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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


MULHER DE GELO / Jude Deveraux
MULHER DE GELO / Jude Deveraux

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

O QUE ERA MAIS FORTE? SEU SEGREDO DE MULHER OU AQUELA ATRAÇÃO INVENCÍVEL?
Na cidade de Chandler, Colorado, todo homem sonhava em conquistar Houston Chandler e sua irmã gémea, Blair. Mas, para Kane, um rude forasteiro novo-rico, Houston era a mulher de gelo que representava o desafio de sua vida e que ele queria despertar para o mais intenso amor. E Kane sempre conseguia o que desejava...
Reconstituindo os costumes do fim do século 19 numa cidade agreste do Colorado, este romance consagrou Jude Deveraux como a estrela do romance histórico americano, com mais de 5 milhões de livros vendidos!

 


 


A Velha Gorda, com os cabelos cinzentos e ásperos escapando de um chapéu surrado, dentes escuros, era surpreendentemente ágil ao içar-se para o banco da grande carroça. Atrás havia uma boa variedade de legumes frescos, cobertos com uma lona úmida.
- Sadie.
Ela virou-se para a esquerda e viu o reverendo Thomas, alto, elegante, as sobrancelhas cerradas de preocupação.
- Você será cuidadosa? Não vai fazer nenhuma tolice que chame a atenção sobre você?
- Prometo - disse Sadie, num tom calmo e juvenil. - Voltarei logo. - Em seguida, atiçou os cavalos, imprimindo-lhes um passo arrastado.
A estrada que saía da cidade de Chandler, no Colorado, e alcançava a mina de carvão para onde Sadie se dirigia, era longa e movimentada. Teve que parar e esperar que o trem passasse por um dos ramais da ferrovia Colorado and Southern. Cada um dos dezessete campos de tavão próximos de Chanciler tinha sua própria linha de trem dentro do campo. Fora do desvio para a mina Fenton, Sadie passou por outra carroça de mercadorias, também com uma velha na boléia. Deteve os quatro cavalos e sondou a paisagem, até onde podia ver.
- Algum problema? - Sadie perguntou com calma à outra velha.
- Nenhum, mas a conversa sobre sindicato está cada vez mais forte. E você?
Sadie fez um sinal com a cabeça.
- Houve uma explosão no túnel número seis, na semana passada. Os homens não perderam tempo para escorar enquanto escavavam. Você tem hortelã?
- Dei-a toda, Sadie - disse a mulher, inclinando-se para mais perto. - Tenha cuidado. A Little Pamela é a pior. Rafe Taggert me assusta.
- Ele assusta muita gente. Aí vem outra carroça. - Baixou a voz enquanto atiçava os cavalos. - Até a semana que vem, Aggie. Não receba dinheiro vivo.
Sadie passou pelos homens da carroça que se aproximava e cumpri-mentou-os. Momentos mais tarde, descia a longa estrada que ia para o campo de Little Pamela.
A subida para o desfiladeiro era íngreme e ela não viu o posto da guarda até chegar diante dele. Sem querer, seu coração começou a bater.
- Bom dia, Sadie. Você trouxe nabos?
- Grandes, e bem bonitos. - Ela fez uma careta, mostrando as rugas e os dentes estragados.
- Guarde uma saca para mim, viu? - disse o guarda enquanto destrancava o portão. Não falava sequer em pagamento. Abrir o portão para deixar que uma estranha entrasse no campo fechado já era pagamento suficiente.
Os guardas ficavam postados lá para ter certeza de que nenhum or-ganizador de sindicatos entrasse. Se suspeitassem de que alguém estava tentando organizar os mineiros, os guardas atiravam primeiro e faziam perguntas depois. Com essa espécie de poder, tudo que tinham a fazer era alegar que, quem quer que fosse que tivessem matado, era um sindicalista, pois tanto o júri local como o estadual os absolveria. Os donos das minas tinham o direito de proteger suas propriedades.
Sadie teve trabalho para manobrar a grande carroça de quatro cavalos através das ruas estreitas e cobertas de carvão. De cada lado, havia armações de caixas que os donos das minas chamavam de casas, quatro ou cinco pequenos cômodos, com uma privada e barracão para carvão, do lado de fora. A água era trazida em baldes de um poço comum infestado de carvão.
Sadie passou em frente do armazém da companhia e cumprimentou friamente o dono. Eram inimigos naturais. Os mineiros eram pagos ile-galmente com vales, assim a família só podia comprar o que precisasse no armazém da companhia. Algumas pessoas diziam que os proprietários das minas ganhavam mais com os armazéns do que com o carvão.
A sua direita, entre os trilhos dá estrada de ferro e a encosta íngreme, estava Sunshine Row - uma fila separada de casas duplas pintadas de um amarelo horrível. Não havia quintais e as casas com seus quartinhos de privada ajeitavam-se entre quatro metros. Sadie conhecia muito bem a combinação da fumaça do trem misturada com os outros cheiros. Era aí que os mineiros novos moravam.
Parou os cavalos em frente a uma das maiores casas da mina.
- Sadie! Pensei que não viesse - disse uma mulher jovem e bonita, enquanto saía da casa, enxugando as mãos e os braços molhados em uma toalha fina.
- Você me conhece - disse Sadie rudemente, descendo com esforço. - Dormi até tarde esta manhã e minha empregada esqueceu-se de me acordar. Como vai, Jean?
Jean Taggert sorriu para a velha. Sadie era uma das poucas pessoas de fora que entrava no campo e, a cada semana, Jean tinha medo que a polícia da mina revistasse a carroça.
- O que você trouxe? - perguntou Jean em um murmúrio.
- Remédio para tosse, linimento, um pouco de morfina para a senhora Carson, uma dúzia de pares de sapatos. Não há muita coisa que eu possa esconder dentro de uma cabeça de repolho. E trouxe cortinas de renda para a noiva de Ezra.
- Cortinas de renda! - Jean engasgou, depois riu. - Provavelmente você está certa. A renda fará por ela mais do que qualquer outra coisa. Bem, entre, vamos começar.
Levou três horas para Jean e Sadie distribuírem os legumes. Os mo-radores pagavam Sadie com vales - que Jean mais tarde devolvia para eles, em segredo. Os proprietários das minas, os policiais do campo e mesmo a maioria dos mineiros não tinham a menor idéia de que os legumes e as mercadorias secretas de Sadie eram grátis. Os mineiros eram orgulhosos e não gostariam de receber caridade - mas as mulheres receberiam qualquer coisa que conseguissem para seus filhos e maridos cansados.
Era tarde quando Sadie e Jean voltaram com a carroça vazia para a casa de Jean.
- Como está Rafe? - perguntou Sadie.
- Trabalhando demais, assim como meu pai. E tio Rafe está procurando problema. É melhor você ir. Não queremos pô-la em encrencas - disse, pegando a mão de Sadie. - Uma mão tão jovem...
- Encrencas?... - começou Sadie, confusa. Afastou-se, fazendo Jean rir.
- Até a próxima semana, então. Sadie, não se preocupe comigo. Eu sei de tudo há muito tempo.
Confusa e sem fala, Sadie subiu na carroça e atiçou os cavalos.
Uma hora mais tarde, parava nos fundos da velha casa paroquial, em Chandler. Na penumbra da noite, correu pela porta destrancada, atravessou o vestíbulo e entrou num banheiro onde roupas limpas estavam penduradas em um cabide.
Rapidamente, tirou a peruca, lavou a maquilagem teatral do rosto, escovou a goma preta dos dentes. Com movimentos rápidos tirou a roupa quente e acolchoada que a fazia parecer gorda, vestiu calças e anáguas de fina cambraia, um espartilho de linho branco, que amarrou na frente, e uma saia de sarja azul, guarnecida de contas pretas. Depois, cobriu a blusa de seda verde pálido com uma jaqueta de sarja azul debruada com veludo verde. Enquanto abotoava o cinto de couro, ouviu uma batida.
- Entre.
O reverendo Thomas abriu a porta e, por um momento, ficou olhando a mulher à sua frente. A senhorita Houston Chandler era alta, esbelta e linda, com cabelos castanhos escuros de reflexos ruivos, grandes olhos azul-esverdeados, o nariz reto e aristocrático, a boca pequena e modelada com perfeição.
- Então, Sadie vai desaparecer por uma semana. - O reverendo sorriu. - Agora, Houston, é hora de você ir. Seu pai...
- Padrasto - corrigiu.
- Seja como for, ele vai se zangar da mesma forma.
- Anne e Tia já voltaram com as carroças?
- Há horas. Bem, é tempo de você ir.
- Sim, senhor. - Sorriu. - Vejo-o na próxima quarta-feira - falou sem se voltar, saindo pela porta da frente da casa paroquial e começando a andar rapidamente para casa.

1

Maio, 1892
HOUSTON CHANDLER percorreu lentamente o quarteirão e meio que a separava de sua casa, parando em frente a uma construção vitoriana de tijolos vermelhos, de três andares, que a cidade chamava de mansão Chandler. Arrumou-se, ajeitou os cabelos e subiu os degraus.
Enquanto punha a sombrinha no cabide de porcelana no pequeno vestíbulo, ouviu o padrasto brigando com sua irmã.
- Não permitirei um linguajar como esse em minha casa. Você pode pensar que, por chamar a si mesma de doutora, tem o direito de portar-se indecentemente, mas não na minha casa - gritava Duncan Gates.
Blair Chandler, tão parecida com sua irmã gêmea que era muito difícil diferenciá-las, fixou o olhar naquele homem poucos centímetros mais baixo do que ela e de uma constituição sólida como pedra.
- Desde quando esta é sua casa? Meu pai...
Houston entrou na sala de estar da família e colocou-se entre a irmã e o padrasto.
- Não está na hora do jantar? Talvez devêssemos entrar. - Dando as costas para o padrasto, lançou um olhar suplicante para a irmã.
Blair afastou-se de ambos, tomada pela raiva.
Duncan pegou o braço de Houston e levou-a, passando pela escada, em direção à sala de jantar.
- Pelo menos tenho uma filha decente.
Houston estremeceu ao ouvir o comentário tantas vezes repetido. Odiava ser comparada com Blair e, pior, odiava ser a vencedora. Apenas tinham se sentado à grande mesa de mogno, cada lugar arrumado com cristal, porcelana e prata, Duncan na cabeceira, Opal Gares nos pés, as gêmeas uma em frente à outra, quando ele recomeçou:
- Você deveria fazer alguma coisa para agradar sua mãe - disse Duncan, olhando para Blair, enquanto era colocado à sua frente um assado de cinco quilos. - Você é tão egoísta que não se preocupa com os outros? Sua mãe não significa nada para você?
Blair, os dentes cerrados, olhou para a mãe. Opal era uma cópia apagada de suas lindas filhas. Era óbvio que qualquer vivacidade que já tivera ou tinha se acabado ou estava profundamente enterrada.
- Mãe - disse Blair -, você quer que eu volte para Chandler, me case com algum banqueiro gordo, tenha uma dúzia de filhos e desista da medicina?
Opal sorriu afetuosamente para a filha, enquanto se servia de um pouco de berinjela do prato oferecido pela copeira.
- Desejo que seja feliz, querida, e acredito que é muito nobre de sua parte querer salvar a vida das pessoas.
Blair volveu os olhos triunfantes em direção a seu padrasto.
- Houston desistiu de sua vida, a fim de lhe agradar. Não é suficiente para o senhor? Tem que me ver acabada também?
- Houston! - esbravejou Duncan, apertando a grande faca de trinchar até que os nós de seus dedos ficassem brancos. - Você vai permitir que sua irmã diga tais coisas?
Houston desviou o olhar da irmã para o padrasto. Não queria, de forma alguma, tomar partido de um ou de outro. Depois do casamento, quando Blair voltasse para a Pensilvânia, Houston continuaria na mesma cidade com seu padrasto. Com alegria, ouviu a empregada lá de baixo anunciar o doutor Leander Westfield.
Houston levantou-se rapidamente.
- Susan - disse para a copeira -, ponha outro lugar.
Leander entrou na sala com passadas longas e confiantes. Ele era alto, magro, moreno, extremamente bonito - com uns olhos verdes de morrer, como certa vez dissera uma amiga de Houston - e deixava transparecer um ar de autoconfiança que fazia as mulheres pararem na rua e olharem. Cumprimentou o sr. e sra. Gares.
Leander curvou-se sobre a beira da mesa e deu um rápido beijo no rosto de Houston. Beijar uma mulher daquela forma, mesmo sendo sua esposa ou noiva, era inconveniente, mas Leander tinha alguma coisa em sua volta que lhe permitia fazer coisas que outros homens não podiam.
- Janta conosco? - perguntou Houston polidamente, indicando o lugar próximo a ela.
- Já jantei, mas talvez eu os acompanhe no café. Boa-noite, Blair - disse ao sentar-se em frente dela.
Blair lançou-lhe apenas um olhar em resposta, enquanto remexia a comida no prato.
- Blair, fale direito com Leander - ordenou Duncan.
- Está tudo bem, senhor Gates - replicou Leander educadamente, mas olhou para Blair com surpresa. Sorriu para Houston. - Hoje você está linda como uma noiva.
- Noiva! - murmurou Blair, levantando-se e quase derrubando a cadeira, antes de correr para fora da sala.
- Ora essa - começou Duncan, pousando o garfo e principiando a se levantar.
- Por favor. Alguma coisa está perturbando-a muito. Talvez sinta falta de suas amigas da Pensilvânia. Leander, você não queria conversar sobre o casamento? Podemos ir agora? - Houston deteve-o.
- Claro. - Leander acompanhou-a em silêncio até sua charrete que estava à porta, fez os cavalos andarem, levando-a até o alto, no fim da Rua 2, e parou em um dos muitos becos da Chandler. Começava a escurecer e o ar da montanha ia se tornando frio. Houston acomodou-se no canto da charrete.
- Agora, diga-me o que está acontecendo - disse ele, enquanto prendia a rédea dos cavalos e firmava o freio. - Parece-me que você está tão perturbada como Blair.
Houston teve que enxugar as lágrimas. Era tão bom estar sozinha com Lee. Ele era tão amigo, tão seguro; era um oásis de sanidade em sua vida.
- É o senhor Gates. Está sempre opondo-se a Blair, dizendo que ela não é boa, lembrando-a de que, mesmo quando criança, jà achava que não havia esperança para ela, e sempre está pedindo que desista da medicina e fique em Chandler. E, Lee, ele sempre fica dizendo a Blair como eu sou perfeita.
- Mas, querida - disse Lee, puxando-a para seus braços -, você é perfeita. Você é doce, amável, maleável e...
- Maleável! Você quer dizer assim como um puxa-puxa? - Ela afastou-se.
- Não - Lee sorriu para ela -, eu só quero dizer que você é uma mulher linda e meiga, e que acho muito bom você estar tão preocupada com sua irmã. Mas também acho que Blair devia estar preparada para qualquer crítica quando resolveu ser médica.
- Você não acha que ela devia desistir da medicina, acha?
- Não tenho idéia do que sua irmã deva fazer. Ela não é minha responsabilidade. - Puxou-a para si outra vez. - Por que estamos falando sobre Blair? Temos nossa própria vida para viver.
Enquanto falava, seus braços a envolveram e ele começou a brincar com sua orelha.
Essa era a parte do namoro deles que ela sempre detestava. Lee era uma pessoa tão fácil de se lidar, alguém que ela conhecia tão bem. Afinal, eles eram um "casal" desde que Houston tinha seis anos e ele doze. Agora, aos vinte e dois, tinha passado grande parte do tempo perto de Leander Westfield, e sempre soubera que seria a sra. Westfield. Tudo que estudara, tudo que aprendera era uma preparação para o dia quando seria a esposa de Lee.
Mas desde que voltara de seus estudos na Europa, há poucos meses atrás, ele começara essa beijação, empurrando-a no banco da carruagem, tateando suas roupas, e tudo que sentia era vontade de que ele parasse com aquelas apalpadelas. Lee, então, ficava zangado, chamava-a de princesa de gelo, e levava-a para casa.
Houston sabia que ele esperava que ela respondesse a seu toque. Apesar de sua aparência tranqüila, Chandler, no Colorado, era uma cidade avançada - pelo menos suas mulheres eram. Mas a verdade era que Houston não sentia nada quando Lee a tocava. Muitas vezes chorava de preocupação ao dormir. Não conseguia imaginar amar alguém como amava Leander, sem se excitar com o toque dele.
Ele pareceu adivinhar os pensamentos de Houston, e afastou-se, com raiva nos olhos.
- Faltam menos de três semanas - disse ela com esperança na voz. - Em pouco tempo estaremos casados e então...
- E então o quê? - Olhou-a de lado. - A princesa de gelo derrete?
- É o que espero - murmurou quase para si mesma. - Ninguém espera mais do que eu.
Ficaram em silêncio por um momento.
- Você está pronta para a recepção do governador, amanhã? - perguntou Lee, tirando um longo charuto de seu bolso e acendendo-o.
- Meu vestido já está passado e pronto.
Houston deu-lhe um sorriso trêmulo. Essas poucos minutos após o momento em que ela o repelia eram sempre os piores.
- O governador adorará você, sabia? - Sorriu, mas ela sentia que ele estava forçando. - Algum dia terei a mais linda esposa do Estado, a meu lado.
Ela tentou relaxar. Uma recepção do governador era um lugar onde se sentia confiante. Tinha sido treinada para isso. Talvez devesse ter feito um curso sobre como não ser uma esposa fria e assexuada. Sabia que alguns homens achavam que suas esposas não deviam ter prazer com sexo, mas também sabia que Leander não era como os outros. Ele tinha explicado que esperava que ela tivesse prazer com ele, e Houston dizia a si mesma que teria, mas se sentia incomodada quando Leander a beijava.
- Tenho de ir à cidade amanhã - disse, interrompendo seus pen-samentos. - Quer vir comigo?
- Adoraria. Oh! Blair queria parar no escritório do jornal. Acredito que alguém mandou-lhe um novo jornal médico, de Nova York.
Houston recostou-se na carruagem, enquanto Leander fazia o cavalo andar, e pensava o que ele diria se soubesse que sua "maleável" prometida, uma vez por semana, fazia algo que era bastante ilegal.

Blair espreguiçou-se na cama de nogueira, enfeitada e de dossel, um joelho dobrado, mostrando a separação de suas calças turcas. Seu quarto grande, azul e branco era no terceiro andar e, pela janela do lado oeste, tinha uma linda vista do Ayers Peak. Ela tinha um quarto no segundo andar com o resto da família, mas após ter deixado Chandler, quando tinha doze anos, Opal engravidara e o sr. Gares transformara seu quarto em um banheiro e quarto de criança. Opal perdeu a criança e o pequeno quarto ficara sem uso até agora, repleto de bonecas e soldadinhos que o sr. Gares comprara.
- Realmente, não vejo por que temos que ir com Leander - disse Blair a Houston, que estava toda empertigada, sentada em uma cadeira de brocado branco. - Ficamos anos sem nos ver e agora tenho que reparti-Ia.
- Foi Leander que nos pediu que o acompanhássemos, e não o contrário. Às vezes, penso que você não gosta dele. Mas não consigo enxergar como isso seria possível. Ele é amável, considerado, tem posição na comunidade e ele...
- E ele é seu dono absoluto! - explodiu Blair, pulando da cama, assustando Houston com a força de sua explosão. - Você não percebe que na escola eu trabalhei com mulheres como você, mulheres que são tão infelizes que freqüentemente tentam o suicídio?
- Suicídio? Blair, não tenho idéia do que está falando. Não tenho intenção de me matar. - Houston não pôde evitar de afastar-se, diante da veemência da irmã.
- Houston - disse Blair com calma -, gostaria que pudesse ver o quanto mudou. Você costumava rir, mas agora está tão distante. Compreendo que teve que se acostumar com Gates, mas por que escolheu um homem tão parecido com ele para se casar?
Houston levantou-se, colocando a mão na cômoda de nogueira e tocando preguiçosamente a escova de cabelo, de prata, de Blair.
- Leander não é como o senhor Gates. Na verdade, ele é muito diferente, Blair. - Olhou para sua irmã no enorme espelho. - Eu amo Leander - disse gentilmente. - Há anos que o amo, e tudo que sempre quis e casar-me, ter filhos e formar minha família. Nunca quis fazer nada grande ou nobre como você parece querer fazer. Você não vê que sou feliz?
- Gostaria de poder acreditar em você - disse Blair sinceramente. - Mas alguma coisa não me deixa. Creio que odeio a maneira como Leander trata você, como se fosse dele. Vocês dois se parecem como um casal que vive junto há vinte anos.
- Nós estamos juntos há muito tempo. - Houston virou-se para fitar sua irmã. - O que deveria procurar em um marido, se não for compatibilidade?
- A mim parece que os melhores casamentos são entre pessoas que se achem interessantes. Você e Leander são muito parecidos. Se ele fosse uma mulher, seria uma perfeita dama.
- Como eu - murmurou Houston. - Mas eu não sou sempre uma dama. Há coisas que faço...
- Como Sadie?
- Como soube? - perguntou Houston.
- Meredith me contou. O que acha que o seu querido Leander vai dizer quando descobrir que se expõe ao perigo todas as quartas-feiras? E como será para um cirurgião de sua posição estar casado com uma criminosa praticante?
- Não sou uma criminosa. Estou fazendo uma coisa que é boa para a cidade toda - Houston respondeu com firmeza. Depois, calou-se. Enfiou outro grampo, no coque bem-feito, atrás de sua cabeça. Cuidadosamente arrumou os caracóis que emolduravam sua testa, por baixo do chapéu enfeitado com uma chuva de vistosas plumas azuis. - Não sei o que Leander dirá. Talvez não descubra.
- Ah! Aquele homem pomposo e mimado proibirá você de participar de qualquer coisa referente aos mineiros e você está tão acostumada a obedecer que fará exatamente o que ele disser.
- Talvez deva desistir de ser Sadie, depois de casada - disse com um suspiro.
Blair ajoelhou-se no carpete e pegou as mãos de Houston.
- Estou preocupada com você - disse Blair. - Você não é a irmã com quem cresci. Gates e Westfield estão acabando com seu espírito. Quando éramos crianças, você costumava jogar bolas de neve com os melhores deles, mas agora é como se tivesse medo do mundo. Mesmo quando faz alguma coisa maravilhosa, como dirigir uma carroça de mercadorias, você faz em segredo. Oh, Houston...
Parou ao ouvir uma batida na porta.
- Senhorita Houston, o doutor Leander está aqui.
- Sim, Susan, já vou descer. - Houston ajeitou a saia. - Sinto que você não me aprove - disse com afetação -, mas conheço minha vontade. Quero me casar com Leander porque o amo. - Em seguida, saiu do quarto e desceu as escadas.
Houston fez o que pôde para tirar as palavras de Blair da cabeça, mas não conseguiu. Cumprimentou Leander distraidamente e teve uma vaga consciência de uma discussão entre Lee e Blair, mas na realidade não ouviu nada, exceto seus próprios pensamentos.
Blair era sua gêmea, elas eram mais unidas do que irmãos comuns e a preocupação de Blair era verdadeira. No entanto, como podia Houston, pelo menos, pensar em não casar-se com Leander? Quando ele tinha oito anos, decidiu que seria um médico, um cirurgião que salvaria vidas. Quando Houston conheceu-o, Lee tinha doze e já estava estudando em livros emprestados por um primo distante. Houston decidiu que se tornaria a esposa de um médico.
Nada o fez vacilar de sua decisão. Lee foi para Harward estudar medicina, depois para Viena para completar os estudos, e Houston foi para escolas femininas, na Virgínia e na Suíça.
Houston ainda estremecia toda vez que pensava na discussão que tivera com Blair sobre sua escolha de escolas.
- Você vai desistir de estudar e se formar para aprender a arrumar uma mesa e entrar numa sala, usando cinqüenta metros de cetim pesado sem cair de cara no chão?
Blair foi para Vassar e, depois, para a escola de medicina, enquanto Houston foi para a Escola pata Jovens Damas, da srta. Jorres, onde passou anos de rigoroso treinamento em tudo, desde como fazer arranjos de flores até como fazer os homens pararem de discutir na mesa do jantar.
Agora, Lee tomava seu braço para ajudá-la a subir na carruagem.
- Você está ótima, como sempre - disse próximo à sua orelha.
- Lee, você acha que nós nos achamos... interessantes?
Com um sorriso, percorreu seu corpo com o olhar, por sobre o vestido colado à sua figura, tão apertada no espartilho que parecia uma exagerada ampulheta.
- Houston, eu a acho fascinante.
- Não é isso, quero saber se temos muito sobre o que conversar. Ele levantou uma sobrancelha.
- Já é um milagre que eu possa me lembrar como se conversa quando estou perto de você - respondeu, enquanto a ajudava a subir na carruagem, dirigindo rumo ao coração da cidade de Chandler.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2

CHANDLER, NO COLORADO, era um lugar pequeno, com apenas oito mil habitantes, mas suas indústrias de carvão, gado, carneiro e a cervejaria do sr. Gates a faziam uma pequena cidade rica. Também tinha companhias de telefone e eletricidade e, com as três linhas de trem que a atravessavam, era fácil chegar a cidades maiores, como Colorado Springs e Denver.
Os onze quarteirões que abrangiam o centro comercial de Chandler eram cobertos de construções, quase todas novas e feitas com pedras da Chandler Stone Works. As pedras verde-acinzentadas eram muitas vezes trabalhadas em modelos intrincados, para serem usadas como cornijas nas construções de estilo vitoriano.
Espalhadas ao redor da cidade, havia casas nos estilos colonial e vi-toriano. No extremo norte da cidade, em uma pequena elevação, estava a mansão de Jacob Fenton, uma larga estrutura vitoriana de tijolos, que até há poucos anos era a maior casa de Chandler.
No extremo oeste da cidade, a uma pequena distância da casa dos Fenton, no altiplano que a maioria dos cidadãos antes pensava que fosse parte das montanhas, estava a casa de Kane Taggert. A residência dos Fenton caberia dentro da adega da casa de Taggert.
- A cidade toda ainda está tentando conhecer a casa? - perguntou Blair a Houston, apontando para a mansão dissimulada pelas ãrvores. Ainda assim, a parte visível era grande o bastante para ser observada de quase todos os pontos da cidáde.
- Todas. - Houston sorriu. - Mas quando o senhor Taggert ignorou todos e não fez nenhum convite, as pessoas começaram a espalhar boatos horríveis sobre ele.
- Não estou tão certo de que tudo que disseram foram boatos - disse Leander. - Jacob Fenton disse...
Houston não se interessou em ouvir. Recostou-se na carruagem e fitou demoradamente a casa, através da janela traseira do carro. Lee e Blair continuavam discutindo quando ele parou a carruagem para esperar que um dos novos bondes puxados a cavalo passasse.
Ela não tinha idéia se o que diziam sobre o sr. Taggert era ou não verdade, mas na sua opinião a casa que ele construíra era a coisa mais linda que já vira.
Ninguém em Chandler sabia muita coisa a respeito de Kane Taggert, mas, cinco anos atrás, cerca de cem trabalhadores de construção chegaram do leste com um trem inteiro lotado com materiais. Em poucas horas, começaram o que logo iria tornar-se sua casa.
Naturalmente, todos estavam curiosos. Na verdade, muitos estavam mais do que curiosos. Alguém disse que nunca nenhum dos trabalhadores teve que pagar por uma refeição, porque todas as mulheres de Chandler os alimentaram na esperança de conseguir informações. Mas não adiantou. Ninguém sabia quem estava construindo a casa, ou por que alguém escolhera aquele lugar perdido, no Colorado.
Levou três anos para terminar, uma construção em forma de U, linda e branca, dois andares, com teto de telhas vermelhas. O tamanho dela é que confundia a mente do povo. O proprietário de uma loja local gostava de dizer que todos os hotéis da cidade caberiam no primeiro andar, e, considerando-se que Chandler ficava no cruzamento das estradas do norte e do sul do Colorado, e o número de hotéis que havia, isso significava muito.
Durante um ano depois da casa pronta, vagões lotados de caixas de madeira eram entregues na casa. Elas tinham etiquetas da França, Inglaterra, Espanha, Portugal, de todas as partes do mundo.
Mas ainda não havia sinal do proprietário.
Um dia, dois homens desceram do trem, ambos altos, fortes, um louro e de aparência agradável, o outro moreno, barbado e carrancudo. Ambos usavam os trajes comuns dos mineiros, calças de lona, camisa de algodão azul e suspensórios. Enquanto percorriam a rua, as mulheres afastavam suas saias.
O moreno foi à casa de Jacob Fenton, e todos imaginaram que fosse pedir emprego em uma das minas que possuía. Mas, em vez disso, ele falou:
- Bem, Fenton, estou de volta. Gosta da minha casa?
Até que atravessasse a cidade, o terreno da casa nova e entrasse pela porta da frente, sempre trancada, ninguém tinha idéia de que tinha se referido àquela casa.
Nos seis meses seguintes, segundo Duncan Gates, Chandler foi umcampo de guerra sem tréguas. Viúvas, solteironas e mães de mocinhas fi-zeram todo tipo de ataque para conseguir se casar com o homem de quem tinham afastado suas saias. De Denver vinham dúzias de costureiras.
Em uma semana, as mulheres descobriram seu nome e então o sr. Taggert começou a ser assediado. Algumas das tentativas para chamar sua atenção eram bastante comuns; por exemplo, era espantoso o número de mulheres que desmaiavam quando se aproximavam dele, mas algumas eram engenhosas. Todos concordaram que o prêmio era para Carrie Johnson, uma viúva grávida, que desceu por uma corda até o quarto do sr. Taggert, já em trabalho de parto. Ela pensou que ele faria o parto de seu bebê e naturalmente ficaria apaixonadíssimo por ela e a pediria em casamento. Mas Taggert não estava no momento, e toda a assistência que teve foi de uma lavadeira que passava.
Depois de seis meses, quase todas as mulheres da cidade tinham feito papel de tolas, sem sucesso, e, então, começaram a falar mal dele. Quem queria um homem rico, mas que não sabia se vestir adequadamente? E seu linguajar era o de um vaqueiro simplório. Começaram a fazer perguntas sobre ele. O que significaria aquilo que dissera, "Estou de volta"?
Um velho empregado da casa de Jacob Fenton lembrou-se de que Kane Taggert tinha sido o rapaz que cuidava do estábulo, até que começou namorar Pamela Fenton, a filha mais jovem de Jacob. Este o pusera fora da propriedade a pontapés - no que fizera muito bem, segundo ele.
Isso deu à cidade um assunto novo para as conversas. Afinal, quem Taggert pensava que era? Que direito tinha ele de construir aquela casa bizarra e pomposa, contemplando a pacífica, pequena e bonita cidade de Chandler? Por acaso, planejava vingar-se do querido Jacob Fenton?
Mais uma vez, as mulheres começaram a afastar suas saias quando ele passava.
Mas Taggert nunca pareceu notar nada disso. Ficava em sua casa a maior parte do tempo, dirigia sua velha carroça, uma vez por semana, até o centro para comprar mantimentos. Algumas vezes, chegavam homens pelo trem e perguntavam o caminho de sua casa, e partiam da cidade antes do anoitecer. A não ser esses homens, as únicas pessoas que entravam ou saíam da casa enorme eram Taggert e o homem que ele chamava de Edan, e que sempre estava com ele.
- É a casa dos sonhos de Houston - disse Leander, depois que o bonde passou, trazendo Houston de volta para o presente. Ele terminara, ou interrompera, a discussão com Blair. - Se ela não me tivesse, creio que teria entrado na fila das mulheres que lutaram por Taggert e pela casa dele.
- Eu gostaria de vê-Ia por dentro - disse com mais desejo do que queria demonstrar. Depois, para disfarçar, continuou: - Você pode me deixar aqui no Wilson, Lee. Dentro de uma hora, nos encontramos no Farrell.
Uma vez fora da carruagem, percebeu que estava satisfeita de se afastar daquele constante bate-boca.
A Wilson Mercantile era uma das quatro grandes lojas de artigos secos de todos os tipos, em Chandler. Grande parte da população comprava na loja mais nova e mais moderna, The Famous, mas o sr. Wilson tinha conhecido o pai de Houston.
As paredes eram contornadas por armários altos, de nogueira, com portas de vidro, intercalados com balcões com tampos de mármore, cobertos de mercadorias.
Atrás de um dos balcões, sentava-se Davey Wilson, filho do sr. Wilson, com o livro de escrita comercial aberto em sua frente, mas sua caneta não se mexia.
De fato, nenhum dos três fregueses ou dos quatro caixeiros parecia estar se movendo. Tudo estava estranhamente silencioso. Logo Houston viu o motivo: Kane Taggert estava olhando um dos balcões, de costas para as poucas pessoas que estavam na loja.
Silenciosamente, Houston dirigiu-se a um balcão para olhar uma seleção de remédios, não com intenção de comprá-los, mas para poder observar o que estava acontecendo.
- Oh, mamãe - lamuriou Mary Alice Pendergast em sua voz alta -, eu não poderia usar isto, pareceria uma noiva de mineiro. As pessoas pensariam que eu sou uma qualquer... uma empregada ou lavadeira de pratos que estivesse se julgando importante. Não, não, Mamãe, não posso usar isto.
Houston rangeu os dentes. Aquelas duas mulheres estavam provocando o sr. Taggert. Desde que desprezara todas as mulheres da cidade, elas achavam que tinham direito a essas atitudes desagradáveis. Deu uma olhada na direção dele e, ao fazê-lo, viu seu rosto em um espelho de propaganda atrás do balcão. Tinha tanta barba no rosto que seus traços dificilmente podiam ser vistos, mas Houston pôde ver seus olhos. Com certeza estava ouvindo os desagradáveis comentários de Mary Alice e, mais ainda, estava chateado. Havia um vinco entre seus olhos.
O pai de Mary Alice era um homem gentil e tímido, que nunca levantava a voz. Mas Houston sabia, graças à convivência com o sr. Gates, o que um homem zangado podia fazer ou dizer. Ela não conhecia o sr. Taggert, mas sabia que tinha visto zanga naqueles olhos escuros.
- Mary Alice - disse Houston -, como se sente hoje? Parece um pouco pálida.
Mary Alice pareceu surpresa, como se só então tivesse visto Houston.
- Ora, Blair-Houston, sinto-me bem. Não há nada errado comigo. Houston examinou um vidro de estimulante para o fígado.
- Eu só estava torcendo para que você não desmaiasse outra vez - disse intencionalmente, fitando bem os olhos de Mary Alice. Mary Alice tinha desmaiado duas vezes em frente do sr. Taggert, assim que este chegara à cidade.
- Ora você! Como se atreve! - gaguejou Mary Alice.
- Vamos embora, querida - disse sua mãe, empurrando-a em direção à porta. - Nós sabemos quem são nossos amigos.
Houston sentiu-se aborrecida consigo mesma, depois que Mary Alice e a mãe saíram. Mais tarde teria que ir desculpar-se. Impacientemente, puxou com força suas luvas de pelica, preparando-se para deixar a loja, quando outra vez olhou em direção ao sr. Taggert e viu, no espelho, que ele a observava.
Ele virou-se para encará-la.
- Você é Houston Chandler, não é?
- Sou - respondeu friamente. Não tinha intenção nenhuma de conversar com um homem que não conhecia. O que é que tinha feito com que tomasse o partido desse estranho, contra alguém que conhecera a vida toda?
- Por que é que aquela mulher a chamou de Blair? Essa não é sua irmã?
A uma pequena distância, Davey Wilson deu um pequeno resmungo. Havia somente os quatro caixeiros na loja, além de Houston e Kane, e eles estavam pregados em seus lugares.
- Minha irmã e eu somos gêmeas idênticas, e, desde que ninguém pode nos diferenciar, o pessoal da cidade nos chama de Blair-Houston. Agora, senhor, se me der licença. - Virou-se para sair.
- Você não se parece com sua irmã. Eu já a vi e você é mais bonita.
Por um momento, Houston parou para olhá-lo, pasmada. Ninguém jamais fora capaz de diferenciá-las. Quando seu choque momentâneo passou, voltou-se para sair.
Mas quando sua mão tocou a maçaneta da porta, Taggert atravessou a sala num pulo e agarrou seu braço.
Durante toda sua vida, Houston vivera em uma cidade cheia de mineiros de carvão, vaqueiros e habitantes de uma parte da cidade que ela não deveria saber que existia. Muitas mulheres sempre levavam uma sombrinha bem forte, que servia para bater na cabeça dos homens. Mas
Houston podia lançar olhares que gelavam um homem. E agora ela dera um desses para o sr. Taggert.
Ele retirou a mão do braço dela, mas permaneceu a seu lado. O tamanho dele a fez sentir-se pequena.
- Eu queria lhe fazer uma pergunta - falou em voz baixa, para depois acrescentar, rindo: - Isto é, se você não se importar.
Ela concordou com um leve aceno de cabeça, mas não iria encorajar uma conversa com ele.
- Eu estava imaginando uma coisa. Se você, que é uma dama e tudo o mais, fosse fazer cortinas para a minha casa, você sabe, aquela branca na colina, qual desses tecidos escolheria?
Ela não se deu ao trabalho de olhar as prateleiras de rolos de tecidos que ele mostrava.
- Senhor - disse com alguma altivez na voz -, se eu tivesse a sua casa, encomendaria o tecido especialmente em Lyon, na França. E agora, bom dia. - Saiu da loja o mais rápido possível em direção aos toldos listrados que cobriam o lado sul da rua, seus saltos batendo no largo passeio de tábuas. A cidade estava muito ativa e ela cumprimentou e conversou com diversas pessoas.
Quando dobrou a esquina da Rua 3 e da Lead, abriu a sombrinha para se proteger do brilhante sol e começou a dirigir-se para a loja de ferragens Farrell. Ela podia ver a carruagem de Lee parada defronte.
Assim que passou pela Drogaria Freyer, começou a relaxar e a achar graça no seu encontro com o esquivo sr. Taggert.
Mal podia esperar para contar o encontro para suas amigas, e como ele perguntara se ela sabia qual era sua casa. Talvez devesse ter se oferecido para medir as janelas e encomendar as cortinas. Dessa forma, poderia ver o interior da mansão.
Estava sorrindo para si mesma quando alguém, de repente, agarrou seu braço e puxou-a rudemente para uma passagem estreita e sombreada atrás da Chandler Opera House. Antes que pudesse gritar, uma mão desceu-lhe sobre a boca e foi empurrada contra a parede de pedra. Com olhos assustados, levantou e viu Kane Taggert.
- Não vou machucá-la. Eu só quero conversar com você, e pude ver que não falaria nada em frente daqueles outros. Você não vai gritar?
Houston sacudiu a cabeça, e ele retirou a mão, mas ficou perto dela. Ela queria ficar calma, mas estava respirando com dificuldade.
- Você é muito mais bonita de perto. - Imóvel, ele olhava-a de cima a baixo, por sobre o conjunto justo de lã verde. - E você parece urna dama.
- Senhor Taggert - disse com toda a calma que conseguiu reunir -, eu não gosto de ser puxada para dentro de vielas e encostada contra paredes. Se tem alguma coisa para me dizer, por favor diga logo.
Sem se afastar, ele pôs uma mão na parede, ao lado da cabeça dela. Havia linhas finas em volta de seus olhos, o nariz era pequeno e o lábio inferior, visível sob a barba espessa, era cheio.
- Por que ficou a meu favor naquela loja? Como se lembrou que aquela mulher desmaiara na minha frente?
- Eu... - Houston hesitou - creio que não gosto de ver ninguém magoando outra pessoa. Mary Alice estava embaraçada por ter feito papel de tola em sua frente e o senhor nem reparou.
- Reparei, sim - disse, e Houston viu o lábio inferior abrir-se num sorriso. - Eu e Edan nos rimos de todas elas.
- Não foi muito educado de sua parte. Um cavalheiro não deve rir de uma dama. - Houston empertigou-se.
Ele respirou próximo ao seu rosto e Houston achou que sua respiração tinha um cheiro doce, e imaginou como seria ele sem toda aquela barba.
- Da maneira como vejo isso, todas aquelas mulheres agiam daquela forma porque sou rico. Em outras palavras, elas estavam se fazendo de prostitutas, portanto não eram damas, e eu não tinha que agir como um cavalheiro e levantá-las.
Houston piscou com aquele vocabulário. Nunca homem nenhum usara tais palavras em sua frente.
- Como é que você não tentou chamar minha atenção? Não quer o meu dinheiro?
Aquilo tirou Houston de sua letargia. Ficou atenta e percebeu que estava quase recostada na parede.
- Não, senhor, eu não quero seu dinheiro. Agora preciso ir. Nunca mais me aborde dessa maneira. - Girou nos calcanhares e, enquanto deixava-o na viela, ouviu suas risadas.
Percebeu que estava zangada quando ao atravessar a rua larga e em-poeirada quase foi atropelada por uma carroça malcheirosa carregada de couros. Sem dúvida, o sr. Taggert pensara que sua atitude nesta manhã era outra jogada pelo seu dinheiro.
Lee disse alguma coisa, como cumprimento, mas ela estava muito distraída para ouvi-lo.
- Me desculpe - disse Houston.
Lee pegou-a pelo cotovelo e escoltou-a até a carruagem.
- Acho melhor irmos para casa agora, a fim de que possa aprontarse para a recepção do governador hoje à noite.
- Sim, claro - respondeu distraidamente, enquanto ele a ajudava.
Houston quase ficou satisfeita quando Blair e Lee começaram novamente a discutir, porque isso dava-lhe tempo de pensar sobre o encontro dessa manhã. Às vezes, parecia que durante toda sua vida tinha sido a senhorita Blair-Houston. Mesmo quando Blair estava fora, por questão de hábito, o nome permanecia. No entanto, hoje, alguém tinha lhe dito que não era de modo algum parecida com a irmã. Certamente ele estava só se vangloriando. Ele não poderia, na verdade, diferenciá-las.
Quando se dirigiam para oeste, fora da cidade, endireitou suas costas ao ver o sr. Taggert e Edan, que estavam a ponto de passá-los com sua carroça velha e estragada.
Kane deteve os cavalos ao mesmo tempo em que gritava o nome de Westfield.
Espantado, Lee parou seu cavalo.
- Queria dizer bom dia para as damas. Senhorita Blair - disse a Blair no lado afastado -, e senhorita Houston - sua voz suavizandose enquanto olhava-a diretamente. - Bom dia para vocês. - Estalou o chicote por sobre as cabeças dos quatros cavalos para pô-los em movimento.
- Afinal, o que é isso? - perguntou Leander. - Não sabia que vocês conheciam Taggert.
Antes que Houston pudesse responder Blair disse:
- Esse é o homem que construiu aquela casa? Não é de se admirar que não tenha convidado ninguém para ir lá. Ele sabe que recusariam. A propósito, como ele pôde nos distinguir?
- Nossas roupas - respondeu Houston muito rapidamente. - Eu o vi na loja.
Blair e Leander continuaram a conversar, mas Houston não ouviu uma palavra do que disseram. Estava pensando em seu encontro daquela manhã.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3


A CASA dos Chandler estava localizada dentro de seis mil metros quadrados de terras, com uma garagem de tijolos para carruagens e um caramanchão de parreiras entrelaçadas que ficava perto do extenso alpendre que cercava três lados da casa. Com o passar dos anos, Opal transformou a terra em uma jóia de jardim. Os olmos que plantara quando a casa era nova estavam agora desenvolvidos e sombreavam os viçosos gramados e flores, protegendo-os do abrasador sol do Colorado. Havia caminhos estreitos de tijolos, estátuas de pedra e bebedouros para pássaros, escondidos na arrumada profusão de flores. Entre a casa e a garagem, havia um jardim, e Opal sempre mantinha todas as salas de sua casa cheias de flores frescas e adoráveis.
- Muito bem - disse Blair enquanto Houston curvava-se sobre uma roseira, no jardim do canto noroeste da propriedade. - Quero saber o que está acontecendo.
- Não tenho idéia do que está falando. - Kane Taggert.
Houston parou um momento, a mão pousada em uma rosa.
- Eu o vi na Mercantile do Wilson e, mais tarde, ele nos disse bom-dia.
- Você não está me contando tudo. Houston virou-se para a irmã.
- Talvez eu não devesse ter me envolvido, mas me parece que o senhor Taggert estava ficando bravo e eu quis evitar uma discussão. Infelizmente, foi às custas de Mary Alice. - E contou a Blair as observações maldosas da srta. Pendergast.
- Não gosto de ver você se envolver com ele. - Você parece o Leander.
- Dessa vez, ele está certo!
- Talvez devêssemos marcar este dia na Bíblia da família. Blair, depois desta noite juro que nunca mais mencionarei o nome do senhor Taggert. - Houston riu.
- Desta noite?
Houston puxou um pedaço de papel de dentro da manga.
- Olhe isto - disse impulsivamente. - Um mensageiro trouxe. Ele convidou-me para jantar em sua casa.
- E daí? Espera-se que hoje à noite você vá a outro lugar com Leander, não é?
Houston ignorou a observação.
- Blair, você parece não ter idéia da agitação que essa casa causou na cidade. Todos tentaram conseguir um convite para ver o seu interior. Vieram pessoas do Estado todo para vê-Ia, mas ninguém foi convidado. Certa vez, chegaram a ir pedir ao senhor Taggert que permitisse a um duque inglês que estava passando pela cidade hospedar-se lá, mas ele nem ouviu o comitê. E agora eu fui convidada.
- Mas você tem que ir a outro lugar. O governador estará lá. Certamente, ele é mais importante do que o interior de qualquer casa velha.
- Você não pode entender o que é isso - disse Houston com um olhar longínquo. - Ano após ano, vimos o trem desembarcar suas mercadorias. O senhor Gates disse que o dono não tinha construído um ramal para casa porque queria que todos vissem as encomendas pelo caminho todo, através da cidade. Eram engradados de mercadorias do mundo inteiro. Oh, Blair, eu sei que deviam estar repletos de móveis. E tapeçarias! Tapeçarias de Bruxelas.
- Houston, não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. Você prometeu ir à recepção e você deve ir.
Preguiçosamente, Houston brincava com uma rosa.
- Quando nós éramos crianças, podíamos estar em dois lugares ao mesmo tempo.
Levou um minuto para Blair entender.
- Você quer que troquemos de lugar? Você quer que eu passe a noite com Leander, fingindo que gosto dele, enquanto você vai ver a casa de algum homem lascivo?
- O que você sabe sobre Kane para chamá-lo de lascivo?
- Kane, não é? Pensei que não o conhecesse.
- Não mude de assunto. Blair, por favor, troque de lugar comigo. Só por uma noite. Poderia ir uma outra vez, mas tenho medo que o sr. Gates proíba. E também não tenho certeza de que Leander me dei-xaria. Nunca mais terei uma oportunidade como essa. Só uma última escapada antes de me casar.
- Você faz o casamento soar como morte. Além do mais, Leander saberia em um minuto que eu não sou você.
- Não se você se comportar. Você sabe que ambas somos boas atrizes. Veja como eu finjo ser uma velha todas as quartas-feiras. Tudo que tem a fazer é ficar tranqüila e não começar a discutir com Lee, evitar falar de medicina e andar como uma dama, em vez de parecer que está indo ver um incêndio.
Blair ficou quieta um longo tempo antes de responder, mas Houston podia ver que estava fraquejando.
- Por favor, por favor, Blair. Raramente peço a você qualquer coisa.
- Exceto passar meses na casa de nosso padrasto, que você sabe que eu detesto. E passar semanas na companhia desse homem convencido com quem você pretende se casar. Para...
- Oh, Blair, por favor - murmurou Houston. - Eu realmente quero ver a casa dele.
- É só na casa que está interessada, não em Taggert?
Houston sabia que vencera. Blair tentava agir com relutância, mas por alguma razão própria ia concordar. Ela esperava que Blair não tentasse fazer Lee levá-la até o hospital.
- Pelo amor de Deus! - disse Houston. -já estive em centenas de jantares e nunca fiquei apaixonada pelo anfitrião. Além disso, haverá mais gente lá. - Pelo menos ela esperava que sim. Não queria ser encostada numa parede outra vez.
De repente, Blair sorriu.
- Depois do casamento, você se importa se eu contar a Leander que passou uma noite comigo? Só para ver a cara dele, vale a pena fazer essa brincadeira.
- Claro que pode. Lee tem um ótimo senso de humor, e tenho certeza de que apreciará a brincadeira.
- Duvido um pouco, mas pelo menos eu me divertirei. Houston abraçou a irmã.
- Vamos nos aprontar. Quero usar alguma coisa que combine com aquela casa e você usará o vestido de cetim azul - disse sedutoramente.
- Eu deveria usar minhas calças, mas isso nos denunciaria, não? - Blair comentou, enquanto seguia sua irmã dentro da casa, uma luz dançando em seus olhos.
O que se seguiu foi uma orgia de indecisão. Houston mexeu em todo seu enorme enxoval que fora feito para o casamento, tentando achar o vestido certo.
Por fim, decidiu-se por um vestido de brocado malva e prata, de decote baixo quadrado e bainha contornada com arminho, com as mangas curtas, bufantes, feitas de chiffon. Esconderia o vestido em uma valise de couro - Blair estava sempre carregando malas cheias de instrumentos médicos de formatos estranhos - e se trocaria na casa de Tia.
Não quis usar o telefone com medo de que alguém ouvisse, assim pagou para um dos meninos do Randolph levar um bilhete para sua amiga Tia Mankin, que morava perto da casa de Kane. Pedia-lhe que dissesse que Blair estava lá, se alguém perguntasse.
Blair começou a se queixar outra vez, agindo como se Houston a es-tivesse mandando fazer uma coisa impossível. E lamentou-se durante vinte minutos por causa da tensão do espartilho que deixou sua cintura bastante fina para usar o vestido. Mas quando Blair olhou-se no espelho, Houston viu seus olhos brilharem e soube que ela estava satisfeita com sua aparência.
Os poucos minutos que passaram no vestíbulo com a mãe e o sr. Gates foram uma alegria para Houston. As roupas confortáveis de Blair faziam-na sentir-se como uma garota levada, e ela provocou o sr. Gates a mais não poder.
E quando Leander chegou, divertiu-se, arreliando-o também. A frieza reservada de Lee, a maneira como se esquivava, com sua atitude de su-perioridade, começou a irritá-la, e, quando chegaram à casa de Tia, ela estava contente por afastar-se de Lee e Blair.
Encontrou Tia na sombra de um choupo e seguiu-a pelas escadas para seu quarto.
- Blair - Tia murmurou enquanto ajudava Houston a se vestir -, eu não imaginava que você conhecia nosso misterioso senhor Taggert. Eu queria poder ir com você esta noite, e aposto que Houston também gostaria de ir. Ela adora aquela casa. Alguma vez ela lhe contou quando ela... Talvez eu não deva contar.
- Talvez não deva - disse Houston. - Agora, preciso ir. Desejeme sorte.
- Amanhã conte-me tudo. Quero ouvir sobre cada detalhe dos móveis, do chão, do teto - disse Tia seguindo a amiga escada abaixo.
- Contarei - respondeu Houston, enquanto corria para o caminho que levava à casa de Taggert. Detestava chegar sem uma carruagem, a pé, como uma fugitiva ou pedinte, mas não podia perder essa oportunidade.
O caminho circular levava à frente da casa, com altas alas brancas saindo como braços de cada lado dela. Em volta do telhado havia uma grade e ela imaginou se haveria terraços lá em cima.
A porta da frente era branca, com dois longos painéis de vidro. Enquanto espiava para o interior e ajeitava o vestido, tentou acalmar o coração, e bateu na porta. Logo ouviu passos pesados ecoando pela casa.
Kane Taggert, ainda usando suas roupas comuns, sorriu enquanto abria a porta para ela.
- Espero não ter chegado cedo - disse Houston mantendo os olhos em seu rosto e se esforçando para não olhar estupidamente em sua volta.
- Chegou bem na hora. O jantar está pronto. - Afastou-se e Houston deu sua primeira olhada no interior da casa.
Bem à sua frente, fazendo uma curva em ambos os lados, havia uma magnífica escadaria dupla, de ferro preto, com o corrimão trabalhado em bronze graciosamente acompanhando a curva. Apoiando a escada, colunas brancas, encimadas por um capitel de desenho intrincado, elevavam-se para o teto alto e trabalhado em madeira. Era um estudo em branco e ouro, com as suaves luzes elétricas inundando tudo com sua névoa dourada.
- Gosta? - perguntou Kane e estava obviamente rindo de sua espressão.
Houston recuperou-se o bastante para fechar sua boca.
- É a coisa mais linda que já vi - conseguiu murmurar.
Kane estufou o peito com orgulho.
- Quer olhar mais um pouco por aí ou prefere jantar agora?
- Olhar - disse, enquanto seus olhos tentavam devorar cada canto do vestíbulo e da escadaria.
- Então, venha - disse Kane, começando rapidamente a andar.
- Esta pequena sala é meu escritório - disse, mantendo aberta a porta de uma sala tão grande quanto o andar térreo da casa dos Chandler. Era lindamente trabalhada em nogueira, com uma lareira de mármore ao longo de uma parede. Mas no centro da sala estava uma escrivaninha barata de nogueira com duas velhas cadeiras de cozinha ao lado. Os papéis espalhados sobre a escrivaninha caíam no chão taqueado.
- E essa é a biblioteca.
Ele não lhe deu muito tempo para olhar, mas levou-a a uma sala enorme, vazia, com as paredes cobertas de painéis de madeira dourada e com estantes embutidas. Três grandes áreas de parede gessada, também vazias, interrompiam o painel.
- Ali vão alguns tapetes, mas ainda não os coloquei - disse ao sair da sala. - E essa é o que chamam a grande sala de visitas. Houston só teve tempo de olhar uma enorme sala branca, completamente sem móveis, antes que ele lhe mostrasse a pequena sala de visitas, a sala de jantar pintada de verde bem claro, para depois conduzila por um vestíbulo até a área de serviço.
- Essa é a cozinha - disse desnecessariamente. - Sente-se. - Acenou para uma grande mesa de carvalho e cadeiras que deviam ter vindo do mesmo lugar que a escrivaninha do escritório.
Ao sentar-se, viu que havia gordura na beirada da mesa.
- Ela parece combinar com a escrivaninha - disse cautelosamente. - Sim, encomendei-as todas na Sears Roebuck - disse enquanto enchia tigelas com ensopado de um grande caldeirão que estava sobre o fogão de ferro fundido. - Tenho mais móveis lá em cima. Muito bonitos também. Uma das cadeiras é de veludo vermelho com borlas amarelas.
- Parece ser uma peça interessante.
Pôs em frente dela uma tigela de ensopado com enormes pedaços de carne nadando na gordura, e sentou-se.
- Coma antes que esfrie.
Houston pegou sua colher grande e brincou com o ensopado.
- Senhor Taggert, quem desenhou sua casa?
- Um homem lá do Leste. Por quê? Você gosta dela, não?
- Muito. Eu só estava curiosa.
- Sobre o quê? - perguntou ele, com a boca cheia de ensopado.
- Por ser tão vazia. Por que não há móveis nas salas? Nós, isto é, o povo de Chandler, vimos engradados serem entregues depois de a casa estar terminada. Nós todos achamos que continham móveis.
Ele a observava enquanto rodava a carne em sua tigela.
- Comprei muitos móveis, tapetes e estátuas. Na verdade, paguei dois homens para comprá-los para mim e tudo está lá no sótão.
- Guardado? Mas por quê? Sua casa é maravilhosa, no entanto você vive aqui, creio eu, sozinho, com um único empregado e sem ao menos uma cadeira para se sentar. Com exceção, claro, das que comprou na Sears Roebuck.
- Bem, pequena dama, é por isso que a convidei para vir aqui. Você vai comer isso? - Tirou a tigela dela e começou ele mesmo a comer o ensopado.
Houston estava com os cotovelos na mesa, olhando-o fascinada.
- Por que me convidou, senhor Taggert?
- Suponho que saiba que sou rico, muito rico mesmo, e sou bom para ganhar dinheiro - depois dos primeiros cinco milhões o resto é fácil -, mas a verdade é que não sei como gastar dinheiro.
- Não sabe como?... - murmurou Houston.
- Oh, eu posso fazer encomendas na Sears, tudo bem, mas, quan-do é para gastar milhões, tenho que contratar outras pessoas. Para conseguir esta casa, perguntei à esposa de um homem quem eu poderia contratar. Ela deu-me o nome de um homem, chamei-o em meu escritório e disse-lhe que queria alguma coisa bonita, e ele me construiu este lugar e contratou aqueles dois homens, de quem já lhe falei, para comprar os móveis. Ainda nem vi o que compraram.
- Por que não deixou que eles dispusessem os móveis?
- Porque minha esposa poderia não gostar da arrumação que fizessem e os arrumaria outra vez, e não vi razão para que isso fosse feito duas vezes.
Houston recostou-se na cadeira.
- Não sabia que era casado.
- Ainda não sou. Mas já fiz minha escolha.
- Parabéns.
Kane sorriu para ela, por detrás da barba.
- Não posso simplesmente ter qualquer mulher nesta casa. Ela tem que ser uma dama verdadeira, real, de berço. Certa vez, alguém me disse que uma verdadeira dama é uma líder, que luta por causas, fica ao lado de pobres diabos e, ainda, mantém seu chapéu no lugar. E que uma verdadeira dama pode gelar um homem com um olhar. Foi o que você fez hoje, Houston.
- Peço que me desculpe.
Ele empurrou a segunda tigela vazia, afastando-a, e inclinou-se para ela.
- Assim que voltei a essa cidade, todas aquelas mulheres se fizeram de tolas para cima de mim, e, quando ignorei-as, começaram a agir como cadelas que são. Todos os homens se afastavam e riam, ou alguns não gostaram, mas nunca me disseram nada. E ninguém nunca foi amável comigo. Exceto você.
- Com certeza, senhor Taggert, outras mulheres...
- Ninguém me defendeu, como você fez hoje, e a maneira como me olhou quando a toquei! Quase me gelou até a morte.
- Senhor Taggert, acredito que devo ir. - Não estava gostando do rumo que a conversa ia tomando. Estava sozinha com aquele homem enorme, semicivilizado; ninguém ao menos sabia onde estava.
- Você ainda não pode sair. Tenho uma coisa para lhe dizer.
- Talvez possa mandar-me uma carta. Realmente eu preciso ir.
- Venha aqui fora comigo. Tenho uma porção de plantas - disse com um jeito de menininho querendo alguma coisa.
Ela esperava não se arrepender, mas talvez a "porção de plantas" fosse um jardim.
Era um jardim: metros e metros de arbustos perfumados e floridos e plantas perenes, roseiras e árvores.
- É tão bonito como a casa - disse, desejando que pudesse explorar as veredas que via delineadas ao luar. - O que mais tem a dizer-me, senhor Taggert? Realmente preciso ir-me, logo.
- Sabe, eu costumava vê-Ia, quando era uma garotinha. Você brincava sempre com Marc Fenton. E claro que nunca reparou em mim. Eu era só o menino do estábulo - disse tenso, depois relaxou. - Sempre ficava imaginando no que você teria se transformado, sendo uma Chandler e brincando com os Fenton, mas tudo terminou bem.
- Obrigada. - Estava curiosa com essa conversa e desejava saber até onde iria.
- O que tenho a dizer é que estou com trinta e quatro anos, tenho tanto dinheiro que não sei o que fazer com ele, uma enorme casa vazia, um sótão cheio de móveis que precisam ser trazidos para baixo, e necessito de alguém que contrate uma cozinheira para mim e Edan, para que não tenhamos que cozinhar nossas refeições. O que preciso, senhorita Houston, é de uma esposa. E decidi que quero você - disse, por fim, triunfalmente.
Levou uns minutos, até que Houston conseguisse falar.
- Eu? - murmurou.
- Sim, você. Creio ser bem de acordo que uma Chandler deva morar aqui, a maior casa que a cidade Chandler já teve, e, também, encomendei algumas pesquisas a seu respeito. Você freqüentou escolas realmente ótimas e sabe como comprar coisas. Sabe como dar festas, como as que a esposa de Jay Gould costumava dar. Eu até comprarei pratos de ouro mesmo, se você quiser.
Houston estava se recuperando, e a primeira coisa que fez foi girar nos calcanhares e começar a andar.
- Espere um minuto - disse ele, andando a seu lado. - Que tal marcar a data do casamento?
Ela parou e fitou-o.
- Senhor Taggert, deixe-me esclarecer bem umas coisas. Primeiro, eu já sou noiva. Segundo, mesmo que não fosse, não sei nada a seu respeito. Não, não me casarei com o senhor, mesmo que me peça de maneira certa e não como uma ordem superior. - Afastou-se outra vez.
- É isso que você quer? Ser cortejada? Mandarei rosas todos os dias, até o casamento.
Parou outra vez, respirou fundo e encarou-o.
- Eu não quero que me corteje. Na verdade, não estou certa de que quero vê-lo novamente. Vim para conhecer sua casa e lhe agradeço por tê-la mostrado. Agora, senhor Taggert, quero ir embora. Se deseja uma esposa, talvez devesse procurá-la entre as mulheres desimpedidas desta cidade. Estou certa de que pode encontrar outra dama realmente verdadeira, de berço. - Houston virou-se e por pouco não correu até a porta da frente.
- Desgraçada! - disse Kane, enquanto subia, após a partida dela.
Edan estava no saguão superior.
- Como foi?
- Ela disse não - Kane falou desgostoso. - Ela quer aquele pobretão do Westfield. E não me diga nada sobre "eu-te-disse". Ainda não acabei. Antes que desista, terei a "Dama" Chandler como minha esposa. Estou com fome. Vamos procurar alguma coisa para comer.

 

 

 

 


4


HOUSTON ESGUEIROU-SE silenciosamente em sua casa, tomando cuidado para que as escadas não rangessem, enquanto subia na ponta dos pés. O sr. Gates tinha completa confiança em Leander e Houston e não a vigiavam quando saía com ele.
Ao entrar em seu quarto, sorriu para a mãe, que esperava preocupada pela porta do quarto. Uma vez dentro, a porta fechada, sorriu porque percebeu que sua mãe, provavelmente, estava confusa, pois supunha-se que Houston fosse Blair e, no entanto, acabara de entrar no quarto de Houston. Sem dúvida, sua mãe percebera a brincadeira e não gostara.
Com um encolher de ombros, afastou a desaprovação da mãe. Opal Gates amava suas filhas, era condescendente e não questionaria o que fizessem nem as denunciaria ao sr. Gates.
Enquanto se despia, pensou na sua noite. Aquela linda casa, tão vazia, tão pouco cuidada. E o dono a oferecia a ela! Claro, ele era parte do pacote, mas todo presente de valor tem alguns cordões amarrando.
Sentada à sua penteadeira, usando espartilho e calças, distraidamente aplicava creme no rosto. Nenhum homem a tratara como Kane Taggert naquela noite. Toda sua vida morara nessa cidadezinha, e todos sabiam que era a última da família fundadora. Crescera consciente de que era uma espécie de possessão para ser adquirida, como "nenhuma festa é completa sem uma das Chandler". Quando os ricos e importantes Westfield vieram do Leste, Houston era uma criança e nada parecia mais certo de que uma Chandler e um Westfield deveriam casar-se.
E Houston sempre fez o que mandavam. Blair enfrentava as pessoas, mas Houston nunca. Com o passar dos anos, Houston aprendeu a fazer exatamente o que era esperado dela. Todos à sua volta achavam que devia casar-se com Leander Westfield. Por isso preparou-se parafazê-lo. Uma vez que era uma Chandler, esperava-se que fosse uma dama. E preparou-se também para ser o que todos esperavam. Vestir-se como uma velha gorda e ir aos campos de carvão era a única coisa imprópria de uma dama que fizera, e isso era um segredo. Olhando-se no espelho, viu surgir medo em seu rosto ao pensar no que Leander diria se descobrisse sobre Sadie. Leander gostava das coisas à sua maneira. Sabia exatamente o que queria em uma esposa: uma mulher previsível.
Levantando-se, começou a desapertar o espartilho. Essa noite tinha sido uma aventura, um acontecimento único, antes de desistir de todas as aventuras e tornar-se a sra. Leander Westfield.
Depois de tirar o espartilho e respirar algumas vezes, um pensamento irreverente lhe atravessou a mente: o que um homem como Kane Taggert faria se descobrisse que sua esposa dirigia uma carroça de mascate todas as quartas-feiras?
- Bem, doçura - disse Houston alto, engrossando a voz -, tenha certeza de que mantém o chapéu no lugar. As verdadeiras damas conseguem, você sabe.
Tentando abafar a risada, Houston caiu de costas na cama. Pois não ficariam todos surpresos em Chandler, pensou, se decidisse aceitar o oferecimento do sr. Taggert?
Sentou-se de repente. Que tipo de roupa ele usaria no casamento? Talvez um terno vermelho com borlas douradas?
Ainda rindo, acabou de se despir e vestir a camisola. Tinha sido bastante agradável receber outra proposta de casamento, descobrir que pelo menos nem todos a encaravam como propriedade pessoal de Leander. Todos, incluindo Houston, sabiam como seria o futuro. Ela e Lee estavam juntos há tanto tempo que ela sabia o que ele comia no desjejum, e como gostava que suas camisas fossem passadas.
A única questão desconhecida era a noite do casamento. Bem, talvez depois dessa noite, Leander não mostraria muito entusiasmo por um longo tempo. Não é que não gostasse de homens, especialmente depois do que acontecera na véspera do casamento de sua amiga Ellie, mas algumas vezes tocar Leander parecia algo incestuoso. Ela amava Leander, sabia que não teria dificuldade em viver com ele, mas o pensamento de se deitar com ele...
Subiu na cama, cobriu-se com uma colcha e preparou-se para dormir. Como será que Blair estava se arrumando com Leander, pensou. Sem dúvida, amanhã ele estaria de mau humor, porque, é claro, ele e Blair deviam ter discutido. Eles não conseguiam ficar horas juntos sem se agarrarem pelo pescoço.
Com um suspiro, mergulhou no sono. Hoje tinha sido uma aventura; amanhã voltaria para sua monótona existência diária.


Houston teve que repelir os avanços de Leander, enquanto este ajudava-a a subir na carruagem, e, mais uma vez, pensou como todos estavam agindo estranhamente. Durante toda a manhã, Blair a evitara, e parecia que tinha chorado. Houston esperava que Blair e Lee não tivessem tido uma discussão séria, e que Lee não tivesse descoberto que tinham trocado de luGates. Tinha tentado conversar com Blair sobre a noite anterior, mas Blair a olhava com uma expressão de desastre e saíra correndo do quarto.
Às onze, Lee chegara para levá-la a um piquenique, uma surpresa agradável, e Houston ouvira Blair brigando com ele na porta da frente. Para confundi-Ia mais ainda, Lee tentara uns avanços físicos no meio da rua, e Houston pensou que teria que bater em suas mãos para mantêlas afastadas.
Agora, sentindo-se como se tivesse entrado no meio de uma peça de teatro e não entendesse nada do que estava acontecendo, sentou-se ao lado de Lee, na pequena carruagem. Ele limitou-se a dirigir, não dizia nada, mas sorria. Houston começou a relaxar. Se ele estava sorrindo, nada de sério devia ter acontecido na noite anterior.
Levou-a a um lugar de enormes rochedos e árvores altas, que nunca tinha visto antes, quilômetros afastado da cidade, um lugar seguro e escondido.
Nem bem a tinha ajudado a sair da carruagem, com tanta pressa que ela quase caiu, já agarrou-a em um sufocante abraço. Ela lutava tanto para conseguir respirar que, a princípio, não ouvia o que ele dizia.
- Não pensei em mais nada a não ser em você ontem à noite - disse. - Sentia o perfume de seus cabelos em minhas roupas, sentia o sabor de seus lábios nos meus, podia...
Houston conseguiu se afastar dele.
- Você o quê? - gaguejou.
Ele começou a desarrumar os cabelos dela e olhá-la estranhamente.
- Você não vai ficar envergonhada comigo hoje, vai? Você não vai ser como era antes de ontem à noite, vai?
Enquanto ele falava, Houston pensava, mas não podia acreditar no que parecia ser a única resposta para as palavras bizarras dele. Blair não poderia ter... Não poderia ter se tornado acessível a Lee? Poderia? Impossível.
- Houston, você me provou que pode ser diferente, portanto não há necessidade de voltar a ser a princesa de gelo. Eu, agora, sei como é realmente, e posso lhe dizer que, se nunca mais for aquela mulher fria, ficaria mais feliz ainda. Agora, venha aqui e me beije como ontem à noite.
De repente, ela percebeu que tudo que ele falava era para dizer como Blair era maravilhosa. Ele não só tinha aprovado Blair na noite anterior, como nunca mais queria que a mulher fria de quem estava noivo voltasse. Livrou-se dele.
- Você está dizendo que ontem à noite eu não fui como costumo ser? Eu fui... melhor?
Ele sorriu de uma maneira tola e continuou a falar com entusiasmo sobre como Blair era maravilhosa.
- Você sabe que sim. Você foi como nunca a vi antes. Não sabia que podia ser assim. Você pode rir, mas estava começando a acreditar que fosse incapaz de qualquer paixão verdadeira e que, sob sua aparência fria, houvesse um coração de gelo. Mas se você tem uma irmã como Blair que pega fogo à menor provocação, com certeza alguma coisa disso passou para você.
Agarrou-a outra vez, antes que pudesse dizer uma palavra, e esmagou-lhe os lábios em um beijo desagradável. Quando Houston conseguiu desvencilhar-se, viu que ele estava irritado.
- Você está levando esse jogo muito longe - disse. - Você não pode ser selvagemente apaixonada em um minuto e frígida no seguinte. O que você é, duas pessoas?
Houston queria gritar que ele estava desejando a irmã errada, que ele era noivo da fria, da frígida e não da fogosa, que ele parecia preferir. Foi como se Lee lesse seus pensamentos, porque seu rosto transformou-se.
- Isso é impossível, não é, Houston? Diga-me que o que estou pensando está errado. Ninguém pode ser duas pessoas, pode?
Houston sabia que o que tinha sido uma simples brincadeira estava agora tornando-se sério. Como podia Blair ter feito isso com ela? Lee afastou-se e sentou-se pesadamente em uma pedra.
- Você e sua irmã trocaram de lugar na noite passada? - perguntou mansamente. - Passei a noite com Blair e não com você?
Ela fez um esforço e murmurou:
- Sim.
- Eu devia ter percebido desde o começo: como soube lidar com aquele suicídio, e ela nem ao menos sabia que era a casa que comprara para ela, quero dizer, para você. Mas eu não queria perceber. A partir do momento que disse querer ir comigo para ver se podia ajudar de alguma forma, fiquei tão estupidamente satisfeito que não perguntei mais nada. Deveria ter sabido quando a beijei... Danem-se ambas! Espero que tenham se divertido me fazendo de bobo.
- Lee. - Houston pôs a mão no braço dele. Não sabia o que dizer, mas queria chorar.
Seu rosto era assustador.
- Se sabe o que é bom para você, não diga uma palavra. Não sei o que deu em vocês para fazerem um jogo sujo desses, mas posso lhe dizer que não gosto de ser o alvo de tal brincadeira. Agora que você e sua irmã já riram bastante às minhas custas, tenho que decidir o que fazer com respeito à noite de ontem.
Leander levou-a de volta para casa e quase empurrou-a para fora da carruagem antes de partir.
Blair estava no portão.
- Precisamos conversar - falou Houston para a irmã. Blair nada disse, limitando-se a seguir a irmã em silêncio até o pequeno jardim de rosas, afastado da casa.
- Como você pôde fazer isso comigo? - começou Houston. - Que espécie de moral é a sua, que faz com que saia uma vez com um homem e já durma com ele? Ou estou presumindo errado? Você dormiu com ele?
Silenciosamente, Blair concordou com a cabeça.
- Tudo isso em apenas uma noite? - Houston estava incrédula.
- Mas eu era você! - disse Blair. - Eu era sua noiva. Eu achei que você sempre... Após ele ter me beijado daquele jeito, fiquei certa de que vocês dois...
- Nós o quê? Você quer dizer que pensou que fizéssemos amor... com freqüência? Você acha que, se isso fosse verdade, teria pedido a você para trocarmos de lugar?
Blair escondeu o rosto com as mãos.
- Eu não pensei. Não podia pensar. Depois da recepção, levou-me à sua casa, e...
- Nossa casa - disse Houston. - A casa que gastei meses decorando, preparando o meu casamento.
- Havia velas, caviar, pato assado e champanhe. Ele beijou-me e eu continuei tomando champanhe. E havia os olhos dele, e eu não pude me controlar. Houston, sinto muito. Deixarei Chandler. Nunca mais terá que me ver. Leander nos perdoará daqui a algum tempo.
- Sem dúvida, quando ele a beijou, você viu tudo vermelho - disse com uma voz cheia de sarcasmo.
- Com pequenas cintilações douradas e prateadas. - Blair estava bastante séria.
Houston olhava boquiaberta para sua irmã. Sobre o que, afinal, ela esta-va falando? Champanhe e velas? Lee tentara seduzir sua noiva? Tinha plane-jado alguma coisa que falhara e, então, passara a noite com a irmã errada? Mas Blair era a irmã errada?
- Como era o beijo dele? - perguntou Houston delicadamente.
Blair pareceu chocada.
- Não me torture. Prometo aceitar tudo por você, Houston, juro que vou, não importa o que tenha a fazer. Eu...
- Como era o bejo dele? - perguntou mais alto.
Blair fungou e sua irmã estendeu-lhe um lenço.
- Você sabe como são. Não preciso descrevê-los. - Não creio que eu saiba.
- Foi... foi maravilhoso. - Blair soluçou. - Nunca pensei que um homem tão frio como Lee pudesse ter tanto fogo. Quando me tocou... - Levantou o olhar para a irmã. - Houston, irei falar com Lee e explicar que foi tudo culpa minha, que foi idéia minha trocarmos de lugar e que você está totalmente inocente. Não vejo por que mais alguém, além de nós três, deva saber o que aconteceu. Nós sentaremos e discutiremos juntos, e ele vai entender tudo.
Houston inclinou-se para a frente.
- Será? Como explicará que eu queria passar a noite com outro homem? Dirá a Lee que um simples toque dele inflamou-a tanto que não conseguiu se controlar? Certamente, isso será um contraste com a frígida senhorita Houston Chandler.
- Você não é frígida!
Houston ficou silenciosa por um momento.
- Lee só conseguia falar em como você foi magnífica na noite passada. Depois de você, ele não vai gostar de alguém inexperiente...
Blair levantou a cabeça.
- Nunca tinha feito amor antes. Lee foi o primeiro.
Houston não estava certa se ria ou ficava cheia de admiração. Ela morria de medo da noite de núpcias, e tinha certeza de que não haveria champanhe no mundo que a fizesse reagir como Blair. Os beijos de Lee nunca a fizeram esquecer de coisa alguma.
- Houston, você me odeia? - perguntou Blair, mansamente.
Ela considerou o caso. Era estranho, mas não sentia ciúme. Seu único pensamento era que agora Lee iria querer a mesma coisa com ela, e como poderia ela viver com o que Blair fizera? Talvez Blair aprendera na escola de medicina, mas na escola para damas da srta. Jones, na Virgínia, elas ensinavam que o lugar de uma mulher era na sala de visitas, e não havia menção ao que acontecia no quarto de dormir.
- Você está me olhando de modo estranho.
Houston queria perguntar sobre os detalhes da noite anterior, mas não conseguia.
- Não estou zangada. Preciso de tempo para me acostumar. Você não está apaixonada por Lee, está?
Blair olhou-a com horror.
- Não! Nunca! Isso é a última coisa que faria. Ele... ele falou muito de mim hoje?
Houston cerrou os dentes ao lembrar-se como ele dissera que Houston era geralmente tão fria, mas que na noite passada...
- Vamos nos esquecer disso, se pudermos. Falarei com Lee quando sua raiva passar e manteremos isso entre nós três. As coisas podem ficar difíceis durante um tempo, mas tenho que encontrar uma solução satisfatória. Não deixaremos que uma coisa como essa interfira entre nós. Nossa amizade é mais importante que isso.
- Obrigada - disse Blair, abraçando a irmã impulsivamente. - Jamais alguém teve uma irmã como você. Te amo.
Blair parecia se sentir melhor, mas Houston estava cheia de dúvidas que a importunavam. Ela amava Lee, sempre tinha amado, tinha planejado casar-se com ele, desde criança. Esse pequeno acontecimento, essa única noite com a irmã errada, não mudaria nada, mudaria?
- Claro que não - disse alto. Arrumou sua saia e dirigiu-se à casa. Uma noite não iria apagar anos de convivência.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


5

 

ÀS QUATRO HORAS, Houston, Blair e a mãe estavam sentadas na sala de estar, Blair lendo seu jornal médico, as outras duas mulheres costurando, quando a porta da frente abriu-se, seguida de uma batida que estremeceu o batente.
- Onde está ela? - berrou Duncan Gates, fazendo balançar o candelabro acima de suas cabeças. - Onde está a meretriz imoral? Onde está a Jezebel?
O sr. Gates irrompeu na sala, o corpo forte estufado de fúria. Agarrou o braço de Blair, puxou-a da cadeira, empurrando-a em direção à porta.
- Gates - disse Opal, levantando-se na mesma hora. - O que significa isso?
- Essa... essa filha de Satã passou a noite com Leander e, apesar dela ser impura, ele quer transformá-la em uma mulher honesta.
- O quê? - as três mulheres perguntaram espantadas.
- Eu disse que Leander vai se casar com a meretriz. - Em seguida, ele quase arrastou Blair para fora da casa, em meio aos protestos dela. Houston sentou-se pesadamente, incapaz de compreender o que estava acontecendo em sua volta.
- Houston - disse sua mãe. - Você e Blair trocaram de lugar ontem à noite, não foi?
Houston só confirmou com a cabeça, em silêncio, e recomeçou sua costura como se nada tivesse acontecido.
O sol se pôs, a sala escureceu, a empregada ligou as luzes elétricas, mas mãe e filha ainda não tinham dito nada.
Somente um pensamento atravessava a mente de Houston: "Acabouse. Tudo está terminado".
À meia-noite, a porta da frente abriu-se e Duncan empurrou Blair para a sala, na sua frente.
- Está acertado - disse com uma voz rouca, de tanto falar. - Blair e Leander se casarão em duas semanas. Será anunciado na igreja, no domingo.
Silenciosamente, Houston levantou-se.
- Filha - disse Duncan com sentimento -, sinto muito sobre tudo isso.
Houston só acenou com a cabeça, enquanto se dirigia para as escadas.
- Houston - disse Blair do pé da escada. - Por favor - murmurou.
Mas nesse momento Houston não tinha campaixão para dar à irmã e, mesmo quando ouviu Blair cair no choro, não olhou para trás.
Em seu quarto, ainda parecia estar entorpecida. Toda sua vida acabada, transformada em uma única noite. Tudo perdido.
Na parede estava pendurado o diploma emoldurado da Escola da Srta. Jones para jovens Damas. Com violência, arrancou o diploma da parede e atirou-o no quarto, não sentindo alívio quando o vidro espatifou.
Com dedos firmes, começou a desabotoar o vestido. Momentos mais tarde, estava vestida com sua camisola, de pé, sem se mover, e nem percebeu quando sua mãe entrou no quarto.
- Houston? - disse Opal, pondo a mão no ombro da filha.
- Vá vê-Ia. Blair precisa de você. Se ela ficar aqui e se casar com Leander, irá desistir de muitas coisas.
- Mas você também. Você perdeu muito esta noite.
- Perdi muito antes desta noite. Vá vê-Ia. Eu estou bem. Opal apanhou o diploma quebrado.
- Quero vê-Ia na cama.
Obedientemente, Houston deitou na cama.
- Sempre obediente, não sou, mãe? Eu sempre obedeço. Quando não são meus pais, e Leander. Sempre fui uma boa menina e o que aconteceu? Sou uma dama verdadeira, de berço, e minha irmã com suas calças e seu beijos está conseguindo tudo aquilo por que trabalhei desde menina.
- Houston - implorou Opal.
- Deixe-me sozinha - gritou Houston. - Deixe-me sozinha.
Com uma expressão chocada no rosto, Opal saiu do quarto.


O domingo amanheceu claro e bonito, com o sol iluminando o Ayers Peak, que enfeitava o lado oeste de Chandler. Havia muitas igrejas na cidade, quase todas repletas. Mas mesmo o sol não conseguia derreter a frieza que ia dentro das gêmeas Chandler, que andavam ao lado do padrasto. A mãe delas tinha sido subitamente atacada por um misterioso mal-estar que a impediu de testemunhar a humilhação pública de suas filhas.
Leander esperava por elas na igreja, seus olhos procurando Houston, e, quando aproximaram-se do banco, estendeu sua mão para ela.
- Houston - murmurou.
Agora ele pode nos diferenciar, ela pensou, mas não disse nada, en-quanto se afastava para não ter que tocá-lo.
Duncan praticamente empurrou Blair na direção de Lee e, por fim, se sentaram, Blair ao lado de Lee, Duncan e Houston no outro extremo. O culto religioso parecia voar, porque Houston sabia que no final o anúncio seria feito.
E veio muito mais cedo do que pensava.
Infelizmente, o reverendo Thomas não estava conduzindo o culto nesse dia, pois fora substituído pelo reverendo Smithson, que podia ter sido mais discreto.
- Agora, tenho um anúncio para fazer - disse com um tom divertido. - Parece que nosso Leander mudou de opinião sobre com qual gêmea se casar, e agora está noivo de Blair. Eu também não acredito que pudesse me decidir entre elas. Parabéns novamente, Lee.
Por um momento a igreja foi fulminada. Então, os homens começaram a rir, e as mulheres ficavam sufocadas de espanto. Todos levantaramse para sair.
- Houston, você deve me ouvir - disse Lee, pegando seu braço. - Eu tenho que explicar.
- Você já explicou - sibilou para ele. - Quando me disse como Blair era maravilhosa, e que esperava que a princesa de gelo nunca mais voltasse, você se explicou. Bom dia - disse, sorrindo para um transeunte.
- Alô, Houston, ou você é Blair? - perguntou alguém.
- Parabéns, Lee. - Um homem bateu-lhe no ombro e foi-se rindo.
- Houston, vamos a algum lugar.
- Você pode ir para... sua noiva. - Olhou-o com raiva.
- Houston - implorou Lee. - Por favor.
- Se você não tirar sua mão de mim, gritarei, pois tenho certeza de que não posso sofrer mais embaraço do que já me causou.
- Leander! - disse Duncan. - Blair está esperando.
Lee afastou-se com relutância de Houston, pegou o braço de Blair, empurrou-a para sua carruagem e partiu, afastando-se rapidamente, Assim que Houston ficou sozinha, as mulheres vieram para cima dela, afastando-a da proteção de Duncan. A maioria dos rostos mostrava preocupação, outros, curiosidade, e alguns, simpatia. Em geral, as mulheres estavam intrigadas.
- Houston, o que aconteceu? Pensei que você e Lee fossem tão felizes...
- Como pode Leander querer Blair? Eles brigam constantemente.
- Quando foi tomada essa decisão?
- Houston, há mais alguém?
- As senhoras estão muito certas - disse uma voz trovejante por detrás delas, e todas se voltaram para ver Kane Taggert. Ninguém o ouvira falar daquela maneira, pois ele nunca procurava contato com as pessoas.
As mulheres olhavam pasmas para aquele homem enorme, em suas roupas grosseiras, barba desleixada, enquanto ele abria caminho no meio delas. Ninguém estava mais surpresa do que Houston.
- Sinto não ter vindo ao culto hoje, pois poderia ter me sentado com você - disse ao alcançá-la. - Não fique tão surpresa, querida. Sei que prometi manter nosso segredo ainda algum tempo, mas não podia ficar quieto depois que o velho Lee contou a todos.
- Segredo? - indagou uma das mulheres.
Kane colocou o braço em volta de Houston. Formavam um par in-congruente, ele cabeludo, amarrotado, ela perfeita.
- Houston desmanchou o noivado com Leander porque se apaixonou perdidamente por mim. Senhoras, ela não pôde evitar.
- Quando aconteceu isso? - uma das mulheres recuperara-se o suficiente para perguntar.
Houston estava começando a respirar outra vez.
- Começou quando o senhor Taggert e eu jantamos juntos em sua casa - murmurou, sabendo que mais tarde se arrependeria de cada palavra, mas agora era bom não ter que admitir que levara o fora.
- Mas e o Leander?
- Leander consolou-se com o amor da querida irmã de Houston, Blair - disse Kane docemente - E, agora, senhoras, precisamos ir. Espero que todas venham ao casamento. Um casamento duplo, dentro de duas semanas. - Colocou a mão nas costas de Houston e empurrou-a em direção à velha carroça.
Enquanto saíam, Houston mantinha-se sentada rigidamente na beirada do banco.
Ele parou a carroça no começo de sua propriedade. Na frente deles estendiam-se hectares de jardins e no fundo estava a casa. Levantou os braços para ajudá-la a descer.
- Você e eu temos que conversar.
Houston estava muito entorpecida para fazer outra coisa que não obedecer.
- Eu teria vindo à igreja para sentar-me com você, mas tinha um trabalho para fazer. Parece que cheguei lá bem na hora. Mais um minuto e aquelas velhas galinhas a comeriam viva.
- Me desculpe - Houston estava ouvindo tudo vagamente. Até aquela manhã, tinha esperança de que tudo era um pesadelo, que acordaria e Leander e ela ainda estariam noivos.
- Afinal, você está me ouvindo? O que há de errado com você?
- Além da humilhação pública, senhor Taggert, não há nada errado comigo. - Parou. - Peço desculpas. Não queria sobrecarregá-lo com meus problemas.
- Não ouviu uma palavra do que eu disse, não foi? Não me ouviu dizer a elas que você e eu vamos nos casar? Convidei todas elas para um casamento duplo.
- E eu lhe agradeço por isso - disse Houston, tentando sorrir. - Foi muito gentil ter vindo em meu socorro. Você seria um esplêndido cavalheiro. Agora, creio que preciso ir.
- Você é a mulher mais extraordinária que já encontrei! Se não casar comigo, o que vai fazer? Você acha que outro homem da sociedade de Chandler vai querê-la? Eles têm medo do clã dos Westfield. Você acha que Marc Fenton vai querê-la?
- Marc Fenton? - perguntou, intrigada. - Por que Marc deveria, como disse você, "me querer"?
- Eu só estava pensando, nada mais. - Aproximou-se dela. - Por que não quer se casar comigo? Sou rico, tenho uma casa enorme, e você acabou de levar o fora e não tem nada mais para fazer.
Ela olhou-o. O tamanho dele fazia-a sentir-se um pouco desconfortável, mas não estava com medo dele. De repente, todo pensamento de Leander e Blair foi-se. Disse com firmeza:
- Porque eu não o amo. E não sei nada a seu respeito. Pelo que sei, você pode já se ter casado dez vezes e trancado suas esposas no porão. Você parece ser capaz de fazer tal coisa. - Olhou por baixo do nariz para aquele rosto barbudo e a camisa grosseira, que estava rasgada no ombro.
Por algum tempo, Kane olhou-a boquiaberto.
- E isso que você pensa de mim? Escute, senhorita. - Deu um passo aproximando-se mais dela. - Eu não tive tempo para me casar com ninguém. Desde os dezoito anos, quando Fenton me pôs para fora, tudo que fiz foi ganhar dinheiro. Durante três anos, quase não dormi. E você vem dizer que eu teria tido tempo para me casar com dez mulheres.
Quando terminou, Houston estava reclinada e Kane curvado sobre ela.
- Talvez eu estivesse enganada - disse com um sorriso gentil. Kane não se moveu.
- Sabe, você é a mulher mais bonita que já vi em minha vida.
Passou um braço pelas costas dela e puxou-a, enquanto introduzia a mão direita no seu penteado, cuidadosamente preso, e a beijava.
Houston tinha beijado Leander centenas de vezes. Ele era familiar para ela, nada inesperado, mas o beijo de Kane não era parecido com nada que tivesse experimentado antes. Sua boca era exigente, não era o beijo refinado entre um cavalheiro e uma dama, mas algo mais parecido com o que ela imaginava fosse um beijo de cavalariço.
Ele soltou-a tão abruptamente que ela quase caiu, e, por um momento, olharam-se.
- Se você pode me beijar dessa maneira, estando apaixonada por aquele Westfield, eu conseguirei viver sem seu amor.
Houston não disse nada.
- Vou levá-la de volta agora, e pode começar a planejar nosso casamento. Compre para você tudo que precisar. Colocarei dinheiro no banco para você. Quero muitas flores no casamento, portanto faça com que mandem para lá. Encomende-as na Califórnia se quiser, ou venha olhar o que tenho na estufa. E nós nos casaremos em minha casa. Há cadeiras no sótão. Quero que a cidade toda compareça - afirmou, segurandoa pelo cotovelo.
- Espere! Por favor - ela exclamou, recolocando os grampos em seu cabelo, enquanto ele a empurrava. - Eu ainda não concordei. Por favor, senhor Taggert, dê-me algum tempo. Eu ainda não me recuperei da perda de meu noivo. - Colocou a mão no braço dele, e sentiu os músculos do antebraço sob a camisa grossa.
Ele levantou sua mão e por um momento ela pensou que fosse beijá-la.
- Comprarei um anel. Do que é que gosta? Diamantes? Esmeraldas? Quais são aquelas azuis?
- Safiras - disse distraída. - Por favor, não me compre um anel. Casamento é um compromisso para a vida toda. Não posso decidir nada tão de repente.
- Não se apresse. Você tem duas semanas inteiras até o casamento, para habituar-se com a idéia de ser minha esposa.
- Senhor Taggert - disse exasperada -, alguma vez o senhor ouve o que as outras pessoas dizem?
Sorriu-lhe com malícia, por baixo da barba.
- Não, nunca. Foi assim que fiquei rico. Se vejo alguma coisa que queira, vou atrás dela.
- Eu sou a coisa seguinte na lista das coisas que quer? - perguntou mansamente.
- Bem na ponta. Está lá em cima, junto com um prédio de apartamentos em Nova York que pertence a Vanderbild e que eu quero. Agora, vou levã-la para casa, a fim de que possa falar a meu respeito com sua família e colocar-me no lugar de Westfield. Ele vai se arrepender! Ele conseguiu uma Chandler, tudo bem, mas eu consegui a verdadeira dama. - Puxou as rédeas dos cavalos tão inesperadamente que Houston caiu sentada, antes que pudesse dizer uma palavra.
À porta da casa, saltou da carroça e quase a puxou para o chão.
- Agora, tenho que voltar. Fale com seus pais sobre mim, certo? E amanhã lhe mandarei um anel. Qualquer coisa que precise, me avise ou fale com Edan. Tentarei vê-Ia amanhã. - Deu um olhar rápido para a casa, por sobre o ombro dela, e voltou para a carroça.
Houston ficou parada em frente da pequena cerca de pedra, defronte de sua casa, e viu-o disparar, a poeira quase escondendo a carroça. Sentiase como se tivesse passado por um tornado.


Dentro da casa, Duncan e Opal esperavam por ela. Opal estava sentada em uma cadeira, os olhos vermelhos de chorar, enquanto Duncan, braços cruzados, andava de um lado para o outro.
Houston aprumou-se antes de entrar na sala:
- Boa-tarde, mamãe, boa-tarde, senhor Gates.
- Onde estava? - Duncan perguntou agitado.
- Oh, Houston - Opal chorava -, você não tem que casar-se com ele. Encontrará mais alguém. Só porque Leander cometeu um erro, não significa que você também tem que cometer.
Antes que Houston pudesse falar, Duncan começou:
- Houston, você sempre foi sensata. Blair nunca teve juízo. Desde pequena vivia se metendo em encrencas, mas você sempre foi tão ajuizada quanto uma mulher pode. ser. Você vai casar-se com Leander e...
- Leander não vai mais casar-se comigo - observou Houston.
- Mas Kane Taggert não! - lamuriou-se Opal, enterrando o rosto em um lenço molhado.
Houston começou a sentir-se protetora com relação a Kane.
- Mas o que foi que ele fez para merecer tanta hostilidade? Não concordei em casar-me com ele, mas não vejo por que não deveria. Levantando-se da cadeira, Opal correu para a filha.
- Ele é um monstro. Olhe para ele. Você não pode viver com um homem que parece um urso malcheiroso. Todos amigos que já teve a abandonarão. E há histórias terríveis sobre ele.
- Opal! - ordenou Duncan, e, humildemente, ela voltou para sua cadeira, soluçando.
- Houston, vou falar com você como falaria com um homem. A mim não importa se o homem nunca tomou um banho na vida. Isso não me preocupa. Certamente ele pode comprar uma banheira. Mas há coisas... - Olhou-a com dureza. - Dizem que Taggert matou um par de homens para fazer sua fortuna.
- Matou? - murmurou Houston. - Onde ouviu isso?
- Não importa.
- Importa! - retrucou. - Não percebe? As mulheres desta cidade ficaram com raiva por ele tê-las ignorado, portanto inventaram histórias sobre ele. Por que os homens seriam diferentes? Leander contoume sobre diversos tipos da cidade que tentaram vender ao senhor Taggert coisas como minas de ouro esgotadas. Talvez um deles tenha começado os boatos.
- O que ouvi veio de uma fonte muito confiável. - Duncan estava sério.
Houston ficou em silêncio, por um momento.
- Jacob Fenton - disse mansamente, e, pela expressão de Duncan, soube que acertara. - Pelo boato que ouvi - continuou -, o senhor Taggert ousou namorar a preciosa filha de Jacob Fenton, Pamela. Quando eu era menina, lembro-me de pessoas comentando de maneira vergonhosa como o senhor Fenton a mimava. É claro que tinha de odiar o homem que fora seu cavalariço e que agora tinha a audácia de querer casar-se com sua filha mimada.
- Está dizendo que Fenton é um mentiroso? - acusou Duncan. - Você prefere esse recém-chegado à família que conheceu a vida toda?
- Se eu me casar com Kane Taggert, e eu disse se, acreditarei nele em vez de acreditar nos Fenton. Agora, se me desculpam, estou me sentindo muito cansada e creio que vou me deitar.
Saiu da sala aparentando muito mais calma do que realmente sentia e, uma vez em seu quarto, desabou na cama.
Casar-me com Kane Taggert?, pensou. Casar-se com um homem que falava e agia pior do que um desordeiro de River Street? Casarse com um homem que a tratava sem respeito, que a arrastava para dentro e para fora de carruagens como se fosse um saco de batatas? Casar-se com um homen que a beijava como se fosse uma lavadora de pratos?
Sentou-se empertigada.
- Casar-me com um homem que, como diz Blair, quando me beija me faz enxergar tudo vermelho, com cintilações de ouro e prata? - disse alto. - Eu até poderia - murmurou, recostando-se na cama, e, pela primeira vez, começou a considerar a idéia de tornar-se a sra. Kane Taggert.

 

6


PELA MANHÃ, Houston tinha se convencido de que não poderia, em hipótese alguma, casar-se com o sr. Taggert. Sua mãe fungara durante todo o café da manhã e chorava seguidamente. "Minhas filhas lindas, o que vai ser delas?", dizia, enquanto Blair e Duncan discutiam sobre como Blair arruinara a vida de Houston. Houston não tinha certeza se era uma discussão, uma vez que pareciam estar de acordo.
Ela entrou na conversa quando disseram que aceitar Kane Taggert era uma maneira de punir-se por ter perdido Leander. Mas ninguém prestou atenção ao que ela disse, e nada parecia diminuir o sofrimento de Blair. Portanto, Houston deixou de escutá-los. Mas ser a causa de tanto choro fez com que decidisse que não podia se casar com o sr. Taggert.
Logo após o café da manhã, as pessoas começaram a aparecer.
- Estava começando a bater uma torta de maçãs e, como sei o quanto você gosta dela, Opal, bati duas e lhe trouxe uma. Como vão as gêmeas?
Pelo meio da manhã, a casa estava cheia de comida e de pessoas. O sr. Gates ficou em seu escritório na cervejaria, uma das empregadas lhe levara o almoço. Assim Houston, Blair e Opal tiveram que se arranjar sozinhas.
- Você se apaixonou mesmo pelo senhor Taggert, Houston?
- Pegue outro pedaço de torta, senhora Treesdale - respondeu Houston.
Às onze, Blair conseguiu escapar, deixando Opal e Houston sozinhas para enfrentarem tudo. Voltou só às três da tarde.
- Elas ainda estão aqui? - Espantou-se, vendo a multidão no gramado.
Às três e meia, um homem parou em frente à casa dos Chandler, dirigindo uma carruagem linda, como nunca ninguém em Chandler tinha visto. Era pintada de branco, as rodas da mesma cor, capota desmontável creme, com detalhes de bronze brilhante no alto. O assento da frente era acolchoado em couro vermelho e havia um outro menor, atrás, para um ajudante.
O grupo de pessoas espalhadas no gramado, na extensa varanda e no jardim, parou suas perguntas e olhou espantado. Um homem grosseiramente vestido desceu e foi direto para o meio das pessoas.
- Quem é a senhorita Houston Chandler? - perguntou em meio ao silêncio que se fez.
- Sou eu - disse Houston, adiantando-se.
O homem procurou em seu bolso, tirou um pedaço de papel e começou a ler:
- Esta carruagem é da parte do homem com quem vai casar-se, o senhor Kane Taggert. É uma carruagem de passeio para senhoras, e o cavalo é muito bom.
Dobrou o papel, colocou-o no bolso e virou-se para sair.
- Ah, sim. - Voltou. - O senhor Taggert mandou-lhe isto também. - Jogou um pequeno pacote embrulhado em papel marrom para Houston, e ela pegou-o.
O homem foi embora, assobiando. Todos ficaram olhando até que sumisse de vista, ao virar a esquina.
- Bem, Houston - disse Tia -, não vai abrir seu presente?
Houston não estava certa de que devesse abrir o pacote, porque sabia o que encontraria dentro, e, se aceitasse o anel, significaria que o aceitava como marido.
Dentro da caixa havia o maior diamante que já vira, colossal, com um brilho de tirar o fôlego, cercado por nove esmeraldas quadradas. O suspiro em uníssono de todas as mulheres à sua volta chegou a agitar as folhas das árvores.
Com decisão, Houston fechou a caixinha de veludo azul e caminhou decidida em direção à carruagem. Sem responder às perguntas atiradas a ela, estalou as rédeas e o belo cavalo marrom partiu rápido.
Subiu a Rua Sheldon, cruzou o rio Tijeras, que separava a zona norte da sul, e percorreu a estrada íngreme que levava à casa de Taggert. Bateu na porta da frente, sem receber resposta. Então, entrou, virou à esquerda e parou na porta do escritório de Kane.
Ele estava sentado, curvado sobre sua escrivaninha, fumando um cha-ruto horrível, tomando notas e dando ordens rápidas para Edan, que, recostado em uma cadeira, os pés na escrivaninha, fumava um charuto igualmente horrível.
Edan foi o primeiro a vê-Ia. Levantou-se de imediato e cutucou o ombro de Kane.
Kane levantou a cabeça, com um olhar de censura.
- Você deve ser Edan - disse Houston, adiantando-se, com a mão estendida. Ela não estava certa se ele era um empregado ou um amigo. - Sou Houston Chandler.
- Houston - cumprimentou-a. Ele não era um empregado, não com aquele ar de confiança.
- Gostaria de conversar com o senhor - disse Houston, virando-se para Kane.
- Se for sobre os planos do casamento, estou muito ocupado no mo-mento. Se precisa de dinheiro, fale com Edan, ele lhe fará um cheque.
Abanando o rosto por causa da fumaça, ela dirigiu-se para a janela e abriu-a.
- O senhor não deveria respirar essa fumaça. Não faz bem.
Kane olhou-a com frieza.
- Quem é você para me dar ordens? Só porque vai ser minha esposa, não...
- Se bem me lembro, ainda não concordei em ser sua esposa. E se não pode dispor de tempo para falar comigo em particular não creio que venha a ser sua esposa. Até logo, senhor Taggert. Até logo, Edan.
- Até logo, Houston - disse Edan com um leve sorriso.
- Mulheres! - ouviu Kane dizer atrás dela. - Eu lhe disse que uma mulher me faria perder muito tempo.
Alcançou-a na porta da frente.
- Talvez eu tenha sido um pouco precipitado. É que, quando estou trabalhando, não gosto de interrupções. Você tem que entender isso.
- Eu não o importunaria se não fosse importante - disse friamente.
- Muito bem. Entremos aqui e conversemos. - Ele indicou a antesala da biblioteca. - Eu lhe ofereceria uma cadeira, mas as únicas que tenho estão em meu quarto. Quer subir até lá? - Lançou-lhe um olhar malicioso.
- Definitivamente não. O que quero saber, senhor Taggert, é se falava sério ou não quando me fez sua proposta de casamento.
- Você pensa que eu perderia tempo fazendo toda essa corte, se não fosse sério?
- Corte? Sei, suponho que chame aquela manhã de domingo de corte. O que quero lhe perguntar, senhor, é, bem, já matou ou contratou alguém para matar pelo senhor?
No início, Kane espantou-se e chegou a ficar enfurecido, mas, depois, começou a achar divertido.
- Não, nunca matei ninguém. O que mais quer saber sobre mim?
- Tudo que quiser me contar - disse seriamente.
- Não é muito. Cresci no estábulo de Jacob Fenton - sua face se contraiu, - fui posto para fora por estar me envolvendo com a filha dele e, desde então, comecei a ganhar dinheiro. Não matei ninguém, nem roubei, nem trapaceei, nunca bati numa mulher e só dei uns murros em alguns homens. Mais alguma coisa?
- Sim. Quando o senhor me pediu em casamento, falou que queria que eu decorasse sua casa. O que tenho que fazer com o senhor?
- Comigo? - Com ar malicioso, enfiou os polegares nos passadores das calças. - Não vou manter nada escondido de você, se é a isso que se refere.
- Eu não me refiro a seja lá o que for que esteja insinuando, fique certo - disse duramente. Começou andar à volta dele. - Senhor Taggert, conheço trabalhadores das minas de carvão que se vestem melhor do que o senhor. E seu linguajar é atroz, assim como suas maneiras. Minha mãe está apavorada com a idéia de eu me casar com um bárbaro como o senhor. Uma vez que não posso passar a vida assustando minha própria mãe, há de convir que precisa de alguma instrução de minha parte.
- Instrução? - disse, estreitando os olhos. - O que você pode me ensinar?
- Como se vestir adequadamente. Como comer...
- Comer? Eu como bastante.
- Senhor Taggert, o senhor vive mencionando nomes como Vanderbilt e Gould. Diga-me, já foi convidado para a casa de uma dessas famílias, quando as mulheres estivessem presentes?
- Não, mas... - resmungou, afastando o olhar. - Fui uma vez, mas houve um acidente e alguns pratos se quebraram.
- Entendo. Imagino como espera que eu seja sua esposa, que dirija uma casa magnífica como essa, dê jantares de gala como quer, enquanto senta-se na cabeceira da mesa comendo ervilhas com a faca. Presumo que coma ervilhas com uma faca.
- Não como ervilhas de maneira alguma. Um homem precisa de carne, e não precisa de uma mulher para lhe dizer essas coisas.
- Até logo, senhor. - Virou-se nos calcanhares e deu dois passos, antes que ele lhe agarrasse o braço.
- Você não se casa comigo se eu não deixar você me ensinar a comer?
- E a se vestir e se barbear.
- Ansiosa para ver meu rosto, hein? - brincou, mas parou quando viu como Houston estava séria. - Quanto tempo tenho para decidir?
- Dez minutos.
- Quem ensinou você a fazer negócios? Deixe-me pensar sobre o caso. - Dirigiu-se até a janela e lá ficou por alguns minutos.
- Tenho alguns pedidos a fazer - disse ao voltar. - Sei que está casando comigo pelo meu dinheiro. - Levantou a mão quando ela ia começar a falar. - Não precisa negar isso. Você nem pensaria em se casar comigo, com meus modos de comer com a faca, se eu não tivesse uma casa grande para lhe dar. Uma dama como você nem ao menos conversaria com um cavalariço como eu. O que quero é que você finja, e diga a todo mundo que você... - Olhou para baixo, para o chão assoalhado. - Quero que o povo pense que você, bem, apaixonou-se por mim e que não está se casando comigo porque sua irmã lhe passou a perna, e eu apareci por acaso. Quero que até sua irmã - isso ele disse com ênfase - pense que você é louca por mim, como eu disse na frente da igreja. E quero que sua mãe pense assim também. Não quero que ela tenha medo de mim.
Houston tinha esperado tudo, menos isso. Então, esse era o homem grande e assustador que se mantinha afastado de toda a cidade. Como devia ser horrível não ser capaz de ter a menor atitude social. É claro que as mulheres não gostavam que ele fosse a suas casas, pois provocava "acidentes" e quebrava porcelanas. Mesmo agora, ele não se encaixava em nenhum mundo, nem no dos pobres, para onde suas maneiras e linguajar o empurravam, nem no dos ricos, onde seu dinheiro o colocava.
Ele precisa de mim, pensou. Ele precisa de mim como ninguém nunca precisou antes. Para Leander, eu era algo extra, interessante, mas não necessário. Mas, para este homem, as coisas que aprendi são vitais.
- Eu espero ser a mais amorosa das esposas - disse mansamente.
- Então, você vai se casar comigo?
- Bem, sim, acredito que vou - disse, sentindo-se surpresa.
- Com os diabos! Edan! - berrou, enquanto corria para fora da sala. - Chandler vai casar-se comigo.
Houston sentou-se em um parapeito da janela. Ele ia casar-se com a srta. Chandler. Mas com quem ela tinha concordado em se casar?


Já era noite quando Houston voltou para casa. Estava exausta e, no momento, desejava nunca ter ouvido falar de Kane Taggert. Ele parecia pensar que poderia ficar em casa trabalhando, enquanto sua noiva comparecia sozinha a todas as festas de noivado. Ela dizia a todos que estava apaixonada por ele, e tudo ficava bem.
- A não ser que sejamos vistos juntos, ninguém acreditará que ao menos nos conhecemos - dissera-lhe, através da escrivaninha repleta de papéis. - O senhor tem que comparecer à recepção de depois de amanhã e, antes, vamos ter que lhe fazer um terno adequado e barbeá-lo.
- Estou tentando comprar umas terras na Virgínia e um homem chega amanhã. Tenho que ficar aqui.
- O senhor pode tratar de negócios durante as provas.
- Você quer dizer, ter um desses homenzinhos pondo suas maozinhas em cima de mim? Não quero nada disso. Mande alguém enviar algumas roupas e eu escolherei uma.
- Vermelha ou púrpura? - perguntou rapidamente.
- Vermelha. Certa vez, vi uns xadrezes vermelhos...
O meio grito de Houston imobilizou-o.
- O senhor terá um alfaiate lhe fazendo uma roupa e eu escolherei o tecido. E comparecerá à recepção comigo e, também, irá a muitos outros lugaraes comigo nessas semanas antes de nosso casamento.
- Você tem certeza de que verdadeiras damas são assim mandonas? Pensei que verdadeiras damas nunca elevassem suas vozes.
- Elas não elevam suas vozes para cavalheiros verdadeiros, mas, com homens que querem usar ternos axadrezados de vermelho, elas têm permissão de usar instrumentos sem corte.
Kane pareceu ficar aborrecido com isso, mas assentiu.
- Muito bem, mandarei fazer uma roupa como você quer, e irei ao seu desag... seu adorável e delicado chá - corrigiu-se, fazendo-a sorrir. - Mas não sei sobre as outras festas.
- É o que veremos - disse, sentindo-se, de repente, exausta. - Preciso voltar para casa. Meus pais devem estar preocupados.
- Venha cá - disse ele, fazendo-a contornar a escrivaninha.
Pensando que ele queria lhe mostrar alguma coisa, fez o que pediu. Rudemente, ele pegou-a pela cintura e puxou-a para seu colo.
- Você vai ser minha professora e acho que também vou ter que lhe ensinar algumas coisas.
Começou a aninhar o rosto no seu pescoço, seus lábios mordiscando sua pele. Ela ia protestar contra esse procedimento, mas então partes de seu corpo começaram a amolecer.
- Kane - disse Edan da porta. - Desculpe.
Sem cerimônia, Kane empurrou-a de seu colo.
- Você terá isso mais tarde, doçura - disse, como se ela fosse uma prostituta de rua. - Vá para casa agora. Tenho que trabalhar.
Houston engoliu o que queria dizer e, com o rosto vermelho de ver gonha, murmurou um boa-noite para ambos os homens e foi embora.
Agora, chegando finalmente em casa, cansada, faminta, ainda sofrendo de uma emoção que era meio raiva, meio vergonha, ela teria que contar para a família que concordara em se casar com o sr. Kane Taggert.
Por quê, perguntou-se, enquanto fazia o cavalo caminhar mais len-tamente na rua vazia. Por que motivo estava concordando em casar-se com um homem a quem não amava, que não a amava, um homem que a deixava furiosa a todo minuto, que a tratava como se fosse alguma coisa que comprara e pagara por ela?
A resposta lhe veio rapidamente.
Porque ele a fazia sentir-se viva. Porque ele precisava dela.
Blair tinha dito que quando eram crianças Houston atirava bolas de neve como ninguém, mas Duncan e Leander tinham acabado com sua disposição. Há muito tempo aprendera que era muito mais fácil ser gentil com os homens, ser a mulher quieta, educada e sem espírito que eles queriam.
Mas havia ocasiões, em recepções, reuniões e jantares, em que se sentia como uma pintura na parede - bonita e agradável de se ter por perto, mas completamente desnecessária para o bem-estar diário de alguém. Certa vez, chegara a dizer alguma coisa parecida para Leander e ele falou sobre a vantagem de uma vida sólida sem objetos de arte.
Mas, no final, Lee trocara a beleza serena e tranqüila de Houston por uma mulher que o deixava em fogo.
Nunca um homem a fizera sentir-se como Kane Taggert. O gosto de Lee para roupas e móveis era impecável. Ele poderia, com facilidade, decorar os interiores da casa que construíra para eles. Mas Taggert estava tão perdido sobre o que fazer que, sem ela, não conseguiria nem arrumar os móveis, muito menos comprá-los.
Houston pensou em todos os anos de trabalho que passara na escola. Blair parecia pensar que sua irmã pouco fizera, além de tomar chá e fazer arranjos de flores, mas Houston lembrava-se da disciplina severa e da régua da srta. Jones batendo em mãos delicadas, quando uma menina errava.
Respirou fundo o ar fresco da noite. Todo o trabalho que tinha pela frente! Preparar o casamento, a surpresa de explorar o sótão e colocar os móveis onde ela quisesse. E o desafio de tentar transformar o sr. Taggert num cavalheiro!
Ao chegar em casa, estava fervendo de excitação. Ela ia casar-se com um homem que precisava dela.
Deixou o cavalo e a carruagem com o cavalariço, endireitou os ombros e preparou-se para enfrentar a tempestade que era sua família.

 

7

 

PARA SUA grande surpresa - e alívio - a casa estava silenciosa. Quando entrou pela cozinha, somente a cozinheira e Susan estavam lavando a louça.
- Todos já foram se deitar? - perguntou, com a mão na grande mesa de carvalho que quase enchia a sala.
- Sim, senhorita Blair-Houston - respondeu Susan, enquanto limpava o moedor de café. - Mais ou menos.
- Houston - disse automaticamente, ignorando o último comentário da copeira. - Susan, me traga alguma coisa em uma bandeja e venha a meu quarto.
Enquanto dirigia-se às escadas, reparou em diversos buquês grandes de flores cortadas recentemente, e que seguramente não eram do jardim de sua mãe. Viu um cartão preso:

Para minha futura esposa, Blair, do Leander.

Leander nunca lhe mandara flores em todos os meses em que estiveram noivos.
Levantou a cabeça e subiu as escadas.
O quarto de dormir de Houston era forrado de papel de parede creme claro, com desenhos brancos, com a parte de madeira pintada de branco, e cortinas de rendas feitas a mão nas janelas. As mesas baixas e o encosto das duas cadeiras também eram enfeitados com a vaporosa renda. Os lados do dossel de sua cama eram de seda franzida, de um tom claro, e a coberta era um acolchoado trabalhado, todo branco.
Houston despira-se e estava com a roupa de baixo, quando Susan entrou com a bandeja. Enquanto comia, começou a dar ordens.
- Sei que já é tarde, mas preciso que você mande Willie dar uns recados. Ele deve levar este bilhete ao senhor Bagly, o alfaiate da Lead Avenue. Não me importa se Willie tiver que arrancar o homem da cama, mas é preciso que o senhor Bagly o receba pessoalmente. Ele deve estar na casa de Taggert às oito horas, amanhã.
- Na casa do senhor Taggert? - perguntou Susan, afastando as roupas de Houston. - Então é verdade, a senhorita vai se casar com ele?
Houston estava sentada à sua pequena escrivaninha de mogno. - Gostaria de trabalhar para mim? Morar na casa do senhor Taggert? - Não sei, senhorita. O senhor Taggert é tão mau como o povo diz? Houstou pensou naquela frase. Por experiência, sabia que os empregados sempre sabem muito mais a respeito de um homem do que seus amigos. Apesar de Kane morar sozinho, não duvidava que empregados soubessem coisas sobre ele que ninguém mais sabia...
- O que você ouviu sobre ele?
- Que tem gênio violento, grita como um louco com freqüência e nada o satisfaz.
- Receio que tudo isso provavelmente seja verdade - suspirou Houston, tornando a virar-se -, mas pelo menos não bate em mulheres, ou trapaceia com as pessoas.
- Se não tem medo de morar com ele, senhorita Houston, então eu irei. Não acredito que esta casa seja um bom lugar para se viver depois que vocês, gêmeas, tiverem ido embora.
- Também não imagino - respondeu Houston distraída, enquanto fazia um lembrete para si, para chamar o barbeiro, sr. Applegate, da Avenue Coal, e pedir que chegasse às nove horas. Pensou em como se economizaria tempo se todos na cidade tivessem telefone.
- Susan, você não tem alguns irmãos?
- Sim, senhorita.
- Precisarei de seis homens fortes para o dia todo, amanhã. Terão que descer móveis pelas escadas. Serão bem pagos e bem alimentados e devem chegar às oito e meia. Você acha que pode encontrar seis homens?
- Sim, senhorita.
Houston escreveu outro bilhete.
- Willie deve entregar este para a senhora Murchison. Ela está na casa do reverendo Thomas, enquanto os Conrad estão na Europa. Quero que ela vá cozinhar na casa do senhor Taggert, até que eles voltem. Espero que ela fique satisfeita por ter alguma coisa para fazer. Willie deverá esperar pela resposta, porque eu lhe disse que a cozinha está vazia e ela terá que comprar tudo que for preciso e mandar a conta para o senhor Taggert. Willie irá encontrá-la de manhã, com uma carroça. Se acertarem, tenho certeza de que pode pedir emprestada a carroça grande dos Oskley.
Recostou-se na cadeira.
- Pronto, isso dá para amanhã. Agora o senhor Taggert já está vestido e barbeado, os móveis arrumados, e todos alimentados.
Susan começou a soltar os cabelos de Houston e a escová-los.
- Ah, como isso é agradável - disse, fechando os olhos.
Minutos mais tarde, estava deitada e, pela primeira vez em dias, não teve vontade de chorar até dormir. De fato, sentia-se bastante feliz. Ela trocara de lugar com sua irmã para que pudesse ter uma noite diferente, mas parecia que ia ter semanas de aventuras.


Quando Susan bateu em sua porta, às seis horas da manhã seguinte, Houston já estava meio vestida para trabalhar, com uma blusa branca de algodão, uma saia preta de fustão, que chegava até o chão, e um largo cinto de couro. Uma pequena jaqueta e chapéu combinando completavam o traje.
Andando na ponta dos pés pela casa silenciosa, desceu as escadas e colocou um bilhete na mesa de jantar, para sua mãe, explicando onde estaria o dia todo. Fez uma refeição apressada na cozinha e foi para a garagem das carruagens, onde fez com que um sonolento Willie atrelasse o cavalo à bonita carruagem que Kane lhe mandara.
- Entregou todos os recados, Willie?
- Todos. A senhora Murchison ficou satisfeita de se ocupar. Vou encontrá-la com uma carroça às seis e meia, e encontrar o senhor Randolph na mercearia. A senhora Murchison ligou para ele ontem à noite e deu-lhe uma longa lista de coisas que quer. Iremos até a casa dos Conrad dar uma busca no jardim. Ela quer saber quantos tem que alimentar.
- São cerca de doze pessoas, mas como são na maioria homens, digalhe que cozinhe para trinta. Isso deve dar. E diga-lhe que traga tigelas e panelas. Não acredito que o senhor Taggert tenha alguma. Venha assim que puder, Willie.
Tudo estava silencioso na casa de Taggert, quando Houston desatrelou o cavalo e amarrou-o na sombra. Bateu na entrada lateral, mas ninguém ouviu, tentou a porta, _encontrou-a aberta e entrou na cozinha. Sentindo-se um pouco como uma ladra, começou a abrir os armários. Se esta casa tinha que abrigar uma festa para um grande número de convidados para o casamento, dentro de duas semanas, ela precisava saber de que recursos dispunha.
Os armários estavam quase vazios. Havia apenas algumas caixas de latas de pêssegos. Nenhuma panela, exceto umas de esmalte, das mais baratas.
- Sears outra vez - murmurou, enquanto decidia explorar o resto da área de serviço. Uma grande copa separava a sala de jantar da cozinha, atrás da qual havia uma ala em L, com despensa, lavanderia, quartos com banheiro para três empregados, além do quarto e do escritório da governanta.
No corredor fora da cozinha, tinha uma escada e Houston subiu-a. Parando no segundo andar, deu uma espiada pelo corredor, mas só pôde ver sombras no assoalho de carvalho e paredes trabalhadas em madeira. Continuou em direção ao sótão.
Como já imaginara, no sótão ficavam as acomodações dos empregados, que agora estavam sendo usadas como depósito. Havia dois banheiros, e o resto do espaço era dividido em pequenos quartos. E cada quarto estava cheio até o teto com engradados e caixas; algumas tinham móveis cobertos com guarda-pós.
Com jeito, levantou uma das cobertas. Embaixo, havia duas cadeiras douradas cobertas com tapeçarias de querubins. Tinha uma etiqueta. Prendendo a respiração, leu:

Metade do século 18
Tapeçarias tecidas nas oficinas de Gobelin:
acredita-se terem pertencido a Mme. de Pompadour.
Um Jogo de doze cadeiras e dois sofás.

- Meu Deus - Houston respirou, deixando a coberta voltar para o lugar.
Contra a parede estava um tapete enrolado. Na etiqueta estava escrito:

Fim do século 17
feito na fábrica Savonneraé para Louis XIV


Um engradado, obviamente contendo uma pintura, tinha uma simples etiqueta "Gainsborough". Ao lado, havia outro com a palavra "Reynolds" pintado nele.
Lentamente, Houston removeu a coberta das cadeiras de Mme. de Pompadour, levantou a cadeira que estava por cima, e sentou-se . Ela precisava de um momento para ordenar seus pensamentos. Olhando à sua volta, podia ver pés dourados aparecendo por debaixo dos móveis cobertos e, sem maiores explorações, sabia que todos os móveis e peças de arte eram dignos de museu. Distraída, levantou um lençol a seu Iado. Embaixo brilhava um candelabro que parecia feito de diamantes. Sua etiqueta dizia: 1780.
Ainda estava sentada, um pouco assustada com a perspectiva de viver diariamente com os tesouros à sua volta, quando ouviu uma carruagem embaixo.
- Senhor Bagly! - disse, e voou escada abaixo, conseguindo chegar na porta da frente quando ele e o assistente estavam descendo da carruagem.
- Bom-dia, Blair-Houston - disse ele.
O sr. Bagly era um homem pequenino, de rosto muito branco, que tentava ser um tirano. Como primeiro alfaiate de Chandler, ele era muito respeitado.
- Bom-dia - respondeu ela. - Entre. Não tenho certeza se o senhor soube, senhor Bagly, mas o senhor Taggert e eu vamos nos casar dentro de duas semanas, e ele precisará de um guarda-roupa completo. Mas, no momento, ele precisa de um bom terno para tarde, para uma recepção amanhã, alguma coisa em vicunha, três botões, calças cinzentas e paletó de cashmere. Isso serviria. O senhor pensa que poderia estar pronto para amanhã, às duas horas?
- Não tenho certeza. Tenho outros fregueses.
- Estou certa de que nenhum precisa tanto como o senhor Taggert. Ponha quantos costureiros for possível. Será pago por isso.
- Creio que conseguirei. Agora, se eu pudesse começar a tomar as medidas do senhor Taggert, poderia começar a roupa.
- Ele está lá em cima, creio eu.
Bagly olhou-a com firmeza.
- Blair-Houston, eu a conheço desde que nasceu, e estou disposto a pôr de lado todos meus outros trabalhos para fazer um serviço para você, e vim aqui a essa hora, mas eu não subirei aquelas escadas para ir procurá-lo. Talvez eu deva voltar quando ele estiver acordado.
- Mas não dará tempo para fazer a roupa! Por favor, senhor Bagly.
- Nem que você se ajoelhe para mim. Esperaremos aqui durante meia hora. Se o senhor Taggert não tiver descido, então iremos embora.
Houston quase ficou satisfeita de não ter cadeiras para eles na grande sala de visitas, onde resolveram esperar. Coragem, disse para si mesma, e começou a subir as escadas.
O segundo andar era tão bonito como o primeiro, com painéis de madeira pintados de branco. Bem em frente dela, estava uma sala larga e aberta com uma área de cerâmica verde no fundo.
- Um aviário - murmurou encantada.
Suspirou, lembrando-se que devia voltar ao trabalho. À sua volta, havia muitas portas fechadas e atrás de uma delas estava Kane. Abriu uma porta e, na penumbra, viu uma cabeça loira no meio de uma cama desarrumada. Em silêncio, tornou a fechar a porta, não querendo acordar Edan.
Entrou em quatro quartos antes de encontrar o de Kane, no fundo da casa. Suspensos por arames para quadros que vinham do forro do teto, cortinas grosseiras bloqueavam o sol da manhã. Os móveis consistiam em uma cama de carvalho, uma mesinha atulhada de papéis e um jarro para água de barro, além de três estofados cobertos de pelúcia de um vermelho horrível com borlas amarelo-vivo embaixo.
- Perdoai-o, Madame de Pompadour - murmurou Houston levantando os olhos em direção ao sótão.
Com decisão, afastou as cortinas e amarrou-as com um grosso nó para que deixassem o sol entrar.
- Bom-dia, senhor Taggert - disse alto, parada ao lado da cama.
Kane despertou, virou-se, mas continuou dormindo.
Ele estava descoberto da cintura para cima, nu, e ela suspeitava que estivesse nu também daí para baixo. Por um momento, permaneceu parada, olhando para ele. Raras vezes tinha visto um tórax de homem descoberto e Kane parecia um lutador - grande, musculoso, o peito muito cabeludo. Sua pele era escura e parecia quente.
Num minuto estava de pé ao lado da cama e no minuto seguinte uma grande mão agarrou sua coxa e ela foi puxada para a cama.
- Não podia me esperar, não é? - disse Kane, começando ansiosamente a beijar seu pescoço, enquanto suas mãos percorriam ativamente seu corpo. - Sempre gostei de uma boa brincadeira de manhã.
Houston lutou contra ele, por um momento. Viu que era inútil e começou a procurar outros meios para parar o ataque. Tateando com a mão, encontrou o cabo do jarro na mesa e, rapidamente, desceu-o na cabeça dele.
O barro fino quebrou e, enquanto a água e pedaços do jarro se es-palhavam, Houston pulou fora, pondo-se a salvo nos pés da cama.
- Que diabo! - começou Kane, sentando-se e esfregando a cabeça - Você podia ter me matado.
- É pouco provável - disse Houston. - Presumi que a qualidade dos seus artigos de toucador devia combinar com seu gosto para móveis. E vejo que não estava errada.
- Escute, sua cadelinha, eu...
- Não, senhor Taggert, o senhor é que vai me escutar. Se eu vou ser sua esposa, o senhor me dispensará o respeito devido a uma mulher nessa posição. Não serei tratada como qualquer leviana que o senhor... contrata para uma noite. - Seu rosto ficou vermelho, mas continuou. - Eu não vim ao seu quarto porque, como o senhor disse, não podia esperar para compartilhar sua cama. Fui, de certa forma, chantageada para fazer isso. Lá embaixo, tenho um alfaiate esperando para tirar suas medidas para um terno, tenho rapazes para carregar os móveis chegando a qualquer minuto, uma cozinheira vem vindo com uma carroça de comida e, em menos de uma hora, um barbeiro removerá essa massa de cabelo que está criando. Se tenho que preparar tanto esta casa como o senhor para o casamento, infelizmente preciso de sua presença e, portanto, não pode se permitir ficar refestelado na cama, dormindo o dia todo.
Kane ficou olhando para ela, enquanto fazia seu discurso.
- Minha cabeça está sangrando?
Com um suspiro, Houston aproximou-se e examinou sua cabeça, até que ele pegou-a pela cintura e encostou o rosto contra seu seio.
- Tem algum enchimento? - perguntou.
Houston empurrou-o com desgosto.
- Levante-se, vista-se e desça o mais rápido possível - disse antes de girar nos calcanhares e deixar o quarto.
- Desgraça de mulher mandona - ouviu-o dizer atrás dela.
Embaixo, tudo virara um caos. Os seis homens que Susan contratara estavam passeando pela casa como se fossem os donos, gritando comentários uns para os outros. Willie e a sra. Murchison estavam esperando para fazer-lhe umas perguntas e Bagly tinha decidido partir. Houston começou a trabalhar.
Pelas nove horas, ela estava desejando saber usar um chicote. Já tinha despedido dois dos carregadores de móveis por insolência e, então, perguntado quem queria ganhar o pagamento de um dia.
Kane não gostara de ser tocado por Bagly e de que Houston decidisse o que ele podia e não podia usar. E a sra. Murchison estava fora de si, tentando cozinhar na cozinha vazia.
Quando o barbeiro chegou, Houston escapou pela porta lateral e quase correu para a privacidade da grande estufa, que há dias queria explorar. Fechou a porta e olhou com prazer para a extensão de quase cem metros de plantas floridas. O perfume e a paz, era do que mais precisava.
- O barulho ficou muito alto para você?
Ela voltou-se e viu Edan, enquanto ele pousava um grande vaso de azaléias. Ele era quase tão grande quanto Kane, bonito, loiro e parecia mais moço do que Kane.
- Acho que acordamos você. Parece que houve muita gritaria esta manhã.
- Se Kane está por perto, as pessoas geralmente gritam - ele comentou. - Posso mostrar-lhe minhas plantas?
- Isto é seu?
- Mais ou menos. Há uma casinha depois do jardim das rosas, onde mora uma família japonesa. Eles cuidam dos jardins de fora, mas este aqui é meu. Tenho plantas do mundo inteiro.
Ela sabia que não tinha tempo, mas também sabia que queria uns poucos minutos de tranqüilidade.
Com orgulho, Edan mostrou-lhe as muitas plantas da estufa: ciclamens, prímulas, samambaias, orquídeas, coisas exóticas de que nunca tinha ouvido falar.
- Deve gostar disto aqui - disse, tocando a folha de uma orquídea. - Quebrei um jarro na cabeça dele, hoje de manhã.
Edan deu uma gargalhada.
- Já fui para cima dele com meus punhos mais de uma vez. Você realmente pretende tentar civilizá-lo?
- Espero que consiga, mas não posso continuar atacando-o. Deve haver outros meios. - Levantou a cabeça. - Não sei nada sobre você, ou como está ligado a ele.
Edan começou a replantar uma passiflora muito crescida.
- Ele encontrou-me em um beco de Nova York, onde permanecia vivo comendo das latas de lixo. Meus pais e minha irmã tinham morrido uma semana antes por inalação de fumaça, em um incêndio. Eu tinha dezessete anos, não podia arranjar um emprego porque continuava lutando - sorriu, lembrando-se -, passando fome e tinha decidido levar uma vida de crimes. Infelizmente, ou talvez felizmente, a primeira pessoa que escolhi para roubar foi Kane.
- Talvez o tamanho dele fosse um desafio para você - ela observou.
- Ou talvez estava esperando fracassar. Kane jogou-me na rua, mas em vez de me mandar para a cadeia, levou-me para casa com ele e alimentou-me. Eu tinha dezessete anos e ele tinha vinte e dois, e já estava a caminho de tornar-se um milionário.
- E tem estado com ele desde então.
- E ganhado meu sustento - acrescentou Edan. - Ele fez-me trabalhar para ele durante o dia e mandou-me para uma escola de contabilidade à noite. O homem não acredita em sono. Ficamos acordados até quatro horas da manhã, por isso é que estávamos na cama quando chegou. Ah! - disse de repente, sorrindo abertamente, enquanto olhava através das paredes de vidro. - Acho que o barbeiro esteve aqui.
Com muita curiosidade, Houston olhou pelo vidro. O que viu foi um homem grande, usando as roupas de Kane, mas em vez do longo cabelo escuro e barba, tinha o rosto barbeado.
Houston olhou para Edan com admiração, e ele riu quando Kane passou pela porta.
- Houston! - gritou - Você está aqui?
Ela saiu detrás de uma árvore para olhá-lo.
- Nada mal, hein? - disse feliz, esfregando o queixo limpo. - Não me via há tanto tempo que já tinha esquecido como sou bonito.
Houston teve que rir, pois na verdade ele era bonito, com um grande queixo quadrado, lábios finos e olhos com sobrancelhas escuras; ele era extraordinário.
- Se já terminou de ver as plantas de Edan, venha para o fundo da casa. Há uma senhora na cozinha, inventando comidas, e eu estou faminto.
- Sim - disse, saindo da estufa, à frente dele.
Uma vez ao lado de fora, ele pegou seu braço.
- Tenho uma coisa para lhe dizer - falou mansamente, olhando para a ponta da bota, e depois para algum ponto à esquerda da cabeça dela. - Eu não pretendia pular em cima de você esta manhã. Acontece que estava dormindo, e acordei com uma garota bonita perto de mim. Eu não feriria você. Suponho que não estou acostumado com damas. - Esfregou a cabeça e sorriu para ela. - Mas acredito que aprenderei bem rápido.
- Sente-se aqui. - Houston apontou para um banco embaixo de uma árvore. - Deixe-me ver sua cabeça.
Ele sentou-se bem quieto, enquanto ela procurava o machucado e examinava-o.
- Dói muito?
- Agora não. - Pegou suas mãos. - Você ainda vai casar comigo?
Ele é muito mais bonito que Leander, pensou de repente, e, quando ele olhava para ela como agora, estranhas coisas aconteciam com seus joelhos.
- Sim, ainda vou me casar com você.
- Ótimo - disse abruptamente e levantou-se. - Agora, vamos comer. Eu e Edan temos trabalho para fazer e tenho um homem esperando por mim. E você tem que vigiar esses idiotas com os móveis. - Começou a voltar para casa.
Houston quase tinha que correr para acompanhá-lo. Certamente ele muda de humor com muita rapidez, pensou, enquanto segurava seu chapéu e apressava-se.
De tarde, já tinha feito descer os tapetes de três quartos. Os móveis ainda não estavam arrumados, pois ela não decidira onde iria cada peça. Kane e Edan fecharam-se com o visitante. Vez por outra, ouvia a voz de Kane, mais alta que o barulho da mudança. Uma vez, ele olhou da biblioteca as cadeiras douradas e disse:
- Essas cadeirinhas vão agüentar?
- Agüentaram durante duzentos anos.
Kane fez uma careta e voltou ao seu estúdio.
Às cinco horas, bateu na porta do estúdio, e, quando Edan atendeu, ela deu uma espiada através da névoa azulada da fumaça dos charutos, para dizer a Kane que já estava indo, mas voltaria no dia seguinte. Ele mal levantou os olhos do papel.
Edan saiu com ela.
- Obrigado por tudo que fez hoje. Estou certo de que a casa ficará como deveria ser, quando terminar.
Ela parou na entrada.
- Por favor, diga-lhe que estarei aqui amanhã ao meio-dia, com a roupa nova, e que iremos à recepção às duas.
- Espero que ele vá.
- Ele irá - disse ela com mais segurança do que sentia.

 

 

 

 


8


O CAFÉ da manhã na casa dos Chandler era um acontecimento solene, onde somente Duncan é Houston faziam justiça ao bife, presunto, ovos, torta de pêssego e bolos de trigo sarraceno. Opal parecia ter perdido uns três quilos durante a noite, o maxilar de Blair era uma linha dura de raiva, enquanto Duncan parecia oscilar entre a irritação e o espanto.
Houston pensou no que Susan lhe contara esta manhã sobre Blair e Leander. No dia anterior, Blair estava passeando de canoa no lago do Fenton Park com um desconhecido loiro, simpático, quando Leander remou até o lado deles. O que viram, a seguir, foi o desconhecido agitando-se na água, enquanto Lee puxava Blair para sua canoa e remava para a margem. Enquanto todos riam, Blair usou um remo para jogar Lee no lodo, salvou o desconhecido de afogar-se e remou com ele de volta para o local onde alugavam os botes.
Houston sabia que devia estar com ciúmes das brincadeiras deles, zangada pela maneira como Leander demonstrava a todos que preferia Blair, e com ciúmes de todas as flores que Lee mandava, mas sua mente estava ocupada com outras coisas, como onde iria colocar a pequena mesa jacobina e a quem poderia chamar para ajudá-la a colocar as cortinas, que encontrara empacotadas e etiquetadas. E também havia Taggert. Esperava que nesse dia não lhe desse muito trabalho.
- Gostaria de falar sério com você, Houston - disse Duncan, depois da refeição, assustando tanto Houston que ela pulou. Conduziu-a até a sala de visitas da frente, a que era usada para convidados.
Calmamente, sentou-se. Esse homem era seu padrasto desde que era uma menina, e, por sempre ter feito o que ele queria e ter se portado de acordo com a imagem que ele tinha de uma dama, eles nunca tinham se desentendido.
- Ouvi dizer que você concordou em casar-se com ele - começou, levantando-se, de costas para a janela que dava para a rua.
- Sim - respondeu, preparando-se para a tempestade que vinha. Como iria ela defender sua causa? Poderia dizer que perguntara a Kane e ele disssera que nunca matara ninguém? Ou talvez pudesse tentar explicar o quanto ele precisava dela.
Como se pesasse centenas de quilos, Duncan sentou-se.
- Houston - disse com uma voz que era um pouco mais que um murmúrio -, eu sei que esta casa não tem sido igual ao tempo em que seu pai era vivo, mas nunca pensei que tomasse medidas drásticas para sair daqui.
Ela não esperava isso.
- O senhor pensa que vou me casar com o senhor Taggert a fim de deixar esta casa?
Ele levantou-se.
- Por esse e outros motivos - levantou-se para olhar a janela. - Sei que o que Leander fez para você deve ser uma experiência humilhante, e na sua idade deve parecer o fim do mundo.
Virou-se, outra vez, para fitá-la.
- Mas, acredite-me, Houston, não é o fim do mundo. Você é a moça mais bonita da cidade, talvez até de todo o Estado, e encontrará alguém. Se quiser, posso levã-la a Denver e apresentá-la a alguns rapazes.
Levantando-se, Houston foi até ele e beijou-o no rosto. Até esse mo-mento, não sabia que ele realmente se preocupava com ela. Apesar de morarem na mesma casa, sempre houvera uma formalidade entre eles, e essa era até a primeira vez que o beijava.
- Agradeço-lhe muito pela bondade - disse quando Duncan virouse embaraçado. Ela afastou-se. - Não acredito que vá me casar com o senhor Taggert só por ser ele o mais disponível.
- Tem certeza? Talvez queira mantê-lo perante a cidade e dizer "Vejam, posso conseguir outro homem na hora que quiser". Você pode conseguir outro homem. Talvez um que não seja tão rico, nem tenha uma casa como a de Taggert, porém um homem cuja família você conheça. Por tudo que sei, pode haver insanidade na família de Taggert. Ouvi dizer que aquele tio dele não é mais do que um encrenqueiro.
- Tio? - Houston levantou a cabeça.
- Rafe Taggert, das minas de carvão. O homem é um espinho na vida de Jacob Fenton, mas Jacob o mantém não importa o que faça. Houston virou-se para esconder seu rosto. O nome Taggert era bas tante comum e nunca tinha ligado sua amiga Jean a Kane. Talvez Jean conhecesse Kane. E, se eles eram parentes, ela podia garantir que a família de Kane era sã.
- Não acredito que haja insanidade - respondeu, voltando-se para Duncan.
Um ar de frustração cruzou o rosto de Duncan.
- Como pôde mudar completamente em tão pouco tempo? Você era tão sensível com Leander, procurando conhecê-lo bem antes de assumir o compromisso do casamento, mas você conhece esse homem há poucos dias e já concordou em passar o resto da vida com ele.
Não havia como responder. Ele estava totalmente certo. Pela lógica, Houston sabia que não devia se casar com esse estranho. Exceto que, com todos os diabos, ele queria muito! Cobriu com a mão o sorriso que apareceu em seus lábios. Ela não devia adotar o linguajar do sr. Taggert.
- Casamento é um assunto sério - continuou Duncan. - Pense no que vai fazer.
- Já concordei em me casar com ele - disse, como se fosse uma resposta.
- Blair provou que, até que o anel esteja no dedo de uma mulher, qualquer coisa pode acontecer - falou amargamente. - Não deixe que... o capricho dela arruíne sua vida. Investigue sobre Kane Taggert. Fale com pessoas que o conheceram. Fale com Marc Fenton; talvez se lembre de Taggert quando ele trabalhava no estábulo. Tentei ver Jacob, mas ele não suporta ouvir o nome de Taggert. É a sua vida toda, Houston; descubra tudo que puder sobre o homem antes de comprometer-se com ele.
Houston sabia que seu pedido era razoável, mas hesitou antes de concordar. Talvez não quisesse descobrir nada a respeito de Kane, talvez gostasse de pensar sobre ele como um homem misterioso que a deixara encantada.
E talvez não estivesse pronta para que a aventura terminasse. Mas as palavras de Duncan eram sensatas, e Houston estava acostumada a obedecer. Por um instante, imaginou o que ele faria se soubesse do ataque de Kane na manhã anterior e a cena do jarro quebrado. Ele a tràncaria no quarto, sem dúvida. Suspirou.
- Perguntarei às pessoas - murmurou. - Descobrirei tudo que puder, e, se não houver nada de terrivelmente errado, me casarei com ele no dia 20.
Duncan suspirou com tristeza.
- É tudo que posso pedir. Houston, me diga, você sempre quis dinheiro tão desesperadamente? Você considerou sua vida nesta casa como uma vida de pobreza?
- O senhor pensa que o dinheiro dele é uma das razões pelas quais vou me casar?
- Claro. - Ele parecia surpreso. - Por que outro motivo você se casaria com aquela coisa feia? Não fosse pelo dinheiro, ninguém falaria com ele. Seria mais um mineiro de carvão como o resto da família, e ninguém perderia tempo com ele.
- Ele seria só outro mineiro? Ele começou como cavalariço, mas ganhou milhões. Ninguém deu isso a ele. Talvez goste do homem que existe dentro dele, aquele que saiu da sujeira do estábulo para conseguir alguma coisa na vida. Tudo que já fiz até hoje foi aprender como me v=stir adequadamente. - Ele precisa desse conhecimento, pensou, sentindo um pequeno arrepio percorrer-lhe o corpo.
- O que mais uma dama deve saber? - perguntou Duncan.
- Mulheres hoje estão escrevendo livros, não estão? - Parou, abanando a mão para acabar com o assunto. - O que me admira é que ninguém pergunta por que um homem com a riqueza do senhor Taggert vai se casar com uma mulher das montanhas do Colorado. Ele poderia ter uma princesa.
- Você é uma princesa - retrucou Duncan.
Houston sorriu para ele enquanto se dirigia para a porta.
- Devo ir. Tenho que visitar o senhor Bagly e escolher um guarda-roupa para meu futuro marido, e também devo encomendar um outro vestido de casamento idêntico ao primeiro. Tenho certeza que Blair não pensou nisso.
- Também duvido - disse Duncan, procurando em seu bolso. - O presidente do banco veio ontem e trouxe isto. - Estendeu-lhe um pedaço de papel.
Era um comprovante de depósito, declarando que cinqüenta mil e duzentos dólares tinham sido depositados em seu nome.
A mão de Houston tremeu um pouco na maçaneta.
- Obrigada, obrigada por tudo, farei o que me pediu. - Com um sorriso, deixou a sala.
Já estava subindo as escadas, quando parou e olhou outra vez o papel do depósito. Ele dissera que iria depositar "algum" dinheiro para ela. Ele podia ter muitas falhas, mas falta de generosidade não era uma delas. Reprimindo a vontade de rir de satisfação, subiu correndo para ir vestir-se para o passeio do dia.
Uma hora mais tarde, encontrava-se sentada na pequena loja do sr. Bagly, no meio de uma quantidade de amostras de tecido. Uma das coisas que aprendera no final do curso fora como vestir um homem - se isso não tivesse outra utilidade, serviria pelo menos para discutir com o camareiro do marido.
- Ele precisará de uma dúzia de ternos para trabalhar - dizia para o sr. Bagly, enquanto um auxiliar escrevia furiosamente. - Essa lã clara, o Oxford xadrez cinzento, o Angola, e aquela lã escosesa azul escura... por enquanto.
- E para a noite? - perguntou o sr. Bagly.
- O preto de lã penteada com um colete branco. Agora, roupas para cavalgar.
Ela escolheu roupas para esportes, parou e rejeitou as calças para golfe e roupas para recepções à tarde. Para seu próprio casamento, escolheu um fraque preto, e mais camisas, cachecóis, luvas. Também escolheu um grande sortimento de roupas de baixo de algodão, lenços e meias.
- Deixamos os chapéus para mais tarde?
- Sim - respondeu Houston. - E as bengalas. - Olhou o pequeno relógio de ouro preso em seu busto. - Agora devo ir. Pode me dar o terno pronto?
Quando o sr. Bagly trouxe a roupa nova e um conjunto completo de acessórios, incluindo sapatos, Houston combinou com ele para que tomasse as medidas de Edan, a fim de fazer roupas para o casamento.
- Boa sorte - disse, enquanto Houston partia na elegante carruagem nova. - Você vai precisar - resmungou baixinho.
Duas horas mais tarde, Houston estava vestida para a recepção; usava um vestido justo de musselina branca salpicada de seda, sobre cetim amarelo, uma larga fita amarela que cruzava na cintura, presa num laço nos quadris. De manhã, Susan conseguira fechar o espartilho quase dois centímetros mais justo. A respiração estava sendo feita na metade superior de seus pulmões, mas que importância tinha um pouco de desconforto? Ela queria se apresentar da melhor maneira possível, em sua primeira aparição oficial, com o noivo.
Suspirando enquanto estacionava em frente da casa do sr. Taggert, percebeu que precisava contratar empregados logo. Naquele momento, precisava de alguém para ajudá-la a descer da carruagem. Olhando em volta, para ter certeza de que não havia ninguém por perto, levantou seu vestido até quase os joelhos e desceu.
Um assobio baixo veio de sua esquerda.
- A coisa mais bonita que vi durante todo o dia - disse Kane, vindo pelo lado da casa. - Na verdade, você tem pernas melhores do que uma dançarina que vi em Nova Orleans.
Houston tentou controlar a vermelhidão do rosto.
- Trouxe sua roupa e você só tem tempo para se aprontar.
- Aprontar para o quê?
Ela ainda não se acostumara a vê-lo sem a barba. Seu rosto esta manhã estava áspero com a barba por fazer, mas isso não escondia a sua extraordinária aparência. Que sorte, pensou, concordar em casar-se com um urso pardo e vê-lo transformar-se em um príncipe bonito.
- Para a recepção, às duas.
- Ah, aquilo. - Disse por sobre o ombro, enquanto dirigia-se para a porta, deixando-a lá parada.
- Sim, aquilo - pegou as saias e seguiu-o dentro da casa até o escritório. - Pensei que talvez tivéssemos tempo antes de irmos, para umas pequenas lições, o suficiente para que se sinta confortável, e é claro que quererá tempo para se vestir.
Ele parou atrás da escrivaninha e pegou um papel.
- Eu sinto mesmo, mas não tenho tempo para ir. Tenho muito trabalho para fazer. Vá você. já está toda arrumada. Talvez possa levar algumas flores de minha parte.
Houston respirou fundo.
- Talvez eu deva dar dinheiro a eles.
Ele olhou por cima dos papéis, com uma expressão de surpresa.
- Eles gostariam?
- Não - disse com calma -, eles não gostariam, mas tenho certeza de que você sim. Dessa maneira não teria que encará-los.
- Você está dizendo que tenho medo de um bando de esnobes bebedores de chá? Ora, eu poderia comprar e vender...
O olhar dela fez com que parasse.
- Não vou - disse teimosamente e sentou-se.
Ela aproximou-se para ficar perto dele, querendo muito pôr a mão em seu ombro, mas não o fez.
- Não vai ser tão ruim. Você só encontrou as piores pessoas da cidade. Gostaria de apresentá-lo a meus amigos, e prometo que ninguém vai desmaiar a seus pés.
Ele levantou o olhar para ela.
- Nenhuma dama desmaiará quando me vir sem a barba?
Com um sorriso, ela afastou-se dele.
- Está tentando me fazer dizer que será o homem mais bonito de lá? Ele fez uma tentativa para pegar sua mão, mas ela afastou-se com rapidez.
- Vamos ficar aqui você e eu - disse ele. - Encontraremos alguma coisa para fazer juntos. Eu gosto desse vestido.
- Ah, não, senhor Taggert. - Ela riu, imaginando se poderia apertar ainda mais o espartilho. - Eu não serei seduzida para... para o que seja que tenha em mente. O senhor deve vestir-se para a recepção. - Foi se afastando até ficar contra a parede.
Kane chegou-se para perto, pôs ambas as mãos na parede, uma de cada lado da cabeça dela, e inclinou-se para a frente.
- Nós ainda não nos conhecemos bem, não é? Quero dizer, duas pessoas devem passar algum tempo sozinhas antes de se casar, não devem?
Houston habilmente escapou por baixo do braço dele.
- Senhor Taggert - disse com firmeza -, não adianta vir com conversas, para que desista da festa. Penso que está com medo de ir e, se por acaso o senhor for do tipo de homem que deixa um pequeno grupo de pessoas asssustá-lo, não estou certa de que seja o homem com quem quero me casar.
Com um olhar raivoso, ele voltou para a escrivaninha.
- Arre! Você sabe ser insistente. Não tenho medo de nenhuma droga de festa.
- Então prove, vestindo-se e indo comigo. - Enquanto ela observava, ele parecia estar lutando com alguma coisa interior, e ela quase disse que ficaria em casa com ele. Seja firme, Houston, falou para si mesma. É isso que ele quer que você faça.
Ele jogou os papéis na mesa.
- Irei - falou aborrecido. - E espero que você não se arrependa. - Levantou-se com raiva, passando por ela e saindo do escritório.
- Também espero. - Ela respirou e saiu correndo para pegar a roupa dele que ainda estava na carruagem.
Enquanto Kane se vestia, Houston olhava os móveis espalhados pela casa e planejava onde deveriam ser colocados. Depois de uma hora e meia, quando começava a pensar que Kane saíra por uma janela do segundo andar, voltou-se e viu-o parado na porta, usando o casaco escuro, camisa branca de linho e calças cinzentas com uma gravata branca na mão.
- Não sei como dar o laço disto.
Houston por um momento não conseguiu se mover. A roupa bemfeita mostrava a extraordinária diferença entre a largura dos ombros e a estreiteza da cintura, e o traje escuro realçava suas sobrancelhas e cabelos. Com orgulho, pensou em chegar na festa pelo braço dele. Talvez houvesse uma parte dela que quisesse mostrar para a cidade que podia conseguir outro homem. Certamente ela poderia ter se saído pior do que com esse homem. Ah, sim, poderia.
- Sabe como dar o laço disto? - insistiu.
- Sim, claro - disse, voltando a si. - Tem que se sentar, a fim de que possa alcançar seu pescoço.
Ele sentou-se em uma das pequenas cadeiras douradas como se fosse um condenado.
Enquanto ajeitava a gravata Windsor, começou a conversar com ele.
- A festa é na casa de uma amiga, Tia Mankin. Haverá mesas longas dispostas com comidas e bebidas, e tudo que terá que fazer é andar por lá e conversar com as pessoas. Ficarei com você o mais que puder. Kane não disse nada.
Quando a gravata estava arrumada, ela olhou em seus olhos. Era esse o homem em cuja cabeça quebrara um jarro?
- Acabará logo, então voltaremos para cá e jantaremos.
Inesperadamente, seus braços se fecharam em volta dela e ele beijou-a com firmeza, como se quisesse coragem dela. No momento seguinte, estava de pé ao seu lado.
- Vamos logo com isso - disse, dirigindo-se para a porta.
De novo, Houston estava muito atordoada para se movimentar. Os poucos beijos pareciam não significar nada para ele, mas deixavam-na sem fôlego.
- Você não vem? - ele perguntou impaciente, da porta.
- Sim, certamente - disse, sorrindo e sentindo-se muito viva.
Durante a curta distância até a casa de Tia, ela deu-lhe umas instruções.
- Se queremos que as pessoas acreditem em nosso noivado, talvez você deva ser atencioso comigo - disse cautelosamente. - Fique perto de mim, segure meu braço, esse tipo de coisa. E, por favor, ajudeme a descer da carruagem.
Ele concordou sem olhá-la.
- E sorria - disse. - Certamente casamento não é uma coisa assim tão ruim.
- Se eu conseguir sobreviver ao noivado - disse ele com seriedade.
As pessoas já reunidas no jardim dos Mankin estavam mais do que curiosas sobre Kane e Houston. Fazendo o possível para agirem com polidez, praticamente correram em direção à carruagem, então pararam e ficaram boquiabertos. O mineiro cabeludo tinha sido substituído por um cavalheiro.
Kane não parecia estar reparando nas reações das pessoas, mas Houston estava, e, com orgulho, pôs as mãos nos grandes ombros dele, enquanto ele a ajudava a descer da carruagem. Passando seu braço pelo dele, guiou-o em direção às pessoas que aguardavam.
- Posso apresentá-lo a meu noivo, senhor Kane Taggert? - começou.
Vinte minutos mais tarde, após ter sido apresentado a todos, ela per-cebeu que ele começava a relaxar.
- Não foi tão ruim como pensou, não?
- Não - disse ele um pouco convencido. - Quer alguma coisa para comer?
- Gostaria de um pouco de ponche. Me desculpa por um momento? Preciso falar com alguém.
Ela olhou-o por um momento, enquanto começava a dirigir-se para as mesas de comida e reparou como muitas mulheres paravam para olhálo. Meredith Lechner encaminhou-se para falar com ele, sorrindo primeiro para Houston como se pedisse permissão.
Meu sapo virou príncipe, pensou Houston. E só precisou de um galo na cabeça. Ela tossiu polidamente para encobrir o que poderia ser um soluço.
Enquanto Kane estava ocupado, ela dirigiu-se até o reverendo Thomas, que estava sozinho, afastado da multidão.
- Você certamente mudou-o - disse o reverendo Thomas acenando com a cabeça em direção a Kane, que agora tinha três mulheres por perto.
- Talvez o exterior. - Baixou a voz. - Quero falar com o senhor. Na semana passada, na cidade do carvão, Jean Taggert disse que sabia a meu respeito. O que é que ela sabe?
- Tudo - respondeu o reverendo.
- Mas como?...
- Eu lhe contei. Tive que contar. Queria que você tivesse uma amiga, uma verdadeira amiga, lá dentro.
- Mas e se me pegarem? Jean ficará com mais problemas se souber quem eu sou. Já é perigoso, do jeito que é.
- Houston - disse o reverendo, os olhos nos dela. - Você não pode assumir toda a responsabilidade sozinha. Jean me procurou há uns meses atrás e queria saber a verdade. Fiquei satisfeito em dizer-lhe.
Houston ficou em silêncio por um momento, enquanto olhava Kane rir de alguma coisa que uma das mulheres dissera, e ela viu as mulheres se aproximarem mais. Não é só a mim que ele encanta, pensou.
- O senhor sabia que Kane e Jean são parentes? - perguntou.
- Primos em primeiro grau. - Ele sorriu ao ver sua expressão de espanto. - Assim que soube de seu noivado, fui ver Jean. Os guardas não queriam me deixar entrar, mas eu tenho um chefe mais alto que o deles. Nem Jean, nem ninguém- de sua família encontrou Kane. Há algum segredo sobre seu nascimento, alguma coisa sobre sua mãe. O palpite de Jean é que ela era uma... há... uma dama da noite, e o pai de Kane tinha alguma dúvida sobre se o filho era dele. Isso explicaria por que Kane foi posto para trabalhar na casa dos Fenton, em vez de ter sido criado pelos Taggert.
- O senhor sabe o que aconteceu com seus pais?
- Jean tem certeza de que ambos morreram. Houston - o reverendo Thomas pôs suas mãos no braço dela -, você está certa de que quer casar-se com esse homem? Sei que o que Leander fez deve tê-la ferido, mas...
Houston sentiu que não poderia ouvir outro sermão, não importa que fosse bem-intencionado.
- Tenho certeza - disse firmemente - Agora, se me der licença, preciso ver meu noivo antes que o roubem de mim.
- Está bem. Mas quando quiser conversar, estarei aqui.
Ao tentar alcançar Kane, Houston era interceptada, a cada momento, por pessoas que queriam lhe fazer perguntas.
- Ele está muito bonito, Houston. Você fez maravilhas com ele. - Você realmente se apaixonou por ele enquanto ainda era noiva de Leander?
- Lee ficou de coração quebrado quando você lhe contou?
- Você fugia de sua casa para se encontrar com o senhor Taggert? - Houston, você tem que nos contar tudo!
Finalmente, conseguiu chegar ao lado de Kane e passou seu braço no dele.
- Você demorou tempo demais - disse disfarçando. - Você sabe o que aquelas mulheres queriam saber? - perguntou com um tom chocado.
- Posso imaginar. - Ela riu. - Comeu alguma coisa?
- Só um desses pequenos sanduíches. Alguém pode comer todos eles e ainda ficar faminto. Ainda temos que ficar muito tempo? Quem era o homem com quem estava conversando?
- O reverendo Thomas.
- Ah, sim. Você ensina em uma classe para ele, nas quartas-feiras. - Sorrindo, ele tocou o nariz dela com a ponta dos dedos. - Não fique tão surpresa. Sei muito sobre você. Sente-se. Vou trazer-lhe um prato de comida. Vi os outros homens fazerem isso para as mulheres.
Se estivesse agora com Lee, ele saberia exatamente o que deveria fazer, pensou. E eles teriam que sair da festa às três e quinze, porque nas quintas, ele...
- Desejando ter um homem que soubesse o que fazer? - perguntou Kane acima dela, sua grande sombra bloqueando o sol, um prato de comida na mão.
- Não, eu não estava - respondeu, mas não disse mais nada porque uma quantidade de comida muito molhada caiu rolando em seu colo.
Kane não se moveu, mas mostrava no rosto o conhecimento de que tudo que temera acabara de acontecer.
Só quando ouviu a risada reprimida de uma mulher, já a festa inteira parada, é que Houston conseguiu reagir.
Rapidamente, levantou-se, e a comida caiu toda no chão.
- Levante-me - murmurou, mas ele só olhava para ela com olhos frios. - Carregue-me em seus braços, leve-me até a carruagem e vamos embora - ordenou calmamente.
Kane não costumava obedecer ordens cegamente, mas desta vez não hesitou. Com facilidade, levantou-a.
Enquanto a carregava até a carruagem, Houston aconchegou-se contra ele. Nas quintas, Leander tinha aulas de esgrima, mas as quintas do sr. Taggert eram gastas em carregar sua noiva.
Kane ficou em silêncio até que estivessem na carruagem, a caminho da casa dos Chandler.
- Por quê? - perguntou. - Qual a importância de carregá-la?
- Porque poucos daqueles homens têm costas bastante fortes para carregarem suas esposas, e acredito que toda mulher trocaria um pouco de comida jogada por um homem que a pudesse carregar.
- Você não pesa nada.
Com um sorriso inclinou-se e beijou-a na face.
- Eu não peso nada para você - disse meigamente.
Ele parou a carruagem e fitou-a.
- Você é uma verdadeira dama, não é, senhorita Chandler? Uma verdadeira dama.
- Espero que sim - murmurou e pensou que seria possível tornarse em qualquer coisa que Kane Taggert quisesse.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

9


HOUSTON ENTROU correndo no quarto de sua mãe, que estava tran-qüilamente sentada, bordando um par de punhos.
- Mamãe! Você tem que me ajudar.
- Olhe o seu vestido - disse Opal, levantando-se. - Você acredita que ficará limpo?
- Não sei. Mamãe, ele está lá embaixo me esperando e você deve distraí-lo, enquanto me troco. Se não for conversar com ele, tenho medo que se vá.
Opal deu um passo atrás.
- Você não pode estar se referindo ao senhor Taggert. Ele está lá embaixo?
Houston segurou as mãos da mãe.
- Ele está muito perturbado. Sem querer, deixou cair comida no meu colo e todos começaram a rir dele. Se você visse sua cara! Estava totalmente humilhado. Por favor, desça e converse com ele durante alguns minutos. Não o deixe ir-se embora.
Opal sentiu-se penalizada.
- Ninguém devia ter rido dele, se foi um acidente.
- Obrigada - disse Houston, beijando rapidamente o rosto de sua mãe, antes de sair correndo do quarto. Ignorou o grito de Opal.
- Sobre o que conversarei com ele?
Susan estava esperando por Houston e ajudou-a desabotoar as costas do vestido.
- É só o barrado da frente que está manchado - disse, levantando o vestido e examinando-o. - Susan, diga à senhora Thomas para esfregar com pó de magnésia para tirar a gordura. Céus, todas as man chas do mundo estão aqui. Mantenha o barrado sobre o calor do enxofre e, se isso não adiantar, usarei nafta. Mas eu mesma farei isso. A última coisa que quero é a cozinha explodindo. Agora, apresse-se, antes que fique pior.
Quando Susan voltou de sua incumbência, Houston estava sentada à sua escrivaninha, escrevendo.
- Quando eu terminar este bilhete, quero que o entregue a Willie para que leve à senhora Murchison. Também quero que explique a ele o que preciso para que não haja mal-entendidos. Diga a Willie que suba as escadas da casa do senhor Taggert, aquelas do lado da cozinha, até o sótão, vire à esquerda e, então, verá um longo corredor. A segunda porta à esquerda dá para um quartinho cheio de móveis e, ao longo da parede do fundo, está um pequeno tapete Soumark - não, é melhor dizer que é um tapete com desenhos vermelhos - e uma grande sacola de musselina com almofadas. A sacola é tão alta quanto ele, portanto não pode deixar de vê-Ia. Diga-lhe que leve o tapete e as almofadas para baixo, para a pequena sala de visitas. A senhora Murchison mostrará a ele onde é. Diga-lhe que desenrole o tapete, ponha as almofadas junto a ele e, então, traga o grande candelabro de prata, de três braços, da sala de jantar, que é a porta seguinte, e coloque-o no meio do tapete. Levantou os olhos:
- Pode lembrar-se de tudo isso para dizer a Willie?
- Sim, senhorita. Um piquenique dentro de casa. É verdade que o senhor Taggert virou a mesa toda de comida em cima das pessoas?
- Onde você ouviu isso?
- Ellie, que trabalha para os vizinhos dos Mankin, veio de lá.
- Bem, não é verdade. Agora desça, fale com Willie e diga-lhe que entregue isto à senhora Murchison. E rápido, por favor. Precisarei de ajuda para vestir-me. Ah, sim, mande-o dizer à senhora Murchison que demorarei o que for possível para dar-lhe tempo de cozinhar.
Assim que Susan saiu, Houston ficou desanimada, ao ver que a comida derramada tinha molhado todas suas roupas de baixo. Depois de uma rápida inspeção, achou que uma fervura deixaria tudo limpo e, apressadamente, começou a se despir.
Em seu guarda-roupa escolheu um vestido de cambraia macia, verde-claro, com mangas curtas, franzidas, a blusa e o decote alto feitos de renda de algodão. Infelizmente, as costas eram fechadas por trinta e seis pequenos botões verdes. Estava lutando com eles, quando Susan voltou.
- O que você ouviu lá embaixo?
- Nada, senhorita - disse Susan, começando a prender os botões com um pequeno gancho de bronze. - Quer que eu veja? Acho que a porta da sala está aberta.
- Não - disse Houston, mas estava começando a se preocupar. Opal Gates era uma mulher que precisava de proteção, uma mulher que ficava chocada com facilidade. Houston imaginava Kane usando alguns termos de sua linguagem baixa, Opal desmaiando de choque e Kane sentindo-se na obrigação de ''levantá-la".
- Não há ninguém mais na casa, não e, Susan?
- Não, senhorita.
- Ótimo, porque vou descer e espiar pela fresta da porta. Você pode me abotoar lá embaixo.
Houston desceu na ponta dos pés, Susan atrás dela, e espreitaram da porta da sala.
Kane e Opal estavam sentados próximos um do outro, no sofá de crina de cavalo, olhando, juntos, um estereoscópio.
- Eu mesma nunca vi o local - estava dizendo Opal -, mas dizem que é impressionante.
- Morei em Nova York durante anos, mas nunca ouvi falar desse lugar. Como é mesmo o nome?
- Cataratas do Niágara.
Kane abaixou o visor e olhou para ela.
- A senhora gostaria de ir ver, não é verdade?
- Bem, sim, gostaria. Na verdade, senhor Taggert, sempre sonhei secretamente com viagens. Gostaria de alugar um vagão particular no trem e viajar por todos os Estados Unidos.
Kane tomou a mão de Opal nas suas.
- Eu realizarei esse sonho, senhora Chandler. De que cor gostaria que fosse o trem? Digo, o lado de dentro. Gosta de vermelho?
- Claro que eu não poderia... - começou Opal. Kane aproximou-se dela.
- Tenho uma verdadeira queda por damas - disse com carinho. - E a senhora, senhora Chandler, é uma dama como sua filha.
Por um momento, houve um silêncio entre eles, e Susan, enquanto olhava por sobre o ombro de Houston, parou de abotoar.
- Rosa - disse Opal. - Gostaria de um trem totalmente decorado em rosa.
- A senhora terá. Mais alguma coisa que queira?
- Gostaria que me chamasse de Opal. Temo que meu marido, o senhor Gates, não gostará que sua esposa seja chamada pelo nome do primeiro marido.
Houston prendeu a respiração, para ver como Kane aceitaria a correção.
Kane beijou a mão de Opal, com sinceridade, e não com um beijo cavalheiresco.
- Não é de admirar que tenha uma dama como filha.
- Acho que sua mãe se casará com ele, se a senhorita não o fizer - disse Susan.
- Apresse-se e termine com esses botões.
- Pronto - disse Susan, e Houston entrou na sala de visitas.
- Espero não ter demorado muito - disse docemente. - Estava à vontade, senhor Taggert?
- Sim - disse Kane, sorrindo. - Bem à vontade. Mas agora tenho de ir. Tenho trabalho para fazer.
- Senhor Taggert, poderia, por favor, levar-me até a cidade, na casa da costureira? Preciso levar-lhe alguns modelos.
Uma expressão de desagrado cruzou o rosto de Kane, mas concordou quando Houston disse que demoraria quinze minutos no máximo.
- Não espere que eu volte até a noite - murmurou para a mãe, enquanto se despedia, beijando-lhe o rosto e pegando a sombrinha.
- Você está em boas mãos, querida - disse Opal, sorrindo ternamente para Kane.
Quando já estavam na carruagem de Houston, ela virou-se para Kane:
- O senhor e minha mãe tiveram uma conversa agradável?
- Você tem uma boa mãe. Onde é essa loja de roupas aonde quer ir? Está certa que levará só dez minutos?
- Quinze - respondeu. - Meu... meu outro vestido de casamento foi feito em Denver, mas vou mandar fazer outro idêntico, aqui mesmo.
- Idêntico? Ah, sim, para o duplo casamento. Afinal, quando vai ser?
- Segunda-feira, dia vinte. Espero que não tenha que trabalhar nesse dia e compareça.
Ele olhou-a de lado, então sorriu.
- Estarei lá no dia do casamento, se você estiver lá na noite do ca-samento. - Riu quando ela corou e virou o rosto.
Ela indicou-lhe o caminho pela Avenida Coal, até o Westfield Block, uma extensa construção de arenito, dois andares, na esquina da Rua 2 com a Rua 3, e que tinha lojas de varejo embaixo e escritórios em cima.
Kane prendeu o cavalo e ajudou Houston a descer da carruagem.
- Creio que vou tomar alguma coisa, enquanto espero - disse acenando com a cabeça em direção a um dos muitos bares da cidade. - Espero que ser marido seja mais fácil do que ser noivo.
Virou-se, deixando-a parada na rua poeirenta. Havia horas, pensou Houston, que sentia falta dos modos de Leander.
Seu negócio na casa da costureira levou só sete minutos, e a mulher ergueu os braços desesperada, com aquele pedido de um vestido tão trabalhoso, em tão pouco tempo. Sentou-se chocada, quando Houston pediu-lhe que também fizesse um vestido para Jean Taggert. Muito alvoroçada, empurrou Houston para fora da loja, dizendo que precisava de todos os minutos para trabalhar. Houston ousaria dizer que ela estava excitada com a perspectiva.
Agora, Houston parara do lado de fora da loja, a sombrinha verde aberta, e olhava para o outro lado da rua, em direção ao bar onde Kane aguardava por ela. Esperava que ele não ficasse lá muito tempo.
- Vejam só aqui - era uma voz de homem. - Esperando por nós?
Três jovens vaqueiros cercaram-na e, pelo cheiro deles, deviam ter acabado de chegar de uma viagem de semanas nas trilhas.
- Vamos embora, Cal - disse um dos vaqueiros. - Ela é uma dama.
Houston fingia que os homens não estavam lá, mas silenciosamente rezava para que Kane aparecesse.
- Eu gosto de damas - disse Cal.
Houston virou-se e pôs a mão na maçaneta da porta da Sayles Art Rooms.
Cal pôs a mão sobre a dela.
- Com licença - disse Houston, afastando-se e lançando um olhar de desprezo.
- Fala como uma dama. Doçura, que tal irmos, você e eu, até o bar para tomarmos umas cervejas?
- Cal - disse um dos outros vaqueiros, com um jeito de advertência na voz.
Mas Cal aproximou-se mais de Houston.
- Vou mostrar-lhe um verdadeiro divertimento, doçura.
- Eu é que vou mostrar-lhe - era a voz de Kane, enquanto pegava a camisa do vaqueiro pelas costas, a cintura de suas calças e atiravao, fazendo com que aterrissasse com a cara na rua suja.
Quando o vaqueiro, que tinha metade do tamanho de Kane, levantou-se, sacudindo a cabeça para limpá-la, este se aproximou dele.
- Esta aqui é uma cidade limpa - rosnou. - Se você quiser mulher livre, vá para Denver, mas aqui nós tomamos conta de nossas mulheres. - Chegou-se mais perto do rapaz. - E eu tomo conta de minha mulher muito bem. Deu para entender?
- Sim, senhor - murmurou. - Eu não queria - começou, mas parou. - Sim, senhor. já estou indo para Denver.
- Gosto dessa idéia - disse Kane, agarrando o braço de Houston e levantando-a para pô-la no banco da carruagem.
Ele dirigiu em silêncio até sua casa.
- Diabo! Supunha que quisesse ir para casa. - Pegou as rédeas outra vez. - Aquele garoto não a machucou, não?
- Não - disse com suavidade. - Obrigada por ter vindo em meu socorro.
- De nada - disse ele, mas estava carrancudo como se alguma coisa o estivesse preocupando.
Houston, colocando a mão no braço dele, disse:
- Talvez tenha sido precipitação minha, mas mandei um recado para a senhora Murchison preparar alguma coisa para comermos. Isto é, se o senhor não se importar que jantemos juntos.
Ele lançou-lhe um olhar de alto a baixo.
- Não me importo, mas espero que tenha muitos vestidos para trocar, pois parece que estou sempre a estragá-los.
- Tenho vestidos mais do que suficientes.
- Então, está bem - disse relutantemente -, mas tenho que arrumar um tempo para trabalhar, hoje. Entre, que vou levar seu cavalo.
Uma vez dentro de casa, Houston correu para a cozinha.
- Está tudo preparado?
- Tudo. - A sra. Murchison sorriu. - E há champanhe gelada aguardando.
- Champanhe? - Houston respirou com dificuldade, lembrando que, quando Blair tomara muita champanhe, acabara fazendo amor com Leander.
- E fiz todos os pratos favoritos do senhor Kane - continuou a sra. Murchison, os olhos se suavizando.
- Sem dúvida, bifes de búfalo - resmungou Houston. - E outra mulher está apaixonada por ele.
- O que foi, senhorita Houston?
- Nada. Tenho certeza de que tudo estará perfeito, aliás como sempre está qualquer coisa que cozinhe. - Houston deixou a cozinha e foi para a pequena sala de visitas. Estava exatamente como imaginara, com as velas já acesas, champanhe esfriando, patê e bolachinhas arrumados em uma bandeja de prata. Os últimos raios de sol entrando pelas janelas faziam a sala brilhar.
- Você arrumou isso? - perguntou Kane por trás dela.
- Pensei que o senhor pudesse estar com fome - começou, um pouco nervosa. O piquenique fora uma boa idéia, mas agora parecia o cenário para uma sedução. - O senhor disse que também gostaria de conversar - murmurou.
Kane deu um grunhido e passou por ela.
- Caso eu não a conhecesse bem, diria que você quer mais do que uma conversa. Vamos sentar aqui e comer. Eu...
- Tenho que trabalhar - ela completou, sentindo-se um pouco ferida com a atitude dele. Afinal, ela fizera isso porque ele parecera tão infeliz quando jogara a comida nela.
Kane aproximou-se e pôs a mão em seu queixo.
- Você não vai chorar, vai?
- Claro que não - falou firmemente. - Vamos comer, a fim de que possa voltar para casa. Também tenho muita coisa para fazer e...
Kane agarrou seu pulso e puxou-a para seus braços.
Houston sentiu o corpo amolecer e sua raiva sumiu. Talvez fosse isso que estava querendo. Ela gostava tanto de ser tocada por ele...
- Você cheira bem - disse ele, roçando os lábios em seu pescoço, enquanto seu corpo grande envolvia o dela, protegendo-a, fazendo-a sentir-se salva e em perigo ao mesmo tempo. - Hoje, você foi realmente gentil. - Enquanto falava, dava-lhe pequenas mordidas e beijos. - Você não vai se importar muito por se casar com um cavalariço como eu, vai?
Houston não respondeu. Sentia que seus joelhos começavam a falhar, mas Kane colocou-a de pé, com facilidade, enquanto começava a brincar com sua orelha esquerda.
- Você era a dama mais bonita hoje - murmurou, e sua respiração branda lhe causava arrepios por todo o corpo. - E gostei de carregá-la. De fato, gostaria de carregá-la para minha cama, agora.
Houston estava tentada a não dizer nada, e, na verdade, imaginava se seria possível que sua voz saísse.
- Alô - um som alto vinha da porta.
- Vá embora - disse Kane, seus dentes mordiscando a linha do queixo de Houston.
Mas Houston estava muito arraigada em anos de treinamento para continuar. Afastou-se de Kane, mas não o empurrou.
- Por favor - pediu, olhando em seus olhos escuros.
Com um olhar contrariado, soltou-a tão repentinamente que ela quase caiu.
A sra. Murchison estava na porta segurando uma enorme terrina de porcelana, de sopa. Ao passar por Houston, lançou-lhe olhares reprovadores, que fizeram com que corasse.
Tentando se acalmar, Houston percebeu como estivera perto de pular para a cama de seu noivo, com a maior alegria. Mas prometera a seu padrasto que faria investigações sobre Kane antes de casar-se. E se descobrisse que ele era um criminoso? Casaria com ele de qualquer forma? Certamente, teria que casar se tivesse ido para a cama com ele.
Agora olhando-o, sentado no chão, abrindo o champanhe, sem o casaco, as mangas da camisa branca enroladas até os cotovelos e mostrando os braços fortes e queimados do sol, ela pensou que talvez devesse deixar que ele fizesse amor com ela, pois, então, teria que se casar, não importa o que descobrisse sobre ele.
Mas isso seria chantagem.
Arrumando a saia com cuidado, sentou-se nas almofadas à frente dele.
- Tenho um favor para lhe pedir - começou.
- Certo - respondeu, com a boca cheia de patê.
- Gostaria de continuar virgem até o dia de meu casamento.
Kane engasgou tão fortemente que Houston ficou preocupada, mas ele emborcou meia garrafa de champanhe e tentou se recuperar.
- É bom saber que você ainda é - disse por fim, com lágrimas nos olhos. - Digo, com Westfield e tudo o mais.
Houston empertigou-se.
- Vamos, não se irrite. Olhe, tome um pouco. - Estendeu-lhe uma taça de champanhe. - Vai ser bom para você. Então, você quer continuar virgem? - falou, enquanto punha o ensopado de ostras nas tigelas de porcelana. - Isso significa que devo manter minhas mãos afastadas.
Ele a observava de uma maneira estranha, interrogativamente.
- Talvez fosse melhor - falou, ao mesmo tempo que pensava que se ele continuasse a tocá-la como há poucos minutos atrás nunca continuaria virgem. E nem teria vontade de continuar sendo.
- Tudo bem. - Havia frieza em sua voz.
Houston arregalou os olhos. Sem dúvida, ele pensava que, por ter sido um cavalariço, ela se julgasse melhor do que ele.
- Não, por favor - começou. - Não é o que está pensando. Eu... - Não poderia dizer-lhe o que prometera a seu padrasto, ou que o toque de suas mãos a fazia sentir-se bem pouco uma dama. Pôs sua mão no braço dele.
Kane afastou-se.
- Você deixou bem claro. Olhe, nós fizemos um acordo, mais ou menos um contrato, e eu o tenho quebrado. Você disse que fingiria que estamos... apaixonados, creio eu, em público, e cumpriu. Na intimidade, você não tem que fingir para mim. Manterei minhas mãos longe de você. Na verdade, creio que é melhor que eu saia agora. Fique e coma, que eu vou trabalhar.
Antes que Houston pudesse se mover, Kane levantou-se e já atravessara metade da sala.
- Por favor, não se vá - gritou, saltando para segui-lo, e, então, tropeçou nas saias compridas e quase caiu.
Ele a segurou, mas apenas o tempo suficiente para evitar que caísse no chão.
- Eu não quis ofendê-lo. Mas não é que eu não goste que me toque - começou, então parou, corou e olhou para suas mãos. - O que quero dizer é... É que eu nunca... e gostaria de continuar... se possível - concluiu, olhando para ele.
Kane olhava-a com dureza.
- Isso não faz sentido. Você quer que eu mantenha minhas mãos afastadas, ou o quê? Tudo que eu pedi neste casamento é para ter uma dama em público. Na intimidade, essa casa é bastante grande e você nem tem que olhar para a minha cara feia. A escolha é sua, senhora.
Uma dama deve ser decidida, lembrou-se Houston das aulas na escola. Levantou o queixo e pôs os ombros para trás.
- Quero ser sua esposa na intimidade, assim como em público, mas também quero continuar virgem até o casamento.
- Bem, mas quem é que está impedindo? Estou lhe arrastando pelos cabelos, lá para cima? Estou forçando-a para a minha cama?
- Não, mas o senhor é um sedutor muito convincente, senhor Taggert - respondeu-lhe de pronto, e logo cobriu a boca com a mão.
Um brilho de compreensão surgiu nos olhos de Kane.
- Bem, diabos me levem! - Havia espanto na sua voz. - Quem pensaria uma coisa dessas? Bem, talvez damas gostem de cavalariços. Venha cá, sente-se e coma - disse jovialmente. - Sou, então, um sedutor? - Sorriu com malícia, enquanto ela sentava-se à sua frente.
Do fundo do coração, Houston desejava nunca ter começado esse assunto.
O pequeno jantar íntimo que planejara transformara-se num caos incontrolável. Edan chegou antes de terem terminado a sopa e entregou a Kane papéis que tinham que ser lidos e assinados. Kane convidouo para jantar, e os dois continuaram a conversar sobre negócios durante toda a refeição.
Houston, em silêncio, via o sol se pôr, através das grandes janelas. A sra. Murchison entrava e saía, trazendo grandes quantidades de comidas deliciosas, que eram consumidas até a última migalha.
Kane estava sempre fazendo cumprimentos à mulher, e chegou mesmo a convidá-la para fugirem juntos quando ela lhe trouxe um enorme bolo. A sra. Murchison dava risadinhas e corava como uma escolar.
Houston, lembrando-se da observação da cozinheira, que iria fazer as comidas favoritas do sr. Kane, perguntou:
- Quais são suas comidas favoritas, senhor Taggert?
Ele olhou-a por sobre os papéis.
- Qualquer coisa que tenha gosto bom. E isso inclui moças bonitas. Com as faces coradas, Houston desviou o olhar.
Às nove horas, levantou-se.
- Agora, eu devo ir. Muito obrigada pelo jantar, senhor Taggert. - Na verdade, nem sabia se ele reparara que ela estava lá ou não.
Kane pegou-a pela barra do vestido.
- Ainda não pode ir. Quero falar com você.
Sem rasgar sua saia, não poderia sair, portanto parou, olhando para o painel da parede acima da cabeça dos dois homens sentados a seus pés.
- Acredito que seja eu quem deva ir - disse Edan, começando a ajuntar os papéis.
- Nós ainda não terminamos - disse Kane.
- Não acha que deve passar um tempinho sozinho com sua noiva? Direi à senhora Murchison que pode ir. Houston, obrigado pelo jantar. Apreciei muito. - Edan saiu da sala, fechando a porta atrás de si.
Houston não se moveu, mas ficou onde estava, parada, sem olhar para ele.
Ele puxou sua saia algumas vezes, mas, vendo que ela não respondia, levantou-se e olhou-a.
- Acho que está zangada comigo.
- Isso é totalmente ridículo. já é muito tarde, senhor Taggert, e devo ir para casa. Meus pais devem estar preocupados. - Houston desviou o olhar.
Kane passou a mão em sua face, e segurou seu rosto.
- Foi muito gentil em preparar este jantar com velas e tudo... - Estou satisfeita de que tenha gostado. Agora eu devo... Ele puxou-a para seus braços.
- Durante a noite toda estive pensando sobre o que disse, sobre como posso induzi-Ia a fazer coisas - disse, com os lábios roçando seu pescoço.
- Por favor, não - disse ela, empurrando-o sem resultado.
Ele passou a mão pelos seus cabelos penteados com esmero, afundou os dedos neles e lentamente começou a desmanchá-los. O cabelo grosso, macio, caiu sobre os ombros, e Kane correu os dedos por eles.
- Bonitos - murmurou, olhando-a, seus rostos muito próximos. Em seguida, inclinou a cabeça dela para o lado e começou a beija-la de tal forma que ela sentia como se estivesse derretendo. Brincava com seus lábios, mordendo-os e roçando-os com a língua.
Houston permanecia parada, enquanto ondas de sensações percorriam seu corpo. Então, com abandono, pôs os braços em volta do seu pescoço e pressionou o corpo contra o dele. Instantaneamente, Kane reagiu, puxando-a mais para perto, curvando-a para que se ajustasse ao seu corpo.
Quando ele começou a dobrar os joelhos, abaixando-a para o tapete e as almofadas, Houston nem pensou em protestos, mas agarrou-se a ele como se ele fosse uma fonte de vida. Os lábios dele não deixaram os dela quando se deitaram, lado a lado, no tapete.
Kane corria sua mão por seus quadris e coxas, enquanto a boca pro-curava o pescoço dela.
- Kane - murmurou, com a cabeça jogada para trás, sua perna presa entre as dele.
- Sim, querida, estou aqui - murmurou, fazendo-a arrepiar-se toda.
As mãos dele levantaram seu vestido para explorar as pernas, logo encontrando a parte nua das coxas, acima da liga das meias. Houston não reagia, não pensava em nada, somente sentia as sensações divinas da mão dele em sua pele, de seus lábios em seu rosto. Instintivamente, achegou-se mais, firmando sua perna entre as dele. Com um gemido, Kane empurrou-a, ficou deitado a seu lado, olhando-a por um minuto, e levantou-se.
- Levante-se - disse friamente e afastou-se, dando as costas para ela, enquanto olhava pela janela escura.
Houston sentia-se suja, humilhada, frustrada, enquanto continuava deitada no tapete, suas saias levantadas até a cintura. Logo vieram lágrimas a seus olhos, enquanto, com vagar, levantou-se e tentou se recompor.
- Vá arrumar seu cabelo. Arrume-o e eu a levarei até em casa para sua mãe.
Houston saiu da sala o mais rápido que pôde, com a mão na boca para evitar um soluço.
Embaixo, a casa tinha dois banheiros: um ficava ao lado da cozinha, e outro no escritório de Kane. Não queria correr o risco de ver Edan, ou a sta. Murchison, por isso subiu as escadas para o banheiro perto do quarto de Kane.
Uma vez no banheiro, todo recoberto de mármore, deixou as lágrimas correrem. Ele queria casar-se com uma dama, e estava desgostoso por ela ter agido como uma meretriz. Então, era isso que Blair tentava explicar, quando dissera que vira luzes brilhando quando Leander a beijara. Os beijos de Lee nunca a fizeram sentir nada, mas os de Kane...
Olhou-se no espelho, os olhos vivos e brilhantes, a boca ligeiramente inchada, as faces coradas, cabelos desarrumados sobre os ombros. Essa não era a dama que ele queria. Não era de admirar que a tivesse afastado.
Outra vez, as lágrimas começaram a correr.
Assim que Houston saiu da sala de visitas, Kane dirigiu-se para o escritório, onde Edan estava sentado, com o nariz em uma pilha de papéis.
- Houston já foi? - perguntou distraído. Não tendo resposta, o homem loiro levantou os olhos e viu Kane com as mãos trêmulas servindo-se de meio copo de uísque.
- O que fez com ela? - perguntou, mal conseguindo esconder a raiva em sua voz. - Eu lhe disse que ela não era como as outras mulheres.
- E que diabo você sabe sobre ela? Você devia perguntar é o que ela fez comigo. Quero que prepare a carruagem dela e a leve para casa. - O que aconteceu?
- Mulheres! - falou com desgosto. - Elas nunca agem da maneira que se espera. Só existe uma razão pela qual eu queria me casar com uma dama e...
- Fenton outra vez - disse Edan com voz cansada.
- Está muito certo! Fenton! Tudo que fiz até agora, tudo que já trabalhei, foi feito a fim de desforrar o que Fenton fez comigo. Durante todos esses anos de trabalho, anos que passei economizando, só tinha um sonho, e era de que algum dia ele viesse jantar em minha casa. Minha casa teria quatro vezes o tamanho da casa dele, e, sentada ao pé da mesa, estaria minha esposa, a mulher que uma vez ele negoume, sua preciosa filha Pamela.
- Mas você teve que se arranjar com outra mulher. Houston não é de seu agrado?
Kane tomou um longo gole de uísque.
- Ela fez uma cena muito boa. Deve estar querendo muito o meu dinheiro.
- E se ela não estiver atrás de seu dinheiro? E se ela quiser um marido, filhos?
Kane deu de ombros.
- Poderá consegui-los mais tarde. Tudo que quero é desmascarar Fenton. Quero sentar-me em minha própria sala de jantar com uma dessas Chandler lá, como minha, esposa.
- E o que pretende fazer com Houston depois desse jantar? Ela não é um par de sapatos que possa jogar fora.
- Estou comprando-lhe algumas jóias. Ela pode ficar com elas e, se não encontrar comprador para esta casa, eu também deixo para ela.
- Tão simples assim? Vai dizer-lhe que se vá, que cansou-se dela? - Ela ficará contente de se livrar de mim. - Terminou o uísque. - E eu não tenho tempo para uma mulher na minha vida. Leve-a para casa, sim? - E saiu da sala.

 

 

 

 

 

 

 


10

 


NESSA NOITE, Houston chorou até dormir. Sua confusão deixava-a in-feliz. Passara toda sua vida sob a orientação de um padrasto, e Duncan Gates tinha idéias rígidas sobre o que uma dama deve e não deve fazer. Houston sempre tentara viver de acordo com as idéias dele. As poucas vezes que quebrara o regulamento fora em segredo.
Com Leander, conduzira-se com absoluto controle. Ele precisava de uma dama para esposa e Houston tornara-se essa dama. Em público e na intimidade, tinha sido uma dama. Sua conduta sempre fora perfeita.
No entanto, Leander acabara querendo alguém que estava muito longe de ser uma dama. As palavras que dissera, sobre como Blair era maravilhosa, tinham queimado seu coração.
Então, aparecera Kane, tão diferente de Lee, sem nada do refinamento de Lee, sem nada do senso de autovalorização de Lee. Mas Kane queria uma dama, e quando deixara de ser...
Nunca se esqueceria do olhar de desgosto em seu rosto, depois que rolara no chão com ele.
Como poderia agradar um homem? Pensava que Lee queria uma dama, mas não queria. Pensava ter aprendido com essa experiência que o que os homens realmente querem são mulheres que provocam paixões. Mas Kane não queria. Ele queria uma dama.
Quanto mais pensava, mais chorava.
No dia seguinte, quando Blair foi até o quarto de Houston, viu os olhos vermelhos e inchados da irmã, e deitou-se na cama com ela. Por um tempo, não falaram, mas Houston começou outra vez a chorar.
- A sua vida está tão ruim assim?
Soluçando, Houston fez que sim com a cabeça, recostada no ombro de Blair.
- Taggert?
Outra vez, Houston concordou.
- Não sei o que ele quer de mim.
- Com certeza, tudo que conseguir. Você não tem que se casar com ele. Ninguém a está forçando. Se você deixasse bem claro que quer Leander, creio que o conseguiria de volta.
- Leander quer você - disse Houston sentando-se.
- Ele só me quer porque dei-lhe o que você negava. Houston, você ama Leander. Só os céus sabem por quê, mas o ama, e sempre o amou. Pense no que o casamento com ele significaria. Poderia morar na casa que ele construiu para você, ter seus filhos e...
- Não - disse Houston, pegando um lenço de uma gaveta, ao lado da cama -, Leander pertence a você, de uma maneira como nunca pertenceu a mim. Ele prefere ter você.
- Não, não prefere. Você não sabe o que está dizendo. Ele não gosta de mim mesmo. Esta manhã, no hospital, ele disse que eu era uma doutora de bonecas, que eu prejudicava mais do que ajudava e... - Cobriu o rosto com as mãos.
- Talvez ele não goste de você clinicando, mas ele ama seus beijos - disse Houston com raiva. - Oh, Blair, me desculpe. Estou só cansada e perturbada. Talvez seja o nervosismo de antes do casamento.
- O que Taggert fez para você?
- Nada - disse Houston, escondendo o rosto no lenço. - Ele sempre foi mais do que honesto comigo. Talvez eu estivesse mentindo para mim mesma.
- E o que isso significa?
- Não sei. Tenho trabalho para fazer - falou, enquanto saía da cama. - Há ainda tanta coisa para aprontar antes do casamento... -
Você vai mesmo casar-se com ele? - perguntou Blair mansamente.
- Se ele me quiser - murmurou Houston, de costas para a irmã. Depois da noite passada, pensou, ele pode ter mudado de idéia, e a possibilidade da vida sem os humores de Kane, e sem seus beijos, parecia um futuro bem sem graça. Imaginava-se sentada quietamente numa cadeira de balanço, com sua agulha de crochê.
- Quer me ajudar nos preparativos para o casamento? - perguntou Houston, voltando-se para a irmã. - Ou prefere deixar tudo por minha conta?
- Não quero pensar em casamento. Nem no meu com Leander, nem, especialmente, no seu com Taggert. Lee ficou zangado com o que aconteceu, e tenho certeza de que se você...
- Leander e eu estamos mortos, um para outro! Não consigo fazer você ver isso? Lee quer você, não eu. É Kane... - Virou-se. - Vou casar-me com o senhor Taggert, em dez dias.
Blair pulou da cama.
- Você pode pensar que falhou com Leander, mas não é verdade. E não tem que punir-se com esse imbecil arrogante. Ele nem ao menos consegue segurar um prato de comida, muito menos...
Blair parou porque Houston deu-lhe um tapa no rosto.
- Ele é o homem com quem vou me casar. Não deixarei você ou ninguém mais denegri-lo - disse Houston, com raiva em suas palavras.
Com a mão no rosto, os olhos cheios de lágrimas, Blair murmurou:
- O que eu fiz está se interpondo entre nós. Nenhum homem, em nenhum lugar, significa mais do que irmãs.
Blair saiu do quarto. Por um momento, Houston permaneceu sentada na cama. Queria consolar Blair, mas não sabia como. O que estava Kane fazendo com ela, para que esbofeteasse a própria irmã?
E a pergunta seguinte era: Kane ainda queria casar-se com ela?
Com mãos trêmulas, sentou-se à escrivaninha e redigiu um bilhete para o noivo.

Prezado sr. Taggert.
Meu comportamento na noite passada foi imperdoável. Compreenderei se quiser que lhe devolva o seu anel.
Sinceramente,
Srta. Houston Chandler.

Fechou a carta e fez Susan dá-Ia a Willie para que a entregasse. Quando Kane recebeu a carta, resmungou.
- Más novas? - perguntou Edan.
Kane começou a estender-lhe a carta, mas meteu-a no bolso.
- É de Houston. Sabe, não creio já ter encontrado alguém como ela. Você não vai à cidade, mais tarde?
Edan concordou.
- Pare em uma daquelas joalherias e compre uma dúzia de anéis, todos de cores diferentes e mande-os para a casa de Houston.
- Algum recado?
Kane sorriu.
- Não, os anéis serão suficientes. Agora, onde estávamos?


As quatro horas, o sr. Weatherly, da Weatherly's Jewels and Coronation Gifts, subiu apressado os degraus da mansão Chandler.
- Tenho uma encomenda para a senhorita Houston - disse excitado para Susan, que atendera à porta.
Susan levou-o à sala onde Opal e uma Houston desanimada estavam sentadas, rodeadas de listas de preparativos para o casamento.
- Boa-tarde, senhor Weatherly - disse Opal. - Posso oferecerlhe um chá?
- Não, obrigado - agradeceu, olhando para Houston, luzes dançando em seus olhos. - Isso é para você. - Entregou-lhe uma caixa de veludo preto, larga e fina.
Espantada, mas com um lampejo de esperança surgindo dentro dela, Houston pegou a caixa. Tinha passado um dia miserável, tentando planejar um casamento que poderia não se realizar. E para tornar as coisas piores, ao meio-dia, o sr. Gates viera para casa almoçar e, em particular, informou-a de que tinha marcado um encontro com Marc Fenton para a manhã seguinte. Ele esperava que ela mantivesse a promessa de fazer indagações sobre Kane.
Quando Houston abriu a caixa e viu os anéis, teve que reprimir as lágrimas de alívio.
- Como são lindos - disse com uma calma aparente, enquanto olhava cada um: dois de esmeraldas, um de pérola, um de safira, um de rubi, três anéis de diamantes, um de ametista, um com três opalas, um de coral esculpido e um de jade.
- Quase caí de surpresa - estava dizendo o sr. Weatherly. - Aquele camarada loiro, que segue o senhor Taggert por aí, entrou em minha loja há uma hora atrás e pediu uma dúzia de anéis, e todos eram para a senhorita Houston.
- O senhor Taggert não os escolheu pessoalmente? - perguntou Houston.
- Foi idéia dele; o homem loiro contou.
Com muita calma, Houston levantou-se, com a caixa de anéis fechada em sua mão.
- Muito obrigada, senhor Weatherly, por ter vindo pessoalmente trazer os anéis. Talvez a senhora queira vê-los, mamãe - falou entregando a caixa para Opal. - Estou certa de que precisam ser ajustados. Até logo, senhor Weatherly.
Ao subir para seu quarto, sentia o coração aliviado. Os anéis em si não importavam, mas ele lera o bilhete e queria casar-se com ela. Isso é que era importante. Claro, ele não pedira para vê-Ia, mas logo estariam casados e ele a veria todos os dias.
No quarto, começou a vestir-se para jantar.
Houston sorriu para Marc Fenton, que estava à sua frente, na tranqüila casa de chá rosa e branco, da srta. Emily. Opal sentara-se um pouco afastada, mas tentava não perturbar a intimidade deles. O sr. Gates insistira para que Opal acompanhasse Houston, porque disse não ter mais fé na moral dos jovens americanos.
Marc era um homem bem apessoado, baixo, forte, loiro, com grandes olhos azuis e um sorriso contagiante.
- Ouvi dizer que você fez a caçada da estação, Houston - dizia Marc, enquanto punha outra torta de passas em seu prato. - Estão todos murmurando sobre como ele é meio bárbaro e meio "cavaleiro da Távola Redonda". Qual é o verdadeiro Kane Taggert? - perguntou, os olhos cintilando.
- Pensei que você pudesse me dizer. O senhor Taggert trabalhou para vocês.
- Ele saiu quando eu tinha sete anos de idade! Eu nem consigo me lembrar do homem.
- Mas do que se lembra?
- Eu morria de medo dele. - Marc riu. - Ele cuidava daquele estábulo como se fosse seu domínio privado, e ninguém, incluindo meu pai, entrava lá.
- Até mesmo sua irmã, Pamela? - perguntou Houston, enquanto preguiçosamente brincava com sua xícara de chá.
- Então é isso que você quer saber. - Riu outra vez. - Eu não sabia nada do que estava acontecendo. Um dia, ambos, Taggert e minha irmã, se foram. Sabe, até hoje fico um pouco nervoso quando pego um cavalo sem ter pedido permissão.
- Por que sua irmã partiu? - insistiu Houston.
- Meu pai casou-a imediatamente. Não creio que quisesse correr o risco de ver sua filha se apaixonando por outro cavalariço.
- Onde está Pam agora?
- Raramente a vejo. Mudou-se para Cleveland com o marido, teve um garoto e ficou por lá. Ele morreu há poucos meses atrás e o garoto esteve muito doente por um longo tempo. Ela teve um ano muito difícil.
- Ela está...?
Marc inclinou-se com um jeito de conspirador.
- Se quiser saber mais sobre o homem com quem planeja casar-se, deve ir conversar com Lavínia LaRue.
- Não creio que a conheça.
- Claro que não. Ela é o rabo-de-saia de Taggert. - Inclinou-se com um sorriso.
- Sua...?
- Sua amante, Houston. Agora, tenho que ir. - Levantou-se, deixando o dinheiro sobre a mesa.
Houston também levantou-se e pôs a mão em seu braço.
- Onde encontro a senhorita Larule?
- LaRue, Lavínia LaRue. Procure na Rua Crescent.
- Rua Crescent? - Os olhos de Houston arregalaram-se. - Nunca estive lá.
- Mande Willie. Ele conhece aqueles lados. Encontre-a em algum lugar privado. Você não deve querer ser vista com as Lavínias LaRue deste mundo. Boa sorte em seu casamento, Houston - disse por cima do ombro, ao sair.
- Descobriu o que queria? - perguntou Opal à sua filha.
- Creio que descobri muito mais do que queria saber.
Houston passou o resto da sexta e todo o dia de sábado fazendo pre-parativos para o duplo casamento, encomendando flores, planejando quais comidas seriam feitas e servidas.
- Há quantos dias não vê Kane, querida? - perguntou Opal.
- Questão de horas - respondeu Houston, não deixando que sua mãe visse seu rosto. Ela não ia mais atirar-se a Kane. Já tinha feito papel de tola e não pretendia fazê-lo outra vez.
No sábado, houve outros assuntos para tratar. O sr. Gates começou a gritar às cinco horas da manhã, acordando todos, para anunciar que Blair passara a noite fora. Opal confirmava que Blair estava com Lee, mas isso fez com que o sr. Gates piorasse. Gritava que Blair não teria mais reputação, e que Lee teria que casar-se com ela imediatamente.
Houston e Opal conseguiram que ele se acalmasse o suficiente para tomar o café da manhã, e, quando estavam comendo, Blair e Leander entraram na sala.
E como estavam eles! Blair usava um estranho traje azul-marinho, a saia mal cobrindo os tornozelos. O cabelo caía-lhe sobre os ombros e toda ela estava coberta de lama, cardos e o que parecia ser sangue seco. Lee também estava horrível, usando só uma camisa e calça cheias de buracos nas mangas e pernas.
- Lee - falou Opal sem fôlego. - São buracos de balas?
- Provavelmente - disse, rindo naturalmente. - Pode ver que a trouxe sã e salva. Preciso ir para casa e dormir um pouco. Estou de plantão esta tarde. - Virou-se para Blair, acariciou seu rosto por um momento. - Boa-noite, doutora.
- Boa-noite, doutor - disse ela, e ele foi embora.
Por um momento ninguém se moveu, todos olhando a figura suja de Blair. Apesar da aparência de quem passara por uma catástrofe, seus olhos brilhavam como fogo.
Houston levantou-se da mesa e, ao aproximar-se da irmã, podia sentir um cheiro.
- O que tem no seu cabelo?
- Imagino que seja estrume de cavalo. Mas pelo menos está em meu cabelo e não no queixo dele - disse, rindo.
Houston pôde ouvir o sr. Gates começando a se mover atrás dela. Agarrou com firmeza o braço de Blair.
- Para cima! - ordenou.
Levou Blair para o banheiro, abriu as torneiras da banheira e começou a despir a irmã.
- Onde conseguiu essa roupa extraordinária?
Blair começou a falar, e parecia não ser mais capaz de parar. Houston desabotoou-a, desamarrou um sapato, enquanto Blair desamarrava o outro, ensaboou os cabelos da irmã, enquanto Blair esfregava a sujeira de sua pele. O tempo todo, Blair falava sobre o dia maravilhoso que tivera com Leander, contando as mais horríveis histórias sobre lutas de terras, artérias cortadas e uma luta com uma mulher. E, em todas as histórias, Leander estava presente, salvando uma vida após a outra, e num determinado ponto, até salvando a vida de Blair.
Houston mal podia acreditar que o Leander de quem Blair estava falando fosse aquele antigo homem que conhecera durante anos. Segundo Blair, Leander estava perto de ser mágico, quando se tratava de ser um médico.
- Catorze buracos nos intestinos daquele homem! E Lee costurou-os todos - dizia, enquanto Houston enxaguava os cabelos, para ensaboá-los outra vez. - Catorze.
E quanto mais Blair falava, pior Houston se sentia. Leander nem uma vez olhara para ela como olhara para Blair nessa manhã, nem levara-a com ele nos seus chamados - não que ela quisesse ver os trabalhos interiores do aparelho digestivo de um homem, porém gostaria de participar.
Blair e Leander; e depois de uns poucos dias, ele era dela de uma forma como nunca Houston o tivera. E agora também não tinha Kanne. Deveria ir vê-lo? Eventualmente deveriam se ver para falarem sobre o casamento. Houston imaginava-se chegando na casa dele. Sem dúvida, ele diria. "Sabia que desistiria. Você não pode ficar afastada muito tempo".
Durante todo o dia de sábado, enquanto Blair dormia, esperara que Kane fosse visitá-la, mas ele não foi.
No domingo pela manhã, vestiu-se com uma saia de sarja cinzenta, uma blusa verde-escuro plissada e uma jaqueta cinza e desceu para juntar-se à família, a fim de irem à igreja.
Quando já estavam todos sentados na igreja e os hinos começaram, fez-se, de repente, um silêncio.
- Afaste-se - Kane disse para Houston.
Espantada, afastou-se para que ele pudesse sentar-se a seu lado. Du-rante o serviço, ele permaneceu quieto, olhando para o reverendo Thomas com uma expressão aborrecida. Assim que a cerimônia terminou, pegou o braço de Houston.
- Quero falar com você.
Quase a puxou da igreja, ignorando as tentativas das pessoas de con-versarem com eles, e levantou-a para que se sentasse em sua velha carroça. Depois de sentar, agitou as rédeas dos quatro cavalos e saiu tão rapidamente que Houston teve que segurar seu chapéu para mantê-lo.
- Muito bem - disse, quando parou de repente, no lado sul da cidade, embaixo de alguns algodoeiros, perto do sistema hidráulico -, o que estava fazendo com Marc Fenton?
Por mais que Houston se lembrasse de Kane, ele era, na vida real, muito mais do que imaginava.
- Durante toda minha vida conheci Marc - disse friamente -, e posso ver qualquer amigo que queira. Além do mais, minha mãe estava comigo.
- Você pensa que não sei disso? Pelo menos sua mãe é uma mulher sensata.
- Não tenho idéia do que quer dizer. - Começou a brincar com a sombrinha.
- O que estava fazendo com Marc Fenton? - Inclinou-se na direção dela, de maneira ameaçadora.
Houston decidiu contar-lhe a verdade.
- Meu padrasto me fez prometer que perguntaria, ao maior número possível de pessoas, sobre o senhor. Eu teria conversado com o senhor Fenton, mas ele recusou o pedido. - Olhou para ele. - E provavelmente falarei com uma senhorita Lavínia LaRue.
- Viney? - perguntou, depois riu. - Gates deu-lhe esse conselho? Nada mal. Como é que ele nunca ganhou muito dinheiro? Espere um pouco, e se você perguntar para alguém, e ele ou ela disser que não sou bom?
- Terei então que reconsiderar nosso casamento - disse com afetação.
Ela não estava preparada pata a explosão de raiva dele.
- Vamos nos casar dentro de uma semana, a partir de amanhã, e no entanto você poderá desistir a qualquer minuto!? Só porque alguém diz que não gosta do modelo de minha camisa? Eu lhe direi uma coisa, senhorita Chandler, pode perguntar a qualquer homem com quem negociei e a qualquer mulher com quem dormi, sobre mim, e, se forem honestos, você descobrirá que nunca enganei ninguém em minha vida.
Saltou da carroça e andou até uma árvore, olhando o horizonte distante.
- Droga. Mas Edan me disse que uma dama só me causaria aborreci-mento. Ele disse "Kane, case-se com uma garota de fazenda, mude-se para o campo e crie cavalos". Disse-me para não me envolver com damas. Houston tentava descer da carroça sozinha.
- Não queria que se aborrecesse tanto - disse com calma.
- Aborrecer-me! - gritou. - Não tenho mais paz desde que a encontrei. Sou rico, não sou tão feio de se olhar, lhe propus casamento e me recusou na hora. Não ouvi nada mais sobre você, e aí descubro que sua irmã vai casar-se com o homem por quem está tão loucamente apaixonada. Mas, mesmo assim, não quer casar-se comigo. Durante dias esteve na minha casa mandando em todo mundo, incluindo eu, e agora age como se estivéssemos com sarampo e nem se aproxima do lugar. Uma manhã, eu acordo e você está me olhando como se estivesse faminta, e, quando a toco, você quebra um jarro na minha cabeça e grita que tenho de respeitá-la. Mas, na outra vez que a toco, você me joga no chão e quase arranca minhas roupas fora. Mas eu a respeitei e deixei-a com a droga de sua virgindade, como queria. E o que ganhei com isso? A única coisa que sei é que está perguntando se quero meu anel de volta e dizendo que talvez não se case comigo.
Os olhos dele brilhavam.
- Esta manhã, sua mãe veio falar comigo, para dizer da roupa certa para usar na igreja - deu-lhe um olhar de censura - e convidoume para o almoço de domingo.
Parou e olhou para ela.
- Portanto estou aqui, todo vestido, com você falando que talvez se case comigo, talvez não se case, e tudo depende do que digam sobre mim. Houston, já agüentei tudo que podia agüentar. Agora você vai me dizer sim ou não e vai manter o que disser. Se disser sim agora, e não no dia do casamento, Deus me ajude, Houston, mas vou arrastála para fora da igreja pelos cabelos. Então, o que tem a dizer?
- Sim - disse com meiguice,, e a alegria que sentia dentro de si era espantosa.
- E se alguém lhe disser que eu não presto? Ou que matei alguém? - perguntou com alguma hostilidade.
- Ainda assim, casarei com o senhor. Ele afastou-se.
- Você está muito amedrontada? Quero dizer, eu sei que queria casar-se com Westfield e eu não tenho sido exatamente um cavalheiro durante o tempo de nosso noivado, mas você tem cumprido sua parte na barganha. Em público, você sempre agiu como se não se importasse em se casar comigo.
O alívio de Houston por não ter sido repudiada por ele era tão grande que tremia. Não ia mais passar sua vida crochetando, mas iria viver com esse homem que era como nenhum outro.
Ficou de pé em frente dele.
- Depois do almoço de domingo, a maioria dos casais vai ao parque Fenton para passear, conversar e ficarem um tempo juntos. Talvez gostasse de ir comigo.
- Eu preciso de... - começou. - Se você ainda quiser ser vista comigo depois de almoçar com sua família, eu gostaria.
- Só me olhe, não fale com a boca cheia, não grite com ninguém, e, acima de tudo, não xingue. - Passou o braço no dele.
- Você não pede muito, não é? - disse sorridente.
- Faça de conta que a compra do edifício de apartamentos do senhor Vanderbilt depende desse almoço. Talvez isso o ajude a lembrarse de suas maneiras.
Kane parecia surpreso.
- Isso me lembrou de uma coisa. Preciso... - Olhou para ela. - Sabe, penso que prefiro passar a tarde sentado no parque.
Já faz tempo que não tiro um dia de folga.


Kane pareceu divertir-se bastante no almoço de domingo. Opal agradava-o e Duncan pedia-lhe conselhos. Houston observava-os. Eles esperavam um monstro e encontraram um homem agradável.
Blair ficou em silêncio a refeição toda, e Houston estava feliz por ela estar, finalmente, encontrando Kane, e poder ver que homem generoso ele era. Kane até se ofereceu para deixar o sr. Gates comprar umas terras com ele, e Houston suspeitou que o preço fosse bem baixo. Quando saíram, Kane disse.
- Sua irmã não é nada parecida com você.
Houston perguntou o que queria dizer com isso, mas ele não soube explicar.
No parque, apresentou Kane para outros pares de noivos. Pela primeira vez, Kane relaxou em vez de ficar se preocupando com a quantidade de serviço que devia estar fazendo. Quando uma mulher referiuse ao desastre de ter virado comida no colo de Houston, Kane retesou se, mas, então, quando ela suspirou ao lembrar o gesto romântico de 101carregar Houston, Kane ostensivamente negou que tivesse feito alguma coisa extraordinária.
A sorveteria, do outro lado do parque, ficava aberta algumas horas no domingo, e Kane convidou todo mundo para tomar soda e cerveja Hire. No fim do dia, Houston voltou para casa com estrelas nos olhos. Ela não tinha idéia de que ele pudesse ser tão charmoso.
- Nunca tive tempo para fazer esse tipo de coisa, antes. Sempre pensei que era perda de tempo, mas é agradável. Acha que fiz tudo certo com seus amigos? Não agi muito como um cavalariço?
- Nem um pouco.
- Sabe montar?
- Sim - disse com esperança na voz.
- Te apanho amanhã de manhã, e cavalgaremos. Gosta de cavalgar?
- Muito.
Sem dizer mais nada, Kane pôs as mãos nos bolsos e desceu a calçada da casa dos Chandler, assobiando.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

11

 

KANE CHEGOU às cinco horas, da manhã da segunda, antes que alguém estivesse acordado. Assim que Houston ouviu movimentos embaixo, sabia que só podia ser uma pessoa. Nunca ninguém vestiu uma roupa de montaria tão rápido.
- Você demorou muito - disse Kane, levando-a até dois cavalos, carregados com pesadas sacolas.
- Comida - foi tudo que disse antes de montarem.
Fora bom ter dito a verdade quando ele perguntara se montava, pensou, horas mais tarde, enquanto seguia o cavalo de Kane, montanha acima.
Eles dirigiam-se para oeste, passaram pela propriedade de Taggert, em direção ao trecho das Montanhas Rochosas que seguia um dos lados de Chandler. Atravessaram a terra plana coberta de pequenas plantas silvestres e seguiram até atingir as montanhas.
Kane seguia caminho acima, nas montanhas salpicadas de pinhões, e mais para o alto, até atingirem os pinheiros e as formações rochosas. Fez o cavalo andar por entre os abetos vermelhos e pinheiros, até pararem diante de uma belíssima vista de Chandler, bem abaixo deles.
- Como encontrou esse lugar? - murmurou Houston.
- Enquanto você brincava, andava de bicicleta e tomava chá com outras pessoas, eu vinha aqui para cima. - Acenou com a cabeça para uma subida íngreme, acima deles. - Tenho uma cabana lá, mas o caminho é muito ruim, não é para damas.
Ele começou a tirar a comida das sacolas, enquanto Houston desmontava sozinha.
Sentaram-se no chão para comer, e conversavam.
- Como é que ganhou dinheiro?
- Quando Fenton me chutou, fui para a Califórnia. Pam me dera quinhentos dólares e usei-os para comprar uma mina de ouro esgotada. Consegui tirar alguns milhares de dólares em ouro, e empreguei o dinheiro para comprar terras em São Francisco. Dois dias depois de ter comprado as terras, vendi-as pelo dobro do preço que tinha pago por ela. Comprei mais terra, vendi, comprei uma fábrica de pregos, vendi, comprei uma pequena linha de estrada de ferro... E aí está.
- Você sabia que Pamela Fenton ficou viúva? - perguntou Houston, como se não estivesse interessada na resposta.
- Desde quando?
- Acredito que seu marido faleceu há poucos meses atrás.
Kane olhou longamente para Houston, como se a estivesse vendo pela primeira vez.
- É engraçado como as coisas acontecem, não?
- O que você quer dizer?
- Se eu não tivesse convidado você para ver a minha casa, sua irmã não teria saído com Westfield e você se casaria com ele agora.
Ela respirou fundo.
- E se o senhor soubesse que Pamela estava livre, não teria me convidado para a sua casa. Senhor Taggert, o senhor é livre para acabar o nosso compromisso a qualquer hora. Se preferir...
- Você não vai começar de novo, vai? Por que não tenta me dizer uma coisa diferente de vez em quando? - falou levantando-se.
- Eu só pensei que talvez... - Sentia-se aliviada.
- Diabo de mulher, por favor, fique quieta. - E beijou-a.
Houston obedeceu.


Logo cedo na terça, Willie informou Houston de que a senhorita Lavínia LaRue poderia encontrar-se com ela perto do coreto no Parque Fenton, às nove.
Houston encontrou-se com uma mulher espalhafatosamente vestida, baixa, morena, com um busto enorme. Quanto disso será enchimento, pensou Houston.
- Bom-dia, senhorita LaRue. Foi bondade sua vir encontrar-se comigo tão cedo.
- Para mim é tarde. Ainda.não me deitei. Então é com você que Kane vai se casar. Eu disse a ele que poderia comprar uma dama, se quisesse uma.
Houston deu-lhe um olhar gelado.
- Oh, está tudo bem. Você não esperava que eu a abraçasse, certo? Afinal, você está me tirando uma fonte de renda.
- Isso é tudo que o senhor Taggert é para você?
- Ele é um bom amante, se é isso que quer saber, mas, para dizer a verdade, ele me assusta. Nunca sei o que quer de mim. Num momento age como se não me suportasse, e no seguinte não consegue o suficiente para se satisfazer.
Houston sabia que sentia a mesma coisa, mas não disse nada.
- Para que queria me ver?
- Pensei que talvez pudesse me contar alguma coisa sobre ele. Eu o conheço há muito pouco tempo.
- Você quer dizer, como ele é na cama?
- Não! Certamente que não. - Não gostava de pensar em Kane com outra mulher. - Como homem. O que pode me contar sobre o homem?
Lavínia afastou-se, de costas para Houston.
- Sabe, uma vez eu pensei uma coisa, mas sei que é bobagem.
- E o que foi que pensou?
- Na maioria das vezes, ele age como se não se importasse, mas uma vez ele viu pela janela esse amigo dele, Edan, passeando com uma mulher, e perguntou-me se eu gostava dele. Se eu gostava dele, Kane, quero dizer. Ele não esperou que eu respondesse e saiu, mas então eu pensei, ele é um homem que nunca foi amado por ninguém. Claro que isso não pode ser verdade, um homem com todo aquele dinheiro deve ter muitas mulheres apaixonadas por ele.
- Você o ama? Não o dinheiro dele, mas ele mesmo. Se ele não tivesse dinheiro...
- Se ele não tivesse dinheiro, eu nem chegaria perto. Eu lhe disse, ele me assusta.
Houston tirou um cheque de seu livro de bolso.
- O gerente do banco tem instruções para só descontar este cheque se souber que você comprou uma passagem de trem para outro Estado.
- Estou aceitando porque quero sair desta cidade duplamente opressora. Mas nenhum dinheiro poderia me comprar, se eu não quisesse ir embora. - Pegou o cheque.
- Claro que não. Mais uma vez, obrigada, senhorita LaRue.


Na terça à tarde, quando Houston estava ficando cansada de cuidar dos planos para o casamento, Leora Vaughn e seu noivo, Jim Michaelson, pararam na casa dos Chandler, montados em uma bicicleta para duas pessoas. Perguntaram a Houston se não seria possível convencer Kane a alugar outra bicicleta dupla para irem passear no parque, juntos.
Depois de Houston ter se trocado, pedindo emprestadas as calças turcas de Blair, foram até a casa de Kane, ela sentada no guidão.
- Maldito Gould! - Eles podiam ouvir os gritos de Kane, pela janela aberta.
- Falarei com ele - disse Houston.
- Você acha que ele se importaria se esperássemos lá dentro? - perguntou Leora com os olhos gananciosos, percorrendo a fachada da casa.
- Acredito que ficará satisfeito.
Houston nunca sabia como Kane a receberia, mas desta vez pareceu satisfeito com a diversão. Ele estava um pouco hesitante acerca da bicicleta, pois nunca tinha andado em uma antes, mas dominou-a em minutos e então começou a desafiar os outros homens para corridas no parque.
Já bem à tarde, quando devolveram as bicicletas alugadas, Kane estava dizendo que iria comprar uma fábrica de bicicletas.
- Talvez não ganhe dinheiro com isso, mas algumas vezes gosto de jogar. Recentemente, comprei ações de uma companhia que faz uma bebida chamada Coca-Cola. Provavelmente vou perder tudo. - Encolheu os ombros com indiferença. - Não se pode ganhar sempre.
À noite foram a uma festa com todo tipo de jogos; Kane era a pessoa mais velha do grupo na casa de Sarah Oakley, mas todos os jogos e diversões eram novos para ele, e parecia estar se divertindo muito. Ele sempre parecia um pouco chocado por ver que esses jovens da sociedade o aceitavam.
E não é porque ele fosse fácil de se aceitar. Era franco, intolerante com qualquer idéia com a qual não concordasse, e sempre agressivo. Disse a Jim Michaelson que ele era um bobo por estar satisfeito em dirigir a loja do pai, que devia se expandir, trazer algum negócio novo de Denver, caso insistisse em ficar em Chandler. Disse a Sarah Oakley que ela devia pedir ajuda a Houston para comprar vestidos, porque os que usava não eram tão bonitos como deviam. Sujou de caramelo as cortinas da Sra. Oakley e, no dia seguinte, mandou entregar-lhe cinqüenta metros de veludo de seda, de Denver. Entortou a roda de uma bicicleta alugada, e discutiu durante vinte minutos com o dono, por ter mercadoria inferior. Disse a Cordélia Farrel que devia encontrar um homem melhor do que John Silverman, e que tudo que John queria era alguém para tomar conta de seus três filhos órfãos.
Houston rezou para que o chão se abrisse e a engolisse, quando Kane convidou todos para irem jantar na sua casa na quarta à noite.
- Ainda não tenho nenhum móvel embaixo, portanto faremos como Houston fez para mim uma noite: um tapete, almofadas para se deitarem, velas, tudo.
Quando três mulheres começaram com risadinhas ao verem o ar de dor e incredulidade no rosto vermelho de Houston, Kane disse:
- Esqueci alguma coisa?
E Houston logo aprendeu que tudo ligado a Kane envolvia uma ar-gumentação. Ele chamava de "discussão", porém era mais uma luta verbal. Na terça à noite, ela pediu que ele assinasse alguns cartões em branco, ao lado de sua assinatura, que seriam postos dentro de pequenas caixas com bolo, para serem dados no casamento.
- Não vou assinar droga nenhuma. Não vou pôr meu nome em um papel em branco. Alguém pode escrever qualquer coisa acima dele.
- E tradição, todos põem cartões autografados nas caixas de bolo, que os convidados levam para casa.
- Eles podem comer bolo no casamento. Não precisam de caixinhas. De mais a mais, vai ficar tudo melado.
- É para sonhar, fazer desejos...
- Você quer que eu assine cartões em branco para uma idéia idiota como essa?
Houston perdeu essa parada, mas ganhou sobre contratar homens para ajudar as senhoras a descer das carruagens e mulheres para transformar a pequena sala de visitas em um vestiário.
- Afinal, quantas pessoas você está planejando receber?
Ela olhou a lista.
- Pela última contagem, quinhentas e vinte. A maioria dos parentes de Leander chegarão do Leste. Há alguém especial que queira convidar, além de seus tios e primos, os Taggert?
- Meus o quê?
Discutiram outra vez e, mais uma vez, Houston ganhou. Kane disse que nunca encontrara seus parentes e não tinha vontade de encontrálos. Houston, que não podia contar que conhecia Jean, já que sem dúvida ele perguntaria como, disse que iria convidá-los quer ele os conhecesse ou não. Por alguma razão, Kane não os queria lá e, depois de minutos de discussão, acabou dizendo que eles compareceriam com roupas de mineiros de carvão.
Houston chamou-o de esnobe. Pensou que preferia morrer do que contar-lhe que já providenciara para que fossem feitas roupas para seus parentes, às suas custas.
Antes que Kane pudesse replicar, Opal entrou na sala, cumprimentou-os e sentou-se com seu bordado.
Kane apelou para Opal, que disse:
- Bem, então terá que comprar roupas novas para eles, não é?
Quando Kane foi embora, Houston sentia-se como se tivesse sobrevivido a uma tempestade em alto-mar, mas ele não parecia perturbado. Beijou-a no vestíbulo, dizendo que a veria no dia seguinte.
- Tudo será sempre motivo para discussão? - murmurou, sentando-se pesadamente ao lado da mãe.
- Penso que sim - respondeu Opal com carinho. - Por que não toma um banho longo e quente?
- Preciso de um de três dias - resmungou, levantando-se.


Kane estava de pé, em frente às altas janelas de seu escritório, um charuto preso nos dentes.
- Está pretendendo trabalhar ou sonhar? - perguntou Edan, por trás dele.
Kane não se virou.
- Ainda são todos crianças.
- Quem?
- Houston e todos seus amigos. Eles nunca tiveram que crescer, nem se preocupar de onde viria a próxima refeição. Houston pensa que a comida vem da cozinha, as roupas da sua costureira e o dinheiro do banco.
- Não estou tão certo de que você esteja correto. Houston me parece bastante sensata, e penso que o fato de ter levado o fora de Westfield fez com que crescesse um pouco. Essas coisas significam muito para uma mulher.
Kane virou-se e encarou o amigo.
- Ela já se consolou o suficiente - disse, e com um gesto mostrou a casa.
- Não estou tão certo de que só esteja atrás de seu dinheiro - disse Edan, pensativamente.
Kane falou com um jeito irritado:
- Sem dúvida é a maneira delicada com que pego uma xícara de chá. Quero que você a vigie.
- Você quer dizer espioná-la?
- Ela está noiva de um homem rico. Não gostaria que fosse seqüestrada.
- É só isso, ou você está preocupado que ela possa ver Fenton outra vez?
- Ela passa grande parte das quartas-feiras dentro daquela igreja dela, e quero saber o que está fazendo.
- Então, está preocupado é com o elegante reverendo Thomas.
- Não estou preocupado com ninguém - gritou. - Só faça o que eu disse e vigie-a.
Com um olhar de desgosto, Edan levantou-se.
- Fico pensando se Houston tem alguma idéia de onde está entrando.
- Uma mulher fará muita coisa para pôr as mãos em milhões. - Kane virou-se para a janela.
Sem responder, Edan deixou a sala.


Houston, vestida com as roupas quentes e acolchoadas de Sadie, dirigia sua parelha de cavalos com facilidade, a caminho da mina Little Pamela. Conversara com o reverendo Thomas e decidiram que devia falar com Jean sobre o próximo casamento. Houston ainda gostava de pensar que Jean estava salva em sua ignorância da identidade de Sadie, mas o reverendo Thomas tinha, de uma maneira protetora, mais uma vez dito que o segredo de Houston há muito se acabara.
Agora, indo para a mina, começou a sentir quase uma necessidade inadiável de conversar com Jean. Jean parecia sempre tão calma e sensata, e, além disso, era prima de Kane.
Houston passou pelo portão guardado, sem problemas ou provocações, e foi direto para a casa dos Taggert.
Jean estava esperando por ela.
- Algum problema? - perguntou, então parou e olhou bem para Houston. - Estou contente por você finalmente saber - disse com carinho.
- Vamos distribuir a comida e depois podemos conversar.
Horas mais tarde, estavam de volta à pequena casa de Jean. Houston tirou um pacote de chá de seu bolso.
- Para você.
Ficaram em silêncio, enquanto Jean preparava o chá, e, quando estavam ambas sentadas, Jean falou:
- Então, vamos ser parentes por casamento.
Houston segurava a caneca lascada nas mãos.
- Dentro de cinco dias. Você estará lá, não é?
- Claro. Vestirei meu vestido de Cinderela que está no armário e irei na minha carruagem de vidro.
- Você não precisa se preocupar com nada disso. Já fiz todos os acertos possíveis. Jacob Fenton deu permissão para que qualquer Taggert possa entrar e sair. Minha costureira está esperando, e o senhor Bagly, o alfaiate, já recebeu instruções. Tudo que tem a fazer é trazer seu pai, Rafe e lan.
- E isso é tudo, não é? Meu pai não será problema, mas Rafe é outro caso. E, infelizmente, lan é igual ao tio.
Com um suspiro, Houston olhou para sua caneca.
- Deixe-me adivinhar. Primeiro, você não tem jeito de saber se Rafe gostará ou não da idéia de ir ao casamento, porque ele é completamente imprevisível. Ele pode rir e ficar feliz por ir, ou pode gritar e recusar--a ir.
Por um momento, Jean perdeu o fôlego.
- Não me diga que Kane é um Taggert verdadeiro.
Houston levantou-se e andou até a janela, onde ficou olhando sem ver e sem falar, durante alguns longos minutos.
- Por que vai se casar com ele?
- Realmente não sei - respondeu, parando outra vez. - Leander e eu éramos o par perfeito - disse suavemente, como se fosse em um sonho. - Durante todos esses anos em que estivemos noivos, na verdade desde que éramos crianças, não acredito que alguma vez tenhamos discordado. Tivemos alguns... problemas quando crescemos - lembrou-se da raiva de Lee quando se recusou deixá-lo fazer amor com ela -, mas quase sempre concordávamos. Se eu quisesse cortinas verdes, Leander queria cortinas verdes. Sempre houve a maior harmonia entre nós.
Olhou para Jean.
- Então, encontrei o senhor Taggert. Nunca tivemos uma conversa harmoniosa. Acabo sempre gritando com ele, como se fosse esposa de um peixeiro. Depois do dia em que concordei em casar-me com ele, quebrei um jarro de água em sua cabeça. Num dia, fico furiosa com ele, no outro quero abraçá-lo e protegê-lo e, no minuto seguinte, descubro que quero perder-me em sua força.
Sentou-se com o rosto nas mãos.
- Estou tão confusa. Não sei mais o significado das coisas. Amei Leander durante tanto tempo, estava tão certa de meu amor por ele, mas agora eu sei que, se tivesse que fazer uma escolha, ficaria com Kane.
Levantou o olhar.
- Mas por quê? Por que quereria viver com um homem que me deixa furiosa, que faz com que me sinta como uma mulher de rua, que corre atrás de mim como um sátiro, então me afasta e diz "mais tarde terá mais, doçura", como se fosse eu quem o procurasse? Algumas vezes me ignora, outras me olha de lado. Às vezes, me seduz. Não me respeita, trata-me como se eu fosse uma criança retardada num instante e no outro me entrega somas incalculáveis de dinheiro e me manda fazer o serviço de dez pessoas.
Levantou-se rapidamente.
- Creio que estou louca. Nenhuma mulher em sã consciência aceitaria um casamento como esse. Não com os olhos abertos. Posso entender que se esteja tão apaixonada por um homem de quem não se consiga ver as falhas. Mas eu vejo Kane como ele é. Um homem com uma enorme vaidade e também um homem sem vaidade alguma. Toda vez que penso nele, descubro uma contradição.
Sentou-se outra vez, pesadamente.
- Sim, estou louca. Completa e inteiramente louca.
- Tem certeza? - perguntou Jean com calma.
- Claro. Nenhuma outra mulher iria...
- Estou falando sobre se é capaz mesmo de ver suas falhas, estando tão apaixonada. Sempre achei que se alguém me amasse conheceria meus defeitos e mesmo assim me amaria. Não ia querer um homem que pensasse que eu era uma deusa para descobrir depois que tenho um gênio terrível. Receio que não pudesse mais me amar.
Com um olhar intrigado, Houston olhava Jean.
- Mas amar alguém significa...
- Sim? Mas o que é estar apaixonada por alguém?
Houston levantou-se, olhando distraída pela janela.
- Querer estar com a pessoa. Querer ficar com ele na saúde e na doença, querer ter os seus filhos, amá-lo mesmo quando faz alguma coisa que você não goste. Pensar que ele é o maior e o mais nobre príncipe do mundo, rir quando ele diz alguma coisa que a magoe pela quinta vez em uma hora. Preocupar-se em saber se ele gostará do que está vestindo, se ele ficará orgulhoso de você, e sentir-se derreter internamente quando ele a aprova.
Parou e ficou em silêncio durante um tempo.
- Quando estou com ele, estou viva - murmurou. - Não acredito que estivesse viva até encontrar Kane. Eu só existia, me movia, comia, obedecia. Kane me faz sentir poderosa, como se eu pudesse fazer alguma coisa. Kane...
- Sim? O que tem Kane?
- Kane Taggert é o homem que amo.
Jean desandou a rir.
- E é algum desprezo estar apaixonada por um de nós, os Taggert?
- Amar será fácil, mas viver com ele pode ser bastante difícil.
- Você nunca será capaz de imaginar a metade disso - disse Jean, ainda rindo. - Mais chá?
- Toda sua família é como Kane?
- Meu pai puxou a família da mãe dele, fico feliz em dizer, mas tio Rafe e Ian são verdadeiros Taggert. Pensei que esse Kane, por ter dinheiro...
- Isso o faz, provavelmente, pior. Quem é o pai de Ian? Não me lembro de encontrar o menino.
- Você não o conhece. Ele trabalha na mina há anos, apesar de só ter dezessete. Ele se parece com Rafe: grande, bonito, bravo. Seu pai era Lyle, irmão de Rafe. Lyle morreu numa explosão da mina, quando tinha vinte e três anos.
- E o pai de Kane?...
- Frank era o irmão mais velho. Morreu em um acidente, muito antes de seu nascimento e, acredito, até antes que Kane nascesse.
- Eu sinto. Dever ser difícil para você cuidar de tantos homens.
- Tenho a ajuda de jovens senhoras caridosas - disse, levantando-se. - Logo escurecerá. E melhor que se vá.
- Você vai me fazer o favor de vir ao meu casamento? Eu gostaria muito que estivesse lá e, além disso, você me verá em alguma coisa um pouco mais limpa. - Houston riu, mostrando os dentes escuros.
- Para lhe dizer a verdade, chego a pensar que me sentirei mais à vontade perto de Sadie do que da princesa da sociedade, senhorita Chandler.
- Não diga isso - falou Houston seriamente. - Por favor.
- Está bem. Farei o possível.
- E irá à minha costureira amanhã? Ela precisa de todo o tempo que conseguir para fazer o vestido. Aqui está o endereço.
- Espero poder ir. E farei o que puder com Tio Rafe e Ian. Mas não prometo. - Jean pegou o cartão.
- Eu compreendo isso, do fundo do coração. - Num impulso, abraçou Jean. - Espero vê-Ia logo, outra vez.
Na volta à cidade, Houston rememorou sua conversa com Jean. Fazia sentido que estivesse apaixonada por Kane, e ria alto ao admitir isso. Em todos esses anos com Lee, nunca estivera realmente apaixonada por ele. Sabia disso agora.
Claro, não podia contar a ninguém. Poderia parecer que era uma mulher que dava seu amor com facilidade. Mas não era, estava certa disso. Kane Taggert era o homem que amava e que sempre amaria.
Usou as rédeas para que os cavalos andassem mais rápido. Ainda tinha que se lavar e trocar de roupas. Depois, devia fazer acertos para... Um sorriso secreto modelou seus lábios, enquanto pensava nos planos para sexta à noite. Pediria a Leander que convidasse Kane e Edan para irem ao clube de homens e ela pediria a Kane permissão para usar sua casa para um jantar de despedida com suas amigas. Só uma tranqüila reuniãozinha - como a que Ellie fizera antes de casar-se.
E se ela conseguisse persuadir o homem forte que vira no cartaz da Avenida Coal a fazer o que queria...
Houston estava tão ocupada refletindo sobre seus planos que não manteve o cuidado usual. Atrás dela, escondido pelas árvores, estava um homem sozinho, a cavalo.
Edan estava com o sobrecenho franzido, quando seguiu-a de volta para a cidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


12

 

FALTAVAM POUCOS dias para o casamento e Houston corria contra o tempo. O jantar de Kane, na quarta, foi um grande sucesso.
- Senhor Taggert, hoje desmanchei meu noivado com o John - falou Cordélia Farrel, toda encabulada.
- Essas são boas notícias. - Kane riu, agarrando-a pelos ombros e beijando-a com entusiasmo, na boca. Cordélia ficou embaraçada, mas satisfeita. - Você pode conseguir coisa muito melhor do que aquele velho.
- Obrigada, senhor Taggert.
Por um momento, Kane pareceu intrigado.
- Por que todos me chamam de senhor Taggert?
- Porque, senhor Taggert - disse Houston suavemente -, o senhor nunca pediu a ninguém que o chamasse de Kane.
- Todos vocês podem me chamar de Kane - falou com calma, mas olhando para Houston seus olhos tornaram-se quentes. - Exceto você, Houston. Só uma vez você me chamou de Kane e gostei muito quando o fez.
Houston sabia que todos tinham entendido o significado do que ele dissera, e ficou com a garganta seca de tão embaraçada.
Sarah Oakley pegou uma almofada e atirou-a na cabeça de Kane.
Ele apanhou-a e todos ficaram com a respiração suspensa. Quem poderia imaginar como Kane iria reagir?
- Algumas vezes você não é um cavalheiro... Kane - disse Sarah ousadamente.
- Cavalheiro ou não, vejo que seguiu meu conselho e comprou um vestido novo. Está certo, Houston, você pode me chamar de Kane. - Kane riu para ela.
- No momento, prefiro chamá-lo de senhor Taggert - disse com altivez, e todos riram ao mesmo tempo.
A quinta foi toda gasta em preparar a casa de Kane para o casamento, que ia se realizar na segunda. Kane e Edan trancaram-se no estúdio e ignoraram os carregadores de móveis, as entregas e as chegadas e partidas da maioria dos comerciantes de Chandler
A sexta e o sábado foram mais ou menos iguais, com Houston explicando e tornando a explicar os papéis de todas as pessoas envolvidas no casamento. Havia homens e mulheres para preparar e servir a comida, homens para construir as mesas que ficariam fora. Havia homens que armariam os enormes toldos que Houston mandara fazer em Denver. No domingo, haveria trinta e oito pessoas só para fazer os arranjos das flores.
Jean Taggert mandou um recado, dizendo que Rafe iria ao casamento, mas que o jovem lan estava relutante, e perguntando se ela poderia trazer um prato.
Quando Houston leu o recado, estava na cozinha e, na frente dela, na mesa, havia duas carcaças de boi já cortadas, e cerca de cento e vinte quilos de batatas, que tinham acabado de ser entregues. E, além dos bois, havia três enormes rodas de queijo e trezentas laranjas - e ela estava rezando para que as laranjas não estivessem embaixo de tudo.
No meio de toda essa confusão, Houston estava satisfeita por Kane ficar longe de seu caminho e deixá-la ocupar-se de tudo. Ele queixava-se de estar atrasado com seu próprio trabalho por ficar tagarelando com ela.
Só uma vez ele criou problemas. Foi quando Leander convidou-os, ele e Edan, para passarem a noite no clube de homens de Lee.
- Não tenho tempo para isso - esbravejou. - Esses homens nunca trabalham? Deus sabe que terei muito pouco tempo livre depois do casamento, com uma mulher sempre no meu calcanhar e... - parou e olhou para Houston. - Bem, eu não queria dizer isso...
Houston só olhou para ele.
- Está bem - concordou afinal, com desespero na voz. - Mas não sei por que vocês mulheres não fazem seu chá na sua casa. - Virou-se nos calcanhares e voltou para o escritório. - Diabo de mulheres! - resmungou.
- Qual foi a terrível imposição de Houston agora? - perguntou Edan, esboçando um sorriso.
- Teremos que passar a noite naquele extravagante clube de Westfield. Devemos sair por volta das sete e não voltar antes de meia-noite. O que aconteceu com aqueles bons tempos, quando as mulheres obedeciam e respeitavam seus maridos?
- A primeira mulher desobedeceu o primeiro homem; os velhos tempos não passam de um mito. O que Houston quer fazer esta noite?
- Uma festa, um chá para suas amigas. Quero que fique aqui e vigie-a.
- O quê?
- Não gosto de todas essas mulheres sozinhas por aqui. Houston contratou empregados para virem servir a casa, mas só depois do casamento. Hoje, só um bando de mulheres desprotegidas estará aqui. Ela arrumou a sala de jantar para a sua festinha e lá há uma porta coberta com pano, você sabe, aquela com flores pintadas, e...
- Você espera que eu me esconda dentro de um armário e espione um chá-de-panela?
- É para o próprio bem delas, e eu lhe pago muito bem para que possa fazer um servicinho para mim.
- Um servicinho - resmungou Edan.
Horas mais tarde, Houston viu Edan e reparou num machucado em sua face direita.
- Como foi que se machucou?
- Bati numa parede de pedra - respondeu ele, com firmeza e afastou-se.
Às seis, os trabalhadores começaram a deixar a casa e às seis e quarenta e cinco as amigas de Houston começaram a chegar, cada uma trazendo um presente lindamente embrulhado.
Kane, ainda se queixando sobre a injustiça de ter que sair de sua própria casa, subiu na carroça, ao lado de Edan, que tinha uma expressão solene.


Ao todo, dez mulheres, além de Blair, chegaram na casa de Taggert, e seus presentes eram colocados em uma mesa do século 18, na sala de jantar.
- Todos já se foram? - perguntou Tia.
- Por fim - disse Houston, fechando a porta dupla atrás de si.
- Agora, vamos tratar de negócios?
Edan sentou-se dentro do armário, em uma cadeira desconfortável, uma garrafa cheia de uísque na mão. Kane desgraçado!, pensou novamente, e ficou imaginando se conseguiria se livrar, no caso de um assassinato. Qualquer juiz, certamente, o livraria por ter morto um homem que o obrigara a passar a noite toda vigiando um bando de mulheres tomando chá.
Distraidamente, bebia o uísque e olhava as mulheres através da seda do painel da porta. A srta. Emily, uma bonita, frágil e velha senhora, estava batendo o punho na mesa.
- A terceira reunião anual da Irmandade vai começar. Edan manteve a garrafa nos lábios, mas não bebeu. A srta. Emily continuou.
- Primeiro, iremos ouvir um relatório de Houston sobre os acampamentos das minas de carvão.
Edan não moveu um músculo, quando Houston levantou-se e expôs um relatório detalhado das injustiças dentro dos acampamentos das minas de carvão. Ele a seguira uns dias antes e sabia de suas inocentes escapadas, mas agora Houston estava falando de greves e sindicatos. Edan já tinha visto homens serem mortos por muito menos do que ela estava falando.
Nina Westfield começou a falar de começarem uma revista que as mulheres entregariam secretamente às esposas dos mineiros.
Edan pousou a garrafa no chão, e inclinou-se mais para a frente.
Falavam de Jacob Fenton, do medo que inspirava e do que faria se descobrisse que as mulheres levavam informações para os mineiros.
- Posso falar com Jean Taggert - disse Houston. - Por alguma razão, Fenton parece temer todos os Taggert. Eles receberam permissão para assistir ao casamento.
- E Jean visita lojas em Chandler - disse a srta. Emily. - Eu conheço o seu Kane, trabalhava para os Fenton, mas alguma coisa está acontecendo. Pensei que talvez você soubesse.
- Nada - disse Houston. - Kane explode à menção do nome de Fenton, e não acredito que Márc saiba de alguma coisa.
- Ele não saberia - disse Leora Vaughn. - Marc só gasta dinheiro; não está interessado em saber de onde vem.
- Falarei com Jean - repetiu Houston. - Alguém está querendo criar problemas. Eu não quero ver ninguém ferido.
- Talvez eu também possa entrar nos acampamentos - acrescentou Blair. - Descobrirei o que puder.
- Que outros assuntos temos? - perguntou a srta. Emily.
Edan recostou-se na cadeira. A "Irmandade", respirou fundo. Essas mulheres, debaixo do disfarce de vestidos de renda e maneiras gentis, estavam falando de guerras.
O resto da reunião foi para tratar de várias caridades, de ajudar órfãos e doentes - todas as coisas que senhoras deviam fazer. Quando a reunião terminou, Edan pegou a garrafa e sentiu que, por fim, podia respirar outra vez.
- Refrescos? - perguntou Meredith Lechner, com uma risada na voz, enquanto abria uma grande caixa embrulhada de amarelo e tirava uma garrafa de vinho feito em casa. - Mamãe mandou essas garrafas em lembrança de umas poucas reuniões, quando era uma garota. Diremos a papai que a adega dos vinhos foi roubada.
Edan não pensava que ainda ficaria chocado, mas sua boca caiu quando cada mulher recebeu uma garrafa cheia de vinho e um copo de pé alto, de um armário na parede.
- À noite de núpcias! - disse a srta. Emily, levantando o copo.
- Às noites de núpcias do mundo inteiro, quer sejam ou não precedidas de casamento.
Rindo, as mulheres esvaziaram os copos cheios de vinho.
- Primeiro o meu! - disse Nina Westfield. - Mamãe e eu tivemos um trabalhão para encontrá-los em Denver. E quase que Lee mexeu na caixa, esta tarde.
Houston abriu uma caixa azul e retirou uma peça de roupa preta transparente, contornada com renda preta de dez centímetros de largura. Edan viu que era uma roupa íntima feminina, mas não da espécie que uma dama usaria.
Sem acreditar no que via, ele olhava as mulheres bebendo suas garrafas de vinho e abrindo os presentes, em meio a risadas e comentários jocosos. Havia dois pares de sapatos vermelhos de saltos altos, mais roupa íntima transparente, e algumas figuras que as mulheres passavam, umas para as outras, e quase morriam de tanto rir. As cadeiras foram afastadas e as mulheres começaram a dançar pela sala.
A srta. Emily sentou-se ao piano, que Edan nem tinha reparado, e começou a martelá-lo.
O queixo de Edan bateu em seu peito, quando viu as mulheres dançando com as saias erguidas, levantando as pernas.
- É o cancã - disse Nina, sem fôlego. - Mamãe e eu escapamos de papai e Lee, quando estávamos em Paris, e fomos ver.
- Quem quer tentar? - perguntou Houston, e logo oito mulheres estavam levantando as saias até as cabeças, ao som da música da srta. Emily.
- Descanso! - gritou Sarah Oakley. - E eu trouxe umas poesias para ler para vocês.
Quando Edan era um menino, ele e os amigos tinham uma cópia do que a afetada srta. Oakley estava lendo agora: Fanny Hill.
As mulheres caçoavam e riam, ao mesmo tempo que batiam nas costas de Blair e Houston, repetidamente.
Quando Sarah terminou, Houston levantou-se.
- Agora, minhas caras amigas, eu tenho a pièce de résistence lá em cima. Vamos?
Muitos minutos se passaram antes que Edan pudesse se mover. Já era muito para um chá-de-panela. Com um impulso, pôs-se de pé. O que estaria acontecendo lá em cima? O que mais poderiam fazer, depois do que já tinham feito? Ele sabia que preferia morrer do que deixar de descobrir o que estava acontecendo.
O mais rapidamente possível, deixou a casa, rodeou-a, e viu luz na sala de estar do canto nordeste. Ignorando os espinhos, começou a subir pelo gradeado das roseiras.
Tudo que tinha acontecido antes não o preparara para o que via agora. A sala estava toda escura, com exceção de um grande candelabro aceso, colocado atrás de uma tela de seda transparente. E, entre a tela e a luz, estava um homem bem musculoso, praticamente nu, movendo o corpo em poses para realçar seus músculos.
- Já vi o suficiente disso - disse a srta. Emily, e, com a ajuda de Nina, retirou a tela.
Por um momento, o homem musculoso não entendeu nada, mas as mulheres, agora bêbadas, começaram a bater palmas e incentivá-lo, e ele, sorrindo, pôs mais entusiasmo em suas poses.
- Nem chega aos pés do meu Kane - gritou Houston.
- Eu tomarei conta dele - gritou o homem, de volta. - Posso vencer qualquer um.
- Não o Kane - disse Houston teimosamente, o que fez com que o homem caprichasse mais, mostrando os bíceps.
Edan desceu pelo gradeado das roseiras até o chão. Kane queria que Edan protegesse as damas. Mas quem iria proteger os homens das damas?


No sábado pela manhã, Kane bateu à porta do escritório pela quinta vez em uma hora.
- Logo agora Houston tinha que ficar doente - resmungou, enquanto sentava. - Você acha que ela está com medo do casamento, amanhã? - perguntou a Edan.
- Possivelmente foi alguma coisa que comeu ou bebeu. Ouvi dizer que várias jovens de Chandler estão "indispostas".
Kane não levantou os olhos dos papéis.
- Vai ver estão só descansando para amanhã.
- E você? - perguntou Edan. - Nervoso?
- Nem um pouco. Assunto realmente simples. As pessoas fazem isso todos os dias.
Edan inclinou-se, pegou o papel que Kane estava olhando e virou-o do lado certo.
- Obrigado - resmungou Kane.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


13

 

O DIA do casamento estava tão bonito que parecia ter sido especialmente criado para aquela ocasião importante. Opal acordou todo o pessoal da casa às cinco horas e começou a cuidadosa embalagem dos dois vestidos de noiva e dos véus.
Houston ouviu sua mãe lá embaixo, mas continou deitada ainda por alguns minutos antes de levantar-se. Tivera uma noite agitada. Sua mente estava muito ocupada com pensamentos sobre o dia que se aproximava, para conseguir dormir. Pensava em Kane e rezava para que, nos próximos anos, ele aprendesse a amá-la.
Quando Opal veio acordá-la, estava mais do que desejosa de que o dia começasse.
As três mulheres estavam prontas para irem para a casa de Taggert, às dez horas. Foram na carruagem de Houston, com Willie atrás delas, dirigindo uma carroça emprestada, com o fundo coberto de musselina, os vestidos cobertos.
Esperando por elas na casa, estava uma dúzia de jovens, todas membros da Irmandade.
- As mesas estão prontas - disse Tia.
- Os toldos também - acrescentou Sarah.
- E a senhora Murchison está cozinhando desde as quatro - Anne Seabury esclareceu, e pegou uma das pontas do pacote dos vestidos de noiva embalados.
- E as flores? - perguntou Houston. - Foram todas postas nos lugares, de acordo com meu projeto?
- Creio que sim - disse uma das mulheres.
- Houston, é melhor você dar uma olhada. Alguém providencia para que seu marido permaneça no escritório, e você pode dar uma volta pela casa - a srta. Emily adiantou-se.
- Marido - murmurou Houston para si mesma, enquanto Nina corria na frente para manter Kane preso no escritório. Todas tentariam evitar que a noiva fosse vista antes do casamento.
Depois de terem certeza de que estava a salvo, Houston deixou sua mãe e Blair no vestíbulo, e entrou em cada sala de baixo e, pela primeira vez, pôde ver a realidade da decoração que planejara.
A pequena sala de visitas estava mobiliada com três mesas longas, com os presentes para as duas noivas, que tinham vindo do país inteiro. Kane dissera que não tinha amigos verdadeiros no mundo de dinheiro com o qual lidava em Nova York, mas, se os presentes tinham qualquer significado, era óbvio que aqueles homens o consideravam um deles.
Havia uma pequena mesa toda de incrustações da parte dos Vanderbilt, prata dos Gould, ouro dos Rockefeller. Quando os presentes começaram a chegar, Kane dissera que eles só tinham mesmo que enviar lembranças, uma vez que, certo como o inferno, sempre mandava presentes para os filhos deles, cada vez que se casavam.
Outros presentes foram enviados pelos parentes de Leander, e o povo de Chandler fez o possível para apresentar os mais engenhosos presentes "gêmeos". Havia vassouras gêmeas, barricas gêmeas de pipoca, livros gêmeos, rolos gêmeos de tecido. Os presentes iam de papéis de alfinetes duplicados até cadeiras de carvalho idênticas, da Masons.
A sala estava decorada com palmeiras altas, plantadas em vasos co-locados em frente de espelhos, e as cornijas contornadas de rosas vermelhas e amores-perfeitos púrpura.
Houston dirigiu-se para a sala de visitas grande. Era aí que os amigos mais chegados e parentes se encontrariam antes e depois da cerimônia. Ao longo do rodapé, do contorno das portas e do teto, tinham sido pregados delicados torcidos de melindre. Metros e metros da trepadeira enfeitavam o salão, contornando a lareira e as janelas.
Colocados em frente a cada janela, havia vasos de samambaias que filtravam o sol da manhã e faziam sombras rendadas no chão. A lareira estava enfeitada com cravos vermelhos e, entrelaçados nas trepadeiras, aqui e ali, havia mais cravos.
Houston terminou o giro de inspeção por todo o resto da parte de baixo e correu para cima, onde as outras esperavam.
Ainda faltavam cinco horas para a cerimônia, mas Houston sabia que haveria mil e um detalhes de última hora para serem resolvidos. Durante os últimos dias, passara grande parte do tempo embaixo, mas a parte de cima era ainda nova para ela. Na ala leste da casa em U, estavam os cômodos dos hóspedes, e hoje Blair estaria se vestindo em uma das suítes. A parte central continha os quartos de Edan, em um dos lados do aviário e corredor, e um berçário, banheiro, quarto de babá no outro lado.
Logo em seguida ao berçário, estava a longa ala que pertencia a Houston e Kane. Ele tinha um quarto no fundo, relativamente pequeno, mas com vista para os jardins. O quarto de Houston, separado do dele Por um banheiro de mármore, era sem dúvida o maior, com paredes claras, com entalhes de festões e guirlandas, que contornariam os quadros que ainda não tinham sido pendurados.
Pegado a seu quarto, havia um grande banheiro de mármore rosa e branco e um quarto de vestir com as paredes cobertas de moiré rosa, e depois uma sala de estar e uma sala de jantar íntima, para quando ela e Kane jantassem sozinhos.
- Nunca me acostumarei com esta casa - disse Tia, ao voltarem da inspecção das salas e do quarto de dormir. - E olhe esse jardim suspenso.
- Jardim? - perguntou Houston, indo em direção às portas duplas onde Tia estava. Abriu uma delas e viu-se em meio a uma adorável confusão de árvores e flores em vasos. Bancos de pedras escondiamse no meio do verde. Isso não estava lá na última vez que vira o telhado cercado da galeria que ficava do lado de fora de seu quarto.
- Veja isso - Sarah apontava um grande cartão branco preso a uma enorme figueira. A maioria das plantas era protegida do sol do Colorado por uma cobertura de treliça que fazia uma sombra muito gostosa.
Houston pegou o cartão.

Espero que goste, desejo-lhe o melhor em seu casamento
Edan

- É um presente de Edan - disse Houston e sentiu que o jardim era um símbolo da sua felicidade naquele dia.
Antes que Houston pudesse dizer outra palavra, a porta foi de repente aberta e a sra. Murchison entrou como se uma tempestade viesse atrás dela.
- Há gente demais na minha cozinha! - gritou em direção a Houston. - Não sei como podem esperar que eu cozinhe com todos eles lá dentro. E o senhor Kane já tem muito o que fazer, ainda mais perdendo um dia de trabalho assim.
- Perdendo... - disse Meredith abismada. - A senhora acha que Houston não tem mais nada para... ?
Houston interrompeu sua amiga. A sra. Murchison estava sob o efeito do encanto de Kane e, sem dúvida, o defenderia até a morte.
- Descerei as escadas do fundo - disse Houston, ignorando o fato de que Sarah estava desembrulhando seu vestido de noiva. Ainda precisava ser passado e havia alguns pontos de última hora para serem dados.
Embaixo, havia mais catástrofes. Várias vezes ouviu Kane gritando de dentro do escritório, e alguém puxou Houston depressa, saindo para os jardins. Ela invejou-lhe a liberdade e, ao mesmo tempo, desejava poder estar com ele. Amanhã, pensou. Amanhã, poderiam andar juntos no jardim.
Faltavam só duas horas para a cerimônia, quando finalmente voltou para cima.
- Houston - disse Opal -, acho que agora deve começar a se vestir.
Houston tirou suas roupas lentamente, pensando que quando se des-pisse outra vez...
- Quem é aquela mulher? - perguntou Anne, quando Houston vestia uma camiseta de algodão, tão fria que mais parecia um sopro sobre sua pele. No alto tinha casas de botões pequenas e trabalhadas, com fitas de seda rosa passadas, e os botões eram bordados a mão, como botõezinhos de rosa.
- Não tenho idéia - disse Tia, juntando-se a Anne para olhar pela grade do jardim -, mas deve ser a mulher mais alta que já vi. Sarah começara a apertar os cordões do espartilho de cetim rosa e de costuras em ziguezague feitas a mão.
- Acho que vou dar uma olhada. Talvez seja alguma das parentes de Lee.
- Eu já a vi antes, mas não tenho idéia de onde. Que estranho ela usar preto em um casamento - disse Anne.
- Temos trabalho para fazer. Ninguém precisa se interessar pelos problemas particulares de qualquer um dos convidados - disse Opal de uma forma que fez Houston levantar a cabeça.
Houston tinha quase certeza de que alguma coisa estava errada. Ig-norando o olhar severo de sua mãe, foi até a beira do jardim suspenso, onde Tia estava. Instantaneamente, soube quem era a mulher. Mesmo vista de cima, ela parecia alta e elegante.
- É Pamela Fenton - murmurou Houston, e voltou para o quarto.
Por um momento, ninguém falou.
- Provavelmente usando luto por tê-lo perdido - disse Sarah. - Houston, qual dessas anáguas quer vestir primeiro?
Houston continuou a vestir-se mecanicamente, mas não conseguia se esquecer de que Kane estava no jardim e a mulher que uma vez amara estava indo na direção dele.
Alguém bateu na porta, e Anne atendeu.
- E o homem que trabalha com Kane. Ele quer ver você e diz que é urgente, e que tem que vê-Ia imediatamente.
- Mas é lógico que ela não pode ir... - começou Opal, mas sua filha já tinha pegado um robe, que estava nas costas de uma cadeira, e ia em direção à porta.


Kane estava em um canto afastado do jardim, fumando um de seus charutos, com um pé em um banco de pedra.
- Alô, Kane - disse Pamela suavemente.
Ele esperou um minuto antes de voltar-se e encará-la, e, quando a olhou, seus olhos estavam calmos, não demonstrando o que sentia. Olhou-a de cima a baixo:
- O tempo a tratou muito bem.
- Só no exterior. - Respirou fundo. - Não tenho muito tempo, portanto direi o que vim te dizer. Ainda te amo; nunca deixei de te amar. Se quiser ir embora comigo agora, te seguirei até o fim do mundo. Rapidamente, ele deu um passo na direção dela, mas parou e voltou. - Não, não posso fazer isso - disse com calma.
- Você pode! Você sabe que pode. Você se importa com qualquer dessas pessoas? Você se importa com o povo de Chandler? Você se importa com... ela?
- Não - repetiu ele.
Ela aproximara-se e estava perto dele. Ele era uns poucos centímetros mais alto, mas com os saltos ela ficava da mesma altura.
- Kane, por favor, não cometa esse erro. Não se case com outra pessoa. Você sabe que me ama. Você sabe que eu...
- Você me ama tanto que me deixou sozinho - falou com raiva. - Casou-se com seu amante rico e... - parou, afastando-se dela. - Eu não partirei com você hoje. Eu não vou magoá-la assim. Ela não merece isso.
- Você vai me pôr de lado só para não ferir Houston Chandler? Ela é jovem. Encontrará alguém. Ou ela está apaixonada por você? - Pamela sentou-se no banco.
- Estou certo de que conhece o boato. Ela ainda ama Westfield, mas concordou em consolar-se com meu dinheiro. Infelizmente, eu vou junto com o dinheiro.
- Então por quê? Por que se sente obrigado?
- Já se esqueceu tanto assim de mim? Eu cumpro meus acordos. - Olhou-a com os olhos brilhando.
O que quisera dizer, estava claro.
- Pensei que a essa altura, já tivesse descoberto - ela disse com voz suave.
- Você quer dizer, descoberto por que me deixou sozinho com os quinhentos dólares de pagamento por serviços prestados? Fiz um esforço para não descobrir.
- Quando disse a meu pai que ele tinha que nos deixar casar, porque estava esperando um filho seu, ele colocou-me à força em um trem para Ohio. Nélson Younger devia a meu pai muito dinheiro, e a dívida foi cancelada quando casou comigo.
- Me disseram... - começou Kane.
- Estou certa de que lhe disseram que preferira fugir do que me casar com você. Sem dúvida, meu pai disse que sua filha tinha se divertido com o rapaz do estábulo, mas que, certamente, não se casaria com ele. Você foi sempre tão vulnerável... Esse seu orgulho tão facilmente ferido...
- E a criança? - falou depois de uma longa pausa.
- Zachary está com treze anos, um menino maravilhoso, bonito, forte e tão cheio de orgulho como o pai.
Kane continuou calado, o olhar perdido nos jardins.
- Venha embora comigo agora, Kane - murmurou Pam. - Se não for por mim, que seja pelo seu filho.
- Meu filho - disse Kane quase para si mesmo. - Diga-me, esse homem com quem se casou era bom para ele?
- Nélson era bem mais velho do que eu, e ficou satisfeito de ter uma criança, quer Zach fosse seu filho ou não. Ele amava Zach. - Sorriu. - Eles costumavam jogar beisebol juntos todas as tardes de sábado.
- E Zachary pensa nesse homem como seu pai? - Kane olhou-a outra vez.
- Zach aprenderia a amá-lo como eu. Se você e eu contássemos a verdade a ele... - Pamela levantou-se.
- A verdade é que Nélson Younger foi o pai de Zachary. Tudo que fiz foi plantar a semente.
- Está rejeitando seu próprio filho? - perguntou Pam, com raiva.
- Não, não estou. Mande-me o menino e eu o criarei. Sem tê-lo visto. É você, Pam, que está rejeitando.
- Kane, eu não quero implorar. Se você não me ama agora, pode aprender outra vez.
- Escute-me. O que aconteceu conosco foi há muito tempo atrás.
Até o momento, não tinha percebido o quanto mudei. Se estivesse aqui há uns poucos meses, teria corrido com você para o altar, mas agora é diferente. Houston...
- Você diz que ela não te ama. E você, ama-a?
- Eu mal a conheço.
- Então por quê? Por que despreza uma mulher que te ama? Por que dá as costas para seu próprio filho?
- Dane-se, eu não sei! Por que você tinha que aparecer no dia de meu casamento e deixar-me infeliz? Como pode você me pedir que humilhe uma mulher que tem sido tão... bondosa para mim? Não posso fugir e deixá-la plantada no altar.
As lágrimas começaram a rolar pelo rosto de Pam, ao sentar-se no banco.
- Nélson também era bom para mim e amava tanto Zachary. Tentei encontrá-lo para contar o que tinha acontecido, mas parecia que você tinha se evaporado. Anos mais tarde, quando comecei a ver seu nome nos jornais, não tive coragem para escrever, ou talvez, não aceitasse magoar Nélson. Quando ele morreu, quis encontrar você. Sentia-me culpada, como se estivesse correndo do leito de morte de Nélson para os braços de meu amante, mas já tinha esperado tanto tempo... Então, Zachary ficou doente e, quando pude viajar para Chandler, você estava noivo. Disse a mim mesma que estava tudo acabado entre nós, mas, no último minuto, tive que ver você, tive que falar com você.
Ele sentou-se ao lado dela, passou o braço em seus ombros e fez com que deitasse a cabeça.
- Escute, amor, você sempre foi uma romântica. Talvez não se lembre de nossas brigas, mas eu me lembro. O único lugar onde éramos bons juntos era em um monte de feno. Dois terços do tempo, estávamos zangados um com o outro. Com os anos, você se esqueceu de todas as partes más.
- A senhorita Chandler é melhor? - Pam assoou o nariz num lenço bordado de renda.
- Quando faço algo de que não gosta, ela me atinge a cabeça com qualquer coisa que esteja à mão. Você sempre fugia, se escondia e ficava se preocupando se eu ainda a amava.
- Eu cresci, desde esse tempo.
- Como poderia? Você viveu com um velho que a estragava, da mesma maneira que seu paia Houston nunca foi estragada por ninguém.
- E ela é boa na cama? Também nisso ela é melhor do que eu? - Pam afastou-se dele.
- Não tenho idéia. Ela tem um pouco de fogo, mas é recatada a esse respeito. Eu não estou me casando com ela por sexo. Isso é algo sempre disponível.
- Se eu pedisse... - Pôs braços em torno do pescoço de Kane.
- Não adiantaria. Vou me casar com Houston.
- Beije-me - murmurou. - Faça-me lembrar. Deixe-me relembrar. Kane olhou-a pensativo. Talvez ele também quisesse saber. Colocou a mão atrás de sua cabeça e os lábios nos dela. Foi um longo beijo e ele pôs tudo que tinha nele.
E quando afastou-se, estavam sorrindo um para o outro.
- Está acabado, não é? - murmurou Pam.
- Sim.
- Durante todos esses anos com Nélson, acreditava estar apaixonada por você, mas era um sonho. Talvez meu pai tivesse razão. - Ela permaneceu perto dele.
- Mais alguma conversa sobre seu pai e começaremos a brigar.
- Você não está mais com raiva dele, está?
- Hoje é o dia de meu casamento e eu quero felicidade, portanto, não falemos de Fenton. Conte-me sobre meu filho.
- Com prazer. - E Pam começou a contar.


Uma hora mais tarde, Pam deixou Kane sozinho no jardim para acabar seu charuto. Quando terminou, ele jogou o toco no chão, olhou seu relógio de bolso e viu que já era hora de voltar e vestir-se para o casamento.
Mal tinha dado uns poucos passos, quando viu-se frente a frente com um homem, que, se Kane fosse capaz de vê-los juntos, saberia que era sua imagem dentro de uns dez anos.
Kane e Rafe Taggert olharam-se em silêncio, mas parecendo cachorros quando se encontram pela primeira vez. Imediatamente, cada um sabia quem era o outro.
- Você não se parece muito com seu pai - disse Rafe, com uma ponta de acusação na voz.
- Não saberia dizer. Nunca encontrei o homem, ou alguém de sua raça - respondeu Kane, chamando a atenção para o fato de que nenhum Taggert alguma vez entrara em contato com ele, em todos os anos em que crescera no estábulo de Fenton.
- Ouvi dizer que há sangue em seu dinheiro. - Rafe retesou-se.
- Ouvi dizer que você não tem nenhum, sangrento ou não.
Eles se olhavam fixamente, através do espaço que os separava.
- Você também não se parece com Frank. Agora, vou-me embora. - Rafe virou-se.
- Você pode me insultar, mas não a dama com quem estou me casando. Você ficará para a cerimônia.
Rafe não olhou para trás, mas fez um breve aceno com a cabeça, antes de afastar-se.


- Quero falar com você - disse Edan, da porta, os olhos severos.
As muitas mulheres em volta de Houston começaram a protestar, mas ela levantou a mão e seguiu Edan em silêncio, até o quarto dele.
- Sei que aqui não é apropriado, mas é o único lugar da casa que não está cheio de gente.
Houston tentava não demonstrar suas emoções, porque tinha a clara impressão de que Edan estava zangado com ela.
- Sei que seu casamento é hoje, mas tinha alguma coisa para lhe dizer. Kane sabe muito bem que a segurança pessoal das pessoas, ligadas a um homem tão rico como ele, está freqüentemente em perigo. - Olhou para ela. - O que estou dizendo é que Kane me fez segui-Ia algumas vezes, na semana passada.
Houston podia sentir a cor fugindo de seu rosto.
- Não gosto do que vi. Não gostei que uma jovem, desprotegida, entrasse em um campo de carvão, mas essa sua Irmandade...
- Irmandade! - Houston engasgou. - Como?...
Edan pegou uma cadeira e colocou atrás dela.
Debilmente, Houston sentou-se.
- Eu não queria fazer isso, mas Kane insistiu que eu... bem, me escondesse em um armário e permanecesse lá durante o seu chá, no caso de precisarem de proteção.
Houston olhava para suas mãos e não viu o ligeiro sorriso de Edan, quando falou "chá". O que é que ele sabe?, pensou.
Edan sentou-se em frente dela.
- Eu tinha medo disso - disse suspirando. - Como podia dizer a ele que você está se casando por causa da ligação dele com Fenton? Você está usando-o e ao seu dinheiro para ajudar sua cruzada contra as injustiças nas minas de carvão. Raios! Mas eu devia ter imaginado. Com uma irmã como a sua que rouba o próprio...
Houston levantou-se e disse com os dentes cerrados:
- Senhor Nylund! Eu não ouvirei o senhor julgar minha irmã, e não tenho idéia do que fala quando diz que Kane é ligado aos Fenton. Se acredita que meus propósitos são maldosos, vamos agora contar tudo para Kane.
- Espere um minuto. - Levantou-se e pegou seu braço. - Por que não explica?
- O senhor quer dizer que devo tentar convencê-lo de que estou inocente, que não estou levando Kane Taggert ao altar só para ser assassinado? Não, senhor, eu não respondo a tal acusação. Diga-me, planejava usar seu conhecimento de mim como chantagem?
- Touché - disse, visivelmente relaxado. - Agora que ambos de-monstramos nossa raiva, podemos conversar? Você tem que admitir que suas ações não são extremamente livres de suspeita.
Houston também tentou relaxar, mas era difícil. Não gostava de pensar em como ele tomara conhecimento da Irmandade.
- Há quanto tempo faz aquela farsa das quartas-feiras?
Houston caminhou até a janela. No gramado abaixo, havia trabalhadores que pareciam estar se preparando para o cerco de um exército. Olhou de volta para Edan!
- O que nós mulheres fazemos tem sido feito há gerações. A Irmandade foi fundada pela mãe de meu pai, antes mesmo que existisse Chandler, Colorado. Nós somos simplesmente amigas, que tentamos nos ajudar e a qualquer pessoa que possamos. No momento, nossa maior preocupação é o tratamento das pessoas nos acampamentos das minas de carvão. Não fazemos nada ilegal. - Seus olhos fixaram-se nos dele. - Nem usamos ninguém.
- Por que, então, o segredo?
Ela olhou-o sem acreditar.
- Olhe sua própria reação quando soube, e você nem é parente. Pode imaginar como os maridos e pais reagiriam se descobrissem que suas delicadas mulheres passam suas tardes aprendendo a dirigir uma carroça de quatro cavalos? E é o que algumas de nós fazemos...
- Percebo seu ponto de vista. Mas vejo o deles também. O que vocês fazem é perigoso. Vocês podem ser... - Parou. - Você disse que há três gerações vêm fazendo isso?
- Cuidamos de outros problemas, em outras épocas.
- E os... chás?
Houston corou, a despeito de si mesma.
- Foi idéia de minha avó. Dizia que tinha ido para sua própria noite de núpcias sem saber de nada e apavorada. Não queria que suas amigas ou filhas tivessem a mesma experiência. Acredito que, talvez, a celebração pré-nupcial evoluiu lentamente no que você - ela engoliu em seco - viu.
- Quantas mulheres em Chandler pertencem à Irmandade?
- Há somente uma dúzia de membros ativos. Algumas, como minha mãe, se afastam quando se casam.
- Você planeja afastar-se?
- Não - respondeu, olhando para ele, porque, era claro, sua participação poderia depender dele.
- Kane não gostará que você dirija uma carroça dentro dos campos de carvão. E não gostará que você corra perigo.
- Sei que ele não gostaria, e essa é na verdade a única razão pela qual não lhe contei. Edan - pôs a mão em seu braço -, isso significa tanto para tantas pessoas... Passei meses trabalhando para aprender a agir como uma velha, para ser capaz de realmente tornar-me Sadie. Se eu parasse agora, levaria muitos meses para treinar mais alguém e, enquanto isso, muitas famílias de mineiros ficariam sem os pequenos extras que lhes levo.
- Está bem, pode descer do púlpito. Acho que é suficientemente seguro, apesar de ir contra tudo em que acredito. - Ele pegou-lhe a mão. - Não contará a Kane? Tenho certeza de que não seria nem um pouco compreensivo.
- Estou certo de que isso ainda é pouco. Não, não contarei a ele, se você jurar que só levará batatas e não se envolverá com os sindicatos. E sobre essa revista subversiva que, vocês, mulheres, querem começar...
- Muito obrigada, Edan. Você é um amigo de verdade. Agora devo ir vestir-me para o casamento. - Antes que ele pudesse falar, ela já estava na porta, mas parou, com a mão na maçaneta. - O que você quis dizer quando falou sobre a realação de Kane com os Fenton?
- Pensei que soubesse. A irmã mais nova de Jacob Fenton, Charity, era a mãe de Kane.
- Não - disse com calma. - Eu não sabia. - E saiu do quarto.
Houston estava em seu quarto, há poucos minutos, quando Sarah Oakley disse, enquanto levantava o vestido de noiva:
- Acabo de ver uma coisa estranhíssima.
- O que foi?
- Pensei que fosse Kane no jardim, usando suas roupas velhas, mas era um menino que se parece com ele.
- Ian - disse Houston com um sorriso. - Ele veio.
- Se sobrar alguma coisa dele - disse Nina, olhando por sobre a grade. - Dois dos meninos Randolph e os dois irmãos de Meredith começaram a rir dele e o seu Ian atacou-os.
- Quatro contra um? - Houston levantou a cabeça.
- Pelo menos. Agora, estão atrás de uma árvore e não posso vê-los.
Houston tirou as mãos do vestido de noiva que Sarah ainda estava segurando, e foi até a janela.
- Onde estão eles agora?
- Lá - apontou Nina. - Vê aquela agitação nos arbustos? Há uma tremenda briga lá.
Debruçando-se na janela, Houston inspecionava a área do jardim. Parte da cena estava escondida da casa pelas árvores.
- Mandarei alguém parar a briga - declarou Sarah.
- E humilhar um Taggert? - disse Houston, indo para o armário. - Por nada na vida. - Vestiu outra vez o robe azul escuro de cetim.
- Mas o que é que está planejando, Houston? - disse Sarah abismada.
- Vou parar uma briga e salvar um Taggert de um destino pior do que a morte: humilhação. Não há ninguém aí atrás?
- Só umas poucas dúzias de garçons e convidados e... - disse Nina.
- Houston, não há alguns fogos de artifício lá embaixo? Se alguém os acendesse, criaria uma diversão - disse Opal mansamente. Ela sabia, por experiência, que era inútil dizer à filha que precisava se vestir. Não quando uma das filhas estava com aquela expressão.
- Já estou indo. - E Nina saiu correndo, enquanto Houston punha o pé para fora da janela e no gradeado das rosas.
O gramado do lado leste estava agitado com as explosões dos fogos de artifícios, e com todos os convidados olhando para aquele lado, quando Houston correu em diagonal pelo trecho do gramado oeste e para as árvores.
No meio da sombra de um bosque de nogueiras pretas, Ian Taggert lutava inutilmente com os quatro meninos fortes, em cima dele.
- Parem com isso! - disse Houston, com sua voz mais severa.
Nenhum dos meninos lhe deu a menor atenção.
Meteu-se no meio de pernas e braços, agarrou um orelha e puxou-a. Jell Randolph veio esperneando, mas parou quando viu Houston. Ela fez sinal para que ficasse para trás, enquanto foi atrás de George e Alex Lechner, puxando ambos os meninos pelas orelhas.
Só Steve Randolph continuava em cima de Ian e, quando Houston tocou-lhe a orelha, ele veio voando para cima dela, uma incontida massa de raiva. Os três meninos, de pé no fundo, ficaram sem respirar, quando Steve mandou o punho em direção ao queixo de Houston. Ela desviou e, não vendo outra saída, acertou o jovem Steve com uma direita. Vários meses dirigindo uma carroça de quatro cavalos tinha dado um bocado de força a seus braços. Por um momento, ninguém se moveu, vendo Steve cair lentamente sobre as pernas de Ian. Houston recuperou-se primeiro.
- Steve! - disse ajoelhando-se e dando tapas no rosto do menino. - Você está bem?
- Diabos! - lan respirava. - Nunca vi dama nenhuma dar um soco como esse.
Steve resmungou, sentou-se, esfregou o queixo e olhou para Houston com admiração. De fato, todos os cinco meninos olhavam espantados para ela.
- Não gosto desse tipo de comportamento no dia de meu casamento - disse com altivez.
- Não, senhora - quatro dos meninos resmungaram.
- Nós não queríamos fazer nada a ele, senhorita Blair-Houston...
- Não quero desculpas. Agora, vocês quatro voltem para perto de seus pais; quanto a você, Steve, vá colocar gelo no queixo.
- Sim, senhora - falou por cima do ombro, todos os quatro saindo o mais rapidamente possível.
Ela estendeu a mão para Ian, para ajudá-lo a levantar-se.
- Você pode vir comigo.
- Eu não vou entrar na casa dele, se é isso que quis dizer - falou com raiva, ignorando a mão dela.
- Talvez você esteja certo. Para vir ver essa briga usei o gradeado das roseiras, como se fosse escada. Qualquer menino que perde uma luta provavelmente não poderia subir um gradeado.
- Perder uma briga! - Ele era tão alto quanto ela e, com dezesseis anos, já grande, parecendo que ficaria do tamanho de Kane. - Caso não saiba contar, havia quatro deles em cima de mim e eu venceria se não tivesse aparecido e acabado com a briga.
- Mas está com medo de entrar na casa de seu próspero primo - disse, como se fosse uma observação. - Que estranho. Bom dia para você. - Começou a voltar rápido para casa.
- Eu não estou com medo. Eu só não quero entrar. - lan começou a andar do lado dela.
- Claro.
- O que quer dizer com isso?
- Concordo com você. Você não está com medo de seu primo, você só não quer vê-lo, ou comer sua comida. Compreendo perfeitamente.
Ela viu emoções passarem pelo rosto dele.
- Onde está esse desgraçado de gradeado de roseiras?
Ela permaneceu onde estava e olhou para ele.
- Está bem, então, onde está o gradeado das roseiras que está usando como escada? - Ele parou com o olhar fixo.
- Por aqui.
Kane estava voltando para a casa, quando foi detido pela extraordi nária visão de sua futura esposa, usando só uma vestimenta que sabia que nenhuma dama usa fora de sua própria casa, descendo pelo gradeado das rosas.
Cheio de curiosidade, escondeu-se atrás de uma árvore para observála, e ouviu-a meter-se no meio de uma porção de meninos brigando, que eram tão grandes quanto ela. Ele já estava a meio caminho para ajudá-la, quando a viu derrubar um menino com uma direita de campeão.
Em seguida, viu-a discutindo na sua maneira fria e muito pessoal com um menino grande, com jeito mal-humorado.
- Devia desistir - Kane falou alto, com riso em sua voz. Ele já aprendera que, quando Houston olhava daquele modo, um homem devia não insistir, porque a delicada damazinha ia conseguir o que queria.
Riu outra vez quando viu o menino subir pelo gradeado das rosas, e quando a roupa de Houston enganchou e ela tentou se soltar.
Perto do canto, três homens e uma mulher vinham andando e, com mais uns poucos passos, logo veriam Houston. Rapidamente, ele atravessou o gramado correndo e pôs a mão em seu tornozelo.
Quando Houston olhou para baixo e viu Kane, quase desmaiou. O que iria ele pensar da mulher com quem iria se casar? Ela sabia muito bem o que Leander, ou o senhor Gates diriam, se a vissem agora, em público, usando suas roupas de quarto e subindo pelo gradeado.
Houston olhou para baixo, para Kane, e disse a única coisa que pode pensar:
- Meu chapéu não está na posição.
Ela esperava que ele desse uma gargalhada.
- Docura, até eu sei que damas não usam chapéus com seus roupões de banho.
Houston estava paralisada. Ele não se importava!
- A menos que queria ser vista por todos, é melhor entrar.
- Sim - disse, recuperando-se e subindo até o alto, enquanto ele olhava. Uma vez no balcão, debruçou-se sobre o beiral. - Kane, seu presente de casamento está no escritório.
- Te vejo logo, garota. - E sorriu para ela. Afastou-se, assobiando, e, com a mãos nos bolsos, cumprimentando as pessoas que passavam.
- Houston - disse Opal por trás dela. - Se você não se aprontar agora, irá perder seu próprio casamento.
- Preferiria morrer - disse com grande sentimento e voltou ao seu quarto.
Dez minutos mais tarde, Kane estava desembrulhando o pacote que Houston pusera em sua mesa. Dentro havia duas caixas de charutos e um bilhete.

Estes são os mais finos charutos cubanos. Todo mês, mais duas caixas dos melhores charutos do mundo serão entregues ao Sr. Kane Taggert.


Estava assinado com o nome de uma loja de charutos de Key West, Flórida.
Kane estava acendendo um, quando Edan entrou. Levantou a caixa para ele.
- De Houston. Como você acha que ela conseguiu que eles chegassem em tempo?
Edan parou um momento para apreciar o charuto.
- Se estou aprendendo alguma coisa na vida, é a não subestimar essa dama.
- Qualquer mulher que compre charutos como esses é realmente uma dama. Bem - disse suspirando -, suponho que é melhor começar a me vestir. Quer me ajudar a pôr as coisas?
- Claro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

14


O VESTIDO de noiva tinha sido desenhada pela própria Houston, sim-ples, mas elaborado em sua simplicidade. Era de cetim de seda marfim, cor-tado em longo e gracioso estilo princesa, sem nenhuma costura horizontal, do decote alto até o final da cauda de quatro metros. Da altura da cintura, subindo sobre o busto, e caindo pelos quadris, tinha um intrincado desenho persa, feito com milhares de pequeninas pérolas pregadas a mão. As mangas, dos ombros até os cotovelos, eram amplas, seu tamanho enfatizando mais ainda a pequena cintura do vestido. Os punhos justos, que vinham dos cotovelos aos pulsos, repetiam o mesmo desenho feito com pérolas.
Houston permanecia muito quieta, enquanto suas amigas prendiam o véu, que parecia uma espuma, de quatro metros e meio de uma renda irlandesa, feita a mão, chamada Youghal, com um desenho de flores silvestres, contrastadas por folhas pontiagudas. O complicado desenho da renda complementava a maciez do cetim do vestido.
Tia segurava o buquê de flores de laranjeiras e botões de rosa brancos, em forma de lágrimas, feito de maneira que só roçasse o chão quando caminhasse.
Opal olhou para a filha com os olhos brilhantes de lágrimas.
- Houston... - começou, mas não conseguiu falar mais nada.
- Estou levando o melhor dos homens. - Houston beijou o rosto da mãe.
- Sim, eu sei. - Entregou a Houston um pequeno buquê e botões de rosa. - Sua irmã mandou. Ela vai usar um vermelho e acha que você deve usar este cor-de-rosa. Acho que ela está certa; vocês não precisam vestir-se iguais.
- Nossos véus são diferentes - disse Houston, enquanto Sarah prendia as flores sobre o véu, bem acima de sua orelha esquerda.
- Pronta? - perguntou Tia. - Acho que é a sua música.
Blair estava esperando por sua irmã no alto da escadaria dupla. So-lenemente, se abraçaram.
- Eu te amo mais do que pensa - murmurou Blair. Havia lágrimas em seus olhos quando afastou-se. - Acho que devemos prosseguir com este espetáculo.
As grades de bronze das escadas estavam cobertas de samambaias e, a intervalos regulares, havia ramalhetes de três copos-de-leite. Embaixo do arco das escadas, uma orquestra de cordas, de doze figurantes, tocava a marcha nupcial.
Com a cabeça erguida, as gêmeas desceram lentamente as escadas, uma pela curva leste, a outra pela oeste. Abaixo delas, os convidados olhavam, em silêncio, as duas lindas mulheres. Seus vestidos justos eram idênticos, exceto pelos véus, que variavam no motivo e no tipo da renda. A cor dos botões de rosa do lado de suas cabeças também diferenciava uma gêmea da outra.
Quando as jovens chegaram ao vestíbulo principal, a multidão afastou-se e as gêmeas caminharam direto pelo corredor curto que levava à porta da biblioteca.
Ao chegarem à porta, pararam e esperaram que os seis órgãos, colocados à volta da enorme sala, começassem a tocar. Dentro, estavam os amigos mais chegados e os parentes do casal.
Houston olhou a assistência, e viu Jean Taggert de pé, entre o tio e o pai. À frente dos convidados, em uma plataforma mais alta, encimada por um dossel de folhagens e rosas, estavam os homens - nos lugares errados.
Houston devia saber que era bom demais que todos seus planos dessem certo, sem acontecer nada de errado. Do jeito que estava agora, ela caminhava pela nave em direção a Leander. Rapidamente, olhou para Blair, para juntas se divertirem com o acontecido, mas Blair estava olhando bem para a frente - em direção a Kane.
O estômago de Houston começou a virar. Isso não tinha sido um simples engano. Com um estalo, lembrou-se das flores que Blair lhe mandara. Poderia Blair ter planejado isso para não se casar com Leander? Será que ela queria Kane?
O pensamento era ridículo. Houston sorriu. Sem dúvida Blair estava fazendo um sacrifício nobre, ficando com Kane para que Houston ficasse com Lee. Como era bondosa, mas como estava errada.
Ainda sorrindo, Houston olhou para Kane. Ele a fixava intensamente, e Houston ficou satisfeita de que ele a reconhecesse.
Pelo menos por um momento, ficou feliz, mas quando o rosto dele se fechou e ele desviou o olhar, o sorriso deixou o rosto de Houston. Ele não poderia acreditar que ela tivesse arranjado essa manobra para poder casar-se com Leander, pensou. Mas é lógico que poderia. Ao se aproximarem da plataforma, Houston tentava pensar em como resolver essa situação, com delicadeza. A senhorita Jones pensava ter esclarecido todas as situações possíveis em que uma dama pudesse se encontrar, mas nunca pensara que uma dama se encontrasse casando com o homem errado.
Quando as gêmeas pararam na plataforma, Kane manteve a cabeça virada e Houston não pôde evitar uma pontada de ressentimento, ao ver que ele não iria fazer nada para trocar de lugar. Ele não se importava de ficar com qualquer das gêmeas?
- Minha adorada, nós...
- Desculpe-me - disse Houston, tentando manter sua voz baixa, de modo que somente os cinco pudessem ouvir. - Eu sou Houston.
Imediatamente, Leander entendeu. Olhou para Kane, que ainda olhava direto para a frente.
- Vamos trocar de lugar?
Kane não olhou para nenhuma das mulheres.
- Para mim não faz diferença.
Houston sentiu o coração apertar. Leander queria Blair e Kane também a aceitaria. De repente, sentia-se tão inútil como uma quinta roda em uma carroça.
- Mas para mim faz - disse Leander, e os dois homens trocaram de lugar.
Atras deles, a assistência tinha começado com risadinhas durante a dis-cussão, mas quando Kane e Leander trocaram de lugar, eram risadas mesmo que se ouviam. Mesmo que tentassem disfarçar, não conseguiriam.
Houston arriscou um olhar para Kane e viu raiva nos olhos dele.
A cerimônia terminou rapidamente e, quando o reverendo Thomas disse para beijarem as noivas, Lee abraçou Blair com prazer. Mas o beijo de Kane foi frio e reservado. Ele não a olhava nos olhos.
- Posso falar com você no escritório, por favor? - pediu ela. - Sozinho?
Ele concordou com um leve aceno de cabeça e deixou-a como se não suportasse tocá-la.
Os quatro saíram logo da sala e, uma vez fora da biblioteca, as pessoas se chegaram. Kane e Houston foram logo separados, pois os convidados, uns após outros, forçavam o caminho para se aproximarem da noiva. Ninguém podia resistir à tentação de relembrar como Lee parecia nunca decidir qual gêmea queria.
Jean Taggert puxou Houston de lado:
- O que aconteceu?
- Penso que minha irmã achou que estava me fazendo um favor, dando-me Leander. Ela ia sacrificar-se, ficando com o homem que amo.
- Você disse a Blair que amava Kane? Que queria casar-se com ele?
- Não disse nem mesmo a Kane. De qualquer maneira, sentia que não acreditaria. Eu preferia mostrar a ele como vou me sentir durante os próximos cinqüenta anos. - Por mais que evitasse, surgiram lágrimas em seus olhos. - No altar, ele disse que não se importava de se casar comigo ou com minha irmã.
Jean agarrou o braço de Houston e afastou-a de um parente que se aproximava:
- Quem se casa com um Taggert tem que ser forte. Seu orgulho foi atingido, e ele é capaz de dizer ou fazer qualquer coisa, quando está ferido. Procure-o agora e diga-lhe o que sua irmã fez, ou diga-lhe que foi só uma falha no planejamento. Diga qualquer coisa, mas não o deixe ficar imaginando coisas, sozinho. Ele transformará tudo em uma montanha de ódio e, então, não haverá esperança de atingi-lo.
- Eu pedi-lhe que me encontrasse em seu escritório.
- Então, o que está fazendo aqui?
Começando a sorrir, Houston habilmente enrolou a longa cauda duas vezes em seu braço esquerdo e atravessou o vestíbulo para ir ao escritório de Kane.
Ele estava em frente a uma janela alta, olhando o povo do lado de fora, com um charuto apagado na boca. Não se virou quando ela entrou.
- Sinto muito sobre o engano no altar. Estou de certa que foi uma falha em meu planejamento.
- Você não queria casar-se com Westfield?
- Não! Foi tudo um engano, nada mais.
Ele deu um passo em direção à escrivaninha.
- Eu desisti de uma coisa hoje, porque não aceitava a idéia de humilhá-la. - Lançou-lhe um olhar frio. - Nunca pude suportar um mentiroso. - Atirou-lhe um pedaço de papel.
Houston curvou-se para pegá-lo. Era um bilhete, laboriosamente escrito, que dizia "Estarei usando rosas vermelhas em meu cabelo, hoje". O nome de Houston Chandler estava no final.
- Dane-se, senhora Chandler! Fui honesto com você, mas você... - Afastou-se dela. - Fique com o dinheiro. Fique com a casa. Você se esforçou bastante para isso. Não terá que levar-me junto. Talvez possa fazer com que Westfield acabe com essa virgindade da qual é tão zelosa. - Começou a dirigir-se para a porta.
- Kane - chamou, mas ele já tinha saído.
Sentou-se pesadamente em uma das cadeiras de carvalho da sala. Minutos mais tarde, Blair entrou na sala:
- Acho que devíamos ir para lá e cortar o bolo - disse com hesitação. - Você e Taggert...
Toda a raiva de Houston subiu à superfície, levantou-se da cadeira em direção à irmã com ódio nos olhos:
- Você nem ao menos consegue chamá-lo pelo nome, não é? - disse furiosamente. - Você pensa que ele não tem sentimentos; você dispensou-o e agora pensa que tem direito a fazer o que queria com ele.
- Houston, o que fiz foi por você. Queria vê-la feliz. - Blair recuou.
Houston fechou as mãos e aproximou-se de Blair, preparada para lutar:
- Feliz? Como posso ser feliz se nem ao menos sei onde está o meu marido? Graças a você, é possível que eu nunca saiba o significado de felicidade.
- A mim? O que foi que fiz, exceto tentar tudo ao meu alcance para ajudar você? Eu tentei ajudá-la a voltar ao seu juízo e ver que não tinha que se casar com aquele homem, pelo dinheiro. Kane Taggert...
- Você realmente não o conhece, não é? Você humilhou um homem orgulhoso, sensível, em frente de centenas de pessoas, e nem se dá conta do que fez.
- Presumo que esteja falando do que aconteceu no altar. Eu fiz por você, Houston. Sei que ama Leander, e iria ficar com Taggert só para fazer você feliz. Eu sinto tanto o que fiz para você. Nunca quis fazê-la infeliz. Sei que arruinei sua vida, mas tentei reparar o que havia feito.
- Eu, eu, eu. É tudo que você pode dizer. Você arruinou minha vida e tudo que consegue falar é sobre si mesma. Você sabe que amo Leander. Você sabe como Kane é um homem horrível. Durante a última semana, mesmo um pouco mais, passou todos os momentos em que estava acordada com Leander, e o modo como fala dele é como se ele fosse um deus. De cada duas palavras que diz, uma é "Leander". Acho que você estava certa esta manhã, queria me dar o melhor homem.
Houston inclinou-se para a frente.
- Leander pode deixar seu corpo em fogo, mas a mim nunca fez nada. Se não estivesse tão envolvida consigo mesma ultimamente, e pudesse achar que eu tenho juízo em meu cérebro, teria reparado que me apaixonei por um homem bom, generoso, atencioso. Vamos admitir que tenha as arestas um pouco ásperas, mas você sempre não se queixou de que minhas arestas eram arredondadas demais?
Blair sentou-se, e o olhar de surpresa em seu rosto era quase cômico:
- Você o ama? Você ama Kane Taggert? Mas eu não entendo. Você sempre amou Leander. Até onde posso me lembrar, você o amava.
Houston começou a acalmar-se quando percebeu que Blair fizera tudo por amor a ela, querendo que tivesse o melhor.
- E verdade, decidi que o queria quando tinha seis anos de idade. Penso que isso se tornou uma meta para mim, como subir uma montanha. Eu nunca soube o que faria com Leander depois de termos nos casado.
- Mas sabe o que fará com Taggert?
- Ah, sim. Sei muito bem o que vou fazer com ele. Vou fazer um lar para ele, um lugar onde estará a salvo, um lugar onde estarei a salvo, onde eu possa fazer o que eu quiser.
Para surpresa de Houston, Blair levantou-se da cadeira com um olhar de fúria no rosto:
- Suponho que não se preocupou em perder dois minutos para me contar isso, não é? Tenho estado no inferno nestas últimas semanas. Tenho me preocupado com você, passo dias inteiros chorando pelo que fiz para minha irmã e, agora, você me diz que está apaixonada por esse rei Midas.
- Não diga nada contra ele! - gritou Houston, mas logo tratou de acalmar-se. - Ele é o homem mais bondoso, mais gentil e muito generoso. E acontece que o amo muito.
- E eu tenho vivido na agonia por estar preocupada com você. Devia ter me contado!
Houston levou um momento para responder. Talvez tivesse notado a agonia de Blair nas últimas semanas, mas parte dela estava muito zangada para se preocupar. Talvez quisesse que sua irmã sofresse.
- Acho que estava tão ciumenta de seu casamento por amor que não queria pensar em você - disse docemente.
- Casamento por amor?! - gritou Blair. - Não posso negar que ele mexe comigo fisicamente, mas é tudo que quer de mim. Passamos dias juntos na sala de operações, mas sinto que há uma parte de Leander que não conheço. Ele realmente não deixa que eu me aproxime muito. Sei tão pouco sobre ele. Ele decidiu que me queria, portanto foi atrás de mim, usando todos os métodos ao seu alcance.
- Mas eu vejo a maneira como você olha para ele. Nunca me senti inclinada a olhá-lo desse jeito.
- É porque nunca o viu na sala de operações. Se você o visse lá, teria...
- Desmaiado, provavelmente - disse Houston. - Blair, sinto não ter contado a você. É quase certo que eu soubesse que estava sofrendo, mas o que aconteceu doeu. Eu era noiva de Leander, parecia que quase minha vida toda; no entanto, você chegou e tirou-o em uma única noite. E Lee sempre me chamava "sua princesa de gelo", e eu estava tão precupada por ser uma mulher fria!
- E não está mais preocupada com isso?
- Não com Kane - murmurou, pensando nas mãos dele em seu corpo. Não, ela não se sentia fria, quando ele estava perto.
- Você realmente o ama? - perguntou Blair, e parecia que amar Kane era a coisa mais impossível do mundo. - Você não se importa com comida voando por todo lado? Você não se importa com sua atitude com outras mulheres?
- Que outras mulheres? - Logo em seguida, viu que Blair estava hesitando em responder, e Houston teve que usar todo seu controle para acalmar-se. Se Blair pensava que ia mais uma vez decidir o que sua irmã devia ou não devia fazer... - Blair, é melhor me contar. - Prendeu a respiração.
Houston viu a irmã tentando decidir e avançou em sua direção:
- Se você está, ao menos, considerando a possibilidade de manobrar minha vida outra vez como fez no altar, nunca mais falarei com você. Sou adulta, você sabe alguma coisa sobre meu marido, e eu quero saber o quê.
- Eu o vi no jardim beijando Pamela Fenton pouco antes do casamento - disse ~Blair num fôlego só.
Houston sentiu-se um pouco fraca, mas então viu a verdade do fato. Era isso a que Kane se referira ao dizer que hoje tinha desistido de alguma coisa?
- Mas ele veio para mim, de qualquer maneira - murmurou. - Ele viu-a, beijou-a, mas casou-se comigo. - Nada poderia fazê-la mais feliz do que isso. - Blair, você hoje me fez a mulher mais feliz do mundo. Agora, tudo que tenho a fazer é descobrir meu marido, dizerlhe que o amo e esperar que me perdoe.
Um pensamento terrível surgia.
- Oh, Blair, você não o conhece mesmo. Ele é um homem tão bom, generoso de uma maneira natural, forte de um modo que faz com que as pessoas dependam dele, mas ele é... - Enterrou o rosto nas mãos. - Mas ele não agüenta vergonha de nenhuma espécie, e nós o humilhamos em frente à cidade inteira. Ele nunca me perdoará. Nunca!
Blair dirigiu-se para a porta:
- Irei a ele e explicarei que foi tudo minha culpa, que você não teve nada a ver com o aconteceido. Houston, eu não tinha idéia de que quisesse realmente casar-se com ele. Eu só não podia imaginar alguém querendo viver com uma pessoa como ele.
- Não creio que você ainda precise se preocupar com isso, porque ele acaba de deixar-me.
- Mas e os convidados? Ele não pode ir saindo.
- Deveria ficar e ouvir as pessoas rirem de como Leander não pode decidir qual das gêmeas quer? Ninguém pensará que Kane poderia ter feito sua escolha. Kane pensa que ainda estou apaixonada por Leander, você pensa que amo Lee, e o senhor Gates acha que me casei com Kane pelo seu dinheiro. Acredito que mamãe seja a única pessoa que vê que estou apaixonada pela primeira vez na minha vida.
- O que posso fazer para consertar tudo para você? - murmurou Blair.
- Não há nada que possa fazer. Ele se foi. Deixou-me dinheiro, a casa e foi-se embora. Mas para que quero esta casa enorme e vazia, se ele não estiver nela? - Sentou-se. - Blair, nem ao menos sei onde ele está. Ele pode estar em um trem, voltando para Nova York.
- É bem mais provável que tenha ido para a sua cabana.
Ambas as mulheres levantaram os olhos para ver Edan na porta.
- Não tive intenção de ouvir, mas quando vi o que aconteceu no casamento, sabia que estaria raivoso.
Houston enrolou a cauda de seu vestido de noiva em volta do braço.
- Irei a ele e explicarei o que aconteceu. Vou lhe dizer que minha irmã está tão apaixonada por Leander que pensa que eu também estou. - Virou-se e sorriu para Blair. - Não posso deixar de ficar magoada por você ter pensado que eu fosse baixa a ponto de me casar com um homem pelo seu dinheiro, mas agradeço o seu amor, que fez com que quisesse sacrificar o que tornou-se tão importante para você. - Rapidamente, beijou o rosto da irmã.
Blair segurou-a por um momento:
- Houston, eu não tinha idéia de que se sentisse dessa forma. Assim que a recepção terminar, ajudarei você com as malas e...
Houston afastou-a com uma pequena risada.
- Não, minha cara irmã controladora, estou deixando esta casa agora. Meu marido é mais importante para mim do que umas poucas centenas de convidados. Você vai ter que ficar aqui e responder a todas as perguntas sobre onde Kane e eu fomos.
- Mas, Houston, não sei nada sobre recepções desse tamanho.
Houston parou na porta, ao lado de Edan:
- Eu aprendi como, na minha educação "inútil" - disse sorrindo. - Blair, não é tão trágico assim. Anime-se, talvez haja um surto de envenamento por comida e você saberá como lidar com isso. Boa sorte - disse e saiu da porta, deixando Blair sozinha com o horror de ter que orientar a recepção de centenas de pessoas.
Fora do escritório, Edan pegou seu braço e levou-a ao quarto da des-pensa, ao lado da entrada norte. Ele sorria para ela.
- Tornou-se um hábito para você viver me espionando - disse de repente, afastando-se dele.
- Aprendi mais em duas semanas espionando você do que em toda a minha vida. Você falou sério quando disse que ama Kane?
- Você também pensa que sou uma mentirosa? Vou me vestir agora. É uma subida difícil até a cabana.
- Sabe onde é?
- Conheço as redondezas em geral.
- Houston, realmente você não pode subir correndo uma montanha atrás dele. Irei buscã-lo, explicarei o que houve e o trarei de volta.
- Não, ele agora é meu - pelo menos legalmente - e vou atrás dele sozinha.
- Eu fico imaginando se ele imagina a sorte que tem. O que posso fazer para ajudá-la? - Pôs a mão em seus sombros.
- Pode descobrir Sarah Oakley e pedir-lhe que vá lá em cima para ajudar-me a trocar de roupa? - Parou e olhou para Edan interrogativamente. - Pensando melhor, talvez possa encontrar Jean Taggert para mim. Ela é aquela moça especialmente bonita, com um vestido de seda violeta e chapéu.
- Ela é especialmente bonita? - perguntou rindo - Boa sorte, Houston.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

15

 

JEAN AJUDOU HOUSTON a se vestir em tempo recorde. Ela concordava plenamente com Houston sobre a necessidade de ir atrás de Kane. Quando Houston estava pronta, foram pela ala oeste até os cômodos da governanta e desceram a escada afastada. Escondido no meio de algumas árvores, Edan estava esperando com o cavalo com quatro sacolas de comida.
- Isto os manterá durante alguns dias. Está certa do que quer fazer? Se você se perder...
- Vivi em Chandler toda minha vida e conheço esta área. - Deu-lhe um olhar duro. - Eu não sou essa fofura toda que o povo pensa, lembra-se?
- Você colocou bolo do casamento aí dentro? - Jean perguntou a Edan.
- Na sua própria e atraente latinha - disse, de uma forma que fez com que Houston olhasse de um para o outro e começasse a sorrir.
- Você deve ir. Não se preocupe com nada. Pense só em seu marido e no quanto o ama - disse Jean, enquanto Houston montava.
Houston esgueirou-se da festa o mais secretamente que pôde, consi-derando que estava cercada por cerca de seiscentos convidados. As poucas pessoas que a viram ficaram tão surpresas que não conseguiram dizer nada. Ela cobriu o rosto com o véu do chapéu e esperava que isso confundisse algumas pessoas, mas não deu certo.
Ao atingir o extremo oeste do jardim, quase atropelou Rafe Taggert e Pamela Fenton, que andavam juntos. Ela não estava certa se fora por choque ou surpresa, mas as patas dianteiras do cavalo levantaram-se do chão.
- Sem dúvida você é a gêmea que casou-se com um Taggert, e agora está fugindo. - Rafe olhou-a com ar divertido.
Antes que pudesse falar, Pam respondeu:
- Se eu conheço Kane, seu orgulho foi ferido no altar e ele fugiu para algum lugar, para lamber suas feridas. Você, por um acaso, não está indo atrás dele, está?
Houston não estava certa de como deveria agir com essa mulher que fora amada por seu marido. Com toda a frieza que pôde reunir, seu queixo bem levantado, respondeu:
- Sim, estou.
- Muito bem! Ele precisa de uma esposa com sua coragem. Eu sempre insisti que ele viesse comigo. Espero que esteja preparada para a raiva dele. As vezes, é bastante assustadora. Desejo a você toda a sorte do mundo.
Houston ficara tão espantada com as palavras de Pam que não conseguiu responder. Estava dividida entre o sentimento de raiva de que alguém mais conhecesse seu marido, e a gratidão por Pam estar lhe dando um bom conselho. E, também, parecia que Pam tinha desistido de ter algum direito sobre Kane. Seria Kane que estava apaixonado, e Pam não o quisera?
- Obrigada - murmurou Houston e partiu, afastando-se deles.
Não encontrou mais ninguém e respirou aliviada quando passou os limites da cidade de Chandler e dirigiu-se para o campo.
A primeira parte da jornada era fácil, e ela teve tempo para refletir sobre o que deveria estar acontecendo na casa de Kane. Pobre Blair! Realmente quisera fazer o bem. Pensava que Houston queria Leander, e então estava pronta a fazer o supremo sacrifício de passar o resto de sua vida com um "vilão" como Kane Taggert. Talvez fosse isso que Kane sentira, que ele era o remédio que Blair tomaria, por ter prejudicado a vida de sua irmã Houston.
Claro, Kane não entendeu que nenhum dos convidados pensaria nada disso; para eles, seria um motivo para caçoarem. Eles arreliariam Leander por conhecê-lo desde que era criança. Se Kane tivesse ficado e rido, tudo seria esquecido - mas Kane ainda não dominava a arte de ser capaz de rir de si mesmo.
Cavalgou até o pé da montanha, o mais rápido que foi possível, e começou a subir a trilha que ela e Kane tinham percorrido antes. Ao atingir o local onde tinham feito o piquenique, desmontou e tomou um pouco de água. Acima dela, havia o que parecia ser um intransponível trecho da montanha. Mas Kane dissera que sua cabana era lá em cima e, se ele estava lá agora, ela iria encontrá-lo.
Tirou a jaqueta, amarrou-a no cavalo, e tentava ver um caminho através dos arbustos e pinheiros. Só depois de andar um bom tempo por ali, observando a montanha de diversos ângulos, é que viu o que poderia ser uma espécie de trilha. Ia direto para a montanha, por uma plataforma rochosa que desaparecia em meio às árvores.
Por um momento, Houston ficou pensando o que ela estava fazendo naquele lugar, no dia de seu casamento. Naquela hora, ela devia estar usando um vestido de cetim e dançando com seu marido. Esse pensamento a trouxe de volta para o presente. Seu marido estava no alto daquela montanha. Quer dizer, talvez estivesse. Edan poderia estar enganado, e Kane podia estar em um trem, a caminho da África.
Após ter dado água ao cavalo, prendeu o chapéu na cabeça para proteger-se do sol, e tornou a montar.
A subida era pior do que parecia. Às vezes, a trilha se estreitava de tal forma que os galhos das árvores arranhavam suas pernas, e tinha dificuldade em forçar o cavalo a andar pelo caminho sinuoso. As plantas que cresciam nas rochas não eram Gpmo as macias e cuidadas plantas da cidade. Essas árvores tinham que lutar pela vida diariamente e recusavam a curvar-se ou dar passagem a um mero ser humano.
Um cacto prendeu o lado de sua saia-calça e rasgou-a, deixando muitos espinhos longos no tecido. Houston parou para retirá-los. Tanto trabalho para estar com sua melhor aparência quando chegasse, pensou, enquanto empurrava o cabelo para dentro do chapéu.
Num certo ponto, a trilha virava bruscamente à direita, e o céu ficou escondido pelas árvores e formações rochosas. À sua volta, havia cogumelos de formas bizarras e cores irreais. Alguns eram pequenos e amarelos, outros tão grandes como seu pé, e de um vermelho brilhante. Grandes manchas de um cogumelo com aspecto de grama, de uns doze centímetfos de altura, mantinham-se de pé, no solo da floresta.
Com a subida, o ar tornava-se rarefeito, e a área à sua volta adquiria cada vez mais o aspecto de uma floresta de zona chuvosa e não da região semi-árida quê cercava Chandler. Por duas vezes, teve que parar para procurar a trilha. Seguiu um caminho por mais ou menos um quilômetro e meio, só para descobrir que terminava repentinamente em uma espécie de caverna rochosa, de chão arenoso, com uma janela natural no alto. Havia uma sensação estranha no lugar: meio assustadora, meio solene.
Fez o cavalo voltar das rochas para o caminho, onde outra vez tentou cavalgar.
Uma hora mais tarde, teve o primeiro sinal de boa sorte: encontrou um pedaço de roupa de casamento de Kane, preso em uma ponta aguda de pedra. Seu alívio por ter encontrado a prova de que na verdade ele estava no alto da trilha foi enorme. Com espírito renovado, forçou o cavalo relutante a subir.
Ela poderia ter continuado muito bem, exceto pelo fato que começou a chover. A água fria que caía do céu se unia àquela juntada nas rochas acima e descia sobre ela, tornando impossível a visibilidade. Ela tentava, ao mesmo tempo, manter a cabeça baixa e os olhos na trilha, quase imperceptível à sua frente.
Os relâmpagos começaram a assustar o cavalo que dançou no caminho escorregadio. Depois de lutar com a chuva e o cavalo, ela desmontou e conduziu o animal, concentrando-se em achar o caminho através do dilúvio.
Em um certo ponto, a trilha corria ao longo de uma estreita saliência de uma rocha íngreme. A cada passo que dava, Houston parava para agradar o cavalo.
- Se não estivesse carregando a comida, eu o deixaria ir - falou aborrecida.
Já na extremidade da saliência do penhasco, um relâmpago iluminou a escuridão e ela viu a cabana. Por um momento, ficou totalmente imóvel, olhando através da chuva que lhe escorria pelo rosto. Tinha começado a duvidar da existência da cabana. E agora, o que faria? Iria até a porta, bateria e, quando Kane atendesse, diria a ele que tinha passado para lhe deixar seu cartão de visita?
Já tinha quase decidido voltar, quando tudo virou um inferno. O idiota do cavalo, que ela praticamente empurrava montanha acima, relinchou, foi respondido por outro cavalo, e resolveu correr em direção à cabana. Não se importou que Houston estivesse em seu caminho. Ela gritou quando caiu na lama e começou a rolar pelo lado da montanha, mas o barulho de um tiro disparado em sua direção abafou sua voz.
- Dê o fora daqui, se quiser manter a pele - gritou Kane na chuva.
Houston estava pendurada na beira do declive, agarrada às raízes de um pinheirinho e tentando encontrar apoio para seus pés soltos. Estaria ele tão enraivecido a ponto de atirar nela?
Agora não era hora para fazer perguntas. Ou ela deixava-se escorregar para a morte, ou enfrentava o humor de Kane.
- Kane! - gritou, sentindo os braços escorregarem. Quase imediatamente, o rosto dele apareceu sobre o beiral:
- Meu Deus! - falou incrédulo, enquanto estendia sua mão para agarrar o pulso dela.
Com bastante facilidade, puxou-a para o alto. Colocou-a no chão e afastou-se. Parecia não acreditar que ela estivesse lá.
- Vim para vê-lo - disse Houston com um sorriso molhado e sem jeito, e cambaleando um pouco.
- É bom tê-la aqui. - Sorriu, mostrando os dentes. - Não tenho muita companhia aqui em cima.
- Talvez seja a sua maneira de receber - respondeu ela, acenando com o cabeça para a espingarda na mão dele.
- Quer entrar? Tenho fogo lá dentro. - Sua voz estava bastante intrigada.
- Gostaria muito - disse, e então gritou e pulou em direção a ele, pois acima dela um galho de árvore estalara bem alto.
Ela estava parada, bem perto dele, e ele olhou-a de uma forma in-terrogativa. E agora ou nunca, pensou Houston, e não tinha sentido ficar envergonhada ou tímida:
- Você disse que estaria lá para o casamento, se eu me apresentasse para a noite de núpcias. Você cumpriu sua parte da barganha, portanto estou aqui para a minha.
Com a respiração suspensa, ela o observava.
Diversas emoções passaram pelo rosto de Kane, antes que atirasse a cabeça para trás e risse, tão alto que podia ser ouvido apesar da chuva e dos trovões. No momento seguinte, levantou-a em seus braços e levoua para a cabana. Na entrada, parou e beijou-a. Houston agarrou-se a ele e soube que a árdua subida valera a pena.
Dentro da pequena cabana, de um cômodo só, havia uma lareira de pedra que tomava uma parede toda, e um fogo agradável, acolhedor, brilhava nela.
- Não tenho roupas secas aqui, portanto tem que se arranjar com isto. - Entregou-lhe um cobertor. - Tire suas coisas. Vou procurar seu cavalo e prendê-lo.
- Há comida nas sacolas - avisou-o.
Sozinha, Houston começou a despir-se, tirando as roupas molhadas de seu corpo frio e úmido. Não conseguia parar de olhar para a porta, a todo minuto.
- Covarde! - disse para si mesma. - Você se ofereceu a este homem e agora tem que enfrentar as conseqüências.
Quando Kane voltou, Houston estava enrolada no tosco cobertor de lã, só com o rosto aparecendo. Depois de um rápido sorriso, Kane pôs a comida no chão.
O único móvel na sala era uma cama grande de pinho, coberta com um estranho sortimento de cobertores que não pareciam muito limpos. Encostada em uma parede havia uma montanha de comida enlatada, a maioria pêssegos, como os que encontrara na cozinha da casa.
- Estou satisfeito que tenha trazido comida. Acho que saí com tanta pressa que não peguei nada. Pode ser que Edan não acredite, mas até eu me canso de pêssegos, depois de algumas latas.
- Edan empacotou a comida, e sua prima, Jean, fez com que ele pusesse também um pedaço de bolo do casamento.
- Ah, sim, o casamento. Acho que arruinei o seu dia, e as mulheres gostam tanto de casamentos... - Começou a desabotoar a camisa.
- Muitas mulheres têm casamentos como o que planejei, mas poucas têm um dia como este.
Ao puxar a camisa molhada para fora das calças, ele sorriu para ela.
- Sua irmã encenou tudo sozinha, não foi? Você não teve nada com aquilo, não é? Cheguei a essa conclusão, depois que vim para cá.
- Não, não tive. Mas Blair não fez por mal. Ela me ama e pensou que eu quisesse Leander, portanto tentou dá-lo para mim. - Enquanto Kane começava a tirar as calças, Houston olhava para o fogo. Esta era sua noite de núpcias, pensou, e seu corpo esquentou consideravelmente.
- Pensou? - perguntou Kane, e, como ela não respondesse, insistiu. - Você disse que ela pensou que você queria Westfield. Ela não pensa mais?
- Não depois do que lhe disse - murmurou Houston, olhando para o fogo. Atrás podia ouvi-lo esfregar-se com uma toalha, e estava muito tentada a olhar. Seria ele tão bem-feito de corpo como o homem que contratara para o encontro da Irmandade?
Com um movimento rápido, Kane ajoelhou-se na frente dela.
Ele usava só a toalha em volta dos quadris, parecendo um deus grego da Antiguidade. Os músculos desenvolvidos e lisos, debaixo da pele profundamente bronzeada, eram na verdade melhores que os do homem que contratara.
O que Kane ia dizer foi esquecido, quando olhou para ela. Sua respiração parou na garganta.
- Uma vez você olhou para mim desse jeito - murmurou. - E naquela vez você atingiu-me com um jarro de água quando a toquei. Agora está planejando alguma coisa parecida?
Houston só olhou para ele e deixou o cobertor escorregar de sua cabeça, depois pelo pescoço e pelos ombros, deixando-o preso acima dos seios.
- Não - foi tudo que conseguiu dizer.
O calor do fogo era quente em sua pele, mas não se comparava com a sensação da mão de Kane em seu rosto. Os dedos dele enrolavam-se nos cabelos molhados que lhe caíam pelas costas. Seu polegar percorria seu lábio inferior, enquanto a observava.
- Vi você vestida muitas vezes, mas nunca esteve tão bonita como agora. Estou contente que tenha vindo até aqui. É em um lugar como este que as pessoas deviam fazer amor.
Houston manteve os olhos nos dele, quando sua mão descia pelo pescoço e para seu ombro. Quando ele começou a remover o cobertor de seus seios, ela prendeu a respiração, e percebeu que estava rezando para que agradasse a ele.
Muito gentilmente, como se ela fosse uma criança, passou um braço pelos seus ombros e deitou-a no chão da cabana. Ela ficou tensa e pensava: é agora.
Kane abriu o cobertor para que seu corpo nu ficasse inteiramente exposto para ele.
Houston aguardava o veredicto.
- Raios - disse, em voz baixa. - Não é de admirar que Westfield tenha feito papel de tolo, com um corpo como este. Descobri que os vestidos cheios de curvas que vocês senhoras usam, geralmente, são cheios com algodão.
Houston teve que rir.
- Te agrado?
- Me agrada? - disse estendendo a mão. - Olhe para isto. Está tremendo tanto que não consigo mantê-la parada. - Pôs a mão na pele macia de seu estômago. - Não vai ser fácil para mim esperar, mas qualquer dama que sobe todo esse caminho para passar a noite comigo merece o melhor. Nada de derrubadas rápidas no chão. Fique sentada aí que vou preparar alguma coisa para bebermos. Gosta de pêssegos? Não! - disse quando Houston começou a puxar o cobertor para cobrirse. - Deixe isso no chão. Se ficar com muito frio, pode acomodar-se em meu colo e eu a aquecerei.
Crescer na casa de Duncan Gates não tinha dado muita oportunidade a Houston de aprender a gostar do sabor de bebidas. Mas Kane pegou uma lata de pêssegos, tirou a calda, amassou-os até obter uma massa e misturou-a com uma generosa quantidade de rum.
- Não é um copo elegante, mas funciona. - Entregou-lhe a mistura na lata.
Houston tomou um pequeno gole. Sentia-se bastante embaraçada por não estar usando absolutamente nada e estar sentada em frente de um homem. Mas, quando terminou a bebida, que de forma alguma tinha o gosto dos poucos goles que já bebera antes, sentia que estar sem nenhuma roupa era a coisa mais normal do mundo.
- Melhor? - perguntou e entregou-lhe outra bebida, sentando-se na frente dela.
- Muito.
Ela estava só na metade da segunda lata de bebida, quando Kane retirou-a.
- Não quero você bêbada, só relaxada.
Ele colocou os braços em volta dela e puxou-a para junto de si. A bebida fez Houston sentir-se menos inibida, como nunca estivera em sua vida. Seus braços juntaram-se em volta do pescoço de Kane e ela colou os lábios aos dele.
- O que disse para sua irmã sobre você e Westfield?
- Que Lee pode deixar o corpo dela em fogo, mas a mim não faz absolutamente nada.
- Não é um bom sedutor?
- O pior - disse, e os lábios dele desceram sobre os seus.
As mãos dele percorriam seu corpo, enquanto a beijava, tocando sua pele e fazendo o fogo percorrê-la. Uma pequena parte de seu cérebro estava consciente de que Kane escondia alguma coisa de si mesmo, que ele estava mais reservado do que ela, mas não quis dar atenção.
As mãos dele continuavam a acariciá-la, e Houston moveu-se para mais perto, estirando seu corpo para que ele tivesse acesso mais livre. Ele beijou-lhe o rosto, o pescoço, os seios. Quando tomou o bico rosado em sua boca, ela arcou-se contra ele, que usou as mãos para acariciar a cintura e os quadris.
- Mais devagar, amor - murmurou ele. - Nós temos a noite toda.
Todas as sensações eram novas para Houston. Sempre quando Lee a tocava, sentia-se retraída e queria mais afastá-lo do que explorar e descobrir tudo de uma vez. Quando Kane a tocava, sentia-se cada vez mais encantada, e todos os medos que Lee instilara nela rapidamente desapareciam.
As mãos dela começaram a explorar a pele dele, para sentir-lhe o calor. A luz das chamas fazia com que sua carne brilhasse e Houston queria tocá-lo inteiro.
Kane puxou-a para mais perto dele, e deitou-se com ela nos braços. Tirou a toalha da cintura e Houston moveu seus quadris para mais perto dos dele, um pouco receosa de sentir seu membro viril intumescido.
Kane começou a perder o controle. Sua respiração, na orelha dela, era forte e rápida, e seus beijos gentis tornaram-se quentes e exigentes. Houston juntou a vontade dele com a sua própria.
- Houston, minha doce, doce Houston - disse ao deitá-la no chão forrado com o cobertor e pondo-se em cima dela.
Impulsivamente, ela apertou o corpo dele contra o seu. Quando ele a penetrou, perdeu o fôlego e lágrimas de dor vieram em seus olhos. Kane levantou-se e olhou-a, mantendo-se afastado até ver, pela expressão do rosto dela, que a dor estava cedendo. Deu-lhe pequenos beijos no pescoço, passando a língua por sua orelha, até que ela moveu o rosto e procurou sua boca.
Lentamente, Kane começou a mover-se dentro dela, e, após os primeiros movimentos dolorosos, Houston começou a arcar-se em direção a ele, em desajeitados movimentos circulares. Kane segurou seus quadris e começou a guiá-la, lenta, cuidadosa e graciosamente.
Houston jogou a cabeça para trás e deixou que todos seus pensamentos ficassem com as novas e deliciosas sensações que Kane despertava em seu corpo.
Ela começou a mover-se em um ritmo tão antigo como o próprio tempo e, dentro dela, sentia todas as emoções contidas, finalmente sendo libertadas. Sua respiração tornou-se mais rápida e mais forte e ela sentiu que caminhava para uma explosão. Kane moveu-se mais depressa e ela se movia com ele. Sua paixão subia mais alto, mais alto, até que pensou que ia explodir.
E, quando explodiu, estava certa de que poderia morrer com a experiência.
- Kane - murmurou. - Oh, meu querido, querido Kane.
Ele afastou-se para fitá-la, e seu rosto tinha uma expressão diferente, que ela não podia entender.
- Não lhe agradei? - perguntou, e seu corpo começou a ficar tenso outra vez. - Também pensa que sou frígida?
Ele colocou a mão ao lado de sua cabeça e beijou-a com delicadeza.
- Não, querida, a última coisa que pensaria e que seja frígida. Não estou certo de que conheço alguma coisa sobre você, exceto que é a mulher mais bonita que já vi e que faz coisas incríveis, como subir toda a encosta de uma montanha só para passar a noite comigo. E, então, a minha pequena e empertigada esposa-dama mostra ser uma pequena quente... Talvez não devamos falar sobre isso.
- Vou lá fora na chuva para lavar este sangue e, quando voltar, vamos comer. Preciso de muita força se vou fazer amor com você a noite toda. - Beijou-lhe a testa.
Houston espreguiçou-se, a pele clara pareceu ser amarelo-dourada, pelo reflexo das chamas.
Enquanto a observava, um pensamento estranho lhe ocorreu: não queria ficar sozinho nem mesmo pelo tempo que levaria para ir lá fora.
- Venha comigo - disse, e havia um apelo em sua voz.
- Para qualquer lugar - respondeu Houston.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


16

 

HOUSTON SAIU na chuva com o marido e nem reparou no frio. Sua mente estava ocupada com a descoberta de que não era frígida. Talvez o problema fosse Leander, talvez ela estivesse sempre muito perto dele, ou se sentisse mais como irmã. Qualquer que fosse a razão, agora não tinha mais medo de que faltasse alguma coisa dentro dela.
Kane a abraçou.
- Você parece sonhadora. - A chuva escorria pela sua face. - Digame o que está pensando, o que pensa uma dama depois que o cavalariço local fez amor com ela.
Houston afastou-se e levantou os braços para o céu. Num impulso, começou a dançar lentamente, como se estivesse usando o vestido de noiva de cetim, levantando sua saia e movendo-se com graça.
- Esta dama sente-se ótima. Esta dama não se sente, de maneira alguma, uma dama.
- Não está se lamentando de sua noite de núpcias não ter sido em uma cama com lençóis de cetim? Você não desejaria que algum outro homem... - Pegou seu pulso.
- Esta é a noite mais feliz de minha vida, e eu não quero estar em nenhum outro lugar, ou com outra pessoa. Uma cabana nos bosques com o homem que amo. Nenhuma mulher no mundo poderia pedir mais do que isso.
Ele a observava com uma estranha intensidade, uma leve ruga no rosto.
- Melhor entrarmos antes que morramos gelados.
Calmamente, começou a voltar para a cabana com Houston a seu lado, mas, de repente, voltou-se e agarrou-a, suas peles frias e molhadas colando-se ao beijá-la.
Houston sentia-se derreter, encostada nele, deixando-o sentir toda sua alegria e felicidade.
Com um sorriso, levantou-a e carregou-a nos braços até a cabana. Uma vez dentro, apanhou um cobertor, enrolou-a nele e começou a esfregar seu corpo frio.
- Houston, você não é igual a nenhuma dama que já encontrei. Eu pensei que tivesse uma idéia bem clara do que o casamento com uma das princesas Chandler pudesse ser, mas você desmentiu minhas idéias.
Ela virou-se em seus braços, o corpo nu enrolado no cobertor, a pele dele exposta brilhando na luz das chamas.
- Sou diferente em que sentido? Sei que queria uma dama; não estou sendo uma?
Ele demorou para responder, como se pesasse o que deveria dizer.
- Digamos que estou aprendendo muito. Aposto que a esposa de Gould nunca seguiu-o até uma montanha. - Começou a beijarlhe o pescoço, mas parou de repente. - Seria muito esperar que você saiba cozinhar?
- Conheço os rudimentos, o suficiente para orientar uma cozinheira, mas não sei preparar uma refeição partindo do nada. Você não gosta da senhora Murchison?
- Fico feliz em dizer que no momento ela não está aqui. O que quero saber é se você pode fazer alguma coisa para comermos com aquelas sacolas de comida.
Ela sacudiu os braços para fora do cobertor e colocou-os em volta do pescoço dele.
- Claro que posso dar um jeito. Não quero que esta noite se acabe. Estava com tanto medo que ficasse zangado comigo por ter vindo sem ser convidada... Mas estou contente de estarmos aqui e não em Chandler. Assim é tão mais romântico!
- Romântico ou não, se não comermos logo, vou murchar tanto que vou me acabar.
- Não podemos deixar que esta catástrofe aconteça - disse logo Houston, e, mais do que depressa, saiu de debaixo dele.
Por um momento, Kane pensou que sua noiva tivesse dito uma piada indecente, mas afastou a idéia como impossível.
Com o cobertor frouxamente em volta do corpo, preso em um ombro, Houston pegou as sacolas que Kane lhe entregara e começou a abri-Ias. Mais uma vez, ele enrolou a toalha em seus quadris e ajeitou a lenha no fogo. Ela logo viu que quem empacotara as comidas tinha feito um excelente serviço. Retirou latas fechadas, caixas de porcelana amarradas e pacotes envoltos em guardanapos. Da segunda sacola caiu um bilhete.

Minha querida filha.
Desejo a você toda a felicidade do mundo em seu casamento, e acho que está perfeitamente certa em seguir seu marido. Quando voltar, não se surpreenda ao ouvir que Kane raptou-a.
Com muito amor,
Opal Chandler Gates.


Kane levantou o olhar da lareira e viu Houston com lágrimas nos olhos, enquanto amassava o bilhete.
- Alguma coisa errada?
Ela entregou-lhe o bilhete.
- O que significa isto, que eu raptei você? Houston começou a desembrulhar a comida:
- Significa que, quando voltarmos a Chandler, sua reputação de homem mais romântico da cidade terá aumentado.
- Minha o quê?
- Sim - falou desembrulhando um pacote de rolinhos vienenses. - Começou quando você me carregou da festa da casa dos Mankin e foi aumentada mais tarde, quando o povo começou a repetir a história de como você pôs para correr os vaqueiros que me abordaram na cidade-. E também houve o jantar romântico que ofereceu em sua casa com almofadas e velas.
- Mas é que eu não tinha nenhuma cadeira, e tinha jogado comida em você. E o que esperavam, que eu assistisse aqueles vaqueiros mexerem com você?
Houston abriu uma lata que continha sopa cremosa de lagosta.
- Qualquer que seja o motivo, o resultado é o mesmo. Quando voltarmos, espero que as adolescentes olhem para você e comentem entre si que esperam se casar com um homem capaz de raptá-las para uma solitária cabana nas montanhas.
Por um momento, Kane não falou nada, mas depois sorriu com malícia e sentou-se perto dela.
- Então, sou romântico? - Beijou-a no pescoço. - Não creio que alguém veja que é a dama com quem me casei que está evitando que eu pareça um tolo em frente de todos. O que é esse negócio cinzento?
- Patê de foie grãs - respondeu, espalhando um pouco em uma bolacha, com a pequena faca de cabo de madrepérola que Opal mandara junto. Ela mesma a colocou em sua boca.
- Nada mau. O que mais tem aí?
Havia um pedaço de queijo, uma alcachofra que Kane achou que era perda de tempo comer, tomates, croquetes de galinha, presunto, filés com molho de cebola e galinha frita.
Quando viu a galinha, Houston riu. Não estava no menu que organizara para o casamento. Sem dúvida, a sra. Murchison a preparara especialmente para o seu querido sr. Taggert. Houston ficou pensando quantas pessoas teriam se envolvido na arrumação da comida, para sua fuga "secreta".
- O que é que vem a ser isso? - perguntou Kane.
- Achei que o casamento seria uma boa ocasião para introduzir algumas comidas estrangeiras em Chandler. Isso aí é uma massa salgada alemã, e também foram servidas algumas massas italianas, mas não creio que mandaram para nós.
Houston falava e abria mais pacotes de comida: uma sacola de tecido cheia de frutas, uma lata de salada Waldorf, uma grande caixa redonda cheia de pedaços de diversas tortas, pão de gengibre, um saco de doce de amendoim. Havia pães, uma caixa de carnes fatiadas, queijos e cebola, um vidro de azeitona, outro de mostarda.
- Não acredito que morramos de fome. Ah, está aqui. - Mostrou para Kane o que havia dentro de uma caixa de metal: um grande pedaço de bolo do casamento.
Ele pegou a pequena faca, cortou um pedaço do bolo e fez com que ela comesse em seus dedos. Houston segurou a mão dele e lambeu até o último farelo. Ele pôs a mão no rosto dela e beijou-a demoradamente.
- Alguém pode morrer de fome com você por perto. Por que não me alimenta antes de me seduzir outra vez?
- Eu! - espantou-se ela. - Foi você quem...
- Sim? - disse, pegando um pedaço de galinha frita. - O que foi que fiz?
- Talvez eu não deva prosseguir nessa linha de pensamento. Quer me passar aquela lata de sopa?
- Encontrou o meu presente de casamento para você? Naquele bauzinho de couro?
- Aquele na sala de estar? Não tive tempo para olhá-lo. O que há nele?
- Isso não estragaria a surpresa?
Houston continuou comendo por um momento.
- Acho que presentes de casamento devem ser dados no dia do ca-samento. E uma vez que estamos aqui, e o bauzinho está lá, gostaria de outro presente.
- Você ainda nem viu o que há dentro do baú e, além disso, como posso comprar alguma coisa aqui em cima?
- Algumas vezes, os presentes mais preciosos não são comprados em lojas. O que quero é alguma coisa pessoal, alguma coisa muito especial. O rosto de Kane mostrava que não tinha idéia do que ela estava falando.
- Quero que compartilhe comigo um segredo sobre você.
- Já lhe contei tudo sobre mim. Você quer saber onde eu escondo dinheiro, em caso de alguns de meus investimentos fracassarem?
Delicamente, cortou para si um pedaço de Camembert.
- Estava pensando alguma coisa mais na linha de seu pai, ou sua mãe, ou talvez sobre seu ódio pelos Fenton, ou ainda sobre o que você e Pam conversaram no jardim nesta manhã.
Por um momento, Kane ficou muito espantado para conseguir falar.
- Você não pede muito, não? Quer mais alguma coisa, talvez a minha cabeça em uma bandeja? Por que quer saber coisas como essas?
- Por estarmos casados.
- Não comece a usar o seu jeito de dama. Uma porção de pessoas casadas é como sua mãe e aquele velho sóbrio com quem casou. Ela o chama de senhor Gates com respeito, como você costumava fazer comigo. Aposto como sua mãe nunca fez esse tipo de pergunta a Gates.
- Bem, então talvez eu só seja terrivelmente curiosa. Afinal, foi minha curiosidade que me fez querer ver sua casa, e isso nos trouxe aqui, e... - deixou a voz arrastar-se, e o cobertor escorregou mais um pouco.
Kane olhava o cobertor escorregando, com ar divertido.
- Você logo pega as coisas. Tudo bem, acho melhor lhe contar algumas coisas porque Pam disse que, em poucos dias, a cidade toda saberá.
Fez uma pausa, olhando para a comida.
- Você não vai gostar muito, mas não há nada que eu possa fazer para mudar. Lembra-se que lhe contei que Fenton me pôs para fora de suas terras quando eu era garoto, porque eu andava às voltas com sua filha?
- Sim.
- Eu sempre pensei que alguém tivesse nos descoberto e contado ao Fenton, mas hoje Pam disse que foi ela quem contou a ele. - Respirou fundo, olhou-a com ar de desafio e continuou. - Pam contou ao seu pai que estava esperando meu filho e queria casar-se comigo. Fenton, sendo o bastardo que é, mandou-a embora para casar-se com um velho que lhe devia dinheiro, e disse-me que Pam nunca mais queria me ver.
- É essa a razão de seu ódio pelo senhor Fenton?
- Não, não é. - Ele olhou-a nos olhos. - Só soube disso hoje. O motivo de contar toda essa história é que Pam voltou para Chandler para morar, e trouxe com ela o filho de treze anos, que acontece ser também meu filho. E, segundo Pam, ele se parece comigo o suficiente para fazer com que algumas línguas comecem a tagarelar.
Houston esperou um tempo para responder.
- Se todos vão logo saber disso, não é realmente um segredo, é? - Mas para mim era um maldito de um segredo, até poucas horas atrás - disse com alguma raiva na voz. - Eu não sabia que tinha um filho, em algum lugar.
Quando queria, a teimosia de Houston combinava com a dele.
- Eu pedi um segredo de verdade, não alguma coisa que todos saberão na próxima semana e discutirão na hora do chá. Quero saber alguma coisa sobre você que só você saiba, alguma coisa que nem o Edan saiba.
- Mas por que quer saber coisas de mim? Por que não se limita a arrumar os móveis e dormir comigo?
- Porque comecei a amá-lo e quero saber sobre você.
- As mulheres estão sempre dizendo que amam. Duas semanas atrás, você estava apaixonada por Westfield. Danem-se! Muito bem, vou lhe contar uma coisa que não é de sua conta, mas que provavelmente gostará de ouvir. Esta manhã, Pam me procurou e disse-me que continuou apaixonada por mim durante todos esses anos, e queria que partisse com ela, mas eu a rejeitei.
- Por mim? - murmurou Houston.
- Não foi com você que me casei? Sem agradecimentos àquela sua irmã idiota, devo acrescentar.
- Aconteceu alguma coisa entre você e Blair para que fiquem rosnando um para o outro?
- Um segredo para cada dia de casamento. Se quiser outro segredo, tem que trabalhar por ele. E a melhor maneira para trabalhar é tirar esta comida da cama, deixar de lado esse cobertor e vir esfregar-se em mim.
- Não estou certa de poder agüentar tal tortura - disse, removendo freneticamente a comida e arrancando o cobertor.
- Gosto de mulheres obedientes - disse ele, abrindo os braços para ela.
- Fui treinada para ser a mais obediente das mulheres - murmurou levantando os lábios para ser beijada.
- Que eu me lembre, você ainda não me obedeceu nem uma vez... exceto talvez aqui nesta cabana. Puxa, Houston, nunca pensei que vo cê fosse assim. Talvez seja mais parecida com sua irmã do que pensei.
- Você também pensou que eu fosse uma princesa de gelo? - ela afastou-se.
- Doçura, o que acontece quando você põe calor no gelo? - Puxoua de volta, com um sorriso.
- Vira água?
- Ferve. - Moveu a mão até as nádegas firmes e puxou-a para o meio de suas pernas, cobrindo o corpo dela com o seu.
Houston adorou a sensação de estar junto dele, de sentir aquela pele contra a sua. Ela sabia que a noite de núpcias costuma ser muito dolorosa, mas até agora só tivera prazer e alegria. Talvez fosse Kane, e o fato de sentir aprovação por parte dele, em vez das críticas que sempre recebia dos outros homens de sua vida, mas a verdade é que agora sentia-se livre para reagir da maneira que realmente sentisse.
Kane começou a acariciar seu corpo, as pernas, as costas. O toque dele a fazia sentir-se linda, de uma forma como nunca um cumprimento ou vestido conseguira. Fechou os olhos e deixou-se levar pelas agradáveis sensações da sala escura, o calor do fogo, e as mãos grandes, largas, fortes desse homem, subindo e descendo pelo seu corpo, cobrindo regiões que nem sabia que tinha até esta noite. Ele acariciou seus cabelos, espalhando-os no travesseiro, correndo os dedos pelos seus lábios.
Quando abriu os olhos, viu uma suavidade em seu rosto que nunca vira antes. Seus olhos estavam brilhantes.
- Kane - murmurou.
- Estou aqui, meu bem, e não vou embora. - Recomeçou a tocá-la.
Ela fechou novamente os olhos, e as mãos dele tornaram-se mais in-sistentes quando apertou seus quadris, enterrando os dedos em sua carne macia. Sua respiração ficou mais rápida e ele moveu-se para pôr uma de suas coxas grandes e duras atravessada sobre as dela. As mãos dele estavam em seus seios e sua boca procurou a dela, que abriu-se para ele como uma flor para uma abelha.
Apertando-a contra si, a boca colada à dele, colocou as mãos em suas nádegas e puxou-a para si.
Houston ficou sem ar no primeiro golpe, mas não houve dor quando começou a mover-se com ele. Ele a puxou para mais perto, mais perto, até que suas peles ficaram como a de uma só pessoa, fundidas neste ato de amor.
Instintivamente, Houston enlaçou suas pernas na cintura dele e agarrou-se em seu pescoço quando ele levantou-a da cama, suportando o peso dela com seus braços.
Ele apoiou-a contra a tosca parede da caberia e aumentou a paixão de seus movimentos, enquanto Houston jogava a cabeça para trás e demonstrava seu prazer com exclamações. E, quando veio o golpe final, forte, impetuoso, Houston gritou.
Por um momento, Kane manteve-a suspensa e ela agarrou-se louca-mente a ele. Após longos minutos, relaxou e fez com que ambos se deitassem, mantendo-a tão junto que ela mal conseguia respirar.
- Você gritou - murmurou. - Quem imaginaria que uma dama poderia gritar?
Houston estava muito cansada para responder, antes de adormecer em seus braços.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


17

 

QUANDO KANE ACORDOU, já era dia claro. Depois de ficar sorrindo muito tempo para o corpo nu de Houston, aninhado junto ao seu, acariciou-lhe o traseiro descoberto.
- Hora de levantar e preparar o café.
- Toque o sino que está na mesa e a empregada virá - murmurou ela, aconchegando mais ainda o rosto no peito quente dele.
Com uma sobrancelha levantada, olhou para ela.
- Oh, bom dia, senhor Gates. Bom dia, senhor Leander. Prazer em vê-los.
Houston reagiu, na hora, sentando-se na cama, agarrando o lençol e enrolando-se nele.
Levou somente alguns segundos para perceber que Kane estava arreliando-a.
- Que brincadeira terrível! - acusou, mas Kane começara a rir, ao vê-Ia cobrir-se com pudor. Ela fez o que pôde para não rir com ele, mas foi impossível.
- Creio que não tenho mais que me preocupar com Westfield - disse ao sair da cama e começar a revistar a comida que fora mandada para eles.
Houston, deitada outra vez, observava-o com grande interesse. Seu corpo era, na verdade, melhor do que o do homem que convidara para a reunião da Irmandade: músculos fortes, ombros largos, afinando para terminar em um quadril estreito, em cima de coxas pesadas - coxas que podiam roçar nas suas e fazer seu corpo cantar.
Casualmente, Kane virou-se para olhá-la, mas, quando viu sua ex-pressão, deixou a comida que estava segurando, levantou-se e estendeulhe a mão, puxando-a para fora da cama e trazendo-a para perto.
- Não tinha planejado ficar muito tempo aqui, mas talvez você não se importe de passarmos alguns dias juntos sozinhos, como uma luade-mel. Só que não é em Paris ou qualquer outro desses lugares.
- Já estive em Paris - murmurou, movendo seus quadris para junto dos dele. - E eu posso honestamente dizer que aqui é bem melhor do que lá. Agora, o que você estava dizendo sobre o café?
Com ceticismo em seu rosto, Kane afastou-a.
- Se houve alguma coisa que aprendi em criança, foi que os brinquedos são preciosos e não devemos gastá-los no primeiro dia.
- Sou um brinquedo para você?
- Um brinquedo crescido. Agora, vista algumas roupas e vamos comer. Pensei que poderia mostrar-lhe as ruínas de uma velha mina, aqui perto. Só espero ser homem bastante para passar o dia todo com você.
- Acho que é - disse, enquanto olhava timidamente para baixo, para a parte dele que não mostrara escrúpulos em "gastá-la".
Com bastante firmeza, ele pegou seus ombros e virou-a.
- Tenho uma calça e camisa extras ali, e você vai se vestir. Quero todos os botões fechados e nada aberto para me deixar maluco. Deu para entender?
- Completamente - disse Houston, de costas para ele. Ela estava rindo tanto que sua pele se estirava.
Depois de estarem vestidos e terem comido, Kane levou-a pela encosta da montanha acima. Chandler ficava a 1 900 metros de altitude e, agora, eles estavam a cerca de 2 300 metros, o que tornava o ar frio e revigorante. Kane parecia não reparar no fato de que Houston não estava acostumada às escaladas, ou que suas botas de montar não eram feitas para se firmar em rochas escorregadias, e levava-a direto para cima, passando por rochas suspensas, que pareciam prestes a cair sobre eles.
- Está muito longe? - perguntou uma vez.
Virando-se, Kane estendeu a mão para ajudá-la a passar por uma rocha particularmente difícil.
- Que tal um descanso? - perguntou e começou a tirar o embrulho de comida de suas costas.
- Apreciaria muito - disse, pegando o cantil que ele oferecia e bebendo bastante. - Está certo de que há uma mina lá? Como podiam extrair o carvão?
- Creio que da mesma forma como tiram todos os carvões. - Ele olhava-a com atenção e, quando ficou certo de que ela conseguiria fazer a escalada, virou-se.
- Você vem para cá com freqüência?
- Sempre que posso escapar. Olhe para lá, para aquelas rochas. Já viu alguma coisa como elas? - Abaixo, através da névoa do vale, ela podia ver uma formação pontiaguda que levantava-se direto do solo, parecendo anormal e perigosa. - O que acha que provocou uma coisa dessa? É como se um gigante tivesse tentado puxar a rocha do solo, e desistido depois de tê-la meio para fora.
Houston comia um dos pretzel que Kane pusera no embrulho. Ele já tinha dito que eram uma das melhores comidas da natureza, e ela deveria tê-los sempre à mão.
- Acredito que talvez um geólogo tivesse uma explicação melhor. Você não gostaria de ter tido oportunidade de ir à escola e aprender coisas tais como por que aquelas rochas ficaram com aquelas formas?
Muito lentamente, Kane virou-se e fitou-a.
- Se você tem alguma coisa para dizer, diga logo. Minha escolaridade foi suficiente para que eu ganhasse alguns milhões de dólares. Não é suficientemente bom para você?
Houston observava o pretzel.
- Estava pensando mais nas pessoas menos afortunadas que você.
- Faço tanta caridade como qualquer outro. Eu dou a minha parte. - Seu queixo era uma linha severa.
- Pensei que talvez, agora, fosse uma boa hora para lhe contar que convidei seu primo Ian para morar conosco.
- Meu primo Ian? Não é aquele garoto enfezado, com cara de bravo, que você salvou da luta, é?
- Acredito que pode descrevê-lo assim, apesar de achar que ele tem algo de sua... determinação.
Kane ignorou a última observação dela.
- Por que motivo você ofereceu-se para assumir um problema com ele? - Ele é muito inteligente, mas teve que deixar a escola para ajudar a manter a família. Ainda e um menino, no entanto há anos que trabalha nas minas de carvão. Espero que não se importe de tê-lo convidado sem consultar você antes, mas a casa é realmente bastante grande, e ele é seu primo em primeiro grau.
De pé, Kane amarrou o embrulho em suas costas. Quando começou a andar outra vez, então em chão plano, disse:
- Por mim está bem, mas mantenha-o afastado. Não gosto muito de meninos.
Houston começou a segui-lo.
- Nem mesmo de seu próprio filho?
- Nem mesmo encontrei o menino; como pode esperar que eu goste dele?
Ela tentava passar a perna por cima de uma árvore caída que bloqueava o caminho. As calças que Kane lhe emprestara eram muito grandes para ela.
- Pensei que talvez estivesse curioso.
A voz dele soou por trás de um grupo de álamos brancos.
- No momento, só estou curioso para saber se a velha Hettie Green vai me vender algumas ações da estrada de ferro.
Ofegante, Houston tentava alcançá-lo, mas sua camisa ficou presa em um galho de árvore. Lutando para livrar-se, chamou-o:
- A propósito, conseguiu o edifício de apartamentos do senhor Vanderbilt?
Kane voltou-se para ajudá-la, gentilmente livrando a camisa e depois os cabelos dela dos galhos ásperos.
- Oh, aquilo. Claro. Apesar de não ter sido fácil, pois eu estava aqui e tudo o mais. Pelo que gastei em telegramas, podia ser dono da companhia.
- A Western Union não pertence a você? - perguntou, com os olhos arregalados.
Kane pareceu não ter percebido que ela estava provocando-o.
- Não, mas grande parte. Algum dia, irão pendurar telefones pelo país todo. O maldito aparelho é inútil do jeito que está. Não se pode falar com ninguém fora de Chandler. E quem quer falar com alguém em Chandler?
Ela olhou-o bem nos olhos, e disse suavemente:
- Você poderia chamar seu filho e dizer alô.
Com um gemido, Kane virou-se e começou a andar outra vez.
- Edan estava certo. Eu devia casar-me com uma moça do campo, uma que só se preocupasse com a própria vida.
Houston praticamente corria para alcançá-lo, desviando-se dos galhos caídos. Tropeçou em um enorme cogumelo, e imaginava se não teria ido longe demais, mas, apesar das palavras de Kane, o tom de sua voz não era de raiva.
Andaram mais um quilômetro e meio, antes de chegarem à estrada da mina abandonada. Ficava em uma encosta muito íngreme de um morro, com uma visão enorme do vale abaixo.
A mina descia na terra apenas uns seis metros, antes de cair. Houston apanhou um pedaço de carvão do chão e estudou-o à luz do sol. Quando visto bem de perto, o carvão era bonito: brilhava quase como se fosse prata, e Houston podia logo acreditar que aquele carvão, com pressão e tempo, poderia transformar-se num diamante.
Olhou para o vale bem abaixo da encosta íngreme.
- Exatamente como pensei; o carvão aqui em cima não tem valor.
Kane estava mais interessado na vista, mas lançou um olhar desinte-ressado para os pedaços de carvão, no solo.
- Para mim, parece tudo igual. O que há de errado com eles?
- Não há nada errado com o carvão; de fato, este tem alto grau de minério, mas a estrada de ferro não chega até aqui. Sem a estrada, o carvão não tem valor, como meu pai descobriu.
- Pensei que seu pai tivesse ganho dinheiro vendendo coisas.
Houston esfregava o carvão em sua mão. Gostava de sentir a sua lisura e os ângulos formados pela maneira como o carvão se quebrara. Muitos mineiros pensavam que o carvão era puro e mantinham um pedaço em suas bocas para chuparem, enquanto trabalhavam.
- Sim. Mas veio para o Colorado, ao ouvir falar da riqueza do carvão daqui. Ele pensou que o lugar estaria cheio de pessoas ricas, loucas para comprarem os duzentos fornos de carvão que quase lhe custaram a vida para trazê-los através do "Grande Deserto", que é como costumavam chamar a terra entre Saint Joseph e Denver.
- Isso faz sentido para mim. Então, ele vendeu os fornos e começou nos negócios comerciais.
- Não, ele quase faliu. Veja, o carvão estava mesmo no Colorado, você podia extraí-lo com uma pá, mas a estrada de ferro ainda não chegara, portanto não havia maneira econômica de comercializá-lo. Carros de boi não podiam carregar o suficiente para dar lucro.
- Então, o que foi que seu pai fez?
Houston sorriu, lembrando-se da história que sua mãe lhe contara tantas vezes.
- Meu pai tinha grandes sonhos. Havia um pequeno agrupamento de fazendeiros ao pé desta montanha, onde estamos agora, e meu pai achou que era o lugar ideal para uma cidade, a sua cidade. Dava a cada um dos fazendeiros um forno de carvão, se eles prometessem comprar todo o carvão de Chandler Coal Works, em Chandler, Colorado.
- Você quer dizer que ele mesmo deu à cidade o seu nome? - Com toda certeza. Gostaria de ter visto as caras das pessoas, quando ele as informou que agora moravam na cidade do senhor William Houston Chandler.
- E durante todos esses anos, pensei que a cidade tinha o nome dele por ter feito alguma coisa como salvar cem criancinhas de um prédio em chamas.
- A senhora jenks, da Biblioteca, diz que meu pai foi homenageado pela cidade, pelas suas muitas contribuições.
- Mas como ficou rico, se não foi com carvão?
- O trabalho de meu pai foi recompensado depois de um ano. Ele extraía, carregava e distribuía o carvão para a população que aumentava. Mas, depois de um ano, vendeu a mina para os musculosos filhos de uns fazendeiros, por uma ninharia. Um mês mais tarde, voltou para o leste, comprou cinqüenta e uma carroças de mercadorias, casou-se com minha mãe e voltou com ela e mais vinte e cinco casais para se instalarem na gloriosa cidade de Chandler. Mamãe dizia que as galinhas ciscavam na cornija da construção que alguém ousou chamar de Chandler Hotel.
- E a chegada da estrada de ferro deixou os filhos dos fazendeiros ricos - disse Kane.
- Verdade, mas então meu pai já tinha morrido, e a família de minha mãe já tinha arranjado o casamento dela com o altamente respeitável senhor Gates. - Houston adiantou-se para ver o interior da mina, enquanto Kane permaneceu fora.
- Acho que, às vezes, uma pessoa tem idéias engraçadas. Essa cidade inteira pensa em sua família como uma espécie de realeza, mas a verdade é que a cidade tem o nome de seu pai somente porque ele era bastante fanfarrão para querer possuir uma cidade. Não tinha muito de um rei, não?
- Ele era um rei para minha irmã e eu. E também para minha mãe. Quando Blair e eu éramos crianças, a cidade decidiu declarar feriado no aniversário de meu pai. Mamãe esforçou-se para contar a verdade a todos, mas, depois da grande frustração, percebeu que o povo da cidade queria um herói.
- E como o senhor Gates aparece nisso?
Houston deu um profundo suspiro.
- A reputação do senhor Gates não era grande coisa, porque dirigia uma cervejaria. Mas como a rainha Opal Chandler e as suas duas jovens princesas estava no grupo das casadoiras, ele ofereceu tudo que tinha. A família de mamãe aceitou com entusiasmo.
- Ele também queria uma verdadeira dama - disse Kane suavemente.
- E ele estava querendo reforçar suas crenças rígidas de como uma dama deve ser, nas três mulheres sob seu teto - disse Houston. Kane ficou em silêncio por um momento.
- Acho que a grama sempre parece ser mais verde do outro lado da cerca.
Houston aproximou-se dele e pegou sua mão.
- Você já pensou que se tivesse crescido como um filho, em vez de ser criado nos estábulos, poderia estar mimado como Marc, em vez de ser um homem que sabe o valor do trabalho?
- Parece que você quer dizer que Fenton me fazem um favor - disse consternado.
- Fez!
- O quê?
- Fenton lhe fez um favor. Estou corrigindo sua gramática. Faz parte de nosso acordo.
- Você está mudando de assunto. Sabe, deveria mandá-la para Nova York resolver negócios para mim. Você destruiria alguns daqueles homens.
Ela pôs os braços em volta do pescoço dele.
- Poderia, talvez, destruir você em lugar deles?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


18

 

AO ABRAÇÁ-LO, Houston viu pela sua expressão que ele parecia estar lutando com alguma coisa dentro de si, quase como se não quisesse beijá-la, embora não conseguisse evitar.
Ele pôs a mão atrás de sua cabeça e Houston agarrou-se a ele, adorando a sensação dos seus corpos unidos, a força dele tomando seu corpo.
- Kane - murmurou, com uma voz que vinha do fundo de sua garganta.
Ele afastou-se para fitá-la, os olhos escuros negros de desejo.
- O que você fez comigo? Há anos que esta coisa que tenho no meio das pernas não dirige o que está entre minhas orelhas. No momento, creio que mataria qualquer homem que tentasse tirar você de mim.
- Ou qualquer mulher? - perguntou ela, seus lábios nos dele.
- Sim - foi tudo que conseguiu dizer antes de começar a tirar a enorme camisa dela.
Antes, Houston sentira que Kane estava reprimindo alguma coisa quando fazia amor, que uma parte dele mantinha-se afastada, não com ela, mas em algum lugar mais. Mas agora ele estava diferente, não havia frieza, nem aquela observação contida.
Com toda a paixão de um touro excitado, Kane pegou-a em seus braços e levou-a para a entrada da mina abandonada. Houston olhou para o rosto apaixonado dele e pensou: este é o homem que ganhou milhões em poucos anos. Este é o Kane que eu sabia que existia dentro dele. Este é o homem que eu amo, o homem que quero que me ame.
Kane parecia estar fora de si quando colocou-a no chão, seus lábios reclamando os dela, enquanto lhe tirava o resto das roupas, expondo a pele macia para seu toque. Ele estava voraz quando sua boca abriu caminho pelo corpo dela.
Não era mais o amante bondoso, paciente, atencioso, mas em seu lugar havia um homem morrendo de desejo por ela. Houston pensou que correspondera a ele antes, mas agora sua mente deixara-a e ela tornara-se uma massa de sensações vivas e pulsantes.
A boca de Kane em sua carne era como um fogo subindo e descendo, infiltrando-se em seus ossos, até ter certeza de ter sido consumida por ele. Seus dedos fortes agarraram sua cintura e puxaram-na para junto de sua pele, tão quente que era como se o fogo nela estivesse queimandoo também. Ele rolou, de costas, mantendo-a e movendo o corpo dela como se não pesasse mais do que uma criança.
Com um movimento rápido e deslizante, levantou-a e possuiu-a. Houston deu um gemido de prazer que ecoou nas paredes do fundo da mina e voltou envolvendo-os.
Sua cabeça estava jogada para trás, e suor do pescoço molhava as ondas de seu cabelo e, ao pôr as mãos nos ombros dele, ela deixou que a emoção a tomasse. Ele não tinha pensamentos; nesse momento apenas sentia.
As mãos de Kane enterravam-se em sua pele quando ela se levantava no frenético movimento que a paixão deles inspirava.
Por fim, ela abriu os olhos e viu a expressão em seu rosto, a boca parcialmente aberta, os olhos fechados e o profundo, consumidor prazer que reaquecia suas próprias sensações.
O ritmo aumentou.
- Kane - ela pensou que murmurara, mas novamente o som reverberou, envolvendo-os.
Kane não respondeu. Apenas levantava-a e abaixava-a com rapidez delirante e quando abaixou-a para o golpe final, alucinante, Houston sentiu o corpo contrair-se enquanto suas costas arqueavam e as coxas apertavam os quadris de Kane.
Um estremecimento percorreu-a e, quando terminou, ela caiu sobre o peito suado dele. Os braços de Kane abraçavam-na tão fortemente que suas costelas pareciam prestes a se quebrar, mas ela ajeitou os braços contra seu peito, manteve as pernas dentro das dele e fez o possível para ficarem ainda o mais juntos possível.
Permaneceram deitados, enquanto Kane gentilmente acariciava o cabelo dela.
- Sabe que começou a chover? - falou delicadamente depois de um tempo.
Houston estava desinteressada de qualquer coisa que não fosse o corpo dele junto ao seu e a extraordinária experiência que tinha acabado de passar. Tentou sacudir a cabeça, mas não levantou o olhar.
- Sabe que lá fora está fazendo cerca de cinco graus, e que estou deitado em centenas de pequenos pedaços afiados do carvão que você achou fascinante, e que minha perna esquerda adormeceu cerca de uma hora atrás?
Sorrindo, com o rosto enterrado em sua pele quente, Houston sacudiu a cabeça.
- Me parece que você não tem planos de mexer-se dentro da próxima semana ou mais, tem?
Dentro de Houston estava crescendo uma risada, mas ela mantinha o rosto escondido e sacudia a cabeça.
- E você não se importa que os dedos de meus pés estejam tão gelados que, se batê-los contra alguma coisa, provavelmente cairão?
A resposta negativa dela só fez com que ele a abraçasse mais forte.
- Posso suborná-la?
- Sim - murmurou.
- Que tal se nós nos vestíssemos e ficássemos aqui vendo a chuva, e eu deixasse você me fazer perguntas? Isso é o que mais lhe agrada, pelo que percebi.
Ela levantou a cabeça e olhou-o.
- Você as responderá?
- Provavelmente não - disse tentando afastá-la gentilmente, mas parou no meio para beijá-la com carinho, demoradamente, e acariciar seu rosto. - Bruxa - murmurou antes de virar-se para procurar suas calças.
Quando ele se mexeu, Houston viu que pedaços de carvão estavam presos em suas largas costas, e começou a tirá-los. Por acaso, seus seios roçaram a pele dele repetidas vezes.
Kane virou-se e segurou seus pulsos.
- Não comece com isso outra vez. Há alguma coisa em você, senhora, a que não consigo resistir. E você pode parar de parecer tão satisfeita consigo mesma. - Enquanto falava, seus olhos percorriam o corpo nu dela. - Houston - falou, enquanto soltava-a e afastava-se -, você não é como eu esperava, de nenhuma maneira. Agora, vistase antes que eu faça papel de bobo... outra vez.
Houston não perguntou o que quisera dizer sobre fazer papel de bobo outra vez, mas seu coração batia com prazer, quando vestia as roupas largas que ele lhe emprestara. Havia diversos botões arrancados da camisa e os lugares rasgados fizeram-na sorrir.
Assim que se vestiu, ele puxou-a para seus braços, e sentou-a em seu colo, encostando-se na parede do túnel da mina.
Lá fora a chuva leve caía mansamente, como se não quisesse parar, e Houston acomodou-se nos braços de Kane.
- Você me faz feliz - disse Houston chegando os braços dele para mais junto dela.
- Eu? Você nem ao menos viu o presente que lhe dei - parou. - Ah, você quer dizer agora. Bem, você também não me deixa exatamente triste.
- Não, é você quem me faz feliz, não os presentes ou mesmo o ato de fazer amor, se bem que isso ajuda bastante.
- Muito bem, diga-me como a faço feliz. - Havia cautela em sua voz.
Ela ficou silenciosa por um momento, antes de falar.
- Quando Leander e eu tínhamos acabado de ficar oficialmente noivos, fomos a um baile no templo maçônico. Estava aguardando com ansiedade essa noite e, talvez como um reflexo de minha disposição, mandei fazer um vestido vermelho. Não um vermelho escuro ou apagado, mas um brilhante, escarlate mesmo. Na noite do baile, pus o vestido e sentia-me como se fosse a mulher mais bonita do mundo.
Parou um momento para tomar fôlego e lembrar-se que estava ali nos braços de Kane e a salvo.
- Quando desci as escadas, o senhor Gates e Leander olharamse espantados, e eu, estupidamente, pensei que estivessem admirados da minha figura, naquele vestido vermelho. Mas quando cheguei embaixo, o senhor Gates começou a gritar comigo, que eu parecia uma meretriz e que subisse e me trocasse. Leander interferiu e disse que tomaria conta de mim. Não creio que o tenha amado tanto como naquele momento.
Parou, outra vez.
- Quando chegamos ao baile, Leander sugeriu que eu mantivesse a capa e disse às pessoas que tinha apanhado um resfriado. Passei a noite toda sentada no canto e me sentindo infeliz.
- Por que não mandou os dois para o inferno e dançou com seu vestido vermelho?
- Creio que sempre fiz o que as pessoas esperavam de mim. É por isso que você me faz feliz. Você parece pensar que, se Houston está descendo pela treliça com sua roupa de baixo, então é isso o que as damas fazem. Nem parece se importar por eu ter feito avanços, pouco próprios de uma dama, sobre você. - Virou a cabeça e olhou-o.
Após um rápido beijo, tornou a virá-Ia.
- Não me importo sobre os avanços, mas posso passar sem suas aparições públicas em roupas de baixo. Não creio que se lembre dos cachorrinhos, lembra-se?
- Não estou certa de que saiba do que está falando.
- Na festa de aniversário de Marc Fenton, creio que ele tinha cerca de oito anos, levei você ao estábulo e mostrei-lhe alguns cachorrinhos malhados..
- Lembro-me! Mas não pode ter sido você, aquele já era um homem crescido.
- Creio que eu tinha dezoito, e isso quer dizer que você...
- Seis. Conte-me sobre o caso.
- Você e sua irmã vieram à festa juntas, usando vestidos brancos com faixas cor-de-rosa e grandes laços da mesma cor no cabelo. Sua irmã foi correndo para o fundo e começou a brincar de pegador com os outros garotos, mas você foi sentar-se em um banco de ferro. Não movia um músculo, só ficou sentada lá com as mãos no colo.
- E você parou na minha frente com um carrinho de mão que tinha estado obviamente cheio de esterco de cavalo.
- Provavelmente - Kane resmungou. - Senti pena ao vê-Ia sozinha, então perguntei se queria ver os filhotes.
- E eu fui com você.
- Não antes de ter me olhado de cima a baixo com severidade. Acredito que passei no teste, porque você foi comigo.
- E eu usei sua camisa, e então alguma coisa horrível aconteceu. Lembro-me de ter chorado.
- Você não se aproximou dos cachorrinhos, mas manteve-se afastada olhando-os. Disse que não podia sujar sua roupa, então der-lhe uma camisa minha para que usasse por sobre o vestido, a qual você só tocou depois de eu ter jurado três vezes que estava limpa. E do que se recorda como a grande tragédia foi que um dos cachorros correu atrás de você e mordeu sua fita do cabelo e puxou-a desmanchando o laço. Nunca vi uma criança ficar tão perturbada. Você começou a chorar e dizer que o senhor Gates iria odiá-la. E, quando falei que o consertaria, respondeu que só sua mamãe poderia fazer um laço adequado. Foi isso que disse: "adequado".
- E você deu um laço adequado. Nem mesmo mamãe percebeu que tinha sido desfeito.
- Eu estava sempre trançando as crinas e caudas dos cavalos.
- Para Pam?
- Você está muito curiosa sobre ela. Ciúmes?
- Não desde que me contou que a recusou.
- É por isso que não se deve contar segredos às mulheres.
- Gostaria que eu fosse ciumenta?
- Não me importaria. Pelo menos você sabe que recusei Pam. Eu não ouvi nada semelhante com respeito a Westfield.
Ela beijou a mão que preguiçosamente acariciava seu seio, sabendo muito bem que já lhe falara sobre Leander inúmeras vezes.
- Recusei-o no altar - disse com suavidade.
Kane apertou mais os braços.
- Sim, mas ele não tem tanto dinheiro como eu.
- Você e seu dinheiro! Não pensa em nada mais? Algo como beijar, talvez?
- Libertei um monstro. - Riu, mas não mostrou relutância em obedecer seu desejo.
- Comporte-se - disse, quando por fim tornou a virá-Ia de costas.
- Não tenho tanta resistência como você. Não se esqueça de que, com-parado com você, sou um velho.
Com uma risadinha, Houston remexeu-se em seu colo.
- E estou envelhecendo a cada minuto. Agora sente-se quieta! Gates tinha razão em trancar vocês duas.
- Você vai me trancar? - murmurou, acomodando a cabeça entre o pescoço e o queixo dele.
Ele levou tanto tempo para responder que ela se virou para olhá-lo.
- Pode ser - disse finalmente. E numa tentativa óbvia de mudar de assunto, acrescentou: - Sabe, há muitos anos que não falo tanto de alguma coisa que não sejam negócios.
- Sobre o que falava com as outras mulheres?
- Que outras mulheres?
- As outras. Como a senhorita LaRue.
- Não me lembro de já ter conversado com Viney sobre qualquer coisa.
- Mas a melhor parte é depois, ficar deitados juntos como agora, e conversar.
Ele correu a mão pelo corpo dela.
- Acho isso muito bom. Mas não posso dizer que já havia feito antes. Acho que depois que nós... acho que ia para casa. Sabe, nem mesmo me lembro de querer ficar deitado por aí, como agora. Grande perda de tempo. - Mas não fez tentativa nenhuma para se afastar dela. Houston aconchegou-se mais a ele.
- Frio?
- Não, nunca me senti tão quente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

19

 

HOUSTON OLHAVA para Kane da cama da cabana, vendo-o se vestir, e soube que a curta lua-de-mel terminara.
- Presumo que temos que ir - falou tristemente.
- Estou aguardando uns homens hoje pela manhã, e não posso perdê-los. - Virou-se para olhã-la. - Gostaria de poder passar mais tempo aqui em cima, mas não posso.
Também havia tristeza em sua voz e Houston decidiu ajudá-lo, em vez de contrariá-lo. Rapidamente, saiu da cama e começou a vestir suas roupas de montaria. Kane teve que ajudá-la com o espartilho.
- Como pode respirar com essa maldita coisa?
- Não penso que respiração tenha alguma coisa a ver com isso. Pensei que você gostasse das curvas das mulheres. Sem usar espartilho, logo estaríamos todas com sessenta e oito ou setenta centímetros de cintura. Além disso, o espartilho apóia as costas das mulheres. São realmente bastante saudáveis.
Kane resmungou e terminou de guardar a comida nas sacolas de pano. Ela diria que sua mente já estava de volta ao trabalho.
Silenciosamente, ambos se preparavam para a viagem montanha abaixo. Houston não tinha certeza do que Kane pensava, mas ela sabia que nunca tinha sido tão feliz em sua vida. Seu medo de ser frígida tinha acabado e, à sua frente, estava uma vida inteira com o homem que amava.
Ao deixarem a cabana, Kane parou e olhou outra vez o pequeno quarto.
- É certo que nunca passei uma temporada melhor neste lugar - disse antes de fechar a porta e encaminhar-se para os cavalos selados.
Houston começou a montar, mas Kane pegou-a pela cintura e colocou-a na sela. Ela tentou esconder a surpresa, enquanto olhava para ele. Era esse o homem que tinha deixado que ela subisse pelas pedras totalmente sozinha?
Kane fez um cumprimento com a cabeça e resmungou.
- Com essa roupa, você parece uma dama outra vez.
Estavam silenciosos, quando começaram a descer a traiçoeira e íngreme rampa e, por diversas vezes, Kane diminuía a marcha para acompanhá-la.
Só quando já estavam perto de Chandler, foi que Houston falou. - Kane, sabe no que estive pensando nos últimos dias?
Ele deu-lhe uma piscada maliciosa.
- Claro, doçura, e aproveitei cada minuto de seus pensamentos.
- Não, não é isso - disse com impaciência. - Pensei em convidar sua prima Jean para morar conosco.
Kane ficou boquiaberto.
- Duvido que ela aceite um convite direto, porque todos vocês, os Taggert, são muito orgulhosos, mas propositadamente não contratei uma governanta e pensei que ela poderia gostar de ter o emprego. Isso faria com que saísse do acampamento das minas e, além do mais, você não acha que ela e Edan formariam um par adorável?
Kane continuava estupefato.
- Bem, o que é que você acha?
- Quando disse a Edan que estava pensando em me casar, ele me perguntou se eu estava pronto para deixar uma mulher entrar em minha vida. Quase morreu de rir quando disse que não pretendia deixar que um casamento mudasse minha vida. Estou começando a ver por que ele estava rindo. Quem mais você vai convidar para morar na minha casa? Os bêbados da cidade? Mas, deixe-me dizer-lhe, me oponho aos pregadores. Gosto menos ainda de pregadores do que de crianças. Mas, é claro, não tem importância de quem eu goste! - interrompeuse quando Houston empertigada fez com que seu cavalo se adiantasse.
Por um momento, ele não se moveu, mas observou-a e, então, num arranco, alcançou-a.
- Você não vai ficar zangada, vai, doçura? Pode convidar quem quiser para morar naquela casa enorme. Não me importo nem um pouco. - Era a primeira vez em sua vida que tentava acabar com o mau humor de uma mulher e estava sem jeito.
Agarrou as rédeas do cavalo dela.
- Nem ao menos vi essa mulher. Como é ela? Talvez seja tão feia que não serei capaz de olhá-la. - Ele percebeu que ela estava sorrindo. O humor deveria ser a solução.
- Jane estava usando chiffon violeta sobre cetim púrpura, com pequenos brilhantes no ombro e...
- Espere um minuto! - interrompeu ele. - Você se refere àquela moça de cabelos pretos, olhos verdes, com o traseiro cheio de curvas e tornozelos grandes? De fato, eu a vi descendo da carruagem e suas canelas não são nada más.
Houston fitou-o com espanto.
- Você estava olhando para outras mulheres no dia do nosso casamento?
- Só quando não estava olhando para você subir e descer pelo gradeado das roseiras. Pensando bem, você fica ótima com a roupa de baixo. - Ele estendeu a mão para acariciar o braço dela.
A distância, estava a civilização da cidade e as pessoas que tomariam o tempo deles. Era a última oportunidade que tinham para um momento íntimo. Como se estivesse lendo seus pensamentos, Kane tiroua do cavalo, tomou-a nos braços e ficaram juntos como se essa fosse a sua última noite.
E, quando entraram na mansão Taggert duas horas mais tarde, havia sujeira em suas roupas, cardos em seus cabelos e seus rostos estavam corados. Kane segurou a mão de Houston até que Edan apareceu.
Edan examinou-os e, quando recuperou a fala, disse para Houston:
- Vejo que o encontrou. Kane, há quatro homens esperando por você e meia dúzia de telegramas. E, Houston, acho que os empregados que contratou estão em pé de guerra.
Quando Kane deixou-a, Houston começou a subir as escadas para seu quarto, a fim de trocar de roupa. A realidade voltara para eles. Dez minutos mais tarde, Kane veio dizer que tinha que partir para resolver um negócio urgente e que voltaria assim que terminasse. Ele ficaria fora durante três dias.

 

 

 

20

 

DEPOIS DE QUATRO HORAS da partida de Kane, Houston soube que ti-nha sido destinada a ser uma esposa. Blair podia ter sua ambição, sua necessidade de reformar o mundo, mas Houston só queria dirigir um lar para o homem que amava.
Claro que dirigir a casa de Kane mais parecia dirigir um exército em tempo de guerra, mas tinha sido treinada para seu cargo de general. A primeira coisa que fez foi escrever um bilhete para Jean Taggert, pedindo-lhe que viesse passar uns dias para ajudar na organização dos trabalhos domésticos. Escreveu depois uma carta para o pai de Jean, contando-lhe que planejava pedir a Jean que ficasse para ser sua governanta. Houston rezava para que Sherwin Taggert quisesse que sua filha saísse do acampamento da mina.
Quando deu os bilhetes ao novo lacaio para que os entregasse, Houston sentiu, pela primeira vez, o que estava perturbando tanto os empregados. O lacaio parecia pensar que estava abaixo de sua posição ir a um acampamento de mineiros e, sendo americano, não hesitou em expressar sua opinião.
Muito calmamente, Houston perguntou-lhe se queria ou não o emprego; se quisesse, tinha que fazer o que ela pedira e não menosprezar os parentes do homem que o estava alimentando. Quando isso ficou esclarecido e o lacaio se foi, Houston desceu e começou a distribuir as obrigações das outras pessoas que contratara. Grande parte dos que escolhera estava agora sentada no chão vazio, recusando-se a fazer qualquer coisa, até que soubessem exatamente os limites de suas responsabilidades. Houston viu logo por que a Srta. Jones recomendava com firmeza que se contratassem empregados experientes.
Na manhã do segundo dia, Houston tinha sete arrumadeiras limpando a casa, quatro lacaios trazendo os móveis do sótão e três auxiliares ajudando a sra. Murchison na cozinha. Fora, tinha um cocheiro, dois cavalariços e quatro jovens e fortes rapazes para ajudarem no jardim.
Foi enquanto estava no jardim apresentando-se para o sr. e sra. Na-kazoma e tentando explicar-lhes - da melhor maneira possível, uma vez que um não falava a língua do outro - que os rapazes deveriam ficar sob a direção da família japonesa, que ela viu o rosto de Ian em uma janela do alto.
Nessa manhã, enquanto ajudava-a a vestir-se, Susan informara Houston sobre a desagradável briga que Rafe Taggert tinha provocado, depois que os convidados do casamento tinham se retirado. Por acaso, Susan ouvira parte da briga. O jovem Ian se gabara de que odiava seu primo Kane e nunca moraria em sua casa. Rafe dissera que isso era papo-furado, uma vez que ninguém convidara Ian para morar lá. Ian respondera que Houston o convidara, mas que preferia morrer antes de aceitar.
Foi nesse ponto que Rafe e Ian brigaram. Rafe, que era maior, ganhou facilmente. Rafe disse que lan ficaria com seu primo e receberia todos os benefícios que o dinheiro pode comprar, nem que tivesse que bater em Ian todos os dias, até o fim da vida. Disse que, se tentasse fugir, ele o encontraria.
Assim, durante os últimos dias, Ian tinha se sentido preso no quarto onde Houston o deixara. A sra. Murchison era a única a vê-lo, quando levava bandejas de comida e livros para ele.
- Livros? - perguntou Houston.
- O menino parece amá-los - disse Susan. - A senhora Murchison diz que ele lê o dia inteiro e que isso não é bom para ele. Ela acha que ele devia juntar-se aos mineiros do time de beisebol e sair um pouco.
Agora que Houston já tinha a maioria do pessoal sob controle, voltou seus pensamentos para Ian. Se o menino ia morar com eles, tinha que fazer parte da família.
Subiu, bateu na porta e, depois de algum tempo, ele disse que ela podia entrar. Pelo seu rosto corado, Houston teve idéia de que ele estava escondendo alguma coisa, e pensou ter visto um canto de um livro aparecendo por debaixo da cama.
- Você voltou - disse ele como se fosse uma acusação.
- Voltamos ontem. Gosta de seu quarto?
O quarto grande, iluminado, arejado, era duas vezes maior que a casa dos Taggert no acampamento da mina, mas não havia móveis, exceto uma cama coberta com uma colcha suja - prova de que lan estava dormindo nela há dias.
- Está bom - resmungou, olhando para a ponta de sua pesada bota de trabalho.
O orgulho dos Taggert, pensou Houston.
- Ian, pode me ajudar hoje à tarde? Contratei quatro homens para me auxiliar a arrumar os móveis, mas creio que vou precisar de um supervisor, alguém que faça com que eles não arranhem os cantos das portas ao descer. Pode me ajudar?
Ian hesitou, mas concordou.
Houston estava curiosa para ver como Ian se sairia com sua nova res-ponsabilidade, e estava certa de que seria um pequeno tirano. Mas ele a surpreendeu. Era cuidadoso, observador e muito sério. Só a princípio, quando usou seu tamanho e força de adolescente para impor sua autoridade, foi que mostrou alguma raiva. Pelo fim da tarde, estava tão completamente no controle, que Houston só tinha que dizer onde queria a peça de móvel colocada.
Estava olhando-o orientar com habilidade a descida de uma grande escrivaninha pela escadaria principal quando Edan falou por trás dela.
- Kane era assim. Pessoas como esses dois nunca foram crianças. Seus lacaios sentem isso, e é por esse motivo que estão dispostos a obedecer um menino.
Ela virou o rosto para ele.
- Você sabe jogar beisebol?
Os olhos de Edan brilharam.
- Claro que sei. Está pensando em começar um time?
- Tenho homens quase suficientes. Acho que vou ligar para a Vaughn, aquela loja de artigos de esportes, para encomendar algum equipamento. Você acha que ele poderia aprender a bater a bola com aquele bastão?
- Houston - disse ao virar-se em direção ao escritório de Kane, -, penso que pode fazer qualquer coisa que queira.
- Jantar às sete - falou para ele. - E nos vestimos para jantar. Pôde ouvir a risada de Edan, que voltava para o escritório.
A refeição foi agradável e a paciência tranqüila de Edan com Ian pareceu derreter parte da tensão e raiva do menino.
Mas no dia seguinte, foi diferente. Na hora do jantar, Houston estava vestida de faille de seda verde pálido, com outra seda sobreposta, bordada com canutilhos de aço lapidado e um grande camafeu rosa na cintura. Ela ainda não vira Kane, que voltara à tarde e não trocara as pesadas roupas que usara na sua viagem de negócios. Mas não iria começar uma discussão com ele. Ele que viesse para a mesa e fosse o único vestido com brim sujo.
Edan, muito elegante nas suas roupas escuras de noite, estava aguar-dando por ela no alto das escadas, e Ian, usando uma das roupas novas de Edan, que eram só um pouquinho grande, estava de pé na sombra no vestíbulo.
Houston, sem dizer uma palavra, tomou o braço que Edan oferecia e estendeu seu outro braço para Ian. Durante longos momentos, ele não se moveu, mas quando Houston continuou lá, tão teimosa quanto ele, Ian adiantou-se e tomou o outro braço dela.
Havia mais do que espaço suficiente para os três descerem juntos as escadas.
- Ian, nem sei como posso lhe agradecer por ter me ajudado nesses últimos dois dias.
- Preciso ganhar meu sustento - resmungou, não conseguindo olhá-la de tão embaraçado, mas satisfeito com os agradecimentos.
- Diabos, onde está todo mundo? - gritou Kane, ao pé da escadaria e, então, olhou para cima e viu-os. - Estão indo a algum lugar? Edan, preciso de você. - Ao dizer isso, seus olhos fixavam Houston. Para ele, os outros dois pareciam não existir.
- Estamos indo jantar - disse Houston, forçando o braço de Ian no dela. Ele tentava retirá-lo desde que Kane aparecera. - Não vem conosco?
- Alguém tem que ganhar para viver, por aqui - resmungou, enquanto girava nos calcanhares e voltava para o escritório.
Durante o jantar, depois de vários assuntos terem sido trazidos à baila, Houston encaminhou a conversa para o que Ian andava lendo nos últimos dias. Esse era um assunto que não tinha sido mencionado na noite anterior.
Ian quase engasgou com um pedaço de filé. Seus tios Rafe e Sherwin encorajavam seu gosto pela leitura, mas ele aprendera a ler escondido, por medo que pensassem que fosse um maricas.
- Mark Twain - disse com ar de desafio, quando conseguiu limpar a garganta.
- Muito bom. Amanhã vou ver um tutor para vir dar-lhe aulas. Acredito que será melhor do que ir à escola, uma vez que você é bem maior que as outras crianças. E, além disso, eu gosto muito de ter você por aqui.
Por um momento, Ian olhou-a pasmo.
- Não irei para nenhuma escola para que riam de mim e me chamem de nomes. Vou voltar para as minas de carvão e...
- Concordo plenamente com você. E amanhã vamos encomendar suas próprias roupas. Ah, o sorvete. Acho que vai gostar, Ian. Edan ria da expressão de lati.
- É melhor desistir, rapaz. Ninguém ganha uma discussão com essa senhora.
- Exceto ele - disse Ian.
- Especialmente ele não ganha.
Estava começando a sobremesa quando Kane entrou. Houston tinha convencido Ian a contar-lhe a história de Huckleberry Finn, mas, quando Kane entrou, ele parou de falar e abaixou os olhos para o prato.
- Sem dúvida, estão levando muito tempo para comer - disse Kane, pondo o pé em uma cadeira e servindo-se de uma mão cheia de uvas, do arranjo do centro de mesa.
O olhar que Houston lhe deu fez com que se sentasse na cadeira. Ela acenou para um lacaio, que colocou um prato na frente de Kane e serviuo. Depois de um momento de surpresa, pôs-se a comer o charlote de chocolate com tanto gosto que os outros começaram a olhá-lo. Kane abaixou a colher e, por um instante, parecia querer sair correndo da sala. Ian observava o primo disfarçadamente e Edan estava concentrado na sua comida.
Houston deixara a cabeceira da mesa para Kane e estava sentada pró-xima a Ian, de frente para Edan, mas Kane não ocupou o lugar, preferindo instalar-se perto de Edan. Houston procurou o olhar de Kane e pegou o garfo, e ele começou a seguir suas orientações de como comer com alguns modos. Para recomeçar a conversa, falou sobre o trabalho dos jardineiros e como a família japonesa tinha recebido bem a notícia de que teria ajuda.
Kane contou como encontrara os Nakazoma, Edan acrescentou à con-versa uma história sobre a vinda de plantas de todo o mundo, e Ian perguntou que árvore era a que havia fora de sua janela. Era forçada, mas parecia uma conversa e, melhor ainda, fora agradável. Quando a refeição terminou, os quatro saíram sorrindo.
Kane e Edan voltaram para o trabalho depois do jantar, enquanto Ian e Houston foram para a pequena sala de estar. Houston bordava fronhas e Ian lia e, depois de usar alguma persuasão, conseguiu que ele lesse alto para ela. Ele tinha uma voz boa e uma queda para ler diálogos. Edan reuniu-se a eles, durante algum tempo.
Na hora de dormir, Houston subiu sozinha, pois Kane permanecia reso-lutamente enfurnado no escritório. A fumaça de charuto escapava por debaixo da porta. No meio da noite, ele acomodou-se na cama com ela, puxou-a para junto de seu corpo grande e quente, e dormiu imediatamente.
Houston acordou com a sensação divina das mãos de Kane acariciando suas pernas e quadris. Ela virou o rosto para ele, antes mesmo de abrir os olhos, e ele firmou os lábios nos dela e começou a fazer amor gentil, lenta e languidamente.
Só depois de terem extravasado a paixão, Houston finalmente abriu os olhos.
- Querendo se certificar que foi seu marido? Ou seria outro homem, a essa hora de manhã? - perguntou, sorrindo para ela.
Uma expressão de desagrado cruzou seu rosto ao levantar-se. Ela pôs os braços em sua volta, seus seios nus contra as costas dele.
- Eu só estava provocando; não tenho desejo por nenhum outro homem.
Ele afastou-se dela.
- Tenho que ir trabalhar e ganhar dinheiro suficiente para alimentar esse exército que contratou.
Houston continuou deitada e observando-o, até que desaparecesse no seu banheiro. Havia uma parte dele sobre a qual não sabia nada. Uma batida na porta não lhe deixou mais tempo para penslr.
- Senhora Houston - disse Susan. - A senhorita Jean Taggert está lá embaixo com o pai e todos seus pertences em uma carroça e querem falar com a senhora.
- Já vou descer. - Relutantemente, saiu da cama, desejando que Kane tivesse ficado com ela. Ele já estava trabalhando quando ficou pronta. Embaixo, levou Jean para a pequena sala de estar.
- Estou tão contente que tenha se decidido a aceitar minha oferta. Realmente, preciso de uma governanta.
- Não precisa continuar a mentir. Eu sei por que está me oferecendo este emprego e sei, mais do que você, que terá que me ensinar tudo, e que serei mais um estorvo do que uma ajuda. Porém, mais importante do que meu orgulho, é tirar minha família das minas de carvão. Rafe chantageou Ian para que saísse, e meu pai me chantageou. Vim pedir mais caridade do que já ofereceu. Trabalharei para você até me acabar, se deixar que meu pai more aqui comigo.
- Claro - disse Houston rapidamente. - E, Jean, você é da família, não precisa na verdade ser minha governanta. Pode viver aqui como uma hóspede, sem deveres ou obrigações, exceto divertir-se.
- Ficaria louca em duas semanas. Se meu pai é bem-vindo, então ficarei. - Sorriu.
- Somente se sentar-se conosco à mesa para as refeições. É uma mesa enorme e quase vazia. Agora, posso conhecer seu pai?
Quando Houston viu Sherwin Taggert, entendeu por que Jean queria tirá-lo das minas. Sherwin estava morrendo. Houston tinha certeza de que Jean sabia e que o pai também sabia, mas também estava evidente que nenhum deles iria mencionar o fato.
Houston viu que Sherwin era um homem gentil e educado. Em poucos minutos, o resto do pessoal estava providenciando para que ele ficasse confortável. Houve certa discussão sobre onde o velho Taggert devia ficar, mas Jean venceu quando pôs seu pai nos cômodos da governanta, embaixo, que tinha uma porta que dava para os jardins e perto da escada que levava ao quarto que Jean escolhera.
Na hora do almoço, Kane permaneceu no escritório, mas Edan reuniu-se ao grupo, já maior, que se sentava para a refeição. Ian relaxou visivelmente quando viu seu tio e Jean, e a refeição tornou-se muito agradável. Sherwin contou uma estória engraçada sobre um acontecimento na mina e, quando todos estavam rindo, Kane entrou na sala. Houston apresentou-o a seus parentes, e ele procurou um lugar. Uma vez que Jean sentara-se próximo a Edan, Kane ficou parado por um momento, até que Houston fez sinal a um lacaio para que puxasse a cadeira, na cabeceira da mesa.
Kane permaneceu quieto durante o resto da refeição, falando muito pouco e observando todos e, principalmente, reparando como Houston comia. Ela comia devagar, prolongando a refeição e dando bastante tempo para que Kane visse qual garfo estava usando.
Já perto do final da refeição, Houston virou-se para Ian.
- Tenho boas notícias para você. Ontem, enviei um telegrama para um amigo de meu pai que mora em Denver e perguntei-lhe se gostaria de mudar-se para Chandler e ser seu professor. O senhor Chesterton é um explorador britânico aposentado. Ele andou pelo mundo todo, subiu o Nilo, viu as pirâmides, foi ao Tibete; duvido que haja um lugar onde não tenha estado. E, hoje de manhã, ele concordou em vir para cá. Acho que será um professor maravilhoso para você, não acha?
Ian so conseguiu olhá-la com espanto.
- África? - conseguiu dizer.
- Entre outros lugares. - Empurrou a cadeira para trás. - Agora, quem gostaria de jogar beisebol? Tenho equipamentos, um campo de jogo marcado, no gramado do lado norte, e um livro de instruções. Infelizmente, não entendo nada a respeito.
- Acho que Ian pode lhe explicar alguns conhecimentos básicos - disse Sherwin, com os olhos brilhando.- E imagino que Edan também conheça algumas regras.
- Vem conosco, Edan? - perguntou Houston.
- Gostaria muito.
- E você, Jean?
- Uma vez que não tenho nem mesmo idéia de como começar a dirigir uma casa, posso também ser inútil em uma quadra de beisebol.
- E você, Kane? - perguntou Houston a seu marido, quando ele começou a afastar-se do grupo. Ele fez uma expressão de espanto.
- Tenho algum trabalho a fazer e, Edan, preciso que você me ajude.
- Suponho que isso me deixe fora do beisebol - disse Edan levantando-se. - Vejo vocês no jantar.
Uma vez no escritório de Kane, Edan observava seu amigo, que andava de um lado para o outro, e olhava pela janela, para ver os outros no campo de beisebol. Edan ficou pensando se Houston não teria posto o campo bem abaixo da janela de Kane, de propósito. Por duas vezes, Edan teve que repetir as questões antes que Kane as respondesse.
- Ela é realmente bonita, não é?
- Quem? - perguntou Edan, fingindo ignorar, enquanto examinava a quantidade de telegramas chegados pela manhã, estudando as ofertas de terras, fábricas, ações, ou o que fosse que Kane estivesse comprando ou vendendo no momento.
- Houston, claro. Droga! Olhe para aquele lan. Jogando! Na idade dele eu trabalhava catorze horas por dia.
- E ele também. E eu também. E por isso que ele está jogando agora - disse, lançando os telegramas na escrivaninha. - Tudo isso aqui pode esperar umas horas. Acho que vou sair e aproveitar o sol, e ouvir falar sobre alguma coisa que não seja dinheiro.
Parou na porta.
- Você vem?
- Não. É melhor que alguém fique aqui e... - Levantou os olhos dos papéis. - Droga, sim, eu vou. A que distância pode alguém bater aquela bola com aquele bastão? Aposto cem como posso ganhar de você ou de qualquer um deles, lá fora.
- Está apostado - disse Edan, dirigindo-se para a porta.
Kane entregou-se ao beisebol como uma criança a um doce. Precisou de três impulsos para acertar pela primeira vez a bola - e ninguém teve a coragem de lhe contar sobre a regra "três- batidas-e-você-estáfora", mas, quando acertou, a bola voou pelo ar e espatifou uma janela do segundo andar. Ficou tremendamente satisfeito consigo mesmo e, daí para frente, começou a dar conselhos para todos.
Uma vez, Kane e lan quase se agrediram com os bastões, mas Houston conseguiu separá-los. Para sua consternação, ambos viraram-se contra ela e lhe disseram que se preocupasse com seus próprios problemas. Ela procurou refúgio ao lado de Sherwin.
- Ian agora se sentirá em casa. Ele e Rafe discutiam o tempo todo. Ele sente falta das discussões.
- Kane também chama a isso de discussão. - Houston deu um gemido. - Você acha que eles vão se ferir?
- Acredito que o seu Kane tem bastante juízo para não deixar chegar a esse ponto. É sua vez de bater, Houston.
Houston não se importou de tentar bater a bola que viera voando para ela, mas apreciou muito quando Kane pôs os braços em sua volta e aconchegou-se para mostrar-lhe como segurar o bastão. lan gritou que Kane estava dando vantagem desnecessária ao time oposto e, enquanto Kane gritava com seu jovem primo, Houston remeteu a bola além da segunda base.
- Corra! - gritava Jean. - Corra, Houston, corra.
Houston disparou a correr o mais rápido que pôde, levantando sua saia até quase os joelhos. Edan, a princípo, ficou parado sorrindo para ela, maravilhado, mas Kane atravessou correndo o campo, agarrou a bola e saiu correndo atrás de Houston. Ela viu que ele se aproximava e pensou que, se a alcançasse, nunca sobreviveria ao impacto. Começou a correr mais depressa, ouvindo que todos lá atrás gritavam a Kane que parasse antes que machucasse Houston.
Alcançou-a na base final, agarrando-a pelos tornozelos e derrubandoa de rosto no chão. Mas ela estendeu o braço e alcançou a placa que deveria tocar para fazer o ponto.
- Salva! - gritou Sherwin.
Kane levantou-se com um salto e começou a gritar com seu tio, e lan, que era do mesmo time que Kane, juntou-se à gritaria. Sherwin continuou lá, bastante tranqüilo.
Jean ajudou Houston a levantar-se e procurou por cortes e machucados. Houston olhou amorosamente para seu marido, que gritava:
- Ele gosta de ganhar, não?
- Não mais do que você - disse Jean, olhando para um rasgão na saia de Houston e a sujeira em seu rosto.
Houston tocou o braço de Kane.
- Querido, uma vez que perdeu feio hoje, talvez pudéssemos parar agora para tomar uns refrescos. Amanhã você tenta novamente.
Por um momento, o rosto de Kane tornou-se sombrio, depois riu, pegou-a nos braços e começou a rodá-la.
- Já venci todos os homens de Wall Street uma ou outra vez, mas você, senhora, não consegui vencer em nada.
- Deixe de fanfarronice e vamos comer alguma coisa - disse Edan, voltando-se para Jean e oferecendo-lhe o braço.
Os dois casais dirigiram-se juntos para a casa, Sherwin e lan atrás.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


21

 

Foi como se o beisebol tivesse quebrado o gelo da família toda. Kane parou de se trancar no escritório na hora das refeições, e Ian começou a conversar. Kane disse a Ian que ele era um sonhador e não conhecia nada do mundo real. Ian considerou as palavras do primo um desafio e sugeriu - num linguajar que fez Houston começar a fazê-lo deixar a mesa - que Kane lhe mostrasse algum mundo "real".
Kane começou introduzir Ian no mundo dos negócios, mostrandolhe relatórios do mercado de ações e ensinando-o como ler um contrato. Em poucos dias, Ian estava falando em termos de milhares de dólares circulando por cidades sobre as quais só conhecia através da leitura.
Um dia, Houston viu Sherwin rabiscando num pedaço de papel. Mais tarde, viu que era um desenho bastante fiel de um dos pássaros do Colorado. Encomendou na loja Sayles um estojo grande e portátil de aquarela e presenteou-o a Sherwin, com uma mentira forjada, de que tinha encontrado o estojo no sótão, e será que ele conhecia alguém que quisesse? Ela temia o orgulho dos Taggert e pensou que ele poderia recusar as tintas.
Sherwin rira com tamanha compreensão que Houston corara. Ele aceitou as tintas e beijou-a na face. Depois disso, passava a maior parte do tempo no jardim, pintando o que lhe agradasse.
Duas vezes, Houston foi visitar Blair na nova enfermaria Westfield para mulheres, recomeçando uma relação com a irmã, depois de tanto tempo de separação. E um dia, Leander telefonou-lhe para se informar sobre a contratação de empregados para Blair e ele. Lee estava cauteloso e hesitante ao conversar com ela, e ela lembrou-se de quando ele tentara lhe falar na igreja, quando o noivado fora anunciado, e como tinha sido rude.
- Lee, estou satisfeita de como as coisas se resolveram. Sou realmente feliz com Kane.
- Nunca quis magoá-la, Houston - ele demorara a responder.
Ela sorriu ao telefone.
- Fui eu quem insistiu para que Blair trocasse de lugar comigo. Talvez soubesse que vocês dois formavam um casal melhor do que nós. Vamos esquecer e ser amigos?
- Isso é o que mais desejo. E, Houston, aquele homem com quem se casou é um bom homem.
- Sim, eu sei, mas por que está dizendo isso?
- Preciso desligar. Obrigado pelos conselhos sobre os empregados. Blair ainda é pior do que eu, nesses assuntos. Provavelmente veremos vocês no domingo, na igreja. Até logo.
Já estavam casados há três semanas, quando Houston falou a Kane que agora já estava pronta para decorar o escritório dele. Ela achou que talvez ele pudesse desaprovar, mas não estava preparada para a violência de sua oposição. Ao expressar o que pensava sobre sua intromissão em seu espaço privado, usou palavras que ela nunca tinha ouvido antes - mas não precisava de muita inteligência para compreendê-las.
Edan e Ian permaneceram no fundo, olhando com interesse, para ver quem iria ganhar essa batalha.
Houston não tinha idéia de como resolver o problema, mas estava decidida.
- Vou limpar e colocar mobília apropriado neste escritório. Ou você me deixa arrumá-lo agora, quando pode supervisionar e dar sua aprovação, ou terei que fazê-lo quando estiver dormindo.
Kane curvou-se sobre ela de um modo ameaçador e Houston inclinouse para trás, mas não cedeu. Kane saiu da sala pisando tão duro que as portas quase se soltaram das dobradiças.
- Malditas mulheres! Não podem deixar homem algum sozinho, estão sempre mudando tudo, não deixam um homem ser feliz. Houston virou-se para olhar Edan e Ian, que lhe deram uns sorrisos sem graça e saíram da sala.
Houston sabia que a sala estava suja e desarrumada, mas quando entrou descobriu que era um chiqueiro. Precisou de seis pessoas e uma hora e meia de trabalho para limpá-la, incluindo as cabeças de leão, em mármore, da lareira. Quando estava limpa, Houston fez os empregados removerem a escrivaninha barata de carvalho e substituí-Ia por outra, de estilo Willian Kent, feita em 1740. Havia três aberturas para cadeiras na grande e escura escrivaninha, duas para os sócios, uma para o visitante. Colocou duas confortáveis cadeiras de couro na escrivaninha e, para Kane, uma enorme cadeira estofada, de couro vermelho. Da primeira vez que vira a cadeira no sótão, já sabia onde deveria ser posta e quem deveria sentar-se nela.
Quando a escrivaninha já estava no lugar, Houston dispensou todos os empregados, exceto Susan, e começou a tirar o conteúdo dos armários. Sabia que seria inútil tentar arquivar os documentos que estavam espalhados em todos os lugares possíveis; fez com que Susan trouxesse ferros quentes e passaram os papéis amassados e colocaram-nos arrumadinhos nas gavetas da escrivaninha.
Nos lados da lareira, havia dois armários de parede, com portas de vidro, ambos cheios de papéis e, em um deles, quatro garrafas de uísque e seis copos que não deviam ter sido lavados nos últimos quatro anos.
Houston pegou-os, mantendo-os o mais afastado que podia.
- Ferva esses. E providencie para que o senhor Taggert sempre tenha copos limpos aqui, todas as manhãs.
Nos armários envidraçados, arrumou uma coleção de pequenas estátuas de Vênus, de bronze.
- O senhor Kane vai gostar dessas aí - disse Susan dando risadinhas e olhando para aquelas mulheres nuas, delicadas e roliças.
- Acho que foram compradas pensando nele.
Na parede norte, havia dois armários embutidos no painel de madeira, e Houston engasgou de espanto quando abriu o primeiro. Misturadas com os papéis havia pilhas de dinheiro, algumas amarradas, outras amassadas em bola, além de notas soltas que voaram para o chão quando a porta foi aberta.
Com um suspiro, Houston começou a tirar tudo.
- Diga a Albert que ligue para a loja de ferragens e peça que me mandem um cofre imediatamente. E traga mais ferros de passar quentes, para ver se conseguimos alisar isso tudo.
Com os olhos arregalados de espanto, Susan obedeceu.
Quando Kane viu seu escritório, olhou-o por um longo tempo, reparando nas cortinas de brocado azul escuro, na coleção de estátuas de mulheres bonitas, e na cadeira vermelha. Sentou-se na cadeira.
- Pelo menos você não pintou-a sala de cor-de-rosa. Agora, vai me deixar voltar ao trabalho?
Houston sorriu ao passar por ele e beijou-o na testa.
- Sabia que ia ficar satisfeito. Quer admita ou não, você gosta de coisas bonitas.
Ele pegou a mão dela, e fitou-a.
- Acho que sim.
Houston deixou a sala sentindo-se voar e sorriu durante toda a prova dos vestidos, na casa da costureira.
Dois dias mais tarde, deram o primeiro jantar, que foi o maior sucesso. Houston só convidou alguns amigos que Kane já conhecia, para que ele se sentisse à vontade, e Kane mostrou-se um anfitrião encantador. Serviu champanhe para as senhoras e acompanhou todos em uma grande volta pela casa.
Só mais tarde, durante o espetáculo que encomendara, Houston teve vontade de desaparecer. Contratara um mágico viajante, para vir depois do jantar fazer uma apresentação. Kane agitou-se na cadeira durante os primeiros dez minutos, e começou, então, a conversar com Edan, que estava próximo a ele, sobre um terreno que queria comprar. Houston cutucou-o e ele virou-se para ela dizendo bem alto que achava que o homem era uma fraude e recusava-se a ficar lá.
Na frente de todos, levantou-se e deixou a sala. Houston, sem se mover, fez sinal ao mágico, para que continuasse.
Mais tarde, depois dos convidados terem partido, Houston encontrou o marido no fundo do jardim. Seguiu os sinuosos caminhos de cascalho até o fundo plano e gramado. A colina íngreme, com a casa no alto, estava às suas costas, enquanto à frente estendia-se um lugar mágico e secreto, de árvores sombreadas e plantas, onde só se ouviam os cantos dos pássaros.
- Não gostei daquele homem, Houston. Não existe essa coisa chamada mágica, e eu não podia ficar sentado lá, fingindo que acreditava - Kane falou sem se voltar, continuando encostado em uma árvore, fumando um charuto.
Ela colocou os dedos sobre seus lábios e deslizou os braços pelo seu pescoço. Ele curvou-se para beijá-la, fazendo com que o corpo dela se ajustasse ao seu.
- Como uma dama como você pode se ligar a um cavalariço como eu?
- Questão de sorte, suponho - respondeu antes de beijá-lo outra vez.
Uma das coisas que Houston gostava mais em Kane era o total des-conhecimento do que era certo e do que era impróprio. Ali por perto, havia empregados que podiam resolver dar uma volta noturna, jardineiros que poderiam vir à procura de uma ferramenta esquecida - mas nada disso preocupava Kane.
- Você usa roupas demais - disse ao começar a desabotoar o vestido dela, afastando o cetim de seus ombros, à medida que progredia.
Quando ela já estava só com a roupa de baixo, o vestido amontoado a seus pés, ele tomou-a nos braços e carregou-a pelo gramado, através de um emaranhado de flores, até um pavilhão de mármore que tinha uma estátua de Diana, a deusa da caça.
Colocou-a na grama, aos pés da deusa, e cuidadosamente retirou o resto de suas roupas, peça por peça, beijando cada parte do corpo que era exposta. Houston estava certa de nunca ter se sentido tão bem em sua vida, e sua paixão foi crescendo devagar, uma vez que queria prolongar aquele momento.
Ele acariciou e alisou seu corpo até que ficasse tonta. O mundo parecia estar rodando e girando em sua volta, e seus dedos começaram a tremer.
Quando por fim ele colocou-se em cima dela, ele sorria como se soubesse quais eram seus pensamentos. Ela agarrou-se a ele, puxando-o para mais e mais perto até que se tornassem uma só pessoa.
Ele continuou a mexer-se lentamente, prolongando seu êxtase, e levando-a a novas alturas de paixão.
- Kane - murmurou seguidamente -, Kane.
Quando por fim ele explodiu dentro dela, ela estremeceu, todo seu corpo tremendo com a força de sua própria liberação.
Ele continuou em cima dela, a pele bronzeada ao luar, o suor brilhando em sua pele.
- O que você fez comigo, mulher? - ela teve impressão de tê-lo ouvido murmurar.
Lentamente afastou-se dela.
- Está com frio? Quer ir para casa?
- Nunca. - Aconchegava-se nele, sentindo o ar frio da montanha em sua pele úmida. Olhou para a estátua acima deles.
- Você sabe que Diana é a deusa virgem, não sabe? Acha que ela se ressentirá com a nossa intromissão?
- Provavelmente ficará com ciúmes - resmungou Kane, correndo sua mão pela pele macia de sua cintura e quadris.
- Por que acha que Jacob Fenton paga a Sherwin para trabalhar nas minas, quando é óbvio que ele está muito fraco para conseguir ganhar seu salário?
O gemido que Kane deu ao rolar para afastar-se era sincero.
- Posso ver que a lua-de-mel acabou. Ou, para você, talvez continue, uma vez que só começou a fazer essas perguntas depois que nos casamos. Suponho que possa se vestir sozinha. Tenho algum serviço para terminar antes de ir me deitar. - E deixou-a.
Houston não sabia se chorava ou ficava satisfeita por ter perguntado a Kane o que perguntara. Havia alguma coisa profunda entre os Fenton e os Taggert, e ela estava cena de que Kane nunca poderia ser verdadeiramente feliz até que se livrasse do que o perturbava.
Na noite seguinte, Houston acordou tremendo e de alguma forma sabia que a vida de sua irmã estava em perigo. Ela ouvira sua mãe repetir diversas vezes a história de como numa tarde, quando tinha seis anos de idade, deixara cair o melhor bule de chá de sua mãe e começara a chorar dizendo que Blair estava ferida. E Blair foi encontrada ao lado de um regato, inconsciente e com o braço quebrado por ter caído de uma árvore. Blair deveria estar assistindo a uma aula de dança. Mas a estranha ligação entre as gêmeas nunca mais se manisfestara - até agora. Kane telefonou para Leander, e ficou abraçado a Houston durante duas horas até que parasse de tremer. De alguma forma, Houston sentiu que o perigo passara, parou de tremer, e caiu num sono profundo.
No dia seguinte, Blair veio à casa de Houston e passou a tarde contando-lhe que sua vida tinha corrido perigo.


Quatro dias mais tarde, Zachary Younger irrompeu em suas vidas. Os Taggert estavam se sentando para jantar quando o menino, perseguido por um empregado, invadiu a sala de jantar e gritou que ouvira dizer que Kane era seu pai, e que ele já tinha um pai e não queria outro. Tomou fôlego e saiu.
Todos pareciam espantados, exceto Kane. Sentou-se enquanto os outros continuavam de pé e perguntou à copeira que sopa teriam esta noite.
- Kane, acho que você deve ir atrás dele - disse Houston.
- Para quê?
- Só para conversar. Acredito que tenha ficado com o coração partido quando descobriu que o homem que pensava ser seu pai não o era.
- Pelo que sei, o marido de Pam foi o pai do menino.
- Talvez devesse explicar isso a ele.
- Não sei conversar com meninos.
Houston olhou para ele.
- Maldita mulher! Mais um ano e estarei falido, porque tenho que passar todo o meu tempo fazendo as coisas tolas que inventa para mim.
Ao dirigir-se para a porta, Houston tocou-lhe o braço.
- Kane, não se ofereça para comprar-lhe nada. Só lhe conte a verdade e convide-o para conhecer o primo lan.
- Por que não o convido para morar aqui e ajudar você a inventar coisas para que eu faça? - Saiu pela porta resmungando.
Kane passou pela porta lentamente, mas Zach estava andando mais devagar ainda. Logo alcançou-o.
- Você gosta de jogar beisebol?
Zach virou-se, seu bonito rosto jovem cheio de fúria.
- Como você, não gosto.
Kane ficou perplexo com a raiva do menino.
- Você não tem motivo para estar zangado comigo. Pelo que sei, seu pai era um homem bom e eu nunca disse o contrário.
- O povo desta cidade insignificante diz que você é meu pai.
- É só uma maneira de dizer. Até poucas semanas atrás, eu nem sabia que você existia. Você gosta de uísque?
- Uísque? Eu... eu não sei. Nunca tomei.
- Venha aqui para dentro então. Vamos tomar um uísque e lhe explicarei tudo sobre mães, pais e meninas bonitas.
Houston ficou nervosa a tarde toda, enquanto Kane e seu filho passaram horas juntos, trancados no escritório. E quando por fim Zachary saiu, ele olhou para Houston por baixo dos cílios, o rosto vermelho, a boca maliciosa.
- Tenho certeza de que Zachary me olhou de maneira estranha.
Kane estudava as unhas da mão esquerda.
- Eu lhe expliquei como se fazem nenês, e acho que exagerei.
Houston olhou-o boquiaberta.
- Tenho que trabalhar hoje à noite, porque Zach amanhã virá jogar beisebol comigo e lan. - Lançou um olhar penetrante a Houston. - Tem certeza de que está bem? Você me parece um pouco verde. Talvez deva descansar um pouco. Dirigir esta casa deve ser muito para você.
Beijou-lhe o rosto antes de voltar ao escritório.


Quatro dias mais tarde, Kane decidiu visitar a loja Vaughn, de artigos de esporte, e ver que outros equipamentos de jogos havia à disposição. O time dele e Edan tinha sido totalmente batido pelo de lan e Zachary. lan passara a maior parte de sua vida dentro de uma mina de carvão e se sentia intimidado por Kane. Ainda não estava tão seguro de si para acusar Kane de não jogar seguindo as regras. Afinal, o bastão era de Kane.
Zach não tinha tais escrúpulos. Fazia Kane seguir as regras ao pé da letra e não deixava seu pai ser o que Kane chamava de "criativo". Até agora, Kane perdia por faltas, por recusar-se a seguir qualquer regra que alguém tivesse feito. Ele queria reescrever o livro de regras de beisebol.
Agora, ele e Edan estavam na loja de artigos de esporte, escolhendo equipamentos de tênis, bicicletas e um conjunto completo para ginástica.
Do outro lado do balcão, estava Jacob Fenton. Ele raramente saía de casa, preferia ficar lendo os relatórios da Bolsa e lamentar o fato de seu único filho não ter o mínimo interesse em negócios. Mas ultimamente, seu futuro tinha se iluminado, porque sua filha, a quem tinha dispensado como indigna há muitos anos, voltara para casa trazendo o filho com ela.
O jovem Zachary era tudo que um homem pode desejar em um filho: ansioso para aprender, interessado, extremamente inteligente, e até tinha senso de humor. De fato, a única falha de Zachary era sua crescente ligação com o pai. Nas tardes em que deveria estar em casa estudando como dirigir as minas de carvão, que algum dia herdaria, ia para a casa do pai jogar. Jacob decidira lutar taco a taco, e comprou para o menino tudo quanto fosse equipamento de esporte que encontrou.
Kane, com os braços carregados de raquetes de tênis e dois pares de halteres de sete quilos, viu-se, de repente, cara a cara com Jacob Feriton. Kane parou, olhando, seu rosto rapidamente começando a mostrar sua raiva.
Jacob não tinha idéia de quem fosse esse homem grande, moreno, exceto que parecia vagamente familiar. A roupa que o homem usava tinha, sem dúvida, custado muito dinheiro.
- Com licença, senhor - disse Jacob, tentando passar.
- Não me reconhece fora do estábulo, não é, Fenton?
Jacob percebeu que esse homem lembrava-o Zachary. E sabia muito bem por que o rosto de Taggert mostrava ódio. Voltou-se.
- Espere um minuto, Fenton. Venha à minha casa jantar daqui a duas semanas, a contar de hoje.
Jacob parou por um momento, de costas para Kane, e fez um leve aceno com a cabeça, antes de sair apressado da loja.
Enquanto Kane punha as compras no balcão, Edan entregava ao ven-dedor a longa lista de equipamentos.
- Mande tudo isso para minha casa - disse, sem se preocupar em se identificar antes de sair e subir na velha carroça.
Quando Edan estava a seu lado, fez os cavalos andarem.
- Creio que comprarei alguma coisa melhor do que esta velha carroça, para andar por aí.
- Por quê? Então você quer impressionar Fenton? Kane olhou para o amigo.
- O que há em sua cabeça?
- Por que convidou o velho Fenton para jantar?
O maxilar de Kane endureceu.
- Você sabe muito bem por quê.
- Sim, eu sei por quê: para mostrar-lhe que conseguiu mais do que ele, para exibir sua casa bonita, sua bela prataria e sua linda esposa. Já pensou o que Houston dirá quando descobrir que você a quer tanto quanto a uma nova carruagem?
- Isso não é verdade, e você sabe disso. Houston às vezes atrapalha muito, mas ela tem suas compensações - disse Kane sorrindo.
Edan abaixou a voz:
- Antes você disse que depois que Houston tivesse servido seu propósito e se sentado ao pé de sua mesa com Jacob Fenton como seu convidado, você se livraria dela e voltaria para Nova York. Acredito que você disse que iria comprá-la com jóias.
- Dei-lhe um baú de jóias e até agora ela nem abriu. Parece que gosta de outras coisas, em vez de jóias.
- Ela gosta mesmo é de você, e você sabe disso.
- Parece. Mas, quem sabe? Se eu não tivesse nenhum dinheiro... - Kane sorriu.
- Dinheiro! Bastardo! Você não pode ver o que está na sua frente. Não convide Fenton. Não deixe Houston saber por que se casou com ela. Você não sabe o que é perder aqueles que se ama.
- Não sei de que diabo você está falando. Não estou planejando perder nada. Tudo que quero é ter Fenton em casa para jantar. Foi para isso que trabalhei quase a minha vida toda, e agora não vou negarme este prazer.
- Você nem sabe o que é prazer. Ambos trabalhamos porque não tínhamos nada mais. Não arrisque tudo, Kane, estou lhe pedindo.
- Não vou desistir de nada. Você não precisa vir se não quiser.
- Eu não perderia seu enterro, e não vou perder isso.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

22

 

AO AJUSTAR um enfeite em seus cabelos, Houston reparou que suas mãos estavam bastante trêmulas. As duas últimas semanas tinham sido ex-tremamente desgastantes. Quando Kane chegara em casa e dissera que planejava convidar os Fenton para jantar, ficara muito feliz por ver isso como uma maneira de acabar com o desentendimento entre os dois homens.
Mas sua felicidade transformou-se em desespero. Não imaginara que Kane se preocupasse tanto com aquilo. Ele perguntou-lhe repetidas vezes se o que estava planejando para o jantar era da melhor qualidade. Inspecionou os convites gravados, fez a sra. Murchison cozinhar todo o elaborado jantar com antecedência, para que pudesse examinar cada prato. Ficou atrás do lacaio, enquanto ele polia a prataria irlandesa, de cem anos. Foi examinar o guarda-roupa de Houston e disse que ela não tinha nada realmente bom para usar nesse jantar, e insistiu que comprasse um vestido branco e dourado, e até escolheu ele mesmo o tecido entre as amostras que a costureira mandara. Mandou fazer roupas novas para todos e contratou dois alfaiates para virem na noite do jantar ajudar os homens a se vestirem. Mandou até fazer novos unifor-mes para todos os empregados, e Houston teve de convencê-lo a não forçar os lacaios a usarem os cabelos empoados, como os dos empregados do príncipe de Gales, segundo vira em uma revista de modas.
No fim de duas semanas, todos rezavam para que a noite terminasse logo. Sherwin e Jean se acovardavam e disseram não estarem se sentindo bem para comparecerem. lan, sua coragem aumentada pela convivência, nos últimos dias, com Zach, disse que não perderia o espetáculo de fogos por nada nesse mundo. Além disso, Fenton, como dono da mina, era para ele a imagem do diabo. Ele estava antecipando o prazer de sentar-se, como igual, na mesma mesa com seu inimigo.
Se o presidente viesse visitá-los, tudo não teria sido feito com mais cuidado - e nenhum grupo de pessoas estaria mais nervoso do que o daquela casa. Houston temia que uma das copeiras derrubasse a sopa no colo de Fenton e que Kane tentasse assassinar a moça no local.
Mas o que fazia as mãos de Houston tremerem era o fato de que Kane prometera contar-lhe o que havia entre ele e Fenton. Parecia que ela sempre quisera saber, mas agora sentia um ímpeto de dizer a Kane que isso não mais lhe importava.
Para aumentar seu medo, houvera um telegrama, no dia anterior, de Pamela Fenton. Pam pedira a Houston que cancelasse o jantar, dizendo que estava com mau pressentimento sobre o que poderia acontecer. Disse que o coração de seu pai não estava forte e temia o temperamento de Kane.
Houston tentara conversar com Kane, mas ele se limitara a dizer que ela não entendia. Disse-lhe, então, que, se ele explicasse, tentaria entender.
Foi, então, que falou que contaria tudo a ela antes do jantar. Agora, sentada defronte ao espelho, se examinando, encontravase tremendo.
Quando viu Kane atrás dela, prendeu a respiração.
- Vire-se, tenho uma coisa para você.
Ela virou-se de costas para o espelho e, ao fazê-lo, Kane deslizou uma cascata de diamantes em volta de seu pescoço. Eles se ajustaram nela como uma gargantilha, com pequenos pingentes caindo sobre o colo. Havia também brincos longos, com pingentes duplos para combinar.
Ele afastou-se para olhá-la:
- Está bom. - E tomou a mão dela na sua, levando-a para seu quarto.
Sem dizer uma palavra, muito ciente da frieza dos diamantes em sua garganta, ela sentou-se na cadeira de brocado azul, em frente de uma mesa redonda marchetada.
Kane dirigiu-se a um painel da parede, afastou para o lado parte da moldura e soltou um pequeno trinco. O painel afastou-se, expondo um cofre embutido na parede.
- Muito poucas pessoas no mundo conhecem a história toda que vou lhe contar. Algumas sabem umas poucas partes e deduziram o resto, mas estavam erradas. Só fui capaz de juntar os pedaços depois de anos de trabalho.
Retirou do cofre uma pasta de couro, abriu-a e entregou a Houston uma pequena fotografia.
- Essa é minha mãe.
- Charity Fenton - murmurou, olhando para a bonita mulher do retrato, muito jovem, com olhos e cabelos escuros. Levantou os olhos e viu surpresa no rosto de Kane. - Edan me contou quem era ela.
- Ele contou a você tudo que sabia. - Entregou-lhe uma fotografia de quatro homens jovens, todos parecendo nervosos e pouco à vontade no estúdio do fotógrafo. Dois deles pareciam-se com Kane.
- Esses são os quatro irmãos Taggert. O mais jovem é Lyle, pai de Ian, o seguinte é Rafe, depois Sherwin, e depois meu pai, Frank.
- Você se parece com seu pai.
Kane não respondeu, mas pôs o resto do conteúdo da pasta sobre a mesa.
- Esses são os originais ou cópias de todos os documentos que pude encontrar, relacionados aos meus pais ou a meu próprio nascimento. Ela só passou os olhos pelos papéis, piscando ao ver uma cópia da árvore da família, que mostrava um Nathaniel Taggert que se casara com uma duquesa francesa, de doze anos de idade. Logo, desviou o olhar e aguardou que ele continuasse a lhe contar a história que havia por detrás dos papéis, para explicar tantos anos de ódio pela família de sua mãe.
Ele andou até a janela, olhando para o jardim.
- Não creio que você saiba alguma coisa sobre Horace Fenton, uma vez que ele morreu antes que você nascesse. Ele era o pai de Jacob. Ou, pelo menos, Jacob pensava que Horace era seu pai. A verdade é que Horace desistira de ter seus próprios filhos, e adotara o bebê recém-nascido de uma família que viajava para a Califórnia e que morrera numa debandada de cavalos. Mas Jacob já tinha alguns anos de idade quando a esposa de Horace finalmente teve uma menina, que foi chamada Charity, por se sentirem felizes. Pelo que pude descobrir, nunca houve criança mais mimada do que a senhorita Charity Fenton. Sua mãe levou-a para viajar pelo mundo todo, seu pai comprava-lhe tudo que queria.
- E como Jacob foi tratado?
- Nada mal. O velho Horace mimou a filha, mas ensinou seu filho adotivo a sobreviver. Talvez assim Jacob pudesse sustentar Charity quando ele morresse. Jacob foi treinado para dirigir o império que Horace construíra. Não estou certo de como se encontraram. Creio que Frank Taggert foi escolhido para apresentar a Fenton algumas queixas sobre a serraria e encontrou Charity. Isso foi antes da abertura das minas de carvão. De qualquer forma, afeiçoaram-se muito depressa, e ela decidiu que queria casar-se com Frank. Não acredito que tenha passado por sua pequena cabeça mimada que o pai negaria alguma coisa.
Houston ouvia-o em silêncio.
- Mas Horace não só recusou deixar sua filha casar-se com um Taggert, como trancou-a no quarto. De alguma maneira, conseguiu escapar e passou dois dias com Frank. Quando os homens de seu pai a encontraram, ela estava na cama com ele, e disse ao pai que iria ter Frank Taggert, mesmo que isso custasse sua vida.
- Que terrível para ele - murmurou Houston.
Kane tirou um charuto de uma gaveta próxima à cama e acendeu-o.
- E o teve mesmo, porque, dois meses mais tarde, contou aos pais que estava grávida.
- De você - disse Houston carinhosamente.
- De mim. Horace pôs a filha para fora de casa, dizendo-lhe que não era mais sua filha. Sua esposa foi para a cama e lá ficou até morrer, quatro meses mais tarde.
- E é por isso que você odeia os Fenton, porque é, por direito, herdeiro igual a Jacob, mas foi mandado para o estábulo.
- Igual, o diabo! - explodiu Kane. - Você ainda não ouviu a metade da história. Charity mudou-se para o cortiço onde os Taggert moravam, o único lugar que podiam ter com o que Fenton lhes pagava, e odiou-o. É claro que ninguém conversava com ela, uma vez que era uma das Fenton, mas, pelo que ouvi, seus modos superiores não ajudavam nada. Dois meses depois de se casar com Frank Taggert, e eu tenho a certidão de casamento aqui, ele foi morto por umas toras que caíram.
- Charity teve que voltar para a casa do pai.
- Ele era um bastardo rancoroso. Charity tentou viver sem ele, mas quase morreu de fome. Conversei com uma empregada que trabalhou para os Fenton, e ela disse que, quando Charity voltou, estava imunda, magra e com a gravidez muito adiantada. Horace lançou-lhe um olhar e disse-lhe que matara a mãe e a única maneira como poderia ficar era como empregada. E mandou-a ir trabalhar na copa.
Houston levantou-se para ficar ao lado do marido e pôs a mão em seu braço. Ela podia senti-lo tremer de emoção. A voz de Kane acalmou-se:
- Depois de ter ficado catorze horas esfregando as panelas de Fenton, minha mãe subiu, deu-me à luz, e então calmamente enforcou-se.
Houston olhava pasma para ele.
- Ninguém ajudou-a?
- Ninguém. Fenton fez com que a pusessem em um quarto no sótão, afastada das outras pessoas da casa e, se ela chamou alguém, ninguém pôde ouvi-Ia.
- E o que fez Horace Fenton?
- Foi ele quem a encontrou. Quem sabe? Talvez sua consciência perturbara e ele fora procurá-la, mas foi muito tarde. Ela já estava morta.
Houston estava assustada com o que ouvia.
- Poucas pessoas puderam me contar muito do que aconteceu deois disso, portanto tive que juntar os pedaços. Horace providenciou ma ama-de-leite para mim, e então passou um dia fechado no escriírio, com uma bateria de advogados. Vinte e quatro horas depois de harity ter se enforcado, colocou uma pistola na cabeça e disparou.
Houston sentou-se. Não havia nada que pudesse falar. Pensava em Kane tendo que viver com essa tragédia a vida toda.
- E então você foi criado pelos Fenton.
- Eu não fui criado por ninguém, droga. Quando o testamento de lorace Fenton foi lido, dois dias após seu suicídio, descobriu-se que ido que possuía tinha sido deixado para o filho de Charity.
- Você?
- Eu. Jacob não possuía um centavo. Ele foi deixado como guarião de Kane Franklin Taggert, que, então, tinha três dias de idade.
- Mas eu não entendo. Pensei...
- Pensou que eu tinha nascido sem um tostão. Jacob não deixou sala durante horas, depois de o testamento ter sido lido, e, quando s advogados saíram, tinha conseguido subornar todos eles e forjar um ovo testamento, onde dizia que era o herdeiro de tudo.
- E você?
- Disseram que o bebê de Charity tinha morrido ao nascer e me nandaram passar os seis primeiros anos de minha vida numa fazenda pós outra. Jacob tinha medo que eu ficasse com uma família, pois poleria acabar descobrindo a verdade sobre meu nascimento.
- Ou que os Taggert pudessem descobrir que você estava vivo. Não posso imaginar Rafe deixando seu sobrinho ser roubado de sua herança.
- Dinheiro dá poder, e nenhum dos Taggert alguma vez teve dinheiro.
Houston atravessou a sala.
- E Jacob não quis desistir de tudo pelo que trabalhou durante tolos esses anos. Ele devia pensar em Horace como seu pai e, no entanto, io último minuto ele foi repudiado como se não significasse nada. E udo foi dado para uma criança.
- Você está do lado dele?!
- Claro que não. Só estou tentando apurar por que ele faria uma oisa tão horrível. E se ele guardasse o dinheiro em confiança para voé, e quando você se tornasse maior decidisse botá-lo para fora?
- Eu não faria uma coisa dessas.
- Claro, só que ele não tinha meios de saber disso. E agora? Vai processá-lo?
- Inferno, não. Eu sei disso há muitos anos.
- Você não está planejando tomar o dinheiro de volta, está? Logo agora que seu próprio filho está morando com os Fenton, você não o poria para fora, poria?
- Espere só um desgraçado minuto, antes de começar a tomar o partido de Fenton nisso tudo. Tudo que eu sempre quis foi ter Fenton algum dia sentado à minha mesa, que seria maior que a dele, e ter uma dama de primeira classe na cabeceira.
Houston olhou-o durante um longo tempo.
- Talvez você deva me contar o resto da história. Por que convidou o senhor Fenton para jantar, e onde eu entro nisso tudo? - perguntou calmamente. Por alguma razão, podia sentir o medo percorrer seu corpo.
Kane virou-se de costas.
- Todos aqueles anos que trabalhei nos estábulos, todas as vezes que limpei as botas de Fenton, achava que estava sonhando alto demais ao imaginar-me naquela casa grande dele. Pam e eu começamos a vadiar por aí, e quando menos esperava ela fez as malas e foi-se, deixando-me quinhentos dólares e um até-logo-foi-um-prazer. O velho Jacob chamou-me em seu escritório e gritou que eu nunca teria aquilo pelo qual trabalhara tanto. Na ocasião, pensei que se referisse a Pam. Peguei o dinheiro e fui para a Califórnia. Depois de uns poucos anos, quando já tinha ganho algum dinheiro, começei a pensar sobre o que Fenton quisera dizer quando me pôs para fora. Contratei alguns homens para procurar as respostas para mim. Demorou um tempo, mas anal eu soube a verdade.
- E planejou vingar-se do senhor Fenton. E eu fui parte de seu plano - murmurou Houston.
- É uma maneira de dizer. A princípio, tudo que eu queria era dinheiro suficiente para não me preocupar ou tornar a ser um cavalariço, mas, depois de ter sabido a verdade sobre o que fora roubado de mim, comecei a imaginar convidar Fenton para jantar em minha casa, e minha casa seria cinco vezes maior que a dele. E, sentada ao pé da mesa, estaria Pam, a filha para a qual eu não era suficientemente bom.
- Mas você não pôde conseguir Pam.
- Descobri que ela estava casada e tinha um filho. Não sabia que o filho era meu, portanto desisti da idéia de tê-la. É claro que eu tinha que construir minha casa em Chandler, porque, se fosse em algum outro lugar, ninguém saberia que o cavalariço tinha progredido. E queria que Fenton a visse diariamente. Então, comecei a pensar quem ficaria tão bem à minha mesa como Pam, e sabia que as únicas damas verdadeiras nesta cidade eram as gêmeas Chandler. Contratei alguém para pesquisar sobre vocês duas, e logo vi que Blair não servia. Fenton poderia rir por eu só ter conseguido alguém que ninguém queria.
- Você tinha que ter uma dama real, verdadeira, de berço - murmurou Houston.
- Eu queria e consegui. Fiquei um pouco perturbado quando lhe pedi a primeira vez e você me repeliu, mas sabia que voltaria. Eu tinha mais dinheiro do que Westfield já tivera, e sabia que você se casaria comigo.
Tirou o relógio do bolso.
- Está na hora de descermos. Estive esperando por isto durante muito tempo.
Segurou o cotovelo de Houston e acompanhou-a até a escada.
Houston estava muito entorpecida para falar. Ele se casara com ela porque a queria como um instrumento de vingança. Ela pensava que ele a queria por precisar dela. Esperava que ele, se não a amasse, pelo menos já gostasse dela. Mas a verdade era que ele só a estava usando.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


23

 


HOUSTON PASSOU o jantar todo sentindo que sua pele estava tão ge-lada como os diamantes em seu pescoço. Movia-se e falava como se estivesse num sonho. Graças aos anos de treino conseguiu dirigir a conversa e orientar os empregados que serviam a refeição.
Aparentemente, nada parecia estar errado. Pam parecia consciente da tensão, e ajudava da melhor maneira que podia. Ian e Zach falavam de esportes, Jacob olhava para a comida em seu prato e Kane observava tudo com uma expressão de orgulho.
O que será que planejou fazer comigo depois que eu tiver servido ao seu propósito, pensava ela. Será que iria para algum outro lugar, agora que tinha feito o que queria em Chandler? Lembrava-se de todas as queixas que ele fizera sobre tentar fazer negócio nessa cidadezinha aborrecida. Como ela nunca adivinhara por que ele construíra esta casa? Todos na cidade fizeram essa pergunta enquanto a casa estava sendo construída, mas depois que ela se apaixonou por ele, os comentários cessaram.
Ele chegara na cidade e fora direto procurar Jacob Fenton e anunciar sua chegada, perguntando ao velho homem se ele gostara de sua casa. Por que Houston não tinha percebido que tudo na vida de Kane era regido pelos seus sentimentos pelos Fenton?
E Houston tinha sido somente uma parte de sua vingança.
Para o homem a quem dera seu coração, era apenas um instrumento para ser usado no jogo que queria e tinha que vencer. E o homem que escolhera para amar era o tipo de pessoa capaz de dedicar sua vida a uma emoção violenta como a vingança.
A comida parava em sua garganta. Tinha que se esforçar para engolir. Como pudera se equivocar tanto sobre Kane?
Quando por fim a longa refeição terminou, Houston levantou-se, preparando-se para encaminhar Pam à pequena sala de estar, deixando os homens com seus charutos.
As duas mulheres falavam sobre assuntos comuns - roupas, onde comprar os melhores aviamentos, as melhores costureiras da cidade -, mas não diziam nada sobre o encontro a que tinham sido submetidas. No entanto, por duas vezes, Houston percebeu o olhar inquiridor de Pam.

 

Kane levou Jacob Fenton para seu escritório, onde ofereceu-lhe um dos charutos que Houston tinha lhe dado, e um conhaque de cem anos, em um copo de cristal irlandês.
- Nada mau para um cavalariço, hein? - começou Kane, olhando para Fenton, através da névoa da fumaça do charuto.
- Muito bem, já me mostrou sua casa enorme. Agora, o que você quer?
- Nada. Só a satisfação de vê-lo aqui.
- Espero que não ache que vou acreditar nisso. Um homem que teve tanto empenho para me mostrar como está bem de vida não vai parar com um jantar. Mas eu lhe aviso que, se tentar tirar o que e meu, eu...
- Você o quê? Vai subornar mais advogados? Aqueles três bastardos ainda estão vivos, e, se eu quisesse, poderia pagar-lhes mais do que você só para que dissessem a verdade.
- É bem de um Taggert. Vocês sempre tiram aquilo que não possuem. Seu pai levou Charity, uma coisinha doce e linda, e sujeitou-a a horrores que fizeram com que se enforcasse.
O rosto de Kane ficou vermelho de raiva.
- Horace Fenton causou a morte de minha mãe, e você roubou tudo que eu tinha.
- Você não tinha nada. Tudo era meu. Estava dirigindo os negócios há anos. E não deixaria nunca que tudo fosse para um bebê chorão. Preferia vê-lo morto antes. E, depois, você, um Taggert, quis me tirar a filha. Você pensa que eu ia tranqüilamente deixar você fazer com minha filha o que seu pai fez com minha irmã?
Kane avançou sobre o homem velho e pequeno:
- Olhe bem para este lugar. Isto é o que eu daria para sua preciosa filha. É assim que eu a trataria.
Jacob apagou seu charuto.
- Com certeza. Já pensou que talvez eu tenha lhe feito um favor? Foi o seu ódio por mim que o tornou rico. Se tivesse ganho Pamela e recebido o dinheiro de meu pai, provavelmente nunca teria trabalhado um dia de sua vida.
Dirigiu-se para a porta:
- E, Taggert, tente tirar de mim o que pensa que lhe pertence, que processarei essa sua linda esposa por entrada ilegal nos campos de carvão.
- O quê? - Kane perguntori espantado.
- Eu me perguntava se você sabia. - Jacob sorriu. - Bem-vindo ao mundo dos ricos. Você nunca pode ter certeza se as pessoas querem você ou seu dinheiro. Essa pequena e doce dama com quem se casou está metida até as orelhas em revoltas. E está usando todos os seus relacionamentos, inclusive o seu comigo, para começar o que pode se transformar mesmo em uma guerra sangrenta. É melhor avisá-la de que, se não se acalmar, deixarei de honrar o relacionamento dela com os Taggert. Agora, boa-noite, Taggert. - Saiu da sala.
Kane sentou-se sozinho durante um longo tempo. Ninguém o perturbou enquanto bebia quase uma garrafa de uísque.


- Senhorita Houston! - Susan entrou correndo na sala de estar, onde Houston andava de um lado para o outro. - O senhor Kane quer que vá ao escritório, agora. E parece estar muito zangado.
Houston respirou fundo, ajeitou o vestido e desceu para o vestíbulo. Jacob tinha lhe dado um agradável boa-noite e saído duas horas atrás, com sua filha. Houston não fizera nada, além de pensar, desde que os Fenton partiram. Nunca pensara sobre onde sua vida a levava. Parecia que sempre aceitara o que a vida lhe oferecia. Agora, era hora de tomar algumas decisões próprias.
Ele estava sentado à sua escrivaninha, sem paletó, a camisa aberta até a metade do peito, e uma garrafa de uísque quase vazia na mão.
- Pensei que estivesse trabalhando.
- Você arruinou tudo, você e suas mentiras arruinaram tudo.
- Eu... eu não tenho idéia do que está falando - disse, sentandose em uma das cadeiras de couro, defronte da escrivaninha.
- Você não queria só meu dinheiro, você queria minha ligação com os Taggert. Você sabia que Fenton a deixaria fazer seu trabalho ilegal, devido ao seu relacionamento comigo. Diga-me, você sua irmã pensaram em todo esse esquema? Como pensavam usar Westfield em tudo isso?
Houston levantou-se rígida.
- Isso não faz sentido para mim. Só soube o nome de saa inac no dia de nosso casamento. Não poderia ter usado alguma coisa da qual não tinha conhecimento.
- Uma vez, eu disse a Edan que você era uma boa atriz, mas não tinha idéia do quanto era capaz. Quase me fez acreditar, quando dizia que casara comigo por amor, mas durante todo o tempo usava meu nome para entrar nos campos de carvão.
Houston respirava com dificuldade.
Kane levantou-se e inclinou-se sobre a escrivaninha, na direção dela:
- Trabalhei a vida toda para esta noite e você a destruiu. Fenton ameaçou de processar minha amada esposa e dizer ao mundo como você estava me usando. Já posso ver as manchetes.
Houston não tinha ainda voltado de seu espanto.
- Sim - disse suavemente. - Eu entro nos campos de carvão, mas não tem nada a ver com você, uma vez que já fazia isso muito antes de conhecê-lo. Você está obcecado pelo seu dinheiro e pensa que todos o querem. - Afastou-se da escrivaninha. - Nos últimos meses, por ãa causa, aprendi muito sobre mim mesma - continuava. - Minha irmã dizia que eu era a pessoa mais infeliz que ela conhecia, e tinha medo que tentasse contra minha própria vida. Nunca pensei que ela estava dizendo a verdade, porque até encontrã-lo nunca experimentara felicidade. Até que começássemos a passar dias juntos, nunca questionei por que não tinha, como disse você, "mandado todos para o inferno" e dançado com meu vestido vermelho. Mas com você aprendi como é bom fazer coisas por mim mesma, e não ter que estar sempre tentando agradar alguém. E agora, sinto que posso tomar algumas decisões pessoais. Não quero viver com um homem que construiu uma casa como essa e casou-se com uma mulher a quem não queria, apenas para se vingar de um velho que tentava proteger o que era seu de direito. Posso entender e quase perdoar as ações do senhor Fenton, mas não -s suas. Pode pensar que casei com você por seu dinheiro, mas casei porque me apaixonei por você. Acho que amava um homem que vivia mente na minha imaginação. Você não é aquele homem. Você é um estranho para mim, e não quero viver com um estranho.
Kane olhou-a por um momento, depois afastou-se.
- Se pensa que vou pedir que fique, está errada. Foi muito divertido, garota, mais do que esperava, mas não preciso de você.
- Sim, você precisa - disse Houston com calma, tentando controlar lágrimas que apareciam em seus olhos. - Você precisa de mim mais que pode imaginar, mas só posso dar meu amor a um homem que ja digno de meu respeito. Você não é o homem que pensei que fosse.
Kane foi até a porta fechada e abriu-a, fazendo um gesto largo com no o braço para deixá-la passar.
Houston conseguiu passar por ele e saiu. Nem uma vez pensou em pegar roupas ou levar qualquer coisa com ela.
Uma carruagem parou fora do caminho.
- Está indo embora, não é? - perguntou Pamela Fenton, de dentro da carruagem.
Houston olhou para a mulher com tamanha raiva que Pam perdeu o jeito.
- Sabia que alguma coisa horrível tinha acontecido. Meu pai está agora com o médico em casa. Ele tremia como se seus ossos fossem quebrar. Suba, Houston. Eu agora tenho uma casa aqui, e você pode ficar comigo e Zach, até que resolva as coisas.
Houston ficou olhando a mulher, até que Pam desceu da carruagem e foi meio empurrando, meio puxando, que conseguiu pô-la no veículo. Houston não tinha idéia de onde estava. Só pensava que agora tudo terminara, que tudo que tinha se acabara.


Kane entrou repentinamente na grande sala de estar do andar de cima, que lan e Edan compartilhavam. Edan estava sozinho, lendo.
- Quero que descubra tudo que puder sobre as idas de Houston aos campos de carvão.
- O que quer saber? - disse Edan, lentamente, abaixando seu livro.
- Quando? Como? Por quê? Qualquer coisa que possa descobrir.
- Todas as tardes de quarta-feira, ele se veste como uma velha, passa a chamar-se Sadie, e dirige uma carroça de legumes até o campo. Dentro da comida, ela esconde remédios, sapatos, sabão, chá, qualquer coisa que possa levar e dar para as esposas dos mineiros. Mais tarde, Jean Taggert devolve os vales com que as mulheres pagaram Houston.
- Você sabia tudo isso e não se preocupou em me contar? - gritou Kane.
- Você mandou-me vigiá-la, mas nunca se preocupou em perguntar o que descobrira.
- Fui traído de todos os lados! Primeiro, essa cadelinha mentirosa, e agora você. E Fenton sabia tudo que estava acontecendo.
- Onde está Houston, e o que disse a ela?
O rosto de Kane endureceu:
- Acabou de sair pela porta da frente. Ela não pôde encarar a verdade. Assim que soube que eu estava por dentro de seu esqueminha de me usar e ao meu dinheiro para conseguir o que queria, fugiu. Livreime dela. Não preciso de cavadoras de dinheiro...
Edan agarrou Kane pelo ombro:
- Seu imbecil filho da puta. Aquela mulher é a melhor coisa que já lhe aconteceu, mas você é estúpido demais para ver isso. Tem que encontrá-la.
- Nada disso. - Kane livrou-se. - Ela era igual às outras; era uma prostituta de alto preço.
Kane nem mesmo viu a direita que o atingiu no rosto e mandou-o para o chão. Edan continuou de pé perto do grande homem moreno, enquanto Kane esfregava o queixo.
- Sabe de uma coisa? Também já tive o suficiente. Estou cansado de me esconder do mundo. Passei meus vinte anos fechado em quartos feios com você, só trabalhando para ganhar dinheiro. E para quê? A única coisa que comprou foi esta casa, e fez isso porque queria vingarse. Uma vez Houston disse-me que eu era tão mau quanto você, me escondendo, sempre à sua disposição, e cheguei à conclusão de que ela estava certa.
Edan afastou-se e esfregou as juntas da mão.
- Acho que está na hora de eu encontrar minha própria vida. Fui pago pelos anos que me dediquei a seus objetivos, e tenho uns poucos milhões guardados. Vou pegá-los e fazer alguma coisa com minha vida. Estendeu sua mão para se despedir, mas Kane ignorou-o.
Mais tarde, Kane viu lan, Jean e Sherwin irem na carroça com Edan, o que significava que somente os empregados permaneciam, e ele não esperou até de manhã para despedi-los.

 

 

24

 

HOUSTON ESTAVA no quarto de Pam, mas parecia não ter consciência do que a cercava.
- Primeiro, vamos pô-la em uma banheira de água quente, e depois poderá me contar o que está acontecendo.
Houston continuou parada, enquanto Pam saiu para encher a banheira. Ela parecia não se dar conta do que acontecera naquela noite. Apaixonara-se por um homem que a estava usando.
- Já está pronto - disse Pam, empurrando Houston para o banheiro azulejado de rosa. - Dispa-se, enquanto telefono para saber como está meu pai. Houston! Não fique aí parada, olhando, como se o mundo fosse acabar.
Acostumada a obedecer durante anos, Houston agia como um animal treinado, e, quando Pam voltou, estava imersa na enorme banheira, com espuma até o pescoço.
- O doutor Westfield finalmente acalmou meu pai. Ele está muito velho para agüentar noites como esta. O que foi que Kane disse a ele? Pelo que sei, a única coisa que o deixaria tão transtornado seria alguma coisa sobre Zachary. Se Kane pensa que vai tirar o meu filho, é melhor que esteja preparado para brigar.
- Não. Ele não está atrás dó filho. Nada de tão nobre - disse Houston com voz cansada.
- Acho que devia me contar.
Houston olhou para essa mulher que realmente não conhecia, uma mulher que fora o amor da vida de seu marido.
- Por que está me ajudando? Sei que você ainda o ama.
Pam apertou os olhos por um momento:
- Então ele lhe contou, não foi?
- Sei que ele... recusou seu convite.
- Que delicadeza a sua. - Pam riu. - Presumo que ele não se deu ao trabalho de lhe contar que eu também entendi que nunca poderíamos viver juntos? Chegamos a uma compreensão mútua de que se nos casássemos provavelmente nos mataríamos em três meses. Agora, conte-me o que aconteceu entre você e Kane. Está tudo em família, se é o que está pensando, e, mais cedo ou mais tarde, todos saberão.
Se Kane decidisse tirar o dinheiro de Fenton que era legalmente seu, então todos saberiam mesmo, pensou Houston.
- Sabe quem era a mãe de Kane? - perguntou suavemente. - Não tenho idéia. Não me lembro de alguma vez ter considerado que ele tivesse uma rnãe. Talvez porque ele sempre pareceu muito autosuficiente para precisar de uma coisa simples como uma mãe. Acho que pensava que ele chegara à terra por si mesmo.
Houston sentou-se na banheira e contou a história de Charity Taggert com bastante vagar, tentando não alterar nada dos fatos com seu próprio ponto de vista.
No final da história, Pam comentou:
- Eu não tinha idéia. Você está dizendo que tudo que meu pai tem legalmente é de Kane. Não é de admirar que sinta tanta raiva de meu pai, e que meu pai esteja tremendo de medo. Mas, Houston, você não abandonou Kane esta noite por ele não ter nascido pobre. O que mais aconteceu?
Foi mais difícil para Houston falar sobre si mesma, admitir para Pam que tinha sido a segunda escolha e que, agora que já fizera o que Kane queria, não tinha mais utilidade para ele.
- Desgraçado! - disse Pam, levantando-se e andando de lá para cá. - Ele se sentiria completamente justificado em dizer-lhe que se casou com você pelo que pensa que precisa. Ele é o homem mais estragado que já encontrei em minha vida.
Houston, começando a mostrar sinais de vida, levantou a cabeça para olhar Pam.
- Ele gosta de imaginar que sua vida foi de grande miséria, mas eu posso lhe dizer que ele era o verdadeiro administrador de nossa casa, quando morava lá. As pessoas me menosprezaram por ter-me apaixonado pelo rapaz do estábulo, mas só porque nunca tiveram em seus estábulos alguém como Kane Taggert.
Sentou-se outra vez na cadeira, inclinando-se para a frente, o rosto raivoso.
- Você o conhece. Viu seu temperamento e como dá ordens para todos em sua volta. Você pensa que alguma coisa foi diferente, só porque supunha-se que fosse o empregado de alguém?
- Não creio que realmente já tivesse pensado nisso. Marc disse que Kane era um tirano.
- Tirano? - Pam, ofegando, levantou-se outra vez. - Kane dirigia tudo. Mais de uma vez, meu pai teve que faltar a compromissos de negócios porque Kane dizia que não podia preparar uma carruagem ou um cavalo, que os animais não estavam prontos para viajar. No jantar, comíamos o que Kane gostava, porque a cozinheira achava que suas preferências eram mais importantes que as de papai.
Houston lembrou-se de como a sia. Murchison sucumbira às brinca-deiras de Kane e como o adorava.
- Ele sempre foi um rapaz bonito e sabia como conseguir o que queria das mulheres. As copeiras arrumavam seu quarto, lavavam suas roupas, levavam-lhe refeições. Ele não dirigia a Fenton Coal and Iron, mas dirigia nossa casa. Não posso nem imaginar o que ele teria sido se soubesse que todo o dinheiro era legalmente seu. Talvez meu pai tenha lhe feito um favor. Pode ser que morar nos estábulos tenha lhe ensinado alguma humildade, porque é certo que não nasceu com ela.
Pam ajoelhou-se ao lado da banheira.
- Você tem minha permissão para ficar aqui o tempo que quiser. Se quer minha opinião, acho que está certa em deixá-lo. Ele não pode casar-se com uma pessoa a fim de realizar algum plano de vingança. Agora, saia dessa banheira enquanto lhe preparo uma xícara de chocolate que a ajudará a dormir.
Mais uma vez, Houston fez o que lhe mandavam, enxugando-se e vestindo uma camisola de Pam.
Logo depois voltou com uma fumegante caneca na mão.
- Se isto não a fizer dormir, fará com que não se importe de ficar acordada. Agora, vá para a cama. Amanhã tem que ser melhor do que hoje.
Houston tomou quase todo o chocolate e dormiu logo. De manhã, quando acordou, o sol já ia alto no céu e ela sentia uma forte dor de cabeça. Dobrada ao pé da cama estava sua roupa de baixo e um robe. Um bilhete de Pam dizia que tivera que sair, e que se servisse do café, embaixo, e falasse com a empregada se precisasse de alguma coisa.


- Edan - Jean Taggert estava dizendo, - não sei como agradecerlhe por tudo que fez esta noite. Não há necessidade de você ficar aqui, comigo.
Eles estavam no corredor do Chandler Hotel. Ambos pareciam cansados. Depois de deixarem a casa de Kane, vieram para o hotel. Ian tinha ido logo para a cama, mas Sherwin estava extremamente perturbado pelos acontecimentos da noite e, devido à sua fraqueza, começara a tossir e perder o fôlego. Ele falava com dificuldade, e dizia que estava com medo de que Jean e Ian tivessem que voltar para os campos de carvão.
Edan chamou o dr. Westfield, e, em questão de minutos, ele estava lá, já vestido, pois acabara de ir ver Jacob Fenton. Edan também acordou o pessoal do hotel e fez com que trouxessem garrafas de água quente e cobertores extras. Mandou o boy tirar o farmacêutico da cama para aviar a receita para Sherwin.
Jean pôde ficar ao lado do pai durante a noite toda e assegurar-lhe que ela e Ian não voltariam para as minas, enquanto Edan tratava de todos os detalhes necessários.
Agora, com o sol nascendo e Sherwin por fim dormindo, eles estavam do lado de fora de seu quarto.
- Não posso lhe agradecer o suficiente - disse Jean pela milésima vez.
- Então, pare de tentar. Gostaria de tomar um café?
- Você acha que a sala de jantar está aberta a esta hora? Edan sorriu e tirou um fio de cabelo solto dos olhos dela.
- Depois da noite passada, este hotel está com tanto medo de mim, que farão qualquer coisa.
Ele estava certo. Um funcionário com ar cansado acompanhou-os à sala de jantar, tirou duas cadeiras de cima de uma mesa perto da janela e foi arrancar o cozinheiro da cama. Infelizmente, o cozinheiro morava a uns seis quilômetros afastado da cidade e levou um bocado de tempo para chegar. Nem Jean nem Edan repararam que o café levou cerca de duas horas para ficar pronto.
Conversaram sobre quando já estavam crescidos, Jean contando como tomara conta de todos os homens de sua vida, de sua mãe morrendo quando tinha onze anos. Edan contou de sua família, de suas mortes no fogo e como Kane o pegara.
- Kane foi bom para mim. Eu não queria mais amar ninguém. Tinha medo de que também morressem, e não acreditava que agüentaria ficar sozinho outra vez.
Pousou o guardanapo.
- Está pronta para ir? Acho que os escritórios já devem estar abertos.
- Sim, claro - disse, levantando-se. - Não queria afastá-lo de seu trabalho.
Ele pegou-a pelo cotovelo.
- Eu não quis dizer eu, mas sim nós. Você e eu vamos a um corretor de imóveis comprar uma casa, hoje. Tem que ser grande para ter lugar para todos nós.
Ela afastou o braço e virou-se para olhá-lo.
- Todos nós? Não sei o que você quer dizer, mas Ian, meu pai e eu não podemos viver com você. Conseguirei um serviço na cidade, talvez Houston possa me ajudar, e Ian pode ir para a escola e trabalhar depois. Quanto a papai...
- Seu pai se odiaria por ser um peso para vocês dois, e Ian está muito grande para ir à escola com os outros. Ele fica melhor com o tutor. E você não conseguiria ganhar o suficiente para sustentá-los. Agora, venha comigo e ajude-me a encontrar uma casa grande. Você pode ser minha governanta.
- Não posso aceitar isso. Não posso ser a governanta de um homem solteiro - falou consternada.
- Seu pai e primo estarão lá como guardiões, caso eu tente molestála, e, pelo que vi nos últimos meses da vida de casado, até que gosto da idéia. Ora, Jean, feche sua boca e vamos fazer compras. Com certeza teremos que adquirir móveis, comida e todo tipo de coisas antes que possamos sair deste hotel. Você acha que o pessoal daqui se proporá a nos ajudar, se souber que sua ajuda fará com que saiamos mais depressa?
Jean estava muito espantada para dizer alguma coisa e Edan acompanhou-a até o quarto do pai para lhe dizer aonde iam. No fim, lati, Jean e Edan foram ao corretor de imóveis.


Houston estava sentada à mesa de jantar de Pam, mexendo na tigela de mingau de aveia, sem prestar atenção.
Pam entrou na sala, tirando as longas luvas de camurça branca.
- Houston, a cidade toda está agitada com os boatos sobre a noite passada. Primeiro, depois que você saiu, parece que Kane e Edan tiveram uma briga no quarto de cima. Uma das empregadas disse que a luta durou horas e, quando terminou, Edan deixou a casa imediatamente - disse Pam, sem cumprimentar.
- Edan também saiu? - perguntou Houston com os olhos arregalados.
- Não só Edan, mas também os outros Taggert: Jean, Ian e Sherwin. E, quando eles se foram, Kane desceu e despediu todos os empregados.
Houston recostou-se na cadeira e deu um profundo suspiro.
- Ele dizia que estava cansado de todos nós tomando tanto de seu tempo. Acredito que agora possa trabalhar o quanto quiser... ou voltar para Nova York e trabalhar lá.
Pam tirou o alfinete do chapéu, ajeitando as plumas de avestruz que encimavam a palha branca italiana.
- Ainda não contei metade dos acontecimentos. Edan e Jean foram para o Chandler Hotel e mantiveram o pessoal acordado a noite toda, cuidando de Sherwin que estava, segundo pude apurar, à beira da morte. E hoje pela manhã compraram uma casa juntos.
- Edan e Jean? E Sherwin, está bem?
- Os boatos dizem que está ótimo. Edan e Jean compraram aquela enorme casa dos Stroud, no fim da Avenida Archer, de frente ao hospital de Blair. Edan pagou à vista e, depois de assinarem os papéis,
Jean voltou para o hotel e Edan foi ao The Famous, onde comprou, espero que esteja certa, três blusas de senhora, duas saias, um chapéu, dois pares de luvas e roupas de baixo sortidas. Aquela pequena desagradável, Nathan, atendeu-o e ficou atrás do pobre homem até que admitisse que a mulher secreta, para quem estava comprando as roupas, tinha aproximadamente o mesmo tamanho da senhorita Jean Taggert. Se Edan não se casar com ela depois disso, seu nome não valerá muito nesta cidade.
Parou um momento.
- E, Houston, é bom que saiba que o Chandler Chronicle está in-sinuando que há outra mulher envolvida em tudo que aconteceu na noite passada.
Houston levantou a xícara de café. O jornal local não a preocupava. O sr. Gares, durante anos, se queixara de que o jornal não era mais que um monte de boatos, consistindo em relatos das mortes mais bizarras de todo o mundo e artigos fúteis sobre onde cada família de duques ingleses estava passando o inverno. Ele suspendera a entrega do jornal depois que apresentara uma história de meia página, na qual um italiano declarava que as mulheres anglo-saxônicas são as que melhor beijam no mundo.
- Onde você ouviu tudo isso?
- Onde podia ser, senão na casa de chá da senhorita Emily? Houston quase engasgou com o café. A Irmandade!, pensou. Tinha que convocar uma reunião de emergência para avisá-las de que Jacob Fenton sabia sobre as mulheres se disfarçando e entrando ilegalmente nos campos de carvão. Tudo que o homem tinha que fazer era ficar com muita raiva de Kane e mandar prender as mulheres.
- Posso usar seu telefone? Tenho alguns chamados para fazer.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


25


EM PRIMEIRO LUGAR, Houston ligou para sua mãe e interrompeu uma crise de choro de Opal. Depois de conseguir acalmá-la, sem lhe dar muitas informações, persuadiu Opal a ajudá-la, ligando para alguns membros da Irmandade. O único lugar adequado para o encontro, onde estivessem certas de não serem ouvidas, parecia ser o andar de cima da casa de chá.
- Então, às duas horas - disse Houston, ao desligar e começar a fazer outras chamadas para aquelas que tinham telefone em casa.
Quando as mulheres finalmente se encontraram, na sala da srta. Emily, todas olhavam meio desconfiadas para Houston. Ela estava certa de que todas estavam morrendo de curiosidade para saber a verdade sobre o que tinha acontecido na noite anterior.
- Na noite passada, descobri umas informações muito importantes. Jacob Fenton sabe sobre nossas idas aos campos de carvão. Não estou certa de quanto ele sabe exatamente, mas convoquei esta reunião para discutirmos os fatos.
- Mas os guardas não sabem, não é? - perguntou Tia. - É só Fenton que sabe? Ele contou para outras pessoas? Como ele descobriu?
- Não sei nenhuma dessas respostas. Tudo o que sei é que ele sabe que nos disfarçamos e entramos nos campos... e ameaçou processar-me.
- Você? Por que particularmente você? Por que não todas as que dirigem as carroças? - Blair estava ofegante.
Houston olhou para o chão.
- Tem alguma coisa relacionada com meu marido e o senhor Fenton, mas não acredito que eu seja presa.
- Acho que não podemos arriscar. Você tem que parar de ir lá - disse Blair.
- Espere um minuto! - disse a srta. Emily - Fenton já devia saber disso há muito tempo. Ele não acabou de tomar conhecimento ontem e foi correndo para sua casa ameaçá-la. Estou certa, Houston? Ela assentiu com a cabeça.
- Não é da minha conta, claro, mas estou certa se disser que muita coisa aconteceu ontem à noite na casa de Taggert, e que a declaração de Fenton sobre o conhecimento de nossas idas foi somente uma parte do que aconteceu?
Outra vez, Houston concordou.
- Minha opinião é que Fenton decidiu que o que fazemos não é tão prejudicial e, portanto, nos deixa ir aos campos, sem sermos molestadas. Se estou certa, e eu conheço Jacob, provavelmente deu boas risadas das mulheres tolas que se disfarçam e se divertem. Digo que deve-rios continuar as visitas. Por mim, sinto-me melhor sabendo que, de certa forma, estamos protegidas.
- Não gosto disso! - falou Meredith.
- E como você propõe segredo? - perguntou Sarah. - Fenton já não importa, ele ignora metade do que acontece nos campos. Lembra-se, no ano passado, quando aquele representante do sindicato foi encontrado morto de tanto apanhar? O veredicto oficial foi: -morto por pessoa ou pessoas desconhecidas-. Certamente, Fenton sabia quem fizera aquilo, mas manteve as mãos limpas. Vocês acham que ele processará as filhas dos mais importantes cidadãos de Chandler? Meu pai, depois de tirar parte de meu disfarce, iria atrás de Fenton com uma espingarda.
- Se somos motivo de piadas e estamos protegidas pelo próprio dono da mina, então para que usarmos todo esse segredo? - perguntou Nina. - Por que não usamos vestidos de renda, andamos em bonitas carruagens e só distribuímos as mercadorias?
- E que mineiro deixaria sua esposa aceitar caridade das mulheres ricas da cidade? - perguntou a srta. Emily. - Acho que devemos manter as coisas do jeito que estão. Houston, quero que considere o seguinte, muito seriamente: você acha que Fenton apresentará queixas contra você ou as outras mulheres?
- E arriscar que todos fiquem sabendo que roubou tudo de um bebê de três dias de idade? Não, não acredito que seja presa. Sugiro que continuemos a agir como sempre. Os poucos homens que sabem o que fazemos têm o maior interesse em manter nossos segredos. Se isso é tudo, sugiro que encerremos e voltemos para nossas casas.
Blair levantou-se.
- Só um minuto. Nina e eu temos uma coisa para dizer.
Juntas, Blair e Nina falaram de uma idéia na qual estavam trabalhando há semanas: uma revista de senhoras que, em código, informava os mineiros do que estava acontecendo pela América com relação à organização de sindicatos. Mostraram exemplos de artigos e falaram em distribuir a revista como um presente para as mulheres nas minas.
A princípio, as mulheres da Irmandade hesitaram em concordar. Já estavam amedrontadas desde que souberam que Fenton sabia de tudo.
- Estamos ou não acertadas? - perguntou a srta. Emily, e as mulheres começaram a discutir a nova revista.
Horas mais tarde, foi um grupo silencioso que deixou a sala da srta. Emily, cada mulher pensando na possibilidade de prisão para si, ou para uma das amigas.
- Houston, podemos conversar? - perguntou Blair, quando as outras saíram.
Houston assentiu com a cabeça, mas não poderia contar a sua irmã o que acontecera. Blair iria começar a se culpar, outra vez, e Houston não precisava de mais lamúrias, no momento.
- Quer me contar o que aconteceu na noite passada? Os boatos dizem que você o deixou. É verdade? - perguntou Blair.
- Verdade mesmo. Estou na casa de Pamela Younger, filha de Jacob - disse, fazendo o possível para não chorar.
Blair olhou sua irmã durante um longo tempo, mas não deu nenhum conselho, nem fez nenhum comentário.
- Se precisar de mim, estou aqui para escutar, mas, por enquanto, você precisa de alguma coisa que a mantenha ocupada. O primeiro número da Lady Chandler's Magazine deverá ser submetido ao Conselho do Carvão para aprovação, e quero que seja o mais seguro e inocente possível. Preciso de artigos sobre como limpar roupas, como cuidar de seu cabelo, como vestir-se como uma duquesa com o salário de um mineiro de carvão, esse tipo de coisa. Acredito que faça um ótimo trabalho, escrevendo-os. Pode vir comigo agora para comprarmos uma máquina de escrever para você? Eu lhe mostrarei como usá-la ainda nesta tarde.
Houston ainda não tinha pensado como passaria seu tempo, uma vez que não tinha Kane para cuidar, mas agora percebia que, se não fizesse algum trabalho, ficaria sentada na casa de Pam, lamentando-se de ter sido tão tola a ponto de amar um homem como Kane Taggert.
- Sim, gostaria de ficar ocupada. Tenho algumas idéias sobre como as esposas dos mineiros poderiam tornar agradáveis suas cabanas e como poderiam acrescentar um pouco de beleza em suas vidas.
Blair pôs Houston para trabalhar, e tinha tanto o que fazer que não sobrava tempo para pensar em outra coisa. Assim que Houston terminava um artigo, Blair tinha uma idéia para outro. Pam estava tão interessada na revista de Blair que transformou sua cozinha em um centro de remoção de manchas e tentava encontrar uma maneira realmente eficiente de limpar veludo. A casa toda, no fim do dia, recendia a amoníaco, mas Houston pôde relatar que "duas colheres de amônia e duas de água quente, bem esfregadas no veludo com uma escova dura" faziam o serviço. Blair disse que ela podia fazer disso a manchete principal. Pam sorriu, mas Houston sabia que sua irmã estava sendo sarcástica.
Essa ocupação deu a Houston a desculpa perfeita para ficar em casa e não ter que encarar o povo da cidade. Pam saía com freqüência, e não dizia a ninguém aonde ia. Mantinha Houston a par dos boatos, relatando que Kane continuava sozinho na sua enorme casa, sem empregados e sem amigos.
- E sem parentes. Isso deve deixá-lo feliz. Agora, ele pode trabalhar sem parar, sem nenhuma interferência.
- Não seja amarga, Houston. Lamentar o que podia ter sido faz a pessoa ficar infeliz. Eu sei. O que acha de incluir essa receita de tintura no primeiro número? Um pouco de campeche e um pouco de raspa de sabão. Limpei meu chapéu de feltro preto duas vezes com isso e deu certo.
- Sim, claro - disse Houston distraída, enquanto escovava a tinta que se acumulava nos tipos da máquina de escrever. Blair lhe contara que quando Remington lançou sua primeira máquina de escrever, as teclas freqüentemente se embaraçavam. Quando os fabricantes repararam nisso, descobriram que os datilógrafos eram muito rápidos para o mecanismo da máquina, assim decidiram fazer o teclado o mais difícil possível para se usar. Colocaram as teclas mais freqüentemente usadas todas em cima, assim o datilógrafo teria que procurar e diminuiria o ritmo. Por acaso, as letras superiores foram QWERTY.
Duas semanas depois de Houston ter deixado Kane, chegou o vagão de trem que ele mandara fazer para Opal, causando grande sensação na cidade. Com lágrimas escorrendo pelo rosto, Opal foi ver Houston e falou sobre o homem maravilhoso que ela abandonara e como pudera fazer tal coisa. E mais, que uma mulher não é uma mulher sem um bebê. Pior ainda era estar separada de seu marido.
Houston tentou dizer à mãe que era Kane quem não a queria, e não o contrário. Não era bem a verdade, mas, algumas vezes, mentir para a própria mãe para acalmá-la é o único jeito.
Houston voltou para a máquina de escrever e tentou não pensar no passado.


Opal Chandler Gates dirigiu-se certa manhã à mansão Taggert. Supunha-se que nesta manhã ela estivesse fazendo compras na cidade, e o sr. Gates nunca perguntaria por que ela estava usando o seu conjunto novo, com um pequeno chapéu de raposa para combinar. Além disso, raras vezes os homens entendem a importância das vestimentas. Hoje, ela tinha que estar muito bem, porque ia pedir a Kane que aceitasse Houston de volta. Se é que na verdade a mandara embora, como Houston sugerira.
Houston podia ser muito inflexível, pensou Opal. Era tão parecida com o pai, nesse ponto. Bill podia ser muito amigo de alguém, mas se essa pessoa traísse a sua confiança, Bill nunca, nunca a perdoaria. Houston também era assim. Opal sabia que, depois do que Leander fizera para Houston, ele poderia desaparecer que ela não se importaria.
E, agora, alguma coisa tinha que ser feita em relação à Kane. Opal tinha certeza de que Kane fizera alguma coisa horrível, alguma coisa indelicada, deselegante e estúpida. Mas essa era uma das características mais atraentes em Kane: ele era tão áspero como Houston era polida. Eles combinavam perfeitamente e Opal pretendia vê-los juntos outra vez.
Ao chegar à enorme porta da casa, bateu, mas não houve resposta. Mas ela abriu-a e entrou. O vestíbulo ecoou com a sensação de vazio e solidão de uma casa desocupada.
Opal correu o dedo por uma mesa no vestíbulo. Era espantoso quanta poeira se juntava em apenas duas semanas.
Chamou por Kane, mas não teve resposta. Só estivera na casa uma vez antes, e não sabia muito bem andar por ela. Levou um bocado de tempo procurando. Quando estava em cima, no quarto de Kane, olhou para os jardins e o viu andando pelo gramado.
Desceu correndo as escadas e encontrou-o afinal, parado feito uma árvore, fumando e olhando para o céu.
Voltou-se ao vê-Ia aproximar-se.
- O que a traz aqui esta manhã? - perguntou cautelosamente.
Opal respirou fundo.
- Ouvi dizer que ficou zangado e pôs minha filha fora de sua casa.
- Não foi nada disso! Ela me abandonou! Disse alguma coisa sobre não me respeitar mais.
Opal sentou-se em um banco de pedra sob a árvore.
- Estava com medo disso. Houston é muito parecida com o pai. Você me contaria o que aconteceu? Houston não me dirá uma palavra. Também nisso é igual ao pai.
Kane ficou em silêncio e voltou a olhar o jardim.
- Sei que é pessoal e, se tiver alguma coisa a ver com... bem, o quarto de dormir, eu sei que Houston provavelmente está um pouco assustada, mas tenho certeza de que se for paciente...
- Assustada! Houston? A senhora está falando sobre a mulher que casou comigo? Ela não tem medo de nada na cama.
Opal mexia com as luvas, o rosto vermelho.
- Bem, então, talvez seja alguma outra coisa. - Esperou. - Se estiver preocupado com discrição, posso lhe assegurar...
- Não há nada muito secreto nesta cidade. Veja, talvez a senhora possa entender o que a deixou tão zangada, porque eu não posso. Sabia que eu trabalhei nos estábulos de Fenton? Bem, durante todo o tempo lá, nunca permitiram que eu subisse ao andar de cima, e eu sempre quis saber qual a sensação de ser o dono de uma casa grande como aquela. Mais tarde, quando quis me casar com a filha de Fenton, ele me humilhou. Fui embora e comecei a ganhar dinheiro, mas guardei no fundo de minha alma o desejo de convidá-lo para jantar na minha casa. Uma casa muito maior que a dele, e a meu lado estaria minha esposa, uma verdadeira dama.
Levou um tempinho para que Opal percebesse que esse era o fim da história e que teria que juntar o resto dela.
- Meu Deus - disse depois de um momento. - Você quer dizer que construiu essa casa enorme e casou-se com minha filha para realizar um sonho?
Não houve resposta de Kane.
- Bem - Opal sorriu -, não é de admirar que Houston o tenha deixado quando soube. Deve ter-se sentido usada.
- Usada! Ela também estava me usando, e muito. Ela casou-se comigo pelo meu dinheiro.
Opal olhou-o seriamente, sem sorrir mais.
- Foi? Você tem idéia de tudo que o senhor Gates tentou para evitar esse casamento? Na verdade, muitas pessoas aconselharam-na a não se casar. Mas ela casou. E, com respeito a dinheiro, nem ela nem Blair têm que se preocupar com isso. Elas não são ricas, mas têm o suficiente para comprar todos os vestidos de que precisarem.
- Considerando as compras de vestidos de Houston, deve ser uma fortuna - resmungou ele.
- Você pensa que Houston quer mais, a espécie de riqueza que só você pode lhe dar? Ela parece ser gananciosa, para você?
Kane sentou-se no banco e Opal pôs o braço em seus enormes ombros.
- Você sente falta dela, não é?
- Conheço-a há poucos meses, mas acho que... me acostumei com ela. Às vezes, sinto vontade de estrangulá-la por estar sempre me obrigando a fazer coisas que não quero, mas agora... Agora, sinto falta de pisar em seus grampos, de tê-la nos interrompendo, a mim e a Edan. Sinto falta de Edan. Sinto falta do beisebol com Ian e meu filho. Sinto falta. - Parou, com o rosto raivoso. - Maldita! Não queria tê-la encontrado nunca. Eu era um homem feliz antes de conhecê-la, e voltarei a ser. A senhora pode ir dizer-lhe que não a quero nem que venha rastejando.
Kane começou a subir o caminho para a casa, Opal tentando alcançã-lo.
- Kane, por favor, sou uma velha senhora - falou ela procurando chegar até ele.
- Não há nada de velho em uma senhora - gritou sobre os ombros. - Eu devia ter ficado com prostitutas. Elas só querem dinheiro.
Opal só o alcançou quando ele já estava dentro do escritório, com alguns papéis na mão.
- Você tem que tê-la de volta.
- O diabo que tenho. Eu não a quero de volta.
Opal sentou-se, abanando-se, sem fôlego. Disfarçadamente, ajustou seu novo espartilho que era armado com finas lâminas de aço.
- Se não tivesse esperança de tê-la de volta, estaria em um trem indo para qualquer outro lugar.
Kane sentou-se na sua cadeira de couro vermelho, silencioso por um momento.
- Não sei como fazê-la voltar. Se ela não se casou comigo pelo meu dinheiro, em primeiro lugar, não sei como a conquistei. Mulheres! Fico melhor sem ela. - Olhou para Opal com os olhos semicerrados. - Acha que ela gostaria de um presente?
- Não. Ela tem a morai do pai. Desculpas e declarações de amor também não resolvem. Ela é muito inflexível. Se houver uma maneira de fazê-la voltar a lhe dar uma chance, talvez possa convencê-la de que não se casou só para desforrar-se do senhor Fenton, um homem que realmente não pode ser condenado por não deixar sua filha casar-se com o cavalariço.
Os olhos de Kane brilharam.
- Eu tenho um maneira, mas... Não, não adiantaria. Ela nunca acreditaria que eu daria um golpe tão desleal e sujo.
- Parece perfeito. Conte-me.
Kane hesitou, mas contou-lhe, e, para seu espanto, Opal achou a idéia esplêndida.
- Mulheres! - resmungou Kane.
- Agora, preciso ir. - Opal levantou-se. - Oh, sim, imagine, quase esqueci. A razão por ter vindo era para lhe contar que o vagão de trem chegou e não posso realmente aceitá-lo. É, na realidade, um presente muito caro. Você tem que levá-lo de volta.
- E o que é que eu vou fazer com um trem cor-de-rosa? A senhora pode viajar nele.
Opal sorriu meigamente para ele:
- Querido Kane, todos nós temos nossos sonhos; infelizmente, se se tornarem realidade, algumas vezes não são tão bonitos como o sonho. Eu morreria de medo de viajar.
- Bem, então estacione-o em algum lugar e use-o para seus chás. Tem certeza de que essa coisa dará certo com Houston? Não sei se quero que ela acredite que eu faria uma coisa dessas.
- Ela acreditará em você, e acho que é um bom uso para o trem, mas você poderia mandar pintã-lo de outra cor.
- Se a senhora não aceitar aquela coisa, mandarei levá-la para a frente de sua casa.
- Uma vez que está me chantageando... - disse com os olhos brilhando. - Sinto que agora tudo irá bem. Muito obrigada pelo trem, e teremos você e Houston para jantar na próxima semana. Até logo.
Kane continuou sentado durante um longo tempo, resmungando sobre mulheres em geral e damas em particular.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

26

 

HOUSTON TEVE que reprimir um bocejo, enquanto se apressava pela Avenida Lead, tentando cumprir suas incumbências antes que começasse a chover. Estava cansada depois da confusão na casa de Pam, na noite anterior, que tinha mantido todos acordados até tarde.
Zachary tinha ido ver seu primo Ian na nova casa que Edan comprara e pediu-lhe que fosse à casa de Kane jogar beisebol. Antes que Ian acabasse de expressar sua opinião sobre Kane, Zach abaixou a cabeça e esmurrou o menino - mais velho e maior do que ele - no estômago. Brigaram com muita violência durante trinta minutos, até que Edan encontrou-os e os separou.
Quando Zach voltou para casa de Pam, com a gola rasgada por Edan, Jacob estava lá. Ele viu seu precioso neto coberto de sangue seco, o rosto arranhado, manchas se formando. E, junto a ele, alguém ligado a Kane Taggert.
Outra guerra começou.
Para Pam, preocupada com a saúde do filho, não interessava saber quem fizera aquilo, mas para Jacob isso fazia diferença. Imediatamente, começou a atacar Edan.
- Sua briga não é comigo - disse Edan, e saiu da casa.
Jacob começou a pedir respostas para Zach e, quando percebeu que ele andara defendendo o pai, sua raiva não teve limites. Seu ódio voltouse contra Pam através de comentários depreciativos sobre suas qualidades como mãe e com alusões à forma como ficara grávida de Zach.
Pela primeira vez, Houston viu o temperamento de Pam e compreendeu por que Kane a recusara no dia do casamento. Tanto Pam como o pai disseram coisas que não era possível que quisessem dizer. Ambos pareciam totalmente descontrolados. Se Kane e Pam tivessem tentado morar juntos... Houston não gostou nem de pensar no que poderia acontecer.
Zachary entrou na briga, dividido entre proteger sua mãe e querendo estar ao lado do homem. Tanto Pam como Jacob começaram a gritar com ele.
- Não é esse o jeito de lidar com um Taggert - murmurou Houston para si mesma.
Pôs-se no meio das pessoas que gritavam, com os rostos congestionados:
- Zachary - disse com uma voz que era ao mesmo tempo fria e autoritária. Espantados, todos pararam para olhá-la. - Zachary, você vem comigo e vamos lavá-lo. Senhor Fenton, chame sua carruagem e volte para sua casa. E você, Pamela, pode subir para seu quarto, para ranhar os pulsos com colônia e deitar-se.
Ficou parada lá, sem se mover, a mão estendida para Zachary, até que Pam e Jacob seguiram suas ordens. Humildemente, o menino tomou sua mão e seguiu-a até a cozinha. Ele já era bastante crescido para deixar que uma mulher lhe lavasse o rosto e as mãos, mas sentou-se na cozinha, sem dizer nada. Deixou que ela cuidasse dele, como se tivesse quatro anos. Depois de alguns minutos, começou a contar-lhe sobre a briga.
- Acho que você está perfeitamente certo em defender seu pai. Zach ficou boquiaberto.
- Mas pensei que você não gostasse mais dele.
- Adultos brigam de maneiras diferentes das crianças. Agora, vista uma camisa limpa. Eu e você iremos visitar Ian.
- Aquele bas... - começou Zach, mas interrompeu. - Nunca mais quero vê-lo.
- Você vai vê-lo outra vez - disse ela, inclinando-se para frente, e olhando-o fixamente.
- Sim, senhora - foi a resposta de Zach.
Houston e Zachary passaram horas com Edan e o resto dos Taggert. Houston sentia-se como se tivesse entrado no meio da lua-de-mel de alguém, pois Jean e Edan ficavam trocando olhares quando pensavam que ninguém os estava observando.
Sherwin levou os meninos, fez com que ambos tirassem as ervas daninhas e removessem pedras do fundo do jardim. Quando Houston e Zach voltaram para casa, ele estava muito cansado para estar com raiva de alguém. Ele e Ian tinham marcado um encontro para o dia seguinte para jogarem beisebol com alguns meninos da cidade, convidados por Houston.
Quando, por fim, deitou-se, depois de têr ouvido três desculpas e quatro agradecimentos de Pam, ela estava exausta. Na mesa ao lado da cama estava um vaso com duas dúzias de rosas vermelhas, de Jacob Fenton para a "senhora" Houston.


E ainda estava cansada, ao correr para pegar o bonde antes que a chuva recomeçasse.
Houston aproximava-se da Chandler Opera House quando um trovão ribombou, os céus se abriram, a chuva começou. De repente, uma mão puxou-a para um beco. O seu grito foi encoberto pelo trovão.
- Se não ficar quieta, fará com que todo mundo corra para cá - disse Kane, com a mão sobre sua boca. - Sou eu, e tudo que quero é conversar com você durante um minuto.
Houston olhou-o através da chuva que lhe escorria pelo rosto.
- Foi neste mesmo lugar que eu a puxei aquela primeira vez, lembra-se? Perguntei-lhe por que me defendera daquela mulherzinha mal-humorada. Isto agora é uma espécie de aniversário, não é?
Seu rosto abrandou-se ao falar e ao deixar a mão em sua boca afrouxar; Houston deu um grito de acordar os mortos. Infelizmente, a chuva o encobriu, e as pessoas que poderiam ouvi-lo estavam dentro das casas.
- Droga, Houston! - disse Kane, recolocando a mão. - O que há de errado com você? Tudo que quero é conversar. Vou tirar minha mão e se gritar pararei à força. Entendeu?
Houston fez que sim com a cabeça, mas no momento em que ele a libertou, girou no pé esquerdo e correu para fora do beco. Kane, com um palavrão, tentou agarrá-la e a costura de seu vestido rasgou-se.
Houston virou-se para ele, ficando furiosa ao ver o vestido, agora, preso somente por alguns centímetros à frente.
- Você não consegue entender o que um pessoa diz? Eu não quero conversar com você. Se eu quisesse, estaria vivendo com você - ela gritava na chuva. - Quero ir para casa. Não me importa se nunca mais o encontrar.
Voltou-se novamente para ir embora, mas Kane alcançou-a.
- Houston, espere. Quero lhe dizer uma coisa.
- Use o telefone - disse ela por sobre o ombro.
- Sua cadelinha - falou Kane, com os dentes cerrados. - Você vai me ouvir de qualquer jeito.
Ele fez uma tentativa para agarrá-la. Conseguiu arrancar o resto da saia e ambos caíram na lama, que tinha cerca de sete centímetros de lodo macio, devido a vários dias de chuva. Houston caiu e ficou embaixo, enterrando o rosto na umidade, enquanto Kane, que ficou por cima, permaneceu relativamente limpo.
Houston tentou levantar a parte superior de seu corpo da lama grudenta.
- Saia de cima de mim - disse com os lábios semi-fechados, para evitar que a lama entrasse em sua boca.
Kane rolou para um lado.
- Houston, doçura, não pretendia te machucar. Tudo que queria era conversar com você.
Houston virou-se. Agora estava sentada na lama, mas não tentou levantar-se quando usou sua saia, agora completamente rasgada e pendurada em volta dos quadris, para limpar um pouco da sujeira do rosto.
- Você nunca pretende machucar alguém. Faz o que quer, não importa quem esteja em seu caminho.
Ele sorriu para ela:
- Sabe, você fica bonita mesmo assim do jeito que está.
Ela deu-lhe um olhar duro:
- O que é que tem para me dizer?
- Eu... bem, eu quero que volte a viver comigo.
Ela continuou a limpar o rosto.
- Claro que quer. Eu sabia que havia de querer. Você também perdeu Edan, não foi?
- Raios, Houston, o que quer que eu faça, implore?
- Não quero absolutamente nada de você. No momento, meu único desejo é ir para casa e tomar um banho. - Começou a levantar-se, lutando com a lama escorregadia e a saia rasgada.
- Você não pôde perdoar ninguém, por nada, pode?
- Como você não pode perdoar o senhor Fenton? Pelo menos, não uso outros para conseguir o que quero.
Mesmo através da chuva, Houston pôde ver a raiva de Kane alterar seu rosto.
- Já agüentei demais - disse, avançando e prendendo-a contra a parede. - Você é minha esposa e, por lei, é minha propriedade. Não me interessa saber se me respeita ou me ama, ou qualquer outra coisa que ache que sinta. Você vai voltar a viver comigo. E vai voltar agora.
Ela olhou-o com toda a dignidade que conseguiu, considerando o estado de seu rosto.
- Gritarei durante todo o caminho pela cidade, e sairei de sua casa na primeira oportunidade.
Ele inclinou-se para ela, curvando-a novamente para trás. 2
- Sabe a cervejaria que seu padrasto possui? No ano passado ele teve alguns problemas de dinheiro que não contou a ninguém. Há dois meses atrás, ele vendeu, em segredo, o negócio para um comprador anônimo, alguém que o deixou continuar dirigindo.
- Você? - murmurou Houston, com as costas contra a úmida parede de tijolos.
- Eu. E no mês passado, comprei o Chandler National Bank. Adivinha quem ficaria machucado se eu decidisse fechar o lugar?
- Você não faria isso - falou ela, ofegante.
- Você acabou de dizer que eu faço aquilo que quero, não importa quem esteja em meu caminho. E agora, quero que volte para minha casa. - Mas por quê? Nunca signifiquei nada para você. Servi apenas para ajudá-lo em sua vingança contra jacob Fenton. Certamente, outra pessoa seria melhor...
Ele ignorou suas palavras.
- O que diz? Vai se sacrificar para salvar a cidade toda? Minha casa e minha cama serão a fogueira onde será queimada, claro.
De repente, pegou o queixo dela em sua mão, os dedos brutalmente tocando a pele úmida cheia de areia.
- Posso ainda fazer você queimar? Posso ainda fazê-la gritar de prazer? Ele inclinou a cabeça como se pretendesse beijá-la, mas parou a um milímetro de seus lábios.
- Pelo que posso ver, você não tem escolha. Ou vem para casa comigo agora, ou prejudicarei todo mundo dessa cidade. Sua moral arrogante é mais importante do que a comida na boca do povo?
Ela piscou por causa da água em seus olhos, e não estava certa se era chuva ou lágrimas.
- Morarei com você outra vez, mas não tem idéia de como a Dama de Gelo pode ser fria.
Ele não respondeu, mas levantou-a em seus braços e carregou-a até sua carroça. Nenhum dos dois falou nada durante o caminho, até a colina da mansão Taggert.


Houston não teve grande dificuldade em manter-se fria com seu marido e só uma vez ficou tentada a desistir. Lembrava-se muito bem por que ele se casou com ela e como tinha sido tola ao pensar que estava apaixonada por tamanho egoísta.
Houston fez o mínimo que era esperado dela para dirigir a casa, nada mais. Tornou a contratar os empregados, mas não planejava distrações, falava com Kane só quando era necessário e recusava-se a reagir quando ele a tocava. E essa era a parte mais difícil.
A primeira noite que passou em sua casa foi a pior. Ele viera ao seu quarto e lentamente puxara-a para seus braços. Houston recusara deixar seu corpo traí-Ia. Ficara impassível como um poste de aço e pensara em Sunshine Row e no campo das minas. Foi a coisa mais difícil que fez em sua vida, mas ela não iria cair na cama com ele depois da maneira como a usara. Nem deixou suas defesas se quebrarem quando ele afastou-se dela e fitou-a com os olhos de um cachorrinho triste. Resistiu a todas suas armas de homem charmoso.
Na manhã seguinte, ele entrou em seu quarto e levantou um pequeno cofre do chão. Houston sabia que era o presente de casamento dele para ela, e sempre soubera o que havia dentro, mas esperara que ele lhe entregasse. E agora, contemplando as jóias em seu colo - deviam valer cerca de um milhão de dólares -, tudo que conseguia pensar é que elas eram tão frias, tão frias como se sentia por dentro. Kane afastou-se e observou sua reação.
- Se você pretende tentar me comprar...
Ele interrompeu-a.
- Droga, Houston! Esperava que eu lhe contasse sobre Fenton antes de nos casarmos? já era difícil do jeito que estava, com você tentando conseguir Westfield, mesmo quando já estávamos no altar - Ele esperou um momento. - Não vai negar que queria Westfield?
- O que eu quero não tem importância. Você é especialista em conseguir as coisas à sua maneira. Queria uma casa para impressionar o senhor Fenton, queria uma esposa para impressioná-lo. Não importa que a casa custasse milhões e que a esposa fosse um ser humano com sentimentos próprios. É tudo o mesmo para você. Tudo tem de ser do seu jeito.
Kane saiu do quarto sem dizer nada.
As jóias brilhavam no colo de Houston e, sem outro olhar, ela virou a colcha para cobri-Ias quando saiu da cama.
Ela passava os dias em sua sala de estar, lendo. Exceto pelos empregados que vinham lhe fazer perguntas, ela ficava o tempo todo sozinha. Sua única esperança era que Kane visse que ela não queria viver com ele e a libertasse.
Uma semana depois de ter voltado, ele entrou agitado em seu quarto, com papéis do banco na mão e gritou:
- Que diabo significa isso? A conta da senhora Houston Chandler Taggert sofreu um desconto relativo a sais de banho, dois metros de fita e por pagar a conta de telefone da mansão Taggert.
- Acredito que sou a única que usa o telefone, portanto devo pagar a despesa.
Ele sentou-se em uma cadeira à sua frente.
- Houston, alguma vez fui pão-duro com você? Alguma vez me queixei de quanto você gasta? Alguma vez disse alguma coisa que fizesse você pensar que escondo dinheiro de você?
- Você me acusou de ter me casado pelo seu dinheiro - disse friamente. - Uma vez que seu dinheiro é tão precioso para você e não para mim, pode ficar com ele.
Ele começou a falar, mas calou-se. Depois de olhar as contas durante longo tempo, disse mansamente:
- Vou para Denver hoje à noite, e ficarei lá uns três dias. Gostaria que ficasse em casa. Não quero você fazendo nada para meter-se em confusões, como tentar começar uma luta nas minas de carvão.
- E se eu fizer, o que fará você com as pessoas inocentes? Jogaria três famílias na neve?
- Se você não reparou, ainda estamos no verão. - Andou até a porta. - Você não me conhece muito bem, não é? Direi ao banco que mande suas contas para mim. Compre o que quiser. - Saiu, deixando-a sozinha.
- Você também não me conhece muito bem, Kane Taggert - murmurou. - Você não será capaz de me manter acorrentada dentro desta casa.
Três horas mais tarde, depois de ter visto Kane sair, ela ligou para o reverendo Thomas e disse-lhe para preparar a carroça, porque no dia seguinte Sadie visitaria a mina Little Pamela.

 

 

 

 

 

 

 


27

 


HOUSTON VESTIDA como Sadie levava a carroça ladeira acima, com cui-dado, em direção à mina de carvão, Ao manobrar os cavalos ao lado de um longo e profundo sulco na estrada, causado pelas chuvas recentes, pensou ter ouvido um ruído atrãs rua carroça. No último verão, um gato ficara preso embaixo da lona que estava fortemente amarrada, e agora estava certa de que era isso que devia estar fazendo barulho.
Ela sacudiu as rédeas para os cavalos e concentrou-se na subida da colina. No portão, rezou para que o gato ou os gatos ficassem quietos o tempo suficiente para que passasse pelos guardas. Detestaria despertar a curiosidade dos homens, a ponto de se sentirem obrigados a revistar a carroça.
Ela respirou aliviada, depois de passar pelos guardas e entrar no campo. Ligara para Jean pela manhã e, depois de contar que Edan a pedira em casamento, Jean dissera que Rafe agora estava trabalhando no turno da noite, e estaria em casa quando ela chegasse com a carroça. Rafe não sabia que era Houston, mas iria apresentar Sadie para outra mulher, que a ajudaria na distribuição de legumes e no contrabando das mercadorias. Jean não sabia se a nota mulher conhecia ou não a verdadeira identidade de Sadie.
Houston dirigiu a carroça para defronte da casa dos Taggert e parou quando Rafe saía à porta.
- Bom-dia - disse Sadie esforçando-se para descer seu velho e gordo corpo da carroça.
Rafe acenou com a cabeça em sua direção, olhando-a com tanta in-sistência que Houston abaixou a cabeça, fazendo com que o esfarrapado chapéu sombreasse seu rosto.
- Ouvi dizer que vai arranjar alguém para me ajudar a distribuir esta mercadoria. Agora que Jean vai ser uma dama, não acredito que possa vê-Ia muitas vezes. - Sadie começou a desamarrar um canto da lona. - Alguns gatos ficaram presos aqui e tenho que tirá-los.
Lançou um olhar para Rafe enquanto jogava a lona para trás e pegava um repolho, pronta para fazer alarde da qualidade de seu produto. Mas quando olhou de volta para a carroça, seus joelhos falharam e agarrou-se à carroça para apoiar-se. Debaixo do repolho, estava a cara de Kane Taggert e ele deu-lhe uma piscada maliciosa.
Rafe agarrou Sadie com uma mão e olhou ao mesmo tempo para dentro da carroça.
Kane sentou-se. Os alimentos caíam pelos lados da carroça.
- Está surda, Houston? Não me ouvia te chamar? Pensei que fosse desmaiar, uma vez que não podia respirar. Droga, mulher! Disse para não vir às minas hoje.
Rafe olhou bem de um para o outro, antes de pegar o queixo de Houston e levantar seu rosto para a luz. Se uma pessoa soubesse, poderia ver o disfarce. Depois de anos, Houston tornara-se perita em manter o rosto abaixado e logo aprendera que as pessoas pouquíssimas vezes olham-se criticamente. Viam, ao primeiro olhar, que era uma velha e nunca questionavam essa impressão inicial.
- Não acreditei - Rafe murmurava. - É melhor que entrem e comecem a falar.
Kane estava ao lado dela e agarrou-lhe o cotovelo com força, quase empurrando-a para dentro da pequena casa de Rafe.
- Eu lhe disse para não fazer isso. - Olhou para o tio. - Sabe que as senhoras de Chandler estão fazendo? Há três ou quatro delas que se vestem assim e levam mercadorias ilegais dentro dos alimentos.
Houston livrou-se da mão de Kane.
- Não é tão sério como você faz parecer.
- E, o que é pior, Fenton sabe sobre essas mulheres e pode processálas a qualquer hora. Ele pode ter metade dos principais cidadãos na palma de sua mão, e eles nem sabem disso.
Rafe olhou para Houston durante um momento.
- Que tipo de mercadorias ilegais?
- Pouca coisa. Remédios, livros, chá, sabão, qualquer coisa que possamos pôr dentro dos legumes. Não é como ele diz. E quanto ao senhor Fenton, uma vez que ele sabe e não fez nada a respeito, talvez esteja nos protegendo, pois viu que não interferimos em nada. Afinal, não ferimos ninguém.
- Ninguém! - Kane ofegava. - Doçura, qualquer dia vou lhe explicar sobre acionistas. Se os acionistas de Fenton descobrem sobre você, e como está tirando lucros de suas bocas cobiçosas, te penduram inteira. Mas antes de Fenton dançar, usaria todas vocês, mulheres, e todos os papais e maridos que pudesse para se livrar. Estou certo de que Fenton adora o que estão fazendo, porque sabe que, em qualquer época que precise, ele tem poder sobre os principais cidadãos de Chandler, desde que seus investidores não saibam nada a respeito.
- Só porque você chantageou alguém, não significa que outras pessoas façam a mesma coisa. Talvez o senhor Fenton...
Ela parou, porque Rafe estava empurrando-a para fora da porta.
- E melhor que vá cuidar de sua carroça. A mulher que vai ajudála mora na casa ao lado. Ela já está pronta. - Depois, fechou a porta atrás dela.
- Há quanto tempo isso está acontecendo? E o que ela faz com o dinheiro que recebe pelos alimentos?
Kane não sabia todas as respostas para as perguntas do tio, mas juntos conseguiram esclarecer grande parte da história. Rafe concordava com Kane sobre o motivo pelo qual Fenton deixava as mulheres entrarem nos acampamentos das minas.
- Ele as destruiria em segundos. Portanto, o que planeja fazer agora? Vai deixar que continue dirigindo a carroça e que se arrisque a ser ferida um dia? Se os guardas descobrem que ela os fez de bobos durante esses anos, eles agirão primeiro e depois perguntarão quem a estava protegendo.
- Eu lhe disse que não viesse às minas hoje, e você viu que ela não me obedeceu. Assim que pensou que eu tinha saído, comprou uma porção de legumes para trazer.
- Ela pagou por eles?
Kane puxou uma cadeira e sentou-se.
- Ela não está muito feliz comigo ultimamente, mas superará. Estou fazendo o possível.
- Se quiser falar sobre isso, eu posso escutar - disse Rafe, sentandose em frente ao sobrinho.
Kane nunca em sua vida falara com alguém sobre seus problemas pessoais, mas ultimamente as coisas estavam mudando com muita rapidez. Contara algumas coisas a Opal e agora queria contar para seu tio. Talvez o homem pudesse ajudá-lo.
Kane falou sobre sua vida nos estábulos de Fenton, e sobre o sonho de construir sua imensa casa. Rafe assentiu compreendendo, como se o que Kane dissera fizesse perfeitamente sentido para ele.
- O único problema foi que Houston ficou mesmo muito zangada quando contei por que me casara com ela. Resolveu ir embora. Consegui fazê-la voltar, mas não está muito feliz com isso.
- Você disse que planejou tê-la sentada à sua mesa, mas o que faria depois?
- Eu não queria uma esposa e pensava que ela estava apaixonada por Westfield. Estava certo de que ela ficaria alegre de me ver pela última vez depois do jantar com Fenton. Pensei em lhe dar uma caixa de jóias e voltar para Nova York. Mas o pior foi que lhe dei as jóias e ela nem ao menos olhou para elas.
- Então, por que não a deixa e volta para Nova York? Kane levou um tempo para responder.
- Não sei, eu gosto daqui. Gosto das montanhas, e aqui o verão não é tão quente como em Nova York e...
- E você gosta de Houston - disse Rafe, sorrindo malicioso. - Ela é uma coisinha muito linda, e eu preferia ter uma mulher como ela do que o Estado inteiro de Nova York.
- E por que não se casou?
- Todas as mulheres de que gostei não me queriam.
- Acho que acontece o mesmo comigo. Quando realmente não me importava se Houston se casaria ou não comigo, e achava que qualquer outra serviria da mesma forma, ela vivia dizendo que me amava. Agora, quando vejo que não poderei viver muito bem sem ela, Houston me olha como se eu fosse um monte de estrume de cavalo.
Os dois homens ficaram em silêncio, o ar pesado com seus sentimentos de injustiças.
- Quer um uísque?
- Preciso de um - respondeu Kane.
Quando Rafe afastou-se para pegar o uísque, Kane, pela primeira vez, deu uma olhada na casa. Calculou que o lugar todo caberia em seu quarto de vestir. A casa era suja, de uma forma que nenhuma limpeza pudesse remediar. Não havia luz digna de menção na sala, e o ar tinha cheiro da mais profunda pobreza.
Em cima da cornija, havia um pote de chá, duas latas de legumes e o que parecia ser um pão enrolado em um guardanapo. Kane tinha certeza de que era toda a comida que havia na casa.
De repente, Kane lembrou-se dos quartos sobre os estábulos onde crescera. Ele mandava seus lençóis e roupas para as lavadeiras de Fenton lavarem e, quando cresceu, persuadia as empregadas a limparem seus quartos. E sempre havia comida em abundância.
O que Houston trazia para os mineiros? Remédios, sabão, chá? Qualquer coisa que pudesse esconder em uma cabeça de repolho. Kane nunca tivera que se preocupar com comida. E onde quer que tivesse vivido, nunca morara em um lugar como esse.
Olhando para um canto do teto, onde havia uma goteira, começou a imaginar como sua mãe, criada com o que havia de melhor, tinha sobrevivido em uma casa como esta, enquanto estivera ali.
- Você conheceu minha mãe? - perguntou tranqüilamente, quando Rafe pôs uma caneca com uísque na mesa.
- Conheci. - Rafe observava esse homem que, embora fosse seu parente, era ao mesmo tempo familiar e desconhecido. Às vezes, moviase de uma forma que fazia Rafe pensar que era Frank quem estava sentado à sua frente. Tinha também uma maneira de olhar para as pessoas .jue o fazia lembrar a bonita e pequena Charity.
Rafe sentou-se à mesa.
- Ela morou conosco só durante alguns meses, e foi difícil para ela, mas era uma coisinha corajosa. Todos nós achávamos que Frank era o homem de mais sorte no mundo. Você devia vê-Ia. Trabalhava o dia todo limpando e cozinhando e, pouco antes de Frank sair de seu turno, ela se embonecava como se fosse para encontrar o presidente.
Por um momento, Kane olhou com surpresa para o tio.
- Ouvi dizer que era uma garota mimada, que desprezava todas as outras mulheres e que elas a odiavam.
O rosto de Rafe demonstrou sua raiva.
- Não sei qual foi o mentiroso que lhe contou isso. Quando Frank morreu, ela não se importou mais em viver. Disse que iria para a casa dela para ter o bebê, porque sabia que Frank queria o melhor para seu filho, e queria compartilhar o bebê com seu pai. Aquele estúpido! Depois soubemos que Charity e o bebê tinham morrido e que seu pai se suicidara de desgosto. Sherwin e eu ficamos satisfeitos porque os últimos momentos de Charity tinham sido felizes. Seu pai a tinha aceitado de volta. Nenhum de nós sabia de você, ou que Charity tinha se matado. Soubemos muitos anos mais tarde.
Kane quis perguntar por que Rafe não fizera nada quando descobrira, mas se conteve. Dissera a Houston que dinheiro dá poder a um homem. O que poderia qualquer um dos Taggert fazer quando mal conseguiam ganhar para viver? E, além disso, ele não tinha se saído tão mal assim, sozinho.
- Eu estava pensando... - disse Kane olhando para sua caneca. - Você e eu viemos de um mau começo e estava imaginando se há alguma coisa que eu pudesse fazer para ajudar... - Nem bem acabou de falar já sabia que não devia ter dito aquelas palavras. Houston dizia que ele usava o dinheiro e usava as pessoas.
Olhou para o tio e viu que ele se mantinha estático, aguardando que Kane terminasse a sentença.
- Ian gosta muito de jogar beisebol, assim como Zach. Eu nunca mais os vi, por isso estive pensando que talvez pudesse começar um time de beisebol, com os garotos daqui. Eu compraria todo o equipamento, claro.
Rafe relaxou:
- Os garotos gostam disso. Talvez você possa vir no domingo pela manhã, quando eles não estão na mina. Acha que Fenton concordará?
- Acho que sim - disse Kane, terminando seu uísque. - É melhor ir procurar minha esposa. Do modo como ela se sente em relação a mim agora, ela poderia deixar-me aqui.
- Deixe que eu a encontre. Você deve voltar escondido no fundo da carroça. Se os guardas o virem sair sem tê-lo visto entrar, ficarão com suspeitas e, então, as outras senhoras que dirigem carroças poderão ter problemas. - Rafe levantou-se.
Kane concordou. Não gostava da idéia, mas sabia que era sensato.
- Kane. Se pudesse dar-lhe algum conselho sobre Houston, seria para que fosse paciente com ela. As mulheres têm idéias estranhas sobre as coisas, que os homens nem podem imaginar. Tente cortejá-la. Você fez alguma coisa que a conquistou uma primeira vez, assim talvez possa repetir, se tentar cortejá-la outra vez. - Rafe estava perto da porta.
- Ela não gosta muito de presentes.
- Talvez não esteja lhe dando os presentes certos. Certa vez, uma garota estava louca mesmo por mim, e o que fez com que ela se rendesse foi um cachorrinho que lhe dei. Era só um pequeno vira-lata, mas ela adorou-o. Ela ficou mesmo muito agradecida, se você sabe o que quero dizer. - Com um sorriso e uma piscada, Rafe saiu da cabana.
Durante todo o caminho de volta, Houston esperava pela explosão de Kane, mas ela não aconteceu. Ele subira no banco da carroça com ela, assim que ficaram fora da vista dos guardas, e, apesar de Houston não ter dito uma cínica palavra, ele conversara sobre a paisagem e um pouco sobre seus negócios. Às vezes, ela começava a responder, mas parava. A raiva que tinha dele era muito profunda, e não podia abrandála agora. Logo ele perceberia que ela nunca mais poderia amá-lo, e teria que libertã-la.
Em casa, ele disse boa-noite, polidamente, e foi para o escritório. No dia seguinte, veio até a sala de estar, na hora do almoço, e, com uma palavra, pegou-lhe a mão e levou-a pelas escadas abaixo, até a co zinha, onde apanhou uma cesta de piquenique com a sra. Murchison.
Sempre segurando sua mão, levou-a pelos caminhos do jardim até o fundo, junto à estátua de Diana, onde certa vez fizeram amor.
Houston permaneceu parada, enquanto ele estendia o tecido de linho branco e as comidas, e teve que puxá-la para que se sentasse no pano. Durante toda a refeição que ela mal ousou tocar, Kane conversou. Contou-lhe mais sobre seus negócios, dizendo como estava sendo difícil não ter Edan para ajudá-lo.
Houston não respondia a nada que ele dizia, mas seu silêncio não parecia aborrecê-lo.
Quando terminaram de comer, Kane virou-se e pôs sua cabeça no colo dela e continuou conversando. Contou-lhe ter conversado sobre sua mãe com Rafe. Contou-lhe como a casa de Rafe estava suja e como era diferente dos seus quartos de infância.
- Você acredita que há algo que eu possa fazer para tirar tio Rafe das minas? Ele já não é um jovem, e gostaria de fazer alguma coisa. Houston não falou por um momento. Nunca ouvira tal pergunta feita por Kane.
- Não pode oferecer-lhe um emprego, porque pensaria que é caridade.
- Foi o que pensei. Não sei o que fazer. Se você tiver alguma idéia me dirá?
- Sim - disse com hesitação, e em sua lembrança veio a imagem de Rafe passeando com Pamela. Eles formavam um par admirável.
- Agora tenho que voltar para o trabalho - disse, espantando-a ao beijá-la rápida e docemente. - Por que não fica aqui e aproveita o jardim?
Ele deixou-a sozinha e Houston vagueou por lá, olhando as plantas. No jardim das rosas, pegou emprestado um par de tesouras de podar de um jardineiro e cortou alguns botões. Foi a primeira vez, desde que voltara, que fazia alguma coisa que não era absolutamente necessária.
- Só porque o dono é horrível, não há razão para detestar a casa - disse para si mesma, justificando-se por estar levando rosas para dentro.
Quando Kane veio jantar, a casa estava cheia de flores recentemente cortadas, e ele apenas sorriu para Houston durante toda a refeição.
No dia seguinte, Blair apareceu para lanchar e falou sobre sua amiga da Pensilvânia, dra. Louise Bleeker, que viera ajudar na clínica. Depois, perguntou se Houston estava bem. Por algum motivo, Blair parecia não mais odiar Kane.
- As coisas não melhoraram muito - disse Houston, brincando com a comida. - E você?
Blair hesitou:
- Lee superará isso, tenho certeza.
- Superará o quê?
- Ele está um pouco zangado comigo, no momento. Eu... fiz uma viagem no fundo da carruagem dele. Mas falemos de você.
- Falemos sobre a revista. Tenho dois novos artigos para você.
No domingo, Kane acordou Houston no quarto, mas sem se aproximar muito dela. Jogou na cama um vestido de tecido muito leve, listado de rosa escuro e enfeitado de faixas estreitas de fitas de veludo preto.
- Vista-se o mais rápido que puder - ordenou antes de sair do quarto.
Minutos mais tarde, voltou usando calças de brim, camisa de flanela azul brilhante e suspensórios. Parou um momento, vendo Houston em sua roupa de baixo, o apertado espartilho empurrando os seios para cima da combinação rendada, as pernas em parte cobertas pelas meias de seda preta e pelos sapatos de salto alto de couro preto.
Ele olhou-a pasmado por um momento. Em seguida, saiu do quarto, como se não pudesse resistir.
Houston, com um suspiro, deixou cair o robe, mas não se preocupou em cobrir-se. Disse a si mesma que fora um suspiro de alívio e não de pena, como parecera.
Ele não lhe contou aonde estavam indo, quando levantou-a para colocá-la na carruagem. Houston não perguntou para onde se dirigiam, mas ficou surpresa quando viraram a estrada para a mina Little Pamela.
Os guardas deixaram-nos entrar sem fazer perguntas e, depois de passarem o portão, as pessoas saíram das casas e começaram a segui-los. Houston começou a abanar a mão para algumas mulheres que conhecia.
- Elas não a reconhecem quando está sem o disfarce - avisou-a Kane.
Ela não podia deixar de olhar em volta, enquanto mais e mais pessoas começaram a segui-los. Havia enormes sorrisos nos rostos das crianças.
- O que foi que você fez?
- Lá - respondeu ele, apontando. Na frente deles, ao fundo, estava a única área aberta do campo a boca da mina. No centro do campo sujo, havia engradados de madeira.
Kane parou o carro e dois meninos seguraram o cavalo, enquanto ele ajudava Houston a descer. Quando estavam dentro do círculo de pessoas que tinham se reunido ao redor das caixas, Kane sorriu e disse bem alto:
- Podem ir, meninos.
Enquanto Houston olhava os meninos arrebentarem as caixas, Rafe surgiu atrás deles.
- As caixas chegaram há dois dias e não pensei que se importasse se eu lhes contasse o que havia dentro. Desde então, eles têm dançado em volta e ficaram nervosos de excitação - disse Rafe ao colocar a mão no ombro do sobrinho.
Houston olhou para aquela mão no ombro do seu marido com assombro, antes de voltar-se para ver o qüe os meninos encontravam nas caixas. Eles tiravam equipamento de beisebol: uniformes, bastões, luvas, bolas, máscaras para pegadores.
Kane virou-se para Houston, com o rosto demonstrando sua expectativa.
Ela imaginou se ele teria feito tudo aquilo só para impressioná-la. Ela olhou o círculo de pais que olhavam para seus filhos com adoração.
- E o que mandou para as meninas?
- Meninas? Meninas não podem jogar beisebol.
- Não? E tênis, arco e flecha, bicicletas, ginástica, esgrima?
- Esgrima? - O rosto de Kane tornava-se raivoso. - Acho que ninguém consegue agradá-la, não é, senhorita Dama de Gelo? Ninguém está à altura de seus padrões, não é? - perguntou antes de afastarse em direção aos meninos, que estavam balançando bastões e jogando bolas no ar.
Houston afastou-se da multidão. Talvez tivesse sido um pouco dura demais com ele. Talvez devesse ter dito alguma coisa agradável sobre sua tentativa de ajudar os meninos. Era o que sempre quisera que acontecesse e, quando aconteceu, fora ingrata.
Pelo menos podia melhorar o dia, em vez de ficar emburrada em um canto. Deu uns passos para frente e conversou com uma menininha perto dela, começando a explicar algumas das regras do beisebol. Em poucos minutos, Houston tinha uma multidão em sua volta, de mulheres e meninas, e mesmo alguns homens que nunca tinham assistido ao jogo antes. Quando Kane e Rafe organizaram os meninos em times, Houston começara uma torcida para aplaudir o progresso dos meninos, não importando o quanto eram despreparados.
Duas horas depois, uma carroça de quatro cavalos chegou em disparada. Todos ficaram em silêncio, pensando que aquilo pudesse significar um desastre.
O condutor, rosto vermelho e suado, era o sr. Vaughn, que tinha a loja de artigos de esporte.
- Taggert! - gritou para Kane, enquanto controlava os cavalos sua dos. - Esta é a última vez que cumpro um pedido como este para você. Não me importo que compre minha loja toda. Eu não trabalho nos domingos, para ninguém.
- Trouxe tudo? - perguntou Kane, dirigindo-se para a parte de trás da carroça, que estava coberta com lona. - E pare de se queixar. Com os preços que lhe paguei nos últimos meses, eu sou o dono de sua loja.
O povo riu, apreciando o poder que o dinheiro dá a um homem de dizer o que quiser para qualquer um. Mas Houston estava olhando o que havia na carroça.
- Bem, olhem para isto - disse Kane, tirando uma raquete de tênis. - Não creio que possamos jogar beisebol com isto. - Virou-se para uma menininha a seu lado. - Talvez você possa usá-la.
A criança pegou a raquete, mas não se moveu.
- O que é isto? - murmurou.
Kane apontou para Houston.
- Vê aquela senhora lá? Ela pode lhe mostrar como usá-la. Houston caminhou direto para seu marido, pôs os braços em seu pescoço e beijou-o, para delícia do povo que os rodeava. Ele não queria deixá-la ir, mas Houston empurrou-o.
- Acho que finalmente encontrei o presente certo - disse para alguém, por sobre o ombro dela, enquanto a abraçava.
Quando Houston afastou-se dele, ouviu Rafe rir.
Durante o resto da tarde, Houston não teve muito tempo para pensar, pois organizou jogos de tênis e mostrou às meninas como usar o equipamento de arco e flecha. Havia bolas, argolas e varas, cordas de pular, caixas de surpresa, bonecas. Esteve muito ocupada, tentando distribuir os presentes corretamente, e as mães ajudaram-na a acalmar as meninas que brigavam pelos brinquedos.
Antes que Houston percebesse, já era tarde, e Kane veio até ela e pôs os braços em seus ombros. Ao olhá-lo, ela soube que ainda o amava. Talvez ele não fosse o homem que pensara que fosse, talvez ele fosse capaz de viver a vida com o único objetivo de vingança, e quem sabe hoje fosse só uma demonstração de seu ódio por Jacob Fenton, mas no momento ela não se importava. Ela prometera amá-lo nas boas e más ocasiões e sua obsessão com a vingança era parte das más ocasiões. Ao olhá-lo, soube que sempre o amara, não importando o que tivesse feito, não importando que horríveis motivos o levaram a fazer as coisas que fez. Ela ficaria a seu lado e o amaria mesmo que ele tomasse tudo que Fenton possuía.
- Está pronta, doçura?
- Sim - disse ela, e a palavra veio do fundo de seu coração.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


28

 

KANE NÃO OLHOU para Houston quando deixaram o campo de carvão e passaram pelos guardas mal-humorados. Ele segurava firmemente as rédeas e mantinha os olhos na estrada à frente.
Houston não tirava os olhos dele, pensando como podia ter tão pouco orgulho a ponto de continuar apaixonada por um homem que a usara. Mas ao olhá-lo sabia que não podia evitar o que sentia.
Ao pé da montanha, um pouco antes de o atalho dar na estrada prin-cipal, Kane parou a carroça. O sol estava se pondo e uma luta de tons rosa e laranja incendiava o horizonte. O ar da montanha tornava-se ainda mais frio, perfumando-se com o aroma da sálvia, e a estrada estava cheia de pontos prateados formados pelos resíduos de carvão.
- Por que estamos parando? - ela perguntou, enquanto Kane vinha a seu encontro e estendia os braços para ela.
- Porque não creio que possa esperar mais tempo para fazer amor com você - disse, carregando-a nos braços.
- Kane... - começou a protestar - não podemos parar aqui. Pode aparecer alguém.
Não disse mais nada porque ele a estava abraçando, trazendo-a cada vez mais junto dele, suas mãos começando a acariciar-lhe as costas. Houston juntava-se a ele com todo o amor que sentia.
Ele afastou-se um pouco, tocando seu rosto com externa gentileza.
- Senti falta sua, doçura. Senti muita falta sua - murmurou. No minuto seguinte, não havia mais gentileza quando sua boca prendeu com avidez seus lábios.
Houston estava tão ansiosa por ele como ele estava por ela. Seu corpo derretia-se, suas curvas se amoldavam aos duros contornos do corpo dele.
Ele afastou-a e viu a expressão de arrebatamento e desejo que havia em seu rosto. Com um ar de firmeza, afastou-se dela, foi ao fundo da carroça e tirou o pedaço de lona. Depois de estendê-lo no chão, atrás da privacidade de pinheiros e moitas de zimbro, ergueu a mão para ela.
Lentamente, Houston andou em sua direção, olhando-o sem conseguir pensar em nada, a não ser na excitação que a tomava.
As mãos dele tremiam quando começou a despi-Ia, desabotoando um a um, com muito vagar, os pequenos botões.
- Há muito tempo que penso nisso - disse com carinho. A fraca luminosidade do anoitecer a fazia parecer mais jovem e mais vulnerável.
- Uma vez, você perguntou-me sobre outras mulheres. Não creio que ao menos pensasse em uma mulher, depois de ter estado na cama com você. Na verdade, não acredito que pensasse nisso enquanto estava na cama com você. E, pior que tudo isso, tenho certeza de nunca ter dito a uma mulher todas as coisas que lhe contei nos últimos meses. Você é uma dama ou uma bruxa?
Enquanto a mão dele insinuava-se para dentro de seu vestido, tocando sua pele, encontrando seu seio e enviando o calor de seu toque por todo o corpo, Houston pôs os braços à volta do pescoço dele, pressionando os lábios nos dele.
- Eu sou uma bruxa que está apaixonada por você.
Kane prendeu-a junto a si, tão forte, que ela sentiu as costelas se deslocarem, e somente um gemido de protesto fez com que ele afrouxasse o abraço.
Não houve mais conversa quando Kane atacou-a com todo o desejo reprimido que tinha guardado. E Houston correspondeu da mesma maneira.
Com sofreguidão, ambos começaram a arrancar as roupas um do outro, e no ar calmo da noite ouvia-se às vezes o som de tecidos se rasgando, quando um botão relutante recusava-se a passar pela casa.
Houston nem teve tempo de tirar as meias e os sapatos e Kane já estava sobre ela, a boca ávida correndo por cada pedaço da pele. Ela enterrou as unhas em sua carne e puxava-o cada vez mais para junto de si, até que formaram uma só pessoa.
Quando ela começou a abrir a boca, Kane calou-a com um beijo.
- Se gritar aqui, Dama de Gelo, teremos alguns visitantes indesejados.
Houston não tinha idéia do que ele estava falando nem queria perder tempo procurando saber. A todo instante, Kane apertava sua boca e Houston beijava-o.
Ela não tinha idéia de quanto tempo ficaram lá, porque seus pensamentos estavam ocupados com o corpo de Kane qth, às vezes, estava em cima dela, às vezes debaixo, à:-s vezes ao lado. Seucabelo grudavase ao rosto suado e caía pelas costas em ondas. Ela,, sentia unida à pele de Kane, quente, úmida, tocante, pele deliciosa; era sua, para provar e tocar. Seus desejos há tanto tempo guardados, a possibilidade de perder o homem que amava, tornavam-na insacikl. Eles atingiam o prazer, separavam-se, reuniam-: se e novamente alcançavam juntos o momento final, paralisante.
Dormiram uns poucos minutos, abraçados, seus, corpos fundidos.
Depois de algum tempo, Kane Levantou-se, puxouaponta da lona sobre eles e ajeitou a jaqueta sobre o corpo despido de Hokon. Olhou-a por um momento ao luar, para seu rosno adormecido, e arrumou seu cabelo.
- Quem pensaria que uma doma como você... murmurou, antes de ajeitar-se, puxando-a para descansar em seu ombro e deitandose na lona.
Houston acordou uma hora mais tarde, com a mão de Kane subindo e descendo pelo seu corpo, o polegar brincando com o bico rosado de seu seio. Sorriu para ele de uma maneira sonhadora.
- Tenho tudo que um homem pode pedir. Tenho uma mulher nua em meus braços e ela sorri para mim. - Pôs sua enorme coxa entre as dela. - Ei, senhora, quer ir para a cama com um cavalariço?
Ela esfregou seus quadris contra os dele.
- Só se ele for muito gentil e não me assustar com seus modos bárbaros.
Kane deu um grunhido, beijando-lhe o mamilo,
- Quando um homem quer alguma coisa, ele usa uma espingarda ou uma faca. Mas, doçura, as armas que você usam, assustam até a morte.
- Você parece aterrorizado - disse ela, tomando o lóbulo da orelha dele entre seus dentes.
Desta vez, fizeram amor lentamente, sem se sentirem frenéticos ou precipitados. Quando terminaram, ficaram deitados tranqüilo, nos braços um do outro, e dormiram. Lá pelo meio da noite, Kane levantou-se e desamarrou os cavalos da carroça. Quando Houston, sonolenta, perguntou o que ele estava fazendo, respondeu:
- Uma vez cavalariço, sempre cavalariço. - E voItou para a lona que era a cama deles.
Antes de o sol nascer, eles mexeram-se, acordaram e começaram a conversar. Kane estava deitado de costas, Houston enrolada em volta dele. Falaram sobre o prazer que ele tivera ao ver as crianças com os brinquedos que ele lhes dera.
- Por que alguns dos meninos parecem-se com guaxinins?
Levou um tempo para que Houston entendesse o que ele queria dizer.
- Eles trabalham nas minas e ainda não aprenderam como lavar a poeira de seus olhos.
- Mas alguns daqueles meninos ainda são bebês, ou pelo menos não muito mais velhos. Eles não podem...
- Podem - respondeu Houston, e ficaram em silêncio durante um momento.
- Sabe de uma coisa que eu gostaria de fazer por todas as minas e não por uma só?
- O que é?
- Gostaria de comprar umas quatro carroças, algo assim como uma grande carroça de leite, mas dentro haveria estantes de livros, e as carroças andariam por todos os campos e seria uma biblioteca circulante grátis. Os cocheiros poderiam também ser bibliotecários ou professores, e ajudariam as crianças, e os adultos também, a escolherem livros.
- Por que não contratamos homens para dirigir as carroças? - perguntou Kane, com um brilho nos olhos.
- Então, você gosta da idéia?
- Me parece ótima, e algumas poucas carroças têm que ser mais baratas do que aquele trem que comprei para sua mãe. A propósito, como está ela se arrumando com aquela coisa?
Houston sorriu para ele na claridade que aumentava.
- Ela disse que você deu-lhe a idéia. Fez com que fosse levado para o quintal e, agora, usa-o como seu refúgio pessoal. Ouvi dizer que o senhor Gates estava tão chateado que não conseguia falar.
Quando o sol iluminou o céu, Kane disse que deviam voltar para casa, antes que o tráfego matinal começasse. Durante todo o caminho, Houston sentou-se perto dele e, diversas vezes, ele parou para beijá-la. Houston dizia para si mesma que não se preocupava com os Fenton e que amaria Kane sem se importar com o que havia feito para conseguir sua vingança.
Em casa tomaram banho na grande banheira de Houston, e, ao ter-minarem, havia mais água no chão de cerâmica do que dentro da banheira. Mas Kane absorveu grande parte da água quando cobriu o chão com vinte e uma toalhas turcas brancas felpudas, sobre as quais os dois se deitaram e fizeram amor. A empregada de Houston, Susan, quase entrou no quarto, mas Kane bate a porta em sua cara e eles riram juntos ao ouvirem a garota atravessar correndo o chão de madeira do quarto de Houston.
Depois, desceram para tomar o maior desjejum que duas pessoas já comeram. A sra. Murchison saiu da cozinha e veio atendê-los em pessoa, sorrindo e mostrando os dentes. Obviamente satisfeita por Kane e Houston terem se reconciliado.
- Bebês - disse, encaminhando-se para a porta. - Esta casa precisa de bebês.
Kane quase engasgou com o café e olhava para Houston, com terror no rosto. Ela recusou-se a olhá-lo, mas sorriu para sua xícara. Assim que a sra. Murchison voltou à sala trazendo um prato de bifes fritos na panela, cheios de um molho marrom, ouviram um estrondo. Parecia que vinha rolando por baixo de seus pés alguma coisa profunda, escura e má. Os copos sobre a mesa agitaram-se e, vindo de cima, puderam ouvir o barulho de vidro quebrando.
Com um grito, a sra. Murchison deixou cair o prato.
- Que diabo é isso? Um terremoto? - perguntou Kane.
Houston não disse uma palavra. Já ouvira esse barulho somente uma vez antes em sua vida, mas nunca, nunca se esquecera. Não olhou para Kane, ou para os empregados, que já estavam correndo para a sala de jantar, mas foi direto para o telefone e pegou-o.
- Qual delas? - foi tudo que disse no aparelho, não se preocupando em informar à telefonista quem era ela.
- Little Pamela - ouviu, antes que o instrumento frio escapasse de sua mão.
- Houston! - gritou Kane em seu rosto, ao agarrá-la pelos ombros. - Não se atreva a desmaiar agora. Aquilo foi uma mina?
Houston não pensou que fosse capaz de falar. Havia um nó de medo fechando sua garganta. Por que tinha que ser a minha mina, ficava se perguntando em sua cabeça, enquanto com os olhos da mente via toda as crianças. Quais dos meninos que tinham jogado bola na véspera estariam mortos agora?
Olhou desanimada para Kane.
- O turno - murmurou. - Rafe estava no último turno. As mãos de Kane apertaram seus ombros.
- Então foi a Little Pamela? Muito sério?
Houston abriu a boca, mas não conseguiu dizer nada.
Um dos lacaios adiantou-se do grupo de empregados, agora silenciosos, reunidos no vestíbulo.
- Senhor, quando a explosão é suficientemente forte para quebrar a vidros na cidade, então é muito grave.
Kane ficou em silêncio durante um minuto e, em seguida, entrou em ação.
- Houston, quero que pegue todos os cobertores e lençóis desta casa ne ponha-os na carroça grande para serem levados à mina. Vou me vestir e irei para lá antes de você. Mas quero que vá o mais breve possível, entendeu bem?
- Estarão precisando de salvadores - disse o lacaio.
Kane deu-lhe um rápido olhar, de cima a baixo.
- Então tire essa fantasia inútil e pegue um cavalo. - Voltou-se para Houston. - Vivo ou morto, tirarei Rafe. - Depois de um rápido beijo subiu correndo as escadas.
Houston ainda continuou parada por um momento, antes que começasse a mover-se. Ela não podia mudar o que acontecera, mas podia ajudar. Voltou-se para as mulheres que estavam paradas perto dela.
- Ouviram as ordens. Quero todos os lençóis e cobertores na carroça dentro de dez minutos.
Uma das empregadas adiantou-se:
- Meu irmão trabalha na Little Pamela. Posso ir com a senhora?
- E eu - disse Susan. - Já consertei algumas cabeças quebradas há tempos atrás.
- Sim - respondeu Houston, correndo escada acima para trocar seu robe matinal, cheio de rendas. - Acho que precisaremos de toda a ajuda que pudermos arranjar.

 

 


29

 

KANE NÃO TINHA nenhuma experiência com desastres. Suas batalhas, geralmente, tinham sido conflitos com indivíduos, lutas de negócios, e estava despreparado para o que encontrou no local da mina Little Pamela. Já de longe, ouviu os gritos das mulheres e pensou que, por mais que vivesse, nunca tiraria aquele som de sua cabeça.
O portão do campo estava aberto e sem guardas. Havia apenas uma mulher sentada lá, ninando seu bebê. Kane e os quatro homens diminuíram a marcha quando entraram no campo, e alguns homens desmontaram ao ver as mulheres que surgiam no caminho, aos prantos. Uma delas agarrou o braço de Kane.
- Mate-me - gritava em seu rosto. - Ele se foi e não temos nada! Nada!
Sem que Kane conseguisse impedi-Ia, ela o empurrou para dentro do barracão. A cabana de Rafe era uma mansão comparada com o lugar. Cinco crianças imundas, vestindo pouco mais que trapos, estavam de pé em um canto, agarrando-se umas às outras. Os rostos magros e os grandes olhos tristes falavam de sua fome permanente. Ele não vira essas crianças quando estivera ali na véspera, mas também não se lembrava de ter estado nesta parte do campo, onde as casas eram cabanas de papelão pichado e latas de zinco alisadas.
- Mate-nos a todos - gritava a mulher. - Estaremos melhor. Agora morreremos de fome.
Na tábua que parecia servir de mesa, havia metade de um pão velho e este devia ser o único alimento na casa.
- Senhor - disse o lacaio que entrara atrás de Kane. - Eles precisarão de ajuda com os corpos.
- Sim - Kane falou e deixou a cabana com a mulher chorando alto atrás dele. - Quem são essas pessoas? - perguntou, assim que estavam fora.
- Elas não têm como pagar o aluguel de dois dólares por quarto, pelas casas da companhia, assim a companhia lhes aluga a terra por um dólar por mês e eles fazem suas próprias casas com o que podem encontrar. - Indicou com a cabeça o cortiço de cabanas de folhas de zinco e latas. Kane julgou reconhecer pedaços dos engradados que na véspera continham o equipamento de beisebol.
- O que acontecerá com a mulher se seu marido estiver morto?
- Se ela tiver sorte, a companhia lhe pagará o equivalente a seis salários. Depois, ela e as crianças ficarão por conta própria. De qualquer forma, a companhia dirá que a explosão foi causada pelos mineiros.
- Pelo menos podemos ajudar agora. Vá arranjar comida para essa mulher.
- Onde? Quatro anos atrás, houve uma revolta e os mineiros atacaram o armazém da companhia. Desde então, só há um mínimo de mercadorias, incluindo alimentos, em qualquer campo. - Sua boa torceu-se. - E a cidade não ajudará, também. Tentamos pedir ajuda à prefeitura quando a última mina explodiu, mas eles disseram que teríamos que pedir através dos "canais".
Kane começou a dirigir-se ao centro do campo. Em frente à boca da mina, havia três corpos enrolados em lençóis; dois homens carregavam outro corpo para as portas abertas da oficina das máquinas, onde pôde ver Blair e dois homens trabalhando. Kane foi até a tenda ao lado de Leander:
- Muito grave?
- Não podia ser pior. Há tanto gás na mina que os resgatadores desmaiam antes de alcançar os homens. Ainda não podemos dizer exatamente o que aconteceu, ou quantos morreram, porque a explosão foi para dentro e não para fora. Pode haver túneis com homens vivos, presos lá embaixo. Segurem-na, por favor - gritou Lee, pulando para o elevador que o levaria para baixo da mina.
Kane pegou a mulher a que ele se referiu, quando ela corria em direção a um corpo queimado que estava sendo retirado da mina.
- Vou levá-la para casa - disse Kane, mas a frágil mulher só sacudia a cabeça.
Outra mulher apareceu.
- Tomarei conta dela.
- Vocês têm conhaque?
- Conhaque? - falou com desprezo. - Não temos nem água fresca. - Ajudou a manter a mulher que Kane estava carregando. 246
Dois minutos mais tarde, Kane estava em seu cavalo, descendo em disparada a montanha, em direção a Chandler. Passou por Houston e ela chamou-o, mas não diminuiu a marcha.
Uma vez na cidade, continuou correndo velozmente, quase atropelando uma meia dúzia de pedestres que lhe faziam perguntas. Grande parte dos cidadãos de Chandler estava nas ruas, olhando em direção à montanha, onde estava a mina Little Pamela e se perguntando o que acontecera.
Kane atravessou a cidade e subiu a Avenida Archer, até chegar à casa de Edan. Do outro lado da rua, a nova enfermaria Westfield estava cheia de atividade. Não vira Edan desde a noite em que se separaram tão amargamente.
Edan estava passando pelo portão da frente, um cavalo selado aguar-dando por ele, quando Kane forçou uma parada, freando seu cavalo com tanta força que as patas dianteiras do animal levantaram-se.
Kane desmontou e subiu os degraus, tudo em um só movimento.
- Sei que não tem mais muita utilidade para mim, mas não conheço ninguém mais que tenha miolos para me ajudar a organizar o que quero fazer. Assim estou lhe pedindo que esqueça suas queixas no momento e me ajude.
- Para fazer o quê? - perguntou Edan com cautela. - Estou indo para ajudar na mina. O tio de Jean está lá e...
- Acontece que ele é também meu tio, droga! - explodiu Kane no rosto de Edan. - Passei a última hora lá em cima e eles já têm mais resgatadores do que podem precisar, mas não têm muita comida e nenhuma água. A explosão desmontou uma porção de casas, se é que se pode chamar assim àquelas cabanas. Quero sua ajuda para conseguirmos juntos alguma comida e abrigo para as pessoas, para os resgatadores e para as mulheres que estão lá em volta, chorando.
Edan olhou para seu antigo patrão, durante um longo e dramático minuto.
- Pelo que Jean soube pelo telefone, vai levar muito tempo para retirarem todos os corpos. Teremos que alugar carroças para levarmos tudo para a mina, e devemos tentar conseguir um trem para... para os corpos. Para hoje, precisamos de comida que não precise ser cozinhada.
Kane deu a Edan um sorriso brilhante.
- Vamos, temos que trabalhar.
Jean tinha acabado de aparecer no portão, seu rosto assustadoramente branco.
- Quero que você ligue para a senhorita Emily e diga-lhe que chame todas as irmãs para se encontrarem comigo na mercearia Randolph, assim que puderem chegar lá. Esteja certa de falar com a senhorita Emily mesmo, e de dizer ''Irmãs". Jean, isso é muito importante. Entendeu?
Jean fez que sim, antes de Edan dar-lhe um rápido beijo e montar a cavalo.
Ao chegarem à cidade, Kane e Edan se separaram e foram procurar aquelas pessoas que tinham carroças para alugar. A maioria dos donos ofereceu seus serviços como voluntários e, por toda Chandler, havia um sentimento de unidade, pois a preocupação com o que acontecera no campo os unira.
Seis jovens senhoras esperavam-nos em frente da Randolph, e Kane levou só alguns segundos para dizer-lhes do que precisavam, antes de as mulheres começarem a agir, com a doce srta. Emily gritando ordens com uma voz de sargento de artilharia.
Quando as carroças paravam defronte das portas de trás da loja, as mulheres enchiam caixas de carne enlatada, feijões, leite condensado, biscoitos e centenas de pães. Quando juntava-se uma multidão de curiosos, a srta. Emily os punha para trabalhar, ajudando a encher as caixas de alimentos.
Edan providenciava uma carroça de água.
Pamela Fenton desceu a ladeira correndo, segurando seu chapéu na cabeça, e Zachary na sua frente.
- O que podemos fazer? - perguntou.
Kane olhou para o filho e um sentimento de agradecimento percorreu seu corpo. Seu filho nunca seria exposto ao perigo constante das minas. Pôs a mão na cabeça do menino e virou-se para Pam.
- Quero que arranje quantas amigas puder para ajudá-la a descobrir todas as tendas desta cidade. Vá à minha casa e veja o que Houston fez com aqueles toldos grandes que arranjou para o casamento. Leve-os para a mina.
- Não acho que Zach seja suficientemente crescido para ver o que aconteceu lá. Algumas vezes essas explosões podem ser...
O temperamento de Kane ainda não tinha se manifestado nos acon-tecimentos do dia, mas agora ele deixou-o soltar-se.
- Foram vocês - gritou no rosto dela. - Foram vocês, Fenton, que causaram tudo isso. Se as minas não fossem tão perigosas e se seu pai se separasse um pouco de seu precioso dinheiro, nada disso teria acontecido. Esse menino é meu filho e, se os meninos lá de cima podem morrer nas minas, ele não é tão delicado que não possa ver as mortes que seu pai causou. Agora, mulher, mexa-se e faça o que eu disse. Ou me lembrarei quem você é e que, no momento, meu maior desejo é ver seu pai morto.
Quando Kane parou, percebeu que muitos dos moradores da cidade, que estavam por ali, tinham parado e olhavam-no estáticos, a respiração suspensa.
O primeiro a se mover foi Edan, que desceu de uma carroça.
- Vocês vão ficar parados aí, o dia todo? Você! - gritou para um menino. - Encha aquela caixa com feijão e você afaste aquela carroça, antes que o cavalo entre no fundo da outra.
Lentamente, as pessoas começaram a voltar aos seus deveres, mas a cabeça de Kane estava nas mortes causadas por Jacob Fenton. Apesar de tudo que tinha dito para Pam, não permitiria que Zach fosse com qualquer carroça até o local do desastre, até que ele estivesse pronto para dirigir uma.
Já estava perto de o sol se pôr quando Kane tomou lugar e começou a viagem para a mina Little Pamela. Zach estava a seu lado, e o menino não falou até que já estivessem bem adiantados na estrada.
- Meu avô matou realmente aquelas pessoas? Foi realmente culpa dele?
Kane começou a contar ao filho o que pensava de Fenton, de como seu amor pelo dinheiro o fizera trapacear e tirar o que era de Kane, mas alguma coisa dentro dele fez com que parasse. Fosse o que fosse, o velho era o avô de Zachary, e o menino tinha todo o direito de amá-lo.
- Acho que algumas vezes as pessoas ficam confusas por causa de dinheiro. Pensam que o dinheiro pode dar-lhes tudo que querem na vida e vão atrás dele, de qualquer jeito. Não importa se têm que trapacear ou roubar para consegui-lo. Nem que tiram o dinheiro de outras pessoas. Pensam que conseguir o dinheiro compensa tudo que tenham que fazer.
- Minha mãe disse que você e mais rico do que meu avô. Isso significa que você também roubou? Você trapaceou as pessoas?
- Não - respondeu Kane com calma. - Acho que tive sorte. Tudo que tive que fazer foi desistir da minha vida para conseguir ganhar dinheiro.
Ficaram em silêncio durante o resto do caminho para a mina, e Kane passou outra vez pelo horror da primeira entrada na cena da explosão. Na boca da mina, estavam oito corpos, descobertos, esperando para serem levados para a oficina das máquinas, onde Blair, outra médica e dois médicos estavam trabalhando.
Houston, com o cabelo caindo no rosto, o vestido sujo, veio até a parte de trás da carroça, onde Kane tinha abaixado a tábua.
- É maravilhoso o que fez - começou, enquanto levantava uma caixa de leite condensado para entregá-la a uma mulher que esperava -, você realmente não pertence a isso. Você...
Kane tirou a caixa pesada da mão dela.
- Eu também moro aqui. E, de certa forma, essas minas me pertencem. Talvez se eu tivesse cobrado de Fenton, poderia ter evitado que isso acontecesse. Houston, você parece cansada. Por que não leva a carroça de volta e vai para casa descansar?
- Eles precisam de todos. Os resgatadores estão sucumbindo com o gás e estão tendo dificuldade em encontrar os homens.
- Aqui! Dê-me um gole disso aí - disse uma voz familiar atrás deles, e Kane virou-se e viu seu tio Rafe tomando uma caneca de água. Houston tinha certeza de nunca ter visto Kane sorrir com tanta vontade ou mostrado tanta alegria. Bateu tão forte nas costas do tio que a caneca saíu voando pelo chão. Rafe praguejou a respeito da força de Kane, mas ele apenas sorria.
Por fim Rafe parou de falar e piscou para Houston, antes de voltar para a entrada da mina.
Kane foi para a mina, onde viu Leander, enegrecido pela fumaça da explosão, saindo para fora. Entregou a Lee uma caneca de água.
- Ainda há muitos?
- Demais. - Lee bebeu a água avidamente. Levantou as mãos e olhou-as na luz fraca. - Os corpos estão queimados e, quando você os toca, a pele sai em sua mão.
Não havia nada que Kane pudesse dizer, mas seus pensamentos foram para o homem que era responsável por tudo isso.
- Obrigado pela comida. Foi uma ajuda muito maior do que imagina. Amanhã, mais pessoas virão aqui. A imprensa, familiares, os inspetores de minas, pessoas do governo e os curiosos. Alimento é coisa que, às vezes, é esquecido. É melhor que eu volte agora - disse Lee, afastando-se.
Kane andou através do número cada vez maior de pessoas, encontrou Houston e seu filho, e fez com que subissem em uma das carroças de aluguel vazias.
- Vamos providenciar o resto dos alimentos - foi tudo que disse quando começaram a descer a montanha. Quando a cabeça de Houston encostou em seu ombro, abraçou-a e manteve-a junto a si para que pudesse dormir o resto do caminho, até Chandler.
Houston e Zach dormiram algumas horas no fundo da carroça, enquanto Edan e Kane acordavam o pessoal da cidade e compravam mer cadorias para serem levadas para a mina. Pela manhã, foram ao ginásio e pediram que as crianças fossem dispensadas nesse dia, a fim de que pudessem ajudar a reunir as mercadorias necessárias.
Os estudantes compraram legumes, frutas, geléias. Pediram às suas mães para que cozinhassem a comida e centenas de ovos. Coletaram roupas, pratos, lenha, e levavam tudo para postos de recolhimento.
Durante todo o dia, as notícias chegavam da mina. Já tinham encontrado vinte e dois corpos, tão queimados, inchados e mutilados que a identificação era quase impossível. Os resgatadores esperavam encontrar mais vinte e cinco; trabalhavam em dois turnos. Até o momento, um resgatador tinha morrido.
Ao meio-dia, Kane levou uma carroça carregada para a mina. Ao descarregar trouxas de cobertas e centenas de fraldas, viu os resgatadores vindo para a superfície e mais de um deles vomitava no chão.
- É o cheiro - disse um homem ao lado de Kane. - Os corpos lá embaixo cheiram tão mal que os homens não agüentam.
Por um momento, Kane ficou olhando, e então agarrou o cavalo selado de alguém e disparou montanha abaixo, dirigindo-se para a casa de Jacob Fenton com toda a velocidade que podia conseguir.
Ele nunca mais passara pelo caminho daquela casa desde que a deixara anos antes, mas a familiaridade era tão grande que ele sentia como se nunca tivesse estado fora. Ele não esperou para bater na porta, mas chutou com o pé, através do painel de vidro, e entrou pela porta que mal se firmava nas dobradiças.
- Fenton! - gritou enquanto empregados vieram correndo de todas as partes da casa. Dois lacaios agarravam-no pelos ombros para impedi-lo, mas com um movimento tirou-os como se não pesassem nada. Ele conhecia a disposição das partes de baixo da casa bastante bem, e logo encontrou a sala de jantar, onde Jacob Fenton estava comendo sozinho, na cabeceira da mesa.
Olharam-se por um momento, o rosto de Kane vermelho de raiva, seu corpo arfante.
Jacob abanou a mão para dispensar os criados.
- Não acredito que tenha vindo para jantar - disse, calmamente passando manteiga em um pãozinho.
- Como pode sentar-se aí quando as pessoas que matou estão naquela montanha? - Kane tentou ir embora.
- Aí eu discordo de você. Eu não os matei. A verdade é que fiz tudo que podia para mantê-los vivos, mas eles parecem ter uma inclinação suicida. Posso lhe oferecer um vinho? É de uma safra muito boa. A cabeça de Kane estava cheia das visões e sons dos últimos dias.
Seus ouvidos pareciam tinir com o som do choro das mulheres, e não tinha percebido, mas não comia há cerca de dois dias. Agora, o cheiro da comida, a limpeza da sala, o silêncio, tudo junto fez com que balançasse.
Jacob levantou-se, serviu um copo de vinho, e, enquanto puxava uma cadeira para Kane, pôs o copo em frente dele. Kane não reparou que a mão de Jacob tremia quando segurava o vinho.
- É muito grave? - perguntou Jacob, dirigindo-se para uma mesa lateral e pegando um prato que começou a servir.
Kane não respondeu, ao sentar-se na cadeira, olhando para o vinho.
- Por quê? - murmurou depois de um momento. - Como pode matá-los? Vale a pena a morte daquelas pessoas? Por que não ficou satisfeito com todo o dinheiro que tirou de mim? Por que tinha que ter mais? Há outras maneiras de se conseguir isso.
Jacob pôs um prato cheio de comida em frente de Kane, mas ele não tocou em nada.
- Eu tinha vinte e quatro anos quando você nasceu, e toda minha vida pensara que era o dono daquilo com o qual crescera. Eu amava o homem que pensava ser meu pai... e pensava que ele me queria bem. Jacob endireitou os ombros:
- Naquela idade, as pessoas tendem a ser idealistas. Na noite em que Horace se matou, descobri que não era nada para ele. Seu testamento declarava que eu poderia permanecer seu guardião até que você tivesse vinte e um anos, e então deveria passar tudo a você. Eu deveria ir embora com as roupas do corpo e mais nada. Não creio que possa imaginar a profundidade do ódio que senti naquela noite pela criança chorona que arruinara minha vida toda. Não podia ter nenhum pensamento racional quando mandei-o para uma mulher da fazenda para amamentá-lo e subornei os advogados. Esse ódio acompanhou-me durante anos. Era tudo em que eu podia pensar. Se eu assinava um papel, sabia que em algum lugar havia uma criança de quatro anos que na verdade possuía o que eu estava comprando ou vendendo. Uma vez mandei-o buscar, você era jovem, a fim de que pudesse ver por mim mesmo que você não valia o que meu pai lhe deixara.
Jacob sentou-se do outro lado da mesa, em frente a Kane.
- O doutor diz que tenho no máximo somente um ou dois meses de vida. Não disse a ninguém, nas de qualquer forma queria contarlhe a verdade antes de morrer.
Pegou seu copo cheio de vinho e provou-o.
- O ódio dói mais naquele que odeia do que no que é odiado. Todos aqueles anos em que morou aqui, eu o via e tinha certeza de que estava tentando tirar tudo que eu possuía. Vivia com medo que descobrisse a verdade e tirasse o que era meu e de meus filhos. E quando quis Pam para sua esposa, parecia que todos meus medos tinham-se tornado realidade. Mais tarde, pensei que devia ter visto seu casamento com minha filha como uma solução, mas na ocasião... não creio que pudesse pensar de forma racional.
Tomou um bom gole de vinho.
- Aí está, Taggert, a última confissão de um moribundo. É tudo seu. Se quiser pode levar. Hoje pela manhã contei a verdade para meu filho, sobre a quem pertencem minhas propriedades, porque não tenho mais força ou inclinação para lutar com você.
Kane recostou-se na cadeira e, olhando para Fenton e vendo a coloração acinzentada de sua pele, percebeu que não mais odiava o homem. Houston dissera que seu ódio por Jacob Fenton havia servido de estímulo para conseguir o que tinha, e talvez ela estivesse certa. De fato, ela vira a injustiça de Horace ao ter cortado Jacob de seu testamento.
Kane tomou um gole de vinho que estava à sua frente e olhou a comida.
- Por que tem que deixar os mineiros passarem fome para ganhar seu dinheiro?
- Fazer os mineiros passarem fome? - Jacob ofegava, os olhos saltando. - Ninguém no mundo compreende que não tenho lucro com os mineiros? O único dinheiro que ganho é em Denver na siderúrgica, mas todos olham o pobre e maltratado mineiro e acusam-me de ser Satã.
Levantou e começou a andar ao redor da sala.
- Tenho que manter as minas de carvão fechadas com cadeado ou os sindicalistas virão e incitarão os mineiros a pedirem mais dinheiro, menos horas. Sabe o que querem? Eleger um fiscal de pesagem. Veja, eu sei tão bem quanto qualquer um que as balanças estão preparadas e que os mineiros cavam mais carvão do que é creditado para eles. Mas se eu fosse honesto e pagasse a eles o que eles merecem, teria que aumentar a produção de carvão e a mina não seria mais competitiva. Não conseguiria mais contratos e eles não teriam mais empregos. Portanto, quem sai perdendo mais, se os deixo contratarem um pesador honesto? Eu posso contratar mineiros às centenas, mas não acredito que eles possam encontrar empregos tão facilmente.
Kane olhou para o homem mais velho, durante um momento. Ele entendia de negócios, e sabia que às vezes têm que ser feitas compensações.
- E sobre a segurança da mina? Ouvi dizer que usa madeira estragada e....
- O diabo, que uso. Os mineiros têm seu próprio código de orgulho. Pode perguntar a seu tio se não estou certo. Contam vantagens sobre como são capazes de dizer até onde podem ir antes que o teto desmorone. Tenho sempre inspetores de mina por lá, e eles descobriram que os homens não perdem tempo em escorar conforme avançam.
Kane pegou o garfo ao lado do prato de comida, que estava à sua frente, e lentamente começou a comer, mas então descobriu que estava faminto e começou a devorá-la.
- Você não os paga pelo tempo que passam escavando, não é? Eles são pagos pelo peso que retiram, certo?
Jacob pegou uma cadeira na frente de Kane e pôs outro grosso pedaço de carne em seu prato.
- Contrato-os como subcontratantes, e depende de cada homem cumprir sua parte no contrato. Sabia que pago homens para inspecionar os chapéus dos mineiros? Os idiotas abrem os capacetes para acender cigarros e mandam o lugar para os ares. O inspetor tem que verificar que os capacetes estejam fechados com solda para evitar que se matem.
Kane, com a boca cheia, fazia gestos com o garfo.
- Uma hora, você os trata como crianças e os tranca. Depois, eles têm que ser subcontratantes e assumir a responsabilidade pelo seu próprio... como se chama quando você tem que trabalhar mas não recebe pelo trabalho?
- Trabalho morto. Faço o melhor que posso e ainda mantenho os mineiros trabalhando. Gostaria de comprar meu carvão de outra pessoa e só fazer aço, mas não posso pensar em deixar tanta gente sem trabalho. Cada vez que acontece alguma coisa assim - indicou a direção de Little Pamela -, digo que vou fechar as minas. Há uma grande competição para suprir carvão para as siderúrgicas de Denver, e eu poderia fechar todas as dezessete minas ao redor de Chandler e ninguém daria por falta delas. Mas sabe o que aconteceria com esta cidade se eu fechasse as minas? Em dois anos, seria uma cidade-fantasma.
- Portanto, de acordo com você, está só fazendo um favor para a cidade.
- De uma certa forma, estou - disse Jacob concordando.
- Imagino que esteja pagando seus acionistas, não?
- Não tanto quanto gostaria, mas faço o melhor que posso. Kane estava limpando o fundo do segundo prato de comida com um pedação de pão.
- Então é melhor mesmo que comece a fazer o melhor. Acontece que tenho um dinheirinho meu, e posso decidir usá-lo em algumas ações judiciais contra os diretores da Fenton Coal and Iron, e penso que toda a produção de aço e carvão possa ser suspensa enquanto essas ações estiverem no tribunal.
- Mas isso arruinaria Chandler. Você não poderia...
- Penso que de alguma forma os proprietários da FC & I devam ter bastante interesse para evitar que isso aconteça.
Jacob olhou Kane durante um longo tempo.
- Muito bem, o que você quer?
- Se os homens precisam de inspetores para protegê-los deles mesmos, eu quero inspetores, e quero os garotos fora das minas.
- Mas os corpos pequenos das crianças podem fazer coisas que um adulto não pode! - protestou Jacob.
Kane limitou-se a dar-lhe um olhar e continuou com o ponto seguinte, tentando lembrar tudo que Houston lhe contara sobre os problemas das minas. Jacob protestava contra cada aspecto dos pedidos de Kane. Sobre as "livrarias", afirmou que "ler os torna descontentes".. Sobre os serviços religiosos, reclamou sobre ter de pagar a pregadores de várias religiões. Sobre melhores moradias, Jacob disse que morar em cabana era saudável para os mineiros devido ao ar fresco que entrava pelas frestas na parede.
Eles conversaram e discutiram durante toda à tarde, com Jacob cons-tantemente tornando a encher o copo de Kane com vinho. Por volta das quatro horas, as palavras de Kane começaram a ficar enroladas e sua cabeça se apoiava no peito. Quando finalmente rendeu-se ao sono estava dizendo a Jacob que talvez os sindicatos não fossem tão maus como pensava. O velho homem estava de pé e olhou para o grande corpo de Kane esparramado na cadeira.
- Se tivesse um filho como você, poderia ter conquistado o mundo - murmurou antes de sair da sala e mandando um criado buscar um cobertor para cobrir Kane.
Já era noite quando Kane acordou, duro e dolorido por ter dormido na cadeira. Por um momento, não soube onde se encontrava. A sala estava escura, mas pôde perceber o contorno de um pacote embrulhado em pano sobre a mesa e soube sem dúvida que o embrulho continha sanduíches.
Com um sorriso, enfiou a comida no bolso e saiu da casa. De qualquer modo sentia-se mais leve do que já tinha se sentido antes, e, ao voltar para a mina, tinha esperança de que, a partir de agora, sua vida iria ser diferente.
Na mina, o advogado Reed Westfield, pai de Leander, estava entrando no elevador para voltar ao túnel a fim de continuar a operação resgate. Kane pegou o homem que estava com Reed pelo colarinho.
- Vá procurar alguma coisa para comer. Eu vou dessa vez. Quando a maquinaria começou, Kane contou rapidamente para Reed a história de como tudo que Jacob Fenton possuía era legalmente dele.
- Não quero que isso fique pesando como uma ameaça sobre ele. Eu não preciso do dinheiro. Quero que me prepare um papel dizendo que dou de volta tudo para ele e a quem quer deixar, como herança. Quero isso feito logo porque o velho está morrendo.
Reed olhou para Kane com olhos cansados e concordou.
- Tenho um escritório cheio de funcionários com pouca coisa para fazer. Amanhã cedo está bom?
Kane não fez mais do que acenar concordando porque, ao chegarem ao fundo da mina, seu rosto contorceu-se com o cheiro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


30


NO TERCEIRO DIA após a explosão, um total de quarenta e oito corpos tinha sido retirado de dentro da mina, e sete ainda não tinham sido achados. Na tarde do segundo dia, foram encontrados quatro corpos, ajoelhados, com as mãos tapando as bocas. Tinham sobrevivido à explosão maior, mas os gases os mataram.
Na cidade, as casas de comércio estavam com tarja preta e as bandeiras a meio pau. Quando os carros funerários percorriam as ruas numa procissão sem fim, as pessoas andavam com as cabeças descobertas e curvadas.
O noivo de Sarah Oakley morrera ao voltar para casa, depois de ajudar no resgate dos mineiros. Muito cansado para ver para onde estava indo, ou para reparar nos arredores, não viu ou ouviu o trem que vinha em sua direção. O choque matou-o instantaneamente.
Leander e Kane, com o ajuda de Edan, pediram e receberam a promessa de um posto de resgate que seria construído em um terreno doado por Jacob Fenton. Ninguém ousou dizer, mas todos eram de opinião que Kane tinha ido à casa de Fenton e pedido a doação do terreno.
Houston passava o dia assistindo funerais, tentando confortar as viúvas e cuidando para que as crianças fossem alimentadas.
- Acho que é isto o que você quer - disse Reed Westfield, entregando a Kane um pedaço de papel, enquanto estavam em frente da entrada da mina.
- Depois disso estar acertado, podemos fazer um documento definitivo, mas acredito que este possa ser apresentado no tribunal.
Kane examinou o documento que declarava que os direitos das pro-priedades dos Fenton passavam a pertencer exclusivamente a Jacob Fenton, para dispor dele segundo sua vontade.
- Se você assiná-lo, eu testemunho e arquivo. Tenho uma cópia aqui que pode dar a Fenton.
Kane sorriu para Reed.
- Obrigado - disse, pegando a caneta de Reed e assinando o papel. Ficou com a cópia. - Acho que levarei isto para ele, agora mesmo. Talvez isso faça com que desista daquela terra e o induza a começar um programa para treinar homens para resgate em minas.
Ao descer a montanha em direção a Chandler, Kane olhou o campo e pensou no horror dos últimos dias. Ainda havia muito a fazer e ele tinha algumas idéias para prevenir futuras explosões. Planejava conversar com Edan sobre suas idéias, e com Leander também. E por que não com Fenton? Quando Kane pensava na morte próxima de Fenton, sentia alguma tristeza. Afinal, crescera vendo esse homem a maior parte de sua vida, até que tivesse dezoito anos. E agora, o dono das minas seria Zachary, isto é, depois de Marc. Por alguma razão, pensou Kane, todos pareciam esquecer-se de Marc.
Quando chegou ao caminho da velha casa dos Fenton, viu que a porta da entrada estava aberta. O pedaço do batente que tinha chutado na véspera já fora consertado, e o vidro recolocado, mas a porta estava totalmente aberta.
Desmontou e chamou, enquanto entrava na casa, mas não teve resposta. O escritório de Jacob era no fundo da casa, a Kane lembrava-se claramente que a última vez que estivera nessa sala fora quando Jacob o pusera para fora, por querer casar-se com Pam. Pôs o papel sobre a escrivaninha e imaginou como sua vida teria sido diferente se tivesse se casado com Pam e não tivesse tido oportunidade de fazer sua própria fortuna. Por outro lado, não teria se casado com Houston.
Com esse pensamento, ficou imaginando se Houston teria se casado com ele caso não tivesse alguns milhões no banco.
Chamou outra vez, mas continuou sem resposta. Resolveu sair da casa pela cozinha, um caminho que era bastante familiar para ele. A cozinha também estava vazia e a porta dos fundos aberta. Ao alcançar a porta, viu as estreitas escadas que levavam ao andar superior.
Quando morava lá, sempre quisera ver o andar de cima da casa. Desejava possuir a casa, algum dia.
Riu ao pensar na casa que construíra levado pela raiva de nunca ter sido capaz de ver o andar de cima da casa dos Fenton.
Com a mão no corrimão, a curiosidade superou o seu bom senso e ele subiu as escadas de dois em dois degraus. Apressadamente, como um ladrão temeroso de ser pego, chegou até o vestíbulo e olhou os quartos de dormir. Eles eram bastante comuns, com móveis pesados, enfeitados e escuros, cortinas pesadas e deprimentes e papel de parede.
- Houston tem muito melhor gosto - resmungou e riu da própria observação.
Ainda estava rindo quando chegou ao topo da escada da frente, mas seu sorriso se apagou imediatamente.
Ao pé das escadas, caído e dobrado sobre si mesmo, Jacob Fenton jazia morto.
O primeiro pensamento de Kane foi que chegara muito tarde e agora Jacob nunca saberia que por fim era o proprietário legal de tudo pelo qual tanto trabalhou. Kane sentiu tristeza também. Durante todos os anos que trabalhara em Nova York, tudo de que podia se lembrar era de quando engraxava as botas de Fenton. Mas agora lembrava-se das vezes em que fizera Jacob passar maus momentos ao embaraçá-lo na frente dos convidados, de discutir com ele sobre quando podia e não podia ter seu próprio cavalo. Lembrou-se ainda de como convencia a cozinheira para que botasse cebolas no molho, ambos sabendo que davam indigestão a Jacob.
Lentamente, Kane começou a descer as escadas, mas tinha dado so-mente um passo quando Marc Fenton e cinco de seus amigos jovens entraram no vestíbulo. Pelo estado de suas roupas e suas vozes altas, parecia que estavam voltando de alguma noitada na cidade.
- Se Taggert pensa que vai tirar minha herança - a voz de Marc Fenton era pastosa -, terá que brigar comigo. Ninguém nesta cidade acreditará em Taggert contra mim.
As duas mulheres, vestidas de cetim amarelo - uma com um boá de penas vermelhas, a outra com quatro penas de pavão no cabelo -, e os três homens gritaram concordando com Marc.
- Onde está o uísque, amor? - perguntou uma das mulheres.
Como um todo, as pessoas pararam olhando espantadas para o corpo de Jacob Fenton caído ao pé da escada. Foi Marc quem levantou o olhar e viu Kane parado no alto da escadaria.
- Eu vim ver seu pai - Kane começou, mas Marc não lhe deu tempo de terminar.
- Assassino! - Marc gritou e subiu as escadas em um pulo.
- Espere um pouco! - gritou Kane, mas ninguém lhe deu a mínima atenção, enquanto os outros três homens pularam também sobre ele. Todos os cinco desceram rolando as escadas e Kane pensou que uma vez que ele era o único sóbrio, provavelmente seria o único ferido. Apesar de serem quatro contra um, Kane estava ganhando a briga. Mas então uma das mulheres bateu na cabeça de Kane com uma pesada estátua de bronze. Os quatro homens trôpegos ficaram de pé, olhando para a forma inconsciente de Kane.
- E agora, o que faremos? - uma das mulheres murmurou.
- Vamos enforcá-lo - gritou Marc, começando a levantar Kane, mas não conseguiu, pois ninguém ofereceu-se para ajudar. Ele ergueu os olhos argumentando: - Ele matou meu pai.
- Não há bastante uísque no mundo que me faça ficar bêbado a ponto de enforcar um homem tão rico como ele - disse um dos homens. - Enquanto ele está desmaiado, vamos levã-lo para a cadeia. Deixe que o delegado resolva o que fazer.
Marc protestou, mas estava muito bêbado para começar outra luta. Com grande esforço, ergueram o corpo de Kane para colocá-lo no banco traseiro da pequena carruagem que tinham deixado na frente da casa. Nenhum deles parecia se lembrar do corpo de Fenton que ficou no chão, com todas as portas da casa abertas.

 

- Vamos, tome isto. - Edan segurava a cabeça de Kane.
Com um gemido, Kane tentou sentar-se, mas a dor em sua cabeça fez com que se encostasse na fria parede de pedra.
- O que aconteceu? - Olhou e viu Edan, Leander e o delegado curvando-se sobre ele.
- Foi tudo um engano - disse Lee. - Contei ao delegado sobre o documento e a razão de sua ida à casa de Fenton.
- Ele estava morto? A mim pareceu que estava. - Levantou a cabeça repentinamente, causando mais dor. - A última coisa de que me lembro é de Marc Fenton e alguns bêbados me puxando escada abaixo.
Edan sentou-se no catre onde Kane estava esticado. À sua direita, estavam as grades da prisão.
- Pelo que soubemos, os criados encontraram Jacob Fenton morto, cerca de três minutos antes que você entrasse na casa. Ppr alguma razão, todos saíram para procurar ajuda e deixaram o corpo sozinho com a casa aberta. Então, Marc e os amigos chegaram de uma noitada e viram você parado no alto da escada. Pensaram que você o tinha empurrado pela escada. Você tem sorte, porque Marc queria enforcá-lo no portão da frente.
Kane esfregou o calombo na parte de trás da cabeça.
- Enforcamento não pode doer mais do que isso.
- Está livre para sair, senhor Taggert - disse o delegado. - E sugiro que vá embora antes que sua esposa saiba. As mulheres sentem muito quando os maridos são presos.
- Houston não. Ela é uma dama de verdade. Ficaria calma se me enforcassem. - Nem bem dissera essas palavras, um novo pensamento surgiu. Como Houston reagiria se pensasse que ele era um assassino? Não ouvira certa vez que todas as propriedades dos assassinos são confiscadas pelo Estado? Ou seria que uma pessoa não podia herdar de quem matou?
- Quantas pessoas estão sabendo disso? Os criados de Fenton podem testemunhar que sou inocente, mas esse fato já se espalhou pela cidade?
- Chamei Lee assim que vi o jovem Fenton empurrar você para fora da carruagem - disse o delegado intrigado.
- Todos estão muito preocupados com a explosão da mina para se interessarem por quem é levado para a prisão - disse Leander.
- Todos os repórteres estão na Little Pamela tentando inventar novas ma-neiras de descrever os corpos - acrescentou com uma careta.
- O que está você planejando? - perguntou Edan, com os olhos semicerrados.
Kane ficou em silêncio, durante um momento.
- Delegado, o senhor se importa se eu ficar aqui por uma noite? Gostaria de fazer uma brincadeira com minha esposa.
- Brincadeira? Mulheres geralmente não apreciam brincadeiras - disse o delegado.
Kane olhou para Lee e Edan.
- Posso contar com vocês dois para ficarem quietos durante vinte e quatro horas?
Edan levantou-se e, ao ver a expressão de Lee, falou:
- Meu palpite é que ele quer ver se Houston ficará a seu lado, mesmo se lhe disser que poderá ser condenado como assassino. Estou certo?
- É alguma coisa parecida com isso - concordou Kane.
- Não vou interferir em assuntos de amor. Senhor Taggert, se quiser fixar residência nesta cadeia, seja meu convidado. Mas a cidade de Chandler vai cobrar-lhe como se isto fosse o mais fino hotel de São Francisco.
- Bastante justo - respondeu Kane. - Lee? Edan?
Leander deu de ombros:
- Isso é com você. Conheci Houston durante quase toda minha vida, e nunca soube nada sobre ela.
Edan olhou para Kane, por um longo momento.
- Quando Houston passar neste teste - e ela passará -, desistirá de sua obsessão em duvidar dela, a fim de que possamos voltar a trabalhar? Vanderbilt, provavelmente, já comprou aquela região da costa leste.
Kane respirou profundamente.
- Bem, ele pode nos vendê-la de volta. Trataremos disso logo que sair deste lugar - disse com um sorriso malicioso.
Quando os homens saíram, Kane deitou-se no catre e dormiu.


Houston estava com um bebê de três meses no colo, tentando fazêlo dormir, um de dois anos e outro de quatro na cama a seu lado. Eram algumas das muitas crianças que haviam perdido os pais nos últimos dias. A mãe deles estava fora de si, tentando imaginar como iria sustentar-se e a seus filhos pequenos nos próximos anos. Houston, Blair e outros membros da Irmandade estavam fazendo campanha para conseguir que os comerciantes locais arranjassem empregos para as mulheres. Houston era uma das voluntárias para ajudar em um improvisado centro de assistência infantil, uma coisa nova que Blair vira na Pensilvânia.
Quando o representante do delegado veio até a pequena casa e per-guntou por ela, não tinha idéia do que ele queria.
- Seu marido foi preso pelo assassinato de Jacob Fenton - disse o jovem.
Levou um momento para Houston reagir, e seu primeiro pensamento foi que o temperamento de Kane tinha prevalecido no fim das contas.
- Quando? - conseguiu murmurar.
- Durante esta manhã. Eu não estava lá, portanto não sei muito a respeito, mas todos na cidade sabem que ele ameaçou a vida do velho Fenton. Não que alguém o condene, porque nós todos sabemos que Fenton é tão culpado como o diabo, mas isso não vai ajudar Taggert em nada. Eles enforcam tanto por se matar um homem mau quanto um homem bom.
Houston lançou-lhe o seu olhar mais gelado.
- Agradeceria se você não julgasse e condenasse meu marido antes de ouvir os fatos. - Pôs o bebê nos braços do rapaz. - Pronto, você pode tomar conta dos bebês, enquanto vou ver meu marido.
- Não posso fazer isso, Blair-Houston, estou a serviço da cidade. Sou um representante do delegado.
- Tive a impressão que você acreditou que era um juiz. Verifique as fraldas dela e veja se precisa trocar. Se os outros acordarem, dê-lhes comida e distraia-os até que a mãe deles volte, dentro de umas duas horas.
- Duas horas! - ainda ouviu o rapaz reclamar, ao deixar a cabana.
A carruagem de Houston estava fora, esperando por ela. Fez a via gem para a cadeia em tempo recorde. O pequeno edifício estava construído sobre um morro afastado da cidade. A maioria dos presos eram bêbados descansando da noite de sábado. E os casos graves eram geralmente levados para Denver, para serem julgados.
- Bom-dia, senhorita Blair-Houston - disse o delegado, levantando-se e, apressadamente, abaixando seus papéis.
- Senhora Taggert - corrigiu ela. - Gostaria de ver meu marido, imediatamente.
- Claro, senhora Westfield-Taggert - disse, retirando as chaves de um gancho na parede.
Kane estava adormecido no catre e Houston viu o sangue seco atrás de sua cabeça. Foi até ele, tocou seu rosto, enquanto ouvia a porta da cela ser trancada atrás dela.
- Kane, querido, o que fizeram com você? - Ela começou a beijar seu rosto e ele começou a acordar.
- Oh, Houston - falou Kane esfregando a cabeça. - O que aconteceu?
- Você não se lembra? Eles dizem que você matou Jacob Fenton. Você não o matou, não é?
- Inferno, não! - deixou escapar, então parou e Houston ajoelhouse, pondo a cabeça em seu colo. - Pelo menos acho que não. Eu... eu realmente não me lembro muito bem.
Com o rosto encostado na perna de Kane, a mão dele em seus cabelos, ela estava determinada a não mostrar o medo que sentia.
- Diga-me do que é que se lembra. Ele começou lentamente a história:
- Fui ver Fenton e não havia ninguém na casa. Então, subi procurando por ele. Quando cheguei na parte da frente, lá estava ele caído ao pé da escada. Morto. Logo depois Marc Fenton e alguns outros entraram e começaram a gritar que eu o matara. Houve uma luta e fui ferido na cabeça com alguma coisa dura e acordei aqui. Penso que quiseram me enforcar.
Houston olhou para ele com medo nos olhos, e, depois de um momento, levantou-se e começou a andar em volta da cela.
- É uma história muito fraca.
- Fraca! - Kane estava ofegante, mas acalmou-se. - Houston, doçura, é a verdade, juro para você.
- Você era o único na casa? Não há testemunhas de que ele já estava morto quando entrou?
- Não exatamente desse jeito. Quero dizer, ninguém me viu entrar na casa, pelo menos é o que acho. Mas talvez alguém tenha visto Fenton morto, antes.
- Isso não importa. Se alguém o viu morrer, isso faria diferença, mas você podia estar escondido em um armário há horas. Alguém o viu morrer?
- Eu... eu não sei, mas, Houston...
Ela voltou a sentar-se na cama ao lado dele.
- Kane, todos na cidade ouviram você dizer que desejava que Jacob estivesse morto. A menos que haja uma testemunha ocular de sua morte, nós nunca provaremos que você é inocente. O que vamos fazer?
- Não sei, mas acho que estou começando a me preocupar. Houston, há urna coisa que quero lhe dizer. E sobre o dinheiro.
- Kane - disse suavemente, olhando para ele. - Por que estava na casa do senhor Fenton? Não estava realmente planejando matá-lo?
- Droga, não - falou rapidamente. - Eu havia pedido ao senhor Westfield que fizesse um documento dizendo que eu desistia de todos meus direitos à propriedade de Fenton, e estava levando o documento para ele. Mas quero lhe falar sobre o meu dinheiro. Se eles me condenarem, irão confiscar tudo que possuo. Você será não só uma viúva, como será pobre também. Sua única chance de salvar algum dinheiro é deixar-me agora, antes que eu vá a julga-mento. Se você fizer isso, Westfield pode dar um jeito para que tenha alguns milhões.
Houston ouviu sem atenção a última parte do que ele estava falando. Seu rosto mostrava como estava atordoada.
- Por que foi à casa de Fenton?
- Já lhe disse - falou Kane com impaciência. - Queria lhe dar um documento dizendo que eu não tinha direito à sua propriedade. Pobre homem, estava morto quando cheguei lá e nunca viu o documento. Mas, Houston, o que interessa é que você tem que salvar-se e tem que fazê-lo agora. Se me tirarem daqui e me enforcarem será muito tarde.
Houston sentia-se como se estivesse em um sonho. Desde que des-cobrira que Kane casara-se com ela para realizar um plano de vingança, nunca mais sentira-se a mesma. Ela admitira que o amava, a despeito do que ele sentia por ela, mas em seu coração sempre soubera que alguma parte dela impediria seu amor completo.
- Você desistiu de sua vingança, não foi? - perguntou com carinho.
- Vai começar de novo? Já lhe disse que tudo que queria era tê-lo na minha mesa, em uma casa que fosse maior que a dele. Se pude fazer isso, o que há de errado?
- Mas você também queria uma dama como esposa na mesa. Você se casou comigo porque...
- Você casou-se comigo pelo dinheiro! - Lançou-lhe. - E agora vai perder cada centavo dele quando me enforcarem, por um crime que não cometi.
Houston levantou-se. Ele não havia dito, com todas as palavras, que a amava, mas era verdade. Ela sabia. Sabia com cada fibra de seu corpo. Ele casara-se com ela, como parte de um estúpido plano de vingança, mas no fim se apaixonara por ela e, por causa desse amor, pôde perdoar o velho homem que o prejudicara.
- Tenho que ir. Tenho muito trabalho para fazer.
Se tivesse olhado para Kane, teria visto o olhar de dor em seu rosto.
- Acho que deve ir conversar com o senhor Westfield sobre o dinheiro.
- Alguém - murmurou ela, puxando as luvas. - Talvez o senhor Westfield não seja a pessoa certa. - Distraidamente, beijou o rosto dele. - Não se preocupe com nada. Sei exatamente o que fazer.
Kane ficou no meio da cela por um momento, incapaz de se mover. Certamente ela pulara de alegria com a chance de livrar-se dele, pensou. Subiu no catre para olhar pela janela e, ao ver Houston disparando em sua brilhante carruagem, teve que piscar os olhos para tirar as lágrimas. Luz do sol, pensou, descendo.
Fácil de conquistar, fácil de perder, disse para si mesmo. Sempre vivera sem uma esposa e poderia viver assim de novo.
- Delegado. Pode me deixar sair agora. Descobri o que queria saber.
- De jeito nenhum, Taggert - respondeu com um riso na voz. - A cidade de Chandler precisa da renda que vou lhe cobrar pela acomodação de uma noite.
Sem uma palavra de protesto, Kane voltou para o catre. Realmente não se importava de passar a noite ali.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

31

 

- TEM CERTEZA que sabe o que está fazendo? - Houston mais uma vez perguntou a Ian.
Solenemente, Ian concordou com a cabeça, enquanto olhava para trás, para o pequeno engradado de madeira na parte traseira da carroça. Ao lado dele, sentava-se Zachary olhando firme para a frente, bastante excitado. Ele ainda não era bastante crescido para estar plenamente consciente dos perigos do que haviam planejado.
- Não há nenhum perigo de explodir por si, não é? - perguntou Houston.
- Não - respondeu Ian, mas não conseguia evitar de olhar para a pequena caixa de madeira que tinha a dinamite.
As mãos de Houston nas rédeas estavam brancas pelo esforço em mantê-las tão tensas como ela estava.
Tinha levado perto de vinte e quatro horas para planejar tudo. Ela sabia o que queria fazer e também sabia que nenhum adulto a ajudaria. Quando perguntou a Ian, explicou-lhe que estava correndo risco e poderia ter problemas sérios se fosse envolvido, mas Ian disse que devia a Houston tudo que tinha agora, e estava pronto a arriscar qualquer coisa. Para grande pesar de Houston, Ian pedira ao jovem Zachary para vir também, dizendo que precisava de alguém para segurar os cavalos.
À meia-noite, Houston encontrara-se com Ian na mina Little Pamela e, contando com a confusão causada pela explosão da mina, quebraram as correntes do barracão da dinamite e roubaram o suficiente para mandar para os ares cerca de dois quarteirões da cidade. Apesar dos protestos de Ian pela perda de tempo, Houston tornou a pôr a corrente e o cadeado no barracão.
Por fim, conseguiram pôr a caixa na carroça que os aguardava. Umas poucas pessoas cumprimentaram Houston, mas eles a viam com tanta freqüência nos últimos dias que não desconfiaram de nada.
Ela e Ian já tinham descido metade da ladeira, quando encontraram Zachary, que vinha em direção a eles. Ele saíra pela sua janela, usando uma corda, e pretendia andar todo o caminho até a mina.
- Não faça nada além de ficar com os cavalos, nada mais - advertiu Houston. - E, assim que seu pai e eu pegarmos os cavalos, quero ambos fora daqui. lan, pode entrar de volta na casa de Edan, sem problemas?
- Claro.
- E você, Zach?
Zachary engoliu em seco, porque a corda partiu quando ainda estava a um metro e meio do chão. Não havia meio de entrar de volta na casa, despercebido.
- Claro. Nenhum problema.
Houston não relaxou quando aproximaram-se da cidade adormecida. Eram três horas quando alcançaram a cadeia. Ela escondera dois cavalos selados perto da cadeia, com as bolsas cheias de comida, roupas e dinheiro suficiente para mantê-los durante um par de meses escondidos.
Ela parou a carroça bem distante da cadeia e olhou nervosamente Ian que retirava a caixa de dinamite. Sabia que ele fora treinado nas minas como disparador, mas não estava convencida de que ele soubesse como explodir o lado da cadeia de pedra.
Antes que ela falasse, Ian explicou.
- Porei alguns bastões na base daquela parede que está no morro. Quando explodir, a parede toda descerá. Será como abrir uma janela muito larga. Kane terá que pular do chão sobre o cavalo e aí vocês se mandam. Não pode ser mais simples.
- Um plano muito simples, pelo qual podemos passar o resto de nossas vidas na prisão - murmurou.
Na véspera, quando Kane lhe contara que podia ser enforcado por um crime que não cometera, Houston chegou à conclusão de que realmente não se importava se ele fosse ou não um assassino. Pensou apenas que alguma coisa tinha que ser feita para libertá-lo. A simpatia da cidade estaria do lado de Kane depois de seu empenho em remediar o desastre. O julgamento seria certamente em Denver e, lá, a Fenton Coal and Iron era uma força poderosa. Ela não acreditava que ele fosse ter um julgamento honesto. Por outro lado, Kane não tinha testemunhas, e o fato de ter sido encontrado perto de Jacob bastaria para condená-lo.
Depois de um rápido exame de consciência, sabia o que devia ser feito.
Tinha que tirá-lo da cadeia, mesmo que isso significasse que teriam que passar o resto de suas vidas se escondendo. Iriam para o México e pensou que poderia fazer com que Blair lhes mandasse dinheiro suficiente para viverem. Desde que Kane mantivesse um comportamento tranqüilo e não chamasse muita atenção para si, achava que conseguiriam escapar da lei americana. Infelizmente, Kane era muito conhecido em várias regiões do país, e por isso não poderiam esconder-se nos Estados Unidos.
A única mágoa de Houston era que não poderia se despedir de sua família e amigos. Provavelmente, não poderia nem escrever para eles, pois serviriam como uma pista para a captura de Kane.
Mas sabia o que devia ser feito e sentia que, desde que ela pudesse ter Kane, seria feliz. Não importava onde vivessem ou em que condições. Na escuridão, orientou Zach para que pegasse os cavalos no esconderijo, apertasse as barrigueiras e os trouxesse para mais perto da cadeia.
Suas mãos tremiam ao ajudar Ian a colocar os pavios de dinamite nas fundas da parede de pedra. Quando estava tudo pronto, fez com que Ian a levantasse em seus ombros, a fim de que pudesse ver o interior pela janela.
- Diga-lhe que ponha o colchão em volta da cabeça - disse Ian, ao levantá-la.
- A dinamite que temos não irá machucá-lo?
- Os saltos dessas suas botas machucam, portanto não perca tempo fazendo perguntas idiotas.
Houston olhou para dentro da cela escura e viu Kane deitado no pequeno colchão. Jogou uma pedrinha na cela.
Ele nem se moveu e foram necessárias seis pedras, uma delas acertando em cheio em seu peito, antes que acordasse.
- Kane! - chamou ela o mais alto que ousou.
- O quê? - perguntou ele, sentando-se. - É você, Houston? O que está fazendo aqui, no meio da noite?
Ela fez sinal para que se aproximasse da janela.
- Não tenho tempo agora para explicar, mas Ian e eu vamos tirá-lo da cadeia. Vamos dinamitar esta parede, portanto quero que fique no canto mais afastado e proteja-se com o colchão da melhor forma que puder.
- Vocês o quê? - Kane ofegava. - Dinamite! Escute, Houston, tem uma coisa que tenho que lhe dizer.
- Houston! - disse Ian, abaixo dela. - Esses seus saltos estão me matando. Vai ficar aí em cima a noite toda?
- Tenho que ir. Vá para um canto e, quando a parede cair, já estarei com os cavalos prontos. Te amo. - Depois, curvou-se e saltou dos ombros de Ian.
Kane ficou perto da janela por alguns minutos. Ela não tinha fugido para conseguir o dinheiro, mas, em vez disso, tinha arquitetado um plano para arrebentar o lado da cadeia e livrá-lo. Pôs as mãos nos bolsos e começou a assobiar uma canção, sorrindo ao pensar em como Houston se preocupava com ele.
Foi enquanto assobiava que ouviu um som estranho, como alguma coisa queimando.
- Dinamite! - pensou e agarrou o colchão, saltando para o canto da cela. Nada poderia tê-lo preparado para o barulho da explosão. Era como se o alto de sua cabeça tivesse sido arrancado e o barulho continuava e continuava.
Houston, Ian e Zach se esconderam atrás de uma grande pedra, en-quanto a parede da prisão ruía. A dinamite removeu a fundação da parede de dois andares e as pedras acima deles caíram, deixando uma clara visão do interior da cadeia. Kane estava encolhido em um canto e, quando o pó começou a baixar, ele não fez tentativa alguma para se mover.
- Nós o matamos - gritou Houston, começando a correr, com Ian atrás dela.
- Provavelmente só o deixamos surdo. Kane! - gritou Ian, acima do som das pedras que ainda caíam, e quando Kane não respondeu, Ian pulou as pedras e entrou na cela semidestruída.
Ian puxou o colchão, mas Kane não entendia uma palavra que ele dizia, e Ian começou a gesticular. Por algum motivo, Kane parecia ter ficado abobado pela explosão, pois ficava sacudindo a cabeça para Houston e Ian quase que teve de empurrá-lo por cima do montão de pedras para que pudesse chegar ao chão.
Houston esperava com o cavalo e, quando Kane aproximou-se dela, pôde ver que ele continuava pondo as mãos na cabeça, como se sentisse muita dor. Ele parecia querer dizer alguma coisa, mas Houston não lhe dava tempo. Ian e Zach começaram a empurrá-lo para o outro cavalo.
- Vocês dois, vão embora - ordenou ela, quando viu que havia pessoas correndo, descendo a rua em direção a eles, depois de terem ouvido a explosão.
- Vamos! - gritou para Kane, e ele seguiu-a pela estrada sul da cidade em direção ao deserto.
Houston corria o mais rápido que podia, esporeando seu cavalo, às vezes olhando atrás para Kane, que a seguia com uma expressão vazia e estranha no rosto.
O sol nasceu, e eles ainda andavam, diminuindo o passo só para permitir que os cavalos respirassem. Ao meio-dia, pararam em um posto de troca de cavalos, um lugar isolado no meio da zona árida, entre Colorado e Novo México. Houston pagou um preço exorbitante por dois cavalos descansados.
- Ele está bem? - perguntou o homem do posto, indicando com a cabeça Kane, que, encostado na construção, batia com as mãos na cabeça.
Houston deu ao velho uma nota de vinte dólares.
- Você não nos viu.
- Só me meto com minha vida - disse, pegando o dinheiro.
Houston tentou falar com Kane, mas ele olhava-a em silêncio e só a seguia depois que ela o fazia andar.
Não pararam um segundo, correndo montados em seus cavalos. Só uma vez Kane tentou falar, mas, percebendo que não ouvia a si mesmo, fez gestos para Houston que, finalmente, entendeu que ele queria saber para onde estavam indo.
- México - gritou Houston quatro vezes, antes que ele demonstrasse ter entendido.
Kane sacudiu a cabeça, mas Houston apressou seu cavalo e ignorouo. Sem dúvida, ele não queria que ela se metesse em encrencas com ele, mas não o deixaria convencê-la a voltar. Se ele tinha que passar a vida no exílio, iria morar com ele.
Kane pegou as rédeas do cavalo dela e puxou-as até que ela teve que diminuir a marcha.
- Pare! Vamos passar a noite aqui! - gritou com todas as suas forças.
Kane não disse outra palavra ao desmontar e levou seu cavalo até uma pequena colina, para dentro de um bosque. Houston fez a mesma coisa, enquanto ele tirava a sela de seu cavalo e preparava um acampamento para a noite. Ela queria seguir, pôr uma distância maior entre eles e o destacamento policial de Chandler, mas talvez Kane tivesse se ferido na explosão e precisasse descansar. Levaria muito tempo até que os cidadãos se organizassem, assim talvez tivessem tempo.
Estava com a sela nas mãos, quando olhou em direção a Kane e viu que ele a olhava de uma maneira que chegava a ser assustadora.
Muito lentamente, ele tirou a sela de seus braços, jogou no chão, e depois de um olhar, que ela não soube interpretar, caiu em cima dela.
Ele era como um animal faminto e, depois de ter passado a surpresa, ela reagiu à altura. Botões voavam de seu empoeirado traje de montar, como pipoca estourando na caçarola. Sua boca percorria todo o corpo dela e suas mãos, fortes e grandes, rasgavam tudo que impedisse seu contato com a pele dela.
- Kane - ela meio gritava, meio ria. - Kane. Meu único amor, meu verdadeiro amor.
Ele não parecia precisar de palavras, ao puxar seu corpo nu para o chão e penetrá-la com a farça da dinamite que tinham usado naquela manhã. Houston sentia-se como se fosse a parede de pedra ruindo, e, ao se moverem juntos com uk paixão suada e feroz, estava certa de que isso era tudo que precisaoa na vida, e que o que fizera nesse dia estava certo.
Quando alcançaram o prazer juntos, Houston estremeceu com a força de sua paixão e a profundidade de seu amor por esse homem.
Ficaram deitados por urn tenpo, Kane abraçando-a com força, como se nunca quisesse deixá-la. E Houston também agarrava-se a ele, agora com medo, ao pensar como estivera perto de perdê-lo.
Depois de um longo ternpo, Kane levantou-se e foi cuidar dos cavalos. Houston começou a ajudá-lo, mas ele fez com que ficasse deitada, jogando um cobertor para protegê-la do ar frio da noite.
Mesmo quando acendeu a fogueira, não deixou que ela ajudasse. Houston começou a protestar, que talvez eles tivessem sido vistos, mas Kane afirmou que ela devia confiar nele. Estava satisfeita de entregar a chefia dessa fuga louca para ele e também em poder ficar deitada e ser servida. Ele lhe trove um prato de feijão com uma tortilla e uma xícara de um café horroso. Mas Houston achou que foi a refeição mais deliciosa de sua vida
Quando terminaram de comer, Kane apagou o fogo, deitou-se ao lado dela e puxou-a para seu; braços. Em minutos, ambos estavam dormindo.

 

32

 

QUANDO HOUSTON acordou, já era dia claro e Kane estava abraçandoa e sorrindo.
- Temos que ir. - Sentou-se puxando os restos de sua roupa rasgada. Na frente de seu vestido de montar, faltavam tantos botões que estava decididamente indecente.
- Estarão logo atrás de nós e não creio que pararão para descansar tanto tempo.
Ele pegou seu braço:
- Houston, quero que me conte o que planejou. Por que estamos correndo para o México?
- Vou lhe contar, enquanto selamos os cavalos - disse e levantouse, esperando com impaciência até que Kane também levantasse. - Acredito que possamos nos esconder no México - continuou, pondo a manta da sela no cavalo.
- Por quanto tempo?
- Para sempre, claro. Não acredito que a lei alguma vez perdoe alguém por assassinato. Acho que podemos levar uma vida simples lá, e ouvi dizer que as pessoas não fazem tantas perguntas como aqui neste país.
Ele pegou seu braço.
- Espere um minuto. Você quer dizer que está planejando viver no México comigo? Que se eu sou um fora-da-lei, você será uma também?
- Sim, é claro que estou planejando viver com você. Agora, quer fazer o favor de selar o seu cavalo para que possamos partir? Houston não disse mais nada porque Kane agarrou-a pela cintura e rodava-a.
- Doçura, essa foi a melhor coisa que alguém já disse para mim. Afinal, você não liga para o dinheiro.
- Kane - disse exasperada. - Por favor, ponha-me no chão. Eles nos encontrarão e você...
Parou porque ele deu um entusiasmado beijo na boca.
- Não tem ninguém vindo atrás de nós, a menos que seja o delegado, louco da vida por você ter acabado com a cadeia dele. Oh, Houston, doçura, eu gostaria de poder ver a cara do homem.
Houston afastou-se dele. O que ele dizia não fazia sentido para ela, mas ela sentia um certo medo.
- Talvez você deva explicar essa observação.
Kane desenhou três círculos na lama, com seu dedo do pé.
- Eu só queria ver como você... bem, como você se sentiria sabendo que eu não era mais um homem rico.
Ela lançou-lhe um olhar capaz de assustar qualquer homem.
- Gostaria de saber sobre Jacob Fenton.
- Eu não lhe disse nenhuma mentira, Houston. É que, bem, suponho que não lhe tenha contado tudo. Encontrei-o morto ao pé da escada, e fui levado para a cadeia acusado de tê-lo matado, mas a verdade é que os criados tinham fugido da casa e sabiam que ele já estava morto quando eu cheguei. Mas não perguntei se algum deles o viu morrer. Foi muito inteligente de sua parte pensar nisso.
- Então, por que estava na cadeia quando cheguei lá? Por que não o soltaram imediatamente?
- Na verdade, eu já estava livre, doçura. - Estendeu os braços para ela. - Eu só queria saber, com certeza, se você gostava de mim por mim mesmo, ou se era o meu dinheiro que queria. Sabe, quando você saiu daquela cadeia, depois de ter lhe contado que perderia meu dinheiro, pensei com certeza que você estava indo falar com o Westfield para ver o que poderia conseguir antes que eu fosse enforcado.
- É isso o que pensou de mim? - disse em voz baixa. - Você pensou que eu era um ser humano tão baixo que deixaria o homem que amo sozinho para enfrentar um julgamento por assassinato e não levantaria um dedo para ajudar? - Dirigiu-se para o cavalo.
- Houston, querida, meu bem, eu não quis dizer nada. Só queria ter certeza. Eu não tinha nenhuma idéia de que você faria uma coisa tão tola como... Bem, quero dizer, não tinha idéia de que mandaria a cadeia para o outro mundo e quase me mataria.
- Parece que você já se recuperou bastante.
- Houston, você não vai ficar zangada, vai? Foi só uma pequena brin-cadeira. Não tem nenhum senso de humor? Veja, todos na cidade irão...
- Sim - disse, fixando o olhar nele. - Continue, o que todos na cidade farão?
Kane deu-lhe um sorriso fraco.
- Talvez nem reparem.
Ela avançou sobre ele:
- Não repararão que eu removi o lado todo de uma cadeia, que tinha paredes de pedra de sessenta centímetros de espessura? Talvez tenham pegado no sono com a explosão. Sim, talvez eles passem péla construção e nem ao menos reparem. E, talvez, o delegado se esqueça de contar a história da década, sobre como uma das gêmeas Chandler socou dinamite na parede para resgatar um marido que nem estava acusado de assassinato. Talvez as pessoas a quilômetros daqui não estejam apostando em quando descobrirei meu engano, ou se eu serei acusada de assassinato. - Voltou para o cavalo, cada músculo de seu corpo inflamado de raiva.
- Houston, você tem que compreender meu lado nisso tudo. Eu queria saber se era a mim ou a meu dinheiro que amava. Vi uma oportunidade de descobrir e aproveitei. Você não pode culpar um homem por tentar.
- Sim, eu posso culpá-lo. Só por um momento, gostaria que me ouvisse. Eu lhe disse que o amava. A você, não a seu dinheiro. No entanto, nunca ouviu uma palavra do que eu disse.
- Bem, você também disse que não podia,viver com um homem que não pudesse respeitar, mas voltou, e nem foi preciso muita persuasão. Acho que você não pode evitar. - Ele deu-lhe um sorriso sem graça.
- De todos os homens arrogantes e convencidos que já encontrei, você é o pior. Eu sinto, sinto muito mesmo tê-lo libertado. Queria que o tivessem enforcado. - Afastou-se e montou o cavalo.
- Houston, meu bem, você não quer dizer isso. - Kane montara seu cavalo e começara a cavalgar ao lado dela. - Foi só uma brincadeira. Não foi por mal.
Durante todo o dia eles cavalgaram, e, a cada minuto, Kane ou apre-sentava argumentos para ela, ou pensava em novas desculpas que a con-vencessem de que deveria estar agradecida a ele pelo que tinha feito. Ele dizia que Houston agora poderia ter mais certeza de seus sentimentos por ele. Tentou fazê-la ver o humor da situação. Repreendeu-a por usar os meninos para ajudá-la e mostrou-lhe o perigo em que tinha colocado todos eles. Tentou tudo o que podia pensar para conseguir uma reação da parte dela.
Mas Houston continuava completamente impassível. Seus pensamentos iam para o povo de Chandler. Depois do horror do desastre da mina, eles queriam alguma coisa para aliviar as suas disposições e, sem dúvida, enriqueceriam essa história com vários toques de humor. O delegado a enfeitaria com tudo a que tinha direito, e o Chandler Chronicle provavelmente escreveria uma série de artigos sobre o caso, começando com o casamento e terminando... terminando com um homem que devia ter sido enforcado.
Quando Houston pensava em Kane, seu sangue fervia, e ela recusava-se a ouvir uma única palavra do que ele dizia. O fato de que ela tinha lhe dado seu amor e ele duvidara tão publicamente, duvidara dela de uma maneira tão ultrajante e espetacular, era particularmente humilhante.
Ele teve a primeira amostra do que estava para vir quando pararam no posto para trocar os cavalos. O velho perguntou se eles eram o casal de Chandler sobre o qual ouvira falar. Ele ria tanto que mal conseguia recontar a história, e, quando saíram, tentou devolver os vinte dólares que Houston tinha lhe dado.
- Essa história vale uns cem dólares para mim - disse, batendo nas costas de um sorridente Kane. - Devo oitenta dólares a vocês.
Houston levantou o queixo e foi para seu cavalo. Ela estava fazendo o melhor que podia para fingir que não existia homem nenhum.
Quando voltaram à estrada, Kane começou a conversar com renovado vigor, mas teve que parar para rir.
- Quando vi você parada lá, dizendo que iria explodir tudo para salvar-me do enforcamento, não consegui pensar o que dizer, eu estava tão abismado, e então Ian começou a gritar sobre os saltos de suas botinhas. - Teve que parar para tentar conter o riso. - Houston, todas as mulheres do oeste do Mississipi a invejarão. Todas desejarão ter a coragem e a bravura de salvarem seus maridos das garras da morte e...
Ele parou para limpar a garganta e Houston olhou-o demoradamente. Ele não conseguia controlar o riso.
- Quando me lembro da expressão de seu rosto, em cima daquele cavalo... Quem eram aquelas mulheres que usavam chifres em suas cabeças? Vikings, isso é o que você parecia, uma dama Viking vindo salvar seu homem. E a expressão do rosto de Zachary! Se minha cabeça não estivesse doendo tanto...
Ele interrompeu, porque Houston esporeou seu cavalo e disparou na frente dele.
Houston já esperava pelo pior quando chegasse a Chandler, mas o que aconteceu foi além de suas expectativas. Ignorando Kane, tomou o caminho do subúrbio, pelo lado norte, para evitar ao máximo as pessoas.
Eram seis horas da manhã, quando subiram o morro para a casa de Taggert, mas já havia cerca de vinte casais que "por acaso" estavam em frente da casa. A maior parte dos criados de Taggert estavam no caminho da entrada, falando com o pessoal da cidade.
Houston ajeitou a frente de sua roupa rasgada e, reunindo toda a dignidade que pôde, avançou pela entrada da cozinha, enquanto Kane desmontou na frente da casa e todas as pessoas correram para ele.
- Provavelmente, vai se vangloriar - murmurou Houston. De alguma forma, conseguiu passar pela cozinha e pelas perguntas pouco sutis da sra. Murchison.
Em cima, Houston dispensou Susan e preparou seu próprio banho. Ficou pouco tempo na banheira e foi para a cama dormir. Ouviu Kane entrar no quarto mais tarde, mas fingiu que estava dormindo profundamente e ele saiu.
Depois de nove horas de sono e de uma refeição farta, sentiu-se fisi-camente melhor, mas sua disposição estava pior. Quando andou pelo jardim suspenso, pôde ver a rua e o extraordinário número de pessoas que passeavam em frente da casa.
Kane entrou em seu quarto uma vez para dizer-lhe que estava indo até Little Pamela para ver se precisavam de ajuda e pediu a Houston que fosse com ele. Ela sacudiu a cabeça, recusando.
- Você não pode se esconder aqui para sempre - disse com raiva. - Por que não está orgulhosa com o que fez? Com todos os diabos, eu estou.
Após ele ter saído, Houston sabia que ele estava certo, que teria que encarar o povo da cidade e quanto mais cedo superasse isso, melhor. Vestiu-se com vagar, com um vestido de trabalho, de algodão azul, desceu e pediu que preparassem sua carruagem.
Não levou dez minutos para que Houston descobrisse que a predição de Kane, de como o povo de Chandler reagiria, estava muito errada. Não a consideravam como uma heroína que salva o marido, mas como uma mulher tola e amalucada, que primeiro fica histérica, e depois faz as perguntas.
Dirigiu sua pequena carruagem pelo lado de fora da cidade e subiu a estrada para Little Pamela. Talvez na mina eles precisassem de tanta ajuda que não teriam tempo para falar de sua aventura.Não teve tanta sorte. As vítimas do desastre queriam alguma coisa para rir e a aventura de Houston era o alvo.
Ela fez o melhor que pôde para manter a cabeça erguida, enquanto ajudava a limpar os escombros e tentava fazer arranjos para as acomodações das viúvas e órfãos.
Sua maior mágoa era que Kane estava se divertindo muito com tudo. No casamento, ficara ferido porque as pessoas acreditavam que qualquer mulher preferiria Leander em vez dele, mas agora tivera prova muito pública de seu amor.
Houston ficava pensando em todas as vezes que ele podia ter lhe contado que não estava realmente sendo acusado de assassinato. Quando queria, bem que ele podia falar depressa, portanto, por que ficara com a língua tão amarrada naquela noite?
O dia passava, e as pessoas tornavam-se mais impertinentes com as perguntas ("Você quer dizer que não perguntou ao delegado quais eram as chances dele nem falou com um advogado? Leander entende de tudo isso. Ele poderia ter lhe dito. Ou você podia..."), e Houston queria se esconder. E quando Kane passou por ela, deu-lhe um entusiástico tapa nas costas, uma piscada e disse:
- Vamos, doçura, foi só uma brincadeira. - Ela queria gritar que para ele podia ter sido uma brincadeira, mas para ela a humilhação pública era apavorante.
Ao anoitecer, Houston viu Pamela Fenton discutindo veementemente com Kane e, na fria brisa noturna, ouviu as palavras:
- No casamento, você disse que não a humilharia. O que pensa que fez agora?
O pensamento de que alguém estava lutando pela sua causa foi gratificante.
Em casa, jantou em seu quarto e Kane, mais uma vez, tentou conversar, mas ela mal olhou para ele. Ele saiu furioso do quarto, queixandose de que ela não tinha senso de humor e era dama demais durante tempo demais.
Houston chorou até dormir.

33
NO DIA SEGUINTE, Houston estava arrumando flores em um vaso grande no vestíbulo que dava para o escritório de Kane. Ela ainda estava zangada, ainda muito magoada e humilhada para falar com ele, e não aceitava a idéia de sair da segurança de sua própria casa.
A porta do escritório estava aberta e com Kane estavam Rafe, Leander e Edan. Kane convocara a reunião para discutirem as possíveis conseqüências da explosão da mina. Kane ficara preocupado quando descobrira que as viúvas dos mineiros, provavelmente, não receberiam nenhuma compensação.
Houston ouvia os homens discutindo o futuro de Chandler e sentia grande orgulho pelo que seu marido estava fazendo. Ela pensava em como pudera acreditar que ele iria executar as hipotecas que o Chandler National Bank tinha. Na véspera, Opal tivera uma longa conversa com Houston e contara-lhe por que Kane usara chantagem para fazer com que Houston voltasse a morar com ele.
- Ele te ama tanto, e não vejo por que você tem que ficar zangada com ele agora.
Poderia ter resolvido, mas naquele momento ouviu três mulheres no vestíbulo, tagarelando como escolares. Tinham vindo ver Houston e "saber das últimas novidades", foi o que disseram para a criada. Houston, delicadamente, recusou-se a vê-Ias, ou a qualquer outra pessoa.
Agora, parada no corredor, ouvia com orgulho as reformas que seu marido planejava, mas então ouviu Leander fazer uma pergunta que a deixou estática.
- Isso aí é uma conta da Cidade de Chandler?
- Sim - respondeu Kane. - O delegado quer quinhentos dólares, à vista, para consertar a cadeia. Acredito que essa seja a única conta que eu já quis pagar.
- Talvez possam fazer uma grande inauguração e Houston cortaria a fita... - ouviu Rafe dizer.
Houve um longo silêncio.
- Se ela voltar a falar com ele - disse Edan. Houve outra pausa.
Leander falou a seguir:
- Não creio que se consiga conhecer uma pessoa. Conheço Houston praticamente a minha vida toda, mas a Houston que eu conheço e a que explodiu a parede da cadeia não são a mesma pessoa. Há poucos anos atrás, levei-a a um baile e ela usava um vestido vermelho muito bonito, mas Gates disse alguma coisa que feriu seus sentimentos e ela permaneceu enrolada na sua capa, de forma que cada centímetro do vestido ficasse coberto. Ela estava tão nervosa quando chegamos no baile que eu lhe disse que, se quisesse continuar usando a capa, eu não fazia objeção. Quero ser condenado se ela não passou a noite toda sentada em um canto, com jeito de quem ia chorar.
Houston parou, segurando uma flor. Era estranho como o mesmo episódio podia ser visto de duas maneiras. Agora, quando relembrava o fato, talvez tivesse sido mesmo uma boba por ter ficado tão transtornada por causa de um vestido vermelho. E lembrava-se que Nina Westfield sempre usava aquele tom de vermelho que lhe causara tanta angústia naquela noite.
Sorrindo, Houston continuou a arranjar as flores.
- Se ela estava a fim de mudar de comportamento, podia ter feito com menos perigo para meu lado. Vocês não têm idéia do que é ter alguém dizendo que acabou de acender dinamite embaixo de seus pés, e não ter onde se esconder.
- Pode parar de reclamar - disse Edan. - Você adorou o que ela fez, e sabe muito bem disso.
Um sorriso alargou-se no rosto de Houston.
- Foi uma pena que não vissem o que aconteceu depois da explosão. - Leander riu. - Todos pensaram que outra mina tivesse explodido e correram para a rua com suas roupas de baixo. Quando vimos a cadeia, com metade dela faltando, ficamos parados. Nenhum de nós podia entender o que tinha acontecido. Foi Edan quem primeiro lembrou que você estava preso na cadeia.
Uma pequena risada escapou de Houston, mas ela conseguiu se controlar.
- Escutem - disse Edan -, assim que vi aquela cadeia, soube que Houston estava envolvida. Enquanto vocês todos ficavam a seus pés admirando-a, durante esses anos, e dizendo como ela era uma princesa de gelo, eu a estive seguindo por aí. Debaixo daquela aparência afetada, há uma mulher... Bem, vocês não acreditariam em algumas das coisas que aquela mulher faz regularmente.
Houston tinha mais dificuldade em controlar a risada. Edan parecia meio chocado, meio admirado. Ela pensou no tempo que ele ficou escondido e assistiu à festa pré-nupcial. No dia em que lhe contara que assistira à festa, ela só pensara sobre o que ele ouvira a respeito de seus planos para as minas, mas agora lembrava-se do pugilista, e do can-can. Na ocasião, ficara com medo de que Kane descobrisse algumas coisas que fazia, tais como as festas só para mulheres da Irmandade, a infiltração nos campos das minas, mas afinal ele descobrira quase tudo isso e sua vida não acabara. Na noite em que usou aquele vestido vermelho, estava certa de que, se mostrasse para alguém, sua reputação ficaria arruinada e não poderia ser a esposa conveniente para Leander.
Mas olhe o que tinha feito nos últimos meses! Houve uma vez em que desceu pelo gradeado das rosas com suas roupas de baixo. Então convidara todas aquelas pessoas para morar com eles e só depois dissera a Kane que ele teria de sustentá-las.
Quanto mais pensava, mais a vontade de rir crescia dentro dela. Antes de se casarem, ela estava bem certa de quem estava casando com Kane Taggert. Ele queria uma dama e ela estava certa de que poderia satisfazer o pedido. Mas quando começou a lembrar-se das coisas que o fizera passar, e de todas as vezes em que ele dissera, com aquela expressão especial da descrença em seu rosto, que não tinha idéia do que estava conseguindo quando casara com uma dama real, verdadeira, de berço, Houston não conseguiu mais controlar a risada. Saiu de dentro dela com um som que fez o vaso tremer na mesa.
Agarrou o lado da mesa e continuou rindo, sentindo os joelhos ficarem fracos.
Imediatamente, os homens saíram correndo da sala.
- Houston, querida, você está bem? - perguntou Kane pegando seu braço e tentando erguê-la. Mas era como tentar pôr uma alga marinha de pé.
- Cobri meu vestido vermelho porque não queria que pensassem que eu não era uma dama, mas depois explodi a parede da cadeia. - Ela dobrava-se de tanto rir e acabou sentando-se no chão sem nenhuma cerimônia. - Meu chapéu permaneceu no lugar? Estava no lugar na noite que desafiei o pugilista para uma exibição de músculos?
- Do que está falando? - perguntou Kane.
Edan começara a sorrir, e agora o riso aumentava ao dizer:
- Você o perdeu enquanto dançava. - Começou a rir. - Houston, naquela noite levei uma garrafa de uísque porque pensei que me aborreceria assistindo a um chá-de-panela. - Quando terminou, estava no chão com Houston. - E a senhorita Emily... - mal conseguia falar. - Não consigo passar em frente à sua loja com uma cara séria.
Houston ria demais para falar com clareza.
- E Leander! Fui tão cuidadosa durante todos esses anos. Nunca o deixei saber sobre Sadie ou qualquer das outras coisas.
Leander, sorrindo, observava.
- Você sabe do que ela está falando? - perguntou para Kane.
Rafe respondeu:
- Essa pequena e doce senhora de cabeça vazia, que parece ser tão delicada que não poderia fazer outra coisa a não ser bordar, costuma dirigir uma carroça de quatro cavalos.
- Posso dirigir doze - declarou e isso fez com que Edan e ela tivessem novos acessos de riso.
- E ela tem uma direita capaz de derrubar meninos do tamanho dela. - disse Kane com orgulho - e pôde deixar sua própria festa de casamento para seguir o marido teimoso quando ele se fez de tolo em frente da cidade inteira, e pagou minha amante para sair da cidade e gritou quando... - parou quando falou a última coisa e começou a ficar embaraçado.
Leander olhou para Houston sentada no chão, com os braços em volta de Edan, ambos fracos de tanto rir. Virou-se para Kane e viu a maneira como olhava Houston, com um misto de orgulho e amor.
- E pensar que eu a chamava de princesa de gelo - murmurou Lee.
Kane girou em seus calcanhares, com os polegares na cintura da calça.
- Eu derreti o gelo.
Lee e Rafe caíram na risada, tanto pelas palavras, como pelo orgulho de Kane.
Rafe acenou para Houston.
- É melhor fazer alguma coisa com esse pedaço de gelo antes que ela derreta e entre nas frestas do chão. Não acredito que queira perdê-la.
Kane inclinou-se e levantou Houston nos braços.
- Nunca deixarei que essa dama se vá.
Houston, ainda rindo, aconchegou-se a ele enquanto ele a carregava escada acima.
- Não, senhor, não há nada que nos separe, nem outras mulheres, ou filhos dos quais ela não sabia, nem o carrasco. Acho que é por isso que a amo tanto. Não está certo, Houston?
Houston olhou-o com estrelas nos olhos.
Ele pôs a cabeça junto da dela, e murmurou de forma que os outros não ouvissem:
- Quando chegarmos lá em cima, você vai me explicar o que é uma "exibição de músculos". E não comece a rir outra vez, Houston!

 

 

                                                                  Jude Deveraux

 

 

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