Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
NOIVA DE ALUGUEL
― Eles nunca vão acreditar na gente. ― Segurando as mãos de Aiden, Tabitha desceu do carro de queixo caído ao ver os convidados circulando nos degraus da majestosa Igreja de Melbourne.
― Por que não? ― Aiden não parecia nem um pouco perturbado, e acenava animadamente para alguns rostos familiares que avistava em meio aos convidados.
― Eles nunca vão acreditar na gente ― repetiu Tabitha, depois de respirar fundo para se acalmar ― porque eu não pareço uma dama da sociedade.
― Graças a Deus ― sussurrou Aiden. ― E, de qualquer maneira, você não é uma dama da sociedade mesmo; só está fingindo ser minha namorada. Se isso serve de consolo, você até tem sex appeal. Eles vão pensar que você é meu último caso tempestuoso antes de eu finalmente sossegar.
― Eles vão perceber na hora ― argumentou Tabitha, negando-se a acreditar que as coisas poderiam ser tão simples. ― Eu sou uma dançarina, Aiden, não uma atriz. Onde estava com a cabeça quando concordei com essa história?
― Você não tinha escolha ― Aiden lembrou-a antes que ela pudesse escapulir de volta para o carro. ― Eu fiz o papel de seu noivo dedicado na reunião da escola em troca de sua companhia no casamento do meu primo. Simples.
― Não ― disse Tabitha, puxando a mão de Aiden para que ele diminuísse o passo. ― Simples seria dizer para a sua família que você é gay. Pelo amor de Deus, Aiden, a gente está no século XXI.
― Tenta dizer isso para o meu pai. Tabitha, é melhor que seja assim, e nem pense em se sentir deslocada; você está incrível.
― Cortesia do seu cartão de crédito ― ralhou Tabitha. ― Você não devia ter gastado todo aquele dinheiro, Aiden.
― Valeu o que custou; e de qualquer maneira, eu nem sonharia em jogar você nesse ninho de cobra que é a minha família sem um vestido e sapatos de grife. Ah, Tabitha, pára com isso. Aproveita. Você adora um grande casamento!
Depois de se sentar em um dos bancos da igreja e examinar em vão o folheto da liturgia, Tabitha permitiu que seus olhos da cor de jade inspecionassem a congregação.
O vestido de Tabitha tinha sido um verdadeiro achado, o fino tecido de chifon combinava perfeitamente com seu cabelo ruivo, que hoje ela usava preso na parte da frente e caído nos ombros. Os lábios e as unhas estavam pintados de um coral vibrante e combinavam perfeitamente com as altíssimas sandálias de alças e a bolsa. Era o tipo de combinação em que ela jamais teria pensado em razão de seus longos cachos vermelhos e sua pele pálida. Entretanto, pelo menos por uma vez, as vendedoras da loja não tinham mentido: ficou maravilhoso.
Os convidados que lotavam a igreja pareciam esbanjar dinheiro e estilo, pelo menos a maior parte deles. Porém, alguns abusavam da extravagância em seu modo de vestir. Até mesmo Tabitha, que nascera em uma família sem um tostão furado e total desprezo por moda, foi capaz de reconhecer. Aiden deleitou-se em apontar cada deslize, em alto som.
Uma mulher inacreditavelmente alta e com um chapéu enorme sentou-se exatamente na frente de Tabitha, que perdeu as esperanças de ter uma vista decente da cerimônia. Contudo, até mesmo com os coincidentes olhos críticos de Tabitha e Aiden, não havia um único sinal de gafe nesse ser encantador. Altura obviamente não incomodava, a julgar pelos seus pontiagudos sapatos de salto alto atados aos pés delgados. Deve ser bom ter tanta autoconfiança, pensou Tabitha encolhendo os ombros.
Só quando a mulher se virou para ver a noiva passar é que Tabitha a reconheceu. Amy Dellier era uma top model australiana e, a julgar pelas matérias nas revistas de fofoca que Tabitha devorava, sua fama internacional era praticamente certa. De uma hora para outra o chifon dourado e o coral com os quais ela estivera tão satisfeita minutos atrás pareciam, junto dessa mulher estonteante, uma oferta de mera importância.
Quando o órgão soou, tocando a "Marcha Nupcial", todos se levantaram para ver a noiva. Todos os olhos a seguiam, exceto os de Tabitha. Este ano ela tinha visto mais noivas do que um fotógrafo de casamento. Em vez disso, uma mórbida fascinação fazia seu olhar perder-se em Amy Dellier. Ela era realmente linda.
― Com licença ― uma voz grave a fez voltar-se para os procedimentos. ― Eu preciso passar.
A voz era grave e sensual e, ao virar o rosto, Tabitha preparava-se para o desapontamento. Aquela voz provavelmente pertencia a algum gordo de cinqüenta anos que fazia bicos narrando comerciais. Mas não havia nada de desapontador na voz que a encontrou. Se Amy Dellier era o retrato da perfeição feminina, então, parada em frente a Tabitha, estava a versão masculina. Cabelos negros penteados para trás de um forte e insolente rosto, malares protuberantes que chamavam a atenção de Tabitha para os olhos mais escuros que ela já tinha visto. A primeira vista eles pareciam pretos, mas, olhando mais de perto, dava para perceber que eram de um profundo azul índigo e contornados por negros e longos cílios. O forte aroma de sua colônia e seu visual impecável indicava que sua barba era recém-feita. Todavia, o maxilar protuberante dava a ele um ar meio mexicano, a milhas de distância do caríssimo terno que vestia. Ele era sufocante e masculino ― animal, de fato. Era como se nada, fosse roupa, dinheiro ou aparatos, pudesse tirar daquele homem sua essência primordial.
― Claro. ― Engolindo em seco, ela espremeu as pernas contra o banco para deixá-lo passar. Mas sua bolsa obstruía a passagem e Aiden, completamente magnetizado pela cerimônia, estava pisando na alça.
― Desculpe. ― A desculpa dele era mera formalidade, exatamente como se esperaria de um estranho que pede para passar. Mas esse momento agora parecia eterno.
Se não quisesse cair, ele não tinha outra escolha a não ser apoiar-se no braço de Tabitha para poder passar por cima da bolsa. Os bancos da igreja eram muito próximos uns do outros e estavam todos apinhados de convidados. Conforme a mão dele tocou a pele de seus braços, Tabitha prendeu a respiração; ao encostá-la, dois sinais de cor fumegaram em suas suavemente rosadas bochechas e o perfume dele invadiu suas narinas.
Aiden então virou-se e, com um sorriso de reconhecimento, murmurou olá para aquele delicioso estranho. A noiva estava passando, e ele não tinha outra escolha a não ser ficar de pé entre Tabitha e Aiden enquanto a noiva passava vagarosamente.
Tão devagar. Foi provavelmente uma questão de segundos. Parecia que iria durar para sempre.
Ela nunca havia estado tão consciente de uma situação: toda a sua atenção estava voltada para ele. Todo o seu corpo arrepiou-se com a presença daquele homem ao seu lado. No entanto, tudo logo acabou; a procissão da noiva chegou ao fim como o esperado, permitindo assim que ele passasse para o banco da frente e Tabitha conseguisse voltar a respirar.
Ele passou direto para o lugar vago perto de Amy e, pelo jeito que colocou suas mãos ao redor dele, ela parecia muito satisfeita em vê-lo.
Tabitha deu um olhar desapontado e ao mesmo tempo se segurava para não deixar transparecer. Bem, o que você esperava? ela raciocinou. Que alguém deslumbrante assim estaria aqui sozinho?
Mas ela não estava falando de Amy Dellier.
― Meu bem...
A cerimônia foi rápida, mas não despertou interesse em Tabitha. Ao contrário, sua atenção estava inteiramente focada na visão deliciosa daquele homem se sentando na sua frente.
Quando todos se levantaram para cantar o primeiro hino, Tabitha não conseguia tirar os olhos dos dois; estava magnetizada. Com toda a altura, Amy Dellier parecia pequena ao lado de seu par; ele era inacreditavelmente alto. Não era de se espantar que ela usasse saltos altos com ele por perto.
― Nem pense nisso ― sussurrou Aiden aos ouvidos de Tabitha enquanto a congregação cantava entusiasmada.
― Do que você está falando? ― enrubesceu Tabitha, fingindo prestar atenção no livro de hinos que segurava nas mãos.
Não funcionou.
― Era para você estar na página 45, Tab ― sorriu Aiden maliciosamente. ― Aquele, minha querida, é meu irmão Zavier.
― Eu não sei do que você está falando.
Mas Aiden já conhecia Tabitha o suficiente para não ser enganado.
― Você sabe exatamente do que eu estou falando, Tabitha, e vai por mim: ele espreme você na palma da mão.
Tabitha retraiu-se com a expressão.
― Como assim?
― Apenas isso. Zavier pode ser um sonho para se olhar, mas não presta.
Seus rostos debruçavam-se ao livro de hinos e eles falavam pelo canto da boca, mas não era o suficiente para evitar alguns olhares em suas direções.
―Então está tudo bem, pois eu não estou interessada mesmo ― sibilou Tabitha.
Aiden deu um olhar astuto para ela.
― Espero que seja isso mesmo. Depois não venha me dizer que eu não avisei.
Ela cantava desafinadamente e seus olhos, até demais, perdiam-se no gostoso e tentador passatempo na frente dela. A despeito da sua recente aversão a casamentos, este estava começando a ser divertido. Ela nunca tinha sentido uma atração física tão forte assim por alguém, e alguém sobre quem ela não sabia nada. Ele era completamente inatingível, é claro, muito fora de seu alcance.
Apesar dos protestos, Tabitha precisava admitir que sair com pessoas ricas de verdade tinha as suas vantagens. Não tinha como ficar entediada ou com sede enquanto o fotógrafo dava mil cliques. Nos jardins de Melbourne colocou-se uma tenda, sob a qual eram servidas frutas e champanhe enquanto a família se misturava, desaparecendo quando o fotógrafo chamava para as fotos.
Aceitando uma taça de champanhe, Tabitha sorriu ao ser apresentada aos pais de Aiden. Mesmo com as nebulosas descrições de Aiden, Tabitha ficou encantada com a mãe dele, Marjory, que esbanjava glamour e riqueza.
―Uma cerimônia linda, não foi? Embora eu não ache que o vestido de Simone estivesse de acordo, decotes grandes não são apropriados para uma igreja. O que você acha, Jeremy querido?
Jeremy Chambers não tinha nem metade da exuberância da esposa. Os seus olhos negros eram cautelosos como os de Zavier e tinha um rosto insolente, sério e obstinado como o de seu filho favorito.
― Ela se parecia com qualquer outra noiva que eu vi este ano ― respondeu Jeremy em voz alta, sem se preocupar com o fato de que alguém poderia ouvi-lo.
― Eu sei o que é isso ― Tabitha suspirou, arrependendo-se logo do comentário. ― Eu fui a muitos casamentos este ano. ― Tabitha tentou explicar-se, tomando um longo gole do champanhe. Quando o austero olhar de Jeremy virou-se em sua direção, ela desejou ficar quieta, mas Jeremy, na verdade, deu um sorriso.
― Conte isso ― disse ele com melancolia. ― A quantos casamentos você foi?
― Dez ― Tabitha exagerou, e depois calculou mentalmente. ― Bem, seis, no mínimo ― e ainda acrescentou, revirando os olhos ― todos os meus amigos parecem ter se decidido ao mesmo tempo.
― Isso é só o começo ― disse Jeremy sabiamente. ― Os próximos anos vão ser ocupados com batizados e, antes que se dê conta, os filhos dos seus amigos estarão se casando e toda essa história de casamento começa outra vez. Marjory ama casamentos e, não importa o grau de parentesco, se sente obrigada a comparecer a todos eles. Falando nisso, é melhor que eu vá dizer olá para alguns deles. Foi um prazer conhecê-la, Tabitha. ― ele levantou as mãos para cumprimentá-la, mas mudou de idéia e, para surpresa de Aiden, deu-lhe um beijo no rosto.
― Meu Deus, você realmente fez sucesso! Meu pai não costuma gostar de ninguém.
― Ele parece encantador, ― censurou Tabitha. ― Eu não consigo acreditar em todas aquelas coisas horríveis que você falou dele.
― Ele é encantador se por acaso você é o filho perfeito... e falando no diabo...
― Zavier! ― exclamou Marjory, beijando-o calorosamente. ― Eu pensei que você não fosse chegar a tempo na igreja. Onde, afinal, você estava?
― Onde você acha que eu estava? ― Tabitha pôde perceber que seu arrogante comportamento era de alguma maneira suavizado quando ele se dirigia a sua mãe ― Eu estava trabalhando.
― Mas hoje é sábado ― protestou Marjory. ― Não que isso signifique alguma coisa para você, Zavier. Mas hoje já chega. Eu, de minha parte, pretendo me divertir. Você já conheceu Tabitha, a querida ... ― a pausa era interminável, mas Marjory finalmente recobriu-se. ―... amiga de Aiden?
Aiden deu um longo gole na sua bebida, evitando os olhos de Tabitha. Zavier não tirava os olhos dela.
― Rapidamente, na igreja. ― Estendeu-lhe a mão, que ela sacudiu cautelosamente, notando como era quente e forte.
― Onde está Lucy? ― perguntou Marjory.
― Amy ― corrigiu Zavier ― está retocando a maquiagem.
― Garota adorável ― falou Marjory calorosamente. ― Ela daria uma linda noiva.
― Discreta como um elefante, como sempre ― suspirou Zavier.
― Bem, que escolha eu tenho? Meus dois filhos estão na faixa dos trinta ― disse ela com os olhos em Tabitha ― e nem um único sinal de casamento pela frente. Isso, para não falar nos netos. Simone tem apenas vinte anos; não é de admirar que Carmella esteja sorrindo de orelha a orelha.
― A razão pela qual ela está sorrindo é na verdade o fato de Simone ter fisgado alguém rico o suficiente para tirá-los da pindaíba.
― Ah! ― disse Marjory sacudindo o dedo. ― Estar sem dívidas praticamente garante felicidade eterna.
― Para você, pode ser ― retrucou Zavier. ― De qualquer maneira, levando em consideração você não conseguir nem acertar o nome da Amy, isso já diz tudo. Esquece.
― O seu pai ficaria tão orgulhoso.
Tabitha estava realmente curtindo a conversa. Ela adorava essas sutis bateções de boca entre mãe e filho. Porém, quando ela mencionou o nome do pai os nervos pareceram acalmar-se e a alfinetada, que Tabitha tanto esperou, nunca veio. Zavier Chambers, o auge da confiança, de repente perdeu os argumentos.
― Iria, Zavier ― disse Marjory com um tom de urgência em sua voz. ― É o maior desejo de seu pai.
― Qual é o maior desejo de seu pai? ― ao aparecer, todos os olhares voltaram-se para Amy. Impecável, deslumbrante, exalando aroma de perfume francês, ela esquivou-se em direção a Zavier e o abraçou. Mas Zavier mal notou sua presença. ― O que foi que eu perdi, querido? ― insistiu Amy com um tom de voz dengoso.
― Nada ― disse Zavier, lançando para sua mãe um breve olhar de advertência. ― Pelo menos nada com que você deva se preocupar, Amy. ― E, livrando-se das garras de Amy, acenou para o fotógrafo que os cercava: ― Eu acho que estamos sendo requisitados.
― Vem Tabitha ― acenou Aiden, mas Tabitha sacudiu a cabeça.
― Vai você. Eu não sou da família.
― O que isso tem a ver? Vamos.
Mas Tabitha era insistente. Imortalizar uma mentira parecia de certo modo errado.
― O fotógrafo disse somente a família. Por favor, Aiden, não faça me sentir ainda pior.
― Você vai ficar numa boa, sozinha por cinco minutinhos?
― Pelo amor de Deus, Aiden, vá de uma vez. Eles estão todos esperando.
Dando um gole na bebida, Tabitha os olhou enquanto se alinhavam para a foto; era fácil dizer a qual lado eles pertenciam. A família Chambers fazia Tabitha lembrar-se dos filmes da Máfia: seus ternos eram mais escuros, os homens eram mais altos e os cabelos um pouco mais arrumados do que os outros. A fatal combinação de dinheiro e genética perfeita ― apenas Aiden parecia não combinar com a massa. Suas feições eram mais delicadas e seus gestos mais expressivos do que as feições tensas de seus parentes. Se todos os membros da família Chambers eram formidáveis, então Zavier era o cúmulo ― mais alto, mais moreno e, pelo jeito diferente com que todos o tratavam, o mais poderoso.
― Então a você também foi delegado o papel de espectadora?
Assustada, Tabitha virou-se e só assim percebeu que Amy não estava lá entre eles.
― Ainda é muito cedo para eu aparecer no álbum de família ― disse Tabitha suavemente, de certo modo surpreendida por alguém tão famoso estar falando com ela.
― É um pouco tarde demais para mim; acho que acabei de levar um fora.
― Oh!
― Malditos Chambers. ― O soluço na voz de Amy era de pura angústia e Tabitha olhava assustada, as lágrimas escorrerem naquele tão famoso rosto. Com um choro engasgado, ela tentou correr, mas a grama úmida e o salto agulha não ajudaram muito. Tabitha encolhia-se à medida que ela tropeçava.
― É o poder que eu tenho sobre as mulheres ― ironizou Zavier, aproximando-se de Tabitha. ― Elas não conseguem se afastar de mim assim tão rápido.
― Que diabos você disse para ela? ― perguntou Tabitha, mesmo sabendo que não era da sua conta.
― Nada demais. Eu só deixei claro que era burrice tirar fotos com minha família, quando ela não ia estar tempo suficiente comigo nem para os filmes serem revelados.
― Mas que horrível ― disse Tabitha ofegante. ― Você não podia ter terminado com ela de uma maneira mais gentil?
Zavier encolheu os ombros.
― Acredite, eu tentei. Infelizmente, ou ela não quis escutar, ou estava além da compreensão dela o fato de algum homem não a querer mais.
Tabitha pensou um pouco e sabia que devia ser a primeira opção. Zavier tinha uma arrogância insolente natural em alguém tão bonito. Seu impecável protótipo deixava qualquer homem no chão. Não é de admirar que Amy não quisesse o fim do namoro. Ter conhecido tanta perfeição, mesmo que por pouco tempo, garantia vício eterno.
Ele não parecia nem um pouco incomodado com sua investigação e ficou calmamente parado enquanto Tabitha o inspecionava. Só quando ela se deu conta de que a pausa já tinha ido longe demais e de que o estava encarando, enrubesceu e, instantaneamente, voltou ao assunto. Maravilhoso ele até podia ser, mas era apenas beleza superficial. E ela devia se lembrar disso.
― Bom, eu acho que você a tratou de uma forma terrível.
Ele levantou as sobrancelhas.
― Nossa, você se irrita muito fácil, não é? Eu suponho que a cor do seu cabelo não seja artificial, é?
― É claro que não. ― E quando ele tirou as mãos, Tabitha sentiu os cabelos caírem nos ombros. O toque da mão dele nela foi elétrico e a fez sentir um rubor ― Eu não sei como alguma mulher pode suportar você.
― Eu posso responder.
Tabitha sacudiu a cabeça com raiva.
― Isso não foi uma pergunta, mas uma afirmação. Só porque é rico e bonito, você acha que pode tratar as mulheres... ― ficou sem voz ao perceber que ele estava rindo ― rindo dela.
― Então você me acha bonito, não é?
Tabitha bufou e na mesma hora se arrependeu do que falou; tal atitude não fazia jus ao lindo vestido que usava.
― Você sabe que é, e acha que isso lhe dá o direito de sair por aí magoando as pessoas.
― Considerando que nós só nos conhecemos... ― ele deu uma olhada no relógio pesado de ouro ― ... há uma hora, você parece ter formado uma opinião bastante precipitada quanto a minha pessoa e, pelo veneno na sua voz, imagino que não seja uma boa opinião. Posso saber por quê?
Ela ficou parada, procurando uma resposta. Por que havia tido uma reação tão violenta? Por que ela estava tão furiosa com o estúpido fora que ele deu em Amy?
― Eu só não gosto de ver as pessoas sendo magoadas ― disse ela finalmente, mesmo sabendo que a resposta não era das melhores.
― Amy não está magoada ― respondeu ele irritado. ― Ela teve de mim exatamente o que queria: as fotos dela nas colunas sociais e o ingresso para a fama...
― Ela estava magoada sim ― insistiu Tabitha, mas Zavier encolheu os ombros com indiferença.
― Talvez ― reconheceu Zavier, mas qualquer onda de triunfo em Tabitha era rapidamente anulada enquanto ele continuava falando com um sorriso de canto na boca sensual. ― Afinal de contas, ela só perdeu o melhor namorado que já teve.
― Você é nojento ― balbuciou Tabitha, as bochechas flamejando com os perigosos pensamentos que invadiam sua mente.
― É verdade. Olha, foi bom enquanto durou. Amy queria mais e eu não estava preparado para isso ― ele deu uma risada irônica. ― A grama aqui é um pouco úmida...
― Ela queria se casar?
Zavier fez que sim com a cabeça.
― Mas isso é ainda pior. ― Tabitha estava sinceramente horrorizada.
― Ela o ama e você termina com ela desse jeito? ― Ele percebeu certa confusão em seus olhos, que o divertiu.
― Você acha que Amy me amava?
― Por que outra razão ela iria querer casar com você?
― Ah, calma aí, Tabitha, você não é tão ingênua! Pela mesma razão que você está aqui com meu irmão hoje: dinheiro e posição social. Por que deixar um mísero detalhe como amor atrapalhar um bom negócio?
― Mas eu não estou com Aiden por causa de dinheiro. ― Ela estava embasbacada de como ele podia pensar isso dela.
― Por favor ― zombou ele.
― Eu não estou ― retrucou ela furiosamente, mas Zavier não estava ouvindo.
― Desculpe a demora, Sr. Chambers. ― Uma garçonete apressava-se com um copo com gelo e uma garrafa de água mineral nas mãos.
― Só a garrafa está bom. ― Ele deu um longo gole enquanto Tabitha procurava freneticamente por Aiden. Finalmente, Tabitha suspirou aliviada ao vê-lo. A noiva conversava com ele naquele momento, o que significava que não havia chance de resgate iminente; ela teria que tirar o melhor proveito da situação.
― Então, o que você faz?
― Desculpe?
― Em que você trabalha? ― A paciência dela começava a esgotar-se. ― Quer dizer, eu suponho que você trabalhe?
Ele enrugou a testa por um momento antes de responder.
― Eu trabalho nos negócios da família; eu pensei que você pelo menos soubesse disso.
Tabitha franziu a testa; havia obviamente muitos assuntos que ela não havia conversado com Aiden, e o currículo do irmão era um deles.
― É verdade! Aiden me falou, é claro. Eu sou péssima para nomes e detalhes como esses.
― E então, como você conheceu meu irmão?
― Numa festa.
― Bem, não seria no trabalho, seria? ― Ele esboçou um sorriso muito frio e discreto. ― Nós dois sabemos o efeito que essa palavra de oito letras tem em meu irmão.
― Aiden trabalha sim ― retrucou Tabitha. ― Ele é um artista muito talentoso.
― Ah, ele é um artista, é verdade. ― Os olhos negros de Zavier olhavam os outros convidados e os dois viram Aiden devolver um copo e pegar outro do garçom que passava. ― Dedicado também ― meditou Zavier. ― E então, o que você faz?
Tabitha engoliu em seco. Normalmente, ela adoraria dizer o que fazia, adorava a reação das pessoas, mas de certa forma ela não podia imaginar o rosto de Zavier iluminado por uma indisfarçável admiração quando ela revelou a profissão que havia escolhido.
― Eu danço.
Ele não disse nada, nem uma palavra, mas os seus olhos diziam tudo ao vagarosamente percorrerem o corpo dela, deixando-a vermelha com a investigação.
― Não esse tipo de dança ― esclareceu ela. ― Eu trabalho no palco.
― Clássica? ― perguntou ele, no tom mais esnobe e zombeteiro possível.
― Um... um pouco ― gaguejou Tabitha. ― Mas principalmente moderna. De vez em quando eu até faço uma versão de Can-Can. ― O tom amargo de sua voz era óbvio, até para si mesma, surpresa com a própria confissão.
O esboço de um sorriso moveu uma fração dos lábios de Zavier e os olhos dele deixavam-se levar languidamente pelas longas pernas de Tabitha.
― Isso me soa como fala de bailarina frustrada.
― Talvez ― disse Tabitha encolhendo os ombros. Droga, por que ela estava daquele jeito? ― Mas, para sua informação, eu sou muito boa no que faço ― esclareceu Tabitha. ― Você pode até ridicularizar o que eu e o seu irmão fazemos, mas a gente não precisa vestir um terno para começar um dia de trabalho. E acontece que a gente diverte muita gente.
― Eu estou certo disso. ― Novamente aqueles olhos negros percorreram o corpo dela e, mais uma vez, Tabitha se mordia com a abertura que deu a ele.
Para ter algo a fazer, Tabitha esvaziou o copo e aceitou outro do garçom que passava. Mas Zavier continuava com os olhos pregados nela, o que fazia com que até respirar, de repente, parecesse complicado demais.
― Não se preocupe. ― Ele sorriu para ela pela primeira vez, e quando Tabitha começava a relaxar, a voz cortante dele fez os pêlos do pescoço dela se arrepiarem. ― Quero dizer, depois que você colocar a aliança no dedo vai poder aposentar suas sapatilhas para sempre. Os olhos de Tabitha iluminaram-se de raiva.
― Gostaria que você soubesse que eu gosto muito do que faço, muito mesmo. Se realmente acha que estou com Aiden para fazer parte dessa encantadora família ― ela deu um sorriso cínico ― você não poderia estar mais errado.
A resposta ardente de Tabitha à provocação de Zavier não o fez mudar a suave expressão do rosto, enquanto Tabitha transbordava de raiva.
― Veremos ― disse ele secamente. ― Mas algo me diz que eu não serei agradavelmente surpreendido.
Aiden finalmente apareceu, alheio à tensão em ebulição.
― Fico feliz de ver que vocês estão se dando bem. Ela não é magnífica, Zavier? ― Ele apertou Tabitha pela cintura e deu, casualmente, um beijo em sua bochecha.
― Magnífica ― ironizou Zavier com um sorriso que denunciava a expressão ameaçadora de seus olhos. ― Bem, vocês me dão licença? ― Ele lançou rápido aceno em direção a Tabitha, que permanecia calada. ― Foi um prazer conhecer você.
Não exatamente um prazer, Tabitha pensou enquanto ele se afastava, mas certamente tinha sido uma experiência; o único problema era não saber se gostaria de repeti-la.
O jantar parecia não ter fim, e os discursos mais ainda. Tabitha passou a maior parte do tempo se torturando com os comentários de Zavier, mexendo a comida no prato e bebendo demais. Ela odiava Zavier Chambers pela insinuação de que era uma espécie de caça-níquel, quando na realidade ela estava fazendo um favor para a maldita família dele: poupando Jeremy Chambers.
Aiden estava extraordinariamente agitado. Uma inevitável conseqüência, Tabitha supôs, de estar tão próximo da própria família. A promessa de ficar ao lado dela a noite inteira diminuía a cada copo de bebida, e na maior parte da noite tomou chá de cadeira enquanto Aiden circulava pelo salão e voltava apenas para pegar mais um drinque.
― Vai com calma, Aiden ― disse Tabitha ao vê-lo esvaziar mais um copo.
― Eu preciso beber para encarar essa coisa toda. ― Ele deu a ela um sorriso de desculpas. ― Perdão, eu não estou sendo boa companhia, não é? Eles me fazem sentir desconfortável. O que você está achando?
Tabitha encolheu os ombros.
― Nada mal, também porque eu só tenho de passar por isso esta noite. Eu não tinha idéia de que a sua família era tão abonada. Quer dizer, eu sabia que eles eram ricos, mas nada comparado a isso. Você devia ter me prevenido ― disse Tabitha apontando para o salão do Hotel Windsor, o melhor de Melbourne.
― Por que eu faria isso? Em primeiro lugar, já tive trabalho suficiente para conseguir que viesse. Se você soubesse que iria ser assim, eu jamais teria conseguido arrastá-la.
Aiden estava certo. No meio da elite australiana, com champanhe de primeira escoando feito água, Tabitha sentia-se desnorteada.
Aiden soluçou suavemente, olhando fixamente para o copo de bebida.
― Tab? ― disse ele gentilmente. ― O que está acontecendo? Lembre-se de que somos amigos há muito tempo para fingir que está tudo bem. O que está acontecendo?
Ela não respondeu, enrolando os longos dedos pelos cachos vermelhos de uma maneira quase infantil.
― É a sua avó? ― Ao vê-la mordendo os lábios, Aiden sabiá ter acertado. ― O que ela fez dessa vez? ― Havia uma pitada de humor na voz ao tentar melhorar o astral de Tabitha e fazê-la desabafar. ― Ela vendeu as jóias da família?
Ao levantar o rosto, os olhos de Tabitha não sorriam.
― Minha família não é como a sua, Aiden; a gente não tem "jóias de família". Desculpa ― ela acrescentou ― não é culpa sua.
― Então, o que é? Vamos, diz o que está havendo.
― Ela hipotecou a casa de novo. ― Tabitha soltou a respiração que negligentemente segurava. ― Para saldar as dívidas de jogo.
― Você já me disse isso mês passado, se estou bem lembrado ― ressaltou Aiden. ― Você foi ao banco com ela para ajudar a resolver as coisas. Ela não está conseguindo fazer os reembolsos?
― Ela retirou o empréstimo ― começou Tabitha com a voz estranhamente trêmula ― e gastou tudo nas máquinas de pôquer do cassino.
― Todo o dinheiro?
A boca aberta e os olhos arregalados de Aiden não estavam exatamente ajudando, e Tabitha mexeu a cabeça aborrecida.
― Então agora ela tem todas as dívidas antigas e outras ainda mais volumosas, e é tudo minha culpa.
― De onde você tirou isso?
― Eu não devia ter deixado ela ter acesso a tanto dinheiro. Ela é como brasa no palheiro quando o assunto é cassino; eu já nem acredito que ela seja viciada em jogo, mas nas companhias. Eu devia tê-la feito pagar as dívidas...
― Ela não é mais nenhuma criança ― ressaltou Aiden, pegando nas mãos trêmulas de Tabitha.
― Ela é tudo que eu tenho. ― Lágrimas ameaçavam cair e Tabitha colocou as mãos sobre o copo quando o garçom retornou, mas Aiden não era tão reservado. ― Deixe a garrafa ― ordenou Aiden esperando Tabitha continuar.
― Vovó me criou depois que meu pai e minha mãe morreram, dedicou a vida a mim, e agora ela está velha, sozinha e aterrorizada, e não há nada que eu possa fazer. Eu pedi um empréstimo ao banco, mas quando você escreve dançarina como profissão é melhor rasgar o formulário.
― Deixa eu ajudar. ― Aiden ignorava Tabitha, que sacudia a cabeça furiosamente. ― Vamos, querida, isso seria uma gota no oceano. Eu ainda não contei as novidades. Ontem, eu vendi um quadro.
― Aiden! ― Apesar dos problemas, o grito encantado de Tabitha era genuíno e, colocando os braços em volta do pescoço dele, deu um beijo em seu rosto.
― Por favor, deixa eu ajudar, Tabitha. Você me paga quando puder. A gente está no caminho certo ― sorriu Aiden. ― Eu sinto isso.
Mas Tabitha sacudiu a cabeça.
― Talvez você esteja, Aiden, mas no meu caso dizer "a caminho da saída" seria mais adequado. ― A melancolia reapareceu em Tabitha, mas ela deu o melhor de si para evitar um tom amargo na voz. ― Eu fui chamada para um teste da próxima produção.
― Então? ― Aiden encolheu os ombros. ― Você vai.
― Talvez... tem sido tão automático até agora. Eu sempre tive um papel, mas agora estou ficando velha.
― Você tem 24 anos, pelo amor de Deus.
― Eu tenho 29 ― corrigiu Tabitha rindodela mesma. ― E dançarinas de 29 anos têm muito a provar. Eu não posso pegar dinheiro emprestado com você se nem sei se vou poder devolver.
― Por favor ― insistiu Aiden, mas Tabitha era inflexível.
― Não, por favor, Aiden. Eu vou resolver isso sozinha.
― Você tem certeza?
Ela fez que sim com a cabeça e, depois de um breve sacudir de ombros, Aiden parou de insistir.
― Eu sei que é horrível ver toda essa riqueza enquanto a sua avó está tão quebrada. Dinheiro, às vezes, é uma maldição. As pessoas aqui estão sempre na defensiva, com certeza em busca do último tostão. Eles não sabem quem são os verdadeiros amigos. De todas estas pessoas, você conta em uma única mão os amigos de verdade. Se o dinheiro desaparecesse, com ele iriam noventa por cento dos convidados. E isso, provavelmente, é uma estimativa cautelosa.
― O seu irmão parece achar que eu estou entre eles.
Aiden franziu a testa.
― Tab, desculpe se ele deu trabalho e, embora eu deteste defendê-lo por tê-la tratado mal, de todos aqui, Zavier tem os maiores motivos do mundo para suspeitar das intenções das pessoas, principalmente das mulheres. Ele foi terrivelmente desapontado recentemente.
― Ela devia ser louca ― refletiu Tabitha.
― Fique longe dele, Tab. Eu estou falando sério. Uma mulher maravilhosa como você não duraria nem quinze minutos na companhia dele. Você está aqui comigo, esqueceu? Nem ouse acabar com meu disfarce lançando olhares ardentes para o meu irmão.
Tabitha riu.
― Eu não me preocuparia, Aiden. Ele já deixou bem claro o que acha de mim, e eu garanto que não foi nada lisonjeiro. ― Ela sorriu enquanto Aiden se retraiu. ― Qualquer olhar ardoroso entre a gente seria mais bem descrito como de raiva do que de paixão. Ele está convencido de que eu estou atrás do seu dinheiro.
― Deus ― disse Aiden, colocando mais bebida no copo. ― Zavier não poderia estar mais longe do gol se tentasse; ele iria ter um ataque se soubesse a verdade.
Tabitha serviu-se da garrafa, mas também aceitou uma boa dose de soda do garçom que passava.
― Ele não faz idéia, hein?
Aiden sacudiu os ombros.
― Eu não tenho certeza. Uma vez ele tentou falar comigo; aquela típica conversa de irmão mais velho. Você sabe como: se arranja, cresce, qual é o seu problema? ― Ele esvaziou o copo num gole só. ― Na verdade, ele acabou por me perguntar se eu era gay.
― Então por que você não contou? Ele o deixaria numa situação difícil?
Aiden sacudiu a cabeça.
― Zavier não daria importância a isso. Ainda que ele praticamente vá para a cama de terno e gravata, ele é bastante tranqüilo em relação a essas coisas.
― Então por que não contar para ele?
― Achei que não seria justo. Não há possibilidade alguma de eu contar para o meu pai, ele teria um infarto, e isso seria mais uma coisa para Zavier se preocupar. Ele nos leva nas costas, você sabe.
Tabitha estava intrigada e chegou mais perto.
― De que maneira?
― Zavier dirige os negócios. Papai está muito doente. Mesmo que não aparente, ele é uma bomba-relógio que anda. Ele precisa fazer uma cirurgia no coração, mas corre um grande risco por causa da anestesia. Nenhum médico iria tocá-lo, principalmente com o nome Chambers.
― Mas com certeza ele dispõe do melhor tratamento?
Aiden riu baixinho.
― E dos melhores advogados. Eu não sou um cirurgião cardíaco, mas dá para saber qual é a deles. O risco que ele corre é alto demais até para se tentar uma cirurgia. E, nesse estado, é melhor que não saiba de mim. É melhor que Zavier também não saiba. Melhor que ninguém saiba.
― Bem, ele não sabe ― disse Tabitha suavemente. ― Portanto, você não tem com o que se preocupar.
Imóvel, ela tomou um gole, seus olhos ardiam à medida que a bebida descia e vasculhavam o salão instintivamente à procura do sombrio homem que a enfeitiçara.
Ele só me magoaria, ela consolou-se. Mas de um jeito delicioso!
A festa estava mais animada. As pessoas dançavam ― batendo os saltos. Aiden rodopiou Tabitha algumas vezes pelo salão, mas o coração dele estava em outro lugar e ele só parecia feliz ao voltar para a mesa e para seu abastecimento de álcool sem fim.
Tabitha estava começando a imaginar quando eles poderiam subir para o quarto do hotel. Os pés de Tabitha nas sandálias altas a estavam matando, e ela pensou que a qualquer momento seu rosto iria rachar com seu esforço para sorrir. Havia também uns filmes que ela queria ver enquanto Aiden se curasse da bebedeira. O favor de Aiden já estava totalmente pago, e amanhã ela iria dizer a ele que aquela tinha sido a primeira e última vez que ela fingiria ser sua namorada. Os comentários maliciosos de Zavier a tinham irritado; as coisas estavam começando a fugir do controle. Ela iria se unir à família para o café da manhã, fazer todo o estardalhaço necessário e pronto. Aiden teria de achar outra pessoa para iludir sua família.
Contudo, a esperança de Tabitha para uma saída discreta foi frustrada, quando Marjory apareceu com um Zavier de expressão austera.
― Aí estão vocês, queridos. Por que não estão dançando?
Tabitha deu um sorriso forçado.
― Aiden está um pouco cansado.
― Mas isso não é razão para você não estar dançando. ― Por um terrível momento Tabitha pensou que Marjory estivesse sugerindo que eles pegassem as bolsas e dançassem todos juntos! A realidade foi, de longe, pior. ― Zavier, por que você não dança com Tabitha?
Ela se preparou para a recusa dele. Zavier Chambers não parecia o tipo de homem que fazia alguma coisa contra a vontade e, depois do jeito que ele a tinha tratado, ela sabia que dançar com uma caça-níquel não estaria no topo da lista de prioridades dele. Não que ela não quisesse dançar; dez minutos sozinha com esse homem a tinham realmente apavorado.
― Eu adoraria.
Ela levantou o rosto assustada e, quando ele ofereceu a mão, não teve outra escolha a não ser aceitar. Levantando-se, ela virou-se ansiosamente para Aiden em busca de algum apoio, mas ele estava literalmente acabado.
As mãos de Zavier eram quentes e secas, e seguravam firmemente nas dela. Ao seguir para a pista de dança, Tabitha teve o mais estranho impulso de fugir, puxar sua mão e correr para o seguro quarto do hotel. Como se sentisse a perturbação de Tabitha, Zavier apertou ainda mais as mãos dela, só largando quando estavam no meio da pista de dança lotada.
Deslizou as mãos na cintura esbelta de Tabitha, e repousou-as sobre ela. Ela podia sentir o calor através do fino vestido. Um casal esbarrou nela, fazendo-a se aproximar ainda mais de Zavier. Ele apertou Tabitha mais firmemente, segurando-a quando ela quase tombou.
― Você está tendo uma noite terrível, não? ― Ele teve de se curvar para falar aos ouvidos dela e, assim, a teve ainda mais próxima. A respiração quente fez cócegas nas orelhas de Tabitha e, apesar do calor do salão, ela se arrepiou ao sentir as mãos de Zavier apertarem sua cintura.
― É claro que não. Todos estão sendo adoráveis ― mentiu Tabitha, esperando ter sido convincente.
Mas Zavier discordou.
― Você ficou sentada sozinha a maior parte da noite, tentando fingir que não estava se importando. Eu prestei atenção em você.
Que ele tivesse notado, Tabitha achou estranhamente comovente; que ele tivesse prestado atenção, ela achou agradavelmente perturbador. Mas ela não respondeu de primeira. As mãos dele nas suas costas estavam tendo o mais estranho efeito. Tudo o que ela queria era recostar sua cabeça no peito dele.
― Então, você está dançando comigo por pena?
― Não, eu não faço nada por pena.
Ela queria muitíssimo acreditar nele, acreditar que foi sua estonteante beleza que o fez dançar com ela. Mas os fatos falavam por si só: Marjory tinha sugerido.
― Desculpe. ― A voz dela estava alta e ligeiramente ofegante.
― Pelo quê?
Erguendo os olhos, Tabitha surpreendeu-se em ver a mudança dele; o gélido olhar foi substituído por um brilho molhado de sensualidade. Passando a língua nos lábios, ela forçou uma resposta, confusa com a repentina mudança de comportamento que ele teve.
― Por ter sido forçado a dançar comigo.
No primeiro momento ele não disse nada; depois inclinou a cabeça fazendo-a sentir o calor do rosto dele contra seus cabelos.
― Não se preocupe ― disse ele roucamente. ― Afinal de contas, é só uma dança.
Esse era o homem que a considerava uma pistoleira, caça-níquel. O homem que descaradamente disse suspeitar das intenções dela. Mas ele também era o homem que a segurava agora, fazendo-a sentir-se mais mulher do que nunca. Tudo nele forçava seus sentidos ao excesso: o exótico e embriagante perfume, o elegante corte do terno sob os dedos dela, a força sutil dos braços que a seguravam, o roçar de sua face na dela. Naquele momento, ela desistiu de lutar contra o que sentia e aconchegou-se no peito dele.
Descrever aquele momento como sendo uma mera dança era um acinte.
― Vamos subir. ― Aiden estava afundado na mesa, mas ainda tentava se agarrar ao copo meio vazio. ― Vamos, Aiden, as pessoas estão começando a reparar.
― Algum problema? ― Ela podia sentir o tom sarcástico na voz de Zavier, que percebeu a situação.
― Está tudo bem ― disse Tabitha com os dentes trincados, sem conseguir olhar nos olhos dele.
― Mas não parece ― disse ele com astúcia.
― Estamos sim. Aiden e eu já estamos indo para cama.
― Você já ligou para o guindaste? Ou quer que eu ligue? ― O sarcasmo mordaz dele apenas inflamou os nervos já tensos de Tabitha.
― Ele só está cansado ― disse Tabitha na defensiva, mas ela sabia que não estava enganando ninguém. Muito menos Zavier.
― Ah, é verdade; ele teve uma semana cansativa no estúdio. Eu só estou dizendo isso porque Aiden está acabado. Deus! Eu sou tão cínico às vezes.
As pessoas já estavam olhando; ela podia ver Jeremy Chambers atravessando o salão com um olhar contestador. Mas passar por uma prova de fogo bêbado era a última coisa de que Aiden precisava, e ela também.
Engolindo o orgulho, Tabitha foi sagaz. Jeremy estava aproximando-se e ela não tinha outra escolha a não ser aceitar a ajuda de Zavier para evitar uma cena.
― Eu ia querer uma mãozinha ― admitiu ela relutantemente.
― Um "por favor" cairia bem.
Ela não estava desesperada àquele ponto!
― Olha, você vai ajudar ou não?
Um verdadeiro sorriso, que por um momento fugaz iluminou o rosto dele completamente.
― Tudo bem, ande, vamos levá-lo para cima.
Eles conseguiram tirá-lo dali de uma maneira razoavelmente digna, mas no elevador Aiden afundou-se em Zavier e apagou.
A proximidade de Zavier nesse espaço confinado não estava acalmando Tabitha. Todavia, era bom que Zavier estivesse lá, ou ela nunca teria conseguido.
Aiden decididamente recusou-se a acordar e caminhar, e no final Zavier teve de levantá-lo pelas costas. Algo que Zavier administrou muito bem, considerando o fato de Aiden ter quase dois metros de altura.
Tabitha pegou a chave do quarto no bolso de Aiden, segurando a porta para que Zavier pudesse passar e depositar na cama, sem cerimônia, seu irmão mais novo.
― Não se esqueça de contar para ele de manhã sobre seu péssimo comportamento.
― Eu vou dizer sim ― disse Tabitha, com uma irritação aparente na voz por causa de Aiden. ― E obrigada por me ajudar a trazê-lo aqui para cima ― acrescentou ela relutante.
― Não foi nada. Eu só fico aliviado que ele tenha tido a perspicácia de reservar um quarto aqui, ou agora a gente estaria preso em um táxi. Como você já deve ter percebido, não é a primeira vez que eu tenho de socorrer o infeliz do meu irmão. E eu tenho certeza de que não vai ser a última. ― Ele olhou fixamente para ela, descaradamente, até Tabitha ficar vermelha da cabeça aos pés. ― Embora eu ache que a essa altura ele já devia ter se acalmado um pouco. O amor de uma boa mulher é para essas coisas.
― Mas eu não sou uma boa... ― As palavras escaparam sedutoramente de sua boca, antes mesmo que ela pudesse evitar. Ela notou a expressão de surpresa nos olhos de Zavier com a declaração provocativa. ― Quer dizer, pelo que você me disse na festa...
― Eu tenho certeza que você tem um lado bom.
Apesar de estarem ocupando uma das mais opulentas suítes do hotel Windsor, de repente o quarto pareceu incrivelmente pequeno. Tinha coisa séria ali, mais do que uma simples paquera. Tudo em Zavier transmitia perigo.
Ela desejava muito fasciná-lo com uma resposta hábil, para mostrar que estava completamente controlada, nem um pouco perturbada pela sua imponente presença.
Sem resposta, Tabitha preocupou-se em tirar os sapatos de Aiden. Tirando do armário um cobertor espesso, ela cobriu o corpo imóvel dele.
Ela estava certa de que Zavier iria embora agora, o que a faria retomar sua respiração. Afinal de contas, ele tinha entregado Aiden a salvo e cumprido sua obrigação de irmão. Não havia razão lógica para ele ficar.
― Eu acho que vou colocá-lo de lado, caso esteja enjoado ― disse Tabitha, mais para ela mesma do que para puxar papo. Colocando os braços sobre Aiden, ela ajoelhou na cama e o puxou.
― Cuidado, você pode se machucar. ― Num instante, Zavier inclinou-se para ajudá-la, as mãos dele pegando os braços dela para oferecer resistência. Mas o contato era demais para os já tensos nervos, e ela ligeiramente puxou os braços de volta.
A serenidade de Zavier somente exacerbava o nervosismo de Tabitha. Ela sentiu que os olhos dele brilhavam com a visão de seu colo à mostra e, como em resposta, seus mamilos intumesceram, projetando-se no fino tecido.
― Tabitha... ― Aiden, balbuciando as palavras, esforçava-se para levantar. ― Desculpe.
― Não se preocupe com isso agora ― disse Tabitha gentilmente. ― Tente dormir.
Os olhos vesgos de Aiden detiveram-se nos dela.
― Quer dizer, Tab, desculpe mesmo. Eu estive pensando ― balbuciou ele, encostando de volta a cabeça no travesseiro. ― Eu devia é casar com você, sabia? Isso ia resolver tudo.
Mais do que ver Zavier contrair-se, ela ouviu um sonoro assovio vindo de seus lábios e sabia que ele imaginava ser isso o que ela planejou.
Ela dissimulou, o próprio choque com a sugestão de Aiden e, por um momento, tentou calar o amigo. Mas era tarde demais.
― Não seja bobo. ― Tabitha tentou uma leve repreensão e deu uma risada nervosa. ― Por que você diria uma coisa dessas?
Tudo o que Aiden fez antes de fechar os olhos novamente foi sacudir os ombros. Mas Zavier queria uma resposta. Estendendo-se, ele sacudiu o irmão não muito gentilmente.
― Vamos, Aiden ― ironizou ele. ― Isso não é jeito de pedir a mão de uma dama. ― Ela sentiu uma certa rispidez no tom de voz de Zavier quando os lábios formaram palavras. ― Termine o que começou.
― Tudo iria se resolver ― Aiden resmungou. ― Papai veria um casamento antes de morrer. ― Ele envesgou os olhos para Tabitha, que ficou mortificada ―... e suas dívidas de jogo seriam quitadas, querida. Eu sei como você está preocupada... ― Ele não terminou a frase; em vez disso entrou num sono profundo e barulhento.
― Eu posso explicar... ― iniciou Tabitha. ― Não é o que parece.
Zavier lançou um pequeno sorriso.
― Eu tenho certeza de que é muito pior.
― Não é. As dívidas de jogo...
― Eu não dou a mínima para o seu problema. Você, Senhorita Reece, não me interessa. Nem um pouco. Mas entenda isso ― a voz dele era de ameaça. ― Fique longe de meu irmão. Case com ele, e eu desmascaro você... uma caça-níquel de baixa categoria. Eu fui claro?
― Você não entende.
― Ah, eu entendo sim ― sibilou ele. Dando a volta na cama, ficou de pé ao lado dela, pisando sem ser convidado no espaço pessoal dela, tão perto que ela podia sentir o desdém de suas palavras pela expressão do rosto dele. ― Você acha que já está com tudo arranjado, não? Você acha que a família Chambers vai ser a resposta para a enrascada em que se meteu?
― Não é verdade. ― Ela estava tentando se defender, arrumar argumentos, mas a presença dele tão próxima não apenas a intimidava; apavorava, obscurecendo a mente com imagens perigosas. O perfume que ela tinha sentido na pista de dança agora a sufocava, invocando recordações daquela dança. ― Não é verdade ― disse ela novamente, arrastando os olhos ao encontro dele, tentando soar como se estivesse falando sério, tentando ignorar a onda de adrenalina que invadia o corpo.
O pomo de Adão movia-se quando ele engolia. Ela imaginava o roçar do seu rosto no dela, a aspereza por trás do beijo dele. Embora ela odiasse o veneno daquele ataque, Tabitha estava curiosamente excitada, alta de adrenalina, champanhe e o embriagante coquetel de hormônios que a presença dele incitava.
A mão dele levantou-se lentamente e ela ficou imóvel. Apenas o som do ronco de Aiden quebrava o silêncio. Isso e o pulsar das têmporas dela com o toque dos dedos dele pelo seu colo, explorando as cavidades do pescoço e os cachos do cabelo.
E ela esperou.
Esperou que ele a puxasse em direção a ele, para expulsar a tensão com os mais violentos beijos. Ela lambeu os lábios, a língua rosada mexendo involuntariamente, umedecendo os lábios com a expectativa.
― Eu já devia saber. ― Com um movimento ríspido, uma frase ríspida, ele voltou à realidade e retirou os dedos da etiqueta de grife do vestido de Tabitha. ― É esse o preço de um namoro nos dias de hoje?
As palavras dele a confundiram. Lutando para entender o significado, ela recuou e a distância lhe deu uma chance de recobrar a consciência enquanto os olhos dele cintilavam de desprezo.
― Sou eu quem dá o aval ao cartão de crédito de Aiden ― explicou ele sordidamente. ― Eu já devia ter desconfiado. A sua roupa é a única coisa que você tem de bom gosto.
― Sai daqui.
― Ah, estou indo e, de manhã, Tabitha, você também. O mais humanamente possível longe da minha família, se sabe o que é bom para você.
Só quando a porta se fechou completamente, quando só o perfume masculino dele permaneceu, é que Tabitha conseguiu respirar novamente.
Não conseguindo manter-se de pé, ela sentou na beira do sofá, tremendo só de pensar nele. Ele era vil, asqueroso, cheio de si mesmo. Mas aqueles momentos na pista de dança com ele tinham provocado rios de paixão que ela nem imaginava existir. Os olhos dele pareciam que iam dilacerar-se nos dela, a boca dele, o cheiro...
E não havia nada que ela pudesse fazer! Mesmo se ultrapassasse as fronteiras da realidade e imaginasse alguém tão estonteante quanto Zavier Chambers atraído por ela, ela seria para o resto da vida a namorada caça-níquel do irmão dele, com uma dívida de jogo para quitar! Esticando-se no sofá, ela deitou olhando para o teto, quase chorando de frustração com a injustiça daquilo tudo. Nem mesmo o canal de filmes exercia qualquer atração sobre ela. Qual era o problema? O problema tinha estado naquele quarto momentos antes!
Apenas alguns segundos mais tarde ela se deu conta de ter esquecido a bolsa na festa.
Virando-se de lado, ela travou uma batalha com o desejo de voltar à festa e ter a chance de vislumbrar Zavier de novo. Podia parecer estúpido, ele certamente perceberia o motivo que havia por trás daquilo. Mas o raciocínio dela, embora lógico e sensível, não combinava com seu desejo de terminar, de algum modo qualquer que fosse, o jogo perigoso que tenha começado, de consertar as coisas, chegar a uma conclusão ou abrir a caixa de Pandora.
Tabitha percorreu o corredor acarpetado com o coração batendo forte e fora de sintonia com a música que tocava lá no salão.
A escura e indefinida forma vindo em sua direção era tão larga e alta que só poderia ser de uma pessoa.
Mais alguns passos e seu rosto ficou em foco, os olhos brilhantes e escuros, um curioso olhar de triunfo.
― Procurando isso? ― Ele segurava a bolsa dela, um toque feminino, um sedutor contraste com um fundo tão masculino. ― Eu voltei para a festa e a vi abandonada embaixo da mesa.
― Muito obrigada. ― Ela aceitou a bolsa, mas não se virou, incapaz de desviar os olhos daquele olhar penetrante.
― Gostaria de um último drinque?
Mesmo concordando com a cabeça, Tabitha sabia que ele não tinha a intenção de levá-la de volta para o bar. Ela sabia que não seria diferente.
O quarto dele estava incrivelmente arrumado. Algumas garrafas e escovas adornavam a penteadeira e um copo ainda com uísque pela metade estava na mesa de centro. Tabitha notou que os cubos de gelo ainda não estavam completamente derretidos; ele não tinha voltado direto para a festa depois de deixá-la.
Os olhos dele seguiram os dela até o copo; a voz firme dele respondeu a pergunta que não havia sido feita.
― Eu estava tentando arrumar uma desculpa legítima para ver você de novo essa noite. Ao contrário do sermão que vou passar no Aiden amanhã de manhã, às vezes a resposta está na bebida pronta. ― Ele olhou para a expressão confusa dela. ― Eu estava sentado aqui pensando em você, imaginando se eu podia arriscar bater à sua porta, então me veio uma luz de que você não estava com a bolsa...
― Por que você queria me ver de novo? Já não terminou seu sermão?
― Sermão terminado.
Isso poderia estar acontecendo com ela? Zavier Chambers tinha ficado sentado mexendo no uísque tomado pelo mesmo trêmulo desejo que a tinha dominado quando ela estava deitada no sofá? Isso seria possível?
― Então, por que você veio me procurar?
― Não é óbvio?
Erguendo o olhar em direção aos olhos dele, ela estava chocada e estranhamente excitada por ver que deles emanava o mesmo desejo patente que a tinha derretido na pista de dança.
― Eu achei que você me odiasse.
Ele sacudiu a cabeça lentamente, deliberadamente.
― É um sentimento bem mais simples o que você desperta em mim.
Como alguém tão carismático e sexy quanto Zavier podia possivelmente estar interessado nela? Ele podia ter qualquer mulher que quisesse. Ele sustentou o olhar dela, prendendo-a com os olhos. Tudo nessa noite parecia surreal, como se ela estivesse vivendo um estranho sonho erótico.
― Vem aqui. ― A voz dele estava baixa, seu pedido direto.
Tabitha sabia que devia ter parado por ali, pegado sua bolsa, agradecido a ajuda e saído de lá.
Mas ela não fez isso.
Hesitantemente ela andou em direção a ele, atraída por um desejo irresistível que transcendia todo o resto.
Ela estava completamente fora de controle, dominada pelo desejo. Nunca nos seus sonhos mais selvagens ela imaginou agir tão atrevidamente, mas Zavier a impregnava de devassidão. Uma olhada nos pensativos olhos escuros dele e os escrúpulos de toda uma existência precisavam ser reescritos.
― Dance.
Magnetizada, ela sacudiu a cabeça, estendendo a mão para ele, desesperada para senti-lo novamente, para reencontrar a mágica criada na pista de dança. Mas Zavier teve outra idéia. Quase que imperceptivelmente ele sacudiu a cabeça.
― Não. Dance para mim.
Os olhos dele deixaram os dela por um momento de breve impaciência, os dedos dele mexendo em um controle remoto e o quarto sendo tomado pela suave batida de um baixo e o choro esforçado de um violino. Embora o som a movesse e a música a invadisse, não chegava nem perto do ímpeto de desejo que a transbordava quando ele a fitou.
― Eu não consigo. ― A língua de Tabitha agitava-se sobre os lábios secos. ― Eu não consigo ― disse ela novamente quando ele não respondeu. ― Você vai rir de mim.
Novamente ele balançou a cabeça.
― Eu não estou rindo, Tabitha; quero ver você dançar. Dance para mim como quando você está sozinha.
Ele sabia! Era como se ele tivesse a chave para seus pensamentos, seus sonhos, como se ele a tivesse visto arrastar a mesinha de centro, fechar as cortinas e dançar.
As alças das sandálias estavam frouxas, os cabelos caíam para frente enquanto as mãos trêmulas mexiam nas minúsculas fivelas. Ela não podia acreditar que o estava agradando de alguma maneira, mas quando a música encheu o quarto, Tabitha superou o constrangimento e deixou que o ritmo pulsante e sensual a invadisse. Vagarosamente, ela deslizou os dedos do pé na longa batata da perna. Seu vestido envelope escorregava do corpo para revelar músculos definidos. Instintivamente encolhendo a barriga, ela sentiu o fio imaginário que faz dançarinos manterem a postura ereta. Então deixou a música comandá-la, movendo-se da música, balançando, girando, dançando a mais particular das danças para o mais cativo público. Quando a música diminuiu, quando, sem fôlego e o corpo reluzindo, ela ousou olhar para ele, a chama de desejo que emanava dos olhos expressivos de Zavier acabou com o ar que restava em seu peito.
― Venha aqui.
Era a segunda vez que ele a chamava para ela, a segunda vez que ele a intimava, e Tabitha sabia que o interlúdio tinha chegado ao fim. Sabia exatamente como tudo ia acabar ao aproximar-se dele.
Tabitha nunca tinha sido promíscua; ela sempre levava os relacionamentos a sério. Ela não era o tipo de mulher que podia ser comprada com jantares e flores, seu coração não se entregava assim tão facilmente. Mas ao atravessar o quarto, ao dar aquele passo em direção ao abismo, sua mente zunia e por ela passavam os momentos cruciais de suas histórias de amor antes que a paixão a dominasse.
Com uma percepção apurada, ela sabia por que estava fazendo isso ― ou, mais importante, por que queria fazer isso. Zavier Chambers tinha feito em poucas horas o que muito homem levava meses para realizar; ele a tinha feito sentir-se uma verdadeira mulher.
Ele ficou absolutamente imóvel ao vê-la cruzar o quarto, atraindo-a em sua direção com um magnetismo selvagem. Quando ela chegou mais perto, ele esticou os braços e puxou-a, tirando-a da beira do abismo como se um único segundo fosse tempo demais para mantê-los separados.
O peso dos lábios dele nos dela era explosivo, faminto. Ela quase vociferou com o impacto dele no corpo dela, os lábios repartiam-se enquanto ele a explorava com a língua. Ela podia sentir o duradouro vestígio de uísque que, junto com o cortante cheiro de masculinidade, abarrotava seus sentidos.
Os cabelos dele eram grossos e sedosos, as coxas fortes e duras. Quando ele a puxou mais para perto, ela pode sentir seu membro enrijecido, duro e insistente. Zavier tirou os grampos dos cabelos de Tabitha e jogou-os no chão ferozmente, seus dedos fazendo cair os cachos cor de titânio, colocando-os em volta do rosto dela. Empurrando o rosto de Tabitha para trás, seus lábios exploraram o pescoço dela, arranhando a pele macia com seu rosto, enquanto a boca localizava seu trêmulo pulsar. Ele a puxou.
― Você tem certeza?
A voz dele era grossa, áspera e a pergunta, séria. Mas ela estava além de qualquer fundamento lógico. Os porquês e portantos teriam que esperar; agora o que importava era o momento. Sua única certeza era a de que se ele parasse de beijá-la, parasse de extasiá-la, de venerá-la com o corpo, ela morreria de frustração. A voz dela saiu ofegante, vacilante.
― Por favor ― insistiu ela ― não pare.
Pela primeira vez desde que seus lábios se encontraram ela abria os olhos. Ele a olhava fixamente, as pupilas dilatadas e o desejo queimando em cada faceta de seu ser.
― Não pare ― insistiu ela.
Era tudo o que ele precisava para continuar e, fazendo-a cair em seus braços, Zavier a carregou para a imensa cama. Puxando a macia colcha, ele a deitou.
O que Tabitha esperava ela não tinha a menor idéia: ele rasgar as roupas dela, ela arrebentar a blusa dele? Mas a paixão animal que se apoderou deles foi substituída por um clima sensual, quase que uma respeitosa admiração enquanto Zavier lentamente tirava a roupa dela. Ele saboreava cada olhada que dava nas partes expostas de Tabitha.
Depositando beijos vagarosos e intensos nos seus ombros, ele abaixou as alças do vestido, explorando seu colo com a língua. Ela escutou a respiração intensa de Zavier ao sentir o chiffon do vestido arrastar-se pelo peito dele. Os mamilos rosa de Tabitha imploravam a frescura daquela língua, dançavam para chamar a atenção de Zavier. Ela desejava que ele chupasse cada um daqueles mamilos tesos até ficarem latejantes. Para baixo, cada vez mais para baixo ele movia-se, da cavidade da barriga dela até os brilhantes cachos que escondiam sua caixa do tesouro, que ele abriu com admiração. A língua dele movia-se magicamente, fazendo-a dar um grito sufocado de prazer ao trazê-la cada vez mais próximo do ápice do gozo. Então, cessando lentamente, deixando-a permanecer a ponto de gozar, sentir-se à beira de um abismo, ele acariciou lentamente a delicada sardenta parte da perna que ficava para fora de sua fina meia-calça.
Com a graça de um gato ele se levantou. Apenas seus olhos mantinham-se imóveis, prestando atenção à reação de Tabitha ao sentir o primeiro contato dos pêlos do peito dele que desciam pelo abdômen definido. Ela ouviu o zíper abrindo e foi em direção ao seu pênis de ébano, enquanto as calças deslizavam pelas coxas firmes, e revelou sua embriagante virilidade. Ela estendeu as mãos trêmulas e ansiosas, desesperadas para tocá-lo, mas Zavier sacudiu a cabeça, provocando-a um pouco mais enquanto ainda tirava o que sobrara de roupa.
Ele a empurrou delicadamente de volta para a cama e abriu as pernas de Tabitha, que sentiu o áspero pêlo de suas coxas roçarem na seda da meia-calça. Ele mergulhou nela com tanta precisão e força que a fez gemer de prazer. As pernas dela enroscavam-se na cintura dele enquanto as unhas coral cravavam-se naquelas nádegas duras.
E finalmente a única dança que sobrou foi a de amantes entrelaçados. Seus corpos faziam a própria música, dançavam em um ritmo único, um jazz de idiomas harmônicos, afinados, improvisando quando necessário. O ritmo os preenchia, lhes dava energia, os incitava, descobrindo o que funcionava, o que os atrapalhava ― e tudo aconteceu. Cada célula de seus corpos parecia estar saciada de desejo, até que ela não conseguiu mais segurar. Cada pulsação do corpo de Tabitha estava em perfeita sintonia, concentrando-se no mais íntimo de seu ser ao senti-lo gozar dentro dela. Ofegante, com o corpo latejando, ela abriu os olhos. Ela precisava olhar para ele nesse momento ― ver o homem que a tinha levado a esse lugar mágico. Ele era a perfeição que ela tanto desejou, era a sua maior fantasia que agora ela estava realizando, e amando.
Fechar os olhos agora iria estragar o sonho.
― E Aiden?
A pergunta a atordoou, era inoportuna e inesperada. A aspereza da voz dele estava em violento contraste com o vigoroso carinho de alguns momentos antes.
― Tabitha?
Ela ouviu a nota impaciente, a intimação por uma explicação. Sentiu-se tonta com o choque de um desprezo tão visível, e atordoada com aquela mudança de comportamento.
Sentando-se, ela puxou o lençol para mais perto e cobriu os seios, mesmo sabendo que era tarde demais para falsa modéstia. Ela estava bestificada com aquela repentina mudança de comportamento.
― Eu posso explicar... ― começou ela, correndo a mão pelos cachos dos cabelos para buscar uma resposta. Mas ela não tinha resposta. Dizer a verdade para Zavier poderia redimi-la de alguma maneira, mas a que preço? Trair seu melhor amigo estava fora de questão; o segredo de Aiden ela não podia dividir com ninguém.
Então ele virou um pouquinho o rosto, o suficiente para seus olhos queimarem nos ombros de Tabitha e para perceber a tensão dela enquanto ele continuava.
― Se você o ama, então, me diga, Tabitha, o que está fazendo na cama comigo? Quer dizer, com certeza até você pode perceber que ultrapassou os limites da decência. Eu acho que qualquer um pode cometer um erro no calor da paixão, mas com certeza você resistiria mais se amasse Aiden de verdade. Eu achei que, no mínimo, seria um pouco mais difícil trazê-la para cá.
Levou um momento para ela organizar os pensamentos, absorver tudo o que ele estava dizendo, mas de repente, com uma vil percepção, ela se deu conta do que ele tinha feito. Ele pode até ter se sentido atraído por ela, pode até tê-la desejado, mas levar isso a cabo ― convidá-la para o quarto dele, seduzi-la ― tudo tinha sido um teste. Um teste para ver se ela realmente amava Aiden, se ela resistiria à atração de outro homem.
E ela fracassou, tristemente fracassou.
― Você me testou? ― Os lábios estavam brancos, a voz estremecida. Zavier sorriu.
― Possivelmente, embora eu não tenha sentido muita resistência.
― Você me testou ― repetiu ela, zangada agora, chocada e magoada com o que ele tinha feito. ― Você estava me testando, tentando ver até onde eu iria. ― Com uma lamúria de horror, ela lembrou-se das palavras de Aiden. Ele espreme você na palma da mão.
Zavier Chambers tinha feito exatamente aquilo. Ele era tão inescrutável quanto perigoso, e ela era a única culpada por ter caído nas garras dele.
Enrolando-se no lençol, Tabitha saltou da cama. Resgatando seu fino vestido e roupa íntima do chão, correu para o banheiro. Batendo a porta, ela agarrou-se na fechadura ― mas ele era rápido demais para ela. Forçando a porta, ele conseguiu entrar. A nudez dele agora a desconcertava, a machucava, era a lamentável lembrança do que ela fizera. Desviando o olhar, ela ajustou ainda mais o lençol ao corpo. Apertou os olhos mareados pelas lágrimas.
Compassivamente, ele reagiu ao desconcerto dela e enrolou-se numa toalha antes de firmemente segurar o braço dela e fazê-la olhar para ele.
― Fica longe de Aiden ― ele sibilou com o rosto ameaçadoramente próximo.
― Tire as mãos de mim. ― A voz dela estava surpreendentemente calma, apesar de autoritária; o espanto tinha sido substituído por uma ardente raiva. ― Você não sabe de nada. A grande verdade é que só estou aqui fazendo um favor para a sua maldita família.
― Para a gente não descobrir que Aiden é gay?
― Você já sabe?
― E claro que sei. E mesmo que eu não tivesse certeza, essa noite eu só confirmei.
― Por quê? ― A mente dela girava, chocada com a revelação, querendo saber qual seria a reação de Aiden.
Ele a largou, mas Tabitha não se moveu. Os olhos dela procuravam a face de Zavier, em busca de uma resposta, que foi quase inaudível quando veio. A voz dele era um baixo sussurro rouco que ela teve de se esforçar para entender.
― Qualquer outro homem teria orgulho de ter você nos braços.
Tabitha deixou escapar um riso nervoso completamente inconveniente, dada a hostilidade entre eles.
― Eu não chego nem aos pés de Amy Dellier.
― Você é dez vezes uma Amy Dellier ― soltou Zavier. ― E se Aiden tivesse um pingo de testosterona no corpo, o que ele estaria fazendo agarrado a um copo de uísque em vez de estar agarrando você?
― Se você sabe que ele é gay, não consigo entender por que você está tão bravo. Certamente você sabe que eu não posso estar com ele por causa de dinheiro...
― Ah, poupe-me dos discursos ― alfinetou Zavier. ― Você realmente acha que o seu seria o primeiro casamento de conveniência? E eu não estou falando das pessoas em geral. A árvore inteira da família Chambers está abarrotada de maçãs podres ― coisinhas doces por fora, mas ambiciosas e podres caça-níqueis por dentro.
― Eu não sei do que você está falando! ― Ela aumentou o tom da voz, a vergonha de ter deitado com ele lutava com a raiva pela maneira de como estava sendo tratada e, o pior de tudo, o desconcerto de ter se entregado tão facilmente, se exposto tão prontamente.
― Esse casamento, por exemplo, da minha prima Simone... ― Ele jogou as mãos para o alto num gesto exagerado e impetuoso. ― Amor é um sonho adolescente, minha querida. Ele olhou para a expressão bestificada de Tabitha. ― Você quer um exemplo bem próximo? Meus pais.
― Mas... mas eles parecem tão felizes ― gaguejou Tabitha.
― Felizes, sim. Casados, sim. Mas alegremente casados é uma coisa completamente diferente. E se você acha que eu vou deixar você enfiar as suas garras em Aiden, está muito enganada.
― Ele estava brincando ― suplicou Tabitha, mas não foi atendida.
― Não, não estava, Tabitha ― disse Zavier sombriamente. ― Mesmo com todas as pretensões artísticas, com todo o estilo de vida alternativo que você e Aiden insistem em levar, vocês dois não poderiam ser mais baixos. Vocês podem até querer resistir ao sistema, mas ainda gostam que suas contas sejam pagas, ainda gostam de um pouco de luxo ― e que vida luxuosa seria ― sorriu ele desdenhosamente. ― O quão respeitável seria a Senhora Tabitha Chambers se suas dívidas de jogo fossem quitadas. Eu já posso até vê-la nos cassinos de Melbourne, por exemplo, no Melbourne Cup. Com certeza muito menos sórdido do que os lugares que você provavelmente freqüenta. O único problema dessa história toda é que você é uma coisinha sensual. ― Ele aproximou-se agora, seu hálito quente na sua já calorosa face. ― As mesas de jogo não são os únicos lugares onde você se diverte, são?
― Você não sabe do que está falando ― A voz dela estava sufocada, era um tenso sussurro. Ela não conseguia mover-se, estava paralisada como um coelho encurralado.
― Ah! Eu sei sim. Você tinha que ter um amante... discreto, é claro. Não era isso que você queria? Uma espécie de teste para ver se eu tenho potencial para agüentar você durante um casamento solitário e sem amor?
― É claro que não.
Ele rejeitou aquela resposta com um movimento da cabeça.
― Eu suponho que eu passei.
― Você não precisa supor coisa alguma ― irritou-se Tabitha. ― Quer saber de uma coisa? Eu tenho pena. Você tem tanta certeza de todo mundo estar interessado no seu dinheiro, de todo mundo ser tão insensível, que deve ser difícil acreditar em felicidade eterna.
― Felicidade, o quê?
Por um segundo ela pensou que ele estivesse brincando.
― Felicidade, o quê? ― perguntou ele novamente.
Ela ainda pensou que ele estava brincando, mas pôde notar sua perplexidade.
― Felicidade eterna ― repetiu ela, mas ainda não havia reação por parte dele. ― Como nos contos de fada. A sua mãe nunca contou histórias antes de você dormir?
Zavier riu, mas não havia nenhuma graça naquilo tudo.
― Você conheceu minha mãe. Acha mesmo possível imaginá-la nos fazendo dormir com algum conto de fadas água-com-açúcar?
Nunca tinha passado pela cabeça de Tabitha que ela deveria sentir pena de Zavier Chambers. Afinal de contas, ele tinha tudo o que ela não tinha: ― dinheiro, poder, pais. E, porém... Olhando para aquele rosto arrogante, aquele olhar taciturno, Tabitha foi tomada por uma repentina onda de compaixão. Ela só tinha tido seus pais por sete anos mas, sem dúvida, não trocaria aquelas lembranças por toda uma existência ao lado de Marjory e Jeremy ― pegar no sono com sua mãe lendo, em voz alta, histórias em castelos com príncipe e final feliz. Um mundo onde o mocinho sempre vencia.
― Você entendeu tudo errado ― disse Tabitha, dessa vez mais delicadamente.
― Eu acho que não.
Apanhando o vestido, ele deu mais uma olhada na etiqueta de grife antes de jogá-lo na direção dela.
― Fique longe da minha família, Tabitha Reece. Você me dá nojo.
Dançar sempre foi sua válvula de escape. Muito mais do que o trabalho, muito mais do que meios para um fim. A batida da música, o público na penumbra, o cheiro sensual dos corpos dançando, retorcendo-se. Perdendo-se no ritmo, vivendo apenas para aquele momento, o mundo sob controle até que a cortina empoeirada descesse.
Mas hoje não havia escape.
Cinco longos dias e cinco ainda mais longas noites. Dias passados caçando bancos, bancos hipotecários, esperando por uma ligação que salvaria a sua avó, o torturante pânico das dívidas lhe corroendo. Mas eles eram insignificantes perto da agonia das noites. Noites solitárias à espera de uma ligação, virando de um lado para o outro, assistindo à lua passar pela janela, com o Cruzeiro do Sul cintilando no céu escuro, eram um lembrete de sua insignificância.
Uma única noite. Podia parecer sem importância, sórdida ― sexo por sexo. Um encontro primitivo de desejos e depois ir embora sem nem olhar para trás.
Mas não foi assim com Tabitha. Ela não tinha ido embora sem olhar para trás. Sua mente estava constantemente lá, relembrando o êxtase. Ele a tinha machucado, desconcertado, humilhado, no entanto... ela havia vislumbrado a fantasia impossível de ser amada por Zavier. Amada.
A palavra ecoava pela mente como um riso sarcástico.
Não tinha nada de passageiro nisso.
Então, Tabitha dançava essa noite, dançava porque tinha de dançar, porque era seu trabalho, seu sustento e ela dançava bem ― mas nada comparado ao jeito como ela dançou para Zavier. E agora, quando a cortina desceu, ela não se apressou para sair do palco com as outras dançarinas, não tinha motivo para apressar-se, nenhuma pressa para deitar na grande e solitária cama e sonhar sonhos impossíveis.
O bate-papo animado, o zumbido de euforia que vinha ao final de cada espetáculo parecia estar em outra língua enquanto Tabitha tirava sua fantasia com indiferença, para depois remexer a bolsa à procura do xale.
― Tem um tal de Sr. Chambers aí para ver você ― Marcus, o ajudante de palco, parecia mais apagado do que nunca, e Tabitha deu um sorriso agradecida ao virar-se para cumprimentar seu amigo. Aiden estava tornando-se figura cativa no camarim.
― Então, qual é a crise essa noite? O seu peixinho de estimação finalmente sucumbiu?
Aquela frase implicante morreu nos lábios dela ao ver o rosto de Zavier.
― Nada tão dramático. ― Ele avançou, os dançarinos abrindo caminho, olhando descaradamente para Tabitha, a franca admiração em suas expressões. ― Eu preciso ir para os Estados Unidos amanhã e achei que devíamos examinar alguns detalhes.
― Detalhes? ― A voz perplexa de Tabitha era quase que inaudível ao olhar para ele, que tinha emudecido.
Só quando seus olhos se moveram rapidamente em direção a seu corpo rosado e reluzente, ela percebeu o fato de que vestia apenas uma calcinha fio dental. Nunca tinha sido problema ― o camarim estava sempre abarrotado de corpos nus ― mas sob o olhar de Zavier não havia nada de casual na sua nudez, nada inocente em como seu corpo respondia à mera presença daquele homem. Ela tinha sonhado com esse momento, determinada a quando ― se ― ela algum dia o visse de novo, parecer fria e distante; ela tinha ido tão longe a ponto de ensaiar em frente ao espelho ― um delicado enrugar da testa, um ligeiro estalar de dedos enquanto tentava lembrar o nome dele. Um esforço em vão.
― O casamento. Só faltam quatro semanas. A gente realmente precisa finalizar algumas coisas. ― O usual burburinho estava mortalmente silencioso, cada ouvido esforçando-se para escutar, cada olhar neles.
― Marcus?
Ela vagamente registrou a virada de Zavier para o ajudante de palco, notando o quão estranho era ele saber o nome de Marcus e o quanto Marcus parecia feliz em agradar o poderoso Zavier Chambers.
― Há algum outro lugar aonde a gente poderia ir? Algum lugar um pouco mais privado? ― Ele lançou um sorriso malevolente para a muda Tabitha. ― Minha noiva parece que precisa se sentar.
Levou apenas um minuto para ela se vestir, colocar o xale a saia e as sandálias, mas pareceu durar uma vida. Os olhares dos colegas, dos amigos e do chefe estavam nela. Contudo, nada se comparava ao violento olhar e à impaciente postura de Zavier enquanto ela remexia as mãos para amarrar o xale.
― O que isso tudo quer dizer? ― A voz de Tabitha não parecia tão segura quanto ela esperava, mas ia ser assim mesmo. ― Como ousa intrometer-se aqui? Como ousa largar uma bomba dessas, só para me despedaçar? Eu tenho de trabalhar com essas pessoas.
― Mulheres de Chambers não trabalham ― veio o ligeiro retrucar. Irritado e imóvel pela raiva de Tabitha, ele estourou o champanhe com facilidade e encheu duas taças. Ele passou uma taça para ela, enchendo-a até derramar nas mãos trêmulas de Tabitha.
― Eu estou falando sério, Zavier. Quero que você me diga o que isso tudo quer dizer!
― É muito simples. ― Ele lançou aquele sorriso perigoso. ― É sobre a gente.
― A gente?
Era difícil permanecer atenta quando as palavras vinham dele. Nós. Você e eu. Ele e eu. Eu e você. Você e eu.
― A gente o quê?
― A gente se casar.
Ele disse aquilo tão levemente, tão facilmente, que por um momento Tabitha nem mesmo registrou as palavras. Com a mente tomada de lembranças, só depois de alguns segundos ela voltou para a realidade e conseguiu absorver o que ele tinha dito.
― Casar?
― Isso mesmo. - Afirmou Zavier com a cabeça.
― Casar com você?
― Acertou de novo.
― Por que você me pediria em casamento? ― O ódio tinha ido embora da sua voz, sendo substituído por puro espanto.
― Porque, pelo menos uma vez, os esquemas levianos de Aiden têm algum mérito.
― Mas eu só concordei com um namoro. A proposta de casamento foi tanto surpresa para mim quanto para você. Por que não acredita em mim quando eu digo que não estou atrás do seu irmão? Nunca estive. Era só para ajudá-lo, e não um plano arquitetado para prejudicá-lo. E para o seu conhecimento, falei sobre isso com Aiden na manhã seguinte, quando ele repetiu o pedido, e eu disse novamente que não me casaria com ele.
― Eu estou certo disso ― continuou Zavier, ignorando a sua recusa. ― Afinal de contas, Aiden não é uma aposta segura. ― Ele lançou um sorriso seco para Tabitha. ― Nós todos sabemos o quanto você gosta de um jogo, mas por que queimar esse cartucho com um artista sem um tostão furado que poderia ser deserdado? Por que correr o risco de a família dele descobrir a verdade disso tudo, e acabar sem um único tostão?
― Você não entendeu nada.
― Eu não acho ― disse Zavier com um leve sorriso que definitivamente não combinava com seus olhos. ― De qualquer maneira, por uma vez na vida, Tabitha, você venceu. Dessa vez, querida, você tirou a sorte grande.
― Que sorte grande? ― Os lábios dela expressavam um certo desdém, os nervos ao vê-lo eram momentaneamente dominados pelo absurdo daquelas palavras.
― Eu estou subindo a aposta. ― Os olhos dele fecharam-se levemente ele a examinou de perto, vendo a cor subir-lhe à face diante daquela investigação. ― É dessa parte que você gosta, não? ― sibilou ele.
Mas Tabitha recusou-se a ser maltratada. Sim, ele a estava intimidando e, sim, ele era indiscutivelmente o homem mais poderoso que ela já tinha enfrentado. Todavia, ela tinha visto a outra face dele, tinha sido arrebatada por ele, venerada por ele, mesmo de forma fugaz.
Medo não estava em questão.
― Se antes eu estava confusa, agora você me desnorteou completamente ― admitiu Tabitha com um suspiro ligeiramente exagerado, depois dando um gole no champanhe, pois era a única coisa que ela podia fazer em vez de olhar nos olhos dele.
― Uma vez na vida Aiden teve uma idéia que realmente merece ser reconhecida.
Ele a olhava diante da penteadeira, olhou-a pegar alguns lenços, tirar o lívido batom vermelho dos lábios, tirar dos cabelos os grampos que prendiam os cachos.
― Talvez isso possa esclarecer as coisas. ― A voz dele saiu muito ríspida e incisiva. Os músculos da face de Zavier negavam-se a ser indiferentes ao pegar um cheque do paletó e colocá-lo na frente dela.
― Isso é uma brincadeira, não é?
― Eu nunca falei tão sério em toda a minha vida.
As mãos de Tabitha estavam mais agitadas e ela tirava os grampos com impaciência. Exceto pela breve olhada para baixo para ver o que ele fazia, seus olhos nunca deixavam o espelho. Ela não tinha vontade alguma de examinar aquilo mais de perto ― vontade nenhuma de ver a absurda quantia que ele lhe oferecia.
― Sugiro que olhe mais de perto ― disse ele com a voz grave. ― Não é todo dia que se recebe uma oferta dessas.
― Não é todo dia que alguém me faz sentir uma leviana.
Aquelas palavras soaram como um tapa no rosto de Zavier, e ele involuntariamente recuou.
― Essa não é a minha intenção. ― A resposta dele parecia sincera, quase que um pedido de desculpas mas, limpando a garganta, ele continuou numa voz mais indiferente ― É apenas uma solução para um problema.
― Que problema?
― Você tem problemas financeiros; eu tenho um pai que almeja ver um dos filhos casado. O tempo não está do meu lado e, pelo que Aiden me contou, você está lutando contra o tempo para conseguir dinheiro. Você está com dívidas até o pescoço.
― Não. ― A fúria por trás daquela recusa literalmente deixou Tabitha no chão. ― Eu não estou.
Ele não mexeu um fio de cabelo, não se dignava a olhar para ela.
― Por que você precisa de dinheiro, então?
Passou pela cabeça dela contar para ele. Mas se Zavier soubesse que as dívidas eram da sua avó e não dela, então a conversa efetivamente acabaria. Embora aquela proposta de casamento fosse absurda, Tabitha estava intrigada e, talvez, para ser mais clara, dez minutos a mais do tempo de Zavier eram os dez minutos que ela mais almejava.
― Eu não quero falar sobre isso.
― Eu aposto que você não quer ― respondeu ele asperamente, antes de dar um suspiro firme e profundo. ― Eu estou oferecendo uma saída, uma solução para os respectivos problemas. ― Ele empurrou o cheque em direção a ela novamente e dessa vez Tabitha olhou, colocando os olhos naquele garrancho extravagante, ampliando-se à medida que se aproximava daquela quantia exorbitante.
― Isso é parte do pagamento.
― Parte do pagamento?
― Caso você aceite ― disse ele em um tom prático. ― Você vai receber a mesma quantia novamente depois do casamento e o dobro em seis meses ― contanto que, é claro, tenha sido uma boa esposa.
― Uma boa esposa? ― O espanto na voz de Tabitha era perceptível até para ela mesma, e mordia-se mentalmente por ter repetido aquelas palavras. Ela pareceu um papagaio.
― Sem escândalos, nada de falar com a imprensa e sem objeções a um rápido divórcio.
― Di-divórcio? ― Um papagaio gago, pensou Tabitha pesarosamente, prestando atenção em qualquer coisa, menos na conversa ridícula que estava acontecendo.
Ele fez uma careta de nojo.
― Eu não estou esperando que você jogue fora a sua vida, apenas seis meses. ― Ele encolheu os ombros, mas Tabitha sabia que aquele gesto indiferente escondia muita dor. ― Os médicos deram no máximo três meses de vida para o meu pai. Seis meses darão um ar respeitável ao nosso casamento antes que a família volte às manchetes. Caso contrário, vai parecer um pouco insensível de sua parte me deixar logo após a morte de meu pai. Está fora de cogitação acabar com a sua reputação.
― Só com meu amor-próprio.
― Eu acho que você mesma já se encarregou disso ― disse ele grosseiramente e Tabitha, de repente, ficou vermelha só de pensar na rapidez com que se jogou na cama com ele. Mas conforme ele continuou, ela se deu conta de que ele não estava fazendo alusão àquela noite ― o vício dela, na cabeça dele, não era por morenos indescritivelmente charmosos com atração sexual suficiente para fazer o mundo pegar fogo.
― Também não vai ter mais jogo. Naturalmente, dada a sua fraqueza e a natureza do nosso casamento, você tem de entender que eu não vou fazer uma junta signatária em nada mas, é claro, você terá uma mesada substancial. Aiden me disse que suas dívidas foram contraídas em um cassino, portanto, eu só peço que fique longe das mesas de jogo, a não ser que eu esteja presente. Pelo menos enquanto nós formos casados; o que você vai fazer depois é problema seu. Você pode apostar tudo o que você quiser, mas eu acho que seria sensato aproveitar esse tempo para buscar alguma ajuda. Eu fico feliz em poder pagar um psicólogo.
― Não vai ser preciso.
― Muito bem ― suspirou Zavier. ― Os viciados são sempre os últimos a assumir que têm um problema. Mas se você mudar de idéia, a oferta continua de pé. De qualquer maneira, está tudo no contrato.
Tabitha já ia repetir a última palavra de Zavier, mas conseguiu morder os lábios ao vê-lo pegar dois documentos de sua maleta.
― Por que não se senta para ler? Vai levar algum tempo. Quero que você esteja totalmente ciente de tudo antes de assinar.
Ele falava como se ela tivesse concordado, como se tudo já estivesse decidido e Tabitha, antes estupefata, estava agora furiosa.
― Você realmente acha que eu vou aceitar essa sua proposta absurda?
― É claro que sim ― respondeu Zavier confiantemente. ― Esse dinheiro vai mudar a sua vida.
― Eu estou muito feliz com a minha vida, muito obrigada.
― Por quanto tempo você acha que pode continuar vivendo assim, Tabitha?
Ela preparou-se para fazer um curto e incisivo discurso sobre os perigos do jogo. Mas quando ele falou, as palavras que vieram daquela boca literalmente a confundiram, a acalmaram.
― Por mais quanto tempo você acha que vai viver da dança?
― Eu estou na faixa dos vinte ― disse ela com indignação. ― Você fala como se eu estivesse me arrastando pelo palco com a ajuda de um andador.
― Você tem quase trinta ― ressaltou Zavier cruelmente, ignorando o rubor na face de Tabitha. ― E, além disso, você foi chamada para fazer um teste para um papel que seria naturalmente seu.
― Isso é só formalidade ― balbuciou Tabitha. ― E Aiden não tinha o direito de contar isso.
― Nós somos irmãos. E foi uma conversa bem séria. Eu li no jornal sobre o excesso de talentos em Melbourne, sobre a situação difícil das dançarinas em busca de trabalho...
― Eu não me lembro dessa matéria ― retrucou Tabitha enrugando as sobrancelhas. ― E para o seu conhecimento, eu leio jornal de vez em quando; não sou uma ignorante completa.
― Ah, mas meu irmão é. Você está certa, não tinha nenhuma matéria. Mas a mera sugestão da existência de uma para Aiden foi o necessário para que ele me contasse o quão difícil era para a sua querida, amadurecida Tabitha, o quão cruel era o mundo do teatro para uma criatura tão delicada como você.
― Mas por que minha carreira ― ela deu uma risada aguda ― ou a falta dela, interessaria a você?
― Não me interessa. ― Ele bateu na sua têmpora. ― Você sabe o que dizem: saber é poder. Pelo que eu saiba, você não está cheia de agentes batendo à porta para que assine um contrato. Então, agora eu sei o quão precária é a sua situação: você precisa de dinheiro e, para piorar, o seu trabalho não é exatamente seguro.
― Eu poderia arrumar um emprego num escritório ― destacou ela.
― Vestindo isso? ― Os olhos dele percorriam a extensão do corpo de Tabitha, que deixava à mostra uma absurda saia curta e uma clara e sardenta coxa. ― O vestido que Aiden deu deve ser providenciado para segunda-feira, mas no seu atual estado eu duvido que uma noite no cassino vá render um guarda-roupa cheio.
― Mas por que eu? ― perguntou Tabitha, mais para ela mesma do que para o próprio Zavier. Seus olhos verdes encontraram os dele somente quando as palavras já estavam no ar. ― Por quê? Por que você arriscaria a sua reputação...?
― A minha reputação agüenta essa ― disse Zavier sombriamente. ― Seria preciso mais do que uma dançarinazinha viciada em jogo para arruiná-la. De qualquer maneira, case comigo e o cassino está fora de questão; cuidei de tudo isso no contrato.
― Por que você não pediu para Amy? Afinal de contas, era isso que ela queria,
― Porque Amy queria fingir que tinha amor nisso tudo ― respondeu Zavier irritado. ― Amy queria o serviço completo. Você pode pensar que essa é uma grande quantia, mas minha verdadeira esposa, a mãe dos meus filhos, ganharia muito mais. Com você, Tabitha, seria inteiramente um acordo de negócios. Você vai embora independente e rica, e meu pai morre achando que um de seus filhos está casado e com uma esperança palpável de netos a caminho.
― Eu serei obrigada a ter um bebê? ― Escorria ironia no tom de voz de Tabitha. Nem por um momento ela esperava levar a proposta dele a sério. Mas, novamente, ela o tinha interpretado mal. Ele não apenas tinha uma resposta; a tinha colocado no contrato.
― Claro que não. Não haverá crianças. Você pode ser feliz arriscando sua vida com o jogo, mas não vamos jogar com a vida de uma criança. Eu espero que você tome as devidas precauções e, antes que me acuse de chauvinista, nós dois sabemos que existe uma indiscutível atração entre nós. O sexo que a gente fez não teve restrições e, certamente, o controle de natalidade não estava em nenhuma de nossas agendas. Preciso saber se houve alguma conseqüência daquela noite, antes de prosseguir.
― Conseqüências?
― Você já está grávida? Se estiver, o assunto toma uma outra dimensão.
― O acordo estaria acabado?
― Vamos dizer que isso tornaria tudo mais complicado. Embora eu não queira envolver uma criança deliberadamente nessa situação, se já tiver acontecido, então, naturalmente eu estou preparado para assumir minhas responsabilidades e tratar do assunto. Então, você está?
Tabitha ficou ruborizada. Discutir o ciclo menstrual com Zavier era a última coisa que ela esperava fazer, ou quase a última, ela admitiu.
A semente de Zavier plantada dentro dela. Filhos morenos à imagem do pai vindo de dentro dela. Zavier deitado ao lado dela, acordando-a com a ereção matinal, fazendo-a gemer de prazer por várias vezes com o seu toque.
― Tabitha. ― Ele a trouxe de volta para a realidade; a realidade surreal que se forçava sobre ela. ― Você está grávida?
― Não.
― Tem certeza?
― Quer que eu vá até a farmácia e compre um teste de gravidez?
― Isso seria o mais sensato, mas eu vou acreditar nas suas palavras. Zavier mais uma vez refletiu o sarcasmo de Tabitha; mais uma vez ele triunfou.
― Eu tenho certeza de que você vai concordar que se nós dois dividirmos a mesma cama pelos próximos seis meses, existe uma grande chance de as coisas se repetirem.
― Você tem certeza, é?
― Positivo ― disse ele, estendendo-lhe uma caneta.
― Você espera que eu assine? Assim?
― É claro que não ― respondeu ele irritado. ― Quero passar com você todos os pontos do documento. Eu não tenho dúvidas de que você vai exigir mudanças, mas vou avisando: eu não cedo assim tão fácil.
Sentindo vertigens, ela sentou-se, tentando ignorar o nervoso ao trocar a cadeira de lugar para que ficassem sentados lado a lado. Tentava concentrar-se no contrato que iria mudar a sua vida.
― A gente se casaria em quatro semanas. Minha família tem uma casa de veraneio em Lorne. É na praia, muito bonita e meu pai tem muitas boas lembranças e laços com aquele lugar. A cerimônia será lá. A não ser, é claro, que você seja fortemente contra. Eu não sei se você é religiosa e preferiria se casar na igreja?
Ela olhou para ele de esguelha.
― Mesmo se eu fosse, dadas às circunstâncias, dificilmente seria apropriado.
― Bom, pelo menos concordamos em alguma coisa.
Com uma pequena lamentação, ela deu uma rápida olhada no contrato.
― Esse contrato tem vinte páginas. A gente vai discutir isso tudo?
― É tanto para a sua proteção quanto para a minha – respondeu Zavier, insensível às objeções de Tabitha.
― Nós não podemos pelo menos sair para comer alguma coisa? Eu estou morrendo de fome.
― Antes de concordar com isso, você deve perceber que já não é mais anônima.
Ela olhou fixamente para ele, pasma, que não fez nenhum comentário quando os dentes dela distraidamente roeram a ponta da valiosa caneta.
― No momento em que nós ficarmos noivos você será uma Chambers em todos os lugares. No mês que vem, até esse detalhe será levado em consideração.
― Que significa?
― Fazer estragos ou se comportar mal. E mesmo que você queira se esquecer, sempre vai existir um jornalista para lembrar os delitos cometidos. Sentar em um restaurante para discutir acordos pré-nupciais estaria nos jornais em questão de horas. É assim que as coisas funcionam com a gente. São as normas que a gente tem que enfrentar diariamente.
― Não Aiden ― argumentou Tabitha.
Zavier sacudiu a cabeça.
― Deus, você é uma boa atriz mesmo, ou é realmente ingênua? Aiden tem medo até de tossir caso papai descubra. Por que você acha que ele a arrastou para aquele casamento? A imprensa já fez alguns comentários sobre a falta de uma namorada nas ocasiões sociais. Você realmente acha que ele queria você lá por causa do seu brilhante repertório?
― Na verdade, sim.
― Por favor!
― Eu sei que você deve achar impossível de compreender, mas Aiden gosta de mim de verdade. Assim, nem tente acabar com nossa amizade; essa briga você nunca vai conseguir vencer. Se a sua família fosse menos preconceituosa e crítica, eu não precisaria estar lá.
Um sorriso cínico esboçava-se nos lábios de Zavier, envolvendo-a numa raiva ainda mais intensa.
― Eu posso perceber que você não acrescentou "nada pessoal" aos seus impulsos.
― Eu garanto que a omissão foi proposital.
Até mesmo direitos conjugais eram tratados, lá na página dezoito, com uma resma sem fim de subcláusulas.
Consentimento mútuo... proteção adequada... sem indicação de longevidade matrimonial; as palavras embaçavam-se diante de seus olhos. Como algo tão bonito, tão íntimo, podia ser relegado a uma subcláusula de um contrato?
Até mesmo Zavier deu uma tossida desconcertada quando leu os detalhes em voz alta.
― Desculpe, mas isso tem de ser colocado; é uma forma de nos preservar.
Ela acenou positivamente com a cabeça, um sutil, incisivo aceno, sem confiar nas próprias palavras.
― Só iria complicar as coisas se as legalidades não fossem discutidas agora.
― É claro.
― Então eu acho que tudo já foi abrangido. Você tem alguma pergunta?
Ele soou tão austero e formal, como se tivesse acabado uma entrevista, e não a combinação de um casamento.
― Só uma - disse Tabitha com uma falsa vivacidade como que para esconder o nervosismo. ― Qual é o seu signo?
― Perdão. - Ele olhou para o contrato e Tabitha deu uma risada.
― Você não vai achar a resposta aí. A gente precisa saber o signo de cada um.
― Por quê? - perguntou ele simplesmente.
― Porque a gente precisa acordar e procurar a página de horóscopo no jornal para descobrir o que o outro está pensando, como vai ser o nosso dia, para ver se o outro está a fim de romance. Você não tem a menor idéia do que eu estou falando, tem?
Pelo menos uma vez Zavier teve de concordar que ele não era o mais astuto.
― Uma das primeiras coisas que Marjory vai perguntar é o meu signo.
― E claro que não. Isso tudo é uma bobagem ― respondeu ele irritado. ― Eu conheço a minha mãe.
― Com certeza conhece. Mas, ela não é só uma mãe, Zavier, ela é uma mulher, e mulheres se interessam por essas coisas. Quando ela perguntar ― o que eu posso praticamente garantir que ela vai ― se você não souber a resposta, nem mesmo uma performance digna do Oscar vai salvar a gente.
― Libra.
― Ah! ― A surpresa na voz de Tabitha era evidente. ― Librianos geralmente são afetuosos, amáveis, delicados. ― Você nasceu prematuro?
― Na verdade eu nasci no tempo exato, no dia exato ― acrescentou Zavier. ― Então, qual é o seu signo?
― Virgem.
Ele deu uma risada maligna.
― O que prova o meu ponto de vista: isso é pura bobagem.
E de repente não havia mais páginas para serem lidas. Nem mais pontos nos is ou tracinhos nos ts, só um grande espaço para eles datarem e assinarem. E por mais complicado que fosse, por mais intrincados que fossem os detalhes, até mesmo Tabitha, que tinha um cérebro de mosquito, entendeu o ponto principal de tudo. Ela amaria e adoraria ele, ao menos em público, nunca o envergonharia ou comprometeria seu status, nunca vacilando em nenhum ponto do contrato. Ela poderia ter tudo ― riqueza, respeito, o corpo dele, a cama dele. Mas só tinha uma coisa que o contrato tinha deixado de lado. Um pequeno detalhe que não havia sido abrangido pelos anônimos advogados que tinham elaborado aquele documento. Amor. A única coisa que não podia ser definida, legalizada ou racionalizada era o que faltava.
― Isso é uma transação financeira, Tabitha. ― Zavier pareceu sentir a hesitação de Tabitha; aquelas palavras foram ditas para que ela se sentisse melhor, então por que os olhos dela inesperadamente encheram-se de lágrimas?
― Eu empresto o meu coração; você paga as minhas contas.
― Algo assim. ― A voz dele estava extraordinariamente delicada. Aproximando-se dela, ele colocou as mãos no rosto de Tabitha, um dedo másculo tirando uma lágrima perdida que havia deslizado no rosto dela.
― Mas isso é apenas um bom negócio, Tabitha. Ninguém sai perdendo.
Ninguém sai perdendo. Ele observou Tabitha franzir as sobrancelhas. Como ele podia dizer aquilo? Como ele podia olhar nos olhos dela e dizer que não haveria perdedores quando dentro de seis meses ela precisaria deixá-lo?
― Nós não precisamos de uma testemunha? ― perguntou Tabitha, protelando o último obstáculo.
― Não ― disse Zavier lentamente. ― A gente precisa de tempo.
Entrando em ação, o homem de negócios levantou-se e organizou as páginas do contrato antes de colocá-lo na pasta. O mais estranho baque de desapontamento retumbou em seu peito quando ela percebeu que ele não esperava uma decisão imediata.
― Reflita sobre isso ― propôs ele. ― Eu não quero que você se sinta forçada a nada.
Pegando o cheque, Tabitha, com as mãos trêmulas, entregou-o a ele.
― E melhor você ficar com isso. ― Ela deu uma risada ligeiramente estridente. ― Afinal de contas, eu poderia acabar com seu dinheiro.
Mas Zavier simplesmente sacudiu a cabeça, recusando-se a pegar o cheque da mão esticada de Tabitha.
― Ah, não tem necessidade. ― Ele pensativamente franziu os olhos. ― Você não seria tão idiota agora, seria? ― Tão repentino quanto um arrepio no pescoço, ela ouviu os sinos de advertência soarem novamente quando viu os trâmites do contrato fechando-se. As feições de Zavier suavizaram-se e instantaneamente um brando sorriso relaxou seu rosto.
― Vamos! Eu estou morrendo de fome; se vista e vamos sair para comer alguma coisa.
― Mas eu estou vestida. ― Tabitha encolheu os ombros, mirando as longas pernas praticamente nuas, o colo rosado à mostra. ― O que tem de errado? Eu não pareço uma noiva perfeita?
Zavier riu, realmente riu e, pela primeira vez, era com um contentamento verdadeiro.
― Pelo contrário, você parece uma noiva maravilhosa. Eu só estou querendo saber como vou sobreviver a uma refeição de três pratos com você parecendo tão apetitosa.
― O que devemos dizer para Aiden? ― Eles estavam sentados em um suntuoso restaurante, com garçons alvoroçados como borboletas, enchendo o copo de Tabitha, colocando guardanapos em seu colo.
― Você não vai contar nada para ele?
O que não ajudou nem um pouco. Tabitha mentalmente ensaiou como iria tocar nesse assunto com Aiden; era melhor ela contar a novidade.
― Ou dizer a ele que surgiu uma proposta irrecusável.
― Eu posso no mínimo dizer a verdade para ele, que isso é um negócio?
Os olhos de Zavier enrugaram-se.
― Ele vai saber ― insistiu Tabitha. ― Afinal de contas, foi ele quem teve a idéia primeiro.
― Tudo bem ― cedeu Zavier. ― Mas só para ele. Eu estou falando sério, Tabitha. Ninguém mais pode saber. Nem a sua melhor amiga, nem a sua cabeleireira, nem mesmo os seus pais.
As mãos de Tabitha apertaram-se no copo.
― Meus pais já morreram.
Se ela esperava alguma compaixão, não a teve.
― Bem, pelo menos você não vai precisar mentir para eles.
Chocada com aquela insensibilidade, ela abriu a boca para protestar.
Mas Zavier estava em plena atividade.
― Não é de admirar que você e Aiden sejam amigos. Você é igualzinha a ele.
― A gente não é nada parecido - protestou Tabitha.
― Ah, são sim. Nenhum de vocês alguma vez na vida se preocupou em pagar aluguel. Muito provavelmente você herdou a sua casa.
― E que diabos isso tem a ver?
― Bem, é uma maneira de explicar essa sua atitude negligente em relação a dinheiro. Você passou a vida saciando as suas fantasias. Deve ser muito fácil se dizer dançarina quando não é preciso se preocupar em pagar aluguel, se preocupar em ter um teto para morar.
― Você é tão amargo ― disse Tabitha bruscamente, mas Zavier simplesmente encolheu os ombros.
― Eu sou realista.
― Um realista amargo.
― Talvez. ― Inclinando-se, ele abaixou a voz. ― Nós nos conhecemos no casamento e estamos loucamente apaixonados. Nós estamos tão atordoados quanto encantados.
― Os seus pais não vão achar estranho? ― Tabitha mordeu o lábio inferior, simplesmente se recusando a acreditar que tudo poderia ser tão simples.
Zavier encolheu os ombros.
― Por que eles estranhariam? Aiden apresentou você como uma amiga íntima; era tudo insinuação. Lembre-se, nós nos conhecemos no casamento...
―... nos apaixonamos loucamente... ― continuou Tabitha enquanto Zavier levantava o copo para brindar.
―... e estamos tão atordoados quanto encantados ― concluiu ele ao tilintar dos copos. ― Boa menina. Você está começando a entender.
Era estranho como qualquer elogio vindo de Zavier a fazia ficar vermelha.
― Olhe, Tabitha, desde que a gente continue fingindo, eles vão acreditar na gente.
― Eu só estou nervosa, só isso. Eu mal posso acreditar em mim mesma; acho difícil acreditar que as pessoas vão cair nessa.
― Por que elas não cairiam?
― Alguém se apaixona assim tão rápido?
Assim que ele largou o copo de água mineral, deu um gole no uísque antes de responder.
― Quem falou em amor? O fato de eu me casar vai ser suficiente para eles.
― Falando dos seus pais, como a gente vai contar para eles? ― Tabitha atreveu-se, mas as palavras extinguiram-se como um raio ao notar a presença de um homem sorridente.
― Está tudo bem Monsieur Chambers? ― O dono do restaurante, obviamente animado com a clientela, apareceu na mesa.
― Na verdade, agora que você me perguntou, Pierre, não! Não está tudo bem. ― Aquele arrogante tom da alta classe ocupou o restaurante e Tabitha encolheu-se na cadeira ao perceber que todos os olhares se voltaram para aquele barraco improvisado.
Pierre estalou os dedos e uma multidão de garçons ansiosos apareceram.
― Qual é o problema, monsieur? Diga e eu resolvo em um instante.
A expressão de Zavier mudou repentinamente e ele deu um sorriso. A vergonha de Tabitha aumentou ainda mais quando ele estendeu as mãos na mesa. Pegando a mão dela, ele a beijou intensamente e o frescor da língua de Zavier instantaneamente substituiu aquela vergonha. Num segundo aquele público foi esquecido ao ver aqueles olhos encontrarem os dela, o veludo daqueles lábios vagarosamente percorrendo a palma da mão.
― O meu problema é... ― Zavier arrastava sua voz em meio a beijos, sem tirar por um momento os olhos de Tabitha.
― Sim? ― respondeu Pierre, desesperado para agradar.
― É que não tem champanhe. Diga-me, Pierre, o que é uma proposta de casamento sem o melhor champanhe francês?
Estalar de dedos, champanhes estourando, espumas borbulhantes e felicitações enquanto Zavier mexia no terno e tirava dele uma fina caixa de veludo preto.
― Eu ainda não disse sim - sussurrou ela furiosa do outro lado da mesa. Mas a indignação de Tabitha àquela descarada presunção foi posta de lado quando ele pegou a mão dela e fechou os dedos dela em volta da caixa com a voz arrastada, e só para eles apenas.
― Você pode me dar um fora amanhã.
A surpresa na expressão de Tabitha quando ela remexeu o pequeno fecho dourado e finalmente abriu a caixa foi verdadeira. Quando o anel reluziu à luz das velas e brilhou no rosto de Tabitha ela se viu olhando fixamente para o mais escuro e maior rubi ― lindo, perfeito, uniforme. Tudo o que aquele relacionamento não era.
― Você parece surpresa.
Ela engoliu em seco e pegou a mão de Zavier, consciente do público.
― Não é para parecer assim que você está me pagando?
― Tem um colar que faz par com o anel. ― Ele deu uma risada seca. ― Eu devo dar para você no nosso aniversário de quarenta anos de casados.
Quando ele se inclinou para sussurrar no ouvido dela, eles mais pareciam um jovem casal apaixonado, no limiar do universo com uma vida inteira pela frente esperando para ser vivida e amada. Até os olhos de Pierre ficaram mareados quando Zavier a puxou para si.
― Esse anel é um empréstimo. Eu vou substituí-lo por um de mesmo valor quando o nosso acordo for concluído. Só não fique muito apegada a ele; esse permanece na família.
Não havia malícia na voz dele, nada de ofensivo, apenas a fria declaração de um fato.
A única coisa que confortava Tabitha era o fato de as lágrimas que inexplicavelmente se formaram nos seus olhos deixarem Zavier ofegante de admiração.
― Você é um talento perdido como dançarina; devia ser atriz.
Pierre estava de volta, radiante.
― Eu estou muito contente que vocês tenham escolhido meu restaurante para essa noite tão especial. Permita-me dizer, Monsieur Chambers, que linda noiva o senhor tem. Vocês formam um lindo casal. Diga-me, como se conheceram?
Zavier tomou a mão de Tabitha antes de responder.
― Num casamento de família, Pierre, alguns dias atrás, mas parece que a conheço desde sempre. Ela me deixou de quatro.
Pierre bateu palmas de contentamento.
― Um romance furacão. Que romântico.
― Não é? ― Levantando, ele ofereceu a mão para Tabitha, a qual ela aceitou.
Quando o ar da noite os atingiu, Tabitha soltou a respiração que ela inadvertidamente segurava.
― Você acha que ele acreditou na gente?
― Por que não? Eu acho que a gente se saiu perfeitamente bem. E, de qualquer maneira, Pierre só tem a ganhar. É interesse dele acreditar na gente.
― Por quê?
Ele virou-se para Tabitha, a luz que vinha do restaurante realçava seu robusto perfil, os olhos eram ilegíveis.
― Você tem muito a aprender, pequena.
― Mas o que Pierre tem a ver com isso? Ele parecia sinceramente contente com a notícia.
Zavier bufou cinicamente.
― Sinceramente contente com a publicidade, você quer dizer.
Ela abriu a boca para indagar mais alguma coisa mas, antes mesmo que pudesse formar as palavras na mente, sentiu um grande peso sobre o corpo, a força do corpo de Zavier literalmente a pregava na parede. A respiração realmente lhe faltou, tudo o que ela podia fazer era olhar surpresa para aquela faminta boca procurando a dela, o corpo dele empurrando, pressionando o dela numa desenfreada paixão. Surpreendentemente, ela não estava assustada ― nem por um minuto. Embora não houvesse nada de delicado no jeito que ele a segurava, nada comedido naquela boca e mãos penetrantes. O roçar do queixo de Zavier no rosto de Tabitha era como um milhão de volts a percorrerem seu rosto.
Como ela amaria resistir a ele, friamente empurrá-lo, mas era uma façanha impossível. A mão de Tabitha instantaneamente ergueu-se, agarrando os cabelos dele, puxando o rosto dele para mais perto, respondendo àquele beijo intensamente. A virilidade de Zavier pressionando-a, deixou-a sem dúvida alguma de que ele estava tão excitado quanto ela. Por um louco momento ela achou que ele fosse levá-la lá ― e o que era mais louco, ela permitiria. Em um segundo ele tinha reescrito os valores de Tabitha, os padrões sob os quais ela vivia. As morais, as regras interiores foram rejeitadas ao beijá-lo de volta. Mas, de repente, tudo acabou. Ele afastou-se, sem fôlego, o triunfo inflamado nos olhos.
― Tudo já foi providenciado ― disse ele calmamente.
Eles andaram às margens do rio em silêncio, o rosto dolorido e formigando da força do beijo dele, o corpo confuso e estremecido, coberto de desejo. A cada passo dado, Tabitha ia mais devagar, colocando a mão no rosto. A beleza absoluta daquela jóia era um lembrete necessário de que ela não estava sonhando.
― Olha aquilo. ― A admiração na voz dela o fez parar e juntar-se a ela: ao vê-la olhar o esboço de um retrato na calçada. Os olhos dele brevemente miraram o auto-retrato, um retrato idêntico ao jovem artista sentado ao lado de seu trabalho, suplício nos olhos, o corpo magro, uma comovente lembrança da injustiça do mundo onde vivem. A abundância de um talento natural reduzido a mendigar nas ruas. Ela esperou que Zavier fizesse um comentário de mau gosto, puxasse o braço dela, fosse desanimá-la a olhar mais um pouco; ao contrário, para a sua grande surpresa, ele acenou para o artista.
― Isso é bem bonito. ― Não havia nenhum ar condescendente na voz de Zavier, nenhuma superioridade, apenas uma sincera admiração. Você poderia desenhar a minha noiva? ― Preço algum foi discutido, valor algum negociado. As palavras de Zavier eram um compromisso, e o jovem pôde notar, fazendo um gesto para Tabitha se sentar.
Envergonhada, ela quis recusar, ir embora, mas era tarde demais para isso. Os dedos ossudos já afiavam o carvão vegetal, aqueles olhos cheios de aflição estudavam a face de Tabitha e ela sabia que deixá-lo agora provavelmente o deixaria sem uma refeição.
Mais do que uma refeição, na verdade.
Tabitha viu quando Zavier pegou o papel enrolado, cumprimentou o, jovem e entregou várias notas ao artista sem dar uma palavra.
― Posso ver pelo menos? ― pediu ela quando Zavier fazia um gestor para que partissem.
Rapidamente, ele desenrolou o trabalho, dignando-se a deixá-la dar; a mais rápida das olhadas.
― É lindo. ― Tabitha enrubesceu. ― Eu não quero dizer que eu sou linda, apenas o desenho.
― Isso é talento para você.
― Aiden vendeu um quadro. ― Ele apressou o passo com a menção ao nome de seu irmão e Tabitha teve de praticamente correr para acompanhá-lo. ― Ele também é talentoso.
― Bobagem. Alguém sem importância, que provavelmente não entende nada de arte, por acaso comprou um quadro.
― Por que você é tão duro com ele?
― Porque eu não gosto de desperdício ― provocou Zavier. ― Eu odeio vê-lo jogando a vida fora, indo atrás de sonhos, sem encarar as responsabilidades.
― Por quê?
― Por quê? ― Ele virou-se, segurando o braço de Tabitha. ― Você acha que eu não tenho sonhos, Tabitha? Você realmente acha que ficar sentado num escritório analisando a bolsa de valores é onde eu quero estar todos os dias?
― Mas você ama o seu trabalho ― interrompeu ela.
― Quem disse? Aiden? Minha mãe? ― disse ele com os olhos reluzindo e gesticulando com uma rara agitação. ― Eles estão errados.
― Então, por que fazer isso?
Zavier soltou uma risada forçada.
― Meu pai deu a vida pelo trabalho, mas quando ele se aposentou, os negócios não seriam lucrativos a ponto de manter minha família em meio a jóias, casacos de pele e mansões para o resto da vida. Não iria sustentar o uísque importado e os ternos de grife de Aiden. Eu transformei os negócios de meu pai num verdadeiro império para garantir que minha família continuasse com o mesmo padrão de vida. Se eu tivesse me afastado, vagabundeado como fez Aiden, com certeza a gente não teria morrido de fome, mas não teríamos as mordomias de agora.
― E ― As palavras de Tabitha pareciam enfurecê-lo, mas ela continuou a falar rapidamente, determinada a dizer o que queria. ― Dinheiro não é tudo. Eu sei que você me acha uma caça-níquel, mas não estaria lá se não quisesse.
― Você quer dizer que eu deveria me afastar e assistir ao sonho de meu pai evaporar-se, junto com o casamento deles.
― Sem dúvidas, não é só dinheiro que existe para eles.
― Talvez, mas minha mãe nunca olhou o preço de uma etiqueta, nunca pensou duas vezes antes de reformar a casa, construir uma piscina ou uma quadra de tênis, e de alguma maneira eu nem consigo imaginá-la ficando por aqui se a situação ficasse difícil. Se Aiden me ajudasse um pouco, fosse ao escritório pelo menos dois dias na semana, talvez nós dois pudéssemos ter tido uma vida fora dos negócios.
Toda história tinha dois lados, Tabitha percebeu. O estilo de vida boêmio de Aiden não parecia tão romântico agora. Correr atrás dos sonhos tinha custado a vida do seu querido irmão. Ela estava quase admitindo o egoísmo nas atitudes do amigo. Quase.
― Ele tem talento, Zavier ― disse Tabitha insistentemente. ― Não é só um sonho.
― Disse a dançarina para o trader. ― Escorria sarcasmo na voz de Xavier, mas Tabitha não se dobrou.
― Eu sou uma boa dançarina ― começou ela calmamente. ― Mas não uma dançarina brilhante. ― A mão dela alcançou o rosto dele e o fez voltar-se para ela. ― É muito difícil admitir isso. Eu sempre brinquei comigo mesma que um dia haveria um desconhecido na platéia, que iria me tirar de lá e me perguntar por que eu estava desperdiçando meu talento daquele jeito. Isso nunca vai acontecer. Nunca aconteceu. Dizer isso dói de verdade.
Os olhos de Zavier viraram-se lentamente em direção aos dela, a mágoa e a honestidade na voz de Tabitha fizeram com que ele prestasse atenção.
― Mas Aiden... Ele tem mais talento nos seus pequenos dedos do que eu em meu corpo inteiro. As pinturas dele são tão lindas que me fazem chorar. E não só eu. Você deveria vê-los ― vá à galeria e veja a exposição dele, observe a reação das pessoas quando vêem o trabalho dele. Você deveria levar o seu pai também ― acrescentou ela. ― Talvez Aiden tenha sido egoísta, tenha ido em busca do próprio sonho, mas com um talento natural como o dele, eu não acho que ele teria outra escolha.
Zavier não respondeu. Aquele discurso sincero ficou pairando no ar sem comentário algum ou reconhecimento. Zavier pegou Tabitha pelo braço e eles continuaram andando. Ela só desejava saber se pelo menos ele havia registrado o que ela dissera.
Do nada, ela admirou as imensas chaminés do cassino soltando labaredas no ar, na performance que acontecia de meia em meia hora e iluminava o negro céu em um enorme e fálico show de poder. Mas é claro que Zavier interpretou mal.
― E aí que você gasta o seu dinheiro?
― O quê? Você acha que eu vou voltar às pressas para cá quando me deixar em casa?
Zavier não estava brincando e Tabitha percebeu pelo olhar dele. Ela podia notar um menosprezo curiosamente misturado com pena na expressão de seu rosto.
― Eu não faria isso com você. ― Sob a bem iluminada fachada do cassino, estava claro como meio-dia, mas a expressão dele era indecifrável;
― Vamos, vamos entrar.
Eu achei que isso estivesse fora de cogitação ― advertiu Tabitha dando-se conta de que sua omissão poderia ser facilmente descoberta se Zavier visse suas jogadas. Entretanto, o alívio que se apoderou dela com a expectativa de passar mais tempo com ele tornou seu protesto imperceptível.
― A gente ainda não assinou o contrato. E se tivesse prestado atenção, saberia que pode vir ao cassino comigo.
― Mas por que diabos você iria querer me trazer aqui? E por que hoje? É mais algum dos seus testes bizarros?
― Eu acho que sim! ― Um sorriso esboçou-se na boca dele ― Muitos dos meus clientes gostam de se divertir aqui quando visitam a Austrália; às vezes eles podem esperar que você me acompanhe.
― Ah, você quer ter certeza de que eu posso me segurar, de que não vou jogar uma pilha de cartas na mesa ou ficar em um estado catatônico por causa das máquinas de pôquer, na frente dos seus clientes? ― Ela se mordeu ao perceber que o sorriso de Zavier intensificava-se.
― Eu acho que eles são um pouco ricos demais para essas máquinas de pôquer. É com isso que você gasta o seu tempo quando está aqui?
Tabitha fez um pequeno sinal com a cabeça, consolando-se de que pelo menos ela estava dizendo a verdade ― ou parte dela. A noite de aniversário da amiga Jessica tinha acabado no cassino, e Tabitha tinha alimentado uma máquina com vinte dólares. Ela não chegava nem perto da viciada que Zavier tão certamente a considerava, a menos que eles estivessem falando de sapatos!
Agora, eles caminhavam pela galeria do cassino, onde havia filas e mais filas de lojas sofisticadas, com seus produtos convidativos nas vitrines e os porteiros garantindo que apenas os verdadeiramente abonados passavam da entrada.
― Você sabe que as coisas são caras quando não têm preço ― disse ela, colando o nariz em uma das vitrines e soltando um sutil gemido. ― Você já viu algo mais divino?
Zavier percebeu os olhos brilhantes de Tabitha, suas bochechas rosadas do champanhe e os cachos do cabelo vermelho que saíam do rabo-de-cavalo e caíam ao longo do delgado pescoço. Ele estava quase concordando quando se esforçou para concentrar-se no foco da atenção de Tabitha.
― É um par de chinelos pretos ― disse ele com a voz arrastada e aborrecida.
― Não são chinelos ― corrigiu Tabitha sabiamente. ― São mules...
― O vestido é bonito ― refletiu Zavier, olhando para o simples vestido aveludado de corpo inteiro com alça de tiras. ― Combina com você.
― Mas não com o meu saldo bancário. E, não, eu não estou dando uma indireta; só gosto de olhar vitrines.
― Com certeza. Bom, aonde você quer ir?
Tabitha não tinha a mínima idéia, mas pegou a mão que ele ofereceu e perambularam por um tempo. Dando uma olhada em seu par, ela percebeu que nada era comum em Zavier. Tal era a aura dele, a graça natural, e até mesmo os mais arrumados e sofisticados viravam a cabeça para vê-lo passar.
Ela estava se divertindo, percebeu, realmente se divertindo. De volta às margens do rio, ela pensou que a noite estivesse quase acabando, que conto de fadas tinha chegado ao fim; mas aqui, no meio do rebuliço, com ele segurando o retrato dela, andando ao lado dele, segurando a mão quente e seca em volta da dela, no dia falso que o cassino criou, Tabitha sentiu-se como se a noite fosse durar para sempre.
― Do que você está rindo?
― Eu só estava pensando que estou me divertindo bastante.
― E claro que sim. É isso que deixa você acesa, não?
Ela largou a mão de Zavier e parou de andar. A princípio ele não pareceu notar, mas depois de alguns passos virou-se.
― O que foi agora? ― perguntou ele irritado. ― O anel Tiffany te chamou a atenção?
― Eu só estava pensando em como estava bom quando você estava me tratando bem.
― Ah! ― Zavier pareceu desconfortável, o que deu a Tabitha a confiança para continuar.
― E se isso der certo, Zavier, a gente deveria ao menos tentar tratar bem um ao outro. Não só na companhia de outras pessoas. Vão ser seis longos meses se a gente continuar atacando um ao outro.
― Tudo bem ― resmungou ele, mas Tabitha estava com sorte.
― Já deu para entender que em matéria de sarcasmo você é o mestre, mas quanto a mim, não preciso que meus erros e defeitos sejam constantemente enfiados goela abaixo. Sim, isso é um negócio e, sim, se eu aceitar, vou sair com uma grana enorme. Mas foi você quem se aproximou de mim, e não o contrário.
― Tudo bem, tudo bem ― falou ele bruscamente.
― Você não está sendo gentil ― retrucou ela.
Uma resposta inteligente, tão astuta quanto a de Zavier, estava vindo-lhe à cabeça, mas assim que estava na ponta da língua ele a empurrou contra uma boutique e a beijou muito intensamente, a língua fresca abrindo os lábios de Tabitha como um faca quente na manteiga.
― Isso é o suficiente para você? ― resmungou ele enquanto Tabitha lambia os lábios ardentes e, sem esperar por uma resposta, a arrastou de volta para o mar de gente.
Ela podia ver como o problema da avó havia começado. As luzes, o barulho, o zumbido do lugar fizeram sentir um arrepio de agitação na boca do estômago. É claro que o fato de estar de braços com um dos melhores partidos da Austrália ampliava o efeito, mas Tabitha certamente podia ver a atração que aquilo tudo causava em uma senhora solitária cujos dias e noites pareciam não ter fim.
Zavier tinha desaparecido num bar e, depois de gastar sua última nota em uma máquina de troco, Tabitha pegou seu balde de moedas e acomodou em uma máquina de pôquer, tentando assumir um ar de sabedoria enquanto tentava localizar onde colocar o dinheiro.
Corações giravam rapidamente em sua frente, flechas de cupido apontavam quando a máquina começou a emitir uma música, flechas voavam quando símbolos de dólar apareceram, e a máquina começou a tocar uma música eletrônica ensurdecedora.
― Você não vai usar a sua jogada bônus?
Ele estava de volta e Tabitha instantaneamente se encolheu no banco, tentada a levantar os braços e cobrir a máquina da vista de Zavier. Mas ela sabia que aquilo não o deteria. Pegando a bebida, Tabitha fingiu concentrar-se, apertando o botão iluminado a sua frente. Ela podia sentir o tédio que emanava dele e fingiu mexer com os botões mais algumas vezes, vendo o seu limite de crédito dissolver-se a zero em exatos dois minutos.
― E agora? ― Virando-se, ela deu um sorriso para ele.
― Você está querendo dizer que já terminou? ― Os olhos arregalados pela surpresa. ― Eu pensei que você iria ficar presa aqui por horas. ― Pegando a bolsa dela, ele a entregou a Tabitha. ― Você está tentando me mostrar o quão controlada pode ser?
Tabitha encolheu os ombros.
― Talvez ― resmungou ela enquanto se perguntava como as pessoas podiam ficar horas sentadas olhando fixamente para aquelas figuras. Veja bem, não é todo mundo que tem uma diversão tão deliciosa quanto Zavier para fasciná-las. ― Vamos para casa agora?
Ele encarou-a por um momento, observando como a cor dela mudava sob a sua investigação.
― Eu pensei que teria de arrastar você daqui aos gritos e chutes.
Mentalmente se disciplinando, Tabitha percebeu que não estava comportando-se exatamente como uma mulher viciada em jogo.
― Desculpe desapontá-lo ― disse ela suavemente, saindo do banco e preparando-se para ir embora. Mas Zavier não se moveu; apenas continuou encarando-a, os olhos estreitados enquanto a observava minuciosamente.
― Venha. ― Tomando as mãos dela, ele a conduziu pela multidão e, sem mais palavras, subiram as escadas rolantes até que a aglomeração de pessoas diminuísse. De repente, o clima de carnaval, de feira de exposições do cassino evaporou-se; de repente, eles estavam de volta ao mundo de Zavier. O mundo dos bem-vestidos, pouca luz e música discreta, um mundo onde porteiros cumprimentam você pelo nome e nunca pedem a identidade. Onde nem mesmo o pessoal do bar pensa em cobrar alguma coisa.
Um mundo muito distante do de Tabitha.
Uma enorme porta de madeira foi aberta como que por mágica e Tabitha piscou por algumas vezes ao sentir a forte fumaça de charuto, que preenchia o ambiente, chegar a seus olhos.
― Por que você me trouxe aqui? ― perguntou ela lentamente, assustada de que ele pudesse pedir que ela jogasse em uma das mesas.
― Para ensinar uma lição. ― A mão de Zavier ainda envolvia as de Tabitha, e ele puxou-a para mais perto, sem se preocupar em baixar a voz.
― O mínimo que você pode apostar aqui é mil dólares. Eu vou mostrar como é fácil perder dinheiro.
― Ah, calma aí, Zavier. ― Ela virou-se para sair, mas a mão dele agarrou a dela com mais força. ― Não há necessidade disso. ― Ela soltou um riso nervoso. ― Eu perco uns vinte dólares, por aí; isso aqui é a grande "jogada".
― Tudo é relativo. ― Zavier franziu a testa. ― De qualquer maneira, não sou eu quem está com dívidas aqui.
― Mas você pode ficar. ― Tabitha fez um gesto em direção às mesas. ― Olha, Zavier, isso já foi longe demais... ― Ela tinha de dizer para ele, precisava detê-lo. A situação estava começando a ficar fora de controle. ― Eu não tenho problemas com jogo. Eu não sei de onde você tirou essa idéia.
― Então você se curou de uma hora para outra?
― Em primeiro lugar, eu nunca tive nenhum problema...
― Me poupe disso ― falou ele bruscamente.
― Mas eu não...
― Você está vendo aquele cara ali? ― Dessa vez ele abaixou o tom da voz. ― Mãos cerradas, suando baldes?
Tabitha seguiu o olhar de Zavier, fazendo um gesto ao ver o senhor infeliz que agora pegava um grande lenço de seu, sem dúvida alguma, caro terno.
― Eu aposto que se você perguntasse ele diria não ter nenhum problema também. Todavia, ele provavelmente acabou de perder a casa, ou o carro, talvez os negócios e, sem dúvida, perdeu a esposa algum tempo atrás. E aquela mulher ali, aquela com vestido verde? ― Ele não esperou que ela respondesse. ― Vê como ela morde os lábios, bebendo a cada segundo? Bem, se ela fosse sensata, iria embora daqui o mais rápido possível. Como eu disse, tudo é relativo, não importa se são vinte dólares ou dois mil. Se você não pode gastar, não deveria estar aqui.
Apesar da sua falta de jeito, Tabitha escutou fascinada. A percepção dele era impressionante, as descrições precisas. ― E eu suponho que você vai ficar ali bem calma.
― Certo. ― Ele a conduziu para um sofá macio e sentaram-se. Bebidas apareciam na frente deles como que por milagre, antes de os garçons discretamente desaparecerem. ― Eu vou colocar um limite e você vai ficar preso a ele.
― Ah, muito controlada ― disse Tabitha sarcasticamente. ― Deve ser difícil ser tão perfeita o tempo todo.
― Ei! eu achei que a gente estava sendo gentil um com o outro.
― Nós estamos ― resmungou Tabitha. ― Exceto quando você começa a me repreender.
― Não estou repreendendo. Bom, um pouco talvez ― admitiu ele. ― Mas é para o seu bem. A diferença entre a gente, Tabitha, é que eu sei parar.
― Ótimo ― retrucou ela, nervosa só de pensar que ele estava jogando para provar algo tão desnecessário. ― Faça o que você quiser. Só não espere que eu me junte a você.
― Então, é das máquinas de pôquer que você gosta? ― O sotaque da alta sociedade estava zombeteiro agora. ― Você não me engana, Tabitha. A única razão pela qual você não quer se juntar a mim é porque não sabe jogar nas mesas.
― Olhe ― disse Tabitha seguramente, a mão puxando a manga do terno dele quando ele se virava para ir para as mesas. ― Eu não tenho problemas com jogo. ― Ele deu um longo suspiro aborrecido antes de hesitantemente continuar. ― Eu realmente não tenho. A minha conversa com Aiden sobre dívidas, e que você ouviu, não tem a ver comigo. As dívidas são da minha avó... eu quase nunca venho aqui.
Ele não olhou para ela. Puxando severamente as mangas das mãos de Tabitha, ele deu um longo gole na bebida antes de finalmente virar-se para ela.
― Então por que a repentina euforia? Por que as bochechas rosadas e o brilho nos olhos? No segundo em que nós entramos aqui eu pude sentir a sua agitação. Sentir ― reiterou ele. ― Então, se não é o cassino que está te causando esse efeito, por que a repentina mudança?
― Zavier! ― Ela praticamente gritou o nome dele, mas ele nem piscou. ― Por que você acha que eu estou tão agitada? Não é todo o dia que uma garota recebe uma proposta de casamento. Não é todo o dia... ― O tom de voz diminuiu lentamente e, pela cara fechada dele, ela sabia que estava perdendo tempo; uma palavra como amor simplesmente não cabia aqui.
― Você tem um problema ― falou ele asperamente. ― Pode negar o quanto quiser, mas só vai estar enganando a você mesma, Tabitha.
Enterrando-se de volta ao sofá, Tabitha ficou mexendo na bebida.
― Tudo bem, eu tenho um problema ― resmungou Tabitha enquanto Zavier aproximava-se da mesa, sem dar uma palavra.
Ela não tinha de se preocupar que seu disfarce fosse descoberto. Ela podia colocar um anúncio de página inteira no jornal falando de sua avó que ele ainda a colocaria de lado e negaria. Virando-se momentaneamente, eles se olharam.
― Tudo bem? ― sibilou ele, e Tabitha acenou, uma estranha sensação brotava nela. Apesar dos protestos, das tentativas de provar o contrário, Zavier Chambers era um cara legal.
Ele estava de costas para ela agora, mas ela podia decifrar a mão firme dele mexendo nas pilhas de fichas sobre a mesa. A mulher de verde estava dando mais um gole nervoso em sua bebida enquanto Zavier permanecia imóvel perto dela. Ela observou a mulher ir embora com lágrimas nos olhos e as mãos trêmulas, sem acreditar no prejuízo.
Talvez só agora ela começasse a perceber a magnitude do que ela tinha apostado.
Ela podia terminar com aquilo por ali; ir embora sem ter perdido nada. Tabitha tomava um gole nervoso da bebida, a mão apertando-se em volta do copo enquanto ela mentalmente jogava os dados.
De pé, ela avançou em direção a Zavier e colocou delicadamente as mãos nos ombros dele e observou o andamento do jogo.
― Eu pensei que isso não fosse seu espetáculo. ― Zavier voltou-se brevemente para Tabitha, quando uma desordenada pilha de fichas era arrastada em sua direção.
― Parece que, afinal de contas, você estava certo ― murmurou Tabitha, sentindo o embriagador perfume dele quando avançou mais um pouco, sentindo o calor daquelas pernas nas coxas quase nuas. ― Talvez eu não saiba quando parar.
― A propósito, obrigada pela lição. ― Quando o carro de Zavier parou em frente à casa de Tabitha, ela deu uma gargalhada. ― Você definitivamente me curou.
― Eu nunca vou conseguir me superar, vou? ― Até mesmo Zavier estava rindo enquanto puxava o freio de mão. ― Eu não poderia ter perdido as chaves do meu carro se eu tentasse; fiz uma maldita fortuna de tanto tentar mostrar os erros por eles mesmos.
― Lição bem e verdadeiramente entendida ― respondeu Tabitha com uma voz solene e depois caiu na risada novamente.
― Você é uma garota má ― disse Zavier rispidamente e algo na voz dele fez com que ela parasse de rir, os olhos escuros brilhando à luz da lua fizeram o coração de Tabitha bater aceleradamente.
― Talvez eu seja, mas eu faço um café delicioso. ― Passando a língua sobre os lábios inferiores, ela observou as mãos dele apertarem-se no volante. ― Você quer entrar?
― É melhor não. ― As palavras lhe faltavam e Tabitha sentiu o bom humor de minutos atrás evaporar. De repente, ela ficou sem saber o que dizer; a tensão no ar era evidente. ― Apesar de tudo, a noite foi muito agradável. ― A voz dele estava tensa, forçada. ― Eu realmente me diverti.
― Não. ― A primeira palavra já tinha sido emitida antes que ela pudesse desistir de falar e teve de se forçar a continuar. ― Você não precisa fingir agora; eu sei que está apenas sendo educado.
Ele encarou Tabitha por um século.
― Eu pensei que educado era o que você queria, Tabitha.
― É...
― Bem, então, não reclame. ― Ele fez um gesto em direção à casa. ― É melhor você entrar. As cortinas dos vizinhos estão começando a se mexer.
― Como você sabia onde eu morava? ― Tabitha de repente começou a ver que ele a tinha trazido em casa sem que ela dissesse onde. A mente dela passava cena por cena. ― Você me seguiu? Você vem me espionando?
― Nada tão emocionante, me desculpe. Eu procurei por você na lista de telefones.
― Ah! ― Ela soltou uma risada nervosa e Zavier sorriu, mas as batidas dos dedos de Zavier no volante indicaram que o tempo designado para ela tinha acabado.
― Quando vejo você de novo? ― As palavras saíram de forma errada, inseguras, e as batidas à toa dos dedos dele no volante pararam momentaneamente. ― Quer dizer, o que a gente vai fazer agora?
― Você decide.
― Então, eu passei no teste do cassino?
Um sorriso se esboçou no canto da boca dele e Tabitha, ansiava por levantar as mãos, tocar no seu cansado, exausto rosto.
― Você passou ― disse ele simplesmente. Inclinando-se para o lado do carona, ele tirou os contratos da pasta e ligou a luz do carro. Ela o observava com a respiração quente rabiscar uma extravagante assinatura em cada documento, antes de entregar a ela. ― Deixe com o meu advogado se você decidir aceitar essa história.
― É só isso? Isso é tudo o que eu tenho a fazer? ― A simplicidade da ação a assustava de verdade.
― Só isso. ― Zavier sacudiu os ombros. ― Olha, eu tenho de ir aos Estados Unidos amanhã para fechar uns negócios. De qualquer maneira, vai ser mais fácil assim. Fazer o papel de um noivo dedicado pelo próximo mês ou mais pode se mostrar um pouco difícil. Eu telefono para combinar todos os detalhes tão logo resolva as coisas. Meu motorista vem buscá-la, levá-la às compras para o casamento e levá-la para Lorne. Enquanto isso, evite problemas. Eu entro em contato.
― Mas eu não preciso fazer nada? E os convites, meu vestido de casamento...?
― Tudo isso vai ser providenciado.
E com isso ela teve que se contentar. Descendo do carro, ela meio esperou que ele a chamasse de volta, puxasse os braços dela e terminasse uma noite perfeita da maneira perfeita. Mas ele não fez isso ― apenas a esperou entrar.
Ela olhou através do vidro fume da portaria o carro dele desaparecer na escuridão, sentindo no dedo o anel pesado e desconhecido.
Incapaz de compreender o que havia acabado de acontecer, só agora ela registrava a enormidade da proposta de Zavier. Ela esperava ficar horas acordada, deitada no escuro olhando para o teto, lutando com a consciência. Contudo, pela primeira vez desde o casamento, Tabitha caiu num sono profundo e pesado, como se o fato de tê-lo visto tivesse acalmado aquela alma inquieta.
Só quando o sol nasceu, os caminhões à distância mudavam a marcha barulhenta e as crianças tagarelando agitados passavam pela janela do quarto a caminho da escola, é que os olhos sonolentos de Tabitha se abriram ao ouvir alguém batendo à porta.
A cabeça dela rodava, o anel ainda pesava no dedo, a boca estava seca do champanhe, o coração palpitando ao pensar nos acontecimentos da noite anterior. Será que tinha sido um sonho?
Enrolando um robe no corpo, ela mirou a porta esperando ver Zavier dizer a ela que tudo tinha sido uma brincadeira ― um erro, talvez.
― Entrega para Senhorita T. Reece. ― Uma imensa caixa branca foi colocada em seus braços, e ela teve de se virar em duas para segurá-la e ao mesmo tempo assinar a nota de entrega. O coração acelerou ao ver Aiden caminhando cheio de intenção pela calçada, com a expressão austera a milhas de distância do homem gentil que ela amava e conhecia.
― Que diabos você fez? ― Ignorando o entregador, ele forçou passagem, batendo a porta. Tabitha ficou imóvel no corredor. ― Página quatro, ― disse Aiden com veemência, atirando o jornal nela. ― As manchetes dizem: "Casamento feito em Paraíso Financeiro".
Tremendo, ela largou a caixa e folheou o jornal, um pequeno suspiro saía de seus lábios enquanto virava a página. Lá estava ela. Pelo menos, lá-estavam as mãos dela, com o brilho do rubi no dedo, perdidas nos cabelos de Zavier. A ardente memória daquele beijo imortalizada, agora, em uma foto.
Aiden puxou o jornal de volta, lendo em voz alta.
― "Conheceram-se em um casamento! Arrebatada por ele! Um romance furacão!" Meu Deus, Tabitha, com o que você concordou?
Pierre deve ter ligado para a imprensa assim que estouraram o primeiro champanhe. Então era aquilo que Zavier quis dizer quando mencionou que tudo já tinha sido providenciado.
― Eu não concordei com nada ― respondeu Tabitha rapidamente, para ganhar tempo.
― Não é o que diz aqui ― disse Aiden com rispidez. ― Você quer que eu continue lendo?
― Eu ia contar para você ― implorou ela. ― Eu ia ligar de manhã.
― Para me dizer o quê, exatamente? Quer dizer que tudo isso é verdade? Você realmente vai casar com ele?
― Eu não sei...
― Foi com Zavier que você esteve na noite do casamento?
― Como você sabia que eu estava com alguém? ― Ela estava protelando, temendo as perguntas que seriam conduzidas por suas respostas.
― Eu levantei para pegar um copo d'água. Você sabe, aquele gosto de guarda-chuva na boca e tudo mais. Eu não disse nada na hora porque imaginei que não era da minha conta. Mas se foi com Zavier que você estava, então isso é da minha conta sim. ― Agora ele tentava controlar-se, e Tabitha ficou sem palavras quando ele atirou o jornal contra a parede. ― Era com ele que você estava, não era?
Ela fez que sim com a cabeça, olhando para o carpete, incapaz de fixar-se nos olhos do amigo.
― Eu disse para você não se envolver com ele. Eu avisei. Honestamente, Tabitha, ele não é para você. Pode até ser o meu irmão, mas ainda assim é um safado.
― Não é. Sério, Aiden. Ontem à noite a gente saiu e ele foi muito legal... ― As palavras lhe faltavam ao lembrar os olhos cerrados de Zavier no carro.
― E difícil enxergar que ele só foi legal porque você estava fazendo o que ele queria?
― É claro que sim. ― Tabitha engoliu com dificuldade, odiando o fato, mas sabendo que era verdade.
― Você vai se machucar, Tab. ― Ele estava quase chorando, e Tabitha não estava muito longe disso. ― Você vai se machucar tanto.
― Como você pode ter tanta certeza disso?
― Porque eu conheço ele. Por quê, Tabitha? Como você se meteu nessa? E, por favor, não cite o jornal ― eu preciso saber o que aconteceu!
― Ele me ofereceu dinheiro.
― Eu ofereci dinheiro.
― Ele me ofereceu mais.
Aiden recusou-se a comprar essa história.
― Tabitha eu conheço você tão bem, se não melhor, quanto Zavier. Eu ofereci o suficiente para pagar as dívidas da sua avó e um pouco mais e, mesmo assim, você recusou.
― É muito mais dinheiro do que você ofereceu ― admitiu ela. A vergonha a invadia. ― Muito mais.
Mas Aiden resolutamente recusava-se a acreditar nela.
― Ele podia ter oferecido uma coroa de jóias e você teria rejeitado. ― Sentado no sofá, ele olhava pela janela melancolicamente. ― Você o ama, não?
― Isso não tem nada a ver com amor.
― Besteira. ― Ele disse isso com tanta veemência que fez Tabitha estremecer. Ver Aiden tão zangado era algo com o que ela não contava. ― Você o ama e está esperando que, com o tempo, ele também a ame.
― É claro que não o amo, Aiden. Eu mal o conheço. ― Mas a incerteza na voz de Tabitha era perceptível até para ela mesma.
― Isso não impediu que dormisse com ele ― ressaltou Aiden rudemente. ― Só me diz o que está acontecendo entre vocês dois, Tabitha? E não me venha com essa história de dinheiro; eu não vou acreditar nisso.
― Existe uma atração ― admitiu Tabitha lentamente, incerta de como explicar o que ela não podia admitir nem para si mesma. ― Mas eu não sou estúpida o suficiente para acreditar que alguém pode sobreviver só de sexo. E muito dinheiro, Aiden. Vai mudar a minha vida. Eu posso abrir a minha escola de dança. Sim, você me ofereceu casamento. Mas, Aiden, quanto tempo isso teria durado? Quanto tempo antes que nós fôssemos descobertos? Ao menos dessa forma...
Os olhos dele estavam detidos pela mão de Tabitha. O rosto cada vez mais incrédulo até o momento em que levantou a mão dela e examinou o anel.
― Ele te deu o rubi?
― É um empréstimo ― disse Tabitha quase sem fôlego. ― Ele foi bem claro quando disse que queria de volta.
― Ele disse que nunca mais o perderia de vista. ― A voz de Aiden era de completo assombro. ― Jurou pela vida dele que a próxima vez que uma mulher usasse esse anel seria algo verdadeiro.
― A próxima vez?
Aiden olhou, ao perceber o tom interrogativo na voz de Tabitha.
― Ele estava noivo, dois anos atrás, de uma garota que era uma graça ― pelo menos nós achávamos. Duas semanas antes do casamento, Louise contratou um desses advogados importantes para redigir o mais complicado acordo pré-nupcial, supondo que Zavier não voltaria atrás àquela altura.
― E ele desistiu?
― Sim. ― Aiden deu um sorriso torto. ― Quando elaborou o plano ela não contou com os critérios exigentes de Zavier. Tão logo ele se deu conta de que ela só queria seu dinheiro, ele a deixou. Não houve nada de digno na saída de Louise, posso garantir. Tem uma ação na justiça contra ele por quebra de contrato e trauma emocional. Mas isso não tem a ver com dinheiro ― insistiu Aiden novamente com dentes cerrados. ― Negue, Tab, mas isso não tem nada a ver com dinheiro. Você sabe disso e eu também sei.
Ela sabia sim, mas estava apavorada demais para admitir isso, até para si mesma.
― Ele acha que as dívidas de jogo são minhas. ― Olhando a expressão questionadora de Aiden, Tabitha tomou ar antes de continuar. ― Eu tentei contar a verdade, mas ele se recusou a escutar. Por favor, Aiden, não diga o contrário a ele.
― Ele vai acabar descobrindo ― Aiden estava gritando novamente. Tabitha tampou os ouvidos, mas ele continuou inflexivelmente. ― Diabos, ele provavelmente já sabe. Ele a está usando, Tabitha. Essa você não pode ganhar. ― Ele acalmou-se ao notar a aflição de Tabitha, ver as lágrimas escorrendo pelo seu rosto. ― Não é tarde demais para dizer não. O seu sobrenome não está no jornal. Zavier pode acabar com os rumores em exatos cinco minutos. Ele já fez isso para mim antes... Ele reclama uma retratação e tudo será esquecido. Você não precisa continuar com essa farsa ridícula.
Era o que mais a apavorava.
Tabitha fechou os olhos.
― Por favor, não me odeie, Aiden. Eu não pude evitar.
― Não odeio, Tabitha, só estou com medo por você ― por mim também, vê se me entende.
― Do que você está com medo?
― Você é a minha melhor amiga, Tabitha, e ele é meu irmão. Eu não quero perder nenhum dos dois. Se tudo der errado ― e com certeza vai dar ― eu não quero ter de escolher.
― Isso não vai acontecer. ― A voz dela estava trêmula e não havia nada de seguro naquela resposta.
― Eu espero que não.
― Você vai me abandonar?
― Então você vai levar essa história adiante?
― Se eu levar essa história adiante ― corrigiu Tabitha ― você vai me abandonar?
Aiden soltou um fraco assobio.
― Você está me forçando a isso, sabe?
― Por favor, Aiden. Eu já vou estar nervosa o suficiente; pelo menos não vou precisar mentir para você, fingindo ser a noiva modesta e todas essas coisas. Você sabe que isso é um negócio.
― Mas é um negócio?
Ela fez que sim com a cabeça, primeiro lentamente, depois com mais certeza.
― Você sabe que é. Por favor, Aiden, eu realmente preciso de você comigo.
Ele olhou-a fixamente por um momento.
― Tudo bem, então. Mas eu não vou comprar nenhum presente para vocês. Eu vou economizar dinheiro para o monte de lenços e chocolates que, sem dúvida alguma, vou ter de distribuir quando isso tudo acabar.
― Vou ficar bem ― disse Tabitha resolutamente. ― Eu sei o que estou fazendo.
― Eu espero que sim ― disse Aiden, sem mais palavras, dando o mais rápido dos beijos no rosto dela e indo embora.
Quando já estava sozinha é que Tabitha se lembrou da encomenda. As mãos dela ainda tremiam da confrontação. De tudo, na verdade. Ela levou anos para abrir. Quando puxou a tampa da caixa, suspirou de prazer. O vestido e os sapatos que ela tinha admirado tão ternamente na noite passada estavam colocados numa montanha de papel de seda. A única diferença era a cor. Em vez de preto, o mais suave, o mais claro lilás atraía as mãos de Tabitha, que passaram pelo veludo macio do vestido. Em um segundo, Tabitha livrou-se do robe e deslizou o vestido pela cabeça. Colocando os sapatos, pretos, às pressas, ela remexeu o papel de seda até achar o que procurava.
Não era bem a declaração que ela secretamente esperava, mas a simples visão da assinatura roxa a tranqüilizou.
Engraçado como uma nota escrita às pressas, e com a notável ausência de um beijo, lhe deu mais prazer do que a roupa que valia milhares de dólares. Tabitha refletia sentada no sofá e, elegantemente vestida, olhava fixamente para o pedaço de papel.
― Seis meses ― ela sussurrou para si mesma.
Seis meses dormindo ao lado dele, acordando ao lado dele de manhã. Seis meses para mostrar a Zavier o quão bom e encantador o amor podia ser se você se permitisse experimentar.
Seis meses para fazer Zavier amá-la.
Encurralada? Talvez.
Cometendo um erro? Provavelmente.
Fazendo a maior aposta de sua vida? Definitivamente.
É claro que nunca aparecia uma caneta quando ela precisava de uma, mas com uma busca minuciosa embaixo do sofá, Tabitha finalmente achou uma. Com as mãos trêmulas, ela segurou o contrato e acrescentou sua assinatura abaixo da de Zavier ― não com floreio, mas com uma determinação precisa.
Havia um milhão de razões para ela ter dito não a Zavier e apenas uma verdadeira. O simples fato de que ela o amava era a verdadeira razão por Tabitha dizer sim.
― Nós colocamos você aqui. ― Marjory Chambers escancarou a persiana. ― Eu sei que você e Zavier provavelmente vão achar antiquado, mas até estarem casados eu vou colocá-los em quartos separados. Jeremy não iria querer que fosse de outro jeito. ― Marjory deu um sorriso insinuante, interpretando mal a expressão de alívio que se alastrou pelo rosto de Tabitha ao vê-la apontar para a porta. ― É claro que os quartos são vizinhos e o motivo de se levantarem é problema de vocês.
Tudo o que aconteceu hoje pareceu surreal. Ela esperava uma certa imponência a respeito do casamento, mas a casa de veraneio dos Chambers era praticamente uma mansão. No entanto, não havia nada de sombrio e cerimonioso. Tábuas de assoalho de parede a parede, imensas paredes cobertas de fotos em preto-e-branco, suntuosos sofás de couro e cada objeto merecendo mais do que uma olhada de relance. Se esse paraíso era casa de veraneio, imagina como seria a residência principal. O quarto de Tabitha projetava-se ao mar, a vastidão reluzia em frente aos olhos, a vista da enseada acabava com todas as outras vistas da enseada.
― Jeremy está tirando um cochilo, mas a gente vai beber alguma coisa no pátio às sete, antes do jantar. Ele mal pode esperar para dizer olá. Mas Tabitha, fique à vontade para descer antes disso. Sinta-se em casa. Eu sei que este último mês pode não ter sido fácil para você com Zavier fora, mas agora acabou. Ele vai estar aqui em uma hora e, finalmente, a gente vai poder dar prosseguimento ao casamento. Agora, você quer que eu cuide do seu vestido? Zavier não pode nem mesmo passar os olhos nele; você vai ficar deslumbrante.
Marjory era tão simpática, tão francamente amigável que Tabitha abriu o zíper da mala ― nova, é claro ― e passou para Marjory o embrulho de papel de seda com o vestido lilás e os sapatos presenteados por mandado. De repente, ela foi tomada pela maior onda de culpa.
― Eu trouxe esses chocolates para você. ― Ela não sabia o que trazer. O que você dá para alguém que tem tudo? Assim, ela tinha se decidido por chocolates ― não era o que todo mundo fazia? E não era a habitual barra de meio quilo com que ela às vezes se deleitava. Tabitha tinha gastado mais do que podia na melhor da loja de departamentos. Eles tinham custado uma pequena fortuna; ela esperava que fosse gostar!
Entregando o pacote a Marjory, Tabitha sentiu um rubor espalhar-se pela face.
― Eu não sabia o que comprar.
Ela ficou surpresa com o brilho das lágrimas nos bem maquiados olhos de Marjory.
― Oh, Tabitha, você é tão atenciosa.
Tabitha sacudia os pés.
― Eu sei que não é nada demais.
Ela foi envolvida no abraço de Marjory e no peito fortemente perfumado.
― Eles são perfeitos, e você também... ― A voz de Marjory falhou ao ouvir o barulho de pneus rangendo no cascalho, o que quebrou o momento.
― Aiden está aqui! ― exclamou Marjory, mas a agitação que ela guardou para Zavier estava visivelmente ausente. ― Eu vou descer para recebê-lo. Você não vem?
Tabitha recusou educadamente; mais um sermão de Aiden era o que ela menos precisava nesse momento.
― Se você não se importar, vou ficar aqui para desfazer as malas.
― Mas os empregados se encarregarão disso. ― A voz de Marjory abrandou-se logo depois. ― Como eu sou boba. Você quer ficar mais tempo se arrumando para Zavier.
Marjory saiu correndo do quarto e Tabitha continuou a desfazer as malas. Quando, finalmente, já tinha arrumado tudo, remexido bastante nos longos cabelos, colocado blush no rosto, espirrado perfume em cada centímetro do corpo, não havia mais nada a fazer a não ser esperar com uma agitação galopante o ranger de pneus que trariam seu futuro marido. Embora seus dias tenham sido ocupados com trabalho, o tempo gasto convencendo a sua avó, explicando o repentino casamento para os amigos embasbacados, o aspecto prático tinha sido uma brisa em comparação à tortura mental que a tinha esmagado: contando os dias, as semanas, as noites, as horas até vê-lo novamente.
Tremendo, ela sentou na cama, repreendendo a si mesma pela situação impossível que a ela tinha imposto. Ela não estava apenas mexendo com a própria vida; estava jogando roleta-russa com cada pessoa da casa. Como ela iria encará-lo? Como ela iria olhá-lo depois de todas essas semanas e não denunciar o que queimava seu coração?
Amor não estava nessa equação.
Ainda.
― Tabitha! ― O grito estridente de Marjory a fez pular. ― Ele chegou!
Esboçando um sorriso, ela deixou o quarto e foi até o topo da escada enquanto Marjory abria a porta da frente.
Tabitha esperava que a passagem de tempo tivesse diminuído a beleza de Zavier, que o homem a pisar graciosamente no hall de entrada tivesse apenas um certo charme.
Ela estava errada em todos os seus cálculos.
A beleza dele literalmente a fez ficar sem fôlego, e ela ficou lá, atordoada, ofegante, os nervos à flor da pele. Nervos estes privados por tanto tempo daquela presença e, só agora, despertando com o retorno do mestre. Os olhos de Zavier lentamente encontraram os dela.
― Eu não recebo um beijo de boas-vindas? ― disse ele com a voz arrastada.
Ela desceu as escadas lentamente, mas nos últimos degraus a violência do desejo, juntamente com o magnetismo que o envolvia, a fez correr para os braços de Zavier. Era dele que ela precisava, aquela força era tudo o que ela queria. Tabitha caiu em seus braços e ele a puxou e consolou as inesperadas lágrimas que escorreram dos olhos dela.
― Opa, vou ter de ficar fora com mais freqüência se for recebido assim.
Envergonhada pela tão emotiva exposição, ela manteve o rosto apontado para o chão.
― Nem ouse ― censurou Marjory. ― Você precisa aprender a delegar, Zavier. Vai ter uma adorável esposa esperando em casa agora; você não pode sair aos borbotões de uma hora para outra.
― Alguém tem de trabalhar ― gracejou Zavier.
Tabitha não era uma boa bebedora, mas nunca tinha se sentido tão agradecida pelo gim com tônica que Marjory colocou em suas mãos. Tomando um longo gole, ela buscou algum refugio no gosto cortante que atingiu a sua língua.
― Você está maravilhosa, Tab. ― Aiden finalmente reconheceu a presença de Tabitha, espremendo a mão dela e dando um gole com vontade na própria bebida como costumava fazer.
Ela sabia que deve ter sido difícil para ele, então, sorriu agradecida, feliz por eles serem amigos novamente.
― Uma completa futura noiva.
Ela quase se sentia assim.
Passou a semana inteira em um frenesi de preparação. As pernas depiladas, as sobrancelhas feitas, os cílios tingidos, as roupas de banho e os vestidos para os coquetéis. O motorista de Zavier tinha de fato ido buscá-la e a levado às compras. Tinha entregado a ela um cartão de crédito com um gesto discreto e uma lista de instruções que teria feito muitas mulheres pensarem que tinham morrido e ido para o paraíso. Enchendo bolsas elegantes com etiquetas de grife e modelos exclusivos, ela ficara enjoada pelo tanto que gastara sem fazer esforço algum.
Muito dinheiro por quase nada.
O peso da sua decepção era quase insuportável.
― Onde está papai?
― Dormindo.
― Como ele está?
Marjory lançou um meio sorriso que todos sabiam que era falso.
― Ele está muito bem; só está cansado, só isso. Ele vai se juntar a nós para o jantar; agora vamos lá beber um superdrinque.
― Não vamos ― falou Zavier arrastando as palavras. ― Eu acho que eu vou tomar a mesma iniciativa do papai e dar uma deitada. ― Os olhos de Zavier fitaram os de Tabitha, que ficou parada, sentindo-se um nada. O que ela esperava desse estranho encontro, ela não tinha idéia, mas veio como um imenso anticlímax, pois agora que ela o via, ele desaparecia tão rápido.
O que você esperava?, ela censurou-se. Que ele iria ficar feliz em ver você? Mas ela animou-se ao sentir que ele a puxava para perto, colocando as mãos em volta da cintura dela.
― Bem que você podia levar um drinque lá em cima para mim. ― Ele a beijou novamente e, dessa vez, era absolutamente desnecessário, pois ninguém tinha duvidado da alegria que demonstraram ao se encontrarem.
Essa espalhafatosa manifestação de sexualidade, Tabitha sabia que tinha sido inteiramente para o benefício dela. Esse pensamento simultaneamente a empolgava e a assustava, fazendo com que o simples ato de servir um uísque se tornasse uma façanha. Batendo gentilmente, ela silenciosamente abriu a porta do quarto de Zavier. As cortinas estavam fechadas e ela ficou parada por um momento até que seus olhos pudessem acostumar-se à escuridão. Entrando, ela passou o pesado copo de cristal para ele; o toque dos dedos dele a fez pular, e a maior parte do conteúdo do copo escorreu por entre os dedos deles.
― Fique calma. Você está realmente nervosa, não está? – observou Zavier.
― Apavorada ― admitiu ela.
― Por quê? Eles todos acreditaram na gente. Até mesmo Aiden parece estar se acostumando com a idéia.
― Que bom. ― A voz dela estava tensa; ela estava com medo de deixar escapar que não era a família dele que a enervava naquele momento, que não era a farsa que eles estavam representando, mas sim o impacto da visão dele tão próxima que a aterrorizava. ― Como foram as coisas nos Estados Unidos?
― Ótimas. Você não recebeu o meu cartão-postal?
O que acabou com a conversa. Zavier não mandaria um cartão da mesma maneira como ele não iria para a lua. Ele se apoiou nos cotovelos e, colocando o copo na mesa-de-cabeceira, afrouxou a gravata.
― Você deve estar exausto.
― Eu passei dezesseis horas dormindo no avião.
― Ah! É verdade. ― Tabitha deu uma risada sem graça. ― E eu aqui com pena de você, imaginando você espremido na classe econômica. É claro que você viajou na primeira classe. Ou a sua família tem um jatinho particular?
― Não, mas pelo amor de Deus nem mesmo mencione isso, ou então isso vai estar no topo da lista de prioridades de Marjory. ― Foi só uma brincadeirinha, mas a fez sorrir, embora um pouco vacilante, ao sentir os dedos dele em seus lábios.
― Assim é melhor. Eu esqueci como você fica bonita quando sorri.
Ele estava sendo legal com ela, gentil e engraçado, e ela não sabia como responder, não sabia mais o que era real.
― Deite ao meu lado.
― Por quê?
― Para treinar. A gente vai ter que se acostumar a dividir a mesma cama e, de qualquer maneira, eu não gosto de dormir sozinho.
E com certeza ele nunca teve que dormir sozinho, pensou Tabitha, mas estava cedendo. ― Eu não devia.
― Por quê?
Tabitha engoliu a seco.
― A sua mãe nos colocou em quartos separados; não seria certo. ― Ela estava tentando achar uma desculpa. Marjory tinha praticamente aberto uma porta entre os quartos, dado seu consentimento, mas não era nenhum código de moral antiquado que a impedia de deitar ao lado dele. Era o simples medo de que ela amolecesse e dissesse para ele o que ela realmente sentia. Lágrimas ameaçavam cair, e as emoções das últimas semanas, a necessidade desesperada de vê-lo, o fato de ele estar realmente ao lado dela, o choque pelo carinho dele. Tudo isso estava fazendo coisas inimagináveis com seu autocontrole.
― Venha aqui. ― Eram as mesmas palavras que ele tinha usado na noite que passaram juntos, as mesmas duas palavras que a tinham lançado aos braços dele. Dessa vez o efeito era mais suave, mas tão devastador quanto. Lentamente, ela desafivelou os sapatos antes de deitar-se ao lado dele.
― A gente não devia...
― Eu sei. ― Ele encaixou Tabitha nos seus braços, fazendo-a ficar imóvel, a respiração quente e explodindo nos pulmões. ― Como foram as últimas semanas? ― Ela não respondeu, apenas ficou lá deitada, deleitando-se naquele abraço. ― Como a sua família recebeu a notícia?
― Eu só tenho a minha avó.
― E como ela reagiu? ― A voz dele era tão grave, tão branda, que ela estava quase adormecendo, deitada na escuridão ao lado dele.
― Ela ficou surpresa, feliz, atordoada ― o mesmo que meus amigos.
― Por que eles ficaram surpresos?
Mexendo-se ligeiramente, ela voltou-se para ele na escuridão.
― Bom, com a rapidez de tudo. Eles a princípio tentaram me convencer de que eu tinha ficado louca. Eu acho que não existe mais muita gente que acredita em amor à primeira vista. E você?
― E eu o quê? ― Ele estava meio ouvindo, meio dormindo.
― Você acredita em amor à primeira vista?
― Amor não existe.
Ela ficou olhando a escuridão, esperando que ele fosse terminar a frase, esperando que ele fosse acrescentar algum detalhe. Como ele não fez isso, como o único barulho que alcançava os seus ouvidos era a suave respiração e o tique do relógio de pulso dele, ela percebeu que ele havia terminado. ― Você não acredita em amor de jeito algum?
― Eu acredito em tesão, compatibilidade, amizade. Mas amor como nos filmes? Isso não existe, Tabitha.
― E claro que existe. ― Apoiando-se nos cotovelos, ela cutucou as costelas dele, mas Zavier estava muitíssimo sério. Pegando as mãos dela, ele a puxou de volta para seus braços.
― Isso não existe ― repetiu ele. ― Eu achei que eu estivesse errado, na verdade eu achei que tivesse tirado a sorte grande. ― A voz dele estava distante, mas Tabitha podia sentir a tensão nele enquanto ele falava. Ela ouvia atentamente, desesperada por uma revelação, por uma compreensão. ― Por um momento foi ótimo, mas era apenas fantasia, como nos contos de fadas. Louise nunca me amou. Com certeza ela estava atraída por mim, gostava de mim até... mas não o tipo de amor do qual você está falando.
― Só porque não foi com Louise, não significa que não existe alguém para você.
Ele deu uma risada melancólica.
― A outra metade que vai me completar? Você tem assistido muito filme, Tabitha. Eu estou dizendo que isso não existe.
As palavras dele despedaçaram-se dentro dela. Ouvi-lo tão descrente, tão desdenhoso, desafiava qualquer explicação.
― Eu sei que Louise machucou você, Zavier, mas acabar com toda a raça humana por causa de um relacionamento que não deu certo. Com certeza a sua reação é um pouco extremada.
― Não é uma reação extremada. Eu não consigo pensar em um casamento na minha família que não tenha sido por causa de dinheiro. ― Ele fez uma pausa, ficou pensativo por um momento. ― Não, nenhum. Incluindo o nosso. ― Ele deu um longo bocejo, alongando o corpo languidamente em direção a ela, esticando os braços acima da cabeça que depois a envolveram. ― Engraçado, eu senti falta de você de verdade enquanto estive fora.
― Você sentiu a minha falta? ― A voz de Tabitha era um sussurro e ela finalmente virou-se para ele, mas Zavier não respondeu. Os olhos estavam fechados, a boca entreaberta, a expressão era mal-humorada até quando dormia. Quando ela levantou-se para ir para o seu quarto e, de alguma maneira, tentar fazer com que tudo o que Zavier disse fizesse sentido. Mas, resmungando, ele a puxou de volta, os braços a apertando, o rosto escondendo-se nos cabelos dela com um baixo gemido. Ela deitou-se então, com medo de se mover para o que feitiço não fosse quebrado.
Se isso era o inferno, ela estava destinada a ele por causa de seus pecados. Mas Tabitha podia agüentar. Pretensioso, arrogante, ríspido, tudo isso ele podia ser, mas o vislumbre ocasional no que ela acreditava ser o verdadeiro Zavier compensava tudo isso em dez vezes.
Certamente, algo que parecia tão certo, tão natural, não podia estar tão errado?
Ela vestiu-se tão rapidamente quanto um raio, aterrorizada de que o clima de intimidade pudesse de alguma maneira evaporar-se enquanto ele tomava banho. Mas longe dos braços de Zavier, enquanto colocava um vestido verde-claro e afivelava as sandálias, os demônios que constantemente a atormentavam estavam de volta.
É claro que ele estava sendo legal com ela; ele queria que isso desse certo tanto quanto ela, e mantê-la por perto era uma maneira de assegurar que os espectadores permanecessem convencidos.
Descendo as escadas, ele pegou a mão dela e, quando eles entraram na sala de estar, o aperto de mão dele ficou ainda mais forte. Eles juntaram-se ao grupo e, com apenas um olhar, Tabitha pôde perceber que a repentina força no aperto de mão de Zavier não era para lhe dar apoio moral.
Jeremy Chambers estava sentado numa cadeira de rodas. Ele parecia anos luz de distância do homem poderoso de apenas semanas atrás. O rosto estava magro e desfigurado, os olhos afundados, mas o terno era impecável e havia um ar de dignidade e força que a doença não podia arrebatar, não importa o que mais ela fizesse com ele.
― Tabitha. ― Ele pegou a mão dela e beijou-a levemente. ― Você está deslumbrante. ― Ele retraiu-se ligeiramente ao largar a mão de Tabitha.
Ela sabia que ele estava sentindo dor, mas o instinto dizia a ela que ele não queria que percebessem.
― Nós estamos todos muito animados por acolher você na nossa família. ― Ele voltou-se para o filho, hesitando ligeiramente ao tomar fôlego. Até mesmo o mínimo esforço de cumprimentar a futura nora, uma imensa proeza, dada a sua saúde debilitada. ― Como você está, meu filho? Como foram as coisas nos Estados Unidos?
Nenhuma resposta rápida para Jeremy, notou Tabitha. Ao contrário, Zavier diretamente lançou-se a fundo num relato minucioso, falando rapidamente em números como se estivesse fazendo uma apresentação. O conhecimento que aquele cérebro possuía era quase desumano. Nenhuma vez ele perguntou ao pai como ele estava sentindo-se, e a cadeira de rodas foi rejeitada como se sempre tivesse estado ali. Tabitha sabia que isso era exatamente o que Jeremy queria, o rosto estava extasiado ao ouvir atentamente o filho.
― Isso me deixa entediada. ― Marjory enviesou os olhos. ― Mas olha só para Jeremy. É exatamente o que ele precisa: um pouco de conversa inteligente. Eu admito que eu sou tão culpada quanto todo mundo. No momento em que ele senta naquela maldita cadeira, eu já me encontro falando mais alto e até mesmo respondendo por ele.
Tabitha sorriu com complacência frente à honestidade de Marjory.
― Eu tenho certeza que vocês todos vão se acostumar.
― Vamos esperar que tenhamos tempo para isso.
― Como você está se sentindo, pai? ― A tentativa desastrosa de Aiden de puxar uma conversa não trouxe nada mais do que uma cara fechada que fez Tabitha refletir o quão austero e formal Jeremy soava quando se dirigia ao filho mais novo. Era tão triste que as coisas tenham chegado a esse ponto.
― Então, como vão indo as preparações para o casamento? ― Aiden forçou um sorriso e caminhou em direção à mais receptiva audiência da sua velha amiga.
― Eu não tenho idéia ― admitiu Tabitha honestamente.
― Não me diga... ― Aiden sorriu de orelha a orelha ―... tudo está sendo providenciado.
Tabitha riu da percepção do amigo.
― Aparentemente tudo o que eu tenho que fazer é comparecer.
― Nervosa?
Ela fez um gesto afirmativo, aliviada de finalmente poder ser honesta com alguém.
― O que a sua avó diz de tudo isso?
― Está tão admirada quanto todo mundo.
― Está tudo em ordem com ela?
Ela ia tomar um gole da sua bebida, mas se deu conta de que o copo estava vazio; em vez disso, Tabitha pegou a fatia de limão e, chupando-o, fez um gesto com a cabeça.
― Pelo menos por enquanto.
Aiden abaixou o tom de voz.
― Ela precisa de ajuda. Você sabe disso. Você não devia ter feito esse favor para ela, tê-la livrado do problema novamente.
Tabitha agora estava comendo até o bagaço do limão, o que era preferível a falar do problema de sua avó.
― Jogar é uma doença ― continuou Aiden implacavelmente. ― Não some simplesmente. As dívidas podem ter sido pagas, mas só significa que a barra vai ser maior da próxima vez.
― Não vai ter próxima vez ― replicou Tabitha indignada.
― Mas isso é exatamente o que você disse da última vez ― lembrou-a Aiden. ― E a vez antes da última, se eu me lembro bem. Como você pode estar tão certa de que desta vez as coisas vão ser diferentes?
― Porque na próxima vez que os oficiais baterem lá, não vai ter um multimilionário preparado para me resgatar.
― São essas pequenas coisas que você diz que me fazem te amar ainda mais. ― Zavier passou os braços em volta da cintura de Tabitha, mas não havia nada de terno no beijo que ele deu em seu rosto.
Ela tinha dito aquelas palavras em defesa da avó apenas para Aiden, a brutalidade era apenas uma camuflagem para o medo genuíno que ela sentia pela única pessoa da família, e saber que Zavier tinha ouvido a fez sentir um frio no estômago. Com certeza, os dois sabiam que aquilo era um acordo financeiro, mas a gentil aprovação, a trégua que ela tinha pedido, tinha sem dúvida alguma terminado.
― E para a sua informação, minha querida... ― os lábios de Zavier franziam-se ao pronunciar as palavras ―... aconteceu de ser um bilionário te resgatando. Mas o que são mais alguns zeros para uma tonta como você? O que são alguns milhões aqui ou ali quando você está preparada a liquidar o último centavo nas máquinas de pôquer?
― Por que vocês estão tão sérios? ― Marjory era toda sorrisos, sacudindo um dedo ao juntar-se a eles.
― A gente está discutindo o pequeno problema da minha noiva. ― Ele franziu a testa enquanto Tabitha permanecia mortificada. Ele não iria mencionar isso? Ele não podia. Não aqui!
― Que problema, Zavier? Por favor, diga. ― Marjory sorriu, aproximando-se mais um pouco. ― Algo que precise de um ponto de vista feminino? Eu ficaria muito feliz em poder ajudar.
― Você não saberia onde começar ― disse Zavier de forma sinistra para sua mãe, e Tabitha segurou a respiração. ― A não ser que você tenha feito subitamente um curso intensivo em assuntos domésticos. O copo de Tabitha está vazio pelos últimos cinco minutos e ninguém se preocupou em enchê-lo. Você realmente precisa ter uma palavrinha com os empregados.
A campainha tocando para chamá-los para o jantar foi a única coisa que fez com que Tabitha lembrasse de respirar novamente.
O jantar foi terrível.
Ah! A comida estava perfeita, o vinho delicioso, a conversa animada, mas o jantar foi realmente terrível.
Zavier diligentemente evitou os olhos de Tabitha e a mão, que brevemente roçava na dela, estava gélida. Qualquer tentativa de avanço que tenha sido feito, estava agora aparentemente espatifando-se por causa de um comentário infeliz.
A conversa inevitavelmente voltou-se para o casamento, e Tabitha teve que lutar para concentrar-se, para rir nos momentos certos, para injetar algum entusiasmo na voz enquanto ouvia o que Marjory tinha reservado para eles.
― Eu coloquei todos os presentes que chegaram até agora no estúdio; a gente tem que decidir onde colocá-los. É uma pena que vocês não tenham feito uma lista. Vocês ganharam mais de um presente repetido.
― Quantas torradeiras? ― A piada de Tabitha falhou redondamente e Zavier encostou-se na cadeira.
― Nenhuma. Bem, eu só posso assegurar por parte da minha família. Mãe, quantas torradeiras nós recebemos da parte de Tabitha?
― Apenas o ignore, querida. ― Marjory sorriu, nem um pouco perturbada com a tensão que fervilhava. ― Eu realmente acho que ele está ficando nervoso. E você, Tabitha?
― Um pouco. ― Aquela declaração foi a mentira do século, mas diferente de Zavier, pelo menos ela estava tentando parecer que se importava. ― Pelo menos é um casamento simples. Eu não conseguiria lidar com muito mais do que isso.
― O único problema disso... ― A sarcástica fala arrastada de Zavier, pelo menos momentaneamente, chamou a atenção de Tabitha ―...é que eu tenho a impressão de que a noção de "pequeno" para minha mãe pode diferir um pouco da sua. Não é, mãe?
Marjory bateu palmas alegremente.
― Bem, eu não posso prometer pequeno, mas posso garantir de bom gosto.
Zavier franziu a testa, mas riu afetuosamente para a mãe. Tabitha pôde perceber o quanto mais gentil Zavier podia ser quando se dirigia a alguém que realmente amava. A expressão ameaçadora e arrogante com a qual ela estava ficando tão acostumada tinha se atenuado, parecia agora mais suave, mais jovem, talvez, e infinitamente mais desejável.
― Por que eu não acredito em você? Sem dúvida alguma você já encomendou, só deus sabe quantos, balões de gás e algumas esculturas de gelo ― disse Zavier em um tom de brincadeira.
― Não ― disse Marjory na defensiva. ― Balões já saíram de moda. Eu estou com mania de flores naturais.
― Boa escolha. E quantas esculturas de gelo?
Tabitha tinha pensado que ele estava brincando, mas sua expressão ficou transfigurada quando Marjory mexeu-se desconfortavelmente.
― Só uma.
O gemido que Tabitha deixou escapar foi abafado pela risada geral na mesa, embora tenha chamado a atenção de Zavier ao vê-la encolher-se na cadeira. Pelo mais mísero segundo ele sorriu simpaticamente. Assim, ela sabia que tinha sido perdoada. Por aquele breve instante, ela conheceu um olhar dele que não era de suspeita ou malicioso e, sob todos os aspectos, foi como um carinho para Tabitha. O que era isso nele? Era como se ele tivesse um canal direto para a alma dela. Um simples olhar podia envolve-la como um cobertor quente numa noite fria. Ela sentia o rosto enrubescer ao olhar atento de Zavier, e até devolveu um pequeno sorriso.
Talvez a escultura de gelo de Marjory, afinal de contas, não fosse uma idéia tão má, refletiu Tabitha.
― Marjory, a noite está tão linda... eu gostaria de saber se eu poderia levar o meu vinho do porto para a varanda? ― A vasta sala de jantar agora parecia sufocante e a necessidade de escapar da opressão daquelas mentiras dominou a habitual timidez de Tabitha entre os Chambers.
― É claro, minha querida, fique à vontade. Deve estar um pouco quente aqui dentro.
Agradecida Tabitha pegou seu copo e dirigiu-se à varanda.
A noite estava linda; colocando o copo no muro de pedra, ela repousou os braços e admirou a vista magnífica. A enseada cintilava em frente aos seus olhos, azul índigo como os olhos de Zavier, mas com clarões cinza quando a luz da lua atingia as ondas.
Ela os invejava.
Os invejava pela provavelmente vida sem complicação que eles levavam comparada à dela. Invejava essas pessoas desconhecidas pelo dom de retribuir amor.
― Você parece estar a milhas de distância.
Ela esperava que ele fosse juntar-se a ela; de alguma maneira, ela havia maquinado aquilo.
― Na verdade, eu estava lá.
O braço delgado levantou-se e apontou para a aglomeração de luzes brilhando na beira-mar.
Não havia necessidade de mais explicações. Ele pareceu instintivamente entender como a mente dela havia vagueado.
Os olhos dele seguiram para onde ela apontava.
― E você estava se divertindo?
Tabitha deu uma gargalhada.
― De verdade, não. A comida estava horrível.
― Me desculpe por mais cedo.
Ela virou-se, visivelmente atordoada.
― Desculpa pelo quê?
― Por fazer você se sentir tão desconfortável antes do jantar, fingindo que ia revelar o seu problema com jogo. Foi uma tirada barata, não é mesmo o meu estilo habitual.
― Me desculpe também ― admitiu ela. ― O que eu disse para Aiden... Não era aquilo que eu queria dizer...
― Sim, Tabitha, ― disse ele lentamente. ― Você quis.
Ela não disse nada; em vez disso, ela esforçou-se para pegar sua bebida, tomando um gole hesitante, confusa com a mudança de comportamento de Zavier.
― Mas não me deu o direito de colocar você em xeque. Nós dois sabemos que isso é um negócio; eu acho que às vezes é fácil demais de esquecer. A gente tem que atuar muito bem. Infelizmente, você parece fazer brotar o pior em mim. Ou o melhor em mim. Eu acho que depende de qual noite a gente está falando.
Os olhos dele quase que imperceptivelmente percorreram a extensão do corpo de Tabitha e ela sabia que ele estava lembrando-se não apenas do que tinha acontecido, mas de cada mínimo detalhe. Ela sabia que ele a provava inteirinha novamente.
Engolindo o vinho do porto que ela estava segurando na boca, Tabitha resistiu ao impulso de correr para ele, de enterrar o rosto em seu peito e sentir aqueles braços firmemente em volta dela.
Aquela noite, aquela noite roubada, noite decadente. Ela tinha feito aflorar o melhor que havia nele. Ah! Tabitha não era a melhor amante do mundo ― falta de experiência explicava ― mas os dois haviam aflorado um no outro o melhor de cada um. O sexo deles tinha sido prodigioso, divino até. A memória do toque de Zavier, da delicadeza que ela havia presenciado, dava-lhe confiança para abordar uma questão.
― Isso não deixa nervoso?
― O quê?
As mãos de Tabitha gesticulavam tão agitadamente quanto os olhos; ela não podia acreditar que ele não sabia do que ela estava falando.
― Isso. Essa mentira.
Ele sacudiu a cabeça.
― Por que deveria?
― E se eles descobrirem?
― Eles não vão descobrir. Pelo menos, desde que você seja um pouco mais discreta do que foi hoje mais cedo com Aiden.
― Mas, e se ele descobrirem? ― insistiu Tabitha.
― Aí eu trato disso. De qualquer maneira, os Chambers não vão ter um colapso por causa de mais um casamento sem amor na família. Meu pai só quer me ver casado; ele nunca falou de amor.
― E se eu não aparecer? E se eu desaparecer com o seu dinheiro?
Ele franziu a testa.
― Eu logo a perseguiria. Foi uma quantia generosa, mas não o suficiente para fazer você sumir. De qualquer maneira, sem dúvida alguma já foi gasto.
― Mas isso não te corrói por dentro? ― A angústia na voz de Tabitha era evidente e Zavier olhou para ela pensativo antes de responder.
― Olha, Tabitha, você lembra daquelas pessoas no cassino: suando, roendo as unhas, mordendo os lábios? Eu não sou assim.
― Você estabeleceu um limite ― Tabitha o fez lembrar, sem saber aonde aquela conversa ia dar. ― Você tinha como perder.
― Tudo bem. Então, pega o meu trabalho. Todo o dia eu faço negócio de bilhões de dólares, arrisco dinheiro. Que seja jogo ou uma aposta civilizada, eu jogo os dados todos os dias, mas a diferença é que eu posso ir embora. Eu não sou como o resto das pessoas com quem eu trabalho. Compulsivamente checando a bolsa de valores, engolindo pastilhas para úlcera. Imaginando o pior. Eles vão estar acabados quando estiverem com quarenta anos, acorrentados a um monitor cardíaco, aos cuidados de uma clínica do coração e querendo saber que diabos deu errado. Quanto a mim, eu ainda vou jogar esse jogo até os setenta.
― Então, qual é a comparação?
O rosto dele abriu-se num sorriso.
― De que diabos você está falando?
― Bom, eu assumo que tenha uma. Eu tenho certeza que essa pequena palestra sobre as exigências das bolsas e opções está levando a algum lugar. Eu leio as páginas de economia de vez em quando ― acrescentou ela enquanto ele tossia. ― Eu não passo imediatamente para a página do horóscopo.
― Ah! Mas agora eu vou ― ele deu uma gargalhada. ― Eu mal posso esperar para descobrir o que me aguarda amanhã. Na verdade, você estava certa. Minha mãe realmente perguntou qual era o seu signo. ― O tom da voz estava agora mais sério. ― Não me ameace com esses jogos sentimentais, Tabitha; nada me perturba. Se você estiver lá, nós nos casamos, ótimo; se você não estiver eu vou sobreviver. ― O rosto de Zavier estava ameaçadoramente perto, a voz uma ameaça disfarçada e, apesar da tremedeira, a adrenalina que corria no corpo de Tabitha não tinha nada a ver com medo.
Ela podia sentir o calor do corpo de Zavier, o hálito dele em seu rosto, os olhos a imprensavam na parede. O ar estava crepitando de desejo. Ele passou as mãos no braço de Tabitha. Os minúsculos pêlos arrepiaram-se e os mamilos sobressaíram-se no tecido do vestido, ardentemente cumprimentando o mestre.
― A gente se casa em dois dias. ― A língua dela umedecia os lábios nervosamente e ela sabia que aquele gesto inocente o tinha excitado. ― Talvez a gente deva esperar.
― É isso o que você quer?
Não era. De repente, ele puxou a mão de Tabitha em direção à virilha dele. Em um sobressalto, ela sentiu em seus dedos a pressão do seu membro enrijecido pelo terno escuro, voraz e fogoso. Ele puxou a mão dela ainda com mais força contra ele.
― Alguém pode ver ― disse ela ofegante, tentando puxar a mão, mas a pegada depravada dele só intensificou-se.
― Está muito escuro aqui fora para alguém ver. ― Ele empurrava a mão dela contra si e soltava um gemido em voz baixa enquanto os dedos de Tabitha moviam-se independentemente, apertando o aço de veludo de sua virilidade. Ela estava embasbacada com sua própria ousadia, censurando a roupa que a separava daquela pele ardente.
― Aquela analogia que você queria ― sussurrou ele. ― Eu fiz minha aposta com cuidado; acho que dessa vez não vou perder. ― A mão dele pressionava as dela ainda com mais força. ― Essa ― resmungou ele um pouco sem fôlego ― é a razão pela qual você estará lá.
Os olhos maldosos tinham uma expressão zombeteira que a fez furiosamente tirar a mão dele.
― Quem sabe, Tabitha? Pode ser que você seja a primeira noiva que irá chegar cedo.
O corpo de Tabitha doía de cansaço. Ela havia passado a maior parte da noite sobre brasas, arduamente ciente de que Zavier estava apenas a alguns metros de distância, o desejando e, no entanto, simultaneamente apavorada de que ele entrasse no quarto dela; querendo que ele entrasse e, no entanto, assustada. Finalmente, ela caiu num sono inquieto sendo somente acordada pelo sol, o que parecia ter sido apenas alguns momentos mais tarde. Ela permaneceu deitada por algum tempo, tentando orientar-se.
Não que Zavier parecesse se importar. Nada o preocupava? Nada o chateava?
Vestindo shorts e camiseta, Tabitha calçou um par de tênis. Andando devagar pela casa, saindo sem ser notada, ela escapuliu pela garagem da casa.
Ela não tinha direção alguma, nenhum objetivo em seus passos, mas instintivamente ela foi parar na praia. Tirando os tênis, ela caminhou por algum tempo, tentando compreender tudo. Com um lamento, ela deitou-se na areia macia. Ela podia sentir a areia úmida e fria contra as coxas nuas. As ondas batiam nos dedos dos pés, subiam aos joelhos, passavam rapidamente pela barra do short de algodão antes de voltarem para o oceano, de volta para onde pertenciam.
Ele a viu primeiro. Estava sentada sozinha na praia deserta. O sol nascente sobre os cachos de Tabitha os faziam pegar fogo.
Com a expressão endurecida, Zavier aumentou o passo indo diretamente em direção a Tabitha.
Ele a viu virar-se, o par de ombros delgado contraiu-se quando ela percebeu que era ele, os atordoantes olhos verde-jade tomados por precaução.
Encantada, mas não da maneira que ele tinha esperado. A paixão de antes tinha ido embora; os movimentos calculados de ontem tinham todos se evaporado.
― Não conseguiu dormir, hein?
Ela sacudiu a cabeça, extasiada com a presença de Zavier. Vestindo apenas um short de jeans desbotado, o cabelo desgrenhado, a barba por fazer, rude, descuidado, mas infinitamente desejável.
― Tensão pré-casamento?
Ela forçou um pequeno sorriso.
― Algo assim.
Quando ele abaixou-se ao lado dela, a praia parecia implodir ao redor deles. Tabitha moveu-se um pouquinho para o lado como que para dar lugar para ele juntar-se a ela.
O silêncio seguiu-se, mas não era penoso. Os dois bebiam da atordoante vista, as curvas sem fim da enseada, miravam os raios dourados alcançarem o oceano, o píer coberto de pescadores, as ondas ponteadas de surfistas que se aproveitavam das ondas do amanhecer. Foi Tabitha quem quebrou o silêncio, dizendo a segunda coisa que veio a sua cabeça.
A primeira teria causado sua ruína.
― Eu gostaria de saber se isso é como trabalhar numa fábrica de chocolate?
― Desculpe?
― Ao que parece, se você trabalha numa fábrica de chocolate eles deixam você comer quanto você quiser. Depois das primeiras semanas se empanzinando, mais cedo ou mais tarde, você não agüenta nem ver chocolate.
― Eu ainda não estou entendendo.
― Isso. ― Ela fez um gesto em direção ao mar. ― Eu gostaria de saber se quando você mora aqui, em alguma manhã você abre as cortinas sem notar a vista; se você se torna blasé em relação a toda essa beleza?
Agora ele havia entendido.
― O paraíso terrestre, não é?
O sol já estava alto agora, os tons vermelho e dourado que haviam preenchido o ar tinham sumido.
― Bom dia, Zavier. Bom ver você de volta.
Um casal idoso caminhava em direção a eles, as mãos enrugadas entrelaçadas, um ar de paz e contentamento emanava deles. Zavier os cumprimentou calorosamente, apresentando-a como sua noiva. O orgulho em sua voz, por um momento, enganou até mesmo Tabitha.
O senhor sorriu para ela curiosamente.
― Na verdade, a gente leu sobre isso no jornal. Estamos tão felizes por vocês dois. Permita-me dizer, Zavier, que você tem muito bom gosto. O jornal certamente não fez justiça a sua noiva.
― O casamento vai ser bem familiar, de verdade, mas seria um prazer se vocês pudessem vir e se juntar a nós para um drinque depois.
― A gente adoraria. ― Um cachorro pulou neles, largando um bastão, a respiração ofegante pelo empenho festivo. ― Eu acho que estamos sendo intimados. Até sábado, então. ― Pegando o bastão, o senhor lançou-o no ar antes de pegar a mão da esposa e andar vagarosamente pela praia.
― Aí está a sua resposta. ― A voz de Zavier ecoou os pensamentos de Tabitha. ― Eles estão aqui toda a manhã. Pelo menos todas as manhãs as quais eu estive aqui pelos últimos trinta anos ou mais. ― Os olhos um pouco enviesados quando o sol batia, brilhantes agora, os dentes brancos quando sorria, mais para si mesmo do que para ela. ― Eles sempre dizem que linda manhã. Faça chuva, esteja ventando ou com sol, eles estão sempre caminhando de mãos dadas.
― Amando um ao outro ― disse Tabitha lentamente.
Ela percebia agora: ela sempre o quis, sempre o adorou ― até mesmo o amou ― mas a inteira magnitude de seu amor por ele somente agora a acertava, enquanto os olhos miravam as próprias mãos, miravam o rubi resplandecendo no dedo anular. Não era apenas o anel de rubi que ela queria; era o colar do aniversário de quarenta anos que vinha junto. Caminhar pela praia toda a manhã de mãos dadas com ele, as crianças correndo à frente.
Mais tarde, quando as marcas de expressões dos olhos já estivessem profundas, quando os cabelos estivessem grisalhos, queria que os netos brincassem aos pés de Zavier, disputando sua atenção. Ela queria tanto estar lá, queria que o passado dele estivesse ligado ao dela, que ficassem juntos para sempre.
Queria ser a única.
― Por que o olhar tão pensativo?
Ela engoliu com dificuldade. Como ela poderia dizer que o amava? Que sempre o amou. Que desde o primeiro segundo que ele entrou na igreja, que ele entrou na vida dela. Como um homem cuja vida era dirigida por fatos, prazos e contratos, poderia entender algo tão simples e, ainda, tão inexplicável quanto o amor?
Mas como ela não poderia?
As batidas de ondas estavam sincronizadas com o pulsar de suas têmporas. Tabitha lutava por eloqüência, fazia esforço para articular o que estava escrito em sua alma.
― Tem uma coisa que eu preciso dizer.
― Parece sério.
― É sério.
Apesar do calor da manhã, Tabitha de repente sentiu frio até nos ossos. Dizer para ele agora certamente mudaria tudo. Zavier queria uma mulher que ele pudesse descartar com facilidade quando o tempo destinado tivesse chegado ao fim. Amor não estava em seus planos e dizer para ele agora poderia terminar com tudo. Era um negócio, para Zavier pelo menos. Uma declaração de amor poderia determinar o fim de tudo. Mas agora ela estava encurralada e precisava dizer alguma coisa.
― Eu não tenho problemas com jogo.
Se a revelação foi de alguma maneira um anticlímax, Zavier não percebeu. Ele soltou um sutil shiii. Virando-se, ele olhou para o céu, os olhos envesgados com o clarão acabaram por se fechar.
― Eu não quero falar nesse assunto de novo, Tabitha. A gente já concluiu isso.
― Mas eu não...
― Então você continua insistindo. Eu não posso fazer você admitir isso. Tem que vir de você. ― Ele soltou uma risada. ― Eu tenho lido sobre isso.
Os olhos permaneceram fechados, efetivamente não deixando ela entrar no assunto, mas Tabitha continuou falando, a voz sem fôlego.
― Eu tentei dizer. É a minha avó quem tem esse problema.
― Bem, graças a Deus o contrato cobre a questão de filhos; sua doença deve ser hereditária. ― Os olhos permaneciam fechados, a voz arrastada e sarcástica. ― Você daqui a pouco vai me dizer que a culpa não é sua.
― Você não entende. ― Ele não estava facilitando as coisas. Eu nunca tive nenhum problema. Se você não acreditar em mim, se você se recusar a me ouvir, então, eu não vou continuar essa história amanhã.
Os olhos dele abriram-se rapidamente. Virando-se, ele a observou enquanto ela olhava fixamente a sua frente.
― Aiden sabe?
Ela fez um pequeno e hesitante gesto.
― Então, por que diabos ele não me contou?
― Eu pedi para ele. ― A voz de Tabitha era um sussurro tenso. De qualquer maneira, não parecia relevante de quem eram as dívidas.
― Não parecia relevante? ― Pela primeira vez ela o ouviu levantar a voz. Ela já tinha visto ele zangado, furioso, mas sempre, sempre controlado. Até agora.
Os olhos a fuzilavam, os músculos contraíam-se no rosto, o pescoço e os ombros absolutamente rígidos pela tensão.
― Não parecia relevante ― repetiu ele. ― Eu vou dizer por que não parecia relevante: essa é mais uma de suas mentiras, mais uma de suas...
― É a verdade, Zavier.
A voz baixa de Tabitha não conseguiu fazer com que ele interrompesse o discurso veemente, e ele continuava insistindo em não acreditar. ― No cassino... ― A mão dele agora segurava o queixo de Tabitha, movia a cabeça dela abruptamente, a forçava olhar para ele. ― Você ficou de repente tão animada, tão vibrante.
Tão apaixonada.
Os olhos dela estavam apertados. Como ela podia olhar para ele e mentir sobre a única coisa que importava? Mas se ela quisesse continuar com ele, se ela quisesse experimentar o paraíso, mentir era a sua única opção.
― Não tinha nada a ver com o cassino, Zavier, nada mesmo. Se eu fiquei feliz de repente, foi pelo simples fato de eu ter uma boa parte de uma garrafa de champanhe dentro de mim e mais do que o salário de alguns anos na minha bolsa, com a promessa de ter mais. É de se admirar que eu estivesse me sentindo tão bem?
Era a coisa mais difícil que ela já tinha feito, a mais vil de todas as mentiras e, se ela não estivesse tão absorvida pela própria angústia, talvez ela tivesse registrado a dor nos olhos dele, a mão dele largando o rosto dela enquanto ele permanecia sentado em silêncio.
― Me desculpe ― gaguejou ela, por Zavier não ter dito nada. ― Eu pensei que você fosse ficar satisfeito ao ouvir isso. ― Tabitha segurava as lágrimas que faziam seus olhos brilharem, o gosto amargo do que ela tinha dito ainda estava em sua boca. ― Feliz por eu não ser uma jogadora compulsiva.
― O quê? Você estava esperando uma salva de aplausos? Um discurso nobre sobre a maravilhosa mulher que você é, salvando a avó dos tubarões dos empréstimos sem pensar em si mesma?
Tabitha olhou rapidamente para Zavier.
― Não. Eu só pensei que poderia nos ajudar se você soubesse a verdade.
― A verdade é que isso é um negócio. ― As palavras dele eram ásperas, irritadas. ― Eu não me importo com a sua avó e nem mesmo com você. Poupe-me dos discursos, Tabitha. Poupe-me das culpas e dramas. A única pessoa que está tirando vantagem desse casamento é você. E em relação às dívidas, você estava certa. A quem elas pertencem não é relevante aqui.
Tabitha lançou um olhar atravessado para Zavier.
― Não é?
― Você descontou o cheque um dia depois que você recebeu ― ressaltou Zavier. ― Com o que você gastou é problema seu, desde que estivesse dentro dos confins...
― Do contrato. ― Ela terminou a frase para ele. ― Estava.
― Que bom ― retrucou ele. ― A não ser que você apareça com o que você me deve Senhorita Reece, você me deve muito tempo. ― Depois disso, a raiva esvaiu-se de Zavier e, apoiando-se no cotovelo, ele olhou para ela pensativamente. ― Alguma outra pequena jóia que você queira lançar em mim? Alguma outra verdade que você queira dividir comigo enquanto nós estamos sendo tão sinceros um com o outro?
A voz dele estava cheia de sarcasmo. Tabitha sacudiu a cabeça rapidamente, mordendo os lábios para segurar as lágrimas.
― Então, nada mudou?
― Eu acho. ― Os longos dedos arrastavam-se pela areia, desenhando infinitos círculos na maciez virgem.
Ele a observava, os olhos lentamente inspecionavam a extensão de seu corpo. De repente, Zavier foi atingido no membro por um desejo ardente, e a memória escaldante daquela carne macia e quente contra a sua pele era tão vivida, que a mão arrastou-se involuntariamente para mais perto, os dedos distraidamente atingindo a maciez de suas coxas, a necessidade de senti-la, de tocá-la, ultrapassava qualquer lógica.
Tabitha virou-se abruptamente. Ela tinha estado perdida em seu próprio mundo, desatenta ao desejo que o dominava. Mas quando os dedos fizeram contato, ela pulou, o corpo trêmulo, os olhos assustados e bem abertos, apesar do clarão do sol, as pupilas contraídas contra a forte luz até que os depósitos de calcita parecessem maiores que o oceano.
― O que você está fazendo? ― Era uma pergunta sem sentido, uma pergunta que não merecia resposta. Zavier lançou-se em direção a Tabitha, imprensando-a na fofa areia da praia, um cobertor de músculos e carne fazia pressão contra ela com quentes e ansiosos beijos que quase colocavam fim à razão. Quase.
Com um soluço de frustração, de raiva, ela esquivou-se de Zavier, as lágrimas que tinham ameaçado perigosamente cair, agora não existiam mais.
― Você acabou de me dizer que não se importa comigo, acabou de delicadamente reiterar que isso é um negócio e agora você tem o descaramento de me beijar, de me tocar! Isso não é apenas um negócio, Zavier, você sabe disso tanto quanto eu...
Ele deu um sorriso em voz baixa.
― Esse é o prazer. Eu nunca disse que a gente não podia misturar as coisas. Na verdade, você se dispôs a isso, lembra...
Em um ágil movimento, ela levantou-se, mas ele foi rápido demais para ela, e agarrou seus tornozelos. Ele continuou segurando-a com uma pegada voraz enquanto ela permanecia de pé. Quando ele teve certeza de que ela não ia escapar, quando os músculos tensos relaxaram ligeiramente, ele afrouxou o aperto da mão e vagarosamente a percorreu pela extensão da perna, brincando com a barra dos shorts de Tabitha. Ela sentiu seu sexo contrair-se, uma bolha de umidade brotando por entre as pernas.
― Isso é com certeza uma parte do acordo...
Ela olhou fixamente de volta para ele durante um bom tempo. O fato dela querê-lo já era um dado, e negar seria uma mentira, mas ali e agora ela também o odiava. Ela tinha contado para ele sobre sua avó, o pior segredo, a dor mais profunda e ele não tinha nem mesmo se indignado a dar uma resposta decente. Ela estava certa de não dizer para ele sobre seu amor, reconheceu Tabitha aliviada e, até que aquele anel estivesse sem perigo naquele dedo, ela tinha que ter certeza de que ele não perceberia a verdade.
― Você acha que isso é prazeroso? ― A voz dela estava firme, os lábios brancos, ela olhou abaixo para a mão dele com desdém. ― Você acha que eu estou me divertindo?
Pela primeira vez ela viu uma sombra de dúvida nos olhos de Zavier, sentiu a mão soltar seu tornozelo. Largando-a, ele sacudiu a cabeça pesarosamente.
― Você se acha o tal, não é? Bem, eu tenho novidades para você. O prazer que eu tenho de você é descontar seus cheques.
― Você me quer tanto quanto eu quero você. ― As palavras eram confiantes, a voz embebida pela habitual arrogância, mas ela sabia que tinha dado uma rasteira nele; a pequena sombra de dúvida ainda emanava de seus olhos.
― Uma vez você me disse que eu era uma boa atriz, Zavier. Talvez, por pelo menos uma vez, você me decifrou. ― Dando meia volta, ela caminhou a extensão toda da praia, sem olhar para trás uma única vez, determinada de que ele nunca veria as lágrimas correrem em seu rosto ou ouviria os soluços que seus pulmões produziam.
Ela sabia que se ficasse um segundo a mais ele enxergaria a verdade em seus olhos.
― Aqui estão eles ― disse Marjory com entusiasmo quando os viu entrando no pátio. ― A gente estava quase mandando uma patrulha de busca. Quanto tempo vocês levam para se trocar para o almoço?
― Desculpe. ― Aproximando-se, Tabitha deu um longo beijo no rosto tenso de Zavier, determinada a continuar a encenação apesar do relutante parceiro. ― Eu me responsabilizo inteiramente. Não é, querido?
As risadinhas de Marjory de maneira alguma repararam o olhar sombrio que Zavier lançou para Tabitha, ou o visível recuo quando os lábios dela tocaram seu rosto, como se o toque dela fosse além do tolerável.
― Onde está Jeremy?
― Ah, Jeremy foi tirar um cochilo, provavelmente guardando energia para o jantar. Ele não é fã de sol, não atualmente.
O copo de algo denso, gelado e delicioso apareceu em frente a Tabitha e ela deu um gole, agradecida. Somente com o arder dos olhos e a sensação de calor quando a bebida bateu no estômago Tabitha percebeu que o drinque não era tão inofensivo quanto parecia.
O almoço foi um inferno. O homem que se sentou ao lado dela no pátio estava realmente transbordando de raiva, nem um traço de azul nos olhos.
Se alguma vez Zavier tivesse estado mal-humorado e enervado, aquilo só tinha sido um ensaio. A série que tinha se seguido na volta a casa foi de proporções tão absurdas que provavelmente valiam uma menção no jornal das seis horas, em algum lugar entre as notícias sobre mísseis e guerra urbana.
E de uma maneira perversa, Tabitha tinha gostado daquilo.
Ela gostou de que Zavier Chambers não era tão controlado assim, que por baixo daquele implacável e impiedoso escudo batia um coração, e contestar suas bravuras sexuais o fazia sangrar. Sem dúvida o fato de Zavier ser o melhor amante que Tabitha já tinha imaginado não merecia nem ser mencionado; por que acabar com uma coisa tão boa? Ela podia lidar com a fúria de Zavier, embora soubesse que sairia mais machucada.
Quando o almoço terminou, Aiden já tinha desistido do vinho e passado para o uísque ― assim sobrou mais para Marjory. Só Zavier continuou na água mineral. Os olhos nunca deixando os de Tabitha, fazendo-a ficar vivamente atenta a cada colherada que descia como lixa pela garganta.
― A essa hora amanhã vocês já serão marido e mulher ― disse Marjory radiante. ― Eu aposto que você está excitadíssima, Tabitha.
― Eu não apostaria nisso ― disse Zavier com a voz arrastada. ― Ao que parece, a expressão pode iludir. Não pode, querida?
Felizmente, o humor sombrio e traiçoeiro era sutil demais para a família, que continuava sorrindo enquanto Tabitha encostava-se ainda mais na cadeira.
― Bem, eu não sei quanto a você... ― A voz de Marjory parecia estar vindo para Tabitha através de um denso nevoeiro. ― ... mas eu vou dar uns mergulhos na piscina. Quer ir comigo, Tabitha?
― Eu adoraria ― respondeu Tabitha em um falso tom de voz. ― Mas vou só olhar da beira da piscina. Eu comi tanto que sem dúvida afundaria como uma pedra.
Deixando-se cair pesadamente em uma imensa cadeira de sol, ela estalou os dedos impacientemente para um dos empregados que lhe serviram outra bandeja com drinques. Tabitha sacudiu a cabeça quando a bandeja passou por ela.
― Para mim não, obrigada. Eu gostaria de uma água mineral, por favor.
― Você parece Zavier. Ele e sua água mineral. Vamos, Tabitha! Beba algo direito.
― É melhor não. ― Uma língua enrolada era a última coisa que ela precisava nesse momento. ― Eu não sou uma grande bebedora. E quero estar nas melhores condições para o casamento.
Isso parecia o suficiente para Marjory que sorriu afetuosamente enquanto Tabitha tirava o vestido e ficava apenas com um mínimo biquíni amarelo. Realmente, quatro triângulos com lacinhos. Tabitha estava incomodada e certa de que Zavier estava tirando o short e a camiseta. Cada pêlo do corpo dele, cada reluzente músculo definido, pareciam insultá-la de tão bonitos.
― Quer nadar?
Muda, ela sacudiu a cabeça, lembrando-se da última vez que ele tinha se despido na frente dela. Ela sentiu os olhos dele a fuzilarem e ousou sonhar que ele também estava lembrando-se da mesma coisa.
As duas mulheres observaram em um silêncio amistoso Zavier mergulhar na vasta piscina em um ágil movimento; ao cair o corpo musculoso quase que não fez barulho ao bater na água. Não havia nada nesse mundo que a fizesse entrar na água agora, decidiu Tabitha.
― Não deixe o humor de Zavier te chatear. ― Tabitha levou um susto, surpresa de que Marjory tivesse notado. Marjory estava examinando o rosto no espelho e simultaneamente espalhando uma quantidade enorme de protetor solar em volta dos olhos e acima do decote. ― Ele só está preocupado com o pai.
Tabitha não respondeu. Sem dúvida alguma Zavier estava preocupado com a cada vez mais frágil saúde do pai, mas ela sabia que o mau humor dele se devia a um problema um pouco mais básico.
― Nós estamos tão felizes que ele tenha encontrado você ― continuou Marjory, sem tirar os olhos do espelho. ― Eu sei como ele pode ser difícil e, para ser sincera, nós estávamos preocupados por ele.
― Como? ― Ela estava navegando em águas perigosas aqui; indagações sobre Zavier não faziam parte do acordo, mas eram tentadoras demais para Tabitha deixar passar.
― Bem, ele é rigoroso demais. As coisas são pretas ou brancas para ele. Você sabe sobre Louise, eu presumo?
Tabitha fez um gesto que sim.
― A garota de quem foi noivo?
― Uma graça. Embora não tão linda quanto você, é claro. Ela até tentou fazer ele se soltar um pouco, você sabe, deixar a gravata de lado nos fins de semana e coisas assim. Eles seriam tão felizes, mas ela estragou tudo. Garota boba, ambiciosa demais. O dia em que Louise apareceu com aquele acordo pré-nupcial foi uma gritaria só. Ele nunca admitiria isso. Ela realmente o magoou.
― Eu imagino ― respondeu Tabitha pensativamente. ― Deve ser muito difícil, alguém milionário como Zavier, achar uma pessoa para passar o resto da sua vida e não imaginar que ela só está com ele por dinheiro.
― Oh! Por favor, dinheiro importa. Mesmo adorando Jeremy, eu não o teria olhado pela segunda vez se ele não fosse rico.
Tabitha piscou algumas vezes; embora Zavier tivesse dito, ela estava completamente atordoada com o estardalhaço da revelação de Marjory.
― Mas vocês parecem tão apaixonados!
― E somos ― retiniu Marjory. ― Eu só estou dizendo que o nosso relacionamento não teria nem começado se Jeremy não tivesse o nome que tem. Vamos, Tabitha, você está me dizendo honestamente que o dinheiro de Zavier não influencia você nem um pouquinho?
Era uma pergunta estranha e, por partir da própria mãe de Zavier, era ainda mais confusa. Não é de admirar que ele fosse tão desconfiado. Ela tinha pensado que Zavier estava sendo cínico quando disse que Marjory tinha se casado com Jeremy por dinheiro. Contudo, aqui estava ela admitindo abertamente que dinheiro vinha em primeiro lugar e amor em segundo.
― Eu... - Tabitha não sabia como responder. Afinal de contas, dinheiro era a única coisa que prendia ela a Zavier; era dinheiro que os havia trazido para aquela véspera de casamento.
E seria dinheiro que iria terminar com ele.
Tabitha ponderou antes de responder. Sonhando por um momento que Zavier a amasse, ela só tinha certeza de uma coisa: se ele perdesse tudo não iria fazer a mínima diferença desde que eles tivessem um ao outro.
― Dinheiro não deveria fazer parte disso. Casamento deveria ser por amor, compensando os tempos ruins com os bons, apoiando-se um no outro, crescendo juntos...
A leve palma atrás dela a fez parar imediatamente.
― Bravo. ― Pingando, ele sentou-se na cadeira de sol que estava ao lado de Tabitha. ― Você ouviu isso mãe? Esse pequeno discurso não recupera a sua fé na raça humana?
― Lindo, não é? ― Marjory concordou sonolentamente enquanto deitava-se e fechava os olhos, perdendo totalmente o veneno que havia por trás daquelas palavras, alheia ao sarcasmo nos olhos do filho. ― Querido, passe um protetor solar em Tabitha. A pele clara já está rosa o suficiente. Ela não pode parecer queimada amanhã.
― Eu mesma posso passar. ― Rapidamente Tabitha pegou o frasco, mas Zavier foi mais rápido que ela.
― Não seja boba. Você está vermelha como um pimentão. Deite. Tabitha não teve outra escolha, a não ser fazer o que ele mandou. Os olhos encontraram os dele; engolindo nervosamente, ela olhava para ele como um coelho encurralado. Ele parecia sentir o medo de Tabitha e o brilho malicioso dos olhos dele evaporou-se, o nuance brilhante de desejo no olhar de Zavier abrandava o peso de seu olhar.
― Deite ― repetiu ele, mas dessa vez a voz saiu rouca e carinhosa.
Nervosamente os olhos dela encontraram os de Marjory; ela tinha certeza de que Marjory podia perceber o clima sensual no ar. Mas Marjory estava cochilando, roncos suaves vinham de seus relaxados lábios e, com o menor gesto de consentimento, Tabitha sentiu um frio no estômago e segurou a respiração enquanto ele mexia no fecho dourado do biquíni.
O creme já estava quente do forte sol australiano e, enquanto ele o esfregava na pele, o frescor que ela antecipou não aconteceu; ao contrário, ela permaneceu deitada enquanto o escorregadio creme penetrava nas costas, pulando somente quando as úmidas mãos de Zavier entravam em contato com a pele rosada, ou o ocasional pingo de água de piscina caía dos cabelos dele.
― O que há de errado?
― Eu estou um pouco ardida ― mentiu ela. Ela de maneira alguma iria dizer para ele que um simples toque causava um efeito tão forte nela.
― Boba. ― A voz dele era um sussurro aveludado. ― Com uma pele como a sua, você não deveria ficar embaixo do sol sem protetor solar.
O sol era a última das preocupações de Tabitha naquele momento! Enquanto as mãos habilidosas a massageavam, Tabitha lembrou-se de respirar. A barriga contraiu-se e os mamilos ficaram túrgidos, projetando-se no biquíni como soldados em posição de alerta; um pulsar latejava entre as pernas, o sangue corria como mercúrio em direção a sua virilha. Com a mão parada em suas costas, ele espremeu o frasco em cima da coxa direita e o creme, mais líquido ainda por causa do calor, escorreu como um rio entre as pernas de Tabitha.
Quase desmaiando de tanto desejo, ela sentiu a mão dele tocar-lhe as pernas, num movimento circular, movendo-se para cima, cada vez mais para cima. Somente o ronco de Marjory quebrava o silêncio e Tabitha permaneceu lá, trincando os dentes, segurando o desejo que quase saía pela boca.
― Isso deve afastar os raios.
Ela sentiu a cadeira de sol elevar-se quando ele levantou, e ela esperou, esperou que as sensações que a dominavam abrandarem, que o calor e o desejo ardente que ele havia provocado se acalmarem. Mas isso não aconteceu.
Ela permaneceu deitada por uns dez minutos ou mais, os olhos bem fechados, fingindo dormir. Mas ela sabia não estar enganando Zavier, sabia que ele estava mais do que ciente da paixão despertada.
― Está quente demais aqui para mim ― disse Tabitha finalmente, quando não podia mais agüentar. Levantando, ela pegou uma toalha e colocou em volta do corpo para ele não ver os mamilos túrgidos, a excitação que ele tinha instigado. ― Eu vou para dentro.
― Por quê? ― A voz dele estava baixa, mas ela podia notar sua alegria. ― As coisas só estão começando a aquecer.
Como um homem podia ter tanto controle sobre ela? Como um homem poderia virar o mundo de cabeça para baixo? Por que Zavier tinha esse efeito sobre ela?
Porque ela o amava. Mas Zavier Chambers a desprezava.
Tirando a parte de cima do biquíni, ela mexeu com o controle do chuveiro antes de olhar seu reflexo no espelho. Tabitha olhou fixamente para os próprios olhos brilhantes, procurando uma resposta.
― Você só tem você para culpar ― disse ela sombriamente para a própria imagem.
― Exatamente os meus pensamentos.
Dando um salto com o susto, ela viu o escuro reflexo de Zavier de pé na porta do banheiro.
― Há quanto tempo você está aí? Os olhos estavam brilhantes agora, de raiva e vergonha.
Zavier deu uma risada, mas não havia cordialidade nela.
― Não se preocupe. Eu não preciso ficar espiando ninguém pelo buraco da fechadura. Por que faria isso? Nós dois sabemos que eu posso ter você a qualquer hora.
― Como ousa?
― É um pouco tarde demais para falsa modéstia. ― Ele colocou uma mão sobre o rosto dela que queimava, percorrendo os dedos pela sua extensão e pelo pescoço, detendo-se provocativãmente quando alcançou os seios nus de Tabitha. ― Poxa, você se queimou mesmo, não? Devia ter me deixado passar protetor na parte da frente.
Furiosamente passando por ele, ela fugiu para a segurança do quarto. Mas não havia abrigo para ser encontrado lá: a cama parecia provocá-la, forçar a lembrança de um outro lugar, de uma outra hora, os corpos agitados repassando em sua mente como um filme erótico estrangeiro encontrado inesperadamente por acidente, os membros presos um ao outro em um trêmulo uníssono mais erótico do que qualquer fantasia.
― Apenas negócio, hein? ― Ele andou vigorosamente em direção a ela, o dedo tocando no mamilo de Tabitha, dando um astuto e provocador sorriso ao vê-lo ficar túrgido com o mais simples toque. A outra mão estava habilmente desamarrando o laço da parte de baixo do biquíni. ― Tudo fingimento, hein?
Ela devia ter corrido, dado um tapa nele, chutado ele, mas ela permaneceu lá, rígida, cada músculo, cada tenso nervo tremendo de um desejo vergonhoso.
― Eu posso ter você quado quiser ― repetiu ele.
Ele era venenoso, arrogante e repugnante; mas ele estava certo, droga. Ele estava tão certo e não havia nada a dizer contra a isso.
― Você me quer, Tabitha.
― Não quero. ― A voz dela era uma mera queixa. Ele tinha desatado uma tira e agora percorria um dedo provocador pelo seu úmido monte de Vênus, enquanto desamarrava a outra tira, uma respiração quente e forte em seu caloroso corpo oleoso. A toalha escorregou até os quadris e depois caiu no chão silenciosamente. Ela começou a entusiasmar-se com o feroz desejo que a assolava, que se concentrava em seu corpo somente pela presença de Zavier.
― Não quero.
Ela estava nua agora, exposta. Ele atirou as roupas para o lado, abrindo as pernas de Tabitha com as mãos. Ele introduziu habilmente os dedos dentro de seu sexo ardente enquanto a garganta contraía-se com um grito sufocado de protesto.
― Eu não me lembro de ter passado protetor aqui.
A respiração de Tabitha combinava com a dele agora, ofegante, inconstante. Ela sentiu o corpo contrair-se nos dedos de Zavier, sentiu o corpo curvar-se em direção a ele.
― Me manda parar que eu paro. ― O dedão massageava o clitóris túrgido enquanto os outros dedos moviam-se com habilidade dentro da lubrificada caixa do tesouro que pegava fogo. ― Me manda parar ― ordenou ele, empurrando-a de volta para cama, abrindo ainda mais as pernas de Tabitha com a coxa musculosa.
A ereção de Zavier provocava o nirvana, a mínima penetração a levou para o ápice. Ela agora empurrava o corpo contra o dele, ansiando para ele ir mais fundo, mas ele ainda se deteve, o membro enrijecido esperando um convite formal que ela estava relutante, no entanto, desesperada para dar.
― Me manda parar.
Ela sacudiu a cabeça, os cachos do cabelo espalhados no travesseiro.
― Não!
― Não, você não me quer, ou não?
Ele ainda esperava, penetrando apenas uma fração a mais enquanto ela se contorcia em baixo dele.
― Diga que você me quer ― ordenou ele e, embora implorar a repelisse, ela estava além da razão, a ânsia por ele era tão urgente que nada mais importava.
― Eu quero você! ― Ela estava quase gritando, as pernas enrolando-se em torno dele quando ele afundava-se nela, inchando no momento que a penetrou, os corpos explodiam em uníssono, contraíam-se, apertavam-se enquanto o mundo rodava em torno deles. Com um gemido, ele gozou dentro dela, os últimos espasmos latejantes daquela união pulsando juntamente, deitados no brilho umedecido de suas peles. Ela permaneceu deitada, ouvindo a respiração de Zavier, um braço em volta dela, a mão ociosa suavemente apoiada em suas nádegas, a masculinidade de Zavier preenchia o ar que ela respirava, lágrimas escorreram dos olhos.
Com certeza ela podia dizer para ele agora? Com certeza, lá no fundo, ele já deve saber?
Levou um segundo para registrar que o telefone tocava, mas a raiva causada pela intrusão perdeu importância quando ela ouviu a fina e esganiçada voz de sua avó.
Ele observou Tabitha receber a ligação, observou o brilho rosado do rosto de Tabitha desbotar, os dedos brancos no receptor, os lábios tensos enquanto ela murmurava ao telefone.
― Era o seu agenciador?
A piada não surtiu efeito e, surpreendendo-se, ele viu as lágrimas formarem-se nos olhos de Tabitha. Ela buscava controlar-se, cerrou os olhos com força, as pálpebras apertando as lágrimas.
― O que aconteceu? ― A voz dele estava clara, formal, como quando ele dava lugar ao homem de negócios que ele era: de sobreaviso para qualquer novidade que ela despejasse nele.
― Minha avó - começou Tabitha ― ela vendeu a casa.
― Para quitar as dívidas?
Tabitha encolheu os ombros; enrolando o lençol em seu corpo, cobriu os seios.
― Eu já me encarreguei disso. ― Ela olhou para Zavier. ― Ou melhor, você se encarregou. ― Os dedos de Tabitha franziam os lençol; ela mordia o lábio inferior enquanto lidava com a bomba que havia recém-explodido. ― Ela vendeu os bens e está se mudando para uma casa de repouso com um homem pelo qual ela está aparentemente louca de amores. Ela vai me devolver o dinheiro. Foi por isso que ela ligou. Ela queria me dizer isso antes do casamento.
― Então, você não precisaria levar isso adiante? ― A voz estava contida, rouca, a fachada austera desmoronando-se a cada palavra pronunciada. ― Você disse para ela que o nosso casamento é uma farsa?
― Não. ― As lágrimas escorriam agora, a pronta descrição como sal em uma ferida. ― Ela pensou que iria fazer as coisas serem mais fáceis para a gente. Você sabe, um casal jovem começando a vida...
― A gente não é mais adolescente.
― Eu disse isso a ela ― concordou Tabitha, enxugando as lágrimas om a ponta do lençol. ― E eu disse que ela não precisava ter pressa.
Afinal de contas, a gente não teria morrido de fome.
― O que você quer dizer com isso?
― Bem, não que você precisasse do dinheiro...
― Eu quis dizer por que o repentino passado, Tabitha? Por que "a gente não teria"? Você não deveria dizer "não vamos"?
― Eu posso devolver o dinheiro que devo a você ― soluçou Tabitha, lhando o rosto perplexo de Zavier. ― Ela vendeu a casa. E verdade. O nome dele é Bruce...
― Eu não dou a mínima para qual é o nome dele. ― Os dois começaram de fato a perceber o que estava acontecendo, a perceber a dura realidade na qual estavam metidos. Zavier passou uma mão no cabelo desgrenhado, os músculos saltando-lhe no rosto eram o único sinal de que ele estava tudo, menos completamente calmo. ― Eu ainda poderia fazer você levar isso adiante ― sibilou ele. ― O contrato incluiu tudo.
Não tudo. Tabitha mexia com os dedos, que estavam duros como pedra. Nem mesmo mencionava amor. Ela podia sentir entre as pernas a umidade do sexo que fizeram, saindo dela assim como Zavier estava. ― Você não pode me forçar a nada, Zavier, você não tem poder algum sobre mim. Eu posso voltar atrás se eu quiser.
Ele levantou-se, caminhando para a janela e olhando fixamente para fora, a nudez a incomodava agora, uma amostra provocante do que ela podia ter tido no mínimo por seis meses.
― Mas eu não vou. ― Ele estava de costas para ela. O par de ombros, os músculos definidos embaixo da pele oliva a faziam ter vontade de alcançá-lo. ― Eu ainda quero casar com você.
Ela o observou endurecer ainda mais, se isso era possível.
― Por quê?
Zavier ainda estava de costas para ela; ele ainda não conseguia olhá-la. Tabitha estava satisfeita com a possibilidade de recuperação. Isso já era difícil o suficiente sem ser humilhada mais adiante, sem ver o desprezo, o olhar de triunfo nos olhos dele quando ela dissesse que o amava.
― Porque... ― As palavras estavam lá, mas a boca simplesmente não a obedecia. ― Não é óbvio? Eu realmente tenho que explicar com detalhes?
Ele virou-se então. O desprezo que ela tinha previsto estava em seus olhos, mas não havia nenhum traço de triunfo, apenas um desdenhoso olhar de repugnância.
― Dinheiro? ― Os lábios enrolaram-se com a palavra. ― Deus, você está mais desesperada por dinheiro do que eu pensei.
Ele estava tão machucado quanto Aiden; certo, ele não se afogava em álcool, mas os problemas o atingiam com a mesma força. Nunca tinha passado pela cabeça dele que a razão por ela dormir com ele, por concordar com essa farsa, por casar com ele, pudesse ser amor.
― Você sabe por que eu tenho tanto desprezo por você, Tabitha?
Ela não queria saber, não queria ouvir aqueles mordazes comentários, mas uma veia sádica a fez responder. Passando a língua sobre os lábios secos, ela ouviu a voz sair como um áspero sussurro.
― Por quê?
― Porque por trás desse sorriso, por trás desse rostinho que inspira confiança e uma risada frouxa, você é tão dura quanto um prego. ― Ele deu uma olhada no relógio. ― A essa hora amanhã você será a Senhora Tabitha Chambers. Bom, se um raio não atingir você antes. ― Batendo a porta e entrando no seu quarto, ele a deixou lá, na cama, chocada e tonta com aquela explosão.
Ela ficou com pena de Zavier.
Com pena que a vida o tenha deixado tão cheio de marcas, tão desconfiado, a ponto de simplesmente não acreditar em amor.
Seis meses.
A essa hora amanhã ela estaria colocando a aliança, seria abençoada com a graça salvadora do tempo.
A essa hora amanhã ela diria que o amava.
― Você está linda.
Tabitha sorriu ao ver no espelho o reflexo de Aiden entrando na sala.
― Ela ficaria ainda melhor se ficasse parada por mais cinco minutos ― resmungou Carla, a cabeleireira, enquanto quase furava a cabeça de Tabitha com mais um grampo.
A mulher sofisticada que olhava seriamente para ela do espelho não tinha nada da ruiva tola que ela conhecia tão bem. Os cachos selvagens estavam macios e lisos, presos na nuca em um elegante coque, a franja sedosa e alisada, caindo sedutoramente sobre um dos olhos. Embora se sentisse com uma tonelada de maquiagem, sua pele parecia limpa e macia, com um blush polvilhado nas maçãs do rosto e uma sombra marrom que ressaltava os olhos verde-jade. Apenas os lábios estavam com uma maquiagem pesada, o tom vermelho escuro do batom aumentava e dava um ar sensual à boca.
― Pensei que talvez isso possa ajudar ― disse Aiden, assim que Carla saiu da sala. Segurando duas taças, ele puxou uma garrafa de champanhe debaixo do paletó. ― Eu roubei de uma das mesas. ― Habilmente estourando o champanhe, ele entregou uma taça a Tabitha antes de propor um brinde.
― A minha querida amiga Tabitha, que depois de hoje será também minha cunhada. Os conselhos de irmã ainda estarão generosamente disponíveis, eu espero? ― perguntou ele com um tom brincalhão depois de esvaziar o copo num gole só.
― É claro.
― E isso ainda é tudo um negócio? ― O tom de brincadeira tinha ido embora, a voz agora era cautelosa, os olhos preocupados.
Tabitha hesitou, mas somente por um segundo. Confiar em Aiden era praticamente sua segunda natureza, afinal de contas. Mas isso era algo que Zavier definitivamente merecia ouvir de primeira mão. ― Certamente.
― Você sabe que, apesar das minhas primeiras restrições, esse casamento não está parecendo ser algo tão ruim. Meu pai está tão contente com essa tralha toda, que parece até ter esquecido estar bravo comigo. Eu o levei para uma caminhada essa manhã. A gente não pôde ir para a praia, obviamente, com aquela cadeira, mas eu o levei até o píer e a gente conversou.
― E como foi?
Aiden encolheu os ombros.
― Melhor do que tem sido. Ele até mencionou ir ver os meus quadros. Aparentemente Zavier esteve lá para vê-los e insistiu para que papai desse uma olhada.
― Zavier foi vê-los?
― Sim. Ele é imprevisível, não? Depois do jeito como criticou minhas pinturas, nunca imaginaria que iria me defender para o papai e todas as pessoas. Você não pode imaginar o quanto isso significou para mim. Papai ainda tentou soltar algumas farpas do tipo de como eu precisava encarar a vida, crescer e todas essas coisas, mas no todo foi ótimo.
Depois de colocar o vestido, Tabitha ergueu o fino e simples véu enquanto Aiden puxava o zíper do vestido.
― Talvez ele esteja preocupado com a sua bebida ― aventurou-se Tabitha nervosamente, colocando os sapatos para, assim, não ter de olhar para ele.
― Não, você também ― gemeu Aiden. ― Querida, você já está começando a falar como uma senhora casada.
― Eu me preocupo com você Aiden, e... ― A voz lhe faltou. Ela estava com medo de insistir, embora com medo de não dizer nada quando era obviamente necessário.
― Vá em frente ― ofereceu Aiden, com uma margem de superioridade na voz. ― Não pare agora.
― Você bebe demais, sim.
― Disse a viciada em jogo para o alcoólatra.
Tabitha sorriu.
― E você está começando a falar como o seu irmão; ele usou a mesma expressão comigo tempos atrás. ― A mão de Tabitha encostou-se ao braço dele. Não era a hora, nem o lugar, mas Aiden era seu amigo e algumas coisas precisavam ser ditas.
Talvez aquele fosse o dia da verdade.
― Você está bebendo todo o dia, Aiden, e a maior parte dele. Eu tenho o direito de me preocupar.
― Não hoje. Hoje você só deve se preocupar em estar linda. ― Ele ficou parado atrás de Tabitha, olhando-a atentamente enquanto ela se via no espelho de corpo inteiro.
― Se eu não soubesse a verdade, diria que você está extremamente igual a uma noiva nervosa. Sabe, Tab, se eu não fosse gay, você seria a mulher dos meus sonhos.
Ela deu uma risada. O simples vestido de veludo lilás marcava estreitamente suas curvas, escorregando pela depressão de seu abdômen. A discreta prega no busto acentuava os firmes e volumosos seios, as alças finas faziam jus ao delicado colo, onde a única herança de família reluzia: um colar de diamantes que seu pai deu a sua mãe. Ela passou os dedos pela pedra, dominada pela tristeza por ter perdido os pais tão cedo, pela família cruelmente separada e por eles estarem perdendo o sonho de ver a filha no altar.
Aiden estava certo, ela parecia uma noiva da cabeça aos pés; apesar das mentiras e das circunstâncias, a culpa se foi.
Toda ela!
Quando a música começasse a tocar, quando ela caminhasse de braços dados com Aiden para juntar-se ao futuro marido, ela estaria fazendo aquilo com a consciência limpa e com os pais abençoando-a; ela tinha certeza. Quando ela pronunciasse o juramento a voz estaria firme, pois falaria a verdade.
Porque ela o amava.
― Eu comprei isso para você. ― Enfiando a mão no bolso, Aiden puxou um bracelete de diamantes. ― Ele teve que segurar firme as mãos trêmulas de Tabitha para poder colocá-lo em seu pulso.
― É lindo. Mas, Aiden, você disse que não traria nenhum presente. Ele sacudiu a cabeça.
― Isso não é um presente de casamento; é um bracelete em prol da nossa amizade. Mesmo quando você for uma velha divorciada e estiver lamentando-se por causa de Zavier, vamos continuar sendo os melhores amigos. Ei! ― disse ele, alarmado ao ver que lágrimas brotavam dos olhos de Tabitha. ― Você vai borrar sua maquiagem.
― Desculpe. ― A menção ao divórcio não tinha exatamente ajudado, mas, dada a emoção do momento, Aiden deixou passar e delicadamente enxugou uma lágrima perdida. ― Obrigada por estar fazendo isso hoje, Aiden. Eu estou feliz por você estar aqui comigo.
― Eu não estaria em outro lugar. ― Dando uma olhada no relógio, ele ofereceu os braços a Tabitha. ― Andando. Vamos acabar logo com isso. E estou louco por um uísque. ― Aiden deu uma piscadela com o olho esquerdo ao ver Tabitha enrugar os lábios. ― Eu sei que preciso de ajuda, Tab. Eu vou fazer alguma coisa quanto a isso, de verdade. Só preciso me acostumar um pouco com a idéia. Uma vida de abstinência realmente não parece ser meu forte.
Ele ficou sorrindo e Tabitha pegou o braço de Aiden, o seu melhor amigo a segurando enquanto caminhavam pela casa e atravessavam o gramado.
Um arco de rosas era o único obstáculo entre Tabitha e os juramentos nupciais. Ela prestou atenção na orquestra que fazia uma pausa para a congregação silenciar-se.
― Você está certa disso? ― perguntou Aiden, pela última e derradeira vez.
Os calcanhares afundavam-se na grama, ela sentia um frio no estômago ouvindo o som delicioso de Wagner verter naquele nebuloso ar da tarde. Pisando no tapete, ela remexeu no vestido antes de pegar o braço de Aiden.
― Eu tenho certeza ― disse ela calmamente.
― Então, vamos lá.
Todos os olhos voltavam-se para Tabitha quando ela passou pelo arco. Ela ouviu as exclamações dos convidados e, por um momento fugaz, olhou para a congregação ― os amigos, a avó com o companheiro, Marjory, sorrindo escancaradamente, o pálido Jeremy orgulhoso ao lado dela. Finalmente, os olhos pararam em Zavier.
Ela engoliu em seco quando entrou, os olhos dele encontraram os dela, as mãos estavam cerradas ao lado, o queixo projetando-se acima. Ela sabia que ele estava nervoso, ela também estava, mas a confiança nessa união, o grande amor por ele, era o suficiente para os dois.
Eles caminharam lentamente, Aiden a amparava, feições radiantes a recebiam enquanto caminhava em direção ao homem que amava.
Embora nos dias posteriores Tabitha fosse capaz de voltar e repassar aquela cena como um vídeo perpétuo em sua mente, ela nunca teria certeza de como isso realmente aconteceu. Se o que veio primeiro foi o grito estridente de Marjory ou o alto estrondo.
O primeiro pensamento foi ridículo, imaginou que os fogos de artifício imaginados por Zavier estivessem estourando no céu. Ao ver que as pessoas olharam freneticamente para a frente, ela viu Jeremy caído no chão, o rosto ainda mais pálido, os lábios roxos, o corpo mole, os braços e as pernas estendidas.
Foi Tabitha quem se moveu primeiro. Todos os outros ficaram paralisados, o vídeo parado em imagem congelada. Com o coração na boca, Tabitha correu. Ainda sem fôlego com a emoção de ver Zavier, ela teve de diminuir o passo, e calma e metodicamente avaliar a situação e fazer o que pudesse.
― Jeremy! ― Ela gritou o nome dele, uma ou talvez duas vezes, as mãos trêmulas alcançavam o pescoço de Jeremy, os longos dedos buscando uma pulsação. Os olhos moveram-se para o peito dele, procuraram um movimento, a mínima indicação de que ele estava respirando. Ela podia sentir cada olhar nela. Pairava um silêncio assustador e não havia necessidade de pedir para que ficassem quietos ao colocar o ouvido no peito sem vida de Jeremy.
― Ele não está respirando; eu acho que o coração não está batendo. ― Olhando para cima, ela inspecionou a estupefata e horrorizada multidão. Ela tinha por engano esperado alguma reação ao que havia dito, que alguém se dispusesse a ajudá-la. Mas ninguém se movia.
Ninguém, exceto Zavier. Ajoelhando-se ao lado do pai, depois de uma rápida pausa, ele tomou conta da situação em um instante.
― Chame uma ambulância... alguém é médico? ― Curvando-se, ele apertou o nariz do pai e fez respiração boca-a-boca, acenando brevemente enquanto Tabitha apoiava-se no peito imóvel e sem vida, e o empurrava como tinha visto na televisão, repreendendo-se mil vezes pela falta de conhecimento, pelas inoportunas risadinhas expedidas naquele curso de primeiros socorros, quando ela deveria ter prestado atenção.
― Posso ajudar?
O homem mais velho que Tabitha já tinha visto era conduzido por uma chorosa Marjory, os velhos ossos apoiando-se fortemente em uma bengala, pequenos olhos ampliados pelos mais grossas lentes.
― Gilbert é o médico da família ― soluçou Marjory.
Um sorriso que era absolutamente inconveniente arrastou-se nos lábios de Tabitha, ao registrar o horror de Zavier e, o mais surpreendente de tudo, quando os olhos dele brevemente encontraram os dela, ele respondeu ao sorriso.
― A gente está indo bem ― disse Zavier comendo as sílabas. ― Talvez Gilbert pudesse ligar para Melbourne, tentar falar com o cardiologista do papai.
O cabelo de Tabitha estava grudado na cabeça com o suor, os braços doendo do abrupto esforço de fazer o coração de Jeremy voltar a bater, e ela sabia que não conseguiria continuar por muito mais tempo.
― Aiden, me ajude aqui. ― Ela olhou a expressão arrasada do melhor amigo e seu coração doeu por ele, mas ela precisava de ajuda. ― Aiden? ― implorou ela.
Mas tudo o que Aiden podia fazer era ficar de pé e chorar.
― Por favor, pai, respire ― suplicou ele com as lágrimas escorrendo pelo rosto enquanto Tabitha mexia no corpo inerte do pai dele.
― Você quer trocar? ― ofereceu Zavier, mas Tabitha negou, sabendo que Zavier estava esforçando-se tanto quanto ela, e os segundos perdidos na movimentação seriam os segundos necessários.
Tabitha continuou, o sol quente batendo na nuca, os olhos, a maquiagem, a máscara, que claramente não eram à prova d'água como dizia na embalagem, tudo borrado com o suor. Quase chorou de alívio quando finalmente ouviu as sirenes à distância penetrarem no ar abafado daquela tarde.
Exausta, ela virou-se no calcanhar quando os paramédicos assumiram o comando, prendendo monitores no corpo de Jeremy, impelindo oxigênio em sua boca através de uma bolsa. Tabitha tentou mover-se para trás agachada, mas as pernas não a obedeciam.
― A gente vai dar um choque nele ― disse o paramédico, com um ar sombrio, e fez Tabitha perceber que era agora ou nunca. ― Todos para trás.
Braços fortes a puxaram para fora do caminho, e mesmo sem olhar, ela instintivamente sabia que era Zavier.
Os desfibriladores cardíacos foram colocados no peito de Jeremy e todos se moveram para trás quando o paramédico emitiu o choque elétrico, numa tentativa de restaurar o ritmo caótico das batidas do coração de Jeremy.
― De novo, todos para trás.
As pernas de Tabitha tremiam tão violentamente que pensou que iria afundar-se novamente no chão. Mas os braços fortes de Zavier estavam firmes em volta dela, a segurando com força enquanto olhavam transfigurados para o monitor. A cabeça dela estava em Jeremy, desejando que ele vivesse e, todavia, com os braços de Zavier em volta, ela não podia evitar aproveitar-se daquela força, não conseguiu fazer outra coisa, a não ser apoiar-se nele ligeiramente. Ela nunca havia se sentido tão próxima dele.
Agora haveria uma chance para os dois?
Um bipe bem alto emanou do monitor e eles olharam a linha plana palpitar uma vez, depois duas e depois de novo, os bips tornando-se mais freqüentes. Um audível suspiro de alívio ocupou a sala quando o coração de Jeremy recobriu um ritmo estável.
― Graças a Deus ― murmurou Tabitha, mais para ela mesma do que para qualquer outra pessoa, mas por alguma razão aquelas palavras pareceram enfurecer Zavier. Como se de repente ele tivesse ficado consciente de que a estava tocando, segurando-a, ele a soltou dos braços como se estivesse segurando carvão em brasa.
― Por que o alívio? ― disse ele rispidamente, os olhos cheios de ódio, menosprezo. ― Você estava preocupada em não receber a última parcela?
Com horror, Tabitha virou o rosto para olhá-lo, o otimismo de momentos antes, a ligeira convicção de que poderia haver uma chance para os dois evaporou no calor que irradiava daqueles olhos. Mas não havia tempo para discutir o assunto. Jeremy Chambers era a prioridade.
Não era o momento adequado para dizer que o amava.
― Tem mais alguma coisa que eu possa fazer? ― Pálida, trêmula, ela ofereceu ajuda aos paramédicos, enquanto Zavier fazia com que os convidados levantassem das cadeiras para fazer uma pista de aterrissagem improvisada.
― A melhor coisa que você pode fazer é tomar um bom drinque, querida. Não foi a melhor coisa que podia acontecer no seu casamento, né? A gente vai esperar o helicóptero chegar. Vamos levá-lo direto para Melbourne.
Aiden, gritando em um telefone celular, veio em direção a eles.
― Os médicos já estão de sobreaviso.
― Eu vou com ele. ― O tom choroso de Marjory atravessou o jardim.
― Desculpe, querida. ― O paramédico sacudiu a cabeça. ― Ele está realmente muito doente.
― Eu vou ― disse Marjory resolutamente, a voz agora sem histeria. Havia um ar de autoridade e uma estranha dignidade ao ajoelhar-se ao lado da maça e pegar a mão sem vida de Jeremy. Virando-se rapidamente, ela olhou para o paramédico bem nos olhos. ― Eu não vou atrapalhar; você tem a minha palavra. Se meu marido está morrendo, eu quero estar ao lado dele.
― Eu cuido dela ― Aiden estava pálido, tremendo violentamente, os dentes batiam. ― Ela precisa ficar com ele.
O zunido das hélices do helicóptero anunciava a chegada da equipe de transferência. Todos se moveram para trás.
Quando colocaram Jeremy no helicóptero, Aiden virou-se para Tabitha, apertando o braço dela com força.
― Vejo você no hospital.
Mas Zavier teve outra idéia.
― Você não vai fazer nada disso. Eu vou levá-la de volta para casa e depois encontro vocês no hospital.
― Mas ela tem de estar lá ― argumentou Aiden.
― Para quê? ― retrucou ele. ― Nós dois sabemos que ela não é a futura nora zelosa. Mamãe e papai são os únicos que importam aqui. Tome conta deles e eu encontro você assim que puder.
Os paramédicos estavam prontos para partir e aquele não era momento para discussão.
― Mantenha a cabeça erguida, Aiden. ― Tabitha o beijou afetuosamente no rosto banhado de lágrimas. ― Tudo vai dar certo.
Se ao menos ela pudesse acreditar naquelas palavras.
Ele ficou ao lado dela enquanto ela arrumava as malas, sem dizer uma palavra, prestando atenção a cada passo de Tabitha quando colocava os pertences na mala.
― Você poderia me deixar sozinha só por cinco minutos?
Ela precisava desesperadamente ir ao banheiro, tirar o vestido, desfazer o penteado, de alguma maneira remover cada traço daquela terrível farsa que ela tinha construído. Vestida do melhor, ela parecia incorporar a vadia insensível que Zavier a considerava. De repente, parecia imperativo que ela se visse como realmente era, não como a polida, sofisticada mulher de antes.
― Eu não vou a lugar nenhum. Você pode se apressar?
― Você está com medo que eu possa levar alguns objetos valiosos?
― Isso realmente passou pela minha cabeça.
Ele perdeu a paciência agora. Era quase como se ele não agüentasse olhar para ela por mais nem um minuto; não conseguisse ficar no mesmo quarto que ela, a não ser pelo tempo absolutamente necessário. Abrindo a primeira gaveta da cômoda, ele atirou seu conteúdo na mala. Ela olhava para ele com uma enorme apreensão, observou-o andar rapidamente em direção ao armário, agarrar os vestidos e enfiá-los na mala sem nem mesmo preocupar-se em tirá-los dos cabides.
― Se esquecer algo, eu mando. Agora, vamos.
― Por favor, Zavier, posso pelo menos ir ao hospital? A sua mãe provavelmente vai esperar que eu esteja lá.
― Você realmente não desiste, né? Acabou, Tabitha. O casamento terminou. A gente não tem de continuar fingindo.
― Não é por causa disso. Eu só queria ver como Jeremy está, como todos estão... ― O pensamento de ir para casa sem saber se Jeremy tinha sobrevivido ou morrido era insuportável, mas o maior motivo de querer estar lá era Zavier, queria ajudá-lo a passar o que com certeza seria a pior noite de sua vida.
Mas Zavier teve outra idéia.
― Poupe-me das lágrimas de crocodilo; eu estou levando você para casa, Tabitha.
Ele nem mesmo a esperou colocar o cinto de segurança, acelerando como se o próprio diabo o estivesse perseguindo.
A viagem para Lorne tinha levado horas, provavelmente porque ela queria chegar logo. Mas agora que não queria, o tempo parecia passar mais rápido, o cintilante céu noturno de Melboume aproximando-se cada vez mais. Ela temia chegar. Embora o silêncio fosse constrangedor, embora a aversão que emanava de Zavier fosse imensa, embora doloroso, era melhor que nada. A desolada e vazia imensidão de sua vida estendia-se a sua frente: uma vida sem Zavier.
Perdê-lo para sempre doía desesperadamente.
Ele encostou o carro num mirante, um ato que surpreendeu Tabitha, que permaneceu olhando à frente quando ele abriu a porta e, sem uma palavra, desceu do carro. Ela olhava à toa o céu noturno e o forte perfil de Zavier à luz da lua. Ele permaneceu imóvel.
Incerta, ela continuou sentada por mais alguns, instantes, memorizando cada mínimo detalhe de Zavier. Como se sentisse o desejo de Tabitha, ele voltou o rosto para trás, levantando a mão e acenando para que ela se juntasse a ele.
― Tudo bem. ― Os lábios mal se moviam enquanto falava. ― Eu não vou empurrar você.
Ela deu um sorriso embaraçado enquanto andava cambaleante em direção a ele.
― Graças a deus. Eu afundaria como uma pedra com todos os talheres que enfiei dentro do meu sutiã.
A pequena onda de humor entre eles mudou o clima e a passageira raiva de antes; ele estava triste agora ― exausto, talvez, mas infinitamente mais acessível.
― Não era para você estar indo para o hospital? ― arriscou ela.
― Eu não quero ir ― respondeu ele simplesmente.
Honestamente.
― Eu só preciso de um minuto; vai ser uma confusão quanto eu chegar lá. ― Ele engoliu em seco e ela percebeu como ele sofria. O quão difícil deve ser ter de bancar o durão o tempo todo, ter todo mundo dependendo de você, virando-se para você pelo mínimo motivo. O sustentáculo da família, o ganha-pão da família, o organizador e, às vezes, o procurador.
― Ele vai conseguir. ― Ela tentou injetar alguma esperança na voz, tentou dar a ele algo para se agarrar, algo para sustentá-lo, mas milagres pareciam escassos hoje.
Zavier encolheu os ombros desamparadamente.
― Mas não parece, parece? Eu sei que ele não tem chance, sei que as coisas vão ter que ser assim. Tabitha, o que eu disse para você em relação ao contrato. Eu realmente não tinha a intenção. Eu lamento pelas minhas palavras. Você foi incrivel lá, e se meu pai sobreviver, ele deve a vida a você.
Tabitha sabia que essa era a sua última chance, Se ela não dissesse agora, não estivesse lá para apoiá-lo, o inevitável estava para acontecer, então, não haveria mais sentido.
― Eu não fiz isso por dinheiro. ― As palavras saíam agora. Ela engoliu, observando com atenção a reação de Zavier.
― Eu sei e eu não tinha direito algum de insinuar que você tenha feito por dinheiro. Eu fiquei enfurecido subitamente. Eu achei que ele estivesse morto...
― Eu não estou falando do infato de seu pai. ― Os dentes dela estavam batendo tanto quanto os de Aiden tinham batido, mas ela forçou-se a respirar profundamente e acalmar-se. ― Eu amo você, Zavier. Sempre amei. Eu não estava casando com você por dinheiro.
― Nossa, eu estava louco para saber quanto tempo levaria para você dar a última cartada.
Ela nunca tinha esperado que ele fosse tomá-la pelos braços, aceitar as palavras sem questionar, mas o pronunciamento pungente daquela declaração estava a milhas de distância de qualquer cena que ela tenha tentado imaginar.
― O que você quer dizer com isso? ― Os braços de Tabitha lançaram-se em direção a Zavier, como se de alguma maneira tocá-lo a faria alcançá-lo, faria ele ouvir a verdade que havia naquelas palavras. ― Eu o amo, Zavier, de verdade.
― Por favor. ― Ele tirou a mão de Tabitha, cruelmente, com repúdio.
― Você tem idéia de quantas mulheres já disseram isso? "Ah, Zavier, isso não tem nada a ver com dinheiro." ― A voz dele exprimia um tom afetado, uma generalização zombeteira da população feminina, depois voltando à dura realidade. ― Isso tem tudo a ver com dinheiro, Tabitha. Isso sempre teve a ver com dinheiro. E você sabe qual é a parte mais triste disso tudo. A parte mais miserável de toda essa farsa? ― Ele gritava agora e ela sacudiu a cabeça sem dar uma palavra, chocada e assombrada com a raiva que a declaração dela havia desencadeado. ― Acredite ou não, eu amei você de verdade.
Ele parou então, tão atordoado quanto ela pela confissão. Foi Tabitha quem quebrou o silêncio.
― Você me ama? ― disse ela com a voz entrecortada, sufocada de assombro. Mas ele a interrompeu rapidamente, acabando com seu único segundo de salvação.
― Amava ― corrigiu ele. ― Passado, Tabitha. Isso é o que você sempre vai ser para mim. Eu passei a vida toda me perguntando como o meu pai podia ser tão fraco, como ele foi capaz de ficar com a minha mãe sabendo que ela não o amava, sabendo que ela só estava lá pela vida que ele podia dar a ela. ― Finalmente os olhos dele encontraram os dela. ― E aí você apareceu, Tabitha...
Ela ficou transfigurada, escutando com as lágrimas escorrendo pelo rosto frente àquelas revelações.
― E, de repente, eu me dei conta de que meu pai não era tão fraco. Eu na verdade o entendi. Aquela primeira noite em que nós nos conhecemos, minha intenção era levá-la para o meu quarto. Um beijo, talvez. Só o suficiente para provar o que eu já sabia, que você não amava Aiden. Queria que ficasse envergonhada e se afastasse dele. Minha intenção nunca foi...
― Ele fechou os olhos rapidamente. ― Eu não preciso lembrar-lhe o que aconteceu, mas, caso você não tenha percebido, eu me apaixonei por você naquela noite. Tanto que chegava a doer. Eu passei as cinco noites seguintes tentando imaginar como eu poderia ver você de novo, como poderia estar com você, como poderia fazer você não aceitar a oferta de casamento de Aiden.
― Eu nunca iria aceitar aquilo ― implorou ela, mas foi a mesma coisa que nada.
― Eu poderia casar com você sabendo que isso era um negócio. Eu até mesmo imaginei que depois de provar o gostinho da vida na alta sociedade você pudesse mudar. A gente podia até mesmo fazer com que isso durasse quarenta anos, como os meus pais. Ontem, quando você me disse que as dívidas não eram suas, eu fiquei muito mal com a possibilidade de perdê-la. Eu me senti o maior canalha do mundo por prendê-la ao contrato, mas não era nada comparado ao terror que eu senti quando você descobriu que podia me devolver o dinheiro. Eu não queria perder você, Tabitha.
― Você não precisa ― argumentou ela, com lágrimas escorrendo pelo rosto, implorando para ele a escutar, para ele entender de uma vez por todas. Mas as lágrimas não mexeram com Zavier, não o balançaram um centímetro.
― Eu poderia até ter vivido com isso. Saber que estava comigo por estilo de vida não me incomodava, desde que eu tivesse você em meus braços à noite. Mas a única coisa que eu não suportaria era você fingindo me amar, era você mentindo para mim.
― Eu não estou mentindo agora, Zavier. Você precisa acreditar em mim...
― Você é uma vigarista, Tabitha. ― O veneno retornou a sua voz, as palavras a rasgavam por dentro. ― Você iludiu cada um de nós em todos os momentos. Primeiro você é a namorada de Aiden, depois uma viciada em jogo, depois você muda a sua história quando lhe é conveniente e aí a sua avó é quem tem problemas. Quando as coisas não dão em nada, quando não há mais chance de eu casar com você, vem com o fato de supostamente me amar. Uma tentativa de me enganar mais uma vez.
― Mas eu amo de verdade ― implorou ela. ― Eu o amo desde aquela noite...
― Eu posso ser um fraco quando se trata de você, mas não sou idiota. Como é possível acreditar numa palavra que você diz?
O que tinha começado como um jogo bobo tinha lhe custado a vida.
A terrível agonia prolongada.
As lágrimas que tinham começado com aquela perspectiva escorriam descontroladamente enquanto voltavam para Melbourne. O carro diminuiu a velocidade ao entrar nas ruas vazias de tarde da noite. Todos os sinais estavam verdes, é claro, como se o mundo inteiro conspirasse para garantir que o fim iminente fosse rápido.
Abrindo o porta-malas automático, ele permaneceu sentado no carro, cerrando as mãos no volante enquanto ela arrastava a mala pela rua e depois para a calçada, os saltos fazendo barulho. Mas ele não arrancou com o carro; ela sabia que não iria. Sempre o mesmo cavalheiro; apesar da ira, ele queria vê-la entrar em casa a salvo.
Ela levou um segundo remexendo a bolsa para se dar conta de que as chaves não estavam onde deveriam.
Tudo para uma saída triunfal!
De todos os momentos que ela poderia esquecer alguma coisa, esse realmente não era o que Tabitha teria escolhido. Olhando para cima, ela viu a expressão irritada de Zavier, os dedos batendo no volante impacientemente. Ela quase podia ouvir o suspiro aflito quando ele abriu a porta do carro e saltou.
― O que foi agora?
― Não importa. ― Ela agitou a cabeça desafiadoramente. ― Vá para o hospital.
― Eu iria se você entrasse.
― Eu perdi minhas chaves.
A estocada dos olhos de Zavier era demais para os ainda tensos nervos de Tabitha.
― Bem, se você não tivesse me apressado tanto... ― argumentou ela.
― Desculpe por isso. ― Quando se aproximava, o rosto estava branco com a luz da rua, os lábios uma linha fina. ― Eu só não estava conseguindo administrar o papai sofrendo um ataque cardíaco e ter de vigiar a minha noiva para ela não fugir com as pratas da família. Da próxima vez eu serei mais paciente.
O sarcasmo mordaz realmente ajudou! De qualquer maneira, foi o suficiente para ela enxugar as lágrimas e colocar o fogo de volta em seus olhos.
― Tem uma janelinha nos fundos. Se eu quebrar, posso alcançar a tranca da porta de serviço.
Sem dar uma palavra, ele deu meia-volta, caminhando com elegância pelo lado da casa, não se importando nem um pouco em afastar com as mãos a pequena muito crescida flora que ela nunca tinha se dignado a podar.
― Eu posso resolver isso ― disse ela orgulhosa.
― Com certeza, e você estava planejando quebrar o vidro com a mão despida?
Ela não tinha pensado nisso!
― Eu tenho certeza de que deve ter uma toalha, ou algo assim na minha mala...
Ele nem mesmo lhe deu uma resposta. Tirando o terno, ele embrulhou-o em volta do braço e socou o vidro com um rápido movimento. Enfiando a mão pelo vidro quebrado, ele prontamente destravou a tranca.
― Não é a propriedade mais segura, é? ― disse ele secamente enquanto ela andava na ponta dos pés pelo vidro quebrado. ― Você devia pensar em ver alguém para colocar algumas grades de segurança.
― Poupe-me, Zavier. Minha segurança não é da sua conta; você deixou isso bem claro.
Ao pisar na área de serviço, ela perdeu o equilíbrio por um segundo em meio a escuridão. A mão dele estendeu-se num reflexo para segurá-la, firmando-a para que não caísse, talvez, mas fazendo com que seu corpo inteiro ficasse muito tenso. O mundo parou por um momento; a pele dele parecia aquecer corpo de Tabitha. Às insultantes palavras, os traços incompreensíveis, não conseguiam mascarar a dor nos olhos de Zavier ou a paixão que queimava ali: o léxico do amor que ela nunca iria conhecer.
― Eu tenho de ir.
― Eu sei. ― Com um soluço ela tirou o rubi dos dedos. ― É melhor você ficar com isso.
― Fique com ele.
― Eu, não quero. Você disse que tinha de permanecer na família... ― Ela ficou arrasada quando ele pegou o anel, atirou-o para fora da janela de vidro quebrado.
― Por que você acha que eu preciso disso agora?
Atordoada e tonta, ela ficou em pé na escuridão da área de serviço, ouvindo os passos de Zavier ecoarem pelo caminho, a batida da porta do carro, o forte ronco do motor quando ele deu partida na escuridão. E finalmente, quando não havia sobrado mais nada dele para ela ouvir, quando a corrente de ar da porta da frente tinha levado o último traço daquele perfume, quando a pele do seu braço tinha parado de formigar pelo toque dele, Tabitha acendeu a luz. O vidro despedaçado espalhado no chão, a sobra entalhada do que havia sido uma janela, eram tão análogas ao que sobrara da sua vida, que parecia um espelho.
Seis meses. Era tudo o que ela queria.
Seis meses para mostrar para ele o quão bom e maravilhoso o amor podia ser, se ao menos ele tivesse deixado.
Tudo parecia fazê-la lembrar Zavier, da água mineral aos jornais diários que anunciavam a surpreendente recuperação de Jeremy Chambers. Como ele tinha sido conduzido à emergência inconsciente, com uma pressão que não dava nem para ser registrada e um cruel diagnóstico. A pouca chance de ele sobreviver foi a única razão que fez com que os cirurgiões concordassem em operá-lo.
Amy Dellier até conseguiu registrar um sorriso nas páginas de fofocas, estrategicamente presente na saída do hospital.
Chegando em casa, ela lembrou-se dele sentado no carro enquanto ela procurava as chaves, e tal era o seu desejo que ela até mesmo esperou que fosse levantar o rosto e vê-lo no mesmo lugar. Quando ela abriu a porta da frente, por um momento ela estava quase certa de que ela podia sentir o cheiro de Zavier.
Remexendo com indiferença as correspondências, ela sentiu o coração dar um pulo quando a vistosa letra de Zavier lhe saltou aos olhos. Com as mãos tremendo, Tabitha abriu o envelope ansiosamente. Ela ignorou o cheque que caiu ao abrir apressadamente a carta que havia dentro do envelope. Não levou muito tempo para ler. Afinal de contas, eram apenas três palavras.
Como combinado
Zavier.
Não eram apenas três palavras que ela precisava ler.
Certamente, Tabitha pensou em colocar uma maquiagem, pentear o cabelo e vestir-se para a ocasião. Mas ela sabia que não tinha sentido. Por que se vestir para o próprio funeral?
Na fila do banco, ela percebeu o caixa dar uma franzida na testa quando ela deu o papel de retirada, e sem dar uma palavra entregou a carteira de motorista para comprovarem a assinatura.
― A gente normalmente solicita uma notificação quando se trata de uma retirada com um valor tão alto. A gente não tem sempre dinheiro em espécie suficiente no local.
Tabitha não estava com clima para brincadeiras, ou reprimendas.
― Eu posso ter o meu dinheiro agora? Sim ou não?
― Deve demorar um pouquinho. Você se importaria em esperar?
Ela soltou uma risada em tom grave.
― Eu vou esperar, mas não posso garantir que não me importo.
Um temporal estava armando-se quando ela chegou ao escritório principal da Financeira Chambers. Devia ser algo em sua postura, ou talvez era a determinação em seus olhos, mas até mesmo a secretária de Zavier a deixou passar sem muita discussão.
E daí que ela não tivesse hora marcada?
Zavier nem mesmo levantou-se ao vê-la entrar, ele não pareceu nem um pouco surpreso em vê-la, apenas fez um gesto para que Tabitha se sentasse, olhando-a sentar com uma saia que era curta demais e um casaco que era grande demais.
O escritório dele era imenso. A casa inteira de Tabitha podia ser colocada no meio e ainda sobraria espaço para um jardim. Mas, então, esse era o território Chamber no qual ela pisava agora ― por que ela esperaria menos?
― Em que eu posso ajudar? ― Ela sentiu-se como um de seus clientes por toda a delicadeza ao cumprimentá-la. Até mesmo Zavier pareceu estranhar a própria formalidade. ― Desculpe, como você está?
― Bem ― mentiu Tabitha. ― Tenho estado bem ocupada no trabalho. A insinuação de uma carranca estragava aquele rosto tão suave.
― Acabou de apresentar-se na matinê?
Tabitha sacudiu a cabeça.
― Eu estou trabalhando na bilheteria. Parece um tanto mais respeitoso na hora de preencher algum formulário.
A carranca ainda permanecia no rosto de Zavier.
― O que é? ― atreveu-se ela, enrubescendo sob o exame minucioso de Zavier.
― Você está...diferente, é isso.
"Algemada" foi a primeira palavra que passou pela cabeça de Zavier, mas é claro que ele não disse isso. Os cabelos vermelhos estavam puxados para trás, aquele corpo deslumbrante coberto por um sóbrio azul marinho, e até mesmo os olhos verde-jade pareciam ter escurecido. Mas o que Tabitha vestia, o que ela fazia, o que quer que fosse, era problema dela e somente dela. No entanto, era gentil perguntar como ela estava...
― Por que motivo você não está mais dançando? Se você está tendo algum problema em ter um papel por causa da pausa que você deu, eu posso resolver isso, fazer algum barulho.
― Você quer dizer que vai cuidar disso?
Zavier mexeu-se desconfortavelmente na cadeira.
― Algo assim. Olha, eu não quero que o que aconteceu entre a gente arruine sua carreira.
Tabitha soltou uma risada.
― Mal era uma carreira, como você tão delicadamente ressaltou em mais de uma ocasião. De qualquer maneira, isso não importa agora. Eu espero ter a minha própria escola de dança em algum momento do ano que vem; o trabalho na bilheteria vai ajudar.
― Como? ― Ele deu uma risada irônica. ― É uma bilheteria, Tabitha, e não ciência espacial.
― E você continua o mesmo pretensioso sabe-tudo. ― Isso o fez ficar imóvel tempo suficiente para Tabitha abrir a bolsa e tomar fôlego. ― Isso veio do correio. ― Ela empurrou o cheque na direção de Zavier, fazendo-a lembrar, com uma estranha onda de poder, ele fazendo o mesmo.
Como ela, ele não se dignou nem mesmo a olhar de relance.
― Está certo. É o seu direito. Devia ter uma carta invólucro inclusa. Você não quebrou o contrato, fui eu que quebrei. Então, você ainda tem direito ao dinheiro.
― Eu não quero esse dinheiro.
Ele fez um gesto de dispensa com a mão e voltou ao computador.
― Você é quem sabe.
Tremendo, ela levantou-se e, abrindo a bolsa, tirou um chumaço de notas e colocou em frente a ele.
― O que é isso?
― Com o que isso se parece? É você que é o bambambam das finanças; eu pensei que no mínimo você fosse capaz de reconhecer quando visse dinheiro.
― Mas para que isso?
― A primeira parcela do pagamento. Está tudo aqui. ― Ela virou-se para ir embora, mas ele a chamou.
― Você não tem que fazer isso, Tabitha. Como você pode ter recursos para isso?
― Minha avó devolveu o dinheiro, lembra?
― E a sua escola de dança?
― Vai acontecer ― disse ela seguramente. ― Talvez não tão rápido quanto eu gostaria, mas definitivamente vai acontecer. ― A mão dela estava na porta, que ela abriu com violência.
― Por que você não fez simplesmente um cheque?
Por um momento ela ficou imóvel, depois se virou lentamente. Os olhos precavidos tinham uma estranha dignidade.
― Porque você poderia me humilhar mais não o descontando.
Ela olhou para ele por um longo tempo, tentando de alguma maneira fixar aquelas feições na memória. Guardá-los para poder usá-los em seus sonhos. Agora só lhe restava sonhar.
― Por que a aspereza, Tabitha? Nós dois sabíamos onde estávamos nos metendo!
― Talvez você soubesse, Zavier ― disse ela suavemente. ― Parece que eu fui ingênua o bastante por nós dois.
E, assim, tudo chegou ao fim. Tudo o que ela tinha que fazer era fechar a porta e ele estaria fora da vida dela de uma vez por todas. A pior parte disso tudo foi que ele nem mesmo a chamou de volta.
Ela não tinha realmente esperado por isso.
― Tabitha? ― Aiden encontrou com ela saindo do elevador. Ele estava encharcado, o cabelo pela primeira vez despenteado. ― O que você está fazendo aqui?
― Acabando com alguns mal-entendidos. ― Ela forçou um sorriso, forçou uma voz normal. ― Eu li que o seu pai já está sem o respirador; boas notícias.
― Melhor que isso. Eles o tiraram do CTI hoje. Os cirurgiões ainda estão sem acreditar que o papai tenha sobrevivido à operação. ― Pegando o cotovelo de Tabitha, ele guiou-a para a parede, longe do vaivém de pessoas no corredor. ― Papai já sabia tudo sobre mim, Tabitha. Quer dizer, já sabia que eu era gay.
― Ele sabia? ― mesmo com seu estado emocional detonado, Tabitha sentiu uma onda de interesse e surpresa.
― Sim. Quando as enfermeiras o preparavam para a sala de cirurgia ele me chamou; eu acho que ele pensou que seria sua última conversa comigo. Todas aquelas coisas sobre querer que eu crescesse. Bem, ele na verdade queria que eu parasse de viver numa mentira e enfrentasse a realidade.
― E sua mãe sabia?
― Sabia. ― Ele deu uma gargalhada. ― Aparentemente, ela sempre soube; ela só não queria preocupar meu pai caso ele não soubesse lidar com isso. Pelo menos agora tudo está em aberto e, aparentemente, está até mesmo na moda ter um filho gay. Dá a ela alguma coisa nova sobre o que falar no clube. Eu estou oficialmente fora do armário agora. A gente devia fazer uma festa para comemorar.
Quando ele viu que ela não respondeu, ele olhou tristemente para ela.
― Pobre Tab. Eu me sinto tão culpado.
― Por quê?
― Porque para todos os outros as coisas deram certo. Meu pai ainda tem alguns anos pela frente, meu segredo felizmente fora do armário e ninguém para se importar, mas quanto a você, querida Tabitha... Bem, você foi a pessoa que saiu machucada. Você ama Zavier, não ama?
As lágrimas escorreram, rápidas e furiosas, dava soluços que sacudiam o corpo inteiro. E Aiden permaneceu lá, os braços em volta dos ombros de Tabitha, oferecendo a ela um lenço enquanto ela lutava para controlar-se.
― Desculpe.
― Eu quem deveria pedir desculpas. Desculpas por tudo o que eu fiz você passar. Fui eu quem começou a história toda. ― Ele lhe deu um abraço bem apertado. ― Oh! Tab, eu tentei preveni-la. Eu disse que ele...
― Me espremeria na palma da mão. ― Ela terminou a frase para ele. ― E a perfeita descrição de como eu estou me sentindo.
― Você vai esquecê-lo ― assegurou Aiden. ― Você sempre esquece.
― Não dessa vez. ― Ela assoou o nariz com força.
― Eu realmente tentei falar com ele, dizer para ele a mulher maravilhosa que você é, mas ele não estava interessado. Talvez eu possa tentar mais uma vez...
― Não. ― Ela sacudiu a cabeça firmemente. ― Ele não está interessado em justificativas. Ele continua insistindo em que foi tudo por dinheiro.
― Isso é bem dele ― replicou Aiden. ― Você estava perdida, querida, no dia que você descontou aquele dinheiro. Meu irmão acredita que o resto de nós tem que ser tão infalível e honesto quanto ele.
― Eu posso ver de onde vem isso ― disse Tabitha defensivamente. ― Você não pode nem culpá-lo por ser desconfiado em relação ao amor, dados os exemplos que ele colocou. Eu não venho exatamente desse protótipo de virtude. ― Ela assoou o nariz novamente. ― De qualquer maneira, isso não importa agora. Está tudo acabado.
― Nós ainda somos amigos? Eu tenho estado aterrorizado caso você jogue uma panela em mim ou algo assim.
Ela deu uma risada sufocada, mas no meio, começou a chorar.
― É claro que a gente ainda é amigo; é apenas diferente, só isso. Eu não posso ver você por algum tempo, Aiden. Eu não consigo olhar para você sem lembrar de Zavier. Você entende?
Ele sacudiu a cabeça com tristeza.
― Eu vou ficar com saudade.
― Eu sei. Olha, eu tenho que ir mesmo. Eu ligo em algumas semanas, alguns meses, o tempo que leve.
― Por favor, Tab, espera. O meu motorista pode levá-la em casa. Começou um temporal aí fora. Pelo menos, deixa eu fazer isso por você.
Ela sacudiu a cabeça.
― Eu realmente prefiro caminhar.
― Mas está chovendo forte.
― Que bom. Pelo menos ninguém vê que eu estou chorando.
Ele a viu entrar no elevador, ficou olhando os números a levarem para baixo antes de seguir para o escritório de Zavier.
Para Aiden não havia prazer nenhum em ter a prova de que estava certo. Nenhum.
Por um instante, ele realmente pensou que ela fosse conseguir. Com a expressão entristecendo-se, ele entrou no escritório. Vendo Zavier sentado, trabalhando em sua mesa e, por tudo nesse mundo, agindo como se nada tivesse acontecido, o fazia ficar ainda com mais raiva.
Talvez ele não estivesse fingindo, imaginou Aiden.
Talvez Zavier realmente não se importasse.
― Eu acabei de ver Tabitha saindo daqui às lágrimas. ― Aiden ligou a televisão, mudando do canal preferido de Zavier de bolsa de valores para um desses canais comerciais.
Zavier não se preocupou em olhar para Aiden, franzindo a testa com o barulho da televisão.
― Ela acabou de me pagar; deve ter doído. ― Ele esperava uma risada, mas quando ela não veio ele finalmente olhou para Aiden enquanto este sacudia a chuva do terno antes de cuidadosamente pendurá-lo no cabide. ― Veja bem, eu nunca vou entendê-la. Por que ela aceitou fazer isso, se ela tinha a intenção de me devolver o dinheiro?
― Você, às vezes, é um cara tão miserável.
Zavier franziu a testa. Aiden, que nunca ficava bravo, que estava sempre rindo, sempre brincando, de repente pareceu como se fosse bater em Zavier de verdade.
― Qual diabos é o teu problema?
― Eu sou gay! ― gritou Aiden.
― E o que isso tem a ver?
― Eu sou gay ― repetiu Aiden. ― No entanto, até eu consegui entendê-la.
Zavier olhou fixamente para o irmão, completamente perplexo enquanto Aiden gesticulava dramaticamente.
― Por que você acha que Tabitha fez isso? Ela ama você, seu idiota. Embora só deus saiba o porquê.
― Foi um negócio ― disse Zavier com um ar sombrio. ― Ela fez isso pelo dinheiro.
― Se esse é o caso, o que isso está fazendo aqui? ― Aiden apontou para as notas na mesa. ― E por que ela estava chorando no hall, com o cabelo desgrenhado e sem uma gota de maquiagem?
― O cabelo dela está sempre desgrenhado.
― Não, não está. Não, não daquele jeito.. E Tabitha sempre usa maquiagem. Sempre. Eu reparo nessas coisas.
― Por que você é gay? - perguntou Zavier com a voz confusa.
Aiden revirou os olhos.
― Porque eu não sou cego.
― Então, o que você está me dizendo... ― disse Zavier lentamente, levantando e caminhando pelo imenso escritório antes de terminar a frase, sacudindo a cabeça como sempre fazia ―...é que ela me ama?
― Finalmente. ― Aiden revirou os olhos e sentou-se em uma das suntuosas poltronas de couro.
― Então, o que eu devo fazer?
― Nisso eu não posso ajudar. Mas eu acho que seria melhor se você fosse atrás dela agora.
― Porque ela está transtornada? ― Ele estava sendo evasivo, confuso, e inseguro, querendo tanto acreditar no que estava ouvindo, mas ao mesmo tempo amedrontado.
― Talvez. ― Aiden encolheu os ombros, servindo-se de uma grande dose de uísque. ― Mas não quero mais falar nisso, minha novela favorita começa em cinco minutos e eu quero me concentrar.
Apática, ela entrava no jardim de sua casa. As roupas estavam encharcadas, grudadas no corpo, os cabelos formavam cacho em suas costas, mas nada importava.
O amor que ela sentia iria adormecer por um tempo, iria até mesmo murchar em proporções suportáveis, mas nunca iria terminar.
O sol espreitando por detrás de uma nuvem não fazia nada para animá-la. Qual era o sentido de uma luz no fim do túnel, se ele não estava lá? Um brilho na grama chamou a atenção de Tabitha, e num sobressalto ela se deu conta de que era o anel. Curvando-se, ela recuperou-o, os olhos cheios d'água enquanto esfregava o anel para tirar a terra. Memórias dolorosas eram tudo o que ela tinha agora.
― Tabitha.
Ela congelou. Tabitha percebeu que estar curvada não era o melhor visual.
― Zavier. ― Ela endireitou-se, aproveitando a oportunidade para forçar-se a respirar com calma, os pulmões queimavam. ― Eu já estou de saída para a casa de penhores. Quanto você calcula que eu vá receber?
― Tabitha, não.
Ela fungou, secando o nariz com as costas da mão. Um movimento que não era dos mais elegantes.
― É claro que provavelmente precisa de uma boa limpeza, mas tenho certeza que devo conseguir alguns mil dólares. Eu venho cavando há dias para tentar achá-lo.
― Tabitha, você podia parar de falar um pouquinho e olhar para mim?
― Por quê? ― perguntou ela rudemente.
― Apenas olhe para mim, por favor.
Ela não podia, não podia fazer aquilo sem sucumbir ao desespero. Em vez disso, focou em algum lugar sobre os ombros de Zavier.
― Eu sei que você me ama.
Ela não respondeu.
― Eu sei que eu amo você.
Ela não se moveu.
― Você não vai dizer nada?
― O que eu tenho para dizer? Eu disse que você amava quando seu pai teve o ataque cardíaco. Você me disse que me amava também. Ah! Desculpe, tinha me amado. Mas isso não o impediu de ir embora.
― Eu estava com medo.
Devagar, muito devagar mesmo, ela levantou os olhos em direção a ele.
― Mas, por quê? Como você pode ter tido medo de mim quando você é tão poderoso...?
Ele colocou um dedo nos lábios de Tabitha, primeiro para fazê-la parar de falar, mas depois, a sensação da carne dela sob seu dedo indicador não podia passar sem reconhecimento. Contornando os lábios de Tabitha, ele a olhava fixamente, os olhos brilhando de desejo e amor.
― Tabitha, trabalho não me assusta. É por isso que eu sou tão bom nisso. Eu posso olhar para uma pilha de números e relatórios, investigar uma planilha em exatos dez segundos e saber, instintivamente, o que está certo. E você sabe por que eu acho isso fácil?
Ela sacudiu a cabeça, os cachos balançavam. Os raios de sol da tarde iluminavam as feições de Tabitha e faziam com que os cachos de seus cabelos tivessem todos os tons de vermelho possíveis.
― É fácil, porque não importa. Não para mim, em todo o caso. Por isso que eu sou tão bom nisso. Eu ganho milhões ou perco milhões; no final de tudo, é só dinheiro. Mas amor... ― Ele deu uma risada pausada. ― Você pode ler todos os signos, pensar que você acertou, que esse é o cara, mas e se você estiver errada? E depois? Eu não dou a mínima para dinheiro, Tab, mas escolher errado, perder a coragem, me machucar, ser usado. Isso eu não poderia agüentar. Minha cabeça e o meu coração estavam me dizendo coisas diferentes.
Ela sabia que tinha mais, sabia que ele não tinha acabado de falar. De repente, eles estavam de volta à praia, vendo o sol nascendo, levando um tempo para reorganizarem os pensamentos, perdidos na própria pausa imaginativa.
― Eu estava com a vida organizada, estava com tudo certo. Eu sabia exatamente o que eu queria, e um casamento como o de meus pais não estava em meus planos. E aí você apareceu, Tabitha. Uma ruiva abrasadora, reescrevendo o meu livro de regras pouco a pouco. Eu quase me convenci de que estava tentando proteger Aiden e minha família, quando na verdade a única pessoa que eu estava tentando proteger era a mim mesmo.
― Se proteger do quê? ― Ela precisava ouvir aquilo, ter certeza absoluta de que ela não estava imaginando as coisas, não estava se adiantando e lendo coisas demais naquelas palavras. Ela fechou os olhos enquanto esperava ele responder.
― De me apaixonar por você. ― Ele beijou-a, os lábios achando os dela facilmente, as bocas movendo-se numa harmonia veemente, a necessidade de selar aquelas palavras transcendendo todo o resto. E quando, sem fôlego, ela desvencilhou-se dele, quando sentiu necessidade de finalmente explicar, de justificar suas ações, dominou o ardor, ele a segurava enquanto ela falava, acalmando-a como se acalma uma criança depois de um pesadelo.
― Eu não fiz isso por dinheiro. Ou talvez eu tenha feito. Eu meio que me convenci de que eu estava fazendo aquilo por dinheiro. ― As palavras eram tão desordenadas quanto os pensamentos. ― Eu acho que eu sabia que amava você desde o início. Aiden certamente sabia. Mas eu sabia que era impossível, que amor não era parte do acordo. Eu tentei falar sobre o jogo...
― Eu sabia. ― Aquelas palavras acabaram com a veemência da confissão. ― Eu sabia muito antes de você me dizer que você não tinha problema algum; eu só não queria ouvir. ― Era Zavier quem tremia agora. ― Para uma viciada em jogo você tem um incrível crédito na praça.
― Você investigou sobre mim? ― Os lábios dela estavam brancos agora. A mente rodava enquanto revivia as últimas semanas sob um ângulo completamente diferente.
Ele sacudiu a cabeça lentamente, nesse momento já era tarde demais para mentiras.
― Então você sempre soube de tudo? ― A confissão de Zavier tinha realmente chocado Tabitha. Exatamente quando ela pensava que ele não podia mais surpreendê-la com nada, que não havia mais nada a ser revelado, novamente ele a surpreendia. ― Aquela noite no cassino... ― Os olhos de Tabitha miraram para baixo, depois de volta aos dele, precisando, exigindo uma resposta.
― Minha suspeita foi confirmada naquela noite. Você nem mesmo sabia fazer sua jogada bônus, Tabitha ― ressaltou ele. ― Foi quase engraçado...
― Mas você ficou tão bravo na praia aquele dia quando eu disse a verdade. Você ficou furioso...
― Porque eu não queria que você dissesse aquilo ― explicou ele, a única defesa era o amor que flamejava daqueles olhos. ― Eu não queria que aquilo terminasse antes mesmo de nós começarmos, e eu sabia que no momento em que você me dissesse a verdade, a única coisa decente que eu tinha a fazer era oferecer uma chance para você escapar.
― Mas você não me ofereceu.
― Eu não podia.
A honestidade crua daquela resposta mexeu com Tabitha, e a confusão desapareceu dos olhos dela
― Você não vê, Tabitha. Eu não podia arriscar perder você. Eu só estava querendo ganhar tempo.
― Tempo foi o que desperdiçamos ― disse Tabitha delicadamente. ― O que você está fazendo? ― Ela riu através das lágrimas ao vê-lo agachar-se na lama pantanosa que era seu próprio jardim. ― Os vizinhos vão ver.
― Que bom. ― Ele riu, divertindo-se com a risada de Tabitha, com aquela vergonha infantil. O brilho estava de volta aos olhos dela agora. ― Você não é a única aqui que adora um público, sabe. Dessa vez a gente vai fazer as coisas do jeito certo. ― A voz dele de repente ficou séria, o amor ardia em seus olhos quando ele ajoelhou-se em frente a ela com as mãos trêmulas ofereceu o anel dela ― o rubi dela. ― Tabitha Reece, você aceita casar comigo?
Tabitha pegou o anel e colocou-o no dedo, o lugar que lhe pertencia, para o lugar onde ele sempre estaria.
― Diga alguma coisa ― implorou ele.
― Por quê? Eu já disse sim ― ressaltou Tabitha. ― Seis semanas, dois dias e quinze horas atrás.
― Mas aquilo era temporário ― disse Zavier com dúvida e angústia na voz.
― Não, Zavier ― disse Tabitha brandamente. ― Quando eu disse sim, eu falei de verdade. Era para sempre.
― É constrangedor ― insistiu Aiden, sacudindo o bebê Darcy nos joelhos. ― Não é, fofura? Ver a vovó e o vovô comportando-se como um casal de adolescentes no seu batizado? ― Ele examinava o rosto do sobrinho mais de perto. ― Tab, por que ele está ficando vermelho? Agora roxo... e que cheiro horrível é esse?
Sorrindo, Tabitha pegou seu filho do colo de Aiden.
― Bem, eu acho isso adorável. Pode ter levado quarenta anos e um ataque cardíaco, mas ver Marjory e Jeremy tão devotos um ao outro é realmente um tônico. Não tem nada de constrangedor nisso. De qualquer maneira, se você não quiser chegar atrasado ao seu compromisso, é melhor você se apressar. Eu vou trocar Darcy. Obrigada pelo presente maravilhoso que você deu ao seu sobrinho, Aiden. Você não devia ter se preocupado.
― E claro que eu devia, e diga a ele para agarrar-se a isso. Esse quadro vai valer uma fortuna em alguns anos. Na verdade, Zavier... ― Aiden abaixou o tom de voz ― ... eu queria dar uma palavra com você antes de ir.
Zavier revirou os olhos.
― Quanto dessa vez?
― Para você está tudo bem ― Aiden disse na defensiva. ― Papai vai viver para sempre, desta forma, e talvez meus quadros decolem, mas comparado a você, não são nada. De qualquer forma, Luigi tem gostos caros. Eu não posso levá-lo a uma lanchonete. Você tem visto o preço do champanhe?
― Era para você estar na lei seca ― disse Zavier incisivamente.
― Eu estou, mas isso não significa que Luigi também tem que estar.
― Se ele se preocupa com você ― encarou Zavier, numa voz que só podia indicar sermão ― ele não vai se importar em onde você vai levá-lo. E parem de revirar os olhos, vocês dois. Eu estou certo nisso.
― Eu não acho que um homem que tentou comprar a noiva deveria estar me dando sermão ― implicou Aiden, e Zavier ficou vermelho de verdade. ― Você nunca me disse quanto você teve que oferecer para dobrar essa criatura divina.
Rindo, Tabitha retirou-se. Depois de trocar as fraldas de Darcy e colocar um macacãozinho azul, admirava as perninhas gordas que chutavam o ar alegremente. Ele realmente era o neném mais adorável e, é claro, que não tinha nada a ver em ter os pais mais corujas do mundo.
Gentilmente, o colocou no berço. Tabitha ficou observando o filho virar-se de bruços, o bumbum para o ar e procurando o dedo para chupar.
― Ele está dormindo? ― perguntou Zavier enquanto movia-se furtivamente por trás de Tabitha.
― Ele está de barriga para baixo, talvez seja melhor eu virá-lo.
― Ele daqui a pouco se vira. ― Vendo-a preocupada, Zavier deu um sorriso largo. ― Aqui. ― Ela olhou a mão forte virar o neném de frente, nunca deixando de maravilhar-se em quão gentil e paciente ele era com o filho. ― Ele está exausto. O dia hoje foi ótimo.
― Fantástico ― concordou Tabitha, aconchegando-se no peito de Zavier enquanto admiravam o bebê dormir. ― O seu pai estava tão orgulhoso, e você viu o sorriso no rosto da minha avó?
― Ela parece tão feliz. Bruce deve estar fazendo bem para ela. Pelo menos, ela não está mais jogando. Note bem, eles jogam Mau-Mau; eu nunca vi tanta concentração! Eu aposto que mamãe vai colocar as cartas para fora a próxima vez que eles vierem para jantar. Bom, vamos falar da gente agora. Tem uma coisa para você lá em baixo.
― Mas a gente já abriu todos os presentes ― disse Tabitha andando atrás de Zavier. ― O que é isso?
― É para você. Abra. ― A voz tinha um tom estranhamente grave, e ele mal conseguia olhar nos olhos dela enquanto ela abria a grande caixa de veludo que ele a entregou.
― Oh! Zavier. É deslumbrante. ― Deslumbrante como o anel. Uma delicada corrente, coberta por rubis de todos os tamanhos. ― Deve ter uns cem aqui.
― Quarenta ― disse Zavier seriamente. ― Um para cada ano de casamento. E aquele que o meu avô fez para a minha avó para o aniversário de quarenta anos de casados.
― Não era para estarmos fazendo isso daqui a trinta e nove anos? ― Ela observou um minúsculo enrugar de testa. ― Eu ainda vou estar por perto, Zavier. Eu não vou a lugar nenhum; isso é para valer.
― Eu sei. ― Zavier desenrugou a testa e os olhos encontraram os dela. ― Eu acho que eu só quero continuar ouvindo isso. E de qualquer maneira, é uma pena que uma jóia tão bonita fique guardada, quando você poderia estar usando.
Ele colocou a corrente carinhosamente no pescoço de Tabitha e a levou para o grande espelho acima da lareira.
― Eu não posso acreditar que quase a deixei ir embora.
― Não. ― Apoiando-se nele, ela fechou os olhos, afugentando o pesadelo que podia ter sido.
Um mundo sem Zavier.
― Posso perguntar uma coisa?
― Vá em frente ― murmurou ele, quase não escutando enquanto colocava os selvagens cachos vermelhos para trás, expondo o vão de seus ombros que cobriu de beijinhos.
― Por que você não vende os negócios? Seus pais estão bem, eu tenho a minha escola de dança e Aiden tem uma pequena galeria; o que você acha de arrumar tempo para ir em busca de seus sonhos?
― Que sonhos? ― Ele percorria o colo dela, puxando com os dentes a alça fina do vestido enquanto os dedos percorriam com mágica os seios inchados.
― Seus sonhos. ― Tabitha esforçou-se mentalmente na conversa unilateral, determinada a insistir. ― Aqueles, sobre os quais você falou na noite em que ficamos noivos.
― Eu não me lembro dessa conversa. Na verdade, tudo o que eu posso me lembrar é disso. ― A mão agora se arrastava para baixo, o vestido escorregava sobre o bumbum redondo.
― A noite em que ficamos noivos pela primeira vez, você disse que tinha sonhos...
― Ah! Aquela noite. ― Num movimento ágil, ele a levantou, carregando-a do hall à porta do banheiro; que ele abriu com um chute impaciente. ― Você fala demais...
― Eu estou falando sério, Zavier. Eu quero saber se seus sonhos...
― Perseguidos, agarrados e saciados. Isso responde a sua pergunta?
― Honestamente?
Deitando-a na cama, ele tirou a última peça de roupa que restava antes de acrescentar baixinho.
― Além de todas as minhas expectativas...
Carol Marinelli
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