Criar um Site Grátis Fantástico
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


NIKENAME KRILILIK / Marcia Ribeiro Malucelli
NIKENAME KRILILIK / Marcia Ribeiro Malucelli

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT 

 

 

Series & Trilogias Literarias

 

 

 

 

 

 

Março.
São Paulo, capital.
Eduardo Ferreira esperou a madrugada chegar. Curtia computadores e tudo o que a Rede Internet, oferecia. Era um garotão de 17 anos; amigo do pai João Vitor Ferreira, bom de computadores, perigoso neles.
O Chat do IRC estava completo naquele momento; uma galera virtual sempre presente entrava na rede para bater papo, online; ligadões mesmo. Seus amigos da rede, seus ‘ciberamigos’, diziam que Eduardo ou Dudu era um verdadeiro viciado na rede; e vinha se tornando algo muito pior; um hacker.
Contudo, os assuntos nos Chats fluíam do sério às mais loucas brincadeiras. Eduardo era assim também; um eterno brincalhão. Sempre de bom humor, nada o derrubava.
A não ser é claro, o ciúme que sentia de Melissa Pii Jung ou Mel de 16 anos, sua namorada e vizinha também. Assim como a irmã dela, Mariana Pii Jung, agora com 14 anos, moravam no sétimo andar do Condomínio Jardim das Flores, Bloco Jardim Azaléia com seus pais Paulo Jung e Sandra Pii Jung.
Lá morava também Fernando da Silva, o Fê de 15 anos, amigo da turma, no segundo andar com pai Marco Silva e sua mãe Adriana Silva. Só faltava Patrícia de Moura, a Pati de 16 anos, moradora da cobertura, onde há um golpe cruel do destino, levou a vida de seus pais.
Os amigos de Pati; Mel, Dudu, Mari e Fê sentiam falta dela. Era a turma de cinco amigos que estudava na mesma escola Monsenhor Hipólito Ibi, frequentava o mesmo clube, morava no mesmo Condomínio Jardim das Flores.
Eduardo respirou profundamente. Deu a segunda e depois a terceira bocejada. Andava com sono de tanto passar as madrugadas no computador.
Arrumou-se na cadeira, entrou no Chat e se conectou; Krililik era seu apelido na rede.
Pretty Woman fala reservadamente com Krililik
Então… Vamos jogar Call of Duty?
Krililik fala reservadamente com Pretty Woman
Desencana, Pretty Woman... Não dá pra jogar Duty a essa hora. A rede tá congestionada.
Pretty Woman fala reservadamente com Krililik
Que custa Krililik? Demora um pouco, mas é legal.
Krililik fala reservadamente com Pretty Woman
Sei que é... Mas ando muito tempo na Net. Tô cheio de olheira; nem durmo.
Pretty Woman fica triste reservadamente com Krililik
Que custa Krililik? :-( Sabe que gosto de você.
Krililik fala reservadamente com Pretty Woman
Ulalá! Você gosta de mim? Sorry... Sou comprometido.
Pretty Woman GRITA reservadamente com Krililik
Não vem com essa.
Krililik fala reservadamente com Pretty Woman
Ei... Calminha ‘menina bonita’ rs. Além do mais, meu pai me mata quando chegar a conta do cartão de crédito.
Pretty Woman fica triste reservadamente com Krililik
O jogo nem é tão caro assim, vai? Tá ficando chato.
Krililik fala reservadamente com Pretty Woman
Chato? Eu?
Iceman entra na sala de bate papo.
Iceman fala com Florzinha
Hello, Florzinha! Is the package to Uruguay being okay?
Florzinha se assusta reservadamente com Iceman
Here? You cannot go to here... Here, not! Clear?
Nervosinho GRITA com Iceman
Aqui é canal reservado cara. Como entrou?
PrettyWoman fala com Todos
Oba! Gente nova no pedaço outra vez. Menos chato...
Iceman fala com Nervosinho
What a happening, man?
Nervosinho GRITA com Iceman
Como que ‘tá acontecendo’? Se liga, cara! Ninguém entra na sala sem ser convidado! Cadê o IRCop, afinal?
Iceman GRITA com Nervosinho.
Easy boy...
Nervosinho GRITA com Iceman
Calma? Tá pedindo calma? Ontem foi um tal de Peter Pan; hoje você. Cada cara babaca...
IRCop age!
Desculpa, aí, Galera! Não vai acontecer de novo. O Policial tá na área. Invasor sendo expulso!
Eduardo ficava observando a discussão.
Outra vez Nervosinho se excedia com intrusões.
Nervosinho fala com Todos
Pronto! O IRCop já tirou o mala da sala. É nossa sala, meu. Sem penetra.
Julia Kid GRITA com Nervosinho
Vamos, hombre! ¿Qué te pasa?
Nirvana GRITA com Nervosinho
É mesmo. Não custava conhecer mais alguém...
Astróloga GRITA com Nervosinho
¡Horrible! ¡Horrible! ¡Horrible!
LuCa, o Bom fala com Julia Kid
Deixa pra lá, menina. O sacana penetrou... Tem que ser expulso. Regras são regras.
Pretty Woman fala com Todos
Aqui tá ficando chato >:-/
LuCa, o Bom fala reservadamente com Pretty Woman
Liga não Pretty Woman... E aí? O Krililik topou jogar Call of Duty com você pela rede? Conseguiu amaciar ele? ;-)
Eduardo ainda observava. Como todos falavam no reservado, ele tinha que esperar alguém falar com ele ou era tela vazia, com seu cursor piscando. Havia dado um tempo; não queria ir jogar game pela rede com os amigos do Chat, mas eles insistiam principalmente Pretty Woman. Gostava de bater papo; só isso.
As salas de Chat eram um mundo interessante. Todos se escondiam atrás de apelidos ou pseudônimos. E o fato de ninguém se conhecer totalmente apimentava a rede.
Alguns usavam apelidos de quando eram crianças, alguns assumiam a fantasia de seus super-heróis. Eduardo não conhecia a identidade de Nervosinho, mas achava o cara um tanto ‘nervosinho’, rude como diria Julia Kid.
Sobre ele, Eduardo só sabia que era contabilista num bairro da cidade da capital de São Paulo; isto ele havia contado para todos. Nervosinho era esperto; conseguiu, uma vez, numa brincadeira, “arrancar” a identidade de todos os participantes. LuCa, o Bom já havia revelado sua identidade para Eduardo que também contara a ele quem era.
Eduardo contou ser estudante do nono ano do Ensino Fundamental II na Escola Monsenhor Hipólito Ibi e que enfim passara de ano. Já LuCa, o Bom era estudante de Odontologia; trabalhava com o tio, também dentista, no bairro de Interlagos, também em São Paulo. Das meninas, Eduardo nada sabia; Florzinha, Pretty Woman, Nirvana, Astróloga ou Julia Kid eram incógnitas.
Mas essa era a turma virtual, ficava dentro do computador em algum lugar muito distante, remoto mesmo. A turma real era Melissa, sua namorada e a irmã Mariana.
— Ah! E o Fê é claro — falou consigo, mesmo.
Além do mais, Patrícia de Moura, retornaria na manhã seguinte, para visitá-los. Ela aproveitava alguns dias de recesso escolar e voltaria ao Brasil após a morte trágica de seus pais. Eduardo divagou; nem notou que a tela do computador apagou e acendeu. Levou um susto. Ia tocar nas teclas, mas o computador se arrumou sozinho.
— Hacker? Meu! Como pode? O canal é fechado! — não se conformava; a tela piscou mais duas vezes. — Pronto! Era o que faltava... Receber um flood e ser desconectado da minha sala de Chat.
A tela voltou a piscar. Um novo invasor acessou a sala fechada. Falava no reservado com ele.
Eduardo se sobressaltou; ninguém o tinha visto entrar.
Anônimo fala reservadamente com Krililik
Do you know Krililik?
Krililik fala reservadamente com Anônimo
Como é que é?
Eduardo primeiro ficou atônito em tentar se lembrar da tradução. Ergueu as sobrancelhas; pensou em ligar o botão da tradução. Depois traduziu, entendeu; ficou na dúvida se respondia.
— Quem entraria como anônimo? — falou. — Sem um apelido? — estranhou. Pensou em se desconectar, mas as teclas do computador não respondiam. — Ué?
Tentou teclar mais alguma coisa, mas o teclado estava travado. Ficou lendo a mensagem nova que chegava:
Anônimo fala reservadamente com Krililik
Do you know Krililik?
Krililik fala reservadamente com Anônimo
Quem é você? Do que tá falando? Meu apelido é Krililik...
E a tela apagou.
— Desgraçado! — praguejou. — Não era um Hacker! Era um Cracker! E ele fez flood — bateu com as mãos na mesa. — O desgraçado conseguiu me desconectar. Ahhh! Deixa pra lá. Vou dormir... isso sim — e desligou o computador fechando todos os programas abertos. — Esse IRCop de caca! Três vezes... três vezes penetraram na nossa sala e o débil do IRCop não viu — e se jogou debaixo das cobertas. — Amanhã escrevo para a turma do Chat e denuncio — ficou olhando o teto. — Por que perguntou se eu conhecia Krililik? Eu sou Krililik! Por que me perguntaria uma coisa dessas? — balançou a cabeça. — Cada louco, meu...
Já começava um friozinho na madrugada de fim de março e Eduardo até gostava de um cobertor, mas perdera a mania de se esconder debaixo deles desde a morte dos pais de Patrícia. O pai de Patrícia e sua mãe, assim como os empregados, haviam sido brutalmente assassinados ano passado na cobertura do Bloco Jardim Azaléia, onde moravam.
Aquelas cenas aterrorizantes ainda mexiam com as emoções da turma e, principalmente com o estômago de Eduardo; sempre frágil.
Eduardo e sua turma desvendaram o crime.
— Claro! O Delegado José Liberato e a sua equipe ajudaram — se lembrava nas últimas etapas do sono.
Dormiu feito um anjo.
Ou quase isso.

 

 

 


 

 

 


CAPÍTULO 1
— Acorda!!! — berrou Berenice de Oliva, a Berê, a empregada meio babá, pela quinta vez. — Tô de goela seca, menino!
— Ãh? Quê?
— A hora, Dudu — insistia. — Tá na hora da escola. São seis horas. Pareço rádio falando.
— Parece papagaio, isso sim — se levantou deixando cair o corpo outra vez na cama. — Cruzes!
Berenice abriu as cortinas; obrigou a luz da manhã, entrar no quarto de Eduardo.
— Eduardo? — tentou mais uma vez.
— Ãh? Quê?
— Acorda! Ocê tem prova de Matemática hoje.
— Precisa me lembrar? — virou para o outro lado.
— Desisto! — saiu batendo a porta.
Eduardo acordou com o impacto. Arrastou o corpo com as cobertas ainda presas nele. Caiu enrolado no lençol. Levantou-se e abriu a porta do banheiro como que mecanicamente. Olhou-se no espelho; olheiras profundas denunciavam mais uma noite sem dormir. Escovou os dentes e se dirigiu para a copa se arrastando novamente. O café na mesa já o esperava há algum tempo.
— Até que enfim! — exclamou Dr. João Vitor Ferreira ao sentir o impacto do peso do corpo do filho ao cair na cadeira.
Nem precisou levantar os olhos do jornal; sabia que Eduardo ainda estava sonado.
— Quer suco? — começava Berenice como todas as manhãs. — Quer café? Leite? Pão? Torrada? Manteiga? Geleia? Queijo?
— Chega Berenice! — desesperou-se Dr. João Vitor, já nervoso. — Ele já cresceu!
Eduardo parecia não estar presente; parecia embriagado; levantava sempre assim.
— Nossa! Quanta olheira Dudu.
Eduardo acordou com aquela frase de Berenice.
— É... — tentou responder se escondendo do pai, atrás do guardanapo.
Dr. João Vitor balançou a cabeça, fez uma careta. Era um pai amigo, participante da vida do filho. Gostava muito dele e Eduardo também. Tinha no pai, um amigo e um confidente. E o Dr. João Vitor era uma pessoa de espírito jovem; até uma moto dera a Eduardo. Só não conseguia arrancar de Eduardo, a promessa de estudar mais. As notas dele preocupavam seu pai. Fora mesmo um milagre ele passar de ano. Temia bullying por parte de colegas de classe por estar prestes a fazer 17 anos e ainda estar no Ensino Fundamental II.
— Nossa! — exclamou o pai igual a empregada; Eduardo até pensou ter algo haver com ele e suas olheiras, mas não tinha. Dr. João Vitor estava extasiado com as notícias que lia no jornal. — Sabe aquele meu cliente? Aquele banqueiro?
— Hum... Hum... — pareceu responder que sim.
— Ele sofreu um atentado na Argentina há uma semana quando foi participar da reunião do MERCOSUL — ergueu a sobrancelhas. — “Incendiários de plantão” diz a manchete; forte, não? — olhou para o filho que mal sabia para onde olhava. Dr. João Vitor esperou ele se inclinar, quase bater com a cabeça na xícara de café para gritar. — Eduardo?! — ele acordou no susto; viu a xícara de muito perto. — Vai acordar ou não?
— Ãh? Quê? Que banqueiro? — tentou disfarçar.
— Como que banqueiro? Está me ouvindo, Eduardo? Estou dizendo que aquele banqueiro Faruf Al Faruf, meu cliente, sofreu um atentado na Argentina. Tentaram matá-lo. A polícia abafou tudo, mas a imprensa parece que tem uma antena ligada em todos os lugares. E essa Internet e Twitter e sei lá mais o que vão inventar...
— Quê? — bocejou.
— Como o quê? O Faruf Al Faruf estava tentando emprestar dinheiro a um pool de pequenas empresas de São Paulo que estavam sendo prejudicadas no comércio. Dizem que era algo relacionado a peças de computadores clandestinos num bairro da cidade. Parece que a concorrência era desleal... — deu de ombros. — Sua pressão sanguínea estava na estratosfera.
— Hum...
Dr. João Vitor desistiu de fazer monólogo.
— Tenha um bom dia; e uma boa prova — e se levantou nervoso com o filho.
Eduardo suspirou desanimado:
— Provas... Droga! — reclamou ao terminar o desjejum e se encaminhar para a Escola Monsenhor Hipólito Ibi.
CAPÍTULO 2
— E aí, Dudu? — perguntou Mariana ao bater-lhe nas costas. — Preparado pra prova de Matemática?
Eduardo se virou lentamente. Coçou os cabelos pretos e encaracolados. Arrumou a jeans azul e a camiseta do uniforme. Andava tão cansado ultimamente; cansado até para querer ir às aulas. Odiava estudar as matérias que não fossem as suas preferidas; quase nenhuma era, principalmente Matemática. Ajustou mais um buraco do cinto. Emagrecera um quilo e meio apesar de ser bem forte. Tudo culpa do seu estômago que embrulhava quando estava sob pressão; e as provas o deixavam assim. Já no Inglês, Eduardo, era o bom, e claro, em algo que envolvesse computadores. Porque na Computação, era o guru.
O corredor estava lotado para o começo das aulas. Todos sempre aproveitavam um tempinho para uma fofoca fresca, para mais uma ‘azaração’. Para isso a Internet era um prato cheio; e lá estava Eduardo com seu smartphone: Facebook, Tublr, Flick, Twitter, Pinterest, MSN, Google+, Digg, Instagram, Whatsapp, Yahoo Bookmarks, MySpace, Bebo, Hi5, Skoob, Last.fm, Friendster, Viadeo, Delicious, Friend Feed, LiveJournal, Newsvine, Reddit, Badoo, Stumbleupon, Skype, Technorati, Sonico, Netlog, canais de IRC e alguns blogs; tudo ao mesmo tempo.
Isso sem contar, é claro, os últimos check-in no Foursquare.
— Oi, Mari — respondeu, enfim.
— Pronto? — Mariana estava enfadada de esperá-lo clicar tanto. — Acabou? — olhou para o celular dele e depois para ele. — Nossa!!! — gritou. — Quanta olheira...
— Ah! Não começa tá?
— Tá cada vez mais difícil acordar cedo, né? Dá nisso ficar plugado na Internet o tempo todo — piscou seus suaves olhos.
— Como sabe? — Eduardo a olhou assustado.
Ela não se deu ao trabalho de responder sua pergunta e foi sentar-se em sua carteira.
— Por falar em estar plugado... — insinuou Mariana de longe sobre Melissa, sua irmã, que se aproximava dele.
Eduardo se virou para trás. Tentou acordar mais uma vez. Mariana tinha razão; estava ficando difícil ficar acordado durante a madrugada, na Internet e depois ter que levantar cedo para a escola.
— Falavam de mim? — perguntou Melissa ao se “plugar” nos lábios de Eduardo.
— Eu não falei — falou Mariana cada vez mais longe.
— A sua irmãzinha tá um saco, não?
Melissa olhou para Mariana na carteira dela. Sua irmã era tão diferente dela. Enquanto Mariana era loira de olhos azuis, cópia fiel da família alemã do pai, ela era uma bela nipônica, totalmente do lado da mãe asiática. Mas Melissa era um tanto, “dark”, gostava e curtia roupas escuras, talvez até para disfarçar os largos quadris, seu trauma. Mariana era doce em tudo que fazia e combinava sempre com as roupas que usava, com o louro claro dos cabelos. Mas Melissa tinha de reconhecer, Mariana passava por uma mudança radical. Desde que começou a namorar Eduardo ano passado que Mariana mudou suas atitudes com a irmã.
— Não... Ela só tá crescendo — sorriu. — Nossa! — olhou Eduardo com mais afinco. — Quanta olheira...
— Ah! Deus! Você também? — limpou os olhos sob a reprovação de Melissa.
— Eu e Deus? — brincou.
O segundo e último sinal foi dado. Os alunos começaram a entrar nas salas de aula. As provas do primeiro bimestre estavam a toda e apertavam a garotada. Melissa arrumou o elástico da cintura; odiava o uniforme colorido. Aliás, odiava usar uniforme; a maioria das escolas não adotava uniforme no Ensino Médio. A escola Monsenhor Hipólito Ibi usava-o como uma maneira de saber quem eram seus alunos; uma questão de segurança justificava. Mas para Melissa não era um argumento forte, seus cabelos marrons, com longas madeixas, agora sempre presas, teimavam em discordar com o uniforme escolar.
E os largos quadris de Melissa, Mel para os amigos, não deixavam a saia no lugar certo; o vinco nunca se ajeitava.
— Ficou torta — falou Fernando ao chegar, apontando para a saia de Melissa, falando com Eduardo. — Olá... Vamos buscar a Pati no Aeroporto?
— Ai, meu Deus. Você me ligou ontem oito vezes, Fê. Já disse que vamos, AMANHÃ!!!
— Puxa Dudu... Tô com saudades, né? — inclinou-se para vê-lo melhor. — Nossa!!! — gritou. — Quanta olheira...
Eduardo balançou a cabeça. Agora foi ele quem não se deu ao trabalho de responder a uma pergunta feita. Entrou na classe onde Mariana já se encontrava. Repetente nato, Eduardo ainda estudava com Mariana que acabara de fazer 14 anos. E Mariana assim como Melissa vinha percebendo que estava mudando, que ficava mais atraente, captando olhares masculinos pela escola. Aquilo Eduardo também percebeu. Não gostou, mas nada comentou. Não sabia como sua namorada ia levar tal comentário.
Melissa e Fernando agora com 16 e 15 anos respectivamente, também haviam sido promovidos com notas boas para o segundo ano do Ensino Médio e estavam cada vez mais próximos das escolhas profissionais e de Universidades a seguir.
Já dentro da classe:
— A gente vai agora? — cochichou Fernando, sentado logo atrás dela.
Melissa acordou dos pesadelos sobre o vestibular.
— Chiii! Já falamos que ela só chega amanhã! — começou a se irritar.
— Mas o Aeroporto Internacional é tão longe.
— Amanhã, Fê... E o aeroporto é no outro bairro, não noutra cidade... — sussurrou.
— Pô! Meu! Nem acredito. A minha Pati tá voltando.
— Chiii! Desencana, Fê — falava já nervosa — Ela não é “tua Pati”. E a Patrícia tá de férias; ela volta pra Suíça daqui duas semanas.
— Os dois mocinhos estão com problemas? — interrompeu a professora, o bate papo de Melissa e Fernando.
— Não, Senhora! — se adiantou Melissa que já tinha dois pontos negativos na matéria dela por causa dele.
Fernando era do tipo bonito, e lento em se tratar de imaginação, que era viajante de espaço sideral. Com 1m e 80 de altura, pele morena e cabelos escuros, Fernando excedia em musculatura, e também em inteligência. Era nota dez em todas as matérias. Bem, com exceção das garotas e dos computadores. Mas apesar da postura forte e braços malhados na academia, Fernando tinha uma saúde frágil, sempre vigiada por sua mãe, Adriana, casada com importante figura africana; Adido Cultural, agora aposentado. E isso tornava Fernando uma criança mimada, com medo da vida.
— Acho bom, os dois pararem de conversar ou vai fazê-lo, lá fora — se enervou, decididamente, a professora com aquele bate papo.
“Ainda mato o Fê”; pensou Melissa.
CAPÍTULO 3
As sirenes quase ensurdeceram o bairro central na madrugada que avançava. Os bombeiros mal tiveram uma trégua. Três corpos foram retirados, ainda quentes, do incêndio que destruiu a pequena loja de hardwares, que virara a madrugada trabalhando. O centro da cidade de São Paulo parou naquela madrugada. Duas horas e quarenta e dois minutos, marcava o relógio quebrado na sala destruída.
A faxineira estava, ainda, em estado de choque. Fora ela quem, encontrara o que sobrara dos três garotos na sala dos computadores. Era madrugada e a faxineira nem queria ter ido lá, mas a limpeza estava atrasada.
— Deus quis que eu viesse, né? — falou para o Policial parado na porta.
Fazia um calor infernal; mal se conseguia concluir os trabalhos de rescaldo. O Bombeiro-chefe respirou aliviado ao ver o final do fogo.
Os corpos seguiriam para o IML, Instituto Médico Legal.
As famílias seriam avisadas da tragédia.
CAPÍTULO 4
O trânsito estava infernal. Igual ao de todos os dias era verdade. O trajeto da Escola Monsenhor Hipólito Ibi até o Aeroporto Internacional de Cumbica era longo. Os três amigos como sempre tinham Eduardo como motorista escondido do Dr. João Vitor; e para piorar, com o carro novo dele e que provavelmente não foi avisado sobre a ida ao Aeroporto.
Chegavam naquele momento no saguão lotado de turistas vindos de todas as partes do país e do mundo.
— Portão B! — exclamou Fernando.
— Não! Já falei que é portão A. O portão internacional é o A — respondeu Eduardo.
— A gente tá mais de um tempão rodando aqui sem encontrar onde a Pati vai aparecer — insistiu Fernando, fazendo os amigos quase perderem a paciência com ele.
— A mamãe vai ficar uma fera ao saber que o Eduardo pegou o carro do pai dele e saiu de novo pelo portão que ninguém vê — reclamou Mariana.
— A mamãe não vai saber se ninguém for contar — balançou Melissa, a cabeça, nervosa.
— É, Mel? E nós vamos chegar com a Pati e dizer que trombamos com ela no elevador... Nossa que coincidência.
— Não falei? — cochichou Eduardo ao pé do ouvido de Fernando. — Tá um s-a-c-o — soletrou.
— São os hormônios — falou entendido.
Eduardo espremeu as sobrancelhas. Nem acreditou no que ouviu.
Riu depois.
— Não podemos atrasar pro almoço — prosseguia Mariana.
— Chiii! Que saco, Mariana!
— Põe saco nisso — concordou Eduardo com Melissa sob fogo cruzado de Mariana.
— Saco é você! — respondeu ela para Eduardo.
Eduardo estranhou o rompante para cima dele.
Fernando nem se tocava com os problemas do cotidiano. Olhava atentamente o painel de voos. A plaquinha rodou e avisou: O avião proveniente da Suíça aterrissara, enfim.
— Yes! Yes! — vibrou. — Yes!
Os quatro subiram as escadas rolantes; se dirigiram para o portão A.
— Ótimo! Tava cansada de olhar passagem aérea e comer pão de queijo. Tô com fome. Quero comer comida.
— Não fala — pediu Melissa, encarecidamente, ao olhar o namorado abrir a boca. — Não fala — tampou a boca de Eduardo, na dúvida.
— Tô com fome e vou levar bronca quando aparecer com a Pati a tiracolo — continuava Mariana a reclamar; coçou a asa do nariz, nervosa. — E ainda não quer que a mamãe desconfie. A mamãe tava esperando ela de taxi. Ela escreveu...
— Eu não ia deixar a Pati ir de taxi — disse Melissa cortando sua fala.
— Quando a Pati escreveu? — questionou Eduardo. — Achei que ela tinha ligado?
— Não — balançou a cabeça irritada, para Eduardo. — Ligou, mas foi no computador. Um tal de ‘voip’. Foi a Mari quem fez a ligação.
— “VoIP”? Ulalá! E a Mari sabe lidar com Voz sobre IP?
— Que?
— Voice over Internet Protocol, Mel. Isso que disse aí — e Eduardo deu uma gargalhada quando Mariana se aproximou.
— Que é bobão? Acha que não sei o que é um se até já me tornei um? — e Mariana teve a boca tampada por Melissa.
Melissa já estava sem paciência com todos eles.
Mas Eduardo puxou Melissa de lado.
— A Mari sabe o quê sobre ‘um’ já que se tornou ‘um’?
— Quê? Sei lá. Mas ela ensinou o papai fazer vídeo-reunião com seus projetos, e online no Tablet, quando ele viaja.
Eduardo balançou a cabeça:
— Ulalá! — mostrava-se incrédulo. — E não é ‘vídeo-reunião’, é ‘videoconferência’.
— Que seja... — Melissa só balançou as ancas.
Já Mariana continuava a falar mal de Eduardo, e reclamar sozinha, encostada no vidro divisório.
— Que aconteceu com sua irmã? — percebeu Fernando depois de muito tempo.
— Tá crescendo, Fê — respondeu Melissa.
— Pros lados — completou Eduardo às gargalhadas com um gesto pela cintura e abaixo dela.
— Olha lá a Pati!!! — gritou Melissa ao abanar as mãos. Já não via a hora de se livrar daquela espera. Tinha muitas saudades da amiga, Patrícia.
Patrícia os viu do vidro que separava a ala de desembarque do saguão. Abanou suas mãos, também.
Os cinco estavam eufóricos.
Juntava-se, novamente a turma do Condomínio Jardim das Flores, Bloco Jardim Azaléia.
CAPÍTULO 5
O Delegado José Liberato esperou o café chegar. Rocha, seu fiel ajudante entrou e saiu sem ser percebido. José Liberato tomou um gole atrás do outro; estranhou quando a xícara esvaziou. Andava aéreo; preocupado. Sua cabeça latejava com os últimos acontecimentos. Tragédias com jovens viravam rotina nos telejornais, na mídia escrita, na Internet, na esquina de casa. O fogo havia destruído a vida de três garotos aparentemente inocentes no centro de São Paulo e o caso chegou às suas mãos.
O Delegado era homem de idade avançada. Tinha um cavanhaque branco, da cor de seus cabelos. O olhar enrugado e cansado transmitia paz apesar de tudo. Com essa mesma calma, José Liberato comandava uma equipe de policiais jovens e inteligentes.
Fabrício Bernardes era um deles. Loiro bonito, 24 anos, inteligente, sem vícios. Filho de um grande advogado criminalista, amigo seu, Fabrício já havia provado a ele, em outras ocasiões, quanto valor tinha; inclusive foi peça chave para o desfecho do assassino dos pais de Patrícia.
Para o jovem policial, José Liberato era um ídolo. Fabrício entrava na sala do Delegado naquele momento em que sua angustia chegava ao extremo.
— Estou arrasado — falou José Liberato como que para si mesmo.
— Está falando do incêndio?
— Sim, Fabrício. A perícia voltou da loja de hardwares há duas horas — olhou para o relógio da parede; anunciava que a tarde chegara. — Desde a madrugada quando soube sobre o incêndio, perdi a fome.
— O que a perícia descobriu?
— Ainda é cedo para detalhes, mas havia fogo num dos computadores. Provavelmente acionada por algum dispositivo de tempo.
— E os três garotos? Quem era?
— Pessoas comuns. Jovens com idade entre 18 e 23 anos — José Liberato abriu o computador e leu a investigação preliminar. — O contabilista se chamava Renato, trabalhava lá, há pouco tempo. Questão de três meses. Os outros dois são irmãos, donos da loja de hardwares.
— Que mal...
— Tantos atentados na América do Sul — falava ainda, pensativo.
— Hei? — estranhou Fabrício. — Acha que tem alguma ligação com aqueles atentados fora do Brasil? Com o tal Faruf Al Faruf? — arrastou a cadeira giratória; girava enquanto falava.
— Não sei, é só um palpite. É sabido que não temos muitos incendiários aqui no Brasil, não?
— Menos mal — Fabrício riu.
— Incêndios, sempre em computadores, sempre à espera de um sinal. Mas qual é o sinal?
— O Departamento Central Nacional da Interpol aqui no Brasil mandou alguma foto do cara, que se presume ser o responsável pelo atentado na Argentina?
— Não conhecem sua identidade verdadeira. Tem alguns jovens que estão sob observação, mas é só. A única certeza, é que são jovens morrendo nas mãos de jovens.
— Mas e o atentado ao banqueiro Faruf Al Faruf?
— Talvez um copista, alguém que queira desviar a atenção para matá-lo.
— Entendo... Um ‘copycat’, um criminoso que copia ações de assassinos em série. Isso é o que mais dificulta uma linha de investigação com perfil, porque ele confunde os perfiladores.
— E como! E esses agem na América do Sul; são muitos lugares para se vigiar. É a primeira vez aqui no Brasil.
— E ainda sim, acha que é ‘ele’, o tal incendiário juvenil que vem perturbando a América? Acha que segue a mesma linha?
— Não é isso. É que eu estava de férias no Chile ano passado quando o Museu quase veio abaixo num incêndio que atingiu os computadores e destruiu todos os bancos de dados.
— Estranho! Por que os computadores?
— Não sei; talvez um tecnofóbico.
— Bom! — Fabrício se espreguiçou. — Acho que meu trabalho terminou por hoje. Estava pondo minha papelada em ordem até agora. Estarei na casa dos meus pais essa semana. Se precisar de mim; chame!
José Liberato não respondeu.
Tinha medo de pensar que precisaria fazê-lo.
CAPÍTULO 6
A porta da casa dos Jung foi aberta após acionada a campainha do sétimo andar.
Sandra Pii Jung, mãe de Melissa e Mariana, estava sorridente.
— Minha querida! Quanto tempo! — beijou e abraçou Patrícia de Moura.
— Obrigada Dona Sandra — sorriu gentil, a pequena.
Patrícia era de estatura mediana para seus 16 anos, com os cabelos longos e mais claros do que antes e com dentes perfeitos e sorriso aberto, Patrícia tinha ainda lindos olhos verdes.
— Venha minha querida. Conte-me tudo... — e Sandra parou e olhou Eduardo. — Nossa! Quanta olheira, Eduardo — Sandra só viu Eduardo girar os olhos. — Mas me diga Patrícia — prosseguiu Sandra, contudo. — Como tem sido lá na Suíça? Sabe... A cobertura está toda em ordem; eu levo a faxineira lá e ela limpa tudo uma vez por semana — sorriu.
— Mãe! — socorreu Mariana. — A Pati tá cansada e com fome.
— Ah! Claro! Que cabeça a minha. Vou servir o almoço... Seu pai me garantiu que viria almoçar. Vamos ver... Vamos ver.. — e foi para a cozinha.
Melissa foi ajudar a mãe; gostava de lidar com a casa, gostava de cozinhar. Já Eduardo, Mariana, Fernando e Patrícia se dirigiram para a sacada a fim de conversar.
— A Dona Sandra não perguntou de onde viemos? — questionou Fernando para Eduardo, estranhando.
— Se engana não cara... Aquilo é lisa como sabão — piscou maliciosamente.
O almoço foi servido. Prato do dia: Patrícia de Moura e sua estada na Suíça.
— Mas me conta... E sua tia? Adaptou-se ao frio? Como é a escola? Muita gente famosa?
— Minha tia tava acostumada com o tempo maluco do Espírito Santo.
— É... Como agora! — Mariana cortou o assunto. — Frio no final do Verão.
— Não! — interrompeu Fernando também; todos se olharam — O jornal disse que tava um calor danado.
— Calor? — Melissa, Eduardo e Sandra foram uníssonos.
— Do que tá falando? — questionou Mariana, coçando a asa direita do nariz; virava já, um cacoete.
— Do calor... No centro da cidade...
— Fê, querido... — tentou Sandra entender. — Você está falando da reportagem do Jornal da manhã? Sob as labaredas de fogo num bairro central da cidade?
— Sim!
— Chiii! — exclamou Melissa — Foi um incêndio, Fê.
— Ah! O incêndio... — ia falando Mariana para Eduardo quando seu pai, Paulo chegou, interrompendo-a.
Eduardo correu para agradar o ‘sogro’ com um abraço e ficou sem saber o que a Mariana ia falar.
— Já está de bom tamanho Eduardo. Danka! — falou Paulo sem graça com o abraço demorado.
— Ah! Claro! — Eduardo piscou para Fernando que nada entendeu.
Paulo Jung enfim viu Patrícia; cumprimentou-a.
— Fraulien Patrícia! Como foi de viagem?
— Tudo bem, Seu Paulo.
Todos se sentaram à mesa após Sandra cochichar que achava que eles haviam ido ao aeroporto buscar Patrícia. Paulo engoliu aquilo a seco. Depois retomaram o assunto com Fernando.
— Sabe Fernando... O calor foi um incêndio numa loja de hardware — explicou Paulo.
— Ah! Achei que era calor de tempo — bateu na testa, sorrindo.
Todos riram.
— Sobre o incêndio; eu conhecia... — ia falar Mariana novamente quando interrompida mais uma vez.
— Mas fale sobre suas viagens pela Europa. Você saiu da escola para visitar os países próximos?
— Sim, Dona Sandra! A escola tem muitas viagens já programadas... — recordava Patrícia, suas travessuras na Suíça.
Fernando parecia dominado pela figura dela.
— Recolhe a baba, Fê — chutou-o, Mariana, por debaixo da mesa.
Fernando se assustou.
— Mariana! — repreendeu Sandra, sua mãe. — Que coisa feia!
Fernando encarou Mariana.
— O Dudu tem razão. Cê tá ficando um saco!
— É? O Dudu falou isso? — Mariana o encarou do outro lado da mesa.
Eduardo quase se engasga. Olhou para os pais de Mariana e Melissa apavorado com as ideias que fariam dele. Procurou o garfo para espetar os dedos de Fernando que os encolheu a tempo.
— Alguém quer sorvete? — ofereceu Seu Paulo para desmanchar o mal entendido; todos silenciaram. — Sobre o incêndio, minha filha, o que ia mesmo falar?
— Hein? — voltou a si. — Ah! O incêndio num bairro da cidade? Eu conhecia o cara.
— Que cara minha filha? — questionou o pai.
— Ele era um amigo meu da Internet.
— Da Internet?
— Sim, mamãe. Do IRChat que eu frequentava.
Um silêncio se seguiu. Parecia todo o resto da mesa estar pensando; ou tentando entender. Eduardo olhou Mariana mais intensamente. Aquelas palavras o atiçaram.
— Que Chat é esse?
— Um canal novo de IRC, que não tá morto... — olhou para todos balançando a cabeça como se todos tivessem entendido-a. — Um ciberamigo meu tem um site sobre hardware e montou um Chat num canal de IRC.
Eduardo só esticou a grossa sobrancelha. Aquilo parecia familiar demais.
— E isso, seja lá o que você disse, é seguro minha filha? — Sandra assustou-se.
— Ah, mãe. Deixa disso. Tá cheio deles, na rede... Sabe como é? — mas a mãe dela continuava com cara de susto. — Minha mãe até que podia ser mais moderna, não? — riu Mariana e depois aliviou perante a cara dos pais. — Quero dizer que na Internet tem uns programas que cê carrega tipo gadget, bugiganga, que simulam uma sala onde as pessoas conversam através do teclado. A gente escolhe uns avatares tipo ‘smiley’, escreve frases e remete pra dentro do computador de quem tá conectado também.
— “Smiley”? — Sandra não parecia se situar.
— Nossa mãe! Umas carinhas amarelas desenhadas, os famosos “smiles” que expressa sua reação; tipo falando, gritando, feliz, triste, com busto sem busto.
— Sem o quê? — perguntou Fernando olhando Eduardo em choque.
— E os Chats são fáceis de fazer — prosseguiu Mariana animada. —, tem sites que dão tudo pronto pra você montar um Chat no seu blog. Aí é só definir se ele vai ser ‘small’, ‘medium’ ou ‘large’, e personalizar em ‘width’ e ‘height’ — falava sozinha. — E... Nossa! Os Gadget Dashboard do Google são... — e parou ao ver todos em choque.
Eduardo deixou os lábios penderem. Piscou compassadamente não acreditando Mariana capaz de tudo aquilo já que os pais, Paulo e Sandra eram aquilo mesmo; atrasados ciberneticamente.
— E... — falou Melissa afobada, esperando a tradução daquela linguagem.
— ‘E’ que apesar da gente entrar com um nickname, tipo apelido, no Chat, eu sabia que o Nervosinho era o Renato, o tal contabilista morto no incêndio.
— Você conhecia o Nervosinho? — questionou Eduardo, agora sim assustado com a novidade.
— Sim, Krililik.
— Ahhh!!! — gritou Eduardo na mesa.
— O que é ‘Krililik’ minha filha? — Sandra questionou perdida.
Todos se olharam. Sentiram-se num jogo de ping-pong.
— Não tô entendendo nada — falou Fernando.
— Nem eu! — completou Patrícia.
— E eu tô? — Melissa foi a última.
— Como... como... como... — gaguejava Eduardo entre tantas outras questões.
— Como eu sabia que você era o Krililik? Eu sei a identidade de todo mundo no Chat. A bem dizer que foi sem querer; e se eu não tivesse carregado aquele malware... — coçou o nariz.
— Você fez phishing?! — Eduardo começou a se alterar.
— Por que tá gritando comigo?
— Não acredito que você fez... que você fez... que você fez...
— Eu não fiz nada!
— Você saiu por aí contado quem somos...
— Não contei nada, Dudu! — Mariana cortou a fala dele levantando-se.
— Você contou... Você sabia... Ahhh! — se enervava também em pé.
— Já disse que não...
— Você estragou tudo!!! — gritou ele.
— Não estraguei nada!!! — gritou ela. — Desculpa aí se sou mais inteligente!
— Inteligente?!
— Você nem sabe qual das três mulheres sou eu.
— Sei sim!
— Quem sou eu, Dudu?
— Alguém quer mais sorvete? — ofereceu Paulo novamente, tentando terminar o pequeno duelo que começava entre Eduardo e Mariana que se desafiavam em pé, sobre a mesa.
CAPÍTULO 7
O escritório do apartamento, no décimo primeiro andar do Bloco Jardim das Flores, rosas, margaridas e jasmins, estava abarrotado de papéis. Dr. João Vitor resolvera fazer uma arrumação nos cadastros de seus clientes; logo após o jantar.
— Eduardo? — chamou Dr. João Vitor, seu pai.
— Tô aqui!!! — gritou de longe.
— Aqui aonde, garoto? Não dá para ao invés de dizer “tô aqui”, responder com certeza? Hoje estou ‘krililik’ da vida.
— Desculpe pai — fez uma careta ao aparecer na porta do escritório. — Tava estudando — Dr. João Vitor tossiu. Eduardo arregalou os olhos. Não gostou daquela tosse repentina. — Puxa pai.
— Eu queria conversar com você... Nossa!!! — gritou — Quanta olheira, Eduardo...
— Ih! Lá vem bronca — jogou o pescoço para trás.
— Você não está exagerando no computador?
— Não... — Eduardo escorregou o corpo e já se preparou para dar meia-volta.
— Está bem... Vamos conversar numa boa. Juro!
— Uhm... — Eduardo o olhou.
— Primeiro, queria que você passasse todos esses meus clientes aqui — apontou um calhamaço de papéis. —, para o computador. Depois eu levo para o consultório. O computador lá tá muito ruim; acho que vai pifar qualquer hora — socou sua própria testa. — Ah! Fico krililik com aquele computador.
— Quer que eu dê uma olhada? Um upgrade, cepá?
— Sem falar grego, está bem? Além do mais, o consultório não é só meu e temos que valer o que pagamos para aquele técnico que não conserta porcaria nenhuma — olhou para o filho. — Segundo, como vão suas provas? — falou numa jogada só.
Eduardo arregalou os olhos, ia abrir a boca; foi salvo pela insistente campainha do telefone. Escapou ao ver seu pai envolvido com um cliente aflito, achando que estava morrendo. Não pensou duas vezes; desceu do décimo primeiro andar para o térreo. Dirigiu-se para o salão de jogos. Lá esperavam Patrícia, Fernando, Mariana e Melissa.
— Não vai conseguir escapar tantas vezes — falava Melissa. — Teu pai vai saber que vai levar pau em Matemática.
— Meu! Que saco! Vou precisar de reforço logo no começo do ano.
— No começo do ano, no meio do ano, no final do ano.
— Tá do meu lado ou contra mim?
— Não tô contra você, é claro — e Melissa se enroscou em Eduardo no que os lábios dele se plugaram aos dela. — Agora mais depois desse beijo...
— Isso te acalma, né? — sacaneou.
— Convencido! — mostrou a língua. — O que quero dizer é que precisa se esforçar mais. Só isso — mostrou a língua outra vez.
Eduardo agora ameaçou mordê-la. Os dois namorados riram; nem ligavam para o redor. Os três amigos conversavam longe deles, mesmo com Mariana incomodada com os pega-pega deles. Já Fernando não desgrudava de Patrícia. Isso enervava Mariana mais ainda. E sua irmã, já havia lhe prevenido.
“Por favor, Mari... pega leve com o Fê”; falava o tempo todo.
Mariana andava meio sem “saco”. Tudo estava sempre muito chato para ela. Suas opiniões divergiam sempre e os amigos já não tinham mais tanta paciência com ela. Parecia entrar com tudo na adolescência. E Mariana vinha se afastando um pouco da realidade, com o uso constante do computador. Isso já preocupava a mãe Sandra, apesar do pai achar ótimo que pelo menos alguém naquela casa entendesse de algo informatizado. Tinha problemas com os computadores, tablets, smartphones e até com a geladeira nova que fazia suas próprias compras no supermercado.
— Queria te pedir uma coisa — dizia Eduardo já bem longe dos três. — Espero que não ache engraçado.
— O que?
— Dá pra você descobrir essa história da Mari na Internet?
— Tá falando dos tais Chats? E eu lá quero entender disso?
— Não precisa entender. Só achei estranho o fato de ela conhecer o cara que morreu.
— Todo mundo morre, Dudu. O tempo todo tem algum pedestre, motoqueiro, estirado na rua.
— Não tô falando de acidente de trânsito, tô falando... Ahhh!
— Tá encucado de ela ter descoberto seu apelido? — riu.
— Ela falou sobre isso? — fez uma careta.
— Falou um bocado.
— Já sabia meu apelido?
— Krililik? Sim! — riu. — E por que ‘Krililik’, Dudu?
— Sei lá... Meu pai está sempre estressado, ‘krililik’ com algo — olhou-a o olhando. — Não entendeu? Doido, krililik... — riu. — Achei original... E... Sei lá... Droga! A Mari não tinha que falar — olhou Melissa o olhando agora com uma careta. — Você sabia como?
— Bem... Apesar de não entender muito bem o que significa isso de apelidos ou ‘nicknames’ — voltou a rir abraçando-o mais forte. —, digamos que sei o básico.
Eduardo balançou a cabeça nervoso.
— Tenho até medo de perguntar o que significa esse ‘básico’ — olhou-a. — Ahhh! Tua irmã é... é... é... Ahhh! Mal saiu das fraldas, a fedelha, e vem empinando o nariz pra mim? “Desculpa aí...” “Sou mais inteligente...” — Eduardo imitou a voz de Mariana.
— Hei! Que é isso? Tão se desentendendo um bocado, hein? Não era assim antes da gente namorar.
Eduardo gelou naquela frase.
— É que... Eu... Ah! Desculpa. Tua irmã tá ficando difícil, tá bom? — olhou-a de lado.
— E você não acha que tá ficando difícil com ela também? Vive reclamando dela, do que ela veste...
Eduardo gelou outra vez. Não havia percebido que deixava escapar que ficava incomodado com as roupas curtas e justas que a irmã dela usava.
— É essa fase da aborrecência...
— “Abo...” o que? — riu — Até parece que você já é um homem.
— Tá duvidando? — agarrou-a pela cintura — Ahhh! Deixa pra lá. Eu vou falar com ela quando me acalmar — Eduardo sorriu sacana. — Tá ficando tarde e eu tenho algo muuuito melhor pra fazer aqui e agora — e os dois se beijaram.
O namoro ia bem, e ambos achavam ótimo nunca terem tido uma briga. Eduardo até era um pouco ciumento, mas seu estilo ‘meio brincalhão, meio piadista’, acalmava essas horas.
CAPÍTULO 8
A rua estava deserta. Nuvens espessas ameaçavam uma chuva fina. Fazia frio em São Paulo, às três horas da manhã.
O jovem, à espreita, voltou a se ajeitar para debaixo do capote; escondeu o rosto no capuz como pôde. Queria a todo custo não precisar entrar naquele edifício. Vinha vigiando-o desde o início da madrugada. Mas se entrasse, ele sabia que teria que ser rápido.
— Ai!!! — gritou na escuridão.
Havia se assustado com o olhar brilhante do bichano que cruzara a sua frente. Um profissional de seu gabarito, agente secreto com oito anos de Interpol, não podia se assustar com tão pouco. Mas ele sabia; isso vinha ficando assíduo. Seus nervos estavam à flor da pele desde quando começou a investigar aquele incendiário juvenil, a questão de três meses atrás.
Uma luz se acendeu na quinta janela, à esquerda do luminoso, no sétimo andar do edifício de consultórios. Isso o alertou. Alguém se movia na sala de computadores do edifício de consultórios do dentista e seu sobrinho.
Ele se encolheu; recuou um pouco para trás da parede, ao ver o vulto caminhar calmamente. Tentou manter-se frio novamente; não podia ser visto na rua. Esperou um pouco até que o vulto sentou-se no que calculou ser uma cadeira e se aproximou mais um pouco ao ver o silêncio reinar.
As vidraças do edifício eram grandes tomando quase toda a extensão da parede, o que permitia a quem andasse pela rua, pudesse ver a sala do sétimo andar e os vultos de seus ocupantes.
O agente secreto chegou mais perto do grande portão; atravessou até a porta do prédio; abriu a porta que dava acesso ao hall e seu coração ameaçou parar no que um estrondo na rua acionou os alarmes dos carros ali estacionados.
Uma confusão sonora de buzinas e gente se aproximando do corpo que se estatelou em cima do capô de um carro. Gritos histéricos se juntaram próximo ao corpo de um homem que jazia ali morto.
O agente secreto arregalou os olhos e correu para dentro do edifício outra vez enquanto uma nítida forma de um jovem esbelto se desenhou na quinta janela, no sétimo andar do edifício de consultórios, que se incendiou em meio a mais e mais gritos histéricos gerados na rua.
CAPÍTULO 9
— Delega? — perguntou Rocha na porta da sala de José Liberato.
Ele percebeu que o Delegado estava ao telefone. Quem quer que tenha feito aquela ligação fez com que ele perdesse o controle. Conhecia seu chefe; ele suava quando estava nervoso, afagando os cabelos brancos cansativamente até puxá-los para trás.
Dessa vez, percebera Rocha, ele quase os arrancava. Teve pena do Delegado. Fechou a porta. Esperou ser chamado; o que não demorou.
— Rocha?! — gritou José Liberato.
— Sim, delega? — retornou.
— Pepino! Só me cai nas mãos... pepino!
— Tá falando do incêndio em Interlagos?
— Estou falando de mais o quê, Rocha? — se irritou. — Claro! Chamou o Fabrício?
— Ele ainda não voltou de lá. Foi pro que sobrou do edifício de consultórios, em Interlagos, assim que acordou, mas já tinham sido levados.
— Fecha a porta! — pediu. — Não quero que ninguém escute.
— Tudo bem — Rocha fechou-a ao passar.
— A Interpol está em polvorosa. O IML confirmou que um dos corpos no incêndio, era do agente secreto deles. Ele estava chegando perto do incendiário juvenil e morreu junto com o estudante de Odontologia.
Fabrício entrou na sala naquele momento:
— Bom dia, Delegado.
— Péssimo dia, Fabrício — olhava para a janela ainda com as cortinas cerradas.
Uma falsa claridade penetrava no ambiente.
— Prossiga!
— A perícia está impressionada. O cara voltou a colocar fogo nos computadores que causou o incêndio — José Liberato coçava a cabeça e tentava raciocinar sobre o que falava.
— Onde foram encontrados? Quando cheguei lá não tinha mais nada dos corpos.
— O corpo do sobrinho do dentista estava no sétimo andar junto ao corpo do agente, na sala. E o pior, havia mais um corpo, do tio dentista que morreu pela queda do sétimo andar em cima do capô de um carro. Acho que ele num descuido se jogou pela janela.
— Do sétimo andar? — Rocha estava abismado.
— As pessoas fazem coisas estúpidas quando estão sob pressão, Rocha — foi Fabrício quem falou pensativo. — A que horas foi isso?
— Por volta das três da madruga, pelo que disse o legista — Rocha fez uma careta.
— Algo mais, Rocha? — alertou-se Fabrício.
— A Interpol baixou por lá. Falava o tempo todo sobre um pequeno computador de mão, esse... Esse computador pequeno que o agente secreto sempre carregava.
— Encontraram Rocha? — questionou José Liberato.
— Vou ser sincero. Pelo silêncio nas duas horas que se seguiram à investigação, ou desistiram, o que não acredito, ou acharam o tal computador de mão. Eles também levaram o carro do agente que estava estacionado não muito longe dali — Rocha olhou para José Liberato e Fabrício. — Não sei, não, se a Interpol vai deixar a gente ver o carro do tal agente. Eles até seguiram-nos, no que levaram os corpos aos legistas.
— Como era o nome do sobrinho do dentista?
— Luca; Luca era seu nome.
Rocha saiu da sala do Delegado ao ouvir o telefone tocar na sua mesa; voltou com um papel na mão.
— Chegou um fax — interrompeu Rocha. — O pessoal da engenharia disse que o edifício não implodiu porque o incêndio era do mesmo tipo dos outros. Suficiente para não se alastrar pelo quarteirão; bom o bastante para levar a vida de mais um jovem...
— Esse cara... — voltou a puxar os cabelos brancos. — Esse cara... Ele está brincando com a polícia...
— O cara é louco. E loucura tem explicação? — comentou o jovem policial Fabrício Bernardes.
— Espera lá, meu rapaz — divergiu José Liberato. — Não é bem assim. Vamos por partes: Primeiro, por que ele mata? Segundo, quem é seu inimigo, afinal? Esse incendiário é ‘peixe’ grande.
— Mas o que os jovens têm haver com a jogada? — voltou a perguntar Rocha, seu fiel ajudante.
— Se ficar provado mesmo que os incêndios seguem uma mesma linha de ação, então o tal Renato e o tal Luca têm ligação — explicou Fabrício.
— É exatamente isso que vamos descobrir. O Departamento Central Nacional da Interpol aqui no Brasil pediu que nós investigássemos, uma vez que não vão se envolver com nossas leis. O caso está oficialmente em nossas mãos.
— Um incendiário juvenil em São Paulo — balançou Fabrício, a cabeça. — Era só o que faltava.
CAPÍTULO 10
A televisão estava ligada há tanto tempo que Eduardo se acostumou ao chiado sem sequer saber o que falavam. Era costume fazer lição na sala onde podia se distrair o máximo possível. E o noticiário da tarde havia sido interrompido para mais uma notícia extra.
“Nova manifestação?”, pensou Eduardo.
Mas se engasgou ao ouvir a notícia. Berenice entrava na sala; correu para auxiliá-lo. Deu-lhe tanto tapa nas costas que apesar de já ter voltado ao normal, continuou apanhando.
— Tá tirando... — tossiu — o atraso?
— Tá melhor?
— Não... — olhou a TV. — E acho que não vou ficar... — voltou a olhar o repórter que mostrava um edifício de pintura enegrecida após um tremendo incêndio.
Berenice olhou a televisão. Tinha opiniões das mais diversas quando se tratava de travessuras, como costumava chamar.
— Esses garotos... Não prestam atenção em nada. Abrem o gás e depois se esquecem de fechar... — e foi para a cozinha.
Eduardo olhava os lábios do repórter se mexerem. Mal conseguia ouvir suas palavras.
— Fogo... Computadores... Jovens... Contabilista... Estudante de odontologia... — ecoavam na sua cabeça, tudo naquela ordem.
Costumava ter problemas quando ficava nervoso; tinha o estômago frágil. E seu estômago dava sinais de revirar. Só tinha uma certeza naquele momento; precisava conversar com Mariana.
— Pronto? — perguntou Sandra ao abrir a porta do sétimo andar. — Oi, Dudu. Ainda por aqui?
— Sim! Hoje não fui à capoeira. Tô descansando um pouco.
— Ah! — exclamou como quem pensa e não diz.
— A Mari? Posso falar com ela?
— Acha que consegue? Quero dizer... Sem brigar?
— Vou tentar!
Sandra riu; concordava que Mariana andava meio difícil. Foi chamá-la no quarto.
— Dudu? — questionou Mariana ao adentrar na sala onde ele a esperava.
Tentou se arrumar; parecia estar sem graça por estar vestida com roupas de casa.
Eduardo nem percebeu.
— Queira te perguntar uma coisa... Tá martelando na minha cabeça — apontou. — Cê ouviu o noticiário da tarde?
Mariana esticou as sobrancelhas e coçou a asa direita do nariz.
— Quer dizer se eu usei RSS no meu Reader?
Eduardo só girou os olhos.
— Ta... Tá... Tá bom... Você fez download das notícias da tarde?
— Sim. A interface é incrivelmente bem resolvida, e a formatação dos posts e imagens conseguem muitas vezes...
— Chega Mari!
— Ok! Então veio aqui perguntar se o Luca morto no incêndio é o meu Emo predileto ‘LuCa, o Bom’?
— Cê me assusta, mina — suspirou. — E o que quer dizer com “meu Emo predileto”? Tem quantos?
— Deixa disso Dudu. Sabe que o Luca era Emo, era só ver o smiley dele né?
— Qual era seu apelido, afinal?
— Cê não é tão inteligente que... — e foi cortada.
— Olha... — Eduardo sentiu a pressão no estômago novamente. — Não vim aqui pra brigar... Quer falar, fala, se não cala.
— Nossa! — esticou os olhos azuis. — Tá bom. Eu era Pretty Woman.
— A que sempre achava tudo chato? — Eduardo caiu na gargalhada. — Ah! Era cê mesmo, com certeza — levou um tapa no braço por isso. — Ai!
— Disse que não ia brigar, né?
— É! Eu devia desconfiar que cê era um tanto narcisista — e tirou o sorriso do belo rosto. — Bom... Vamo ao que interessa porque a coisa tá complicada, “Bonita Mulher” — brincou com o apelido de Mariana. — Tô com uma impressão horrível.
— Mas não sabemos se é o LuCa, o Bom que morreu mesmo.
— E se for? E se alguém começou a matar o pessoal do Chat?
— Só do nosso? — coçou-se de novo. — Coincidência.
— O que? Colocarem fogo no computador deles? — fez uma careta.
— O computador que incendiou foi o da loja de hardware e o outro do consultório...
— Hei! Espera aí... De onde eles se conectavam, Mari?
— Como assim?
— Eu me conectava do meu quarto.
— Eu, do meu.
— E eles? Da loja de hardware? Do consultório?
— Ih! Dudu! Num viaja. Cê tem uma mania — se levantou como quem vai embora. — Acho bom a gente desencanar. Tem prova de Inglês amanhã e...
— Inglês? — isso fez Eduardo lembrar-se de algo. — Que estranho! Inglês? O que isso me lembra?
— Bom... — Mariana voltou a se virar e a falar. — Devia lembrar que cê tá desandando nas notas.
— Uma última tentativa à noite?
— Quê? Vamos ao IRChat hoje a noite?
— Eu Krililik; cê Pretty Woman!
— Meia noite em ponto! — e Mariana voltou para seus estudos.
Eduardo ainda ficou um tempo parado no mesmo lugar. Pensava e muito. Encontrou Sandra na porta, que chegava da portaria.
— Já vai?
— Sim! Sobrevivemos ao segundo round — e saiu.
— Round? Boxe? Será que ele comeu a orelha da minha filha? — riu nervosa.
CAPÍTULO 11
Rocha entrou na sala do Delegado:
— Último fax da noite — cantarolou.
José Liberato conhecia aquele código. Rocha estava no limite; entre a estafa e a morte. Leu e devolveu a Rocha que encaminharia para o arquivo.
— Só desgraça.
— O que diz o fax, delega?
— A Interpol está me chamando à capital do Chile para dar um depoimento sobre o acidente que presenciei no Museu da escola ano passado. Parece que aconteceu de novo e dessa vez fez uma vítima; uma jovem estudante de 17 anos que morreu quando mandava um e-mail por um dos computadores do Museu da escola.
— Pegou fogo?
— Não sei ainda. Mas a maneira como aquele fogo iniciou ano passado... — o Delegado olhou para Rocha que parecia se escorar no batente da porta. — Avise o Fabrício. Vou e volto amanhã mesmo. Aproveite e conte a ele sobre mais esse caso — pegou o casaco e saiu.
Antes, dispensou Rocha para um merecido descanso.
CAPÍTULO 12
— Vamos idiota! Eu consegui te deixar curioso. Vamos... Escreve... Pede meu e-mail... — falava a bonita ruiva de trinta anos em frente ao computador, na Lan House, lotada àquela hora.
Mais o tempo passava e Iceman não cedia a tentação de se comunicar com ela, que entrava com o apelido Diana, a Deusa da Guerra.
A mulher então usou seu último recurso.
Diana pisca maliciosa reservadamente com Iceman
My e-mail: diana@hothot.net
E se desconectou.
— Pronto! Fisgado! — concluiu a bonita ruiva de trinta anos. — Agora vou saber quem você é realmente.
Já Eduardo estava conectado ao seu provedor de acesso à rede Internet. Ficou na dúvida se deveria entrar no IRC novamente como combinado com Mariana, mas não resistiu a tentação e se plugou.
— Meia noite em ponto — falou para si mesmo.
Krililik entra na sala de bate papo
Krililik fala reservadamente com Pretty Woman
Entrou?
Florzinha fala reservadamente com Krililik
Vi você entrar. Gostei da coragem! Mas percebeu que estamos sozinhos Krililik?
Eduardo suou frio. Não entendeu o que Florzinha queria dizer com aquilo. Nem sabia que ela estaria lá. Esperava encontrar Mariana ou ‘Pretty Woman’.
Krililik fala reservadamente com Florzinha
Não entendi? Se tamos ‘reservadamente’ como sabe que tamos sozinhos?
Florzinha fala reservadamente com Krililik
Acredite Krililik, estamos sozinhos.
Krililik fala reservadamente com Florzinha
Ok... E daí?
Florzinha fala reservadamente com Krililik
Está com medo, não? rs Isso é porque você também desconfia, não? Ou vou ter que explicar mais?
Eduardo arregalou os olhos mais do que já havia arregalado na pergunta anterior. Decididamente não gostou do que leu.
E ficou muito bravo por ainda não conhecer que era quem atrás do nickname.
Pretty Woman entra na sala de bate papo
Pretty Woman fala reservadamente com Krililik
Cê tá aí?
Krililik fala reservadamente com Pretty Woman
Conhece Florzinha? Ela também tá no IRC.
Mariana sentiu algo de errado naquela frase e ficou na dúvida se continuava, e sua tela apagou e acendeu.
— Ai!!! — e foi um grito que assustou Melissa na sala, deitada no sofá. Ela correu e entrou no quarto de Mariana de supetão.
— Que houve?
— Acho que é um vírus...
— Tá gripada?
— Não! — desesperou-se. — Vírus no meu computador.
— Ai, Mari. Você quase me mata de susto — e olhou para os lados com quem ainda não se situa. — Que tá fazendo no meu quarto?
— Tô usando teu computador se não percebeu. E tô usando ele porque não tem nenhum trojan nele.
— Não tem quem?
— Deixa pra lá.
— Que tá acontecendo? — também acordou Patrícia na cama de hóspedes.
— Eu tava no IRC com o Dudu e de repente fui retirada — Mariana religou o computador, fez nova conexão com a Internet, mas não parecia funcionar.
— Deixa tentar — sentou-se Patrícia, no computador. — Que estranho... O computador não encontra a página de onde você saiu. A porta de acesso do canal do IRC tá digitada corretamente?
— Desgraçado! — exclamou Mariana nervosa, por detrás de Patrícia, ao ver a tela do computador consumindo energia. — Ele colocou um vírus.
— O Dudu? — perguntaram Melissa e Patrícia, uníssonas.
— Não! O assassino.
— Quem?! — gritaram uníssonas mais uma vez.
— Do que tá falando? — perguntou agora só Mel. — E o que faz num Chat com meu namorado?
— Não enche Mel; senta aí na cama — voltou a assumir o teclado e digitar. As duas amigas se olharam. — Tenho muito trabalho pra fazer no computador. Vai dar tempo de contar uma historinha pras duas.
E Mariana contou.
Florzinha fala reservadamente com Krililik
Percebeu que Pretty Woman saiu do ar? Ele a tirou.
Krililik fala reservadamente com Florzinha
“Ele”? Quem é ‘ele’?
Florzinha GRITA reservadamente com Krililik
Cuidado!!! Seu IP está sendo lido!!!
Eduardo olhou para seu computador. Procurou o software de proteção e correu a travar a entrada do malware. Percebeu que os três primeiros números do seu IP haviam sido lidos, concluindo que era muito pouco para o invasor localizá-lo ou tirá-lo do Chat, fosse ele quem fosse.
Krililik GRITA reservadamente com Florzinha
Ele pode ler o que escrevemos?
Florzinha GRITA reservadamente com Krililik
Se o IRCop pode, então... Cuidado! Alias, aconselho você a fazer as pazes com o IRCop.
“Fazer as pazes?”, pensou.
Briguei com ele? — se perguntou. — Quem é o IRCop afinal? — Eduardo deixou seu sangue frio fluir. Havia escrito algumas linhas de programação que permitia investigar o IP de quem invadiam tanto quanto lia o IP de onde queria invadir. Tinha que ser rápido, mas poderia invadir o computador do invasor se ele não percebesse a tempo. Então deixou o seu computador aberto a hackers; ia se arriscar, mas esperava que o invasor não fosse tão esperto a ponto de perceber o que ele fazia. E Eduardo fez, invadiu o computador que derrubara a conexão de Mariana/Pretty Woman e tentava derrubar a dele. Mas o invasor percebeu que Eduardo/Krililik havia invadido seu computador e fez o mesmo jogo. O computador de Eduardo se apagou; acendeu e apagou. — Vírus! — exclamou.
Ligou seu antivírus. Retirou de seu computador o vírus que o invasor lhe dera e voltou ao computador inimigo devolvendo-lhe o troco.
— No!!! — gritou uma voz nos confins do mundo; o invasor teve que parar de ler os arquivos de Eduardo para retirar o vírus que ‘phishing’, pescava todas suas informações.
— É isso aí! — vibrou Eduardo.
Krililik GRITA reservadamente com Florzinha
Agora Florzinha! Entra no IP dele que tá liberado. Vai fundo e lê o HD dele.
Florzinha GRITA reservadamente com Krililik
Parabéns moleque! Já consegui. Vamos ver o que esse cara esconde em seus arquivos. A propósito, meu nome é Denise.
‘Florzinha’ ou ‘Diana’ ou Denise, seu nome real, digitava alucinadamente ao entrar no computador do invasor.
Percebeu um vírus corroendo arquivos de texto, mas ainda leu algumas linhas.
— Era isso que eu imaginava — falou para si mesma.
O invasor estava tentando salvar uma pasta de arquivos em especial. Florzinha/Diana/Denise ficou de lado, observando e lia calmamente o que queria. Agora sentia que tinha o invasor nas suas “mãos”.
Aquilo não foi dividido com Eduardo/Krililik.
Com registro de IP vindo de um site situado em Suzano, município de São Paulo, próximo a capital. Seu nome de usuário era um apelido; Florzinha/Diana/Denise encontrou Intruso/Iceman.
Florzinha GRITA reservadamente com Krililik
Ele está na cidade de Suzano. O desgraçado está bem perto.
Krililik fala reservadamente com Florzinha
Quem é ele?
Florzinha fala reservadamente com Krililik
Não sei seu nome, mas seu nickname é Iceman.
Krililik fala reservadamente com Florzinha
Pretty Woman acha que alguém tá colocando fogo em computadores. Será ele?
E a conexão foi cortada, o Chat e Eduardo/Krililik foram retirados do ar.
O Invasor/Iceman conseguira se soltar de sua conexão. Estava livre.
Eduardo não pôde fazer mais nada e desligou o computador. Era tarde para ligar para o celular de Mariana e acordar alguém. Também não queria precisar ter que explicar a Melissa o porquê de estar falando com Mariana àquela hora.
No fundo ele também andava temendo ter que conversar com a bela Mariana no mundo real.
— Saco! — foi dormir.
CAPÍTULO 13
A Professora Elisabeth até que tentou manter-se calma, mas Eduardo não se concentrava.
— Eduard? — chamou-o. — Your test! — apontou para sua prova.
“Imperdoável”, como era chamada a Professora Elisabeth pelos alunos da Escola Monsenhor Hipólito Ibi, estava quase dando nota zero ao vê-lo tão desligado.
— Ãh! O quê? — acordou.
— Is not ‘O quê?’ but ‘What?’.
— Ah! — exclamou perdido; lembrou-se que a Professora Elisabeth só falava em inglês — ‘What’ teacher?
— Your test! — voltou a lembrá-lo da prova em cima da mesa ainda em branco.
“Que saco!”, pensou.
Mais trinta e cinco minutos se passaram. O sinal tocou e todos começaram a sair da classe. A prova de Inglês havia terminado. Eduardo preenchera algumas lacunas sem ler os enunciados. Só pensava nos incêndios. Depois viu Mariana se levantar da sua carteira, também.
Parou ao seu lado.
— Cê acessou de novo o IRC ontem?
— Não! — respondeu ela. — Ele colocou um vírus.
— Do tipo que consome a energia do computador e apaga a tela?
— Ele também te mandou um?
— Sim! E também quando o Nervosinho brigou com a invasão do Iceman; só que o de ontem eu driblei — Eduardo olhou para Mariana que parecia pensar. — Entendeu ou não?
— Tá falando do vírus ou dos incêndios?
— Florzinha tava eufórica. Ela tava atrás daquele Iceman. Ela também parecia achar que quem incendiou os computadores foi ele
— E como ela poderia saber?
— Ahhh! Aí que tá... Ela tá sabendo algo a respeito dele.
— Acha que o cara tá matando todo mundo porque foi expulso do nosso IRC? Isso foi motivo para matar o Nervosinho e LuCa, o Bom? Meu... Se isso for motivo então deve ter um bocado de gente morta pelo mundo. E se é que foi ele, né?
— É... Se é que foi — Eduardo olhou para os lados como quem vigia o ambiente. — Sabe quem é Denise/Florzinha? — sussurrou.
— Sei só que o nome dela é Denise, mora no Condomínio Alphaville Residencial 1, e tem lá uns 30 anos — olhou para os lados também. — Será que algo aconteceu a ela? Depois que saímos?
— Eu não saí Mari. Dei de cara com ele tentando entrar na porta do meu computador.
— O cara é cracker?
— Deve ser, no mínimo, pra sacar tanto de computadores — olhou para os olhos azuis de Mariana, que brilhavam numa mescla de emoção e pânico. — Sabe onde ficava hospedada nossa sala de bate-papo?
— Sei que um amigo meu de nickname Demo Virus, tava rodando o canal de IRC na loja de hardwares de uns amigos.
— “Loja de hardwares”? Não é onde teve o primeiro incêndio?
— Então o Nervosinho, o contabilista e o Demo Virus eram a mesma pessoa?
— Teu pai sabe que você tem amigos com esse nome?
Mariana ergueu tanto a testa que ela se enrugou.
— Se você contar pro meu pai, conto pro teu sobre o cartão de crédito dele — Mariana não imaginava, mas Eduardo se afastou sem responder. — Vai! Foge! — Eduardo nem se deu ao trabalho de olhar para trás. — Dudu?! Volta aqui! Tô mandando cê voltar aqui! — soou realmente como uma ordem. — Se pensa que pode me deixar sozinha aqui...
— Aqui aonde, Mari? — Melissa foi a visão e a voz que Mariana não esperava ver e ouvir. Eduardo também estancou de olhos tão arregalados que Melissa começou a desconfiar deles dois. Mariana deu meia volta e saiu sem falar nada. Melissa deu uma de inteligente e nada comentou. Manteve-se fria e aproximou-se sorrindo. — Vai ter uma festa no sábado... — beijou Eduardo ainda vendo Mariana que se afastava. —, na casa da Denise.
— Denise? Denise? Quem é Denise, Melissa?
“Melissa?”, ela percebeu como foi chamada e não gostou daquilo.
Sorriu mais fria ainda.
— Denise Al Faruf, meu amor... Lá do clube... A filha daquele banqueiro, rico pra caramba — esticou os braços abraçando mais Eduardo.
— Ah! — tentou se lembrar. — E nós conhecemos? Quero dizer, conhecemos ela?
— Claro! Meu pai e minha mãe eram os engenheiros que fizeram a reforma da mansão, lembra?
— E nós fomos convidados? — continuou perdido.
— Que há com você? Tá dormindo ainda?
— Acho... Não, claro que não — a olhou tentando desviar os mais estranhos pensamentos que lhe surgiam. — Sabe que fica linda de uniforme? — sorriu ao mudar de assunto.
— Claro que sei! — beijou-o. — Aqui não! — voltou atrás no que sentiu o corpo de Eduardo colar no dela.
— Aonde então? — falou sério. Mas Melissa recuou não respondendo. Voltou para a classe o deixando confuso no corredor. Um bocado confuso. — Saco! — exclamou irritado com as incessantes fugas de Melissa.
CAPÍTULO 14
Luzes de néon, empregados vestindo roupas espaciais, drinks coloridos e esfumaçantes, som de última geração; fibras ópticas emaranhadas em cabos cibernéticos se estendendo por toda mansão.
— Nunca vim a uma festa tão maluca!!! — falava Mariana tão alto que gritava.
A música era alta e corpos balançavam na pista de dança armada sobre a piscina.
— Ulalá! Dá hora... — chacoalhava Eduardo o corpo, colado em Melissa.
Jantar à la carte num salão, finger food servido pela casa toda; bebidas de todas as marcas, de todas as procedências, para todos os gostos. Muita gente estranha também. Todas as tribos de São Paulo haviam baixado naquela festa. Havia muita reclamação batendo na delegacia do bairro o tempo todo pelo alto som. O bairro de Alphaville estava agitado com a festa, mas a delegacia de José Liberato, mesmo ficando no bairro do Morumbi, havia sido acionada para reforçar a segurança do banqueiro Faruf Al Faruf depois de receber uma denuncia anônima via e-mail.
Contudo, ele não soube decifrar aquele ‘desenho’.
Para: José Liberato<José Liberato@delegacia.net>
Assunto: Não se esqueça do atentado na Argentina. A família Al Faruf corre perigo de vida.
E a mansão estava lotada. Em cada ambiente uma novidade. Mais de trinta computadores na sala principal, plugados na Internet. Um telão replicava as conversas das muitas redes sociais ali plugadas. Com acesso gratuito, a disputa era acirrada.
— Tá cheio de gente tentando sentar nos computadores. A gente tem computador até no relógio de pulso e tão se matando por uma vaga — falou Fernando para a turma.
Eduardo só olhou a muvuca.
— Tem gente que não consegue se desplugar da rede, Fê — olhou Mariana para Eduardo que sabia que ela olhava para ele.
Mas Melissa também encarou Eduardo que mal respirava com medo de Mariana sair falando o que não devia. Arrependeu-se de ter dado trela para tal ‘Pretty Woman’.
“Eu não podia imaginar, né?” pensava nervoso há alguns dias.
— Vem Pati... — Fernando arrastou-a sem sequer ter chance de dizer algo. — Não viemos aqui pra ficar nos computadores, né?
— Não! Vim “azarar” você — Patrícia piscou para Melissa que não entendeu o repentino interesse dela pelo amigo.
Mariana, porém olhou Melissa olhou Eduardo e voltou a olhar Melissa. Havia recebido ordens da mãe de vigiar a irmã que também estava sendo observada de longe por outro par de olhos azuis.
— Queria beber vinho — falou ao ouvido de Eduardo quando chegaram ao jardim. — Aproveita que a Mari tá longe; ela me controla.
A noite estava quente. Propícia para bebidas bem geladas.
— Vinho? Vou buscar — Eduardo se afastou.
— Oi! — exclamaram por trás de Melissa no que ele saiu.
Ela se virou. Tentou lembrar-se de onde conhecia aquele rosto tão bonito.
— Fabrício! — lembrou-se enfim.
— Oi, Melissa — sorriu-lhe seu melhor sorriso.
— Nossa! O que faz aqui? — olhou em volta.
Fabrício Bernardes olhou em volta também. A festa estava animada.
— Fui convidado! — ambos riram. — Meu pai é um advogado muito influente... Conhece o pai da Denise — apontou para a casa iluminada.
— É! O pai da Denise Al Faruf é um banqueiro muito comentado.
— É! — foi só o que exclamou.
— Fiquei assustada! — colocou a mão no coração. — Achei que tava trabalhando.
Fabrício apareceu recuar na resposta. Depois voltou a se soltar.
— Não! Tô... Divertindo-me — sorriu encantador.
Melissa fez o mesmo. Começava a sentir-se tímida na presença dele. Segurou o tecido da saia preta; quase rompe o antílope.
Os dois sorriram novamente.
— Puxa! Quanto tempo né?
— É... —Fabrício começou a reparar nas curvas de Melissa, observando os grandes quadris despontar na saia justa. — Faz algum sim…
— Desde a morte dos pais da Pati, né?
— É! — piscou encantador.
— Você não mudou nada.
— Você mudou — afirmou Fabrício com o rosto perto do pescoço de Melissa.
Ela o viu muito próximo e sorriu sem graça.
— Como assim?
— Tá mais bonita!
— Ah... — Melissa quase perdeu a voz. O sorriso ficou aberto apesar da mente ter ficado embaralhada, principalmente, ao notar que Eduardo se aproximava. Ele parecia um daqueles leões dos filmes épicos prontos para matar os pobres cristãos na arena romana. Vinha aos trancos e barrancos, derrubando vinho em todo mundo. Na dúvida, acenou para ele. — Olha quem tá aqui... Dudu... — falou e apontou, antes dele se aproximar.
Eduardo encarou Fabrício com os copos quase vazios, com as mãos sujas do vinho derramado; quase devorando, literalmente, o policial.
— Oi, Eduardo! Lembra-se de mim? — esticou a mão. Eduardo só piscava, estava tentando se acalmar; mas não conseguia. — Sou Fabrício, lembra? — Fabrício olhou para Melissa que olhava para Eduardo que olhava para Fabrício que recolheu a mão ainda estendida.
— Lembra Dudu? — perguntou Melissa.
— Bem... — Fabrício sorriu sem graça. — Vou dar um giro — sorriu para Melissa. — Até! Foi bom te ver... Mel — encarou Eduardo que ainda não conseguia soltar a língua.
Melissa esperou o pior, mas o silêncio de Eduardo passava do ciúme para o desespero.
Ele arregalou os olhos.
— Que ele fazia aqui?
— Olha Dudu... Não é o que cê tá pensando.
— Ele tá trabalhando? — foi só o que perguntou.
— O Fabrício tá trabalhando? Claro que não! — Melissa o estranhou.
— Ah! — divagou Eduardo.
— Por que ‘Ah!’?
— ‘Ah!’ não sabia que gostava de velhos.
— “Velhos”? — Melissa riu. — Ele só deve ter uns seis ou sete anos a mais que nós.
— É... Ele aprendia ler e escrever enquanto cê usava fraldas — Eduardo viu Melissa piscar, piscar e então rir. Ela achava que ele estava brincando. Mas talvez ele não estivesse brincando não. — Vem... Vamos dançar! — e a puxou.
Muitos jovens balançavam. Eduardo e Melissa se juntaram. Dançavam como que isolados quando a música mudou. “SNAP!” fora para os alto-falantes espalhados por todo o imenso jardim da mansão.
— Adoro essa música... É velha, né?! — gritou Melissa. — Adoro coisas velhas, não? — brincava.
— Quê? — tentava Eduardo escutar ao fazer com as mãos, a forma de uma concha.
— Deixa pra lá — gargalhava.
Os passos ficaram mais ritmados. Todos começaram a se juntar. Faziam coreografia; mãos para cima, pés pulavam rápido. Rápido e mais rápido outra vez. Depois giravam, sacudindo todos.
— Legal!!! — gritaram ambos, uníssonos.
Eduardo também girava quando uma bela morena atrás dele, esbarrou nele. Fizera de propósito. Melissa não viu. Eduardo correu para longe; não queria briga depois da cena ridícula de ciúme que fez com Fabrício.
Eduardo viu os cabelos de Melissa balançar de um lado para o outro. Seu corpo pedia para se aproximar. Nem ouvia direito a música frenética. Melissa erguera os braços e Eduardo a abraçou beijando seu pescoço. As insinuantes saboneteiras da bela japonesa mestiça pareciam escorregar pela sua boca. Melissa sentiu um arrepio. Algo que começou na cabeça e terminou nos saltos altos da sandália que usava.
Sorriu entorpecida e largou a cabeça para trás. Eduardo fazia jus ao signo, como leão, ele lambia a presa já não se dando conta de onde estava. O pouco vinho que tomaram, parecia fazer mais efeito que do que deveria.
Os olhos brilharam. Não conseguiam mais fugir à aquele apelo; silencioso, mortal no que a música ficou mais insinuante. Melissa percebeu o jogo de sedução iniciado por ele. Começou a ficar incomodada.
E Eduardo a observava, cada movimento, entre um sorriso e outro. E eram sorrisos com mensagens subliminares. Mensagens que Melissa interpretava em choque.
Não sabia se devia, se queria, se era momento quando Eduardo começou a escorregar suas mãos, hábeis, massageando o tecido, agora da saia. O antílope preto marcou dez dedos.
Melissa olhou para um lado, olhou para o outro. Deu-se conta de onde estava, de todos ali, lhe olhando. Como a olhava ali, sua irmã.
— Melissa?! — gritou Mariana. — Vem aqui!!!
Eduardo nem conseguiu falar no que a imagem de uma Mariana saindo fogo pelas ventas se moldou em seu orbe. Percebeu quase muito depois que Melissa havia sido arrastada pela irmã para fora da pista. Foi atrás delas. Estava pronto para voar em cima de Mariana, mas ela arrastava ainda Melissa.
— Que tá fazendo, Mari? Ficou maluca? — Melissa caiu em si.
— Eu? Maluca? — Mariana se alterava. — Viu o ridículo na piscina?
— Que ridículo?
— Só você não viu.
— Mari tá na hora de crescer.
— Eu crescer? — discutiam. — Criança é você.
— Eu? Tenho 16 anos. Sou uma mulher.
— É louca, isso sim — Mariana apontou para a piscina ao ver Eduardo se aproximar. — Se amassando na pista de dança.
— Eu tô de saco cheio de você!!! — gritou Eduardo com Mariana, quase enfiando o dedo na cara dela quando foi brecado por Melissa.
— Não tô escutando. A música tá alta — e se virou para ir embora.
— Olha aqui, fedelha... — Eduardo segurou o braço de Mariana; ela sentiu o apertão; nada falou. — Eu não sei por que isso tá acontecendo, mas tá ficando difícil, Mariana.
— O que? O que? — ela desafiou-o não gostando de como foi chamada.
— Isso Mariana. Isso tudo que faz, que fala, como age.
— Isso o que babaca?!
— ‘Ba’ o quê? — Eduardo olhou Melissa. — Do que ela me chamou? — olhou Mariana. — Do que me chamou fedelha?
— Fedelha? Fedelha? Pois saiba que sou muito mais mulher que muitas daquelas que cê azara na Net.
— ‘Aza’ o quê?! — gritava cada vez mais descontrolado. — Cê tá ouvindo o que ela tá dizendo?! — gritava com Melissa com Mariana e de novo com Melissa que só o observava.
Eduardo se calou vendo Melissa o encarar.
— Babaca! — e Mariana se afastou.
Mas Melissa olhou e Eduardo manteve-se em silêncio.
Ela voltou a olhá-lo.
— Também já percebeu? Que a Mari tá com ciúme? — e Melissa se virou para ir embora.
Eduardo ficou lá paralisado, sentindo medo de tudo ouviu. Nem percebeu quando Fernando parou ao lado dele falando ele não sabia o que.
— Que tá fazendo cara? — perguntou Fernando sem obter resposta após muito tempo falando sozinho. — Dudu? Dudu?
— Ãh? Quê?
— Que o quê? — Fernando olhou em volta sem entender.
— Nada! — acordou. — Nem vale a pena falar — olhou em volta. — Ou vale... — e se virou para Fernando. — Onde tava?
— Nos computadores. Um barato ter computadores em festas, né? — balançou a cabeça. — Tá! Eu falei que era e tal... Mas agora acho legal aquele treco.
— É! — riu da ingenuidade de Fernando.
— Quer ir lá?
— Não! Preciso fazer uma coisa importante — Eduardo olhou para trás procurando Mariana com os olhos.
— Eu também precisava, mas não gosto de briga.
— Ãh? Que briga?
— Aquele cara lá — apontou Fernando; Eduardo viu uma centena de caras, não localizou quem. — Ele não me deixava sentar no último computador da direita.
— Senta noutro Fê.
— Mas ele queria aquele. Não entendeu Dudu?
— Não entendi o quê?
— Quer ver que é o melhor. Deve ter coisa muito boa lá dentro.
Eduardo achou graça.
— Como assim coisa lá dentro do computador, Fê?
— Sei lá. Mas ele tava querendo ver o que tinha lá dentro porque tava mexendo na ‘máquina’ antes d’eu chegar lá.
— Mexendo? — Eduardo olhou assustado para um lado, para o outro. — Como assim mexendo? — olhou assustado para um e outro outra vez.
— Tá lesado hoje Dudu? Falei que o cara arrastou na maior folga o computador pra outra sala, abriu o computador, e depois voltou com ele sem deixar ninguém usar a máquina. Porque eu ia me sentar lá quando ele me puxou com raiva. Sabe como eu sou forte, né? — Fernando batia-se. — Então... Eu não quis machucar o cara. Ele já tava meio destrambelhado — e Fernando saiu para o jardim.
A discussão com Mariana ainda martelava na cabeça quando algo mais passou a martelar, também.
“Arrastou na maior folga o computador pra outra sala” “Abriu o computador” “Sem deixar ninguém usar a máquina”, soava.
Eduardo ouviu o murmurinho que se iniciou no outro lado do hall. O banqueiro Faruf Al Faruf descia as escadas de mármore carrara. Era aplaudido pelos funcionários no que todas as atenções se voltaram para o homem corpulento e baixinho que chegava ao andar debaixo, que entrava na sala ao lado, que se sentava em um dos computadores fazendo imagens e sons irem para o grande telão.
“O nome dela é Denise” “Denise Al Faruf, meu amor” “A filha daquele banqueiro, rico pra caramba”, Eduardo sentiu tanto medo que não conseguiu se mover, gritar, chamar alguém.
Nada parecia real; os muitos computadores, os aplausos, a visão do homem de terno azul marinho e larga costas o olhando. Só a visão do policial Fabrício na piscina parecia fazer sentido.
“O Fabrício tá trabalhando? Claro que não!”, mas a lembrança da voz de Melissa explicara tudo.
— Fê?! — gritou Eduardo correndo atrás dele. — Fê?! Fê?! Não!!! — e tudo foi pelos ares.
Uma névoa que se seguiu ao silêncio, para então os lamentos, os choros. Jovens que caminhavam por entre gritos e escombros, misturando-se ao orvalho da madrugada.
Ouviu-se ao longe o corpo de bombeiros que acionou suas sirenes. A mansão dos Al Faruf foi invadida por jatos de água gelada.
O incêndio era do mesmo tipo dos outros. Suficiente para não se alastrar pelo quarteirão; bom o bastante para levar a vida de mais jovens.
CAPÍTULO 15
Na delegacia; a “festinha” começara minutos após a tragédia.
— Mas que inferno! — explodiu o policial Rocha ao telefone, no plantão naquela noite. Todos ao seu lado, cinco policiais ao todo, o olharam surpresos. Rocha saiu da mesa, ainda tonto. Foi a impressão que deu a todos na sala ao esbarrar em todas as mesas, à sua frente, sucessivamente. Entrou na sala do Delegado José Liberato num rompante. E usou de tanta força para abrir a porta que ela escapara das suas mãos e quase arrebentara com a pintura da parede voltando na sua cara, achatando alguns milímetros de seu nariz. — Mas que inferno! — explodiu novamente.
— O que é isso? — perguntou José Liberato no susto.
— Um incêndio!
José Liberato olhou para uma porta escancarada e um nariz amassado.
— Onde?
— Na mansão do Al Faruf.
A boca de José Liberato arqueou; seu pequeno óculos de leitura quase caiu.
— Chame Fabrício.
— Ele tava na festa.
— Ele... ele... Minha Nossa Senhora! Ele tava...
— Tô esperando uma comunicação dos carros que foram pra lá — Rocha olhou para o telefone que tocou. — Alô! Sim... Ah! Graças! Então venha pra cá. O delega que falar com você... O que? Cê tá brincando? — Rocha abriu a boca a ponto de deformar-lhe a face. — Tá... Tá bem... Eu falo para ele — e desligou. — Era o Fabrício, ele ligou da delegacia de Alphaville. Havia fogo... Acredita onde? Nos computadores de Faruf Al Faruf.
A diversão acabou cedo, também, para os cinco amigos. Eduardo telefonara para o pai que correra para o hospital. Estavam todos em observação.
Eduardo fora o mais atingido. Por causa de sua proximidade dos computadores, havia sido lançado longe pelo deslocamento de ar criado. Estava desacordado quando foi levado para o hospital. Acabou com a mão direita inchada e a perna esquerda engessada. Patrícia havia ficado trancada dentro de uma das suítes durante o incêndio. Foi encontrada quase inconsciente devido a fumaça excessiva que inalara. Porém, Patrícia não falava coisa com coisa.
— Platão... Platão... — delirava, repetindo as mesmas palavras quando foi colocada na ambulância.
Fernando nada vira porque estava, digamos, um tanto ‘alto’ para entender a cena que vira do jardim. E Melissa e Mariana estavam na piscina, brigando. Só viram o fogo quando ele se alastrou casa a fora.
Os pais delas; Sandra e Paulo Jung se dirigiram para o hospital no mesmo carro que o Dr. João Vitor. Os pais de Fernando; Adriana e Marco da Silva preferiram ir com seu próprio carro; a governanta do casal acompanhava-os. Voltaram depois de tudo, já quase amanhecendo para o Condomínio Jardim das Flores, Bloco Jardim Azaléia com Eduardo e Patrícia, agora sob observação do Dr. João Vitor.
CAPÍTULO 16
Melissa virava de um lado para outro. O quarto estava quase que escuro. Não conseguira dormir desde quando chegaram do hospital. Melissa tinha outras preocupações; sentia-se até egoísta em relação a dor de Patrícia, mas tinha seus próprios problemas. Nada mais falara com Mariana após a discussão sobre Eduardo. Ele virara alvo de uma discussão muito maior entre as irmãs antes do incêndio.
Sandra passou pela porta da filha e percebendo uma pequena luz acesa, resolveu entrar.
— Acordada Mel? — perguntou baixinho.
— É! Perdi o sono. Cadê a Mari?
— Na minha cama. Ela sempre corre quando tem medo.
— É...
— Preocupada com Pati, filha?
— Também.
— Também? O que houve?
— Eu tava bonita ontem?
Sandra estranhou aquela pergunta. Teria sido uma pergunta normal se não pelo fato da festa ter sido consumida por um incêndio.
— Estava bonita... a minha menina. Apesar de estar de preto — Sandra passou a mão na cabeça de Melissa que sorriu singela. — E tem uma nuvenzinha da cor que você gosta em cima da sua cabeça — apontou a mãe. Melissa olhou para cima; não sorriu dessa vez. — Quer conversar? Acha que precisa? — questionou com psicologia, Sandra, ao perceber que outro assunto surgia, além do incêndio.
Melissa ficou na duvida.
— Eu não sei se... se já passou por isso, sabe?
— Está falando de que? Do incêndio?
— Não!
— Drogas?
— Não, mãe. Sabe que não me envolvo com drogas. Gosto muito de mim.
— Bom, minha filha. Muito bom que pense assim. É um caminho só de ida... ida ao inferno.
— É! Eu sei... — divagou. — Mas não é sobre drogas, não.
— Sexo, então. Foi a alternativa que sobrou — sorriu ao se sentar na beirada da cama acariciando seu cabelo.
Era uma mãe bacana, as duas filhas achavam. Tinha lá seus defeitos como todo mundo os tem, mas era amiga acima de tudo. Isso era importante paras as duas filhas, agora adolescentes.
— Tô em crise, mãe. Tô em crise — ameaçou chorar.
— Gosta do Dudu, não? Tem vontade de ‘conhecê-lo’ melhor?
— Não é hora... Eu sei que não é hora — balançava a cabeça. — Devo ceder?
Sandra sentiu o impacto daquela pergunta. Sentiu-se perdida. Achou que deveria recuar; depois achou que poderia perder sua filha se não fosse a mãe que ela esperava justamente quando mais precisava dela.
— Ceder a quem? Eduardo ou sua consciência? — Sandra cerrou os olhos no que Melissa chorou.
— É que se eu não ceder vou perdê-lo mãe.
— Perdê-lo? Ninguém perde ninguém Melissa. As pessoas se deixam ‘perder’ — viu que Melissa continuava perdida. — Sabe minha filha, eu realmente não sei por que vai perdê-lo, mas eu fui criada em outro tempo. Mulher casava virgem ou não era bem casada. Sabe, sua vó era rígida conosco; eu e suas tias. Hoje ando confusa com o que vejo, com que ouço. Já não sei se é certo ou não. Tenho medo de uma gravidez indesejada, de um câncer, da AIDS; isso é mortal minha filha. Tão mortal quanto as drogas.
— Não tô discutindo o uso da camisinha, mãe.
— Não é esse o ponto, Mel; camisinha é a coisa mais importante para um sexo seguro.
— Ah mãe... Por favor. Vamos encerrar o assunto?
Sandra olhou-a.
— Está bem! — levantou-se e sentou novamente. — Mas a nuvem ainda esta aí — apontou para a cabeça da filha.
Melissa agora sorriu. Tímida, era verdade.
— É que...
— “Que”?
— É a Mari...
— O que tem sua irmã?
— Tô com ciúme dela.
— Oh... — Sandra arregalou os olhos.
Levantou-se e fechou a porta à chave. Sentou-se na cama novamente. As duas tinham muito que conversarem.
Ficaram por lá um bom tempo.
CAPÍTULO 17
— Então o incendiário estava atrás do banqueiro? —José Liberato balançava a cabeça logo após a chegada de Fabrício Bernardes.
Fabrício estava rasgado, sujo, com sangue na camisa social.
— Por causa de um empréstimo? — falou o jovem policial Fabrício. — Não acredito. Eu havia investigado Faruf Al Faruf como mandou — secou o fio de sangue no rosto. — Nada de escuso no tal empréstimo... — e parou de falar. — Mas sabe o que me incomoda, Delegado? É que três altos funcionários do banco haviam sido despedidos. Houve até uma ameaça de greve. Parece que esses três altos funcionários haviam desviado dinheiro de uma conta bancária da filha dele, de Denise Al Faruf. E não era uma conta movimentada com saídas, nada era retirado. Somente havia entradas e de dinheiro grande.
— Por que a Srta. Denise Al Faruf manteria tanto dinheiro numa conta que não usava? — balançou a cabeça nervoso.
— Não sei ainda, mas os Bombeiros retiraram três corpos do rescaldo que foram encaminhados para o IML. Um deles tinha uma identidade que ficou pouca danificada. Vamos ter a confirmação em breve, mas me parece que os três corpos são dos três funcionários demitidos.
— Minha Nossa Senhora.
— Mas como eu dizia, há algo maior que me incomoda porque se ficar provado que foi o mesmo incendiário quem matou o banqueiro, então o que o contabilista da loja de hardware, os dentistas e a aluna do Chile tem haver com isso? Eles nem tinham conta no banco dele.
— No que está pensando Fabrício?
— Aqueles cinco amigos estavam lá. Do Condomínio Jardim das Flores — e Fabrício saiu.
CAPÍTULO 18
Já em casa, Fabrício Bernardes olhava o aparelho telefônico ao lado de sua cama. Estava na dúvida se ligava ou não. Ainda tinha o número do telefone da família Jung nos seus arquivos pessoais desde quando trabalhara no caso da morte dos pais de Patrícia de Moura na cobertura do Condomínio Jardim das Flores. Desde aquela época que achava Melissa Pii Jung interessante. Não imaginava que ainda namorava Eduardo Ferreira, seu vizinho.
— Puxa! Tá ficando uma mulherzinha linda — riu; chacoalhou a cabeça como quem quer afastar tais pensamentos.
Tentou retornar ao que precisava; se recuperar. Tomou banho, refez o curativo, comeu um bom café da manhã e se preparou para o dia que seria comprido. Sentou-se em frente a seu netbook e passou a vasculhar melhor a vida dos Al Faruf.
Passara-se mais de três horas e Fabrício nada encontrava. Nenhum cheque devolvido, nenhuma multa de trânsito, nada a não ser um extraordinário post do Twitter de Denise Al Faruf com uma mensagem para lá de indiscreta, enviado pelo nickname Mulher traída.
Fabrício leu a mensagem enviada:
— “Se tá a fim dele ou não o problema é exclusivamente seu. Eu não vou te xingar ou falar nada pra você, se é isso que você espera sua pistoleira. Bem que avisei meu marido para não ir a sua festa” — Fabrício fez uma careta ao ler. — “Pistoleira”? Uau!
Fabrício aproveitou e também entrou em arquivos de todas as outras delegacias, de todos os estados brasileiros, e nada continham contra os três ex-funcionários do Banco.
“Limpos de mais!” falou para si mesmo.
E Fabrício telefonou para a delegacia.
— Conseguiu descobrir alguma coisa Fabrício? — falou o Delegado no que atendeu a chamada.
— Não! Nada! Os três ex-funcionários, o banqueiro e sua filha estão limpos, a não ser o fato de Denise promover festinhas de embalo.
— E acha isso estranho?
— Nos dias de hoje? Não; claro que não. Infelizmente os jovens não sabem onde estão se metendo usando drogas.
— É essa juventude... Que pena...
— O IML já divagou alguma lista, Delegado?
— Passaram via e-mail ainda de madrugada — leu. — A lista é bastante extensa.
— Que droga!
— E só para constar, ele acertou o alvo. O banqueiro Faruf Al Faruf era o alvo.
— Acha que o incendiário juvenil veio da Argentina atrás dele? Ou ele foi atrás dele na Argentina e é daqui mesmo? — falou numa voz carregada. — E o Chile?
— O que houve Fabrício? Por que sua voz está diferente?
— Uma coisa que eu lembrei e não lembrei — riu dele próprio. — Quer dizer... Algo que ouvi algo em algum lugar sobre a Pistoleira do Twitter.
— Quem de onde?
— Sabia que Denise Al Faruf tinha mais de 300.000 seguidores no Twitter?
— Ah! O que ela escreve de tão interessante?
— O que sabe sobre o Twitter, Delegado?
— Digamos que ando interessado em aprender.
Ambos riram. Fabrício mudou o assunto.
— Delegado... Lembra quando me contou sobre o incêndio no Museu da escola, no Chile? Disse algo sobre um tecnofóbico? Acho que é bem o contrário. O incendiário é um cracker, um guru em computadores. E acredite dos bons.
— Espere aí — José Liberato colocou o fone em cima da mesa. Fabrício ficou no aguardo. O Delegado procurava algo em seus arquivos. A grande e já enferrujada estante de ferro era todo o seu depósito; suas lembranças. E Fabrício percebeu o som característico do abrir e fechar. — O pouco que se sabe do jovem que a Interpol investiga é que ele é realmente um expert em dispositivos eletrônicos e um criminoso cibernético — lia o papel retirado da gaveta.
— E a loja incendiada era de peças eletrônicas, hardwares.
— O dossiê da Interpol ainda diz que sua especialidade é colocar fogo em computadores com algum dispositivo de acionamento. Como no atentado ao Museu da escola chilena, que só não foi pior porque houve uma denuncia anônima — lembrou-se de algo. — Sabia que eu também recebi uma mensagem anônima dizendo que devíamos vigiar a mansão do Faruf Al Faruf durante a festa?
Fabrício gostou de ouvir aquilo.
Uma ideia nada original passou-lhe pela cabeça.
CAPÍTULO 19
Não que Fabrício tivesse procurado, mas era uma chance e tanta para reencontrar Melissa. E ele até tentava não colocar esse pensamento, mas faria de tudo para vê-la novamente. Foi ao hospital que cuidou de Eduardo e Patrícia após a festa e soube que Patrícia já havia ido para a casa, sob os cuidados do Dr. João Vitor, pai de Eduardo. O pai de Fernando, Marco da silva, Adido Cultural da África no Brasil mesmo aposentado resolveu rapidinho o empecilho criado, e conseguiram no meio da noite, uma autorização provisória do Juiz para assumir Patrícia de Moura no Brasil já que a permissão dada pela tia, ainda na Suíça, era apenas para uma viagem de férias.
— A campainha tá tocando!!! — gritou Mariana pela terceira vez para Melissa.
— Então por que já não atendeu? — foi se dirigindo para a porta à atravessar a grande sala acarpetada de seu apartamento — Fica aí dando ordem; saco! — foi o que exclamou ao ver Fabrício. Ele sorriu-lhe majestosamente. — Ah! Desculpa... Eu não sabia... — ficou sem graça. Como Fabrício nada falou; ela prosseguiu. — Hoje não fomos a aula — tentou-se explicar.
— Imagino! — respondeu. — Posso entrar?
— Como passou pela segurança da portaria sem avisar?
— Sou policial.
— Ah! — respondeu sem compreender a força daquela palavra.
— Posso falar com a Patrícia?
— Ela tá lá no meu quarto. Não liga a bagunça.
— Claro que não — sorriu gentil.
Sandra entrou naquele momento. Relembrou a vez que o policial Fabrício adentrou naquela sala cinco meses atrás.
— Estamos com problemas?
Fabrício sorriu-lhe gentil.
— Sim... E muitos.
Os três se olharam. Dirigiram-se para o quarto. Patrícia estava meio grogue. Demorou mais que todos para reconhecer a figura de Fabrício.
“Bonito!”, foi o que pensou sem dizer.
— Querida... — falou Sandra acariciando Patrícia. — Esse aqui é o Policial Fabrício, lembra? Ele quer lhe fazer umas perguntas.
Patrícia olhou para ele; depois para Mariana, para Melissa, para Fernando e Eduardo que chegaram logo depois. Estavam reunidos, perante uma autoridade, os cinco amigos do Condomínio Jardim das Flores.
Eduardo puxou o braço de Melissa para perto dele e ela gritou.
— Ai!!! — todos a olharam. — Tropecei — riu sem graça.
Fabrício Bernardes percebeu o semblante carregado de Eduardo e a perna esquerda engessada. Não lhe deu bola. Aquilo enervou Eduardo.
O jovem policial prosseguiu:
— Como você está Mel? — perguntou para Melissa outra vez.
Melissa não entendeu, havia acabado de recepcioná-lo na porta.
— Tamos bem! — respondeu Eduardo no lugar dela.
Fabrício sorriu-lhe, apenas.
— E você, Pati? — Fabrício virou-se satisfeito por perturbar Eduardo.
— Ainda tô meio tonta — Patrícia segurou a própria cabeça.
— Mas está bem?
— Sim... Sim... — Patrícia concordou com palavras e um movimento afirmativo.
— Bem... Queria poder falar com vocês todos sobre a festa de ontem.
Mariana arregalou os olhos, olhou Eduardo que a olhava, também. Fez um aceno para ela, pediu que não falasse. Mariana obedeceu. Eduardo agradeceu calado.
— Não compreendi... — disse Patrícia.
— Posso te chamar de Pati? Ótimo. Então Pati... Onde você estava na hora do incêndio?
Patrícia arregalou os olhos, estava com medo de algo. Um frio percorreu-lhe o corpo. Todos se olharam.
— No banheiro — respondeu depois da pausa.
Fabrício percebeu algo oculto, era esperto.
— O que há Pati? Se me contar vou poder te ajudar.
— Não sei... — Patrícia olhou Sandra por cima dos ombros do Policial.
— Ele tem razão, querida. Será melhor contar.
— Mas eu não sei, quero dizer... Não sei ao certo o que ouvi.
— O que ouviu?
— Uma mulher... Ela... Ela tava muito nervosa. Gritava e tal.
— O que ela gritava? Onde?
— Ela tava num dos quartos... No andar de cima. Não sei de quem era. Eu tava no banheiro... Acho que ela não me viu.
— O que ela gritava?
— Dizia que ia matar... ia matar... Eu tive medo de sair do banheiro. Agachei-me; fiquei tão tensa, toda dura.
— Quem ela ia matar, Pati?
— Não sei — balançava a cabeça nervosa; começou a chorar. Todos voltaram a se olhar no quarto. — Ela só dizia que ia se vingar de todo mundo, inclusive daquele Platão...
— “Platão”? — falaram Sandra, Eduardo, Fabrício, Mariana, Melissa e Fernando uníssonos.
— Fala do filósofo?
— Não sei... Não fui eu quem falou.
— Está bem... Está bem... E com quem ela falava?
— Também não sei. Não vi... Nem ouvi a voz dele.
— “Dele”? Mas mesmo assim acha que era um homem que tava com ela? — Fabrício olhou em volta; percebeu a agitação anormal de Eduardo. — O viu, então? — se voltou para Patrícia.
— Sim... Acho que sim; mas não ouvi sua voz.
— Como ele era? — perguntou Fabrício — Por que diz “acho que sim”?
A voz dele fez Eduardo recuar. Mariana voltou a olhar para Eduardo. Ele arregalou os olhos para ela.
— Eu... — Patrícia também olhava para Eduardo.
— Acho que não pode esconder nada Patrícia — e Fabrício nem se deu o trabalho de ver para onde ela olhara.
Isso deu a deixa para Eduardo; ele resolveu falar:
— Nós conversamos na semi-UTI; quando ainda távamos juntos.
Fabrício perguntou para Patrícia.
— O que conversou com Eduardo, Pati?
— Está escondendo algo, Eduardo? — perguntou seu pai, Dr. João Vitor. Eduardo nem havia percebido que Sandra saíra do quarto para chamar Dr. João Vitor pelo interfone. — Está? — insistiu.
Eduardo gelou, mas falou.
— Eu vi um homem; não sei se é o mesmo do quarto — olhou para o pai como quem busca forças. — Tinha cabelos negros; vestia blazer azul-marinho e tinha umas costas enormes.
— Platão... — soou da boca de Fabrício. — O filósofo ‘Platão’ se chamava Arístocles. Ele tinha esse apelido porque tinha grandes omoplatas — Fabrício continuou falando, ainda virado para Patrícia. — O viu, não?
— Meio de relance. Ele tinha isso mesmo — fez um gesto com as mãos. — Tinha os ombros, as costas grandes...
— Foi de costas que eu o vi, também — completou Eduardo sem se lembrar de Fernando. — No último computador da direita.
João Vitor, perturbado, balançou a cabeça por ver seu filho envolver-se em mais um crime.
— O computador que incendiou? — voltou Fabrício a perguntar.
— Aí não posso responder. Imaginei que o tal banqueiro tenha apertado alguma tecla e sei lá...
— Então foi o que incendiou. Droga! — afirmou Fabrício ao se lembrar de que foi o computador em que o banqueiro sentava que pegou fogo.
Fernando sentiu o mesmo fogo explodir dentro da sua cabeça. Sentiu-se como sem ar. Colocou a mão na garganta; se encolheu, quase baqueou. Passou despercebido sua cena de pânico.
— Tudo bem, Pati. Agora pode descansar — afirmou Sandra no meio do quarto lotado.
Afinal estava sob a tutela deles, dela e do Dr. João Vitor.
— Obrigado a todos — Fabrício se despediu e saiu não sem antes ver o ciúme de Eduardo, a olhadela de Melissa e o desespero de Fernando.
E Fernando ia tentar falar pela segunda vez. Até tentou erguer o braço, segurar o jovem policial. Tentou apenas. Outra vez cerrou os lábios.
Fernando depois foi procurar Eduardo, mas não antes de decidir comprar uma arma.
CAPÍTULO 20
— Uma arma?! — gritou Eduardo no meio da Avenida Paulista, em plena tarde, quando foi comprar um livro. — Enlouqueceu?!
— Fala baixo... — sussurrou Fernando.
— Uma arma... — sussurrou Eduardo, também.
— Não vê? Não enxerga?
— O que? — parou para olhar apavorado todos os lados.
— O cara do computador... Eu o vi.
— Viu? Deus! Será?
— Claro... Puxa! Eu até sou lento em algumas coisas, mas o cara que tava mexendo no computador... Era ele... Cabelos negros, blazer azul-marinho; Platão...
— Você brigou com ele? — lembrou Eduardo voltando a mancar enquanto andava. — Droga de gesso! — parou para quase arrancá-lo.
— Por isso vou comprar uma arma.
— Sabe o que isso significa? — se ergueu e voltou a mancar. — Ter uma arma? É um risco muito maior pra gente.
— Não...
— Sim, sim, sim. Já pensou o que faria se não tivesse uma arma? Fugiria! E se tivesse uma arma? Enfrentaria! — Eduardo viu Fernando o olhar como se ele fosse um ET. — Que tá me olhando assim? Tô falando sério. Cê vai morrer ou ir pra cadeia.
— Não Dudu. Eu vou morrer.
Eduardo respirou pesado no vai-e-vem da Avenida Paulista.
— E cê acha que vai fazer o que? Matá-lo?
Os dois se lembraram de que ainda estavam no meio do calçadão. As pessoas à sua volta os olhavam curiosos.
Os dois pararam de falar aquilo e resolveram andar; se dirigiram para onde o carro da mãe de Fernando estava estacionado, roubado da mãe era bem verdade.
— Não vou matar ninguém... Vou me proteger.
— É o que dizem os caras no trânsito. E quando se irritam porque o espelhinho do seu carro foi detonado pela moto, metem uma bala na cabeça do distraído.
— E se ele tentar machucar a gente de novo? Não vou suportar ficar sem a Pati.
— O que quer dizer com ‘de novo’? — Eduardo o olhou. — A gente quem? — Fernando engoliu a seco o que não falou. — Fê? — Eduardo arregalava os olhos. — Fê? — e olhou para um lado e outro em total pânico. — Fê?! — gritou. — Quem era você?!
— Eu... eu... eu... — Fernando tremia.
Até ‘branco’ o moreno Fernando, ficou.
— Quem era você no IRChat, Fê?!
— Eu...
— Fê!!!
— Nirvana!
Eduardo arregalou tantos as grossas sobrancelhas que elas se pudessem tinham grudado na primeira mecha de cabelo enrolado dele.
— Não acredito… — caiu numa gargalhada tão grande que se torceu todo.
— Ahhh!!! — explodiu Fernando. — Eu não sabia que ‘Nirvana’ era um apelido feminino, tá bem?
— Nem... Não é exatamente, mas...
— Aí todo mundo achava que eu era uma garota então fiquei quieto — riu. — Até smiley feminino eu pus lá.
— Você tava se aproveitando pra passar por uma mina pra...
Fernando parou com todo seu tamanho e beleza e se esticou todo:
— Cê não imagina o que as garotas falam uma pra outra cara — caiu em sonora risada voltando a chamar a atenção. — Ai!!! — gritou pelo beliscão.
— Cê não... Cê não... Não sabia que...
— Que cê era o Krililik? — gargalhava. — Eu e toda Rede Internet.
Eduardo achou que se pudesse, se tivesse tido chance, teria ele colocado fogo no computador de Fernando que sempre jurava de pés juntos, que nada entendia de computadores.
— Cê...
— Calma! Eu só sabia o que a Pati me ensinava.
— Então por isso a tava esperando com tanto fogo. Cês tavam namorando virtualmente?
— Sim. Por Skype. Acredita que ele também roda no celular?
Eduardo riu no meio da Avenida Paulista.
CAPÍTULO 21
Fernando era um cara bacana, nota dez em todas as matérias e quando passou a ser o queridinho das meninas da classe dele por causa daquela pele eternamente queimada de Sol, Fernando fazia questão de se lambuzar de cremes da mãe dele para poder ficar mais bonito ainda; um verdadeiro metrossexual, o que não afetava sua sexualidade. Mas com certeza sua inteligência não estava à altura de sua simpatia no quesito ‘computadores’. Foi um choque para Eduardo saber que ele frequentava um IRC e mais ainda que conseguisse descobrir seu nickname, seu apelido.
— Isso tá mal contado... — dizia Eduardo para si mesmo. Tentando e tentando estudar para a prova de genética.
Não que ele fosse mau aluno, Eduardo era até esforçado, mas sempre emperrava no quesito ‘estudar’; provas não deveriam existir. Estava naquele momento fugindo da matéria, tentando se lembrar das palavras de Fernando. Resolvera sair de casa no cair da tarde e ir comprar sorvete apesar do outono começar mostrar sua cara; céu escuro ameaçando uma chuva fina.
Adorava tomar algo gelado no frio. Ainda mancava mesmo após ter conseguido dar um jeito no gesso sem Berenice ver que ele tirou, que ele saiu.
“E se ele tentar machucar a gente de novo...”, ecoou nas lembranças de Eduardo.
— O que Fê quis dizer com ‘de novo’? Será que... Não! — riu da possibilidade. — Será que... Não... — riu outra vez. — Será que a Mari contou pra ele? — estancou no meio da alameda. — Não pode ser. Já é uma história fantástica demais um cara pondo fogo em todos os usuários do Chat — Eduardo caminhava mancando calmamente pelos belos e bem cuidados jardins de cada alameda do condomínio. Os caminhos eram espaçosos; a cada curva um novo tipo de flor havia sido plantada. Eduardo não prestava muita atenção, nem nas flores nem em ninguém. Alguém fazia isso por ele. Seus passos começaram a ser seguido, Eduardo não percebeu. — A portaria norte — pesou. — Vou pela portaria norte que chego mais rápido na padaria e Berê não me pega pelo circuito interno. Aquela mulher não desliga a TV pra nada. Até o portão ela ‘assiste’ — rindo da própria piada, Eduardo atravessou toda a extensão do seu jardim, à frente do seu Bloco Jardim Azaléia; alcançou o jardim do Bloco Jardim Margarida e se encaminhava para o jardim do Bloco Jardim Girassol. A voz de Fernando ainda soava nas suas lembranças quando sentiu algo estranho, virou-se e não havia ninguém. Os belos salões do Bloco Jardim Girassol se projetavam. Olhou pelo vidro; um homem atrás dele. Virou-se para ver outra vez, nem saber por que o fez, mas não havia ninguém. Estranhou e voltou a caminhar agora mancando mais rápido. Sorriu para si mesmo, estancou, recuou até os salões novamente. Olhou pelo vidro, olhou em volta, não viu ninguém. — Tô ficando ‘krililik’ — e Eduardo se foi quando outro som se propagou; talvez as batidas de seu coração que acelerara. Não gostou de estar ali novamente, onde já fora atacado. Eduardo voltou a olhar, dessa vez pelo canto dos olhos. Um sapato preto, gasto pelo uso constante seguia os seus que percebeu fez sua velocidade aumentar até correr mancando ou não. — Ai! Ai! Ai! — corria em direção à portaria que ainda estava longe. — Sapatos gastos... — olhou de novo, corria de novo, mancava também. — Cabelos negros... — sentia-se suar. — Platão... — correu até ver o porteiro que percebeu que vinha em sua direção. — Zé?! Socorro?! — gritava Eduardo para o porteiro acenando, mancando, em pânico.
Eduardo estancou no meio da escada da portaria. Sentia sua boca secar, seu coração ‘visitar’ sua boca. Olhou para trás; nada nem ninguém. Olhou para frente e Zé esperava que ele dissesse algo. Eduardo olhou para trás outra vez. Somente os bem cuidados jardins de flores; somente os três blocos do Condomínio Jardim das Flores.
Olhou para Zé. Vomitou todo o uniforme dele.
CAPÍTULO 22
Naquela mesma noite uma mulher atravessava o pátio da Universidad Católica del Uruguay, parecia estranhamente vazio àquela hora se não pela chuva fina que caía, o fog que tomava conta de tudo e os poucos carros ali estacionados, e a noite que se fazia sinistra.
O carro da professora Lidinha, a mulher que atravessava o pátio sozinha, também estava lá, aberto.
Ela arregalou os olhos. Escorregou-os lentamente para os lados. Nada. Só o frio da noite uruguaia.
Lidinha fez o que seu coração mandou e todo seu medo permitiu. Correu de volta para a universidade aos tropeços, tropeçando, caindo no chão com o Tablet ligado, indo o aparelho parar longe dela, nos pés de um homem de grandes omoplatas, vestindo um blazer azul-marinho, sapatos gastos pelo uso que o chutou para perto dela outra vez.
A professora Lidinha o pegou e não teve mais tempo de gritar.
No outro lado da cidade, um som estridente acordou Berenice. Foi algo em torno de quinze minutos após ela ter adormecido. E a novela terminou tão tarde naquela noite.
— Já vou!!! — gritou tropeçando no chinelo.
Depois foi a vez da porta de Eduardo ser quase derrubada.
— Que saco, Berê! Não vê que tô dormindo?
— Milagre né? — se virou para ir embora.
— Hei? Por que me acordou?
— O Fê tá na porta... — e o telefone tocou desesperado ecoando pelo apartamento todo. — Que horror! Tá todo mundo acordado a essa hora? — Berenice se foi.
Eduardo a acompanhou com um olhar, depois foi até a sala. Parecia ainda estar dormindo. Fernando estava embranquecido; outra vez.
Sem cor nenhuma, até.
— Que foi que houve?
Berenice ouviu o tom da voz de Eduardo após o telefone cessar o chamado. Uma voz carregada demais, ela o conhecia; algo o preocupava. Tinha ordens do Dr. João Vitor, principalmente quando estava de plantão, para vigiar Eduardo. Vigiou-o. Berenice se aproximou da sala; percebeu que ele segurava Fernando que parecia estar apavorado, a ponto de desmaiar. Pensou em entrar, recuou na ideia, preferiu apenas escutar.
Fernando sentava meio inclinado no sofá e Eduardo o abanava.
— Tô cagado.
— Tá o quê? — recuou Eduardo.
— Eu o vi...
— Quem?
— O homem...
— Quem? Quem? — se enervava.
— Cabelos negros... — Fernando viu que Eduardo não compreendeu — Blazer azul-marinho...
Agora Eduardo parou o ato no ar. Suas mãos estacionaram no movimento em que abanavam Fernando.
— Tá... Tá falando do... — balançou a cabeça. — Eu fui seguido hoje — disparou Eduardo.
Berenice quase grudou o ouvido na parede.
Fernando prosseguiu aos trancos:
— Impossível Dudu... Era ele no estacionamento; não vê? Vamos morrer cara — e colocou a mão no bolso do casaco.
— Cê tá louco? Tá armado? — Eduardo olhou Fernando.
Berenice quase atravessou a parede para escutar melhor.
— Não... Não tô armado. Mas vou. Não vou deixar ele me matar.
— Fê...
— Não vê? Ele tava seguindo a Lidinha.
— Lidinha quem?
— A professora de Astrologia... Lá no Uruguai. Da universidade que a Florzinha fazia... — e Fernando chorou. — No Tablet... No fog... No estacionamento...
— Chega!!! — berrou Eduardo atordoado. — Que Tablet? Que fog? E que negócio é esse de estacionamento no Uruguai, Fê?
— Ela tava conversando no IRC comigo pelo Tablet dela. Lidinha era o nickname Astróloga. Tava saindo da sala de... Da sala de... Sei lá o nome... E ela apareceu no vídeo com medo no rosto — foi a vez de Fernando olhar um Eduardo branco. — O cara com quem eu briguei na festa pegou mais um do Chat, Dudu.
Eduardo vomitou o tapete da sala.
CAPÍTULO 23
O celular de Fabrício Bernardes tocou no meio de um congestionamento de fim de noite. Estava voltando para casa após um dia estafante no meio de tanto papel embolorado nas gavetas de ferro do Delegado José Liberato.
Ofereceu-se até para passar todos os arquivos para o computador da delegacia, mas o Delegado no fundo era um antiquado.
— Alô! — estacionou o carro para atender ao telefonema. — Quem? — Fabrício não quis acreditar no que ouvia. — Conheço... É claro! — arregalou os olhos; olhou em volta. — Ce tá brincando, cara? — sentiu a falta de ar que fizeram em seus pulmões pela forte emoção. — Já estou indo pra aí — desligou a chamada e fez outra. — Deus... Deus... É do corpo de bombeiros? — perguntou após a ligação ser completada. — Aqui é Fabrício Bernardes da Delegacia de Homicídios do Morumbi. Preciso que vocês cheguem sem a sirene... É! Eu sei... Eu sei... Eu sei que é algo fora do padrão. Sim... Sim... Eu sei... Ah! — respirou aliviado após a bronca. — Obrigado! Obrigado mesmo! Anotem o endereço...
CAPÍTULO 24
Não adiantou nada a sirene desligada. A rua ficou em polvorosa. As pessoas se juntaram timidamente e depois aos montes. Vizinhos, empregados, moradores. Todos na rua no meio da madrugada que prometia ser ainda, muito fria.
Dr. João Vitor ficou nervoso, gritou com Eduardo. Andava krililik, cansado das estripulias do filho.
“Mas aquilo? Não, aquilo, não”. Não se arriscaria, não suportaria vê-lo em apuros outra vez.
Aceitou abandonar o apartamento.
— Por favor! — falava o policial Fabrício nervoso no meio da rua interditada; trazia a insígnia no peito. Tentava afastar curiosos e moradores que tiveram que ser retirados de seus apartamentos. O Condomínio Jardim das Flores, seus três blocos, foi evacuado pela força policial comandada pelo Delegado José Liberato e sua equipe.
O Corpo de Bombeiros estava no apartamento de Sandra e Paulo Jung. O casal estava em estado de choque. Tudo começou quando o policial bateu na porta e pediu para entrar. Paulo acabara de chegar do canteiro de obras da prefeitura e tomava banho quando foi abordoado pela esposa.
— Tem um policial na porta.
— Por quê? Aconteceu algo mais?
— Ele pediu para a gente sair — falava com voz mecânica.
— Sair? Agora? — Paulo viu Sandra afirmar com o balanço de sua cabeça; o coque que prendiam seus cabelos negros e lisos balançaram junto. — Que está acontecendo Sandra?
— Fogo... No nosso computador.
Paulo gargalhou; puro histerismo.
— Fogo? — ele viu Sandra outra vez balançar a cabeça, era só o que conseguia fazer. — No nosso computador, Sandra? — a esposa concordou. — Alguém colocou fogo no nosso computador?
— Sim! Não! O técnico que esteve aqui hoje — Sandra só viu a face do marido Paulo deformar. — Eu servi uma xícara de café para ele, na hora que o Eduardo tocou a campainha atrás da Mariana. Depois Eduardo desconfiou do técnico, não sei bem o porquê, e chamou a polícia no que ele foi embora — disse ela, para o marido incrédulo.
A televisão e os jornais também acabavam de aterrissar por lá; a rua lotou.
Eduardo tremia agarrado a Berenice. Dr. João Vitor já havia dado assistência a quase metade do condomínio. Precisara autenticar oito receitas e encomendar calmantes em todas as centenas de farmácias do bairro.
Adriana da Silva, mãe de Fernando foi a primeira. Amália, a governanta, a segunda. Sandra até que quis tomar algo, mas estava tão atordoada que teve medo de adormecer.
Melissa e Mariana se olhavam, as duas estavam com Patrícia sentada à beira da calçada. Fernando queria ter ido atrás de Patrícia, mas sua mãe estava histérica desde quando relatara a Fabrício sobre a professora de Astrologia no Uruguai, e o fato de reconhecer ‘Platão’ no Tablet dela depois de ter discutido na festa com quem imaginavam ser o incendiário e assassino.
Mas foi a suposta perseguição de Eduardo que alertou os cinco amigos e Fabrício.
— Dizem que é jovem — falava uma Senhora para a amiga.
— E dizem que é filho de um político — dizia a outra.
— Tentaram incendiar Brasília? — ainda a outra vizinha.
E mais uma e mais outra. As notícias se distorciam a cada boca que as pronunciava. Os repórteres de plantão também estavam atônitos. Não podiam gravar tais entrevistas; era preciso peneirar tudo aquilo antes do jornal da noite. E alguns jornalistas também tentaram se aproximar de Eduardo; haviam recebido a dica que fora ele quem chamara a polícia. O Dr. João Vitor proibira Eduardo de falar qualquer coisa que fosse.
O Corpo de Bombeiros chamou Paulo Jung ao seu apartamento no sétimo andar do Bloco Jardim Azaléia, depois de cansativas três horas de trabalho árduo. Também foi chamado ao apartamento da família Jung, o Adido Cultural Marco da Silva e Dr. João Vitor Ferreira. Ainda Eduardo, Fernando, Melissa, Mariana, Patrícia e Berenice. Com o Corpo de Bombeiros vieram Fabrício, Rocha e o Delegado José Liberato, numa mistura de saudades e preocupação com a garotada.
José Liberato aprendera a gostar da turma do Condomínio Jardim das Flores, Bloco Jardim Azaléia.
Todos olhavam em volta o tanto de equipamento espalhado pela espaçosa sala do apartamento.
— Havia um acionamento no seu computador, Senhor. Um programa residente, provável Trojan Horse, que acionava o fogo por ele preparado previamente no computador, no que o editor de texto fosse acionado — falou Major Lauro, Chefe encarregado da equipe. — Algo muito engenhoso. Bastava teclar uma palavra em falso e ‘Caos!’.
— E ele já tava longe da cena do crime — completou Fabrício.
— Deus! — exclamou ao se deixar cair sentado no sofá.
— Então nunca é a mesma letra, palavra ou frase que o aciona?
— Isso não podemos responder Delegado.
Eduardo estava apavorado. Sentia pressão no estômago com cada vez maior intensidade. Era medo na verdade.
— Com certeza é a mesma técnica. Eu estive no Chile quando os outros incêndios nos computadores aconteceram. E o agente da Interpol, com um nome engraçado... Não me lembro de agora, disse que sem margem de erro, o incendiário era um jovem de classe média alta — olhou-a peça que segurava. — Sem margem de erro... — repetiu.
— Suficiente para não se alastrar pelo quarteirão; bom o bastante para levar a vida de mais um jovem... — falou Rocha como que sozinho aceitando um pedaço de bolo de laranja de Berenice que sorriu para ele. — Uhm! Bom o bolo — sorriu Rocha para Berenice que avermelhou.
— E a xícara? — divagou Paulo Jung vendo Berenice servindo bolo e chá.
— Que xícara, Senhor? — perguntou José Liberato.
— Se bem conheço minha mulher, Sandra, ela não gosta de lavar louça — todos se olharam. — Ela serviu um café para o incendiário, não serviu?
— Digitais?! — gritou Rocha largando o prato de bolo e acompanhando Paulo Jung até a cozinha.
A máquina de lavar louças ainda estava carregando, dez xícaras se encontravam lá. Rocha levou todas.
— Fogo em computadores — falou o Adido Cultural Marco, pai de Fernando, calado até então no meio da sala da família Jung. — Em todas as minhas viagens pelo mundo nunca havia ouvido isso.
Eduardo pensava, gesticulava com a boca; falava como que para dentro. Depois fez a pergunta final:
— Cepá... Quer dizer que o fogo se alastraria e todos nós morreríamos? — Eduardo viu o pai Dr. João Vitor olhar para ele. — Mel, Mari e outra vez Pati no sétimo andar. Fê no segundo e eu no décimo primeiro — todos se olharam; olharam para Eduardo. — Prático, não? — Eduardo olhou para todos.
— ‘Caos!’ — completou Fabrício para horror de José Liberato.
CAPÍTULO 25
José Liberato parecia tranquilo e tentava não assustar os jovens presentes na delegacia. Amanhecia e Rocha fez café, serviu a todos; a sessão talvez fosse longa. Infelizmente era necessário um depoimento formal.
Adriana, mãe de Fernando exigiu um advogado presente, mas José Liberato descartou-o delicadamente. Os meninos não estavam sendo acusados de nada, não haveria, pois a necessidade de um advogado.
Eduardo ainda tinha na lembrança a última vez que estivera numa delegacia; para ser mais exato já estivera naquela sala meio escura quando foi chamado pelo Delegado no caso da morte dos pais de Patrícia. Já Fabrício observava Melissa sob olhares de fogo de Eduardo que o queimava em cada olhar.
Os dois se encontraram; olho no olho. Eduardo teve a resposta às perguntas que fazia; o jovem Policial estava interessado na sua namorada.
O ambiente estava silencioso. Escrivão, Rocha, Fabrício e as famílias presentes. Tudo calmo e sob controle. Patrícia choramingava. Ainda era fresca, na usa memória a morte trágica dos pais; a volta ao Brasil, a cobertura ainda fechada e lacrada pela justiça.
— Eu falei... Ahhh... — disparou Fernando a chorar. — Falei pro Dudu. O cara ia nos matar... Eu o vi...
— Ah! Tinha que ser o lesado do Fê — veio Mariana na cola.
— Cala a boca, Mariana!!! — Eduardo interviu nervoso.
Mariana não gostou daquela fúria. O amava agora tinha certeza.
Seus olhos lacrimejaram e Eduardo viu aquilo. Sentiu-se tão mal por ter gritado que ficou em choque. No fundo teve mais medo ainda de estar sentindo os mesmos sentimentos que os dela.
Escorregou um olhar e viu Melissa o olhando, ela parecia também ter lágrimas nos olhos.
Eduardo se odiou e Fabrício pegou tudo aquilo no ar.
— Calma meu rapaz — tentou José Liberato com um. — Calma meu rapaz — tentou com o outro. — Acalme-se Senhorita — ele viu a careta de Mariana.
— Mari? — falou Melissa baixinho de repente. — Sou sua amiga. Não se esqueça disso.
Mariana se assustou com Melissa. Elas se abraçaram. Percebeu que fosse o que fosse eram irmãs e amigas acima de tudo.
Foi Mariana quem anunciou:
— Havia um chat no IRC...
— “IRC” Srta. Mariana?
— Internet Relay Chat é um protocolo de comunicação utilizado pela Internet. Cepá... feito lá por volta de 1993, pra ser usado pra bater papo, chat, privado ou em grupo, mas que também dava pra trocar arquivos, o que permitia que crackers os invadissem — foi Eduardo quem se adiantou.
— Por favor, Eduardo. Espere sua vez.
— Ahhh! Tá... Desculpa aí delegado...
Mariana prosseguiu sem comentar:
— Como eu disse, o IRC era carregado nos computadores de um amigo meu, um cara de apelido Demo Virus que na verdade se chamava Renato, contabilista num bairro de São Paulo; o contabilista que conhecíamos pelo apelido Nervosinho — Mariana olhou Eduardo que a olhou. — Ele usava dois nicknames.
— Que mania dessa garotada de se dar nomes esquisitos...
— Por favor, Rocha. Quieto! — depois José Liberato se virou para os jovens. — Srta. Mariana, quando foi isso?
— Quando começou o IRChat? No começo do ano? Não... — olhou Eduardo. — Final do ano passado.
— Está bem. E o que mais? Olha... Quanto mais sincera for, menos riscos vocês correm.
— Eu estou sendo sincera Delegado — e Mariana olhou Eduardo. — Como nunca fui até agora — voltou a escorregar um olhar para Eduardo que escorregou um olhar para Melissa que escorregou um olhar para Mariana que ainda olhava Eduardo. Fabrício viu tudo aquilo. Sabia que tinha algo ali. — Bem... — ela prosseguiu após o último olhar escorregar para Paulo e Sandra que a devorava naquele olhar. — Alguém entrou meio que sem ser convidado na sala de bate papo, com o nickname Iceman, falando com o nickname Florzinha em inglês.
— E quem é ‘Florzinha’?
Mariana recuou na resposta:
— Não sabemos...
— Inglês... É isso... — lembrou-se Eduardo em voz alta. Olhou um, outro e outro. — Ah... É... Não é minha vez...
Mariana não entendeu; prosseguiu:
— Bem... Aí o nickname Nervosinho como pode perceber pelo apelido se exaltou, apoiado pelo nickname LuCa, o Bom, o Luca era Emo, frequentava o bairro e a loja do Renato/Nervosinho, e era aluno de odonto. Aí depois o IRCop agiu e... — e Mariana parou de falar olhando Eduardo, que teve medo do olhar dela. —, e o IRCop, sabe, ele tem poderes para isso.
— Poderes?
— É que... Quando um usuário tá realmente preparado ele pode procurar um IRCAdmin de um servidor IRC e pedir o status de IRCop. O IRCop é uma espécie de policial da rede, com poderes que vão além de um Operador de Canal. É o máximo. Se você é um IRCop Global, cê possui várias habilidades que os usuários comuns não possuem. Sabe, um rehash, só tem efeito em seu próprio servidor, se bem que a maioria afeta a rede inteira. Assim sendo, você deve usar estes poderes responsavelmente e com preocupação em promover um ambiente amigável e utilizável pra todos — sorriu Mariana como se fosse doutro planeta. — O mau uso de seus poderes como IRCop pode acarretar desde pequenas sanções, como a perda temporária de suas O-lines, até sanções mais pesadas, que vão desde uma expulsão até o delink do servidor o que traria problemas pro Demo Virus. Um estrago e tanto...
— Meu Deus... — José Liberato agora teve dor de cabeça. — Vamos pular o ‘manual de instruções’, Senhorita Mariana? Quem invadiu então seria o tal Iceman?
— Sim!
José Liberato olhou para Fabrício, que olhava Eduardo, que pensava e pensava cada vez mais pensamentos bizarros em relação a Mariana.
Rocha também seguiu o olhar dele:
— Sabe o que está acontecendo, não Eduardo?
— Estamos morrendo! — respondeu com ironia.
Todos se olharam. José Liberato assumiu aquela conversa.
— Prossiga Eduardo.
— Não sei mais nada. Juro! Só que já morreram Renato/Nervosinho/Demo Virus, Luca/LuCa, o Bom, e a Lidinha/Astróloga.
— E também Julia/Julia Kid — emendou Mariana.
— Quem é ela?
— Julia Gutierrez era uma aluna chilena, ela usava o nickname Julia Kid, Delegado. Eu li na Net que ela morreu na biblioteca da escola.
José Liberato mal teve tempo de falar.
— Meu Deus Mari — Melissa estava chocada. — Por que não nos contou isso?
— E me denunciar?
Eduardo teve medo daquilo. Havia realmente algo errado com Mariana.
— Você sabia quem ela era?
— Sim... Também sabia que Lidia Amarantes usava o nickname Astróloga, e era uma professora de Astrologia no Uruguai que morreu quando o Tablet dela pegou fogo. O Fê me contou que foi horrível vê-la queimando.
— Eu a vi morrer — e Fernando danou-se a chorar outra vez.
— Meu filho... — e Adriana desmaiou.
— Fabrício, investigue essa morte no Uruguai. E você... Traga água com açúcar para todos, Rocha — ordenou José Liberato. — Rocha? Rocha?
— Ah... Tá... — Rocha não queria perder nada.
Foi e voltou num pé só.
— Continue...
Mariana teve medo daquilo. Eduardo veio salvá-la.
— Eu usava o nickname Krililik e o Fê usava o nickname Nirvana. Acabou o Chat — Eduardo omitiu Mariana/Pretty Woman.
— ‘Krililik’? — mas Fabrício sobressaltou, levantando-se e indo atrás de uma papelada noutra mesa.
— Por que repetiu meu apelido? — Eduardo não estava com cara de ‘bons amigos’.
Melissa ficou receosa.
Fabrício leu e releu:
— Está aqui no relatório da Interpol. ‘Krililik’ era o código do agente secreto morto.
— Quê?! — questionou Eduardo e o Dr. João Vitor que não entendeu por que seu estado de loucura havia virado peça chave numa investigação da Interpol. — Então... — e Eduardo não parou de falar. — O inglês era...
Fabrício ficou de sobreaviso com ele.
— Então falta você, o Fernando e a Mariana para morrerem? — Rocha apontou para cada um.
— Rocha?! — gritou José Liberato.
— Desculpa aí delega...
— A Mari não tava no Chat, Delegado — Eduardo se exaltou. — Já disse isso.
— Mas ela sabe sobre todos...
— Eu contei tudo pra ela! — exclamou Eduardo outra vez na defesa dela. — Por isso ela tava por dentro dos assuntos.
Fabrício olhou o delegado que olhou o jovem policial.
— Está bem! Está bem! — falou o Delegado sem delongas dando papeis para secarem o choro. — Vocês estão dispensados. Vou colocar segurança no condomínio, e um carro os acompanharão à escola — foram dispensados Eduardo, Melissa, Mariana, Patrícia e Fernando; também suas famílias. — Fabrício? — chamou José Liberato no que ele também ia sair. — Investigue a Senhorita Mariana Jung melhor.
— Ok... — e Fabrício saiu.
CAPÍTULO 26
Melissa havia voltado para casa como todo mundo, mas tinha a sensação de ter esquecido sua cabeça em outro lugar. Eduardo percebeu a frieza com que foi tratado quando chegaram ao condomínio; só não sabia estar tão enciumado quanto ela. Enquanto ela não perdia um piscar de cílios da irmã, ele achava que Melissa estava muito entusiasmada por Fabrício. Dormiu e acordou no dia seguinte, ainda preocupado. Fizera algo até então inédito; resolvera estudar.
Dr. João Vitor quis perguntar o porquê daquilo, estranhou Eduardo, mas resolveu não se intrometer.
“Ele já é um homem”, pensou ao passar pela porta fechada.
Eduardo por sua vez estava avoado; estudando ou não. A escola havia dispensado a turma das aulas ao saber do acontecido no condomínio. As provas foram adiadas para o dia seguinte. E Eduardo estudava, lia e relia a matéria, mas não conseguia se manter preso àquelas letras. E não podia se conectar à Rede Internet; ordens diretas do Delegado José Liberato. O incendiário poderia tentar rastreá-lo outra vez uma vez que sabia que o agente da Interpol também usava aquele estranho nickname ‘Krililik’. Mas ele, o verdadeiro Krililik não era de acatar ordens nos computadores. Carregou alguns programas, diria, escusos, e navegou pela rede atrás de algumas imagens. O que o Google mostrou-lhe, lhe tiraria o sono mais ainda.
A campainha do sétimo andar tocou uma única vez. Parecia até ter receios.
— Dudu? — foi Mariana quem atendeu. — A Mel tá...
— Vim falar com você.
Mariana sentiu o chão faltar-lhe.
— Eu... Cê... — respirou profundamente. — Por que cê não falou sobre a Pretty Woman?
— Pra te salvar.
Mariana brilhou os olhos e os abaixou o mais rápido que pôde.
— Brigada... — ergueu-se nos pés e paralisou.
Paralisado também ficou Eduardo ao ver que ia ser beijado. Seu coração disparou.
Mariana o olhou e Eduardo se inclinou e ela se ergueu mais nos pés. Eduardo voltou a olhá-la e inclinou-se mais até que os lábios dela tocaram o rosto de barba por fazer. A umidade do beijo, do sabor do batom que chegou ao seu olfato, de estranhos sons que se seguiram, tudo aquilo fez Eduardo ter vontade de mais no que os sons se traduziram na voz estridente de Melissa.
— Dudu?! — ela quase gritou.
Ele arregalou os olhos no que voltou a si. Mariana também voltou, olhou um lado e outro.
— Boa noite, Dudu — e sumiu.
E não foi fácil passar pela irmã que a fuzilou.
— Ela tá me desafiando! — exclamou Melissa para um Eduardo ainda em choque pelo beijo na bochecha. — Desafiando nossa diferença de idade.
— Nossa ‘quê’?
— Ahhh... — Melissa sumiu deixando Eduardo ali parado.
Mas Eduardo não podia ficar ali parado. Ele precisava falar com Mariana de novo.
E aquilo não ia ser nada fácil.
— Dudu? — as duas irmãs Jung se assustaram no que ele entrou no quarto e fechou a porta atrás dele.
— Quietas ou sua mãe vai escutar.
— O que...
— Precisamos voltar à casa da tal Denise — disparou.
— Voltar aonde?! — gritou Melissa.
— Psiu! Quieta!
— Cê enlouqueceu de vez?
— Acho que o Dudu tem razão.
— O Dudu o que? Ah! Claro! A Mari agora concorda com o MEU namorado.
Mariana ergueu o sobrolho e Eduardo pulou aquela fase do jogo.
— Presta atenção. Precisamos ir lá porque tem algo errado nas fotos do IML.
Agora as duas perderam a voz.
— Invadiu o IML?
— Sim. Não... Invadi o computador do Fabrício.
As duas se engasgaram.
— Fez o que? Mas como? Enlouqueceu? Esqueceu que ele é um policial? Quer ser preso?
— Tenho que responder tudo isso?
— Dudu? — Melissa perdia a paciência com ele, com os dois. — O que deu nos cês dois? Chat, incêndios, apelidos e invasões... Não sei qual dos dois tá pior.
— Acha que consegue Mari? — Eduardo falou com Mariana.
— Acho que sim— Mariana falou com Eduardo. — Posso ligar pra ela e vê se tá em casa.
— Ninguém vai tá lá — Eduardo falou com Mariana. — A perícia lacrou o lugar depois que terminou.
Melissa só virou os olhos com o diálogo dos dois.
Mariana pegou o telefone e discou no que Patrícia entrou e uma Melissa furiosa já foi contando o que eles faziam.
— Não tem ninguém mesmo — desligou Mariana.
— E cê acaba de deixar teu número marcado — emendou Patrícia com um curativo cor-de-rosa na testa.
Mariana olhou Eduardo que olhou Mariana.
— Vamos chamar o Fê! — e aquela nem foi a última loucura da noite.
CAPÍTULO 27
A perua Adriana Silva, mãe de Fernando não podia ficar de fora da moda do momento. Mandou aplicar no carro, adesivos do tipo ‘Minha família’. Havia um bonequinho representando Marco, vestido com roupas tipicamente africanas, havia uma bonequinha loura e maquiada a representando, e havia um bonequinho para o belo e moreno Fernando, com um lindo poodle Pink no colo.
Fernando quase surtou no que virou piada na escola. E não eram os adesivos o problema, eram os Swarovski Crystal que coroavam a cabeça do lindo cachorrinho Pink.
Era nesse carro, um Mini Cooper preto que os cinco amigos iam até o bairro de Alphaville.
— E tua mãe é aquela mulher que diz que não quer chamar atenção, né? — caiu Eduardo na maior risada.
— Não reclama não, Dudu. Foi a única chave que tava disponível no chaveiro.
— Ah! Por que será, não? — ria Eduardo descontroladamente.
— Será que é por que sua mãe sabe que ninguém vai querer sair com a ‘Tiffany & Co.’ ambulante? — emendou Mariana.
Ambos riram e Melissa passou a não gostar daquela química que surgia entre seu namorado e sua irmã. Patrícia também achou graça; parou de rir percebendo o drama da amiga.
A Rodovia Castelo Branco estava sossegada àquela hora da noite. Se não pelos constantes caminhões que desembocavam do Rodoanel, o Mini Cooper brilhante e os cinco amigos estavam sozinhos. O Condomínio Alphaville Residencial 2 era uma área privilegiada na região de São Paulo, um condomínio moderno, tranquilo e completo, que permitia total integração entre espaço e conforto. Entraram com um cartão do Escritório de Engenharia Jung.
Mariana quem surrupiou da carteira do pai; era craque naquilo. A irmã começava a preocupar Melissa e não mais o contrário.
A mansão dos Al Faruf estava sinistramente apagada. As informações no computador de Fabrício estavam corretas, havia uma faixa da polícia isolando o local. Eduardo estacionou o carro por detrás de algumas árvores impedindo que moradores ao redor vissem o carro e os swarovski.
Os cinco correram para dentro da propriedade e pularam a faixa sem arrebentá-la.
— Cruzes! — a exclamação de Mariana foi unânime entre os cinco amigos. Ainda havia água empoçada em alguns escombros. A casa estava quase toda enegrecida, se não pelo andar de cima. E os computadores não estavam lá. — Meu? Onde tão os computadores Dudu?
— Os documentos do Fabrício mostravam que a perícia levou todos pra procurar digitais. Mas só as digitais dos convidados tavam lá.
— Então o ‘Platão’ havia sido convidado? — Mariana não perdia uma cena da sua vista, da sua análise.
— Acho que não — Fernando bateu com os ombros. — Eu vi o computador sendo levado pra outra sala e sair de lá... Devia tá usando luva.
— Sei lá... Mas o Fabrício tinha umas observações sobre três funcionários do banco despedidos antes da festa.
— E por que o Fá tinha isso, Dudu?
“Fá?”; Eduardo paralisou.
Não gostou de como Melissa chamou o policial Fabrício.
— Ele... — pigarreou. —, anotou que os caras morreram por asfixia da fumaça do incêndio no quarto da Denise.
— Que quarto? — alertou Patrícia.
— O que você foi encontrada.
— Meu Deus... — Patrícia começou a chorar. — Então eu escapei por pouco?
— É o que o Fabrício anotou.
— Então Denise tava envolvida com a morte do pai? — perguntou Melissa quando os cinco conseguiram passar por um monte de escombros e alcançaram o andar de cima.
— Cepá...
— E o que tamos procurando Dudu?
— Cepá, algo no quarto que a Pati tava.
— Você lembra onde era?
— Lá Mel... — apontou Patrícia para o terceiro quarto à esquerda da escada onde os cinco pararam.
Um estranho silêncio invadia a noite clara. Eduardo carregava uma luz de emergência; possuía dois projetores com lâmpadas de 20 watts e autonomia de 2 horas que apontava para o chão a fim de não chamar muito atenção. Mariana, Melissa, Patrícia e Fernando tinham cada um uma lanterna comum. Mas vizinhos alertaram-se pelas luzes na mansão abandonada. Um aviso chegou à delegacia de Alphaville que acionou José Liberato, na delegacia do Morumbi.
— Vou repetir Dudu. O que tamos procurando? — Melissa olhava, olhava e mexia em algumas gavetas.
— Não sei. Tem algo aqui. Tem que ter. Os três caras que foram despedidos apareceram numa festa que não foram convidados. Tavam aqui, e morreram aqui.
— E eu ouvi a discussão aqui.
— Então o que tem aqui? — foi a vez de Mariana no que um som de vidro pisado alertou eles.
— Psiu! — pediu Eduardo apagando as luzes.
Os quatro também apagaram suas lanternas.
— Será um segurança? — sussurrou Fernando.
Mais vidro sendo esmigalhado chegou aos ouvidos deles.
— Dudu... — Melissa agarrou um braço dele.
Ele arregalou os olhos quando sentiu Mariana no outro braço. Não sabia se o invasor dava mais medo que a disputa das duas irmãs.
Fernando também estava com tanto medo que não pensou duas vezes ao abriu a porta do armário e entrar. Caiu no vácuo ao perceber que a porta não dava para um armário e sim vários armários. Fernando havia achado um closet totalmente bagunçado.
— Hei? Turma?
— Psiu! — falou Mariana, Melissa, Patrícia e Eduardo uníssonos.
— ‘Psiu’ nada. Venham ver o que encontrei.
Eduardo e as três se arrastaram atrás de Fernando que fechou a porta num ‘clic’.
— Eu não tinha visto isso naquela noite.
— E você procurava isso, Pati?
— Bem... Eu vim até o quarto dela porque...
— ‘Ao quarto dela’? Pati você disse que se perdeu procurando um banheiro.
— Ah... Mari... Eu menti. Quer dizer... — os quatro a olhavam mais apavorados que a bagunça ao redor. — Ahhh... Tá bom... Todo mundo falava da coleção de vestidos que Denise Al Faruf tinha. Todos só falavam isso nas rodinhas fashion da escola na Suíça.
— Ela era conhecida assim?
— Sim... — Patrícia olhou como se Eduardo fosse realmente um ET. — Nunca seguiu o Twitter dela? Meu! A mulher era o ‘Up!’ em matéria de moda. E tinha uma roupa de marajá cravejada de rubis que seu pai comprou quando ela fez 15 anos.
Os quatro se olharam.
— Será que era um roubo o que ‘Platão’ vinha fazer aqui? — perguntou Mariana.
— Não... — Eduardo olhou o caos em volta. — Era o que os três caras despedidos vinham roubar e Denise os surpreendeu.
— Mas por que ela não os denunciou? Não chamou a polícia? — Melissa quis saber.
— Acho que ela não podia — falou Fernando nem ele soube o porquê.
— É isso mesmo... — lembrou-se Patrícia sobre a discussão ouvida. — Ela tava uma fera com eles, mas eles trabalhavam pra ela.
— Mas eles tinham sido despedidos.
— Pelo pai, Dudu — Mariana arregalou os olhos. — Os três trabalhavam era pra ela.
— A Denise tava roubando o pai em alguma coisa?
Os cinco se olharam.
— A roupa de marajá! — exclamaram os cinco juntos.
— É isso... A Denise precisava que os três roubassem a roupa durante a festa porque precisava de dinheiro.
— Pro que?
— Sei lá... Não disse que a mina respira roupa de grife... — e Eduardo parou de falar no que os sons se aproximavam deles, já no segundo andar da mansão dos Al Faruf. — Psiu!
Fernando outra vez foi se afastando da porta como se aquilo resolvesse algo e outra vez se lançou numa porta falsa. Porta que dessa vez o vez dar um berro.
— Ahhh!!! — gritou ao cair dentro de um tubo que o lançou no meio do jardim.
— Fê?! — berrou Patrícia se jogando no tubo também.
Melissa, Mariana e Eduardo não tiveram muita chance no que um tiro atravessou as portas do closet.
— Ahhh!!! — gritaram os três se jogando no tubo. — Ahhh!!! — caíram os três no jardim molhado pelo orvalho da noite.
— Meu! Que foi aquilo? — Fernando olhou para cima em êxtase.
— Sei lá... Cepá uma saída de emergência — respondeu Eduardo ensopado.
— Mas pra que ela precisava...
— Corram!!! — anunciou Eduardo no que uma forte iluminação invadiu os jardins destruídos do que já fora uma bela mansão deixando Mariana sem terminar a frase.
— Hei?! Vocês!!! — gritou um policial. — Parem em nome da lei!!! — e o policial foi ao chão no que tiros vinham de dentro da mansão sobre eles.
— Abaixem-se!!! — gritou outro policial à sua equipe.
Ordem também obedecida por Eduardo, Mariana, Melissa, Fernando e Patrícia que se jogaram ao chão no que tiros passaram por suas cabeças.
— Meu Deus... Meu Deus... Vamos morrer!!! — berrava Fernando.
— Psiu!!! — gritaram os outros quatro.
Os cinco então se levantaram e correram até o carro. Eduardo tremia para colocar a chave no contato. Fernando meteu a digital dele no contato e o carro ligou.
— Por que não me disse antes?! — berrou Eduardo descontrolado.
— Não me perguntou!!! — berrou Fernando mais descontrolado ainda.
— Não me disse!!!
— Eu disse!!!
— Não me disse!!!
— Disse Dudu!!! Ele armazena a digital de até três dedos caso machuque um dos dedos ou entre em pânico!!!
— Mas disse que era a única chave que... Ahhh!!! Não vê que tamos fugindo?!
— E eu sabia que íamos fugir?!
— Os dois?! — berrou ainda Melissa nervosa com a discussão quando mais balas atingiram o Mini Cooper.
— Ahhh!!! — berraram todos.
— Meu Deus!!! Minha mãe me mata se uma bala atingir o carro dela.
— Eu te mato se você repetir isso!!! — emendou Eduardo.
— Calem-se os dois!!! — foi a vez de Patrícia gritar. — Acelera Dudu!!!
E Eduardo acelerou a cantar os pneus fazendo os olhos de Fernando saltarem das órbitas novamente.
Ele até ia falar algo, mas Eduardo o fuzilou.
— Há uma coisa... — Patrícia começou.
Eduardo olhou Melissa pelo retrovisor, que olhou Eduardo, que olhou Fernando, Mariana e a própria Patrícia.
— Que mais Pati?
— A roupa do marajá... Como tava na imagem do Twitter dela, ela deveria estar num esquife, no meio do closet. E ela desapareceu de lá.
Eduardo voltou a olhar Melissa pelo retrovisor, que olhou Eduardo, que olhou Fernando, Mariana e a própria Patrícia.
CAPÍTULO 28
Sobrou para Melissa ter que contar à afetada Adriana Silva que sua joia ambulante estava baleada. O apartamento do segundo andar veio abaixo. Melissa contou que elas haviam decidido dar uma volta com o carro da mãe de Fernando que o emprestou sem autorização, quando numa tentativa de sequestro relâmpago, Patrícia, que foi eleita como a motorista, fugiu do assalto.
Sandra também estava uma fera por elas terem mentido que iam ao cinema e por terem saído àquela hora da noite pelas ruas, mas as três meninas não sabiam dos riscos que corriam.
Eduardo e Fernando foram tirados do passeio, mas Dr. João Vitor não acreditava muito naquilo quando encontrou barro na lixeira do seu escritório. Aquilo mostrava a ele que Eduardo havia sido o tal motorista. Ficou mais de aviso após Berenice contar sobre a arma de Fernando.
João Vitor incluiu Marco, Paulo e o policial Fabrício na lista de avisos.
Eduardo ficou lá, olhando o computador. Já passavam das 10 horas da manhã e não pregara os olhos que lotavam de olheiras cada vez mais. Porém, algo o alertou e sua imaginação quase o levou a nocaute. Eduardo não pensou duas vezes, pegou suas ferramentas e desmontou seu computador.
Nada encontrou, nenhum dispositivo; respirou aliviado. Algo, porém outra vez o alertou dessa vez fazendo seu estômago embrulhar.
— Pai?! — gritou ele do quarto. — Berenice?! — berrava pela casa. — Cadê meu pai?!
— Ai moleque; que susto — Berenice acompanhava, de novo, a novela no YouTube.
— Cadê? Cadê?
— O que?
— Meu pai... Droga!
— Nossa! Não sei... Sei lá... Saiu...
— Pra onde?
— Pro consultório — olhou o relógio da cozinha. — Pra onde mais?
Eduardo arregalou os olhos.
— Não!!! Pai?! — berrava, ao apertar desesperado o botão do elevador. Desistiu, se lançando escadas abaixo com a perna esquerda que latejava. — Pai?! — berrava até a garagem.
O prédio inteiro estranhou a gritaria. Eduardo alcançou a garagem aos pulos. Seu pai subia a rampa com o carro e Eduardo acelerou o passo. Dr. João Vitor fez a primeira curva do primeiro subsolo para o térreo e Eduardo corria já quase sem fôlego. Dr. João Vitor acenou para o porteiro. Zé cumprimentou-o no portão sul.
— Tenha um bom dia, Doutor — falou ao passar.
João Vitor ganhou a rua sem ver Eduardo se esgoelando.
— Não!!! — tentava desesperado. — O celular! Burro! — se tapeou. Voltou desesperado ao apartamento; alcançou o telefone caindo por cima do sofá. Almofadas e Eduardo foram parar no chão. — Atende! Droga!
— Alo! — um chiado fez a ligação do celular do Dr. João Vitor, escapar. — Para que serve isso se nunca funciona — reclamou o médico. — Deve ser algum paciente em pânico, outra vez — o telefone celular voltou a tocar. — Alo! Alo! — nada. — Alo! — desligou o aparelho sem olhar de onde provinha a chamada. — Quando chegar ao consultório eu religo o aparelho e atendo.
Mas um carro havia o seguido ao sair do condomínio. Um antigo Dodge verde. João Vitor nem percebeu. Como sempre sua mente estava na agenda do dia. O ocupante percebeu que o médico se dirigia para o consultório como todas as manhãs.
— Good! — pensou o motorista mudando o trajeto.
Achou que não precisava continuar a segui-lo. Não viu que a consciência de um profissional pesa. O médico olhou para o celular.
— Puxa! Pode ser importante — falou Dr. João Vitor para o celular desligado. — Não posso atender enquanto dirijo — deu sinal e parou o carro no meio fio; quase em cima da calçada. — Vou esperar ligarem outra vez. É o que vou fazer — voltou a religar o aparelho e aguardar.
Eduardo desistiu, porém. O celular de seu pai só tinha interferência. Voltou a garagem, pegou o outro carro do pai e saiu; saiu atrás do pai. Corria pelas ruas de São Paulo, entrando e saindo por ruas até então desconhecidas para o novo motorista.
A Avenida Cidade Jardim àquela hora da manhã estava lotada. Eduardo entrou por ruas paralelas, não viu o carro do pai ainda parado à espera da ligação. Alcançou o consultório no novo prédio construído há pouco tempo.
“O computador do papai...” “O computador do papai...” “O computador do papai...”; não pensava noutra coisa.
A rua apareceu, enfim. Eduardo largou o carro mal estacionado. O trânsito se complicou atrás dele. Ele saiu correndo; atravessou o saguão a alcançar as escadas.
— Hei?! — gritou o segurança, reconhecendo-o. — É o filho do Dr. João Vitor — falou para a recepcionista. — Ele não pode entrar sem crachá.
Mas nem o segurança nem a recepcionista conseguiu brecá-lo. O andar de seu pai era o sexto, tinha que correr, correr, correr. Alcançou o corredor do sexto andar, invadiu o consultório e a enfermeira Ana deu um pulo da cadeira.
— Dudu? — perguntou apavorada.
— Meu pai, Ana? — foi só o que falou.
— Ainda não chegou e...
— Mexeu no computador?
— Que?
— Mexeu?! — berrou.
— Tá me assustando... — Ana se espremeu na parede atrás da cadeira em que sentava no que Eduardo se jogou aos pés dela. — Dudu... — sussurrou para o jovem que arrancava fios. — Você...
— Os outros médicos? — e não esperou ela responder. — O computador do papai? Onde tá?
— Na sala... — apontou.
— Vem! — arrastou-a.
— Que?
— O prédio de consultórios está quase vazio?
— Sim... Acho...
— De o alarme de incêndio... Vamos!!! — berrava roxo de nervoso alcançando o elevador.
— Sim — disparou Ana, a sirene protegida pelo fino vidro preso à parede.
Um pânico no andares, no prédio todo, nas ruas à sua volta. As poucas pessoas que já trabalhavam no local começaram a sair nem sabiam como; aos tropeções talvez. Eduardo e a enfermeira Ana só tiveram tempo de alcançar a maçaneta da porta contra incêndio, e o fogo irrompeu a sala dos médicos, alcançando o corredor.
Eduardo e Ana foram lançados contra a parede na pressão de ar gerada. Violentas labaredas enunciaram uma manhã quente em São Paulo.
Outra vez.
CAPÍTULO 29
O celular de Eduardo tocou no cair daquela tarde. Era Melissa. Aquilo era música para seus ouvidos já que estava outra vez de cama; agora com as mãos enfaixadas e a perna esquerda num gesso novo.
O pai João Vitor após ter estado na delegacia dando depoimento sobre o técnico que fora consertar o computador só teve tempo de resgatar Eduardo outra vez no hospital e levá-lo para casa feliz apesar de tudo, por ver Eduardo apenas com queimaduras leves nas mãos.
Com as informações de um retrato falado dadas pela enfermeira Ana confirmando ‘Platão’, o delegado José Liberato deixara novamente policiais de plantão no condomínio. Agora um em cada apartamento. Dentro dele.
José Liberato começava a se enervar com o incendiário. Ele desafiava sua inteligência e o poderio da polícia paulistana.
— Oi, Dudu — falou Melissa devagarzinho. — Posso subir aí?
— Nem precisava ter pedido né?
Melissa desligou e Eduardo não entendeu. Ela não demorou a chegar após pedir permissão ao policial na porta.
— Tem um policial em cada porta.
— É... Meu pai me contou quando foi me buscar no hospital. Ele perguntou se eu tava fazendo algum cursinho para ser médico já que não saio de lá.
Ambos riram.
— Acho que teu pai queria que você seguisse a carreira dele.
— Cepá... — olhou para ela. — Meu pai sabe sobre a arma do Fê.
— “Arma”? O Fê tem uma arma?
— Não sei... Ele disse que ia comprar uma, mas o pai dele deu uns bofetões nele e o Fê jurou que não tinha comprado.
— E?
— Não sei... Já disse. Nem sei como meu pai descobriu. Mas aposto que os policias também já sabem.
— Meu! Que confusão nos metemos outra vez...
— Cadê seus pais? — perguntou ele logo que a menina fechou a porta à chave. Eduardo percebeu suas roupas coloridas e sorriu satisfeito. — É a segunda vez que faz isso...
— O que? — não compreendeu.
— Mudou a cor da sua roupa — percebeu Eduardo a calça azul que Melissa vestia no que ela sentou na cama dele. — Fez isso quando te pedi em namoro — Eduardo se aproximou do ouvido dela. — O que veio pedir dessa vez? — falou de forma sensual.
Aquele frio voltou a percorrer o corpo de Mel; agora mais intenso.
— Não vim pedir nada... — levantou-se. — Ah... Meus pais saíram; foram levar a Pati no médico. E a Berê?
— Tamos sozinhos, Mel — falou ao perceber que a cabeça dela vasculhava em volta.
— Não me disse antes — se virou para ele.
— Não perguntou — Eduardo a encarou. — Tá bom... — abaixou a cabeça. — Meio que omiti! — sorriu cínico.
— Por que Dudu?
— Por que o quê?
Melissa abaixou a cabeça e Eduardo entendeu que o motivo era ‘Mariana’.
— Não quero responder — ele olhou-a seriamente, depois chacoalhou a cabeça. — Mas preciso de sua ajuda, Mel...
— Não podemos...
— Preciso ficar a sós com a Mari.
Melissa o observou outra vez. Aquilo ela não gostou.
— O que tá acontecendo?
— Não sei. Mas desconfio que o IRCop do chat, aquele que literalmente bloqueou e expulsou Iceman é a sua irmãzinha.
— Mari? IRCop? E ela pode isso?
— Tô achando que a Mari tá podendo muito mais. Lembra-se do que ela falou? ‘Acha que não sei o que é um se até já me tornei um’? Acho que ela quis dizer que sabia sobre tudo aquilo porque se tornara um IRCop, então ela poderia ter realmente tido acesso a todas identidades verdadeiras, Mel. Inclusive que a tal Denise usava o apelido Florzinha. Se o tal incendiário descobriu isso, a Mari sempre foi o principal alvo dele nessa vingança desenfreada.
— Porque ela descobriu quem ele era e que ele tava de coisa com a tal Florzinha — sentou-se de novo.
— E cepá... Até a morte do pai dela tenha sido encomendada por ela. Já que a Denise, sei lá como e por que, estudou com a professora de Astrologia do Uruguai, que o Fê viu morrer pelo Tablet...
— Ai Dudu... Tô com medo. Esse cara... — e ela sentiu os lábios dele lhe colaram nos seus. Beijaram-se como há muito não faziam. Parecia até que tudo estava esquecido, que não havia Mariana nem ciúmes nem a sensação de Eduardo estar apaixonado pela irmã dela. — Era ele na mansão, atirando, não? — Melissa fechou os olhos no que outra vez Eduardo não respondeu; ele inclinava-se na cama, por cima dela. Melissa arregalou os olhos por vê-lo sob aquele prisma inédito. Ele aos poucos liberava o peso de seu corpo; Melissa aos poucos sentia o peso do corpo de Eduardo.
As respirações ficaram próximas, os lábios se tocaram de novo.
— Gosto de você... — disse Eduardo.
— Não... — tentava Melissa sair de baixo.
— Sim! — implorava ele. — Deixa eu te conhecer... — beijou-a.
— Não... — ergueu-se rapidamente da cama dele. — Tô confusa...
— E eu tenho que entender sua confusão?
— Sim... Disse que tô confusa — voltou a se sentar ao lado dele.
Eduardo deu um salto que o Homem-Aranha teria inveja por sobre Melissa, mas ela fora mais rápida. O jogo de corpo de Eduardo o fez cair nos travesseiros.
Ele abaixou a cabeça derrotado.
— Você não quer? — questionou Eduardo; Melissa ia responder; não soube o que. — Não me quer? — implorava o belo rapaz.
— Quero! — passou a mão pela nuca úmida; voltou a se esconder timidamente. — Mas acho que não tô me sentindo bem — riu Melissa sem graça.
Quando ele se deu conta Melissa havia fugido do apartamento dele, o deixando lá, pensando, tomando algumas decisões.
CAPÍTULO 30
A delegacia liderada por José Liberato e seus policiais estava agitada.
— Temos uma impressão digital e também um nome... — José Liberato anunciou no que Fabrício entrou nervoso na sala do delegado. —, mas temos um problema. A Sra. Sandra e o menino Fernando fizeram um retrato falado do técnico, que não está muito coerente — entregou os dois desenhos para ele. — Tem momentos que um retrato não bate com o outro... — José Liberato olhou Fabrício que nada falava. — O que houve?
— Meu computador foi hackeado e toda informação sobre os corpos no IML foram copiados.
— Aquele incendiário filho de uma égua...
— Não! — Fabrício interrompeu o bota-fora do delegado. — Ele teria apagado ou danificado meu computador com um vírus, e ainda mandando todo meu computador para a lista da próxima perícia.
— Mas...
— A única coisa que eu encontrei no meu computador foi um Trojan Horse que permitiu a invasão, que por sua vez permitiu que lessem meus apontamentos da perícia e um doc. deletado por ele, onde havia minha agenda de telefones.
— ‘Sua’ o quê?
— Digamos que era ‘uma agenda’ onde eu mantinha telefones anotados. Telefones, digamos, que eu não teria anotado no meu celular...
— Telefones?
— Sim... De algumas ex-namoradas e... de Melissa Pii Jung.
José Liberato demorou a entender o que havia ouvido.
— Você o quê? Com aquela menina?
— Não! Nunca! Eu só... Anotei. Mas o problema aqui é que um hacker...
— Acha que o menino Eduardo... Ih! O pai dele vai ficar uma fera... — olhou-o com interesse. — Mais do que já está — e ameaçou pegar o telefone que Fabrício segurou. José Liberato o olhou com interesse. — Por que não vou poder ligar? Está defendendo os erros do menino Eduardo?
— Acho que sim... Por causa disso — Fabrício ligou seu Tablet e mostrou para o delegado. — Eu copiei isso do meu computador. Foi a única anotação que sobrou da ‘minha agenda’ após a invasão do Eduardo.
José Liberato colocou os óculos, coçou o cavanhaque, tentou em vão compreender.
— O que é esse desenho bonitinho? Eu recebi um desse no e-mail anônimo avisando sobre a segurança da mansão de Faruf Al Faruf.
— Isso são smileys; smiley-face emoticon. É uma carinha sorridente, em geral amarela, que serve como sinônimo de sua emoção ao teclado. Você pode estar sorrindo, triste, nervosinho — o olhou sorrindo. — Eduardo me mandou esse smiley em forma de uma margarida mostrando que essa é Denise/Florzinha.
— ‘Nickname Florzinha’? Que não sabia quem era.
Fabrício mostrou uma foto colada no mesmo documento que enviou com os caracteres digitais.
— Parece que o Eduardo sabia o tempo todo quem era ‘Florzinha’, Delegado.
José Liberato arregalou os olhos para a mulher na imagem.
— Denise Al Faruf... — mal conseguiu falar quando por mágica um novo e-mail surgiu na tela do Tablet de Fabrício que percebeu que mais de um hacker havia invadido seus documentos.
Florzinha também havia o hackeado de alguma forma.
— O que está escrito?
Fabrício mostrou o e-mail:
— Não tem nada escrito no e-mail. É só uma foto. E veja a foto, delegado... Reconhece este lugar, não? É o obelisco, monumento em homenagem ao herói da revolução constitucionalista de 32... — Fabrício esperou a vez de José Liberato erguer o sobrolho. — Parece-me que Denise/Florzinha está nos avisando que tem um encontro marcado com o incendiário no obelisco, no Bairro do Ibirapuera e quem vai a esse encontro, seremos nós — terminou categórico.
Saiu da sala atrás de todos.
José Liberato se entregou aos últimos detalhes.
CAPÍTULO 31
O final da tarde iluminada estava como sempre em meio há um congestionamento monstro. O belo obelisco em questão ficava numa praça com grandes pistas de carro nos seus arredores. Com 72 metros de altura, era o maior monumento da cidade de São Paulo.
Fabrício estava montando guarda ao volante de seu carro. Mantinha-se há uma distância considerável usando poderoso binóculo, tamanha a precisão de suas lentes.
— Por que um lugar tão cheio?
— Sei lá... Quer ver que gosta de público — divagou Rocha ao morder o pedaço de pão que trouxera.
Fabrício negou com um movimento de cabeça após o pão lhe ter sido oferecido.
— Não pode ser isso...
Eduardo cochilava no banco traseiro pelo efeito dos antibióticos amassando os cachos de cabelo castanho. Rocha olhou para trás, depois olhou para Fabrício que lhe devolveu o olhar.
O policial Rocha não havia concordado com a ideia de terem trazido Eduardo, mas era ele o que mais poderia reconhecê-lo. Além do mais, Fabrício queria assustá-lo um pouco depois de ter tido seu computador invadido. Se Eduardo gostava de viver perigosamente então ele ia mostrar a ele que a vida não era uma novela policial de Agatha Christie.
E foi preciso a interferência de José Liberato para que João Vitor aceitasse.
— Acha que ele vai aparecer? — perguntou Eduardo ainda sonolento.
— Não sabemos... Ele pode ter percebido que Denise o denunciaria.
— E ela o denunciou?
— ‘Florzinha’ o denunciou — Fabrício olhou Eduardo pelo espelho interno; viu que o rapaz estava apavorado.
Eduardo sabia de alguma forma que Fabrício sabia que o hacker do seu computador era ele; Krililik.
— Por que insistiu em trazê-lo? — Rocha percebeu que Fabrício estava nervoso com o garoto.
— Porque um retrato falado ambulante seria mais viável — respondeu Fabrício a pergunta de Rocha sem tirar Eduardo do espelho.
Eduardo outra vez sabia que estava sendo punido; era esperto.
— O Delega falou que a tal flor Denise iria lá hoje.
— É... — Fabrício olhava agora em volta com o poderoso binóculo. — Quando soube Eduardo? — não se segurou.
Eduardo voltou ao Planeta Terra.
— O que?
— Quando soube que Florzinha era Denise Al Faruf?
— Não fui eu...
— Você é louco sabia?! — berrou Fabrício assustando mais Rocha que Eduardo. — Você arriscou a segurança de todos seus amigos, nossa, daquela festa inteira agindo dessa maneira.
— Hei?! Eu não fiz nada disso. Foi a Mari que deu a louca de querer ser um IRCop, e acionou um malware no chat lendo o IP e o nome de registro de cada um de nós. E não pensa que fiquei feliz com isso...
— Por que não me avisou?
— Eu hein... Nem sabia da sua existência.
Fabrício se virou para trás e ia agarrar a camiseta quando Eduardo se lançou para o fundo do carro.
— Que é isso cara?! — Rocha precisou segurá-lo. — Tá maluco? Aqui não é lugar pra isso. Depois vocês tiram isso a limpo...
Fabrício engoliu a seco.
Eduardo também.
— A coisa foi pessoal, não Eduardo? Talvez algo a ver com a Mel.
— Não chama minha namorada assim! — cerrou os dentes.
— Chega! Os dois! — exclamou Rocha nervoso. — Já falei... Ih! Vejam lá... — apontou.
Um homem se aproximava do obelisco. Havia meia dúzia de turistas japoneses tirando fotos, um pouco distante do homem que acabara de chegar. E o homem de grandes omoplatas vestia blazer azul-marinho, escondia cabelos enegrecidos num boné, vestia sapatos gastos pelo uso.
— É ele? — perguntou Fabrício entregando o binóculo para Eduardo.
— Deixa ver... — falou Eduardo ao pegar o binóculo. — Qual deles?
— Como “qual deles?” Não pode ser aqueles turistas japoneses, né? — irritou-se, Fabrício. — O cara de blazer azul-marinho, do outro lado do obelisco.
— Mas o boné tá enterrado na cara... Chega mais perto.
Os dois policiais se olharam.
— Mais perto? — perguntaram uníssonos. — Não podemos chegar mais perto; é arriscado.
— Pra quem? — falava Eduardo como quem não havia entendido a extensão do perigo.
Fabrício olhou para Rocha que voltou a lhe devolver, um olhar.
— O que acha Rocha?
— O delega falou “nada de chegar perto”. Ainda acho que deveríamos avisar a polícia e pedir reforços.
— Se a polícia baixar aqui o cara foge.
— O que quer Fabrício? Pegá-lo sozinho? — espantou-se. — Não sou herói, não. Sou um velho policial que precisa pagar as contas no fim do mês — irritou-se Rocha com o jovem policial.
— O cara tá se movendo — comunicou Eduardo dissolvendo a discussão.
— Deixe-me ver — Rocha retirou o binóculo de suas mãos. — Acho que devíamos avisar o delega.
— Não! Vamos esperar ver se é ele. O garoto não tá enxergando, vamos descer — abriu a porta.
— Descer?! — gritou Rocha fechando a porta dele. — Tá maluco, Fabrício?!
— O cara é um incendiário, não é do tipo que carrega armas.
— Ahhh... — Eduardo engoliu o resto.
— Fala! — soou como uma ordem.
— É que o... O cara atira sim — Eduardo olhou Fabrício, olhou Rocha.
— Está bem! — Fabrício saiu do carro. — Eu vou! — bateu a porta.
— Droga! — exclamou Rocha ao ir atrás. — Tá ficando louco? Ele vai nos reconhecer.
— Ele não me conhece.
— Quem disse?
— Para de gritar! Tá chamando atenção — olhou para os dois lados da extensa rua.
— Volta aqui! — Rocha segurou seus braços. — Teu pai mata o delega se te acontece algo.
— Ah! Então é por isso que venho sendo sabotado? Meu pai não me quer na linha de tiro?
— É isso mesmo. E se o delega souber que te contei...
Eduardo ficou a ver a discussão dos dois policiais quando ainda estava dentro do carro; arrancou o gesso e desceu, também. Passou pelo policial Fabrício Bernardes e pelo policial Rocha sem que percebessem.
Todos na rua começaram a olhar a cena. Os dois homens brigando chegou mesmo a chamar a atenção até dos turistas japoneses; também do homem de blazer azul-marinho.
Eduardo aproveitou a distração e correu. Alcançou o obelisco por trás dando a volta. Encontrava-se agora atrás do frio obelisco de pedra. Começou a observar o estranho, ali parado. Deteve-se nos sapatos gastos pelo uso. Os cabelos enegrecidos despontavam por debaixo do boné; ele ergueu a mão que tinha uma câmera. Acionou a câmera que filmava Fabrício e Rocha. Sorriu malévolo depois, Eduardo teve essa impressão.
O estranho virou-se de repente e olhou para trás; Eduardo teve a rapidez de se esconder. Engoliu a seco o que fez e correu. Correu tanto que fez a primeira curva antes que o estranho conseguisse vê-lo.
O estranho começou a correr também. Eduardo dava a volta, correndo desembestado, virando na primeira chance que teve, passando na frente dos japoneses, esbarrando em Fabrício e Rocha.
— É ele!!! — gritou.
Os dois se olharam. Um tiro passou de raspão. Todos ao chão; policiais, testemunha, turistas.
O incendiário atirava.
— O cara não usa fogo, não? — falou Rocha com ironia para Fabrício.
O cara de boné correu para alcançar seu carro estacionado do outro lado da rua, oposta ao carro de Fabrício. Fabrício, mais bem preparado que Eduardo que ainda sentia dores na perna esquerda quase o alcançou. O cara de blazer azul-marinho lançou-se em meio aos carros quase sendo atropelado.
— É louco cara?! — gritou um motorista após o susto de ver um estranho saltando sobre o capô de seu carro.
O cara de blazer azul-marinho e boné enterrado na cabeça alcançou o seu carro; entrou no Dodge verde envelhecido pelo tempo. Arrancou deixando marcas dos pneus no asfalto.
— Vamos!!! — gritava Fabrício para Rocha e Eduardo. — Vamos atrás dele!!! — corria para o seu carro.
— Vão... Vão sem mim — Rocha quase nem conseguia respirar. — Eu não consigo... — Rocha parou para respirar.
Eduardo passou por ele e continuou a correr. Fabrício deu partida no que Eduardo entrou e num cavalo de pau alcançou Rocha que se jogou para dentro.
— Delegacia! Aqui é Rocha! — chamava pelo rádio, em meio a sacolejos. — Precisamos de reforços. Fugitivo num velho Dodge verde — começava a caçada. — Sua placa é... Cuidado!!! — gritou Rocha apontando. O cara de blazer azul-marinho atirava para trás a fim de atingi-los.
Fabrício puxou o volante.
— Ai!!! — gritou Eduardo pelo impacto, batendo o rosto no vidro depois indo parar no chão do carro.
Fabrício acelerava e Rocha pedia reforços.
— Há um carro da DP aqui perto... Cuidado!!! — voltou a gritar ao arregalar os olhos.
Novos tiros agora destruíram o vidro da frente.
— Ahhh!!! — gritavam os três.
Estilhaços miúdos se lançaram para cima deles.
— Socorro!!! Delegacia!!! Cadê o reforço?! — berrava ao rádio.
— Não adianta; não vai dar tempo! — exclamou Fabrício.
— O que quer dizer com isso?
Um carro policial se aproximou; corria também. Começou a atirar no velho Dodge que parecia turbinado.
— De onde ele desencalhou aquele carro? Nem sabia que tinha algum desses ainda rodando?
— É só carcaça... Por dentro deve ter motor turbinado com nitro — falou Fabrício.
— Droga! — esbravejou Rocha ao ver o carro da policial, tombado. — Eles capotaram... Câmbio! Tá tudo bem? — e uma nova rajada de tiros.
— Automática!!! — gritava Eduardo atrás do banco em meio aos cacos de vidro, enfiando como podia a cabeça entre as longas pernas.
Fabrício acelerou de novo. Passou com o sinal amarelo quase provocando um acidente maior que o incendiário causava a bater em todos no meio da rua.
— O carro!!! — berrava Rocha, ao apontar para um carro que tentava atravessar a pista. Fabrício acionou a sirene; até havia se esquecido dela. — Saiam da frente!!! — berrava desesperado, dependurado para fora da janela. — Ele vai entrar na próxima rua!!! Ele vai entrar!!!
— Não grita! Não posso fazer isso... É contra mão.
— Entra!!! — Rocha puxou o volante.
O carro rodopiou.
— Não!!! — gritaram os três ao fazerem 360º. Estilhaços de vidro do carro do policial se espalharam pelo meio fio da calçada por onde passavam.
— Por lá!!! — apontou Rocha.
Fabrício não viu outra saída. Avançou na contra mão. Buzinas ensandecidas se misturaram às sirenes do carro, à nova rajada de balas da automática do homem de blazer azul-marinho.
— Ele vai fugir!!! — gritava Fabrício ao volante.
— Não vai não... Delegacia! — comandava Rocha. — Todos os carros disponíveis aqui é Rocha... Cuidado!!! — voltou a berrar ao olhar para frente.
Fabrício puxou o volante outra vez. Subiu em cima da calçada quase atropelando dois garotos que se jogaram para trás do poste. O carro do policial Fabrício voltou a pista, ainda na contramão.
— Eu quero descer... — tentava Eduardo.
— Ah, claro! Agora? — Fabrício encarou Eduardo pelo espelho.
Eles se odiavam. Era evidente.
— Vira ali, Fabrício... Vira ali... Ele entrou naquela ruela — falava Rocha quase sem fôlego.
Fabrício obedeceu; entrou na ruela, mas ninguém estava lá. O carro chegou a aquecer os pneus perante a brusca freada.
— Onde ele tá? — olhava um lado, outro e voltava a procurar. Eduardo também olhava a direita, a esquerda, a direita, a esquerda de novo. — Como ele pôde... — Fabrício saiu do carro em pânico. — Como pôde ter fugido?
— Ele deve estar escondido — Rocha também saiu olhando em volta.
— Onde?! — berrou Fabrício mostrando que não havia ninguém ali.
Impossível que ele estivesse invisível.
— Meu Deus... — Eduardo saltou do carro.
Foi só o tempo para vomitar.
— Ah! Claro! Agora ainda temos sessão de vomito.
— Quer acalmar-se! Que deu em você? — Rocha desconhecia aquele Fabrício.
Mas Eduardo não vomitava pela corrida, era por medo.
— A Mari... — apontou para frente.
— A ‘quem’? — procurou Fabrício e Rocha.
— Mari... Ela disse que ia a escola hoje... Que tinha trabalho pra apresentar... — Eduardo viu Fabrício de olhos arregalados.
— O incendiário deve tá uma fera com a Denise por ter sido entregue... — soou da boca de Fabrício.
— Ele vai se vingar na Mariana... — e Eduardo voltou a vomitar.
Os dois policiais trocaram informações valiosas num olhar.
CAPÍTULO 32
Denise pensou várias vezes antes de aceitar o “convite” de José Liberato. Sabia que ele não a prenderia numa espécie de troca de favores. Mas José Liberato não era um daqueles policias muito ‘psicológicos’. Lugar de meliante era na cadeia.
E Denise Al Faruf/Florzinha entrou confiante na delegacia. Não demorou a ser algemada e ouvir o delegado descarregar tudo em cima dela.
— Como pôde roubar dinheiro de seu próprio pai?
Denise olhou seriamente para o Delegado o encarando com certa frieza.
— Por que o impacto, delegado? Sou uma viciada!
José Liberato não sentiu pena, mas o impacto, como ela disse aquilo, o chocou.
O contrato dos três funcionários por ela para roubar a roupa de rubis, a morte deles na festa que ela abriu para o incendiário que vendia drogas pesadas para ela. Denise devia uma grana alta para o incendiário, provável que tenha dado a roupa de rubis como pagamento.
— Mas por que teve que matar seu pai?
Aquilo o delegado não ficaria sabendo por hora. Denise Al Faruf se recusou a prestar depoimento sem a presença de um advogado que o Ministério Público ia dispor já que ela não tinha mais um tostão para pagar nada, ninguém. Aquilo irritara José Liberato que estava dando lição de moral numa mulher mimada acostumada a se drogar.
Uma pancada na porta.
— Pode entrar!
— Ele escapou, delegado — anunciou a policial na porta.
Denise caiu em gargalhada.
— Ele escapou então? — ria. — Parabéns, delegado. Assinou a sentença de morte de todos os garotos.
— Cale-se! — ficou extremante nervoso. — “Ele”? Quem é “ele”?
— O incendiário? Ele estava atrás de mim para buscar uma maneira de se aproximar de meu pai. Queria-me como cúmplice. Sabia que eu traficava peças de computadores. Tinha que fazer né? Minha fonte iria secar — debochou.
— Secar? Sabia que seu pai seria morto?
— O incendiário havia sido contratado por assaltantes de caminhão. Caminhões com computadores vindos do outro lado do planeta para ser mais exata. Eu descobri que ele havia sido contratado para matar ‘papai’. Aquele morto de fome, unha de vaca, me deixou sem grana, sem joias, sem poder pagar meu vicio — Denise vociferou ao falar do pai. — Só me restou aquela maldita e horrorosa ‘roupa de Marajá’, que ele adorava se gabar para os amigos.
— Como...
— Eu convenci papai a deixá-la no meu closet. Mandei instalar uma saída de emergência para poder fugir com ela, mas o maldito incendiário estava atrás de mim pela Internet, descobriu meu esquema e quis participação. Ele matava meu pai e eu conseguia roubar a roupa.
— A roupa? Quanto valia?
— Uma aposentadoria de vida inteira? — gargalhou.
— Então o incendiário entrou naquele Chat atrás de você e foi expulso?
— Nada sei sobre incêndios, só que ele matou todos os meus amigos do Chat por desprezo, por ter sido expulso, sei lá. Talvez uma maneira de me mostrar o tamanho de sua força, dando uma amostra do seu poderio para que me juntasse a ele — olhou para o chão num momento de tristeza. — Eu amava o Renato/Nervosinho, não faria nada para machucá-lo e ele sabia.
— Mas o incendiário descobriu cada um, não?
— Sim... E agora está atrás da única peça que pode entregar seu verdadeiro nome, quem ele realmente é.
— Quem?
— Mariana Pii Jung. Aquela IRCop desastrada — Denise riu até José Liberato perder a estribeira e mandar levá-la para longe dele.
Quando acionou o condomínio, ficou atônito ao saber que a menina Mariana havia fugido do controle policial. E Sandra pressionou tanto que Patrícia contou que Mariana não queria perder a apresentação do trabalho de ciências, ou Eduardo com que fazia equipe não tiraria nota suficiente para passar.
Melissa ficou em choque, Mariana gostava realmente dele.
— Faça algo Delegado — implorou Sandra.
José Liberato desligou o telefone em choque, também.
— Droga! — bateu forte na mesa derrubando muita coisa por lá.
CAPÍTULO 33
A escola Monsenhor Hipólito Ibi se localizava por detrás de uma mata fechada. Árvores altas, de todos os tipos de copas, do mais belo verde. As crianças brincavam quando o tempo ameaçou fechar. Professoras, alunos e brinquedos começaram a ser recolhidos no início dos respingos. Lá, somente um homem ficou, por detrás das árvores, no meio da chuva que começava a engrossar; um estranho de sapatos gastos pelo uso, blazer azul-marinho.
A pequena menininha esqueceu seu boneco; chorava porque o boneco ia se molhar. Voltou para buscar, a professora a viu sair.
— Carol?! — gritou a professora. — Volte aqui!!!
Mas Carol não podia voltar, estava sob as mãos fortes do estranho de blazer azul-marinho sapatos gastos. Ele segurava sua boca para que não gritasse. Amarrou a professora num movimento rápido no que ela os encontrou. O boneco havia ficado esquecido. O estranho e as duas presas se foram.
Do outro lado da escola, Mariana estava tensa com a apresentação. Todas as classes do oitavo ano do Ensino Fundamental II em peso estavam lá. Menos Eduardo que havia sido dispensado após suas mãos se queimarem e o Dr. João Vitor conseguir-lhe uma dispensa.
Mas um movimento de pessoas correndo no pátio gramado ativou a curiosidade de um dos colegas de classe.
— O que é aquilo? — falou em voz alta o garoto no corredor do segundo andar. Policiais armados se esgueiravam pelos campos da escola.
Outro aluno olhou se inclinando para olhar para baixo.
— Aquilo o quê?
O resto da classe se inclinou para ver. Mariana também, e nada viram. O pátio já estava vazio novamente. Outro amigo virou para ele para perguntar o que houve quando uma claridade desviou sua atenção. Olhou para o teto, percebeu uma pequena luz. Olhou para a janela novamente e olhou para baixo tendo a resposta na mão do incendiário que engatilhou a arma e atirou.
— Ahhh!!! — se jogaram todos ao chão no que o tiro passou de raspão.
Quase acerta Mariana e mais três alunos na fileira de carteiras. Gritos, todos ao chão, pânico geral e Mariana sabia que aquilo tudo era por causa dela.
— Que tá acontecendo? — perguntou alguém.
— Cê tá bem? — falou um.
— Cê tá bem? — falou outro.
Mariana não pensou duas vezes. Levantou-se e olhou para baixo vendo Eduardo correr. Largou mochila, papeis e pendrive da apresentação e se lançou escadas abaixo. Eduardo corria escadas acima.
— Ahhh!!! — se chocaram os dois, voltando ambos os andares abaixo.
— Cê tá bem? — foi a vez de Eduardo perguntar.
Mariana saltou no pescoço dele. Eduardo ficou sem ação.
— Isso... Isso foi um tiro? — questionou Mariana, atordoada, para Eduardo que a observava.
— Venha! Temos que sair daqui — a puxou.
Um novo tiro se fez em direção ao segundo andar do Ensino Fundamental II; nova histeria também. Eduardo olhou Mariana e ambos tiveram medo daquilo.
— Meu! O que ele tá fazendo? — perguntou Mariana em voz alta.
— Cepá... tentando nos matar.
Os tiros cessaram. Alguns minutos se passaram e nada; nenhum tiro. Eduardo parecia enlouquecido. Levantou-se num rompante e arrancou com Mariana para fora do corredor. O incendiário o localizou no que chegaram ao andar debaixo.
— Two? — falou ao se referir dos dois estarem juntos.
Atirou novamente agora disparando de uma metralhadora semiautomática. A borda da sacada era arrancada aos pedaços. Eduardo correu e jogou Mariana no chão enquanto ele ficou atrás de uma pilastra que tomava a forma de queijo suíço.
— Dudu?! — gritou Melissa com Patrícia, do outro lado do corredor.
— Abaixa!!! — berrou Rocha ao chegar ao final do corredor oposto às elas.
Abaixou Eduardo, depois Mariana, depois Patrícia, depois Melissa; parecia uma onda. Melissa e Patrícia se arrastaram até eles.
— Não!!! — gritou Melissa no que viu um corpo caído.
Eduardo olhou para trás; Rocha estava caído.
— Meu Deus! — Eduardo ia tentar alcançar o policial sendo puxado pelas três, indo ao chão novamente.
Fabrício chegou se arrastando. Viu que o policial Rocha tinha um ferimento na perna. Viu também Melissa e Eduardo que olhou Fabrício que se arrastou até o corpo ferido de Rocha.
Novos tiros agora em cima deles e Fabrício puxou o corpo desmaiado do velho policial entrando como pôde dentro da classe abandonada pelos alunos, agora em pânico pelos corredores da escola. E o incendiário tinha uma boa visão de cima da alta copa que subira quando acertou o ombro de Fabrício.
— Ahhh!!! — gritou Fabrício sendo atingido.
— Não!!! — levantou Melissa sendo puxada por Eduardo.
Ambos trocaram olhares.
— E agora? — perguntou Patrícia.
— Não sei... — respondeu Melissa à difícil questão.
Alguns segundos se passaram; pareciam ter sido uma eternidade.
— Parou? — Mariana se ergueu para olhar em volta.
— Ficou louca? — Eduardo a puxou.
— Se preocupa tanto assim comigo?
— Como é que é?
— Nada.
Eduardo percebeu; havia chegado num beco sem saída. Melissa o olhou. A pequena disputa entre as duas irmãs prosseguia. Mariana gostava de Eduardo e agora ele sabia. Só não tinha certeza se Melissa também começava a gostar de Fabrício.
Balançou cabeça em meio a confusão.
Depois Eduardo ergueu a cabeça e olhou o campo atrás da escola. Reconheceu Fernando pela corrida desengonçada.
— Cuidado Fê!!! — gritou Eduardo no que Fernando foi ao chão, derrubado pelo corpo do incendiário de blazer azul-marinho. — Não!!! — saiu sem pensar em consequências.
— Dudu?! — berrou Melissa.
— Dudu?! — berrou Mariana.
— Fê?! — berrava Eduardo ao vê-lo caído se jogando no telhado, escorregando pelas telhas até cair no chão da quadra após o salto.
Novos tiros e Eduardo repensou seu ato heroico. Ficou no chão em meio aos gritos que novamente ecoaram pela escola.
— Fê?! — berrou agora Patrícia em disparada.
— Não, Pati!!! — Melissa foi atrás dela.
— Não, Mel!!! — Mariana foi atrás de Melissa.
— Que Droga!!! — gritou Eduardo ao ver as três amigas partirem. Levantou-se e correu atrás delas.
Patrícia corria; não havia percebido até aquele momento o quanto o chato do Fernando a interessava. Era a única pessoa que realmente gostara dela e ela não percebera.
— Fê?! — berrava ao ver o incendiário arrastando-o pelos cabelos. Os dois entraram na escola e saíram da visão. — Onde?! — berrava Patrícia para Melissa que olhava para os lados. — Onde eles foram?!
Mariana passou como um furacão. Não parou para responder.
— Aonde você vai?! — berrou Melissa ao ver Eduardo segui-la. — Hei?!
— Para a sala dos computadores — respondeu Patrícia indo atrás.
Melissa se viu sozinha; correu também. Os quatro iam para onde acharam que o incendiário estaria. Eram amigos, tinham que salvar Fernando das garras do incendiário.
Viraram o corredor estreito. Sete portas se desenharam à frente. Os amigos corriam a marcar o movimento no mármore do piso. Mas um som abafado os alertou. Eduardo estancou as fazendo caírem em cima dele. Mariana olhou para os lados. Sete portas fechadas e os quatro amigos sozinhos no corredor.
A luz pareceu falhar, falhou até uma vez e depois outra.
— Tô com medo! — exclamou Mariana.
— Eu também — falou Melissa.
Patrícia não pensou em outra coisa ao olhar para o chão.
— Fê?! — berrou para o sangue que começou a escorrer por debaixo da porta da sala dos computadores.
— Deus! — exclamou Eduardo.
Seu estômago se contorceu, uma visão avermelhada encobriu seus olhos. Os quatro se aproximaram da poça que já alcançava o corredor. Abriram a porta após verificarem que não havia som nenhum, proveniente de dentro. A sala estava escurecida.
Melissa tocou na parede ao seu lado. Sentiu o tecido das cortinas logo na entrada; puxou-as. Um corpo quase morto jazia no chão. Era a professora de Carol.
Eduardo vomitou outra vez.
— Hello!!! — falou uma voz velada por detrás dos quatro amigos agora trancados no acionamento da chave pelas mãos do incendiário.
O incendiário enfim se mostrava. Era jovem, de cabelos negros e tinha uma grande marca no rosto. Uma cicatriz, envelhecida pelos poucos anos atravessava o rosto do assassino que vestia blazer azul-marinho, calçava sapatos gastos pelo uso, tinha grandes omoplatas. Na mão direita, uma arma colada à cabeça de Fernando e na outra, uma pequena maleta.
Os olhos de Melissa se projetaram naquela maleta que segurava.
— Incêndio! — falou como que para si mesma.
Suas suspeitas se deram como confirmadas, pela risada fria do incendiário. Ele empurrou o corpo de Fernando que foi parar entre os quatro amigos.
— Fê? — perguntava Eduardo ainda embrulhado para presente. — Cê tá bem?
— Por enquanto — respondeu o incendiário pela primeira vez em português.
— Cê não conseguiu né babaca? A Denise/Florzinha passou a perna em você e roubou a roupa.
— Dudu? Agora não é hora pra bancar o engraçadinho.
— O casalzinho vai calar a boca?
Melissa e Eduardo calaram. Mas Eduardo voltou a enervar-se no que o incendiário montava algo que ele sabia, ia incendiar toda a escola.
— Faruf Al Faruf descobriu que três funcionários desviavam dinheiro para comprar peças ilícitas e montar computadores. Depois ficou claro que era remessa de computadores prontos, roubados, desmanchados e vendidos pelo Renato/Nervosinho contabilista na loja de dois trambiqueiros, irmãos dos três funcionários despedidos por Faruf Al Faruf ao descobrir os desvios.
— Dudu? Que tá fazendo? — foi a vez de Mariana.
O incendiário parou por alguns segundos para pensar, mas voltou a montar o que parecia uma engenhoca própria.
— Sabe que não vai sair vivo daqui, sabia? — desafiava Patrícia ao ver o corpo de Fernando ao chão, o abraçando, o amando.
— Eu vou! Vocês não! — riu o incendiário.
— Não vai não — emendou Eduardo.
— Que tá falando idiota?
— Denise/Florzinha precisava de um extra porque não trabalhava e tinha que pagar o vício cada vez mais crescente de anfetamina — falava Eduardo com Mariana como se ninguém mais estivesse ali. — Quando ele foi hostilizado no IRChat pelo Renato/Nervosinho, ele se vingou. Parece até que o tio dentista e o sobrinho Luca/LuCa, o Bom, também era da gangue que assaltava caminhão de computador, só não sabiam que Iceman era um traficante internacional que a Interpol seguia depois de deixar pistas sobre seus assassinatos incendiários.
Melissa olhou Eduardo. Imaginou o quanto ele havia hackeado de Fabrício para falar tudo aquilo.
— Lidinha/Astróloga, a professora do Uruguai montava Tablets falsificados e entrou no rolo da Denise/Florzinha que parece andou estudando com ela mais que os astros.
— Dudu... — Mariana teve medo ao ver o incendiário terminar de montar algo.
— Cala boca!!! — berrou o incendiário/Iceman após ligar dois fios.
— Parece até que Julia/Julia Kid e nós, Krililik, Pretty Woman e Nirvana não tínhamos nada com isso — prosseguiu Eduardo, porém.
As sirenes ensurdeciam a região. O som delas fazia o incendiário se descontrolar.
— Já não disse para calar a boca?! — engatilhou algum mecanismo que fez um tic-tac começar.
— Isso deve ter te deixado furioso, não? Um cracker de primeira...
— Cuidado Dudu — alertou Melissa.
— Sabia Mel, que ao ser expulso do Chat, ele ficou com o IP preso? Então foi atrás do IRCop e descobriu a Mari. Também távamos ali e precisávamos ser eliminados porque a Mari, como IRCop tinha poderes de ler o que escreviam no reservado e portanto e por isso, sabia a identidade e o endereço de todos. Não era um programa de phishing, é que ela era IRCop e não quis me contar.
E nada poderia mudar a situação dos cinco amigos perante a arma apontada, o fogo iminente, a não ser Carol. A menina conseguira escapar do armário onde estava trancada vendo cinco pessoas na mira de uma arma.
— Cadê minha mãe? — sorriu a pequenina.
Incendiário, Eduardo, Fernando, Melissa, Patrícia e Mariana olharam a figura frágil, delicada. Patrícia no descuido avançou sobre o incendiário que perdeu a arma que lhe escapou da mão. Mariana chutou a arma do chão para longe e Eduardo arrastou Fernando para trás. Melissa pegou a maleta com as peças do incendiário, mas ele se recuperou.
— Ahhh!!! — gritou no que Melissa foi ao chão.
— Não toque nela!!! — berrou Eduardo.
O incendiário só gargalhou e Patrícia aproveitou o descuido outra vez e pegou a arma, atirando a primeira bala do tambor, acertando a parede. O incendiário largou Melissa e correu para detrás das cortinas. Patrícia atirou a segunda vez e o incendiário abriu a porta. Patrícia atirou a terceira e José Liberato ouviu os tiros. Correu desenfreado com os policiais, junto.
O incendiário ganhou o corredor das sete portas e Patrícia foi atrás.
— Não!!! — ainda tentou Melissa, fazer Patrícia perceber o perigo.
Patrícia disparou a quarta bala e somente a quinta se deflagrou por sobre a cabeça do incendiário que escapou novamente. Todos os policiais foram ao chão para escapar dela, também.
O incendiário ganhou o terreno e Patrícia se desesperou.
— Ele vai fugir!!! — berrava ao seu encalço atirando a sexta bala. Mas não havia a sexta bala. Ele usara na professora de Carol. Patrícia disparou novamente com o revolver e nada. Tentou mais uma e mais outra vez; nada. José Liberato corria em seu auxílio no que o incendiário abriu a maleta. Patrícia voltou a atirar com o tambor vazio e o incendiário pegou outra arma e apontou para ela. Patrícia abaixou a sua arma e encarou a morte na mira do incendiário.
— Não!!! — berrou Melissa por trás.
Eduardo tentava alcançar todos no meio do pátio gramado da escola Monsenhor Hipólito Ibi. O incendiário disparou a bala em cima de Patrícia e Eduardo se jogou sobre ela indo ambos ao chão, longe da bala do incendiário.
— Atirem!!! — deu a ordem Fabrício.
O incendiário mirou agora Eduardo e Patrícia caídos ao seu lado e foi a sua vez de cair pela certeza da bala do Delegado José Liberato.
José Liberato se aproximou do incendiário. Ele estava morto.
Abraçaram-se Dudu, Pati, Mel e Mari, felizes por Fê e eles estarem vivos.
FINAL
Os cinco amigos se reuniam na churrasqueira de nº 2, no Condomínio Jardim das Flores. Comemoravam a união e a amizade da turma. Patrícia iria retornar para a Suíça, mas levava no peito a saudade do beijo que Fernando lhe dera ao serem salvos pelo tiro certeiro do Delegado José Liberato. Patrícia e Fernando formavam o novo casalzinho no grupo.
Já a situação de Eduardo e Melissa era delicada. Ainda mais que Eduardo enfim percebera que Mariana estava gostando dele. Que Pretty Woman gostava de Krililik. Não teve alternativa a não ser abrir o jogo com Melissa, agora sabendo que era amor toda aquela aversão de Mariana com ele, e que tinha que pegar leve se não quisesse perder Melissa com investidas cada vez mais salientes.
Porque Melissa sentia-se imprensada por todos os lados; de um lado, sua criação; entregar-se ou não a Eduardo. Do outro lado, sua irmã; entregar ou não seu namorado à ela.
Mariana percebeu tudo aquilo. Ficou calada; amava demais a irmã para fazê-la sofrer. E sabia que Melissa sofreria.
— Amigos? — Fernando levantou um brinde para os outros quatro.
— Sim! — responderam todos.
— Eu tenho uma ideia — se adiantou Patrícia. — A gente podia se encontrar no final do ano.
— Natal? — questionou Fernando, animado em ver Patrícia, agora sua namorada oficial, outra vez.
— Réveillon!
— Oba! Mais uma viagem da Pati pro Brasil — falou Mariana voltando a se animar.
Melissa e Eduardo perceberam que a menina ficara feliz.
— Isso. Vamos passar o Natal e o Réveillon juntos — voltou a falar Patrícia.
— É... A gente poderia reunir todas as nossas famílias — disse Fernando.
— Legal!!! — gritaram todos.
Melissa se afastou logo após.
Eduardo foi atrás.
— Tudo bem?
— Estranho tudo isso que nos aconteceu — Melissa olhou em volta; os belos jardins estavam vazios. — Aquelas pessoas morrendo...
— Não pense mais nisso.
— O policial Rocha vai ficar bem?
— Sim! Recupera-se tão bem quanto Fernando — Eduardo a olhou com interesse. — Não vai perguntar do loiro bonito? — o ciúme brotava.
— Nossa! Não sabia que achava Fabrício bonito.
— Ah! Não brinca comigo, mina.
Melissa riu:
— Ok! O ‘Fa’ tá bem?
Ambos riram.
— Meu pai conversou ontem com o Delegado José Liberato. Agradeceu-lhe mais uma vez pela eficácia de sua polícia. Ele contou ao meu pai que Fabrício ia ficar bem. Foi... algo no ombro — olhou-a. — Interessada? Por que eu te amo, Mel — sorriu. — Isso para mim, basta — piscou.
— Oh! Dudu! — agarrou-lhe pelo pescoço. — Você é incrível, meu gato de sete vidas.
— É... Isso que me preocupa.
— O que?
— Quantas vidas ainda me faltam.
— Ah! Você é mesmo uma figura — Melissa riu. — Sabe que eu acho? Acho que cê não vai crescer nunca, né Dudu? — e o beijou.
Um beijo fadado a não terminar.

 

 

                                                   Marcia Ribeiro Malucelli         

 

 

 

                          Voltar a serie

 

 

 

 

                                                  

O melhor da literatura para todos os gostos e idades