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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


No Labirinto da Morte / H. G. Ewers
No Labirinto da Morte / H. G. Ewers

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

No Labirinto da Morte

 

A espaçonave conquistada leva-os ao destino — e eles têm um encontro com a morte.

Os calendários do planeta Terra registram o mês de setem­bro do ano 2.435. Depois do fim violento dos donos de Andrômeda, os chamados senhores da galáxia, os homens do Impé­rio Solar tiveram a graça de poder desfrutar trinta anos de tra­balho e consolidação internar

Mas a era da paz na história galática da Humanidade che­ga repentinamente ao fim no dia em que o robô gigante Old Man entra em cena, envia uma frota de ultracouraçados e dá início a uma campanha de extermínio contra todas as unidades terranas que cruzam seu caminho.

Os principais dirigentes do Império Solar não demoram a reconhecer o perigo que Old Man representa para todos os po­vos da galáxia. Por isso não é de admirar que Gucky, o membro mais competente do exército dos mutantes, seja chamado de volta das férias de espionagem que passa em Plofos, a fim de apoiar Perry Rhodan nos tempos de crise.

Realmente, Gucky e seu “garotinho” desferem o primeiro golpe bem-sucedido contra uma unidade pertencente a Old Man. Conseguem controlar a nave robotizada VIII-696 e entregam-na ao Administrador-Geral do Império Solar.

A nave é cuidadosamente examinada num estaleiro terrano e volta a seguir em direção a Old Man. Leva 22 homens e uma mulher para O Labirinto da Morte...

 

                                                      

 

— O que está fazendo aqui, Oro?

O ertrusiano robusto voltou a cabeça e sorriu. Naquele mo­mento parecia um monstro inumano. As grossas cicatrizes pro­duzidas por queimaduras transformavam seu rosto numa careta diabólica, numa horrível deformação de um rosto humano.

Michael Reginald Rhodan — ou Roi Danton — nem se deu conta disso. Conhecia Oro Masut há bastante tempo e já não via nada de extraordinário em seu aspecto. Além disso ele mesmo o salvara de uma fogueira atômica na qual o ertrusiano quase morrera queimado. Dali em diante Masut passara a ser seu ser­vo e guarda pessoal, e também seu maior amigo e homem de confiança.

— Houve uma coisa, senhor! — cochichou Oro. Michael Rhodan ficava maravilhado toda vez que ouvia o gigante de Ertrus cochichar. Geralmente sua voz era retumban­te que nem a de um elefante enfurecido.

Michael pôs instintivamente a mão na arma.

Oro Masut fez um gesto tranquilizador.

— Acho que é apenas um animal.

Pôs a mão para trás, agarrou cuidadosamente a mão do senhor que desapareceu em suas mãozonas enormes e puxou Michael Rhodan para perto de si. Em seguida apontou para a frente, onde se via um monte de terra fresca entre os arbustos.

— É claro que foi um ani... — principiou Rhodan.

— Olhe! — exclamou Oro neste instante.

Os dois homens olharam fascinados para o monte de ter­ra. Torrões úmidos desciam pelos flancos e se arrebentavam na orla de grama dura, mostrando que eram feitos de areia e argila.

“Deve ser uma espécie de toupeira!”, pensou Michael. “Uma toupeira enorme!” O monte de terra tinha pelo menos quatro metros de altura — e continuava a crescer.

De repente uma coisa que emitia um brilho metálico apa­receu no topo do morro. Parecia que uma mão gigantesca em­purrava as massas de terra para o lado... Oro Masut e Mike Rhodan deitaram imediatamente no chão, escondendo-se precaria­mente na grama que mal chegava aos seus joelhos. Havia um brilho nervoso em seus olhos.

A figura metálica deu um salto, tombou para a frente — e repentinamente ficou livre das massas de terra que a prendiam.

“É mesmo uma toupeira!”, pensou Mike, estupefato. “Uma toupeira mecânica, do tipo usado na pesquisa das massas de terra nas crostas planetárias.”

— Como isso foi parar em Dahomey? — perguntou Oro Masut.

— Hum! — fez Mike Rhodan.

O ertrusiano tinha razão. Dahomey estava situado na área de influência plofosense e, portanto, humana, mas era um pla­neta desabitado. Fora isso que levara Michael Rhodan a pousar ali com sua nave de livres-mercadores, a Francis Drake.

E de repente aparecia uma toupeira cujas características da­vam a entender que se tratava de um produto da indústria terrana.

A toupeira rolou mais uns vinte metros sobre oito pares de esteiras e parou. Os pares de esteiras superiores desapareceram no revestimento sujo e arranhado. Parte da popa estava pendurada sobre o buraco do qual safra a máquina, que devia ter uns vinte metros de comprimento. O diâmetro do corpo cilíndrico, que afinava na proa e na popa, devia ser de cinco metros.

Uma portinhola lateral da figura abriu-se ruidosamente. O ar superpressurizado levou alguns minutos escapando com um forte chiado. Em seguida as luzes internas da eclusa acenderam-se e a escotilha interna escorregou para o lado com um zumbido.

Mike viu os músculos de Masut entesarem-se sob o conjunto-uniforme. Pôs a mão no braço do ertrusiano para apaziguá-lo.

Depois levantou.

Vozes, ainda incompreensíveis, saíram de dentro da toupeira. De repente apareceu um vulto que vestia um conjunto negro justo. O cabelo ruivo caía sobre os ombros, emoldurando um rosto oval tostado pelo sol, com um par de olhos verde-acinzentados que brilhavam numa expressão irônica. Uma mulher!

O vulto feminino saltou para o capim. Só então descobriu o homem que estava de pé, fitando-a, a uns cinqüenta metros do lugar em que se encontrava.

— Meu Deus! Um selvagem! — exclamou a mulher em intercosmo.

Rhodan deixou cair o queixo, estarrecido. Nunca fora designado como selvagem. Mas de repente lembrou-se dos seus trajes. Sorriu. Saiu saltitando numa atitude afetada em direção à desco­nhecida, com a mão esquerda pousada na espada finamente trabalhada, e a direita bem afastada.

Quando se encontrava a cinco passos da mulher, arrancou o chapéu de três pontas e balançou-o à maneira típica de um terrano do fim do século dezoito.

— Bonjour, mademoiselle! Permettez-vous que je me présente? — disse com uma mesura. — Roi Danton, chère amie!

De repente apareceu outro vulto na eclusa. Saltou para perto da mulher. Era pelo menos uma cabeça mais alto.

Tratava-se de um homem que trajava conjunto azul-metálico, com duas armas pesadas no cinto e um objeto pesa­do pendurado sobre o ombro esquerdo.

O homem lançou um olhar desconfiado para o filho de Rhodan.

— Você sabia que o carnaval em Dahomey começa em 18 de setembro, Janine? — perguntou como que por acaso.

Mike Rhodan encostou o chapéu ao peito e fez uma ligeira mesura.

— Bonjour, monsieur!

— O que foi que ele disse? — perguntou o homem, fa­zendo de conta que Mike nem existia.

— Bom dia, senhorita. Permite que me apresente? — res­pondeu Janine com um sorriso. — Roi Danton, cara amiga.

— É mesmo uma ave rara! — exclamou o homem em tom sarcástico.

— E com um nome famoso — acrescentou a mulher. O homem deu uma risada.

— O rei Danton! A mão direita do imperador Lovely Boscyk!

Roi ficou agitando um lenço de rendas ã frente do rosto.

— Posso perguntar com quem tenho a honra de falar? — perguntou, empolado.

— Acho que uma boa surra ajudaria a normalizar seu ins­tinto sexual reprimido — murmurou o desconhecido.

Neste instante ouviu-se uma exclamação zangada saída do meio da grama.

Oro Masut levantou e aproximou-se em atitude ameaçadora.

— Que é isso? Como se atreve a ofender meu amo?

O rosto do desconhecido demonstrou um ligeiro interesse.

— O senhor deve ser um musculador ertrusiano. Cuide bem de seu bebê.

Para Masut foi demais. Saiu correndo com a cabeça baixa. Tentou agarrar o desconhecido — mas suas mãos pegaram no vazio.

— Esqueci de me apresentar — disse o desconhecido do lado. — Meu nome é Orbiter Kaiman. O nome da dama é Janine Goya.

Como numa brincadeira desviou-se da investida seguinte de Masut. Nem por um instante o sorriso irônico desapareceu de seus lábios.

Roi Danton não disse nada. Ergueu as sobrancelhas, bas­tante interessado. Afinal, Oro Masut era considerado o homem mais forte de Ertrus...

Um soco capaz de derrubar um elefante terrano passou rente à cabeça calva de Kaiman. Desta vez o forasteiro preferiu não saltar. Limitou-se a mover a cabeça alguns centímetros.

No mesmo instante o punho fechado de Kaiman atingiu o rosto de Masut com um estrondo.

O ertrusiano foi atirado alguns metros para trás e caiu. O chão retumbou.

— Ce fut pour moi um plaisir — murmurou Roi Danton.

— O que foi que o rei dos livres-mercadores disse? — per­guntou Kaiman.

Janine soltou uma gargalhada.

— Diz que para ele foi um prazer.

Orbiter Kaiman sorriu. Deu um passo em direção a Roi e fez um gesto apaziguador ao vê-lo pôr a mão em uma das pis­tolas de percussão de cano duplo que trazia presa no cinto es­treito ricamente bordado.

— Sinto tê-lo perturbado, Mr. Danton. Tive a impressão de que estava disposto para uma boa brincadeira. Se o ofendi com uma das minhas observações...

O filho de Rhodan mostrou que sabia adaptar-se depressa a uma nova situação.

— Por favor, Mr. Kaiman. Nada de desculpas. Realmente tive muito prazer em conhecê-lo — exibiu um sorriso galante. — É claro que fico ainda mais alegre em travar conhecimento com Miss Goya. O senhor nem imagina como um pobre astro­nauta como eu anseia por ver uma mulher encantadora como esta.

Atrás dele Oro Masut levantou com um gemido zangado. Roi piscou alegremente para ele,

— Peça desculpas a Mr. Kaiman, Oro. Foi o senhor que começou.

— Como queira, senhor! — resmungou o ertrusiano. Aproximou-se de Orbiter e estendeu a mão.

Kaiman apertou-a efusivamente, arrancando mais um gemido da boca de Oro.

— Onde tirou tanta força para derrotar um ertrusiano? — perguntou, espantado.

— Mr. Kaiman é um oxtornense — observou Danton, franzindo,a testa, — Você não sabia?

Não era a primeira vez que dispensava a Masut o tratamento familiar de você.

Oro sacudiu a cabeça. Olhou demoradamente para Kaiman.

— Agora vejo — disse, desanimado.

— Ótimo! — respondeu o filho de Rhodan em tom irônico. — Agora talvez possamos passar ao que realmente impor­ta. O que veio fazer em Dahomey, Mr. Kaiman?

 

Orbiter Kaiman fez uma mesura irônica.

— Sou antropólogo, Mr. Danton. Miss Goya é minha as­sistente. Além disso é uma conhecida cosmobióloga. Agora gos­taria de saber o que o senhor veio fazer aqui.

O rosto de Danton assumiu uma expressão sombria.

— Como já deve saber, Dahomey é um mundo plofosense. Espero que tenha permissão de fazer investigações neste planeta...!

Kaiman franziu as sobrancelhas espessas.

— Devo confessar que sua observação me causa estranhe­za, Mr. Danton. Se não sou plofosense, o senhor também não é. Teria o mesmo direito de perguntar se o senhor tem permis­são para descer em Dahomey.

Roi sorriu com uma expressão vaga.

— O senhor soube exprimir a coisa muito bem. Mas exis­te uma pequena diferença, meu caro. Dentro de trinta minutos uma espaçonave plofosense pousará neste planeta. O comandante está informado sobre minha presença neste planeta, o que certamente não acontece com o senhor.

O oxtornense deu de ombros, contrariado. Em seguida ajei­tou o estranho objeto semi-esférico que trazia pendurado sobre o ombro. Era aproximadamente do tamanho de um punho hu­mano e sua face inferior adaptava-se perfeitamente ao corpo de Kaiman.

— O senhor não poderia dizer que pertencemos ao seu grupo, Mr. Danton?

Oro Masut soltou uma gargalhada retumbante. Janine Goya tapou os ouvidos. Seu rosto estava desfigu­rado pela dor.

— Ora essa! — exclamou o ertrusiano em tom alegre. — Ele acha que devemos mentir para ajudá-lo.

— Até que não é uma má idéia — disse Roi Danton em tom pensativo. — Uma pergunta, Mr. Kaiman. O senhor pro­cura algo definido em Dahomey?

— A mesma coisa que procuro em toda parte — retrucou o antropólogo com um suspiro. — Os restos das construções feitas por seres inteligentes. O nome de minha profissão não combina bem com a atividade que exerço, mas infelizmente ain­da não inventaram outro nome para ela. Vivo procurando si­nais da formação e do desenvolvimento não só do homem e de suas culturas, mas de todas as raças inteligentes da galáxia. Já encontrei alguma coisa. Não sei se conhece o livro “O Objetivo Infinito”, Mr. Danton...

— Pelo que sei, o autor se chama John Grissom Avery e não Orbiter Kaiman!

— É um pseudônimo que uso, com sua licença. Muita gen­te esconde-se sob um pseudônimo para escrever...!

Mike Rhodan estremeceu ligeiramente. Será que o oxtornense conhecia sua verdadeira origem? Mas Kaiman continuou a falar como se a observação que acabara de soltar não tivesse nenhuma importância.

— Afinal, o que representam os nomes? Tanto faz que a gente se chame de Avery ou de Kaiman ou de Hawk ou seja lá do que for. Poderia fazer-me o favorzinho que pedi, Mr. Danton? Talvez possa retribuir em breve.

Roi engoliu em seco.

Hawk? O que levara Kaiman a mencionar o nome de Hawk, o nome de um homem que há cerca de trinta anos desertara da frota de Andrômeda comandada por seu pai e sobre o qual corriam nos círculos restritos das pessoas bem infor­madas as histórias mais inacreditáveis?

O jovem Rhodan provou que além de outras qualidades herdara a sede de conhecimentos indomável de seu progenitor.

De repente passou a interessar-se tremendamente por Orbiter Kaiman — somente porque pronunciara o nome de Hawk. Talvez pudesse contar alguma coisa a respeito dessa figura lendária.

— Está bem, Mr. Kaiman. Mas faço uma condição. O se­nhor terá de subir a bordo da Francis Drake juntamente com sua toupeira.

Apontou para a silhueta gigantesca da nave esférica, que se destacava fortemente contra o céu vermelho do poente. Orbiter Kaiman sorriu e inclinou a cabeça.

— Muito obrigado, Mr. Danton.

Segurou o braço de Janine e os dois entraram no veículo cilíndrico.

— Que gente esquisita! — resmungou Oro Masut.

— Hum! — fez Roi. Mais nada.

 

— Bonjour, Mademoiselle Rhodan!

Suzan Rhodan Waringer sorriu como quem se diverte bastante.

O rosto masculino que aparecia na tela do telecomunicador da nave era parecido com o célebre auto-retrato do jovem Albrecht Dürer — pelo menos no que dizia respeito à maneira de pentear os cabelos e aos traços confiantes. Mas Michael Rhodan parecia mais másculo, arrojado — e um pequeno arrogan­te. Além disso os cabelos longos e cacheados eram muito pre­tos e as vestes não correspondiam à época do Imperador Maximiliano. Combinavam em parte com o rei francês Luís XVI, o infeliz monarca deposto e executado durante a Revolução Francesa.

Era típico do jovem Rhodan que ele escolhera o pseudônimo do advogado francês que fora o adversário mais perigoso de Luís XVI, e que acabara sendo guilhotinado somente dois anos após a execução do rei sob a acusação de ter traído a Re­volução — e ainda o fato de suas vestes terem muita semelhan­ça com as do monarca francês seguinte, Luís XVII...

— Comment allez-vous?

Suzan notou uma expressão brincalhona nos fundos dos olhos de uma tonalidade azul-escura. Fingiu-se de triste.

— Pobre irmãozinho! — suspirou. — Tenho de lhe dar um cheque para você aprender o intercosmo.

Roi Danton revirou os olhos, levou um frasco de água-de-cheiro ao nariz e inalou o perfume. Em seguida colocou um pingo na blusa de seda ricamente bordada.

— Minha querida irmã mais uma vez se diverte zomban­do cruelmente de seu irmão — falava o intercosmo sem sota­que, o que Suzan naturalmente sabia. — Não convém a gente meter-se com os tubarões das altas finanças.

Estendeu o braço esquerdo e bateu em alguma coisa que Suzan não via, porque ficava fora de seu ângulo de visão.

— Vers la gauche, ma chérie! Mais para a esquerda, cora­ção. Para bombordo, exatamente três graus e um quarto, senão você não me encontra.

— Sua nave corsária não poderia passar despercebida.

— Nave de livre-mercador, queridinha!

— Não vejo muita diferença. Tomara que você se tenha cuidado para que nossa conversa não possa ser ouvida, senão não poderemos manter mais o anonimato. Gostaria de saber o que dirá o papai quando descobrir que o rei dos corsários...

— Dos livres-mercadores!

— ...dos viajantes livres é seu pequeno Mike. Roi Danton esboçou um sorriso apagado.

— Você deveria ter visto seu rosto quando Atlan e eu travamos um duelo a espada em Rubin. Ficou me olhando de uma forma esquisita, mas não me reconheceu. Atlan me olhava de vez em quando como se quisesse dizer: Nós nos conhecemos, seu safado! Deve ter falado com papai sobre isso. Bem, que os velhos imortais fiquem quebrando a cabeça.

— Não fale assim a respeito do papai! Atlan também é um ótimo sujeito. Você ainda se lembra de que certa vez ele o sur­preendeu quando quis experimentar um foguete de combustí­vel líquido construído por você em seu próprio quarto? Não con­tou nada ao papai. Você tinha onze anos.

O olhar de Roi assumiu uma expressão melancólica. Mas foi por pouco tempo. A ironia, o espírito zombeteiro e o des­prezo pelas coisas deste mundo acabaram levando a melhor.

— Foram todos gentis demais comigo, mocinha. Se não tivesse saído de casa, acabariam me transformando num playoboy mimado. Todo homem deve ter um objetivo. Deve ter von­tade de transformar o Universo, Suzan.

Suzan respondeu com uma expressão de amor fraterno nos olhos.

— Não queira fazer demais, Mike. Muita gente já se preju­dicou com isso. Continue sendo o malandro charmoso.

Suzan deu uma risada.

— Você ainda não respondeu à minha pergunta...!

— Não preciso responder. Você me conhece e sabe que não há nada que eu guarde com mais cuidado que o segredo da minha origem. Minha cabine é superprotegida, e além disso o codificador funciona perfeitamente. Vejo nos instrumentos que seu mini-iate se prepara para pousar. A bientôt, mademoiselle!

Roi desligou o telecomunicador e virou a cabeça.

— Como é bom encontrar-se com um membro do clube de Rhodan!

— Suzan Rhodan Waringer é uma mulher formidável! — retrucou Oro Masut em tom convicto.

— Ai, meu ouvido! — gemeu Roi. — Vá pegar meus sa­patos, grandalhão. Tomara que estejam engraxados, senão pas­saremos vergonha diante de minha irmã charmosa.

Os lábios do ertrusiano abriram-se num sorriso largo. Massageou cuidadosamente o queixo, que ainda estava inchado por causa do soco que Kaiman lhe dera.

Danton sorriu.

Estendeu os pés e deixou que Oro o ajudasse a enfiar os pés nos sapatos de fivelas revestidas de brilhantes. Em seguida levantou abruptamente, pegou o chapéu de três pontas e saiu caminhando pesadamente para a escotilha.

Assim que saiu da cabine, mudou de comportamento. Fi­cou saltitando levemente sobre os pés, que nem um tipo fútil da corte de Luís XVII.

            Quando passava pelo corredor do convés inferior, Janine Goya veio ao seu encontro. Desta vez a cosmobióloga usava um conjunto negro muito justo, incrustado de fios de prata, além de botas cor de rubi e uma capa-balão.

— Comment allez-vous? — perguntou Roi Danton com uma profunda mesura.

Miss Goya parou e sorriu com uma expressão irônica.

— Parlez-vous intercosmo, monsieur?

— Um... um pouco, Miss Goya! — respondeu Roi, per­plexo. No mesmo instante voltou a exibir seu sorriso cativante. — Meus cumprimentos, bela! Nem todas as mulheres têm com­preensão pelas línguas antigas da Terra.

— Não sou sua bela. Trate de não esquecer isto — gritou Janine e seguiu seu caminho.

Roi virou-se abruptamente.

— Je vous demande pardon! Je suis très désolé, mademoiselle! Peço desculpas! Sinto muito, senhorita.

Miss Goya virou a cabeça por um instante, antes de entrar no poço do elevador.

__ Ce fut pour moi um plaisir! — disse com uma garga­lhada sonora. — Foi um prazer!

Roi ficou estarrecido. Bateu na testa.

— Que é isso? — perguntou, sacudindo a cabeça. — Ha­ja quem entenda as mulheres...

Logo voltou a assumir sua postura oficial. Saiu da eclusa inferior para cumprimentar a irmã.

Os faróis da Francis Drake derramavam sua luz ofuscante, envolvendo a pequena nave-disco num manto prateado. As es­trelas pareciam contemplar tudo lá de cima, e duas das cinco luas de Dahomey estavam suspensas sobre o horizonte norte que nem colunas douradas. Um tatu gigante corria despreocu­pado entre as duas espaçonaves. Pousou na extremidade do cír­culo de luz e arranhou com as patas dianteiras em forma de pá a construção abobadada de certa espécie de insetos.

Mais adiante as duas metades da escotilha da eclusa infe­rior do iate espacial abriam-se com um chiado. Dois robôs mons­truosos desceram a rampa, rolando sobre esteiras, e abriram uma trilha larga entre o capim que chegava ã altura dos joelhos e os arbustos arredondados, enquanto espalhavam um tóxico dos nervos que deixaria paralisada a fauna rastejante que pudesse tornar-se perigosa.

Dali a pouco um pequeno veículo em forma de concha saiu da escuridão da eclusa. Passou pela trilha aberta por robôs, ro­dando sobre esferas parecidas com balões. Subiu pela rampa da Francis Drake e entrou na eclusa espaçosa da nave dos livres-mercadores.

Roi Danton aproximou-se saltitando. Ajudou a irmã a descer do veículo, agitou o chapéu de três pontas e tentou beijar-lhe a mão.

Suzan retirou-a com um violento gesto de repugnância.

— Já está na hora de você deixar de palhaçadas, Mike! — chiou. — Fico enojada ao ver um Rhodan pulando por aí que nem um galo apaixonado.

Roi entesou o corpo.

— Comment, s'il vous plaît? — Como, por favor?

Suzan não pôde deixar de rir. Ergueu ameaçadoramente o dedo.

— Não se esqueça de que é meu irmãozinho, Mike. Afinal, cheguei a este mundo oito minutos antes de você. Ouça o conselho da irmã mais velha.

Roi ergueu o sobrecenho, numa aparente indignação, mas não conseguiu reprimir um sorriso largo.

— Está bem, irmãzinha, queridinha, meu anjo protetor, etc. Sorriu, puxou-a para perto e sapecou um beijo em seu rosto.

— Você está muito bonita.

Roi soltou a irmã. Seu rosto imediatamente assumiu uma expressão séria.

— Tem notícias do pai?

Fez a pergunta num cochicho, embora Oro Masut estives­se parado embaixo da escotilha interna, vigiando com olhos de lince para que ninguém ouvisse a conversa dos gêmeos.

Suzan fez que sim.

— As coisas não estão boas, Mike. Sugiro que converse­mos sobre isso em seu camarote.

— Naturalmente.

Roi pegou o braço da irmã e os dois atravessaram em si­lêncio a escotilha interna e dirigiram-se ao elevador que os le­varia ao convés de comando.

 

Os espaçosos alojamentos de Roi Danton possuíam as mes­mas instalações que seu dono imaginaria encontrar na residên­cia de um cavalheiro da corte de Luís XVII. Mas atrás da at­mosfera de sonho ocultavam-se instalações técnicas de alta precisão.

Suzan Rhodan Waringer não se incomodava com os con­trastes. Já estava habituada a eles. Deixou-se cair com um sus­piro num poltrona bordada, fechou os olhos e descontraiu-se.

Enquanto isso Roi acionou uma chave camuflada e espe­rou que o mecanismo automático da mesa aparentemente frá­gil servisse dois drinques.

Ergueu seu copo e bateu no da irmã.    

Os dois brindaram-se sorrindo.

— Conte, irmãzinha! — pediu, enquanto se recostava na poltrona.

Suzan descansou o copo violentamente na mesa. Esticou a cabeça para a frente e falou enfatizando cada palavra.

— O retraio que Gucky encontrou no ultracouraçado de Old Man já foi interpretado.

Roi Danton não mostrou se estava ouvindo. Só mesmoquem o conhecesse muito bem notaria que seus músculos se entesaram de forma quase imperceptível.

E Suzan o conhecia.

Passou a falar em voz ainda mais baixa.

— O retrato é de um certo Capitão Rog Fanther. É um dos homens valentes que em 14 de julho de 2404 penetraram com a nave de abastecimento DINO-3 no antigo transmissor do tem­po de Vario...!

Se uma bomba de fusão tivesse explodido na calota polar superior da Francis Drake, a reação de Rhodan não teria sido mais violenta.

Saltou da poltrona, ficou ofegante e deixou-se cair tão abruptamente que as pernas de madeira do móvel estalaram perigosamente.

— Então é isso! — cochichou.

Apoiou a cabeça nas mãos.

Ficou parado alguns minutos como se tivesse desmaiado.

A DINO-3!

Era a nave de abastecimento que partiu para o passado para ajudar o pai desaparecido e a nave-capitânia de sua frota, a Crest III.

A missão acabara por transformar-se na maior tragédia da história da Frota Solar. Quando os tripulantes da nave de abas­tecimentos chegaram ao passado, constataram que o homem que queriam ajudar atravessara o posto intermediário de Pigell e dera um salto de quinhentos anos para a frente.

Eram quinhentos anos que os separavam do cumprimen­to de sua missão.

E já não era possível atravessar este lapso de tempo num salto relativista como fizera Rhodan!

Nem para os tripulantes da DINO-3, nem para a Crest III.

Quinhentos anos! Os tripulantes da DINO-3 não sobrevi­veriam nem a quinta parte deste tempo. Estavam condenados a morte e nunca mais voltariam ao seu tempo, aos homens de sua época e muito menos à Terra.

Diante da situação em que se encontravam, alguns tripu­lantes comandados pelo Major Gus Barnard resolveram supe­rar a espera de quinhentos anos, que em sua opinião era o tempo que passaria antes que a DINO-3 fosse descoberta, num vôo de dilatação bem calculado. O grupo partiu no Good Hope, um barco espacial de sessenta metros de diâmetro, para afastar-se 250 anos-luz da nave de abastecimentos e voltar pelo mesmo caminho.

Depois disso não houve mais notícias destes homens.

Estavam desaparecidos — há 52.432 anos, segundo os pa­drões da distorção relativista.

E de repente aparecera o retrato de um dos homens!

Um retrato original em cores do Capitão Rog Fanther e uma fita de plástico com uma mensagem impressa: Sejam bem-vindos, amigos. Assumam. As instruções encontram-se sobre a mesa.

A conclusão que se devia tirar disso era tão assustadora que até mesmo Michael Rhodan, que estava acostumado ao pen­samento não-convencional e possuía uma tremenda criativida­de, ficou profundamente abalado.

Colocou as mãos sobre a mesa e levantou a cabeça.

— Meu Deus!

A petulância juvenil, a despreocupação que costumava exi­bir e os modos superficiais, tudo isso desapareceu de repente,

— Meu Deus! — repetiu.

Suzan voltou a encher o copo e ofereceu ao irmão. Roi afastou a bebida.

— Não me leve a mal, mas não quero nada que perturbe meu pensamento. Acabo de me dar conta do perigo que se apro­xima sob a forma de Old Man, mas a inércia do meu pensa­mento ainda se recusa a aceitar os fatos.

— Quer dizer que você também acha que...?

— É a única possibilidade, Suzan!

Mike Rhodan levantou e ficou caminhando apressadamente de um lado para outro.

— Tudo que sabemos a respeito de Old Man parece indi­car que ele é um produto da tecnologia e do pensamento terrano. Suas espaçonaves parecem-se nos menores detalhes com os ultracouraçados da classe Galáxia. O mesmo acontece com seus robôs de combate, seus comandos. Tudo poderia ter sido criado por terranos.

Roi parou e olhou para o teto.

— Tudo aquilo que para nós era um mistério guardado a sete chaves encontrou a solução. Old Man só pode ter sido criado pelos trinta e um homens comandados pelo Major Barnard. Mas não foram só eles, uma vez que a obra não seria possível sem o auxílio da técnica de uma raça altamente desenvolvida. Não vejo por que não se há de concluir que os trinta e um homens encontraram esta raça. O que sabemos mesmo a respeito de nossa galáxia?

— Muito pouco — confessou Suzan Rhodan Waringer.

— Quase nada! — exclamou Mike, amargurado. — Muito menos do que Robespierre sabia a respeito da Lua terrana. Colonizamos parte da galáxia, mas nosso papel foi semelhante ao , formigas que, como sabemos, colonizam a Terra, mas não ficam conhecendo mais que alguns milhões de metros cúbicos da crosta terrestre.

— Não fique triste, Mike!

Suzan levantou e colocou o braço sobre os ombros do irmão.

— Afinal, estamos apenas no começo de uma grande evo­lução. Nem mesmo o homem seria capaz de em alguns séculos conhecer tudo e conquistar todas as coisas.

Roi virou a cabeça e acariciou o rosto de Suzan.

— Está bem, irmã. Vamos conformar-nos com o fato de que junto à porta de nossa casa cresceu uma coisa que deve ter sido feita para ajudar-nos a combater os senhores da galá­xia, mas que por algum erro maldito se volta contra seus ami­gos. Que tal acha esta hipótese?

— Penso exatamente como você, Mike. Geoffry e eu rea­lizamos um cálculo matelógico em nosso planeta secreto. O re­sultado foi praticamente o mesmo. O robô gigante Old Man com seus setores e ultracouraçados deve ser obra exclusiva dos trinta e um homens que desa­pareceram exatamente há 52.432 anos com o barco espacial Good Hope. É bem verdade que não sabemos como fizeram para que depois de sua morte os trabalhos prosseguissem prati­camente até nossa época. No curso de toda a história nenhu­ma obra humana foi levada avante sem interrupções por um período tão longo, para ser concluída depois de 52.000 anos.

Roi confirmou com um gesto. Parecia pensativo.

— Isso mesmo. É aí que deve estar o motivo da falha na programação.

— Talvez não, Mike. Geoffry é de opinião que desde o começo foi cometido um erro fatal na programação básica do robô gigante. A julgar pelas intenções dos trinta e um homens, Old Man já deveria ter aparecido há trinta anos, quando os senhores da galáxia ainda representavam um perigo, pois seria este o momento mais favorável de concretizar estas intenções.

Roi Danton passou a mão pela testa.

— Trinta anos depois do momento certo! — disse. — Talvez seja esta a explicação do comportamento do robô gigante. Tomara que não seja um erro irreversível...

— Quer dizer...?

— Isso mesmo. Se não conseguirmos corrigir o erro, a Terra e o Império Solar estarão perdidos.

 

Quando Michael Rhodan saiu da Francis Drake, a terceira das cinco luas de Dahomey se tinha juntado às duas primeiras.

Uma brisa fresca soprava do mar do norte pouco distante, afagando a testa aquecida do homem.

Mike tirara as roupas de cortesão. Usava um conjunto de plástico cinzento, botas pretas e um radiocapacete leve. Além disso trazia uma pesada arma de choque no cinto.

Respirou profundamente.

Isso fazia bem, depois dos debates a respeito de Old Man e da programação do computador matelógico!

Mike saíra às escondidas do camarote, enquanto a irmã dor­mia profundamente. Não encontrava descanso e esperava que o ar fresco da noite clareasse seus pensamentos.

Atravessou o campo de pouso com passos elásticos. Uma figura gigantesca saiu do cinza da noite junto a uma das áreas de sustentação da nave, longe da sombra projetada por esta. Era um robô de combate.

— Roi Danton — disse Michael. O robô fez continência.

— R—08—D de guarda, senhor. Nada de anormal.

— Obrigado. Fique com os olhos abertos — respondeu Mike.

Em seguida sorriu da própria brincadeira. Era claro que um robô não possuía olhos iguais aos do ser humano, mas apenas células sensoriais ligadas para as diversas faixas do espectro. Mas o mais importante eram os rastreadores hipersensíveis instala­dos na máquina, aos quais praticamente nada passaria desper­cebido — ao menos nada que correspondesse à programação rotulada como SUSPEITO.

Por acaso o filho de Rhodan perguntou se o robô tinha avis­tado algum animal.

— Sim senhor! Há dez minutos um felino selvagem atra­vessou o espaço entre as colunas de sustentação e desapareceu no mato ao noroeste. Permita uma observação. Servi durante três anos numa nave mercante dos livres-mercadores empregada no transporte de animais. Por isso pude classificar o felino selvagem como uma variante do tigre real terrano. A única diferença é a cor azulada.

Mike franziu as sobrancelhas.

— Um tigre azul...? Pelo que sei, em Dahomey não exis­tem felinos selvagens, muito menos de origem terrana.

— Sim senhor. Só posso informar o que vi.

Michael Rhodan sacudiu a cabeça e seguiu seu caminho, No seu íntimo estava decidido a mandar submeter R—08—D a uma revisão geral. Não era possível que o robô tivesse visto um tigre azul.

Junto à mata rala havia um morro rochoso. Mike estava subindo nele, quando de repente os gritos estridentes de ani­mais assustados saíram da mata.

Mike não deu atenção aos gritos. Subiu até o topo plano do morro. Nas frestas das pedras lascadas só cresciam capins, liquens e plantas rasteiras duras. Um bando de animais de uns vinte centímetros de comprimento fugiu apressadamente, sol­tando um cheiro ardido.

A vontade de espirrar veio tão de repente que Mike Rhodan não resistiu.

Espirrou ruidosamente — uma, duas vezes.

— Saúde, Mr. Danton! — disse alguém que se encontra­va do outro lado do topo.

Dali a pouco subiu uma figura humana. Aproximou-se e Michael descobriu um objeto semi-esférico em seu ombro esquerdo.

— Orbiter Kaiman!

O oxtornense deu uma estrondosa gargalhada. Alguns pás­saros saíram esvoaçando e desceram à encosta, para esconder-se na mata.

— Que noite agradável, não é mesmo, corsário?

Roi Danton não se importou de ser chamado de corsário, pois sabia que era brincadeira. Mas não compreendia que Kaiman tivesse saído da nave fortemente vigiada.

— Não sabia que o senhor também resolveu dar um passeio...

— O senhor deveria saber? — perguntou Orbiter em tom ingênuo.

A chama do isqueiro eletrônico iluminou seu rosto more­no com aspecto de couro, enquanto acendia um cigarro. Roi deu um passo em sua direção.

— Preste atenção, Mr. Kaiman! Estou aqui numa missão secreta. Por isso a Francis Drake está sendo fortemente vigiada. Nem uma criança poderia sair da nave ou entrar nela sem que eu fosse informado.

O oxtornense deu de ombros, numa fingida indiferença.

— O senhor acha que eu sou uma criança?

— Quero saber como conseguiu sair da nave! — insistiu Roi.

Orbiter Kaiman sorriu com um ar de mistério.

— Quem sabe se não me transformei num tigre azul e saí para o mato?

Roi riu contrariado.

— Espere aí! Num... num tigre azul?

Recuou assustado e estarrecido. Lembrou-se da informa­ção que lhe fora dada pelo robô.

R—08—D aludira a um tigre azul que atravessara o espa­ço entre as colunas de ustentação e acabara por desaparecer na mata para o noroeste.

Exatamente para o lugar em que Roi se encontrava.

Mas o filho de Rhodan sacudiu a cabeça.

Um robô não pode ser hipnotizado nem se deixa enganar por um disfarce.

— Parece que o senhor não é apenas um antropólogo! — exclamou entre os dentes, enquanto a mão direita apalpava o coldre da arma. — Quem foi que o mandou para Dahomey — justamente no momento em que eu...

Interrompeu-se.

Por pouco não se traíra.

Num movimento rápido sacou a arma.

— Faça meia-volta, Mr. Kaiman. E volte para a nave! Nenhum movimento em falso!

O oxtornense deu uma risadinha.

— Eu queria mesmo voltar para a nave.

Deixou cair o cigarro, esmagou-o com o pé e, passando por Danton, saiu andando na direção em que se viam as luzes da Francis Drake.

Roi Danton seguiu-o. Estava pensativo e aborrecido. Sabia que um oxtornense não podia ser paralisado com um único tiro de arma de choque. E certamente não haveria tempo para dis­parar o segundo tiro.

Por que Kaiman atendera à sua ordem?

 

Quando raiou o novo dia, o problema Orbiter Kaiman caiu no esquecimento. Michael Rhodan obrigou-se a não pensar em outra coisa a não ser Old Man.

Suzan já preparara o café. Sorriu ao ver o “rei” Danton devorar um enorme bife com ovos fritos e beber seis xícaras de café preto muito forte.

Neste ponto certamente era bem diferente de um cortesão de Luís XVII da França.

Mas depois que acabou de comer não pôde abster-se de voltar a desempenhar seu papel. Encostou o guardanapo aos lábios, puxou os punhos de renda da camisa e disse em torn afetado:

— Exquis, mademoiselle!

Os olhos de Suzan faiscaram de raiva.

— Se faz questão de comer que nem um selvagem, trate de comportar-se como tal, irmãozinho.

Roi deu uma risada, agarrou a irmã pelos ombros e sape­cou um beijo em sua boca.

— Seja boazinha! Vamos ver o resultado da matelógica. O computador matelógico ficava num recinto especial de seus aposentos. Havia uma ligação simultânea com o grande computador da nave, mas esta só funcionava para um dos lados.

Rot abriu a escotilha blindada e enfiou-se no espaço estrei­to entre a porta e a parte frontal do computador. Assobiando, pegou a fita de plástico que o computador soltara durante a noi­te. Enfiou-a na máquina decodificadora e esperou que esta for­necesse o texto em linguagem clara.

A máquina de escrever automática entrou em funcionamen­to numa fração de segundo, deixando ouvir as batidas abafa­das das teclas. Uma folha verde foi saindo da máquina. Nela se viam filas de letras muito bem datilografadas.

Os irmãos leram o texto sem dizer uma palavra.

Finalmente — devia fazer cerca de trinta minutos que ti­nham iniciado a leitura — entreolharam-se com os rostos pálidos.

A máquina confirmara tudo — seus temores e suas esperanças!

À sua frente via-se, impressa em papel verde-claro, a es­sência de suas reflexões e dos cálculos que Suzan havia realizado juntamente com o marido, o hiperfísico Dr. Geoffry Abel Waringer, no planeta experimental pertencente ao casal.

Do fato de o rato-castor Gucky ter encontrado na nave apre­sada do robô gigante, além das instalações inteiramente robotizadas, a série completa de comandos manuais, devia-se con­cluir que todas as unidades de Old Man estavam equipadas da mesma forma — inclusive o centro de comando do gigante!

Isto significava que em toda parte havia as alavancas ver­melhas com as quais se podia desligar instantaneamente todos os dispositivos automáticos.

A matelógica também confirmou a teoria segundo a qual os 31 terranos desaparecidos, inclusive o Capitão Rog Fanther, tiveram a intenção de criar um fator militar da maior importân­cia no jogo de forças, isto para apoiar a Humanidade. Deviam ter encontrado auxílio em algum lugar, pois nunca poderiam ter realizado a tarefa enorme sozinhos.

Dali o computador positrônico matelógico tirou outra con­clusão, muito mais importante.

Old Man, que fora criado para ajudar a humanidade, cer­tamente fora programado para poder entrar em contato com esta. Se não fosse assim, o trabalho gasto em sua construção não seria apenas inútil, mas prejudicial.

Mas logicamente devia haver dispositivos de segurança para impedir que pessoas não autorizadas se apoderassem do for­midável instrumento de força. O computador positrônico con­firmou a afirmação de Suzan, de que havia um bloqueio que só podia ser afastado por Perry Rhodan, Atlan e talvez Reginald Bell — e mais ninguém.

— Parece que até hoje nenhum dos dirigentes do Império teve esta idéia — disse Roi Danton em tom sarcástico.

— É verdade! — confirmou Suzan. — Por isso você viaja­rá à Terra sob o pretexto de ter de falar com papai — não como filho, mas como o rei Danton. Trate de convencê-lo de que existe um meio sensato de neutralizar o perigo terrível que Old Man representa para todos. Papai, Atlan e talvez tio Reginald terão de entrar na esfera central do gigante, localizar o comando de bloqueio e acioná-lo. Desta forma não só afastaríamos o peri­go, mas ganharíamos um aliado de valor inestimável.

Roi continuou impassível. Apoiou-se no computador matelógico, esfregou o queixo barbudo e pôs-se a refletir. De repente seu rosto iluminou-se.

— Ok, irmã, acho que vai dar certo!

Apertou-a carinhosamente nos braços, deu-lhe uma palmadinha no traseiro e refugiou-se no banheiro quando viu que o rosto de Suzan estava ficando vermelho de raiva.

Quando saiu do banheiro, lavado, barbeado e muito bem-humorado, sua irmã tinha desaparecido.

Havia uma cartolina branca na mesa, na qual estava escrito em letras vermelhas de imprensa:

“Attention, chien dangereux! — Atenção, cachorro feroz!”

 

Enquanto refletia, sorridente, se sua irmã estava aprendeno francês para entender tudo que ele dizia, a porta que dava para o quarto abriu-se atrás dele. Uma coisa pesada, que pisa fortemente o chão, saiu rapidamente, soltou um ruído parecido com o latido de um vira-lata enfurecido e desferiu um ataque doloroso contra as meias brancas de Roi Danton.

Michael Rhodan saltou por cima da mesinha, desembainhou a espada de cortesão e recuou para a parede quando viu o que se aproximava, latindo.

Era seu robô pessoal de serviço!

No mesmo instante deixou-se cair num sofá e riu a valer, o robô aproximou-se de quatro, colocou a cabeça sobre seus joelhos e fez: — Uau!

Um ruído ensurdecedor interrompeu a alegria de Roi. Le­vantou de um salto e viu Oro Masut.

O ertrusiano estava deitado na porta — inconsciente, ao que parecia.

Ouviu-se um forte estalo.

O robô de serviço ergueu-se até atingir o tamanho normal, fitou o patrão com as células oculares rígidas e disse em tom monótono:

— A senhorita sua irmã pediu que lhe dissesse que não deve perder a calma!

— Você deveria ter dito isso a Masut.

Roi Danton não sabia se devia ficar zangado ou pensar nu­ma forma de vingar-se da brincadeira da irmã.

— Ela reprogramou você temporariamente, não é?

— Sim senhor. Por cinco minutos.

Oro Masut levantou gemendo. Esfregou os olhos e contemplou seu amo e o robô de serviço, que pareciam estar conversando amistosamente.

— Acho que terei de procurar um psiquiatra! — murmurou.

 

A Francis Drake ainda se encontrava a mais de cinquenta horas-luz do Sistema Solar, quando passou a ser escoltada por três cruzadores pesados.

Os cruzadores saíram de repente do espaço linear. Cada um deles disparou uma salva. As trilhas energéticas cruzaram-se cem quilômetros à frente da proa da nave dos livres-mercadores. Depois deste gesto inconfundível veio uma men­sagem autoritária do comandante da flotilha, Coronel Sanna Uwanok, que viajava a bordo da Aino.

— Freie imediatamente desacelerando ao máximo, identifique-se e prepare-se para receber a bordo um grupo de inspeção.

Por pouco Roi Danton não se exaltou, perguntando quem fora o louco que dera ordem para proporcionar uma recepção tão inamistosa a um terrano de sangue puro.

Mas descobriu que o comandante da flotilha era uma mulher!

Corno que por encanto seu rosto alterou-se num segundo, passando da expressão zangada para a máscara presunçosa do cortesão decadente. Arrancou da cabeça o chapéu de três pontas, atirou-o num canto e colocou a mão sobre o coração.

— J'ai le regret de devoir vous importuner, mademoiselle!

— Sinto importuná-la, senhorita! — Mais, comprenez-vous? A senhora me compreende?

A Coronel Sanna Uwanok contemplou a imagem de Roi na tela do telecomunicador e crispou os lábios num gesto de desprezo.

— Pouco importa o que o senhor acaba de dizer. Se não fizer o que eu disse, sua nave se transformará dentro de alguns minutos numa nuvem de gases. O senhor compreendeu?

— Je ne compreends rien! — respondeu Roi como que se lamenta. — Não compreendo nada, mademoiselle, absolutamente nada. Poderia informar se hoje é o dia 20 de setembro de 2435 — tempo terrano, evidentemente?

Sanna Uwanok fez um gesto afirmativo.

— A data será mencionada quando for noticiada sua morte, meu caro. Permita que exprima meus pêsames por seu falecimento repentino, mister...

— Mister! — exclamou Roi. — Que coisa vulgar! Meu n me é Roi Danton! Não sei se isto significa alguma coisa para a senhora...

Os olhos de Sanna Uwanok assumiram uma expressão interessada. A coronel estalou a língua e lambeu os lábios.

— O “rei” Danton, bobo da corte de Sua Majestade o Imperador Lovely... Bem que eu imaginei quando li o nome Francis Drake. A voz de Sanna logo voltou a assumir um tom áspero inacessível.

— Sinto muito, mas temos ordens de aprisionar qualquer nave corsária e enforcar os tripulantes nas antenas. Recolhi bandeira...

Os olhos oblíquos fecharam-se no rosto de esquimó quando Oro Masut deu uma gargalhada. Mãos pequenas, mas 1argas e robustas, comprimiram-se contra as orelhas carnudas

— Pare com isso, seu sapo ertrusiano! Não sou insensível à dor que nem meu tio Aino!

Roi continuou com o rosto impassível, enquanto a mão direita, que se encontrava fora do alcance da objetiva do telecomunicador, deslizava em direção à chave vermelha do desacelerador de emergência.

O lacre cedeu rangendo.

Por alguns instantes o filho de Rhodan teve a impressão de que a Francis Drake acabara de dar um salto enorme p trás. Os três cruzadores pesados desapareceram das telas de imagem. Só continuaram visíveis nos hiper-rastreadores em forma de três pontinhos fluorescentes verdes.

Dali a instantes o rastreador energético detetou fortes emissões de energia de impulso. Eram os cruzadores da frota de vigilância dando início às manobras de frenagem e mudança de direção.

O hipercomunicador chamou.

— Que foi isso? — perguntou a voz da Coronel Uwanok.

Roi sorriu enquanto ligava a imagem.

— A senhora deu ordem para que desacelerasse ao má­xima mademoiselle!

Clique!

O hiper-receptor não registrava mais nada.

Sanna Uwanok acabava de desligar.

— Quer que calcule uma trajetória linear até os limites do sistema, senhor? — perguntou o imediato.

Roi Danton limitou-se a fitá-lo com as sobrancelhas ergui­das. Não foi necessário mais nada para que o homem enten­desse o que o chefe queria dizer.

Nenhuma nave podia avançar em vôo linear até os limites do Sistema Solar. A que tentasse deixaria de existir instantes depois de voltar ao espaço normal. As plataformas equipadas com canhões conversores, espalhadas pelo sistema, cuidariam disso. Destruiriam sem prévio aviso qualquer intruso, a não ser que este irradiasse um impulso num código secreto — isto an­tes de ultrapassar a órbita do planeta exterior.

A Francis Drake prosseguiu no espaço normal.

Quando voltou a alcançar o grupo de cruzadores, outra na­ve saiu do espaço linear. Tratava-se de um ultracouraçado da classe Galáxia.

A tela de imagem do telecomunicador tremeu. Finalmente a imagem de um almirante da frota de vigilância foi tomando forma. Um rosto largo e anguloso aparecia embaixo do boné ricamente enfeitado.

— Almirante Mohrlein à nave corsária Francis Drake! — a voz soava como o latido de um cãozinho rouco e não combi­nava com a figura do oficial, tal qual o nome. — Mude imedia­tamente de direção e adapte-se à nossa rota. Dou-lhe trinta se­gundos. Terminado este prazo, serei obrigado, no interesse da segurança solar, a destruir sua nave.

— Cavalo de retaguarda! — resmungou Masut em tom de desprezo.

— Psiu! — fez Roi.

Mas o Almirante Mohrlein já ouvira o insulto. Subiu que nem um fogo de artifício superpesado.

Já tinham passado vinte segundos do prazo, sem que Danton desse sinal de querer atender ã intimação de Mohrlein. O oficial percebeu — e interrompeu seu discurso.

— O senhor ainda dispõe de exatamente... nove segundos! — disse com a voz gelada.

Roi Danton levantou as mãos num gesto de súplica encostou-as ao peito e revirou os olhos. — Soyez indulgent, monsieur! — Seja indulgente, cavalheiro!

— Sete segundos! — disse o Almirante Mohrlein, cujo rosto se transformara numa máscara de pedra.

Roi suspirou. Parecia conformado. Enquanto fazia um sinal para o imediato com a mão esquerda, enfiou a direita no bolso do colete e tirou um lenço de rendas. Passou-o pela testa.

— J'ai froid! — Estou com frio! — lamentou-se.

— Três segundos! — disse Mohrlein com a voz firme. — Daqui a pouco o senhor sentirá calor.

Deu uma tossida.

— Que Deus tenha pena de sua pobre alma!

— Amém! — acrescentou Roi Danton. No mesmo instante a Francis Drake ficou envolta num campo defensivo hiperenergético. Dali a meio segundo uma pequena bomba de conversão explodiu apenas cinco quilômetros à frente te da nave. O veículo dos livres-mercadores atravessou calmamente a bola de fogo produzida pela explosão, que foi absorvi da e afastada sem dificuldade pelo campo hiperenergético verde.

A explosão seguinte verificou-se a quinhentos metros de distância.

Roi sabia perfeitamente que não era intenção do almirante destruir a Francis Drake. Mas o almirante não podia expor-se. Queria testar a capacidade defensiva da Francis Drake para avariá-la com um tiro bem dado.

Roi torcia as mãos, fazendo-se de desesperado.

— Por favor, monsieur! Tenha pena dos pobres contribuintes que têm de pagar o fogo de artifício.

Uma carga de 500 gigatoneladas explodiu nas imediações

do campo defensivo hiperenergético.

A Francis Drake empinou e foi sacudida.

— Merci bien, cher ami! — Muito obrigado, caro amigo| — exclamou Danton em tom dramático. — O senhor acaba de me fazer um grande favor. Levo uma carga de xarope contra tosse, Monsieur Almirante. Como sabia que a bula diz que o remédio deve ser fortemente sacudido?

O rosto do Almirante Mohrlein mudava constantemente do pálido para o vermelho.

— Coitado — disse Roi em tom triste, dirigindo-se a Masut, mas de tal forma que Mohrlein não poderia deixar de ouvi-lo. — Vai sofrer um ataque. Será que devemos fazer-lhe o favor de desativar nosso campo hiperenergético?

— Não se atreva! — berrou o almirante precipitadamente. Logo deu-se conta de que esta advertência não combinava com a informação de que iria destruir a Francis Drake. Encolheu-se na poltrona.

Roi Danton refletia sobre como reerguer o moral do almi­rante, quando a comunicação foi interrompida por uma men­sagem de hipertransmissor com o código do Lorde-Almirante

Atlan.

— Deixe passar a Francis Drake, à qual foi concedido li­vre trânsito até a área de segurança Terra-Lua. Desligo.

Roi respondeu delicadamente:

— Je vous remercie beacoup! — Fico-lhe muito grato. O Almirante Mohrlein saiu da frequência e não deu mais

sinal de vida.

Dali a dois dias e meio a Francis Drake entrou numa órbita ampla em torno da Terra e da Lua. Roi Danton ficou sabendo que a burocracia ali erguera outra barreira — uma barreira mui­to mais demorada e enervante que a representada pelo enrai­vecido almirante espacial.

 

Fazia quase trinta anos que os senhores da galáxia tinham sido destruídos. Neste tempo o Império Solar pôde dedicar-se a um pacífico trabalho de construção.

Mas nem por isso a frota do Império relaxara em sua vigilância.

A chamada área de segurança Terra-Lua estava repleta de cruzadores-patrulha e unidades menores, até os caças-mosquito. As naves que portavam outras unidades ficavam suspensas no espaço que nem gigantescas caixas de abelhas, preparadas pa­ra abrir suas células-hangares numa questão de segundos e sol­tar milhares de destróieres e caças espaciais, que graças â sua enorme agilidade, seus canhões energéticos e aos campos defensivos hiperenergéticos estavam em condições de enfrentar qualquer couraçado extraterrestre.

Um fogo de artifício incessante formado pelos reflexos verde-brilhantes dos rastreadores passava pelas telas da Francis Drake. A nave dos livres-mercadores percorria uma órbita elípca em torno da Terra e da Lua, junto à área de segurança, enquanto esperava a permissão de pousar.

O Lorde-Almirante Atlan não voltara a entrar em contato com a nave. Os burocratas do serviço de segurança espacial formulavam pacientemente um sem-número de perguntas, não respondiam a queixas e exigiam os dados mais estranhos, desde as relações familiares dos tripulantes até as datas das vacinas que estes tinham recebido, as doenças infantis de que foram acometidos e a sanidade mental de seus antepassados.

Oro Masut ficou furioso.

Roi Danton foi o único que sorriu.

Sabia que só queriam incomodá-los. Ao que parecia o Almirante Mohrlein era uma pessoa influente e tinha poderes de dizer a um burocrata como devia proceder no caso da Francis Drake.

Não perdeu a paciência diante destas investidas. Nas imediações da área de segurança um procedimento parecido com o que tinham adotado fora do Sistema Solar seria absolutamente mortal. O dispositivo de defesa não permitia variações, uma vez que o centro, o cérebro pensante do Império Solar estava muito próximo. Mas ao que parecia Atlan perguntara em que lugar tinha pousado a Francis Drake. De repente, sem aviso prévio, foi concedida permissão de pousar no campo Luna II—B. Prazo de quinze minutos.

Um prazo tão reduzido afastava-se completamente da rotina. Roi concluiu que o Serviço de Segurança Espacial apresentara ao lorde-almirante uma permissão de pouso com data falsa, para não provocar sua raiva.

Roi resolveu passar por cima disso.

Por um instante sentiu-se tentado a dizer seu verdadeira nome, só para ver qual seria a reação dos burocratas do Serviço de Segurança. Provavelmente disputariam a graça de se humilharem, para que ele esquecesse suas chicanas mesquinhas.

— Por que está rindo, senhor? — perguntou Oro Masut como quem não tinha entendido nada.

Roi piscou para ele.

— Não foi nada, Golias.

Não podia dizer mais que isso ao ertrusiano, já que toda a guarnição da sala de comando ouvia suas palavras.

— Chefe chamando sala de rádio! — disse para dentro de microfone do intercomunicador. — Transmitam o seguinte texto ao Serviço de Segurança Espacial do setor Terra-Lua: Obrigado pela permissão concedida. Pousarei com o barco auxiliar MISC nas coordenadas fornecidas. Roi Danton. Desligo.

Deixou que o microfone voltasse para a braçadeira de molas e bateu no comando de emergência embutido na braçadeira de sua poltrona anatômica.

Uma luz de alerta vermelha acendeu-se e um sinal estridente se fez ouvir. No mesmo instante a poltrona e seu conteúdo

foram envolvidos num campo estável e desapareceram no chão.

A viagem pelo tubo de salvamento, até o hangar que ficava a 420 metros dali, durou quatro segundos.

Enquanto a poltrona vazia voltava ao lugar, Roi Danton en­trou num pequeno barco espacial de formato elíptico, atirou-se o assento do piloto e ativou o sistema de propulsão.

Dez segundos depois do momento em que tinha sido ativado o comando de emergência uma figurra de oito metros de diâmetro saiu do hangar em tubo, acelerou e seguiu em alta ve­locidade para a Lua terrana cheia de crateras.

Dentro de mais nove minutos a MISC pousou suavemente que nem uma folha caída na área circular iluminada do campo de pouso Luna II—B.

Roi desligou os propulsores e examinou as telas óticas externas.

A bombordo as paredes entrecortadas da cratera de Hiparco erguiam suas superfícies prateadas para o céu negro. As som­bras eram curtas e bem nítidas. Naquela parte da superfície era meio-dia lunar. Uma cintilância quase imperceptível mostrava o campo defensivo amplo de um forte avançado. As instalações defensivas principais ficavam embaixo da superfície.

Para estibordo as telas mostravam um cenário bem diferen­te. Roi contou vinte e oito construções em cúpula dispostas num semi-círculo. Eram os abrigos dos projetores de raios de tração e campos defensivos estacionários. No interior da superfície por eles limitada viam-se várias naves cargueiras de ventre grosso pertencentes à frota do Império. Em cima de suas superfícies metálicas foscas estendia-se o vulto colossal de um ultracouraçado novo em folha, que excedia as naves cargueiras em cerca de mil metros. Parecia tratar-se de um veículo espacial produzi­do nos estaleiros lunares, que estava para ser aceito pela co­missão de recepção e conduzido ao seu destino.

Sem querer, Roi teve de sorrir ao ver o revestimento liso da pista do campo de pouso. Ainda se lembrava perfeitamente os seu primeiro vôo lunar. Tinha seis anos e sonhava ser co­missário militar da Lua. O chão completamente desprotegido, mas liso do porto destinado aos visitantes fizera com que se dirigisse ao tio Reginald, que fora com ele à Lua para comemorar seu sexto aniversário, uma vez que o pai e a mãe tinham de fazer uma visita oficial inadiável a Plofos. Roi perguntara por que o campo de pouso continuava intacto, apesar da chuva ininterrupta de meteoros. O padrinho dera uma risada e respondera que o perigo dos meteoros na, Lua não passava de um resto das histórias de pavor publicada no curso do século vinte.

Na verdade, explicara tio Reginald, o perigo dos meteoros na Lua era pouco maior que na Terra. Acrescentara que, embora a densidade da atmosfera lunar fosse dez mil vezes menor que a da Terra, a oitenta quilômetros de altura essa densidade eqüivalia à da atmosfera terrana, e em altitudes maiores até a excedia.

Roi não quis acreditar. Pensara que se tratasse de mais uma das brincadeiras do tio Reginald, mas mais tarde o guia que o acompanhara numa viagem dissera a mesma coisa.

Roi lembrou com certa melancolia os tempos em que ainda era criança, quando todas as experiências representavam mais um passo no mundo das maravilhas. Atualmente conhecia cen­tenas de planetas, luas e sóis. Tinha percorrido milhões de anos-luz e o lugar em que se sentia melhor era entre as estrelas do cosmos. Mas para ele já não existiam milagres, e as últimas ilu­sões iam se desfazendo uma após a outra.

Um planador de campo antigravitacional atravessou o cam­po de pouso em alta velocidade e aproximou-se da MISC, pa­rando silenciosamente junto à eclusa inferior do barco auxiliar.

Roi Danton fechou o capacete do traje espacial e saiu da carlinga.

Dois oficiais do Serviço de Segurança Lunar trajados de preto e vermelho estavam à sua espera no interior do planador. Um dos tenentes fez uma ligeira continência e disse:

— O Administrador-Geral o espera no setor de interpre­tação de Natã, senhor.

Roi assobiou entre os dentes.

— Merci, messieurs — disse. — Estou pronto.

 

Não se via quase nada de Natã, o robô gigante lunar formado por um gigantesco cérebro positrônico-impotrônico quan­do o subexpresso entrou na estação fortemente iluminada.

Mas graças ao que lhe havia contado o pai Roi sabia que se encontrava no centro do cérebro do Império Solar. Estava no interior de uma máquina complicada, que trabalhava com maior rapidez e precisão e era muito mais versátil que o cérebro humano. Mas faltava-lhe o principal: a consciência da própria identidade e o pensamento criativo.

Dentro de certos limites estas duas qualidades poderiam introduzidas em Natã, com o auxílio dos cientistas pos-bis. Mas o ser humano queria guardar tais características para si mesmo — não por presunção, mas porque sabia que, se deixasse que as máquinas executassem os trabalhos intelectuais por ele, seria o princípio do fim. A Humanidade aprendera com as experiências amargas dos arcônidas.

Um zumbido constante enchia a atmosfera artificial quan­do Roi desceu do carro. Por alguns instantes sentiu algo como veneração, mas logo reprimiu esta emoção que não fazia sentido.

Os dois homens que o tinham acompanhado entregaram-no a dois outros oficiais.

Roi franziu a testa, pensativo, quando viu no peito de seu uniforme o símbolo estilizado de sua unidade: o crânio enorme de um tigre azul!

Os dois pertenciam à unidade dos Tigres Azuis. Tratava-se de um corpo de elite dos destacamentos de desembarque es­paciais terranos, formado exclusivamente por oxtornenses.

Onde ouvira o nome tigre azul?

“Dahomey, guarda-robô, Orbiter Kaiman!”, respondeu sua memória.

Havia alguma ligação?

— Queira acompanhar-nos, senhor — disse um dos ofi­ciais em tom impaciente. — O Administrador-Geral só pode dis­por de dez minutos.

Roi obrigou-se a afastar os pensamentos irrelevantes e con­centrou o espírito na conversa que iria ter com o pai. “Dez minutos! Era ridículo!”

Quando soubesse do que se tratava, seu pai teria todo o tempo que ele quisesse.

Fez um sinal para os soldados de elite e saiu caminhando no meio deles.

Um elevador antigravitacional transportou-os mais uns cem metros para baixo. Em seguida passaram por um corredor largo e atravessaram uma escotilha que se abriu automaticamen­te, entrando numa espécie de eclusa.

Roi sabia que atrás das paredes aparentemente inofensi­vas dispositivos automáticos muito bem programados o examinavam dos pés à cabeça. Nunca conseguiria levar ao local de conferência qualquer objeto que pudesse ser usado como arma ofensiva ou defensiva.

Por isso mesmo viera desarmado.

Uma placa luminosa verde acendeu-se sobre a porta que ficava do outro lado.

— Exame concluído, messieurs — disse aos homens que o acompanhavam e teve a satisfação de ver que o mais jovem deles enrubescera.

A porta abriu-se com um zumbido.

Roi passou por outro corredor, atravessou mais uma câ­mara parecida com uma eclusa — viu-se numa sala abobadada cujas paredes estavam cobertas de telas, armações e instrumen­tos. Centenas de conjuntos parecidos com armários, dispostos em linha reta, atravessavam a sala de lado a lado. Roi não sabia qual era sua finalidade, mas do interior das máquinas revesti­das saía um zumbido e um crepitar ininterrupto.

— Regulador 3004 chamando seção de interpretação — disse um dos oficiais, para em seguida acrescentar em voz bai­xa: — Não sei por que o Chefe permitiu que o trouxéssemos a esta sala. Eu não teria permitido.

— O senhor não é Perry Rhodan! — respondeu Roi Danton, irônico.

O oxtornense aceitou a indireta sem demonstrar qualquer reação.

Quando tinham atravessado a sala, levantou uma plaqueta azul brilhante.

Uma porta invisível abriu-se.

Roi franziu o sobrecenho ao ver que estavam entrando num simples elevador. O teto transparente permitiu que visse o cabo de sustentação e direção e os trilhos. Era bem verdade que a porta de correr se fechava hermeticamente. Além do comando de emergência havia tubos de oxigêncio e um pequeno equi­pamento de regeneração de ar guardados embaixo de uma placa de vidro.

Roi fez um gesto de admiração.

Um elevador antigravitacional falharia se a usina geradora situada a vários quilômetros dali entrasse em pane. Um eleva­dor pneumático consumia muita energia e exigia uma vedação perfeita do poço e da cabine. Mas um simples elevador de cabo podia ser alimentado por um gerador de emergência portátil ou, se necessário, movimentado com uma manivela manual.

Os arquitetos que tinham projetado as instalações sublunares eram muito competentes em sua especialidade. Pensavam em todos os detalhes

Roi não percebeu que os dois oxtornenses se entreolhavam às escondidas. De repente ficou grudado no teto da cabine. O cabo desenrolou-se em velocidade alucinante bem dian­te de seus olhos. As paredes do poço do elevador transforma­ram-se em faixas de luz mortiças.

Parecia que os oficiais queriam vingar-se pela observação irônica que ele fizera.

Roi não disse uma palavra. Empurrou-se e segurou-se numa alça presa à parede. Quando se verificou a desaceleração, que aumentou repentinamente seu peso para dez vezes o valor normal, Roi estava preparado. Amorteceu a pancada com os joelhos.

Também não disse nada quando o elevador parou e os oxtornenses o levaram a uma porta à frente da qual estavam pos­tados dois robôs de combate.

— O Administrador-Geral está à sua espera, senhor! — in­formou o mais velho dos oficiais que o acompanhavam.

Roi Danton fez uma ligeira mesura.

— Muito obrigado, messieurs. Continuem a treinar com o elevador. Quem sabe se não acabarão aprendendo?

Em seguida deu-lhe as costas e passou entre os dois robôs.

 

Roi Danton só conhecia algumas das pessoas sentadas em torno de uma mesa redonda, que folheavam algumas pilhas de folhas plásticas com mensagens decodificadas que se encontra­vam à sua frente. Os poucos que conhecia pertenciam à classe dirigente do Império Solar: seu pai, o tio Bell, Tiff e John Marshall.

— Aí está o moleque! — exclamou Reginald Bell em voz baixa assim que o viu.

Roi teve a impressão de que o substituto de seu pai o reco­nhecera, pois costumava usar a mesma expressão quando o jo­vem Mike Rhodan aparecia para bombardeá-lo com perguntas, conforme costumava dizer.

Mas logo percebeu que o tio Bell não se referira ao sobri­nho Michael, mas ao rei dos livres-mercadores, Roi Danton.

Rhodan lançou um olhar de reprovação para Bell e fez um sinal. Em seguida o marechal-de-estado levou Tiff e Marshall Por uma porta lateral.

O Administrador-Geral aproximou-se de Roi.

Fez como se não tivesse notado a mesura do livre-mercador.

— O senhor disse que queria falar comigo, Mr. Danton — disse com a voz fria. — Faça o favor de acompanhar-me à sala ao lado.

O Lorde-Almirante Atlan estava parado junto à porta. Fitou Roi Danton com uma expressão esquisita, que já provocara calafrios no filho de Rhodan em Rubin.

Parecia que o arcônida muito velho desconfiava de alguma coisa. Ao que parecia tinha uma idéia errada, senão não demoraria a encontrar a solução do enigma.

Roi reprimiu o sentimento de angústia que ameaçava tomar conta dele e balançou o chapéu de três pontas que trouxera dentro do traje espacial.

— Bonjour, sire! Vous m'avez fait un grand plaisir. — Bom dia, majestade! Vossa Majestade me fez um grande favor.

Os cantos da boca de Atlan tremeram com um sorriso reprimido.

— Pas de quoi, monsieur l'avocat! — Por nada, senhor advogado!

Roi deu de ombros.

Ficou admirado porque Atlan dominava perfeitamente a língua francesa e sabia que Danton fora advogado. Talvez até tivesse conhecido pessoalmente o revolucionário e negociante sagaz. Mais tarde, depois que tivesse abandonado o pseudôni­mo, perguntaria a Atlan.

Foi um dos raros momentos em que Roi Danton se lamen­tou por não possuir um ativador de células.

Devia ser maravilhoso dizer aos mortais, depois de dez ou vin­te mil anos: Estive presente.

Roi deu uma risada.

Eram apenas fantasias! A carga suportada por quem pos­suía o ativador de células devia ser maior que a alegria.

— Qu'est-ce qu'il a? — perguntou o lorde-almirante em voz baixa. — Que houve?

Roi murmurou um palavrão francês e apressou-se a seguir o pai.

O tio Reginald convidou os presentes a sentarem.

A porta fechara-se automaticamente. De repente oito ro­bôs de combate saíram de duas portas laterais e tomaram posi­ção junto às paredes.

Rhodan virou a cabeça, depois de ter fitado o filho duran­te um minuto sem reconhecê-lo. John Marshall retribuiu o olhar indagador do Administrador-Geral como quem não sabia o que dizer.

— Nada, senhor. Roi tossiu.

— Estou triste, messieurs. Infelizmente Monsieur Marshall não será bem-sucedido comigo. Confesso que isso me deixa des­consolado, mas não posso pôr à mostra meus pensamentos. Is­to poderia criar um peso na alma de certa gente e causar uma

tragédia.

Sorriu para Atlan.

— J'espère que vou ne prenez pas cela en mauvaise part!— Espero que não me leve a mal.

— Vamos ao que importa! — observou Rhodan em tom

impaciente. — Mr. Danton, meu tempo é precioso. Não estou disposto a deleitar-me com sua loquacidade. Desculpe, mas é isto.

Roi ergueu as mãos num gesto dramático.

— Grandseigneur, o senhor nem imagina como suas pa­lavras me ajudaram.

— Pois fale! O que trouxe o senhor à Terra?

O livre-mercador fitou os presentes. Leu em seus rostos uma tolerância misturada com repugnância, certa ironia e um pouco de curiosidade.

Isso mudaria logo!

Roi cruzou os braços sobre o peito e inclinou a cabeça. Seus olhos observavam atentamente o rosto do pai sob as pálpebras caídas.

— Gostaria de saber se os senhores têm a mesma opinião que eu a respeito do retrato e a mensagem de um certo Capi­tão Rog Fanther.

Bell, que era o mais temperamental de todos, soltou rui­dosamente o ar.

Rhodan estremeceu ligeiramente. Roi, que conhecia o pai e sabia que este era um homem muito controlado, soube inter­pretar isso como um sinal de grande nervosismo.

— O que sabe a respeito do Capitão Fanther? — pergun­tou Atlan.

Roi Danton sorriu.

Informou tudo que Suzan lhe tinha contado, sem revelar a fonte das informações, que em última análise era seu pai, uma vez que Suzan Rhodan Waringer recebera suas informações de Mory Rhodan-Abro, que por sua vez as havia recebido do Administrador-Geral, que era seu marido.

As palavras de Roi foram seguidas de um silêncio que não anunciou nada de bom.

No rosto de Perry Rhodan apareceu a ruga vertical que Roi conhecia muito bem, e a veia azul do lado esquerdo do rosto começou a pulsar.

Rhodan dirigiu os olhos cor de gelo para o rosto de Roi. Seu olhar penetrou nos olhos azuis-escuros que fizeram com Que o pai se lembrasse do filho, embora não estivesse em condições de formar a respectiva associação de idéias.

— Este homem não sairá desta sala até segunda ordem! A voz de Perry tinha um som cortante. Suas palavras tinham sido dirigidas aos robôs de combate e revelavam um caráter implacável que provocou um calafrio em Roi.

— Muito bem. Agora quero que o senhor me conte quem lhe deu esta informação altamente sigilosa, Mr. Danton! Só círculo muito restrito de colaboradores que gozam da minha con­fiança irrestrita sabe que certo retrato colorido foi identificado como sendo do Capitão Fanther.

Rhodan inclinou-se sobre a mesa. Agarrou a tampa com tanta força que as juntas dos dedos ficaram brancas.

— Como os livres-mercadores de Lovely Boscyk ficaram sabendo disso?

Roi assustou-se com a dureza quase cruel na voz do pai mas continuou a desempenhar o papel de cortesão.

Lambeu os lábios, removeu a umidade com um lenço ren­dado, encostou um frasco de perfume ao nariz e murmurou pro­vérbios, palavrões e rezas francesas, que seu pai certamente não entendia, mas que Atlan devia conhecer.

De repente Reginald esmurrou a mesa.

— Faça o favor de calar a boca, jovem — disse. Em seguida deu um gemido.

— Pelos deuses siderais de barba branca, eu mataria este sujeito se não o achasse tão simpático. O que têm de ver os livres-mercadores com nossos problemas?

Roi espirrou, despejou o catarro no chão — sem saber se isto correspondia aos costumes observados na corte de Luís XVII ou se era uma lembrança dos hábitos grosseiros do vulgar Marat, que era um dos cúmplices nas conspirações do verdadeiro Marat — e em seguida passou calmamente pó-de-arroz no na­riz vermelho.

— Primeiro... — engoliu em seco, pois por pouco não dis­se tio Reginald — ...Monseigneur Bell, nenhum livre-mercador, além de meu criado, tem conhecimento deste segredo. Além disso não posso concordar com o senhor. Os livres-mercadores são terranos tão bons ou ruins quanto os homens do planeta Terra. Se o Império está em perigo nós também estamos, uma vez que nosso destino está firmemente ligado ao da Terra. Por­tanto, não me estou imiscuindo nos seus problemas, mas cuido dos meus.

— Estou gostando cada vez mais deste sujeito — obser­vou Atlan, pensativo. — Já conheci um tipo parecido. Não sei onde e quando.

Roi dissimulou o susto que estas palavras lhe causaram. Não pretendia identificar-se logo. Primeiro precisava con­seguir uma coisa que destacava sua personalidade da do pai.

— Temos de encontrar um meio de enganar o robô gigante, Grandeseigneur — voltou a dirigir-se a Rhodan. — Já te­mos este meio: a nave conquistada por Gucky...

Os olhos de Rhodan assumiram uma expressão diferente.

Não era apenas o respeito pela competência de seu interlocu­tor, mas algo como fascinação. Este jovem que desempenhava o papel do cortesão decadente sempre que achava que isto era conveniente e podia ser-lhe útil, este tipo audacioso e persis­tente, encontrava-se no mesmo nível mental que ele, Atlan, Bell e John.

Poderia ajudá-los muito — mas também poderia transformar-se num perigo imenso.

— Apresente suas sugestões! — disse Rhodan em tom áspero.

 

— A VIII-696 é um ultracouraçado da classe Galáxia igual aos que são fabricados por nossos estaleiros há mais de trinta anos — mas é algo mais.

Roi Danton — ou melhor, Michael Rhodan — apresentou seus argumentos com uma objetividade fria e uma entonação bem estudada.

— Em que ponto representa mais? — perguntou Perry Rhodan.

Via-se por seu rosto que conhecia a resposta, mas sempre tivera o hábito de ouvir as opiniões dos outros antes de mani­festar a sua.

Roi conhecia este hábito, mas seu pai não sabia disto, pois o jovem de cabelos ondulados negros que caíam sobre os om­bros, um rosto másculo de traços regulares e olhos azuis tinha certa semelhança com Mike, mas o filho desaparecido era um tipo bem esportivo com cabelos ruivos escuros. E, se o disfarce exterior não era suficiente, Roi o completava desempenhando o papel de cortesão decadente e excêntrico.

— A VIII-696 pode operar com uma tripulação devida­mente instruída ou como nave robotizada, sem tripulantes. Basta mover uma alavanca para fazer a mudança.

“Se a alavanca é colocada na posição correspondente ao controle manual, a inteligência mecânica do cérebro de comando é posta fora de ação. Mais tarde ele não guarda nenhuma lembrança do que aconteceu enquanto a nave se encontrava sob o controle de seres humanos.

“Peço permissão para lembrar os primeiros encontros com os pos-bis, cujo objetivo supremo consistia inicialmente em destruir todas as formas de vida orgânica. Na época os soldados Pertencentes aos comandos terranos usaram os chamados dis­positivos de absorção individual, que impedem a irradiação de quaisquer impulsos cerebrais de origem orgânica. Qualquer ser humano com um dispositivo de absorção individual ativado era considerado pelos pos-bis como um robô — e, portanto, como amigo.

“Acho que a mesma coisa acontecerá no caso de um en­contro com os robôs de Old Man.” Perry Rhodan inclinou a cabeça.

— Excelente, Mr. Danton. Vejo que conhece a história da Humanidade. Mas não se esqueça de que o primeiro encontro com os pos-bis se verificou há cerca de 320 anos.

Roi deu um sorriso vago.

— Não se poderia imaginar um professor de história me­lhor que meu pai, Grandseigneur.

— Esta frase torna-o ainda mais simpático aos meus olhos

— murmurou Reginald Bell em voz tão baixa que ninguém mais poderia entendê-lo, além de John Marshall, que lia seus pensa­mentos. — Cheguei a pensar que ele nem tivesse pai.

— Talvez ele até tenha mãe — cochichou John ao ouvido do marechal-de-estado e amigo.

— Muito engraçado!

— Tem alguma observação importante sobre o tema, John? — perguntou o Administrador-Geral em tom delicado.

— Não senhor.

O telepata recostou-se com o rosto impassível, enquanto Bell ficava vermelho no rosto.

O Marechal Solar Julian Tifflor acompanhou tudo com o rosto indiferente, sem perder uma palavra. De vez em quando contemplava o rosto de Roi Danton e refletia para descobrir o que lhe parecia conhecido no mesmo. Não seria capaz de dizer o que era. Tratava-se de uma coisa indefinível. “Talvez”, pen­sou, “a estranha familiaridade não resulte de seu exterior, mas da irradiação de sua personalidade, do brilho dos olhos, a vita­lidade contida que pulsa sob a pele tostada pelo sol e a argu­mentação que revela um traço de genialidade.”

— Prossiga, por favor! — pediu Rhodan ao livre-mercador.

— A VIII-696 deveria ser ocupada por uma equipe de especialistas selecionados, Grandseigneur. Acho que o senhor e sire... — neste momento olhou para o Lorde-Almirante Atlan

— ...deveriam participar pessoalmente da expedição, já que am­bos ou pelo menos um dos senhores deve estar em condições de manipular o amplo comando de bloqueio de Old Man.

“A nave teria de ser levada ao ponto de interseção das coor­denadas de Old Man, que é conhecido. Sugiro que pouco an­tes da chegada seja acionado o dispositivo automático. Depois é só esperar. O cérebro de bordo não perceberá a presença de seres orgânicos, uma vez que todos os ocupantes da nave liga­rão dispositivos de absorção individual antes de passar do con­trole manual ao robotizado.

“Tenho certeza de que Old Man recolherá seu ultracourado. Este deve ser avariado propositalmente, para que sua au­sência, que não estava nos planos, não provoque suspeitas.

“É isto, Grandseigneur.”

Perry Rhodan refletiu alguns minutos de olhos fechados. Depois fitou o rosto do livre-mercador.

— Astúcia e ousadia — com estas qualidades já foram con­quistados reinos siderais...

Rhodan lembrou-se das primeiras missões por ele realiza­das fora do Sistema Solar. Também tivera de recorrer à astúcia e à ousadia para rechaçar os inimigos da Humanidade, que go­zavam de grande superioridade no plano material, e a seguir conquistar suas posições.

Roi Danton lembrava cada vez mais seu próprio tempo de prova.

Mas a responsabilidade que pesava sobre seus ombros era grande demais para que pudesse concordar que a existência do Império Solar dependesse de coisas como a sorte, o acaso e o blefe.

— Basicamente sua sugestão combina com o que pensa­mos, Mr. Danton. Mandaremos que seja submetida ao exame de Natã e em seguida tomaremos uma decisão.

Roi levantou.

— Quer dizer que estou dispensado, Grandseigneur? O Administrador-Geral sorriu.

— O Senhor será meu hóspede. Suas sugestões foram muito interessantes. Além disso revelou um grande talento táti­co e estratégico. Por isso gostaria que estivesse presente quan­do o plano recebesse os retoques finais. Concorda?

— Bien oui, Grandseigneur. Merci beacoup.

Fez uma mesura e agitou o chapéu de três pontas.

— Perfeitamente, Grandseigneur. Muito obrigado — tra­duziu Atlan, sorrindo com uma expressão pensativa.

 

A VIII-696 parecia uma montanha de aço terconite e gi­gantescas usinas de energia, no campo de tiro experimental Luna T—323, entrecortado por crateras de paredes fundidas, sulcos abertos por tiros e áreas vitrificadas.

As luzes de alerta instaladas na periferia do campo de tiro piscaram. Perry Rhodan, Atlan e Roi Danton entraram no abrigo-observatório à prova de bombas atômicas. As telas ofereciam uma imagem realista dos acontecimentos.

As lâminas antiofuscantes estalaram ao cobrir as telas, quan­do lá fora, no campo de tiro, as trilhas energéticas ofuscantes da posição de artilharia ABN se aproximaram, penetrando com um silêncio fantasmagórico no casco do ultracouraçado.

Nos lugares atingidos pelos feixes de energia surgiam cra­teras fumegantes e esguichos de aço terconite derretido se le­vantavam, caindo no chão sem atmosfera, onde endureciam, formando figuras bizarras e porosas.

— Já basta! — disse Perry Rhodan depois de algum tempo.

A posição de artilharia suspendeu o fogo. As bordas incan­descentes dos rombos abertos no casco foram empalidecendo. Uma placa blindada de vários metros de altura caiu ruidosamente ao chão.

De repente uma forte lufada de ar roçou a nuca de Rhodan. O Administrador-Geral voltou o rosto e deparou-se com o rato-castor, que se teleportara ao lugar. Ficou com os olhos semicerrados.

— Você poderia ter-se anunciado, baixinho. Temos um visitante que ainda não está habituado a presenciar suas faculdades.

Gucky examinou o livre-mercador da cabeça aos pés. Fi­nalmente pôs à mostra o dente roedor solitário.

— Não parece que minha presença o tenha assustado, Chefe. Como é, corsário. Tenho ou não tenho razão?

— Livre-mercador — retificou Roi Danton. — Achei seu truque muito divertido, Monseigneur Guck.

— Não foi nenhum truque, livre combatente! — protes­tou o rato-castor em tom enérgico.

— Livre-mercador! — insistiu Roi.

— Está bem, mercador libertado.

O rato-castor passou a dirigir-se ao Administrador-Geral.

— Esta caricatura também irá a Old Man, Perry?

— O plano foi feito por ele, baixinho! — disse Rhodan em tom severo. — Mr. Danton é nosso hóspede. É claro que o le­varemos, caso esteja interessado.

— Fico-lhe muito grato, Gandseigneur!

Roi fez uma mesura profunda e colocou a mão sobre o coração.

Gucky soltou um assobio estridente.

— Por que este esquisitão o chama de grandfather, Chefe?

— Grandseigneur! — corrigiu Atlan. — Traduzindo literal­mente, significa grande senhor. Para os franceses do século de­zenove grandseigneur significava mais ou menos membro da alta nobreza e que a pessoa levava vida de rico.

O rato-castor contemplou os pezinhos.

— Quer dizer que eu sou um pequeno senhor? Atlan sorriu.

— Primeiro, seria petit seigneur. Em segundo lugar, esta expressão nem existe. E em terceiro lugar falei em sentido figurado.

— É isso mesmo, sir! — disse Roi Danton em tom respei­to, fazendo outra mesura.

— Que tipo complicado! — gritou Gucky para Roi. — Qualquer homem sensato abriria a inteligência antes de usar uma linguagem dessas. Assim poderia pelo menos orientar-me por seus pensamentos.

Roi revirou os olhos e voltou a tirar o frasco de perfume, dançava, dando a impressão de que iria desmaiar.

Gucky agüentou-o telecineticamente e, também telecineticamente, tirou-lhe o frasco de perfume e encostou-o ao próprio nariz.

No mesmo instante caiu ao chão. Parecia inconsciente. Ninguém seria capaz de segurá-lo telecineticamente.

Roi Danton saltou para perto de Gucky. Mas não levantou o rato-castor. Pegou o frasco de perfume, cujo conteúdo se es­palhara em parte pelo chão, espalhando um cheiro ardido e penetrante.

Roi só passou a cuidar de Gucky depois de ter fechado o frasco. O rato-castor levou alguns segundos para voltar a abrir os olhos. Fitou Roi com uma expressão reprovadora.

O filho de Rhodan deu um sorriso sarcástico.

— Quem monta uma armadilha para alguém acaba cain­do nela, Monseigneur Guck. Sinto muito, mas não sei por que tentou levar-me a abrir meu bloqueio mental.

— Por quê? — Gucky fingiu-se de espantado. — Só pode ter sido para ler seus pensamentos, seu livre maçom obtuso... bem... seu livre nadador ou coisa que o valha. Gostaria de sa­ber por que se chama assim. Não existe homem capaz de guar­dar um nome tão difícil.

— O senhor é um homem, Monseigneur Guck...?

— Felizmente não, livre senhor!

— Pode chamar-me simplesmente de Monsieur Danton. Me comprenez-vouz, Monseigneur Guck?

— Como? Mossiê Darlton? Já vi este nome.

— Não é Darlton, mas Danton! — exclamou Roi, deses­perado, torcendo as mãos. — Há uma grande diferença.

— Também acho. O Danton ao qual me refiro escreveu muita coisa boa a meu respeito.

— Não! — gritou Roi. — Georges Danton foi um revolu­cionário francês.

— Não diga! — exclamou o rato-castor. — Pensei que o senhor fosse Danton.

— Desisto, messieurs — afirmou Roi com a voz apagada. — Vamos ao que importa.

— Isso mesmo — respondeu Atlan. — Não podemos perder der tempo conversando.

O arcônida fechou o capacete pressurizado e verificou se seu traje espacial tinha algum vazamento. Os outros seguiram seu exemplo. Em seguida retiraram-se do abrigo, atravessando a eclusa, e entraram no planador de campo antigravitacional em que tinham vindo.

— Vamos para a nave! — disse Perry Rhodan ao condu­tor do veículo.

O homem confirmou com um gesto e ativou o propulsor.

Neste instante o telecomunicador deu o sinal de chamada.

Atlan pôs a mão na tecla que ativava o aparelho. Recuou espantado ao ver o rosto do chefe da Segurança Galática, Allan D. Mercant, na pequena tela.

— Allan...? — perguntou como quem desconfia de que aconteceu alguma coisa.

Os traços do rosto de Mercant não se alteraram.

— Recebemos notícias de nossas naves que operam no sistema de Roi. Old Man recolheu suas seções e ultracouraçados e entrou no espaço linear. O destino não é conhecido.

 

Há três meses o Tenente Jerome Barruda percorria diaria­mente a mesma rota. O jato espacial por ele comandado per­tencia à base militar terrana de Ferrol, que era o mundo em que estava sediado o governo do sistema de Vega. A tarefa do Te­nente Barruda consistia em, juntamente com mais algumas na­ves, percorrer o espaço em torno de Ferrol e prestar atenção a tudo que parecesse suspeito.

Nos três meses passados não houvera nada de suspeito, e parecia que nesse dia também não haveria. O sistema de Ve­ga ficava a apenas 27 anos-luz da Terra — e ao contrário do que acontecia há 450 anos, fazia-se questão de que todas as raças conhecidas da galáxia conhecessem a posição da Terra, para que suas naves de guerra não fossem parar por engano nesse setor do espaço. Nenhuma raça estranha se atreveria a voluntariamente levar uma nave de guerra para tão perto do centro do Império Solar. A nave seria destruída sem aviso prévio. Na área do império sideral dos homens só havia lugar para as belonaves pertencentes a seres humanos.

O Tenente Jerome Barruda sabia disso. Além disso pensava que sabia que durante o tempo em que estivesse desempenhando o serviço de patrulhamento nunca veria nada além das naves mercantes dos ferronenses e do planeta Terra e das outras naves-patrulhas pertencentes à mesma base.

Mas neste ponto estava enganado.

A desgraça veio tão depressa e desabou com tamanha violência que o sinal de alarme de Barruda chegou à base juntamente com os ultracouraçados inimigos — uma hora depois do momento em que deveria ter chegado.

Os ultracouraçados saíam do espaço linear em toda parte ao mesmo tempo. Às centenas, aos milhares, inundaram o sistema de Vega, quebraram impiedosamente qualquer resistên­cia e além disso destruíram as naves mercantes que chegavam a este setor do espaço estelar.

O Tenente Jerome Barruda recebeu ordem de tentar che­gar a um ponto de concentração situado fora do sistema de Vega, onde deveria ficar à espera das outras espaçonaves. O co­mandante da base de Ferrol deu ordem para que todos os terranos fossem evacuados.

De repente, depois de ter percorrido um trecho curto no espaço linear, Barruda avistou o monstro mais gigantesco que já existira!

Barruda já ouvira falar em Old Man. Mas saber que o robô gigante com suas doze plataformas ocupava uma área total de trezentos quilômetros quadrados, que a semi-esfera central ti­nha cem quilômetros de altura e duzentos de diâmetro na base, e que as plataformas abrigavam 840 espaçonaves da classe Ga­láxia por setor era uma coisa, e ver o monstro com os próprios olhos, bem de perto, era outra coisa bem diferente.

Jerome viu duas seções desprenderem-se do conjunto, cada uma com cinqüenta por cinqüenta quilômetros. As seções en­traram no sistema de Vega, acelerando à razão de um ultracouraçado. Durante a viagem alucinante fizeram sair cerca de mil e quinhentas espaçonaves.

O Tenente Barruda tirou os olhos do quadro fascinante e sobressaltou-se.

O robô gigante acabara de soltar mais três seções. Milhares de ultracouraçados subiam das plataformas que nem enxames de abelhas. Os reflexos verdes dos rastreadores espalharam-se com uma velocidade tremenda, isolando completamente o sis­tema de Vega.

O tenente deu início à segunda etapa de vôo linear e che­gou sem incidentes ao ponto de encontro, que ficava a nove­centos milhões de quilômetros.

Depois de várias horas de espera angustiante chegaram do­ze naves mais ou menos avariadas da base terrana.

Doze de cento e trinta e sete!

Não vieram mais.

Dali a meia hora as comunicações de hiper-rádio com Ferrol foram interrompidas de vez.

Os sobreviventes iniciaram a viagem de volta.

 

Roi Danton encontrava-se na sala de comando da VIII-696 quando o campo de pouso e as rampas de equipamentos sofreram uma modificação repentina.

Uma dança de luzes trêmulas e coloridas teve início em to­da parte, as torres de canhões de inúmeros fortes defensivos saíam em toda parta da crista que se erguia no solo lunar, e fi­guras saíam em alta velocidade dos hangares-tubo, cuspindo fogo e subindo para o céu negro.

Cerca de cinqüenta supercouraçados da classe Galáxia pas­saram alguns milhares de metros acima do campo de pouso. Os campos defensivos, hiperenergéticos verdes tinham sido ativados, espalhando uma luz mortiça sobre o cinza-claro da su­perfície lunar.

Assim que os gigantes desapareceram, gigantescas bolhas energéticas cintilantes cobriram o campo de pouso espacial e os fortes.

Depois reinou o silêncio.

Ao todo não demorou mais de um minuto até que a Lua terrana ficasse em prontidão de combate.

Roi levantou os olhos numa expressão indagadora quan­do o Lorde-Almirante Atlan saiu com o rosto pálido da sala de rádio.

Mas o arcônida fez um gesto zangado e impaciente.

— Ainda não está na hora, Mr. Danton. É só um treino que simula a realidade. Mas dentro de alguns dias ou horas a situação poderá tornar-se séria. Old Man voltou a aparecer.

— Mais perto do Sistema Solar, não é mesmo? — pergun­tou Roi.

— Sem dúvida. A vinte e sete anos-luz.

— No sistema de Vega?

— Sim, no sistema de Vega. Evacuamos Ferrol numa ação-relâmpago, mas ainda fomos muito lentos. As naves da base sofreram perdas gravíssimas ao romper a falange de unidades inimigas.

Atlan suspirou.

— As comunicações com Ferrol foram interrompidas. Old Man atacou com uma violência implacável. Além disso os salvadores, os arcônidas e os aconenses fecharam há cinco minutos seus estabelecimentos comerciais em Marte. Estão evacuando o Pessoal e suas famílias. Um comboio de naves mercantes dos saltadores voltou a 0,5 anos-luz do Sistema Solar, juntamente com a carga, e desapareceu no espaço linear.

— Os ratos estão abandonando a nave que vai naufragar, não é mesmo? — perguntou Roi, zangado.

— Não podemos acusá-los por isso. Podem ser tudo, menos nossos aliados. Se nosso potencial econômico não fosse tão grande, nem sequer manteriam relações comerciais conosco. O Império Solar tirou-lhes o monopólio comercial e os privou de seu orgulho. Talvez pensem que vão recuperar tudo num futuro próximo.

Roi deu uma risada áspera.

— Eles perderiam o que ainda lhes resta!

— Perderiam mesmo. Gostaria de saber o que Old Man está procurando justamente no sistema de Vega...!

Roi deu de ombros. Mas de repente seus olhos se arrega­laram. Parecia que estava vendo um fantasma.

— Já sei, sire!

Nem mesmo numa situação desesperadora como esta Roi tirava a máscara.

— Sabe o quê?

Roi Danton encostou o frasco de perfume ao nariz a ina­lou profundamente.

— Je me sens mal. — Sinto-me mal.

Massageou as têmporas num gesto que quase chegava a ser devoto. Esperou até que Atlan estivesse prestes a sofrer um ataque de raiva. Finalmente começou a falar em tom indiferente.

— Parece que Old Man quer dar uma olhada em Pigell, sire. O robô está desorientado. Não sabe como interpretar a si­tuação. Isso reforça a teoria de que foi produzido pelos homens desaparecidos comandados pelo Major Barnard, pois eram os únicos que sabiam que na época o posto dos senhores da galá­xia instalado no sexto planeta de Vega transferira a Crest III qui­nhentos anos para o futuro relativo.

O arcônida cerrou os punhos. Seus olhos albinos averme­lhados lacrimejaram, o que nos homens de sua raça era um si­nal de forte nervosismo. Num terrano este produziria uma forte transpiração.

— Deve ser isso mesmo, Roi... hum... Mr. Danton.

O lapso verbal fez com que o filho de Rhodan sorrisse.

O lorde-almirante parecia não ter percebido. Encostou o telecomunicador de pulso aos lábios e chamou Perry Rhodan.

O Administrador-Geral respondeu ao chamado e Atlan comunicou-lhe a suspeita de Danton.

Roi ligou seu rádio de pulso na mesma freqüência para acompanhar a conversa.

— Um processamento-relâmpago de Natã deu o mesmo resultado — informou Rhodan. — Tenho certeza quase absoluta de que nossa teoria está certa. Dei ordem de apressar os pre­parativos — acrescentou depois de uma ligeira pausa. — Den­tro de meia hora os equipamentos que ainda faltam serão colo­cados a bordo da VIII-696. Faça o favor de providenciar para que tudo sejam bem guardado. Irei o mais depressa possível com os outros membros da expedição.

— Um momento! — exclamou Atlan, apressado, ao no­tar que Rhodan queria desligar. — Acho que não existe a me­nor dúvida de que nosso plano não poderá ser executado na forma prevista. Os dados de navegação armazenados no com­putador da nave conquistada mencionam o sistema de Roi como posição de Old Man, não o de Vega. Se a VIII-696 apare­cer no sistema de Vega, o computador central do robô desconfiará.

— Hum! — fez Rhodan. Roi notou um sobressalto na voz do pai.

— Um momento, Grandseigneur! — exclamou. — Existe um meio de aplacar estas suspeitas. Temos de fazer uma mani­pulação com o computador positrônico da nave conquistada, uma manipulação que não forneça nenhuma indicação concreta, mas produza impulsos deformados que possam levar Old Man à conclusão de que o cérebro de comando da VIII-696 talvez tenha recebido as informações sobre a posição atual do robô gigante de forma normal.

— Será muito arriscado! — objetou Atlan.

— É um risco que temos de assumir! — respondeu Roi em tom resoluto.

— Acho que sim. Parece que é a única possibilidade que nos resta — observou o Administrador-Geral.

A gigantesca nave esférica Francis Drake desceu lentamente sobre o campo de pouso. Os propulsores instalados na protuberância equatorial diminuíram a velocidade da queda. Os jatopropulsores emitiram uma cintilância azulada que se propa­gou para a superfície lunar, espalhando-se que nem um tapete de luz liqüefeita na área previamente determinada do campo de pouso.

— O senhor conseguiu muita coisa na vida, jovem — disse Atlan ao livre-mercador que estava de pé a seu lado no abrigo de controle, acompanhando o pouso de sua nave. — A nave Pertencente ao senhor acaba de pousar num dos estabelecimentos mais importantes do Império Solar, quando ainda há Pouco tempo foi expulsa de um setor espacial que ficava a poucos anos-luz daqui, porque isso parecia necessário por motivos de segurança.

— Le vent a tourné — retrucou Roi. — Os ventos são outros.

— Porque vai haver uma tormenta — respondeu o arcônida, sério. — O senhor tem irmãos?

Roi surpreendeu-se um pouco com a abrupta mudança de assunto, mas não deixou perceber.

— Tenho uma irmã, sire. Talvez ainda tenha oportunida­de de apresentá-la ao senhor.

— Muito bem. Quer dizer que não tem nenhum irmão?

— Por enquanto não. Quem sabe se não acaba aparecen­do um? Por que fez essa pergunta, sire? Gostaria de ser adota­do por minha família?

O lorde-almirante deu um sorriso indulgente, como quem se diverte com as tolices que um filho pratica na juventude.

— Acho que não sou bom que chega para sua orgulhosa família. Acontece que não gosto de trabalhar com homens dos quais praticamente só sei como se chamam. Um nome não passa de um conjunto de sons que o vento leva.

— Os nomes não importam, a não ser quando se trata de identificar as pessoas. O importante é saber alguma coisa a res­peito da pessoa, e quanto a isso certamente não lhe falta nada, no que diz respeito à minha pessoa. O senhor conhece a orga­nização dos livres-mercadores e sabe que ela não trabalha con­tra os interesses do Império, mesmo que de vez em quando... bem... mesmo que de vez em quando dê uma interpretação um tanto elástica às leis do Império.

— Como por exemplo ao bloqueio no setor Alvorecer, monsieur!

Roi sacudiu os ombros.

— Um dia essa questão terá de ser negociada por nós. Não se pode admitir que as decisões que dizem respeito ao Império sejam tomadas exclusivamente pelos militares. Sabemos que o bloqueio de Alvorecer foi decretado apenas por razões milita­res. O espaço cósmico é livre, pertence a todos.

— A juventude tem o direito de criticar as medidas tomadas das pelos velhos. Mas o senhor não deixa de ter razão. Conver­saremos sobre isto depois que o problema de Old Man tenha sido resolvido — se estivermos vivos até lá...

O chão vibrou ligeiramente quando a Francis Drake tocou a superfície a cerca de dez quilômetros de distância.

— Voilá! — disse Roi enquanto se encaminhava para a eclusa junto à qual um planador estava à sua espera.

Atlan alcançou-o com alguns passos rápidos. Arrancou o chapéu de três pontas de sua cabeça e disse:

— Permettez-vous!

Enfiou o chapéu antiquado na mão de Danton e com um movimento enérgico fechou o capacete pressurizado do livre-mercador.

— Dizem que o vácuo não faz bem à pele — observou em tom sarcástico.

— O senhor é muito gentil, sire! — retrucou Roi Danton em tom solene, enquanto seu rosto se abria num sorriso maro­to. — Talvez possa retribuir um dia.

Acenou com o chapéu de três pontas antes de guardá-lo num bolso do traje espacial. Em seguida abriu a escotilha inter­na e entrou na eclusa.

Atlan saiu assim que o planador se afastou.

— Reeh votanthar dovulum moo! — murmurou em arcônida antigo. — O dia dura para sempre; são os planetas que giram.

Enquanto isso Roi pedia ao piloto do planador que se apres­sasse ao máximo. Seu pai lhe dera permissão de escolher três companheiros para a missão que estava para ser realizada, e ele já sabia quem eram os homens que iriam com ele.

Oro Masut estava à sua espera na eclusa inferior da Francis Drake. Roi notou que o ertrusiano se preocupara com ele. Emocionado, deu-lhe uma pancadinha no ombro.

— Estou de volta, meu chapa! Onde estão os dois antro­pólogos? Preciso falar com eles.

— Faço votos de que se encontrem em seu camarote — retrucou Oro, contrariado.

Roi fitou seu criado de lado.

— O senhor faz votos.? Quer dizer que não sabe? Dei ordem...

Masut interrompeu-o. Era uma das poucas pessoas que podiam tomar esta liberdade com Roi.

— Sei, sir. Mas desde que o senhor saiu não os encontrei no camarote duas vezes. E a porta não tinha sido aberta. Ninguém pôde explicar como fizeram.

— Não perguntou a eles?

— Os dois negam tudo, senhor. E não podemos usar a força.

— Continuaremos a não usá-la. Acho que não têm intenções hostis, e prefiro usar a astúcia para descobrir o que escondem atrás da máscara da simplicidade.

Oro Masut encostou a chave pressurizada à porta do camarote. Uma luz de controle verde acendeu-se, mostrando que a porta não fora aberta indevidamente.

A escotilha escorregou para trás.

O hall estava vazio, mas mal entraram a voz de Kaiman se fez ouvir através da porta da sala, que estava entreaberta.

— Façam o favor de chegar, senhores.

O antropólogo estava deitado no sofá. Guardou o livro que estivera lendo e levantou para cumprimentar os visitantes.

— Onde está sua assistente? — perguntou Roi em tom enérgico.

— No banheiro. Quer verificar?

O livre-mercador enrubesceu e fez que não.

— Esperaremos que volte. Está gostando do tratamento que lhe vem sendo dispensado a bordo da Francis Drake?

Os olhos do oxtornense brilharam.

— Que resposta poderia dar? Tivemos de ficar no cama­rote, para não espionar por aí.

— Foi exatamente o que fizeram! — retrucou Oro Masut. Kaiman ergueu as mãos num gesto enfático.

— Como, senhor? Nem tocamos a porta!

— Pois é justamente isso! — disse Roi Danton. — Em duas oportunidades os senhores não foram encontrados neste cama­rote. Gostaria de saber como fizeram.

— Isso não passa de uma calúnia! — respondeu Orbiter Kaiman.

Roi deu de ombros.

— Deixe para lá! Não foi por isso que vim. Virou-se abruptamente quando a porta que dava para o hall interno se abriu e Janine Goya apareceu nela.

— Mademoiselle! Folgo em cumprimentar a filha do sol e deponho meu coração a seus pés. Como se sente nos modes­tos aposentos de sua nave?

— Miseravelmente mal! Não estou acostumada a viver trancada. Protesto energicamente contra a privação de liberda­de que me é imposta, monsieur!

— Fico desolado, madame — respondeu Roi, deprimido. — Vim para libertá-la. Faça o favor de ouvir minha proposta.

Roi fez um relato sucinto do aparecimento do robô gigante no sistema de Vega e da operação-comando que fora planejada.

— Se quiser, poderá acompanhar-me juntamente com Monsieur Masut — concluiu entusiasmado. — A grande aven­tura nos seduz, mademoiselle!

Janine olhou-o como quem acha graça.

— Um punhado de homens e uma mulher contra um ro­bô gigante, uma máquina inteligente que dispõe de recursos praticamente ilimitados. Acha mesmo que o plano vai dar certo?

Roi Danton pôs a mão sobre o coração.

— E a incerteza que me seduz, madeimoselle.

— Era o que eu queria ouvir. Como é, Orbiter? Vamos com eles?

O oxtornense fez um gesto afirmativo.

Os lábios de Roi abriram-se num sorriso vago.

— Não se esqueça de seu homenzinho, monsieur. Teve a satisfação de notar que suas palavras assustaram Kaiman.

“Então é isso!”, refletiu. “O objeto semi-esférico que Kai­man traz no ombro não é apenas um instrumento científico. Tal­vez ele o use se sua vida estiver em perigo dentro de Old Man...”

 

O depósito de provisões da nave conquistada ficava perto da sala de comando. Os técnicos o transformaram no alojamento de um total de vinte e três pessoas: Perry Rhodan, Atlan, Roi Danton e Oro Masut e ainda Orbiter Kaiman e sua assistente e quatro membros do Exército de Mutantes, entre eles John Marshall e Gucky. Os treze homens restantes da equipe eram cosmonautas e técnicos em espaçonaves de grande experiên­cia, além de alguns especialistas em robótica.

A cabine era um pequeno mundo. Dispunha de um hiper-transmissor de grande potência, além de rastreadores, gerado­res de emergência e um transmissor de alta eficiência equipado com uma fonte de energia independente.

Teoricamente tinham sido previstas todas as eventualidades. Natã realizara seus cálculos de probabilidades e indicara as medidas a serem tomadas em cada caso. Isto ajudaria os homens a economizarem um tempo precioso. Além disso não se devia esquecer que seus conhecimentos representavam um fa­tor psicológico de grande valor. Quem estava preparado para Qualquer coisa que acontecesse não perderia os nervos quan­do se tornava necessária uma ação precisa, que exigisse sangue-frio.

No dia 26 de setembro de 2435, tempo terrano, o ultra-couraçado devidamente preparado do robô gigante subiu do campo de pouso lunar e desapareceu na noite do espaço cósmico.

Um grande contingente da Frota estava à sua espera a poucos meses-luz do sistema Vega e seguiu-o numa distância adequada, até que atingiu as coordenadas espaciais previamente

fixadas.

A maior ação dos últimos dois séculos acabara de ser iniciada.

Por enquanto os homens pertencentes à equipe encontravam-se na sala de comando.

Roi Danton fora dominado por uma emoção estranha e inebriante. Preferiu não falar nisso. Era a primeira vez depois que saíra da casa paterna que receava não poder conservar a más­cara. Poderia trair-se pelo tom da voz, por certos movimentos e pela expressão dos olhos.

Seu pai parecia calmo e controlado como sempre. Mas o filho percebeu que atrás do rosto rígido se escondia a tensão que atingira a todos.

O rosto do Lorde-Almirante Atlan mostrava a preocupa­ção que sentia. O arcônida nunca escondera que em sua opi­nião as chances eram mínimas. Pouco antes da partida ainda sugerira ao Administrador-Geral que a nave VIII-696 fosse tri­pulada por robôs, aos quais se daria ordem de detonar uma bomba de Árcon assim que a nave entrasse em Old Man. Seria sem dúvida uma operação com boas chances de sucesso, uma medida radical que combinava com a mentalidade do antigo almirante arcônida. Mas Perry Rhodan queria mais que isso. Que­ria levar Old Man para seu império, e os outros tinham concor­dado com ele. O robô gigante era um presente que alguns ho­mens heróicos e destemidos ofereciam à humanidade. E ne­nhum homem tinha o direito de recusar o presente apenas por­que ele podia representar um perigo para sua pessoa Roi observou o oxtornense Kaiman.

Desconfiava cada vez mais daquele homem, que dizia ser antropólogo. Parecia ser o único membro da equipe que não se preocupava nem tinha medo.

Roi Danton sabia perfeitamente que qualquer ser psiqui­camente normal sentiria medo numa situação destas. Por isso pôs-se a refletir sobre o comportamento aparentemente anor­mal de Kaiman, mas não descobriu nenhuma solução.

Não acreditava que o oxtornense fosse um deficiente men­tal. As causas de sua segurança e falta de medo deviam ser ou­tras. Sem dúvida fundavam-se no saber, num saber que era só dele.

Naquele momento Roi seria capaz de dar a Francis Drake troca do segredo de Orbiter Kaiman. O som estridente das sereias de alarme interrompeu suas meditações.

— Atingimos a área de operações de Old Man! — disse a voz de um cosmonauta saída dos alto-falantes do intercomunicador. — Detetamos cerca de doze ultracouraçados do robô no setor verde, distância de onze milhões de quilômetros, diminuindo à razão de...

— Basta! — interrompeu a voz fria de Rhodan. — Todos para a cabine!

Roi sentiu o sangue martelando nas veias das têmporas. Chegara a hora!

Logo veriam se o plano tinha chances de sucesso ou não.

Uma estranha sensação de frio tomou conta dele.

Se Old Man desconfiasse de alguma coisa antes que en­trassem em sua eclusa, eles nunca saberiam. No espaço cósmi­co o robô gigante podia agir sem medo de danificar suas insta­lações. Destruiria a nave VIII-696 numa única salva e a morte os alcançaria num instante.

Com movimentos apressados, mas precisos, os técnicos e cosmonautas desligaram os consoles de controle manual. Um após o outro foram desaparecendo da sala de comando. Atlan ficou postado na saída. Controlava se todos tinham ligado o apa­relho de absorção de impulsos individuais. Um ato de negligên­cia seria a morte de todos.

— Depressa, Danton! — gritou em tom de comando quan­do viu Roi hesitar.

O livre-mercador fez um esforço para controlar-se, ligou seu neutralizador de impulsos individuais e retirou-se da sala de comando.

Quando já se encontrava na escotilha aberta, olhou para trás. Viu seu pai levantar a alavanca que ficava à frente da poltrona do comandante.

Depois de um lapso de tempo curto demais para ser abran­gido pelos sentidos humanos o computador de comando da nave voltou a entrar em ação.

Perry Rhodan recuou como se o chão estivesse ardendo sob seus pés. Estava pálido quando entrou na cabine especial.

Mas não aconteceu nada que pudesse confirmar os temores generalizados da equipe. Era mesmo de esperar que não acontecesse, mas todos receavam que os neutralizadores de impulsos individuais pudessem ser detetados por sensores especiais. O único que não parecia ter este receio era Orbiter Kaiman...

 

Nas telas especiais aparecia o espaço em torno da VIII-696. Constantemente gigantescas naves esféricas saíam das profundezas do espaço — para só se afastar quando se en­contravam a apenas algumas centenas de quilômetros da nave conquistada.

— Acho que deveríamos ter mantido as guarnições das po­sições de artilharia nos seus postos! — exclamou um dos cos­monautas quando mais uma nave robotizada cresceu com uma rapidez alucinante, até encher completamente a tela, para em seguida mudar de direção com os propulsores chamejantes.

— Acha que com isso poderíamos conseguir alguma coi­sa? — perguntou Atlan.

Antes que o cosmonauta pudesse dar uma resposta, os terranos fecharam os olhos, ofuscados. Ouviram-se gritos e alguns homens entraram em pânico, correndo desordenadamente de um lado para outro. De repente os controles do transmissor brilharam.

— Desligar o transmissor! — gritou Rhodan, superando o barulho. — Silêncio. Não aconteceu nada.

Os homens obedeceram, mas dali a instantes trilhas ener­géticas fulgurantes cortaram o espaço, aproximando-se da VIII-696.

Roi Danton levantou para acalmar um tenente que agitava violentamente os braços. De repente viu-se deitado sobre ele. Abalos tremendos sacudiram a nave. Em cima e embaixo deles expandiram-se os sóis artificiais produzidos pela explosão dos projéteis de canhões conversores.

— Calma! — voltou a dizer a voz de Rhodan. — O inimi­go está testando a nave.

— Isso mesmo, senhor — observou um dos especialistas em robótica. — Estão realizando um teste de reação. Provavel­mente o comando positrônico da VIII-696 está recebendo or­dem de ficar quieto. Old Man deve ter sido construído por seres humanos, senhor. Não existe outra explicação para o teste.

— Isso mesmo! — observou Atlan. — Estão realizando ataques simulados, na suposição de que qualquer tripulação orgâ­nica perderia o controle dos nervos e reagiria aos ataques. Enquanto permanecermos inativos, nada nos poderá acontecer.

— Le tempos s'éclaircit — murmurou Roi. — O tempo está clareando.

— Para o temporal — acrescentou Gucky num cochicho. Roi virou a cabeça.

— Ora, Monsieur Gucky! Parece que não está bem. Será que está com vermes? Nesse caso eu recomendaria um copo de suco de cenoura fresco.

O rato-castor, que ia fazer mais uma de suas brincadeiras com o livre-mercador, piou apavorado e teleportou-se para o outro lado da cabine.

— Que sujeito impossível! — queixou-se a Atlan.

Os pensamentos do arcônida estavam no lugar de destino.

— É mesmo! — disse com um gesto sério. — Com seus trezentos quilômetros de diâmetro...

Gucky virou abruptamente a cabeça e pôs-se a avaliar o diâmetro de Roi.

No mesmo instante desapareceu atrás do tansmissor, es­bravejando. Devia estar zangado porque se deixara enganar.

Roi Danton sorriu. Fazia bem à mente trabalhar com o rato-castor. Mesmo que não o reconhecesse, embora tivessem pas­sado muito tempo juntos quando Roi era criança.

Certa vez, lembrou Roi, ele fugira de casa quando estava com cinco anos. O portão do jardim do bangalô de fim de se­mana junto ao lago salgado do Goshun ficara aberto por enga­no, e o jovem Michael Rhodan não deixara escapar a oportuni­dade que não voltaria tão depressa. Trajando somente um con­junto de plástico, subira na esteira transportadora expressa que o levara ao Touring Transmitter Tergosh 343, situado a oitenta quilômetros do bangalô. Colocara sobre o aparelho de reserva a marca de identificação que trazia presa ao pescoço por uma corrente de terconite e entrara no arco do transmissor que o le­varia ao Alasca.

Naquele dia havia pouco movimento no terminal de che-9ada do transmissor. Três casais jovens que trajavam grossas rou­pas de peles e atravessaram a tempestade de neve, dirigindo-se ao lugar em que eram alugados os turbo-trenós, não tomaram conhecimento de sua presença. Talvez pensassem que era filho de nativos.

Mike sentira um frio terrível. Mas mesmo com aquela idade soube o que fazer. Entrou no transmissor que o levaria à África Central.

Enquanto isso Gucky, que estava voltando de uma excursão de barco no lago salgado de Goshun, foi informado pelo criado robô sobre o desaparecimento do pequeno Rhodan.

Conhecia a freqüência das vibrações cerebrais de Michael e pôs-se a “espiar”. Levou um tremendo susto quando descobriu que o menino estava vagando numa tempestade de neve no Alasca, a quarenta graus abaixo de zero.

Teleportou — e não encontrou Mike.

Na África Central não seria difícil descobri-lo, porque no clima agradavelmente tépido os pensamentos adormeciam tornando-se menos intensos.

Por isso também não o encontrou meia hora depois, quan­do chegou à África.

Depois disso a caçada prosseguiu pela Escandinávia, em Honolulu, na Groenlândia, na Austrália, na península de Creta, no Panamá, e finalmente de novo no transmissor Tergosh 343.

Gucky localizou mais uma vez os pensamentos de Mike, quando corria em direção ao bangalô paterno. Depois não o encontrou mais.

Ele e o criado robô levaram uma hora e meia revistando a casa e o jardim. Mergulhou no fundo da piscina e enfiou-se no frigorífico. Nada!

De repente lembrou-se de que o escritório de Perry Rhodan estava equipado com um bloqueio antitelepático.

Foi lá e encontrou o pequeno dormindo calmamente num sofá semigravitacional.

Gucky não o acordou. Informou-se sobre as viagens de transmissor feitas pelo menino. Dentro de vinte minutos rece­beu as contas. O total chegava a 44.000 solares.

Gucky pagou a conta de seu próprio bolso e mais tarde disse a Mike que tinham sido apenas alguns solares. Michael Rhodan, que ainda não sabia quanto valia um solar, acreditou no que Gucky lhe dissera, mas dez anos depois descobriu a verdade.

Quando já se tinha tornado o rei dos livres-mercadores e 44.000 solares mais ou menos não faziam muita diferença, de­volveu o dinheiro ao rato-castor. Mas Gucky fez publicar um anúncio no jornal Terrania News, no qual disse que depositara os miseráveis solares enviados por um fugitivo maluco numa conta bloqueada — em nome de M.R. — Michael Rhodan.

Roi perguntou a si mesmo o que aconteceria se revelasse seu segredo a Gucky naquele momento.

Provavelmente a pequena criatura o abraçaria efusivamente — satisfeito por tê-lo de volta, como ficara depois da excursão de transmissor em volta da Terra.

Aliás, era de estranhar que Gucky não o reconhecesse ape­sar do bloqueio psicológico.

— Intensa troca de mensagens entre Old Man e VIII-696! — anunciou um homem da equipe de rádio.

Estas palavras arrancaram Roi do mundo irreal em que va­gavam seus pensamentos. Abanou a cabeça.

O que lhe dera de pensar em suas traquinices de infância nos momentos de perigo, em que seriam tomadas decisões importantes?

— Decodificadora funcionando, senhor! — informou ou­tro especialista. — Por enquanto não foi possível decifrar os gru­pos de símbolos recebidos.

— Continuem! — limitou-se Perry Rhodan a ordenar. “Continuar”, pensou Roi. Quantas vezes a Humanidade já se vira numa situação desesperadora. E sempre tinha continua­do.

— Nave acelerando ao máximo! — disse alguém.

— Raio goniométrico sendo captado.

— Cérebro de comando da VIII-696 suspendendo as atividades.

— Impulsos de teledireção na hiperfaixa QUA— 7— ZERO. Propulsores entrando em funcionamento.

— Rastreamento! Três fileiras de supercouraçados dispos­tas em três dimensões à nossa frente.

As informações sucediam-se rapidamente.

A tensão enorme que enchia a sala quase chegava a ser fisicamente perceptível. Entrava pelos cérebros dos homens, fazia com que seus espíritos atingissem os limites do suportável — e os excedessem. Mas estes limites só valiam para o homem médio...

— Atravessamos a primeira fileira de bloqueio!

— Atravessamos a segunda fileira de bloqueio!

Os propulsores faziam soar incessantemente sua canção inebriante — inebriante quando se partia para o espaço, e inebriante ainda quando a gente se dirigia a um encontro com a morte, a um encontro com as criações mais bizarras da fantasia huma­na, da capacidade de sacrifício do ser humano, a um confronto com uma máquina assassina de grande precisão.

Uma figura magra, de rosto pálido e decidido, com olhos cor de gelo, levantou-se entre os homens sentados.

Roi Danton — ou melhor, Mike Rhodan — sentiu uma on­da de simpatia pelo pai tomar conta dele. Uma onda de simpatia e amor.

Roi ficou vermelho.

Seria justo afastar o filho do pai? Deixar este na incerteza de um ser humano que era carne de sua carne, sangue de seu sangue, espírito de seu espírito?

Roi respirava com dificuldade.

— Preparem-se! — soou uma voz fria como gelo, muito controlada, que quase chegava a espalhar uma força sugestiva.

Os momentos de dúvida, de auto-recriminação passaram. A reação de Roi Danton foi exatamente a mesma dos ou­tros homens.

Fez mais uma verificação de seu traje espacial, fechou o capacete e colocou a mochila de plástico com o equipamento especial. Feito isso tirou a pesada arma energética, verificou se estava municiada e ficou com ela na mão.

Um monstro técnico apareceu nas telas de imagem especiais.

Era Old Man!

A tensão era quase insuportável.

De repente Gucky teleportou-se para cima da placa de re­vestimento da decodificadora.

O rato-castor olhou em volta, exibiu o dente roedor solitá­rio e gritou com a voz aguda, que quase se atropelava.

— Hic Guckydus, hic salta! — Aqui está Gucky, mostre o que sabe fazer!

A resposta foi uma série de gargalhadas estrondosas. To­dos os membros da equipe eram homens instruídos e, embora tivessem esquecido grande parte do latim aprendido nas esco­las, ainda se lembravam das frases que os romanos antigos cos­tumavam proferir.

Roi sentiu-se grato ao notar que a tensão diminuía, transformando-se numa certeza absoluta da vitória, embora es­ta parecesse incrível.

— Amigo Gucky! — murmurou. — Você mais uma vez esqueceu o momento psicologicamente certo.

Neste instante uma sombra caiu sobre a tela. Era a sombra de uma plataforma-hangar com 25.000 quilômetros cúbicos de volume...

 

O rugido dos propulsores terminou num som estertorante. A VIII-696 entrou silenciosamente na sombra da plataforma, trazida por um potente raio de tração.

Perry Rhodan ergueu a mão.

— Vamos embora, teleportadores.

Gucky e Kakuta desapareceram. O ar produziu um estalo ao encher o vácuo que se formou.

Os homens ficaram à espera com os corpos inclinados e as armas destravadas nas mãos.

Roi olhou para Orbiter Kaiman. O antropólogo estava com a cabeça ligeiramente inclinada para a esquerda, dando a im­pressão de que escutava uma mensagem transmitida pelo obje­to semi-esférico que trazia sobre o ombro. Janine Goya segura­va firmemente uma arma energética cujo peso seria capaz de derrubar Roi.

Danton engoliu em seco.

Por que não se lembrara antes de que a assistente do oxtornense também vinha daquele mundo de condições extrema­mente rigorosas, estando adaptada à gravitação de 4,8 gravos, a uma pressão atmosférica correspondente a oito atmosferas terranas e a temperaturas que variavam entre menos e mais cento e vinte graus centígrados? Uma cor de pele artificial, uma peru­ca e sobrancelhas artificiais podiam ser arranjadas em qualquer salão de beleza do Império.

Antes que Roi pudesse tirar suas conclusões, voltaram os teleportadores.

— Tudo OK, rapazes! — soou a voz estridente de Gucky na entonação vulgar a que estava habituado. — Ninguém detetou nossos impulsos. Os robôs de combate da seção VIII nem nos levam a sério.

Se havia uma coisa que o Administrador-Geral não supor­tava era este modo de falar.

Roi viu sua boca abrir-se para repreender o rato-castor — e viu-a fechar-se novamente, certamente porque Rhodan com­preendia que na situação em que se encontravam o tom de voz de Gucky apresentava seus aspectos positivos.

— Abandonar a cabine e trancá-la! — ordenou. — O ponto de encontro é a eclusa inferior da coluna de sustentação central.

As batidas das botas pesadas cessaram e a cabine espacial ficou vazia e em silêncio.

Roi correu com os outros para o elevador que seguia o ei­xo da nave e deixou que o campo polarizado o levasse para baixo. Uma vez na eclusa inferior, abriu caminho para ficar ao lado do Administrador-Geral. Estava disposto a, se necessário, protegê-lo com o próprio corpo, pois só tinha uma fração da importância de seu pai imortal. Se o filho morresse, isso muda­ria pouco na história. Mas a morte do pai representaria uma ameaça direta ao império sideral da Humanidade.

As escotilhas da eclusa entraram com um chiado abafado nas paredes da coluna de sustentação central.

Roi Danton já vira mais de uma vez a câmara de eclusa de uma grande nave espacial, mas não conseguia resistir à de­pressão que o quadro lhe causava.

A coluna de sustentação central sozinha parecia uma gi­gantesca construção residencial, com a diferença de que não se erguia para o céu, ao menos não para o céu de um planeta, mas para um Armamento de aço terconite. Entrava no corpo gigantesco da VIII-696, que produzia uma inversão de con­ceitos, já que não se estendia em forma côncava sobre a paisa­gem, mas representava uma forma convexa, abaulada para fora.

Roi sabia que em algum lugar, a mais de um quilômetro dali, ela voltava a encurvar-se para a superfície. Mas os reflexos luminosos projetados nas paredes distantes do hangar das eclu­sas produziam uma ilusão ótica. Parecia que a curvatura do céu cor de aço passava do convexo para o côncavo.

O primeiro grupo era comandado pelo Lorde-Almirante Atlan.

Os homens marchando nos trajes de combate ofereciam um quadro fantasmagórico. Praticamente só se viam uns aos outros porque todos usavam óculos antideflexivos, que neutra­lizavam os efeitos dos defletores. Bastava que Roi Danton, usan­do o manipulador especial, empurrasse para cima os óculos que trazia no interior do capacete pressurizado, para que seus com­panheiros desaparecessem como se nunca tivesse existido. As­sim que voltava a colocar os óculos, os companheiros apare­ciam de novo.

Além disso reinava um silêncio assustador. As comunica­ções pelo rádio tinham sido proibidas. Não se devia despertar a atenção dos robôs pertencentes ao gigante.

Roi e seu pai acompanharam o segundo grupo.

Caminhavam a passos largos, mas apesar disso levaram oito minutos para sair da sombra imensa da nave. Só depois disso foram capazes de avaliar o tamanho da câmara da eclusa.

No interior do recinto de aproximadamente três quilôme­tros de área e mais de dois quilômetros de altura os homens sentiam-se insignificantes. E só na seção do robô gigante em que se encontravam havia 840 câmaras iguais a esta.

Por alguns segundos uma visão terrível deixou Roi angus­tiado.

Vinte e três formigas rastejavam pelo forte cósmico, para conquistá-lo. Nenhum tripulante as viu e sua vida chegou ao fim quando uma bota desceu sobre elas por puro acaso...

Roi sentiu um calafrio.

Naturalmente era uma comparação forçada. Os intrusos hu­manos só podiam ser comparados com formigas quanto ao ta­manho físico, relativamente às dimensões do forte cósmico. Seu armamento e equipamento — e principalmente sua inteligên­cia — transformavam-nos em inimigos respeitáveis da técnica superlativa do robô gigante.

De repente máquinas potentes entraram em funcionamen­to, não se sabia onde. Roi teve a impressão de que já conhecia esse tipo de ruído. Parecia que não fazia muito tempo que ou­vira coisa semelhante. Era um zumbido e uma série de batidas surdas.

Mas Roi não deu mais atenção ao ruído, pois algumas es­cotilhas pequenas abriram-se nas paredes, e grupos de robôs de combate entraram correndo na câmara da eclusa.

Perry Rhodan e Atlan faziam sinais nervosos com os braços.

Os homens compreenderam. Correram para junto da pa­rede interior da câmara, onde se reuniram com as armas levantadas.

Mas os robôs de combate não tomaram conhecimento de sua presença.

Só então Roi Danton acreditou que sua presença não fora notada — e nem seria registrada, enquanto permanecessem inativos.

Deu uma risadinha.

Quando entrassem em atividade — assim que mudassem a posição da chave-mestra do robô gigante — nada lhes acon­teceria, ninguém poderia fazer qualquer coisa contra eles...

Um grito de pavor abafado fez Roi virar abruptamente a cabeça.

Outras escotilhas tinham sido abertas, e mais robôs de com­bate construídos segundo os modelos terranos precipitavam-se sobre a VIII-696. Só então Roi percebeu que as máquinas dis­pensavam um tratamento estranho à espaçonave, que se supu­nha pertencer a eles.

Entravam no ultracouraçado não apenas pela eclusa infe­rior, que permanecia aberta. Subiam para as outras eclusas, usando seus propulsores antigravitacionais, e abriam as escoti­lhas a tiro, em vez de esperar que os seres mecânicos da mes­ma espécie abrissem os mecanismos de travamento do lado de dentro.

— Estão atacando a nave! — cochichou o pai de Roi. — Gucky! Salte para a sala de comando e veja o que estão fazendo.

O rato-castor desmaterializou.

Antes que voltasse Roi compreendeu o que estava acon­tecendo. O ruído surdo que estava ouvindo tornava-se cada vez mais fraco. Roi examinou o analisador automático que trazia no pulso e viu que a pressão atmosférica no interior da câmara da eclusa tinha baixado de 790 para 110 milímetros de mercúrio.

— Estão retirando o ar da câmara da eclusa! — gritou.

 

Gucky rematerializou na sala de comando do ultracouraçado — e teve de realizar uma teleportação-relâmpago para es capar de dois feixes energéticos ofuscantes, que passaram ao lado dele.

No primeiro instante de pânico pensou que tivesse sido detetado pelos robôs de combate, mas logo percebeu que os se­res mecânicos que acabavam de tomar de assalto a VIII-696 nem tomavam conhecimento de sua presença. Dirigiam sua fu­riosa ânsia de destruição somente contra as instalações técnicas da sala de comando.

Uma fileira de telas de imagem explodiu com um grande estrondo. Grossas nuvens de fumaça saíram de uma bateria de emergência. Massas de terconite plastificado liqüefeito escorriam pelo chão.

As máquinas de guerra continuavam a atirar nos consoles de comando.

O rato-castor recuou cautelosamente para a entrada do ele­vador. Tentou descobrir a finalidade da ação dos robôs. Não conseguiu.

As máquinas de guerra não podiam ser ingênuas a ponto de causar toda essa destruição para evitar que os dispositivos automáticos da nave continuassem a funcionar. Para isso bas­taria mover a chave-mestra vermelha.

Uma explosão surda sacudiu a nave.

Gucky abaixou-se para escapar à saraivada de estilhaços fumegantes. Dois robôs foram atingidos. Ficaram girando e ati­ravam a esmo.

O rato-castor sabia que seria inútil e perigoso continuar ali.

Concentrou-se para a teleportação que o levaria à câmara da eclusa.

Antes que pudesse saltar, uma mão imaginária privou-o re­pentinamente do apoio dos pés. Caiu no poço do elevador e foi atirado de uma parede para outra, enquanto descia lentamente.

“O funcionamento dos neutralizadores de pressão passou a ser intermitente!”, pensou.

Mas de repente lembrou-se de que nem por isso os efeitos da pressão se fariam sentir — a não ser que a VIII-696 esti­vesse acelerando.

Desprezando o perigo mortal que teria de enfrentar, saltou de volta para a sala de comando.

O que viu deixou-o estarrecido.

Old Man era uma figura de alguns centímetros de diâme­tro, projetada na tela de popa que continuava parcialmente in­tacta. E encolhia a cada segundo que passava.

Gucky gritou apavorado e recuou para a entrada do elevador.

Lembrou-se de que a VIII-696 talvez iria entrar no espa­ço linear — de onde não teria como voltar para junto de Perry e seus companheiros.

O rato-castor fez um esforço para concentrar-se na câmara da eclusa da seção VIII.

Mas constantemente era obrigado a reorientar os parafluxos de seu cérebro, uma vez que o ultracouraçado se deslocava a cerca de noventa por cento da velocidade da luz, e os efeitos de dilatação representavam um tremendo empecilho.

O rato-castor fez um esforço desesperado.

A qualquer instante a nave poderia entrar no espaço linear — e ninguém sabia onde iria sair. Talvez fosse a apenas algu­mas horas-luz dali, mas também poderia ser a vários anos-luz, séculos-luz, milênios-luz. Era até possível que fosse em outra galáxia.

Finalmente Gucky sentiu que o anel imaterial que prendia o parassetor de sua mente se rompera. Teleportou com toda força.

 

Um grito saído de muitas bocas ressoou nos receptores de telecomunicação embutidos nos capacetes pressurizados.

Roi teve a impressão de que iria transformar-se num bloco de gelo.

Lá fora, bem longe dali, no espaço cósmico, surgira um sol artificial. A VIII-696 acabara de transformar-se em energia. E Gucky...!

— Por que ficam olhando para esta eclusa? — piou a voz do rato-castor.

Roi Danton estremeceu, virou o rosto e descobriu o rato-castor, que também estava olhando pela abertura da eclusa. Ha­via um pavor mortal estampado em seu rosto.

— O que... o que é isso?

— Isso foi a VIII-696. Perdão, baixinho! — disse Perry Rhodan. — Se tivesse imaginado que Old Man seria capaz de mandar destruir sua espaçonave, nunca lhe teria pedido...

— Tudo bem, Chefe — interrompeu Gucky com a voz trê­mula. — Ninguém podia saber. Bem que gostaria de saber por que foi destruída a VIII-696. Não tenho a menor idéia. Isso não faz sentido!

O Administrador-Geral não deu resposta. Foi para perto de Roi e pôs-se a contemplar com uma expressão sombria a pro­fusão de rendas que saía de baixo do capacete pertencente ao pesado traje de combate.

— Então, monsieur? — perguntou em tom penetrante. — Que acha que devemos fazer?

Roi riu despreocupado.

Olhou em torno um tanto indiferente e deu de ombros ao notar que as escotilhas acabavam de fechar-se de novo, e que as bombas estavam funcionando, enchendo a câmara com uma atmosfera.

— Ne m'en veuillez pas, Grandseigneur. — Não me leve a mal, Alteza. Não sei por que está tão nervoso. Só porque a VIII-696 deixou de existir?

Deu uma risada.

— No oitavo setor existem muitos ultracouraçados. Se os resultados da interpretação dos dados realizada por Natã mere­cem crédito, todas as espaçonaves de Old Man possuem cha­ves de conversão.

O Administrador-Geral também riu.

— Ainda bem, monsieur livre-mercador, que não tentou fugir à responsabilidade pela situação em que nos encontramos. Gosto de pessoas que sustentam os conselhos que dão. Mas de qualquer maneira o primeiro round foi vencido por Old Man. Perdemos equipamentos preciosos que se encontravam na na­ve destruída, inclusive o hiper-rádio e o transmissor. Somos de certa forma prisioneiros.

— Só enquanto quisermos, Grandseigneur. O Lorde-Almirante Atlan levantou a mão.

— Não se esqueça de que é possível que todos os ultra­couraçados desta seção tenham saído...

Roi abriu os braços num gesto patético.

— Ora, sire! Existem mais onze seções. Em uma delas cer­tamente poderemos arranjar uma espaçonave.

Atlan fez um gesto afirmativo. Parecia contrariado.

— Sem dúvida. Mas acho que, como estamos aqui, de­vemos tirar proveito da situação. Vamos penetrar na semi-esfera central. Procuraremos a chave-mestra para assumir o controle de Old Man.

Os homens trocaram impressões em voz baixa quando Orbiter Kaiman pediu a palavra pela primeira vez.

— Por favor, fale, caso tenha uma sugestão — disse Perry Rhodan. — Qualquer idéia será bem-vinda.

O oxtornense inclinou a cabeça calva, com um sorriso va­go no rosto. A pele oleosa brilhava através do capacete transparente.

— O lugar ao qual queremos chegar fica a cerca de cento e cinqüenta quilômetros daqui, senhor. E não é de esperar que possamos ir em linha reta. Por isso devemos acrescentar mais cinqüenta quilômetros pelas voltas que teremos de dar. São du­zentos quilômetros — um percurso muito grande para ser feito a pé, ainda mais que teremos de ser muito cuidadosos...

Rhodan confirmou com um gesto.

— Não pretendo ir a pé, Mr. Kaiman. O senhor mesmo pode calcular quanto tempo levarão dois teleportadores para teleportar a si mesmos e a vinte e um homens numa distância de cento e cinqüenta quilômetros.

— No máximo uma hora! — exclamou Gucky. Kaiman deu uma risada irônica.

— Segundo a interpretação feita por Natã, Old Man foi construído por seres humanos, não é mesmo?

Rhodan fez um gesto afirmativo e fitou o antropólogo com uma expressão de expectativa.

Roi Danton empalideceu. Já compreendera os receios do oxtornense.

As palavras que Orbiter Kaiman proferiu em seguida con­firmaram sua suposição.

— Quer dizer que os seres que construíram Old Man sa­biam que sua obra poderia precisar de uma proteção contra teleportadores...

Não precisou dizer mais nada. Os rostos dos companhei­ros mostravam que eles tinham compreendido.

— Muito bem... — principiou Rhodan.

— Espere aí! — interrompeu Gucky. — Mais vale experi­mentar. Deixe-me tentar. Não correrei nenhum perigo.

O Administrador-Geral recusou com um gesto enérgico.

— Nem pense nisso, Gucky. Por pouco você não foi des­truído com a VIII-696. Não quero assumir novamente um ris­co destes.

— Deixe que eu o acompanhe, senhor — pediu Kaiman. — Acho que tenho um meio de proteger-nos. É claro que não sou capaz de neutralizar um bloqueio antipsi.

Atlan examinou o oxtornense dos pés à cabeça.

— Quem é o senhor que se julga habilitado a falar assim, Mr. Kaiman?

— Um ser humanóide dotado de raciocínio, tal qual o se­nhor, lorde-almirante — retrucou o oxtornense.

Alguns homens riram.

Atlan dirigiu-se a Roi Danton.

— Então, monsieur, foi o senhor que trouxe este cavalheiro. O senhor garante que não fará nada que possa prejudicar nos­sos interesses?

— Nossos interesses? Isso é uma idéia muito vaga, sire — respondeu Roi em tom cauteloso. — Só posso garantir que não contrariará os interesses do Império Solar e não fará nada que possa prejudicar nossa expedição.

— Obrigado! — limitou-se a dizer Orbiter Kaiman. O arcônida ainda relutava.

— Vamos dar-lhe uma chance — disse Gucky em tom cir­cunspecto. — Se necessário, poderei tomar conta dele.

Finalmente Perry Rhodan tomou uma decisão.

— Está bem. Você pode fazer uma experiência, Gucky. Mas você tem ordem de voltar imediatamente, caso se encon­trem em perigo.

— De acordo, Chefe! — piou o rato-castor.

Foi saltitando para junto de Kaiman e segurou a mão dele.

— Pronto, senhor crocodilo?

— Pronto. Meu nome é Kaiman, senhor.

Via-se perfeitamente Gucky estufar o peito ao ser tratado por senhor.

— Está bem, senhor Kaiman — disse depois de algum tem­po. — Vamos dar o pulo.

 

O relatório de Don Redhorse mostrava de forma aproxi­mada a estrutura e a divisão da plataforma de Old Man. Gucky visou um lugar situado cerca de cinco quilômetros acima da câ­mara da eclusa. Se os dados fornecidos por Redhorse fossem corretos, o rato-castor materializaria no chamado convés prin­cipal, que dividia cada plataforma em dois grandes setores.

Ao que parecia, o salto fora bem-sucedido.

Gucky olhou cuidadosamente em volta. A parte do con­vés principal em que se encontrava parecia consistir somente de células retangulares entrelaçadas, não fechadas por paredes. O rato-castor só via fragmentos de paredes, soalhos e tetos. Cor­redores, alguns largos, outros estreitos, rampas em caracol e po­ços verticais atravessavam o labirinto.

Uma luz vermelha fantasmagórica envolvia o cenário, lan­çando inúmeras sombras nas estruturas confusas.

— Não gostaria de andar a pé por aqui — disse Gucky, apavorado. — Acho que dentro de um minuto cairia em vários buracos.

— Bastaria que caísse em um — constatou Orbiter Kai­man laconicamente.

Gucky soltou um assobio estridente.

— O senhor é um daqueles tipos que gostam de assustar os outros com seu humor fúnebre.

— De forma alguma, senhor! — retrucou o oxtornense com um sorriso. A luz mortiça dava um aspecto satânico a seu rosto. — Só quis preveni-lo para que não andasse por aí sozinho.

— Hum! — disse o rato-castor, fazendo de conta que não tinha ouvido a resposta de Kaiman. — Aqui deveríamos encon­trar um quadro tipicamente terrano. Mas em toda a minha vida agitada nunca vi uma construção terrana que apresentasse es­truturas interligadas como esta.

Gucky interrompeu-se para prestar atenção ao ruído que se fez ouvir de repente.

Parecia um gigante caminhando pesadamente em cima de­les. Dali a instantes o mesmo ruído veio de baixo, da esquerda

— para terminar de repente.

Os olhos de Gucky brilharam.

— Quando tivermos nocauteado Old Man, venderei a planta desta construção aos terranos da região britânica, que têm uma predileção toda especial pelos castelos mal-assombrados.

— A linguagem que usa dificilmente lhe abrirá as portas da nobreza da Inglaterra, senhor — respondeu Kaiman em tom de desaprovação. — Não se fala assim.

— E a gente não contesta os outros como o senhor faz! — retrucou Gucky, indignado.

O rato-castor quis cocar a cabeça, mas não conseguiu por causa do capacete.

— Droga! Deveria mandar construir um homenzinho que... Fitou o oxtornense com uma expressão de espanto.

O rosto de Kaiman era uma máscara de horror. Agarrou o rato-castor pelos ombros.

— Que história de homenzinho é essa?

Gucky esperneou para libertar-se da mão de Kaiman. Chia­va zangado. A pressão dos dedos do oxtornense fazia doer seus ombros.

Finalmente conseguiu libertar-se, teleportando alguns metros.

Mas isto o fez sair do corredor em arco. Gucky despencou.

Antes que pudesse aparar telecineticamente a queda, foi parar numa rampa e desceu em velocidade alucinante pela su­perfície em espiral.

De repente sofreu um forte impacto vindo de baixo. No mesmo instante os braços fortes do oxtornense arrancaram-no da rampa.

Gucky encolheu-se, pois esperava que Orbiter Kaiman vol­taria a sacudi-lo.

Mas o antropólogo colocou-o suavemente no chão. Gucky logo se recuperou do espanto.

— Por que não quer que me divirta um pouco num escorregador, seu brutalhão? Sempre tem de estragar a alegria dos outros?

Kaiman deu um sorriso apagado e apontou para a abertu­ra onde terminava a rampa em espiral. Em cima dela via-se uma placa luminosa com o sinal intercósmico do perigo de radiações mortais.

— Que é isso?

Orbiter Kaiman já não estava sorrindo.

— Deve ser a entrada de um conversor, senhor.

O rato-castor também perdeu o senso de humor quando compreendeu o sentido das palavras de Kaiman.

Nenhuma raça inteligente do Universo instalava seus con­versores atômicos de tal forma que alguém pudesse cair neles por acaso.

Mas ali bastaria um passo em falso para que se descesse por uma rampa que poderia parecer bem normal — salvo quan­to ao fato de que terminava num túnel que levava a um con­versor atômico.

Logo, a parte do convés principal da Seção VIII em que se encontravam era uma armadilha mortal. Quem parava lá ti­nha um encontro marcado com a morte.

O fato de que sobre a abertura do túnel da morte estava instalado o sinal intercósmico do perigo de radiações mortais era uma demonstração de sadismo. A vítima infeliz seria avisa­da da morte que a esperava, sem que pudesse fazer nada, a não ser que um homem com a força tremenda do oxtornense Hawk a arrancasse de junto da entrada do túnel.

— Acho que é preferível teleportarmos de volta, Mr. Kai­man — disse Gucky em tom deprimido.

Orbiter Kaiman encarou-o.

— Você sabe ficar calado, Gucky? — perguntou finalmen­te.

O rato-castor ficou com as orelhas em pé e a boca entrea-berta.

— Ficar calado...?

— Não se faça de mais bobo que você é, baixinho! Gucky pôs as mãos nos quadris.

— Mai bobo que eu não é... Ora! Que liberdades são es­tas, crocodilo? Primeiro me chama de você sem pedir permis­são e depois me ofende!

— Espere aí! — retrucou Kaiman com a voz apagada. — Peço desculpas por tê-lo tratado de você. Pensei que estivesse lhe fazendo um favor, para que não precisasse chamar-me mais de senhor Kaiman.

— Bobagem! Se quiser, pode chamar-me de Gucky, e eu o chamo de Orb ou coisa que o valha. O fato de já ter conheci­do mais de uma pessoa com o mesmo prenome que você não o torna melhor. Além disso tenho a impressão de que você não é apenas antropólogo — se é mesmo. E se for assim, seu nome não é Orbiter Kaiman e você não se importa de ser chamado desta ou daquela forma. Sacou?

— Entendi perfeitamente. Mas sua linguagem quase che­ga a ser vulgar. Quer dizer que você confessa que desconfia de meu... bem, de meu homenzinho?

Gucky fitou o oxtornense por algum tempo como quem não entendeu nada. Finalmente bateu com a palma da mão na parte do capacete pressurizado que cobria a testa.

— Ora, meu chapa! Ainda bem que Bell não sabe da ver­gonha que passei. Então foi por isso que você ficou furioso quan­do falei no homenzinho. Pensava que estivesse me referindo à coisa que carrega no ombro.

— Não foi isso? Nesse caso já começo a compreender. É claro que retiro tudo que disse a respeito de você se fazer de bobo, baixinho.

— Muito obrigado. Como é mesmo a coisa com o homen­zinho, Orbi?

Orbiter Kaiman respirou profundamente.

— Little Man é um robô que sabe muito mais a respeito do Universo do que eu jamais seria capaz de aprender. Ele me dá conselhos quando preciso, alerta-me contra os perigos e ainda faz outras coisas. Em compensação carrego-o comigo, faço-lhe companhia e dou-lhe oportunidade de experimentar suas teo­rias na prática.

— Hum! — fez Gucky. — Quer dizer que é uma espécie de simbiose com um robô?

— Talvez se possa chamar a coisa por esse nome. Mas que­ro pedir-lhe que não fale com ninguém sobre o segredo que aca­bo de contar. A única pessoa que sabe disso além de mim é Janine. Parece que Roi Danton também desconfia de alguma coisa. Este livre-mercador é um sujeito notável. Não me admi­rarei nem um pouco se dentro de alguns anos seu nome andar na boca dos habitantes do Império.

— Sou capaz de apostar que estará. Este jovem esconde seu verdadeiro caráter atrás de um disfarce bem estudado. Tem uma coisa parecida com o Administrador-Geral na juventude, quando ele estava empenhado em transformar os terranos na maior potência da galáxia.

Gucky assobiou para reforçar suas palavras.

— Não se preocupe por causa do seu segredo, Orbi. Pos­so ficar calado que nem um túmulo. Que frase tola. Quem não tem boca não pode ficar calado. Pode é ficar mudo. Este Bell! Vive soltando expressões cada vez mais estúpidas, e eu caio nisso.

— O reconhecimento do erro é o primeiro passo da correção.

— Como? O que diz seu Little Man sobre a idéia de teleportarmos se volta? — Gucky deu uma risadinha. — Que coisa engraçada! Trouxemos um Little Man para dentro do Old Man.

Levantou a mão quando viu que Kaiman ia dizer uma coisa.

— Um instante, Orbos. Acabo de me lembrar o título que poderei dar à minha epopéia cósmica. O homem velho e o ho­mem pequeno. Que tal? Ou então: E agora, homem pequeno? Mas isto seria um plágio. Fiquemos no primeiro título, que chei­ra a Hemmingway.

Orbiter Kaiman deu uma estrondosa gargalhada. Mas logo voltou a ficar sério.

— Receio que o Homem Pequeno já não se encontre den­tro de Old Man, baixinho. O estilo que estamos encontrando aqui não corresponde ao fato provado de que tudo que existe em Old Man foi construído segundo os princípios terranos...

— E isso faz alguma diferença?

— Faz muita diferença! Receio que durante a teleportação tenhamos ficado sob a influência de um campo defensivo, que nos levou a uma armadilha que pode ficar em toda parte e em parte alguma, mas nunca dentro de Old Man.

— Compreendo. Vamos verificar onde estamos.

— Não custa tentar — respondeu o oxtornense em tom seco.

 

— Onde será que eles se meteram?

Perry Rhodan saltitava nervosamente de um lado para ou­tro. Instintivamente segurou a arma energética com mais força, ao ver dois robôs de combate passarem a poucos metros de dis­tância. Mas as máquinas não notaram a presença dos intrusos.

Uma figura monstruosa que usava o traje de combate da Frota Solar adiantou-se.

Era Ivã Ivanovitch Goratchim com seus dois metros e meio de altura e uma largura correspondente. Mas a característica de mutação que mais chamava a atenção nele eram as duas cabe­ças, cada qual com seu próprio cérebro e, portanto, com uma personalidade independente. Uma destas cabeças era chama­da em tom de brincadeira de Ivã e a outra de Ivanovitch, embo­ra as duas palavras pertencessem ao mesmo nome. Ivanovitch significava que o pai de Ivã também se chamara de Ivã.

Tratava-se de um homem nascido na Sibéria, que era uma mutação negativa — mas só quanto ao aspecto exterior. Atrás da fachada externa escondia-se a paracapacidade de, por meio da força concentrada dos dois cérebros, desencadear a grande distância o processo de fusão nuclear nos átomos de carbono e hidrogênio. Por isso era conhecido como o mutante detonador.

— Posso fazer uma sugestão, senhor? — perguntou Go­ratchim em tom humilde.

Sempre era humilde, este homem de estatura gigantesca — e dedicava ao Administrador-Geral a devoção típica de um homem que passara a infância, a juventude e os anos de matu­ridade numa atmosfera de medo, desconfiança e repugnância, até que apareceu Perry Rhodan, que foi o primeiro a tratá-lo como aquilo que realmente era: um homem com direitos iguais aos dos outros.

Isto fazia mais de quatrocentos anos, e desde então a vida de Ivã sofrerá uma mudança radical. Mas como o mutante não envelhecera depois de ter recebido o ativador de células, sua lealdade para com Rhodan também não diminuíra.

Perry estimulou o companheiro com um sorriso.

— Pois não, Ivã Ivanovitch! Pode falar.

— Obrigado, senhor. Queria sugerir que saíssemos cami­nhando para cima.

Apontou com a cabeça para o teto da câmara da eclusa.

— Gucky já deveria ter voltado há tempo do salto que deu para o convés principal. Receio que tenha caído numa armadi­lha, senhor.

— Também tenho este receio! — exclamou John Marshall.

— Pelo menos não se arrisca a fazer qualquer movimento. Nem mesmo desativa seu neutralizador de impulsos individuais por um instante que seja, para transmitir uma mensagem telepática.

— Não compreendo — observou Roi Danton. — Afinal, Monsieur Kaiman foi com ele. Tenho certeza de que o oxtor­nense representa uma ajuda maior para ele do que o senhor ou eu, por exemplo, poderíamos oferecer.

— O senhor deve saber, Monsieur Danton! — disse Perry Rhodan em tom sarcástico. — Afinal, foi por recomendação sua que demos nossa permissão para a operação.

— Ninguém é perfeito, Grandseigneur. Para qualquer ho­mem chega o momento em que se defronta com alguém ainda melhor — ou com alguém que seja melhor no caso de que se trata.

— Quer dizer que o senhor também é a favor de um avan­ço para o convés de cima?

Roi fez uma mesura.

— Oui, Grandseigneur! Mas faço uma ressalva. Pelo me­nos um dos cavalheiros presentes tem de ficar aqui para infor­mar Gucky, caso ele volte.

— Acho que é uma proposta sensata — exclamou Atlan.

— Também acho — respondeu o Administrador-Geral.

— Caso não tenha nenhuma objeção, fique aqui, Monsieur Danton.

— Também fico, senhor! — exclamou Janine Goya. — Or­biter sem dúvida voltará com o rato-castor, e ficará muito admi­rado se não me encontrar.

— Está certo, Miss Goya — respondeu Rhodan. — Assim pelo menos haverá alguém para cuidar deste monseigneur leviano.

 

Orbiter Kaiman hesitou um instante antes de pôr os pés na ponte estreita e graciosa. Ainda bem.

Numa fração de segundo a ponte desmanchou-se comple­tamente, sem que restasse nada. Um abismo de seis metros de largura abriu-se entre os dois recintos em forma de disco.

Para um oxtornense seis metros em condições gravitacionais iguais às da Terra só representavam meio passo.

Kaiman pôs a mão para trás, levantou o rato-castor e colocou-o sobre o braço. Em seguida ultrapassou o abismo sem qualquer esforço visível.

Pousou sobre ambos os pés ao mesmo tempo. Estava com o rosto tenso. Soltou o ar aliviado ao notar que desta vez o chão em que pisava era estável.

Gucky também soltou um suspiro de alívio, mas depois dis­so não pôde abster-se de uma de suas observações provocadoras.

— Não precisa tremer tanto, Orblich. Se o chão fosse uma fata montana...

— Fata morgana! — corrigiu Kaiman.

— Foi o que eu disse: Moloch Fatala. Bem, se fosse um buraco fatal, eu teleportaria com você. Posso transportar-me em segurança absoluta dentro de um raio pequeno.

— Hum! — fez o oxtornense. — Vi isso há pouco, quan­do você se teleportou para o escorrega da morte. É melhor não andar dando pulos. É possível que da próxima vez não haja nin­guém para tirar-nos do conversor.

— Mas é bom que você saiba que se houver uma emer­gência serei o salva-vidas. E o fato de saber disso fará com que se sinta bastante seguro para tirar-nos daqui.

— Ora veja! — respondeu Orbiter.

Colocou o rato-castor no chão e subiu uma rampa peque­na. Voltou depois de algum tempo.

— Descobri um caminho relativamente bom, Gucky — dis­se. — Quer ser carregado ou prefere andar sozinho?

— Quero andar sozinho! — respondeu Gucky em tom exaltado, mas apressou-se em acrescentar: — Pelo menos seria capaz, se quisesse. Mas não quero. Sendo carregado por você poderei teleportá-lo mais depressa a um lugar seguro, caso isso se torne necessário.

O oxtornense sorriu.

Já descobrira que o rato-castor não gostava de andar. Isso não era de admirar, diante de seu corpo desajeitado em forma de pêra, que era pesado demais para as perninhas frágeis. Era possível que antigamente, quando ainda vivia no planeta Tramp, Gucky fosse mais esbelto, pois lá não usava o dom da telepor­tação.

Kaiman colocou o rato-castor sobre o braço direito e subiu agilmente a rampa. Uma plataforma oval apareceu à frente de­les. Parecia flutuar no ar, mas o fato era que sustentava o peso dos dois seres, e era o que importava.

Orbiter Kaiman olhou em volta, mas não viu sinal da exis­tência de outras formas de vida.

Acontece que cerca de meia hora antes tinham ouvido ruí­dos parecidos com as pisadas de um gigante — ou de um robô!

O oxtornense atravessou rapidamente a plataforma. Depois dela descia uma rampa em espiral, com paredes de dois metros de altura, abauladas para dentro. A rampa parecia terminar junto a uma esteira tansportadora.

Orbiter não confiou nas aparências.

Era bem possível que aquilo que parecia uma esteira se transformasse na boca de uma máquina mortal quando come­çassem a descer pela rampa. E ninguém sabia o que acontece­ria com a esteira transportadora depois que alguém pusesse os pés nela.

O oxtornense sentou na beirada da plataforma e esticou o pé, para testar a realidade da plataforma vizinha. Encontrou resistência.

Assim mesmo saltou para dentro de uma armadilha.

Teve a impressão de que fora parar numa massa viscosa, que impedia seus movimentos.

Percebeu que, embora conservasse a liberdade de movi­mentos, não conseguia avançar um passo. Parou.

— Que houve? — perguntou Gucky. — Quer que eu fa­ça uma teleportação?

Kaiman quis sacudir a cabeça, mas só conseguiu fazer um movimento quase imperceptível.

— Não, Gucky. Vamos esperar um pouco. Preciso refletir. Fechou os olhos e “chamou” Little Man.

Dali a alguns minutos, quando voltou a abri-los, Gucky per­guntou em tom irônico:

— Então? Qual é a sugestão de Little Man?

Kaiman não ligou para o tom de voz usado por Gucky.

— Ele acha que devemos teleportar para a fase de ultravibrações — respondeu, sério.

— A fase de ultravibrações? Que vem a ser isso?

— Little Man diz que quando chegarmos lá perceberemos. Não adianta perder tempo com explicações. Antes do início da ultrafase teremos de atingir uma área de instabilidade máxima.

— Seu Little Man usa uma linguagem enigmática, meu chapa. Será que quando fala em instabilidade máxima ele se refere ao estado destes elementos estruturais cósmicos?

— Little Man vê as coisas de forma um pouco diferente, Gucky. Para ele aquilo que vemos como uma estrutura fragmen­tária é uma alteração seletiva das tensões cósmicas.

— Parece ser um sujeito muito estudado. Vamos ver se en­contramos a área de instabilidade máxima nesta confusão sele­tiva. Perry já deve estar todo nervoso porque não voltamos.

Um sorriso forçado apareceu no rosto de Orbiter Kaiman.

Empurrou-se fortemente da plataforma. Aquilo que impe­dira seu deslocamento horizontal não representava nenhum obs­táculo aos movimentos verticais.

Quando se encontrava a uns dez metros de altura, o oxtornense agarrou uma estrutura saliente, subiu nela e saiu ca­minhando, entrando numa área na qual as figuras bizarras iam se desmanchando no nada assim que eram tocadas.

 

Roi Danton fitou o grupo que se afastava com uma expres­são tensa. Os homens passaram em fila indiana por uma das escotilhas abertas, mantendo-se junto às paredes. Constante­mente apareciam robôs trabalhadores no corredor ao lado, e qualquer colisão teria revelado a presença dos homens.

Os companheiros desapareceram num corredor lateral. Roi pigarreou e dirigiu-se à bela oxtornense.

— Janine Goya... — disse, pensativo. — Um dos seus an­tepassados não se chamava Francisco José...?

— Não foi propriamente um antepassado meu — respon­deu Janine com um sorriso. — Francisco era parente de meus bisavós. Não deixou descendentes legítimos.

— Pois é... É estranho que os grandes nomes do passado continuem a ser encontrados hoje em dia. O grande pintor e entalhador Francisco José de Goya — e Danton, o herói revo­lucionário. Os dois viveram mais ou menos na mesma época, e seus descendentes diretos ou indiretos se encontram no siste­ma de Vega, na câmara da eclusa de um robô gigante...

— Pare de dizer bobagens! — disse Janine em tom enér­gico. — O senhor não descende do revolucionário Danton!

Roi colocou a mão sobre o coração.

— Mademoiselle, meu nome é Roi Danton. Pouco importa que meu parentesco com Georges Jacques seja de natureza fí­sica ou espiritual. Um dia ele e eu apareceremos como revolu­cionários nos relatos históricos.

Um sorriso de desprezo aflorou aos lábios de Janine Goya.

— Será que o senhor pretende armar uma revolução con­tra Perry Rhodan?

— Que é isso, mademoiselle? Os livres-mercadores são ci­dadãos leais do Império. Não temos a intenção de pôr em peri­go a unidade do gênero humano. Nossa revolução é dirigida contra o espírito conservador sob todas as formas, contra a estratificação do espírito e o perigo constante da decadência.

— As raças incluídas pelos senhores nas malhas do comér­cio cósmico certamente não tenderão para a decadência. Fo­ram exploradas demais pelos senhores.

— Negócios são negócios, mademoiselle. Cada um toma o que consegue agarrar e dá o que é absolutamente necessário.

Roi sorriu.

— A senhora nunca poderá afirmar que qualquer raça des­coberta por nós e introduzida no comércio cósmico tenha ex­perimentado um rebaixamento do nível de vida. Todas as raças ganharam, embora não tanto como nós.

— Assim mesmo houve uma exploração, Monsieur Dan­ton. É por isso que aprecio o espírito conservador dos velhos mercadores britânicos do século dezenove.

— Eles às vezes ganhavam mais de mil por cento numa mercadoria, Mademoiselle Goya. Acha isso um exemplo positivo?

Janine virou o rosto, aborrecida.

— Com o senhor ninguém pode. Acho melhor tratarmos de descobrir um meio de ajudar Orbiter.

Roi sorriu.

— Acha que somos mais competentes que o Pequeno Ho­mem pertencente a seu prezado parceiro?

— Bobagem! Little Man ainda tem de... Oh!

— Ora veja! Quer dizer que ele se chama mesmo de Ho­mem Pequeno. Interessante! É um robô?

Janine olhou-o com uma expressão zangada. Pôs a mão direita instintivamente na arma energética pesada que acabara de enfiar no cinto. Mas acabou fazendo um gesto resignado.

— Não me venha outra vez com isso, Danton, senão não sei do que serei capaz!

— Excusez mon importunité! — murmurou Roi. — Des­culpe a insistência.

Janine deu uma risada, o que levou Roi a repetir a pergunta.

— O que quis dizer quando afirmou que Little Man ainda tem de...? Tem de aprender? Ou o que é?

Janine cerrou firmemente os lábios e não disse uma palavra. Roi bocejou e encostou-se à parede.

— Se é assim não posso fazer nada por seu querido Orbiter.

Se pensara que isso levaria Janine Goya a revelar o segre­do de Little Man, estava muito enganado. Janine ficou calada.

Dali a cerca de dez minutos o grupo comandado por Rhodan voltou.

O Administrador-Geral parecia confuso, o que deixou Roi mais assustado que os outros, pois ninguém melhor que ele para saber que normalmente seu pai não se deixava confundir.

— Não conseguimos passar — disse Atlan. — A uns qui­nhentos metros daqui começa uma coisa que nem podemos de­finir dentro dos conceitos de que dispomos. Pode ser uma curvatura das linhas do tempo e do espaço, ou uma espécie de la­birinto semimaterial. Não sei.

 

O chão desmanchou-se embaixo de seus pés.

Orbiter Kaiman deu um salto para a direita, atravessou uma coisa que acreditara ser uma parede sólida de aço e entrou na sucção de um campo gravitacional orientado de baixo para cima.

Gucky agarrou-se ao oxtornense e virava a cabeça, com os olhos arregalados. Para ele o ambiente era ainda mais assus­tador que para Kaiman, pois nele suas parafaculdades eram pra­ticamente inúteis.

Desligarei meu neutralizador individual por um instante — disse. — Talvez consiga estabelecer contato telepático com John Marshall.

Kaiman limitou-se a fungar indignado. Acabara de bater com a cabeça num teto que pouco antes não estivera lá. Havia uma reentrância em forma de bacia no material que emitia um brilho estranho.

Kaiman empurrou-se com a mão, uma vez que a força gravitacional se mantinha constante. Desceram, primeiro depres­sa, depois cada vez mais devagar. O oxtornense conseguiu agar­rar uma saliência em forma de língua. Puxou-se para cima, fi­cou balançando alguns instantes com as pernas voltadas para o alto, uma vez que a saliência era elástica e cedia aos movi­mentos — e entrou rapidamente numa abertura em forma de paralelograma.

Ficou ocupado algum tempo libertando-se de uma confu­são de fios pegajosos.

Finalmente levantou gemendo.

— Você disse alguma coisa, baixinho?

— Ululum! — fez Gucky.

Orbiter deu uma risada e afastou a confusão de fios que cobria a boca do rato-castor.

— Que coisa nojenta! — praguejou Gucky. — Nem con­segui afastar isto telecineticamente.

O rato-castor deu uma cuspida.

— Há pouco fiz uma sugestão. Quero desativar meu neu­tralizador indidividual por um instante para estabelecer um bre­ve contato telepático com Marshall.

O oxtornense pôs-se a refletir por um instante. Finalmente fez um gesto afirmativo.

— Acho que não pode fazer mal. Parece que não esta­mos dentro de Old Man.

O rato-castor levantou a mão e apertou um botão dos comandos-mestres embutidos em seu cinto.

— Alô, John! — pensou o mais intensamente que era ca­paz. — Transmitia um impulso ligeiro caso esteja me ouvindo. Marshall não responde! — murmurou, decepcionado.

Voltou a tentar.

Na terceria tentativa teve a impressão de que estava rece­bendo um impulso muito fraco. Mas quando a recepção me­lhorou só conseguiu identificar uma vibração dolorosa.

Informou o oxtornense.

— Uma vibração? — disse Kaiman. — Um instante!

Mais uma vez teve-se a impressão de que inclinava a cabe­ça para a esquerda, na direção em que estava a semi-esfera de Little Man. Parecia que estava na escuta.

— É a fase das ultravibrações! — exclamou. — Nós a pe­gamos, Gucky.

— Não. Foi ela que me pegou! — retrucou o rato-castor com a voz triste. — Tenho a impressão de que há mil ratos roendo meu cérebro.

— É estranho. Não sinto nada.

— Deve ser porque... Ai! Meu juízo está estourando! Gucky ficou gemendo alguns minutos.

— Provavelmente isso só atinge seres que possuem uma parafaculdade! — disse numa pausa entre as dores.

Orbiter Kaiman não respondeu.

O oxtornense ficou rígido que nem uma estátua.

Só havia um pensamento em sua cabeça.

— Tomara que nos encontremos na área de instabilidade máxima!

 

O desespero estava estampado nos rostos dos homens. Ti­nham descoberto que não havia nenhum caminho que levasse para cima. Isto significava que não podiam ajudar o rato-castor e o oxtornense, além de destruir as esperanças de se apodera­rem de outra nave e fugir nela.

— Não compreendo — disse Ivã Ivanovitch Goratchim. — A combinação tempo-espaço por nós encontrada parece indi­car que os rastreadores de Old Man detetaram uma coisa sus­peita no setor oito. Se é assim, por que os robôs de combate e de trabalho fazem de conta que não sabem de nada? Há uma contradição nisso.

Perry Rhodan levantou os olhos para um robô de combate que passou a um metro do lugar em que se encontrava.

O monstro de modelo terrano passou calmamente, sem vi­rar a cabeça.

— Não, os robôs estão informados — cochichou, nervo­so. — E pelas experiências que fizemos com sistemas de alar­me e alerta, isto só pode significar que Old Man não sabe que nos encontramos na seção VIII.

— E Orbiter? E Gucky? — gritou Janine Goya. — Deve­riam ter voltado há tempo, se não tivessem sido aprisionados, postos fora de ação... ou até mortos por algum mecanismo de segurança.

— Existe mais uma única possibilidade — objetou Tako Kakuta.

Todos os olhares convergiram no teleportador terrano. Na área da teleportação Kakuta possuía tanta experiência quanto Gucky. Talvez fosse quem estava em melhores condições de ava­liar a situação.

— E possível que Gucky tenha errado no salto. Talvez ma­terializou em outra seção de Old Man.

Deu de ombros como quem não sabe o que fazer.

— Naturalmente não é necessário dizer que é bastante im­provável que o rato-castor tenha cometido um erro destes. Nin­guém melhor que eu para saber que costuma fixar o alvo com a maior precisão, e que sempre regula a energia do salto segun­do as coordenadas visadas

— Uma armadilha de teleportadores automática, que fun­cionasse independentemente, não poderia...? — principiou Goratchim.

Kakuta sacudiu a cabeça.

— Teoricamente essa possibilidade existe, mas na prática isso fatalmente teria provocado um alarme geral, Ivã. Não se esqueça de que qualquer ser não dotado de faculdades parapsíquicas — e entre estes seres se incluem os robôs que possuem consciência de sua individualidade — assume instintivamente uma atitude de defesa diante dos mutantes. Se na seção VIII existisse uma armadilha de teleportadores, a reação teria sido tipicamente alérgica.

Roi Danton suspirou.

Tinha uma idéia bem definida sobre o valor dos debates científicos, quando chegam a um ponto morto.

— Quero ver o início do labirinto semimaterial — disse em tom resoluto.

Empurrou dois homens que se encontravam à sua frente e saiu caminhando em direção à escotilha pela qual tinham vol­tado seu pai e os homens que o acompanhavam.

— Irei com o senhor! — exclamou Janine Goya. Saiu correndo atrás de Roi e alcançou-o perto da escotilha.

— O que é isso? — perguntou Atlan. — Acha que encon­trará uma coisa que nós não vimos?

Roi Danton não deu atenção às palavras do arcônida.

Teve de fazer um grande esforço para manter-se perto da oxtornense. Janine caminhava muito depressa e Roi foi obriga­do a correr para não ficar atrás.

— Dobre para a esquerda! — disse quando tinham per­corrido cem metros.

Roi sabia perfeitamente por onde tinha seguido o grupo dirigido por seu pai.

O estranho labirinto devia começar dali a mais algumas cen­tenas de metros.

Percorreram mais uns cem metros, mas não descobriram nenhum labirinto. Robôs de trabalho e de combate vieram ao seu encontro, em atitude normal.

Finalmente Janine parou.

— Aqui não existe nenhum labirinto.

Roi estava ofegante. Nunca andara tão depressa.

— Desapareceu! — exclamou. — Não está mais aqui. Em seguida ligou o telecomunicador embutido em seu ca­pacete para o alcance máximo.

— Danton falando, messieurs. Não encontramos labirinto nem coisa parecida. Câmbio e desligo.

Não houve resposta.

Mas dali a instantes Tako Kakuta materializou a seu lado e olhou em volta, espantado.

Depois de mais alguns minutos Perry Rhodan, Atlan e Go­ratchim apareceram na primeira curva do corredor. Os outros membros do grupo vieram atrás deles.

Neste instante uma voz muito conhecida, aguda e atrevi­da, se fez ouvir.

— Por que todo esse drama? Por que fogem quando apa­reço? Gostaria de ser recebido com um pouco de entusiasmo, embora não esperasse flores.

 

— A situação tornou-se muito mais complicada que no iní­cio — disse Perry Rhodan, comentando os últimos acontecimen­tos. — Gucky e Mr. Kaiman foram parar num labirinto formado por figuras instáveis e ficaram presos nele. Enquanto isso nós nos defrontamos com um labirinto aparentemente semimate­rial, a apenas algumas centenas de metros da câmara da eclusa.

“Os dois labirintos desapareceram de repente e quase ao mesmo tempo, no momento em que no ponto em que se en­contrava Gucky se verificou a coincidência da instabilidade má­xima com a chamada fase de ultravibrações.

“Parece que Old Man não percebeu nada.

“Dali se há de concluir que esses conhecimentos se verifi­caram sem o conhecimento e a colaboração do robô gigante. Se não fosse assim, a esta altura estaríamos sendo caçados.”

Rhodan olhou para os companheiros.

— Caso alguém tenha uma boa sugestão, fale. Para des­cobrir a solução precisamos da colaboração intelectual de todos.

— Acho que devemos fazer um teste, senhor — propôs Tako Kakuta. — Concentro-me nas coordenadas do convés prin­cipal e salto.

O Administrador-Geral levantou as mãos num gesto de recusa.

— De forma alguma. É bastante provável que o labirinto — ou seja lá o que for — seja ativado pela liberação de grandes quantidades de paraenergia. Não sabemos se da próxima vez as conseqüências não serão piores.

— Colhemos um grande volume de dados — observou Atlan. — Sugiro que ocupemos outro ultracouraçado e usemos o sistema positrônico normal do mesmo para interpretar os fatos

— Seria muito perigoso! — objetou Roi Danton. — Se ma­nipularmos os computadores positrônicos de uma de suas na­ves, Old Man descobrirá imediatamente. Além disso receio que um cérebro positrônico não nos possa dizer nada além daquilo que já sabemos.

Fitou o oxtornense. Era como se quisesse dizer: Se não fos­se assim, seu Pequeno Homem já teria contado.

— Temos de conformar-nos com uma coisa — disse em tom decidido. — Voltamos ao ponto de partida. Os dois teleportadores só podem atuar de forma muito restrita, e temos que deixar de lado o tal do labirinto enquanto não tivermos resolvi­do o problema principal.

— Quer dizer que devemos avançar para o centro de con­trole instalado na semi-esfera? — perguntou Perry Rhodan.

— Isso mesmo.       

O Administrador-Geral confirmou em silêncio.

— Qual é sua opinião, amigo? — perguntou a Atlan. O arcônida suspirou.

— Aceito a sugestão. Nunca serei a favor da fuga.

— A não ser que se trate de uma fuga para a frente — retrucou Rhodan com um sorriso irônico. — É o que faremos daqui em diante.

 

                                                                                            H. G. Ewers  

 

                      

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