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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


MULHER SEM AMOR / Corin Tellado
MULHER SEM AMOR / Corin Tellado

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

MULHER SEM AMOR

 

O casamento de Fred acabou devido a interferência de sua sogra. Para ele, tornou-se impossível conviver com Wendy, por isso divorciaram-se, mesmo tendo filhos. Após alguns anos, voltam a se encontrar, mas as coisas continuam como sempre, Wendy ainda é dominada pela mãe, que nunca viu Fred como um bom partido...

 

A Srta. Mey Beker deixou a correspondência sobre a mesinha de cabeceira.

— Acaba de chegar, Srta. Mills — disse, enquanto abria a cortina. — Ontem, mandou-me acordá-la às oito em ponto. Pois já são, Srta. Wendy.

— Oh! — espreguiçou-se Wendy. — Oito, já? Sabe por que mandei-a acordar-me a esta hora?

— A senhora parece que vai viajar a Clifdeno.

— Oh, é mesmo! — pulou do leito e procurou os chinelos, com os pés. — E as crianças, dormiram bem? — e, sem esperar resposta, vestindo o robe e amarrando-o à cintura — Meus pais vieram? Minha prima Claudine telefonou?

— Os Srs. Mills não vieram. As crianças não acordaram ainda. Srta. Claudine ligou ontem à noite, quando a senhora já se encontrava recolhida, mas ela disse que iria acompanhá-la a Clifdeno.

— Ótimo — olhou em torno. — Pode se retirar, Mey. Quando as crianças acordarem, avise-me pelo telefone interno, se eu não tiver saído ainda do quarto — a babá das crianças ia sair, mas Wendy ainda acrescentou: — Outra coisa, Mey. Se meu primo Robert ligar, diga-lhe que não estarei durante todo o dia.

— Está bem.

Fechou-se a porta. Wendy tornou a olhar em volta com certa indolência.

Cruzou o aposento e entrou no banheiro.

Meia hora depois, estava já vestida com uma calça preta, moderna, sapatos fechados, tipo mocassim. Uma blusa de lã de gola alta e, por cima, um paletozinho esporte, de brim azul.

— Oh! — exclamou. — A correspondência.

Sempre chegava no dia anterior. Sentou-se e rasgou o envelope da primeira carta. Era de tia Patrícia, de Londres. Pobre tia Patrícia, nunca aceitou o seu divórcio...

Era lamentável, mas...

O quê? Como? Aquela carta, a letra parecia a de Fred Howard.

Rasgou-a, sentindo que seus dedos tremiam um pouco.

Seus olhos tiveram um súbito clarão. Começou a ler...

"Estimada Wendy

Estranhará receber minha carta, depois de mais de dois anos sem saber de mim. Estou em Dublin. Faz apenas seis meses que me estabeleci aqui. Trabalho numa empresa importante e gostaria de, nestes breves dias que estarei em Galway, ver meus filhos. Não creio que isto a espante. Sempre fui um pai amoroso e, embora tenhamos nos separado, isso não significa que eu tenha renunciado à minha paternidade. O tribunal me deu, o direito de ver meus filhos vinte dias ao ano. Quando eles forem maiores, você poderá enviá-los até mim, mas como, atualmente têm quatro anos apenas, não quero forçá-los a viajar com uma babá. É por isso que anuncio minha visita para a próxima segunda-feira. Afetuosamente.

Fred"

Não dobrou a carta. Segurou-a aberta, ante seus olhos alguns segundos.

Era duro, depois de tanto tempo, ler aquilo.

Fred tinha razão. Podia ver seus filhos onde ela dissesse, à hora que marcasse e no lugar que ela escolhesse.

Quando as crianças fizessem sete anos, então seria Fred quem decidiria o lugar, a data e o instante que quisesse.

Dobrou a carta. Já não parecia tão serena. Estava numa sexta-feira, portanto, dali a três dias Fred estaria em Galway, se é que já não estava.

Guardou a carta no bolso da calça e tocou a campainha, chamando Mey.

— Por favor, ligue para minha prima Claudine e diga-lhe que não irei mais a Clifdeno. E avise ao chofer para deixar meu carro pronto.

— Sim, senhora.

— Ah, sim! Diga a Sam que não precisa me acompanhar. Quero que ele leve meus filhos até a casa de meus pais.

— Muito bem.

E Mey saiu, fechando a porta atrás de si.

A carta estava ali. Escondida, parecendo pesar-lhe no bolso.

Por quê? Não podia passar sem ver seus filhos?

Apertou os lábios.

Quando se deu conta, estava descendo a ampla escadaria, para o vestíbulo.

Uma criada deu-lhe o bom dia.

Sam, seu chofer particular, embora raramente o necessitasse, estava algo rígido na portal do terraço, esperando-a.

— Irei sozinha, Sam — disse Wendy, com sua voz suave. — Mais tarde, quando as crianças acordarem, leve-as, com a Srta. Mey, para a casa de meus pais.

— Está bem, senhora.

Sorriu.

 

— Tão cedo ainda, Wendy! — riu a dama, aparecendo ante ela. — Seu pai e eu fomos dormir muito tarde ontem. Estivemos em casa dos Bley. Foi uma reunião animadíssima. Por que não foi? Liguei para você às oito horas. Não estava. Sua criada me avisou que você havia saído com Robert.

Depois, fitou-a demoradamente.

— Está vestida para viajar. Aonde vai?

— Não vou mais.

— Ah! Não se senta?

— Acho que vim incomodá-la, mamãe.

— Claro que não. Quando o telefone interno chamou, eu já estava acordada. Seu pai também já estava no banho, não deve demorar — olhou em torno. — Não haverá nada para se beber? Ah, sim! — foi até o bar. — Aqui tenho meu suco de laranja. Peter o prepara cedo, pois eu o tomo às oito heras, para depois tornar a me deitar — tomou o suco e apertou o cinto do robe. — Chegamos às três da madrugada.

— Desculpe tê-la acordado.

— Mas eu já estava acordada, quando o mordomo me avisou de sua chegada — e, súbito: — O que há com Robert?

Wendy não se alterou. Seu pai entrou naquele instante, já vestido, com o cabelo úmido.

— Algo grave aconteceu para você estar aqui a esta hora — foi dizendo assim que a viu.

Beijou a jovem e a fitou com ternura.

— Não gosto de seu semblante. Ontem, parecia tão contente. Saiu com Robert?

— Ele não me agrada, papai.

— Ah!

A dama saltou logo.

— E por que não lhe agrada? Robert é um rapaz maravilhoso. De sua mesma classe social. Tão rico quanto você. E jovem.

— Mamãe!

— Chega, Bárbara.

— E por que tenho que calar-me? O que faz Wendy solteira?

O pai pareceu agitar-se.

— Solteira? — repetiu, com certa dureza. — Divorciada.

— Sei, sei. Não é a mesma coisa?

— Não — disse Wendy, sem se abalar. — É diferente. Há no meio duas crianças.

— É diferente, sim. Por uma causa, por outra...

Nem o pai nem a filha a fitaram.

— Sente-se, Wendy. Aconteceu algo às crianças?

— Não, papai.

— Então...

Preferia ver seu pai a sós. Aliás, quando foi lá, esperava encontrá-lo levantado e não sua mãe.

— Vai sair hoje? — perguntou Wendy, sentando-se frente a seus pais.

— Eu, sim. Tenho que ir às pedreiras.

Sempre que ouvia falar nas pedreiras de mármore, sentia algo pelo corpo, por causa delas, Fred divorciou-se dela.

Bem, na verdade foi ela quem pediu o divórcio. Fred trabalhava nas pedreiras, mas, segundo Bárbara Mills, fazia tudo às avessas.

Teria sua mãe razão?

Aos vinte anos, julgou que sim. Mas, com o passar dos anos...

Tomou um pouco do suco que sua mãe lhe oferecia.

— Wendy, você é sempre calma. Aconteceu algo?

Seu pai sempre percebia as coisas. Sua mãe, não. Sua mãe nunca reparava em nada. Por isso, nunca devia ter-lhe dado atenção. Mas deu-lhe.

Ainda recordava o dia em que deparou com seu pai, já nos trâmites do divórcio.

"Por que vai fazer isso? Fred voltará um dia qualquer. A discussão foi violenta com sua mãe. Mas isso, você devia ter previsto, Wendy. Sua mãe nunca aceitou seu casamento com ele."

Não deu ouvidos a seu pai.

Quando Fred regressou a Galway, depois da violenta discussão, ela já havia iniciado os trâmites do divórcio e Fred se limitou a ver seu advogado, em vez de voltar para casa. Só se viram ante o tribunal que sentenciou ao gosto da Sra. Mills. Claro que nem tudo saiu como ela quis. Sua mãe falhou em algumas coisas. Assim como conseguiu o divórcio para ela, devia ter conseguido que Fred nunca mais visse os filhos...

— Vamos, Wendy — sussurrou o pai, interrompendo seus pensamentos.

Wendy respirou fundo. Era frágil. Naquele instante, parecia mais ainda.

— Recebi uma carta de Fred.

Foi como uma bomba. Clen Mills ficou rapidamente de pé. Bárbara Mills agitou-se toda. Gritou, furiosa:

— E o que quer esse patife?

— Bárbara!

— E não o é mesmo? O que deseja agora? Dinheiro?

O marido meteu o dedo entre o colarinho e o pescoço.

— Ele nunca aceitou dinheiro algum. O tribunal obrigava-nos a dar-lhe uma quantia fabulosa, a qual ele recusou. Foi até... humilhante para nós.

— E porque ele recusou, tornou-se um cavalheiro distinto?

Olhou para sua esposa, com expressão imóvel.

— Quando uma coisa é paga, é mais fácil de esquecê-la, Bárbara — disse, lentamente. — Imagine que Fred tivesse aceitado aquele dinheiro que o tribunal lhe concedia.

— Ele quis bancar o orgulhoso, o desprendido.

— Mas você dizia que Fred se casara por causa do dinheiro de Wendy.

— Oh, não! — interveio a filha. — Não vim discutir o ocorrido. O que passou, passou. Estamos divorciados e está acabado. Só quero dizer-lhes que Fred quer ver os seus filhos.

Bárbara estava indócil. Odiava Fred. Demonstrava-o, sempre que podia.

— Viu? — voltou-se para o marido. — Não lhe disse mil vezes? Você devia ter movido céus e terras para impedir que ele visse as crianças! Isso é só um pretexto pra se aproximar de seu objetivo!

— Bárbara!

— Você sempre foi ingênuo, Clen.

— Mamãe!

— Será que está querendo vê-lo?

— Mamãe — Wendy procurava acalmar os ânimos. — Não vim aqui discutir. Estou divorciada e não penso em voltar atrás. Aqui, o importante é que Fred quer ver os filhos e tem esse direito.

— E ficou quase três anos sem dar sinal de vida?

— As crianças eram muito pequenas. Mas agora têm quatro anos.

— Eu penso que você deve se opor! — gritou a dama. — Fred quer é se aproximar de novo. O que mais pode desejar um miserável como ele?

— Quer se calar, Bárbara?

— Isso me deixa transtornada. Um casamento se dissolve e termina-se tudo. Não é assim?

— Sim, quando não há filhos no meio. Mas se os há, acaso podem os humanos dissolver algo que foi feito por Deus?

— As leis humanas...

— As suas.

— As que devem reger, Clen.

Este deixou de prestar atenção na esposa. Virou-se para sua filha, que escutava sem pestanejar.

— Wendy, o que deseja de nós?

— Um conselho.

— Viu? Pois eu lhe digo que deve mandá-los até onde esteja o pai. Diretamente ao hotel onde ele estiver.

— Foi isso que vim dizer-lhes. Vou querer que Fred veja os filhos em minha casa.

Barbara ficou vermelha. Clen se manteve imóvel.

— Isso é demais. Em sua casa? Por quê?

— Eu posso impor as condições, não é, papai?

— Claro.

— Pois ele os verá em minha casa. Foi o que decidi.

Punha-se de pé. Mas Bárbara a reteve com expressão colérica.

— Será que ainda o ama?

Wendy se voltou. Olhou para sua mãe, serenamente.

— Você nunca suportou Fred — disse baixo, sem rancor. — E conseguiu transmitir seu ódio para mim. Eu não o amo mais, mas quero que veja nossos filhos sob o meu teto.

— O mesmo que partilhou com ele — comentou o pai. — Não teme as recordações?

— Não.

E olhou para o relógio. Clen também o fez.

— Tenho que ir-me, Wendy. Estamos com o carro na oficina. Quer me deixar no escritório, de passagem por sua casa?

— Wendy — cortou a dama. — Em que dia chega Fred?

— Segunda.

— Antes disso, irei vê-la. Não me conformo em que o receba em sua própria casa.

Bárbara jamais considerou a casa como sendo também de Fred. Foi presente dela, de casamento. Seu sonho sempre foi o de vê-la casada com seu sobrinho Robert.

— Então, está combinado, Wendy. Irei hoje à sua casa.

— Eu havia justamente combinado com Mey para trazer as crianças para cá, para passarmos todos a tarde aqui. Por falar nisso, mamãe, espero que você não abra a boca para falar mal de Fred diante de seus filhos.

— Aos quatro anos, o que eles entenderiam? — resmungou Bárbara.

— Por isso mesmo, não quero que sofram desde pequenos. Mesmo porque, se eu não me dei bem com Fred, não posso dizer que ele tenha agido mal nunca.

— Está vendo? Ainda está apaixonada por ele.

Clen puxou a filha pela mão e juntos saíram de casa.

Já no carro, Clen Mills fez a pergunta desconcertante:

— Você ainda o ama?

Wendy girou um pouco a cabeça.

— Não — foi taxativa.

— Está apaixonada por Robert?

— Não. E não me preocupo com isso, papai. Tenho meus filhos para criar e isso já é muito importante para mim.

— Quando penso em tudo que aconteceu... não entendo. Fred era um ótimo colaborador, honesto e trabalhador. Verdade que era pobre, mas isso não quer dizer que não a amasse. Sua mãe é quem sempre cismou que ele era interesseiro. Eu, não. Sempre o achei muito correto.

— Papai, isso já acabou.

— É isso que me deixa preocupado. Terá acabado mesmo?

O carro avançava.

Wendy mudou de assunto e Clen não insistiu. Mas, naquela manhã, mal pôde trabalhar, imaginando o debate entre mãe e filha, em seu palacete nas cercanias de Galway.

— Mas, mamãe...

— Eu não poderia.

— Talvez eu seja mais forte do que você.

— Será por que ainda o ama?

— Mamãe! — Wendy se impacientou. — Que mania de repetir a mesma pergunta! Eu não amo mais a Fred.

— Mas vai recebê-lo em sua casa.

— É meu dever. Foi a nossa casa.

Bárbara Mills agitou-se de novo. Já estava vestida com o luxo e a classe de sempre e observava Mey cuidando dos gêmeos no jardim da mansão.

Ela e Wendy estavam no salãozinho, tomando um café.

— Há algo que não entendo Que direito tem Fred de ver os filhos em sua casa?

— Ele não pode recebê-los em sua casa, pois são muito pequenos. E fui eu quem decidiu que o encontro fosse na minha.

— Que por sinal, foi presente meu para você.

— Você nunca aceitou Fred, nunca procurou conhecê-lo.

— A culpa foi dele.

Wendy perdeu a paciência. Nunca se entrosou bem com a mãe. Era extremista demais. Já o foi quando decidiu que ela estudaria na Suíça, quando ela mesma e seu pai preferiam Londres.

Mais tarde, na festa de formatura, ela queria festejar com as amigas em um clube. Bárbara Mills decidiu que seria um grande baile, em sua imensa casa de campo.

Foi quando conheceu Fred. Era o engenheiro da empresa de seu pai.

Como foi tudo? Fácil. Quase sem querer.

— Wendy, eu acho...

Sua mãe a arrancou de suas recordações.

— É inútil, mamãe. Vou recebê-lo em minha casa.

— Não vê como será comentado em toda Galway?

— Não há motivos para falatórios, mamãe — disse Wendy, pondo-se de pé.

Subitamente, acrescentou:

— Pretendia ir a Clifdeno, mas suspendi a viagem para esclarecer isto. Se bem que só vim aqui para comunicar-lhes a minha decisão de receber meu ex-marido em minha casa.

— Pode ser que ele não queira isso — comentou a dama, esperançada.

— Isso é outra coisa. Mas, de qualquer jeito, ele terá de aceitar. Enquanto os filhos não têm sete anos, sou eu quem decide aonde se verão com o pai.

A dama mordeu os lábios.

— Você é uma insensata. Parece que ainda o ama. Se ao menos se casasse com Robert...

— Por que cisma com Robert?

— É um bom rapaz.

— É um bom sobrinho — atalhou Wendy, teimosa. — Mas eu não o amo.

— Saem juntos. São da mesma classe social. O que viu em Fred Howard? Veio do nada. Se não me engano, em criança vendia jornal nas ruas de Londres.

— Isso mostra o que é ele — retrucou Wendy, sem paixão. — Nessa idade, Robert tinha um preceptor e duas babás só para cuidar dele. Não é assim, mamãe?

— Claro, era um menino rico.

— Disso tudo, eu tiro uma conclusão interessante. Com todas as dificuldades, Fred tornou-se um engenheiro. E seu sobrinho Robert ainda não terminou o curso de Direto. E já tem trinta anos.

— Ele não precisa estudar.

— Ah! Isso não o sabemos. Só conhecemos o resultado de duas pessoas que em diferentes esferas sociais e econômicas, um tendo tudo e outro não tendo nada, chegou mais depressa o segundo que o primeiro. A vida, mamãe, para todos tem um objetivo. Chegar alguma parte. Fred chegou. Robert, ainda não.

— Wendy...

A jovem não queria insistir no assunto.

— Chega desse assunto, mamãe. Vou dar uma volta pelo jardim, junto a meus filhos.

Não esperava seu pai. Há apenas uma hora que havia regressado da mansão, deixando sua mãe bem desgostosa.

Espantou-se, portanto, ao ver meu pai. Ela não ignorava como Bárbara manejava o marido. Era bem possível que sua visita se prendesse a isso.

— Papai, não o esperava. As crianças já foram se deitar.

— E você, não sai?

— Não.

— Sua mãe me ligou para o escritório. Não lhe disse que pensava vir aqui. Ela pensa que você vai sair com Robert.

Olhou firme para seu pai.

— Papai, você gostaria realmente que eu me casasse com Robert? Aprecia-o de fato?

— Bem, ele poderia conservar seu patrimônio, apesar de... sua negligência.

— Mas nunca o aumentará. E isso, com o tempo, dividindo-se com os futuros prováveis filhos que viriam, faria com que o patrimônio minguasse bastante.

— O homem pode ter muitos méritos, sem ter necessidade de ser um financista. Lembre-se que o patrimônio de Robert é altíssimo. Não pode minguar nunca.

— Tampouco aumentará. E, com os filhos, tenderá a se fragmentar em várias partes. Se todos os filhos de Robert se parecerem com ele.

— E por que hão de se parecer?

— Supondo-se. Aquele que era um patrimônio enorme, se converterá em pequenos patrimônios. O que ocorreria depois?

— Não é preciso analisar-se tanto as coisas. A gente ama ou não ama uma pessoa.

— Exato. Eu não amo Robert. Somos apenas amigos.

O cavalheiro se acomodou melhor na cadeira.

— Ainda ama o seu marido?

— Tenho certeza que não amo meu ex-marido.

— Talvez ele tenha um objetivo diferente, ao procurar os filhos. Em dois anos, podia ter aparecido já.

— Eu não conheço seus motivos, mas se ele quer vê-los agora, não posso impedi-lo, nem quero.

— Não deve se esquecer nunca que foi ele quem a deixou.

— Fico me perguntando, papai, porque ele me deixou. E me pergunto também como pude me divorciar, sem esperar sua volta.

— Era seu dever. Sua dignidade feminina assim o exigia.

Wendy esboçou um sorriso amargo.

— Dignidade feminina. Aos vinte anos, pode-se pensar assim. Hoje, eu me pergunto se pensaria igual.

— O que indica que ainda o ama.

— Não é isso. A pessoa se cansa de amar, quando tudo está contra. E sempre esteve, desde o início. E assim, terminou tudo. Mas, diga-me, você que conheceu bem Fred no plano profissional. Responda-me, ele foi um mau empregado?

— Não.

— Foi um indesejável?

— Não.

— Foi um egoísta?

— Claro que não! Eu estava muito contente com ele. Até pensei que ele seria um ótimo substituto para mim.

— É só isso que eu queria saber, papai. Receberei Fred Howard em minha casa.

— O que posso dizer-lhe?

— Nada — riu com ternura. — Diga a mamãe que ela exagerou ao tentar me impor seus gostos.

— Wendy...

— Lamento, papai. Agora, já não tenho vinte anos, nem vinte e dois, como quando me separei. Tenho mais três e, nesse meio tempo, aprendi muitas coisas.

 

— Sente-se.

Claudine sentou-se e acendeu um cigarro.

— Chegou carta de tia Patrícia?

— Ontem.

— Também recebi.

— Recebi o seu recado, Wendy, desmarcando a viagem e pedindo-me para vir aqui, sem falta.

— Quer tomar algo?

— Vou sair com Edward.

— O que diz tia Patrícia de sua permanência em Galway?

— Mamãe sempre me diz mais ou menos isso: "Seja feliz. Confio em você. Vive aonde queira, procure a felicidade. E quando a encontrar, não renuncie a ela por tolices. Ao menos, que tenha uma razão forte para isso". É o que faço.

— Fique à vontade. Quero lhe falar de Fred.

Claudine deu um pulo na cadeira.

Até o cigarro esteve a ponto de cair de seus dedos.

Era linda. Loura como sua prima e tão alinhada como a mesma. E quase da mesma idade, com um ano de diferença, apenas.

— Você me conhece bem.

Claudine assentiu.

— Mas nunca lhe disse porque me separei de Fred.

— Não. Perguntei-lhe mil vezes. Sempre fomos grandes amigas desde criança. E fiquei muito triste, quando se divorciou. Mamãe também, nunca se conformou com isso.

— Sabe, mamãe não é má. Ela sempre quis o melhor para mim. Mas eu me pergunto: soube realmente o que eu desejava e necessitava?

— As mães costumam saber isso.

— É possível. Mas seu afã de me manter incólume, o nome dos Mills e dos Robbin, conduziu-a por caminhos tortuosos, quanto a desejar o melhor para mim. Claro que isto não quer dizer que eu ame Fred. Isso passou. Foi... — fez um gesto vago — como uma nuvem de verão. Aparece, verte água e desaparece, brilhando o sol. Isso, nada mais.

— Não o diga com tanta indiferença.

— Talvez a devoção de Fred tenha tido a culpa... Amava-me demais. Ou fui uma estúpida, ou ele fiel demais... Até que me abandonou. O que sucedeu depois, foi o fim. Ver Fred de novo, não me inquieta. E ele está para chegar.

— Ah!

— Virá a esta casa.

— Pensou bem? Não teme que sob as cinzas haja uma fagulha?

— Não. Tanto é que vou recebê-lo aqui. Se o amasse... aí sim, seria diferente.

— É possível. Por que então separou-se dele?

— Ele me abandonou. Mamãe me fez ver naquele instante e eu o vi e creio que ainda o vejo agora, embora nunca lhe dê razão em voz alta, que ela tinha motivos para me induzir ao divórcio.

— Pelo que sei, o único pecado de Fred foi ter sido homem até o fim.

— Talvez. Como sabe, nós nos conhecemos em minha festa de formatura. Aquele rapaz louro, atraente, cativou-me desde o início. Ele era diferente. Maduro. Sensível. Era um homem feito e você sabe que eu só conhecia garotos.

— Compreendo.

— A princípio, ninguém prestou atenção em nossos encontros. Até mamãe, não ligou para aquilo. Talvez só tenha se alarmado quando Fred procurou papai no escritório. Papai começou logo a achar que eu não podia ter encontrado melhor partido. Mas, quando o disse a mamãe, ela só faltou ficar louca. E conseguiu deixar papai contra nós. Foi uma luta terrível. Se Fred era um encanto especial para mim, com aquela oposição de meus pais, tornou-se uma obsessão. Assim, fui em frente e me casei com ele. Mamãe foi ao nosso casamento toda de preto, em sinal de luto.

— Esses detalhes não importam — atalhou Claudine, sem deixar de fitar a prima. — Eu quero saber o que você sentiu. Se aquilo que começou quase por curiosidade, converteu-se algum dia em algo mais sério...

Wendy mudou de atitude.

— Mudou completamente. Amei Fred, a seu lado vivi as emoções maiores de minha vida. Não creio que possa vivê-las de novo ao lado de outro homem.

— Foi um deslumbramento, não?

Assentiu com um breve movimento de cabeça.

— Sim, sim — corroborou depois.

— Quando terminou tudo?

— Quando Fred começou a brigar com mamãe. Chegou a me proibir de ir à sua casa. Mamãe jogava-lhe no rosto sua pobreza. Sua falta de educação.

— Espere aí. Fred foi mal educado?

— Para mim, nunca.

— Então...?

— Claudine, procure entender. Eu comecei a ver o que mamãe queria que eu visse. E aquelas discussões me cansavam. Um dia, houve uma mais forte e Fred se foi. Eu não creio que tivesse a culpa de seus desentendimentos com mamãe.

— Mas ia lá, apesar da proibição de seu marido.

— O que importa isso agora? Como vê, tenho a minha vida. Estou divorciada e saio com outros homens. Estive a ponto de me comprometer com Robert, por duas vezes... Entendo isso. Agora é quando posso falar no passado.

— Não sente nada?

— Não.

— Isso é doloroso. Eu me sentiria mal, se me lembrasse de Edward com tanta indiferença. Mas o que se passou depois?

— Naquele dia, Fred chegou em casa e a empregada disse que eu estava em casa de meus pais. Fred foi me apanhar. Estava nervoso, autoritário. Disse que, se eu preferia minha mãe, que ficasse com ela. Mamãe ficou furiosa. Também nunca vi Fred tão alterado. A briga entre os dois foi feia. Fred tentou me levar com ele. Eu me opus.

— Fez mal.

— Eu estava farta.

— Mas o amava. Tinha dele as melhores lembranças de sua vida.

Wendy assentiu. Em seus olhos, houve um brilho diferente.

— Sim, a seu lado me fiz mulher. Descobri coisas maravilhosas. Creio que cheguei a perder os sentidos em seus braços. Mas tudo ficava distante naqueles momentos.

— Você foi egoísta.

— Não, Claudine. Fui, talvez, inconsciente, mas nunca me arrependi. Não fui com Fred. E quando horas depois cheguei em casa, encontrei as gavetas de meu marido vazias.

— E depois?

— Nem um bilhete. Fred se havia ido. Quando voltou, três meses depois, não soube o que queria me dizer. Eu já havia iniciado os trâmites para o divórcio. Tudo correu bem. Fred não se opôs a nada. Foi embora, na mesma noite em que chegou a Galway.

— E não o viu mais?

— Nunca mais.

— Nem soube o que vinha lhe dizer.

— Não.

— E agora...

— Agora me escreve dizendo que quer ver os filhos. E os verá, aqui em casa.

— É temerário de sua parte.

— Não sei. Mas se quer ver seus filhos, será aqui.

— E não teme despertar lembranças adormecidas?

— Não — foi categórica. — Não há razão. Passou-se muito tempo.

— Quando Fred chegar, diga-lhe para passar em minha casa. Tenho muita vontade de bater um papo com ele. Sempre o admirei muito, eu e mamãe.

— Isso eu sei — murmurou Wendy, com um sorriso fraco.

— Oh! — exclamou Claudine. — Já é tarde e Edward estará me esperando.

 

— Chamam-na ao telefone, Srta. Wendy — avisou Mey.

Já o esperava.

Quantas horas esperando aquela chamada naquele dia, segunda-feira? Desde o amanhecer.

— Quem é?

— O Sr. Howard.

— Ah! Passe-me a ligação para cá. Que horas são? — perguntou, quando Mey se afastava para a porta da sala de estar.

— Oito da noite.

— O Sr. Robbin telefonou?

— Duas vezes, senhora. Disse-lhe que ligasse as nove.

— Obrigada — e ainda acrescentou, quando a babá alcançava a porta: — Uma vez terminada a conversa com o Sr. Howard, ligue-me com o Sr. Robbin.

— Pois não, senhora.

Fechou-se a porta.

Nem um estremecimento.

Era possível chegar a tal ponto de indiferença, tendo, como tinha, tantas lembranças em comum com o homem que esperava do outro lado do fio telefônico?

— Pronto — disse em seguida, apanhando o auricular.

Silêncio.

— Alô...

Depois...

— Sou eu, Fred.

— Ah! — uma pausa. Custava ouvir aquela voz serenamente. — Como vai, Fred?

Ninguém neste mundo podia ter pronunciado aquelas palavras com tanta afabilidade e, a um só tempo, com tanta indiferença.

— Bem, e você?

— Perfeitamente.

— Disponho de três dias e gostaria de ver os gêmeos.

Não era um pouco estranho ouvir de novo aquela voz rouca, que tão próxima teve tantas vezes?

Um pouco. Mas só isso. Estranheza. Assombro. Curiosidade, talvez.

— Está certo.

— Aonde? É você quem decide.

— Em minha casa.

Um silêncio. Depois...

— Prefere-o assim?

— Sim.

— Quando?

— Amanhã, se quiser.

— Não posso vê-los em outro lugar?

— Por quê? — um prazer mórbido em contrariá-lo.

Fez outra pausa.

— Não, não, por nada. Por mim, é indiferente. Não vim escolher lugar, só quero vê-los, aproveitando esses dias aqui.

— Espero-o amanhã, à hora que preferir.

Surgiu a primeira bofetada.

— Por quê? Não tem necessidade de se preocupar comigo. Vim ver as crianças — e depois de um breve riso, quase confidencial: — Mesmo deixando de ser marido, continuo sendo pai.

Ela, um tanto infantilmente, pensava que sofreria, vendo-a. Não a amou tanto? Sim, ele a amara.

Que tipo de mulher era ela, que se comprazia com a dor de seu ex-marido?

Mordeu os lábios.

— Compreendo-o.

— Não sei a hora em que estarei livre. Tenho uns assuntos aqui e pretendo resolvê-los antes do meio-dia — uma pausa que parecia eterna. — Importa-se que leve as crianças em meu carro? Com a babá, é claro — acrescentou, rapidamente.

Não viu inconveniente.

Pelo menos, não em voz alta.

— De acordo.

— Então, irei apanhá-las ao meio-dia em ponto.

— Certo.

— Obrigado, Wendy.

— De nada.

Desligou. Estava tensa.

Era estúpido sentir aquela inquietude que não sentiu em dois anos.

De repente, tudo parecia diferente.

A babá, com eles? Tinha cerca de trinta anos. Era bonita.

Mas o que isso lhe importava? Quase em seguida a viu no umbral.

— O Sr. Robbin ao telefone.

Odiou Robert.

E o que era mais estranho, sentiu uma súbita sensação de inveja da governanta. Nunca a analisou. Em sua casa, era apenas a encarregada de orientar, de educar seus filhos. Mas, de repente, parecia ser algo mais. Sem querer, analisou seus traços. Corretos. Sua boca grande, generosa, seu sorriso franco, seus cabelos louros. Seu tipo esguio.

Sentiu-se irritada. Por isso, quase gritou:

— Amanhã, sairá com as crianças e com o Sr. Howard — e, sem fazer uma pausa, apanhou o telefone: — O Sr. Howard é o meu ex-marido.

— Sim, Srta. Mills.

Deu-lhe raiva, ser chamada assim. Mas logo passou a falar com Robert.

— Olá, querido! Como vai? Estive à sua espera. Não, não. Saí o dia todo — mentiu, ela que detestava mentiras. — Não tive tempo para nada. Onde está você? Sim? Bem...

— Wendy — disse Robert, do outro lado. — O que tem? Está nervosa hoje. Até sua voz está mudada.

Em cerca de três anos, era a primeira vez que seus nervos fugiam a seu controle.

— Impressão sua. Não houve nada. Sou a mesma.

— Posso ir apanhá-la?

Não. Não poderia fingir calma diante dele.

— Sinto, Robert. Não pretendo sair hoje.

Robert ficou irritado.

— Mas o que há com você? Quando atendeu, parecia ansiosa até por me ver. Agora, diz que não vai sair comigo...

— Desculpe, Robert. Não me sinto bem. Até amanhã.

Desligou, deixando-o com a palavra na boca.

Decididamente, jamais chegaria a amar Robert. Faltava-lhe personalidade, vigor... sensibilidade.

Tudo que Fred tinha de sobra.

Súbito, o telefone tornou a chamar. Era sua mãe agora.

— Olá, querida. Então, Fred telefonou?

— Telefonou, mamãe. Ele vem buscar as crianças aqui.

— Não as deixe ir com ele.

— Mey irá junto.

Odiou sua mãe. Por que se metia em tudo? Se não fosse tão metida, ela provavelmente não teria se divorciado do marido.

— Acho melhor que você não o veja, Wendy.

Não pensava evitá-lo. Será que sua mãe pensava que ainda se amavam, após dois anos de separação?

— Até amanhã, mamãe.

— Sabe, Robert disse...

— Não sairei com ele.

E desligou. Portou-se incorretamente com sua mãe, coisa que nunca fazia.

Mordeu os lábios, despeitada. Depois, para aturdir-se, começou a dar voltas.

Em dado momento, deixou a sala de estar e foi ver os filhos.

Dormiam já. Eram toda sua vida.

Suas saídas com Robert? Não significavam nada. Não pensava em casar-se de novo. E não temia apaixonar-se por Robert. Era ele uma espécie de muralha, que evitava maiores perigos.

Beijou os filhos e, ainda sendo tão cedo, foi para seu quarto e deitou-se. Por que se sentia tão nervosa? Seria por ter ouvido a voz de Fred?

Foi dura e fria.

Ao menos, isso ela pensou.

Aproximou-se da janela e olhou para a rua. Vivia em uma avenida residencial, onde só havia mansões de alto gabarito. Dali, avistava o jardim. A alameda arborizada que conduzia ao portão de entrada.

Não se demorou, porém, a observar. Em outro momento, iria se despedir dos filhos, que sairiam com a babá para um passeio. Apesar de jovem e aparentemente frívola, era mãe devotada e amorosa.

Vivia pendente de tudo, embora não o parecesse. Vigiava de perto a educação dos filhos. Eram dois gêmeos lindos, de quatro anos de idade. Ambos saiam todos os dias com a babá, para uma volta. Como aquela manhã, ao meio-dia...

Mas tudo era diferente.

Naquela manhã, os dois irmãos, menino e menina, iam encontrar-se com um homem que desconheciam, mas a quem chamariam de papai, porque assim iria querer o homem que os esperava.

Resistia à tentação de olhar pela janela. Seria tão fácil, dali poderia ver Fred, a quem não via há mais de dois anos... Não era natural?

Afinal, ela não era uma heroína. Era uma mulher. E jovem demais, para viver sozinha. No entanto, foi forte o bastante para não espiar pela janela.

Só não teve forças para ficar em casa.

O que fazer? Por que não procurar Claudine? Poderia contar-lhe tudo o que estava sentindo?

Saiu de seu palacete.

Vestia um conjunto de lã bege, bem claro. Um modelo que a tornava, se possível, mais feminina, mais atraente. Um lencinho verde no pescoço, dava o toque final ao traje. Com seu andar elástico, gracioso, dirigiu-se ao conversível esporte vermelho.

Não hesitou um segundo. Iria até as pedreiras.

Seu pai era um homem incansável. Podia ter muito dinheiro, e de fato o tinha, mas jamais relaxava no trabalho. Podia-se dizer que era ambicioso, insaciável.

E não o era. Era, isto sim, trabalhador e caprichoso. Em tudo o que fazia, demonstrava competência e boa disposição. Ela não o conhecia bem, até que ficou sozinha, sofreu muito e passou a dar valor às coisas que realmente o mereciam.

Observou a tolerância e generosidade de seu pai, enquanto em sua mãe só havia egoísmo e orgulho tolo. Tantos detalhes que nunca havia prestado atenção e, de repente, passou a observá-los entre seus pais.

Isso aconteceu quando se divorciou de Fred. Quando sentiu a solidão na carne. Quando se deu conta do muito que havia perdido. Quando se perde algo, é que se dá valor a ele.

E, ao valorizar o que é seu, começa-se a valorizar o que é dos outros.

Era triste chegar a tal conclusão.

Onde estariam Mey e as crianças?

Com Fred, claro.

Talvez os filhos um dia lhe pedissem contas. Talvez fossem mais inteligentes do que ela o foi e começassem a notar suas falhas antes da idade madura. Por outro lado, as crianças de agora são bem mais vivas que as de outrora. Não se limitam a julgar o que seus pais desejam que julguem. Fazem-no sem paixão. Com firmeza, com justiça. E os pais nem sempre saem incólumes de tais julgamentos um tanto prematuros, mas definitivos e, sem dúvida, perigosos.

Sacudiu a cabeça. Suas mãos enluvadas seguravam o volante.

Nunca, como então, viu-se tão absurda. Em outra ocasião, aconteceu-lhe algo parecido. Quando Fred a abandonou. Não foi uma covardia por parte de Fred? Não era seu amor mais forte e vigoroso que a implicância de sua mãe?

Fred nunca devia abandoná-la. Era muito jovem. Não estava preparada para enfrentar grandes dificuldades.

Mas por que estava pensando naquilo tudo?

Sacudiu energicamente a cabeça. Tinha que ver seu pai. Para dizer-lhe algo concreto? Não, não! Para vê-lo. Para evadir-se de tanta inquietude. Para vê-lo, simplesmente.

Fitaram-na, os trabalhadores. Ele atravessou a ampla nave onde se polia o mármore.

Toda vez que passava em direção aos escritórios centrais, os empregados a fitavam com admiração. Quando se casou, Fred a proibiu de ir lá.

"Não gosto que vá", dissera-lhe ele. "Todos a olham. Espere-me no barzinho, se quiser. No reservado."

E ela ia ao reservado. Naquela época, não era capaz de passar tantas horas sem Fred. Era como se Fred tivesse um ímã, fogo, paixão, ansiedade, que a atraíam. Tudo isto, mais uma ternura infinita, numa veemência quase doentia.

Pode um amor desses se acabar?

Não quis pensar nisso. Doía.

Por isso, saiu do elevador particular, só usado por seu pai e pelos altos funcionários e atravessou o corredor sem olhar para parte alguma.

Atrás dos vidros, vários funcionários. Os mármores de seu pai eram exportados para outros países importantes da Europa e América.

Que importava aquilo?

No fim do corredor, estava a porta do diretor.

Bateu nesta.

— Pode entrar...

A voz de seu pai tinha o dom de acalmá-la.

— Papai.

— Wendy — exclamou o Sr. Mills, contente — querida! O que faz por aqui?

Mentiu. Nunca o fazia. Mas de um tempo à parte, suas mentiras surgiam, embora sem grande importância.

— Passava por aqui. Ia à casa dos Morton. Lídia Morton me convidou para uma caçada. Sabe como Lídia adora caçadas.

Aproximou-se dele e beijou-o no rosto.

— Pois eu estava justamente pensando em você. Sua mãe me falou na decisão de Fred de levar as crianças para um passeio — e sem esperar resposta, passando um braço pelo ombro da filha: — Sabe de uma coisa? Fred sempre foi muito sensato. Nunca entendi porque a abandonou naquela noite. Se bem que você não devia pedir o divórcio antes da volta dele.

A jovem fez um gesto vago.

— Isso já passou, papai. Não vim falar sobre isto.

Era mentira. Ela fora lá justamente para falar em Fred. Era quase uma necessidade.

Com quem fazê-lo?

Claudine era sua melhor amiga, mas estava apaixonada e mal tinha tempo para se ocupar com os problemas alheios. Sua mãe jamais soube compreendê-la.

Seu pai sim, sabia escutá-la e sabia guardar segredo, caso o assunto dissesse respeito a sua filha e ao ex-marido desta.

— De qualquer jeito — disse, indicando-lhe uma cadeira — é bom vê-la aqui. Há séculos que não a via por aqui. Desde quando? — sentou-se frente a ela. — Quando você veio me pedir um carro. Creio que Fred estava trabalhando comigo. Mais tarde, ele comentou comigo: "Sua filha é linda."

— Papai, por favor!

Clen sorriu, naquele jeito seu, bonachão, ingênuo.

— Depois, você apareceu de novo, já de flerte com Fred. Confesso que fiquei satisfeito. O rapaz era um auxiliar excepcional e os negócios melhoraram muito com ele aqui. Fred tem tino para as finanças. Onde está trabalhando agora?

— Em Dublin, penso eu.

— Deve estar muito bem de vida. Qualquer grande empresa o quereria. Eu mesmo, depois que ele se foi, não encontrei outro homem à sua altura.

Era bom ouvir falar assim de Fred. Ao mesmo tempo, doía um pouco. Por isso, tirou um cigarro e fumou, nervosamente.

 

— Gosto daqui — disse, para dizer algo, embora sua voz soasse algo trêmula. — Fico com a sensação de que estou em minha própria casa — olhou em torno. — Não se cansa de trabalhar, papai? Por que se preocupa tanto?

— Se tivesse um filho que me substituísse... — sorriu timidamente. — Não comente com sua mãe, Wendy. Não gosto de contrariá-la. Ela fica tão irritadiça e, quando se fala nas qualidades de Fred, fica furiosa. Mas a verdade é que não pude encontrar alguém como Fred. Quando você se casou, com ele, fiquei duplamente satisfeito. Primeiro, porque ele era um homem excelente para ser seu marido. Segundo, porque poderia perfeitamente continuar o meu trabalho, quando eu me aposentasse.

Fez uma pausa e, vendo que sua filha não tecia comentário, murmurou:

— Quer dizer que Fred preferiu ver os filhos fora de casa.

— Foi buscá-los.

— Falou com ele?

— Nem sequer o vi.

— Oh! — e depois, rindo, naquela mistura de bondade e expectativa: — Não lhe interessou, ou foi ele quem não tentou vê-la?

Era a pergunta que machucava. A que sua mão não faria, por temor à resposta sincera de sua filha.

— Não se preocupou.

— Ah!

— Tem algo para se beber, papai?

— Oh, como sou distraído! Sempre tenho bebidas no bar. Recebo muitos clientes, você sabe. Eu mesmo, nunca bebo.

Wendy reparou que sobre a mesa ampla havia duas pastas, o que indicava que seu pai esperava visita.

— Tenho um encontro marcado com um senhor vindo de Dublin. Uma empresa construtora de muita categoria, que pretende adquirir nossos melhores mármores, para as duas horas. Eu queria que fosse ao meio-dia, mas sua secretária me ligou do hotel, dizendo que não podia ser. Ou às duas horas, ou depois das seis.

— E por que não às seis?

— Fui eu quem não quis às seis. Sua mãe quer ir a uma festa e você sabe como ela fica quando não posso acompanhá-la.

Riu. Tinha um riso suave, humano.

— Bem, então já vou, papai.

— Já? Oh, não! Até as duas, nada tenho a fazer. Irei à uma hora à cafeteria e tomarei algo. Já avisei a sua mãe que não comeria em casa. Aliás, penso convidar o enviado de Dublin para almoçar comigo. Interessa-me muito esse representante — procurou na pasta azul um envelope. — Veja, recebi esta carta da empresa há dois dias, anunciando-me a visita de seu representante. É um engenheiro muito importante. Curioso, sabe? Não citam o nome — e, sem transição: — O que quer tomar?

— Um martini.

— Prepararei outro para mim — bruscamente, voltou-se para sua filha, com a garrafa na mão. — Wendy...

— Sim, papai, fale,

— Não lhe... dói?

Wendy ficou em guarda.

— Doer-me...?

— Sim — sorriu o cavalheiro, um pouco aturdido. — Era um amor tão bonito o de vocês...

Wendy ficou rapidamente em pé. Procurou os copos e os deixou ante a garrafa.

— Não tem soda?

— Wendy... não quer responder?

— Não.

— Eu compreendo. Você se parece comigo. Sempre amei sua mãe. Jamais lhe fui infiel e, graças às minhas empresas, viajei por todo o mundo sempre sozinho, pois sua mãe detesta viagens. Entende isso? Sim, você se parece comigo.

— Esqueçamos isso, papai.

— O que devo pensar de seu obstinado silêncio?

Não quis falar.

Não seria proporcionar um desgosto a seu pai?

Se ela lhe dissesse... "Pensei que não, papai. Juro que pensei. Mas agora, ao sabê-lo de novo em Galway, foi como se tudo despertasse. E isso me inquieta. É como se, durante anos estivesse doente e sem consciência e, de repente, a recuperasse e ficasse curada, com a mente lúcida. Ao acontecer isso, mil coisas me inquietaram, nas quais não pensei em minha longa enfermidade".

Mas não. Seria...

Serviu-se do martini e tomou um gole.

— Seus martinis sempre são bons.

— Há quanto tempo não tomava um aqui? Desde aquela manhã em que veio me participar que ia pedir o divórcio.

— Papai...

— Desculpe. Tome seu martini sossegada.

Não sabia porque se sentia tão angustiada.

Só era uma e meia. Nunca regressava para casa tão cedo. Geralmente, saía com Claudine ou Robert, ou mesmo com os filhos.

Por isso, quando chegou diante do portão de sua casa, ficou algo tensa.

Um carro azul, esporte, estava parado ali. Mey e os gêmeos caminhavam rindo, pela avenida.

Fred?

Era duro vê-lo ali. Depois de tanto tempo...

Não teve remédio senão frear, esperando que lhe abrissem o portão. Buzinou. Foi quando Fred, bonitão, viril, sóbrio, em seu traje correto, desceu de seu carro e, com a maior indiferença, veio para o seu lado.

— Olá, Wendy!

— Olá, Fred!

Ele se inclinou sobre a janelinha. Apertou sua mão. Soltou-a e ficou com os braços cruzados na janela.

Estava de cinza. Tinha alguns fios prateados nas têmporas. Os olhos cinzentos, mais penetrantes do que nunca.

Mais rugas em volta dos olhos. Mais velho? Um pouco, sim. Mas infinitamente mais interessante, mais homem.

— Os gêmeos estão lindos — comentou, rindo.

Mostrou seus dentes brancos e certos. Aqueles lábios sensuais, que tantas vezes a beijaram..

— Não me reconheceram, é claro. Mas me aceitaram como seu pai. Passamos horas muito alegres. Tive de trazê-los cedo, por causa de um compromisso que assumi para daqui a pouco.

Ela não pensou, em nenhum momento, que aquele compromisso podia ser com seu pai. Estava com a mente fixa num detalhe e era o de que Fred não parecia sequer espantado em vê-la. Era como se nunca tivessem passado de meros conhecidos.

— Bem — disse Fred, rindo. — Espero poder vê-los amanhã de novo, à mesma hora.

— Com... a governanta.

— Por que não? Mey Beker é uma pessoa muito agradável e culta.

Odiou Mey.

— Não pensa vê-los esta tarde? — perguntou, fazendo um esforço sobre-humano para parecer indiferente.

— Esta tarde? — procurou uma agenda no bolso — Não vim em viagem de recreio, embora esteja de férias — riu, com aquele seu riso desenvolto. — Vejamos em minha agenda. Às quatro, estarei ocupado. Às seis, idem... Às sete — fechou a agenda. — O que acha das sete?

— Neste mês ainda não são longas as tardes. A essa hora, as crianças estão em casa.

Foi tão ofensivo como quando lhe disse que tanto fazia vê-los dentro ou fora de casa. Com o mesmo tom indiferente.

— Darei um jeito de vir vê-los, pois quero aproveitar esses poucos dias em que estarei aqui. Ah! — riu de novo. — Não se preocupe por mim. Eu me arranjo com meus filhos e com a Srta. Mey.

E fazendo menção de entrar em seu próprio carro, despediu-se dela.

— Tive muito prazer em vê-la, Wendy. Está muito bonita.

— Obrigada, Fred.

E ambos se afastaram, cada qual com o olhar mais indiferente, embora os dois estivessem mais inquietos do que ninguém poderia supor.

 

Estava com o cartão na mão.

— Não posso — lamentou-se, em tom angustiado. — Tenho um compromisso para as duas horas. Faltam cinco minutos — e, quase sufocado: — Diga-lhe que volte às...

— É a visita das duas horas, senhor — informou a secretária.

— A visita? Não é possível!

— É, sim, senhor.

Clen Mills estava agitadíssimo.

— A senhorita sabe... Maud, que o Sr. Howard...

A secretária assentiu com um breve gesto. Estava a serviço dos Mills há mais de quinze anos. Não podia, pois, desconhecer o Sr. Howard.

— Faça-o passar — quase gritou. — Por favor, agora mesmo.

Era seu escritório.

Fred, representante da forte Brown Company? Se a companhia o enviava para resolver aquele assunto, é porque confiava plenamente nele. Claro! Ele também teria confiado.

Logo, aparecia no umbral a alta figura de Fred Howard.

Vestido corretamente, firme, seguro. Com aquele olhar profundo que, embora parecesse frio, tinha um mundo de humanidade em sua expressão.

— Sr. Mills... — murmurou brevemente.

Clen não pôde.

Depois de tanto tempo, ver Fred e tratá-lo com cerimônia, era superior às suas forças.

— Entre, Fred — disse à meia voz. — É... é uma surpresa vê-lo aqui.

— Como está passando?

— Bem. Mas sente-se. E por favor, deixe de lado a cerimônia. Pode?

— Não me parece prudente.

— Há coisas que os homens destroem, Fred. Mas a vida continua igual e os ideais e os conceitos... continuam incólumes.

— É possível.

— Sente-se. Não sabia que você era o enviado da Brown Company.

— Conheço melhor do que ninguém seus mármores. Precisamos deles. Da melhor qualidade. Em nenhuma outra companhia do Estado poderia adquirir melhor mercadoria para as obras que se pensam levar a cabo por Brown Company.

— Você podia não ter mencionado o meu mármore. Se confiança lhe deram para vir me ver, confiança você deve ter para escolher ou sugerir outras companhias.

— Antes de tudo, sou leal — disse Fred, sentando-se. — Em questões de negócios, não misturo assunto pessoais.

— Já viu as crianças?

Não queria tocar naquele assunto. Fora ali para falar de negócios. Apenas isso.

— Sim — e, rapidamente:— Suponho que o senhor terá recebido... a nossa proposta.

Clen estava triste, por ver que o ex-genro não queria tratá-lo com familiaridade.

— Está bem, seja como quer. Recebi a proposta, mas temos coisas a discutir a esse respeito.

— Pensei em que a aquisição é muito interessante.

— Imagina o senhor... — imitava a cerimônia com que Fred o tratava — que há possibilidade de se assinar contrato.

— É nossa idéia. Se chegarmos a um acordo, compraremos do senhor todo o mármore para nossas construções.

— O senhor é um engenheiro Sr. Howard — disse, com infinita tristeza. — Parece-me que está desperdiçando seu talento numa empresa construtora.

— Afinal, sou um engenheiro industrial. Todas as companhias são boas, se o trabalho for interessante.

— E o senhor está gostando da nova companhia.

— Sem dúvida.

— Aceita almoçar comigo?

— Impossível, senhor. Agradeço-lhe muito. Mas tenho outro compromisso para as quatro horas, com um outro dono de marmoaria.

— O que indica que veio disposto a discutir a oferta e a procura.

— São ordens que recebi.

— Pois bem — ficou de pé, dando por terminada a conversa: — Se não varia a oferta, estudá-la-ei esta mesma noite.

Fred estendeu-lhe a mão com naturalidade.

Clen Mills teve a certeza de que sua filha havia perdido, definitivamente, o amor daquele que fora seu marido apaixonado um dia.

— Decididamente, esqueceu mesmo todo o seu passado aqui — comentou, já à porta.

Fred ficou pálido. Mas estava de costas, agora.

— Virei amanhã às quatro da tarde, Sr. Mills. Está bem?

Não quis que se fosse assim. Subitamente, segurou-lhe o braço. Houve um silêncio. Estavam se fitando.

— Fred... gostaria de lhe dizer muitas coisas.

— Esqueça-as, Sr. Mills.

— Nunca fui partidário de seu divórcio.

Fred respirou fundo. Estava procurando agir friamente. Quando o designaram a fazer aquela viagem, não o quis. Voltar a Galway, não queria. Entrevistar-se com o homem a quem estimou como a um pai, fingindo tê-lo esquecido, era duro.

Mas no momento em que estava ali, era preciso reagir. Não era hora de falar no passado.

— Espero que me dê a sua resposta amanhã.

— Não deseja falar do passado?

— Não — foi categórico.

— Mas está latente.

Fitou-o duramente. Não porque quisesse ferir Mills.

— Deve estar?

— Eu é quem lhe pergunto.

— Não está. É coisa morta. Ou queria que fosse diferente? — e, com um prazer mórbido, perguntou: — Sua filha pensa como o senhor? Lamenta-o? Acabo de vê-la. Não me pareceu que o lamentasse. E depois, quando se chega a uma situação assim, é por que se pensou muito. Eu me limitei a aceitar.

— Podia ter-se rebelado. Era um direito que tinha.

Fred fez um gesto vago.

— Se algo considero odioso e indigno, é a insistência de um homem que já não é amado.

— Há circunstâncias.

— Nada — cortou. Estava quase violento. — Nada pode apagar um sentimento verdadeiro, Sr. Mills. Eu, pelo menos, jamais esqueceria a mulher amada, se fosse obrigado a isso.

— É inacreditável que vocês tenham chegado a tal situação. Até parece que não houve amor entre ambos.

— Já perguntou a ela?

— Bem, espero-o amanhã, às quatro — atalhou-o.

Fred estava com a mão no trinco da porta.

— Espere, Fred — chamou Mills. — Lamento o que houve. Mas você também teve culpa. Não se abandona uma esposa assim, por três meses, como você fez.

— Ela me deu bons motivos. Tanto que, ao voltar, já a encontrei decidida a se divorciar de mim.

— Ainda havia tempo de se voltar atrás, caso você quisesse. Mas você aceitou tudo pacificamente. E tornou a partir. Nem mesmo quando lhe negaram os filhos, você se rebelou.

Não pensava discuti-lo. Para quê? Não adiantava mais.

— Quem era eu para exigir um amor que havia se acabado?

— De sua parte? Responda-me.

— Eu acatei o que ela decidiu.

— E você acha que isso foi muito digno de sua parte?

— E por que não? Mendigar um olhar, um beijo, uma existência que já por si se negava a conviver com a minha?

— Perguntou-lhe?

— Não costumo cair tão baixo. Boa tarde, Sr. Mills.

— Você é duro.

— Sou como me fizeram, Sr. Mills.

Saiu, fechando a porta. Caminhando forte.

Seu pai contou-lhe tudo.

— Pelo visto, Fred é muito mais homem do que nós todos pensávamos, Wendy. Mas você ainda pode fazer algo.

Algo? O quê? Ir atrás dele, pedir-lhe perdão?

Nem sequer a escutaria. Por outro lado, seria humilhante demais para ela.

Chegar à conclusão que, depois de tanto tempo, continuava amando o ex-marido, era terrível. E, naquele estado de ânimo, cancelou seu encontro com Robert.

A criada veio avisá-la.

— O Sr. Howard chegou.

Desde que se divorciara, mudara todo o pessoal de casa, Mesmo assim, imaginava que todos os atuais criados sabiam de alguma coisa acerca de sua vida particular.

— Onde estão as crianças?

— Em seu quarto de estudos, com a Srta. Mey.

— Mande entrar aqui o Sr. Howard.

Assim. Seca e firme. Muito segura de si mesma, embora estivesse tremendo por dentro.

— Sim, senhora.

Ouviu em seguida seus passos. Firmes. Como ele, era inútil escapar da influência daquela personalidade.

Como pôde pedir o divórcio sem antes vê-lo?

E como pôde ele, que tanto a amava na época, aceitá-lo sem reclamar?

E quando tivera de assinar os papéis, abrira mão de todo o dinheiro a que tinha direito na partilha de bens. Apesar de pobre, não quis aceitar um centavo da esposa. Aquilo foi como uma bofetada com luvas de pelica e até sua mãe ficou sem ter o que dizer.

— Olá!

Aquela voz cálida tirou-a de suas reminiscências.

— Olá! Entre, Fred.

Ele olhou em torno, quase sem se mover de onde estava.

— As crianças...

— Já vão descer — atalhou. — Não quer se sentar?

— Você vai dizer — murmurou, com sua habitual indiferença — que sou um pai sempre com pressa. Mas é que tenho pouco tempo. Meus filhos são mais importantes do que meus negócios, mas têm você. Não lhes falta nada.

Não respondeu.

— Toma algo? — ofereceu, em troca.

— Bebo muito pouco.

— Você nunca foi de beber.

Era uma lembrança. Os dois ficaram algo tensos.

Ele se recuperou primeiro.

— Não mesmo — tornou a olhar em volta. — Se quiser chamá-los...

— Oh, sim, — em seguida tocou uma campainha. — Já soube que é você o enviado da Brown Company. Papai me disse.

— Posso fumar?

— Claro.

Olhou de novo para a porta. Depois, para o relógio.

— Só disponho de uma hora.

— As crianças devem estar vindo — e depois, com cuidado, com extrema suavidade: — Você... esqueceu tudo.

Assim que falou, arrependeu-se.

Ele a fitou, profundamente. Mas sem se abalar.

— E é você quem o diz?

— Não posso?

— Não foi taxativo.

— Não.

Naquele instante, ouviu-se a voz de Dan, o menino.

— Papai está aqui.

Em seguida, apareceu Mey.

Delicada. Feminina. Teve medo. E, naquele momento, cheia de ciúmes, concebeu algo cruel.

— Boa tarde, Srta. Mey — saudou Fred, indo até ela.

Apertou sua mão. Com calor?

Wendy achou que sim e ficou lívida. E resolveu que a despediria.

— Sairemos um pouco, Srta. Mey — disse Fred, causando em Wendy um impacto emocional forte demais. — Um passeio pelo parque — virou-se para a ex-esposa: — Há algum inconveniente?

— Não.

— Obrigado.

Wendy mal podia se conter, vendo-os sair juntos, cada qual com uma criança pela mão.

Chegou a janela e os viu caminhando pelo jardim. Conversavam. O que se diriam? Ela, que quando casada nunca sentiu ciúmes, estava agora morrendo de ódio da mulher que seguia ao lado de Fred.

Inesperadamente, girou e foi ao telefone, discando um número.

— Por favor, quero falar com a Srta. Claudine.

Sentiu-se melhor, ao ouvir a voz da prima.

— Claudine...

— O que houve?

— Preciso falar com você. Pessoalmente.

— Agora?

— Sim.

— Posso ir até sua casa. Edward não poderá vir me ver hoje.

— Irei eu à sua.

— Aconteceu algo?

— Fred está aqui.

— E você sai, deixando-o sozinho?

Não foi capaz de se controlar, quando respondeu, furiosa:

— Não está sozinho. Tem a companhia da Srta. Mey.

— Wendy! — agitou-se Claudine. — Que loucura está pensando?

— Vejo-a em meia hora.

Desligou. Estava tensa.

Como já estava vestida, escovou os cabelos, apanhou a bolsa e saiu.

Tentou passar sem ser vista por Fred e Mey, mas as crianças a viram e correram para ela. Parou para beijá-las.

— Vai demorar, mamãe?

— Não, meu amor. Volto logo.

E ia se afastar, quando ouviu a voz de Fred, de perto.

— Amanhã, se puder, mande-os até o meu hotel, às onze em ponto.

Falou. Nunca sua voz soou tão indiferente.

— Está bem. Eu os levarei.

— Oh, não! — ele foi humilhante. Ou não o pretendia? — Mande a Srta. Mey. Não quero que você se sacrifique.

Seu olhar foi cortante.

— Não é sacrifício sair com os meus filhos.

E sem dizer mais nada, afastou-se, pisando firme.

De repente, começava a ter ódio da governanta alemã, uma jovem que, até então, nunca lhe fora antipática.

Mas agora existia Fred entre as duas.

Quando deixou ela de amá-lo? Jamais! Sem querer, lembrou-se primeiro beijo. Foi na festa, quando o conheceu. Um beijo fugaz, ali, na penumbra do terraço. Estavam dançando lentamente. Os dois se fitavam, intensamente.

— Não sei o que você tem — a voz de Fred era íntima, perturbadora. — Só sei que não poderei esquecê-la.

Depois a beijou, estremecendo-a dos pés à cabeça.

Quando se separaram, ela chorava. Não sabia porquê. Fred enxugou suas lagrimas com infinito cuidado.

Quantas vezes, em sua intimidade conjugal, haviam recordado aquele momento.

Ela aprendera a beijar. A ser mulher.

Era maravilhoso ser mulher de Fred. E todas aquelas lembranças acudiram à sua mente, deixando-a transtornada.

 

— Sente-se.

— Vou tirar o casaco.

Claudine a fitava, analítica. Conhecia-a bem. E poucas vezes a vira tão excitada.

— Você está nervosa.

— Estou uma pilha, Claudine.

Em seguida, contou sua conversa com Fred.

— Wendy, você está apaixonada por ele.

— Cheguei à conclusão de que jamais deixei de estar. Foi como se estivesse adormecida — deitou-se no sofá, com as mãos sob a nuca — e subitamente acordasse.

— E talvez seja tarde demais. Fred foi muito ofendido quando lhe disseram que havia se casado por causa do dinheiro dos Mills.

— A verdade é que mamãe sempre sonhou em me ver casada com seu sobrinho. Assim, as fortunas ficariam em família. Se você tiver reparado, os Robbin têm mania de se casar entre si. E o resultado é que nascem filhos imbecis, incapazes.

— Não seja exagerada.

— Bem, não vim aqui para falar dos Robbin. Vim falar de mim mesma e de Fred... e da Srta. Mey — e, apoiando-se no cotovelo, com expressão raivosa: — vou despedi-la.

Claudine arregalou os olhos.

— Não faça isso, Wendy! Não por Mey, que acabaria encontrando outro emprego. Por sua dignidade de mulher. Por sua humilhação de esposa. É um desatino. O que pensa que Fred vai achar dessa atitude sua?

Claudine tinha razão. Wendy sabia que ela a tinha, mas não queria dá-la. Estava convencida de que precisava afastar Mey.

— Isto pode se evitar de alguma maneira — disse Claudine, interrompendo seus pensamentos. — Diga a seu pai.

— O... quê?

— Que ainda ama Fred.

— Está louca!

— Não. É o mais sensato. Seu pai não vai encontrar-se com Fred amanhã? Pois que ele diga a Fred...

— Jamais.

— E vai passar o resto da vida lamentando ter perdido o amor de seu marido?

— Estou disposta a conquistá-lo. Usarei minhas armas.

— Era melhor que fosse logo sincera. O que acha que Fred faria, se a ouvisse dizer que ainda o ama e que estava arrependida?

Pulou do sofá. Estava toda trêmula.

— Seria humilhante, pois, afinal, ele me abandonou.

— Ele se foi, o que é diferente. Não sabe o que terá passado nos três meses de ausência, nem o que pensava propor-lhe, ao regressar.

— Aceitou o divórcio.

— E havia outra alternativa? Afinal, não podia deixar de lado sua dignidade masculina.

— O amor...

— Não vê por si mesma? — impacientou-se Claudine. — Não diz que o ama? E, no entanto, nega-se a ser sincera. Vamos... diga a verdade. Quem a impede?

De fato. Havia sua dignidade de mulher.

— Vá procurá-lo, diga-lhe a verdade — aconselhou a prima.

— Se eu soubesse que Fred me receberia, não hesitaria em ir. Mas Fred não é desses. Eu o conheço bem. Certa vez, numa discussão séria, eu fui para o quarto sozinha, certa de que Fred me seguiria. Pois bem, ele não me procurou.

— Aquela noite — comentou Claudine, sem perguntar.

— Em duas semanas. Tive que ser eu, não me envergonho em confessá-lo, a procurá-lo.

— E o que se passou?

— Ele apenas me recebeu em seus braços. Mas jamais fez menção daquele assunto, mesmo que eu tentasse mencioná-lo.

— Isso quer dizer que hoje, mesmo que a ame...

— Ele me ama. Não pode ter me esquecido — quase gritou Wendy. — Tem que recordar nossos momentos de encantamento, nossa intimidade maravilhosa. Por favor, Claudine, deixe-me pensar que é assim.

— No entanto, você não crê que ele a receba de volta.

— Não.

— Então, não vá levar as crianças ao hotel amanhã.

— Irei. Juro que irei.

Foi má. Mesquinha. Guiava-se pelo ciúme, exclusivamente.

Ao chegar em casa, às nove e meia, ainda encontrou os filhos acordados, correndo pela casa.

— Por que não foram dormir ainda? — perguntou a uma criada. — Onde está a Srta. Mey?

— Está preparando o banho das crianças.

— Pois diga-lhe que deixe isso e venha falar comigo. Quanto a você, cuide das crianças, em seu lugar.

Algum tempo depois, na sala de estar, recebia uma espantada Mey.

— Sabe que horas são, Srta. Beker? — foi dizendo.

— Nove... e meia — gaguejou a governanta. — A senhora me desculpe, mas é que o Sr. Howard se atrasou um pouco.

— Falando com a senhorita?

Mordeu os lábios. Sem querer, falara o que não queria.

— Senhora...

— Considere-se despedida.

Viu a mágoa e o espanto estampados no rosto da alemã e teve nojo de si mesma. Mas o ciúme era mais forte do que tudo e ela não voltou atrás.

Quando se viu novamente sozinha, apanhou o telefone.

— É Wendy, Ethel. Chame mamãe.

— O que tem você?

Conhecia-a desde que nasceu. Ethel sempre esteve em sua casa.

— Nada. Chame mamãe, por favor.

— Um momento só.

Quando ouviu a voz de sua mãe, não soube o que lhe dizer. Ou melhor, sabia. A governanta alemã fora contratada por sua mãe e era muito eficiente e dedicada.

— Olá, minha filha. Já soube, não é? O idiota do seu marido, o representante da Brown Company.

— Não telefonei para falar de Fred, mamãe — cortou. — Despedi Mey.

— Ficou maluca? — gritou sua mãe. — Sabe que vai ser difícil encontrar outra pessoa que eduque tão bem seus filhos.

— Eu mesma o farei. E quando eles forem maiores, serão enviados a um bom colégio.

— Isso é absurdo.

Sentia-se quase feliz em fazer algo contra a vontade de sua mãe. Parecia se libertar de um jogo insuportável, ao qual esteve presa por tanto tempo,

— Wendy, trate de readmiti-la o quanto antes, ouviu?

— Não o farei, mamãe. E não insista. Em minha casa, mando eu.

Houve um silêncio. Provavelmente, Bárbara Robbin estaria de boca aberta, sem poder acreditar no que ouvira.

Wendy sempre fora tão obediente! Apenas uma vez a desobedeceu, foi quando se casou com aquele "joão-ninguém". Mas, em compensação, divorciou-se dele, graças a seus conselhos de mãe.

— Escute, Wendy — procurou suavizar a voz. — Eu acho...

— Sinto muito, mamãe.

— Não vai mesmo voltar atrás?

— Não — foi categórica.

E se deu conta que já não era por causa de ciúmes. Era uma espécie de vingança contra a mãe, que destruíra sua vida.

— Boa noite, mamãe. Vou deitar meus filhos.

E desligou, sem dar tempo à mãe de insistir. Depois, foi para o quarto dos filhos.

— Mamãe, mamãe...

— Vamos dormir, queridos.

Ouvia no quarto contíguo, os passos da ex-governanta.

Quando as crianças adormeceram, saiu e foi para seu próprio quarto. Deitou-se e chorou muito. Não sabia porque chorava, mas, no mais íntimo de seu ser, doía-lhe ter despedido a alemã, que afinal não cometera nada de errado.

 

Eram onze e meia.

Já sabia que estava dando um passo talvez em falso, dada a imensa dignidade de Fred.

Aquela personalidade de homem que jamais se deixou governar e que, apesar de se casar com uma rica herdeira, em nenhum momento teve em conta a fortuna de sua mulher.

Mas estava ali. Junto a seus dois filhos, ante o volante de seu carro, diante do hotel.

Vestia um traje matinal, muito moderno. Calça azul-escura, jaqueta de manga curta, com uma blusinha cacharrel por baixo. A roupa era de brim e tinha pespontos. O cabelo, de um louro-cinza, não era comprido nem curto demais. No rosto, quase nada de pintura. Apenas um pouco de sombra nos olhos azuis.

— Por que não veio a Srta. Mey? — perguntou Dan, curioso.

— Não voltará à nossa casa, Dan.

— Por quê? — perguntou Martha. Naquele instante, apareceu um empregado do hotel.

— O que deseja, senhora?

— Quer avisar ao Sr. Howard que o esperamos aqui?

Galway era uma cidade de vinte e cinco mil habitantes. Todos conheciam a estória de seu casamento e do divórcio que se seguiu. Os Mills eram muito conhecidos, para passarem despercebidos.

— Agora mesmo, Srta. Mills.

— Obrigada, Bob.

O menino saiu correndo e não demorou a voltar.

— O Sr. Howard não vai demorar, Srta. Mills. Disse para a senhora ter a bondade de esperá-lo um segundo.

Podia ter se negado a descer. Mas não o faria nunca.

Apesar de sua infância humilde, vendendo jornais nas ruas, era um homem correto, educado. Apesar do que sua mãe dizia, Fred sempre se portou como um cavalheiro.

Como não se deu conta da ruindade de sua mãe em relação a Fred? Só agora se dava e estava disposta a tentar desfazer o mal que fizera.

Viu-o aparecer, firme, com seu jeito másculo, viril. Louro, alto, ombros largos. Com aquele olhar cinzento, de expressão indefinível.

Um homem introvertido? Para os outros, talvez.

Para ela, foi o homem mais claro, mais sincero, mais apaixonado do mundo. Por que tinha que pensar em tudo aquilo, quando sua vida conjugal já estava destruída? E se perguntava, sincera, por que tinha de pensar e sentir aquilo, depois de mais de dois anos de divórcio.

Estava, como sempre, impecável.

— Bom dia — disse com naturalidade, dando a volta ao carro e deslizando-se para junto dela.

As duas crianças o abraçaram ao mesmo tempo.

— Bom dia — disse Wendy, num fio de voz — Aonde vamos?

— Olá, crianças — sussurrou Fred, beijando as cabecinhas douradas de seus filhos. — Acordaram cedo hoje. Onde está a Srta. Mey?

Wendy pôs o carro em marcha. Um tanto bruscamente.

— O que está fazendo? — riu Fred. — Quer nos matar? Sempre dirigiu tão bem. O que tem hoje?

— Podemos ir para casa, se você quiser — disse, aturdida, por toda resposta.

— Para casa? — espantou-se Fred. — E por quê? Não. Tenho uma hora apenas para ficar com vocês. Depois, tenho o encontro com seu pai, mais tarde com outros clientes e, ao anoitecer, retornarei a Dublin.

Perguntou. Custava fazê-lo, mas o fez.

— Por quanto tempo?

Não respondeu em seguida. Podia-se dizer que não havia ouvido ou não havia entendido.

Mas sua resposta denotou o contrário.

— Por quanto... o quê?

— Estará em Dublin.

— Gosto de meu emprego.

— Não me refiro a isso. Pergunto-lhe quanto tempo estará sem vir aqui.

— A distância não é curta. Claro que há aviões todos os dias, mas prefiro vir de carro. É possível que não volte em todo o ano.

O carro avançava.

— Aonde vamos? — perguntou ela, sem fitá-lo.

— É para vocês — disse Fred, entregando um embrulho às crianças.

— O que é, papai? — perguntou Dan.

— Um quebra-cabeça de letras. Vocês devem conhecer.

— Um pouco — riu Martha, rasgando o papel que envolvia a caixa do joguinho.

Fred voltou-se de novo para sua ex-esposa, que tinha as mãos empadas no volante.

— Não tenho predileção por um lugar determinado — disse, como se só então recordasse a pergunta. — Mas lhe agradeceria se me deixasse às onze e meia no escritório de seu pai.

— Se fizer negócio com ele, logo estará de volta.

— Isso importa muito?

— Pode importar.

Procurou seus olhos, com intensidade. Mas Wendy esquivou-se, olhando fixo para a estrada. Estavam próximos a uma pracinha aprazível.

— Podemos parar aqui — disse, vagamente. — As crianças podem brincar um pouco.

— Está bom — e depois... — Você não se casou.

Não perguntava. Era como se a frase ardesse na ponta da língua. Fred pareceu surpreender-se. Sorriu. Aquele sorriso que tinha o dom de desconcertá-la.

— Não.

Não lhe perguntou se ela pensava fazê-lo. Que não o fizera, era evidente.

— É possível que o faça no próximo ano. Um homem como eu, que nunca teve um lar, sente falta de seres queridos.

Assim. Com naturalidade.

— Eu não tornarei a me casar.

— Não?

Deu-lhe raiva. A pergunta era talvez irônica.

— E por que não? — voltou a dizer, rindo. — Uma mulher sozinha, bonita, rica e jovem, não pode ficar sozinha — e depois, com mais naturalidade ainda: — E mais, você é uma mulher temperamental. É estranho, que não tenha encontrado ainda um companheiro.

Não era ofensivo? Não era demonstrar-lhe que a conhecia bem?

Parou o carro. As crianças desceram, alvoroçadas.

— São adoráveis — exclamou Fred, emocionado. — Desejam tanto as coisas e, quando as conseguem, esquecem-nas. Nada se parece mais a uma mulher do que uma criança de quatro ou cinco anos.

Fitou-o, então. Pela primeira vez, desde que saíram da porta do hotel, fitavam-se de frente. E, coisa natural, ambos ficaram coibidos. Como se as lembranças que pareciam mortas, ressuscitassem e causassem pesar, inquietude.

— Assim é o conceito que tem das mulheres — disse ela.

— Sentamos-nos? Veja seus filhos. Estão brincando junto ao laguinho. Para eles, tudo é maravilhoso. Talvez seja a primeira vez que saem sem a babá. A propósito... Onde você disse que deixou a Srta. Mey?

Foi tola. Ciumenta, até se rebaixar, sem se dar conta.

— Gostou dela?

Ele a fitou, boquiaberto.

— O que disse?

— Se gostou dela. Lamenta não vê-la agora?

Compreendeu o que queria dizer e começou a rir.

— É uma jovem encantadora, sem dúvida alguma.

Mas não disse se lhe agradava ou não.

Ela pensava que ia morrer. E se lhe dissesse...?

Por que não? Ia deixar a felicidade escapar por se calar?

Podia ficar indiferente, sabendo que iria perder Fred para sempre?

Sentaram-se ambos em um banco. Fred ofereceu-lhe um cigarro.

— Fuma?

— Oh, sim!

 

Aceitou o cigarro, que ele mesmo acendeu.

Fugindo-lhe do olhar. Pálida, os lábios trêmulos.

— Parece que ficou um tanto confusa.

— Não devia estar? — era como um desafio.

Ela dissimulou tudo que sentia. E sentia muito.

— Não vejo as causas.

— Afinal de contas, somos marido e mulher.

— Somos? — riu ele, ofensivo, cruzando uma perna sobre a outra e recostando-se no banco. — Fomos. Não há nada mais agradável que duas pessoas que se divorciaram possam se olhar de frente, sem mágoas, sem rancores. Não é o que nos ocorre?

— A mim, não — sincera, segura.

Não queria vê-la assim. Humilhada, não.

Amou-a demais. Ainda a amava. Muito mais.

Por isso sua humilhação, sabendo de antemão que a nada sério voltariam a chegar, doía-lhe tanto como seu desprezo, se este existisse.

— É a novidade.

Não o fitava. Tinha um tremor convulso nos lábios.

Uma expressão firme nos olhos, que olhavam obstinadamente para os gêmeos, os quais brincavam não longe deles, atirando pedrinhas no lago.

— Wendy, o que devo dizer-lhe?

Fitou-o. Tinha como um patetismo latente em seus belos olhos. Fred não retirou os seus, mas deu a sua expressão uma absoluta imobilidade.

— Já o sabe.

— Sei?

— O que me ocorre.

— Capricho?

Tão pouco a conhecia, que supunha um capricho aquele sentimento seu que nunca teve dúvidas em mostrar junto a ele?

— Escute, Wendy, se quiser... posso ir embora. Não quero perturbar sua vida. Vim aqui, enviado por minha companhia, para fazer uma aquisição importante. Dirigi-me a seu pai porque conheço a qualidade de seus mármores. Mas se não fizer negócio com ele, farei com outro. Isso pode lhe mostrar...

— Sua indiferença.

— Censura-me?

Disse-lhe. Com sua voz afogada.

Já não podia evitar aquela claudicação.

— Descobri que o amo mais do que antes, Fred. Ria-se, zombe... Eu o mereço. Mas é a verdade e tenho que dizê-la, antes de que você se vá.

Fred se levantou. De repente, parecia perder todas aquelas aparente serenidade.

Não a fitou.

Dirigiu-se aos filhos e começou a falar-lhes, atropeladamente, para que não se aproximassem muito do lago. Depois, beijou-os.

Demorou-se um pouco até voltar para o lado de Wendy.

— Fred, não sabe o que dizer. Ou o sabe muito bem. Talvez isso seja para você um triunfo não esperado.

— Não — foi categórico. — Isso me dói.

Sentou-se de novo.

— Dói?

— Sim. As coisas deviam ser diferentes. Tão diferentes, que... em nada se pareceriam.

— Nosso amor.

— Nisso se pareceriam. Mas assim... como antes... Subjugados aos gostos e ordens de sua mãe, nunca. Jamais!

— Ainda me ama.

Olhou para a frente.

Muito. Podia gritar-lhe. Mas não. Não por temor a claudicar, nem pela humilhação que isso podia representar...

O que acontecia entre ambos era simples e claro. Sem subterfúgios. Mas nem assim podia entregar sua verdade, para vê-la depois destruída.

— Gostaria que você fosse feliz, Wendy — disse mansamente. — Muito feliz, com um homem que a merecesse mais do que eu.

Wendy ficou de pé. Nervosa, chamou as crianças.

— Dan, Martha, vamos... É tarde.

— Wendy...

— Já nos dissemos tudo.

— Não me entendeu.

Dominava-a com sua estatura.

— Perdoe-me, Wendy. Procure me entender. Você teria que prescindir de sua mãe. Pegar nossos filhos e levá-los para Dublin. Eu não voltarei a trabalhar com seu pai. Apesar de apreciá-lo muito e saber que precisa de mim. Mas eu não seria um Howard aos pés de sua mãe. Entende isso?

— Quem lhe disse que eu não o seguiria, aonde quer que você fosse?

Era tentação demais. Mas não. Conhecia bem Barbara Robbin. Era inútil tentar escapar de sua ação destruidora.

— Ainda assim — disse, após uma pausa — por favor... não se humilhe.

— No que você se diverte.

Não. Isso, não. Amava-a demais para querer humilhá-la.

Girou. Talvez fosse melhor que ela pensasse assim.

— Irei embora esta noite, Wendy — disse, olhando em frente. — Não nos veremos por muito tempo. Nem a vontade de ver meus filhos me trará aqui, pelo mal que possa causar a você, o que evitarei sempre. Deixemos as coisas assim.

— Já sabe...

— Saber?

Ela se afogava. Tinha um nó na garganta.

Uma palpitação nos pulsos, nas têmporas.

— Sabe o quanto o amo. Não me envergonho em dizê-lo.

— Não o diga — quase gritou ele, virando-se com força. — Não quero ouvi-la.

— Pois já ouviu. Custa, sabe? Durante estes anos...

Tremia-lhe a boca. Fred fez um grande esforço para não tomá-la nos braços e beijá-la. Até os dois perderem os sentidos. Quantas vezes ocorreu, quando estavam casados?

— Wendy, por favor. Deixemos isto assim... É difícil para os dois.

— Gosta de outra.

Jamais gostaria de outra. Mas Wendy precisava acreditar que sim.

— Veja bem, passou muito tempo. Os homens... não temos forças para viver sozinhos.

— Não me foi fiel.

Ele riu. Um riso amargo.

— Não lhe fui infiel, Wendy. Meta isso na cabeça. Fui só um homem. Não me liguei sentimentalmente a nenhuma outra mulher. Tive apenas... encontros ocasionais, sem qualquer vestígio de sentimento. Mas se considera isso ser infiel, então o fui.

Aquilo doía demais para ela suportar friamente.

— Dan! — quase chorava. — Martha, vamos!

— Não vai me levar ao seu pai.

Não podia. Dava-se conta de que tudo estava perdido.

— Wendy... a vida é assim. Eu podia dizer-lhe um monte de coisas bonitas, açucaradas. Mas o que conseguiria com isso? Ser falso, inclusive comigo mesmo, depois de sê-lo com você.

— Passou-se muito tempo, sim. Já compreendo...

— Não é o tempo que apaga um amor, Wendy. Os sentimentos morrem por si sós. Eu a estimo muito. E não quero que sofra, nem que se humilhe.

Afastou-se.

Viu quando Wendy apanhou os filhos, meteu-os no carro e partiu.

Quanta vontade ir atrás dela, de dizer-lhe tantas coisas que sentia...

 

Robert havia insistido, pelo telefone, pôr meia hora.

Não podia.

Odiava Robert. Odiou sua mãe, quando esta telefonou, intercedendo pelo sobrinho. Sempre que Robert levava uma negativa de Wendy, ligava para Bárbara, pedindo ajuda. E, sempre, Wendy fazia o que a mãe queria, isto é, saía com o primo.

Mas, naquela tarde, não.

Ninguém pôde convencê-la. Ao anoitecer, foi seu pai quem a procurou pelo telefone.

— Wendy, o que há?

— Fez negócio com Fred?

— Sim — sussurrou o pai, com ternura. — Discutimos muito, mas acabamos assinando o contrato.

— Ele terá ido embora.

— Wendy, vai chorar?

Já não podia evitá-lo. Até o amor pelos filhos parecia sem importância. Como se todo o horizonte de sua vida estivesse concentrado na existência do homem. Como se, no mundo, só existisse Fred.

— Wendy, você não quis sair com Robert, não é?

— Papai, jamais me casarei com Robert. Você sabe disso.

— Eu compreendo. Quem não pode compreender é sua mãe.

— Falou alguma coisa de mim com Fred?

— Wendy, o que há?

— Não o sabe? — era como um grito apaixonado.

O Sr. Mills ficou calado por um segundo. Logo, sua voz soou baixa, terna.

— É claro. Você não podia ter deixado de amá-lo. Foi tolice de minha parte acreditar em sua mãe, quando esta me disse que você já não o amava. Devia ter impedido seu divórcio. Ter procurado Fred.

— Papai.

— Quer que faça algo por você.

— À força? Não.

— Mas está chorando.

— É que...

Desligou. Não podia mais. Depois, chegou seu pai. Disse-lhe tudo. Abraçou-se com ele, como uma criança desprotegida.

— Deixe-me falar com ele. Deve estar para viajar. Seus assuntos aqui terminaram — dizia o Sr. Mills, meigamente. — Vá com ele. Direi a Fred que a leve. Você nunca deixou de amá-lo. Deixe-me falar com seu marido.

— Ex-marido, papai.

— Tolice. Há um vínculo que não se pode desfazer jamais. Por que, se se amam, não podem viver juntos? Deixe sua mãe espernear. Eu também batalhei para me casar com ela. Minha sogra também era terrível, mas eu a venci. E temos sido felizes, apesar da implicância da mãe dela. E é isso que vou fazê-la entender.

— Deixe mamãe à margem disso. O assunto é só meu. Não devia nem tê-lo incomodado.

— Julga que me sinto feliz, desde que vocês se divorciaram? Fred era o genro com que sempre sonhei. Ajudava-me muito. Desde que se foi, perdi meu braço direito... Deixe-me ir ao seu hotel — consultou o relógio. — Ainda não deve ter ido. Pensava partir à noite.

— Não vá, papai!

— Mas você está arrasada.

Já o sabia. Mas não toleraria intermediários.

Seu pai ainda disse, com ansiedade:

— Pode ir para Dublin. Quando eu morrer, deixarei as coisas dispostas de tal modo que, uma vez falecido, Fred Howard será o meu representante. Todos os negócios passarão para as mãos dele — baixou a voz, segurou as mãos da filha entre as suas. — Porque, se existe um homem desinteressado neste mundo, este homem é Fred.

— Eu sei.

— Agora, deixe-me ir.

— Não, não.

Não foi. Mas ela ficou lassa, deitada no sofá, sem poder conter as lágrimas. Possivelmente, Fred já teria ido e não voltaria mais a Galway.

Tudo estava terminado. Ela pensou que o estava há tempos, mas não. Foi naqueles dias que sua vida se destruiu para sempre.

Mais tarde, deitou os filhos. Havia uma nova governanta, uma senhora inglesa.

O que teria sido de Mey Beker? Por que a despedira, sem mais nem menos, guiando-se apenas pelo ciúme?

Bem, estava feito e não podia voltar atrás.

Voltou à sala de estar. Deitou-se no sofá.

Ali mesmo a encontrou a empregada, quando a procurou, bem mais tarde.

— O Sr. Howard está aqui... Deseja vê-la, senhora.

Levantou-se de um salto.

Fitou-se, consternada. Usava uma calça parda, uma blusa de xadrezinho azul, de manga curta. Estava descalça, pois largara os chinelos em qualquer parte.

Tentou encontrá-los, às pressas.

— O que lhe digo, senhora?

— Faça-o... entrar.

Apareceu, quase em seguida. Fitaram-se intensamente. Ela sorriu suavemente. Como naquele dia, depois do primeiro beijo...

— Pensei que estava viajando — murmurou ela, sem jeito.

Fred avançou. Olhou em torno.

— As crianças já foram dormir.

— Sim.

Quantas lembranças guardava aquela sala de estar?

Mil vezes se abraçaram ali. O sofá, o tapete, os almofadões, tudo era como uma lembrança apaixonante.

Mas não queria. Sacudiu a cabeça.

— Não quis partir sem vir vê-la. Posso sentar-me?

— Não está com pressa? — perguntou ela, rindo, aturdida.

— Estou. Não para chegar. Apenas para evitar uma longa caminhada que eu queria já ter feito. Se um dia volto aqui, será de avião.

— Toma algo?

— Bem... não quero incomodá-la.

Sufocou-se. Foi até ao bar, descalça.

Quantas vezes o fez durante seu casamento? Mil vezes. Era como uma mania de Wendy, não saber onde punha os chinelos ou sapatos.

— Uísque?

— Wendy, só vim me despedir.

Ela não queria que o fizesse. Estava fazendo tudo para retê-lo. Por isso, esqueceu sua amargura. Os homens não gostam de mulheres amarguradas. Alegria, jovialidade, era o que eles queriam.

Por isso, voltou-se com o copo na mão.

— Lembra-se daquela vez que você tomou um pileque? — disse, caminhando em sua direção.

Era demais. Tê-la a seu lado. Algo havia nos olhos femininos? Estava flertando com ele?

Wendy sabia como deixá-lo louco.

— Você começou a relembrar a sua infância — continuou Wendy, notando a perturbação do marido. — De como se lamentava, por ter perdido sua mãe, assim que nasceu.

Tirou o copo de sua mão, tomando o uísque de um trago.

— Dançamos naquela noite — dizia Wendy, muito próximo a ele. — Lembra-se? A música se fez ouvir e você me enlaçou.

— Wendy!

— Quer que eu ponha um disco na vitrola?

— Tenho que ir-me.

Wendy atravessou a sala e foi até o toca-discos. Uma música suave inundou o ambiente.

— Você gosta de música suave, lenta — disse Wendy, parecendo a imagem viva da tentação.

Fred quis fugir. Sabia que não teria forças, se permanecesse ali. Wendy, porém, já estava do seu lado.

— Dancemos, Fred — pediu, baixinho.

— Será... a nossa despedida.

 

Fora muito forte, estando longe dela, mesmo morrendo de vontade de vê-la, de amá-la muito. Mas agora estava ao seu lado e sua força se desvanecia. Sua voz, o contato de seus dedos, ao tirar-lhe o copo da mão, eram uma tentação.

— Vamos Fred. Por que não?

Como... quando se viu com o braço em volta da cintura dela?

Não o soube.

Não tentou descobri-lo. Fechou os olhos. Quis acreditar que era como antes. Que, uma vez terminada a música, ele a tomaria nos braços e a beijaria muito.

Não moveu os pés. Não pôde.

Ela tampouco. Foi como se ao contato de seus corpos, a surpresa, a ansiedade, o assombro, os imobilizasse.

Por uns segundos, ambos permaneceram imóveis, parados, colados um ao outro.

Como surgiu aquilo? Começaram a mover os pés.

De repente... Foi ela. Fred tinha certeza.

As mãos de Wendy se elevaram. Primeiro, ficaram presas nas costas masculinas. Depois, subiram... Tocaram o pescoço de Fred. Depois, acariciaram seu rosto.

Pararam de dançar, sem se dar conta.

— Wendy...

— Não fale, por favor...

Sua voz parecia quebrar-se a qualquer instante.

Seus lábios tremiam junto aos de Fred. Abriram-se. Beijaram. Como jamais o haviam beijado.

Muito tempo. Como se tudo tivesse deixado de existir.

Seus corações pulsavam em uníssono.

Foi depois. Quando ela se separou um pouco para respirar.

Fred se viu mesquinho.

Ele não estava disposto a ser um boneco nas mãos de Bárbara Robbin e lhe constava que sua filha se deixava manejar por ele. Que dignidade era a sua, que assim abusava do amor e da paixão de Wendy por ele?

Soltou-a. Deu um passo atrás.

— Fred.

— Eu... eu...

Retrocedia. Viu-se a si mesmo como um menino desnorteado.

Isso, não. Nem Wendy era uma mulher cheia de experiência, nem ele um adolescente inocente.

— Fred, não se vá.

— Tenho que ir-me.

Disse-o com força. Com raiva, até. Wendy ficou encolhida, apoiada nas costas do sofá.

— Você não sabe amar. Não sabe — disse, baixíssimo.

Ele não podia explicar o que sentia. Por isso, fugiu.

Como um covarde. Ou talvez como um homem que não quer abusar do amor ao qual, como queria Barbara Robbin e admitia sua filha, não poderia jamais corresponder.

Ele era exclusivista.

E quando se casou com Wendy, o fez para tudo. Para viver a seu lado as maiores emoções sentimentais. A ternura mais comovente. Nada pela metade.

— Fred, vai me deixar. Como pôde deixar de me amar?

— Wendy...

— Sim — quase gemeu ela, meio transtornada. — Já sei, já sei... Deixou de me amar. É por isso... não é?

— Wendy, compreenda.

— Tem outra mulher? Está casado? Ou a ponto dê fazê-lo? É isso?

Por que não deixá-la acreditar nisso?

Poderia Wendy compreender jamais que ele a amava como um louco e a desejava loucamente e, no entanto, renunciava a ela por vontade própria?

Por isso, fugiu sem responder.

— Fred! — chamou Wendy, angustiada. — Fred, não me deixe. Você sabe... sabe...

Fred não a ouvia. Seus passos ressoavam no vestíbulo e, depois, no terraço. E logo... o motor de um carro afastando-se.

Atirou-se no sofá, chorando desconsoladamente.

— Já sabe agora de tudo.

Claudine colocou o cigarro aceso nos lábios da prima.

— Fume — sussurrou. — Está precisando. Sabe o que lhe digo? Está há mais de quinze dias presa aqui. Não pode continuar Sua mãe não se cansa de me pedir para ajudá-la. Não sabe o que você tem. Seu pai não lhe contou. Ela está até envelhecida. Fale com ela. Explique-lhe tudo.

— Nunca.

— Talvez Fred não mereça seu desespero.

— Fred me ama.

— Mas foi embora.

— Fred tem medo de minha mãe. Será que não percebe? Eu vi em seus olhos aquele brilho que conheço tão bem. Sabia que ele queria me dizer que me amava. Mas não aceitará nunca ser manejado por mamãe.

— Sendo assim, fale você com sua mãe, diga-lhe que não poderá mais se meter em sua vida. Sabe? Estive com ela esta manhã. Mandou-me chamar.

— E lhe contou...? — angustiou-se.

— Não. Isso não. Disse-lhe só que você não ama Robert. Que jamais se casará com ele. Que a deixasse em paz. Mas não mencionei Fred, pois nem sei se ela sabe que vocês se viram.

— Não me importa que o saiba — agitou-se. — Como tampouco nunca me dei conta de que mamãe me dominava, me guiava. Agora o sei e lhe garanto que jamais conseguirá isso de novo.

— Ela vem visitá-la hoje.

— Não quero.

— Mas virá.

— Espere. Fique. Não quero estar a sós com ela. Não posso suportar o seu orgulho pelos Robbin. Por mim, morreriam todos!

— Wendy!

— O que fez de minha vida? Diga, o que fez?

— Talvez você tenha tido culpa também. Deixou-se governar por comodismo.

— Não sabia que amava tanto a Fred.

— Agora que o sabe, conte-lhe.

— De que serve?

— Serve.

O tom com que o disse, deixou-a intrigada.

— Por que diz isso?

— Fred está em Galway.

Ficou tensa. Foi se levantando pouco a pouco.

— O que disse?

— Chegou ontem à noite, de avião. Parece que veio tratar de negócios, mais uma vez. Não sei se virá vê-la. Soube disso por Edward. Eu também irei a Londres, na semana que vem. Pretendo me casar breve e irei para perto de mamãe. Gostaria tanto de deixá-la feliz com seu marido.

— Ex-marido.

— Não, Wendy. Para você, Fred jamais foi um ex-marido. Em seu coração, em seu cérebro, em seus sentimentos e até em sua vida física. Fred Howard jamais deixou de ser o seu marido.

Uma criada interrompeu a conversa entre as duas primas.

— A Sra. Mills deseja vê-la, Sra. Wendy.

Claudine ficou, de pé.

— Agora, deixo-a. Corte de uma vez suas esperanças. Como mãe, não há dúvida de que sofrerá ao vê-la tão triste e desesperada.

— Mamãe não tem coração quando pensa nos Robbin.

— Pois mostre-lhe que é uma Mills e que ela foi feliz com um destes. Seja valente, Wendy.

Tinha que ser. Talvez de sua coragem dependesse sua futura felicidade junto a Fred.

Claudine se despediu justamente quando Bárbara entrava.

Houve um terrível silêncio no aposento.

 

Não parecia tão orgulhosa e altiva a Sra. Mills, naquela tarde. Dava a sensação de uma mãe ternamente preocupada com a filha.

Sentou-se ao lado desta, depois de ter tirado o casaco.

— Já sei, já sei... Você não quer se casar com Robert.

— Não, mamãe.

— Não pense que vou insistir, Wendy. De repente, não sei porque razão, vi-me refletida em você. Sabe — riu, um tanto amargamente — é que os Robbin não costumam desistir fácil de uma empresa. Enquanto há um vestígio de esperança, sustentam-na. Entende?

— Não. Não entendo, mamãe. Porque submeter a tal angústia um ser humano, quando este ser procura seu próprio caminho.

— Se não se iniciassem as batalhas e não se lutasse por elas, jamais seriam ganhas.

— Mamãe, essa batalha estava perdida para você desde o início.

— Sim — admitiu sem rancor, coisa estranha nela, sempre tão intransigente e autoritária. — Seu avô fez o mesmo comigo. Queria casar-me com Ernest Robbin. Conheceu-o? Faleceu o ano passado, solteiro.

— Lembro-me de tê-la ouvido falar nele. Sei que papai jamais o tolerou.

— Estive quase noiva dele, mas acabei me decidindo por seu pai, mas isto não quer dizer que não tenha sangue dos Robbin nas veias e quis para minha filha o que eu não tive forças para fazer.

— Isso é injusto.

— Bem. Acabou-se. Pode voltar para Fred. Não vou mais me meter em sua vida. Sei que Fred está em Galway. Nem seu pai o sabe. Mas tenho bons informantes. Vá vê-lo, diga-lhe...

— Não.

Fitou-a, com firmeza.

— Não? Então é assim que defende o seu amor?

— Não o destruiu você?

— Mas aí está você para ganhá-lo e defendê-lo, ou não?

— Não, mamãe. Não esperei seu consentimento para fazê-lo. Também devo ser tão Robbin como Mills. Tentei-o. Fred me ama, mas jamais voltará para mim.

— Isso é absurdo. Se há amor, não pode haver rancor.

— Não é rancor, é dignidade ofendida. Não por mim. Por você, por papai. Você, que sempre acusou Fred de ter se casado comigo por causa do dinheiro. Logo Fred, tão desligado dessa questão material, mesquinha.

— Enquanto foi casado com você, viveu como um rei.

Doeu-lhe.

— Aí é que se engana, mamãe. Fred ganhava um bom ordenado. Já em solteiro. Vocês nos deram esta casa. Também podiam ter dado uma cafeteira, ou um liquidificador, Fred não se impressionou com o presente. Aceitou-o com naturalidade. Pois eu, enquanto estive casada, vivi apenas com o ordenado de meu marido. Lembro-me de uma vez, meu perfume havia acabado. Era o mais caro, mas Fred comprou-o para mim. Com sacrifício, é verdade. Mas, por isso mesmo, com muito mais valor aos meus olhos. As coisas conseguidas sem sacrifício, não tem valor, não têm graça. Foi o que aprendi vivendo com Fred.

— Quanto o ama, Wendy.

— Muito. Jamais soube quanto, até que o voltei a ver. Foi como se... se... — juntou as mãos. Duas lágrimas deslizaram de seus olhos. — Como se me arrancassem a vida, quando o vi partir.

A dama ficou em pé.

— Seja feliz com ele, Wendy. Lamento ter pensado que seu amor era inconsistente. Peço-lhe que me perdoe, se é que pode, e diga-me o que posso fazer para ajudá-la a recuperar a felicidade perdida.

— Já nada. Seria inútil.

Não o era. Ao menos, ela julgava que não o era.

A mãe se foi. Wendy a viu partir, de cabeça baixa. Aquilo era muito tocante, mas traria Fred de volta a seus braços?

Não pôde suportar o silêncio de sua casa.

Que horas seriam? Oito e tanto, pelo menos.

Com uma ansiedade peremptória de sair à rua, de sentir nas faces a brisa fresca das noites de abril, ergueu-se do sofá.

Iria a pé. Sim, como quando era solteira e escapava da vigilância de sua mãe, e vibrava por ser outra jovem, como qualquer outra em Galway, sem dote e sem nome ilustre. Entraria numa lanchonete. Pediria um coquetel e fumaria tranqüilamente, sentindo a sensação de liberdade que já não lhe servia de nada.

Foi casual o encontro.

Assim que entrou na lanchonete, viu-o. Mil emoções palpitaram em seu ser. Foi para ele diretamente, ignorando os olhares admirativos dos homens ali presentes.

Fred pensou que as luzes brilhavam mais. Que todo o mundo cantava e, ao mesmo tempo, chorava.

Foi ao seu encontro de mão estendida.

Quantas lembranças!

Eram como chagas. Os beijos de Wendy. Cálidos, voluptuosos. Sua fuga e aquela angústia na estrada escura e aquele vazio de sua vida inútil, aquela solidão física e espiritual, que lastimava, machucava na carne.

— Olá, Wendy! Não esperava vê-la por aqui.

Se ela não soubesse, por Claudine ou por sua mãe, da presença dele em Galway, não teria podido dissimular, como o fez.

— Também não pensava encontrá-lo por aqui.

— Parto depois de amanhã. Vim a negócios, de novo — e, segurando-a pelo braço, conduziu-o a uma mesa. — Venha, diga-me o que deseja tomar. A menos que esteja combinada com algum amigo.

— Não combinei nada.

— Então, faça-me o favor de me acompanhar — e baixo, inclinando-se para ela: — Como vão os sapecas?

— Ótimos!

— Irei vê-los amanhã. Mas prefiro que você não esteja em casa.

Alçou uma sobrancelha. Estava muito emocionada, mas ia se recuperando aos poucos.

— Por quê?

— Ambos sofremos.

Não iria se humilhar de novo. Foi uma prova difícil, a que viveu quinze dias antes. Não poderia vivê-la de novo.

— Não estarei.

— Não me confirmou seu... sofrimento.

— E o seu?

— Falei no plural.

Silêncio. Depois... Sentiu os dedos que iam de seu braço até seus próprios dedos.

Aquele encontro em um bar, diante de tanta gente, sem saber o que dizer a ele era tremendo.

— As crianças já estão dormindo?

— Estavam se preparando para irem para a cama.

Falavam de seus filhos, mas... quantas coisas de si mesmo tinham a dizer e não ousavam fazê-lo.

Estavam muito próximos. Seus braços se tocavam, seus dedos se encontravam, sem querer, por querer...

Os dois se fitavam.

De repente:

— Desta vez, sua mãe não foi procurá-la.

— Por que o diz?

— Não sei. Foi algo que me passou pela mente.

Wendy levou o copo aos lábios. E, num sussurro:

— Eu a procurei.

Novo silêncio os envolveu.

— Tenho que ir-me — disse ela, de repente.

Não fez menção de acompanhá-la. Tinha medo de si mesmo, da paixão que os atraía. Deixou-a ir-se.

Foi para seu hotel. Estava na porta do mesmo, quando teve a sensação de que uns olhos o procuravam.

— Barbara — murmuraram seus lábios, quase sem se abrir.

A elegante e distinta Sra. Mills se levantou e foi ao seu encontro.

— Olá, Fred!

Fitava-a, sem poder abrir a boca. Estava pasmado.

— Pensará que vim aqui para brigar com você.

— Devo pensar outra coisa? — era quase um desafio.

— Sim. Quer se sentar comigo naquele canto?

O que tinha a voz de Barbara Robbin? Estava mais humana?

— Fred, sei que só eu os separo. Sempre o separei de sua mulher.

— Devo felicitá-la?

— Por favor, deixe de lado as ironias. Sei que as mereço, mas qualquer um comete erros. Até que se vê que tais erros prejudicam os outros. Pode compreender isso, Fred?

— Talvez.

— Foi o que me ocorreu.

— O que quer dizer...

— Sei que se amam. Não serei mais um obstáculo em suas vidas. Wendy é minha única filha. No meu afã de casá-la com Robert, tornei-a infeliz. Se a ama de verdade, vá para o seu lado. Case-se de novo e, por favor, perdoe-me.

— Sempre foi tão orgulhosa.

— Na hora da felicidade de minha filha, sou apenas uma mãe como outra qualquer, capaz de me humilhar também. Não lhe basta isso? Faça o que bem quiser. Olhe, nem sequer vou pedir-lhe para ficar em Galway.

— Não o faria. E se Wendy teimasse em ficar, eu iria sozinho. Uma coisa ganhei na vida. Não tenho dinheiro. Tenho uma profissão e minha dignidade. Entende isso? Perderia minha dignidade se aceitasse ficar aqui.

— Meu marido poderia precisar de você e você sempre o estimou.

— Isso não quer dizer que vá viver condicionado à fortuna dos Mills. Se seu marido precisa de mim, posso ajudá-lo. De longe, sem cobrar um centavo. Isso é tudo.

— Não me perdoa?

Fitou-a. Era a mãe de Wendy. E ele não podia mais.

Estava certo de que, mesmo que não tivesse encontrado Bárbara Mills aquela noite, iria procurar Wendy, porque viver sem ela era um suplício.

— Sim, senhora — disse. — Mas não lhe permitirei meter-se em minha vida, nem na de minha mulher, ou de meus filhos.

— Não se preocupe. Aprendi a lição — uma pausa. — Boa noite, Fred.

Galantemente, despediu-se dela. Viu-a partir.

Dali mesmo, da recepção do hotel, ligou para Wendy. E quando a voz da criada perguntou quem desejava falar com a patroa, ele disse, firme:

— Da parte de seu marido.

— Oh! Um momento, senhor.

Quase em seguida, a voz cálida, suave.

— Fred...

— Pode sair? Agora?

— Agora?

— Depois regressaremos juntos para casa... para nosso quarto. Iremos primeiro ver o juiz.

— Sim, Fred!

— Sua voz treme.

Ela admitiu, com a sinceridade de sempre.

— Toda eu estou tremendo.

— Irei apanhá-la agora mesmo.

Não se deu conta de nada. Como se tudo fosse um sonho.

Só ao sentir os lábios de Fred nos seus, respirou melhor.

— Querida...

— Fred, ambos estamos tremendo. É tanta a nossa necessidade um do outro...

Os beijos quase doíam. Mas tinham algo inefável. As bocas se reconheciam. Procuravam-se depois os olhos com ansiedade.

— Será possível? — dizia ela, rindo e chorando.

— Sim, sim, sim — e baixíssimo, separando-a um pouco: — Vamos para meu hotel?

— Não. Para nossa casa.

O carro deslizava.

— Amanhã iremos para Dublin. Quer?

— Tudo o que você quis, amor.

— Não quererá voltar a Galway?

— Só quando você vier. Não o deixarei mais sozinho.

Estavam agora diante de casa. Desceram do carro. Caminhavam de mãos dadas.

Dirigiram-se a seu quarto.

— Fred, eu não podia mais.

— Nem eu.

— Mas você... aquele dia...

— Não fale. Não podemos perder tempo...

Estavam nos braços um do outro. Era como um sonho que se fazia realidade. Doce realidade.

— Wendy...

— Agora sou eu quem lhe peço... Não fale nada.

Quantos minutos assim? Quantas horas?

Era um morrer e renascer contínuo. A cada beijo, a cada carícia, a cada entrega.

— Não haverá mais mulheres em sua vida, além de mim.

— Nunca houve. Era só para enciumá-la, que eu disse aquilo.

— Você só pode ser meu. Como eu sou sua.

 

Na casa dos Mills, Clen dizia:

— Quer dizer que vão para Dublin.

— Sim. Mas ele disse que vai ajudá-lo, mesmo de longe. Agora, deixe-os. Já lhes fizemos muito mal, separando-os esses anos.

Fred e Wendy descontavam o tempo perdido, quando estavam separados.

— Diga-me outra vez — sussurrava Wendy, num fio de voz.

— Agora, não — entre um beijo e um sussurro, Fred respondia. — Agora, não Depois, depois...

 

                                                                                            Corin Tellado  

 

                      

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