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Series & Trilogias Literarias
Cortejar pode não ser seu forte...
É verdade que, quando se trata de cortejo, a estratégia do marquês de Wallingham é um buquê de rosas. Charlie Bainbridge passou dois longos anos cortejando a mulher que ama, esperando pacientemente até que ficou meio louco. Agora, em uma festa de caça de inverno, ele tem uma última oportunidade de persuadi-la de que estão destinados a ficar juntos. E desta vez não deixará que as dúvidas sem sentido, sua mãe intrometida ou alguns contratempos e chapéus destroçados se interponham em seu caminho.
E a paixão pode não ser o dela...
Segura e cômoda dentro de sua ordenada e cuidadosamente planejada existência, Julia Willoughby nunca conheceu um desejo como aquele. Outros viam Charlie como o tipo tranquilo e manejável. Julia via a verdade: o filho daquele dragão tinha seu próprio fogo.
Suficiente para abrasá-la com um toque, um olhar, um beijo. Pelo bem de sua felicidade, ela se nega a atá-lo em uma união sem filhos. Seu coração, entretanto, não se convence tão facilmente, porque quer ao Charlie.
Mas um marquês deve fazer o que um marquês deve fazer...
Indignado pela ideia de perdê-la para um qualquer, Charlie faz uma oferta final: Passar doze noites em sua cama, e se ela ainda puder negar que são perfeitos um para o outro, a deixará partir. Mas não sem antes tentar completamente a encantadora e teimosa Julia a trocar a sensatez previsível pelo doce caos do verdadeiro amor.
CAPÍTULO 1
“Deus sabe o que é que o atrai tanto. Talvez tenha uma afeição oculta pelas peculiaridades. E o desastre.”
A marquesa viúva de Wallingham ao seu bom companheiro, Humphrey, enquanto contempla os mistérios dos filhos obstinados, as viúvas peculiares e os noivados que claramente duraram muito tempo.
28 de novembro de 1818
Fairfield Hall, Suffolk
— Viu alguma vez um obstáculo desse tipo? — Julia Willoughby soltou uma pausa e estalou a língua enquanto descia pela escada da biblioteca e colocou outros quatro livros sobre a pilha, cada vez maior. — Uma novela de ficção com uma referência à arquitetura paisagística. Incrível! — Ela fez um gesto com a mão às cegas para a criada que estava sentada atrás dela. — Não ria, porque não brinco.
Um ronco suave foi sua resposta. Uma hora antes Peggy tinha caído na única cadeira da biblioteca de Lorde Dunston que não estava ocupada por pilhas de livros. Aparentemente, a garota desejava dormir mais que obter a ordem adequada.
Julia agitou a cabeça e colocou as mãos nos quadris, olhando fixamente as estantes tristemente desorganizadas.
— Como se arrumou todos estes anos? — Perguntou-se em voz alta. Logo suspirou e encolheu os ombros. — Não importa. Pela manhã cada livro encontrará seu lar.
Oh, Deus. Devia ser tarde. Ela estava divagando, o resultado peculiar e previsível da fadiga. Talvez devesse encontrar sua cama.
Possivelmente deveria deixar de tomar-se liberdades com a biblioteca de um cavalheiro que lhe tinha devotado sua hospitalidade. O Conde de Dunston organizara uma caçada anual em seu imóvel, Fairfield Park. Ela estava ali como sua convidada, não como sua governanta.
Lorde Dunston não é o cavalheiro com quem deveria preocupar-se, recordou a si mesma.
Tal aviso era desnecessário, é claro. Sua missão de reorganizar a biblioteca de um conhecido no meio da noite era, em realidade, uma mera distração de outro cavalheiro. Não um conde, e sim um marquês.
O homem ao qual resistiu durante dois longos anos.
Estava ali. Bom, ao menos, estava perto.
Oh, Deus. Aí estava a divagação outra vez.
Piscou enquanto a luz das velas brilhava nas prateleiras de madeira escura, nas encadernações de couro e nas letras douradas. Cobriu-se o rosto e esfregou os olhos com a ponta dos dedos.
Céus, estava cansada.
Bocejando profundamente, baixou os braços e reuniu sua resolução, entrecerrando os olhos para a terceira prateleira do teto.
— Biografias — murmurou a si mesma, deslizando a escada e começando a subir. — A gente raramente necessita de biografias.
A luz dourada piscou loucamente em uma rajada de ar. Um barítono baixo e liso ladrou: — Que diabos está fazendo à biblioteca do Dunston?
Ela se virou. Apoiou sua mão na borda da escada. Perdeu o fôlego e quase ficou em pé.
Dirigiu-se para ela com o rosto enrugado. Para um homem que nunca se via enrugado, mesmo quando estava empapado até a pele sob um carvalho que gotejava, era bastante alarmante.
— Está louca, mulher?
— Charlie. — Seu coração soprou a palavra. Que lhe escapasse da boca com tanto desejo era simplesmente uma falta de disciplina.
— Me responda.
Ele estava a dois metros de altura, para ser precisa, posto que ela estava no degrau mais baixo, seus olhos estavam quase à altura dos dela enquanto ele cruzava para a escada. Para a luz piscante. Para ela.
Dedos apertando o mogno do corrimão da escada, gaguejou.
— Precisava ser classificado.
— Por você – disse. — A esta hora.
Ela engoliu em seco, seus olhos o devoraram impotente: cabelo da cor do melaço, grosso, com um chamativo pedacinho de prata nas têmporas.
Nobre, se caracterizava por ser mais audaz que bonito: um nariz longo e de ponte alta com um gancho sutil ao final; maçãs do rosto afiadas e elevadas; um queixo de substância pouco comum. Sempre pensou que seu perfil pertencia a uma moeda.
Nesse momento, entretanto, parecia curiosamente despenteado, seu fraque marrom desabotoado e encolhido nos ombros por descuido, seu lenço desaparecido, seu cabelo despenteado. Notável só porque nunca o tinha visto tão desordenado. E ela o conhecia fazia anos. Dois e meio, para ser precisa.
Desde antes da morte de seu marido.
Não, Charlie não gostava da desordem. Algo andava mal.
À medida que se aproximava, ela girou no degrau da escada para enfrentá-lo mais plenamente. Seus olhos, embora sobressaíssem como sempre, se entrecerraram de cansaço.
— Possivelmente deveria perguntar por que está aqui a estas horas — respondeu ela, mantendo sua voz baixa por duas razões: primeiro, não desejava despertar Peggy, cujos roncos ressoavam no silêncio crepitante. Segundo, ela não podia respirar enquanto seu rosto estava a centímetros do seu. — Não deveria ter retornado ao parque Steadwick?
Seu cenho franzido se fez mais profundo, sua cabeça ligeiramente inclinada.
— Dunston e eu tínhamos assuntos que discutir. Estava saindo de sua sala de bilhar para voltar para casa quando te vi através da porta. É consciente de seu pequeno projeto?
— Não.
— Então, perguntarei de novo. O que crê que está fazendo?
— Pondo as coisas em ordem.
— Por quê?
— Reconforta-me.
Suas mãos se levantaram para agarrar os trilhos a ambos os lados dela.
— É um pouco presunçoso reorganizar a biblioteca de um homem sem seu conhecimento, não acha?
Deixou que seu olhar se deslizasse ao longo de sua mandíbula para seu forte e magro pescoço. O que faria ele se ela simplesmente pusesse seus lábios ali?
Maldita luxúria caprichosa.
— Possivelmente — murmurou. — Mas me agradecerá quando eu terminar.
— Julia.
— Hmm?
— Me olhe.
Ela o fez. E o que viu a fez arder.
— Nenhum de nós tem que sofrer desta maneira — disse com voz rouca, aqueles olhos verdes como joias brilhando como uma fogueira sobre sua pele. — Se busca consolo, com prazer lhe darei isso.
Dentro, cada parte feminina de seu corpo gemia e doía. Por isso estava acordada.
Inquieta. Ansiosa. Por sua culpa.
Supunha-se que não devia estar ali. Ela só tinha ido ao grupo de caça do Dunston em meio esforço para conseguir um marido. Não se tinha dado conta de que a casa de campo preferida do Charlie era Fairfield Park. Ou que apareceria como uma visão de seus sonhos mais escandalosos no salão de Lorde Dunston. Ou jantaria a cinco cadeiras dela na mesa do Dunston. Ou a descobriria ali, na biblioteca do Dunston. Classificando. Lutando para pôr ordem no caos dentro dela.
Os trilhos de mogno chiavam sob a pressão de seu punho enquanto ele se movia para mais perto, esquentando sua frente com seu calor.
— Posso sentir sua necessidade, embora se negue a reconhecê-la. — O fôlego lhe roçou o pescoço.
Seu aroma – sabão e água e o mais leve indício de conhaque – a debilitou como o fogo que devora a madeira.
— Qual é o ponto de nos negar a nós mesmos?
Seus olhos se fecharam à deriva. Qual era o ponto, de fato? Só que ela o amava. Amava-o mais do que nunca tinha amado a ninguém, incluindo seu marido. Arthur. Querido, querido Arthur, que pouco a pouco se pôs mais triste e resignado ao passar os anos de seu matrimônio.
As brasas se esfriaram o suficiente para que a prudência voltasse.
— Por favor — ela sussurrou. — Não voltemos para o passado. Certamente não pode ter esquecido o desastre que somos juntos.
— Alguns contratempos não nos convertem em um desastre. — Mordeu a última palavra com asco.
Abrindo seus olhos, viu a frustração enrugando sua sombria e amada testa.
Ela queria acariciá-lo ali. Aliviá-lo. Beijá-lo.
Não podia. Por seu bem, não pôde.
— Charlie. — Uma vez mais seu nome escapou sem sua permissão, sem fôlego e necessitado. Ela apertou os lábios e se preparou para rechaçar o homem que amava pelo que esperava que fosse a última vez. Não podia suportar seguir fazendo-o. Cada vez a cortava mais profundamente, surpreendia-se de que tivesse sangue.
— Contratempos? Nossa primeira viagem ao Hyde Park terminou com os dois empapados até os ossos.
— Desculpei-me cinco vezes nessa excursão...
Ela suspirou.
— Seis. E não se trata de desculpas.
— Você e seu vestido se secaram sem incidentes. A dobradiça da caleça foi reparada no dia seguinte.
— Sim, mas meu chapéu teve que ser descartado.
— Ofereci-me para substitui-lo. Além disso, isso foi há duas temporadas.
— Refere-se à mesma temporada em que acreditou naqueles rumores difamatórios sobre minha suposta infidelidade com um cocheiro e dois cavalariços? Essa temporada?
— De novo, desculpei-me por...
— E não esqueçamos o incidente com a carruagem de Lady Randall.
— Tudo por culpa de Lady Randall. Seu fracasso em controlar aquela pequena ameaça gorda...
— Outro chapéu que me vi obrigada a queimar. — Ela inspirou e engoliu sua diversão. — Aquele tipo de manchas nunca sai, sabe, e embora saíssem, o aroma não sairia.
Com a mandíbula flexionada, respondeu: — Os acidentes ocorrem. Não significa que estejamos amaldiçoados, droga.
— Na temporada passada quase morremos quando perdeu o controle de seu faetón no Rotten Row.
Seu imponente queixo se moveu para cima como se estivesse levantando uma sobrancelha.
— As rédeas me escaparam das mãos depois que me disse que planejava se casar com outro homem. — As incandescentes e baixas palavras evidenciavam a força de sua contínua fúria. Antes desta noite, tinha sido a última vez que ela o tinha visto, esse dia no parque, quando tinha feito o que era necessário, o que era melhor.
Engolindo em seco, concentrou-se em seus lábios, normalmente finos e definidos, atualmente apertados, planos e sombrios.
— Não devemos estar juntos, Charlie. Nada disto está bem.
— Está equivocada.
— Sou sensível.
— Maldição, Julia. Persiste em nos castigar por sentimentos sobre os quais não temos controle.
— Foi uma traição ao Arthur, dos meus votos a ele.
— Serviu-me o chá. Sentamo-nos em silêncio juntos. Não aconteceu nada mais enquanto estava casada.
Ela levantou seus olhos aos dele.
— Você sabe que não é assim.
Seu olhar era explosivo. Luxurioso. Igual àquele dia na casa que Arthur alugou em Londres. Lembrava-se de cada momento, da luz amarela trêmula que entrava pelas janelas do salão. O peso do tranquilo, elegante e poderoso olhar verde do marquês sobre seu pescoço. O estranho desejo de tocá-lo.
Não, não tinham atuado sobre a atração, simplesmente sentados em um silêncio espesso sobre um sofá branco enquanto Arthur recuperava alguns papéis.
Mas os sentimentos tinham sido reais. Evidentes.
Tinham-na sacudido até que tudo o que ela sabia de si mesma se voltou estranho e incerto. Rogou ao Arthur que a deixasse ir-se logo de Londres e voltar para Bedfordshire. Onde estava a salvo. Onde ela podia organizar a Mansão Willoughby ao seu gosto e fingir que o mundo não estava cheio de desejos voláteis por um homem que não era seu marido.
Então, seu marido tinha morrido. Quebrou o pescoço em um acidente de carruagem do caminho à casa para a Páscoa. E ela tinha chorado. Lamentado. Cozida dentro de um caldo de dor e vergonha.
Um ano mais tarde, visitando Londres com o jovem herdeiro do Arthur e sua mãe, encontrou-se de novo com o propósito de sua proibida fascinação. Tinha-a assediado. Ele a cortejou. Convenceu-a para que considerasse a ideia de casar-se com ele. Até que recordou o egoísmo de seu desejo por ele e todas as razões pelas quais devia deixá-lo ir.
— Não me desculparei por te desejar — disse agora, seu casaco roçando seus seios. — Não o sinto.
— Desça-me — ela sussurrou, olhando seu queixo.
— Não.
— Tenho trabalho a fazer.
— Não terminamos com nossa conversação.
Apertou os dentes, necessitando escapar. Estava muito perto.
Muito tentador.
Se não me decepcionar, então possivelmente deveria subir.
Desesperada, retorceu-se, agarrou o corrimão da escada, suas sapatilhas girando no degrau até que suas costas ficaram para ele. Seu quadril o golpeou forte, seu cotovelo se chocando com o ombro dele.
Mas não havia escapatória, pois não lhe dissuadiu. Seu braço ficou duro ao redor da cintura dela, forçando-a a voltar para seu corpo. Aquele corpo comprido, magro e atlético.
— Onde crê que pode se esconder de mim, Julia? — As palavras eram mais calor que som contra sua nuca. — Aqui na biblioteca do Dunston? Numa casa em Bedfordshire? Não há nenhum lugar onde não possa te encontrar.
Este era o homem que só Julia parecia capaz de ver. O filho de sua mãe.
Feroz e decidido. Um dragão por direito próprio. Ele a queria. Ela sabia.
Talvez inclusive a amasse, como ela a ele. Mas querer algo -inclusive amar algo- não fazia que ,o possuir, fosse a escolha apropriada.
E, entretanto, ao seu corpo não importava um pingo. Também arranhou para lhe dar tudo o que pediu.
A batalha a estava matando.
— Por favor, Charlie — ofegou, balançando sua testa contra a madeira fria. — Necessito que me deixe ir.
Não o fez. Em vez disso, uma mão se soltou da escada para acariciar seu pescoço, aqueles compridos e formosos dedos que se enrolavam ao redor de seu pescoço e debaixo de sua mandíbula em uma carícia possessiva.
— Não pode se esconder de mim. E não pode se esconder disto. Casar-se com um velho qualquer do campo só piorará o desejo.
Seus quadris agora embalavam sua excitação, a dureza luxuriosa pressionando insistentemente contra seu traseiro. Embora sua excitação fosse menos notória, não era menos potente. Cada fôlego, cada palavra, cada golpe daqueles dedos magistrais sobre a carne suave justo debaixo do lóbulo da orelha intensificava a dor em seu ventre, a dolorosa sensibilidade de seus seios, o calor que derretia os ossos em seus braços, coluna vertebral e pernas.
— Nunca poderá saciar seu apetite, Julia. Sabe por quê? — Queixou-se. Era a única resposta que tinha. — Tem fome só de mim. — O braço duro ao redor de sua cintura se agarrou e apertou. Lábios suaves mordiscavam seu pescoço. — Crê que pode estar contente dirigindo sua casa, lhe servindo o chá e limpando seus coletes. Mas enquanto isso, estará faminta.
Ela ofegou e sacudiu enquanto sua mão caía de seu pescoço para cavar seu seio, liberando uma corrente de fogo de seu centro necessitado.
— Por isso. — Com a pressão mais suave, apertou-lhe o mamilo.
Desta vez seu corpo caiu completamente contra ele, sua cabeça descansando sobre seu ombro, suas mãos chegando a agarrar seu cabelo. Seus quadris se retorceram contra ele.
Necessitar. Necessitar. Precisava alimentá-lo da forma em que tinha feito a ela.
— Por cada maldita coisa que possa te dar. Todas as coisas que nunca fará.
— Oh, meu Deus — gemeu. — Deve parar, meu amor.
Sentiu como seu sorriso crescia contra sua pele.
— Uma divagação. Parece que estou fazendo bastante bem.
— Minha senhora? — A voz hesitante e enferrujada veio de detrás deles, de uma cadeira sombreada onde sua criada ficou adormecida.
Parecia que já não dormia.
— Peggy. Sua senhoria só estava me ajudando, me ajudando com a escada.
Uma baforada. Uma mescla de saias.
— Se você o diz, minha senhora. Posso encontrar minha cama agora?
Felizmente, além de ser obsessivamente diligente com o esfregão e o espanador, a criada era ao mesmo tempo intrusiva e discreta, todas as razões pelas quais Julia a tinha selecionado do pessoal de Willoughby Manor para que servisse como sua dama de companhia.
Nesse momento, Julia limpou a garganta, agarrando-se de novo aos trilhos da escada enquanto as mãos, os braços de Charlie e o calor se retiravam lentamente.
— Sim, é claro — respondeu à garota. — É muito tarde.
O som da porta da biblioteca que se fechava à saída apressada de Peggy pôs Julia em movimento. Ela desceu da escada e se virou para enfrentá-lo. Agora estava a dois metros de distância, de costas para ela, sua mão apoiada no escuro manto de madeira enquanto olhava para as baixas chamas.
Aproveitando a oportunidade de reunir seu engenho e sua determinação, engoliu em seco e alisou o cabelo sobre sua orelha. Soltou-se enquanto ela se retorcia contra ele.
— Dei-te minha resposta em Londres, Charlie — disse em um silêncio incômodo. — Não mudei de opinião.
Sua cabeça tremeu. Sem se virar, respondeu: — Então, por que veio aqui? Devia saber...
— Não. Supus que passaria o inverno em Grimsgate. — O extenso castelo de Northumberland era seu lar ancestral, a sede de seu marquesado. Steadwick Park era só uma propriedade secundária, embora albergasse seus renomados estábulos. Charlie era amplamente considerado como quem tinha a melhor coleção de cavalos na Inglaterra.
Possivelmente ela deveria saber que ele estaria ali. E, muito bem, talvez uma parte dela esperava que assim fosse: a parte rebelde, imprópria e ingovernável. E se tivesse que passar os próximos quinze dias reordenando cada habitação da casa de Lorde Dunston, se calaria.
A luz dourada do fogo brincava com a prata na têmpora de Charlie enquanto ele virava para olhá-la fixamente.
— Se crê que te permitirei se casar com um velho viúvo parvo e despenteado, está louca.
O fio de aço em sua voz falava mais claro que suas palavras. Atravessou-a limpamente, eriçando sua pele. A maioria das pessoas via este homem como tranquilo, paciente, distinto. Alguns poderiam inclusive considerá-lo modesto. Mas isso era só porque sua mãe era um dragão feroz e manipulador, e em comparação, parecia bastante manso.
Entretanto, como Julia tinha aprendido bem, as aparências enganavam.
— Não corresponde a você dizer com quem me casarei. — Inclusive para seus próprios ouvidos sua voz carecia de condenação.
— Casará comigo. — Suas palavras baixas se afundaram em seu coração. A fez arder de dentro para fora como se suas mãos e lábios nunca tivessem saído. — Sua negativa é uma tolice, Julia. — Agora seus olhos estavam fixos nela, entrecerrados e brilhantes. Torturado. Ressentido. — Dei-te meses para reconciliar os temores que lhe têm feito fugir de mim. Ninguém pode negar que fui paciente. Mas o tempo da paciência acabou.
O ar dentro dela parecia se expandir, pressionando para fora contra suas costelas e pele. Ela esperava que ele aceitasse sua negativa amavelmente, como deveria fazer qualquer cavalheiro. Não esperava isto, embora possivelmente deveria havê-lo feito.
— Charlie...
— Já chega. — Sua voz estava cortada e áspera. — Fizemos tudo à sua maneira durante dois malditos anos. Já é hora de que eu me encarregue de tudo.
Seu coração palpitava e palpitava enquanto o via virar sobre seu calcanhar e espreitar para a porta da biblioteca.
— O que significa isso? — Sussurrou enquanto as sombras na borda da habitação tragavam sua forma alta e magra. Mais alto, insistiu em saber. — Charlie. O que pretende fazer?
Ela não podia ver sua expressão, mas depois que uma rajada agitou a luz do fogo, sentiu como se detinha, sentiu como seus olhos pousavam sobre ela como uma chama.
— A caçada dura quinze dias. Muito tempo para persuadir uma mulher inteligente de que entre em razão, não acha?
Um protesto estava ainda em sua garganta quando ela viu que partia.
Em vez de soltá-lo, seus olhos se fecharam, apertando tão forte como seus punhos.
Oh, querido céu. Não podia voltar a fazê-lo. Fingir que não o amava. Fingir que não queria ser sua esposa. Simplesmente não podia. Fez um buraco dentro dela na primeira vez, não poderia uma segunda.
Seus olhos se abriram procurando uma resposta na habitação. Encontrou pilhas de livros em meio à luz bruxuleante, organizados em categorias e ordenados por tema, logo por autor e logo por título. Ela respirou o aroma do couro, o papel, o pó, e o fraco e acre aroma da lareira. Distante, sentiu como sua mão se desviava para seu ventre, formando uma garra. Com um grunhido de frustração, forçou seus braços para os flancos.
— Biografias. — A palavra era um sussurro pronunciado através de uma garganta apertada. Olhou a pilha dupla na poltrona de couro, logo a terceira prateleira do teto e logo a escada de mogno. E, com um grande esforço, começou-se a mover. — Começaremos com biografias.
CAPÍTULO 2
“A persistência é louvável, Humphrey. Entretanto, se seus esforços se limitarem a perseguir a sua presa pelo campo enquanto lhe nega seu prêmio para sempre, receio que seu comportamento deve ser descrito de uma maneira muito menos aduladora”.
A viúva marquesa de Wallingham ao seu companheiro, Humphrey, sobre a vã, mas persistente busca de um esquilo ardiloso e escorregadio.
— Ela desmantelou minha biblioteca. — Henry Thorpe, o conde de Dunston, era um companheiro afável e muito cuidadoso com o diabo. Um homem aficionado à variedade de coletes e conhecido por seu humor engraçado. Em outras palavras, não gostava muito de murmurações. Mas seu tom no ataque de caça de faisões da madrugada soava a aborrecimento. — Ainda não localizei A vida de Samuel Johnson. Eu só estava no meio do caminho. Maldita seja.
Com quatro tiras fracas de pássaros e observando seu fôlego branco fundir-se com a névoa da manhã, Charlie continuou caminhando através de um campo salpicado de erva marrom e barro congelado sem responder. O que poderia dizer? A mulher estava louca. E era enlouquecedora.
E formosa.
Intelectualmente, sabia que não era a mulher mais formosa que tinha visto. Essa distinção pertencia à recém casada Lady Tannenbrook. Mas estes eram tecnicismos. Para ele, Julia era um encanto em si mesma.
Cada divagação, organização e enlouquecedora polegada dela.
— Não tem nada a dizer? — Dunston pressionou. — Está aqui porque me pediu que convidasse a ela e àquele cachorrinho, Willoughby. — O elegante conde agitou a cabeça e soprou com uma risada incrédula. — Um novo e obscuro barão com péssima simpatia para os reformadores, e sua mãe, e a viúva de sua prima. Ridículo. Por que te escutei?
Sua viagem de volta a Fairfield Hall depois de uma bem-sucedida manhã de caça de aves tinha começado com este tema, e o homem ainda não tinha cessado de tagarelar suas queixas.
O excelente spaniel do Dunston trotava entre eles, o pelo castanho e sedoso de suas orelhas o mesmo castanho que o cabelo de seu amo. Ao redor deles, uma neblina cinza invadia os campos sombrios e as folhas apáticas ficaram quietas.
Só o rangido de suas botas, o sopro de seu fôlego, a alegria ofegante de um spaniel castanho, misturavam-se no silêncio.
Oh, e Dunston queixando-se incessantemente. Não podia esquecer isso.
Pacientemente Charles esperou que a ira do jovem Lorde seguisse seu curso.
Sempre tinha gostado do homem, e apesar do estranho episódio de mau humor, Dunston era muito amável e muito mais inteligente do que parecia, qualidades que se valorizavam em um amigo e vizinho.
A exasperação era compreensível, supôs. Toda a sociedade sabia que Charles Bainbridge, o décimo quarto marquês de Wallingham, tinha tentado — e fracassado — cortejar a baronesa Willoughby para que se casasse.
Tinha-a assediado com paciência e perseverança, como fazia a maioria das coisas. Infelizmente, seus esforços resultaram em vários cenários desastrosos e mais de um chapéu arruinado, mas não, infelizmente, no matrimônio. Isso também era bem conhecido entre a sociedade, e não podia culpar Dunston por seu ceticismo. Que mais podia pensar quando um amigo aparentemente cordato lhe deu conhaque francês antes de exigir que alterasse a lista de convidados para sua caçada anual?
Charles não era do tipo obsessivo, nem era particularmente manipulador. Era racional. Calmo. Um homem que já tinha passado a primeira quebra de onda de indiscrição juvenil — embora nunca tivesse tido uma quebra de onda de indiscrição, juvenil ou de outro tipo — e se orgulhava de manter o controle de si mesmo.
Exceto no que dizia a respeito a certa viúva. Ela havia o tornado meio louco.
Não, não se podia esperar que Dunston o entendesse. Julia Willoughby, Lady Willoughby, era extraordinária. Ninguém podia igualá-la, e não tinha intenção de deixar que suas dúvidas infundadas os mantivessem separados.
Além disso, negou-se a pensar nela como uma mulher acabada. Essas eram mulheres como sua mãe, de cabelo branco e enrugado pela idade, uma matrona de setenta e dois anos que reinava como uma rainha-dragão sobre seu salão dourado em Park Lane.
Julia não. Seu cabelo brilhava como um campo de trigo. Ou como o sol que desejava Ícaro. Ou os bolos de queijo que seu cozinheiro fez para acompanhar o jantar da sexta-feira.
Possivelmente foi melhor que nunca tivesse provado a poesia, mas o fato é que ela não era velha. Seu cabelo era loiro, sem fios brancos, sem perda de brilho.
Além disso, quando sorria, os cantos de seus olhos se enrugavam. Do contrário, ela não tinha nenhuma só linha indecorosa que ele pudesse discernir.
Depois de tudo, só tinha trinta anos.
Estritamente falando, ela era uma viúva, supôs. O primo do falecido marido, Miles Willoughby, tinha herdado o título dois anos antes, e o recente matrimônio do moço requeria uma distinção entre as atuais e as antigas damas Willoughby. Mas, para Charles, ela era simplesmente Julia. A mulher com a qual queria casar-se.
Se tão somente ela estivesse de acordo.
Enquanto passavam por uma região de monte baixo, Dunston transferiu sua ave do cotovelo até o ombro com uma facilidade fantasmal. Embora Charles fosse um bom caçador, ele mesmo se maravilhou durante muito tempo dos instintos de rastreamento do conde e de seu hábil manejo das armas. Nas mãos do Dunston, tudo, desde armas longas e pistolas até espadas e facas, converteu-se em uma extensão de suas extremidades. Para um suposto cavalheiro do ócio — um que nunca tinha sido soldado -, tal perícia era incomum.
Nesse momento, Dunston o olhou de esguelha e levantou uma só sobrancelha castanha, começaram a ascender uma elevação pouco profunda.
— Espero que seu plano para a afastar do Senhor Mortimer supere seus esforços anteriores. Odiaria pensar que todas estas moléstias foram em vão. — Charles franziu o cenho ante o aviso. Não tinha inimizade prévia por Senhor Mortimer Spalding. O cambaleante e desalinhado baronete poderia ter permanecido como uma relíquia calcificada em sua casa nos subúrbios de Cambridge até que o sol desaparecesse da existência, apesar de todas suas consequências para a vida de Charles.
Exceto... ah, sim. Exceto, exceto, exceto.
Exceto que ela tinha decidido que Senhor Mortimer Spalding – inconcebivelmente — seria um marido superior ao décimo quarto maldito marquês de Wallingham.
Um escândalo. Isso é o que era. O homem era quinze anos mais velho que ela, com três filhos maiores e uma coleção de tratados botânicos menos poeirentos e mais fascinantes que ele.
— Ela se casará comigo — disse Charles, baixo e sombrio. — Mal pode evitar dormir depois de jantar, para sua idade.
— Não é muito mais velho que você, Wallingham.
A irritação pelo aviso pulsou através dele. Distraidamente acariciou os fios prateados de sua têmpora. Tinha quarenta anos. Apenas em seu apogeu. E nada como Spalding. Por um lado, toda a cabeça do homem estava cinza e perenemente desarrumada. Por outra parte, o barão mal podia montar em um cavalo sem tatear seu copo.
Olhou para o Dunston cuidando de não revelar muito.
— Apesar de tudo, não são adequados. Não se manterá em pé.
— Como pretende evitar o matrimônio? — Dunston desafiou. — Parece que ela fez sua escolha. Melhor aceitar.
Charles se deteve em seu lugar esperando que Dunston fizesse o mesmo, o qual fez, voltando-se para enfrentá-lo com o cenho franzido de consternação e uma rítmica exalação de vapor. Seu spaniel também girou e voltou a sentar-se junto ao seu joelho, olhando adoravelmente ao seu amo.
— A dama é minha — disse Charles, as palavras tão frias e escuras como o chão sob seus pés. — Talvez não de nome, mas em todos os aspectos críticos ao propósito de um homem, ela me pertence. — Todos menos um, era um descuido que pretendia retificar sem demora.
Sobrancelhas castanhas se arquearam sobre faíscas gêmeas de diversão.
— Entendi.
— Não, não o fez. Mas um dia o fará, e então serei eu a rir.
— Pode ser que te surpreenda o quanto entendo, Wallingham. Então, considerou o que fará se ela não aceitar a sua maior sabedoria? Talvez ela simplesmente não sinta o mesmo apego.
— Ela o faz. Ela está lutando contra isso. Deus sabe porquê.
— Bem, bem. — Dunston passou uma mão por sua boca antes de agitar a cabeça com óbvia diversão. — Tudo isto é bastante... inesperado.
Charles fez uma careta.
— Como é isso? Passaram dois anos.
— Oh, não é você que a ama. Isso é terrivelmente óbvio. Não, referia a essa rajada de implacável certeza que está exibindo. Recorda a alguém. Agora, quem poderia ser?
Dunston estava zombando dele. Ele não apreciava.
— Deixa a minha mãe fora disto.
O conde riu como se Charles fizesse uma brincadeira hilariante.
— Como posso, se ela fez uma aparição tão extraordinária em minha caçada, tudo sem sair de Northumberland?
— Não me pareço em nada a ela. É um parvo.
Se ouviu gargalhadas dos lábios do outro homem em baforadas de vapor enquanto seu braço livre se estendia ao redor de suas próprias costelas e seis faisões mortos tremiam junto à sua coxa.
Enojado pela exibição, Charles começou a passar por diante dele, golpeando um alto pedaço de erva enquanto se dirigia para uma sebe cinquenta metros mais adiante.
Atrás dele escutou um último estalo de risada, logo um breve assobio e logo Dunston. Com um intento sarcástico de desculpar-se.
— Pelo amor de Deus, homem. Não atue como se te tivesse insultado a dignidade – disse. — Resulta que admiro a sua mãe. É uma mulher formidável.
Charles não freou seu passo. Que o descarado lorde corresse para alcançá-lo.
Dunston logo o fez.
— Vamos, Wallingham. É só que julguei mal seu caráter. Tais enganos ocorrem com pouca frequência, é claro, mas ocorrem. Equivocadamente pensei que você preferia...
Desta vez, Charles o fez devagar.
— Em vez disso?
Um encolhimento de ombros. Um giro de lábios divertidos.
— Rigoroso. Sóbrio. Considerado.
— Tedioso, quer dizer.
— Não. Só um homem que prefere controlar-se antes que aos outros. Justamente o contrário de sua mãe, em realidade.
— Precisamente. — O cenho franzido de Charles se fez mais profundo. — E?
Outra vez, Dunston agitou a cabeça.
— Estou encantado de encontrar outra coisa, isso é tudo. — Ante o desagrado de Charles, Dunston levantou uma mão. — Disfarça-o admiravelmente. Não se preocupe. Estou seguro de que ninguém mais suspeita. Bom, possivelmente Lady Willoughby. Depois de tudo, ela foi o objetivo de sua... determinada atenção, digamos?
— Está dizendo tolices.
— Não. Sou bastante bom nisto.
— No quê?
Um brilho mais duro e sério entrou nos olhos de Dunston.
— Desenterrar a própria natureza essencial.
— Tolices – respondeu. — Minha afirmação de que Lady Willoughby deveria ser minha é uma conclusão racional apoiada em dois anos de conhecimento e perseguição de dito objetivo. É absurdo e grotesco que se case com alguém que não seja eu.
Dunston deu uma longa piscada.
— Ah, sim. Perfeitamente lógico.
— Evitarei tal atrocidade com meu último fôlego.
— Atrocidade?
— Felizmente, minha morte é desnecessária. Ela voltará a si. Me encarregarei disso.
— Hmm. Em efeito. E se não o fizer?
De repente, Charles sentiu a tensão em seu corpo. Punhos fechados, dor na mandíbula por apertá-las, abdômen apertado sobre um estômago ardente. Ele sabia o que era isto. E gostava ainda menos que ser comparado com a marquesa viúva de Wallingham.
Mas um homem deve fazer o que um homem deve fazer.
— Me encarregarei disso — repetiu, baixo e decidido.
O sorriso de Dunston se partiu e se estendeu como uma vela através de uma porta quebrada.
— Aí está — respirou. — O dragão. Como perdi isso todos estes anos?
Decidindo que era melhor ignorar seu amigo demente, Charles soprou e deu um passo à frente, preparado para esquentar-se de novo.
Preparado para ver Julia de novo.
Ao passar, Dunston lhe deu uma palmada no ombro jovialmente e logo ficou ao seu lado. Charles esperava mais afirmações tolas sobre sua “natureza essencial”, mas o conde optou pelo silêncio que o acompanhava, o spaniel saltando atrás deles com um latido.
Infelizmente, na quietude, seus pensamentos se converteram em um ruído temível.
E se ela não sente o mesmo?
Ela o fazia, isso tinha respondido ao Dunston. Mas era verdade?
Olhou à escravizada criatura que havia entre eles. A língua do cão se travou alegremente, seus escuros olhos voltando repetidamente para o Dunston para assegurar-se de que não o tinha esquecido nos últimos trinta segundos.
Charles estava igual o spaniel, seguindo Julia com uma devoção indecorosa, ansioso por algum sinal que compartilhasse um apego similar?
Sou um tolo? Ou pior ainda, estou repetindo os erros de minha mãe, insistindo em que o resto do mundo se ajuste aos meus desejos?
De repente, ao passar pela porta da sebe e ver Fairfield Hall, não pôde deixar de perguntar-se. Tinha calculado mal sua conexão? Lhe tinha devotado tudo, e lhe tinha rechaçado. Estava tão abalado que perdeu o controle de uma carruagem pela primeira e única vez em sua vida, com os dedos intumescidos e inúteis.
Mas antes desse momento, antes desse dia, ela também havia sentido. Ele sabia. Tinha visto. E se lembrou. Oh, sim, ele recordava cada maldito momento de seu tempo juntos.
Possivelmente tudo o que tinha que fazer, então, era recordar-lhe.
Olhando o cão, felizmente preso junto aos joelhos do Dunston acenando, abanando o rabo, sentiu um pequeno sorriso em seus lábios.
Sim. Um aviso estava muito atrasado.
CAPÍTULO 3
“Reza, recorda como começou isto. Com tolices. Seguido de uma calamidade. Espero que mesmo uma mente tão fraca como a sua comece a sentir um motivo.”
A marquesa viúva de Wallingham ao seu sobrinho ao receber a notícia de sua reintegração em Oxford depois de longas negociações e duras recriminações.
Dois anos e nove meses antes
Fevereiro 1816, Londres
Enquanto Charles entregava seu chapéu e suas luvas ao mordomo de Arthur Willoughby, olhou pelo vestíbulo da entrada. As paredes eram de painéis brancos. Os pisos eram de madeira polida. Uma casa alugada, obviamente. Lorde Willoughby não tinha meios para comprar uma residência em Londres, nem sequer uma tão pequena como aquela. Mas se surpreendeu do elegantemente disposto que estava o espaço: uma mesa de mogno com tampa de mármore contra uma parede, centrada em um vaso azul e branco de lírios brancos e rosas amarelas. Sobre a mesa, uma pequena pintura de um verde vale do verão brilhava dentro de um marco de nogueira escura. Assim como a mesa, o vaso e as flores, a pintura era requintadamente singela, nem grande nem ostentosa, mas impregnada de qualidade. Quem quer que tivesse selecionado estas peças possuía um talento para tirar o máximo proveito dos recursos limitados.
— Por aqui, meu senhor — os ruídos do nariz do mordomo se misturaram em seus pensamentos.
Charles assentiu com a cabeça e seguiu o homem vestido de escuro por um corredor e subiu pela escada até o primeiro piso. No caminho, não pôde evitar notar a ordem limpa e silenciosa da casa. Não havia gotas de cera sobre os pisos brilhantes. Não havia pó nos cantos dos degraus das escadas. Estava impecável. Bem iluminado. Agradavelmente calado. Até sua mãe estaria impressionada.
O mordomo lhe mostrou a sala de estar, de pé a um lado enquanto abria a porta. Esta habitação, embora provavelmente a maior da casa, teria cabido perfeitamente dentro de sua biblioteca em Wallingham House, e três vezes dentro de sua sala de estar. Entretanto, assim como o vestíbulo da entrada, sua sobriedade e elegância eram paredes de painéis magistrais pintadas de um azul esverdeado apagado, sofás gêmeos estofados com listras brancas, uma mesa baixa entre eles coroada por uma bandeja de chá de prata, um bule resplandecente e três xícaras de porcelana branca. Convidava um homem a descansar, beber e respirar livremente.
— Wallingham! Me alegro de ver-te, homem. — Arthur Willoughby se dirigiu para ele da direção das janelas cobertas de ouro, seus óculos brilhando a princípios da primavera. Embora não fosse nem alto nem grande, Willoughby sempre dava a impressão de que tinha energia e um impulso inquieto. Era possivelmente um ano ou dois mais jovem que Charles, seu cabelo claro se afastava de uma testa alta, seu marco de ossos pequenos e vestido previsivelmente com um casaco azul escuro, colete cinza, calças polidas e lenço branco.
Willoughby ofereceu sua mão e Charles a estreitou sem duvidar. O homem poderia ser um invasor com ambições políticas desmesuradas, mas ao longo de seu conhecimento sempre tinha sido franco, o que era mais do que se podia dizer de muitos outros que procuravam o apoio de Charles.
— Obrigado pelo convite, Willoughby — respondeu Charles, assentindo para a bandeja de chá. — Entretanto, a minha cooperação para um projeto de lei que se opõe ao nosso governo requer mais que um pouco de chá e conversação.
O sorriso de Willoughby cresceu, e seus olhos passaram junto ao ombro esquerdo do Charles.
— Talvez uma dose de encanto seja suficiente. Por isso, pedi à minha esposa que se unisse a nós, não é assim, querida?
Girando sobre o calcanhar de sua bota, Charles viu Lady Willoughby aproximar-se da direção de uma escrivaninha de mogno em um canto da habitação.
Tendo conversado com ela em duas ocasiões anteriores, achou-a uma mulher muito atrativa, inteligente, serena e cálida. Sua última conversação tinha sido no jantar de Lady Reedham, onde tinham estado sentados juntos, passando horas falando de tudo, desde seu amor por montar a cavalo até sua afeição pela “correta organização da biblioteca”. Um pouco desconcertado por sua paixão pelo tema — nunca tinha pensado profundamente na importância de categorizar primeiro e de ordenar alfabeticamente depois -, entretanto, tinha achado suas explicações lúcidas e persuasivas.
E, inesperadamente, tinha ficado encantado.
Talvez tivesse ocorrido quando se deteve, ruborizou-se e riu de si mesma por “falar de um tema tão tedioso, meu senhor”. Sim, possivelmente esse foi o momento.
Além disso, sua beleza crescia quanto mais a olhava. Ao vê-la pela primeira vez, por exemplo, seu cabelo era simplesmente um tom meio loiro. Entretanto, à luz das velas da sala de jantar de Lady Reedham, tinha notado tons mais claros e mais ricos entre a cor, o champanhe e o mel por turnos. Agora, esta manhã, também viu que seus olhos eram mais de xerez Amontillado que de conhaque âmbar.
E sua forma se curvou junto com seus lábios, formando rugas sedutoras nos cantos. Seu nariz chegou a um ponto refinado. Seu sorriso era amplo e brilhante, sua mandíbula surpreendentemente forte. Era uma mulher atrativa. Não, uma mulher cativante. Willoughby fez bem em convocá-la em sua campanha para conseguir a cooperação de Charles.
— Lady Willoughby — murmurou, inclinando-se profundamente como sinal de sua admiração.
Assentiu, as covinhas aparecendo enquanto sorria suas boas vindas.
— Devo admitir, Lorde Wallingham, que não foi fácil meu marido me atrair a Londres.
Sentiu um sorriso de resposta puxando seus próprios lábios.
— Não?
— Prefiro o campo. Mas estou muito contente de ter decidido vir, embora só seja por te haver conhecido. Passou muito tempo desde que desfrutei de uma conversação mais que a que compartilhamos no jantar de Reedham. Embora saiba que Willoughby quer monopolizar seu tempo hoje com assuntos políticos, estou encantada de que esteja aqui.
Em qualquer outra pessoa ele teria encontrado suas adulações falsas e indulgentes. Mas Julia Willoughby emitiu sinceridade como uma rosa emitiu perfume. Naturalmente. Sem esforço. Se era real, não podia dizê-lo. Sentia-se real.
— Só posso esperar ganhar essa consideração, minha senhora — murmurou.
— Sentamo-nos? — Ela perguntou brilhantemente, assinalando para os sofás.
Ofereceu seu braço. Depois de uma breve vacilação, agarrou-o, sua mão de ossos finos assentando-se sobre sua manga.
De algum jeito encontrou-se sentado ao seu lado, olhando aquelas mãos servir seu chá com precisão enquanto Willoughby explicava todas as razões para revogar o imposto à propriedade que se aplicou durante a guerra.
Charles assentiu com a cabeça e tomou um sorvo antes de encontrar-se com o olhar ávido de Willoughby. O outro homem se sentou no sofá oposto, seus olhos brilhando atrás de seus óculos.
— As petições que leu na Câmara dos Lordes são só o princípio, Wallingham. Deve se dar conta disto. A agricultura foi duramente golpeada ultimamente. Os agricultores estão sofrendo. Suas próprias fazendas devem senti-lo. Estes onerosos impostos não podem continuar, ainda mais tendo em conta que se prometeu ao povo que terminariam com a derrota do Bonaparte. Passou quase um ano desde Waterloo.
O chá estava bom, notou. Forte, fragrante e perfeitamente encharcado.
Qualidade superior, se é que não perdeu sua conjetura.
— A guerra foi custosa — disse. — Nossa dívida é uma carga de certa enormidade. Se não forem os impostos sobre a renda, então o quê?
A discussão continuou durante outra hora. Charles não estava seguro de porquê se incomodou em argumentar o caso do Tesouro Público, dado que já tinha decidido prestar seu apoio aos abolicionistas fiscais.
Gostava de sentar-se nesta habitação. Gostava do chá — estava em sua terceira taça. Sobretudo, gostava da presença quieta e silenciosa ao seu lado.
Cheirava a rosas beijadas pela lavanda, suave, fresca e floral como o jardim sul de Grimsgate.
Fazia muito tempo que tinha decidido não se casar nunca mais, nunca mais ansiar o consolo da domesticação. Mas isto foi encantador. Ela era encantadora. Possivelmente sua mãe não tinha estado de tudo equivocada, se fosse para admitir. Talvez devesse reconsiderar a possibilidade de tomar uma esposa.
Só se for tão esplêndida quanto Lady Willoughby.
O pensamento lhe fez deter-se. Um sorriso encantador e uma xícara de chá perfeita valiam o risco de voltar para o inferno no qual tinha vivido?
— Vejo que duvida das minhas afirmações, Wallingham. — Willoughby se levantou de seu sofá como um sabujo que brinca atrás de uma codorna caída e se dirigiu para as portas da sala de estar, sustentando um dedo atrás dele. — Tenho relatório de três condados que deve ler. Só será um momento.
Piscando, Charles engoliu seu último sorvo de chá e se inclinou para frente para colocar sua xícara vazia na bandeja.
Suas mãos chegaram ao bule automaticamente.
Sem pensar mais que em impedir que ela enchesse sua xícara pela quarta vez, seus próprios dedos lhe roçaram os nódulos onde ela apertou a alça prateada do bule. Curiosamente, o toque de sua pele contra a dela o assustou, como se tivesse tido uma intimidade inapropriada.
Por exemplo, ao estender a mão debaixo das saias para acariciar o lado interno da coxa. Ou passando seu polegar pela ponta do mamilo dela.
Santo Deus, de onde saíram estes pensamentos?
Tirou a mão como se ela o tivesse escaldado. O qual, em certo modo, fez.
Seus olhos se desviaram para seu corpete. Usava seda castanha, simples e sem adornos. Modesto, inclusive. Mas o decote, cheio de ficus de renda, não podia dissimular a plenitude de seus seios. Uma plenitude bastante chocante, agora que lhes deu um olhar apropriado. Redondo, cheio e luxurioso, uma raridade em uma mulher tão magra.
Incapaz de deter-se, imaginou-os nus. Seus mamilos seriam da cor dos pêssegos, predisse. Pêssego ruborizado como seus lábios.
— Meu senhor, gostaria de.... gostaria de algo mais? Estou feliz de servi-lo.
Engoliu em seco, olhando aqueles lábios formar palavras, olhando a suave cor clara do pêssego da manhã trocar para rosado prateado, converter a pele leitosa em pérola luminosa. Tinha um lunar justo debaixo da orelha, uma mancha avermelhada em seu pescoço, caso contrário perfeita. Mas mesmo sua imperfeição era perfeita. Podia imaginar-se pressionando seus lábios ali enquanto se inclinava para diante e empurrava dentro dela.
Para já. Pertence ao Willoughby. Não se entretenha com mulheres de qualidade, muito menos com aquelas casadas com barões sufragistas.
Seus olhos não lhe obedeciam. O estranho fogo do silêncio, daquela habitação, seu aroma e suas luxuriosas imaginações se mesclaram em um elixir embriagador que nunca tinha experimentado, mesmo com suas amantes mais aventureiras.
Poderia o chá perfeitamente servido ser um afrodisíaco? Talvez não fosse o chá, e sim a servente, porque ela o tinha agarrado no momento mais erótico de sua vida.
Viu como aqueles mamilos que tinha estado imaginando se empurravam para fora contra a seda, protestando por seu confinamento através de capas de espartilho e musselina. O sangue corria forte em seus ouvidos, golpeando dentro de seu pênis.
Algo tinha perturbado sua respiração, fazendo com que se acelerasse. Aqueles seios arredondados e exuberantes se elevaram e caíram com rajadas erráticas.
Se podia ouvir algo além de seu estrondoso sangue, supunha que a ouviria ofegando. Por sua parte, conseguiu controlar sua respiração.
Mas não seus olhos. Queriam encher-se. Queriam sua pele, seus lábios e aqueles doces mamilos de pêssego. Eram de pêssego? Ele queria saber.
Isto estava mal. Deveria ir-se. Willoughby voltaria logo. Certamente um homem se daria conta de que o outrora digno Marquês de Wallingham contemplara a cor dos mamilos de sua esposa enquanto mostrava um pau completamente arqueado dentro de suas calças.
Sim. Deveria ir-se.
Sua mão, por si só, estendeu-se desde sua posição junto a sua perna, alargando-se sobre um estofado de listras brancas até que seu dedo sentiu a borda da seda castanha. Sentiu o calor de sua coxa esquentando-o justo na ponta.
Deveria ir-se. Agora. E o faria. Faria.
Farei, maldição.
Viu como lhe fechavam os olhos. Olhou sua língua sair correndo para molhar seus lábios. Viu aquele pescoço longo e perolado ondular-se como uma andorinha.
Ao longe escutou umas botas que golpeavam umas tábuas de madeira polida, e os sons se faziam cada vez mais fortes quando se aproximavam das portas.
Charles tinha vivido uma longa vida de rigidez exterior. Sua mãe tratou de controlá-lo. Homens como Willoughby procuravam influenciá-lo. As damas queriam casar-se com ele, embora isso tivesse diminuído com o tempo. Tudo isso tinha suportado com paciência e uma vontade sem piedade dirigida. Mas agora mesmo, nos elegantes limites de um salão silencioso, dentro de uma casa alugada nos subúrbios de Mayfair, necessitou-se de tudo para retirar a mão, levantar-se do sofá, fechar com chave as mãos atrás das costas, e passear casualmente para a janela.
Não podia enfrentá-la, é claro. Além disso, não podia permitir que Willoughby visse como se viu afetado por pensamentos que, se ela tivesse sido a esposa de Charles e ele tivesse descoberto outro homem contemplando de maneira similar suas perfeitas imperfeições, teriam terminado na inconsciência desse homem. Talvez sua morte.
Se ela fosse minha, pensou, desejando que sua ereção diminuísse enquanto via passar um soldado sob a interminável chuva de fevereiro. Se fosse minha, a esconderia, a manteria no campo, longe de outros homens.
Willoughby calculou mal a capacidade de sua esposa. Compreensível, supôs.
Não se parecia com nenhuma sereia que ele tivesse visto. Sua atual amante era muito mais bela, se quisesse ser objetivo a respeito. Mas Julia Willoughby possuía uma qualidade que raramente tinha encontrado. Nunca, de fato. Levava a paz em seu interior.
Por mais que tentasse, nunca o tinha provado. E queria fazê-lo.
Queria possui-la.
Fechou os olhos imaginando a sua amante. Isso não ajudou, pois o rosto de Caro se transformou instantaneamente em um par de covinhas e olhos enrugados pelo sorriso. Apertando os dentes, empregou a única arma que ficava. Um último recurso.
Imaginou a sua mãe.
Imediatamente seu ardor começou a esfriar-se.
Graças a Deus.
— Desculpa pelo atraso, Wallingham. — As botas se aproximaram, amortecidas pelo tapete de lã. — Minha esposa assegura um lar de tal eficiência, receio que inclusive os papéis que deixo em meu escritório se arquivam imediatamente em seu lugar. — Willoughby riu com carinho.
O som se rasgava contra a coluna vertebral de Charles como uma pedra arranhando um metal. Manteve-se quieto, forçou sua mandíbula a afrouxar-se.
— Para mim isto significa que frequentemente se perdem, receio. Não compartilho seu talento organizativo. Entretanto, arrumei-me para encontrar os relatórios. As pessoas são do Essex. Os outros são de...
— Não é necessário. – Charles
Não pretendia que sua voz soasse fria. Parecia ser uma falha mais de seu controle neste estranho dia. — Terá meu apoio.
Ao girar-se viu que as sobrancelhas pálidas de Willoughby se arqueavam sobre seus óculos.
— Fará? Bom, essa é uma boa notícia...
— Sim. Agora devo ir, receio. — Não podia olhá-la diretamente, então assentiu vagamente em sua direção. — Lady Willoughby, obrigado pelo chá.
— É claro — murmurou. — Foi um prazer.
Um prazer. Adorava ouvir essa palavra em seus lábios.
Precisava ir-se. Algo andava mal com ele, claramente.
Com um simples “bom dia” partiu da casa alugada dos Willoughby nos subúrbios de Mayfair. E rezou para que sua amante lhe fizesse esquecer certa baronesa casada que tinha convertido o chá, o silêncio e a aceleração inesperada na armadilha do próprio diabo.
CAPÍTULO 4
“O momento adequado é um elemento de persuasão tristemente subestimado.
Se atuar muito cedo se arrisca a ser rechaçado. Muito tarde, se arrisca a fracassar. Antes do café da manhã, e a gente pode estar seguro da necessidade de um novo emprego.”
A viúva marquesa de Wallingham à sua dama de companhia em resposta a uma sutil solicitude de um dia livre.
Um ano e dois meses depois
Abril de 1817, Bedfordshire
Tinha passado um ano. Julia piscou na data que tinha escrita no jornal de sua casa: 13 de abril de 1817. Mal podia acreditar. Um ano depois de ter fugido de Londres em pânico, não conseguia explicar a si mesma, e muito menos ao Arthur. Um ano depois de ter retornado sozinha à Mansão Willoughby sabendo que era uma covarde, mas sem saber nada mais com segurança.
Um ano depois de ter recebido a carta de seu marido dizendo que voltaria para casa em Bedfordshire para a Páscoa, e que o esperasse dentro de quinze dias. Um ano depois de ter olhado fixamente o semblante ensanguentado e encharcado do cocheiro, leu sua dor ali.
Um ano depois que Arthur morrera no caminho à casa, deixando-a viúva.
Deixando-a sozinha.
Acariciou a página sentindo a fina textura do papel. Seus jornais tinham sido seu presente para ela. Tinha compreendido o muito que gostava que ela levasse um registro adequado das coisas, embora ele não entendesse o porquê. Sorrindo brandamente, pensou na forma em que sua mão às vezes pousava sobre seu ombro. Nunca tinha apertado nem esfregado. Era simplesmente isso: Sua mão, seu ombro. Um ponto de calor e conexão.
Tinha sido seu marido, era verdade. Mas também tinha sido seu amigo. Talvez isso fosse o mais importante.
Sua infância tinha sido muito solitária. Seu pai possuía um pouco de terra fora de Bedford, mas nenhum título e nenhuma gota de sangue aristocrático. Entretanto, sua mãe tinha empurrado e empurrado Julia para que conseguisse um marido titulado. Tanto que, quando tinha dezenove anos, estava desesperada por escapar. Suficientemente desesperada para casar-se com qualquer um.
Logo, durante um baile campestre a princípios de setembro, tinha chamado a atenção do Arthur. Mais tarde se maravilhou de sua boa sorte, já que ele era mais amável que a maioria dos cavalheiros, quente, atraente e honesto. Ela tinha trabalhado incansavelmente para ser uma esposa adequada para ele, para que se sentisse orgulhoso. Talvez não tivesse tido êxito em todos os sentidos: seu único fracasso foi também seu maior fracasso. Com o coração quebrado.
Mesmo assim, o amor de Arthur tinha dado forma à mulher que foi durante nove anos.
Agora, ele se tinha ido. Sem ele, ela se sentia tão vazia como a página anterior.
— A Sra. Willoughby quer vê-la, milady — disse a voz da dama de companhia de Julia.
Julia levantou a vista de sua escrivaninha. Peggy flutuava insegura fora da porta do pequeno escritório. A casa de campo era diminuta em comparação com a de Willoughby Manor, e a ex-faxineira ainda não se acostumara a sua mudança de funções: menos habitações para limpar, mais tempo para responder às visitas e anunciar os convidados. Bastante simples, pensaria.
Afogando um suspiro, assentiu à criada, cujos dedos se retorceram na cintura.
— Muito bem, Peggy. Por favor, acompanhe-a à sala e peça à cozinheira que prepare uma boa xícara de chá. Me reunirei com ela em breve.
A criada assentiu com a cabeça, com o babado de sua boina movendo-se ao mesmo tempo que girava sobre seus calcanhares e se apressava a realizar as tarefas que lhe tinham sido atribuídas.
Cuidadosamente deixando sua pluma no tinteiro de latão, Julia ficou de pé e alisou o crepe preto de suas saias sobre seus quadris, puxando suas mangas para as endireitar onde se amontoavam dentro dos cotovelos. O vestido não se ajustara bem, já que tinha sido confeccionado apressadamente apenas uns dias depois da morte de Arthur, e embora ela houvesse tornado a costurar duas vezes, sua insatisfação seguia sendo a mesma.
Um ano, pensou. É hora dos trajes novos, suponho. Cinza, talvez. Ou lavanda. Devo recordar inclui-lo no orçamento do mês que vem.
Entrou no salão sorrindo ante a forma familiar de Helen Willoughby. A mulher de cabelo escuro e nariz agudo tinha uns quarenta anos, mas parecia dez anos mais jovem. Julia pensou que era porque seus olhos sempre brilhavam como os de uma jovenzinha ansiosa por outro pedaço de bolo. Julia tinha chegado a adorá-la, o que era muito bom tendo em conta que Helen era a mãe do primo e herdeiro do Arthur, Miles. O novo Lorde Willoughby.
Um ano. Por todos os céus. Passou tanto tempo?
Helen estendeu suas mãos e Julia as tomou entre as suas apertando com carinho.
— Minha querida senhora — disse Helen, como sempre, inclinando a cabeça com curiosidade. — Como vai?
Pela primeira vez Julia sentiu um pingo de resistência à simpatia que havia atrás de suas palavras. Sou viúva. Passou um ano. Como deveria estar? Possivelmente me possa dizer isso, porque não consigo me decidir. Mas estes pensamentos eram mau humorados, então ela respondeu como o tinha feito todos os dias durante os últimos seis meses: — Estou bem. E você?
— Oh, já sabe. — Helen soltou seus dedos e saudou com a mão enquanto cada um delas se moviam ao seu lugar habitual no sofá de damasco de rosas. — Miles está irritado pelo título. É suficiente para deixar uma mãe louca.
Descreveu o falatório constante do jovem sobre sua iminente viagem a Londres, onde se sentaria pela primeira vez na Câmara dos Lordes. Aparentemente, a perspectiva de debater as leis de um reino não lhe preocupava absolutamente, enquanto a perspectiva de navegar pelas complexidades sociais da estação e um perigoso matrimônio havia dado arrepios ao moço.
Peggy entrou com a bandeja de chá. Julia se ocupou de servir, cuidando de encher a xícara de Helen só dois terços, como ela preferia.
— Willoughby não deve preocupar-se — assegurou à mulher mais velha. — É jovem, titulado e bonito. Suspeito que sua tarefa será a mais árdua, já que deve se assegurar de que escolha bem dentre as muitas jovens que procurarão seu favor.
Helen aceitou a xícara com um gesto de assentimento, mas por um longo momento não olhou para cima de onde a tinha embalado em suas mãos.
Outra coisa estranha foi seu silêncio. Helen raramente guardava silêncio. Muito raramente. Julia mal podia recordar uma ocasião, de fato, distinta a esta.
Mas logo, entretanto, encontrou-se desejando que o silêncio tivesse continuado.
— Isso é o que eu.... Oh, arruíno-o tudo. — Olhos de menina, suplicantes, se levantaram para encontrar-se com os de Julia. — Deve vir a Londres conosco, rogo-lhe isso.
Julia só podia piscar. Seu coração retumbou pelo simples feito de pensá-lo. Não podia retornar a Londres. Não enquanto ele estivesse ali.
— Sei que deplora a cidade, querida, e me dou conta de que segue de luto por nosso amado Arthur, mas me encontro terrivelmente mal preparada para guiar Miles através de sua primeira temporada. Nossos conhecidos são poucos.
— Não tenho a menor ideia do que se necessita para entrar no Almack’s. Embora ouvi falar do Almack’s. Suponho que isso é uma marca ao meu favor. Mas como faz Miles para unir-se ao White’s? Que convites se devem aceitar primeiro? Qual deveria ser cortesmente rejeitado? — Seus olhos se abriram comicamente. — Oh, querida. E se não houver convites?
Helen seguia falando? As extremidades de Julia se congelaram em seu lugar, seus olhos estavam cravados na xícara de chá da outra mulher. Tudo o que podia ouvir era o tamborilar de seu pulso enquanto forçava sangue quente à superfície de sua pele. Isso, e a palavra Londres.
Estava destinado a estar ali. Um homem de sua influência não poderia faltar a uma sessão parlamentar, certamente.
— Um desastre total é provável, querida Julia. Absolutamente. Desastre. Estou segura disso.
— Como eu — murmurou distraidamente.
Um chiado feminino levantou o olhar de Julia.
— Então virá? — Helen se sentou mais reta, inclinando-se para frente e quase derramando seu chá. — Por favor, diga que o fará.
Julia agitou a cabeça e engoliu em seco.
— Não-não posso. Sinto muito.
Os ombros vestidos de cinza se desabaram, mas só ligeiramente.
— Julia...
— Ainda estou de luto, Helen. — Não era precisamente uma mentira. Sua dor era real. Converteu-se em uma parte dela, uma fita preta tecida dentro de suas fibras.
Helen transferiu sua xícara de chá cuidadosamente à mesa auxiliar de carvalho antes de apoiar sua mão sobre o antebraço de Julia.
— É claro que sim. Mas sentirá sua perda mais profundamente que nunca se não tiver nada com que se ocupe.
— Tenho que cuidar da casa. E do jardim. Minhas rosas.
— Julia.
Não queria olhar aos olhos de Helen. Ela sabia o que veria ali. Lástima. Simpatia. Uma espécie de repreensão maternal.
Um suave dedo levantou seu queixo.
— Recorda que eu também sou viúva. Assim, quando digo isto, deve saber que é só porque é tão querida para mim como minha própria irmã. Se tivesse uma irmã. O que não é verdade. Mas você é querida assim.
Apesar de seu temor, Julia soltou uma gargalhada.
Helen se uniu, rindo de si mesma como frequentemente o fazia. Então lhe fez gestos com a mão.
— Não pode se permitir rolar como um queijo esquecido.
Julia se zangou com a comparação.
Helen seguiu adiante.
— Já é hora de descartar o crepe preto e a bombazina para aventurar-se fora das paredes desta casa. Miles e eu nunca quisemos que vivesse aqui, em qualquer caso. Queríamos que ficasse na mansão Willoughby.
Agitando a cabeça e apertando os dedos de Helen, Julia respondeu: — Sabe que não podia haver ficado. Não teria sido correto. — Tampouco podia suportar.
No dia anterior à chegada do novo Lorde Willoughby e sua mãe, Julia se tinha mudado à casa de campo de Dower. Logo tinha retornado à mansão para dar uma última olhada ao seu redor.
Nove anos de trabalho. Nove anos de meticulosos horários de limpeza e planejamento de refeições e contratação de empregadas e chá matutino com o pároco e sua esposa musculosa. Nove anos arrumando a biblioteca do Arthur, endireitando seu escritório, lhe recordando que colocasse o casaco antes de sair.
Logo, de repente, foi. O trabalho de sua vida tinha terminado, convertendo-se em propriedade de uma futura Lady Willoughby.
Não, a casa de Dower era onde pertencia. Por agora. Até que a nova Lady Willoughby reclamasse seu lugar dentro do requintadamente mobiliado ninho de Julia. Queijo mofado, em efeito.
— Vem conosco a Londres. A necessitamos, e tem que ir daqui por um tempo. Ver mais que estas paredes, por mais finas e polidas que estejam.
Não Londres. Em qualquer lugar menos ali. Não posso enfrentá-lo.
Helen não escutou nem fez caso de seus pensamentos internos.
— É cedo para começar a pensar em voltar a casar-se.
Sim, muito, muito cedo.
— Mas não deve fazer o que eu fiz, Julia. Ainda é jovem e encantadora. Pode ser que não pareça agora, mas em um ano ou dois, talvez...
Ela fechou os olhos.
— Helen. — A palavra era uma súplica de misericórdia.
As mãos quentes sustentavam as suas com força.
— Depois da morte do Freddy dediquei-me ao meu filho. Miles era o único que me importava. Miles e minhas lembranças. Senti que o traía se pensava em me casar de novo. Então, em vez disso, fiquei viúva. Agora, muito em breve, Miles se casará. Pode ser que seja avó. Uma mãe. Uma sogra. Mas estarei sozinha, Julia. Eles serão uma família, e eu estarei sozinha.
Julia abriu os olhos. Os de Helen brilhavam com lágrimas. Não por simpatia ou lástima, mas sim por verdadeiro arrependimento.
— Terá a mim — Julia sussurrou.
Helen sorriu, uma lágrima transbordando.
— Não, minha querida senhora. Farei tudo o que esteja em meu poder para que não me siga por este estúpido caminho. — Ela sorveu, se limpou as lágrimas, e logo riu. — Agora deve empacotar rápido. Vamos depois de amanhã.
— Helen, não disse que irei. — Tudo nela resistia. Ela não podia enfrentá-lo. Não podia.
— Deve vir. Não posso arrumar isso sem você.
Julia agitou a cabeça e seu coração se elevou para afogá-la. Helen tinha sido sua amiga quando mais necessitou. Nunca tinha pedido nada a Julia além de uma xícara de chá ocasional.
Mas Helen não sabia seu segredo. Sua vergonha. Ninguém sabia.
Talvez nem sequer Wallingham.
Era sua única esperança — que tudo tivesse sido um ardor capricho causado pelo aborrecimento ou a inquietação. Que ela simplesmente tivesse imaginado o momento em seu salão quando o mero roce de seus dedos a tinha acendido.
Certamente não parecia do tipo que inspirasse fantasias luxuriosas. Estava calado. Dignificado. Sério. Um homem de profundo intelecto, uma competência impressionante e uma honra inquebrável. Antes desse momento tinha desfrutado enormemente com suas conversações. Escutava melhor que a maioria dos homens, aqueles inteligentes olhos verdes iluminavam, aprofundavam e piscavam em harmonia com suas palavras.
Ela o tinha visto só como o marquês de Wallingham, um homem poderoso que podia ajudar seu marido. Um cavalheiro com um sutil senso de humor. Um homem que tinha em alta estima, mas não um que vivificasse seu coração ou fizesse que sua carne se derretesse e doesse.
Tudo isso tinha mudado nesse dia fazia pouco mais de um ano, quando ela se sentou ao seu lado em um silêncio espesso e caloroso. Sentiu seu dedo acariciar sua coxa através de capas de seda e musselina. Queria-o mais do que ela nunca tinha querido algo. Inclusive seu marido.
— Realmente deseja ficar aqui? — O encolhimento de ombros de Helen demonstrou sua exasperação. — Depois que Miles se casar, quero dizer.
Faria? Uma vez que uma nova Lady Willoughby chegasse, Julia se converteria na viúva, uma carga para o imóvel e para esta jovem, ainda desconhecida, que tentava estabelecer sua própria família e seu próprio lar.
Estaria mal, sabia. Julia nem sequer era parente de sangue, embora Miles e Helen a tivessem tratado como tal desde o começo. Devia-lhes algo melhor que perseguir o imóvel como um fantasma aborrecido ou, o que é pior, o queijo bolorento descrito vividamente por Helen.
— Não — murmurou em resposta à pergunta de Helen. — Não quero ficar aqui. Mas não posso... — Engoliu com força. — Não posso pensar em voltar a me casar ainda.
Ao apertar os ombros de Julia, Helen sorriu.
— Não, é claro que não. Em Londres, entretanto, terá a oportunidade de avaliar muitos mais cavalheiros dos que encontrará à espreita entre as rosas atrás da casa.
Julia riu movendo a cabeça.
— Inegavelmente certo — admitiu.
— Isso é tudo o que deve fazer. Entretenha as possibilidades. Talvez compre alguns vestidos em outras cores que não sejam o preto. E me ajude a evitar a vergonha enquanto encontramos um bom par para meu filho.
Ela queria ajudar. Era o correto e apropriado assegurar-se de que Miles se casasse bem e de que ele e Helen fossem bem recebidos durante sua primeira temporada. Mas, poderia reunir a coragem que uma vez lhe faltou?
Seu estômago tremeu, ficou trêmula e doente. Sua carne fez o mesmo.
Coragem. Para Miles e Helen. Por seu próprio orgulho. Tenha coragem.
Outra vez engoliu em seco. Respiração lenta. Logo assentiu com a cabeça.
— Irei contigo.
Helen gritou triunfante e a abraçou com um abraço sem fôlego.
Enquanto isso, a mente de Julia se ocupava de uma oração singular: Por favor, Deus. Que se tenha esquecido de mim.
***
No momento em que ela entrou na habitação, ele soube. Nada tinha mudado. Certamente não a fascinação sem precedentes que lhe inspirou.
Durante um ano tinha tentado esquecer. Tratou de convencer a si mesmo de que tinha sido golpeado por uma peculiaridade de humor, o estranho e específico desejo de tranquilidade que resultou em uma fixação arbitrária sobre uma mulher que representava tudo o que era elegante e feminino.
Tinha discutido o assunto consigo mesmo, tinha trocado de amante duas vezes, e tinha encarregado a sua governanta de que aprendesse a preparar uma xícara de chá adequada. Ficou insatisfeito. Mas não tinha muitas opções.
Julia Willoughby não podia ser dele, porque estava casada com outro homem.
Exceto que agora não estava. Ela era, de fato, uma viúva.
Uma corrente correu por seu corpo dos ossos para fora, tão agudo quanto quente.
Estava de pé junto a um pianoforte em meio de um punhado de convidados do Dunston, debatendo com o conde sobre os méritos de criar para a disposição e não para a velocidade, quando seu olho se fixou em seu cabelo. Tons loiros, tão suaves como brilhantes, mesclados com intrigantes meadas de champanhe. Usava-o com um estilo mais intrincado que o do ano anterior: os cachos de cabelo lhe roçavam a testa e as bochechas enquanto as tranças formavam uma delicada faixa dupla do pescoço até a cabeça.
Ficou sem fôlego ao ver o pescoço dela, aquele pescoço branco e comprido acariciado com amor pela luz das velas, o pequeno lunar que tinha notado na última vez que a tinha visto. Quando tinha sido transpassado pela luxúria de uma mulher que não podia ter.
— ...A fêmea animada dá um passeio muito superior, atrevo-me a dizer. Que valor tem a velocidade se terá que disparar uma maldita pistola para satisfazer os interesses da criatura?
Charlie deixou que seus olhos se dirigissem ao seu corpo — quer dizer, pura seda preta salpicada de contas de azeviche e com capas na direção branca — e murmurou um som geral de acordo.
— Além disso, agora que me prometeu três éguas do Ceres, porei à prova minha teoria imediatamente.
— Não te prometi nada disso, nem o faria. — Embora suas palavras fossem para o Dunston, Charles manteve seus olhos fixos nela. Ali é onde desejavam residir.
Sobre sua pele e seu cabelo.
Estava mais magra que da última vez que a tinha visto, a borda de sua clavícula mais proeminente, os ocos de suas bochechas mais profundos. Mas seus olhos eram os mesmos. Quente e enrugado enquanto saudava a mãe do Dunston.
— Ainda de luto, suponho. Quanto tempo passou?
— Um ano.
— Hmm. Estava muito apegada?
Não a conhecia o suficiente para dizer.
— Presumivelmente.
— Muito cedo, então. Poderia provar as águas com um pouco de conversação agradável. Um passeio no parque, esse tipo de coisas.
Charles franziu o cenho confuso sobre seu bonito amigo. Dunston sempre parecia um pouco divertido, como se tivesse uma comédia do Shakespeare em sua cabeça, cheio de ocorrências graciosas e comentários cínicos. Agora, enquanto o homem sorvia um grotescamente doce ponche de orgeat e fazia uma careta de dor ante o sabor, parecia estar rindo do Charles.
— Por quê? — Perguntou Charles.
Dunston suspirou. Logo riu. Então agitou a cabeça.
— Pode ser que seja brilhante em muitos aspectos, mas não é muito bom nisto, sabe.
— Bom no que?
— Mulheres.
Charles piscou perguntando-se quando a conversação se tornou para suas deficiências. Ouviu mais que suficiente sobre esse tema de sua mãe.
— Não tenho necessidade de sê-lo.
Dunston assentiu para Julia Willoughby.
— Precisará ser se deseja cortejar essa pessoa. — Sussurrava algo a um jovem que se parecia com seu falecido marido — obviamente o novo Lorde Willoughby — e uma mulher mais velha, de cabelo escuro, cujo vestido marrom parecia uma década passado de moda.
— O que te faz pensar...?
— Wallingham, nunca vi sua mente perambular quando o tema são os cavalos. No momento em que apareceu não só sua mente abandonou a conversação, mas também seus olhos dirigiam a ação.
— Seu marido era um conhecido. Isso é tudo.
Soprando, Dunston lançou um olhar de asco para sua taça.
— Um pouco indecoroso – murmurou. — Vem. Me acompanhe enquanto trago algo mais saboroso. Por acaso, passaremos junto à encantadora Lady Willoughby. Talvez pudesse perguntar por sua saúde.
Charles quase se negou. O teria feito. Mas Dunston não lhe pediu permissão, mas sim se dirigiu ao canto do salão onde o trio de Willoughbys conversava em sussurros.
Contra seu melhor julgamento, seguiu o magro senhor ao redor de um par de perfumados janotas e várias senhoras loiras arrulhando sua aprovação do vil golpe à irmã do Dunston. Rápido, chegou, detendo-se ao lado do Dunston enquanto o conde fazia as apresentações.
Foi difícil afastar seu olhar dela, mas se arrumou por cortesia enquanto se inclinava ante Miles Willoughby e a mãe do jovem, Helen. Quando Willoughby tentou apresentar Julia, Charles notou que o rubor se elevava em suas bochechas.
— Conhecemo-nos — ela murmurou, seus olhos não elevando-se mais que seu queixo. — Lorde Wallingham. Confio em que se encontre bem.
Não estava preparado para seu frescor. Talvez devesse havê-lo sido. Seu comportamento em sua última reunião tinha roçado o insulto, assumindo que ela tinha sido consciente de sua causa.
— Assim é, Lady Willoughby. — Manteve sua voz baixa e gentil, como faria com uma égua nervosa. Claramente, ela havia sentido sua peculiar fascinação por ela e a tinha achado desagradável. — É bom ver-te visitar Londres de novo.
Seus cílios revoavam um pouco, sua cor se elevava mais. Estranho isso.
Não disse nada sugestivo. Tinha-o feito? Na verdade, estando perto dela, vendo a fina coluna de seu pescoço ondulada e tensa, poderia haver dito algo, já que não sentia que tinha mínimo controle.
— O senhor Willoughby ocupou seu banco no Parlamento. Acompanhei ele e a Sra. Willoughby à cidade por esta temporada.
Bom, isso parecia bastante óbvio. Franziu o cenho.
— Sim, eu...
— Entretanto, como ainda estou de luto, receio que minhas aparências sejam limitadas. Compreenderá, é claro.
— Do co...
— Se considerarem convites de qualquer tipo. Não é o que você faria. Não lhe agradam os entretenimentos, segundo lembro.
Chamava-o de aborrecido? Ele pensou que o era.
— Em qualquer caso, não poderia aceitá-lo. Simplesmente não é uma possibilidade.
Sua cabeça se sacudiu por seu rechaço preventivo. Além de ser bastante direto, era o que sua mãe chamaria de “imperdoavelmente grosseiro”. Sua mãe era uma perita em grosserias.
— Julia — murmurou a morena Sra. Willoughby entre dentes apertados. — Estou segura de que Lorde Wallingham entende as limitações do luto. Entretanto, não queremos insinuar que uma amabilidade com você ou com nossa família não seria bem-vinda, particularmente por parte de um cavalheiro tão estimado. Não está de acordo?
Ela ainda não o tinha olhado aos olhos. Nem o seu olhar se enrugou nos cantos, seus lábios de pêssego se viraram para baixo apertados. Seu silêncio falou em voz alta, pensou. Sentiu-se ofendida por sua atração por ela.
Repelida por isso.
Talvez ela tivesse razão. Nem sequer ele entendia, e tinha lutado por isso durante mais de um ano.
— Lady Willoughby, tenha a segurança de que me absterei de fazer convites que lhe possam resultar ofensivos. — Se inclinou educadamente. — Minhas condolências por sua perda.
Sem previsão, saiu da habitação. Abandonou a casa do Dunston enquanto se despedia do conde prometendo encontrar-se com ele e com o duque de Blackmore no White’s à manhã seguinte. Logo montou seu cavalo e, com mais ardor que o necessário em uma tranquila praça de Mayfair, incentivou o animal a correr.
Quanto antes a deixasse para trás, melhor. Certamente ela estaria de acordo.
***
— Ficou louca. Talvez a dor a fez ficar assim. Mas essa é uma má desculpa. — A reprimenda de Helen não foi pior que o que Julia havia dito a si mesma.
— Desculpei-me — disse Julia em voz baixa, centrando-se em sua costura.
— Comigo. E com Miles. Não ao homem que insultou.
Encolheu os ombros ao recordá-lo. Sua voz, profunda e suave, tinha-lhe feito sentir um formigamento no couro cabeludo. Seus olhos tinham desejado explorar seu rosto, o longo nariz, o queixo substancial, o olhar inquisitivo e verde que via muito e a seguia cada vez que respirava. Tinha-a feito ruborizar-se com apenas vê-lo, de pé, magro e alto. Havia lhe trazido tudo o que ela temia que voltasse correndo: A estranha energia no ar entre eles, como o momento entre o relâmpago e o estrondo da explosão. Um suspense doloroso. Um calor sem fôlego. Ela tinha necessitado empurrá-lo, repeli-lo tão profundamente para que ele não notasse sua reação.
Como não se deu conta? Estava avermelhada como um rabanete.
Lhe pareceu que o calor seguia com ela, manchando sua pele, inclusive um dia depois.
— Enviarei uma nota — murmurou à manga que estava cozendo pela terceira vez.
— Não se incomode. Convidei-o para jantar esta noite.
A agulha de Julia se deteve. Sua cabeça subiu lentamente.
— Não o fez.
Helen inclinou o queixo, mostrando cada centímetro como a mamãe zangada.
— Wallingham é um marquês. Sua fortuna é imensa, o qual conhece muito bem depois dos esforços do Arthur por cortejar ao seu favor. Necessitamos da conexão. Além disso, a Miles viria bem que o guiasse um homem mais velho. Perdeu seu pai muito cedo. Deveria me haver voltado a casar, arruinei tudo.
Um homem mais velho? Perguntando-se pelo humor incomum de Helen, Julia franziu o cenho.
— Wallingham não é Matusalém.
Helen levantou sobrancelhas escuras.
— Não disse que é.
— Muitos o considerariam um homem na flor da vida, me atreveria a dizer.
Um pequeno sorriso levantou um lado da magra boca de Helen.
— De verdade?
Julia suspirou deixando que suas mãos e sua costura se assentassem em seu regaço.
— Aquele pedaço de prata em seus cabelos é enganoso. Ainda não tem quarenta anos. Além disso, acredito que lhe dá um ar distinto que lhe assenta muito bem e que o distingue de outros cavalheiros que são muito menos aptos e capazes que ele.
— Sabe disso agora?
— Sim. É um ávido cavaleiro. Atlético, de fato. Sua equitação é famosa, e seus estábulos são os melhores da Inglaterra.
— Bom — respondeu Helen com um sorriso de perplexidade. — Então não se importará de sentar-se ao seu lado no jantar.
Piscando, Julia apertou um punhado de crepe de seda.
— Preferiria que não o convidasse.
O brilho da menina tinha voltado para seus olhos.
— E eu preferiria que não insultasse um dos homens mais poderosos da Inglaterra, mas parece que ambas devemos nos resignar à decepção.
Ao final, Julia se desculpou com Wallingham por sua grosseria. Indiretamente.
Ela estava sentada ao seu lado na sala de jantar azul de sua casa alugada, deixando que a buliçosa conversação de Miles e Helen enchesse o espaço, reunindo sua coragem enquanto comia minúsculos pedaços de carne assada e tratando de não olhar fixamente às mãos de Wallingham. Tinha uns dedos excepcionalmente longos, que davam às suas mãos uma forma magra e elegante. Além disso, usava-os de uma maneira consciente, como se a trajetória de cada dedo estivesse marcada de antemão para que seus movimentos fossem eficientes e deliberados. Suave. Sensual. Gostava de lhe ver dirigir um par de rédeas, o que lhe daria calafrios. Não que quisesse ter calafrios. Ela não o fez. Os calafrios só tinham causado problemas.
E, entretanto, inclusive ao ver como se levava aos lábios um garfo cheio de carne muito salgada, ela tremia em seu assento. Justo ao lado dele.
Era chá na sala de estar outra vez.
Pôs seu próprio garfo ao lado de seu prato.
— A carne está muito salgada — murmurou ela, seus olhos na mão dele.
A mão ficou imóvel, preparada sobre uma toalha de linho branco, seu polegar balançando um garfo de prata.
— Sinto muito, milord.
— Pela carne?
— E outras coisas.
Pensou que lhe tinha ouvido respirar fundo, mas só teve a coragem suficiente para desculpar-se, não o suficiente para lhe olhar diretamente.
— Sou eu quem o sente, Lady Willoughby, se alguma vez fiz algo para ofendê-la. Essa não era minha intenção.
Engolindo em seco, ela moveu seu olhar além de sua manga escura. Talvez uns centímetros por vez terminariam com ela encontrando sua coluna vertebral para sempre. — Não fez nada para me ofender. A culpa é minha. O ano passado foi...
— Não há necessidade de explicar.
— Não gostei de vir a Londres. Receio que minhas reações foram irregulares e muito influenciadas pelo sentimento.
— Pare.
Ao ouvir a única e dura palavra, seus olhos se dirigiram aos dele como se a tivesse sacudido com uma linha. E, oh, aí estava. Aquela classe de inteligência.
Látego escuro, verde e focado. Seu coração balançou e se apertou.
— Comportei-me terrivelmente — sussurrou ela, sua vergonha afogando-a.
Lástima por como lhe tinha falado ontem à noite, sim, mas mais pelo que tinha sentido por ele. O que ela ainda sentia por ele.
— Pare. — repetiu, sua voz baixa. Íntima. — Está feito. Os remorsos não beneficiarão nenhum dos dois.
Dentro de suas palavras jaz uma verdade separada, como um fio oculto tecido debaixo.
Ele a entendeu. Ele sabia como ela se sentia porque ele tinha sentido o mesmo. Frequentemente o tinha perguntado, sabendo que ele a havia tocado deliberadamente através de seu vestido. Sabendo que tinha saído disparado do sofá como um homem queimado por uma tocha. Sabendo que tinha fugido quando Arthur retornou, partindo abruptamente sem olhá-la de novo.
Ele a entendeu. Sua culpabilidade. Sua necessidade. Era o único humano que podia fazê-lo. Com o coração pulsando com força, deixou que a consciência dele se expandisse até que a encheu por dentro. Calmo e inflamado imediatamente...
Ela sussurrou as palavras esperando que ele tivesse respostas quando ela não as tinha.
— Vem dar um passeio comigo. Amanhã. No parque.
O que era correto? Ela poderia aceitar, e os iniciaria por um caminho que, considerando tudo o que tinha acontecido antes, poderia estar manchado para sempre por um só momento de vergonha, uma traição ao seu marido, embora só fosse em seu coração.
Por outro lado, ela poderia negar-se. E durante o resto de sua vida se perguntaria se tinha rechaçado algo precioso simplesmente porque tinha começado muito cedo.
— Não sei o que fazer.
— Um impulso não é nada — argumentou, sua voz era uma persuasão palpitante. — Conversação. Um pouco de ar. Uma tarde prazerosa.
Ela se encontrou sorrindo à sua caracterização.
— Nada?
Seus lábios se levantaram para igualar seu sorriso.
— Bem. Não nada de nada. Mas inteiramente sem expectativas. Sou um homem paciente, lady Willoughby. Sobre todas as coisas.
Antes que pudesse pensar melhor nisso, baixou os olhos à sua mão, ainda ao lado de seu prato.
— Uma volta. Nada mais que isso.
— Vou vir buscá-la às duas.
Sua garganta se secou.
Dedos longos. Dedos longos, compridos.
Ela alcançou seu vinho. Incapaz de falar, bebeu profundamente e assentiu com a cabeça.
Só um passeio, Julia. Uma hora intercambiando brincadeiras corriqueiras. Tempo suficiente para dar-se conta de que só é um homem como muitos outros. Então, possivelmente, possa se liberar de seu peculiar feitiço.
CAPÍTULO 5
“Pode ser que queira alterar suas técnicas de cortejo, Charles. Uma dama tem um número limitado de chapéus”.
A marquesa viúva de Wallingham ao seu filho, Charles, ao inteirar do efeito deletério das chuvas repentinas sobre a disposição de certa viúva.
Para um desastre, sua saída começou de maneira bastante auspiciosa. Ele chegou precisamente às duas, em sua caleça recém comprada. E, notou, não estava vestida de preto, mas com um casaco branco de musselina e um vestido de veludo cinza escuro. Seu chapéu estava coberto de seda preta, mas parecia estar saindo de luto pelos tons mais pálidos do meio luto.
Um sinal prometedor, isso.
O calor se desenrolou em seu peito ao vê-la. Seu coração deu um salto e surgiu enquanto ela punha sua mão de luva branca na sua, subindo à carruagem aberta.
É claro, ela estava calada e visivelmente vibrando de nervos.
Pensando que isso a tranquilizaria, começou com um tema neutro, embora não particularmente vigoroso quando o cocheiro os conduziu para o oeste, para o Hyde Park.
— A carruagem é nova — murmurou, desejando ter algo que fazer com suas mãos que não fosse as descansar sobre suas coxas. Suas palmas picavam dentro de suas luvas. — Tem um eixo móvel, que evita sobrecargas e permite que o veículo gire mais facilmente em um espaço menor.
— O desenho é mais leve e menos chato para os cavalos também, não?
Seus olhos se iluminaram e brilharam em seu rosto.
— Conhece os eixos móveis?
Piscou, seus olhos brilhando enquanto o rosa florescia em suas bochechas.
— Só o que li. Estou segura de que sua experiência no tema é superior.
— Por que está tão segura disso?
Parecia como se quisesse retorcer-se, mas estava sufocando o impulso com todas as suas forças.
— Os cavalheiros têm interesse nessas coisas.
— Como você, evidentemente.
Seus lábios se apertavam como se quisesse dizer algo. Em vez disso, permaneceu em silêncio e manteve os olhos fixos na rua que passava.
Aproveitou a oportunidade para estudá-la, perplexo uma vez mais por seu próprio encanto. Seu rosto era bonito, embora não excepcional. Sua voz era suave e gentil, seus lábios curvados e franzidos com sutileza em lugar de ênfase, mais calmante que sedutora. Antes que ela sofresse a morte de seu marido seu comportamento tinha sido encantadoramente educado, mas não mais que o de muitas esposas e matronas tituladas. Agora, notou, o verniz gentil se desgastou em alguns lugares, expondo brilhos de escura dor, brilhantes veios de tensa incerteza.
Uma gota gorda e úmida salpicou sua manga, como miçangas no veludo.
Olhando para cima, viu as nuvens que presumiu que passariam sem incidentes e que, em vez disso, se converteriam em grandes ondas.
Franziu o cenho.
— Receio que nossa saída seja de curta duração.
— Sabia que não devia haver dito nada. — Embora suas palavras fossem murmuradas em voz baixa, ele escutava todas. Não pôde evitar. Seus sentidos estavam centrados sobre ela de uma maneira que era automática e um pouco preocupante.
— Sobre o que?
Finalmente ela se virou para ele. Suas bochechas permaneciam rosadas, mas seus olhos tinham perdido sua frenética luz. Agora parecia... decepcionada.
— O eixo móvel. — Seus dedos apertando e desapertando em seu regaço. — Foi um mau julgamento de minha parte. Compreenderei se preferir me levar para casa.
De que demônios falava? Não podia decidir onde tinha perdido o fio da conversação. Várias vezes abriu a boca para perguntar, só para deter-se e procurar pistas em sua memória. Mencionou a carruagem. Parecia bem informada. A chuva tinha começado. Ele tinha comentado que sua viagem poderia ser abreviada devido ao mau tempo.
Não, teria que perguntar.
— Desculpe-me, Lady Willoughby, mas de que demônios está falando?
Seus ombros se endureceram.
— Não precisa me falar dessa maneira.
— Pedi-te que me perdoasse.
— Sim, mas não o disse a sério.
— Perdi completamente a pista de nossa conversação.
Ela inalou.
— Isso não é motivo para ser grosseiro.
Momentaneamente bloqueado, tentou voltar a ficar em pé.
— Desculpo-me.
Silêncio.
— O que quis dizer quando disse que não devia falar do eixo?
Outra baforada.
— É um tema para cavalheiros. Não para damas.
— O eixo?
— Sim. As damas não deveriam estar interessadas nestes assuntos.
Não podia franzir o cenho, não podia afastar a vista desta estranha criatura severa ao seu lado.
— Por que não?
— Não é feminino aprender muito em temas compreendidos melhor pelos cavalheiros. Pior ainda, falar deles com conhecimento de causa.
Ela disse estas tolices com segurança. Inclusive autoridade.
Não havia nada a fazer. Estava desconcertado.
— Onde escutou isso?
Seu queixo se inclinou.
— Está bem entendido, meu senhor. Na terceira edição de O companheiro agradável: Um guia completo para mulheres de admiráveis compromissos e economia doméstica, o autor, o Sr. Crane, recomenda evitar os temas masculinos, já que uma dama pode expor sua ignorância ou insultar através de uma experiência indecorosa.
Tomou vários segundos responder.
— Pura bobagem.
— O Sr. Crane não crê assim.
— Então, o Sr. Crane é uma bobagem. Além disso, não é necessário consultar os manuais de comportamento feminino. Você é a definição de admirável. Deve falar das coisas que lhe interessam. Nada mais e nada menos.
Duas gotas caíram sobre seu queixo enquanto ela inclinava sua cabeça para cima para lhe olhar fixamente.
Sem pensar limpou-as brandamente com o polegar. Era uma manobra audaz, e desejava poder dizer que tinha sido deliberada. Mas não foi. Desde o começo de seu conhecimento havia-se sentido vagamente dono dela, como se a tivesse conhecido durante anos e sua relação fosse de afeto familiar.
Piscou lentamente, seus lábios abrindo-se.
— Talvez devêssemos levantar o toldo, meu lorde.
Engoliu em seco. Retirou sua mão. Deu instruções ao seu cocheiro para que se dirigisse ao parque antes de deter-se para fazer o ajuste.
Logo, limpou a garganta. Estudou sua luva como se tivesse o pedigree de um maldito novo campeão. Ficaram sentados em silêncio durante longos minutos, os únicos sons da rua eram das sapatilhas e das rodas, mais estridentes. Folhas e vento, baralhar e suspirar. Mais distantes estavam os gritos e as risadas de dois homens do carvão, o grito de uma mulher que vendia leite.
— Eu... — Deixou de mordiscar o lábio inferior. — Suponho que, se não o encontrar objetável, poderíamos conversar sobre o novo desenho do eixo.
Nesse momento deu-se conta de que era de cor rosada, da aba do chapéu até o queixo delicado. Que classe de mulher se envergonhava ao falar de carruagens? Muito desconcertante.
— Se lhe interessar, Lady Willoughby, com muito gosto o discutirei. Entretanto, tenho curiosidade por saber se confia no conselho do Sr. Crane. Lembro que não necessitava desse guia.
A chuva tinha começado a golpear brandamente a rua e a lã de seu casaco.
Jogou um olhar incômodo para o céu antes de responder: — Eu gosto dos livros como os que escreve o Sr. Crane.
Seu cenho franzido se fez mais profundo.
— Certamente são para mulheres jovens. Damas recém casadas ou que procuram par. Esse tipo de coisas.
Ela virou lentamente seu olhar para ele, o marrom agora rompendo-se com ofensa.
Maldito inferno. Deixou que sua curiosidade dominasse sua boca, e agora acabou de chamá-la de velha.
— Não quis dizer...
Seus lábios franzidos, os cantos aplanando-se.
— Sempre deve esforçar-se por melhorar seus conhecimentos e habilidades, seja uma nova noiva ou uma viúva antiga.
Maldição. Os limões eram mais doces que seu tom.
— Não é uma anciã. Isso não é o que eu...
— Como me adula, milord. — Os lábios de pêssego estavam enrugados e apertados. Seus ombros eram rígidos. E agora ela se negava a olhá-lo.
Maldito inferno.
— Desculpo-me.
A chuva caiu sem cessar, golpeando no silêncio, lhe respondendo com desdém.
Finalmente chegaram ao parque. Charles baixou e se ocupou de ajudar o cocheiro a levantar o dossel.
Exceto que não se moveu.
— Milord, parece que essa dobradiça está emperrada — observou o cocheiro, olhando a crescente chuva agora acompanhada de um vento forte que fazia com que Lady Willoughby se esfregasse a parte superior dos braços. — Deveria tentar forçá-lo?
O homem perguntou porque, como ele sabia, quebrar a dobradiça provavelmente danificaria a carruagem nova, que era bastante cara. Charles olhou à mulher cujo chapéu preto e saias brancas se estavam umedecendo lentamente. Ele suspirou. Logo olhou ao John Coachman ao largo de dita carruagem e assentiu com pesar.
Um forte rangido, então o gemido de metal que não funcionava bem soou enquanto ele e o cocheiro arrastavam o dossel para cima. Tentou encaixá-lo em seu lugar. Negou-se a sustentar-se, um lado da estrutura retrátil caiu deploravelmente.
Maldito inferno. Encontrou-se com a consternação do cocheiro com um olhar severo.
— Estou tentando, milord.
A coisa se derrubou e se afundou, a dobradiça quebrada carecia da tensão necessária para mantê-la erguida.
O rosto franzido de Lady Willoughby apareceu pela borda do dossel.
— Sua carruagem parece estar em mal estado, meu lorde.
— Sim — disse com valentia. — Assim é.
— Talvez devêssemos voltar para casa antes de...
— Não estamos retornando adequadamente à casa.
Sua cabeça se inclinou para cima antes de retroceder atrás da meia ponta semi elevada.
— Desculpo-me. — As palavras lhe saíram da boca. Não era tipicamente um tipo áspero, mas esta saída se fazia cada vez pior. E não podia culpar a ninguém mais que a si mesmo. — John — chamou através da maldita carruagem que não funcionava bem.
— Sim, milord.
— Assegure-a o melhor que puder. Então nos leve pelo Rotten Row um momento. Se a chuva aumentar retorne à residência de Lady Willoughby imediatamente.
Já tinham percorrido cem metros a chuva se converteu em um aguaceiro.
As saias de Willoughby jaziam encharcadas sobre seus joelhos, seus lábios um beliscão frio e amargo, o silêncio espesso como mingau estragado na crescente escuridão.
E isso foi antes que o maldito dossel voltasse a cair para trás com uma rajada de vento repentina.
Chorou, suas mãos voando como uma rajada de chuva — agora quase sólida e de lado — golpeou seus rostos.
— Maldita seja. — As palavras escaparam de sua própria boca, ladrando sem sua permissão.
— Lorde Wallingham! — Protestou.
— Desculpo-me. — Quantas vezes já o tinha feito? Quatro? — John! Detenha a carruagem e acerta esta maldita coisa.
O homem se deteve, mas a chuva não. Charles olhou à sua companheira. Agora estava completamente encharcada, seu vestido um desastre empapado, seu chapéu um mau amparo. Olhando ao seu redor viu uma árvore a uns seis metros de distância sob a qual poderiam escapar da maior parte da ira da chuva.
— Vem — disse, baixando e lhe oferecendo sua mão.
Lhe olhou fixamente, com os olhos muito abertos, os cílios gotejando.
Cada centímetro de sua pele estava molhado. E ela não se movia, sua postura era rígida e tensa.
— Prefiro ir para casa.
Seu tom era de gelo cristalino. Quase se estremeceu. Em vez disso, apertou os dentes.
— Enquanto John, o cocheiro, repara a parte superior, podemos nos refugiar embaixo dessa árvore. — Assentiu para a maior ao longo da seção da linha. — Então te levarei à casa.
Ela entrecerrou os olhos ante a árvore, logo para ele, logo ante suas saias antes de suspirar e pôr sua mão na dele. Tentando descer da carruagem enquanto se via obstaculizada pela musselina molhada e obstinada, Lady Willoughby soprou um pouco, grunhindo enquanto seu pé escorregava sobre o degrau e seus joelhos não conseguiam acomodar-se à nova posição de suas pernas, inclinando-se para frente.
Em seus braços.
Encontrou-se sustentando-a torpemente, seu suave, amplo e úmido peito coberto de tecidos úmidos, que se engessava abruptamente em seu rosto.
Ela se queixou.
Tentou estabilizá-la, agarrando-se e agarrando o que podia. E aconteceu que “o que ele podia” era seu traseiro.
Ela gritou.
Levantou-a e a baixou instantaneamente ao chão. Suas mãos desesperadas e com garras fizeram seu chapéu voar e ele puxou seus cabelos dolorosamente quando desceu. Para evitar separar-se de seu couro cabeludo, inclinou-se e desenrolou brandamente os dedos dela, logo respirou profundamente e abriu os olhos.
— Desculpo-me — disse pela quinta vez.
Oh, Deus. Estava furiosa. Encharcada, gotejando, vermelha e malditamente furiosa.
Para evitar uma explosão não se incomodou em pedir permissão. Simplesmente a agarrou pela mão e a puxou para a árvore. Fracamente deu-se conta de que a estava arrastando atrás dele enquanto a escutava protestar e ofegar.
— Wallingham!
Moveu-se mais rápido. Agarrou-lhe a mão com mais força. Finalmente chegaram ao duvidoso refúgio dos ramos frondosos e gotejantes da árvore. Voltou-se para o tronco e a puxou ao seu lado no chão elevado ao redor de sua base.
A aba de seu chapéu gotejava. Seus arredondados lábios brilhavam. Seu peito se encheu de fôlegos furiosos. Os olhos marrons ardiam pelo agravante.
Mas já não estava sendo encharcada pelo igualmente furioso aguaceiro. Esse era o ponto.
— Isto é revoltante — disse ela. — Não sou uma menina que pode arrastar pelo braço.
— Desculpo-me.
Sua indignação se manteve.
— Segue dizendo isso, mas obviamente não o sente absolutamente.
Olhou para cima.
— Pensava que estaria agradecida por minha rápida ação.
— Gratidão? Me olhe! Sou um desastre. Meu vestido está arruinado. Meu chapéu nunca será o mesmo...
— Os substituirei.
— É muito impróprio sugeri-lo.
Apertou os dentes, suspirando exasperado.
— O que quer que eu faça?
— Me leve para casa.
Com os olhos entrecerrados, respondeu-lhe: — Aceitou um passeio.
— Meu engano, claramente.
— Sou o culpado pelo clima?
Sua bem definida mandíbula se flexionou.
— Aproveitou-se de circunstâncias desafortunadas tomando grandes.... liberdades com minha pessoa.
Levantou as sobrancelhas. Liberdades? Não tinha nem ideia de quão restringido tinha estado. Mas era hora de lhe informar. Aproximou-se, baixando sua cabeça perto da dela.
— Beijei-a, Lady Willoughby?
Piscou quatro vezes, gotas voaram de seus cílios. Seus lábios se abriram sobre um “O”.
— Como? — Exigiu, sua voz baixa e dura com sua frustração. Aqueles lábios úmidos se reafirmaram ao tragar. — Não.
— Mas quis fazê-lo. Quero muito mais que beijos. Mais do que possa imaginar. — Deixou que seus olhos pousassem sobre seu corpete, onde o veludo cinza não podia dissimular a exuberância das curvas de seu corpo.
— Quaisquer que sejam as liberdades que acredite que tomei até agora não são nada comparadas com meus desejos.
O corpete se inchou em seu seguinte fôlego e logo caiu em um suspiro.
— Não podemos. — Mal foi um sussurro, mas o ouviu. Nós, havia dito ela. Nós. Não você.
Seus olhos se fixaram nos dela. E ali estava. Um desejo igual ao dele.
— O que nos deterá?
— Isto está mal.
— Já não está casada.
— Só passou um ano.
— Desejei-te por mais tempo.
Olhou para o outro lado, sua testa descendendo com desagrado.
— Por isso está mal.
— Porque te queria antes...
Seu olhar se voltou contra ele com uma força que lhe tirava o coração.
— Não.
— Porque te desejava. — Seu lábio inferior tremeu e logo se reafirmou.
— Eu amava o meu marido. O nosso foi um bom matrimônio. O que senti por ti foi uma traição aos meus votos. A ele.
Ao ver sua angústia retorceu algo dentro dele, a dor aguda mordendo entre seu peito e seu estômago. Aproximou-se mais, querendo protegê-la.
— Os sentimentos não são traição, Julia. Se tivéssemos atuado sobre eles enquanto foi sua esposa possivelmente teria razão. Mas não o fizemos.
Seus olhos se fecharam. Ela se inclinou para ele.
Brandamente deslizou suas mãos sob os cotovelos dela, sem atrever-se a fazer mais ali no Hyde Park. A chuva e as sombras da árvore poderiam lhes dar algum amparo, mas estavam somente umas dezenas de metros do curioso olhar do mundo dos pretendentes.
— Comecemos de novo — disse em voz baixa, o constante suspiro de chuva que os rodeava em uma espécie de intimidade. — Não aconteceu. Não há exigências. Simplesmente um homem que admira uma mulher e deseja passar o tempo com ela.
Seus olhos se abriram, um xerez que embebedava e inundava um homem.
— Não estou procurando um enlace passageiro. Se continuarmos deve ser com esse entendimento.
Congelou-se. Matrimônio. Ela queria casar-se. Em um nível ele admirava sua honestidade. Mas tinha resistido a casar-se de novo durante tanto tempo, uma parte dele encolheu os ombros ante essa ideia. As lembranças de seu primeiro matrimônio fortaleceram sua determinação nesse sentido.
Entretanto, enquanto olhava Julia Willoughby, uma visão mais ampla alagou essas lembranças tênues. Uma visão dela lhe servindo uma xícara de chá perfeita enquanto a luz do sol acariciava seu pescoço. Uma visão dela acariciando sua bochecha e sorrindo-lhe com afeto familiar. Uma visão dela deitada ao seu lado. Debaixo dele. Em cima dele. Ao seu redor. Pelo resto de sua vida.
Ele queria mais que uma noite ou duas — inclusive um mês ou dois -, se deu conta de que queria toda uma vida com ela. O que significava matrimônio.
— Entendo — respondeu roucamente.
Ela inclinou a cabeça. Recuperou o fôlego com ele. Deixando que o momento crescesse enquanto ambos se davam conta do que se disseram.
Isto terminaria em matrimônio.
O que ocorreu entre agora e esse momento — o momento em que ela se converteu em sua — constituiu só um detalhe. Poderia ser paciente. Poderia esperá-la.
Finalmente, assentiu com a cabeça.
— Bem — murmurou.
Pouco a pouco sorriu e gostou de sua resposta. Gostava da chuva. Gostava de pensar que tudo o que tinha que fazer era esperar, e que lhe pertenceria. Gostava que seu destino estivesse selado tão seguro quanto o dele.
— Bem, sem lugar a dúvidas.
CAPÍTULO 6
“Paciência? A este ritmo vou assistir o meu funeral antes das bodas do meu filho.”
A Marquesa viúva de Wallingham a Lady Berne depois da invejável notícia da expectativa de ser avó.
Um ano e sete meses depois
30 de novembro de 1818
Fairfield Park, Suffolk
Tinha esperado o suficiente, Charles decidiu enquanto escutava Dunston tagarelar sobre o que estava em jogo no Newmarket. Talvez lhe importassem há sete meses os puros sangues e os lucros. Hoje, o único tema que lhe interessava era Julia. Mais especificamente, lhe dar um novo título: marquesa de Wallingham. E um novo lugar para dormir, em sua cama.
É claro, este objetivo requeria um plano melhor que o que tinha empregado durante os últimos dois anos. Cortejá-la de uma maneira convencional com detalhes tão bonitos como os passeios em carruagem e as quadrilhas tinha fracassado estrepitosamente. Desejava lhe expressar o devido respeito ao demonstrar que podia controlar sua luxúria, ao lhe demonstrar que era só uma das razões pelas quais queria convertê-la em sua esposa.
Em troca, sua cautela lhe tinha permitido escapar de seu alcance.
E assim acabam as sutilezas. Porque elas deviam. Devido a que não podia permitir que se casasse com o maldito Senhor Mortimer Spalding, o viúvo de cabelo cinza que ela tinha considerado um marido adequado.
Lançou um olhar na direção do baronete e tomou um sorvo de conhaque. Como de costume, o homem parecia ter sido apanhado em uma tormenta de vento depois de cair de um palheiro. Só Deus sabia o que Julia achava tão adequado.
— Entendo que sua mãe chegou em Steadwick esta manhã. Um fato incomum, não?
Voltando seu olhar ao Dunston, Charles bufou antes de assentir.
— O diabo a deixou fora de si. Ela nunca viaja nesta época do ano.
— O que acha que a provocou?
Olhou a Julia através do salão. Sentou-se com sua habitual atitude composta junto à mãe de Willoughby, Helen, mordiscando uma bolacha e tomando sorvos de chá de vez em quando. Vestia um vestido de manga larga de veludo rosa, manteve os olhos baixos, evitando olhar em sua direção.
— Tenho minhas suspeitas — murmurou. — Mas minha mãe insiste em que simplesmente desejava passar um tempo com sua única descendência.
Dunston franziu o cenho.
— Quando foi a última vez...
— Faz quatorze anos.
— Ah. Alguma outra razão, então.
— Muito provável.
De fato, sua mãe quase tinha confirmado suas suspeitas quando tinha perguntado de maneira muito casual se ele tinha falado com “certa viúva” recentemente, já que lhe tinham dado a entender que Lorde Dunston se inclinou a povoar sua caça anual com uma multidão de pares do reino.
Em lugar de responder, tinha-a convidado a tomar o mando de qualquer habitação que gostasse, sempre e quando não desse aos seus serventes a possibilidade de envenenar sua sopa.
Ela tinha arqueado uma só sobrancelha branca por cima de um olhar familiar.
— Cuida da sua língua, moço — havia-lhe dito ela. — Por favor, responda a minha pergunta.
Estudou o rosto de sua mãe e respondeu: — Vi-a.
— E?
Olhando para baixo aos olhos que eram um espelho dele, ficou perplexo pelas sombras ali. Sua mãe estava preocupada. Sua mãe nunca se preocupou. Assim como ela nunca viajou depois de setembro.
— Está tudo bem – ele disse em voz baixa, procurando aliviar o que parecia ser a preocupação por ele. Ela era sua mãe, depois de tudo, e o amava com a fervorosa intensidade de uma mãe. Ele a amava em troca, apesar de suas muitas batalhas e seus constantes intentos de submetê-lo a sua vontade.
Ela tinha respondido à sua tranquilidade com um sopro de desdém, mas se alegrou de ver a tensão habitual ao redor de sua boca.
— Agrada-me que tenha chegado aos seus sentidos por fim — havia dito ela resolutamente. — Para ser um menino inteligente, você é notavelmente denso em sua teimosia com essa criatura.
Já que tinha pouca vontade de reviver o mesmo argumento uma vez mais, simplesmente lhe tinha beijado a enrugada bochecha e tinha pedido à sua governanta que preparasse um almoço leve para a marquesa viúva. Então, ansioso por estar em outra parte, foi-se a Fairfield.
Nesse momento escutava Dunston rememorar as excentricidades mais divertidas de Lady Wallingham, incluída sua exigência no ano anterior de que o conde lhe proporcionasse um de seus principais sabujos, um cachorrinho ao qual posteriormente tinha chamado Humphrey.
Naturalmente isto se tinha produzido apenas um mês depois que ela tinha declarado a todos os cães uma ameaça cara, útil só para a sujeira nos tapetes e sapatilhas. Dunston se surpreendeu com sua mudança de opinião. Charlie não o fez.
— Crê que deveria convidá-la para jantar conosco? — Dunston refletiu. — Ela acrescenta algo à mesa.
Charles tomou um sorvo de conhaque e reatou seu exame ao vestido de Julia. Em particular, seu corpete. Em particular, seu decote, que era quadrado e recortado com fita marrom. Ele pensou que era bastante adulador para a redondeza de seus seios.
Talvez esta noite finalmente descobriria se aqueles seios estavam adornados com pêssego ou alguma outra cor.
Sim. Quase sorriu ante o pensamento. Esta noite a pergunta terminaria e começaria o verdadeiro cortejo de Julia Willoughby.
***
O estômago de Julia tinha sido um nó ardente durante dois dias. Mesmo a satisfação de trazer bom senso à biblioteca de Lorde Dunston fazia pouco para aliviá-la. Agora, mordeu uma bolacha seca e farelenta e tentou não olhar à razão de sua angústia.
Encontrava-se a três metros de distância, do outro lado do salão de Fairfield. Alto, sombrio e impecável, seu perfil era o de um aristocrata, seus olhos os de um conquistador. Talvez fosse só sua fantasia. Outros pareciam não se dar conta. Tinha-o visto muito frequentemente para ignorar as implicações. O homem era implacável, paciente, mas implacável.
Ao seu lado, Helen estalou a língua.
— Falou com ele? Está confuso outra vez.
Ante o olhar inquisitivo de Julia, Helen assinalou com a cabeça para a janela, onde Senhor Mortimer Spalding estava conversando animadamente com Miles. O pálido cabelo cinza do homem estava desordenado, a costura do ombro de seu casaco de montar tinha vários fios soltos — em outras palavras, tinha o mesmo aspecto de sempre.
Realmente deveria fazer um maior esforço por falar com ele, pensou devidamente, dando-se conta. O tinha feito só uma vez desde que tinha chegado a Fairfield. Ele era a razão pela qual foi a essa Caça, depois de tudo.
— Alguém poderia pensar que seu amor pelo copo lhe faria ter mais cuidado. — Nos últimos tempos Helen frequentemente criticava Senhor Mortimer. De fato, tinha prestado muito mais atenção ao viúvo desalinhado, mas confortavelmente agradável do que ela tinha feito durante os últimos meses, conversando longamente sobre sombrios assuntos botânicos e discutindo sobre o “incompetente” valete de Senhor Mortimer. Os dois se conheciam desde a infância, tinham crescido no mesmo povoado, perto de Cambridge, por isso sua familiaridade não era surpreendente. Mas com o tempo o tom de Helen se tornou mais agudo, mais... ostensivo, como era agora.
— Quando for sua esposa espero que insista em que faça um melhor uso dos bolsos. Para um homem de sua idade andar com sua corrente livre é indigno. — O nariz de Helen se enrugou enquanto tomava um sorvo de chá.
Quando for sua esposa.
Os farelos de bolacha se amontoavam dentro da garganta de Julia. Engoliu saliva, mas não desceram. Compulsivamente, seu olhar encontrou Charlie.
E se chocou com o verde brilhante, resolvido.
Uma risadinha alegre veio da garota no lado oposto de Helen.
— Sem dúvida ela vai costurar a corrente em seu lugar, mamãe. Julia não tem tolerância à desordem. — A menina, de cabelo amarelo e olhos azuis, mais bonita que brilhante, inclinou-se para frente para lançar um sorriso alegre e travesso a Julia.
Sabendo que devia responder, Julia seguiu adiante, arqueando uma sobrancelha de recriminação falsa ante a nova e jovem noiva de Miles Willoughby.
— Percebi que deixou sua cópia do O companheiro agradável, do Mrs. Crane, no sofá da sala, Olivia. Possivelmente deveria dominar um tema. Antes de desprezá-lo.
— Oh, eca! — Olivia se pôs a rir. — Li três capítulos, quero que saiba. O Sr. Crane não é mais que uma velha resmungona que só dá reprimendas.
Julia sorriu e sacudiu a cabeça antes de recuperar seu chá de uma bandeja dourada. Desejava poder relaxar-se em sua conversa habitual com Olivia — a garota tinha resistido firmemente aos seus esforços por instrui-la no manejo adequado da casa, mas com tão bom humor que Julia não pôde ofender-se. Em troca, as diferenças de estilo entre ela e a nova Lady Willoughby enfatizaram o pouco que Julia era necessária em Willoughby Manor. Tanto Miles como Olivia tinham demonstrado sua grande amabilidade, e Helen era a amiga mais querida de Julia, mas era claramente o momento de seguir adiante. Para fazer isso ela devia casar-se.
Uma vez mais seus olhos se desviaram para Charles.
Com um lento e árduo esforço arrastou seu olhar, olhando para baixo ao líquido marrom e perguntando-se quando se deteria essa horrível e oca dor.
Murmúrios explodiram perto da entrada onde a irmã de Lorde Dunston, Lady Stickley, estava com seu marido e duas companheiras loiras.
Helen esticou o pescoço para cima, para frente e de lado a lado.
— Quem supõe que...? — Sua pergunta murmurada foi respondida logo enquanto uma coluna púrpura passava junto às expressões de alarme das gêmeas de Lorde e Lady Stickley. A pluma estava unida a um turbante de veludo.
O que, à sua vez, coroava o penteado branco de uma mulher diminuta e magra que irradiava a altivez de uma rainha.
— Dunston! — Gritou a rainha com sua superdimensionada voz de trompetista. — Parece que sua nota me convidando para jantar não foi enviada. Possivelmente deveria perguntar por seu paradeiro.
Tendo detido a conversação com Charles, o bonito e afável lorde Dunston fechou a boca, levantou uma sobrancelha irônica e torceu os lábios antes de cruzar a habitação para saudar a dama que exigia sua atenção. Inclinou-se ante ela educadamente, mas com certo engenho zombeteiro.
Julia não tinha suspeitado que a postura de um homem pudesse conter engenho, mas ao que parecia, Dunston podia.
— Minha querida senhora — ronronou. — Deveria estar muito angustiado ao saber que minha nota se extraviou. Se tivesse enviado uma.
Sua resposta foi um levantamento de queixo imperioso, sua pluma roxa fez um movimento ondulante. — Isso o explica. Assumi que sua mãe inculcou melhores maneiras em seu único filho. Assumi mal.
Dunston se limitou a sorrir com encanto indiferente.
— Ai, não sabia de sua chegada a Steadwick Park até esta mesma hora, minha lady. Se una a nós. Estava transmitindo a Lorde Wallingham a necessidade de uma grandeza adicional em minha mesa.
Ela golpeou seu braço com seu leque dobrado.
— Cale a boca. Não sou uma estranha senhorita que se sacode com um fino colete e um sorriso encantador.
Olhou com admiração a seda prateada, dando um toque apreciativo ao bordado.
— Está bastante bem, não é assim? — Lhe ofereceu seu braço. — O trabalho de um francês, é claro. São miseráveis para conversar, mas a gente não pode negar sua utilidade com uma agulha.
A anciã, vestida de turbante a sapatilhas de veludo púrpura soltou um sopro e lhe deu outro golpe com seu leque antes de tomar seu cotovelo.
— Se a gente pode tolerar a má higiene e o caráter detestável, supõe-se que têm seus usos. Costura. Cozinhar. Bucha de canhão.
Dunston riu à sua maneira rica e suave e a acompanhou ao longo da habitação até o homem de cabelo escuro com brilhantes olhos verdes.
Olhos que eram o par perfeito para os seus.
— Mãe, — disse Charles — Que... inesperado.
Suas vozes baixaram a expressões sombrias até que Julia só pôde distinguir a cada quarta ou quinta palavra. O que era estranho, dado que Dorothea Bainbridge, a Marquesa viúva de Wallingham, rotineiramente superava as vozes de mulheres do dobro de seu tamanho. Em certos círculos a consideravam um dragão, feroz, crítica e contundente. Certamente sua influência foi desproporcionalmente pesada tanto dentro quanto fora de Londres.
Mas para Julia ela era a mulher que tinha trazido Charles ao mundo. Criou-o para que fosse o homem forte, nobre e brilhante que era. É verdade que Lady Wallingham tinha incomodado seu filho durante muito tempo com suas manipulações, tinha-o enfurecido com sua intromissão, tinha-o irritado com seus implacáveis planejamentos e suas intermináveis críticas. Ela também o tinha amado, tinha-o protegido. Em muitos sentidos, talvez na maioria deles, Julia olhou à Lady Wallingham com algo parecido à gratidão, se não à absoluta admiração.
Mas havia mais de um lado no dragão, como tinha descoberto Julia.
— O que estão dizendo? — Helen sibilou no ouvido de Julia.
Julia balançou a cabeça e respondeu murmurando: — Não tinha ideia de que estaria aqui. Ela nunca abandona Northumberland nesta época do ano.
Maldição. Estava divagando de novo. Um sinal seguro de angústia.
— Julia?
Observou a expressão de Charles, os olhos obscurecidos, a mandíbula apertada, o pescoço rígido. Aquela boca que tanto adorava se esmagou em uma linha de desgosto. Logo seus olhos se moveram sobre o ombro de sua mãe.
Aterrissou sobre ela.
E ela foi lavada em calor. Logo frio. Logo calor de novo.
— Está bem, querida? — Perguntou Helen.
Não, não estava.
— Dói-te o estômago?
Julia sacudiu a cabeça e engoliu em seco , com a boca seca e pegajosa apesar do chá. Finalmente, fechou os olhos e cortou sua conexão. Olhou para baixo e viu que sua mão havia tornado a desviar-se. Forçou seus dedos a afrouxar-se e mover-se de seu ventre ao seu regaço.
— Devo ir — ela sussurrou, estudando as linhas de seus nódulos. Os ossos bicudos, as unhas arredondadas e o pulso magro de sua própria mão.
Outra mão cobriu a dela. Helen de novo.
— Então vá. Darei suas desculpas a lorde Dunston e Senhor Mortimer.
Sem outro pensamento, nem sequer levantando a vista, Julia pôs seu chá cuidadosamente na bandeja que tinha diante, deu uns tapinhas em Helen em agradecimento e saiu correndo justo quando a irmã de Lorde Dunston saía da sala descendo o corredor e as escadas. Não sabia aonde ia, porque não havia nenhum lugar ao qual ela pertencesse.
Por acaso ela pegou Peggy fora da sala de jantar e lhe pediu que procurasse sua capa. Então, Julia ficou como uma boba ali na sala de jantar vazia com painéis de carvalho, agarrando a cintura e lutando por respirar.
Foi muito. Vendo-o. Vendo sua mãe.
A última vez que tinha falado com lady Wallingham a mulher a tinha convocado a Wallingham House em Park Lane. Ali, em um salão de cor amarela brilhante decorado com veludos rosa e retratos de mulheres ricamente vestidas, a mãe de Charles tinha servido chá com bolachas surpreendentemente gordurosas enquanto a obrigava a quebrar seu coração devagar e sem piedade.
Ela tinha estado eufórica por receber a nota da viúva, já que Charles tinha declarado seus afetos só na semana anterior, proclamando que devia consentir em ser sua esposa porque ele não podia passar muito tempo sem tomá-la por completo. É claro, tinha tido sua mão trabalhando debaixo de suas saias e seus lábios mordiscando desde sua boca até seu seio nesse momento, por isso ela tinha tomado suas declarações com um toque de ceticismo. Seu coração. Tinha saltado e golpeado um tamborilar ensurdecedor de celebração.
Seu cortejo nunca tinha sido fácil, e depois de numerosos contratempos e mais de um chapéu arruinado, Julia quase convenceu a si mesma de deixar de lado suas dúvidas, esquecer-se o começo imperfeito, meio caótico, estranho e desconfortável e centrar-se em como ela conseguiu. Ela se sentia gloriosa. Quente, corada e fora de controle. Sensual, feminina e muito impetuosa, agradecida de estar perto dele, mal podia respirar.
Se seu final pudesse ser isso, então ela felizmente esqueceria todo o resto, tinha raciocinado. A ponto de consentir em converter-se em sua esposa, ela não tinha pensado duas vezes quando chegou a nota de Lady Wallingham. Ela tinha ido ao encontro de sua futura sogra para tomar o chá, decidida a fazer-se amiga do dragão.
E o dragão lhe tinha explicado tranquilamente que Charles não podia casar-se com alguém como ela. Que inclusive contemplá-lo era uma prova de que ela não o amava.
Porque, que tipo de mulher destina o homem que ela ama a viver seus dias sem esperança de ter filhos?
Sim, o dragão foi contundente. E desumano.
É claro.
— Sua capa, minha lady. — A lã marrom apareceu debaixo de seu nariz. Uma gota caiu sobre sua superfície.
Julia rapidamente se passou os nódulos sobre as bochechas e atirou a capa em seus ombros.
— Obrigada, Peggy. — Ela sussurrou as palavras. Ou talvez só pensou. Falar era difícil agora.
Cabeça baixa, dirigiu-se para o vestíbulo principal. Assentiu com a cabeça para o mordomo enquanto abria as portas de carvalho de três metros, e logo se lançou ao frio.
Suas sapatilhas patinaram um pouco quando desceu os quatro degraus para o caminho. Tudo era cristalino com gelo: ramos nus, erva tosquiada, paredes de pedra. O mundo era um reino gelado cinza e branco.
Ela não sabia aonde ia. Mas não importava.
Duas batidas do seu coração passaram enquanto sua respiração se agitava e fumegava ante ela.
Deliberadamente apertou-se a capa e seguiu caminhando. Um passo. Dois passos.
Respiração. Uma pausa. Duas respirações.
Golpeando. Um batimento do coração. Dois batimentos.
Isto era tudo o que ficava. Tudo o que sabia que devia fazer: avançar para uma paisagem gelada e esperar que, finalmente, a dor se aliviasse.
CAPÍTULO 7
“Se se opõe a tais ‘manipulações’, recomendo-te que me dê o que quero. O desejo de uma mãe de intervir é diretamente proporcional à incompetência da sua descendência”.
A marquesa viúva de Wallingham ao seu filho, Charles, com respeito à fonte de rumores falsos e perniciosos sobre certa viúva.
Encontrou-a nos estábulos, de todos os lugares, reorganizando os arreios em seus ganchos segundo seu tamanho. Deteve-se justo na entrada, esperou e observou. Inclinou-se para juntar dois baldes, um dos quais caíra de lado e rodara a vários pés de distância. Foi devolvido cuidadosamente a um ponto precisamente no centro de uma fila de bridas pendentes. A cada lado ela colocou um balde menor.
Ela tinha explicado uma vez, como acalmava e tranquilizava sua mente ao pôr tudo em seu lugar adequadamente. Inclusive seu peculiar hábito de divagar involuntariamente, tinha confessado, era uma manifestação de sua necessidade de simetria.
A raridade o fazia sorrir sempre.
Deixou que seus olhos explorassem. Devorando. Mechas de cabelo loiro flutuavam longe de seus limites, roçando suas bochechas e paquerando com a luz da janela estável. A ponta de seu nariz era vermelha, seu fôlego branco, sua capa marrom. Movia-se com graça e eficiência, detendo-se aqui e lá para examinar seu trabalho.
— É a cor ou a longitude? — Perguntou, movendo-se lentamente, deliberadamente mais profundo no escuro interior.
Suas costas ficaram rígidas, seus dedos revoando aos flancos. Ela não usava luvas.
— Longitude — respondeu sem virar-se. Ela puxou uma brida de uma fração de polegada antes de finalmente enfrentá-lo. — O que está fazendo aqui, Charlie?
Ela era a única que o tinha chamado de Charlie. Para sua mãe, ele era Charles ou “menino”. Para seus amigos, ele era Wallingham. Mas durante seu primeiro beijo Julia tinha ofegado, se derretido e havia o virado do avesso antes de gemer: — OH, Charlie. Uma vez mais, meu amor. — Talvez tivesse sido a melhor divagação que podia reunir no momento, ou talvez gostasse de como soava, mas após tinha pronunciado seu nome da mesma maneira. Ele ansiava escutá-lo em seus lábios com uma necessidade premente.
Agora, ele se moveu para ela, respondendo, — Já sabe.
Aqueles olhos de xerez se iluminaram e brilharam inesperadamente antes de fechar-se.
Seu coração se retorceu. Correu para frente envolvendo-a em seus braços.
Ela gemeu, sua testa caindo contra seu ombro. — Não posso suportar isto.
O sussurro desesperado lhe apunhalava o estômago.
Apertando-a mais forte, ele embalou sua preciosa cabeça contra ele e pôs seus lábios ao lado de sua orelha. — Farei qualquer coisa para evitar te machucar, Julia. Qualquer coisa.
— Deve deixar-me ir — ela soluçou.
— Exceto isso.
Ela soltou uma risadinha úmida e envolveu seus braços ao redor de sua cintura, apertando a lã em suas costas. — Estou ficando louca, — grunhiu, a ferocidade feminina fez com que ele sorrisse como um parvo. — Está me deixando louca.
Ele acariciou e mordiscou seu pescoço, amando a sensação de seus braços, o aroma fresco de sua pele.
— Só porque nega aos dois o que necessitamos.
Ela se separou dele, retrocedendo com um braço estendido como um escudo. Listras úmidas brilhavam em seu rosto.
— Não podemos ficar juntos.
— Disparates.
— Tenho a intenção de me casar com Senhor Mortimer.
Um calafrio sombrio e furioso endureceu sua coluna vertebral.
— Ah. E quando é as bodas?
— Não zombe de mim. — Sua indignada resposta, com os olhos entrecerrados, enviou uma emoção de satisfação através dele.
— Então, este ‘entendimento’ é mais teu que dele. Interessante.
— Convém-nos. É só uma questão de tempo antes que ele o veja. É um homem bondoso que necessita de uma esposa. Sou uma viúva que necessita de um marido.
— Mmm. Só há um problema com sua simetria perfeita, amor.
Notavelmente, conseguiu manter sua voz firme e baixa. Queria gritar. Rugir. Mas toda uma vida de disciplinadas respostas lhe serviu bem. — Você. É. Minha.
Virou-se para caminhar para um posto vazio, reposicionando a porta para que estivesse completamente aberta. Sua agitação era óbvia, mesmo antes que ele visse o tremor em suas mãos.
Ele se aproximou dela, guiando-a dentro do posto. Ela cambaleou para trás, levantando de novo uma mão.
— Charlie, por favor.
Ele avançou sobre ela até que sua mão se esmagou em seu peito. Até que suas costas chegaram à parede de tijolo. Até que não houvesse nada entre eles, só umas poucas capas de lã e seu calor, seu fôlego.
— Eu... não posso me casar contigo.
— É claro que pode — retrucou. — Isto não é mais que uma maldita tolice.
— Não.
— Você me quer. — Cavou seu rosto, desenhando sua formosa mandíbula, forçando seus olhos a encontrar-se com os seus. — Assim como eu te quero.
Sua testa se enrugou.
— Querer. — Ela engoliu saliva. — Sim. Mas isso não é... amor.
A dor de sua declaração quase o dobrou pela metade. Arrancou-lhe e rasgou as vísceras. Enfureceu-o e incitou seus instintos mais baixos.
Havia sentido uma agonia similar na primavera passada no Rotten Row. Sentado junto a ela em seu melhor faetón, tinha-a escutado metodicamente enumerar todas as razões pelas quais não podia casar-se com ele. Depois de dois anos de cortejo cuidadoso e numerosos sinais de afeto e de amor (ela tinha estado a ponto de lhe permitir que se deitassem só dois dias antes) tinha estado tão surpreso que as rédeas se deslizaram de suas mãos. Os cavalos se assustaram. A carruagem saiu de controle. Tinham sido salvos pelas ações rápidas de dois bons homens, Lorde Tannenbrook e Lorde Atherbourne, mas tinha sido algo próximo.
Desde esse dia tinha decidido lhe dar tempo. Deixar que sentisse saudades. Desejá-lo. E logo tinha feito um plano.
Não gostava de ter que manipulá-la de um canto. Era mais a natureza de sua mãe que a sua manipular os outros. Mas lhe tinha deixado com poucas opções.
Neste momento, ali em seus olhos, viu tortura. Parecia lhe doer rejeitá-lo. Isto não era mera luxúria. Ela se preocupava com ele, ele sabia que o fazia. Simplesmente não entendia por que se negava a admiti-lo.
— Talvez não me ame — disse com voz áspera, seus polegares acariciando sua mandíbula. — Possivelmente despreze o que há entre nós porque odeia a minha mãe ou despreza a ideia de me ouvir falar sobre a Ascot e Derby. Mas não pode negar isto, amor. — Deliberadamente pressionou seus quadris contra os dela.
Ela gemeu e cavou o dorso de suas mãos onde sustentaram seu rosto.
Ah, sim. Ela queria o que ele podia lhe dar. E ele usaria sua debilidade ao seu favor. Seria tão desumano quanto necessário. Faria o que fosse necessário.
— Farei uma oferta — disse, baixando os lábios para roçar ligeiramente os dela. — Se não aceitar ser minha esposa, então resolvamos as perguntas sem resposta entre nós.
Sua respiração se acelerou, seus seios amorteciam seu peito enquanto explorava seu rosto e boca com pequenos sussurros.
— Perguntas?
— Mmm. Quão bem posso satisfazer nossos desejos mútuos, por exemplo.
Uma vez mais ela gemeu, os centros pretos de seus olhos tragavam o marrom xerez.
— Qual é a sua oferta?
— Passar todas as noites durante o resto da festa de caça em minha cama.
Ela ficou rígida contra ele, seus lábios se separaram em um “O”.
— Em troca, — continuou, lhe dando um pequeno beliscão ao lóbulo da orelha – Me absterei de informar ao Senhor Mortimer de sua assombrosa afeição por deitar-se com criados.
Lhe golpeou o antebraço com surpreendente força.
— Isso é uma mentira escandalosa, e sabe, maldito...
Sua violência lhe fez rir.
— Sei agora. Houve um tempo em que imaginei assim, levantando sua saia para uma mão estável sem rosto. Cheguei aos meus sentidos com o tempo, é claro. Mas ele o faria? — Uma vez mais ela o empurrou, obrigando-o a retroceder. Concedeu voltar para sua habitação. Deixá-la respirar e pensar. Ela estava ofegando agora, suas bochechas avermelhadas, seus olhos brilhando. Permitiu o espaço entre eles sabendo que era só uma questão de tempo.
Passeou-se de um lado a outro pelo chão coberto de palha. De vez em quando ela se detinha, lançava um olhar furioso e reatava o passo. Ao longe ouviu o relinchar de um cavalo e o sopro de outro. Escutou o rangido de passos que se aproximavam, contente de escutar só o rangido da madeira que protestava contra o frio.
Finalmente deteve-se, apoiando uma mão em seu quadril e a outra na parede.
— Isto é uma chantagem.
— Não. A chantagem implica que não deseja o que estou exigindo.
— Sim, mas o objetivo é me persuadir para que mude de opinião a respeito de me casar contigo. Que não o farei.
Encolheu os ombros como se não importasse. Mas o fazia, é claro. Ela tinha razão sobre sua intenção.
— Está me pedindo que seja sua amante, Charlie. Mesmo que esteja de acordo... — Seu coração se deteve por um segundo e começou a bombear com mais força. Suas palavras foram doce música para seus ouvidos. — Quererei garantias, como faria qualquer amante.
Lhe mostrou sua expressão.
— Como?
— Não fará mais menção do matrimônio. — Seu queixo se inclinou em um desafio. — Seja para oferecê-lo ou danificar meus planos para me casar em outro lugar.
Não gostava da demanda, mas seus termos não eram irracionais. Além disso, seus métodos de persuasão não requeriam palavras.
— Feito.
— Além disso, ninguém mais deve saber. Confio em que possa fazer os acertos apropriados.
Lentamente sentiu um sorriso curvando seus lábios. Ela ia estar de acordo. Isto foi mais fácil do que se atreveu a esperar.
— Há uma cabana no bosque ao sul do parque Steadwick. Nos reuniremos ali a cada noite depois que sua criada for à cama.
Várias respirações caíram entre eles. Seus olhos se aferraram aos seus, enquanto o sangue golpeava por toda parte. Ela seria dele. Por fim, ela seria plenamente dele.
Ela avançou tão rápido que ele não estava preparado para isso. Mãos magras e femininas agarraram suas lapelas e puxaram sua boca à dela, seu impulso o fez tropeçar contra a parede de madeira do posto. Enviou seu crânio ricocheteando em um poste.
— Owf — murmurou contra os lábios gordinhos e desesperados.
— Sinto muito — ofegou antes de esticar-se e acariciar o vulto que se estava formando rapidamente. — Esqueci de mencionar minha estipulação final.
Ele franziu o cenho para seu formoso rosto avermelhado.
— O que é?
— Começamos imediatamente.
Gemendo, ele envolveu sua mão ao redor de sua nuca e devolveu sua boca à sua. Deslizou sua língua dentro do calor glorioso. Afiançando sua boca como um homem faminto.
O que realmente era.
Ele a apoiou, movendo-os para a parede traseira, onde poderia empurrar, moer e afundar até o conteúdo de seu coração. Enquanto isso, seus dedos trabalharam contra os alfinetes em seu cabelo, afrouxando os fios, afundando e agarrando a seda fresca.
Meu Deus, esta era a maldita ideia mais brilhante que jamais tinha tido.
Seu pau aceitou de todo coração. Não lhe importava o ar frio ou a dor em sua cabeça ou o fato de que estivessem dentro de um estábulo onde qualquer cavalariço ou criado pudesse encontrá-los.
A coisa irrefletida e palpitante só se preocupava com seus seios, suaves e gordinhos contra ele.
E sua língua, enredada e molhada.
E seu cabelo, derramando-se em maravilhosa desordem.
É claro, preferiria encontrar um lugar adequado profundo e duro dentro do coração dela, mas isso poderia esperar. Poderia ser paciente. Maldito inferno, já tinha esperado mais de dois anos, não?
De algum jeito seu pau achou o argumento pouco convincente.
— Charlie — ela gemeu, seus doces quadris trabalhando contra os dele. — Desejei-te por muito tempo. Receio que não posso esperar um momento mais.
Meu Deus, esta foi a pior ideia que tinha tido.
Suas nádegas se apertaram contra a urgência de simplesmente levantar suas saias, baixar sua braguilha e golpear até que não existisse nada exceto a sensação dela rodeando-o, rendendo-se a ele.
Precisava disciplinar-se. Se lhe desse muito, tão facilmente, não teria razão para reconsiderar sua resistência anterior aos seus verdadeiros objetivos. Não queria só uma boa e ressonante agarração dentro do estábulo de seu vizinho, ou mesmo doze noites de êxtase com uma amante formosa e apaixonada.
Queria que Julia lhe desse um “para sempre”.
O que requereria uma grande disciplina.
Uma aplicação da habilidade sensual.
E um assédio implacável à sua resistência.
— Esta noite — murmurou. — Nos encontraremos aqui uma hora depois do jantar e te levarei à cabana.
Ela mordiscou sua mandíbula.
— Não podemos ... agora mesmo? — Sim, gritou sua luxúria. Podemos. Agora mesmo, maldição.
Ignorando as demandas de seu corpo, ele deslizou seus dedos por sua bochecha, sorrindo para seus inchados lábios, seus preguiçosos olhos e seu cabelo enredado. De algum jeito ele sempre conseguiu desordenar esta mulher extremamente ordenada, fosse através de beijos ou calamidades.
— Não, amor — ele disse acariciando-a com os polegares. — Devemos esperar. Requeremos privacidade. Horas e horas disso.
Sua testa se desabou desesperadamente contra seu lenço.
— Mais espera? Oh, Deus.
Sua palma roçou suas costas e a embalou ligeiramente, com cuidado de não se mover muito contra ela. Quão último precisavam era de fricção adicional.
Então ele deu uma risada seca.
— Meus sentimentos, precisamente.
CAPÍTULO 8
“Hmmm. Não se deixe enganar, Humphrey. O caminho da primavera pode ser tentador, mas seus encantos tendem a desvanecer-se quando está arrancando os espinhos de seu traseiro”.
A marquesa viúva de Wallingham ao seu companheiro, Humphrey, ao presenciar sua ânsia por saltar em um território inexplorado.
— Já estamos quase chegando — disse Charles, seu corpo alto era uma sombra prateada em cima de um cavalo branco sob a luz da meia lua.
Ela assentiu, embora ele não pudesse vê-la, e apertou as rédeas. Como tinha prometido, tinha-a encontrado no estábulo do Dunston, esperando com um cavalo branco e uma égua marrom menor. Tinham falado pouco, o vento leve e sussurrante que passava à deriva da geada resplandecente entre eles quando cruzava de Fairfield às terras de Steadwick, logo se enrolavam através de árvores escuras e ameaçadoras. Mesmo agora não parecia haver nada que dizer, todas as linguagens se desvaneciam com a expectativa.
O jantar tinha sido agonizantemente lento, é claro. As críticas acentuadas de Lady Wallingham aos lacaios de Steadwick Hall, que “mal eram suficientemente altos, não o suficiente para iluminar um lustre em um quarto escuro”, e queixas sobre os “caminhos cheios de lixo” e os “hospedeiros simplórios” entre Northumberland e Suffolk que requeriam horas de discurso elevado. Além disso, o cozinheiro do Dunston tinha decidido aumentar a quantidade de entradas a quatro. Ostentoso e desnecessário, na opinião de Julia. E logo três cavalheiros sentiram a necessidade de entreter outra dúzia de convidados com histórias de sua lamentável avidez.
Em grandes comentários.
Para Julia cada minuto se arrastou à eternidade. Porque cada minuto significava esperar mais.
Esperar, esperar, esperar.
Estava animada, a fundo, enlouquecida de esperar.
Durante meses havia sentido como se sua vida estivesse suspensa, lhe recordando os colibris americanos dissecados que exibiam no Museu Britânico, réplicas notavelmente realistas de animais reais, posicionadas como se ainda estivessem flutuando e bebendo néctar em um jardim perfumado de florações. Ela também tinha estado congelada em pleno voo, uma réplica realista de uma mulher durante muito tempo.
Agora, entretanto, Charles lhe tinha concedido um indulto, embora fosse só por umas poucas noites. E ela aproveitaria esta janela de tempo, por breve que fosse, com ambas as mãos. Se aferraria, arranharia, saborearia e o impregnaria em seus poros.
Possivelmente nunca pudesse ser sua esposa. Mas, tal como tinha decidido essa tarde parada em um escuro estábulo, olhando ao homem que amava, podia saboreá-lo. Por esta noite recobraria vida o tempo suficiente para armazenar algumas lembranças preciosas. Ela suspeitava que as necessitaria nos próximos anos.
Agora, enquanto os cascos de sua égua rangiam ao longo de um atalho que serpenteava debaixo de um carvalho sem folhas e um pinheiro equilibrado, lutou por acalmar seus nervos contando os passos. Estava no número quinhentos e trinta e dois quando apareceu a cabana. Ela não sabia o que tinha esperado, pedra, talvez. Algo similar a sua casinha de campo. Mas esta casa era branca e marrom, com vigamento de madeira e teto de palha. As janelas brilhavam alegremente em suas molduras douradas pelo fogo interior. Estabelecida, tal como estava, dentro de um bosque de árvores sempre verdes polvilhados pela geada brilhante à luz da lua, a pequena casa parecia quase mágica.
Ela suspirou.
— Você gosta?
— Oh, sim.
Quase podia ouvi-lo sorrindo.
— Bom.
Depois de ajudá-la a desmontar, Charles a conduziu ao interior enquanto cuidava dos cavalos. Sua ausência lhe deu tempo para examinar o lugar limpo e acolhedor que ele tinha preparado para eles. Dominando uma parede havia uma lareira de pedra e madeira muito grande para a habitação. Um fogo ardeu, rangeu alegremente e converteu o interior em um verdadeiro forno.
Depois do frio de sua viagem pelo bosque trouxe-lhe uma coceira na pele.
Ou talvez fosse a cama, uma presença simples, mas maciça ao longo da parede oposta. Com dossel em brocado de esmeralda com desenhos de folhas, não se parecia em nada a um escuro e gigantesco carvalho caído e quadrado e se reunia em uma pracinha expressamente para este ninho dourado.
Entre a cama e a lareira, um par de cadeiras aladas flanqueavam uma mesa redonda com uma bandeja de chá.
Chá, pensou. Inclusive pensou no chá. Como eu gosto do meu Charlie.
Queria rir, mas a tensão em seu ventre não permitiria tal liberação. Com dedos trêmulos baixou o capuz de sua capa e se separou da porta, suas botas a levaram para a cama com silenciosos golpezinhos contra o chão.
Ela engoliu em seco, olhando fixamente a colcha. Verde, dourado e brilhante, era um rival para o toldo, mas mais leve, mais suave.
Poderia ser esta mulher? Seus dedos acariciavam redemoinhos de bordados, imaginando-os deslizando-se em algum lugar sobre sua pele. Poderia agradar um homem como Charlie?
Quando ela e Arthur se casaram, há mais de três anos, os cuidados de seu marido se tornaram quase superficiais: um beijo ou dois aqui, um golpe ou dois ali, um pouco de respiração dificultosa, um momento de conexão e logo... dormir. Não que ela não o tivesse amado, ou que ele não a tivesse amado. Pelo que ela sabia, nunca tinha tomado uma amante, e nunca lhe mostrou nada mais que gentileza. Tinham sido um consolo entre eles, quente e fácil. Em ocasiões inclusive tinha encontrado um prazer encantador e culminante enquanto jazia com ele.
Mas ela nunca se queimou assim. Não pelo Arthur. Não por ninguém.
Só Charlie.
Seu fôlego ficou apanhado pela repentina dor de cabeça que corria desde seu peito até seu ventre. Tirou-se as luvas com afiados puxões, logo se tirou a capa, recolheu e dobrou cuidadosamente, alisando a lã uma e outra vez.
— Julia.
Seus olhos se fecharam por um momento.
Aproximou-se por trás dela: água e sabão, ar fresco de inverno, calor e força e uma vontade que poderia estar oculta, mas que não se romperia. Braços magros e sólidos lhe rodearam a cintura. Mãos elegantes e dedos longos levantaram a capa dobrada de sua mão. Uma bochecha fria e arrepiada pousou sobre a dela.
— Diga algo, amor.
Ela deixou que um sorriso se formasse em seus lábios.
— A primeira vez que me beijou. Lembra-se?
Sua capa voou, jogada por uma mão impaciente para aterrissar onde só Deus sabia.
— Você estava coberta de molho bechamel — disse. — Esse lacaio foi despedido, por certo. Embora, devo confessar, que desde esse momento provar bechamel despertava em mim um elevado nível de interesse.
Desta vez sua risada escapou, baixa e rouca. Recordava cada segundo: sua indignação escandalosa, seu humor mal reprimido, a discussão. E, sobretudo, o momento que a tinha encurralado na pequena câmara onde se retirou. No momento em que tomou seu rosto salpicado de molho entre suas formosas mãos e a beijou lhe tirando a respiração.
— Queria mais — ela disse agora. — Estava furiosa contigo por rir da minha situação. Sabe como me incomoda ser... um desastre. Mas me beijou. E logo não me importava nada mais que minha cobiça. Queria suas mãos sobre mim. Em todos lados. Não pude me aproximar o suficiente.
Essas mãos lhe apertaram a cintura quase com muita força, sacudindo sua parte traseira diretamente para sua forte dureza antes de afrouxar-se, como se lutasse por controlar-se.
— Eu nunca senti nada como isso — confessou em um sussurro. — Uma fome que consome. Difícil e peculiar. Quero te devorar, te absorver.
Seu fôlego, que tinha sido anormalmente rápido, deteve-se. Começou de novo em um longo e entrecortado sopro. Ofegando em sua orelha.
— Julia.
Ela deslizou suas mãos sobre as dele, entrelaçando seus dedos sobre seu ventre. Engolindo em seco, continuou, contente de não ter que enfrentar-se enquanto lhe explicava.
— Estive casada com o Arthur durante nove anos.
Seu peito se sacudiu. Suas mãos cavaram e se curvaram ao redor das dela.
Ela aproximou as costas.
— Não sei o que está esperando. Não sou muito... hábil.
— Maldito inferno.
— Mas te juro que nenhuma mulher te desejou mais, porque isso é impossível.
Seus quentes e firmes lábios suspiraram contra seu pescoço e logo vibraram com seu gemido. A sensação de calor úmido e o som profundo e ressonante de sua necessidade enviavam ondas de prazer que se arqueavam sobre seu corpo, lhe estremecendo o couro cabeludo, a coluna vertebral e os seios. Os mamilos, que já estavam em seu ponto máximo, se endureceram ainda mais, doíam-lhe e lhe ardiam, como estavam acostumados a fazer. Nunca tinha sido capaz de ocultar sua resposta. Era muito flagrante.
— Não necessito da sua habilidade. — Ela nunca tinha escutado sua voz tão profunda, tão sombria. Retumbou em seu ouvido. — Só me deixe te ter completamente.
Ela assentiu freneticamente, sem saber a que se referia, mas pronta para lhe dar qualquer coisa.
Tudo.
— Fica parada, amor.
Ela sentiu seus dedos deslizando-se para suas costas e começar a trabalhar em seus botões. A sensação de formigamento ao longo de sua pele acelerou sua respiração.
— A primeira vez pode ser... rápida. Espero que não se importe. — Ele era extremamente educado, lhe afrouxando o vestido e logo os cordões com uma eficácia assombrosa. O homem era competente em tudo o que fazia, e aparentemente despir uma mulher não era uma exceção.
— Rápido é... — Ela engoliu em seco. Limpou a garganta. Perguntava-se o que fazer com suas mãos. — Rápido está bem. Não vou marcar o tempo.
Zumbiu baixo em sua garganta.
— Divagações. Esplêndido.
— Não foi de propósito.
— Isso é o que o faz tão encantador.
— Está rindo de mim.
— Nem um pouco, amor. Eu gostaria muito te tirar o corpete agora.
Seu ventre se esticou, o lugar necessitado entre suas coxas se apertou ao redor de uma dor vazia.
— Se você quiser. Devo soltar o cabelo... também? — Ela quase tinha divagado outra vez. Explodiu. Foi só porque sua mente se revolveu para dar sentido aos seus sentidos. O aroma de sabão e inverno dele. O calor do fogo vindo dele. O som e a sensação e, oh, Deus, ela precisava prová-lo. Mas ele a manteve em frente à cama, contemplando os redemoinhos verdes e dourados da colcha.
— Ainda não — disse com voz áspera. Deslizou seus longos dedos dentro da abertura de seu vestido, afrouxou brandamente as capas de veludo, de seda e algodão liso e musselina pura de seus ombros, para seus braços e sobre seus seios. O tecido atado raspou seus mamilos eretos antes de cair para pendurar em seus quadris.
Ela tentou virar-se, desejando despi-lo, beijá-lo, mas umas mãos fortes a agarraram pela cintura.
— Não — disse de novo. — Me deixe... me deixe te ter, Julia. Desta vez, me deixe ver-te e te ter como sonhei durante dois malditos anos.
Ela não sabia muito bem a que se referia, mas sua demanda era bruta, e um pouco descontrolada.
— Há um pequeno lunar debaixo de sua orelha. — Levemente ele acariciou com um dedo o lugar, causando calafrios. — Naquele dia, quando me serviu o chá em seu salão, imaginei pôr minha boca aqui enquanto tomava. — Sua mão não se deteve. Viajou por seu pescoço, através de seu ombro e sobre as cristas de sua espinha dorsal. — E refleti longamente se seus mamilos coincidiriam com a cor de seus lábios. — Seu queixo substancial pousou sobre seu ombro, sua bochecha acariciou a dela. Juntos, olharam para baixo.
— Vejo que o fazem. Simplesmente não pode saber o feliz que isto me faz.
Oh, mas ela podia senti-lo. Sua dureza era uma força grossa, palpitante e viva onde pressionava contra suas costas baixas. Logo suas mãos se deslizaram sobre seus seios, cavando, apertando e reunindo-a de novo a ele. Sua boca se voltou para encontrar-se com a dela. Sua língua empurrou para desafiar e reclamar. Seu sabor era especiaria, sal e Charlie.
Ele acariciou e apertou seus ardentes e doloridos mamilos entre dedos magros e elegantes, arrancando um forte gemido de sua garganta. Ela cobriu suas mãos com as suas, empurrou seus quadris mais contra os seus, inquieta e necessitando que se apressasse.
Em seu lugar, retirou a boca, respirando ofegante.
— Agora, amor. Agora pode soltar seu cabelo.
Fez, muito frenética para que lhe incomodasse a dor no couro cabeludo quando puxou as forquilhas com despreocupação, pulverizou-as com um tamborilar no chão e passou as mãos como garras através dos fios.
Enquanto ela se encarregava desta tarefa, Charlie soltou um seio e usou sua mão livre para desabotoar sua roupa interior. Logo, usou essa mesma mão para juntar as dobras de suas saias e as arrastar para cima. Para acariciar a carne de sua coxa. Logo, a carne entre suas coxas, as gemas dos dedos sensíveis que pediam a entrada para explorar as dobras úmidas e prontas e os nervos sensíveis e inflamados. Uma dessas gemas dos dedos riscou um caminho entre, logo ao redor, logo, finalmente, para baixo e para baixo para deslizar-se dentro da ponta menor.
Ela gemeu seu nome.
— Se incline para frente, amor. Na cama.
Ela não perguntou porquê, porque não lhe importava. Tudo era calor líquido, apertado, doloroso e ambicioso ao redor de seu dedo invasor. Disparando, chispando e necessitado sob as pinceladas de seu mamilo. Não, ela não perguntou por quê. Simplesmente se apoiou nos cotovelos enquanto deixava que sua força a baixasse sobre a cama.
Nada tinha igualado esta voragem de prazer. Sua pele estava muito tensa para seu corpo. Seu coração era muito poderoso para seu peito. Seus olhos estavam cegos, completamente perdidos em halos de âmbar, ouro e verde.
Ela sentiu que sua saia se levantava, suas nádegas foram beijadas com ar mais fresco. Sua mão abandonou seu centro, só para retornar um momento depois. Não. Não era sua mão. Isto era maior. Quente e contundente. Pousou-se em sua abertura, acariciou duas vezes ao longo de suas dobras, lento e amoroso como um beijo. Então, foi empurrando.
A invasão que tinham esperado dois anos aconteceu no espaço entre uma respiração e outra. Em um momento estava vazia, no seguinte estava cheia. Esticada até a beira da dor.
Seu peito caiu sobre suas costas, o linho de sua camisa suave contra sua pele nua. Uns lábios suaves se assentaram bem debaixo de sua orelha.
— Está bem, minha Julia? Não estou te machucando, não é?
— N-não me machuca. Exatamente — ofegou as palavras, lutando por acostumar-se a sua grossura. O esticamento ardente em sua entrada, a dura pressão no profundo. Ela não era virgem, certamente, mas tinham passado anos. E Arthur nunca tinha sido assim.
Trabalhou seus quadris contra o homem que amava, apertou seus músculos internos ao seu redor. Lhe acariciou o pescoço. Lambeu e chupou. Passou seu polegar sobre a ponta de seu mamilo. Tudo enquanto permanecia quieto, duro e massivamente profundo dentro dela.
— Me diga como se sente, amor.
Ela grunhiu.
— Grande.
Ele riu entredentes, dando ao seu pescoço outra lambida.
— Muito grande?
— Não, eu... acredito...
— Sim?
— É só um pouco... avassalador.
— Hmm. Talvez se abrir as pernas.
Ela fez o ajuste.
— Melhor?
— Mmm.
— Não parece segura.
— Eh, ooooooh? – Seus olhos tremeram e se fecharam quando ele apertou o mamilo com impressionante firmeza. — É b-bastante bom, creio.
— Então posso continuar?
— Sim.
Seus lábios se assentaram contra a curva de sua orelha.
— Bom.
A única palavra foi toda a advertência que lhe deu antes de retirar-se até a ponta e empurrar completamente para trás dentro de um golpe feroz e duro. Logo, repetiu os movimentos, golpeando por dentro com impulsos longos e duros. Sua mão deixou seu seio para agarrar seu quadril. A outra mão se afundou em seu cabelo, juntando e apertando a massa, mantendo-o fora de seu caminho enquanto ele chupava bem embaixo de sua orelha.
O calor de sua invasão, o choque e a fricção, formaram uma realidade separada. Tudo o que sabia era do seu corpo dentro dela, a colisão de seus quadris, a plenitude de esticamento. Os golpes profundos, duros, decididos. Nesta realidade sua dor não diminuiu. Apertou-se. Disparou em seu peito e em seu núcleo. Ferida e enrolada, expandida e torcida até que se ouviu ofegar. Chorando seu nome. Gritando quando a pressão do prazer se fez muito. Necessitava-o para ir a alguma parte, entretanto, sentia-se apanhada dentro dela.
Ele a estava avivando. Martelando como um ferreiro formando uma nova forma. Tentou lhe dizer que era muito, que ia quebrar-se como uma linha muito esticada, ou dividir-se como um travesseiro cheio, mas suas palavras saíram como: — Por favor. Oh, Deus, Charlie. Por favor.
Ao final, não se quebrou nem se partiu. Mas encheu-se e se esticou até que o prazer esteve pronto para tomá-la, da mesma maneira que Charlie a estava tomando, com uma força avassaladora. A explosão se produziu tão repentinamente que ela lançou um grito com a boca aberta e silenciosa.
Primeiro, cada músculo se agarrou ao seu redor, a explosão de prazer inicial tão íngreme e aguda que perdeu o fôlego. Logo veio a suspensão, uma pausa flutuante. Logo, uma explosão maior, mais dura, mais quente e mais poderosa que qualquer outra coisa que tenha imaginado. Tomou como um oceano de fogo, uma rítmica palpitante que a envolveu, debilitou-a e a fortaleceu até que morreu e nasceu no mesmo momento.
Quando as ondas começaram a acalmar-se, lutou por recuperar o fôlego, ofegando contra a suave almofada dourada e verde, saboreando a força de Charlie ao seu redor, suas mãos agarrando e acariciando, sua dureza empurrando, seu peito embalado e cobrindo-a. Ela se inclinou para trás com uma mão para acariciar sua nuca, amando a textura de seu cabelo, suave e grossa entre seus dedos. Ela o saboreou, empapou-o, fez-lhe recordar. A especiaria limpa de seu sabão. O arranhão de sua mandíbula. O corte de seu fôlego em seu ouvido. A beleza de sua mão apoiada na cama junto à dela.
Ela sentiu que seu clímax se aproximava. Sentiu-o na urgência de seu ritmo. Acariciou-o com carinhosas contrações de sua vagina.
— Deus, Julia. — Ofegou as palavras. Grunhiu algo eroticamente obsceno, um termo que só tinha escutado uma vez antes.
Então, afundou-se profundamente uma última vez. Sustentou-a com um braço de aço e a curva de um corpo magro. Gemeu, ficou rígido e respirou seu nome. Logo explodiu dentro dela. Ela se encheu dele, tomando seu prazer e sua semente. Seu Charlie era parte dela, dava-lhe tudo o que queria, incluído o maior prazer que jamais tinha conhecido.
Tudo isso seria suficiente, exceto o que ela não podia ter: uma vida de noites como esta.
CAPÍTULO 9
“Sério, Charles. Zangar-se é impróprio. Imagina que é o primeiro homem em obter tal aquiescência a todos os seus caprichos?”
A Marquesa viúva de Wallingham ao seu filho, Charles, ao descobrir seu incomum talento para ganhar o favor de seu excelente companheiro, Humphrey.
Quando Charlie tinha levado Julia a Fairfield, tinha sido uma vez mais uma desordem: os lábios gordinhos, o cabelo desordenado e apressadamente preso, as bochechas avermelhadas pelo contato com seu rosto. Ele a tinha ajudado a abotoar o vestido, é claro, mas a coisa se enrugou e sujou até que foi óbvio onde tinha passado a noite.
Foi esplêndido. Estava tendo problemas para sufocar seu sorriso.
Ela, junto com sete dos convidados do Dunston, tinha vindo a Steadwick Hall para uma visita. Olhando-a agora, com seu longo e branco pescoço esticado para ver sua vasta biblioteca de dois pisos, pensou que ninguém suspeitaria que esta limpa e composta mulher era uma criatura tão erótica. Seu vestido era de suave lã carmesim, perfeitamente alisada. Seu cabelo estava firmemente preso, suas mãos entrelaçadas modestamente em sua cintura. Mas, ele notou, ela devia ter sentido seu olhar sobre ela, porque um rosa formoso tinha alagado suas bochechas.
— Considerou uma das garotas do Aldridge? Nenhuma delas possui um pingo de inteligência, mas sua mãe deu à luz gêmeos. Dois. A fecundidade compensa muitos enguiços.
Ele pôs os olhos em branco à sua mãe. No momento em que chegou as pessoas de Fairfield, ela fez uma demonstração de ser a anfitriã, ordenando aos seus serventes, descrevendo o propósito de cada habitação para “seus” convidados.
— Mãe, não desejo me casar com uma garota que saiu do berço ao mesmo tempo que eu saía de Oxford. Apesar da fecundidade.
Ele sentiu sua irritação.
— Bom, se tiver que se fixar em uma viúva de anos mais avançados, talvez Lady Turnwicke tentará seus apetites.
Rindo, lhe lançou um olhar.
— Falando de fecundação, não é?
Seu estreito olhar implicava que o achava mais irritante que humorístico. Parecia que desejava estampar seu pé em seus quartos traseiros.
— Não vejo razão para que ela não dê à luz um oitavo filho. Os primeiros sete chegaram rapidamente.
Zumbiu uma resposta neutra, juntou as mãos atrás das costas e voltou a olhar à Julia. Ela ria com um incrédulo Olive Willoughby dentro de um livro. Quanto tempo tomaria para reorganizar sua biblioteca depois que lhe fizesse a senhora de Steadwick Hall? Dois dias. Talvez três. Mais tempo se a mantivesse ocupada com outras atividades mais prazerosas.
— Basta disso — retrucou sua mãe. — Não posso suportar seu incessante e irracional bom humor outro momento.
Ele levantou uma sobrancelha.
— Ah, sim. Felicidade. O mais indecoroso. Rogo-te que me desculpe, minha lady.
Ela despediu seu sarcasmo levantando seu queixo.
— Como deveria. Reconheço essa expressão. Seu pai a usava frequentemente.
Cobrindo sua repentina risada com uma tosse, apertou seus lábios com outro sorriso.
— Se divirta tudo o que quiser, Charles. Instale-a como sua amante, se assim o escolher. Mas faria bem em recordar o propósito principal do matrimônio e todas as formas em que ela não é adequada para esse rol.
Não duvidava de quem ela falava. Desde o começo sua mãe vacilou entre a euforia pelo fato de que Julia lhe tinha feito reconsiderar o matrimônio e a consternação ante as diversas calamidades de seu cortejo. Mais recentemente, ela tinha feito uma campanha de dissuasão, o incentivando a encontrar uma mulher mais jovem e menos “desastrosa” para casar-se.
Como sempre, suas críticas a Julia irritaram seu temperamento como nada mais.
— Cuidado como fala dela, mãe. Logo ela será sua nora.
Um alarme peculiar estalou sobre seus traços.
— Ela consentiu?
— Ainda não. Mas o fará.
A noite anterior tinha sido só o começo. Um começo glorioso, magnífico, explosivo. Ela se tinha dado maravilhosamente, uma e outra vez. Esta noite ele converteria o prazer em persuasão, a obrigaria a reconhecer seu lugar apropriado em sua vida. Ao final, se tomasse cuidado, tinha poucas dúvidas de que chegaria à conclusão correta: que pertencia a ele.
Entretanto, essa estratégia em particular poderia esperar o anoitecer. Esta manhã tinha a intenção de tentá-la de uma maneira diferente. No parque Steadwick.
— Me perdoe, mãe — disse, dirigindo-se para a formosa mulher vestida com lã vermelha. — Uma determinada viúva requer minha atenção.
***
Estava-a manipulando. Deliberadamente. Metodicamente. Julia sabia, entretanto não podia criticar sua estratégia.
Estava funcionando.
— Naturalmente, minhas energias se dirigiram para a expansão dos estábulos — disse casualmente. O homem inteligente e especulativo se colocou ao seu lado com as mãos entrelaçadas nas costas. Disparou-lhe o comentário tendo em conta dar uma olhada ao nível superior de prateleiras ricas e escuras e fazer um clique em sua língua.
— Não há tempo para pôr a biblioteca na ordem correta, não importa as cozinhas. Aposto que há habitações neste lugar que não se limparam em dois anos. Uma pena, de verdade.
Suas mãos se apertaram brevemente. Ela desejava dizer que ele fosse ao diabo. Ou encurralar a sua governanta e começar a coordenar um regime de limpeza saudável. Este lugar, uma obra-prima pública esplendidamente simétrica, era quase tão tentadora quanto seu dono.
— Seus estábulos são, de fato, magníficos, meu senhor. — Embora suas palavras foram pensadas como uma distração, não foram menos verdadeiras. Ao ver os estábulos antes maravilhou-se tanto de seu tamanho como de sua limpeza. Cada bloco, dos quais havia seis, albergava vinte postos. Dentro de cada posto havia outro exemplo do talento sem igual do Charlie para reconhecer, adquirir e criar cavalos de primeira.
— Hmm. Vimo-nos obrigados a eliminar o jardim cercado para deixar espaço para o terceiro edifício. Agora não sei onde recolocá-lo. – Encolheu os ombros e suspirou. — Talvez no lado norte da casa.
Engoliu saliva, contendo a respiração para evitar responder. As palavras pediram para ser pronunciadas, mas ela se negou a lhe dar a satisfação.
— Não se pode pôr um jardim cercado à sombra — disse outra Julia menos controlada. — Nada crescerá. Coloque-o ao sul do lago de peixes, perto da estufa. Terá que remover várias árvores, mas o jardim receberá sol com o passar do dia, e está a um curto passeio das cozinhas.
Seu amplo sorriso falava de triunfo.
— Eminentemente sensível.
Ela apertou os dentes. Maldição. Não só tinha passado toda a noite arrebatando-a em um atoleiro de felicidade, ao que parecia tinha decidido explorar todas as suas debilidades de uma maneira igualmente desumana.
— Você deve usar esse vestido esta noite — disse com indiferença ociosa. — A cor é muito... contrastante contra sua pele.
Seu coração gaguejava em seu peito.
— Porei o que eu quiser.
Uma vez mais sorriu como se tivesse ganho.
— Bastante justo. — Afastou-se quase assobiando.
Por dentro ela estava fervendo. Sabia exatamente o que ele estava fazendo, e não era justo, absolutamente. Como ia resistir a ele? A este ritmo rogaria que se casasse com ela antes que terminasse a semana.
Além disso, quem contemplava colocar um jardim cercado no extremo norte de uma casa? Pura insensatez.
Felizmente, durante a seguinte hora, manteve distância, mostrando a ela e aos outros os arredores de Steadwick Hall com sua habitual tranquilidade. Depois da biblioteca chegaram os salões duplos que flanqueavam uma elaborada rotatória, logo a enorme sala de jantar com suas paredes de seda azul, e logo a larga galeria na parte traseira da casa, onde os retratos de seus ancestrais se mesclaram com as paisagens magníficas e o ocasional fundo brilhante do teto.
Foi ali, no extremo oeste da galeria, onde Lady Wallingham se aproximou dela. Olive e Helen se afastaram para ver o Turner, enquanto Julia admirava o retrato de uma lady Wallingham sem sorrir que sustentava um bebê de bata branca e cabelo escuro em seu regaço. Charlie, é claro.
— Tinha o queixo do Bainbridge desde essa época — disse a voz sonora de onde estava. — Tinha esperado que ele evitasse a aflição.
Julia sorriu gentilmente e voltou seu olhar ao quadro. Os braços do bebê estavam estendidos para sua mãe, enquanto os olhos da mulher podiam olhar ao artista com um olhar imperioso, suas mãos embalavam protetoramente as costas do menino.
— Eu gosto bastante, em realidade — ela respondeu. — Outros queixos parecem débeis e pouco interessantes em comparação.
A viúva elevou seu nariz.
— Isso é só porque está apaixonada.
Julia piscou.
— Oh, não finja comigo, menina. Não sou nem senil nem cega.
Ela engoliu em seco antes de responder: — Nunca neguei minha admiração por seu filho.
— Admiração. — A anciã cuspiu a palavra. — Está apaixonada por ele. Ele sabe. Eu sei. Inclusive seu botânico confuso sabe.
— Senhor Mortimer? Como...?
— Uma mulher que passa um jantar inteiro olhando com nostalgia na direção de outro homem diminui um pouco sua atração matrimonial, não acha?
Julia apertou os lábios e jogou uma olhada ao longo da galeria, onde o Senhor Mortimer explicava a Helen por que a flora representada em uma das paisagens estava má. Helen sacudiu a cabeça e pôs-se a rir, zombando dele por ser um fanático pela precisão, ao mesmo tempo que lhe faltava o objetivo do esforço artístico. Senhor Mortimer lhe sorriu, seus olhos brilhando com afeto.
— Encontre outra perspectiva, lady Willoughby — disse a viúva. — Parece que Senhor Mortimer já o fez.
Com o coração apertado até que a dor se alojou em sua garganta, Julia se perguntou como poderia ter passado por cima dos sinais. Helen, a querida Helen, era mais adequada para Senhor Mortimer que ela. E, entretanto, em sua pressa por assegurar seu próprio futuro, tinha obrigado Helen a deixar de lado o que Julia agora se dava conta que era um romance tardio.
Lady Wallingham tinha razão uma vez mais. Devia encontrar outra perspectiva.
Charlie. Só Charlie.
Resistiu à voz sinistra, apertou com força e conteve a respiração até que deteve seu canto de súplica.
— E pode se esquecer do Charles. À sua partida, tenho poucas dúvidas de que encontrará consolo em outro lado. Então, possivelmente, pode cumprir com seu dever de engendrar um herdeiro e sua associação chegará a um final ignominioso, mas bem-vindo.
Aparentemente satisfeita com sua declaração final e ácida, Lady Wallingham se deu a volta, seu vestido de veludo azul se agitava, seu turbante branco e com plumas flutuava sobre sua cabeça branca. Era o mesmo tipo de declaração arrogante e de alto voo que tinha usado na primavera anterior enquanto as mãos de Julia se sacudiram o suficiente para derramar chá fervendo em seu regaço.
Enquanto seu coração se quebrava o suficiente para parti-la pela metade.
O dragão tinha sido brutal então, e era brutal agora.
Recentemente, entretanto, Julia tinha se enchido de dragões.
— Minha senhora — chamou, olhando a viúva girar com as sobrancelhas arqueadas e estudou a despreocupação. Julia se aproximou dela lentamente, detendo-se a trinta centímetros de distância e enfrentando um altivo olhar verde com uma pura verdade. — Amo seu filho.
— Obviamente.
— Não. A senhora não entende. Não estou meramente apaixonada por ele. Esta não é uma fantasia infantil que desaparecerá com o tempo. Francamente, isso poderia ser preferível.
Os olhos verdes piscaram e se estreitaram. Um delicado queixo inclinado.
— Amo-o mais que a minha própria felicidade. Mais que minha própria vida. Eu sei que nunca poderei ter filhos. Sei, minha senhora. Não necessito de avisos. — Oh, como estas palavras doíam. Mal podia pensar nelas sem querer chorar, e as dizer em voz alta, especialmente a esta mulher, estava-a matando. Mas ela devia fazê-lo.
Embora o dragão se convertera em um borrão silencioso e formado retorcido, Julia não afastou a vista dela. Em troca, sorriu, engolindo sua tristeza, falando através dela.
— Ele merece ser pai. Nunca conheci um homem mais paciente. Um homem melhor. Amará e protegerá seus filhos com toda sua força. Ele aprendeu muito de ti. — Limpou-se com impaciência as bochechas úmidas e deixou que sua voz se endurecesse. — Mas, por favor. Por favor, não me fale como se isto fosse algo menos que minha morte. Apesar de tudo, vou à forca com prazer. Por sua felicidade. Não pela minha. E certamente não pela tua.
Com isso, Julia deixou a marquesa viúva de Wallingham imóvel em um raio de luz e, por uma vez em sua longa vida, sem palavras.
CAPÍTULO 10
“Você diz ‘dragão’ como se eu devesse me ofender. Se não me equivoco, os dragões são extremamente peritos em assegurar o que lhes pertence. Talvez aqueles que procuram oferecer insultos deveriam perguntar por suas próprias deficiências nesse trimestre”.
A Marquesa viúva de Wallingham à Lady Gattingford durante um almoço cheio de intrigas, calúnias e um bule bastante encantador.
Essa noite o vento se fortaleceu até converter-se em um vendaval, peneirando árvores e agitando ondas de geada brilhante fora das janelas geminadas da casa. Julia pensou que poderiam ver a neve antes do final da caça.
Fortes braços se fecharam ao redor de suas costas nuas. Uns lábios suaves precederam uma língua brincalhona sobre seu seio.
— Quer mais chá, querida?
Riu. Não pôde evitá-lo. O homem era insaciável.
Quando tinham chegado antes, ela o tinha necessitado muito. Precisava sustentar seu rosto entre suas mãos e sentir sua boca sobre a dela. Precisava levá-lo dentro dela e encontrar seu prazer. Precisava pôr sua bochecha sobre seu peito e escutar seu coração. Fazia tudo isso, e ele simplesmente a tinha abraçado por mais tempo, sem dizer nada. Deitaram-se juntos na cama, escutando o vento lá fora, desfrutando do ritmo de seus batimentos cardíacos e a comodidade do calor compartilhado.
Não lhe tinha perguntado o que estava mal, mas sabia que ele o sentia. Charlie sempre percebia sua angústia, mesmo quando tomava cuidado. Esta noite não tinha tomado cuidado. Ela tinha estado desesperada.
Sua conversação com lady Wallingham a tinha aberto de novo. Tinha necessitado que Charlie a costurasse novamente.
Mais tarde, depois que ela dormiu um momento, Charles se tinha levantado da cama e se moveu para a mesa, seu corpo magro e comprido era uma mescla de músculos definidos e cabelo escuro formando redemoinhos. A luz dourada do fogo preso na prata em suas têmporas brilhava sobre o grosso e semiduro pau entre suas coxas. Ela se tinha movido inquieta contra os lençóis, seu corpo começava a derreter-se de novo.
Sorrindo diabolicamente sobre seu ombro, tinha feito um gesto para que se unisse a ele.
— Vem, amor. Nos servirá um pouco de chá? Não é?
Ela tinha protestado que estava nua.
— Precisamente — tinha ronronado.
Lhe tinha servido chá como se estivessem em um salão de Mayfair. Nua. Dentro de uns minutos tinha perdido toda a paciência para o jogo e a tinha transferido rapidamente ao seu regaço.
Agora, ela se sentou escarranchada sobre suas coxas, sua dureza enterrada até o punho, sua boca se equilibrou sobre seu pescoço e seus mamilos. Suas mãos correram por suas costas para apertar seus quadris e logo suas nádegas.
— Oh, Charlie — ela gemeu agarrando seu pescoço e amando a sensação dele duro e cheio dentro dela. Lhe deu beijos ao longo de sua testa, por aquelas maçãs do rosto aristocráticas, e sobre seu queixo significativo. Queria memorizá-lo. Cada polegada quadrada. Queria levá-lo com ela quando se fosse, fundindo-se com sua pele, sangue e ossos.
Ele se afastou até que seus olhos apanharam os dela. O verde brilhava como esmeralda sob as sobrancelhas baixas e rodeadas. Seu peito trabalhava contra sua respiração, contra seus seios. Levantou um só polegar e lhe tocou a bochecha. Estava molhada.
— Maldito inferno, Julia — sussurrou. — Me diga o que acontece.
Tudo saiu de repente. Tudo o que ela tinha estado guardando. Pressionou e empurrou e inchou dentro de seu peito. Bruscamente a barreira se rompeu, e escapou um soluço. Tampou-se a boca com ambas as mãos para detê-lo. Mas não se detinha.
Ofegou e perdeu seu agarre.
Ele embalou seu rosto entre suas formosas mãos. Baixou a cabeça para pôr os lábios tenros em sua têmpora.
— Me diga — repetiu. — Chegou o momento, amor.
Tomou longos minutos para falar. Quando finalmente teve o controle suficiente sobre sua respiração, estremeceu-se e se aferrou ao seu pescoço, apoiando seu rosto úmido no oco de seu ombro.
— Observei-o... — ela respirou contra a pele de Charlie. — Muito antes de que morresse, vi-o me abandonar.
Charles ficou quieto e silencioso, lhe acariciando as costas com mãos pacientes. Escutando. Ele sempre tinha escutado tão bem. Era uma das coisas que mais amava nele.
— Mês a mês. Ano após ano. Não pude... lhe dar o que tinha todo o direito de esperar. Esperamos. Então, ficamos decepcionados. Uma e outra vez. Ele nunca me culpou. Mas vi uma parte dele, a parte que me queria, murchou-se.
Mais carícias, rítmicas e suaves. Mais silêncio.
A paciência de Charlie a estabilizou. Deu-lhe coragem.
— Sou estéril, Charlie. E não posso ver quando esse fogo desaparecer dos seus olhos. Não sobreviverei vendo-o olhar os filhos de outros homens e lamentar a escolha que fez. Esta é a minha carga, não a tua. Por isso não posso me casar contigo. Mas eu te amo, meu amor. Nunca duvide. Amo-te muito.
Liberou-a dizer as palavras, como se seu fingimento tivesse sido um veneno lento, e por fim tivesse sido purgado. Lhe deu um pequeno beijo no pescoço e se aconchegou mais perto.
O silêncio se alargou. Suas mãos continuaram seu caminho longo e firme. Acima e abaixo. Do pescoço aos quadris. Uma e outra vez. Enquanto ela se sentia aliviada pelos movimentos, seus músculos não estavam particularmente relaxados. De fato, sua presença dentro dela seguia sendo dura como o aço. Ela se surpreendeu de que não se retirou no momento que tinha contado e se lançado à sua ridícula e chorosa confissão. Uma mulher que soluçava não podia ser terrivelmente excitante.
Exceto que agora mesmo estava excitado. Lentamente ela deslizou seus braços ao redor de seu pescoço e desceu por seu peito de pelagem escura.
Pressionando ligeiramente, endireitou-se e o olhou.
E o que viu lhe roubou o fôlego.
Charles Bainbridge, o décimo quarto marquês de Wallingham, estava redondamente, absolutamente, ardentemente furioso.
***
Seu rosto estava envolto em vermelho. Talvez fosse a luz do fogo ou os estragos do pranto. Mas suspeitava que era sua visão. Neste momento tudo era vermelho.
— Charlie?
Ele estendeu a mão para alisar seu cabelo. Aquele cabelo comprido e lustroso com matizes de mel e champagne.
Ela sorveu.
— Por que está zangado?
Ele não respondeu. Sua mão cavou sua nuca. Seu polegar acariciou sua mandíbula.
Seus seios eram maravilhosos. Examinou-os com cuidado. Mamilos de pêssego que se tornaram delicados e rosados quando despertava. Ou quando os lambia, o que equivalia ao mesmo. Exuberantes e cheios, esses seios eram peras arredondadas com pequenos pêssegos em miniatura. Achou-os deliciosos.
Também gostava de sua pele. Aroma de rosa e aveludada, só necessitava de um roce de sua mandíbula com cerdas para avermelhar-se. Ela era maravilhosamente sensível. Delicada, inclusive.
Por isso, agora ele devia controlar suas reações.
Não podia render-se à sua ira ou tomá-la como queria, brusco, forte e sem piedade. Engoliu em seco e respirou para controlar o impulso. Seu pênis, é claro, centrado comodamente dentro de sua vagina, não aprovava sua cautela.
Queria reivindicá-la.
Isso era tudo. Queria reivindicar o que era dele. Porque, ela não pertencia ao Arthur Willoughby, que obviamente tinha sido um imbecil. Era bom que estivesse morto. Charlie estava contente, sim, contente, por duas razões. Primeiro, porque agora Julia podia ser dele. E segundo, se o homem não estivesse morto, quereria matá-lo por lhe ferir. Nenhuma destas razões era minimamente razoável. Era loucura primitiva. Mesmo assim, não eram mais que as raízes de sua raiva atual. O resto era fúria por ela. Julia. Por amá-lo e mentir sobre isso. Por deixá-lo sem lhe conceder nada. Ela não havia se incomodado em lhe perguntar se queria ter filhos ou se podia aceitar sua esterilidade.
Ela simplesmente tinha decidido que devia casar-se com outro homem. Para evitá-lo.
Era absurdo, seria ridículo se não fosse tão doloroso.
Lhe acariciou o cabelo de novo.
— Tem que entender que nunca se casará com qualquer outra pessoa, Julia. Está claro?
Maldito inferno. Sua raiva estava falando por ele.
E uma vez que tinha começado, queria mais.
Os olhos de xerez se arredondaram.
— Eh, Charlie? Eu... pensei que você... entendia. Devo casar com alguém, já que minha herança não é suficiente para comprar minha própria casa, e simplesmente não posso ficar na casa de campo. Converti-me em queijo mofado, e é insustentável.
Ele franziu o cenho.
— Queijo mofado?
— Senhor Mortimer já não é uma opção. Acredito que ele e Helen são... bem, basta dizer que meus planos mudaram. E, antes que pergunte, ainda não tenho ninguém mais em mente. Os viúvos agradáveis com múltiplos descendentes varões não são tão comuns como poderia pensar-se.
— Julia.
— Sim?
— Não se casará com ninguém mais. Nenhum outro homem, viúvo ou de outra maneira, estará dentro de ti. Nenhum outro homem olhará seus seios ou te verá lhe servir chá enquanto está nua ou a tomará com o tipo de fúria selvagem que eu sinto agora mesmo. Porque é minha. E esse é o final deste tema em particular.
Seus olhos suavizaram. Ficou escuro e rico com uma volta de ternura. E a luxúria. Estava muito contente disso.
— Charlie — ela suspirou, seus dedos acariciando seu cabelo. — Nunca poderei lhe dar filhos.
— Não importa.
— Só pensa isso porque me quer agora. Mas o tempo passará, e outros lordes, seus amigos, terão filhos para levar seus títulos e fazê-los intoleravelmente jactanciosos. Pode ser que não se importe na primeira vez ou na segunda. Mas quanto tempo, Charlie? Quantos anos passarão antes de olhar o que poderia ter tido e começar a se arrepender...
— Quer a verdade? — Sua voz era áspera e crua, porque não ficava nada para discipliná-la.
Ela se mordeu o lábio e assentiu.
— Nunca esperei ter filhos. Nunca esperei, nem quis voltar a me casar.
Ela o acariciou com dedos suaves e o que sentiu como simpatia.
— Porque amava a sua primeira esposa. Sei.
Sacudiu a cabeça. — Incorreto. Desprezava-a, Julia.
Piscando, franziu o cenho e abriu a boca para falar. Fechou-a. E abriu de novo.
— Você, mas eu, todos pensaram que você...
— Luto. Por quinze anos? Só os parvos sentimentais acreditam nessa bobagem. — Talvez soasse como sua mãe. Mas não lhe importava. Tinha permitido à sociedade acreditar no que quisesse, mas seu matrimônio tinha sido um inferno de torturas durante dois anos antes que Susannah morresse, felizmente, de febre.
— A mulher estava completamente louca, olhando para trás. Fiz o melhor que pude, mantive-a confinada em grande parte em Grimsgate. Mas a metade das vezes estava encolhida em sua cama soluçando por trivialidades absolutas, e na outra metade estava deitando-se com o lacaio ou organizando uma maldita festa e comportando-se como se tivesse sido coroada como a sucessora do Prinny.
Os lábios de Julia formaram um “O” e lhe fizeram querer beijá-la. Ela, por outro lado, queria acariciar seu cabelo e acalmá-lo.
— Meu pobre Charlie. Quão difícil deve ter sido isso.
— Sim, bom, foi faz anos.
— Mas decidiu não se casar. Nunca.
— Eu gostava da minha vida tal como era.
— E, naturalmente, sua mãe forçou o problema, exigiu que se casasse para continuar com sua linhagem.
Ele grunhiu.
— Talvez sua insistência seja um fator em sua resistência?
— Está divagando outra vez. E sim, provavelmente. Eu não gosto de dançar sobre suas cordas.
Ela sorriu mostrando suas covinhas.
— Dirige-a com maestria, sabe. Tal força de vontade é muito... impressionante.
— Tive uma longa prática.
Antes tinha desejado beijá-la. Agora, em troca, ela o beijou. Docemente. Mantendo sua mandíbula firme para que ela pudesse lamber, chupar, provocar e tentar. Sua vagina o acariciou onde ainda estavam unidos, apertando e agradando seu pau.
— Sabe o que é mais impressionante? — Ela ofegou contra seus lábios. — O fato de que segue estando duro e pronto para mim, mesmo enquanto me reconforta em minha angústia e discute com calma temas pesados.
— Julia.
Lhe mordeu o queixo.
— Hmm?
— Vou levantar-te agora e tomá-la com bastante força sobre a mesa.
— Oh, mas o que acontecerá com o chá?
— Pode derramar-se no chão.
— Vamos causar um terrível desastre.
— Sim.
Ela suspirou e lhe deu outro apertão amoroso.
— Então sugiro que comecemos.
Levantou-a com um braço, levantou sua parte traseira sobre a borda da mesa e rapidamente empurrou a bandeja de chá ao chão. Causou um terrível estrépito antes que o bule se assentasse de lado, salpicando um líquido marrom em um amplo arco através do chão. Não lhe importou.
Surpreendentemente, a ela tampouco. Julia, sua ordenada e organizada Julia, recostou-se sobre a mesa de madeira com os lábios inchados, o cabelo revolto e os mamilos avermelhados. E sorriu. Brilhando lhe deu as boas-vindas com os braços abertos.
Agarrou suas coxas e a apertou mais contra seus quadris. Lhe deu um pequeno empurrão para pôr à prova sua preparação. Ela suspirou e fechou os olhos, arqueando as costas em um elegante arco.
Deus, ela era formosa.
Pele aveludada e mamilos de pêssego. Os olhos de xerez que se enrugavam quando ria. Nunca tinha querido uma mulher assim. Ela pensou que sua resistência era impressionante, mas era só o produto de sua extraordinária luxúria por ela.
Inclinou-se para frente para lamber um mamilo de contas, saboreando seu ofego, o agarre em seu cabelo. Ela estava escorregadia ao redor de seu pau. Molhada, mas ainda não estava completamente preparada. Colocando seu mamilo mais profundamente em sua boca, ele chupou com fortes puxões e mordiscando gentilmente.
Então fez com que ela ofegasse com um impulso mais profundo e mais duro entre suas coxas.
— Oh!
Ele levantou seus joelhos mais acima, cobriu seus braços com suas pernas. Empurrou de novo.
— Meu Deus, Charlie.
Melhor. Assim, ela estava quase lá.
Retirou-se quase por completo e se afundou completamente dentro de seu forte calor, esticando sua vagina e repensando sua reivindicação. Uma vez. E outra vez. E outra vez. Assinalou sua aprovação com uma série de gemidos profundos e guturais.
— Julia.
— Oh, Deus.
— Você me pertence, amor. Diga que entende. — Agora a luz era mais brilhante na habitação, o fogo fundia sua pele em ouro.
— Sou tua, Charlie. Sempre serei tua.
O triunfo explodiu em seu peito. Durante longos minutos tudo o que pôde fazer foi tomá-la. Duro e longo. Duro e profundo. Duro, forte e implacável. Ela envolveu suas pernas ao redor de suas costas, lhe dando o ângulo que necessitava para ir ainda mais profundo, para aumentar a fricção de seu pau escorregadio contra a protuberância que se inchava com sua necessidade.
Adorava escutar seus ofegos e gemidos. Adorava agradá-la com seu pau e sua boca. Adorava cheirar a doce mescla de rosas e mulher e a pele quente e aveludada. Adorava sentir as ondulações de advertência de sua ardente implosão, a torção de sua vagina quando convulsionava ao seu redor, o arranhão de suas mãos em seu couro cabeludo, nuca e costas.
Acima de tudo, adorava tomar a mulher que amava e liberar uma tormenta de prazer dentro dela, vertendo dela a ele, dele a ela em ondas e ondas. Saboreou ver seus olhos brilhar por ele como chamas escuras e douradas. Escutando sua risada sedutora e gutural enquanto respiravam ofegando, respirando desesperadamente juntos, tocando e acariciando para parar, os faria em pedaços.
— Fizemos uma boa confusão, meu lorde. — Ela beijou sua bochecha e logo sua boca enquanto a levantava da mesa, suas pernas se debilitaram, mas felizmente estavam firmes.
Levou-a à cama e respondeu: — Sim, amor. Uma boa confusão, por certo.
CAPÍTULO 11
“Ao final, sou sua mãe, Charles. Sempre serei sua mãe, entretanto, é possível que deseje que não fosse assim”.
A Marquesa viúva de Wallingham ao seu filho, Charles, na terceira reiteração de uma carta destinada ao fogo.
A neve chegou na décima quarta manhã da festa de caça do Dunston. Em lugar de rajadas imprecisas, produziu-se em uma cascata de branco espumoso, cobrindo campos e ramos, estábulos e cabanas em um silêncio espesso.
Tudo isto pôs Charles de mau humor. Caminhando pelo caminho para Steadwick Hall, escutou o rangido e amortecido de suas botas atravessando o que deviam ser trinta centímetros de neve. Felizmente, além do clima, teve poucas queixas. Havia se sentido gratificado por sua reunião com o vigário essa manhã, e os assuntos avançavam bem com Julia.
Bastante bem. Quase sorriu recordando suas longas e maravilhosas noites na cabana. Era uma mulher excepcional, apaixonada e amorosa, sensual e doce, encantadora e sábia. E um pouco estranha. Gostou disso.
Mas não gostava da neve. A este ritmo sua mãe se negaria a ir-se até o degelo primaveril. Estava preparado para que ela permanecesse em Steadwick depois do Natal, mas ele e Julia se casariam logo, e esperava que sua mãe se fosse pouco depois para que ele e sua nova noiva pudessem estar sozinhos.
Lançou um olhar furioso às nuvens ofensivas. Um floco de neve gordo aterrissou em seu olho.
— Maldição — murmurou, piscando e puxando a aba de seu chapéu. Decidindo que não valia a pena amaldiçoar o destino, encolheu os ombros e acelerou o passo.
Seu mordomo se reuniu com ele no vestíbulo de entrada, pegando seu chapéu úmido e seu casaco nevado com um olhar de deleite.
— É extraordinário ter tanta neve a princípios de dezembro, não é assim, milord? Faz com que tudo pareça fresco e novo, atrevo-me a dizer.
Em lugar de danificar a exuberância do homem, Charlie simplesmente assentiu.
— Suponho que sim.
— Onde esteve, moço? — A voz de sua mãe ecoou nas paredes avermelhadas e colunas brancas.
Ele a olhou com o cenho franzido.
— Fora.
— Em uma tormenta de neve? O que poderia ser tão importante? — Ela vestia veludo verde hoje, dando aos seus olhos uma intensidade incomum. Em uma mão segurava suas lentes, na outra, uma pilha de papéis. Cartas, muito provavelmente, de seus muitos contatos ao redor da Inglaterra. A minha mãe gostava de manter-se informada.
— Tinha assuntos a atender — disse, começando a avançar para seu escritório.
Curiosamente, ela o seguiu.
— Devo falar contigo.
— Talvez mais tarde, mãe. — Os acertos para umas bodas nesta época do ano eram desafiantes, especialmente se ele desejava lhe proporcionar rosas. Sabia de ao menos um vizinho que as tinha cultivado durante todo o ano em sua estufa, mas Charles desejava que Julia tivesse rosas vermelhas, profundas e de cor vermelha escura. Ela ficaria encantada com a surpresa, pensou. Só na noite anterior ela tinha estado descrevendo como adorava as rosas vermelhas em seu jardim na casinha de campo.
— Não. Depois não. Agora.
Ignorando o uivo de sua mãe, continuou além da escada sul e percorreu o corredor. Devia localizar uma fonte de rosas vermelhas. Talvez Senhor Mortimer tivesse uma sugestão. Quase se pôs-se a rir ante a ironia.
— Ela se vai, Charles.
Deteve-se na soleira da porta aberta de seu escritório. Dentro da habitação com painéis de carvalho, um fogo crepitava. Era o único som que escutava, além dos batimentos do seu coração. Isso era bastante ensurdecedor neste momento.
— Vai? — Disse brandamente, girando-se para olhá-la. — Para onde ela iria? Estamos fazendo os acertos para nos casar.
Seus lábios se franziram e se apertaram.
— Evidentemente, ela tem feito planos alternativos.
Caminhou para sua mãe, consciente de que se aproximava como uma tormenta e não lhe importava um nada.
— Como sabe uma coisa assim?
— Alicia.
— A criada, sua dama de companhia?
— Infelizmente incompetente na seleção de um par de sapatilhas adequadas, mas bastante útil para obter informação. Fez-se amiga da criada de lady Willoughby. Peggy, acredito.
— E?
— Peggy recebeu instruções de preparar-se para sua partida em dois dias, quando Lady Willoughby retornará com sua família a Bedfordshire.
Procurou nos olhos de sua mãe perguntando-se até que ponto devia confiar nela. Era verdade que suas fontes raramente resultavam ser falsas: ela era muito rígida nesse sentido. Mas Julia tinha descartado a ideia de casar-se com Senhor Mortimer. Certamente ela entendia suas intenções. Ele tinha falado bastante claro. E, cada vez que ele insistia em que pertencia a ele e a ninguém mais, lhe tinha sorrido e beijado.
Mas não havia dito que sim. Não tinha prometido que ficaria.
Uma ruga apareceu entre as sobrancelhas brancas de sua mãe. Falava de preocupação. E dor.
— Não pode desviar seus afetos em alguém melhor, Charles? Por que deve ir tão longe nesta pedra quando há joias empilhadas tão convenientemente ao alcance?
— Julia é o único tesouro que sempre desejarei.
— Não seja tão tolo. Ela é estéril. E passa os trinta.
— Não me importa que ela seja estéril. Ela me pertence e eu a ela. E o que tem a ver sua idade com algo? Você tinha trinta e dois quando eu nasci.
Seus olhos se levantaram e se quebraram.
— Precisamente. Meu Deus, moço, Não entende que estou tentando te evitar a dor que seu pai e eu suportamos?
Seu coração deu um apertão peculiar. Sua mãe raramente falava de suas lutas durante os anos anteriores ao seu nascimento. Ela tinha enterrado quatro bebês, todos nascidos mortos, e sofreu ao menos três abortos involuntários antes de trazê-lo para o mundo. Tinha perdido a esperança de alguma vez engendrar o herdeiro de Wallingham quando, pela oitava vez, encontrava-se grávida.
Para assegurar sua sobrevivência, ela se tinha deitado durante os últimos quatro meses de sua gravidez. Mesmo com essas precauções, tinha vindo várias semanas antes. Tinha sido uma coisa próxima. Frequentemente pensava que ela o tinha desejado mais que sua existência. Sua mãe era formidável, em parte, porque rejeitava a tragédia e o privilégio de deleitar-se com sua derrota.
— Arrepende-se, mãe? — Perguntou, sabendo a resposta antes que as palavras o deixassem. — Se tivesse previsto as lutas que você e papai enfrentariam juntos, teria escolhido outro? Alguém a quem amasse menos?
Aqueles olhos, tão parecidos com os seus, acenderam-se com uma angústia impactante. Seu orgulhoso queixo tremia. Ela retrocedeu um passo. Logo outro.
Ele não tinha querido machucá-la. Ele, de todas as pessoas, sabia quão profundamente tinha amado seu marido. Uma de suas lembranças mais vívidas era deles juntos. Quando tinha quatro ou cinco anos esteve-se escondendo em um canto da biblioteca de Grimsgate simulando ser um vagabundo em um dos poderosos navios de guerra da Inglaterra. Seu pai tinha entrado — e se parecia muito ao homem que Charles via em seu espelho de barbear todas as manhãs — conversando pacientemente, racionalmente com sua mãe sobre os perigos de intrometer-se. Mamãe tinha gritado sua frustração com sua atitude calma, exigindo saber como podia ser otimista quando “a totalidade de Londres está sofrendo uma enfermidade mental assombrosa”.
Papai tinha rido. Ela tinha estado furiosa. Então, ela o tinha beijado.
Apaixonadamente. Agarrando seu casaco em seus punhos. Puxando seu cabelo e deixando-o levantá-la pela cintura. Então lhe tinha sussurrado ao ouvido enquanto papai a tinha tirado da habitação. Nesse momento Charlie não sabia — nem queria saber — do que se tratava. Tudo o que tinha sabido era que sua mãe amava seu pai com cada grama de força que ela podia suportar.
E desde o começo tinha-o amado com a mesma ferocidade.
Mas isso não justificava seu comportamento. Ela tinha planejado, intrometido e manipulado até que sua única opção foi lhe entregar as rédeas ou tomar seu cavalo e percorrer um caminho diferente. Sua preferência pela última opção a tinha frustrado durante quase duas décadas. Quando era jovem casou-se com Susannah porque sua mãe estava segura de que eram “um casal ideal”. Essa tinha sido a última vez que a tinha deixado tomar uma decisão que devia ser dele.
Agora, de pé ante ele, com sua agonia nua, ela apertou a boca e reuniu sua ira, vestindo-a como um turbante novo.
— Como se atreve a me perguntar tal coisa, moço? A diferença entre minha escolha de marido e sua escolha de esposa é precisamente essa: eu não tinha forma de prever nossas dificuldades. Você está convidando as tuas a que se instalem em seu dormitório.
— E essa é minha escolha para fazer. Não a tua.
— Parece que ela está fazendo por você.
— Não se eu tiver algo que dizer a respeito.
— Filhote obstinado. Bom, vamos então. Começa sua persuasão de novo se for necessário. Duvido que encontre maior êxito desta vez. Pareceu bem mais colocada no martírio na última vez que falamos.
As suspeitas lhe picavam no crânio.
— Falou? O que fez, mãe?
Ela piscou. Arqueou uma sobrancelha.
— Não sei a que se refere.
— Se tiver obrigado Julia a me deixar...
— Nada desse tipo. Tomou suas próprias decisões por decisão própria. — Ela levantou o queixo. — Simplesmente a assinalei em direção ao que é evidentemente óbvio. Ela é estéril. Você necessita de um herdeiro.
— Tenho um herdeiro — grunhiu. — Ele é seu sobrinho. Talvez o recorde.
Ela soltou um sopro.
— Preferiria não o fazer.
— Maldita seja. — Tomou ar e se passou uma mão pelo cabelo, caminhou pelo centro do escritório e ficou de pé durante um minuto.
Como ela pode pensar em me deixar? Perguntou-se, suas vísceras estavam agitadas.
Não se deu conta de que tinha formulado a pergunta em voz alta até que sua mãe respondeu: — Talvez ela te ame o suficiente para desejar sua felicidade mais que a dela.
Virou-se, sua respiração rápida, sua mente lutando por compreender.
— Ela é a minha felicidade — disse, sem lhe importar que soasse como uma súplica. — Não posso perdê-la, mãe.
Durante muito tempo ela simplesmente o olhou, seu orgulhoso queixo elevado, seus olhos vagando por seu rosto com lenta deliberação. Logo, observou-a caminhar tranquilamente para a escrivaninha de carvalho, colocar suas lentes e suas cartas sobre sua superfície, e fazer uma pausa antes de voltar para ele. Ela era uma mulher pequena. Diminuta, na verdade. E cada vez mais delicada com cada ano que passava. Quando esteve tão perto, teve que esticar o pescoço para encontrar-se com seus olhos.
— Então não o fará, meu filho — disse brandamente. — Agora, vamos ver, hmm?
***
— Crê que teremos que atrasar nossa partida? — Olivia perguntou, olhando pela janela do formoso salão verde de Fairfield. Seus dedos roçaram as cortinas de seda. — É uma terrível quantidade de neve.
— É pouco provável — respondeu Helen de sua posição junto à lareira, murmurando ao redor de sua agulha de bordado. Ela tomou entre seus dedos uma vez mais para poder terminar de falar. — A neve raramente dura mais de uns poucos dias antes que volte a chuva.
Desejaria que durasse para sempre, pensou Julia, levando a xícara de chá aos lábios e achando-o muito quente e muito insípido. Então talvez pudesse ficar aqui. Passar todas as noites em nossa cabana, recostada em seus braços. A noção trouxe um sorriso melancólico aos seus lábios.
— A caça foi agradável, é claro — continuou Helen. — Entretanto, admito que estou ansiosa por minha própria cama. Além disso, Senhor Mortimer persuadiu Miles a fazer uma breve parada em sua residência em Cambridgeshire. Afirma ter espécimes que florescem em setembro e se murcham em janeiro. Eu gostaria de vê-los, porque não podem ser tão esplêndidos como ele diz.
À Julia tinha animado o crescente afeto entre Helen e Senhor Mortimer. Na noite anterior, Helen tinha entrado em sua habitação e, com uma sinceridade de menina, tinha expressado sua gratidão por sua decisão de deixar de perseguir o baronete.
— Não queria danificar seus planos — havia dito Helen, apertando as mãos de Julia entre as suas e sorrindo até que seus olhos dançaram. — Mas me alegro muito de que os tenha trocado. — Logo, ruborizando-se como uma jovem de dezenove anos, tinha sussurrado: — Ele me beijou, minha querida dama. E foi maravilhoso. Senhor Mortimer Spalding. Quem pensaria?
Julia a abraçou com força e disse à sua amiga mais querida quão contente estava por sua felicidade.
Se pudesse assegurar tal felicidade para mim mesma.
Maldição. Ela estava ficando mal-humorada. A autocompaixão era exaustiva, e se tinha cansado da forte dor no centro de seu peito.
Para aliviar a dor tomou outro sorvo de chá muito insípido e apoiou o ombro contra o marco da janela enquanto contemplava os caprichos de amar um homem que não deveria ter.
Não deveria? Por que não?
Porque ele merece a oportunidade de ter filhos.
A discussão se repetiu uma e outra vez em sua cabeça, os ecos se faziam mais fortes cada dia que passava.
Cada noite que passava.
Oh, as noites.
Ela acariciava sua testa, apoiava a cabeça em seu peito, escutava os batimentos do seu coração e se perguntava se ir-se era o melhor. Ela o ouviria rir de uma de suas divagações involuntárias e se perguntava se algum outro homem as acharia tão encantadoras. Ela escutaria seus novos planos para os estábulos de Steadwick, o veria montar um lustroso puro sangue, ou se deitaria ao seu lado enquanto compartilhavam suas lembranças de como esconder-se de seu professor dentro da imensidão do Castelo de Grimsgate. E ela se perguntaria como poderia viver sem este homem.
Ainda não sabia.
— Crê que deveríamos pedir ao cozinheiro mais de um pudim de Natal, Julia? — Olivia perguntou, parando ao seu lado.
Julia lhe deu um pequeno sorriso.
— Se você quiser.
Olivia franziu o cenho, os cachos apertados ao redor de seu rosto ricocheteavam enquanto balançava a cabeça.
— Não tem uma opinião a respeito?
— É sua casa, querida — disse com suavidade, aplaudindo o ombro de Olivia. — Sua mesa e seu cozinheiro, portanto, sua decisão.
Isso era certo. Julia não pertencia a Willoughby Manor mais do que pertencia ao Senhor Mortimer.
Eu pertenço ao Charlie.
Tentou sufocar a voz de novo, mas persistiu. Charlie. Charlie.
Charlie. Eu pertenço ao Charlie.
—... Diabos, Crê que... sobre? — A trombeta distintiva de um dragão ecoou além das portas da sala. Fez-se mais forte à medida que se aproximava o tamborilar das botas. — Por favor, retire sua mão, senhor, ou lhe asseguro que se eliminará de maneira mais permanente. Onde diabos Dunston contrata seus lacaios? Newgate? Que vergonha!
As portas se abriram de repente, e um jovem lacaio de rosto vermelho e olhos cortantes fez gestos a Lady Wallingham para que entrasse na habitação.
— O salão, minha lady.
Ela agitou os dedos para o jovem.
— Vá. Encontre algo útil para fazer. Adquirir uma nova posição, talvez.
Julia piscou uma vez. Duas vezes. Nunca tinha visto a viúva tão... desalinhada. O vestido verde da mulher estava empapado da prega até a metade da saia. A pluma de seu chapéu de montar jazia frouxa e triste sobre a borda da aba, gotejando neve derretida sobre seu ombro.
— Lady Willoughby!
Olivia respondeu primeiro.
— Sim, milady?
Um nariz delicado, avermelhado pelo frio, elevava-se mais.
— Você não. — Os olhos verdes se chocaram com os de Julia. — Lady Willoughby.
Ainda desconcertada pela aparência da viúva, Julia demorou vários segundos em responder, e mal pôde pronunciar uma palavra.
— Sim?
— Devemos falar. O assunto é grave.
Seu sangue se congelou. Frio, tudo ficou quieto. O som desapareceu. O ar desapareceu. Tudo desapareceu exceto o que ela precisava saber.
— Ch ... Charlie. É ele... algo aconteceu?
— Você! Você aconteceu. Calamidade? Ora! Uma catástrofe é o que é.
O estômago de Julia se retorceu tão forte que quase se dobrou.
— Está ferido? Por favor. — Ela se cambaleou para frente, esticando uma mão para o dragão. — Tenho que saber.
— É claro que está ferido. Atraiu-o com suas questionáveis artimanhas a um estado de loucura. Ele sabe de sua iminente partida. Ele está angustiado.
Ela engoliu ar em seus pulmões. Sua mão caiu e se esmagou sobre sua cintura.
— Louco. Não... ferido.
— Meu filho está são e salvo, além de sua desafortunada aflição.
Julia esperou.
A viúva se endireitou mais.
— Isso seria você.
Suspirando, Julia balançou a cabeça.
— Não entendo. Não era isto o que queria?
Sobrancelhas brancas arqueadas em um imperioso cenho franzido.
— Céus. Alguém pensaria que uma mulher de sua idade já teria desenvolvido uma coluna vertebral. O que importa o que eu quero? Charlie te quer. Como se atreve a ameaçar deixar meu filho?!
Julia olhou ao redor da habitação, desconcertada. Olivia e Helen usavam expressões idênticas de fascinação arrebatada. Além delas, a habitação estava vazia. À exceção de Julia. E a louca, é obvio.
— Ele, mesmo agora, está atacando esta atroz tempestade de neve, arriscando seu pescoço em um intento sem sentido e bêbado para ganhar seu afeto uma vez mais.
— Bêbado?
— Bom, talvez não bêbado. Embora, ele seja aficionado ao conhaque francês, já sabe.
— Se eu...
— Isto não será mantido. Você vai reparar meu filho imediatamente, lady Willoughby. De uma vez.
Julia queria agradá-la. Ela queria correr para ele. Ficar com ele. Onde ela pertencia.
Seus olhos se pousaram onde sua mão jazia plana sobre seu ventre.
— Não posso lhe proporcionar um herdeiro, minha lady. — Sua voz era um sussurro rouco. Ela levantou a cabeça. — Jurei protegê-lo disso.
Os olhos verdes se entrecerraram e brilharam.
— Nada é tão tedioso como o auto sacrifício muito sensível. Ama meu filho?
— Sim — ela sussurrou.
— Então se case com o menino e, por piedade, deixa de parecer tão trágica. Não posso suportar um parvo apaixonado.
Se case com o menino.
— Amo-o — disse Julia, sentindo que o amor florescia de seu centro para fora como um vinho agridoce que lhe esquentou e picou. — Muito para lhe causar dor.
O desalinhado dragão foi para frente fechando a distância entre elas, detendo-se a escassos centímetros de distância. O pequeno e magro corpo da anciã tremia com um fino tremor.
— Que dor lhe procura evitar? Já lhe quebrou o coração.
Suas palavras eram planas e singelas, sem adornos por seu alto costume. Este foi o dragão despojado de seu fogo e superioridade. Esta era uma mãe falando a verdade.
— Onde ele está? — Julia pronunciou a pergunta sem saber se surgiu algum som.
— Pegue o caminho a Steadwick. Se for agora poderá encontrá-lo.
Seu coração pulsava com força. Olhou à sua querida amiga, quem sorriu com lágrimas e assentiu.
— Vá — Helen insistiu. — Não esqueça sua capa.
Aparentemente, Peggy tinha sido alertada de que Julia poderia estar aventurando-se fora. Estava de pé no vestíbulo com sua capa de lã marrom sobre seu braço. O que era estranho, porque Julia não a tinha mencionado. De fato, ela tinha se deslocado com uma rapidez imprópria.
Peggy rapidamente lhe cobriu os ombros com a capa e lhe dirigiu um sorriso suspeitamente sentimental.
— Boa sorte, milady.
Sem perder tempo para desentranhar o mistério, Julia voou pela porta em redemoinhos de branco esponjoso. Mal podia ver um metro diante de seu rosto, tão grosso era o enxame de flocos caindo.
Não podia ver muito longe, mas podia ouvir. No meio do suspiro do vento e o frio silêncio do inverno, ouviu o sopro de um cavalo. Lentamente baixou os degraus para o caminho, suas sapatilhas se afundaram profundamente enquanto a neve lhe beijava e se fundia em seus tornozelos e panturrilhas.
Ela nem sentiu.
Ele estava ali. Uma figura sombria que segurava um cavalo branco. De pé em uma tormenta de neve. Esperando.
Por ela.
— Charlie — ela suspirou.
— Ela não foi terrivelmente dramática, espero. A minha mãe adora um bom espetáculo.
Estava coberto de neve. Aferrava-se às seus cílios, colocou-se em seus ombros, ficou branco. Queria lhe passar os dedos por toda parte, deitar-se ao seu lado enquanto o fogo esquentava seus corpos nus e os fundia um com o outro.
Acima de tudo, queria casar-se com ele.
— Charlie. Quero me casar contigo.
Silêncio. Respiração áspera. Logo: — Maldito inferno, mulher.
— Talvez nunca te dê filhos. — Em algum momento a neve derretida deixou de ser a única umidade em seu rosto. — Mas te darei minha vida. Tudo o que tenho. Se me fizer sua mulher.
Houve um sopro quando atirou as rédeas sobre o pescoço de seu cavalo. Logo se foi caminhando para ela. A propósito. Rapidamente. E a beijou loucamente, os lábios, a língua e o calor. E ela girava grosseiramente, levantada, embalada e acariciada.
— Está divagando outra vez, amor. — Ele sorriu contra sua boca.
Ela riu. A alegria se derramava dançando entre os flocos de neve. Ela se aferrou ao seu pescoço e deixou que a tomasse.
Ele cavou seu rosto em suas mãos. Secou a neve e as lágrimas. Sussurrou com ternura dilaceradora.
— Oh, Deus, Julia. Amo-te muito, maldição.
— Isso é o que mudou minha mente, meu amor. Pensei que estava te protegendo. Em troca, estava te privando do que mais merece: se casar com a mulher que ama e ser amado por ela tão profundamente que nunca sinta um momento de arrependimento.
— Alegra-me que tenha chegado aos seus malditos sentidos.
— Mmm. Me amará e eu te amarei. Para sempre. — Ela sorriu. Beijou seu queixo significativo. — Em minha opinião, a gente não poderia pedir uma simetria mais perfeita.
CAPÍTULO 12
“Boas notícias, de fato. Possivelmente agora possa refletir sobre os méritos da repetição e a abundância feliz. E escrevendo à sua mãe com maior frequência. Eu gosto de estar informada”.
A Marquesa viúva de Wallingham ao seu filho, Charles, ao receber as notícias mais assombrosas.
Doze dias depois — 24 de dezembro de 1818.
Igreja da Santa María, Steadwick Park, Suffolk
Foram casados por um homem fanhoso. Charles tinha tentado poderosamente obter rosas vermelhas, mas as únicas que pôde encontrar foram umas amarelas com falta de inspiração. Os ramos de pinheiro que se cortaram alegremente essa manhã para decorar os bancos já estavam jogando suas agulhas, sujando os pisos de pedra da igreja. Uma semana antes Helen tinha tido uma enfermidade estomacal que a deixou pálida e instável enquanto atuava como assistente de Julia. O colete de lorde Dunston era um vermelho tão brilhante que fazia com que o vestido de lã carmesim de Julia parecesse deslustrado. À metade da cerimônia, um dos cães do Dunston, um cão spaniel — se ela não se equivocava em suas hipóteses — correu pelo corredor para sentar-se ofegando e choramingando ao lado do Dunston.
Foi perfeito. Cada parte.
Porque tudo o que Julia viu foi seu querido Charlie, alto, impecável e que brilhava seu amor pelos brilhantes olhos verdes. Tudo o que escutou foi a música de suas palavras que prometiam ser dela para sempre. Tudo o que sabia era que nada mais importava. Depois, quando passaram pelos bancos da entrada, seus olhos encontraram os da mãe do Charlie, agora sua sogra. A viúva lhe fez um gesto imperioso antes de enrugar o nariz ante as palhaçadas do cão aquático.
Julia deteve o Charlie e levantou um dedo para perguntar por um momento. Logo, dirigiu-se a Dorothea Bainbridge, inclinou-se e lhe beijou a suave e enrugada bochecha.
— Deus santo, moça.
— Obrigada — sussurrou Julia, seus olhos cheios de tudo o que estava dentro dela. — Obrigada a você em nome do meu Charlie.
Com uma inalação disse: — Tolices sentimentais. — O tom foi desdenhoso, mas a mão que apertou a dela disse que significava muito mais que tolices. — Continua então. — A viúva os despediu. — O bolo espera. Não nos entretenhamos.
Mais tarde, depois da cerimônia, o bolo e várias valsas com seu novo marido, Julia se balançou nas costas de sua égua enquanto ela e Charlie passavam por um bosque imóvel e silencioso.
A neve se derreteu, deixando a casa rodeada de brilhantes árvores de folhas verdes.
— Mesmo à luz do dia parece mágico, não é assim?
Charles a olhou de onde se preparou para desmontar. Uma sobrancelha escura arqueada.
— Se lhe parecer isso, amor.
Ela sorriu.
— Vem agora. Não seja cínico. Este lugar é nosso. Aí está a magia.
Ele se moveu para levantá-la de seu cavalo, suas mãos se fecharam ao redor de sua cintura. À medida que a deslizava por sua frente, a fricção de seus seios e seu peito serviam de fogo para a fogueira que estava por vir.
— Cada momento contigo é mágico, Julia.
Ela suspirou. Derretida.
— Especialmente os nus.
Seu golpe aterrissou em seu ombro. Ele simplesmente riu e se inclinou para tomá-la em seus braços.
Ela gritou quando seus pés deixaram o chão. Agarrou seu pescoço com braços agitados quando se dirigiu à entrada da cabana a um ritmo bastante determinado. Enquanto empurrava a porta com um grunhido, um de seus pés se enganchou no marco da porta, fazendo com que Charlie tropeçasse.
O que fez com que ela se assustasse por medo de que ele a deixasse cair.
O que resultou no desalojamento de seu chapéu.
Que rapidamente aplanou com sua bota.
— Maldição, esse era meu melhor chapéu.
— Charlie — suspirou ela, com os olhos abertos, o coração pulsando com força. — O que fez?
— Esmaguei meu chapéu favorito.
— Não, homem tolo. As rosas. Oh, são magníficas, Charlie.- A habitação estava cheia delas. Rosas vermelhas, exuberantes e escuras, em vasos em cada superfície sólida e estendidas sobre a cama. Perfumaram o ar e lhe deu vontade de chorar.
Aproximou-se da cadeira e se sentou com ela em seu regaço.
— Fazem-lhe feliz?
Ela enterrou o rosto em seu pescoço e assentiu, incapaz de falar.
Lhe beijou a têmpora. Logo sua bochecha. Logo seus lábios.
— Bom.
— Não, meu amor — ela disse, acariciando sua testa e saboreando o calor do fogo. — Perfeito.
***
Dois meses depois — 18 de fevereiro de 1819.
Steadwick Park, Suffolk
Ele devia chegar a ela. O ar em si era branco, a tempestade de neve mais áspera, mais fria e mais zangada que tudo o que dezembro tinha infligido. Mas ele seguiria adiante. Empurraria o Ceres mais rápido debaixo dele. Empurraria o Dr. Sutton e chegaria a sua esposa e sua cômoda casa.
Porque ela o necessitava. Estava doente. E não estava melhorando.
Uma rajada amarga lhe percorreu o pescoço. Aprofundou os calcanhares nos flancos do Ceres. O garanhão era seu cavalo mais veloz, ainda irritável e um pouco imprevisível depois de quatorze anos de campeonatos de criação, mas muito rápido.
O médico montou seu segundo cavalo mais rápido.
— Siga assim! — Gritou Charles.
O rechonchudo doutor de meia idade assentiu, mas parecia ter problemas para manter seu assento. A contragosto, Charlie diminuiu o passo. Não podia fazer com que o maldito médico caísse e quebrasse a cabeça. Não havia outro ao redor por milhas.
Assinalou a curva no caminho, o carvalho sem folhas. Já quase estavam ali.
Quase lá. Quase lá. Quase lá.
Julia tinha tentado acalmá-lo antes que se fosse. Ela tinha tratado de lhe dizer que esperasse até que passasse a tormenta para procurar o médico. Mas este era o décimo oitavo dia que tinha estado doente. Dezoito dias. E ela estava pior, não melhor. Pálida. Esgotada pelas tarefas rotineiras. Dormindo mais do que ficava acordada. E desgraçadamente, violentamente doente várias vezes ao dia. Ela não tinha reorganizado nada em dias. Não podia suportar um momento mais.
Por fim, chegaram em frente a Steadwick Hall. Ceres estava agitado e úmido, igual à montaria do doutor Sutton. Não lhe importava. Arrastou o homem que tropeçava e se sacudia da parte posterior do cavalo, subiram os degraus diretamente à câmara onde dormia o coração do Charles, com um pano dobrado na testa e uma colcha azul que a mantinha quente.
Peggy ficou ali, retorcendo as mãos. Ela fez uma reverência quando ele entrou, com os olhos muito abertos e temerosos.
— Traz o chá — Charlie grunhiu.
Peggy chiou e saiu.
O médico sacudiu a neve de seu casaco e se endireitou à sua altura média e máxima.
— Meu senhor, necessitarei um pouco de... eh, privacidade com minha paciente, se não lhe importar.
Charles lhe lançou um olhar estreito.
— Você não deve olhar sua nudez.
— M-mas eu, devo ter permissão para...
— Esta é minha esposa. A marquesa de Wallingham. Se ela piorar ou... — Ele engoliu em seco, incapaz de terminar o pensamento impensável. — Se não fizer com que melhore arrancarei seus últimos vestígios de cabelo...
— Charlie. — A única palavra sussurrada o deteve, puxou todo seu ser para a cama. Ela estendeu sua mão para ele, com os olhos sonolentos, mas sem dor.
Ele acariciou e segurou aquela preciosa mão entre as suas, beijando os nódulos dos quais ela se queixava que eram muito bicudos.
— Como está amor?
— Zangada.
Ele piscou.
— Por quê?
— Disse-te que não saísse à tormenta e, entretanto, isso é precisamente o que fez.
— Mal sai da cama — retrucou. — E quando o faz, é para devolver o que comeu no dia. Isto não pode continuar muito mais, Julia.
Ela suspirou e lhe apertou a mão.
— Trouxe o médico. Deixa-o fazer seu trabalho.
Sua mandíbula se apertou.
— Quer que eu vá da habitação, não é?
— Amo-te. E sim.
Saiu. Porque ela o tinha pedido.
A espera foi agônica. Passou o primeiro quarto de hora degustando um conhaque em seu escritório, o segundo quarto de hora percorrendo a galeria, que percorria todo o largo da casa. No terceiro quarto de hora, abordou seu mordomo para informar ao homem que os malditos relógios tinham falhado. Certamente tinha passado ao menos meio-dia desde que o médico tinha fechado a porta da câmara de Julia e tinha começado a “examinar” a sua esposa.
Finalmente, Peggy apareceu na porta da biblioteca para lhe informar que o médico estava preparado para discutir seus achados. Charles subia as escadas de dois em dois degraus. Não tinha deslocado tanto desde que era um menino subindo sobre os afloramentos rochosos de Grimsgate. Entrou na habitação notando o rosto cheio de lágrimas de Julia e o amplo sorriso do médico.
Ele não pensou. Simplesmente agarrou o lenço barato do homem e o retorceu até que o corpulento médico ficou nas pontas dos pés e se voltou da cor das framboesas.
— Charlie! Pare! Libere-o de uma vez.
Ele o fez. Porque ela o pediu.
O homem tossiu durante um tempo absurdamente longo.
— Vem aqui, meu amor. — Lhe estendeu ambos os braços. Recostada, como estava, com as costas apoiadas contra uma série de travesseiros, parecia ter mais cor que antes. Talvez fosse sua imaginação.
Sentou-se cautelosamente na beira do colchão e deslizou seus braços ao redor de suas costas, atraindo-a brandamente contra ele.
— O que ele fez, amor? O verei enforcado.
Lhe acariciou o cabelo, o rosto.
— Oh, acredito que pode mudar de opinião nesse sentido.
Voltando um olhar furioso ao homem que ainda estava lutando com seu lenço, perguntou-lhe: — Bem, Sutton? O que encontrou? Pode aliviar-se sua doença?
O médico assentiu e se limpou garganta antes de pigarrear: — Seis meses mais ou menos.
— Seis malditos meses? Que classe de extravagante lábia é esta?
Esperava uma resposta do Sutton. Em troca, Julia disse: — “Não é uma doença”. Não é uma enfermidade, Charlie.
Seu rosto estava molhado, as lágrimas fluíam agora livremente.
Conteve o fôlego.
— E o que é?
— Um bebê, milord — respondeu o médico, ao que parecia tinha recuperado a compostura. — Em seis meses mais ou menos. Como já disse.
Charles se virou para Julia. Logo depois de volta ao médico. Logo depois de volta a Julia.
Não podia ser.
— Não pode ser. Mas, pensamos que era...
— A enfermidade do estômago da Helen. — Ela sorriu entre lágrimas, seus olhos brilhavam com alegria. — Sei. Sofreu durante mais de quinze dias. Terrível. Mas não é uma doença, Charlie. É... — se cobriu os lábios com os dedos. — Uma criança.
— Mas, pensei que era...
Seus olhos se fecharam, suas mãos se pousaram sobre seu ventre. Quando os abriu de novo, ela o atravessou completamente.
— Uma criança, meu amor. Uma criança.
O médico interveio para explicar que, embora a história da marquesa dos cursos mensais irregulares tinha levado outros médicos a concluir que suas dificuldades para conceber eram de natureza permanente, tinha presenciado muitas dessas revogações em sua época.
— Médicos de Bedford — soprou o homem. — Um lote presunçoso. Ainda há muito que não entendemos a respeito de por que surgem tais dificuldades.
Charlie tratou de escutar. Tentou respirar. Mas seus olhos estavam cravados no lugar onde as mãos de Julia jaziam sobre seu ventre. Sobre seu filho. Lentamente, ele moveu sua mão para flutuar sobre a dela, sem tocar-se, sem atrever-se a acreditar.
Ela o agarrou, esmagou a palma de sua mão contra seu ventre.
— Maldito inferno — sussurrou antes de engolir o repentino nó em sua garganta. — Julia. — Seus olhos voaram aos dela.
Ela estava sorrindo. Amando-o.
Ele franziu o cenho.
— Oh, Deus.
— O que é?
— Acabo-me de dar conta. Teremos que informar a minha mãe.
Ela riu com tanta alegria que pensou que poderia chorar. O que era inaceitável. Então, em troca, beijou-a até que ambos estiveram sem fôlego.
— Bom, agora — disse o médico, abrindo a porta. — É hora de ir. Descanse bem, milady. Trate de comer quando puder. Um pouco de hortelã em seu chá ajudará a acalmar seu estômago.
Julia lhe agradeceu, mas Charles queria respostas. Ele olhou com fúria ao homem.
— Isso é tudo o que pode oferecer para aliviar seu mal-estar?
O médico se limitou a sorrir e colocou o chapéu.
— Não deve preocupar-se, milord. Mesmo as piores tempestades de neve seguem seu curso. Isso é o que faz com que a primavera seja ainda mais doce.
Charles seguiu olhando carrancudo a porta fechada.
— Perfeita besteira — murmurou. — Qual é o propósito útil de um médico se ele não pode proporcionar uma solução mais inteligente que hortelã?
Julia se pôs-se a rir e sacudiu a cabeça.
— Oh, Charlie — ela suspirou. — Agora, aí está o dragão que adoro.
Elisa Braden
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