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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


NINE / T.M Frazier
NINE / T.M Frazier

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Perseguir é um doce sofrimento.
Nove vidas.
Nove contagens.
Uma chance de fazê-la dele.
O irmão de Preppy está prestes a cumprir o legado da família de várias maneiras.
Esta é a história de Nine, O Conto de Kevin Clearwater.
Nine pode ser lido como único.

 

 

 


 

 

 


Prólogo

O tempo não tem mestre.

É evasivo, mas tão real quanto a ganância.

Ele pressiona quando você precisa ficar parado e para quando você atinge a velocidade máxima.

Não importa o quão recheada seja sua carteira, você não pode comprar mais tempo. Não será negociado ou fundamentado.

Querer pará-lo ou avançá-lo é inútil.

Todo-poderoso. Divino. O tempo não exige seu amor ou devoção. Ele exige apenas respeito, sem alarde e fé equivocada.

O tempo é a única coisa que todos nós temos em comum. Suas raízes são plantadas no fundo de tudo. Um lembrete constante de que, embora seja infinito... não é para nós.

Nossas respirações são limitadas.

Nossos dias estão contados.

Salve-se... antes que o tempo acabe.

Tic tac filho da puta.

 


Capítulo um

KEVIN


Dezessete anos de idade


O serial killer e assassino em massa, Andrew Kehoe, disse uma vez: “Criminosos são feitos, não nascem.”

Talvez isso fosse verdade para ele, mas não é para mim.

Eu nasci no caos, com roubo no sangue e raiva fervendo no meu coração. Jogado sem a menor cerimônia no mundo, indesejado por todos com quem cruzei, incluindo minha própria mãe de merda.

Eu tive que lutar por qualquer coisa que já tive. Ganhar por meio de cicatrizes nos meus dedos e ódio em minha alma.

Minha única família tem sido as ruas. Meu único lar de longa duração foi o reformatório.

Um mês atrás, fui solto do último dos dois. Agora, me encontro em um dos lugares que mais odeio, mas o único lugar onde poderia legalmente ser liberado de acordo com os poderes existentes.

Mais um lar adotivo.

Meu purgatório pessoal até eu completar dezoito anos ou ser preso novamente, o que vier primeiro.

Eu abro o envelope que me foi dado por minha assistente social, Sra. Peterson, em nossa mais recente reunião de acompanhamento. Normalmente, esses pacotes de transferência vêm com o material padrão, cópias de formulários legais, papéis de liberação, fichas de avaliação e geralmente são acompanhados por um panfleto que a Sra. Peterson gosta de incluir sobre como controlar a raiva sem violência. Esse tesouro literário em particular é meu favorito. Ele apresenta um grupo diversificado de crianças sorridentes na frente, que parecem não só terem bebido Kool-Aid, mas se banharam nele duas vezes.

Claro, essas crianças não usam violência para lidar com sua raiva. Eles são fortemente medicados, preparando-se para uma viagem suicida a Marte com seu líder de culto.

Mas este pacote não é como os outros que recebi. Sem panfletos. Sem papéis de transferência. É uma carta do meu assistente social.

Caro Kevin

Desde que você estará fora da idade limite assegurada pelo estado em breve e sei que não tem planos de para onde ir depois de completar dezoito anos, quis ajudá-lo da melhor maneira que posso. Eu fiz algumas pesquisas. Acho que encontrei seu irmão. Seu nome é Samuel Clearwater. Seu último endereço conhecido é na praia de Logan.

Boa sorte, Kevin. Eu realmente desejo tudo de bom para você. Você é um garoto muito inteligente. Espero que use um pouco dessa inteligência para encontrar o seu lugar neste mundo.

Sra. Peterson.

Meu lugar no mundo? Tenho certeza que é o slogan de um desses infames panfletos.

A Sra. Peterson tem que estar equivocada porque eu não tenho um irmão.

Eu não tenho ninguém.

Eu coloco a carta de volta no envelope e tiro uma foto, que acaba sendo uma foto de um cara que se parece muito comigo, mas com cabelos mais claros e uma tonelada de tatuagens espreitando por baixo da gola da camisa. Meu coração acelera. Eu me sento e olho a foto mais atentamente. Ele está usando uma gravata borboleta e suspensórios combinando. Sua cabeça está inclinada para o lado, e ele está fazendo boca de pato para a câmera enquanto segura uma placa que diz “RECLUSO NO ESCRITÓRIO DO SHERIFF DE LOGAN'S BEACH” com uma data de dois anos atrás listada abaixo. Eu olho mais de perto e percebo que ele está segurando a placa apenas com os dois dedos do meio.

Eu me pergunto se o escritório do xerife percebeu isso. Eu sorrio para mim mesmo.

Um irmão. Meu irmão.

O conceito é desconcertante, tendo crescido sem família para conversar e ninguém para confiar, além de eu mesmo e meu amigo Pike. Isto é, até que Pike e eu nos separamos, e perdemos contato quando ele acabou em um centro de detenção do outro lado do estado.

Meus pensamentos são interrompidos quando a realidade me assombra como uma cobra prestes a ser pisada, cortesia do meu pai adotivo.

— Loretta, onde está esse menino? — Jameson grita com raiva acima da canção de Willie Nelson, tocando além da porta do meu quarto. A música era alegre. A situação não. Era tipo “Não se preocupe, seja feliz” explodindo através dos alto-falantes do Inferno.

— Eu não sei, porra! Você o quer? Vá procurá-lo! — Loretta amaldiçoa.

Eu já estive em ótimas casas, e também em terríveis. Em uma escala de um a dez, dez sendo a pior, a casa de Loretta e Jameson está nos três dígitos em algum lugar acima do sétimo círculo do Inferno.

Minha porta está fechada, mas o cheiro inconfundível de crack e odor corporal flutuam sob a fresta na porta do meu quarto. Algumas noites eu acordei com Jameson sentado no final da minha cama, me observando. Foi quando descobri rapidamente o acesso ao sótão escondido no armário. Na maioria das noites, subo para o sótão abafado e empoeirado e durmo no pequeno espaço apertado.

Loretta e Jameson não dão à mínima se estou aqui ou não. É por isso que, quando os ouço procurando por mim, geralmente é para eu ir buscar drogas ou perguntar se tenho dinheiro.

Eu decido me fazer ausente. Subo para o sótão e me certifico de que o buraco esteja fechado atrás de mim.

Depois de apenas alguns segundos, a porta do meu quarto se abre.

— Merda. Ele não está aqui — diz Jameson em sua fala arrastada sulista. — Eu achei que o tivesse visto entrar mais cedo.

— Eu te paguei com uma pedra boa. É melhor ele aparecer, — diz a voz de um estranho.

— Ele estará aqui, Henry. Acordo é acordo — retruca Jameson. — Vou te avisar o que já avisei a todos os outros. Não deixe marcas nele. Não quero que o DCF1 cancele os meus cheques. Eu tenho mais um mês de salário neste garoto. Eu não vou perder isso agora.

— Eu sei. Eu sei. Vou colocar a merda que você me deu na cerveja dele para que ele não saiba de nada, mas se ele não estiver aqui nas próximas horas, você me deve pela pedra.

— Vamos verificar lá atrás. Às vezes, ele está fumando no quintal — diz Jameson antes de fechar a porta.

Minhas mãos tremem. Meu sangue ferve. O suor escorrendo da minha testa não é só pelo calor do sótão. Estou pingando raiva pura e inalterada.

Vou te avisar o que já avisei a todos os outros.

Esse filho da puta tem me explorado... por crack.

Tudo me bate. Noites acordando depois do que parecia ser um sono sem fim quando geralmente não consigo dormir. Dores em lugares que percebi estava bêbado demais para me lembrar de ter feito algo estúpido comigo mesmo ou ter caído ou...

Nunca foi nada disso.

Eu viro a cabeça e libero um fluxo interminável de vômito entre as vigas até que não haja mais nada em mim, a não ser uma sensação avassaladora de nojo e um desejo de sangue como nunca senti antes.

Eu espero pelo que parece ser uma eternidade para a música morrer e as vozes abafadas se transformarem em silêncio. Lentamente, silenciosamente, deixo a segurança do meu esconderijo e pego minha mochila. Pego o envelope com a carta e a foto que a Sra. Peterson me deu e meu laptop surrado. É isso aí. Eu não tenho mais nada; quase parece estúpido estar levando uma mochila.

Eu rastejo para o outro quarto. Está cheio de garrafas e latas vazias. Folhas de papel amassada e cinzeiros transbordando cobrem os sofás onde várias pessoas estão desmaiadas, incluindo Loretta. Mesmo sabendo que eu não poderia acordá-los de seus comas induzidos por drogas, mesmo se gritasse em seus ouvidos, não vejo Jameson, então saio para a varanda bamba onde não ouso exalar até chegar ao último degrau.

— Aí está você, garoto, — diz Jameson, parando em seu caminhão enferrujado. Ele quase tropeça em um pneu velho no quintal coberto pela grama. Sua barba está molhada e pingando uísque, a camisa manchada de suor no pescoço e nas axilas.

Meu sangue congela. Eu abro e fecho meus punhos. Todos os músculos do meu corpo enrijecem. Eu sempre lutei com meus punhos, mas pela primeira vez na vida eu queria ter uma arma.

Outro homem igualmente bêbado ou chapado tropeça ao lado dele com um brilho malicioso nos olhos. Ele ajusta o boné de caminhoneiro. — Como você está esta noite, garoto? Eu estive esperando por você.

— Oi, — eu digo com os dentes cerrados. Você deve ser o pedaço de merda, Henry.

— Você quer uma cerveja, garoto? — Jameson pergunta, ele segura a cerveja cheia em sua mão. O filho da puta provavelmente andou por aí com isso a noite toda, esperando para me drogar, para que o outro pedaço de merda possa me estuprar.

Minha raiva se intensifica a cada zumbido do mosquito sobrevoando a varanda. Eu poderia correr... ou poderia me vingar.

— Sim, eu vou tomar uma cerveja, — eu digo. Eu tiro de suas mãos e finjo tomar um gole.

Eles trocam um olhar de conhecimento que me faz querer bater essa garrafa em suas cabeças. — Espere, — eu digo. — Vocês não têm cervejas. Não posso beber sozinho. Eu já volto. — Eu abaixo minha mochila, então eles saberão que pretendo voltar.

— Legal, — Henry sussurra para Jameson. — Muito bom.

Jameson grunhe. — Eu te falei.

Meu estômago revira novamente quando entro na garagem e pego duas cervejas no refrigerador perto da porta. Não há lugar para despejar a drogada sem ser óbvio, então tomo metade de cada uma das novas e as preencho com o que está na minha. Pego uma terceira cerveja limpa e volto para Henry e Jameson, que estão encostados no capô do caminhão.

Eu entrego-lhes as cervejas drogadas, ganhando tempo.

— Muito gentil de sua parte, — diz Henry, tomando um gole. Seus olhos brilham sob a aba do boné.

— Vamos lá, garoto. Eu quero te mostrar uma coisa na garagem, — diz Jameson. Eu ouço Henry rir. Eles colocam suas cervejas na porta traseira aberta.

Merda. O tempo acabou.

Eles se movem na minha direção. Não tenho escolha a não ser voltar para a garagem. Por mais que eu queira lutar contra eles, não posso. Há dois deles, além de terem a altura e a vantagem da força do crack. Sou apenas um garoto magro com problemas de raiva. Eu posso me defender, mas escolho minhas batalhas com sabedoria e isso seria tudo menos sábio.

Mas eu tenho uma vantagem, algo que tenho que esses filhos da puta não têm. Um cérebro.

Eu avanço em direção a eles, impedindo-os de me encurralar na garagem. — Eu queria mostrar-lhe uma coisa também. Quero dizer, já que partirei em breve e não estarei por perto. É... é um tipo de presente de despedida. Está lá dentro. Vou pegar e trazer para cá.

Jameson franze sua testa queimada de sol. — Rapaz, você não foi nada além de uma maldita pedra no meu sapato desde que chegou aqui, e de repente, devo acreditar que você me dará um presente? — Ele ri.

— A família não deveria irritar um ao outro? — Eu pergunto, tentando entregar palavras que literalmente tem gosto de bile na minha boca. — Além disso, não é como um presente sentimental. É uma merda que sei que você vai gostar. A merda de Pike.

Pike não é apenas um amigo; ele é um traficante de drogas, e Jameson sabe disso. À menção de seu nome, Jameson praticamente começa a salivar por um gostinho de tudo o que acha que eu poderia lhe dar. Ele acena com a mão em direção a casa. — Bem, então, por favor, vá buscar.

Henry parece irritado e revira os olhos, mas tenho Jameson a bordo e comprei o tempo que preciso.

Volto para a garagem escura e abro a porta da casa. Quando tenho certeza de que eles não estão olhando, fecho de novo e me arrasto de joelhos até a parede mais distante. Eu pego um pano oleoso e enfio no tanque de gasolina da caminhonete de Loretta. Eu corro de volta para a porta e finjo estar saindo, trancando-a por dentro antes de fechá-la para chamar a atenção.

— Bem, onde está o presente? — Jameson pergunta, olhando para a escuridão.

— Venha aqui. Está no banco da frente do carro de Loretta, no painel. Não quero levá-lo aí para fora, considerando que a policia tem passado por esta rua a cada poucas horas desde que os drogados da esquina foram presos. Imaginei que nós três poderíamos fazer isso aqui.

— Esperto, garoto, — Henry murmura enquanto ambos entram na garagem.

Você não tem ideia do caralho.

Jameson entra no banco do motorista e Henry, no do passageiro.

Eu finjo estar entrando no banco de trás, abrindo a porta, mas o que eu realmente faço é acender o pano no tanque de gasolina com o meu Zippo.

— Não está aqui, — diz Jameson, olhando ao redor do painel, irritado.

— Que porra é essa, garoto? — Henry late, voltando-se para mim. Eu estou na frente do pano iluminado.

— Desculpe, eu quis dizer que está no porta-malas. Espere um segundo. — Quando ele se vira para Jameson, eu corro até o porta-malas e o abro. Com ele aberto, eles não podem me ver saindo da garagem e pulando para pegar a corda presa à porta, mas é alta e não alcanço.

— Espere, eu não te vi abrindo a porra do porta malas. Que porra você está fazendo? — Jameson rosna, mas não consegue me ver. Ele abre a porta do carro.

Merda. Eu pulo para a corda novamente, e desta vez a alcanço. Assim que minha mão se fecha ao redor, eu a puxo para o chão o mais forte que posso. A porta se fecha com um estrondo, assim que Jameson e Henry saem da caminhonete. Felizmente, é uma daquelas portas de garagem antiga com uma chave na maçaneta, e ainda melhor, Jameson sempre deixa estupidamente a chave no lugar. Viro a maçaneta para fechar a garagem e depois a chave para trancá-la.

— Abra essa maldita porta! — Jameson ruge do outro lado.

— Esta também está trancada, — acrescenta Henry.

— Que porra você está fazendo?

Eu não resisto a responder. — Este é meu presente. O presente para viagem.

— Do que diabos você está falando? Viagem? Estamos presos. Deixe-nos sair agora! — Seus gritos de pânico só me fazem rir.

— Aproveitem seus bilhetes de ida para o Inferno, filhos da puta.

— Merda, o tanque de gasolina! — Um deles anuncia. O terror em suas vozes não me faz sentir pena deles. Isso me faz querer bater no peito com meus punhos como um gorila triunfante, mas não há tempo. Eu me viro, pego minha mochila e corro o mais rápido que posso da casa. Eu vagamente registro mais alguns frenéticos “que porra” antes do estrondo ensurdecedor da explosão e os rugidos das chamas enchem o ar da noite.

As vozes são finalmente silenciadas.

Eu olho por cima do meu ombro e vejo toda a casa pegar fogo, o teto desmoronando em segundos.

O cheiro de óleo, madeira queimada e plástico derretido são tão fortes que chamuscam os pelos do meu nariz.

Cheira como... vingança.

Liberdade.

Eu inalo profundamente.

É o melhor que a porra da casa já cheirou.

 

Capítulo dois

KEVIN


Meu irmão está morto.

Descobri isso em cinco minutos depois de chegar à praia de Logan.

— O que você precisa, garoto? Cerveja? Cigarro? — A funcionária do posto de gasolina pergunta com um sotaque que não consigo identificar.

— Não, eu gostaria, mas não tenho dinheiro, — respondo. Meu estômago ronca como se enfatizasse meu ponto.

Eu não comi nos três dias que levei pegando carona aqui para Logan Beach.

— Então, o que você quer? — Ela pergunta, voltando sua atenção para a prancheta em cima da caixa registradora.

— Eu só quero saber se você o conhece, — eu digo. Eu pressiono a foto no vidro à prova de bala. — Samuel Clearwater é o nome dele.

Ela olha para a foto. Seus olhos se iluminam com reconhecimento. Ela sorri e aponta para o meu irmão. — Sim, sim. Todo mundo o conhece. Samuel Clearwater, mas o chamam de Preppy.

Animado por sua resposta, eu continuo pressionando. — Merda, ótimo. Hum... você sabe onde ele mora ou onde trabalha? Estou tentando encontrá-lo.

Ela encolhe os ombros. — Desculpe, garoto. Ele partiu.

— Partiu para onde?

Ela grita com alguém nos fundos em uma língua que não entendo, em seguida, volta para mim. — Ele se foi há quase um ano agora.

Minha voz aumenta com a minha frustração. — O que há um ano? Se foi para onde? Onde ele foi?

Seus ombros caem. Meu estômago vazio enche de pavor.

— Quase um ano. Desde que Preppy morreu.

Eu não sei o que aconteceu depois que saí do posto de gasolina, mas sei que faz um tempo. Dois dias? Duas semanas?

Eu não tenho certeza porque estou em uma névoa pesada que não clareia, não ao meu redor, dentro de mim.

Minha cabeça lateja, mas não me lembro por quê. Eu solto um chiado de dor quando toco meu olho direito para inspecioná-lo e o encontro quase inchado.

— Que porra é essa? — Eu murmuro, então lentamente, embora ainda vagamente, me lembro da surra que levei na parada de caminhões mais cedo. Mas onde estou agora?

Um carro buzina à distância. Ficando cada vez mais alto até romper meu transe onírico. Eu me viro para o barulho e gemo, protegendo meus olhos enquanto sou assaltado por faróis ofuscantes do sedan a poucos metros de distância.

— Saia da porra da estrada, garoto! — Grita uma voz furiosa.

A estrada? Eu olho em volta. Eu estou em pé bem no meio de uma estrada. Não, não apenas uma estrada. Eu estou em uma ponte alta. Como diabos eu cheguei aqui?

O pavimento arranha meus pés descalços quando me afasto para o lado, permitindo que o carro passe, e lembro que perdi meus sapatos quando os caminhoneiros me arrastaram pelo estacionamento.

O motorista do carro passando acelera mostrando-me o dedo do meio.

Eu me inclino sobre o corrimão quando algo no bolso de trás bate contra o metal.

Levo a mão para trás com um gemido enquanto meus músculos protestam e puxo uma garrafa meio vazia de vodka que estava pendurada no meu bolso de trás.

— Há um Deus, — murmuro, tomando dois longos goles. Eu olho para o céu. — Onde você estava quando eu ainda tinha sapatos?

O nevoeiro assume novamente. Quando me recupero, me vejo sentado em uma pequena saliência enquanto carros passam do outro lado do parapeito. A única coisa que me separa da água é o ar da noite. Eu olho para as águas rasas abaixo. Os picos afiados das rochas atravessam o topo das ondas suavemente ondulando.

— É um jeito de encontrar um lugar para descansar, — digo a mim mesmo. Eu levanto a garrafa para a minha boca mais uma vez e dou um longo gole.

A noite está úmida e mais quente, mas o ar está mais frio aqui na ponte, a brisa secando meu suor tão rápido quanto se forma na minha pele.

Eu não vou pular. Ou pelo menos não acho que vou pular. Não é por isso que estou aqui em cima, mas não vou sair daqui. Ainda não. Eu só quero sentar. Não quero morrer, embora pareça estar morto para o resto do mundo. Independentemente disso, mantenho meus olhos fechados por um longo segundo, o suficiente para não notar os faróis do carro estacionado ou a pessoa saindo dele até que ouço uma raspagem no corrimão acima da minha cabeça.

Eu olho e vejo uma garota. Ela tem mais ou menos a minha idade com cabelo loiro platinado curto no comprimento do queixo de um lado e um pouco mais curto do outro. Ela está subindo pelo corrimão. Seus olhos estão arregalados em seu rosto em forma de coração, mas não posso dizer a cor porque suas pupilas são enormes enquanto ela olha para a água abaixo. Seu peito está arfando. Seu short branco e camiseta azul clara, caros, caindo por um ombro são rapidamente cobertos de graxa e sujeira da ponte. Lentamente, ela se abaixa para se sentar, os braços acima da cabeça, empurrando seu peito para fora enquanto se agarra aos fios de metal correndo ao longo da ponte. Ela fecha os olhos e respira profundamente pelo nariz.

— Bem vinda. Quer uma bebida? — Pergunto.

Sua cabeça vira para mim, uma expressão assustada em seu rosto. — O que você está fazendo aqui? Quem é Você?

Eu levanto a garrafa. — Você sabe, só tomando uma bebida. Apreciando a brisa. — Eu estico meus braços. — A coisa normal a se fazer em uma ponte.

Não consigo ver o rosto dela, mas praticamente posso ouvi-la revirar os olhos. — Claro, eu sempre subo no topo da ponte mais alta da cidade e balanço a beira do corrimão apenas para sentir o vento e tomar uma bebida. — Sua voz escorre sarcasmo.

— Você tem uma razão melhor para estar aqui em cima? — Eu pergunto, tomando outro gole.

— Talvez não melhor, — diz ela, sua voz perdendo um pouco da sua aspereza. — Eu só queria ficar sozinha.

— Idem.

Depois de alguns segundos de silêncio, apenas com o som do carro ocasional passando atrás de nós e as ondas suaves batendo nos mangues abaixo, ela fala novamente. — O que aconteceu com o seu rosto?

Eu dou de ombros. — Eu caí.

— Você caiu? — Ela pergunta, não comprando. — Deixe-me adivinhar, descendo um lance de escadas?

— Não, sobre os punhos de caminhoneiros irritados, — eu zombo, lembrando os eventos da noite mais e mais claramente a cada momento que passa. O caminhoneiro que tentei roubar. O espancamento que recebi em troca.

Seu cabelo flutua em volta do rosto enquanto ela olha para baixo, seus pés balançando. Quase como se estivesse contemplando a distância.

— De onde você é? — Eu pergunto.

— Lá. — Ela aponta para o outro lado da ponte. — Você?

— Aqui. Lá. Em toda parte. Principalmente as ruas.

Ela não responde. Ela está muito focada em seus pés, ou mais precisamente, o que está além de seus pés.

— Você vai pular? — Eu pergunto, casualmente.

— Eu não tenho certeza, — ela sussurra. — Eu acho que não, mas também, eu só... não tenho certeza. — Ela ainda está olhando para baixo quando acrescenta: — As fronteiras que dividem a vida e a morte são, na melhor das hipóteses, sombrias e vagas.

Eu bufo. — Ah, boa garota, EAP, — eu digo, então respondo com uma citação da minha parte. — “Eu nunca fui louco, exceto em ocasiões em que meu coração foi tocado.”

— Muito bom, você conhece Edgar Allan Poe? — Ela pergunta, finalmente olhando para cima. Eu quase posso ver o olhar surpreso em seu rosto, mesmo na escuridão. O tom da voz dela é... fofo? Eu não me lembro de ter pensado que algo ou alguém fosse fofo antes.

— Que razões você poderia ter para estar aqui em cima? — Pergunto.

Ela sacode a cabeça. — Você primeiro.

Eu tento respirar fundo, mas não consigo. Ainda não. É como se meu cérebro e meus pulmões não achassem que estou pronto para esse tipo de esforço. — Eu só estou tentando recuperar meu fôlego e descobrir.

— Ok, mas por quê? — Ela insiste.

— Você não quer saber, mas acredite, minhas razões fariam a porra da sua pele arrepiar. Por que você está aqui em cima? Fundo fiduciário não é tanto quanto você pensou? Oh, não, deixe-me adivinhar, você ganhou um Mercedes em vez do Tesla que queria no seu aniversário, — eu digo.

— Se apenas algum desses fosse o problema real. Vamos apenas dizer que se eu pular aqui e agora tenho meus motivos e que ninguém ficaria surpreso, — diz ela. Ela inala profundamente. — É realmente lindo aqui em cima, não é?

— Sim, meio que é, — eu concordo.

— Pode me dizer por quê? Eu não me importo se minha pele arrepiar, — ela diz, sua voz implorando quase como se não estivesse apenas curiosa, mas por algum motivo, PRECISASSE saber. — Tem a ver com o motivo de você parecer ter alergia a amendoim, mas simplesmente espalhou manteiga de amendoim em todo o seu rosto?

Eu não percebi que ela podia me ver muito bem, já que ela está coberta de sombras. — O que isso importa? — Eu pergunto.

— Eu não sei, — ela responde honestamente. — Eu não tenho certeza, mas importa.

— Bem. São drogas, — eu minto. Não vou derramar minhas entranhas para uma estranha, não importa quão bonita possa ser.

— Isso é uma mentira. Tente de novo. — Ela tira o pé descalço da saliência e balança no ar como se estivesse testando o vento em sua pele. Ela está apenas segurando um dos fios agora.

Eu rosno com sua nova ousadia, mas o que me importa se ela pular? Mas eu me importo, mesmo que não queira.

Eu dou a ela uma versão muito curta da minha história. — Tudo bem, a verdade é que eu moro nas ruas. Eu estive no sistema toda a minha vida e recentemente descobri que tenho um irmão. Eu fugi e vim procurá-lo. Descobri que ele está morto. Precisando de algum dinheiro para um lugar para ficar eu roubei de um caminhoneiro hoje à noite, que revidou com vários de seus amigos maiores e piores que me deram uma surra. — Entre outras coisas.

Eu sinto a queimadura do arrependimento e o prazer do alívio de uma só vez.

— Faz sentido, — diz ela sem um traço de pena em sua voz.

— Sua vez, — eu digo. — Você disse que ninguém ficaria surpreso se você se matasse. Por quê? — O que eu quero dizer é, que problemas uma linda garota rica como você teria para estar aqui agora?

Ela suspira profundamente. — Meus pais... eles morreram. Hoje. Eles morreram hoje. — Ela diz as palavras como se estivesse com dor e descrença.

Meu peito aperta por ela.

Eu tomo outro gole e tento responder a ela logicamente e como se meu coração não estivesse doendo por ela. — Mas você deve ter a minha idade, certo? Dezessete? Dezoito? Você pode lidar com a merda por conta própria.

— Dezoito, — diz ela. — Eu tenho dezoito anos.

Vários segundos de silêncio passam entre nós.

— Obrigada por não lamentar. Todo mundo que sabe o que aconteceu continua me ligando e lamentando. Eu odeio isso.

Eu ri. — Por que diabos eu lamentaria? Não é como se eu tivesse os matado.

Para minha surpresa, ela ri comigo e o som é a melhor coisa que ouvi hoje à noite, se não sempre.

— Você sabe, essa é a melhor coisa que alguém me disse até agora. — A sombra se move, permitindo-me ver mais de seu rosto. Seus olhos são selvagens, suas pupilas enormes como se estivesse chapada, mas eu conheço drogados e isso é outra coisa, mais como se ela estivesse louca. E quando olho para sua pele pálida e imaculada e lábios cor-de-rosa escuros, decido que a loucura não combina com ela porque ela é mais do que isso. Ela é incrivelmente linda, mas de um jeito muito diferente.

— Diga-me, garota que não tem pais, o que você queria fazer da sua vida antes de decidir subir aqui e pensar em acabar com isso? — Eu pergunto.

Ela me olha, confusa, um pequeno sorriso em seus lábios. — Eu nunca conheci ninguém como você. Você é franco. É refrescante? Se essa é a palavra certa.

— Eu não sei se seria a palavra errada, mas com certeza é a primeira vez que alguém diz que sou refrescante.

Ela morde o lábio inferior e pensa. — Eu sempre quis ser um desses tutores. Você sabe, aqueles que vão ao tribunal em nome de crianças que não podem ou estão com muito medo de falar por si mesmas. Por mim, acho que se eu pudesse fazer só uma criança não se sentir sozinha neste mundo... é estúpido, hein?

— Não, — eu digo, finalmente capaz de falar. Meu coração está na porra da minha garganta. Eu precisava de alguém assim, e há tantas crianças por aí que precisam de alguém assim agora. — Eu acho que pode ser simplesmente a melhor coisa que já ouvi.

Ela cora. — Há também outra coisa que eu sempre quis fazer, mas nunca fiz antes. Muito assustada, eu acho.

— O quê? — Eu pergunto, pendurado em cada palavra dela, intrigado com o que ela vai dizer em seguida.

No entanto, não estou nada preparado para o que está prestes a acontecer.

Ela se arrasta até mim, pressionando a coxa contra o meu jeans rasgado. Ela pega a garrafa das minhas mãos e toma um gole, tossindo e devolvendo. Ela limpa a boca com as costas da mão e limpa a garganta.

Eu tomo um gole e não há queimadura sem tosse. Eu acho que esta vodka está adulterada.

— Eu... eu sempre quis... — Ela solta uma respiração frustrada e bagunça o cabelo. — Ok, quero dizer que eu tenho... Ugh! Eu só vou dizer. Eu nunca fui beijada antes! — Ela deixa escapar.

Como isso é possível? Eu vou te beijar.

— Você vai? — Ela pergunta, seu rosto se iluminando.

Estou surpreso com a resposta dela desde que não percebi que tinha falado em voz alta.

— Sim, quero dizer, com certeza, — eu digo com um encolher de ombros, tentando parecer legal e casual.

Legal e casual com o rosto inchado e sem sapatos.

— Só se você não pular, — acrescento, de repente precisando saber que essa garota vai viver.

Ela morde o lábio e balança a cabeça. — O mesmo vale para você.

— Combinado.

Nós apertamos as mãos. Gostei da sensação da mão pequena dela na minha. A energia circulando entre nós dispara pelo meu braço, e ela engasga, sentindo também. Seus lábios se voltam para cima em um sorriso, e juro por Deus, pela primeira vez na minha vida, meu coração realmente pula uma batida.

— Então, como faremos isso? — Ela pergunta, timidamente. — Na contagem de dez?

Ela é bonita. Dezoito anos e agindo como uma criança no pátio da escola prestes a jogar girar a garrafa. Está fazendo meu coração bater mais e mais rápido.

— Dez? — Eu pergunto. — Por que dez?

Ela vira a cabeça de modo que sua bochecha esteja em seu ombro e ela esteja olhando para mim de lado. — Eu posso não estar pronta no três, — explica ela.

— Dez, então, — eu digo, sentindo meu pulso batendo no meu peito, uma mudança bem vinda da sensação pulsante por trás do meu olho inchado.

Ela se inclina para mais perto e eu faço o mesmo. Estamos a apenas alguns centímetros de distância. Eu posso sentir o perfume dela, algo floral misturado com roupa lavada. Ela conta devagar. Agonizantemente lento. — Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito...

— Nove, — eu interrompo, e pressiono meus lábios nos dela. Eu coloco minha mão livre na parte de trás do seu pescoço, puxando-a para mais perto, enquanto nos mantemos pressionados o mais perto possível da ponte. Seus lábios de pêssego são mais macios do que eu imaginava. Sua língua tem gosto de menta e chá doce. Estou consumido por pensamentos dela. Os lábios dela. A pele dela. Seu calor.

Toda vez que beijei uma garota, trouxe de volta lembranças indesejadas do passado. Agora não. Não com ela. Eu só estou pensando neste momento e neste beijo. O jeito que ela cheira. O gosto dela. Sua língua macia.

Como ela ficaria nua embaixo de mim.

Se já precisei de uma razão para viver, eu encontrei, porque nunca me senti tão vivo.

Ela se afasta e eu imediatamente sinto a perda de seus lábios nos meus. Eu abro meus olhos para encontrá-la sorrindo maliciosamente para mim, uma pequena covinha em sua bochecha. — Acho que você pode ser exatamente o que eu preciso agora, — ela sussurra, como se não pudesse acreditar no que aconteceu. — Você acredita em destino?

— Nunca acreditei antes. — Eu registro a ligeira queda de seus ombros com desapontamento antes de acrescentar, — mas agora acredito.

— O que você acha de sair dessa borda e ficar hummmm... conversando e coisas do outro lado.

Feito. Conversando e coisas então. Eu quero conversar e fazer outras coisas com ela.

Eu concordo.

Ela pressiona as pontas dos dedos nos lábios inchados como se já estivesse recordando um beijo que só terminou segundos atrás. Quando ela traça o lábio inferior com a língua, meu pau pula em atenção como o bom soldado que ele é.

— Você vai primeiro, então pode me ajudar a subir? — Ela sugere.

Eu escalo o corrimão, ignorando a dor que isso traz, porque ainda estou drogado do prazer e da promessa de mais de seus lábios nos meus.

Ela fica de pé e me enfrenta, segurando os fios. — Eu disse dez. Você só contou até nove — ela brinca enquanto embaralha os pés na borda.

— Você disse que não estaria pronta no três, mas dez era muito longo, — eu respondo. Estou observando os pés dela e, a cada movimento, estou morrendo de mil mortes.

Ela ri e o som dispara através de mim. Para o meu Coração. Meu pau. Quem é essa garota?

Eu mal posso esperar para descobrir.

— Pegue minha mão, — eu ordeno quando ela está perto o suficiente para me alcançar.

Ela levanta o braço, ao mesmo tempo em que o fecho de seu colar arrebenta e fica preso nos fios alguns centímetros abaixo de seus pés. — Meu colar!

— Não se preocupe com o seu colar. Eu pego para você depois que estiver deste lado, apenas pegue minha mão, — eu estico meu braço até ter certeza que vai desencaixar.

Por um segundo, acho que ela vai colocar a mão na minha, mas em vez disso, ela se abaixa para pegar o colar. Tem um pingente pendurado. Um pássaro preto com asas estendidas e pedras vermelhas nos olhos que brilham sob a lua cheia. — Eu preciso pegar. Minha mãe me deu.

Eu nem sei o nome dela, mas na minha frustração, eu lhe dou um apelido. — Poe, esqueça o colar. Apenas pegue a porra da minha mão!

— Poe. — Ela sorri brilhantemente. — Eu gosto disso. — Ela afunda os dedos e dobra os joelhos, esticando o braço o máximo que pode. — Você sabe que minha mãe costumava dizer... — ela se afasta, distraída por seus próprios pensamentos e lembrando-se, provavelmente pela milésima vez, que sua mãe está morta.

Tudo fica mais lento. O tempo. O ar. O som dos carros passando. Meu próprio batimento cardíaco.

Seu pé escorregando. Seus braços se agitado descontroladamente no ar, tentando agarrar alguma coisa, mas não há nada, apenas o ar da noite.

Seu outro pé levantando o corrimão. O horror se espalhando em seu rosto quando ela percebe que não há como sair disso.

— Nãooooo! — Eu grito, mas é tarde demais.

Ela já está caindo.

Não há nada que eu possa fazer.

O som fraco de um mergulho abaixo.

Está feito.

Não sei quanto tempo fico ali, olhando a escuridão até ouvir a comoção atrás de mim.

Eu me viro para encontrar vários carros estacionados com pessoas paradas do lado de fora parecendo horrorizados. — Eu a vi pular, — diz uma senhora.

— A polícia e a ambulância estão a caminho, — outra voz.

— Ela não pulou. Ele a empurrou. Eu vi! — Uma voz rouca grita. Uma dúzia de olhares acusadores e dedos apontam para mim.

Eles acham que eu a empurrei?

Luzes piscando e sirenes azuis e vermelhas atravessam os gritos da multidão.

Um policial pula de seu carro e segue direto para mim. Estou preso e ferido.

Pelo lado do meu olho, vejo os olhos brilhantes do pingente de pássaro.

Eu volto para o outro lado da grade e o recupero, empurrando-o profundamente no meu bolso. O oficial me cega com a lanterna de cima. — Vem cá, filho. Você não quer fazer isso.

— Você está certo. Você me salvou. Bem, feito — eu digo aplaudindo como no golfe. Subo de volta pelo corrimão e sou imediatamente jogado no chão e algemado.

— Por que você está me prendendo?

— As pessoas dizem que te viram empurrá-la.

— Eu não a empurrei porra. Ela caiu. Verifique a porra das câmeras, — eu digo, olhando para a luz vermelha piscando acima da ponte e esperando que realmente tenha pego o que aconteceu.

— Nós vamos. Até lá, você vem com a gente, — diz ele.

Eu luto contra o seu domínio quando ele me puxa para cima e me empurra para o carro. — Por que você está preocupado comigo? Você deveria estar enviando alguém para procurá-la. Verificar se ela está viva.

Por favor, esteja viva. Por favor, esteja viva.

— Eu garanto que a Unidade de Recuperação já está indo para lá, garoto.

— Recuperação? Que merda é recuperação? — Pergunto.

Ele me empurra para dentro do carro e entra, manobrando através dos carros estacionados antes de responder. — Esta não é uma operação de busca e salvamento, garoto. Isso é recuperação. Dezenas de pessoas a cada ano pulam da ponte desde o dia em que a construção foi concluída e até mesmo algumas antes. Quer saber quantos se arrependem dessa decisão? — Ele não espera que eu responda. — Não sei. Não podemos perguntar a eles. — Seus olhos encontram os meus no retrovisor. — Eles estão todos mortos.

— Eu não a empurrei, — eu digo sobre a dor da esperança sendo esmagada como um compactador de lixo no meu coração.

— Então, o que aconteceu?

Por mais que eu tenha dito a mim mesmo que não estava lá para me matar, a verdade que tenho ignorado desde que subi na ponte me bate e bate forte.

Eu ia pular.

Eu olho para a ponte, agora à distância, a um milhão de quilômetros de distância.

— Ela... ela salvou a minha vida, — eu digo em voz alta.

— Então, faça o melhor disso, garoto, — diz o policial. — Depois que você sair da cadeia.

Faça o melhor disso.

Eu tenho uma segunda chance e ela não tem. E foi só porque ela despertou algo dentro de mim que estava morto ou adormecido.

Uma vontade de viver.

Eu faço um voto para mim mesmo. Eu não vou mais seguir os movimentos da vida.

Eu vou viver o suficiente por nós dois.

Ou morrer tentando.

 

 

Capítulo três

KEVIN


UM ANO DEPOIS...

Eu poderia viver o resto da minha vida sem lembrar o que aconteceu comigo enquanto eu estava inconsciente e sendo estuprado ou molestado, mas a merda sobre a mente humana é que ela quase nunca faz o que você quer que ela faça. Na verdade, quando você propositadamente implora para suprimir a merda, ela tem um jeito de mandar você se foder enquanto aleatoriamente mostra flashes de coisas que nunca quis ver. Normalmente, é a coisa mais horrível no momento mais inconveniente.

Por exemplo, quando você está fodendo uma garota.

Ou, pelo menos, quando você está tentando foder uma garota.

Sexo, de todas as coisas fodidas, parece ser o único gatilho para essas memórias atravessar o meu cérebro. Toda vez que estou prestes a gozar, dispara uma rodada após a outra de balas de memória indesejadas na porra do meu crânio.

Que é o que está acontecendo agora.

Eu estou com uma garota Ela é alguns anos mais velha que eu e bonita o suficiente. Seus quadris são curvos, e seus seios são cheios e saltitantes enquanto ela respira profundamente com desejo e antecipação.

Ela abre as pernas, abrindo-se para me deixar entrar. Sento-me em minhas pernas e congelo quando meu peito começa a apertar. Duro como concreto, eu olho para sua boceta, ambos querendo estar lá dentro, e desprezando o que sei que virá quando eu o fizer.

Ela olha para mim e sorri, confundindo minha hesitação com nervosismo. Ela pega meu pau e me puxa por ele. Eu caio no meu antebraço e fico acima dela. Ela acaricia meu eixo para cima e para baixo. Meu corpo fica incrivelmente quente. Não de desejo. De medo. Suor.

Repulsa.

Estou tonto e tremendo, mas quero isso.

Controle-se, Kevin.

— Foda-me, — ela sussurra, e eu me encolho quando a ponta do meu pau desliza sobre a entrada de sua boceta encharcada. Isso é bom. Tão bom, mas dói mesmo assim. Meu peito. Meus músculos. Estou trancado em uma guerra entre corpo e mente, e tudo que quero fazer é enfiar uma faca no meu ouvido. Ela geme de prazer exagerado. — Seu pau é tão grande.

Sim, abençoado com um pau enorme e a incapacidade de gozar sem vomitar depois. A ideia do universo de uma piada doentia.

Suas palavras são como uma sedução, mas parecem tudo menos isso. Meu estômago revira, e eu viro meu rosto para o lado, fechando os olhos o mais forte que posso enquanto engulo a bile subindo na minha garganta.

Você pode fazer isso, digo a mim mesmo. Não seja um boceta. Apenas foda. É normal. Você é normal. Pare com essa merda. Empurre todos os pensamentos para fora. Não os deixe entrar. Não os deixe...

Muito tarde.

A resposta retumbante do universo é um ataque das muitas vozes diferentes do meu passado.

— Só faça o que eu quero, e não vou te machucar. Ele só gosta de assistir, — avisa uma voz feminina áspera.

— Eu te pagarei. Deixe-me ver como você se masturba, — a voz ansiosa de um homem serpenteia em meus ouvidos.

— Veja, você gozou. Eu disse que faria você se sentir bem, — um barítono profundo explode enquanto eu caio no tapete.

— Viu? Ele está confuso. Nós podemos fazer o que quisermos. Tire as calças dele.

— Não fique tenso, garoto. Ou fique. Eu gosto quando seu cu franze. Fica mais apertado para mim, — a voz profunda de um homem ressoa no meu ouvido por trás enquanto ele empurra dentro de mim.

É isso aí. Eu não aguento mais. Eu já tive o bastante. Das memórias. Disto. De tudo.

O calor do ar da noite através da janela não faz nada para esfriar meu corpo quente.

E então, do nada, eu me lembro de Poe e seus olhos tristes, e caindo, caindo, caindo.

Aparentemente, as lembranças horríveis não se limitam ao sexo.

Minha garganta seca e sinto como se estivesse sufocando na areia. Eu não consigo respirar.

Eu pulo da cama e puxo minhas calças. Eu nem sequer gozei antes de surtar dessa vez.

Este é um novo ponto baixo, mesmo para mim.

— Onde você está indo? — Ela pergunta, mas eu não respondo. Eu não posso.

Não é até chegar ao pátio do apartamento de merda que compartilho com Pike, que descanso minhas mãos em meus joelhos e posso finalmente respirar profundamente, a umidade abrindo meus pulmões até que eu esteja calmo o suficiente para pensar direito.

— Você está bem? — Pike pergunta, saindo para o pátio. Quando os policiais viram o vídeo de vigilância e me livraram de qualquer irregularidade naquela noite na ponte, eu estava saindo da delegacia no exato momento em que eles estavam prendendo Pike por uma pequena carga de narcóticos. Eu estive morando com ele aqui em Logan Beach desde que ele pagou a fiança.

— Eu estou bem, — eu respondo, empurrando meus joelhos para ficar de pé. Eu pesco meu cigarro do bolso de trás da minha calça jeans.

— O que você fez para irritar aquela menina? — Ele pergunta, com um sorriso. — Ela não parecia feliz.

— O de costume, eu acho, — eu respondo, tentando despistar com um encolher de ombros.

Meu telefone vibra.

É um texto de Fred.

Fred e Meryl são a coisa mais próxima que tenho de amigos, além de Pike. Meryl é um homem do sul de cabelos grisalhos, de boa aparência, que faz algo envolvendo política em Miami. Seu namorado, Fred, que é pelo menos uma década mais novo, faz... bem, Meryl.

O texto diz para eu ir. Eles têm comida na grelha. Ele me pede para comprar cigarros no caminho e levar um pouco de maconha. Eu não hesito. Eu preciso da distração, e esses dois são bons em fornecer isso. Além disso, eles festejam mais do que os caras da minha idade, e podem pagar as melhores drogas e sempre ter um suprimento decente na mão.

— É Fred, — digo a Pike. — Você quer ir junto?

— Tenho uma reunião com um novo fornecedor. Vou te mandar uma mensagem quando terminar e saber onde você está. — Ele levanta uma sobrancelha. — Você tem certeza de que está bem, irmão?

— Sim cara.

Pike me dá um tapa nas costas e sai.

A casa moderna e contemporânea de Fred e Meryl está completamente fora do contexto entre as muitas fileiras de pequenos barracos em ruínas. Como sempre faço, entro sem bater. Eles não me ouviriam de qualquer maneira. Eles estão sempre no convés dos fundos, fumando, bebendo ou comendo. Que são, provavelmente, as únicas três coisas que temos em comum, mas é o suficiente. Eles são legais, e eu poderia usar uma distração agora mesmo.

Da cozinha, vejo o vapor da banheira de hidromassagem do lado de fora passando pela janela. Eu abro as portas deslizantes e saio para o convés, vasculhando a sacola de compras do Quick Stop. Eu não tenho que olhar para cima para saber que eles estão na banheira quente, o som das bolhas e o cheiro do cloro já me disseram isso.

— Pops, — eu digo, porque é como chamo Meryl. Eu tiro o maço de cigarros da sacola, — eles não tinham o tipo que você queria. Mas tinham essa outra marca do estado da Flórida. Existem poucas opções nas lojas desta cidade miserável, então você terá que lidar com os cigarros que encontrei. Fred, você têm algum... — Eu paro quando olho para cima e vejo que Fred e Meryl estão, realmente, na banheira de hidromassagem como previsto, mas não estão sozinhos. Dois estranhos estão com eles. Uma mulher morena muito gostosa em seus vinte anos com lábios vermelhos brilhantes e um cara ao lado dela, mas não posso ver seu rosto através do vapor.

Não noto o policial uniformizado até que ele sobe no convés e limpa a garganta.

— Merda, — murmuro sob a minha respiração.

— Ei garoto, — o oficial me chama. Minha cabeça vira para ele.

— Foda-se, — eu ouço Fred murmurar.

O oficial estufou o peito. — Você esteve aqui o dia todo?

— Foda-se, — o cara que eu não conheço ecoa Fred.

Eu olho para Fred por um rápido segundo, esperando poder ler seus olhos, e espero que o olhar que ele está me dando agora seja siga com isso, porque é o que eu faço.

— Sim, com certeza, — eu respondo, esperando que fosse a resposta certa. Eu jogo legal e acendo um cigarro.

— Aqueles dois estiveram aqui o dia todo? — Pergunta ele, parecendo já ter ganho o jogo que está fazendo. Ele aponta para os dois estranhos na banheira de hidromassagem, e devo estar vendo coisas, porque juro que o cara se parece muito com a foto do meu irmão, mas não é possível, então afasto o pensamento.

— Uh, sim, cara. Tem sido uma festa aqui, — eu respondo com uma risada. Eu levanto meu cigarro. — Acabei de sair para comprar cigarro.

O oficial levanta as sobrancelhas em suspeita. — Diga-me. Se eles estiveram aqui o dia todo, então, quais são seus nomes?

Eu sorrio e bato na minha cabeça com a palma da mão aberta, tentando atrasar minhas palavras. Eu olho de volta para o cara na banheira de hidromassagem. Eu posso ver seu rosto perfeitamente agora, enquanto a brisa sopra o vapor, e estou prestes a ofegar ou cair, mas tenho que me manter no controle. É ele. Puta merda. É ele. Meu irmão está nessa porra de banheira de hidromassagem agora.

Respire. Respire.

— Ah, cara. Eu não peguei o nome da garota. A primeira vez que a encontrei foi hoje à noite e tomamos muitas cervejas.

Ótimo, Kevin. Você acabou de admitir que está bebendo sendo menor de idade para um policial do caralho. Espero que ele não peça minha identidade. Controle-se.

Eu me viro para a garota e continuo: — Desculpe, eu não sou muito bom com nomes.

Ela me oferece um sorriso compreensivo pelo erro que nunca cometi.

— Tudo bem então. Qual é o nome dele? — O oficial pergunta, de pé acima do cara no convés.

Fred senta reto na banheira e Meryl parece estar prestes a dizer alguma coisa.

Eu coço minha cabeça e bocejo, fingindo estar entediado com essa merda quando meu coração está realmente acelerado. Eu quero que isso acabe e agora. Porque tenho muitas perguntas. — Oh, ele? — Eu pergunto. — É Preppy, mas não me pergunte qual é o nome verdadeiro dele porque não sei, porra. — Sim, eu sei. — Todo mundo o chama de Preppy ou Prep. Isso é algum tipo de teste estranho? — Eu me sento na mesa do pátio. — Eu estou em um show de câmera escondida? — Eu olho debaixo da mesa como se procurasse por câmeras. No momento em que levanto a cabeça, o oficial se foi. O portão de trás se fecha.

— Puta merda, — Fred exclama. — Isso foi ótimo!

— Por que ele estava com tanto medo de você? — A menina pergunta a Meryl. Obviamente, referindo-se ao que aconteceu antes de eu chegar aqui.

Meryl dá uma tragada na fumaça e sorri. — Porque eu sou o maldito advogado do estado! — Todos, exceto eu, explodem em uma gargalhada. Eu já sabia que ele era o advogado do estado. Não é novidade. O que é novidade é Preppy, a quem olho e percebo que é a única pessoa que não ri. Ele parece tão confuso quanto eu enquanto os outros na banheira de água quente aplaudem e tilintam seus copos de vinho.

— Nosso mais novo cúmplice aqui é Kevin, — diz Fred, apresentando-me.

— Como você sabe o meu nome? — Preppy pergunta. Ele está olhando para mim como se estivesse procurando por reconhecimento que não pode e não será capaz de encontrar.

Eu dou uma lenta tragada do meu cigarro e percebo que qualquer coisa que eu lhe diga vai soar bizarro pra caralho então vou com a verdade. — Eu simplesmente sei, — eu digo com um encolher de ombros, ainda tentando agir casual e legal quando estou prestes a explodir. Todos os olhos se voltam para mim, e a garota engasga como se estivesse vendo o que Preppy não pode. Eu o olho nos olhos pela primeira vez. Algo que nunca pensei que teria a chance de fazer. — Talvez, seja por que você é meu irmão e tudo.

Preppy endurece.

Meryl e Fred congelam com seus copos de vinho nos lábios.

Preppy torce o nariz e eu não o culpo. Eu ficaria confuso pra caralho se fosse ele. Estou confuso e fui eu quem acabou de chegar. — Não tem jeito de você ser meu irmão. Eu nem sei quem é o meu pai.

— Nem eu porra, — eu respondo. — Mas você sabe aquela boceta de mãe que você tem?

— Infelizmente.

Eu bato meu cigarro no cinzeiro. — Bem, é a mesma boceta de mãe que eu tenho.

***

— Acho que devemos entrar e deixar esses meninos conversarem, — diz Meryl. Ele sai da banheira e pega outra garrafa de vinho do refrigerador. Ele enrola uma toalha em volta da cintura e entrega uma a Fred que faz o mesmo. Ele pega uma terceira e oferece para a garota. — Você vem linda? Eu estava morrendo de vontade de mostrar a alguém além desse velho sem graça a nova reforma da cozinha.

Ela olha para Preppy, que acena, então pega a toalha e sai. É só agora que estou olhando que percebo que a garota tem um corpo forte. Seus longos cabelos negros estão molhados e agarrados à curva de seus seios. Ela o varre por cima do ombro.

Fred e Meryl entram. A garota está prestes a segui-los quando Preppy estende a mão e agarra o braço dela. — Kevin, esta é minha esposa, Andrea.

— Você pode me chamar de Dre, — diz ela com um grande sorriso genuíno. Ela se vira para Preppy e lhe dá um beijo rápido na bochecha. — Não tenha pressa. Eu estarei bem lá dentro.

Ele a observa enquanto ela fecha a porta e se junta a Fred na cozinha. Meryl lhe entrega um copo de vinho e os três começam a conversar e rir como velhos amigos. O jeito que Preppy a observa é possessivo. — Eu amo essa mulher, — diz ele em voz alta.

— Quero dizer, você não deveria amar sua esposa? — Eu pergunto. É por isso que nunca vou me casar. Eu não sou capaz de amar. Eu mal sou capaz de ter amigos, que consiste apenas em dois caras gays e Pike.

Preppy não responde. Ele está muito ocupado assistindo Dre, e quando ela ri de algo que Meryl diz, Preppy sorri junto com ela. O que me leva a uma das minhas perguntas. — Como vocês conhecem Fred e Meryl?

— Realmente? — Ele pergunta, voltando-se para mim. — É com isso que você quer começar?

Ele sai da banheira e eu lanço uma toalha para ele. Ele rapidamente se seca e envolve em torno de sua cintura. Ele pega uma camisa descartada no chão e a coloca sobre a cabeça antes de sentar ao meu lado na mesa do pátio.

— Achei que seria um começo, — eu digo, acendendo outro cigarro.

— Bem, possível irmão da mesma mãe, nós não conhecemos Fred e Meryl. Estávamos sendo perseguidos por um policial depois que supostamente jogamos ovos na loja de conveniência por causa da cadelinha que trabalha lá ser um desperdício de vida humana.

— Então, você não jogou ovos na loja de conveniência? — Perguntei.

Preppy franze os lábios. — Não, nós fizemos totalmente, eu só esqueci o que supostamente significava por um segundo. — Ele dá outra tragada.

— Eu tenho tantas perguntas, — eu digo.

— Eu também. Então, vamos só fazer perguntas e respostas rápidas por enquanto. Nós vamos chegar aos detalhes mais tarde. Dessa forma, podemos descobrir o maior número de coisas possível e não ficarei muito distraído para desempenhar minhas funções de marido quando chegar em casa. Combinado?

Eu sorrio. — Combinado. Você começa.

— Por que você acha que eu sou seu irmão? — Ele pergunta.

Pego minha carteira e entrego a foto dobrada que carrego há mais de dois anos. — Um ano atrás, minha assistente social me deu isso e me falou sobre você. Eu vim te procurar, mas você estava morto.

Ele acena e inspeciona a foto. — Sua vez.

— Por que todos achavam que você estava morto? — Pergunto.

Preppy respira fundo e dispara sua resposta em um só fôlego. — Eu levei um tiro e fui sequestrado do hospital. A pessoa que me sequestrou fez com que todos pensassem que eu estava morto. Fiquei realmente preso em uma caverna subterrânea sendo torturado por um motociclista psicopata. Ele tinha alguma noção confusa de que me torturar seria algum tipo de vingança por seu filho odiá-lo, ou querer ser o rei dos motociclistas como seu pai ou alguma merda. De qualquer forma, ele foi morto por quem seria sua nora agora. Muitas luas depois, eles me encontraram, e aqui estamos nós, nadando no quintal de um estranho com minha esposa e um garoto que diz ser meu irmão.

— Puta merda, — eu digo.

— Puta merda, de fato, — Preppy concorda.

Eu fico de pé e alcanço o cooler. Eu pego duas cervejas e jogo uma para Preppy. Meu irmão.

— Eu... eu simplesmente não consigo acreditar que você está vivo. E que está aqui. — Eu posso ver o ceticismo nos olhos do meu irmão, e eu nem me importo. Claro, ele é cético. Ele passou por uma tonelada de merda. Eu estaria se fosse ele. Mas agora que ele está vivo, temos tempo para ele confiar em mim. E mesmo que tenha acabado de conhecê-lo, confio no filho da puta.

Merda, eu confiei nele antes de conhecê-lo.

— Você e eu, garoto. — Preppy abre sua garrafa de cerveja usando a borda da mesa e toma um gole. — Falando de pessoas que estão vivas e que não deveriam estar, alguma pista de onde nossa querida e velha mãe está? Boca de fumo? Bordel? Em turnê com os Backstreet Boys?

— Não sei. Não me importo.

Preppy bate a garrafa na minha. — Eu vou brindar a isso, irmão.

Preppy levanta. — Vou levar minha esposa para casa e servi-la, — diz ele. — Vamos continuar isso outra hora?

— Sim cara. Gostaria disso. Deixe-me pegar o seu número, — eu digo puxando meu telefone.

Antes que a tela esteja pronta, Preppy está cuspindo seu número. Cinco. Cinco. Cinco. Sete. Três. Nove. Sete. Sete. Três. Sete.

— Espere, aguarde. Eu não entendi, — eu digo, finalmente abrindo a tela. — Você disse Cinco. Cinco. Cinco. Sete. Três. Nove. Sete. Sete. Três. Sete. Certo? — Eu digito os números, e percebo algo sobre eles ou melhor, o que eles soletram. Eu olho para Preppy. — Espere, o seu número é 555-SEX-PREP?

O queixo de Preppy cai. — De jeito nenhum! Você entendeu? Ninguém NUNCA entende isso, e não é divertido quando tenho que apontar para as pessoas. — Ele abre a porta de vidro deslizante.

— Agora, esse é um número que me lembrarei.

— Eles sempre fazem. — Ele pisca. — Eles sempre fazem porra.

 

Capítulo quatro

LENNY


TRÊS ANOS DEPOIS...


Jared nunca me diz que bebo demais, embora seja verdade.

Nunca há um olhar de desaprovação para minha chave de fenda2 (sem suco de laranja) das sete da manhã. Ele não diz não quando lhe peço para comprar mais uma garrafa de vodka na loja de bebidas, e ele é o primeiro a encher minha bebida em uma festa.

Estou me afogando. Não em vodka, mas em um vasto oceano de indiferença.

Jared não diz nada sobre sua bebida porque ele não se importa.

Minha ansiedade tem uma voz própria, e é quase tão idiota quanto eu sou hoje em dia. O problema em ter a voz da dita ansiedade cantando no seu cérebro vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, é que é difícil diferenciar entre um problema real e o da minha própria mente.

Jared é realmente indiferente, ou estou apenas criando essa questão do nada? Quer dizer, o homem me dá o que eu peço e não me dá à mínima.

Bem, não quando se trata de beber. Meu transtorno de ansiedade é algo completamente diferente. Ele me dá muita merda sobre isso.

— Eu não entendo por que você não fala com alguém sobre tudo isso, — Jared bufa de frustração quando sai do banheiro envolto em uma toalha, as mãos nos quadris. Vapor flutua atrás dele pela porta aberta. Ele se move com um aceno de mão para mim e minha situação atual. Faço uma anotação mental dele não mencionar que eu deveria falar com ele sobre isso, mas com outra pessoa. Mas por que ele iria? Eu já tentei explicar a ansiedade para ele, e ele só fica irritado e frustrado porque não entende.

Eu não o culpo. Alguns dias eu não me entendo.

Talvez, ele não me dê porcaria sobre a bebida, porque é o menor de dois males.

Antes de responder Jared, eu me cravo. Literalmente. Eu empurro minhas unhas nas minhas palmas e reabro as marcas e cicatrizes em forma de meia lua até sangrar. É um pouco Morticia Adams, mas estabeleci que o enfrentamento não é o meu forte.

— Que merda? — Eu gemo como se não tivesse ideia do que ele está falando.

A merda atual é que eu estou deitada em nossa cama, encapsulada entre três edredons grossos às oito horas da manhã, quando já está vinte e seis graus do lado de fora. Jared sabe que eu não acabei de acordar; Há um copo vazio com gelo ainda intacto na minha mesa de cabeceira, mal suando em volta.

— Lenny, você sabe o que estou dizendo. Você precisa ver um profissional sobre essas coisas malucas. Ou pegar alguns remédios.

Ele não está dizendo isso porque se importa. Ele está dizendo isso porque suas palhaçadas o incomodam.

E quando se trata de terapia? Já estive lá. Já fiz isso. Se eles vendessem camisetas no consultório do Dr. Farley, não há dúvida de que eu teria uma dizendo: “FUI À TERAPIA E TUDO QUE CONSEGUI FOI ESTA RELES CAMISETA.” Ah sim, e um monte de contas.

Mas eu não digo nada disso porque Jared não entende.

Ele nem tenta.

— Você sabe que não posso. Meu seguro era através do trabalho, então foi cancelado quando a empresa fechou. E você sabe que os remédios me deixam grogue e não quero viver minha vida desse jeito.

— E o que você está fazendo agora é de alguma forma melhor?

— Sim, e é temporário. Eu estarei bem em breve. Eu só preciso de um minuto.

— O que você precisa é de um novo seguro e novos remédios, — diz ele, saindo de seu armário, vestindo calça azul-marinho e uma camisa branca. Ele ajeita a gravata e senta em uma das poltronas para amarrar seus sapatos marrons e brilhantes.

— Eu não posso pagar um novo seguro, — eu argumento. Eu gastei cada centavo que tinha tentando trazer de volta à vida uma empresa que não poderia ser salva. A partir de uma semana atrás, a Leary Real Estate não existia mais.

— Não pode ser muito, — diz ele.

— Eu também não achei que fosse, mas é muito. É ainda mais quando você não tem dinheiro — respondo, me enrolando mais nos cobertores. Eu tenho uma poupança, mas apenas o suficiente para durar cerca de um ano, embora espere encontrar outro emprego antes disso. Mil e duzentos dólares por mês por um seguro de saúde não estão exatamente no meu orçamento. — Aparentemente, ser uma mulher em idade reprodutiva faz com que os poderosos das companhias de seguros achem que você vai atirar bebês em partos dispendiosos, como uma pistola de camisetas durante o intervalo, em um jogo de basquete.

Ele não ri da minha piada, mas se encolhe com a menção de bebês, o que não é surpresa. Ele não é fã deles, nunca foi. Ele se levanta e agarra sua jaqueta das costas da cadeira, colocando-a sobre o braço. Ele se dirige para a porta e faz uma pausa. — Isso é o que eu não entendo, Lenny. Se você é tão... louca, então como ainda pode fazer piadas e ser engraçada?

Eu me encolho com o uso da palavra louca. — Fiquei louca, com longos intervalos de sanidade horrível, — murmuro para mim mesma. É uma das minhas citações EAP favoritas.

— O que foi isso? — Jared pergunta.

— Eu estava dizendo que não sou louca. E aparentemente, também não sou engraçada, porque você nem riu. Além disso, não estou morta. Eu só não estou funcionando cem por cento agora. Vá trabalhar. Eu estarei bem quando você chegar em casa. Mais do que bem. Eu prometo.

Ele olha para os edredons, que agora estão na metade do meu rosto, como se quisesse argumentar.

— Eu sei o que você está pensando, mas o que tenho aqui não é loucura, — eu explico. — Isso é chamado de enfrentamento. Eu li algo sobre cobertores de gravidade3, mas eles custam uma tonelada, então este é o plano B. Além disso, a ansiedade não tira toda a minha graça, só me faz sentir todas as coisas, e este casulo é suposto manter todas as sob controle. É uma barreira. Uma parede quente e confortável de espuma.

Jared suspira e muda o paletó de um braço para o outro. — Só você pode fazer piadas enquanto tem um colapso.

— Eu posso ser mais e fazer mais do que uma coisa de cada vez. — Eu abaixei minha voz e murmurei: — Não coloque o Baby em um canto.4

Jared revira os olhos. — Você só precisa de ajuda.

E você precisa de senso de humor.

Eu rolo para encará-lo mais uma vez. — Tudo bem, se você acha que eu preciso voltar para a terapia, então me coloque no plano da sua empresa, e prometo que verei outro psiquiatra.

— Nós já conversamos sobre isso. Você sabe que eu não posso fazer isso. — Jared olha para baixo para sapato de crocodilo ou jacaré ou de pele de pterodátilos.

Eu empurro a parte do cobertor que está cobrindo meus lábios. — Você é dono da empresa, Jared. Você pode fazer o que quiser. Na verdade, você é quem me diz isso o tempo todo.

— Não funciona assim, Lenny. — Ele diz como se suas mãos estivessem atadas ao assunto.

Na verdade, funciona dessa maneira, Jared.

Jared parece esquecer que antes da empresa imobiliária da minha família desabar, e eu ficar dolorosamente desempregada, que eu era CEO e responsável por mais de cem funcionários. Estou familiarizada com o funcionamento do seguro de saúde. Fui eu que decidi sobre a política de nossa empresa, mas só depois de entrevistar e grelhar dezenas de agentes em várias empresas. Mas meu relacionamento com Jared sempre foi uma separação entre igreja e estado. Nenhum negócio com vidas pessoais. E eu entendia.

Às vezes.

— Quando eu puder pagar, ou quando conseguir um novo emprego, vou conseguir um novo seguro, — eu ofereço, — eu prometo.

Ou ele pode se oferecer para pagar pelo seu seguro, ou terapia, já que ele é dono de uma empresa de investimento e ganha milhões de dólares por ano. Enquanto isso, você está sem dinheiro, levemente embriagada e embrulhada em trezentos malditos cobertores, tentando lidar com a ansiedade incapacitante enquanto faz piadas para aliviar o clima, tudo para que ele se sinta melhor com seus problemas.

Não que eu aceitasse a ajuda dele. Sou muito independente para isso. Metade da razão pela qual não posso pagar o seguro é que Jared insistiu nesta mansão em que vivemos e eu insisto em pagar metade de todas as contas.

Mas uma oferta seria legal.

— Bom, — diz ele com um breve aceno de cabeça. — Eu tenho que ir. Eu tenho uma reunião. — Não há emoção em sua voz, nenhum beijo de adeus. — Volto por volta das seis e depois passo o resto da semana em Orlando. Vou me encontrar com os investidores alemães que Sheff alinhou.

— Ok, boa sorte, — eu digo, tentando soar alegre. Jared está longe mais do que está em casa nos dias de hoje. Com o mercado do jeito que está, ele precisa de todo investidor que puder para fazer seus projetos se concretizarem, e está trabalhando sem parar para que isso aconteça. — Eu estarei bem aqui quando você voltar.

— Eu espero que você não queira dizer isso, — ele diz por cima do ombro. Não é culpa de Jared, ele não entende. É como tentar explicar o vento para alguém que não consegue sentir na pele ou no cabelo. Eu desisti de tentar fazê-lo entender isso há muito tempo.

— Não aqui aqui! Você sabe o que eu quis dizer! — Eu grito atrás dele.

Alguns segundos depois, eu ouço o rugido de seu carro esportivo super caro que não me preocupei em saber a marca ou modelo ainda. Eu chamo-lhe de carro tartaruga ninja por que isso me lembra de Michael Angelo do Teenage Mutant Ninja Turtles. Laranja brilhante, com o formato de uma casca de tartaruga estranha e pontuda, e completamente sem nenhum sinal de pênis.

Eu volto a encarar a janela. O sol entra como uma debandada de luz indesejada. Um lembrete de que tudo está bem enquanto dentro, está tudo menos isso. Eu tenho coisas para fazer hoje. Coisas importantes. E vou fazer isso.

Daqui a pouco.

Eu fecho meus olhos e apago a luz. Eu penso no garoto da ponte naquela noite. Aquele que me fez perceber que eu queria viver mesmo que não estivesse realmente vivendo. Aquele cujo beijo fez meu estômago revirar pela primeira vez. Eu me pergunto o que ele está fazendo com a vida dele ou mesmo se ele ainda está vivo. Imagino que ele esteja na faculdade e passe seus fins de semana com amigos indo a jogos de futebol. Talvez ele tenha uma namorada ou até uma esposa? Eu enrugo meu nariz. Não, nada disso parece certo por algum motivo.

É um milagre, se você acredita nesse tipo de coisa, eu ter sobrevivido à queda. Acordar na praia foi como ressurgir dos mortos.

Eu rio para mim mesma.

Eu quase morri. Eu meio que me levantei dos mortos.

E tudo o que tenho para mostrar é um problema de uma garrafa de vodca por dia e ansiedade incapacitante.

Seus pais morreram, mas você não morreu. Você ainda está viva.

Desta vez, a velha cadela Ansiedade pode estar certa sobre algo.

Eu arranco meu casulo de cobertor e me sento.

Começo a contar até dez, mas paro e saio da cama às nove, como sempre.

Eu estou viva.

Hoje, vou até tentar agir assim.

 


Capítulo Cinco

KEVIN AKA 5NINE


— Merda, eu não vejo você há um mês, e você tem quase tantas tatuagens quanto Preppy e está começando a ficar tão grande quanto King, — diz Pike, entrando no banco do passageiro da van.

Eu dou de ombros. — Estive malhando. Tenho feito algumas tatuagens. — Não tenho visto muito o Pike desde que ele comprou a loja de penhores e se mudou para o quarto dos fundos. Saí da sua casa um tempo atrás e fui morar com Preppy e sua família. Mais recentemente, mudei-me para um trailer para estar mais perto dos negócios da família, o nosso campo de maconha medicinal. Ou como Preppy chama, “O campo da glória”.

— Está se alimentando do sangue de recém-nascidos ou algo assim? Porque com certeza é o que parece.

Meu telefone vibra com um texto. — Tenho que ir ao tribunal na terça-feira, — digo a Pike. Eu puxo o calendário e coloco um alerta, para não esquecer, então enfio de volta no meu bolso de trás.

— Você pegou outro caso? — Pike pergunta com um sorriso.

— Não recentemente, — eu respondo. Colocando o caminhão em movimento e saindo da garagem de Pike.

— Quer me dizer que eles permitem que você entre no tribunal, com todos os músculos e tatuagens, sem colocar algemas em você imediatamente? Porque sem ofensa, mas parece que você quebrou algumas leis.

— Nenhuma que eles saibam, de qualquer maneira.

Pike também não parece exatamente inocente. Cabelo loiro um pouco longo demais para ser estiloso, cavanhaque combinando e tatuagens de uma mistura de prisão e reformatório em seu pescoço e juntas. Sem mencionar o par quebrado de algemas que ele usa como pulseiras em cada pulso.

Tudo mudou desde aquela noite na ponte, e eu quero dizer tudo, inclusive o jeito que pareço. Foi-se o garoto magro com um alvo nas costas. Eu sou maior e mais forte, tanto na mente quanto no corpo. Os únicos alvos na minha vida agora são os que eu coloco naqueles que fodem comigo e os meus.

Os olhos escuros de Pike se iluminam quando cruzamos a ponte suspensa. — Ei, lembra-se daquela vez em que te encontrei na delegacia? Quando te prenderam porque acharam que você havia empurrado aquela garota da ponte?

Sim eu lembro. Lembro-me todo dia.

Eu dou a Pike um olhar duro.

Ele levanta as mãos em sinal de rendição. — Desculpe, mas faz anos, cara. Não percebi que você ainda era sensível a isso.

— Sim, faz anos. — Anos desde que ela morreu. Anos que eu poderia tê-la conhecido.

— Então, você vai me dizer por que está me arrastando para o lado arrogante da ponte hoje, quando eu poderia estar enterrado nas três cadelas que deixei dormindo na minha cama esta manhã? — Pike pergunta.

Meu sangue ferve só de pensar na razão pela qual estamos atravessando a ponte. Eu aperto o volante com força e aperto meus dentes.

— Hoje, você é músculo adicional, — digo a Pike. — Vou precisar que você fique esperto enquanto eu tento não estrangular esse filho da puta no segundo em que o veja.

— Isso é por causa do cara do investimento? — Ele pergunta, acendendo um cigarro.

Eu aceno e cerro os punhos. Levei muito tempo para convencer Bear, King e Preppy de que eles precisavam pegar parte do dinheiro armazenado e investir um pouco de forma legítima para que pudessem começar a cultivar algo para seus filhos que não seria questionado quando chegasse a hora. Pesquisei os corretores de investimento e fechei com o proprietário da Cox Funds, porque ele também estava no comando da lavagem de dinheiro e contas para a família Ricci. Roubar Bear, King ou Preppy significa morte certa. Roubar Tico Ricci significa morte certa e dolorosa para você, mas não antes de você testemunhar o desmembramento de membro por membro de toda a sua família diante de seus olhos. Usando essa lógica, percebi que nosso dinheiro estava seguro.

Eu estava errado. Muito errado.

Não apenas nossa conta tinha saldo zero, mas invadi os servidores da Cox Funds e descobri que, a partir desta manhã, as contas das famílias Ricci também estavam vazias.

— O plano é fazê-lo falar e encontrar o dinheiro antes que Tico Ricci decida que quer tudo para si mesmo.

— E para recuperá-lo antes que o problemático trio saiba que se foi? — Pike pergunta.

— Eles sabem, — eu digo. Eu passei anos tentando ganhar a confiança das três pessoas que administram esta cidade. Eu também estava fazendo um bom trabalho, até que esse filho da puta estragou tudo pelo qual trabalhei tanto.

— Devidamente anotado. Você não o mata. Eu não o mato, pelo menos até você me dizer. Entendi. A arma está carregada. Pronta para a batalha.

Há uma motocicleta se aproximando atrás de nós. Eu reconheço a moto e o piloto e imediatamente puxo para o lado da estrada.

Pike e eu saímos quando Bear se aproxima de nós. Esperamos na parte de trás do meu caminhão enquanto ele sai da sua motocicleta. Ele está sem camisa, como sempre, usando apenas seu colete de couro Lawless MC. O patch que diz PRESIDENTE na frente é o que lhe dá mais respeito. Tanto no MC quanto em Logan Beach.

— Achei que você poderia precisar de ajuda desde que ouvi que você decidiu levar apenas sua namorada aqui com você, — diz Bear acendendo um cigarro.

— Eu sei que eu deveria estar ofendido, mas isso foi muito engraçado, — diz Pike. — Bem jogado, senhor. Bem jogado.

— Sempre poderia usar uma arma extra, — eu admito.

— Sabe, garoto, você não precisa fazer isso para provar merda nenhuma para mim ou ao seu irmão ou para King. Você já fez isso. Muitas vezes. Você é bom com o MC. Você é bom com King. Eu não ligo para o que seu irmão pensa, para ser honesto, mas tenho certeza que você poderia cortá-lo da garganta até o pau, e o filho da puta ainda te amaria por isso, já que você ajudou a salvar a vida de sua esposa e tudo mais.

— Eu sei, mas essa foi a minha decisão. Meu jogo. Eu sou o único que precisa resolver isso. Fazer o certo.

— Ar fresco, sangue fresco? Soa como uma merda de terça-feira, — diz Bear. — Vocês dois estão prontos?

Eu verifico minha própria arma e aceno, sentindo meu pico de adrenalina. É uma droga alta como nenhuma outra que eu já tentei. Estou me alimentando de cada batida acelerada do meu coração. Cada onda de sangue nas minhas veias. — Porra, sim, eu estou pronto.

A casa é uma mansão moderna de três mil metros quadrados em frente a praia. Rastreei pelo laptop há alguns minutos, então sei que o filho da puta está aqui. Eu desarmei o alarme do lado de fora, caso ele decida pressionar o botão de emergência quando chegarmos. Só foi preciso um recorte rápido de um fio. Eles realmente precisam trabalhar para tornar os sistemas de segurança realmente seguros. Uma criança pode desarmar essas coisas com uma tesoura sem fio.

Bear quebra o vidro na porta da frente com uma ferramenta que torna a quebra silenciosa. Ele gira a fechadura e entramos. Já que Bear está aqui agora, Pike ficou no caminhão, caso precisemos sair apressados. A moto de Bear está estacionada debaixo de uma árvore em um canteiro de obras vazio, alguns metros abaixo.

A casa está silenciosa, exceto pelo leve som de passos no andar de cima. Indo e voltando, indo e voltando, como se alguém estivesse andando de um lado para o outro... ou com pressa.

Subimos as escadas o mais silenciosamente possível, com as armas em punho. Bear abre a porta e observamos Jared, vestindo um terno com a gravata pendurada ao acaso ao redor do pescoço, e arrumando todos os seus pertences em várias malas grandes. A porta bate na parede e Jared olha para cima.

— Oh merda, — diz ele, fazendo correndo em direção ao banheiro. Bear está quente em seus calcanhares e o arrasta de volta para o quarto, jogando-o em cima das malas cheias na cama.

— Onde está a porra do dinheiro? — Bear exige enquanto procuro no quarto por um computador ou laptop. Hackear costumava ser um hobby meu, mas agora, faz parte da minha vida. Se ele está escondendo dinheiro, vou encontrá-lo em seu laptop. Eu poderia ter feito isso no conforto da minha própria casa, mas Jared tem um servidor de circuito fechado mais seguro do que a maioria dos mercados negros na deep web.

— Eu... eu o tenho. Vou pegar para você. — Jared chora com as mãos no ar. Ele faz um movimento para se sentar. Bear pressiona seu peito com o pé, deixando uma grande marca na camisa branca.

— Nenhum computador aqui, — digo a Bear.

— Procure no andar de baixo, — diz Bear.

— Espere, meu laptop. Está no meu cofre. O dinheiro está lá. Em uma conta no exterior. Eu juro, — Jared anuncia, sua voz tremendo de medo.

— É melhor que esteja, — eu aviso.

— Está, acabei de recuperá-lo. Eu não fiz nada. Foi a minha namorada. Ela organizou a coisa toda. Foi ideia dela. Não minha!

— Ótima maneira de levar sua punição como um homem. Culpe sua mulher, — eu rosno. — Mesmo que ela tenha organizado todo esse truque, você acabou de nos mostrar quão covarde é.

Bear agita sua arma e permite que Jared fique em pé. Jared caminha até uma pintura, pendurado acima da cômoda e a tira. Há uma grande mancha molhada na frente de suas calças. Ele literalmente se mijou. Atrás da pintura há um cofre na parede. Ele digita o código com as mãos trêmulas e abre a porta. Jared enfia a mão e sente ao redor, mas quando ele tira a mão, não é um laptop que ele está segurando.

É uma arma.

Jared não hesita, disparando duas vezes em Bear, um acerta no seu braço, derrubando a arma da mão dele. O outro acerta em sua coxa, fazendo o sangue jorrar como a fonte na frente desta casa.

Jared é rápido, mas não é rápido o suficiente.

No momento em que ele vira a arma para mim, eu já dei três tiros no peito dele até ele cair morto. A arma cai no chão de madeira com um eco duro.

Eu corro até Bear, que está amaldiçoando em voz baixa. — Eu estou bem, — ele range os dentes. — Pegue a gravata do filho da puta.

Eu puxo a gravata do corpo fresco de Jared e entrego a Bear, que amarra em torno de sua ferida o mais apertado que pode. Seu rosto fica vermelho de dor.

Ele se levanta, segurando-se usando um dos suportes da cama como âncora. Eu sei melhor do que tentar ajudá-lo. Bear não é de aceitar ajuda de ninguém. Volto para o cofre e tiro o laptop de Jared. — Eu vou levar conosco. O que você quer fazer aqui? — Eu pergunto.

— Vou ligar para a limpeza. Vou deixá-los lidando com isso enquanto sou remendado.

Eu noto outro armário do outro lado do corredor. Este está cheio de roupas femininas. Bear percebe isso também. — Jared não mora sozinho. Ele disse que a namorada estava envolvida. Deveríamos esperar ela chegar em casa?

— A merda dela ainda está aqui, — eu digo. — Você o ouviu. Ele não estava apenas partindo. Ele estava a deixando. Se nós a pegarmos, ela pode não nos dizer nada. Vou ficar de olho nela. Verificar seus arquivos. Se ela tiver algo a ver com isso, vai me levar direto ao dinheiro.

Bear faz caretas enquanto nos dirigimos para as escadas. — Só temos que chegar até ela antes de Tico.

— Sim, eu concordo. — E não restará mais nada dela para questionar.

 

Capítulo Seis

LENNY


Quando eu era mais nova, costumava chamar minha mãe no meio da noite. Ela correria para o meu quarto, e eu reclamaria que meu estômago doía. Ela sabia que era a minha maneira de dizer que estava preocupada com algo, mesmo que não entendesse ainda.

Mamãe me faria sopa ou chocolate quente, não importava a hora, do dia ou da noite. Ela me abraçava e me diria que tudo ficaria bem. Ela nunca me ignorou. Ela nunca me disse que era inútil me preocupar, só que a sensação passaria, e tudo ficaria bem, mesmo que não parecesse.

Até que ambos morreram, e nada mais estaria bem.

Nunca estaria.

— Eu não posso acreditar que já faz quase quatro anos, — eu digo. — E não posso acreditar que estou falando como se vocês ainda estivessem aqui. — Eu limpo a lágrima do meu olho e fungo. Abaixo-me e coloco um buquê de tulipas na frente da lápide simplesmente marcada com os nomes dos meus pais, Michelle e Michael Leary, e a data em que o avião deles caiu sobre o Golfo do México.

Eu corro meus dedos pela grama macia e me levanto. Eu olho para a lápide mais uma vez e me vejo sorrindo. Mesmo na morte, meus pais eram românticos. Seu testamento exigiu que, se morressem juntos, deveriam ser enterrados juntos em um único caixão em um túmulo comum.

Juntos pela eternidade.

Um amor como o deles era coisa de contos de fadas quando casamentos felizes como o deles não existiam mais. Crescendo, eu não tinha um único amigo cujos pais não fossem divorciados ou cujos padrastos não eram os primeiros a receber esse título. Não, meus pais eram os estranhos. Vizinhos desde o dia em que nasceram, melhores amigos na escola primária, namorados no ensino médio, casaram-se na faculdade e permaneceram assim por mais de vinte anos enquanto dirigiam juntos um negócio de sucesso.

Um negócio que eu tentei muito salvar depois que eles morreram. Mas quando seu avião monomotor caiu, o mesmo aconteceu com o mercado imobiliário do sul da Flórida. Fiz tudo o que pude, inclusive usando cada centavo do pagamento do seguro de vida deles, mas não foi o suficiente. Eu era jovem e ingênua e gastei um caminhão de dinheiro em algo que não podia ser salvo. Eu tive um pequeno conforto que, pelo menos, eles não estavam por perto para vê-lo cair em chamas.

— Me desculpe, eu não pude salvar o negócio, — eu digo a eles. Eu sei que minhas desculpas não são necessárias. Meus pais eram pessoas compreensivas, especialmente quando se tratava de mim, e se estiveram me observando nos últimos anos, então, sabem que me sacrifiquei no ensino médio, na faculdade e, geralmente, em tudo que uma adolescente normalmente faz para manter Leary Real Estate à tona. Espero que o pouco dinheiro que me resta me deixe sobreviver até que eu possa encontrar um emprego. Um onde a empresa esteja disposta a contratar alguém sem diploma do ensino médio e só “trabalhou na empresa dos meus pais mortos” em seu currículo.

Eu beijo meus dedos e os pressiono no topo da lápide. — Eu amo vocês dois. Muito. Eu sinto sua falta. Todo dia. Queria que vocês estivessem aqui. Eu poderia realmente precisar de um dos seus abraços, mãe. E papai, eu gostaria de ouvir uma piada brega de papai agora, e juro que não tiraria sarro de você por isso. — Eu fungo. — Ok, você e eu sabemos que é uma mentira. — Eu coloquei o buquê de tulipas roxas na base da lápide. — Até a próxima vez.

O ar no cemitério é abafado e quente. Muito quente para a saia lápis preta com blazer correspondente que estou usando, mas estou vestida assim por um motivo. Porque hoje eu tenho mais uma parada oficial para fazer como representante da Leary Real Estate. Meus saltos afundam na terra macia enquanto volto para o meu Uber esperando porque sou uma bebedora responsável.

Traga a vodka. Deixe o carro.

O motorista liga o carro. Nossa próxima parada é o escritório Leary Real Estate, agora vazio, para que eu possa entregar as chaves e o pagamento final ao senhorio.

Pressiono a testa na janela, olhando para o cemitério enquanto atravessamos o mar de lápides no caminho de volta ao portão principal.

— Mesmo no túmulo, nem tudo está perdido, — murmuro, mas mesmo uma citação da EAP não me conforta hoje, porque Edgar Allan Poe pode não sentir que nem tudo está perdido, nem no túmulo, mas novamente, ele não está deixando o cemitério onde seus pais estão enterrados.

Eu puxo o frasco da minha bolsa e o inclino. Eu noto o olhar preocupado do motorista do Uber pelo retrovisor.

Pelo menos alguém se importa.

***

Após a visita ao cemitério, lamentando sobre o passado e deixando as chaves, estou emocionalmente gasta. Eu faço uma última parada na loja de bebidas antes do Uber me levar para casa.

Ele me deixa no portão e eu aperto o botão do meu chaveiro. Ele se abre, e com a vodka em uma mão e meus sapatos enlameados na outra, ando o longo percurso. Eu aperto outro botão no meu chaveiro, e as três portas da garagem se abrem lentamente, mas estão vazias, exceto pelo meu carro na vaga à direita.

Eu esperava que Jared estivesse em casa, desde que seu escritório fechou horas atrás, mas seu Bentley não está aqui. Sua viagem é amanhã. Eu verifico meu relógio. São apenas sete. Ele provavelmente está um pouco atrasado.

No interior, a casa está completamente escura. Eu acendo a luz e jogo meus sapatos no chão.

Eu ouço uma tábua rangendo no andar de cima. Há uma luz acesa no nosso quarto. — Jared? É você? Onde está o seu carro? — Eu grito. Talvez ele tenha bebido com alguns de seus empregados e vindo de Uber para casa. Talvez, eu o esteja contaminando, afinal.

Outro rangido.

— A empresa está oficialmente fechada, e anos de trabalho duro agora são oficialmente por nada. Meu calendário está em aberto até que eu consiga outro emprego, então desça aqui e me ajude a afogar minhas mágoas, ou pelo menos, me faça companhia enquanto eu as afogo. — Eu aceno a garrafa de vodka no ar, esperando que a cabeça de Jared saia do nosso quarto a qualquer momento.

— Jared? — Pergunto de novo, quando a cabeça não aparece.

Ainda sem resposta.

Eu tiro meu celular do bolso e retiro meu blazer, jogando-o sobre uma das cadeiras da sala de jantar, e subo as escadas. Todas as luzes do nosso quarto estão acesas, mas sem sinal de Jared. Cheira como um hospital, como material de limpeza e água sanitária. Jared ou limpou pela primeira vez, ou a explicação mais provável, a empregada veio mais cedo esta semana.

— Estúpidos pisos de madeira, — murmuro para mim mesma. Para alguém que assistiu a muitos filmes de terror quando criança, esses pisos barulhentos me causaram pelo menos algumas dúzias de noites sem dormir. Bem, eu escolho culpá-los por minhas noites sem dormir, eles podem não ter sido sempre o motivo.

Eu apago as luzes do quarto e percebo que a luz do armário de Jared ainda está acesa. Eu ligo para Jared do meu telefone e imediatamente ouço o som de três tons que você recebe quando uma linha está desconectada. Eu devo ter apertado o botão de discagem rápida errado, ou há um problema com o serviço de celular dele. Eu atravesso o quarto e enfio a mão por trás da porta do armário tateando o interruptor de luz. Eu tento ligar para ele de novo. Mesmos tons. Esquisito.

Eu clico na luz e viro para sair, depois congelo com um pé levantado no meio do passo. O pânico me engasga e eu tento engoli-lo, mas minha garganta parece uma lixa.

Eu vou voltar, e rir de mim mesma quando perceber que está tudo na minha cabeça. Eu realmente não vi o que acho que vi. Eu não vi. Eu não vi! Jared está certo, eu sou louca, porque não é possível. Isso não é possível.

Eu volto lentamente para o armário e respiro fundo antes de ligar o interruptor novamente. Eu suspiro e cubro minha boca com as duas mãos.

É mais que possível. É muito real.

Com a exceção de dezenas de cabides sem roupa, o armário de Jared, que esta manhã estava cheio com suas coisas, está agora completamente vazio.

 


Capítulo Sete

NINE


Perseguir é uma doce tristeza.

Também pode ser chato pra caralho.

Pelo menos, é neste caso. Danem-se todos aqueles filmes que fazem parecer que os caras se excitam assistindo a garota sem saber. Se eu não tivesse encontrado metade de um Adderall no bolso do meu jeans, eu estaria dormindo.

O computador de Jared está limpo. Não há nada a não ser seu histórico de pesquisa, que inclui muitos sites pornográficos asiáticos com mulheres de idade legal questionável e pouco mais.

A namorada de Jared Cox, a que ele estava obviamente prestes a abandonar, Lenore Leary é esperta. Eu sei disso porque quando invadi o computador no dia em que Jared se tornou um cadáver, descobri que o microfone dela estava desativado e que ela tinha um pedaço de fita na câmera. Ela é uma paranoica por teoria da conspiração e acha que o governo ou o irmão mais velho a está observando, ou paranoica que outra pessoa possa estar.

E ela estaria certa em pelo menos uma dessas possibilidades.

Quero dizer, eu tenho um pedaço de fita sobre o meu também, mas isso é porque tenho merdas a esconder, o que significa que ela também pode ter. E esse algo é esperançosamente o nosso dinheiro.

A outra coisa que ela está escondendo é o seu rosto. Não só não posso vê-la na câmera, mas não há uma única foto dela em qualquer lugar, o que é estranho porque há fotos de seu agora falecido ex-babaca em toda parte. Até mesmo fotos em eventos onde constam seus nomes na legenda como participando juntos só mostram fotos do Falecido Jared, pré-morte, é claro, sorrindo e levantando seu copo com um monte de outros homens que poderiam estar fazendo testes para dublê de Jared. Isso me faz pensar se esse tipo de pessoa ganha um desconto de grupo em ternos, relógios e cortes de cabelo, porque todos usam o mesmo terno cinza e exibem os mesmos relógios de ouro Cartier, e têm o mesmo estilo “garoto americano da porta ao lado”, pintam seus cabelos grisalhos com graxa de sapato e esperam que ninguém perceba, mas todo mundo nota penteados.

Eu habilitei o microfone dela em sua câmera, mas como isso só funciona quando está ligado e ela é uma daquelas pessoas que realmente o desliga quando acaba de usá-lo, invadi seu celular para garantir. Até agora, não encontrei nenhuma prova de que ela tenha algum envolvimento no golpe de Jared. Seu computador está limpo. Seus textos são na maioria perguntando a pessoas aleatórias se elas conversaram com Jared ou se sabem onde ele está. Não consegui encontrar arquivos criptografados, mas isso não significa que ela seja inocente. Pode significar que ela seja esperta e mantenha seu laptop limpo.

Hoje, o laptop dela está ligado e a ouço chorando.

— O que a deixou tão chateada? — Eu pergunto em voz alta para mim mesmo. Eu entro no programa de espelhos que me mostra tudo na tela dela. São seus registros bancários. Parece que ela está no vermelho depois de uma transação recente feita por Jared, que retirou todos os sessenta mil dólares de sua conta conjunta no dia em que estava planejando fugir.

— Então, a porra se complica, — eu digo.

Por palpite, vejo os registros públicos do cartório do Condado e faço uma pesquisa de escrituras. A casa que Lenny e Jared compartilham deixou de ser copropriedade de Lenny e Jared. É propriedade do Bank of Lee County, que somente hoje entrou com um aviso de despejo no departamento do xerife para agendar um despejo formal. Daqui a dois dias, eles aparecerão na casa dela e a removerão e suas coisas a força. O endereço de correspondência registrado é o escritório de Jared. Lenny pode nem mesmo saber que ela ficará desabrigada daqui a dois dias.

Posso usar isso a meu favor. Ela terá que usar o dinheiro roubado para salvar a casa, ou estará na rua.

— O que vai ser, Lenny? Sua jogada, — eu digo, me inclinando para trás na minha cadeira. — Mostre-me onde está.

Meu computador soa com um alerta. Lenny está fazendo uma ligação. Clico no alerta e a tela de áudio aparece, a linha horizontal se movendo pela tela quando ela fala. — Ei, Lori? É Lenny. — Ela fungou.

— Lenny, eu ouvi sobre Jared. Você está bem? — Lori pergunta em sua voz alta e nasalada. Sua pergunta é preocupante, mas não há nenhuma preocupação por trás disso. Eu me encolho, já desgostando dessa Lori.

— Sim, eu vou ficar bem. Você tem alguma ideia de onde ele pode ter ido? — Ela pergunta. — Eu realmente preciso falar com ele e o telefone dele está desconectado. Isto é uma emergência.

— Tenho certeza que sim, Lenny, mas você acha que procurá-lo é uma boa ideia? Depois do jeito que ele te deixou?

— Não é sobre nós, — Lenny garante. Eu posso ouvi-la ficar com raiva, como se estivesse falando através de seus dentes. — Eu preciso falar com ele sobre outras coisas... algumas pontas soltas que precisam ser amarradas imediatamente.

— Lá vamos nós. Vamos. Diga alguma coisa, qualquer coisa que eu possa usar, — eu sussurro, aumentando o volume.

— Não, as flores devem ser brancas, não roxas, é verão pelo amor de Deus! — Lori grita para alguém no fundo. Ela suspira profundamente. — Eu juro que esses eventos de caridade nunca ficam mais fáceis, e a ajuda piora em cada um deles. Falando do evento de caridade, você virá no sábado? Jared não pagou por seus ingressos, então você terá que trazer um cheque, mas pessoalmente, acho que pode ser melhor se você deixar a poeira baixar um pouco antes de entrar novamente nos círculos sociais, não é?

— Lori, eu não vou. Eu não posso. Eu não tenho dinheiro. Tudo se foi. Eu realmente preciso que você pense. Jared e Pen são melhores amigos. Pen não te disse nada sobre onde ele poderia estar? Ele falou com ele?

— Não, eu falei no centro da mesa! Isso parece o centro para você? — Lori repreende novamente antes de voltar na linha.

— Lori! — Lenny grita para chamar a atenção de sua amiga. Mas ela é realmente sua amiga? Merda, eu odiaria ouvir como seus inimigos falam com ela. Fui tratado com mais respeito por alguém que acabei de esfaquear no condado.

Lori bufa de frustração. — Não, Lenny. Quando perguntei a Pen, ele disse que não sabia onde Jared poderia ter ido, e quando ele tentou ligar para ele, a linha estava desconectada, assim como você disse. Pen também precisa falar com ele. Você não foi a única que ele abandonou. Pen e Jared são melhores amigos há mais de vinte anos e investem juntos na associação do clube. Quero dizer nem aparecer nas reuniões? Você pode acreditar? — Há uma pausa. — Mas tenho certeza que ele vai aparecer, querida. Ele provavelmente só quer ficar longe por um tempo. Homens fazem isso. Às vezes, eles precisam de uma folga da vida. Não é fácil ser um homem de sucesso hoje em dia.

— Homens não esvaziam seus armários quando estão saindo de férias ou desligam seus telefones, — eu argumento. — Ele me deixou. Eu estou bem com isso, ou pelo menos, ficarei. Eu só preciso encontrá-lo para poder falar com ele.

— Lenny, eu não sei o que te dizer. Jared deixou você. Lamento, mas tenho coisas importantes acontecendo por aqui também, — Lori zomba.

Que vadia de merda. Eu quase me sinto mal por ela. Quase.

— Eu sei que você está ocupada, mas ele não saiu simplesmente, Lori. Ele roubou cada centavo que eu tinha. Esvaziou minha conta bancária. Eu não sei quais contas ele pagou ou não pagou. Eu não tenho as senhas para verificar a hipoteca ou em qualquer uma das outras contas porque sempre coloquei minha parte do dinheiro em nossa conta. Eu não tenho mais nada. — Há um desespero em sua voz que não estaria lá se ela tivesse maços de dinheiro por perto, mas ela poderia ser apenas uma atriz incrível.

— Eu tentei Lenny. Eu juro. Mas eu não sei de nada, e Pen também não. — Alguém deixa cair um prato no fundo, e parece que Lori tenta cobrir o telefone, mas não faz nada para esconder seu discurso irado. — O que diabos eu acabei de... Não, as mesas do lado de fora. Deus, droga!

Lenny suspira, e há dor em cada palavra dela, embora esteja tentando esconder isso. — Lori, eu odeio te perguntar isso, mas não sei se poderei ficar aqui. Se Jared não pagou a hipoteca, eu não posso continuar pagando. Eu não sei quanto tempo me resta aqui até que possa ir ao banco quando abrir na segunda-feira. Então... você acha que talvez eu possa ficar em sua casa de hóspedes por um tempo se isso acontecer? Só até eu resolver as coisas? Eu literalmente tenho quatorze dólares na minha carteira e...

— Desculpe, Lenny. Não vai dar. Encomendei novos azulejos para o banheiro de lá que chegam na segunda-feira, e não posso reagendar porque contratei trabalhadores da Itália e eles são muito seletivos sobre quais trabalhos aceitam. Você sabe como é. Se eu cancelar agora, o horário deles ficará cheio e terei que esperar até o Natal para terminar. Eu ajudaria se pudesse, mas como você pode ver, minhas mãos estão amarradas. Você já perguntou a Yuli?

Lenny geme. — Você sabe que não posso fazer isso. Ela está indo para a África em uma semana.

— Ah, isso mesmo, aquela coisa de enfermeiras sem espaço pessoal.

— Enfermeiros sem Fronteiras, — Lenny corrige. — E você sabe que se eu contar a Yuli o que está acontecendo, ela ficará, e ela já cancelou seu contrato de aluguel e guardou suas coisas no armazenamento. Eu não posso fazer isso com ela. É o sonho dela.

— Mas você pode fazer isso comigo? — Lori pergunta, parecendo chocada. — Eu tenho que dizer, isso é muito egoísta da sua parte, Lenny.

— Como te pedir um lugar para ficar de alguma maneira é egoísta?

— Porque azulejos italianos no banheiro da casa de hóspedes são o meu sonho, — Lori argumenta, como se realmente acreditasse que seus azulejos e Yuli ajudando crianças na África se equiparassem.

Eu praticamente posso ouvir seu rosto cair em decepção.

Lori obviamente não ouve a mesma coisa e começa a reclamar sobre o jantar de caridade que está organizando esta noite, mas Lenny para de ouvir. Sem dizer outra palavra, ela desliga o telefone. Eu clico de volta no microfone de seu computador bem a tempo de ouvi-la gritar: — Espero que toda a porra dos seus azulejos fique torta e caiam da maldita parede! — Seguido pelo som de um vidro quebrando.

Eu rio porque seu discurso não é como o de Lori. É meio que... adorável de certa forma.

Quer Lenny esteja envolvida no esquema de Jared ou não, sua amiga é uma merda. Faço uma anotação mental para hackear seu computador e preenchê-lo com fotos ilegais de natureza séria da dark web, seguidas de um alerta anônimo para nossos amistosos agentes do FBI da vizinhança sobre o problema de pornografia infantil de Lori.

Eu pego o telefone e ligo para Bear. Ele responde no primeiro toque com um — Sim.

— A garota de Jared está perdendo a casa para o banco. Ele esvaziou suas contas antes de planejar fugir da cidade.

— Isso não é bom, irmão. Isso significa que ela terá que ir para outro lugar. Vai ser difícil ficar de olho nela se ela sair da cidade.

— Eu vou lidar com isso, — eu asseguro quando uma ideia surge no meu cérebro.

— Bom, mantenha-me informado. Estarei de volta e em movimento, mas não tenho certeza se irei à festa hoje à noite. Ah, e se você encontrar seu irmão, diga ao filho da puta para parar de me mandar os buquês de balão. Eu fui baleado; Eu não sou uma criança em seu décimo aniversário. O último foi uma mistura de balões do Homem-Aranha e caminhões Tonka, e meus filhos continuam batendo um no outro com eles.

Eu rio porque meu irmão é assim.

— Eu vou tentar, mas você conhece Preppy, — eu digo a ele. — É difícil fazê-lo parar de fazer qualquer coisa, especialmente quando sabe que está irritando você. É assim que ele se diverte. Você já deveria saber disso.

Eu ouço uma campainha tocar do lado de Bear, e então sua esposa, a voz de Thia ao fundo, soando muito divertida. — Baby, você recebeu outro.

— Quinze? Você está falando sério? — Grita Bear.

Thia responde. — Oh, é tudo diversão. Não seja tão sério.

— Querida, se você se inclinar sobre o sofá com essas coisas em exibição para o seu homem mais uma vez, ferimento de bala ou não, eu vou...

A linha, felizmente, morre.

Volto para o computador de Lenny e verifico seu histórico de pesquisa recente. A última foi apenas alguns minutos antes de sua chamada para Lori. LOJAS DE PENHORES PERTO DE MIM ABERTAS HOJE.

O que ela clicou é a loja de Pike.

Perfeito, desde que conheço o dono e tudo.

Eu olho para o relógio. Já são seis e meia. Eles fecham as oito aos sábados.

Eu fecho meu laptop.

Com ela tendo que encontrar uma casa e eu tendo que mantê-la por perto, é hora de sair de trás do computador e fazer algum trabalho de campo.

Se Lenny estiver escondendo o dinheiro, vou encontrá-lo.

E quando eu fizer isso, ela não terá mais que se preocupar sobre onde Jared está.

Eu verifico minha arma para ter certeza de que está carregada.

Porque ela vai vê-lo novamente em breve.

 


Capítulo Oito

LENNY


Estou sendo seguida. Pelo menos, sinto que estou sendo seguida.

Há um estranho senso de percepção percorrendo minha espinha como se estivesse sendo observada. Eu senti isso algumas vezes na última semana, mas agora está rastejando pelas minhas costas como milhares de minúsculas aranhas.

Eu olho no meu espelho retrovisor pela milésima vez e assim como as outras novecentas e noventa e nove vezes que olhei nos últimos minutos, não há ninguém lá.

Você está sendo idiota, Lenny. Não há ninguém lá. É sua ansiedade estúpida e o fato de que você está um tanto sóbria porque precisa dirigir. Concentre-se na tarefa em mãos. Penhore tudo de valor para juntar alguns dólares para que não tenha que invadir os suprimentos de furacão como um rato correndo para conseguir comida até que possa encontrar um novo emprego.

A ansiedade está aqui. Talvez seja quem está me seguindo. Embora, quando ela não está me seguindo?

Eu entendo a presença dela, porque ir a um lugar novo é sempre um gatilho para mim, mas estou descobrindo que o desespero tem um jeito de manter os ataques de pânico completos à distância.

No entanto, duvido seriamente que a pobreza em longo prazo e a falta de moradia seja qualquer tipo de cura milagrosa.

— Acho que terei que esperar para ver sobre isso, — digo a mim mesma.

A Pike Penhores fica em um pequeno centro comercial ao lado de um posto de gasolina e de um bar chamado Hansen. O estacionamento do bar está cheio de motocicletas pretas brilhantes e customizadas que transbordam para a loja de penhores. Eu estaciono na grama no final porque é o único espaço disponível. Não são nem sete da noite e a música e as risadas já são altas o suficiente para serem ouvidas antes mesmo de eu abrir a porta do meu carro. Eu suspiro e, sem perder mais tempo, começo minha contagem. Quando chego ao nove, abro a porta e pego o saco de lixo com meus pertences do porta-malas, contendo tudo de valor (espero) que já possuí.

Vários motociclistas usando coletes de couro olham para mim quando entro na loja de penhores. Minha pele irrompe em um brilho de nervosismo e suor. A porta se fecha em seus olhares e alguns assobios. Eu respiro fundo para me acalmar, mas estou perdendo a coragem. Estou prestes a voltar quando um jovem loiro aparece por trás da vitrine de vidro.

Meu nervosismo e minha sanidade não importam. Agora, só o dinheiro faz.

— O que eu posso fazer por você? — O homem pergunta, avaliando-me com brilhantes olhos dourados. Ele estrala os nós dos dedos, e seus músculos ondulam sob sua regata preta. Ele empurra o cabelo na altura dos ombros para trás da orelha e move o palito de dentes de um lado para o outro. Seu sorriso é torto e arrogante, mas combina com ele. Ele apoia os cotovelos no balcão. — Você vai me mostrar o que tem nessa sacola, ou está apenas procurando a lixeira mais próxima? Porque há uma atrás do Hansen, mas se eu fosse você, ficaria longe daquele lugar. Não é a melhor das reuniões. — Ele coça a mandíbula e eu percebo que não disse uma palavra.

Lentamente, dou alguns passos em direção ao balcão. No meu caminho, noto um corredor de instrumentos musicais, algumas lâmpadas em uma prateleira alta, uma vitrine cheia até a borda com fivelas de ouro e prata, e pendurada na parede do fundo, um arsenal de armas de fogo. — Não, eu não preciso do lixo mais próximo. Eu tenho algumas coisas para vender. Achei que você pudesse dar uma olhada e ver se te interessa.

— Deixe-me ver o que você tem aqui... — Ele faz uma pausa e espera que eu me apresente.

— Lenny, meu nome é Lenny.

— Eles me chamam de Pike. Muito prazer em conhecê-la, — ele diz, pegando meu saco de lixo e jogando o conteúdo entre nós no balcão. Ele assobia. — Você tem muita coisa legal aqui, Lenny. Merda cara, também. — Ele abre algumas das bolsas e verifica os forros. — Autêntico também. Não vejo muito disso por aqui. Alguém está sempre tentando penhorar sua merda falsa. Brincadeira.

Ele disse caro. Uma onda de alívio me envolve. — Então, o quanto você está pensando? — Eu pergunto. — Por tudo isso?

Ele olha para os meus pertences no balcão e inclina a cabeça de um lado para o outro. — Infelizmente, nem uma maldita coisa.

— O quê? — Eu pergunto, confusa. — Eu achei que você tivesse dito...

— O que você tem aqui é valioso, claro, mas não para as pessoas de Logan Beach. Francamente, as pessoas do outro lado da ponte não compram coisas usadas, não importa quão caro seja. Compram novas, mas algo me diz pela sua roupa e perfume chique que você já sabe disso.

Ele está certo, eu sei disso. Merda.

Ele continua: — E as pessoas deste lado estão apenas lutando para sobreviver. — Há um som no bar ao lado, seguido por um rugido de gargalhadas estridentes. Pike ri. — Bem, e tentando se divertir, é claro. A maioria dessas pessoas tem carros que custam menos do que... — ele classifica através da pilha e levanta uma das minhas bolsas mais caras. É vintage. Um presente da minha mãe. — Esta única bolsa.

— Você conhece o seu negócio, — eu digo, tentando esconder minha decepção com as palavras. Não funciona.

— O suficiente para saber que eu não posso te ajudar. Mas se você tiver ouro, prata, diamantes, armas, instrumentos ou drogas? Eu sou seu homem.

Meus pensamentos vão para minha caixa de joias. Minha caixa de joias vazia que acabei de descobrir esta manhã. Jared havia roubado minha pulseira de diamantes e o rosário de prata da minha mãe. De repente, me sinto doente de novo. — Eu não tenho nada disso. Pelo menos não tenho mais.

— O que está te deixando mal? — Pike pergunta, parecendo preocupado. — Parece que você colocou algo azedo em sua boca ou alguém esfolou seu gato e prendeu sua pele na sua porta.

— O único sabor que tenho na boca é o da minha vida em frangalhos, — respondo. Pego a sacola e começo a empurrar as coisas para dentro. — Sinto muito por desperdiçar seu tempo.

— Bem, agora espere um segundo aí. Deixe-me ver se a Trina pode te ajudar. Ela vende muito da sua merda on-line e não está fazendo nada lá atrás, só pintando as unhas e se chapando, espere apenas um segundo, tudo bem?

Eu concordo.

— Trina! — Grita Pike.

Uma mulher sai da parte de trás. Ela tem uns vinte anos com cabelo castanho longo encaracolado raspado de um lado. Ela está apoiando um braço em sua barriga nua, o outro está segurando um cigarro. Ela lança um olhar irritado para Pike, batendo o pé no linóleo. — O quê?

— O que, é que eu realmente gostaria que você trabalhasse hoje. Então, controle a atitude, Trina. Esta é a Lenny. Por favor, leve-a para a sala dos fundos e vasculhe suas coisas com ela. Faça uma lista detalhada de tudo que vale a pena e dê um parecer se achar que podemos ajudá-la a se livrar disso.

Trina olha para mim sem emoção no rosto. — Siga-me, — diz ela categoricamente.

— Eu achei que você tivesse dito que não podia me ajudar? — Eu pergunto a Pike, confusa.

— Eu não posso, mas Trina pode. Ela vai colocar suas coisas em um desses sites de produtos vintage de luxo usados. Não fazemos isso para todos porque não ganhamos merda nenhuma, mas parece que você precisa de uma vitória hoje.

— Obrigada.

Eu sigo Trina para a sala dos fundos, onde ela tira fotos de tudo que eu tenho. Ela escreve tudo em um bloco que parece ser do mesmo tipo que garçonetes usam em restaurantes. Ela arranca a folha e entrega para mim. — Eu ligo para o número que você forneceu quando os itens forem vendidos. Deve levar apenas de algumas semanas a um mês pelo lote todo.

— Um mês? — Eu fecho minha mão ao redor do recibo, amassando-o enquanto finco minhas unhas nas palmas das minhas mãos.

Trina boceja. — Depois que os itens são vendidos, precisa ser enviado ao depósito da website para serem autenticados antes de enviá-los aos compradores. Depois que os itens forem enviados, eles mandarão o dinheiro. Como eu disse, ligo para você quando forem vendidos.

Abro a boca para argumentar, para dizer algo que transformaria essas duas semanas em dois minutos, mas já gastei todas as minhas outras opções e não quero parecer ingrata pelo favor. — Obrigada, — eu finalmente consegui dizer.

Trina volta para o computador, onde clica em uma tela minimizada e retoma a pornografia muito explícita que ela estava assistindo como se estivesse se atualizando na rede de compras domésticas ou em um episódio de Friends.

— Obrigada novamente, — digo a Pike na saída, mas antes de chegar na porta, olho para a minha mão e paro. Eu volto e caminho até o balcão. Eu arranco o anel de safira que Jared me deu no meu aniversário do ano passado do meu dedo e entrego para Pike. — Quanto você pode me dar por isso?

A testa de Pike enruga enquanto ele inspeciona o anel. Ele tira uma coisa que parece um monóculo e o prende sobre um olho, fechando o outro. Ele vira o anel para inspecioná-lo. — Uma safira desse tamanho? — Ele olha para mim. — Muito, — ele entrega o anel de volta para mim. — Se fosse verdadeiro.

Meu coração afunda.

— Me desculpe por isso. Ele não vale o seu tempo se te deu um anel falso e passou como real. Um homem de verdade dá um anel falso e diz a sua mulher que é falso e que compraria algo melhor se pudesse e ela o amaria mais por isso. Eu tenho a sensação de que esse homem não vale seu peso de merda.

— Estou descobrindo isso. A cada hora que passa mais e mais.

Eu aceno meu agradecimento a Pike mais uma vez e saio da loja para o meu carro.

Que não está onde o deixei.

Eu olho em volta do estacionamento para onde o grupo de motociclistas do bar está olhando para um caminhão grande que está saindo do estacionamento para a estrada principal. O decalque na traseira diz ROB O CONFISCADOR.

Também tem o meu carro a reboque.


***

Hansen não é como qualquer outro bar em que já estive antes, mas é um bar, e tem álcool, e eu não tenho mais carro, então é para onde estou indo.

O interior é pequeno e cheio. Cheira a suor e picles.

Eu localizo o bar forrado com garrafas com vários tons de álcool dentro.

Vai dar tudo certo.

Uma mulher de cinquenta e poucos anos usando uma blusa rosa choque apertada e um laço azul brilhante em seu cabelo ruivo se aproxima do outro lado do bar. — Eu sou Becky e sou a dona aqui. Eu odeio dizer isso, mas não acho que este lugar é para você, querida.

— Escute, eu só quero uma bebida, assim como todo mundo aqui, — eu respondo o mais educadamente possível, dada as minhas circunstâncias.

Becky não está convencida. — Uma garota bonita do outro lado como você não precisa de nada que esse lugar possa oferecer. Por que você não sai daqui e vai para casa para quem está esperando por você, porque não estou mentindo quando digo que este lugar não é para você.

Não há ninguém esperando por mim.

Frustrada, eu levanto minha bunda do banquinho e me inclino sobre o bar. Eu olho Becky fixamente em sua sombra azul. Sinto minhas sobrancelhas sulcadas, da força que olho para ela. — Olha Becky, de mulher para mulher? Uma semana atrás, meu namorado me deixou sem aviso. Cheguei em casa e descobri que toda a sua merda havia sumido, e eu não tenho notícias dele desde então. Acabei ter meu carro rebocado cerca de três segundos atrás, neste mesmo estacionamento, enquanto estava dentro da loja de penhor ao lado tentando penhorar tudo o que possuo que ainda pode ter algum valor, porque eu estou quebrada. Além de quebrada. Como se nem fosse capaz de pagar pela bebida, pela qual estou discutindo com você, mesmo que você me sirva meio que falida. E você quer saber porque não tenho um centavo no meu nome? Porque o namorado que mencionei anteriormente? Ele não partiu simplesmente. Ele esvaziou minha conta bancária ao sair e me deixou com nada além de contas não pagas, perguntas e uma maldita safira falsa. — Respiro fundo. — Então, pertencendo aqui ou não, se alguém neste bar merece uma merda de bebida agora, podemos pelo menos concordar que essa pessoa sou eu?

Becky puxa um copo de baixo do bar e vira-o na minha frente. — Por minha conta. O que você vai beber?

— Vodka, — eu respondo, sentando-me na banqueta rasgada. — Com gelo, por favor.

— O que você quer na mistura? — Ela pergunta, despejando gelo no copo.

Eu suspiro e esfrego meus olhos. — Vodka.

Becky ri e coloca o copo na minha frente. — Uma vodka-vodka chegando.

Eu dreno em três goles. — Obrigada, — eu digo a ela, colocando o copo de volta no bar pegajoso.

Ela se inclina para frente nos cotovelos. — Homens são uma merda. Isso aconteceu comigo uma vez também. Meu noivo me deixou e eu perdi a casa, meu cachorro, e então o filho da puta se casou com minha irmã.

— Sinto muito que aconteceu com você e que seu noivo não podia ver o que estava bem na frente dele. — Eu suspiro. — Se serve de consolo, tenho certeza que estou prestes a perder minha casa também.

Becky pega a garrafa novamente e enche meu copo. — Não, quero dizer que perdi a casa porque ele atrelou meu trailer ao maldito caminhão e o arrastou para fora do maldito parque de trailers.

Eu não pude deixar de rir, pressionando minha boca para não perder nada da preciosa bebida grátis dentro.

— Você já o encontrou de novo?

Ela sorri. — Oh sim, eu o encontrei. Meu primo Irwin mora a duas cidades daqui e, quando Joon veio chegou com minha casa a reboque, disse ao meu primo que preferia vê-la queimar no chão e depois trazê-la de volta para mim.

— Então, o que você fez? — Eu perguntei, tomando outro gole. Talvez eu possa aprender algo da história de Becky.

Becky sorri com uma espécie de satisfação perversa que anseio sentir. — O que você acha que eu fiz? — Ela se inclina sobre o bar mais uma vez. — Eu a queimei até o chão. — Ela pisca e sai do bar, indo para o outro extremo para servir outro cliente.

Eu termino minha segunda vodka-vodka e pego meu celular do meu bolso para chamar Yuli por uma carona, já que tenho certeza de que a simpatia e a pena pagam no máximo duas bebidas. Só que não consigo sinal.

Eu olho em volta e vejo uma porta lateral que foi deixada aberta. Em vez de enfrentar o tesouro de motoqueiros malucos no estacionamento, atravesso a multidão até a porta. Uma vez lá fora, no beco estreito entre a loja de penhores e o bar, levanto meu telefone para o céu. Nada.

— Droga! — Eu bufo. Como este dia poderia ficar pior. Eu estou presa em uma comédia de Tina Fey onde tudo de ruim que pode acontecer, acontece. Só que meu filme não é engraçado porque é uma tragédia.

— Você precisa fazer uma ligação? — Uma voz pergunta. Eu me viro e dois homens enormes se aproximam. Eles não se parecem com motociclistas. Um dos homens é careca, usando uma camiseta preta justa sobre calças pretas e o outro homem maior usando um blazer com calça cáqui e cabelo preto penteado para trás. — Você pode usar o meu telefone, — diz ele segurando. — Eu tenho sinal.

Sentindo-me pouco à vontade no beco com dois estranhos que estão sorrindo e rindo como se tivessem acabado de contar uma piada, que não entendi.

Eu levanto a minha mão e dou um passo para trás. — Não, obrigada. Meu amigo está me esperando lá dentro.

O homem maior, Big Thug6, o apelido em minha mente, se aproxima, bloqueando meu caminho até a porta. — Mentirosa, vimos você entrar sozinha. Você não tem nenhum amigo lá.

Little Thug7 agarra meu braço. — Você vai dar uma volta conosco. Tem alguém que quer... vamos apenas dizer falar com você.

— Não, obrigada. Estou bem de assinaturas de revistas e, o que quer que você esteja vendendo, não posso comprar porque estou falida. E eu tenho um amigo lá. Um amigo muito grande com músculos e uh... tatuagens, sim, e problemas de raiva. Então, se você me der licença. — Eu tento passar entre os homens, mas agora cada um deles segura um dos meus braços e estão me levantando no ar, caminhando pelo beco. — Solte-me! — Eu grito, mas não é como se alguém pudesse me ouvir sobre a música estridente.

— Não pense que seu amigo vai ouvi-la, querida, — diz Little Thug.

Eu vejo um grande Hummer verde militar atrás deles no beco e o medo me apunhala no coração. Eu chuto, grito e luto, mas sou superada em mais de cinquenta quilos de cada lado.

Big Thug ri e abre a porta do Hummer.

Tudo que eu posso ver é escuridão. Escuridão dentro do veículo. Escuridão no meu futuro. Escuridão na morte.

Eu abro minhas pernas para que os meus pés entre em contato com cada lado da porta, resistindo ser empurrada para dentro até que sinto como se minhas coxas estivessem prestes a ceder e arrancar meus quadris.

— Nós temos uma lutadora, — Little Thug ri. — Então, quem é esse seu amigo imaginário? Você sabe, só para observarmos homens altos, tatuados, zangados e imaginários.

— Sou eu, — uma voz profunda e áspera ecoa pelo beco.

Os dois homens se viram para encarar o recém-chegado que emerge das sombras em todos os seus um metro e noventa de um glorioso homem musculoso. Tatuagens de penas pretas e cinzas que começam por baixo de sua camiseta branca apertada com gola em V se estendendo por suas mangas curtas até o comprimento de seus fortes bíceps, fazendo parecer que ele tem asas. Seu jeans é um pouco mais largo que as calças justas da moda que vejo muitos homens usando esses dias. Ele tem uma corrente fina de prata enrolada em volta do pescoço e duas correntes semelhantes em volta de cada um dos pulsos. Seus tênis brancos rangem na calçada úmida quando ele se aproxima. Uma veia pulsa, fazendo o anel atravessado em sua sobrancelha direita saltar.

Puta merda. Eu manifestei uma pessoa real e viva.

— Oh sim, e quem diabos é você? — Big Thug estala.

— Eles me chamam de Nine, — ele responde. Suas narinas dilatam, seus olhos escuros sem piscar e focados em onde os homens estão me apertando em cada bíceps.

Big Thug encolhe os ombros. — Eh, nunca ouvi falar de você.

Big Thug pode nunca ter ouvido seu nome antes, mas eu já. Meu tremor se intensifica com o meu medo, olhando, mas não vendo realmente a aparição de um homem diante de mim. Um homem cujo nome ouvi ser sussurrado em mesas de jantar lotadas mil vezes, mas nunca vi.

Mesmo o narcisista mais egocêntrico do outro lado da Ponte conhece King, Bear e Preppy e as reputações que vêm com os nomes. Não importa quem sejam os funcionários do nosso governo. Esses são os homens que dirigem esta cidade e as pessoas que nela estão. Esses três nomes incutem o medo e o respeito em todas as classes sociais de Logan Beach.

Nine é o irmão mais novo de Preppy. Nos últimos anos, ele se tornou muito infame por sua inteligência e brutalidade implacável.

Eu ouvi falar dessa brutalidade em primeira mão de Jared, que me disse que Nine atirou em três de seus amigos há alguns anos atrás. Aparentemente, eles estavam sentados em volta de uma fogueira na praia quando Nine passou e não gostou da maneira como os três estavam olhando para ele, então ele puxou uma arma e começou a atirar.

— Coloque-a no chão agora, — Nine exige em um tom que soa nada menos que um aviso que termina com “ou então”.

— Você terá que conversar com o nosso chefe, — diz Big Thug. — Este pequeno pássaro aqui está voando com a gente.

— Eu prefiro conversar com você. — Nine avisa os homens, dando aos meus captores nenhuma escolha a não ser me libertar para pegar suas armas e evitar ser esmagado. Nine empurra meu ombro, me fazendo voar para o chão, onde aterrisso com um baque no pavimento empoeirado e rastejo em direção à parede, onde me agacho o máximo possível, como se pudesse ficar invisível.

Nine puxa a fina corrente de metal pendurada em seu pescoço, e ela se separa em duas seções, segurando metade em cada mão como dois chicotes brilhantes. Ele balança seus pulsos e as correntes cortam a pele dos pulsos dos homens segurando suas armas, forçando-os a abrir as mãos e soltá-las.

Little Thug avança contra Nine. Curvando-se na cintura e mostrando os dentes, ele rosna e corre de cabeça rapidamente na direção de Nine. Mas Nine pisa para o lado, inclina o braço para trás e conecta as juntas tatuadas com o rosto de Little Thug, fazendo-o voar de costas contra a parede. Sangue jorrando de seu nariz como uma fonte no ar.

Big Thug usa o momento em que as costas de Nine estão viradas para chegar por trás dele. Nine se vira na hora certa, enviando um cotovelo na mandíbula de Big Thug com um barulho nauseante. Ele geme, tombando como uma árvore na calçada.

Nine olha para mim. Meu pulso dispara enquanto ele dá passos largos em minha direção. Eu prendo a respiração enquanto ele se aproxima cada vez mais. Ele afasta uma mecha de cabelo castanho claro por cima do olho. Além de seu anel de sobrancelha, ele tem outro na lateral de seu lábio inferior grosso. Seu nariz é ligeiramente torto, provavelmente de lutas anteriores, porque obviamente essa não foi a primeira.

Meu raciocínio e capacidade de processar adequadamente os pensamentos estão definitivamente defeituosos devido ao choque. Tem que ser. Caso contrário, por que neste momento de todos os momentos, embora eu ainda esteja com medo por minha vida, também estaria admitindo para mim mesma, ou mesmo percebendo que Nine é aos trancos e barrancos o homem mais bonito que já vi.

— O que são essas coisas? — Eu aponto para as correntes em volta do seu pescoço que agora estão recolocadas e parece um simples colar.

— São chamados de contas de Buda, embora as minhas tenham sido alteradas para serem menores e... mais afiadas.

— Mais afiadas... — Eu me ouço dizer.

Eu quero lhe perguntar por que ele está aqui e porque se preocupou em me salvar quando nem me conhece, mas na minha confusão, me ouço perguntando: — Quem... quem é você? — Mesmo que já saiba a resposta.

— Me chamam de Nine, — diz ele, olhando para mim com sua própria confusão franzindo seu rosto. Ele franze a testa e passa a mão pelo queixo bem esculpido como se talvez eu não fosse a garota que ele deveria salvar, e seu resgate fosse simplesmente um caso de identidade trocada.

Ele se abaixa e me puxa para ficar de pé, mas não recua. Sem lugar para ir, minhas costas agora estão pressionadas contra a parede. Ele me rastreia, seu olhar arrastando dos meus olhos para os meus lábios como se estivesse procurando por algo.

Eu engulo em seco. Minha voz treme. — Por que eles chamam você de Nine? Por causa do número?

Sua carranca se desfaz. Ele estende a mão e torce uma mecha do meu cabelo. — Nine, como o número, mas essa não é a razão do nome. Tente novamente. — Seu sorriso malicioso é irritante, mas bonito, o que o torna ainda mais irritante. Meu pulso ainda está acelerado pelo meu quase sequestro e não acho que meu coração poderia bater mais rápido, mas de repente está a todo vapor.

Estou confusa e assustada e não consigo lembrar o que ele acabou de dizer.

— Adivinhe a resposta certa e me afastarei.

Eu só quero estar em casa embrulhada em várias camadas de cobertores por possivelmente dias, talvez até pelo resto da minha vida. — Uh... como nove milímetros? É de uma gangue ou algo assim? Você pode ser assustador em linha reta. Eu vi um documentário sobre isso uma vez.

Ele inclina a cabeça para o lado e, lentamente, um pequeno sorriso se espalha em seus lábios. Ele ri baixo e profundo. Eu sinto isso no meu peito, especificamente meus mamilos. Ele lambe o anel de prata pelo lábio inferior. — Ou algo assim. Continue tentando.

Eu olho para a parede dos fundos do beco para pensar. — Nove... como o seu número favorito?

— Perto, mas ainda não.

— Nove vidas? Como um gato?

Ele sacode a cabeça.

— O que mais poderia ser? — Eu pergunto, uma pequena noção se arrasta na parte de trás do meu cérebro.

— Você vai conseguir. Em três, dois... — a voz dele sumiu.

Sem pensar, meus olhos caem para sua virilha.

— Um.

Minhas bochechas queimam. Minha pele de repente parece muito tensa.

— Eu... eu... — Estou com a língua presa. Palavras são algo que eu nunca perco, mas esse homem conseguiu roubá-las sem muito esforço.

Idiota. Falar é o meu principal mecanismo de enfrentamento. Se não tenho palavras, não tenho nada.

— Não é exatamente verdade, — diz ele, inclinando-se sobre mim com o cotovelo na parede ao lado das minhas bochechas vermelhas. Sua proximidade é como uma neblina matinal, nublando meus pensamentos com sua masculinidade. É como uma droga que nunca provei, mas sei que ficaria viciada depois da primeira dose.

— Espere, não é verdade? — Eu pergunto, odiando o quão sem fôlego pareço.

Ele estende a mão e inclina meu queixo para cima. Meu olhar persistente é forçado a deixar sua virilha, trancando em seus olhos cor de avelã reluzentes.

— Não, — ele se inclina, seus lábios quentes e suaves roçando minha mandíbula como uma carícia suave. Eu tenho que me impedir de me inclinar para ele e esfregar meu rosto contra o seu toque como um gato implorando para ser seu animal de estimação.

Ele abaixa a voz para um sussurro.

— É maior.

Eu ignoro o constrangimento subindo pelo meu pescoço. — Por que você me salvou? — Eu pergunto, procurando em seus olhos castanhos escuros por uma resposta que não vem.

A porta do beco se abre completamente e Becky aparece com o cigarro na mão. Ela examina a cena e os dois homens inconscientes e revira os olhos. — Eu disse que isso não era lugar para você, querida. — Ela acende seu cigarro.

Nine se afasta da parede e de mim. O calor do seu corpo se foi. O ar úmido parece mil graus mais frio entre nós.

Eu solto um suspiro que não sabia que estava segurando. — Você estava certa, Becky. Este lugar não é para mim. Eu estou saindo agora.

Sem outra palavra, atravesso a porta e deixo Becky e Nine para trás no beco. Quando atravesso o bar lotado e barulhento e corro pela porta da frente e pela metade da rua, juro que posso ouvir o grito frustrado de Nine me seguindo o caminho inteiro.

 

Capítulo nove

NINE


Eu não esperava que Lenore Leary fosse tão... interessante.

Há beleza em sua tristeza. Profundidade em seu desespero.

Algo sobre isso, algo sobre ela me chama.

Proteja-a, uma voz na minha cabeça diz.

Eu ri disso. Isso não vai acontecer.

Afinal, eu sou o único de quem ela precisa se proteger.

Observei-a do estacionamento quando ela entrou na loja de Pike e fiquei surpreso. Eu esperava que ela fosse o tipo de esposa de troféu desde que era a garota de Jared, mas a tinha pintado como demoníaca em minha mente, e ela é tudo menos grotesca ou infernal.

Uma coisinha, pelo menos 30 centímetros mais baixa que eu. Cabelo comprido castanho e ondulado. Olhos largos de um azul-verde-claro que me lembra do vidro do mar com óculos de armação azul-marinho. Lábios cheios e rosados. Cílios longos que batiam com medo e confusão.

Lenny não é bonita, mas há algo lá. Algo natural. Eu quase chamei a atenção sobre mim mesmo e ri alto enquanto a observava tomando vodka no bar como se fosse água e ela tivesse acabado de atravessar a porra do Saara. Ela é diferente.

Adorável mesmo.

Adorável? Controle-se, Nine.

Balanço a cabeça para afastar qualquer pensamento que não envolva localizar nosso dinheiro. Eu não posso me permitir distrações. Especialmente se a distração em mãos for meu alvo atual. Tenho perguntas para ela e, para o seu próprio bem, Lenny Leary deve ter as respostas certas.

— Como exatamente você a conhece? — Pike pergunta, quando eu volto do beco. — Porque merda, ela é um maldito espetáculo.

Ainda estou agitado por ter salvado a bunda dela dos homens de Ricco e chateado porque Becky me impediu de levar Lenny comigo como eu havia planejado. Olho furioso para Pike como se eu não estivesse pensando a mesma coisa. — Ela é a garota de Jared Cox, — eu grito. — Ex- garota.

— Era ela? — Ele percebe o sangue espirrando na minha camisa branca. — O que diabos aconteceu? Eu achei que você estivesse apenas a seguindo até o bar para esperar o momento certo em que ela estaria sozinha para atacar.

A escolha de Pike da palavra atacar é misteriosamente precisa sobre o que eu queria fazer com Lenny quando a vi.

— Eu a segui direto para o beco onde os homens de Ricci apareceram e tentaram sequestrá-la. Eles foram abatidos. Amarrados em seu Hummer. Eu pedi a um dos caras do Bear para levá-los e ao seu Hummer para o Everglades.

— Ele vai matá-los? — Pike pergunta.

— Isso importa?

Pike torce os lábios. — Não. Realmente não. Mas e a garota? Onde ela está agora?

— Nenhuma pista, mas vou descobrir.

Eu ando até a parede de trás e pego uma das minhas armas que não está à venda, embora possa parecer que esteja. Eu penso nisso como se esconder à vista ou uma solução de armazenamento conveniente.

— Eu acho que seu plano de ficar sentado e deixá-la te levar você até o dinheiro foi para o espaço, — Pike ri, acendendo um baseado. Ele passa para mim e eu trago profundamente.

Eu esfrego minha têmpora com meu pulso. — Você achou certo. Não há nenhuma maneira no inferno que vou deixar os homens de Ricci chegarem até ela. Eu enfio a arma na minha cintura e vou para a porta. — Pelo menos, não antes de mim.

 

Capítulo Dez

LENNY


Nestes últimos dias, só me senti sufocada, embora seja uma sufocação minha. Sob o pretexto de querer passar o maior tempo possível com ela, fiquei a última semana trancada no apartamento de Yuli, não fazendo nada além de checar os classificados e ajudar Yuli a fazer as malas. E é verdade. Eu quero passar tanto tempo com ela quanto possível antes dela partir para a África, mas depois do que aconteceu no beco, também não queria ficar sozinha.

Mesmo que me sentisse fisicamente sufocada, passar um tempo com minha melhor amiga foi uma lufada de ar fresco. Ela tem sido minha única amiga de verdade entre um mundo de pessoas falsas desde que eu era criança. Agora, estou sorrindo genuinamente pela primeira vez em mais de uma semana. Mesmo que esteja escondendo sentimentos de horror por quase ser sequestrada no beco de um bar de motoqueiros, o sorriso em si é real. Em vez disso, escolhi assistir ao show que Yuli está fazendo, flertando com o barista em nossa cafeteria favorita.

A melhor parte sobre o flerte de Yuli é que soa muito como gritar e assediar com um lado de timidez, e não uma coisa como flerte real.

Eu abro meu frasco e despejo todo o conteúdo no meu café. Como não tenho mais carro, não posso dirigir e, portanto, não preciso mais ficar sóbria.

Nunca.

— Diga-me, por que este café é racista? — Yuli ruge. — Quero dizer, eu espero coisas assim do aviário no fim da rua e da loja no próximo quarteirão, mas não espero um lado racista com meu café daqui.

— Ummm... me desculpe, senhora? — O barista pergunta, nervoso ajustando sua viseira verde escura.

— Você me ouviu, — Yuli levanta a voz. — O que esse copo diz? — Ela aponta para o nome que o barista escreveu em seu copo e o jovem confuso se inclina para lê-lo.

— Yo-yo-yo-landa.

— Exatamente. Yolanda Mas você vê, meu nome é escrito com um U e dois A's. Essa merda aqui é racista pra caralho. Nem todos os Blaxicans8 soletram nossos nomes da mesma forma. Diga-me uma coisa. — Ela se inclina sobre o balcão. — Você é racista, Stephen?

O barista parece horrorizado enquanto eu sei que Yuli está gostando do tormento como sempre. Seus olhos castanhos brilhantes estão focados em sua vítima como uma chita prestes a atacar. Seu cabelo castanho selvagem na altura do queixo, salta com seus movimentos enquanto ela gesticula do copo para o barista, apontando seu dedo acusador de um para o outro.

— Senhora, sinto muito. Eu só... não pensei. O nome da minha tia é Yolanda, e é assim que ela soletra. — O pobre garoto não poderia ter mais que vinte anos. Bonito, alto e magro. Ele está praticamente tremendo.

— Senhora? — Yuli revira os olhos. — Não me venha com senhora.

O rosto do barista fica vermelho, depois empalidece enquanto todo o sangue se esvai do rosto dele. Eu tento não rir porque isso seria cruel, mas não é a primeira vez que vejo Yuli fazer isso com alguém, e sei que não será a última.

— Ouça, menino branco. — Ela aponta para o peito dele e se inclina, seus seios amplos sobre o balcão. Stephen se pega olhando, depois seus olhos se arregalam e voltam para o rosto dela. — Você é fofo como o inferno, então vou deixar passar isto. — Ela levanta o dedo e abana devagar. — Mas não deixe essa merda acontecer de novo.

— Sim, senhora. Quero dizer... Yulaanda com um U e dois A's. — O jovem responde com um pequeno sorriso. — E, claro, o seu café é por conta da casa.

— Droga, está certo, — diz Yuli. Ela pega uma caneta ao lado da caixa registradora e um copo vazio da pilha ao lado dela. Ela rabisca algo no copo e entrega para ele. — Essa é a maneira correta de escrever meu nome. Só para você lembrar-se da próxima vez. — Então, ela pisca. — E isso... — ela aponta para o copo e abaixa a voz de acusação para absolutamente sedutora. — ... É o meu número de telefone correto. Ligue-me, e talvez possamos descobrir todas as outras maneiras que posso fazê-lo tremer.

Ela pisca, depois se vira, perdendo seus ombros caindo e sua expiração profunda. Ela sorri quando se joga na mesa perto da janela e solta um profundo suspiro satisfeito. Ela se vira e olha para o barista que agora está de costas para nós enquanto trabalha na máquina de café expresso. Ele olha por cima do ombro, e ela sorri e dá um aceno de flerte. Todo o seu rosto fica vermelho de novo quando ele retorna o sorriso e volta a servir a longa fila de clientes impacientes.

— Isso era realmente necessário? — Eu pergunto a ela. — Seu nome é honestamente escrito de uma maneira bem estranha. Eu não acho que ele seja racista.

— Oh, eu sei disso. Minha mãe também tinha senso de humor ou era analfabeta quando me deu esse nome. Não sei. Não me importa. Nunca conheci a mulher. — Ela morde o lábio inferior. — E se acho que ele odeia negros? Não, porque quando eu voltar para a cidade daqui a um ano, vou fazer esse homem se apaixonar por mim. E para responder a sua pergunta, se meu pequeno espetáculo era necessário? — Ela olha para as costas dele mais uma vez e toma um gole de café. — Não. Mas valeu a pena ver aquele belo pedaço de bunda ruiva sardenta todo quente e confuso? — Ela estremeceu e olhou para mim com um sorriso malicioso. — Absolutamente porra.

Eu rio. — Eu odiaria te ver em uma discussão real. — Eu tomo um gole do meu café vodka.

Ela encolhe os ombros. — É praticamente o mesmo. Exceto, que não fico toda excitada depois. Eu salvo a maior parte da minha luta por sexo.

Nossos olhos se encontram sobre a borda de nossas bebidas, e não posso deixar de rir da minha amiga.

— Eu mal posso acreditar que você está me deixando amanhã. Vai ser chato por aqui sem você, — eu digo.

— Sem dúvida. Mas você terá os Stepfords. — Eu me encolho. Os Stepfords são as esposas e namoradas que dirigem os círculos sociais deste lado da ponte. Sua líder? Ninguém além de Lori.

Yuli se volta para o barista e o pega olhando. Ela sopra um beijo para ele. Seu rosto fica roxo enquanto timidamente sorri e olha para o outro lado da fila. — Certamente vou sentir falta deste lugar. Talvez eu volte aqui antes de ir para o aeroporto pela manhã e o chupe atrás do balcão enquanto ele atende os clientes.

— É tão egoísta da sua parte me deixar.

— Falando nisso, por que você não me contou sobre Jared?

Eu dou de ombros. Não me surpreende ela ter descoberto sem eu contar. Esta cidade é a central da fofoca.

— Porque você não precisa de mais coisas para se preocupar quando está partindo, e eu ficarei bem. Ele me deixou. Não é grande coisa.

Ela não acredita em mim. Eu sei que não. — Jared sempre foi um idiota. Não estou surpresa que ele tenha um pouco de juízo naquela cabeça e tenha deixado você descobrir todos os homens mais dignos que poderia estar permitindo o prazer de penetrar em você. Alguma pista de onde ele está?

Eu sacudo minha cabeça. — Não. Ninguém mais parece saber também.

— Você está melhor sem ele, — diz ela. — Mas me diga uma coisinha... o que realmente aconteceu com o seu carro?

— Eu te disse. Estragou. — Tomo um grande gole da minha bebida, e não sei se minha garganta arde com o calor do café ou com a quantidade de vodca que coloquei. Eu mudo de assunto. — E não vou sair com as Stepfords, — eu digo, mudando de assunto. — Terei que fazer novos amigos.

Mentindo para a sua melhor amiga? Você parece estar chegando a um novo nível com cada palavra que sai da sua boca.

Yuli sorri. — Desde que esses novos amigos a tratem bem e sejam facilmente descartáveis quando eu voltar.

— Combinado, — eu concordo, e nós tilintamos nossos copos.

— Além disso, você não deveria gostar de seus amigos de qualquer maneira, — ela replica.

— Isso não é verdade. Eu gosto de você, — eu argumento.

Ela encolhe os ombros. — Todo mundo comete erros.

Seu rosto fica sério. Ela se estica sobre a mesa e coloca a mão na minha. — Eu não vou embora para sempre. Voltarei antes que você perceba.

— Eu sei, — eu digo, tentando não chorar pela milésima vez hoje. — Eu vou ficar bem.

— E mais uma coisa, você nunca me disse por que tive que ir buscá-la do outro lado da ponte na semana passada. Eu sei que seu carro quebrou, mas por que você estava lá para começar?

Eu tomo outro gole para me comprar tempo e inventar uma resposta.

Você quer dizer mais mentiras.

— Eu estava em uma loja de penhores, procurando pelo pingente de corvo da minha mãe. Eles tinham algo semelhante em sua loja online, então quis ir pessoalmente e dar uma olhada. Não chegou nem perto. Então, meu carro quebrou, e eu o reboquei para o mecânico, onde provavelmente ficará pelos próximos mil anos. Graças a Deus pelo Uber.

Mentirosa, você também não pode pagar pelo Uber. Seus cartões de crédito foram cancelados.

— Você vai encontrar seu colar um dia, e talvez, quando o fizer, o encontre também, — Yuli acrescenta com uma piscadela.

Yuli foi a única pessoa para quem contei sobre aquela noite. Mesmo Jared nunca soube que sobrevivi a uma queda da ponte ou encontrei alguém naquela mesma noite. Ou que passei mais tempo pensando sobre o garoto da ponte durante minha vida com Jared do que com ele.

— Antes que me esqueça, você pode checar minha correspondência enquanto eu estiver fora? — Yuli pergunta.

— No seu apartamento? — Esperança brilha dentro de mim com a ideia de que Yuli decidiu não desistir de seu contrato de aluguel, afinal. Dessa forma, quando eu for jogada na calçada, terei um lugar para ficar.

Ela acena com desdém. — Não, os carregadores vieram esta manhã e levaram tudo para o armazenamento, incluindo a cama do quarto de hóspedes, infelizmente, tanto quanto amo hospedá-la, só tem meu colchão no chão, então o acampamento Lenny-Yuli chegou oficialmente ao fim. Eu aluguei uma caixa postal para minha correspondência.

Droga. Era um tiro no escuro, mas ainda assim, droga.

Yuli joga um pequeno conjunto de chaves sobre a mesa. Ela abana as sobrancelhas. — É a caixa 6969.

— Claro que sim. — Pego as chaves e enfio na minha bolsa. — Vou verificar isso toda semana.

— Você tem certeza que vai ficar bem, Len? — Seus olhos estão cheios de nada além de amor e preocupação, me deixando desconfortável em mentir para a única pessoa que sempre esteve lá para mim desde que meus pais morreram.

— É um rompimento, não um colapso. Eu vou ficar bem. Eu juro. Tenho uma informação de um novo emprego e outra entrevista amanhã, — eu minto. — Eu vou ficar ótima. Eu juro.

Ela junta as mãos, esfregando as palmas para cima e para baixo. — O que você acha de atacarmos a cidade hoje à noite? Uma última noite de garotas por um ano inteiro.

O cabelo da minha nuca arrepia, e pelo canto do meu olho, vislumbro músculos e tatuagens passando pela janela. Eu viro minha cabeça, mas não há ninguém lá.

Ótimo, agora estou vendo coisas.

— Len, — ela pergunta. Eu viro a cabeça de volta para a dela. — Noite das garotas?

— Uh sim, talvez? — É a resposta mais sólida que eu posso inventar.

— Vou tomar isso como um sim, — diz ela triunfante. — Ah, antes que eu esqueça, vou te dar o endereço do acampamento antes de sair. Porque se eu puder receber correspondência lá, vou precisar que você me envie pacotes de cuidados com coisas como xampu, condicionador, loção, revistas, maconha...

Nós duas rimos. Meu sorriso escondendo todas as minhas verdades incontáveis.

— Feito, — eu concordo.

Ela aponta para mim. — E no segundo que eu voltar, é melhor você acreditar que vou direto para você.

— É melhor mesmo. — Embora, eu não tenha certeza de onde estará indo para me ver.

Os bancos de praças têm endereços?

 

Capítulo Onze

LENNY


De todos os lugares que existem para sentar nesta casa monstruosa, encontro-me no chão do vestíbulo, de costas para as escadas. Espalhadas diante de mim todas as fotos que Jared e eu tiramos juntos, além de alguns álbuns da minha vida antes da morte dos meus pais. Estou me torturando. Eu sei disso, mas não consigo parar. Tortura não é algo de que você volte. É feita para te manter sofrendo até o fim e, aparentemente, esse é o meu plano para a noite. Sofrimento emocional eterno. Pelo menos, até que a vodka me derrube.

— Perversidade é a sede humana de autotortura, — murmuro. A citação de Edgar Allan Poe me faz pensar em minha mãe. Eu pego um álbum antigo e abro a página em uma foto minha, da minha mãe e do meu pai durante uma viagem para a Disney World, no meu primeiro ano do ensino médio.

Nós três ostentando sorrisos enormes olhando para a câmera. — Oi, — eu digo, traçando meus dedos sobre meus pais. Sinto falta deles, mas percebo que sinto falta de muito mais do que deles. Eu olho para a minha versão mais jovem.

Eu também sinto a minha falta. A garota que eu costumava ser. Aquela que não está segurando uma garrafa quase vazia de vodka, se perguntando se há dinheiro suficiente em torno desta casa para comprar outra quando esta acabar.

Meu telefone vibra e olho para a tela.

YULI: Há uma festa hoje à noite! Vamos lá! Última noite fora!!!!!!

Eu suspiro e olho em volta do chão para as fotos espalhadas do meu passado e aterrisso em uma foto dos meus pais segurando um conjunto de chaves, de pé na frente da primeira casa que eles venderam. Eu sei que é a última noite de Yuli, mas estou muito ocupada me afogando em autopiedade para festejar. Eu digitei o texto, mas antes de apertar, ela me envia outro.

YULI: A propósito, você não pode dizer não. Partirei amanhã e preciso me embebedar com minha pessoa favorita. Ah, sim, se a minha incrível presença não te motivar, talvez a bebida livre o faça?

Merda. Eu não posso abandoná-la. Eu apago minha mensagem anterior e envio uma diferente.

EU: Sem vontade de festejar, mas quero vê-la. Venha aqui. Traga tacos.

Levanto a garrafa quase vazia de vodka aos meus lábios.

EU: E vodka.

No segundo que enviei, a casa fica completamente escura. Eu me levanto do chão e passo sobre o mar de álbuns de recortes e fotos para apertar o interruptor de luz.

Nada.

Eu puxo a cortina para o lado e olho pela janela. Há um caminhão da Florida Power and Light na garagem. Eu saio e me aproximo do homem de uniforme, que está anexando algo ao meu medidor elétrico. É um bloqueio. — O que está acontecendo? — Eu pergunto.

Ele se vira assustado. Ele aponta sua lanterna na minha cara e ergo minhas mãos para bloquear a luz ofuscante até que ele a redireciona para o chão.

— Desculpe, sobre isso, minha senhora, e sinto muito sobre a hora tardia, mas é o fim do meu turno, e costumo não fazer muitas desconexões aqui deste lado da ponte, então deixei por último. Não se preocupe. Eles me mandarão voltar quando a conta for paga.

Merda!

As contas de luz sempre foram para o escritório de Jared, o que é um ponto discutível para onde são enviadas porque não é como se eu pudesse pagá-las se viessem para mim. — Espere, por favor. Você pode simplesmente ligá-la novamente agora, e prometo que vou resolver isso com a companhia amanhã de manhã? — Eu não sei exatamente como planejo resolver isso, mas, no mínimo, posso me comprar mais algum tempo e um pouco mais de eletricidade que não posso pagar.

Ele se arrasta para trás, arrumando suas ferramentas. — Desculpe senhora. Eu não posso perder meu emprego nesta economia. Eu tenho que seguir as regras. Tenho uma família para cuidar. Tenho certeza que é apenas um mal-entendido, você tem esta bela casa e tudo, tenho certeza que vai resolver isso rapidamente. Enquanto isso, por que você não fica em um dos bons hotéis próximos até que voltemos aqui?

Isso não seria legal? Meus cartões de crédito eram todos cartões da empresa e estão estourados.

Tanto quanto eu gostaria que isso fosse um mal-entendido, não é. É o universo literalmente apagando as luzes da minha vida.

Eu aceno, e ofereço ao homem um pequeno sorriso, encontrando-me incapaz de discutir com alguém que está apenas fazendo seu trabalho para sustentar sua família. — Compreendo. Eu farei isso. Obrigada.

Ele me entrega um pedaço de papel. — Eu ia anexar isso à porta, mas desde que você está aqui. — Eu pego. — Tenha um bom dia, minha senhora.

Ele volta para sua caminhonete e desce a estrada. Volto para dentro da casa, mas está escuro demais para ler o papel. Então, saio para a varanda dos fundos.

AVISO DE DESCONEXÃO. 90 DIAS DE ATRASO.

Noventa dias! Ele segue dizendo que o valor deve ser pago integralmente, mais as taxas de reconexão para que a energia seja religada. O total geral é de US $ 3.876,24.

— Porraaaaaaaaaa! — Eu grito, amassando o papel e jogando-o na piscina escura. Eu não tenho todo esse dinheiro.

Eu não tenho dinheiro nenhum.

Volto para dentro e encontro o kit de furacões, que contém uma lanterna ou algumas velas elétricas. A única luz atual no espaço escuro é cortesia do meu telefone vibrando atualmente na mesa do corredor.

YULI: Se é isso que você realmente quer, estarei aí em vinte minutos. Mas tem certeza que não quer ir à festa? A enfermeira Yuli acha que um pouco de diversão é a receita que você precisa agora.

Diversão. Ha! Diversão parece um conceito impossível, mas também não posso deixar Yuli vir aqui e ver que a eletricidade foi cortada. Não preciso que ela se preocupe comigo antes de sua viagem. Ou pior, que ela não vá. E também não quero ficar sozinha no escuro.

EU: Venha me pegar em vinte minutos.

Lembrando as luzes, mando mais uma.

EU: Vou esperar por você no portão.


***


— Achei que você tivesse dito nós íamos a uma festa? — Eu pergunto quando nosso Uber vira para a estrada principal.

— Nós vamos, — Yuli responde, mas há algo que ela não está me dizendo. Eu sei disso porque ela fica olhando pela janela para evitar fazer contato visual comigo.

— Então, por que você está vestida assim? — Eu aponto para o seu jeans rasgado e a jaqueta jeans de mangas curtas que ela está usando sobre um top branco decotado. Ela parece descolada e casual enquanto eu pareço pronta para assistir ao desempenho final da temporada da orquestra The Logan's Beach.

Ela vira a atenção para longe da janela e sorri culpada. — Porque eu nunca mencionei a que tipo de festa iremos, — ela canta maliciosamente.

Eu olho pela janela e percebo que estamos na ponte. — Yuli! Onde exatamente você está me levando? — Eu já tive o suficiente desse lado por um tempo. Não que Yuli saiba alguma coisa sobre isso.

— Uma festa, assim como eu te disse.

— E onde exatamente é essa festa? — Eu pressiono.

— Oh, você sabe, apenas um pulinho, uma escapadela e um salto sobre a ponte. Nada para se preocupar, Lenny. Não é como se você fosse aderir a uma gangue de motoqueiros. Bem, pelo menos não na sua primeira noite, você tem que ganhar essa honra, — ela brinca, cutucando meu ombro.

Eu não rio. Não porque não seja engraçado, é, mas agora, estou entorpecida, incluindo minha veia engraçada.

— Len, é apenas uma fogueira. Nós costumávamos falar sobre ir a festas do outro lado com pessoas reais que não querem falar sobre portfólios e números e decorar e blá blá blá blá blá. Eu queria fazer algo diferente na minha última noite. Ficarei fora por um ano, e não quero passar minhas últimas horas em uma daquelas festas de negócios ou em um dos jantares entediantes de Lori ou em um bar de martinis do caralho. Merda, nós festejamos como se tivéssemos cinquenta, e temos apenas vinte e poucos anos. Vamos agir assim por uma vez. Vamos viver um pouco. — Ela levanta uma sobrancelha. — A menos que você ache que é boa demais para as pessoas deste lado, — ela brinca.

Eu reviro meus olhos. — Claro que não acho isso. Você me conhece, mas não estou exatamente vestida para uma fogueira. — Eu aceno minhas mãos pelo meu corpo para chamar sua atenção para o vestido preto sem mangas que estou usando e que chega apenas no meio da minha coxa. — E estes não são exatamente sapatos para o ar livre. — Eu levanto o meu pé para mostrar-lhe o meu sapato de salto de dez centímetros.

— Você está fantástica. Você sempre está.

Eu coloco meu pé no chão. — Eu pareço ridícula.

— Você quer que eu peça para o motorista virar e nos levar de volta para sua casa para que possa se trocar? Não quero que você se sinta desconfortável.

Eu consigo sorrir para a minha amiga. Ela está certa. Nós sempre conversamos sobre ir a uma dessas festas, mas Jared destruiu a ideia na única vez em que falei dizendo sobre quão perigoso seria. Cara, ele realmente era chato pra caralho. Uma realização me atinge.

— Merda, Yuli, eu sou... chata?

— Bêbada e chata, mas sim, chata mesmo assim.

Eu suspiro.

Yuli agarra meu braço. — Não se preocupe. Ainda não se espalhou; Ainda há tempo para uma cura... mas só se você estiver disposta a andar pelo lado selvagem comigo esta noite.

— Cure-me, Yuli.

— Sim! Essa é a minha garota! — Ela me abraça, depois olha com os braços ainda em volta dos meus ombros. — Você quer se trocar primeiro? Pessoalmente, eu usaria isso, porque uma coisa que este vestido não é, é chato.

— Você é a enfermeira, — eu digo. — O vestido é.

— Você vai se divertir hoje à noite, Lenny, — ela abaixa a voz para o nível de vilão do filme do mal. — Mesmo que eu tenha que te matar.

— Eu achei que a expressão fosse “mesmo que isso te mate”.

— Não hoje à noite não é. — Ela tira sua jaqueta jeans, — Aqui. Isso pode tornar sua aparência um pouco mais casual.

Eu pego e visto.

— Perfeição, minha querida, — Yuli ronrona. Ela olha para mim por um minuto e depois aperta o nariz.

— O quê? — Eu pergunto. — Eu tenho alguma coisa no meu rosto?

Um sorriso largo ocupa todo o seu rosto. — Não, eu acabei de perceber algo. Você só namorou Jared. Então, você nunca rompeu com ninguém antes, o que significa que nunca descobriu a melhor parte de um rompimento.

— E? — Eu pergunto, acenando minha mão para ela continuar. — E isso é?

O Uber entra em uma estrada de terra enquanto Yuli começa a dançar, mexendo seus quadris com a música vinda de algum lugar além das árvores. — A melhor parte de um rompimento, minha querida Lenny, é encontrar alguém novo para foder.

O motorista do Uber para na frente do que parece ser a floresta. — Chegamos, — diz ele. — Tenham uma boa noite, senhoras.

— Aqui? — Eu pergunto, olhando pela janela para o nada. — Onde é aqui?

— Obrigada! — Yuli grita, saindo do carro.

— Foda-se, até meus pensamentos são chatos, — murmuro para mim mesma, saindo do carro.

— O que senhorita? — O motorista chama.

— Eu disse tenha uma boa noite, senhor, — eu respondo antes de fechar a porta.

Eu me junto a Yuli, que salta em seus tênis com entusiasmo enquanto navego na terra macia com meus sapatos ridículos e tento não cair.

— Por aqui. — Yuli dirige-se a um buraco entre os arbustos, revelando um pequeno caminho entre os dois. Eu estive em toda Logan Beach enquanto dirigia a Leary Real Estate, mas muito raramente deste lado da ponte. Eu nem acho que já estive nessa estrada antes.

— Você tem certeza disso? — Eu pergunto enquanto continuamos avançando na área arborizada.

Yuli me dá um olhar tipo “você está matando minha vibe”.

Eu respiro fundo e afago meu cabelo. — Eu sinto muito. Não farei isso de novo. Vamos lá. — Eu puxo a alça de dentro da minha bolsa e a coloco sobre o ombro.

O caminho nos leva através de mais algumas árvores para um grande campo aberto ao lado de uma fazenda de algum tipo com plantas verdes altas em dezenas de fileiras.

Apesar de todas as minhas reservas, sinto meu coração batendo no peito com excitação. Yuli está certa. Fazer algo completamente fora do meu elemento é exatamente o que preciso hoje à noite.

A área aberta ao lado da fazenda está cheia de pessoas. Acima, luzes brancas pendem de fios em ziguezague de grandes postes de metal no canto. Uma fogueira no centro arde com um fogo de pelo menos três metros de altura. Há uma tonelada de motociclistas, a maioria membros do Lawless MC, mas há mais do que apenas motociclistas aqui. Alguns homens não usam coletes. Alguns nem sequer usam camisas. Há mulheres e casais em todos os lugares, rindo ou moendo um no outro em cima do deck traseiro, cadeiras de gramado, na grama... cada espaço de superfície disponível.

— Como exatamente você sabia sobre essa festa? — Eu sussurro para Yuli, que parece ter acabado de atravessar os portões do céu, olhando para o quintal em completa reverência e admiração.

— Eu a convidei, — responde uma voz.

Nós duas nos viramos para encontrar uma mulher de vinte e poucos anos com longos cabelos loiro glacial e olhos brilhantes combinando sorrindo para nós.

— Lenny, esta é Ray, — diz Yuli, fazendo as apresentações.

— É ótimo conhecer você, — digo a ela. Precisando dizer algo mais para parecer interessante, acrescento: — Eu costumava estar no mercado imobiliário e nunca soube sobre esse lugar.

Reprovada.

— Nós gostamos de manter as coisas muito particulares por aqui, — diz ela. — Bem-vinda ao primeiro campo de maconha medicinal de Logan Beach. Estamos celebrando o primeiro contrato da Cannabis Clearwater.

Uma festa de abertura de negócios? Já fui a algumas dessas. Essa não é tão diferente se você não considerar a localização, motociclistas, mulheres seminuas e como peça central a maconha.

Ray dá um abraço caloroso em Yuli. — Estou tão feliz que você pode vir. Vamos, vamos pegar uma bebida para vocês duas.

— Como vocês se conhecem? — Eu pergunto enquanto Ray lidera o caminho para uma área do deck de madeira ao lado de um pequeno prédio que assumo abriga os escritórios. Ray brinca com um motociclista que está sentado em cima de um grande refrigerador. Ele se levanta e se afasta para o lado.

Ray cava no gelo e pega três cervejas, entregando uma para cada uma de nós.

— Yuli era a enfermeira do pronto-socorro na noite em que minha filha, Nicole Grace, engoliu um ímã de geladeira, — diz Ray, parecendo triste por um momento antes de olhar agradecido para Yuli. — Ela salvou sua vida.

— Bem, uma coisa é certa. Nunca mais olhei para a Hello Kitty da mesma maneira, — responde Yuli com uma risada.

— Está certo. Era uma Hello Kitty... — Ray e Yuli continuam a conversa enquanto me viro e olho em volta do jardim. A música e as pessoas são contagiantes. Se Jared soubesse que eu estava aqui, ele... não importa. Ele escolheu partir. De mim. De nós. Desta cidade. O que ele pensa ou sente é irrelevante porque o bastardo não está aqui.

Eu noto muitos homens olhando em minha direção, e não posso deixar de me sentir lisonjeada, senão levemente desconfortável. Eu volto para Yuli e Ray, e meu salto prende na grama. Felizmente, Yuli interrompe minha queda.

— Que tamanho de sapato você usa? — Ray pergunta, apontando para os meus pés.

— Sete. Eles se encaixam muito bem, mas não são exatamente para todos os terrenos.

Ray ri. — Do outro lado do prédio, há um trailer. Eu me troquei lá mais cedo, e sei que tenho alguns pares de sapatilhas guardadas. Verifique a sacola azul no armário sob o fogão. Tenho certeza que você encontrará o que precisa lá. Não há motivo para ficar desconfortável a noite toda.

— Oh meu deus, você é como meu anjo da guarda dos sapatos, — eu digo. — Obrigada!

Eu levanto minha cerveja sobre o ombro para saudá-la, porque já estou na metade do caminho do prédio para o trailer. É um daqueles modelos de ônibus de turnê mais antigos. O tipo que Beyoncé não seria pega andando, mas perfeito para a turnê grandiosa de uma boyband recentemente reunida no norte de Iowa.

Eu atravesso a multidão de pessoas e entro no trailer escuro que parece outro mundo comparado a festa enlouquecida do lado de fora. Está quieto aqui. Muito quieto. Eu me apresso para encontrar as melhores opções de calçados para poder voltar para o feliz barulho de entorpecer a mente.

Não consigo encontrar o interruptor, e apenas a luz fraca da lua está brilhando através da pequena janela. Eu tiro meus sapatos e seguro em uma mão enquanto ando pela pequena cozinha. Eu localizo o fogão e me agacho. Eu acho a sacola e a abro. Com certeza, existem alguns pares de sapatilhas dentro. Eu pego um par preto confortável e enfio os pés neles.

Uma sensação estranha como antes arrepia meu pescoço como dezenas de minúsculas serpentes afundando suas presas em forma de agulha na minha pele enquanto rastejam.

Essa é a minha sugestão para sair.

Eu me viro e corro de volta para a porta, mas bato de frente com uma parede maciça bloqueando a estrada. Minhas mãos disparam para eu me apoiar, e imediatamente noto que a parede é quente. E dura. E musculosa. E cheira a fumaça de cigarro e colônia masculina.

Provavelmente, porque não é uma parede. É um ele.

— Você faz do roubo a pessoas um hábito? — Uma voz rouca e profunda cheia de advertências pergunta.

Eu levanto meus olhos e pavor enche o meu estômago. Imediatamente, reconheço o dono do peito duro e cheiroso. O homem do beco.

Nine.

Seus olhos estão sombrios e sérios. Aquecido como sua pele... oh, merda. A pele dele. Eu ainda posso sentir o calor da sua pele através da camisa porque ainda estou tocando nele.

Eu dou um passo para trás, mas ele agarra meus braços e me segura firmemente no lugar.

— O que você está fazendo aqui? — Eu pergunto sem fôlego.

— O que estou fazendo aqui? Você está do meu lado da ponte. No meu trailer. A questão é: que porra você está fazendo aqui?

— Acho que você será mais uma pessoa me dizendo que não pertenço aqui? Bem. Solte-me e irei embora.

— Você vai embora quando eu disser que pode. Por que você está aqui? — Ele lentamente se move para frente até que minhas costas estão niveladas com uma parede de armários.

— Ray me disse para vir aqui e pegar emprestado um par de seus sapatos, — eu rosno. — E, visto que você não me conhece muito bem, vou dizer agora que não sou criança. Eu posso tomar minhas próprias decisões, e não tenho que responder suas perguntas. Estamos entendidos? Sou uma mulher adulta. Já peguei isso. — Eu empurro seu peito, mas ele não se move, e por mais que eu esteja tentando passar a minha mensagem para esse cara, não posso evitar que minhas coxas apertem sua proximidade.

— Sim, você é, — diz ele, me cobrindo com os olhos. — Mas estar aqui ainda não é uma boa ideia.

— Quem diabos é você para me dizer isso? Fui convidada e, da última vez que verifiquei, você não é meu guardião. Obrigada por me salvar de Benny e Jet no beco, mas não lhe devo nada. Eu nem conheço você, não sei nada sobre você, exceto que seu nome é Nine, e que você derrubou aqueles caras no beco com seu colar chique que presumo não vendem na Tiffany's.

— Você sempre fala tanto assim? — Ele pergunta, seu olhar duro muda o ritmo para um pouco divertido.

Eu engulo em seco. — Sim. Eu tenho ansiedade. A necessidade de preencher o silêncio vomitando palavras é um dos efeitos colaterais mais sexy. Você não gosta disso? Ficarei feliz em estar no meu caminho alegre e tagarela.

— Talvez eu goste.

Nós dois ficamos quietos, salvo pelo barulho alto do meu coração sob minhas costelas. — Eu deveria voltar para minha amiga, — eu digo, mas não me movo.

— Lenny, você não vai a lugar nenhum, — ele rosna. Ele se inclina e seus lábios roçam os meus. Meu corpo inteiro se acende como uma luz de rua que zumbe para a vida.

— Lenny, aí está você! — Yuli grita abrindo a porta do trailer com um estrondo alto. Eu pulo para longe de Nine. — Saia logo e tome uma bebida comigo. Por que diabos você está demorando tanto?

Estou saindo quando um pensamento me ocorre: — Espere, como você sabe o meu nome?

— Lenny! — Yuli chama novamente.

Ele fica lá com as palavras na ponta da sua língua, mas decido não ficar por perto e esperar por uma resposta de merda que ele provavelmente está tentando inventar, mesmo sabendo que não ouvi-lo possa ter uma grande chance de me assombrar pelo resto da vida e me causar muitas noites agonizantes de insônia.

Mas, novamente, o mesmo aconteceu com o final de Game of Thrones.

Porque, ansiedade.

Além disso, eu já tenho material suficiente da semana passada para me manter acordada por dez vidas sem colocar as não respostas de Nine na pilha fumegante de merda que minha vida se tornou.

Yuli mal consegue acompanhar-me enquanto estou praticamente correndo para o refrigerador, rezando para encontrar uma garrafa gelada de vodca escondida sob o gelo e a cerveja.

Vá em frente, me ignore. Veja onde isso te leva.

Eu congelo.

A voz da minha ansiedade sempre foi de menina, mas de repente, mudou. Agora é a voz de um homem.

E não apenas qualquer homem.

A voz pertence a Nine.

 

 

 

NINE


Como todo o ser humano, por trás da minha caixa torácica há um órgão que bombeia sangue para o resto do meu corpo, também conhecido como meu coração. Eu nunca lhe dei muita atenção antes.

Até agora.

Até que a luz da lua através da janela expusesse a pele pálida do pescoço dela. Até sentir o cheiro do sabonete feminino. De repente, estou muito consciente do meu batimento cardíaco. Porque um segundo acelera e, no outro, parece que tudo para. Através de todo esse bombeamento louco e crepitação, o único lugar que parece estar enviando qualquer sangue também é direto para o meu pau.

Deixo meu trailer e imediatamente vejo Lenny. Ela está vários metros à minha frente, caminhando com a amiga do café de volta para a fogueira. Eu as sigo, mas mantenho minha distância.

A pequena jaqueta que ela está usando por cima de seu vestido não esconde o que realmente é ou o que faz pelo corpo dela. Corte baixo na frente, mostra o inchaço de seus seios altos e arredondados generosamente divididos em sua pequena estrutura. A cada passo que dá, o tecido de seu vestido preto abraçando seu corpo, sobe pouco a pouco, junto com minha pulsação. A qualquer momento, a generosa perfeição em forma de coração da sua bunda vai estar em exibição total para qualquer homem que repare, que será qualquer homem com um batimento cardíaco e um pau.

Ela é alheia aos olhares. Ao fato de que todo homem aqui provavelmente está imaginando a mesma coisa que eu. Curvá-la sobre a coisa mais próxima e fodê-la áspero e duro. Esse vestido é absolutamente perigoso. Uma distração que não preciso. Eu deveria ser um perigo para Lenny, não o contrário.

Estou começando a me arrepender da decisão de atrair Lenny para cá, incentivando Ray a convidar Yuli, mas não resisti em usar a conexão de Ray com a enfermeira que ajudou sua filha a trazer Lenny para mim, em vez de esperar do lado de fora de um complexo de apartamentos do qual obviamente ela nunca sairia.

Eu fodi tudo no trailer. Eu deveria entrar atrás dela. Assustá-la até falar a verdade. Mas hesitei quando a vi.

Quando a quis.

Isso não vai acontecer novamente. Vou tirá-la daqui, assim que puder levá-la despercebido para algum lugar muito mais privado, onde receberei minhas respostas.

De uma forma ou de outra.

Lenny está agora se curvando sobre o cooler, procurando por algo no gelo. O vinco inferior de sua bunda espreitando por seu vestido alimenta os olhares cheios de luxúria de vários homens próximos.

Porra.

Despercebido vai ser quase impossível.

 

 

Capítulo Doze

LENNY


— A vitória é minha! — Eu grito para mim mesma. Eu encontrei vodka porque existe um Deus. Eu me sirvo de uma quantidade generosa de amor líquido em um copo vermelho. Faço uma pequena dança da vitória e giro quase colidindo com Nine mais uma vez.

— Perseguindo muito? — Pergunto com uma mão no meu quadril.

— Ultimamente ou em geral? — Ele sorri. Seu humor me pega de surpresa, e acho que não sei como responder a ele quando não está sendo o homem assustador que espreita nas sombras ou nos becos.

— Não importa, ou vai me manter acordada à noite, — eu admito.

Ele chupa o lábio inferior. — Por que, você está pensando em sonhar comigo, Lenny?

Eu fico na ponta dos pés e olho direto em seus lindos olhos arrogantes. — Todos nós temos pesadelos, Nine.

— Nine! — Nós dois nos viramos para ver um homem se aproximando. É o Pike. O cara da loja de penhores. Ele cumprimenta Nine com um abraço e um tapa, depois se vira para mim. — Lenny, estou surpreso em vê-la aqui.

Pike dá a Nine um desses olhares de lado. — Trina disse que suas coisas estão indo mais rápido do que pensávamos. Eu devo ter uma quantia em dólar para você em breve, mas não espere muito. Na maioria das vezes, são apenas vinte por cento do valor, menos depois das taxas.

— Obrigada, — eu digo. Espero que seja o suficiente para religar a energia enquanto procuro um emprego, o que me dá uma ideia. — Pike, se você estiver contratando, pode me manter em mente? Estou à procura de trabalho.

— Você quer trabalhar em uma loja de penhores? — Nine pergunta.

— Eu não quero trabalhar em lugar algum. Como a maioria da população, eu quero bronzear meu traseiro nu no Cabo, mas essas não foram as cartas que recebi, o que nos leva de volta à atual questão em pauta. Você está contratando? Porque eu costumava trabalhar no mercado imobiliário. Eu sei o valor das coisas.

— Valores de prédios e casas não são o mesmo que o valor de joias ou instrumentos, — observa Pike, tomando um gole da sua cerveja.

Eu dou de ombros. — Você está certo. Eu sei que o mercado imobiliário é muito diferente do mercado de bens e objetos de valor. — Eu aponto com minha cerveja para uma palafita iluminada entre as árvores do outro lado do campo. — Por exemplo, posso dizer-lhe que aquela é uma antiga casa de palafitas, velha Florida da década de 1940 e é muito rara, já que a maioria das casas deixadas nesta área, com esse estilo especifico, são bangalôs mais novos, enquanto essa tem três andares e seria considerada mansão ou fazenda. Foi reformada, e o interior ainda não foi visto, mas desde que mantenha a impressão do design original, é o que importa. O dinheiro real está na sua localização, fora do caminho usual, mas perto de ambos os lados da ponte com acesso à água através da baía do outro lado. Eu estimaria o valor em algum lugar entre os seis e os sete dígitos por baixo.

Pike balança a cabeça e coça o cavanhaque. — Impressionante, mas como eu disse...

Eu o interrompi e continuei. — Considerando que o anel de prata em seu dedo mindinho é uma antiguidade. Um anel Classon feito por George Classon no início dos anos 1900 para os membros do primeiro MC oficial no sul da Flórida, o Venom MC. Há apenas doze e os que já foram vendidos em leilão não têm mais o diamante negro de três quilates, enquanto o seu anel obviamente ainda está intacto.

Pike olha para o anel e olha para mim com a boca aberta enquanto Nine observa silenciosamente.

— Seu valor é algo entre sessenta mil e cem mil dólares, dependendo se você encontrar o comprador certo, de preferência um colecionador que sabe, que os únicos outros anéis originais da Classon existentes são heranças passadas para as famílias dos membros originais, e raramente estão disponíveis para compra.

Pike olha para o anel. — Ok, então o que você me ofereceria se eu levasse isso para a loja de penhores?

— Se você quisesse penhorar o anel, eu daria cerca de 25% do menor valor, então quinze mil. Se quisesse vendê-lo, estaria disposta a subir para 50% do menor valor, então trinta mil, mas como o mercado para o item é específico, começaria a oferta com vinte e quatro mil. Na permuta... — inclino a cabeça e penso, batendo com o dedo no meu queixo. — Eu não trocaria. Não sem conhecer os valores atuais do que você tem na loja para oferecer.

— Foda-me, — diz Pike.

— Puta merda. Como você sabe tudo isso? — Nine pergunta.

— Há uma vantagem em crescer do outro lado da ponte. Pessoas ricas amam seus leilões de caridade e adoram ainda mais falar sobre o valor de toda a merda inútil que compram. Temas de debate é uma obrigação, porque muitas delas não conseguem pensar em algo para falar por si próprio. — Eu olho para Pike. — Você quer que eu explique a diferença entre os valores dos pianos clássicos? Porque há uma grande diferença entre um Steinway e um Fazioli quando se trata de valor, dependendo, é claro, do ano feito, da condição, se foi usado em concerto ou como parte de...

— Venha na segunda-feira. Nós conversaremos, — diz Pike.

Eu sorrio triunfantemente. — Obrigada. Vejo você na segunda-feira.

Nine sorri para mim e não é condescendente. Ele parece... quase... orgulhoso. O que é ridículo. Ele não pode se orgulhar de mim. Ele nem me conhece.

Eu tomo um gole da minha bebida, parcialmente para esconder meu sorriso, mas está vazio.

— Eu vou pegar outra dose, — diz Nine. Ele aponta para Pike, que segura à cerveja vazia.

— Sim cara. Vou querer outra, — diz Pike.

Nine caminha em direção ao barril ao lado do refrigerador, e cada mulher com pulsação o observa como um bando de abutres esperando para atacar.

— Como você conhece Nine? — Eu pergunto.

— Fomos amigos toda a nossa vida. Passamos uma temporada em alguns de lares adotivos juntos. Outros poucos no reformatório. — Ele me lança um longo e duro olhar. — E como você o conhece?

— Eu não conheço. Ele apareceu literalmente do nada, mas olhando para isso... — aponto para uma mulher (entre muitas) o avaliando. —... me faz sentir que conheço o tipo dele.

Nós dois observamos quando, uma a uma, as mulheres se aproximam dele com os ombros para trás e os peitos empinados.

— Oh, sim? — Pike levanta uma sobrancelha e me lança um sorriso de lado. — Diga-me então. O que você acha do tipo de Nine? Estou interessado em ouvir sua opinião.

— Bem, basta olhar para ele. — Eu aponto para onde ele está entregando a uma menina de cabelos escuros uma cerveja do barril. A garota se inclina sobre o barril sem sequer tentar fingir que não está interessada, colocando seu amplo decote em exposição. Eu bufo.

— Então, você está dizendo que o tipo dele é útil? — Pike pergunta, não entendendo o que estou tentando dizer.

— Estou falando na maneira que as mulheres estão se jogando nele. Ele é... bom, ele é ridiculamente bonito. É um fato como a ciência e as tabelas periódicas e tudo isso. Alto. Tatuagens. Músculos. Lábios... — Eu paro, lembrando-me de como aqueles mesmos lábios roçaram os meus.

— Você estava dizendo, — Pike pressiona, parecendo divertido enquanto fala em seu copo vazio.

— Você sabe o que eu quero dizer. Ele pode escolher a garota que quiser aqui e, pelo que parece, é a maioria delas. Meu palpite é que ele é o tipo de cara que tem uma garota diferente em sua cama todas as noites. Eu não estou denegrindo as mulheres, só fazendo uma observação. — Eu levanto minha mão livre em rendição.

— Ouça, você parece legal, e sabe o valor da merda, mas a maneira como está avaliando as pessoas, aquela pessoa em particular, está errada.

— Você está dizendo que ele não leva uma garota diferente para casa todas as noites?

Ele olha para Nine novamente. — Estou dizendo que a verdade pode surpreender você.

— E qual exatamente é a verdade?

— Vá em frente, descubra você mesmo. Realmente olhe. Não como as mulheres boquiabertas olham para ele, como se estivessem na primeira fila em um show do Magic Mike. Para ele.

Eu olho para trás e, dessa vez, tento ignorar as garotas girando os cabelos nos dedos e dando risadinhas. A garota se transformou em uma multidão de três. Eu olho além dos olhos enlouquecidos por sexo e faço o que Pike diz. Eu olho para o Nine. Apenas Nine. E ele está falando com elas, mas não descaradamente flertando. Não há contato, mesmo quando uma garota pressiona seus seios no que parece uma tentativa de apontar algum tipo de tatuagem em seu peito. Na verdade, ele dá um passo para trás e pega seu copo, enchendo-o do barril enquanto olha para mim por cima do ombro. Ele olha para Pike e trocam algumas mensagens não-verbais que fazem Pike rir. Nine termina de encher a cerveja da garota antes de voltar para nós, deixando várias mulheres encantadas e altamente desapontadas em seu caminho.

— O que você vê agora? — Pike pergunta, cutucando meu ombro.

— Você está certo. Ele estava sendo... útil. Tipo. Ele não estava... — Eu paro porque estou olhando para ele sob uma nova luz, como se realmente o estivesse vendo pela primeira vez.

— Nine é um bom homem, de longe o melhor homem que conheço. Eu confiaria nele com a minha vida. Eu já confiei nele com a minha vida.

Eu me lembro do bar. A luta. O beco. — Responda-me algo, Pike. Um homem bom espanca outros homens?

Pike sorri. — Foda-se sim, o tempo todo. Especialmente quando ele tem algo que vale a pena lutar.

 

NINE


Pike e Lenny estão rindo juntos quando volto com nossas bebidas, e eu não quero nada mais do que arrastá-la para longe neste exato segundo, mas tenho que ter cuidado e esperar por isso, embora tudo em mim esteja gritando para agir, e agir agora.

Estou tão consumido pelos meus pensamentos que quase não noto os dois homens do pessoal de Tico Ricci do outro lado do campo. Homens diferentes daqueles do beco, mas todos os homens de Ricci têm a mesma aparência. Eles se destacam entre os festeiros. Primeiro, não há bebidas em suas mãos. Segundo, enquanto todo mundo está usando bermudas, quase nada, ou coletes de couro como os motociclistas, esses caras estão usando blazeres sobre jeans, o que provavelmente acham que é casual e faz com que se misturem, mas não o faz. Se o cabelo para trás não fosse uma placa de néon dizendo que eles não pertencem a esse lugar, então os olhares severos em seus rostos em meio a um mar de sorrisos, como a merda faz.

Pike se afasta de Lenny casualmente para ficar ao meu lado. Ele levanta a cerveja para a boca. — Você também os viu?

— Claro que sim.

— Isso não pode ser bom.

— Não é. — Há apenas uma razão pela qual a equipe de Ricci está aqui esta noite, e essa razão tem longos cabelos castanhos e está usando um vestido justo que abraça cada uma de suas curvas pecaminosas.

— O que você precisa que eu faça, cara? — Pike pergunta, e sei o que ele está pensando, porque é a mesma coisa que eu estou pensando. Há muitas pessoas aqui. Eu nem sempre posso fazer a coisa certa ou me importar se o que estou fazendo é próximo ao certo, mas danos colaterais não são o meu trabalho.

— Eu vou tirar a porra da Lenny daqui tão rápido e imperceptível quanto puder. Não preciso que eles atirem em um campo inteiro cheio de pessoas inocentes.

— Sempre preocupado com os outros, — diz Pike, embora eu sinta uma merda de sarcasmo em sua voz rouca.

Eu termino minha cerveja e coloco meu cigarro dentro, jogando-a na lata de lixo mais próxima. — Talvez, eu só não queira nenhum sangue na minha maldita plantação, — eu respondo. — Faça-me um favor. Mande uma mensagem para o Prep. Diga-lhe que eu estarei na estrada velha indo para o oeste e precisarei de reforços. Depois que tivermos saído, tente distraí-los, se puder. Dê-me um tempo.

— Eu estou nisso. — Pike tem seu telefone no ouvido e está se afastando da multidão para fazer o que pedi porque ele é um bom amigo e é isso que bons amigos fodidos fazem. Depois que ele desliga, se dirige para o outro lado do campo, onde os dois homens estão observando na multidão e anuncia em voz alta: — Quem está pronto para o concurso de camiseta molhada!

A multidão se reúne em torno dele, criando uma parede em frente aos soldados de Ricci, bloqueando sua visão deste lado do campo.

Eu me aproximo de Lenny, cujas sobrancelhas estão franzidas de frustração. Não para mim. Para a amiga dela.

— Mas eu não quero ir ainda, — Yuli lamenta para Lenny, obviamente totalmente bêbada.

— OK tudo bem. Então, vou ficar e esperar por você, — Lenny concorda, mas seus olhos dizem que ela é tudo, menos feliz em ficar. — O que é bom. Porque não iremos.

— Yay! — Yuli aplaude, saltando.

Vou até Ray e sussurro para ela o que está acontecendo. Ela responde apenas com um único aceno, seu sorriso nunca deixando seu rosto. Ela é uma profissional, e para não mencionar a esposa de King, o que a faz estar habituada a merdas assim.

— Yuli! — Ray diz, com excitação exagerada. — Nine pode levar Lenny para casa. Ele está indo naquela direção de qualquer maneira. E eu e você vamos tomar algumas bebidas! Eu contratei uma babá, e essa mamãe não vai para casa tão cedo!

— Yuli, tudo bem. Eu vou ficar, — Lenny diz sem olhar para mim.

— Lenny, não se preocupe. Nine será um perfeito cavalheiro. Eu juro. — Ray é um especialista nessa merda e totalmente perdeu sua vocação para espiã ou alguma merda assim, porque ela liga os braços com Yuli. — Não se preocupe, Yuli, vou me certificar de que os motociclistas não cheguem muito perto de você, — ela brinca.

— Oh, inferno não! — Yuli diz, soletrando cada letra das palavras. — Não se atreva a manter os motociclistas gostosos longe de mim. Garota, eu estive ansiosa para falar com aqueles homens, por toda a amaldiçoada vida jovem e bonita que Deus me deu. — Ela levanta sua cerveja para um grupo de motociclistas. — Venha para mamãe, meus lindos bárbaros! — Yuli se vira e dá a Lenny um abraço apertado rápido. — Você sabe que eu odeio despedidas, mas prometo que vou te mandar uma mensagem do avião amanhã. Eu te amo minha amiga.

Ela solta Lenny e segue Ray em direção aos motociclistas.

Lenny assiste a amiga sair, um olhar triste em seus olhos enquanto mastiga o lábio inferior.

Eu puxo o braço dela. — Vamos, — eu digo, puxando-a para longe da multidão.

Ela para e olha para onde estou tocando e puxa seu braço para longe. — Você não precisa me levar. Eu posso chamar um Uber. — Ela pega o telefone, mas eu o arranco das mãos dela.

— Nós não temos tempo para essa merda, — eu rosno.

— Nós não temos tempo para que merda? Se você acha que eu vou...

Eu a empurro para as sombras até que suas costas estejam alinhadas com a parede do meu trailer. Eu cubro a boca dela com a minha mão. Seus olhos se arregalam de terror.

Lenny luta para se libertar, mas eu só aperto mais forte. Espero que qualquer um que nos veja pense que estamos apenas nos beijando.

— Pare e me escute porra, antes que você faça meus amigos serem mortos, — eu grito. Eu viro minha cabeça e vejo os dois homens procurando por trás da multidão. — Olhe por cima do meu ombro, mas não seja óbvia. Você vê os dois homens que não estão bebendo e não parecem pertencer aqui? Eles estão a sua esquerda. Não responda. Apenas acene com a cabeça.

Depois de um segundo, ela balança a cabeça e engole em seco.

— Eles são soldados de Tico Ricci. Você sabe quem é ele?

Ela acena novamente.

— Seu ex fodeu com ele. Eles não conseguem encontrá-lo, então agora estão atrás de você. E aqui está a coisa, se eu não te tirar daqui agora mesmo, eles te levarão para algum lugar aonde provavelmente vão te matar, independente se você disser o que eles querem ouvir ou não. Ou, se te localizarem e você tentar fugir, eles não hesitarão em atirar em todos que estão entre você e eles. Você não tem opções agora. Você virá comigo para que possamos levá-los para longe de todas essas pessoas. Você entendeu?

Ela acena mais uma vez. Seus lábios suaves esfregam sobre a palma da minha mão, e a sensação me faz querer inclinar e respirar mais do seu doce aroma, mas agora não é a porra do momento.

Eu a solto e recuo, puxando-a em direção a minha caminhonete. Eu abro a porta do passageiro e a coloco dentro. Correndo para o outro lado, eu pulo e dirijo pelo caminho de terra escura entre as árvores.

— O que eles querem com Jared? — Ela pergunta quando viro para a estrada principal, pavimentada. — Eu também não consigo encontrá-lo! Eu posso simplesmente dizer isso a eles.

— Não leve isso de maneira errada, mas enquanto sua solução para tentar argumentar com os homens de Ricci é adorável, vai te matar. — Eu solto um suspiro. — Você realmente é do outro lado da ponte, — murmuro.

Poderia muito bem ser de outro mundo.

Lenny dispara punhais em mim com seus grandes olhos azuis. Ela abre a boca para responder, mas para quando o espelho retrovisor se ilumina, refletindo os faróis do Hummer, em estilo do exército, nos seguindo. Está acelerando e nos alcançando. Rápido.

Eu piso no acelerador e puxo o volante, virando-nos para um caminho quase escondido no centro do milharal vizinho que os tratores usam para cuidar dos campos, mas não é rápido o suficiente. Porque quando completo a volta, somos atingidos com o que soa como um enxame de abelhas de metal raivosas.

Na realidade, é uma rajada de balas.

 

Capítulo Treze

NINE


— Diga-me o que diabos está acontecendo! — Lenny grita enquanto avançamos pela estrada o mais rápido que minha caminhonete consegue.

— Por favor, — ela implora, abaixando a voz para um sussurro.

Eu faço uma curva acentuada em uma estrada de terra que leva a uma clareira no meio de um círculo de árvores grossas que bloqueiam qualquer luz. Eu paro o carro quando tenho certeza de que estamos cobertos e fora de vista.

Lenny abre a boca para falar de novo, mas pressiono meus dedos nos seus lábios para silenciá-la, esperando até ter certeza que despistamos os homens de Ricci antes de removê-los. — Primeiro, me diga o que você sabe sobre Jared. Sobre o seu negócio, — eu exijo.

Lenny se agita, puxando a bainha de seu vestido, em seguida, fechando os punhos e abrindo-os uma e outra vez. Eu noto as cicatrizes no centro de suas palmas. O movimento deve ser um hábito dela.

— Ele é dono de uma empresa de investimentos que lida principalmente com desenvolvimento imobiliário e investidores estrangeiros que querem aumentar seu dinheiro no país, — ela responde, como se o tivesse ouvido dizer essas palavras exatas milhares de vezes.

— É só isso? — Eu pressiono.

Lenny joga as mãos para o ar, depois as abaixa com um tapa nas coxas, onde noto que o vestido dela subiu, expondo sua calcinha preta. — Sim é isso! Você obviamente sabe mais do que eu, então por que você não me conta!

Eu olho para o lado e volto para o assunto em questão. — Jared era... é um maldito safado. Ele estava executando um esquema de Ponzi9. O MC Lawless e meu irmão, Preppy, junto com King, — eu olho para ela. — Você é daqui, então suponho que saiba quem eles são?

Ela acena com a cabeça.

— Eles tinham algum dinheiro sobrando que já estava limpo. Foi minha ideia investir e desenvolver outra linha de renda legítima. Eu escolhi Jared para nos ajudar a fazer isso. No começo, tudo parecia bom, mas as declarações que recebíamos não eram reais. Os números de retorno eram altos demais para o estado atual do mercado. Eu verifiquei as contas e estava certo. O dinheiro desapareceu e quando fui procurar Jared...

Eu o matei.

— Ele já tinha partido, — ela termina.

Sim, ele partiu bem.

— E aqueles caras na festa? — Ela pergunta. — O que eles têm a ver com o dinheiro dos seus amigos?

— A razão pela qual investi com Jared em primeiro lugar é porque ele já estava trabalhando com Tico Ricci, e percebi que era uma aposta segura porque foder com Tico significa morte certa, e não indolor. Presumi que Jared soubesse como o jogo funcionava quando negociava com pessoas como nós. Ele sabia ou não dava a mínima porque ele não só nos fodeu, mas a Ricci também. Ele drenou cada centavo do caralho.

Ela olha para o colo e eu posso vê-la lutando com a informação. — Eles não conseguem encontrar Jared ou o dinheiro, então agora estão procurando por mim. — Confusão franze sua testa lisa. — Por quê? Não faz nenhum sentido. Por que eu?

— Eles provavelmente acham que você sabe onde está o dinheiro ou onde Jared está. — Eu não posso lhe dizer que foi Jared quem apontou o dedo para ela. Saber que ele não se importava se a matassem para que pudesse salvar sua própria bunda não mudaria nada além de deixá-la histérica, e essa era a última coisa que eu precisava agora.

— Mas eu não estava envolvida. Eu não sei absolutamente nada. Ele nunca estava em casa. Ele saía da cidade o tempo todo. Ele me roubou também. Deixou-me sem nada. — Ela pressiona a cabeça de volta no encosto do banco e fecha os olhos. — Eu sou tão estúpida. Como... por que eu confiei nele? Eu deveria saber. Deveria ter notado algo que me dissesse que ele não era quem me levou a acreditar ser. — Ela abaixa a voz e olha fixamente para o para-brisa. — Todos esses anos...

— Incomoda lhe que ele era um mentiroso e um ladrão? — Eu pergunto.

Ela pensa por um minuto. — Não, incomoda-me que nunca o conheci. Incomoda-me que eu tenha mafiosos atrás de mim por causa dele e... — Ela olha para mim. — Merda.

— O quê? — Eu pergunto, acendendo um cigarro.

— Eu sou mais idiota do que pensava. Aqui estou me perguntando por que um estranho iria de repente me resgatar de homens perigosos. Duas vezes. Agora eu sei por que você sabe meu nome. Você não está tentando me salvar. — Seus olhos se arregalam. — Você só queria chegar a mim primeiro.

Ela abre a porta e pula para dentro da floresta.

Eu ri porque Lenny é um monte de coisas. Peculiar. Tagarela. Ingênua. Sexy pra caralho.

A única coisa que ela não é, é estúpida.

 

LENNY

Não chego muito longe. Meus pés emaranham-se no mato, e eu caio de cara a menos de seis metros do caminhão.

Ele vai me matar. O homem que salvou minha vida duas vezes vai me matar.

Diante da morte, não posso deixar de sentir vergonha por confiar no homem errado mais uma vez.

Eu ouço uma risada e olho para cima para ver Nine em pé sobre mim com um olhar divertido em seu rosto. Ele se agacha sobre mim. — Você já fez uma pausa?

— Não faça isso! Por favor! — Eu imploro enquanto tento desembaraçar minhas pernas, mas só consigo piorar as coisas. Espinhos arranham minhas coxas e braços. Minhas unhas estão cheias de sujeira enquanto tento me arrastar para longe, mas estou presa.

Nine se abaixa e puxa a perna de sua calça jeans. Ele remove uma faca longa e reluzente da bainha amarrada em torno de seu tornozelo.

— Não! — Eu grito e fecho meus olhos quando a mão dele desce.

Eu espero pela dor, mas ela nunca vem.

Eu tento chutá-lo, mas meu pé só bate no ar.

Espere, meu pé bate no ar. Livre.

Eu abro meus olhos. Nine está de pé sem faca na mão, com os braços cruzados sobre o peito largo e um olhar impaciente no rosto.

— Você terminou? — Ele pergunta.

— Isso depende de quais são seus planos para a minha morte prematura.

— Se eu fosse te matar, teria feito isso há muito tempo. No momento, não farei isso a menos que você me dê uma razão.

Eu encontro seu olhar e me sento. — Reconfortante, — respondo com o máximo de sarcasmo que posso reunir em uma única palavra.

— Vamos, — diz ele me levantando do chão e em seus braços. Ele me joga por cima do ombro. De cabeça para baixo, percebo que uma das sapatilhas de Ray desapareceu.

— Merda, minha sapatilha! — Eu choro.

— Essa sapatilha agora é propriedade da lama. É um caso perdido. — Nine abre a porta e me coloca no assento.

— Sim, conheço essa sensação. — Eu murmuro.

Nine entra e liga o caminhão.

— Por que você me beijou ou meio que me beijou lá no trailer? Isso era apenas parte do seu plano? — Pergunto, sem pensar corretamente primeiro.

Ele afasta o caminhão da clareira para a estrada. Eu não acho que ele vai me responder por que vários minutos passam e me esqueço de perguntar onde ele está me levando. Ele mantém os olhos focados na estrada. Suas mãos seguram o volante com força. Ele finalmente responde.

— Beijar você foi exatamente o oposto do plano. E aquilo não foi um beijo. Você não usará as palavras “meio que” quando eu te beijar.

Quando eu te beijar. Não se.

— Imbecil arrogante.

Faróis se aproximam por trás. É o Hummer.

— Estão de volta! — Eu grito.

— Sim, eu os vejo, — Nine murmura. Ele vira em outro campo na tentativa de despistá-los. Talos de milho alto deslizam sobre o caminhão como uma espécie estranha de lavagem de carros orgânicos. O som quase o mesmo que o de uma chuva forte. Nine vira para a esquerda e para a direita, em seguida, novamente à esquerda habilmente como se soubesse o seu caminho ao redor do campo. Nós saímos em outra estrada. Nine gira tão acentuadamente que acho que podemos virar. Meu estomago está no meu coração e minhas costas estão coladas no banco do passageiro. Quando nos endireitamos, o Hummer aparece atrás de nós mais uma vez.

O som de metal colidindo com metal faz meu corpo inteiro pular enquanto as balas jorram do caminhão.

— Filhos da puta, — Nine cospe. Ele leva à mão a cintura e tira uma arma.

— Dirija! — Nine ordena, sem esperar que eu responda. Ele escala a janela do motorista até que tudo o que resta dele dentro são suas longas pernas.

Eu não tenho escolha a não ser me inclinar e agarrar o volante, mudando minha bunda para a parte do banco do motorista não ocupada pela metade do corpo de Nine ainda no carro. Eu mantenho minha cabeça o mais baixo possível enquanto Nine retorna os tiros.

— Volte aqui. Você vai levar um tiro! — Grito, puxando seu cinto com uma mão.

Nine mergulha de volta, e acho que por um segundo ele ouviu meu aviso, mas quando ele se estica até o console central e pega um cartucho preto, trocando pela que já está em sua arma, percebo que é só assim que ele pode recarregar.

O espelho retrovisor se despedaça. Meus ombros saltam e meu coração para por alguns instantes.

— Respire, Lenny, — Nine ordena. — Só continue dirigindo, e respire. — Ele volta para a janela e dispara vários outros tiros.

— Para onde devo ir? — Eu pergunto.

— Lugar algum. Só dirija. Estamos esperando por reforços.

— Reforços? — Eu pergunto. — Quem?

Nine continua atirando rodada após rodada, às vezes se esquivando para recarregar ou desviar de uma bala. Seu braço está sangrando e ele não percebe ou não se importa.

De repente, ele pula em meu colo no banco do passageiro e grita: — Segure-se porra! — Ele agarra a alça de apoio sobre sua cabeça no momento em que o Hummer bate na traseira da caminhonete, nos empurrando para frente. Minha cabeça bate no volante e minha visão obscurece. Eu não percebo que estou puxando o volante para o lado até que Nine o alcance e nos endireite antes de mergulharmos em uma vala. O pensamento me deixa sóbria, limpando meus pensamentos, mas minha cabeça está latejando.

— Você está bem? — Nine grita, parecendo frenético, mas calmo ao mesmo tempo, e percebo que ele não está chateado por si mesmo, mas por mim.

Eu só posso acenar enquanto tento nos manter na estrada.

— Aí vêm eles! — Nine avisa, e me preparo para mais um impacto quando um Cadillac preto, mais antigo, surge na estrada, vindo de dentro da grama alta do milharal vizinho, acelerando na direção oposta. Ele pisa nos freios e gira em uma curva completa até ficar ao lado do Hummer.

Uma bala quebra o para-brisa traseiro, e me abaixo, pressionando o acelerador com tanta força que não ficaria surpresa se meu pé atravessasse o piso.

Eu olho pelo retrovisor e vejo quando uma mão aparece do lado do passageiro do Cadillac... segurando algum tipo de fruta verde?

— Que porra é essa? — Eu murmuro. — Quem é aquele? — Eu pergunto.

Sobre o som de balas e pneus em alta velocidade, ouço alguém rindo. Não, eles não estão rindo. Eles estão... cantando?

— Aqueles são nossos reforços.

— Por que nossos reforços estão cantando Boom Boom Pow do Black Eyed Peas? — Eu grito.

— Você descobrirá. Só aconteça o que acontecer, não pare. Não importa o que.

— Por que diabos eu pararia? — Eu pergunto, freneticamente, gritando: — Estamos sendo perseguidos! E que porra não importa o que significa?

Minha resposta vem na forma de uma explosão no piso sob nós fazendo parecer que a terra se abriu e está prestes a nos engolir inteiro. Eu olho pelo retrovisor e vejo chamas amarelas e vermelhas junto com uma fumaça preta onde o Hummer tinha acabado de estar. A explosão é tão forte que a caminhonete avança como se eu tivesse pisado no acelerador quando meu pé já estava no piso. Os pneus traseiros levantam do asfalto, e meus braços parecem estar quebrando enquanto tento segurar a roda em linha reta. Tenho certeza de que estamos prestes a virar quando os pneus assentam de novo, e sou inundada por uma onda de alívio tão forte que fico tonta.

Olho para Nine e ele está tentando me dizer alguma coisa, mas não consigo ouvi-lo por causa do zumbido nos meus ouvidos. Eu percebo que ele está falando a palavra pare.

Demoro alguns segundos para processar o que ele está dizendo. Quando entendo, faço conforme as instruções e, lentamente, paro no lado da estrada.

Nine e eu estamos respirando pesadamente, tentando recuperar o fôlego.

A primeira coisa que escuto depois que o zumbido agudo em meus ouvidos começa a diminuir é o riso seguido de uma voz. — O que vocês acharam daquela maçã, filhos da puta?

— Esses são nossos reforços? — Pergunto.

Nine acena, seu peito arfando enquanto tenta recuperar o fôlego.

Nossos olhos se trancam. Há algo no ar entre nós. Está carregado. Elétrico. Eu posso sentir o calor do seu corpo todo o caminho através da cabine. Meus lábios formigam. Meus sentidos me abandonam. Estou prestes a abrir a porta para tomar ar fresco e recuperar os sentidos quando Nine atravessa a cabine, levanta-me do banco e me coloca em seu colo. Ele puxa minha cabeça para baixo e esmaga seus lábios nos meus, e não é nada como qualquer beijo que já experimentei antes. Eu nem sabia que as pessoas se beijavam assim. Talvez, eu esteja morta, porque a maneira como sua língua lambe a minha boca parece o céu, mas o jeito que meu corpo reage, os mamilos formigam, as coxas esfregam as dele, a necessidade e a pressão aumentando enquanto ele destrói apaixonadamente o que eu achava que um beijo deveria ser, parece mais pecaminoso que celestial.

Eu posso estar no Inferno, mas nem me importo.

O sentimento não dura muito tempo. Os lábios de Nine saem dos meus e sou colocada de volta no banco do motorista assim que a porta se abre de repente. Um homem usando uma camisa com suspensórios e uma gravata borboleta aparece.

— Olá, crianças. Vocês gostaram do show? Alguém se machucou? Morreu? Está morrendo? Em chamas? Dor de cabeça? Náusea? Descarga inexplicável? Urticária que não desaparece? Uma súbita necessidade de parar, cair e rolar pra caralho? — Ele passa a mão pelo longo cabelo, lambendo-o para trás e expondo o cabelo mais curto por baixo e as tatuagens nas laterais do couro cabeludo. — Não? Apenas algumas carícias pesadas pós-adrenalina? Entendi. Já estive lá. Já fiz isso. Já vesti essa camiseta filha da puta.

— Você demorou, — Nine geme.

Eu ajusto meu vestido e aliso meu cabelo, ainda respirando pesadamente enquanto Nine parece não ter sido afetado pelo que acabou de acontecer.

— Não tem de que por salvar sua vida, irmão. Estou feliz por ter sido útil, — diz o homem, tirando um chapéu imaginário.

Nine ri, em seguida, assobia e agarra o braço. — Lenny, conheça nossos reforços, também conhecido como meu irmão idiota, — ele geme.

Irmão. Faz sentido. Eu posso ver as semelhanças. Eles parecem ter a mesma altura e têm quase os mesmos olhos cor de avelã. A coisa que é mais impressionante entre os dois é o sorriso deles. Ambos ligeiramente tortos e como se estivessem escondendo algo perverso. Ver o sorriso de Nine em outro homem é francamente estranho.

— Este sou eu! Olá senhorita, que não conheço que está sentada no carro do meu irmão. — O homem estende uma mão fortemente tatuada. — Meu nome é Samuel Clearwater, mas meus amigos me chamam de Preppy... assim como todos os outros.

Eu ignoro a conversa fiada quando percebo que mais e mais sangue jorra do braço de Nine. — Merda. Você foi atingido.

Preppy se inclina dentro do carro em cima de mim, me pressionando no assento com o nariz na camisa dele. Ele pressiona o dedo no braço de Nine, que em troca empurra Preppy para longe dele com o braço bom.

— Filho da puta, — Nine amaldiçoa.

Preppy alisa a camisa com as mãos e ajeita a gravata borboleta. — Isso não foi muito amigável, irmão.

— Devemos levá-lo para o hospital.

— Não, — diz Nine.

— Hospital? Para quê? — Preppy pergunta, não parecendo tão preocupado ou em pânico quanto eu me sinto.

— Por isso! — Eu digo, apontando para todo o sangue. — Porque ele foi baleado.

— Isso? — Ele aponta para a ferida de Nine. — Meu filho ficou pior quando caiu de patins. Isso é apenas um arranhão. Em minha opinião médica profissional, nada de um bom esparadrapo e uma super vitamina do Preppy não possa curar.

— Você é médico? — Eu pergunto, cética.

— Não, mas eu assisto um na TV. Já volto, crianças! — Preppy corre de volta para o seu carro e retorna, segundos depois com um enorme copo de isopor.

— Merda, sim, me dê isso. — Nine pega o copo com a mão boa. Segurando-o entre os joelhos, ele puxa o canudo, tirando a tampa de plástico. Erguendo-o à boca, seu pomo de Adão balança para cima e para baixo em rápida sucessão enquanto engole.

— O que exatamente é uma super vitamina do Preppy? — Eu pergunto. Seja o que for, tem que ser bom porque Nine nem mesmo faz uma pausa para respirar até o copo estar completamente vazio.

Preppy sorri orgulhosamente. É como uma vitamina normal, só que melhor. Vamos ver... — Ele marca os ingredientes em seus dedos enquanto os lista. — Frutas e vegetais orgânicos de origem local Você tem mirtilos, morangos, bananas, espinafre... oh, e claro, couve. Você tem que ter couve. É um superalimento. Ou assim minha esposa me diz. Qualquer que seja, tudo isso é misturado com um iogurte feito de leite de vacas alimentadas com pasto não transgênicos aqui de Logan Beach. É tão fresco que é praticamente direto da teta.

Nine limpa a boca com as costas da mão. — Muito melhor.

— Viu? — Preppy diz triunfante. — A super vitamina do Preppy funciona mais uma vez.

Nine se senta, de repente parecendo mais alerta e com menos dor. No entanto, ele ainda está sangrando. Ele rasga a camisa na barra e começa a amarrá-la ao redor de sua ferida, mas não consegue fazer isso com uma mão. — Aqui, deixe-me, — eu digo, pegando o tecido e apertando-o em torno de sua ferida. — Pronto. Espero que isso pare o sangramento por um tempo.

Quando olho para cima, percebo como meu rosto está perto do de Nine e, de repente, percebo que meus seios estão pressionados no lado dele. Ele lambe o lábio inferior enquanto olha para o meu. Meu corpo inteiro aquece.

Eu me lembro de que não estamos sozinhos quando Preppy continua falando do lado de fora do carro. — Eu acho que esqueci um ingrediente...

Eu rastejo de volta para o banco do motorista, mas o calor persistente, a lembrança de seu toque, a sensação dele ficando duro debaixo de mim, permanece. Eu acho que nele também, porque seus olhos se movem lentamente sobre mim, do meu pescoço para os meus seios, em seguida, de volta para os meus lábios.

Eu estremeço.

O imbecil arrogante sorri quando percebe os pelos dos meus braços arrepiados.

Preppy termina qualquer pequena quantidade de vitamina que foi deixada no copo com um forte ruído, em seguida, pressiona os dedos e fecha os olhos, silenciosamente pronunciando os ingredientes novamente. De repente, seus olhos se abrem e ele estala os dedos. — Oh, sim. Eu quase me esqueci! — Ele mantém o polegar e o indicador a uma polegada de distância. — Também pode ou não ter um pouquinho de cocaína nele. — Ele se inclina para o carro — Brincadeira! — Ele abaixa a voz para um sussurro. — Há muita merda de cocaína nele.

 

Capítulo Quatorze

LENNY


A tensão na caminhonete é espessa e me sufoca. Nós escapamos por pouco de uma perseguição em alta velocidade onde estávamos levando tiros.

E aquele beijo.

Foi tão explosivo quanto uma granada.

Eu estou muito sóbria para isso.

— Diga-me uma coisa. Como a cocaína ajuda sua dor? Um analgésico... não seria melhor? — Pergunto.

— Foda-se isso. Analgésicos na verdade não tiram a dor. Eles deixam sua mente lenta. Eu não mexo com essa merda. Vi muitas pessoas perdem tudo por causa disso. Estatisticamente falando, é também a principal causa de morte nos EUA de homens e mulheres saudáveis com idades entre 18 e 50 anos e os analgésicos são altamente viciantes. Você desiste ou morre; não há meio termo. Vi isso acontecer. Não vou por esse maldito caminho. É um barco lento para o inferno que não quero pegar.

— Então, você não acha que vai para o inferno? — Pergunto.

— Não, eu vou, só acho que há melhores maneiras de chegar lá.

— Você é irritantemente esperto, — digo a ele.

— Você é irritantemente irritante, — ele responde. — E eu concordo. Eu sou meio genial.

— Eu disse esperto, não genial.

— Estava implícito.

— Eu não sei que tipo de gênio usa cocaína para se livrar da dor, — indico.

— Oh, com a cocaína, você ainda sente a dor. — Ele sorri. — Mas você está tão no topo do mundo que simplesmente não dá a mínima.

Eu rio até me lembrar de quem não está no topo do mundo agora. Os homens mortos naquele Hummer. — Merda, e sobre os destroços queimados que deixamos na estrada? Os policiais não vão investigar quem lançou uma granada e explodiu o Hummer?

— Está sendo cuidado enquanto falamos, — diz Nine, checando seu telefone enquanto dirige com o joelho.

— O que você quer dizer com está sendo cuidado? — Eu pressiono.

— Quero dizer que tenho pessoas cuidando disso. Os policiais não farão nenhuma pergunta.

Eu me aproximo e o ajudo com o volante porque minha ansiedade não me deixa NÃO agarrá-lo.

Ele me lança um olhar interrogativo, depois revira os olhos e assume o volante novamente.

Eu solto. — Quem são essas pessoas de quem você fala? Os que cuidam das coisas?

— Apenas pessoas que fazem esse tipo de coisa.

— Você tem pessoas para cuidar de corpos queimados e destroços de explosões? — Eu torço meus lábios. — Você sabe que não é normal, certo?

— Talvez não para você, mas é para mim e para a maioria das pessoas que conheço. O que é normal, afinal?

— Ultimamente? — Eu esfrego minhas têmporas. — Eu não tenho ideia.

Eu vejo uma foto de Nine entre três crianças sorridentes. Um garoto e o que parecem ser garotas gêmeas.

— Quem são eles? — Eu pergunto, curiosamente.

Nine sorri, e eu odeio que isso faz meu estômago revirar. — Se você está pensando que ando com a turma errada, então você está certa. Porque estou sempre me metendo em algum tipo de problema com esses três.

— São seus filhos?

— Não, meu sobrinho e sobrinhas. Bo, Miley e Taylor.

Eu levanto minhas sobrancelhas para os nomes de estrelas pop das garotas. — Miley e Taylor?

Ele bate os polegares no volante. — Meu irmão gosta de música pop teen, entre outras coisas.

— Você e seu irmão são próximos? — Eu pergunto, sentindo o desejo de saber mais.

Ele inclina a cabeça. — Ele simplesmente jogou uma granada em alguém por mim. O que você acha?

Nossos olhos se fecham e o calor de antes se ergue entre nós. Eu olho para longe, para fora da janela do passageiro, apenas para notar que entramos em uma rua muito familiar. Minha rua.

— Você está me levando para casa? — Eu pergunto, parecendo tão surpresa quanto me sinto.

Nine não olha para mim quando responde. — Não. Vamos apenas fazer uma parada, para que você possa pegar algumas de suas merdas. Você virá comigo até que possamos resolver isso. Você não estará segura enquanto os homens de Ricci ainda estiverem procurando por você.

— Não, eu não vou com você, — eu digo. — Eu vou ficar aqui.

Ele rosna e suas narinas dilatam. — Você diz isso como se tivesse uma escolha. Você não tem. Tem pessoas atrás de você. Homens que não serão tão bons a ponto de parar em sua casa para pegar sua merda antes de arrastá-la.

— Só a parte sobre arrastar então? — Eu grito.

Nós entramos na minha garagem.

— Espere, como você sabe onde eu moro? — Eu pergunto.

Nine não responde por que está focado em algo no para-brisa.

— Porra, — ele xinga.

Porra mesmo. Há três carros da policia na minha garagem, com vários policiais uniformizados parados conversando e tomando café. Todos os móveis que estavam dentro da minha casa agora estão empilhados no meio da entrada.

Eu posso ver em seus olhos que Nine está pensando em dar meia volta, mas o policial no centro nos vê chegando e acena. É tarde demais.

Nine me dá um olhar de advertência e estaciona a caminhonete.

— Não diga ou faça qualquer coisa estúpida, — ele avisa.

Nós saímos e o oficial que nos acenou se aproxima. — O que está acontecendo? — Nine pergunta.

O policial dá uma olhada nele, seguido de um olhar de desaprovação que me faz querer tirar o café das mãos dele.

Idiota julgador.

— Você é a senhorita Lenore Leary? — O oficial me pergunta.

— Eu sou.

— Bom. Estou aqui a mando do First Bank de Logan Beach para realizar o despejo. Peço que você permaneça o mais calma possível e faça o que pedirmos, e não teremos nenhum problema aqui hoje. Está entendido?

— Despejo? — Nine pergunta.

Ele me entrega um aviso vermelho brilhante.

— Sim, senhor. O despejo é a parte final do processo de encerramento. O banco tomou posse formalmente da casa esta manhã. O juiz Ashbury já assinou. Você deve ser retirada à força da propriedade, e o conteúdo da casa leiloado para ajudar a pagar parte da dívida.

— Eu... eu achei que tinha mais tempo. — Não consigo ler as palavras no aviso. Elas estão embaçadas por trás dos meus olhos vidrados. Mas não preciso ler para saber que estou totalmente e regiamente mais fodida do que antes.

Nine tira das minhas mãos e lê.

— Lamento ouvir isso senhora, mas... — O policial olha para as anotações. — O coproprietário, o... Jared Cox, foi notificado em seu local de trabalho em ambos os noventa e trinta dias antes do processo de hoje. Eu tenho suas assinaturas aqui, se você quiser verificar que ele estava ciente de que este processo estava ocorrendo e abriu mão do seu direito a uma audiência para contestar o encerramento.

— Jared nunca me disse. Por que ele não... — Eu paro porque qual é o ponto em querer saber o por quê? Neste ponto, o fato de Jared não ter me dito que não estava pagando a hipoteca é algo discutível. Com todo o dinheiro que ele roubou, ainda precisava tirar cada última coisa minha sem sequer um cortês: — Ei, não só te deixando, eu também estou deixando você com essa bagunça gigantesca que fiz. Tenha uma ótima vida.

Estou com tanta raiva de Jared, e mais do que isso, de mim mesma, que começo a rir. Começa baixo e calmo até que estou gargalhando para o céu como uma lunática enlouquecida.

— Você está bem, senhorita? — O policial pergunta. Quando não respondo, ele se vira para Nine. — Ela está bem?

— Claro que estou bem! Eu estou simplesmente ótima! — Eu olho para o céu e as nuvens de chuva que se aproximam. — Jared, seu covarde! Onde quer que você esteja, espero que o rejeitem no country club, e espero que o seu Wi-Fi seja incompleto, na melhor das hipóteses!

— Isso é o melhor que você tem? — Nine pergunta, parecendo divertido.

— Sim, você poderia fazer melhor, — concorda o oficial.

Eu reviro meus olhos para eles.

— Podemos entrar e pegar alguns de seus itens pessoais? — Nine pergunta. — Roupas e merdas de banho? — Nine coloca seu grande braço em volta do meu ombro. Eu não acho que seja para me confortar, mas sim um lembrete de que eu não vou a lugar nenhum a não ser com ele.

— Itens pessoais, sim. Móveis ou utensílios, não. Os carregadores ainda estão terminando o térreo. Eles ainda não chegaram ao segundo andar. Você tem vinte minutos e nem mais um segundo. O serralheiro vai estar aqui em breve para mudar as fechaduras. Depois disso, você não poderá voltar.

 


NINE


Eu tento não olhar para o local do quarto principal, onde Jared desmoronou depois que o matei.

Eu ajudo Lenny a pegar uma mochila do armário enorme, e ela enfia o máximo de roupa possível dentro. Ela olha em volta e seus ombros caem. Ela fecha a mochila. — Eu acho que é isso, — diz ela.

Eu olho em volta para o seu closet ainda muito cheio. — Tem certeza? — Eu pergunto. — Ainda tem muita merda aqui.

Ela acena com a cabeça. — É de outra vida.

Eu pego sua mochila e a coloco sobre o ombro.

— Você fez bem em não dizer nada aos policiais, — digo a ela.

Ela revira os olhos. — Eu nem saberia o que lhes dizer. Que você está me levando para algum lugar contra a minha vontade, mas não é como se eu tivesse qualquer lugar para ir, então ser sequestrada é minha única opção?

— Eu estou te mantendo segura, — eu argumento. — Os homens de Ricci não vão parar de procurar por você.

— Mas por que você está me mantendo segura? — Ela pergunta. — Eu te disse que não sei nada sobre as coisas de Jared, e você pode checar meu laptop e meus registros se não acredita em mim. Estou sendo despejada por amor a Cristo. Jared roubou cada centavo que eu tinha e fugiu da cidade. Não há razão para você querer me manter segura. Você nem me conhece.

— Eu conheço muito mais do que você pensa.

Ela sai do armário e se dirige para as escadas quando vê uma foto na cômoda. Ela pega e passa as pontas dos dedos sobre o homem e a mulher sorridentes na moldura. A mulher parece com Lenny, só mais velha.

— Meus pais, — diz ela, respondendo a minha pergunta não formulada. — Eles morreram há quatro anos hoje.

Eu paro atrás dela e olho por cima do seu ombro e percebo que há outra pessoa na foto também. Uma jovem de cabelos loiros platinados curtos e brilhantes olhos azuis, de pé entre eles. Eu pisco como se estivesse vendo um fantasma. — Quem é essa? — Eu pergunto, tentando esconder o fato de que estou tremendo enquanto espero por sua resposta, porque eu sei qual vai ser e estou surpreso por não ter visto isso antes.

— Sou eu há muito tempo. Antes de começar a usar óculos, e antes de deixar meu cabelo crescer e voltar à sua cor natural. Eu parecia tão diferente, não é?

Minha garganta está seca. Eu me viro e puxo meu cabelo. Eu preciso me sentar. Eu preciso respirar porra. Sento-me no final do colchão.

— O que há de errado? — Lenny pergunta, empurrando a foto em sua bolsa.

O que há de errado é que uma foto acabou de mudar tudo.

E a pior parte é que não tenho certeza se devo contar a ela. De repente, não sei mais nada quando um segundo atrás, estava tão certo de tudo. É por isso que me sinto tão protetor com ela. É por isso que me sinto tão atraído por ela quando só me senti assim por uma pessoa antes. Estou tentando resolver muitos pensamentos colidindo quando minha mão se conecta com algo duro sob o edredom ao meu lado. Lenny percebe o nó na cama e atravessa o quarto.

Eu sinto a forma sobre o cobertor e imediatamente sei o que é.

— Que diabos é isso? — Lenny pergunta, puxando o canto do edredom.

— Espere, Lenny, não, — eu aviso, mas é tarde demais. Eu pulo da cama e cubro sua boca porque ela está gritando.

Eu não a culpo. Se fosse a primeira cabeça decepada que eu visse, provavelmente estaria gritando também.

— Tudo bem aí em cima? — Dispara o policial de dentro do foyer.

— Está tudo bem. Nós vamos descer em um minuto, — eu grito de volta.

— E a moça? — Ele pressiona. Eu ouço passos lentos e hesitantes na escada.

Eu libero sua boca lentamente. Eu sussurro em seu ouvido: — Responda para que ele não venha até aqui, — instruo. — Você pode fazer isso? — Ela balança a cabeça contra a minha mão, e eu a libero totalmente.

Ela respira fundo. — Estou bem. Desculpe, sobre o grito. Uma aranha subiu pelo meu pé e eu gritei.

O oficial ri e, felizmente, o som de seus passos segue recuando. — Minha esposa faz a mesma merda. Ela odeia aranhas, — diz ele. — Terminem. Faça isso rápido.

Depois que a porta do andar de baixo se fecha novamente, corro para o armário e pego a maior mala que consigo encontrar. Eu a tiro do topo do armário e a levo até a cama, colocando-a no chão. Eu recolho a cabeça com o edredom e lençóis e enfio tudo dentro da mala. O colchão está manchado de sangue. — Você sabe quem é esse? — Pergunto.

Lenny está tremendo, olhando sem piscar para a cabeça. Ela acena com a cabeça. Seu lábio treme.

— Quem é? — Eu ordeno enquanto fecho a mala.

— É... o nome dele é Don Sheffield. Nós o chamamos de Sheff. Ele é... era o parceiro de negócios de Jared.

— Você tem alguma lixívia? — Eu pergunto. Ela aponta para o corredor. Eu corro para a dispensa do segundo andar e procuro a água sanitária. Quando volto, Lenny está na mesma posição de antes. Eu encharco a mancha de sangue com água sanitária e pressiono o colchão. Eu pego lençóis limpos do armário e os coloco de volta. Eu jogo o edredom por cima e pego a mão de Lenny.

— Por que havia uma cabeça na minha cama? — Ela pergunta, sua mão tremendo na minha enquanto a puxo pelas escadas até a porta da frente.

— Não é apenas uma cabeça. É um maldito aviso.

Estranhamente, não é a cabeça que me deixa tão abalado.

É descobrir a razão pela qual me sinto tão protetor com ela. A razão pela qual eu a quero de uma forma que só quis outra pessoa em toda a minha vida.

Lenny Leary não é apenas Lenny Leary.

Ela é a garota da ponte.

Ela é Poe.

E ela está viva.

 

Capítulo quinze


LENNY


Mais uma vez, estou muito sóbria para isso.

Não falamos muito desde que voltamos ao carro, mas algo mudou em Nine. Estou certa disso.

Depois de uma rápida parada para jogar a cabeça no pântano, com mala e tudo mais, voltamos à estrada.

Porque é o normal para Nine.

— Isso é como uma terça-feira normal para você, não é? Jogar cabeças para os jacarés. Granadas. Tiroteios.

Nine rosna e olha pelo para-brisa. — Sim, tudo como em uma terça-feira normal, exceto por você.

— Eu sou o fator irregular aqui? Isso é um bom pensamento. — Eu me sinto louca, quente e confusa. Eu estou tremendo no banco do passageiro, olhando pela janela.

Aguente, Lenny. Aguente.

Eu pressiono minhas unhas nas palmas das mãos, mas não é o suficiente. Eu não posso processar tudo o que está acontecendo agora. A fim de lidar e não quebrar em histeria, arquivo a CABEÇA CORTADA na parte de trás do meu cérebro, sob a categoria PARA SER TRABALHADO MAIS TARDE.

Eu respiro fundo algumas vezes, e o pânico diminui o suficiente para eu parar de tremer. Arquivamento completo.

Passamos por um parque de trailers decadente e entramos em uma estrada que parece a Main Street USA com bangalôs reformados em estilo velha Florida. Cada uma das pequenas casas está alinhada com uma cerca branca como algo que você veria em uma comédia familiar dos anos cinquenta, mas isso é ao vivo e a cores e me pego sorrindo para o menino perseguindo um golden retriever no seu quintal. A mulher idosa colocando uma torta na varanda para esfriar. O casal mais velho compartilhando o chá gelado em suas cadeiras de balanço.

— Eu trabalhei no setor imobiliário por anos, e até eu não sabia que lugares como este existiam deste lado, — eu digo. — É realmente lindo. — Percebendo como isso saiu, eu me encolho. — Desculpe, eu pareço uma esnobe.

Nine olha para a estrada à frente. — Não, você parece alguém que não passou muito tempo aqui. Ignorância não é ódio. Você pode consertar a ignorância com informações.

— Que tal o ódio? — Eu pergunto: — Como você conserta isso?

— Isso é fácil. — Nine pisca. — O ódio tem que ser vencido.

Eu olho nos olhos dele. Não há nenhum tipo de avelã para ser visto. Suas pupilas estão dilatadas no tamanho de bolas de golfe. Sem dúvida, um dos efeitos da vitamina que ainda não passou.

— Colocando as cabeças de lado, o que realmente está te incomodando agora? — Pergunta ele.

Ele não se importa. Ele só quer saber onde está o dinheiro.

Eu ignorei a Ansiedade e respondi mesmo assim. Talvez, para despeito da cadela. — Eu simplesmente não consigo... Eu sinto que não tenho mais ideia do que está acontecendo. Como se eu não estivesse no controle de nada.

— Eu conheço esse sentimento. — Nine respira fundo o ar quente do verão e solta em um longo suspiro. — Não é ótimo?

Eu reprimo o desejo de bater o pé como uma criança. — O que há de bom nisso?

— Você está vivendo, — diz ele. Eu sinto que há algum significado oculto por trás de suas palavras, mas não falo hieróglifos verbais.

— E por viver, você quer dizer ser ameaçada com cabeças decepadas, quase morrer em uma explosão, e ser despejada da minha casa?

Ele morde o lábio inferior e, de repente, eu gostaria que fossem meus dentes afundando em sua pele. — Às vezes, você quase morre para lembrar que está viva.

— Agora, sobre isso eu sei algo, — eu murmuro.

Saímos do caminhão em uma pequena casa onde o Cadillac preto de Preppy está estacionado. É um daqueles bangalôs mais antigos e perfeitamente restaurados. O tipo que eu sempre quis, mas Jared ignorou quando comprou a monstruosidade da casa na praia.

— Temos negócios inacabados, você e eu, — diz Nine, sua expressão ilegível.

Eu estou pensando sobre o significado disso quando o chão abaixo de nós ronca. Um rugido à distância cresce mais e mais alto até que uma grande motocicleta preta para em frente da casa. Um homem enorme de preto, usando cintos ao redor de seus antebraços, desmonta.

— Nine, — o homem diz em uma voz profunda que sinto no meu peito tanto quanto a vibração de sua motocicleta.

— King, — cumprimenta Nine.

— Temos que conversar, garoto. — King inclina o queixo para o portão. — Lá atrás.

 


NINE

King dá a volta na casa, indo para o quintal. Eu pego Lenny pela mão e a levo para dentro, onde somos recebidos pelo meu sobrinho, Bo.

— Tio Kevin! Eu finalmente descobri qual será meu nome de motociclista quando eu me juntar ao MC do Tio Bear! — Ele exclama orgulhosamente. Por não poder falar por anos, Bo raramente para de falar nos dias de hoje. Mas cada palavra que ele pronuncia me faz sorrir.

— Oh sim? O qual é, garoto?

Bo sorri brilhantemente, expondo um dente da frente ausente. — Bo.

Eu ri. — Você demorou tanto para escolher seu próprio nome?

— O quê? Você não gosta? — Bo franze a testa.

Eu bagunço o cabelo dele. — Garoto, eu amo isso.

— Você gosta da minha roupa hoje? — Ele pergunta, esticando a camiseta branca que está usando.

Todos os dias, ele se veste como Bear, Preppy ou King. Hoje, ele não está usando um colete de couro e nenhuma camiseta como Bear, não está usando cintos enrolados em seus braços como King, e nem está usando uma gravata borboleta e suspensórios como Preppy. Hoje, pela primeira vez, ele usa uma camiseta branca com decote em V, jeans largos e tênis branco.

Como eu.

— Então, tio Kevin? — Ele pergunta, girando para que eu possa observá-lo. Eu não consigo parar de sorrir para o garoto. — O que você acha? Eu não pareço com você?

— Você parece. E ainda tem a minha corrente. Eu aponto para as contas que ele está usando em torno de seus pulsos e pescoço.

Ele encolhe os ombros. — A atenção está nos detalhes. Estas são apenas de plástico, no entanto. Eu roubei das minhas irmãs. Vou conseguir as de verdade um dia. — Ele olha para mim como se estivesse esperando pela minha aprovação.

— Você se parece com ele, — diz Lenny ao meu lado.

— Oi, eu sou Bo Clearwater, — meu sobrinho diz, oferecendo a mão a Lenny. — Você é super bonita, assim como a minha mãe. — Bo se vira quando Dre, minha cunhada, entra na sala. Ela está usando um vestido de verão preto, inspirado nos anos cinquenta. Seus lábios são seu habitual vermelho brilhante, e seu cabelo está puxado em um coque no alto de sua cabeça. — Mamãe, mamãe! Tio Nine gostou disso! Ele disse que pareço com ele! Agora, só tenho que conseguir uma caminhonete grande como a dele... — Ele corre pelo corredor. — Eu vou ao computador ver quanto elas custam. Eu tenho um pouco de dinheiro no meu cofrinho... — a voz dele sumiu.

— Parece que você tem um admirador nele, — diz Lenny.

— Ele tem com certeza, — diz Dre. — Oi, eu sou Dre.

— Esta é Lenny, — eu apresento.

— Os garotos estão lá fora, esperando por você, — diz Dre. — Lenny, você gosta de biscoitos? — Dre abre o forno e tira um lote de suas famosas gotas de chocolate.

— Alguém já disse não a essa pergunta? — Pergunta Lenny.

Dre pisca um sorriso radiante. — Ainda não.

Lenny se junta a ela no balcão. Dre me lança um olhar que me diz que ficará de olho nela.

— Eu já volto, — eu digo.

Eu saio para o quintal onde não só King está esperando por mim na varanda dos fundos, mas também Bear e Preppy.

— Então, essa é a garota de Jared? — Bear pergunta, olhando atrás de mim através das portas de vidro deslizantes.

— Não, não é sua namorada. Jared está morto, — eu lembro a Bear. — Você estava lá, lembra?

— Oh sim, quase esqueci sobre isso. — Ele me mostra um sorriso.

Eu olho para o Lenny de novo. Ela está sentada no balcão, conversando com a esposa de Preppy.

Preppy se inclina para trás no tapume e prende os polegares sob os suspensórios, esticando e soltando-os várias vezes antes de falar. — Entãooo... eu odeio ser o portador de notícias interessantes, mas você está olhando para ela como se quisesse comê-la. Muito perseguidor?

— Não, eu não vou comê-la, — eu estalo defensivamente. Muito defensivo.

Preppy libera seus suspensórios e levanta as mãos como se estivesse sendo assaltado. — Ei, ei. Não enlouqueça, irmãozinho. Eu não disse que perseguir era uma coisa ruim. Na verdade, se você precisar de algumas dicas, eu ficaria feliz em inscrevê-lo no 101 Maneiras De Perseguir Como Um Filho Da Puta do Preppy.

— Tenho ficado de olho nela para conseguir nosso dinheiro de volta, mas agora que os homens de Ricci estão atrás dela, assistir à distância não era mais uma opção. Eu não estou a perseguindo. Eu estou trabalhando nela. — Posso repetir as palavras inúmeras vezes. Neste ponto, nem tenho certeza se acredito nelas.

Ele levanta as sobrancelhas, fazendo com que a cicatriz no lado esquerdo do rosto pareça mais proeminente. — Oh sim, então como você chama esse olhar que acabou de dar a ela? — Preppy pergunta conscientemente. Eu olho para os meus pés para evitar o sorriso de merda que sei que está em seu rosto presunçoso agora. — Ou talvez, o que peguei vocês fazendo depois de todo o episódio da explosão? Porque trabalhar nela é exatamente como eu descreveria aquilo.

Eu olho para King e para Bear. Sou um homem feito. Eu sou um líder, mas estar na presença dos três homens que dirigem esta cidade ainda tem uma maneira de me fazer sentir como uma criança novamente. Um garoto que tem que provar a si mesmo em cada chance.

Eu odeio esse sentimento.

Preppy ri. — Eu contei aos dois esse fato suculento. Você sabe que eu fofoco. É difícil manter essa merda para mim mesmo. — Ele me bate nas costas e pula ao meu lado no degrau. Ele envolve seu braço em volta do meu ombro com afeto, quase me estrangulado. — Mas apenas uma dica de um perseguidor para outro, se masturbar fora da janela do quarto dela não faz de você um perseguidor, faz de você um tarado. Um jogo totalmente diferente e levemente desaprovado aos olhos de... bem... — Ele inclina a cabeça e olha para o céu antes de seus olhos encontrarem os meus mais uma vez. — ...todos.

Eu pego uma cerveja que King me entrega quando me lembro da dor no meu braço.

— Você está ferido? — King pergunta, nunca sendo de muita conversa.

— Apenas um arranhão, — eu digo. — Não posso ficar muito tempo. Os homens de Ricci podem estar em qualquer lugar. Tenho que tirar Lenny daqui. Não preciso colocar a família na mira.

— Sim, — diz King. — Essa é uma parte da razão pela qual estamos aqui.

— Parte? — Eu levanto uma sobrancelha.

Ele apoia os cotovelos nos joelhos. — Sim, parte. Eu ouvi de um dos homens de Ricci. Acontece que eles têm provas de que Lenny estava no esquema de Jared. Sua assinatura está em todos os papéis de transferência. Eles não conseguem encontrar para onde o dinheiro foi transferido, mas acham que ela poderia saber.

Lenny assinou? Ela sabia?

— Isso não faz sentido. — Eu lhes conto sobre a cabeça do parceiro de negócios de Jared que encontrei em sua cama e sobre seu despejo. — Se ela tivesse dinheiro escondido em algum lugar, não teria perdido seu negócio, sua casa ou seu carro. Jared não teria a deixado.

— Ou ela pode ser realmente boa em fazer as pessoas acreditarem que não tem dinheiro escondido em algum lugar antes que ache que é seguro o suficiente para deixar a cidade. Quero dizer, sem querer me gabar, mas sou bom pra caralho nisso. — Preppy entra na conversa. — Sério, eu tenho dinheiro em todos os lugares.

Bear tira o rótulo da cerveja. — Ou ela estava no golpe, mas Jared a descartou e a deixou na mão antes de seus planos de deixar a cidade serem... interrompidos.

— O que você acha? — King pergunta. Ele acende um baseado e me entrega. Eu pego e inalo profundamente. Quando eu exalo, a dor não é tão aguda quanto antes. — Não é como se você conhecesse a garota.

Eu suspiro e coço minha cabeça. — Essa é a merda da coisa. — Eu olho para os três. — Eu a conheço.

— Besteira, você só sabe que quer fodê-la, — zomba Bear. — Senti o mesmo com a minha mulher. — Seu sorriso se alarga quando ele percebe o que acabou de dizer.

— É mais complicado do que parece, — eu ofereço, com um suspiro exasperado.

— Você me conhece? Eu sou o Imperador da porra de um reino complicado, — meu irmão diz. — Então, desembuche.

Isso é verdade. Se Preppy já não tivesse um nome, complicado seria seu primeiro, do meio e último.

— Lenny não é apenas a ex- namorada de Jared. Ela também é outra pessoa. — Eu nem sei como começar a explicar sobre Lenny e os poucos momentos em que estive com ela que mudaram o resto da minha vida.

— Ela é um homem! — Preppy suspira. — Isso é terrível. A menos que você goste desse tipo de coisa, então bom para você, mano. — Ele me dá dois polegares para cima e o sorriso mais bobo do planeta.

Eu bato seus polegares para baixo. — Não, filho da puta. Ela não é homem. Ela é a garota da porra da ponte. — Minha voz é mais alta do que eu pretendia. Eu me viro para me certificar de que ninguém estava ouvindo. Felizmente, Lenny e Dre ainda estão conversando.

— Ela é... — Preppy diz, incrédulo, seu queixo no chão. — Oh, filho da puta de merda da porra.

— Irmão, pela primeira e provavelmente a última vez, vou lhe dizer isso. — Eu coloquei minha mão em seu ombro. — Eu não poderia ter dito melhor.

— Então, espere... você e a garota de Jared? — Bear inclina a cabeça e aperta os olhos.

— Ela não é a garota de Jared, — eu corrijo de novo. Eu olho para o meu irmão porque ele é o único além de Pike que sabe sobre aquela noite.

— Uh, como? Achei que a menina da ponte estava morta? — Preppy pergunta, sua mandíbula no chão. — Ela caiu da Ponte pelo amor de Deus!

— Eu achei que ela estava morta, mas como você pode ver, ela não está porque está dentro de sua casa conversando com sua esposa. — Eu estou dizendo as palavras, mas ainda não consigo acreditar que essas palavras são realmente verdadeiras.

Ela está aqui.

Ela está viva.

Eu matei o namorado dela.

— Whoaaaaaaa, — diz Preppy fazendo um gesto de explosão com as mãos em cada lado da cabeça. Ele rapidamente conta a King e Bear a história enquanto eu bebo minha cerveja em uma tentativa de anestesiar a dor no meu braço que está piorando a cada segundo.

— Bem, isso coloca mata nossos planos para tirar as informações dela sob tortura, — diz Bear. — Mas, assim como no MC, se você reivindicá-la, ela estará sob sua proteção e isso significa que também estará sob a nossa. Essa é uma decisão sua, mas lembre-se de que você não pode mudar de ideia depois de feito.

King esvazia sua cerveja e se levanta, jogando-a em uma lata de lixo de metal no lado do deck. — Reivindicá-la também significa que, se ela estiver mentindo, não a tocaremos. Caberá a você resolver a merda se descobrir que ela foi a responsável por nos foder, e não acho que preciso te explicar o que isso significa.

Eu aceno meu entendimento. Isso significa que, se ela precisar ser eliminada, eu serei o único a fazer isso.

— Então, o que vai ser irmão? Ela é sua? — Pergunta Bear, parecendo muito divertido.

Eu olho através das portas de vidro e vislumbro os longos cabelos castanhos de Lenny enquanto ela se agacha, conversando com minhas sobrinhas gêmeas. Elas riem do que quer que ela esteja dizendo. Um sentimento dentro de mim mais poderoso do que qualquer droga que já tomei me domina.

Minha. Minha. Minha. Minha para proteger. Minha para...

Eu nem preciso terminar o pensamento. Eu tenho minha resposta.

— Sim, ela é minha.

King olha para dentro da casa, com um sorriso no rosto. — A questão é, ela sabe disso?

Lenny pega Miley e gira em torno dela.

— Não, — eu me levanto e jogo minha cerveja no lixo. — Mas ela vai descobrir.

 

Capítulo dezesseis

LENNY


— Pelo amor de tudo o que é profano, por favor, me diga que você tem vodka no Breaking Bad 2.0? — Eu aponto para o trailer de Nine. É amarelo por fora, embora eu não tenha certeza se essa era a cor original ou se acabou assim com o tempo. Tem cerca de dez metros de comprimento se eu tivesse que adivinhar com uma linha marrom e laranja no meio.

— Eu posso ter um pouco guardada em algum lugar, — ele responde, levando-me até a porta com a mochila na mão. — Mas não tenho certeza de como me sinto sobre você chamar meu trailer de um laboratório de metanfetamina.

— Daí o 2.0. — Eu explico. — Você mora aqui o tempo todo ou é só para onde traz suas vítimas? Como uma masmorra sobre rodas. Quão moderno e conveniente.

Ele esfrega seu templo com a mão livre. — Eu morava com Preppy e Dre e seu filho Bo, mas ficou um pouco lotado quando as gêmeas nasceram. Achei que era hora de dar-lhes espaço. Aqui eu posso ficar de olho nos campos, especialmente à noite, quando as crianças locais têm a brilhante ideia de pular a cerca em busca de maconha.

O interior do trailer é diferente à luz do dia. É mais antigo, com painéis de carvalho falso cobrindo as paredes e um tapete escuro e fino no chão, mas limpo. Simples. Armários brancos lisos e práticos, estão pendurados acima de uma cozinha aberta com um fogão de duas bocas e uma geladeira preta de tamanho médio. Uma mesa para duas pessoas com um balcão de linóleo rachado separando a cozinha da minúscula área de estar. Um sofá embutido verde-floresta fica de um lado, uma tela plana menor do que a moderna que fica no topo de uma pilha de livros na parede oposta. Sem fotos. Nenhum item pessoal visível de qualquer tipo além dos livros, mas eles poderiam estar aqui apenas para sustentar a TV. Uma porta separa a pequena área de estar do que eu acho que é provavelmente o quarto. Não pode ter mais de duzentos metros quadrados, mas tem tudo que um solteiro pode precisar.

Nine se inclina para que ele não bata a cabeça no teto baixo perto da porta.

Tudo, exceto talvez o espaço da cabeça.

— Bom, então me aponte na direção da dita vodka porque vou precisar de uma bebida ou vinte antes de começarmos a tortura e interrogatório, — eu anuncio.

Nine fecha a porta atrás de mim e eu pulo ao som da fechadura clicando. Sem saber o que fazer comigo e sem saber onde está à vodka, pressiono as unhas nas palmas das minhas mãos até que doa.

Nine pousa minha mochila no balcão. Ele é um homem grande, mas parece ainda maior nesse espaço. Como um gigante morando em uma casa pertencente à elfos.

Ele dá dois passos e chega na cozinha. Ele abre o armário acima da geladeira e pega dois copos de papel e uma garrafa cheia de vodka. Ele serve uma dose e coloca no balcão, empurrando-a para mim.

Eu afasto o copo e contorno o balcão, arrancando a garrafa de suas mãos. — Obrigada, — eu ofereço, me jogando no duro sofá verde. Eu sinto seus olhos em mim enquanto tomo vários goles ardentes. Quando termino, não coloco a garrafa no chão, mas sim como um bebê em meus braços. — Estou pronta, — eu anuncio. — Comece com a tortura.

Nine drena seu copo e o coloca no balcão, sem nem sorrir com minha tentativa de aliviar a situação potencialmente assassina. Ele se dirige ao sofá, mas permanece em pé, elevando-se sobre mim.

— Você estava envolvida no esquema de Jared para roubar o cartel, o MC e meus amigos?

— Não, — eu respondo.

Ele parece estar pensando.

— Você assinou como testemunha em qualquer um dos formulários de documentação para as transferências de nossas contas para si mesma?

— Não! Eu nunca assinei nada com Jared. Não tenho nada a ver com a empresa dele ou com o que você acha que ele roubou. Por que você não o encontra e pergunta a ele? Eu acho que isso pode ser uma melhor utilização do seu tempo. Só dizendo.

Eu tomo um grande gole da Baby Vodka.

— Esta é a parte em que você me dá choques ou arranca um dos meus dentes? — Pergunto.

A fachada séria de Nine quebra com a mais leve curvatura do canto da boca. — Ainda não.

— Ok, salvando a emoção para mais tarde. Gratificação atrasada. — Eu pisco. — Entendi. Gosto da sua tática. Prolongue a tortura. Faça-me sofrer mentalmente antes que eu sofra fisicamente. — Eu tomo outro gole da garrafa. — Ok, próxima.

Ele franze a testa. — Você sabe onde Jared escondeu o dinheiro que ele roubou ou onde está agora?

Eu seguro seu olhar, sem piscar. — Não. Mas eu estava meio que me perguntando onde está o dinheiro que ele me roubou também, ou melhor ainda, por que ele roubaria meu dinheiro quando já havia roubado todo esse dinheiro de vocês. Quanto era a propósito?

— Milhões, — Nine oferece.

Estou tão surpresa com a quantidade que acidentalmente cuspo vodka em todo o jeans de Nine. Ele nem sequer recua. Ele apenas olha para mim, avaliando todas as minhas reações.

Aposto que ele não viu essa reação chegando.

— Merda, e eu aqui chateada por sessenta mil. — Eu digo.

A única resposta de Nine é um olhar duro.

Eu suspiro. — Tudo bem, é agora que você pega as ferramentas? Me mostra como são afiadas e pontudas?

Ele franze a testa. — Não, eu tinha outra coisa em mente. — Seus olhos escurecem e meu estômago se agita. Eu não sei se é medo ou a vodka que deixa meu corpo de repente quente demais para minha pele.

— E... o que é isso? — Eu pergunto.

Nine se inclina, seus lábios estão a um fôlego dos meus.

Sinto o cheiro de menta em sua respiração. Eu fecho meus olhos, incerta do que esperar, mas com certeza não é, — Comida.

— Comida? — Eu abro meus olhos para descobrir que ele já está do outro lado da sala na pequena cozinha. Ele abre a geladeira e pega carnes, pães e pratos de papel.

— Comida? — Eu repito a pergunta.

— Sim, comida. Eu posso ouvir seu estômago roncando daqui.

— Oh, isso é apenas o meu estômago processando a vodka, — eu minto. Eu não me lembro da última vez que realmente comi e nem ouvi meu estômago roncar até que ele apontou e agora é tudo que posso ouvir.

Eu fico com a minha garrafa e ando até o pequeno balcão. Sento-me no bar e abro a garrafa sem soltá-la.

Nine levanta as sobrancelhas. — É sua. Eu não quero. Você pode soltá-la.

Relutantemente, eu a solto, e ele empurra um grande sanduíche na minha frente.

— Coma, — ele ordena.

Meu estômago ronca de novo; minha boca saliva.

Aparentemente, não sou a única que está com fome. Eu não estou nem na metade do meu sanduíche quando olho para cima e Nine já terminou o primeiro e está fazendo um segundo.

— Faz muito tempo desde que comi com alguém, — eu admito, bebendo o copo de água que ele me empurra, seguido por mais vodka. — Bem, talvez Yuli, mas ela está em um avião para a África agora.

— Você tinha um namorado. Com o qual vivia. Como isso é possível? — Nine pergunta, dando outra mordida.

Eu penso por um momento, apertando os olhos como se a razão do por que só pudesse ser vista através de pequenas fendas em meus olhos.

Não é possível.

— Não tenho certeza. Íamos a jantares de caridade e coisas assim, mas nunca só ele e eu. Nós dois trabalhávamos até muito tarde e nunca comíamos juntos e ele saía muito cedo, então não havia café da manhã também. Sempre havia uma razão para quando comíamos juntos, um evento. Nunca era porque queríamos passar um tempo, provavelmente porque não queríamos.

Nine arranha sua mandíbula. — Então, você está me dizendo que nunca foram a um encontro de verdade? Não é isso que os casais fazem? Encontros e merda assim?

— Eu não saberia. Foi meu primeiro e único relacionamento, mas se você ainda não adivinhou pelo vômito de palavras e tendência a fazer piadas diante da morte, sou uma pessoa ansiosa. Jared nunca sabia como eu reagiria a certas coisas, e nunca entendeu isso. Então talvez ele estivesse apenas tentando evitar...

— Ter que lidar com isso? — Ele interrompe.

Meus ombros caem quando a realização se instala. Nine está certo. — Sim, eu acho que sim.

— Que porra de merda, — ele murmura, amassando o guardanapo.

— Eufemismo do maldito ano — murmurei para Baby Vodka, minha mão de volta ao seu gargalo.

Nós terminamos nossa comida, e Nine vai tomar um banho.

— Não vá a lugar nenhum, — ele avisa, indo para o outro quarto. — Eu tenho câmeras e alarmes em todos os lugares.

Eu limpo as migalhas do balcão na minha mão e as sacudo no lixo. — Ha ha. Boa piada, amigo, porque não é como se eu tivesse para onde ir, — digo para mim mesma.

Alguns momentos depois, Nine saí do outro quarto. Ele está usando uma camiseta branca apertada e calça de moletom cinza. Seu cabelo está molhado e penteado para trás. Há uma grande tatuagem em seu peito, mas só consigo ver o que parece ser penas pretas saindo de sua camiseta, esticando-se até os ombros e descendo pelo bíceps. Asas que eu posso descartar como de anjo já que são negras e Nine obviamente não é um anjo. Seus olhos cor de avelã brilham na sala escura. Seu corpo grande ocupa tanto espaço na sala que posso senti-lo ao meu lado, mesmo que ele não esteja.

Pela primeira vez em horas, estou em completa perda de palavras.

Eu nunca vi alguém tão naturalmente bonito antes. Jared sempre foi rechonchudo na cintura e, mesmo que nunca admitisse isso, ele usava hidratante facial matizado, que é praticamente maquiagem masculina.

Nine me pega olhando: — Gosta do que você vê?

Eu tiro meus olhos dele e olho para minhas unhas, tentando ao máximo não soar afetada. — Você? Não, você não é nada especial para se olhar. Na verdade, acho que você provavelmente poderia ganhar massa. Mudar sua rotina de exercícios pode funcionar. Você sabe, uma mudança de tortura e mutilação para, talvez, arremesso de machado ou cortar lenha.

Ele ri, e o som me atravessa como se ele tivesse me tocado com suas palavras. — Você é fofa quando divaga.

— Eu sou, na verdade. Obrigada por perceber. — Já era hora de alguém fazer.

— O chuveiro é lá, — ele empurra o queixo para o quarto atrás dele.

Eu pego minha mochila e a Baby Vodka e me espremo contra o corpo de Nine enquanto passo através da porta, agredida pelo seu cheiro e o calor de sua proximidade, quando entro no banheiro, fechando a porta atrás de mim. Eu solto um longo suspiro e me inclino sobre o balcão para me apoiar. Eu olho para cima e limpo o vapor nublando o espelho do meu reflexo cansado.

Minha maquiagem da noite anterior, ou duas noites antes, ou desde que todo esse show de merda começou, está manchada no meu rosto. Meu cabelo está um ninho de rato. Pior de tudo, é que estou muito sóbria porque, se estivesse bêbada, nem perceberia a bagunça que está me encarando.

O banheiro é bastante grande para um trailer. Chuveiro de tamanho completo e pia.

Eu ligo o chuveiro. O banheiro cheira a seu sabonete. Leve e masculino.

Antes de entrar, eu pego o celular da minha mochila para ver se Yuli me mandou uma mensagem do avião como prometeu, mas tenho zero barras. Eu aperto a discagem rápida com o número dela, e certamente a mensagem do outro lado me diz que meu serviço foi cancelado.

Eu o coloco de volta na mochila com um grunhido frustrado e entro no chuveiro.

Eu encontro uma bucha de banho e localizo a lavagem corporal na borda. Eu levo meu tempo, ensaboando meu corpo da cabeça aos pés e lavando meu cabelo. Quando termino, pego minha bolsa de higiene de dentro da mochila e escovo os dentes duas vezes. Eu penteio meu cabelo e procuro as poucas peças de roupa que coloquei dentro. Pego uma calcinha de renda azul-marinho e percebo que não trouxe pijamas ou qualquer coisa que pudesse ser considerado um pijama. Enfiei na minha bolsa em meu estado delirante um terninho amarrotado que eu mandaria para a costureira porque a costura na parte de trás estava rasgada até a bunda e uma saia de couro vermelha que usei no Halloween um ano em que me fantasiei de diaba.

Bela maneira de fazer as malas para o apocalipse da sua vida, Lenny.

Eu envolvo uma toalha ao meu redor e abro a porta para o quarto, que é grande o suficiente para a cama queen e cerca de trinta centímetros de espaço para caminhar de cada lado. Há duas gavetas embutidas no canto, e tenho a sorte de que a primeira que abro contém várias camisetas brancas e limpas. Eu puxo uma sobre a minha cabeça, e é tão grande que ela cai dos meus ombros e quase chega aos meus joelhos. Mas é roupa, e não está rasgada ou couro vermelho.

Então, tem isso.

Eu me dirijo para onde Nine está sentado no pequeno sofá, tentando enfaixar seu braço sangrando sozinho.

— Precisa de ajuda? — Eu pergunto.

Nine se vira para olhar para mim e seus olhos escurecem quando percebe o que estou vestindo. De repente, acho que ele vai ficar chateado por eu não pedir para pegar sua camiseta. — E eu achei que a porra do vestido era ruim, — ele murmura.

— Desculpe, sobre a camiseta. Eu percebi que não peguei nenhum pijama ou... qualquer coisa.

Ele afasta o olhar e volta sua atenção para a bandagem no seu ferimento, mas ele está tendo problemas para amarrá-lo, já que a lesão é na parte superior de seu braço e nas costas.

— Aqui, eu faço isso, — eu digo. Sento-me no sofá de frente para ele e pego o kit de primeiros socorros do colo dele, colocando-o no meu. Ele me entrega a gaze, mas eu a coloco de lado. Eu abro um dos saches de álcool e pressiono em sua pele.

Ele se encolhe.

— Não seja um bebê, — eu digo, soprando na lesão do tamanho de uma moeda de dez centavos.

Ele está me encarando. Imóvel. Sem piscar.

— Não foi por isso que me encolhi, — diz ele, quando termino de envolver a ferida.

— Então por quê?

Ele ainda está olhando para mim com aquele olhar perplexo no rosto. Eu estou me contorcendo dentro da minha própria pele, então quebro o momento levantando e recupero minha garrafa do banheiro.

— Você acredita em mim? — Eu pergunto, com as costas ainda viradas. — Que eu não tenho nada a ver com o golpe de Jared?

— Eu quero acreditar em você, — ele responde.

— Por que estou aqui?

A frustração na sua voz cresce tal qual o volume dela. — Porque não é seguro. Há homens procurando por você ou não se lembra?

É uma resposta, mas não é boa o suficiente. — Por que você se importa se eles vierem atrás de mim? Por que você se importa se eles me levarem? Eu não sei onde está o dinheiro. Eu não posso devolvê-lo a você. Eu não posso fazer nada além de beber sua vodka e ocupar seu trailer até que você me jogue fora por não pagar aluguel ou falhar em estar sóbria ou apenas por ser um fracasso na vida, então qualquer tipo de razão que tenha a oferecer, qualquer pequena dica sobre por que você gostaria de se envolver nisso, diga-me, de qualquer maneira.

Ele se levanta e dá um passo em minha direção. — Eu não tenho que te dizer nada, exceto que você não vai partir. Ainda não. Não até que eu resolva isso. Até lá, você pode ficar tão bêbada quanto quiser, mas ficará bêbada aqui. Entendeu?

— Você não acredita em mim, certo, — eu digo. Eu viro de costas para o Nine.

— Eu não sei, — ele responde, sua voz está próxima, eu giro para encontrá-lo tão perto que bastaria um puxão no meu quadril, e estaria pressionada contra ele.

— Eu não sei no que acreditar, — continua ele.

De repente, estou furiosa, a raiva fervendo no fundo e explode em minhas palavras. — Bem, isso faz dois de nós. Pode ser a única coisa que realmente temos em comum. Eu confiei nas pessoas erradas muitas vezes, e não estou a ponto de seguir por essa estrada novamente e aceitar sua palavra e só ficar aqui até que você decida me torturar ou me matar, e sabe de uma coisa? Você não deveria confiar em mim, — eu empurro seu peito, mas ele pega meus pulsos, apertando-os com força. — Porque você não me conhece, porra!

Eu me inclino para o lado e olho além dele para a porta.

Ele puxa meu corpo de volta, me segurando mais apertado. — Você não vai embora, — ele avisa.

Eu empurro meu peito para o dele, desafiando-o. — Oh sim? Veja!

— Eu disse que você não vai porra. — As narinas de Nine dilatam.

— Você não é um mestre de marionetes que consegue puxar minhas cordas e conseguir o que quer, — eu grito, lutando com mais força, mas ele é tão grande e forte que é irritante!

Ele se aproxima, passando os lábios pela ponta sensível da minha orelha. Uma sensação de formigamento faz cócegas na minha espinha e eu amaldiçoo meu corpo traidor.

— Oh, pequeno pássaro, você entendeu tudo errado. — Ele agarra meu queixo, forçando-me a encontrar seu olhar escuro e encapuzado. — Eu não quero puxar suas cordas. — Ele olha tão fundo nos meus olhos que tenho certeza que ele pode ver meu baço. Sinto medo e desconforto. Duas das minhas coisas menos favoritas para sentir. — Eu quero libertar você.

Seus lábios cobrem os meus e as cócegas em minha coluna queimam, transformando-se em uma explosão de sentimentos e desejo.

Ele está me beijando. Eu deveria estar com raiva. E eu estou com raiva. Eu me afasto, mas seus dedos se enroscam no meu cabelo, segurando minha cabeça no lugar enquanto ele saqueia minha boca.

De repente, estou no ar, nos braços de Nine. Minhas pernas instintivamente envolvem sua cintura. Sua língua procura a minha e quando se tocam, não há dança ou doçura. É uma guerra. Uma batalha de bocas e lábios e línguas. Barulho de dentes e sons sibilantes. É anarquia. Caos. Desejo queimando como ferro aquecido colidindo com uma inconfundível necessidade de vitória. Como se quem ganhasse este beijo venceria a discussão e conseguiria o que quer.

Ganhar o beijo. Ganhar minha liberdade.

Você quer dizer ganhar a sensação do corpo dele em cima do seu. Ganhar a sensação de sua língua acariciando a...

Eu corto Ansiedade antes que continue, porque ela não é uma ajuda para mim aqui. Se alguma coisa, ela é a razão pela qual me encontro me contorcendo contra ele como uma gata no cio.

Nine me leva para o quarto, me jogando na cama. Ele está em cima de mim, respirando com dificuldade. Eu posso ver o contorno de sua enorme ereção sob o seu moletom. Meu rosto cora junto com o resto do meu corpo.

De todas as coisas que imagino virão a seguir, nada chega perto do que acontece, que é Nine, apagando a luz e proferindo uma única palavra antes de sair do quarto.

— Durma.

 


NINE


— Eu posso dormir no sofá, — ela grita de volta.

Eu fecho meus olhos com força. — Só durma. — Foda-se a minha vida. Mais um segundo com Lenny enrolada ao meu redor assim, e eu estava prestes a tomá-la como um animal. Fodê-la não está nas cartas agora. Ela não sabe quem eu sou realmente. Eu não sei se ela é realmente culpada. E o pensamento de tomá-la, de ser assaltado pelo passado quando estiver com... não, eu não posso fazer isso. Não agora e não com ela.

Embora com essa necessidade dolorosa e dor no meu intestino e no meu pau, eu poderia ter que me aliviar em breve com uma das garotas que está acostumada com meus surtos depois e não da à mínima, desde que seja paga.

— Você pode... — Lenny se afasta. Eu mergulhei minha cabeça no quarto a tempo de vê-la rolar para o lado, de costas para mim. — Deixa pra lá.

— O quê? — Eu resmungo, frustrado em mais maneiras do que a ereção furiosa sob o meu moletom.

— Você pode simplesmente deitar na cama comigo por um tempo? Só até eu adormecer? Não durmo muito bem e não quero ficar sozinha agora.

Seu pedido me surpreende, considerando que ela estava se preparando para a tortura a menos de trinta minutos atrás e uma briga apenas alguns segundos antes.

Relutantemente, e sabendo que eu não vou conseguir dormir com ela ao meu lado, vou para a cama e descanso minhas mãos atrás da minha cabeça.

Como diabos eu cheguei aqui? Lenny está certa. O que estou fazendo com ela?

— Você pode responder uma pequenina, pequena, mínima pergunta e me dizer a verdade? — Ela pergunta baixinho. — Você já matou alguém?

Eu não posso ser honesto com ela sobre muita coisa agora, mas sobre isso eu posso. Mostrarei a ela quem eu realmente sou e será muito mais fácil quando for a hora de deixá-la ir.

Se eu a deixar ir.

— Sim, — eu respondo para o teto.

— Mais de uma pessoa? — Ela rola para me encarar, seus olhos azul-esverdeados procurando os meus, seus lábios entreabertos aguardando minha resposta.

Eu dou-lhe um breve aceno de cabeça.

— Conte-me sobre um, — ela pressiona.

Minha cabeça se vira em sua direção. — Essa merda não é importante. Além disso, você tem ansiedade, e a última coisa que preciso agora é você preocupada com o que digo e crie em sua mente algo que não é. Então você realmente não conseguirá dormir.

Ela pensa por um momento. — Na verdade, vou me preocupar mais se você não me contar. Porque o que acontecerá é que minha imaginação vai extrapolar e ficarei acordada imaginando você matando aldeias inteiras de mulheres e crianças como um viking.

Eu levanto uma sobrancelha. — Isso se intensificou rapidamente.

Ela encolhe os ombros e descansa sua bochecha em cima de suas mãos. — Não me culpe. A ansiedade define as regras. Eu sou apenas a mensageira.

Os poucos centímetros de espaço entre nós subitamente parecem um oceano, e não quero nada mais do que puxá-la contra o meu peito.

— Tudo bem, — eu digo, mas se ela quer ouvir a verdade, é exatamente o que vou lhe dar. — Ele era alguém que sabia as consequências deste jogo, mas nos traiu de qualquer maneira. Eu não planejava matá-lo, mas como um idiota, ele se apavorou e puxou uma arma. Atingindo um amigo meu duas vezes. Por sorte, ele não o matou, mas depois o cara virou a arma para mim.

— Então, você o matou, — ela termina, seus olhos nunca deixando os meus.

Eu viro para o meu lado e sem pensar estico o braço e afasto uma mecha de cabelo dos seus olhos.

Eu puxo minha mão e aceno. — Então, eu o matei.

Ela torce o nariz. — Nenhuma vila de mulheres e crianças então?

Eu nunca conheci alguém que pensa do jeito que ela faz, e não posso decidir se é a coisa mais adorável que já vi ou o próprio diabo me testando e os limites do meu desejo por ela. — Não. Nunca. Apenas um cara que jogou e perdeu.

— Isso não parece tão ruim, — diz ela com um bocejo. — Obrigada por me falar uma verdade, mesmo que não seja a que eu realmente queria.

Eu rolo de costas, e enrijeço quando ela se aproxima, enrolando-se ao meu lado tão perto quanto pode ficar sem me tocar. Eu solto um suspiro que não percebi que estava segurando, mas o alívio que geralmente acompanha esse suspiro não é encontrado em lugar nenhum e, em vez disso, a única coisa que sinto é uma sensação persistente de pavor.

— Durma um pouco, — eu sussurro.

Lenny não responde.

Eu olho para baixo e descubro que seus olhos já estão fechados. Sua respiração é uniforme. Eu corro meus dedos pela sua bochecha. E novamente, sem pensar, me inclino e beijei sua testa. — Eu acho que você conseguirá dormir depois de tudo, — eu digo em um sussurro quase inaudível. — Mesmo que eu tenha lhe contado como matei seu namorado.

 

Capítulo Dezessete

NINE


Eu estou em uma parada de caminhões. O cheiro de molho do café a 20 metros me provoca enquanto sento dentro da cabine de um grande caminhão prestes a fazer algo que eu nunca quis. No entanto, meu estômago roncando e pensamentos inconsistentes me lembram de por que estou aqui.

E assim, faz o olhar ansioso do homem corpulento no assento do motorista.

No começo, eu pretendia roubá-lo. Roubar algo de valor ou possivelmente até algum dinheiro, mas era um plano terrível. Sua carteira está no painel sobre o volante, ao alcance do braço, mas muito perto do homem atrás do volante.

Eu crio um novo plano, provavelmente igualmente terrível, mas é tudo que tenho.

Distração.

Eu desabotoo minhas calças e tiro meu pau ignorando o suspiro masculino do meu lado e a sensação doentia no meu estômago vazio.

— Você é enorme, garoto, — diz o homem. Eu posso sentir sua respiração ofegante na cabine do caminhão.

Isso não vai funcionar a menos que eu possa realmente distraí-lo, então tem que, pelo menos, parecer real. Eu fecho meus olhos e tento fingir que ele não está me observando. Eu imagino uma linda supermodelo de maiô da revista que eu costumava esconder debaixo da minha cama no meu último lar adotivo. Sou capaz de ficar semi-duro e estou prestes a abrir os olhos para ver se minha distração está funcionando quando sinto o calor de sua respiração no meu pescoço.

Meus olhos se abrem.

— Deixe-me fazer isso por você, — diz ele, lambendo os lábios finos com sua língua gorda. Ele vai pegar meu pau, mas eu me afasto, batendo minhas costas contra a porta.

— Esse não foi o acordo. São vinte dólares para assistir. APENAS para assistir, — eu lembro a ele, cobrindo meu pau com a minha mão. Não é como se eu não tivesse feito mais no passado. Eu só quero acabar com isso, pegar um pouco de comida e encontrar Pike.

— Eu te digo o que. Eu vou adoçar o acordo. Vou jogar mais cem se você me deixar fazer isso, — ele oferece.

Estou prestes a dizer não quando ele abre o porta-luvas e tira uma nota de cem dólares, balançando na frente do meu rosto.

Eu a pego dele, mas ele pega de volta, colocando-a no painel.

— Você vai pegar depois, — diz ele.

Sento-me no banco e tento fingir que estou em outro lugar enquanto meu estômago revira com a sensação de sua mão áspera e calejada agarrando a base do meu eixo.

Eu amoleço instantaneamente.

— Você não será pago a menos que goze, — ele resmunga, com raiva.

Porra, eu realmente tenho que fazer isso.

Eu fecho meus olhos novamente e imagino a mesma supermodelo, só que agora ela está segurando um chumaço de Bombril enquanto me acaricia. Demora uma eternidade, mas, felizmente, perco-me nos meus pensamentos até que, de fato, chego ao mais exaustivo orgasmo grotesco e indutor de bile da minha vida.

Antes que o pesar e a vergonha possam afundar, me inclino para frente e pego a nota do painel. Eu puxo minhas calças enquanto o caminhoneiro fecha os olhos e lambe os dedos.

Essa é minha chance. Eu não tenho tempo para vomitar, então engulo a bílis subindo na minha garganta e roubo sua carteira do painel. Espero nas sombras que ele saia do estacionamento antes de correr a toda velocidade para o restaurante.

Estou com muita fome para pensar no que acabei de fazer. Ou qualquer outra coisa. Vou pensar nisso depois, depois que meu estômago estiver cheio.

Eu como duas das minhas três refeições de tamanho normal, sem nem mesmo me importar em saboreá-las. Eu paro antes de começar a terceira e olho em volta do restaurante. A parada de descanso está cheia de pessoas e não apenas de caminhoneiros. Algumas das pequenas mesas estão transbordando de famílias. Uma família de cinco pessoas está usando camisetas com o logotipo da Disney World em cores variadas. Eles estão rindo e brincando enquanto a mãe e o pai desdobram um mapa do parque temático e alegremente apontam para as diferentes atrações.

Meu estômago revira e não é por causa do bolo de carne ou do filé de frango frito que acabei de comer. Outra mesa nas proximidades tem um casal de idosos. O homem está tomando uma xícara de café lendo um jornal aberto sobre a mesa enquanto sua esposa lê um romance. Eles não estão conversando, mas estão de mãos dadas sobre a mesa. Outro casal está discutindo enquanto o bebê chora até a esposa cobrir o rosto com as mãos. O marido sai do seu lado da cabine e vai até ela, pegando suas mãos. Tudo o que ele diz a ela a faz rir, e eles se abraçam antes de voltar para suas refeições, ficando do mesmo lado da cabine enquanto o bebê finalmente para de chorar para chupar uma mamadeira que o homem o alimenta com a mão livre.

Todo mundo tem alguém. Até mesmo os caminhoneiros que vivem uma vida solitária na estrada estão reunidos no balcão conversando sobre os preços da gasolina e política. Eu estou completamente sozinho. Sempre estive. E se eu não encontrar meu irmão, sempre estarei.

Eu removo a foto do meu bolso e a desdobro. Samuel Clearwater. Eu digo seu nome repetidamente na minha cabeça. Talvez, eu não tenha perdido nada por nunca ter tido a chance de conhecê-lo. Talvez, ele fosse um idiota degenerado assim como a minha maldita mãe. Mas não posso deixar de pensar. E se? E se ele não fosse? E se ele fosse incrível? E se ele fosse engraçado e genuíno, e... eu paro. Eu não posso ficar pensando nisso. Isso torna tudo pior. Dobro a foto novamente e enfio no bolso.

Ele provavelmente era um idiota.

Mas ele tinha um sobrenome legal. Pelo menos, foi uma foda muito melhor que a minha. Clearwater. Meu sobrenome é Schmooter. Mais do que provavelmente me foi dado pela nossa mãe compartilhada para homenagear o desgraçado que ela deixou gozar dentro dela. Eu tomo uma decisão. Idiota ou não, quero manter um pedaço do meu irmão comigo, e a única coisa que sei sobre ele é o seu nome.

A partir deste segundo, não sou mais Kevin Schmooter.

Eu sou Kevin Clearwater.

Eu me apresso e termino minha terceira refeição. Deixando uma gorjeta na mesa, pego minha mochila e vou para o Quick Mart adjacente. Eu compro um celular pré-pago e, quando saio para o estacionamento, imediatamente ligo para o número de Pike, que é o único número que realmente memorizei.

Sem resposta.

Porra.

Logan Beach fica a dezesseis quilômetros de distância e agora, com uma barriga cheia de comida, tenho certeza de que posso administrar a caminhada.

Eu só chego no meio do estacionamento quando lembro o que eu fiz para ficar com o estômago cheio. O caminhoneiro. O...

Toda a comida tão necessária no meu intestino ressurge em uma onda de arrependimento, bem ali no estacionamento.

Depois de me certificar que passou, eu limpo minha boca. Antes que eu possa ficar em pé, um par de pernas grossas aparece diante de mim. Eu olho para cima para encontrar o caminhoneiro de antes, olhando para mim. — Eu acho que você pegou algo meu.

— Eu não tenho ideia do que você está falando. Nós terminamos aqui, — eu digo, contornando-o.

Ele me agarra pelo braço quando outro caminhoneiro, ainda maior que ele, sai das sombras e agarra meu outro braço. — Esse é o garoto?

— Sim, verifique sua mochila.

Ele faz e imediatamente encontra a carteira.

Merda, foda-se. Eu deveria ter jogado fora na lanchonete, mas decidi pensar na minha vida de merda em vez disso.

Eu puxo meus braços, mas não adianta. Esses caras são enormes. Minha mochila cai no chão e ouço meu laptop quebrar lá dentro.

— Deixe-me ir, filhos da puta! — Eu cuspo, rangendo meus dentes, e eu tento e falho novamente de novo em combatê-los. Eles cheiram a suor e álcool. Meu estômago revira novamente ao fedor.

— Que tipo de diversão seria essa? Garoto, estamos apenas começando, — o homem que eu roubei gargalha enquanto me puxam para as sombras do estacionamento.

Eu perco meus dois tênis tentando aderir ao pavimento. Mas não adianta. Eles são muito grandes e eu sou muito pequeno e muito fraco. Eles me empurram para a cabine do caminhão e me amordaçam com um pano que cheira a óleo de motor. Eu tento me afastar e vou para a porta, mas sou atingido no lado da minha cabeça por algo duro.

Quando o mundo ao meu redor fica confuso, um pensamento vem à minha mente.

Nem uma única pessoa se importará quando eu morrer.

Uma imagem de uma mulher nua abaixo de mim toma forma. Ela está se contorcendo e implorando pelo meu pau, mas estou impressionado com imagens do passado. Imagens do meu subconsciente me atingindo assim que estou prestes a empurrar dentro dela. O toque. A dor. O desamparo que sinto quando tento me afastar, mas não consigo.

Eu saio de cima da mulher, mas sou agredido com mais e mais imagens até que estou batendo na minha cabeça e gritando para elas irem embora.

 

 

 

LENNY


Estou familiarizado com pesadelos. Na verdade, acabei de acordar de um dos meus. Um onde eu estava caindo. Enfrentando a morte enquanto olhava para o menino e para o futuro que eu nunca teria.

Eu rapidamente percebo que não foi o meu pesadelo que me acordou.

Foi Nine.

Ele está coberto de suor e se contorcendo violentamente. Eu tento acordá-lo, gritando seu nome, mas não adianta. Seus olhos estão cerrados, a testa franzida em confusão. Ele está gritando: — Não! Vá embora! Não! Chega! Deixe-me em paz! Eu vou te matar!

Eu pulo em cima dele e o agito com força. Quando isso não funciona, tento uma tática menos convencional.

Eu bato na cara dele.

Com força.

Seus olhos se abrem e eu estou de costas e pressionada na cama.

Eu ofego quando suas mãos envolvem minha garganta e apertam.

— É você, — diz ele, seus olhos focados em mim. A tensão deixa sua mão na minha garganta, mas a mão permanece. — É realmente você.

— Sou só eu.

Nine pisca rapidamente, como se por um momento ele tivesse achado que eu era outra pessoa, mas seu peso permanece sobre mim.

Eu tremo. Não porque esteja com medo, mas porque estar perto dele é como estar perto de uma corrente elétrica. Meu corpo inteiro está zumbindo com antecipação ou com o medo de ser eletrocutado.

— Você sente isso? — Eu pergunto, sem fôlego. — O que é isso?

— Eu não sei, — diz Nine, espalmando seus dedos na minha garganta, em seguida, descendo para a minha clavícula e ombro. — Nunca senti isso antes.

— Eu também, — eu admito.

— Nem mesmo com...? — Pergunta ele.

— Nem mesmo com ele, — eu admito. Estou super focada em seus lábios. Lábios que quero nos meus. No meu corpo. Em toda parte.

— Por que você estava com ele? De todas as pessoas, por que ele? — Ele mergulha as pontas dos dedos dentro do decote da minha camiseta.

Estou quase tonta com o elogio em sua pergunta.

Ele quer dizer que Jared era uma merda e não pode acreditar alguém realmente querer estar com ele, não que você é tão incrível que poderia ter quem quisesse, então por que escolheu Jared.

Muito ego?

— Eu não sei. Aconteceu. — Eu olho para longe, rolando minha cabeça para o lado. — Meus pais morreram e ele estava lá por mim, e foi isso. Ele foi o único homem que já estive. Eu não o amava, mas fiquei porque era mais fácil ficar. — Estou envergonhada com a minha própria admissão. Ouvir isso em voz alta soa ridículo, até para mim.

Aparentemente, parece ridículo também para Nine.

— Você não sabe por que estava com ele, exceto que ele foi o primeiro homem a te fazer gozar? — Ele não está zombando de mim. Está apenas fazendo uma pergunta válida enquanto suas mãos exploram puxando a gola enorme para baixo na frente para arrastar a mão entre meus seios enquanto a outra traça a parte externa da minha coxa, deixando uma trilha de calor na minha pele em todos os lugares que toca.

— Eu... — Eu gaguejo, sem saber como corrigi-lo sem dizer as palavras reais, mas achando difícil encontrar as corretas. — Ele nunca...

— Ele nunca fez você gozar? — Ele termina por mim.

Eu respiro fundo pelo nariz. — Nunca.

Nine arregala os olhos. Seus lábios se separam. Ele lambe o anel de lábio prateado atravessado do lado direito do lábio inferior. — Então, nenhum homem te fez...

Eu simplesmente balanço minha cabeça.

Nine suga uma respiração, seus olhos brilham, escurecendo a cada segundo que passa. Ele sorri e meu estômago revira. — Oh, passarinho, isso vai ser divertido.

— O que? — Eu pergunto, imaginando se ele decidiu finalmente começar a tortura.

E de certa forma estou certa.

— Isso. — Ele pressiona seus lábios nos meus novamente. Eles são macios, mas o beijo é duro. Exigente. Procurando.

Eu recuo. Minhas palavras saem sem fôlego. — Este é um perigoso jogo de gato e rato que estamos jogando.

Um sorriso diabólico surge em seu rosto bonito. Eu seguro sua mandíbula em minhas mãos. — Mais como um jogo de gato e pássaro.

Meus mamilos roçam seu peito quente, endurecendo em contato. — E todos nós sabemos como isso acaba no final, — eu respondo, levantando meus quadris para ele. — O gato come o pássaro.

Nine geme, depois raspa levemente as unhas nos meus braços nus antes de pressioná-las firmemente na minha pele. Eu suspiro com a picada de dor. — Isso não é o que acontece, — diz ele. — O pássaro bonito desce do nada e afunda suas garras afiadas no gato, marcando-o para a vida.

Não há sarcasmo em sua voz. Eu não sei como começar a processar o que ele está tentando me dizer, mas preciso saber o que acontece a seguir nesta história distorcida. É preciso toda a minha concentração para dizer minhas próximas palavras.

— E... e depois o quê?

Nine levanta meus braços e prende meus pulsos no colchão. Ele roça os dentes sobre o ponto sensível atrás da minha orelha. Ele abaixa a voz para um ruído deliciosamente profundo que me faz vibrar com cada palavra. — E então ele a come.

Ele solta minhas mãos e puxa a camiseta. Ele tira a calcinha do meu corpo e a joga no chão, colocando as duas mãos nos meus quadris. Eu não sei se ele está me ancorando na cama ou nele, mas independente disso, ele que não quer me deixar ir.

E pela primeira vez, não quero fugir.

Ele tira o cabelo do rosto e me admira da cabeça aos mamilos, ao estômago, às pernas. Ele separa minhas coxas, empurrando-as com os joelhos até que não haja segredos entre nós. Eu estou exposta a ele. Tudo de mim é dele para tomar.

— Você é tão linda, — ele murmura contra a minha pele, pintando uma trilha quente com a língua enquanto desce pelo meu corpo, pela minha coxa até o ápice entre as minhas pernas, onde sua boca permanece suavemente sobre a carne dolorida e pulsante.

Ele estende a mão e aperta meu mamilo direito enquanto abaixa a boca e cobre meu clitóris com seu calor, chupando levemente, mas desta vez exatamente onde estou desejando seu toque. Imediatamente, a pressão e a tensão no meu corpo me fazem sentir como um Stretch Armstrong10, me puxando cada vez mais para longe, pronta para voltar a qualquer segundo. Sinto minha boceta tensa e livre, apertada, segurando-se em nada até que sua língua preenche o espaço vazio dentro de mim, e eu contraio em torno dele uma e outra vez.

Arqueio bem acima da cama e agarro seu cabelo entre as minhas mãos. Ele me empurra para baixo, agarrando minhas coxas e jogando-as por cima do ombro. Segurando-me no lugar pelos meus quadris.

É uma espécie de tortura, mas o último tipo que eu esperava.

Quando não aguento mais, me desfazer não é nada como já experimentei. Um homem nunca me deu um orgasmo antes, e eu meio que esperava que fosse como uma série de ondas gentilmente lavando sobre mim, fazendo com que meu corpo estremecesse em felicidade satisfatória.

Mas essa é a merda dos velhos romances de minha mãe.

Isso é realidade.

Este é Nine, o homem mais sexy que já vi, com a língua entre as minhas pernas.

É muito melhor.

Mas essa coisa entre nós, conectando-nos, está longe de ser um romance.

É um acidente.

Uma queda livre.

Minha garganta queima junto com o resto do meu corpo enquanto um grito rasga da minha garganta, até que eu não consigo mais ouvir minha própria voz. A pressão acumula e aumenta até que estou caindo mais rápido. Mais difícil. Minha visão nubla. Não vejo nada, mas sinto tudo.

Atingi o chão e bati com força.

Tão duro que todo o meu corpo se desfaz no impacto. Eu me contorço para me deliciar e me aliviar da intensidade. A pressão.

A dor.

É assim que a morte parece.

Não, é assim que a vida parece.

Eu pressiono minhas coxas em torno de sua cabeça enquanto a força do impacto me atinge. Enfio meus dedos em seus cabelos, gritando seu nome. Gemendo através do prazer que continua e não diminui porque Nine não parou. Ele continua lambendo e chupando até que a última vibração de prazer me atravesse. Eu estremeço quando ele deixa meu corpo, meus músculos completamente frouxos.

Quando volto a mim, meus olhos se abrem para me encontrar olho a olho com Nine, que está olhando para mim com espanto em seus olhos arregalados. Seu cabelo está desgrenhado. Seus lábios abertos inchados. Seu peito arfando enquanto lambe os lábios e olha para baixo entre as minhas coxas abertas.

Sou incoerente quando balbucio: — Eu acho que atingi o chão. Com força. — Eu me mexo para checar se meus músculos ainda estão trabalhando e me sento quando sinto os lençóis completamente encharcados em baixo de mim.

Nine ri. — Não, você não atingiu o chão. Você atingiu a água.

Meu rosto arde. — Eu... — Eu paro, sentindo-me subitamente envergonhada.

— Não se atreva a se desculpar por isso. — Nine diz, removendo minhas mãos do lençol úmido que agora estou usando para cobrir meus seios nus. — Eu nunca estive tão duro por fazer uma garota gozar em toda a minha maldita vida, e não vou deixá-la estragar tudo se desculpando.

Eu encontro seu olhar pesadamente encapuzado. Ele planta um beijo suave na parte interna da minha coxa antes de se erguer e pressionar meu peito, empurrando-me de volta para o colchão. Ele aperta minhas coxas e as joga de volta sobre os seus ombros, então sua cabeça está entre as minhas pernas mais uma vez.

— O que você está fazendo? — Eu pergunto assim que seus lábios pastam meu sexo já muito sensível, eu empurro meus quadris no contato.

Ele lambe entre minhas dobras e murmura. — Eu estou bebendo você. — Ele fecha a boca sobre o meu clitóris e rola sua língua e puta merda de todas as merdas. Eu decido que isso é definitivamente tortura, porque não sei o quanto mais posso aguentar.

Desta vez, não dou a mínima por não ter um paraquedas porque quero cair, e tão fodido quanto é, quero que ele seja o único a me pegar.

Sua língua circunda meu clitóris repetidamente. Mais e mais rápido, e estou me desfazendo mais uma vez, gritando seu nome na noite.

Desta vez demora ainda mais para eu voltar à realidade, e quando o faço, sento-me e abro os olhos apenas para olhar em volta e descobrir que estou completamente sozinha.

A porta bate.

Nine se foi.

 


Capítulo Dezoito

NINE


Quando dois furacões colidem, ou a tempestade mais fraca é absorvida pela mais forte ou se fundem para se tornar uma super tempestade muito mais forte. Ninguém sabe até acontecer.

Da maneira que vejo, é que de qualquer forma ainda é um maldito furacão, e danos ainda serão feitos. Merda ainda será dilacerada.

As pessoas provavelmente morrerão.

É por isso que não consegui ficar naquele trailer por mais um segundo.

Lenny e eu somos ambos furacões, em rota de colisão, e quem sabe o que vai acontecer quando ou se o céu estiver limpo.

Quanto mais olho para ela, mais a toco, mais meu coração fodido se quebra. Levou tudo para não fodê-la ao esquecimento. Ela estava bem ali. Pronta. Disposta. Molhada.

Perfeita pra caralho. Melhor que qualquer sonho que já tive. Melhor que qualquer pornô que já vi. Eu achei que estava quebrado antes, mas quanto mais tempo passo com Poe, mais percebo que não tenho ideia do que é estar quebrado.

Porque quando tudo isso acabar, sei, sem dúvida, que de uma forma ou de outra, ela será aquela que realmente me destruirá.

Minha pele está coberta por um brilho de suor, mas no fundo, estou com frio até os ossos. Minha espinha é uma vara de gelo.

Eu ando até o centro do campo e olho em volta. Eu vejo meu irmão do outro lado e vou em direção a ele.

Preppy inala profundamente o ar, depois começa a acender um cachimbo em forma de um unicórnio e inala ainda mais fundo. Ele sopra a fumaça pelo nariz e boca e depois passa para mim.

— Sério? Este é o seu cachimbo? — Eu pergunto, virando o unicórnio cintilante branco e rosa na minha mão. A parte de trás é esculpida e tem uma pequena tigela de metal totalmente cheia da melhor maconha de Preppy. Ou a nossa melhor maconha, devo dizer.

— Você está sendo critico, irmão? Porque se você não gosta desse, eu tenho um em forma de elefante rosa, uma berinjela ou... — ele vasculha o bolso e tira o que parece ser um chiclete. — Ou isso, — diz ele, puxando a folha prata que acaba por ser a tigela onde você coloca a maconha.

— Cara, onde você conseguiu isso? — Eu tiro de suas mãos. — É genial.

— Eu fiz isso, — diz ele com um encolher de ombros.

— Você pode vender isto, sabe, — eu digo. — Eu posso fazer acontecer. Encontre uma fábrica, distribua e venda em nosso site.

Ele encolhe os ombros novamente. — Se você quiser, vá em frente, mas irmão, é uma pequena mudança em comparação com o que estamos fazendo aqui, — diz ele, olhando com amor para o campo. Estamos a meio caminho para a colheita, e temos todos as farmácias prontas para receber a primeira entrega no segundo em que as primeiras plantas estiverem prontas. — Você tem que olhar para o quadro geral.

— Eu vejo isso, Preppy. Eu vejo.

— Bom, — diz ele.

Eu tento lhe devolver seu pacote de chiclete, mas ele levanta a mão. — Guarde. Ainda não é legal para o lazer, então preciso que você seja cuidadoso. Os policiais por aqui não são tão suscetíveis quanto costumavam ser, e não posso me dar ao luxo de tirar outra pessoa da cadeia.

— Outra pessoa?

Preppy sorri. — Meu menino, Grim. Longa história. Começa com um telefonema dizendo que ele precisa da minha ajuda. Termina em uma pequena explosão, um resgate, e em dar o fora na porra do caminhão de King. — Ele coça a cabeça. — Na verdade, essa é a história toda.

Do outro lado do campo, um homem atravessa a clareira e acena para Preppy. Ele está usando um terno mal ajustado. Quando ele se aproxima, tira o casaco e o coloca sobre o braço.

— Quem é esse? — Eu pergunto.

— Alguém que vai levar Clearwater Cannabis ao topo, — Preppy responde entre dentes para que o nosso visitante não possa ler seus lábios.

— Sr. Clearwater, prazer em vê-lo de novo — diz o homem de rosto vermelho, parecendo sem fôlego. — Eu não percebi o quão longe era este lugar. Eu teria usado algo diferente se soubesse que teria que atravessar quase um quilometro de floresta em um calor de 30 graus.

Preppy aperta a mão do homem. — Eu não achei que os moradores gostariam que isso fosse muito próximo da cidade. Embora a parte medicinal possa ser legal e eles concordem com isso em teoria, ainda há muito estigma para arriscar que um grupo mal-intencionado de conservadores se reúna com seus forcados e invadam o campo, queimando minhas colheitas no meio da noite.

— Inteligente, — diz o homem.

— Você gostaria de uma amostra? — Preppy pergunta, acenando para o cachimbo de unicórnio ainda na minha mão.

— Eu gostaria. Eu gostaria, — o homem diz ansiosamente.

Eu passo para ele, e ele dá uma longa tragada, mantendo os olhos fechados enquanto expele a fumaça. — É muito bom, — diz ele, finalmente abrindo os olhos.

— Isso é apenas uma pequena amostra do que temos aqui na Fazenda Clearwater Brothers, — Preppy diz com orgulho, me dando tapinhas nas costas.

— Clearwater Brothers? — Eu pergunto a Preppy congelado em choque. O dinheiro que investi com aquele idiota do Jared, deveria me render o bastante nos próximos anos para entrar no negócio. Eu não quero nenhuma merda dada a mim. Eu sempre trabalhei pelo que tenho, e não estou prestes a aceitar essa merda só porque temos o mesmo sangue.

Preppy me ignora. — Governador Jenkins, você já conhece meu irmão, Nine?

— Não, eu não acho que tive o prazer, — ele estende a mão, e eu aceito. — Prazer em conhecê-lo. Governador Joshua Jenkins ao seu serviço.

— Governador? — Eu pergunto, observando enquanto ele traga novamente.

O governador sorri. — Aprovaremos a maconha recreativa assim que pudermos. Até lá, se alguém perguntar, e de acordo com o charlatão do meu médico que me cobra muito para me dar o diagnóstico de minha escolha, tenho glaucoma.

— Glaucoma, certo, — eu digo com um sorriso. Eu decido que agora não é hora de dizer a ele que o glaucoma não está na lista de doenças que a maconha medicinal é legalmente autorizada a ser prescrita para tratar.

— Você sabe, com toda a merda que você passou, Preppy, pode conseguir um cartão de saúde e listar o transtorno de estresse pós-traumático, — diz o governador.

Preppy puxa a carteira. — Não, — ele entrega ao governador o cartão verde.

O governador ri. — Doença de Crohn? Você prefere dizer às pessoas que tem um caso debilitante de merda do que reclamar PTSD?

Doença de Crohn, também não consta na lista.

— PTSD significa muitas perguntas sobre o que aconteceu comigo e por que, e não me importo muito com isso, — responde Preppy, pegando o cartão de volta e colocando-o de volta na carteira. — Além disso, não preciso de um psiquiatra. Eu tenho Dre.

— Aquela sua esposa. Ela é boa, — diz o governador. — Eu perdi minha primeira esposa porque fui um merda e me esqueci de cortejá-la. Namorá-la. Levá-la a lugares. Fazê-la sorrir. Agora, olho para trás e penso em como seria simples estar lá para ela. Mostrar-lhe que entendo. Descobrir o que ela mais precisava de mim e apenas lhe dar. Mesmo se soubesse que ainda acabaria, pelo menos, ficaria feliz sabendo que fiz uma diferença em sua vida e que essa diferença era para o bem e não uma injeção de penicilina, porque o marido gosta de prostitutas. — Ele abana o dedo para Preppy. — Você precisa se agarrar a isso, a força, se necessário.

— Esse é o plano, Gov, — concorda Preppy. — Sem penicilina, é claro.

O governador concorda. — Claro.

— Quando você acha que estará pronta para colher? — O governador pergunta, movendo-se entre mim e Preppy. Nós três olhamos para o vasto campo e anos de trabalho árduo.

Preppy olha para mim para responder.

— Nos próximos meses. Temos processadores chegando para embalar tudo e preparar para distribuição, — eu digo.

— Excelente. Se tudo isso funcionar, é melhor você começar a procurar terras para mais plantações. — O governador sacode as duas mãos. — Bom fazer negócios com vocês, rapazes. Entrarei em contato em breve.

Denny, o gerente do campo, aparece em seu carrinho de golfe. — Denny, você se importaria em dar uma carona ao governador? — Pergunto.

— Claro, chefe, — diz Denny.

— Graças a Deus. Está quente pra caralho hoje, caras, — diz o governador. Ele entra no carrinho de Denny e, com um aceno, eles vão para o outro lado do campo.

— Eu preciso te perguntar uma coisa, — eu digo a Preppy, as palavras do governador em minha mente.

— Não, eu não vou lhe dizer onde escondo minha boa cocaína, — Preppy ironiza sem levantar os olhos do livro que está lendo. — Além disso, está trancada e bloqueada, então você não poderá acessá-la mesmo que saiba onde está. Boa paternidade e tudo mais.

— Não, é outra coisa.

— Eu sou todo ouvidos e pau enorme, — diz Preppy com uma piscadela, acenando-me para continuar.

— Então, onde você levaria uma garota por aqui? — Eu evito os olhos de Preppy.

Preppy encolhe os ombros e coça a barba. — Estou feliz que você veio a mim com isso. Deixe-me pensar. Quer dizer, homem ou mulher realmente não tem nada a ver com a localização. É mais como peso e altura e de quantas partes estamos falando. O descarte é uma forma de arte, mas se o corpo couber em um barco, você pode ir a todos os lugares...

— Não, não para desovar um corpo, — eu interrompo. — Isso você já me ensinou. Eu quero levá-la para sair. Você sabe, por diversão.

— Pergunta capciosa, porque onde quer que eu vá se torna divertido.

Eu reviro meus olhos. — Não importa, vou perguntar a Dre.

— Não, espere! Entendi você, irmão. Mas, cara, você mora aqui há anos. Você sabe o que tem por aqui tão bem quanto eu agora.

— Não, eu sei que o trailer com os viciados em metanfetamina que não se explodem semanalmente fica a três figueiras, passando o sinal de pare à esquerda na floresta. Eu sei qual banca de produtos agrícolas não compra seus produtos no supermercado antes de tentar vendê-los como frescos. Eu sei qual a loja de bebidas não adultera sua bebida...

— Qual? — Preppy pergunta, se animando.

Eu sorrio. — Nenhuma delas. Todas fazem isso. Eu estava apenas verificando se você estava prestando atenção.

— Touché, mano. Continue.

— Eu sei em que clubes de strip-tease encontrar os motociclistas. Eu sei quais estradas tomar para evitar os policiais. O ponto é que todos os lugares que conheço não são lugares para levar uma garota. Não são locais de encontros.

Preppy levanta uma sobrancelha. — Não são? Porque eu não vou mentir. Todos soam como um ótimo momento.

Eu endureço meu olhar.

— OK. OK. Mas você está perdendo o quadro geral aqui. Não é que o bar tenha banheiros mais limpos ou sobre levá-la a um jantar de um bilhão de pratos. Se estamos falando de Lenny aqui, então ela teve tudo isso, e isso a fez feliz?

Eu suspiro e balanço a cabeça porque feliz é algo que Lenny não é, e do jeito que ela fala sobre sua ansiedade, começou muito antes de Jared desaparecer.

— Ok, então se você realmente quer impressionar essa garota, não a leve simplesmente para algum lugar que você acha que ela vai gostar. COMPARTILHE algo com ela. Algo que tem a ver com você. Algo que você gosta.

Eu estou esperando pela piada usual, mas nunca vem. À medida que suas palavras afundam, uma ideia me vem à mente. — Obrigado, Prep.

Eu me viro para sair. Estou com um pé no caminho que conduz ao meu trailer quando Preppy grita para mim: — Você sabe, se a coisa do encontro não der certo, me mande sua altura e peso, e eu te encontro no barco!

Eu me viro para lhe dar um dedo do meio. Espero que ele esteja rindo, mas seu rosto está completamente sério.

— Diga-me uma coisa, irmão. Você está todo abalado com essa garota porque ela é a garota da ponte? Ou porque ela é do lado rico da cidade? Ou porque os homens de Ricci estão atrás dela? Ou porque você matou o namorado dela? Ou porque você quer fodê-la como...

— Sim.

— Eh, poderia ser pior.

— Poderia ser pior? — Eu jogo minhas mãos no ar. — Como diabos poderia ser pior?

Bo surge de dentro do escritório segurando um grande saco Ziploc com algo branco nele.

Eu aponto para o saco e tento chamar a atenção de Preppy. — Uh, Preppy? Aquilo é...

Preppy gira e pega o saco da mão de Bo. — Bo, onde você conseguiu isso?

— Do cofre, atrás da sua mesa. Sob as tábuas do assoalho. Eu ouvi você falando com o tio Nine sobre sua boa cocaína, então eu arrombei e peguei para você. — Bo sorri orgulhosamente.

Preppy se agacha e fica cara a cara com o filho. — O que eu te disse sobre coisas assim?

Seu pequeno sorriso murcha. — Sem drogas pesadas até que eu tenha idade suficiente para tomar minhas próprias decisões ruins. Mas eu não experimentei. Isso dificultaria meu crescimento. Eu só estava tentando ajudar, papai. Eu juro.

Preppy se levanta. — Entre e espere por mim. Temos que ter uma pequena conversa.

— Outra? — Bo choraminga.

— Sim, amigo, outra.

Bo entra no escritório e Preppy solta um longo suspiro. Ele parece rasgado.

— Você vai ficar bem, Prep? — Eu pergunto.

Ele passa as mãos pelos cabelos. — Sim eu vou. Eu estou um pouco confuso agora.

Eu espero que ele elabore.

— Tipo, por um lado, estou chateado porque meu filho arrombou meu cofre e me trouxe um saco de minha boa cocaína, mas por outro lado... — Seus olhos se encobrem, mas ele não parece chateado. Ele parece... orgulhoso? — Ele conhece boa cocaína.

Deixo Preppy para conversar com o filho e volto para o trailer. Eu penso sobre a lista de razões que Preppy me deu sobre porque estou tão chateado e irritado com a situação com Lenny, e elas não parecem certas. Não parecem certas porque não estão certas. Eu já sei a verdadeira razão pela qual estou tão incomodado, mas ainda não posso admitir isso, nem para mim mesmo.

Porque você não pode perdê-la novamente.

Quando entro no meu trailer, encontro Lenny sentada no balcão da cozinha ainda de camiseta, com a garrafa de vodka entre as pernas. Eu posso ver sua calcinha azul-marinho por trás do vidro transparente e faço o melhor para parecer indiferente, embora meu pau salte à vista, lembrando como ela provou na minha língua, como ela desabou gritando meu nome.

— Tornei-me insana, com longos intervalos de sanidade horrível, — diz ela, baixinho, acrescentando: — Edgar Allan Poe. — Como se eu não soubesse de onde vinha à citação. Como se eu não tivesse lido ou relido tudo o que o homem escreveu depois da noite na ponte.

— Então, qual é o plano, Stan? — Ela pergunta, sua voz rouca e triste.

— Plano?

— Sim. O plano. O que você está esperando? O que eu estou esperando? — Ela descansa as duas mãos no gargalo da garrafa. — Você está esperando encontrar Jared ou esperando para descobrir se eu sou uma mentirosa antes de me deixar ir? E se eu for uma mentirosa, você vai me matar e me jogar no pântano como a cabeça decepada? — Ela soluça, e eu noto um leve insulto em seu discurso. — Ou, você só está esperando que os homens de Ricci, magicamente, percam o interesse em mim? Ou você está pensando em me manter aqui para sempre e sempre? — Soluço. — Eu sou um pássaro em uma gaiola. De novo. — Ela toma outro gole de vodka e descansa na coxa, inclinando o gargalo da garrafa em minha direção enquanto fala. — Eu fui esse pássaro antes. Já passei por isso. Vivi isso. E sabe de uma coisa? Foi totalmente minha culpa. Eu me aprisionei. Eu, eu, eu e só eu. Mas posso dizer com certeza que não gostei tanto assim. — Ela franze o nariz. — Não, não gostei nada.

Eu pego a garrafa dela e coloco para o lado. — Nenhuma gaiola. Eu não sei o plano em longo prazo ainda. Ainda estou tentando descobrir tudo isso.

Ela pega a garrafa de volta. — Mas você ainda vai procurar por ele, certo? Porque quando você o encontrar, tenho algumas coisas que preciso tirar do meu peito.

— Sim, eu ainda vou procurar.

Pelo dinheiro, de qualquer maneira.

— Como, como você está procurando? — Ela exige saber.

— Eu invadi seu servidor na empresa. Registros bancários. Rastros de documentos. Qualquer coisa em que eu possa pensar. — Essa parte é verdadeira.

— Invadiu? Você é bom com computadores ou algo assim? Porque, e estou apenas sendo honesta aqui, não vejo você como o tipo nerd do computador.

— Há muita coisa que você não sabe sobre mim, — digo a ela.

— Idem, — diz ela inclinando a garrafa para a boca.

— Eu ainda estou tentando descobrir tudo isso, Lenny.

— Foi por isso que você saiu? Porque você está apenas tentando descobrir tudo? — Seus olhos são vítreos e com aros vermelhos.

— Você pode dizer isso. — Eu afasto o cabelo de seus olhos. Ela recua e eu cerro meu punho antes de largá-lo ao meu lado.

— Eu acabei de dizer isso, — ela argumenta. Soluço. — Eu simplesmente não gosto de ficar sozinha, é tudo. Pelo menos, não sem um adeus. Jared me deixou. Você me deixou. — Seus olhos desfocados encontram os meus. — O garoto da ponte me deixou.

Minha boca fica seca. — Garoto da ponte? — Eu pergunto, certificando-me de que a ouvi corretamente.

Soluço. — Sim, o garoto da ponte me deixou. — Ela pega a garrafa mais uma vez e toma mais um grande gole. — Bem, tecnicamente eu o deixei. Eu escorreguei e caí, caí, caí. Tudo minha culpa. Nem sequer sei o nome dele. Ele provavelmente acha que estou morta. Eu deveria estar morta. Mas não. — Ela estende os braços. — Surpresa! Totalmente não morta. Não. Não morri de jeito nenhum. Eu me arrastei até a praia, vomitei metade da baía e voltei para casa descalça. Os assisti vasculhando o rio do outro lado, mas eles nunca me acharam. — Ela ri e sussurra, — Porque eu não estava lá. — Ela suspira. — Bons tempos. — Suas palavras são arrastadas, mas não faz nada para diminuir o impacto delas. — Eu penso nele todos os dias. O garoto da ponte. Onde ele está? O que ele está fazendo? Se ele tem um peixinho chamado Bam-Bam? — Ela bufa uma risadinha.

Meu coração se agita assim que Lenny balança e começa a cair de lado no balcão. Eu a pego e a vodca, colocando as duas na vertical. — Eu definitivamente não acho que ele tenha um peixe chamado Bam-Bam, — eu digo, levantando-a em meus braços. Ela é tão pequena e pesa praticamente nada. Eu facilmente a levo para a minha cama e a deito, cobrindo-a com o cobertor.

Seus olhos estão fechados e acho que ela está dormindo, mas depois de alguns segundos ela sussurra. — Você acha que o garoto da ponte pensa em mim?

No segundo em que a pergunta sai de seus lábios, ela começa a roncar levemente.

Eu coloco uma mecha de seu cabelo atrás da orelha. — Apenas a cada maldito dia.

 

 

Capítulo Dezenove

LENNY


Já faz alguns dias desde que minha bebedeira derreteu e eu ainda sou um pássaro em uma gaiola, só que minha gaiola é um futuro laboratório de metanfetamina que é o trailer de Nine.

Nine e eu mal nos falamos. Durante o dia ele trabalha no escritório ao lado do campo. Eu gasto meu tempo bebendo enquanto assisto TV estúpida ou bebendo enquanto leio um dos livros da pilha embaixo da TV. Surpreendentemente, encontrei uma coleção de Poesia de Edgar Allen Poe que li duas vezes desde que cheguei aqui, mas centenas de vezes antes.

Alguns dias, eu vario e só bebo.

À noite eu faço um grande show dormindo sozinha no sofá só para acordar na cama encolhida ao lado de Nine, sem saber como exatamente cheguei lá. Estou sozinha. Bem, estou meio que sozinha. Ou Pike ou um dos irmãos Mc Lawless estão de guarda do lado de fora da porta em todos os momentos, revezando-se, me trazendo comida e, felizmente, vodka.

Acabei de tomar banho e me envolvi em uma toalha. Estou procurando na minha bolsa por um elástico de cabelo. Eu vibro quando encontro um no fundo da minha bolsa. A porta do trailer se abre e eu pulo, envolvendo a toalha mais apertada em volta do meu corpo nu.

A cabeça de Pike aparece quando ele se inclina pela porta aberta. — Ei, menina linda. Prepare-se. Vou levá-la para encontrá-lo em dez minutos.

A porta se fecha antes que eu possa lhe dizer que não tenho nenhuma roupa para vestir. Eu bato meu pé em frustração e giro para encarar a cozinha.

Eu vejo dois calções esportivos com elástico e dois tops brancos de corrida que de alguma forma magicamente apareceram no balcão enquanto eu estava no chuveiro.

Eu me visto rapidamente. Os shorts são mais curtos do que eu gosto de usar, e se eu me curvar, tenho certeza que minha bunda vai aparecer. Os tops se encaixam perfeitamente. Confortável, mas feito de algodão grosso o suficiente para não dizer ao mundo que não estou usando sutiã. É uma boa mudança vestir roupas reais em vez de usar apenas calcinhas e uma das camisetas de Nine.

Pike está me esperando lá fora em uma van preta.

Eu entro com Baby Vodka no meu colo e coloco o cinto de segurança sobre nós duas. — Então, que tal aquele emprego? — Pergunto a Pike com um sorriso brilhante que diz que sei que minha pergunta é ridícula, mas vou perguntar de qualquer maneira.

Ele olha para Baby Vodka e inclina a cabeça, provavelmente confuso com o motivo de eu estar a tratando como um bebê. O que ele não sabe é que é tudo que eu tenho e sou uma mulher adulta e vou tratar essa garrafa de vodka como um bebê se eu quiser. Surpreendentemente, tudo o que ele diz é: — Você sabe que as crianças não devem viajar no colo. Você não aprendeu nada com Britney? — Ele sai do campo.

Eu acaricio a garrafa. — Nós não gostamos de ficar separadas.

Pike se inclina sobre mim com uma mão no volante e procura algo em seu porta-luvas. Ele encontra o que está procurando e o fecha, entregando-me um frasco de couro preto com iniciais prateadas na frente que diz PLV. — Aqui, você pode ficar com isso.

— Obrigada, — eu digo, tentando manter a mão firme enquanto derramo vodka da garrafa no pequeno buraco do frasco enquanto Pike dirige.

Pike suspira. — Eu quero que você saiba que lhe dar o emprego não é uma decisão minha, mas se fosse, sem mentir? Eu contrataria você em um piscar de olhos. Você seria ótima nisso. Melhor que Trina, mas, novamente, qualquer um seria melhor que Trina.

— Então por que ela trabalha lá? — Eu pergunto, enroscando o topo no frasco.

— Ela é minha prima. Seus pais morreram um tempo atrás e eu não queria que ela entrasse no sistema, então, quando saí, a busquei e lhe dei um lugar para ficar e um emprego. Ela é... uma pessoa especial. Apenas dezessete anos, embora tenha passado por mais merda do que a maioria das pessoas com o dobro da idade dela.

Penso na minha ligação com Lori quando lhe pedi um lugar temporário para ficar. Eu gostaria que ela tivesse sido metade generosa como Pike está sendo com sua prima.

Nós chegamos a uma casa de três andares sobre palafitas escondida atrás de uma parede de arbustos ao longo da rua. Passamos por uma grande garagem à esquerda e continuamos rodando até pararmos ao lado da área de estacionamento aberta no andar de baixo da casa.

— Ele está lá nos fundos, — diz Pike, apontando em frente. Eu localizo Nine sentado no quebra mar atrás da casa, com vista para a baía.

— Obrigada pelo carona, — eu digo sarcasticamente.

Pego meu frasco e pulo da van. Eu olho Baby Vodka no chão e penso em trazê-la comigo.

Pike ri. — Vai estar no trailer quando você voltar.

Eu aceno e vou em direção a Nine.

— De quem é essa casa? — Pergunto.

Ele se vira e enfia as mãos nos bolsos. — De King e Ray, — diz ele, olhando para a casa e protegendo os olhos do sol.

Eu me junto a ele no quebra mar e olho para a baía. Está cercada de todos os lados por manguezais. No centro tem uma pequena ilha coberta de vegetação. O sol está se pondo. É estranhamente calmo. O único som é o coachar ocasional de um sapo ou pássaros gritando. Ao contrário de mim, é muito calmo. Tranquilo mesmo.

— O que exatamente estamos fazendo aqui? — Pergunto a Nine. — King e Ray não se importam com o fato de estarmos invadindo sua propriedade?

— Confie em mim. King não se importará. Eles não estão em casa de qualquer maneira.

Ele olha para o frasco na minha mão. — Belo frasco.

— É de Pikes. Ele me deu, — eu digo a ele, colocando-o na cintura elástica do meu short.

— Será que... — Seus olhos permanecem na minha pele exposta por um longo tempo antes de desviar o olhar. — O que você disse outro dia, sobre Jared. Eu estive pensando sobre isso.

— O que eu disse exatamente? — Pergunto levantando meus ombros até o meu queixo. — Eu me lembro de estar com a minha amiga Vodka, e ela tem uma tendência a tornar as coisas um pouquinho confusas.

Nine inclina a cabeça para o lado. O sol do entardecer, iluminando sua mandíbula suave, mas afiada. — Você estava falando sobre como ele te deixou sozinha. Como odiava ser deixada e ficou chateada por ele não ter lhe dito que estava indo embora.

Eu permaneço em silêncio. Como ele consegue me conhecer tão bem me confunde, mas faz meu coração inchar. — Eu não me importo com Jared. Nunca me importei.

— Eu não disse que você se importou. Eu disse que você estava chateada por ter sido deixada sozinha, e isso me fez pensar que sua amiga Vodka trouxe alguma merda que você está tentando ignorar, mas você precisa sentir para sair do outro lado sem cicatrizes visíveis. Não quero pensar em Jared e no que ele fez para ficar entre você e o resto do mundo.

— Ele não está entre nada, — insisto. — A única coisa entre eu e o resto do mundo é você. E não ser capaz de sair do trailer... — Eu penso por um segundo. — Oh, e os homens de Ricci.

— Olha, eu li um livro sobre ansiedade, — ele começa a dizer.

— Quando? — Eu pergunto, levantando as sobrancelhas.

— Ontem à noite, quando você estava roncando, — ele sorri.

Eu reviro meus olhos. — Eu não ronco.

— Ok, vamos chamar de um ronronar adorável, então. Se faz você se sentir melhor sobre isso.

Eu mostro minha língua como uma criança.

Sua voz determina. — Cuidado com essa língua, passarinho, ou vou colocá-la para bom uso.

Meus lábios se separam pela natureza sugestiva de suas palavras. Eu limpo minha garganta e me afasto dele para olhar de volta para a baía. — Então, este livro que você leu? — Eu pressiono, fingindo que suas palavras não enviaram arrepios na minha espinha da maneira mais deliciosa.

— Basicamente, dizia que quando as pessoas fingem que um problema ou algo do passado não existe, e o empurram para dentro, é como acondicionar munição em um depósito aquecido. Eventualmente, tudo vai explodir. Confie em mim, eu estive lá e agora tenho pesadelos por causa disso. Com sua ansiedade, pode ser pior para você. Talvez não agora, mas daqui a uma semana ou um ano, e não quero que você tenha que passar por isso.

Meu coração aquece. Ele leu um livro sobre ansiedade por minha causa. Por mim. Minha mãe foi a única pessoa que tentou me entender e como eu funciono por causa da ansiedade. Estou chocada. Confusa. Mas também surpresa, de uma forma que me deixa ansiosa para descobrir mais sobre por que exatamente estamos aqui agora.

— O que você recomendaria, doutor Nine? — Eu franzo meus lábios.

— Eu vou te mostrar. — Nine corre até uma caixa plástica pregada ao paredão de concreto e a abre, pegando uma sacola de golfe com um conjunto completo de tacos ainda dentro.

— Vamos jogar golfe? — Eu pergunto, até que reconheço o taco de golfe brega coberto nas pontas. Verde com pompons brancos por cima. — Espere, como você conseguiu os tacos de golfe de Jared?

— Eu voltei até sua casa para ver se os carregadores deixaram alguma de suas roupas, já que você não pegou muitas. Eles não deixaram. Mas me deparei com isso no canto da garagem e, como todas as fotos em seu escritório são dele jogando golfe, percebi que eram importantes para ele e, portanto, funcionariam perfeitamente para o nosso pequeno exercício hoje.

— Aparentemente eles não eram importantes o suficiente para ele levar com ele, — murmuro amargamente. Amargamente demais.

Nine me dá um olhar de “eu te avisei”. — O que me leva à lição de hoje, passarinho.

Eu aceno minhas mãos para ele continuar.

— Encerramento, — Nine arranca um taco da bolsa. — Você precisa de encerramento.

Eu cruzo meus braços defensivamente sobre o peito. — Eu não preciso de encerramento. Eu nunca o amei. Estou chateada, ele saiu sem aviso e me roubou? Sim. Eu preciso encerrar um relacionamento que nunca deveria começado? — Eu balancei minha cabeça. — Eh, não muito.

Ele joga o taco em sua mão e o pega com facilidade. — Nunca amei minha mãe e ela me abandonou no nascimento. Não achei que precisasse de encerramento até a cadela morrer, e tive que jogar suas cinzas no depósito de lixo de Logan Beach.

— Como se sentiu? — Eu pergunto, curiosamente.

Ele sorri e segura o taco para eu pegar. — Melhor do que com a super vitamina de Preppy.

Eu ainda estou cética, e ele vê isso escrito em todo o meu rosto.

— Eu preciso que você confie em mim nisto, — ele pressiona, desdobrando meus braços e empurrando o taco em minhas mãos.

Eu cedo e fecho meus dedos ao redor. — Ok, tudo bem, mas o que exatamente eu devo fazer com isso?

— Você deve gritar todas as coisas que diria se ele estivesse aqui agora e depois jogar sua merda na água.

— Não podemos simplesmente ir tomar sorvete? — Eu pergunto, mordendo meu lábio inferior. Até mesmo pensar em dragar o passado me faz sentir pesada e presa ao chão.

— Nós podemos. — Ele aponta para o taco de golfe na minha mão. — Depois disso.

Eu respiro fundo e encaro a água. — Jared, você era um babaca de proporções épicas, — digo categoricamente, e solto o taco na água. Eu olho para Nine. — Tudo bem?

Ele me entrega outro taco. — Nem mesmo perto. Feche seus olhos. Lembre-se de como ele fez você se sentir.

Eu tiro de suas mãos e fecho meus olhos. Lembro-me de um dia, não muito tempo atrás, eu estava tendo um ataque de pânico, e ele olhou para mim envolta em cobertores como se eu fosse uma alienígena. — Você nunca me entendeu, — eu digo, meu tom um pouco mais alto. Eu jogo o taco na água. Nine está certo, parece... melhor?

— Bom, — diz ele, entregando-me outro. — Tente novamente. Respire fundo. Mais alto desta vez.

— Você me chamou de louca em vez de tentar me entender. — Eu o jogo na água, mais desta vez, outro taco já está em minhas mãos. — Você me fez confiar em você, então tirou tudo de mim.

— Mais alto! — Outro taco aparece magicamente.

Minha voz é tão alta que posso ouvir meu próprio eco sobre as árvores, gritando de volta para mim. — Você dirigia o carro mais idiota que já foi fabricado! — Estou jogando agora, lançando os tacos como dardos na água. Um após o outro. — Quero dizer laranja? Sério!? Isso é uma porra de abóbora, não um maldito carro.

— Bom, mais alto!

Eu pego o taco. — Você não ouviu quando eu disse que não queria aquela porra de casa idiota!

— Você nunca foi ao cemitério no aniversário da morte dos meus pais. — Estou lançando-os agora, jogando com tudo o que tenho, ignorando a dor no meu ombro enquanto atiro cada um com mais força.

— Você me disse que cuidaria de mim, mas nunca quis dizer isso. — Eu mando para a água. Eu estou hiper focada e cercada por todos os sentimentos que Ansiedade arquivou que diz respeito à partida repentina de Jared.

— Você nunca teve tempo para me conhecer. Eu era um animal de estimação para você. Algo que você tinha que limpar depois. Algo que você desfilava em público, em seguida, colocava em uma gaiola à noite. Eu não sou o animal de estimação de ninguém! — Lançamento.

— Você nunca me amou, e eu nunca amei você, mas você nunca me deu uma razão para te amar!

— Você tem um pênis muito pequeno!

Quando não aparecem mais tacos na minha mão, uma profunda raiva primal rasga da minha garganta, liberando tudo dentro dela. Eu não paro de gritar até sentir o último ressentimento sair do meu corpo.

Quando eu abro meus olhos Nine está em pé na minha frente, observando. Esperando. — Como você está se sentindo?

— Eu me sinto... sem fôlego e aliviada e como se houvesse essa energia correndo através de mim, como se eu pudesse correr em volta da casa ou nadar através desta baía e voltar, — eu digo com uma pequena risada. — Como você sabia que eu precisava disso? Como você sempre parece saber o que eu preciso?

Ele inclina meu queixo para cima, esfregando o polegar sobre minha mandíbula. — Porque, eu sei em primeira mão que às vezes você tem que queimar a merda no chão para apreciar a beleza das cinzas.

Ele está certo, e eu me vejo gostando dele ainda mais por isso.

Eu me importo com ele?

Arquivo esse petisco em NÃO POSSO LIDAR e sigo em frente.

Eu limpo minha garganta. — Uh, pronto para o sorvete? — Eu pergunto, tentando distrair do peso do momento.

O olhar de Nine escurece. Ele chupa seu anel labial e solta, seus olhos nos meus lábios. — Ainda não, mas estou pronto para você.

Ele me puxa em sua direção, e meu coração dispara quando ele inclina a cabeça e os lábios... zumbem?

Mas não são seus lábios zumbindo, é o telefone dele. Ele puxa do bolso e verifica a tela.

— Merda, eu quase esqueci que tenho que estar em algum lugar. — Ele pega minha mão e me puxa em direção a sua caminhonete que está estacionada atrás da garagem.

E assim, o momento está quebrado.


***

— Então, você realmente vai confiar em mim para ficar aqui sozinha? — Eu pergunto quando voltamos para o trailer. Nós saímos da caminhonete. — Quero dizer, porque isso faz de você um terrível sequestrador, só para você saber. Você pulou esse dia na escola de rapto?

Dre, a esposa de Preppy, sai de dentro do trailer e acena para nós.

Nine ri e acena de volta.

Eu bato em seu bíceps com força e aponto um dedo acusador para o bastardo presunçoso. — Você me trouxe uma babá?

Ele coloca a mão nas minhas costas e finjo que isso não causa arrepios em outras partes ciumentas do meu corpo, que anseiam sentir seu toque novamente. Ele me guia em direção à porta. — Não. Dre não é sua babá. — Ele aponta para onde Pike está sentado em uma cadeira na frente do trailer com as pernas cruzadas e descansando em cima de um refrigerador vermelho. — Ele é sua babá.


***

Por mais que eu não tenha gostado da ideia de Nine arranjar um dia de atividades para mim, Dre e eu nos damos maravilhosamente bem. Tendo falado com ela por alguns minutos quando nos encontramos da última vez, distraída por seus adoráveis filhos disputando sua atenção, não tivemos exatamente a chance de nos conhecermos em sua casa, mas depois de conversar com ela hoje por alguns momentos, sinto que a conheço o suficiente para concluir que gosto de Dre. Eu gosto muito dela.

Além disso, temos muito em comum.

Dre trabalha com restauração de casas antigas, restaurando-as à sua condição original antes de vendê-las por um lucro considerável, o que nos dá muito para conversar com meu passado no setor imobiliário. Sem mencionar que eu estou apaixonada por toda a vibe de garota pin-up de lábios vermelhos que funciona totalmente para ela. Dre pode ser a garota mais legal que eu já conheci além de Yuli, e como Yuli está a um bilhão de quilômetros de distância, é muito bom ter uma garota por perto para conversar novamente.

— Acho que posso ter uma paixão por você, — digo a Dre.

Ela sorri brilhantemente. — Idem, Lenny. Você é uma lufada de ar fresco, mas, honestamente, mesmo que você fosse um ser humano terrível, estou feliz que Preppy esteja com as crianças hoje e eu esteja fora de casa sozinha por alguns minutos.

Falando em fora da casa...

— Você não sabe, por acaso, para onde Nine foi correndo hoje? — Pergunto.

Dre está descarregando um guarda-roupa cheio de roupas e espalhando-as na cama. Vestidos, tops, jeans e uma variedade de sandálias e tênis.

— Eu sei, mas acho que é melhor se ele lhe disser, — diz ela. — Além disso, não é um direito meu contar os segredos de outras pessoas. Deus sabe que eu tenho muitos. Eu não ficaria feliz se as pessoas ficassem fofocando enquanto eu não estivesse pronta para lhes dizer, mas também não quero mentir para você. Você pode entender isso?

Eu concordo. Eu posso entender isso e agradeço-lhe a honestidade e suas razões. — Eu só odeio segredos. Eu nem sei por que ele me sequestrou ou porque se importa com homens atrás de mim. Não faz qualquer sentido!

Dre me oferece um pequeno sorriso e coloca as mãos nos meus ombros. — Para o registro, eu fui sequestrada, e isso... — Ela gira o dedo indicador ao redor no ar nas paredes do trailer. —... não é isso.

— Oh, merda, me desculpe, — eu ofereço, caindo na cama. — Eu não sabia.

Ela levanta a mão. — Não há necessidade de desculpas. Eu passei por coisas muito piores do que um sequestro, e a maioria dessas coisas, fiz comigo mesma.

Quando eu torço o nariz em confusão, ela esclarece: — Eu era viciada em heroína.

— Ah, entendi. — Eu tomo o gole mais feminino que consigo do meu copo de vodka. Eu olho para o copo. — Isso incomoda você?

Ela ri. — Não. Eu bebo ocasionalmente. E eu honestamente nem anseio mais por drogas. Acho que foi mais situacional do que qualquer coisa, mas não me entrego a extremos apenas para estar segura. — Ela sorri. — Exceto, claro, pelo meu marido insaciável. — Ela tira uma blusa de mangas curtas e um ombro da cama. — Aqui, acho que isso vai servir em você.

Meus olhos se arregalam. — Espere, essas roupas são para mim? Achei que você as trouxe para eu ajudá-la a escolher uma roupa para alguma coisa.

Ela olha de novo para as roupas. — Não, Nine me disse que você trouxe apenas uma pequena mochila e não tinha muita coisa nela. Ele ligou e queria que eu te ajudasse a conseguir algumas roupas. Então, aqui estou eu, a fada mágica do guarda-roupa ao seu dispor.

Eu olho para todas as opções. Eu quero ser grata, mas não consigo chegar a essa emoção porque há uma pergunta bloqueando meu caminho. — Veja, é isso que eu quero dizer. Por que ele esta fazendo isso?

Ela levanta as sobrancelhas e pega uma saia jeans curta da cama. — Você já pensou que talvez ele queira protegê-la e fazer coisas boas para você, porque você é você? Isso não é motivo suficiente?

Não, não é, mas eu gostaria que fosse.

Eu olho para o pequeno espelho na parede ao lado da cama e vislumbro meu reflexo. As bolsas embaixo dos meus olhos. Minhas bochechas sem cor. Meu desgrenhado e comprido cabelo castanho que nunca gostei, mas Jared insistiu, pois pareceria mais profissional do que o curto assimétrico platinado que eu usava quando o conheci. — Não, esse pensamento nunca me ocorreu. Mas você já me viu ultimamente? — Eu aperto meus dentes e puxo meu queixo.

Dre ri e fica atrás de mim, conversando com meu reflexo. — Podemos consertar você em pouco tempo. Minha Nan amava uma boa transformação e, para sua sorte, ela passou-me esse gene. — Ela caminha até a mala grande que ela trouxe e puxa vários pares de sapatos, alinhando-os contra a parede. Ela se inclina para trás, apoiando o queixo na mão enquanto olha para eles.

Eu olho para o meu reflexo mais uma vez e uma ideia se forma. Eu giro ao redor. — Ei, Dre?

Ela olha para os sapatos, — Hmmm?

Eu puxo o elástico do meu cabelo e deixo cair ao redor dos meus ombros. Eu o desembaraço com meus dedos, agitando-os. — Quão boa você é com o cabelo?

 


Capítulo Vinte

NINE


Pike me envia um texto que Dre queria levar Lenny para uma das antigas casas que ela está restaurando para obter seu conselho sobre o valor.

Não estou feliz que saiam, mas pelo menos Pike está com elas.

Sinto-me drenado depois do tribunal hoje, mas sem razão para voltar ao trailer ainda, me encontro na casa do meu irmão.

— Eu só preciso provar a Tico que Lenny não faz parte disso, — digo a ele.

— Ok, mas que tipo de prova? O nome dela está em toda a papelada, certo?

Eu vasculho meu cérebro. — Tem que haver alguma coisa.

— Dê uma olhada no computador de Jared novamente. Talvez você tenha perdido alguma coisa, — diz Preppy, entrando na sala de estar.

— Talvez, — eu digo, sabendo que não perdi. Eu olhei a maldita coisa dez vezes. Não há nada apontando para o dinheiro e nada exonerando Lenny. Eu não posso simplesmente sentar e esperar que algo aconteça ou não aconteça. Estou ficando impaciente com a espera. Com a ignorância.

— Você pode acreditar que o primeiro-ministro do Canadá se chama Justin? — Preppy grita da sala de estar.

— Por que o súbito interesse na política canadense, irmão? — Eu respondo, saindo da cozinha com duas cervejas. Eu entrego uma a Preppy.

— Estou tentando mover alguma merda do bom e velho norte. Imaginei que deveria saber um pouco sobre o filho da puta tentando derrubar a minha entrega.

— Embora eu tenha certeza de que o próprio primeiro-ministro não esteja tentando envolver-se pessoalmente em seu negócio, vou morder a isca. Que tipo de merda estamos falando aqui? — Pergunto, apoiando meus cotovelos na parte de trás do sofá. — Primeira vez que ouço falar disso.

O sorriso de Preppy se amplia. Sua voz fica suave. Ele está profundamente boquiaberto enquanto fala. — O xarope de bordo mais fino e mais puro já feito.

— Xarope? Você está contrabandeando em calda? — Eu não estou atordoado. Preppy é sempre estranho. Quero dizer, o homem tem uma ordem de restrição emoldurada do Dr. Dre pendurado acima da mesa da sala de jantar, por alguma razão, ninguém ainda me explicou.

— Meus bolos Preppy merecem o melhor, irmãozinho. — Ele se levanta, pula sobre o encosto do sofá e envolve um braço em volta dos meus ombros. Ele segura a mão para o teto como se fosse uma tela e está prestes a me pintar um quadro mágico. — Este xarope não é apenas um xarope. É feito por Mounties11 montando enormes alces em pelo nas florestas profundas da Colúmbia Britânica. É muito parecido com a maneira que os bons contrabandistas americanos faziam as coisas no passado. E quando eu conseguir, vou derramar tudo sobre os médicos e...

— Entendi, — eu o interrompo, empurrando seu braço de cima de mim e batendo em sua mão antes que ele possa terminar de fazer qualquer gesto que eu tenho certeza não quero ver.

Preppy encolhe os ombros e volta sua atenção para a TV. — Eu quero dizer realmente? Justin? Que tipo de nome é Justin? Soa como um ator adolescente. — Ele agora está segurando uma tigela de cereal Cookie Crisp sob o queixo, falando entre as mordidas.

Eu olho para a tela. Justin Trudeau está acenando para uma multidão na parte de trás de um carro em algum desfile. — Não, — eu digo. — Ele parece mais um ex-boy band, você sabe, aquele que saiu do grupo primeiro, tentou outras coisas. Alguns imóveis, um pouco de metanfetamina, uma pequena prisão domiciliar. Eventualmente, ele decide limpar sua ficha. Depois de algum trabalho dental extenso, uma merda de Botox e penicilina suficiente para curar uma pequena praga, e BAM! Ele está de volta, cantando sobre o amor suado e sujo novamente enquanto dança como uma líder de torcida em um show de meia hora. Embora, agora ele esteja cantando para uma multidão muito mais velha e muito menor, é claro. Mas ainda há muitas tietes a serem usados. Ele precisa de uma pequena pílula azul nos dias de hoje para fazer o trabalho, mas ainda consegue matar um monte de cadelas nostálgicas usando gargantilhas, seus sapatos de salto enrolados em torno de seus ombros como se fosse a porra de 1999.

Ainda estou pensando em outras semelhanças com o primeiro-ministro canadense e membros de boy bands dos anos 90, quando olho para Preppy, cujo queixo está no chão. O leite escorre pelo lado do queixo. Eu acho que ele vai dizer algo sobre sermos irmãos e o jeito que nós dois sempre conseguimos dizer as merdas mais estranhas, mas ele não fala. Há um grito do outro quarto. Então outro. Ele torce o nariz.

— Uau, você é um garoto estranho. Você sabe disso? — Preppy diz, balançando a cabeça. Ele se levanta e segue pelo corredor para cuidar das gêmeas.

— Eu sou um garoto estranho? — Eu grito atrás dele.

Eu suspiro, e meus pensamentos se voltam para o que aconteceu hoje com Lenny no quebra mar. Parecia um avanço. E então penso no que quase aconteceu até que meu telefone me alertou com um lembrete de que eu deveria estar no tribunal.

Bo vem correndo para a casa do quintal e bate em mim. Sua cabeça de melancia parece ainda maior quando se conecta diretamente com minhas bolas. — Bo, o que está acontecendo, amigo? — Eu grito através da dor.

Ele olha para mim com seu cabelo escuro e rosto pálido usando a mesma gravata borboleta e suspensórios que Preppy usa. Ele sorri, e é absolutamente arrepiante Família Adams. — Eu vejo pessoas mortas, — ele sussurra. Para uma criança que costumava não falar, ele agora faz questão de dizer merda muito estranha.

— Você precisa começar a dormir mais cedo e parar de assistir a todos os filmes de madrugada que sabe que não deveria estar assistindo.

Bo pega meu braço e me arrasta para as portas de vidro deslizantes. Ele aponta para o quintal. — Não, sério, no entanto. Há um corpo no quintal. Veja.

Eu olho para fora para ver a pilha mutilada de um homem nu bem no centro do quintal.

— Puta merda. Você está certo. — Minha mente está correndo e em modo de alerta total.

— Eu te disse, — diz Bo, saltando para a cozinha. — Você quer um biscoito, tio Kevin?

— Uh, não agora, mas guarde um para mim. E você pode pedir ao seu pai para vir aqui? Tipo, agora?

— Claro, — diz ele em torno de um bocado de biscoito de chocolate enquanto caminha lentamente pelo corredor. — Papai, tio Kevin quer falar com você sobre o cara morto no quintal. Agora mesmo!

Saio para o pátio, afastando as moscas do meu rosto a cada passo. Quando me aproximo percebo uma grande tatuagem vermelha nas costas do homem morto. Não, não é uma tatuagem. Pintura, talvez? Não é até que eu esteja bem perto que posso ver que é uma mensagem escrita em sangue.

É um número. E não apenas qualquer número.

É o número nove.

E o corpo? Está faltando à porra da cabeça.

Preppy se junta a mim lá fora. — Alguma pista de quem é o cadáver? — Pergunta ele, agachando-se ao meu lado.

— Sim, — eu digo. — É o parceiro de negócios de Jared, Sheff. O dono da cabeça que estava na cama de Lenny.

— Foda-me de lado, — assobia Preppy, mas suas palavras saem todas distorcidas. Eu olho e ele tem a boca cheia de cookies.

Bo para ao lado dele, sua boca cheia de biscoitos. — Está morto cerca de dois dias, pelo meu palpite, — diz ele. — A vermelhidão do sangue acumulado sob a pele do peito significa que ele provavelmente foi mantido em algum lugar antes de ser transferido para cá.

— Faz sentido, — eu digo, considerando que encontramos sua cabeça nem há três dias. — Mas como você sabe disso, garoto? E por que você está aqui fora?

Bo encolhe os ombros. — Todo mundo sabe disso? E eu estou aqui porque você e papai me disseram para não vir, então, naturalmente, fiquei curioso. Além disso, tenho nove anos de idade. Ouvir não é um ponto forte para crianças da minha idade.

Preppy bagunça o cabelo de Bo. — Volte para dentro, Bo. Eu tenho que me livrar dessa situação antes que suas irmãs vejam isso. Então, podemos ir ao parque de skate depois que sua mãe chegar em casa.

— Eu não sabia que você andava de skate, — eu digo para Bo.

Ele limpa as migalhas de suas mãos em suas calças. — Eu não ando. Eu só gosto de sentar no topo da rampa e ver as pessoas caírem. — Ele pula de volta para dentro.

— Desde que a cabeça estava na casa de Lenny e o corpo está aqui com o Nove escrito atrás, acho seguro dizer que fizeram a conexão entre vocês dois e sabem que você a tem. — Preppy aponta. — Estou certo em supor que você não está prestes a entregar Lenny para uma pequena conversa?

— Nem uma porra de chance no inferno, irmão, — eu digo.

— Eu imaginei, pelo fato de você estar apaixonado por ela e tudo.

— O quê? — Eu respondo, levantando-me. — Isso não importa agora. O pessoal de Ricci iria torturá-la, e quando ela não disser o que querem ouvir, eles vão matá-la de qualquer maneira. Eu tenho que lhes mandar uma mensagem. Uma que Tico Ricci, esperemos, entenda.

— Compreendo? Tico? Espero que você esteja certo, mas é melhor você mandar essa mensagem rápido, irmão. — Preppy segura o nariz. — E esse corpo. Fede tanto que está quase matando meu apetite. — Ele enfia outro biscoito na boca enquanto ainda segura o nariz. — Como você planeja explicar essa merda para ele? Por email? Stripper-grama12? Eu descobri recentemente que buquês de balão são bastante populares.

— A única maneira que posso lhe enviar uma mensagem que ele realmente ouça. — Eu estalo meus dedos. — Em pessoa.


***

Quando chego ao trailer, enviei uma mensagem para Tico por meio de todos os e-mails e números de telefone criptografados que ele costumava usar, solicitando um contato cara-a-cara.

Agora é só esperar.

Eu empurro meu telefone de volta no meu bolso e entro no meu trailer onde paro quando encontro uma estranha em pé na minha cozinha de costas para mim. Só que ela não é uma estranha. Ela é do passado. O mesmo cabelo loiro platinado a altura dos ombros de um lado e um pouco mais curtos do outro. Ela está usando uma camisa azul bebê solta sobre uma curta saia jeans branca e tênis brancos simples.

Ela parece exatamente como na noite em que a conheci.

— Poe? — Eu pergunto, sem pensar.

Eu acho que acabei de foder tudo regiamente, mas ela se vira e pula na minha presença, colocando a mão sobre o coração. Ela tira os fones de ouvido de suas orelhas que estão conectadas ao meu antigo MP3 player, saindo do bolso.

— Você me assustou, — diz ela, respirando fundo.

Não tanto quanto você me assusta.

— O que você acha? — Ela pergunta, girando lentamente com os braços abertos para que eu possa dar uma olhada nela.

Minha garganta está seca. Meu pulso está acelerado.

É difícil encontrar as palavras certas que possam lhe explicar todas as coisas que estou pensando e sentindo sobre como ela está agora. Fodível. Linda. Meu sonho molhado ganhando vida.

MINHA.

Eu limpo minha garganta e decido que simples é melhor.

— Eu acho que é... você.


Capítulo Vinte e Um

LENNY


Quando Nine me diz que vai me levar a algum lugar esta noite, não posso deixar de ficar empolgada, especialmente quando ele diz que, onde quer que estejamos indo, fica a duas cidades de Coral Pines, onde os homens de Ricci não me procurariam.

Depois de me preparar um pouco mais e usar a maquiagem que Dre deixou para mim, saio do trailer. Nine está me esperando em sua caminhonete, muito bonito em sua camiseta branca justa e jeans de cintura baixa. Seu cabelo está molhado de seu recente banho.

Ele olha para mim e congela, sua mandíbula aberta. Ele acende o cigarro e caminha parando na minha frente. — Aí está você, — diz ele, e sei que não está falando da minha presença física. Ele está acolhendo meu novo cabelo loiro platinado mais curto e minha blusa fora do ombro. Eu troquei meus óculos por lentes de contatos que, felizmente, lembrei de guardar na minha bolsa de produtos de higiene pessoal.

— Você está incrível, — diz ele, apreciação em sua voz profunda e rouca.

— Sim, eu estou aqui, — eu respondo, sentindo-me nervosa de repente. Eu pressiono meus dedos nas palmas das mãos, mas Nine me surpreende quando pega meu pulso e levanta minha mão.

Eu tento puxar minha mão de volta, mas ele a segura firme, virando minha palma para cima, ele olha para as crostas e cicatrizes em forma de meia lua. Espero pela pergunta do por que faço isso a mim mesma ou uma advertência de algum tipo, mas o que ele faz me surpreende mais do que palavras duras ou julgamentos jamais poderiam. Ele pressiona um beijo suave sobre as crostas e então dobra meus dedos de volta, liberando minha mão.

Estou tremendo agora enquanto Nine parece completamente indiferente. Ele não diz uma palavra sobre o que acabou de fazer ou por quê.

— Então, onde exatamente estamos indo? — Eu pergunto.

Seus lábios se levantam em um sorriso torto. — Bem, desde que ambos vivemos vidas muito adultas antes que tivéssemos chance de ser crianças...

— Sim? — Eu pressiono.

Ele abre a porta do passageiro de sua caminhonete e me levanta para dentro. — O que você acha de sermos crianças por um tempo?

Meu coração pula. Qualquer que seja o plano, a resposta é sim.

— Eu digo, lidere o caminho.

***

No segundo em que pisei no estacionamento de grama alta, respiro o aroma de frituras e um cheiro doce e açucarado, como se o algodão-doce tivesse soprado na brisa como se fossem dentes-de-leão açucarados.

O riso e a música flutuam no ar de dentro de uma vasta área cercada, coberta de dezenas de lonas pretas, presumivelmente para evitar que espectadores vejam o que está acontecendo lá dentro.

— Uma feira? — Eu pergunto, minhas palmas suadas de excitação. Já faz um tempo desde que fui a uma feira. Jogos leves e passeios estonteantes são apenas a distração que venho procurando e que não vem em uma garrafa.

Embora eu tenha trazido meu frasco, então é isso.

— Mais ou menos. — Ele me mostra um sorriso e aparece aquela covinha no queixo.

Não perca a cabeça por causa de uma covinha estúpida. Claro, Nine pode ser legal, mas também é perigoso e, para todos os efeitos, seu sequestrador.

Estou guerreando com meus pensamentos, tão distraída que não vejo o homem ao lado da bilheteria até que ele salta de trás, segurando um coração ensanguentado em suas mãos.

Eu grito e viro para correr, só para colidir com o peito duro de Nine. Eu começo a me afastar, para continuar minha fuga quando o sinto me puxar de volta, seu torso sacudindo com uma risada contra a minha bochecha. Eu estico meu pescoço para ver o que é tão engraçado e pergunto por que não estamos correndo quando Nine, parecendo muito divertido, lentamente me afasta dele e me vira para encarar meu agressor.

Instantaneamente, meu rosto fica vermelho de vergonha. O homem não está vindo atrás de mim, ele nunca esteve atrás de mim. Ele está fantasiado e maquiado como um zumbi. O coração em suas mãos é apenas um adereço. Um bom, mas ainda assim, apenas plástico e algum tipo de líquido vermelho feito para parecer sangue.

O homem usa a mão livre para tirar sua cartola esfarrapada em saudação. — Bem vindos, vivos. Vocês dois já têm seus ingressos? Se não, podem comprar pulseiras com o zumbi no portão, também conhecida como minha querida esposa morta-viva, Zelda, — ele anuncia, então se afasta para assustar suas próximas vítimas, um jovem casal que grita de terror antes de gargalhar incontrolavelmente..

— Não se preocupe. Ele não é um zumbi de verdade, — Nine brinca em um sussurro.

Eu dou um tapinha no peito dele, mas quando me conecto com sua camiseta, ele pega minha mão e lentamente a leva aos lábios. Minha respiração fica presa na minha garganta. — Você não precisa se preocupar em ser mordida por zumbis, — diz ele, roçando meus dedos com os dentes. — É de mim que você deve ter medo. — Ele rosna, em seguida, belisca brincando minha mão, fingindo dar uma mordida.

Eu tanto amo e odeio o jeito que meu corpo reage a ele, mas sim sequestrador ou não, eu gosto desse lado lúdico de Nine.

Ele abaixa a minha mão, mas não a solta, em vez disso liga os dedos aos meus. Ele me conduz pelos portões depois de mostrar nossos ingressos para a esposa morta-viva do zumbi que nos recepcionou. Ele me pega olhando para as nossas mãos unidas. — Proteção contra os zumbis, é claro, — ele me garante com uma piscadela.

— O que é exatamente esse tipo de feira? — Eu pergunto, usando suas palavras anteriores.

É um festival, isso eu sei. Há brinquedos e jogos e barracas com doces açucarados e frituras, mas não é como qualquer festival que eu já estive antes, como o festival do camarão ou o festival beneficente anual de vinho. Por um lado, este lugar está cheio de pessoas, e nenhuma delas está usando trajes formais. Na verdade, a maioria usa roupas esfarrapadas, como o recepcionista, e rostos cheios de maquiagem. Círculos negros em torno de seus olhos e bocas, respingos vermelhos para fazer parecer que seu sangue está vazando. Algumas das maquiagens são tão elaboradas e bem feitas que parecem ter buracos nos lados de seus rostos ou cabeças. Um homem alto e magro passa e assobia, ele está sem camisa, e todo o seu corpo está pintado para parecer que seus órgãos internos estão pendurados do lado de fora.

— Bem-vindo ao Zombie Fest! — Nine anuncia.

Eu levanto meus ombros e os deixo cair novamente, relaxando pela primeira vez no que parece ser uma eternidade. A energia no ar zumbe ao meu redor. — É... é fantástico.

Nine puxa minha mão, levando-me ainda mais para dentro do recinto da feira. — Vamos. A menos que você esteja com muito medo. — Ele abana as sobrancelhas.

Eu endireito meus ombros e levanto meu peito. — Eu não estou com medo.

Não dos zumbis, de qualquer maneira.

O que me assusta não é sangue falso ou sangue ou as centenas de mortos-vivos passando. É o jeito que Nine está olhando para mim. A maneira como sinto sua mão. O jeito que ele está sorrindo enquanto me leva ao redor da feira e a maneira como ele ri do que encontramos em cada estande. É como seus olhos estão cheios de admiração e excitação. É um entusiasmo infantil que eu invejo e ao mesmo tempo me faz pensar em outras coisas sobre ele. Como seria sentir todo o peso dele em cima de mim. Dentro de mim. Pele. Calor. Suor. Lábios... Eu estremeço com o pensamento erótico.

Nine repara.

— Frio, — ele pergunta.

Está um calor dos infernos. Estou longe de estar com frio. Na verdade, todo o meu corpo está banhado em um brilho de suor, mas não tem nada a ver com a temperatura e tudo a ver com o homem que segura minha mão.

— Ainda com medo? — Ele brinca com uma cutucada. Ele me puxa mais fundo em direção a uma cabine com um bar e pede duas cervejas.

Minha resposta sussurrada se perde entre a música e o rugido da multidão.

— Aterrorizada.

Eu vejo uma barraca de sorvete, especializado em coberturas de xarope de cereja que parece sangue.

Nine ri. — Você quer um pouco, ou está só planejando comer com os olhos a barraca de sorvete?

— Podemos? — Eu pergunto, saltando na ponta dos pés como uma criança.

Nine pega minha mão e me leva até a barraca de sorvete. — Que sabor você quer, senhorita? — O zumbi atrás do balcão pergunta. Ele tem sangue falso espalhado no avental e no chapéu de papel.

— Quero de baunilha, — eu respondo.

— Você quer a cobertura de sangue? É nossa especialidade.

Meu sorriso se ilumina. — Claro!

O zumbi pega um cone vermelho e o sorvete rodopia da máquina. Ele esguicha a cobertura vermelha contendo pedaços de cerejas e morangos. Nine se aproxima da barraca alta e me passa o cone.

— Você não vai querer? — Eu pergunto quando ele paga.

Seus olhos estão cheios de malícia. — Eles não têm o sabor que eu quero.

Eu dou uma grande mordida no topo do cone, e tem gosto de paraíso. Eu fecho meus olhos e gemo em voz alta enquanto os sabores explodem na minha boca. Quando eu os abro novamente, Nine está me encarando como se estivesse de repente com fome. — Que sabor você quer que eles não tenham? Tenho certeza que o cardápio lista todos os sabores conhecidos pelo homem. — Eu dou outra mordida e gemo mais uma vez.

Os lábios de Nine estão de repente no meu ouvido. Ele sussurra: — A boceta de Lenny. É o meu novo sabor favorito. É uma pena que eles não tenham.

Eu engasgo com o sorvete deslizando pela minha garganta. É a primeira vez que ele menciona o que aconteceu na outra noite. Eu estava me perguntando se ele esqueceu ou se simplesmente não pensou muito sobre isso, considerando sua partida abrupta depois.

Nine ri. — Vamos, passarinho. Há mais neste lugar do que sorvete.

Mas, de repente, não estou interessada no sorvete ou no festival porque tudo em que consigo pensar é no rosto de Nine entre minhas pernas abertas. Como me senti. O quanto quero sentir isso de novo.

Eu estremeço quando um delicioso arrepio toma conta de mim, e ele novamente pega a minha mão na dele.

Nós passamos horas na feira. Primeiro, nos reunimos em torno de um palco improvisado para assistir a um show onde os zumbis lutam contra os humanos pela dominação do mundo. Alerta de spoiler, os zumbis vencem. Andamos de estande em estande provando guloseimas, rindo das fantasias e jogando.

Depois de um tempo, nos encontramos diante de um trio de espelhos que distorcem sua altura e forma. Eu rio de como nossas cabeças estão contorcidas em formas retangular esticadas em um deles. — Eles são todos iguais, — diz Nine.

— Não, eles não são, — eu argumento, dando uma mordida no meu segundo sorvete da noite. Desta vez, chocolate com cobertura de sangue de framboesa. — Aquele alonga sua cabeça, aquele faz você parecer um lápis, e este deixa tudo curto e largo. — Eu olho para ele. — Você precisa de óculos? Você pode pegar o meu, mas eles ficaram no trailer.

Nine para atrás de mim e coloca o queixo no meu ombro, olhando para o nosso reflexo distorcido nos espelhos vacilantes. — Eu não preciso de óculos. Eles são iguais porque em cada um deles... você ainda é você. Sexy pra caralho, irreverente, excêntrica, você.

Meu coração derrete enquanto o meu segundo sorvete do dia escorre pela minha mão. Eu procuro por uma lata de lixo. Nine pega o que sobrou do meu cone e o leva até uma cabine próxima para descartá-lo. Ele volta com um punhado de guardanapos.

Um grupo de adolescentes descaradamente olha para ele e ri quando ele passa. — Aqui, deixe-me, — diz ele, pegando meu pulso, ele levanta meu braço, e eu acho que ele vai limpar o sorvete derretido da minha mão quando a leva até a boca e lambe do meu polegar até o pulso. — Hmmmm... delicioso.

Eu quero dizer alguma coisa. Qualquer coisa. Mas não consigo porque estou pressionando meus joelhos para evitar queimar aqui e agora. — Uh... obrigada.

— A qualquer momento. — Suas palavras atadas com promessa perversa.

— Vamos, tem mais uma coisa que quero te mostrar. — Nine me leva para a parte de trás da feira, passando por uma manada de mini zumbis que quase me derrubam. Nine estende a mão e me agarra antes de eu cair de cara no chão, então me puxa para perto e envolve seus braços em volta de mim para me proteger de uma segunda manada que grita em um borrão de sangue e algodão doce.

Seus olhos examinam os meus. Ele levanta meu queixo e lentamente abaixa a cabeça. — Porra, você me faz... — Ele não termina porque nossos lábios se roçam, mas só dura uma fração de segundo porque somos separados por uma voz aguda que quebra o momento como um estridente familiar aríete.

— Lenny? Oh meu deus é você, Lenny! — A voz exclama.

Nine solta meu queixo e nos viramos para enfrentar Lori e seu marido Penn. Lori está vestida como a típica esposa Stepford que ela é em um vestido de verão branco estilo anos 50 e sapatos combinando. Seu cabelo loiro descolorido em um elaborado penteado destacando seu longo pescoço e a dupla fileira de pérolas ao redor.

Penn está usando uma camisa polo amarela com um suéter rosa amarrado em volta do pescoço, bermudas brancas compridas e sapatos de couro marrom com âncoras embutidas nos topos. Eu me encolho. Não só porque é uma aparência terrível para um homem, uma que o envelhece pelo menos dez anos, mas também é como Jared se vestia. Levou-me até este momento para perceber o quão nauseante achava essa aparência.

— Lori, Penn, é bom ver vocês dois de novo, — eu minto através dos meus dentes. Literalmente, meus dentes rangem e estou tentando não tirá-los do crânio.

A babá deles, Ined, caminha silenciosamente atrás deles com suas duas crianças limpas e de aparência semelhante, de aspecto miserável, a reboque em um caro carrinho duplo. A babá anda vários metros e para, provavelmente tendo sido instruída a não ser vista nem ouvida quando Lori e Penn estiverem conversando com alguém que não seja ela ou os filhos.

— Olá, Ined, — eu digo, só para irritar Lori.

Ined está prestes a sorrir e depois reconsidera, baixando os olhos para as crianças.

— Não incomode a auxiliar, Lenny. Você não vê? Ined está trabalhando.

— Oh, como sou boba, — eu digo sarcasticamente com a mão no meu peito. — Cumprimentando a auxiliar? O que eu estava pensando?

Nine anda até a barraca de bebida ao nosso lado e pede duas cervejas.

O sorriso de Lori é tão falso quanto o meu, e não perco a cotovelada nas costelas que ela dá em Penn, que força seu próprio sorriso falso. Só que o dele não é tão praticado quanto o de Lori, e o resultado é um olhar que me diz que ele pode estar prestes a peidar.

Ele também está olhando para Nine como se o reconhece, mas eu não posso, pela minha vida, pensar em como os dois se conheceriam.

— Lenny, é tão bom ver você, — Lori canta, dando-me um falso beijo no ar em cada lado da minha bochecha. Eu não retribuo e fico parada até seu pequeno show acabar.

Ela recua e aponta para o meu boné virado e para minha blusa caída no ombro. — Esse é... um novo visual para você, — diz ela. Sua atenção se volta para Nine, que chega ao meu lado e me entrega uma cerveja. — E isso também. — Ela aponta para Nine com seu magro dedo francês bem cuidado.

— Ele não é um isso, — eu digo. — Esse é Nine. Nine, esta é Lori e Penn. Eu conheci Lori através de Jared. Penn é seu melhor amigo.

— Era, — corrige Penn. — Eu não ouvi de Jared e, francamente, com toda a conversa na cidade sobre a bagunça que ele fez nas contas de investimento de todos, nem quero, — diz ele. — Reflete mal para mim que eu sou seu amigo, para começar, e não quero que esse homem ou alguém associado a ele manche o bom nome de minha família.

— Então, essa é a verdadeira razão pela qual você não queria que eu ficasse com você, — eu digo, incapaz de me conter por mais tempo. — Porque você não queria que as pessoas falassem sobre você? Por causa da sua reputação?

Nine permanece em silêncio, como se estivesse de guarda entre mim e sua capacidade de me magoar mais do que já magoou.

O rosto de Lori se torce em um olhar “cheio de santidade”, mas eu não perco a centelha de luxúria em seus olhos enquanto ela examina Nine enquanto ignora minha acusação. Ou, como gosto de pensar nisso, minha verificação da realidade.

Penn limpa a garganta, forçando a esposa a parar de olhar. Ele aperta os olhos em Nine. — Te conheço de algum lugar.

Nine acena com a cabeça. — Nós nos encontramos em uma praia uma vez. Você estava com um casal de amigos.

Os olhos de Pen se arregalam e sua boca emudece.

Eu ouço a risada quase inaudível de Nine.

Lori volta sua atenção para mim. — Sim, sobre isso. Não era você. Eu te falei isso. Mas lamento não poder abrigá-la na casa de hóspedes. Você sabe como são reformas.

Lamenta? Ela não parece lamentar. Na verdade, o jeito que ela fica olhando por cima do meu ombro me diz que está preocupada por sermos vistas juntos.

— Você estava colocando azulejos em um banheiro pequeno, — eu indico. — Não demolindo a casa e reconstruindo. Nós éramos amigas e você me deixou na mão quando mais precisei de você.

Lori pega um fiapo invisível no colarinho branco de seu vestido de verão floral, como se estivesse ficando entediada com essa conversa. — Sim, e você não acreditaria em como foi difícil supervisionar esse pequeno projeto. Especialmente desde que meu italiano não é o que costumava ser. Quero dizer, quando Penn e eu estávamos na Toscana, eu era praticamente fluente, mas desde...

— Espere, — Nine interrompe. Seu aperto na sua cerveja aumenta enquanto ele olha Lori de cima a baixo. É sua vez de apontar para ela. — Vamos cortar a besteira chata. Você sabia que sua amiga estava sendo despejada da sua casa e não tinha um centavo em seu nome e não a deixou ficar com você. Nem mesmo em sua casa de hóspedes, e não ofereceu ajuda de maneira nenhuma quando sabe que Lenny lhe daria a camisa que veste se você precisasse, mesmo que fosse sua única. — Ele zomba e dando um passo à frente a encara com toda a dor e raiva que ela me fez sentir, como se de repente tivesse sido a Nine quem ela rejeitou quando ele mais precisava dela em vez de mim.

O sorriso de Lori vacila. Ela agarra Penn pelo braço como se para endireitar a haste empurrada até o seu cu. — Eu quero dizer, eu teria, mas como eu estava dizendo...

— Vamos, Lori, — interrompe Penn. — É óbvio que sua amiga esqueceu o que significa ser civilizada, enquanto ela está passeando do outro lado da ponte, — diz Penn, puxando-a para longe. — Eu te disse que não devíamos ter vindo aqui. Vamos embora. — Ined, que ainda está parada a vários metros de distância, parece totalmente mortificada, não por eles, mas por causa deles. Ela empurra o carrinho de bebê e vai para o estacionamento como se sentisse que alguma coisa ruim ia acontecer.

Nine range os dentes e dá outro passo à frente. Penn recua e seu medo me traz uma onda de alegria inesperada.

Eu pego o braço de Nine para impedi-lo de fazer qualquer coisa estúpida. Policiais estão por toda parte, e não quero que esta noite termine com Nine na cadeia, especialmente por causa de pessoas que não importam. Não para mim. Não mais.

Nine grunhe para Penn e Lori como um animal enjaulado pronto para atacar. — Vocês dois são pedaços de merda. Lenny está melhor sem vocês em sua vida.

— E ela está melhor de alguma forma por ter você em sua vida? — Penn zomba.

Nine projeta o queixo. — Não, mas ao contrário de vocês, não finjo que não sou bom o suficiente para ela enquanto vocês dois mentem para si mesmos achando que são de alguma forma melhor que ela. Vocês não são. — Ele balança a cabeça. — Vocês acham que eu sou lixo? Olhem na porra do espelho.

Eu estou... não sei que diabos estou. Ele está me defendendo e estou exultante mas, foi a outra coisa que ele disse que me faz pensar.

Nine não acha que é bom o suficiente para mim? Ele pensou em ser bom o suficiente para mim? Sobre nós? Existe um nós?

— Não é de admirar que Jared a tenha deixado, — murmura Lori, enquanto se afastam como ratos com medo do gato faminto.

Nine enrijece ao meu lado mais uma vez, sua mandíbula apertando. Uma veia pulsa em seu pescoço.

— Não, por favor, não, — eu sussurro para ele, agarrando seu punho cerrado.

— Ei, Penn, diga aos seus amigos da praia que mandei meus cumprimentos e que espero vê-los de novo algum dia, — diz ele. O rosto de Penn empalidece.

A postura de Nine não relaxa, mas não vou deixá-lo lutar nessa batalha por mim.

Eu vou lutar por conta própria.

— Espere! — Eu chamo alcançando Lori e Penn. Sua babá agora está tão longe que é um borrão à distância.

Lori gira em torno de seus saltos e bufa. — É muito tarde para um pedido de desculpas, Lenny. Depois do que você disse...

— Eu não quero me desculpar, — eu explico: — Eu quero lhe dar uma coisa.

— E o que é isso? — Ela pergunta, olhando para sua unha como se eu a estivesse entediando.

— Isso, — eu digo, junto com outra resposta não verbal por meio do meu punho na sua mandíbula.

O lábio de Lori se divide e o sangue escorre pelas flores de seu vestido de verão branco. Seus olhos se arregalam em choque.

Eu sorrio em triunfo. — Quão incivilizado é isso? — Foi tão bom que eu poderia fazer isso de novo.

— Sua... cadela! — Lori grita, segurando seu lábio ensanguentado. Ela olha em volta com um olhar de desgosto em seu rosto perfeito demais. Penn não vem em sua defesa, se alguma coisa ele se afastou ainda mais. — Penn está certo. Você pertence aqui, com essas pessoas. Você nunca foi uma de nós. Jared sempre dizia isso.

Ela se vira quando Penn a leva até o portão sem outro olhar em nossa direção.

— Malditos covardes, — murmuro.

— Como você se sente? — Nine pergunta, chegando para ficar atrás de mim. Ele descansa o braço protetoramente sobre o meu ombro.

Eu ri. — Mágica.

Nine olha por cima do ombro. — Merda, — ele joga nossas cervejas no chão e agarra a minha mão.

— O que há de errado? — Eu pergunto quando ele me puxa para longe na parte dos fundos da feira.

— Isso é o que está errado, — diz ele, apontando com os olhos.

Eu olho por cima do meu ombro para onde a multidão está se separando abrindo caminho para vários homens uniformizados, atravessando a multidão enquanto gritam para as pessoas saírem da frente. A luz acima pega o metal de seus distintivos, emitindo raios de luz saltando da multidão. Policiais.

— Merda! — Eu repito o xingamento de Nine.

Ele pega minha mão e puxa. — Vamos!

E juntos corremos.

Emergimos da vegetação excessiva da reserva atrás da feira em uma pequena praia isolada com vista para toda a costa de Logan Beach. As luzes brilham à distância, exatamente como as estrelas fazem no claro céu noturno.

A energia no ar crepita ao nosso redor, nos unindo como ímãs rebeldes destinados a ser um.

Eu nem tenho tempo de comentar sobre a vista incrível, porque Nine me envolve, empurrando os dedos pelos meus cabelos e cobrindo minha boca com a dele. Lábios famintos. Procurando. Reivindicando. Ansiosos. Desesperados.

Minhas mãos envolvem seu pescoço, e eu o puxo ainda mais perto, pressionando meu peito contra o dele e gemendo em sua boca, dando tudo que estou tomando e mais.

Não são apenas lábios nos lábios. Isso nem é um beijo. Isso é posse. Primordial. Real.

Corpo. Coração. Alma.

Ele recua para tirar a camiseta sobre a minha cabeça. Eu tiro a dele, mas sou muito pequena para levantar a dele, então me pego empurrando minhas mãos sob sua camisa e sentindo o calor dos músculos duros abaixo.

Ele empurra minhas mãos para longe e me levanta da areia. Ele me acomoda em cima da minha camiseta. Empurra a minha saia até a cintura e afasta minhas pernas, posicionando-se de joelhos entre elas. Ele cobre meu corpo com o dele, apenas seu jeans e minha calcinha nos separando.

Seus lábios encontram os meus novamente. Somos necessidade e desespero e línguas. Prazer que nunca imaginei possível faísca dentro de mim enquanto ele move a boca dos meus lábios para o meu pescoço e depois mais para baixo, chupando e lambendo meu mamilo até que estou me contorcendo tanto que estou cavando na areia abaixo de mim. Eu sinto o seu comprimento duro entre nós por trás de seu jeans e quando o contorno de sua ereção roça o pedaço fino de renda entre as minhas pernas, me perco na sensação que percorre o meu corpo.

Cada centímetro meu quer ser tocado e possuído por este homem. Aquele que me protege quando não tem uma razão válida. Aquele que tenta e faz um esforço real para me entender e a minha ansiedade. Aquele que me deu um encerramento quando eu não tinha nenhum. Aquele que acha que não é digno de mim quando percebo agora que é a coisa mais distante da verdade.

Ele é digno, e se não acredita, então só tenho que lhe mostrar.

— Eu quero você. — Nine geme. Ele serpenteia a mão entre nós e levanta minha saia ainda mais para que minha calcinha fique exposta. Ele puxa a renda para um lado. Quando seu dedo longo e grosso se conecta com a minha carne molhada e sensível eu gemo, arqueando as costas, precisando de mais. Seu dedo entra em mim e seus lábios encontram os meus mais uma vez. Ele me acaricia por dentro ao ritmo de sua língua acariciando a minha. Seu pênis endurece ainda mais. — Eu sempre quis você.

— Então, me tome. — Eu abaixo as mãos e solto seu cinto, em seguida, uso meus calcanhares para empurrar seu jeans para baixo. Ele puxa minha calcinha pelas minhas coxas e, de repente, é o seu calor contra o meu. Ele é enorme, maior do que senti-lo entre as nossas roupas sugeriu. Eu achei que ele estivesse brincando sobre toda aquela coisa de ser maior do que nove centímetros, mas acontece que ele estava dizendo a verdade o tempo todo. Ele esfrega seu eixo grosso através da minha umidade e contra o meu clitóris em traços lentos torturantes. Provocando-me, me levando ao limite.

Por incrível que pareça, eu quero mais dele. Tudo dele.

Como se estivesse lendo minha mente, ele pergunta. — O que você quer, Len?

Eu suspiro com a intensidade do momento. No puro pânico e alegria que me atinge de uma só vez. Eu engulo em seco e envolvo meus braços em volta do seu pescoço, segurando-o como se minha vida dependesse disso. — Eu quero você. Eu quero tudo.

Ele rosna e o som envia outro raio de prazer através de mim. Ele alinha a cabeça de seu pau com a minha entrada e minhas entranhas pulsam e ambicionado, ansiosas para ele estar dentro de mim.

Nine está respirando pesadamente como se estivesse tentando manter algum tipo de controle. Ele deixa cair à testa na minha. Sua voz é rouca e cheia de luxúria e necessidade que espelha a minha. — É isso que você quer? Quer tudo de mim dentro de você?

— Sim! — O grito mal saiu dos meus lábios quando ele avança, me dando tudo o que eu pedi e muito mais. Estou esticada até onde posso alongar sem rasgar em dois. Eu fecho meus olhos com força enquanto ele empurra mais e mais profundamente até que tenho certeza estou prestes a quebrar. Isso dói. Porra, dói.

— Relaxe, não fique tensa. Deixe-me fazer você se sentir bem.

Minha testa explode em suor, mas me recuso a dizer ou fazer qualquer coisa que o faça parar. Eu respiro fundo e tento relaxar e isso funciona, algumas das pressões aliviam.

— Foda-se, você é muito apertada, — ele geme. — Abra suas pernas. Deixe-me entrar.

Eu faço o que ele pede, abrindo minhas pernas o máximo que elas vão, relaxando meus músculos e dando a ele acesso a cada parte minha.

Ele puxa para fora, mas não todo o caminho, em seguida, empurra para frente novamente até que esteja totalmente dentro de mim. Vejo estrelas enquanto seu eixo esfrega ao longo de cada ponto sensível dentro de mim que eu nem sabia que poderia ser alcançado.

— Oh, foda-se! — Ele amaldiçoa. — Maldição. Eu sempre imaginei. Eu sempre soube... é ainda melhor.

Eu respiro fundo enquanto ele me fode. Mais difícil. Mais rápido. Cada entrada e saída me faz gemer e desejar mais. Então, ele me dá mais. Seus dedos cravam nos meus quadris. Seus lábios esmagam os meus. Eu cavo meus calcanhares e o empurro ainda mais fundo dentro de mim.

Isso não é nada como eu já experimentei antes. Eu nunca senti mais do que um leve arrepio de excitação com Jared. Isso, com Nine, é francamente nuclear. E a qualquer momento, nós dois vamos explodir.

Sua testa se enruga como se ele estivesse em perigo.

— O que há de errado? — Eu pergunto, com minha visão branca com a intensidade da pressão crescendo dentro de mim.

— Nada está errado. Tudo está certo. É só... você. — Seu olhar nunca sai do meu enquanto ele me fode até que estou tão perdida em meu próprio prazer e na sensação enquanto meu núcleo pulsa em torno de seu eixo que não percebo estar gritando seu nome até ele gozar com seu próprio gemido gutural, e finalmente descer de onde quer que eu tenha ido.

Quando abro os olhos, Nine ainda está dentro de mim e em cima de mim. Ele está respirando com dificuldade. Nossos peitos arfando juntos. Ele tira uma mecha de cabelo dos meus olhos como se estivesse me vendo de novo pela primeira vez. Como se ele não acreditasse que eu estivesse realmente aqui.

— Eu nunca pensei que poderia ser assim, — eu digo, tentando recuperar o fôlego.

Nine sai de dentro de mim e, imediatamente, sinto uma profunda sensação de perda.

— Nem eu, — diz ele.

Eu rio e sento, puxando minha saia para me cobrir. — Tenho certeza que você esteve com muitas garotas que abalaram o seu mundo.

Nine puxa sua calça jeans, em seguida, senta de volta ao meu lado.

Ele não está rindo. — Não. Só você.

Um pensamento me ocorre, mas não pode ser possível. — Espere, você não era virgem, era? Isso não é apenas...

Ele ri. — Não, eu não era virgem. — Nine espalma minha bochecha em sua grande e áspera mão. — Mas, sempre que estive com alguém, havia essa coisa irritante no fundo da minha mente. O sexo sempre desencadeou uma lembrança, um destaque de um dos muitos pesadelos vivos que prefiro morrer a lembrar se tiver uma escolha. Coisas do meu passado. Coisas terríveis que eu fiz. Coisas terríveis feitas comigo.

Meu coração se agita.

Ele cobre meu rosto em sua grande palma e eu me inclino. — Até você.

— O que há de tão diferente em mim? — Eu pergunto. — Por que eu?

Seus lábios escovam os meus. — Isso é fácil. Você é minha.

Eu sorrio contra seus lábios. — Muito homem das cavernas da sua parte.

— Não, não quero dizer que você é minha, e é tudo que você pode ser. Quero dizer que você e eu nos encaixamos. Trabalhamos juntos. Como um osso e um encaixe. Como um coração e sangue. Você perguntou se eu acreditava no destino uma vez. Eu não acreditava então. — Ele arrasta a ponta de seu polegar sobre meus lábios. — Mas eu acredito agora.

Não me lembro de perguntar se ele acreditava em destino, mas é possível, por que: vodka. Mas o poder de suas palavras afunda lentamente até que estou transbordando de emoções desconhecidas que nunca esperei sentir por alguém, ainda mais por um homem como Nine.

Um criminoso.

Um assassino.

Minha voz interior entra, sim, mas ele é seu assassino.

— Eu apenas nunca pensei... — Eu começo. — Eu não sei.

— Diga-me o que você sabe, — ele pressiona. — Comece por aí.

Eu engulo em seco. — Eu sei que o mundo é mais silencioso quando você está por perto. Como se eu pudesse finalmente pensar sem a voz da minha ansiedade chilreando no meu ouvido. Eu não me sinto louca quando estou com você. — Eu me encolho quando ouço a mim mesma usando minha palavra menos favorita.

Louca.

— Eu odeio essa palavra, — Nine resmunga, ecoando meus pensamentos. Ele empurra uma mecha de cabelo rebelde do olho e enfia-o atrás da orelha. — Passarinho, você não é louca só porque acha que age assim às vezes. Você é humana, e porque é humana por definição, é muito mais profunda e mais complicada do que uma única palavra. — Ele inclina meu queixo para cima, então meus olhos se encontram com os dele. Sua carranca se aprofunda. — Me ouça quando digo que você é mais do que uma coisa. Uma pessoa pode ser sensível e sem coração. Ambos, egoísta e altruísta. Silencioso e barulhento. Temeroso e ousado. Ciumento e orgulhoso. Um assassino e um salvador. Falho, mas perfeito. Nós podemos amar e odiar em igual medida. Nós podemos ser loucos às vezes e sãos em seguida.

Eu seguro seu olhar, incapaz de formar uma frase. Eu estive esperando que alguém me dissesse isso por toda a minha vida.

— Quem diabos te fez acreditar que você só pode ser uma coisa? Que você pode marcar apenas uma caixa?

— Eu não tenho certeza, — eu finalmente consegui sufocar.

Os olhos de Nine mudam de determinação para raiva endurecida. — Você vai me dizer quando lembrar, porque quem te fez acreditar que só pode ser uma coisa e essa coisa é louca, merece nada menos do que sofrer uma morte lenta e dolorosa. — Ele arrasta os dedos no meu pescoço, deixando um rastro de calor para trás. — Porque você não é uma coisa. Você não pode ser, porque você é tudo.

Seus lábios esmagam os meus e minhas defesas se quebram.

Estou tão incrivelmente perdida no momento, nele.

Ou talvez finalmente tenha sido encontrada.

 


Capítulo Vinte e Dois

NINE


— Então, o que é que você queria me mostrar? — Lenny pergunta: — Você disse que havia mais uma coisa que queria me mostrar hoje à noite. — Ela está olhando para mim com um sorriso que poderia alimentar qualquer foguete. Eu imediatamente me arrependo de sugerir que nos vestíssemos.

— Você verá. A qualquer segundo, — digo a ela. — Venha aqui. A visão será ainda melhor do que a da feira.

— A visão de quê? — Pergunta ela.

— Você verá. Paciência, passarinho.

Sento-me e dou um tapinha no espaço na areia ao meu lado. Ela senta ao meu lado e eu puxo meu frasco do bolso, entregando-o para ela. Ela toma um gole e faz uma careta antes de devolvê-lo para mim.

Ficamos em silêncio por alguns momentos. O único som vem da música e da ocasional gargalhada da feira ao longe, do farfalhar da brisa nos manguezais e do silêncio das pequenas ondas na praia.

— Você já esteve cercado por pessoas, ou no meio de uma multidão em algum lugar, e ainda se sentiu completamente sozinho e abandonado? — Ela pergunta, olhando para o outro lado da água para as luzes da feira. Eu não sei se é uma pergunta retórica ou se ela está perguntando ao universo, mas respondo assim mesmo.

— Sim, já, na verdade.

— Você já? — Ela parece surpresa.

Eu ri. — Só pelo que eu diria... toda a minha infância.

— Eu sinto muito.

— Eu não. Não adianta morar no passado. Não é algo que possa ser consertado. Além disso, me trouxe até aqui. Para o meu irmão. Meus amigos. Você. Eu não posso dizer que certas merdas não me deixam com raiva quando penso nisso, mas uma vida que vale a pena viver não vem sem provação. É o que nos faz quem somos.

Ela pressiona contra mim e descansa a cabeça no meu ombro. — Eu gosto do jeito que você vê as coisas. Eu gostaria de poder olhar para o passado e deixar ir. Em vez disso, estou repassando cada minuto dos últimos anos, desejando poder voltar e mudar praticamente tudo, — ela admite.

Eu sinto uma pontada súbita de ciúmes. — Por que você quer voltar e mudar as coisas? Então, Jared não teria partido?

Ela revira os olhos. — Oh Deus não! Eu não estava falando sobre ele. Se eu tivesse que mudar alguma coisa quando se trata dele, seria para evitar a noite em que nos reunimos. Esse relacionamento foi um desastre, mas eu estava muito dentro da minha cabeça para ver tudo o que estava acontecendo bem na minha frente. Eu acho que me sentia tão solitária que me agarrei a qualquer um e qualquer coisa, e simplesmente deixei as coisas progredirem sem pensar em como eu estava infeliz. — Seus olhos encontram os meus. — Nunca mais, no entanto. Meus olhos estão bem abertos agora.

Eu nem sequer percebo que fechei minhas mãos em punhos até meus músculos relaxarem e minhas palmas picarem com a pressão das minhas unhas mordendo minha pele. — Então, o que você mudaria? — Pergunto.

Seus olhos se encobrem. — Meus pais. Eu mudaria as coisas para que eles nunca entrassem naquele avião.

De repente, eu me sinto um idiota por estar com ciúmes do defunto Jared quando ela estava apenas pensando em seus pais.

Ela continua: — Então eles não morreriam e me deixariam sozinha. Eles eram realmente ótimos. Eles teriam gostado de você.

— Eu duvido disso, — eu digo.

Ela estreita os olhos para mim. — Meus pais tinham realmente a mente aberta, e eles não eram o tipo de pessoa que dizia que queriam sua filha feliz, mas realmente não queriam dizer isso. Meus pais queriam isso. Eles teriam feito qualquer coisa por mim ou por minha causa. Quando eles morreram, eu fiquei sozinha pela primeira vez na minha vida. Nenhuma família e apenas uma amiga de verdade que estava na escola de enfermagem na época. Mesmo quando eu estava com Jared, ainda estava sozinha. Eu nunca deixei ninguém entrar depois que eles morreram. Nem Jared. Nem Yuli. Ninguém. É como se eu não pudesse substituí-los, então para que tentar. — Os olhos dela mudam de suas mãos e se fixam nas minhas. Ela funga e olha para as estrelas.

Eu vejo um flash à distância. — Continue olhando nessa direção, — digo a ela, apontando para o horizonte.

— Eu não vejo nada, — diz ela, olhando para nada, mas a vasta água aberta.

— A qualquer segundo agora, — eu digo em seu cabelo.

— O que exatamente devo procurar? — Sua resposta vem na forma de uma explosão de luz brilhante no horizonte, subindo rapidamente para o céu. — Espere, porque aquela estrela... é o lançamento de um ônibus espacial? — Seus olhos se arregalam de excitação.

— É.

Nós o assistimos decolar na noite. Nuvens brancas pintando uma trilha atrás do ônibus enquanto ele subia mais e mais para o céu antes de sumir de vista.

Meu telefone toca no meu bolso. O texto que li, instantaneamente quebra a pouca paz que sinto.

PREPPY: Tico Ricci colocou um preço pela cabeça de Lenny. 200k viva.

Três bolhas aparecem quando ele digita o próximo texto. No segundo em que o leio, quero esmagar meu celular na mão.

PREPPY: 100K morta.


LENNY

Nine verifica algo em seu telefone e, em seguida, o enfia com raiva no bolso. Seu humor muda. Seu corpo endurece.

— O que há de errado? — Eu pergunto, enquanto ele levanta, seu cinto solto e sua calça jeans aberta na frente. Ele caminha em direção à água, puxando o cabelo e andando de um lado para o outro.

— Nine, você está me assustando. O que há de errado?

— Eu achei que poderia protegê-la. — Ele ri como se a ideia em si fosse ridícula.

— Você ainda não me disse por que está tentando me proteger, — eu digo, tentando entender por que agora de todos os tempos ele escolheu trazer isso à tona. — O que mudou agora? Porque você está tão chateado?

— Porque eu não posso te perder de novo! — Ele ruge, virando o rosto para o céu noturno e segurando os braços com os punhos cerrados como se estivesse amaldiçoando as estrelas.

Eu não posso te perder de novo! Repito suas palavras em minha mente.

Eu paro de frente para ele. — O que você quer dizer com de novo?

Ele está de costas para mim. Ele está olhando para a água. Ele fala, mas não responde a minha pergunta. — Há homens atrás de você que não hesitarão em machucá-la. Não posso deixar isso acontecer. Eu não vou.

— Mas o que você quis dizer quando falou que não pode me perder de novo? — Meu coração está batendo tão erraticamente que está saltando fora de controle no meu peito. Minhas palmas das mãos suam. Minha garganta está seca.

Ele olha para a água silenciosamente de costas para mim.

— Diga-me! Quando você me perdeu antes? — Eu grito, ficando diretamente atrás dele.

— Vamos. Eu vou te mostrar. — Ele pega minha mão e nós silenciosamente voltamos pelo caminho através da feira até a sua caminhonete.

O passeio é silencioso. O que quer que tenhamos compartilhado na praia ainda está lá, mas em vez do calor crepitante, há uma neblina, persistente em torno de nós.

Estamos atravessando a ponte, e estou prestes a perguntar onde Inferno ele está me levando quando ele estaciona o caminhão na ciclovia e sai, deixando o motor ligado.

Eu o sigo até o corrimão. Uma sensação de déjà vu toma conta de mim, provocada pelo ar noturno salgado. A brisa no meu pescoço. As memórias da última vez que estive aqui. Estou tremendo quando me aproximo dele.

Nine começa a falar. — No segundo em que vi você entrar na loja de penhores de Pike, senti... — Ele balança a cabeça e solta um longo suspiro. — Não, eu sinto essa necessidade irresistível de proteger você. No começo eu não sabia por quê. Eu achei que poderia ser porque estou insanamente atraído por você. Eu considerei como luxúria, mas no fundo, sabia que era mais. Mesmo no beco, eu queria te beijar mais do que já quis qualquer coisa antes. — Ele lentamente se vira para me encarar. Seu olhar endurece. Ele cerra os punhos. — Mais do que eu queria matar aqueles homens por te machucar. Eu não consegui salvá-la naquela primeira noite, mas você me salvou.

— Naquela noite? — Ele não está oferecendo clareza, apenas mais questionamento, mais confusão.

— A noite que não pude te salvar foi a noite em que nos conhecemos. A última vez que estivemos aqui juntos. — Seus olhos buscam os meus. — Quatro anos atrás.

Quatro anos atrás, eu não estava com Nine. Eu estava com...

É impossível. Não pode ser.

Eu posso ouvir o sangue correndo em meus ouvidos quando a verdade começa a se desvendar em minha mente. — Por que estamos aqui agora? — Preciso ouvi-lo dizer isso. Que eu estou errada. Que ele não pode ser quem eu acho que é. — Nesta ponte? De pé neste mesmo lugar? — Eu estou gritando agora. Frustrada. Confusa. — Por que, droga!

Por um momento, acho que ele vai gritar de volta, mas suas palavras são gentis. — No fundo da terra, meu amor está deitado e eu devo chorar sozinho.

— Isso é... Edgar Allan Poe, — eu sussurro.

— O primeiro e único. E agora, entendo porque você gosta tanto de citá-lo. Porque seu nome é Lenore, do seu poema “O Corvo”. — Seus olhos cor de avelã iluminam a noite enquanto vasculham meu rosto, procurando por algo. Esperando que eu entenda.

De repente, não é só Nine que vejo parado ali. É o garoto da ponte. Aquele em quem pensei todos os dias durante quatro anos, e ele está aqui bem na minha frente.

E eu estou apaixonada por ele.

— Não pode ser você. — Mas eu já sei a verdade.

Ele pega a parte de baixo da camiseta e a tira sobre a cabeça.

— Por que você está... — Eu paro e congelo, não por causa de seu abdômen esculpido ou dos músculos em v que descem até seu jeans ou até mesmo seu peito largo e musculoso, mas porque percebo o que ele está tentando me mostrar. Uma prova. Uma prova na forma da tatuagem de um pássaro grande e preto no peito que brilha com suor sob a luz da ponte. As asas do pássaro estão espalhadas, suas penas atingindo todo o caminho até o topo de seus ombros. Os rubis em seus olhos parecem estar brilhando. Não é apenas um pássaro preto. É um corvo.

Meu corvo.

— É do pingente da minha mãe. O que eu perdi antes de... — De repente, eu não consigo respirar. Eu começo a divagar. A verdade está bem na minha frente, mas estou tendo dificuldade em entender porque continua escorregando entre os meus dedos. — Quero dizer, muitas pessoas têm tatuagens de pássaros.

Nine enfia a mão no bolso. — Mas muitas pessoas têm tatuagens de pássaros que parecem exatamente isso? — Ele estende a mão, soltando o pingente enquanto segura a corrente.

O corvo balança de um lado para o outro diante dos meus olhos como o encanto de um hipnotizador. Seus olhos vermelhos rubi refletem a luz da ponte sobre nossas cabeças.

Nine agarra meu pulso e o vira para que minha palma fique aberta e plana. Ele deixa cair meu colar na minha mão. Eu rapidamente fecho meus dedos ao redor, como se ele fosse voar para o ar úmido da noite.

A voz de Nine é baixa e tensa. — Os policiais me disseram que não havia chance de você ter sobrevivido à queda. Que ninguém nunca teve antes. E agora... e agora você está aqui. Bem na minha frente. Eu também não pude acreditar, quando vi aquela foto sua e de seus pais em sua casa. Eu ainda não consigo acreditar nisso. Tantos anos depois.

Estou sem palavras. Eu tenho muitas perguntas, mas não faço nenhuma delas. Eu nem mesmo tenho o controle de minhas próprias faculdades porque não consigo evitar dar um passo à frente e passar as pontas dos dedos na tatuagem do peito dele, como se estivesse checando para ter certeza de que o que estou vendo é real.

Nine solta um assobio baixo no contato. Os músculos do seu peito flexionam sob o meu toque.

A tatuagem é real, o pingente na minha mão é real e o homem cuja pele está marcada. Real e... ele. Nine é o garoto da ponte, mas ele não é mais um garoto. Ele é muito adulto em todos os sentidos.

Eu olho em seus olhos cor de avelã como se o estivesse vendo pela primeira vez. Minha voz é um sussurro quase inaudível. — É... é você.

Ele fecha a mão sobre a minha, que ainda está em seu peito, sentindo o bater de seu coração sob minha palma.

— Por que você não me contou? — Eu pergunto.

Ele alisa o polegar sobre minha bochecha e lábios. — Eu não pude. Se eu dissesse a verdade, significaria que teria que admitir a mim mesmo, mas não consegui me afastar de você. Eu tentei, mas não consegui. Assim como não consigo parar de tocar em você. Beijar você. — Ele escova os lábios sobre os meus. — Amar você.

Eu abro meus olhos, piscando as lágrimas. Estou tão sobrecarregada que não tenho ideia do que dizer. O que sai é uma risada estrangulada e uma única palavra. — Oi.

Ele segura meu rosto agora com as duas mãos, procurando meus olhos. Seu sorriso se alarga. Eu percebo que estou tremendo, mas não é nada comparado ao impacto semelhante ao terremoto de suas próximas palavras.

— Olá, Poe.

 


Capítulo Vinte e Três

LENNY


Eu quero ficar brava por ele ter escondido esse segredo de mim, e parte de mim está louca. Mas a outra parte está tão feliz por tê-lo encontrado de novo e tão cheia de desejo e luxúria por ele que a raiva fica arquivada na categoria PARA SER TRATADA MAIS TARDE, e me concentro no lindo homem que está nu atrás de mim no quarto do trailer.

Nine empurra entre minhas omoplatas e eu caio para frente na cama. Ele levanta meus quadris para que eu fique ajoelhada. Minhas costas arqueadas, com minha bunda no ar, meu peito pressionado no colchão. Eu sinto o peso da cama mergulhar quando ele sobe atrás de mim, espalhando minhas pernas com o joelho. — Linda pra caralho, — ele diz, sua voz rouca. Ele pega um punhado da minha bunda e aperta com força. Eu gemo e arqueio minhas costas ainda mais, precisando sentir mais dele. Tudo dele. Ele ri: — Paciência, passarinho. Eu sei o que você precisa.

Ele corre as palmas ásperas pelas minhas costas, subindo em cima de mim até que seu peito duro e aquecido está nivelado contra as minhas costas. Seus lábios no meu ouvido. — E vou dar a você.

Seus dentes mordem o lóbulo da minha orelha e eu suspiro de prazer. Uma mão circula meu pescoço, segurando minha garganta, a outra serpenteia por baixo da minha barriga, descendo e descendo até que dois dedos estão acariciando cada lado do meu clitóris, me provocando.

Ele abaixa os quadris junto com seu pau incrivelmente grande e latejante. Eu vejo estrelas quando seu eixo grosso contata minhas dobras inchadas e prontas. Ele desliza através da minha umidade. Uma e outra vez, ele me provoca até que a pressão é tão grande que tenho certeza que vou quebrar muito antes de ele estar dentro de mim.

A mão na minha garganta desliza até o meu peito. Ele espalma o peso dele em sua mão, e sua respiração na parte de trás do meu pescoço acelera. Eu arqueio novamente enquanto ele circula meu mamilo sensível. Estou vendo estrelas atrás dos meus olhos, e estou perdida em um lugar onde só existe prazer e Nine, e quero ficar aqui para sempre.

Seus quadris empurram mais forte, mais rápido, seu pau provocando minha entrada. Ele se ergue, e a ponta afunda dentro de onde eu mais preciso dele. Ele está me abrindo mais uma vez, mas desta vez, é um tipo delicioso de alongamento bem vindo e eu quero mais.

— Eu vou te fazer gozar tão forte. Eu vou arruiná-la, — diz Nine.

— Sim, — eu choramingo, sem me importar se suas palavras são uma promessa ou ameaça ou ambos. Meu corpo relaxa e não me importo se ele irá me arruinar. Eu só o quero dentro de mim.

Como se ouvisse meus pensamentos, seus quadris empurram para frente, e seu pau grosso pulsa dentro de mim. — Abra suas pernas. Mais, — ele comanda asperamente. Ele beija e lambe meu pescoço e abre as pernas, afastando as minhas ainda mais. Eu me espalho para ele o máximo que posso e ele empurra mais e mais até que esteja totalmente montado em mim, e consigo sentir seus quadris contra a minha bunda. — Porra, você é incrível. Deixe-me entrar.

Ele não pode estar falando sobre deixá-lo entrar no meu corpo. Ele já está tão profundo que estou pulsando e contraindo em torno de seu comprimento, agarrando-o de corpo e alma.

Ele continua. — Deixe-me entrar, — ele repete, um sussurro no meu ouvido.

Eu percebo que ele não está pedindo para deixá-lo entrar no meu corpo.

Ele está me pedindo para deixá-lo entrar no meu coração.

Lágrimas picam a parte de trás dos meus olhos. Eu concordo. — Você está dentro. Você está em todo lugar. Eu sou sua, — eu gemo.

Ele sai de mim de repente e me vira, voltando sem hesitação. Seus lábios reivindicam os meus quando ele empurra com força e profundamente, segurando na parte de trás do meu pescoço, mantendo nossos lábios pressionados, conectados.

O prazer aumenta com cada puxão e empurrão. Eu levanto meus quadris, precisando mais dele, e dando a ele tudo de mim. Meu corpo. Meu coração. Minha alma.

Ele me levanta da cama e me senta em cima dele. Ele grosseiramente agarra meus quadris e me leva para cima e para baixo em seu pau, construindo um ritmo rápido que me faz ranger com cada puxão. Sua língua suga meu mamilo enquanto seus dedos apertam meus quadris.

A pressão é tão grande agora que sei que estou prestes a desmoronar. — Goze no meu pau, passarinho. Deixe-me sentir você.

Com mais alguns impulsos duros, a pressão se transforma em uma explosão total que começa com uma sensação de formigamento que se eleva do meu núcleo aos meus mamilos e ao resto do meu corpo. Parece que estou queimando, como se estivesse pegando fogo ou sido eletrocutada, mas de repente, o sentimento explode no mais violento dos prazeres que já experimentei. Eu estou consumida pelo sentimento. Imersa nele.

Nine me vira de costas de novo e me fode duro e rápido. Seu pau endurece e incha. — Porra, — ele amaldiçoa em um gemido final estrangulado, liberando seu calor dentro de mim. Meu próprio orgasmo, ainda não desvanecido, volta à vida com uma nova intensidade que me faz cravar meus calcanhares em sua bunda, minhas unhas em suas costas e me segurar.

Pela minha vida.

E por ele.

Para sempre.

 


Capítulo Vinte e Quatro

NINE


Depois que Lenny adormece, eu não quero deixá-la, mas não consigo tirar o texto da minha mente, e preciso tentar falar com Tico novamente antes que seja tarde demais e alguém decida levá-la pela recompensa ele colocou pela cabeça de Lenny. Pego uma calça jeans e meu telefone, saindo do trailer com os pés descalços, para não acordar Lenny.

Estou percorrendo meus contatos, tentando descobrir outra maneira de chegar a Tico quando uma repentina explosão de dor ofuscante atravessa todo o meu corpo e o mundo fica completamente negro.


***


Minha cabeça está latejando. Ainda está escuro. Há algum tipo de saco sobre a minha cabeça que é tão macio quanto uma lixa. Minhas mãos estão amarradas.

Onde diabos estou?

De repente, fico cego com a luz quando o saco é arrancado da minha cabeça, arranhando minha pele. Eu pisco ao meu redor. Demoro alguns segundos para poder me concentrar novamente, mas quando sou capaz de distinguir o que me rodeia, percebo que estou em um espaço enorme com tetos de metal altos e arredondados e paredes de metal corrugado. Cheira fortemente a combustível.

Há um grande jato particular à minha esquerda. Branco sem marcas de qualquer tipo.

Eu estou em um hangar de avião.

À minha frente, na cadeira de diretor, está o próprio Tico Ricci, com barba branca perfeitamente arrumada e cabelo igual penteado para o lado. Ele está usando um terno cinza de três peças com uma gravata azul bebê. Ele apoia um sapato marrom brilhante sobre o joelho oposto. A manga de seu casaco sobe quando ele se move, expondo um grande relógio de prata e diamantes. Tudo nele grita poder e intimidação, mas essa merda não funciona comigo.

Tico está olhando para mim como se estivesse esperando para falar. Ele faz um gesto para seus capangas se afastarem.

Eu me levanto de joelhos, minhas mãos ainda atadas atrás de mim.

— Sinto muito ter que trazer você aqui assim, — Tico começa com seu forte sotaque brasileiro. — Mas não gosto de pessoas sabendo onde estou. Recebi a notícia de que você estava procurando por mim e agora, aqui está você.

— Já ouviu falar de Uber? — Eu pergunto. — Teria feito uma viagem mais agradável. Bem, a menos que você pegue um cara que quer tagarelar em seu ouvido o tempo todo, e tagarela, seus homens não são. Ou talvez eles sejam. Não poderia afirmar. Eu estava inconsciente.

Ele sorri. — O que posso fazer por você, Nine? O que é tão urgente que você me pediu uma audiência privada?

— É sobre Jared Cox.

Sua mandíbula endurece. — O que você gostaria de discutir sobre aquele filho da puta? — Ele pergunta entre os dentes. — Talvez, quantas maneiras o farei sofrer antes que ele morra? Porque essa é a única coisa sobre a qual quero falar quando se trata desse ladrão de merda.

Eu sacudo minha cabeça. — Parece ótimo, mas não. É sobre a namorada dele. Sua ex-namorada, Lenore Leary.

— Sim, estou ouvindo. Vá em frente, — Tico responde, inclinando-se para frente em sua cadeira.

— Ela não tinha nada a ver com os negócios de Jared. Precisam deixá-la em paz — eu exijo.

— Eu entendo, — diz Tico, tomando um copo de uísque entregue a ele por um de seus homens. — Mas ainda há a questão dos meus homens que você matou.

Eu dou de ombros. — Não é uma questão. Eles estavam atirando em nós. Faz parte do jogo que todos jogamos. Você ganha alguns; você perde alguns. Eles perderam.

Tico empurra o queixo para um homem no canto que se aproxima e corta as cordas prendendo meus pulsos.

Eu puxo meus cigarros do bolso e acendo um. — Obrigado, — eu digo, sarcasticamente.

— Você deveria tê-los deixado levar a menina, e eles não teriam perdido, — argumenta Tico.

Eu inalo profundamente e sopro a fumaça pelo nariz. — Eu não podia fazer isso. Ela é inocente e não é uma peça do jogo.

Tico roda o uísque em seu copo. — Você tem algum tipo de história com essa garota?

— Eu tenho tudo com essa garota, — eu respondo, honestamente.

— Diga-me onde está Jared Cox, — exige Tico. — E talvez possamos conversar mais sobre essa sua garota.

Eu dou de ombros e dou outra tragada do meu cigarro. — Ele está morto. Eu o matei. Você não é o único a quem ele roubou, e quando fui lhe perguntar sobre o dinheiro, ele atirou e acertou o Bear. Então, eu o matei.

Tico assente várias vezes com aprovação. — Bom. Aquele homem era um covarde. Sempre foi. Estou desapontado por não ter feito isso, mas o fato de ele estar morto ainda me traz muita alegria. Era de imaginar que ele não poderia suportar seu castigo como um fodido homem. — Ele suspira. — Vou ser sincero com você, garoto, porque você foi honesto comigo. Depois que Jared desapareceu, nós procuramos pela garota, naturalmente, e foi por isso que meus homens foram atrás dela. Foi quando descobrimos isso. — Ele me entrega um arquivo. — Cada página tem duas assinaturas. Jared Cox e uma testemunha, Lenore Leary. — Por isso que inicialmente pensamos que ela tinha algum envolvimento, mas descobrimos rapidamente que sua assinatura foi falsificada depois de compará-la aos seus negócios imobiliários. Nós não temos mais interesse nela. Você não precisa se preocupar com sua segurança. Pelo menos, no que me diz respeito.

Então quem ofereceu recompensa por Lenny se não foi Tico?

— Então, você simplesmente vai deixar de lado o fato de ter sido roubado em milhões? Não te conheço pessoalmente, mas conheço sua reputação e sinto que você não é o tipo de homem que lava suas mãos sobre alguns milhões de dólares com facilidade.

Tico ri. — Você está correto nessa suposição. Eu não sou o tipo de homem que deixaria isso passar. Nunca, mas você vê, eu fui reembolsado. Tudo está bem.

— Espere, você foi reembolsado? Por quem? — Eu pergunto.

— Não tenho certeza. Tudo o que sei é que há alguns dias atrás, transferiram o dinheiro que me era devido mais uma boa quantia de juros de uma conta criptografada anônima. Eles assinaram a transferência com o nome Lenore Leary. No entanto, veio de uma das melhores criptografias que meus hackers já encontraram. Como você vê, eu não sou um homem estúpido. Não acredito que uma pessoa que se daria ao trabalho de tornar de onde veio o dinheiro indetectável, também seria estúpida o suficiente para colocar uma assinatura. Parece que alguém fez isso pela sua garota.

Isso não faz sentido. Jared está morto. Ele não poderia ter enviado. Então quem? — Então, por que você colocou a cabeça decepada do parceiro de negócios de Jared, Sheff, na cama dela e o corpo no quintal do meu irmão? — Eu pergunto. — Se você sabia que esses documentos foram forjados? Ou melhor ainda, por que você colocou um preço pela cabeça dela se não tem interesse nela?

Ele levanta as sobrancelhas. — Isso soa como uma história interessante, mas esse não é meu estilo. Cabeças decepadas. — Ele zomba. — Eu não sou um bárbaro. Além disso, foi Sheff quem descobriu os erros de Jared em primeiro lugar. Ele trabalha para mim e é um de nós, ou foi um de nós. É uma perda trágica para o nosso lado, mas pelo menos agora sei por que não consegui contatá-lo. E é verdade que estava procurando pela garota, mas como eu disse, isso era tudo. Não há sutileza em alertar as pessoas com partes do corpo, a menos que seja o seu próprio. Eu te disse. Não temos interesse na menina. Ela não fez nenhum movimento para nos dizer o contrário. Eu não coloquei nenhum preço em sua cabeça. — Ele faz uma pausa. — No entanto, me disseram que muitos receberam uma mensagem sobre esse preço, mas não foi minha. Eu sou um homem de negócios, não um bandido sem classe. Eu derrubo aqueles que me enganam, não aqueles que obviamente estão sendo enquadrados para que possam encontrar minha ira injustificada. Eu não sou um monstro, ao contrário da crença popular. Eu tenho filhas, você sabe. Matar uma mulher a menos que você saiba, sem sombra de dúvida, que ela é culpada do crime, bem, meu amigo, isso não é algo que sou capaz de fazer.

— Então, quem diabos... — Eu paro, arranhando meu cérebro.

— Eu não sei quem, mas se você se importa com essa garota, então parece que terá que descobrir isso, e logo. — Tico olha para seu uísque. — Perdi minha amada Lídia porque percebi tarde demais que ela estava em perigo. Não cometa o mesmo erro. Enquanto isso, meu pessoal está trabalhando para descobrir quem está agindo em meu nome sem a minha permissão, porque essa é uma pessoa que definitivamente vai encontrar minha ira.

Eu aceno com a cabeça e me viro para as grandes portas que estão se abrindo atrás de mim quando Tico me chama mais uma vez. — Quer um conselho, jovem amigo? Se você descobrir quem é esse impostor, quem fez isso a sua garota, antes de mim, certifique-se de que seja morto, certo? A voz do medo desaparece da mente ao longo do tempo e qualquer vingança que essa pessoa queira contra ela ressurgirá e gritará sobre esse medo até tenham cumprido o que quer que tenham começado.

— Não se preocupe, — eu cerro os punhos e vou para a porta. — Matar não será a porra do problema.


***

Quando chego em casa, Pike está me esperando na varanda. — Eu recebi o seu texto e vim direto para cá. Lenny está bem. Ela está dormindo, acho que nem percebeu que você saiu. Como foi, cara?

— Eu estou vivo, então isso é uma coisa boa. A outra coisa boa é que ele diz que não está interessado em Lenny, e sabe que ela não tem nada a ver com o esquema de Jared, e não tem o dinheiro dele. A má notícia é que alguém deixou a cabeça decepada na cama dela e o corpo no quintal, e ele diz que não foi ele. O mesmo vale para o preço pela cabeça dela.

— Então, quem diabos foi? — Pike pergunta, coçando a cabeça.

— Eu não sei homem. Não pode ser uma mensagem só para mim porque a cabeça estava na casa de Lenny. Tem que ser para nós dois.

— Eu vou fazer algumas investigações. Perguntar por aí e ver o que consigo descobrir, — diz Pike.

— Obrigado, cara. Eu vou entrar da dark web e ver o que posso fazer. Tico disse que a conta foi criptografada. Seus homens estão me enviando a informação. Eles não conseguiram quebrá-la, mas eu vou tentar.

Pike acende um cigarro e me passa um. Eu o acendo e dou uma tragada profunda, esperando que a nicotina clareie minha mente e me aponte na direção de quem possa ter algo contra Lenny. Ela não estará segura até eu encontrar essa pessoa e enterrá-la.

Pike se inclina contra a grade da varanda, cruzando os pés nos tornozelos. — Tico, pelo menos, sabe que Jared está morto?

Eu concordo. — Agora ele sabe. Eu também lhe disse que fui eu quem o matou.

Os olhos de Pike caem em algo por cima do meu ombro. Ele congela com o cigarro pendurado no lábio.

Um senso de percepção toma conta de mim e, instantaneamente, sinto o terror que vem junto com ele. Eu não tenho que olhar para saber o que ou quem está lá.

— Nine? — Uma voz feminina soando sonolenta pergunta.

Eu me viro devagar e meu pior medo é confirmado.

Sua boca está aberta em estado de choque. Seu lábio inferior treme quando uma única lágrima rola por sua bochecha.

Lenny


***


Lenny entra abruptamente.

— Vou lhe informar o que descobrir, — diz Pike, mas estou apenas ouvindo, porque tudo o que importa agora é Lenny e contar a verdade. Algo que eu deveria ter feito há muito tempo, mas fui muito covarde para fazer.

Eu a sigo até o trailer e a encontro no balcão da cozinha com o rosto pálido como se ela tivesse visto um fantasma. Suas mãos estão tremulas. Ela está encostada no balcão por apoio.

— Merda, — eu murmuro.

— Você... todo esse tempo. Todo esse tempo você esteve mentindo para mim. — Não é uma pergunta. É uma afirmação. A dor na voz dela invade minhas costelas e me faz tossir.

— Só sobre isso, — eu digo, precisando que ela saiba exatamente o que aconteceu, precisando tirar esse olhar de traição do rosto dela.

Eu dou um passo à frente, mas ela recua, estendendo a palma da mão aberta para me impedir.

— Eu não menti para você. Eu só não contei toda a verdade, — eu digo, implorando com meus olhos.

— É exatamente isso que são mentiras! — Ela grita. — Verdades não ditas. — Ela bate no meu peito com o dedo. — Você... você matou Jared. Era sobre ele que você estava me contando àquela noite, mas fui muito estúpida para ouvir e muito cega por essa coisa entre nós para entender. Você o matou porra!

— Sim, mas não é o que você pensa. Ouça-me!

Ela sacode a cabeça em descrença. — Todo esse tempo, achei que ele tivesse me abandonado, mas ele estava morto. Você me deixou acreditar que ele me abandonou e minha ansiedade estava me enlouquecendo com todas as razões do porque, mas você o matou.

Você o matou. Ela já disse isso três vezes como se estivesse se afogando nas palavras.

— Ele estava deixando você! — Eu grito. Estou tentando encontrar as palavras certas, mas vomitando todas as erradas.

— Conte-me! Eu quero ouvir você dizer isso. Diga-me a verdade! Não seja um covarde. Agora não.

Eu seguro seu olhar. Eu a sinto escorregando pelos meus dedos, afastando-se de mim a cada tique do relógio. Estou furioso quando grito. — Eu o matei! É isso que você quer ouvir?

Ela olha para mim sem expressão, piscando as lágrimas.

— E se tivesse a chance, eu faria de novo.

Ela gira e entra no quarto, batendo a porta atrás dela.

Eu vou segui-la, mas a porta está trancada. — Lenny, abra a maldita porta. Deixe-me explicar. Por favor, Poe.

No começo, eu ouço o arrastar atrás da porta, mas depois de alguns segundos, fica assustadoramente quieto.

— Poe! — Eu grito, dou um passo para trás e corro para a porta com o meu ombro. Ele sai das dobradiças, mas chego atrasado. O quarto está vazio. A janela está aberta.

— Merda! — Eu grito, correndo para a porta. Eu ouço o rugido de um motor e corro para o meio da estrada de terra a tempo de ver as luzes traseiras da minha caminhonete quando ela vira na estrada principal.

— Porraaaa! — Eu grito, agarrando meu cabelo.

Eu não consigo respirar. Eu não consigo me mexer. Nem tenho certeza se estou vivo agora, não tenho como estar, porque meu coração parou de bater no segundo em que a vi parada atrás de mim. O jeito que ela olhou para mim, como se eu fosse um estranho quando ela é a única que realmente me conhece. É como se pedaços de vidro tivessem rasgado meu peito e agora rasgassem minhas entranhas.

Fragmentos de amor.

Porque isso é o que é, eu percebo. O que achei que não era capaz de sentir. O que fui muito estúpido para reconhecer antes.

Amor.

O que dizem sobre isso é verdade.

Dói pra caralho.

O amor é uma espada de dois lados que corta a cada passo. Eu sei disso porque as bordas de Poe são afiadas, e meu coração está fatiado em pedaços.

 

 

 

Capítulo Vinte e Cinco

LENNY


Eu dirijo para Dre porque ela é a única outra pessoa que conheço nesta cidade. Agora, sinto mais a falta de Yuli do que de qualquer outra pessoa no mundo. Ela saberia como me consolar, e provavelmente seria muito engraçada e envolveria uma castração ameaçadora ou algum tipo de mutilação genital, porque essa é Yuli, e é isso que ela faz.

Quando chego à casa de Dre, Preppy e as crianças não estão, mas duas outras mulheres estão. Ray, a esposa de King e uma garota de cabelos escuros que ela me apresenta como Frankie, amiga e esposa de um dos motociclistas do Lawless MC que eles chamam de Smoke.

Nós três estamos sentadas em volta da pequena mesa da sala de jantar. — Então, você simplesmente saiu? — Ray pergunta, depois que termino de derramar minhas entranhas e preenchê-las sobre o que aconteceu. Ela reabastece meu mojito de um jarro no centro da mesa.

Eu aceno meu agradecimento e tomo um grande gole. Estou chateada, mas não estou incapacitada. Ainda posso reconhecer uma bebida deliciosa quando provo uma, e esta é quase perfeita. — Sim, eu fugi. Quero dizer, o que você faria se o homem por quem está apaixonada admitisse ter matado seu namorado e, pior, mantido isso em segredo?

— Eu não sei, depende, — diz Frankie, inclinando-se em sua mão. — Quão fofo era o namorado?

Dre revira os olhos enquanto Frankie volta a fazer algo em seu laptop na mesa.

Eu deixo cair a cabeça em minhas mãos. — Não é só Nine ou Jared ou o que aconteceu. Sou eu também. Estou tão confusa. Eu cresci em um mundo, e aqui estou eu, vivendo esta vida como se aquela nunca tivesse existido. Eu sou a garota rica do outro lado da ponte que usa ternos e trabalha oitenta horas por semana, ou sou essa outra que vai a feiras de zumbis e faz sexo em uma praia e está constantemente em algum tipo de perigo? — Eu esfrego meu rosto com as mãos. — Eu continuo me perguntando. Quem sou eu?

Frankie olha para cima novamente: — Podemos voltar para a parte do sexo na praia?

— Você sabe, eu lutei com essa mesma pergunta por um longo tempo. — Ray oferece, mas não de uma maneira como se sentisse pena de mim, mas de uma forma que diz que entende.

— Você lutou? — Estou surpresa. Ray parece muito autoconfiante.

— Em mais de uma maneira. Quando cheguei aqui pela primeira vez, ou vaguei até aqui, eu estava desabrigada, sem memória de quem eu era. Este lugar era assustador, e King era a coisa mais assustadora sobre isso. Quando recuperei minha memória e descobri que vim de um mundo muito parecido com o seu...

— O pai dela era um senador chique, — acrescenta Frankie.

Ray continua: — Eu voltei, mas não era mais onde eu pertencia. Tudo bem mudar. Crescer. É o que as pessoas fazem. Entendemos o que nossos homens fazem e não tentamos mudá-los. Nós os amamos por quem eles são, mas não somos apenas mulheres, sentadas para atender nossos homens. Frankie passa a maior parte do tempo na dark web, resgatando vítimas de tráfico sexual. Como você já sabe, Dre é uma restauradora bem-sucedida de casas antigas, e eu sou mãe e uma das melhores tatuadoras da cidade.

— A melhor, — acrescenta Frankie.

— Não diga isso ao King, — Ray ri.

— Mas o que você fez? Como você resolveu todas essas coisas? — Pergunto ansiosa, inclinando-me para frente e pronta para ouvir o segredo da vida. — Eu só quero pular para essa parte.

— Não é tão fácil, mas aqui, vamos tentar algo. — Ray fecha os olhos e deixa as mãos caírem ao seu lado. Eu faço o mesmo. — Agora, relaxe seus ombros e feche os olhos.

Eu levanto uma sobrancelha em uma pergunta silenciosa.

Ela me encara. — Vamos, eu prometo que não é nada estranho. Agora feche seus olhos.

Eu faço o que ela diz. — Respire fundo e segure. Vou lhe dar uma palavra e quero que imagine o que essa palavra significa para você quando expirar.

Eu concordo. — Ok. — Eu respiro fundo e seguro.

— Casa, — diz Ray. — Eu quero que você imagine casa.

Eu expiro, e a imagem da casa é tão clara quanto o céu de verão depois de uma forte chuva. Não é um lugar que imagino. É uma pessoa.

— Agora, o que você viu? — Ray pergunta, suavemente.

Quando abro os olhos, uma lágrima escapa e escorre pela minha bochecha. — Nine. Nine é a casa.

Dre estende a mão e aperta a minha. — Eu acho que você tem a sua resposta.

— Eu tenho, mas isso não muda o que ele fez ou por que, — eu explico. — Se qualquer coisa, só piora. Porque o resto disso... — Eu pisco de volta mais lágrimas. — Eu não acho que posso ir para aquela casa, para ele, agora que sei o que sei. — Eu fungo. — Agora, eu gostaria de não saber. Ignorância é, de fato, felicidade.

— Espere! — Frankie grita de repente, me fazendo pular. — Será que sua casa chique tem vigilância?

— Sim, — eu respondo, enxugando uma lágrima da minha bochecha. — Por quê? — Eu estou querendo saber exatamente o que ela está fazendo. Ray e Dre parecem estar se perguntando o mesmo.

— Estava funcionando no dia em que Nine matou Jared? — Frankie pergunta, animadamente.

— Estava funcionando, mas havia algo errado com isso. Eu tentei assistir ao vídeo logo depois de chegar em casa e encontrar o armário de Jared vazio. Eu queria procurar pistas para onde ele poderia ter ido ou por que ele se foi, mas o vídeo estava estático.

Frankie bate as mãos como uma criança que acabou de soprar as velas no bolo de aniversário. — Isso significa que Nine limpou o vídeo. Homem inteligente e um dos melhores hackers que eu conheço, mas isso não significa que o vídeo foi perdido, apenas... movido.

— Do que você está falando? — Eu pergunto.

Ray me serve outro mojito, e eu combato a minha sobriedade tomando a coisa toda enquanto Frankie furiosamente digita em seu laptop.

— Nada é verdadeiramente excluído ou limpo, — explica ela. — E como Nine e eu hackeamos algumas coisas juntos, eu tenho acesso a todas as suas merdas. Bem, eu sei como entrar na sua merda, devo dizer. E desde que sei o jeito que ele trabalha... ah, sim. Encontrei! — Ela grita vitoriosa, batendo o punho consigo mesma.

— Frankie, não acho que seja uma boa ideia. Ela provavelmente não quer assistir, — diz Dre. Ela olha para mim com compreensão escrita em todo o rosto. — Você não precisa.

Frankie já está assistindo, se aproximando da tela do computador com os fones de ouvido enfiados em cada orelha. Seus olhos se arregalam. Ela levanta a cabeça e me lança um sorriso brilhante por cima da tela. Ela puxa os fones de ouvido para fora. — Você não precisa assistir, mas acredite em mim, você vai querer ver isso.

— Deixe-me ver, — diz Ray. Frankie lhe entrega um fone de ouvido e Ray observa Frankie passar de novo para ela.

Ray olha para mim. — Nine matou Jared, mas estava sendo honesto quando disse que não é o que você pensa.

— Eu quero ver isso, — eu digo a elas. Fortalecendo todos os nervos que tenho.

— Tem certeza? — Dre pergunta. Mas não importa se tenho certeza ou não, já peguei o laptop de Frankie. Eu giro na minha direção e retiro o fio dos fones de ouvido para que o som toque nos alto-falantes. Eu aperto o play.

O que eu assisto não é a morte sem sentido do meu ex-namorado. É Jared, se arrumando para me deixar, assim como Nine dissera, quando Nine e Bear se aproximam dele.

Eu suspiro, mas não quando Jared caminha até o cofre e puxa uma arma. Não quando ele atira em Bear e não quando Nine pula em sua própria defesa e mata Jared. Meu suspiro é pelas palavras de Jared. — Eu não fiz nada. Foi a minha namorada. Ela organizou a coisa toda. Foi ideia dela. Não minha!

Aquele filho da puta! — Ele estava tentando salvar sua própria vida com mentiras que sabia que acabaria comigo sendo morta. — Eu cubro minha boca aberta com a palma da mão.

— Você está bem? — Frankie pergunta.

Eu não respondo. Eu não consigo.

— Lenny? Você está aí? Como você está se sentindo? — Dre pergunta. — Porque eu não vou mentir. Você é realmente difícil de ler agora e está me assustando.

Eu balanço minha cabeça lentamente de um lado para o outro enquanto começo a entender. Eu respiro fundo e sorrio. — Eu me sinto... aliviada.

— O que você quer fazer agora? — Ray pergunta, derramando o restante do jarro em meu copo.

Lágrimas picam meus olhos. Eu sei exatamente o que quero. Agora mais do que nunca.

— Eu quero ir para casa.

***

Quando volto para o trailer, Nine não está lá, mas Pike está. Ele está sentado no pequeno degrau da porta ao lado de um grande saco de lixo.

— Você está bem? — Pergunta ele. — Nine está enlouquecido, procurando por você, sabe.

— Eu vou ficar bem, — eu admito, e realmente acredito nisso. Eu ficarei bem. — O que é tudo isso? — Eu aponto para o saco.

— É o material que não consegui vender. Eu devo ter o seu dinheiro na terça-feira após o site enviá-lo. É mais do que eu imaginei que seria. Acho que você ficará feliz.

Eu acho que ficarei também.

— Obrigada. — Eu pego o saco da sua mão e abro a porta com o meu ombro. — Ei, você pode dizer a Nine que estou aqui? Eu não tenho telefone.

— Já estou nisso, — diz Pike, puxando seu telefone. — Vou esperar aqui até ele voltar.

Eu entro e fecho a porta. Enquanto espero que Nine volte, olho através dos itens que não venderam. Algumas das bolsas menores, e uma mala grande que percebo não é minha, mas de Jared. Deveria estar no meu armário por engano. Eu abro e há um bilhete de avião amassado dentro. Está datado de 3 de junho, que foi uma semana antes de eu encontrar seu armário vazio.

Jared Cox

RSW-LAS

Assento 3A

Las Vegas? Eu achei que ele estava em Nova York naquela semana?

Eu nem sabia que ele tinha negócios em Vegas. Eu acho que não importa, havia muita coisa que não sabia sobre Jared e sobre o que ele estava fazendo. Não é como se eu pudesse lhe perguntar sobre isso agora. Eu atiro a passagem para o lado quando um segundo bilhete aparece por baixo. Eu o pego, mas não é o bilhete de volta. É um bilhete do assento 3B.

É o nome que me faz sentir como se alguém tivesse jogado uma bigorna na porra do meu coração. Eu atiro a passagem para o chão como se de repente estivesse pegando fogo. — Não... isso... não pode ser, — eu sussurro para mim mesma. Eu balanço no lugar. Eu enfio as unhas nas palmas das minhas mãos, mas a picada da dor e o sangue fresco subindo à superfície não faz nada para me ajudar a lidar com isso. — Isso simplesmente não pode.

Eu ouço a porta abrir e suponho que seja Pike entrando. Estou preparada para as perguntas dele sobre o motivo de eu estar tremendo, balançando e me fazendo sangrar, mas as perguntas nunca chegam.

— Oh, sim, pode e é, — diz uma voz familiar.

Uma voz familiar que não é de Pike.

Todo o meu corpo fica tenso. Eu lentamente olho por cima do ombro enquanto me deparo com meu pior pesadelo, uma traição para acabar com todas as traições.

Eu encontro os olhos da única pessoa neste mundo que sabia que nunca se voltaria contra mim. Não pela primeira vez nas últimas semanas, estou descobrindo que estava errada.

Muito, muito errada.

Eu tenho muitas perguntas, mas não tenho tempo para fazer nenhuma delas porque algo duro se conecta com a minha cabeça. Tudo fica confuso quando eu caio no tapete fino.

Eu nem me importo que esteja morrendo ou já esteja morta. Ou que há sangue pingando em meus olhos que não posso afastar porque, por alguma razão, perdi o controle da capacidade de mover minhas pálpebras junto com o resto dos meus membros e funções.

Não, a morte não importa, porque tudo o que importa é a resposta para a única pergunta que estou repetindo uma e outra vez na minha cabeça.

Por quê?

De todas as pessoas do mundo... por que ela?

Por que Yuli?

 

Capítulo Vinte e Seis

NINE


Eu recebo um texto de Pike que Lenny está de volta no trailer. Corri de volta, pronto para me explicar, mas quando chego lá, tudo o que encontro é Pike, caído na varanda, com a barriga sangrando.

— Pike, foda-se! — Corro até ele e levanto-o para uma posição sentada. Ele geme. — Lenny, ela está em apuros. Você tem que encontrá-la.

— Quem a levou? Para onde eles foram?

— Uma garota. Gostosa, mas malvada pra caralho, cara. É... — suas palavras desaparecem quando seus olhos se fecham e sua cabeça cai para o lado.

— Porra!

Eu verifico seu pulso enquanto pego meu telefone, e graças a Deus ele ainda tem um. Eu chamo Preppy que atende no primeiro toque. — Necrotério Clearwater. Você os grelhou. Nós os esfriamos.

— Irmão. Pike está ferido. Levou um tiro na barriga. Eu preciso de assistência médica no meu trailer. Lenny também sumiu, mas não sei para onde.

Pike geme e seus olhos se abrem. — Eu a ouvi dizer algo sobre queda. Como se fosse cair de novo? — Seu rosto está ficando cada vez mais pálido. — Eu quero dizer que é uma boa temporada se você mora no norte, mas nós moramos na Flórida, não temos nenhum tipo de queda aqui. — E assim ele está fora novamente.

Preppy soa no meu telefone. — Mandei uma equipe de enfermeiras do Lawless na sua direção. O MC é a menos de 400 metros de distância e elas já estavam lá fazendo um check-up nos irmãos. Eles estarão aí em alguns segundos.

Alguns segundos com certeza. Uma van estaciona, os pneus girando na terra. Três mulheres de uniforme saem correndo e vão direto para Pike.

— Cuide dele, — eu ordeno. — Por favor.

— Ei, lindas senhoras, e aí? — Diz Pike, animando-se novamente, tonto da perda de sangue. Elas checam seus sinais vitais e começam a movê-lo para uma maca. — Nenhuma de vocês é má, certo? Porque eu acabei de me deparar com uma bela dama e veja o que ela fez comigo. Ela manchou minha camisa.

— Elas estão aqui agora, — digo a Preppy, indo para minha caminhonete.

— Alguma pista de onde Lenny poderia estar? — Pergunta ele.

— Nenhuma pista, Pike disse algo sobre queda, mas ele está fora de si. — Eu ligo o motor e paro.

Queda.

Fosse cair de novo.

Cair de novo.

— Esqueça isso, irmão. Eu sei exatamente onde ela está.

— Você quer compartilhar essa informação ou quer que eu adivinhe onde devo encontrá-lo? — Preppy diz. Eu ouço a porta do carro dele bater e o motor dele ligar.

Eu bato meu punho no volante enquanto o mundo ao meu redor diminui a velocidade.

— O topo da porra da ponte.


Lenny

Quando volto a mim e abro meus olhos, estou em um lugar que nunca esperei estar novamente.

O topo da ponte, na mesma borda de onde caí de anos atrás.

Como diabos cheguei aqui?

Meu cérebro está tentando encontrar as respostas, mas não está funcionando corretamente. Eu decido reiniciar e tentar novamente, mas a partir da segurança do outro lado. Eu agarro os fios e me levanto para poder subir de volta pelo corrimão. Eu congelo quando ouço o som inconfundível de uma arma sendo engatilhada.

— Só há uma maneira de sair dessa ponte e não é essa, — diz a versão maléfica de uma voz familiar.

Minha memória retorna. A mala. As passagens de avião. Eu lentamente olho para minha melhor amiga.

Yuli.

Começa a chover. A água escorre em meus olhos, misturada com o sangue seco, e eu estou praticamente cega, mas não posso enxugá-las, ou perderei o controle sobre os fios, que estão ficando mais escorregadios a cada segundo.

— Eu achei que você estivesse na África, — eu finalmente consegui dizer. Ainda segurando os fios com o máximo de cuidado possível, viro-me lentamente para encarar a mulher que eu pensava ser minha melhor amiga.

Yuli está de pé na chuva, usando um moletom preto e calças combinando, mas não é a roupa dela que acho mais surpreendente. É a arma na mão apontada para a minha cabeça.

Ela zomba. — Eu não estava indo para a África. Eu ia partir com Jared e nosso dinheiro.

A admissão de sua traição corta tão fundo dentro de mim que posso sentir cada golpe da faca que ela está empurrando na porra do meu coração. — Então, por que voltar? Você e Jared ficaram entediados um com o outro e decidiram me torturar em vez disso? — Blefei como se eu não soubesse que Jared está morto.

— Você pode cortar a porcaria, Lenny. Jared está morto, então não se faça de idiota e inocente comigo! — Ela cospe. Sua sobrancelha direita está cheia de raiva. Ela sorri maliciosamente e meu estômago se agita.

Eu acho que estou prestes a ficar enjoada.

— Por que você acha que eu te levei para aquela festa? — Ela pergunta, como se a resposta fosse óbvia quando nada disso faz sentido algum. — Porque parte do dinheiro que roubamos veio do MC e do seu amigo Nine e sua equipe. Quando Jared não apareceu no avião, eu sabia que ele estava morto. Ele não iria simplesmente me abandonar como fez com você. Eu sabia que Nine estaria naquela festa e que ele estava procurando por você. Você não vê, Len? Eu não estava tentando fazê-la se divertir na minha última noite, eu estava te entregando para ele em uma bandeja de prata!

Eu balancei minha cabeça em descrença. — Foi por isso que você falsificou minha assinatura naqueles documentos? Para apontar o cartel e o MC na minha direção, em vez de olhar para você e Jared?

Ela bate na perna com a mão livre. — Claro. Você era o perfeito bode expiatório até se apaixonar por Nine e ele começar a duvidar de todo o meu trabalho duro por causa dos sentimentos dele por você. Ricci também não caiu nessa, então tive que devolver seu dinheiro para que ele parasse de procurar quem o roubou. Claro, eu enviei a ele em seu nome, e ele não caiu nessa também. E agora, aqui estamos nós, e eu tenho que cuidar da merda sozinha como sempre. — Seu sorriso torcido não se encaixa em seu rosto, pelo menos não no rosto da Yuli que eu conheço. Essa é totalmente outra pessoa inteiramente. Alguém ruim. Demente. — Agora você vai morrer. Assim como Jared morreu.

Eu preciso adiar, ganhar algum tempo, mas para o que, não tenho certeza. Ninguém sabe que estou aqui. Ninguém virá me salvar desta vez. Neste momento, as palavras são minha única arma, a parte difícil e a coisa que nunca fui boa, será escolhê-las sabiamente.

— Quanto tempo, Yuli? Há quanto tempo isso vem acontecendo? Você e Jared? — A chuva está caindo cada vez mais forte. O vento está aumentando. O óleo dos fios está tornando cada vez mais difícil de segurar. Meus pés estão deslizando para a esquerda e para a direita. É um ato de equilíbrio apenas para ficar em pé.

Ela suspira e sorri como se lembrasse dos melhores momentos da traição. — Antes de você e Jared se conhecerem. Fizemos grandes planos para o nosso futuro. Levamos anos para organizar tudo, e tínhamos tudo planejado. Como e quando iríamos pegar o dinheiro. A conta criptografada no exterior. Um belo bangalô de dois andares na água em Fiji. Quero dizer, tirar toda a merda de você foi minha ideia. A casa. O carro. Na verdade, Jared nem sabia sobre essa parte, mas eu planejei lhe contar uma vez que estivéssemos na praia como um presente pela nossa fuga. — Seu olhar endurece mais uma vez. — Agora, isso nunca vai acontecer, e é tudo culpa sua!

Meu pé escorrega e mal consigo me equilibrar. Os fios cortam minhas palmas. — Yuli, não faça isso. Você vai se arrepender pelo resto da sua vida! — Eu grito.

Ela revira os olhos. — Você ia fazer isso uma vez, Lenny, e agora, fará novamente. A beleza disso é que ninguém vai questionar seus motivos para se matar. Seus pais estão mortos. Jared deixou você. Você perdeu a casa e tudo que possui. A água está muito mais rasa agora, então não há chance de você sobreviver na segunda vez.

Tentar argumentar com Yuli quando ela tem esse brilho enlouquecido nos olhos é como argumentar com uma manada de elefantes de circo assustados no meio de uma debandada. Eu mudo de tática. — Pense em Jared, Yuli. Ele ia fugir com você porque queria estar com você, mas ele realmente iria querer que você me matasse?

Ela acena a arma no ar. — Vê? É exatamente por isso que sei que você nunca o conheceu. Jared nunca te amou. Ele não se importaria com o que acontecesse com você. Ele só estava com você por uma parte do negócio imobiliário de seus pais.

— Isso não pode ser verdade. Ele não era o dono. Ele nunca recebeu um centavo disso.

— Ele estava planejando uma aquisição hostil muito antes de você entrar em cena, mas depois que seus pais morreram, você decidiu desempenhar o papel da Mulher Maravilha e decidiu intervir e tentar gerir a merda por conta. Foi quando decidimos pelo Plano B, também conhecido como o relacionamento falso com você. Mas você vê, o mercado despencou e a empresa perdeu o valor. Então, criamos o Plano C, para fugir com cargas de dinheiro de seus investidores, usando você e seu falso relacionamento. — Ela suspira. — É uma pena que eu tenha matado seus pais por nada.

— Não! — Eu suspiro e quase perco o equilíbrio mais uma vez.

Meu estômago não se importa que eu esteja me segurando com tudo o que tenho e revira violentamente. Eu vomito na água abaixo, segurando-me o máximo que posso até meu estômago estar vazio.

— Oh, sim, — ela balança a cabeça. Seus olhos são selvagens. — Só um pequeno corte em um fio aqui. Um pequeno corte em um fio ali, e em menos de uma hora, sua pequena lição de voo se transformou em um curso intensivo direto para o Golfo do México.

Minha cabeça está girando. O rosto de Yuli está girando em cima de mim como um halo maligno.

— Você vê, depois que os matei, achei que sua loucura cheia de ataques de pânico lhe tiraria dos trilhos, tornando mais fácil para Jared se aproximar e assumir a empresa. Na verdade, eu estava contando com isso para que pudéssemos mandá-la para o hospício ou assistir ao seu funeral. Qualquer um dos dois. Sem preferência. Foi uma pena que a queda da ponte não tenha te matado da primeira vez. — Ela ergue a arma. — Não se preocupe. Não há praticamente nenhuma chance de você sobreviver novamente.

Eu olho para a água abaixo. Eu posso não sobreviver à queda na segunda vez, mas as chances são melhores do que uma bala na cabeça. Não por muito. Mas melhores.

— Você está se esquecendo de uma coisa, — eu lhe digo sobre o som da chuva tilintando contra o metal da ponte. Eu encontro seus olhos demoníacos com meu próprio olhar determinado e inabalável.

Yuli impacientemente bate o pé no chão. — Oh sim? E o que é isso?

Eu sorrio. — Entre nós duas, eu deveria ser a louca.

Eu solto os fios e me inclino para trás com meus braços bem abertos.

E então eu estou caindo.

Caindo.

Caindo.

 

 

 

NINE

Eu chego ao topo da ponte dois segundos atrasado. Bem a tempo de ver Lenny cair pela segunda vez na minha vida.

É um dos meus pesadelos e a última coisa que eu queria ver de novo. É por isso que eu não queria me aproximar dela. É por isso que não podia suportar a ideia de perdê-la.

E agora ela se foi.

Meu coração está se despedaçando, e quando ouço o pequeno som do barulho abaixo, ele se quebra. — Lenny! — Eu grito. — Poe!

Yuli se vira e me vê. Ela atira e erra. Eu continuo caminhando em direção a ela como se meu corpo inteiro fosse feito de aço baseado na raiva, mas a raiva, infelizmente, não é à prova de bala. Ela atira novamente e, desta vez, ela não erra. Eu levo um tiro no peito, em algum lugar próximo a minha tatuagem de corvo. Mas meu coração ainda está batendo, e eu ainda estou respirando, e não há tempo para chafurdar na dor que sinto. Apenas a dor que quero infligir.

Quando chego a Yuli, não sei quantas vezes fui atingido, mas, felizmente para mim, ela está sem munição e tremendo com medo recém-descoberto.

Eu zombo de seus olhos traidores. — O quê? Você deixou de ser uma assassina má só porque não tem mais munição? — Quando olho para ela, não vejo nada além de sangue e ódio.

Vingança.

Ela aponta para a água. — Ela... ela pulou, não havia nada que eu pudesse fazer, — ela mente.

Eu tiro a arma do sua mão trêmula.

Ela tenta novamente. — Eu juro, ela queria morrer. Eu estava tentando salvá-la. Eu atirei em você porque achei que fosse um dos bandidos. Os que mataram Jared.

Ah, mas eu sou.

Se ela quer jogar este jogo, vou jogar e vou ganhar. Eu suavizo meu tom. — Entendi. Você está obviamente perturbada, Yuli. Deixe-me levá-la para a caminhonete. Meu irmão estará aqui em um minuto. Ele vai te levar para o hospital, para que possam checá-la enquanto procuro por Lenny.

Yuli parece relutante, mas ela não tem outra escolha a não ser confiar que acreditei em suas mentiras, então ela concorda, acreditando na minha. Eu coloco meu braço sob o dela como se estivesse ajudando-a a chegar à caminhonete. É lento, porque de repente ela começou a mancar. — Aqui, isso será mais rápido. — Eu a levanto... e ando em direção ao corrimão.

— Espere! O que você está fazendo? — Ela chora, batendo os punhos contra o meu peito. — Eu lhe disse que não havia nada que eu pudesse fazer! Eu juro! Ela era louca! Todo mundo sabia disso!

Meu sangue se transforma em gelo ao ouvi-la chamar Lenny de louca. Ela não era louca. Ela era perfeita, e era minha, e essa cadela simplesmente me tirou tudo que eu sempre quis.

E ela vai pagar... com a sua vida.

— Nós nos encontramos antes, mas permita-me apresentar-me novamente, — eu zombo. — Eu sou o bandido que matou Jared. — Seus olhos ficam ainda mais largos de medo. — Mas ao contrário de você, tendo munição na minha arma ou não... — Eu a jogo da ponte e a vejo cair, batendo os braços e as pernas na água escura. Um grito estridente segue seu corpo por todo caminho até que não há nada além do silêncio e do rugido do meu próprio sangue pulsando em minhas veias. — Nunca deixarei de ser um assassino.

Preppy para ao meu lado, seus freios guinchando contra o asfalto molhado. — Entre aqui porra.

— Lenny... — Eu olho para a ponte, incapaz de processar as palavras ou o que aconteceu. Observá-la cair pela segunda vez foi muito pior do que a primeira, porque agora sei o que significa tê-la em minha vida. Amá-la.

Eu a amava.

— Porraaaaa! — Eu grito sobre a água através da chuva. Eu cerro meus punhos e soco o corrimão. Eu nem sinto o impacto, mas meu punho está manchado de sangue que é lavado pelo aguaceiro tão rápido quanto surge.

— Produtivo, — comenta Preppy. — Mas vamos nos lembrar de uma lição importante, turma. Ela sobreviveu a primeira vez. Eu não sou bom em matemática ou merda, mas estou pensando que as chances estão sempre a seu favor, e se há uma chance... — Ele me dá um olhar “o que você está esperando”. — Entre na porra do carro!

Eu sinto a esperança crescer dentro de mim das profundezas do desespero. Não haverá unidade de recuperação. Ainda não. Isso ainda é um resgate.

Eu pulo em seu carro, e nós aceleramos pela ponte, derrapando quando Preppy vira para a margem. Ele pisa no freio, mas o carro ainda está em movimento quando salto sem me preocupar em fechar a porta.

Eu examino a água escura e a margem em busca de sinais de Lenny. Eu vejo um corpo, mas não é o dela. O cadáver pertence a Yuli. Flutuando de costas, os olhos desfocados iluminados pela lua cheia acima. Eu luto contra o desejo de puxá-la apenas para jogá-la de novo.

Eu deslizo através da água até os joelhos. Procurando. Com esperança.

— Nine, lá! — Preppy grita. — Veja!

Eu olho para onde ele está apontando e vejo o corpo mutilado de Lenny flutuando de bruços a vários metros da costa. A correnteza rápida está levando-a mais e mais longe a cada segundo que passa. — Poe! Não! — Eu grito, saltando sobre uma fileira de pedras afiadas. Eu chapinho através da água escura, e parecem eras antes de finalmente chegar até ela. Estou com água pela cintura quando a viro e coloco meus antebraços sob os seus ombros, arrastando-a para fora da água e para a margem lamacenta. — Lenny! Lenny! — Eu grito, batendo em suas bochechas.

Não há resposta. Não há sinais de vida.

— Foda-se! — Eu checo seu pulso, mas não sinto nada. Mesmo que esteja lá, o meu está batendo tão forte que não consigo sentir mais nada.

— Chame a porra de uma ambulância! — Eu grito, mas Preppy já tem seu telefone no ouvido, dando a nossa localização para o operador do outro lado.

Eu coloco minha mão atrás de seu pescoço, inclinando seu queixo na minha direção. Abro sua boca e pressiono a minha sobre a dela, tentando forçá-la a respirar, desejando poder respirar por ela. Depois de várias tentativas, nada acontece. Eu coloco uma mão sobre a outra e uso meus pulsos para bombear seu peito. Seu corpo estremece com o meu movimento, me dando uma falsa esperança com cada bomba de que ela está voltando à vida e não eu tentando bater a vida de volta para ela.

— Staying Alive13. Staying Alive — Preppy canta atrás de mim.

Eu olho para ele enquanto continuo querendo que seu coração se submeta.

— O quê? — Ele pergunta levantando os braços no ar. Ele revira os olhos. — Staying Alive dos Bee-Gees. É a batida que você deveria fazer CPR. Acredite ou não, estou realmente ajudando. Eu aprendi com uma criança de dez anos no Youtube, e todo mundo sabe que as criaturas mais inteligentes do mundo são Youtubers de dez anos de idade. Aliás, a ambulância está a caminho.

Preppy muda de cantar para cantarolar quando paro de bombear seu peito para respirar em sua boca novamente. Depois de mais algumas tentativas, eu verifico o pulso dela novamente, pressionando dois dedos contra o seu pescoço, mas não sinto nada a não ser uma perda incapacitante.

Eu respiro em sua boca mais algumas vezes, em seguida, pressiono meus dois dedos no pulso dela mais uma vez. Eu conto em voz alta, pronto para retomar a CPR se não sentir nada no dez. — Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Vamos Lenny. Seis. Não morra. Não se atreva a morrer em minhas mãos! Sete. Por favor, eu te amo! Oito.

— Nine, — a contagem continua em um sussurro estrangulado, mas não vem de mim ou de Preppy.

Os olhos de Lenny se abrem.

 


Capítulo Vinte e Sete

NINE


— Por que eu estou nesta cama? — Eu pergunto, olhando ao redor do quarto do hospital. — Poe, — eu grito quando o rosto de Lenny entra em foco. Ela está pairando sobre mim, sorrindo com sangue seco no canto da boca.

— Talvez, eu não sei, porque você foi o único que foi baleado várias vezes? Apenas um palpite. Considerando que eu só dei um pequeno mergulho de cisne, engoli um pouco de água e quebrei minha perna. Bem, ambas as minhas pernas. — Ela aponta para os dois gessos que começam nos dedos dos pés e terminam no topo de suas coxas. Elas estão posicionadas em riste, apoiadas em suportes para as pernas conectados a sua cadeira de rodas. — Meninos, esses merdas de bocetas. Não podem levar alguns tiros e perder a maior parte do seu sangue sem desmaiar por todo o maldito lugar, — ela brinca.

Eu rio, mas paro abruptamente quando a dor aguda apunhala o meu peito. — Sim, eu sou um maldito boceta. Você me pegou.

— Não se mexa muito. Uma das balas passou direto, mas não atingiu seu coração por apenas alguns centímetros, — diz Pike. — Vai doer como um filho da puta. Confie em mim. Eu sei. — Ele aponta para o braço, que está em uma tipoia. Ele está de pé junto à janela, que está aberta com a ajuda de uma revista enrolada. Ele dá uma tragada no cigarro e o solta antes de tirar a revista e fechá-la. — Vou dar a vocês dois um minuto sozinhos, — diz ele, batendo na perna com a revista em seu caminho para fora da porta. — E Lenny está certa. Você é uma espécie de boceta.

Eu levanto a minha mão apenas o suficiente para atirar-lhe um dedo do meio.

Ele ri e fecha a porta atrás dele.

— Lenny, sinto muito. Eu deveria ter contado sobre Jared. Eu estava com tanto medo de te perder, de te machucar mais do que já foi machucada. Não é uma desculpa, mas é a minha razão, — eu digo.

Ela coloca a mão no lado do meu rosto. — Eu estava esperando no trailer para dizer que está tudo bem. Que eu estou bem. Eu acredito que você fez o que tinha que ser feito. Eu odeio que você tenha escondido isso de mim, mas nós tivemos um começo singular em todos os aspectos, então acho que um ou dois passes estarão em ordem de vez em quando. — Ela sorri. — Sendo este um dos momentos.

— Porra, Poe. Achei que tivesse te perdido de novo quando ela te empurrou... — Eu começo a dizer: — Eu vi. Eu vi tudo. — O terror que senti atravessa minha memória, e não consigo terminar minha frase.

Lenny olha para onde sua mão repousa sobre a minha. — Ela não me empurrou. Eu pulei. Era a minha única chance e eu arrisquei.

Apesar da dor, levanto a mão para tocar seu rosto. — Tão valente para alguém que vive em uma batalha constante com o medo. Você é incrível. Você tentou o destino duas vezes. Faça-me um favor e não faça isso de novo.

Ela arqueia uma sobrancelha. — Isso vindo do cara que me disseram correu diretamente para as balas sendo disparadas contra ele?

— Eu estava tendo um momento, — murmuro. — Um onde me vingar da cadela que achei que tivesse te matado importava mais do que sobreviver.

— Nunca mais faça isso de novo, — diz ela, com os olhos cheios de lágrimas.

Eu aperto a mão dela. — Onde envolvê-la, não posso prometer isso. Não é como se eu tivesse decidido fazer isso. Simplesmente aconteceu.

— Ok, bem, então, não posso prometer que nunca tentarei o destino novamente, mas vou prometer nunca mais pular da ponte. — Ela coloca a mão sobre o coração. — Palavra de escoteiro.

— Eu vou aceitar essa promessa... por enquanto. — Eu pego a mão dela na minha.

— O que você quer dizer com por enquanto? — Suas sobrancelhas franzem.

— Há muito mais promessas que eu quero de você, que quero fazer com você. — Eu tento me sentar e caio novamente quando a dor rasga através de mim como se eu estivesse sendo simultaneamente eletrocutado e cortado com uma serra. — Mas eles terão que esperar o segundo que eu puder respirar sem sentir que minhas costelas estão sendo esmagadas.

Poe aperta um botão, e uma enfermeira entra na sala e empurra uma agulha pelo meu IV. O mundo fica confuso, mas eu não quero dormir ainda. Eu não quero que o rosto de Lenny desapareça.

— Eu vou te cobrar isso. — Ela diz. — Sabe, não foi até que eu estava morrendo e ouvi você contando quando finalmente percebi a verdadeira razão pela qual você é chamado de Nine. — Ela preguiçosamente esfrega o polegar sobre as costas da minha mão.

— Oh sim? Você levou muito tempo, não é? — Eu provoco.

— Eu sou uma aprendiz lenta.

— Não, — eu argumento. — Você é minha.

Ela sorri. — Sou sua.

— Além disso, se alguém perguntar sobre o nome... — Eu começo.

Ela pisca. — Eu te cubro. Grande pau.

— Ugh, não diga pau, — eu gemo.

— Por quê? — Ela pergunta, procurando por mais ferimentos.

— Porque é quente pra caralho, e bolas azuis não é uma dor que quero adicionar à mistura agora.

— Hmmmm... se você tivesse algo para aliviar a dor, — ela canta. Ela vai até a mesinha ao lado da cama e pega um grande copo de isopor.

— Isso é o que eu acho que é? — Eu pergunto.

Ela balança a cabeça e toma um gole antes de segurar o canudo para eu fazer o mesmo. — Sim, Preppy esteve aqui e trouxe um pouco da sua super vitamina.

Eu tomo um gole, mas quase engasgo com o riso. — Você tomou uma das super vitaminas do Preppy no hospital?

Lenny se inclina o máximo que pode da cadeira e sussurra: — Não. Eu tomei duas.

 


Capítulo Vinte e Oito

LENNY


Quatro meses depois...

Nine parece desligado. Nervoso. Mas, novamente, ele está na corte. Então, imagino que o que ele está fazendo aqui pode não ser bom.

Depois de questioná-lo implacavelmente sobre onde ele desaparece algumas vezes por semana e não receber uma resposta definitiva, decidi ser uma mulher madura e responsável sobre isso... e o segui.

Ele não é o único que está nervoso.

Eu estou no canto do grande corredor escondida atrás de um grande vaso de plantas falsas, enquanto Nine cumprimenta o policial que está de guarda do lado de fora de grandes portas duplas de madeira. Depois que Nine entra, o guarda começa a fechar as portas atrás dele.

Eu corro e consigo me espremer bem antes de fecharem. Eu ofereço um pequeno sorriso para o oficial que, felizmente, não me joga fora. Eu me movo silenciosamente até a última fila e me sento. Tão logo minha bunda bate na cadeira o juiz entra, e mais ou menos uma dúzia de pessoas no tribunal fica de pé, inclusive eu.

— Podem se sentar, — diz o juiz, sentando-se e olhando por cima do arquivo à sua frente. Ele é um homem rechonchudo, com uma cabeça careca brilhante e uma barba branca curta. — Esta audiência é em relação ao bem-estar e tutela da criança menor, Huckleberry Leighton. Só para que todos saibam, eu gosto de manter meu tribunal informal, mas respeitoso. Se alguém tiver um problema com isso, pode sair agora. — Ele olha para o arquivo. — Quem está representando o menor, Huckleberry Leighton, diante da minha corte hoje?

Fico chocada quando Nine se levanta e abotoa seu casaco. É a primeira vez que o vejo de terno e me distrai tanto que tenho que me concentrar para ouvir suas palavras. — Eu estou, vossa excelência, — ele anuncia.

O juiz coloca os óculos no nariz e olha para Nine. — E você é?

— Tutor da corte, Kevin Clearwater, meritíssimo.

Eu cubro minha boca para esconder meu suspiro. Nine é um tutor do tribunal? A mesma coisa que eu disse a ele que queria fazer com a minha vida, mas nunca o fiz. Minha garganta está seca. Estou tentando permanecer tão calma quanto posso, por isso não chamo a atenção para mim durante os procedimentos, mas o que realmente quero fazer é pular do meu lugar e abraçar Nine na frente de todo o tribunal.

O juiz acena para Nine dar um passo à frente e se aproximar do pódio, onde um microfone longo e fino está anexado.

Nine faz isso de forma suave e confiante, como se tivesse feito isso um milhão de vezes antes.

— Sr. Clearwater, você teve a chance de falar com Huckleberry Leighton antes dos procedimentos de hoje? — O juiz pergunta, olhando para a papelada.

— Eu tive, meritíssimo. Muitas vezes.

— E na sua opinião, qual é o melhor curso de ação para a criança?

— Sem desrespeito, meritíssimo, não é pela minha opinião que estou aqui. Estou aqui para lhe dizer o que Huck quer e quais são os desejos dele para sua colocação. Nada mais.

O juiz olha para Nine novamente com surpresa. Um pequeno sorriso puxa seus lábios. — Por todos os meios, prossiga Sr. Clearwater.

— Huckleberry Leighton é uma criança inteligente e brilhante de oito anos de idade que foi transferido de casa adotiva para casa adotiva durante toda a sua vida. Ele nunca teve uma mãe e pai ou uma família real, e é o que ele quer mais do que tudo no mundo inteiro. Ele disse isso sempre que nos encontramos.

— E quantas vezes tem sido isso? — O juiz pergunta, fazendo anotações.

— Duas vezes por semana, meritíssimo. Todas as segundas e quintas-feiras à tarde, depois de seus encontros nomeados pela justiça com sua mãe biológica.

— E na sua... desculpe-me, na opinião de Huck, ele deseja ficar com sua mãe biológica?

Nine olha para a mulher assustada e frágil do outro lado do tribunal, depois para o juiz. — Não, meritíssimo. Seu desejo é que sua mãe renuncie aos direitos parentais para que ele possa ser adotado por uma família definitivamente.

— A senhorita De La Vive apresentou ao tribunal todos os requisitos para ter a custódia de seu filho mais uma vez, Sr. Clearwater. Huckleberry sabe disso?

Nine acena com a cabeça. — Ele sabe, mas isso também lhe foi prometido a cada poucos meses por toda a sua vida. Além disso, foi-lhe dito por sua mãe em suas visitas infrequentes que ela iria comprar um pônei e levá-lo a Disney World três vezes por ano. O garoto não quer a promessa de coisas que nunca acontecerão. Ele já esteve lá e viveu isso. Ele quer uma família. Uma família estável e confiável para amá-lo como ele merece ser amado. A atual família adotiva, os Andersons, entraram com uma petição de custódia e adoção se as circunstâncias e vossa excelência permitirem.

— Eu amo meu filho! — A mãe de Huckleberry se levanta e grita com lágrimas nos olhos. — Eu amo. Eu amo meu menino.

— Permissão para falar com a senhorita De La Vive, meritíssimo? — Nine pergunta.

O juiz acena com a cabeça.

Nine olha para a mulher com simpatia, mas fala com ela claramente e sem julgamento. É uma forma de arte ouvi-lo falar assim e eu me pergunto quantas horas de prática ele teve. — Senhora, não quero desrespeitá-la, mas passei toda a minha vida no sistema. Eu sei o que é esperar por algo que nunca vem. Diga-me algo. Você tem o dinheiro para comprar um pônei para Huck se ele fosse para casa com você hoje? Você pode levá-lo para a Disney World como prometeu?

Seus ombros caem. — Não, quero dizer, não agora, mas vou fazer essas coisas quando puder. Algum dia. Eu juro. Assim que eu conseguir um emprego. Assim que ganhar dinheiro suficiente para sair do abrigo.

A voz de Nine é calma e clara. — Huck não quer nada disso. Huck quer ser amado. Ele quer alguém que corte as cascas dos sanduíches. Ele quer uma cama confortável para dormir à noite e uma mãe que cante para ele até que adormeça e que fique com ele quando tiver pesadelos. Se os Andersons não o adotarem, ele poderá ser arrancado de seus cuidados a qualquer momento e colocado de volta no sistema onde a maioria das casas não é como a deles. Ele pode estar sujeito a abuso sexual e físico ou pior. Confie em mim. Eu vivi essa vida, e não quero ver Huck passar por isso. — Ele respira fundo. — Eu não estou tentando lhe dizer o que fazer, minha senhora. Eu gostaria de ter uma mãe que me amasse do jeito que você obviamente ama seu filho, mas eu não tive. Só estou aqui para lhe dizer o que Huck quer e declarar seus desejos para o tribunal.

— Eu o amo, — diz ela novamente, enxugando uma lágrima de sua bochecha.

— Eu não duvido disso senhora, mas o amor e a vida que ele merece são duas coisas diferentes.

— Por favor, sente-se, senhora, — ordena o juiz.

Ela se senta, visivelmente trêmula. O juiz volta sua atenção para Nine. — Sr. Clearwater, antes de eu tomar minha decisão, há mais alguma coisa que você gostaria de dizer em nome do jovem Huckleberry?

— É seu desejo continuar a ver sua mãe. Ele gostaria que ela fosse convidada para todas as festas de aniversário, eventos escolares e feriados. Ele não quer excluí-la. Ele só quer estabilidade.

— Senhora, há quanto tempo você está sóbria agora? — O juiz pergunta à mãe.

— Três meses, senhor, mas tive uma recaída na semana passada. Foi por isso que não apareci na última visita ou na data da audiência. Eu não podia deixá-lo me ver assim. — Ela murmura.

Meu coração se parte por ela e por seu filho.

— Sr. e Sra. Anderson, vocês permitiriam à senhorita De La Vive essas visitas que o jovem Huckleberry pediu se eu lhes conceder a tutela? — O juiz pergunta.

Um casal bem vestido no fundo da sala levanta. — Claro, meritíssimo. Tudo o que ele quiser. Nós não queremos separar mãe e filho. Nós só queremos dar-lhe uma casa e aceitaremos à senhorita De La Vive como uma parte de sua vida se tivermos a honra de poder dar-lhe um lar definitivo.

A Srta. De La Vive olha para o casal e murmura um agradecimento a eles. Ambos assentem, e o juiz ordena que eles, mais uma vez, se sentem.

— No melhor interesse da criança menor, concederei a tutela ao Sr. e Sra. Anderson com expectativas de visitação supervisionada pela mãe biológica do jovem Huckleberry. O objetivo deste tribunal não é separar as famílias, mas uni-las. No entanto, senhorita De La Vive, você não está sóbria o tempo suficiente, embora eu e a corte apreciemos sua honestidade sobre suas lutas. Nos reuniremos em seis meses. Reavaliaremos os desejos da criança nesse momento e o progresso da Srta De La Vive. Eu não posso considerar nenhum arranjo de adoção nos casos em que os direitos parentais não foram renunciados, e desde que temos uma mãe neste caso que está claramente tentando melhorar, teremos que esperar e ver onde estaremos em seis meses.

O juiz pega o martelo e está prestes a batê-lo quando a mãe se levanta novamente.

— Espere! — Ela diz. Ela se vira para Nine. — Se eu renunciar aos meus direitos, você promete se certificar que ele está bem, mesmo quando eu não puder?

Nine acena com a cabeça. — Senhora, eu não vou a lugar nenhum. Eu fiz uma promessa a ele. Vou me certificar de que ele esteja bem. Eu juro.

Ela limpa a garganta e olha para o juiz. — Eu tenho sido uma péssima mãe, e o Sr. Clearwater está certo. O amor não é suficiente. Querer ser mãe não é suficiente. Eu gostaria de renunciar aos meus direitos parentais com as mesmas disposições para visitação, juntamente com a adição de testes de drogas necessários para mim. Se eu não passar sequer em um teste, meritíssimo, gostaria que a visitação fosse removida permanentemente.

— Senhora? — O juiz pergunta.

Ela olha para as mãos e depois para o juiz. — Eu não posso mais fazer isso com ele. Meu garoto não merece isso. Eu preciso estar sóbria, para não atrapalhar a vida dele, e se eu não puder fazer isso, então é melhor que eu não esteja nela.

— Senhora. Agradeço a sua honestidade e honro esse pedido. Eu acho que você descobriu que ser mãe significa tomar as decisões mais difíceis no melhor interesse do seu filho e esta parece ser uma dessas decisões difíceis. Se você e os Andersons ficarem por um tempo, eu gostaria de conversar com todos juntos, em particular no meu gabinete sobre como tudo isso vai funcionar. — Ele olha para Nine. — Muito bom, Sr. Clearwater. Espero vê-lo no meu tribunal novamente em breve. Você fez um bom trabalho para o seu jovem cliente hoje.

— Obrigado, meritíssimo, — responde Nine.

Acho que ele diz outra coisa, mas não consigo ouvir. Não consigo nem vê-lo até que ele agarra a minha mão e me leva para fora do tribunal porque meus olhos estão cheios de lágrimas.

— Eu pensei ter visto você lá no fundo, — diz ele.

No segundo em que chegamos ao corredor, eu pego seu rosto e pressiono um beijo duro em seus lábios.

— O que foi isso? — Ele pergunta, envolvendo os braços a minha volta.

— Isso é pelo que você acabou de fazer por aquele menino lá dentro. Por aquelas pessoas. Deve que ser muito difícil, falar em nome de alguém que não pode falar por si mesmo. Foi... a coisa mais valente que já testemunhei.

— Eu não fiz isso por eles. Eu fiz isso por você, — diz ele.

— Você se lembrou do que eu te disse naquela noite.

Ele concorda. — Prometi a mim mesmo naquela noite que viveria por você quando achei que não poderia.

— Eu estava viva, mas não estava vivendo por mim. — As lágrimas ardiam nos meus olhos. — E você estava fazendo tudo isso.

— Poe, eu respiraria por você se pudesse. Você sabe disso, não é? — Ele pergunta, procurando a resposta em meus olhos.

— Eu sei disso agora, — eu respondo, fungando de volta as lágrimas não derramadas.

Deixamos o tribunal de mãos dadas. No caminho para a caminhonete, passamos pelo correio e, de repente, lembrei de alguma coisa. Eu pego na minha bolsa a chave que Yuli me deu da caixa postal 6969.

— O que é isso? — Nine pergunta.

— É a chave da caixa postal que Yuli queria que eu checasse sua correspondência. Sabendo o que sei agora, é mesmo uma caixa postal ou uma bomba esperando para me matar?

Ele pega a chave da minha mão. — Só há um jeito de descobrir. Fique aqui. — Ele entra no prédio.

Depois de alguns segundos, fico impaciente e estou indo para o prédio quando Nine aparece.

— Achei que tivesse dito para você ficar aqui fora, — diz ele, levantando uma sobrancelha para a minha mão já pronta para abrir a porta.

— Neste momento, ainda estou tecnicamente fora, — eu digo, mas parece mais uma pergunta.

Nine balança a cabeça e coloca um braço em volta do meu ombro, guiando-me para um banco próximo. — Isto é o que estava dentro. — Ele me entrega dois envelopes.

O primeiro envelope não tem selos postais e é simplesmente endereçado a Lenny. Eu a abro e dentro tem uma carta da última pessoa na Terra que eu esperava ouvir de novo.

Jared.

Lenny

Quando você ler isso, terei partido e você se perguntará o que diabos está acontecendo. Não posso te contar todos os detalhes sobre o que eu fiz ou porque, porque é muito perigoso que você saiba, mas eu não poderia sair sem te dar pelo menos um adeus. Eu não quero que você apodreça nos 'e se' ou 'porquês' da minha partida. Então, esperançosamente, esta carta lhe dará o fechamento que você precisa para seguir em frente.

Como você sempre foi fã da comunicação direta, não vou pular as verdades que posso lhe contar, então vou começar dizendo que há outra pessoa, e isso está acontecendo há muito tempo.

Eu nunca quis te machucar, mas você é inteligente, Len. Uma das pessoas mais inteligentes que já conheci. Você sabe tão bem quanto eu que não fomos feitos um para o outro, e talvez, se fosse menos covarde, teria sido capaz de terminar as coisas entre a gente há muito tempo atrás, mas honestamente não sabia como você encararia as coisas. Você já tinha perdido tanto em sua vida, então, a cada vez, eu desistia antes que as palavras que eu queria dizer deixassem minha boca.

A verdade é que não sei como lidar com seus problemas de ansiedade, mas também percebo que nunca tomei tempo para compreendê-los. Eu acho que isso diz muito. Você merece a felicidade, Len, alguém que realmente te entenda, te faça melhor, mas acho que nós dois sabemos que essa pessoa nunca serei eu.

Eu sei que você tem reservas em nossa conta conjunta para durar todo o ano enquanto procura um emprego, mas tenho certeza que mais dinheiro será adicionado para cobrir todas as contas e a hipoteca por dois anos. Ou, você pode vender a casa e usar os lucros para conseguir seu diploma e voltar para a faculdade ou usá-lo para buscar quaisquer sonhos que possa ter na sua vida. Eu nem sei quais são esses sonhos, e me desculpe por nunca ter me incomodado em perguntar.

Espero que você encontre a felicidade e me perdoe. Por tomar o caminho covarde. Por não ser quem você merecia. Por todo o mal que eu fiz.

Jared

— Foi Yuli que drenou minha conta e queria que eu sofresse. Ela disse isso, — digo a Nine, que lê a carta por cima do meu ombro. — Não foi Jared.

— Então, quando ele disse que o esquema tinha sido ideia da namorada, ele nem estava falando de você.

— Não, ele estava falando sobre Yuli.

Nine desdobra a carta, — Eu o odeio um pouco menos agora, mesmo que ele ainda seja um covarde, mas alguém que se importava com você, do seu próprio jeito. Essa é a única coisa que não posso culpá-lo.

Eu dou de ombros. — Eu acho, mas isso não muda nada. Você e seus amigos e o MC ainda perderam um milhão de dólares. Você não pode investir no negócio do seu irmão como queria.

Ele não parece perturbado com minha menção ao dinheiro, mas a verdade é que isso me mantém acordada na maioria das noites. — Mas isso ajuda? Isso lhe dá algum tipo de fechamento? — Pergunta ele.

Eu penso por um momento. — Sim dá. De certa forma, mas eu já tive o meu fechamento, através da terapia do taco de golfe.

Nine sorri e pressiona um beijo casto na minha testa. — Então, é tudo o que importa. — Ele pega o outro envelope e o abre. É algum tipo de aviso oficial do Mutual of America. Seus olhos se arregalam.

— O que é isso? — Eu pergunto, temendo o que mais poderia dar errado.

Ele me entrega o documento e não levo muito tempo para entender a razão por trás da reação surpresa de Nine. É uma apólice de seguro de vida que Jared fez anos atrás em seu nome. Afirma algo sobre seus pais o declarando desaparecido e legalmente morto e algo mais sobre a certidão de morte em anexo, mas não é isso que é chocante. Os benefícios, no valor de três milhões de dólares, devem ser pagos no momento de sua morte ao beneficiário.

Eu suspiro e cubro minha boca quando chego ao final da página e leio o nome.

A beneficiária sou eu.

 

Epílogo

LENNY


Mais um mês depois...


Eu uso o dinheiro de Jared para pagar Nine e seus amigos. No início, Nine recusou, prometendo que encontraria uma maneira de pagá-los, mas eu disse a ele que era isso ou jogaria o cheque do banco do alto da ponte.

Ele cedeu.

O restante do dinheiro foi doado para uma instituição de caridade, apoiando crianças adotivas e voluntários como Nine que os representam no tribunal. Mais algumas aulas e também serei tutora do tribunal.

Estamos diante de um dos mais recentes projetos reformados da Dre. É um pequeno e perfeito bangalô estilo Flórida com flores e uma cerca branca, e admiro seu trabalho. É perfeito em todos os sentidos. Nenhum detalhe poupado.

— É incrível, — eu digo. — Mas onde está Dre? Ela não vai nos encontrar aqui? Eu achei que ela quisesse minha opinião sobre o valor?

Eu me viro para enfrentar Nine, que está segurando uma chave.

— Não, ela não quis esperar e testemunhar o que eu farei com você lá dentro. — Sua voz é sombria e cheia de promessas más.

Eu tremo sob o calor escaldante do sol e suas palavras. — Eu não acho que ela gostaria que brincássemos em sua casa.

Ele sorri e me puxa contra o peito. — Não é a casa dela. É nossa.

— Como?

— Fácil. Eu investi no negócio do meu irmão e tinha dinheiro sobrando, mas eu sabia antes mesmo de Dre terminar esse lugar que compraria um dia para você. Então eu fiz.

— Eu não posso acreditar. Eu estou... — eu pressiono minha mão na sua bochecha lisa. Ele se inclina e beija as cicatrizes na minha palma. É para ele que estou olhando quando digo: — Estou em casa.

Ele me guia até a porta da frente e eu abro a porta para o paraíso. Uma visão limpa e contemporânea de uma casa tradicional. Pisos de madeira cinza claro. Armários brancos estilo shaker14, balcões de granito e uma grande pia de metal estilo fazenda na ilha de cozinha com capacidade para quatro.

— Foi isso que você imaginou que aconteceria quando começou a me perseguir? — Eu pergunto a Nine enquanto ele me segue de sala em sala enquanto eu exploro. O banheiro principal tem uma banheira com pés e pequenos azulejos octogonais brancos nos pisos e paredes.

— Perseguir é uma palavra muito forte. Eu prefiro rastrear com interesse, — ele diz com um encolher de ombros.

— Essa é a própria definição de perseguição, — eu argumento, voltando-me para ele cruzo os braços sobre o peito em desafio. — Tente novamente.

Ele levanta na ponta dos pés e depois cai de novo. O movimento faz com que mechas de cabelo caiam sobre seu olho. Ele os sacode. — Que frase você prefere? — Ele dá um passo mais perto. Seu sorriso se alarga. — Perseguindo com paixão? Caçando com esperança? — Ele estende a mão e vejo quando ele arrasta as pontas de seu indicador e dedo médio no meu braço nu.

Um arrepio irrompe na minha espinha, sacudindo-me ao meu âmago. Eu luto contra o desejo de fechar os olhos com a sensação.

Sua voz é profunda ainda divertida. — Seguindo um estopim?

— Você não está tornando isso melhor, — eu consigo dizer, depois de ter que limpar minha garganta para soltar as palavras. Meus pensamentos confusos ainda se concentrando na sensação da caricia dos seus dedos em minha pele sensível.

Ele olha para os cabelos no meu braço, agora arrepiados. Ele levanta uma sobrancelha perfurada. — Você tem certeza sobre isso?

Eu engulo em seco. — Sim.

Eu estico meu pescoço para encontrar seus olhos. Grande erro. Isso só aumenta minha consciência do seu toque. Eu mordo a pele dentro da minha bochecha para não gemer alto.

— Tudo bem. — Ele se inclina para mais perto e move a mão para baixo. Esses mesmos dedos estão agora subindo pela parte externa da minha coxa. Outro arrepio corre através de mim, embora este não seja na minha espinha. Está mais... centralmente localizado.

— Que tal... — seus lábios estão a uma respiração longe da minha. —... procurando por seus lábios?

Eu pressiono meus lábios e balanço minha cabeça.

— Não? — Ele ri, segurando minha bochecha enquanto sua outra mão avança pela minha saia, me deixando sem fôlego.

Seus lábios saem dos meus enquanto ele fala. Seu sorriso agora se foi. Suas palavras são sombrias. Sérias. O som mais sexy que já ouvi. Estou me contorcendo na minha própria pele. — Dolorido para estar dentro de você?

Ele não espera por uma resposta, o que é bom porque eu não poderia formar uma se tentasse, mas também porque ele pressiona seus lábios nos meus. Grosseiramente. Apaixonadamente. Possessivamente. Esmagando-me corpo e alma enquanto me levanta, me empurrando contra a parede.

A mão na minha saia puxa para o lado a renda da minha calcinha. Ele enfia a mão entre nós abrindo o cinto, libertando-se de seu jeans.

Ele pressiona o dedo longo no meu calor úmido e me acaricia lentamente, massageando o ponto que me deixa cega de necessidade, esfregando-me nele como um animal no cio, eu já estou lá, prestes a explodir quando ele me levanta, e entra em mim com um longo e duro impulso.

Eu empurro meus quadris da parede enquanto ele me fode furiosamente. A cada vez, ele me leva mais próxima ao limite, até que estou tão distante que só tenho uma vaga noção de Nine gemendo meu nome através de seu próprio orgasmo, me inundando com seu calor. No meu caminho de volta de onde a pura felicidade me levou, eu o ouço contando. — Um. Dois. Três. Quatro...

E assim por diante, até chegar a oito.

Eu abro meus olhos. Ele sorri e deixa cair a testa na minha, nossas respirações rápidas se misturando entre nós. Sua voz é um sussurro áspero. — Nove.

— Você sempre para no nove, — eu provoco.

— E eu sempre vou, — diz ele, pressionando os lábios nos meus mais uma vez.

— Eu também. — Minha vida agora é minha, mas eu só comecei a viver novamente por causa dele. Comecei e terminarei da mesma forma que o nosso jogo de contagem sempre acaba.

Com Nine.

 


Epílogo de Bónus

NINE


O estúdio de tatuagem de King está ligado à garagem do outro lado da entrada da casa principal. King é um fodido artista. Se você quer uma tatuagem que tenha algum significado, ele é o homem que você procura. Sua esposa Ray foi sua aprendiz por alguns anos até se tornar uma artista por direito próprio.

Mas seu estúdio não é apenas para tatuagens. É sagrado. Um lugar onde King, Bear e Preppy se reúnem e bloqueiam o resto do mundo. Quando as decisões precisam ser tomadas, acontece por trás dessas portas.

Que é exatamente onde eles estão agora.

Eu estive dentro do estúdio cem vezes. Entre King e Ray, eles são os únicos responsáveis por cada centímetro de tatuagem no meu corpo, o que significa que, nos últimos anos, passei muito tempo dentro daquele estúdio.

Mas nunca depois de horas. Nunca quando os três estão atrás da porta trancada.

Bear, King e Preppy dirigem Logan Beach há anos. É a cidade deles. Eu respeito isso pra caralho.

Tudo isso.

É por isso que não me incomoda nunca ter sido convidado a entrar. Não é o meu lugar. Claro, eu lhes provei meu valor nos últimos dois anos, mas há uma diferença entre ganhar o respeito deles e achar que de alguma forma merecerei estar naquele estúdio depois do expediente.

É por isso que estou me perguntando por que diabos King me chamou aqui.

Eu estou do lado de fora da porta fechada do estúdio. Já passa da meia noite. A brilhante motocicleta de Bear e o clássico Chevy de Preppy estão estacionados na frente. Eles estão todos lá dentro. Não me incomodo em bater. Eles sabem que estou aqui. Eles virão até mim quando estiverem prontos.

— Você está em apuros? — Ray pergunta, com um sorriso conhecedor. Ela desce da varanda com a filha mais nova no colo.

— Não faço a mínima ideia, — eu respondo, dando uma tragada no meu cigarro. — Eles me ligaram há uma hora. Pediram-me para estar aqui. Então aqui estou.

— Bem, seja o que for, boa sorte lá, — diz ela. Antes de voltar para dentro da casa, ela para e se vira. Seu rosto cheio de preocupação. — Quero dizer isso, Nine. Boa sorte. Os caras podem ficar realmente... intensos lá dentro.

Tanto para acalmar meu nervosismo.

Ela entra na casa ao mesmo tempo em que a porta do estúdio se abre e Preppy aparece na porta.

— Vamos lá, garoto, — diz ele em uma voz que não parece a dele. Nada sobre ele indica que esta é uma reunião casual. Sua expressão é vazia. Sem sorrisos. Sem brincadeiras.

— Você está tendo um derrame ou algo assim, — eu pergunto, apagando meu cigarro quando me aproximo.

Ele solta um suspiro. — Ainda não, mas a noite é uma criança.

Ele se afasta e eu entro no estúdio. Está completamente escuro, exceto pelo logotipo de neon do King's Tattoo. É um crânio usando uma coroa e uma gravata borboleta. A coroa para King, o crânio representando Bear e os motociclistas, e a gravata borboleta para o meu irmão.

A porta bate. Eu giro ao redor para enfrentar Preppy, mas ele não está lá. — Desculpe por isso irmão, — ele diz atrás de mim.

— Que porra é essa?

Um saco é colocado na minha cabeça e sou empurrado para o sofá de couro. Estou pegando as correntes nos meus pulsos quando percebo que ninguém me atacou ou amarrou minhas mãos. A luz acende, e posso ver figuras através do saco. Eu ergo a mão e lentamente o puxo da minha cabeça.

— Cara, você nem sequer se mijou! — Preppy lamenta, batendo o pé e tirando o saco do meu colo. Ele o dobra em suas mãos e coloca de volta em uma gaveta como se fosse uma herança de família.

— Eu disse para você não usar a porra do saco, — Bear rosna. — Estivemos na casa por dois segundos e voltamos para te encontrar como se estivesse recrutando o mais novo membro do seu culto satânico, — diz Bear, batendo no peito Preppy. — Nós concordamos com nenhum saco na cabeça.

— Ai, cuidado Bear. Eu não sei o que dói mais. Suas palavras, ou o fato de achar que não vou usar o que você acabou de dizer como indiretas contra você. Saco na cabeça? Mesmo? Você pode fazer melhor do que isso.

Bear puxa uma cadeira e a gira ao contrário. Ele monta e revira os olhos. — Foda-me.

— Não, obrigado, — responde Preppy, deitando-se na cadeira de tatuagem e cruzando os braços sobre o peito. Ele olha para o teto. — Eu tenho uma esposa para isso.

— Oh, confie em mim. Eu sei, — diz Bear. — Porque eu fodi você...

— Você vai realmente falar sobre isso agora? — Preppy diz, sentando-se abruptamente. — Nós concordamos que você nunca falaria nisso.

— E você concordou que não ensacaria seu irmão como um refém em um daqueles filmes de ação extravagantes!

King caminha até a cadeira de tatuagem e senta. Ele esfrega o rosto como se estivesse irritado com a cena passando na frente dele, mas na verdade, eu vejo o sorriso que ele está tentando esconder.

— Crianças, — ele murmura. — Não posso levá-los a lugar nenhum. — Ele olha para mim. — Não meus filhos. Meus filhos são ótimos. — Ele acende um baseado e inspira. Ele empurra o queixo para Bear e Preppy, que estão resmungando um para o outro como um casal de idosos, depois passa as mãos pelo cabelo curto. — São com esses dois que tenho que me preocupar.

— Por que, exatamente, estou aqui? — Pergunto.

Preppy e Bear param de brigar e olham para mim. Um sorriso lento se espalha no rosto de Preppy.

Bear levanta as sobrancelhas. — Porque estamos tendo uma maldita reunião é por isso. — Ele diz, como se fosse óbvio para mim.

Eu me inclino para frente e pego o baseado de King, dando uma longa tragada e prendendo por tanto tempo quanto possível antes de expirar, porque de jeito nenhum conseguirei passar os próximos minutos sem estar chapado, especialmente se Preppy não chegar ao ponto de merda.

Eu devolvo o baseado para Bear. — Ok, mas como perguntei antes — Eu me sento de volta. — Por que estou aqui?

King se levanta e se move para a parede, onde remove um dos desenhos emoldurados de Ray, revelando um cofre. Ele vira para a esquerda e para a direita algumas vezes antes de abrir.

Preppy esfrega as mãos ansiosamente.

O rosto de Bear é inexpressivo, exceto por um brilho de conhecimento em seus olhos.

King pega algo e fecha o cofre. Ele volta e ergue uma chave, na extremidade o mesmo símbolo do logotipo de neon pendurado acima de sua cabeça. Ele joga a chave para mim e senta. — O que é isso? — Eu inspeciono a chave e rapidamente percebo que, embora seja o mesmo logotipo do sinal, também é um pouco diferente.

Este tem o número nove no centro da gravata borboleta.

Eu olho para cima e encontro três pares de olhos de aprovação.

— Essa, — diz King, — é a chave do reino, filho da puta.

— Bem-vindo a bordo, garoto, — diz Bear.

— Meu bebezinho. Todo crescido, — Preppy diz em uma voz aguda, limpando suas lágrimas falsas.

King se inclina para frente. Seus cotovelos nos joelhos. — Essa chave abre esta sala, todas as nossas três casas, o arsenal da ilha, várias casas seguras e alguns esconderijos de merda aqui e ali pela cidade.

— E por algum motivo, também abre a máquina de venda automática no ponto de ônibus, — diz Preppy com um encolher de ombros. — Salgadinhos grátis todos os diaaaassss porra.

— Você nos mostrou que está disposto a levar uma bala por nós. Morrer por nós, — diz Bear.

King termina: — Isto somos nós mostrando que estamos dispostos a fazer o mesmo. Precisamos de um pouco de sangue mais jovem em Logan Beach. Alguém disposto a assumir o controle quando não pudermos. Alguém para nos proteger. Todos nós temos nossa própria merda acontecendo, mas isso aqui nesta sala? Esta merda vem em primeiro.

Bear concorda com a cabeça. — Eu tenho o Lawless, meu MC, minha irmandade. — Ele olha ao redor da sala. — Mas esses dois são meus irmãos reais. E agora, você também é.

A chave parece pesada com a confiança que vem com ela. — Eu não vou decepcionar vocês.

Preppy puxa uma longa faca afiada. Há um brilho nos olhos dele enquanto ele a segura no ar. — Agora, é hora do juramento de sangue.

Alguns momentos de silêncio passam antes que todos os três comecem a rir.

— Estou brincando. O juramento de sangue foi um “nada feito” a primeira vez que sugeri.

— Ainda assim você continuou insistindo, — King diz, dando tapinhas nas costas de Preppy brincando.

Eu cresci sem ter qualquer tipo de família na minha vida, e agora, esses homens estão me acolhendo como um deles. — Eu nem sei o que dizer.

— Você não deveria dizer nada, — diz Bear. Ele se levanta e vai até um armário, mas é apenas uma porta que se abre para um frigobar e armário de bebidas. Ele puxa uma garrafa de uísque. — Você deveria beber porra.

— Oh, eu vou pegar minha merda, — Preppy vai para a sala ao lado e volta com uma braçada cheia de sacolas, lotadas até a borda com todos os tipos de pós e pílulas. — Desculpe rapazes. Isso foi tudo que consegui em tão pouco tempo.

King ri quando Preppy espalha sua merda na mesa de café.

— Eu achei que isto era uma reunião? — Eu questiono enquanto Bear aspira uma linha de seu pulso.

Ele olha para mim, limpando o nariz e lambendo o resto da dose de sua pele. — Que porra você acha que fazemos nas reuniões?

Preppy me passa a garrafa. Ele senta no chão em frente ao sofá de couro e puxa minha perna até eu fazer o mesmo. Bear e King se juntam a nós no chão do outro lado da mesa baixa. — Estou orgulhoso de você, irmão.

Não querendo que a onda de emoções que sinto derrame de minhas palavras, tomo um gole profundo da garrafa.

— Agora, pare de ser um bocetinha, e enfie algo no nariz, irmão. Você não vai transformar essas duas narinas em uma se for um boceta sobre isso — diz Preppy, despejando uma enorme sacola de sopa em uma tigela.

— Ninguém quer uma narina, — King diz a Preppy.

— Sim, querem. Todo mundo sabe que uma narina é a metade do caminho para o unicórnio. — Ele usa um pequeno canudo para aspirar uma linha e me entrega, trancando os olhos nos meus. — Seja um unicórnio.

— Que horas você começou nessa merda? — Pergunto a Preppy.

Ele encolhe os ombros. — Oito.

— Não, não foi. Nós estávamos aqui as oito, — argumenta Bear.

Preppy o ignora com um aceno de mão. — Oito esta manhã. — Ele explica. — Dre e seu pai levaram as crianças para Nova York para o fim de semana, e papai tem uma comichão que precisa ser coçada.

O olhar de Bear cai para a tigela de coca. O de King o segue.

— Essa tigela tem... — King se inclina e dá uma olhada mais de perto. — Mini Mouse sobre ela?

— Não foi minha primeira escolha, — Preppy responde com um encolher de ombros. — Daisy Duck estava na lava-louças.

Eu percebo que ainda estou segurando a chave. Eu guardo na minha carteira por segurança.

— Essa coisa vem com muita responsabilidade, — diz King, seu tom se tornando sério. — Você está pronto para o que vem com isso?

— Eu nunca estive mais pronto. — É a verdade. Eu vim a Logan Beach para encontrar meu irmão. Eu encontrei mais que um irmão. Encontrei Lenny. Minha família. E não há nada que eu não faria por cada um deles.

— Você pode ter perdido muito do nosso dinheiro, mas você ganhou nosso respeito, — diz Bear. — Dinheiro podemos conseguir novamente. Essa merda aqui? É inestimável pra caralho.

Eu franzo a testa. — Espere, Preppy não te deu... — Eu olho para Preppy que olha para longe assobiando, finalmente nossos olhos se encontram.

— Oh, sim, — Preppy estala os dedos como se tivesse acabado de lembrar. — Eu esqueci completamente de contar a vocês. Nine nos reembolsou, com juros. — Ele aspira uma linha, usando um canudo de metal em forma de um minúsculo aspirador de pó.

— Eu vou te matar, porra, — adverte Bear, estalando os dedos.

Preppy revira os olhos. — Não seja estúpido, Bear. Espere até que eu não esteja mais chapado porque, honestamente, se você chutar minha bunda agora, não sentirei nada, e então, onde estaria o prazer nisso?

Bear estreita os olhos para Preppy, depois acena com a cabeça. — Bom ponto.

— Um brinde, — King anuncia, derramando uísque em quatro copos. Passando um para cada um de nós. Nós erguemos nossos copos enquanto eu olho ao redor da mesa para cada um dos meus novos irmãos.

Os olhos de King encontram os meus. Seu brinde é um grito alto das profundezas de seu peito.

— Ao Príncipe de Logan Beach!

 

 

                                                   T.M. Frazier         

 

 

 

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