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Series & Trilogias Literarias
A Senhorita Augusta Widmore não tem tempo para decoro. Ela deve forçar a sua irmã irresponsável a subir ao altar com toda pressa ou assisti-la enfrentar as consequências escandalosas. Mas com o canalha resistindo ao seu dever, precisa de um impulso. E apenas um homem pode fornecer isso.
Um gigante retém todas as cartas (ou assim ele acha)
Sebastian Reaver não tem tempo para mulheres presunçosas. Ele tem um clube para administrar. Então, quando uma perfeita moléstia invade o seu escritório, exigindo uma fortuna em promissórias e se recusa a partir até as entregue, sabe exatamente o que a fará correr de volta a Hampshire: o preço exato que uma solteirona do interior nunca concordaria em pagar.
Inicia-se uma ardente batalha (com os dois lados jogando para valer)
Normalmente, Augusta nunca concordaria em se tornar a amante do proprietário de um notório clube. Seja um rufião de classe baixa, o homem mais rico de Londres, o gigante mais intrigante e mal humorado que ela já encontrara ou todos três juntos. Atender o seu blefe aumentaria as apostas (e o calor), mas recuar significará a ruína de Augusta. Agora, Sebastian quer sua rendição total e, para isso, tem alguns truques na manga: beijos que roubam até a alma, honras inesperadas e persuasão eletrizante para a mulher que ele nem viu chegar.
CAPÍTULO 1
“Se necessitar falar como um coletor de dejetos, pelo menos escolha um único padrão vulgar e não vários. Sua combinação específica de estivador de Londres e camponês de Cumberland podem ser compreensíveis aos rufiões de baixa classe, mas provoca os nervos daqueles de nascimento superior.”
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta, explicando os méritos de uma dicção apropriada.
26 de outubro de 1819.
Londres
— Ficar ‘cum’ isso? ‘Cum’ tudo? — O garoto de rosto magro, escurecido pela sujeira falhou em esconder seu ceticismo. Ele bufou e ajustou seu gorro. O gorro era, no mínimo, mais sujo do que o menino. — O ‘prisunto’ ali. — Ele apontou um polegar sujo por cima do ombro para o sujeito, excepcionalmente grande e vigilante, parado diante de uma porta do outro lado da rua estreita. — ‘Vai’smagar’ minha cabeça ‘entrus dedus’. Pior. Me ‘sodomizá’. — O garoto cuspiu nos paralelepípedos. — ‘Pur’ isso posso ficar ‘cum’ tudo? ‘Aye’. ‘Si’ sua intenção é vender minha bunda, Lady, ‘pos’ser istranho’, mas num sô....
Embora ela compreendesse aproximadamente metade do que o menino falava, Augusta Widmore o parou com um som de desaprovação.
— Os termos de nosso arranjo não mudam desde que conversamos sobre ele. Você pode ficar com a moeda que lhe dei e pode ficar com o que quer... obtenha do Sr. Duff. — Ela se endireitou e olhou desafiadoramente para o pequeno sujo. — Desde que seja tão rápido e habilidoso quanto diz ser.
Olhos cínicos e brilhantes se estreitaram.
— Ninguém é ‘mió’.
Ela se viu traduzindo a segunda palavra — melhor — pelo contexto da conversa, pois sua fala era rápida e vulgar, o sotaque era uma série de grunhidos tolhidos e vogais enroladas. Uma linguagem diferente, na realidade. Ninguém falava assim em Hampshire. Ninguém de sua convivência, pelo menos.
Como estava demorando a voltar! Uma quinzena em Londres era mais do que suficiente para enviá-la correndo de volta para sua pequena cabana com castanheiros murmurantes e cheiro de cera de abelha.
Ela ergueu o queixo.
— Uma afirmação ousada. Parece que você tem algo a provar.
Ele fungou e olhou por cima do ombro.
— ‘Si mim pegá’, quero o dobro.
— Não.
— ‘M’tadi’ agora, ‘m’tadi adepois’. Dobro, como disse.
— E eu disse não. Você fez uma promessa. Espero que a honre, como honrarei a minha.
Ele fungou rudemente.
— Há algo em sua garganta?
O menino murmurou e se mexeu, lançando olhares duvidosos na direção do Sr. Duff. Com um pescoço que mostrava não ter um tamanho adequado ao tamanho de sua cabeça, o guarda das portas dos fundos do clube de jogos era uma visão intimidante. Augusta entendia a hesitação do garoto. Se o Sr. Duff o pegasse, seu destino seria, com certeza, terrível.
Ela deu um passo atrás da roda da carroça onde estavam escondidos, tomando cuidado para puxar suas saias da pilha de coisas fedidas antes de se aproximar do menino.
— Ele é grande, sim.
Outra fungada.
— ‘Aye’, lady. ‘El’é’.
— O tamanho dele o tornará lento.
O menino engoliu em seco e fez um aceno brusco.
— Garanta que ele lhe veja. Certifique-se que ele lhe siga.
Um suspiro profundo estremeceu um peito muito magro.
Ela cerrou os dentes e sufocou a consciência. Isso tinha que ser feito.
— E garoto...
— ‘Aye’?
— Previna-se para que ele não o pegue.
O garoto puxou o gorro sobre sua cabeça com mais força, levantou suas calças ásperas e sujas e limpou seu nariz com o pulso sujo.
— ‘Aye’. — A sílaba única se dispersou no ar.
Ela quase o impediu. Quase estendeu a mão e segurou o braço ossudo, mas ele já se movera, cruzando a rua de paralelepípedos sob as sombras dos tijolos vermelhos e vigas de madeira escuras.
Augusta se castigava pelo momento de fraqueza. Simpatia por batedores de carteira? Ela não podia se dar ao luxo para tais tolices sem sentido.
Observando o menino se lançar entre a carroça de entrega que partia e uma pilha de barris de vinhos, rodeou a traseira da carroça, lutando para conseguir respirar sem engasgar.
Bom céu. Mesmo nas partes mais limpas e ricas da cidade, a sujeira era impressionante. Mais uma vez pensou em sua cabana em Hampshire. O jardim cercado onde cultivava hortelã e alecrim. A pequena sala com uma lareira limpa. A estante com o que restara dos livros de seu pai.
Ela beijaria cada milímetro da madeira encerada quando voltasse. Mas agora permaneceria em Londres e faria o que tinha que ser feito. Pelo bem de Phoebe.
Tudo era pelo bem de Phoebe. Sempre fora.
Enquanto o Sr. Duff gritava uma ordem a um dos criados do clube de jogos e a carroça sumia de vista no beco que ia à St. James, a movimentada viela começou a ficar calma. Esse era o padrão que ela notara nas últimas semanas. A esta hora da manhã, poucos clientes iam e vinham e o Sr. Duff frequentemente ficava sozinho na entrada.
Este momento significava a sua melhor chance.
Uma sombra saltou entre dois barris e agachou-se entre os degraus de madeiras que levavam à porta.
O garoto era bom. Pequeno e rápido. Ele completaria a tarefa sem ser pego, Augusta afirmava a si mesma. E se não o fizesse, se o Sr. Duff tentasse machucá-lo....
Seus olhos recaíram em direção a uma longa barra de ferro que servia de alavanca da carroça.
Bem, não podia permitir que ele fosse machucado. Rezou para que o menino fosse tão habilidoso quanto dizia ser.
—Ei! O que diabos? Venha aqui, seu ladrãozinho!
O garoto fez um mergulho gigante, atacou, pulou para o lado e passou pelo estábulo. O Sr. Duff se arrastou atrás dele com seus passos pesados e uma série de insultos sobre as origens de nascimento do garoto. Quando passaram pela posição de Augusta e seguiram para o beco, os passos longos do Sr. Duff diminuíam a distância entre eles. Viraram a esquina e desapareceram.
Ela prestou atenção, esforçando-se para ouvir algo além de sua respiração rápida e dos batimentos acelerados de seu coração. Sem gritos do menino. Sem sons de pancadas.
Lançou uma olhada para os degraus de madeira e para a porta desprotegida.
Agora, Augusta. Agora.
Cruzou apressada a rua sem tentar se esconder. A velocidade era mais importante. Ela tinha que conseguir entrar antes do retorno do Sr. Duff.
Subiu os degraus, quase tropeçando em suas próprias anáguas. Segurando a maçaneta, a girou e se jogou para dentro. Recostou-se na porta. Piscou. Respirou fundo. Examinou o entorno, ou tentou, pelo menos. Estava escuro. Estava em um longo corredor, assim pensou, mas não havia luz.
Endireitando-se, ela ouviu. À distância, ela escutou criados conversando. Risadas masculinas. Um insulto feminino. Passos.
Sentiu o cheiro... de algo delicioso. Cebolas e carne assada. Pão de levedo. Algum tipo de molho de vinho.
Seu estômago roncou. Não fazia uma refeição decente há semanas.
Á medida que os olhos se acostumavam à escuridão, avistou uma abertura no corredor. Se as informações estiverem corretas, preciso localizar as escadas de serviço e subir três pisos. Soou um clique. Um homem blasfemou. Ela correu e se lançou cegamente na abertura.
E deteve-se.
Uma criada descia as escadas, as saias cinza flutuavam, os passos eram rápidos e alegres. Os braços da moça carregavam uma alta pilha de tecidos, por isso prestava atenção em seus pés.
Rapidamente Augusta achatou-se contra a parede, esperando que as sombras a escondesse.
A criada se aproximava. Ela falava entre os dentes. Contando.
— Setenta e nove. Oitenta. — Parou ao chegar ao último degrau. Seus pés se embaralharam. Depois a contagem continuou. — Oitenta e um.
A meros centímetros de distância ela estacou novamente. Suas saias sussurravam contra as de Augusta. Trocou a carga de panos cuja altura ultrapassa a sua touca e sussurrou:
— Ou são oitenta e dois? — Fez um ruído de escárnio. — Quem se importará? É apenas uma aposta com a Grande Annie, sua boba. Agora, se fosse com o Sr. Reaver... — A garota deu de ombros, a pilha se inclinava de um lado para o outro. Aparentemente o Sr. Reaver era muito mais exigente que a Grande Annie.
Augusta podia acreditar nisso. Descobrira muita coisa a respeito do proprietário do Reaver nos últimos dez dias. E nada do que constatou era um bom prenúncio para sua atual tarefa.
A reputação o fazia soar como um deus obscuro. Hades, talvez, o guardião do submundo. Poucos o viam. Ninguém era recebido, a menos, que ele solicitasse a visita e, quando a requisitava, os motivos normalmente eram... desagradáveis.
O proprietário do mais exclusivo clube de jogos de toda a Londres não se tornara um dos homens mais ricos de toda a Inglaterra por ser caridoso. Não mesmo. Sebastian Reaver, ex-pugilista, dono de taverna e rufião, sempre cobrava as suas dívidas. De uma forma ou de outra.
A maioria falava nele em um tom proibitivo. Sua equipe. Os membros do clube. Os homens que entregavam carvão e os que acendiam as lamparinas na tranquila praça do clube na St. James. Todos falavam do Sr. Reaver como se fosse o diabo em pessoa.
O motivo pelo qual, apesar de seu coração acelerado ao esperar a pequena criada com uma grande pilha de tecidos passar, Augusta temia que suas descobertas fossem inferiores ao que tinha que encarar.
Um passo de cada vez, Augusta. Um passo de cada vez.
A criada retomou a contagem.
— Oitenta e cinco. Oitenta e sete. Oitenta e nove.
Ela virou a esquina.
Augusta soltou o ar, sua cabeça girava. Com o objetivo renovado, ela subiu as estreitas escadas de madeira, parando no patamar para escutar vozes. Novamente, tudo estava quieto. Apressando-se agora, ela corria um lance seguido do outro, segurando as suas saias em uma altura mais alta do que o apropriado. Finalmente ela chegou ao piso onde lhe garantiram se encontrar o escritório particular do Sr. Reaver. Ela abriu a porta que levava a um silencioso corredor de painéis brancos. Encolhendo-se quando as tábuas rangeram sob os seus pés, ela olhou para ambos os lados. Vazio. O alívio escorreu quente dentro dela. Ela apressou-se pelo corredor, procurando freneticamente pela porta escondida. Ela deveria estar em uma reentrância, logo após o sétimo candelabro. A maioria dos visitantes deste andar, sua fonte alegara, pensava que era a entrada para um armário ou um espaço igualmente inócuo. Ele não usara a palavra ‘inócuo’, obviamente. Muito parecido com o ladrão de carteiras que ela contratara para distrair o Sr. Duff, sua fonte mal falava uma palavra adequada em inglês, pesando as moedas em sua palma da mão enquanto murmurava sobre “fedelha idiota que precisa de um homem para levá-la para dentro.”
Augusta considerava-se diferente. Ela não precisava de um homem. Não para si mesma, de qualquer forma.
Passando pelo quinto candelabro, ela parou.
Passos. Uma refinada voz masculina com uma dicção admirável. Só podia ser o Sr. Shaw, o mordomo do clube.
Oh, querido Deus. Ela girou no lugar, procurando freneticamente pela reentrância e encontrou apenas painéis brancos e portas esporádicas. À frente, dividindo o corredor em duas seções, havia uma abertura onde deveria ter uma porta. Correu em sua direção, esperando que a saliência a escondesse bem. Porém, justo antes de alcançá-la, a longa parede de painéis, projetada para parecer reta até que alguém parasse naquele ponto exato, deu acesso à reentrância.
Dentro dele havia uma porta de madeira escura.
À medida que a voz do Sr. Shaw ficava mais alta e os passos pesados mais próximos, ela fechou os olhos brevemente. Fez uma oração rápida. E abriu a porta.
A antecâmara era menor do que imaginou. Silenciosa e clara, continha apenas uma pequena mesa com formato de L e um conjunto de poltronas bem grandes. Ao longo de uma das paredes, do chão ao teto, uma série de gavetas de madeira com etiquetas numeradas e, acima, prateleiras de livros de registros. Todos os livros de registros possuíam o mesmo tamanho, as lombadas eram etiquetas com um código de números e traços. Sobre a mesa, duas lâmpadas, ambas acesas. Na parede mais distante via-se outra porta.
Era isso. A razão para vir a Londres, gastar as moedas com batedores de carteiras e subornar criados, arriscar a reputação e sua segurança.
Porque ela precisava.
Porque Phoebe sofreria se ela não fizesse.
Ela arrumou seu cabelo com a mão enluvada. Ajustou as dobras de sua peliça de lã marrom. Respirou fundo para reunir coragem.
Abriu a porta do covil do diabo. Um passo adentro sem nem mesmo pedir licença.
A sala não era o que esperava. Nem ele.
— Preciso de um novo pote de tinta, homem. — Trovejou o gigante de cabelo preto usando óculos com aros. Ele estava sentado atrás de uma mesa de carvalho tão plana, massiva e organizada quanto a sala em si. Ele não levantou os olhos do registro, em vez disso, lançou um olhar de desagrado à ponta da caneta. — Acabei com um esta manhã.
A voz do homem era tão profunda que vibrou pelas tábuas do piso e subiu por seus ossos. Ela não era capaz de identificar seu sotaque. Era similar ao do batedor de carteiras, porém muito mais compreensível com ‘Os’ redondos, ‘As’ planos e um pouco de pronúncia áspera. Norte, talvez da fronteira com a Escócia? Pelo menos, ela conseguia entendê-lo. Isso tornaria a conversa mais fácil.
De onde estava podia notar a brancura de sua camisa, o cinza de seu colete, o preto de suas sobrancelhas. Ela era capaz de medir a largura de seus ombros e os músculos dos braços enquanto escrevia. Os pulsos eram grossos e sólidos. As mãos pareciam maiores que a cabeça dela.
Ela se perguntou se seria desonroso desmaiar.
Bom Deus. O homem era duas vezes maior que um homem de tamanho normal. Ele era ainda maior que o Sr. Duff e, muito, muito mais musculoso. Os antebraços, salpicados generosamente com pelos do mesmo tom preto de seus cabelos cortados rentes à sua cabeça, avolumavam-se, flexionavam e ondulavam de uma maneira fascinante.
Ele não podia ser real. Gigantes eram um mito.
— Frelling, fale ou saia. Nós já conversamos sobre isso.
O Sr. Frelling era o secretário do Sr. Reaver. Normalmente o homem estaria acomodado na antecâmara, mas Augusta descobrira a predileção de Frelling em levar a sua nova esposa ao Gunter’s tea Shop nas manhãs de terça. Evidentemente, isso era novidade para o Sr. Reaver.
Pigarreou delicadamente.
A caneta não parou. Ele a enfiou no tinteiro quase vazio.
Engolindo com dificuldade, forçou-se a se afastar da porta e entrar na sala. Aproximar-se dele.
— Sr. Reaver, há um assunto que devemos discutir.
Ele continuou escrevendo.
— É muito urgente.
A caneta parou. Dedos grossos, longos e com unhas curtas a colocaram no suporte com um clique resoluto. Depois, removeu os seus óculos de aros prateados de cima de seu nariz e os apoiou sobre a mesa de carvalho. Ele se endireitou na cadeira e flexionou sua mão direita como se doesse. Finalmente a olhou.
Ela perdeu o ar. Seus olhos eram como ônix.
— A menos que esteja aqui para entregar tinta, não temos nada a discutir. O que quer que seja.
Ela se aproximou com mais três passos.
— Meu nome é...
— Eu sei quem é.
— Srta. Augusta Widmore. Um dos membros de seu clube é um cavalheiro com quem estou relacionada. Lorde Glassington. Ele... deve uma soma substancial.
Sua fisionomia era estranhamente bruta. Sobrancelhas pesadas. Olhos pretos ferozes, frios e profundos. Um nariz beligerante com uma curva na ponte que parecia uma estrada cortada em duas. Seu queixo era largo e quadrado, os ossos de suas bochechas eram afiados e imperdoáveis. Uma sombra escurecia a metade de baixo de seu rosto onde a barba ameaçava crescer. Ele parecia cruel com aquele cabelo cortado tão curto. Imaginou que ele pareceria igualmente cruel com a barba. E com as pessoas, por falar nisso.
— Você pode sair por si mesma. Ou, posso jogá-la pela porta. A escolha é sua.
Ela engoliu em seco. Lambeu os lábios. Deu outro passo.
— Lamentavelmente eu devo persuadi-lo por sua honra, sir.
A maioria dos homens teriam se levantado. Mesmo os mais humildes sabiam que era obrigatório se levantar diante da presença de uma dama.
Ela pigarreou.
— Com o máximo respeito, eu peço que renuncie às promissórias de Lorde Glassington.
— Não.
— Eu ainda não expliquei as minhas razões. Permita-me que...
— Com grande respeito, Srta. Augusta Widmore, suas razões significam para mim menos do que os depósitos na privada esta manhã.
Sua mente titubeou quando ela compreendeu.
— Agora. Saia do meu escritório.
— Sr. Reaver, sei que meu pedido é incomum...
— Você é a quarta nesta semana. E é apenas terça-feira.
A quarta? Droga. Era pior do que imaginara. Muito pior do que esperava.
— No entanto, eu lhe imploro. Se apenas me ouvisse.
— Como se esquivou de Shaw? Ele nunca a deixaria entrar, muito menos lhe mostraria o meu escritório.
Ele apertou os lábios. Como responder?
— O Sr. Shaw me impediria de entrar. Ele não sabe da minha presença.
A expressão dele — tão intimidadora e fria quanto a sua reputação — escureceu.
— Então foi Duff.
— Não. — Ela respondeu, amaldiçoando o tremor em sua voz. — Eu encontrei o caminho sozinha. Você não deve punir os seus empregados. Eles não têm culpa.
Ele grunhiu divertindo-se.
— Se você está aqui, então eles falharam em suas tarefas. — Olhos de ônix enervantes a avaliaram, parando quase imperceptivelmente em seus quadris e ombros. Embora, talvez a última pausa fora um pouco mais abaixo dos ombros. Aconteceu muito rápido para ela ter certeza. — E você inegavelmente está aqui.
Ela engoliu em seco. Seus olhos caíram sobre as mãos dele, casualmente entrelaçadas sobre a mesa. Dedos grossos e grandes manchados de tinta. Era difícil imaginar um homem fisicamente tão poderoso e impiedosamente potente quanto este, sentado o dia inteiro atrás da mesa, reclamando de tinteiros vazios.
— Estou aqui porque é o único que pode me ajudar. — Ela levantou os olhos para encontrá-lo franzindo a testa. — A dívida de Lorde Glassington é escandalosamente grande, assim é compreensível que hesite em deixá-la de lado. Mas ele estava completamente bêbado quando...
— Se eu perdoasse todas as dívidas contraídas por todos os bêbados, seria tanto pobre quando um maldito imbecil.
— Ele tem obrigações familiares, sir. Responsabilidades.
— Todos têm. Nunca param quando o jogo vira.
— O seu discernimento era aterrorizante, mas...
Olhos negros se estreitaram sobre ele.
— Este tipo é quem para você, Srta. Augusta Widmore? Não é seu irmão, pois ele não os tem. Algum outro tipo de relacionamento?
— Como estamos familiarizados é de pouca importância.
O Sr. Reaver espalmou as mãos sobre a mesa. Levantou-se. Endireitou-se em todo seu tamanho.
Deus santo e todos os seus anjos! Não é um mito. Gigantes são muito, muito reais.
Ele rodeou a mesa e se aproximou. Ela desejou com cada fibra de seu trêmulo ser não ter entrado tão profundamente dentro daquela sala. Na verdade, ela estava começando a se arrepender de cada escolha que fizera e que a levara até aquele momento: mimar Phoebe, acreditar em Glassington, sair de Hampshire. Especialmente a última.
Augusta dificilmente seria considerada uma mulher pequena — muitos centímetros acima da média feminina, na verdade. Mas ele se elevava uns trinta centímetros a mais que ela. Talvez mais. Isso seria suficiente para explicar a sua cabeça girando e a súbita necessidade de ar. Ele também era largo o bastante para bloquear toda a luz da janela do escritório, transformando as suas feições ásperas em uma sombra gigante.
Ele a esquadrinhou. Podia imaginar o que viu. As características simples, porém dignas, dos Widmores. Cabelos ruivos escuros presos sob a cabeça para domar as mechas. Bonnet1 de palha sem adornos. Peliça de lã que esteve na moda há cinco anos, quando o costurou, mas que agora era velha e sem graça. Mãos enluvadas apoiadas com firmeza na cintura.
Apesar da intensidade do olhar, não se iludia achando que a achava agradável. Passara vinte e oito anos sem um homem sequer falar sobre seus atrativos. Após tanto tempo, ela concluiu que era óbvio.
Não. O Sr. Reaver não a encarava do alto de sua colossal altura por estar fascinado por sua beleza. Era um teste. Sua exploração silenciosa era para intimidar, fazê-la encolher e recuar.
Bem, talvez não fosse bonita. E talvez sua vida tranquila em Hampshire fosse um treinamento inadequado para este tipo de confronto. Mas o Sr. Reaver tinha um ou duas coisas a descobrir sobre Augusta Widmore se pensava que um pouco de tamanho e intimidação a dissuadiriam de sua tarefa.
Ela ergueu uma sobrancelha.
— Sabe, encarar é rude.
Mais uma vez ele franziu a testa. Um daqueles dedos grossos e manchados de tinta acariciou a sua lapela. O gesto a assustou. Parecia um grande urso brincando com a comida.
— Parece que você arrumou alguém apropriado, não? Recém-nomeado conde. Ele prometeu casamento?
Ela recuou dois passos antes de parar. A tensão tomou conta de seus músculos de suas pernas, barriga e pescoço. Ele estava muito perto da verdade.
— Deve ter ficado muito desapontada quando ele perdeu tudo, exceto o título, em apenas quinze dias.
“Desapontada” nem começava a descrever a sua reação. Glassington destruíra não apenas sua própria fortuna como tudo o que ela trabalhara para construir desde os dezessete anos. Ele enviou a uma vida de desgraça e pobreza uma mulher que confiou a ele o seu coração e seu corpo.
Tudo por duas semanas de folia e bebedeira.
Ela ergueu seu queixo e segurou o olhar.
— Não é por Lorde Glassington que peço. Outros serão prejudicados quando cobrar as dívidas dele. Inocentes que não fizeram nada mais do que...
— Confiar no maldito nobre errado. Aye. Um problema comum, esse. — Sua cabeça inclinou-se sutilmente. — Não é problema meu, entretanto.
Ela piscou e estremeceu em alarme enquanto ele diminuía os poucos passos que os separavam e inclinou-se até que o peito quase tocasse o nariz dela. Atrás, o leve ruído de uma porta soou. Uma rajada de ar mexeu suas saias.
Oh! Ele estava abrindo a porta. Graças a Deus. Por um momento, ela pensou que ele pretendia... mas, não. O Sr. Reaver podia ser um rufião mal nascido, mas não era conhecido por importunar mulheres. Na verdade, em meio a todos relatórios e rumores que ela reuniu, pouco foi falado sobre os seus hábitos em relação à companhia feminina. Ele era solteiro, isso era tudo o que as suas fontes sabiam.
— Hora de ir, Srta. Widmore.
Ele cheirava melhor do que podia supor. Muito melhor, na verdade. Como o estimulante ar de outono: limpo e dourado com apenas uma pitada de lã e fumaça de madeira queimada.
Uma pata gigantesca envolveu seu braço. Antes que pudesse dizer uma palavra, a girou e a empurrou pela porta. Embora indolor, sua saída foi rápida e fluída. Não havia como resistir.
Ela perdeu o fôlego em algum lugar na antecâmara, porém, conseguiu repreendê-lo ao alcançarem o corredor.
— Sr. Reaver! Isso é muito inadequado. — Ela esticou o pescoço para ver além da aba do bonnet, foi capaz de vislumbrar uma mandíbula flexionada. — Solte-me imediatamente, sir.
Ele não a soltou. Nem mesmo diminuiu os passos, o que era uma caminhada para ele, era uma corrida para ela.
— Não tem consciência? Nem honra?
Enfim ele parou. Virou-se para encará-la.
Sem ar, ela o observou abaixar-se. Ele estava... curvando-se para ela? Que estranho.
Seus ombros roçaram sua barriga. Um momento depois o mundo virou. Ela gritou quando uma faixa de músculos quentes envolveu suas coxas. Chiou quando uma mão gigantesca segurou suas nádegas com firmeza. Então o mundo começou a subir e descer.
Não. Ela estava subindo e descendo. Ele descia as escadas, carregando-a sobre os ombros como um saco de farinha. Nem ao menos teve a cortesia de respirar com dificuldade, comportando-se exatamente como se carregar mulheres estranhas pelas escadas da frente de seu clube fosse uma rotina entediante.
— Sr... . ooph! Sr. Reaver. Insisto eu me ponha no chão ... ugh... Imediatamente!
Então, repentinamente, ele fez isso.
A cabeça dela mergulhou. As mãos agarraram-se aos ombros largos. As mãos dele se demoraram em sua cintura.
— Ora, ora. A qualidade da ralé parece estar melhorando por aqui. — A voz era refinada e animada. Sr. Shaw.
O Sr. Reaver deu um passo para trás, deixando-a desequilibrada e desorientada. Ele fulminou o mordomo que aparecera ao lado deles. Então, sem falar nada, subiu as escadas e desapareceu: um gigante sombrio e intimidador voltava ao seu covil.
Ela piscou. Olhou para o Sr. Shaw que estava parado, sorrindo, seus dentes brancos contrastavam sua pele negra. Sobre um dos ombros do homem, ela avistou uma estátua de uma mulher segurando algum tipo de receptáculo. Talvez uma cornucópia derramando moedas de ouro.
— Srta. Widmore. — O Sr. Shaw a censurou e gentilmente a pegou pelo cotovelo, levando-a até a porta. — Eu a alertei. Ele não gosta de visitantes.
Uma brisa fria e úmida entrou ao abrir a porta. Por fora, ela era vermelha.
— Sr. Shaw.
Ele parou enquanto pressionava além do limiar.
— Sim?
Ela se virou para encará-lo.
— Este é um assunto de muita urgência.
— Tive esta impressão.
— Eu não desistirei até que o Sr. Reaver me ouça. Não posso desistir.
O sorriso do Sr. Shaw se suavizou. Os olhos de âmbar ficaram pensativos.
— Um conselho, seu puder ser tão ousado.
— Sim?
— Desista.
— Eu...
— Apelar para a misericórdia de Reaver é... — Ele deu uma risadinha. — Como esperar que moedas de ouro caíssem da cesta de uma deusa na rede de alguém. Desista agora, Srta. Widmore. Salve-se desta frustração imensurável.
— Mas...
Sua única resposta foi fechar a porta.
Ela se confortou por ele não a ter batido. Não, o Sr. Shaw — ao contrário de seu empregador — era educado e paciente.
Distraída, passou a mão sobre sua barriga. Ele não a machucara, mas ainda podia sentir a solidez de seu ombro. A força do braço. O calor de sua mão em suas nádegas.
Como ele gostaria de poder seguir o conselho do Sr. Shaw. Mas nem ele e nem o Sr. Reaver entendiam a natureza terrível de suas circunstâncias ou a persistência de seu caráter.
Ela encarou a porta vermelha. Puxou as luvas com um pouco de força. E endireitou sua perfeita postura Widmore.
Eles não a entendiam agora. Mas a entenderiam. Muito em breve, a entenderiam.
CAPÍTULO 2
“Para uma dama corajosa, um desafio é meramente um chamado às armas. Considere-se avisado”.
A Marquesa Viúva de Wallingham para Elijah Kilbrenner em uma carta, respondendo ao cavalheiro sobre a rejeição de um conselho.
— Você deve admitir que ela teve mais sucesso que a maioria.
Sebastian Reaver ignorou seu melhor amigo e parceiro de negócios, optando por quebrar o selo de outra carta que não desejava ler.
Adam Shaw se encostou na beira da mesa de Reaver e cruzou os braços.
— Não sugiro que concordemos com o pedido dela, veja bem. Mas é engenhosa. Suspeito que tem monitorado a nossa agenda e hábitos por pelos menos duas semanas. Duff diz que um garoto o roubou minutos antes de ela aparecer em seu escritório. Não ortodoxo, mas eficaz.
Reaver olhou para Shaw sobre o topo de seus óculos de leitura. Shaw lhe lançou um sorriso.
— Sim, sim. As exigências são absurdas, concordo. Ainda assim, admiro a determinação dela. Talvez devesse conceder-lhe uma reunião.
— Não.
— Pode ser divertido. Poderia usar um pouco disso.
Reaver bufou irritado e jogou a carta da bandeja de madeira à sua direita.
— O que quer dizer?
Shaw deu de ombros.
— Só que você ficou entediado e infeliz. Sua pequena aventura na primavera passada provou ser uma excelente distração, mas agora acabou.
Sua “pequena aventura” envolvera uma investigação sobre mortes por envenenamento de, pelo menos, quatro lordes saudáveis. Na época, ele ficou furioso, pois, entre as vítimas, estava um dos poucos aristocratas de quem ele gostava. Então, insistiu em ajudar Henry Thorpe, o Conde de Dunston, a prender o vilão, a quem Dusnton perseguia por mais de uma década. Eles foram bem sucedidos, porém, apenas depois do vilão ter conseguido envenenar Shaw e chegar perto de matar a esposa de Dunston.
— Um sujeito chato? — Reaver sacudiu a cabeça. — Deveria ser grato por isso. Outra aventura como a última e você pode não sobreviver.
Shaw bateu no peito.
— Robusto e saudável, homem. Você, por outro lado, fica mais austero a cada dia. Já considerou em ter uma amante? Presumindo que possa encontrar uma mulher com problema de visão. — Ele inclinou a cabeça. — Ou de constituição vigorosa.
— Você não tem uma planilha de riscos para analisar?
— Tudo o que estou dizendo é que floresce com desafios. Você passou os últimos catorze anos construindo isso. — Shaw gesticulou em direção às estantes do outro lado da janela. Reaver presumiu que ele queria dizer o clube no geral.
Era verdade que aquele era o único foco de Reaver. O clube era a sua esposa, sua amante, seu filho. Cada pensamento e ação, cada momento do dia fora dedicado a torná-lo o que ele era hoje: a mais elegante casa de jogos em Londres. Também era verdade que, ultimamente, Reaver estava... inquieto.
Shaw se afastou da mesa.
— O clube é o maior sucesso possível. É hora de procurar por uma nova montanha para escalar.
— Eu tenho a expansão para...
— Frelling pode administrar o projeto enquanto dorme. — Shaw lançou um olhar de desgosto sobre o livro e pilha de papéis arrumados em sua mesa. — E as horas acordadas, ele poderia gastar nisto aqui.
— Não se ele preferir tomar chá com a sua nova esposa do que cuidar do trabalho. Quando isso começou, hein?
Shaw ergueu uma sobrancelha e deu de ombros.
— Ele pediu. Eu permiti. O fato de que falhou ao perceber a ausência dele é, evidente, problema seu.
— Meu único problema é com funcionários que não podem impedir que solteironas de línguas afiadas se infiltrem em meu escritório.
— Aquela solteirona de língua afiada é a coisa mais interessante que aconteceu a você em meses.
Reaver jogou os óculos sobre o livro aberto e se afastou da mesa. Andando até a janela, apoiou a mão sobre ela e olhou para a pequena praça cercada por casas de tijolos. Ao seu lado, um relógio marcava a passagem do tempo. Abaixo, os mesmos velhos rostos que iam e vinham, a maioria saindo com mais conhaque e menos contidos do que quando chegaram.
— Pense um pouco sobre isso. Arrume uma amante. Deus, até mesmo uma esposa se preferir algo um pouco mais permanente. Frelling recomendaria o último. Assim como a sua prima.
— Droga, maldito inferno. — Reaver murmurou. — Uma esposa? No momento tenho mulheres o suficiente me enterrando na lama, obrigado.
— Lady Wallingham não é uma dama. Ela é uma força da natureza. Um tornado.
Verdade. A idosa fora nomeada a representante de sua avó americana ali na Inglaterra. Ela lhe escrevia todas as semanas nos últimos dez anos: uma cruzada para transformá-lo “em alguém aceitável”. As recomendações variavam desde contratar um novo alfaiate a compra de uma propriedade rural para ter, discretamente, aulas com um tutor especializado em “dicção apropriada”. Sua natureza autoritária e intrometida fazia os nervos vibrarem. Cada palavra era como uma mordida em uma barra de ferro.
Soou uma batida. Frelling colocou a cabeça pela porta.
— Uma visita para você.
Reaver olhou com raiva.
— Não há nenhum compromisso marcado para esta manhã.
Frelling ajustou os óculos, dando de ombros e sorrindo.
— Ela insiste.
Ela? Uma onda explodiu em sua barriga, subindo para o peito, não desejado e mal recebido. Muito parecido com excitação. Por um momento, a imagem dela como parecera dois dias atrás: pele corada por ter sido carregada pelas escadas, bonnet de palha perfeitamente reto com a fita marrom cuidadosamente amarrada embaixo do queixo. As mãos de ambos demoraram sobre o outro por cerca de um segundo a mais do que o necessário. Quase um abraço.
Maldito inferno. Um abraço? Talvez Shaw tivesse razão sobre arrumar uma amante. Passaram-se seis meses desde a última. Muito tempo, obviamente.
— Diga a ela para ir embora. E a escolte até lá fora.
Frelling ignorou sua ordem. Em vez disso, o homem se virou para falar com alguém atrás dele. Então a porta se abriu.
Não era a mulher que ele imaginara.
— Tolinho. — Disse a mulher mais requintada que ele conhecera, passando por seu fascinado secretário e invadindo o seu escritório em uma nuvem de musselina branca e veludo índigo. Sobre os seus cabelos pretos havia um bonnet azul-escuro com pequenas penas brancas. Ela piscou os cílios grossos sobre os hipnotizantes olhos azuis.
—Trouxe presentes. Como prometido.
Ela inicialmente deslizou até a sua mesa, depositando nela um pacote plano e quadrado, enrolado em uma folha de papel, depois segurou a mão dele entre em um pequeno e delicado aperto.
— Venha. — Ela balançou a mão dele. — Abaixe-se.
Novamente, maldito inferno. Esta era a última coisa que ele precisava. Ele curvou-se, abaixando a sua bochecha, assim ela o alcançaria. Ela depositou um beijo sobre o seu queixo e lhe deu um sorriso brilhante.
— Pronto. É esplêndido vê-lo, Elijah.
Ele suspirou, endireitando-se.
— Reaver, Lady Tannenbrook. Sebastian Reaver.
— E eu já lhe disse para me chamar de Viola.
— Muito familiar.
— Nós somos primos. Bem, você e James são primos, de qualquer modo. Eu tenho certeza de que ele não se importará.
— Eu vi o jeito que ele olha para você. Prefiro manter meu sangue no lugar a que pertence. Falando nisso, onde está o seu marido?
Viola deu uma piscada de olho maliciosa, uma pequena cicatriz perto do olho atraiu sua atenção. Apenas enfatizava a sua perfeição.
— Ele e o Sr. Duff discutem sobre o método correto de arrumar uma chaminé. Eu o espero em breve.
Novamente, Reaver se viu suspirando. Ele olhou para Shaw que acenou e saiu para buscar o homem.
James Kilbrenner, o Conde de Tannenbrook, tendia a ficar irracional quando sua esposa passava um tempo sozinha com outro homem. Melhor manter a duração curta. Tannenbrook não possuía a suavidade típica de um nobre. Ele era um marmorista escocês antes de, inesperadamente, herdar o título inglês de um parente distante aos dezesseis anos.
Não, Tannenbrook estava longe de ser suave. Ele passou anos restaurando a propriedade de Shankwood, a vila adjacente e tudo o que cercava as suas terras a uma sólida produtividade, fazendo boa parte do trabalho com as suas próprias mãos. Preocupado com o que poderia acontecer com a propriedade e com as pessoas que dependiam dela se não pudesse ter um herdeiro, ele rastreara o último homem remanescente da linhagem Kilbrenner — Reaver, como acontecera.
Reaver tinha pouca vontade de reclamar o seu nome verdadeiro e, menos ainda, ser o pressuposto herdeiro do homem. Mas, então, a pequena e requintada esposa de James Kilbrenner decidira que a felicidade do marido dependia da aceitação por parte de Reaver de seu “dever familiar” e Reaver não conhecera uma semana de paz desde então.
— Oh, pare de franzir o cenho, Elijah. Eu não vim aqui para atormentá-lo. — Ela soltou suas mãos e se virou, flutuando em direção à mesa. Quando se voltou novamente, ela segurava uma folha de papel junto ao peito. — Eu vim resolver o seu problema.
— Por que todos assumem que tenho um problema?
— Eu fiz uma lista!
— Se eu tenho um problema, minha dama, é de pessoas me aconselhando sobre problemas que eu não tenho.
Ignorando seu resmungo, ela sacudiu a folha aberta, pigarreou e começou a ler.
— Lista de Lady Tannenbrook de possíveis noivas para o Sr. Elijah Kilbrenner. Adorará isso. Poupei-lhe incontáveis horas de conversas horríveis sobre cores favoritas e questões tolas sobre porque nomeou o seu cavalo de Coronel Smoots.
Ele franziu a testa. Por que alguém se importaria em como ele chamava o seu cavalo?
Ele levantou a mão.
— Confie em mim. — Então ela ergueu um dedo. — Possível Noiva número um: Srta. Lydia Chipperfield. Oh, eu gosto desta, Elijah. Vinte anos. O pai é um advogado que resolveu um pequeno problema para o príncipe Regente e foi agraciado com um título de cavaleiro. Sir, Emmett Chipperfield é o nome dele. Cavalheiro encantador. A mãe é maçante como água estagnada na lagoa, mas não se preocupe. Lydia pode ter a beleza da mãe, mas herdou a inteligência do pai. Uma candidata excelente, se assim puder dizer.
Ele passou a mão na cabeça. Que coisa idiota ele ter tosado a si mesmo como uma ovelha na primavera. Ele esteve inquieto durante os meses finais do verão londrino. Quente e sentido como se a pele estivesse muito tensa. Novamente ele considerou se Shaw poderia estar certo. Uma amante. Sim, talvez...
— Possível noiva número dois: Lady Maria Fitch. Esta pode estar um pouco fora de alcance, mas seja paciente comigo. Acredito que poderia resultar em uma combinação espetacular. — Viola mordeu o lábio em forma de pétala. — Ou um erro espetacular. Ou um ou outro. Não importa. Nós determinaremos quando a conhecer. Ela é a segunda filha de um conde irlandês. Dezenove. Um pouco jovem, admito.
E vinte não era? Seus dedos apertaram os ossos acima do nariz.
— Lady Tannenbrook.
— Possível noiva número três...
— Não estou procurando uma esposa.
— Hmmph. Meu James disse o mesmo. E, no entanto, aqui estou.
— Agora, se tiver uma lista de possíveis amantes, aceitarei com prazer. — Ele falou para ser rude. Forçá-la a parar. Ou partir. Ele deveria saber mais.
Ela fungou.
— Besteira. Para seus filhos serem legítimos, você deve se casar.
— Também não busco filhos.
— Bem, deveria.
Sua resposta foi um grunhido.
— James dormirá melhor sabendo que Shankwood está segura. Ele respeita você, Elijah. Não se importa que herde seu título, mas prefere que esteja mais... estabelecido.
— Ele preferiria que eu me mudasse para Derbyshire com uma esposa e cinco filhos.
—Naturalmente. Eu sou menos exigente, entretanto. Não vejo motivos para não continuar a viver em Londres e gerar, deixe-me ver, três filhos.
Ele suspirou. Esfregou com força a testa.
— Lady Tannenbrook?
— Sim?
— Não quero ser indelicado.
— É claro que não. Você sempre foi educado, Elijah.
— Você deu à luz a uma filha há alguns meses.
Ela sorriu. Iluminou-se como uma lanterna em uma noite sem lua.
— Elizabeth. Sim. Uma pequena linda e maravilhosa. Deve ir vê-la logo.
Ele ignorou o convite, como frequentemente fazia.
— Em um ano ou dois, você deve lhe dar um irmão. Dê a Tannenbrook o verdadeiro herdeiro. Pode ser você com três ou cinco filhos.
O brilho em seus olhos diminuiu de alegria a melancolia. Amassou a lista entre as mãos. Ela sussurrou:
— Improvável. Mas rezo para que esteja certo.
O vinco em sua testa se aprofundou. Ela era alegre, linda e uma dor irritante em seu traseiro. Mas então, a sua tristeza o fez querer bater em algo. Ele gostava de Viola. Contra o seu melhor julgamento e todas as regras para manter sua própria sanidade, ele gostava dela. E ele não gostava de vê-la triste.
A porta se abriu com um estrondo.
— Bom Deus, moça. Eu dei as costas você sumiu. Nunca mais faça isso novamente. Maldito inferno, eu quase tirei a cabeça de Shaw de cima dos ombros antes que ele me dissesse onde estava.
Se Reaver não soubesse que James Kilbrenner era seu primo, ele teria adivinhado pela semelhança. Poucos homens o alcançavam em altura. Tannenbrook era um desses, embora fosse meio centímetro mais baixo que Reaver. E, embora seu primo fosse loiro, muitos dos outros traços eram parecidos. Exceto o nariz. O nariz de Reaver era um bico quebrado duas vezes enquanto o de Tannenbrook era bruto como o resto de seu rosto. O homem parecia um marmorista escocês.
Viola se virou e foi, quase dançando, até o marido. Como fizera antes, ao mencionar a filha, a pequena beleza brilhou com afeto.
— Perdoe-me, meu amor. Estava impaciente.
Tannenbrook a puxou para ele. A disparidade entre os tamanhos era uma comédia. A mão cobriu toda a extensão das costas dela enquanto seu bonnet nem lhe alcançava o queixo. Mas Reaver reconhecia que o amor entre eles era tão óbvio que deixava pouco para se notar.
— Você deu a ele? — Tannenbrook perguntou.
— Estava prestes a fazer isso.
Reaver franziu a testa.
— Fique com a sua lista, Lady Tannenbrook. Eu não preciso dela.
Tannenbrook levantou o rosto e lhe olhou com um vinco igual na testa. Era uma sensação estranha, como se estivesse se vendo no espelho.
— Lista? — Ele inclinou a cabeça em direção a sua mulher. — Que lista?
Ela sacudiu a mão delicada, colocou o papel nas costas e se afastou da mesa.
— Oh, não é nada, de verdade. Apenas um guia para auxiliar Elijah com o seu pequeno problema.
Reaver coçou a cabeça.
— Pela última vez, eu não tenho um problema.
Ela colocou a lista na mesa e recolheu o pacote que apoiara ali mais cedo, presenteando-o com um sorriso. Estava envolto em um papel marrom e barbante.
— O que é isto?
— Abra a veja, tolinho.
Ele cortou o barbante com uma mordida e desembrulhou o papel. Dentro havia uma pintura. Verde, cinza e ouro, emoldurada por uma madeira escura. Uma vila de pedra entre colinas gramadas e molhadas pela chuva.
— Minha amiga, Lady Atherbourne, pintou isso. Vê? — Ela apontou para uma torre e uma série de chaminés acima de massivas estruturas de pedra. — A igreja. E Shankwood. Retratos são a especialidade dela, mas acho que se saiu bem neste. Você deveria pendurar aqui, no seu escritório. — Ela gesticulou para as paredes vazias e franziu seu minúsculo nariz. — Acho que esta sala poderia ganhar um pouco de... refinamento.
Reaver lançou o olhar a Tannenbrook. O homem deu de ombros. Estava começando a desprezar este gesto.
— Shankwood poderá ser sua um dia, Reaver. — Tannenbrook falou, movendo-se para o lado de Viola. — Deveria ao menos saber como ela é.
Ele quis discutir. Ele quis devolver a pintura às mãos de Viola e informa-lhes que nunca seria um maldito aristocrata, não importa quanto eles pressionassem ou insistissem, não importa quantas vezes eles visitassem seu clube, o convidasse para jantar ou o chamasse por um nome que ele deixou nas cinzas há vinte anos.
Sebastian Reaver se fizera por conta própria. Tudo o que ganhara foi com suor, sangue, músculo e planejamento.
Ninguém poderia lhe dizer quem ele era. Centímetro por centímetro, ele descobrira isso sobre si mesmo.
Ele já tentara explicar isso a Tannenbrook. O homem meramente grunhiu e lhe contou sobre o dia em que um “maldito advogado inglês” chegara à cabana de sua mãe ao norte da fronteira escocesa. Como ele resistira em aceitar as responsabilidades que surgiram ao redor de seu pescoço como jugo em um boi. Como ele logo percebeu que suas negativas eram insensíveis e custariam muito àqueles que dependiam dele.
Reaver também tentou persuadir Viola. De qualquer forma, foi menos receptiva e alegremente, assegurou-lhe que seria um lorde esplêndido: “olhe como administra bem o Reaver’s!”
Eles não desistiram desde que chegaram em Londres no começo do mês. Ele presumia que a campanha deles em transformá-lo em um herdeiro aceitável continuaria até ceder e concordasse em visitar Shankwood.
Não estava preparado para fazer isto. Mas, no interesse de recuperar a posse de seu escritório, aceitou a pintura, inclinando a cabeça para Viola.
— Agradecido, Lady Tannenbrook.
Ela sorriu.
Tannenbrook bateu em seu ombro com carinho.
Após outros quinze minutos ouvindo o primo descrever a recente colheita da propriedade, enfim, o casal partiu. Viola acenou e, em seu caminho a porta, piscou e murmurou:
— A lista! Dê uma olhada nela, Elijah!
Suspirou e jogou a pintura em cima da lista amassada antes de se afundar em sua cadeira.
Deus, ele precisava de novos empregados. Um segurança que não perseguisse ladrões e abandonasse o posto. Um secretário que negasse a entrada em seu escritório a parentes não convidados.
Seu escritório. Aquele era o seu domínio afinal, maldição. E ultimamente, estava repleto de intrusos.
Ele visualizou a carta que chegara naquela manhã. Até mesmo a Marquesa Viúva de Wallingham o perturbava, embora por correio. Ele colocou a lista de Viola e a pintura em cima do selo quebrado, tirando-os de sua frente. Então sentou-se e esfregou os olhos.
Talvez ele devesse passar o resto do dia trabalhando na renovação da casa vizinha. Ele e Shaw haviam comprado a propriedade adjacente com a intenção de expandir o clube. Sempre que se cansava da contabilidade e de responder cartas queixosas de lordes empobrecidos, encontrava consolo em levantar-se, destruir e trabalhar usando a força física.
Se no fim, o propósito de separar mais aristocratas de suas fortunas parecesse menos satisfatório do que ele gostaria, pelo menos, o trabalho servia para acalmar sua inquietação.
Aye. Trabalho físico não era um desafio, mas clareava a sua mente. Decisão tomada, ele começou a arrumar a mesa. No instante em que terminou de ordenar as pilhas e afastar a sua cadeira para se levantar, a porta de seu escritório se abriu gradualmente. Uma touca branca espiou pela abertura. Um braço de manga preta estendeu-se para dentro, acompanhado de uma mão enluvada. Foram seguidos por um peito amplo e quadris delgados, todos envoltos em lã lisa e escura e um avental branco e limpo.
Ela estava vestida como uma criada.
Mechas onduladas de cabelo avermelhado apontavam para fora da borda enrolada da touca. Pele clara e perfeita em um meio tom mais cremoso do que o branco de seu avental.
Inexplicavelmente o seu corpo se contraiu até que ele conseguiu apenas agarrar-se aos braços da cadeira.
Ela retornara. Vestida como uma criada.
Maldito inferno sangrento.
CAPÍTULO 3
“Um acordo propriamente negociado envolve dar e receber: dou conselhos sábios e você toma as ações apropriadas. Então. Este entendimento servirá muito bem às nossas necessidades, não concorda?”
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta definindo as tarefas referentes ao instrutor e o instruído.
Encontrar o traje de uma criada fora mais uma questão de sorte do que de inteligência. A casa onde Augusta e Phoebe conseguiram quartos recebia muitos residentes não convencionais, incluindo uma mulher que chamava a si mesma Delilah Honeybrook. Como Augusta descobrira no dia da lavanderia, a Srta. Honeybrook possuía uma variedade peculiar de trajes: um vestido de camareira, um hábito de freira fora de moda e um vestido que ela apelidara de “conjunto de solteirona”. O último era perturbadoramente parecido com alguns dos vestidos de Augusta.
Entretanto o traje de empregada era precisamente o que precisava. Felizmente, a Srta. Honeybrook tinha a mesma altura de Augusta. Infelizmente, os seios da mulher eram bem menores, o que tornou a viagem até o Reaver’s Clube desconfortável.
À medida que entrava no escritório do Sr. Reaver pela segunda vez, tentou suspirar aliviada. O maldito corpete não permitiria uma respiração profunda.
— Srta. Widmore. — Uma voz sombria soou do outro lado da sala. — Outras pessoas pensariam que sete notas sem respostas, três recusas de Shaw e uma viagem involuntária à porta da frente seria resposta suficiente às suas solicitações.
Seu coração fraquejou e se apertou. Oh, Deus, ele é grande, ele parecia dizer. Talvez o corpete fosse o culpado. Estava terrivelmente apertado.
Ela apertou as luvas com mais força e entrou na sala.
— Se deseja que eu parta, Sr. Reaver, então apenas me escute. Esta é a rota mais rápida para a minha partida, garanto-lhe.
— Duvido.
— Bem, talvez chegar a um entendimento seja mais o que eu...
— Você quer que eu perdoe as dívidas de Glassington. Isso não acontecerá.
Ela ergueu uma sobrancelha.
— O contrário. Eu não busco o perdão. Entende? Precisamente por isso que precisa me ouvir.
Ele apoiou os cotovelos nos braços da cadeira e juntando as pontas dos dedos, reclinando-se em uma pose sardônica.
— Continue.
Pigarreando, ela deu um passo em direção à mesa, parando a pouca distância da beira.
— Lorde Glassington assumiu certos... compromissos. Ele não pode, ou devo dizer, não manterá esses compromissos se se não tiver os meios de fazê-lo.
— Um aristocrata que prefere manter sua riqueza do que a sua palavra? Devo alertar o The Times?
— Este não é assunto para piadas, Sr. Reaver. Vidas inocentes serão devastadas caso Lorde Glassington não cumpra com os seus acordos anteriores.
— Que são?
Ela parou. Esta sempre foi a parte mais problemática da conversa a ser abordada. Quanto ela deveria contar a um rufião nascido na classe baixa, conhecido por negociar segredos? Ela começou moderadamente.
— Ele concordou com um noivado. Após o desvio desagradável em seu clube, ele retirou a oferta de casamento.
A luz que se infiltrava pela janela iluminou os olhos dele.
— Deixe-me adivinhar. Ele chorou por perder sua fortuna. Considerou que ele não podia, em sã consciência casar-se com você e lhe enterrar em tal dívida.
Por um momento, considerou corrigir suas suposições. Mas Sebastian Reaver era muito inteligente. Se ela o corrigisse, ele adivinharia toda a verdade, precisamente o que ela desejava evitar.
— Ele fez promessas. — Ela falou levantando seu queixo. — O que eu peço é que me ajude a garantir que ele as mantenha.
Aquela mandíbula se flexionou.
— Como?
— Dê-me as promissórias de dívidas dele.
Uma risada curta e retumbante soou.
— Você é corajosa, Srta. Widmore. Eu tenho que lhe dar crédito por isso.
—Não permanentemente, é claro. Eu devolverei uma vez que ele cumpra com as suas obrigações. Tem a minha palavra.
— Humm. Sua palavra, não? Isso e um ou dois xelins pagarão por uma entrada em Bedlam. — Ele apoiou nos braços da cadeira, erguendo-se em todo o seu tamanho. — Precisamente onde eu pertenceria se concordasse com este disparate.
Ele andou em sua direção. Antecipando as intenções, contornou e foi para o outro lado da mesa, colocando a maciça placa de carvalho entre eles.
— Você não perderia nada com esta barganha. — Ela alegou.
— Não, não ganho nada, a não ser uma maldita dor de cabeça.
— Bem, o que você quer em troca? Talvez eu possa...
Ele contornou a mesa.
Ela o imitou, passo por passo.
— As negociações acabaram. — Ele retumbou. — Ouvi o seu pedido. Minha resposta é não. Agora, mais uma vez, Srta. Augusta Widmore, é hora de partir. Este é um clube para cavalheiros. — Seus olhos caíram rapidamente sobre o corpete dela, franzindo o cenho vagamente intrigado. — E você, dificilmente, é um.
Seus movimentos eram suaves e mais rápidos do que se podia supor. Ela o observou com cautela, consternada em como ele era tão ágil para seu tamanho.
— Eu devo dizer o mesmo de você, Sr. Reaver.
Uma fração de segundo antes que ele a pegasse, ela fez um giro, deixando suas mãos gigantes agarrando o ar.
— Fique parada, mulher. Por Deus, você é irritante.
— Mesmo me jogando para fora desta vez, eu retornarei. E de novo e de novo. Você nunca se livrará de mim.
Ele inclinou-se sobre a mesa, as mãos espalmadas sobre a superfície arrumada, os ombros diminuíram um pouco.
— Os magistrados terão algo a dizer sobre isso. Invasão é crime.
— Envolver a lei apenas lhe daria outra dor de cabeça. É mais simples chegarmos a um acordo. — Ela foi para trás, medindo o comprimento dos braços dele e a distância entre eles. Suas costas roçaram a parede. — Deve existir algo que queira. Eu poderia fazer algum trabalho, talvez. Tornei-me bastante hábil em obter informações. Essa é uma de suas mercadorias mais lucrativas, se não estiver enganada.
Ele balançou a cabeça, os dedos flexionando na madeira.
— Por que não atormenta Glassington com as suas incessantes invasões? Ele será seu marido. Deve ser ele a sofrer.
Ela piscou e depois estremeceu.
— Você é um homem rude.
— Se lhe incomodo, então parta.
—Sem as promissórias, minhas tentativas de persuadir Lorde Glassington perderão o peso. Estou aqui porque é o que me restou. — Ela levantou o queixo. — Faça um pedido, Sr. Reaver. Se estiver em meu poder realizá-lo, eu o farei. Confio que manterá a sua palavra e me entregará as promissórias em troca.
Olhos pretos se estreitaram. Ele se endireitou. Cruzou os braços e lhe deu um longo e avaliador olhar, desde a touca até as botas de cano baixo enlameadas. Sua fisionomia ficou pensativa. Calculista.
— Muito bem, então.
Seu coração disparou. Ela piscou. Ele estava cedendo. Céus, finalmente — finalmente — teria uma chance para consertar essa situação miserável.
— Aqui estão os meus termos: eu lhe concederei o uso temporário das promissórias para amarrar o nobre pelas pernas.
Ela engoliu em seco, mal ousando ter esperança.
— Em troca, você será minha amante.
O ar a abandonou. A luz brilhante diminuiu, afogou-se.
Um sorriso perverso curvou um canto da boca dele.
— Você entregará a sua parte da barganha primeiro, é lógico. — Os olhos dele caíram sobre seu corpete e depois voltou para golpeá-la. — Seis semanas devem bastar.
Os pensamentos subiram, giraram e deslizaram como rodas de carruagem na lama de outubro. Inicialmente ela imaginou ter lhe ouvido errado, uma ideia rapidamente descartada. Não. Ela lhe pedira para fazer sua exigência e, diabólico como era, fez um pedido ultrajante, provavelmente tentando chocar sua sensibilidade. Não verdade, fora bem-sucedido.
Em seguida, procurou alternativas. Infelizmente tinha muito pouco a oferecer ao homem. Essa sempre foi a grande falha de seu plano. Suas habilidades eram limitadas, seus recursos eram inexistentes. Sua linhagem era antiga e distinta, mas era inútil para alguém como o Sr. Reaver. E duvidava enormemente que se oferecer para consertar as camisas ou escrever as suas correspondências pudesse induzi-lo a esquecer sua proposta escandalosa. Resumindo, esperava contar com a simpatia dele por sua situação. Claramente ele não tinha nenhuma.
Finalmente, contemplou a barganha o que ele oferecia, realmente a considerou. Obviamente ele presumia que ela recusaria, provavelmente esperando jogá-la para fora de seu escritório e nunca mais voltar. Afinal, se ela fosse se casar com Glassington, tornar-se a amante de Sebastian Reaver negaria o seu propósito. Qualquer lorde na posição de Glassington recusaria uma mulher manchada, independentemente de sua influência, pois tudo o que restava era sua honra de cavalheiro. Mas, como ela não se casaria com Glassington, a suposição do Sr. Reaver era errada. E essa era a sua vantagem.
Na verdade, ela estava tão profundamente relegada a uma prateleira que poderia muito bem estar coberta de mofo. Quem se importaria se ela mantivesse uma breve e discreta aventura, mesmo se fosse com o notório proprietário de um clube de jogos? Uma vez que Phoebe estivesse seguramente casada com Glassington, os casos de Augusta perderiam a importância. Ela poderia voltar a Hampshire, apreciar as visitas de sua irmã de tempos em tempos e atirar aquelas semanas em Londres para um canto obscuro e nebuloso de sua memória.
Quanto mais ela pensava sobre isso, melhor o acordo parecia.
Ela examinou o Sr. Reaver com mais atenção. Desta vez, ela não permitiu que sua altura quase impossível a distraísse. Ombros? Largos. Cintura? Estreita. Mãos? Enormes. Assim como seus braços e coxas. Na realidade, cada centímetro dele era volumoso e duramente musculosos, do pescoço aos tornozelos. O poder do homem era visceral.
Ela engoliu em seco e prendeu a respiração enquanto se esforçava a encontrar os avaliadores ônix. Apertando os lábios enquanto uma onda de calor envolvia sua coluna, ela deu um puxão nas luvas e endireitou a postura.
— Temos um acordo então. — Ela ficou feliz por sua voz ter se mantido firme, pois por dentro, nada estava.
Várias batidas de seu coração passaram enquanto o sorriso dele desaparecia e seu olhar se esfriou. Evidentemente ele ficou descontente por ela ter reconhecido a sua jogada.
Sebastian Reaver descontente era uma visão intimidadora.
Ela lutou para respirar fundo. Seu corpete não permitiu. Teria que ser superficial.
— Eu serei sua amante. — Ela continuou, recusando-se a se encolher diante da força daquele olhar intimidador. — Após seis semanas, entregar-me-á as promissórias de Lorde Glassington. — Ela deu a volta em sua mesa, veio em frente e lhe estendeu a mão. — Obrigada por sua oferta, Sr. Reaver. Aceito os seus termos.
*~*~*
Reaver olhou para baixo, para a pequena e enluvada mão e depois para os olhos acinzentados da Srta. Augusta Widmore.
Ela concordara. Com a mais insultante exigência que conseguiu inventar. Maldito inferno sangrento. A moça não tinha senso de preservação? Ela era idiota? Louca?
— É comum apertar as mãos quando um acordo é selado.
Não. Nem idiota e nem louca. A inteligência naqueles olhos não era enganosa. Ela podia parecer um pouco desfocada estando tão próxima, mas até ele podia perceber isso. Ela esperava que ele voltasse atrás. Talvez até contasse com isso.
Aye. Era isso. Ele meramente precisava pressioná-la um pouco mais forte.
— Não é assim que selo algo com uma amante. — Ele manteve sua voz baixa e sugestiva, mas suspeitou que não o fez bem, a reação dela foi um sorriso empertigado.
— Não sou sua amante até que finalizemos o nosso acordo. Humm. Bastante paradoxo, concordo. Vamos apertar as mãos, assim não continuaremos nos atrapalhando com estas contradições.
Ela pensava ser esperta, não é? Bobagem. Esta pequena solteirona sem graça do interior, que provavelmente confundiu os avanços de um Glassington bêbado com uma proposta de casamento, não era páreo para ele. A enviaria correndo para Hampshire com as bochechas queimando e um lenço agarrado ao peito.
O pensamento levou seus olhos até lá, onde estava estranhamente murcha. Diferente da vez anterior.
— Presume que sejam meus termos finais. — Disse, aproximando-se e abaixando a cabeça. — Não são.
Ela recolheu a mão antes que roçasse a barriga dele, cruzando-as perto da cintura.
— Oh? Deveria pensar que ‘amante’ cobre uma boa parte do território.
— Minhas necessidades são bem... específicas.
— Ah, entendo. Deseja acrescentar detalhes a nosso acordo.
— Aye. Detalhes.
— Tais como?
Aquilo não estava saindo como previra. Ela parecia estar se divertindo mais do que ficando apreensiva.
— Seus vestidos, para começar.
— Meus vestidos.
— Eles são feios. Sem graça.
Avaliando o avental branco amarrado sobre o vestido de cintura alta, alisou as dobras da saia.
— Bem, este não é meu, Sr. Reaver. Caso não tenha percebido. É um traje de criada. Peguei emprestado com uma conhecida.
Ele franziu a testa e olhou para o colo dela novamente.
— Não lhe serve bem.
Ela suspirou.
— Sim, eu sei. Terrivelmente apertado. Mal se pode respirar. Mas facilitou a minha entrada em seu estabelecimento. Por isso, sou grata.
Infelizmente, ele não ouviu nada além do “terrivelmente apertado”. Ele estava imaginando aqueles seios fartos pressionados e apertados. Como seriam ao serem libertados.
— Quanto aos meus outros vestidos, admito que são sérios. Nunca fui amante antes. Se quiser providenciar novas vestimentas para eu vestir, não farei objeção.
Ele ficou carrancudo.
— Pois deveria.
— Por quê?
Deliberadamente, traçou o decote alto de seu vestido.
— Serão bem mais baixos.
A respiração acelerou e a pele da garganta dela arrepiou-se.
Finalmente ela se ofendia adequadamente. Talvez ele devesse beijá-la e acabar com este negócio exasperante. Seus olhos caíram sobre os lábios dela. Não eram muito cheios, mas ainda sim carnudos. O formato do queixo, suave e estreito, os deixava mais proeminentes.
— As roupas serão por sua conta, Sr. Reaver. Se deseja que elas sejam mais... reveladoras, é sua prerrogativa. Provavelmente, apenas as usarei na função de sua amante. — Ela piscou lentamente e torceu aqueles lábios carnudos. — Como pode notar, fantasias não me assustam.
O que a assustaria? Esta era a questão. Ele franziu o cenho para a mulher que, aparentemente, possuía poucos escrúpulos sobre se vender a um estranho. Havia algo errado.
Após a segunda visita frustrada ao Reaver’s, Shaw encomendara uma investigação do histórico dela. Parte dos negócios do Reaver’s envolvia coletar informações por meio de uma vasta rede de fontes, dentro e fora de Londres, assim a tarefa fora bem simples.
Ela era uma mulher solteira de vinte e oito anos de uma calma vila em Hampshire. O seu pai fora um barão, mas após sua morte, o título passara para o tio dela. Ela viveu com o tio até mais ou menos quatro anos atrás, quando comprou um chalé para ela e sua irmã mais nova, Phoebe Widmore. Nenhum daqueles fatos sugeria uma mulher de moral flexível.
Pelo contrário. De acordo com Drayton, um agente de Bow Street que ele enviara à vila dela para fazer perguntas, a maioria dos vizinhos a descrevia como agradável, mas muito orgulhosa. “Soberba”, dissera Drayton, imitando o sotaque dos moradores. Ele bufou, balançou a cabeça e completou: “maneira educada de dizer que ela se acha muito melhor que nós, plebeus.”
Reaver tinha certeza de que ela recusaria a sua proposta grosseira. Permitir que ele a levasse para a cama? Qualquer mulher que valorizasse sua reputação, sua virtude, teria cuspido fogo e explodido seu clube diante de tal sugestão. É claro, qualquer mulher que valorizasse sua reputação, não teria invadido repetidas vezes um clube exclusivo para cavalheiros.
Ainda assim, seu consentimento contrariava a sua natureza.
Ou ela esperava que ele desistisse ou seu intuito de casar-se com Glassington era uma mentira. O último era possível, ele supôs. Mas por que ela estaria tão desesperada para conseguir as promissórias de Glassington? Vingança? Glassington a machucara?
O pensamento fez seu intestino se retorcer. Homens que atacavam mulheres e crianças mereciam uma morte longa e lenta.
Ele examinou o rosto dela: nariz fino, boca carnuda, olhos cinza e sobrancelhas castanhas. Era mais alta que a média, mas seus ossos eram suaves. A pele era pálida, assim como os lábios. Mas os olhos estavam longe de intimidados ou feridos. O oposto, eles brilhavam com uma inteligência irônica. A inclinação de sua cabeça e coluna reta não indicavam ser uma vítima. Elas falavam de orgulho. Dignidade. Desafio.
— Se planeja voltar atrás, Sr. Reaver, esteja avisado: considerarei tal ação como quebra de promessa similar à de Lorde Glassington. E você tem visto o quão longe eu posso ir ao lembrá-lo de suas obrigações. — Olhos cinza fulminantes e lábios carnudos contraídos. — Nós temos um acordo, sir. Se quebrá-lo, ficarei na entrada do seu clube todos os dias. Informarei a cada homem que entrar que o proprietário do Reaver’s não tem decência para manter sua palavra. Quantos deles, supõe, que honrarão suas dívidas?
Então era assim. A única forma de se livrar dela era aumentando as apostas.
— Onde está vivendo?
Ela abriu a boca para responder.
— Esqueça. Você se mudará para ficar comigo.
Os olhos dela brilharam.
— Eu...
— Ser minha amante significa estar disponível. Todo tempo.
— To-Todo o tempo?
— Aye.
Uma mão enluvada espalmou-se sobre o ventre dela. Ela inspecionou seu escritório.
— Você mora... aqui?
Ele se perguntou o que lhe daria maior vantagem: a verdade ou a mentira. Por um lado, ele reconhecia que a maioria das mulheres empalideceria diante da ideia de morar em um clube de cavalheiros. Por outro lado, ela não tivera vergonha nenhuma de entrar no Reaver em inúmeras ocasiões.
Duvidava que ela já não se sentisse em casa no clube.
Não, a verdade era melhor. A audácia de sugerir que ela se mudasse para a casa particular de um homem a quem mal conhecia, onde aquele homem a teria inteiramente para si, era boa demais para ser descartada.
Bloqueando um sorriso, respondeu:
— Durmo aqui de vez em quando. Mas, não. Tenho uma residência separada. Você viverá lá. Comigo.
Por algum tempo, ele a observou. Os olhos cinza exploraram seu rosto e ombros. As mãos enluvadas se abriram e se fecharam sobra a cintura. Os lábios carnudos foram apertados. Finalmente ela soltou o ar.
— Muito bem.
Ele piscou.
— Perdão?
— Compreendo que é comum manter uma residência separada para uma amante. Muitos cavalheiros o fazem. Mas como o nosso acordo tem pouca duração, eu concordo que assim é mais conveniente.
Maldito inferno. Ele estava errado. Ela era louca. Completa e cegamente louca.
Ela agia como se tivesse sugerido tomar cerveja em vez de vinho no jantar. Seu nariz elegante, queixo delicado e sobrancelhas castanhas eram harmônicas. Total e loucamente harmônicas.
— Hoje à noite. — Ele falou procurando um ponto de quebra. — Eu a quero lá esta noite.
— Suponho que não deveria...
— Isto não é negociável. Ou cumpre ou nosso acordo será anulado.
— ... ser tão oneroso. Devo voltar para meu atual alojamento para recolher meus poucos itens, é claro. — Ela olhou para a janela. — Parece haver tempo suficiente até que escureça. Devemos considerar nosso acordo selado, então?
CAPÍTULO 4
“Um compromisso com a linhagem, embora onerosa, deve ser cumprida. A tolerância pela imbecilidade de um sobrinho ou o incentivo aos latentes instintos procriativos de um filho, por exemplo, formaram a argamassa de nossa civilização. Vá à luta, caro companheiro. E faça o que deve ser feito”.
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta explicando a onerosa natureza do cumprimento dos deveres familiares.
Augusta deslizou a sua mão enluvada naquela grande mão que lhe era oferecida. Então, ansiando por respirar livremente, ela desceu da carruagem alugada e acenou agradecidamente à sua escolta de pescoço largo.
— Aprecio a sua ajuda, Sr. Duff, mas é desnecessária. — Ela olhou de relance para a residência surrada com tijolos sujos de fuligem e porta com pintura descascada. — Chegar aqui é algo cotidiano.
O homem com tamanho fora do comum apenas lançou um olhar vazio e declarou:
— Reaver diz que devo ajudá-la aqui e depois ajudá-la na casa dele.
Ela suspiraria, mas seu corpete tornava difícil o ato de expressar sua irritação.
— Parece que nós dois devemos seguir as instruções do Sr. Reaver. Ele especificou se deve me acompanhar lá dentro?
— Nah.
— Excelente. Então espere aqui, se quiser. Retornarei logo. — Ela se virou e parou ao ver uma sombra furtiva à espreita onde o beco parecia uma boca grande e escura. Engolindo em seco, puxou as luxas e endireitou a postura. — Pensando bem, Sr. Duff, posso precisar de sua ajuda.
— Hã?
— Já que está sendo tão bondoso em me acompanhar, talvez possa descer meu baú pelas escadas.
Enquanto o Sr. Duff se virava e conversava com o condutor do veículo, ameaçando-lhe remover os braços se ele se fosse enquanto estavam lá dentro, ela correu até a entrada no beco.
— Já lhe disse, garoto. — Ela sussurrou, fingindo inclinar-se contra os tijolos enquanto examinava suas botas. — Não tenho mais tarefas para você.
— ‘Aquel’ali’ é ele? — O garoto chiou.
— Aquele é o Sr. Duff sim. Você não deveria estar aqui.
— Pegou ‘ocê’, Srta. Widmore? — A voz do menino ficou sombria. Ela mal podia ver sua fisionomia nas sombras lançadas pelos prédios. — Posso ‘judar’. Corre pra dentro. Levo ele numa busca inútil, como ‘d’última’ vez.
Seu coração se condoeu. O garoto a assombrava nos últimos dias, escondendo-se no beco, pulando nas costas dos veículos que alugava, seguindo-a até o mercado. Ela o pagara muito bem para distrair o Sr. Duff, claro, e presumia que seu desespero o levou a buscar trabalho adicional com ela, mas restava pouco de suas poucas economias. E a ninharia seria necessária para prover Phoebe enquanto Augusta ficava com o Sr. Reaver.
Na casa dele.
À sua disposição.
Por seis semanas.
Céus, ela realmente concordara com uma barganha tão ultrajante? Uma vez que ela concordara em se mudar para a residência dele, ela meio que esperava que ele gritasse e jogasse as promissórias em suas mãos, apenas para se livrar dela. Em vez disso, sua fisionomia endurecera como rocha. Ele rosnara e dissera: “Aye, Srta. Widmore. Faça do seu modo.” — Então chamou o Sr. Duff para acompanhá-la até sua casa e recolher os seus pertences.
Sentiu um espasmo em seu estômago. Provavelmente era fome, mas admitia alguma ansiedade. Tornar-se uma amante não era um passo pequeno. E ela estava mergulhando nisso como um cavalo em um barranco escuro.
Ela lançou uma olhada por cima do ombro. O Sr. Duff gesticulava estranhamente com seu braço pendido de um cotovelo estendido. Parecia que ele ilustrava o que o condutor experimentaria se seus braços fossem quebrados.
— Garoto. — Ela sussurrou. — Não deve deixar que o Sr. Duff o veja. Esconda-se até que tenhamos ido, entende? Eu deixarei uma moeda com a minha irmã. Deve retirar mais tarde.
O garoto estremeceu e balançou a cabeça. Ela quis perguntar para onde o casaco dele se fora.
— Esconder? Num ‘se’le’ machuca ‘ocê’.
Ela franziu o cenho e segurou o braço dele com gentileza. Os dedos dela o envolveram.
— Você deve. Ele não me machucará. Ele está aqui por minha segurança. Mas ele pode lhe machucar se o reconhecer. — Com firmeza ela o levou para dentro das sombras.
— ‘Pur que’le tá ‘qui’?
Ela o soltou, alisou sua manga e olhou por cima do ombro.
— Tenho um acordo com o patrão dele. — Ela murmurou. — O Sr. Duff não é uma ameaça para mim, juro.
O garoto grunhiu.
— ‘I’ o Reaver?
Ela escolheu não responder.
— Como disse, procure a Srta. Phoebe depois da minha partida. — Ela começou a ir em direção à porta e então parou depois de dois passos — E, garoto?
— Aye.
— Compre um casaco para você.
Minutos depois, enquanto conduzia o Sr. Duff pela escada apodrecida e que rangia, preocupava-se que o garoto a ignorasse. Ele era teimoso.
Reprimiu a inquietação e continuou a subir as escadas, falando por cima do ombro.
— Cuidado com o buraco, Sr. Duff. E com o rato. A Srta. Renley deveria ter se livrado dele, mas... bem, talvez ela esteja ocupada em esvaziar os baldes. São inúmeras as goteiras no telhado.
— Há quanto tempo está aqui?
— Três semanas, mais ou menos. Por quê?
— Quanto paga?
— Cinco xelins por semana.
Primeiro, bufou. Depois, grunhiu. Enfim, um resmungo.
— Não vale. Cinco xelins. Não pagaria nem cinco centavos por este lugar.
Ela não tinha tempo e nem paciência para explicar sua escolha de acomodações. Na verdade, fora o melhor que conseguiu fazer em pouco tempo e com orçamento escasso. Eles logo chegaram à porta de seu dormitório, ela girou a maçaneta, levando o Sr. Duff para dentro.
— Bons céus, Augusta, pensei que nunca mais... oh! — Phoebe estacou no meio do caminho, seus olhos azuis brilhando arregalados. Recentemente, a irmã mais nova de Augusta desenvolvera o hábito de caminhar de um lado para o outro na frente da pequena lareira do quarto. Ela alegava que isso ajudava a aliviar o seu estômago inquieto. Seu desconforto deve estar particularmente pior esta manhã, pois sua pele cor de marfim estava esverdeada.
— Srta. Phoebe Widmore, este é o Sr. Duff. Sr. Duff, minha irmã, a Srta. Phoebe Widmore.
Aparecendo atrás dela, o Sr. Duff grunhiu novamente.
— Por que está se repetindo? Ela tem dificuldade de ouvir? — Ele assentiu sua massiva cabeça na direção de Phoebe e tirou o chapéu. — Senhorita. — Falou em voz baixa.
Phoebe franziu o cenho. Piscou. Ela tinha a mesma expressão de criança quando Augusta lhe explicara que elas deveriam esvaziar seus próprios penicos: perplexidade e aversão.
— Quem é este, Augusta? O que está acontecendo?
Augusta se movimento da porta em direção ao quarto.
— Sr. Duff, se puder esperar bondosamente aqui enquanto empacoto alguns itens, ficarei muito agradecida. — Gesticulando para Phoebe a seguir, ela esperou apenas alguns momentos dentro do quarto antes que sua irmã, magra e pálida, passasse por ela. Augusta fechou a porta gentilmente e foi ao seu baú, que estava cuidadosamente arrumado em um canto.
— Augusta! — Phoebe falou entre os dentes. — Explique-se, por favor. Pensei que havia ido ao Mercado Leadenhall comprar carne para a refeição. Você demorou mais do que eu esperava, apenas para chegar acompanhada de — ela gesticulou amplamente em direção a porta do quarto — com um homem enorme!
Vasculhando entre as suas posses, Augusta localizou sua pequena bolsa e tirou de dentro dois xelins. Recordou-se dos braços finos e ossudos do garoto e dobrou a quantia antes de amarrar as cordas da bolsa em sua cintura.
— Aqui. — Ela deu as moedas para Phoebe, que balançou a cabeça. — Pegue-as. — Augusta ordenou. — Elas são para o menino. Ele virá quando eu me for.
— Conte-me o que está acontecendo. Por que está usando um avental?
As mãos de Augusta caíram ao seu lado, segurando as moedas com força.
Phoebe mudara. Augusta demorou para perceber isso, pois as circunstâncias eram terríveis e agir — não contemplar — a consumira ultimamente. Mas as diferenças eram notáveis. Phoebe estava mais magra, até mesmo mais delicada do que antes. Braços magros que frequentemente a abraçava. Sua pele branca parecia neve, os olhos azuis estavam maiores e eram marcados por sombras em meia-lua. Seu estômago provavelmente era o culpado. E a preocupação, Augusta supôs. A preocupação aumentara como um demônio como dentes e chifres nos últimos dois meses.
Suas mudanças físicas não eram as únicas diferenças, entretanto. Phoebe raramente exigia respostas — raramente exigia qualquer coisa, na realidade. Ela sempre fora o tipo de garota que deixava a vida levá-la onde deveria. Era doce. Submissa. Uma linda flor esperando que o sol, o orvalho e as abelhas a visitasse.
Ela aceitava os vestidos que Augusta providenciava, ia às festas que Augusta sugeria, tocada as músicas que Augusta indicava no pianoforte velho e gasto delas. E, enquanto Phoebe compartilhava os mesmos cabelos ruivos escuros, ela nunca demonstrou nenhum indício do temperamento de Augusta.
Hoje era a exceção.
Augusta se aproximou e, delicadamente, abriu os dedos frios de Phoebe que estavam agarrados a musselina rosa sobre seu ventre. As moedas tilintaram em sua palma.
— Dê estas ao menino. — Augusta tirou a bolsa de sua cintura e pôs em cima das moedas. — Fique com o resto.
Olhos azuis viajaram, brilhando com mau humor.
— O que está fazendo?
Levantando o queixo, Augusta respondeu:
— O que eu sempre fiz, Phoebe. O que quer que seja necessário.
O peito de Phoebe arfava enquanto encarava a bolsa de lã marrom.
— Está me deixando aqui. Fez alguma coisa... — Engoliu em seco e cobriu a boca. — Vai fazer algo com o Sr. Reaver?
— Vou morar com ele...
— Não.
— ... por seis semanas. Depois disso, ele permitirá o uso das...
— Não! — Uma lágrima grossa escorria pelas sombras em forma de meia-lua.
—... promissórias de Lorde Glassington. — Augusta segurou os ombros de Phoebe. Eles pareciam frágeis e pequenos, como uma criança. — É a única maneira. Escute-me.
— Não escutarei. Já ouvi o bastante. Chega, Augusta! Não permitirei que pague tal preço por meus erros.
— Não permitirei que você pague o preço mais alto. Serão seis semanas da minha vida. Se não conseguir persuadir Glassington a manter as promessas que lhe fez, seu castigo será eterno. E seu filho nascerá bastardo. É isso o que qualquer para ele? Viver como um bastardo em vez de um herdeiro de um conde?
Ela balançou a cabeça, os lábios tremiam, os ombros caídos.
— Certo. Agora, então. — Augusta tentou alcançar as amarras do avental em suas costas. — Não precisa se preocupar. O Sr. Reaver pode ser um gigante, mas não é um monstro. Suspeito que ele esteja tentando me fazer desistir.
— Ao exigir que vá morar com ele?
— Humm. Tenho impressão que acha a minha persistência um tanto irritante.
— Não é o único. — Phoebe murmurou, esquecendo-se que a audição de Augusta era perfeita.
Depositando o avental dobrado na cama, Augusta tirou a touca e virou as costas para a irmã.
— Ajude-me, por favor. Mal posso respirar neste vestido.
Phoebe obedeceu, soltando os ganchos na parte de trás do corpete.
— Bons céus. Como você conseguiu prendê-los?
— A Srta. Honeybrook me ajudou. Aliás, você deve manter distância dela. Aquelas fantasias... bem, suspeito que a Srta. Honeybrook não esteja precisamente nos palcos do Teatro Royal.
— Você não ficou afastada.
— A minha associação era necessária. A sua, não.
— Eu gosto dela.
— Não seja teimosa. — Augusta chiou. — Não estarei aqui para tomar conta de você. Deve se proteger sozinha.
Um suspiro e um puxão no tecido.
— Quanto mais é possível que eu seja arruinada, pelo amor de Deus?
O gancho final cedeu. Augusta soltou um suspiro profundo de alívio. Seus seios doíam por ter sido achatados, mas por Deus, ela conseguira. Ela apertara a mão de Reaver. E em apenas seis semanas, Glassington manteria sua promessa e se casaria com Phoebe.
O tempo estava apertado. Por esta época, sua irmã já mostraria a gravidez, mas não importava. Glassington não poderia protestar, desde que fora ele quem plantara a semente.
Talvez ela convencesse o Sr. Reaver a acompanhá-la quando fosse confrontar o canalha. Ela sorriu ao imaginar a cena. O Sr. Reaver magistralmente intimidador.
— Por que está rindo? Augusta, honestamente. Isto é loucura. Vamos voltar a Hampshire. Eu me casarei com o Sr. Snellgrove. Ele flertou comigo do lado de fora da igreja, dois dias antes de virmos a Londres.
— Não seja ridícula. Lewis Snellgrove é o quarto filho de um fazendeiro.
— Ele sempre foi bondoso comigo.
— Ele é tão pobre quanto um rato de igreja e parece muito com uma vaca.
— Mas se casaria comigo sem me questionar.
Augusta fungou e recolheu um vestido do baú, jogando o traje de lã preta de criada ao lado do avental.
— Lorde Glassington fez uma promessa e ele a cumprirá. É isso.
Assim como ela cumpria as suas promessas. Era o que o pai dela teria querido. Era o melhor para Phoebe e para a criança.
Além do mais, Augusta já se acertara com o Sr. Reaver. Não tinha intenção de recuar daquele diabo de olhos pretos.
Um arrepio curioso percorreu a sua coluna ao recordar a dureza de sua mandíbula, a extensão das mãos, o brilho de ônix de seus olhos. Engolindo em seco, ela afastou a imagem.
— Venha, Phee. Ajude-me a me vestir. Lá pelo Natal, isso tudo parecerá nada além de um momento difícil, seguido de uma vida inteira de conforto.
A única resposta de sua irmã foi um suspiro.
Vinte minutos depois, vestida em cambraia xadrez verde e branca, sua peliça marrom por cima e um bonnet de palha, Augusta levou o Sr. Duff para fora das suas terríveis acomodações. A chuva havia recomeçado, carregada e cinza. Disfarçadamente ela olhou para cima e para baixo da rua, tomando cuidado para que o Sr. Duff não notasse.
Carroças e lixo. Um par de bêbados saindo de uma casa pública. Um gato selvagem disparando em direção a um beco. Ela respirou profundamente, aliviada. O garoto seguira a sua orientação.
Além disso, a carruagem permanecera no lugar. As ameaças do Sr. Duff alcançaram o seu objetivo. Enquanto o grandalhão carregava o seu baú, ela entrou na carruagem.
Onde uma forma pequena e escura se amontoava no piso.
Seus olhos se arregalaram, seu coração apertou. Engasgou.
Um gorro imundo se inclinou até que a parte mais visível dele fosse o branco dos olhos.
Ela estreitou os olhos. Quis gritar com ele. Agarrar o braço dele e tirá-lo de dentro da carruagem. Mas ela não podia. O maldito garoto seria rapidamente pego pelo Sr. Duff. Mesmo que pudesse evitar que ele fosse espancado, provavelmente seria levado à polícia. Quem sabia o tipo de punição que cairia sobre ele.
Em vez disso, ela sentou-se calmamente, fechando a porta com um estalo.
— Você perdeu as suas moedas, garoto. — Ela falou entre os dentes. — Lembro-me claramente de ter dito para se esconder.
A carruagem balançou quando o Sr. Duff subiu e sentou-se ao lado do cocheiro.
Olhos arregalados piscaram.
— Eu fiz. Ele ‘num mi’ viu, viu? Está ‘voltanu pru’ Reaver’s?
— Não.
O menino ficou em silêncio. O som dele arranhando alguma coceira em local desconhecido era o único barulho quando começaram a se afastar da hospedaria.
— Pra onde, então?
— Não é da sua conta. Quando pararmos, deve esperar até que eu distraía o Sr. Duff, então poderá sair ou ficar até que o cocheiro siga até o próximo local.
— ‘S’eu’ saio, ‘descubru’ onde ‘estô’.
Ela apertou a boca. Phoebe nunca fora desobediente assim, nunca a fez cerrar os dentes.
— Meu destino é a residência privada do Sr. Reaver em Marylebone.
Ele assobiou baixo.
— Nunca pensei ‘qui ocê’ era desse tipo, Srta. Widmore.
Ela sentiu o calor pinicar suas bochechas antes de falar:
— Que tipo?
— Tipo criada. Claramente, gosta ‘di cosas’ limpas, mas pensei em ‘ocê com’ uma dama. — Outra rodada de coceira. — Poderia ‘mim’ colocar lá dentro, num acha? Tenho mãos rápidas para lareiras e chaminés.
— Garoto...
— Eles me chamam de Ash. Por ser bom.
Ela soltou o ar frustrada.
— Garoto, não posso...
— ‘Podi mim’ chamar de Ash, se quiser. Como nós ‘vamu trabaiar’ na mesma casa, é o certo.
— Não posso conseguir uma posição para você na casa do Sr. Reaver. Ficarei lá apenas seis semanas. Agora, faça o que eu disse e...
— Seis semanas! É bastante. ‘Depuis qui terminá’, Reaver implorará pra ‘qui’ fique.
Sentido a natureza infrutífera de seus argumentos, ela cerrou os dentes, fechou os lábios e apertou os dedos sobre o colo.
Reaver não teria interesse nem em contratar e nem em manter o menino. Na realidade, previa que ele faria de tudo em seu poder para se livrar dela antes que as seis semanas acabassem.
Bem, eles analisariam aquilo, não?
— Lady? — O menino sussurrou, ainda se coçando. — Acha que o Reaver faz ‘cum qui us’ servos usem uniformes?
Ela fechou os olhos aterrorizada e perguntou:
— Por quê?
— ‘Achu qui’ tenho pulgas.
CAPÍTULO 5
“Aceitavelmente, um cavalheiro pertence a um clube, Sr. Kilbrenner. Se acontece o contrário, ele não é um cavalheiro afinal.”
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta explicando conceitos pouco compreensíveis em termos que, até mesmo um rufião, entenderia.
Não era o que imaginara, não parecia absolutamente com um clube de cavalheiros. Phoebe Widmore franziu o cenho para o prédio de tijolo de quatro andares em uma pequena praça na St. James. Possuía uma porta vermelha e grandes janelas simétricas.
Ela teria imaginado um casal de idosos morando ali. Ou uma viúva com inúmeros pugs e uma propensão à longas histórias. Ela não teria adivinhado que aquele — aquele — era o infame Reaver’s.
Atrás dela, o veículo partia. Não havia escolha. Não podia permitir que Augusta se sacrificasse com aquele... homem. Sebastian Reaver. Por suas fontes sabia que ele era um rufião, por mais rico e poderoso que fosse. Claro, a única fonte que ouvira fora Augusta, mas mesmo assim.
Endireitando a postura no padrão Widmore, Phoebe engoliu a onda de náusea e subiu os poucos degraus até a porta. Ela bateu duas vezes.
Alguém batia à porta de um clube de cavalheiros? Ela nunca perguntou.
A porta vermelha se abriu. No interior escuro ela viu apenas a cravat2 e o colete. Então, dentes. Aqueles também eram brancos.
— Posso ajudá-la, Senhorita?
Oh, bons céus. A voz dele era... deliciosa. Como chocolate, escuro, intenso e pecaminosamente quente. Por outro lado, seu sotaque era nítido e adequado. Perfeitamente inglês. Perfeitamente refinado.
— Bem, parece que se perdeu. Qual é o endereço que procura? Talvez possa ajudá-la.
Sim, como chocolate. Se ela pudesse se dar ao luxo, ela beberia uma xícara todas as manhãs. Ultimamente tudo a deixava enjoada. Mas não isso.
A porta se abriu mais e ele andou até a luz.
Ela arregalou os olhos. Ele era da cor do chocolate também. Bem, talvez chá ou canela. Negro e intenso. Mais bonito do que qualquer homem que já vira, com nariz elegante e cabelo preto. E os olhos. Bons céus! Com cílios grossos e brilhantes, os olhos eram como bronze ou âmbar.
Uma única sobrancelha preta se ergueu.
— Senhorita?
— Eu... Este é o Reaver’s?
Um sorriso sutil curvou os lábios dele, atraindo a sua atenção.
— De fato é. — Ele olhou para o céu além do chapéu dela. — Nós não permitimos que damas entrem. — Aqueles olhos avaliavam seu rosto e depois varreram toda a extensão de seu vestido de passeio. Estava sujo de lama na bainha. — No entanto, está chovendo, talvez possa arrumar-lhe um veículo.
Piscando para afastar sua peculiar fascinação por aqueles lábios esculpidos e adoráveis, ela se endireitou e se aproximou.
— Estou aqui para falar com o Sr. Reaver. É um assunto de máxima urgência.
Houve uma longa pausa.
— Humm. Seu nome por acaso seria Srta. Widmore, seria?
Ela franziu o cenho.
— Sim.
— Assim imaginei. — Ele suspirou e inclinou sua cabeça. — O Sr. Reaver não está disponível.
— Oh, mas eu devo falar com ele, Sr. ... ?
— Shaw.
— Eu devo vê-lo, Sr. Shaw.
— Lamentavelmente, devo recusar o seu pedido.
— Você não pode.
— Sim e já recusei.
— Ele fez... — Ela olhou ao redor para garantir que estavam sozinhos. — Uma proposta a minha irmã de uma maneira pouco cavalheiresca. Não permitirei isso.
— Sua irmã. A Srta. Augusta Widmore.
— Sim.
— A mesma Augusta Widmore que entrou neste elegante estabelecimento nesta mesma manhã vestida de criada.
Ela apertou os lábios ao vislumbrar o humor perverso naqueles olhos âmbar.
— Ela é uma boa mulher, Sr. Shaw. Uma solteirona de Hampshire! Seus objetivos eram simplesmente...
— Conseguir as promissórias de Lorde Glassington. Sim. Eu sei.
Ela pôs as mãos nos quadris.
— E você sabe que o Sr. Reaver exigiu que ele morasse com ele? Nesta casa?
Finalmente a surpresa iluminara a bela fisionomia do Sr. Shaw. Ele piscou. Franziu o cenho. Bateu na beira da porta com um dedo enluvado.
— Isto é... Muito improvável. Você entendeu errado a situação.
Sem paciência, ela avançou, passando por ele.
— Entendi errado que o brutal Sr. Duff recolheu os pertences de minha irmã? Eu acho que não.
— Duff visitou a sua residência?
Uma estátua de uma mulher estava a poucos metros de distância. Ela estava vestida como os gregos e segurava uma cesta em forma de cones cheia de moedas. Phoebe piscou. Todo o espaço era um estudo a ostentação: paredes ornadas com seda, espelhos dourados, madeiras brilhantes.
— Ele acompanhou a minha irmã para ajudá-la a transportar o baú até a casa do Sr. Reaver. Eu devo... — Por dentro a sua garganta se fechou de um modo familiar. Oh, Deus.
Ela levou a mão para seu ventre. Oh, não.
O cheiro de carne assada com vinho a assaltou em uma névoa de enjoo. Seu estômago se revirou. Algo subiu em sua garganta. Ela sentiu o Sr. Shaw ao seu lado, o ouviu murmurar alguma coisa sobre sua palidez. Freneticamente ela cobriu a boca e procurou no vestíbulo por algum tipo de receptáculo. Um vaso ou uma urna serviriam.
— Bom Deus. Não. Srta. Widmore, espere...
Ela não conseguia esperar. Estava vindo. Repentinamente e com grande força. Ela cambaleou para frente. Agarrou-se a algo frio em forma de mulher. Um momento depois, ela preencheu a cornucópia da mulher com algo menos agradável do que ouro.
A próxima coisa que percebeu foi ser envolvida por calor, força e por um aroma árido e limpo.
— Descanse agora. — Aquela voz pecadora suavizou-se. — Eu cuidarei de você. Não posso deixar que a irmã da nova amante de Reaver pereça no meu turno, poderia?
*~*~*
Ele mentiu para ela. Augusta não sabia o porquê pensou que ele estava acima de uma trapaça deliberada, mas se enganara.
— Esta não é a sua casa. — Ela falou com firmeza, avaliando a vasta e vazia sala de estar. — Quando a comprou? Esta manhã? Nós temos um acordo, Sr. Reaver.
— Do que está falando, mulher? — Seu resmungo soou profundo e baixo ao seu lado.
Ela girou no lugar.
— Está vazia. Totalmente vazia.
Com uma expressão feroz e um profundo vinco na testa ele respondeu:
— Está vendo a escada e a sala de estar. Dificilmente pode considerar isso como ‘totalmente vazia’.
— Se uma sala de estar está vazia, a casa está vazia. O que leva a perguntar se esta é, de verdade, a casa de alguém.
Ele grunhiu.
— Você é insensata. Não tive tempo de comprar uma carroça cheia de malditos móveis. Tenho um clube para administrar.
— Há quanto tempo possui este lugar?
Ele não respondeu. Em vez disso, aqueles olhos de ônix a fuzilaram com uma irritação feroz.
Ela apertou as mãos com força e passou por ele em direção à janela — uma das quatro da assombrosa e bela sala.
— Isso não funcionará. Nem ao menos tem uma governanta adequada, muito menos um mordomo. Uma criada para uma casa deste tamanho? Absurdo.
— Não me recordo de ter pedido a sua opinião.
— Oh, não precisa pedir. É meu presente para você.
A casa da cidade era enorme, ocupava um quarteirão inteiro da Canvendish Square. Assim como o suposto proprietário, era simples e proeminente no exterior. Tijolos vermelhos. Robustos tijolos brancos nas esquinas da casa. Sete longas janelas, posicionadas simetricamente, ao longo dos quatro andares e, acima de tudo, um quinto nível com sete águas-furtadas.
Não, o exterior era muito parecido com as outras casas que ela vira na elegante Mayfair e Marylebone. Mas o interior... ah, o interior era adorável. Adorável, enorme e vazio.
— Começarei a entrevistar criados amanhã. Tem um cozinheiro?
— Não preciso de um. Faço minhas refeições no clube. — Ele estava bem mais perto do que esperava. Muito perto, para dizer a verdade. Podia sentir o aroma da lã de seu casaco.
Um pequeno arrepio correu por sua pele. Ignorando a sensação estranha, continuou bruscamente.
— Bem, eu não posso fazer o mesmo.
— Enviarei o Francês aqui para cozinhar para você, se não for muito exigente.
Ainda mais perto agora. Ela engoliu em seco, sentindo o calor dele ao longo de suas costas. Uma mão gigante se apoiou na janela logo acima de sua cabeça.
— Não será necessário. — Ela falou, sua voz um pouco mais ofegante do que antes. — Posso contratar um cozinheiro.
— Humph. Um cozinheiro. Uma governanta. O que mais? Um valete para barbear o meu bigode?
Ela elevou o olhar. Examinou sua mandíbula quadrada e poderosa. Deslizou o olhar pelas proeminentes maçãs do rosto até os cílios escuros e sobrancelhas arqueadas. Sentiu outra vibração estranha na parte mais baixa de seu ventre.
Reluzentes olhos de ônix encontraram os dela. Ela voltou sua atenção para a pequena grade de ferro verde do lado de fora da janela.
— Parece que está fazendo isso bem sozinho. — Ela murmurou.
Ela sentiu seus olhos queimando suas bochechas. A garganta. Peito. Ele possivelmente não a contemplava... Certamente ele não pretendia...
Não. Sebastian Reaver podia se dar ao luxo de manter as mais belas mulheres do submundo como amantes: atrizes, cantoras de óperas e cortesãs. A última mulher que ele desejaria na cama era uma solteirona de cabelos ruivos cujas únicas artimanhas femininas eram as habilidades administrativas e excelente postura. O motivo pelo qual deveria se lembrar do real propósito de sua proposta ultrajante: forçá-la a voltar atrás em seu pedido pelas promissórias de Glassington e deixá-lo em paz.
Esse era o único motivo para ele realmente estar ali tão perto. A única razão pela qual ele não tirara os olhos de seu corpete.
Seja sensata, Augusta. — Ela se condenou. — E pare de se arrepiar, pelo amor de Deus.
— Trocou de vestido. — Ele reverberou, baixa e ressonantemente.
O seu coração chutou os ossos.
— O outro estava muito apertado.
— Aye. Estava.
— Mal podia respirar.
— Humm. Está respirando agora?
— Eu mesma fiz este vestido. Ele me serve perfeitamente.
— Deus, sim. Serve.
Atrás deles ecoou o som de botas.
— Tudo terminado, Sr. Reaver. O baú da Srta. Widmore está no quarto ao lado do seu. Deverei retornar ao clube?
— Aye, Duff. Pode ir agora. — Sua voz saiu meio latida e meio rosnada.
Ela aproveitou-se da intrusão e deslizou por baixo do braço dele. Com a saída do Sr. Duff, ela cruzou a sala, indo ao lado oposto e fingiu que seu coração não estava tentado atirar-se pela barreira que era o seu peito. Casualmente, ela se abaixou para examinar a lareira de mármore branca.
Ela pensou que o Sr. Reaver gemeu, mas logo descartou a ideia. Talvez o som tenha sido de seu estômago. Ela estava faminta.
— Todas as suas chaminés estão em condições tão horríveis?
— Não há nada de errado com as minhas chaminés.
Ela se endireitou, virou-se e ergueu uma sobrancelha em sua direção.
— Oh, sou obrigada a discordar.
Ele trincou a mandíbula ao mesmo tempo que cruzou os massivos braços sobre o massivo peito.
— Eu fui limpador por vários anos, Srta. Widmore. Acho que sei a diferença.
— Você... Você foi...
— Aye.
Ela franziu o cenho.
— Quando?
— Isso importa?
— Gostaria de saber.
— Quando eu tinha nove, dez anos. Pequeno para a minha idade. — Seus lábios duros se retorceram. — As coisas mudaram um pouquinho ultimamente.
— Sim, certamente mudaram. — Nada nele era pequeno agora. Seus dedos. Suas mãos. Seus ombros. Grande. Grande. Grande.
— Estas lareiras não são muito usadas. — Ele prosseguiu, lentamente caminhando até ela. — Não realizei muitos bailes aqui, vê?
Ignorando seu tom zombador, ela mergulhou na abertura que ele lhe dera.
— Ah, sim, mas o desuso é exatamente o seu problema, Sr. Reaver.
— Não tenho um problema.
Ela se abaixou, fingindo ouvir pela larga abertura da lareira, antes de estalar a língua em discordância.
— Talvez os seus ouvidos estejam menos apurados do que na sua juventude. Compreensível. A idade cobra o seu preço.
— O que quer dizer?
— Minha audição, por outro lado, é excelente. O motivo pelo qual posso ouvir o bater de asas dentro de sua chaminé.
— Asas?
— Deveras. Pássaros, provavelmente. Ou morcegos. Se tivesse uma equipe apropriada, isso não seria um problema.
Ele esfregou a ponte de seu nariz entre seu polegar e indicador.
— Pela última maldita vez, não há nenhum maldito problema.
Ela fungou.
— A vulgaridade é desnecessária.
— Acenda o fogo. Isso afastará qualquer animal fantasma que conjurou com sua excelente audição.
— Não! — Ela parou para limpar a garganta. — Simplesmente contratarei alguém para cuidar do assunto. Não pense mais nisso.
— Com quais fundos?
— Os seus, é claro. Essa é sua casa, afinal. As chaminés são suas.
Ele grunhiu e balançou a cabeça.
— Naturalmente eu presumo que sejam suas. Você nunca me especificou há quanto tempo...
— Três anos. — Ele respondeu com um rosnado ressentido.
— Três... — Ela piscou três vezes. — E permanece vazia? — Que estranho. Ele possuía uma casa há três anos — presumidamente dormia ali ocasionalmente — e nunca pensou em comprar um único sofá ou mesmo uma mesa para escrever? Sim, era muito estranho. E um bocado triste.
— Não está vazia.
Ela olhou ao redor da sala grande e vazia.
Ele respirou entre os dentes e andou em sua direção, pegando-a pelo cotovelo e marchando com ela em direção às portas que o Sr. Duff deixara entreabertas.
Esforçando-se para acompanhar suas longas passadas, ela espetou.
— Sr. Reaver, devo insistir que pare de me carregar como uma valise relutante.
— Valises não são relutantes. — Ele se defendeu enquanto navegavam pelo corredor em direção à escada. — Elas vão aonde são levadas e não ficam malditamente reclamando a cada momento de sua jornada.
— Precisamente. Eu não sou uma valise, além do mais... Oh! — Na base das escadas, ele a fez girar e colocou as suas mãos grandes e quentes em sua cintura. Ela sentiu algumas cócegas em suas costelas, o que explicava porque sua barriga parecia derretida e sua coluna tremia como um pianoforte diante do toque dele.
Ela estava de costas para ele, indo em direção às escadas, assim não podia julgar sua intenção. Mas um momento depois, estava sendo empurrada — não, carregada — pelos degraus com um claro grau de urgência.
O que aconteceria quando eles chegassem ao topo? Não queria saber. Falando francamente, ela era a amante dele. E ainda falando francamente, amantes permitiam certas liberdades em troca do patrocínio de um homem. E falando ainda mais francamente, Augusta estava quase totalmente certa de que cometera um erro terrível ao acreditar que poderia ter alguma vantagem no acordo deles. Quase totalmente.
Chegaram ao topo. Ele retirou as mãos da cintura dela, porém uma delas ficou apoiada na metade mais baixa de sua coluna.
— Sr. Reaver. — Ela começou, olhando de soslaio para sua mandíbula forte.
— Posso andar sozinha, asseguro-lhe.
Ele não respondeu. A mão pressionou e ele voltou a estabelecer o mesmo ritmo urgente de antes, impulsionando-a ao longo do corredor que dava para a frente da casa, depois guiando-a através de uma porta.
Com painéis brancos e longos, o quarto estava frio, mas não vazio. Na realidade, no meio da parede mais longa, em frente a uma pequena e adorável lareira, havia uma elegante cama de mogno com postes estriados e uma colcha de veludo dourada. Perto das janelas gêmeas, uma pequena mesa redonda e duas cadeiras.
— É... é um dormitório. — Ela falou, sentido a garganta se fechar e seu ventre se agitar.
— Aye. — Ele falou ao lado dela, lentamente recolhendo sua mão.
Por algum motivo, ela se sentiu como se o chão tivesse cedido.
— É seu. — Ele falou, caminhando até a mesa com cadeiras, acenando com um braço longo para o estofado e para a madeira. — Não está vazio, está?
Ela arqueou as sobrancelhas. Arregalou os olhos. Seu coração estremeceu aliviado. Pelo menos, presumiu que fosse alívio.
— Não. — Ela concordou. — Este quarto não está vazio.
— Certo. — Ele gesticulou em direção à cama. — Aquilo ali é uma cama, percebe?
— Bem, sim.
Ele apontou para a outra porta.
— Do outro lado daquela está o seu baú. Poderá encontrar uma penteadeira também.
Ela olhou para a porta com painel branco e assentiu.
— Deve ser muito... confortável.
— Vá lá, então.
— Ir?
— Cruze a porta. — Ele veio em sua direção, carrancudo. — Ou devo carregá-la como uma maldita valise?
Ela endireitou a postura.
— Não será necessário. — Ao entrar na sala de vestir, ela viu que era precisamente como ele descreveu: seu baú e uma penteadeira.
Ele passou por ela até outra porta e a abriu totalmente.
Curiosa, ela o seguiu e descobriu que a sala seguinte era a sua sala de se vestir. Nela havia um guarda-roupa enorme e sem portas com um conjunto mais organizado de camisas, calças, calças mais justas, calções, casacos e coletes que ela já vira. Algumas peças estavam penduradas em ganchos. Outras estavam dobradas e arrumadas sobre prateleiras de carvalho. Todas estavam classificadas, arrumadas em linhas e agrupados por cores. Uma igualmente grande cômoda ocupava a outra parede. No centro da sala havia um lavatório simples que, aparentemente, fora feito especialmente para um homem da altura de Reaver.
— Minha sala de vestir. — Falou desnecessariamente. — Também não está vazia.
Céus, ele realmente lhe teria uma dor de dente por causa de suas observações sobre a falha dele em mobiliar apropriadamente a sua casa.
Ele abriu outra porta. Do outro lado, tudo que ela pôde ver foi a cama.
Uma maciça, pesada e gigantesca cama.
— Venha, Srta. Widmore.
— Oh, posso ver daqui mesmo. Não precisa que eu... oh!
Com apenas dois passos, ele voltou e agarrou o seu cotovelo. Então ela foi levada novamente, em um ritmo mais rápido do que o seu natural, através da porta e em direção à cama gigante. A cama dele.
Ela engoliu em seco quando ele parou e soltou seu braço.
— Uma mesa. Uma cadeira. Uma cama. Não está vazio, Srta. Widmore.
Não, não estava. Estava ocupado com uma cama grande o bastante para dormir cinco pessoas normais com espaço de sobra.
Engolindo em seco novamente, levou as mãos à cintura e se aproximou, tocando os postes de mogno quadrados. O desenho era simples, até mesmo rústico, mas sólido como a Terra. Ela gostou disso.
— Como pode notar, estava errada sobre a minha casa.
Ela moveu os lábios em um sorriso secreto.
— Então, se entendi corretamente, tem dois dormitórios mobiliados, um dos quais é o seu.
Houve uma longa pausa.
— Aye.
— E quantos dormitórios tem aqui? No total, quero dizer.
Outra pausa.
— Sete.
— Humm. Dois de sete. — Ela bateu com o dedo enluvado no poste antes de se virar para encará-lo. — Bem, concedo que sua casa não é totalmente vazia, Sr. Reaver, mas certamente podemos dizer que é quase vazia.
A expressão dele era simultaneamente carregada e perplexa, como se não decidisse se a atirava pela janela ou vociferava sua raiva silenciosa. Não falou nada. Os olhos fuzilaram e queimaram sua boca e no colo. Novamente. Boca e colo. Inclinou a cabeça em um ângulo sutil que ela estava começando a reconhecer como algo unicamente dele.
— E-Eu procurarei mobílias apropriadas após contratar criados. — Sua voz tremeu de maneira estranha, mas ele pareceu não notar.
Duas vezes mais, os olhos dele refizeram aquela rota torturante entre sua boca e seu colo.
— Vamos precisar de um bom número. Mover móveis requer... — Ela engoliu em seco ao pousar os olhos sobre os seus punhos cerrados — Mãos fortes.
Finalmente, seus olhos se encontraram. Lá, na escuridão, ela viu algo que a assustou. Algo como sua própria necessidade.
Depois, ele interrompeu o contato. Deu meia-volta. Afastou-se.
— Faça como quiser. — Ele ladrou enquanto escancarava a porta de sua sala de vestir. — Estarei no clube.
CAPÍTULO 6
“Embora aprecie tanto a brevidade quanto a franqueza em sua resposta, sua formulação deve ser revisada para leitura: ‘Por favor, pare, pelo amor de Deus, sua senhoria’. — Quando se dirigir a uma dama, é aconselhável ser devidamente cortês com ela”.
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em um adendo a uma carta anterior sobre comportamento cavalheiresco.
O sangue de Reaver não esfriou até entregar as rédeas do Coronel Smoots ao cavalariço que saía correndo do estábulo do clube.
Por Deus, a mulher o irritava como uma lima na madeira.
Sua casa não era vazia. Ele deixara algumas salas sem mobílias porque estava ocupado. Ele tinha contas a pagar. Tinha lordes desesperados para serem intimidados até pagarem o que deviam. Tinha uma expansão para administrar. Um clube para dirigir.
Subindo os degraus da entrada dos fundos em longas passadas, arreganhou a porta, ignorando o cumprimento de Duff.
Ela ficara parada em sua sala de estar, parecendo que a neve não se derretia em sua pele enquanto julgava suas deficiências. Calmamente lhe informara como planejava gastar o dinheiro dele. E tudo enquanto o provocava com seus sorrisos afetados, ar presunçoso e vestido bem ajustado.
Ele seguia agora pelos corredores escuro da escada de serviço e subiu as escadas de três em três degraus. Uma criada chiou quando ele passou apressado. Não se importou em se desculpar.
Augusta Widmore era malditamente enlouquecedora. Assumir o comando de sua casa. Comportando-se como não esperasse realmente ser sua amante.
Realmente consentindo que ele a beijasse.
Ele passou as mãos pelos cabelos curtos enquanto atravessava o corredor até seu escritório.
Deus, ele quis beijá-la?
Sua mente se rebelou contra o pensamento, porém o corpo emitiu uma confirmação veemente, ficando tenso e duro.
Aye, ele quis beijá-la. Mas não só isso. Ele quis tomá-la. De novo e de novo. E não de uma maneira gentil e cuidadosa como ele sempre era com as mulheres. Não, ela fez seu desejo emergir violentamente. Provocou seus piores instintos: agarrar as coxas com força, tirar as saias e devorar aqueles lábios carnudos até que os únicos sons que emergissem fossem pedidos de ‘mais’.
— Sr. Reaver! Não esperava o seu retorno até amanhã de manhã.
— Mudanças de planos. — Ele continuou até a câmara da porta de seu escritório.
— Ah, sim. Falou com o Sr. Shaw...
A batida de uma porta interrompeu a fala de seu secretário. Ele tirou o sobretudo e o jogou sobre uma cadeira de madeira. A coisa maldita o coçava.
Inferno maldito, não era o casaco. Ela o fizera se coçar. O fez esquentar, inchar e queimar.
E não poderia tê-la.
Ela era sua amante, mesmo que ele não pudesse beijar a sua boca presunçosa ou tocar suas coxas suaves ou sugar aqueles suntuosos seios fartos. Porque, fazendo isso, viraria a coisa que ele mais desprezava: um homem que ataca os fracos e desesperados.
Ele se dirigiu até a janela e olhou a chuva tamborilando nos paralelepípedos. Escutou o tique-taque do relógio na prateleira ao lado dele até seu coração desacelerar.
A proposta deveria a ter afastado. Teria sido assim com qualquer outra mulher. Mas não com a Srta. Widmore. Tudo o que ele exigia, ela aceitava com uma fungada e uma resposta aparentemente racional. Ele suspeitava que ela reconheceu sua intenção de afastá-la, certamente a razão para ela não ter recusado. Ou enrubescido. Ou fugido como uma manada de cavalos de tração estivesse atrás dele.
Em vez disso, ela ficara em pé em sua sala de estar, cabelos ruivos brilhando como vinho na luz, mãos enluvadas empertigadamente cruzadas e anunciando que pretendia contratar uma equipe de criados em seu nome.
Talvez alguém devesse informá-la que amantes não se encarregavam de emitir decretos ou entrevistar criados. Nem eram inspetoras de chaminés.
Ele balançou a cabeça, quase rindo alto diante da lembrança.
Bom Deus. A mulher era uma lunática.
O que em nada explicava seu desejo por ela.
Trabalhar, era do que ele precisava. Aye. Martelar e carregar coisas era o que afastaria aquela tensão. Ele trabalharia e suaria até nem sequer se lembrar do nome dela. Ou da visão dela se abaixando e o presenteando com seu deleitável traseiro. Ou aqueles seios tão redondos e...
Não! Ele acabaria com este sentimentalismo. Ele trabalharia. Na expansão. Agora.
Decidido, virou-se para pegar o seu sobretudo. Neste instante, a porta se abriu e Shaw entrou, seus cabelos negros espetados.
— Reaver. — Ele disse, entrando na sala com uma urgência incomum. — Graças a Deus.
— Primeira vez que alguém conecta o meu nome ao dele.
Shaw dispensou a brincadeira com um aceno.
— Quando ia me contar que tomou Augusta Widmore como amante?
— Eu não o fiz. — Ele disse. — Não na realidade.
— A irmã dela alega o contrário.
Reaver franziu o cenho.
— Irmã? Ela esteve aqui?
— Maldito inferno, homem! Quando eu disse que deveria arrumar uma amante, presumi que você teria mais juízo do que fazer esta proposta para a filha solteirona de um barão.
Sua carranca aumentou até ficar furiosa.
— Estava removendo um incômodo. Meu objetivo era fazê-la gritar.
— A irmã dela afirma que você levou a Srta. Widmore para a sua casa. Isso é o que pretende dizer com remover o ‘incômodo’? — A ferocidade em sua voz e o ultraje queimando em seus olhos surpreenderam Reaver.
Shaw frequentemente dizia que já vira de tudo. Pouco disso vivia em seus pesadelos. Muito ele esquecera. Ele deixou a Índia aos quinze anos, um órfão meio-inglês sem posses, sem dinheiro, apenas uma inteligência afiada e determinação em chegar à terra natal de seu pai e encontrar a fortuna de sua mãe. O homem que já vira de tudo não explodia facilmente, nem mesmo quando foi espancado por um pedaço de imundície que Reaver depois o surrou até virar uma massa. Ou quando foi envenenado até quase a morte por um inimigo cruel e esquivo.
Não mesmo. Provocar Adam Shaw além do ponto de fervura era quase impossível.
Normalmente.
Reaver suspirou.
— Eu quis dizer que queria deixá-la enojada para rejeitar a minha proposta e nunca mais voltar. Ela está tão malditamente preocupada com isso. Focada em conseguir as promissórias de Glassington e estava cega para todo o resto. Até mesmo a sua própria segurança.
— Você a abrigou em sua casa, Reaver. — As palavras deslizaram como uma faca.
— Aye. — Reaver rosnou uma resposta. — Agora ela pretende gastar o meu dinheiro para mobiliar a minha casa.
Shaw piscou e sacudiu a cabeça.
— E ela está contratando uma equipe de criados. Governanta. Mordomo. Lacaios. Um maldito exército completo.
— Mas que diabos é isso?
Reaver correu a mão sobre seu cabelo muito curto e exalou frustrado.
— Não há escolha. Eu devo levá-la para comprar vestidos.
O rosto de Shaw se contraiu, estreitou os olhos como se não pudesse enxergar Reaver muito bem. O que era um absurdo. Shaw possuía uma ótima visão e estava apenas poucos centímetros de distância.
O outro homem abriu a boca uma vez. Fechou-a. Depois falou:
— Se esta é sua tentativa de fazer piada, devo dizer-lhe, que é horrível. Tem que praticar mais o seu humor, talvez descubra um grande sucesso ao usá-lo.
— Gostaria de estar fazendo piadas. — Em segundos calculou o total dos custos com vestidos, mobílias e criados. — Livrar-me dela será malditamente caro.
Shaw ficou em silêncio enquanto Reaver passou por ele e gritou pela porta aberta.
— Frelling! Marque um horário com a Sra. Bowman, a costureira na Bond. Por duas horas depois que sua loja estiver fechada. Sem interrupções. — Ele fechou a porta, apenas para abri-la novamente um momento depois. — Melhor três horas.
Frelling assentiu e ajustou seus óculos calmamente.
— Três horas com a Sra. Bowman. Para quando prefere?
Reaver franziu o cenho. A Srta. Widmore estaria ocupada entrevistando os criados, escolhendo os móveis e arrumando o que fosse entregue pelos próximos dias.
— Uma semana. — Ele respondeu. — Não mais que quinze dias.
— Considere feito.
Reaver se aproximou da porta procurando por seu sobretudo. Ah, sim. Ele o deixara na cadeira.
— O que. Precisamente. Está fazendo?
— Vestindo seu casaco, — Reaver olhou para Shaw.
— Indo à casa vizinha.
— Há melhores formas de usar o seu tempo do que transportar tijolos. — Shaw espetou. — Agora, pelo amor de Deus, responda a minha pergunta. O que está fazendo com a Srta. Widmore?
— Livrando-me dela.
— Está fora de si.
— Ela é como um espinho em uma bola de lã. Você não se livra disso sem alguma persuasão.
Aproximando-se, Shaw o encarou e cruzou os braços.
— Persuasão.
— Aye.
— Humm. E diz que se livrar dela será caro. Os móveis. Os vestidos. Os criados. Sem mencionar todo o tempo que ela passará em sua casa. Pelo menos uma semana ou duas, se não estiver enganado.
Reaver assentiu questionando-se sobre o tom afiado e o olhar avaliador de Shaw. Então, percebeu um sorriso sutil puxar os lábios do outro homem.
— Qual é a diversão?
— Oh, nada significante. Prossiga, Reaver. Certifique-se de manter os registros de suas despesas.
— Sempre faço.
— Sim, é claro. — Shaw lhe deu um último sorriso antes de caminhar bruscamente até a porta. — Aliás, pode querer acrescentar uma pequena quantia para a irmã da Srta. Widmore. Eu a tenho instalada em um quarto do terceiro andar. Ela morará aqui até que ambas Srtas. Widmore retornem a Hampshire.
— Aqui? Maldito inferno, Shaw.
Shaw se virou no limiar da porta. Quando falou, sua voz era dura. Fria.
— Ela chegou esta tarde, branca como um pano. Exigiu vê-lo para dizer-lhe que não permitiria que arruinasse a irmã. Depois ela vomitou sobre a Fortuna. Ela está doente, Reaver. Fraca e inocente, carregando menos que quatro libras em sua retícula. Duff me contou onde elas estão. Um casebre em Cheapside.
Reaver deslizou a mão sobre a cabeça e murmurou uma imprecação.
— Phoebe Widmore ficará aqui. — Shaw o informou rispidamente. — Onde pode ser alimentada propriamente e cuidada.
— Chamou o Dr. Young?
— Ele deve chegar dentro de uma hora.
Suspirando, assentiu.
— Muito bem. Apenas vamos manter isso em silêncio, sim? Uma garota pode ser arruinada por entrar em um lugar como esse, quanto mais morar aqui.
O olhar incrédulo de Shaw o acusava de hipocrisia.
— Maldição, homem. Augusta Widmore não é a minha amante. Ela só acha que é. Para todos os efeitos, ela trabalha para mim. Isso é tudo.
A descrença continuou.
— Trabalha para você em qual função?
— O que quer que as solteironas comuns fazem para viver.
— Então ela é a sua governanta.
— Você está brincando, não é?
— Acompanhante?
Contemplando a descrição, Reaver pensou que estava perto o bastante.
— Aye. Acompanhante.
— Solteironas são acompanhantes de outras mulheres, Reaver. São mulheres mais velhas.
Ele cerrou os dentes.
— Governanta, então.
— Ela não vai contratar uma governanta? Alguém pode ter duas governantas?
Ao atravessar a porta, empurrou o seu irritante amigo para o lado.
— Deus, homem. Vá embora.
— Agora, dois secretários... isso é mais provável.
Frelling ergueu o rosto de sua mesa e franziu o cenho.
— Está contratando outro secretário, Sr. Reaver?
Reaver escolheu não responder. Em vez disso, ele deixou o seu parceiro e o secretário com suas malditas risadas. Eles não sabiam o quão determinada Augusta Widmore poderia ser. Não entendiam que ele deveria afastá-la. Deveria revoltar as sensibilidades dela, fazendo-a corar aquelas bochechas pálidas.
E para fazer isso, deveria tê-la por perto. Aye. Muito perto na verdade.
Enquanto pegava as escadas dos fundos em direção ao pátio, notou que Duff o olhava estranhamente.
— O que foi, Duff?
O homenzarrão ajustou seu chapéu e fundou.
— Nada não, sir. Apenas nunca vi você sorrir assim antes.
— Assim como?
Duff deu de ombros.
— Como se planejasse roubar um lote de tortas de pêssego da cozinha e mantê-las todas para si mesmo.
Reaver descartou a ideia e seguiu em direção à porta do prédio adjacente.
Duff era um tolo. Tortas de pêssego? Se, pelo menos, a sua tentação fosse resistível?
*~*~*
Adam Shaw ainda estava admirado com o comportamento de Reaver ao bater à porta da suíte de Phoebe Widmore um pouco mais tarde. Seu amigo obviamente sofria de desejo não correspondido, provavelmente ao emprego pouco frequente de amantes. Adam repetidamente o aconselhou a remediar a situação, mas claro, Reaver podia ser intratável. Ultimamente, sua inquietação crescera tanto quanto o próprio homem. Talvez isso o estivesse enlouquecendo. Bastante provável.
Qualquer tolo, a esta altura, já teria percebido que a forma mais fácil de se livrar de Augusta Widmore era lhe entregando o uso das promissórias. Reaver não era tolo, que o levava a outra conclusão: ele gostava de competir com a mulher. Além disso, havia apenas um motivo para um homem deliberadamente manter a batalha em chamas, e não para enviá-la correndo de volta a Hampshire.
— Meu pai chegará em breve, Sr. Shaw. — Disse Mary Frelling atrás dele. Receio que ele esteja dando uma cochilada após o almoço. — Ela riu carinhosamente. — A idade, já sabe.
Adam lhe acenou por cima do ombro. Ele percebeu que seu marido, Frelling, sorriu para ela como um bobo. O homem se encantou no momento em que ela sujou a manga dele com seu sorvete de chocolate debaixo de uma ácer na Berkeley Square. A Gunter’s virou seu lugar favorito desde então.
Ele a considerava uma mulher de aparência agradável: arrumada, um pouco gordinha com sardas espalhadas em seu nariz. Gostava do humor dela e do encanto sensível. Mas enredar-se nas saias de uma mulher naquele grau? Incompreensível.
Batendo novamente, desta vez com mais força, Adam esperou que a Srta. Widmore abrisse a porta. E esperou. E esperou.
Seu estômago se apertou. E se ela estivesse inconsciente? E se precisasse de ajuda?
Sem pensar duas vezes, ele girou a maçaneta e entrou, ignorando que a Sra. Frelling ofegava.
A sala estava vazia. O fogo crepitava na lareira e uma bandeja de chá estava posicionada na mesa com tampo de mármore. A Srta. Widmore entretanto, estava fora de vista.
— Humm. Sr. Shaw, talvez devesse ser eu a...
Novamente Adam ignorou a esposa de Frelling, cobrindo a distância da sala em poucos passos e indo em direção ao quarto.
Um gemido veio detrás do biombo do outro lado da cama. Ele correu em direção ao som.
— Oh, escute-me. De verdade, Sr. Shaw. — A Sra. Frelling protestou. — Devo insistir que me permita...
— Srta. Widmore? — Ele chamou, circundando o biombo.
Ela estava sobre o penico, a testa descansando sobre o braço, metade de seus cabelos, uma mistura de vinho e conhaque, caindo aleatoriamente dos grampos soltos. Em uma mecha, dois grampos ainda estavam presos no comprimento, tendo falhando em sua tarefa.
Ele ajoelhou-se ao seu lado, gentilmente afastando uma mecha sedosa da bochecha. A cor dela estava entre a do papel e da couve.
— Oh, Deus. — Ela ofegou. — Sr. Shaw? Por favor... deve sair... — Seu braço direito agarrou-se a sua barriga. — Estou prestes a...
Pelos próximos dois minutos, ela arquejou duramente, seus ossos frágeis tremeram até que ele pensou que ela quebraria. Acariciou suas costas, sentindo a delicada ondulação de suas costelas e coluna através da musselina rosa e fina.
Atrás dele veio um silvo de indignação.
— Sr. Shaw, isto é muito impróprio...
— Sra. Frelling, poderia ter a bondade de buscar um xale? — Ele não se importou com seu tom grosseiro. Usou a sua força para aparar Phoebe Widmore em seus terríveis espasmos. — Chá e pão também.
Quando a tempestade começou a se acalmar, ele gentilmente juntou os cabelos meios soltos em sua mão, depois começou a tirar os grampos restantes das mechas desgrenhadas. Logo foi capaz de trançar a massa fria e sedosa.
Ele tinha feito isso por sua mãe inúmeras vezes. Já no final, ela tinha uma pele mais cinza do que verde ou branca, como se a vida já tivesse partido e deixado cinzas frias no lugar.
Piscando, ele forçou para que as lembranças voltassem à caixa delas. Enviaria a caixa de volta pelo mar até a Índia, lugar onde pertencia.
Phoebe Widmore não era a sua mãe. Era uma garota que estava terrivelmente doente, ofegante e fraca. Ela precisava de sua ajuda.
Ele continuava esfregando as suas costas.
— Você é... Você é bom nisso. — Murmurou. — Mas não deveria estar aqui. É inadequado.
— Sou um mero criado, Srta. Widmore. Mais como um mordomo ou um lacaio. Não preste atenção em mim.
Seus ombros estremeceram novamente, desta vez com uma risada seca e enferrujada.
— Criado. Provavelmente não.
— Humm. O que a faz pensar assim?
— Apenas acho.
Ela estava começando a relaxar. Isso era bom, mas ele não desejava que adormecesse debruçada sobre o penico.
— Venha. — Passando o braço frouxo ao redor do pescoço dele que, gentilmente, a reposicionou, assim ele pôde erguê-la em seus braços. Ela fez alguns ruídos de protesto, mas não lutou.
Estava exausta. Pálida, apenas ossos e olhos afundados. Carregou-a até a cama, perguntando-se o que a irmã dela estava pensando ao deixá-la naquela casa miserável, sozinha e doente.
Por que as promissórias de Glassington eram mais importantes para Augusta Widmore do que o bem-estar de sua irmã?
Ao deitá-la sobre os cobertores, olhos azuis alcançaram os seus. Eles estavam sublinhados por círculos escuros e estavam, a cada segundo, cada vez mais fechados.
— Sr. Shaw? — Ela sussurrou, agarrando a mão dele na sua mão suave e gelada.
Ele a olhou, perguntando-se como a pele dela pareceria perto da dele se ele removesse as luvas.
— Obrigada por cuidar de mim, mas realmente devo ver o Sr. Reaver.
— Ele não está aqui.
— Augusta, então. Quero falar com a minha irmã.
Ele vasculhou o quarto em busca de um cobertor sobressalente, achando um aos pés da cama. Cuidadosamente, ele a cobriu.
— Por favor, Sr. Shaw.
— Enviarei uma mensagem à sua irmã. Imagino que ela desejará falar com você, principalmente quando descobrir que ficará aqui.
— Aqui? Não seja tolo.
Ele bufou.
— Bem, admito que não tem encantos femininos, mas está acima daquele casebre cheio de ratos...
— Não posso ficar aqui, Sr. Shaw. É um clube masculino. Posso ser de Hampshire, mas até mesmo eu sei que uma dama jovem não deve se hospedar no inferno dos jogos.
— O Reaver’s dificilmente é o inferno. E ninguém saberá. — Ele ouviu o barulho da bandeja de chá indicando que a Sra. Frelling voltara. — Agora, não se preocupe sobre isso. O pai da Sra. Frelling é médico. Ele chegará a qualquer momento.
Seus olhos azuis brilharam. A garota magra apoiou-se nos cotovelos.
— Médico?
— Dr. Young. Ele tem idade avançada, mas o velho ainda entende muito sobre medicina. Posso comprovar isso. Ele salvou a minha vida no último verão.
A Sra. Frelling parou ao lado da cama da Srta. Widmore.
— Meu pai é um bom homem, Srta. Widmore. Acho que gostará dele.
A garota balançou a cabeça lentamente, seus olhos arregalaram alarmados e... imploradores.
— Não. Médico, não.
Adam franziu o cenho.
— Você está bastante doente. Um médico é precisamente o que precisa.
Ela sacudiu a cabeça com mais vigor.
— Absolutamente não. Eu me recuso a vê-lo. — Os olhos dela viraram para a esposa de Frelling. — Sinto muito. Não quis insultar.
A Sra. Frelling ficou quieta e pensativa. Adam frustrado.
— Srta. Widmore, com a devida cortesia, apenas uma pessoa tola recusaria os serviços de um médico competente após passar a maior parte da tarde abraçada ao penico.
Um pequeno e delicado queixo se ergueu. Olhos azuis se estreitaram e faiscaram.
— Então me chame de tola se quiser, Sr. Shaw. Porque mantenho a minha resposta.
— Sua resposta é um disparate. — Ele espetou.
A Sra. Frelling pigarreou.
— Sr. Shaw, poderia fazer companhia ao Sr. Frelling na sala de estar enquanto a Srta. Widmore e eu temos uma conversa?
Ele franziu o cenho para ambas as mulheres, perguntando-se o que diabos estava acontecendo.
A Sra. Frelling enrugou o nariz sardento e lhe indicou a porta.
Cansado de duelar com fêmeas intratáveis, soltou um silvo e saiu do quarto. Frelling estava sentado no pequeno sofá, examinando seu relógio. Olhou para cima quando Adam caminhou até a lareira e cruzou os braços.
— Problemas?
— Ela se recusa a ver um médico.
— Muito estranho. Pelo que me soou, ela precisa de um.
— Exatamente o que lhe disse. Garota confusa.
Por um tempo, ambos ficaram calados. Então Frelling falou:
— Talvez seja uma queixa feminina.
— Talvez. Mesmo assim, ela não pode mais continuar assim. — Adam se lembrou que sentiu a coluna e costelas dela. — Não permitirei.
Frelling murmurou sua concordância e ajustou os óculos.
Em pouco tempo sua esposa saiu do quarto.
— A Srta. Widmore concordou em ver meu pai.
— Finalmente. — Adam falou ironicamente. — A sanidade prevaleceu.
A Srta. Frelling o fulminou com um olhar estranho.
— Ela estava preocupada com a questão da confidencialidade. Assegurei-lhe que papai preza pela discrição e compartilhará suas descobertas apenas com aqueles que ela desejar que sejam informados.
Uma batida soou. Frelling se moveu para atendê-la.
Adam se aproximou da Sra. Frelling e abaixou a cabeça.
— Inaceitável. Não poderei ajudá-la se não souber do que se trata.
Ela deu uma palmada em seu cotovelo.
— Pode estar acostumado a dirigir todos e tudo aqui no Reaver’s, Sr. Shaw. Mas prevejo que descobrirá que uma jovem dama é um assunto totalmente diferente.
Ele poderia ter ficado ofendido, exceto que o tom dela era espirituoso e gentil. Obviamente pensava que exagerava. Mas não era assim. Phoebe Widmore precisava de ajuda. Da ajuda dele. E seria amaldiçoado se permitisse que o desejo inútil dela por privacidade o impedisse de agir.
— Adam. É bom vê-lo tão bem. — Curvado e enrugado, o Dr. Everett Young se aproximou dele com um sorriso e uma mão paralisada e esticada.
Adam a apertou e deu ao médico de cabelos grisalhos um sorriso largo.
— Bom vê-lo acordado, velho. A Sra. Frelling me contou que você estava dando uns cochilos.
Rindo, o Dr. Young respondeu:
— Um passatempo restaurador. Muito melhor que críquete. — Ele se virou para sua filha. — Minha paciente?
Ela assentiu e lhe acompanhou até o quarto enquanto ele murmurava:
— Espero que me arrume chá, minha querida.
Uma hora depois, Frelling retornou ao seu escritório e Adam estava contemplando a ideia de uma invasão digna dos normandos. De verdade, quanto tempo levava para examinar uma mulher? Ele podia ter feito isso em dez minutos. Talvez doze. Obviamente, dependia da mulher. E quanto tempo ela preferia que ele demorasse.
Com Phoebe Widmore, suspeitava que nem mesmo uma hora seria suficiente.
Ele piscou. Que diabos? Ela era uma garota pobre e extremamente doente. Reconhecia que seus olhos eram da cor da flor de pervinca e seus cabelos, uma mistura de porto e conhaque. Era bonita do mesmo modo que muitas mulheres inglesas, formosa e de características suaves. Ou, ela seria, se não fosse tão magra.
O ponto era que, embora pudesse ser uma jovem atraente, não cabia a ele olhá-la com tais pensamentos luxuriosos. Era um homem civilizado e não uma besta.
A porta do quarto abriu-se. O Dr. Young emergiu dela ao lado da Sra. Frelling, que franzia a testa enquanto virava alguns papéis.
— Biscoitos de gengibre e... — Ela estreitou os olhos. — O que é este desenho de um dedo esquerdo do coelho?
— Chá de folha de framboesa. Acrescente um pouco de menta, também. — O Dr. Young notou Adam e se aproximou. — Tranquilize-se, querido moço. A Srta. Widmore se recuperará com o tempo. Mais duas ou três semanas, acho.
Adam encarou o homem idoso, perguntando-se para onde o juízo dele se fora. — Duas ou três semanas? Ela está definhando!
O Dr. Young assentiu.
— Certifique-se que ela coma regularmente, em intervalos de algumas horas. Apenas aquelas comidas que ela tolerar. Ela mencionou chocolate. É um bom começo. Talvez um caldo. Sem cebolas. Oh, e dormir. — Ele lhe sorriu. — Ela também precisará fazer uma sesta.
— O que há de errado com ela? Diga-me.
O Dr. Young tocou o ombro de Adam.
— Sabia que seu clube serve o melhor chá de Londres. É um prazer visitá-lo. — Ele passou por ele em direção à porta e a abriu, aceitando o casaco e o chapéu das mãos do Sr. Frelling. — Um prazer vê-lo também, Adam. Provavelmente me convidará novamente em breve.
Puxando a aba do chapéu, saiu deixando Adam parado na sala da Srta. Widmore, perguntando-se como fora manipulado por uma garota franzina e um velho entrevado.
— Descobrirei a verdade. Sra. Frelling. — Falou em voz baixa.
Ela ergueu as sobrancelhas e dobrou os papéis cuidadosamente.
— Talvez, Sr. Shaw. Mas não hoje, hein?
CAPÍTULO 7
“Treinar criados adequadamente é uma tarefa desagradável, repleta de perigos. Assim como educar crianças. Ou homens intratáveis de estatura incomum”.
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta explorando os desafios de uma equipe de criados.
Anne era uma criada de serviços gerais e uma mulher muito grande. O pequeno e magro Ash não tivera chance.
— Deixe-me, disse! Ouch! É meu braço ‘que’stá’ torcendo, sua grande vaca!
Os salpicos foram seguidos por um baque e um barulho de baldes de metal.
— Fique quieto, seu rato, ou agarrarei mais do que seus braços.
Augusta sorriu enquanto bebia seu chá na mesa da cozinha. Atrás da tela que ela colocara por causa da duvidosa modéstia de Ash, mais salpicos eram precedidos de ofegos e injurias.
— Argh! Tem sabão nos meus ‘oios’! Queima. ‘Vu ficá’ cego!
— Não usei sabão ainda. — Resmungou Anne. — Agora pare de se debater antes que eu pegue a minha colher.
— ‘Entum’ pode ‘infiar’ nos meus ‘oios’?
Um bufo.
— Não, rato. Assim eu posso bater no seu traseiro. Sente-se quieto.
Anne era bem mais paciente do que Augusta fora. Ela olhou para as suas próprias saias, ainda úmidas de suas tentativas de domar o teatro do menino. Ela quis rir, mas não queria encorajá-lo.
Ele precisava de um banho mais do que qualquer outra criança que ela já vira. Quem poderia imaginar que tipo de inseto o incomodava? Pulgas, certamente. Sua resistência irracional começara quando ela removera seu gorro. Mas ela duvidava que o Sr. Reaver mantivesse Ash empregado em sua casa se o garoto estivesse imundo e infestado.
Ela esperava ter, pelo menos, dez criados contratados quando o Sr. Reaver voltasse, embora ela não tivesse a menor noção de quando seria isso. Ele passara a noite anterior no clube. Sabia porque ela passara a noite anterior acordada em sua cama surpreendentemente macia. Ouvindo. Imaginando. Recordando. Por volta das três, finalmente dormira.
Tomando outro gole de chá, ela alisou uma mecha do cabelo e suspirou. Ser amante dele era uma ocupação mais inquietante do que ela imaginara.
Um grito alto de Anne ecoou pela cozinha. Então um barulho de tecido rasgando. Em seguida, um menino rosa, quase pelado e gotejando surgiu detrás da tela e desapareceu na copa.
Anne emergiu, ensopada e segurando uma camisa rasgada e suja em suas mãos. Em suas amplas feições havia uma expressão de fúria.
— Oh, calma, Anne. Ele é apenas um menino...
— Não estou zangada com ele, Srta. Widmore. — A voz da criada era trêmula, assim como suas mãos. — Deve olhar as costas dele.
Um terror gelado afligiu seu estômago. Ela abaixou a sua xícara e se levantou.
— O que é?
Anne tirou a sua touca pingando e a atirou sobre a mesa. Embaixo, seu cabelo era cor de amêndoas. — Deve ver por si mesma.
Augusta imediatamente se dirigiu a copa, pretendendo fazer exatamente isso. Não o viu imediatamente. Então ouviu um pequeno suspiro dentro de um barril.
— Ash. — Ela falou, forçando sua voz para sair firme. — Venha aqui agora. Não tenho tempo para bobagem.
— Não quero. — O barril disse.
— E eu não quero pedir ao Sr. Duff que carregue este barril na próxima carroça que vai ao mercado. Mas irei.
— Você é uma mulher muito dura, Srta. Widmore.
— Sou o que devo ser para fazer o que devo fazer.
O barril fungou.
— Ela rasgou minha camisa.
— Sim, bem. Se não tivesse se debatido como um gato feroz, sua camisa estaria intacta, não estaria?
O silêncio caiu.
— Venha agora, Ash. Deixe das suas. Tenho muitas tarefas a realizar.
Uma cabeça marrom e ensebada lentamente surgiu acima da borda do barril. Então um par de olhos escuros com cílios em grandes quantidades. Nariz pequeno. Queixo quadrado.
Bons céus, o garoto era bonito sem toda aquela sujeira.
— Venha logo. — Disse secamente. — Já teve a sua diversão.
Em seu peito magro ainda tinha manchas de sujeira. Ele saiu do barril, saindo e ficando em pé, branco, trêmulo e terrivelmente magro. Estava em suas roupas de baixo, uma desgraça de tecido e linha.
— Muito bem. Agora, volte para o banho, por favor. Um pouco de sabão fará bem a você.
— Mas...
Ela ergueu uma mão.
— Nem outra palavra, menino. — Sua mão moveu-se apontando à cozinha. — Vá.
Para sua surpresa, ele obedeceu, seus ombros encurvados enquanto passava por ela, em direção à porta da cozinha.
Ela se virou para ver as costas dele.
E teve que cobrir a boca para evitar o grito. Ou o choro. Ou o vômito.
A carne estava marcada por cicatrizes e manchas negras, vermelhas e um doentio amarelo com hematomas velhos e novos. Uma marca em particular atraiu seu olhar.
Tinha o formato de uma bota.
Ash desapareceu na cozinha. Ela ouviu Anne murmurar algo com ele. O som de água escorrendo.
Ela fechou os olhos e mordeu o punho. Bom Deus, ainda conseguia ver aquilo. As costelas protuberantes em sua pele. Ele era um menino pequeno, faminto e agredido.
Agredido viciosa e repetidamente.
Um soluço se avolumou em seu peito. Ela o engoliu. Respirou fundo até que ele voltasse ao lugar.
A última coisa que ele precisava era pena.
Ou a explosão de fúria derretida em seu ventre, escaldando tudo como se fosse fogo.
Não, o garoto que tinha sofrido tal tratamento precisava se sentir seguro. Precisava que ela fosse a Augusta em quem confiava. Felizmente, ela tinha adquirido muita prática ao lidar com Phoebe.
Abriu os olhos e abaixou a mão. Imaginou-se usando uma cota de malha e uma armadura. Visualizou uma espada em seu quadril e um elmo impenetrável sob sua cabeça.
Pronto. Agora estava melhor.
Á distância, ouviu Ash reclamar sobre o sabão, em seguida a resposta de Anne que se ele se incomodasse em banhar-se mais de uma vez por ano, a lavagem não seria uma tarefa tão árdua.
Ele precisaria de uma camisa, Augusta pensou. Calções também. Mas por enquanto, ela arrumaria uma camisa para ele vestir quando estivesse limpo.
Não havia outros meninos na casa, claro, e nem ela e nem Anne possuíam qualquer coisa que servisse para ele vestir. Apenas outro homem morava ali. O Sr. Reaver podia ser um gigante, mas uma de suas camisas deveria ser suficiente até que ela enviasse Anne para que comprasse trajes de tamanho mais adequado ao de Ash.
Decisão tomada, ela caminhou pela cozinha, parando brevemente para vestir suas luvas. Em sua mente elas eram manoplas.
Ficou feliz ao ouvir o zumbido agradável de Anne e o silêncio de Ash. Feliz por não ter que olhar para suas costas novamente tão cedo.
Minutos depois, ela procurava em uma pilha arrumada de camisas na sala de vestir do Sr. Reaver. Elas eram todas do mesmo tamanho, elegantemente costuradas e volumosas. Ela sacudiu uma e a pôs em frente ao seu próprio corpo antes de se virar para olhar no espelho.
— Oh, céus. — Exalou. Nela, a bainha chegava um pouco abaixo dos joelhos. O pescoço ficaria aberto e exporia seus seios.
Uma imagem dela usando a camisa e nada mais cruzou sua mente. Por um momento, imaginou como ele a veria em tal estado, como aqueles olhos de ônix poderiam chamuscar e queimar antes que ele...
— Não há necessidade de furtar as minhas camisas, Srta. Widmore. Pretendo levá-la à costureira em breve.
Ele estava parado na porta de seu quarto, um ombro substancial apoiado no batente, braços cruzados, a ponta de uma das botas casualmente parada ao lado da outra. Ele parecia como se estivesse ali há horas. Observando-a.
Ela engoliu em seco e se concentrou em dobrar a camisa. A agitação em seu ventre e as sensações ao longo da coluna eram simplesmente surpresa. Isso era tudo.
— Não estava lhe roubando, Sr. Reaver. Estava pegando emprestado. Há uma vasta diferença.
— Vasta. Como as promissórias de Glassington, não?
Enfrentando o seu olhar duro e preto, ela ergueu o queixo.
— Certamente.
— Para que a quer?
Ela pigarreou.
— Algo para vestir depois do banho. — Não era uma mentira... totalmente.
Por um longo tempo, o Sr. Reaver ficou em silêncio. Os olhos queimavam e caíram sobre seu colo do jeito que ela imaginou. E ela nem ao menos estava vestindo a coisa. Não, ela a segurava contra o peito como um escudo.
— Sempre usando luvas, Srta. Widmore. — Sua voz saiu esfumaçada. — Nunca as vi sem elas. Faz um homem imaginar o motivo.
Ela reergueu o queixo.
— Prefiro assim.
Um sorriso cínico curvou sua boca enquanto seus olhos retornavam aos dela.
— Uma dama tem mãos suaves, não? Não há ‘trabaio pra ‘stragar’ sua pele nobre.
Ele deliberadamente engrossara seu sotaque, ocultando o H e achatando certas vogais até que sua fala parecesse com a de Ash.
Ela podia ter lhe explicado quão errôneas as suas conclusões estavam, mas por qual motivo? O desdém dele por todas as coisas — e pessoas — aristocráticas era óbvio. Além do mais, no momento, ela tinha coisas mais importantes para resolver, isto é, entregar a camisa dele para Ash enquanto evitava que isso fosse descoberto pelo dono. Então, ela poderia começar a entrevistar os criados. Ash não poderia se esconder em uma casa com dois criados. O garoto não devia ser notado pelo Sr. Reaver, pelo menos por enquanto.
— Pense o que quiser, Sr. Reaver.
— Farei isso. — Ele grunhiu.
— Tenho certeza disso.
— Você é bastante irritante.
— Bem, se minha presença o incomoda, talvez deva sair.
— Esta é minha sala de vestir. — Ele se afastou do batente da porta e veio até ela, um gigante grande de olhos negros vestindo um casaco azul e sem cravat. — E esta é minha camisa.
Ficando sem fôlego, ela colocou a camisa dobrada nas suas costas e recuou um passo.
— Devolverei sem estragos, asseguro-lhe.
— Não é o estrago que me perturba.
Ele contornou o lavatório, sombrio, imponente e cheirando a chuva.
A porta da sala de vestir dela tocou suas costas. Ela sentia a maçanete.
— O quê, então? Talvez eu possa deixá-lo tranquilo.
Ele diminuiu o espaço entre eles, ficando a apenas centímetros de distância. Agora, o sentia como uma tempestade elétrica, o homem maciço exalando poder e calor.
Ele apoiou a mão acima de sua cabeça. Seu fôlego acariciava sua bochecha.
— Vindo de você, Srta. Augusta Widmore, nada me tranquiliza.
Aquela proximidade, o estrondo de sua voz roçando a sua pele. Ela encontrou os olhos dele e mergulhou profundamente, pescada e presa nas profundezas. As trevas deveriam ser frias, ela pensou. Mas não eram. Eram quentes, como cavernas cheias de vapor da Terra.
— Gostaria de lhe ver usando a minha camisa.
Ela ficou agradecida pela porta atrás dela, pois se não fosse ela, certamente teria dificuldades de se manter em pé.
— Ela ficaria folgada. — Sussurrou. — Ficaria... indecente.
— Aye. Indecente.
A cabeça dela girou com uma sensação estranha. Parecia que ia cair.
— S-Sr. Reaver.
Um dedo grosso acariciou sua bochecha.
— Gosto disso.
— O quê?
— Sua cor. Como rosa florescendo.
— É por causa de suas... provocações.
A boca dele estava mais próxima? Ela pensou que sim.
— Acho que gosta das minhas provocações, Srta. Widmore.
Ele não estava errado. Tudo dentro dela zumbia como uma corda arrancada.
— Talvez eu goste. — Ela confessou.
Sua mandíbula se flexionou como pedra. O nariz inflou, ele pairou sobre ela. Abaixando a cabeça ao lado da dela. Respirando contra a pele de seu pescoço.
Fechou os olhos e sentiu o calor dele. A dureza do peito a mitigando. Achatando-a e a excitando, firme e doce.
Lã, chuva e masculinidade. Calor, músculos e peso. Isso era impressionante. Mas não o suficiente.
Lábios quentes deslizaram por sua pele. Um queixo áspero a acariciou. O contraste a fez desejar mais. Mais suave. Mais áspero. Mais dele.
A leve batida na porta os deixou imóveis. Ela não desejava abrir os olhos. Desejava saber o que viria a seguir. Ele beijaria seus lábios? Ele a seguraria pela cintura? Ele ergueria suas saias?
— Psiu. Srta. Widmore? — O alto sussurro de Anne atravessou o painel de madeira. — Parece que o Sr. Reaver voltou. Melhor apressar-se. O rato fugiu novamente. Só Deus sabe onde está.
Droga. Milhares de maldições sobre Anne ou qualquer pessoa fazendo com que o homem ao redor dela interrompesse o que fazia.
Apesar de seu desejo ardente, ele se afastou, deixando-a fria e fraca. Quando abriu novamente os olhos, ele virava-se em direção a porta de seu dormitório, movendo-se rigidamente e passando uma mão sobre sua cabeça.
Ela estava com problemas para respirar.
Outra batida.
— Srta. Widmore?
— Sim, Anne. — Ela conseguiu falar. — Descerei em breve. Obrigada.
Agora, ele estava parado com uma mão apoiada no lavatório, como se precisasse se equilibrar.
— Devo ir. — Falou. — Devo preparar-me para as entrevistas de hoje.
— Não. — Sua voz era profunda, mais áspera que o normal.
Ela inalou com dificuldade. Ele pretendia continuar o que começara? O calor aumentou e queimou em expectativa.
— Frelling chegará em uma hora. Ele fará as contratações.
Ela se retesou. Ficou gelada. Perdeu o fôlego.
— Concordamos que eu...
— Não houve acordo. — Ele rosnou. — Como sempre, simplesmente declarou que faria. Frelling ajuda a contratar os criados do clube. Ele terá isso pronto até amanhã.
Ela apertou a camisa do Sr. Reaver às suas costas. Ash precisava da camisa, mas, ainda mais desesperadamente, ele precisava da posição que ela lhe daria. Ela não faria isso por ele a menos que tivesse o controle sobre a criadagem da casa vazia do Sr. Reaver.
— Como viverei aqui por seis semanas, Sr. Reaver, receio que devo insistir...
Ele virou seus olhos pretos e brilhantes sobre ela.
— Eu disse que não.
Erguendo o queixo, ela lhe informou:
— Controlei uma casa grande antes, sabia? Talvez tenha sido há alguns anos...
— Onze.
Ela piscou. Como ele sabia? Ele fizera perguntas sobre ela? Oh, bons céus. O que mais ele descobriu?
— Não tenho dúvidas que poderia fazer isso, Srta. Widmore. Você é a mulher mais controladora que conheço. Mas suspeito que mal passa o dia com sua irmã. Ela está no clube e está doente.
— Por que, em nome de Deus, ela está no clube? — Se tom era afiado, mas Augusta não se importava.
Ele olhou para ela.
— Ela não aprova o nosso acordo. Chegou à porta da frente, exigindo falar comigo. Quando Shaw percebeu que ela estava doente, a instalou em uma suíte privada e chamou um médico...
— Um médico? — Em sua mente, ela gritou. Felizmente, emergiu mais como um sussurro horrorizado.
— Aye. O sogro de Frelling, Dr. Young. Ele a examinou ontem à tarde...
Ela grunhiu e cobriu o rosto com a mão livre.
— Que diabos? — O Sr. Reaver ladrou. — Não se importa que sua irmã esteja morando naquele monte de lixo que chamam de casa?
Abaixando a mão, ela soltou um riso histérico. Mesmo para seus ouvidos, soou amargo.
— Importar-me, Sr. Reaver? Estou sacrificando tudo para a segurança e bem-estar dela. Tornar-me sua amante é a última atitude.
Seu olhar voltou a se tornar calculador. Calculador e consciente.
— Gostaria de vê-la. — Disse, ignorando a agitação em seu ventre.
Ele assentiu.
— A levarei.
— Desnecessário.
— Perfeitamente necessário, Srta. Widmore. — Seu tom impedia qualquer reclamação.
Mesmo assim, não foi capaz de resistir.
— Posso pegar um coche.
Ele se afastou do lavatório, caminhando em sua direção. Novamente.
— Irá comigo, assim será. Não a terei entrando furtivamente em meu clube, causando todo tipo de incômodo.
— Se considera a intrusão uma dama dentro de seu glorioso santuário masculino tal incômodo, o que o possuiu para convidar a minha irmã a ficar lá?
— Não fiz. Foi Shaw.
Ela ergueu as sobrancelhas.
— O Sr. Shaw a convidou?
— Mais para insistir.
— Humm. Bem, o Sr. Shaw é um verdadeiro cavalheiro. Não viraria as costas para uma dama em dificuldades, muito menos a levaria até a porta da frente...
— Dez minutos, Srta. Widmore. Então partiremos. Se não gosta de ser carregada como uma valise, sugiro que esteja no vestíbulo a tempo.
Deus, por que ele dissera algo assim? Em voz baixa, reverberante e imponente. Ele a fazia querer desafiá-lo apenas para ver o que ele faria.
Mas isso não seria inteligente. Ela deveria deixar de satisfazer estes desejos voláteis e focar nas coisas que realmente importavam. Phoebe. E, se pudesse ajudar, Ash.
Ela sentiu a maçaneta às suas costas, a girou e entrou em sua sala.
— Estarei lá. — Ela disse ainda segurando a camisa dele.
Como sempre, o seu olhar, longe de causar medo, fez suas entranhas suavizarem e tremerem.
— O encontrarei lá.
CAPÍTULO 8
“Não posso recomendar uma viagem no inverno. Ou no outono. Ou na chuva. Agora que penso sobre isso, não recomendo viajar afinal.”
A Marquesa Viúva de Wallingham para Elijah Kilbrenner em uma carta explicando os motivos pelos quais apenas aqueles que gostam de imprudência e desconforto seguem para as terríveis estradas da Inglaterra em condições adversas.
Reaver inclinou-se para frente com seus cotovelos sobre seus joelhos e amaldiçoando o inventor das carruagens fechadas. Automaticamente, o olhar dele encontrou os seios da Srta. Widmore. Tornou-se um regalo para ele, uma visão que lhe trazia conforto mesmo quando seu pescoço doía por tentar caber em um espaço tão pequeno.
Aquele pensamento o levou a contemplar sobre ajustes em outros locais apertados.
Ela estava sentada em frente a ele, aconchegada do lado da janela para deixá-lo com mais espaço. Os olhos estavam grudados na rua que passava. Suas mãos enluvadas estavam cruzadas em seu colo. Sua peliça marrom era velha, mas limpa.
Deus, como a queria. O desejo aumentava momento a momento. Inextinguível. Incontrolável.
Mais cedo, em sua sala de vestir, estivera perto o bastante para absorver o cheiro dela. Nunca experimentara nada tão bom. Não era perfume. Nem flores ou tempero enjoativo. Ela cheirava como vento na água. Como pele e sabão. Sabão barato e perfumado. Sabão de limpeza. Com uma pitada de limão.
Ele desejava devorá-la.
— Espero que tenha agido com discrição, Sr. Reaver.
Não tanto quanto deveria. Muito mais do que desejava.
— Minha irmã é uma jovem dama virtuosa. A sua reputação deve ser protegida. — Olhos cinza se viraram na direção dele. — Você entende, não?
— Shaw instruiu os criados a manter a presença dela em segredo.
— E eles farão isso?
— Eles farão o que lhes foi dito ou sofrerão as consequências.
Ela engoliu em seco e assentiu, seu olhar caiu brevemente sobre a mandíbula dele antes de voltar a contemplar a janela.
O olhar dele voltou ao colo dela. Mamilos duros pressionavam as bordas de seu corset, sua chemise e lã. Eles queriam a sua atenção.
Por Deus, eles teriam isso.
— Não pode estar confortável. — Ela murmurou.
Não. Não, ele não estava. Doía, latejava e malditamente ansiava por saboreá-la.
— Deveria comprar uma carruagem modificada com um teto mais alto. Ninguém deveria viajar sem espaço suficiente para a cabeça.
— Sua preocupação aquece o meu coração, Srta. Widmore.
Novamente, ela desviou o olhar. Olhou para as pernas estendidas e para a postura encurvada. Fungou.
— Apenas aponto isso porque parece determinado a viver sem confortos. Uma casa vazia. Uma carruagem que não lhe serve. Até mesmo seu escritório é, na melhor das hipóteses, prático.
— Eu gosto de meu escritório.
— Não duvido.
— O que quer dizer com isso?
Olhos cinza avaliaram toda sua extensão.
— Apenas que aparentemente favorece a utilidade.
— A utilidade é o que importa.
Uma sobrancelha castanho avermelhada se ergueu.
— O conforto também importa, Sr. Reaver. Conforto e prazer. Você pode se dar ao luxo de possuir os dois, funcionalidade e conforto, sabia?
Ele engoliu uma resposta. O que uma solteirona nascida na alta sociedade sabia sobre isso? Ela podia não apreciar a riqueza que seu pai fornecera, mas herdou uma pequena soma para os dotes dela e de sua irmã. Também possuía um pequeno e sólido chalé e vivia com os rendimentos de investimentos que seu tio a ajuda a estabelecer. Ele duvidava que ela se preocupasse muito com os fundos, além das despesas ocasionais, salvo gastos inesperados.
Uma viagem a Londres para perseguir um possível marido, por exemplo.
Ele franziu o cenho. Maldito Glassington. Um conde inútil e irresponsável que poderia adquirir acesso aos divinos seios, lábios carnudos de Augusta Widmore com um nome e um título.
— Deus, não precisa atirar-me adagas. — Ela disse erguendo o queixo. — Minha sugestão para aumentar a altura de sua carruagem é uma ideia prática.
— Uma carruagem mais alta estaria mais apta a tombar.
Ela estalou a língua.
— Então abaixe o piso. Você precisa de uma porta mais alta de qualquer maneira.
— Você não sabe nada sobre as minhas necessidades.
— Por que está sendo tão irracional...
— Porque, como normalmente, você enxerga tudo como uma oportunidade para atormentar um homem com suas opiniões não solicitadas.
Uma pequena ruga se formou entre as sobrancelhas dela. A cabeça recuou até a nuca bater no encosto da parede traseira da carruagem.
— Muito bem, Sr. Reaver. Se acha as minhas opiniões tão odiosas, as manterei para mim mesma.
Com isso, ela se afastou dele. Virou seu rosto de volta para a rua. Apertou os lábios e endireitou a postura.
Ele queria uivar. Ele queria beijá-la. Reivindicá-la. Bem ali, em sua carruagem muito pequena.
Ele queria implorar por perdão por ter rosnado como um cachorro faminto.
Em vez disso, ele ficou em silêncio e se forçou a parar de imaginá-la com Glassington.
Ao chegarem ao beco atrás do clube, estava pronto para bater em alguém. Preferencialmente em um certo jovem conde que lhe devia milhares de libras.
Sair da carruagem, como sempre, exigiu algumas manobras, mas ele conseguiu. Uma vez do lado de fora, estendeu a mão para ajudar a Srta. Widmore.
Ela o ignorou, usando o batente da porta como apoio para descer até os paralelepípedos.
Maldição. Ele a magoara. Ela nem mesmo ergueu a aba do bonnet para olhar para ele.
— Shaw me disse que sua irmã está se sentindo melhor hoje. — Ele tentou selar a paz, indicando-lhe a porta dos fundos.
Sua única resposta foi um aceno antes de começar a andar até a entrada.
— Bom dia, Sr. Duff. — Ela cumprimentou a sua sentinela alegremente. — O dia parece ter tido misericórdia de você.
O homem grande riu.
— Aye, de fato, Srta. Widmore. Um pouco de garoa por um tempo, mas melhorou desde então.
Ela sorriu. Duff sorriu de volta.
— Abra a maldita porta, Duff.
As sobrancelhas bagunçadas do homem arquearam de maneira assustada.
— Aye, Sr. Reaver.
Ela precedeu Reaver no interior escuro, suas costas rígidas.
— Não havia necessidade de tanta grosseria.
Ele rosnou. Ela estava certa, é óbvio. E agora estava com mais raiva dela por isso.
Ela navegou pelo corredor escuro até as escadas de serviço como se ela tivesse um mapa e uma tocha. Imaginava que ela conhecia muito bem o caminho agora, tendo invadido o seu clube duas vezes.
— Terceiro andar. — Ela instruiu.
Novamente, ela mal assentiu, segurando um punhado de sua saia e subindo o primeiro lance de escadas em passos rápidos.
Ele a seguiu de perto, saboreando cada pequeno aroma de seu perfume, cada balanço lascivo de seus quadris.
— O Dr. Young recomendou muito descanso e refeições frequentes. — Ele disse, esperando que a raiva dela diminuísse com um pouco de conversa tranquilizadora. — Shaw acredita que a sua irmã deva ficar aqui pelo seu tempo restante em Londres. Temos um excelente cozinheiro. Francês. Pode fazer qualquer coisa que ela quiser.
Aparentemente, ele era incompetente tanto em tranquilizar quanto em conversar, pois, desta vez, ela nem mesmo acenou.
Ao chegarem ao terceiro andar, ele se abaixou sob uma viga e segurou o cotovelo dela.
Ela parou e puxou o braço para se soltar.
Mantendo seu aperto gentil e ao mesmo tempo firme, falou:
— Irei à frente. — Murmurou. — Você não deve ser vista vagando por aqui.
Na luz baixa, ele não pôde ver a expressão dela, mas quando falou, ele se sentiu coberto de gelo.
— Sem dúvidas, Sr. Reaver. Vá à frente.
Ele afastou a mão lentamente. Relutantemente. Em seguida, passou por ela, lutando contra a vontade de pressioná-la contra a parede e enterrar seu nariz no pescoço dela mais uma vez.
Dado o estado de espírito dela, tal ação provavelmente resultaria em um dano em suas partes mais vulneráveis. Seus olhos. Seu nariz. Talvez até mesmo em seu...
Aye, pensou. Provavelmente era uma má ideia.
Em vez disso, seguiu em frente, examinando o corredor em busca de criados e convidados. No final do corredor bem iluminado, um par de cavalheiros ria e deram os braços, bêbados, antes de virar em direção à escada principal. Um lacaio se moveu rapidamente para substituir duas velas que queimavam baixas.
Atrás dele, a impaciência de Augusta Widmore pressionava como ferro quente os seus ombros. Ou talvez fosse a sua irritação.
Quando o corredor se esvaziou, ele sinalizou para ela vir e a levou até a porta de Phoebe Widmore. Acima de sua cabeça, ele alcançou a maçaneta, mas ela já abrira a coisa.
Lá dentro, sua irmã estava sentada perto do fogo, lendo. A versão mais jovem, mais pálida, mais magra e mais bonita de Augusta se levantou e largou o livro.
— Augusta. — A moça chorou, seu lábio inferior tremendo enquanto corria para os braços abertos de sua irmã.
— Acalme-se, Phee. — Ela a abraçou com força antes de se afastar e acariciar os cabelos de Phoebe e depois segurar seu rosto com as mãos enluvadas. — Você tem um pouco mais de cor. Como está se sentido?
— Melhor. O Dr. Young e a Sra. Frelling têm sido muito bondosos. Eu bebi três xícaras de chocolate esta manhã. — A garota riu e fungou.
— E o Sr. Shaw?
As bochechas de Phoebe ficaram rosadas.
— Ele gosta de fazer as coisas do jeito dele. Proibiu-me de sair sem o seu conhecimento.
Augusta assentiu e apertou o ombro de sua irmã.
— Uma ação sensata. Não queremos que a sua presença aqui seja descoberta. Ele tem sido bondoso?
— Suponho que sim. — Um vinco enrugou a testa dela. — Ele insiste que eu durma quatro vezes ao dia e coma seis. Eu lhe disse que ninguém dorme tanto e que seis refeições são demais até mesmo para o Sr. Duff.
— Humm. O Sr. Shaw é um cavalheiro. Tenho certeza que apenas deseja garantir a sua boa saúde. — Ela acariciou o rosto de Phoebe novamente. — Você deve cuidar melhor de si mesma, Phee. Nunca deveria ter vindo aqui sozinha. Eu lhe disse que encontraria acomodações melhores assim que estivesse estabelecida.
— Não pude esperar. — Phoebe segurou as mãos de Augusta. — Por favor, diga que desistiu se se tornar a amante daquele homem.
Reaver pigarreou.
Augusta estremeceu.
— Um pouco de privacidade seria apreciada, Sr. Reaver.
— Não. — Phoebe disse, afastando-se de sua irmã e se aproximando dele em frente a porta. — Eu quero falar com você. — Olhos azuis brilhavam de indignação. — Como ousa, sir. Como ousa propor a minha irmã algo tão escandaloso...
— Phoebe.
—... como acordo. Ela não é a amante de ninguém. Qualquer homem com bom senso saberia à primeira vista que ela é uma dama com valor fora do comum. Ela deveria ser tratada com a devida cortesia por ser uma mulher...
— Phoebe, isto não está ajudando.
—... virtuosa e esplendia. Eu repito, como ousa!
Estranhamente, seu discurso inflamado gerou uma sensação escorregadia e doentia embaixo de sua pele. Parecia como vergonha.
— Phee! Por favor. Meu acordo com o Sr. Reaver é mútuo. Ele não me forçou a entrar em nada...
Phoebe deu meia volta com as mãos nos quadris.
— Você estava desesperada. Ele se aproveitou. Isso é desprezível, mesmo para um rufião de classe baixa.
A vergonha escorregou profundamente e congelou. Ele sentiu cada músculo amortecer.
— Ele não está fazendo nada que eu não quisesse. — Augusta disse calmamente. — Você realmente acredita que permitiria que um homem me manipulasse de tal maneira?
Phoebe respirou profundamente e cruzou os braços ao redor de sua cintura.
— Você será arruinada, Augusta.
As palavras foram sussurradas, mas atingiram Reaver como um golpe no intestino.
Ela seria. Apesar de suas precauções, Augusta Widmore seria arruinada. Para sempre. Ela era uma solteirona, sim, e um incômodo tentador, irritante, deleitável e desafiante. Mas, se seu papel como amante fosse real ou um ardil, ela nunca mais seria considerada uma esposa aceitável para um cavalheiro.
Exceto talvez, para Glassington. Ele devia se casar com ela, nem se fosse apenas para acabar com as promissórias.
Abruptamente, o que era frio ficou quente. A escuridão subiu alto e queimou seu estômago. Sua garganta. Quando sua voz emergiu, foi gutural e musical.
— A decisão foi dela. Ela escolheu ser minha. — Ele olhou para Augusta que estava carrancuda. — Recolha-se em si mesma se quiser. Volte para Hampshire. Mas saiba de uma coisa. Se fizer isso, será sem as promissórias. Temos um acordo. Eu o mantenho.
Antes que as forças bizarras e furiosas dentro dele ganhassem mais força e saíssem do controle, ele abriu a porta.
— Enviarei uma criada para você, Srta. Widmore. Meia hora. — Ele ladrou enquanto caminhava para o corredor. — Não saia deste quarto sem ela.
*~*~*
Augusta estremeceu quando a porta se fechou. Então suspirou.
— Ele é um rufião. — Phoebe falou. — Oh, Augusta, tem certeza...
— Sim. — Respondeu. — Tenho.
Sebastian Reaver pode ser um rufião. Ele pode ser rude, mal-humorado e totalmente espartano, mas nunca a machucaria. Sabia disso tão certo quanto sabia diferenciar a sua mão esquerda da direita. O homem fizera grande esforço para não a machucar, mesmo quando ela o enlouquecera, invadiu seu clube, importunou e o convenceu a fazer uma barganha com ela.
A barganha que ele oferecera, de fato, tinha intenção de afastá-la e amedrontá-la para preservar sua própria reputação. Ela apostava o seu amado chalé nisso.
O Sr. Reaver tinha honra. Talvez fosse um tipo diferente da de seu pai, mas não era menos real.
— Agora. — Augusta continuou, lançando à sua irmã um olhar preocupado. — Vamos discutir o seu comportamento imprudente por um momento.
— Devemos?
— Você está atualmente morando em um clube de jogos, Phee.
— Bem, sim, O Sr. Shaw insistiu.
— E permitiu que um médico a examinasse.
Phoebe mordeu o lábio e assentiu.
— Ele me prometeu não contar a ninguém. O Dr. Young é um cavalheiro.
Percebendo que as mãos de Phoebe estavam protetivamente sobre sua barriga, Augusta suavizou e sorriu.
— Quando ele disse que o bebê virá?
— Sete meses, se tudo correr bem.
Augusta engoliu em seco e assentiu.
— Devemos ter um grande cuidado agora. Você compreende, não? Se alguém descobrir que está grávida antes de se casar com Lorde Glassington, não haverá meios para reparar o dano.
— Eu sei.
— Não conte a ninguém mais. Principalmente ao Sr. Shaw.
Repentinamente a expressão de Phoebe se fechou. Seu olhar caiu sobre suas mãos.
— Por que principalmente ele?
— Ele provavelmente informará o Sr. Reaver e ninguém tem como saber como o homem reagirá.
Phoebe apertou os lábios.
— Nos jogar fora, provavelmente. Ou exigir mais concessões de você. — Ela focou no rosto de Augusta. — Até mesmo casamento.
— Não seja tola.
— Não é tão exagerado. O nome Widmore...
— Não significa nada para um homem como ele. Além do mais, um compromisso permanente não cabe em seus propósitos.
— Qual precisamente é o propósito dele?
Augusta suspirou.
— Eu o coloquei em um desafio que ele não deseja perder.
Phoebe abriu a boca, incerta se devia fazer outra pergunta, mas Augusta simplesmente ergueu uma mão.
— Deixe o Sr. Reaver comigo, deve focar em recuperar sua força. Viver aqui deve facilitar isso.
Ela assentiu e sorriu.
— Muito. Sem crianças chorando no corredor. Sem ratos correndo ou goteiras em vasilhas.
Rindo diante das lembranças. Augusta sacudiu a cabeça.
— Aquele lugar era horrível, não? Os gritos da Sra. Brown. O gosto da Sra. Renley por gin. As visitas frequentes da Srta. Honeybrook.
— Oh, eu gostava da Srta. Honeybrook.
Augusta alisou um cacho ao longo do rosto de Phoebe.
— Estando aqui, onde ficará em segurança, minha mente fica mais tranquila. Agora posso me concentrar no Sr. Reaver.
Olhos azuis se arregalaram.
— O que pretende fazer?
Levantando o queixo, ela fungou.
— Pretendo fazer com que ele cumpra a sua promessa. Quer ele goste, ou não.
Precisamente meia hora depois, a criada bateu à porta. Augusta ficou surpresa em perceber que era a mesma garota que ela encontrara nas escadas de serviço na sua primeira incursão ao Reaver’s.
A garota sorriu calorosamente.
— Srta. Widmore? Sou Edith. O Sr. Reaver me enviou para mostrar o caminho do escritório dele.
Augusta assentiu, deu um último abraço em Phoebe e a recordou sussurrando:
— Se precisar de alguma coisa, envie uma nota ao endereço que lhe dei. Virei imediatamente.
Phoebe fungou e a apertou com mais força antes de se despedir.
Enquanto Augusta seguia Edith pelo corredor, a criada provou ser bastante comunicativa.
— Então, você está trabalhando para o Sr. Reaver agora, ouvi dizer.
Augusta piscou. Uma maneira estranha de expressar o acordo entre eles, pensou.
— Pode-se dizer que sim. Você gosta de trabalhar aqui no clube?
— Adoro. O trabalho é duro, mas o pagamento é generoso. O Sr. Shaw e o Sr. Reaver não toleram olhares de luxúria dos homens em nossa direção. Ao primeiro sinal de tais coisas, eles jogam os seguranças em seus... bem, em suas orelhas. — Edith riu. — Grande Annie diz que é ainda melhor trabalhar na casa do Sr. Reaver. O dobro da soma e mal encontra um banco para se tirar o pó. Você gostará de lá, eu acho.
Ah, então Anne era conhecida como Grande Annie, pelo menos por Edith. A criada mais velha era, de fato, bastante grande. Perguntava-se se Anne conseguira forçar o pequeno Ash dentro da camisa do Sr. Reaver após a partida de Augusta. O garoto era incorrigível. Reprimiu um sorriso.
Pigarreando, continuou a conversa enquanto elas chegavam às escadas de serviço e ao segundo andar.
— Anne também trabalha aqui?
— Na primavera, principalmente, quando a temporada começa. É quando o clube fica mais movimentado. Temos uma aposta, ela e eu. Ela diz que anda mais que eu em um dia, levando em conta que a casa do Sr. Reaver é maior. Acho que as escadas contam mais, já que eu as subo bastante.
Augusta achou as maneiras casuais de Edith em relação a ela incomuns. O que o Sr. Reaver dissera sobre a função de Augusta? Ele pode não ter especificado que ela seria a sua amante ou o comportamento da garota seria um pouco diferente. Menos próximo e, provavelmente, menos amigável.
Frequentemente os criados exibiam maior preocupação com as conveniências do que seus empregadores.
— Aqui estamos, Srta. Widmore. — Edith falou alegremente, liderando o caminho até a antecâmara do escritório do Sr. Reaver. — Pode querer bater antes de entrar. — Ela riu e balançou os ombros, fingindo um estremecimento. — Este é um erro que se comete apenas uma vez. Boa sorte!
Augusta a agradeceu e seguiu o conselho.
— Entre. — A voz retumbante soou como um urso dentro de uma caverna.
Ela respirou profundamente antes de entrar.
Ele estava parado atrás da mesa, de costas para ela, folheando um livro de contas. Recordou-se da ocasião anterior que ela entrara em seu escritório. Parecia igual, paredes verdes, prateleiras de carvalho flanqueando a única janela, um conjunto de gavetas ao lado da maciça mesa de carvalho e... não muito mais. Um par de cadeiras de madeira. Uma lamparina ou duas. Tudo era deliberadamente sem adornos, sem cortinas, pinturas ou até mesmo um tapete no chão de tábuas.
Seus olhos pousaram na prateleira à direita da janela. A única exceção se destacava como um rubi em uma duna árida era um relógio ormolu, cheio de tramas e dourado. Ela se perguntava desde a primeira visita porque ele mantinha a coisa cheia de babados.
— Sente-se. — Falou sem se virar. — Demorarei um instante.
Ela permaneceu em pé, examinando seus ombros. As coxas. Cabelos. Ele os mantinha cortado bem curtos. Preferia vê-los com um comprimento apropriado, imaginando se seria grosso e liso. Como seria uma mecha caindo sobre a testa. Como ela a afastaria gentilmente antes que seus lábios se encontrassem...
Bons céus. Talvez ela devesse voltar a pensar no relógio.
— Ainda chateada comigo?
Seus olhos voltaram a ele. Os ônix iluminados atrás dos óculos prateados.
— Chateada? — Ela perguntou, um pouco sem fôlego.
Ele franziu o cenho, suas feições ferozmente masculinas ganhavam um contraste maior com os aros empoleirados sobre seu nariz longo e acentuado.
— Pelo que disse. Mais cedo.
— Poderia ser mais específico? Diz tantas coisas rudes.
Fechando o livro de contas, abriu uma gaveta e o empurrou lá dentro. Tirou os óculos e os jogou sobre a mesa.
— Você queria comprar móveis.
Por seu tom, não foi capaz de identificar se sua afirmação era uma observação ou uma acusação. Então, ela optou por um neutro ‘humm’.
— Eu a pegarei.
Ela piscou. Olhou para a porta fechada atrás dela. Depois para a mesa. Em seguida para ele.
— Pegar-me?
— Aye, para comprar móveis. Nós diremos que você é a minha conselheira.
— Conselheira.
— Aye. Sobre assuntos de decoração e estas coisas.
— Decoração.
— Pare de repetir tudo o que digo.
— Bem, comece a fazer sentido e talvez não seja necessário.
Ele levou uma mão para o topo de sua cabeça.
— Maldito inferno sangrento. Você é irritante.
— E você é uma besta grosseira. De alguma forma, controlo meu desejo de insultá-lo repetidamente a cada conversa. Que contraste fascinante.
Exalando em frustração, ele contornou a mesa, diminuindo a distância entre eles em alguns passos.
— Há um homem que faz móveis. Ele tem um armazém. A acompanharei até lá hoje.
— Este homem lhe deve dinheiro?
— Que diferença isto faz?
— Hummph. Tomarei isso como um sim.
Sua carranca ficou mais obscura.
— Irritante e puritana. Você é muito encantadora. Deve deslumbrar todos os homens de Hampshire.
A ferroada de seu comentário a atingiu dura e profundamente, mas ela tomou cuidado para não demonstrar.
— Ficaria surpreso. — Ela mentiu tranquilamente. — Eu, por outro lado, não acho nada surpreendente em você.
— Então é assim?
À medida que ele se aproximava, ela ergueu o queixo.
— Certamente. Você mantém as promissórias destes homens como troféus. Isso lhe dá poder sobre eles e gosta disso. Assim como fez comigo.
— Acha que sabe tudo sobre mim, não é? Acha que sou previsível?
Sentiu um puxão embaixo do queixo.
— O q-que está fazendo?
— Removendo o seu bonnet.
Ela deu um tapa em sua mão, mas ele puxou o bonnet para longe e o manteve no alto, deixando-a batendo no ar.
— Devolva-me!
Ele o atirou para o outro lado da sala. O bonnet caiu no centro da mesa.
— Vá e pegue.
Que inferno era isso? Ele se endireitou em toda altura, colocando-se entre ela e o seu chapéu roubado como um jogador de críquete.
— Você é louco.
— Aye. Mas não previsível, hein?
— Louco não é melhor, seu gigante idiota!
Olhos negros brilharam com... excitação?
— Solte os cabelos.
— Não. — Ela passou uma mão acima da orelha, amarrando o que podia.
— Desejo vê-lo.
— Com grande respeito, Sr. Reaver, seus desejos significam para mim menos do que depositou no penico esta manhã.
Ele inclinou a cabeça e sua boca se curvou em um perverso meio sorriso.
— Um bom desvio, Srta. Widmore. Venha. Você é minha amante. Amantes fazem estes tipos de coisas para agradar seus patronos.
Bolinhas de formigamento subiram por sua pele como se ela tivesse se banhado em champanhe. Trincando os dentes para reter a sensação, esforçou-se para ignorar o inexplicável domínio que ele mantinha sobre seus sentidos.
— Neste instante, agradá-lo é o oposto do meu objetivo. Além disso, nós dois sabemos que não sou realmente a sua amante.
Ônix brilhantes a fulminara.
— Como sabe disso?
Ela rolou os olhos.
— Honestamente. Você passou a última noite aqui. Contou à sua equipe que sou sua empregada, não sua amante. E, enquanto tem a irritante tendência de me carregar como seu fosse uma valise, você nem me beijou. E prevejo que nunca o fará, pois você não me quer para este propósito. Está apenas tentando me forçar a recuar ao fazer essas exigências infames. Bem, não recuarei. Eu terei as promissórias de Lorde Glassington.
Sua mandíbula endureceu e tremeu.
— Assim você pode carregá-lo até o altar.
— Meus objetivos não tem importância para você. Agora, afaste-se, por favor. Gostaria de recuperar o meu chapéu.
— Venha e o pegue. — Ele murmurou baixinho.
Ela estreitou os olhos sobre ele. Sem avisar, ela fingiu ir para a esquerda e se jogou para direita. Talvez devesse ter feito o contrário, pois em um piscar de olhos, um braço de aço a agarrou pela cintura, apertando-a com firmeza contra ele. Ela se contorceu contra os músculos desconhecidos, pressionando o peito dele com suas mãos, os quadris roçando e arqueando contras suas coxas.
Uma mão imensa e quente segurou sua nuca, puxando sua cabeça para trás, assim ela não podia evitar o olhar dele. A visão a atingiu forte e baixo.
Os olhos de ônix se derreteram. Um músculo, impossivelmente longo e grosso, endurecera como pedra contra o seu ventre.
Oh, céus! Ele a desejava?
Quando a boca dele mergulhou na dela, ela soube. Por mais absurdo que parecesse, ele a desejava. E nada poderia tê-la surpreendido mais.
CAPÍTULO 9
“Uma dama julga o valor de um homem tanto por sua aparência quanto por seu comportamento. Os sinais de um caráter cavalheiresco devem ser sutis, mas eles formarão a base de sua boa opinião. Recomendo empregar o seguinte: um temperamento comedido. Um excelente alfaiate. E uma cravat, Sr. Kilbrenner. Uma cravat não iria mal.”
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta abordando estratégias para aumentar o fascínio de um cavalheiro.
Segundos depois que os seus lábios tocaram os dela, ele descobriu duas coisas: ela nunca fora beijada e ele nunca teria o suficiente dela.
A primeira percepção veio quando uma boca grande e tentadora que pensava que sabia tudo deslizou contra a dele em uma busca desajeitada e uma inexperiência ansiosa. Ela gemeu e apertou seu casaco, empurrou os lábios deles contra os dentes e basicamente tinha mais entusiasmo do que encanto.
A segunda percepção ocorreu quando um beijo, cuja intenção era estritamente provar um ponto — não importa que seu pênis tenha ficado duro o suficiente para quebrar mármore — fez sua cabeça girar como uma garrafa de seu melhor conhaque.
Apesar de sua reação amadora.
Apesar de suas dúvidas sobre comprometer a reputação de uma solteirona.
Apesar da tolice em ceder à sua luxúria.
Ele queria reivindicá-la. Dura e profundamente. Para sempre.
Em vez disso, prosseguiu com a sua boca doce, carnuda e virginal. Segurando com firmeza a sua nuca, acariciou o queixo dela com o polegar e a puxou com mais força contra seus quadris.
— Abra-se para mim. — Ele grunhiu.
— Por quê? — Ela ofegou.
— Apenas faça.
E ela fez.
Ele mergulhou fundo com sua língua, ignorando o chiado de surpresa. Ah, Deus. Ela era intoxicante, sua língua macia e lisa tremulando experimentalmente e depois acariciando a dele. Ela contorceu os quadris e depois o agarrou. Circulou seu pescoço. Elevou seu corpo. Ela apertou e esfregou seus exuberantes seios contra ele tão desesperadamente que ele conseguiu sentir seus mamilos como pequenos diamantes, mesmo através de camadas de roupa.
Com a cabeça flutuando e o peito arfando, a ergueu e virou-se, apoiando as costas dela contra a parede ao lado da porta. Suas mãos, livres agora para explorar, agarraram os quadris e coxas. Experimentou e deslizou. Abriu-a. Puxou-a para mais perto.
Ele pressionou o seu pênis contra ela, enviando ondas de prazer que irradiavam de sua coluna para cada músculo.
Calor. Muito calor e beleza. Ele ardia em um fogo implacável que o afogava. A devorava ao mesmo tempo que ela o devorava. Seu pênis estabeleceu um ritmo, precisando de alguma coisa como a sensação de empurrar dentro dela.
Ela deveria ser apertada.
Ele gemeu em sua boca, pulsando sua língua para dentro e para fora. Dentro e fora.
Deus, ela lutaria para levá-lo para dentro. Sabia disso. Sentia isso. Sentia em suas mãos inquietas e quadris ávidos. Ela não só aceitaria seu pênis, como o reivindicaria.
Ele nunca experimentara nada como aquilo. O fogo estava aumentando. Acumulando-se entre eles. Queimando onde quer que tocasse.
As saias lutavam contra ele. Ele as levantou.
A engatou e a arrastou para baixo, provocando um gemido. Os dedos dela cravaram-se em seu couro cabeludo, depois roçaram seu queixo e agarrou-se ao pescoço e ombros.
Seus quadris trabalhavam duro, esfregando-se contra o núcleo dela, onde o seu doce calor ardia mais alto. Ele queria experimentá-la. Queria consumi-la.
Ele moveu sua boca ao pescoço dela, beijando, sugando, alimentando-se de seu aroma. Pele, água e excitação.
Ela respondia da mesma maneira, depositando beijos frenéticos em suas bochechas, têmporas e onde quer que alcançasse. Gemendo na mais doce voz, rouca por seu desejo, ela ofegava em busca de ar, os quadris agora entrando no ritmo e se movendo no tempo.
Como uma dança em uma cadência sempre crescente.
— Oh. Oh, céus. S-Sr. Reaver.
— Maldito inferno, mulher. — Ele rosnou. — Dispense o senhor.
— Sebastian. Temo que... Oh, céus. Por favoor.
Ele quis dizer que ela o chamasse de Reaver. Mas gostou do som de Sebastian nos lábios dela. Ele gostou da última palavra ainda mais. Por favoooooor. Longa e baixa enquanto ela usava o seu pênis para seu prazer.
O prazer dela. O ápice dela. Estava vindo. Ela estava chegando lá.
Ele nunca desejou nada com tanta ferocidade.
— Humm. Sebastian. Céus!
Aye. O nome dele. Ele amava isso. Amava o seu cheiro, quente e intenso. Amava a pele sedosa contra a sua língua. Amava as coxas o apertando forte. E seu doce centro umedecendo-o através das calças.
Seu coração batia como um maldito tambor, ele impulsionou mais alto até que o corpo dela estremeceu em seus braços sinalizando seu auge.
Ele podia senti-la. Bom Deus, ele sentia os pequenos impulsos trêmulos contra ele, mesmo através das calças. Ele se afastou para assistir.
E ele ficou atônito com a beleza dela. A cabeça jogada para trás, olhos fechados, bochechas enrubescidas como um pêssego, estremecendo, ofegando e agarrando-se aos seus ombros. O tempo todo exibindo um sorriso glorioso. Uma única lágrima caiu sobre a bochecha, brilhando com a luz da janela.
Como esta mulher ficara tanto tempo sem um homem reivindicá-la para si?
Ele absorveu cada detalhe. Lábios carnudos e sensuais. A suave inclinação de sua mandíbula. A coluna longa e branca de seu pescoço.
Lentamente ele tirou os grampos de seu cabelo. Observou as ondas de vinho e madeira, fogo e nascer do sol caindo sobre seus ombros. Ele levou uma mecha ao nariz e respirou profundamente. Sentiu como se estivesse caindo na escuridão apenas com a sua pele, aroma e sorriso para orientá-lo.
Olhos cinzas se abriram, pestanejando preguiçosamente.
— Sebastian. — Ela sussurrou, mantendo-o cativo.
A mão enluvada acariciou a bochecha dele.
Ele secou a trilha cintilante abaixo dos olhos dela.
Ele desejou ser capaz de dizer algo. Mas não existiam palavras.
Beijá-la novamente era a sua única resposta. Então ele o fez. Abaixou gentilmente as pernas dela ao chão, depois passou as mãos pelos cabelos e atraiu a boca dela para a dele mais uma vez.
Desta vez, seus lábios foram flexíveis e receptivos. Ela assumiu a liderança. Suspirou docemente e mordiscou ternamente. Ele não queria deixá-la ir.
Mas ele tinha. Se ele demorasse mais, a tomaria. Seu corpo já exigia isso com força retumbante.
Ele apoiou a sua testa na dela e respirou o ar que ela exalava.
— Você pode me chamar de Augusta, se... se preferir. — Sua voz saiu tão suave e tentadora que ele mal a reconhecia.
— Augusta. — Ele pronunciou, saboreando a palavra. — Gosto de seu cabelo. — Ele esfregou uma mecha sedosa no seu queixo.
— Oh! — Ela tocou a cabeça. — Meus grampos.
Ele a soltou e recuou lentamente, determinado a não tomar mais liberdades. Pela fisionomia dela — bochechas coradas, cabelos soltos, lábios inchados, olhos brilhantes — as liberdades que ele tomara já eram suficientemente chocantes.
— Eu a deixarei aqui para... — Ele parou. Encarou. Bom Deus, ela era linda. Mesmo naquela peliça marrom gasta. Sua pele pálida brilhava. Seus cabelos castanhos avermelhados caíam em caracóis. Uma mecha acariciava seu seio.
Ele passou uma mão sobre seu rosto. Ele precisava sair. A vontade de atirá-la sobre a mesa e torná-la sua amante de verdade estava rapidamente superando sua fortaleza moral.
— Certo. — Ele deu meia volta e se encaminhou até a mesa. Uma vez lá, ele retirou pequenas peças de metal do bolso de seu colete e os alinhou na superfície de carvalho. — Seus grampos. — Pigarreou. — Quinze minutos. Então iremos ao armazém.
Enquanto passava por ela e abria a porta, notou a perplexidade dela. Ele se amaldiçoou internamente. Ele deveria explicar, mas não era capaz de ficar mais tempo.
Mesmo se pudesse, o que ele diria? Eu a beijei porque me chateou como nenhuma outra mulher. Agora, devo sair ou tomá-la completamente, pois sou cada pedaço da besta que me acusou ser.
Aye, isso satisfaria a empertigada Augusta Widmore. Ser deflorada por uma besta sobre sua mesa de carvalho. Em seu clube de jogo, não menos.
Ao lado de seu escritório estava o quarto onde frequentemente dormia. Enquanto se lavava e se trocava, sua mente se agitou sobre o dilema de Augusta.
Ela nunca fora beijada. Não por Glassington. Nem pelos outros cavalheiros de Hampshire. Apenas por ele.
O que tornava a fixação dela sobre Glassington ainda mais um mistério. Por que um jovem conde prometera se casar com uma solteirona do interior que ele nunca beijara? Augusta era uma mulher extraordinária, Reaver reconhecia. Inteligente, determinada e surpreendentemente sensual. Mas a maioria dos homens falhou em apreciar aquelas qualidades.
A maioria dos homens, com certeza, falhara, visto ser solteira.
Reaver olhou para baixo, para sua violenta ereção. Deveria parar de pensar nela, pelo menos por sua própria decência. Porém não conseguia.
Horas antes, sua intenção tinha sido se livrar dela. Não. Aquilo era mentira. Ele desejava vencer a batalha entre eles. E talvez saborear as reações dela enquanto levava as sensibilidades dela a um ponto de ruptura.
Mas agora...
Aye, agora tentava imaginar deixá-la ir.
Para Glassington.
Aquele que a faria sua condessa, tiraria sua virgindade e plantaria um filho em seu ventre.
Ele captou um vislumbre de seu reflexo no espelho. Maldito inferno sangrento. Ele parecia um assassino. Sacudindo a cabeça, virou as costas e passou a camisa limpa pela sua cabeça.
Ela não pertencia àquele lorde inútil. Então, o que a impeliu a persegui-lo, arriscando-se a ficar arruinada ao entrar furtivamente no clube, travando uma batalha de vontades que rivalizava com Waterloo?
A resposta veio imediatamente: Phoebe.
A irmã dela estava doente. Severamente de acordo com Shaw. Se Augusta pudesse providenciar cuidados médicos por um longo prazo e um lar permanente para Phoebe, ela não conseguiria casar a moça, pois que homem iria querer uma esposa doente? Em vez disso, sendo a criatura inteligente que era, procuraria um marido para si mesma, preferencialmente um com recursos.
Era a única resposta que cabia em todos pedaços da história que ele possuía. O problema era que ele tinha poucos pedaços. Precisaria entender a conexão dela com Glassington. As partes desconhecidas o corroíam como um cão mordia uma bota.
Rapidamente ele terminou de se vestir, tentando prender a odiada cravat e colocando um casaco verde. Então desceu ao primeiro andar para encontrar Shaw.
— Reaver. — Seu mordomo exclamou por trás de uma mesa muito cara enquanto Reaver entrava em seu escritório. — Exatamente o homem que estava esperando para...
— Preciso que envie uma mensagem a Drayton.
Um vinco na testa foi a única resposta de Shaw. Ele abaixou a sua caneta tinteiro, recostou na cadeira e cruzou os braços.
— Envie-o para Hampshire. Preciso que ele descubra as conexões de Augusta Widmore com Glassington. Tudo. Quero cada maldito detalhe.
Shaw lhe deu um sorriso peculiar e logo abaixou o olhar para a sua mesa.
— Por que não pedir a Frelling?
— Ele está ocupado.
— Com?
— Entrevistando criados.
— Para?
— A minha residência.
— Ah.
— O que quer dizer?
Uma sobrancelha preta se ergueu.
— Oh, nada. Então, deseja que envie Drayton para Hampshire.
— Foi o que eu disse.
Shaw inclinou a cabeça.
— E você está usando uma cravat.
— Aye, e o que tem isso?
— Um pouco incomum, é tudo. Indo a algum lugar interessante?
Franzindo a testa, Reaver sentiu o pescoço começar a coçar.
— Cobrar uma dívida. — Antes que Shaw pudesse fazer a próxima pergunta óbvia, Reaver adiantou-se. — De Thomas Beauchamp.
— O marceneiro. Estive no armazém dele. Impressionante.
Reaver grunhiu.
— Apenas envie a mensagem a Drayton. Preciso das respostas dentro de uma semana.
— Considere feito. A Srta. Widmore fez uma visita agradável à sua irmã?
— Provavelmente.
— Você não sabe?
— A mais jovem não aprova o nosso acordo. Ela me atacou no momento em que entrei, então saí.
— Humm. — Uma mistura estranha de afeição e diversão tomou as feições de Shaw. — Ela é muito perspicaz, a Srta. Phoebe.
Reaver puxou a cravat, passando um dedo entre o tecido e o pescoço.
— Ficarei fora o resto do dia.
O sorriso de Shaw se alargou.
— A noite também?
— Maldito inferno, homem. Se quiser dizer que estou dançando conforme a música da Srta. Widmore, pare com as perguntas tolas e acabe com isso!
Shaw não se incomodou em discutir. Não precisava. Sua resposta veio em forma de gargalhada, fazendo Reaver sair do escritório de seu parceiro zangado pela zombaria.
CAPÍTULO 10
“Razão número sete: uma dama possui um instinto para criar ambientes agradáveis que oferecem conforto e praticidade a um cavalheiro. Um homem possui o instinto para apreciar o ambiente sem ter o conhecimento de sua origem”.
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta, enumerando os benefícios de possuir uma esposa.
Levou longos minutos até uma Augusta, trêmula e sem fôlego, conseguir se afastar da parede. Suas pernas tinham a consistência de um manjar branco, os lábios estavam inchados e formigando.
Mas nenhuma esquisitice era comparável ao caos em sua cabeça.
Ela nunca conhecera tal prazer. Nunca suspeitou que era possível querer um homem até nada além do que desejá-lo dentro dela.
Se era isso o que Phoebe sentia por Lorde Glassington, não era de admirar que ela perdera o juízo junto com sua inocência.
Finalmente Augusta reuniu seus sentidos e cruzou a sala até a mesa. Ela olhou para a pequena pilha alinhada de grampos ao lado de seu chapéu. Ele o mantivera em seu bolso.
Lentamente, um sorriso puxou seus lábios.
Ele não os tinha jogado sem cuidado ao chão. Ele os recolhera um por um e os guardou em seu bolso enquanto lhe dava prazer com os lábios e sua... bem, sua masculinidade ela supunha, afinal jurava que tal tamanho era impossível.
Fechando os olhos, recordou as emoções. A sensação dele pressionado contra ela, a lâmina ardente de sua boca, a fornalha negra que eram seus olhos. Ela cobriu as bochechas com as mãos, vacilando com o calor residual.
Mais uma vez se forçou a se recompor e focou sobre algo além de músculos duros, braços fortes e mãos gentis. Sacudiu a cabeça. Respirou profundamente e começou a prender o cabelo em um coque, prendendo-os enquanto os enrolava. Quando vestiu a touca sentia-se no comando de si mesma.
Foi quando a curiosidade surgiu e tomou conta. Ela olhou para a porta. Certamente haviam passado apenas dez minutos desde que ele saíra, o que deixava cinco para descobrir mais sobre o homem cujo cada olhar fixo a fazia se esquecer de si mesma, esquecer-se de tudo, menos dele, para falar a verdade.
Lentamente, ela deixou as pontas dos dedos derraparem pela superfície escura da mesa de carvalho. Dentro de uma bandeja de madeira que ocupava um canto, uma pequena pintura estava em cima de uma pilha de papéis.
Ela a pegou e virou. Que adorável, ela pensou sorrindo novamente. Uma pequena vila pintada em cinza e verde. No canto, estava assinado com um simples e floreado A. Ela se perguntou se isso era, talvez, uma tentativa de algum membro do clube de acertar uma dívida. Examinando as paredes do escritório de Sebastian, ela pensou que ficaria muito bem. Talvez sugerisse que ele a pendurasse ali.
Deixando a pintura de lado, ela hesitou apenas um breve momento antes de examinar a correspondência. Sua testa vincou em confusão quando ela viu uma nota peculiar intitulada Lista de Possíveis noivas de Lady Tannenbrook para o Sr. Elijah Kilbrenner. A letra feminina e curvada definitivamente pertencia a uma mulher. Supôs que era alguma irmã ou amiga ajudando a compor tal lista, mas por que Sebastian Reaver a teria? Ela não reconheceu nenhum nome, mas então, não tivera uma temporada em Londres... bem, nunca. E, pelo bem de Phoebe, ela prestou mais atenção nos cavalheiros elegíveis do que nas damas nos últimos anos.
Dando de ombros, ela deixou a lista de lado e pegou a próxima carta. Também estava endereçada ao Sr. Elijah Kilbrenner. Esta não era de Lady Tannenbrook, mas de Lady Wallingham. Mesmo Augusta sabia quem era a Marquesa Viúva de Wallingham. Poderosa de um jeito que parecia misteriosa para uma solteirona de Hampshire, Lady Wallingham era amplamente reconhecida como uma das mulheres mais influentes da Inglaterra. “Formidável” era uma das palavras mais usadas para descrevê-la. E “dragão”, claro, embora a última raramente fosse usada na presença da dama.
Augusta avaliou a carta, rindo e ofegado em turnos. A mulher instruía o Sr. Kilbrenner na arte da conduta cavalheiresca. Sugeria medidas como: ‘entrar para um clube respeitável em vez daquele inferno no qual ele indecorosamente se contentava’ e contratar ‘um tutor para redirecionar seus infelizes lapsos de dicção. A letra ‘d’ no gerúndio não é opcional, Sr. Kilbrenner. Já passou da hora de aprender a pronunciar civilizadamente e parar de imitar um idiota de Cumberland.’
Na hora em que Sebastian retornou, ela já havia lido mais duas cartas e ficado cada vez mais intrigada pelo misterioso Sr. Kilbrenner. Duas damas de alto nível possuíam um intenso interesse em assuntos diversos, desde onde as botas dele eram feitas, quem convidar para um jantar até qual debutante seria uma ‘excelente esposa’ para ele. Tal cavalheiro deve ser bastante incomum para ganhar tais advertências.
E ainda assim, nenhum homem reivindicava a atenção de Augusta como Sebastian Reaver. Enquanto ele atravessava a porta do escritório, alto e dominante, usando um casaco verde-escuro e — de todas as coisas — uma cravat, ela sorriu apesar de sua feição carrancuda.
— Sebastian. — Ela suspirou como uma perfeita boba.
Ele inflou as narinas e seus olhos dispararam entre seus lábios e seu colo. Passos longos foram interrompidos antes de serem retomados.
— Hora de irmos. — Ele ladrou. — A hora está passando. Desejará ver os produtos do Sr. Beauchamp enquanto há luz suficiente.
Ela engoliu em seco, seu sorriso desvaneceu. Por que ela esperou que as maneiras dele mudassem? Só porque ele a beijara? Sim, apaixonadamente. Prazerosamente, com certeza. Mas para ele, deve ter sido mais uma manobra para ganhar a batalha, pois não deu nenhuma indicação de ter sido afetado tão profundamente quanto ela fora.
Ela simplesmente teria que afastar a dor dura e amarga de decepção e prosseguir como se nada tivesse ocorrido. Ficando mole todas as vezes que ele se aproximasse dela? Fraca, ridícula e distraída de seu propósito, ela se recriminou. Mentalmente, ela dobrou a sua armadura imaginária, sobrepondo a cota de malha e chapas de aço.
Puxando as luvas com mais força por suas mãos, ela assentiu e permitiu que ele lhe escoltasse pelo corredor, pelas escadas de serviços e para fora da porta dos fundos, onde a carruagem esperava. Fizeram todo o caminho sem se falarem, embora ela pudesse sentir os olhos dele sobre ela de vez em quando.
Ela cumprimentou o Sr. Duff quando saíram e ele tentou ajudá-la a subir na carruagem. Mas Sebastian interveio, empurrando o grande sentinela de lado e segurando sua cintura por trás.
— Oh! — Ela ofegou quando ele a ergueu. — S-Sr. Reaver, realmente. Uma mão firme é inteiramente suficiente...
Ele subiu atrás dela, seus braços circulando sua cintura, então ele virou e a depositou no assentou ao seu lado.
— Sebastian. — Ele corrigiu, baixo e curto, antes de bater no teto e se inclinar para a frente para apoiar os cotovelos sobre os joelhos.
Ela se aproximou da janela para lhe dar espaço.
— Se preferir, pode me levar para sua casa.
— Por que eu faria isso?
Ela fungou.
— Presumo, dado seu comportamento grosseiro, que se cansou da minha companhia.
— Presumiu errado.
— É assim?
— Aye.
—Humm.
— O que isso quer dizer?
— Quer dizer, Sr. Reaver, que não tolerarei tal tratamento.
— Olhe para mim.
Por um longo momento, ela recusou, levando seus olhos para as lojas da Pall Mall.
— Augusta.
Ouvir seu nome em sua voz baixa e grave foi quase sua ruína. Ela apertou os olhos e depois se virou e olhou para ele. Ônix brilhantes estavam incrivelmente próximos.
— Eu sou do tipo grosseiro.
Com o coração chutando, ela respondeu:
— Isso é um pedido de desculpa?
— Não me desculparei por beijá-la. Não me arrependo disso.
— Não é desse comportamento que me refiro.
— Bom. — A voz dele saiu baixa, seus olhos aqueceram. — Um pedido de desculpas lhe agradaria?
Ela engoliu em seco e lutou para respirar. A armadura não era uma barreira para Sebastian Reaver quando ele lhe olhava daquela forma.
— Então, peço-lhe perdão por ser rude.
— E grosseiro.
Ele sorriu lentamente.
— Por isso também.
O olhar dela recaiu sobre as mãos dele, cruzadas entre os joelhos. Elas tinham dedos longos e poderosos. Apesar de sua fala rude, nunca a machucara. Nem um único momento.
— Muito bem. — Ela disse suavemente. — Você está perdoado, Sr. Reaver.
— Sebastian.
Ela inclinou a cabeça e lhe deu um pequeno e torto sorriso.
— Sebastian.
Pela próxima meia-hora, enquanto viajavam para o leste ao longo da Strand, passando pela Charing Cross e entrando na Fleet Street, Sebastian lhe perguntou sobre sua vida em Hampshire. Ela descreveu seu pequeno chalé, os castanheiros farfalhando na primavera, o jardim perfumado com tomilho, as adoráveis prateleiras de madeira preenchidas com os livros do pai.
Ela sorriu ao recordar a primeira noite de Phoebe lá.
— Corujas. — Ela riu. — Phee tem medo de corujas, pobrezinha. Para ser justa, elas estavam aninhadas ao longo da janela. Eram aterrorizantemente barulhentas. Certamente, expliquei a Lenda dos Cavalheiros Noturnos, o que a acalmou consideravelmente.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Cavalheiros Noturnos?
— Sim. Desde os dias que gigantes e dragões vagavam pela Terra, corujas serviam como sentinelas. Elas são responsáveis por supervisionar as jovens moças do reino, sempre vigilantes contra aqueles que buscavam raptar as jovens. Então, se alguém escutar o chamado de uma coruja, pode-se ter certeza que está tudo bem. Nunca ouviu a história?
— Receio que não.
— Bem. — Ela fungou. —Talvez seja porque eu a inventei.
Ele riu, profunda, intensa e estridentemente.
— Quantos anos ela tinha?
— Treze.
— Você então tinha vinte e um.
O porquê do conhecimento dele sobre sua vida ainda a surpreendia, não sabia dizer. O homem era reconhecido por colher e vender informações, a maioria bem mais valiosa do que as idades dela e de sua irmã.
Seus olhos a fulminaram.
— Por quanto tempo você encenou Os Guardiões Noturnos, Augusta Widmore?
O sorriso dela esvaneceu. Ela afastou os olhos para a janela.
— Oh, estamos perto da casa da Sra. Renley. Fica do outro lado da St. Paul, sabia. É muito longe?
Ele demorou para responder.
— Não muito agora.
Ela assentiu. Momentos depois eles pararam em frente a uma extensão de tijolos e janelas de raios enormes. Acima da porta havia uma grande placa onde lia-se: “Beauchamp & Sons.” Lá dentro, ela ficou impressionada pela elegância do espaço. Era enorme, pelo menos uns 70 metros de extensão e uns nove de altura, divididos em salas por colunas e móveis inteligentemente posicionados. A excitação aumentou ao pensar que rapidamente ela preencheria as salas da casa de Sebastian. Ele teria um lar apropriado. Um santuário.
Alguém poderia apresentar muitas críticas sobre Sebastian Reaver. Ele era um homem rude, como ele dizia. Era franco, áspero, teimoso e mal humorado. Mas também era bom e honrado, do jeito dele. Além do mais, ele construíra algo grandioso do nada com cada grama de força de vontade, inteligência, ambição e determinação que tinha, uma quantidade suficiente para preencher centenas de armazéns como o do Sr. Beauchamp.
Olhou para cima, ele estava parado ao seu lado, as pontas dos dedos tocando levemente as suas costas. Um homem com aquelas qualidades admiráveis merecia paz e conforto após tantos anos de esforço. Antes de voltar a Hampshire, pretendia garantir que ele tivesse isso. Salas vazias simplesmente não existiriam.
— Beauchamp. — Ele cumprimentou um homem baixo e elegante com mechas de cachos castanhos. — Chegou a hora de acertar as suas dívidas.
O sorriso de boas-vindas do homem desvaneceu e sua mão esticada recuou e caiu.
— S-Sr. Reaver. Eu... Isto é, eu...
— Fui informado que devo mobiliar a minha casa.
— In-Informado?
— Por minha conselheira. — Ele apontou para Augusta. — A Srta. Widmore. Ela lhe dirá quais peças deve levar. Faça uma lista. Compararemos as somas no final.
Os olhos do homem arregalaram e seus cachos balançaram de maneira cômica enquanto ele se apressava em concordar.
— Obviamente, Sr. Reaver. Qualquer coisa que quiser.
— Srta. Widmore. — Sebastian o corrigiu. — O que ela quiser.
— Sim, sim. Bem-vinda, Srta. Widmore. — Ele acenou para um jovem segurando um lápis e um caderno e depois sinalizou para um maravilhoso conjunto de divãs e mesas douradas. — Venha por aqui.
Pelas próximas horas, Augusta selecionou peças para arrumar cada sala da casa. Começou com a sala de jantar, escolhendo uma mesa de jantar mogno dourado com vinte cadeiras com encosto em forma de escudo combinando. Em seguida, passou à sala de estar, escolhendo uma elegante escrivaninha de nogueira, oito cadeiras azuis de faixas largas, dois sofás de damasco dourado, três divãs e uma infinidade de mesas de jacarandá. Então chegou aos quartos, para cada um escolheu uma cor e então a sala de desjejum, a de descanso e o salão.
Ela resistiu a uma requintada chaise longue curva de jacarandá e seda azul céu que ficaria encantadora aos pés de sua cama. Do mesmo modo, resistiu a uma cômoda longa de mogno com espelho de moldura dourada que ficaria perfeita em sua sala de vestir, embora a última a fascinasse com sua beleza.
Em vez disso, a cada passo, ela considera as necessidades de Sebastian. Sim, as pernas retas da mesa são muito melhores. Não, ele não acha as formas egípcias extravagantes, ele as acha bobas. Acho que as flores não são apropriadas. Vamos considerar listras. Grandes, Sr. Beauchamp. A cadeira deve ser grande.
E, a cada passo, ela sentia o olhar de Sebastian sobre ela. Ele ficava por perto, sempre no perímetro, ocasionalmente murmurando e assentindo ao assistente do Sr. Beauchamp enquanto o jovem fazia a lista.
Durante uma dessas conversas, ela puxou o Sr. Beauchamp de lado.
— Tenho duas salas adicionais para mobiliar, mas gostaria que fossem uma surpresa ao Sr. Reaver. Elas exigirão, talvez, duas ou três peças que deverão ser feitas com as minhas especificações, junto com alguns itens que podemos selecionar aqui.
Os olhos do Sr. Beauchamp se iluminaram e ele pegou o seu próprio caderno e caneta de seu bolso.
— Oh, diga. Esplêndido, Srta. Widmore. Esplêndido, de fato. Nós temos duzentos aprendizes e muito, muitos artesões aqui na Beauchamp & Sons. Podemos fazer o que o seu coração desejar.
— Excelente. Vamos começar com a peça mais importante: uma escrivaninha. Uma extremamente grande.
Freneticamente ele tomou notas, produzindo esboços e dimensões baseadas nas descrições dela. Ao terminarem seu pedido, a luz que atravessava as janelas havia diminuído e escurecido. Sebastian resolveu o seu problema com o Sr. Beauchamp e a acompanhou ao lado de fora, onde o vento começara a uivar. Novamente, ele facilmente a colocou para dentro da carruagem e subiu atrás dela.
Desta vez, ela ficou grata pela assistência dele, certamente não porque ela apreciara sentir as mãos dele segurando a sua cintura. Não, não. Era apenas que seus pés e a lombar doíam por ficar muito tempo em pé e estava tonta e cansada.
Ela olhou para onde ele estava sentado, seus cotovelos sobre os joelhos.
— O Sr. Beauchamp pareceu descontente antes de sairmos.
— Aye. Ele tentou aumentar a conta em dez por cento.
— Bem, é um pedido bastante grande e ele terá muito trabalho para entregar em tempo hábil.
A resposta dele foi um grunhido. Como sempre, ela não podia decidir se significava que ele concordava ou era má digestão.
— Considerou a família dele? — Ela perguntou. — Seus filhos...
— Ele não tem filhos.
— Oh, mas seu negócio é nomeado...
— Aye. Uma tentativa de imitar os concorrentes e sugerir longevidade.
Ela franziu o cenho.
— Mas, isso é uma mentira.
— Uma mentira que funciona.
— Isso é tudo o que importa? Certamente uma pessoa se esforçaria para ser honesto em suas negociações.
— Depende. A honestidade tem um custo. A maioria dos homens vale-se da utilidade. Mesmo aqueles que se consideravam cavalheiros.
Ela considerou o ponto dele, considerou a sua posição e a de Phoebe. Recordando as mentiras que ela foi obrigada a contar recentemente. Comparando aquelas pequenas infrações ao comportamento desonroso e as promessas quebradas de Lorde Glassington. Sim, honestidade era um padrão louvável, mas, como ela descobrira nos últimos meses, a vida raramente era simples.
— Talvez esteja certo. — Ela olhou para a janela, notando que as lamparinas a gás ao longo da Pall Mall já estavam acesas. — Bons céus, quanto tempo estivemos no armazém do Sr. Beauchamp?
— Seis horas.
— Oh, céus. — Ela deu uma risadinha e relaxou no assento. — Não é à toa que estou faminta.
Ele franziu a testa, as sombras na carruagem desenhavam vincos fundos ao logo de seu cenho.
— Nós pararemos no clube primeiro. Jantaremos. Então, casa.
— Casa?
— Minha casa.
O que foi aquela pontada estranha que atingiu o seu coração no momento em que ele falou a palavra ‘casa’? Como se fosse a casa deles. Dele e dela.
— Por que você não disse que estava com fome? — Ele exigiu saber. — Nós poderíamos voltar amanhã.
Ela piscou, assustada com o tom duro dele.
— Eu tinha uma tarefa para terminar.
— Aye. Mas não precisava terminar em um dia, mulher. Inferno sangrento. Você nunca faz nada pela metade?
— Fazer as coisas pela metade não leva para nenhum lugar. Meu objetivo é alcançar meu destino, não andar desamparada fingindo que chegarei um dia.
Ele inclinou a cabeça em direção a ela. No escuro, os ônix brilhavam como fogo.
—Qual é o valor de seu destino, Augusta Widmore?
A pergunta estranha veio em voz baixa que fez seus ossos tremerem. Ela sabia o que ele perguntava, mas ela não podia responder com a verdade sem revelar demais. Não vale nada, pensou. Tudo. Porque, ao menos que eu o alcance, a vida da minha irmã será um lodo de arrependimento e vergonha. Poderia suportar qualquer coisa, menos isso.
Não, ela não podia lhe dizer a verdade. Então, ela lhe deu outra resposta. Honesta, mas bem distante da que ele queria.
— No momento, Sebastian Reaver, chegar ao nosso destino me fará ganhar uma boa refeição. Daria qualquer coisa para comer alguma coisa além de pão e chá frio.
— Qualquer coisa, hein? — Ele se aproximou ainda mais até que ela pôde sentir o calor e o cheiro de lã e homem. — Cuidado com o que promete. Um cavalheiro hesitaria em tirar vantagem. Mas, não sou um cavalheiro, e você sabe muito bem disso.
CAPÍTULO 11
“Sobre cortejar, algumas estratégias são universais. Presentes. Lisonjas. Uma boa cabeça com cabelos. Outros se aperfeiçoarão no objeto de sua afeição, necessitando ter conversas gentis para descobrir as preferências dela. No seu caso, Sr. Kilbrenner, eu enfatizaria oconversas".
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta para aconselhá-lo sobre o cortejo.
— Eu quero mantê-la.
As sobrancelhas de Shaw arquearam diante da declaração de Reaver.
— Como sua amante?
— Não.
Abandonando o seu posto na janela, Shaw caminhou em direção a mesa de Reaver e sentou-se na beira, examinando preguiçosamente a pintura que Lady Tannenbrook dera a ele.
— Como sua esposa, então. Tem certeza disso?
— Se pudesse ter tido o casamento realizado esta manhã, eu teria casado.
— Humm. O que ela diz a respeito?
Reaver exalou frustrado.
— Não perguntei ainda. Ela está focada no maldito Glassington. Além do título, não posso imaginar o motivo. O homem é um idiota imprudente.
— Sim, recordo. Companheiro animado. Um tipo de encanto fanfarrão. Bêbado como um imperador depois da segunda dose de conhaque. — Shaw franziu o cenho. — Nunca vi um homem sofrer perdas acentuadas tão rapidamente. Inesquecível.
Apertando e depois soltando os braços da cadeira, Reaver se esforçou para permanecer calmo.
— Quebrarei cada osso daquele corpo sodomita antes de permitir que ele a toque.
Os olhos de Shaw enrugaram de uma maneira irritante.
— Bem, você é naturalmente talentoso a esse respeito. E faz muito tempo desde que eu o vi fazer um homem gritar por sua mão. Um maldito entretenimento.
Reaver grunhiu uma concordância. Aye, ele já foi um pugilista. E Shaw corria as apostas, exibindo um sorriso e fingindo uma natureza servil para convidar apostas mais altas. Naqueles dias, eles eram dois estivadores de bolsos vazios e ambição voraz. Buscavam algo melhor do que carregar engradados e cordas, fazendo o que quer que fosse preciso para ganhar terreno, desde quebrar mandíbulas de outros homens a jogar dados nos inferninhos e tavernas. As vitórias frequentes trouxeram acusações de fraudes, mas o sucesso deles vinha mais do cálculo do que de fraudes.
Os dois tinham boas cabeças para números. Foi como eles ganharam o suficiente para comprar a primeira taverna. Foi como eles construíram o Reaver’s. Foi como Reaver aprendera que o motivo de uma mulher como Augusta Widmore perseguir um janota como Glassington podia ser apenas desespero. Mas desespero a respeito do que, precisamente? Ele precisava de respostas.
Shaw cruzou os braços.
— Um soco seria divertido. No entanto, se seu objetivo é seduzir a Srta. Widmore em casamento, deve usar as suas mãos em empreendimentos mais produtivos.
— Tais como?
Shaw riu.
— Se devo explicar, talvez a situação esteja mais deteriorada do que imaginei.
—Bastardo.
—Humm. Não, apenas um mestiço.
Reaver o encarou.
— Não gosto desse termo. Agora, diga-me o que devo fazer.
Shaw ergueu uma sobrancelha.
— Para cortejar a Srta. Widmore? Maldito inferno, Reaver, como eu devo saber?
— As mulheres parecem gostar de você.
— Mulheres preferem os descomplicados. O homem a quem isto está atado é algo sem importância.
— Ela não. Ela é... diferente.
— Então por que ela está atrás de Glassington, se não for pelo título? É apenas outro tipo de descomplicação, para dizer a verdade.
— Não sei. — Reaver falou, suas entranhas se revirando. — Drayton está correndo atrás da conexão entre eles, mas está atrasado. — Reaver olhou pela janela, onde uma chuva batia no vidro. — Tempestades, provavelmente.
— Elas não vão parar. — Concordou Shaw antes de se levantar e arrumar as lapelas de seu casaco. — Devo retornar ao piso. Quando eu saí, o Sr. Barnabus Malby estava declarando sua admiração pelo broche que Lady Brannigan usava no corpete ontem à noite. Lorde Branningan não estava muito contente. Minha intuição me diz que Malby estaria deitado na mesa do perigo em um quarto de hora. Devo chamar Duff. Malby é bastante... corpulento.
Reaver assentiu e o dispensou.
Na porta, Shaw se virou com um olhar pensativo.
— Talvez ela seja mesmo diferente como diz e não o tipo que se encanta por bolsos cheios. Mas isso não quer dizer que seja errado mostrar-lhe as vantagens de ser a Sra. Sebastian Reaver.
— Ela é uma mulher respeitável, Shaw. Não posso fazer estas coisas até que estejamos casados. É uma maldita loucura.
Rindo, Shaw respondeu:
— Não estas coisas, homem. Leve-a aos lugares que ela gostaria de ir. Compre coisas que ela deseja ter. Mime-a um pouco. Virar a cabeça de uma solteirona do interior deve ser fácil para um homem com seus meios.
— Você estava certo. — Reaver rosnou.
— Estava? Sobre o quê?
— Seus conselhos sobre seduzir mulheres são inúteis. Pedirei a Frelling.
Mais uma vez ele riu enquanto fechava a porta.
O conselho de Frelling, quando aconteceu, foi igualmente inútil. Seu secretário piscou como uma coruja atrás da mesma em resposta à pergunta direta de Reaver minutos atrás.
— Cortejar uma dama, Sr. Reaver? Receio não entender. É um novo esquema para o clube?
— Você é casado, não é? — Reaver perguntou.
— Sim. — A palavra saiu cautelosa. — A Sra. Frelling e eu celebramos um ano de casamento em janeiro.
— Como a convenceu a casar-se com você?
Frelling apertou os óculos e pigarreou.
— Bem. É uma história um pouco longa.
— Encurte-a.
— Gunter’s.
— Gunter’s?
— A loja de chá na Berkeley Square. É mais conhecida por seus sorvetes, ouso dizer. A Sra. Frelling ama a variedade dos de chocolate.
— Está chovendo torrencialmente, Frelling. Quando os ventos sopram, o que acontece a cada segundo, o atinge de um jeito que terá inveja das pedras da costa escocesa.
— Bem... Sim.
— Sua recomendação provavelmente terminará em uma queixa pulmonar em vez de uma cerimônia de casamento.
— Meus encontros com a Sra. Frelling ocorreram no verão do ano passado. Sorvetes são realmente bons no calor.
— Então por que o Gunter’s?
Frelling deu de ombros.
— Eu disse que era uma longa história. Eles servem chá também. Não tão bons quanto os do clube, mas...
Reaver suspirou e esfregou a testa, levantando a outra mão em um pedido de silêncio.
— Esqueça a pergunta. Estarei no prédio vizinho fazendo algo útil. Você poderia considerar isso, Frelling. Ser útil.
Com um sorriso plácido, Frelling assentiu.
— Utilidade é, de fato, uma meta louvável, Sr. Reaver.
Murmurando entre os dentes, Reaver seguiu seu caminho até o Número Cinco, o prédio que eles adquiriram na primavera anterior para a expansão dos negócios.
Ao entrar pela porta dos fundos, o som de martelos e risadas masculinas o atingiram.
Ele olhou ao redor do piso térreo onde eles haviam removido muitas das paredes para criar salas amplas e uma passagem de serviço para o Número Seis, a atual localização do clube.
A construção nua com tijolos à vista ao lado de uma chaminé revelava uma parede podre e deteriorada causada por um vazamento do telhado. Ele inalou o cheiro de argamassa, gesso, madeira e suor, antecipando a satisfação de um trabalho real e honesto. Então, ele tirou o casaco, dobrou as mangas de sua camisa e começou a encher uma carrinho com tijolos.
Quando trabalhava nas docas, passava o tempo planejando, movia uma caixa, calculava custos de locações. Amarrava cordas, calculava margens de lucros. Carregava um navio planejando ter uma equipe eficiente.
Seu corpo se movimentava, mas sua mente era mais rápida. Ansiava pela hora, após o trabalho físico, que tivesse fundos suficientes para viver onde lhe agradasse e ter que responder apenas a si mesmo. Agora, ele pensava naqueles sonhos na doca um milhão de vezes e, de alguma forma, eles eram satisfatórios.
Porém, com todo conhecimento sobre probabilidades, não previra essa inquietação. Isso o comia como um inseto enterrado, coçando debaixo de sua pele.
Shaw sabia, mas ele não entendia, não de verdade. O trabalho de Shaw como mordomo exigia constante movimento e reação imediata. Ele não tinha tempo para se preocupar com a quietude com apenas o tique-taque de um relógio ormolu quebrando o silêncio. Sempre muito o que fazer.
Não para Reaver. Até Augusta Widmore invadir seu escritório com seu sorriso empertigado e suas exigências absurdas, Reaver não sabia o que fazer com ele mesmo. Ele trabalhava na expansão e o trabalho físico o ajudava, mas aquele inseto que cavava mais profundamente até o pensamento enlouquecê-lo.
Agora, ela estava em todos seus pensamentos, um assunto bem mais cativante do que as fantasias de riqueza de um pugilista de vinte anos de idade ou esquemas de negócios de um proprietário de taverna de vinte e cinco anos. Aye. Ao agarrar os tijolos, dois em cada mão e empilhá-los no alto, viu-se sorrindo. Por Deus, aquela mulher era extraordinária. Fazer as coisas pela metade não leva para nenhum lugar, ela dissera. Outras pessoas fazendo essa afirmação soaria arrogante. No caso dela, era simplesmente um fato.
Ele a observara com Beauchamp, notou sua maneira firme e decidida. Ela selecionou cadeiras, sofás, mesas, mesas de escritório como se tivesse tirando itens do sótão, sem hesitação, sem perder tempo.
Acima de tudo, Augusta Widmore assumiu o comando. Não esperou ser instruída. Ela não se incomodou em amenizar ou ser cautelosa. Era sincera, mas exigia padrões altos de si mesma e dos outros.
Antes de Augusta, se alguém lhe perguntasse se tal tipo de mulher o atrairia, ele teria atirado o tolo para fora de seu escritório. Há muito tempo ele presumira que se um dia se casasse, sua esposa seria do tipo calmo. Dócil e fácil de lidar. Augusta era tudo, menos fácil. Era um problema. Desde seus espetaculares cabelos ruivos até a bainha marrom desfiada.
Ele a desejava tanto que doía desde seus joelhos até seus dentes.
A razão pela qual ele estava atualmente carregando uma carga de tijolos para o lado oposto do piso térreo, onde dois pedreiros lhe aceram seus agradecimentos e continuaram a reconstruir a lareira da cozinha. Ele não precisava mais de trabalho físico para conter sua inquietação, mas isso ajudava quando seu desejo por ela se tornou insuportável.
— Sua argamassa está muito dura. — Veio uma voz, profunda e familiar, detrás dele enquanto ele começava a carregar outra carga. — Precisa ser mais úmida.
Reaver olhou por cima do ombro e ergueu uma sobrancelha.
— Tannenbrook. Pensei que trabalhava mais com pedras do que com tijolo.
Seu primo estava parado com uma mão no quadril, olhando para a chaminé e deslizando o polegar sobre uma junção desalinhada.
— Ter conhecimento em uma área não faz de você um ignorante em outras.
Grunhindo sua concordância, Reaver voltou a empilhar tijolos.
— O que o traz aqui?
— Viola pretende oferecer um jantar. Ela gostaria de sua presença.
Reaver suspirou e parou. Esfregou a testa com as costas de seus pulsos e depois se virou para encarar Tannenbrook.
— Por quê?
— Ela gosta de você. Um pouco misterioso, isso. Nossa semelhança provavelmente é a culpada. — A maioria das vezes, Tannenbrook falava como um típico nobre inglês. Mas às vezes, quando alguma emoção o tomava, uma sugestão de escocês escapava. Isso acontecia muito quando Viola entrava na conversa. Naquele momento, a afeição aumentava seu sotaque.
O que fez Reaver pensar se Tannenbrook não seria o conselheiro ideal. Shaw e Frelling foram inúteis, mas James Kilbrenner conquistara a beldade da década, e, como ele fizera a observação, ele se parecia com Reaver, o que queria dizer que não confiara na aparência para conquistá-la. Viola poderia ter tido o marido que quisesse, príncipe, duque, bonito, rico, mas ela escolheu Tannenbrook. Além do título, o homem era um marmoreio escocês de tamanho intimidador e feições feias. Dificilmente um prêmio a se obter. Não, ele era um escocês sortudo ou possuía um segredo que não compartilhara ainda, um que Reaver pretendia descobrir.
— Esqueça a argamassa, homem. Preciso de um conselho.
Franzindo a testa, Tannenbrook cruzou os braços.
— Sobre?
— Persuasão.
— Se pretende mudar a ideia de Viola, devo alertá-lo...
— Não Lady Tannenbrook. Preciso... — Reaver soltou o ar e passou a mão pela cabeça. — Há uma mulher que eu devo... cortejar.
Olhos verdes enrugaram. Um sorriso curvou um lado da boca de seu primo.
— Uma mulher. Inferno, Reaver, por que não disse isso? — Uma risada profunda e um tapa dolorido em seu ombro fez Reaver se perguntar se não cometera um erro.
— Esta conversa fica entre nós, entendeu? — Reaver o fulminou em alerta. — Sem levar histórias a sua esposa. A próxima coisa que terei, será ela com uma lista de instruções para a noite de núpcias.
Outra risada profunda.
— Aye. Ela faria isso. Muito bem, o que quer saber?
— Como eu convenço uma dama a se casar comigo?
— Antes, deve me contar quem ela é.
Reaver franziu o cenho.
— Uma solteirona. De Hampshire.
— Mais, Reaver. O que o fez contemplar o casamento?
Avaliando o seu primo de cima a baixo, Reaver decidiu ser franco. Tannenbrook fora um tipo rude, uma vez.
— Eu a desejo até não ser capaz de não pensar em nada mais.
Tannenbrook bufou.
— Isso é tudo?
— Isso é malditamente demais.
— Não é o bastante para uma vida inteira. Nem o suficiente para ser pai dos filhos dela.
Reaver soltou o ar e colocou as mãos nos quadris.
— Ela me enlouquece. Nunca conheci uma mulher mais determinada. Ou uma com tanta coragem. Tola, mas terrivelmente corajosa. Eu não a vejo se casando com outro, Tannenbrook. Eu o quebrarei em cem pedaços antes...
— Ah. — Seu primo disse em um tom irritado. — Outro homem. Quem é?
— Um maldito nobre.
— Disse que ela é uma solteirona?
— Aye.
Tannenbrook apoiou uma mão na parede de tijolo.
— Então, deve descobrir o que ela quer. Se ela deseja se casar com outro homem...
— Mil pedaços.
— ... então não é ao casamento que ela resiste. Se o título importa, deve dizer-lhe que é meu herdeiro.
— Possível herdeiro. No momento em que for pai de um menino, essa besteira acaba.
Tannenbrook lhe lançou um olhar estranho, depois se afastou da parede. Ele pegou uma pilha de tijolos e começou, silenciosamente, a carregar o carrinho.
Reaver se juntou a ele.
— Como você conseguiu persuadir Lady Tannenbrook a casar-se com você?
O primo sorriu.
— Eu não fiz. Ela me persuadiu. Bastante para dizer a verdade.
Imaginar a jovial e bela Viola perseguindo o grande e taciturno James Kilbrenner o fez rir. Tannenbrook prosseguiu.
— Eu precisei cortejá-la um pouco depois do casamento. Segui o conselho de um amigo a princípio, a cobri de elogios e coisas assim. Se fosse melhor com palavras, deveria ter funcionado melhor. Mas tudo o que fiz foi isso. — Ele ergueu sua mão. — Então eu lhe dei um presente. — O sorriso dele foi lento e cheio de segredos. — Ela gostou muito.
— Por que foi necessário cortejar a sua esposa depois do casamento? — Reaver franziu o cenho. — Ela já era sua.
Seu primo riu de novo, sacudindo a cabeça.
— Você e eu somos muito parecidos, Reaver. Não consegue adivinhar?
Reaver grunhiu e empilhou outro par de tijolos.
— Eu alertei Augusta que sou um homem rude.
— Esse é o nome dela? Augusta?
— Aye. — Murmurou. — Augusta Widmore. — Apenas falar o nome dela fazia seu coração forte, completo e pesado.
Com um aceno, Tannenbrook retomou o carregamento.
— Um alerta não é o bastante. Deve ser melhor, tratá-la melhor do que faria com qualquer outra pessoa. Em retorno, se ela for uma mulher de valor, ela o amará mais do que qualquer outro.
Ele pensou nas vezes em que falou com aspereza e como uma ruga de dor surgiu ao redor dos olhos dela.
— E se eu machuquei os sentimentos dela? Ela é uma mulher forte, mas eu posso ser... desagradável.
Tannenbrook parou, limpou as mãos esfregando uma na outra e bateu no ombro de Reaver.
— Implore pelo perdão dela. Não espere. Não hesite. Um pedido de desculpa é um feitiço mágico, homem. Use-o com rapidez e frequência, para as mulheres, tais medidas nunca perdem o encanto.
*~*~*
Adam bateu à porta de Phoebe Widmore minutos antes de sua visita das três horas. Ele também a visitava às dez, ao meio-dia e retornaria mais uma vez às seis. Quatro visitas por dia pareciam sensato. Ele devia monitorar suas refeições e garantir que ela dormisse propriamente.
— Sim, Sr. Shaw, pode entrar. — Ela falou do interior.
Ele abriu a porta e rapidamente a fechou atrás de si.
— O que diabos está vestindo? — Ele alfinetou.
Apertando a fita rosa em seu poke bonnet, ela piscou para ele do sofá em frente à lareira.
— Bem, não sei como chamam isso na Índia, mas aqui, chamamos de vestido. — Ela olhou zombeteira ao corpete de lã castanha. — Um vestido de passeio, para ser precisa. — Então, ela se abaixou e pegou um par de botas de canos curtos.
— Você deveria estar dormindo. — Ele disse severamente. — As recomendações do Dr. Young têm funcionado maravilhosamente, mas...
— Você acha? — Olhos de pervinca brilharam para ele enquanto um meio sorriso curvava seus lindos lábios.
— Obviamente. — Ele fungou e se endireitou, suas mãos cruzadas atrás de suas costas. — Os círculos escuros debaixo de seus olhos se foram. Há cor em suas bochechas, um brilho, prevejo. A sua figura é... — Ele engoliu em seco enquanto examinava o gracioso inchaço de seu colo. — Muito provável.
Ela se levantou e começou a vestir um par de luvas.
— Então, chegou a hora de eu tomar um pouco de ar, não acha?
— O quê? Não. Eu não acho. Você deve ficar aqui. Deitar. Dormir.
Olhando para trás, para o sofá, ela girou como um filhote atrás de seu rabo depois parou e ergueu um dedo quando viu seu retículo em uma mesa lateral. Amarrou as cordas no pulso.
— Não seja tolo. Até mesmo um cão de caça tem o direito a uma caminhada de vez em quando.
Ele franziu o cenho.
— Um cão de caça defeca nos tapetes. Acho difícil achar semelhanças.
Ela riu. Ela estava sempre fazendo isso, sua voz leve e alegre, os olhos suaves e brilhantes. Às vezes ele se esforçava para pegar isso desde o início. Era como assistir o nascer do sol, inicialmente lento, depois espetacular.
Outras vezes, como agora, ele se divertia com ela sem esforço, mesmo quando ele estava extremamente sério. Na noite passada, ele a recriminou por não conseguir terminar a sopa. Ela rolara os olhos e disse que se ele gostava tanto, que terminasse.
— Para mim. — Ela falou com suas bochechas perfeitas. —Apenas chocolate serve. — Então tomou um gole de sua xícara e sorriu para ele. Em outra mulher, ele teria chamado de flerte. Ele quis sacudi-la e exigir uma explicação para sua atitude casual em relação a sua doença. Ele sentia a mesma coisa agora.
— Posso não ter sujado os seus tapetes, Sr. Shaw, mas a sua estátua deve estar precisando de uma limpeza completa.
— A Fortuna já viu coisas piores.
— Venha. — Ela falou, entrelaçando o braço entre o dele e virando os dois em direção à porta. — Devemos ir juntos. Deve existir um parque ou...
Ele a puxou ao parar.
— Está chovendo lá fora. — Ele espetou. — O vento é capaz de levá-la embora.
Seu sorriso apagou-se. Ela o soltou, olhou para seus pés, depois levantou o rosto e encontrou seus olhos com uma resolução alarmante.
— Eu irei. Acompanhe-me se quiser. Ou não. Mas eu irei. Não posso passar outra tarde nesta sala.
— Muito bem. — Ele disse. — Se você pretende ser tão teimosa, pelo menos, permita que chame Edith e Duff para acompanhá-la.
— Gostaria que me escoltasse.
— Não pode ser, Srta. Phoebe.
— E por que não? Você provou ser a companhia mais agradável, quando não está se comportando como uma enfermeira sem senso de humor. Eu especialmente aprecio sua tutela em jogos de azar. E suas histórias sobre o Capitão Tully e sua tripulação doente.
A tensão em seu estômago diminuiu ao recordar as horas deles juntos nas últimas semanas. Quando Phoebe começou a se recuperar, ela ficou inquieta. Inicialmente ele lhe emprestara livros de sua coleção particular, mas ela não ficou tão encantada com a história da construção civil inglesa quanto ele. Logo depois, ela implorou para que ele lhe ensinasse a jogar como os cavalheiros do Reaver’s. Ele se recusara, claro. Então ela sorriu e o convenceu. Concordou em lhe ensinar o vinte e um. Ela olhava para as cartas com um pequeno vinco entre as sobrancelhas ao mesmo tempo que mordiscava os lábios e lentamente aprendia o truque. Na noite seguinte, ela implorou para aprender outro jogo. Ele a ensinou o faro3. Na noite seguinte, ele trouxe dados e demonstrou porque um jogo poderia se chamar de azar e porque a deusa Fortuna ficava parada na entrada do Reaver’s.
Durante todo tempo ela ria e batia almas em deleite enquanto o dado caía e as cartas eram viradas.
E ele ansiava por mais. Mais risos. Mais do brilho dela.
Então ele lhe contara histórias de seus dias na Companhia das Índias Orientais. Como uma tripulação inteira ficou doente, deixando apenas ele e o Capitão Tully para manejar velas, jogar cordas um para o outro sobre as costas dos pobres coitados alinhados na amurada. Obviamente ele lhe contara apenas a versão divertida e agradável da história, sua intenção era fazê-la rir, não fazê-la vomitar.
Agora, mergulhado nos olhos azuis, suaves e brilhantes, a sensação voltou. Ouvir seu riso. Fazê-la sorrir. Agradá-la.
— Não pode ser eu. — Ele repetiu.
— Besteira. — Ela disse, se aproximando um pouco. — Venha comigo, Sr. Shaw. Certamente um pouco de ar o refrescará também.
Uma adorável inocente de Hampshire não deveria descobrir a realidade de seu mundo. Ele desejava não ser necessário. No entanto, como já percebera incontáveis vezes através de inúmeras experiências, era melhor ver as rochas afiadas antes de encalhar em uma.
— Não posso acompanhá-la. — Falou. Ela abriu a boca para protestar, mas ele a segurou pelos ombros e nivelou o olhar com o dela. — Se nos virem juntos, não aceitarão bem.
Ela franziu o cenho como quando ficou intrigada com a estratégia do vinte e um.
— Nós levaremos uma acompanhante, então. Talvez Edith pudesse...
— Sou indiano, Srta. Phoebe
— Você também é inglês.
— Eu não aparento ser, embora tenha sido criado como um perfeito inglês.
O vinco se aprofundou, sua boca se apertou.
— E você é o homem mais bonito que eu já vi. Se os outros não conseguirem nos ver juntos, eles que desviem o olhar. Eles são cegos, de qualquer forma.
Um calor o preencheu, incomum e de triar o fôlego. Ela era uma garota corajosa, mas ele suspeitava que muita dessa coragem devia-se à ingenuidade. Ela simplesmente não tinha ideia de como o mundo podia ser cruel.
Ele puxou as mãos e tirou uma das luvas. Em seguida, ele pegou o pulso dela e removeu uma de suas luvas. Então ele segurou sua mão nua na dele indicando que ela olhasse.
— Você vê? — Falou, apreciando bastante a suavidade de sua palma suave. — Esta é a razão.
Os dedos dela entrelaçaram-se aos dele, formando uma trama escura e clara.
— Isto é adorável. — Ela sussurrou.
Deus, ela era inocente. E uma tentação linda e corada. Ele puxou sua mão, vestiu a luva e devolveu a dela.
— Eu a acompanharei. — Disse, sua voz um pouco mais rouca do que deveria ser. — Com a condição de irmos em uma carruagem.
— Oh, mas...
— Esta é minha condição. Não quero que alcance a sua morte. Nem arriscarei sua reputação depois de tanto esforço para protegê-la.
A contragosto, ela concordou, e meia hora depois eles atravessavam a Piccadilly, balançando cada vez que rajadas fortes atingiam a carruagem. Edith sentou-se ao lado de Phoebe, tensa e observadora enquanto a chuva batia a janela. Phoebe, ao contrário, tinha os olhos arregalados e sorria, parecia se deleitar com as inúmeras lojas, desde livrarias às mercearias.
— Sr. Shaw. — Murmurou entre as rajadas de ventos. — Gostaria de caminhar.
— Eu desejo permanecer seco. — Ele respondeu. — Você concordou com a carruagem, se me recordo.
Embora não discutisse, sua boca ficou amotinada — uma expressão cada vez mais familiar. Suas mãos também estavam apertando as bordas do cobertor que ele também insistira em levar.
Outra rajada de chuva atingiu a janela de seu lado, atraindo sua atenção para o grupo de cavalos que lutavam com a carga pesada ao lado deles. Os cavalos recuavam e giravam a carroça em círculo. A perturbação causou estragos e a carruagem deles diminuiu a velocidade até parar.
Distraído pelo cenário do lado de fora só sentiu a explosão de ar gelado momentos antes de ouvir Edith ofegar.
— Sr. Shaw! Ela... Ela está...
— Maldição. — Ele gritou, saltando pela porta aberta da carruagem e perseguindo a fugitiva Phoebe Widmore pela chuva gelada. Ele a alcançou a três metros de distância, seu traseiro atrevido balançando de um lado para o outro. Céus. Ele pensou, abaixando o chapéu e levantando a gola de seu sobretudo. Ele a considerava submissa. Dócil.
Pura besteira. Ela era uma moça espevitada.
Ele caminhou até alcançá-la, avaliando a rua movimentada em busca de eventuais problemas. Felizmente, a maioria dos londrinos eram sãos o bastante para não sair em tais condições e os que saíram estavam muito ocupados em ficarem secos para notar uma rosa inglesa e seu acompanhante indiano.
— O que inferno está fazendo? — Ele falou entre os dentes quando chegou ao lado dela.
Ela não respondeu.
— Phoebe, estou lhe avisando. Eu a pegarei em meus braços e a carregarei de volta à carruagem.
— Não, não irá. Caminhará ao me lado. — Ela passou o braço pelo dele e começaram a caminhar no meio da chuva e ventos horríveis que caiam o dia inteiro. — Pois se fizer o contrário, atrairá muita atenção.
Ela estava certa, é claro, o que suavizou um pouco a sua raiva.
— Moça teimosa. — Ele murmurou, encolhendo-se quando uma rajada de chuva bateu em seu rosto.
Não demorou muito e eles chegaram ao Green Park e ele suspirou aliviado. Vira um ou dois idiotas enfrentando as condições por uma chance de apreciar os encantos duvidosos do parque. Nesta época do ano, poucas árvores estavam nuas, o céu escuro como ferro e relva estava tão encharcada quanto uma toalha usada. Ele olhou para a lama.
— Estas são as minhas melhores botas, droga.
A aba do bonnet dela se aproximou dele.
— Elas ficarão limpas. — Gotas voaram quando ela ergueu o queixo. — Assim como você. Assim como eu.
— Pelo amor de Deus, Phoebe, vamos retornar...
— Estava sufocada. — Ela falou suavemente, os olhos cor de pervinca calmos e desafiadores. — Precisava respirar. — Ela o soltou para girar, ficando de costas para ele. Aprumou os ombros. Uma mão envolveu o quadril. A outra caiu sobre seu ventre.
Um vento particularmente forte jogou as saias dela para o lado, agarrando-se a uma perna e formando um balão na outra. Ela não se mexeu. De vez em quando, seus ombros estreitos tremiam ao suspirar.
Ele não tinha ideia do que fazer.
— Adam. — Ela falou, sua voz quase carregada pelo vento e pela chuva. — Já se sentiu alguma vez... preso em uma armadilha?
Ele não sabia como responder. Primeiro, ela usou seu nome de batismo. Uma mulher não deveria fazer isso a menos que desejasse dar a homem algumas ideias. Segundo, ela lhe fez uma pergunta cuja reposta era mais do que um simples sim ou não.
Adam Shaw já vira tudo. Todas coisas más e infernais. Todas as coisas maravilhosas e boas. Já viu um homem ser açoitado até a morte por derrubar sua cerveja. Vira sua mão ficar fria e sem vida em meio ao calor vívido e denso que ela desprezara. Ele vira o sol nascer nas águas infinitas e se pôr no céu infinito. Ele vira Phoebe Widmore rir.
— Sim. — Respondeu, aproximando-se, girando seu corpo para protegê-la do pior. — Eu já. O truque é não deixar a armadilha lhe prender totalmente.
— Como se escapa?
Ele deu de ombros.
— Às vezes não escapa. Outras vezes vivo com isso. Depois planeja.
Ela virou os olhos em sua direção. Eles estavam úmidos.
— E outras vezes você se encurrala tanto que não há nada mais a planejar.
— Phoebe... — Franzindo a testa, ele se aproximou mais um pouco, observando seus ombros frágeis começarem a tremer. — Por que este desespero? — Murmurou.
Ela fungou, sorriu fracamente e balançou a cabeça.
— Talvez seja o tempo.
Como se estivesse esperando ser anunciado, o tempo golpeou as costas dele, exigindo que envolvesse seus braços ao redor dela, a segurando mais perto e apertado. O bonnet dela arranhava seu queixo e sua forma quente e elegante se acomodou contra ele como se ela tivesse sido criada para este exato propósito.
— Devemos voltar. — Murmurou, acariciando as costas dela e tentando ignorar a forma como ela agarrava a sua lapela. — Não devemos dar aos criados motivos para especulações.
Outra fungada.
— Especulações?
— Ora, vamos. Provavelmente conhece o hábito deles de fazer apostas absurdas. Não ficaria surpreso se encontrasse Duff recolhendo um xelim ou dois se não voltarmos antes do anoitecer.
Ela deu uma risadinha.
— Deveríamos...
— Não. Isso geraria uma nova onda de apostas. E provavelmente um escândalo.
Suspirando, ela se afastou e começou a andar em direção à Piccadilly, deixando o vento frio e o espaço vazio onde estivera. Enquanto ele andava ao seu lado, foi atingindo por uma sensação familiar. Um arrepio cobriu sua pele. Uma onda de calor rastejou por baixo dela. Ainda mais fundo, era como o solo, plano, sólido, enraizado e correto.
Ele sentira aquilo apenas uma vez antes: o dia em que conheceu Reaver.
Naquele dia, como agora, seu coração acelerou, suas mãos e braços formigaram. Ele avaliou Phoebe. Seu pequeno nariz vermelho. Seus lábios suaves. Sua pele pálida como leite. Fios de cabelos soltos, grudados em sua bochecha e queixo por causa da umidade. Ela não se incomodou em afastá-los. Em vez disso, ela caminhava pela grama enlameada em direção à rua movimentada com o olhar distante e despreocupado.
— Qualquer dia desses. — Ele falou em voz baixa. — Quando o tempo melhorar, poderemos cavalgar no parque. O clube tem uma ou duas ótimas montarias no estábulo.
Ela olhou em sua direção, seu sorriso era estranhamente triste.
— Talvez.
A falta de confiança dela o perturbou. Ele podia apenas imaginar que ela tivera tempo para perceber as implicações de ser vista ao lado dele. Flexionando sua mandíbula, ele engoliu a velha amargura e ofereceu:
— Se preferir, posso vestir um uniforme.
Ela parou.
— Desculpe-me?
Tendo a ultrapassado por vários passos, ele virou. Os mesmos olhos azuis anteriormente embotados pelo desespero agora estavam inflamados com indignação.
— Por que deveria usar um uniforme? — Ela espetou. — Você não é um criado.
— Seria mais fácil para você se eu fosse.
Ela pisou fundo em sua direção, pequena, as mãos enluvadas fechadas em punhos.
— Escute-me, Adam Shaw. Você não é meu lacaio, nem meu enfermeiro, nem meu mordomo. Você é meu amigo.
Inferno, ela o acertou diretamente no coração. E a maldita coisa doeu e esmagou. Ele inclinou a cabeça. Tirou as mechas molhadas de sua bochecha. Engoliu em seco contra sua garganta que se fechava.
— Como seu amigo, desejo protegê-la.
— Eu não preciso de proteção.
Seu sorriso era agridoce em seu rosto.
— Uma afirmação que só prova que você precisa.
Ela soltou uma respiração exasperada.
— O preconceito dos outros é culpa deles, não minha.
— Minha mãe dizia o mesmo. Ela era uma mulher forte. — Recordando a inclinação determinada de seu queixo, a forma desafiante que levantava a sobrancelha sempre que alguém lançava olhares desagradáveis, ele sorriu. — Nunca cedeu um milímetro. Era inflexivelmente inglesa em todos os aspectos, mesmo assim, rejeitava com a mesma veemência que a origem de alguém é mais importante que o caráter.
A expressão de Phoebe suavizou.
— Ela parece sensata. Como ela foi viver na Índia?
— Contar-lhe-ei a história se continuar a andar. Está muito frio aqui fora e seu almoço a espera.
Ela estalou a língua, mas seguiu em frente novamente.
Ele se posicionou ao lado dela e continuou sua história.
— Minha mãe viajou à Índia para casar-se com o seu primeiro marido, um funcionário da Companhia das Índias Orientais. Quando ele morreu, ela moveu céus e terras para retornar — ele lançou um olhar irônico ao céu — para a sua amada ilha encharcada pela chuva.
— O que aconteceu? Por que ela ficou?
— Mover céus e terras leva tempo. Naquele ano ela conheceu o meu pai.
A boca dela se curvou intuitivamente, como se os motivos de sua mãe fossem óbvios.
— Ele parecia com você, aposto.
— Assim ela disse. Não me recordo bem dele. Ele morreu quando eu ainda era um menino.
— Mas ela ficou.
Ele assentiu, apertando as mãos atrás das costas e olhando brevemente para suas botas.
— Por minha causa, a princípio. Os homens da Companhia às vezes tomavam bibis...
— Bibis?
— Consortes ou esposas indianas. Os filhos dessas uniões eram aceitos de forma melhor na Índia do que aqui. Meu pai era resultado de tal união, e minha mãe acreditou que eu poderia arrumar com mais facilidade um lugar por mim mesmo lá. O que aconteceu foi que o oposto se tornou verdadeiro. — A vida deles tinha sido um inferno, completada com o calor assassino e a pobreza desesperadora. Não, a Índia não fora boa com ele. Havia matado a sua mãe e, por isso, ele tinha pouco afeto por sua terra natal.
Ela se aproximou, tirando outra mancha de cabelo de seus lábios.
— Então você veio a Inglaterra.
— Humm. Após a morte dela. Logo após a minha chegada, conheci Reaver.
Seus lábios fizeram um bico de desaprovação.
— Ele não é o vilão que julga, Phoebe. — Ele advertiu. — Sua irmã está segura, garanto-lhe. Mais segura do que com alguém da classe de Glassington, isto é mais do que certo.
Ela estremeceu. Imobilizada. Afastou-se como se ele a tivesse golpeado.
O que diabo ele dissera?
Movendo-se rápido ao chegarem à Piccadilly, ela marchou por várias lojas, encolhendo-se a cada rajada de chuva e o ignorando completamente. Ele não a culpava, é claro, apesar de uma ponta de decepção. Ser vista em sua companhia não era vantagem para ela.
Repentinamente, uma dúzia de metros depois, ela parou como um pássaro colidindo em uma janela. Seus olhos arregalaram, fixadas em uma área em frente a Fortnun e Mason.
Ele franziu a testa, limpando a aba de seu chapéu ensopado para poder ver o que a assustara tanto. Avaliando as post-chaises4 e as carruagens que passavam ali, examinando vários pedestres ao longo da Piccadilly, ele exigiu:
— O que foi? Alguém nos viu juntos e...
— Nada. Não é nada.
Ele girou para olhá-la nos olhos, mas ela já estava andando, branca como giz. Novamente, ele seguiu seu olhar, determinado a identificar o tolo que lhe ofendera. Á frente, havia apenas três grupos e um homem solitário passando pelas janelas das mercearias. O homem era idoso, caminhava com uma bengala. Um grupo era formado por um par de criados bem vestidos, outro por uma mulher de meia-idade acompanhada por um lacaio. Mas o terceiro, parado olhando através da janela de uma loja, era formado por um casal, um homem em um sobretudo finamente elaborado e uma mulher com um regalo5 enorme. O homem segurava um guarda-chuva sobre a cabeça da mulher. Eles eram seguidos a uma distância discreta por uma trêmula dama de companhia.
Apertando os olhos através da chuva, ele tentou enxergar as feições do homem, mas o casal se virara em direção à porta. Enquanto Adam acompanhava Phoebe, notara que o conjunto de ombros do homem, sua altura e sua forma não eram estranhas, mas ele não podia identificá-lo.
Então, o vento pegou o guarda-chuva do homem. Ele virou-se para recolhê-lo, rindo enquanto tentava fechá-lo.
Adam piscou. Olhou para Phoebe cujos braços estavam cruzados sobre o ventre como se estivesse com frio ou doente.
Por sobre a aba de seu bonnet, tudo o que ele podia ver era seus lábios. Eles estavam sem cor.
— Você estava certo, Sr. Shaw. — Ela disse, sua voz fraca e sufocada. — Não deveríamos ter saído hoje. Não sei o que estava pensando.
Ele quis questioná-la, mas eles já estavam chegando à carruagem e o lacaio, Edward, abriu a porta. Edward e o cocheiro pareciam estoicos e miseráveis. Então, em vez de exigir respostas, Adam ajudou Phoebe a entrar na carruagem e subiu atrás dela, ignorando o longo suspiro de sofrimento de Edith.
Ele pegou o coberto de colo que Phoebe abandonara e jogou sobre ela. Ela não respondeu, apenas sentou-se imóvel e encarando a janela enquanto a carruagem seguia em frente.
Terei tempo suficiente depois, ele disse a si mesmo. Depois, quando ela estivesse quente e bem alimentada, ele descobriria porque Phoebe Widmore parecera ter encarado a morte quando pousou os olhos sobre o Conde de Glassington.
CAPÍTULO 12
“Uma dama sinaliza seu interesse de múltiplas maneiras. Há muito tempo sou a favor da aproximação direta. No tempo necessário para que um homem decifre a linguagem secreta de lenços, leques, cílios esvoaçantes e sorrisos discretos, uma mulher inteligente poderia ser casar com ele três vezes.”
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta explicando as sutilezas de cortejar.
Sete dias depois de beijar Sebastian, Augusta ainda não tivera uma noite apropriada de sono. Como poderia, quando cada vez que fechava os olhos sentia as mãos dele sobre ela, a boca sobre a dela, o corpo dele lhe dando prazer?
Não que ele estivesse presente, é claro. Ele não a tocava há uma semana. Era uma tensão tanto lamentável quanto agradável.
Mesmo agora, enquanto observava cinco lacaios fortes e três entregadores do Sr. Beauchamp carregarem a mesa de jantar pelo corredor da entrada, ela fervia pela antecipação.
Como ansiava por vê-lo novamente. Apesar da repentina série de condições cavalheirescas por parte dele. E sua longa ausência. E de seus cuidados ardentes.
Ele continuava a dormir no clube, para sua total consternação. Ela não havia sido convincente o bastante sobre sua vontade em ser beijada?
Ela mordeu o lábio e marcou uma escrivaninha de mogno como entregue.
— Subindo às escadas, primeiro piso. — Ela direcionou o lacaio distraidamente. -— Primeiro conjunto de portas. Parede oeste da sala de estar.
Talvez Sebastian precisasse de encorajamento. Nada nele sugeria falta de inteligência ou capacidade. Não, na verdade, ele era certamente muito capaz. Surpreendentemente.
Ela inalou profundamente e exalou lentamente.
O problema claramente não estava relacionado às... capacidades dele. Mesmo assim, evitava a sua companhia por razões que não sabia responder. Deveria ser mais ousada, decidiu. Sim. Se assegurasse a ele que suas atenções nada cavalheirescas eram aceitáveis para ela. Então ele poderia superar quaisquer dúvidas que o impedisse de agir.
Agir era necessário. E desejado. E estava bem atrasada.
— Ouso dizer, ele é astuto, não é?
Augusta piscou para Anne, que a ajudava a direcionar os entregadores. A criada fora elevada a governanta e agora era conhecida como Sra. Higgins, embora continuasse solteira, e Edith ainda se referia a ela como ‘Grande Annie’.
Vendo a confusão de Augusta, Anne esclareceu.
— Nosso pequeno rato. Ele passou a manhã convencendo John a lhe mostrar a ‘forma certa’ de limpar uma baia de cavalos. — Ela acenou em direção a um jovem robusto fazendo uma trilha de lama pela casa enquanto segurava a ponta de um sofá. — Na hora que John terminou sua lição, a tarefa estava feita. Agora, o rato está em algum lugar escondido.
John era um dos doze novos lacaios. O Sr. Frelling contratara quarenta empregados, incluindo um mordomo, lacaios, criadas, um chefe de estábulo, um cocheiro, valetes e um talentoso e surpreendentemente simpático cozinheiro francês. Ao ver a lista cuidadosamente feita pelo secretário com os nomes dos empregados e seus salários, Augusta acrescentara clandestinamente mais um: um garoto chamado Ash com dois xelins por semana. Ela não sabia o sobrenome do menino e nem ele, assim ela lhe dera o sobrenome da criada de sua mãe.
— Ash Warrick. — O garoto murmurara, batendo os seus absurdamente longos cílios até parecer quase femininos. Ele levantou e recolocou seu gorro e cuspiu no chão do estábulo. — Soa um ‘poco’ estranho, você me diz. ‘Com’um’ daqueles insultos chiques.
— É um nome muito antigo e distinto e você o usará sem reclamar. — Ela respondeu.
— Humph. Prefiro ser Ash Diver. Ou Ash Black. Ou... .ooooh, este é o melhor? Ash Cole.
— Você não pode ser conhecido como Ash Cole6.
Ele franziu a testa.
— Por que não?
Se ela lhe explicasse, ele gargalharia e insistiria em usar o apelido. Em vez disso ela afirmara com firmeza.
— A tinta está seca. É seu nome agora.
Ele resmungou um pouco mais, mas quando ele o apresentara ao mordomo, o Sr. Teedle, ele não fez nenhum escândalo. Ainda assim, Ash era esperto, como Anne corretamente observara. Ele tendia a usar todos os meios, honestos ou não, para abrir seu caminho, assim Augusta permanecia atenta. Ninguém nunca saberia quando ele poderia mudar de nome, escapar de suas tarefas ou desaparecer metade do dia.
Agora, Augusta suspirou e olhou para uma alegre Anne.
— Falarei com Ash . Não podemos perdê-lo todo tempo.
— Ele se esconde porque tem medo. — A voz de Anne era solene, estreitara os olhos com raiva.
Augusta assentiu. Ela sentia a mesma fúria. Apesar dos seus esforços para descobrir a identidade do homem que batera nele, Ash mantinha o nome em segredo. Então ele erguia seu pequeno queixo e jurava que iria embora se o homem o encontrasse.
— Num ‘dexarê ’le chegá perto d’ôce,’ Srta. Widmore. Prometo.
Ela quase trincara os dentes tentando segurar as lágrimas. Ash precisava que ela fosse forte, e assim ela seria. Ela o abraçou, disfarçando-o como uma inspeção de seus cabelos e roupas. Ele tolerava suas atenções, protestando apenas uma vez quando ela o apertara com força.
Pigarreando, Augusta sufocou o sentimento e levou seus olhos para a lista de entregas. Uma delas era uma mesa grande, do tamanho de Sebastian. Ela franziu o cenho, recordando uma pergunta que ela queria fazer a Anne.
— Sra. Higgins, alguns dias atrás, eu me aventurei no sótão e encontrei uma variedade peculiar de caixas.
Repentinamente Anne pareceu fascinada pelo calcário sob seus pés. Ela pressionou os lábios antes de responder.
— Sim?
— Elas estavam perfeitamente empilhadas ao longo da parede leste. Então, ontem, descobri que elas foram preenchidas com pedras extraordinariamente pesadas. E mesmo assim, todas elas haviam sido removidas pelo sótão até a parede oeste.
— Aconteceu isso?
— De fato, não posso evitar e me perguntar se não é algum esquema estranho de treinamento de lacaios.
— Não poderia dizer.
Augusta estreitou os olhos sobre a governante evasiva.
— Eu precisarei do sótão para armazenar alguns itens. Qual precisamente é o propósito dessas grandes caixas de pedra?
Anne não respondeu.
— Sra. Higgins?
Suspirando, a mulher olhou ao redor do corredor de entrada, esperando que um par de lacaios passassem carregando um aparador de nogueira, depois se virou, assim seu corpo volumoso bloqueou a luz e o som da porta da frente.
— É uma prática do Sr. Reaver. — Disse em voz baixa. — Ele as transfere de um lado para o outro no sótão. Eu o escuto tarde da noite, depois que já estou na cama. Meu quarto fica um andar abaixo, ao longo da parede leste.
— Por que ele faria tal coisa?
Anne deu de ombros.
— Dizem que ele trabalhou nas docas quando era jovem. Talvez ele goste de recordar-se quão longe chegou. Ou talvez o ajude a dormir. Ele é um homem vigoroso.
Sim, Augusta conhecia muito bem o vigor de Sebastian. Engoliu em seco e assentiu, deixando as perguntas para outra hora. Um par de entregadores entrou, inclinando uma graciosa chaise longe para que ela pudesse atravessar a porta.
Ela olhou para a lista, franzindo o cenho.
— Perdão, cavalheiros, mas receio que há um erro. O Sr. Reaver não pediu esta peça.
Um terceiro entregador entrou com um caderno, tirando uma caneta detrás da orelha.
— Aye, senhorita. Ele pediu. Está escrito exatamente aqui.
Ela foi para o lado do homem e olhou. Realmente, a chaise longue de jacarandá com estofamento de veludo azul estava listada entre o aparador de nogueira e... um grande espelho dourado.
Piscando, ela agarrou a ponta do caderno do homem, trazendo-o para mais perto. Dois outros itens, uma escrivaninha e uma cômoda, estavam listados também. Seus dedos enluvados foram aos lábios.
Sebastian comprara aqueles itens. Para ela.
Ele deve tê-los adicionados em seu pedido enquanto negociava com o Sr. Beauchamp.
À distância, ouviu Anne dizer aos homens para levaram a chaise longue para seu quarto. Augusta teria feito isso, mas seu coração estava em sua garganta, impedindo-a de respirar e falar e transformando seu interior tão suave quanto um mingau.
Homem tolo. Sem dúvida ele a viu cobiçar os itens e desejado agradá-la. Embaixo de seus dedos, seus lábios sorriram impotentes.
Ela queria vê-lo. Agradecê-lo. Perguntar-lhe sobre as caixas e lhe explicar o quanto apreciava seus beijos.
— Anne. — Ela murmurou distraidamente. — Devo visitar o clube. Poderia...?
— Claro. — A governanta aceitou a lista de Augusta com um sorriso compreensivo. — Talvez o Sr. Reaver venha jantar em casa. Não seria adorável?
Augusta assentiu, curiosamente sem fôlego e ouvindo apenas pela metade.
Uma hora depois, cumprimentava um alegre Duff e passava pela porta traseira do Reaver’s. Edith estava descendo a escada de serviços indo em direção à cozinha. Ao passar, a criada acenou e a chamou.
— Bom dia, Srta. Widmore. Como a Grande Annie está em seu novo posto? Colocando tudo de cabeça para baixo?
Augusta riu.
— Ela me pediu para lhe dizer que está vencendo a aposta por uma milha.
Edith bufou e seguiu para a cozinha, atirando sua resposta por cima do ombro.
— Uma milha. Esta é a altura dela. E pode dizer isso a ela.
Mais rápido do que era estritamente apropriado, ou sensato, Augusta subiu as escadas até o escritório de Sebastian. O Sr. Frelling levantou o rosto da mesa quando ela fechou a porta e se encostou nela.
— Srta. Widmore!
— Sr. Frelling. — Ela disse recuperando o fôlego. — Um lacaio cujo nome é Tim ou Tom me viu no corredor. Temo que ele tenha sofrido algum susto, já que ele me tomou como uma aparição fantasmagórica.
Por trás dos óculos, os olhos de Frelling se iluminaram de humor.
— Um bocado supersticioso, esse aí. O cozinheiro lhe presenteou com histórias sobre uma mulher desesperada e sem um tostão que encontrou a morte enquanto cavalgava para um encontro ilícito com um ladrão de estrada. Ele está convencido que ela assombra os corredores do Reaver’s. Eu já expliquei que o conto era apenas uma tentativa de ganhar uma aposta de um dos crupiê, mas.... — Ele deu de ombros.
— Por que ele me tomaria como um fantasma e não simplesmente como uma criada?
O sorriso do Sr. Frelling se esvaiu quando seu olhar recaiu sobre a peliça marrom de Augusta. Ele pigarreou, ajustou os óculos e se ocupou em arrumar papéis.
— Presumo que esteja aqui para ver o Sr. Reaver. Sinto, mas ele não está em seu escritório. É bem-vinda a esperar, mas não tenho certeza de quando ele retornará.
O desapontamento a envolveu como um cobertor frio e úmido.
— Oh. — Foi a sua brilhante resposta.
— Entretanto eu sei que a Srta. Phoebe ficaria muito feliz com uma visita da irmã. A Sra. Frelling estava dizendo isso apenas há uma hora.
Ela se endireitou, puxando suas luvas.
— Esplêndido. A verei imediatamente. Obrigada, Sr. Frelling.
Phoebe não ficou apenas feliz. Ficou agitada. Ela guinchou quando viu Augusta na porta. Depois explodiu em lágrimas. Depois puxou Augusta em um abraço apertado e soluçou.
— Graças aos céus você veio.
A porta fechou atrás dela e ela manobrou as duas para dentro da sala de estar. Alarmada e incomodada pelo calor torturante, Augusta segurou os ombros de sua irmã e exigiu:
— Quem a machucou? Eu cortarei partes vitais do patife, começando por suas protuberâncias.
Phoebe balançou a cabeça e apoiou a cabeça nos ombros de Augusta.
— Bem, talvez eu peça ao Sr. Reaver para cortar. — Augusta esclareceu. — Ele é absurdamente forte. E intimidador. Mas dirigirei o processo, Phee, juro.
— N-Não remova as protuberâncias de ninguém. — Veio uma resposta molhada. — Estou bem.
Augusta se afastou.
— Você está chorando rios.
Os ombros de Phoebe agora sacudiram com uma gargalhada. Ela se afastou e secou as bochechas com os dedos.
— Eu senti a sua falta, isso é tudo.
— Besteira. Vamos beber chá e poderá me explicar o que a transformou nesta bacia derramando água.
Cílios úmidos pestanejaram e caíram. Phoebe se afastou, caminhando até o sofá.
— Phee?
— Eu o vi, Augusta. — Ela disse sem se virar. — O Glassington.
O estômago de Augusta deu um nó.
— Onde?
— Na Piccadilly. Do lado de fora de uma mercearia. Ele estava... com uma mulher.
Aproximando-se, Augusta segurou o cotovelo da irmã, forçando os olhos vermelhos de Phoebe encontrassem o dela.
— Quem?
— Eu não sei. Ele parecia feliz.
— É claro que ele está feliz. — Augusta espetou. — Ele é um cachorro se divertindo enquanto abandona suas tarefas mais essenciais.
— Acredito que ele possa... estar tentando se casar com outra.
Augusta não suportou o tom apático da voz de Phoebe, os olhos sem esperanças.
— Ele não está casado ainda. — Ela cerrou os dentes. — E não se casará com ninguém, exceto com você. Eu disse isso, não disse?
Phoebe mordeu o lábio e abaixou o rosto.
— Então?
Phoebe assentiu, mas continuou mordiscando os lábios.
— Fique forte. Ao contrário do Lorde Glassington, mantenho as minhas promessas. Nós faremos isso acontecer, Phoebe. Eu já a enganei alguma vez?
Sua irmã fungou e deu um meio sorriso.
— Apenas sobre as corujas.
— Você dormiu profundamente. Não me recordo de ter sido raptada aquela noite. Certamente as corujas fizeram bem o trabalho delas.
Pela próxima hora, eles conversaram sobre coisas agradáveis, o luxo do bom chá, a aposta boba entre Anne e Edith, a atenção dispensada pelo Sr. Shaw. O último tópico deixou Phoebe com as bochechas coradas, mas Augusta não soube dizer se era pelo calor do fogo ou por algo mais secreto. Ela escolheu explorar o assunto outro dia.
Ela se conteve por tempo bastante. Chegou a hora de se encontrar com Sebastian.
Fazendo o caminho de volta ao escritório dele, descobriu pelo Sr. Frelling que ele passava boa parte de seu tempo na casa vizinha, no Número Cinco. Em seguida ela questionou o Sr. Duff sobre a melhor maneira de entrar na dita casa e o grande sentinela concordou em lhe acompanhar, mostrando-lhe além das pilhas de detritos e tábuas de madeira com uma alegre galanteria.
— Obrigada, Sr. Duff. — Ela inalou momentos antes de entrar no espaço largo e aberto. — Encontrarei o caminho a partir daqui.
— Tem certeza...
— Você foi muito bondoso.
Ela caminhou em direção ao maior homem que ela já vira, tão alto e largo que uma pessoa tinha que piscar para ter certeza que ele era real. Os braços dele se avolumaram e se esticaram quando ele ergueu uma pilha de madeira apoiando-a sobre seu ombro. Seu cabelo preto e curto estava salpicado de poeira e sua camisa branca de linho estava úmida pelo suor.
Ele fez o coração dela escorregar até os pés.
Aproximando-se, ela o observou equilibrar as longas tábuas com flexibilidade e economia de movimentos. Dado o peso da pilha que ele segurava, sua firmeza era impressionante. Agora estava se virando. E ela estava mais próxima do que percebera.
E a pilha de tábuas estava se movendo. Em direção à sua cabeça.
Ela gritou e se abaixou; seu grito trêmulo ecoando através do espaço cavernoso. A madeira não acertou a sua cabeça, mas seu bonnet foi atingindo na lateral e agora estava posicionado em um ângulo desajeitado, a fita embaixo de seu queixo apertava a sua garganta.
— Maldição, inferno sangrento! — A voz retumbante soou como um rosnado. — Eu quase arranquei a sua cabeça fora, mulher maluca! — Um baque agudo e em cascata indicou que ele soltara as madeiras.
Ela se endireitou, soltando a fita ao redor do pescoço. Mãos gigantes agarraram seus ombros e depois ambos os lados de seu rosto. Ela piscou diante dos olhos pretos brilhando furiosos.
— O que diabos está fazendo aqui — Os polegares dele acariciaram suas bochechas. Seus dedos removeram seu bonnet e explorou seu couro cabeludo.
O contraste entre a raiva diabólica em seus olhos e a gentileza de seu toque era vertiginoso.
— E-Eu vim encontrá-lo. — Sua respiração estava agitada. — Obviamente. O que mais seria? S-Sebastian. Estou bem.
— Você não está bem, maldição!
— Você me surpreendeu, é só isso. As tábuas apenas atingiram o topo do meu bonnet...
Suas mãos alcançaram a sua nunca e levaram o rosto dela para perto do dele.
— Sempre indo a lugares que não deveria. Tenho um pensamento sobre...
Ela não pensou. A boca dele estava ali. A dela estava ali. Juntar os lábios deles seria... certo. Então ela o beijou. Apoiou as mãos sobre o peito dele. Sentiu as batidas rápidas e pulsantes de seu coração. Sentiu a mão dele cair para sua cintura e a puxar para mais perto.
Ele grunhiu, o som a martelou.
Ela sorriu e o beijou mais.
— Maldição, mulher. — Ofegou a segurando com força. — No que está pensando?
— Que eu gostaria de agradecê-lo.
— Pelo quê? Por quase matá-la?
Ela fungou.
— Eu cheguei um pouco perto demais.
— Aye. Um pouco.
— Minha reação foi oportuna e sensata. Nenhum dano causado. — Ela olhou para seu bonnet, caído sobre o chão de madeira áspera. — Bem, meu chapéu foi danificado. Mas pode ser reparado.
— Deus todo poderoso. — Ele a soltou, se afastou uns dez passos, levou uma mão ao quadril e outra correu cabelo todo da cabeça.
O cabelo dele estava mais longo, ela notou. Escuro e grosso. Em um mês mais ou menos, precisaria de um corte.
Ele voltou rapidamente e a segurou.
— Nunca mais se coloque em perigo. Está me escutando, Augusta? — Ele abaixou a cabeça, aproximando-se da dela, assim ela sentiu o seu fôlego em sua bochecha.
— Humm. Sim. Bem, eu aprecio ter a minha cabeça no lugar certo, então tentarei ficar longe de objetos flutuantes no futuro.
— Não é bom o bastante.
— É o melhor que posso fazer.
Os ônix iluminaram-se. Uma mandíbula poderosa se flexionou.
Novamente, ela pôs a mão sobre o peito dele.
— Vim lhe agradecer, Sebastian.
Seu olhar furioso não diminuiu, mas sua voz se acalmou.
— Pelo quê?
— Minha chaise longue.
— Xezzz o quê?
Ela reprimiu o sorriso.
— A cadeira alongada com costas inclinadas e sem braços. Azul. Você a acrescentou ao seu pedido com o Sr. Beauchamp.
— Oh. Aquela. — Ele trocou de pés e corou ao redor das maçãs do rosto.
— A escrivaninha e a cômoda também. Oh, e o espelho. O espelho é simplesmente esplêndido. Obrigada.
Ele levou a sua mão grande para trás do pescoço. Ele a olhou, sua cor avermelhada aumentando.
— Você negligenciou a mobília de seu quarto. Já havia gastado uma fortuna. Achei que poderia gastar um pouco mais.
— Meu agradecimento não é pelo que gastou, — Ela disse. — é por ter notado quais peças eu admirei e me fazer uma agradável surpresa.
As narinas dele inflaram.
— Estou ficando um bocado preocupado em lhe dar surpresas agradáveis, Augusta Widmore.
Oh, céus. Agora eram as bochechas dela que esquentavam.
Atrás dele, dois trabalhadores desceram a escada exposta ao longo da parede mais distante. Esforçando-se para manter a compostura, ela se abaixou para pegar seu bonnet amassado, mas Sebastian chegou primeiro. Restaurando o topo para um formato apropriado com alguns movimentos ágeis usando seus longos dedos, ele colocou o chapéu em sua cabeça e amarrou a fita embaixo de seu pescoço.
— Não deveria estar aqui. — A voz dele podia ser dura, mas a ponta de seus dedos tocava a sua pele com uma sedução formigante. — Agora, consiga uma carruagem e vá para casa.
— Por que não vem comigo?
— Eu tenho trabalho a fazer.
Ela olhou a pilha de tábuas que ele deixara cair ao acaso e depois avaliou o espaço esquelético aberto, com estruturas expostas e pilhas de tijolos, madeiras e outros materiais. Eram empilhadas ao estilo Sebastian: arrumadas, categorizadas e perfeitamente posicionadas, prontas para serem usadas do modo mais eficiente possível.
Então ela notou os trabalhadores murmurando entre si, lançando olhares curiosos para ela enquanto eles seguiam em direção à lareira da cozinha, que estava sendo reconstruída.
— O Sr. Frelling é talentoso em contratar criados. — Ela observou. — Ele poderia ajudá-lo a encontrar trabalhadores mais competentes, assim a sua assistência nestas tarefas não seria necessária.
— Todos são competentes. Eu mesmo os contratei.
Ela ergueu uma sobrancelha em uma surpresa fingida.
— Oh. Que intrigante. Alguns se perguntariam por que necessitaria carregar madeira e tijolo, quando há trabalhadores capazes de fazer o trabalho.
Por um longo momento, ele a encarou.
— Eu não preciso. Eu gosto. Pare com suas perguntas irritantes, mulher.
— O que gosta sobre isto?
— Por Deus, você é inconveniente.
— Conte-me.
Ele soltou um suspiro alto.
— Isso me ajuda a acalmar a mente.
— O esforço físico ou o ato de organizar que faz isso?
Seus olhos assumiram um brilho meditativo, como se tivesse sido surpreendido.
— Os dois.
Aquilo explicava as caixas. Sebastian tinha excesso de energia e necessidade por ordem que ela já reconhecera. Ela mesma tinha um pouco dos dois. Embora que para ela, o trabalho físico não fora precisamente opcional. Pelo menos, desde a morte de seu pai.
— Bem, eu gosto de assisti-lo trabalhar. — Ela confessou. — É bastante... talentoso.
Um grunhido serviu de resposta.
— Irá jantar em casa?
Os olhos dele caíram sobre sua boca. Depois sobre o seu colo. Depois voltaram para seus olhos.
— Aye.
Em algum lugar de seu abdômen, o calor aumentou, apertando e formigando por onde passava. Lentamente, ela sorriu antes de dar meia volta e ir em direção à entrada dos fundos. Ao chegar à porta, olhou por cima dos ombros.
Ele estava contemplando o seu traseiro.
O sorriso dela ficou maior.
—O verei lá, Sr. Reaver. — Ela falou.
— Aye. — Ele murmurou. — Fará mesmo.
CAPÍTULO 13
“Ao conversar com uma dama, fique atento a não cair em longos e meditativos silêncios. Uma jovem tende a elaborar fantasias que você está compondo soneto em sua honra, quando na verdade, está contemplando quanto tempo deve esperar para levá-la para a cama (muito provavelmente) ou quanto tempo esperar para tomar o segundo Porto (menos provável). É melhor evitar esses erros.”
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta cheia de precauções para um cavalheiro em busca de uma esposa.
Ele conseguira um jantar. Um longo e torturante jantar com Augusta Widmore. Ele não voltara a sua casa desde então.
Obviamente o lugar não parecia mais sua casa. Havia tapetes nos pisos, cortinas nas janelas e cadeiras, mesas e sofás para todos os lugares para onde se virava. Tudo isso era bastante agradável, ele supôs. Ele apreciou que a maioria das peças eram retas e resistentes, robusta o suficiente para suportá-lo sem quebrar. Estava sentado confortavelmente à mesa de jantar, na grande e estofada cadeira.
Até que ela entrou. Então ele ficou profundamente desconfortável. Duro e pronto em segundos. Ela usava um vestido verde claro listrado. Ele fora lavado inúmeras vezes. Era desenhado para se usar com um fichu. Ela não estava usando um fichu.
E ele mal foi capaz de falar, quanto mais comer.
Agora, dias depois, estava igualmente desconfortável e não era porque sua cabeça estava torta no teto da carruagem. Era porque Augusta estava sentada em frente a ele, usando sua peliça marrom e velha e uma fisionomia empertigada e franzida. Para todos efeitos, ela seria a última mulher a torturar um homem com luxúria.
Mas ela fazia isso. Deus, como ela fazia. Ele sonhava remover o vestido. Ou não. Talvez erguer as saias e tomá-la sobre a sua mesa, contra a parede ou naqueles sofás robustos. Várias vezes. Depois, ele poderia ir devagar. Deixá-la nua. Explorar aqueles suntuosos...
— Passaram-se três dias desde que nos falamos. — Ela falou com firmeza. — Você não consegue formar uma palavra em uma conversa?
Não. Ele não podia.
Nada funcionava. Nem o trabalho físico. Nem treinar com Duff, que há dois dias não parava de reclamar sobre suas costelas. Nem mesmo as medidas as quais recorria quando era um jovem tarado.
A tensão de Reaver batia alto dentro dele, sua pele vibrava como um tambor.
— A Sra. Bowman estava muito feliz quando veio tirar as minhas medidas a semana passada. — Augusta falou, evidentemente decidindo levar a conversa sozinha. — Fiquei surpresa ao descobrir que ela é de Roma, embora tenha passado boa parte de sua juventude na Toscana. Florença para ser precisa. Desde que li um dos livros do meu pai sobre a região, eu desejei conhecê-la. Pinturas e estátuas notáveis. Arquitetura. Nós conversamos longamente sobre estas maravilhas. Você sabia que a cidade tem uma rica história sobre confecção de tecidos? Lã e seda, principalmente. Li sobre os empréstimos de dinheiro, mas nada sobre a fabricação têxtil.
Ele não fazia ideia do que ela estava falando. Observava seus lábios — aqueles lábios carnudos e sensuais — e se perguntava se iria sobreviver pelas próximas horas sem beijá-los.
— Sebastian.
Aye. Ele gostava da forma como ela falava seu nome.
— Sr. Reaver?
— O quê?
— Não tem nada a falar? — Olhos cinzas o fuzilaram com irritação.
Ele cerrou a mandíbula e forçou a olhar para qualquer outro lugar. Olhar para o lado de fora pela janela serviria.
— Chegamos. — Ele disse.
O suspiro dela foi alto e expressivo.
Ao entrarem na loja toda azul, ele notou a rigidez da postura dela. Augusta aparentemente relaxou quando a costureira de cabelos escuros com um sotaque impetuoso e gestos largos a cumprimentou e a dirigiu a uma área pequena e com cortina. Reaver ia segui-las, porém a Sra. Bowman ergueu um imperioso dedo.
— Não, não, não, Sr. Reaver. Espere aqui.
Ele olhou zangado.
— Retornaremos e você poderá ver os vestidos, um por um. Mary lhe servirá chá. Mary!
Uma assistente ansiosa se apressou.
— Sirva chá ao Sr. Reaver.
— Não quero chá.
A Sra. Bowman agitou os dedos para a assistente que saiu pelo arco cortinado. Mais uma vez ela ergueu aquele dedo imperioso a Sebastian, apontando em direção ao sofá há alguns passos.
— Espere. — Ela ordenou.
Augusta, por outro lado, lançou um sorriso malicioso por cima do ombro enquanto a costureira a empurrava pela cortina.
Mulheres irracionais. Ele sentou na beira de um delicado sofá de seda, cruzou os braços e tentou não imaginar Augusta sendo despida peça por peça. A assistente lhe entregou o chá, o qual não bebeu. Ela então lhe ofereceu biscoitos, os quais não comeu.
Ele deslizou uma mão pelo rosto, perguntando-se novamente qual a melhor maneira de persuadir Augusta a se tornar a sua esposa antes que a loucura se instalasse. Ele consultou Frelling uma segunda vez, esperando que o homem provasse ser um conselheiro mais competente sobre cortejar do que ele fora inicialmente.
— Talvez um passeio, Sr. Reaver. — Seu secretário sugeriu.
— Para onde?
— Ela morou em Hampshire a vida inteira. Mostre a ela o que Londres tem a oferecer. Mesmo no inverno, está repleto com entretenimentos maravilhosos.
—Tais como?
— Leve-a a uma peça. Julgo que Edmundo Jean é excelente. Ou talvez uma visita ao British Museum para ver os mármores. Ou um passeio de carruagem até a Berkely Square. O chá da Gunter’s é bastante decente.
— Chá.
— Algumas pessoas adoram chá. Não você, é claro, mas a Srta. Widmore parece gostar.
— Humph.
— O ponto é moldar os seus entretenimentos às preferências dela. A Sra. Frelling aconselha a melhorar um pouco seus conhecimentos. — Quando ele pareceu perplexo, Frelling esclareceu. — Descobrir do que ela gosta. Então, poderá demonstrar quão bem a escuta ao lhe oferecer...
— Maldição do inferno, Frelling. Não tenho tempo para tudo isso.
— A urgência é compreensível, sir. Todos nós temos similares...
— Não assim.
— Considerou simplesmente... pedir a ela? Para casar-se com você, quero dizer.
Ali foi quando Reaver desistiu totalmente de Frelling. O homem era um excelente secretário. Mas em conselhos sobre como cortejar era terrivelmente ruim.
O acordo de Reaver com Augusta expirava em três semanas. Ele não tinha tempo para longos passeios e conversas sobre a sobremesa favorita dela. Ele precisava de um maldito atalho. Drayton ainda não respondera com notícias sobre a conexão dela com Glassington e, até ele descobrir porque ela pretendia chantagear o verme inútil para casar-se, ele suspeita que nenhuma estratégia funcionaria, nem as curtas nem as longas.
Suspirando ele descansou as costas no sofá. Ao ouvir um rangido que serviu de aviso, ele retomou sua posição anterior. Deus, como ele odiava esperar. Ao longo dos anos, ele se tornou bom nisso. Mas isso não o fez detestar menos.
— Obrigada por sua paciência, Sr. Reaver. — Disse a Sra. Bowman enquanto ela afastava a cortina para revelar uma Augusta vestida de seda. — O que acha?
Ele não era capaz de pensar. Ela estava linda. Vestida de seda prata com algum tipo de objeto cintilante na sobreposição da saia, ela brilhava. Simplesmente brilhava. Seus olhos estavam profundamente iluminados. Sua pele parecia resplandecente. Seus seios mais redondos. Suas mãos... enluvadas.
A Sra. Bowman continuou.
— O vestido é feito de seda prateada. Seis dobras definem o corpete e a pequena manga bufante. Também tem lantejoulas costuradas na saia exterior de gaze de seda pura. O bordado branco feito em pontos minúsculos adiciona ao...
— Remova as luvas. — Ele disse, sua voz baixa.
Augusta levantou uma sobrancelha castanho avermelhada.
— Não irei. Estas são francesas. Além do mais, as luvas são parte do conjunto.
Ele teria insistido no pedido, mas ela deu meia volta e voltou a área de vestir.
Durante as duas horas seguintes, Reaver suportou tentação após tentação. Os vestidos de baile e os de noite pareciam ter sido desenhados para torturar um homem obcecado pelos seios dela, em outras palavras, ele. Até mesmo o vestido verde de passeio, a peliça azul e o vestido de dia dourado eram estranhamente atraentes. Cada vestido lhe caía adoravelmente, acentuando a extensão de seus braços e a beleza de seus ombros. Todas as cores — nenhum deles era marrom, notou — iluminava suas feições. A curva de seus lábios. O rico vermelho dos cabelos. O suave cinza dos olhos.
Deus, ele a queria.
Exatamente agora.
E queria descobrir porque ela sempre usava luvas, mesmo com o mais simples vestido matutino de mangas longas. A costureira pareceu desconfiada. Reaver notou que as luvas que ela usava eram as dela, a de couro fino e manchado nas pontas dos dedos.
— Este é especial, Sr. Reaver. — A Sra. Bowman falou por trás da cortina azul. — Deixei o mais requintado para o final, sim? — Ela afastou a cortina. Revelando uma visão.
Era Augusta, com seus cabelos castanho avermelhados gentilmente enrolado e soltos, vestida em seda com o tom exato de framboesas maduras. A saia e o corpete brilhavam na luz acinzentada. Mas lantejoulas, ele supôs. Mas tudo o que ele conseguia divisar era o rosto dela, sua forma, cabelo, olhos, seus... tudo. A tonalidade radiante era tão inesperada em contraste com a sua pele pálida que era como ver o céu ir do azul para o vermelho em um piscar de olhos. Deslumbrante. Ela estava deslumbrante.
— Ah, percebo que aprova, Sr. Reaver. Tenho um pouco mais desta seda, se quiser...
— Deixe-nos. — Ele ordenou, assistindo os olhos de Augusta brilharem e inflamarem, os lábios se abrirem.
— Há a questão das contas...
— Envie ao clube. Deixe-nos.
A costureira saiu sem falar mais nada, levando consigo a sua assistente.
— Sebastian. — Augusta sussurrou no meio do silêncio que se seguiu, seu colo subindo e descendo em um ritmo acelerado.
Ele se levantou, ignorando o ruído do sofá.
— Remova as suas luvas, Augusta.
Elas eram de seda branca, esticadas até acima do cotovelo.
Ela ergueu o queixo em um ângulo orgulhoso.
— Nós já discutimos isso.
— Você recusou.
— Recusei.
— Por quê?
— Não lhe diz respeito.
Agora, ele teria que saber o motivo. Sua curiosidade queimava mais quente do que Hades.
— Desejo ver as suas mãos.
Ela fungou.
— Não seja tolo. São simplesmente mãos.
— Então me mostre.
Os olhos cinzas faiscaram mal humorados.
— Uma barganha desigual, ouso dizer. Você deseja que eu remova minhas luvas. O que você pretende remover, Sr. Reaver?
Oh, ela fizera aquilo. Como o oportunista que ele era, diminuiu a distância entre eles e se preparou para a matança:
— Qualquer coisa que quiser, Srta. Widmore. Diga o seu preço.
*~*~*
Droga. Ela deveria ter recusado e exigido que a deixasse quieta para vestir o seu vestido velho e sua peliça desgastada. Em vez disso, após horas sentindo ele queimá-la viva com seu olhar escuro, após dias sentindo falta de sua voz retumbante e mãos enormes. Ela permitiu que o seu mau temperamento superasse o bom senso.
Ela não queria que ele visse as suas mãos, droga. Mas ela queria vê-lo. Tanto que arriscaria o seu orgulho.
Sem fôlego e acalorada, examinou o homem desde os cabelos pretos às botas. Ela estava sobre um pequeno estrado, fazendo com que a diferença entre as alturas fosse menos exagerada e lhe desse uma visão melhor. Ele usava uma cravat. Um colete de seda marrom. Um fraque de lã em um azul profundo. Ultimamente ele estava se vestindo com mais elegância, como se decidisse que tendo sua casa mobiliada, deveria se vestir de acordo.
Seu olhar recaiu sobre as suas calças justas. Ela imaginou que poderia pedir para que ele as removesse. Provavelmente ele recusaria uma proposta tão absurda e abandonaria a exigência idiota de ver as suas mãos. Apertando os lábios, engoliu em seco ao estudar as sombras dos músculos de suas coxas.
Provavelmente era melhor manter sua metade de baixo fora da discussão. Por enquanto.
Não, se ela fosse honesta, a parte que mais ansiava ver era a metade de cima. Os ombros. O peito. A barriga. Os braços. Tudo descoberto para ela.
— Sua camisa. — Ela murmurou, incapaz de tirar os olhos dos ombros dele.
— Minha camisa? — O tom dele era tanto zombador quanto surpreso.
— Ã-hã. É isso o que quero. Sua camisa.
— Gosta delas, não? Pelo menos desta vez está pedindo em vez de pegar.
Agora que sugerira isso, o desejo de vê-lo sem a camisa havia se expandido além de todas as proporções. Tentou imaginar como ele parecia. Musculoso e impossivelmente grande. Ela vira representações de estátuas que se aproximavam.
— Muito bem. — Ele falou. — Suas luvas por minha camisa.
Não, nem mesmo as estátuas eram sólidas o bastante. Vitais o bastante. Grandes o bastante.
— Irei primeiro, hã? — Ele desamarrou a cravat com movimentos impacientes, atirando-a no sofá. — A coisa maldita estava me estrangulando de qualquer forma.
Seus olhos ficaram presos em suas mãos, fascinada por cada movimento. Desatenta, ela perguntou:
— Então por que usa uma?
Ele respondeu com um grunhido.
Em seguida se foi o casaco. Então o colete, desabotoado com a mesma habilidade que mostrava quando ela interrompeu o trabalho dele no Número Cinco. Finalmente, ele estava apenas com a camisa de linho branca.
Ele a segurou pela bainha. Tirou por cima da cabeça.
E seus joelhos quase dobraram. Oh, céus. Não era como as estátuas. Nem como imaginou. Nem mesmo perto.
Grandes placas de músculo dilatavam-se e ondulavam do pescoço à cintura. Os ombros, que seriam largos apenas em virtude dos ossos maciços, eram certamente duplamente duros, redondos...
— Augusta.
... elevações de músculos que se dilatavam novamente ao longo dos bíceps...
— É a sua vez.
... e antebraços. Ela já tinha visto os antebraços dele, é claro. Generosamente salpicados com pelos pretos. Ondulando com força todas as vezes que ele flexionava as mãos. O peito era igual. Cabelos pretos. Poder visível e chocante. Ela queria tocá-lo. Tanto que as pontas de seus dedos formigavam.
— Pelo amor de Deus, mulher. Pretende manter a sua palavra?
Seu olhar voou para o rosto dele. As maçãs do rosto estavam um pouco coradas, mas os olhos eram como vidro derretido.
— Minha... ?
— As luvas. Sua parte na barganha.
Seu estômago afundou-se. Ela olhou para suas mãos, o calor recuando por causa do medo. Por anos, ela lutou para esconder o que elas revelavam. O quanto de desespero tivera em sua vida. O quão fundo permitira que o legado dos Widmore caísse. Seu pai teria chorado ao ver no que ela se reduzira, embora esperasse que ele entenderia. Ela tivera poucas escolhas. Para proteger Phoebe, ela fizera muitas coisas que nenhuma dama com um grama de orgulho teria feito.
Incluindo invadir um clube de cavalheiros e fazer acordos indecorosos com o proprietário.
Ela ergueu os olhos mais uma vez, explorando o rosto dele. A lâmina acentuada e restaurada de seu nariz. Os olhos ônix e a mandíbula quadrada e sombreada. Um vinco profundo entre as sobrancelhas pretas sinalizava sua irritação.
Ela fora mais do que afortunada por encontrar Sebastian Reaver sentado atrás daquela mesa de carvalho do que qualquer outro homem, Lorde Glassington, por exemplo. O tipo de honra de Sebastian não era agraciado com um título ou um nome. Era inato. Depois melhorado.
Para ela, fora um milagre.
Engolindo em seco, ela assentiu.
— Muito bem. — Um sussurrou foi tudo o que ela conseguiu fazer passar por sua garganta apertada.
Lentamente, ela soltou os dedos do couro gasto. Desabotoou o pulso. E deslizou as luvas para fora.
Por um longo momento, ninguém falou. Ela sabia a aparência de suas mãos, é claro. Vermelhas. Ásperas. Calosas. Algumas de suas unhas estavam rachadas e quebradas, embora tenham crescido desde que chegara a Londres.
— Augusta.
Com uma sacudida de cabeça, ela se esforçou a encontrar os olhos dele, erguendo o queixo e endireitando a postura.
— Você pediu para vê-las. Agora as viu.
Ela não conseguiu ler sua expressão. Os ônix haviam endurecido até parecerem gelados.
Ele deu um passo em direção ao estrado, inclinando subitamente a cabeça.
— Nossa barganha era pelas luvas. Pretende negar?
— Eu as removi.
— Eu as quero.
O peito dela se apertou por todo caminho até a garganta. Seu lábio inferior começou a tremer, mas ela o firmou.
— Eu quero a sua camisa.
Ele acenou em direção ao sofá.
— Está ali. Pegue-a.
— Não seja tolo. O que vestirá por baixo de suas outras roupas? Quão absurdo será sair com o peito nu, mas com uma cravat, um colete e...
— Dê-me as luvas, Augusta.
Sua respiração parou e ela estremeceu. Cerrou os dentes. Imaginou sua armadura: camadas de cotas de malha e chapa de aço. Não estava funcionando. Tudo o que ela conseguia ver eram os olhos dele, pretos e profundos. Endurecidos e resolutos.
Apesar do medo paralisante em seu interior, sabia que devia fazer o que ele exigia. Ela prometera. Talvez ela tivesse feito coisas que as damas não fazem. Mas ela nunca envergonhou o nome Widmore ao quebrar a sua palavra. Era um pequeno fio para ancorar seu orgulho. Era tudo o que ela tinha.
Ela lhe estendeu as luvas.
Ele as pegou e capturou seu pulso em um movimento rápido. Levando-a à penteadeira onde uma lamparina queimava, ele acariciou seu braço nu de cima a baixo, gentilmente virando sua mão. Seu polegar testou os calos. Afagou os nós ásperos. Acariciou a pele que parecia que nunca ia suavizar.
— O que tem feito a si mesma, amor?
Ela não aguentou. Sua testa caiu contra seus bíceps duros e musculosos. Ela sufocou um soluço antes que ele emergisse. Fechou os olhos bem apertados.
Ele a puxou totalmente contra ele. A envolveu com força em uma fornalha de calor e músculo duros. Sussurrou contra seu cabelo.
— Conte-me.
Ela conseguiu conter as lágrimas, mas uma pequena gota escapou.
— Não quero.
— Aye. — Sua voz retumbante, profunda e calma vibrou através de seu peito até a sua bochecha. Mãos grandes acariciaram sua nuca e costas. — Faça assim mesmo.
— Eu lavo roupas.
— Lavadeira? Você herdou do seu pai. Não é o bastante?
— Não. Nós temos... Nós somos... pobres.
Ele esperou.
Ela escutava o coração dele bater ritmicamente através dos músculos e ossos. A batida alta lentamente sincronizou com a dela. Acalmando. Amparando-a.
— Quando o meu pai morreu, ele havia reservado dotes para a minha irmã e para mim. Mas meu tio herdou o resto. A casa. As terras. O título. Ele é... indigno.
Braços fortes apertaram e se flexionaram.
— Indigno de que forma?
Como explicar sem causar pena? Ela vivenciara aquilo e, até mesmo para ela, a história era patética. Mas ele não a soltou, não afrouxaria seu aperto e lentamente, o calor dele a aqueceu e sua paciência lhe deu espaço para recordar, ela lhe diria a verdade e esperava que ele entendesse. Ele era, afinal de contas, um homem extraordinário.
— Minha mãe morreu no ano que Phoebe fez três. Febre. Ela era forte. Capaz. Nunca pensei que ela iria. Mas ela se foi. Phoebe... Precisava de mim. E papai estava... A tristeza dele era tudo o que ele podia administrar.
— Então você assumiu o comando. — Ele falou como se não houvesse outra conclusão.
Ela assentiu contra ele, suas mãos deslizando para descansar sobre os quadris.
— Fui obrigada. Não havia mais ninguém. Eu administrei a casa. Confortei Phoebe. Nossa governanta era inútil. Eu a demiti.
— Você tinha onze anos.
— Um fato que nunca esquecerei. Phoebe chorava o tempo todo e eu a deixei sozinha com a mulher. Ela falou rudemente comigo e ignorou minhas ordens. A demiti sem referências.
— Hummph. Não esperava nada menos.
— De qualquer jeito, a tristeza de papai diminuiu com o tempo. Ele viu que eu tinha feito um bom trabalho administrando as coisas, assim me encorajou a continuar com a casa. Mas ele assumiu suas tarefas comuns: negociar, recolher impostos e coisas assim. Eu apreciava aquelas tarefas, mas falando a verdade, fiquei aliviada. Era difícil para uma garota de treze anos ser levada a sério nos assuntos da propriedade.
Ele grunhiu. Os braços dele a apertaram novamente, suas mãos acariciaram sua nuca e coluna. A envolvendo. Protegendo.
Os braços dela envolveram suas costelas, as mãos deslizaram até parar ao lado de uma fivela na parte de trás do cós da calça dele. Por vontade própria, seu polegar acariciou a pele acima da lã.
— Quando ele adoeceu. — Ela continuou em um sussurro. — Eu estava com tanto medo, Sebastian. Tanto medo. Mas eu não permiti que Phoebe percebesse.
Ela sentiu os lábios dele em seus cabelos. Seu queixo apoiando no topo de sua cabeça.
— Antes de morrer, ele separou fundos para nós. Dotes, ele disse. Ele desejava que encontrássemos bons maridos. Phoebe, especialmente. — Ela sorriu recordando a conversa. — Ele disse: “Espero que você seja Duquesa ou primeira Ministra dentro de um ano ou dois, Gus.” — Ela riu. — Gus. Era assim que Phoebe me chamava quando era muito pequena, antes de dominar as sílabas múltiplas. Papai gostava de me chamar assim também, ele... — Ela engoliu em seco diante da súbita onda de dor. — De qualquer forma, ele não estava tão preocupado comigo como estava por ela. Eu tinha dezessete anos e administrava uma casa há seis anos. Phoebe tinha nove e prestes a ser uma órfã.
— Você era uma órfã também.
— Eu era. Mas não tive tempo de lidar com tais coisas. Meu tio tomou posse da propriedade imediatamente. Ele era nosso guardião, pelos menos até que nos casássemos ou alcançássemos a maioridade e, embora ele não pudesse tocar em nossos dotes, ele criou dificuldades para nós. Nossa casa tornou-se dele. Nós vivíamos ali por sua autorização. Confiávamos nele para nosso sustento. Para casar-se antes que tivéssemos idade, precisaríamos do seu consentimento.
— Ele é indigno, disse. Explique.
Suas mãos apertaram o cós dele, os nós de seus dedos se enterraram nos músculos duros.
— A esposa dele, Georgiana, virou Lady Widmore, obviamente. Para ela, nós éramos um fardo. Uma recordação de que o título tinha pertencido primeiro a nossa mãe. Aparentemente, elas não se davam bem, pois eu nunca a tinha visto antes que ela veio morar em Binchley Manor. O ressentimento dela ficou claro desde o começo. Assim como a amargura.
— O que ela fazia?
— No começo? Poucas coisas, na realidade. Ela nos mudou de quarto para um único perto dos dormitórios de criados. Ela insistia para que esvaziássemos nossos próprios penicos, transportássemos nossas próprias águas e acendêssemos as nossas lareiras. — Augusta sorriu. — Nossa governanta, a Sra. Gandy, recusou-se a permitir. Secretamente enviava duas criadas. — Seu sorriso apagou. — Quando Georgiana descobriu, ela demitiu a Sra. Gandy. Uma mulher tão bondosa ser tratada daquela maneira tão escandalosa. — Augusta suspirou. — Eu escrevi uma carta de referência. Ela obteve uma posição com os Winchester em poucos dias. Nós ainda nos correspondemos de tempo em tempos.
— O que o seu tio tinha a dizer sobre tudo isso?
Augusta inalou profundamente o aroma da pele de Sebastian: sabão, ar e homem. O cabelo em seu peito fazia cócegas em sua bochecha. Ela se perguntou se ele sentia frio, ela poderia soltá-lo para que pudesse se vestir. Suas mãos se recusaram. Sua bochecha garantia que ele tinha calor suficiente para os dois.
— Sir Phillip disse que se eu não cuidasse das minhas acomodações em Binchley, poderia partir. É claro, ele sabia muito bem que eu não tinha aonde ir. Sem fundos próprios. Nenhuma maneira para ganhar a vida, exceto como governanta, o que exigiria que deixasse Phoebe para trás. Outros tipos de empregos para uma garota de dezessete anos eram... menos palatáveis.
Sebastian enrijeceu contra ela, seu peito e braços se flexionaram.
— Ele sabia e mesmo assim não fez nada.
— Sim. Em questão de caráter, meu tio e meu pai eram muito diferentes. Acredito, no fim, papai esperava que ele pudesse nos mostrar alguma cortesia. Mas Sir Phillip procurava agradar apenas Georgiana e ela gostava do nosso desconforto.
Ele resmungou. Bem, talvez fosse mais do que um resmungo.
Ela suspirou, desconcertantemente calma devido ao contato com a pele dele. Geralmente, recordar do tempo depois a morte de seu pai a levava a encontrar uma distração: polir as escadas, cuidar do jardim, costurar um vestido para Phoebe. Mas a solidez dele era igual à do carvalho: grossa e profundamente enraizada. Isso a envolveu. Enfraqueceu quaisquer memórias venenosas que tinha.
— Com o tempo, nos deixar desconfortáveis não a satisfazia mais. — Augusta sussurrou. — As crueldades dela... pioraram. Eu rapidamente aprendi a esconder a dor, pois isso parecia supri-la com um estranho fogo. — Ela fechou os olhos, agarrando com mais força. — Phoebe era muito jovem. Ela se escondia. Implorava. O que apenas fez Georgiana... Não sei como descrever aquilo. Alegre, suponho. Triunfante.
— Deus todo poderoso, amor.
— Eu sabia que deveria proteger Phoebe. Afastá-la de Georgiana. Eu não podia simplesmente me casar e deixá-la ali.
— Quanto tempo? Quanto tempo isso durou?
— Três anos e cinco meses. No começo eu esperei que Georgiana se cansasse dos seus jogos e nos mandasse para casa. Ela não fez. Ela apreciava aquilo e procurou manter Phoebe lá.
— Você esperou até que tivesse vinte e um anos.
Ela assentiu.
— Sir Phillip não tinha mais o controle sobre o meu dote. Eu tinha. Eu poderia partir e ele não poderia me obrigar a voltar. Mas ele ainda permanecia como guardião de Phoebe. Então eu fiz um acordo.
O peito dele subiu e caiu com um suspiro.
— Você deu a ele o dote de Phoebe.
— Sim. Em troca de Phoebe. Eu fiquei com a melhor parte do acordo, posso garantir.
— E o seu dote? — Ele não esperou por sua resposta. — Ah, seu chalé, ãh?
— Eu quis ser dona dele. Não queria que nenhum homem tivesse domínio sobre nós novamente. Nem mesmo um senhorio.
— Mas seus fundos acabaram.
— No fim, sim. Nós tínhamos uma pequena quantia dos meus investimentos, mas tive que usar isso exclusivamente para reabastecer o dote de Phoebe.
— Então, você começou a lavar roupa.
— Sim. E costurar. E também virei tutora de um menino e uma menina de tempos em tempos.
— E é por isso que suas mãos...
— Semelhante ao trabalho de uma criada de copa. Não são mãos de uma dama, isso com certeza.
— Augusta.
— Humm?
— Eu enviei um homem para Upton Downs.
— Minha vila? Por quê?
— Uma mulher estranha estava determinada a invadir o meu clube, seria tolo não descobrir mais sobre ela, não concorda?
— Imagino que sim.
— Agora, explique-me porque nenhum dos seus vizinhos mencionou que você é lavadeira.
— Eles não sabem.
— Como é isso?
— Eu ensino uma lavadeira a ler. Em troca, ela serve como intermediária, entregando as roupas e recolhendo os fundos. Ela também me auxilia de vez em quando. Estive doente por vários dias uma vez. Ela foi muito prestativa. O nome dela é Ann, como a sua governanta, mas sem o E. Ann Bishop.
— Maldição. Maldito inferno, Augusta.
— Não há necessidade de vulgaridade.
— Cabe malditamente bem. Você não deveria lavar roupa.
— Uma dama não faz trabalho físico. Eu sei. — A vergonha disso reduziu sua voz a um fio.
Ela o sentiu beijar o topo de sua cabeça, depois deslizou lentamente seus braços que estavam ao redor dela. Ela se agarrou, incapaz de soltá-lo. Mas ele segurou os seus braços e a afastou.
Ter o contato negado com a sua pele a deixou em uma fria desolação, como ser jogada da lareira para a nevasca. O contraste era profundamente desagradável. Desorientada.
Ele pegou as suas mãos nas suas, acariciando-as como fizera antes.
— Deus, mulher. Eu nunca conheci ninguém como você.
Ela engoliu em seco, os olhos fixos nas mãos deles. A dele, escura e maciça. A dela, vermelha e pequena.
— Poderia dizer o mesmo, Sr. Reaver.
Puxando-a para mais perto da penteadeira, ele a posicionou à sua frente.
— Vire-se e olhe. Veja o quanto é extraordinária.
Ela olhou. E viu uma mulher usando um vestido de um rosa escuro e brilhante. A cor deveria chocar-se contra a cor de seus cabelos. Não aconteceu. Ele brilhava à luz da lamparina. Sua mão alisou as flores da saia. Seda bordada. Ela nunca possuiu nada tão elegante, mesmo quando o seu pai era vivo.
— Você vê isso — Ele perguntou com a voz rouca.
Os olhos dela se levantaram para encontrar os dele no espelho. Ali, naquela escuridão, a intensidade quase a fez dobrar os joelhos.
— Sebastian.
— Você é a coisa mais bonita que eu já vi. Entende? Nem uma dama poderia competir com você. Por Deus, você vale mil vezes mais do que elas Gus. Mil vezes mais.
Ela desejou beijá-lo. Abraçá-lo. Senti-lo contra ela.
— Eu quero tocá-lo. — Ela falou.
Suas narinas inflaram quando ele respirou profundamente.
— Então toque.
Lenta e gentilmente, ela colocou as mãos no peito dele. Músculos duros, pele macia e pelos lisos e macios. Ela pressionou os dedos. Experimentou. Acariciou com suas palmas. Afagou.
Mamilos duros e planos a fascinaram. A respiração entrecortada a excitou. Os batimentos cardíacos a convidavam.
Ela envolveu os braços ao redor da cintura dele e encontrou o seu caminho de casa.
Ele segurou a cabeça dela contra ele.
— Nunca se envergonhe de suas mãos, amor. Elas são fortes. Capazes. Como as da sua mãe, hein?
As lágrimas surgiram, não para serem paradas. Elas se derramaram e molharam as bochechas dela e o peito dele.
— Estas mãos confortaram sua irmã. A protegeram. Construíram uma vida a partir do nada, além do trabalho e de uma maldita força de vontade. Mãos como as suas são mais agradáveis para um homem como eu.
— Elas não são mãos de uma dama.
— Nesse caso, eu não quero uma dama.
Gerações do orgulho Widmore viviam em seu sangue e ossos. E ela falhara em sustentá-los, por mais que tentasse disfarçar a verdade dos vizinhos curiosos. Nunca antes a opinião de um homem significou mais para ela do que a vergonha de sua pobreza. Mas a dele importava.
Sebastian Reaver não era um cavalheiro. Ele não se importava com a posição de alguém e nem que uma família nobre tenha caído em ruína. Ele não tinha um nome para herdar, nenhum legado para manter. Era um plebeu. Um comerciante. De fato, se ela se casasse, não poderia ter um marido melhor do que ele.
O pensamento a atingiu como um raio, atravessando seu estômago, brilhante e quente.
Marido.
Sebastian.
Sim. Oh, sim.
Céus. Tudo dentro dela se contraiu em tornos das palavras. Marido. Sebastian. Tão brilhante e... certo.
— Augusta. Eu deveria... levá-la para casa.
Ela balançou a cabeça. Beijou seu peito loucamente, repetidas vezes. O pelo dele coçava seu nariz. O cheiro e o calor a fazia querer mais.
— Ah, Deus. Amor, deve parar.
— Por quê?
Um braço forte ancorou nas suas costas e forçou seus quadris e ventre a encostarem nos dele.
— Sente isso?
O coração dela chutou e bateu mais forte. Bons céus.
— Oh.
— Aye.
— Talvez pudéssemos...
— Não.
Com relutância, ela retirou os braços e os deslizou entre ele e a penteadeira.
— Muito bem. — Ela suspirou, os dedos trilhando o rígido abdômen enquanto se afastava.
A resposta dele foi grunhir e apertar uma mão na mesa da penteadeira como se precisasse tomar ar.
Ela fungou e foi até o sofá, usando a cravat dele para esfregar em seu rosto. Pelo menos, ela fingia fazer isso. Na realidade, ela aspirava o cheiro dele. Como uma pateta... apaixonada. Sua boca ficou seca. Seu coração pulou, parou e depois voltou ao compasso.
Amor. Sebastian. Marido. Sim. Céus, sim.
Ela precisava pensar. Contemplar como ela faria para ele entrar neste tipo de acordo. Certamente tinha um jeito. Mais beijos, talvez.
Mais tarde, ela decidiu. Haviam muitos pensamentos fervilhando e girando. Por enquanto, precisava de uma distração. Ela pegou as peças de roupa dele, colocando-as ordenadamente sobre o braço e as oferecendo ao gigante carrancudo que ela... amava. Sim. O amor era exatamente isso. Talvez adorado. Desejado, com certeza.
Ele puxou a camisa sem dizer uma palavra.
— Leve-me para casa então. — Ela disse tentando parecer indiferente.
A próxima foi sua cravat, amarrada sem cuidado. Ela estendeu a mão para ajudá-lo, mas ele a afastou e pegou o colete.
— Prometa-me que encomendará uma carruagem mais alta, Sebastian. Aquela que possui não é confortável para você.
Quando ele vestiu o seu fraque, puxando-o para colocar no lugar por seus ombros maciços, ele lhe lançou um olhar quente.
— Não estou confortável desde o dia em que a conheci, Augusta Widmore. Uma irritação certa, isso é o que é.
Desta vez, quando ele falou aquilo, ela não se ofendeu. Ela corou. E sorriu, lentamente e sem fôlego. Então começou a formular um plano.
Um plano para reivindicar Sebastian Reaver para si e lhe dar uma vida muito confortável, de fato.
CAPÍTULO 14
“Como não obtive as respostas das minhas quatro últimas cartas, presumo que necessite de uma intervenção maior do que as correspondências permitem. Devo acompanhar Lorde e Lady Rutherford a Londres, embora me doa só de pensar. Espero que a viagem tediosa e inconveniente seja compensada por presentes de iguais proporções. As entregas podem ser feitas na causa da Park Lane.”
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta informando ao referido cavalheiro de sua iminente (e generosa) visita.
Parada no meio do novo escritório de Sebastian, Augusta deslizou os dedos pela vasta extensão de carvalho e sorriu. Ele amaria. Polida, opulenta e robusta, a mesa estava ancorada no centro da sala. Embaixo dela, um tapete azul ciano aquecendo o piso de madeira e copiando as cortinas da janela. Atrás dela, uma cadeira de carvalho esculpida, acolchoada e de encosto alto com rodízios que deslizavam facilmente até mesmo sob o peso de um gigante.
Ela imaginou Sebastian lá, seus óculos redondos engraçados sobre o nariz, a caneta arranhando as contas. Ela lhe traria café e discutiria os planos de expansão do Número Cinco. Então, ela zombaria dele, o beijaria e deslizaria sobre ele...
Ela suspirou cobrindo as bochechas.
Ele amaria aquela sala. Ela se asseguraria disso.
Como assegurar que ele lhe amasse, por outro lado, permanecia um mistério. Ela ruminou o assunto por dois dias e, além de uma declaração contundente ou uma chantagem direta, um plano ainda não havia se materializado.
Seduzir um homem estava além de seus talentos. Era terrível no flerte, era muito mais apta a assustar o potencial marido do que atrai-lo em suas redes. Não Sebastian, é claro. Ele era muito autoritário para ser intimidado por sua força de vontade. Essa era uma das razões para amá-lo. Havia muitos outros.
Sua ternura. Sua solidez. O abrigo quente de seus braços e a voz estrondosa. A forma como ele a chamava de ‘irritante’ quando queria dizer algo totalmente diferente.
Tantos motivos e apenas uma conclusão: ela deveria convencê-lo a se casar com ela. Mas como? O homem passava todo o tempo trabalhando na expansão. Atendendo aos desejos deles, ela ficara afastada. Isso lhe dera a chance de colocar o escritório e a biblioteca em ordem, mas, apesar de tudo, ela sentia saudade dele.
Uma batida baixa soou na porta do escritório.
— Srta. Widmore? — Anne perguntou. — Outra entrega chegou. Esta veio da Sra. Bowman.
Augusta sorriu e desamassou sua saia xadrez desbotada. Este deveria ser o último dia que ela usaria o velho vestido. Ele lhe serviu bem, mas deveria ter sido rasgado e virado trapos há muito tempo.
Ela seguiu Anne até o vestíbulo enquanto os lacaios recebiam caixas e caixas dos entregadores e Teedle, o mordomo de olhos gentis e cabelos brancos, organizava o lote.
— Você deve depositá-las na minha sala de vestir. Obrigada, Teedle. — Ela orientou, encantada com a enorme quantidade de caixas. Não recordava de tantos vestidos e luvas.
Mas, então, ela estivera distraída. Sebastian a observara como um grande urso faminto observando um coelho gorducho e suculento. Quando ela lembrava dos olhos, queria derreter. Simplesmente derreter por causa dele.
Os entregadores da Bowman partiram, mas outra carruagem lotada de móveis chegou do Sr. Beauchamp. Enquanto ela direcionava o lugar de duas largas poltronas e várias mesas para a biblioteca, riscou vários itens de sua lista. A satisfação a preencheu. Uma entrega de livros da Lackington, Allen and Company e de uma variedade de vasos da loja Wedgwood and Byerley’s eram os itens que faltavam.
Ela apoiou a lista sobre a mesa da entrada e começou a ir em direção às escadas. Exatamente neste ponto, soou outra batida. Sabendo que provavelmente era outra entrega e que Teedle estava ocupado, ela escolheu atendê-la.
Mas quando abriu a porta, não encontrou entregadores da Wedgwood and Byerley. Ela encontrou o mais estranho trio que já vira.
Na frente uma mulher pequena de cabelos escuros usando um bonnet azul-escuro com pequenas penas brancas. A não ser por uma pequena cicatriz perto do canto de um olho — metade do par de um impossível e adorável azul índigo — sua pele era tão cremosa e lisa quando a mais fina cerâmica. Augusta piscou várias vezes para ter certeza de que ela era real. A mulher sorriu largamente e sua beleza só aumentava. Brilhava como a luz das estrelas. Ela era quase como a criatura mais resplandecente que se podia imaginar.
Atrás dela, um degrau abaixo e ainda assim mais alto, estava um homem. Augusta vira tal altura e largura apenas uma vez: Sebastian Reaver. De fato, este homem, com sua mandíbula dura e quadrada, sobrancelhas baixas e um permanente vinco entre as sobrancelhas se assemelhava a Sebastian de um grau impressionante. Exceto pela coloração, cabelos loiros escuros e olhos verdes em vez de pretos, este homem e Sebastian poderiam ser irmãos.
Por último uma mulher de cabelos brancos perto dos setenta anos. Ela tinha constituição pequena, um nariz triangular e uma expressão autoritária. Usava um bonnet roxo de veludo com uma longa pluma de pavão balançando levemente na brisa.
— Para uma criada, querida, você é terrivelmente rude. — A idosa fungou e olhou para o vestido de Augusta, erguendo uma sobrancelha branca aos seus acompanhantes. — Talvez seja muda. Enquanto uma criada muda pode provar ser um alívio em relação a conversa incessante, nenhum criado deveria ignorar a cortesia básica. — A mulher repreendeu e endereçou-se a Augusta em uma voz de trombeta. — Convide-nos a entrar, garota. Sou muito velha para ser abraçada pelos ventos de novembro. Ou ao encanto de criadas ineptas.
Augusta pigarreou e olhando para a idosa e para o cavalheiro, sentindo outra onda de familiaridade. Finalmente ela se virou para a requintada criatura de bonnet azul-escuro. Ela parecia amigável.
— Peço-lhe perdão, mas se estão aqui para ver o Sr. Reaver, receio que ele não esteja em casa.
— Oh, nós sabemos. — A jovem lhe garantiu. — Nós estamos aqui para ver a Srta. Widmore.
O coração de Augusta palpitou e afundou. A ela? Por que eles desejariam vê-la?
— Eu... Eu não tenho certeza...
— Bons céus, menina! — A idosa espetou. — Meus ossos estão tão gelados quanto os casamentos de Prinny. Mostre-nos uma sala com uma lareira grande e um bule maior ainda de chá. Depois informe a Srta. Widmore que ela tem visitas. — A pluma balançou enquanto sinalizava seus acompanhantes. — Lorde Tannenbrook, Lady Tannenbrook e Lady Wallingham. — Ela fulminou Augusta com seus olhos verdes. — Não deveria ter que instruir os criados de outro homem em suas tarefas. Os do meu filho já são mais do que suficientes.
Embora Augusta tenha sentido o sangue drenar-se de sua pele, uma vida inteira de treinamento e uma vida inteira da dignidade dos Widmores a mantinham em boa posição.
— Desculpe minha grosseria, Lady Wallingham. Lorde Tannenbrook. Lady Tannenbrook. Entrem. Os levarei à sala de estar imediatamente.
— E traga a Srta. Widmore. — A idosa resmungou. — Já está na hora de conhecer essa alpinista social que acha que...
— Basta, Lady Wallingham. — A profunda voz de Lorde Tannenbrook assustou Augusta até o fundo de seu ser. Recorde-se de nosso acordo.
Sua voz. Era a voz de Sebastian. Ou tão parecida quanto poderia ser...
Não. Não podia ser. Tannenbrook era um lorde. E Sebastian era um comerciante.
Talvez Sebastian fosse ilegítimo. Sim, pensou aliviada. Deveria ser. Era a única explicação. Meio-irmão de Tannenbrook ou algo assim. Aquela seria a explicação para a semelhança entre eles. Ela sentiu um nó de pânico diminuir. Ninguém relutaria se um bastardo tivesse uma solteirona em desgraça como esposa.
Entretanto, alguma coisa fez cócegas no fundo de sua mente. Ela franziu o cenho, perguntando-se o que era. O título deles. Tannenbrook. Wallingham.
Lady Tannenbrook pigarreou delicadamente.
— Fui dada a entender que a Srta. Widmore estava... na residência.
Augusta estacou. Ela estava vivendo na casa de Sebastian sem o benefício de um casamento ou uma acompanhante. Até agora, sua reputação estivera protegida por sua obscuridade e pelo fato de Londres estar esvaziada de aristocratas nesta época do ano. Acrescentava a isso que Sebastian ordenara a sua equipe, tanto do clube, quanto da casa, para manter discrição ou o risco de demissão imediata.
Oh, Deus. Augusta se descuidara. Tornara-se complacente. Os três aristocratas esperavam impacientemente que lhes fosse mostrada a sala de estar, assim poderiam conversar com a Srta. Widmore, que estava ‘na residência’, obviamente possuindo informações e interesse o bastante para fazer uma visita.
Eles não tinham, entretanto, suspeitado que ela era a Srta. Widmore. Pensavam que ela era uma criada. Talvez se ela continuasse fingindo e dissesse que a Srta. Widmore tinha acabado de sair quando eles...
— Ah! Srta. Widmore. Aí está. — Disse Anne enquanto descia as escadas. — Teedle está se perguntando se prefere que as caixas da Sra. Bowman sejam desempacotadas pelas criadas ou se prefere revisá-las em sua sala de vestir antes.
O peso da vergonha, fria e sufocadora, atingiu Augusta até ela se perguntar se deveria enraizar-se naquele ponto perto da escada como erva daninha sobre uma rocha. Seus olhos se fecharam.
— Você? — Veio a doce voz de Lady Tannenbrook. — Você é a Srta. Widmore? Oh, por que não nos disse?
— Hummph. Por que será? — Uma vez de trompete respondeu, seguido de uma fungada. — Sra. Bowman. Uma escolha bastante cara. Os seus talentos devem ser lendários, minha querida.
Então veio uma voz retumbante, baixa, calma e ameaçadora.
— Mais uma vez. Apenas faça isso de novo, Dragão, e eu a levarei de volta para Northumberland pessoalmente.
— Não seja estúpido, menino. Homens mais poderosos do que você têm tentado me intimidar e descobriram suas tolices muito tarde.
— Aye. Poderosos. Mas nenhum com a minha experiência em quebrar dragões de pedra até virarem pó. — Ele respondeu. — Agora, mantenha sua língua civilizada ou nós partiremos. Entendeu?
Enquanto eles discutiam, a cabeça de Augusta dava voltas. Como salvar o orgulho de alguém de ser completamente destruído? Resposta: não tinha como. A pessoa ataria as feridas da melhor forma possível, depois vestiria a sua armadura e faria o que deveria ser feito.
Ela abriu os olhos. Apertou as luvas com força. E olhou o trio que possuía títulos.
— Desculpem-me pela omissão. Sim, sou a Srta. Augusta Widmore. — Ela gesticulou em direção às escadas, onde Anne congelara no meio do caminho. — A sala de estar é por aqui, Sra. Higgins, se fizer a bondade de nos levar chá, seria adorável.
Quinze minutos depois, Augusta se viu sentada ao lado de Lady Tannenbrook, que parecia estranhamente feliz por estar em sua presença, o que confundia muito Augusta.
— Hampshire! Oh, ouvi que é um lugar esplêndido. Sereno e com boa temperatura. Você possui um chalé lá?
Augusta bebeu seu chá, olhando o infame dragão por cima da borda.
— De fato, eu tenho.
— Widmore. — A idosa interrompeu. — Um nome muito antigo. Uma linhagem muito distinta.
Augusta inclinou a cabeça. Olhos verdes afiados se estreitaram.
— Você é filha de Sir Edmundo, vejo. A moça mais velha.
Seu coração agitou-se ao ouvir o nome dele, sabendo quanta vergonha ela trouxera sobre ele. Calmamente, ela colocou a xícara da Wedgwood no pires.
— Você conheceu meu pai?
— Uma vez. Um bom homem. Melhor que a maioria.
Augusta engoliu em seco.
— Sim.
— De melhor categoria que o seu tio, querida moça.
Erguendo seu queixo, Augusta ergueu a sua imperiosa sobrancelha.
— Sim. Ele era.
Aqueles olhos assumiram um brilho pensativo.
— O que você acha que ele pensaria do Sr. Reaver?
Tudo dentro dela se apertou. Comprimiu a necessidade de revidar.
— Eu não posso imaginar.
— Não? Eu posso. Suspeito que seu pai não teria permitido que você se aproximasse alguns quilômetros do dono de um inferno de jogos, um bruto grosseiro que lida com um negócio que envolve sangue nos punhos. Mas então, suspeito que você não estaria aqui se seu pai estivesse vivo.
Por três segundos ela conseguiu segurar sua raiva. Sua vergonha era apenas dela e ela engoliria aquilo. Mas ela não permitiria que Sebastian fosse insultado.
— Está correta, minha dama. — Ela espetou. — Meu pai não teria aprovado o Sr. Reaver, nem aprovaria as minhas circunstâncias atuais. Mas, como vê, ele não está aqui. O título pertence ao meu tio, que, como você descreveu muito bem, vamos dizer, falta certos fundamentos de virtude. — Ela inclinou-se para frente para colocar o seu chá sobre a mesa. — Quanto ao caráter do Sr. Reaver, está errada.
— Errada? — Seu tom sugeria que Augusta a acusara de ser um sapo. — Uma acusação inédita. Diga-me, minha querida. Isso deve ser divertido.
— Sebastian Reaver é o melhor homem que já conheci. Apesar de sua origem humilde, ser comerciante e, sim, ser um pouco grosseiro.
— Evidentemente, você o conhece bastante.
— Não existe homem melhor. Se você o conhecesse afinal, concordaria. Talvez esteja muito acostumada a fracotes que se curvam, sorriem afetados e espartilham seus estômagos gordos até menearem como gansos pomposos.
— Oh, céus. — Lady Tannenbrook falou entre os dentes.
Augusta não lhe deu atenção. Ela estava fervendo e endireitou a cabeça. Como aquele dragão de alta classe e imperioso ousava vir a casa de Sebastian para insultá-lo?
— Talvez aprecie a bajulação e as calças justas acolchoadas. — Prosseguiu. — Quanto a mim, minha querida senhora, ficarei com o meu gigante grosseiro. E suspeito, um dia, quando todos elegantes cavalheiros se revelarem pelas criaturas flácidas, inúteis e vãs que são terá inveja de não ter feito o mesmo.
— Oh, Srta. Widmore. — Lady Tannenbrook suspirou, dando uma pequena fungada. — Acho que vou adorá-la.
Augusta tinha problemas em entender a jovem condessa. Era excêntrica? Parecia sã, a não ser pelo sorriso radiante e da declaração afetuosa após a desfeita de Augusta. Com todo direito, a pequena beleza deveria estar ofegando de choque e repulsa.
Na verdade, Augusta notou enquanto olhava para os outros dois que nenhum deles parecia chocado ou com repulsa. Lorde Tannenbrook parecia sorrir satisfeito.
— Excelente chá, minha querida. — A idosa falou satisfeita. — Eu descobri que um bom chá requer uma mão firme. Do contrário, alguém poderia achar muito flácido para seu paladar. Não concorda?
Horas depois, Augusta ainda não entendia o comportamento deles. Lady Tannenbrook lhe abraçou três vezes antes de partir. Lorde Tannenbrook garantiu-lhe que seu Sebastian era ‘tudo o que descreveu, Srta. Widmore’ e depois sugeriu ‘encoraje-o a visitar Derbyshire. Acho que ambos acharão agradável.’
Augusta piscou e franziu o cenho, mas não tinha tempo para decifrar sua estranha mensagem antes que Lady Wallingham. declarasse:
— Se estiver na cidade durante a temporada, querida moça, deverá ir a um de meus almoços. — Ela bateu no ombro de Augusta e lhe lançou um olhar de alegria antecipada. — Lady Colchester poderá precisar de um médico depois. — A mulher riu e partiu.
Toda visita foi desconcertante. Primeiro, ela ainda não sabia como Sebastian era conectado com Lorde Tannenbrook. Ela tinha suas suspeitas, claro, mas o trio não se incomodou em oferecer detalhes e ela estava muito agitada para pressionar por elas.
Após a explosão de Augusta e a estranha reação deles a isso, a conversa voltou-se a discussão sobre Shankwood — evidentemente, a sede de Tannenbrook — e as divertidas histórias de Lady Tannenbrook sobre um par de idosas conhecidas como irmãs Starling. Lady Wallingham dominara o restante da hora com descrições sobre seu novo neto, que eles chamavam de Bain, mas cujo nome verdadeiro era Charles Rupert Elliott Bainbridge III, juntamente com o título de cortesia de Lorde Steadwick. Oh, e a criança era surpreendentemente esperta, já que escolhera um nome para chamar a avó: Bam. Foi sua primeira palavra, naturalmente. Eles eram bem próximos.
Augusta tivera debates genuínos consigo sobre se saía da sala e deixava o trio titulado com o chá e a insanidade causando mais danos a sua já arruinada reputação. No fim, o treinamento de sua mão vencera.
Mas agora, enquanto estava sentada na nova cadeira do escritório de Sebastian e deslizava a mão sobre o carvalho da mesa, o silêncio caiu sobre ela. Apoiou a testa sobre os braços cruzados e suspirou. Duas verdades se repetiam em sua mente.
Ela amava Sebastian.
E quaisquer esperanças que tinha de honrar o nome de seu pai se fora.
Suas preocupações sobre ser descoberta como a lavadeira da vila era risíveis agora. Estava arruinada. Verdadeira e inexoravelmente.
Ela venderia seu chalé. Não poderia voltar a Upton Downs e encarar seus vizinhos zombando da arrogante Augusta Widmore, que virara amante de um londrino. Uma mulher caída.
O problema era, ela não caíra. Riu, o som triste ecoou no círculo de seus braços e madeira. Sebastian era muito honrado para deflorá-la, ou, pelo menos, ela imaginava. Ele evitava a sua companhia e, presumia, a tentação.
O que trazia de volta à sua primeira verdade. Ela virou a cabeça e apoiou a bochecha sobre a mão. O amava. Queria ser sua esposa. O nome Widmore importaria para ele, sólido como era? Não. Não para um homem que desdenhava de títulos e privilégios herdados.
Ironicamente passara anos perseguindo um título, para Phoebe. Ela planejara tudo, desde os vestidos de sua irmã, as lições de pianoforte até a lista de festas que elas poderiam frequentar, tudo com um único propósito. Quando Glassington se aproximou, Augusta se alegrou. Finalmente o futuro de Phoebe estava garantido.
Ela fora uma tola. Uma maldita tola.
Seu foco por semanas havia sido reparar o engano de Phoebe. E agora, deveria reparar o próprio erro, pois ela danificara o nome Widmore e deixou as coisas com Glassington ainda mais difíceis.
Novamente ela pensou em Sebastian.
Se Augusta se casasse com ele, não precisaria mais ser uma Widmore. Em vez disso, seria a Sra. Reaver.
Ela sorriu. Sra. Reaver. Casada com um rufião de baixa classe cujo toque a fazia arrepiar-se e suspirar. Cujos olhares a fazia queimar.
Sim, seu orgulho a levar a uma poderosa surra hoje. Mas a resposta para sua grande questão permanecia a mesa: como reivindicar Sebastian Reaver.
Agora, se apenas ela pudesse persuadi-lo a reivindicá-la como sua também.
*~*~*
Reaver chegou tarde à sua casa, exausto por trabalhar na expansão. Precisava de um banho. Barbear-se. Trocar de roupas.
Ainda assim, uma tensão sutil pulsava sob sua pele, tudo por causa de uma mulher. Ele queria vê-la novamente. Planejara um passeio para o dia seguinte. Ele estava inclinado a seguir o conselho de Frelling, ninguém poderia dizer que funcionaria, mas ele tinha que tentar.
Ele tinha que persuadi-la a ser dele.
Enquanto entregava o seu chapéu ao mordomo e solicitava um banho e uma bandeja de comida para a Grande Annie — que agora deveria ser chamada de Sra. Higgins — ele reviu seus planos. Ele incorporara pedaços dos vários conselhos que recebera.
Primeiro, ele a levaria para uma cavalgada no Hyde Park pela manhã, então se dirigiriam ao Gunter’s, onde tomariam chá. Em seguida, a levaria ao museu para ver os mármores. Finalmente, após voltar para casa, a deixaria trocar de roupa e usar um daqueles vestidos que o fazia perder o raciocínio e a levaria a uma peça.
Ao entrar no seu quarto, suspirou e alongou suas costas, sentindo a dor de um longo dia. Ele tirou seu casaco, jogando-o na cama. Seguiu-se seu colete e a cravat. Enquanto a pilha crescia, ele sorria, recordando a reação de Augusta quando ele aceitara seus termos de redenção.
Os olhos dela ficara escuros e suaves, os lábios separados, bochechas coradas. Fora uma visão e ele fora espontaneamente cativado.
Então, ela lhe mostrara as mãos. Vermelhas e secas. Calosas e ásperas ao longo das palmas e pontas dos dedos. Deus, ele quis apertar a garganta de alguém. Do tio dela. Da cadela da esposa. Mas tudo o que pôde fazer foi abraçar Augusta, ou Gus, como o pai a chamava. Gostara do nome. Sólido. Forte. Ele também gostava do nome dela completo, longo e exuberante, sugerindo o calor abafado do final de verão.
Augusta era tudo isso e mais. Ele não conseguia mais esperar. Amanhã, ele a cortejaria. Na próxima noite ele a retiraria dos domínios de Glassington. Após ouvir como lutara para criar e proteger a irmã, testemunhar a vergonha ao confessar que lavava roupas, de todas as coisas, ele suspeitava que o título do homem era, de fato, o preço que ela buscava. Apenas o orgulho a levara àquele fim. Augusta tinha orgulho em abundância.
Carregou sua pilha de roupa até a sala de vestir, pretendendo barbear-se ante de tomar banho. Então ele ouviu a voz de Augusta através da porta adjacente. Ela ria. Disse alguma coisa severa.
Ele franziu a testa. Voltou a vestir sua camisa. Aproximou-se da porta.
Agora a voz dela era suave e com afeição.
Maldito inferno sangrento!
Quem estava no quarto de Augusta? Não podia ser Glassington. Poderia? A propriedade do homem era em Surrey, muito longe de Londres. Levava algumas horas de cavalgada. Menos para um homem determinado e lascivo.
Ele bateu à porta, sacudindo a madeira até as dobradiças.
— Augusta!
Ela gritou.
— Sebastian? — Um longo silêncio. — O-O que está fazendo em casa?
Sussurros. Farfalhar. Trocando o peso dos pés.
— Pensei que fosse ficar no clube. — Mais farfalhar. — Você perdeu o jantar.
Mais sussurros.
Era isso. Ele não pensou. Ele girou a maçaneta e invadiu o quarto.
Ela estava ao pé da cama em um robe branco.
E seu cabelo estava... solto. Tão malditamente bonito, como vinho, seda e fogo combinados.
— Sebastian! Deveria ter esperado um convite. — Suas bochechas estavam coradas, suas mãos descobertas apertadas segurando um xale sobre o colo. E seus olhos estavam frenéticos.
— Onde ele está? — Ele rosnou, seguindo em frente, procurando primeiro em sua sala de vestir-se, depois no dormitório. — Diga-me Augusta.
— Eu não sei o que quer dizer. Não há ninguém aqui, exceto eu, é claro. Talvez esteja ouvindo os pássaros da chaminé. Alguns podem ter ficado, apesar dos nossos melhores esforços.
Ele foi até a cama. Ela parou em frente a ele, queixo erguido. Ele segurou sua cintura, levantou-a e a pôs de lado, ignorando seu grito. Agachando-se, examinou o espaço embaixo da cama. Nada além de sombras e pó.
Novamente de pé, ele rondou de canto a canto até que algo lhe atraiu a atenção: a longa cadeira aos pés da cama. Aquela enrolada no fim. A que ele comprara para ela porque ela a amara e deixara para trás. Ali, de veludo azul, havia um travesseiro amassado e um lençol de lã descartado.
Havia apenas uma razão para aquilo, uma vez que ela tinha uma cama perfeitamente confortável para deitar-se. Alguém mais dormia ali.
Maldito inferno sangrento. Ele fora um tolo? Passara suas noites no clube para se proteger da luxúria, pressionando-se demais. Ela esteve escondendo Glassington em seu quarto? Pelo canto dos olhos percebeu uma ondulação atrás das cortinas.
Ele caminhou até ali, a fúria vermelha inundando as suas veias. Mãos pequenas e calosas agarraram seu braço. Os pés dela deslizaram quando ele não parou. Ela pulou à sua frente, as mãos apertando seu peito enquanto ela se movia para trás.
— Sebastian. — Ofegou. — Seja racional, agora.
Novamente, ele a levantou e a pôs de lado. Então, afastou as cortinas.
E franziu a resta. Olhou para baixo. Muito mais para baixo do que ele esperou.
Um grunhido infantil soou momentos antes de um menino frágil de olhos escuros golpear seu tornozelo, chutar suas botas e começar a esmurrar seu quadril.
— Maldito inferno, Gus. Por que está escondendo um garoto feroz em seu quarto?
Os golpes não eram nada, já que ele era nada além de pele, osso e lutas. Mas quando ele afundou seus pequenos dentes ferozes nas coxas de Reaver, não teve escolha. Ele agarrou os braços frágeis e o ergueu, suportando chute após chute antes de sacudir o briguento como um filhote selvagem e sentá-lo firmemente na cadeira.
— Fique. — Ele ordenou, usando o seu tamanho e sua voz para assegurar obediência.
Augusta moveu-se entre eles, uma mão na cabeça do menino e outra no peito de Reaver.
— Ele não me machucará. — Ela disse.
Reaver franziu a testa.
— Não pensei que faria. O garoto é tão grande quanto um...
— Estou falando com Ash.
Ele olhou para o menino que lhe atirava lanças com os olhos de cílios grossos.
— Ash. Este é o seu nome, menino?
— ‘Pr’ocê’, meu nome é morte, Reaver. Se machucar a Srta. Widmore, ‘arrancu seus oios, nun duvide’.
As sobrancelhas de Reaver subiram junto com a estima pelo garoto. Feroz e fiel. Assim como ele.
— Quem é ele, Gus?
Ela suspirou.
— Um batedor de carteiras. Eu o contratei para distrair o Sr. Duff. Não deve se zangar com ele, Sebastian. Eu o trouxe aqui.
Não estava zangado. Longe disso. Estava exaltado. Se tivesse encontrado Glassington no quarto em vez dele, Augusta nunca mais o perdoaria por espalhar o sangue do homem.
— Por que aqui? — Ele perguntou.
A mão dela caiu, mas seu olhar continuou fixo no dele.
— Ash, gostaria de uma xícara de chá. Desça e peça à Sra. Higgins. Uma xícara. Você deve trazê-la.
— Num saio até...
— Vá. — Falou com firmeza, acariciando o cabelo do garoto. — Ou insistirei que se banhe diariamente e não mais semanalmente.
O garoto fumegou por um instante, lançando adagas ao olhar para Reaver.
— Aye. Eu buscarei o seu chá. — Ele pulou da cadeira e disparou para a porta, ombros para trás, braços esticados ao lado do corpo. Antes de sair, virou-se e apontou na direção de Reaver. — É bom a Srta. Widmore ‘tá rindo quando voltá’, Reaver. Rápido ‘cum’a lâmina’, eu sou. — Seus olhos foram para a virilha de Reaver. — Alcance fácil, isso.
— Oh, céus. Ash! Vá.
Ele foi batendo a porta para enfatizar.
Reaver riu.
— Onde diabos o encontrou?
Ela suspirou.
— Cheapside. Perto do nosso alojamento. Eu o peguei levando a bolsa da Sra. Renley.
— Então, você o trouxe aqui.
—Para trabalhar. Ele é um garoto bom, Sebastian. Simplesmente precisa de um emprego legítimo.
— Aqui.
Os olhos brilharam mostrando seu temperamento.
— Sim. Aqui. O que mais poderia fazer? Não poderia deixá-lo para ser... — Ela engoliu o restante.
O que o fez ficar curioso.
— Para ser o quê?
— Golpeado.
— Maldito inferno.
Ela flexionou seu delicado queixo.
— Sim, bem. É por isso que não deve mandá-lo embora.
Ele passou a mão pelo cabelo.
— Não tenho tal intenção. — Franzindo a testa, ele recordou o seu comportamento estranho ao ver sua casa pela primeira vez. — Você orquestrou tudo pelo garoto, não foi? Sua objeção pela casa vazia. Sua insistência em contratar uma equipe completa. Sua afirmação ridícula sobre pássaros em minhas chaminés.
Ela piscou e ergueu uma sobrancelha.
— Não seja tolo. Sempre foi sobre você. Um homem precisa de uma casa própria mobiliada adequadamente. — Ela fungou. — Talvez minhas observações sobre os pássaros tenham sido um exagero frívolo e, sim, foram para garantir que o menino encontrasse um lugar aqui.
Ele bufou.
— Frívolo. Nunca houve nenhum maldito pássaro.
— Quis lhe dar algo por todos os problemas que lhe causei. Um lugar confortável. Um santuário. Quando eu for embora, quero que sinta que a sua vida melhorou por ter me ajudado.
Seus ossos apertaram seu coração. Ele não sabia o que dizer. Acreditava nela, claro. Era inteiramente da natureza de Augusta procurar balancear as coisas. Mas o matava ouvi-la dizer ‘quando eu for embora’. Ela não poderia ir. Ele não a assistiria partir.
Particularmente para casar-se com Glassington. Ou qualquer outro homem.
Ela levou as mãos aos quadris.
— Eu não mereço sua rabugice, Sebastian Reaver. Se eu não tivesse invadido o seu escritório, você estaria entediado e sem sentido de vida. Admita.
Ele se aproximou.
— Oh, eu admito.
— Sim, bem. É a verdade.
— Aye.
— E... E sua casa ficou muito mais confortável do que era antes.
— Menos vazia, hein? Você fez um ótimo trabalho, Augusta Widmore. — Ele brincou com as mechas caídas sobre os ombros, gentilmente enrolando-as entre seus dedos.
Os olhos dela se suavizaram e escureceram, a garganta ondulou ao engolir um nó.
—Obrigada.
O beijo aconteceu tão rápido que ele não tinha certeza sobre quem se moveu antes. Um momento suas bocas estavam separadas. No seguinte, estavam fundidas. Envolvidas com uma fome desesperada. A língua dele testava a dela. Os braços a puxaram contra ele. As mãos apertaram um seio com mamilos duros, sua palma movimentando-se até ela gemer.
Então, ele sentiu o desejo dela. Pequenas mãos alcançaram e puxaram seus cabelos. Uma longa coxa se levantou ao longo da dele. Lábios suaves devoravam os dele. Ela tocou seu queixo. Ele levou os lábios à garganta dela. Os dedos seguraram os mamilos através do tecido suave e fino como papel.
Ele apertou. Ela lamuriou. Ofegou. Forçou-se contra a coxa dele.
Maldito inferno, ele se aliviaria apenas com o som.
O barulho de uma xícara ecoou no corredor. Em seguida um som alto e um assobio que enfatizava os passos.
— ‘Siôr, este chá tá mi queimano.’ — O menino exclamou. Alguns segundos passaram antes da maçaneta girar e a porta abrir.
Naquele momento, Reaver soltou Augusta, tocou seu rosto e acariciou seus lábios inchados com o polegar antes de rumar a sua sala de vestir. Atrás ele, ouviu Ash colocar a xícara na mesa com um ruído estridente.
— Ash. — Augusta falou, sua voz sem fôlego. — Por acaso você viu... ?
— Num vi nada.
O garoto garantiu e pareceu satisfazê-la. Até ele elaborar melhor.
— ‘Ocê continuar beijano Reaver assim, num intanto, mió fazê ele casá cum ôce, isso é tudo qui falu’.
Reaver riu enquanto fechava a porta adjacente.
Aye. Estava começando a gostar do garoto cada vez mais.
CAPÍTULO 15
“Ao cortejar, o apetite deve ser mensurado e contido para não parecer um glutão. Coincidentemente, tal restrição frequentemente serve para estimular os apetites de um homem para o matrimônio.”
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta contendo observações sobre os benefícios da moderação.
A incursão de Phoebe à cozinha do Monsieur Leclerc à meia-noite foi descoberta assim que ela enfiava um pão de manteiga com mel e pimenta na boca. Ela fechou os olhos de satisfação enquanto a combinação de doce e ardido explodia seu paladar.
— Diabos, Phoebe.
Os olhos dela se abriram. A luz da lamparina piscou e balançou.
— O que está comendo?
Ela se esforçou para mastigar o pedaço grande que mordera e o engolir respondendo a Adam com um sorriso tímido.
— Um pão?
Ele avançou e colocou a lamparina na mesa. Gentilmente ele esticou a mão e limpou uma gota de mel de seu queixo. Então, ele fez uma coisa estranha: lambeu o mel de seu dedo.
A visão inundou seu corpo de calor. Um calor não autorizado, indesejado e altamente inoportuno.
— Humm. Mel e... Pimenta?
Ela engoliu.
— Gosto da sobreposição.
Ele olhou ao redor da sala escura.
— E está é a sua quarta xícara de chocolate.
— Também gosto de chocolate.
Ele suspirou. Riu. Lançou-lhe um olhar inebriante através daqueles olhos dourados.
— Sim, você gosta.
— O Dr. Young insiste que eu devo satisfazer todos os meus desejos.
— Ele insiste, de verdade?
Adam se aproximara? Ela achava que sim. Podia sentir seu cheiro árido, uma cominação de goma e mais alguma coisa. Seco e limpo, talvez limão. Seu nariz estava particularmente sensível ultimamente. Alguns aromas faziam seu estômago se revirar. Outros lhe davam água na boca.
Certamente, apenas ver Adam Shaw fazia sua boca se encher d’água. Ela o desejava mais do que mel, pimenta e manteiga. Mais do que chocolate quente e fumegante. Mais do que qualquer coisa.
E ela nunca poderia tê-lo. Porque deveria se casar com Glassington, que tinha que ser chantageado para aceitá-la como esposa. A tristeza a matava.
Ela desviou do olhar sedutor e dourado de Adam e começou a arrumar a bagunça.
— O que o traz a cozinha a essa hora? — Ela perguntou simplesmente para dizer algo.
— Informação de ingredientes roubados. Monsieur Leclerc me pediu para cuidar do assunto.
— Roubados?
— Quantidade de mel faltando. Pão. Pimenta. — Ela o sentiu se aproximar de suas costas. Apoiar as mãos na mesa ao seu lado, envolvendo-a em gome e limão. Ou talvez sálvia. — Principalmente chocolate.
Seu fôlego atingiu sua bochecha. Ela fechou os olhos, desejando afundar-se em seus braços.
— Gosto muito dessas coisas.
— Humm. — O ar acariciou sua orelha. — Já considerou pedir um pote antes que a equipe vá dormir?
— Um pote inteiro? Isso seria desperdício.
— Não quero vê-la andando pelo clube à noite, Phoebe. Nem todos os homens são cavalheiros.
Ela umedeceu os lábios.
— Fui cuidadosa.
— Não foi cuidadosa o bastante. Eu a vi no corredor do segundo andar.
— Apenas porque estava espreitando.
Os lábios dele acariciaram sua orelha, atingindo-a com sua respiração quente e úmida.
— Sim. Não consigo me conter.
Ela sentia o mesmo. Tudo isso era errado.
E ao mesmo tempo certo.
— Phoebe. — Ele sussurrou, suas mãos movendo-se para sua cintura.
Era demais. Muita tentação e tortura, estar com ele assim. Ela se afastou. Deu a volta na mesa e respirou até ficar mais rápido suportar.
Depois de um longo silêncio, ele falou, sua voz gelada.
— Diga-me, se eu fosse Lorde Glassington e pusesse as minhas mãos em você, teria se afastado?
Seus olhos voaram para ele, a sala estava distorcida por causa da luz do fogo que piscava e desaparecia. Ela apoiou uma mão na mesa e a outra sobre seu ventre. Ela se perguntava se estava prestes a vomitar. A bile subia.
— O-O que Glassington tem a ver com tudo isso? — Sua voz um fio desgastado.
— Diga-me você. Tudo o que sei é que vê-lo com outra mulher a deixou da mesma cor que está agora. Mais branca que leite.
Ela não era capaz de responder. Em vez disso, ela apertou as dobras de sua roupa sobre seu ventre.
— Por que isso, Phoebe? O que ele é para você?
Por dentro, algo a devorava. Corroendo a última parte da moça que sempre fora. Boa. Obediente. Generosa.
O tipo de moça que se enganou com a frivolidade de Glassington, com suas declarações charmosas e ferventes de votos solenes. Uma moça que queria agradar a única pessoa que a amava sem duvidar, sem compromissos. A pessoa que sacrificou tudo para que Phoebe pudesse encontrar facilidade e conforto: Augusta.
Phoebe se enganara por um tempo, claro. Ficara lisonjeada pelas atenções de Glassington, como qualquer outra jovem mulher ficaria, encantada pelo nome, pelo título e pela beleza. Mas a verdade é que nunca o quis. Não de verdade. E certamente nunca o amara. Amor era o que Augusta fizera: deixar que a tempestade a despedaçasse para que Phoebe pudesse estar segura. Para que Phoebe pudesse estar quente. Para que Phoebe pudesse se casar e encontrar a felicidade, ter filhos e viver uma vida tranquila.
Amar alguém significava ficar em pé na chuva ferroante e no vento forte, sabendo o quanto aquilo doía e ficar de qualquer jeito. Porque alguém precisava mais de um abrigo.
Não, ela nunca sentira aquilo por Glassington. Ela o deixara tocá-la. Beijá-la. Permitira que ele entrasse dentro dela, mesmo que doesse. Ainda assim ela não o queria afinal. Ela fizera aquilo porque ele lhe prometera casamento e aquilo era o que Augusta sonhara para ela.
Ela nunca o amou.
Mas ela amava seu filho.
E, enquanto estava parada na cozinha do Monsieur Leclerc encarando o homem que cuidava dela, preocupava-se com ela, a protegia e que criara um abrigo para ela no meio de uma tempestade terrível. Ela amava Adam também. Seu lindo companheiro indiano, como ele se autodenominava. O amava. Mas não poderia ficar com ele.
— Lorde Glassington não significa nada para mim. — Disse agora, grata por estar apoiada na mesa. — Mas ele é importante para Augusta.
Um sorriso cínico curvou os lábios de Adam.
— Ele é um homem importante. Um homem com título.
— Título. — Ela sussurrou. — Sim.
Seu olhar recaiu onde as mãos dele estavam apoiadas na mesa, tão escuras quanto a madeira. Os cantos da boca dele recuaram. Apertaram-se.
— Poderia cuidar de você, sabe.
Tanta coisa naquelas poucas palavras. Tudo. Uma vida juntos, com todas as dificuldades e beleza sem fim. Bebês de pele escura, travessos olhos dourados e rodadas de vinte e um tarde da noite. Ela conseguia enxergar a vida deles.
E isso a partia pela metade, uma parte via seus próprios sonhos, a outra, os de Augusta. Para seu filho.
Ela não conseguia responder. Por favor, Deus. Pensou. Não sou capaz de responder. Porque ela sabia qual resposta seria e ela não suportaria dizer.
— Diga alguma coisa.
Ela não conseguiria. Não conseguiria. Não podia.
Mas deveria. Ele merecia algo melhor do que o silêncio.
— Você já tem cuidado de mim com muita generosidade, Sr. Shaw. Sou completamente grata.
Quando o homem orgulhoso diante dela congelou, seu coração se partiu e sangrou até gemer de angustia. Implorar seu perdão.
Em vez disso, ela se forçou a observar o homem a quem amava sorrir, um sorriso amargo e pequeno e fazer uma reverência curta e zombeteira.
— Um prazer servi-la, senhorita.
Por um longo tempo depois da partida dele, ela não conseguiu se mover. Então começou a tremer. E escorregar. Até sentar-se na pedra, encolhida e soluçando, perguntando-se se restaria algo dela depois que a tempestade a derrubara e a deixara em pedaços.
*~*~*
— Aí está você, Sr. Reaver. — Rude Markham colocou duas canecas na mesa, uma à frente de Reaver e uma à frente de Augusta. A cerveja derramou pela borda. — Ah, não se preocupe, senhorita. Aqui. Deixe-me cuidar disso para você. — Ele retirou um pano da cintura de seu avental e esfregou ao redor da base da caneca. — Vê? Bonita como deve ser.
Eles estavam sentados na taverna do homem grande e careca, a Black Bull, bebendo cerveja porque malditamente nada naquela manhã saíra como planejado. Reaver encarou o homem conhecido como Rude Mayhem — nome real, Rudolph Markham — e sinalizou seu desejo de privacidade com um brusco aceno em direção ao bar.
Rude piscou e sorriu. Depois gargalhou.
— Deveria tê-lo visto naqueles dias, senhorita. Punhos como bate-estacas com pedras amarradas neles. Como quebrar o crânio de um homem com um...
— A srta. Widmore não tem interesse nas histórias sobre os meus dias de lutador, Rude.
As sobrancelhas de Augusta arquearam.
— Oh, mas eu tenho. Por favor, prossiga, Sr. Markham. Ou deveria chamá-lo de Sr. Mayhem? — Ela descansou o queixo sobre as costas de sua mão e lhe deu uma piscada demorada. Ou a mulher estava bêbada em sua primeira caneca ou estava flertando com um dos homens mais feios de Londres. Ele esperava, pelos céus, que fosse a primeira opção.
Rude puxou uma cadeira ao lado dela e sentou-se. Reaver cruzou os braços e olhou duro, esperando penetrar naquela cabeça densa e careca. Por Deus, o homem sempre fora obtuso. Resistente, mas obtuso.
— Ele quebrou o meu nariz uma vez. Ou foram duas? Hein, Reaver? Talvez tenham sido três vezes. Não importa. Caí não mais do que dois minutos, penso. Você acha que pelo seu tamanho ele seja lento. Nah, não Reaver. Rápido como um furão, esse aí. Dissimulado também. Faz você pensar que vai para um lado e então se afasta para o outro. — Rude tentou demonstrar, seus punhos gigantes e redondos batendo antes de acenar com desdém e rir, sacudindo sua barriga. — Nunca vi ninguém lutar como Reaver. Pensava como um demônio, eh? Demônio esperto. Agora, eu, por outro lado, não era esperto. Eu era grande. — Outra risada sacudindo a barriga antes de bater em sua própria orelha em forma de couve-flor. — Poderia levar uma cacetada de direita. Mas gastei meus golpes naqueles lutadores ferozes, não foi assim, Reaver?
— Aye. Poderia levar uma surra, Rude.
O homem suspirou, parecendo um pouco melancólico. Então deu de ombros, sorriu, levantou-se e empurrou a cadeira e voltou para a mesa adjacente.
— Aqueles dias acabaram. Sou um proprietário agora. Falando nisso, é melhor eu verificar o velho Jones ali. — Ele apontou para um homem encurvado discutindo política com uma cadeira. — Às vezes a cadeira vence a discussão. — Ele sussurrou, estalando a língua com pena. — Uma visão triste, de verdade.
Enquanto Rude bancava o intermediário, Reaver deu um gole em sua cerveja. Foi quando notou Augusta, queixo apoiado na mão, encarando-o com uma expressão estranha.
Ele franziu a testa.
— O quê?
Ela sorriu.
— Você foi um lutador.
— Aye.
— Eu sabia disso, suponho, em teoria. Eu também sabia que foi um proprietário de taverna. Em teoria. — Ela olhou ao redor do Black Bull, inexplicavelmente fascinada. — Por quanto tempo possuiu esse lugar?
— Quatro anos. — Ele ergueu sua caneca. — A cerveja era melhor então.
Ela segurou a sua própria caneca com as duas mãos e bebeu, rápido demais.
— Calma, amor. — Ele murmurou, pressionando um dedo na borda.
Um queixo orgulhoso elevou-se.
— Acho que a cerveja é muito boa.
— Aye. É porque nunca tomou uma boa cerveja. Esta, está azeda na entrada e tem um residual amargo. Não é a pior que já tomei, mas também não é a melhor.
— É forte.
— Humm.
— Eu gosto forte.
Está última parte foi um ronronado. Agora, os olhos dela avaliavam suas mãos e braços. Preguiçosamente vagando por seus ombros. Parando sobre sua boca.
— Está flertando, Srta. Widmore?
Uma piscava lenta. Uma erguida de uma sobrancelha castanho avermelhada. Um sorriso afetado.
— Talvez.
Bom Deus. Ele presumia que seu passeio cuidadosamente planejado era uma pilha fumegante de destroços após o começo infeliz que tiveram. Entretanto poderia sair melhor do que imaginara.
O dia começou com um café da manhã, onde ele informou a Augusta que eles iam cavalgar no Hyde Park.
Ela franziu o cenho, mordiscou sua torrada com marmelada e engoliu.
— Devemos?
Levou um momento para ele responder.
— Você não quer ir?
— Na verdade, não sou muito de cavalgar. Não monto um cavalo há anos. Fui jogada de quatro... Não. — Ele levantou os olhos para o teto, seus lábios se movendo como se contasse passos de dança. — Sete vezes. Eu sempre fui muito impaciente e não sou bem-vista pelas montarias.
— Nós iremos.
— Não tenho o hábito de montar.
Ele soltou um suspiro de frustração enquanto ela dava outra mordida em sua torrada.
— Muito bem. Nós pegaremos a carruagem.
— Para o parque?
— Para a Berkeley Square. Gunter’s. Eles têm chá.
Ela olhou de soslaio para o bule de chá na mesa.
— Maldito inferno, Gus.
— Bem, apenas não vejo motivo para percorremos todo o caminho até a Berkeley Square...
— Você é uma irritação frustrante.
— ... quando temos um adorável chá aqui. Além do mais, você não gosta de chá. Se teremos o trabalho de nos dirigirmos a algum lugar em sua carruagem inadequada, pelo menos deveríamos ter coisas que deseja.
Ela estava apenas lhe oferecendo o que ele desejava, mas ele não poderia dizer isso. O dia era para cortejar. Cortejar requeria paciência.
— Tais como? — Ele resmungou.
— Bem, o que prefere beber?
— Cerveja.
Os olhos dela brilharam sobre a borda de sua xícara de chá. Ela se iluminara com um enorme sorriso.
— Cerveja. — Ela falou entre os dentes, como se o que ele dissera fosse algo brilhante. — Que perfeito. Leve-me a uma casa pública. Oh! Melhor ainda. Leve-me aonde você começou a sua vida de proprietário. À sua taverna.
Ele recusara o pedido dez vezes. Na décima primeira, ela acariciara sua mão e dissera:
— Isso me agradaria tanto, Sebastian.
Agora, ali estavam sentados, na Black Bull, na segunda rodada de canecas. E Augusta Widmore estava flertando. Ou, talvez não.
Os olhos dela estavam fechados. Adormecera.
Maldito inferno sangrento.
Ele jogou algumas moedas na mesa e a segurou em seus braços, tomando cuidado com seu vestido, para preservar a sua modéstia. Os braços dela envolveram seu pescoço e a cabeça caiu sobre seu ombro, entortando seu novo bonnet verde. Ela suspirou e se aconchegou.
Deus, a sensação era boa.
Ele a carregou para fora até a carruagem, coordenando para que apenas as suas costelas fossem esmagadas pela abertura da porta.
— Bastian. — Ela sussurrou. Olhos cinzas pestanejaram e abriram-se quando ele a deitou no assento.
Ele tentou recuar para tentar entrar na carruagem de maneira apropriada, mas ela agarrou seu pescoço.
Então ela o beijou. Diretamente na boca. Deselegantemente, mas com propósito.
— Gus. — Ele murmurou. — Deve permitir que eu saia, agora.
— Não.
— Minha metade de baixo gostaria de entrar também.
Ela gemeu e o agarrou com mais força.
— Oh, isso soa divino, Bastian. Vamos deixar isso para depois.
Ele grunhiu, perguntando-se se blasfemar com frequência rendia a um homem tal tormento divino. Se ela não estivesse meio bêbada, possivelmente já teria as saias dela erguidas naquele exato momento.
Mas ela estava. Então, ele gentilmente se desembraçou de seus braços, saiu pela porta da carruagem, então voltou a entrar da maneira usual.
Uma hora depois, após outra xícara de chá em casa, a cabeça dela já estava mais clara e insistiu em continuar com o dia de passeios juntos.
— Obviamente tem planos. — Ela abaixou a xícara sobre o pires, não demonstrando nenhum sinal de dor de cabeça ou cansaço de sua entrega à bebida. — Qual era o próximo lugar da lista?
Ele estreitou o olhar sobre ela. Aparentava estar bem o bastante, sua pele um pouco corada, mas ainda assim... bonita. A cada dia ela parecia mais bonita para ele. Seu vestido verde era suave e lhe servia perfeitamente bem. Os olhos verdes brilhavam animados enquanto compartilhavam o chá.
— O British Museum. — Ele respondeu. — Ver os mármores de Elgin.
— Você já os viu?
— Não.
Ela se iluminou ainda mais.
— Esplêndido. Nós exploraremos juntos.
Explorar, eles exploraram. Ao entrar na sala silenciosa de paredes verdes onde as estátuas estavam à mostra, Reaver sentiu seu estômago se apertar em um nó. Augusta ofegou, seus olhos ficaram arregalados de espanto.
Aye. Elas eram incríveis — incrivelmente nuas. Inferno maldito, as estátuas gigantescas cavalgavam, reclinavam-se, lutavam. E todas elas nuas. Algumas faltavam cabeças, braços ou pernas. Mas as partes masculinas eram óbvias o bastante, se alguém pudessem chamá-las assim. Proporcionais é que não eram.
Augusta vagava de estátua em estátua. Uma, a cabeça de um cavalo, não lhe despertou o mínimo interesse. Nãaaao. Augusta desejava examinar os nus masculinos em detalhes exatos, perto o suficiente para pôr as mãos neles.
Após excruciantes quinze minutos, ele não tinha mais estômago.
— Nós estamos saindo. — Ele resmungou.
— Oh, mas acabamos de chegar.
—Agora.
Ela olhou para ele, seus olhos se demoraram um momento nas partes delicadas de um homem sem cabeça.
— Você não gosta delas?
— Elas estão peladas.
— Bem, sim.
— É hora de irmos.
— Eu não o teria considerado um puritano, Sr. Reaver.
Ele se aproximou perto do ouvido dela, confidencialmente, aspirando o aroma dele até seus pulmões. Ultimamente era mais doce, com um toque de lavanda.
— Se você for olhar para um homem nu, amor, prefiro que seja eu.
Ela corou. Piscou. Falou o nome dele entre os dentes — ‘Bastian’ — tão lindamente que ele quis beijá-la. Bem ali na frente dos mármores proporcionalmente pequenos...
— Bem, então. — Ela falou, pigarreando delicadamente. — Qual o nosso próximo destino?
Para isso, ele teve que pensar rápido. Ele não tinha o ‘próximo’ em sua lista, exceto a peça, que era mais tarde, à noite. Mas ele tinha que exterminar a visão daqueles mármores pequeno, assim ele devia pensar em algo.
Ele se recordou que ela mencionou Roma e Florença, alguma coisa sobre visitá-las algum dia. Ela tinha gostado dos itens de arte italiana. Então, ele lembrou do barão que perdera uma fortuna no Reaver’s no verão passado enquanto esperava a chegada das pinturas vindas de Roma e Paris.
— Portman Square. — Reaver respondeu, esperando que o homem ainda estivesse na cidade.
Como descobriram pouco tempo depois, o barão magro e bem-vestido estava em casa, embora tenha empalecido consideravelmente quando viu Reaver à sua porta.
— S-Sr. Reaver! O Sr. Shaw me indicou que eu tinha outro mês...
— Pode considerar sua dívida abatida em quarenta por cento se permitir que minha acompanhante veja a sua coleção.
— Quarenta... isto é... sim! Quero dizer, sim, é claro! Bem-vindos! — O barão e o seu mordomo mostraram a casa por dentro, ela era inexpressiva por fora, mas positivamente opulenta no interior.
Então o homem mostrou-lhes a biblioteca, ondes os trabalhos de Caravaggio e Rembrandt quase respiravam nas paredes. Mesmo Reaver os achou atraentes e ele nunca fora dos que gostam de pinturas. Enquanto exploravam a galeria que se estendia por toda a largura da casa, Augusta devorou cada uma com seus olhos.
Reaver fazia o mesmo com ela. Ela estava inebriada como uma criança, seu deleite a fez bater leves palmas de excitação várias vezes.
— Oh, Bastian. — Ela falou. Pausando diante de um quadro particularmente requintado de uma jovem. — Como ele deve ter a amado.
Ele se aproximou, estreitando os olhos. Esqueceu os seus óculos.
— Como sabe?
Com um dedo enluvado, ela traçou a bochecha da mulher.
— Aqui. Vê? Você apenas ver a sombra por onde as lágrimas caíram. E aqui. — Ela alisou o corpete da mulher. — O detalhe de seu... bem. Vamos dizer que reflete um estudo dedicado por parte do pintor.
Atrás deles, o barão pigarreou.
— Sr. Reaver? Tenho uma proposta que talvez agrade a você e à sua acompanhante.
Reaver virou-se franzindo a testa e viu o homem segurando uma pintura pequena e oval.
— O que é isso?
— Este trabalho é do mesmo artista que pintou o retrato que vocês estavam admirando. Posso oferecê-lo se achar que vale mais, digamos, dez por cento.
Ele estava prestes a recusar quando Augusta se adiantou, pegando a pintura em suas mãos e acariciando a moldura amavelmente.
— É esplêndida, meu lorde.
— É fruta. — Reaver respondeu.
— Peras. E uma maçã. Natureza morta. Que adorável.
Enquanto eles voltavam para casa na carruagem, Augusta não conseguia tirar os olhos da pintura de fruta, acariciando a moldura repetidas vezes. Ele franziu o cenho, recordando o alto custo: cinquenta por cento de uma fortuna ainda era uma maldita fortuna. Mas no fim, talvez não tenha sido um acordo ruim. Ela parecia bastante feliz.
Seus planos novamente se deterioraram após chegarem em casa. Augusta subira as escadas para se trocar e colocar um vestido de noite. Ele lhe explicara que eles iam ao teatro. Então, após vestir a cravat e um casaco preto, ele puxou as entradas de dentro do pequeno envelope de papel no qual foram entregues.
— Sete de Dezembro? — Falou em voz alta, como se os pequenos cartões pudessem falar e informá-los que ele comprara as entradas para a maldita noite errada. — Maldições dos infernos.
Ele jogou os inúteis pedaços em sua escrivaninha enquanto saía de seu quarto e descia as escadas para encontrar a Grande Annie.
— Sra. Higgins!
Ela colocou a cabeça para fora de uma sala.
— Sim, Sr. Reaver.
— Traga-me o The Times.
Ela desapareceu por vários segundos antes de emergir com o jornal em mãos.
Ele colocou seus óculos e vasculhou as páginas em busca de um anúncio. Ele sabia que havia visto mais cedo naquela manhã, antes de Augusta calmamente recusar cavalgar e então, tranquilamente mudara seus planos para o chá.
Ali! Ali estava. O Haymarket Theatre Royal. Uma ópera italiana. Olhou para o relógio. Começaria em menos de uma hora. Era o dia certo, por Deus.
— Sra. Higgins, diga a Srta. Widmore que devemos partir em meia hora.
— Ahn... Meia hora, sir? Ela acabou de sair do banho.
Ah, Deus, Por que a sua governanta colocara aquela imagem em sua mente? O dia inteiro já fora um teste infernal para sua paciência e força de vontade.
Ela levou pouco menos de uma hora. Quando apareceu, estava... De tirar o fôlego. Usando o vestido prateado com as pequenas e brilhantes coisas na saia. Lantejoulas, se lembrou. E os seios estavam tão redondos e cremosos sobre o decote.
Ele franziu o cenho.
— Você deveria levar um xale. Ou a peliça.
— Não posso usar uma peliça com este vestido, tolinho.
A Sra. Higgins lhe entregou uma capa de pele.
— Melhor. — Ele resmungou.
Chegaram ao teatro vinte minutos após a cena de abertura. Ele recorreu a outra dívida para conseguir um camarote para a noite. Mas quando Augusta sentou-se ao seu lado e inclinou-se para frente para ver os cantores berrando palavras estrangeiras no palco abaixo, percebeu que faria tudo de novo. Todos os dias se pudesse. Ele a levaria a qualquer lugar, dar-lhe-ia tudo, só para vê-la feliz.
— Oh, Bastian. — Ela falou apertando os pequenos binóculos da ópera que ele comprara. — Já viu algo tão esplêndida?
Ele deslizou o olhar sobre sua pele suave e branca e sobre os cabelos castanho avermelhados. Deixou-os percorrer as curvas dos seios, as lantejoulas da saia e seus lábios abertos. Então, falou a verdade em um sussurro.
— Não, amor. Nada na Terra pode ser comparado.
CAPÍTULO 16
“Outra pessoa teria se adiantando a pedir instruções a Sir. Barnabus Malby sobre como cortejar, em vez de dar tanta atenção a um marmoreio ou a um secretário. Quando toma conselhos de pessoas inexperientes, meu querido menino, deve esperar por resultados indesejáveis”.
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta de advertência por ter ido procurar orientação em outro lugar quando tinha uma fonte vastamente superior às mãos.
Se ontem fora perfeitamente alegre, hoje estava destinado a ser o oposto. Augusta olhou para a cama, onde seu vestido rosa de baile estava, perguntando-se como se livrar do que provavelmente seria uma noite de miséria.
Ela suspirou recordando os passeios do dia anterior. Sebastian a surpreendera várias vezes, começando com sua presença no desjejum. Ele estava tão bonito em seu casaco cinza escuro e cravat branca que ela ficara sem fala por longos minutos. Então, em sua voz retumbante, sugerira cavalgar até o parque. De todos os passeios que ele poderia propor, estaria na centésima posição de uma lista de cento e duas atividades aprovadas por Augusta. Ela odiava cavalgar, possivelmente porque ela nunca fora boa nisso.
Então ele sugeriu um passeio até o Gunter’s, o que pareceu muito estranho para ela, possivelmente seu secretário lhe aconselhara sobre o itinerário. Augusta achou que nenhuma das duas primeiras propostas de Sebastian era particularmente adequada a ela.
Mas então... Oh, sim. Ele mencionara cerveja. Ela se recordou que ele fora dono de uma taverna antes de possuir o clube. E o seu dia perfeito começara.
Fora glorioso. Primeiro, ver outro negócio iniciado por Sebastian a emocionou. Ele era um homem de extraordinária vontade, determinação e inteligência e tanto o Black Bull como o Reaver’s provavam isso. Então, quando o Sr. Markham descrevera o sucesso de Sebastian como pugilista, seu coração se derretera ainda mais. Ele a acusara uma vez de não fazer nada pela metade. Naquilo, eles eram bem parecidos.
Tudo o que fazia, ele fazia com toda a sua capacidade. Ele não era fanfarrão, nem um pavão convencido que ficava alardeando sua riqueza e façanhas. Ele era um homem grosseiro. Ele ela o queria para si.
Enquanto o dia perfeito deles ia acabando, ele fisgava cada vez mais fundo até ela querer lhe implorar que se casasse com ela. Sua voz retumbante e rouca lhe dizendo que a única forma nua que ele queria que ela visse fosse a dele. A intensidade calculada enquanto a observava enquanto eles apreciavam as requintadas obras de antigos mestres. O nó grande de seu dedo secando uma lágrima de sua bochecha no final de Don Giovanni. O peso do braço forte ao redor de seus ombros enquanto ela dormia na volta para casa.
Cada elemento fora perfeito. Mágico. Ela flutuou alto e voou mais alto ainda.
Hoje, fora forçada a volta à Terra.
Suspirou, abraçando-se antes de entrar em sua sala de vestir e sentar-se na penteadeira. Sua pele estava pálida. Ela começou a recolher os cabelos, amarrando tantas mechas rebeldes pudesse.
Eles discutiram. Terrivelmente. As lembranças estavam assentadas como pedras frias em seu ventre, afiadas e doloridas.
Sebastian chegara em casa do clube por volta das três, a fisionomia sombria e centrada.
— Iremos a um jantar esta noite. — Ele lhe informou. — Use o vestido rosa.
Uma inquietação trilhou a sua coluna.
— Jantar? Onde? Com quem?
— Conhecidos. Lorde e Lady Tannenbrook.
Ela recusou.
Ele franziu a testa aproximando-se com sua postura imponente.
— Eu aceitei o convite de Lady Tannenbrook. Ela estará esperando...
— Não posso ir.
— Por quê?
— Eles sabem sobre mim, Sebastian. Eles vieram aqui, anteontem, junto com Lady Wallingham. Não conheço a natureza da relação de vocês, mas eu receio...
Ele soltou uma blasfêmia, andando de um lado para o outro, olhos queimando.
— O que eles disseram?
— Que vieram aqui para me ver. Lady Wallingham foi bastante grosseira a princípio embora tenha melhorado depois.
Ele parecia furioso, soltando bufos de frustração antes de correr uma mão entre os cabelos.
— Não há como evitar isso, Augusta. Temos que ir. É importante.
— Não vejo porquê. Eles já me conheceram. Parecem saber bastante coisa sobre a minha família e as circunstâncias...
— Inferno maldito.
—... e acredito que o meu comportamento tenha os persuadido ainda mais da minha vergonha.
— Você não fez nada vergonhoso. — Ele rosnou, seu humor mais sombrio a cada momento. — Vista-se para o jantar, Gus. Tudo ficará bem, verá.
— Não quero ir. — Ela disse com firmeza, o pavor agarrando-se pesadamente em seus membros.
Ele se aproximou.
— Quer as promissórias de Glassington?
A ameaça a deixou doente. Ele não usara tal coerção desde que eles haviam se beijado. Ela tinha confiado tão profundamente nele que até mesmo contemplou revelar a verdade sobre Glassington e Phoebe, perguntando-se se ele ainda acreditava que ela perseguia o conde para si mesma. Desejou compartilhar seu fardo com um homem cujos ombros largos poderiam ajudá-la a carregar o peso. Assumira que os sentimentos de Sebastian por ela haviam crescido assim como os dela por ele, mas talvez estivesse errada. Talvez tenha se feito de boba, criando histórias fantasiosas sobre a honra de um homem grosseiro.
— Sabe que eu quero. — Sussurrou.
Sua resposta aparentemente não o agradou. Bem pelo contrário os músculos de sua mandíbula flexionaram suas narinas inflaram.
— Então vá e se vista. Partiremos às cinco.
Assim, concordara com uma noite de humilhação porque, como sempre, era o que deveria fazer. E agora, enquanto vestia o corset, meias, anáguas, vestido, luvas e brilhantes pentes prateados, ela tentava imaginar cada peça como uma armadura, fechando os olhos bem apertados e visualizando. Cota de malha. Placa de aço. Manoplas. Capacete. Ela repetiu o processo até que suas feriadas estivessem bem enterradas e seu rosto estivesse tranquilo.
Esta noite era por Phoebe e pelo filho dela. O que quer que tenha acontecido entre Augusta e Sebastian, uma coisa não mudara: precisava ter poder sobre Glassington. E, como Sebastian apontara, apenas ele podia oferecer isso.
Desceu as escadas até onde ele esperava, vestido puramente preto e branco e com uma fisionomia tão sombria quanto seus olhos. Seu coração palpitava como se quisesse voar, mas ela o sufocou. Não deveria ter deixado a coisa tomar controle novamente. A queda repentina quebrava com muita facilidade.
Dentro da carruagem, ela apertou o casaco ao redor dos ombros e olhos pela janela para as ondulantes nuvens. Parecia que a pausa das tempestades acabara. Um ruído alto e lento ecoou à distância. Uma gota escorreu pela janela.
— Gus.
— Augusta, por favor. — Ela o corrigiu com calma. — Apenas o meu pai me chamava Gus. E ele morreu.
Ele ficou em silêncio pelo resto da viagem.
Ao chegarem, Lady Tannenbrook os cumprimentou com um sorriso cintilante.
— Srta. Widmore! Prazer em vê-la novamente. Seu vestido é maravilhoso. A cor! Nunca vi nada assim. A Sra. Bowman é mágica, não é? — A pequena beleza passou o braço pelo de Augusta, levando-a a uma sala de estar de painéis brancos e drapeados dourados. — Venha, Elijah. — Ela falou por cima dos ombros.
Augusta franziu o cenho, perguntando-se com quem a mulher falava, já que não vira um homem parado perto da porta. Logo, entretanto, a atenção de Augusta recaiu sobre os outros convidados espalhados pela sala. A maioria estava sentado nos sofás de veludo dourado ou em pé perto da lareira em grupos de três ou quatro. Alguns ela reconheceu, Lorde Tannenbrook, óbvio. Ele se aproximara para cumprimentar Sebastian, o olhar caloroso e aprovador. Lady Wallingham estava sentada em uma poltrona diante do fogo com seu monóculo em constante uso e um bonnet confeccionada de veludo violeta e plumas lilases.
Outros, ela não conhecia. Três jovens tinham aproximadamente a idade de Phoebe, cada uma com beleza própria. Um homem de cabelos castanhos, olhos azuis e um sorriso irônico. Uma mulher de sardas e cabelos ruivos — claramente a esposa dele, pois ele não parava de tocá-la — era mais alta que qualquer outra mulher que Augusta já vira. Enquanto gesticulava, o pulso da mulher quase atingiu o nariz do marido. Antes que acontecesse, entretanto, ele calmamente pegara a mão dela nas suas, deu um pequeno beijo no pulso e lhe lançou um olhar ardente. Ela ficou rosa e parou de falar no meio da palavra, os olhos fixos nele.
Bons céus, Augusta quase enrubesceu ao os observar juntos.
— A apresentarei a todos, Srta. Widmore. — Lady Tannenbrook lhe assegurou. — Temos apenas mais um convidado para chegar. Espero ele em breve.
Atrás dela, ouvia Lorde Tannenbrook e Sebastian conversando com suas vozes retumbantes. Novamente ela se perguntou sobre a conexão deles.
Bondosamente, Lady Tannenbrook começou as apresentações. O homem de cabelos castanhos e a mulher de sardas eram o Marquês e a Marquesa de Rutherford. Lady Rutherford piscou ao ouvir nome de Augusta.
— Widmore. Como em Sir. Edmundo Widmore?
Augusta sorriu.
— Certamente. Ele era o meu pai.
— E um amigo querido do meu tio, Sr. Frederick Farrington. Titio sempre falou muito bem dele.
Ela assentiu.
— Obrigada, minha senhora.
— Você é de Hampshire, sim?
— Sim.
— Ela tem um chalé lá, Charlotte. — Lady Tannenbrook falou. — Não é adorável? Quando morava em Cheshire, sonhava ter um chalé só meu. Perto de um pequeno lago. Cercado por pinheiros. Oh! E jacintos.
O sorriso de Lady Rutherford foi irônico e afetuoso.
— Viola, tem agora uma vila inteira cheia de chalés.
Olhos extraordinariamente azuis se arregalaram.
— Sim, mas não são meus. Pertencem aos aldeões.
Lorde Rutherford sorriu com aqueles lábios sensuais.
— Apostaria que Tannenbrook construiria o seu próprio castelo e cavaria seu próprio lago se mencionasse isso.
Lady Tannenbrook sorriu com os olhos brilhando intensamente.
— Com suas próprias mãos. Como amo aquele homem.
Há anos desde que Augusta testemunhara tal adoração nua entre maridos e esposas, particularmente entre os nobres, de fato, desde a morte de sua mãe. Ela começara a suspeitar que seus pais compartilhavam um vínculo único no mundo e que as normas de casamentos eram cada vez mais sem amor.
Estes dois casais provavam que ela estava errada. Além disso, ela esperava que eles a evitassem. Ela tinha, afinal de contas, chegado como uma mulher solteira com um homem solteiro e sem acompanhante. Lady Tannenbrook sabia muito bem que ela estava morando com Sebastian. Ambos casais deveriam ficar escandalizados com todo aquele caso.
Mas não estavam. Eles eram amigáveis. Bondosos.
Augusta não entendia nem um pouco.
Em seguida, ela e Lady Tannenbrook moveram-se para cumprimentar Lady Wallingham, que lhe deu um aceno superior e comentou:
— Extraordinária escolha de vestido, minha querida. Não se deseja perder em uma multidão, não é?
Por último, Augusta foi apresentada ao trio de jovens mulheres. E no momento que seus nomes foram falados, um sino de reconhecimento soou alto em sua cabeça, mal ouvindo outra palavra.
Srta. Lydia Chipperfield.
Lady Maria Fitch.
Srta. Cecilia Eversley.
Cada uma delas estava na Lista de Lady Tannenbrook de possíveis noivas para...
Elijah Kilbrenner.
Elijah.
Kilbrenner.
Augusta lentamente se virou, Sebastian estava parado perto das portas da sala de estar, falando com Lorde Tannenbrook. Eles pareciam irmãos.
Mais precisamente, Sebastian parecia como um Kilbrenner.
E Lady Tannenbrook mencionara Elijah quando entraram.
Oh, Deus.
— Lady Tannenbrook? — Augusta murmurou enquanto o trio de possíveis noivas vagavam em direção ao pianoforte. — Quem é Elijah Kilbrenner?
A bela mulher piscou, seus cílios grossos e escuros tremulando, seus lábios em formato de pétalas de flor formaram um ‘O’ de surpresa.
— Receio não entender. Elijah está ali, falando com o meu marido.
Augusta engoliu em seco a súbita náusea enquanto seus olhos o alcançaram. Ele a encarou, sem piscar, como se a observasse cada um de seus movimentos com grande vigilância.
— Não, eu quero dizer... — Ela estava congelando. — Quem ele é para o seu marido?
— Oh! Ele é o primo de segundo... Não, terceiro... Não, não, segundo grau de James. Ou é terceiro? Oh, isso importa: Tenho certeza de que Lady Wallingham poderia lhe dizer, ela conhece bastante coisa sobre estes tipos de distinções. O ponto é que Elijah é o possível herdeiro de James, embora ele resista a isso poderosamente. Os avôs deles eram irmãos, percebe? O avô de Elijah mudou-se com a família para as colônias americanas há muitos anos. Com a guerra, os pais de Elijah ficaram desapontados com a causa da independência e voltaram à Inglaterra. Então Elijah nasceu, em algum lugar de Cumberland, acredito. Ele é bastante relutante em discutir esse assunto. — Lady Tannenbrook suspirou. — Os pais e a irmã dele morreram em um incêndio. Coisa horrorosa. Elijah sobreviveu, claro, mas... Bem as circunstâncias de sua juventude são angustiantes, como pode imaginar.
Possível herdeiro. Sebastian Reaver era Elijah Kilbrenner, o possível herdeiro de um aristocrata. Um condado, não menos.
Longe de ser um rufião nascido nas classes baixas, ou um bastardo, ele um dia herdaria um título. Bons céus, o sangue dele era mais nobre que o dela.
Ele nunca poderia se casar com ela, uma solteirona desonrada de Hampshire. Ela piscou quando a luz da sala pareceu diminuir. Ele deveria se casar com uma dama de qualidade, uma mulher de valor para ser uma condessa.
A Srta. Lydia Chipperfield.
Ou Lady Maria Fitch.
Ou a Srta. Cecilia Eversley.
— Srta. Widmore?
No que estivera pensando? Apaixonara-se por ele. Dera-lhe seu coração. Teria dado seu corpo se ele não tivesse a impedido em várias vezes.
— Srta. Widmore, está bem? Ficou terrivelmente pálida. Talvez devêssemos servir o jantar, estava esperando até que nosso último convidado chegasse, mas não desejo que ninguém desmaie... Oh! Ele chegou.
As luzes se acenderam de repente. Dolorosamente. Ela inclinou a cabeça ao ver quem pairava à porta, cabelos escuros despreocupadamente bagunçados e cravat perfeitamente arrumada.
— Venha, deixe-me apresentá-la. Confesso que nossa proximidade é tênue. Elijah pediu que eu o convidasse. Ele parece ser bastante agradável, afinal.
— Nós já nos conhecemos. — Ela respondeu, a suavidade de sua voz desmentindo sua raiva crescente.
— Oh? Como conhece Lorde Glassington?
Augusta cerrou o queixo e olhou para as calças brancas e botas brilhantes do verme inútil, sua bengala boba e pulsos finos.
— De Hampshire. Nós somos velhos conhecidos, ele e eu. — Sua voz era sedosa, sua fúria crescia até estar repleta de um calor amargo.
Aquilo ocupou tudo que ficara vazio e frio.
Pelo menos havia algo.
Quando ele a viu e ficou branco e doentio, ela apreciou quase no mesmo grau de satisfação. Mas não era suficiente. Nem perto.
Seus olhos foram até Sebastian e percebeu que ele a analisava. Olhos ônix queimavam e calculavam. A fez se perguntar o que ele pretendia.
O que era isso? Esse momento de ardor e humilhação? Ele queria jogar tudo em sua cara de uma vez?
As damas que ele deveria se casar.
O homem que ela devia estar perseguindo.
A verdade sobre como eram pequenas as chances de felicidade lado a lado.
Céus, ela fora estúpida. Tão frustrantemente cega.
Lady Tannenbrook pigarreou.
— Oh. Acho que deveríamos simplesmente ir jantar, então. Acho que deveríamos. A noite pode apenas melhorar com uma boa refeição e um pouco de vinho, hã?
O jantar se desenrolou tão estranhamente quanto conjecturou. Estava sentada entre Lady Wallingham e Lorde Rutherford. A Marquesa Viúva de Wallingham emitia pronunciamentos altos sobre a superioridade da lã britânica em relação à francesa. O marquês de olhos azuis turquesa fez observações irônicas sobre a dama citada que tentou roubar o cozinheiro francês do Duque de Blackmore. Depois ele deu um gole lento e descontraído — estava evitando o vinho — e lançou à sua esposa um olhar ardente por cima da borda da taça. As bochechas da dama sardenta ficaram tão vermelhas quando a geleia da torta de morango servida.
Pela maior parte do tempo, Augusta ignorou as brincadeiras. Em vez disso, comeu o que conseguia suportar em seu estômago pesado e agitado. E planejou.
Sebastian podia ter a pretensão de humilhá-la, porém ele lhe tinha oferecido uma oportunidade propícia. Ela estava ali com o credor de Glassington, um fato que Glassington não deve ter ignorado. Além de possuir as promissórias, não haveria melhor ameaça implícita. Entretanto, para tornar o trato mais explícito, deveria falar com o desgraçado de pulso fraco. Exigiria um bocado de manobra, pensou enquanto bebia seu vinho e analisava. Deveria pegá-lo sozinho. Após o jantar, obviamente. Talvez no corredor. Ou quando ele se preparasse para ir embora.
Sim. Falaria com Glassington, deixaria claro as suas intenções de fazê-lo cumprir sua promessa. Até mesmo embelezaria sua influência sobre Sebastian, sugerindo que o homem estava apaixonado por ela. Ela engasgou diante da ideia e depositou a sua taça de vinho na mesa com um estalido que fez Lorde Rutherford erguer uma sobrancelha.
— O vinho não pode ser tão insultante, pode, Srta. Widmore?
— Insultos, assim como a beleza, estão sujeitos à percepção, meu lorde. Alguns podem escolher ser insultados. Outros, escolherão desviar-se. — Augusta sorriu, lentamente movendo os olhos de Glassington para Sebastian, que a encarava com uma força predatória. — Se alguém se desvia com suficiente força e cuidado, o remetente dos insultos sofrerá as feridas dez vezes mais.
— Gosto bastante de você, Srta. Widmore. Recorda-me a alguém.
— E a quem seria?
— A mim.
Ela riu, apreciando a inteligência irônica e a imperturbável calma dele. Entretanto, não tirou os olhos de Sebastian.
— Tomarei como um elogio.
— Bem, certamente não é um insulto. Não sou tão tolo para testar sua afirmação. Ou, melhor dizendo, os punhos de Reaver.
Desta vez, o comentário a fez desviar o olhar. Colidiu com os olhos daquele homem incomum.
— Qual a relação dos punhos dele com...
— Vamos lá. Você é uma mulher inteligente. Deve ser, pois se assemelha a mim. Não, uma mulher brilhante como você deve provavelmente saber quando um homem está obcecado por ela.
Ela engoliu em seco. Engasgou. Soou fraca.
— Obcecado. Não seja tolo. — Voltou a olhar para Sebastian. Ele não afastara os olhos dela. Não apenas durante todo o jantar. Antes disso, para falar a verdade.
— Interprete como quiser. Minha esposa muito provavelmente ofereceria um conselho agora. Alguma coisa adorável e direta como “se ele conhece o seu valor, provará a si mesmo ao tentar ser merecedor”, ou algo mais inteligente. Mas eu sou homem e, assim, menos inclinado a profundidades nestes assuntos.
— Então, qual seria o seu conselho?
Ele terminou o chá e esfregou seus lábios sensuais com o guardanapo. Ela notou que ele tinha cicatrizes na palma da mão, embora a cicatriz parecesse mais uma marca, espiral e floral.
— Você tem o peixe fisgado, Srta. Widmore. Completamente. Se quiser conquistá-lo, não terá muito esforço. Um simples sim seria suficiente, apostaria.
— V-Você não o conhece. Ele não está...
— Acontece que eu o conheço muito bem. Fomos amigos um dia.
— Um dia. O que causou a ruptura da amizade?
Seu olhar recaiu sobre os dedos que brincavam com a delicada porcelana.
— Eu estava agindo como um idiota. Ele teve a audácia de me pontuar isso. Apenas mais tarde eu percebi o que ele me deu. — Os olhos do homem encontraram sua esposa. O sorriso dele se apagou, o olhar aumentou a intensidade até Augusta quis se remexer no assento. — Por isso eu tenho uma dívida com ele. — Piscou, a intensidade se dissipou, encoberta por um sorriso encantador e indiferente.
Após o jantar, todos voltaram à sala de estar. A Srta. Chipperfield tocou o pianoforte. Lady Maria cantou. Ambas eram adoráveis — damas adoráveis, talentosas e apropriadas. E Augusta imaginou pelo menos cinco formas em que elas, junto com a Srta. Eversley, não estariam disponíveis ao casamento. A favorita fantasia dela na qual todas as três caiam em um tanque gigante de tinta. Verde. Ou roxa.
Provavelmente nenhum homem iria querer uma noiva roxa.
Glassington estava amuado em um canto da sala entre a lareira e as janelas. Ele conversou com a mãe de Lady Maria e lançou a Augusta ocasionais olhares nervosos. Assim que a Srta. Eversley tomou o lugar da Srta. Chipperfield no pianoforte, Augusta viu Glassington caminhar até Lorde Tannenbrook, que assentiu e lhe estendeu a mão. Ao seu lado, Lady Tannenbrook murmurou o que parecia ser algum tipo de gentileza que uma anfitriã dizia a um convidado de saída.
Esta era a chance de Augusta. Ela ficou próxima à porta da sala de estar desde que a Srta. Chipperfield começara a tocar. Agora, escorregou pelo corredor, seguindo em direção a seção escura logo antes de virar as escadas.
Ele gemeu de uma maneira pouco masculina quando ela falou seu nome.
— S-Srta. Widmore. Não a vi aí. — Ele vestiu o casaco e fingiu estar calmo. — Esperando pelo Sr. Reaver?
Ela cruzou os braços e lhe encarou.
— Não há necessidade. — Ela disse. — Ele me espera.
O verme engoliu em seco, sua cravat tremeu.
Honestamente, o que Phoebe achou de tentador naquele homem?
— Como ela está? — Ele perguntou, os olhos em suas botas. — A Srta. Phoebe.
Ela quis esbofetear o rosto inútil só de ele falar o nome de sua irmã.
— Como acha, milorde?
Ele não respondeu. Mas ela não esperava que ele respondesse. O comportamento dele era igual ao dia em que ela chegara na propriedade dele em Surrey, envergonhada e covarde. Na ocasião ele estava bêbado e ela continuou a acreditar que ele era um cavalheiro. Jovem e tolo em necessidade de magoar, mas um cavalheiro. Logo descobrira o contrário. No dia seguinte, ela seguira para Londres com uma miserável Phoebe a reboque e começou a descobrir tudo o que podia sobre Sebastian Reaver.
— E-eu deveria ir embora, Srta. Widmore, embora tenha sido um prazer ... argh!
Ela segurou o braço dele, apertando com força a carne logo acima de seu cotovelo. Ser uma lavadeira podia ser um trabalho humilhante, mas não havia dúvidas que isso tornara suas mãos mais fortes.
— Você não escapará, Glassington. Promessas foram feitas e promessas serão mantidas.
Ele puxou seu braço e recuou até o ombro bater na parede.
— Você pretende colocar Reaver em cima de mim? Exigir os pagamentos das promissórias?
— Talvez. — Disse calmamente. — A menos que possamos garantir a sua cooperação. — Melhor deixá-lo com a impressão que ela e Sebastian eram uma ameaça única do que um gigante e um incômodo separados.
O homem arrumou seu casaco e enfiou sua bengala no tapete. Depois elevou seu queixo no ar, a pose de uma criança desafiante.
— Você pode dizer a ela que terei os fundos em breve.
Várias respirações passaram antes que ela pudesse responder.
— Como?
Novamente, a cravat tremeu.
— Eu me casarei em breve.
Não, sua mente sussurrou e depois gritou. Não!
— Quando eu tiver em posse do dote dela, entrarei em contato com Reaver e acertarei as coisas propriamente.
— Quem é ela, Glassington — Augusta gritou. — Quem você está enganando desta vez?
— Diga a Phoebe que eu enviarei alguma coisa quando puder, para o bebê, sabe. — Ele se virou para afastar-se.
— Quem? — Augusta rosnou, mil abelhas ferroando por dentro. — Diga-me!
Mas ele seguiu até as escadas, desaparecendo de vista. Ela se inclinou contra a parede na escuridão com as mãos na boca.
Oh, Deus. Ele encontrou uma herdeira.
A única solução que poderia tornar o seu poder inútil.
Por um longo tempo, ela não se moveu. Mas finalmente o fez, respirando e arrumando as laterais dos cabelos. Encontrarei um jeito, ela disse a si mesma, como sempre fiz. Talvez ela pudesse descobrir o nome da herdeira. Visitá-la e explicar que tipo de verme Glassington era. Sim. Era isso.
Se pudesse descobrir o nome. E a mulher. E fazê-la ouvir a desonra de uma solteirona de Hampshire. De qualquer forma, não poderia ficar ali, fraca e desamparada. Ela devia... Devia se recompor. Atar as suas feridas. Não havia ninguém para carregá-la. Nunca houvera.
Augusta virou-se para seguir até a sala de estar.
— Onde esteve? — A voz retumbante e baixa veio da escuridão. Parecia profunda, calma e fria.
Ela deixou o silêncio cair entre eles antes de responder.
— Aqui.
— Encontrou-se com Glassington.
— Sim.
— O que ele disse?
Repentinamente, os eventos da noite explodiram como uma inundação. Eles atiravam do chão para seus pés, dos pés para as pernas, das pernas para o peito. A inundação se agitou e apressou-se a pressionar seus ossos. Isso a fez ofegar. A fez soluçar.
A armadura de aço já não a sustentava.
— Leve-me para casa. — Ela sussurrou, suas palavras se partindo enferrujadas.
— Augusta...
— Leve-me para casa. — Ela implorou. — Por favor, Sebastian. Por favor. — Ela não se importava em parecer digna de pena. Ela estava se quebrando e não queria estar na sala de estar de Lady Tannenbrook quando isso acontecesse.
Ele não disse mais nada, simplesmente segurou o seu braço e sua cintura, impulsionando-a ao longo do corredor até as escadas, depois até o vestíbulo, onde o mordomo dos Tannenbrook rapidamente chamou a carruagem. Lá fora, a tempestade que fora uma mera ameaça, agora era uma chuva de granizo gelada com trovões frequentes.
Ela estremeceu quando o vento jogou as pedras em seu rosto. Sebastian imediatamente a envolveu, recebendo a pior parte em suas costas enquanto a conduzia até a porta da carruagem. Ele a ergueu para dentro, onde se encolheu contra a parede forrada de couro e prendeu a respiração para evitar que a inundação dentro dela se libertasse.
Ainda não, pensou freneticamente. Ainda não. Não até que ela estivesse segura.
Ele entrou e bateu no teto com seu punho. Parecia que a tempestade entrara junto com ele, sombria, imponente e friamente furiosa.
Impossível esperar até que ela estivesse segura. A inundação estava transbordando. Ela cobriu o rosto enquanto a carruagem saltava em frente. À distância, ouvia sua própria respiração entrecortada, os soluços baixos e piedosos enquanto a inundação rachava sua cota de malha, placa de aço e ossos.
— Augusta. Por Deus, mulher. Não.
Ela não conseguia parar.
Ele a ergueu. A pegou em seus braços e sobre seu colo, agarrando-a tão apertada que mal podia respirar.
— Por favor, amor. Não chore.
Não havia como parar. A cabeça dela pousou sobre o ombro dele, suas mãos seguraram o casaco preto elegante. A inundação a afogava e nada poderia impedi-la agora.
CAPÍTULO 17
“Nós todos temos provações, meu querido menino. Já mencionei quantas criadas fui forçada a dispensar?”
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta de resposta do cavalheiro citado sobre suas reclamações referente ao aumento da frequência de certas correspondências.
Sebastian Reaver experimentara muitos tipos de dores em sua vida. Um nariz quebrado, duas vezes. Pancadas e doenças. Fome e sede. Luxúria frustrada e profundas traições. A morte de sua família.
Nada fora mais agonizante do que segurar sua forte e capaz Augusta enquanto ela se desfazia. Nada. Nunca.
Ela fora incapaz de falar, seus soluços raros e relutantes, sua respiração tão difícil, como se ela tivesse lutado quarenta minutos com Rude Mayhem. Ele a carregou ao quarto, a despiu até ela ficar só de chemise, a colocou na cama e sentou esperando que adormecesse.
Agora ele não conseguia deixá-la. Inclinou-se para frente em uma poltrona, os cotovelos sobre os joelhos e a assistiu respirar. Ele não sabia o que fazer. Nenhum dos seus planos tinha dado certo esta noite e, mesmo agora, seu ódio assassino por Glassington o consumia como ratos sobre os restos de comidas de uma taverna.
Ele se balançou no lugar, tentando enfrentar a dor dela. Tentando evitar imagens provocadoras de Glassington pondo as mãos sobre ela. Esperando uma solução que tornasse Augusta Widmore sua para sempre.
O seu objetivo fora provar a ela que poderia lhe dar tudo o que Glassington daria e muito mais. Que ela não precisava perseguir outro homem, porque ele aceitaria alegremente o papel detestável de possível herdeiro de um título que era importante para ela. Ele se mudaria com ela para Derbyshire, compraria vinte mil acres, um maldito palácio e falaria com a mesma dicção de Shaw.
Faria qualquer coisa se ela concordasse em ser dele.
Mas seus planos foram um desastre desde o início. Primeiro, ela se sentiu humilhada pelas visitas de Tannenbrook — visitas que Reaver não tinha conhecimento. Durante o jantar, ele confrontara Tannenbrook, que lhe explicara.
— Foi ideia de Viola. Quando descobriu sua fixação, a excitação dela a respeito da Srta. Widmore tomou conta e ela quis conhecê-la. Lady Wallingham seguiu o rastro e insistiu em nos acompanhar. Alegou que o fato de ela ficar ao lado da Srta. Widmore seria uma benção, caso houvesse alguma dúvida sobre as acomodações da Srta. Widmore. O que é verdade, mas não deveria ter permitido. Sinto muito, Reaver. Viola quis fazer o bem. Ela admira muito a Srta. Widmore.
Reaver compreendera, mas alertara Tannenbrook que se Augusta fosse colocada naquela posição novamente, eles trocariam mais do que palavras duras.
Tannenbrook sorrira e assentira, fechando as mãos no ombro de Reaver.
— Aye. — Disse simplesmente. — Faria o mesmo.
Mais tarde, Reaver observara Augusta mover-se de conversa em conversa com a postura perfeita, mesmo quando ficou pálida e contrita. Quando Glassington entrou e seus olhos se fixaram no outro homem, fervendo com alguma emoção veemente, ele amaldiçoou cada centímetro de si mesmo. Que diabos ele estava pensando?
Você queria possuí-la, era isso, pensou. Perdera a paciência com a espera e escolheu confrontar em vez de persuadir. Agora, enquanto a respiração de Augusta estava entrecortada e estremecida como resultado do seu colapso, percebeu como a machucara. Sem querer, ele ferira a mulher que desejava proteger. E ainda não entendia como Glassington a prendia.
Passou a mão pelo cabelo e soltou o ar, frustrado. No quarto silencioso, em meio ao vento, granizo e trovões distantes do lado de fora, ouviu uma batida baixa na porta do quarto de Augusta. Curioso, ele se levantou e a abriu, revelando ser o garoto que Augusta tinha levado.
Deus, a mulher tinha o coração mole embaixo de toda aquela luta.
— Ela está dormindo, menino. — Disse, mantendo a voz baixa.
— Eu sei. — Ash murmurou, espreitando pela perna de Reaver. — Ela está... bem?
Levou um momento para responder.
— Ela ficará. — Ele quis dizer como se isso fosse uma promessa, uma que ele pretendia manter.
O garoto assentiu.
— ‘A Sra. ‘Iggins mi enviou. Há um homi pra vê ocê. Diz ter uma mensagi que ocê dévi uvir’.
Reaver deixou Ash observando Augusta e desceu as escadas. Encontrou Shaw, ensopado e gotejando, secando o rosto com uma toalha oferecida pela Grande Annie.
— Obrigado, Sra. Higgins. — Shaw disse tranquilamente, devolvendo a coisa úmida e colocando seu chapéu na mesa perto da entrada.
— Trarei chá, você quer?
— Obrigado, mas não. Não ficarei por muito tempo.
Reaver franziu a testa enquanto a governanta assentiu e saiu.
— Shaw. — Falou bruscamente. — O que aconteceu?
— Recebemos notícias de Drayton. — O rosto do outro homem tinha uma aparência estranha. Fria. Vazia. Dura como uma lâmina de aço. Reaver não via Shaw deste jeito desde a juventude deles, logo após a chegada dele em Londres. — É sobre Glassington.
— Conte-me.
— As circunstâncias são bastante diferentes do que imaginávamos. — Ele começou, tirando as gostas de suas mangas com uma estranha pretensão de indiferença. — As irmãs Widmores conheceram Glassington em uma festa em junho. Ele aparentemente, era considerado um bom partido pela nobreza local. Jovem. Titulado. Você entende. Logo ele pôs os olhos sobre uma dama em particular e a mútua admiração incitou especulações sobre um compromisso. Alguns diziam que eles tinham um acordo, mas nada foi anunciado. — A voz de Shaw estava tão fria e monótona quanto sua expressão.
Reaver se aproximou, esperando ver os olhos de seu amigo. Pareciam torturados. Assombrados. Perto da loucura.
— Shaw. O que diabos...
— Em Agosto, ele partiu de Hampshire para Londres e os rumores de um noivado diminuíram. Como sabe, Glassington em seguida visitou o clube com um amigo e perdeu sua fortuna. Depois disso, ele se retirou para sua propriedade em Surrey para se afogar em conhaque e autopiedade. — Os lábios de Shaw curvaram-se em um canto. Só que não era um sorriso. — Mas à dama a quem ele admirou não foi permitido esquecê-lo. Pois ela ficou com uma lembrança de sua corte. Ela, ou mais apropriadamente, sua irmã, escreveu-lhe cartas urgentes. A resposta dele foi menos do que satisfatória. O vil filho de uma puta admitiu ser pai do bebê, mas se recusou a reconhecer que prometera casamento. E a dama e sua irmã partiram sem nenhuma outra opção a não ser viajar até Londres...
— Não.
—... e coagir o dono das promissórias de Glassington a...
— Não, por Deus. Ela não pode estar grávida. — Isso o destruiria. Ela era dele.
— Não. — Shaw falou suavemente. — Augusta não está grávida.
O silêncio caiu. Distante, Reaver ouvira o ruído das botas dos lacaios enquanto eles faziam suas tarefas. O relincho de um cavalo na praça do lado de fora. O tamborilar do granizo e a corrente de vento. E tudo ao mesmo tempo que as engrenagens soavam e giravam, encontrando o caminho para o lugar certo.
Phoebe estava grávida. Ela fora seduzida por Glassington, recebeu promessas de casamento e foi abandonada sozinha com o bebê.
Augusta nunca quisera Glassington para si. Ela precisava que ele se casasse com Phoebe, para garantir que o bebê nascesse do lado certo do cobertor e que sua irmã se tornasse esposa — condessa — antes que alguém descobrisse sua condição.
O alívio que ele sentiu foi tão profundo que sua visão foi inundada. Alívio e triunfo.
Ela era dele. Augusta era dele.
O porquê de ela nunca ter lhe dito a verdade, não sabia. Provavelmente ela pensou que estava protegendo Phoebe, mas não importava. Nada importava agora.
Ele teria Augusta como sua esposa. Ele seria um abrigo para ela e sua irmã. Maldição. Ele enforcaria Glassington com sua própria cravat até que o homem cumprisse o dever com Phoebe e com a criança.
— Ele disse mais alguma coisa? — Reaver perguntou, imaginando o que causara o tormento em Shaw.
Os lábios do outro homem se retorceram amargamente.
— Um aviso. Glassington tem levantado o seu chapéu para outra mulher. Uma herdeira chamada Srta. Elder. O pai dela é um comerciante de carvão de bolsos bem cheios. Ela é filha única, então o dote é bem expressivo. Maior do que a metade que Glassington perdeu.
O estômago de Reaver endureceu.
— Maldição, inferno sangrento.
Os olhos de Shaw recaíram sobre suas botas. O sorriso torcido desaparecera, deixando sua boca reta e apertada. Ele pegou o casaco e recolheu uma carta dobrada, jogando-a sobre a mesa da entrada antes de recolher seu chapéu.
Reaver franziu o cenho diante das folhas úmidas e depois para seu amigo.
— Shaw...
Mas Shaw não ouvia. Estava saindo.
— Drayton envia suas desculpas pelo atraso. O assunto exigiu muitas viagens e uma investigação mais profunda do que antecipara. — Shaw retornou o chapéu para a cabeça e abriu a porta. — Parece que ambas Srtas. Widmore possuem um talento admirável para manter segredos.
Ignorando os pedidos para que ficasse, Shaw saiu sem dizer outra palavra.
Reaver passou o restante da noite andando de um lado para o outro em seu quarto e vasculhando o relatório de Drayton. Era precisamente como Shaw contara. Phoebe Widmore fora engravidada e deixada para carregar o bastardo de Glassington. Augusta, seguindo o mesmo padrão desde que era criança, fez tudo em seu poder para acertar as coisas, para proteger Phoebe das consequências.
Agora, Reaver pretendia proteger as duas. Mas antes, deveria persuadir Augusta para que permitisse isso. Uma mulher muito orgulhosa para admitir que lavava roupas poderia ficar um bocado teimosa a respeito de se submeter a sua exigência por casamento. Especialmente quando ela resistia a ficar sob os polegares de um homem por muito tempo.
Não, pensou enquanto andava e ponderava, ela precisava de um marido. Mais especificamente, precisava dele. O fato era que ela pertenceria a ele pelo resto de seus dias era um mero preço que ele exigiria.
Viu-se rindo em uma onda de satisfação. Aye. O resto de seus dias.
Ele não dormiu bem naquela noite, algumas horas, talvez algumas horas, com visões inquietas e depravadas do corpo nu de Augusta e tudo o que ele planejava fazer com ele.
Apesar da falta de descanso, ele acordou na manhã seguinte com propósito, seu sangue palpitava como acontecia antes de uma luta. Ele se banhou, fez a barba, vestiu-se e procurou ouvir sons de Augusta no outro quarto.
Estremecendo ao não ouvir nada, ele desceu para o café da manhã. Ela estava sentada na mesa da sala, seu cabelo ordenadamente preso com grampos, usando um vestido azul-claro de mangas longas e um xale branco. Estava pálida, mas composta.
Seu coração chutou e disparou diante da visão dela.
— Augusta.
— Sebastian. — Ela silenciou-se após o cumprimento, os olhos sobre seus ovos. Ela não comia, apenas mexia a gema pelo prato.
Ele quis segurá-la em seus braços. Dizer-lhe que agora entendia, eu ele a manteria em segurança. Manteria Phoebe em segurança também. Em vez disso, ele se armou para uma briga.
Augusta não era uma criatura delicada que ficaria feliz com uma intervenção masculina. Ficaria inclinada a resistir à sua proposta. Deveria aplicar alguma pressão nos lugares e graus certos, assim como faria em qualquer luta com um oponente digno.
— Temos um assunto a discutir. — Ele começou, sentando-se e servindo-se de café.
— Assunto?
— Glassington.
Ela raspou o garfo com mais força e parou. O deixou ao lado do prato e tranquilamente levantou o rosto e uma sobrancelha.
— Oh?
— Eu sei porque precisa das promissórias.
Ela fungou.
— Claro que sabe. Eu já lhe disse...
— Sei sobre Phoebe. Que ela carrega o filho de Glassington.
Ela o encarou, sua respiração era compassada, porém acelerada.
— Onde descobriu isso?
— Um detetive da Bow Street. Eu queria compreender sua conexão com Glassington, então eu enviei o homem para Hampshire. O relatório dele chegou ontem. — Deliberadamente, ele tomou um gole de café. Era requintado e suave. Augusta assegurou-se para que sempre fosse servido conforme o gosto dele.
A mulher não tinha ideia de quão longe ele iria para mantê-la. Mas em breve descobriria.
As mãos dela se curvaram e apertaram a mesa.
— E?
Ele abaixou a xícara.
— E eu pretendo fazê-lo obedecer-me.
Ela abriu a boca, piscou duas vezes.
— Você pretende?
— Ã-hã. Por um preço.
— Qual o preço?
— Você.
— Eu?
— Pare de repetir tudo o que eu digo.
— Bem, comece a fazer sentido!
Lentamente ele sorriu.
— Estou sendo claro. Você que ainda não entendeu.
Os delicados músculos de seu queixo flexionaram-se.
— Explique, então.
— Forçarei Glassington a casar-se com Phoebe. — Deu outro gole em seu café e inclinou-se para frente, assim ela não perderia seu próximo movimento. — Se você se casar comigo.
*~*~*
Ele enlouquecera? Ou fora ela? Augusta não tinha certeza. Atualmente, o chão era o teto e o teto virara geleia sem forma e profundo.
Ela estava se afogando.
E ele queria — não, exigia — casar-se com ela. O que ele poderia estar pensando?
— Isto é de longe o maior absurdo que já foi sugerido. — Ela respondeu ao recuperar o fôlego. — Pior do que tomar chá no Gunter’s.
Ele franziu o cenho.
— O Gunter's foi ideia de Frelling.
— Eu sabia.
— Não é um absurdo.
— É, já que temos um chá melhor aqui...
— Quis dizer o casamento.
Ela apertou os lábios e ergueu o queixo.
— Você não deve se casar com uma solteirona desonrada.
— Por que não? É ela quem eu quero.
Ela se retesou, seus músculos se contraíram no esforço de resistir a ele.
— Ela não é uma condessa apropriada para Elijah Kilbrenner.
Os olhos de ônix brilharam e se estreitaram. Dedos longos e grossos cuidadosamente apoiaram sua xícara da Wedgwood no pires.
— É ela quem eu quero. — Ele repetiu. — Ela tem que decidir se o preço que ela busca vale o custo que exijo. O resto é problema meu, não dela.
Ela cerrou os dentes, as duas mordidas no bacon que ela comeu antes descansava mal em seu estômago.
— Mas você terá que suportar o desprezo. Assim como eu.
Os olhos dele ficaram mais duros e furiosos.
— Não. Você não será desprezada. Compreende?
Era ele quem não compreendia. A desonra era um ácido corrosivo. Acabava com tudo ao longo do tempo, até mesmo com as pedras.
Mesmo assim, sua objeção era infrutífera. Ela podia ver que Sebastian traçara seu plano por razões que ela não entendia. No fim, havia realmente uma escolha? Ela poderia suportar qualquer coisa pelo bem de Phoebe. E ele oferecia a ela tudo o que ela queria, incluindo ele próprio.
— Glassington planeja casar-se com uma herdeira. — Falou com severidade. — Como pretende lidar com essa contingência, Sr. Reaver?
A boca dele curvou-se em um meio sorriso, inesperado e vergonhosamente excitante.
— Isto é algo para eu lidar. Você precisa apenas se preocupar em escolher qual vestido usará no casamento amanhã.
Ela piscou.
— Amanhã?
— Lá vem você repetindo novamente.
— N-nós não podemos nos casar amanhã.
— Por que não?
— Os proclamas.
— Não precisamos dele. Tenho uma licença.
— Como? Uma licença requer pelo menos uma semana...
— Eu adquiri uma, três semanas atrás.
Ela não respondeu. Ele a surpreendera. Completamente atordoada.
— Sim, Gus. Todo este tempo. Oh, a propósito, tem mais uma estipulação. Poder chamá-la de Gus. E poder tocá-la do jeito que me agradar.
Ele roubou seu ar. Seu coração disparou quando ele fixou o olhar no dela, escuro como Hades.
— Eu tenho alguma opinião sobre os termos deste acordo?
Ele se recostou e cruzou os braços sobre o peito.
— Faça suas exigências, Srta. Widmore.
Ela o mediu de cima a baixo. Ela queria tantas coisas. Pelo menos um beijo por dia. A chance de tocar o peito nu sempre que desejasse. A promessa de que quando ela tivesse se afogando, sempre encontraria conforto em seus braços. Mas ela devia focar no que era mais importante.
— Primeiro, quero um lar permanente para Ash. Aqui. Ou em qualquer lugar que formos.
— Feito. Próximo?
— Meu chalé. Quando nos casarmos, tudo o que é meu se torna seu. Desejo reter a propriedade dele.
— Não.
Ela o fulminou e cerrou os dentes.
— Por que não?
— Porque você deseja manter o chalé assim terá um lugar para onde correr, caso decida partir. — A voz dele ficou mais baixa, os olhos mortalmente sérios. — Não permitirei que vá embora, Gus. Você ficará e lutará. E eu juro que a luta será justa. Ouvirei e nós faremos outro acordo, você e eu. Nós faremos tantos acordos que forem necessários. Mas você não irá embora. Entendeu?
Odiando como ele cavara por baixo de suas raízes e expôs tudo o que escondia, ela abaixou o rosto e assentiu.
— Bom. Outros termos?
— Uma carruagem nova. Mais alta. Uma em que caiba perfeitamente.
Ele sorriu, lenta e sensualmente.
— Feito. Algo mais?
—Lady Tannenbrook está muito ansiosa por sua visita a Shankwood Hall. Gostaria de prometer que você irá.
— Quando?
— Quando for possível. Ano que vem, talvez?
— Concordo. Com uma condição. Você deve me acompanhar. Será minha esposa, afinal.
Verdade. Ela seria a esposa dele. Começando por amanhã. Bons céus.
— Muito bem. — Ela respondeu. —Tenho uma última exigência.
— Você é certamente irritante, mulher.
—Quero saber como Elijah Kilbrenner se transformou em Sebastian Reaver. Quero saber porque mentiu para mim.
Dedos grossos tamborilaram ao longo da borda da xícara enquanto ele lhe lançava um olhar calculador.
— Essa é uma história bastante longa, Gus. E uma que não é particularmente agradável. Tem certeza que deseja ouvi-la?
— Sim. — Ela queria. Precisava entendê-lo, porque naquele momento, ele parecia totalmente imprevisível.
— Aye. Contarei. Depois do casamento. — Ele ergueu um dedo quando ela começou a se opor. — Este é o acordo, Gus.
— Muito bem. Temos um acordo. — Ela se levantou e deu a volta da pequena mesa e estendeu a mão. — Confio que manterá a sua palavra, Sr. Reaver, assim como manterei a minha.
Ele olhou para baixo e balançou a cabeça.
— Não é assim que eu selo um acordo com uma esposa.
Engolindo em seco através da garganta seca, ela respondeu:
— Não sou sua esposa ainda.
O olhar dele colidiu com o dela.
— Em breve. — Com isso, ele segurou a mão dela e a puxou para entre os seus joelhos. Então, suas mãos foram para a sua cintura. — Beije-me. Mostre-me o que quer dizer com ‘cumpro as minhas promessas’.
— Eu sempre mantenho as minhas promessas.
— Então, não deve ser difícil beijar o homem que pretende tomar como marido.
Não, não era difícil. Ela queria isso com todo ser. Este era o problema. Ele a deixava fraca.
— Beije-me, Gus. — Murmurou com uma estranha intensidade.
Lentamente, ela tomou o rosto dele em suas mãos. Ela acariciou o queixo suave e barbeado com uma fenda profunda. Ela traçou os lábios definidos e nariz recolocado no lugar.
— Tem certeza? — Ela sussurrou, os olhos procurando os dele.
Seus dedos cravaram na cintura dela. Puxou-a para mais perto. Segurou-a com mais força.
— Aye.
Ela abaixou a cabeça e gentilmente roçou os lábios dela com os seus...
A sensação dos lábios dele sempre a surpreendia, firmes e suaves. Moveu-se para moldar-se aos deles. A primeira vez que ela os sentiu, perguntou-se como duas bocas podiam combinar tão perfeitamente. Agora, ele a surpreendeu ao deixar que ela conduzisse. Ela respirou sobre ele. Mordiscando e acariciando. Então, ela ficou mais ousada. Corada. Quente. Ela deslizou sua língua contra os lábios dele. Para frente e para trás. Ele se abriu para ela que deslizou para o interior de sua boca.
Suas mãos moveram-se para a nuca dele, espalhando-se entre o cabelo escuro e grosso. Ainda curto, porém mais longo. Longo o bastante para permitir que ela o agarrasse e tivesse mais de sua boca. E ela o fez. Oh, como ela fez. E não foi tudo. Pressionou seus seios doloridos contra ele, acariciando com sua língua desejosa a dele, aspirando profundamente o aroma dele.
E ansiava mais.
Ele a afastou. Segurou os pulsos dela e a moveu para trás. Mas estava ofegando. Respirações pesadas moviam seu peito. Manchas vermelhas cobriam as maçãs de seu rosto.
— Deve ir, Augusta.
Ela não queria ir. Ela queria beijá-lo novamente.
— Por favor, amor. Eu preciso... — Ele blasfemou e fechou os olhos. — Esperarei até que seja minha esposa. Eu esperarei.
Lentamente, ela sorriu, sentindo-se estranhamente vitoriosa. Inclinando-se para frente, ela sussurrou em seus ouvidos:
— Em breve, hein, Reaver?
CAPÍTULO 18
“Não é mais necessário? Meu querido Sr. Kilbrenner, o casamento é um cenário mais perigoso do que a conquista e muito menos tolerante que as fraquezas de um homem. Você precisa agora mais do que nunca, garanto-lhe”.
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta respondendo à precipitada e desaconselhável rejeição de um conselho pelo cavalheiro citado.
Do pórtico da igreja de St. Marylebone, Phoebe assistiu sua irmã subir na carruagem preta do Sr. Reaver, auxiliada pelas enormes mãos de seu, agora, marido. Eles ficavam estranhamente bonitos juntos, Augusta magra, elegante e iluminada em um vestido de prata brilhante e fino chapéu com véu. Sebastian um sombrio e místico gigante usava um casaco de lã preto, cravat branca e uma expressão intensa.
Phoebe lutou para o ar passar pelo seu peito que doía. O ar estava frio e úmido, as ruas molhadas por causa de tempestade da noite. Ela apertou o buquê de rosas vermelhas e puxou o xale com mais força ao redor dos ombros.
Augusta fizera aquilo por ela. Mais uma vez, Phoebe forçara a sua irmã a ficar em pé como um escudo. Seu único consolo era que, embora parecesse impossível, Augusta considerava o seu casamento com Sebastian Reaver mais um prêmio do que uma punição.
Ela o amava. Se Phoebe duvidasse das garantias de Augusta durante a conversa que elas tiveram pela manhã, não teria dúvidas ao ver sua irmã entrando na igreja e caminhando em direção a Reaver. Augusta parecia estar iluminada por dentro. Seus olhos brilhavam e derretiam-se como prata no fogo de um ferreiro, líquido e suave.
Igualmente, os sentimentos de Reaver estavam à mostra. O rosto dele estivera duro, a mandíbula flexionada, mas o olhar fizera o coração de Phoebe se contorcer. Ele observara Augusta durante toda a cerimônia, olhos negros obsessivamente percorrendo as feições dela, como se testemunhasse alguma coisa rara e maravilhosa.
Ele cuidaria muito bem de Augusta, não duvidava. E, como Augusta explicara, ele pretendia ajudar Phoebe também.
— Sebastian usará as promissórias de Glassington. — Ela falou após acordar Phoebe quase de madrugada para inundá-la com uma série de revelações chocantes. Primeiro, revelou que Reaver sabia de tudo: do bebê, da tolice de Phoebe, dos esforços de Augusta em levar Glassington ao altar. Ele até mesmo sabia sobre o Sir Phillip e Georgiana, sobre o quanto Phoebe e Augusta lutaram para esconder o estado de pobreza.
Imediatamente, Phoebe se perguntou se Adam sabia daquelas coisas também. Ela não foi capaz de evitar e perguntou, disposta a suportar as suspeitas de Augusta. Quando soube que Adam sabia muito do assunto, inclusive sobre o bebê, Phoebe desmaiou. Como nunca desmaiara antes, achou a experiência enervante. Ela acordou nos braços de sua irmã, sendo embalada e acariciada.
Por um tempo, Augusta ficara frenética sob a sua usual superfície calma e dominadora. Seus dedos tremeram nas costas e nos braços de Phoebe enquanto elas foram em direção ao sofá para tomar chá e biscoitos de gengibre. Esse deve ter sido o motivo pelo qual levou outros dez minutos para Augusta lhe informar que iria se casar com Sebastian Reaver -cujo nome real era Elijah Kilbrenner e cujo parentesco o colocava na linha de sucessão como herdeiro do Conde de Tannenbrook — na St. Marylebone naquela mesma manhã.
Phoebe selecionara seu melhor vestido de musselina, o branco com pequenas flores de prímulas e folhas verdes. Depois ela abraçou Augusta com força e a fez jurar que o casamento era algo que queria.
— Eu o amo, Phee. — Augusta confessou em um sussurro rouco. — Tanto que mal posso respirar.
Agora, enquanto o calafrio passava por seu xale e zombava das finas camadas de musselina e do algodão de suas anáguas, Phoebe olhou além da cerca de ferro para onde a carruagem de Reaver seguia.
— Deveria esperar no interior da igreja. — Veio uma voz nítida e masculina por trás dela. — Poderá encontrar a sua morte aqui.
A voz dele era tão fria quanto o vento. Isso a revirava por dentro, aprofundando as rachaduras e buracos até que ela sentiu cada um deles como um corte.
— Já suportei piores. — Respondeu, Então, incapaz de evitar, ela olhou por cima do ombro. Aqueles amáveis olhos dourados como o âmbar estavam, fixos sobre ela. — Você... Você vai ao café da manhã?
A boca de Adam se retorceu.
— Eu devo, não é? Padrinho e tudo mais.
— Adam, eu... — Ela engoliu em seco e se virou para olhar para ela. — Sinto muito.
— Por?
— Não ter contado a verdade.
Os olhos dele vagaram para um ponto acima do ombro dela e seu rosto endureceu.
— Sim. Um pouco chocante. Embora eu devesse ter percebido isso.
— Você merecia saber.
Ele piscou. Inclinou a cabeça. Focou nela.
— Por quê? Não sou nada para você.
— Pelo contrário. — Ela respondeu, sua voz trêmula e distorcida. — Você é tudo para mim. — Seus olhos se encheram de lágrimas. Ela as limpou com impaciência. — O que quer que ocorra, deve saber disso.
Ele franziu a testa. Aproximou-se dela.
— Phoebe.
— Você está certo. Eu devo entrar.
Ela se movimentou para passar por ele, mas foi segurada pelo cotovelo. Ele se aproximou, diminuindo o frio.
— Você deseja se casar com ele?
— Não tenho escolha.
— Mas você deseja?
Ela encontrou os olhos dourados e brilhantes.
— Há apenas um homem com quem desejo casar-me. E eu o encontrei muito tarde.
A surpresa envolveu sua bela fisionomia. A respiração acelerou. Ofegou pesado.
— Você não deve imaginar que minha consideração por você foi falsa. — Ela disse. Seus olhos fecharam e sua voz sumiu. Após um momento, ela se recompôs, embora várias lágrimas formigaram enquanto caiam por seu rosto. — Nada poderia ser mais verdadeiro.
Atrás deles soou o ruído de rodas e cavalos se aproximando.
— Phoebe. — Ele sussurrou.
— Devo ir.
— Eu... Deus, Phoebe. Eu desejo...
— Eu sei. — Ela sorriu para ele através das lágrimas. — Eu desejo o mesmo. — Sua mão foi coberta pela dele, acariciando ternamente. — Se apenas o desejo resolvesse.
Sua mandíbula se apertou. Os olhos se estreitaram e recaíram sobre os ombros e braços dela.
— Você não tem comido adequadamente.
— Meu apetite fugiu. Tive uma discussão terrível com um amigo querido, percebe?
Seus olhos encontram os dela.
— Coma. Pelo bem do bebê, se não pelo seu.
Ela assentiu e falou em direção às rosas em suas mãos.
— Eu sentirei a sua falta. Pelo resto da minha vida, Adam Shaw. Muito depois de me esquecer, haverá uma mulher em algum lugar em Londres cujo coração será seu.
Ele afastou as mãos.
Ela se virou cegamente e desceu os degraus, aceitando a ajuda do lacaio para entrar na carruagem. Então, como se fosse empurrada, encontrou forças para olhar para trás, para o seu lindo amigo indiano. Ele estava parado olhando para ela com a mais peculiar expressão.
Era a fisionomia de um homem que enterrara sua mãe, cruzara o oceano até as costas inglesas, lutou para obter seu espaço, centímetro por centímetro. Um homem que se recusava a deixar que qualquer coisa o tirasse do caminho do seu desejo.
Sua aparência era de uma resolução ardente. E para um momento, apenas por um momento, Phoebe se perguntou se não estava errada.
Talvez ela não o tenha encontrado tarde demais. Talvez ela não desistisse tão rápido.
*~*~*
Horas depois de Augusta dizer os votos a Sebastian, ela o perdeu de vista. Aconteceu enquanto ela ouvia o relato animado de Ash de um encontro com Lady Wallingham.
— ‘Ela disse qui se visse eu pegá ôtro pedaço di bacon, bateria no meu traseiro! Sinhô, aquela dama é braba. Então eu disse a ela qui u bacon era prus convidados’, o que ela me respondeu: ‘convidados, não carne de ouriço da chaminé’.
Augusta abafou o riso diante daquele conto de arregalar os olhos.
— E você, de verdade, tentou pegar outro pedaço de bacon?
— ‘Oh, aye. Mas esperei inté qui ela num tivesse veno. Mas eu o perdi.’ — Ele coçou a cabeça. — ‘Num sei u qui aconteceu. Um minuto tava ali depois sumiu. Tenho minhas suspeitas. A velha cum a pena nu chapéu parecia muito feliz com ela mesma. Senti um ‘repio na ispinha, num tenho vergonha di contar’.
Desta vez Augusta não segurou a gargalhada. Ela bagunçou o cabelo do garoto.
— Suspeito que tenha sorte de ter evitado um traseiro dolorido. Lady Wallingham não é fácil de lidar.
Ele bufou e sacudiu a cabeça.
— Verdade como as palavras de Deus, Lady Reaver. Pelas palavras de Deus.
— Sra. Kilbrenner, Ash. — Ela o corrigiu gentilmente.
— ‘Nah. Um bucado grande. Gosto di Lady Reaver’.
Ela suspirou, escolhendo não discutir aquele assunto.
— Você tem o seu próprio quarto agora. — Ela ergueu o queixo e lhe olhou com preocupação. — Confio que dormirá lá e não fugirá novamente.
— Aye. Prometi, num prometi?
— Sim, prometeu. Agora espero que mantenha a promessa.
Ele resmungou entre os dentes.
— Algo a dizer, Ash?
— ‘Nah. Algo im minha garganta’.
Alguns minutos depois a Sra. Higgins levou Ash para ajudar no serviço de lavar as bandejas na sala de jantar e Augusta se descobriu sozinha na sala de estar, todos convidados já tinham ido embora.
Foram poucos os que foram à cerimônia, mas todos foram graciosos e bondosos, até mesmo Lady Wallingham. Lorde Tannenbrook abraçara Sebastian ao redor dos ombros e simplesmente dissera:
— Muito bem, homem. Muito bem.
Lady Tannenbrook a puxara de lado para se desculpar por qualquer desconforto que Augusta possa ter sentido no jantar.
— Eu tinha feito todos os arranjos antes de conhecê-la. Mas quando Elijah me informou que levaria uma convidada, já havia convidado as três jovens da minha lista de potenciais candidatas a esposa. Claro, todos puderam ver o quanto Elijah adora você, assim não houve nenhum mal entendido por parte das damas. Mas quando saiu repentinamente, ocorreu-me que você...
— Não se preocupe, minha senhora. Você foi muito bondosa. Sou eu quem devo me desculpar por sair abruptamente.
— Bobinha. Estou nas nuvens por você e Elijah. E chame-me Viola. — Olhos azuis pestanejaram. — Tenho o pressentimento que seremos grandes amigas.
Os cumprimentos de Lady Wallingham foram mais pomposos e menos carinhosos, embora Augusta tenha tido a sensação que ela ficou feliz com a união.
— Agora, minha querida, sua verdadeira tarefa começa.
— Verdadeira tarefa, minha senhora?
— Domesticar esse jogador em algo parecido com um cavalheiro. Pode começar corrigindo sua pronúncia. Bons céus, uma pessoa pode estremecer só em pensar em uma linguagem que se adequa melhor às docas, ecoando na Câmara do Lordes como um pianoforte mal ajustado.
Augusta apenas sorrira e encontrara os olhos pretos de Sebastian ardendo do outro lado da sala.
— Humm. Eu gosto da pronúncia dele, minha senhora. E receio que se alguém insistir em mudá-la, ficaria muito irritada na verdade.
A dama resmungou e mudou de assunto para o seu neto, que já começara a falar e cuja dicção era uma demonstração de sua herança superior. Muito diferente do filho de Lorde e Lady Rutherford, que era alguns meses mais velho e já demonstrava sinais dos jeitos dissolutos de seu pai.
A isso, Lorde Rutherford respondeu:
— Sim, ele é um libertino e eclético ao flertar com as mulheres. Contudo, um menino deve começar cedo se deseja ser um mestre no assunto, não deve?
Lady Rutherford deu um sorriso carinhoso ao marido.
— São os olhos. Quem pode resistir?
Agora, Augusta suspirava, observando através da janela enquanto a carruagem de Lorde e lady Rutherford deixava a Cavendish Square. Eles eram os últimos convidados. Phoebe levara seus pertences do clube para o quarto de convidados no terceiro piso um pouco antes do casamento. Augusta não quis arriscar a reputação de sua irmã ainda mais do que o necessário.
Agora, Phoebe vagava pela sala de estar, parecendo mais pálida e cansada.
— Foi uma cerimônia adorável, Augusta. — O sorriso era doce, apesar dos olhos tristes. — Estou muito feliz por você.
Augusta se aproximou dela com um vinco em sua testa.
— Está preocupada com Glassington, Phee? Não há necessidade. Sebastian irá...
— Eu sei. Estou exausta, isso é tudo. Alguém me acordou ao amanhecer para que eu fosse a um casamento.
— Ser acordada cedo é terrível. As corujas sabiam melhor do que ninguém.
De súbito, Augusta foi tomada por uma necessidade de abraçar sua irmã. Ela agarrou Phoebe em um abraço, longo e apertado, igual quando eram pequenas.
— Eu te amo, Phee. — Sussurrou. — Tudo ficará bem, agora. Entende? Ficará segura. Seu filho ficará seguro. Prometo.
Phoebe ficou quieta por um momento, e quando falou, sua voz era fraca e trêmula.
— Não, Augusta. Eu prometo. Você me ama tanto que eu... Eu deixei que se sacrificasse por muito tempo. Preocupe-se com a sua felicidade, querida irmã. Seu tempo como Guardiã Noturna acabou. Agora é minha vez de manter a vigilância. Por mim. Por meu filho.
Assustada com as declarações, Augusta a afastou. As bochechas de Phoebe estavam úmidas, porém os olhos eram solenes. Firmes. Ela quis dizer exatamente aquilo.
Que bobagem.
— Eu sempre vou cuidar de você. — Augusta disse com emoção. — Esse é o significado do amor. Não posso simplesmente parar. — Ela acariciou a bochecha de Phoebe. Então encostou a sua testa na da irmã e sussurrou. — Enquanto eu viver, você terá um lugar seguro. Seu filho, que é meu sangue, terá um lugar seguro. O que quer que aconteça, Phee.
— Eu te amo, Gus. — Phoebe segurou a mão dela e a beijou. — Sempre. — Então se afastou e deixou a sala.
Levou um longo tempo até Augusta se recompor e para que o nó em seu peito se afrouxasse. Quando isso aconteceu, começou a se perguntar onde Sebastian fora. Ela foi em sua busca, primeiro perguntou à Sra. Higgins, que apareceu com as suas mãos cheias e Ash tagarelando ao lado, e depois para Teedle. O velho mordomo sorriu.
— Ah, claro, Sra. Kilbrenner. Ele está no escritório.
A surpresa a atravessou. Surpresa e descontentamento.
— No escritório?
— De fato, madame. Acredito que ele estava procurando por uma sala calma para ler as correspondências e lhe foi sugerido que localizasse o escritório.
Ela cerrou os dentes.
— Sugerido por quem?
— Lady Wallingham, acredito.
Droga. Ela queria estar presente quando ele visse o escritório pela primeira vez. Bem, talvez ele não tivesse visto a biblioteca ainda.
Ela subiu as escadas até o segundo andar e caminhou até a porta na parte traseira e mais calma da casa. O encontrou sentado na beira da mesa, de óculos, lendo uma carta.
Ele virou a cabeça rapidamente quando ela bateu a porta.
— Inferno maldito, Sebastian! Não poderia ter esperado? Eu planejei revelar isso como um presente de casamento. Agora a surpresa está arruinada.
Olhos de ônix brilharam com algo profundo e quente.
— Está zangada comigo, Gus?
— Sim. Zangada. Muito zangada. — Ela apoiou as mãos nos quadris. — O que está lendo?
Ele rapidamente olhou para baixo e removeu os óculos.
— Uma carta.
— Posso ver que é uma carta. — Ela espetou. — O que é tão importante para que desaparecesse durante o café da manhã de nosso casamento e estragasse a minha surpresa?
— Recebi uma mensagem do meu procurador. Ele começou uma pesquisa sobre uma tarefa que será altamente desagradável a um certo barão.
Ela franziu o cenho.
— Quem?
— Quem você supõe?
Raiva e pânico a tomaram.
— Não a Sir Phillip.
— Aye.
— Não! — Ela se aproximou apressadamente dele, tentando pegar a carta, mas ele a deixou fora de alcance. — Você não deve! Sebastian. — Ela pulou, seus dedos apenas roçando no canto, então golpeou seu ombro, frustrada. — Phoebe ainda não tem vinte e um anos. Ele ainda é o seu guardião legal. Até janeiro. Se ele suspeitar que eu quebrei nosso acordo...
— Ele não suspeitará de nada. Ele não fará nada.
Ela agarrou as beiras do casaco de Sebastian, trazendo para perto dela.
— Como sabe? — Gritou. — Você não sabe.
— Ele sofrerá pelo que fez com vocês, Gus. — A voz de Sebastian era profunda e sombria, vibrando através de seus ossos. — Muito.
— Maldição, Bastian! Não posso arriscar!
— Confie em mim.
— Isso não é uma resposta, seu gigante, estraga prazeres, homem presunçoso!
— Queres a carta? — Ele a provocou.
— Sim. Dá-me.
O sorriso dele era lento e louco.
— Venha e pegue-a, amor.
Foi quando ela percebeu como a boca dele estava perto da dela. Quão rápidas eram as suas respirações e como seus mamilos estavam duros.
Bons céus. Ela estava excitada. Por causa da briga. O que havia de errado com ela?
— Você é diabólico. — Ela ofegou, puxando-o mais para perto e para baixo.
— E você é uma irritação. — Ele retumbou, colando-a a ele, atirando a carta ao chão e espalmou a sua nuca com sua mão, agora, livre.
— Deus, como me atormenta, mulher.
CAPÍTULO 19
“Você notará que a primeira parte da palavra é ‘gentil’. A segunda, ‘homem’.7 Entretanto, observo que as esposas ocasionalmente preferem a segunda em detrimento a primeira.”
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta discutindo as complexas escolhas das esposas.
Ele queria seduzi-la. Deitá-la sobre a sua cama e beijá-la dos dedos dos pés ao umbigo e depois sua linda boca carnuda. Fazê-la ficar escorregadia o bastante para aceitá-lo. Deslizar gentil e lentamente. E quando a penetrasse, pretendia acariciar suas bochechas e cabelos. Dizer-lhe como era preciosa para ele.
Queria ser um marido adequado, em outras palavras. Um cavalheiro.
Falhou.
No instante em que ela invadiu seu escritório — agora, sua sala favorita — a luxúria o atingira com força. Já andara dentro deles por semanas, trabalhando nele até deixá-lo em um sério estado de tensão. Mas isto era diferente. Isso foi imediato.
Suas bochechas estavam vermelhas, não rosas. Vermelhas. Seus mamilos pressionando através das camadas do corset, linho e seda. Implorá-lo a experimentá-los.
O temperamento dela tinha colocado fogo. Nele, principalmente.
Ele pressionou a nuca dela, trazendo sua boca até a dele enquanto ela puxava seu casaco e remexia em sua cravat. Os lábios deles se encontraram desajeitadamente para depois se posicionarem da maneira certa.
Ah, Deus. Perfeito.
Deslizou sua língua para o interior, necessitando sentir seu gosto. Aspirou a pele e hálito, necessitando do aroma dela. Forçou os quadris dela mais alto em direção ao pênis dele, desejando que ela sentisse como o enlouquecia. Tudo se expandiu, firmou-se e entrou em foco.
Um momento. Uma mulher. A necessidade de penetrá-la.
Ela rompeu contra ele, rasgando o tecido e agarrando-se ao seu pescoço. Ela ofegou e gemeu em um ritmo staccato.8
Ele se levantou e virou, levantando-a e apoiando seu traseiro sobre a mesa. Suas bocas se separaram tempo bastante para ela agarrar seu cabelo e começar a beijar seu queixo e pescoço. Ela já tinha rasgado sua cravat. Ele puxou o casaco, escutando a costura se separar. Seu colete foi tirado com facilidade.
Ela puxou a camisa de dentro das calças e a levantou com ambas mãos ao mesmo tempo que depositava beijos desesperados ao redor de sua clavícula e embaixo de seu queixo.
Ele se afastou apenas para jogar o tecido para o outro lado da sala. Ela o puxou de volta para sua boca, pequenos choramingos vibrando sobre seus lábios.
Suas mãos foram aos joelhos. Esquadrinhou entre um punhado de seda. Retirou várias camadas até sentir as meias e Augusta. Ele segurou seus joelhos, separou-os e a trouxe para frente até que as coxas flanqueassem seus quadris.
O beijo cessou. A cabeça dela caiu para trás.
— Oh, céus. Bastian.
— Aye. — Ele grunhiu. — Será bruto. Desculpe-me, Gus. Não consigo evitar.
Seus dedos encontram o interior das coxas dela úmidas. Encontraram seu núcleo encharcado. As dobras macias estavam inchadas e necessitadas. Ela aceitou seu toque com ansiedade. Porém pegou seus dedos com uma resistência virginal.
Ela grunhiu, prendendo-se aos seus ombros, os olhos fechados enquanto seu corpo recebia seu dedo indicador.
— Calma. — Ele disse. — Tome mais um. — Ele a apressava, sabia. Mas tudo esquentou e inchou até que sua maldita pele pulsasse como uma ferida aberta.
Ele inseriu outro dedo, esticando-a. Ela se contorceu e ajustou seu quadril sobra a mesa, tentando acomodar-se à intrusão.
Ela era apertada. Malditamente apertada.
Com a outra mão, ele rasgou a abertura de sua calça.
Ela levantou a cabeça. Abaixou os olhos. E os arregalou.
— O... que... Bastian? Supõe-se que isso vá... ?
— Para dentro de você. Aye.
— Oh, acho que não. — Ela apertou os dedos dele. — É impossível.
— Mais do que possível, amor. Está acontecendo.
Ela levantou os olhos, assustados e frenéticos.
Ele cerrou os dentes e a acariciou com seus dedos, observando a luz de luxúria acender-se novamente, sentindo a resposta feminina, doce e escorregadia ondular contra ele. Com a outra mão, ele abriu três ganchos das costas do vestido dela.
— Tire seu corpete.
— Humm. — Ela estava ofegando novamente, os olhos se fechando enquanto se acostumava com os dedos dentro dela. — Oh, sim. Eu... Estou começando... Oh, você tem um ponto, Bastian. Suas mãos são esplêndidas... Oh!
— Gus. — Ele disse afiadamente. — Remova seu corpete. O corset também, se puder. Preciso vê-la.
Desajeitada a princípio, depois com grande urgência e menos cuidados, ela removeu a seda prateada, escorregando-a pelos braços para amontoar-se na cintura. Então, ela se torceu e retorceu para soltar o corset, liberando a pressão de seus seios.
Seios exuberantes, redondos e cremosos.
Ele a recompensou ao movimentar seus dedos mais vezes. Então ele agarrou o corset em sua mão livre e o puxou para baixo, revelando toda sua beleza para seus olhos famintos. Seus mamilos estavam vermelhos pela excitação, como ameixas vermelhas, maduras e carentes. Sua pele estava corada. Pronta.
Ele retirou os seus dedos. Pegou seu pênis em sua mão. Segurou a coxa dela e a moveu para frente, para a beira da mesa de carvalho.
— Deite-se. — Ele murmurou, ajudando-a com uma mão em sua nuca.
Um pequeno vinco de confusão enrugou sua testa, mas ela não lutou contra ele. Ele se posicionou contra ela, a ponta de seu membro ardia e se afogava no calor dela.
— Bastian?
Ele segurou os quadris dela, elevou os joelhos e a penetrou. Um centímetro. Talvez dois.
Um pequeno grunhido feminino de aflição o fez virar a cabeça para ela. Mamilos. Ameixas doces e vermelhas. Ele estava morrendo, queria prová-la.
Ele se inclinou sobre ela. Pegou um em sua boca. Sugou com força.
As mãos dela envolveram o seu rosto. Depois atou-se aos seus cabelos.
— Bastian. Oh, Deus. Por favor.
Ele se satisfez com ela. Penetrou mais fundo. Outro centímetro. Talvez dois. Tudo queimava. Sua pele. Seu pênis. Sua mente. Seu coração.
O outro mamilo, tão duro e inchado. Desejando sua língua e dentes. Desejando a pressão que ele podia dar. E ele deu. Sugou até ela choramingar, arranhando sua cabeça e pescoço.
Outro centímetro. Talvez dois.
Um grito estridente e coxas fortes apertaram de seus quadris.
Ele queria empurrar. Mais forte.
— Augusta. — Seu gemido longo era um apelo. Ele implorava. Não poderia esperar muito tempo.
As pernas dela prenderam na parte mais baixa de suas costas, empurrando-o mais fundo.
Ele enterrou seu rosto no pescoço dela. Beijou e empurrou. Dura e profundamente. Retirou-se um centímetro. Penetrou mais fundo. Mais forte.
Tão apertada. Tão suave. Tão bela que fazia sua cabeça girar.
Ela estava ficando mais estreita. Apertava. Apoderava-se.
Ele se inclinou mais para cima e empurrou mais fundo.
Ela gritou de prazer e se sacudiu contra ele.
Uma névoa dourada, vermelha, cinza e creme envolveu sua visão. Era Gus. Nada além dela. Seus quadris trabalhavam duro, seu pênis tomando muito mais do que ele planejara, até o âmago do corpo dela que o apertava como uma prensa, ela arqueou contra ele, uma oferta de êxtase. Os mamilos estavam lá, pequenas ameixas implorando. Ele os tomou. Empurrou mais rápido. Empurrando e empurrando. Sentiu seu próprio prazer chegar. A explosão aumentar. Pulsar. Sacudi-lo violentamente.
Da base de sua coluna, depois atravessando seu pênis e em sua esposa, sua liberação foi algo divino. O comprimiu, tornou-o mais bruto. Ele rosnou e empurrou, perguntando-se quando chegaria ao limite do paraíso. Não chegou. Seu prazer continuava eterno, suavizando-se lentamente, mas não acabando. Pois ele ainda estava dentro dela.
Augusta. Sua esposa.
Os olhos cinzentos estavam macios e vidrados, as pupilas estavam tão dilatadas que os anéis prateados diminuíram. Os lábios inchados e vermelhos, o pescoço irritado por seus lábios e queixo. Lentamente, ele soltou os grampos dos cabelos dela e espalhou as mechas vinho e chamas pelo carvalho.
Tudo enquanto ele permanecia enterrado profundamente dentro dela, apertada e quente, sua rigidez quase esgotada após sua liberação. Mas ela logo retornou. A respiração dela mudou. Acelerou. Ele inclinou-se para frente e roçou em um mamilo aveludado, apreciando como o corpo dela arqueou contra ele.
As suas pequenas mãos calejadas acariciaram as costas dele e varreram seu cabelo.
— Bastian. Eu... .estou muito sensível. Isso... que está fazendo... ooooh.
Ele começou a se movimentar novamente, desta vez, lenta e deliberadamente. A sentiu estremecer, mas manteve o ritmo. Tomando outro mamilo em sua boca, continuou a brincar com o primeiro, apertando e esfregando a ponta madura entre os dedos, testando quão longe ele poderia levá-la.
Como se verificava, os limites dela eram ilimitados. Ela amava a brusquidão dele. Deleitava-se com a pressão forte dos dedos, a sucção firme dos lábios, o impulso constante de seu pênis, mesmo dolorida.
Ela o aceitava de qualquer jeito. E gemeu, arqueou-se por mais. Implorou. Bastian. Bastian. Bastian. Como uma prece de prazer.
Ele lhe agraciava com tudo o que tinha, deixando o corpo dele levá-la até o limite para depois vibrar e torná-los ainda mais unidos. Elevá-los. Ela deslizou a mão por todos os cantos, costas, pescoço, cabelos e peito. Ela descobrira que poderia dar-lhe prazer ao correr seu polegar calejado sobre os mamilos dele.
Desta vez durou mais do que a primeira, mas não demais, afinal. Ele não conseguiu sustentar o ritmo constante, precisando montá-la mais forte. Mas profundamente.
Assim ele fez, envolvendo as pernas dela ao redor da cintura novamente e apoiando os cotovelos acima da sua cabeça, assim o peito dele daria prazer aos seus seios. Desta vez, ele assistiu mais de perto quando ela atingiu o pico. Ouviu cada respiração, cada gemido, cada ofego. Saboreou a visão do pescoço dela arqueando-se, a boca abrindo-se para um longo gemido. Ele amava como ela corava e sua paixão forte e frenética.
Ele a... amava.
O pensamento, que não era uma surpresa, nunca o deixava de surpreender. Acendeu um fogo embaixo de seu prazer que ele nem mesmo sentira da primeira vez.
Ele veio repentinamente. Afiado. Explodiu em um cataclismo tão intenso que ele pensou que podia voar. Talvez ele tivesse mesmo, porque quando retornou à Terra, sentiu como se tivesse voltado para um novo formato.
Partido em pedaços e refeito pelas mãos gentis e calejadas de Augusta.
CAPÍTULO 20
“As manhãs são uma excelente oportunidade para definir um tom adequado. Uma palavra bondosa, um gesto afetuoso ou um humilde pedido de desculpa, amenizam muitos dos agravos que uma esposa pode sofrer ao longo do dia. Ser acordada muito cedo, por exemplo. Ou estar casada com um homem”.
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta explicando medidas efetivas para alcançar a tranquilidade doméstica.
Ao acordar na cama de Sebastian na manhã seguinte, Augusta se espreguiçou e estremeceu. Bons céus, ela se sentia como se tivesse sido atirada de um cavalo e, em seguida, lavado a roupa de cama de uma casa inteira.
Foi glorioso. Ela sorriu, virando sobre suas costas e piscando diante da luz das janelas.
Ele a amara quatro... não, cinco vezes. As primeiras duas se misturaram um pouco. As últimas três foram mais lentas. Ele foi meticuloso. Com as mãos. Com a boca. Sim, muito diligente, de fato, como se tivesse que provar algo.
Deus, como ela o adorava, seu homem bruto.
Nada que ele fizera foi surpresa para ela, exceto o extraordinário prazer. A sua mãe era uma mulher franca e realista que insistira que, antes de morrer, Augusta estaria bem informada sobre cada aspecto da feminilidade e do encontro conjugal. Aos onze anos, Augusta sentou-se na beira da cama de sua mãe com olhos arregalados e assustada com as descrições.
— Ele tocará em você, em todos lugares, Augusta.
Ela engoliu com dificuldade e abaixou o rosto para seu próprio corpo reto.
— Aqui?
— Quando seus seios crescerem, entenderá o porquê isso é prazeroso.
— Eu acho que não gostarei de ter seios.
Mamãe riu e rapidamente virou uma tosse terrível antes que ela continuasse.
— Você sentirá dor na primeira vez que ele a levar à cama. Um homem de valor garantirá que isso seja equilibrado pelo prazer, mas deve estar preparada para o desconforto. Diminui consideravelmente depois da primeira ou segunda vez.
— D-Desconforto?
As feições magras de mamãe se abriram com um sorriso.
— Escolha um bom homem, minha querida e logo esquecerá que tal dor ocorreu. Agora, vamos passar para a gravidez.
— Devemos?
Augusta ainda podia ouvir as risadas da mãe, sentir o aperto de suas mãos fortes e capazes, ver o amor inabalável em seus olhos. Augusta sorriu diante da memória, sabendo o quanto sua mãe gostaria de Sebastian. Seu pai teria aprovado também, ela pensou. Principalmente após descobrir que Sebastian estava na linha de sucessão para herdar um título. Seu pai queria cavalheiros — preferencialmente com títulos — para suas filhas. Ela queria manter a promessa que lhe fez de que encontraria um cavalheiro de qualidade para Phoebe.
Glassington podia ter um título, mas certamente não tinha qualidade.
Ela suspirou e se virou, perguntando-se para onde Sebastian fora. Ela queria falar com ele sobre a sua irmã. Rapidamente se lavou e se vestiu, colocando um vestido macio e graciosamente drapeado de lã azul.
Ela o encontrou na sala de desjejum, bebendo café e lendo o The Times, franzindo a testa entre os óculos. Phoebe estava ali também, os lábios sem cor, olhos vazios. Augusta franziu a testa.
— Phee, perdeu o apetite de novo?
Phoebe olhou para cima.
— Bebi chocolate e comi um pão.
— Sem ovos? Talvez um pouco de bacon?
Phoebe balançou a cabeça.
— Vamos, você deve comer mais do que...
— Deixe-a. — Sebastian falou tranquilamente, dobrando o jornal e guardando os óculos no bolso do casaco.
Augusta piscou e ergueu uma sobrancelha em sua direção.
— Perdão?
Phoebe empurrou sua cadeira e se levantou.
— Eu tenho chá e biscoitos de gengibre em meu quarto. Mais tarde, talvez. Por favor, desculpem-me. — Ela saiu parecendo doente e apática.
Pegando o seu café da manhã e tomando o assento ao lado do marido, Augusta esperou que o lacaio saísse antes da falar em voz baixa:
— Ela deve comer, Bastian. Você sabe o motivo.
— Humm. Ela também sabe porquê. — Ele deu um gole em seu café parecendo irritantemente imperturbável pela irritação dela.
— Você não entende nada. — Ela espetou, o garfo batendo com força no prato enquanto ela cortava seu ovo cozido. — Quando estávamos na pensão, tudo o que conseguia fazer era a persuadir a comer um pedaço de pão com manteiga. Ela estava terrivelmente doente...
— Aye. Agora ela está melhor. Você a tem controlado por tempo demais, Gus.
— Eu não a controlo.
Ele bufou.
Ela derrubou seu garfo e inclinou em direção a ele.
— Eu não a controlo. — Ela falou entre os dentes. — Eu cuido dela. É minha irmã.
— Em breve ela será uma mãe. — Os olhos dele vagaram entre os lábios e o colo dela. — Então você também será, se as coisas continuarem como na noite passada, hein?
O calor surgiu em todas as partes: ventre, seios, quadris e pele.
— Não mude de assunto.
— Amor, porque está preocupada? Este assunto é sempre prioritário em meus pensamentos. Tem sorte por eu me conter.
— Conter-se? Cinco vezes é se conter?
Olhos pretos encontraram os seus. Eles estavam duros e febrilmente quentes.
— Aye.
Bons céus. Ela mal podia respirar.
— Bastian.
— Pare de me tentar, Gus. Aposto que está muito dolorida para as consequências.
— Como estou o tentando? Apenas disse seu nome.
— Precisamente. — Ele a fitou com ar zangado. — Talvez eu deva ir ao clube.
A sua irritação com ele voltou.
— É a manhã após nosso casamento. Você ficará aqui, ao lugar a que pertence.
— Aí está você me tentando novamente. Melhor terminar seu desjejum, amor. Se continuar assim, precisará de energia.
— Não seja ridículo. Não fiz nada remotamente provocativo... Humpf!
Ele segurou sua nuca e a puxou para um beijo antes que ela pudesse terminar a frase. Ele tinha sabor de café e luxúria. Quando ele a soltou, o vestido parecia muito quente, muito apertado e... Oh, como ela o queria.
— Bastian. — Ela ofegou contra a boca dele.
— Aye, amor. — Ele respondeu, acariciou um ponto sensível nas costas de seu crânio, um pouco acima da nunca. Ele provocou arrepios que se estenderam por toda a sua coluna.
— Estou preocupada com Phoebe.
— Eu sei.
— Quero ajudá-la.
Ele a beijou mais uma vez, desta vez com doçura, lenta e ternamente.
— Nós iremos. Tenho um plano.
— Conte-me.
Ele suspirou. Riu. Soltou a nuca dela.
— Você é a mulher mais obstinada que eu já conheci, Augusta Kilbrenner.
Ela sorriu, ouvindo prazer na voz dele.
— Isso me serviu muito bem.
Ele respondeu com um resmungo. Depois recostou-se na cadeira e cruzou os braços sob o peito.
— A mulher com quem Glassington planeja casar-se.
— Uma herdeira. Sim?
— Aye. O nome dela é Srta. Elder. Planejo falar com o pai dela esta tarde. Se o homem tiver algum bom senso, ele evitará o casamento.
Esperança — um assustador grau de esperança — apertou o seu peito.
— Você... acha que funcionará?
— Depende. Shaw mencionou que ele avistou a Srta. Elder e Glassington por acaso no lado de fora de uma loja na Piccadilly há pouco tempo. Disse que ela parece ser afetada. — Ele deu de ombros. — O pai dela pretende lhe comprar um título, isso está claro. Se custar a infelicidade dela...
Ela assentiu, mordendo o lábio.
— Sim, concordo. A menos que ele lhe tenha muito afeto, pode ignorar seus alertas em favor de transformar sua filha em uma condessa.
— O que o seu pai teria feito?
Piscando, ela considerou a pergunta.
— Papai nos queria seguras e felizes. Embora acreditasse que um título nos daria melhores chances, ele preferiria que tivéssemos ambos, com título ou não.
Sebastian assentiu.
— Ele não teria aprovado Glassington.
—Não, suspeito que não.
Ash entrou, carregando um bule de chá fresco. Ele o colocou na mesa com um ruído e soltou um ruído dramático.
— ‘Bule muito pesado, Lady Reaver. Uau! Eu priciso de otra fatia de bacon, si pudé guardá pra um pobri moço que trabaia inté os dedos ficarem nos ossos.’
Augusta ergueu a sobrancelha.
— Já terminou suas tarefas na cozinha?
— ‘Cad'uma dela. Carreguei madera. Varri o chão. Inté limpê os bule.’
Ela cerrou os olhos na direção dele.
— E os estábulos?
Ele trocou o peso dos pés e olhou para o chão.
— ‘Pódi sê qui dexei uma tarefa ou duas’.
— Quais?
— ‘Cuidá das baia’.
Ela esperou.
— ‘Limpá as sela’.
Ela conteve o riso. O garoto era incorrigível.
— Você entrou no estábulo esta manhã, Ash?
— ‘Nah.’
— Passou a noite inteira em seu quarto?
Seu pequeno queixo se ergueu.
— ‘Aye, di verdade, Lady Reaver. Prometi, num foi?’
— Sim, prometeu. — ela disse gentilmente, incapaz de impedir-se de acariciar os cabelos dele. — Muito bem, você pode pegar mais bacon. Mas espero que termine as suas tarefas no estábulo. E não fuja, entendeu? Deve dizer a Sra. Higgins quando terminar.
Como sempre, ele parou de prestar atenção no momento em que ela lhe deu o que ele queria. Correu até o aparador e encheu um prato com uma pilha de bacon e voltou à cozinha.
Sebastian estava de pé ao seu lado. Ele abaixou-se e beijou sua boca com um pouco mais de fervor do que ela esperava. Ela gemeu e se derreteu, agarrando-se a nuca dele e o puxando com força em sua direção.
Porém ele se afastou para encará-la.
— Devo ir. Você me faz a querer demais, mulher.
— Faço?
— Aye. Você é malditamente maravilhosa.
Ela piscou, sua garganta se apertou.
— Sou?
— Você é, amor.
— Estará aqui para o jantar?
— Voltarei.
— Porque eu o quero em casa o mais breve possível.
— Então é assim?
— Até mesmo para o almoço.
Ele a beijou de novo.
— Ou... para o chá no meio da manhã.
E de novo.
— Agora, Bastian. Deveríamos ir lá para cima...
Ele a beijou pela última vez, sorriu perversamente e acariciou sua bochecha.
— Gosto quando me chama de Bastian.
— É como eu penso em você. — Ela confessou em um sussurro. — Meu bastião. Uma fortaleza de pedra ao meu redor.
— Deus, amor. Eu a tomarei aqui, bem em cima da mesa se não parar de me tentar.
— Oh. E eu estou fazendo objeção?
Ele se afastou, a pele de suas bochechas e queixo estava corada.
— Maldição. Inferno maldito, Gus.
Enquanto ele saia da sala de desjejum, suas calças justas oferecendo uma prova de seu desejo, ela o avisou:
— Vou esperá-lo para o jantar.
Um resmungo foi a única resposta.
*~*~*
Do lado de fora da casa absurdamente ostensiva nos limites de Mayfair, Reaver observava sua respiração sair em fumaças no ar gelado e olhou duro para Shaw.
— O que diabos foi aquilo?
Shaw apertou seu chapéu com mais força sobre sua cabeça e ergueu uma sobrancelha.
— Ao que se refere?
— Você fez uma maldita bagunça.
Ele fungou.
— A opinião de um homem. Diria que eu fiz um argumento claro e bem argumentado.
— Você disse ao homem que a filha dele não teria chances de conseguir um título como o de Glassington caso ele se recusasse a permitir a união.
— O que é a verdade. Você não a viu, Reaver. Pele pálida. Dentes mais adequados ao Coronel Smoots ,aqui. — Ele apontou para o cavalo de Reavers.
Reaver passou a mão enluvada sobre o rosto.
— Não me surpreenderia se Elder apressasse o casamento agora.
— Sendo franco, Glassington é precisamente o tipo de cavalheiro que ele se propôs a prender pelos pés. Titulado e desesperado. — Ele deu de ombros. — Quem culparia um pai por esperar...
— Quando eu lhe contei da tendência de Glassington em seduzir e abandonar jovens damas, você disse que ele deveria prevenir o desastre ao localizar um clérigo imediatamente.
— Bom conselho.
— Então deixou implícito que Glassington poderia amadurecer uma vez casado.
— Pode acontecer. Alguns homens amadurecem.
— O que eu direi à Augusta?
Shaw olhou para as suas botas. Apertou e abriu os punhos. Sua mandíbula endureceu. Quando ergueu os olhos, estavam em chamas.
— Diga a ela que Phoebe não se casará com aquela miserável pilha de esterco.
Impressionado pela ferocidade fria de Shaw, Reaver avaliou o homem com quem construiu um império. O homem que era o seu melhor amigo desde os tempos nas docas. Ao contrário de Reaver, ele nunca apresentara mau humor ou inquietação imprevista. Suas paixões eram limitadas a navios britânicos, excelente chá e o clube. Reaver assumira que Shaw se deitava com muitas mulheres, mas raramente discutiam sobre isso. Shaw nunca se vangloriou de suas conquistas ou mesmo as mencionava. E, acima de tudo, ele não era sentimental. Alguns momentos antes, Reaver teria jurado que nenhuma mulher merecia a obsessão de Shaw.
Evidentemente, uma mulher o fizera mudar de ideia.
— Deus, Shaw. O bebê não é seu. Já considerou...
— Mas ela é minha. Ela é.
— Já considerou lhe perguntar o que ela quer?
— Você perguntou?
Reaver franziu a testa. Ele não tinha. Ele presumiu que Phoebe queria que Glassington se casasse com ele e fizesse o certo pela criança.
— Ela está apaixonada por mim. — Shaw disse com voz severa
Reaver nem se importou em perguntar o que Shaw sentia. A emoção crua em seu rosto era como olhar-se no espelho.
— Se ela concordar em se casar com você, não será nada fácil. Você entende melhor do que ninguém. E será duas vezes pior para a criança. Está pronto para o que está por vir?
— Nenhum homem ousará me contrariar quando Phoebe e eu nos casarmos. Quando eu fizer, a criança será minha. Legalmente.
— Shaw.
A voz dele ficou baixa. Mortal.
— E ela será minha.
— Você não está pensando com clareza, homem.
— Você supõe que eu não sei que seremos desprezados? — A voz, como um chicote, bateu com precisão. — Passei a minha vida inteira sendo posto em meu lugar. Passei a minha vida me esforçando pelo que eu queria, irritando a todos.
— Eu sei. Lutei ao seu lado.
— Sim. E às vezes me carregou.
— Você fez o mesmo.
— Não serei nada sem ela, Reaver. Malditamente nada.
Reaver abaixou o olhar para o gelo sobre os pés. Ele exalou e sacudiu a cabeça, observando o vapor subir.
— Aye. — Ele respirou profundamente. — O que pretende fazer?
— Lutarei.
— Ela deseja ser conquistada?
— Ela desejará.
Esfregando a testa com os dedos, Reaver olhou para o seu amigo estúpido e apaixonado.
— Muito bem. Se você a convencer, o ajudarei com o que puder.
— Obrigado, Reaver.
— Aye. Você estará me amaldiçoando por permitir que siga essa maluquice quando Augusta descobrir o seu plano.
— Ela não pode impedir.
Reaver riu alto e profundamente enquanto virava para montar o seu cavalo. Coronel Smoots se moveu inquieto embaixo dele antes de parar. Ele era um bom cavalo, grande e robusto.
— Ah, Shaw. Nunca o considerei um tolo. Você não tem ideia do que virá em seu caminho. Deus nos ajude.
CAPÍTULO 21
"E presentes, Sr. Kilbrenner. Não negligencie os presentes”.
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em um adendo à carta que recordava o cavalheiro citado, as recomendações para manter a tranquilidade doméstica.
Algum tempo depois do almoço, um pacote chegou para Augusta. Dentro dele, ela encontrou uma garrafa de um creme de leite de rosas para as mãos, uma jarra de óleo de amêndoa doce e um par de luvas brancas macias e bordadas com um requintado buquê de rosas rosa e folhas douradas. Embaixo das luvas havia uma nota que dizia: Para Gus. Para as mãos que eu mais amo. Sempre seu, S.
Lentamente, ela sorriu e deslizou um dedo sobre o rótulo do leite de rosas, sobre o bordado das luvas sedosas. Ele a amava. Deveria. Para amar suas mãos vermelhas, rachadas, calosas, ele deveria amá-la muito.
Um prazer quente e doloroso a preencheu até ela pensar que isso iria se derramar ou fazer com que o seu coração explodisse. Parecia como... alegria. Muita. Era muita alegria. Desejou vê-lo. Para tocá-lo e beijá-lo.
Augusta apertou as luvas contra o peito, mordeu o lábio e formulou um plano em que ela o visitaria no escritório e se recusaria a partir até que ele lhe desse o que ela queria: ele.
— O que ele lhe deu? — Phoebe disse atrás dela. Seus olhos azuis continuavam vazios, como antes, mas agora também estavam vermelhos. Ela estivera chorando.
Augusta se aproximou da irmã, estendendo a caixa, assim ela poderia ver.
Phoebe olhou os itens e assentiu.
— Estou feliz por ele ter decidido incluir o óleo.
Seu coração se apertou um pouco; Augusta se perguntou se não interpretara errado o presente. Talvez fosse uma simples cortesia e não um gesto cuidadosamente planejado, inspirado no amor como assumira.
— Foram sugestões suas?
— Apenas o óleo. Eu descobri uma formulação para uma ótima pomada. Quando ele mencionou o presente que planejava, pensei que poderia gostar... Oh!
Augusta pulou em cima da irmã e a abraçou.
Phoebe riu surpreendida.
— O que é isso?
— Nada. Apenas que... Ele me ama.
— É óbvio que ele a ama, tolinha. O homem é certamente louco sobre isso.
— Eu nunca pensei...
Phoebe se afastou para olhar nos olhos de Augusta.
— Você merece a maior felicidade. Agradeço a Deus por ter encontrado Sebastian, apesar das circunstâncias em que se conheceram tenham sido penosas.
Augusta levou um cacho perdido para trás da orelha de Phoebe e avaliou os círculos escuros embaixo de seus olhos.
— Conte-me o que está errado, Phee.
Suas sobrancelhas se uniram. O lábio inferior tremeu.
— Não posso.
— Sim. — Augusta ordenou. — Você pode. Deve.
— Já a sobrecarreguei por muito tempo.
— Você nunca me sobrecarregou.
Phoebe bufou, retorcendo a boca.
— Não minta. Eu nunca fui nada além de um peso.
— Isso é uma completa bobagem e você sabe muito bem disso.
O queixo, pequeno e delicado, firmou-se e inclinou-se em um ângulo familiar. Recordava a Augusta a si mesma. Agora tinha uma ideia de como Sebastian devia se sentir quando ela agia com teimosia. O homem devia realmente amá-la, pois isso era muito irritante.
— Se for sobre Glassington. — Augusta tentou. — Eu prometi que eu o faria manter sua palavra. Não deve se preocupar.
A afirmação pareceu apenas aumentar o estado miserável de Phoebe. Seus olhos brilharam.
— Dane-se tudo! Conte-me o que há de errado. — Ela alfinetou. — Este é o momento, Phee.
A boca de Phoebe se abriu, se para explicar ou para irritá-la ainda mais, Augusta não saberia pois foi interrompida por Anne, que entrava apressada no vestíbulo parecendo preocupada.
— Desculpe-me, Sra. Kilbrenner. Você viu Ash?
Augusta franziu o cenho para a governanta. Ela não gostou do rosto preocupado da mulher.
— Não. Já o procurou nos estábulos?
Anne visivelmente engoliu em seco.
— Já procurei em todos os cantos. Eu acho... Eu acho que ele foi levado.
O frio se espalhou por ela.
— John atendeu um chamado na entrada de serviço ontem. — Anne explicou. — Era um homem que afirmava ser varredor, oferecendo os seus serviços. John recusou, claro. Nossas chaminés são impecáveis. Mas o homem ficou do lado de fora da casa. Teedle diz que o viu uma hora depois observando entre as frestas do portão.
O frio virou gelo, congelando Augusta por dentro.
— Qual a aparência dele? — Ela sussurrou, tentando recordar de tudo o que Ash lhe dissera. Não era muito. O menino dormira em seu quarto por semanas, aterrorizado demais para ficar em outro lugar. Ela ouvira seus pesadelos. O abraçara o quanto podia antes de ele se esquivar. Isso partia seu coração em dois. Agora Ash começara a dormir profundamente, mas Augusta ainda recordava o medo dele muito bem.
— Grande. — Anne disse. — Não alto, mas grande. Com grandes papadas, como um buldogue.
A sala mergulhou e girou. O Cão. Era como Ash chamava o monstro em seus pesadelos. O Cão.
Se o homem pegara Ash, ele podia fazer qualquer coisa. Ele podia quebrar o menino em dois.
Santo Céu, Augusta não suportaria isso.
— Eu devo encontrá-lo.
As mãos de Phoebe apertaram a dela, pegando a caixa que Augusta quase derrubou.
— Nós temos que encontrá-lo. Você não está sozinha, Gus.
Augusta olhou para a barriga de Phoebe escondida pelas dobras do vestido.
— Não. Fique aqui, onde é mais seguro.
O queixo dela voltou a ergue-se teimosamente.
— Eu irei com você.
— Assim como eu. — Disse Anne.
Augusta abriu a boca para recusar, mas Phoebe continuou calmamente.
— Nós devemos fazer uma parada no clube e pegar Sebastian.
Sebastian. Ela não estava sozinha, Augusta se esquecera que ela tinha... Bastian. Seu protetor. Sua fortaleza. Seu marido.
Phoebe estava certa. Ela não estava sozinha. Augusta ouviu como Anne ordenou John a preparar a carruagem. Depois ela puxou a irmã que ia em direção às escadas.
— Não quero que chegue nem perto disso, Phee. Deve pensar no bebê.
— Eu não me porei em risco. — Phoebe franziu o cenho. — Talvez devamos levar Duff também. Eu o vi despachar um cavalheiro indisciplinado uma vez do clube. Suspeito que a cabeça do homem ainda esteja zumbido.
Enquanto elas recolhiam suas peliças e bonnets, subiram na carruagem junto a Anne e se seguraram nas laterais da carruagem que voava para a St. James, Augusta lutava contra o pânico. Ele se expandia por suas costelas, agitando e a atormentando com visões do pequeno e quebrado corpo de Ash. Os olhos escuros e vazios de Ash. Os braços magros de Ash que a envolveram uma ou duas vezes e que apenas quando ela se recusou a soltá-lo imediatamente.
Ela queria machucar o Cão pelo que ele já fizera com Ash. Vê-lo ser esmagado, ferido e triturado, ouvi-lo implorar por misericórdia. Mas se ele tivesse machucado ainda mais o menino depois de ela ter prometido que Ash estaria em segurança, ela o mataria. Ela encontraria uma pistola, uma espada ou uma faca. Ela cortaria o homem em dois.
Elas chegaram à entrada traseira do clube após o que pareceu semanas a Augusta. Enquanto Anne e Phoebe falavam com o Sr. Duff, Augusta correu ao escritório de Sebastian, seu coração e respiração acelerados.
Frelling olhou para cima assustado.
— Pois, Sra. Kilbrenner! — Ele ajustou os óculos. — Temo que o Sr. Rea..ver, Sr. Kilbrenner saiu.
Seu coração afundou-se. Ela precisava de Sebastian. Precisava dele mais e mais a cada segundo que passava.
—Onde? Por favor, Sr. Frelling. É um assunto urgentíssimo.
— Ele foi conversar com o Sr. Elder. O espero dentro de uma hora.
Ela não podia esperar. O tempo pulsava ao seu redor, esvaindo-se assim como as chances de Ash.
— Papel, Sr. Frelling. Preciso de papel e caneta.
Minutos depois, ela subia na carruagem com Anne e Phoebe. Duff sentou-se com o cocheiro e John na traseira. Eles percorreram as ruas molhadas do inverno de Londres, as batidas dos cascos dos cavalos ecoando os galopes de seu coração.
Uma mão pequena e firme apertou a dela. Olhou para Phoebe, cujos olhos estavam calmos e sorrindo com segurança.
— Nós o acharemos, Gus.
O rosto dela ficou distorcido quando os olhos de Augusta brotaram e inundaram-se. Ela secou as lágrimas impacientemente. Incapaz de falar, simplesmente assentiu.
Uma eternidade se passou antes de chegaram a Cheapside. A rua estava entupida de carroças, carruagens, cavalos e homens. Fedia a animais e ecoava os gritos daqueles que vendiam suas mercadorias.
O tráfego diminuiu, mas as ruas se estreitavam enquanto eles viraram uma esquina em direção à pensão. Antes que a carruagem parasse completamente, Augusta abriu a porta da carruagem. Seus pés não a carregavam rápido o bastante. À distância, ouviu Phoebe a seguindo.
Como sempre, a Sra. Renley foi de pouca ajuda. A mulher rechonchuda e olhos vermelhos que fitaram de soslaio diante das perguntas de Augusta.
— Garoto? Não vi nenhum garoto.
— Sabe onde um garoto poderia ficar perto daqui? Pode ser que existam mais de um. Limpadores de chaminés ou...
— Um monte de batedores de carteira, quer dizer. Não. — Ela balançou a cabeça e depois pareceu pensar melhor sobre isso enquanto batia os pés. — O último batedor de carteira que eu vi, sumiu com uma semana de aluguel. Se eu soubesse onde ele estava, teria lhe dado uns bons cascudos.
Augusta cerrou os dentes. Ela depositara todas as suas esperanças na ajuda da Sra. Renley. Deveria ter mais juízo. A mulher não servia de ajuda nem para remover ratos mortos das escadas. Blasfemando entre os dentes, Augusta se virou para Anne, que parecia tão frenética quanto ela.
— Devemos começar uma busca, casa por casa. Ele e os outros garotos estão em algum lugar perto daqui. Apenas não sei onde. — Ela esfregou a testa, desejando que Sebastian estivesse ali, a apoiando.
— Augusta. — Phoebe falou suavemente atrás dela.
Augusta se virou. Sua irmã estava parada ao lado de uma mulher alta e magra de cabelos castanhos escuros e seios pequenos.
— Srta. Honeybrook?
A mulher com um sorriso cínico e uma incomum variedade de uniformes caminhou em sua direção.
— Srta. Widmore. Entendi que está procurando por um bando de jovens bandidos. Chamam-se a si mesmos de varredores, embora estejam mais inclinados a limpar seus bolsos do que as chaminés.
— Sim. Você sabe onde posso encontrá-los?
A Srta. Honeybrook apontou a cabeça em direção a um beco ao sul do prédio.
— Quatro casas para baixo. Eu os vejo indo e vindo. O mais velho me fez uma proposta. — Sua boca se curvou e ela rolou os olhos. — Eu lhe disse que ele ainda teria mais alguns anos de mergulho antes que pudesse lidar comigo.
Phoebe sorriu para a Augusta que devolveu o sorriso, seu coração batendo aliviado.
— Obrigada, Srta. Honeybrook! — Augusta gritou por cima do ombro enquanto ia para a porta. Ela parou diante da porta fechada. — Oh, e se um gigante de cabelos pretos aparecer perguntando onde eu fui, por favor lhe conte.
— Gigante?
— Sim. E não lhe ofereça os seus serviços. Ele é meu.
Ela recebeu um sorriso cínico.
— Seu. Entendido.
O beco mal tinha espaço o suficiente para a carruagem, então eles foram a pé, Augusta e Phoebe na frente, seguida de Anne, Duff e John, enquanto o cocheiro pegava o caminho da rua adjacente. A quarta casa era mais dilapidada do que o casebre da Sra. Renley, mesmo na frente. Os tijolos estavam desmoronando, alguns inclusive haviam caído e virado pó. As poucas janelas estavam quebradas, sujas, com as estruturas caídas. A porta estava fechada, como Augusta descobriu frustrantemente ao tentar mover a maçaneta.
Mãos grandes tocaram seu ombro e a afastou. Era o Sr. Duff. Ele balançou a cabeça para ela.
— Deixe-me, Sra. Kilbrenner, por favor. Reaver vai me atacar com razão se algum dano acontecer com você.
— Ela engoliu em seco. Recuou. Olhou ao redor, para Phoebe que parecia preocupada, suas mãos descansando sobre o ventre. Percebendo que agia como se ainda lutasse sozinha, Augusta assentiu e recuou até perto da carruagem.
— Deve ser sensata, Augusta. — Phoebe advertiu. — Não temos ideia do que este vilão pode fazer.
Augusta assentiu, sentindo como uma garota sendo repreendida pela mãe. De fato, neste momento, Phoebe parecia muito a mãe. Forte. Firme. Tranquila.
Elas assistiram Duff e John primeiro baterem e então quebrarem a porta com um duro empurrão com o ombro de Duff. O batente, aparentemente apodrecido, facilitara a entrada. Quando eles entraram, Augusta conseguiu ver detritos espalhados pelo chão no interior escuro.
O seu peito doeu forte ao observar os dois homens desaparecendo no interior.
Longos minutos se passaram nas quais a prensa que a apertava cada vez mais provocou dor. Seu estômago se contorceu, esperando que ela se movesse. Para encontrar Ash. Para assegurar que ele não seria ferido ou...
Ela não conseguia contemplar o ‘ou’. Ele devia estar vivo.
— Eles o encontrarão. — Phoebe murmurou, dando uma palmadinha na mão de Augusta.
— Eles irão. — Anne afirmou. — Duff é forte e John gosta do nosso ratinho.
Ela rezou para que fosse verdade, mas o medo em seu ventre, oscilando e fazendo-a querer vomitar, pesava com a dúvida. Ela odiava esta espera. Normalmente ela estava muito ocupada com os seus planos e batalhas para prestar atenção ao medo. Ficar ociosa enquanto os outros lutavam, não combinava com ela.
Um movimento de algo na janela superior atraiu o seu olhar. Ela juntou as sobrancelhas e cerrou os olhos tentado ver além da sujeira. Era um braço. Magro e pequeno. Depois uma mão pequena espalmada contra os painéis. E um ombro preso no vidro.
O coração de Augusta parou. Aquela janela era muito alta para o ombro de um garoto alcançar o terceiro painel. Alguém estava o segurando no alto. Empurrando-o com força.
O pequeno corpo estremeceu e uma bochecha deslizou achatada ao longo da coluna.
Oh, Deus. Era Ash. Ela sabia. Ele estava sendo torturado.
Ela não pensou. Não havia nada além do menino. Nenhum som. Nenhum pensamento. Nenhuma consideração além de uma: ela deveria salvá-lo.
No interior do prédio ela encontrou as escadas rapidamente. Ergueu as saias e subiu, automaticamente evitando rachaduras e obstáculos, mas, mesmo assim, tropeçou duas vezes.
Precisava alcançá-lo. Precisava matar o Cão. Precisava salvar o menino.
Ela localizou a sala no canto do segundo andar. Ouviu um baque antes que pudesse entrar nela. E viu o Cão, gordo, baixo e malvado pairando sobre um Ash que cuspia.
Viu tudo através de uma névoa vermelha.
— Ponha outro dedo sobre o meu menino e eu o rasgarei. — Ela rosnou.
O Cão se virou, a mandíbula tremendo com o movimento. Então ele riu. O filho da puta riu.
Aos seus pés, Ash gemeu e se ergueu sobre os cotovelos.
— Não. — O garoto ofegou, lutando para se levantar. — Lady Reaver. Deve ir.
— Reaver, ãh? — O sorriso do Cão se tornou um sorriso de escárnio, sua mandíbula ondulando enquanto ele engolia em seco. — Você é a mulher dele?
— Eu sou a esposa dele. Agora, solte o garoto.
— O garoto me pertence. Como eu vejo, você o roubou de mim.
Augusta entrou mais um pouco na sala. Á distância ela ouviu respirações pesadas atrás dela. Anne, ela supôs pelo som dos passos e pelo chiado da respiração.
— S-Sra. Kilbrenner. Deve ficar atrás de mim, agora.
Os olhos do Cão se estreitaram, a gordura de suas bochechas quase os engolindo.
— Kilbrenner. Não Reaver, afinal. — O sorriso retornou, vil e satisfeito. — Vadia estúpida. Veio pegar o que é meu, não veio?
— O menino é meu. — Augusta falou, as palavras emergindo baixas e ressonantes, diretamente do centro de seu ser. — Você o devolverá a mim ou, Deus me ajude, eu o verei morto.
Ele assobiou zombeteiramente.
— Impetuosamente uma grande ameaça. Você e essa cadela gorda não podem ver um rato morto.
Ash com olhos arregalados e tremendo passou correndo pelo Cão, mas a criatura vil agarrou seu braço e o atirou para trás. Ash caiu com um gemido e levou um braço ao redor das costelas.
— Não se mexa. — Ele apontou para Augusta. — Saia daqui, vocês duas. Ou mostrarei a vocês o que eu faço com aqueles que roubam de mim.
Tudo aconteceu lentamente, mas ao mesmo tempo. A fúria de Augusta pintou a sala de vermelho. Seus pés a levaram em direção a uma corrida mortal. Ash gritou. Anne gritou. O Cão tropeçou para trás, a surpresa brilhando em seus olhos de serpente. Ela bateu na parede nojenta de carne com toda a sua força, golpeando, arranhando, agarrando suas orelhas e as puxando com força suficiente para rasgá-las. Mãos gordas agarraram seus braços, mas ela beliscou e retorceu tudo o que ela podia alcançar, fazendo o Cão gritar e guinchar.
Repentinamente a dor explodiu no meio de seu corpo. Sem conseguir respirar, cambaleou para trás. O Cão gritou alguma coisa. Levou as mãos aos ouvidos. Acusou-a. Ash escapou dos braços de Anne e agarrou a perna do filho da puta, mordendo até o sangue sair e derramar-se.
Um grito. Ofego.
Quem ofegava era ela. Ela não conseguia respirar. Oh, Deus, seu peito não funcionava. Doía. Muito. Ele deve tê-la atingido. A dor irradiava. Consumia. Sem ar. Seus pulmões trabalhavam para se encherem. Ela se encostou contra a parede, lutando para se levantar quando ficou sem ar. Pontos flutuaram em sua visão.
Precisava proteger Ash. Precisava ajudar Anne que estava golpeando o Cão com os restos de uma cadeira. As costas de Augusta deslizaram contra a parede.
Pontos pretos, estrelas e nenhum ar.
Suas costas bateram no chão. Sua cabeça flutuou e a sala ficou cinza.
Foi quando ouviu aquilo. O estrondo. O rugido. Uma tempestade louca e trovejante caiu sem rédeas sobre o mundo com uma fúria assassina. Ruídos surdos vieram enquanto a tempestade encontrava a carne. Apelos tristes e vis por misericórdia. Então, apenas estrondos e os sons doentios de ossos quebrando e a voz profunda de alguém falando.
— Basta, Reaver. É suficiente.
Em seguida ela sentiu mãos pequenas acariciarem seus cabelos. Braços finos demais a abraçarem apertados. Uma voz baixa e doce sussurrando em seus ouvidos.
— ‘Num quis quebrar minha promessa. Num quis, Lady Reaver. Eu sinto. Sinto muito.’
Ela quis responder, dizer ao garoto que era ela quem sentia por falhar em não ter conseguido protegê-lo. Mas os pontos negros aumentaram e a cabeça dela caiu e a dor desapareceu.
CAPÍTULO 22
“Creio que lidou com o vilão apropriadamente. As circunstâncias em que ser um rufião podem ser consideradas propícias são poucas. Mas esta, ouso dizer, é uma delas.”
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah em uma carta expressando ultraje diante da violência presente nas ruas de Londres e aprovando a violência necessária para reagir.
— Ela está bem, Sr. Reaver. — O estranho médico lhe garantiu enquanto bebia chá na sala de estar de Reaver. — Sem consequências. Simplesmente o ar foi tirado dela. Tenho certeza de que já experimentou a sensação uma ou duas vezes tendo sido um pugilista de renome.
Reaver passou a mão pelos cabelos e andou de um lado para o outro. Ele não conseguia se acalmar. Visões de Augusta golpeada por um punho, depois recuando até escorregar pela parede e ofegando em busca de ar se repetiam em sua mente como um truque do diabo. Era um tormento.
— Para um homem que não gosta de chá, o seu sempre está excelente. Está pronto para que eu examine as suas mãos?
Parando, Reaver olhou para o Dr. Young.
— As minhas mãos estão bem.
— Estão sangrando.
Ele olhou para os nós dos dedos e bufou.
— Poderia estar quebrada. Duff me afastou daquele sujeito miserável antes que eu terminasse com ele.
O Dr. Young pigarreou e sorriu.
— Sim, melhor. Provavelmente foi melhor assim. Um médico legista poderia interferir em sua agenda.
— Duff me disse que o homem desapareceu logo depois eu o deixei.
— Oh?
— Alguns dos garotos mais velhos viram o meu trabalho e decidira que terminariam o trabalho.
— Bem. — Disse o idoso assentindo. — É plausível quando meninos mostram interesse em manter as coisas em ordem.
Reaver bufou e balançou a cabeça.
— O homem mantinha dezenas deles naquela casa. Os comandava como seu próprio círculo de ladrões, usando alguns deles como limpadores de chaminés para roubar residências. De acordo com Ash, mas de um terminou em uma cova por causa disso...
— Sim, sim. Ele certamente mereceu a sua punição.
— Aye. — Reaver franziu o cenho. — Como Ash está se saindo?
— Muito bem, na verdade. Alguns machucados e coisas do tipo. Mas nada quebrado. Feito de material robusto, aquele ali. A última vez que o vi, ele estava se servindo de um prato extra de bacon com a sua governanta.
O garoto era impressionante. As entranhas de Reaver haviam se retorcido dolorosamente ao ver Ash agarrado a Augusta com as lágrimas escorrendo pelo rosto. Até ela acordar, ele também sentiu um desejo parecido de tocá-la, implorar para ela voltar e ser sua forte e firme Gus. O seu coração parara de bater ao vê-la desmaiar. Recomeçara a bater apenas quando aqueles olhos suaves e cinzas pestanejaram e se abriram. Ela recuperou sua respiração normal logo depois que Duff afastar Reaver da luta, ou espancamento, para ser mais preciso, pois o porco de queixo pesado nem ao menos resistira.
Embora ela insistisse que era capaz de andar, ele a ergueu em seus braços e a carregou até a carruagem. Depois entrou também e a embalou, beijando sua têmpora, testa e lábios seguidamente. Ele precisava ter essa garantia. Ela estava quente. Estava segura. Ela respirava e agarrou-se ao pescoço dele. Riu sobre ser a valise dele.
Não fora suficiente. Mesmo a segurando toda a noite, correndo a mão por seu cabelo, rosto e corpo não fora o bastante.
Sua mente que já havia quebrado a corrente, ainda lutava para conseguir algo. Ele não sabia o que precisava, apenas que nada estava funcionando.
Medo, violência e necessidade de blasfemar o atravessava.
— Acho que devo seguir o meu caminho. — Uma xícara de porcelana tilintou levemente sobre o pires. — Hora da minha soneca da tarde. — O médico lentamente levantou-se e avaliou Reaver. — Aconselho que vá se deitar. Pode ajudar a acalmá-lo um pouco.
Ele olhou para a luz que entrava pela janela e bufou.
— Mal consigo dormir com a escuridão.
O homem esticou a mão e deu uma palmada no ombro de Reaver enquanto passava.
— Eu não disse nada sobre dormir, jovem.
*~*~*
Augusta apoiou as palmas sobre sua barriga nua e olhou para suas mãos no espelho. Ela as observava levantar e cair com as suas respirações. Ela testava os hematomas em seu abdômen, maravilhada por ele mal doer.
Ela ainda lutava para conciliar os eventos do dia anterior desde que eles ocorreram. Ela ainda não tinha respostas. Suas mãos tremeram. Seu ventre vibrou. Ela se perguntava se estava se partindo ou se restaurando de alguma forma.
Por muito tempo, Phoebe fora tudo o que importava. Agora, Augusta tinha Ash. Tinha Bastian. Tinha a possibilidade de um bebê dela. Mais de um talvez.
Um sorriso surgiu.
Ela gostaria disso. Os bebês de Bastian crescendo em seu ventre. Nascendo. Agarrando-se ao seu pescoço. Crescendo e virando pequenos gigantes.
Sua vida estava cheia agora. Ela até mesmo tinha primos, emprestados, eles eram primos de Bastian, mas se importaram com o fato de ela estar ferida. Eles a visitaram pela manhã, Tannenbrook lhe disse rispidamente que não deveria se colocar em perigo novamente. Viola apertou suas mãos e sentou-se com ela, explicando de seu jeito doce que Augusta deveria perceber sua própria importância.
— Sabe por que eu dei a Elijah a minha lista de noivas em potencial?
Augusta piscou.
— Ãh, por desejar que ele se casasse?
— Sim, é óbvio. Mas eu fiz a lista semanas depois de descobrir a resistência dele. Ele se recusava a discutir sobre casamento, insistia que não precisava de uma esposa. James e eu queremos que ele continue a linha dos Kilbrenners, sim, mas mais do que isso, nós desejávamos que a vida dele... fosse completa, suponho. — Seus surpreendentes olhos azuis brilharam quando ela sorriu. — Do mesmo jeito que você encheu a sua casa vazia.
Ela explicara como, não importava suas adulações ou insistências, Sebastian resistira com toda sua força de vontade a ser Elijah Kilbrenner. Dizia e dizia que gostava da vida dele exatamente como estava e tinha pouco interesse em mudar.
— Até você. — Viola continuou. — Eu sou muito insistente quando coloco o meu coração em algo, mas os meus esforços foram em vão. Você mudou tudo. Ele é feliz, Augusta. Inteiramente completo. E agora, por desejar dar-lhe um lar e uma família, finalmente aceitou sua posição. Então, pode ver, você é importante. Para ele. Para nós. Para o futuro de nossa família.
Gentilmente Augusta perguntara porque Viola falava como se tivesse poucas chances gerar um herdeiro.
Ela abaixara os cílios, o sorriso ficou trêmulo.
— James e eu viemos a Londres quando estava grávida de Elizabeth. Ela é nossa primeira filha. Nós... nós nos esforçamos para concebê-la. Eu lutei para carregá-la; James encontrou um médico aqui que é especialista em... dificuldades deste tipo. Durante o nascimento, sofri um sangramento. Ele conseguiu contê-lo, mas disse que provavelmente eu não conceberia novamente.
Viola explicou que a preocupação de Tannenbrook era que a propriedade e a vila adjacente passassem para mãos capazes. Ela inclinou-se para frente e falou como se compartilhassem um segredo.
— Ele tem dormido muito bem desde que Elijah pediu-lhe conselhos sobre como cortejar. Como um bebê após as refeições. Está convencido que você gerará pelo menos uma dúzia de robustos meninos Kilbrenner.
Augusta olhara para o marido, atingida pelo pensamento de que ela o mudara, assim como ele mudara a vida dela. Eles não eram mais as pessoas que foram ao se conhecerem.
Agora, enquanto ela soltava a sua camisa se perguntava quem precisamente ela era. Não mais uma Widmore. Não era mais simplesmente a irmã de Phoebe, vigiando e matando dragões. Era uma esposa. Uma amiga. Talvez em breve uma mãe.
Ela amava Sebastian com uma ferocidade que lhe dava medo. Ontem, quando Ash estava em perigo, ela percebeu o quanto profundamente ele, também, havia ancorado em seu coração. Como ela poderia amá-los — Ash, Bastian e seus filhos — tanto quanto amava Phoebe sem se perder? Como podia estar no vendaval e em um dilúvio, protegendo-os enquanto ela fazia o que tinha que fazer e se manter inteira? Amar Phoebe tomara tudo o que ela tinha. E ainda assim, não conseguia se imaginar fazendo algo diferente.
Novamente seus olhos recaíram sobre o seu ventre.
— Dói? — A sombra dele entrou em sua visão antes de seus ombros largos e fortes e corpo longo e musculoso. Ele parou atrás dela, gigantesco no reflexo de seu espelho comprido e dourado.
— Não. — Disse suavemente. Ela amava o rosto dele. Cada vinco e relevo. Cada linha realinhada e cavidades angulares. — Senti a sua falta.
— Faz uma hora.
— Muito tempo.
As narinas dele inflaram.
— Aye.
Seus olhos pousaram nas mãos deles. Estavam vibrando. Não tremiam, era mais como uma tênue tensão. Ela piscou, percebendo o súbito movimento ao longo de seu pescoço e braços também.
— Bastian?
Ele não respondeu, seus olhos escuros fixaram em seu abdômen e flexionou o queixo.
— Gostaria de ver?
Seus olhos voaram em direção aos dela. Ele assentiu com uma sacudida.
Ela segurou a barra de sua chemise e removeu a roupa pela cabeça. Então ela ficou parada e nua diante de seu marido.
E sentiu seus olhos a queimando viva.
O calor a enfraqueceu. A amoleceu. Endureceu seu mamilos e a fez sentir dor.
As mãos dele vieram às laterais de sua cintura, as pontas dos dedos tocando gentilmente a sua pele.
— Não deve fazer isso nunca mais, Gus.
Ela perdeu o fôlego quando arrepios se espalharam a partir das mãos dele, atravessaram a cintura dela deslizaram para cima e para baixo.
— Fazer o que?
— Machucar-se. — A tensão dele aumentou assim a febre em seus olhos. — Eu quero matá-lo. Eu quero tomá-la. Eu quero parar de ver você ser machucada.
Ela se encostou no seu corpo sólido, poderoso e protetor. Segurou as mãos dele nas suas. Pressionou um sobre seu umbigo e outra sobre o coração.
— Eu farei tudo em meu poder para não me colocar em risco daquele jeito novamente. Prometo.
Seus suspiro o fez estremecer. Suas mãos a seguraram com mais força. Os lábios tocaram seu ombro depois roçaram em seu pescoço.
Ela fechou os olhos e acariciou os pulsos e braços dele à mostra pelas mangas da camisa enroladas. O ar frio sussurrou contra seus seios e pernas nus, mas ela estava longe de sentir frio. Não, na realidade, enquanto ele sugava e beijava, seu fôlego e sua boca quente faziam a sua pele queimar sob seu toque.
— Abra os olhos, amor.
Ela o fez. O viu muito maior. Viu a si mesma, corada, pronta e necessitada.
— Você percebe?
Ela balançou a cabeça.
— Eu a manterei segura. Eu lhe darei prazer. Mas deve permitir.
A respiração dela acelerou quando ele levou uma mão ao seu seio enquanto a outra deslizava para os cachos entre suas pernas.
Ele beijou sua orelha. Roçou sua língua ao longo da borda de seu lóbulo.
Ela assistiu o seu ventre tremer quando os dedos dele começaram a trabalhar. Alguns dedos rodearam se mamilo, desenhando círculos. Outros dedos imitavam os movimentos, acariciando o nó duro de seu centro.
Era quase demais. Ele, totalmente vestido, dando prazer ao seu corpo nu com movimentos circulares, Enquanto ela assistia.
— Agora você entende, ãh? — Sua voz ecoou contra seu ouvido. — Veja quão bem eu posso lhe dar prazer.
Sua respiração engatou em um gemido. A cabeça caiu para trás contra o peito dele.
— Bastian.
Ele fez movimentos circulares e acariciou. De novo e de novo.
— Você sabe o que eu gostaria de fazer com você exatamente agora, Gus?
Ela balançou a cabeça, pressionando os quadris e seios em direção às mãos dele.
— Eu gostaria de tomá-la. Mãos e joelhos. Duro, rude e profundamente. Mas eu não vou, percebe? Porque eu a amo. Eu malditamente amo você. O seu prazer significa muito para mim. Seu coração significa muito para mim. Sua vida significa mais para mim do que a minha própria.
Qualquer parte de seu coração que ela pensou reservada estava perdida. Completamente reivindicada. Não importava se amá-lo significava enfrentar um vendaval e um dilúvio. Não importava que ele a consumisse. Amá-lo era inevitável. Inexorável. Fogo e maré. Tempo e chuva. Era uma força em si mesmo.
Ela esticou o mão para acariciar o rosto dele.
— Sabe o que eu gostaria que você fizesse comigo, Bastian?
Seus dentes gentilmente acariciaram seu ombro enquanto sua mão pressionava e movimentava-se em círculos. Pressionava e circulava.
— Eu gostaria que fizesse... Oh, Deus. — Ela se contorceu contra ele quando ondas pulsantes giraram de seus seios para o seu centro como anéis ondulantes na água. — Tome-me. Mãos e joelhos. Dura e profundamente. Pois eu o amo, meu homem rude. Eu amo você. E tê-lo dentro de mim, dá-lhe prazer, é a única coisa que saciará a minha fome.
As mãos dele pressionaram com mais força as suas dobras úmidas, deslizando os dedos ao longo dos elos de todas aquelas camadas de beleza. Ele beliscou o mamilo firme e vermelho entre os dedos, apertando-o até que as sensações fossem como um raio, quase demasiado. Ela arqueou e choramingou, a tensão em seu ventre enroscava-se com mais força, ondulando no tempo perfeito.
Seus olhos encontraram-se com os dele no espelho. As bochechas dele estavam coradas e os lábios inchados. Contra suas costas, seu membro crescera duro e impossivelmente longo.
— Tenha certeza, Gus. — Ele disse, sua voz retumbante estava rouca. — Não a machucaria. Nunca. Mas eu preciso demais de você.
Um dia, ela lhe explicaria o tanto que ela gostava da grosseria dele, como isso a excitava, a fascinava e a despertava como nada mais. Por enquanto, ela podia fazer um pouco mais do que gemer e ofegar.
— Tenho certeza. Agora, Bastian. Agora.
Ele se ajoelhou. Beijou suas costas como um suplicante diante do altar. Acariciou suas nádegas, segurou sua cintura e a abaixou. Ela abaixou-se por conta própria, necessitando que ele se apressasse.
Sentindo os nós dos dedos dele roçar no centro de sua feminilidade, ela estremeceu e gemeu quando ele deslizou seu dedo mais longo para dentro dela. Acariciou. Deu-lhe prazer. Ela o assistia através do espelho. Os olhos dele sobre ela. Firme e incandescentes.
Ele se rendeu à tentação. Retirou o seu dedo. O deslizou para dentro de sua boca.
Santo céu, ela viria... naquele instante. Antes mesmo que ele...
— Não ainda. — Ele rosnou, franzindo a testa. Ele inclinou-se sobre ela. A ponta grossa e quente separou as suas dobras. Lentamente a penetrou. Ela agarrou-se ao tapete embaixo dela enquanto ele alargava suas dobras.
Fora assim da primeira vez, apenas mais doloroso. Agora, houve um pouco de dor, porém como uma grande pressão. Ele já estava fundo, indo ainda mais fundo.
Os quadris dele impulsionaram bruscamente enquanto a mão apoiou-se ao lado dela e ele forjava centímetros mais fundo. Sua boca caiu sobre a nuca dela. Os dentes arranhavam e lhe davam prazer. Ele a preencheu até ela ter certeza de que não teria mais. Mas havia.
Mais. E mais.
— Tome-me, Gus. Ah, Deus. Inteiro.
Ela estava disposta, mas naquela posição, ele parecia ainda maior do que antes.
Ele agarrou suas coxas e as abriu ainda mais. Isso ajudou, mas apenas quando ele penetrou mais fundo. Ela grunhiu com a força do movimento. As sensações mista de pressão e prazer. Eles se moldaram e tornaram-se um. Enfim ela sentiu a base dele, o calor em sua abertura a fez tremer. Seus braços tremeram e ela lutou para continuar imóvel e deixá-lo tomá-la.
Ela o apertou com força, pulsando ao redor da base de seu membro.
— Você me sente, amor?
— Sim. Você é... grande.
— Mas você me toma, profunda e verdadeiramente. — O peito dele pesava contra as suas costas, o tecido de sua camisa macia contra a sua pele, seus músculos duros. Inflexíveis. — Agora, devo tomá-la.
Ela o sentiu sair alguns centímetros. Retornou com um impulso forte. E mais um. Mais um. Logo, suas retiradas estavam mais longas, seus impulsos mais fortes. Ela queria observá-lo pelo espelho, mas tudo era a união deles. Tudo. Ela não conseguia pensar, apenas sentir.
Seu comprimento. Se calor. Seu membro batendo dentro dela, alimentando um fogo mais profundo do que ela pensava ser possível. Movimentando-se contra nervos escondidos. Dando-lhe prazer de uma forma que nunca contemplou. Ele tocava apenas sua cintura, pescoço e seu sexo. Não tocava os seus seios. O lugar que ele acariciava antes.
Tudo era a união deles.
Ela não sabia se poderia alcançar seu clímax desta forma. A pressão era forte e aumentava a cada impulso martelador.
— Veja-nos. — Ele rosnou. —Veja.
Ela o fez. E o corpo dela foi tomado por um raio, Veio subitamente, ela gritou por entre os dentes cerrados. Arqueou as costas. Flexionou-se ao redor dele com força o bastante para a fricção da união deles arder. Ele continuava a empurrar. Ela se viu apanhada novamente, soluçando seu nome. Enfiou a mão no tapete embaixo dela.
O prazer era demasiado. Ele era demais. Ela virou a cabeça e abriu a boca contra os músculos do braço dele, sentindo o gosto de sal e Bastian. Mais uma vez foi capturada, ondulando irregularmente à medida que ele aumentava o ritmo. Empurrando. Empurrando. Empurrando.
Ela implorava, implorava e implorava.
Ele empurrou mais fundo. Ela se sentiu apanhada outra vez e o apertou com força. Então sentiu, o calor da liberação dele dentro dela. Ouviu os gritos dele, roucos e estrondosos. Ouviu ecoar seu nome. — Augusta. Augusta. Eu te amo. Eu te amo.
Enquanto os pulsos trêmulos de seu êxtase diminuíam, ela beijou seu braço. Entrelaçou os dedos nos deles. Encontrou seus lindos olhos de ônix no espelho.
— E eu amo você. — Sussurrou. — Mais do que imaginava ser possível.
CAPÍTULO 23
“É prudente assumir que todas as escolhas são importantes para o resultado, apareçam diretamente ou não por alguma força externa. Como expliquei para a minha antiga criada ontem, não se pode culpar o tempo pelo infortúnio de alguém que é pego “aquecendo-se” com o cocheiro e uma garrafa de gin.”
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta cheia de sabedoria acumulada.
Muitas coisas na vida de Phoebe aconteceram por acaso. A morte de sua mãe. A de seu pai. Augusta ter nascido oito anos antes dela. Conhecer Glassington em uma reunião onde apenas a aristocracia local era esperada.
Hoje, ela podia listar mais uma: a chegada de uma nota entregue pelo Sr. Duff no exato momento que ela estava passando pelo vestíbulo em uma missão para conversar com o cozinheiro sobre adicionar mais gengibre nos biscoitos de gengibre. Foi uma coincidência estranha. Alguém poderia dizer profética, dada a ocorrência do dia anterior em que ela quase perdera Augusta.
A nota estava endereçada a Reaver, não a ela, mas aconteceu de ela estar perto da porta, assim ele atendeu. E acontecia de ela se dar bem com o Sr. Duff, assim ele ficou grato por ela permitir que ela entregasse a nota. E aconteceu de ela ver o que parecia como o nome de Glassington do lado de fora do papel dobrado.
Então ela a abriu.
E sua garganta começou a doer.
E ela se recordou de tudo o que Augusta sacrificara para seu bem.
E pensou em quão egoísta fora, desesperada por ter que casar com Glassington.
Augusta não hesitaria em fazer o que era necessário. Ela faria um plano e o colocaria em prática. Agora, Phoebe pretendia fazer o mesmo.
Primeiro, ela fez arranjos para que a carruagem desse a volta. Depois, empacotou a valise, guardando as moedas que Augusta lhe dera dentro dela. Escreveu uma nota para a sua amada irmã e juntou-a ao bilhete endereçado a Sebastian. E deixou a casa.
No caminho ao Clube Reaver’s, reviu a nota em sua mente.
Recordou Augusta sendo carregada daquela casa odiosa da Cheapside, atordoada e gemendo.
Recordou Augusta sendo atingida pelos golpes de Georgiana enquanto cobria Phoebe como o escudo de um guerreiro.
Recordou Augusta proibindo Phoebe de ajudá-la com as lavagens de roupas porque Phoebe deveria ter ‘mãos de uma dama’ se desejasse ser uma.
Então ela endureceu a coluna, cobriu com pedras o seu coração que sangrava e fez o que devia ser feito.
*~*~*
Estava chegando o Natal, então o Reaver’s era um maldito manicômio. Cada homem estava se embebedando. Cada homem desejava celebrar a ocasião sagrada com apostas selvagens e folias mais selvagens ainda. Adam correra o dia inteiro.
O que explicava porque ele não havia lido a nota até as quatro e meia. A satisfação o atravessou ao perceber as implicações. Apenas um assunto importava agora. Em breve, Phoebe seria dele.
A menos que...
Ele ficou gelado, lendo as palavras. Sabendo que Drayton teria notificado não apenas Adam, mas Reaver também.
Phoebe seria dele a menos que Reaver estivesse mais convencido de sua devoção por Augusta do que a lealdade a um amigo, até mesmo o melhor amigo. Parceiro.
Poderia ter pouca dúvida de que Adam exigia segurança. Enfiando a nota dentro do bolso de seu casaco, ele marchou para o seu escritório do Reaver’s.
— Frelling. — Disse rispidamente. — Preciso de uma série de promissórias.
Frelling franziu o cenho e se levantou da cadeira, indo em direção ao escritório de Reaver.
— Qual arquivo está procurando?
— Glassington.
Frelling ajustou os óculos e foi procurar nas gavetas atrás da mesa de Reaver. Ele levantou um dedo enquanto abria uma gaveta.
— Ah, sim. Aqui. — Ele retirou o arquivo e o encontrou vazio. — Eu não sei onde... O Sr. Reaver deve ter...
Adam não estava mais ouvindo. Ele saía do escritório indo direto à casa de Reaver. No meio do caminho, ele encontrou Duff, que mencionou ter visto a Srta. Widmore duas vezes naquele dia. Uma vez na casa do Sr. Reaver e outra ali, no clube.
— Ela me pediu para achar uma post-chaise. — Duff balançou a cabeça e franziu o cenho. — Coisa estranha, isso. A carruagem de Reaver é muito melhor do que uma de viagem.
Adam escutou tudo enquanto ficava mais gelado e furioso. Ele montou seu cavalo e galopou até a casa de Reaver como se o inferno o perseguisse.
Chegou com um pouco de neve no casaco e um sentimento terrível em suas entranhas. O novo mordomo de Reaver, Teedle, gesticulou para que ele entrasse.
— Receio que o Sr. Kilbrenner não esteja em casa, Sr. Shaw.
— É claro que está. Pode buscá-lo ou eu irei.
Teedle soltou um protesto.
Adam se aproximou do criado de cabelos brancos.
— Agora, meu bom homem. Não tenho tempos para jogos.
— Ele... ele está indisposto. Com a Sra. Kilbrenner.
— Ah. Por que não disse, então? — Adam passou apressado pelo mordomo e subiu as escadas, ignorando os ruídos de indignação do homem.
Adam bateu à porta do quarto de Reaver. Muito alto.
Uma voz profunda berrou uma resposta imediatamente.
— Maldição. Inferno maldito! É melhor a casa estar pegando fogo, Teedle!
Uma risada feminina seguiu após uma rápida conversa.
— Reaver! — Adam gritou. — Ponha a sua bunda fora da cama, homem. Devo falar com você.
Quando a porta foi escancarada um minuto depois, Adam franziu o cenho.
— Por Deus, você é um monstro. Onde está a sua camisa? — Ele olhou por cima do ombro descoberto de Reaver para a mulher segurando o roupão sobre uma indumentária que obviamente pertencia a um homem. —Ah, isso explica tudo.
A carranca sombria de Reaver se aprofundou enquanto dava um empurrão em Adam.
— Tire os olhos de cima dela, Shaw.
Adam estremeceu e esfregou o próprio ombro.
— Maldito inferno, homem. Acalme-se. Sabe onde está o meu afeto. Falando no assunto, o que fez com as promissórias de Glassington?
— Nada. Elas estão no clube.
— Não. — Espetou. — Elas sumiram. Assim como Phoebe.
Augusta passou por baixo do braço apoiado do marido para ficar ao seu lado.
— O que há com Phoebe?
Reaver resmungou. Adam traduziu o som como se ele quisesse dizer que era melhor não envolver Augusta em qualquer bagunça que Adam estava trazendo a sua porta. Mas Adam não tinha tempo para os instintos protetores de Reaver. Precisava encontrar Phoebe e pará-la antes que ela fizesse alguma idiotice. Como casar-se com Glassington.
— Phoebe fugiu para o norte em uma post-chaise. — Adam disse categoricamente. — Provavelmente com as promissórias de Glassington e certamente com a intenção de forçá-lo a se casar.
Augusta piscou várias vezes em rápidas sucessões.
— Perdão?
Teedle, que pairava ao fundo, aproximou-se.
— Madame, sua irmã deixou uma nota para você. Estava esperando para entregar quando... bem... quando... — Ele pigarreou.
Adam gesticulou impacientemente.
— Sim, sim. Quando eles saíssem para pegar alguma coisa vital, como comida ou ar. Pegue a nota, Teedle, Faça isso agora.
Franzindo o cenho, Augusta repreendeu.
— Sr. Shaw, realmente. Não estou certa o que está causando esse senso de urgência, mas...
— Sua irmã se foi.
— Como você sabe?
— Porque é meu assunto saber.
— Não vejo razão.
Reaver abraçou Augusta pela cintura com uma mão.
— Ele gosta dela, Gus.
Ela olhou para ele, aprofundando o vinco em sua testa.
— Bem, eles são amigos, suponho. O Sr. Shaw foi bondoso com ela...
— Eu a amo. E ela me ama.
Olhos cinzas arregalaram sobre ele. A boca se apertou uma linha apertada.
Teedle chegou trazendo duas notas em uma bandeja de prata. Bom Deus, o homem era doentiamente formal.
Augusta recolheu o bilhete de Phoebe enquanto Reaver desdobrava o que fora endereçado a ele. Juntos, leram as missivas, Reaver estreitando os olhos e segurando o papel à distância de seu braço enquanto Augusta empalidecia e cobria a boca com os dedos.
Reaver foi o primeiro a falar.
— Glassington pegou a Srta Elder e fugiu para a Escócia. Ele pretende casar-se com ela assim que chegarem. Evidentemente a minha visita ao pai dela tornou-se efetiva, afinal, já que o Sr. Elder colocou objeções ao enlace. Isso deixou Glassington sem escolha, a não ser fugir.
Augusta olhou outra vez para o seu marido.
— Ela está indo atrás deles, Bastian. Ela está sozinha. Rumo ao norte. E tem as promissórias.
— Devo ir. — Adam disse, afastando-se.
— Sr. Shaw.
Ele se virou para encará-la.
— Ela está grávida.
— Eu sei.
Augusta piscou. Sua boca abriu e depois fechou.
— Se ela se casar com você em vez do Lorde Glassington, todos saberão. Entende isso, não?
— Não sou um idiota, Sra. Kilbrenner. Glassington e eu dificilmente seríamos gêmeos.
Sua mandíbula elegante tremeu.
— Você não acha que a minha irmã merece uma vida mais fácil do que a que pode oferecer?
— Talvez ela mereça. Mas ela também merece um homem que lutará por ela, não um que a descarta como um monte de lixo e tem que ser ameaçado para casar-se. Ela merece ser amada. Ninguém possivelmente a ama mais do que eu.
Mordendo o lábio, Augusta olhou para Reaver.
— Você sabia?
Ele suspirou.
— Aye. Shaw me contou ontem.
Ela estreitou os olhos sobre Adam.
— Qual é o seu plano?
— Encontrá-la. Convencê-la que casar-se com Glassington é uma loucura.
— Não é uma loucura. É sensato. Ele é o pai do bebê dela. Ela será uma condessa, o bebê será o filho de um conde, talvez até mesmo vire um conde um dia.
A voz de Adam ficou baixa.
— E ele gosta tanto dela que até as suas tentativas de chantagem o levaram, não a casar-se com Phoebe, mas a fugir com outra mulher.
Ela olhou para Reaver.
— Você pretende ficar em silêncio como um grande bloco de pedra?
— O que deseja ouvir?
— Sua opinião sobre o assunto.
— Acho que Phoebe deve decidir sozinha.
— Isso é terrivelmente inútil.
Reaver deu de ombros.
— Você perguntou.
— Bem, acho que devemos ir juntos.
— Nós?
— Você e eu. Se o Sr. Shaw pretende intervir, então quero estar lá. Por Phoebe.
Esfregando a testa, Reaver grunhiu.
— Por Deus, você é irritante, mulher.
— Sim, sim. Agora, a rota mais provável é a Great North...
— ... Road. Aye. Shaw, encontre-nos lá embaixo em vinte minutos. Peça a Teedle que prepare uma carruagem.
A porta se fechou na cara de Adam, mas ele ainda podia ouvir a discussão atrás dele. A discussão parou abruptamente.
Adam endireitou o casaco e desceu as escadas. O vestíbulo parecia um bom lugar para esperar, afinal de contas.
*~*~*
Na hora em que eles chegaram a Smithfield e seguiram ao norte, a neve começara a cair mais forte. Flocos grossos giravam e flutuavam à luz das lamparinas enquanto do lado de fora das janelas da carruagem tudo mais estava escuro.
Augusta suspirou e encostou a bochecha no braço de Sebastian, segurando sua mão com força. Olhou para Adam Shaw e se perguntou se ele era a razão para o desespero que ela sentira em Phoebe nas últimas semanas. O homem era indiscutivelmente bonito. Traços refinados. Magro e bem-proporcionado. Possuía uma qualidade nítida: energia focada. Controlada.
Ela preferia o seu homem mais grosseiro, é óbvio, mas entendia a atração de Phoebe. Mais cedo, Augusta exigiu que Sebastian falasse mais sobre o Sr. Shaw, suas respostas a perturbaram.
— Ele é um bom homem, Gus. Cuidará de Phoebe com toda a sua força e considerável fortuna, pode estar certa. Mas se pensa em impedi-lo, saiba de algo: um homem não chega tão longe quanto ele chegou sem ter um pouco de crueldade nele. Shaw teve que escalar mais do que a maioria. Então ele tem mais disso do que a maioria.
— Está dizendo que eu não deveria ficar no caminho dele, que simplesmente devo permitir que isto aconteça.
Bastian suspirara.
— Estou dizendo, escolhendo ficar em seu caminho, que deve estar preparada para a derrota.
Ela não gostara da resposta dele, mas entendeu. Shaw podia vestir a máscara de mordomo, elegante e digno, mas era um homem poderoso por direito próprio. Como sócio de Reaver, ele era tão rico quanto Sebastian. Ele poderia cuidar de Phoebe e da criança. Protegê-la das piores privações: pobreza, perigo e fome.
Porém algumas dificuldades permaneciam inevitáveis. O casamento entre eles era um convite ao pior tipo de desprezo social. Tais atitudes eram, na opinião de Augusta, idiotices. Seu pai e tio eram provas de que era mais aconselhável analisar os outros baseados no caráter individual do que em fatores arbitrários como título, origem ou nome. No entanto, esperava que Phoebe seria mal julgada por ser casar com um indiano. Quando desse a luz a seu primeiro filho, seria vista como mulher caída. A criança encontraria pouca aceitação na sociedade educada. E os outros filhos com o Sr. Shaw provavelmente teriam que lutar para abrir seus caminhos.
Como Augusta desejava que não fosse assim. Mas era.
Ela adormeceu com o coração doendo por sua irmã. Acordou quando Bastian beijou seus lábios e murmurou:
— Vamos, amor. Vamos entrar em um lugar quente.
Ela piscou, percebendo que a carruagem havia parado.
— Onde estamos?
— Perto de Stevenage, acho. A neve aumentou demais, então o cocheiro parou na primeira hospedaria que encontrou. Shaw está lá dentro agora arrumando nossas acomodações.
Quando as botas de cano baixo de Augusta sumiram em quinze centímetros de neve, ela começou a se preocupar. E se Phoebe tivesse prosseguido. Já era perigoso o bastante para uma mulher viajar sozinha durante a noite pela Great North Road. Com o tempo ruim, os riscos aumentavam consideravelmente. Ela teria insistido em viajar apesar das condições? Provavelmente ela...
Augusta piscou e balançou a cabeça ao entrarem no interior escuro e quente da hospedaria. Ali, perto da lareira de pedra, estava Phoebe parada, parecia corada tanto pelo calor do fogo como pela interação com o belo Sr. Shaw. Eles estavam muito próximos, a cabeça dele quase encostando na dela, falando com uma intensidade que ela conhecera após longas horas em sua companhia. Phoebe, entretanto, tinha uma inclinação desafiadora em seu queixo e uma chama em seus olhos que rivalizavam com a da lareira.
Sua irmã olhava para Adam Shaw com olhos brilhantes. Viva.
Santo céu. Phoebe o amava. A emoção sufocou Augusta, espalhando por ela de uma vez. Ela nunca vira Phoebe tão incandescente em... bem, nunca. Após meses de um desespero apático, Phoebe despertara.
E Adam Shaw era a causa.
CAPÍTULO 24
“A vida pode mudar de repente, meu querido rapaz. Exatamente quando supõe que considerou todas as probabilidades, elas mudam em sua cabeça como se identificassem a sua arrogância e quisessem provar que você está errado.”
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta respondendo às reflexões do dito cavalheiro sobre a mudança inesperada de eventos.
Phoebe sentia que a sua existência mudou como um barco capturado por uma corrente forte no momento em que Adam Shaw entrou na hospedaria. Ela mantivera a sua determinação por todo o caminho desde Marylebone até a St, James. Então, após longos minutos de angústia enquanto estava dentro do clube onde ela se apaixonara, alugou uma post-chaise, pagou ao condutor e reviu em sua mente todas as razões pelas quais deveria se casar com Glassington.
Durou até a Smithfield Market. Então enquanto a neve continuou a cair, aconchegou-se embaixo de um cobertor observando como aumentava a escuridão e sentiu a certeza de um futuro miserável se aproximando.
Qualquer futuro sem Adam era miserável.
Ainda assim, ela seguiu em frente, certa de que era o que deveria ser feito. Não era? Claro que sim. Bem, talvez. Os dilemas e as dúvidas giraram como flocos de neve e ela começou a ficar cansada. O cocheiro contratado recomendou que eles parassem pela noite quando a neve não mostrou nenhum sinal de que iria diminuir. Ele escolheu a movimentada estalagem Hertfordshire.
A mesma que Adam Shaw entrara minutos antes, quando o coração de Phoebe voltou a bater. Ele batia contra suas costelas como se desejasse saltar do peito para as mãos de Adam. Talvez ele saltasse.
Talvez ela o fizesse.
Ele se aproximou, olhos dourados em chamas, suas palavras fazendo sua cabeça girar.
— Você não pode se casar com ele, Phoebe. Ele não a quer. Eu quero.
Ela cerrou os dentes e elevou o queixo.
— É melhor assim.
— Não é melhor. Talvez mais fácil.
— Devo fazer o que é necessário para...
— Diga-me que o ama. Vamos. Diga-me.
Ela não falou por vários segundo.
— Você sabe que eu não posso.
— Precisamente. — Ele se aproximou mais, a cabeça abaixando-se a ponto de ela sentir o fôlego dele sobre sua bochecha. — Pois você me ama, Phoebe. A mim. E se casará comigo. Com ninguém mais.
Santo céu, como ele podia fazer isso? Ela estava sendo partida em duas.
— Por favor, Adam. Eu... Eu devo me casar com Glassington. Pelo bem do meu filho. Por Augusta.
Atrás dela veio uma voz que ela não esperava.
— O que quer dizer com ‘por Augusta’?
Ela se virou para encarar sua irmã que parecia muito descontente.
— O q-que está fazendo aqui?
— Seguindo você. Agora, responda a minha pergunta.
Phoebe nunca foi capaz de opor-se àquele tom de preocupação e insistência maternal.
— Isto é tudo pelo que trabalhou, Gus. Como eu posso reagir a seus sacrifícios ao descartá-los?
Um vinco de preocupação aprofundou-se e enrugou sua testa.
— Oh, Phee. — As mãos de Augusta vieram até seus ombros. — A sua felicidade é tudo pelo que trabalhei. É a única coisa que importa para mim.
Phoebe segurou a mão de Augusta, apertando-as entre as dela.
— Estava certa. Eu cometi um erro com Glassington. Acreditei nele quando não devia. Agora, eu devo me sacrificar. Devo proteger o meu filho, assim como você tem me protegido. Eu devo isso a ele. Eu lhe devo isso.
Por um longo tempo Augusta não respondeu. Então ela arqueou uma sobrancelha.
— Bem, concordaria que Glassington não fosse um patife inútil. — Ela olhou além dos ombros de Phoebe. — E se não tivesse uma opção melhor. — Voltou a olhar para Phoebe. — Mas ele é. E talvez você tenha uma opção melhor.
Esperança, frágil como a pequena vida em seu útero, surgiu como uma chama incipiente. Pequena no começo, mas resistente. E cresceu.
— Agora então. — Augusta continuou com sua usual maneira de administrar as coisas. — Sugiro o seguinte: avalie a questão sobre que tipo de pessoa deseja que sua criança seja. Uma pessoa como Glassington. Ou uma pessoa como o Sr. Shaw. — Ergueu um dedo. — Considere tudo agora. As dificuldades. O título. O lugar dentro da sociedade. E, acima de tudo, a essência do caráter.
O seu coração bateu forte. Depois trovejou. A resposta era simples. E certa.
— Adam. — Sussurrou. — Eu gostaria que meu filho fosse exatamente como Adam.
— Bem, aí está, então. Você certamente deve se casar com o Sr. Shaw. para o bem do bebê. E, agora que considero isso, para o meu bem. Eu detestaria ser forçada a passar os Natais com um patife inútil.
Phoebe soltou as mãos de Phoebe e se virou para Adam. Os olhos dele brilhavam com a força do triunfo.
— Não será fácil. — Ela sussurrou, sentindo dor enquanto a chama de esperança crescia.
— Não. — Ele respondeu, sua maravilhosa voz estava rouca. — Mas será boa. Melhor do que qualquer coisa.
Ela se aproximou dele. Pegou suas mãos. Entrelaçou os dedos e a apertou com força.
— Você me ama?
— Sim.
— Pode amar meu filho?
— Sim.
— Então sou sua.
— Você tem sido desde o momento que caiu em meus braços, Phoebe Widmore.
Ela sorriu, seu ventre formigando e tremendo loucamente.
— Eu fiz uma bagunça, não foi?
Ele envolveu seu rosto.
— Você roubou o meu coração. Agora espero que o pagamento seja completo.
Ela apertou os lábios.
— Pagamento?
— Uma vida inteira deve bastar.
Ela ficou nas pontas dos pés para depositar um beijo gentil sobre seus lábios.
— Você tem sorte, Sr. Shaw. — Ela sussurrou. — Pois as garotas Widmores sempre mantém suas promessas.
*~*~*
Tarde da noite, Adam abriu a porta de seu quarto e vasculhou o corredor da hospedaria. Se não estivesse errado, a porta de Phoebe seria a sétima. Estava escuro, com apenas um brilho fraco vindo da janela no fim do corredor. Ele avançou, contando.
Ao chegar à porta, virou a maçaneta. Virou fácil. Destrancada. Ele franziu o cenho. Ela era louca? Alguém poderia entrar no quarto sem convite. Ele falaria com ela sobre tomar precauções sensatas. Bom Deus, ele devia se casar com ela rapidamente. A mulher precisava ser levada pela mão. Diante de tal pensamento, seu pênis endureceu em uma pulsação dolorosa. Ele respirou profundamente e atravessou a porta. Para sua surpresa, ela estava acordada, sentada na janela, uma lamparina queimava na mesa ao seu lado.
O cabelo estava solto, uma mistura de conhaque e porto. Os olhos suaves como as pervincas, sua pele delicada como o mármore. Ela era... linda.
— Perguntava-me quando apareceria. — Ela disse ironicamente, lançando um olhar cintilante. — Levou horas.
Ele tirou seu casaco e o jogou aos pés da cama. A coisa era estreita, mas serviria.
— Deveria ter trancado a porta. Quem sabe que tipo de bandido pode atacá-la na noite escura?
— Oh, acho que sei. Foi por isso que a deixei destrancada.
A respiração estremeceu o peito dele. Seus dedos pararam nos botões de seu colete.
— Tem certeza? — Perguntou.
— Tenho.
— Venha aqui. — Ele esticou as mãos para ela. Ela veio, seu vestido azul balançando à luz da lamparina. — Preciso beijá-la.
— Adam...
Ele a puxou com força. Enterrou os dedos nos cabelos sedosos. Acariciou a bochecha com o polegar. Então, levou a boca sobre a dela.
Macia. Ela era tão macia e doce. Ele começou com gentileza, mas quando sentiu a reação dela, apaixonada e ansiosa, aprofundou o beijo, impulsionando a língua para dentro dela de novo e de novo. Os braços dela envolveram seu pescoço. Seus braços envolveram a cintura dela, puxando-a contra seu corpo.
Então, ele sentiu. O pequeno monte de seu ventre, mal perceptível. Mas ali.
Ele se afastou. Seu olhos caíram sobre o abdômen dela, escondidos pelas dobras do vestido.
— Adam? — A pergunta dela era queixosa. Incerta.
Ele se afastou mais. Engoliu com força, sua cabeça girava.
— Você... Você está... Você quer...?
Ele se ajoelhou. Esticou as mãos. A trouxe para perto dele. Descansou a mão espalmada sobre o ventre dela. Onde a criança vivia. Seu filho. Ele beijou ali, sobre as dobras do vestido. Mas ele precisava de mais. Precisava estar mais próximo. E nua. Levou um momento para ele levantar as saias dela. Ignorou o grito de indignação e colocou o tecido bem alto.
Ali estava. O bebê. Pequeno e crescendo. Seus lábios amavam a pele dela, macia e branca. Ele colocou a palma sobre ela. Sentiu uma leve ondulação. Imperceptível, realmente. Perguntou-se se não estava imaginando isso.
Ele levantou o rosto, esperando descobrir.
Lágrimas escorriam pelo rosto dela e brotavam de seus lindos olhos.
— Eu te amo. — Ela sussurrou acariciando seus cabelos.
Ele sorriu largamente.
— Ele é meu também, Phoebe.
— Sim. — Ela lhe deu um sorriso úmido. — Nós dois somos.
Pela terceira vez em sua vida, ele foi tomado por estranhas sensações. Formigamentos rodopiavam por seus braços, pescoço, couro cabeludo e para o lugar onde sua mão descansava sobre seu filho. Ele já sentira aquilo duas vezes antes: com Reaver e com Phoebe.
Com reverência, ele beijou seu filho pela última vez. Então se levantou e pegou a mulher que amava em seus braços. Lentamente a despiu, acariciando cada centímetro de pele que revelava. Deitou-a na cama estreita, amando a forma como os olhos dela brilhavam, a forma como os seios incharam e coraram por desejo.
Ele tirou o restante de suas roupas. Então, deitou-se ao lado de sua bela Phoebe, subiu entre suas longas e bonitas pernas e manteve seus lindos olhos azuis trancados nos dele enquanto a penetrava.
Ela esfregou seus mamilos duros no peito dele e o segurou com força. Acariciou sua bochecha e o beijou. Repetiu seu nome ao ritmo de seus impulsos, primeiro sussurrando, depois quase gritando. Ele segurou o olhar, forçando-a a permanecer fixos aos dele.
— Não desvie o olhar, Phoebe. — Disse, sentindo o aviso de ondas de prazer aumentando.
A expressão dela era de agonia, mas ele sabia que não era causada por dor. O oposto. Ele sorriu para ela.
— Fique comigo. — Murmurou. —Quero vê-la.
Ela resmungou enquanto ele empurrava com mais força, os quadris se retorcendo desesperadamente.
— Ver o quê?
Ele segurou o rosto dela. Deslizou o polegar sobre os lábios.
— O quanto eu a amo.
O corpo dela se curvou e ela fechou os olhos.
— Não, não, minha querida. Veja.
Ela abriu os olhos. O fez mergulhar em um campo de flores azuis. Seu corpo se contorcia e se apertava, segurando-o com força em seu doce aperto. O êxtase dela foi uma explosão que denotava o dele. Correu através dele como uma onda furiosa, virando seu mundo de cabeça para baixo.
Apenas depois, enquanto estavam deitados, seus membros parecendo uma tapeçaria clara e escura, ele pode falar.
— Pensei que já tinha visto de tudo. — Disse enrolando as mechas conhaque e porto dela em seus dedos.
— Humm. Sim, ouvi você falar isso. — Murmurou sonolenta.
— Estava errado.
— Errado?
Ele beijou a testa dela e sussurrou a verdade em seus ouvidos.
— Nunca tinha visto algo tão maravilhoso quanto você.
*~*~*
Na manhã seguinte eles acordaram com um belo céu azul e cristalino. As colinas suaves e ondulantes de Hertfordshire brilhavam brancas e os sons do pátio da hospedagem — bufos de cavalos, arreios, rodas girando — eram abafados pela grossa camada de neve.
— Contratei cocheiros. — Reaver murmurou, observando a carruagem que desaparecia na paisagem coberta de neve. — Salteadores é o que são. Contratei ladrões.
Augusta riu e o acalmou com um beijo.
— Ele aceitou o pagamento que ofereceu. Finalmente.
— Aye. Tais medidas não deveriam ser necessárias.
— Você é muito intimidante.
A forma com que ela disse aquilo o fez sentir desconforto: baixa e apreciativa. Um pouco sem fôlego.
Ele suspirou.
— Temos uma longa viagem pela frente. Pelo menos metade do dia.
Ela o olhava como Ash olhava um prato de bacon.
Ele franziu o cenho.
— Não há tempo para isso, mulher. Nós partiremos em...
Ela o puxou para um beijo.
Por Deus, como ela o atormentava. E como ele a amava por isso.
Atrás dele, ouviu Shaw conversar com o cocheiro deles.
Augusta o soltou e sussurrou:
— Em breve, Reaver?
— Não, amor. Nem perto de breve.
A voz de Shaw parou no meio da sentença. O ruído de botas pisando na neve se aproximava.
— Reaver.
Ele virou-se. Shaw apontava para um homem mais velho e uma jovem saindo de uma carruagem. Eles estavam bem-vestido e discutiam. A jovem tinha uma pele pálida e dentes grandes. Reaver grunhiu surpreso.
— Quem são eles? — Augusta perguntou.
— O Sr. Elder. — Shaw respondeu. — E sua filha. Interessante.
— Ele deve tê-los alcançado na noite passada. — Disse Reaver. — Pergunto-me onde Glassington está.
Logo em seguida, uma carruagem com um brasão elaborado entrou no pátio.
Augusta bufou enojada.
— Ali. Seus aparatos sempre tiveram maior valor do que o homem.
Glassington desceu da carruagem com uma desesperada falta de graça. Ele caiu de joelhos na lama. Mas logo, levantou-se e correu em direção ao Sr. Elder e sua filha.
Elder se virou ao ouvir o seu nome gritado. Houve um desentendimento no qual Glassington clamava ser um homem mudado e o Sr. Elder insistiu que ele era um patife fraco e desprezível com mais cravat do que bom senso.
— Isso não terminará bem para Glassington. — Reaver observou.
Augusta desviou o olhar da discussão para ele.
— Por que acha isso?
— Um conde de Surrey não é páreo para um comerciante de Newcastle.
Nem um minuto depois, Glassington foi jogado no chão, com seu traseiro na lama, um hematoma rudemente grande e no formato do punho do Sr. Elder avermelhando sua bochecha. A Srta. Elder se moveu para ajudar o nobre caído, mas seu pai a segurou pelo cotovelo, disse alguma coisa que a fez a ruga de preocupação virar um vinco de desgosto e se permitiu levar sem reclamações para a estalagem.
Glassington se levantou, esfregando o queixo e estremecendo. Olhou ao redor e viu Reaver.
Reaver sorriu.
Glassington empalideceu.
— Vai matá-lo ou eu o faço, Reaver? — A pergunta veio de Shaw.
— Nah. — Ele respondeu. — Matá-lo é muito fácil. O homem precisa de sofrimento.
— Humm. Fez um excelente argumento.
A porta da hospedaria abriu-se novamente e Phoebe apareceu. Seus olhos arregalaram-se ao ver o conde e ela estacou no lugar. Ao lado de Reaver, Augusta fez um som de angústia e começou a avançar. Ele a segurou gentilmente pelo braço, fazendo-a voltar.
— Oh, mas.... — Quando ela percebeu Shaw caminhando cheio de propósito para o lado de Phoebe, ela voltou para Reaver, passando o braço ao redor dele. — Oh. — Disse em voz baixa. — Você está certo.
Ele sorriu para ela.
Ela lhe lançou um sorriso empertigado e ergueu a sobrancelha.
— Saboreie isso, meu querido esposo. Pois raramente ouvirá isso.
Então, juntos, eles se encaminharam para mais perto do cenário que se desdobrava diante da porta desgastada da hospedaria.
— ... supõe-se que deve ser melhor prosseguirmos até Gretna. — Glassington murmurou em um tom moroso. — Podemos nos casar lá se o Sr. Shaw e o Sr. Reaver concordarem. — Ele virou-se para Shaw. — Quanto tempo devo esperar para as promissórias serem entregues?
— Humm. Deixe-me ver. — Disse Shaw em voz baixa. — Leva quatro dias para chegar à Escócia — cinco ou seis na neve — então mais quatro ou seis dias para retornar a Londres. Então, se meus cálculos estiverem corretos, suas promissórias serão entregues... nunca.
— Perdão?
— Nunca. Você não receberá as promissórias. Você pagará pelas promissórias. Cada. Uma. Delas. — Shaw se aproximou se colocando entre Phoebe e o conde. — Oh, e também não a levará a Gretna. Não se casará com ela afinal.
— Não irei? Mas pensei que era o que ela queria. — Ele inclinou a cabeça para além de Shaw e Phoebe. — Sua irmã me atormentou por meses.
Phoebe elevou o queixo nitidamente como o jeito Widmore.
— Minha irmã acreditou que você fosse um cavalheiro. Assim como eu. Entretanto, cavalheiros mantém suas promessas. Você não.
A fisionomia dele ficou sombria.
— Eu nunca lhe prometi casamento.
— Nós dois sabemos que é uma mentira. — Ela fungou. — Entretanto não tem mais importância. Não me casaria com você nem se implorasse.
— Tem uma oferta melhor? — Ele bufou.
— Para falar a verdade... — Ela passou o braço pelo de Shaw. — Eu tenho.
O rosto de Shaw era de um puro e possessivo triunfo.
O de Glassington, de incredulidade. Sua boca parecia a de um peixe.
— Mas a criança é minha.
— Não. — Shaw falou. — A criança é minha.
O conde pareceu estupefato. Seus olhos passaram de Phoebe para Shaw e para o abdômen de Phoebe. Então, lentamente, sua expressão ficou mais sombria. Ressentida. Como se repentinamente percebesse como era fraca a sua posição.
— Posso tornar as coisas difíceis para você, Shaw. Posso exigir meus direitos legalmente...
— Você não fará nada do tipo. — Shaw falou com firmeza, como se estivesse revogando o crédito de algum membro do clube. — Se tentar intervir, cobrarei suas promissórias. Todas elas.
Glassington ficou tão branco quanto a neve que cobria o campo atrás dele.
— Todas... de uma vez?
Shaw sorriu com dentes brilhantes.
— Sim. Acredito que isso deve deixá-lo com aproximadamente... humm, deixe-me pensar. Aquelas somas eram vultosas. Ah, sim. Nada. Nada mesmo. De fato, mesmo sua propriedade vinculada serviria apenas para pagar os juros remanescente depois da venda de todo o resto. Então, percebe, você não exigirá seus direitos, fará reivindicações ou causará a menor dificuldade a Phoebe, a mim ou a qualquer pessoa. — A voz de Shaw baixou e o homem cruel que ajudou a construir um império emergiu. —Desaparecerá de nossas vistas, Glassington. E, com o tempo, pagará suas dívidas diligentemente, sabendo que aqueles fundos serão bem usados pela minha mulher e pelo meu filho.
Por um momento pareceu que Glassington protestaria.
Shaw balançou um dedo casualmente indicando Reaver.
— Melhor ir agora, meu lorde. Reaver é um pouco imprevisível e ele não gosta de você. Influência da esposa, eu suspeito.
O conde lançou um olhar nervoso sobre Reaver antes de se virar e tropeçar de volta a sua carruagem, suas botas outrora imaculadas, escorregando na lama. Enquanto a carruagem carregava o nobre inútil embora, Reaver sentiu Augusta suspirar.
Ele abaixou o olhar para a sua esposa e a encontrou radiante.
— Eu sabia. — Ela exalou antes de virar o sorriso em sua direção e quase o derrubar com o traseiro no chão com a beleza dele. — Eu soube no momento em que o vi que você era a minha resposta.
— Para quê?
— Para o nosso problema com Glassington. Mas, de verdade, para tudo. Você é a minha resposta para tudo, Bastian.
Ele sorriu de volta, inclinando-se para lhe dar um beijo prolongado.
— Como sempre, Gus, você está certa em tudo.
CAPÍTULO 25
“Diga-lhe que ela está certa. Quanto mais fizer aplicações disso, mas feliz será.”
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em uma carta de conselhos para maridos que desejam agradar a suas esposas e, em retorno, agradar a si mesmos.
25 de julho de 1820
Derbyshire
— Percebe, Bastian? Estive certa o tempo todo.
Sebastian afastou os olhos da janela da carruagem para lançar um cara feia a ela.
— Sobre?
— A carruagem. Você está muito mais confortável. Admita.
— Parece ridícula.
— Marque as minhas palavras, todos em breve possuirão uma carruagem como esta. Só de imaginar como é fácil para entrar nela.
— Porque ela é muito baixa.
Augusta estalou a língua e alisou o bordado de sua luva francesa.
— As janelas da frente acrescentam tanta luz e nos deixa ver a estrada.
Ele olhou para as colinas verdes além da janela.
— Como um cão velho e gordo coçando a sujeira da barriga.
Ela fungou.
— Bem, acho que é bastante inteligente. O construtor de carruagens...
— Cobrou demais e demorou muito.
— Talvez devamos parar para comer. A fome o deixa mal humorado.
— Aye. Fome de todo tipo.
Ela lutou para conter o riso. Seu período chegara no dia em que eles deixaram Londres em direção a Shankwood Hall. Bastian estivera ansioso para a longa viagem até então, a expectativa de fazer amor com ela em sua nova carruagem. Agora, três dias depois, via a carruagem como uma prisão com assentos macios, teto alto e uma esposa inacessível.
Tormento, em outras palavras.
Ela se oferecera para agradá-lo de outras formas, mas ele reclamara sobre as janelas. Agora, ela estava distraída. Mais cedo, tentou conversar sobre Adam e Phoebe, cuja filha nascera na primavera. Clara Shaw. Um pequeno e doce bebê com os cabelos vermelhos e os grandes olhos azuis da mãe. Augusta e Bastian visitaram recentemente na nova casa de campo deles. Adam aparentemente decidira que um palácio era adequado à sua pequena princesa.
Enquanto Augusta falava sobre a visita, Bastian apenas resmungara respostas.
Agora, ela tentava uma tática diferente. Um desafio.
— Você sabe, você falou em manter as suas promessas.
Ele franziu a testa.
— Como?
— Bem, você prometeu se eu me casasse com você, que Ash sempre teria um lugar conosco.
— E ele tem.
— Prometeu comprar uma nova carruagem e visitar Shankwood.
Ele olhou ao redor e ergueu uma sobrancelha.
— Aye.
— E prometeu que me explicaria como Elijah Kilbrenner se transformou em Sebastian Reaver.
Suspirando ele cruzou os braços sobre o peito.
— Você quer ouvir isso agora?
— Sim. Eu gostaria muito. Obrigada.
Por um longo tempo ela não teve certeza se ele responderia. Ele olhou para fora da janela, sua mandíbula dura enquanto a carruagem, seguia por uma surpreendente estrada boa. Então, como se a história estivesse sendo erguida como uma âncora do fundo do mar, ele disse calmamente:
— Eu era Elijah Kilbrenner na noite em que meu pai me carregou para fora do nosso chalé que queimava. Ele voltou para salvar a minha mãe e irmã. O telhado caiu. Eu não pude fazer nada além de gritar.
Ela se aproximou até que sua coxa tocou a dele.
— Quantos anos tinha?
— Mais jovem que Ash. Seis, talvez.
— Sem ninguém para cuidar de você? Família?
— Uma avó. Eu sabia dela pelas cartas que meu pai compartilhou. Mas ela morava na América, Boston. Não havia ninguém de verdade. Por um tempo, os aldeões cuidaram de mim. O reitor e sua esposa. Um dono de loja bondoso. Eu fiquei um pouco... estranho depois do incêndio.
— Estranho como?
— Eu não falei por algumas semanas.
A garganta de Augusta se estreitou, mas, impiedosamente, esmagou o desejo de chorar. Bastian eram um homem orgulhoso e, como Ash, não apreciaria vê-la choramingando sobre ele.
— De qualquer forma, havia um sujeito que passa pela vila algumas vezes por ano, vendendo bugigangas. Pedaços de joias e coisas assim. Ele era um bêbado, vê, mas de um tipo bom. Sempre contando histórias. Um dia, senti vontade de ir com ele, ver os lugares sobre os quais contou. Escondi-me em sua carroça e lá fomos nós. Quando ele percebeu que ele tinha um clandestino, já estávamos na Escócia. — A mão de Bastian se moveu para o joelho dela, acariciando sem perceber, como se precisasse da conexão. — Ele chamava a si mesmo Colonel Smoots. — Ele bufou. — Não era coronel, mas podia inventar histórias, isso com certeza.
— O que aconteceu? Ele o devolveu à vila?
Ele balançou a cabeça.
— Eu não quis voltar. Ele tentou algumas vezes, mas eu sempre o reencontrava.
— Ele era... bom com você?
— Aye. Um bom tipo. — O polegar acariciou o joelho dela em pequenos círculos. — Fazia vários roubos, entretanto. Nunca podia ficar no mesmo lugar por muito tempo. — Ele deu de ombros. — Ainda assim, ele me ensinou bastante.
— Sobre como roubar?
— Aye.
— Oh, bom céu!
Ele riu baixo e profundamente.
— Uma noite, ele me colocou através de uma janela. Casa elegante com uma biblioteca. Ele me disse: ‘agora não seja ganancioso, garoto. Coisas pequenas. Coisas pequenas para mãos pequenas.’ — As mãos apertaram os joelhos dela, envolvendo completamente as pernas por cima das dobras de seu vestido. — Mas eu viu uma coisa grande. Dourada e brilhante. Um relógio. Eu o peguei.
Ela piscou. O relógio em seu escritório. Aquele que ele não permitia que ela movesse ou substituísse, mesmo não combinando em nada com ele.
— Saí de lá mais rápido do que um gato escaldado. Mas não rápido o bastante. Um lacaio atirou.
As mãos dela fecharam-se em punhos.
— Um tiro?
— Aye. Ele errou. Eu era rápido. Uma pistola não tem muito alcance.
Ela respirou lenta e profundamente.
— Mas o seu empregador. Oh, ele era mais esperto. Deu a volta por outra porta e me pegou de jeito.
Ela engoliu em seco.
— De jeito como?
— Um bom chute na barriga. As botas do homem fizeram algum estrago com toda aquela velocidade. O relógio voou. Eu voei. Ele me bateu mais algumas vezes antes que Smoots chegasse. Antes disso ele gritou: ‘Bastardo. Bastardo. Ladrão Bastardo.' O homem estava enlouquecido. — Bastian olhou para baixo onde suas mãos envolviam a sua perna. Ele acariciou gentilmente, aqueles longos dedos tão maiores e mais fortes do que aqueles quando aquele homem o ferira. — Smoots o derrubou. Não sei como. Acordei fora de Glasgow. Smoots salvou ao relógio e a mim. Mas o lacaio o acertara com um segundo tiro. Levou um tempo para ele morrer. Alguns dias.
— Oh! Deus, Bastian. — Ela não suportou. Subiu no colo dele e apertou seu pescoço até poder respirar novamente.
Seus braços fecharam com força ao seu redor. Ele a embalou um pouco, alisando seus cabelos.
— Não quis chateá-la, Gus.
— Não gosto de pensar em você sendo ferido.
— Bem, você me pediu para saber como me transformei de Elijah Kilbrenner em Sebastian Reaver. É isso.
— Bastard Reiver. Ladrão Bastardo. Você criou um nome a partir disso.
— Aye.
— E o seu cavalo.
— Nomeei pelo coronel.
— E o relógio.
— Ainda está comigo. Eu mantenho o que é meu.
— Sou sua.
— Aye, amor. Isso você é.
— Você deve me manter para sempre.
Ele a beijou. Profunda e demoradamente e com todo o fogo que ela adorava em seu homem grosseiro. Quando ele parou, ela respirou sobre ele. Acariciou sua mandíbula forte.
— Está pronto para ser Elijah Kilbrenner novamente? Nós devemos chegar a qualquer hora.
Ele riu.
— Você é muito boa em distrações, Gus.
Ela sorriu.
— Eu sou, não é?
— Elijah Kilbrenner é o herdeiro. Um maldito nobre.
— Por enquanto. — Ela disse, beijando a curva de seu queixo. — Tenho me perguntado se talvez Viola e James não desistiram muito rápido. Minha mãe concebeu sete anos depois do meu nascimento.
Ele ficou em silêncio, suas mãos esfregando suas costas, nuca e cintura. Os dedos arrumaram as mechas de sua testa.
— Eu gostaria de ter um filho com você, Augusta.
— Sim. Eu percebi. Talvez seja o desejo de toda união conjugal.
— Maldito inferno, mulher. Estou tentando lhe dizer...
— Que deseja que eu carregue sua grande e gigante ninhada. — Suspirou dramaticamente. —Bem, suponho que possa ceder, mas teremos que fazer um acordo antes.
— De novo isso.
— Sim. Você terá que admitir isso. Vá em frente.
— É o melhor escritório que um homem poderia ter.
— Muito bem. Agora a segunda parte.
— E a biblioteca tem uma grande quantidade de livros.
Ela ergueu uma sobrancelha para ele.
— Pode fazer melhor.
— Mulher maluca. Você é uma irritação certa.
— Se puser um pouco mais de esforço nisso eu posso encontrar algo inteligente para fazer com aquele creme de leite de rosas para mãos hoje à noite.
A cabeça dele caiu sobre o ombro dela.
— Deus todo poderoso, Gus. Está me matando.
— Sim, sim. Fale-me sobre a sua biblioteca, Bastian.
— É mais elegante que as bibliotecas mobiliadas pelas esposas de outros homens.
— Viu? Assim está melhor.
— É ridículo. Você sabe o quanto eu amo as salas que preparou para mim.
Ela sorriu e acariciou os cabelos dele. Estavam maiores. Ela teria que cortá-los novamente em breve.
— Mas você estragou a minha surpresa e eu ainda não me recuperei do desapontamento.
Ele riu, o som era um estrondo movendo-se do corpo dele para o dela.
— Você se recuperará?
— Algum dia. — Ela disse. — Por enquanto, eu gosto de ouvir o quanto isso o agradou.
Levantando a cabeça lentamente franziu a testa.
— Pensei que estávamos fazendo um acordo.
Ela traçou a curva da mandíbula dele com seu menor dedo.
— Humm. Sim. Eu carregarei seus doze garotos Kilbrenner.
— E eu farei a minha parte. Com grande prazer.
Ela encontrou os olhos dele e sorriu ao ver o amor naqueles ônix.
— Temos um acordo então, Sr. Reaver. — Ela lhe estendeu a mão.
— Não é assim que eu selo algo com a mãe de minha gigante prole.
— Não sou a mãe de sua gigante prole ainda.
Ele se aproximou, sussurrando contra os lábios dela.
— Mas será, amor. Será em breve, ãh? — Então ele a beijou, selando o acordo entre eles completamente.
EPÍLOGO
“Não acredite que este é o fim de nossas correspondências, Sr. Kilbrenner. Você ainda tem muito a aprender e eu ainda tenho muito a dizer.”
A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner em um adendo de um adendo de uma carta em que felicita o robusto citado cavalheiro por finalmente abraçar os deveres familiares.
16 de Fevereiro de 1825
Meu querido Mr. Kilbrenner,
Você parece estar em um torneio de fertilidade. Eu tenho uma boa autoridade — não a sua, claro, já que sua correspondência pode ser descrita como esparsa — de que você e a Sra Kilbrenner estão novamente esperando uma criança. Espera-se que seja uma filha, pois quatro filhos de tamanho gigantesco não é tão grande quando o cerco do exército.
Da mesma forma, espera-se que a mais nova gestação de Lady Tannenbrook seja um menino. Dada a disposição de Lorde Tannenbrook por suas filhas, tal eventualidade poderia salvar uma quinta menina de ser mais uma solteirona de coração partido.
A propósito, o tio da Sra. Kilbrenner parece ter encontrado com a má sorte. Após ter terrivelmente empobrecido com um esquema fracassado de investimento, Sir Phillip e Lady Widmore devem achar ainda mais perplexo terem sido roubados pelo menos quinze vezes em cinco anos. Este incidente, pelo menos, não envolveu ferimentos como os catorze anteriores, embora Lady Widmore tenha reportado que entrou em desespero. O ladrão pegou as últimas joias dela e até mesmo o vestido, veja, forçando a pobre coitada a retornar a Binchley Manor em um severo estado de nudez em uma carroça puxada por um asno. Tal grau de humilhação tem sido frequente para Sir Phillip e sua esposa. Muito incomum, embora o Destino tenha suas razões.
Mais notícias: um conhecido seu, Lorde Holstoke pretende voltar a Londres para a temporada. Entendo que esteja procurando uma esposa. Dado o histórico familiar de loucuras e sua própria natureza peculiar, alguém pode supor que encontrará muita dificuldade. Espero que os procedimentos provem-se mais interessantes para serem assistidos. Talvez possa oferecer-lhe meus conselhos. Parece que eles o ajudaram enormemente.
Dê os melhores cumprimentos à Sra. Kilbrenner. A espero para almoçar quando ela chegar à cidade.
Sua,
Dorothea, A Marquesa Viúva de Wallingham
Adendo à carta de 16 de fevereiro
24 de fevereiro de 1825
Meu querido Mr. Kilbrenner,
Sem dúvida deve saber do nascimento do aparente herdeiro de Lorde Tannenbrook. Fico muito feliz que a minha ‘suspeita’ a respeito de Lady Tannenbrook tenha se provado correta, embora a Sra. Kilbrenner provavelmente esteja decepcionada. A querida disfarça bem, mas ela não pode preferir ser a esposa de um rufião de classe baixa do que ser a esposa de um conde.
Sua,
Dorothea, A Marquesa Viúva de Wallingham
PS: Recebi uma carta da Sra. Kilbrenner momentos atrás. Evidentemente, rufiões de classe baixa a agrada mais. Eu credito a isso, as minhas incansáveis instruções sobre o comportamento cavalheiresco. Uma dama prefere um cavalheiro afinal.
[1] Bonnet são chapéus amarrados embaixo do queixo.
[2] Cravat é a antecessora da gravata atual,
[3] Faro, Faraó, Faraó ou Farobank é um jogo de cartas francês do final do século XVII. É descendente de Basset.
[4] post-chaise eram carruagens rápidas, fechadas e possuíam quatro rodas e eram puxadas por dois ou quatro cavalos normalmente usadas para viagens.
[5] Regalo – agasalho para as mãos, de formato cilíndrico, normalmente feito de lã. Também era usado como uma pequena bolsa.
[6] Ash Cole é uma expressão que indica alguém que só se interessa por dinheiro, ganancioso, interesseiro.
[7] A frase é uma alusão à palavra gentleman que, em português, é cavalheiro. Como não há como traduzir o jogo de palavras, optou-se por manter o sentido original.
[8] Staccato é uma articulação musical na qual as notas e os motivos das frases musicais devem ser executadas com suspensões entre elas, ficando as notas com curta duração.
Elisa Braden
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