também, olhando para nós. Pendurados em cada palavra. Uma tensão entre nós.
— Muito bem — diz Tavian. — Eu vou te ensinar. — Ele levanta um dedo. — Mas só pelo tempo que leva a Kayla para fazer a espada. Então, nosso treinamento será concluído.
Eu estendo minha mão. — Concordo.
Ele toca estranhamente, balançando-a ligeiramente. — Por seus costumes humanos, sim. Concordo.
Não encontramos nada na aldeia. Nenhum sinal de um Wraith. E assim Kayla procura a forja e começa a trabalhar na espada, enquanto Tavian e eu treinamos. Ele me ensina a tocar minhas emoções, controlá-las mais do que ignorá-las. Para usá-las com o meu próprio poder. É um equilíbrio difícil, usar a raiva como combustível e ainda não ser consumida pela raiva. Usar a tristeza como motivação e, no entanto, não desmoronar em lágrimas. Leva dias antes de fazer algum progresso. Dias de ignorar tudo e todos, exceto Yami e Tavian. Dias de cortar meus sentimentos sobre Fen porque se eu passar um momento fantasiando sobre ele, eu estarei perdida nesses sentimentos. Porque é tão difícil manter o foco neste mundo, eu tenho que deixar meu treinamento me consumir ou eu vou cair em uma apatia e tranquilidade que eu não entendo. Mas eventualmente, eu noto mudanças em meus poderes. Enquanto minhas emoções mudam e se entrelaçam, Yami também. Se eu controlar minha ira, ele cresce no tamanho. Se eu invocar meu medo, ele cresce em velocidade. Meu terror o leva a respirar a chama azul. Minha felicidade o acalma, o torna pequeno novamente.
Nós não somos os únicos que treinamos. Fen e Dean lutam na praça central, duelando um com o outro por horas a fio. Seus corpos escorregadios de suor. Seus músculos brilhando ao luar. Dean reluta em lutar com seu irmão em primeiro lugar. Mas com o tempo, ele começa a notar as estratégias de Fen, suas fintas e ataques, e ele começa a se manter. Os dois quase parecem um par perfeito, até que Fen levanta o desafio, aumentando sua velocidade e desarmando Dean rapidamente. — Melhor — diz o Príncipe da Guerra. — Mas não melhor o suficiente. Novamente!
Até a Marasphyr participa de treinamentos. Ela faz isso em particular, longe do resto de nós, mas às vezes eu a vejo por trás de um prédio, convocando fogo negro em suas mãos, conjurando portais.
Uma vez, ela me percebe e para imediatamente. — Você não tem coisas para praticar? — ela resmunga.
Eu a deixo sozinha e retomo meus estudos. Tavian prova ser um professor muito mais rápido que Varis. Uma vez, pergunto-lhe por que isso pode acontecer. — Você deve entender — diz Tavian, desenhando glifos na areia entre nós com um pau. — Os Druidas nunca foram feitos para treinar a Estrela da Meia-Noite. Foi uma habilidade passada de um High Fae para outro. A Estrela da Meia-Noite iria, em sua vida, treina todas as crianças da família, preparando-as para o dia em que uma delas poderia ser escolhida. Se a Estrela da Meia-Noite morresse cedo, seus irmãos também possuíam o conhecimento e passariam a treinar os filhos. — Ele acena com as mãos no ar, fazendo com que eu imite seus movimentos. — Então você vê, quando todos os High Fae foram abatidos, sua arte foi perdida com eles. O conhecimento da velha magia desapareceu.
Eu levanto uma sobrancelha. — Mas, e você? Como você conhece esse poder então?
Ele sorri. — Eu conheci uma Estrela da Meia-Noite uma vez. Ela era... muito querida para mim. Você tem os olhos dela, sabe.
Meus olhos verdes. Um lembrete de uma família que eu nunca conheci. — O que aconteceu com ela?
Tavian olha para baixo na areia, vendo algo que eu não faço. — Ela morreu. Em uma grande batalha, entre Faes e vampiros.
— Você quer dizer... — Meus olhos se arregalam. — Você quer dizer que conheceu minha tia?
— Sim. — Ele sorri para mim com carinho. — Nós crescemos juntos. Jogando nos bosques antigos. Pregando peças nos druidas. Ela era uma pessoa feroz, sua tia, cheia de coragem e paixão. Ela era como você realmente.
— Qual era o nome dela?
Ele respira profundamente, como se saboreasse um gosto bom. — Saphira.
— Saphira — repito, colocando o nome na memória.
— Ela tinha cabelo azul profundo e um sorriso que faria qualquer um corar. Eu... eu nunca disse a ela como me sentia. E então, a guerra começou e já era tarde demais.
Eu toco sua mão. — Como ela morreu?
— Como um herói — diz ele. — Em uma grande batalha. As forças inteiras dos Fae encontraram todas as forças dos vampiros. Lucian e Saphira duelaram por dias. No final, ela ganhou e, em seguida, fez algo que eu nunca poderia fazer. Ela mostrou misericórdia. Misericórdia para o rei dos vampiros. Uma chance de se render. Ele aproveitou o momento, e cortou sua mão com sua espada. Um corte foi o suficiente. Havia algum tipo de veneno na lâmina e Saphira caiu, o corpo tremendo de espuma, o rosto ficando azul. Eu não a alcancei a tempo. Mas eu segurei seu cadáver em meus braços, chorando enquanto os Fae perdiam sua liberdade.
Ele arranca uma folha de grama, girando-a com os dedos. — Eu encontrei o amor de novo, como você sabe. Muitos anos depois. Eu tive uma família. Mas nos meus sonhos, eu ainda dançava com Saphira. Eu ainda a segurava em meus braços. Eu nunca esqueci. E assim, um dia, quando surgiu a oportunidade, juntei-me a uma rebelião. Houve outras revoltas antes, mas esta, esta tinha um verdadeiro líder. Um homem que poderia realmente trazer a paz entre vampiros e Faes. O Príncipe do Luar, eles o chamavam. Ele liderou com coragem. Justiça dispensada com graça. Ele estava... muito zangado, na época, mas eu não percebi. Eu também estava cheio de raiva. Juntos nós inventamos um plano. Um jeito de derrotar os vampiros de uma vez por todas. E assim nós convocamos a Escuridão. E que preço terrível nós pagamos.
Eu me aproximo. — O que aconteceu com o príncipe?
Tavian ri, mas não há calor nisso. — Você não ouviu? Ele desapareceu.
Algo faz cócegas na minha mente. — Você disse que havia três antes. Três amaldiçoados. Quem era o terceiro?
Ele faz uma pausa por um longo tempo. — O terceiro...
— Está pronta — diz Kayla, caminhando, radiante de orgulho, Riku chilreando em seu ombro. — Venha. Veja por si mesmo.
Tavian suspira e sussurra no meu ouvido. — O terceiro está morto. — Então ele não diz mais nada.
Juntos seguimos Kayla para a forja.
Uma vez lá, ela me entrega a espada mais linda que eu já vi. Brilha de um azul pálido e parece fria ao toque. Glifos Fae antigos são gravados no aço e desenhados no punho de couro. Eu giro a lâmina pelo ar, notando seu peso leve, seu equilíbrio perfeito. Esta é uma espada que faria guerra. Uma espada que pessoas morreriam.
— Como você vai chamá-la? — pergunta Kayla.
Eu estudo a lâmina do luar, lembrando do guardião que deu sua vida. — Eu chamarei de Lux. Significa luz em latim. E com esta luz, eu derrotarei a escuridão. — Eu olho para minha lâmina por um longo momento, vendo o coração do guardião que se sacrificou por isso. — É hora. Hora de acabar com essa guerra.
Tavian balança a cabeça. — Seu treinamento ainda não está completo.
— Mas você disse... — uma lembrança faz cócegas em minha mente, ficando cada vez mais confusa... — você disse...
— Eu disse que temos tempo aqui. Muito tempo para se preparar. Não devemos correr para a batalha.
Certo. Um ano aqui é apenas um punhado de dias em Inferna. Nós podemos ficar mais tempo, treinar mais. Eu só vou ter uma chance de derrotar Lucian. Eu preciso estar no meu melhor. Minha mão cai no meu estômago, um pensamento escorrendo pela minha mente como areia através de um punho cerrado. Há algo que eu deveria lembrar. Algo que não posso esquecer.
Mas Tavian me puxa para outra sessão de treinamento, enquanto Kayla começa um novo projeto: forjando um conjunto de armadura de sucatas encontradas na aldeia. Fen e Dean continuam lutando. Os dias passam. Nós vivemos em nossas pequenas bolhas, concentrando-nos nas coisas mais importantes para nós, mas se esquecendo por que elas são importantes.
Um dia, enquanto nos sentamos em uma casa na árvore, enquanto eu esculpia os glifos antigos no chão de madeira, eu ouço uma respiração lenta e... ronco? — Tavian, você está dormindo?
Seus olhos se abrem. Ele ajusta sua posição, suas pernas cruzadas em lótus. — Não. Não. Continue seu treinamento. Recite as emoções primordiais.
— Mas foi o que fizemos da última vez. E antes disso.
Ele levanta uma sobrancelha. — É isso? — Ele encolhe os ombros. — Oh bem. Talvez você pratique o que quiser hoje. Podemos retomar as aulas amanhã. É tão... tão pacífico aqui. — Ele se inclina para trás e adormece mais uma vez.
Eu pulo e agarro seus ombros, sacudindo-o. — Tavian. Tavian acorda! Não temos tempo para perder.
Ele murmura meio adormecido. — Mas nós fazemos. Temos todo o tempo que precisamos.
Algo está seriamente errado. Com ele. Comigo. Eu balanço minha cabeça, tentando limpá-la. Nós precisamos de foco. Yami está enrolado em volta do meu pescoço em seu próprio sono tranquilo, e eu não consigo lembrar da última vez que ele brincou com o barão ou explorou as flores. Eu olho em volta da casa da árvore para algo para causar um barulho, e então eu vejo os glifos. Centenas deles, esculpidos no chão, nas paredes, uma teia de aranha de símbolos. Há quanto tempo venho estudando a mesma coisa repetidas vezes?
Eu tento acordar Tavian mais uma vez sem sucesso, então corro para fora da casa da árvore e encontro Kayla na forja.
Ela se senta ao lado da bigorna, uma folha de grama entre os dentes. Sua fênix, Riku, empoleira-se em uma árvore que se ramificava perto dela, parecendo tonta e sonolenta como todo mundo.
Kayla olha para cima, seus olhos desfocados. — Arianna! Como você está?
— Algo está errado com Tavian. Ele não está acordando.
Ela olha para mim estranhamente. — Então deixe-o dormir. Ele provavelmente só precisa descansar.
Eu corro minhas mãos pelo meu cabelo, tentando me impedir de explodir. Ela não vê o problema? — Não temos tempo para dormir o dia todo. Precisamos voltar para Inferna.
Ela balança a cabeça pensativamente, mas não diz nada.
Eu suspiro. — Como está indo a armadura?
— A armadura? Oh, a armadura. Sim, está quase pronta. Está bem ali.
Eu sigo o olhar dela para a estação de trabalho. Sobre ele estão alguns restos de metal, alguns deles pregados juntos em ângulos estranhos. — Isso... isso é apenas lixo.
— Ei. Ei. Essa é uma verdadeira obra de arte em construção. — Kayla tenta ficar de pé, então parece decidir contra isso.
Eu ando de volta para ela. — Bem, quanto tempo você precisa para terminá-la?
Ela encolhe os ombros. — Alguns dias, talvez. Eu não sei. Você não pode apressar a perfeição.
Eu franzo a testa para ela, com meu rosto sério.
Ela acena as mãos. — Tudo bem. Tudo bem. Vou trabalhar nisso agora.
— Obrigada.
Ela fica parada, pegando um martelo e caminha até a estação de trabalho. — Agora onde eu estava... ah, aqui. — Ela pega uma colher pequena, posiciona-a na armadura com cuidado, e martela-a.
— Lá! Um bom dia de trabalho.
— Pelos Espíritos, o que está acontecendo? — Eu sussurro.
Kayla caminha de volta para a bigorna e retoma sua sessão. — Você sabe, foi bom ver você. Você deve voltar amanhã. Eu terei feito mais até então.
Eu gemo e saio, procurando pela única pessoa que não poderia estar calma.
Encontro Fen sentado no pátio, afiando sua espada com uma pedra, Barão dormindo no seu calcanhar. O príncipe não usa camisa, seus músculos ondulam sob a luz não natural. Eu tento não olhar, mas bem, eu olho fixamente. — Onde está Dean. Eu pensei que vocês dois estavam lutando?
— Nós estávamos, mas então nossas lâminas ficaram sem corte. Não é divertido assim.
— E há quanto tempo você tem afiado essa espada, exatamente?
Ele encolhe os ombros. — Sempre poderia ser mais afiada.
Eu me inclino e toco meu dedo no aço. — Ouch — Eu recuo, estudando a gota de sangue na minha mão, e mostrando para Fen. — Parece afiada o suficiente.
— Sempre poderia ser mais afiada.
Pelos Espíritos, eu quero bater nele. — Olha, Fen. Algo estranho está acontecendo aqui. Todo mundo tornou-se preguiçoso.
— Você não.
Não, eu não. Pelo menos não tanto. Algo me faz diferente, deixa-me acompanhar o melhor o tempo. — Ouça, Fen. — Eu pego suas mãos, paro sua afiação, e faço ele me encarar. — Eu estou voltando para Inferna. Para libertar os Fae. Eu preciso de você. Eu preciso de você do meu lado.
Ele pisca e algo muda em seus olhos. Eles se tornam mais escuros, mais focados. — Guerra gera guerra. Este não é o caminho.
— Mas algumas batalhas valem a pena lutar.
Ele aperta minhas mãos com mais força. — Venha comigo. De volta à Terra. Vamos criar nosso filho juntos.
— Eu quero. Eu quero muito. Mas eu não posso, ainda não. Primeiro, precisamos parar a Escuridão.
O foco desaparece então. Seus olhos se tornam sombrios. Ele se afasta, se inclina para trás e mói a pedra contra sua espada. — Talvez uma vez que minha lâmina esteja mais afiada.
Meus olhos enchem com lágrimas, e eu mordo minha mão para me impedir de gritar. Este lugar o mudou. Ou talvez... talvez tenha sido o mês que passamos separados, enquanto eu fui mantida prisioneira na Montanha Cinzenta. Talvez tenhamos nos distanciado. Eu não sei mais o que pensar.
Eu corro, procurando alguém, alguém, que sabe o que diabos está acontecendo. No meio da mata, eu ouça-o antes que eu o veja. Dean. Ele está em um bosque, arrancando pétalas de uma flor. — Ela me ama. Ela não me ama. Ela me ama...
— Dean, eu preciso do seu... — Eu noto o campo aberto atrás dele. Milhares de pétalas e flores mortas cobrem a grama. Há quanto tempo estamos aqui?
Dean parece me notar pela primeira vez. — Ah, princesa. Cuidando de um rolo no feno, ou no campo, por assim dizer?
Eu sacudo minha cabeça. — Não, claro que não.
— Se é Fen, que você está preocupada, não. Eu não o vejo há semanas.
Semanas? Eu pensei que nós estivéssemos aqui apenas alguns dias.
Eu pego Dean pelos ombros e o faço me encarar. — Ouça, Dean. Precisamos sair. Retornar para Inferna.
Ele acena com a mão com desdém. — Certo. Certo. Depois que seu treinamento terminar e tudo.
Eu aperto-o ainda mais. — Meu treinamento está terminado.
Ele ri. — Garota boba. O treinamento nunca acaba. Você sempre pode ser melhor.
Tudo bem. Eu não aguento mais isso. Eu levanto minha mão. E bato na cara dele.
— O que...
Eu bato nele novamente.
Ele se vira para trás, com os olhos arregalados. — Princesa do inferno, eu não sabia que você gostava disso.
Smack
Smack
Smack
Ele pega minha mão. — Tudo bem. Já chega. Eu entendi. Você quer o sério Dean. Bem, você o tem.
Eu deixo sair minha respiração, abrindo meu punho. — Finalmente. Tudo bem, Dean, algo está acontecendo. Todo mundo está perdido em uma névoa. Eles mal estão fazendo nada, apenas repetindo ações inúteis.
Ele faz uma careta. — Bem, não eu. Eu tenho praticado com Fen. Ficando melhor também, eu poderia dizer. Eu só veio aqui por um curto intervalo, para colher as flores.
Eu o aponto para o campo de mil pétalas mortas.
Ele esfrega o queixo, aparentemente pensando. — Bem, eu tenho super velocidade à minha disposição.
Eu soco seu ombro. — Você não estava pegando essas flores em alta velocidade. Eu vi você. Era mais como na velocidade de melaço. Na verdade, o melaço teria rido de você.
Ele suga o ar nitidamente. — Oh. Isso é ruim. Há quanto tempo estamos aqui?
Eu cruzo meus braços. — Eu não sei. Mas eu conheço alguém que vai saber.
— A sereia?
Eu concordo. — Vamos vê-la.
— Sim. Você vai em frente. Eu só vou...
— Ah, não. — Eu pego sua mão. — Você vem comigo, sério Dean. Adeus melaço, Dean de volta.
— Vamos lá. As coisas não podem ser tão ruins assim.
— Mesmo? — Eu coloquei minhas mãos nos meus quadris. — Quando foi a última vez que você tomou uma bebida? Quando foi a última vez que você deitou com alguém?
O queixo de Dean cai. — Santo demônio bebê. Precisamos sair daqui agora!
Juntos, nós corremos para fora da floresta. Encontramos Marasphyr no lago, sentada em uma pedra, escovando o cabelo com um pente da aldeia. Eu dou um passo à frente, meu tom firme. — Ou você está escovando seu cabelo sem parar por quem sabe quanto tempo, ou você tem alguma explicação para dar. E eu tenho que dizer que o cabelo não parece tão legal assim.
Ela ri, colocando a escova para baixo. — Eu vejo que você se tornou consciente da magia da fenda, de como acalma e tranquiliza.
— E como isso deixa todo mundo preguiçoso. O que é isso, algum tipo de feitiço?
Ela bate os dedos na pedra. — Em parte, é mágico sim. Mas psicológico também. Pense o quanto da vida é impulsionada pela urgência, por um senso de tempo se esgotando. Aqui não há tempo. Sem urgência. Não há prazos.
Eu suspiro, suas palavras afundando. — E então não há razão para terminar nada. Nunca.
Ela pega a escova novamente e penteia o cabelo. — Exatamente. Mas há vantagens também. Sem pressão. Nenhuma responsabilidade
Eu pego a maldita escova e a jogo de lado. — Esta é a verdadeira razão pela qual você nos trouxe aqui, não é? Então você pode ficar aqui para sempre com Fen. Então você pode mantê-lo preso.
Dean assobia. — Oh, isso está confuso. Mesmo para mim.
Marasphyr não parece agitada, sua compostura intocada. — Se alguém realmente deseja deixar esse lugar, não é difícil. A Fenda abriria um portal para eles. É assim que esse lugar funciona. Tavian fica aqui porque ele pode dormir em paz, longe da política do mundo. Kayla fica para ficar com Tavian e evitar as responsabilidades de um druida. E você sabe por que Fenris fica. Eu o ouvi dizer a você.
Minha raiva me deixa. Meus membros ficam frios. — Ele não quer ser rei — eu sussurro.
Marasphyr sorri, e que sorriso distorcido é esse.
Eu pego minha espada, Lux, e aponto para a bruxa. — Você vai nos tirar daqui. Você vai convocar um portal, e eu vou empurrar todo mundo se eu precisar. Vamos sair juntos.
Ela ri. — Não me ameace, menina. Eu matei reis e matei imperatrizes. Eu até lutei contra uma Estrela da Meia-Noite antes.
Dean também tira sua espada. — Você sabe, eu pensei que as coisas poderiam funcionar entre nós, Marasphyr. Eu realmente fiz. Mas acho que precisamos de uma pausa. E não sou eu. É você. — Ele ataca a sereia.
Ela acena com a mão.
E depois...
Ela se foi.
Desapareceu em uma nuvem de fumaça.
O que ela...
— Procurando por mim — Marasphyr chama de cima. Ela senta em uma árvore, sorrindo. Ela acena a mão novamente, e de repente ela está do outro lado da lagoa. Então ela está encostada em um velho carvalho. — Você nunca vai me pegar. Nunca me derrotará. Então, não vamos jogar esse jogo, por mais divertido que seja.
Ela está certa. Tentar forçá-la a fazer qualquer coisa será uma perda de tempo. E tentando convencer os outros a sair seria inútil. — Há quanto tempo estamos aqui, verdadeiramente? — Eu pergunto. — Quanto tempo se passou em Inferna?
— Deixe-me ver... — ela estala a língua, imitando um relógio. — Dizia que estamos aqui há dois meses. Talvez três. Então, isso é cerca de um dia em Inferna. Talvez um pouco mais.
Meses. Meses inteiros. Minha mão cai no meu estômago, onde meu bebê está crescendo, e eu sinto meu estômago normalmente liso agora suavemente curvado. Eu tenho um inchaço de bebê, eu percebo, surpresa. Como eu não pude não notar meu próprio bebê crescendo dentro de mim? Isso é o que me amarrou ao tempo. Meu filho. Enquanto ninguém mais na Fenda mudou ao longo dos últimos dias e semanas, sendo os imortais que são, eu mudei. Meu filho mudou. Nós crescemos.
E não podemos perder mais tempo.
— Eu vou voltar — eu digo. — Uma vez que eu derrotar a Escuridão, vou voltar com um exército e libertar meus amigos.
Marasphyr revira os olhos. — Qualquer coisa que você diga. — E então, por um breve momento, ela fica séria. — Eu quero que você ganhe, sabe. Eu realmente faço.
— Bem, você tem uma maneira estranha de nos ajudar.
Ela olha para baixo, quieta. E percebo que ela está dividida novamente. Dividido entre ficar com Fen e ir em uma aventura. Ela é como eu, antes de eu passar no teste com o guardião. Eu não digo mais nada. Não precisa mais ser dito.
É hora de ir.
Mas primeiro... olho para minha mão, para o anel que Fen fizera para mim quando vim pela primeira vez a Stonehill. Eu deslizo do meu dedo e estudo. — Marasphyr, eu sei que você não tem amor por mim, mas devo lhe pedir um último favor. — Eu estendo o anel. — Por favor, você pode dar isso para Fen? Diga a ele... bem... apenas dê a ele o anel. Eu já disse o que precisava dizer.
Marasphyr abre a mão e eu coloco o anel na palma da mão dela. Ela olha para ele por um momento com uma expressão no rosto dela. Então ela fecha seus dedos e assente. — Eu farei o que você pediu, Arianna Spero. E desejo-lhe a sorte do Espírito em sua jornada.
Eu pego a mão de Dean e fecho meus olhos. Vamos ver se Marasphyr estava sendo honesta.
Eu quero sair. Eu quero sair. Eu quero...
Eu abro meus olhos.
E veja uma montanha diante de mim. A Fenda se foi e minha cabeça está limpa. A calma, a paz que permeou A Fenda me deixou. Embora eu não tenha sido tão afetada quanto os outros, ainda sinto um peso acomodar em mim. O peso da responsabilidade. O peso da consequência. Mas ao invés de sofrer sob esse peso, agora eu gosto dele. Valorizo-o. É o sentimento de propósito. A sensação de uma vida que pode fazer diferença.
Eu vejo uma mudança em Dean também, enquanto ele envolve seus braços em volta de si mesmo para bloquear o frio no ar. Suas feições são menos sonhadoras, mais sólidas, mais sérias – pelo menos tão graves quanto pode ser o Príncipe da Luxúria.
— Onde estamos? — ele pergunta.
— Montanha Cinzenta — eu digo, acariciando Yami no meu ombro. — Eu deixei algo aqui.
As habitações subterrâneas foram abandonadas. Os Fae provavelmente passaram a lutar por Lucian, e assim é fácil vasculhar os quartos. Eventualmente, eu acho o que foi tirado de mim. Minha armadura, meio preta e meio branca. E Spero.
— E agora? — pergunta Dean.
— Agora — eu digo, levantando minhas duas espadas. — Nós voamos para o reino de Ace. E então a verdadeira guerra começa.
Capítulo 13
ACE
“Ace é brilhante. Ele também é preguiçoso, ou pelo menos é o que ele diz”.
— Fenris Vane
Eu concentro minhas emoções, convocando minha raiva, e Yami ruge. Ele se desmaterializa em pó preto e então a poeira assume uma forma nova e maior, do tamanho de um grifo. Eu pulo nas costas de Yami, segurando em um de seus pontos pretos, e ofereço minha mão a Dean. — Vamos lá. Não temos tempo a perder.
Ele está congelado. Admiração em seu rosto. Mas então ele balança a cabeça, agarra meu braço e pula atrás de mim, envolvendo seus braços em volta do meu corpo. — Acho que sonhei com isso uma vez — ele diz maliciosamente. — Isto teve um final feliz.
Eu reviro meus olhos. — Eu imagino que todos os seus sonhos tenham finais felizes — eu digo com um sorriso.
Eu espero uma risada e uma resposta espirituosa, mas em vez disso ele suspira e me segura com mais força. — Nem todos, Princesa.
Eu quero perguntar a ele o que ele quer dizer, mas tenho que me concentrar na tarefa que tenho em mãos. Eu faço Yami se mover.
Ele desdobra suas asas gigantes e, com uma explosão de poder, nós nos arremessamos no ar, em espiral nas nuvens. A experiência do voo me enche de alegria, de paz e aproveito o momento enquanto posso.
— Você sabe — diz Dean, olhando para baixo, — Eu acho que todo mundo deveria ter um dragão. Você acha que pode conseguir um para mim? Talvez se Yami tiver bebês ou algo assim?
— Não é assim que funciona com os Espíritos.
— Pena. — Ele suspira. — Uma vida é verdadeiramente incompleta sem um bebê dragão.
— Eu vou ter que concordar com você nisso — eu digo, acariciando a cabeça de Yami e coçando atrás de seus chifres.
Nós voamos perto de terras cheias de água, com pedras gigantes projetando-se da terra abaixo de nós.
— O reino de Zeb — diz Dean. — Não vejo nenhum incêndio abaixo. Espero que seja um bom sinal.
Esperançosamente.
Dean deita a cabeça no meu ombro, sua voz suave. — Nós realmente vamos voltar para os outros, certo? Eu gosto do meu irmãozinho.
— Eu também gosto de Fen — digo com um pouco de sarcasmo. — E sim, se pudermos, vamos voltar.
— Se?
— Podemos não ter que voltar para a Fenda. Porque eu espero... espero que quando nossos amigos perceberem que fomos embora, eles viram nos encontrar. Que Fen partirá para me encontrar.
Uma respiração. — E se ele não o fizer?
Eu não penso sobre isso. Não me atrevo.
Nós continuamos. Para um reino de rochas amarelas e brotos esparsos de grama. Um reino de falésias e cânions. O reino da preguiça. À distância fica uma grande cidade. É cercada por muros e vigiada por uma fortaleza.
Eu sussurro sob a minha respiração, lançando ilusão, fazendo-nos translúcidos e misturando-nos com o céu noturno. Se nada mais, o treinamento incessante e repetitivo com Tavian perfurou magias e feitiços em mim tão profundamente que eu poderia fazê-lo em meu sono, e até certo ponto era. Este treinamento é uma parte de mim de maneiras que eu ainda não entendi completamente. Eu me tornei verdadeiramente um com minha magia. Silenciosamente, nós passamos pelas paredes e terra em um quadrado vazio. As pessoas devem estar em suas casas a esta hora tardia. Isso ou... eu não me permito pensar na alternativa. Ace ainda deve estar no controle deste reino. Ele deve.
Nós desmontamos e eu convoco minha felicidade, tornando Yami menor. Ele pula no meu ombro e aconchega-se no meu pescoço.
— Siga-me — diz Dean. — Eu conheço um caminho para a fortaleza.
Nós caminhamos por uma rua, e eu rapidamente percebo que esta cidade é muito maior do que eu pensava. É engraçado quão pequenas as coisas podem parecer do céu. Aqui embaixo, tudo paira sobre mim. Alguns minutos passam, e as pessoas começam a deixar suas casas, montando lojas, cuidando dos empregos. Eu noto suas roupas extravagantes e olhos claros. Vampiros. Bom. O sol começa a subir, embora o céu fique um pouco mais claro. Parece que devemos viver na escuridão, enquanto Lucian ainda respira.
Eu me permito olhar em volta, para aproveitar este lugar que nunca visitei antes.
O Reino da Preguiça é verdadeiramente um lugar de maravilhas. Carruagens douradas andam sobre trilhos por toda a cidade, levando nobres a grandes salões e mansões esplêndidas, enquanto outros com menos fortuna viajam pelo canal ou a pé, enchendo praças de mercado gigantescas onde mercadorias e invenções são comercializadas. Videiras verdes transbordam dos edifícios dourados, e as portas e tetos de vidro são comuns, enchendo a cidade com a tonalidade opaca de um sol diluído bloqueado pela escuridão. É tudo fantasia muito steampunk, pelo menos de acordo com os padrões do meu próprio mundo. É engraçado o quão longe isso parece. Eu não tenho pensado sobre mídias sociais ou telefones celulares ou vídeos de gatos há muito tempo. Tudo sobre mim mudou. Eu acho que é parte da sobrevivência que nós nos adaptarmos facilmente às circunstâncias em que nos encontramos. Isso e talvez haja algo no meu sangue que sempre conheceu esse lugar, esse mundo era parte de mim. Engrenagens de vapor estouram e fracassam nas calçadas, criando bebidas suculentas que você pode comprar em qualquer lugar. Dean me compra uma e eu saboreio uma mistura de abacaxi e algo único neste reino, algo que me faz vibrar. Então nós alcançamos a Fortaleza.
O Golden Castle fica no topo de uma colina cercada por canais, suas paredes douradas subindo para o céu, cheio de catapultas prontas para disparar contra as forças inimigas e soldados preparados para lutar contra quaisquer invasores. É maior que o High Castle, Sky Castle, até Stonehill. Caminhos conectam-no às paredes gigantescas que abrangem toda a cidade. Dean explica o raciocínio, agitando as mãos em grandes gestos. — Os portões podem ser reforçados com tropas diretamente do castelo. Para a metrópole cair, a fortaleza deve cair. Este não era o caminho com Stonehill, onde muitas vezes a cidade estava arruinada enquanto o castelo ficou forte. Aqui, os civis estão seguros durante a batalha. Ace é um gênio sangrento isso eu te digo.
Alcançamos os portões do castelo, e os guardas, dois homens vestidos com armaduras douradas, reconhecem Dean instantaneamente.
— Príncipe Dean. Nós ouvimos relatos de que seu reino tinha caído para os Fae. Nós pensamos que você estava...
— Vivo e bem, como você pode ver — diz ele com um sorriso e uma piscadela. — Precisamos ver o Príncipe Ace imediatamente.
— Claro, mas...
Dean aperta o queixo. — Mas?
— Ele está em uma reunião importante.
Dean e eu trocamos olhares. Reunião importante? Lucian disse que iria oferecer aos seus filhos uma chance de prometer lealdade. Se for isso que está acontecendo agora... — Precisamos chegar até ele imediatamente — eu digo, desembainhando minhas duas espadas. — Leve-nos para ele agora, ou então enfrente um príncipe vampiro e a Estrela da Meia-Noite.
Seus olhos se arregalam com a menção do meu título. — Claro, Príncipe todo Poderoso. Por aqui.
Dean ri, enquanto os guardas abrem o portão, e nós os seguimos para dentro, subindo escadas douradas e corredores até chegarmos a uma grande porta. Eu abro, espadas prontas para o caso de Ace se provar inimigo em vez de aliado.
O Príncipe de Preguiça está ao lado de sua mesa de guerra, um manto marrom caindo de seus ombros, um cinto de ferramentas amarrado à cintura. Um aparelho parecido com um relógio está pendurado em seu pulso e uma espada está ao lado dele. Ele não usa mais a bengala. Seu rosto é duro. Olhos como mármore marrom. Cabelo castanho escuro puro. Este não é o ferido Ace que eu vi pela última vez, mas um príncipe pronto para a guerra.
Um rosto familiar está com ele. Zeb se debruça sobre um mapa, seu cabelo sombrio bagunçado, seus olhos muito cansados. Assim, é com ele que Ace estava se encontrando.
A tensão paira no ar entre nós.
A última vez que vi esses dois, o conselho condenou Fen e eu à morte. Agora preciso da ajuda deles. Eu dou um passo à frente. — Ace, eu...
Ele levanta a mão, me cortando. — Antes de você falar a sua parte, eu devo saber uma coisa. A coisa que eu me perguntei todos os dias do mês passado. Por que você nunca me contou a verdade? Por que você nunca me disse que você era a Estrela da Meia-Noite?
Dean pega sua espada, mas eu toco sua mão e balanço minha cabeça. — Eu vou te dizer. — Eu vejo nos olhos de Ace que só a verdade vai funcionar. Outra mentira vai quebrá-lo. Eu me aproximo mais uma vez, mais perto dos dois príncipes. — Primeiro, os Fae... não, Lucian, me forçou a um novo contrato. Eu não podia falar a verdade para qualquer um que não soubesse disso. Eu não poderia te dizer que eu era a Estrela da Meia-Noite. Eu não poderia nem mesmo dizer que seu pai estava vivo. Se eu tentasse, minha boca seria trancada, meu corpo se encheria de dor.
Zeb olha para longe, seu rosto refletindo a agonia das minhas palavras. Ace não me dá sinal. Nenhuma mudança no seu humor.
Eu me aproximo, continuando. — Então eu não poderia te dizer, mesmo que eu quisesse. Não até a batalha de Stonehill. O contrato foi rescindido para que eu pudesse me defender, mesmo que isso significasse revelar que eu era Fae Então, é claro, você descobriu a verdade. Uma parte de mim deseja que você soubesse mais cedo. — Eu me aproximo mais uma vez. — Mas no final, mesmo que eu pudesse ter dito antes, acho que não teria. Você é meu amigo, sim, mas também é um príncipe. Você tem uma responsabilidade para com o seu pessoal. Um dever de protegê-los. Se você tivesse que escolher entre eu e seu reino, eu suspeito que você escolheria seu povo no final. Eu acho que, se você não quisesse, então nunca teríamos sido amigos.
Pela primeira vez, Ace responde, seu rosto suavizando. — Você não está errada — ele diz baixinho.
Zeb fica mais alto. — Eu teria escolhido meu povo também.
Eu concordo. — E é por isso que somos parecidos. Eu não sei se você pode me perdoar, os dois. Talvez você vá um dia. Mas agora, não importa o que você pense de mim, ainda estamos unidos pelo que nós acreditamos. Nosso povo está em perigo e nós escolhemos protegê-lo acima de tudo.
Zeb e Ace trocam um olhar, as mandíbulas tensas.
Dean se aproxima de seus irmãos. — Eu viajei com Arianna nestes últimos meses, e eu juro para vocês, ela sempre teve os melhores interesses de Fae e vampiros no coração. Ela procura nada além de paz e liberdade para ambas as espécies.
Zeb olha para mim, examinando-me de cima abaixo. — Nós não nos conhecemos há muito tempo, princesa, mas eu lembro-me de quando você e Fen visitaram meu reino para comer e conversar. Eu senti em você o que eu sinto em você agora. A vontade de fazer o bem. — Ele se vira para Ace. — Eu confio nela, irmão.
O Príncipe da Preguiça aponta para o mapa. — Mesmo se nós lutássemos com você, como podemos vencer? Levi, Niam e até mesmo Asher prometeram aliança a Lucian. Enquanto falamos, eles marcham com um exército de milhares – vampiros, Shades e Faes – em direção ao Reino da Gula. Eles vão levar três dias no máximo.
Eu aponto para um cruzamento no mapa, um lugar onde o rio fica estreito o suficiente para andar por cima.
— Eles terão que passar por aqui. Nós os encontramos com seus exércitos combinados e os forçamos a batalha.
— Não temos números para vencer — diz Zeb.
— Nós não precisamos vencer o exército deles — eu digo. — Nós só precisamos derrotar Lucian. Uma vez que o rei estiver morto, os Fae não lutarão mais contra nós.
Ace balança a cabeça. — Ninguém pode derrotar nosso pai. Ninguém além de seu irmão.
— Eu sei de outro que o derrotou— eu digo. — Uma Estrela da Meia-Noite. Mas ela mostrou misericórdia, e Lucian a matou. Não vou repetir o mesmo erro.
Zeb se senta na mesa, cruzando as pernas. — Eu tinha ouvido rumores, mas eles sempre foram dispensados. Vimos a batalha final entre Lucian e os High Fae. A história oficial é que ele a dominou com facilidade, mas se o que você diz é verdade...
— Eu posso matá-lo — eu digo, segurando minha espada. — Eu juro.
Ace faz careta. — E a criatura? A besta de Escuridão que ele mantém em seu calcanhar?
Dean joga os braços ao redor dos ombros dos irmãos. — Acha que nós três podemos encontrar uma maneira de separá-los? Nós atraímos a criatura para longe com nossas forças, e Arianna luta contra o bom e velho pai.
— Isso parece um plano de idiotas — diz Ace. — Eu preferiria me juntar a Lucian do que ver todo o meu povo abatido. — Ele se vira, estudando o mapa. — E Fenris? Por que ele não está com você?
Dean levanta as mãos, procurando por palavras. — Ele...
— Ele está cansado de lutar — eu digo. — Cansado de governar. — Eu não lhes digo o resto, que eu suspeito que Fen disse as coisas que ele fez em parte por causa da fenda. Eu não quero perder tempo.
Zeb anda, depois suspira. — Pode ser um plano de bobo. Mas é o único que temos. E eu, por exemplo, não estou prometendo fidelidade a Lucian. Ele deseja lutar contra os céus e forçar seu irmão a quebrar a nossa maldição, e ainda não considerou o custo. Eu lembro como nós lutamos contra os anjos. Eu me lembro de como cresci com amigos que eu amava, lembro como todos eles morreram diante dos meus olhos. E pior ainda, lembro dos amigos que matamos, daquelas pessoas que se colocaram contra nós. Nós perdemos os céus antes. E vamos perder de novo. — Ele aponta o dedo para o mapa. — Eu digo que temos uma chance melhor de vencer essa batalha agora, do que tentar quebrar a maldição com Lucian. Ace, irmão, você deve ver isso.
Ace não responde.
Então Zeb chega ao redor dele, para uma bandeja de prata e pega um... cupcake?
Ele come vorazmente enquanto todos olham. Então outro. E outro. Ele fala entre mastigadas.
— Juntos... — Mastigar. Mastigar. — Nós vamos... — Mastigar. Mastigar. — Derrota. — Mastigar. Mastigar. — A Escuridão. — Ele faz uma pausa em seu consumo de doces, notando meus olhos arregalados. — O quê? — ele pergunta. — É a maldição. Eu juro.
Dean sussurra no meu ouvido. — Você se acostuma com isso depois de um tempo.
Ace suspira como um pai sobrecarregado, depois me oferece sua mão. — Eu preciso que você veja uma coisa.
Eu posso dizer pelo olhar dele que isso não pode esperar, então eu pego sua mão e sigo para a porta.
Dean anda atrás de nós.
— Só ela — diz Ace.
Dean pega o cabo de sua espada. — Não tenho certeza se confio em vocês dois sozinhos.
Ace gesticula ao redor dele. — Irmão, você está na minha fortaleza, cercado por milhares de meus soldados. Eu não preciso levá-la para uma armadilha, porque você já está preso, se eu quiser. Entendeu?
Dean olha em volta, seu rosto de repente nervoso. — Bem, malditamente, quando você coloca dessa maneira.
— Não vamos demorar muito — diz Ace. — Enquanto isso, prepare-se para a batalha.
Zeb se dirige para a saída. — Eu retornarei ao meu reino imediatamente e reunirei meu exército. Nós sofremos baixas afastando os Fae, mas ainda há muitos de nós. Encontraremos seu exército no rio. Vou tomar posição atrás do morro. Quando você enviar um sinal, atacaremos a força de Lucian do flanco, quebrando seu exército.
— O sinal deve ser fácil de detectar — diz Ace.
Eu cutuco o pequeno dragão no meu ombro. — Vou mandar o sinal. Yami vai atirar fogo azul para o céu.
Zeb acena com a cabeça. — Muito bem. Então eu vou te ver amanhã. Quando nós ganharmos, eu estou comprando para todo mundo uma rodada de bebidas. — Ele corre para fora, seus passos ecoando nos corredores.
Eu movimento para Dean. — Eu vou ficar bem. Prepare os soldados.
Ele concorda, mas não se move.
Eu sigo Ace através de uma pequena porta, por um corredor vazio. — Quando o Fae perderam o controle — eu pergunto, — Como você se saiu?
— No começo era o caos. Fae abatendo Shades e vampiros nas ruas. Mas uma vez que entendemos o problema, eu enviei meus melhores homens para parar a revolta. Eu ordenei que eles capturassem sempre que possível. As masmorras estão cheias agora, mas eu gostaria que pudéssemos ter poupado mais. — Ele abre uma porta e me leva através dela.
Dentro há uma variedade de bugigangas de ouro, velhas e empoeiradas. Potes, pratos, estatuetas. Mas uma bugiganga chama minha atenção imediatamente. — Um espelho.
Ace sorri. — Cada príncipe mantém um em segredo, para....
— Para emergências, eu sei. Então, para onde estamos indo? —
Ele pega minha mão e me leva para frente. — Um lugar que você conhece muito bem, princesa.
***
Nós saímos para um banheiro. O chão está sujo. A pia encheu-se de ranho. As paredes... familiares.
Este é... — Este é o banheiro do Roxy.
— Sim. Está perto o suficiente de onde precisamos ir. — Ace ajusta seu cabelo no espelho, alisando-o.
— Hum — eu aponto para sua capa e invenções. — Você sabe que vai se destacar, certo?
Ele franze a testa para mim. — Você não está muito melhor — diz ele.
Eu olho para o meu vestido branco muito medieval e as duas espadas que eu carrego. Pelo menos Yami está escondido como um colar de dragão. — Você está certo. Eu não vou me misturar.
Ele congela. — Certo, bem, eu vou apenas dizer que é o Halloween.
— Mas não é.
Ele levanta uma sobrancelha. — O que você quer dizer?
— Você não pode simplesmente dizer que é Halloween. Tem que ser o dia real.
— Sério? Seus costumes humanos são tão estranhos.
Ele se vira para a pia para lavar as mãos.
Eu suspiro. — Ok, podemos dizer que somos parte de uma encenação de um jogo de fantasia. Cosplay. Isso deve nos dar uma boa cobertura.
— Cosplay? — Ele diz, sentindo a palavra em sua boca como uma coisa estranha que ele tem medo de provar.
— Sim, é quando os humanos se vestem como seus personagens favoritos... — Os olhos de Ace estão vazios e ele parece entediado. Eu suspiro novamente. — Esqueça. Apenas deixe-me fazer a conversa se alguém questionar a nossa escolha de roupas.
Ele lava as mãos e gesticula para a porta. — Depois de você.
Eu lidero, entrando em um lugar que uma vez chamei de segunda casa. Tudo é familiar, tudo me faz sentir bem vinda. Jesus olhando as esculturas nuas. Os sinais de néon. As mamadeiras cheias de leite para o café dos clientes.
— Oh, Ari, querida. Eu não vi você entrar. — Sheri corre até mim, me envolvendo em um abraço. — Tem sido tanto tempo. Como você tem estado? E quem é esse jovem elegante?
Ace levanta a capa diante dos olhos. — É Halloween.
— Não... não... — Eu balancei minha cabeça e puxei sua capa para baixo. — Ele é um amigo. Eu só estou mostrando a ele as coisas.
— Você quer comer alguma coisa?
Eu uso minha melhor cara de desculpa. — Na verdade, eu só queria aparecer e dizer oi. Nós temos um ônibus para pegar.
— Bem, apareça mais vezes, ok? Você tem uma família aqui.
— Eu vou. — Eu a abraço rapidamente e sorrio quando Ace me puxa para a saída, mas eu paro por um momento, olhando para Sheri, no caso... no caso de ser a última vez que a vejo. — Obrigada — eu digo. — Por tudo.
E então nós partimos. É noite, claro, porque o sol neste mundo prejudicaria Ace. Uma leve chuva cai. Ace me leva a um antigo apartamento, onde as paredes estão cobertas de pichações e o ar cheira a vomito. Ele me leva até um lance de escadas para o segundo andar e bate em uma porta verde no final do corredor.
Uma mulher idosa abre a porta, o cabelo grisalho enrolado num coque, o rosto gentil. — Mestre Ace — ela diz, abraçando-o. — Faz tanto tempo.
Ele ri. — Muito tempo. Ela está acordada?
— Sim. Estava prestes a colocá-la na cama.
— Esse seria um bom momento?
— Ah, claro, claro. — Ela sai do caminho, deixando-nos entrar no apartamento. As paredes são pintadas de vermelho. Um tapete grosso e ornamentado cobre o chão. Um sofá de pelúcia marrom fica na sala de estar, em frente a uma lareira. Claramente, este lugar é um passo acima do resto do edifício. Alguns passos na realidade.
No canto está uma garotinha, por volta dos oito anos, empilhando blocos de madeira. Quando ela olha para cima, o rosto dela se ilumina. — Tio Ace! — Ela salta e corre para os braços dele, abraçando-o ferozmente.
— Hey, abóbora — ele diz, beijando sua bochecha. — Como você tem estado?
— Eu estou ótima — diz ela com grandes gestos. — Quer me ajudar a construir uma torre?
— Claro — diz o príncipe. E então ele se senta com a menina, e juntos eles constroem uma torre de blocos.
Eu tento descobrir o que está acontecendo aqui, mas isso... essa é a última coisa que eu esperava.
— Patricia — diz Ace. — Patricia. Eu tenho alguém para você conhecer. — Ace me leva até a garota. Para Patricia. — Patricia. Esta é Ari, uma querida amiga. Ari, esta é Patricia.
— Prazer em conhecê-la — digo, sentando-me ao lado deles.
— Prazer em conhecê-la também — diz Patricia. Seu cabelo é longo e marrom e bagunçado. Seus olhos são castanhos escuros. — Você quer nos ajudar a construir? — Eu aceno e ela continua. — Acho que devemos fazer um castelo em seguida. Mas eles são muito mais difíceis que as torres. Precisamos ter certeza de que temos a base adequada. Aqui. Deixe eu te mostrar como.
Ela me guia através do processo enquanto Ace assiste, seu rosto está mais feliz que eu já vi. Nós trabalhamos ao longo da noite. E quando peço a Patrícia para passar por um bloco, percebo que ela está dormindo. Ace levanta-a e a coloca na cama enquanto eu assisto da porta. Ele a beija na testa e canta uma música para ela sobre uma princesa à procura de casa. Eu nunca ouvi Ace cantar antes. Sua voz é profunda e gentil. Um calmante para adormecer.
Quando a música termina, ele beija Patricia uma última vez e sai da sala, fechando a porta atrás dele. Ele fala baixinho para mim. — Você entende agora, o que eu tenho a perder?
Eu penso na noite inteira, as peças clicando juntas na minha mente. — Ela é sua filha, não é?
Ele concorda. — Eu amei uma mulher uma vez. Há muito tempo atrás. Mas nós... não poderíamos estar juntos. Nossos mundos estavam muito diferentes. Então decidimos ficar separados. Mas um dia, um dia meu amor voltou, e ela me contou do nosso filho. — Ele se senta no sofá, olhando para a lareira. — Até aquele momento, eu não percebi o quanto eu queria ser pai. Quanta alegria isso poderia trazer. Ainda me lembro da primeira vez que eu a conheci, como ela colocou a mão em volta do meu dedo e olhou nos meus olhos. Eu prometi então que eu iria mantê-la segura. Que eu nunca deixaria nenhum dano cair sobre ela. — Ele faz uma pausa. — Patricia não é uma vampira completa. Seu sangue, assim como o seu sangue, tenta minha espécie. Isso nos faz ver você como inferior. E eu não pude... eu não poderia subjugá-la a esse destino.
— Então você manteve seu segredo — eu digo. — Mas por que não transformá-la?
— E amaldiçoá-la? — ele pergunta. — Para que o sol a queime? Para que ela anseie por sangue acima de tudo? Não. Eu não desejaria isso a ninguém. Nem mesmo aos meus piores inimigos.
Eu me sento ao lado dele, segurando sua mão. — Onde está a mãe dela?
— Eu não sei para onde ela foi — ele diz, seus olhos ficando vermelhos. — Sua vida, sua vida não era a de uma mãe. Minha vida não é de um pai. Então eu trouxe Patricia aqui, onde a velha Meg cuida dela, a cria, ensina-lhe as coisas que ela precisa saber. Eu visito quando posso. Menos e com menos frequência nos últimos meses.
— Por que não ficar aqui sempre? — Eu pergunto. — Eu sei que faria qualquer coisa pelo meu filho. Até mesmo desistir de um reino.
Ele balança a cabeça, pegando uma costura em seu manto marrom. — Eu desistiria do meu reino. Eu desistiria até mesmo de todas as minhas invenções. Mas o que não posso fazer, o que não farei é ferir Patricia. Se eu ficar aqui, se eu a deixar saber quem eu realmente sou, ela vai cuidar de mim todo o mais profundo. E eu a ela. E ainda assim, eu não poderia dar a ela tudo o que ela merece. Eu não poderia estar com ela durante o dia. Se ela tivesse um corte e sangrasse, eu não poderia ajuda-la. Eu teria que sair apenas para manter o controle dos meus sentidos. Eu teria que abandoná-la nas vezes que ela mais precisar de mim. — Ele cerra o punho, olhando para o fogo. — Eu odeio essa maldição. Eu odeio mais do que tenho odiado qualquer coisa. Isso me impede de lembrar todas as coisas maravilhosas que vejo aqui. Isso me afastou da mulher que eu amo. Isso me afasta da minha filha.
— Talvez — eu digo, minha voz suave — ela preferiria um pai, aquele que passa um pouco de tempo com ela, do que um tio que mal visita.
Lágrimas enchem seus olhos, e ele se afasta. Sua voz quebra com soluços. — Nós somos do mesmo sangue sim, mas eu não sou seu pai. Eu não estou aqui o suficiente para ser pai dela. Mas eu gostaria de poder estar. Eu desejo isso com tudo no meu ser. — Ele se vira para mim, seus olhos cheios de tristeza. — Aconteça o que acontecer amanhã, devemos vencer. Porque eu devo voltar para ela. Eu devo retornar, você entende?
Eu pego sua mão na minha. — Eu entendo. Mas eu não posso prometer vitória. Tudo o que posso prometer é que eu farei o meu melhor. Que eu vou lutar até o fim.
Ele olha de volta para a porta, de volta para onde Patricia dorme. — Então isso terá que ser o suficiente.
Capítulo 14
PRÍNCIPE DO LUAR
“Havia três de nós. Três que convocaram a sombra. Três que pagaram o preço”.
— Tavian Gray
PARTE I
— ARIANNA SPERO —
Depois que deixamos sua filha, fazemos mais uma parada antes de retornar ao Inferna. Ao hospital onde o corpo da minha mãe está sendo cuidado. Eu entro na sala estéril, onde o zumbido das máquinas a mantem viva. Eu coloco uma mão sobre a dela e deixo as lágrimas que enchem meus olhos caírem pelo meu rosto. — Eu poderia salvá-la facilmente, se eu fizesse como Fen pediu. Se eu saísse com ele. Mas eu espero que você entenda. Isto não é apenas sobre você e eu mais. Isso é sobre um mundo inteiro de pessoas. Eu não posso abandoná-los ao seu destino não quando eu tenho o poder de torná-lo diferente.
Ela não responde, claro. Mas acho que em algum lugar, de alguma forma ela me ouve. Quando saio, peço a enfermeira por um pedaço de papel e caneta, e eu escrevo uma pequena carta para Es e Pete. Apenas no caso. Porque o futuro é incerto e esta batalha pode ser a minha última. — Você poderia enviar isso para mim? — Eu pergunto a enfermeira.
Ela está prestes a dizer não, que não é sua política fazer serviços postais para pacientes, mas então algo muda em seu rosto. Talvez ela veja algo mais profundo, mais verdadeiro que regras. Porque o rosto dela suaviza e ela assente. — Eu não posso fazer isso do trabalho, mas vou deixá-la nos correios depois.
Eu sorrio para ela, tocada por sua bondade, por sua vontade de sair de seu caminho por um estranho.
E quando me viro para sair, paro de novo, algo puxando minha mente. — Havia um homem aqui antes; ele visitou minha mãe. Ele esteve aqui novamente?
Ace anda com impaciência, mas a enfermeira faz uma pausa, uma expressão curiosa a ultrapassando sua face. — Na verdade, sim, havia alguém. Ele deixou uma nota, disse para dar a alguém que perguntou sobre ele.
Ela vasculha o arquivo da minha mãe e pega um pequeno envelope, entregando-o para mim. — É tudo muito estranho — diz ela com uma expressão vaga no rosto. E eu me pergunto se ela foi influenciada por magia.
Eu abro a nota quando saímos. Não é longa, mas é uma alteração de vida.
Querida Ari,
Se você está lendo isso, então você se lembra de me ver. Isso em si é algo. Isso significa que você ficando forte em seus poderes.
Eu tenho muito a pedir desculpas, mas temo que não tenho tempo. Eu sei o que Inferna e Avakiri estão passando. Eu sei o que aconteceu com todos vocês.
Eu gostaria de ter sido o pai que você precisava. O pai que você merecia.
Mas eu enfrentei um destino diferente.
Em punição por minha rebelião, fui amaldiçoado por ser um guardião do poder. Um presente e uma maldição, você poderia dizer.
Fui banido para outro reino, transformado em pedra para guardar uma magia poderosa.
Foi-me permitido uma graça: que eu pudesse, uma vez a cada volta da lua, assumir minha forma humana e voltar para a Terra. É lá que conheci sua mãe. Lá nos apaixonamos e te concebemos. Lá eu tive que deixar você ir. Para te proteger. Para protegê-la. Para cumprir meu dever, minha maldição, meu destino.
Sinto que nossos destinos se cruzarão novamente. E desta vez, estarei pronto para lhe dar o que você precisa.
Meu amor está com você sempre.
Seu pai
Eu deixo cair o papel e ele flutua para o chão de linóleo do hospital, enquanto estou em estado de choque. Eu ainda tenho minhas espadas amarradas às minhas costas, e eu puxo Lux e olho para a espada do luar com admiração e pesar.
A enfermeira suga a respiração. — Isso é real? Armas não são...
Ace vem em meu socorro. — Estamos participando de um... como você diz... peça de algum tipo. Perdoe nossa aparência incomum.
Ele pega o papel que eu deixei cair e olha para ele, então olha para mim com uma expressão estranha. — Nós devemos ir, você não acha? Não gostaria de se atrasar para o... jogo.
Eu assinto, meus olhos ainda sem foco, meu coração ainda batendo muito alto contra a minha caixa torácica. Eu ouço o sangue em meus ouvidos e luto contra a bile subindo pela minha garganta.
Quando entramos na fria escuridão da noite de inverno de Portland, respiro fundo. — Era meu pai. A gárgula, o guardião... era meu pai. Seu coração. Sua vida dada por esta espada.
Ace não entende e olha para mim com confusão, mas eu fico parada, olhando para a lâmina, para o coração do meu pai. Seu último presente para mim.
Então eu olho para Ace, uma força renovada se instalando em meus ossos. — Muitos sacrificaram tanto para que eu possa travar essa guerra. É hora de vencer.
Nós deixamos a terra e retornamos a um mundo de guerra. Um mundo de conflitos. Um mundo de escravidão. Um mundo que precisa de nós para salvá-lo.
Nossas forças se encontram na travessia do rio, o sol muda no céu. O inimigo transborda no horizonte, milhares de inimigos sob o comando de Lucian. Eu não vejo a criatura, a fera da escuridão. Eu não sei se isso é bom ou ruim. Ace e Dean estão em algum lugar, ordenando seus soldados. Eu não vejo a algum tempo, desde que nos separamos para liderar melhor nossos batalhões.
Nossos exércitos se enfrentam em águas rasas. Homens caem uns sobre os outros. Sangue espirra no ar. Uma tempestade de gritos e trovões troveja através da terra. Eu sobrevoo a batalha, passando pela linha da frente do nosso inimigo. Pela a colina com vista para o campo de batalha. Onde eu encontrarei os generais opostos. Onde eu vou encontrar Lucian.
— A Estrela da Meia-Noite! A Estrela da Meia-Noite chegou! — Alguém chora. Um soldado abaixo. Seu batalhão são os vampiros. Os que lutam sob ordens de Levi e Niam e Asher. Um grupo deles se vira e corre. A maioria fica para trás. Pouco importa. A maioria do inimigo é Fae, sem mente, dirigida por um propósito. Fazem como Lucian comanda. Ganhar.
Eu deixo a raiva me encher. Raiva com o que Lucian fez. Ele rouba toda a sua força de vontade e consciência, e agora ele joga fora suas vidas.
Eu não sei se o que fazemos está certo. Esta batalha. Nosso lado está levando vidas tanto quanto as deles. Mas eu sei de uma coisa.
Quando eu matar Lucian, a luta terminará.
Eu agarro mais forte nos picos de Yami. — Está na hora, garoto. Agora.
Ele ruge e mergulha atrás das linhas inimigas. A chama azul irrompe de sua boca. Nós não alvejamos os soldados. Não. Nós miramos na terra atrás deles, criando uma parede de fogo, separando Lucian de seu exército.
Fumaça enche o ar. Nuvens no céu. Eu jogo minha mão na frente da minha boca, bloqueando a poluição vil, mas um pouco ainda entra na minha garganta, queimando meus pulmões. Eu tusso e ordeno a Yami que voe mais alto até nós encontrarmos ar limpo. Abaixo, o campo de batalha está um caos. A poeira alaranjada paira sobre a costa, levantada pelo combate. Salpicos de água no rio, vermelho com sangue. O fogo azul queima sob a colina. Os exércitos...
Algo passa por mim.
O que...
Novamente. Algo preto e afiado.
Uma flecha. Uma flecha gigante.
Olho para onde os comandantes estariam e aprimoro minha visão com um encantamento. Lá. Ao longe, na colina, há gigantescas engenhocas forjadas de aço negro. Balista. Elas disparam flechas gigantes no ar. Para nós.
— Esquivar — eu grito, enquanto outra voa em nossa direção.
Yami gira no céu, evitando flecha após flecha.
— Precisamos ir até lá. Queimar as armas de cerco.
Yami ruge, mergulhando nas balistas. As flechas vêm mais rápido. Uma voa acima de mim. Uma a poucos centímetros da minha orelha.
Uma...
Yami balança para o lado, vira de cabeça para baixo, e eu perco meu aperto, caindo pelo céu. Eu caio para baixo na terra, na grama, caindo até parar. Minhas pernas doem. Minhas mãos parecem cruas. Eu tento ficar em pé e gerir. Meu peito está doendo. Talvez uma costela quebrada? Se assim for, isso não me atrasará muito. Eu corro pra frente procurando por Yami. Eu o ouço primeiro. Um grande gemido. Dor. Ele está com dor.
Yami. Estou chegando. Eu estou indo garoto.
Eu subo uma colina, e então eu o vejo, deitado na parede de fogo, uma flecha gigante de balista presa em sua asa. Soldados, que encontravam o caminho em volta das chamas, cutucavam-no com lanças e espadas. Ele é gigante comparado a eles, como um tigre para ratos, mas embora ele se agarre e debata, ele não alcança. Seus movimentos são pequenos, restritos. É o ferrolho, está machucando ele se mexer. Meu dragão se encontra ali, quase indefeso enquanto as pessoas cortavam suas escamas, rasgavam suas asas. Eu choro. Sentindo sua dor como minha própria.
— Deixe-o em paz! — Eu grito, descendo a colina.
Um dos soldados olha para mim. — Bem, bem. Aí está você.
Aquela voz.
Aquela armadura. Vermelha e dourada.
Ele usa as cicatrizes de sua tortura.
Levi está diante de mim, liderando o ataque a Yami.
Ele desembainha sua espada de prata. — Lembre-se, garota. Eu te derrotei em Stonehill, e eu vou te vencer agora.
Ele é o melhor espadachim, é verdade. Mas ele tem meu dragão. E ninguém. Ninguém me impede de chegar a Yami.
Eu desembainho Spero e Lux. Uma lâmina meio branca, meio preta. A outra de um azul pálido, brilhando como o luas. Então fecho os olhos, lembrando das formas de luta avançada que Fen me ensinou. Eu não deixo sua memória me distraia. Existe apenas o presente. Somente agora.
Eu abro meus olhos.
E eu ataco.
Nossas lâminas se encontram, enchendo o ar com o toque de aço. Levi é mais rápido que eu, aparando golpe após golpe, mas eu uso minhas duas espadas para o máximo proveito, golpeando duas vezes cada vez que ele ataca uma vez. É a única maneira de continuar. A única maneira de nos mantermos nivelados.
Os outros soldados não entram na briga. Eu gostaria que eles fizessem. Em vez disso, eles continuam atacando Yami, esfaqueando suas pernas. O dragão choraminga e eu me deixo distrair com a dor dele.
Levi ataca minha guarda, cortando meu ombro. Minha armadura é a única coisa que o impede de tirando meu braço. Em vez disso, ele me dá um corte profundo. Eu mordo em agonia.
Levi salta para trás, sorrindo. Ele poderia ter pressionado sua vantagem, mas ele me dá a chance de recuperar. O bastardo está gostando disso! Ele quer arrastar a luta. Quer me machucar.
Eu preciso terminar isso agora. Antes que um inimigo mais perigoso como Lucian chegue. Antes dos soldados separar Yami, fazendo com que ele se desmaterialize.
Cada segundo que eu desperdiço é um segundo que um Fae inocente ou um vampiro morre em batalha.
Eu preciso de outro plano. Um plano melhor. Eu não posso vencer uma luta justa contra o Levi. Talvez eu pudesse...
— Onde está Fenris, eu me pergunto? — pergunta Levi, rondando em volta de mim como um predador. — Eu teria esperado vê-lo ao seu lado. Ele abandonou você, princesa? Fenris finalmente correu?
Eu não posso deixá-lo chegar até mim. Eu devo me concentrar. Plano. Levi quer lutar comigo, me bater, me humilhar. Eu não posso o deixar obter reforços, mas talvez...
Talvez eu consiga meus reforços.
Então eu faço a coisa mais difícil que posso pensar. Eu deixo Yami para trás.
Eu me viro, correndo, correndo pela parede de fogo, na direção dos exércitos.
Levi amaldiçoa atrás de mim. E então ele faz como eu esperava. Ele me segue.
Eu corro o mais rápido que minhas pernas conseguem em minha pesada armadura, meus pulmões queimando com esforço. Eu teço meu caminho através do campo de batalha, entre Faes matando vampiros, soldados fugindo aterrorizados, sua moral quebrada. Com um encantamento, aprimoro minha audição, ouvindo Levi. Seus passos entre milhares. Eu o ouço. Aproximando-se. Mais próximo. Uma lâmina toca no ar.
Eu viro.
A espada de Levi voa na minha garganta.
Ele jogou.
Eu lanço minhas espadas para bloquear.
Eu não sou rápida o suficiente.
Sua espada corta o ar.
Está quase no meu pescoço.
Algo derruba isso.
Dean.
Sua lâmina derruba a de Levi no chão. Ele fica entre mim e Levi, sua cota de malha preta brilhando no sol sombrio. — Vá para o seu dragão — ele ruge. Então ele ataca Levi. O Príncipe da Inveja grita, agarrando uma espada do chão, e irmão luta contra o irmão.
Meu plano funcionou. Dean veio em meu socorro. Mas agora vejo o campo de batalha de perto. Cadáveres sobre cadáveres. Membros lançados para o lado. Rostos decapitados. Meu estômago torce e gira, me deixando doente. Eu veja homens e mulheres morrerem diante de mim. Pessoas chorando por misericórdia ao sangrar, agarrando-se ao estômago cortado. E então os outros morrem sem paixão. Eles matam impiedosamente. O Fae estão ganhando.
Lucian está ganhando.
Nós precisamos inclinar a balança.
Precisamos da emboscada de Zeb.
Mas o sinal... não posso sinalizar sem Yami.
Eu corro, deixando Dean e Levi lutando. Eu corro para Yami. Para os soldados que o torturam. Eles mal me veem se aproximando e eu os interrompo, não me permitindo pensar, sentir pena. Eu os abato, e quando todos estão mortos, eu puxo a flechada asa de Yami. — Agora. O sinal!
Yami abre a boca e fogo azul irrompe no céu.
Eu olho para longe do campo de batalha, para a floresta onde o exército de Zeb se esconde.
Vamos. Vamos.
Ninguém vem.
Vamos, caramba.
Ninguém vem.
O que está acontecendo? Zeb nos traiu?
Eu espero mais.
Ninguém vem.
Eu vejo o nosso exército começar a quebrar. Eu vejo Levi desarmar Dean, chutando-o na areia.
E então, na colina, vejo Lucian.
Eu o vejo rir.
PARTE II
— ASHER —
— O que é tão engraçado? — Eu pergunto, sentando perto do meu pai.
Nós temos uma tenda montada. Tochas em pilares. Um bom lugar aconchegante com cadeiras para cada um de nós, eu, Lucian, Niam, enquanto uma batalha continua abaixo. Enquanto pessoas inocentes morrem. Isso não está certo. Nada disto.
Nós mal conseguimos comandar. Em vez de dar ordens, Niam e Lucian comem lanches enquanto assistimos como este é um show sangrento, algum jogo sangrento.
Só temos um guarda. Um homem de armadura dourada, todo o corpo coberto. Apenas pequenas fendas em seu capacete, então você não pode ver nem os olhos dele. Tão desumano. Tão frio.
Como eles. Como eu.
Não. Devo lembrar porque estou fazendo isso. Por Varis. Por todos os Fae.
Se eu conseguir um momento a sós com Lucian, se eu puder pegá-lo desprevenido. Eu poderia acabar com isso. Tudo isso.
Lucian ri novamente. — Eles apenas enviaram seu sinal — diz ele, apontando para as chamas azuis no céu.
Eu olho em volta, estudando nossas linhas, nossos flancos. — Deveríamos estar esperando uma emboscada?
— Estávamos esperando uma emboscada, meu querido filho — diz Lucian, mastigando um pedaço de pão de um prato. — É por isso que eu tinha espiões vasculhando a paisagem. Eles detectaram uma força de Zeb viajando pelas terras, então eu despachei a escuridão para eliminá-los.
Meus olhos se arregalam. Meu coração bate mais rápido. — E Zeb?
O guarda dourado vira-se à menção do príncipe.
Lucian acena com a mão com desdém. — Ele vive. Eu te disse, eu não desejo que nenhum dos meus filhos sofra.
Um Fae caminha até mim, oferecendo-me um prato de uvas e pão. Eu o dispenso, doente com o pensamento de comida. — Onde ele está? Onde está Zeb?
Lucian suspira, como se minhas perguntas o cansassem muito. — No High Castle, claro. Sob vigilância.
Niam franze a testa, colocando uma uva na boca. — Ele deve ser executado, se você me perguntar. Com os traidores.
— Agora, agora — diz Lucian. — Todos vocês cometeram erros. Um pai deve perdoar. Ele deve dar chances.
— Nós não somos mais crianças — assobia Niam. — Ele deveria pagar por suas ações. Assim como Dean e Ace.
— Há maneiras de fazer as coisas certas — diz Lucian. — Formas de se redimir.
— Então, — eu pergunto, — é por isso que sua criatura não está aqui? Porque ela matou centenas de vampiros? — Eu tento manter a raiva longe do meu tom. Eu falho.
Lucian assente com a cabeça. — De fato. Está a caminho. Mas não acredito que precisaremos dela. Mesmo que a maré mude.
Ele gesticula para lado de fora da tenda, para uma enorme catapulta não muito longe. Não com o resto do exército. Eu achei que era estranho, agora estou ainda mais curioso.
— Uma catapulta? Isso vai ganhar a batalha?
— Não é a catapulta que é importante, mas a munição. Vê aqueles barris?
Eu faço. Centenas de barris na base da catapulta.
— Explosivos — diz Niam, sorrindo como um bobo.
Eu... — O quê? Explosivos?
— Sim — diz Lucian, casualmente limpando as migalhas de pão com um lenço. — Se for necessário, vamos jogá-los no inimigo.
Eu estou de pé, cerrando os punhos. — Mas isso vai matar todos. Os Fae. Os vampiros. Os Druidas estão lá. Varis.
— Tenho certeza que ele vai encontrar uma maneira de sobreviver — diz Lucian. — Além disso, se ele perecer, algum outro Fae apenas ganhará seus poderes, e eu os controlarei do mesmo jeito.
Isso... isso é loucura. Eu preciso fazer alguma coisa, mas não posso, não com Niam aqui.
Lucian boceja, depois faz um gesto para o guarda. — Eu me cansei dessa luta. Encontre a garota. Uma vez que você capturá-la, o resto se renderá.
O soldado dourado assente e marcha para a batalha. A terra parece tremer com cada um dos seus passos, tão pesada é a armadura. Eu nunca vi isso.
— Outro presente da escuridão? — Eu pergunto, apontando para o soldado.
— De certa forma — diz Lucian, com os olhos frios. — De certa forma.
PARTE III
— ARIANNA SPERO —
Algo vem.
O chão treme no seu rastro.
Um soldado maior que qualquer homem normal.
Vestido de armadura dourada.
Ele vem por mim.
Yami, agora livre da flecha, assobia para o novo inimigo.
O soldado não reage. Ele não tem medo de um dragão. Ou talvez ele não possa temer. Talvez ele seja Fae fazendo o que quer que Lucian queira.
Yami tece ao meu redor de forma protetora, mostrando os dentes. Eu levanto minhas espadas.
E então nós lutamos.
O soldado é lento, desajeitado em movimento, usando uma espada gigante como sua arma. Eu danço ao redor dele cortando suas defesas. Mas meus ataques não fazem nada contra a armadura.
Tudo bem. Nós vamos tentar outra coisa.
Eu pulo para trás e Yami ruge, explodindo o soldado com uma chama azul. Ele nem tenta se esquivar. O fogo o atinge e eu levanto minha mão, protegendo meus olhos da luz opressiva. Em batalhas que se movem tão rapidamente, parece que sempre Yami sufoca o inimigo com chamas. Finalmente, quando ele parece cansado demais para continuar cuspindo fogo, ele para, com a cabeça abaixando, a respiração pesada e alta.
Eu olho para cima. Através da fumaça negra. Através da grama ardente.
Impossível.
O soldado ainda está de pé. Sua armadura está chamuscada, preta do fogo, mas não derretida, nem rasgada.
Yami grita e pula para frente, agarrando a armadura. Mas não vai funcionar.
Eu tento avisá-lo.
Mas eu não sou rápida o suficiente.
O ataque de Yami não faz nada.
O soldado balança a lâmina para baixo. No pescoço de Yami. E meu dragão cai, desmaterializando em pó.
Não.
Como podemos vencer agora? Como podemos vencer sem Yami?
O inimigo caminha para frente, sua cabeça virada para mim. Ele tem apenas duas fendas para os olhos e, no entanto, sinto raiva neles. Uma raiva profunda.
E então eu tenho uma ideia.
Eu corro para frente, gritando com fervor.
O soldado balança sua lâmina gigante, atacando o meu corpo.
Eu pulo no ar, sobre o ataque dele.
E eu aterrisso em cima dele, envolvendo minhas pernas em volta de seu pescoço gigante. Eu solto minhas espadas e agarro seu capacete com minhas mãos. Está quente, queimando meus dedos, mas eu ignoro a dor, puxando, puxando. Eu arranco o capacete e jogo-o para o lado.
Eu pulo para baixo, evitando seus golpes, e eu pego Spero do chão.
Então eu pulo para frente.
Minha lâmina apontada para a cabeça dele.
E então eu vejo o rosto dele.
O rosto dele.
E eu não posso fazer isso.
Eu não posso terminar.
Eu abaixo minha lâmina, perdendo de propósito, e viro para encará-lo.
Diante de mim, vestido com armadura queimada, o rosto vermelho de lágrimas, está Ace.
— Por quê? — Eu sussurro.
Sua voz treme de dor. — Porque ele quer eliminar a maldição. Você não vê? Ele quer eliminar a maldição. E quando ele fizer isso, eu posso estar com Patricia.
— Então, por amor, — minhas palavras são frias. Sem coração. Elas devem ser. Porque se eu me permitir sentir plenamente, então essa traição vai me quebrar. — Eu entendo — eu digo. — Eu não concordo. Mas eu entendo.
— Sinto muito — diz ele.
— Eu sei.
Então ele olha além do meu ombro. — Não! — ele brada.
Não sei porquê. Talvez ele tenha mudado de ideia. Talvez, embora ele desejasse vencer, ele não queria me causar dano. De qualquer forma, isso não importa. Sua advertência chega tarde demais.
Eu viro.
E algo me atinge na cabeça.
Dor.
Atordoamento.
Enfraquecimento.
Eu desmorono.
Minha consciência começa a desaparecer.
Acabou. Perdi.
Levi está em cima de mim, sorrindo. Ele se inclina, roçando os lábios no meu pescoço. — Eu acredito que nós fomos interrompidos da última vez, minha princesa. Mas agora eu posso terminar de drenar seu sangue suculento.
Ele me morde.
E enquanto eu desapareço na escuridão, a última coisa que vejo é Ace.
Chorando.
***
Meus pés arrastam embora poeira.
Alguém está me puxando.
Eu abro meus olhos e minha cabeça parece prestes a explodir. Tudo está muito claro. Muito alto. Homens e mulheres gritam à distância. A batalha. Parece muito distante.
A pessoa me arrastando me solta, e eu caio de cara na lama. Eu me levanto, tentando entender meu entorno. Estou sob um dossel, uma tenda laranja. Tochas pendem em postes de madeira, emitindo brilhos leves. As pessoas sentam-se diante de mim em cadeiras ornamentadas. Três deles. Minha visão se estabiliza e eu os identifico. Niam. Asher. E Lucian.
Ace caminha até ficar ao lado deles. Ele ainda usa a armadura beijada pelo fogo, mas seu rosto está descoberto. Está vermelho, sujo, o cabelo é uma bagunça marrom, mas ele não chora mais.
Levi está ao meu lado. Ele deve ter sido o único a me arrastar. Eu lembro o que ele fez e minha mão vai para o meu pescoço. Eu sinto marcas de mordidas lá e uma dor profunda e pulsante.
O Príncipe da Inveja segue em frente, dirigindo-se aos outros líderes. — Nós a temos, pai.
Lucian não olha para o filho. Em vez disso, ele estuda o pão na mão. — Então nós vencemos — ele diz. — Devemos deixar o inimigo saber que capturamos a Estrela da Meia-Noite.
— Permita-me — diz Levi. — Vou colocar a cabeça dela em uma lança e desfilar através do campo de batalha.
Lucian pousa o pão, limpando a boca com um lenço chique. — Oh não. Ace terá essa honra.
Ace recua. — Eu... eu...
Niam e Asher olham para ele estranhamente por algum motivo, como se ele não devesse estar aqui.
Asher. Não suporto pensar nele. Eu olho para longe, forçando meu olhar para Lucian. Pensando em um caminho para acabar com isso.
Minhas espadas se foram. Tomadas.
Ou deixadas para trás... Não. Eles estão no canto da tenda. Aos pés de Ace. Ele deve tê-las carregado.
Se eu pudesse chegar até elas. Se pudesse chegar a Lux, minha lâmina de luar, então eu teria uma chance de acabar com isso. Eu ainda poderia matar Lucian.
Ace se atrapalha com suas palavras. — Pai, eu acho que é...
— Eu deveria ter a honra — diz Levi, cerrando os punhos. — Eu capturei ela.
Lucian faz uma pausa. Pela primeira vez, ele olha para o filho. Seu rosto frio. — Você? Você? Por favor, Levi, nós todos sabem que Ace fez todo o trabalho duro. Venha agora, pare de perder tempo e traga-a aqui.
Espero que Levi exploda com fúria.
Mas ele abaixa a cabeça. E em vez de ver o príncipe da inveja, vejo um garotinho. Um garotinho só tentando agradar seu pai.
Eu me lembro da história que Levi me contou. A história de como ele se esforçou para forjar uma lâmina, e que seu pai achou que ele era um mentiroso. A história de como Levi, um dia, parou de tentar ser bom.
Quebrado, espancado, Levi se vira para mim. Ele se abaixa, como se fosse me pegar e me arrastar, mas depois a mão dele alcança sua espada.
Em um flash, ele vira, jogando sua espada em seu pai.
Lucian a agarra no ar.
Ele ri.
— Oh, Levi. Finalmente, você se levanta por si mesmo. E que momento patético é esse. — Ele aperta a sua mão, e a espada de Levi se quebra em pedaços, caindo no chão.
Ninguém, nem mesmo Niam, parece gostar da exibição. Todos olham para Levi com uma tristeza nos olhos deles. Até eu. Por um momento.
Então Lucian avança mais rápido que um piscar de olhos, e ele agarra Levi pela garganta. Ele o levanta o ar, sufocando o ar para fora dele. — Você é inútil — ele sussurra.
Levi não diz nada. Mas seus olhos ficam vermelhos. E pela primeira vez, vejo Levi chorar.
Lucian o joga de lado como uma ferramenta quebrada, e Levi cai na periferia da tenda, agarrando seu pescoço, tentando recuperar o fôlego.
Seu pai retoma seu lugar, coloca uma uva em sua boca. — Agora, vamos voltar para...
— Seu monstro! — ruge Levi. Tremendo, ele se levanta de novo. — Tudo o que eu sempre quis foi agradar você. Tudo que eu sempre quis foi que você se importasse.
— Então faça algo! — grita Lucian, cuspe voando de sua boca. — Faça algo de valor!
Levi faz uma pausa e, por um momento, há felicidade em seus olhos. — Oh, eu vou fazer pai.
Então ele pega uma tocha no poste.
E joga em algo fora da tenda.
Uma catapulta.
Barris.
E pela primeira vez, Lucian não ri de seu filho. Pela primeira vez, ele tem uma expressão de medo.
A tocha atinge os barris.
E a encosta explode.
***
Uma onda de força me atinge, jogando-me pelo ar. Não sei até onde voo, só que é longe. E quando eu finalmente aterrisso, é com um baque profundo. Meu peito dói. Minha perna parece torcida. O mundo gira ao meu redor. Eu tento me acalmar, para entender o que está acontecendo.
Poeira no céu, cobrindo o próprio sol. Cinzas na minha língua. Fogo ao redor. Restos aos meus pés. Isto é caos. Caos em todos os lugares.
Eu levanto, apesar da dor na minha perna, e tropeço para frente. Eu preciso encontrar minhas espadas. Eu preciso delas para derrotar Lucian. Através da poeira, não posso mais diferenciar amigo do inimigo. Tudo que vejo são pessoas fugindo. E cadáveres. Tantos cadáveres.
Seus corpos carbonizados.
Como Daison.
O medo me agarra. Me consome. Eu falhei. Nosso exército está quebrado, se foi. Mesmo que eu derrote Lucian, quem resta para salvar?
Eu não sei.
Eu não sei quem ainda vive.
Dean?
Eu vi Levi desarmá-lo. Ele terminou o trabalho?
E Varis? Ele caiu em batalha?
Eu não sei. Eu não sei. Eu não sei.
Eu não posso mais andar. É tão difícil. É muito difícil continuar. Eu preciso descansar. Sim. Descansar. Eu acho uma pedra na areia. Um bom lugar para se sentar. Para sentar e fechar meus olhos e descansar.
Sim. Isso é bom.
Eu posso apenas sonhar.
Sonho com outro tempo. Um tempo que parece há muito tempo. Quando Fen me trouxe pela primeira vez para Stonehill. Ele mostrou-me a sua parte favorita do castelo. A grande árvore que cresce no centro do grandioso corredor. — Eu sei que não é o que as pessoas esperam quando ouvem Príncipe da Guerra, mas... — Ele sorriu para mim. Belo. Como nós compartilhamos um segredo. Ele me deu um anel. E eu lembro de pensar, que não importa o que aconteça, sempre serei grata a Fenris Vane.
Uma voz me puxa do meu estupor.
— Você não pode correr, princesa. — Niam. Ele sai da poeira, sua capa branca arrastando atrás dele, uma espada prateada na mão.
Não apenas qualquer espada. Minha espada. Lux. Ele deve ter pegado em algum lugar após a explosão. — Ace não poderia te matar, isso estava claro — diz ele. — Mas eu não vou cometer o mesmo erro. — Ele está sobre mim, coloca minha própria espada contra a minha garganta.
Quão adequado.
Luz será meu fim.
Porque a escuridão venceu.
Eu fecho meus olhos. Voltando ao sonho. Parece tão real. Eu, Fen e Barão juntos. Eu até ouço o uivo.
— Você realmente deveria parar de ser sequestrada.
A voz dele.
Tão perto.
Não pode ser...
Eu abro meus olhos.
E o vejo.
Ele está diante de mim.
Ele voltou.
— Fen.
PARTE IV
— FENRIS VANE —
Eu entro na frente de Arianna, protegendo-a com o meu corpo. Eu deveria ter retornado mais cedo. Ela mal está consciente agora. Tão fraca. Mas não posso me concentrar nos meus erros. Eu devo me concentrar em como corrigi-los.
— Você não vai tocá-la — eu digo, levantando minha lâmina, Barão rosnando ao meu lado.
Niam balança a cabeça. — Lembre-se do que eu te disse, irmão. Da próxima vez que nos víssemos...
— Você me forçaria a submissão? — Eu ri. — Eu duvido.
Isso chega a ele. Ele ataca com raiva cega. Um erro. Nunca se deve deixar a emoção ditar estratégia.
Eu paro seu ataque e pulo atrás dele. Ele se vira para me seguir, atacando furiosamente. Mas ele já perdeu.
Barão pula em suas costas, rasgando seu ombro.
Niam cai, gritando, agitando os membros.
Ele deixa cair a espada e eu chuto para longe. Não. É a espada de Arianna. Como...
Algo rosna à distância.
Um som profundo e cru. Isso arrepia até os ossos.
A poeira no ar começa a mudar. Ela fica mais escura. Preta como a noite.
Está aqui.
A Escuridão.
A criatura.
Eu ouço um gemido. Barão!
Niam agarra o lobo pelo pescoço e torce. Uma rachadura.
O pescoço do barão se rompe.
E ele se desmaterializa, desaparecendo em pó branco.
Niam se levanta, sorrindo, aparentemente não afetado por seu ombro ensanguentado. Ele olha para as nuvens escuras de poeira, ao grunhido que fica mais alto, e ele ri como um louco. — Você não pode vencer, Fenris. Você não pode derrotar a escuridão.
— Não é meu dever lutar contra as Trevas — eu digo. — É dela.
Ele franze a testa, depois seus olhos seguem os meus. Para Arianna.
Ela se levanta, pegando sua espada do chão. Seus olhos encontram os meus. — Você está aqui — ela diz.
— Eu sempre estive aqui. — Mesmo quando pensei em sair, meu coração, minha mente, ficou com ela.
Ela assente. E se vira para enfrentar a Escuridão.
A criatura emerge das sombras, sacudindo o chão com sua forma massiva. Sua pele negra sibilando e serpenteando como cobras. Seu rosto gira e gira em imagens grotescas de meio homem e meio animal. Dentes afiados se projetam de sua boca aberta, um poço sem fim de preto.
A criatura ruge e é como se o mundo inteiro ameaçasse desintegrar em seu rastro.
Arianna não recua.
Ela dá um passo à frente, movendo-se no ar, deslizando nas sombras.
De alguma forma, ela está voando.
O poder da Estrela da Meia-Noite. Ela e Yami são um.
Eu vejo nos olhos dela. As cores da meia noite. Eu vejo isso em sua pele. Ela brilha como estrelas.
O que o dragão pode fazer, ela pode fazer, eu percebo. Eles nunca foram separados. Não realmente.
Então Arianna, a Estrela da Meia-Noite, estende-se pelo céu, uma lâmina de luar na mão, e ela luta com a Escuridão.
PARTE V
— ACE —
Eu acordo no silêncio. Sombras ao meu redor. Minhas lembranças retornam em pedaços.
Levi. A explosão.
Eu me empurro para ficar de pé.
De alguma forma, eu sobrevivi. Provavelmente por causa dessa armadura sangrenta. Eu nunca deveria ter criado. Eu nunca deveria ter usado.
Por que eu lutei por Lucian?
Por Patricia?
Por amor?
Se ela pudesse ver isso, se ela pudesse conhecer o caos que eu causei, ela não ousaria olhar para mim.
Eu a traí. Eu me traí.
Eu estou entre os escombros. Entre as pilhas de cadáveres. E eu volto para a tenda.
De volta ao que resta de qualquer maneira.
Lá, na colina, eu o encontro.
Ele está com o rosto na lama, o corpo enegrecido e carbonizado. Ainda. Sem vida.
Suavemente, eu o viro. Seus cabelos prateados queimaram, mas seu rosto permanece. Oh, Levi...
Ele fez coisas cruéis, mas agora, tudo que me lembro é do garotinho que defendeu seu irmão, que defendeu suas invenções, enquanto outros o chamavam de tolo. Por um tempo, eu fico lá, de volta os Jardins de Prata, quando era só eu e Levi, brincando juntos com um novo brinquedo que eu fiz. É como eu sempre me lembrarei dele. Feliz. Inocente. Antes do mundo transformá-lo em um monstro.
Eu beijo sua testa.
E então eu vou encontrar o pai.
É hora de ele pagar pelo que fez.
PARTE VI
— FENRIS VANE —
A Estrela da Meia-Noite luta contra as Trevas e eu luto com Niam. Deveria ser fácil. Ele está ferido, seu ombro rasgado aberto e cru. Ele tem uma espada, alguma aleatória, que ele encontrou no chão, nada especial. Mas...
Algo está errado.
Toda vez que Arianna e a criatura se chocam, sinto um baque em minha mente, como um martelo tentando quebrar meu crânio. Imagens piscam diante da minha mente. Imagens que tentei esquecer.
A Montanha Cinzenta.
Eu subindo até o pico.
Uma tempestade.
Eu procuro abrigo em uma caverna.
E depois...
Então vejo algo novo.
Isso não aconteceu... isso não poderia acontecer...
Eu vejo Marasphyr na caverna. Juntos esperamos a tempestade. Nós nos aproximamos. Ela promete me ajudar a matar a besta cinzenta.
Juntos, viajamos mais alto. Nós enfrentamos a criatura. Uma coisa gigante de ossos negros. Isso me rasga.
Eu quase morro.
Eu vejo algo. Uma visão. Uma visão da minha mãe. Ela é fae. Eu sou Fae.
Eu acordo mais forte do que antes.
Eu pulo pelo céu e mato a fera com um golpe.
Então Marasphyr me vê pelo que sou. Ela adivinha o meu passado. Eu aprendo sobre as mentiras. Os segredos.
Eu sempre fui Fae. Os vampiros mataram minha mãe.
Eu quero vingança. Eu preciso disso. Eu mantenho minhas novas revelações em segredo dos meus irmãos enquanto planejo. Juntos, Marasphyr e eu começamos uma rebelião. Um outro se junta a nossas fileiras.
Um viajante.
Tavian Gray.
Algo... algo perfura minha barriga. As memórias desaparecem, apenas por um momento, e eu vejo Niam diante de mim, sorrindo. Sua espada sai do meu estômago. Eu não sinto a dor. Eu já estou desaparecendo, de volta nas minhas memórias.
— Eu te disse irmão — diz Niam. — Desta vez, você se submete.
Ele dirige a lâmina mais fundo na minha barriga.
Agora a dor me agarra.
O sangue escorre da minha boca.
Estou morrendo, percebo. Mas...
Eu morri antes.
Certa vez, perguntei para Asher e ele me contou a verdade. Ele me disse que eu era um druida. Mas eu tinha morrido antes.
Quando morri em Montanha Cinzenta, acordei sabendo que era Fae. Mas de alguma forma, eu esqueci.
Hora de lembrar.
Eu caio de volta e desmaio no abismo mais uma vez.
***
Eu ando em uma terra sem terra e céu.
Barão ao meu lado.
Ele me empurra para frente.
Eu já sei o que vou ver.
Diante de mim, minha mãe.
Seus cabelos longos e selvagens.
Sua voz era uma melodia suave.
Ela fica de lado.
E então eu o vejo.
Pai?
Não, não é meu pai que vejo.
Sou eu. Eu uso um manto verde, meus ouvidos são longos. E na minha mão, eu seguro uma espada azul pálida. Uma lâmina de luar.
Eu fui...
Eu sou...
O Príncipe do Luar.
***
Não sei quanto tempo durmo antes de acordar. Mas não parece muito. Niam se afasta em direção a Arianna e a criatura. Ele vai se juntar à batalha, ele vai ajudar a Escuridão a vencer.
Eu tento ficar de pé, para ajudar, mas me sinto tonto, cansado. Minha visão gira.
Alguém emerge das sombras. Eu a conheço. Marasphyr.
— O que você está fazendo aqui...
— Shh — ela diz, colocando um dedo nos lábios, sua voz suave e leve. — Eu também senti isso. A quebra da maldição. Ela enfraquece toda vez que Arianna machuca a fera.
Eu tento entender suas palavras. — Maldição? Que maldição?
— Você não se lembra ainda? Você não se lembra do que fizemos? — Ela começa a andar, a sombra à deriva atrás dela. Ela se move de forma não natural, seguindo seus passos. Algo familiar, isso.
— Muito bem, Fenris, eu vou te dizer — diz ela, sentando ao meu lado. — Eu queria dizer-lhe por muito tempo.
— O que você quer dizer?
Ela olha para mim. Seus olhos poças escuras, algo sinistro girando dentro deles. — Você acredita que me conheceu no Lotus Preta. mas isso não é verdade. Nós nos encontramos antes. Na Montanha Cinzenta.
— Sim — eu digo, as memórias retornando. — Você me ajudou a lutar contra a fera.
Ela sorri. — Sim. Eu fiz. E nós nos apaixonamos. Que eu tenho certeza. — Ela faz uma pausa. — Durante a batalha, você quase morreu. Quando você acordou, você... você era Fae. Você sempre foi Fae. Você não entendeu no começo, mas lentamente você ganhou informações. Uma pergunta inteligente lá, uma observação aqui. Você percebeu o que aconteceu. Você aprendeu de Avakiri. E você queria vingança. Para o seu povo. Para todos os Fae. Você queria libertá-los.
— Então você me contatou. Juntos nós começamos uma rebelião, atraindo pessoas das Terras Distantes para nossa causa, até mesmo algumas das Quatro Tribos. Nosso maior trunfo era Tavian Gray. Um Fae antigo, mais velho que o Desenrolar. Muitos confiavam nele, admiravam-no e ele os recrutava. Logo, nós tínhamos um exército. Um pequeno, mas um exército.
— Nós lutamos uma guerra de atrito. Atacando uma caravana aqui. Uma remessa lá. Você manteve sua verdadeira identidade em segredo dos Fae, sempre cobrindo seu rosto para todos exceto eu e Tavian, e você manteve suas revelações em segredo de seus irmãos. Dessa forma você ainda poderia ser o Príncipe da Guerra, ainda poderia participar das reuniões do conselho, reunir informações sobre defesas, recursos e usá-las em nosso benefício.
— Em um ponto, conseguimos roubar uma antiga relíquia Fae. Uma espada do luar. Tornou-se sua lâmina. E não demorou muito até que os rebeldes, até todos nós, começassem a chamá-lo de Príncipe do Luar. Você foi nosso símbolo, Fenris, nosso símbolo de esperança. Você não era um High Fae. O High Fae tinha falhado conosco, nós não queríamos outro. Não realmente. Você... você era algo mais. Um homem da lenda... como o Primeiro. Você veio para nos libertar.
— Mas não foi o suficiente. Nossos ataques só os fizeram fortalecer suas defesas. Logo começamos a perder batalhas, perder soldados. Nossos números diminuíram. Nossos partidários começaram a fugir. E então nós criamos um plano.
— Tavian, você e eu, faríamos um ritual. Nós invocaríamos um poder há muito perdido, e com isso nós derrotaríamos os vampiros.
Realização me despedaça. Minhas mãos tremem de tristeza. Isso... tudo o que aconteceu recentemente... isto é minha culpa. — Nós... — Eu mal consigo dizer isso. Mas eu devo. As memórias voltam e eu devo enfrentá-las. — Nós convocamos a Escuridão.
— Sim — diz Marasphyr. — E nós não podemos controlá-la. A Escuridão nos atacou, espalhando através de Avakiri. Ela matou homens, mulheres e crianças inocentes. Isso matou a família de Tavian. Nós três, no entanto, não fomos mortos. Através do ritual, nós desenvolvemos algum tipo de ligação com ela, ganhamos os poderes que queríamos convocar. Mas, ao ver a carnificina, você atacou a fera. Sua espada de luar, uma lâmina de lenda, poderia prejudicá-la, e de alguma forma, de alguma forma você prendeu a Escuridão. Eu não vi a batalha final, mas Tavian e eu chegamos no final. E então, quando você trancou a Escuridão, nos amaldiçoou três.
— Tavian, amaldiçoado para nunca esquecer. Para que ele pudesse viver com a memória de sua esposa e filho morrendo todo dia. Eu fui amaldiçoada a ver o futuro, mas nunca mudá-lo. Para ver coisas horríveis e nunca as impedir. E você, Fenris, você foi amaldiçoado para esquecer seu verdadeiro eu. Para esquecer eu e Tavian, as pessoas que você amava. Então, mais uma vez você teve que viver uma mentira.
— E então você voltou a ser Fenris Vane, o Príncipe da Guerra. Eu procurei você, encontrei você no Lótus Preta. Eu tentei te dizer a verdade, mas você nunca poderia me ouvir. Você nunca poderia lembrar o tempo que nós compartilhamos, ou a pessoa que você realmente era. Eu tentei reacender nosso relacionamento, mas nunca foi o mesmo. Você nunca foi o mesmo.
Eu a estudo, lembranças de nosso tempo juntos retornando. Elas parecem de uma vida passada. Nós poderíamos ter vivido uma boa vida juntos, talvez. Mas agora nunca será. — Você... — eu digo, observando as sombras rodarem ao redor dela. — Você disse que a escuridão se ligou a nós...
— Sim.
—Deu-nos poderes...
— Sim.
— Você... você é o Wraith.
Ela sorri. E por um segundo todo o seu corpo se transforma em sombra, na escuridão. E então ela está de volta a Marasphyr, com sua pele pálida e cabelos negros. — Sim. Eu sou a pessoa que você chama de Wraith. Depois de amaldiçoado, Tavian procurou esconder seus poderes, negá-los, enquanto você não se lembrava dos seus. Eu, no entanto, eu os estudei. Alimente-os. Fortaleci o poder. Então, sim, era eu na caverna. As pessoas sacrificaram-se para me dar poder. Mas eu não pedi a eles. Eu sei que eu disse que sim, mas eu estava tentando assustar você. Eles realizaram um ritual, um ritual muito parecido com o que fizemos, e ele me convocou, me deu força. Eu não queria que isso acontecesse. — Ela olha para baixo, mas não posso dizer se ela está realmente triste ou apenas lembrando. — Eu pedi a você que me trouxesse Tavian Gray, porque eu sentia falta dele. Nós nos separamos, quando ele descobriu que eu continuei usando minhas novas habilidades. Mas ele era uma das poucas pessoas que conhecia meu verdadeiro eu, conhecia meus segredos. Eu queria reconciliação. Você, claro, não conseguiu me trazer Tavian imediatamente, mas você acabou fazendo, sem saber. Nós conversamos. Ele ainda me odeia. Odeia o que sou. Mas pelo menos por um tempo, nós conversamos.
Eu vejo tristeza nela. Arrependimento.
— Você ainda pode fazer o certo — eu digo. — Ajude-me a derrotar a Escuridão. Ajude-me a salvar Arianna.
Ela enxuga os olhos. Uma única lágrima. — Eu vejo, mesmo com suas memórias restauradas, você ainda a ama. Eu suponho que eu soubesse que seria assim. Eu... — Ela faz uma pausa, deixando algo não dito, então acaricia meu rosto. — Adeus, Fenris Vane. Eu não acho que nos veremos novamente. Este mundo tem sido muito doloroso para mim. Existem muitos outros. E talvez em um deles eu encontre a felicidade.
Ela se inclina e gentilmente beija minha testa, e então abre a palma da minha mão e coloca algo nele – um anel. O anel de Arianna. — Pediram-me para dar isso a você. — E então ela levanta, e anda para longe.
— Espere — eu imploro. — Fique. Ajude-me a lutar.
Ela olha para trás, sorrindo. — Oh Fenris, você não precisa da minha ajuda. Você venceu a Escuridão antes, lembra?
E então, com uma piscadela, ela desaparece na sombra.
Eu venci a escuridão, ela disse. Eu venci a escuridão.
E eu vou fazer isso de novo.
Eu estou de pé, poeira voando do meu corpo e deslizo o anel de Arianna no meu dedo mindinho. Niam me percebe, seus olhos se arregalando. — Como você está vivo?
Eu o ignoro, correndo para Arianna e a criatura. Eu não me incomodo em encontrar minha espada. Eu não vou precisar disso.
Não contra a fera.
Eu sei o que devo fazer.
— Encontre Lucian! — Eu grito para Arianna. — Eu vou lutar contra a criatura. Quando eu a matar, Lucian ficará fraco, vulnerável. — Porque ele está ligado à escuridão, assim como eu estou ligado. É por isso que me senti fraco cada vez que Arianna feriu a escuridão. É por isso que Lucian estará fraco quando eu matar a fera. E é por isso eu percebo, que eu escapei da morte tantas vezes.
— Você tem certeza? — pergunta Arianna, tecendo através do céu, sua lâmina colidindo contra as garras da criatura.
— Sim. Agora vá.
Ela assente. E como o vento ela voa, desaparecendo no pó preto.
A criatura olha para mim. E então fala. — Eu... eu lembro de você... — diz com cem vozes. — Você... você me convocou.
— Eu fiz. E agora eu vou mandar você de volta.
A escuridão ri. Uma risada que sacode a própria terra. — Você não tem lâmina de luar.
Sim. Mas sei onde encontrar uma, porque me lembro onde ao deixei.
Tavian disse que os Fae vasculharam as terras em busca da espada do luar depois que o príncipe lutou com a Escuridão, mas eles nunca encontraram. Eles nunca a encontraram, porque ela estava trancada. Trancada dentro da criatura.
Corro para frente, a terra subindo abaixo dos meus pés, criando uma colina enquanto me movo, empurrando-me para o céu. Eu nunca usei tal poder antes, mas vem facilmente agora. Porque eu sei quem eu sou. Quem eu realmente sou.
Eu olho para o meu lado e vejo Barão lá, correndo comigo.
É só você e eu garoto. Uma última vez.
Talvez eu imagine, mas ele parece sorrir.
Então a terra nos empurra para frente e voamos no ar. Sobre a besta. Ele nos persegue, mas se move muito devagar. E aqui em cima, no céu. Eu vejo isso. A espada do luar. Apenas onde eu deixei.
Alojado nas costas da criatura.
Eu caio, Barão ao meu lado, e juntos nós pousamos no pescoço da besta gigante. Eu agarro seu grosso cabelo e enrolo, me impedindo de cair. Barão agarra com os dentes.
A besta se agita, tentando nos alcançar, mas não pode, pois seus braços não são longos o suficiente, e ela gira, nos levando com ela, segurando sua juba.
Eu pulo para o lado.
Para a lâmina.
Uma coisa gigante de aço azul-claro, coberta com entalhes intrincados dos Fae. Eu pego a alça com ambas as mãos. E pelos Fae que eu falhei quando convoquei esta criatura, pelos Fae eu falhei quando eu permiti que a escravidão continuasse, pelo meu próprio povo, eu dirijo a lâmina mais fundo. Eu dirijo no coração da criatura.
E eu mato a Escuridão.
PARTE VII
— ACE —
Eu encontro meu pai no topo da colina. Em um momento, ele está sorrindo, com vista para o campo de batalha camuflado na sombra. E no seguinte, ele grita de dor, caindo de joelhos. Ele agarra seu coração.
— Algo, algo está errado — ele sussurra.
Eu não sei o que aconteceu. Eu não me importo.
Ele merece dor.
Uma rajada de vento me atinge, e vejo que a escuridão está desaparecendo abaixo. A sombra que cobria a fumaça se retira. E dos restos, emerge Arianna.
Ela voa pelo céu e pousa diante de nós.
Por um momento, ela olha para mim e uma compreensão passa entre nós. Então ela se vira para o meu pai. Levantando sua espada. Lux, acredito que ela tenha chamado. Luz.
Quando Arianna fala, sua voz é suave e, no entanto, ecoa com um poder inimaginável. — Uma vez, você foi rei dessas terras. Você foi encarregado de proteger seu povo. Você foi encarregado de trazer a paz. — Ela se aproxima, qualquer traço de medo desapareceu de seu rosto. Toda a fraqueza e dor se foram. — Mas você perdeu o seu caminho. — Ela gesticula para o campo de batalha abaixo, para as montanhas de cadáveres. — Não foi por isso que você foi escolhido. Este não era seu dever. Você fracassou. Você...
Lucian tropeça para trás.
— Não...
Ele olha para mim, olhos implorando por ajuda.
— É...
Ele estende a mão para mim.
— Digno.
— Por favor... — sussurra meu pai.
Eu não o ajudo. Por Levi. Pelos Fae.
— Esta terra — diz Arianna. — Esta terra não pertence a ninguém. — Ela gira a espada no ar e a lâmina conhecida como Lux corta a garganta do rei vampiro.
Ele entra em colapso, sua vida sangrando, seus olhos perdendo o foco. Uma última vez, ele levanta a mão no ar, e ele sussurra. — Eu só queria... só queria voltar para casa.
E o grande rei morre.
E a guerra acaba.
PARTE VIII
— ASHER —
A sombra se retira. A poeira assenta.
A explosão que Levi causou me jogou para baixo da colina, em águas rasas. Lá eu deito meus membros e peito cheio de dor. Deitei até a luta parar. Deitei até o sol nascer. Então, com minha força restante, eu me esforcei para ficar em pé, para procurar a coisa que eu tenho mais querido.
Eu o encontro no céu, lutando contra um príncipe de branco.
Varis encontra meu olhar. Seus olhos não estão mais vidrados. Seus olhos são seus. E neles, eu vejo amor.
Niam se vira para mim, seu manto branco flutuando ao vento, com a espada na mão. O ombro dele está rasgado. Sua perna está cortada e quase imóvel. Ele mal consegue ficar de pé. — Então, o que vai ser irmão? Vampiro ou Fae? Com quem você está?
Eu encontro uma lança no chão e seguro a arma. Lágrimas surgem nos meus olhos. — Nunca foi sobre raça, irmão. Não para mim. Sempre foi sobre pessoas. Apenas pessoas. E o que os torna quem eles são.
Então eu corro para frente. E acerto a lança no coração do meu irmão.
Nós caímos juntos. Ele sangrando, seus olhos em branco. Eu segurando seu corpo sem vida, chorando contra seu peito.
Eu não sei quanto tempo eu o seguro. Meu irmão. Minha família.
Alguém toca meu ombro.
Eu me viro e vejo-o.
Seu rosto gentil.
Sua voz suave.
Varis.
— Está tudo bem — diz ele. — Está tudo bem, meu amor. — E então ele me leva em seus braços e me segura perto.
Eu falo através de soluços. — Eu falhei com você. Eu falhei com os Fae. Eu não trouxe a paz. Apenas a morte. Apenas mais morte. —
— Não, Asher. — Ele acaricia minha cabeça suavemente. — Você nunca poderia falhar comigo. O que quer que você faça, seja quem você se tornar, você sempre será meu Karasi. O Espírito do meu coração.
PARTE IX
— KAYLA WINDHELM —
Quando chegamos ao campo de batalha, a guerra já acabou, mas o trabalho ainda não acabou. Tavian e eu recolhemos os sobreviventes e começasse esforços para cuidar dos feridos. Há centenas deles. Milhares.
Nós deveríamos ter estado aqui, eu penso. Deveríamos ter parado isso.
Mas no final, o que nós teríamos feito? A batalha está vencida. Sempre haveria baixas.
Mas eu posso fazer melhor da próxima vez. Da próxima vez, posso evitar as guerras em primeiro lugar. Eu poderia ser uma líder. Um druida.
— Você é boa nisso — diz Tavian, enquanto vasculhamos o campo de batalha em busca de mais feridos. Não demorou muito depois que Arianna deixou a Fenda e depois que Fen saiu, para percebemos que também devíamos retornar.
— Boa em quê? — Eu pergunto, rolando corpos, procurando por vida.
— Em servir os outros.
Eu rio. — Eu pensei que você diria liderança, ou comando.
Ele sorri. — Eu fiz. Pois não é isso que servir os outros é? — Ele pisca para mim e continuamos.
— Você vai sair de novo? — Eu pergunto. — Para evitar a política?
— Não — diz ele, envolvendo o braço em volta de mim. — Agora que a escuridão foi derrotada, sinto a maldição recuando. Eu sinto minhas memórias desaparecerem. Vou lembrar o rosto da minha esposa e os rostos dos meus filhos, eu acho. Sim. Eu acho que gostaria disso. Mas o resto vou esquecer. E então finalmente terei paz.
— E o que você vai fazer com essa paz? — Eu pergunto.
Ele me puxa para mais perto, tocando seus lábios contra os meus. — Eu vou compartilhar. Compartilhar com a mulher que eu amo. — Nós nos beijamos novamente, Riku chilreando no meu ombro. O momento é perfeito. Atemporal.
E então um grito o quebra.
Corro para frente, procurando pelos feridos.
E então eu a encontro deitada no chão, com a perna decepada no joelho, uma lança saindo de seu intestino.
Ela usa vestes azuis e uma serpente enrolada em volta do braço.
— Temos que pressionar a perna dela — eu digo, caindo para o lado dela.
— Não — sussurra Metsi. — Não, por favor. Estou cansada deste mundo. Eu quero descansar. Sim. Descansar.
— Você pode descansar mais tarde, eu prometo — eu digo, arrancando um pedaço do meu vestido e envolvendo-o em torno da perna dela.
Metsi ri. — Eu pensei que você me odiaria. Eu era sua inimiga. Sua inimiga.
— Mas agora, você é alguém que precisa de ajuda.
— Sim. Sim eu faço. — Ela olha nos meus olhos. — Termine. Por favor.
Minhas mãos começam a tremer. Meu estômago torce. — Eu... eu não posso...
— Por muito tempo eu andei nesta terra. Por muito tempo eu fui um Guardião. É hora de outra pessoa. Alguém digno.
Eu me forço a sorrir para ela. — Mas você vale a pena...
— Não. Não minta para mim. Não agora. Eu falhei com meu povo. Eu falhei comigo mesma. Eu aceito isso. Eu o abraço. É a única maneira de aprender. E meu aprendizado ainda não terminou. Não. Existe um mundo além. Um lugar onde minha família espera por mim. Eu desejo estar com eles. Por favor...
Eu me afasto, meus olhos queimando. — Eu... eu...
Tavian agarra meu ombro. — Deixe-me — diz ele. — Eu sei o que é viver uma vida de dor. Eu não desejo a ninguém. — Ele entra na minha frente e tira uma adaga de seu cinto. — Vou fazer isso rápido.
Metsi sorri, olhando para o céu. — Obrigada. Obrigada...
E então Tavian se abaixa e Metsi, Guardiã de Wadu, morre.
Algo sai do corpo dela. Algo puro e etéreo. Desaparece nas nuvens, procurando, procurando por alguém que é digno.
Capítulo 15
E ENTÃO COMEÇA
“Não importa o que aconteça, sempre serei grata a Fenris Vane”.
— Arianna Spero
O sol está saindo, e eu nunca fiquei tão feliz em sentir o calor disso na minha pele. Eu me sento no riacho deixando meus pés descalços mergulharem na água fria, enquanto o sol aquece minhas pernas e braços e me seca. Depois da batalha, eu não conseguia parar de tremer, e eu tinha que tirar o sangue e sujeira e suor e poeira de mim. Eu tinha ficar sozinho. Eu tinha que respirar e pensar e processar.
Acabou.
Está realmente acabado.
Nós ganhamos.
Os Fae não são mais mentalmente escravizados.
Mas o custo foi alto. Nós perdemos muitos.
Fen e Asher e Dean e Zeb... eles perderam seus irmãos. Irmãos que talvez merecessem o destino em meus olhos, mas irmãos que estiveram juntos por mais tempo do que eu posso conceber. Os reinos perderam seus líderes. Eles perderam o pai. Tudo está mudando, e a mudança geralmente dói, mesmo quando é boa para nós.
Haverá dor. Mas agora também pode haver cura.
Eu chuto a água, espirrando com o pé só para ver a luz refletir sobre ela. A luz voltou. A escuridão foi vencida.
Meu cabelo está quase seco, assim como a túnica simples que eu usava sob minha armadura e enxaguei no riacho.
Eu deslizo sobre o meu corpo nu e volto ao meu lugar.
Yami está dormindo na pedra ao meu lado, quase ronronando em contentamento. Eu descanso a mão sobre minha barriga imaginando a vida que ainda cresce dentro. É uma garota, eu acho. E ela é forte. Ela já sobreviveu a tanto.
É tão quieto, tão pacífico, que ouço seus passos antes que ele me alcance.
— Eu me perguntei se você viria — eu digo. Eu me viro para encará-lo, esse homem que é tudo para mim. E eu sei o que devo fazer. Isso vai me quebrar, mas vai salvá-lo.
Ele se agacha diante de mim e eu coloco uma mão em seu rosto barbado. — Eu te amo — digo a ele. — Obrigada você por ter voltado. Por ajudar na luta.
Ele começa a falar, mas eu coloco um dedo sobre a boca dele. Eu preciso terminar isso agora, ou nunca serei capaz de fazer. — De volta a fenda, eu deixei você para que eu pudesse fazer o que tinha que fazer. O que eu sabia no meu coração que era certo. Isso machucou além das palavras, mas eu tive que escolher a mim mesma, mesmo acima de você. — Eu respiro fundo e tento manter meus olhos secos um pouco mais. — Hoje, eu percebi que tenho que te deixar fazer o mesmo. Porque eu te amo mais do que tudo. Porque eu quero que você seja feliz, mais do que eu quero você comigo. Eu tenho que ficar aqui. Eu tenho que tentar ser um líder para essas pessoas, o que quer que isso pareça. Eu tenho que ajudar da maneira que eu puder. É meu chamado. Meu destino. Minha escolha. É a única maneira que eu posso viver minha vida autenticamente, sem arrependimento. Mas você... você não precisa fazer isso. Você não precisa andar pelo mesmo caminho. Eu estive pensando muito sobre o que você me disse na Fenda, sobre quanto tempo você viveu sob esta maldição, sob essas expectativas. Como Lucian e seus irmãos e este mundo te forçaram em um molde que nunca te deu nenhuma outra escolha. Eu não vou fazer isso com você. Então, Fen, meu amor, meu coração... eu liberto você. — Minha voz engasga, mas eu continuo, porque se eu parar, se eu parar, nunca vou passar por isso. E eu devo. Por ele. — Eu liberto você de qualquer plano que eu possa ter para você e seu futuro. Eu libero você de qualquer obrigação que você teve com esse mundo, com essas pessoas. Até para mim e para nosso filho. Eu liberto-o, porque eu te amo e quero que você seja livre para escolher o seu próprio caminho. É a única maneira de você ser feliz. Você não pode viver sua vida tentando fazer alguém feliz. Você não pode viver sua vida por mim. Você tem que viver por você mesmo.
As lágrimas caem quando termino meu discurso, mas não me importo mais. Eu tirei todas as palavras que eu sabia que teria que dizer. As palavras mais difíceis que eu já disse. Parte de mim quer levar todas de volta, pegar as palavras e fingir que nunca foram ditas, e em vez disso implorar-lhe para ficar, para estar comigo, para governar comigo. Mas eu não posso. Eu não vou. Amar alguém, amá-lo verdadeiramente, é amá-lo sem expectativa ou amarras. Amar alguém é deixá-lo ser livre.
Um silêncio paira entre nós. Mesmo Yami e Barão estão ainda em silêncio, embora Yami tenha acordado em algum momento durante essa conversa.
Quando olho para Fen, meu peito aperta em saudade e dor. Cada linha no rosto dele é tão familiar quanto meu próprio. Seus olhos, aqueles orbes azuis penetrantes me puxam para dentro e eu quero nadar neles para sempre. Os braços dele, seu peito, eu quero nada mais do que ser segurada por ele e que ele nunca me deixar ir.
Mas eu posso fazer isso. Se eu não aprendi mais nada nos últimos meses desde que minha mãe entrou em coma, é que sou muito mais forte do que jamais imaginei. Eu fui testada uma e outra vez, empurrada para todos os limites que tenho, fisicamente, mentalmente e emocionalmente. Eu fui presa, torturada, sentenciada de morte e guerra. Eu aprendi e cresci e encontrei magia e força dentro de mim.
E então eu posso fazer isso.
Eu posso deixar o homem que eu amo levar uma vida de paz.
Sem mim.
Minha mão cai no meu estômago novamente.
Sem nós.
Fen se afasta de mim e eu deixo cair a cabeça para que ele não veja como isso é difícil.
— Arianna?
Sua voz é profunda, crua e poderosa.
Eu olho para cima e ele está de joelhos, segurando um anel. O anel que ele me deu pela primeira vez o que parece ser uma vida atrás. O anel que deixei com Marasphyr para ela dar a ele quando saí da Fenda. Eu admito que eu estava cética que ela realmente faria isso.
— Case comigo — ele diz. — Seja minha esposa. Minha parceira. Minha rainha.
Meu coração pula e há um som agudo em meus ouvidos que eu presumo que meu sangue está fazendo algum tipo de dança primal na minha cabeça. — O que, mas...
— Eu ouvi o que você disse. Eu escutei você, agora eu preciso que você me ouça — diz ele. — Eu estava errado. Sobre este mundo, sobre o nosso povo... sobre mim mesmo. Eu tinha esquecido quem eu era. Mas eu lembro agora. Eu sei quem eu sou. Eu encontrei meu propósito. E esse é com você.
Estou prestes a interrompê-lo, para salientar que ele não pode se tornar rei apenas para estar comigo, mas ele coloca umdedo sobre meus lábios.
— Me deixe terminar.
Eu aceno, e ele escova a mão contra a minha bochecha antes de continuar. — Eu estava sob uma maldição, mas não a que eu pensei. — Ele me fala da Escuridão, do que ele e Tavian e Marasphyr fizeram tantos anos atrás. Ele me fala de suas maldições, e como isso afetou cada um deles de forma diferente. — Quando a Escuridão enfraqueceu, também criou rachaduras na minha maldição. Memórias começaram a filtrar, e eu comecei a lembrar de quem eu era. Quem eu realmente era. Eu era o Príncipe do Luar. Foi minha espada que foi originalmente perdida. Com isso, eu poderia te ajudar a destruir a Escuridão. Eu poderia desfazer o dano que eu fiz. E uma vez que a maldição foi completamente quebrada, senti todas as partes de mim retornando. Eu não apenas quero você Arianna, embora os deuses saibam que eu nunca quis nada tão mal– mas também quero isso.
Ele levanta as mãos e gesticula para tudo ao nosso redor. — Eu quero trazer paz aos Fae e Vampiros. Eu quero ajudá-la a criar um novo tipo de governo, uma nova vida para o nosso povo. Eu quero criar nosso filho em um mundo que ajudamos a melhorar. Eu quero ser rei. Eu não estou fugindo mais. Eu não sou filho de Lucian, sou o filho das duas mulheres que me amavam o suficiente para desistir de tudo por mim. Minha mãe Fae morreu me trazendo para o mundo, e minha mãe vampira me deu seu próprio sangue para me salvar. Eu não sou feito de guerra, mas de amor, e quero trazer esse amor para minha esposa, meu filho e meu reino. Ambos os nossos reinos.
Minhas mãos estão tremendo e mais lágrimas estão fluindo pelo meu rosto. Ambos, Yami e Barão, estão sentados em atenção, orelhas em pé, nos observando extasiados.
— Diga sim — ele implora, seus olhos tão sinceros que quase me destrói.
— Sim — eu digo, minha garganta entupida de emoção. — Sim, eu vou casar com você, Fenris Vane, meu Príncipe do Luar.
Ele desliza o anel no meu dedo e me puxa contra ele. O dia está desaparecendo e quando o sol se põe e as luas se levantam no céu, eu me delicio com a alegria que meu coração sente ao saber que eu ficarei com esse homem para sempre.
— Casar comigo agora — ele diz depois de um longo silêncio de abraçar um ao outro.
— Agora?
— Sim, agora, aqui. Podemos quebrar a maldição hoje à noite. Libertar sua mãe. Começar nossas vidas. A menos que você tenha um desejo ardente de terminar seus meses com meus irmãos? Ace, talvez? Ou Zeb?
Eu sufoco uma risada. — Não, eu estou bem. Obrigada, porém. Mas, não precisamos de alguém para oficiar, ou papelada ou algo assim?
Ele sacode a cabeça. — Não neste mundo. Yami e Barão são espíritos poderosos, e podem dar testemunho. Nós podemos falar nossos votos na presença deles. Nós podemos ter a grande cerimônia se você quiser, mais tarde, mas esta noite, agora mesmo, quero saber que você é minha para sempre.
E então nos levantamos e seguramos as mãos um do outro. Yami e Baron levam seus papéis muito a sério e dão à cerimônia curta atenção total.
— Eu aceito você, Arianna Spero, como minha esposa, minha parceira, minha amante, minha rainha, por agora e toda a eternidade. Nem mesmo a morte pode romper esse voto ou meu amor por você.
Suas palavras provocam um brilho no meu peito que faz meu corpo inteiro se sentir em chamas. — E eu te aceito, Fenris Vane, como meu marido, meu parceiro, meu amante, meu rei, por agora e por toda a eternidade. Nem mesmo a morte pode romper esse voto ou meu amor por você.
Quando ele me beija, sinto uma magia passar por nós, lentamente rasgando o contrato que assinei. Yami e Baron parecem sentir uma mudança no humor em torno de nós e desaparecem na floresta, enquanto Fen me estabelece em uma cama grossa de grama.
Ele se inclina sobre mim, seu longo e duro corpo pressionado contra o meu. — Você é minha esposa agora. Para sempre e sempre.
— Para sempre não é tempo suficiente — eu sussurro. — Mas é um começo.
Não há mais palavras. Não por muito tempo. Essa não é como a primeira vez, o vinho induzindo a união que levou à concepção do nosso filho. Não é nem como a segunda vez, o amor frenético inspirado por um mundo fora do tempo. Desta vez, somos nós, totalmente presentes e juntos, totalmente comprometidos e a memória cheia de quem somos e o que queremos nesta vida.
É mais que sexo. Mais do que necessidade física e desejo. Estou me perdendo na alegria pura que eu compartilho com um homem que agora posso chamar de meu marido. É a conexão da nossa pele, o fogo rápido de terminações nervosas enquanto nossas mãos se exploram, a sensação incrível e indescritível de ser uma com alguém que minha alma está tão ligada. Eu me solto nele. Em nós. Em nossa união. Em nossa unicidade.
Para aquelas horas de exploração e criação de amor, somos as únicas duas pessoas no universo. Nada mais existe. Nada mais importa. Estou completamente absorta pelo amor que tenho por este homem e eu posso ver o amor que ele tem por mim em seus olhos. Eu nunca o vi mais em paz. Mais feliz. Mais vivo.
Quando terminamos, nossas pernas se sobrepõem umas às outras, meu braço alcançando seu peito largo e os seus em volta de mim, suspiro profundamente, finalmente contente.
Ao deixá-lo ir, eu o encontrei novamente.
— Há mais uma parte do contrato que devemos cumprir antes que minha mãe seja livre — eu sussurro contra seu peito.
Eu posso ouvir seu coração acelerar. — Nós podemos fazer isso mais tarde.
Eu olho para ele, em seus olhos. — Eu não tenho medo. Você não é um monstro. Não precisa ser uma maldição.
Ele pisca lentamente, deixando minhas palavras afundarem. Então ele assente e ajusta nossos corpos para que ele esteja inclinando-se sobre mim novamente. — Tem certeza, Arianna? Não há como voltar atrás depois.
Eu paro, minha mão caindo para a curva suave do meu estômago. — Vai doer no nosso bebê? — Eu não quero esperar, mas eu farei por ela.
— Não. Nosso filho já é parte vampiro e não vai se machucar. Mas você precisa ter certeza... por você mesma.
— Tenho certeza. Estou pronta para fazer o Juramento de Sangue. Estou pronta para me tornar uma de vocês. E conosco carregando o sangue dos Fae e dos vampiros, podemos ser uma força unificada para todo o nosso povo.
Ele assente e eu me sento. — O que precisamos fazer?
— É uma troca de sangue. — Ele morde o pulso e o segura na minha boca.
Eu coloco meus lábios contra o sangue e sinto uma picada aguda no meu pescoço.
E então começa.
Epílogo
“Eu te amo, Arianna Spero. Eu te amo”.
— Fenris Vane
Eu não deveria estar tão nervosa.
Mas ainda assim, aqui estou eu, tremendo em minha seda e vestido de cetim branco, como uma folha de outono prestes a enfrentar o inverno.
Estou cercada pela opulência, em um camarim do tamanho de um grande apartamento. Madeira esculpida acentuado com móveis de prata e ouro cria uma vibração elegante e quente, e em todos os lugares há flores em plena floração. Yami está cheirando um buquê trazido recentemente, os olhos fechados enquanto inala profundamente.
Eu não vejo Fen desde hoje de manhã depois da nossa caçada. Ser um vampiro levou algum tempo para se acostumar, mas agora... agora eu aprecio os momentos correndo livres na floresta com meu marido. Pouco depois de sermos levados para assuntos de estado e planejamento.
Eu posso lidar com a política. O planejamento partidário é outra história.
Este é o primeiro momento que eu estive sozinha nas últimas seis horas, e eu decidi seguir o exemplo de Yami e inspirei o cheiro de flores frescas.
É impressionante para mim que já faz um ano desde a noite que Fen e eu dissemos nossos votos sob o céu estrelado ao lado do rio. Este é o nosso aniversário, mas também é muito mais.
É o dia em que celebramos com a família, amigos e nossos reinos.
É o dia em que nos reunimos aos olhos de todos que nos conhecem.
Eu estou perdida em pensamentos quando a porta do meu quarto se abre, e Kayla entra. — Eles estão aqui — ela diz com um sorriso.
Meu pulso acelera em excitação. — Traga-os, por favor.
Kayla está vestida com deslumbrantes camadas de ouro e prata e se parece tanto com uma noiva quanto eu. Eu estou determinada a seguir a tradição humana de jogar o buquê, e eu vou totalmente trair e usar magia para me certificar de que Kayla o pegue. Ela e Tavian são os próximos na fila para essa dança em particular, se anel brilhante em seu dedo for qualquer indicação.
Kayla sorri para mim e sua fênix chilreia em seu ombro. — Você está linda. Mas você está faltando alguma coisa.
Ela coloca uma caixa dourada e abre a tampa. — Uma rainha adequada precisa de uma coroa adequada. Uma própria dela.
Meus olhos se enchem de lágrimas quando eu vejo isso. É impressionante. Linda. É ouro e prata, incrustados com pedras preciosas que brilham à luz do fogo. O design tem uma sensação elementar. E no centro está uma pedra que brilha com uma leve luz prateada. Uma luz que eu vi antes.
— Eu colhi o metal e as gemas de Inferna e Avakiri e a pedra central...
— Você usou o coração do guardião. O aço do luar. — O coração do meu pai.
Ela assente. — Eu achei que seria apropriado, e ele aprovaria. Você fez o impossível. Você tem derrotou a Escuridão que enlaçou este mundo, e você trouxe a paz entre os vampiros, Faes e Shades. Você é a força unificadora do nosso mundo. Ele deu seu coração, porque viu o seu e era digno. Sempre foi.
Agora as lágrimas estão fluindo, droga.
Ela tira a coroa das minhas mãos e coloca na minha cabeça, prendendo-a com fita e alfinetes, então me deixa sozinha com meus pensamentos e meu dragão.
Eu me viro e olho no espelho. O espelho que eu lutei por ter em todos os reinos. A viagem agora é permitida. Os espelhos não são mais banidos.
Meu cabelo brilhante da meia-noite está puxado em uma miríade de tranças e tecido com fita prateada. Meus olhos estão marcados de kohl escuro, fazendo o verde ressaltar. Meus lábios estão manchados de frutos escuros. E meu vestido é enfeitado com pedrinhas e pérolas.
Eu pareço uma noiva.
Eu pareço uma rainha.
A paz que Kayla fala ainda está em seu estágio infantil. Ainda há agitação em muitas partes da Inferna e Avakiri. Ainda há lutas internas, preconceito, ódio. As vidas de segregação e guerra não terminarão em um ano. Ou até muitos anos. Mas nós fizemos um começo. Nós reformulamos o governo da Inferna. Fizemos a escravidão ilegal em todos os reinos. Fizemos a alimentação não consensual ilegal. Criamos um novo comércio e estrutura de trabalho para apoiar uma compensação justa e à vontade de emprego. Requereu muita leitura e estudos trazer ideias não-técnicas do meu mundo para este e ver como poderíamos fazer as coisas diferentemente. E ainda é um trabalho em andamento. Eu sou nova nisso. Assim como Fen. Mas nós rodeamos nós mesmos com sábios conselhos de ambos, os vampiros e Fae, e nós trabalhamos diariamente para ter certeza de que cada voz é ouvida.
Eu me viro quando ouço a porta se abrir e me atiro nos braços das duas pessoas ali de pé.
Es e Pete tem sorrisos tão grandes quanto o meu quando nos abraçamos.
— Garota, você parece maravilhosa!— Es diz em seu sotaque sulista.
Pete assente. — Nunca pareceu melhor, princesa. Ou eu deveria dizer rainha?
— Você pode apenas dizer Ari. — Eu seguro cada uma de suas mãos, com medo de deixar que elas desapareçam. — Estou tão feliz por vocês poderem vir. Eu senti tanta falta de vocês.
— Não perderíamos isso por nada — diz Es. — Além disso, Pete está morrendo de vontade de ver Varis novamente e provocar seu cérebro. O pobre Fae vai nos implorar para voltarmos ao nosso mundo no momento em que essa celebração acabar.
Eu rio disso. — Tenho certeza de que Varis ficará animado por ter seu aluno mais entusiasmado de volta. Fen e eu estamos tão ocupados, que ele praticamente nos sequestrou para continuar nosso treinamento. E sempre parece ter muito para aprender, mesmo depois de todo esse tempo.
Es olha ao redor da sala, depois franze a testa. — Onde ela está? Onde está minha afilhada?
— Ah, seus verdadeiros motivos foram revelados. Você veio pelo bebê acima de tudo. Confesse.
— Eu vim por todos vocês. Mas sim, aquela pequena está no topo da minha lista.
Como se na sugestão, a porta se abre novamente e Es grita.
— O anjinho chegou — eu digo, meu coração ficando maior a cada vez que coloco meus olhos na minha filha.
Ela está vestida de ouro e prata, com um laço na cabeça. Seus olhos são azuis com manchas verdes e ela é a coisa mais incrível que eu já vi.
E ver minha mãe abraçá-la – isso faz com que tudo que eu passei valha a pena. Minha mãe, que já não coxeia, que não sofre mais dor, que escolheu ficar neste mundo para estar mais perto de nós e ajudar com sua neta... é tudo perfeito demais. Meu coração mal consegue segurar a alegria que eu sinto agora.
Eu pego a bebê dela e Kayla reclama por trás de todo mundo. — Cuidado para ela não babar e arruinar seu vestido antes da cerimônia.
— Oh hush — eu repreendo, enquanto minha mãe desliza um pano por cima do meu ombro. — Es, Pete, esta é a princesa Aya'zee, minha filha. Aya'zee, estes são dois dos seus padrinhos.
Eu entrego o bebê para Es e ela fala com o bebê com grande sorriso. — O que significa o nome dela?
— É uma variação da palavra paz na antiga língua dos Fae — diz Kayla, respondendo por mim.
Há uma batida na porta e Asher coloca a cabeça para dentro. — Está na hora, minha rainha.
— Você parece elegante como sempre — digo ao príncipe.
Ele alisa-se e pisca. — Claro que sim. Você esperaria algo menos?
Eu sorrio e beijo Aya'zee na cabeça. — Vamos fazer isso.
A sala do trono está repleta de nobreza de Fae e vampiros, de Inferna e Avakiri. Houve muita discussão sobre se ter a cerimônia em High Castle ou Avakiri, mas o palácio em ruínas da minha linhagem Fae ainda está em reparo, então descartamos as duas ideias e escolhemos Stonehill. A sala está iluminada por magia, com luzes de ouro e prata brilhando sobre nossas cabeças como estrelas cadentes. Só fica em pé enquanto caminho até a porta e espero.
Não serei conduzido pelo meu pai, nem pela minha mãe. Eu não serei dada como um prêmio ou posse.
Em vez disso, Fen e eu decidimos caminhar juntos pelo corredor. Como um.
E então ele se junta a mim e seus olhos se iluminam quando ele me vê. Um sorriso se espalha em seu rosto enquanto ele se aproxima. — Minha esposa. Meu amor. Você está linda.
— Obrigada, meu príncipe.
Enquanto caminhamos pelo corredor, tomo nota de todos os rostos familiares aqui para nos apoiar. Kal'Hallen, Guardião do Fen. Baldar, o fabricante de poções. Marco e Roco, que me protegeram quando cheguei pela primeira vez a Stonehill e que agora servem como parte da minha guarda real. Kara com seu cabelo dourado e Julian com olhos verdes, as garotas Fae que cuidavam das minhas necessidades em Stonehill e mais tarde no Castelo Sky, e que agora possui seu próprio negócio. Minha mãe, segurando nosso bebê. Seri, a curandeira. Es e Pete. Durk e Madri. Kayla e Tavian. Asher e Varis. Zeb e Ace.
Chegamos ao altar e nos encaramos, de mãos dadas.
Barão entra a seguir, carregando nossos anéis em um travesseiro nas costas, Yami e Riku sentados em seus ombros.
Dean oficia, vestido com vestes negras oficiais. Ele ameaçou vir sem camisa, mas aquiesceu quando Fen ameaçou dar um soco nele. Algumas coisas nunca mudam. Ele passa por todo o mumbo-jumbo político necessário e, em seguida, torna-se pessoal, enquanto fazemos nossos votos como fizemos há um ano.
Há aplausos na multidão. E lágrimas.
Acima de tudo de Dean. Ele fala com emoção pesada. — E então eu, como irmão de Fen, e de Arianna minha querida amiga, e como a pessoa responsável pelo nascimento de seu filho... oh, malditamente isso é tão duro. — Ele puxa um lenço, enxugando as lágrimas. — Eu os declaro marido e mulher. Rei e a rainha. Vocês já podem beijar um ao outro seus bastardos sangrentos.
E assim Fen me envolve em seus braços e pressiona seus lábios contra os meus. E juntos, nos tornamos governantes de Inferna e Avakiri. A Estrela da Meia-Noite e o Príncipe do Luar. Vampiro e Fae. Juntos finalmente.
Eu me volto para a multidão aplaudindo, com lágrimas nos olhos. Ainda há muito trabalho a ser feito, mas pela primeira vez em muito tempo, eu respiro fácil.
Dum Spiro Spero.
Enquanto eu respirar, espero.
Karpov Kinrade
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