Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Nave Explorer em Perigo / Clark Darlton
Nave Explorer em Perigo / Clark Darlton

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Nave Explorer em Perigo

 

Os insetos destruidores que ninguém consegue matar!

A falange do horror num avanço que não se pode conter!

Surgiu o ano 2.326 da cronologia terrana e, nos últimos dois séculos, realizaram-se transformações radicais na parte da Via Láctea explorada pelos astronautas terranos. Desde 1o de janeiro de 2.115, data em que Atlan abdicou ao cargo de Imperador de Árcon, não existe mais nem o Império Solar nem o Reino Arcônida, mas tão-somente o Império Unido, a cuja frente está Perry Rhodan como grande administrador, enquanto que o arcônida

Atlan é o chefe da USO, o “Corpo de Bombeiros Galáctico”.

Sempre que surgem problemas ou situações de emergência que extrapolam os limites da administração de um planeta, podendo exercer influência no âmbito Galáctico, entra então em ação a USO, criada e dirigida pelo Lorde-Almirante Atlan.

Na procura frenética dos ativadores celulares, distribuídos pela imensidão da Galáxia pelo Ser do planeta Peregrino, antes de sua fuga precipitada, já se positivou a ação benéfica e imprescindível da USO para conservar a paz no Universo.

Depois, também na Missão de Eysal, o planeta dos salonos, aconteceu um contratempo de graves conseqüências a um dos melhores agentes da USO, Lemy Danger, o “anão”, que faz um disparo pelo assim chamado “gerador de impulso frontal com energia gravitacional”. O que estas ondas de impulsos frontais em planos pentadimensionais da Galáxia podem produzir, é presenciado pela tripulação de uma nave, seguindo-se logo depois o grito de alarma: “A Nave Explorer em Perigo”!

 

                                                

 

Quase mais ou menos quatrocentos e sessenta e oito milhões de anos foi o tempo gasto durante uma única rotação ao longo da Via Láctea... Apenas a metade deste tempo seria necessária para que a Terra, junto com o Sol e todos os seus planetas, chegasse até o centro da Galáxia e voltasse a seu ponto de partida...

A seu antigo ponto de partida, mas não ao mesmo lugar, pois a própria Via Láctea não apenas tem sua rotação, como também acompanha o movimento ou deslocamento próprio a todas as galáxias. Não há nenhum corpo celeste que não execute pelo menos três movimentos distintos, alguns até mesmo quatro ou cinco...

O próprio homem que se movimenta na superfície da Terra está sujeito a esta lei. Ele anda — é o primeiro de seus movimentos. Em segundo lugar, está envolvido no movimento de rotação de seu planeta, que, com uma velocidade supersônica, o transporta ao longo da linha equatorial. Já que a Terra se translada em torno do Sol, o homem participa também deste movimento, com a velocidade de cerca de trinta quilômetros por segundo. E, finalmente, o Sol com seu sistema gira em torno do centro da Via Láctea. Acrescentando a isto a velocidade radial, teremos cinco movimentos para o homem, movimentos distintos, enquanto ele propriamente apenas dê passadas em terra firme...

Eram estas as divagações reticenciadas que passavam pela mente do Coronel Jak Schonepal, quando caminhava para a central de comando a fim de substituir o Capitão McNamara. Um simples olhar para a grande tela frontal lhe indicava que a Explorer-3218 prosseguia firme na mesma rota, deixando a Terra a mais de dez mil anos-luz para trás. O retículo no quadro de posicionamento apontava para o trecho pobre em estrelas do próximo braço espiralado da Galáxia. A missão da nave de exploração era percorrer a Galáxia, contornando-a por fora e no sentido de sua rotação.

“Um movimento a mais”, pensava Schonepal, cumprimentando os oficiais que se encontravam na central de comando.

O sargento Hoax, que no momento servia de radiotelegrafista, mas cuja profissão verdadeira era a medicina, enfiou a cabeça para fora da pequena abertura da porta, que ligava a cabina de rádio com a central de comando. Sorriu e fez um aceno, desaparecendo logo depois. Foi como se dissesse ao comandante que tudo corria normalmente.

“Minha tripulação é mesmo maravilhosa”, pensou Schonepal, tomando lugar em sua poltrona diante dos controles.

Era o normal em todas as astronaves do tipo Explorer. Cada um dos tripulantes era um exímio cientista de alta especialização, mas ao mesmo tempo um técnico, um telegrafista, um perito em armas, etc.

“Nossa frota de exploração da Galáxia é mesmo algo de singular e ninguém jamais poderá pensar coisa mais acertada, pelo menos enquanto sabemos”, continuava refletindo. “Quanto ao que não sabemos, temos de procurar e investigar. Esta é a nossa missão. Já descobrimos muita coisa, muitas raças estranhas e mundos desconhecidos. Entramos em contato com todos que nos pareciam de algum interesse. Os humanóides são a cúpula, a quinta essência da criação, pelo menos até o momento...

“Possuímos quase dez mil Explorers. Minha astronave leva o número 3218 — um número como qualquer outro, podia-se pensar. Este número nada diz do tamanho de nossa nave esférica, que, em flagrante contraste com suas irmãs, tem apenas duzentos metros de diâmetro e uma tripulação de somente quatrocentos homens. Tripulação não é bem a expressão, melhor seria dizer equipe de especialistas. Longos anos de estudos, acurada aprendizagem por hipnotismo, rigorosa seleção, até chegar finalmente o momento de entrar em ação...

“Estou feliz por ser comandante da 3218. Não posso imaginar nada mais belo e excitante. Deixamos a Terra muito para trás e penetramos em espaços onde até hoje não apareceu nenhum ser humano. Estamos banindo do mapa sideral os trechos em branco, isto é, inexplorados. Somos os ‘Colombos’ da era cósmica, os aventureiros modernos. Há naves Explorers que trazem de volta para a Terra resultados magníficos, como por exemplo, a descoberta de novas raças, e que dão novos nomes para os catálogos siderais. Há, porém, também Explorers que nunca mais regressam. Vítimas de abnegada intrepidez, ficam perdidas na imensidão infinda...

“Nossa missão cabe curta e simplesmente em rápidas palavras: circunavegação da Galáxia no sentido da rotação. Com ousada tração linear não é uma tarefa absurda, mas de qualquer maneira é algo de gigantesco. Vamos percorrer cerca de trezentos e sete mil anos-luz. Temos apenas dez mil atrás de nós...”

— Senhor...?!

O tenente-coronel estremeceu literalmente, despertando de seus devaneios. Era o oficial navegador e biólogo, Tenente Wassil Borowski, que entrara central a dentro em sua direção, tendo na mão uma folha plástica com os cálculos da positrônica de bordo.

— Sim, tenente?

— Senhor, aqui estão os dados que o primeiro oficial pediu.

— Ah! Ele pediu dados? Não sabia.

Schonepal tomou a folha e leu. Os dados já estavam em texto legível.

— Um agrupamento de dezoito sóis? Distância cerca de duzentos a dois mil anos-luz. Na saída do braço espiral... Então, em breve, estaremos fora da região sem estrelas!

— Para isto falta muito ainda, senhor! A distância é muito grande — disse Borowski. — Assim que tiver novos resultados, lhe comunicarei. Daqui a duas horas estaremos já bem perto.

Schonepal lhe agradeceu com um movimento de cabeça e apanhou um mapa da região. O braço espiralado, que estavam agora sobrevoando, achava-se apenas indicado. Sua extensão não estava ainda bem exata, como também não se sabia o número de estrelas, muito menos o dos planetas.

“Seria mesmo uma coisa sem sentido e quase doida”, continuou Schonepal em seu monólogo íntimo, “se encontrássemos um ativador por aí. Não seria nada impossível, pois o incrível objeto é sempre localizado nos lugares mais estranhos de planetas desconhecidos. Restam ainda alguns que não foram descobertos. As histórias que se ouvem a respeito das peripécias na sua procura correm de boca em boca. Parece que houve até insurreição da tripulação em algumas astronaves, pois todos desejavam o ativador. Isto nunca acontecerá aqui comigo, minha gente é ordeira... Ou será que não é?”

O Coronel Schonepal ainda ficou muito tempo refletindo sobre estas coisas, sem ser perturbado. Tudo a bordo parecia uma rotina de perfeita automatização, enquanto a Explorer-3218 devorava o espaço com a velocidade da luz. Cada um sabia o que tinha de fazer e o comandante sentia-se no direito de refletir sobre tudo que realmente pudesse acontecer.

“Esta história dos ativadores celulares para substituir as duchas renovadoras ou regeneradoras do planeta Peregrino é mesmo uma coisa muito perigosa. Alguns dos mais célebres mutantes já morreram. Anne Sloane foi assassinada por causa de um ativador. Se ao menos alguém soubesse por que o Ser imortal fugiu do planeta Peregrino... Realmente, é uma coisa perigosa...”

Ao pensar em perigo, Schonepal interrompeu sua meditação, olhou de novo para a tela frontal e procurou se orientar.

O trecho final da saída do braço espiralado ficava cada vez mais próximo. Muitos sóis já se podiam ver a olho nu. Logo começaria o trabalho dos aparelhos de rastreamento, os dados exatos viriam e então se saberia quais os sóis que tinham planetas e entre eles quais estariam aptos para a existência de seres humanos.

Começou o zumbido dos instrumentos. Wassil Borowski estava ocupado com os dados que entravam, passando-os depois para o computador de bordo. Schonepal olhava para a tela frontal, vendo muito sóis duplos. Um sol amarelado lhe chamou mais a atenção. Mais isolado, lembrava-lhe muito o Sol da Terra. Se possuísse planetas, haveria até a possibilidade de que...

— Dos sete sóis, apenas dois estão assinalados com planetas — disse o oficial navegador, transferindo os dados para o mapa. — O sol duplo Ex-Ypsarit tem um planeta gasoso. O astro Ex-Zannma possui cinco planetas, é do tipo do nosso Sol. Distância cento e trinta anos-luz.

— Você está falando daquele sol amarelo lá no fundo? — perguntou Schonepal, apontando para a tela frontal. — E o computador de bordo o chamou de Ex-Zannma? Nome maluco, se quiser saber minha opinião.

— Não é nossa culpa, senhor, não temos a menor influência em tudo isto. Aguardamos suas ordens, senhor.

Schonepal ficou surpreso consigo mesmo ao perceber que não tivera um segundo de dúvida. Um impulso íntimo o levou, quase automaticamente, a escolher como rota o sistema amarelo. Em si, não era nada de anormal, pois Ex-Zannma era o único sol com planetas que podiam despertar maior interesse. Não havia outra opção. No entanto, era um impulso esquisito. Schonepal tentou esquecê-lo.

— Tenente, faça os cálculos para a rota de Zannma, vamos dar uma olhada nos planetas. Se são cinco, haverá pelo menos um que esteja na faixa de condições de vida vegetal e animal.

Schonepal não precisava se preocupar com mais nada, todo o resto corria automaticamente. Somente depois que chegassem todos os dados sobre os cinco planetas, é que teria que tomar nova decisão, ou melhor, se deviam ou não fazer uma aterrissagem. E isto também dependeria de muitos fatores que por enquanto não estavam definidos.

Sendo assim, o Comandante Schonepal tinha mais uma oportunidade de mergulhar novamente em suas meditações. Enquanto seus olhos não se arredavam da tela e seus ouvidos recebiam com certo prazer o ruído já familiar dos motores, seus pensamentos voaram para antigas aterrissagens. Naquela época, a Explorer-3218 fazia pela primeira’ vez viagens para mundos estranhos e desconhecidos. Nem sempre o negócio fora tão simples.

Uma estrela idêntica ao nosso Sol... devia ser um bom augúrio, pelo menos, embora não pudesse se basear apenas em palpites favoráveis. O melhor era estar pronto para o que desse e viesse. Às vezes, Schonepal chegava mesmo a pensar que seria melhor que Perry Rhodan mandasse equipar as naves Explorers com raios transformadores. Mesmo sendo a arma mais terrificante que existia, sua presença não deixava de trazer uma grande tranqüilidade. Não se devia usá-la, mas nesta imensidão da Galáxia, expostos ao pior — o desconhecido — seria útil.

“Serão suficientes os raios convencionais, os canhões atômicos?”, indagou-se mentalmente. “Tenho que me lembrar de novo do desgraçado planeta das pedras vivas, descoberto por nós há pouco mais de ano e meio. Nunca me esquecerei deste malfadado mundo. Primeiro, pensávamos que se tratava de um mundo desabitado, pois não achamos nem uma raiz de capim. Tudo eram montanhas, mares e pedras, aliás pedras muito singulares, de todos os tamanhos e tipos. Estavam isoladas ou em grupos, às vezes desordenadamente, outras muito bem-dispostas, como se alguém, caprichoso, as tivesse espalhado à base de um planejamento estético. Aterrissamos. E, de repente, as pedras se tornaram vivas, vivas demais. Rolavam sobre nós e, quem fosse atingido por elas, estava perdido. Desaparecia simplesmente junto com a pedra que o atingira. Não sabemos até hoje do que estas pedras se alimentavam, quando nenhuma nave ali aterrissava...

“Ah! Se naquela época possuíssemos os raios transformadores, as perdas não teriam sido tão grandes. Assim perdemos lá vinte homens e três mulheres do Setor de Química. As pedras assassinas eram insensíveis aos raios térmicos, somente bombas nucleares é que podiam destruí-las. Mas, em última análise, a frota terrana de exploração cósmica não foi criada para produzir desertos nucleares...

“Ou o caso dos sáurios blindados! Pensávamos primeiro que o planeta verde das matas virgens fosse habitado por sáurios.

Até um certo ponto isto era verdade, mas eram sáurios muito especiais. Pareciam muito inofensivos, até que um grupo de cientistas e biólogos deixou a nave de exploração e se aproximou dos terrenos alagadiços. Tivemos o cuidado de observar todas as medidas de precaução. Apesar disso, perdemos trinta homens e sete mulheres. Os sáurios, verdadeiros monstros metazoários, lhes cortaram o caminho de volta e se abateram sobre eles. Todos se defenderam com armas adequadas, mas até suas pistolas de raios energéticos conseguirem calcinar a terrível carapaça desses animais, já estavam mortos ou devorados. Depois disso, o ataque dos répteis blindados foi contra a espaçonave. Coisa não fácil de se acreditar: sua carcaça era tão resistente que chegaram a produzir pequenas amassaduras no tremendo aço blindado do casco da nave. Não nos restou outra alternativa senão desaparecer do planeta o mais depressa possível, transformando-se assim o mundo das florestas verdejantes em mundo proibido. Nem quero pensar no planeta do plasma que...”

— Senhor...?

Era de novo a voz de Borowski.

— Sim, o que é?

— A rota já está pronta, senhor. Ex-Zannma está exatamente a dez anos-luz daqui. O computador de bordo entregou agora os primeiros resultados práticos. Pelos seus cálculos, devemos preferir o segundo planeta, cujo nome é Zannmalon. Os demais são impraticáveis para nossos estudos.

— Zannmalon? — Schonepal olhou novamente para a tela frontal, vendo ainda o sol amarelo. — Gostaria de saber que critérios usa nosso automático para selecionar nomes tão malucos. Temos que quebrar a língua para pronunciar palavras tão exóticas.

Borowski não deu atenção à observação do comandante.

— As equipes de trabalho dos astrônomos já começaram a interpretar os dados, senhor. Dentro de uma hora, a velocidade será reduzida para vinte por cento abaixo à da luz. As medidas de segurança, como sempre, senhor?

Schonepal lembrou-se das pedras vivas, das carcaças blindadas dos sáurios e mais horrores ainda.

— Todos os postos de artilharia devem ser ocupados. Estado de prontidão, com todas as medidas de precaução vigentes. Toda segurança é pouca. Inicialmente, nada de aterrissar. Está me compreendendo, Borowski?

— Naturalmente, senhor. Estado de prontidão número um, até que seja dada ordem em contrário.

Schonepal fez um gesto confirmando. Desta vez não queria omitir nada e iria usar de toda cautela. Não haveria de sofrer mais dissabores com imprevistos, mesmo que a Explorer-3218 tivesse que orbitar planeta por duas ou três semanas, antes de poder aterrissar. Não, desta vez não haveria pedras vivas, sáurios ou planeta de plasmas. Não com Jak Schonepal.

Algumas vezes, porém, nem toda a cautela do mundo pode adiantar.

 

Exatamente no dia 1o de agosto do ano 2.326, a Explorer-3218 se aproximava do Sistema Ex-Zannma, passou pelos três planetas externos e voou diretamente na direção de Zannmalon, o segundo planeta. Neste momento, estava a doze mil duzentos e doze anos-luz da Terra.

Schonepal entrou em órbita e começou o trabalho com os especialistas. Era grande a atividade em todos os setores científicos. Zannmalon começou a ser estudado antes que qualquer ser humano nele pisasse. Instrumentos de todos os tipos analisavam os resultados das pesquisas que depois eram enviados para os computadores. Tudo convergia para o centro de informações, de onde o comandante recebia os resultados finais.

Schonepal não estava mais sozinho. Seu primeiro oficial voltara para a cabina de comando e o ajudava. Capitão McNamara era corpulento, mas não podia ser chamado de gordo. Tinha no rosto sempre uma expressão de jovialidade, sendo mesmo considerado pelos colegas como um homem alegre e otimista. A tripulação lhe dedicava muito mais simpatia do que ao próprio Comandante Schonepal.

— Não parece nada mau — disse ele, selecionando o material que estava entrando.

Schonepal respondeu apenas com um movimento de cabeça. Pegou todo o acervo de dados.

— Zannmalon é um planeta do tipo da Terra, do mesmo tamanho e da mesma gravidade. Nas regiões tropicais, densas matas virgens e rios caudalosos. Três grandes continentes e muitos mares. Existe também um bom número de vulcões extintos, que formam uma certa parte da paisagem. Montanhas de porte médio, pólos com gelo derretendo. Até agora só se constatou vegetação. Pelas informações, parece não existir nenhuma fauna.

— Um mundo que tem, portanto, apenas flora — disse McNamara, dando um tom diferente à sua voz. — Quer dizer então que desta vez devemos estar precavidos não com os animais ou com seres humanos, mas com as flores.

— Exatamente, capitão. Se neste planeta não existe outra coisa a não ser plantas, então elas representam logicamente a forma de vida aqui reinante. Sabemos que podem existir plantas inteligentes e que algumas delas são mesmo agressivas e perigosas.

Olhou depois para Borowski, que lhe apresentou mais folhas de papel.

— Algo de novo?

— A sala de rádio anuncia a recepção de impulsos semi-orgânicos, senhor. Não são impulsos transmitidos de origem conhecida. Vêm misturados com irradiações de matéria, irradiações estas que não são de origem atômica, pois não existe radioatividade.

Schonepal examinou as muitas folhas de papel.

— Alguma explicação?

— A interpretação das emissões acentua que não se trata de irradiações produzidas artificialmente nem de transmissões. Mais do que isto, não se sabe, senhor.

Schonepal era físico e chefe da equipe científica. Comandante da Explorer-3218 ele o era, neste caso, somente em segundo plano. Impulsos semi-orgânicos acumulados em irradiações da matéria, ele não conhecia, embora conhecesse muitas outras coisas...

— Que acha disso, McNamara?

O primeiro oficial falou, mas indeciso:

— Plantas, senhor? Com elas tudo é possível. Devem ser elas que provocam esta irradiação. Quem sabe este é seu meio de comunicação e estão participando a toda a flora a nossa chegada?

— Gozador, hein?

Fez uma pausa e, ao prosseguir, Schonepal estava sério:

— Podia também ser uma espécie de arma de defesa, cuja ação se vai ver mais tarde.

McNamara olhou perplexo.

— Arma de defesa, senhor?

O comandante, de fisionomia carregada, assentiu com a cabeça.

— Estou preparado para tudo. De início, não se pode pensar em botarmos o pé em terra.

Duas horas mais tarde, o computador de bordo corrigiu os resultados da interpretação de dados até o momento, admitindo a existência de vida animal. Tratava-se de animais aquáticos quase pré-históricos, constatados na região equatorial do planeta. Fora da vegetação, pareciam ser os únicos seres de vida orgânica do segundo planeta do sol Ex-Zannma.

— Então, temos uma fauna aquática — disse Schonepal com uma ponta de orgulho. — Isso me tranqüiliza um pouco. Se as plantas fossem mesmo as donas absolutas e inteligentes do planeta, não permitiriam isso. Em hipótese alguma. Acho que agora podemos pensar em descer no planeta. Encarregue-se da composição do primeiro grupo que examinará as condições deste mundo.

Era uma coisa que não precisava ser dita duas vezes ao Capitão McNamara. Enquanto Schonepal tomava as providências para a aterrissagem e procurava um local adequado para o pouso, o capitão reunia sua gente. Se o planeta não apresentava nenhum perigo, o grupo podia ser aproveitado na segunda e terceira fases.

Neste meio tempo, Schonepal encontrara exatamente o que procurava e a Explorer-3218 desceu mansamente, parando a grande altura, na margem do oceano equatorial. Um amplo curso d’água vinha da direção norte, depois de ter serpenteado por vales tortuosos. Antes de sua desembocadura no oceano, descrevia uma grande curva na planície com vegetação muito rala.

Para esta planície é que a Explorer se dirigiu. Schonepal mandou chamar Borowski.

— É possível constatar de que direção vem esta confusa irradiação?

— Não com muita exatidão, senhor. A exploração dos sinais de rádio supõe que sua origem esteja nas montanhas; não há, porém, certeza a respeito.

— Vamos aterrissar ali na planície. De um lado, teremos o mar, isto é, no sul. A leste sobra-nos uma faixa de terra de uns dois quilômetros, terminando também no mar. Pelo oeste e pelo norte, estamos confinados pelo rio. Se formos atacados, teremos boa posição para a defesa — olhou para cima. — Vem então da montanha? Vamos continuar atentos.

A tranqüilidade de Schonepal era apenas por fora. Por dentro, sentia uma ânsia irrefreável de aterrissar, para ficar livre das dúvidas. Tinha certeza de que neste momento não estava sendo um comandante cem por cento eficiente. Mas este estado de espírito, esta excitação febril, o acometia sempre que estava para descer num planeta desconhecido. Tudo podia acontecer, a coisa mais incrível podia se tornar realidade. Por certo encontrariam formas de vida tão estranhas e berrantes, que a mais exuberante fantasia não chegaria a descrever. As matas virgens da Via Láctea encerravam mistérios que extrapolavam as possibilidades imagináveis.

Fazia grande esforço para se manter calmo.

Na tela frontal, duas peculiaridades do estranho panorama eram observadas. Num céu quase azul estava um sol maior que o nosso; em compensação, a apenas dois terços de distância de uma unidade astronômica. Na planície — uma península entre o rio e o mar — podiam-se distinguir agrupamentos de moitas ou trechos de cerrado, havendo de permeio dunas de areia e regiões parecidas com estepes. O rio tinha dois quilômetros de largura. Bem mais para o norte estavam as montanhas, com mais de cem quilômetros de extensão, cinco ou seis de largura, cuja altura não passava de dois mil metros. Os pés da montanha — a nascente do rio — estavam cerca de quinze quilômetros ao sul do ponto onde desceria a nave.

Schonepal apertou o botão do alarma dois e logo depois a Explorer desceu suave, não se sentindo quase o choque com o solo, devido aos amortecedores dos apoios telescópicos. Os campos antigravitacionais continuaram ligados, pois, do contrário, os apoios telescópicos e o próprio bojo da nave poderiam afundar na areia. O zumbido dos motores de propulsão se reduziu até desaparecer totalmente. Somente o cérebro eletrônico é que continuava seu serviço, expelindo sem cessar seus resultados. McNamara entrou na central de comando, entregando ao comandante a lista com os nomes dos cientistas que seriam os primeiros a pisar no solo do planeta Zannmalon.

Esta lista, o coronel irrefletidamente a colocou sobre a mesa dos controles.

— Ainda não, McNamara. Antes que alguém ponha o pé na superfície de Zannmalon, quero ter certeza de que os sáurios podem ser destruídos no mar. Borowski vai fazer um vôo de reconhecimento com um flutuador. Os senhores vão sair da nave com seus grupos só depois que ele voltar são e salvo.

Do laboratório vieram mais notícias. Em sua composição, a atmosfera do planeta era adequada para o organismo humano e não se registraram bactérias nocivas. A análise espectral da vegetação confirmava a existência de clorofila. Não se constataram elementos estranhos.

O Tenente Wassil Borowski já estava há tempo no hangar, ansioso para visitar o planeta. Quando veio a ordem do comandante para a ação de reconhecimento, o tenente galgou a cabina do flutuador e ficou esperando até que a grande escotilha abrisse. Ligou o motor, aqueceu-o e foi para o céu do planeta. A luz do sol o ofuscava. Puxou para frente a pala quebra-luz e subiu até uma altura de trezentos metros, para ter melhor e maior visibilidade. Com toda calma procurava fixar na memória as características topográficas do local. Planando, aproximou-se do mar. Desceu bastante até estar a poucos metros da superfície líquida.

Não estava gostando muito da incumbência que recebera. Tinha de matar um animal que não lhe fizera mal algum. Ninguém sabia se, com isto, não estava desencadeando a reação de uma raça inteligente do planeta, por mais absurdo que isto parecesse. Até o momento não houvera um só planeta no qual os sáurios imperavam sozinhos.

No lado norte, o continente já estava caindo para o horizonte.

— Não se afaste tanto assim — soou a voz de Schonepal através do rádio. — Já o estamos perdendo de vista na tela frontal.

— E eu não vi ainda nada que possa matar — respondeu Borowski. — Alguns cardumes de peixes e nada mais. Parecem sardinhas. Posso atirar neles?

— Bobagem! Continue procurando mais um pouco.

Então Borowski viu um grande animal. Deu-lhe a impressão de ser uma baleia e não parecia perigosa. Já que o animal não tinha pernas, era muito difícil crer que pudesse se arrastar por terra e chegar até a Explorer para atacá-la. Borowski se esqueceu do grande animal e continuou seu vôo.

Somente quando, a uns setenta quilômetros ao sul do litoral, se dirigia para uma ilha, foi que lhe pareceu próxima a execução de sua missão. Nas estreitas enseadas da ilha e de encontro às rochas íngremes, a água espumava muito, como se estivesse fervendo. Centenas de gigantes quase cilíndricos, verdadeiros monstros marinhos, disparavam de um canto para o outro numa agilidade surpreendente para suas proporções. Pareciam brincar no seu agradável elemento, dando pinotes para o ar, para depois caírem nas ondas, espadanando mais ainda a água já revolta.

Borowski ligou para a Explorer.

— Não são sáurios, senhor. Uma espécie de baleia, que com toda certeza não será um animal de terra firme. Mas o fato é que têm pernas. Talvez se desenvolvam mais tarde para animais de terra, ou são mesmo um elo da evolução.

— Qual é o tamanho?

— Mais ou menos dez metros.

— Bem, você sabe qual é sua missão.

Borowski desligou. Não teria mesmo sentido querer discutir; além disso, Schonepal tinha razão. Não seria certo, por escrúpulos à vida animal, pôr em risco a vida humana. Todos deviam saber como os habitantes deste planeta haveriam de reagir às armas terranas.

Borowski observava um animal mais velho que se isolava um pouco dos demais, afastando-se dos rochedos batidos pelas ondas e pelo espadanar dos “cachalotes.” Seguiu-o a pequena altura e esperou até que estivesse bem distante da ilha. Desceu um pouco mais e apontou a pistola de raios energéticos. O estranho animal morreu logo. Ficou emborcado de dorso para o fundo, mostrando a barriga branca e as quatro pernas em movimento, afundando depois lentamente nas águas geladas.

Borowski enxugou a face coberta de suor. Ele também era um ótimo biólogo e zoólogo. Sentiu muito ter que matar um animal indefeso, que não havia feito mal a ninguém. Mas estava aliviado de sua desagradável missão. Tomou a direção norte e comunicou a execução da ordem ao comandante.

Ainda antes de chegar ao continente, McNamara deixara a nave com sua equipe.

O sol se inclinava lentamente para o poente e McNamara sabia que lhes restavam poucas horas de luz. Eram de trinta horas o tempo de rotação do planeta Zannmalon. Apesar disso, todos os registros eram feitos nos padrões da Terra. Assim aconteceu que o crepúsculo de Zannmalon coincidiu com o amanhecer do dia 2 de agosto.

Não se afastaram muito da Explorer e por via das dúvidas ficaram dentro do raio de ação de seus canhões. Punhados de areia eram retirados do solo pelos geólogos e colocados em recipientes apropriados. Os técnicos em Mineralogia estavam presentes e, mais tarde, tomaram rumo diferente. Os bacteriólogos faziam coleta do ar em alturas diversas. Mas, de todos eles, os mais solicitados eram os biólogos. Em toda parte achavam vestígios de vegetação, coletavam-nos e iniciavam logo a classificação. Somente um arbusto parecido com o salgueiro lhes causou algumas dificuldades.

Dois cientistas da equipe de biólogos se aproximaram desta planta e começaram a observá-la. Estando os rádios de pulso ligados, Schonepal na Explorer lhes podia acompanhar a conversa:

— Parece mesmo com o salgueiro, com as longas varas de vime, as folhas estreitas e compridas. Será suficiente que cortemos um galho.

— Dê cá a tesoura.

Alguém pegou o podão e cortou um dos galhos. Para surpresa de todos, a árvore parece que ficou viva de repente. As varas, como se estivessem furiosas contra os terranos, fustigavam-nos, não confusamente e sem sentido, mas com golpes válidos e bem acertados, havendo de fato uma coordenação superior. Os dois terranos se lançaram imediatamente no chão, arrastando-se para fora do alcance das varas.

— Que está se passando? — perguntou Schonepal, ao ouvir os impropérios proferidos pelos dois.

Depois de ouvir o relato deles, o comandante voltou a indagar:

— Vocês têm a impressão de que a planta pode se deslocar do ponto onde está, ou acham que é estacionaria?

— Ela tem raízes, senhor. Se fosse capaz de se deslocar do lugar onde está, haveria de nos perseguir. Mas isto não acontece.

— Bem, então não se pode pensar em uma destruição, mas, de qualquer modo, sejam mais cautelosos.

Schonepal também não perdia de vista os outros grupos de cientistas. Era fácil fazê-lo, devido às muitas telas da astronave. Se fossem ameaçados por qualquer perigo, todo o poder de fogo da Explorer estaria preparado para ir em seu socorro. Mas o incidente com o “pé de vime” não se repetiu.

Quando começou a escurecer, os cientistas regressaram à nave e iniciaram as pesquisas.

— Acho que é noite — disse Schonepal. — Poderemos dormir tranqüilos. O planeta parece estar limpo. Para a segurança, bastam as sentinelas de sempre. Vamos passar para a segurança número quatro.

— Certo, senhor.

Acordaram quase todos bem antes do raiar do sol. Era a hora em que o 2 de agosto, no tempo da Terra, estava chegando ao seu fim. Quando em Zannmalon era meio-dia, começava na Terra o 3 de agosto. Na Terra, em todos os planetas do Império e também num planeta que se chamava Eysal...

No segundo dia depois de sua aterrissagem naquele mundo, formaram-se três expedições que deviam partir para direções diferentes. Uns iriam investigar o litoral no lado do oeste, outros iriam para o leste. O terceiro grupo tinha seus objetivos no norte, deviam atravessar o rio caudaloso e examinar o terreno até as montanhas. Este último grupo era dirigido diretamente pelo Comandante Schonepal.

 

O Professor Nordmann era uma grande exceção naquele escol de técnicos e cientistas. Era o único que não tinha nenhuma patente de militar e nem queria ter. Era um civil cem por cento. Sendo um dos maiores cosmólogos da Terra, gozava de certas liberdades que nunca o deixavam em apuros.

A viatura blindada rolava sobre lagartas pela estepe a dentro, rumo à margem sul do rio. A vegetação, de início fraca e rala, tornava-se cada vez mais exuberante. Poucos metros acima do nível do rio, o terreno era úmido e fértil. Na cabina da viatura anfíbia, criada especialmente para a frota de exploração galáctica, estavam sentados os membros da equipe de Schonepal. Havia lugar suficiente para os dez homens e três mulheres, além de todo seu equipamento, que não era pouco. Nordmann achava-se sentado ao lado de Schonepal. A viatura era dirigida pelo sargento Buddy Crack que, bem treinado, servia para qualquer equipe de cientistas.

— Um planeta perigosamente inofensivo — disse o Professor Nordmann, olhando para o capim alto que ondulava ao sabor do vento. — Para mim é extremamente suspeito, quando um planeta parece assim tão inofensivo.

Já Schonepal tinha outra opinião.

— Professor, por que não está contente com o fato de tudo estar correndo tão bem assim? Eu me sinto feliz com esta tranqüilidade.

— Sua natureza é menos complicada que a minha, comandante. Já estou há dois anos em sua nave e passei por muita coisa em mundos estranhos. As piores surpresas apareceram sempre onde menos as esperávamos.

Schonepal estava transformado, diferente de antes. Sorria muito feliz.

— Mas, professor, quem é que vai ser tão pessimista assim? Há mais de trinta horas que estamos analisando Zannmalon com muito apuro e até agora nada encontramos que nos possa preocupar. Bem, o “pé de salgueiro”... mostra pequenos vestígios de inteligência num estágio muito primitivo. Mas é tudo.

— E as irradiações provindas da montanha? Já as esqueceu?

Schonepal fez um gesto de espera e olhou por um instante para a margem do rio.

— Vamos investigar isto, professor. Se este fluxo d’água aí na frente for mesmo natural, isto é, normal, o caminho já está aberto para a montanha.

Observação completamente supérflua. As pesquisas do dia anterior já haviam demonstrado que o rio não apresentava nenhum perigo, muito menos quando era atravessado por uma viatura anfíbia de forte blindagem.

Desviaram-se um pouco e atingiram a outra margem do rio sem nenhuma novidade. O sargento Crack desligou os dois turboélices e botou o anfíbio de novo a rolar sobre as lagartas. O aclive era suave e não oferecia nenhuma dificuldade. Atrás deles, do outro lado do caudaloso rio, cintilava com brilho prateado a carcaça da Explorer-3218.

— Alterar um pouco a rota para a direita — disse Schonepal para Crack. — Faça tudo para que possamos atingir a montanha pelo rio.

O grande curso d’água, que acabavam de atravessar, corria mais uns dez quilômetros na direção leste, virando depois para o norte e sumindo na montanha. Crack tinha, pois, de se manter um pouco a leste, a fim de sair no lugar certo.

A paisagem não variava muito. Havia mais árvores, entre elas “salgueiros”, como também maior número de colinas, todas elas em forma de rochedos, que pareciam monstros pré-históricos emergindo da areia. Sargento Hoax, médico e radiotelegrafista ao mesmo tempo, operava seu aparelho de rastreamento, que estava registrando a incidência dos fracos impulsos irradiados.

— A direção ainda é a mesma — disse ele, apontando para a montanha, que subia majestosa da planície para o céu azul. — Muito espalhada, deve ter várias fontes.

Schonepal quase não estava ouvindo. Fez uma ligação para McNamara, que ficara na Explorer.

— Tudo em ordem, capitão?

— Temos todos os senhores com nitidez na tela frontal.

Nordmann tinha um sorriso malicioso nos lábios, quando perguntou:

— Como é, Schonepal, não está mais tão certo de que nada acontecerá?

O comandante continuou olhando zangado para a montanha, que já estava um pouco mais perto. Parecia ser mais alta do que indicavam as medições. O vale estava à direita. O leito do rio de dois quilômetros de largura se estreitava agora para uns oitocentos metros, devendo ser então mais fundo e com mais correnteza. A verdadeira garganta, porém, parecia estar mais afastada, não sendo possível vê-la a olho nu.

A senhorita Peggins, bióloga e desta maneira assistente de Borowski, apontou para fora e disse ao físico Gabriel:

— Veja uma coisa, tenente, aquela planta cheia de farpas lá nos rochedos. Faz-nos pensar nos cactos da Terra, não acha?

Borowski, que estava sentado ao lado dela, resmungou:

— Gabriel é físico e não sabe diferenciar um cacto de um aspargo, miss Peggins.

— Em compensação, você nem sabe qual é a diferença entre um elétron e um átomo — respondeu o físico, voltando a dar atenção à assistente de Borowski.

A montanha ia se aproximando... Podiam-se ver, à esquerda do vale, fendas escuras nas escarpas rochosas, que Schonepal julgava ser cavernas. Não se podia deduzir com maior certeza que destas cavernas é que emanavam as irradiações. A viatura continuava na sua direção, corrigindo depois a rota um pouco mais para a direita, parando perto da margem do rio.

A princípio, era um ribombar longínquo enchendo-lhes os ouvidos, ficando logo mais forte, de tal forma que não lhes era mais possível ouvir as próprias palavras. O quadro que então se lhes deparou foi algo inusitado, sensacional.

Em imensas catadupas, irrompia o curso d’água, indomável, montanha abaixo.

As águas revoltas deviam provir de um planalto, abrindo seu próprio caminho através da rocha, em quedas múltiplas e sucessivas. O processo não devia estar na sua fase definitiva. Mais tarde, talvez depois de centenas de milênios, estaria aberto aí um vale largo e quase plano, através do qual fluiria calmo e profundo um majestoso rio. Agora, porém, era um torvelinho de água selvagem a espadanar de patamar em patamar, formando lagos espumantes e cascatas mirabolantes. O ar resplandecia de pérolas brilhantes que formavam um denso véu de vapor, deixando os homens da expedição bem molhados, assim que desceram da viatura.

Visivelmente impressionados, assistiam extasiados ao milagre da Natureza. Na Terra e em muitos planetas conhecidos não era novidade o fenômeno de grandes cursos d’água que irrompiam das montanhas em estupendas quedas d’água, mas uma tamanha profusão de queda d’água com decantação tão singular, ninguém jamais vira.

— Wunderbar! Wunderbar! — gritava em alemão o Professor Nordmann, nos ouvidos do Comandante Schonepal.

E era mesmo admirável.

— Sim, é superadmirável — respondeu Schonepal, gritando para o professor. — Mas eu já estou todo molhado!

Qualquer conversa ali seria impossível.

Só depois de voltarem para o carro blindado foi que diminuiu o ruído das águas em catadupa e se podia falar melhor.

— Acabaríamos ficando surdos aqui — explicou o Tenente Hoax. — Não há tímpano que agüente isto.

O Tenente Gabriel apontou para o oeste.

— Temos que nos preocupar com as cavernas nas rochas. A irradiação vem de lá.

Buddy Crack pôs a viatura em movimento e foi rolando ao longo da montanha, exatamente na direção do poente. Depois de alguns minutos, os instrumentos de medição acusavam a incidência de impulsos cada vez mais fortes, vindos sempre da mesma direção, isto é, da montanha.

Apesar de o chão ser pedregoso, cresciam ainda algumas plantas. De vales transversais irrompiam riachos que, ou corriam para o mar, ou sumiam nas densas camadas de areia. Em parte alguma se via um vale que tivesse largura suficiente para a passagem da viatura anfíbia. Quem quisesse penetrar na montanha, teria que fazê-lo a pé.

Pararam na primeira caverna. Schonepal encabeçou o grupo, quatro homens e uma mulher. O geólogo Lazarus se mantinha ao lado do Professor Nordmann.

— A estrutura destas rochas não permite, propriamente, a formação de tais cavernas — observou ele, batendo com uma ferramenta diretamente na pedra. — Muito menos através da força da água. A rocha é dura demais. A única hipótese, no caso, seria a origem vulcânica, da qual não há nenhum vestígio.

— Quem sabe houve alguém que propositalmente escavou estas cavernas? — disse Schonepal.

— Seria a última hipótese que eu aceitaria — disse Lazarus abanando a cabeça. — Deve haver outras possibilidades de explicar a formação destas cavernas, ainda desconhecidas de nós. Talvez cheguemos a algum vestígio que nos possibilite isto.

O único indício que descobriram aumentou ainda mais o enigma. As entradas para as cavernas tinham espantosa regularidade. Eram todas iguais, isto é, redondas e com um diâmetro de mais ou menos cinco metros. A irradiação parecia agora vir de todos os lados, ficando ainda mais difícil constatar sua procedência.

Nordmann não escondia sua desconfiança:

— Sei não, comandante, meus pressentimentos sempre me alertaram, pelo menos até o presente, contra qualquer coisa que não está certa, principalmente contra perigos iminentes. E neste momento meus pressentimentos são muito fortes. Seria melhor que voltássemos imediatamente, ou então enviarmos primeiro uma vanguarda bem armada. Nunca se sabe os perigos que vamos encontrar e meu sexto sentido jamais me enganou.

— Este mundo parece não ser habitado. — Schonepal voltava à segurança de antes. — Todos nós estamos com as pistolas de raios energéticos, e é o suficiente para nos defendermos. Por que devemos voltar?

— Não há nenhuma resposta, no plano lógico, para isto — disse Nordmann, friamente.

Não descobriram nada e uma hora depois estavam voltando para a viatura anfíbia, sem nenhum resultado prático. Em Zannmalon devia ser agora meio-dia. Houve uma pausa para alimentação e um curto repouso, após o que, o Tenente Borowski tomou o comando de um grupo de exploração e entrou na segunda caverna.

Em toda a Galáxia, o calendário automático iniciava um novo dia. Era o 3 de agosto. Também em Eysal.

O destino ainda esperava vinte e quatro horas...

 

Borowski dava algum valor ao sexto sentido e, talvez por isso, pediu certas explicações ao Professor Nordmann.

— Professor, o senhor acha então que os corredores foram abertos por seres inteligentes?

— Estou convencido disto. Nenhum fenômeno natural pode produzir cavernas assim. São regulares demais. A altura dos corredores parece ter sido calculada com todo o rigor. Não tenho nenhuma dúvida de que foi feita artificialmente por mão inteligente. Por quem, não posso dizer exatamente. Não conheço na Galáxia nenhum ente que seja tão inteligente a ponto de construir tais cavernas para nelas morar. Seres sem inteligência não as podiam fazer, embora pudessem gostar de morar nelas. Estamos, pois, praticamente diante de uma contradição.

— Quem sabe, seus construtores já desapareceram há tempo?

— Ou estiveram apenas de passagem no planeta Zannmalon, tenente? Quem sabe procuravam aqui minérios ou outros elementos de mais valor? Mas deviam ter deixado vestígios desta passagem...

Desta vez penetraram mais na montanha e os instrumentos começaram a oscilar alucinadamente, acusando a proximidade da fonte de irradiação. Infelizmente, porém, os rastreadores apontavam para todas as direções.

O geólogo Lazarus estava meio perturbado.

— Na minha opinião, a fonte irradiadora é uma só, mas devido à formação das rochas as ondas refletem em todos os sentidos. Não podemos, pois, confiar cegamente nos aparelhos.

— Então é mais do que estranho o fato de recebermos com toda nitidez as transmissões do aparelho de Schonepal — disse Borowski.

Nordmann não quis entrar em discussão. Foi caminhando firme para frente, esquecido de todas as suas dúvidas. Tinha, porém, a arma engatilhada na mão.

De repente, o corredor se alargou, o que até então não acontecera. O túnel era sempre rigorosamente uniforme, do mesmo tamanho. E agora, as paredes recuavam para fora e o teto subia a quase oito metros, formando um verdadeiro salão subterrâneo.

A senhorita Peggins, a bióloga, soltou um grito estridente.

Nordmann, que estava a seu lado, segurou-a pelo braço.

— Acalme-se, senhorita Peggins. Não há motivo para ficar nervosa. O animal está morto e isto já há muito tempo.

Borowski contemplava silencioso o corpo gigantesco de um monstro pré-histórico que ali estava no centro da câmara subterrânea. Lembrava-lhe, de longe, uma baleia, talvez semelhante à que vira antes no mar equatorial do planeta. No entanto, era um pouco diferente.

Os jatos de luz dos faroletes deixavam ver a pele enrugada penetrando por entre os ossos. Em muitos pontos, já estava destruída. Podiam-se ver os ossos com nitidez. O que estava mais bem conservado era a cabeça do monstro.

Seu diâmetro devia ser de uns cinco metros. Vazios estavam os dois pontos dos olhos. Abaixo se abria uma grande fenda, talvez a boca. Nesta cavidade luziam os dentes, pelo menos pareciam dentes. Na parte de trás da cabeça, começavam os tentáculos ou pegadeiras.

— Um sáurio! — disse Lazarus perplexo, esquecendo as irradiações.

A senhorita Peggins já estava mais calma. O fato de o monstro já estar morto a deixou sossegada. Deu um passo à frente e dirigiu sua lanterna na direção da cabeça, contemplando o estranho animal com uma mistura de nojo e curiosidade científica.

— Não, não é nenhum sáurio, para isto lhe faltam as principais características. Olhe bem, não há membros para locomoção, mas apenas para pegar alguma coisa. Deve ser provavelmente um réptil.

— Então não pode ser um sáurio — disse Lazarus irritado.

Nordmann, de novo, não deu atenção ao aparte e acompanhou a senhorita Peggins.

— A senhora acha que era um ser inteligente?

A bióloga hesitou ao responder.

— Não posso afirmar, professor. Por que pergunta?

Nordmann virou seu farolete para o outro lado.

— Está vendo ali? É por causa daquilo. Foi só então que os homens e também a senhorita Peggins reconheceram o enorme bloco de metal a poucos metros da cabeça do esqueleto. Tinha o formato de um grande armário e sem a menor dúvida era feito por mãos inteligentes. Na parte da frente havia alças, grandes e bem visíveis. A hipótese de se tratar de um mecanismo, um gerador ou estação de relê ou mesmo uma central de ligações, era reforçada pela existência de escalas ou graduações.

Do interior deste bloco vinha um leve zumbido, podendo-se supor que possuísse fonte própria de abastecimento.

— Veja senhorita — repetiu Nordmann, com um gesto desajeitado — os membros superiores do monstro estão esticados para frente. O do lado direito parece estar pegando numa alavanca, como se a tivesse puxado para cima.

— Mas isto não é possível! — exclamou Lazarus. — Um monstro assim jamais poderá ser inteligente.

— O senhor Lazarus e seus preconceitos! — Nordmann deu uns passos à frente na direção da cabeça com os pegadores. — Que tem a forma do corpo e seu tamanho a ver com inteligência? Uma coisa não tem nada com a outra. Não fique pensando sempre nos velhos moldes, mas procure antes olhar objetivamente para a realidade. Este mostrengo era inteligente. E, se não me engano, foi ele quem escavou os corredores na rocha. Agora, não me vá perguntar como ele fez isto. Mas tudo indica que as coisas foram assim.

— O tamanho da cabeça corresponde exatamente ao corte transversal dos corredores. — a senhorita Peggins reencontrara seu bom senso. — Não será bom comunicarmos o achado ao comandante?

Num instante se fez a ligação de rádio. Schonepal ficou excitado com o que lhe foi descrito e ordenou que não se tocasse em nada. Haveria de comparecer logo em companhia de Hoax e de Gabriel.

Enquanto esperavam o comandante, Borowski descrevia sua viagem de reconhecimento no flutuador. Salientou que os animais do mar não eram de maneira alguma tão grandes como este da caverna e de maneira alguma podiam ser da mesma espécie. Além disso, não davam nenhuma mostra de inteligência.

Chegaram então Schonepal e seus dois acompanhantes e se plantaram ali, como estátuas, perplexos diante do que viam. Acabaram confirmando a opinião de Nordmann de que o monstro estava se servindo do tal aparelho... Mas, nem um só dos participantes da expedição aceitava a idéia de que o mecanismo fora confeccionado pelo próprio monstro.

— Quem sabe, foi obra do acaso? — indagou Schonepal, depois de se recuperar da grande surpresa. — O monstro veio casualmente para esta montanha, viu as cavernas e se arrastou para dentro. Acabou morrendo diante da máquina. Os membros superiores esticados podem ser um último reflexo. Dou razão ao Dr. Lazarus, um monstro com este porte não pode nem deve ter sido inteligente. Seria o fim de nossa civilização. Estes monstros teriam então a navegação espacial e Zannmalon estaria cheio deles. Deve ter vindo ou deve ter sido trazido para cá... Talvez veio de outro mundo.

— Bobagem pura! — protestou o Professor Nordmann, com o rosto todo vermelho. — Quem é que teria interesse em voar pelo espaço com um “lagarto” gigantesco assim? Devem morar nesta montanha, que certamente está cheia de corredores e cavernas. Por este motivo é que não os vimos ainda. Devem ser também inteligentes, embora com isso não se afirme que conheçam ou tenham conhecido a navegação espacial. De qualquer maneira, tal acontecimento nos abre uma perspectiva muito desagradável, isto é, que a qualquer momento podemos nos deparar com eles. Mas só que bem vivos.

Miss Peggins pôs fim à discussão:

— Posso lhe fazer uma proposta, comandante? O monstro aqui está morto e não representa mais nenhum perigo, mas nos pode ser muito útil. O senhor permite que eu retire amostras para examinar no laboratório da Explorer?

— Não tenho nada contra, senhorita. Talvez isto nos vá ser vantajoso.

Miss Peggins lhe fez um gesto de agradecimento e pediu a Borowski que a ajudasse. Enquanto os outros se espalharam pela imensa caverna, procurando por algum indício de vida racional, e o Tenente Gabriel examinava o bloco metálico, os dois naturalistas pegaram seus instrumentos e se prepararam para retalhar o esqueleto do monstro.

Mas ficou tudo na intenção...

Primeiro quebrou o serrote de Borowski, ao tentar cortar um pedaço de osso do esqueleto. Aquela serra, que cortava os melhores aços de Árcon sem a menor dificuldade, capitulou diante dos ossos do ser desconhecido.

Foi a primeira surpresa. A segunda foi ainda mais estranha.

Borowski procurava dissolver um pedaço de osso com os fortíssimos raios térmicos de sua pistola. Primeiro, não aconteceu coisa alguma, depois, o material foi tomando uma coloração esquisita e encolheu um pouco. Foi tudo. O osso não se dissolveu nem produziu nenhum gás.

O biólogo, desiludido, se levantou.

— É uma coisa estúpida! Nem mesmo o duríssimo arconídio resistiria ao calor tremendo dos raios térmicos, e estes ossos aqui não sofreram nada.

O cosmólogo Nordmann não queria ficar apenas em suposições.

— Com meios comuns não haveremos de resolver o problema, Schonepal. Temos diante de nós um esqueleto e contra isto não pode haver dúvida. Pertence a um ser vivo como até agora nunca foi encontrado. Também isto é inegável. Se não podemos examinar os resíduos orgânicos com os meios comuns, temos então de lançar mãos de meios extraordinários.

— Uma pistola de raios térmicos para ossos é um meio mais que extraordinário — disse Borowski, olhando desconfiado para a arma quente em suas mãos.

— Não conseguimos dissolver um pedaço de osso!

A voz de Nordmann não escondia a grande impaciência que havia nele quando continuou:

— Temos então que trazer para cá os recursos mais adequados da Explorer, ao invés de levar o osso para a nave.

Neste momento, o sargento Hoax se ergueu. Estivera até então um pouco afastado, totalmente entregue ao aparelho de rastreamento, estudando-lhe os dados.

— Esta estranha irradiação vem de diversas direções, mas demonstram uma sensível concentração no sentido norte. Acho que, se investigarmos naquela região, haveremos de encontrar seu ponto de partida.

— Mas não hoje — disse Schonepal, com voz firme. — Para mim basta este maldito esqueleto.

Nordmann não deixou de fazer suas objeções.

— Não tenho a mesma opinião, comandante. Não queremos perder tempo. Mande de volta a viatura anfíbia de lagartas e mande trazer para cá o laboratório. Enquanto Borowski e sua equipe examinam o esqueleto do estranho animal, outros grupos podem continuar penetrando nos labirintos das cavernas e pesquisar a origem das irradiações. Além disso, alguns peritos podem se ocupar com o bloco de metal. Não me sinto bem com o pensamento de que minha vida, ou nossa vida, depende de um simples acaso.

Depois de curta discussão, a proposta de Nordmann foi aprovada. Buddy Crack ajudou a senhorita Peggins e alguns cientistas a embarcarem e partiu na direção sudoeste. Bem no horizonte, refulgia à luz do sol a esfera da Explorer-3218, talvez a uns quinze quilômetros.

Depois de uma hora, mais ou menos, Crack estava de volta, trazendo um verdadeiro time de técnicos altamente qualificados e de especialistas com seus laboratórios portáteis. Quando viram o gigantesco esqueleto, não houve tanta surpresa. Mas quando iniciaram as experiências, a situação mudou. Estavam todos perplexos e, depois de uma hora de trabalho, não sabiam o que dizer.

Não havia mesmo nenhum meio de se examinar o osso. Apenas puderam constatar seu peso específico. Havia apenas uma diferença de volume nas partes afetadas pelos raios, pouco mais reduzidas que as não afetadas.

— Uma negação fisiológica! — sentenciou, furioso, Nordmann, irritado com o fato de que um simples esqueleto passara a ser um enigma insolúvel. — Em milhares de planetas, pudemos investigar milhões de formas de vida diferentes. Foi sempre possível traçar certos paralelos, encontrar semelhança e dar algumas explicações. Mas isto aqui... — apontou para o esqueleto — ...é uma coisa que não devia existir. Se estivesse vivo, não poderíamos destruí-lo. E vocês sabem o que isto quer dizer, não é?

É claro que todos sabiam. Schonepal estava mais preocupado.

— Seu pensamento está certo, professor, será então meu dever enviar logo um relatório à central de informações em Terrânia. Perry Rhodan tem de ficar a par disso. Quem sabe, já se descobriu em outros mundos coisa idêntica? Só a central pode saber isto, porque todas as informações convergem para lá. Achamos até agora apenas um cadáver, mas que seria se encontrássemos um exemplar desta raça vivo? E que acontecerá se forem ferozes e inteligentes, qualidades que podem muito bem estar unidas? Mas, que seria ainda, Nordmann, se sua teoria de que o monstro não pode ser destruído com os meios conhecidos, for verdadeira?

— Não há nada que não possa ser destruído — disse Borowski.

Nordmann olhou para ele.

— Queiram os deuses que você não esteja errado — respondeu o professor. — Acredite-me uma coisa, eu mesmo desejaria estar errado. Mas confesso que já não sei o que devo dizer. Há na minha frente uma coisa que não deveria existir. Não tenho explicações.

— Mesmo assim, ele está morto — disse Schonepal, com uma ponta de satisfação. — Não podemos saber se foi o último representante de uma raça extinta.

— Mesmo que o fosse, não está morto há muito tempo, comandante. A cabeça está bem conservada, coisa que ainda não foi totalmente explicada. Não apenas os ossos, mas também o que restou da pele resiste a todo tipo de análise. Será que é pele mesmo?

— Pelo menos, eu a classificaria como matéria orgânica — disse Borowski, que estava de pé ao lado de miss Peggins. — Infelizmente, o senhor tem razão, professor. A pele não pode ser examinada. Mesmo os ácidos mais fortes não lhe causam nada. Não deixam nenhum sinal. Schonepal decidiu:

— Vou entrar em contato com McNamara. Ele me levará de volta num flutuador para a Explorer. Quero saber o que pensa a central da Frota de Exploração. Espero todos vocês antes do cair da noite. Nordmann, o senhor vai assumir o comando do grupo.

Olhou um pouco para este e acrescentou:

— Nada de imprudência, hein!

O professor fez um gesto de assentimento.

— Aprecio tanto minha vida como o senhor a sua — respondeu Nordmann.

Schonepal dirigiu-se à saída da caverna e ligou para McNamara. Dez minutos mais tarde, já estava dentro do flutuador.

Daquela grande caverna, os corredores levavam para três direções diferentes. Já que o sargento Hoax conseguiu indicar a direção em que estavam mais concentradas as faixas de ondas, o grupo tomou tal caminho, isto é, o do meio. Eram quatro homens e uma mulher que marchavam para o desconhecido, tendo à frente o Professor Nordmann. Embora soubesse que a arma não adiantava nada caso se deparassem com um monstro, caminhava com a pistola na mão direita, preparado para atirar imediatamente. A arma lhe restituía um pouco da segurança que perdera durante as pesquisas no esqueleto.

Atrás dele, vinha Hoax com o aparelho de rastreamento na mão e a arma no cinturão. A lanterna pendurada no pescoço balançava de um lado para o outro, provocando sombras que dançavam nas paredes do corredor. O Tenente Gabriel e a senhorita Peggins caminhavam lado a lado. Formando o fim da fila vinha o Tenente Borowski. Também estava com as mãos ocupadas: na esquerda o farolete, na direita a pistola engatilhada.

O corredor era de uma irritante regularidade; paredes, chão e teto eram tão lisos, como se tivessem sido polidos proposital-mente. A rocha tinha um brilho escuro e às vezes um tanto oleoso, como se tivessem recebido um acabamento especial. Não podia mais haver sombra de dúvida de que o labirinto de corredores era de origem artificial. Nenhum fenômeno da natureza poderia produzir uma coisa assim.

O ar estava abafado e um pouco quente, mas ainda suportável.

Hoax parou, quando o corredor dobrou para a esquerda.

— A irradiação vem mais do norte, se continuarmos nesta direção, estamos nos afastando dela.

Nordmann também parara.

— Diga-me uma coisa, Hoax. Que tipo de irradiação é este? Quer dizer, é perigosa?

— Não, isso não, professor. Pelo menos não contém componentes rígidos. Embora não conheçamos sua natureza, posso dizer que não é perigosa, enquanto se pôde deduzir das experiências feitas até agora.

— Você não está muito certo disso, não é verdade?

— Não, isto não. Mas a maior probabilidade...

— Bem, vamos continuar. Temos que correr o risco.

Depois de uns trinta metros, o corredor virava de novo para o norte. Caminhavam agora diretamente no sentido das irradiações. Ninguém se sentia tranqüilo.

— Estou com medo — disse miss Peggins, aproximando-se mais de Gabriel. — Devíamos pelo menos esperar mais um pouco, até que Schonepal obtivesse mais informações e nos desse mais instruções.

A pobre coitada não obteve resposta. O corredor começou a se alargar e o teto ficou mais alto. O chão, até então um tanto abaulado, ficou completamente plano. Parecia se repetir o quadro de quando descobriram o grande salão do esqueleto.

Uma nova caverna...?

Nordmann reduziu seus movimentos.

— Atenção! Se estamos nos aproximando da segunda caverna, é bem possível que nos deparemos com o “primo” vivo do gigantesco sáurio do esqueleto. Certamente ele não será muito rápido em seus movimentos, de maneira que poderemos facilmente fugir. Estejam com as armas preparadas, embora não creia que elas nos possam ajudar.

Continuaram caminhando, agora um ao lado do outro, pois o corredor tinha largura suficiente para todos. Alargou-se mais ainda, formando de repente a entrada para a caverna. Era bem maior que a primeira e possuía nichos.

— Que é isto? — perguntou Borowski, comprimindo os olhos, a fim de poder enxergar melhor. — Dá a impressão de como se alguém mantivesse aqui um depósito de munição.

As “balas”, de mais ou menos dez a doze centímetros de comprimento, eram roliças, numa espessura de dois a três centímetros. A cor puxava para roxo. Estavam nos nichos, não colocadas em ordem, mas jogadas sem maior cuidado, como se alguém as atirasse ali apressadamente. Não tinham nada de vida, pensamento, aliás, mais que absurdo.

— Vagens! — disse o sargento Hoax.

Na realidade, as estranhas “balas” pareciam mais vagens de feijão ou de ervilha, ou melhor ainda, se assemelhavam muito aos charutos. Devia haver milhares, só naquela gruta.

— Bobagem! — disse Nordmann, aproximando-se dos nichos. — Como podem crescer num lugar deste vagens de feijão ou de ervilha ou de qualquer outra coisa? Agora, não podemos recusar a hipótese de que se trata de uma reserva de forragem para alimentar os sáurios. Apenas quero perguntar: alguém já viu tais plantas crescerem aqui no planeta Zannmalon? Hein, senhorita Peggins?

A bióloga balançou a cabeça. Ainda estava muito fascinada com o grande número de vagens.

— Não, infelizmente, não, professor. Não vi esta planta aqui.

— Talvez ela cresça somente na montanha, o que não pudemos ainda averiguar — disse Borowski se aproximando de Nordmann, que já havia enfiado a arma no cinturão, pois as vagens agora não lhe inspiravam mais medo. — Ou somente nas cavernas subterrâneas. Temos também na Terra plantas que crescem sem precisar da luz do Sol!

Nordmann perguntou com ironia:

— Você acha então que o réptil das cavernas cultivou aqui uma espécie de cogumelo, um bom champignon? Puxa, que fantasia, hein?

O biólogo nem por isso perdeu a calma:

— Somente uma pesquisa mais profunda nos poderá dizer até quando nossas suposições poderão ser meras fantasias. O professor vai me permitir pegar algumas destas vagens e levá-las para a Explorer? Estou curioso para saber se também elas vão resistir aos nossos métodos de análise.

— Pegue à vontade — disse Nordmann, continuando seu caminho no interior da caverna.

O professor acabou constatando que tinha quarenta metros de comprimento por vinte de largura. Estreitava-se de novo na saída do corredor, que prosseguia montanha a dentro.

O sargento Hoax também já terminara suas medições.

— São as vagens que irradiam as vibrações. Aqui nesta caverna existe um foco de irradiação. Um dos senhores tem alguma explicação para isto, já que, como se supõe, trata-se de frutos da terra ou coisa semelhante?

Nordmann de repente encarou-o.

— O que o senhor está dizendo? A irradiação provém destas coisas aí? Está falando sério?

— São os instrumentos que o dizem, senhor. Está excluído qualquer erro.

— “Vagens” transmissoras! — disse Borowski rindo à vontade.

Nordmann olhou para ele com ar de censura e se inclinou para apanhar uma das vagens. Colocou-a na palma da mão e ficou olhando-a à luz da lanterna. A casca lisa continuava com o brilho roxo puxando de leve para o verde. Não se via nenhuma pequena fenda e não parecia também quebrável.

— Não aperte tanto assim — disse Nordmann, quando Borowski experimentou uma delas.

O biólogo respondeu com muita calma:

— Primeiro temos milhares destes frutos aqui. Um não vai fazer falta... Depois a casca reage de tal maneira que parece não querer quebrar tão facilmente. Pelo contrário, tenho a impressão de que ainda haveremos de presenciar muitos fatos surpreendentes. Com sua licença.

Não esperou pela permissão de Nordmann, mas apanhou a vagem, apalpou-a bem e sacudiu a cabeça. Depois abriu a bolsa a tiracolo e guardou-a com cuidado.

— Pegue mais algumas — disse para miss Peggins.

Os discutidos objetos tinham um peso considerável. Cada uma das vagens, como Hoax garantia, tinha um mínimo de irradiação. A irradiação mais forte era, pois, a soma de todas as unidades. Não se podia admitir que simples vegetais possuíssem dispositivos independentes de irradiação. As vagens não eram, portanto, plantas.

Mas o que eram então? Nordmann não queria mais quebrar a cabeça a respeito.

— Já pegou o suficiente, Borowski?

— Mais ou menos vinte ou trinta. Acho que chega.

— Acho também. — Olhou para o relógio: — Em duas horas começa o crepúsculo. Temos de tentar chegar até a nave neste meio tempo.

— Não será difícil — disse Borowski, pegando a senhorita Peggins pelo braço. — Vamos indo?

Em todo este tempo, nada aconteceu de importante com o esqueleto. Os especialistas, que lá ficaram, tentaram extrair um osso do esqueleto por via mecânica, mas nada conseguiram. Um físico disse o que, aliás, todos pensavam:

— Professor, se encontrarmos um animal deste, vivo, seria melhor nos afastarmos dele. Ninguém pode crer que haja uma arma capaz de matar um deles.

— Acha que é mesmo assim? — Nordmann parecia agora indiferente. — Este exemplar está mesmo morto, como se vê. Deve ter tentado fazer alguma coisa com a máquina que tem a seu lado, mas parece que não obteve resultado. Também não sabemos que tipo de máquina é esta e o que se podia fazer com ela.

— Nem sequer sabemos se de fato é uma máquina — disse Buddy Crack.

Nordmann olhou perplexo para ele.

— Se é máquina ou não, de qualquer maneira a carcaça na frente do esqueleto não é nenhum bloco de pedra nem outro esqueleto. Foi construída por mãos inteligentes e trazida para aqui. E o sáurio morto estava querendo fazer alguma coisa com ela. O quê, não sabemos. Mas ainda teremos melhores informações a respeito.

Todos se sentiram mais aliviados ao chegarem ao ar livre. O sol estava caminhando para o horizonte, um pouco à direita da Explorer. Buddy Crack esperou até que o último subisse na viatura anfíbia, para ligar o motor. Meio vagaroso começou a rodar na direção do rio.

Pouco depois, ouviram atrás de si o ronco das quedas d’água. À frente deles, surgiam o deserto, o rio e a espaçonave.

 

No laboratório, Borowski quebrava a cabeça com as vagens. Uma delas estava na chapa metálica da mesa, tendo ao lado facas, serras de aço, um martelo, um formão quebrado, um maçarico e um radiador térmico.

A vagem não apresentava o menor arranhão.

— Com os diabos! — exclamou o biólogo, e sua mão direita, que segurava um cigarro, tremia demais. — Até duas serras de aço terconite, de compressão molecular, já foram embora, perderam os dentes. Não sei o que mais posso fazer!

Lá fora já era noite. Zannmalon não tinha lua e no céu viam-se poucas estrelas. Estava bem escuro.

— Quem sabe os outros tiveram mais sorte do que nós, em seções diferentes? — Miss Peggins parecia descontraída. — Todos receberam as vagens. Alguém deve ter conseguido alguma coisa.

Borowski pegou o intercomunicador:

— Gabriel? Como estão as coisas por aí?

— Nada, Borowski! Ninguém consegue nada. Cheguei até colocá-la na prensa hidráulica. Apesar de o motor receber a carga máxima, a prensa não consegue vencer os dois centímetros da espessura da vagem.

O Departamento de Química anunciou que a imersão em banhos de ácidos, os mais corrosivos, não trouxe nenhum resultado.

Do Departamento de Medicina, Hoax relatou que a vagem foi bombardeada com todos os tipos de irradiações possíveis, também inutilmente. E mais: dois bisturis de tempera especial estavam quebrados.

Finalmente vieram os resultados do laboratório técnico com a inaudita notícia de que, depois de dezenas de experiências infrutíferas, a vagem foi introduzida numa câmara de fusão de um reator nuclear. Ainda continuava lá, sem nenhuma alteração.

Ao desligar o intercomunicador e ao se virar para a senhorita Peggins, estava totalmente pálido e seus lábios não passavam de uma linha fina. Havia ódio nos seus olhos.

— Desgraçada!...

Não falou mais do que isto, por alguns segundos. Depois, de cabeça baixa, disse entre zangado e desiludido:

— Temos que avisar o comandante. Mas não sei, não... Acho melhor esperar até amanhã. Ele também não pode fazer nada. As desgraçadas vagens são tão resistentes como os ossos do esqueleto do sáurio, ou do que ele seja. Vá dormir, senhorita Peggins. Não preciso mais da sua ajuda hoje. Os senhores também, meus amigos.

Os cientistas cumprimentaram seu chefe de equipe e se retiraram. A senhorita Peggins ainda olhou pensativa para seu chefe e saiu do laboratório.

Borowski ficou sozinho com as vagens.

Olhava para elas de má vontade, mas ainda com curiosidade. Se ele ao menos soubesse que tinha diante de si um objeto de fabricação artificial ou um tipo de vegetal desconhecido! Se pelo menos soubesse isto, iria dormir tranqüilo. Mas não sabia. E não chegou até a verdade, por mais simples e assustadora que fosse.

 

Na manhã do dia seguinte, o Coronel Schonepal ordenou que os chefes de equipe fizessem seus relatórios. Todos foram unânimes: não era possível determinar a natureza do tal vegetal. Em certo sentido, constatou-se uma estreita analogia com os restos do sáurio gigantesco: ambos eram indestrutíveis!

Seu velho otimismo estava se transformando. Começou a sentir medo do planeta Zannmalon, pensando de novo nas pedras vivas e nos sáurios blindados. Monstros gigantescos indestrutíveis e vagens de feijão resistentes a tudo, não poderiam ser coisa melhor.

O capitão McNamara estava sentado na poltrona dos controles e, depois de verificar os instrumentos, disse:

— Sabe do que mais gostaria, senhor?

— O que seria?

— Decolarmos daqui o mais depressa possível, até mesmo neste minuto.

Intimamente, Schonepal tinha que confessar que este também era seu desejo. Não podia, porém, supor que já fosse tarde demais para isto. Nem mesmo uma partida naquele instante poderia salvar a Explorer-3218. Se tal fizesse, teria apenas aumentado o número de vidas perdidas entre a tripulação, ou para ser mais exato, seria a morte para todos.

Mas Schonepal não podia imaginar uma coisa destas. Primeiro aceitou, com algum alívio, o fato de que seu primeiro oficial e colega no Departamento de Bioquímica Cósmica comungava com sua opinião, pensava como ele. Depois, disse sem maiores intenções:

— Como é que você pode pensar assim? Decolar imediatamente?! Já fiz meu relatório à central de pesquisa da Frota. Como poderemos explicar que vamos interromper nosso trabalho aqui? Pés-frios? Seria isto uma explicação?

— Seríamos apenas cautelosos, senhor.

— Sim, este é seu pensamento, mas será que os almirantes vão compreender isto? Não, começamos e vamos terminar nossa missão. Vamos abrir estas vagens mesmo que para isto tenhamos de usar os canhões de bordo. O reator no laboratório técnico é pequeno demais para essa tarefa. A experiência lá embaixo não pode ser considerada como definitiva.

Schonepal sabia que estava subestimando a realidade. Queria apenas tranqüilizar a si mesmo.

— Este desgraçado “ovo” do diabo me acaba deixando louco.

O primeiro oficial dizia isto furioso e com um princípio de desespero.

— Tem de haver uma possibilidade de solucionarmos este mistério. Enquanto não soubermos nada de certo a respeito, não devemos sair da Explorer.

— Sou de outra opinião, McNamara. As pesquisas podem prosseguir, mas não podemos omitir esforços para obtermos conhecimentos mais amplos. Se as vagens não nos derem nenhuma resposta, talvez as cavernas e corredores nas montanhas nos permitam alguma explicação. Vou mandar um grupo de voluntários para lá.

— Estou curioso para ver quem se apresenta como voluntário.

Logo se constatou que o pessimismo de McNamara estava errado. Apresentaram-se duas vezes mais do que era necessário. Schonepal deixou a direção do grupo a Borowski, entregando também a ele a seleção dos voluntários e, uma hora depois, partia o novo grupo de exploradores. O motorista agora era o sargento Crack.

A seu lado estavam sentados Borowski e Hoax, sendo que o grupo contava ainda com oito cientistas dos diversos setores. Dos que tomaram parte na expedição do dia anterior não havia ninguém.

Pararam diante de outra caverna. Crack permaneceu na viatura, enquanto Borowski, com seus nove companheiros, penetrou no corredor. Estavam em contato permanente com Crack através do rádio, que por sua vez achava-se em linha também com o Comandante Schonepal.

A caverna era mais ampla e mais ramificada que as duas do dia anterior. Aliás, o número de cavernas era menor, enquanto os corredores, sempre uniformes, penetravam muito mais na montanha, terminando sempre em pequenas câmaras. Em todas elas havia as misteriosas vagens, mas não se encontrou outro esqueleto de sáurio gigantesco.

Voltaram, pelo meio-dia, para a viatura anfíbia de lagartas e tomaram a direção do leste. Borowski propusera examinar, mais uma vez, o mecanismo junto do qual estava o esqueleto do sáurio pré-histórico.

Metade do dia 4 de agosto de 2.326 já passara.

O esqueleto estava do mesmo modo que no dia anterior, também o mecanismo a seu lado. Alguns técnicos se prepararam para examiná-lo. Enquanto cinco homens ficaram ocupados ali, Borowski, Hoax e mais três cientistas penetraram pelo recinto dos nichos. Também ali tudo parecia estar como antes. A luz dos faroletes de bolso refletia nas tais “vagens de feijão” ou “de ervilha” e as paredes tinham um brilho esverdeado.

Hoax ajeitou seu transmissor portátil e entrou em contato com Schonepal através de Crack, na viatura. Poderia ter feito uma ligação direta com a Explorer, mas a misteriosa irradiação dos vegetais petrificados aumentara muito, dificultando a transmissão direta para a nave.

Borowski estava exatamente se inclinando para apanhar uma vagem, quanto sentiu um leve tremor sob os pés. Voltou à posição normal e olhou para seus companheiros como a querer perguntar alguma coisa.

— Que foi isto?

— Talvez um tremor de terra? Hoax deixou seu transmissor ligado. Na montanha é muito possível isto.

— Terremoto é possível em qualquer lugar, não apenas nas montanhas — contestou Borowski. — Quem sabe devemos fugir daqui? Se o corredor desmoronar, ficamos presos!

Um segundo abalo sacudiu a todos, fazendo com que alguns cambaleassem. O teto da imensa galeria, porém, estava firme. Contudo, de um lado rolou um fragmento de rocha.

— Vamos embora, Hoax. Pegue o transmissor, temos de sumir daqui.

Ouviu-se a voz do sargento Crack:

— Tenha cuidado, tenente, aqui fora a terra também treme. O anfíbio blindado balança como um navio na tempestade em alto-mar. Como posso apanhá-los na montanha, se ela desabar em cima de vocês?

— Não se preocupe, as rochas são firmes.

Borowski ouviu passos que se aproximavam rápidos. Não ficou surpreso quando os cinco técnicos, que haviam ficado na caverna do sáurio e do mecanismo, voltaram de repente para a câmara dos nichos. Estavam ofegantes e de fisionomia transtornada.

— Que aconteceu? Por que não ficaram onde estavam?

— A máquina, senhor! A máquina... começou a trabalhar.

Borowski repetiu perplexo:

— Começou a trabalhar?! Que quer dizer isto?

— Recomeçou sua atividade, pode-se ouvir perfeitamente. Quando se deu o primeiro tremor de terra, começou um zumbido no seu interior, alguns mostradores começaram a funcionar e pequenas lâmpadas acenderam. Resumindo: está funcionando. O abalo sísmico deve ter dado ensejo para isto.

— Como deveria...? — começou Hoax. Mas logo foi interrompido por Borowski.

— Então não foi um terremoto comum, deve ter acontecido algo que ninguém podia prever. Hoax, informe Schonepal do ocorrido, enquanto nós nos retiramos.

Um terceiro tremor veio retardar a retirada. Foi exatamente o tempo necessário para que fossem desencadeadas as forças do inferno...

— As vagens! As vagens!... — exclamou alguém espantado.

Borowski olhou para os nichos. A princípio não notou nada de extraordinário, mas depois... Os pretensos vegetais estavam se movendo!

Era como se estivessem levando pancadas, compressões fortes e mesmo impulsos. Tremiam convulsamente. Algumas vagens saltitavam tão alto que caíam no meio da caverna. Duas delas chegaram a rebentar.

Quando viu o que continham as duas cápsulas, uma sensação de quase pânico tomou conta de Borowski. Um invólucro abriu, expondo seu conteúdo: um ser vivo semelhante a um lagarto de cabeça redonda. O comprimento total era de uns onze centímetros, puxando para o roxo e, no meio do corpo, havia um forte estreitamento, como se fosse um inseto. Na parte de trás da grande cabeça sem olhos, destacavam-se quatro ferrões duplos, como para morder, dois em cima e dois embaixo.

As vagens eram ovos!

No mesmo instante, passou pela cabeça de Borowski a semelhança do minúsculo animal com o esqueleto do gigantesco sáurio, mas lhe parecia impossível que um monstro daquelas dimensões pudesse surgir de larvas tão diminutas. Devia levar muitos anos até que aqueles filhotes tão pequenos chegassem àquele tamanho. Não teve porém mais tempo para pensar, pois os acontecimentos se precipitaram...

Os dois animaizinhos começaram a se mover. Só agora, Borowski percebeu os minúsculos pezinhos que estavam sob o peito. Eram tantos que não conseguiu contar, mas calculou por alto uns cinqüenta. As outras “vagens” estavam também rebentando e em poucos instantes a caverna estava repleta de filhotes de lagartos, que aparentemente passavam alguns segundos parados, se adaptando ao meio.

— Vamos levar uma conosco — disse Borowski, que já havia esquecido os abalos sísmicos e não imaginava novos perigos. — Acho que agora conseguimos finalmente uma prova. Garret, você queria ter a bondade de...

Garret fez que sim com a cabeça e se agachou para pegar o filhotinho que se contorcia a seus pés, como se sentisse alguma coisa. Os outros homens viram fascinados como o animalzinho, de repente, se encurvou todo e deu um salto contra o rosto de Garret.

Foi por mero acaso que Borowski presenciou o incidente e viu a boca do animalzinho bem aberta. Uma fila de dentes bem finos surgiu. No centro desta fila, havia um dente maior, um tanto curvado para trás, tendo um orifício na extremidade. Desta abertura mínima jorrou um jato fino e lei-toso que atingiu Garret.

Quando este líquido se dispersou, não havia mais Garret!

No chão se via apenas uma gosma indefinida não se sabe de quê.

— Para fora daqui — gritou Borowski, dando um empurrão em Hoax.

O radiotelegrafista deixou cair seu aparelho, que erguera do chão há pouco, e saiu correndo. Também os outros cientistas compreenderam a situação e fugiram. Mas as recém-nascidas lagartas tinham um terrível senso de orientação e atacaram imediatamente. Tentavam, às centenas, barrar o caminho da fuga aos terranos e se lançaram no seu encalço, soltando seu líquido mortífero, que destruía qualquer matéria.

Borowski ainda conseguiu ver mais três vultos caírem por terra e se transformarem num líquido espesso no chão, mas continuou correndo. Com um grande salto, passou por cima de três ou quatro lagartos, atingindo o corredor, sem olhar mais para trás, continuando em desabalada carreira. Ouviu passos atrás de si. Tinha, pois, certeza de que outros também conseguiram escapar.

Mas o longo corredor e o eco produzido dentro dele o enganou. Quando atingiu a caverna onde se achava o monstro do esqueleto, era somente Hoax que estava com ele. Dos outros oito cientistas não havia nenhum sinal.

— Olhe ali! — disse Hoax, ofegante e exausto, apoiando-se na parede. — A máquina! Que aconteceu com ela?

Borowski ficou olhando para o mecanismo que estava ainda perto do sáurio gigante. Ouviam um zumbido bem forte, que periodicamente aumentava e diminuía. O chão da caverna trepidava e o metal do bloco mudara completamente de cor, passando agora para um rosa incandescente. Só então foi que Borowski e Hoax perceberam como estava quente ali.

— O negócio pode explodir a qualquer momento. Não podemos deixar os outros abandonados à própria sorte...

— Nenhum deles está vivo, tenente — interrompeu-o Hoax. — Eu vi quando as larvas os atingiram. Horrível. Isto é um planeta ou é o inferno?

— Schonepal tinha receio disso e apesar de tudo não se evitou a catástrofe. Mas ele não tem culpa nenhuma. Queria só saber se há alguma relação entre os tremores de terra, o súbito funcionamento da máquina e o surgimento dos animaizinhos dos ovos.

— Não podemos ficar mais tempo aqui, tenente. Estes bichinhos terríveis logo chegarão.

Havia determinação nos traços fisionômicos de Borowski, quando tirou do cinturão a pistola energética.

— Vamos ver se resistem à energia pura. Não vamos nos entregar assim tão facilmente.

A muito custo deixou-se convencer por Hoax a tomar uma posição que possibilitasse a fuga imediata.

Depois esperaram um pouco.

Primeiro não ouviram outra coisa fora do zumbido da máquina. Depois, foi um sussurro que vinha de longe e se aproximava rápido. Começaram a chegar os primeiros animaizinhos na entrada da caverna.

— Saltam como gafanhotos — disse Hoax, branco como cera. — Pelo menos cinco metros. Curvam o corpo, disparam para qualquer direção e o galeio é tão forte que parecem voar.

— Apenas não são gafanhotos, de nenhuma espécie, mas coisa muito pior — respondeu Borowski em voz baixa. — Infelizmente, estes falsos gafanhotos estarão em breve ameaçando toda a Galáxia. Gafanhotos do diabo!

Os primeiros já estavam a uns trinta metros e em poucos segundos poderiam se aproximar ainda mais. Borowski sacou a arma, fez boa pontaria e atirou. Pelo menos vinte deles foram atingidos pelo feixe de raios. Ficaram expostos, por alguns instantes, à luz brilhante dos tremendos raios térmicos que dariam para derreter qualquer bloco do mais duro aço... Mas não os “gafanhotos do diabo”, que logo depois recomeçaram o ataque!

Borowski soltou um grito abafado, deixando a arma cair no chão.

— Isto é uma coisa impossível, diabólica mesmo — gritou ele virando-se para trás para começar a fugir.

Hoax ainda esperou um pouco mais, constatando que o fogo de sua arma não conseguia nada. Ou os malditos bichinhos tinham uma resistência praticamente infinita ou possuíam qualquer qualidade capaz de afastar ou de transformar qualquer energia que os atingisse.

Enquanto refletia sobre isto, aconteceu o inesperado. Os terríveis “gafanhotos do diabo” estacaram, como se tivessem recebido uma ordem superior. Ficaram imobilizados com as irradiações da máquina incandescente. Hoax os podia ver com nitidez devido à luz roxa que refletiam.

O estreitamento no meio do corpo havia se acentuado, enquanto que a parte traseira estava se modificando. Hoax tinha a impressão de que, logo abaixo do estreitamento, se formava uma nova cabeça. Em circunstâncias normais, o fenômeno lhe teria interessado muito, mas agora só lhe causava medo. Foi tomado por um pensamento terrível, mas tentou esquecê-lo.

Mas o que não seria possível com estes diabólicos bichinhos?

Borowski era biólogo, podia lhe prestar esclarecimentos, mas já estava muito longe dele.

Hoax era um rapaz de bom senso e sabia que de suas observações poderia depender a salvação de muitas vidas. Se isto que estava surgindo agora fosse realidade, então as leis da Natureza estavam de cabeça para baixo.

Os “gafanhotos do diabo” mantinham-se ainda passivos, parados. Embora parecessem independentes uns dos outros, obedeciam no entanto a um comandante invisível. Seria à máquina incandescente?

Hoax apanhou a pistola de raios energéticos e regulou seu feixe para o mais concentrado possível. O jato de raios agora não tinha mais que centímetro e meio, emitindo, assim, uma tremenda descarga. Onde quer que batesse, haveria de dissolver na hora mesmo um bloco de arconídio.

Apontou para o bichinho mais próximo e apertou o gatilho. Foi uma sensação de alívio quando viu que fora destruído.

Havia, pois, um meio de aniquilar o terrível inimigo, se bem que, com uma só pistola assim regulada, não se poderia enfrentar dez ou mil atacantes. Podia-se matar apenas alguns exemplares.

De qualquer forma, era um raio de esperança, que no entanto logo se eclipsou, quando o impossível aconteceu!

Entrementes, o estreitamento do corpo dos animaizinhos se reduzira a tal ponto, que eles praticamente estavam separados em duas partes. O “gafanhoto do diabo” se dividirá, como se divide e... se multiplica uma célula! Um animal se transformava agora em dois! E mil se transformariam em dois mil! Em pouco tempo, seriam milhões...

Hoax esqueceu seu sucesso parcial e se pôs em fuga. Sabia que não existia mais salvação, caso não chegasse a tempo à Explorer.

 

Borowski já atingira a salda dos labirintos. O local, onde ficara Buddy com a viatura anfíbia, estava vazio.

No primeiro instante, o biólogo pensou ter se enganado, saindo da caverna por outro caminho, mas viu logo os rastros da esteira de tração bem nítidos na areia. Mostravam que Buddy Crack dera uma volta e regressara ou pelo menos tomara o rumo da nave.

Borowski perdeu um minuto inteiro, antes de ter a idéia luminosa de ligar seu minúsculo rádio de pulso. Do pequeno alto-falante ouviu uma babel de vozes que não conseguiu logo distinguir. Todos falavam ao mesmo tempo e cada um tinha coisa mais importante para contar.

Borowski chegou à conclusão de que a situação caminhava para o pânico. Não compreendia o que se passava dentro da espaçonave, pois ninguém ainda sabia da terrível realidade das larvas peçonhentas, da grande desgraça que ainda estava para vir, partindo das cavernas. Hoax não teve mais oportunidade de dar o alarma. Por que será que Crack fugira? Ali fora ainda não se viam os horríveis filhotinhos não se sabe bem de quê.

Ligou para transmissão e chamou a Explorer-3218. Depois, a recepção. Ninguém se importou com ele. Devia ter acontecido algo de muito grave que podia causar desordem e indisciplina. Quem sabe tinha alguma coisa que ver com o desaparecimento de Crack, que certamente não deixaria o posto sem causa urgentíssima? Pelo pequeno aparelho de pulso se notava que o vozerio geral se acalmara um pouco e já se podia ouvir também a voz do Comandante Schonepal. Ordenava que todos deviam sair da espaçonave já que era necessário decolar, o que aliás não deixava de ser uma coisa totalmente maluca. Se a Explorer devia decolar, então todos deviam estar a bordo e não o contrário.

Borowski achou a chave do enigma segundos mais tarde, quando conseguiu entrar em contato com Schonepal. Antes que pudesse relatar ao comandante suas espantosas descobertas, foi informado por ele de que as duas dúzias de “vagens” haviam saído do ovo e que os terríveis animaizinhos estavam começando a devorar a espaçonave. Pelo menos trinta homens da tripulação tinham sucumbido ao tentar fugir loucamente da nave. Os bichinhos começaram primeiro se multiplicando, pelo simples processo da divisão da célula.

Era realmente uma novidade para Borowski. Podia imaginar que a esta altura já havia na espaçonave vários milhares de filhotinhos.

— Eles estão atrás de mim — gritou no microfone. — Crack já foi embora. Que devo fazer? De todo o grupo, só sobrou, além de mim, o pobre do Hoax.

— Vamos buscá-los, assim que colocarmos em segurança os sobreviventes. Conseguimos retirar da nave alguns flutua-dores e naves auxiliares. Estão por enquanto circulando no ar para que os animaizinhos não os ataquem. Espere um pouco aí.

Borowski queria ainda dizer que não tinha mais tempo para esperar, mas não chegou a fazê-lo, pois começou de novo o vozerio nervoso. Além disso, estava chegando naquele momento, correndo para fora da montanha, seu único sobrevivente: Hoax. Atirava feito um doido com sua pistola.

— Podemos matá-los, Borowski... Mas os desgraçados se multiplicam pela divisão celular, como as amebas!

— Sei disso.

E em poucas palavras, resumiu para seu colega os acontecimentos na Explorer e depois perguntou:

— O que você está dizendo? Que a gente os pode matar?

— Sim, regulando-se o jato de raios bem fino. Mas que adianta isto contra esta multidão que a cada momento aumenta mais? Temos que sair daqui. Logo logo vão alcançar as saídas da montanha.

Borowski olhou em volta.

— Estão chegando mesmo, olhe ali. Saem aos milhares dos túneis da rocha e pulam quase cinco metros. Qualquer fuga é inútil. Se Schonepal não nos apanhar logo, estamos perdidos.

Hoax apontou para os íngremes paredões da montanha:

— Temos que ir para lá, pois na pedra lisa os bichinhos não conseguem parar. Você jogou fora a arma... Você ainda tem munição aí?

Sem tirar os olhos dos rochedos, Borowski fez que sim. Se demorassem muito, o caminho lhes seria cortado.

— Vamos depressa. Sabe Deus se Schonepal vem mesmo...

Dispararam na direção da montanha, escapando por pouco de um grande grupo de “gafanhotos”, que já haviam chegado ao estágio da segunda ou terceira divisão celular. Cresciam praticamente a olhos vistos, até que alcançassem o tamanho necessário para nova divisão.

Não era fácil escalar a montanha, mas o medo de morrer tocava os homens para cima. Quando estavam já a uns cinqüenta metros acima da planície, atingiram um local onde podiam repousar um pouco. Abaixo deles jazia a planície que se estendia até o mar. No fundo se via com nitidez a Explorer, sobre a qual se moviam pontos escuros: flutuadores e naves auxiliares. Alguns aterrissavam para pegar tripulantes, decolando logo depois. De repente, chegou a viatura anfíbia que parou perto da Explorer e aí ficou.

Borowski estava de ouvido colado no pequeno aparelho de pulso e ouviu que Schonepal deu ordem a Crack que parasse com sua viatura. A explicação foi bem clara:

— Não tem mais sentido, Crack. Os “gafanhotos-do-inferno”, como foram batizados, devoram você e sua viatura. Proteja-se até que o possamos apanhar. Quem sabe você acha um jeito de se abrigar nas montanhas? Tente salvar Borowski e Hoax. A pé, os dois não têm muita chance.

Borowski viu como a viatura anfíbia fez meia-volta e tomou o rumo da montanha. Se mantivesse a mesma direção sempre, cairia na nuvem dos horríveis gafanhotos-do-inferno.

— Alô! Crack! — disse Borowski no seu aparelho. — Está me ouvindo? Responda!

Dezenas de pessoas responderam, menos Buddy Crack. Seguia direto para sua desgraça. Borowski e Hoax viram de seu posto como o anfíbio blindado penetrou na massa dos animais que se arrastavam e pulavam e parou de repente.

— Desgraçado! Por que o rapaz não nos ouve? — gritou Hoax, desesperado.

— Pronto, os gafanhotos-do-inferno já o pegaram. Vai ser o pior para ele. Schonepal disse que os bichinhos destroem até metal.

Crack abriu fogo contra a bicharada. Daquela distância não se via o resultado, mas não podia ser muita coisa, pois, após poucas rajadas de raios energéticos, não houve mais nada. O anfíbio blindado parecia afundar no solo, estando já bem inclinado. Abriu-se, de repente, a porta lateral e um homem pulou e saiu em carreira desabalada.

Mas não chegou muito longe e Borowski e Hoax tiveram que ver, sem poder fazer nada, como Buddy Crack morreu. Levou poucos segundos e tudo acabou. De Crack não se via mais nada. E até a viatura foi tragada! Os gafanhotos-do-inferno se abateram sobre ela e, com seus ácidos inoculados através dos ferrões, reduziram tudo a um pequeno amontoado de massa gelatinosa, que nada tinha de parecido com a valente viatura de lagartas e aço blindado.

— Tomara que eles não nos descubram aqui — murmurou Hoax.

Olhou para a planície. De todas as cavernas saíam nuvens de animaizinhos que cobriam literalmente todo o terreno entre o mar e o rio.

— O rio vai detê-los — disse depois.

— Mesmo que isto aconteça, do outro lado eles também se multiplicam espantosamente. Há um único lugar onde estaríamos a salvo: a ilha no oceano, que descobri no meu primeiro vôo de reconhecimento — explicou Borowski.

— Devemos comunicar isto a Schonepal.

— Ele terá que primeiro nos apanhar. Mais uma vez, Borowski tentou fazer uma ligação para o comandante. Quando afinal o conseguiu, os primeiros gafanhotos já estavam escalando a montanha.

— Schonepal, se em dez minutos não vierem nos buscar, estamos perdidos.

— Neste instante. A Explorer foi abandonada, demos a espaçonave como perdida, mas nos esquecemos de transmitir o pedido de socorro. Os hipertransmissores das naves auxiliares são muito fracos para isto, de pouco alcance. Tenho que enviar um comando de volta à Explorer.

— Seria a morte certa — preveniu Borowski.

— Temos de correr o risco, ou morreremos todos. Imagine só quanto tempo levará até que toda a superfície do planeta se cubra toda com estes gafanhotos-do-inferno.

— Os flutuadores e naves auxiliares podem se manter no ar indefinidamente e podemos mesmo tentar voar para os próximos sistemas.

— Borowski, isto são considerações para as quais teremos tempo depois. Rhodan tem de ser avisado de qualquer maneira. Ninguém poderá mais descer em Zannmalon, a fim de que os terríveis bichinhos não invadam outras regiões da Galáxia. Imagine só o fato de um deles apenas chegar à Terra.

— Mas ninguém vai pensar numa coisa desta, seria o fim, pois da Terra, os bichinhos passariam para toda a Galáxia e teríamos aí uma catástrofe de resultados imprevisíveis...

— Estão subindo aqui para a rocha! — gritou Hoax, apontando para baixo.

Borowski esqueceu Schonepal por um minuto e viu como alguns dos animaizinhos pulavam para o alto e ficavam presos no paredão da rocha. Geralmente no salto seguinte erravam o alvo e caíam de volta no chão. Alguns, porém, mais espertos, faziam saltos maiores, de sete ou oito metros. Viu um que se dividiu durante o salto, surgindo daí um líquido transparente pingando no solo. Ficou ali parado, tomando a coloração de um forte violeta. Os dois filhotinhos recém-nascidos não precisaram de muitos minutos para começarem a agir como os mais velhos, inclusive atacando o rochedo.

Borowski parecia ter acordado de um pesadelo:

— Comandante, restam-nos apenas cinco minutos. Essa praga do inferno começa a devorar o rochedo, dissolvendo-o com seus ácidos. Crescem assustadoramente e se multiplicam seguidamente. Venha nos buscar.

— Mando-lhes um flutuador — prometeu-lhes Schonepal.

Borowski deu um suspiro de mágoa, não por duvidar das intenções do comandante, mas por saber que Schonepal não estava bem seguro e talvez não tivesse meios para cumprir o prometido. Seus cuidados principais se volviam naturalmente para a Explorer, apesar de já condenada, pois era-lhe vital penetrar na central de comando para enviar um hiper-rádio a Perry Rhodan.

O flutuador apareceu de fato em pouco tempo, mas não achava lugar para pousar.

— Aqui fala o Tenente Gabriel, Borowski. Suba mais uns sessenta metros, ali há um trecho plano onde podemos descer. Consegue fazer isto?

— Temos de conseguir, não é? Quem é que está com você aí?

— Miss Peggins e Nordmann. Além deles, o Dr. Lazarus e mais três.

— Então somos oito. Há ainda espaço para mais?

— Infelizmente, não. Suba logo, os gafanhotos-do-inferno estão logo atrás de você.

Hoax já estava subindo. Achava sempre uma saliência, onde se segurava para puxar o corpo. Não ia muito rápido, mas, de qualquer modo, mais depressa que os animaizinhos, que caíam freqüentemente, quando em seus saltos não encontravam apoio na rocha íngreme. Borowski vinha logo depois de Hoax e acima deles flutuava o aparelho. Gabriel lhes dava instruções, indicando-lhes melhores pontos de subida. Depois de quinze minutos de apreensão, atingiram o platô. O flutuador já havia pousado e os recebeu, partindo imediatamente. Em vôo rasante atravessaram a planície, rumo ao rio.

Lá embaixo, sucediam-se as nuvens dos insetos, formando uma massa pardacenta nas margens do rio. Devoravam tudo, não apenas a tênue vegetação, mas até os blocos de pedra e as dunas de areia. Atrás deles sobrava somente a camada viscosa e os casulos da separação celular, que refletiam melhor a luz do sol.

Por sobre a Explorer-3218, circunvoavam flutuadores e naves auxiliares, como um bando de aves assustadas. Aos poucos, se restabeleceu a normalidade nas comunicações de rádio. Schonepal emitiu um comunicado proibindo qualquer ligação, a não ser em caso de emergência.

Uma nave auxiliar com quarenta pessoas se prontificou para entrar na Explorer, a fim de transmitir da central de comando o hiper-rádio que devia pôr Rhodan a par dos acontecimentos. Mentalmente, Borowski estava vendo os quarenta voluntários, enquanto ouvia seu microrrádio. Estava convencido de que nenhum deles escaparia dos gafanhotos assassinos.

O flutuador subiu mais para ter melhor visão. O grande volume dos insetos das cavernas da montanha se concentrara na margem do caudaloso rio. Dava a impressão de que nutriam verdadeira fobia pela água. Os terranos, aparentemente, gozavam dos quinze minutos felizes que antecedem a morte, pois não levaria mais muito tempo até que os vinte casulos, deixados na Explorer, reproduzissem um exército de cem mil atacantes supersanguinários.

Lá embaixo, aterrisou a nave auxiliar com os intrépidos voluntários — ou melhor, suicidas — que se apresentaram para penetrar no inferno.

 

O Tenente Higgins estava lívido como um cadáver, quando o sargento Darelle pousou a nave de emergência.

— Fechar os trajes espaciais! — ordenou à sua gente.

Estava contente por não ter nenhuma mulher em sua tripulação, o que dificultaria muito suas decisões. Nestas últimas horas, desde o início da catástrofe, compreendera muito bem qual era a sorte que os esperava, caso não viesse auxílio de fora. E auxílio que não demorasse... Teve que pensar na velha história do tabuleiro de xadrez. Um grão de trigo na primeira casa, dois na segunda, quatro na terceira, e oito na quarta. Com a divisão de células dos gafanhotos, o negócio não era diferente. Se os casulos da nave se tivessem separado sessenta e quatro vezes, existia tanto deles que quase não caberiam no planeta Zannmalon.

Já haviam se multiplicado cinco vezes e... continuavam se multiplicando cada vez mais.

— Abra a escotilha de descida, Darelle. O ar lá fora não estava tão agradavelmente fresco como no dia anterior. Estava mais denso, picante mesmo, como que saturado de aspersões de ácidos.

— Um animalzinho desgarrado é fácil de ser destruído, usando-se a pistola com o menor feixe de raios possível. Prestem atenção nisto. O melhor será que entre somente um na central de comando, enquanto nós procuraremos afastar os outros desgraçados gafanhotos. Tem de ser assim. Mesmo que os animaizinhos estejam em superioridade, pode-se obter um equilíbrio por pouco tempo. Dentro de dez minutos, temos de estar de volta à nave auxiliar e partir imediatamente.

— O que será se os desgraçados, enquanto isto, atacarem a pequena nave?

— É o risco que temos que correr. Tudo pronto?

Externamente, a Explorer não alterara nada, pois os gafanhotos-do-inferno não haviam ainda passado para o lado de fora. Talvez acharam dentro da nave alimento suficiente. Todas as escotilhas do grande cruzador esférico estavam escancaradas, pois ninguém se lembrara de fechá-las na hora da fuga, do pânico. Este fato iria ajudar muito o trabalho do comando de ação.

— Permanecer juntos! — foi a ordem de Higgins, e começou a correr.

Os demais o seguiram, sem pestanejar, de armas em punho, prontos para abrir fogo. Todas as pistolas estavam reguladas para jato concentrado. Encontraram um gafanhoto na escotilha de carga, no processo de divisão de células. Higgins mesmo o destruiu com sua arma, fato este que impressionou visivelmente seus colegas e os tranqüilizou.

— Vocês vão me dar cobertura! — exclamou Darelle, passando correndo ao lado de Higgins. — Afinal sou eu o especialista em radiotelegrafia, tudo vai depender de segundos.

Higgins não discordou, mas seguiu Darelle a uma distância de poucos metros, atento à chegada do inimigo. Mas até então nada acontecera.

O mau cheiro já estava insuportável, primeiro devido aos ácidos e depois aumentando ainda mais com a morrinha da secreção dos nojentos gafanhotos.

Chegaram ao primeiro recinto onde estiveram os bichinhos. Uma parede toda não existia mais e as peças metálicas jaziam quebradas, no meio daquela gosma malcheirosa que empesteava toda a nave. Tudo isto formava uma massa pegajosa que endurecera de tal modo a formar algo praticamente indestrutível, nem mesmo usando os terríveis raios térmicos, como se comprovou mais tarde, se conseguia algo. Todos os armários desapareceram. Os sinais da passagem do flagelo estavam à vista na parede do lado oposto, perdendo-se pela nave a dentro.

Um dos bichinhos se escondera e veio se arrastando por uma fresta. Higgins o viu muito tarde, antes que tivesse tempo de alertar ou de fazer um disparo, o gafanhoto se curvou todo e disparou contra um dos homens. Na mesma hora saiu de sua boca o jato fino dos ácidos, quase pulverizado, pousando o animalzinho no traje espacial de sua vítima, que não pode mais reagir. O uniforme, confeccionado de material resistente ao fogo, começou a se dissolver na mesma hora. Quem o vestia já estava morto, antes mesmo de compreender o que se passava. Caiu no chão e em poucos segundos fazia parte da gosma nojenta que já cobria o soalho. O inseto assassino caiu com ele e Higgins o fuzilou no mesmo instante.

Quarenta homens não foram bastante para liquidar rapidamente com um único inseto. Os atacantes já contavam com uma vitória.

— Não podemos nos deter — a voz de Darelle soava comprimida e chocada ao mesmo tempo. — A cabina de rádio fica dois andares para cima. Quem vai comigo?

Todos foram juntos.

Em vez de subir pelos elevadores, tiveram que pegar as escadas de emergência, pois o fornecimento de energia da Explorer estava danificado pelos gafanhotos atacantes. Mas nos elevadores e nas escadas não havia vermes. Sem nenhum problema, Darelle, Higgins e os outros atingiram a sala de rádio. Havia energia suficiente nas baterias, suficiente para alimentar o hiper-transmissor por meia hora, ou mais.

— Vou fazer o pré-aquecimento — disse Darelle, dando um sinal, para Higgins. — Você encontra ali o gravador, tenente. Passe para a fita uma pequena mensagem, não demore mais do que um minuto. Deve conter o essencial, não podendo ser muito longa, pois tem de ser repetida muitas vezes. Assim teremos a garantia de que alguém vai ouvi-la integralmente. Assim que o automático começar a transmitir a mensagem gravada, podemos nos retirar. Ela será repetida por mais ou menos meia hora. É claro que não podemos esperar pela confirmação da recepção, o que aliás poderia levar muitas horas.

Vinte homens patrulhavam rigorosamente os corredores vizinhos para anular um ataque de surpresa. Ninguém sabia até então o grau de inteligência dos pequenos seres, se agiam de acordo com determinada tática. Sabia-se apenas que eram altamente perigosos e muito difícil de serem exterminados. Naturalmente, todos já sabiam também de sua fantástica velocidade de reprodução...

Enquanto Darelle punha em funcionamento o transmissor, Higgins gravava a mensagem. Falou da aterrissagem em Zannmalon, deu com exatidão a posição galáctica do sistema e descreveu o encontro com os gafanhotos peçonhentos e com o esqueleto. Para isto gastou meio minuto. Os restantes trinta segundos, usou-os para falar do grande perigo a que estavam expostos, pedindo o envio imediato de uma astronave de salvamento. Antes da aterrissagem, teriam que entrar em contato com os sobreviventes da Explorer-3218. Deviam também colocar Perry Rhodan a par de tudo.

Darelle acoplou os dois aparelhos e ligou o transmissor. Somente depois de conferir a transmissão normal, foi que recomendou que saíssem rapidamente da Explorer.

Mas, infelizmente, por alguns segundos tarde demais...

Os gafanhotos-do-inferno deviam ter farejado os “intrusos”. Os postos avançados do comando descobriram de repente que os corredores, que levavam para as escotilhas e para os depósitos, estavam cobertos por um tapete roxo, que se movia lentamente.

Somente quando encontravam um obstáculo ou quando eram atacados, os gafanhotos saltavam.

Higgins olhou horrorizado para os corredores.

— Se todos nós abrirmos fogo ao mesmo tempo e tivermos boa pontaria, podemos conseguir passagem — falou e pegou a arma. — Vai aumentar muito o calor, mas temos que agüentar e assim que abrirmos uma trilha temos que passar depressa. Ninguém poderá parar. Por mais penoso que me seja, tenho que proibir que alguém se atrase a fim de socorrer um colega ferido, pois ambos acabariam mortos.

Todos se entreolharam sem dizer uma palavra, tendo que dar razão ao chefe do comando.

Abriram fogo simultâneo contra o exército da morte.

O ataque foi detido. Sob o fogo concentrado dos raios térmicos, os insetos atingidos se transformavam numa matéria insignificante. Via-se também a gosma transparente que parecia resistir ao fogo cerrado. Apenas endurecia.

Os outros bichinhos tentavam atravessar a camada cintilante mas eram atingidos facilmente pelo fogo ininterrupto, aumentando cada vez mais o acúmulo dos gafanhotos calcinados. Em breve chegaria o momento em que o corredor entupido não daria mais passagem.

— Estamos promovendo, nós mesmos, a impossibilidade de fugirmos — disse Higgins horrorizado, percebendo a gravidade da situação. — Temos que forçar passagem e correr o risco de os desgraçados gafanhotos serem mais rápidos no ataque que nós na fuga. Vamos tentar atravessar um depois do outro. Vamos, Darelle, corra!

O radiotelegrafista fez um gesto com a cabeça. Seus lábios estavam tão comprimidos que pareciam uma linha quase imperceptível. Os ossos faciais pareciam mais salientes, quando se decidiu. Em grandes saltos, se precipitou de encontro ao inimigo, para dentro da densa nuvem cinzenta, sem dar quase tempo de os pés tocarem o chão. Conhecia esta parte da astronave como a palma da mão e encontraria o caminho mesmo de olhos vendados, se bem que no momento faltassem algumas paredes e todos os armários. Não foi, pois, de estranhar que, por segundos, chegou a perder a direção. Conseguiu superar a barragem dos insetos mortíferos. Mas, ao se deparar com um corredor, viu que não estava sozinho...

Mais ao longe, ouviu gritos e pedidos de socorro. O ruído dos disparos das armas enchiam o ambiente e uma lufada de ar tremendamente quente passou por ele.

— Higgins, Tenente Higgins, estou aqui, venha para cá.

Esperou pela resposta que não veio.

Em oposição às instruções do tenente, arrastou-se cauteloso para trás. Era totalmente contra seus princípios deixar os colegas em apuro. Ao encontrar os primeiros insetos, não perdeu a calma, caprichou na pontaria e os matou um depois do outro. Já que eram exemplares avulsos, não teve dificuldade. Antes, porém, de prosseguir, meteu mais um pente de munição na arma.

Só depois de algum tempo foi que percebeu ter pegado caminho errado. As paredes que não existiam mais e os restos de móveis destruídos o enganaram. Não podia mais dizer em que direção estava a central de comando. Não sabia simplesmente onde estava...

— Higgins! — gritou com toda força.

Só o eco lhe voltou aos ouvidos e na sua solidão escutava apenas o chiado leve nos metais. O exército da morte vinha ao seu encontro, os malditos o descobriram. Mas Darelle não entregava os pontos assim tão depressa. Tinha de desviar a falange destruidora do hipertransmissor, mesmo que lhe custasse a própria vida. Esperou até que a primeira onda se aproximasse e abriu fogo. Matou uns duzentos insetos, quando então acabou sua munição e teve que recarregar a arma. Mas percebeu que estaria perdido se não recuasse. Correu para a direita, fez uma curva e postou-se à retaguarda do inimigo, sabendo agora onde estava e sabendo também o que significavam as trinta ou quarenta saliências no piso da nave, imóveis na frente dele.

Ao que tudo indicava, era ele o único sobrevivente do comando da morte. O pânico também o acometeu. Agora que seu esforço para salvar os colegas se tornava inútil, seu sangue-frio diminuiu. A morte dos colegas o atingiu profundamente, muito mais do que poderia imaginar. Virou-se e correu sem rumo para o centro da nave.

A princípio não se deparou com o flagelo, se bem que suas pegadas estavam por toda parte. Todas as máquinas, armários e demais objetos tinham uma camada de uma gelatina transparente, enquanto as paredes estavam quase todas carcomidas e parcialmente destruídas, às vezes desaparecidas por inteiro, principalmente onde não eram de arconídio. Uma vez, teve que se desviar de uma nuvem deles, ocupados em corroer a Explorer. De um ponto mais seguro, observava o espetáculo desconcertante da destruição e compreendeu que não havia mais salvação para ele, caso não conseguisse sair imediatamente.

O caminho para a escotilha inferior de carga estava obstruído e, onde estava, o inimigo era numeroso demais. Não viu outra alternativa a não ser galgar os pisos mais altos da Explorer. Sabia que os grandes laboratórios estavam no setor equatorial da nave e que, se os vermes destruidores haviam preferido a parte inferior, a outra parte da esfera devia estar menos infestada. Foi esta conclusão lógica que lhe salvou a vida.

Chegou até a sala de rádio que ainda trabalhava e, sem se deter, continuou, pegou o elevador e subiu. Não houve nenhuma dificuldade, a não ser três gafanhotos extraviados. Matou-os exatamente quando estavam se multiplicando.

Depois, ouviu passos. Parou, petrificado, aguçando os ouvidos. Não restava dúvida: ainda não estava sozinho na Explorer. Foi caminhando para frente, rumo aos laboratórios, com toda cautela. Ali também se localizavam os observatórios astronômicos que terminavam por uma clarabóia, através da qual se podia chegar à extremidade norte da nave, mesmo durante o vôo. Num caso destes, seria uma ótima saída de emergência. O outro devia estar agindo guiado pelo mesmo pensamento.

Darelle sacou a arma e ficou parado ao ouvir ruído bem perto. Alguém pigarreara. Será que alguém permanecera na Explorer?

Darelle achou que estava sendo tolo e entrou com coragem.

No meio do observatório estava o Dr. Mährlich, olhando diretamente para ele.

— É você, Darelle?

— Meu Deus, Mährlich, você está vivo, que bom! Que houve com os outros?

O médico fez um gesto indeciso.

— Mortos, Darelle, correram para a morte. Conseguiram atravessar o cerco inimigo, porque as larvas foram tomadas de surpresa. Mas já era tarde, morreram todos. Eu era o último da fila e recuei. Até agora não sei como consegui fugir. Falando francamente, não me sinto muito feliz com isto.

— Que loucura, doutor! Estamos vivos e temos de fazer tudo para continuarmos vivos. Aos nossos colegas não podemos mais ajudar.

— Talvez você tenha razão. E que devemos fazer para nos salvar?

Darelle respirava mais calmo. O pior já havia passado.

— Mais para cima há uma saída de emergência. Se conseguirmos chegar até lá resolvemos o problema, pelo menos cinqüenta por cento.

O mais rápido que puderam, tomaram o último elevador e chegaram à clarabóia. A escotilha externa se podia abrir manualmente sem maior dificuldade. Segundos depois, estavam no pólo norte da Explorer, duzentos metros acima do solo desértico de Zannmalon.

Darelle ligou o microrrádio de pulso e Schonepal respondeu de imediato.

— Posso vê-los; identifiquem-se.

— Sargento Darelle e Dr. Mährlich. Somos os únicos sobreviventes. A mensagem via hiper-rádio continua sendo transmitida.

Houve um silêncio angustiante.

— Os outros... mortos?

— Desgraçadamente, senhor. Nós dois escapamos dos gafanhotos infames por mero acaso. Infelizmente, nada pudemos fazer para salvar os colegas.

— Como está a Explorer?

Darelle descreveu em poucas palavras o caótico estado da nave, pedindo depois que fossem apanhados.

Schonepal procurou saber se num dos flutuadores havia lugar para mais duas pessoas. Infelizmente estavam todos superlotados. Finalmente um dos pilotos de uma nave auxiliar se declarou disposto a acolher pelo menos um dos sobreviventes, se possível o médico, que no momento era mais vital.

Darelle trincou os dentes quando percebeu que só Mährlich podia ser recebido na pequena nave de emergência, mas compreendeu que tinha de esperar. Segundos depois, aterrissou um flutuador na Explorer e quando a escotilha foi aberta, apareceu a cabeça do Tenente Gabriel.

— Ouvi dizer que o senhor não é apenas um ótimo radiotelegrafista, mas também o bom piloto, sargento. Queira entrar, por favor. Precisamos de um piloto.

Darelle deu a última olhadela para a carcaça cintilante a seus pés, agradeceu as palavras de Gabriel e viu então, a uns cinqüenta metros dele, na carcaça da nave em destruição, o primeiro inseto que surgia. Descobriram o caminho por onde fugiram os dois últimos sobreviventes.

Entrou rapidamente no flutuador, a porta se fechou e os raios antigravitacionais elevaram o aparelho. O inseto se aproximara, mas seu pulo não fora suficiente, caindo de novo na carcaça da nave.

Darelle substituiu Gabriel e tocou o aparelho mais para o alto. Minutos depois, ouviu-se a voz de Schonepal:

— Darelle, quero agora seu relatório mais detalhado. Quanto tempo você acha que o transmissor vai funcionar antes que os insetos o destruam?

— É difícil dizer, comandante — respondeu Darelle, passando a falar do que ocorreu.

Sentiu então uma estranha sensação e sua voz tremia quando relembrou a morte de seus colegas e concluiu:

— A nave está uma coisa horrível, dando a impressão de destruição. Os insetos cobrem tudo com seus ácidos e depois vem a destruição, segregando também uma substância esquisita. Até mesmo na separação das células, produzem esta substância gosmenta que se torna incrivelmente rígida assim que esfria. Acho que dentro de pouco tempo não sobrará mais nada da Explorer. Mas a mensagem continua sendo transmitida e alguém haverá de ouvi-la.

— É o que esperamos. Você acha que os aparelhos de recepção nos flutuadores e nas naves auxiliares são suficientemente fortes para captarem a resposta?

— Com toda certeza, senhor. Infelizmente, porém, não podemos responder, se passar de uma certa distância. E isto certamente acontecerá, pois estamos num canto muito afastado do braço espiralado da Galáxia.

— Rhodan haverá de nos ajudar — concluiu Schonepal.

Houve uma longa pausa, após o que se ouviu um grito estridente, vinha do alto-falante, e todos o ouviram. Depois, mais gritos, seguidos de estampidos das armas. Schonepal tentou em vão saber de que nave vinha aquele ruído todo. Não recebeu nenhuma resposta esclarecedora. Darelle entrou na faixa da onda:

— É o transmissor de uma nave auxiliar, senhor; já que operamos todos com a mesma faixa de ondas, não é possível uma identificação rápida.

As vozes ficaram mais nítidas e agora já dava para se entender. Alguém dizia:

— Aqui fala a nave auxiliar Ex-3218, Tenente Nogat. As larvas estão a bordo. Algumas devem ter se escondido no depósito de carga, multiplicaram-se e agora são algumas centenas. Conseguimos detê-las e mesmo matar quase a metade. O resto está preso no próprio depósito. Que devemos fazer?

Schonepal estava indeciso, mas havia só uma solução.

— Desça, Tenente Nogat. Faça uma aterrissagem num lugar seguro.

— Aterrissar? Por quê?

— Porque vocês, de qualquer maneira, vão cair dentro de alguns minutos. Não se pode prender estes gafanhotos-do-inferno, eles vão atacá-los e destruir toda a nave. Desçam e procurem se proteger. Não podemos mais abrigar ninguém nos flutuadores ou nas naves auxiliares, estão todos superlotados.

— O senhor está nos condenando à morte...

— Não diga uma loucura desta! Eu não posso é expor todos os sobreviventes à morte certa. Desça, antes que os insetos devorem toda a nave auxiliar. Você ainda terá boa chance se chegar a tempo ao hangar. Lá há muitos flutuadores e naves de emergência e talvez estejam livres dos malditos destruidores. Compreendeu? Não os podemos ajudar diretamente, só vocês o podem fazer, mas o mais depressa possível. O Tenente Borowski estava sentado na frente ao lado de Gabriel. Apontou para alguma coisa na frente.

— Lá embaixo! É a nave de Nogat. Coitado do rapaz!

O belo aparelho salva-vidas, com seus vinte metros de comprimento, descia como uma pedra, aterrissando um tanto desajeitado a menos de duzentos metros da astronave de exploração. Abriu-se a escotilha. Homens e mulheres saltaram apressadamente e correram na direção da Explorer.

— Não vão conseguir mais nada — murmurou Darelle. — Os insetos a esta hora já devem ter penetrado até os hangares e mesmo que tirem um aparelho dali, estará logo contaminado, pois um único inseto, não sendo destruído na hora, basta para destruir tudo com sua multiplicação espantosamente rápida.

Ninguém fez comentário algum, olhando todos, desesperados, para a superfície do planeta infernal. Eram ao todo sessenta homens que corriam para a grande espaçonave. Seu objetivo era a grande escotilha de carga. Não estavam se preocupando com o que se passava a cem metros deles. Quem sabe, nem podiam ver...?

A estibordo da grande espaçonave, caiu de repente um bom pedaço da carcaça. Da grande abertura irrompeu uma onda roxa-azulada dos insetos destruidores, precipitando-se no chão. Atacavam em diversos rumos, formando um tapete móvel, um tapete do horror e da destruição. Foram estas três ou quatro linhas de ataque que barraram a retirada dos sessenta desesperados. Isto, porém, não teria maior importância, se conseguissem decolar logo numa outra nave auxiliar.

Infelizmente não conseguiram. Lá de cima não se podia mais acompanhar os acontecimentos com exatidão, pois os fugitivos já haviam atingido os portões dos hangares, desaparecendo dentro da Explorer. Podia-se apenas supor o que estava acontecendo.

O Tenente Nogat, com sua gente, chegou ao hangar. A princípio dava a impressão de que os insetos não tinham ainda chegado até ali. As naves auxiliares e os flutuadores estavam intactos nos trilhos de decolagem, prontos para entrar em ação. Nogat indicou a primeira nave da frente e se arredou um pouco para permitir a entrada dos seus sessenta homens. Esperou paciente até que todos estivessem acomodados no aparelho, para depois entrar ele mesmo, fechando a escotilha da nave auxiliar.

Foi neste momento que surgiram os insetos, vindo de todas as direções e atacando o aparelho que já estava com o motor ligado. Com os minúsculos pés, grudavam-se nas chapas metálicas, iniciando o trabalho de destruição. Outras nuvens de insetos atacavam os demais aparelhos ali estacionados.

Nogat chegara com alguns segundos de atraso. A pequena nave conseguiu decolar e saiu pela escotilha de carga, atingindo mesmo boa altura, mas a desgraça era inevitável.

O sargento Darelle apontou novamente para frente.

— Os coitados estão perdidos, olhem só. Os desgraçados insetos estão conseguindo destruir a carcaça externa e penetram aos montões na nave. Não vão agüentar mais três minutos.

Quando os gritos de socorro e o vozerio alucinante diante da morte se fizeram ouvir, Darelle desligou o receptor. Silêncio angustiante, silêncio da morte. O aparelho do infeliz Nogat não subiu mais, o vôo ficou incerto e começou a cair, como um bloco de pedra, verticalmente de encontro ao solo. Os insetos deviam ter destruído de repente qualquer peça vital da tração.

Ouviu-se o estrondo do baque contra o solo, bem no centro do tapete roxo-azulado dos vorazes animaizinhos, como que preparados para a fácil vitória. Em todos os receptores, cessaram os gritos e gemidos dos condenados à morte.

Mais uma vitória do inimigo imbatível e não seria a última...

 

Quando Borowski tirou a mão dos olhos, a nave auxiliar era apenas uma saliência irregular no solo arenoso e o exército destruidor continuava sua marcha, agora na direção do rio.

Neste meio tempo, a parte externa da Explorer-3218 já não era a mesma. Os apoios telescópicos foram carcomidos e a pesada esfera começou a afundar no chão, pois os reguladores antigravitacionais não estavam mais funcionando e o peso da nave era demasiado para o tipo do solo. Ao mesmo tempo, era visível a transformação na carcaça de aço, atacada por milhares de insetos, que a borrifavam com os ácidos destruidores que os químicos denominaram de “ácidos do horror”. Lento, mas inexorável, continuava o processo da destruição da soberba Explorer-3218, reduzindo-a a um montão de pedaços de metal recobertos pela gosma, que logo se transformava numa crosta de incrível dureza.

E o que foi uma nave de muitos anos de bons serviços para o bem da Humanidade, tinha no máximo agora cinqüenta metros de altura.

E o flagelo do planeta Zannmalon saiu à procura de novo alimento. E os dois grandes exércitos se encontraram em frente ao rio..

Acima deles, em compasso de espera angustiante, circunvoavam três naves auxiliares e cinco flutuadores, superlotados de sobreviventes. Uma chamada nominal confirmou que dos quatrocentos homens e mulheres da tripulação, pelo menos cento e cinqüenta tinham pago com a vida a exploração do estranho planeta.

Os sobreviventes esperavam pelo que viria. A água seria uma barreira para os insetos? Disso dependeriam os próximos acontecimentos.

Os dois distintos borrões arroxeados lá embaixo se detiveram por um instante. Mas a pressão da retaguarda era forte demais e as camadas da frente não a suportaram. Milhares de insetos caíram nas mansas águas do rio. Não afundavam mas se deixavam levar pela correnteza para o mar próximo. Começaram novamente a saltar, utilizando-se da mesma técnica de antes, em terra firme: curvavam-se ao máximo e saltavam. O bom galeio lhes dava um avanço de cinco metros em média. Mergulhavam e vinham logo à tona para pular novamente. Alcançaram assim a margem oposta, deixando a superfície do rio coberta por uma camada entre o roxo e o azul. O interessante era que os dois exércitos vindos de margens opostas mudavam de lado instintivamente. Estava mais do que evidente que as duas facções não se entendiam, mas agiam meramente pelo instinto. Não deviam ser, pois, inteligentes.

Centenas e milhares foram arrastados e levados para o mar. Desnorteados e sem rumo certo, os insetos agora estavam seguindo para o sul. Mas não iam muito depressa, pois os refluxos da correnteza os traziam de novo para a margem de partida. Mas não se afogavam.

Schonepal entrou em contato com as outras duas naves auxiliares e com os cinco flutuadores. Assim, houve uma espécie de conferência através do telecomunicador. Capitão McNamara, que dirigia a segunda nave auxiliar, propôs que se procurasse na montanha um local apropriado para aterrissarem. Não podiam ficar indefinidamente acotovelados numa nave apertada. Tenente Borowski, porém, permanecia na sua velha teoria de que somente se estaria seguro numa ilha. Embora os insetos pudessem também chegar até lá, mas isto levaria dias ou mesmo semanas.

O sargento Knüpfl, piloto e comandante da nave que recebera o Dr. Mährlich, era da mesma opinião de Borowski. Achava que a proposta de McNamara de procurar abrigo na montanha não tinha apoio estratégico, pois exatamente na montanha é que estavam as cavernas, onde o perigo seria maior.

A maioria dos pilotos dos flutuadores também se decidiu pela ilha.

— Bem, você conhece sua localização, Borowski — disse finalmente Schonepal.

Assim, estava tomada a decisão. Antes de Borowski pegar o rumo da ilha, examinou bem a planície. Não se conseguia diferenciar bem o rio da planície, pois os raios oblíquos do sol tinham em toda parte um reflexo arroxeado. Dentro de uma hora, cairia o crepúsculo, portanto não podiam perder tempo, se quisessem escolher bom terreno na ilha.

Insetos avulsos eram levados para o oceano, balançando no vaivém das ondas, sem que isto os prejudicasse. Na amplificação da tela frontal, Borowski viu um que se dividia ao meio, sendo que o líquido viscoso que daí se originou, afundou lentamente na água salgada.

A setenta quilômetros ao sul do continente, surgia a ilha banhada pelos últimos raios do sol poente. As planícies já estavam submersas na sombra, enquanto que os picos da montanha ainda recebiam a luz do sol. O diâmetro da ilha quase redonda estava em torno de dois quilômetros. Mais para o sul, havia outras ilhotas.

— A que distância está o continente ao sul? — perguntou Borowski ao comandante.

Não se lembrava mais das medições geográficas que ele mesmo fizera ao circunvoar a região.

— Mais ou menos dois mil quilômetros.

— Então é melhor voarmos um pouco mais para frente. Quanto maior for o afastamento dos continentes, mais prazo teremos. Todas as ilhas são iguais. Depois de duzentos quilômetros encontraram uma ilha bem isolada das demais. Devia ter três quilômetros de comprimento por uns quinhentos metros de largura. O lado norte era de rochas escarpadas, enquanto o sul era uma tranqüila praia. O sol estava exatamente se escondendo no horizonte, quando Schonepal deu ordem de aterrissagem.

Mais uma vez, era Borowski que estava no aparelho:

— Que faremos se aqui também existirem os insetos que se multiplicam a cada hora?

— Olhe bem para baixo — recomendou Schonepal. — Está vendo alguma coisa? Não se vê sinal deles, não é verdade? E você está tão convencido como eu de que, se já estivessem aqui, teriam devorado toda a vegetação da ilha. Tenho a impressão de que estes animaizinhos viveram até hoje só no continente. Quem sabe ainda não conseguiram vencer as águas do mar?

Aterrissaram.

 

Dos quatrocentos tripulantes da Explorer-3218, sobreviveram às terríveis catástrofes do planeta apenas duzentos e vinte e oito. A primeira noite passada na ilha foi cheia de incerteza, pois ninguém sabia o que se passava em torno deles naquela escuridão quase total. Somente quando o sol se levantou no dia seguinte, foi que um vôo de reconhecimento de Borowski constatou não existir nada das larvas ou gafanhotos-do-inferno. Faltava totalmente o brilho arroxeado, característico dos animaizinhos.

Por medida de cautela, Schonepal ordenou que junto de cada nave ou flutuador ficasse um sentinela, a fim de que, em caso de necessidade, pudessem fugir a tempo. Com os meios disponíveis, armaram-se barracas para que os homens tivessem mais lugar. As mulheres foram todas reunidas numa nave auxiliar, onde estariam mais a vontade. Um balanço nos gêneros alimentícios constatou que, em caso de necessidade, poderiam ficar dois meses na ilha, pois havia também ótima água potável de um regato de montanha.

Como primeira medida de segurança geral, Schonepal constituiu uma guarda costeira permanente, revezada de duas em duas horas e à noite auxiliada por possantes faróis. A cada trezentos metros estava um homem de prontidão que não tinha outra coisa que vigiar a não ser o mar. Ao aparecer o primeiro gafanhoto-do-inferno, devia ser dado o alarma. Desta forma havia sempre vinte e cinco homens de serviço, e as pistolas de raios energéticos estariam em condições de destruir os primeiros invasores.

O dia correu sem sobressalto. Todos tinham muito trabalho e não sobrou muito tempo para pensar. Quando chegou a noite todos tinham a sensação de ter feito tudo que era possível para a segurança.

No segundo dia, Schonepal mandou instalar no alto do monte mais elevado um hiper-receptor que devia estar sempre com dois homens. Por precaução havia também um transmissor, cujo alcance, porém, não chegava aos pés do aparelho de recepção. Quem comandava esta estação de rádio era o sargento Hoax. Pelo meio-dia, veio visitá-lo o Tenente Borowski, utilizando-se de um flutuador.

Do alto do morro se descortinava toda a ilha. Não fosse a ameaça dos gafanhotos-do-inferno, que podiam mesmo um dia chegar até aqui, a vida na ilha até que seria agradável. Ao redor era o mar até o perder de vista. Pontos minúsculos ao longe eram outras ilhas. O mar, quase sempre tranqüilo. As repentinas ondulações eram as baleias no seu alegre vaivém.

Mais para baixo, na extremidade sul estavam as barracas e os flutuadores. Mais para dentro repousavam as naves auxiliares. A nave destinada às mulheres estava na outra margem do regato. Havia muitas árvores e vegetação rasteira.

A tripulação, que não se encontrava de serviço, repousava na praia. Os sérios cientistas perderam todo o interesse em fazer pesquisas geológicas ou de outra natureza. Apenas estudaram as condições da água e da praia, constatando que não encerravam perigo para a tripulação. Além disso, o fundo do mar no litoral era quase plano.

Podia-se caminhar quase cem metros antes que a água encobrisse a pessoa.

— A vida assim é mais suave — disse Hoax apontando para a praia. — Quase que nos esquecemos da existência dos insetos destruidores.

— Um dia haverão de encontrar a ilha — disse Borowski, sério. — Até lá teremos uma pausa para descansar. Queira Deus que você receba o quanto antes uma mensagem inteligente. Já ouviu alguma coisa?

— Só coisas que não nos interessam. Pelo jeito, ninguém captou nossa mensagem pedindo socorro.

— Seria o pior. Espero que você esteja enganado.

— Nossos sinais de rádio naturalmente podem ser captados numa distância que supera em muito nosso raio de recepção. Por este motivo não podemos contar com uma confirmação de nosso pedido de socorro.

— Não deixa de ser um bom consolo.

A voz de Borowski tinha um timbre de ironia. Olhava na direção do litoral norte, onde as rochas íngremes avançavam para o mar. Podia-se ver com nitidez cada um dos postos de vigilância.

— Se a água continuar calma, a aproximação dos insetos poderá ser descoberta a tempo. Mesmo daqui de cima. Você tem aqui um bom binóculo?

Hoax lhe entregou o que tinha no posto de rádio e Borowski perscrutou as águas do mar. Devolveu o aparelho, dizendo:

— Até aqui parece haver apenas uma colônia de baleias, mas somente no litoral rochoso, onde o mar é mais fundo. Acho que elas, as baleias, vão nos dar um aviso no momento em que chegarem os insetos.

— Como assim?

— Muito simples. Estou convencido de que a baleia come peixes pequenos, portanto, haverá de considerar os gafanhotos-do-inferno como boa iguaria. Quem sabe vão comer mesmo centenas deles? O que vai acontecer depois é mais do que claro.

— Posso imaginar, mas gostaria de ouvi-lo.

— É o seguinte: uma baleia engole um animalzinho deste, sem saber que está engolindo uma bomba. O inseto haverá de borrifar o interior da baleia com seu veneno, isto é, a sua destruição começa por dentro, pela dissolução dos tecidos internos. Morrerá em pouco tempo. Assim ou afundará ou ficará boiando por aí. Em ambos os casos, nossos homens perceberão e darão o alarma.

— Tomara que isto não seja tarde demais, ao menos para nós.

— Precisamos de meia hora para a decolagem, mas em caso extremo podemos fazê-la até em cinco minutos se tudo correr bem. Enquanto estivermos atentos, nada temos que temer aqui na ilha. Pelo menos, por ora.

— Isto me tranqüiliza de novo — disse Hoax sorrindo e foi para a escuta do hiper-receptor, que emitia alguns ruídos. — São coisas que não nos interessam, infelizmente. Acho que num raio de duzentos anos-luz devem se encontrar unidades da Frota. Alguém deve ter ouvido nosso pedido de socorro. Não estou compreendendo o que se passa.

Borowski ficou ali por mais alguns instantes, depois pegou o flutuador de volta para o acampamento. Botou o calção de banho e foi para a praia. Miss Peggins e o Tenente Gabriel estavam tomando sol na areia. Um pouco mais para frente estava o Professor Nordmann com água até os joelhos, observando o horizonte.

Borowski sentou-se a alguma distância dele e ficou reparando no cosmólogo. O surgimento dos gafanhotos-do-inferno o deixou completamente transtornado. Ele que acreditava conhecer toda possibilidade de vida no planeta, tinha que rever agora suas opiniões. Encontrara um outro tipo de vida que realmente não poderia existir. Vira animais cuja pele era mais resistente que o aço arconídio. Mas... será que os insetos destruidores eram simples animais? Não eram um pouco mais?...

Nordmann reparou na presença de Borowski e saiu da água. Não era mais muito jovem, mas sua figura não denunciava a idade. Pele amorenada. Sentou-se vagarosamente e sorriu.

— Só assim a gente recebe uns feriados inesperados nas praias do sul. Está gostando da vida na ilha, tenente?

— Mais ou menos como o condenado à morte saboreia o último e apetitoso jantar.

— Também sou da mesma opinião. Mas estou pensando agora nos nossos colegas. Nem todos têm a sua e a minha calma, para aceitar as coisas como elas vêm. Tornam-se cada vez mais impacientes, por não haver confirmação da nossa mensagem de alarma. Ficar aborrecido é pior do que estar em perigo.

— Compreendo seu pensamento — fez um gesto na direção de Gabriel e da Senhorita Peggins. — Mas nem todos estão aborrecidos.

O rosto de Borowski se anuviou um pouco.

— Sou obrigado a dar um encargo a senhorita Peggins, ela é minha assistente.

— Foi, tenente! Ou o senhor acha que ainda se pode conservar a antiga disciplina? Deixe Peggins em paz. Se tivesse a juventude de Gabriel, haveria de lhe fazer concorrência.

Borowski se levantou.

— Tenho que falar com o Comandante Schonepal, professor. Queira me desculpar.

Sem esperar resposta, foi saindo. Nordmann ficou olhando para ele com um sorriso nos lábios.

“Não”, pensou ele, “chateados não ficaremos nesta bela ilha...”

Virou-se de bruços para tomar sol nas costas.

 

O flutuador voava no máximo a vinte metros acima do nível do mar, mantendo a direção norte. O sargento Darelle estava à direção e a seu lado se encontrava Borowski, fazendo o papel de observador.

A superfície da água estava lisa como um espelho, sem o menor vestígio de ressaca. Também não soprava vento algum. Nas profundezas geladas nadavam, às vezes, grandes baleias, em grupos ou sozinhas. Era fácil vê-las.

— Estamos a cem quilômetros da ilha — disse Darelle. — E ainda nada!

— Agradeça a Deus por isto, sargento. Aliás, eu não os esperava tão cedo, os insetos destruidores, quero dizer.

À frente surgia uma ilha, não muito grande, mas toda rodeada por rochedos. Só um lado se abria uma praia de areia. Numa enseada ao lado, viam-se as cabeças de baleias fora da água.

— Aqui também! — disse Borowski contente. — Esta ilha está exatamente no meio, entre a nossa e o continente. Teremos que contar com a chegada dos gafanhotos por lá. Quando tal acontecer, ainda teremos mais alguns dias, pois iremos para esta ilha.

— Tomara que o plano dê certo — disse Hoax, céptico.

Rodearam a ilha e depois continuaram o reconhecimento mais ao norte. Somente oitenta quilômetros mais para frente foi que encontraram o primeiro gafanhoto-do-inferno. Borowski levantou os olhos para o mar e disse:

— Se o vento e as correntes marítimas fossem mais favoráveis, teria andado mais depressa. Este é o posto avançado e temos de matá-lo. Não acharemos melhor oportunidade para observar seu comportamento. Não corremos nenhum perigo. Vamos tentar fazê-lo com a arma de bordo.

— Crack não foi feliz na sua experiência.

— Crack estava com sua pistola regulada para grande abertura dos raios e este erro não repetiremos. Raios mais concentrados possível e boa pontaria. Pronto, sargento?

Estavam a uns dez metros sobre o terrível animalzinho que boiava calmo na água mansa do mar, descansando do último salto. Começava já a se escurvar e em poucos minutos seriam dois gafanhotos-do-inferno.

— Tanto melhor — explicou Borowski, o prazer será duplo.

Na sua voz se misturavam o ódio e o desespero. Talvez nunca existiu coisa que Borowski odiasse mais do que os infames vermes do planeta Zannmalon, que para ele seriam o flagelo da Galáxia.

Realizou-se a separação e, enquanto o ser recém-nascido ficou parado, o mais velho continuou pulando para frente e em poucos segundos percorreu uns cem metros. Depois parou de novo e começou a crescer.

— Está crescendo, embora não tenha comido nada! — disse Hoax atônito com o que via.

Cautelosos, aproximaram-se do inseto-mãe e, de dez metros de distância, Hoax abriu fogo curto e certeiro. A água borbulhou e ferveu, enquanto o inseto mudou de cor, não se moveu mais e afundou lentamente. A mesma coisa aconteceu com o segundo.

— É isto, se viessem assim avulsos, não teríamos dificuldade em liquidá-los. Não fosse a maldita divisão celular, não teria tanto medo deles. Mas assim...

Borowski não disse nada. Descobrira um grande cardume dos malditos insetos que se moviam como peixes-voadores na direção sul. Atacaram então o cardume de uma altura de cerca de dez metros e o feixe de raios, de não mais de dez centímetros de diâmetro, provocou uma abertura no tapete roxo à flor d’água. Os bichinhos afundavam diretamente, assim que atingidos. Mas não se dissolviam, como teria acontecido mesmo com o metal mais duro. De qualquer maneira, porém, pareciam mortos.

Destruíram centenas ou mesmo milhares, mas acabaram desistindo. Seria impossível matá-los todos, sem correr o risco de perder totalmente a direção nas colunas de vapor que se formavam com o fogo ininterrupto e de expor o flutuador ao perigo de resvalar na água revolta.

Depois de descarregar seu ódio contra o flagelo do planeta, Borowski confessou resignado:

— Não tem sentido. Podemos liquidar os que vêm isolados, mas quando chegam em massa, a única coisa sensata é fugir. Acho que já vimos o suficiente e podemos voltar para o acampamento de nossa ilha.

Relataram a Schonepal seu primeiro encontro dramático com o cardume que vinha na direção sul. O comandante, de semblante preocupado, não quis dizer nada.

 

No quinto dia, após sua aterrissagem na ilha — 9 de agosto — tiveram uma prova cabal de que o maldito inimigo dispunha de uma inteligência fantástica e da possibilidade de agirem estrategicamente. Os insetos pareciam saber que Zannmalon não era o único planeta no cosmo.

O índice para esta tremenda descoberta foi o sargento Knüpfl. Estava voltando de seu posto de vigia no litoral oeste, caminhando distraído pela praia para chegar até sua barraca. De repente pisou numa concha quebrada e começou a sangrar com intensidade.

Chegou mancando ao acampamento, onde se apresentou logo ao Dr. Mährlich que lhe aplicou uma atadura no pé.

— O seguro morreu de velho, nunca se sabe qual o tipo de contaminação que pode haver por aqui. Espere um pouco que vou lhe aplicar uma injeção. Mas, por mais que procurasse, não encontrou o soro que queria.

— Deve estar ainda na nave auxiliar, vamos dar uma chegada lá.

Mährlich apoiou o sargento que ainda continuava mancando.

— Rapaz, por que você tem que andar descalço por aí a fora? Na outra vez você certamente vai pisar num gafanhoto-do-inferno.

— Não pronuncie este nome maldito, doutor — disse Knüpfl, assustado e pálido de medo. — Num caso deste, nem as mais fortes botas ajudariam.

O depósito da nave auxiliar não era muito grande. Haviam retirado dali as lonas das barracas, mas ainda restavam algumas caixas de mantimentos e outras de medicamentos. Mährlich procurou a dos remédios e pediu ao sargento que o ajudasse a baixá-la. Colocaram-na diante da nave, no chão arenoso. Enquanto o médico tentava abrir, por mero acaso, o olhar do sargento parou na parte traseira da caixa metálica. Seus olhos se arregalaram estáticos.

— Ali, doutor, ali... um buraco. Mährlich levantou a tampa da caixa e olhou para o sargento.

— Que você está dizendo?

— Um buraco, doutor, um buraco na parte de trás da caixa metálica! Tão grande que dá para um gafanhoto-do-inferno passar...

Mährlich virou a caixa e ficou olhando o buraco, depois deu instintivamente um passo para trás.

— Pegue a arma aí na central. Está pendurada ao lado dos comandos. Mas, depressa, por favor.

— Não compreendo isto. Se é de fato um gafanhoto-do-inferno, como chegou até aqui? Por que não notamos nada até agora?

— Por favor, pegue a arma, depois você conversará.

Knüpfl desapareceu num salto para dentro da nave. Mährlich não arredou passo, de olhos fixos na caixa. Mas seus pensamentos procuravam explicação para o estranho fato. Até então, os insetos da morte apenas devoravam tudo e se multiplicavam doidamente. Se um deles penetrara na caixa de remédios, não havia como explicar o fato de não ter agido da mesma forma. A não ser que...

O sargento estava de volta.

— O senhor já o encontrou?

Mährlich não deu resposta. Pegou a pistola, regulou ou examinou com cuidado a regulagem da abertura do feixe de raios e levantou com muita cautela o primeiro pacote com ampolas de injeção. Abaixo dele estavam as pistolas de vacinação. Nada.

Somente quando levantou o quinto pacote, viram o terrível gafanhoto-do-inferno. Estava encurvado entre rolos de algodão e não se mexia. Aparentemente, estava dormindo.

Os dois homens recuaram um pouco, olhos fitos no incrível animalzinho que jogava por terra os seus cálculos. Mährlich ligou na mesma hora seu rádio de pulso e chamou Schonepal.

— Quem está falando?

— Dr. Mährlich, senhor. Encontramos um gafanhoto-do-inferno.

Houve um longo silêncio. E quando voltou a falar, a voz de Schonepal parecia rouca e trêmula.

— O que está dizendo, doutor? Um gafanhoto, aqui na ilha?!

— Na nave auxiliar do sargento Knüpfl, senhor. No depósito de carga. Parece estar dormindo, não se mexe. Devemos matá-lo?

— Espere um pouco. Vou lhes mandar Borowski. Tenham muito cuidado.

— Pode ficar tranqüilo, comandante.

Cinco minutos depois, chegou Borowski. Todo este tempo, o animalzinho não se mexera, estava quieto entre os rolos de algodão. Parecia mesmo inofensivo, os ferrões meio escondidos e a boca bem fechada.

Borowski olhou preocupado.

— Deve ter entrado na nave auxiliar ainda no hangar da Explorer. O esquisito é que seu comportamento é totalmente diferente dos demais. Procurou um lugar bem escondido e desligou sua consciência. Aposto que não fez isto por acaso. Queria ficar clandestino e ir conosco para um outro mundo. Lá despertaria e entraria na fase da rápida multiplicação. É uma coisa que não podemos esquecer.

— Se despertar agora, acontecerá a mesma coisa, tenente?

— Temos que matá-lo, é claro. Acho, porém, que não acordará de um momento para o outro. Os medicamentos são muito preciosos. Temos que jogar o animal na areia, antes de matá-lo.

Era um trabalho de estraçalhar os nervos. Se o bichinho acordasse, todos correriam perigo. Mährlich despejou com muito cuidado a caixa metálica. Todo o conteúdo rolou na areia, também o perigoso inimigo. Com uma vara, empurraram-no um pouco mais para longe. Foi visível a alegria de Borowski ao destruir o fantasma da morte. Em seguida, Mährlich aplicou a injeção em Knüpfl, dando-lhe também um calmante. O pobre sargento disse que pelo menos neste dia não tinha mais vontade de novas aventuras, correu para a areia quente da praia, estirou-se e dormiu.

Borowski relatou tudo a Schonepal que logo depois deu o alarma.

Durante dois dias, foram vasculhados todos os recantos das naves e dos flutuadores. Nem a menor gaveta deixou de ser rigorosamente revistada, mas não encontraram nenhum dos terríveis insetos. Ao que tudo indicava, só havia mesmo aquele entre os rolos de algodão.

O Professor Nordmann, depois de longas discussões com os biólogos, declarou que não havia mais dúvida de que os gafanhotos-do-inferno agiam por um instinto fortíssimo ou possuíam uma certa inteligência. Apesar da severa vistoria em todas as naves, seria ainda possível que houvesse outro exemplar bem escondido. Até mesmo dentro de um reator.

— Mas isto — dissera Nordmann — não teria muita importância, pois todas as naves auxiliares e flutuadores seriam abandonados na ilha quando fossem salvos.

Ainda enquanto Nordmann falava, os microrreceptores de pulso começaram a zumbir, pelo menos para aqueles que os tinham ligados. Schonepal e Borowski estavam no meio deles.

— Sim, que há de novo?

— Aqui fala sargento Hoax da estação de rádio. Senhor, nosso pedido de socorro foi captado. Neste instante, acabo de receber confirmação.

 

Era o décimo segundo dia na ilha, 16 de agosto de 2.326.

Borowski e Darelle estavam novamente juntos, viajando rumo ao norte, na direção do continente. O assunto principal de toda a conversa era ainda o rádio de confirmação captado há dois dias. Estavam contando em termos da cronologia terrana. Doze dias na ilha não significavam de maneira alguma doze dias na Terra, mas apenas oito. Seria bem possível que meio-dia na Terra pudesse cair à meia-noite e outras vezes às oito horas da manhã. Os dias de Zannmalon não correspondiam aos da Terra.

O radiograma era apenas uma esperança. Um cargueiro captara o pedido de socorro e o retransmitira, assim se explicando a demora.

— O socorro já devia ter chegado há tempo — disse Borowski nervoso, sem perder de vista a superfície do mar. — Não estou compreendendo.

— Quem sabe não havia, no momento, nenhuma nave disponível?

— Se Rhodan foi informado a respeito, isto não vale como desculpa. A única explicação seria que as coordenadas não foram retransmitidas com exatidão. Vão nos procurar e só espero que nos encontrem.

Na frente, surgia a ilha bem visível. Antes de chegarem às suas praias, Darelle apontou para o mar.

— Olhe lá! Os desgraçados gafanhotos. A água estava cheia deles. Em parte, se deixam levar pela corrente marítima, parecendo estar dormindo. Outros grupos, porém, estavam em franca atividade, tentando chegar mais depressa com seus saltos característicos. Nem todos iam para o sul.

Continuaram o vôo, dando voltas sobre uma ilha — ou melhor sobre o que fora uma ilha. Os dois terranos tiveram uma idéia mais concreta do que iria acontecer também com sua ilha mais ao sul. Os morros foram demolidos e estavam agora recobertos pela crosta cintilante. Por toda parte se viam os insetos arroxeados à procura de mais alimento. Não sobrara nada da vegetação. As vagas dos insaciáveis que vinham do interior da ilha entulhavam a areia da praia, não havendo mais lugar suficiente. A água seria o único escoadouro. Assim, sempre novas vagas da praga arroxeada se atiravam no mar, pois a contínua divisão celular fazia com que faltasse espaço para todos. A maioria tomava o rumo sul.

Para o norte, a superfície do mar tinha o roxo característico e Borowski acenou para Darelle. Este fez uma longa curva e foi ao encalço do exército destruidor. Borowski apanhou a pesada arma de bordo e os dois começaram sistematicamente a destruição da vanguarda, que tomara a direção da ilha onde estavam acampados os terranos. Devagar e com paciência, conseguiram desviar o inimigo para o oeste. Os insetos pareciam pressentir a desgraça e mudavam de rumo.

Mas seu número era praticamente infinito! Depois de uma hora de fogo contínuo, Borowski aniquilara mais de cem mil insetos, mas um milhão deles continuava a marcha e não havia meio de detê-los.

A morte atacava inapelável!

 

Dois dias mais tarde, a primeira vaga dos insetos atingiu a ilha.

Era pelo meio-dia e Gabriel terminava sua ronda de posto em posto e chegara ao penhasco do litoral norte. O posto de vigilância estava bem acima do nível do mar e as rochas eram íngremes, quase verticais. Embaixo havia a enseada onde brincavam as baleias indiferentes à presença dos homens. Não havia o menor vento e o mar estava tranqüilo e liso como um espelho.

— Que região quente, não é? — suspirou Gabriel. — Não viu nada?

— Nada, senhor! As baleias é que são felizes.

Gabriel concordou com um movimento de cabeça, enquanto seus pensamentos se volviam pra a praia sul, não apenas para a praia em si. Mesmo assim, contemplava as baleias.

Um exemplar mais avantajado avançou um pouco mais mar a fora e se atirou com boa velocidade, deixando atrás de si uma larga esteira de espuma. Ao perceber algo saltitando a uns cem metros da boca do cachalote, Gabriel olhou fixo. Pegou o binóculo do posto e começou a vasculhar as águas. Seu pressentimento não o iludira. Neste exato momento, o gafanhoto-do-inferno dava seu segundo salto. A baleia avançou, abriu a bocarra e engoliu o temível inseto.

Gabriel continuou observando o grande mamífero, mas ao mesmo tempo apertou o botão do transmissor de pulso e deu o alarma. A baleia voltou à enseada e ainda fez uma meia-volta graciosa. Empinou-se de repente e mergulhou sem o menor ruído. Pôde-se vê-la ainda por alguns segundos, desaparecendo depois entre os arrecifes. E no minuto seguinte, estavam nadando na enseada mais dois pequenos insetos. O vigia do posto os destruiu num disparo certeiro.

Gabriel começou a correr e chegou ofegante ao acampamento, onde tudo já estava em polvorosa.

Começara a luta contra o único inimigo...

 

Vinham exclusivamente do norte.

Os cinco flutuadores estavam no ar, patrulhando as águas sempre em grandes voltas. Um rápido vôo de reconhecimento de Borowski trouxe primeiro a notícia tranqüilizante de que não estavam em marcha ainda as grandes vagas dos insetos. Tratava-se no máximo, de uma leva de dez mil animaizinhos. Atrás deles, o mar não apresentava nenhum perigo.

Destes dez mil não podia um só penetrar na ilha. Os flutuadores já estavam iniciando sua obra de destruição e o que lhes escapava era liquidado pelos postos, agora com dois vigias. Depois de duas horas, não havia mais um inseto vivo. Portanto, a primeira tentativa de invasão fora frustrada. Mas também acabara a doce vida na ilha. Daí em diante, havia sempre um flutuador no ar vasculhando o mar à procura dos gafanhotos-do-inferno, descrevendo grandes curvas em todo o litoral, com a incumbência de dar alarma de segundo grau assim que o perigo se aproximasse.

Logo que escureceu, entraram em ação os grandes holofotes e mais um flutuador veio reforçar a vigilância. O litoral todo era varrido constantemente por fortes jatos de luz. Para isto, funcionavam a toda carga os conjuntos geradores nos girinos ou naves auxiliares, a fim de garantirem a energia necessária. Assim, todo o litoral da ilha estava banhado por forte luz amarela. Seria mesmo muito difícil, quase impossível, um gafanhoto-do-inferno penetrar sem ser visto.

A ilha parecia uma fortaleza sitiada.

 

Pela meia-noite, se comprovou que fora realmente uma idéia salvadora o fato de Schonepal duplicar a guarda no litoral. Sargento Knüpfl, cujo pé ferido numa concha já estava bom, dividia o trabalho de vigia noturno com o cadete Morrel, um químico de meia-idade. Knüpfl estava operando os holofotes, fazendo-os varrer detalhadamente todos os rochedos, enquanto Morrei ficava observando. Neste trecho, o litoral não era tão íngreme e alto como mais para o oeste. O posto de observação devia estar a vinte metros acima do nível do mar, na parte mais avançada da rocha.

O vento começara a soprar e nuvens densas, cobriam o céu. As ondas rebentavam nos rochedos. Seria então muito difícil descobrir um gafanhoto-do-inferno naquele ambiente. Morrei fez uma observação muito interessante:

— Os flutuadores enxergam muito melhor que nós. Seria muito acaso que um destes diabos conseguisse romper o cerco.

Morrel, porém, não estava tão convencido do que dizia, tanto assim que reduplicou seus esforços, mas logo começaram a arder seus olhos.

Em toda parte, havia muita espuma branca nas cristas das ondas. Cada uma delas podia ser um gafanhoto-do-inferno e os vagalhões que batiam nos arrecifes mais ao longe podiam ser verdadeiros exércitos deles. E, nas reentrâncias das pedras, o bater das ondas era constante. Como se podia então ver ou ouvir o que se passava naquele ambiente? O inimigo podia muito bem dar um salto no ar e parar nas pedras. À esquerda e à direita moviam-se os holofotes dos postos vizinhos.

Morrei acendeu um cigarro, notando que seu estoque estava chegando ao fim. Haveria de sentir muita falta do fumo. Egoisticamente, não ofereceu nenhum a Knüpfl, embora soubesse que este era um fumante inveterado.

No rádio de Knüpfl ouviu-se a voz de Borowski. O tenente, nesta noite, era o oficial de serviço, pois Schonepal precisava dormir também um pouco.

— Tudo em ordem no posto de observação?

Cada posto dava seus informes e também Knüpfl confirmou que não havia motivo para preocupação e perguntou pelas horas.

Depois disso, só se ouviu mesmo o quebrar das ondas nos rochedos. Morrel prestou mais atenção ao lado direito. Seus olhos procuravam penetrar na escuridão que reinava além dos faróis. Do posto onde estava partia um trilho estreito e mal pisado que, passando pelos rochedos, levava ao posto vizinho.

Morrei estava crente de ter ouvido um ruído naquela direção. Não podia ser devido ao revezamento dos sentinelas, que se realizaria somente uma hora depois. Além disso, não se ouvira barulho de passos. Parecia mais com alguma coisa que se esfregava, como se fosse, por exemplo, uma pedra rolando...

— Desgraçada tempestade! Obriga a gente a ouvir assombrações.

Knüpfl sorriu, concordando com a comparação.

— Também tive a mesma impressão. Que era?

— Não tenho idéia. Devo dar uma olhada?

— Nem dez cavalos me arrastariam agora para passear na escuridão, se não fosse mesmo necessário. Basta que viremos o holofote para lá.

— Não é preciso, tenho aqui uma boa lanterna de bolso.

Morrel a tirou do casaco e jogou o cigarro aceso no mar. Ajeitou bem a pistola no cinturão.

— Vou dar uma olhada.

— Mas olhe lá, cautela, hein? — disse Knüpfl, preocupado.

Morrei deixou a praia segura e caminhou no sentido dos estranhos ruídos. Do lado direito, o rochedo subia tão íngreme como à esquerda, onde caía para o mar. A trilha não tinha mais de um metro de largura. Depois de caminhar uns dez metros, parou para escutar. Não ouviu outra coisa a não ser o bramir das ondas nas pedras. Mas, de repente, surgiu de novo o ruído fraco de uma leve fricção, exatamente à sua frente, a uns dois metros. Acendeu o farolete e iluminou o trilho que descia para a água. O jato de luz bateu de chapa no corpo do maldito inseto que já estava de corpo arqueado para o pulo, com seu brilho arroxeado.

— Sargento!...

Foi tudo que Morrel pôde dizer. Já havia tirado a pistola do cinturão, mas não a conseguia destravar, pois estava com a outra mão ocupada com o farolete. Por um segundo terrivelmente longo, ficou parado como uma pedra, depois deixou cair a lanterna para ter as duas mãos livres.

Knüpfl ouviu o grito, viu a lanterna apagar e fechou os olhos ofuscados com o clarão dos disparos da arma de Morrel.

Depois, uma grande curva no ar, a arma voou para dentro da água, ainda com os raios claros, até apagar de repente.

— Morrel! Morrel, que houve?

Nenhuma resposta.

Só então foi que Knüpfl teve a idéia de virar o grande refletor para baixo e iluminar toda a descida. E o que viu, produziu-lhe um calafrio. Deixou o refletor na mesma direção, pegou a arma e desceu para o lugar onde Morrel morrera.

O gafanhoto-do-inferno estava no meio do trilho e começou a se curvar. Knüpfl o destruiu antes que pudesse saltar.

Depois, deu o alarma.

 

Até o raiar do dia, foram mortos ao todo vinte e três gafanhotos-do-inferno na ilha. Quando ficou mais claro, podia-se vê-los e destruí-los a tempo.

Schonepal organizou comandos especiais que vasculhavam toda a ilha durante o dia. Não se achou mais um único inseto. Com isto ficou claro que, durante o dia, era fácil defender a ilha. Mas o grande perigo era a noite.

Borowski saiu de novo em vôo de reconhecimento e voltou com a notícia de que o grande volume da massa inimiga estava a uns vinte quilômetros. Quando eles chegassem à ilha, não haveria mais salvação, a não ser fugir a tempo. Vira poucos insetos avulsos e os matara. Na próxima noite, tudo deveria correr mais calmo.

A esta notícia alvissareira, o sargento Hoax pôde acrescentar mais uma, ao cair da tarde. Captara fragmentos de um rádio, segundo o qual o próprio Perry Rhodan estava a caminho do planeta maldito. Houvera dificuldade com o posicionamento, podendo ser mesmo que Higgins não tivesse se expressado com exatidão no pedido de socorro, ou então que o hiper-transmissor não funcionasse bem, devido aos insetos.

Conforme compreendera Hoax, Rhodan vinha para o planeta com a belonave Assor. Era a terceira tentativa que fazia para achar Zannmalon. A noite foi tranqüila, mas na manhã seguinte se deu o ataque frontal do exército roxo da morte.

Os girinos e flutuadores estavam preparados para decolar, mas Schonepal deu ordem para que a defesa da ilha ficasse em alerta até o último momento. Enquanto no lado norte da ilha, as armas de raios térmicos começaram a grande batalha, rasgando grandes sulcos no exército atacante, Borowski e o Professor Nordmann tentavam convencer Schonepal do contrário.

— Não tem sentido, comandante. Que adianta ficar ou não um dia a mais na ilha? Não há dúvida de que o aperto nos flutuadores e nas naves auxiliares é muito grande, mas é melhor do que a morte. Além disso, aumenta cada vez mais o perigo de esta massa de insetos receber novos reforços. Propomos deixar a ilha imediatamente, entrarmos em órbita e dar instruções para a chegada de Rhodan.

Antes de responder, Schonepal olhou longamente para Borowski.

— Queria poupar à minha gente o desgaste nervoso numa nave superlotada. Mas quem sabe vocês têm razão. Realmente, não vai depender de uma hora a mais ou a menos.

— Fora disso — interveio Nordmann — quem sabe se daqui a uma hora não teremos mais tempo para decolar?

Os postos no litoral norte ficaram até o fim. Defenderam-se ferrenhamente das primeiras vagas de insetos, mas não podiam mais impedir que cada vez mais os gafanhotos-do-inferno alcançassem terra firme e invadissem o interior da ilha. E os desgraçados insetos de multiplicação quase instantânea começavam logo sua obra de destruição, transformando tudo na horrorosa gosma que logo depois endurecia e cobria tudo.

Os três girinos decolaram logo, enquanto os flutuadores ainda recebiam os sentinelas dos postos.

Sargento Darelle dirigia um dos flutuadores em que estavam Borowski, Hoax, Nordmann, Gabriel e a senhorita Peggins. O velho grupo estava, pois, reunido. Apanharam ainda três sentinelas e levantaram vôo, mantendo-se a cerca de duzentos metros de altura. Podiam assim acompanhar o desenrolar dos acontecimentos na ilha. O flagelo arroxeado tomou conta do acampamento abandonado, destruindo tudo que os terranos ali deixaram. Em poucos instantes, barracas, material de instalação, tudo foi recoberto pelo exército da morte e desapareceu com os ácidos pulverizados. O metal das armas derretia como cera. A estação de rádio foi tomada de assalto e tudo desmoronou!

Duas horas mais tarde, os gafanhotos-do-inferno não cabiam mais na ilha. Lançaram-se de novo no mar e seguiram mais para o sul, na direção do continente distante e ainda desconhecido.

Schonepal deu ordem para que os vôos não se afastassem muito da região onde estava a ilha e os destroços da Explorer. Borowski entrou em contato com ele.

— Senhor, gostaria de lhe fazer uma sugestão.

— Por favor, diga.

— Quem sabe, o continente sul ainda está livre dos insetos? Se só existem no norte, poderíamos ganhar uns dias. Antes de uma semana, não atingirão este continente.

— Está certo, investigue bem isto.

Pela voz de Schonepal não se podia saber se estava ou não de acordo com a nova proposta, quando concluiu.

— Vamos de qualquer maneira para o ar. Espero mais informações de você a respeito.

As três naves e os quatro flutuadores desapareceram segundos depois no céu azul. Borowski, que nos dois vôos de reconhecimento fizera amizade com Darelle, dava agora as instruções. Os demais comprimiam-se na pequena cabina. Nordmann sentava atrás de Borowski, que ocupava o lugar ao lado do piloto Darelle.

— Uma coisa me preocupa, tenente. Quando formos apanhados por Rhodan ou por qualquer nave encarregada disso, temos de sair das naves ou dos flutuadores. Não dispomos de trajes espaciais na quantidade necessária. Como vamos então sair de bordo, se não pudermos aterrissar?

— Há diversas possibilidades para isto, professor. A nave salvadora pode estender até nós um túnel plástico ou então nos enviar trajes espaciais. Em seu lugar, não quebraria a cabeça com isto. O principal é que alguém nos venha buscar. Não podemos ficar eternamente pendurados no ar.

Voavam para o sul, a pequena altura. Neste trecho tranqüilo do mar, não se via um só inseto. Ilhas vinham e iam, solitárias e aprazíveis, na imensidão do oceano. Mas em breve já não seriam assim... Depois de uma hora de vôo, surgiu o litoral do continente.

Darelle o sobrevoou, depois foi mais para seu interior, coberto de densas matas virgens, interrompidas apenas por lagos e rios. Da praga dos insetos destruidores não se via vestígio. As árvores estavam intactas e toda a vegetação crescia normalmente. Somente uns duzentos quilômetros para dentro do litoral foi que a vegetação foi ficando mais rala, pois o terreno começava a subir e tornar-se mais seco. Mas tudo estava intacto.

Borowski mandou que o flutuador subisse até que se pudesse ter um descortínio sobre todo o continente. Por meio da tela de bordo examinou-o acuradamente até que pudesse ter um resultado concreto: o continente do sul estava livre dos gafanhotos-do-inferno.

— Não é nada mais que a pausa do carrasco. Ninguém está seguro, pois ninguém pode saber quando é que os malditos insetos surgirão para continuar sua marcha macabra. Prefiro ficar rodando no espaço.

— Não sabemos quando chegará o socorro — disse Nordmann intervindo na discussão. — As naves encontram-se realmente superlotadas. Sessenta homens estão confinados num espaço que foi feito só para a metade. Isto não pode fazer bem a ninguém, com o passar das horas. Se aterrissarmos e arranjarmos um acampamento ao menos para dormir, a espera ficaria mais suave. É claro que toda a redondeza deve ser vigiada e, logo que o primeiro gafanhoto-do-inferno surgir, temos de ir embora.

Schonepal tinha sérios argumentos em contrário, mas como a maioria dos oficiais e dos cientistas era a favor da aterrissagem, teve de ceder. A idéia de Borowski, com o apoio de Nordmann, vencera.

 

O superencouraçado Assor era da classe Império, equipado com os raios transformadores, que eram a arma mais espantosa do Universo. A astronave esférica tinha um diâmetro de quilômetro e meio e uma tripulação de três mil homens.

Na central, cintilavam as telas do vídeo. Podia-se ver nitidamente na tela frontal a conformação espiralada da nebulosa. À direita e à esquerda, desapareciam os contornos no semi-espaço. O superencouraçado Assor disparava pelo espaço com cem vezes a velocidade da luz, fazendo pois por hora mais de doze anos-luz.

Quase calados, os oficiais desempenhavam suas funções. Seus movimentos eram calmos e não demonstravam o nervosismo que havia em todos. Muito raramente vinham instruções ou se trocavam informações. Mesmo Perry Rhodan não falava muito. Meio inclinado na poltrona do comandante, olhava muito para a tela frontal. Seus traços demonstravam preocupação. Nos olhos cinzentos cintilava uma vontade indômita, determinação misturada com raciocínio prudente. Nas mãos apoiadas nos braços da poltrona, viam-se as veias saltadas.

Mais para a direita, o chefe de Cosmonáutica apanhava uma folha plástica do computador de bordo. Olhou para os sinais e, sem dizer uma palavra, a entregou ao comandante.

O Coronel Jenkins, já tinha cabelos grisalhos nas têmporas, mas, fora disto, nada indicava idade. Sua postura esbelta lembrava um pouco Perry Rhodan, se bem que seu rosto era mais brando. Recebeu a folha, estudou-a com atenção e passou-a para Rhodan.

— São três sistemas que entram em questão, senhor. Qual deles sobrevoaremos primeiro?

Não era a primeira vez que Rhodan lamentava o fato de o rádio da destruída Explorer-3218 ter sido captado bastante truncado. Os dados de posicionamento estavam inexatos. Embora se soubesse no quartel-general do centro de pesquisa qual a missão que fora dada a Schonepal, ninguém podia imaginar em que parte fizera ele a primeira aterrissagem.

Os cálculos da intensidade dos sinais do hiper-rádio e a posição do cargueiro que os captara, levava a algumas conclusões. Além disso, conhecia-se o âmbito de recepção da estação de rádio do cargueiro. Assim surgiam os indícios com os quais se estava trabalhando. Ainda restavam os três primeiros sistemas do braço espiralado. Se neles não se achasse nenhum vestígio de Schonepal e de sua gente...

— Um depois do outro... — disse Rhodan, devolvendo a folha. — Não podemos perder tempo. Desde o pedido de socorro já se passaram quase duas semanas. Quem sabe o que já aconteceu depois disso.

Duas horas mais tarde, constatou-se que dois dos sóis em questão não tinham planetas. Restava, pois, somente o terceiro sistema, um sol amarelo do tipo do nosso Sol.

Perry Rhodan descobrira Zannma.

 

Quando Rhodan recebeu a notícia da catástrofe, não lhe sobrou tempo para preparativos especiais. Trouxera apenas Gucky, pois todos os outros mutantes estavam muito longe. O rato-castor saudara com satisfação este acaso e se despedira de Iltu com alguns abraços e juramentos de eterna fidelidade, juramentos estes que não lhe seriam muito difíceis de cumprir, pois em toda a Galáxia só existiam umas três dúzias de ratos-castores, sendo que bem mais da metade era do sexo masculino.

Assim foi que, por mero acaso, Gucky teve o discutível prazer de tomar parte na improvisada viagem de Rhodan, prazer este que Gucky chamaria mais tarde de “oportunidade” para demonstrar suas faculdades extra-sensoriais. No momento, estava sentado em sua cabina saboreando uma cenoura.

“O planeta Zannmalon, está ainda a uns dez ou doze anos-luz de distância. Consigo muito bem captar pensamentos de lá, pois na telepatia a distância não é o fator decisivo, embora a grande distância permita muita interferência, o que, de fato, me prejudica. Mas se eu tiver sorte... Nesta região toda, sou o único telepata”, pensava Gucky, refestelado no sofá.

Tentar ouvir de tão longe assim cansava muito e exigia uma posição de relaxamento muscular. Supunha, na sua mordaz irreverência, que este Schonepal soubesse ao menos pensar, pois, do contrário, estaria perdido...

Enfiou o resto da cenoura na boca e deixou à mostra seu dente de roedor. Em nada o perturbava o fato de que captava primeiro e com mais intensidade os pensamentos da tripulação da Assor. Isto era cavaco do ofício, já estava acostumado e nunca, em toda sua vida, se mostrou indiscreto. Sabia dos mais recônditos segredos, mas ninguém jamais ouviu nada de sua boca. Já que estava ali sozinho, dizia seus pensamentos em voz alta, como se estivesse falando com um interlocutor invisível.

— O malandro do cozinheiro! Já botou de lado uma lata de geléia. Não é à toa que está cada vez mais gordo. Mas é mesmo, quase todos os cozinheiros são gordos. Será que isto...

Passou a captar outros impulsos. Eram fortes e nítidos, sem dúvida provido da própria nave Assor.

— É uma coisa inacreditável a variedade de cuidados que os homens têm. O sargento Reinecke tem um buraco na cueca, e daí? Deve ele mesmo costurar ao invés de deixar o trabalho para a lavanderia de bordo? É claro que o pessoal da rouparia ficaria grato se ele mesmo...

Sua atenção se volveu para outro ponto. O fato é que a atividade de Gucky não tinha nada de monótona.

— Olha aí mais uma! A magricela, a “boa” senhorita Molly Mottel que faz tudo para entrar no turno do cadete Alex, o homem de sua simpatia. Puxa! Isto não é da minha conta.

E Gucky estava sorrindo e gostava muito de sorrir das pequenas fraquezas humanas. Mas quando riam dele, ficava furioso.

De repente, quase ao acaso, captou um impulso fraco e muito distante. Era um tipo de pensamento que não lhe era conhecido. O ponto de partida devia estar a muitos anos-luz... Concentrou-se na direção certa, saltou do sofá e se virou até obter o maior volume possível de impulsos. Estava olhando exatamente para a direção da proa da nave, se é que se pode falar em proa numa astronave esférica. Só então procurou obter algum sentido no que ouvia. Eram apenas fragmentos que lhe chegavam à mente, por curto tempo. Sem refletir muito, teleportou-se para a central de comando e pousou no colo do comandante.

O Coronel Jenkins teria caído de costas, se o espaldar da poltrona não o segurasse. O surgimento inesperado de um teleportador não era um fato cotidiano, muito menos de um teleportador que se materializava no colo de alguém.

— Que significa isto, Santo Deus?

— Calma, se não eu conto a toda a tripulação o que você estava pensando há meia hora.

Gucky deu uma palmadinha na face do oficial e pulou no chão. Fez que não viu o sorriso indiscreto dos outros oficiais e caminhou na direção de Rhodan, que, no momento, conversava com o oficial navegador, Capitão Baer.

— Que é Gucky?

O rato-castor apontou para a tela, em cujo retículo estava um sol amarelo.

— Este aí — disse triunfante — é o sol Zannma.

Rhodan desviou os olhos de Baer e se inclinou para Gucky.

— Você tem certeza disso? Por quê?

— Porque há cerca de dois minutos um tal de Borowski disse para um coronel chamado Schonepal que pretendia sobrevoar o mar ao norte do continente sul e investigar se os gafanhotos-do-inferno haviam chegado mais perto. Os impulsos mentais vieram de lá.

Apontou de novo para o sol amarelo da tela e concluiu:

— Basta isto?

Rhodan concordou e voltou à sua posição normal.

— Sim Gucky, basta isso. Muito obrigado. Dentro de três horas estaremos chegando a Zannamalon. Antes de aterrissarmos, entraremos em contato com Schonepal. Estou feliz por ele ter sobrevivido.

— Por causa dos gafanhotos-do-inferno? Estou curioso para saber seu gosto — disse Gucky, exibindo seu dente-roedor.

Rhodan continuou sério, falando depois, mais para os oficiais do que para Gucky:

— Pouco sabemos a respeito deles, mas este pouco já é bastante. Tenho receio, Gucky, que estes terríveis insetos não serão de bom paladar para você, como não foram para ninguém. Será a coisa pior de sua vida, como foi para todos os outros.

— Tão ruim assim?

Rhodan meneou a cabeça afirmativamente.

— Muito pior do que você imagina.

 

O mar ainda está livre deles.

Darelle apontou para o norte, onde a superfície líquida se estendia até o horizonte. Ali se arqueava o céu de um anil claro. Não se via mesmo nem vestígio dos malsinados insetos.

— Devíamos ter vindo para cá desde o começo — disse Borowski.

— A permanência na ilha foi maravilhosa. Pena que teve um fim tão... inesperado. Foram verdadeiras férias.

Enquanto Darelle fazia a curva com o flutuador de volta para o sul, Borowski perguntou:

— Naquele dia, quando o senhor voltou à nossa querida Explorer notou por acaso que alguns insetos se retiravam, isto é, estavam apenas devorando tudo e se multiplicando, ou acredita que alguns dos bichinhos já estavam se preparando clandestinamente para fazer uma viagem?

Darelle compreendeu de imediato onde o tenente queria chegar. Balançou a cabeça e respondeu:

— Não, não creio não. Pelo contrário, estou convencido de que os animaizinhos já sabiam que havíamos abandonado a astronave. Sabiam também que não valia a pena se esconder.

— Quer dizer então que os acha inteligentes?

— Não resta dúvida, sempre tive esta impressão.

Borowski não respondeu mais nada. As palavras de Darelle lhe deram o que pensar. E o gafanhoto-do-inferno na caixa de remédios do Dr. Mährlich parecia lhe dar razão. Um pouco obscuro estava apenas o fato de explicar por que o resto, a grande maioria dos insetos, agia praticamente sem plano, multiplicando-se continuamente, ao invés de ocultarem seu terrível segredo ou sua terrível missão. Será que só alguns deles é que eram inteligentes?

Ao sul, já se via o continente. Passaram sobre a faixa clara das praias e sobrevoaram agora a selva compacta, onde rios se revezavam com lagos, interrompendo a verde alcatifa. Nenhum sinal de qualquer povoação.

“Zannmalon é mesmo inabitado, o que se torna uma felicidade para os terranos”, pensava Borowski.

Quando já estavam a cem quilômetros do acampamento provisório e queriam voltar, o aparelho de rastreamento registrou uma pequena irradiação, proveniente do sul e três minutos depois descobriram o exército roxo em pleno avanço. Atrás desta horda de vândalos, não se via mais vegetação, o belo tapete verde. Só restaram os rios e os lagos.

Os gafanhotos-do-inferno atacavam do norte e do sul.

Darelle dirigiu o flutuador de volta para o acampamento, enquanto Borowski entrava em contato com Schonepal. O comandante não se mostrou muito chocado com a assustadora novidade. Perguntou apenas:

— Quanto tempo teremos ainda até a chegada do exército roxo?

— Três, no máximo quatro horas, senhor. Os insetos caminham mais depressa em terra firme.

— Está bem. Então considere sua missão cumprida. Dentro de uma hora o superencouraçado Assor aterrissará aqui e nos levará. Volte imediatamente e providencie tudo junto de sua gente. O próprio uniforme e toda a bagagem devem ser meticulosamente examinados à procura de insetos escondidos. Mais alguma pergunta?

Borowski estava tão estupefato que não conseguiu responder nada. Calado, desligou o rádio.

O piloto apontou para trás.

— Olhem lá, já estava mesmo na hora!

 

A Assor ficou parada, graças aos reguladores antigravitacionais.

A gigantesca astronave esférica flutuava a cinqüenta metros do solo, sobre uma clareira que o pessoal de Schonepal abriu com o uso das armas de raios térmicos. Ao longo desta circunferência, estavam as três naves auxiliares e os cinco flutuadores. Os sobreviventes da espaçonave de exploração cósmica estavam ocupados em examinar até nos menores detalhes tudo aquilo que deveria ser levado com eles. Sabiam claramente do que se tratava. Um único gafanhoto-do-inferno que entrasse com eles na Assor, significaria a morte de todos. Talvez mesmo o extermínio de todo o Império.

Rhodan ordenou que todos os resultados das pesquisas realizadas em Zannmalon deviam ser levados para a Terra, principalmente todos os dados coletados, acima de tudo provas ou pedaços da crosta esquisita deixada pelas secreções dos insetos destruidores.

Depois disso, Gucky teleportou-se para a clareira e levou Schonepal para a central de comando da Assor. O experimentado comandante da destruída Explorer-3218 não se assustou com o estranho transporte da desmaterialização e, com toda calma, prestou seu primeiro relatório a Rhodan. Constatou que a vanguarda dos gafanhotos-do-inferno haveria de atingir a clareira dentro de cem minutos. Além disso, não haveria mais tempo para o translado dos sobreviventes.

Podia-se ter a certeza de que os cientistas estavam agindo com todo rigor na investigação meticulosa, para evitar que um único inseto se infiltrasse em qualquer mochila ou em pacotes que entravam na Assor. Não haveria mais tempo para nova revisão de todo o material, como Schonepal dissera minutos atrás.

Do alto, saindo da escotilha inferior, lançaram uma escada metálica até o chão. Cada um devia subir em pequenos espaços, levando só aquilo que pudesse carregar com as próprias forças. Pela escada chegavam à escotilha que dava para um hangar fechado. Somente depois é que poderiam entrar propriamente no superencouraçado. Nenhum gafanhoto-do-inferno poderia entrar com eles.

As medidas de prevenção contra a possibilidade de contaminar a Terra e com isto a Galáxia, Rhodan as tomou com tanta seriedade que chegou a pensar em fazer com que os sobreviventes entrassem completamente nus a bordo da Assor. Isto, porém, resultaria na renúncia aos preciosos resultados das pesquisas.

O Professor Nordmann carregava o menor embrulho. Tinha na mão um bloco de folhas avulsas: suas anotações. Era tudo. Foi o primeiro que passou a quarentena no hangar e recebeu a primeira cabina na Assor. Aí ficaria ele com mais nove sobreviventes, até que a Assor chegasse a uma base terrana em qualquer ponto da Via Láctea. Ainda antes do próximo sobrevivente entrar na cabina, colocou seu maço de papel na pequena gaveta pertencente a cada leito. Fechou com cuidado e guardou a chave no bolso. Sentou-se na cama e esperou pelos outros.

De fisionomia contraída, sentado diante da tela frontal, Rhodan observava o desenrolar do embarque na clareira. Viu, pela primeira vez, o que podiam fazer os famigerados gafanhotos-do-inferno.

O exército roxo se abateu sobre as naves auxiliares e flutuadores deixados nas extremidades da clareira. Em poucos segundos, todas as viaturas e demais objetos estavam destruídos, transformados numa crosta cintilante, indelével. Os bichinhos prosseguiam avançando, deixando para trás uma paisagem morta e calcinada por suas secreções.

— Não há nada que os possa deter — disse Schonepal, sentado ao lado de Rhodan. — Tentamos tudo.

Rhodan olhou para ele.

— Ninguém o está incriminando, comandante. Ninguém jamais poderia contar com um tal tipo de vida. Temos, porém, que fazer tudo para que Zannmalon seja um caso isolado, completamente isolado. Nem um só destes insetos poderá sair do planeta. Temos que procurar destruí-los e se isto não for possível, teremos que explodir o planeta com uma bomba de Árcon.

Virou-se para o lado e deu algumas instruções ao Coronel Jenkins.

— Vamos experimentar com bombas nucleares normais. Não quero ainda recorrer a meios mais fortes. Vou experimentar agora só para aproveitar a ocasião, a fim de estudar-lhes a reação. Isto poderá nos ajudar muito.

Perplexo, Schonepal viu poucos minutos depois como uma bomba não maior que um botão caiu e detonou. O leque de fogo se espalhou no meio da onda roxa e a energia liberada abriu uma cratera. As rochas do chão se dissolveram num instante, o mesmo acontecendo com os insetos no centro da explosão. Assim que o cogumelo de fumaça e fogo subiu para o espaço, a cratera já estava de novo cheia com o rápido avanço da retaguarda do exército roxo. Segundos depois, não se via mais a cratera. Rhodan constatou:

— Podemos matá-los, mas não vale a pena. Temos que voltar mais uma vez a Zannmalon e experimentar outros meios. Não vale a pena matarmos alguns milhões com nossas bombas, se em poucas horas a situação volta ao mesmo ponto que antes, pois eles se multiplicam com uma rapidez espantosa. Os biólogos têm de inventar alguma coisa que impeça a divisão celular dos insetos. Esta seria talvez a solução.

Falara mais para si mesmo do que para os que estavam perto. Ninguém disse nada. Apenas Gucky deu um aparte:

— Em seu lugar, Perry, transformaria este planeta num sol. Por que você não faz isto?

— Há muitos motivos, Gucky. Poderia mencionar alguns, mas o decisivo é o seguinte: não temos a bordo nenhuma bomba arcônida e sem este tipo de bomba não é fácil transformar um planeta em sol.

— Suas ordens, senhor? — perguntou o Coronel Jenkins.

Rhodan parecia despertar de um sonho. Olhou mais uma vez para as sucessivas nuvens de insetos que demandavam o litoral, aumentando cada vez mais. Dentro de pouco tempo, a camada dos estranhos animaizinhos estaria atingindo um metro de espessura. Parecia neblina, mas era a camada fina dos ácidos segregados pelos insetos, acompanhando-os constantemente. Como que atingidas por mãos invisíveis, caíam árvores e rochedos, dissolvendo-se como gelo ao sol quente.

— Rumo ao braço espiralado, mais tarde lhe darei o destino exato. Primeiro tenho que falar com os principais cientistas da Explorer-3218. Transmita um rádio para toda a Galáxia avisando que está expressamente proibido o acesso de qualquer nave ao planeta Zannmalon. Faça tudo que for necessário para isto, coronel.

Levantou-se, fazendo um sinal para Schonepal. No salão dos oficiais, reuniram-se cerca de vinte sobreviventes para apresentar a Rhodan um relatório mais exato e transmitir-lhe suas experiências e sugestões. O Professor Nordmann também fez sua exposição.

Gucky se recolhera à sua cabina e dormiu. Julgou que a grande aventura ou tragédia já terminara.

Puro engano, como mais tarde se constatou...

Enquanto o Professor Nordmann fazia seu relato e Rhodan ouvia com muita atenção, sem querer usar seus fracos dons telepáticos, a Assor já estava em plena aceleração. O gigantesco superencouraçado ultrapassou a velocidade da luz e passou para o semi-espaço. Atrás dele, diminuía rapidamente o sol amarelo.

Depois, desapareceu.

 

                                                                                            Clark Darlton  

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades