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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


NICE GUYS BITE / Jennifer Estep
NICE GUYS BITE / Jennifer Estep

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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A best-seller do New York Times, Jennifer Estep continua sua série de fantasia urbana Elementala como Aranha, a assassina que comanda o submundo de Ashland) não deixa muito tempo para o romance, especialmente com o planejamento da festa de Natal da Gin a todo o vapor. Mas quando ele chama a atenção de um charmoso cavalheiro, Silvio se vê saindo para tomar café.
Tudo é justo no amor e na guerra, no entanto. Assim que Silvio começa a se divertir, ele percebe que está sendo observado. O seu simpático encontro não percebe o perigo, e Silvio quer continuar assim (e, bem, manter o cara vivo) então Silvio termina o encontro mais cedo – apenas para ser sequestrado por alguns vilões gigantes.
Silvio sobreviverá a noite e voltará ao Pork Pit a tempo da festa de Natal de Gin? Só se ele cobrir o salão com corpos...

 


 


Capítulo 1

— Você trabalha demais.

Ignorei a voz provocante e passei por outra tela do meu tablet, revisando nosso cronograma e me perguntando se eu poderia espremer mais uma reunião hoje. Ou melhor, se eu poderia fazê-la aceitar outra reunião hoje. Provavelmente não. Conseguir que ela concordasse com elas em primeiro lugar era sempre uma luta, e ela ficaria ainda mais relutante agora, considerando como o dia anterior tinha sido.

Mas o chefe do submundo de nível médio, Liam Carter, havia me ligado mais cedo, pedindo uma reunião na esperança de acabar com uma disputa territorial antes de se tornar mais sangrenta do que já estava. Ele realmente tinha sido muito educado com o seu pedido, calmo e respeitoso, ao contrário de muitos dos outros chefes que foram direto para os berros e o bullying.

Como se essas coisas me intimidassem. Como assistente pessoal, eu valorizo muito a polidez, especialmente quando era dirigida a mim, e eu realmente queria atender o Sr. Carter...

— Silvio, por favor, largue o seu tablet. — A voz soou novamente, desta vez com um pouco mais de ênfase. — Antes que eu tire isso de você.

Eu olhei para cima da tela para encontrar a minha chefe, Gin Blanco, olhando para mim. Ela estava sentada em um banquinho ao lado da caixa registradora, mas pela primeira vez ela não estava fazendo pedidos ou executando cartões de crédito. Em vez disso, um par de tesouras brilhou na mão dela, e papel cartão vermelho, branco e verde cobria o balcão na frente dela, junto com bastões de cola, potes de glitter e uma variedade de fitas.

Eu cutuquei algumas fitas enroladas com o dedo indicador para que elas não invadissem mais meu espaço de trabalho, que era o único espaço limpo do lado esquerdo do balcão. Mas é claro, as fitas deslizaram de volta para onde estiveram, como pequenas cobras determinadas a me infectar com o seu espírito festivo.

— Diga-me novamente por que você está fazendo artesanato? — Perguntei.

Gin levantou a folha de papel vermelho que ela estava cortando com sua tesoura nos últimos minutos, pegou as extremidades em ambas as mãos, e desdobrou-o como um acordeão, revelando uma sequência de, bem, digamos flocos de neve incomuns.

Ela sorriu para mim, seus olhos cinzentos brilhantes em seu rosto bonito, orgulhosos de sua criação astuta. — Porque a festa de Natal é daqui a algumas horas, e o que diz "Feliz Natal" melhor do que flocos de neve em forma de porco?

— Oh, eu não sei — eu disse em um tom seco. — Qualquer coisa diferente de flocos de neve em forma de porco?

Gin revirou os olhos e colocou o cordão de flocos de neve no balcão. — Você não é engraçado.

— Você não me paga para ser divertido. Você me paga para ser seu assistente. — Eu acenei para o meu tablet para ela. — Então, por que você não me deixa voltar a realmente ajudá-la?

— Porque você deveria tirar a tarde de folga, como todo mundo, lembra? Agora, seja um bom assistente, e coloque essa coisa no chão. — Ela brandiu sua tesoura para mim. — Antes de eu esfaquear isso até a morte literalmente.

Com qualquer outra pessoa, eu teria considerado uma ameaça em vão. Mas não quando a minha chefe era Gin Blanco, a assassina conhecida como a Aranha. Eu a vi matar homens com as próprias mãos... tampas de latas de lixo... tijolos soltos... até um garfo uma vez. Dê-lhe qualquer coisa afiada e pontuda, como as facas silverstone ela sempre carrega, e ela era letal. Sem mencionar as suas magias elementais de Gelo e de Pedra, que davam a ela mais poder mortal.

Eu era um vampiro e bastante mortal também, mas sabia quando era derrotado. Então, eu suspirei, desliguei meu tablet e coloquei-o no balcão ao lado do meu telefone.

Gin assentiu em satisfação e voltou para o seu projeto. Ela espalhou seus flocos de neve vermelhos no balcão, passou uma cola sobre o papel e polvilhou com cuidado o glitter prateado nos rostos dos porcos, dando a eles pequenos olhos brilhantes. Depois ela repetiu o processo em suas caudas curvilíneas. Tudo o que o glitter fez foi deixar os porcos ainda mais assustadores do que já eram, mas eu nunca machucaria os sentimentos de Gin dizendo isso.

Além disso, os flocos de neve em forma de porco combinavam perfeitamente com o resto das decorações.

Nós dois estávamos sentados no Pork Pit, o restaurante de churrasco da Gin, no centro de Ashland, pouco antes do meio dia em um dia frio e nevado de dezembro. Normalmente, o restaurante estaria cheio com pessoas passando para "pegar o churrasco", como Gin gostava tanto de dizer. Mas estava fechado hoje para que ela pudesse dar uma festa natalina para a equipe do restaurante e seus amigos e familiares.

E ela estava determinada a fazer com que eu, seu assistente pessoal, participasse das festividades, se eu quisesse ou não.

Gin começou a trabalhar nas decorações depois que o Pork Pit foi fechado ontem à noite, e ela chegou aqui animada e cedo esta manhã para continuar. Em questão de horas, ela transformou o interior do restaurante em um país das maravilhas de Natal – com um pesado tema de churrasco.

Enfeites vermelhos e prateados entrelaçados forravam os topos dos cabines de vinil azul e rosa e passavam através das ripas nas costas das cadeiras. Isso, juntamente com as toalhas de mesa listradas vermelhas e brancas, fez com que o restaurante parecesse uma gigantesca bengala doce. Cada mesa também ostentava vários cestos de lembranças de festa cheios de chocolates em forma de porco, potes com o molho secreto de churrasco do Pork Pit e aventais estampados com as mesmas faixas de porco azul e cor-de-rosa que corriam pelo chão, subindo pelas paredes e pelo teto. Canções natalinas clássicas e contemporâneas tocavam suavemente ao fundo, e o ar cheirava forte e doce graças as panelas de chocolate quente de hortelã-pimenta que Gin tinha ficado preparando toda a manhã.

Mas ela tinha estado especialmente ocupada quando se tratava dos flocos de neve de papel. Dezenas de fileiras vermelhas, brancas e verdes desciam do teto como teias de aranha natalinas. Algumas delas foram realmente cortadas em formas de teias de aranha, um sinal para o apelido de assassina da Gin, e ela até mesmo pendurou uma grande e brilhante aranha prateada no meio do restaurante, em meio a todos os flocos de neve de papel. A versão da Aranha de uma bola de discoteca.

Gin terminou com a cola e segurou os flocos de neve para mim novamente. Agora cada porquinho tinha olhos prateados e cintilantes que brilhavam sob as luzes e piscavam continuamente para mim.

Sim, ainda assustador.

— Eles não são fofos? — Ela sussurrou.

— Mmm.

Fofos certamente não era a palavra que eu usaria, mas decidi ser diplomático. Sempre a melhor abordagem ao lidar com uma assassina mortal. Oh, a Gin pode parecer toda doce e inocente, especialmente com as suas bochechas coradas, o seu cabelo castanho escuro puxado em um rabo de cavalo e seu avental vermelho natalino que continha um raminho de visco verde com lantejoulas, junto com as palavras Beije o Cozinheiro – ou então, mas eu sabia exatamente quão perigosa ela era.

Eu também sabia o quanto essa festa significava para ela.

Nas últimas semanas, Gin teve alguns problemas com Hugh Tucker, um vampiro que dizia fazer parte do "Círculo", uma sociedade secreta responsável por grande parte do crime e da corrupção em Ashland. Mas ela finalmente levou a melhor sobre Tucker, impedindo-o de colocar as mãos em milhões de dólares em joias preciosas que haviam sido escondidas no complexo do resort Bullet Pointe.

Essa vitória realmente levou Gin ao espírito natalino. Alguns dias depois de voltarmos de Bullet Pointe, ela anunciou que estava dando uma festa enorme. Ela estava planejando isso desde então, e ela tinha ido com tudo para a ocasião.

Além das decorações, Gin preparava uma ceia de Natal, com presuntos, perus e Sourdough Rolls{1} assando no forno do restaurante e molho de cranberry, purê de batatas e outras guarnições aquecendo nos fogões de mesa. Ela já tinha preparado várias sobremesas e o expositor de vidro estava cheio de biscoitos de gengibre, brownies de bolo de frutas e casca de menta com chocolate amargo brilhavam mais abaixo no balcão, longe da confusão do artesanato perto da caixa registradora.

— Bem, Silvio? — Gin perguntou, balançando os flocos de neve para mim novamente. — O que você acha? Flocos de neve de porco são a mais nova tendência de Natal apenas esperando para decolar?

Eu balancei a cabeça. — Eu sabia que não deveria ter compartilhado com você aqueles padrões que encontrei on-line.

Ela sorriu, ignorando completamente o meu sarcasmo. — Eu vou fazer alguns em forma de facas e garfos a seguir. Mas, claro, você não estará aqui para isso.

— E por que não? — Perguntei, olhando para o meu tablet e me perguntando se eu poderia ligá-lo antes que ela pegasse sua tesoura novamente.

— Porque você tem um encontro quente, lembra?

Suspirei de novo, mais longo, mais alto e mais profundo desta vez. — Quantas vezes eu tenho que te dizer? Não é um encontro.

Gin arqueou as sobrancelhas. — Um cavalheiro mais novo e fofo pediu que você o encontrasse para tomar café esta tarde?

— Sim.

— E você disse que sim?

— Sim.

— E seu coração fez um pequeno tamborilar de alegria quando você disse que sim?

Eu dei a ela um olhar azedo. — Meu coração não faz um pequeno tamborilar de alegria com nada.

Diversão brilhou nos olhos de Gin. — Uh-huh.

— Desde quando você está tão interessada em minha vida amorosa? — Eu resmunguei.

— Desde que você começou a flertar com aquele cara fofo sempre que ele entra no Pork Pit para o almoço. E especialmente desde que ele finalmente te convidou para sair. Qual é mesmo o nome dele? Mikey, Michael, Mario...

— Martin... Martin Mahoney.

Ela estalou os dedos. — Martin! É isso aí! Você sabe, se as coisas correm bem no seu café, você deve trazê-lo para a festa de Natal. Haverá muita comida e presentes para todos.

Eu olhei todas as panelas e frigideiras nos fogões, junto com todas as tigelas, espátulas e frascos de temperos alinhados nas bancadas ao redor. O que ela disse era certamente verdade; Gin era excepcionalmente generosa dessa maneira. Para ela, cozinhar era uma expressão de amor, uma chance de mostrar às pessoas o quanto ela se importava com elas. Daí a festa de Natal para todos os seus amigos e familiares.

— Na verdade, estou pensando em cancelar o meu encontro para o café.

Ela franziu a testa. — Por que você faria algo bobo assim?

— Eu recebi uma chamada. Liam Carter quer se encontrar com você.

Gin fez uma careta, depois pegou a tesoura e começou a virá-la de ponta a ponta na mão com facilidade constante e praticada. Eu a vi fazer a mesma coisa com tudo, de garfos a facas de manteiga até lâminas de silverstone que ela mantinha escondidas nas mangas dela. Eu também a vi mexer o seu pulso e enviar aqueles mesmos projéteis disparando em gargantas, corações e estômagos de seus inimigos com precisão mortal.

— O que é que ele quer? — Ela rosnou.

Não só Gin era uma assassina, mas como chefe do submundo de Ashland, ela era responsável por manter a paz entre os muitos criminosos que chamavam a cidade de lar. Ou, pelo menos, tentar.

— Ele está tendo alguns problemas com um rival que ele espera que você possa ajudá-lo a lidar antes que as coisas passem de meramente violentas para uma guerra total. — Limpei a garganta. — E ele também quer vir ao restaurante e desejar-lhe um Feliz Natal em pessoa. Ele mencionou ter um presente para você.

Gin bufou. — Eu aposto que sim. Assim como aqueles caras fizeram ontem. Os que sacaram todas aquelas armas e tentaram atirar em mim até a morte. Esse foi um belo presente de Natal.

Eu fiz uma careta. Em vez de concordarem em parar de atirarem nas ruas e aterrorizarem as pessoas em seu bairro, vários membros da gangue de motoqueiros Southern Shine tentaram matar Gin. Eles bloquearam ambas as extremidades do beco atrás do Pork Pit com suas motos, prendendo-a no meio. Então eles correram pelo beco, tentando atropelá-la com suas motos, junto com suas armas.

Grande erro.

Gin usara sua magia de Gelo para enviar sprays de adagas nos pneus dos motoqueiros, fazendo-os colidir com as paredes do beco. Então ela endureceu sua pele com sua magia de Pedra, espalmou suas facas e jogou-se bem no meio dos membros da gangue. Magia, facas, sangue, gritos, morte... não foi a primeira vez que vi a Aranha em ação, mas foi particularmente impressionante, com todos os motoqueiros derrubados em menos de dois minutos.

Tudo isso tinha me deixado desempenhar o papel do assistente diligente. Em outras palavras, limpar a bagunça. Então, eu entrei no restaurante e pedi a Sophia Deveraux, a cozinheira chefe, para vir me ajudar a despejar os corpos em um par de refrigeradores nas proximidades até que Sophia pudesse se desfazer deles de forma adequada e permanente em uma data posterior. Ela também me ajudou a esconder os detritos das motocicletas nas lixeiras que cobriam as paredes do beco.

Gin parou de girar a tesoura, agarrou-a pelo punho e apontou na minha direção. — Bem, você pode dizer ao Sr. Liam Carter que estamos fechados e que ele terá que esperar até amanhã. Eu não sinto vontade de sujar de sangue minhas roupas hoje quando ele fizer algo estúpido e tentar me matar.

Eu balancei a cabeça, peguei meu telefone do balcão e mandei uma versão muito mais educada para ele das palavras sarcásticas de Gin. E, desde que eu tinha meu telefone na minha mão de qualquer maneira, continuei indo em frente, percorrendo as telas e verificando por atualizações.

— Ok, você mandou uma mensagem para Carter. Isso é tudo que você precisa fazer. Agora você está apenas trabalhando por diversão. Eu não disse para você desligar o telefone e relaxar?

— Oh, não. — Desta vez, eu sorri. — Você só mencionou o meu tablet. Você não disse nada sobre o meu telefone.

Os olhos de Gin se estreitaram e ela brandiu sua tesoura para mim novamente. — Bem, isso é suficiente por hoje, Sr. Sanchez. Agora saia. Saia daqui e vá conhecer seu encontro quente.

Eu bufei. — Eu sou um homem de meia-idade. Não tenho certeza se voltarei a ter um encontro quente novamente.

— Você pode se surpreender. — Gin piscou para mim.

Ainda assim, era hora de ir embora, então fiz o que ela pediu e coloquei meu celular e tablet em um bolso protetor dentro da minha pasta de silverstone. Então, eu peguei meu casaco cinza, chapéu e cachecol do rack atrás da caixa registradora. Eu tinha acabado de pegar tudo quando meu telefone apitou com uma nova notificação. Eu comecei a abrir a minha maleta para ver o que era, mas Gin sacudiu a cabeça, pegou meu cotovelo e me guiou para a frente do restaurante.

— Vá — disse ela, abrindo a porta. — Divirta-se e nem pense em trabalho. Isso é uma ordem.

— Sim, senhora.

Gin sorriu e me empurrou para fora. Mais uma vez, eu soube quando estava derrotado, então eu inclinei a borda do meu fedora para ela, deixei o Pork Pit e parti pela calçada.


Capítulo 2

 

 

 

Era pouco depois do meio-dia, e as pessoas lotavam as calçadas, saindo de seus escritórios para almoçar e tratar de algumas coisas antes de voltarem para suas mesas e trabalharem o resto da tarde. Faltavam apenas alguns dias para o Natal, e todo mundo estava correndo, frenéticos para concluírem todas as suas tarefas a tempo para o feriado. As pessoas comparavam os preços de venda em seus telefones, pegavam coisas de última hora e levavam sacolas de presentes de uma loja para a outra. Luzes brilhavam em todas as janelas e as canções de Natal explodiam na rua quando as portas se abriam e os compradores entravam e saiam.

Não deveria nevar até mais tarde, mas algumas rajadas caíam das nuvens cinza-esbranquiçadas, depois dançavam ao longo da rua, empurradas para frente e para trás pela brisa constante e fria. Mas eu não me importava com a neve ou com o frio. Isso só fazia parecer mais com o Natal.

Eu nunca fui um grande fã do Natal, pensando que era mais para crianças do que qualquer coisa, mas Gin tinha me desgastado com sua alegria implacável ao longo dos últimos dias. Talvez ela estivesse certa. Talvez eu devesse trazer o Martin para a festa se as coisas corressem bem. A comida seria certamente fantástica, melhor do que qualquer coisa que você poderia obter em qualquer outro restaurante do centro. Quanto à decoração, bem, talvez ele encontrasse o tema de Natal e churrasco encantador. Talvez ele nem notasse os flocos de neve em forma de porco. Eu poderia torcer, de qualquer maneira.

Eu esperei a minha vez na esquina para atravessar para a próxima rua, em seguida, entrei no fluxo de humanos. Enquanto eu caminhava, olhei em volta e espiei os reflexos nas vitrines das lojas que eu passei, só para ter certeza de que ninguém estava me seguindo ou me observando de qualquer maneira que eles não deveriam.

Eu passei anos trabalhando para Beauregard Benson, um vampiro sádico que controlava grande parte do tráfico de drogas em Southtown, a parte de Ashland que abrigava gangues, traficantes e outras pessoas perigosas, desesperadas e azaradas. Além de se empanturrar de sangue, Beau também tinha sido capaz de sugar a vida de uma pessoa com sua magia do Ar – algo que ele fazia sempre que tinha vontade. Dado que, por um capricho, ele até fazia isso com seus próprios homens, eu estava acostumado a observar minhas costas e estar de guarda contra praticamente todo mundo, inclusive o meu empregador.

Claro, eu não precisava me preocupar com Gin fazendo algo assim comigo. Ela pode ser uma assassina, mas ela tinha um dos melhores corações que eu já conheci, se não o melhor gosto em decorações de natal.

Eu olhei ao redor novamente, mas ninguém estava prestando atenção em mim; eu era apenas outro rosto na multidão. Todos tinham seus queixos enfiados em seus casacos e seus olhos colados em seus telefones enquanto corriam para seus destinos, e eu realmente me vi relaxando um pouco, assim como Gin queria que eu fizesse.

Então, eu coloquei meu chapéu um pouco mais para baixo na minha cabeça, puxei meu cachecol um pouco mais alto em volta do meu pescoço, e caminhei, admirando as luzes coloridas, guirlandas verdes e árvores decoradas. Eu até assobiei junto com algumas das canções de Natal.

Três quarteirões depois, parei atrás de um grupo de pessoas indo para uma loja. Na janela, um enorme sinal em forma de bolo de chocolate, com uma torre de chantilly e uma cereja no topo, iluminava uma fatia de neon de cada vez. Quando o bolo estava totalmente iluminado, começava a piscar, junto com as palavras The Cake Walk que se arqueava sobre a sobremesa.

O The Cake Walk era outro dos restaurantes do centro de Ashland, o lugar ideal se você queria uma boa xícara de café e uma sobremesa do tamanho de um prato de jantar. Costumava ser pouco mais do que um buraco na parede, mas desde que Gin tinha remodelado o Pork Pit há alguns meses atrás, muitos restaurantes nas proximidades tinham seguido o exemplo, tentando acompanhá-la. O The Cake Walk foi um dos poucos lugares que realmente teve sucesso, principalmente porque a comida aqui era quase tão boa quanto a do Pork Pit.

Muitas vezes eu desejei que a Gin fosse dona da loja de sobremesas em vez do seu restaurante de churrasco. Às vezes eu me cansava de churrasco, mas eu tinha um dente doce do tamanho do Texas, algo que Gin tinha descoberto e usado para sua vantagem, me servindo biscoitos de chocolate, bolos e tortas sempre que ela pensava que eu estava sendo muito sério e mal-humorado.

Eu entrei no restaurante. O The Cake Walk foi criado no estilo cafeteria, com os clientes se servindo em fila com suas bandejas de plástico vermelhas e dizendo aos funcionários quais cafés e sobremesas que eles queriam. O restaurante oferecia desde os típicos expressos e cappuccinos até as especialidades sulistas, como torta de amora e grossas fatias douradas de bolo Mountain Dew. Você também poderia obter sopas, saladas, sanduíches e coisas do tipo, se você quisesse algo um pouco mais forte. Eu respirei, aproveitando o leve e doce aroma de baunilha, canela e outras especiarias de cozimento misturadas com o aroma escuro e rico das milhares de xícaras de café que eram feitas aqui todos os dias.

Eu fiz a varredura da multidão, mas eu estava alguns minutos adiantado para o meu encontro às doze e trinta, e Martin não estava aqui ainda. Então, passei pela fila da lanchonete e peguei uma mesa no canto. Tirei meu casaco, chapéu e cachecol, pendurei-os nas costas da cadeira e me sentei. Como Gin não estava aqui para ameaçar meus eletrônicos, eu puxei meu telefone e tablet da minha pasta para verificar as minhas mensagens.

Sim, eu sabia que era um pouco obsessivo, mas um bom assistente sempre mantinha o controle das coisas. Gin tinha me dado uma segunda chance na vida, e eu a pagaria de volta sendo o melhor assistente de todos os tempos.

Mas eu não recebi nenhuma informação nova e importante dos meus contatos sobre as atividades do submundo e outras ameaças potenciais. As coisas estavam lentas desde a semana passada, com muitas pessoas fora de seus escritórios, e eu sabia que eles só voltariam depois do Ano Novo. Até os criminosos estavam ocupados com as festas de fim de ano.

Eu olhei ao redor, mas Martin ainda não estava aqui, então eu liguei meu teclado ao meu tablet e abri um arquivo secreto na minha tela.

Meu livro.

Ninguém sabia que eu estava escrevendo um livro, nem mesmo Gin. Começou como uma brincadeira, na verdade. Depois que Gin matou Beauregard Benson, eu não estava à disposição do vampiro e trabalhando 24 horas por dia, e eu me encontrei com muito tempo livre. Uma noite, eu estava assistindo a um filme noir de detetive na TV, mas eu estava um pouco entediado, então peguei meu laptop e comecei a escrever uma pequena história sobre um assistente pessoal educado que se tornou o herói quando seu chefe detetive particular foi assassinado. O assistente podia ter uma ligeira semelhança comigo e o chefe assassinado podia ter sido bastante semelhante a Beau.

Cozinhar era a terapia de Gin, e eu descobri que escrever era a minha. Eu gostei de escolher apenas as palavras certas, de encontrar o tipo certo de personagens fortes, peculiares e amáveis, e organizar todos eles em uma história divertida e cheia de ação. Pelo menos, eu esperava que fosse divertida. Eu não deixei ninguém ler ainda e eu não sabia se o faria. Independentemente disso, digitar as palavras me ajudou a relaxar e esquecer os meus problemas – e os problemas do Gin também.

Mas aquela história tinha ficado cada vez mais longa, até agora era quase um livro completo – exceto pelo final. Por mais que eu tentasse, não conseguia pensar em um final apropriado para a minha história. Meu assistente de temperamento moderado teve um avanço, percebendo quem tinha matado o seu chefe e por quê... exceto pelo fato de que eu não sabia quem havia matado seu chefe e por quê.

Difícil terminar um livro sem o final.

Eu li os parágrafos que eu escrevi na noite passada, mas ao contrário do meu personagem, eu não tinha nenhum novo insight brilhante.

Eu olhei para o meu relógio. Quase doze e meia. Martin estaria aqui a qualquer momento, então eu salvei meu trabalho, coloquei meu tablet de lado e peguei meu telefone. Eu olhei ao redor novamente, mas ninguém estava me observando, então mudei a posição do meu telefone para que eu pudesse me ver na tela.

Cabelos grisalhos, olhos cinzentos, pele bronzeada, feições agradáveis. Eu usava o meu melhor terno cinza escuro e eu estive sentado duro e reto a maior parte do dia, para afastar as rugas do tecido o melhor que podia. Tudo junto, eu diria que eu parecia distinto. Digno. Talvez até elegante, se eu estivesse sendo generoso comigo mesmo. De qualquer forma, eu estava aqui agora, e não havia como mudar o meu traje – ou desistir do encontro. Cancelar no último minuto seria excepcionalmente rude.

Eu alisei minha gravata de seda cinza, e meus dedos pegaram as pontas afiadas do meu alfinete na gravata, um pequeno círculo cercado por oito raios finos. Uma runa de Aranha, o símbolo da paciência, e algo que dizia exatamente a todos para quem eu trabalhava.

Eu fiz uma careta. Eu sempre usava a runa de Gin sempre que eu estava no Pork Pit, para que todos os chefes do submundo e seus subordinados soubessem quem eu era, se já não soubessem. Mas ter o seu encontro percebendo que você trabalhava para uma assassina notória provavelmente não era a melhor maneira de começar as coisas.

Oh, Martin pode ter visto minha runa de Aranha antes no restaurante, mas eu não achava que ele tivesse prestado muita atenção a isso, e eu certamente não queria que ele começasse a fazer perguntas sobre isso agora. Então, eu coloquei meu telefone na mesa e tirei o alfinete da gravata. Mas é claro que eu estava com pressa e me espetei no polegar quando eu estava tentando colocar o fecho de volta no alfinete.

— Droga! — Eu murmurei.

Por sorte, eu consegui pegar um guardanapo do dispensador na mesa e enrolei em volta do meu polegar antes que eu tivesse sangue em todo o meu terno. Mas eu ainda estava com pressa, e levei mais duas tentativas antes de finalmente deslizar o fecho de volta no alfinete estúpido...

— Problema? — Uma voz baixa murmurou.

Eu olhei para o homem em pé ao lado da minha cadeira. Martin Mahoney tinha uns quarenta e poucos anos, o que tornava cerca de dez anos mais novo do que eu. Eu posso ser distinto, digno e um pouco elegante, mas Martin era francamente lindo, com seu cabelo castanho-escuro ondulado, olhos azuis, pele bronzeada e dentes perfeitos.

Um sobretudo de cor de camelo foi colocado perfeitamente sobre o seu terno marrom claro e camisa branca, enquanto uma mochila de couro marrom, amassada, pendia de sua mão. Martin era um professor universitário, mas eu sempre pensei que ele parecia mais uma antiga estrela de cinema que de alguma forma saiu da tela e entrado na Ashland dos tempos modernos.

Ele apontou para o guardanapo ensanguentado ainda em volta do meu polegar. — Você está bem, Silvio?

— Não é nada.

Eu enrolei minha outra mão em torno do alfinete de runa de Aranha e rapidamente coloquei no bolso da minha calça para que ele não o visse. Depois eu limpei a última gota de sangue do meu polegar, amassei o guardanapo sujo, e coloquei de lado.

Martin largou a mochila, tirou o casaco e colocou-o no encosto da cadeira. — Eu vou pegar os cafés. Preto para você, certo? Três torrões de açúcar?

Eu sorri para ele. — Preto com três torrões de açúcar. Você se lembrou.

Ele sorriu de volta para mim, seus olhos se enrugando nos cantos. — Claro que me lembrei. Eu te vi beber com frequência suficiente no Pork Pit nas últimas semanas.

Martin era um professor de inglês que ensinava ficção popular na Faculdade Comunitária de Ashland. Uma vez por semana, ele ia ao Pork Pit almoçar entre as aulas. Um dia, ele notou que eu estava lendo a cópia de The Maltese Falcon, de Raymond Chandler, que Gin tinha deixado ao redor do restaurante. Martin ensinava ficção policial, entre outros cursos, e ele iniciou uma conversa comigo sobre o livro.

Nós estivemos conversando desde então.

Ele tinha começado a ir ao restaurante com mais frequência para almoçar, às vezes duas ou até três vezes por semana. Quanto mais eu conversava com ele, mais eu gostava dele, e pensava que ele sentia o mesmo por mim. Todos os dias, por volta de uma da tarde, eu me encontrava olhando a porta da frente do Pork Pit, imaginando se ele almoçaria lá - comigo. Na semana passada, ele finalmente me convidou para tomar um café.

Eu disse que sim na hora, mas eu marquei o encontro para essa semana, então eu teria bastante tempo para fazer uma verificação completa dos seus antecedentes.

Martin Mahoney era exatamente quem ele parecia ser: um cara que cresceu em Ashland, foi embora para a faculdade em Bigtime, Nova York, e, em seguida, se mudou por todo o país, ensinando em várias escolas diferentes, antes de finalmente voltar para a sua cidade natal. Ele estava trabalhando na faculdade comunitária há quase dez anos e era um dos professores mais populares no campus. Eu não encontrei nenhuma sujeira sobre ele. Nem um único escândalo da faculdade ou um caso imprudente com um aluno, nem mesmo uma prisão ou até mesmo uma multa de trânsito. Tanto quanto eu poderia dizer, ele era apenas um cara legal.

Ainda assim, com Hugh Tucker e o resto do misterioso Círculo lá fora, você não poderia se dar ao luxo de não ser muito cuidadoso. Pelo menos, era o que Gin continuava dizendo. Sua paranoia desenfreada era uma das coisas que eu mais admirava nela, especialmente porque ela era tão frequentemente justificada em suas suspeitas.

Então, eu não iria me deixar gostar muito de Martin... ainda. Ele pode não ser um criminoso condenado, mas ele ainda pode ser uma total perda de tempo.

— Você quer alguma coisa além do café? — Martin perguntou. — Biscoitos, pedaço de bolo, um pouco de torta?

Por mais que eu teria amado todos os itens acima, eu não queria migalhas por todo o meu rosto e terno, enquanto estávamos conversando. Eu balancei a cabeça. — Não. Apenas o café está bem.

Ele sorriu para mim de novo, depois entrou na fila para pegar nossas bebidas.

Alguns segundos depois, meu telefone apitou com uma mensagem de Gin: Eu sei que você está com o seu telefone ligado. Como vai o grande encontro?

Eu mandei uma mensagem de volta: Tudo bem.

Eu esperava que fosse o fim da conversa, mas, é claro, meu telefone tocou de novo menos de um minuto depois.

Bem? Isso é muito evasivo. Eu quero DETALHES.

Mandei uma mensagem de volta: Não vou discutir isso com você.

Ainda não. Agora, desligue seu telefone e divirta-se. Ordens da Gin.

Revirei os olhos, mas estava sorrindo enquanto deslizava meu celular, tablet e teclado de volta para minha pasta. Gin sempre alegava que eu agia como a mãe dela, mas ela fazia exatamente a mesma coisa comigo. Ainda assim, era legal ter alguém que se importasse, mesmo que eu preferisse manter meus sentimentos por Martin – e praticamente todo o resto – para mim mesmo.

Martin voltou com os nossos cafés, que ele colocou na mesa. Depois ele se sentou no banco em frente ao meu, inclinou-se para a frente e me lançou outro sorriso. — Agora que temos a nossa dose de cafeína, podemos finalmente ir ao que interessa.

Eu alisei minha gravata novamente, peguei meu café e sorri de volta para ele.


Capítulo 3

 

 

 

O encontro foi ótimo – absolutamente, positivamente ótimo.

Martin e eu conversamos sobre livros, filmes e música. Nós relembramos sobre todos os lugares para onde viajamos, incluindo os nossos lugares de férias favoritos, o dele era Cloudburst Falls, enquanto o meu era Cypress Mountain. Ele me contou histórias engraçadas sobre seus alunos e colegas professores, enquanto eu o agradei com contos altamente editados do meu trabalho para Gin, que eu pintei como uma simples dona de restaurante com um amor exagerado por churrasco.

Eu senti como se estivéssemos realmente clicando, realmente conectando, e isso me fez muito mais feliz do que eu esperava. Fazia muito tempo desde que eu estive interessado em alguém. Ou melhor, desde que eu tinha me deixado estar interessado em alguém.

Beauregard Benson tinha assassinado Derrick, o último cara com quem eu tinha saído, bem na minha frente, e eu não estive com ninguém desde então. Derrick tinha sido um homem doce, gentil e atencioso demais para fazer parte da equipe implacável de Beau, mas ele gostava do dinheiro fácil e dos pagamento gordos. Mais de uma vez, eu tentei persuadir Derrick a deixar Ashland, mas ele teimosamente insistiu em ficar, dizendo que alguém precisava cuidar das minhas costas.

Ele morreu por seu cuidado e preocupação.

Eu aprendi minha lição da maneira mais difícil e não queria arriscar me envolver com outra pessoa. Oh, Gin não era nada como Beau. Ela não matava as pessoas por maldade ou por capricho ou simplesmente porque a divertia. E ela nunca, jamais machucaria alguém com quem eu me importasse. Mas ser assistente de uma assassina vinha com mais do que seu quinhão de perigo, e eu não queria que ninguém se machucasse por causa do meu trabalho para Gin.

Mas, mais do que isso, eu não queria me machucar de novo também.

Assistir Derrick morrer, ver o horror em seus olhos enquanto ele silenciosamente me implorava para ajudá-lo, e saber que já era tarde demais, que não havia nada que eu pudesse fazer para salvá-lo... isso foi pior do que a minha própria tortura mais tarde nas mãos e presas de Beau. Ele tinha arrancado um grande pedaço do meu coração, e eu não tinha pressa em oferecer outro pedaço frágil para alguém novo.

Mas quanto mais eu falava com Martin, quanto mais tempo passamos juntos, mais eu o via sorrir e o ouvia rir...

Talvez ele valesse o risco.

Martin bebeu o café e ergueu a xícara. — Eu preciso de um refil. E quanto a você?

Eu balancei a cabeça. — Não. Eu estou bem.

— Tudo bem, mas eu preciso de outro golpe de café para me ajudar nas minhas aulas da tarde. — Ele piscou para mim, ficou de pé e foi pegar seu refil.

E foi aí que notei os homens.

Havia três deles, espalhados pelo restaurante, cada um em uma mesa diferente. Todos gigantes vestindo ternos escuros, e carregando armas sob seus paletós.

Eles estavam sentados em suas mesas, tomando café e segurando seus telefones como todo mundo. Mas em vez de olhar para os seus aparelhos, os três gigantes continuavam olhando ao redor do restaurante, como se estivessem esperando que algo importante acontecesse. Eu reconhecia músculos contratados quando os via, e esses caras obviamente trabalharam para alguém. Mas para quem?

Graças ao meu tempo com Beau e Gin, eu conhecia praticamente todos os chefes criminosos da cidade, junto com muitos de seus empregados. Eu fiz a varredura do restaurante, mas eu não reconheci ninguém, certamente ninguém que precisava de três guarda-costas. A maioria das pessoas eram estudantes universitários de acordo com seus livros didáticos ou empresários fazendo uma pausa de seus escritórios nos arranha-céus para seu enésimo latte do dia. Nenhum deles parecia suspeito, e absolutamente nenhum deles emitia qualquer tipo de vibração escura e perigosa. Além dos gigantes, o único outro criminoso real e óbvio aqui era... eu.

Um desconforto frio desceu pela minha espinha e um pensamento preocupante surgiu na minha mente.

Eles poderiam estar aqui por mim?

Eu posso ser apenas o assistente da Gin, mas eu definitivamente poderia ser usado para lhe mandar uma maldita e horrível mensagem. Gin tinha matado muita gente má, e muitos dos criminosos queriam se vingar pelas mortes dos seus amigos, enquanto outros queriam assassiná-la para que pudessem assumir o papel de chefe. Qualquer um deles ficaria feliz em me matar como um substituto, apenas para machucá-la e conseguir a satisfação mesquinha que pudessem.

Quanto mais eu pensava nisso, mais sentido isso fazia, especialmente dado o que aconteceu ontem com a gangue de motoqueiros Southern Shine. Até agora, os líderes da gangue devem ter percebido que seu plano para matar Gin tinha falhado. Talvez eles tenham me visto sair do restaurante mais cedo e decidido uma vingança rápida e fácil, ao invés de enfrentar a própria Aranha. Eu não acho que os motoqueiros se vestem com ternos de negócios, mas talvez eles tivessem trocado seus jeans e jaquetas de couro por algo um pouco menos conspícuo.

Um dos gigantes olhou para mim, apenas para desviar o olhar quando percebeu que eu estava observando ele. Essa foi toda a confirmação que eu precisava de que eu era de fato o alvo deles – e que eu precisava sair daqui antes que eles tirassem suas armas e começassem a atirar.

Mas é claro, Martin escolheu esse exato momento para voltar à nossa mesa, uma xícara de café fresco na mão dele. — Agora estou pronto para enfrentar o resto do meu dia.

Eu fiquei de pé e peguei minha pasta, junto com meu casaco e cachecol, e coloquei meu chapéu na minha cabeça. — Me desculpe, mas eu tenho que ir.

Martin franziu a testa. — O quê? Por quê? Pensei que estávamos nos divertindo.

— Estávamos. Mas minha chefe acabou de me enviar uma mensagem. Emergência no restaurante. Eu te ligo mais tarde, ok?

Eu não esperei por uma resposta. Eu joguei vinte dólares na mesa, mais do que suficiente para cobrir nossos cafés, passei por Martin e andei para fora.

— Espere! — Eu o ouvi gritar atrás de mim. — Silvio, espere!

Eu cerrei meus dentes e andei mais rápido, tentando me afastar dele e do restaurante antes que os três gigantes saíssem e me alcançassem.

Mas havia mais nessa armadilha do que apenas os homens no restaurante. Mais dois gigantes saíram de um beco e foram para a calçada na minha frente. Um deles levantou o braço, só um pouquinho, para me mostrar a arma na mão.

— Venha calmamente, e nós não vamos matar você onde está — disse ele, zombando.

Eu não tinha escolha. Se eu tentasse lutar contra eles, eles começariam a atirar. Eu não estava preocupado em ser atingido, mas muitos transeuntes inocentes passavam por nós na calçada, indiferentes ao perigo que eles estavam correndo. Eu não ia ser responsável por suas mortes.

— Tudo bem. — Eu estendi meus braços. — Tudo bem. Você me pegou.

O gigante deu um passo à frente, agarrou meu braço e empurrou sua arma contra o meu lado. Ele apontou a cabeça na direção do beco que ficava entre o The Cake Walk e o próximo negócio. Uma van preta não identificável com o seu motor ligado estava esperando no final do corredor.

— Vamos dar um passeio e entrar na van. Devagar e com calma — disse ele. — Sem truques, ou eu vou te dar um tiro no estômago e deixar você se esvair em sangue. Entendeu?

— Entendi — eu murmurei.

O outro gigante arrancou meu casaco, cachecol e pasta das minhas mãos. O bastardo ainda pegou o chapéu da minha cabeça e o colocou em si mesmo, sorrindo para mim, claramente pretendendo mantê-lo. Então o primeiro homem apertou o meu braço e começou a me levar para a van.

Eu fui com eles sem protestar, como se estivesse muito preocupado com a arma ao meu lado para lutar de volta. Não que armas me assustassem. Nem um pouco. Não depois de ver o que Beau e Gin poderiam fazer com a magia deles. Minha obediência era simplesmente estratégica.

Eu precisava levar os homens mais longe no beco antes de matá-los.

Exceto pela van, o corredor estava deserto, sem inocentes por perto para se machucar. Eu não sabia quem eram esses homens ou o que eles queriam, mas eles não estavam aqui para me dar uma carona de volta ao Pork Pit. Se eu entrasse naquela van, havia uma boa chance de não sair vivo dela. Eu não tinha sobrevivido a trabalhar para Beauregard Benson e seu temperamento explosivo todos aqueles anos apenas para deixar um par de capangas de baixo nível me matar agora.

Além disso, os bastardos arruinaram o meu encontro. Eles iam pagar por isso.

Então, eu deixei os homens me levarem pelo beco, enquanto eu olhava para a esquerda e para a direita, pensando na melhor maneira de escapar. O beco era como qualquer outro em Ashland – escuro, úmido e sujo, com lixeiras alinhadas nas paredes e embalagens de fast-food gordurosas, garrafas de cerveja quebradas e outros restos de lixo no asfalto rachado. Eu senti um leve cheiro do café do The Cake Walk, mas o cheiro de cigarro e cerveja azeda derramada rapidamente o sobrepujou.

Mais à frente, um aglomerado de latas de lixo se projetava quase no meio do beco. Agora mesmo, o gigante tinha me encostado contra a parede, com o segundo homem seguindo, ainda carregando meu casaco, cachecol e pasta. Mas nós três teríamos que nos afastar da parede para contornar as latas de lixo. No segundo que o fizéssemos, eu pegaria uma das tampas de metal, bateria na cara do gigante com a arma e tirara a arma da mão dele. Então eu pegaria sua gravata, o puxaria na minha direção, afundaria minhas presas em seu pescoço, e obteria um rápido gole do seu sangue e da sua inerente força de gigante juntamente com isso.

Com aquela súbita onda de força, eu poderia facilmente quebrar o pescoço do gigante, depois virar para o homem atrás de mim. Ele ficaria surpreso com o meu ataque, e levaria segundos preciosos para soltar meu casaco, cachecol e pasta e procurar por sua própria arma. Isso me daria tempo suficiente para avançar, agarrá-lo e quebrar o pescoço dele também. Então eu poderia pegar minhas coisas, limpá-las e seguir o meu caminho.

Era um bom plano, e provavelmente teria funcionado, exceto por uma coisa.

— Ei! O que você está fazendo? Deixe-o em paz! Silvio! Silvio!

Assustado, o gigante segurando-me virou-se, arrastando-me com ele. Martin ficou em pé no beco, um olhar preocupado no rosto, o celular na mão.

— Pare com isso! — Ele gritou, acenando com o telefone para os dois gigantes. — Deixe-o ir, ou eu vou chamar a polícia!

— Não, Martin! Não! — Eu gritei, mas já era tarde demais.

Um dos homens de dentro do restaurante apareceu atrás de Martin. O gigante sacou sua arma e bateu na parte de trás da cabeça de Martin, e ele caiu no chão sem um som.

Raiva rugiu pelo meu corpo. Novo plano. Atacar agora mesmo.

Com uma mão, empurrei a arma do gigante para longe do meu lado. Com a outra, eu lhe dei um soco na garganta. Enquanto ele ofegava por ar, eu peguei a arma de sua mão, o girei, e empurrei-o contra a parede do beco.

Então, eu abri minha boca, me joguei para frente e afundei minhas presas profundamente em seu pescoço.

Um leve pop-pop soou, enquanto minhas presas afiadas cortavam a pele do gigante e perfuravam sua pele, músculos grossos e fortes e tendões por baixo. Em um instante, o sangue fluiu para a minha boca e eu engoli, gole após gole.

A maioria dos vampiros amava beber sangue, especialmente sangue fresco direto da fonte, por assim dizer. Outros debateriam incessantemente seus tipos favoritos de sangue, de gigante a anão e a elemental, como se fossem vinhos gourmet para serem degustados, em vez de pessoas reais. Alguns vampiros até organizavam festas de degustação de sangue, discutindo coisas tão ridículas como a forma que as pessoas que comiam muitas frutas costumavam ter notas deliciosas e saborosas no sangue delas.

Eu? Eu realmente não gosto de beber sangue. Nunca, nunca gostei. Eu achava o gosto de cobre e a textura grossa e pegajosa bastante desagradáveis. Além disso, sempre era horrível escovar os dentes depois. No entanto, sangue continha vitaminas e minerais importantes que os vampiros precisavam para sobreviver, então eu tinha que consumi-lo, quer eu quisesse ou não. Na maioria das vezes, quando eu tomava meu copo matinal de O-negativo do banco de sangue de vampiros local, eu despejava toneladas de açúcar nele, tentando compensar o forte sabor metálico. Oque, eu admito, é totalmente repugnante à sua maneira.

Mas a coisa boa de ser um vampiro e beber sangue era que me permitia aproveitar o poder daquela pessoa em particular, sejam eles humanos, gigantes, anões ou elementais. Na maioria das vezes, eu ficava com sangue humano comum, já que era o mais barato e fácil de obter. Além disso, o sangue humano ainda era suficiente para me dar sentidos aprimorados, junto com um pouco de velocidade, força e resistência extra.

Mas sangue de gigante? Não só consegui sentidos extremamente apurados, como o sangue de gigante também era bom para ter um monte de superforça.

Com cada gole de sangue que eu engoli, senti a força do gigante invadir meu próprio corpo, como se eu fosse um balão que estava sendo lentamente preenchido com ar. A energia pura e crua explodiu no poço do meu estômago e rapidamente se espalhou, como raios zumbindo através de todos os meus músculos, tendões e ossos e fazendo todos eles crepitarem com eletricidade. Se eu pudesse vê-los, sabia que meus olhos cinzentos estariam brilhando uma luz prateada por causa do súbito afluxo de sangue, força e poder.

O gigante gritou e gritou enquanto eu o esvaziava gole após gole. Em menos de vinte segundos, eu o drenei, e seus gritos se reduziram a pequenos gemidos. Eu arranquei minhas presas do seu pescoço, recuei e empurrei-o para o lado. Eu mal o empurrei, mas a minha nova força o jogou a quatro metros no beco, bem no aglomerado de latas de lixo que eu havia notado antes. Lixo pulverizou em todos os lugares, mas o gigante não se mexeu.

Um homem abatido. Para o próximo.

Eu me virei, pronto para lutar contra o meu próximo inimigo.

Mas era tarde demais.

Enquanto eu estava drenando o gigante, os outros dois homens do restaurante tinham corrido para o beco e se juntaram aos seus dois amigos já aqui. Eles não hesitaram. Os quatro pularam em mim de uma vez, me levando para o chão. Eu sibilei e rosnei, socando e chutando, dirigindo meus punhos para os braços, pernas, cabeças e peitos dos homens empilhados em cima de mim.

Mesmo com a minha força roubada, ainda era quatro contra um, e cada um deles era tão poderoso quanto eu. Um dos gigantes enfiou os dedos no meu cabelo, puxou minha cabeça para trás e bateu-a no pavimento tão forte quanto ele podia.

A dor explodiu no meu crânio e o mundo ficou negro.


Capítulo 4

 

 

 

Por muito tempo, eu vaguei na escuridão, não vendo, ouvindo ou sentindo nada. Mas a escuridão desapareceu e eu lentamente me dei conta de que tudo ao meu redor estava frio e duro.

O chão em que eu estava sentado. A parede atrás das minhas costas. O punho de metal em volta do meu pulso direito.

Meus olhos se abriram com essa última constatação. Luz apunhalou meu cérebro, fazendo-me assobiar e aumentando a dor no meu crânio, e levei vários segundos para afastar a dor e piscar o mundo de volta ao foco.

Eu estava sentado no chão, encostado a uma parede no que parecia um antigo armazém. A sujeira no piso de concreto estendia-se por dezenas de metros em todas as direções, levando até as paredes feitas de blocos de concreto trincados e empilhados uns sobre os outros. Pequenas janelas retangulares cobriam os topos das paredes, circundando todo o armazém, mas uma grossa camada de sujeira cobria o vidro, tornando as janelas tão escuras e sujas como todo o resto.

O armazém parecia ter sido abandonado há algum tempo, mas as luzes do teto ainda queimavam brilhante e firme, e uma unidade de aquecimento zumbia à distância, embora o ar estivesse morno, na melhor das hipóteses. Um colchão manchado se encontrava em um canto, junto com um carrinho de compras vazio e amassado, como se algum sem-teto tivesse dormido aqui. Revistas antigas, latas de cerveja e de refrigerante vazias, e cigarros esmagados cobriam o chão de um lado do armazém ao outro.

Várias cadeiras se agrupavam em torno de uma mesa dobrável que ficava sobre um trecho de chão relativamente livre de lixo cerca de seis metros diretamente na minha frente. Pilhas de cartas cobriam a mesa, uma em cada cadeira, como se meus sequestradores estivessem jogando pôquer enquanto esperavam que eu acordasse. Essa era definitivamente a base de operações de alguém, o que significa que eles provavelmente me trouxeram aqui para interrogar, torturar, e me matar em privado. Que sorte a minha.

Eu comecei a ficar de pé, mas uma série de altos de rangidos soaram, me lembrando que eu estava amarrado. Uma algema estava presa ao redor do meu pulso direito, com a outra extremidade da corrente sólida que se estendia por cerca de um metro e meio antes de envolver um cano que corria ao longo da parede. Três cadeados engancharam a corrente em diferentes pontos ao longo do tubo.

Eu sacudi a algema e a corrente, mas elas não mexeram, então eu as estudei um pouco mais de perto. A corrente e os cadeados eram apenas de metal comum, mas as algemas eram feitas de silverstone. Até com o que sobrou da minha força gigante roubada, eu ainda teria dificuldade em romper o metal mágico. Ainda assim, tentei sacudir a algema e a corrente de novo e de novo...

— Não adianta — uma voz baixa falou. — Eu já tentei isso.

Eu olhei para a minha esquerda. Martin estava sentado no chão a uns três metros de mim, também algemado e acorrentado a um cano. Seu cabelo castanho escuro preso em ângulos estranhos, mas seus olhos azuis pareciam afiados e claros. Ele havia perdido o sobretudo e a sujeira manchava seu terno marrom claro. Sujeira também borrava sua bochecha esquerda, mas não diminuía sua beleza.

Ele estremeceu e levantou a mão para a parte de trás de sua cabeça, onde o gigante o atingiu com a arma. Depois de alguns segundos, ele estendeu a mão, mas nada manchava as pontas dos dedos.

— Nenhum sangue. Isso é um bom sinal, certo? — Ele disse, tentando fazer uma piada.

Eu não falei nada. Nenhuma palavra tornaria esta situação melhor.

Então eu olhei ao redor do armazém novamente, usando minha visão aprimorada para olhar em todos os cantos e procurar por qualquer coisa que pudesse nos ajudar a sair daqui. E eu realmente encontrei algo: minha pasta, colocada no chão ao lado de uma das cadeiras na mesa de poker.

Martin seguiu meu olhar e percebeu o que eu estava olhando. — Essa é sua pasta? Você... você tem uma arma lá? — ele sussurrou.

Eu balancei a cabeça. — Não. Mas meu celular está lá. Se eu pudesse chegar lá, poderia pedir ajuda.

Ele assentiu. — Você está certo. Precisamos chamar a polícia.

— Não, a polícia não. Outra pessoa. Alguém melhor equipado para lidar com esse tipo de situação.

Martin franziu a testa. — Quem seria esse?

— G... — Eu comecei a dizer o nome de Gin, mas parei no último segundo. Eu não sabia bem porquê.

Martin ficou olhando para mim, sua testa se enrugando em confusão. — Por que você saiu correndo do restaurante? Por que aqueles homens apontaram uma arma para você? O que está acontecendo, Silvio?

Eu balancei a cabeça novamente. — Eu não sei. Eu só não sei...

Uma porta de metal na extremidade do armazém se abriu, me cortando, e os quatro gigantes do The Cake Walk entraram. Todos vestindo ternos e armas, assim como tinham antes.

Um dos gigantes que esteve me observando dentro do restaurante foi até a mesa, pegou uma das cadeiras, e trouxe para onde eu estava sentado no chão. Ele era alto, mesmo para um gigante, bem mais de dois metros, com um corpo que era todo músculo compactado. Uma grande mecha cinza corria para baixo no meio de seu cabelo preto, quase como uma listra de gambá, e seus olhos pareciam dois mármores marrons colocados nas rugas de sua pele bronzeada e coriácea.

Ele virou a cadeira de modo que a parte de trás estava de frente para mim e sentou-se nela, mas seu corpo era tão grande que ele escorreu dos lados, como uma enorme cavilha quadrada tentando se encaixar em um buraco muito menor e redondo.

— Você pode me chamar de Vincent — disse ele em voz baixa e grave. — Sou eu quem vai fazer as perguntas.

— E quais são as perguntas? — Perguntei, embora já tivesse uma boa ideia.

Ele sorriu, revelando um bocado de dentes mortos, cinzentos e podres. — Aquelas sobre a sua chefe. Gin Blanco. A assassina. A cadela que se chama a Aranha.

Martin sugou uma respiração entrecortada. — A-assassina? — Ele olhou para mim, seu rosto branco de choque. — Eu pensei que sua chefe fosse dona de um restaurante de churrasco!

Este era o momento que eu estava temendo, aquele que eu tinha tentado evitar a todo custo. A identidade da Gin não era exatamente um segredo, especialmente entre o submundo, mas pessoas comuns e não-criminosas na maioria das vezes achava que a Aranha era apenas uma lenda urbana, uma história que bandidos contavam a outros bandidos para os assustarem.

Eu não contei nada ao Martin sobre o alter ego da Gin porque ele teria deixado o Pork Pit e nunca voltado. Eu não queria que isso acontecesse. Eu só queria algo normal, especialmente hoje. Um cara legal encontrando outro cara legal para o café. Simples, fácil e descomplicado.

Mas o horror no rosto de Martin era o último prego no caixão do nosso encontro e qualquer relacionamento nós poderíamos ter tido. Mesmo se sobrevivêssemos a isso, ele nunca mais me olharia da mesma maneira. Ainda assim, eu iria manter as aparências pelo maior tempo possível.

— Ela é dona de um restaurante — eu disse. — Eu acho que esses senhores me confundiram - e ela - com outra pessoa.

Vincent soltou uma risada baixa e feia. — Negar todo o conhecimento e proteger os segredos da sua chefe até o amargo fim. Eu posso respeitar isso. A lealdade é difícil de encontrar hoje em dia, especialmente nesta cidade.

— Eu não sei do que você está falando. A Gin não tem nenhum segredo. Além da receita para o molho de churrasco. Se é isso que você está procurando, então temo que você esteja sem sorte. Nem eu sei o que ela coloca nele que o faz ter um sabor tão bom.

Vincent me estudou com seus frios olhos castanhos, e eu olhei de volta para ele. Eu mantive meu rosto em branco, mas minha mente se agitou, tentando descobrir quem eram esses caras e o que eles realmente queriam.

Os gigantes poderiam estar atrás dos milhões de dólares em joias preciosas que Gin havia recuperado no parque temático Bullet Pointe. Claro, Gin tinha dado as pedras para Ira Morris, o gerente do parque, mas talvez os gigantes não soubessem disso. Talvez eles achassem que Gin ainda tinha as pedras. Além de mim, Gin, e nossos amigos, porém, a única outra pessoa que sabia sobre as joias era Hugh Tucker, e eu não achava que esses caras trabalhassem para ele ou para o Círculo. Caso contrário, o próprio Tucker teria estado aqui e já estaria me torturando para conseguir informações.

Assim, se os gigantes não trabalhavam para Tucker, então para quem eles trabalhavam?

Folheei meus dossiês mentais sobre os chefes do submundo, pensando em todas as muitas gangues, traficantes de drogas, agenciadores de apostas, agiotas e muito mais de Ashland. Mas ninguém se destacou para mim. A melhor aposta era a gangue Southern Shine, mas esses caras não pareciam motoqueiros. Sem jaquetas de couro, sem botas, sem tatuagens. Além disso, os motoqueiros nunca estavam longe de suas motos e não havia motocicletas estacionadas dentro do armazém. Nenhum capacete empoleirado na mesa de jogo, nenhuma peça espalhada no piso de concreto, nenhuma lata de gasolina, nenhuma ferramenta, nada disso.

Então, quem eram esses caras? Do que se tratava tudo isso?

— Você tem um senso de humor engraçado — disse Vincent. — Normalmente, eu adoraria bater isso fora de você, especialmente desde que você matou Hank.

Uma carranca escura torceu seu rosto, e seus dedos se contraíram, como se ele quisesse envolvê-los em torno da minha garganta e me estrangular. Hank deve ter sido o gigante que eu drenei no beco.

Suspirei e fiz a inevitável pergunta. — Mas?

— Mas se você está em qualquer lugar perto de ser tão duro quanto Blanco é, então levará horas antes de você me dar o que eu quero.

— E o que é isso, exatamente?

Vincent encolheu os ombros maciços. — Eu te disse. Informações sobre Gin Blanco. Todos os pequenos segredos sujos da Aranha. Suas forças, fraquezas, vulnerabilidades. Quanta magia de Gelo e de Pedra ela realmente tem. Como ela conseguiu matar tantas outras pessoas sem morrer. Com quantas facas ela dorme debaixo do travesseiro à noite.

A resposta para a sua última pergunta era uma, o que eu sempre achei que era bastante contido da parte de Gin. Especialmente considerando quantas pessoas a queriam morta.

Vincent parecia que já sabia um pouco sobre Gin. Talvez se eu pudesse convencê-lo de que eu não sabia nada sobre ela ser uma assassina, então ele deixaria Martin e eu sairmos livres. Duvidoso, mas era meu único movimento agora. No mínimo, pode me dar um pouco mais de tempo para descobrir como escapar.

— E você acha que eu sei essas coisas só porque eu trabalho para a Srta. Blanco? — Eu balancei a cabeça. — Eu odeio desapontá-lo, Vincent, mas sou apenas seu assistente. Eu ajudo a administrar o restaurante dela. Eu passo meus dias sugerindo itens de menu, calculando os preços dos alimentos e encomendando garrafas de ketchup a granel. Nada mais, nada menos.

Mentiras completas, é claro. Gin era mais do que capaz de administrar o seu restaurante sozinha. Eu não tinha nada a ver com o Pork Pit, além de comer toda a comida deliciosa que ela cozinhava lá.

O que eu fazia era lidar com todos os negócios de Gin como a chefe do submundo de Ashland. Nomes, datas, lugares, reuniões. Eu mantive registros detalhados de cada chefe com quem ela já conversou, todos os favores que eles pediram a ela, todos os negócios que eles resolveram e todos aqueles em que renegaram.

Eu também ajudei Gin a atualizar os arquivos de seu mentor, Fletcher Lane, sobre vários criminosos, suas organizações, pessoal, e assim por diante, para que ela pudesse determinar o quão grande era uma ameaça para ela e para o resto do submundo de Ashland. E, claro, eu a estava ajudando a identificar os membros do Círculo, com base em algumas fotos que Fletcher havia deixado para ela em vários cofres.

Mas o mais importante, e sem o conhecimento dela, eu também mantinha notas sobre a própria Gin. O que ela gosta, não gosta, hábitos, hobbies, até mesmo seus regimes de treinamento com suas facas e todos os truques que ela poderia fazer com sua magia de Gelo e de Pedra. Não porque eu estava tramando contra ela, mas apenas para me ajudar a fazer melhor o meu trabalho. Somente então eu poderia ser um ótimo assistente e cuidar das suas necessidades.

Somente para que eu pudesse ajudar a mantê-la viva.

Nesses meses em que eu estava trabalhando para ela, eu passei a gostar muito da Gin, e eu não queria vê-la morrer. Ela me salvou de Beauregard Benson e eu estava determinado a salvá-la de todos os outros, inclusive dela mesma. Especialmente desde que ela tinha a tendência irritante e imprudente de se colocar em perigo com a menor ameaça para alguém que ela se importava.

Gin e eu poderíamos ter ideias diferentes sobre o que constituía decorações de Natal aceitáveis, mas ambos concordamos em uma coisa: a informação era muitas vezes a chave para destruir seus inimigos.

E todas aquelas informações preciosas sobre Gin estavam do outro lado da sala, dentro da minha pasta, armazenadas no meu telefone e no meu tablet.

— Agora, eu pensei que você poderia se fazer de idiota e afirmar que você não sabia nada sobre Blanco — disse Vincent. — Então eu criei uma estratégia para conseguir o que eu quero.

Eu olhei para ele. — E o que seria isso?

Ele sorriu. — Eu vou descarregar a minha raiva no seu amigo primeiro. Talvez isso solte a sua língua — Vincent levantou-se da cadeira e estalou os dedos. — Traga-o.

Os outros três gigantes se dirigiram para Martin, que olhou para mim, uma expressão de pânico em seu rosto.

— Não! — Eu disse, ficando de pé. — Não!

— Silvio! Silvio! — Martin gritou. — Ajude-me! Por favor!

— Martin! Martin!

Eu me lancei para frente e estiquei o braço, como se eu pudesse salvá-lo, se eu pudesse alcançar e tocá-lo. Mas a algema e a corrente no meu pulso me ancoraram na parede, me puxando de volta e não havia nada que eu pudesse fazer. Um punho esmagador de culpa envolveu meu coração.

Eu não conseguiria salvar o Martin, assim como não consegui salvar o Derrick.

Martin chutou com os pés, tentando manter os homens longe dele, mas eles facilmente se esquivaram de seus golpes desajeitados. Dois dos gigantes agarraram Martin e o colocaram de pé, segurando-o no lugar com a sua força muito superior, enquanto o terceiro gigante destravou a algema ao redor do pulso de Martin.

— Agora, então — disse Vincent, esfregando as mãos em antecipação. — Vamos para o outro quarto e conversar um pouco.

— Não! Não! — Martin gritou novamente.

Ele lutou com todas as suas forças, mas os gigantes levantaram-no e o levaram através de uma porta no final do armazém e fora da minha linha de visão.

Vincent riu de suas lamentáveis lutas. O gigante piscou para mim, então se virou e seguiu seus homens para fora do armazém.


Capítulo 5

 

 

 

Vincent fechou a porta atrás dele. No segundo em que ela se fechou, eu comecei a puxar minha algema e corrente novamente, mas elas não se dobraram ou se moveram, nem mesmo um centímetro. Então eu me aproximei, peguei o cano em que a corrente estava presa, e o puxei, tentando soltá-lo da parede. Mas isso não se moveu também. Eu rosnei uma maldição. Mesmo com a força gigante ainda correndo em minhas veias, eu estava bem e verdadeiramente preso...

Um grito rasgou o ar.

Eu me virei para a porta no final do armazém. O metal grosso permaneceu fechado, mas meus sentidos aumentados me deixaram claramente ouvir Martin gritando na sala ao lado, junto com um baque constante de thud-thud-thud-thud, como se Vincent estivesse batendo nele repetidas vezes com os punhos. Cada som doentio doía tanto quanto um soco no meu próprio intestino, mas eu forcei minha raiva e dor de lado e me concentrei em me libertar para que eu pudesse ajudar o Martin.

Ele não iria morrer como Derrick tinha.

Enfiei meus dedos sob a algema de silverstone e tentei tirá-la do meu pulso. Tentei quebrar a outra extremidade da algema que estava enganchada na corrente. Tentei quebrar a corrente em si, junto com os três cadeados anexados. Tentei puxar o cano da parede novamente.

Mas nada funcionou, e tudo o que consegui com as minhas tentativas foram dedos machucados e ensanguentados. Durante todo o tempo, aquelas batidas contínuas thud-thud-thud-thud continuaram, embora os gritos de Martin diminuíram lentamente para baixos gemidos de dor.

Frustrado, eu coloquei minhas costas contra a parede e deslizei para o chão. Algo cavou no meu quadril, uma forte e pequena pontada de dor que esfaqueou minha raiva e me fez estremecer. Eu rolei para o meu lado perguntando se eu teria me sentado em um pedaço de pedra lascada, mas então eu percebi que o objeto estava na verdade no bolso da minha calça. Eu coloquei minha mão lá e tirei.

Meu alfinete de runa de Aranha cintilou sob as luzes.

Eu esqueci que eu tinha tirado isso mais cedo. Eu comecei a enfiá-lo de volta no meu bolso, mas depois lembrei-me de como a ponta tinha apunhalado o meu polegar no The Cake Walk. A esperança se acendeu no meu peito, e eu puxei o fecho da parte de trás do alfinete, enfiei a ponta na fechadura da minha algema e comecei a trabalhar.

Eu não era um especialista em abrir fechaduras, não como Finnegan Lane, irmão adotivo de Gin, mas eu tinha aberto algumas portas no meu tempo, e eu esperava que isso não fosse muito diferente. Eu deslizei a ponta para trás e para a frente, para frente e para trás, tentando destravar a algema.

Durante todo o tempo, continuei escutando Vincent batendo em Martin na outra sala. Depois de cerca de dois minutos, o gigante parou a sessão de tortura, e os gemidos de Martin desapareceram. Alguns dos homens sussurraram um ao outro, embora eu não tenha me concentrado exatamente no que eles estavam dizendo. Não era importante neste momento, de qualquer forma.

Em vez disso, concentrei-me na minha ferramenta de abertura de fechaduras improvisada, esperando que funcionasse e que eu pudesse salvar Martin dos gigantes. Ou pelo menos nos dar uma chance de lutar...

Snick.

Sem mais nem menos, a minha algema se abriu.

Por um momento, sentei-me lá, olhando para a algema, piscando e pestanejando, não acreditando que tinha realmente funcionado – mas tinha. O alívio me encheu, junto com uma determinação fria e sombria. Eu pegaria minha pasta, meu telefone, ligaria para Gin e diria a ela o que estava acontecendo. Então, eu invadiria a próxima sala, tomaria Vincent e seus capangas de surpresa, e levaria Martin para a segurança.

Eu tinha começado a me levantar e avançar para a minha pasta, quando a porta do outro lado do armazém se abriu novamente. Eu rapidamente envolvi a algema de volta ao meu pulso, fazendo parecer que ainda estava bem trancada. Eu também deixei cair a minha mão para o meu lado para que ninguém visse o alfinete de gravata agarrado na minha mão. Não era nada perto de ser uma arma real, mas a ponta afiada poderia ao menos me dar o elemento surpresa, especialmente se eu a apunhalasse no rosto de alguém.

Vincent entrou no armazém, seguido por dois de seus homens, que carregavam o corpo de Martin entre eles. Os gigantes arrastaram Martin até onde eu estava sentado e o jogaram no piso de concreto bem na minha frente.

Martin soltou um gemido baixo e rolou de costas. Eu respirei fundo ao ver seu rosto maltratado. Vincent realmente tinha feito um número nele. Cortes irregulares cruzavam suas bochechas, enquanto inchados hematomas escureciam seus olhos. O sangue correu em uma linha fina de seus lábios inchados e partidos, e desceu pelo queixo antes de cair no colarinho de sua camisa branca amarrotada.

Mais raiva rugiu através de mim, e eu quase me levantei e ataquei o desgraçado naquele momento. Mas os outros dois gigantes ficaram atrás de Vincent, olhando para mim, suas mãos pairando sobre as armas no coldre de seus cintos. Eles poderiam facilmente atirar em mim antes mesmo de eu chegar perto o suficiente para derrubar seu chefe. Então, eu me forcei a esperar, embora eu ainda enrolasse meus dedos um pouco mais apertados ao redor do alfinete na minha mão.

Vincent tirou um lenço de seda branca do bolso da frente do paletó e devagar, metodicamente limpou o sangue – o sangue de Martin – das mãos dele. Uma vez que isso foi feito, ele se agachou ao lado de Martin. Ele olhou para o outro homem por um momento antes de virar seu olhar sombrio para mim.

— Agora, Sr. Sanchez, quero que você dê uma boa olhada em seu amigo aqui. Isto é o que acontece com as pessoas que não me dão o que eu quero. Na verdade, fui muito brando com ele. Eu não farei o mesmo com você.

Vincent deixou cair seu lenço ensanguentado no chão de concreto ao lado do rosto de Martin. Martin estremeceu e virou a cabeça para longe do gigante, mas eu me vi olhando para as mãos de Vincent.

Agora que ele limpou o sangue delas, eu pude ver o quão suave sua pele estava lá. Eu fiz uma careta e um sentimento doentio encheu a boca do meu estômago.

— Eu vou dar a vocês dois um momento a sós para conversarem sobre as coisas — disse Vincent, olhando para mim novamente. — Mas saiba isso. Se você não cooperar, haverá muito mais dor por vir – para ambos.

Com sua ameaça entregue, Vincent se levantou e saiu da sala, junto com seus homens. A porta fechou-se atrás deles. Por vários segundos, o único som foi a respiração áspera e rouca de Martin.

Lentamente, Martin se sentou e olhou para mim. — Não se preocupe — ele resmungou, sua voz rouca de dor. — Parece pior do que é.

Em vez de responder a ele, eu estendi meus sentidos, tentando ouvir o quão perto Vincent e seus homens estavam. A partir do leve arrastar de seus sapatos no chão, parecia que os quatro gigantes estavam na sala ao lado, mas eles estavam em silêncio, então eu não sabia ao certo. Estranho. Eu teria pensado que Vincent estaria se gabando sobre como ele tinha ferido Martin e que seus homens estariam parabenizando-o por um trabalho bem feito.

Eu também respirei fundo, abrindo a boca e deixando o ar rolar na minha língua, provando todos os aromas na sala ao meu redor. Eu cheirei exatamente o que eu esperava: as velhas manchas de óleo e outras sujeiras endurecidas no chão, a pedra esmagada que havia caído das rachaduras nas paredes, os frios flocos de neve que escorregaram pelas mesmas fendas. Mas havia uma coisa que estava fora de lugar, uma nota fraca, doce e pegajosa que girava no ar bem na minha frente...

Minhas narinas estremeceram e eu inalei e provei o ar novamente, só para ter certeza. Eu reconheci o cheiro e o aroma só aumentou a sensação de mal-estar no meu estômago.

— Sinto muito que você tenha sido arrastado para tudo isso — eu disse em voz baixa. — Não era assim que eu queria que o encontro terminasse. De maneira nenhuma.

Um leve sorriso levantou os lábios ensanguentados de Martin. — Bem, pelo menos foi memorável.

— Sim. — Eu sorri de volta para ele, mas meu sorriso desapareceu rapidamente. — Quão machucado você está? Você pode se mover? Precisamos sair daqui antes que eles voltem.

Ele fez uma careta e agarrou suas costelas. — Sim, eu posso me mover, não muito rápido. Qual é o plano?

Eu apontei para a minha pasta. — O mesmo que antes. Pegar meu telefone e pedir ajuda. Você chegar até lá?

Martin olhou para a porta fechada do armazém e depois para a minha pasta. — Eu acho que vou ter que fazer isso.

Eu fiquei de pé, com cuidado para não balançar minha algema e a corrente presa mais do que o necessário.

Martin se ajoelhou. Levou alguns segundos para recuperar o fôlego, mas ele agarrou suas costelas novamente e cambaleou para cima e para seus pés.

— Depressa! — Eu disse. — Você precisa se mexer! Agora!

Ele acenou para mim e tropeçou para frente. Ele cambaleou a cada passo do caminho, mas ele conseguiu chegar a mesa de poker e caiu em uma das cadeiras. Com movimentos lentos, ele agarrou a minha pasta, atirou-a sobre a mesa na frente dele, abriu o fecho, e procurou nos objetos dentro.

Alguns segundos depois, ele pegou meu celular e meu tablet.

Ele olhou para o telefone através dos olhos inchados e enegrecidos. — Está pedindo uma senha. Qual é?

— Faixasdeporco. Meu tablet tem a mesma senha.

Ele olhou para mim, obviamente confuso. — O quê?

Eu mudei de pé, um pouco envergonhado. — Faixasdeporco. Gin as tem em todo o restaurante. Todas estas pequenas faixas de porco azul e cor-de-rosa correndo por todo o chão e paredes. Apenas coloque no meu celular. Vai funcionar. Eu prometo.

Eu não sabia o que me fez escolher essa senha, especialmente porque eu não gostava das faixas de porco mais do que eu gostei dos flocos de neve em forma de porco. Talvez tenha sido toda a remodelação que Gin fez depois de Madeline Monroe ter incendiado o Pork Pit até as paredes de tijolos um tempo atrás. Mas tinha acabado aparecendo na minha cabeça um dia e eu conectei em meus dispositivos.

— Faixas de porco? — Martin perguntou, ainda confuso.

— Sim. Faixasdeporco. Tudo junto. — Soletrei para ele.

Ele digitou a senha no telefone e assentiu. — Consegui.

Mas em vez de passar para a tela da chamada, Martin colocou meu telefone de lado, pegou meu tablet e digitou a mesma senha nele.

— O que você está fazendo? — Perguntei. — Por que você não está pedindo ajuda?

— Você não estava mentindo — ele disse, sem realmente me responder. — Você usou a mesma senha em seu tablet também. Meio desleixado, se você me perguntar. Eu esperava mais de você, Silvio.

Aquele sentimento doentio no meu estômago se intensificou. — O que você quer dizer com mais?

— Eu esperava que você fosse mais cuidadoso, mais cauteloso, mais determinado a proteger os segredos da sua chefe, aconteça o que acontecer. — Ele balançou a cabeça. — Que decepcionante.

Tudo o que eu podia fazer era olhar para ele boquiaberto, minha mente lutando para processar suas palavras e o que elas realmente significavam.

Martin se inclinou para trás em sua cadeira com facilidade, mesmo que ele estivesse fazendo caretas e apertando suas costelas apenas um minuto antes. Ele sorriu e balançou meu tablet para mim. — Mas você acabou de me dar as chaves para o reino, e agora eu tenho todas as informações que eu preciso sobre Gin Blanco.


Capítulo 6

 

 

 

Eu continuei olhando para Martin. — Você... você planejou tudo isso.

Seu sorriso aumentou. — Agora você está pegando.

Martin baixou meu tablet, colocou a mão no bolso do paletó e tirou um lenço de seda branca. Ele piscou para mim, depois usou o lenço para limpar todo o sangue e hematomas do rosto. Em segundos, ele passou de espancado e agredido para o seu eu normal e bonito. Não, isso não estava certo. Ele não era o homem com quem eu estava flertando nas últimas semanas, e ele definitivamente não era o cara legal que eu tinha encontrado no café apenas algumas horas atrás. Agora, pela primeira vez, ele estava me mostrando seu eu verdadeiro, astuto e desonesto.

— Maquiagem — eu murmurei. — Era tudo maquiagem.

Ele segurou o tecido sujo onde eu podia ver. — Sim. Você sabia que sou um conselheiro do departamento de teatro na faculdade comunitária? Eu aprendi todos os tipos de truques interessantes com eles. Maquiagem, atuação, como realmente vender uma performance.

— Então tudo foi fingimento. As ameaças de Vincent, os gigantes arrastando você para a outra sala, sua suposta surra. — Eu pressionei meus lábios, não querendo admitir o quão completamente ele tinha me enganado, mas eu me obriguei a abrir a boca e a dizer as palavras. — E o resto foi mentira também, não foi? Todos aqueles dias que você almoçou no Pork Pit. Todas as nossas conversas. Todas as vezes que você sorriu para mim ou riu das minhas piadas estúpidas. Foi tudo apenas um ato para me afastar do restaurante. Para me atrair para o café para que você pudesse me sequestrar e me torturar por informações sobre a Gin.

Martin encolheu os ombros. — Não leve para o lado pessoal, Silvio. Eu sou muito bom em ser charmoso. Você não é a primeira pessoa que se apaixonou pelo meu rosto bonito e você certamente não será a última. Homens, mulheres, jovens, velhos. Todos me amam.

Aquela sensação de mal-estar no meu estômago desapareceu, substituída por uma raiva fria e gelada. Minhas mãos se fecharam em punhos e eu queria atravessar a distância entre nós e dar-lhe uma surra de verdade, que ele tão ricamente merecia. Mas eu contive a minha raiva. Porque eu ainda tinha perguntas para o bastardo, e queria algumas respostas. — Quem é você realmente?

Ele entrelaçou as mãos atrás da cabeça. — Essa é a beleza dessa coisa toda. Eu realmente sou Martin Mahoney, humilde professor universitário. — Ele sorriu de novo. — Bem, talvez não tão humilde. Esse é meu trabalho diurno de qualquer maneira. Mas você poderia dizer que sou muito parecido com a sua chefe. Meus shows depois do expediente são muito mais interessantes, e eles pagam muito melhor também.

— Então você faz... o que exatamente? Anda por Ashland, flerta com as pessoas e faz com que elas derramem seus corações para você?

Ele encolheu os ombros. — Mais ou menos.

— E o que você ganha com isso?

Martin baixou as mãos e se inclinou para frente em sua cadeira, seus olhos azuis brilhando com presunção e satisfação. — Tudo.

Eu arqueei uma sobrancelha em descrença, e Martin acenou com a mão, descartando meu ceticismo.

— Pense nisso — disse ele. — Nós vivemos em um mundo digital agora. Todos estão conectados o tempo todo. Tudo que você precisa fazer é tirar uma senha ou um código PIN de alguém, acessar seu telefone ou laptop, e você tem a vida inteira deles ao alcance dos seus dedos. Informações de compras, históricos de compras, contas bancárias. Os livros que eles leem, os filmes que eles assistem, a música que ouvem. Onde eles cortam o cabelo e seus pneus são trocados.

— E o que você faz com toda essa informação? — Perguntei.

Ele deu de ombros novamente. — Depende de quão ricos são os alvos, quanto tempo eu investi em ganhar e jantar com eles, e quanta informação eu consigo. Às vezes eu vou às compras. Outras vezes eu apenas dreno suas contas bancárias. Um par de meses atrás, eu chantageei um contador que estava desviando dinheiro da sua empresa. Consegui que ele entregasse todo o dinheiro que ele roubou para mim. Claro, eu fiquei anônimo durante toda a transação, incluindo quando eu liguei para o seu chefe e contei sobre ele desviar dinheiro da empresa. O contador alegou que ele tinha sido enganado, mas ele não podia provar que eu, seu chantagista, sequer existia. Todos pensaram que ele era louco, além de ser um ladrão. Esse trabalho foi particularmente divertido.

Martin riu, suas risadas enérgicas ecoando de um lado do armazém para o outro e de volta novamente. Os sons altos e alegres enviavam mais raiva gelada pelo meu corpo.

— E ninguém nunca liga você, Professor Martin Mahoney, seu novo e encantador amante, ao súbito afluxo de problemas em suas vidas?

— Bem, eu não os dispenso imediatamente. Isso seria óbvio demais. Eu costumo esperar pelo menos algumas semanas antes de eu acabar o relacionamento. Nesse ponto, a maioria dos meus alvos estão ocupados demais controlando de danos para pensar muito sobre tê-las dispensado. Ainda assim, uma ou duas pessoas perceberam. — Ele inclinou a cabeça para a porta fechada do armazém. — Mas Vincent e seus rapazes lidam com essas situações para mim. É para isso que eu pago a eles, afinal de contas.

Em outras palavras, os gigantes mataram qualquer um que descobriu o esquema de Martin.

— E para quem você trabalha? — Essa foi a pergunta que eu mais queria a resposta, aquela que determinaria o que aconteceria em seguida.

Martin apontou o polegar para o peito dele. — Eu, eu e eu mesmo. Você pode dizer que eu sou... um trabalhador independente. Eu decidi há muito tempo que, se eu faço todo o trabalho e corro todos os riscos, então sou eu quem mantém todos os lucros.

A sua vanglória realmente me encheu de alívio. Parecia que este esquema estava limitado a Martin, Vincent e os outros gigantes, o que significava que eu ainda tinha a chance de conter isso – de consertar isso – para o meu bem, e especialmente para o de Gin.

— Então, por que eu? — Perguntei. — O que há de tão especial em mim?

— Não é óbvio? Porque você trabalha para Gin Blanco, a rainha do submundo de Ashland. Pelo menos, até que alguém a mate e tome seu lugar. — Martin bateu com o dedo no meu tablet, depois repetiu o movimento no meu telefone. — Algo que será muito mais fácil de fazer com todas as informações armazenadas nesses bebês.

Eu pensei que estava protegendo Gin compilando todas essas informações sobre ela, mas Martin estava certo. Tudo o que eu fiz foi tornar mais fácil para alguém matá-la. Que assistente eu era. Meu coração se apertou com a culpa de como eu falhei com ela, mas eu me forcei a continuar falando, a procurar por informações.

— O que você vai fazer? — Perguntei.

— Vender a informação para o maior lance. Uma pontuação final e depois vou para uma bela ilha tropical em algum lugar, para viver o resto dos meus dias bebendo mai tais e flertando com instrutores de mergulho fofos. Eu sei que é um pouco clichê, mas o cenário funciona totalmente para mim.

— O quê? — Eu grunhi, minha voz pingando de veneno. — Você não está feliz por ser um não tão humilde professor universitário?

Martin revirou os olhos. — Você está brincando comigo? A merda do salário, os estudantes são uns sabichões egocêntricos, e o chefe do departamento me odeia porque sou mais jovem, mais inteligente e mais bonito do que ele. Sem mencionar o fato de que eu publiquei mais artigos do que ele escreveu. Ele nunca me aprovou.

— Eu não percebi que trabalhar no meio acadêmico era um trabalho tão árduo — eu grunhi novamente.

Ele ignorou o meu sarcasmo. — Há muito tempo que planejo sair. E quando eu comecei a conversar com você no Pork Pit e percebi quem você era e especialmente para quem você trabalhava, bem, vamos apenas dizer que eu decidi descontar meu bilhete dourado naquele momento.

Ele recostou-se na cadeira, apoiou os pés na mesa de jogo e me deu outro sorriso maroto.

Eu tinha que reconhecer que o bastardo era bom. Ele estava conversando comigo há semanas, sorrindo, rindo, sendo sempre tão encantador, e lentamente construindo meu interesse. Nunca foi ao Pork Pit muitos dias seguidos. Nunca vindo muito forte. Nunca agindo como o vigarista e chantagista que ele realmente era. E eu tinha caído que nem um patinho. Outra emoção passou pelo meu corpo, misturando-se com a minha raiva fria: vergonha.

Uma vergonha completa, absoluta e humilhante.

— Mas eu já enrolei aqui por muito tempo — Martin tirou os pés da mesa e se levantou. — Não demorará muito para que sua chefe perceba que você está desaparecido, e eu definitivamente não quero estar em lugar algum em Ashland quando isso acontecer.

Ele virou-se para a porta do armazém. — Ei, Vincent! Rapazes! Vocês podem voltar agora!

Bem, agora eu sabia por que os gigantes estavam tão quietos. Sem dúvida, eles estavam tentando ouvir nossa conversa e rindo de mim o tempo todo. Alguns segundos depois, a porta se abriu e Vincent voltou para a sala, junto com os outros três gigantes. Os quatro homens se reuniram em torno da mesa com Martin.

Vincent olhou para mim e depois de volta para seu chefe. — Então ele caiu nessa? Você não precisou arrancar dele?

Martin acenou com o meu telefone no ar. — Mais fácil do que seduzir um aluno. Vou enviar um e-mail aos meus contatos e organizar o leilão. Você se livra do Sr. Sanchez.

Vincent sorriu e estalou os dedos. — Com prazer.

Vincent sacudiu a cabeça e dois dos gigantes se aproximaram para ficar ao meu lado. Eles agarraram meus braços, enquanto o seu chefe tirou o paletó e a gravata e enrolou as mangas da camisa azul escura. O terceiro e último gigante pegou as cartas na mesa, embaralhou-as e distribuiu uma nova mão de poker. Aparentemente, me espancar até a morte não ia demorar muito.

Eu ignorei os gigantes ao meu lado e olhei para Martin, que estava mandando mensagens de texto pelo seu próprio telefone. — Muito bem, Martin. Você me pegou. Você me enganou. Eu vou admitir isso.

Ele continuou digitando as mensagens de texto. — Mas?

— Mas é uma pena que meu telefone e meu tablet sejam absolutamente inúteis agora.

Isso chamou a sua atenção, junto com a de Vincent e dos outros gigantes. Todos se viraram para olhar para mim.

Martin parou de mandar mensagens, seus olhos azuis se estreitando. — O que você quer dizer, inúteis?

Dei de ombros. — Quero dizer, eu descobri seu pequeno esquema. Você pensou que estava me enganando, mas eu realmente estive jogando com você esse tempo todo.

Não exatamente a verdade, mas eu queria salvar os poucos farrapos remanescentes do meu orgulho. Além disso, o desgraçado mentiu para mim e eu queria devolver o favor.

— Você não descobriu nada. Você estava completamente convencido de que eu tinha sido espancado até uma maldita polpa, e você queria me salvar. Você disse a sua senha idiota num instante — Martin estalou os dedos.

— Bem, certamente parecia assim. Você realmente fez um ótimo trabalho com a sua maquiagem. Parabéns ao departamento de teatro por ensinar-lhe isso.

Ele revirou os olhos. — Mas?

— Mas você esqueceu de uma coisinha.

— O que é isso?

— O gigante que matei no beco quando você me sequestrou. Eu bebi todo o sangue dele, chupei como um milk-shake de morango. — Eu sorri para Vincent, cujas mãos se fecharam em punhos.

— E daí? — Perguntou Martin. — Você teve um lanche sangrento. Bom para você. Considere isso como uma última refeição.

— Você está certo. Bom para mim. Porque o sangue de gigante não apenas dá aos vampiros uma onda de força. — Eu bati no meu nariz. — Também nos dá sentidos aprimorados, incluindo um senso excepcionalmente aguçado de olfato.

— O que você está dizendo? — Vincent rosnou.

Eu olhei para ele. — Eu estou dizendo que todos vocês esqueceram um elemento crítico em seu pequeno drama. Certo, Martin parecia ter sido espancado até uma polegada de sua vida, mas ele não cheirava assim. Não havia um cheiro de sangue em qualquer lugar dele. Nem mesmo uma única gota. Em vez do cheiro de cobre, ele cheirava doce, como xarope de milho. Era um aroma muito, muito fraco, que eu provavelmente não teria sido capaz de sentir se eu não tivesse tido aquele gole de sangue antes. Mas eu senti isso, e ainda mais importante, eu reconheci isso. Gin usa xarope de milho em alguns de seus pratos. Foi quando eu soube que o pobre, machucado e ferido Martin, estava fingindo e que todo o sangue nele era apenas xarope de milho colorido.

Vincent olhou para mim e depois se virou para Martin. — Você disse que seu plano era infalível. Que ele nem saberia o que o atingiu. Que ele se importava muito com você para questionar qualquer coisa.

— Mas, mas você me deu a sua senha — Martin cuspiu, como se fosse a coisa mais importante no mundo. — Eu coloquei no seu celular e no seu tablet. Funcionou em ambos, assim como você disse que faria.

Eu olhei para Martin, meu olhar cinza firme em seu azul. — Você quer dizer Faixasdeporco? Ah, é uma senha, certamente. Uma que aciona automaticamente um aplicativo especial no meu celular e no meu tablet.

Preocupação encheu seus olhos, e ele molhou os lábios. — O que é que o aplicativo faz?

Eu sorri abertamente. — Ele limpa meus eletrônicos. Apaga completamente todas as informações armazenadas neles. Senhas, documentos, fotos, tudo. Agora, leva um tempo para trabalhar – vários minutos, na verdade - mas desde que você foi legal o suficiente para se sentar ali e se gabar sobre como você me enganou, ele teve muito tempo para fazer o seu trabalho. Todos aqueles preciosos arquivos com informações sobre a Gin que você queria? Eles se foram há muito tempo. Bem assim — Meu sorriso se alargou, e eu estalei meus próprios dedos.

Martin se encolheu com o som. Não foi tão bom como socá-lo, mas foi um começo.

Vincent olhou para Martin novamente. — É melhor que ele esteja brincando. Diga-me que ele está brincando.

Martin olhou para mim por um segundo mais, então pegou meu telefone. Ele digitou Faixasdeporco na senha novamente, mas tudo o que surgiu foi uma tela azul em branco. Ele jogou meu telefone de lado e rapidamente repetiu o processo no meu tablet.

— Porra! — Ele rosnou. — Porra!

Ele jogou meu tablet no chão, pegou meu telefone e fez o mesmo. E ele não parou por aí. Martin estava furioso agora, e ele virou a mesa, mandando as cartas de baralho voando pelo ar como flocos de neve. Ele também chutou algumas das cadeiras de metal que estavam em volta da mesa e pisou na minha pasta para complementar.

Mas sua raiva rapidamente se esgotou – pelo menos, quando se tratava de objetos inanimados – e ele rodopiou e veio até mim com os punhos cerrados.

— Seu filho da puta! — Ele rosnou. — Eu vou matar você por isso!

Martin levantou as mãos e se lançou sobre mim.

E foi aí que eu levantei a minha própria mão e apunhalei-o no rosto com o meu alfinete de gravata de runa de Aranha.


Capítulo 7

 

 

 

Durante todo o tempo em que Martin estava fazendo sua birra, eu estava me preparando, planejando o meu ataque.

Eu acertei a ponta afiada do alfinete diretamente em seu rosto bonito, bem na parte carnuda da sua bochecha. Martin gritou e cambaleou para trás, batendo em seu rosto como se tivesse sido picado por uma abelha e estivesse tentando tirá-la de cima dele. Desta vez, o sangue que jorrava por sua bochecha era muito, muito real. O cheiro de cobre disso me fez sorrir.

Por um momento, Vincent e os outros três gigantes congelaram, boquiabertos de surpresa, mas eu já estava em movimento. Os dois gigantes me segurando estavam tão chocados que soltaram seus apertos, apenas um pouco, e eu aproveitei, girando e afastando suas mãos. Eu tirei meu pulso da algema aberta, agarrei a corrente presa e a envolvi na garganta do gigante à minha esquerda.

Então, eu puxei a corrente – e a cabeça dele – para o lado o mais forte e rápido que pude.

O pescoço do gigante se quebrou com um estalo audível e ele caiu no chão.

Larguei a corrente e voltei para o segundo gigante. Ele se afastou de mim, mas eu bati meu pé em seu tornozelo, fazendo-o tropeçar e cair no chão. Seu rosto bateu no concreto, atordoando-o e fazendo-o gemer. Antes que ele pudesse se recuperar, eu me joguei em cima dele, virei sua cabeça para o lado e enterrei minhas presas em seu pescoço.

Ele gritou, mas eu ignorei seus gritos altos e frenéticos e perfurei minhas presas ainda mais fundo em sua garganta. Seu sangue espesso e quente correu para a minha boca e eu engoli, engoli, engoli. A força do gigante zumbiu através do meu corpo como um relâmpago, me dando uma nova onda de energia e aumentando meus sentidos ainda mais.

Minha audição aprimorada me deixou facilmente identificar o raspar de duas armas que se soltam dos coldres de couro.

Tirei minhas presas da garganta do gigante, cortando sua artéria carótida para que ele se esvaísse em sangue. Então, agarrei seu corpo agonizante, me levantei, levantei-o e segurei-o na frente do meu corpo, usando-o como um escudo.

Crack!

Crack! Crack!

Crack! Crack! Crack!

Vincent e o terceiro gigante dispararam contra mim, mas suas balas atingiram o corpo do amigo em vez do meu. Eu rosnei e corri, ainda segurando o gigante morto e empurrando-o na minha frente como se fosse um aríete. Vincent e o outro homem tentaram sair do caminho, mas eu corri para eles, e todos nós caímos no chão. O gigante morto pousou bem em cima de Vincent, tirando a arma da sua mão e momentaneamente prendendo-o ao chão. Vincent amaldiçoou e rolou, tentando empurrar o homem morto de cima dele.

Eu me levantei de novo, assim como o terceiro gigante. Sua arma pousou no chão entre nós, e nós nos lançamos para ela. Mas eu fui mais rápido e peguei a arma, agarrei a gravata dele, puxei-o para mim e atirei à queima-roupa em seu peito.

Crack! Crack! Crack!

Ele caiu no chão sem um som.

— Seu filho da puta! — Vincent gritou.

O gigante levantou-se, atirou-se para a frente e me agarrou pelos joelhos, me jogando no chão. Minha cabeça bateu contra o concreto, atordoando-me momentaneamente. Vincent aproveitou isso, subindo em cima de mim e envolvendo as mãos em volta da minha garganta, tentando me sufocar até a morte.

Eu lhe dei um soco no rosto uma e outra vez, acertando vários golpes brutais e afiados, mas ele apenas balançou e aumentou o aperto dele. Então, eu cavei minhas mãos e sapatos no concreto, tentando me empurrar e me afastar dele. Eu deslizei de volta pelo chão alguns centímetros, mas ele me seguiu, suas mãos ainda presas em volta do meu pescoço.

— Você acha que pode matar meus homens e escapar impune? — Vincent disse. — De jeito nenhum!

Eu não perdi tempo – ou oxigênio precioso – respondendo. Eu prefiro ganhar a luta real do que uma guerra boba de palavras. Então, eu ignorei seus rosnados e redobrei meus esforços, cavando meus calcanhares no chão repetidamente, mesmo quando minhas mãos batiam ao meu lado, como se eu estivesse tentando fazer um anjo de neve no meio do concreto sujo.

Durante minhas lutas, meus dedos deslizaram através de algo liso e duro caído no chão: meu tablet. Por mais que me doesse destruir meus eletrônicos, era a única coisa ao meu alcance e a única chance que eu tinha. Então peguei o dispositivo, agitei-o e esmaguei-o na lateral da cabeça de Vincent.

E eu não parei.

Eu bati o tablet na cabeça do gigante de novo e de novo. Claro, seu crânio grosso era muito mais duro e mais resistente do que o meu tablet, e a caixa protetora de plástico rapidamente se abriu e começou a cair aos pedaços, junto com o próprio tablet. Mas tudo bem, porque eu tinha um plano.

Crack!

Continuei batendo no gigante até ouvir o som característico da tela do tablet quebrando. O resto do aparelho caiu no chão, e eu aumentei meu aperto no longo pedaço irregular ainda deixado na minha mão. Perfeito. Desta vez, em vez de ir atrás de sua cabeça, enfiei o pedaço do tablet na lateral do pescoço de Vincent.

No alvo.

Vincent uivou de dor e finalmente soltou seu aperto na minha garganta. Ele tentou fugir de mim, mas eu não deixei. Eu agarrei a gravata dele, mantendo-o perto. Então, eu torci aquele fragmento cada vez mais profundo, usando minha força roubada para rasgar seus músculos e tendões e fazer o máximo de dano possível.

Foi o suficiente.

Eu atingi uma artéria e o sangue jorrou, cobrindo minhas mãos e rosto com seu calor úmido e pegajoso. Os fôlegos de Vincent foram reduzidos a goles ásperos e ofegantes. Eu enfiei o fragmento um pouco mais fundo, fazendo ele chiar de novo, e empurrei-o para longe. Ele tombou de lado e eu me agachei, meus punhos erguidos, prontos para acabar com ele até a morte com minhas próprias mãos.

Mas eu não precisei.

Vincent olhou para mim, engasgado com o fragmento que eu havia espetado no meio do pescoço dele. Ele cuspiu um par de bocados de sangue, mas rapidamente ficou fraco demais para fazer isso. Seu peito espasmódico, e seus dedos se contraíram mais algumas vezes. Então, sua cabeça se encostou no chão, e seus olhos escuros ficaram brancos e distantes...

Scrape-scrape.

Mais uma vez, minha audição aprimorada me permitiu identificar o som de uma arma, desta vez deslizando contra o concreto. Eu fiquei de pé e me virei.

Martin pegou uma das armas dos gigantes do chão. Meu alfinete ainda estava preso em seu rosto, como se a runa de Aranha tivesse sido pintada em sua bochecha. Ele estendeu a mão e arrancou o alfinete da sua pele, arremessando-o no chão com repugnância.

Outra onda de raiva gelada rolou pelo meu corpo. Minhas mãos se fecharam em punhos e eu comecei a ir na direção dele, mas ele agarrou a arma, fazendo-me parar brevemente.

Nós nos encaramos. Por vários segundos, os únicos sons foram as minhas respirações irregulares e o plop-plop-plop constante de sangue escorrendo dos meus punhos. Não que Martin pudesse ouvir o gotejamento. Isso era pouco mais do que um sussurro, até para os meus próprios ouvidos.

Então, seu olhar foi para todos os gigantes mortos e para o meu tablet e telefone quebrados ainda no chão.

— Seu bastardo — ele sibilou. — Você arruinou tudo.

— Incluindo esse seu lindo rosto — eu rosnei.

A mão de Martin subiu até a bochecha dele, e então ele a segurou na frente dele, olhando horrorizado para o sangue brilhando nas pontas dos dedos.

— Sem maquiagem — eu zombei dele. — Isso é sangue de verdade desta vez. Como se sente?

Ele rosnou, pegou a arma e puxou o gatilho.

Crack!

Crack! Crack!

Crack! Crack! Crack!

Eu me joguei e rolei pelo chão, me escondendo atrás da mesa de cartas virada para me proteger. Martin pode ser um grande vigarista, mas ele era um atirador ruim, e nenhuma das balas chegou perto de me atingir. Ele gritou e puxou o gatilho novamente.

Clique.

Desta vez, a arma estava vazia.

Eu fiquei de pé e dei a volta na mesa de cartas. Martin olhou para mim com os olhos arregalados e horrorizados, percebendo que ele estava sem sorte, junto com as balas.

— Minha vez — eu rosnei.

Antes que ele pudesse pensar em fugir, eu atravessei a distância entre nós e peguei sua cabeça, apertando meu polegar no buraco sangrento em sua bochecha. Ele uivou de dor e me deu um soco no estômago uma e outra vez, usando sua arma vazia para aumentar a força, tentando me fazer largar. Mas os golpes duros e brutais não eram nada comparados com a dor intensa em meu coração.

Martin finalmente percebeu que ele não podia me dominar, então ele largou a arma e parou de me bater. Então, ele decidiu ligar o charme pela última vez.

— Silvio, você não quer me machucar, não realmente — ele cantou, tentando parecer frio e no controle, mesmo que eu ainda tivesse um aperto de morte em sua cabeça. — Você está com raiva por causa da minha pequena farsa. Mas, você sabe o quê? Nós realmente nos demos bem hoje. Eu senti que realmente tínhamos uma conexão, e eu sei que você fez também. Eu pude ver isso do jeito que você olhou para mim. É da mesma maneira que você está olhando para mim agora mesmo.

Ele colocou as mãos sobre as minhas. Por um momento, pensei que ele ia fazer um último esforço para arrancar meus dedos de sua cabeça, mas em vez disso, ele se forçou, com calma e simplicidade, a colocar as mãos sobre as minhas, como se quisesse sentir sua pele tocando a minha. Mentiroso. Ele nunca quis isso.

Ele nunca me quis.

A dor no meu peito se aguçou, e eu senti outro pedaço do meu coração se soltar e se juntar ao pedaço que havia pertencido ao Derrick. Um sorriso levantou meus lábios, mas não havia calor, apenas sombria determinação para terminar isso.

— Você está certo. Eu realmente gostei de você. Eu pensei que você fosse um cara tão legal.

Martin tentou sorrir para mim, mas não conseguiu. — Eu sou um cara legal. Apenas me dê uma segunda chance, e você vai ver.

Eu olhei nos olhos dele. — Adeus, Martin. Foi divertido enquanto durou, mesmo que fosse tudo mentira.

Então, eu estalei o pescoço dele e o deixei cair no chão.

 

* * *

 

Eu fiquei de pé por cima do corpo de Martin por muito, muito tempo. Tentando empurrar para baixo as minhas emoções, fingir que eu não senti nada por ele e ignorar o pedaço vazio no meu coração. O engraçado era que o aquele espaço não pertencia a Martin. Não realmente. Eu não o conhecia por tempo suficiente para isso. Não, as coisas que encheram meu coração foram a esperança, o entusiasmo e o que poderia ter sido.

Mas essas desapareceram agora, tão mortas quanto Martin, e eu não sabia quando voltariam. Ou se eu até as deixaria voltar. Talvez algum dia eu me sentiria diferente. Talvez um dia eu encontraria um homem que estivesse genuinamente interessado em mim. Talvez um dia eu arriscaria e me abriria novamente.

Mas não hoje.

Então, fiquei de pé ao lado do corpo de Martin até ter minha raiva, desapontamento e mágoa sob controle. Por fim, consegui – ou, pelo menos, disse a mim mesmo que consegui.

E o pensamento mais estranho me ocorreu. Eu finalmente tinha o final perfeito para o meu livro de detetive. O assassino era o amante do assistente. Claro. Sempre era o amante traiçoeiro.

Eu afastei o pensamento sombrio. Neste momento, eu tinha outras coisas para me preocupar, além dos avanços com o livro e de um vigarista brincando com os meus sentimentos.

Como o fato de que eu estava em um armazém cheio de homens mortos. A situação precisava ser resolvida, por isso eu comecei a trabalhar. Eu vasculhei os bolsos dos gigantes e encontrei um telefone que eu poderia usar, desde que o meu era uma lousa em branco agora. Então, eu passei pela porta no final do armazém, caminhei através de outra sala menor, e sai para fora.

A neve tinha se intensificado enquanto eu estava lutando contra os gigantes, e flocos gordos e fofos agora desciam em cascata do céu em um fluxo constante. A neve já havia coberto o estacionamento na minha frente, que estava vazio, exceto pela van preta que Martin e seus homens usaram para me trazer até aqui. Nada se mexeu ou se agitou, e fiquei ali por um minuto, absorvendo a paz e a quietude e deixando o ruído branco da neve caindo lentamente abafar meu tumulto interno.

Através dos flocos, vi uma placa na esquina onde se lia a Carver Street. Então eu estava em Southtown, ironicamente apenas a alguns quilômetros do The Cake Walk e do Pork Pit. Agora que eu sabia exatamente onde eu estava, eu deveria continuar com as coisas e fazer a ligação necessária por ajuda.

Ainda assim, por um momento, pensei em apenas ir embora. Pisando na neve, voltar em direção ao centro da cidade, entrar no primeiro táxi que iria parar para um vampiro coberto de sangue, e fingir que nada disso havia acontecido. Que eu não tinha sido enganado e quase morto.

Mas alguém encontraria os corpos mais cedo ou mais tarde, e meu celular e meu tablet junto com eles. Eu não queria que ninguém soubesse o que tinha acontecido aqui, especialmente não como Martin tinha me enganado, por isso a cena tinha que ser limpa. Não só por mim, mas também pela Gin, já que ela era o alvo real o tempo todo. Eu já a coloquei em perigo o suficiente hoje, e eu não ia me esquivar do meu dever com ela ainda mais, por não cuidar da minha própria bagunça.

Suspirei e disquei o número apropriado.

A pessoa do outro lado da linha respondeu no terceiro toque. — Sim?

— É o Silvio. Eu preciso que você venha ajudar com uma coisa. Por favor.

— O quê?

Pensei em todo o sangue e corpos que cobriam o chão do armazém. — Sua especialidade.

Silêncio. Por um momento, pensei que não ia conseguir uma resposta, mas depois vieram as palavras que eu precisava ouvir.

— Estarei aí.

 

* * *

 

Vinte minutos depois, um conversível clássico entrou no estacionamento e uma mulher saiu do carro. Ela vestia uma longo sobretudo vermelho com um crânio sorridente de lantejoulas prateadas nas costas. O crânio tinha uma bengala doce vermelha e branca presa nos dentes, enquanto um chapéu preto de Papai Noel estava em sua cabeça. Bengalas doces de lantejoulas também cobriam o suéter vermelho da mulher, junto com seus jeans pretos. Para um último toque festivo, ela amarrara sinos de prata e fitas listradas de bengalas doces em suas botas pretas. Os sinos tiniam alegremente a cada movimento que ela fazia.

Sophia Deveraux amava o seu estilo gótico, e todo o vermelho do Natal era um bocado diferente para ela. Eu não achava que eu nunca a tinha visto antes usar tanta cor, além de preto. Ela até mesmo polvilhou glitter vermelho em todo seu cabelo preto. Parecia que Gin não era a única que tinha entrado no espírito da temporada.

O olhar negro de Sophia passou por cima de mim, absorvendo minhas juntas estouradas, os hematomas ao redor da minha garganta, e todo o sangue que cobria meu terno cinza rasgado, esfarrapado e encardido. Ela ergueu o dedo indicador, silenciosamente me dizendo para esperar, depois deu a volta até a parte de trás do carro dela. Ela tirou o casaco, abriu o porta-malas, e tirou um par de macacões pretos pesados. Então, ela pendurou o macacão sobre o ombro, fechou o porta-malas, e caminhou até mim.

— Obrigado por ter vindo — eu disse.

Sophia deu de ombros. — É o que eu faço.

Eu a levei até o armazém e mostrei a ela os corpos de Martin e dos gigantes.

Ela arqueou as sobrancelhas negras e soltou um assobio baixo que combinava com sua voz rouca. — Você fez tudo isso sozinho? Estou impressionada, Silvio.

— Não fique — eu disse. — Eu deveria ter sabido melhor do que entrar nessa situação em primeiro lugar.

— Eu pensei que você tinha um encontro no café.

— Exatamente o meu ponto — eu rosnei.

Sophia me olhou, mas ela não me fez mais perguntas. Em vez disso, ela vestiu seu macacão preto sobre suas roupas de festas. Então, ela tirou uma fita métrica do bolso, abaixou-se e começou a examinando os corpos. Ela também pegou alguns dos braços dos gigantes, tentando determinar exatamente o quão pesado eles eram antes de deixá-los cair no chão.

— Primeiro Finn, agora você. — Sophia sacudiu a cabeça. — Eu deveria começar a cobrar por peso.

Eu fiz uma careta. — Finn? Em que tipo de problema Finn se meteu?

Ela balançou a cabeça novamente e fez uma pantomima puxando um zíper pela boca. — Lábios selados.

— Eu vejo — eu murmurei. — Bem, espero que você me estenda a mesma cortesia.

Ela assentiu. — Mas é claro.

Enquanto Sophia arrastava os corpos para fora para colocá-los em seu porta-malas, eu fui ao redor do armazém e recolhi minhas coisas – telefone, casaco, cachecol, pasta e todos os estilhaços do meu maldito tablet, incluindo o fragmento que eu prendi no pescoço de Vincent. Eu até encontrei meu chapéu, que um dos gigantes tinha roubado de mim no beco. Claro, eu não o queria mais, mas eu o coloquei na minha cabeça de qualquer maneira. Eu não poderia arriscar deixar nada para trás para alguém encontrar e rastrear de volta para mim.

Eu olhei em volta, sentindo como se estivesse esquecendo algo – algo importante – mas não tinha certeza do que era. Examinei o chão e um brilho prateado chamou minha atenção. Eu fui até o local, me abaixei e peguei meu alfinete de runa de Aranha.

O sangue cobria o pequeno círculo e os oito raios finos, como se eu tivesse mergulhado em tinta vermelha e fosse carimbar o símbolo em algo. Vergonha ondulou através de mim, ainda mais forte e mais amarga do que a minha mágoa. Eu não queria usar a runa da Aranha no meu encontro, não queria me arriscar a assustar Martin, apesar de Gin ter sido melhor para mim do que qualquer pessoa que eu já conheci. Não só tinha salvo a minha vida, mas ela também tinha me acolhido e me fez parte da sua família. Em troca, eu estive muito envergonhado de usar sua runa em um encontro ruim.

Bem, eu poderia consertar isso agora.

Eu prendi o pino ensanguentado no meio da minha gravata igualmente ensanguentada, em seguida, encontrei o fecho no chão e o deslizei na parte de trás, prendendo a runa de Aranha no seu devido lugar. Eu alisei minha gravata sentindo a runa aninhada no centro da seda como de costume. A sensação, sabendo que estava lá, me confortou e cortou um pouco da minha vergonha.

— Os corpos estão todos carregados — Sophia chamou da porta. — Você está pronto para ir?

Eu acariciei meus dedos sobre a runa ensanguentada uma última vez. — Eu estou agora.


Capítulo 8

 

 

 

Mesmo que eu não quisesse mais nada do que ir para casa, tomar um banho quente, rastejar na cama e fingir que esta tarde nunca tinha acontecido, eu ainda tinha outro encontro me esperando: a festa de Natal no Pork Pit.

Ah, eu sabia que Gin iria entender se eu ligasse e dissesse a ela o que tinha acontecido, mas ela tinha colocado muito trabalho para a festa, e eu não iria preocupá-la ou decepcioná-la por não aparecer. Então, eu pedi que Sophia me levasse para casa, me limpei e peguei um táxi de volta para o restaurante.

Eu estava trinta minutos atrasado e a festa estava em pleno andamento quando entrei pela porta da frente. Gin tinha ido à loucura com os flocos de neve de papel enquanto eu estava ocupado lidando com Martin, Vincent, e os gigantes. Cordas vermelhas, brancas e verdes desciam de todas as partes do teto agora, e ela até as amarrou ao longo do balcão que cobria a parede do fundo. Ela também adicionou dezenas de fios de luzes brancas piscando na mistura, banhando o restaurante inteiro em um ambiente quente, brilhante e alegre.

Eu tirei meu casaco e pendurei-o na prateleira perto da porta da frente, em seguida, examinei a multidão lá dentro. Finnegan Lane, Owen Grayson, Detetive Bria Coolidge, Jo-Jo Deveraux... Toda a família de Gin e amigos já estavam aqui, junto com a equipe do restaurante. Até mesmo Sophia tinha chegado antes de mim, e ela tinha um porta-malas cheio de cadáveres para se desfazer. A anã gótica estava tomando uma caneca de chocolate quente com menta e olhando por cima do bufê que havia sido colocado no balcão.

Sophia deve ter percebido meu olhar, porque se virou e olhou para mim. Ela assentiu e brindou-me com sua caneca, silenciosamente me dizendo que tudo havia sido resolvido.

Eu assenti de volta. — Obrigado — eu murmurei para ela.

Ela fez um movimento de zíper em seus lábios, então sorriu e piscou para mim.

— Silvio! Aí está você! — A voz de Gin ecoou pela multidão, e ela se aproximou de mim. — Seu encontro deve ter ido muito bem. Eu estava começando a me perguntar se você voltaria para a festa.

Eu não respondi, e ela finalmente percebeu minha expressão pouco entusiasmada.

— Espere... não correu muito bem? Ah, porque não? Ele parecia um cara tão legal.

— Caras legais mordem — eu murmurei.

— Bem, a perda é dele, certo?

A imagem do corpo de Martin deitado no chão do armazém passou pela minha cabeça. — Sim. Certo.

— Bem, esqueça ele. Temos um novo homem em nossas vidas. — Ela apontou para o outro lado do restaurante. — Liam Carter apareceu cerca de quarenta e cinco minutos antes da festa começar.

Liam Carter era um homem musculoso com pele bronzeada, olhos azuis e cabelo castanho escuro atravessado por alguns fios de prata. Ele estava sentado no canto sozinho, mas ele não parecia se importar com a solidão. Eu imaginei que tinha algo a ver com os dois pratos vazios à sua frente.

Liam percebeu que estávamos olhando. Ele deu a Gin um aceno educado e brindou com sua caneca de chocolate quente, silenciosamente agradecendo-lhe pela calorosa refeição de fim de ano.

Então ele voltou sua atenção para mim. Ele me olhou de cima a baixo antes de fazer algo mais inesperado, apontando para os flocos de neve verdes de visco pendurados sobre a cabeça. Seus lábios se curvaram em um sorriso pequeno e sugestivo. Ele estava realmente... flertando comigo?

— Ele parece gostar de você. — Gin me deu uma cotovelada de lado. — Você deveria ir dizer olá.

Eu balancei a cabeça. — Confie em mim. Eu tive bastante de romance por um dia. Além disso, não posso acreditar que você o deixou entrar, muito menos realmente ficar para a festa.

Ela encolheu os ombros. — Ele foi muito educado.

Meus olhos se estreitaram. — E?

Ela encolheu os ombros novamente. — E ele me trouxe um conjunto muito bom de facas de carne.

— Eu não percebi que você era tão fácil de subornar.

— Bem, eu avisei a ele que se ele fizesse alguma coisa – qualquer coisa – para atrapalhar a festa, eu usaria as facas de carne para fatiá-lo como uma cavala e, em seguida, alimentar os bagres no Aneirin River com os pedaços sangrentos.

Eu assenti com a minha aprovação. — Agora, essa é a chefe que eu conheço e amo.

— Além disso, é Natal. Eu tenho que ter boa vontade com os homens em algum momento, certo? — Gin sorriu e jogou o braço em volta dos meus ombros. — Agora, vem comigo. Eu tenho a coisa certa para animá-lo.

Ela me guiou através da multidão. Pelo menos, ela tentou. Nós tivemos que parar a cada poucos metros para conversar com alguém, incluindo Xavier, Roslyn Phillips e minha sobrinha Catalina Vasquez, que estava junto com suas amigas Eva Grayson e Violet Fox. Finalmente, porém, nós nos libertamos da multidão e chegamos ao balcão. Para minha surpresa, havia uma caixa de papelão prateada com um laço vermelho brilhante em cima do meu banco habitual.

Gin pegou a caixa e estendeu-a para mim, com um grande sorriso no rosto. — Isto é para você.

— Mas eu... não tenho o seu presente. Pelo menos não aqui comigo.

Eu estava com tanta pressa para voltar ao Pork Pit que eu tinha esquecido completamente o presente de Gin: um avental com seu cartaz de Procurada e uma foto de Bullet Pointe estampada na frente. Era um pouco brega, mas eu sabia que ela adoraria, especialmente desde que ela ameaçou me dar um suéter de Natal com o meu próprio pôster de Procurado.

— Tudo bem — disse ela. — Eu sei que não dissemos que estávamos dando presentes hoje, mas eu queria ir em frente e dar o seu para você. Então, abra-o. Ordens da Gin.

Culpa surgiu através de mim, e eu me senti ainda pior do que no armazém quando percebi que Martin estava me enganando. Eu não merecia um presente, não quando eu quase derramei todos os segredos de Gin. Mas eu sabia pelo olhar expectante em seu rosto que ela não aceitaria um não como resposta. Por isso, peguei o presente dela, coloquei de volta no balcão e cuidadosamente removi a tampa. Eu cavei através das camadas de papel vermelho para encontrar...

Um novo telefone e um tablet, completo com carregadores, um teclado e todos os outros acessórios que o meu coração tecnológico desejava.

— Por que você... como você sabia...

Minha voz sumiu, e eu olhei para Sophia, pensando que ela havia me delatado, afinal, mas a anã estava ocupada conversando com Phillip Kincaid, Cooper Stills, Warren T. Fox, Stuart Mosley e Mallory e Lorelei Parker.

— Bem, você está sempre falando sobre como você precisa atualizar seus produtos eletrônicos — disse Gin. — Então, eu perguntei ao cara da loja qual era o mais recente, melhor e mais belo celular e tablet do mercado. Ele recomendou estes. — Ela franziu a testa. — Eu peguei a coisa errada?

— Ah não! Estes são perfeitos. Era mesmo o que eu estava pensando em comprar para mim, na verdade.

Era verdade. Eu estava desejando esse celular e esse tablet em particular há semanas. Eu estava apenas esperando que os preços caíssem um pouco mais antes de encomendá-los e comprá-los como presentes de Natal para mim.

Gin cutucou a caixa. — Continue olhando.

Puxei outra camada de lenço de papel e encontrei a última coisa dentro da caixa: uma cópia de capa dura do Maltese Falcon. Eu dei a Gin um olhar confuso.

— Eu notei que você está lendo há algum tempo — disse ela. — Você realmente parecia estar gostando, então eu pensei que você poderia gostar de ter sua própria cópia.

Tantas emoções surgiram através de mim. Surpresa. Deleite. Felicidade. E acima de tudo, gratidão pela consideração de Gin e especialmente por sua amizade. Aqueles eram os melhores presentes que ela deu para mim.

— Silvio? — Gin perguntou. — Você está bem? Você tem um olhar muito estranho no seu rosto.

Coloquei o livro de volta na caixa com o telefone e o tablet, limpei a garganta e virei para ela. — Eu gostaria de abraçar você agora, se estiver tudo bem.

Ela riu. — Está mais do que bem. Você não precisa pedir permissão, sabe.

— Sim, eu sei. Hoje tenho que pedir permissão.

Eu estendi meus braços e Gin entrou no meu abraço. Nós nos abraçamos por vários segundos antes de soltarmos. Ela estendeu a mão e alisou meu paletó, junto com minha gravata de seda. Os dedos dela permaneceram na minha runa de Aranha por alguns segundos antes que ela me soltasse e olhasse para mim novamente.

— Você sabe que há sangue no seu alfinete de gravata, certo? — Ela murmurou, seus olhos cinzentos de repente afiados. — Quer me dizer de onde veio?

— Eu me apunhalei no polegar colocando-o — eu menti.

Ela arqueou as sobrancelhas, claramente não acreditando em minha desculpa fraca, mas ela decidiu não me interrogar.

Não hoje de qualquer maneira.

— Bem, agora que você abriu seu presente, precisa comer alguma coisa. Vamos lá. Antes do Finn devorar toda a comida. Guardei alguns biscoitos só para você.

Ela passou o braço pelo meu e eu olhei para ela.

— Feliz Natal, Gin.

— Feliz Natal, Silvio.

Nós sorrimos um para o outro, e então eu deixei-a me puxar para o bufê para que ela pudesse me encher com açúcar como queria.

E eu percebi uma coisa.

O Natal poderia ser para crianças, mas eu estava a salvo com Gin e o resto dos meus amigos agora, e eu estava determinado a fazer deste um dos melhores feriados que eu já tive, sangue, corpos, traição, churrasco e tudo.

 

 

{1} Pão de fermentação natural

 

 

                                                    Jennifer Estep         

 

 

 

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