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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


NOITE DE AMOR / Corin Tellado
NOITE DE AMOR / Corin Tellado

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

NOITE DE AMOR

 

Várias pessoas estavam diante do leito de Lorde Schneider: o administrador geral, Otto Linger, tendo ao lado o notário, Maurus, pensativo e silencioso; mais além, por onde entrava o sol de março, postada à janela estava à velha governanta Dana, que dirigira o castelo de Schneider desde que o Lorde tinha três anos de idade.

Dana vira Lady Schneider morrer quando Diana viera ao mundo. Vira o Lorde envelhecer e a pequena crescer. Agora, a menina se agarrava às suas saias enquanto o pai agonizava no leito.

Tinha oito anos, e os olhos altivos e desdenhosos. Bastava-lhe olhar para o leito para que os seus olhos se enchessem de lágrimas. Dana segurou a sua mão e a apertou com força.

— Leve-a daqui — pediu o Lorde. — A pobre menina nunca me viu doente.

Dana saiu do quarto com a menina.

Otto Linger se inclinou para diante do Lorde e disse:

— Estamos sós, milord. Diga-me o que deseja.

— Bert Wiler...

O administrador e o notário se entreolharam.

— Refere-se ao cavalariço?

— Sim...

— Não faça esforço, milord.

— Preciso dizer... Antes de morrer.

Mas a porta do quarto se abriu, interrompendo o ancião. O médico entrou.

— Doutor... — sussurrou o moribundo.

— Não fale, milord, não diga nada. Vejamos o seu pulso...

O médico examinou o enfermo durante algum tempo.

— Bem, pode falar — disse por fim, dando a entender que de uma maneira ou de outra Schneider iria morrer. — Mas não se excite, por favor. Fale só se for muito importante.

— Deseja modificar o testamento? — perguntou o notário.

— Não, não é preciso. Só tenho uma herdeira... Diana, minha filha... Quero que a mande para longe, Otto, longe daqui... Quero que um dia seja uma grande dama...

— Tranquilize-se milord. Juro que velarei por Lady Schneider até a minha morte.

— Obrigado, Otto. Agora quero falar de Bert Wiler... Tire-o daqui, Otto... Não devia ter deixado que fosse um cavalariço . Seu pai...

Interrompeu-se, não conseguindo mais pronunciar as palavras. O médico deu uma injeção e a vida pareceu voltar.

— O avô era mulato, mas seu pai nunca o disse à esposa. Quando Bert nasceu, ela o abandonou. O pai de Bert Wiler se suicidou . Ela... Ela...

Os três se inclinaram para o moribundo.

— Milord...

— Todos o odeiam por sua cor... Ela jamais quis vê-lo, repudiou-o...

— Quem é ela? — perguntou o notário. — Será importante para Bert saber quem foram seus pais.

— Ele era um músico e ela uma grande dama... Eu, meu pai... Todos desaprovavam... Depois... Água... Água!...

Otto lhe deu água. Schneider estava pálido e trêmulo. Queria continuar a falar, mas a cabeça lhe tombou para trás e ele perdeu os sentidos.

— Que devo fazer, doutor? — perguntou o tabelião. — O futuro desse rapaz depende do que milord disser.

— Sim, mas não posso lhe dar mais injeções. Devo avisar que esta conversa está apressando a morte de milord...

Schneider abriu os olhos novamente, Balbuciou:

— Eu também o odiei... Ele era o motivo da amargura dela... Mas agora, vou morrer, Otto, repare meu erro e cuide de seu futuro... Ele não tem culpa.

Dessa vez, quando sua cabeça pendeu, ele não pôde mais endireitá-la. O médico lhe fechou os olhos, comentando:

— Nada ficamos sabendo...

— Pelo menos sabemos que é dever do administrador zelar pelo futuro do rapaz — disse o tabelião .

Toda a nobreza de Londres compareceu ao castelo para dar pêsames à jovem herdeira. Diana tinha os olhos vermelhos de tanto chorar, e de vez em quando ainda fungava um pouco.

Por fim, alguns homens vestidos de preto levaram o caixão para o jazigo da família.

Depois, os luxuosos automóveis se afastaram pela estrada em direção a Londres.

Diana segurou a mão de Dana e recomeçou a soluçar amargamente:

— Estou sozinha...

— Não, Diana, eu estou a seu lado. E também Otto e Bill Sharp, todos gostamos de você. Nunca ficará sozinha.

— Mas papai não vai estar mais comigo. Tenho certeza de que ninguém gostará de mim como ele gostava.

Dana se virou ao ouvir uma tosse discreta.

— Que deseja, Bert?

Bert tinha dezoito anos e era um rapaz simpático, muito moreno, de cabelos e olhos muito pretos e lábio um pouco grossos.

— Queria dar meus pêsames à milady — disse, meio sem jeito.

— Não preciso! — gritou Diana, hostil. — Não preciso de pêsames de um mulato feio!

Bert não respondeu. Fez uma reverência e se retirou.

— Não foi, boa com o pobre Bert — sussurrou Dana, acariciando os cabelos de Diana. — Não tem direito de lhe falar assim. Ele vive sozinho, ninguém o quer por causa de sua cor...

— Direi a Otto que o despeça. Não gosto dele.

Dana não respondeu. Era a única que gostava de Bert.

No dia seguinte o testamento foi lido. Diana era a herdeira universal dos bens de Schneider e Otto Linger era nomeado administrador da fortuna e tutor de Dana. Schneider pedia a Dana que jamais se separasse de Diana quando esta voltasse do colégio, e não tocava no nome de Bert.

Otto teve uma conversa com o tabelião e resolveram levar a menina para um colégio da Suíça. Depois, quando voltassem, cuidariam do futuro de Bert.

— Algum dia eu posso faltar — disse Otto — e Bert pode perfeitamente me ajudar. Assim que receber alguma instrução, vou nomeá-lo capataz da fazenda.

— Seria este o desejo de Lorde Schneider?

— Não sei ao certo. Ele queria que garantíssemos o futuro de Bert. Creio que basta uma instrução rudimentar. Não adiantará fazer longos estudos.

— Tem razão.

— Então está de acordo?

— Sim, mando-o a Londres. Dentro de um ano poderá ser muito necessário aqui. Como advogado dos Schneider, aconselho-o a não perder tempo. Agora todos o odeiam, mas quando voltar talvez tenha adquirido experiência e se imponha diante de seus companheiros.

— Não creio.

Bert foi mandado para Londres e se instalou numa pensão, passando a receber aulas de um professor particular. Em breve se acostumou à sua nova vida, fazendo alguns amigos. Mas era um rapaz muito retraído e nem sempre se dava bem com as pessoas que o rodeavam.

Soube que Diana fora enviada a um colégio da Suíça e se alegrou ao pensar que talvez nunca mais a visse. Mas nisto ele se enganava.

Ao cabo de um ano, Otto foi a Londres e se entrevistou com o professor de Bert.

Queria que o rapaz voltasse com ele, mas o professor lhe disse que Bert precisava estudar mais um pouco.

Otto recebeu a mesma resposta no segundo, terceiro e quarto anos, e por fim sua paciência se esgotou.

Bert ouvira a conversa por trás de um tabique e, duas horas mais tarde, foi ao hotel onde Otto se hospedava. Disse que estava à sua disposição e Otto resolveu que voltariam ao castelo na manhã seguinte.

— Não sei por que foi tão bondoso comigo — disse Bert. — De qualquer modo, fico-lhe muito grato.

— Não é a mim que deve agradecer, e sim ao finado Lorde. Por isto espero que me acompanhe ao castelo de bom grado. Há muito trabalho lá e preciso de você, Bert, não para cuidar das cocheiras, mas sim para colaborar comigo. Todos sabem que será nomeado capataz da fazenda.

Despediram-se e pouco depois Bert tomava chá com seu professor, no apartamento deste.

— E então, Bert?

— Vou com o Sr. Linger.

— Lamento. Gostaria de tê-lo ao meu lado mais algum tempo, mas...

— Devo um favor ao finado Lorde Schneider e preciso voltar. Não sei por que na hora da morte ele foi generoso comigo, quando nunca me deu importância. Há muitas coisas que preciso saber. Por que me recolheram e me criaram no castelo se me odiavam?

— Nunca poderá saber de onde veio e por que sempre viveu no castelo de Schneider. Eu gostaria que você não voltasse ao castelo, mas seu dever é ir. Talvez algum dia possa voltar a Londres e...

— Nunca mais poderei tocar o violino...

— Não poderá tocar piano, Bert, mas pode levar o violino.

— Quer dizer que o dá de presente para mim?

— Sim, é um prazer, pois além de inteligente, você tem uma sensibilidade fora do comum para a música. Lamentavelmente, não pudemos concluir sua educação musical.

— Obrigado, professor.

— Agora vá, filho. E se voltar a Londres algum dia, venha me visitar.

— Voltarei, professor. Sou muito moço para me enterrar num castelo onde me odeiam.

Mas não pôde voltar. Na fazenda havia muito trabalho que lhe tomava todo o tempo.

Otto vivia ocupado no escritório e aos poucos Bert foi se tomando indispensável. E ao mesmo tempo se impusera aos outros empregados, adquirindo o respeito de todos.

Vivia na casa dos empregados, um pouco afastada do dormitório dos outros.

Quando chegava a noite, sentava-se junto à janela e tocava violino. Os empregados se agrupavam embaixo da janela e escutavam. Vendo-os fascinados, Bert se sentia como um deus, e continuava tocando, agora não mais para si próprio e sim para eles.

Assim os anos foram se passando e o desprezo que tinham por Bert se transformou em amizade e admiração.

 

Era domingo e os trabalhadores tinham ido à missa. O sol banhava o vale, onde os frutos amadureciam nas árvores e as flores coloriam a paisagem.

Bert, usando uma camisa branca e botas de montar, saiu à varanda com um cigarro entre os lábios.

Otto Linger apareceu no caminho, apoiado em seu bastão e com um sorriso nos lábios.

— Bom dia, Sr. Linger — cumprimentou Bert, sem tirar o cigarro da boca. — Acordou cedo hoje.

— Dê-me algo para beber, Bert. Faz um calor infernal. Não há ninguém, na fazenda?

— As mulheres estão na cozinha, o cavalariço no estábulo e eu, estou aqui. Os outros saíram; hoje o dia lhes pertence.

— Talvez esteja sendo muito indulgente com eles, Bert.

— Trabalham, duro a semana inteira e é justo que descansem aos domingos.

— Não me oponho a seus métodos, Bert, mas não sei se tudo poderá continuar da mesma forma quando Diana voltar. Ela está em sua casa em Londres e me sinto um pouco desanimado.

— Por quê?

— Hoje recebi uma carta, ordenando-me que vá para Londres. Lady Schneider será apresentada na Corte antes de visitar seu castelo.

— Acho razoável, Sr. Linger. Como seu tutor, tem o dever...

Otto sentou-se numa cadeira de vime:

— Já não sou uma criança, Bert. Estou cansado, trabalhei a vida inteira. Além disso, que farei em Londres?

— Ficará junto dela, ora essa.

— Sim, junto dela... Mas acho que não terá muita utilidade. Ela já é uma mulher, linda, elegante e altiva. E eu sou apenas um administrador, um empregado...

— Não fale assim, Sr. Linger.

— Nunca pisei num salão elegante, a não serem os do castelo de Lorde Schneider. Que papel eu farei numa corte da Inglaterra, ao lado de uma mulher bonita e distinta?

— Talvez não tenha que acompanhá-la — disse Bert, tentando reanimá-lo. — Lembre-se de que atualmente as mulheres gostam de ser independentes. Além disso, durante os anos de internato, ela fez boas amizades. Talvez sua apresentação à sociedade seja na casa de uma amiga.

— Seja como for, tenho que ir para Londres imediatamente. Vim para avisá-lo, Bert. Meu carro já está pronto e você ficará sozinho aqui, será o responsável por tudo. Se não pudesse contar com você, não sei o que faria.

— Boa sorte, Sr. Linger. Não se aborreça com a jovem herdeira. Lembre-se de que alguém deve ensiná-la a ser mais humilde e esse alguém só pode ser o senhor.

Otto se afastou resmungando.

Voltou alguns dias, depois, sozinho. Parecia mais cansado e com os ombros mais curvados. Mandou chamar Bert e este se apresentou no castelo sem perda de tempo.

Linger o recebeu em seu gabinete. Sua mesa estava coberta de papéis.

— Sente-se Bert. Alguma novidade na fazenda?

— Continua tudo na mesma, Sr. Linger.

Bert olhou intrigado para o rosto pálido de Otto.

— Está doente?

— Não, claro que não. Estou muito bem, só um pouco cansado. Quando Lorde Schneider me pediu que cuidasse de sua filha, fiquei um pouco alarmado. É difícil ter tanta responsabilidade. Tentei me acostumar com a ideia, achando que era algo muito natural. Outro em meu lugar ficaria satisfeito, não é mesmo? Mas eu não.

— Por que não?

— Diana é uma garota impetuosa e muito bonita, Bert. É responsabilidade demais para mim. Ela foi apresentada à sociedade na casa de uma amiga, e depois os pais desta amiga a apresentaram à Corte. Foi um sucesso. Claro que ela é linda e além disso possui vários milhões.

— Não foi delicada com o senhor?

— Delicada? Oh sim tanto quanto uma filha. Mas justamente por isto, Bert, eu sou muito maleável nas mãos dela. E os homens são espertos... Ela só tem dezoito anos e pelo menos dez homens já a pediram em casamento.

Bert soltou uma sonora gargalhada.

— De que ri, Bert?

— É disto que tem medo? De um caçador de dotes? Não se preocupe. Todos os membros da família Schneider sempre foram inteligentes. Diana não fugirá à regra.

— Preferiria tê-la aqui a meu lado, Bert. Em Londres há muitos homens e ambições desenfreadas.

Bert se levantou e lhe deu um, tapa amigável nas costas:

— Não se desespere, tudo se arranjará. Quando ela se cansar de Londres, virá para cá em busca de um pouco de paz.

— Diana disse que viria passar o fim de semana no castelo. Tenha tudo em ordem, não quero que ela encontre qualquer falha por aqui.

Bert estava na varanda, fumando um cigarro, quando avistou na estrada um carro branco. Uma mulher o guiava e fazia soar a buzina estridentemente.

— É milady! — gritou alguém.

O carro se aproximava e Bert avisou:

— Preparem-se para receber a visita de milady. Você Susan, traga um ramo de flores. Tenho certeza de que ela passará aqui pela fazenda antes de ir para o castelo.

E não se enganou. Pouco depois o carro branco parou diante da casa-grande. Diana não desceu e começou a rir da seriedade e rigidez de seus empregados.

— Já vi que me desejam as boas-vindas! — exclamou. — É um prazer revê-los, velhos amigos. O Sr. Linger não está por aí?

— O Sr. Linger está no castelo, milady.

— Quem é você?

— Bert Wiler, milady.

— Entre no carro. Vamos ao castelo.

Susan se aproximou e ofereceu o ramo de flores.

— Obrigada — disse Diana. — São muito bonitas.

Bert sentou-se no banco de trás e permaneceu em silêncio. Enquanto guiava, Diana o fitava pelo espelho retrovisor.

— Lembro-me de ter dito a Otto que não o queria em minha fazenda, Bert. Disse o mesmo a você quando o meu pai morreu.

Bert não se alterou:

— Não estou por meu gosto, milady. O Sr. Linger é que me nomeou capataz.

— É estranho que Otto não me tenha falado de você.

— Talvez não achasse conveniente.

— Ou talvez goste de você e temeu que eu o despedisse.

— É possível, milady.

O carro parou e Bert saltou, abrindo a porta para Diana. Era um rapaz simpático e ela o reconheceu, a seu pesar. Quando saltou, seu olhar encontrou o dele e Bert a fitou de modo estranho.

— Você é simpático, Bert, mas mesmo assim direi a Otto que o despeça. Não gosto de homens de cor.

Entrou na casa e Bert a seguiu, levando suas malas.

Dana estava na sala e soltou um grito ao avistá-la:

— Diana!

— Dana! Que saudade! — desabafou a moça, abraçando a anciã.

— Está linda! Eu sabia que se transformaria numa linda moça.

Bert entrou no gabinete de Otto:

— Lady Schneider chegou, Sr. Linger. Está no vestíbulo. Quer que reúna os criados?

— Sim, claro! Chame-os — respondeu Otto, nervoso.

Minutos depois toda a criadagem se inclinava diante da jovem. Diana sorriu para todos e ordenou que voltassem às suas ocupações.

Sem se dignar olhar para Bert, entrou no gabinete de Otto, com este e Dana. Bert se afastou rumo à fazenda, com a testa franzida.

— Passarei esta semana aqui, Otto, e pare de se preocupar. Sabe que ele está preocupado com o meu futuro, Dana? Teme que me comprometa com um caçador de dotes.

— Pois se não tomar cuidado, é justamente o que vai acontecer — disse Otto, com ar severo.

— Por que não mandou Bert embora, como lhe pedi, Otto?

— Precisamos dele aqui, Diana.

— Tenho certeza de que pode substituí-lo por outro. Não o quero aqui.

— Não posso despedi-lo.

— Por quê?

— Pouco antes de morrer, seu pai me pediu que o ampara-se.

— Por que meu pai pediria isto?

— Não sei...

— Está bem, então o deixe ficar. Mas diga-lhe que evite aparecer diante de mim.

No fim da tarde, Diana foi para a varanda, de onde se avistava todo o vale. Ouviu, vindo da fazenda, o som de um violino.

— Quem está tocando? — perguntou a uma criada.

— O Sr. Wiler, milady. Ele toca todas as noites. Às vezes, os trabalhadores dançam, às vezes ficam só escutando.

Diana ficou um instante em silêncio. De súbito, abandonou a varanda e se encaminhou para a fazenda. Quando apareceu no pátio, os empregados que dançavam pararam.

— Continuem, por favor — pediu a moça. — Dançando ao luar, vocês formam um quadro encantador.

Recomeçaram a dançar e Diana avançou até a varanda, onde Bert tocava.

Concentrado na música, ele não reparou na visitante.

Mais tarde, o rapaz começou a tocar outro tipo de música. Então os casais pararam de dançar e foram sentar-se junto à varanda para ouvi-lo.

Por fim, Bert deixou o instrumento de lado e suspirou:

— Terei que deixá-los, meus amigos. Milady não gosta dos homens de cor.

Todos olharam para Diana, atrás de Bert. O rapaz estranhou aquela reação e se levantou de um salto:

— Milady! Lamento, não sabia que...

— Toca muito bem, Sr. Wiler, e parece familiarizado com os clássicos.

Foi só o que ela disse. Sorriu para os empregados e se afastou. Irritado, Bert fez meia-volta para entrar em seu quarto.

— Não pode nos abandonar, Sr. Wiler!

— Lamento, amigos, mas creio que amanhã receberei ordem para abandonar o vale. Sentirei saudade das horas que passamos aqui, eu tocando e vocês me ouvindo ou dançando ...

Diana, que se escondera atrás de uma árvore ali perto, estremeceu ao ouvir aquelas palavras. Lentamente continuou o caminho para o castelo.

 

Bert porém não recebeu ordem, para abandonar o vale.

Dois dias depois, sem ter tornado a ver Diana, apresentou-se no castelo. Queria conversar com Otto e saber se teria de ir embora ou não. Estava nervoso com o silêncio de Diana e de seu tutor.

De pé na varanda, esperava que algum criado o atendesse, mas foi à própria Diana quem apareceu, segurando um ramo de flores. Vinha do jardim e cantarolava uma canção alegre. Parou ao ver Bert e apertou as flores contra o peito:

— Bert...

— Bom dia, milady — cumprimentou, inclinando-se, cortês.

— Deseja algo?

— Procuro o Sr. Linger, quero falar com ele.

— Deve estar em seu gabinete, você conhece o caminho. Os criados estão no andar superior. Na próxima semana chegarão alguns convidados.

Ela passou diante dele e por um instante Bert desejou ser branco para poder conquistá-la. Era linda e o fascinava.

Entrou e se encaminhou para o gabinete de Otto. O administrador parecia nervoso.

Apontou-lhe uma cadeira e Bert sentou-se.

— Estou esperando, Sr. Linger. Não sei se devo partir ou não, e isto me deixa inquieto. Não quero atrapalhar ninguém e também é humilhante para mim ficar num lugar onde não tenho utilidade alguma. Sei que ela não me quer aqui.

— Quem lhe disse isto?

— Ela mesma.

— Ah, foi ela, hem? Pois não terá que partir, Bert. Conversei com Diana e ela concordou em mantê-lo na fazenda, no mesmo cargo que ocupa agora. Eu não poderia passar sem você e ela terá que se acostumar.

— Não estou disposto a ser humilhado, Sr. Linger. Não tenho culpa de ser de outra raça e isto não é crime.

— Por favor, Bert.

— Não me interessa se ela é Lady Schneider e se todos os nobres de Londres são seus amigos. Considero-me igual a todos os outros.

Diana entrou naquele instante, ainda segurando o ramo de flores:

— Não pode se considerar igual aos outros, porque todos são brancos e você é preto, Bert. Talvez me ache indelicada, e creio mesmo que teremos atritos constantemente. Observei que gosta de ser rebelde, mas aqui de nada vai adiantar. Ou obedece às ordens recebidas direitinho ou será despedido.

Bert ficou em silêncio e Diana acrescentou:

— Pode se retirar.

Bert pensou em dar uma resposta atravessada, mas olhou para Otto e expressão deste era uma súplica muda para que se calasse. Calou-se e saiu.

Depois de uma pausa, Otto disse:

— Acho que foi muito dura, Diana. Bert é orgulhoso e jamais a perdoará. E além do mais ele não tem culpa de ser de outra raça. Bert não merece isto, Diana.

A moça continuava com os olhos fixos na porta pela qual Bert desaparecera:

— Há algo estranho nele, Otto. Como se vivesse a me desafiar. Não se dobra a mim, e talvez justamente por isto o odeio. Esta é a verdade, Otto. Odeio esse tipo!

— Trate de se afastar dele, Diana. Você é muito impetuosa. Ama ou odeia com extrema facilidade, e isto é perigoso.

A moça abandonou o gabinete precipitadamente e Otto ficou pensativo.

Dois carros haviam chegado ao castelo na noite anterior. De manhã, montado em um cavalo, Bert viu o grupo de convidados se dirigirem para o campo. Iam todos montados.

Avistou Diana, encantadora em seu traje de montaria, e procurou desviar a vista.

Pensou em se afastar daquele lugar, mas o grupo galopou em sua direção.

Passaram diante dele. Eram cinco mulheres e cinco homens, vestidos com elegância.

Uma das garotas parou o cavalo junto a ele e soltou uma exclamação abafada. Bert continuou firme na sela e sustentou o olhar da jovem. Ela se ruborizou, desviou a vista e seguiu os outros.

Diana seguira de longe aquele breve encontro. Esperou a amiga e perguntou, com escárnio:

— Gostou do mulato?

— Eu o conheço, Diana.

— Conhece-o?

— Sim — admitiu Berta, pensativa. — Conheço-o muito bem, embora nunca tenha falado com ele. Ia ao Conservatório há alguns anos atrás. Eu era pouco mais do que uma criança, mas nunca esqueci o rapaz mulato que virava a cabeça de minhas colegas mais velhas. Ele tocava violino de maneira magistral.

— Tem certeza de que era ele?

— Claro que sim.

Outra garota se aproximou:

— Quem é aquele homem tão belo e tão estranho, Diana?

— O capataz da fazenda.

— É um homem espetacular. Tem aspecto imponente.

— Vamos continuar — disse Diana, nervosa.

— Peça-lhe que nos guie, Diana. Gostaria de vê-lo de perto.

Bert seguia seu caminho e passou por eles. Diana estava pensativa e de súbito gritou:

— Bert!

Ele se aproximou.

— Quer fazer o favor de nos guiar pelo vale, Bert?

— Naturalmente — respondeu o rapaz.

Betty e Berta, as duas amigas de Diana, cavalgavam ladeando Bert. Diana ia atrás e os restantes se embrenharam no bosque.

Foi então que Berta comentou:

— Acho que o conheci em Londres, há alguns anos, Bert. Estudou música no Conservatório?

— Sim.

— Não deve se lembrar de mim, eu era muito novinha. Mais tarde fui para um instituto e perdi o contato com minhas amigas. Mas me lembro muito bem de você.

— Pela cor da minha pele?

Berta não respondeu imediatamente. Diana seria capaz de jurar que havia uma nota de amargura na voz de Bert.

— Talvez seja por isto... — admitiu Berta com naturalidade. — Mas há uma razão mais forte: nunca pude me esquecer da forma como tocava violino. Ainda toca?

— Às vezes, quando me sinto triste.

— Tocará um pouco para mim? Terá que ser esta noite ou amanhã, porque depois de amanhã voltaremos a Londres.

— Tocarei esta noite — prometeu Bert.

Diana estremeceu ao ouvir aquilo. Sem dar explicações a ninguém, esporeou o cavalo e se afastou deles.

Bert não voltou a vê-la, até de noite.

Estava na varanda da casa-grande quando um criado do castelo veio chamá-lo. Bert se sentiu humilhado de ser chamado para tocar, como se isso fizesse parte do seu trabalho.

Esteve a ponto de recusar, mas achou que era um dever de cortesia e seguiu o criado.

Os cinco casais dançavam no terreno do castelo. Os homens vestiam smoking e as mulheres longos trajes de baile.

Bert só olhou para Diana e seu olhar foi tão insistente que ela o notou. E estremeceu.

Aquele homem tinha um estranho poder, exercia uma espécie de fascínio sobre ela.

— Oh, Sr. Bert! — exclamou Berta, afastando-se do seu par.

— Que satisfação, Sr. Bert! — sorriu Betty, aproximando-se também.

Os outros imitaram Berta e Betty e rodearam Bert. Diana continuou dançando com Karl, um dos homens mais elegantes da sociedade londrina.

— Não quer ouvir seu criado? — indagou o rapaz.

— Ele não é meu criado, Karl.

— Pensei que fosse.

— É o capataz da fazenda.

— Ora, então é seu criado.

— Desligue a vitrola, Diana — gritou Betty. — E parem de dançar!

Diana resolveu mortificar Bert. Desligou a eletrola, mas pediu a Karl que a levasse ao parque. Ao vê-la se afastar, Bert se sentiu mais humilhado e desgostoso do que nunca.

E tocou como jamais o fizera. A música parecia vir diretamente de sua alma e fluía através de seus dedos e das cordas do violino. Quando acabou, os ouvintes estavam fascinados. Bert se levantou e se afastou em silêncio, despeitado e furioso.

Na noite seguinte, o criado foi buscá-lo de novo. Bert estava na varanda e afinal admitira para si próprio que amava Diana.

Amava-a desesperadamente, com toda a sua alma. Não podia suportar mais o tratamento que ela lhe dispensava. Desta vez não aceitou o convite:

— Diga a elas que estou muito cansado de galopar pelos campos e preciso dormir.

O criado ficou perplexo. Bert entrou em seu quarto e ele teve que voltar ao castelo, para dar a notícia.

Jamais podia imaginar que a própria Diana viesse a seu quarto.

Mas ouviu seus passos e pressentiu que era ela. Bateu. Bert não abriu a porta, pois se ela tivera coragem de ir até ali, entraria mesmo sem licença.

Diana empurrou a porta e ordenou, imperiosa:

— Pegue seu violino, Bert, e venha comigo ao castelo.

Vendo-a de novo, Bert compreendeu que não se enganara. Sim, realmente a amava.

Estava louco de paixão e seria incapaz de dominar os próprios sentimentos.

— Sinto muito, milady, sou um empregado e me pagam para que tudo corra bem na fazenda. Mas não sou um boneco para divertir seus convidados. Pode me despedir, mas não irei ao castelo.

— Eu lhe pago para que obedeça a todas as minhas ordens! Não admito que um empregado se atreva a me desobedecer! Quem pensa que é?

— Um homem como todos os outros, embora, a senhorita me julgue diferente. Lamento, milady, não irei ao castelo.

Ela compreendeu que não adiantava enfurecê-lo. E tinha que levá-lo ao castelo, pois do contrário seus amigos zombariam dela e de sua autoridade.

Sorriu calidamente. Porém Bert não era estúpido e percebeu sua intenção.

— Compreendo seu ponto de vista, Bert... Mas é preciso. Quer que eu fique em má situação diante de meus amigos? Além do mais, você ontem tocou maravilhosamente.

— A senhorita não sabe como toquei, pois não estava presente.

Ela empalideceu.

— Mesmo assim ouvi, Bert.

Era verdade, de fato ouvira. E foi-lhe penoso confessar, Bert compreendeu.

— Sinto muito, milady.

— Não vem comigo?

— Não.

Novamente Diana perdeu a calma. Fitou Bert com os olhos fuzilando de raiva:

— Ordeno-lhe que me siga! Está ouvindo? Ordeno-lhe!

Bert deu um passo à frente e a contemplou com olhar desafiante:

— Só a seguirei ao castelo se me der um beijo, milady.

Diana estremeceu dos pés à cabeça e deu um salto para trás:

— Como se atreve? Peça desculpas imediatamente, Bert, ou do contrário...

Bert não se alterou, mas parecia amargurado:

— Desculpe, milady. Nunca pensei que por ser de outra raça lhe parecesse tão repulsivo.

Deu-lhe as costas. Diana ficou um instante em silêncio e então disse:

— Lamento, Bert. Não quis ofendê-lo.

Saiu correndo e pela janela Bert a viu atravessar o parque. Não hesitou: pegou o violino e se dirigiu ao castelo, chegando alguns segundos depois de Diana.

Ela não disse nada. Quando Bert prendeu o violino entre o queixo e o ombro e se preparou para começar a tocar, ela se aproximou e murmurou:

— Obrigada, Bert.

Naquela noite, Bert tocou ainda melhor do que na véspera. Até Karl deu a mão à palmatória e se aproximou para ouvi-lo.

No dia seguinte os convidados partiram, e Diana e Dana os imitaram. Bert seguiu os carros com a vista até que desapareceram numa curva da estrada.

 

Passou-se um mês, lento e monótono.

Todas as manhãs Bert lia o jornal, onde sempre havia algumas notas sobre Lady Schneider. Também comprava diversas revistas para ver as fotos de Diana nos luxuosos salões de Londres, em companhia de suas amigas ou algum cavalheiro importante.

Terminava atirando todas as revistas e jornais na lareira, furioso. E se amaldiçoava por pertencer a uma raça diferente. No dia seguinte, voltava a percorrer a pradaria, montado em seu cavalo, incansável e como se nada tivesse acontecido.

Naquela manhã acordou mais cedo. Havia trabalho no campo e os trabalhadores já tinham partido. Selava seu cavalo quando ouviu um galope. Olhou para o caminho e estremeceu ao ver Diana montada num potro branco, galopando em direção ao bosque.

Montou de um salto e seguiu para lá.

— Olá, Bert — disse ela com naturalidade.

— Não sabia que tinha voltado.

— Vim ontem à noite. Para onde vai?

— Ao campo.

— Posso ir com você?

— É uma honra para mim, milady.

Galoparam juntes.

— Veio sozinha?

— Sim, precisava descansar. Talvez só volte para Londres quando terminar o verão. Minhas amigas também saíram da capital.

— Isto aqui deve ser muito aborrecido para a senhorita.

— Nem tanto. Gosto do campo.

Calaram-se. Durante boa parte da manhã cavalgaram pelas plantações, onde os trabalhadores se atarefavam na colheita.

Ela conversava com os empregados e sorria sempre. Desde aquele dia, passaram a gostar mais dela e Bert voltou a admirá-la.

Mas intimamente, procurava nela defeitos que reavivassem seu ódio.

Voltaram pelo meio da manhã, cavalgando devagar. Bert observou que ela parecia cansada.

— Sente-se mal, milady?

— Só um pouco cansada e com uma leve dor nas costas. Podemos descansar um pouco junto àquele arroio, o que acha?

Bert saltou primeiro e a ajudou a apear. Ela aceitou seu auxílio sem hesitar.

— Vou me sentar um pouco, Bert — sorriu. — Quer me dar um cigarro? Sente-se a meu lado.

Bert lhe deu um cigarro e ele próprio o acendeu. Diana deu a primeira tragada e sorriu de novo.

— Com sua licença, fumarei também, milady.

Fumaram em silêncio, sentados lado a lado. Bert não a fitava, de olhar fixo no arroio.

— Pretende viver sempre aqui, Bert? — perguntou ela de súbito.

— Não sei. Depende de muitas coisas.

— Tem muitas aspirações?

— Todos têm seus sonhos, milady, e eu também, embora seja de outra raça.

— Nunca me perdoará por ter dito certas tolices, não é mesmo?

Bert deu uma breve risada.

— Não há nada a perdoar, milady. Às vezes digo o mesmo a mim próprio. Nunca me perdoarão por ser de outra raça. É algo horrível...

De repente ele ficou pensativo. Levantou-se e deu as costas a Diana, que se levantou também.

— Vamos voltar, Bert. Lamento ter feito você recordar coisas amargas.

Voltaram em silêncio. Quando alcançaram o caminho que levava ao castelo, ela abanou a mão e sorriu:

— Até logo, Bert.

Ele não voltou a vê-la durante todo o dia. De noite, quando lhe pediram que tocasse violino, recusou-se.

Na manhã seguinte ela não deu seu passeio matinal e Bert percorreu o vale sozinho, calado e triste.

Via-a de longe. No terraço, vestida de branco; sentada junto ao caminho no fim da tarde, sozinha no bosque, montando o cavalo branco. Bert não tinha coragem para se aproximar. Mais calado e retraído, trabalhava sem descanso, como se fosse o único lenitivo para sua dor.

Naquela tarde de domingo os trabalhadores foram ao povoado próximo. Ficaram só a cozinheira e uma velha criada.

Sentado na varanda, Bert fumava um cigarro. A tarde era cinzenta. Não chovia mas o céu estava carregado.

— Boa, tarde Bert! — exclamou uma voz harmoniosa, atrás dele.

Bert se levantou rapidamente e fitou Diana, que entrara em silêncio na varanda e se sentara numa das cadeiras de vime. Usava, calças compridas e acendia um cigarro com ar despreocupado.

— Não a vi chegar, milady.

— Pois estou aqui há mais de dez minutos, observando-o. Parecia absorto... Está sozinho?

— A cozinheira e Sildey estão aí. Os trabalhadores saíram, foram ao povoado.

— Que fazem lá todos os domingos?

— Dançam, jogam, outros namoram...

— E as mulheres?

— Fazem o mesmo.

— Sente-se, por favor. Estava entediada no castelo e vim conversar um pouco. Por que não vai ao povoado também? Não dança, não joga? Não tem namorada? Não pretende se casar? E por que anda sempre com essa roupa de montar? Nunca o vi vestido como um cavalheiro.

— Não sou um cavalheiro.

— Você é um cavalheiro de outra raça — disse ela, rindo. — Aposto como há muitas garotas loucas por você.

Bert sentou-se, impaciente. Pressentia que Diana estava ali para zombar dele.

— Nunca pensei nisto, milady.

— Por que não?

— Talvez por não me interessar.

— Nunca esteve apaixonado?

— Talvez sim.

Bert a contemplou de tal maneira que Diana se ruborizou. Levantou-se, nervosa, e deu alguns passos pela varanda.

— Por favor, não me olhe assim, Bert.

— Assim como?

— É como se... Está bem, esqueça.

Bert continuou contemplando-a. Diana olhava para ele fugazmente, de instante a instante, e terminou por lhe dar as costas.

— Vou embora.

— Está chovendo — murmurou Bert, vendo cair os primeiros pingos.

Daí a cinco minutos chovia torrencialmente. Começava a escurecer. A criada acendeu a luz da varanda e depois se retirou. Bert parou de fitar Diana e observou a chuva:

— Faz tempo que não chove. A água fará bem aos campos.

Diana respirou aliviada. A conversa seguia outro rumo e Bert parecia ter perdido a vontade de contemplá-la.

Mas de súbito ele disse:

— Nunca vou ao povoado. Não sei dançar, nem jogar, não tenho namorada e não pretendo me casar. E quanto às roupas que visto, são as mais cômodas para percorrer o vale. Creio ter respondido a todas as suas perguntas, milady Schneider.

— Sim, Bert, embora tenha dado respostas muito breves.

— Quer que lhe diga por que não tenho namorada? Por que sou um homem de cor e não me casarei com uma mulher de minha raça. Não sei jogar porque não tive tempo de aprender e não sei dançar porque nunca me atrevi a pedir a uma mulher que me ensinasse. Creio que agora está tudo explicado.

Diana estava junto a ele, fitando-o com um leve sorriso. Parecia querer seduzi-lo com seu rosto bonito, porém Bert olhava para os confins do vale, como se falasse consigo próprio.

— Não me lembro de ter tido a meu lado um rosto carinhoso — prosseguiu. — Quando me trouxeram ao castelo eu devia ser muito pequeno, talvez recém-nascido. Gostaria de saber de onde vim, quem foram meus pais. É algo que me tortura desde que comecei a pensar. Mas é inútil. O único homem que talvez soubesse já está morto.

— Refere-se a meu pai?

— Sim, talvez se soubesse, ou por outra, tenho certeza de que ele sabia, mas morreu com seu segredo. Muitas vezes penso nisto. Nunca senti que gostavam de mim. Desde que nasci, lembro-me que fui repudiado por todos, inclusive por Lorde Schneider. Um dia ele me deu um pontapé, de outra vez me chicoteou e me chamou de negro, como se isto fosse uma ofensa.

— Bert...

Ela segurou suavemente o braço de Bert. Este estremeceu, mas continuou com o olhar perdido no vale.

— É terrível! Não posso amar, e tenho certeza de que amaria com toda intensidade, com toda a minha alma!

— Por que não pode amar, Bert?

— Uma mulher branca me desprezaria. E com as de minha raça não me dou bem.

— O amor não faz distinção de raça, Bert. A mulher que amar de verdade não se preocupará com a raça do homem a quem ama.

Bert deu uma risada:

— Este assunto é desagradável, milady. Vamos falar de outra coisa.

— Vou embora. Chame Sildey para me acompanhar. Tenho medo de ir sozinha na escuridão.

— Eu a levarei, milady.

Ela estremeceu, mas não se opôs.

— Vou buscar uma capa —disse Bert.

Entrou em casa e voltou daí a instantes. Colocou a capa sobre os ombros dela.

Segurou-lhe o braço e desceram os degraus da escada.

— Como está escuro, Bert!

— Apoie-se em mim, milady.

Ela se apoiou nele, segurando-lhe o braço com as duas mãos . Naquele momento não pensou nas diferenças de raça e achou apenas que era frágil como todas as mulheres e precisava da ajuda dele.

— Vai sem olhar — disse baixinho.

— Oh, não só incomode comigo.

Em silêncio, seguiram o caminho do castelo. Quando estavam já juntos ao grande portão de carvalho, ela tropeçou numa pedra e cambaleou.

Bert a amparou, mas não a soltou logo e a apertou com força, como se disso dependesse sua vida. A capa caiu e a chuva começou a encharcar seus cabelos e vestido.

— Solte-me, Bert — pediu ela. — Não vou mais cair.

Bert não a soltou e continuou apertando-a, contemplando-a fixamente.

— Não, Bert...

De súbito, ele perdeu totalmente o controle sobre si mesmo e começou a beijá-la no pescoço, no rosto, nos lábios.

— Solte-me, Bert, por favor! Não faça isto...

Durante alguns instantes, ela parou de lutar e se entregou inteiramente aos beijos de Bert.

— Solte-me, Bert, vá embora... — voltou a murmurar.

Bert não respondeu e continuou beijando-a. Diana por vezes se debatia em seus braços, por vezes correspondia a seus beijos. A chuva caía a cântaros e empapava as vestes de ambos.

— Solte-me, Bert...

— Não. Só a soltarei depois que disser que me ama.

— Suplico-lhe, Bert, vá embora.

— Antes diga que me ama. Juro por minha honra que esquecerei completamente estes beijos. E nunca mais a perturbarei, Diana. Mas diga que me ama.

— Eu o amo, eu o amo! — gritou ela.

— Nunca amei ninguém como o amo, Bert. Agora vá embora! É horrível, você sabe que somos...

— De raças diferentes? Sim, nunca esqueço isto e jamais esquecerei, mesmo que de simples capataz me tome um potentado. É minha raça que nos separa. Mas este minuto de felicidade que vivi a seu lado, ninguém poderá roubar... A recordação deste momento me ajudará a viver.

A água da chuva escorria pelo rosto de Diana, confundindo-se com as lágrimas. Bert tentou beijá-la mais uma vez, porém a jovem o empurrou brandamente:

— Por favor, Bert, esqueça o que aconteceu esta noite...

Afastou-se dele e Bert continuou ali parado, até ela se perder de vista. Então, lentamente, começou a descer em direção a casa onde vivia.

Na manhã seguinte Otto Linger, muito excitado, visitou Bert quando este ainda nem se levantara. Sentou-se na beira da cama:

— Bert, eu recebi carta de Maurus. É algo estranho... Há um advogado em Londres procurando você por toda parte. Tem ideia de quem possa ser?

Bert respirou aliviado. Por um instante, temera que a visita intempestiva de Otto se relacionasse com algo referente à Diana.

— Não, Sr. Linger, não tenho a mínima ideia.

— Pois se prepare, terá que ir a Londres. Maurus está preocupado com este assunto. É algo relacionado com seus pais, Bert.

— Meus pais?

— Sim.

Bert sentou-se, furioso:

— E que importam meus pais? Acha que continuo sendo uma criança? Esse assunto não me interessa, Sr. Linger, definitivamente. Se me abandonaram durante vinte e oito anos, que diabo espera agora de mim? Que eu os ajude, financeiramente.

— De uma maneira ou de outra é seu dever ir a Londres. Prepare sua mala e se vista. O trem passa no povoado dentro de duas horas. Gostaria de acompanhá-lo, mas Diana pegou um resfriado ontem à noite. Andou tomando chuva e hoje não pôde nem se levantar da cama...

Bert fechou os olhos e a reviu, empapada de água, trêmula em seus braços com um olhar suplicante. Um débil sorriso entreabriu os lábios. Saltou do leito e começou a se vestir, devagar.

— Não calce as botas, Bert. Se vista direito porque vai a Londres.

— Aviso que se for á Londres eu não, voltarei! — disse colérico.

— Melhor. Sempre desejei sua felicidade.

— Minha felicidade?

— Que há com você, Bert? Por que está assim?

— Não há nada. Vou me vestir e irei a Londres.

— Muito bem. Aqui está um cartão com o endereço do advogado de Lady Schneider. Ele o porá em contato com seu colega. Lembre-se de que é um assunto importante, Bert. E depois de visitar os advogados, procure encontrar-se com seu professor.

— Meu professor morreu há dois anos, Linger.

Linger o deixou sozinho. Voltou ao castelo e entrou no quarto de Diana:

— Sente-se melhor?

— Bem melhor, meu caro. Sente-se a meu lado e diga-me de onde vem com os sapatos tão sujos de barro.

— Antes quero lhe dizer que ontem à noite você fez uma travessura imperdoável. Andou tomando chuva e poderia ter apanhado uma pneumonia. Além disso, está pálida ... O que houve? Por que chora?

— Não me maltrate assim, Otto! — soluçou ela.

Otto a segurou em seus braços, sem entender o que se passava.

— Acalme-se, Diana. Quero lhe comunicar uma boa notícia. Bert vai embora do vale.

Ela se sentou na cama, sobressaltada:

— Disse-lhe que?...

— Que Maurus o chama a Londres. Parece que afinal as más de Bert se; lembrou de que tem um filho.

— E então?

— Mas o que há com você, Diana? Por que treme desse jeito?

— Creio que estou com frio, não é nada. Continue.

— Não sei de mais nada. Só que Bert tomará o trem da manhã para Londres. Logo veremos em que dá tudo isto.

Ao ficar sozinha no quarto, Diana se virou de bruços na cama e soluçou com desespero. Recordou a cena da noite anterior e sentiu que o amava perdidamente. E também compreendeu que suas raças diferentes os separavam como se pertencessem a dois mundos diversos.

Ao meio-dia, chegou sua criada de quarto. Trazia um lindo ramo de flores, ainda molhadas pela chuva. Entregou-os a Diana:

— Trouxeram-lhe da fazenda, milady.

— Quem?

— Não sei.

A criada se retirou e Diana nem procurou um cartão entre aquelas, rosas; não era preciso, ela sabia quem lhe enviara as flores.

 

— Novidades?

— Algumas. Depois de seis meses de silêncio, Maurus afinal resolveu me escrever.

— E que diz ele?

— Algo surpreendente. Antes de tudo quero lhe dizer que Bert se tornou Duque de Mur.

— O quê?

— Bert se tomou Duque de Mur — repetiu Linger. — Uma fortuna imensa e um título dos mais respeitados. Nosso empregado negro...

— Bert não é negro!

Otto olhou para ela intrigado.

Nervosa, agitada, Diana começou a andar de um lado para outro, com as mãos cruzadas nas costas, como se sustentasse uma enorme batalha contra si mesma.

Otto encolheu os ombros e por fim sorriu com indulgência:

— É verdade que Bert não é negro... Mas nota-se que tem sangue negro nas veias, e nunca poderá se casar com uma mulher branca, pois sempre haverá o perigo de nascer um filho...

— Por favor, cale-se!

— Por quê? Diga-me por que está tão irritada. — Otto se aproximou dela e a contemplou de perto. — Bert Wiler, seja ou não seja Duque de Mur, tenha ou não uma fortuna, é um homem proibido para mulheres como você. A sociedade londrina o receberá de braços abertos, pois o Ducado de Mur é antiquíssimo e todos os Mur foram admitidos e admirados na Corte. Mas uma mulher branca... Não deve nem pode se casar com ele, entenda isto.

— Não sei por que me diz essas coisas — replicou Diana, com altivez. — Nunca pensei em me casar com Bert, nosso antigo capataz.

— Por um instante temi que ele a seduzisse. É preciso que seja sempre sensata, pequena. Você usa um nome respeitável, que não deve desaparecer nunca, e seria lamentável que cometesse uma ação pouco recomendável.

— Tolices, Otto — disse ela, nervosa.

— Continue contando a estória de Bert Wiler, é interessante.

— Maurus anunciou que viria esta tarde. Ele nos explicará tudo sobre Bert. Só sei que na semana passada Bert iniciou um cruzeiro em seu iate e não se sabe quando voltará.

— Então é verdade que é duque?

— Sem dúvida. Pelo que Maurus diz em sua carta é uma estória interessante e surpreendente.

Ao ficar sozinha, Diana sentou-se numa cadeira e meditou. Tudo aquilo era muito estranho. E Bert partira sem lhe enviar uma carta, nem um bilhete de despedida, nada a não ser o ramo de flores. Por quê?

Passou o resto da tarde inquieta e nervosa. Pouco antes do anoitecer, o carro de Maurus parou diante da grande escadaria de mármore.

Não correu para ele, como gostaria de fazer. Ereta, aparentando indiferença, estendeu a mão para cumprimentar Maurus. Depois ela própria o levou ao salão e lhe serviu uma xícara de chá.

Daí a poucos minutos, Otto se reuniu a eles. Os três se acomodaram em confortáveis poltronas e Diana acendeu um cigarro, dizendo em tom indiferente:

— Creio que tem uma estória para nos contar, Dr. Maurus.

— Sem dúvida. Uma estória surpreendente, se levarmos em conta que há seis meses atrás Bert Wiler era um humilde empregado e desconhecia sua filiação.

— Estou ansiosa, Dr. Maurus. Conte logo a estória.

— Antes de partir, o Duque de Mur foi á meu escritório despedir-se de mim. Recomendou-me muito particularmente que a cumprimentasse em seu nome, milady, e pediu desculpas por não poder vir ao castelo pessoalmente. Esteve muito ocupado durante esses seis meses.

— Parece que está levando a sério o seu papel — comentou Otto, zombeteiro.

— Limita-se a cumprir seu dever, meu amigo. Considere que o capital dos Mur estava abandonado há muitos anos. Bert foi procurado por toda parte... Quem poderia saber de seu paradeiro? Uma única pessoa sabia, e se calou até à hora da morte.

— Por quê?

— Nunca perdoou ao marido por ter-lhe dado um filho mulato.

— Refere-se à mãe de Bert?

— Sim, milady.

— Conte-me a estória desde o começo, Dr. Maurus. Deve ser interessante.

— O pai de Bert tocava violino magistralmente e chegou a adquirir fama como instrumentista, tendo visitado diversos países. Seu pai era um homem de costumes rígidos e desaprovou as andanças do filho, ameaçando inclusive deserdá-lo. O pai de Bert ignorou os conselhos paternos e veio para a Inglaterra. Seu pai, o Duque de Mur, vivia em Nova York. Era filho de espanhóis e possuía grandes empresas na América.

— O que fez o pai de Bert na Inglaterra?

— Tocava violino, mas sua fama durou pouco. Novos instrumentistas o superaram e ele logo foi esquecido. Seu orgulho o impediu de retornar ao lar paterno. Algum tempo depois se apaixonou por uma jovem de ilustre família. Casaram-se contra a vontade dos pais dela. O nome dessa jovem era... Lia Schneider.

Diana se levantou de súbito, mortalmente pálida. O advogado sorriu e balançou a cabeça:

— Sim, milady, a mãe de Bert era irmã de seu pai. Depois de casados, partiram para longe. Os pais de Lia desconheciam a linhagem do pai de Bert e por isto deserdaram a filha. Os dois foram sozinhos pelo mundo, sem recursos.

— Foi uma crueldade!

— É possível que sim. Ninguém teve mais notícias deles, e um dia Lorde Schneider, seu pai, recebeu um bebê mulato e uma carta.

— Não entendo... Se o pai de Bert era o filho do Duque de Mur e a mãe era minha tia, como Bert pode ter sangue de negro?

— O avô materno do pai de Bert era negro, e Bert saiu a esse antepassado. As leis da hereditariedade explicam isso. Horrorizada ao ver a pele escura do filho, a mãe fugiu, deixando o bebê com o marido. O pai de Bert incumbiu uma criada de trazer a criança para a casa de Lorde Schneider e se suicidou no dia seguinte à fuga da mulher.

— E meu pai sabia de tudo isso?

— Sim. Mas se a própria mãe repudiara o filho, que se podia esperar do tio? Repudiou-o também, e por esta razão Bert viveu desprezado durante dezoito anos. E continuaria vivendo assim se lorde Schneider não se arrependesse na hora da morte, pedindo-nos que reparássemos o mal que ele fizera.

— Meu pai se arrependeu antes de morrer?

— Sim.

— Continue com a estória de Bert...

— Sua mãe foi para a França e se internou num convento. Amava muito o marido, e ao saber de seu suicídio tornou-se uma mulher infeliz e amargurada. Na hora da morte se arrependeu do que fizera ao filho e pediu para vê-lo, mas já era tarde.

— Quem a descobriu?

— O advogado dos Mur. Quando o avô de Bert morreu, fez testamento em nome do neto, tornando-o herdeiro de sua imensa fortuna e do título. Então o advogado dos Mur foi para a França, procurando o neto do finado duque.

— O advogado não sabia que a mãe de Bert pertencia à minha família?

— Se soubesse teria encontrado Bert facilmente, mas não sabia. Lia só assinava o nome do marido e ninguém poderia relacioná-la com o nome Schneider. Somente na hora da morte ela confessou onde estava o filho.

— Ê uma estória lamentável, Dr. Maurus — disse Diana.

— Sem dúvida. Agora o Duque de Mur foi para Nova York. Mais tarde irá à França em seu avião particular, buscar os restos mortais de sua mãe e transportá-los para o jazigo da família.

Diana ficou em silêncio, profundamente mergulhada em seus pensamentos.

 

Diana estava no pequeno salão contíguo á seu quarto, no palácio de Londres. O inverno chegara, gelado e desagradável. Vestindo um quimono caseiro, Diana permanecia afundada no divã junto à lareira. Dana apareceu na porta:

— Também não vai sair hoje, Diana? Acabará se transformando numa freira.

— Faz frio, Dana. Prefiro ficar dentro de casa.

Tinha várias revistas no colo e as folheava de vez em quando. Em todas elas havia alguma notícia sobre o Duque de Mur, que viajava pelo mundo a bordo do seu iate.

Abriu uma das revistas. Bert aparecia na ponte de comando de seu iate, vestido de branco e com um gorro de marinheiro, sorrindo. Em outra página, usava traje a rigor, numa festa na índia. Em outra, estava de botas e levando uma espingarda em bandoleira, caçando na selva.

Ouviu passos no corredor e olhou para a porta.

— Por que está tão sozinha, Diana?

— Olá, Betty, entre. Está muito frio e prefiro ficar junto à lareira. Sente-se a meu lado.

Betty tirou o abrigo de peles, as luvas, jogou a bolsa sobre uma poltrona e sentou-se ao lado da amiga com um suspiro.

— Sabe de uma coisa, Diana? Já que você não lhe faz caso, Karl resolveu me conquistar.

— Gosta dele?

— Não, mas acho-o divertido.

— Nós mulheres somos muito más, Betty. Às vezes penso que não são os homens os culpados por tantos desastres sentimentais.

— Ora, não é o sexo forte? Pois devem demonstrá-lo. Empreste-me esta revista. Quem é este homem tão simpático? Caramba, é Bert! O seu primo, não? Sua estória é fantástica!

— Tem razão.

— A imprensa o retratou de todas as maneiras. É um homem formidável, todas as mulheres estão loucas por ele.

— Não exagere.

— É a verdade, Diana! Você ainda estava no castelo quando o convidaram para uma festa na Corte. Sua desenvoltura era extraordinária. Fez um sucesso tremendo. E sabe de uma coisa? Dizem que levou com ele, a bordo do iate, uma... Bem, não sei se é verdade. Só sei que dizem...

— Uma o quê?

— Uma mulher lindíssima. É húngara e se chama Si’ey, se bem me lembro. Dizem que é fascinante.

Diana suspirou fundo. Seus olhos denunciavam seu nervosismo, mas ela procurou rir com fingida indiferença.

— Não creio nessas estórias sobre Bert.

— Eu também não, mas...

Betty folheou a revista.

— Veja-o aqui, vestido de branco. Parece um artista de cinema. Diga a verdade, Diana, não concorda comigo? Todas as minhas amigas dizem o mesmo.

— Ê possível.

— Se ele me quisesse, eu me casaria com ele contra a vontade de meus pais e contra o mundo inteiro. A vida ao lado de um homem assim deve ser maravilhosa.

Um instante depois, Betty se levantou:

— Vou embora, Diana. Não vem comigo? Meu carro está lá fora. Vamos ao clube, onde já todos perguntam por você. É absurdo que na sua idade sinta tanto frio e se tranque em casa.

De noite, quando Diana voltou do passeio, trancou-se em seu quarto e passeou nervosamente de um lado para outro. Pensou:

“O que me acontece é ridículo. Que me importa que Bert leve a tal húngara em seu iate? Afinal ele tem direito de se divertir... E é um infeliz. Embora seja duque e possua milhões, nunca poderá esquecer que tem sangue negro. Fico com ciúmes sem motivo...”

Diana esfregou as mãos uma na outra, nervosa:

— Meu Deus, nunca, seremos um do outro... Nossas raças diferentes erguem uma barreira entre nós. Mas... Temos direito a...

Jogou-se de bruços na cama e irrompeu em soluços. Não poderia casar-se com o primo. Mas que atitude Bert adotaria quando voltasse? Que diria a ela? Falaria daqueles beijos que havia trocado sob a chuva?

Na manhã seguinte Diana se levantou cedo. Tinha grandes olheiras e se maquiou para disfarçar os efeitos da noite sem sono.

Depois do café, saiu para se encontrar com suas amigas. E passou a sair todos os dias, sempre que podia, para esquecer.

Tinha tudo para ser feliz e não o era, não conseguia. Procurou se interessar por outros homens, deixou que a tentassem conquistar... Mas era inútil. Amava Bert e não cessava de recordar seus beijos apaixonados.

E assim se passaram os dias, os meses...

Um ano e meio mais tarde, soube que Bert estava em Londres. Suas amigas, a imprensa, Dana, Otto, todos falavam de Bert. Através de Betty soube que ele vivia sozinho num chalé situado no bairro mais aristocrático da capital. Em sua casa só havia criados negros. Por quê? Desejaria ele mortificar-se ainda mais?

Durante os primeiros dias, esperou que ele viesse visitá-la, mas ele não apareceu.

Esperou também encontrá-lo em alguma festa, porém se enganou. Conversou com Betty e ela disse que Bert muito raramente comparecia a festas. Será que ele temia encontrá-la?

Naquela tarde chovia torrencialmente e preferiu não sair de casa. Sentada no divã, seus olhos permaneciam fixos nas labaredas da lareira. Subitamente a criada anunciou uma visita. Diana se levantou, nervosa, quando a criada disse:

— É o Duque de Mur, milady.

— Diga-lhe que entre, Mary.

Minutos depois, Bert apareceu no pequeno salão:

— Milady — sorriu de modo cativante.

Impulsiva, Diana correu para ele e o abraçou:

— Oh, Bert, pensei que não viesse!

Ele há afastou um pouco para fitá-la e riu:

— Não tive tempo, minha querida prima. Posso beijá-la, milady?

— Sim, Bert, claro. Beije-me quantas vezes quiser.

Bert a beijou no rosto e depois a soltou:

— Está muito bonita.

— E você sem as botas parece...

— Um cavalheiro negro — completou-o.

— Venha, vamos nos sentar ao pé do fogo. Deve ter muitas coisas para me contar.

Acomodaram-se frente à lareira.

— Você já sabe de tudo, Diana. Foi como uma estória de fadas. Tocaram-me com a varinha mágica e me transformei... Em algo insignificante.

— Insignificante? Agora é um homem rico e poderoso!

Bert parou de fitá-la e cravou os olhos nas chamas da lareira:

— Antes todos me ignoravam, Diana. Agora ninguém pode me ignorar e isto é terrível para um homem que não precisa de popularidade, nem de dinheiro, nem de amigos...

— Está amargurado, Bert?

— Estou decepcionado, querida prima. Não sou mais um ser humano, sou meramente objeto de curiosidade pública.

— Não pode falar assim, Bert! Pensei que agora fosse ter tudo de que precisava. Esperava que viesse me visitar de outro modo.

— Como assim?

— Precisa vir ver-nos todos os dias, Bert. Creio que sou a única pessoa que o compreende. Mas por favor, não seja suscetível. Um homem como você não pode se abater e desesperar. Somos primos, Bert... Nunca me envergonharei de sua cor, mas você se envergonha.

Ele riu, porém Diana percebeu a amargura que havia por trás de seu riso.

— Não ria assim, Bert!

— Sabe de uma coisa, Diana? Resolvi me dedicar de corpo e alma à música. Será maravilhoso viver para algo que valha a pena.

— E se fracassar, Bert?

— Por que vou fracassar?

— Seu pai...

— Sou diferente dele, Diana. Meu pai era branco embora o avô fosse mulato e tinha o amor de uma mulher de sua cor. Eu não poderei amar... E jamais me suicidaria, como meu pai. Eu a conquistaria de novo e a faria amar seu filho, mesmo sendo um pobre negro.

— Está vendo? Vive pensando...

— Ora, não vamos falar disso. Lembremos apenas que há dois anos não nos vemos. Não está noiva ainda, Diana! Não vai se casar logo? As mulheres de sua família costumam se casar jovens.

— Prefiro falar de você, Bert. Conte-me o que fez durante esses dois anos.

— Pouca coisa. Naveguei durante um ano. Levei os restos mortais de meus pais para o panteão familiar e depois dediquei meu tempo a viajar. Foi uma viagem divertida.

— Bert..

— O que há? — ele a fitou e notou seu olhar de censura. — Que lhe disseram, Diana?

— Falaram-me de uma mulher húngara. É verdade, Bert?

— Sim — ele se levantou e acendeu um cigarro, nervoso. — Vou embora, Diana. Tenho encontro com seu advogado dentro de vinte minutos. Voltarei outro dia.

Diana estendeu a mão e Bert a apertou. Bruscamente, se separou dela e atravessou a porta.

Olhando pela janela, Diana o viu entrar em seu carro. Então voltou sobre seus passes e de novo se afundou no divã.

Compreendia que ele viera visitá-la apenas por obrigação, para deixar bem claro que havia um vínculo de parentesco entre eles, e isto era tudo. Não poderiam se amar, não poderiam ser um do outro.

 

Encontraram-se numa festa oferecida pelos pais de Betty. Assim que a viu, Bert se aproximou e lhe apertou as mãos afetuosamente.

— Então esqueceu... — disse Diana magoada. — Você prometeu me visitar todos os dias e não foi.

— Os negócios me impediram, Diana. Se me convidar, amanhã irei tomar chá com você.

— Se faltar à sua promessa, eu ficarei zangada.

— Quer dançar?

— Aprendeu?

— Sim, para dançar com você.

Bert a enlaçou pela cintura e dançaram em silêncio.

— Onde está a húngara? — a indagou, fingindo indiferença. — Abandonou-a?

— Não quero mulheres em minha vida, Diana.

— Tem medo?

— Não.

— Então por quê?

— É perigoso para elas.

— Não me diga que é vaidoso até o ponto de se considerar irresistível.

Bert sorriu com certa amargura.

— Oh, desculpe, Bert — disse ela percebendo que o magoara.

— Não me considero irresistível, Diana. Já lhe disse que sou um homem que inspira curiosidade, e as mulheres são extremamente curiosas.

— Se pedisse a qualquer dessas mulheres que nos rodeiam que se casasse com você, ela se casaria, Bert. E não hesitaria um segundo.

— E você?

— Bert, por favor!

— Está bem, desculpe. Quer parar de dançar? Vamos ao terraço um pouco.

Saíram juntos ao terraço.

— Está muito bonita — disse Bert, observando o traje de Diana. O decote era pronunciado e o vestido tinha mangas, deixando os ombros de fora. — Mas se fosse minha mulher, eu não deixaria que saísse de casa assim.

— Por quê?

— Este vestido não é muito decente.

— Todas as mulheres se vestem como eu, Bert.

— Mas não são como você!

— Ora, acho que está exigente demais. Vamos nos sentar e conversar.

— Seus amigos virão atrás de você e nos verão aqui.

— Que importância tem isso? Todos sabem que somos primos e é natural que fiquemos juntos.

Sentaram-se num banco, à luz do luar, e ambos pensaram naquela noite escura de temporal, naquele beijo...

— Deve se casar, Diana — disse ele de súbito. — É preciso.

— Porque é preciso?

— Porque está muito sozinha.

— Tenho Dana, Otto... E tenho você.

— Estarei sempre à sua disposição.

— Obrigado, Bert.

Um rapaz veio ao terraço convidar Diana para dançar. Ela entrou de novo no salão e quando voltou, não encontrou mais Bert. Procurou-o no salão e o viu dançando com Betty.

Não conseguiu mais ficar a sós com ele. Todas as mulheres o disputavam.

No fim da festa, Bert se aproximou dela:

— Quer que a leve em casa?

Ela concordou em silêncio e saíram juntos, entrando no carro de Bert.

— Essas festas me aborrecem, Bert. Acho que estou farta, cansada de tudo e de todos. É como se tivesse envelhecido de repente. Preciso voltar ao castelo de Schneider para me tranquilizar um pouco.

Sem dar partida no carro, Bert a contemplou com ternura e segurou suas mãos.

Beijou-a fervorosamente.

— Também me sinto cansado de tudo e de todos, Diana. Mas isto não importa. O importante é a sua felicidade... Procure um homem a quem possa amar, Diana. Consagre-se a ele e seja feliz.

— E você?

— Oh, não se preocupe comigo. Tenho muito dinheiro e gosto de viajar.

— Isto não o satisfará, Bert. Você precisa de amor, tal como eu!. Mas temo que já não seja um amor qualquer... Precisamos de um, certo amor, um que nasceu há dois anos atrás.

— Mil coisas nos separam, Diana. Não chore, seja forte e compreenda. Suponha que nos casemos e nos entreguemos inteiramente a esse amor. Nascerá um filho... E se tiver a mesma cor que eu, talvez seja um desgosto para você. Infelizmente a nossa sociedade não vê com bons olhos aqueles que não são brancos... Esse preconceito racial é terrível, Diana.

— Vai atrás da húngara? — a indagou com voz abafada.

Bert teve um pálido sorriso:

— Nunca existiu mulher alguma em minha vida, Diana, exceto você.

— Está mentindo, Bert. Minhas amigas me contaram e você próprio o admitiu aquela tarde.

— Admito tudo, menos que você me julgue desleal. Você não poderá ser minha, mas também nenhuma outra será.

Subitamente ela o abraçou e Bert estremeceu:

— Diana...

— Tenho ciúmes, Bert. Ê absurdo e ridículo, eu sei, mas é verdade.

Bert dominou sua própria emoção por tê-la tão perto e a afastou de si. Pôs o carro em movimento e dirigiu em silêncio, até parar diante da casa dela.

— Vá embora! — pediu — vá antes que seja tarde. Temos que nos separar, você sofreria se, se casasse com um mulato...

Diana porém não saltou e olhou para ele. Bert deixou de lutar contra si próprio e a abraçou. Beijou-lhe os olhos, os cabelos... E os lábios, repetidas vezes, e sentiu que ela estremecia de amor entre seus braços.

No dia seguinte enviou-lhe orquídeas, mas não apareceu para tomar chá, conforme combinara. E ela não voltou a vê-lo durante toda a semana. Talvez passasse meses sem vê-lo, se não fosse ela própria ao chalé de Bert, seguindo um impulso irreprimível .

— Prepare tudo para a próxima semana, James — disse Bert a seu secretário.

— Creio que uma viagem por mar me fará bem. Meu bisavô era espanhol e se casou com uma mestiça numa de suas explorações. Gostaria de visitar tanto a Espanha quanto a África.

— Está bem, Sr. Wiler.

— Diga ao capitão do iate que se prepare.

— Mais alguma coisa?

James se encaminhou para a porta. Bert o deteve:

— Tem mais: não deixe ninguém me perturbar. Quero ficar sozinho.

Ao chegar à porta, James viu Diana:

— Milady!

Bert se levantou de um salto:

— Diana!

— Olá, primo. Como não foi me ver, cheguei a pensar que tivesse sofrido algum acidente .

O secretário saiu e fechou a porta. Bert avançou para ela:

— Não devia ter vindo, Diana. Sou um homem solteiro e todos no bairro a conhecem. Apesar de nosso parentesco, não fica bem...

Ela se calou, sem saber o que dizer. A recepção de Bert fora áspera.

Compreendendo sua aspereza, Bert segurou-lhe as mãos afetuosamente e as beijou.

— Perdoe minhas palavras. Penso em seu próprio bem.

— Bert, eu vim lhe dizer que não quero continuar assim.

— Foi justamente pensando em você que planejei esta viagem. Irei para longe.

— Não é esta a melhor solução. Tenho culpa de amá-lo, Bert? Claro que não, e você também não tem culpa de gostar de mim. E se somos de raças diferentes, não é por nossa própria vontade. Temos que nos casar, Bert.

Por um instante ele se emocionou, mas logo reagiu:

— Seu entusiasmo logo passará, Diana. Você compreenderá de uma vez por todas que não podemos nos casar. Somos de raças diferentes, isto é importante. Há uma enorme barreira entre nós. Tenho medo que, passado o primeiro entusiasmo, você se envergonhe de mim.

— Como pode falar assim, Bert? Você me conhece. Entreguei-lhe meu coração e minha alma, e agora não posso voltar atrás. É inútil tentar lutar contra mim mesma. Se tiver coragem para me abandonar, parta, não o censurarei. Mas não pense que por isto vou encontrar outro homem. Não procurarei nenhum e repelirei todos aqueles que me procurarem. Você me condena a uma solidão eterna, Bert... Sou jovem e o amor me é proibido, para sempre.

— Não diga loucuras!

Estava pálido e com as feições contraídas. Com as mãos cruzadas nas costas, dava grandes passadas pelo aposento.

— Não são loucuras — disse ela, sentada no sofá e fitando o fogo da lareira. — Nunca estive tão lúcida. Simplesmente compreendi a verdade, Bert. Meditei durante muito tempo e cheguei a uma conclusão. Não importa que sejamos de raças diferentes. Só sei que o amo desesperadamente e não posso viver sem você.

Bert se ajoelhou junto a ela, reclinando a cabeça em seu regaço. Murmurou:

— Não quero que sofra por minha causa, não quero!

— Pois é justamente o que está acontecendo. E vai permitir que eu continue sofrendo? — Ela ficou pensativa e, subitamente, disse: — Ou por outra, se você for, me casarei com o primeiro que aparecer. Talvez assim consiga esquecê-lo. Quer que eu seja de outro, Bert?

Ele se levantou lentamente e a contemplou:

— Case-se com outro, Diana. Algum dia me agradecerá por lhe dizer isto.

— É tudo que tem a me dizer, Bert? — Ela também se levantou.

— Poderia lhe dizer muitas coisas belas, mas não devo. Não posso nem devo dizer- lhe nada. Se ao menos pudéssemos casar sem ter filhos... Mas isto é impossível, precisamos de filhos que usem nosso nome.

Deu vários passos pelo aposento, excitado:

— Uma mulher como você, jovem e bela e que usava o mesmo nome, se casou com meu pai. E me abandonou... Eu era o fruto daquele amor, que não resistiu à prova. Não, Diana, eu não quero submetê-la a prova semelhante. E eu também não sou como meu pai, não me resignaria e nem me mataria sozinho... Antes a mataria, bem como a nosso filho... Depois poria fim à minha vida. “É terrível, porque a amo como um louco. Mas sou forte, tentarei resistir. E quero sua felicidade acima da minha. Vá embora, Diana. Case-se com outro. Um dia irei visitá-la e farei de um de seus filhos o Duque de Mur. Mas não posso me casar com você. Deixe-me só, Diana. Algum dia, eu repito, me agradecerá por ter-me comportado assim hoje.”

Sempre o fitando, Diana recuou até à porta. Suspirou profundamente:

— Está bem, Bert. Depois desta conversa, nunca mais o procurarei. Creio que foi uma loucura vir aqui... Lamento. Adeus, Bert. Talvez nunca mais nos vejamos.

Ele não respondeu. Ficou vários minutos olhando para o fogo da lareira, enquanto ela se retirava. Alguns dias depois, os jornais londrinos anunciavam que o iate do Duque de Mur zarpava para a Espanha.

E decorridos dois anos, os mesmos jornais anunciavam seu regresso.

 

A gentil amazona puxava o cavalo pelas rédeas, caminhando ao lado de um rapaz tão elegante quanto ela.

— Há mais de um ano espero sua resposta, Diana — disse Lorde Wanka. — Não acha que já é hora de eu ouvir sua resposta?

— Somos bons amigos, Oliver. Não quero perder sua amizade, por nada deste mundo.

— A única forma de conservá-la é casando-se comigo.

— Não!

— Por que não? Somos livres, não temos outros compromissos. O que nos impede de unir nossas vidas? Você é sozinha, precisa de um grande amor para dar sentido à sua vida.

— Um grande amor... — repetiu ela, absorta. De repente, começou a rir e segurou o braço de seu companheiro. — Esperemos, Oliver. Seja paciente. Ainda não o amo bastante.

Enquanto falava, pensava:

E nunca o amarei. Mas preciso de alguém que me faça esquecer.

— Está bem, Diana. Se for o que quer, esperarei.

— Obrigada, Oliver.

Tinham-se conhecido numa festa em casa de amigos comuns. Oliver era um rapaz simples e agradável, pertencente a uma das melhores famílias inglesas. Se não tivesse conhecido Bert antes, Diana poderia se apaixonar por ele. Em tal caso, se casaria, teriam filhos e ambos seriam felizes.

Eram dois nomes ilustres e ambos possuíam fortuna. Seria um casamento perfeito.

Só que o temperamento de Diana exigia algo mais. E conhecera ao lado de Bert tudo aquilo de que precisava para ser realmente feliz. Por isto não podia de forma alguma se apaixonar por Oliver.

— Quero montar de novo, Oliver.

Oliver a ajudou a montar e fez o mesmo. A cavalo, percorreram diversas ruas.

Ela nunca pensara que o reencontro pudesse ser ali, no meio da rua, entre tanta gente e estando ela acompanhada por outro homem.

Ficou parada, olhando para ele, e Bert sustentou seu olhar. Fez um gesto breve cumprimentou-a, e seguiu seu caminho. Diana respondeu ao cumprimento, ainda meio aturdida.

Viu-o afastar-se rua abaixo e entrar numa loja de antiguidades. Sentiu o coração acelerar loucamente dentro do peito. Dois anos sem vê-lo e agora o encontrava ali, em plena rua. Ergueu-se na sela, como se temesse que alguém percebesse sua expressão alterada. Sorriu para Oliver.

— É o Duque de Mur, não?

— Sim — disse ela, lacônica.

— É estranho que ande a pé. Chegou há dois dias e dizem que navegou por todos os mares do mundo. É um homem muito estranho.

— É meu primo.

— Sim, eu sei. Todos conhecem a estória do Duque de Mur. Sabe de uma coisa, Diana? Tenho pena desse homem. As mulheres dizem que ele é muito simpático, mas nenhuma se atreveria a ser sua esposa. Todas temem ter um filho mulato. É lamentável.

— Por quê?

— Por que o Duque de Mur é um homem extraordinário. Tenho certeza de que saberia amar uma mulher com paixão e fazê-la feliz...

— Todas as mulheres ficam fascinadas por ele.

— Sem dúvida, mas nenhuma se atreve a ser sua esposa.

— Por que não? — A pergunta foi feita com ar desafiante.

Oliver deu uma risada:

— Porque elas temem ter um filho mulato, já disse.

— Não importa! Seria seu filho e além do mais seria fruto do amor.

— Você é uma mulher ardente e impetuosa, Diana — disse ele, sorrindo. Apeou e ajudou a moça a descer. — Mas não vamos discutir sobre um assunto que não nos interessa. Embora ele seja seu primo, acho que você não levará as coisas tão longe a ponto de brigar comigo por causa do filho dele.

Entraram juntos no pátio do palácio de Diana. Um criado se aproximou e segurou as rédeas do cavalo da moça. Oliver disse:

— Virei buscá-la logo mais para irmos ao clube. Dançaremos um pouco. Que acha?

— Não sei, Oliver, estou cansada. Telefone para mim.

Quando Oliver ligou, ela se desculpou e não saiu com ele. Preferia ficar em casa, sozinha, longe de tudo e de todos. Bert voltara. Vira-o e os sentimentos se agitavam em seu peito.

Pensou: É uma loucura. Não devia amá-lo, mas continuo amando-o, com mais intensidade do que nunca.

Não viu Bert toda a semana. Os jornais noticiaram sua chegada e publicaram fotos.

Alguns oficiais seus amigos deram uma festa em sua homenagem num clube militar.

Diana recebeu convite, mas não foi. Não queria ver Bert onde houvesse testemunhas.

A primeira entrevista devia ser a sós.

Conseguiu o que queria por acaso. Naquela tarde se recusara de novo a sair com Oliver e foi passear em seu carro. Se Bert estava em Londres, não poderia suportar a companhia de outro homem. Durante dois anos tentara esquecê-lo e não conseguira.

Entrou num salão de chá e o avistou, sentado sozinho a uma mesa. Sem hesitar, caminhou em sua direção:

— Olá, Bert.

Ele se levantou e, apertou as duas mãos da moça:

— Como vai, Diana?

— Muito bem, Bert. Observo que está...

— Mais velho — riu ele. — Já tenho cabelos brancos.

Ela riu também.

— Vamos dar uma volta, Bert. Não suporto lugares fechados.

Saíram juntos. Diana sentou-se ao volante do seu carro e ele se acomodou a seu lado.

Em poucos instantes saíram da cidade e o carro parou numa estrada solitária.

— Por que parou aqui, Diana?

— Por nada. É uma forma como qualquer outra de fugir da agitação. Por que não foi me visitar, Bert?

— Não sei. Talvez...

Segurou-lhe as mãos e beijou-as com fervor. Ela disse:

— Você é o mesmo de sempre. E pretende fugir de si mesmo, da realidade.

— Vamos começar tudo de novo, Diana?

Ela ficou em silêncio e ele continuou apertando suas mãos e beijando-as emocionado

Ela se inclinou um pouco para ele?

— Ignoro como tudo isto vai acabar, Bert. Você sabe tão bem quanto eu que jamais deixaremos de nos amar. Por que não é razoável?

— Eu sou razoável. É verdade que todos esses anos eu tentei esquecê-la. Perambulei pelo mundo tentando encontrar algo que me atraísse. Foi tudo em vão, continuo pensando em você... Mas não pode ser de outro modo. Estamos proibidos um para o outro.

Olharam-se. Bert começou subitamente a rir, como se quisesse zombar de suas próprias palavras:

— Não ligue para o que digo, querida. Tenho trinta e poucos anos e me sinto o homem mais velho do mundo.

— Você me assusta, Bert. Cada vez que o encontro está mais amargurado. Por que não abandona essas ideias absurdas? Poderíamos ser felizes juntos.

— Está bem, vamos ser felizes juntos, neste instante. Deixe-me dirigir e a levarei aonde quiser.

Bert fez menção de saltar do carro, porém ela o impediu. De novo se olharam nos olhos.

— Vamos nos casar, Bert — sussurrou ela, enlaçando-lhe o pescoço. — Podemos falar com o padre imediatamente. Depois viveremos no castelo, unicamente para nós dois e nosso amor.

— É uma tentação maravilhosa, Diana — suspirou ele, desviando os olhos.

De súbito, voltou a olhar para ela e a abraçou loucamente.

A voz de Diana soou abafada pela emoção:

— Está vendo, querido? Não podemos fugir deste amor, estamos unidos para sempre. É inútil lutar.

— Não me force, Diana!

—Não o estou forçando, ambos somos forçados a isto. Amamo-nos apaixonadamente e não podemos mais viver assim. Quero ser sua, querido, quero que me beije e me abrace todo o tempo...

— Querida...

Ela a beijou por todo o rosto e por fim uniu seus lábios aos dela.

— Case-se comigo, Bert, por favor! — a suplicou, trêmula de emoção.

— Sim, sim, vamos nos casar, Diana. Será a experiência mais dolorosa de minha vida, mas não posso passar sem você.

Otto estava sentado em seu gabinete, com a mesa coberta de livros e papéis. Dana se mantinha em silêncio, sentada numa poltrona a um canto do escritório. Seus cabelos haviam embranquecido por completo.

Diana passeava de um lado para outro, ansiosa e exaltada.

— Impossível, Diana! — exclamou Otto por fim. — Isto é uma loucura! Se seu pai estivesse aqui em meu lugar, você não teria a desfaçatez de anunciar seu casamento com o Duque de Mur. Embora seja filho de sua tia, Bert pertence à outra raça. Decididamente, não posso concordar!

Diana olhou furiosamente para seu tutor. Seus olhos brilhavam e tinha os lábios trêmulos. Falou, com ira contida:

— Otto, eu devo novamente lhe dizer que não posso viver sem Bert? — Agitou as mãos no ar e cobriu o rosto com elas. — É algo superior às minhas forças. Fiz todo o possível para esquecê-lo, e ao mesmo tempo ele tentou me esquecer. Além disso, ficamos separados durante anos... Foi tudo inútil. Continuamos pensando um no outro e talvez com mais intensidade do que no começo. Eu já pertenço a ele.

— Não fale assim, Diana! — gritou Otto. — Se expressa como uma mulher vulgar!

— E não é o que sou? Acha que por ser; Lady Schneider meus sentimentos são diferentes? Sou uma mulher comum, como todas as outras. E estou apaixonada, Otto, entenda isto. Não me peça outra explicação, porque eu não saberia dar. Só sei que amo Bert e preciso dele como preciso do ar que respiro.

Otto tornou-se patético:

— Está vendo, Dana? A ilustre Lady Schneider falando como uma, qualquer! Estou assombrado, Diana. Uma mulher de sua classe não devia deixar que as paixões a dominassem assim.

Ela sorriu com desdém:

— Orgulho-me dos meus sentimentos, Otto, muito mais do que de meu nome ilustre. Amo Bert como qualquer outra mulher poderia amar.

— Por favor!

— Para amar sou uma mulher como as outras, Otto. Nesses momentos meu nome não conta. Não tenho título e nem fortuna. Entenda bem isto, sou apenas uma mulher, uma mulher apaixonada.

— Como tem coragem de dizer todos esses desatinos? Por Deus, Diana, será que ficou louca?

Dana resolveu sair do seu mutismo. Levantou-se lentamente e olhou para Otto, com um sorriso irônico:

— Casou-se alguma vez, Sr. Linger?

— Ora! E acha que tive tempo para pensar nessas tolices?

— Pois então não discuta sobre assuntos sentimentais. Diana deve dar graças a Deus por ter um coração tão sensível. Detesto as pessoas incapazes de se apaixonar. Eu também me casei e amei... O senhor só soube estudar em seus livros, fazer contas nesses papéis, administrar os bens dos outros e ficar indignado quando falam de coisas maravilhosas.

— Ficou louca também, Dana?

— Nunca estive tão lúcida, Sr. Linger. — Dana olhou para Diana, que se alegrara com a intervenção da velha criada, e indagou: — Quando pretende se casar? E onde vão viver?

— Não permitirei, Diana! — exclamou Otto. — Dana é uma velha idiota, o que ela diz não se leva a sério.

— Alto lá, Sr. Linger! Sou uma mulher sensata e sensível, e já amei muito... Quanto ao senhor, cuide de seus livros, e assuntos financeiros, porque não entende nada do amor.

— Obrigada, Dana! — Diana estava comovida.

— A cor de Bert não importa, Diana. O importante é que você saiba amá-lo e compreendê-lo. Ele é de seu mesmo sangue e também a ama. Será que uma mulher perde sua dignidade pelo fato de amar? Claro que não. E diga a Bert que estou muito satisfeita. Agora tenho que ir para a cozinha cuidar do jantar. Trate de convencer seu tutor, esse velho teimoso.

Otto enxugou o suor da testa. Depois que Dana saiu, suspirou:

— Se tivesse vindo anunciar seu casamento com Oliver, eu ficaria insatisfeito. Mas fala de um homem de raça diferente. E temo pela sua felicidade garota, bem como por sua descendência.

A jovem correu para ele e sentou-se em seus joelhos, como teria feito com seu próprio pai:

— Nós nos amamos; querido Otto. E nosso amor vencerá todos os obstáculos. Viveremos no castelo dos Schneider, e quando vier um filho... Eu o amarei de qualquer forma, seja branco ou mulato.

— Não posso concordar com esse casamento. Seu pai jamais me perdoaria.

— Ele já o perdoou, Otto. Além do mais, não prejudicarei meu nome por me casar com Bert. Ele também tem um nome honrado e dos mais ilustres.

— Está certo; Diana. Concordo com o casamento e serei seu padrinho; se é isto o que quer, não tenho o direito de me opor. Além do mais, creio que Dana disse uma grande verdade. Nunca amei e por isto não entendo dos assuntos do coração.

Naquela noite, Bert visitou a mansão de Diana. Uma criada o conduziu à sala onde a jovem costumava repousar.

— Bert!

Estava sentada no divã, junto à lareira. Bert avançou e parou ao lado dela:

— Estive pensando, Diana...

Ela o puxou pelo paletó e o fez sentar-se a seu lado. Sorriu e se apertou contra ele, beijando-o no rosto. Retrucou:

— Pois eu não estive pensando, já tinha pensado em tudo. Meu destino já estava traçado desde aquela noite em que você me beijou sob a chuva. Nada nem ninguém; poderia nos separar depois daquilo. Eu o amo e estou disposta a ser sua para o resto da vida.

— Escuta...

— Não me separe mais de você, Bert... Quero abraçá-lo e esconder a cabeça em seu peito, saber que você poderá me proteger sempre e me acariciar.

— Não quer me deixar falar, Diana?

— Se é para me dizer que ainda está com a cabeça cheia de dúvidas, não o deixarei falar. Mas se é para dizer que me ama, pode falar imediatamente. Estou louca de vontade de ouvi-lo dizer que me ama, Bert.

— Quem lhe ensinou a dizer essas coisas bonitas?

Ela sorriu e passou o braço de Bert em volta de sua cintura:

— Seu amor, querido.

— Querida...

— Está vendo? É fácil. Agora me diga, Bert: quando vamos nos casar?

Bert deixou de se conter e a abraçou, buscando-lhe a boca avidamente.

— Assim que você quiser — respondeu, entre um beijo e outro.

Duas horas depois, os dois estavam no mesmo lugar. Diana reavivava o fogo da lareira e Bert a contemplava fixamente:

— Prometa-me que não sairá do castelo até que...

— Ficarei lá por quanto tempo você quiser, Bert — respondeu ela, indo se aninhar nos braços dele. — Prometo tudo que você desejar. A menos que você me dê permissão, não sairei do castelo, nunca. Terei seu amor e sua compreensão, e isto me basta. Mas terá que me prometer uma coisa: deixará de ser um homem amargurado como foi até hoje. Quero conhecer todos os seus pensamentos e quero que doravante só tenha pensamentos bons. Promete?

Bert se limitou a sorrir. E não prometeu nada; beijou-a apenas.

 

Londres inteira foi abalada pela notícia daquele casamento. Para todos era uma loucura, um absurdo. De novo se falou no pai de Bert, em seu casamento com a tia de Diana. A estória de Bert se tornara conhecida pela sociedade londrina quando ele recebera o título de Duque de Mur. Todos previam para o casamento do rapaz um desenlace idêntico ao de seu pai, mas guardavam seus pensamentos para si próprios.

Diana recebeu muitas felicitações e uma infinidade de presentes. Bert, impassível, vivia os acontecimentos como se não lhe dissessem respeito.

Exibiram-se juntos em todas as partes e compareceram a diversas festas na Corte.

Ninguém duvidou do grande amor que os unia, porém muita gente lembrou que também Lia amara o marido e o abandonara.

Na véspera do casamento, Bert não foi à casa de sua noiva. Alegando que precisava fazer alguns preparativos, telefonou para ela e disse algumas palavras de ternura, desculpando-se. Estava pálido e transtornado.

A seu lado, Otto Linger parecia uma estátua.

Entreolharam-se e sorriram um para o outro. Bert sentou-se numa poltrona e apoiou o queixo na mão, pensativo:

— De qualquer modo, Sr. Linger, apenas das razões que o senhor expôs, eu me casarei com Diana. Talvez fosse bem sucedido se tivesse me visitado há quinze dias... Mas já esperei demais.

— Gosto de você, Bert, e lhe demonstrei isto diversas vezes. Mas temo este casamento, e como responsável por Diana era meu dever conversar com você.

— Todo o problema se reduz à cor de minha pele — disse Bert, com enfado. — Se eu fosse branco, o senhor não se oporia a nosso casamento.

— E também não vou me opor agora, Bert. Amanhã serei o padrinho do casamento. Mas sou sensato e procuro julgar as coisas com a cabeça fria. O amor é algo muito belo, concordo. Nunca estive apaixonado, mas ainda assim creio que posso dar palpite, neste assunto. A experiência me demonstrou, Bert, que o amor é uma fruta deliciosa que se saboreia com deleite, até que se enjoa. “Depois vem a parte prosaica da vida e para isto é preciso uma base sólida. Não duvido que se amem bastante, mas Diana é muito jovem e ficará horrorizada diante da possibilidade de ter um filho mulato. Acho que compreende o que estou dizendo.”

— Cale-se, por favor — pediu Bert, levantando-se. — Repeti isto para mim mesmo desde que comecei a me interessar por ela. E agora...

Deu alguns passos pelo aposento, nervoso e excitado. Otto notou-o tão desgostoso que se condoeu. Era terrível, pois Bert, apesar de sua fortuna e seu título de nobreza, apesar do grande amor que Diana tinha por ele, era um homem profundamente infeliz.

— Seria capaz de ir para bem longe e nunca mais voltar, se com isso o fizesse feliz, Sr. Linger. Mas Diana precisa de mim. Também preciso dela, mas passaria sem ela, porque sei me dominar, estou acostumado ao sofrimento. Porém tenho certeza de que ela não suportaria.

— Talvez eu esteja enganado e vocês possam ser felizes juntos, Bert. Tudo é possível.

— Sei que não pensa assim. Nem o senhor nem ninguém, nem eu mesmo. A única que acredita no sucesso desse casamento é Diana. Mas ela é muito jovem, não raciocina com clareza.

— Bem... Tenho que ir embora, Bert. Espero que não comente como ninguém nossa conversa de hoje. E procure esquecer essa obsessão dolorosa que o aniquila, Bert.

Bert não respondeu. Abanou a mão em despedida e Otto saiu. Ficou parado por alguns minutos no mesmo lugar, depois andou nervosamente pelo gabinete e por fim sentou-se numa poltrona. Com o rosto entre as mãos, gemeu:

— Sempre terei medo. Sempre temerei ver no rosto dela uma sombra de preocupação, de amargura. Não sou o homem adequado para uma mulher como ela. Antes minha mãe tivesse me matado, em vez de me abandonar.

Levantou-se. Ouviu passos no corredor e reconheceu-os de imediato.

A porta se abriu e Diana entrou. Correu para ele e o abraçou:

— Bert! Que há com você? Oh, de novo se atormentando querido! Sabia que alguma coisa lhe acontecia... Tive um pressentimento, e por isso vim. Não quero que se atormente dessa maneira, Bert, não quero!

— Ora, não se preocupe comigo, querida, estou bem — disse ele tentando tranquilizá-la.

— Vamos sair um pouco, Bert. Você precisa tomar um pouco de ar.

— Mas Diana...

Saíram e passearam pela calçada. Na rua, ouviram moças comentando sobre a cor de Bert, o que o deixava ainda mais atormentado.

O casamento foi realizado. Diana estava linda em seu vestido branco sem nenhuma joia. Bert usava traje a rigor e seu semblante era sereno. Formavam um casal ideal. Toda a aristocracia londrina compareceu à cerimônia. Houve sempre um sorriso compassivo para ele e um olhar de admiração para ela.

Tranquilos e sorridentes, Bert e Diana agradeceram as felicitações. Bert estava pálido naquela manhã e apertava os lábios vez por outra, como se pretendesse afastar algum mau pensamento.

Do lado de fora da grade havia uma multidão de curiosos. Todos queriam ver e os criados tiveram que intervir para dispersá-los.

O casamento foi realizado no palácio de Lady Schneider. O banquete se realizou nos grandes salões, feericamente iluminados. Mais tarde o casal desapareceu do salão, enquanto os criados colocavam a derradeira mala no carro que depois os levou.

Bert ia ao volante. A seu lado, emocionada, ia Diana. Por vezes sorria docemente, e seu marido se inclinava para ela, roçando-lhe os lábios com um beijo.

— Chegaremos muito tarde, Bert.

— Não faz mal. Os criados estão à nossa espera. Otto e Dana irão dentro de alguns dias.

— Sinto-me feliz, querido.

— Gostaria de ouvi-la dizer isto a vida inteira.

Quando chegaram ao castelo dos Schneider, os criados os esperavam com ramos de flores. Inclinaram-se respeitosamente diante de Bert. Por fim, o casal retirou-se para o seu quarto.

Passaram-se alguns meses. A cavalo, passeavam pelo bosque e às vezes paravam junto ao riacho. De noite, sentavam-se na grama da beira do caminho e contemplavam o luar.

Um dia, Diana disse ao marido:

— Bert, eu vou ter um filho.

Ele ficou alguns instantes em silêncio, depois disse:

— Lamento, Diana...

Ela arregalou os olhos:

— Lamenta? Ficou louco? Estou radiante de alegria e com vontade de contar a todo mundo, e você diz que lamenta?

Bert se espantou ao ouvi-la.

— Oh, Bert, abrace-me e diga que também está feliz. Vou ter um filho, Bert, é nosso. E o amaremos seja branco ou escuro. E não ficaremos só neste, teremos outros. Por favor, Bert, não me olhe assim.

Bert a abraçou:

— Você é maravilhosa, querida. Nunca pensei que fosse tanto, até que me casei com você. Mas tenho medo. Não sei que seria de mim se perdesse seu amor, se você me abandonasse.

— Seus temores são infundados. Jamais deixarei de amá-lo e nunca o deixarei.

 

Antes a obsessão da cor de sua pele o torturava. Agora o filho que ia nascer era sua ideia fixa. Vivia febril, irritava-se com as menores coisas. Fugia de Diana como se assim pudesse fugir de si mesmo.

Parecia-lhe que Otto o fitava com olhos acusadores e que Diana não o amava tanto quanto antes. Julgou inclusive que sua presença fatigava a esposa.

E pouco a pouco, conforme os dias passavam, afastava-se mais. Vagava pelo bosque, como se ali respirasse melhor. E pedia ao céu que aquele filho fosse claro como Diana.

— Aonde vai, Bert? — perguntou Diana certa manhã, quando ele ia sair do quarto.

Bert á julgara adormecida e parou junto à porta, sem se virar. Apenas respondeu:

— Ao campo.

— Ao campo! O que há no campo para atraí-lo dessa maneira. Já estou farta, Bert! Farta de seu mutismo, de sua secura... Quase seria melhor que fosse para longe do que me olhar como se eu fosse um animal raro.

— Por favor...

Diana se levantou da cama e deu alguns passos pelo quarto.

— É estúpido isto que nos acontece, Bert. Você passa as horas e os dias no bosque. Por que, Bert? Por quê?

Enfurecia-se cada vez mais.

Naquele instante ela foi incapaz de compreender Bert. Amava-o acima de tudo e julgava que ele soubesse. Não podia admitir que o mutismo e o retraimento de Bert se devessem ao filho que ia nascer, pela simples razão de que a ela não preocupava que o filho fosse escuro ou branco. Bastava-lhe que fosse de Bert.

— Deixou de me amar, Bert? — perguntou de súbito, olhando-o fixamente.

— Não diga isso!

— Então me explique o que está acontecendo. Vejo-o e não o reconheço. Parece fugir de mim como se eu... Está com saudade de suas viagens, Bert?

Bert julgou que ela queria vê-lo partir e se calou.

— É isso, Bert? — gritou ela.

— Por favor, Diana!

— Oh, Bert... É possível que se tenha cansado de mim?

Bert então fugiu como um covarde.

Diana ficou um instante, parada, olhando para a porta pela qual ele desaparecera, então, se jogou sobre o leito, soluçando.

— Diana...

— Entre, Dana. Como me sinto infeliz! Acho que seria capaz de morrer agora, Dana...

— Creio que não, Diana. Está gritando demais, com muita energia.

— Zomba de mim?

— Está chorando, Diana? O que houve?

A moça sentou-se na cama, enquanto as lágrimas escorriam de seus olhos.

— Ele, Dana, ele...

— Brigaram?

— Ele quer ir embora.

— O quê?

— Cansou-se de mim, Dana!

— Bert disse isto?

Diana se atirou nos braços da velha criada e soluçou ainda mais forte:

— Não, mas eu sei, Dana. Você não vive ao lado dele e não sabe como Bert é. Por isto não pode perceber a mudança que houve. Antes ele era... Oh, Dana, não me obrigue a falar. Estou tão amargurada!

Dana a acariciou. Não podia compreendê-la nem a Bert. Era muito ignorante para entender problemas tão complicados.

Mesmo assim, conseguiu tranquilizar Diana e esperou pela chegada de Bert. Dana só sabia que Diana ia ter um filho e que não convinha desgostá-la. Não encontrou melhor solução do que ter uma conversa com Bert, a sós. Como ele demorava, foi esperá-lo no parque. Todos os dias àquela hora Bert passava por lá e Dana sabia disso.

Por fim, ele se aproximou. Alguém comentou:

— Olá, Dana! Vai inspecionar o trabalho dos homens?

— Trata-se de Diana...

Bert estremeceu:

— Está doente? Quando a deixei esta manhã parecia muito bem...

— Ela vai ter um filho.

— Isto eu sei, Dana. Eu e ela estamos felizes por este motivo.

— Sim, mas... Não vai partir, não é mesmo?

— Partir para onde, Dana?

— Viajar pelo mundo.

— Claro que não.

— Obrigada...

— Por que me faz esta pergunta?

Dana não se atreveu a responder, a desabafar. Apenas disse:

— Simplesmente pensei, já que gosta tanto de viajar... Preocupava-me com Diana.

Bert sorriu:

— Ora, não se aflija, Dana. Gosto muito dela e não vou deixá-la sozinha agora.

Mas Dana não se tranquilizou. Depois que ela se afastou, Bert subiu e entrou no quarto:

— Olá! O passeio foi maravilhoso.

— Já está aí? O que havia no bosque hoje? É como se todo dia encontrasse novidade, pois o bosque não deixa de fasciná-lo.

— O bosque é sempre o mesmo, mas aquela paz me faz bem.

Diana ficou em silêncio. Pouco depois indagou:

— Vamos comer?

Passou por ele com ar altivo. Bert estranhou seu comportamento e a segurou pelo braço:

— O que está havendo? Tenho culpa de alguma coisa?

— Não, você é um santo, Bert. Nunca tem culpa de nada.

Bert a soltou em silêncio. Ia fazer meia-volta quando ela se lançou subitamente em seus braços. Gemeu:

— Sim, você é culpado. É culpado do meu desespero, Bert, querido!

Começou a chorar nos braços dele.

— Por que me deixa tão sozinha? Cansou-se de mim?

— Claro que não! Como poderia me cansar de você, querida?

— Estou sofrendo, Bert!

— Por quê?

— Não sei.

— Eu também não sei, Diana, e sofro como você.

— Está cansado de mim, não é? Tome, esta é a chave do quarto ao lado. Se quiser, pode passar a dormir lá.

— Isto é um absurdo, Diana! Não sei por que diz tantas tolices!

Mas pegou a chave e Diana se afastou.

Ao entrar no quarto, lembrou-se das palavras de Otto Linger e sorriu com amargura.

Pensou em seu violino. Precisava tocar, transmitir através das cordas do instrumento todo o seu desespero.

Levantou-se e procurou no armário. O velho violino estava ali, solitário como ele.

Segurou-o amorosamente e o apertou contra o peito.

— Preciso tocar... Tocar para esquecei a minha dor.

Sentou-se numa cadeira, firmou o instrumento entre o queixo e o ombro e começou a tocar.

Jamais, em nenhum momento de sua vida, tocara com tanto sentimento e virtuosismo. Tocou sem interrupção, desesperadamente. A melodia fluía ao contato do arco com as cordas e se perdia pelo quarto, pelos corredores do castelo.

A porta de comunicação se abriu subitamente. Bert não percebeu. Continuava tocando, com o olhar fixo num ponto vago, os dedos em contínuo movimento.

Diana, com os olhos cheios de lágrimas e o peito palpitando, aproximou-se por trás dele. De súbito, tirou-lhe o violino das mãos e se jogou em seus braços, gemendo e escondendo o rosto no peito dele:

— Não posso! Não posso continuar sozinha, não posso me separar de você, Bert! Preciso da sua presença.

Bert estremeceu. Abraçou-a e apertou-a contra si, beijando-lhe os cabelos. Depois a beijou no rosto, nos lábios.

— Querida... — suspirou.

— Diga-me o que há com você, Bert. Não posso ficar sem você. Se for verdade que deixou de me amar, conte-me agora. Preciso saber a verdade.

— Não fale assim, Diana! Como pode imaginar que deixei de amá-la se esta noite me sentia o mais infeliz dos homens?

— Então continua me amando?

Bert a contemplou apaixonadamente, com os olhos brilhantes de emoção. Ele levantou-se com ela nos braços e transpôs a porta que ligava os dois quartos e voltou ã beijá-la.

— Ainda depois de morto estarei pensando em você, Diana. Não sou homem de esquecer facilmente. Quando amo uma vez, é para sempre.

Na manhã seguinte ambos percorreram o bosque, a pé. Diana não podia montar a cavalo por causa da gravidez. Seus olhos tinham uma expressão de felicidade.

Sentaram-se junto ao riacho e Bert contemplou a água com expressão sonhadora.

— Quando o bebê nascer, Bert, eu quero fazer uma longa viagem em seu iate.

— Naturalmente, querida.

Diana se aproximou mais e reclinou a cabeça em seu ombro.

— Quero lhe dizer uma coisa para que nunca mais a esqueça. Eu o amo, Bert, e não me importa se a criança nascer branca ou escura. Amo-o e isto é o bastante.

Ele continuou em silêncio. Diana lhe segurou o rosto com as duas mãos e o forçou a fitá-la:

— Bert, sua mãe ignorava que um antepassado do marido fora negro, por isto odiou você ao ver que saíra diferente. Mas eu sei de antemão o que vai ou pode acontecer. Não vou me decepcionar. Por minha parte, prometo que vou tentar compreendê-lo melhor. Nunca esquecerei a noite de ontem. Vamos começar tudo de novo.

— Você é maravilhosa, Diana.

— Diga-me como começou a me amar. Você nunca me falou disso.

— Quando seu pai morreu, eu fui lhe dizer que lamentava... Você me pareceu arrogante e altiva. Eu realmente sentia a morte de seu pai, e não tanto por ele, mas por você, que iria ficar sozinha. “Naquele instante a odiei, pois você me maltratou. Odiei-a outras vezes, em que você igualmente me maltratou. Mas eu já tinha em meu íntimo o germe desse amor. Quando nos beijamos na chuva aquele dia, compreendi que jamais poderia viver sem você.”

— Eu me lembro. Era estúpida e orgulhosa, queria expulsá-lo da fazenda...

— Hoje, se você me deixasse, eu morreria.

— Doutor Sharp!

O médico do castelo, agora com os cabelos totalmente brancos, sorriu para Bert e o segurou pelo braço:

— Vamos tomar um trago, rapaz, creio que ambos precisamos.

— E ela? E a criança?

— É cedo ainda. As mulheres jovens sempre se precipitam. Podemos tomar um trago, bater um papo e até jogar uma partida de pôquer, se quiser. Depois voltarei para junto de sua esposa.

Bert se agitou. Será que Bill Sharp nunca se casara? Não compreendia seu nervosismo e sua ansiedade?

Esperava há dois dias. Dois dias intermináveis e o velho médico o convidava para uma partida de cartas.

— Estou desesperado, doutor. Não pode me compreender, mas eu...

— Claro que o compreendo! — riu o médico. — Assisti a casos parecidos centenas de vezes. Mães angustiadas, pais ansiosos, criados agitados pela curiosidade. Já estou calejado, Sr. Wiler, não sou marinheiro de primeira viagem. Acalme-se e tudo sairá bem.

Bert serviu bebida a ambos.

— Repito, pode ficar tranquilo, tudo correrá perfeitamente bem. Sua mulher é jovem e sadia. E sabe que está muito mais calma do que o senhor? Ora, os pais jovens!

Estalou a língua e saboreou o uísque:

— Excelente, Sr. Wiler! Lembra-se de mim? Assisti Lorde Schneider em seus últimos momentos.

— Vi-o muitas vezes no castelo, doutor — disse Bert, calculando que Sharp queria distraí-lo com sua conversa. — Eu trabalhava nas cocheiras.

— Sim, lembro-me bem. Lorde Schneider queria justamente nos contar sua estória, antes de morrer, mas não pôde. Esperara demais. Pensei muito em seu futuro, Sr. Wiler, e também no de Diana. Quando soube que vocês eram primos, previ um casamento. Sou um pouco profeta.

— Não acha que minha mulher está muito sozinha?

O médico deu uma risada e se serviu de outra dose.

— Dana está conversando com ela.

— Tenho medo...

— Medo? Milhares de mulheres têm filhos todos os dias. Não existe coisa mais natural no mundo, garanto-lhe.

— O senhor não me entende, doutor...

— Então fale com mais clareza, por favor.

— Pensei que o senhor soubesse do meu problema.

— Um homem rico, saudável e bem casado como o senhor, Sr. Wiler, que tipo de problema poderá ter?

— Pois o tenho, meu caro doutor, e venho sofrendo muito com isso. Passo as noites acordado, pensando... Tenho medo de tudo: medo pelo risco que Diana vai correr com o parto. Ela é o que tenho na vida. Sem ela eu não poderia continuar vivendo.

— Já lhe disse, Sr. Wiler, que milhares de mulheres dão à luz milhares de crianças no mundo inteiro, todos os dias.

— Vou ser franco com o ser, doutor.

— Fale, homem! Sou médico da família há anos e sempre mereci a confiança dos Schneider. Como profissional, no exercício da Medicina, sempre zelei pela preservação da ética. Como o sacerdote no confessionário, o que o médico ouve fica só com ele.

— Para falar a verdade, temo pela criança também, doutor. Daria toda a minha fortuna para que nasça clara, branca. Percebe o que pode acontecer se for escura?

O médico olhou fixamente para Bert. Sentiu com toda a intensidade o problema daquele homem bom e generoso.

— Ora, também não precisa exagerar. Pelo que sei, o negro que existiu em sua família não era totalmente negro, era mulato. E você é quase branco. Seus filhos, na suposição de não serem brancos, ainda seriam mais claros do que você, meu caro Bert. Permita-me que o trate assim.

— Ora, doutor, pode me chamar de você à vontade. Quer dizer que, em sua opinião, a criança deve nascer com a pele clara? Seja sincero, doutor!

— Não se impaciente, meu caro. Sua pele será branca.

— Tem certeza?

— Claro que sim. Bem, agora darei um pulo até o quarto. E o chamarei, quando for possível. Fique aí e não se atormente sem necessidade.

Bert ficou ali, meditando. Recordava de sua infância no castelo, sempre humilhado por todos por causa de sua cor. A discriminação racial, odiosa e anticristã, sempre existira naquela sociedade, e mesmo assim um mulato ingressara na família Schneider

Ele sofrerá mais que ninguém os efeitos dessa discriminação odiosa. Fora abandonado pela própria mãe por causa da cor de sua pele. Não queria que seu filho sofresse o que ele sofrerá. Sabia que Diana era generosa, mas lembrava-se muito bem da chegada dela à fazenda, orgulhosa, altiva...

Não gostara dele e pedira sua demissão imediata. Não fora o bom administrador Otto Linger, e não saberia dizer se acabaria Duque de Mur. Abandonado, sozinho, talvez não sobrevivesse. E tinha uma agravante que lhe era desfavorável: a cor. Jamais subiria na escala social. Claro que sonhara ser um dia um grande concertista... Pobre filho! E se nascesse escuro? Nem queria pensar.

Andava de um lado para outro, impaciente. Que estaria fazendo o médico naquele instante? Diana estaria sofrendo? Talvez não... O doutor Sharp tinha razão: milhares de mulheres têm filhos todos os dias no mundo inteiro. E era bem possível que seu filho nascesse com a pele clara.

Sorriu. De uma coisa tinha certeza: Diana o amava. Que importava o resto? Viveriam os três longe da sociedade...

Os minutos se passavam, monótonos. Há quanto tempo estava ali, à espera? Um século?

De vez em quando, passava um criado apressado. Que teria acontecido?

Bert não teve paciência. Chegara ao limite. Otto caminhava pelo castelo falando sozinho, elevando os braços ao céu e olhando para Bert de modo suplicante.

Os criados pareciam pisar sobre brasas. Estavam todos inquietos e cochichavam pelos cantos. Todos esperavam.

Bert saiu, depois voltou. Não sabia o que fazer. Estava nervoso, angustiado.

Sentou-se numa poltrona, tremendo. As horas transcorreram lentas, angustiantes.

Ninguém falava. O silêncio era tumular, o que aumentava ainda mais o seu nervosismo.

Aqueles criados que cochichavam pelos cantos, saberiam eles de alguma novidade?

Que estariam escondendo? Por que os cochichos?

Suas pernas, trêmulas, o impediam de levantar-se. Se pudesse pelo menos chegar à porta do quarto onde estava Diana!

Por que Dana não aparecia? E o doutor Sharp? O parto já terminara? Ou tudo complicara? Não queria pensar muito, mas os pensamentos piores tumultuavam seu cérebro. Tentava dominar-se, sem nada conseguir.

Esforçava-se por recordar os tempos bons de sua vida, suas viagens pelo mundo em seu iate. Não podia esquecer também dos encontros com Diana, logo no início daquele amor que acabaria fazendo dela a sua mulher.

Por fim, a porta se abriu e Dana apareceu.

— Dana!

— Que cara é essa, senhor Duque?

— Por favor, diga logo! Foi tudo bem?

Ela sorriu com bondade:

— Já pode entrar...

Bert se precipitou para dentro do quarto e olhou em todas as direções. O aposento estava em penumbra. Sorridente, o médico guardava seus instrumentos na maleta.

— Parabéns! — falou ao passar por Bert.

Saiu e fechou a porta.

Bert olhou para o leito:

— Querida...

Correu para a cama e se ajoelhou ao lado de Diana. Não quis perguntar, não era hora de fazer perguntas. Ocultou o rosto junto a Diana e ela lhe acariciou os cabelos:

— Querido, não me pergunta onde está seu filho?

— Bu...

— Ora, acalme-se. A enfermeira vai levá-lo daqui a pouco, mas antes quero que o veja.

— Ele não precisa ir com a enfermeira?

— Irá, porém o pai tem direito de ver o filho recém-nascido.

— Igual a mim?

— Veja-o.

Afastou os lençóis e um rostinho rosado surgiu à vista. A criança começou a chorar.

Bert estremeceu dos pés à cabeça. Jamais em sua vida sentira emoção tão forte. Ficou em silêncio, olhando para o filho, claro como sua mulher.

— Não diz nada?

— Eu, bem... Queria...

— Está tão emocionado assim, querido?

— Diana, meu amor! — desabafou.

Beijou-a na boca com paixão e Diana lhe rodeou o pescoço com os braços:

— Desta vez você venceu, Bert. O filho que eu queria era mais parecido com você.

— O quê?

— Estou satisfeita, mas não de todo. Ainda teremos um mulatinho bonito como o pai, verá.

— Estou tão feliz, querida!

Ali mesmo, junto à cama, fitando o menino rosado, Bert sentiu os olhos molhados.

Sim, era felicidade demais em tão pouco tempo. Tanta angústia, tanto desespero!

Felizmente, ali estava seu filho, claro como Diana, lindo como uma rosa num jardim em plena primavera.

— Proibi a eles de contar a você, Bert. Queria ver sua reação.

— E o que achou?

— Acho que você é maravilhoso. Dê-me outro beijo e depois vá descansar. Acho que não descansa desde que eu lhe disse que ia ter um filho.

— Está zombando de mim?

— Zombar de você?

— Ah, Diana, minha querida!

— Sou feliz, Bert, não porque meu filho seja branco, mas por ser como você o queria. Quero lhe dizer outra vez que o amo.

— De verdade?

— Adoro-o!

— Obrigado, Diana.

— Bert...

— É tanta a felicidade que você me deu... Fico até assustado, minha querida.

— Dê notícias aos criados, querido. Diga que somos felizes e que comemorem. E depois que descansar, venha tocar violino para mim.

Com efeito, três horas depois, ele tocava para ela. Do violino saía uma doce melodia, talvez uma canção cigana...

Nem souberam quanto tempo passaram juntos, ligados pela música. Bert pôs toda a sua alma na interpretação das peças que Diana ia pedindo.

Estava feliz, imensamente feliz.

 

— Diana!

— Estou dizendo a verdade, Bert. A maravilhosa verdade.

— Você me assusta, Diana!

— Venha e veja.

Apesar dos sete anos que se havia passado, Diana continuava jovem e bela. Bert, com os cabelos começando a embranquecer, aproximou-se da esposa e a abraçou, beijando longamente.

— Mas é verdade?

— Claro que sim. Venha, vamos observá-lo da janela.

Caminharam abraçados até à janela e dali eles olharam para o parque.

— Repare no maior, Bert. Será um grande Lorde Schneider. Não devemos deixar que o nome de minha família desapareça, não é mesmo?

— Tem razão, querida.

— Veja o segundo, Bert — ela sorriu. — É quase de sua cor... Ainda me lembro do susto que você levou quando o viu pela primeira vez. Eu o beijei, Bert, e lhe disse que adoraria aquela criança porque se parecia com você. Veja-se hoje, é um garoto inteiramente feliz. É o mais belo de meus filhos. Algum dia as damas inglesas ficarão loucas por ele. Ele também será um duque maravilhoso, como você.

— Diana...

— Agora, repare em Lia, rosada, linda...

— Como você, mãe coruja!

— Sim, admito que se parece comigo.

Diana se voltou para fitá-lo:

— Sabe de uma coisa? — riu divertida. — Se continuarmos assim, isto aqui vai acabar parecendo uma creche... Agora vamos ao terraço. A babá está lá com as duas gêmeas.

— E ainda me anuncia mais outro?

— Não é formidável? Seis filhos... Bert... Eu nunca imaginei felicidade tão completa!

Abraçados, chegaram ao terraço, onde a velha Dana ajudava a babá a cuidar das gêmeas!

— Sabe que há outro a caminho, Dana? — sorriu Diana.

— Agora já é demais!

— Claro que não... Olhe, Bert, essas duas serão morenas e lindas, que virarão a cabeça de muitos homens. Você verá.

Pouco depois voltaram para a sala e sentaram-se no sofá, um ao lado do outro. Otto entrou apoiado em sua bengala:

— É verdade o que Dana me disse?

Quando lhe confirmaram a notícia, Otto felicitou os dois. Tinha tanto amor aos filhos de Bert e Diana como os próprios pais.

— Leve-me a Londres esta tarde, Bert — pediu Diana quando ficaram novamente a sós. — Passaremos a noite no palácio.

Beijaram-se. Amavam-se como quando eram noivos, como nos primeiro tempos de casados. A coragem e o amor de Diana tinham criado para eles uma vida cheia de ternura e felicidade.

 

 

                                                                                Corin Tellado  

 

                      

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