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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


NOVA YORK PARA SEMPRE / Jamila Mafra
NOVA YORK PARA SEMPRE / Jamila Mafra

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Cristina estava eufórica com a notícia que acabara de receber. Saltitante e aos gritos, invadiu o quarto da irmã mais nova:
— Amanda! Amandinha, minha fofa!
— O que foi?
— Você não vai acreditar!
— O que aconteceu?
— Deu certo! Eu consegui!
— O que deu certo? Que gritaria é essa? Você mal consegue respirar!
— Eu vou para os Estados Unidos da América! Fui aceita no programa de intercâmbio e consegui o visto de trabalho! – sem fôlego, revelou a novidade.
Amanda fez uma feição de surpresa, erguendo as sobrancelhas depois de ver a irmã tão entusiasmada.
— Calma, Cris! Fale devagar, sem gritar, respire. Então você finalmente entrou para o tal intercâmbio de babás?
Respirou bem fundo, tentou se acalmar e explicou:
— Sim, eu consegui! Enfim vou realizar meu sonho! Embarco para Nova York ainda esta semana! Já está tudo acertado! – exclamou, empolgada.
— Que bom que deu tudo certo depois de tanto tempo tentando. Mas você realmente acredita que terá algum futuro por lá trabalhando como babá? Pense bem, as coisas não são tão simples como parecem. – Amanda questionou-a em tom quase desmotivador.
— Mas é claro que eu terei um futuro nos Estados Unidos! Isso é tudo que eu sempre quis! A princípio, ficarei lá por dois anos. Sei que não será fácil e que ser uma simples babá não é grande coisa para as pessoas que me cercam e me criticam, mas, se eu não tentar por esse caminho, posso me arrepender para o resto da minha vida. – Defendeu seu sonho mais vez.

 

 

 

 

Cristina tinha apenas dezenove anos de idade e muitos sonhos para tentar realizar. Eram tantas as expectativas guardadas no coração daquela garota...

Seu encantamento pelos Estados Unidos começou cedo, logo na infância, sempre repetindo que queria muito viver em Los Angeles ou Nova York, ser atriz de cinema, conquistar o mundo. Trabalhou durante toda a adolescência e juntou dinheiro para um dia poder ir embora. Estudou inglês por muito tempo até começar a falar fluentemente. Ela agia como se tudo sempre estivesse prestes a acontecer.

Seu pai, Santiago Rodríguez, homem simples, dono de uma pequena oficina mecânica no bairro República, imigrante colombiano que há décadas adotara o Brasil como residência, e sua mãe, Sofia Mueller, brasileira nata de São Paulo, descendente de alemães e professora concursada no estado, não aprovaram no início a ideia de ver a filha ir embora sem destino certo para uma terra estranha.

— Eu não entendo você, Cris. Vai aos Estados Unidos para cuidar de crianças! Ce é pra ser uma simples babá, pode continuar aqui, estudar e ser algo melhor que isso – Santiago comentava, sem entender direito as razões da filha.

— Para ficar nos Estados Unidos, eu trabalharia até de catar papelão na rua. Estar e viver lá são as coisas que importam pra mim. Eu vou porque este é o meu sonho, essa é a minha vontade! É por isso que a maioria das pessoas não é feliz: se diminuem por causa da opinião dos outros e têm medo de seguir sua vontade. Mas eu seguirei os meus sonhos, mesmo que o mundo inteiro esteja contra mim – reforçou a ideia como alguém que defendia o mais nobre ideal.

Um dia antes do embarque, ansiosa, Cristina arrumou suas malas. Amanda ajudou-a a escolher as melhores roupas e casacos de inverno. Disse à irmã:

— Você foi mesmo muito corajosa e persistente nos seus ideais durante todos esses anos. Agora, enfim, estamos aqui arrumando suas malas para que você finalmente parta rumo à tão desejada América. Eu lembro bem quando as pessoas perguntavam por que você havia comprado tantos casacos de frio daquela maneira se aqui em São Paulo não faz tanto frio assim.

— Achavam que eu era louca por gastar dinheiro aparentemente por nada.

— A sua resposta era que não os usaria aqui, mas sim quando estivesse no inverno dos Estados Unidos. Agora finalmente chegou a hora do seu sonho se realizar.

— Eu mal posso acreditar que estou partindo para o lugar dos meus sonhos! Estou tão feliz. Vou fazer um snowman no quintal!

— Seus olhos brilham e confirmam as suas palavras, minha irmã. Nunca vi alguém amar tanto um país como você ama os Estados Unidos.

Abraçaram-se.

***

Acompanhada de Amanda e dos pais, dentro do carro, a caminho do aeroporto Internacional de Guarulhos, Cristina não conseguia disfarçar sua ansiedade. Observava pela janela o mundo acontecendo do lado de fora e as avenidas pareciam intermináveis. Roía as unhas.

***

— Vá com Deus, minha irmã. Te desejo muita sorte. Quem sabe logo irei te visitar lá.

— Eu vou te esperar, Amanda. Vamos fazer compras juntas na Times Square. Será incrível! – Cristina se empolgou novamente.

— Filha, tenha cuidado. Você estará sozinha. Não tome decisões sem me consultar por telefone, me ligue e mande mensagens. Eu confio em você! – Sofia abraçou-a, beijando o rosto dela em seguida.

— Cris, se cuida. Seu pai vai estar sempre aqui te esperando. – Santiago também a abraçou com força.

O coração da viajante acelerava mais e mais conforme ela subia as escadas do avião. Ao sentar-se na poltrona, teve a sensação de estar a caminho das mais inesperadas experiências.


Logo que desembarcou no aeroporto John F. Kennedy, sentiu a face regada por uma lágrima de emoção. Ao respirar pela primeira vez os ares das avenidas de Nova York City, a mulher recém-chegada ainda tinha lágrimas correndo pelo rosto. Se tudo aquilo fosse apenas um sonho, ela não queria acordar nunca mais.

Dentro do carro de Ellen, a mais nova babá admirou o Queens com olhos brilhantes, encantados pela novidade. Os quarenta minutos até Manhattan foram os mais incríveis. De longe pôde avistar a Estátua da Liberdade. Seu coração disparou. Ao passar pela Times Square, pediu a Ellen que parasse o carro por um minuto, desceu e tirou muitas fotos com seu tablet.

Era outono no hemisfério norte, o vento já soprava frio. Cristina estava vestida com seu sobretudo marrom, comprado há três anos e reservado para aquele momento único.

Seguiram diretamente ao endereço de seu novo emprego, a casa de Ellen Olsen. Viúva, Ellen morava já há alguns anos em Manhattan e cuidava dos negócios da família com a ajuda das filhas e do genro. O tríplex se localizava a quarenta minutos da Estátua da Liberdade. Com ela moravam Joliet, sua filha mais velha, Jefferson, seu genro e a pequena Carolyn.

— Cristina, essa é a pequena Carolyn, nossa querida bebê. A partir de agora você vai cuidar dessa princesinha e nos ajudar nos serviços da casa. – Ellen apresentou a pequena, que estava no carrinho.

— Eu vou amar cuidar dela. Adorei este lugar e tudo que vi até agora. Estou feliz por estar aqui, dona Ellen. – Cristina agradeceu-a.

— Eu tenho outra filha que se chama Daisy. Ela mora sozinha, acabou de comprar uma bela casa no Staten.

— Em Staten?

— Sim.

— Nem é tão longe.

— Uns quarenta minutos daqui. A Daisy sempre foi muito independente e agora ajuda na administração de uma das empresas da família de seu noivo, além de auxiliar na gestão dos meus negócios. A morte do meu marido foi muito dolorosa. Mas com fé e esperança conseguimos superar.

— Sinto muito.

— Aos vinte e quatro anos ela concluiu faculdade de administração pensando desde logo em cuidar das nossas finanças.

— Incrível! Vou amar conhecê-la. Pelo o que ouço, a Daisy é mesmo uma mulher fascinante.

— Mas ela não comprou a casa simplesmente por comprar; está prestes a se casar com seu noivo, Eric Preston. Já ouviu falar dele?

— Deixe-me puxar pela memória pra ver se reconheço este sobrenome...

— Ele é um jovem executivo de vinte e cinco anos de idade e também muito bem-sucedido. Cuida impecavelmente dos negócios da família.

— Não me diga que é a família Preston que tradicionalmente cultiva batatas e fabrica os enlatados mais deliciosos de Idaho!

— Sim, é esta família mesmo! O escritório da empresa fica aqui em Manhattan.

— Fantástico!

— Ela e o noivo decidiram viver na casa que ela comprou em Staten. Ficou apaixonada pelo lugar e pelo condomínio de casas lindas. Você vai conhecer.

— Vou adorar. Estou encantada por ter a oportunidade de trabalhar com pessoas de tanto sucesso!

— Cristina, gostei de você. É uma garota simpática, sorridente, atenciosa. Tenho certeza de que nos daremos muito bem aqui. As moças do intercâmbio sempre me agradaram.

— Antes da minha chegada conversamos bastante pela internet. A senhora é uma mulher admirável. O prazer é todo meu, dona Ellen. E pode me chamar de Cris. Esse é meu apelido.

— Olha só, eles chegaram! Joliet, Jefferson. Esta é nossa nova babá, Cristina. Ela é a brasileira que veio através do programa de intercâmbio.

— Prazer em conhecê-la, Cristina. – Jefferson estendeu a mão para cumprimentá-la.

— Olá, Cristina. Fico feliz que minha mãe tenha encontrado uma pessoa de confiança para cuidar da minha pequena – disse Joliet.

— Farei o meu melhor para merecer a confiança de vocês que me acolhem tão bem nesta casa.

— Minha menina está dormindo no carrinho como um anjinho. Vou levá-la para o berço.

— Ela é o nosso anjo. – Jefferson contemplou a filha.

— Cris, quer levá-la? – Joliet perguntou, convidando-a para iniciar seu trabalho.

— Eu adoraria! Acabei de chegar, mas preciso me adaptar o quanto antes ao trabalho. Com licença. – Cristina tomou a direção do carrinho do bebê.

— Eu te acompanho até o quarto – completou Joliet.

***

— A Carolyn já está dormindo há uma hora. Percebo que desse jeito quase não terei trabalho. Ela é mesmo uma fofura de menina. – Cristina estava recostada na poltrona.

— Logo você conhecerá a Daisy. Ela e Eric se casam no próximo mês, e você irá comigo. Será um grande momento na St. Patrick's Cathedral - Ellen alongou o assunto, sentada na poltrona ao lado.

— A mais famosa de Nova York! – Cristina exclamou empolgada. – Fico feliz com o convite. A união entre duas pessoas é sempre um grande motivo de alegria e comemoração. Será uma honra ir ao casamento da Daisy – agradeceu Cristina. – Enquanto se divertem estarei cuidando da Carolyn.

***

Cristina conheceu a realidade dura do trabalho como babá nos dias seguintes. Além das tarefas usuais, ainda ajudava as outras duas empregadas nos serviços da casa. Entretanto, o que mais importava para ela era o fato de que estava no melhor lugar do mundo. Sempre havia sonhado em viver aqueles momentos.

Todo fim de tarde, depois do expediente, fazia passeios intermináveis pela cidade de Nova York. Ao pisar seus pés pela primeira vez na grama do Central Park, sentiu a brisa daquele outono invadir a sua alma de maneira única. Imediatamente pensou consigo: “Que lugar lindo para viver um grande amor!”

Ela administrava com dedicação algumas tarefas da casa, como por exemplo, fazer compras no supermercado e pagar algumas contas. Tomando lugar à cozinha, preparava deliciosos pratos brasileiros, que chegaram a conquistar o paladar de todos.

Um mês se passara desde a sua chegada. Naquela noite em que a família Olsen jantava, Ellen convidou Cristina para que se sentasse à mesa junto a eles.

— Foram tantos afazeres e detalhes que eu me esqueci de contratar uma empregada! Juro que não me lembrei deste pequeno detalhe. Eu jamais daria conta de cuidar sozinha daquela casa enorme. Depois que minha diarista foi embora há duas semanas, está tudo revirado lá. Uma bagunça. Logo haverá um novo morador, ficará tudo mais complicado. Eu nem sei cozinhar – Daisy desabafou.

Ao ouvir as palavras da filha à mesa de jantar, Ellen pensou por uns instantes e respondeu, já com a solução em mente:

— Fique tranquila. Eu tenho a solução certa pra você: conseguirei suas empregadas; será um dos meus presentes de casamento pra você, filha. Espere aqui.

— Mãe, aonde você vai?

— Vou trazer seu presente de casamento. Cristina, me acompanhe até a biblioteca. – Ellen levantou-se da mesa e segurou Cristina pelo braço.

— Como assim? Mãe, volta aqui! – Daisy demonstrou ansiedade.

— O que será que a dona Ellen está aprontando? – Joliet questionou.

— Meu amor, tratando-se da minha sogra, não duvido nada que seja uma surpresa para você, Daisy – Jefferson palpitou, dando uma garfada na comida em seguida.

Ellen levou Cristina até a biblioteca.

— Dona Ellen, por que me trouxe até aqui?

— Eu tenho um pedido a lhe fazer, mas você não é obrigada a aceitar.

— Diga-me o que é. Estou curiosa para saber!

— A Daisy vai se casar.

— Sim, isso eu já sei desde que cheguei aqui. Aliás, daqui a pouco estou indo dar uma volta no Shopping Center para comprar meu vestido para o casamento.

— Como ouviu lá na mesa de jantar, ela ainda não tem empregadas, precisa de alguém para cuidar de seu lar, e pode ser que logo já tenha filhos.

— Eu acho que entendi aonde quer chegar. Pretende que eu a ajude a encontrar uma pessoa de confiança para cuidar da casa dela. É isso?

— Não, não é isso. Muito pelo contrário, eu já encontrei a pessoa certa para cuidar da casa da minha filha.

— E quem é essa pessoa?

— Quem mais poderia ser?

— Como eu posso saber? Não conheço mais ninguém aqui em Nova York.

— É você, Cristina!

— Eu?

— Sim, eu quero que você vá trabalhar na casa da Daisy. Ela precisa de uma pessoa determinada e de confiança como você. Será maravilhoso para ela ter alguém experiente e com talentos únicos na cozinha. Poderá ensiná-la a ser uma boa esposa, alguém que saiba cuidar do lar.

— Estou surpresa! Eu já estava me acostumando a trabalhar aqui na sua casa. Sinto-me praticamente da família.

— Com a Daisy será assim também, eu te garanto. Então, Cris, você aceita?

— Eu não sei.

— Por favor, diga que sim!

Ela pensou por uns instantes antes de responder.

— Está certo. Já que é um pedido seu, eu aceito! – Aliviou o coração de Ellen.

— Obrigada. Eu sabia que podia contar com você! – agradeceu, abraçando Cristina.

Elas retornaram até a sala de estar, onde Daisy descansava do jantar lendo uma revista de moda.

— Daisy, querida, aqui está o seu presente de casamento! – Ellen disse, trazendo Cristina pelo braço.

— O quê? Mãe, a Cris é o meu presente? Como assim? – questionou, confusa.

— É isso mesmo. A partir de hoje eu trabalho pra você! Sou sua nova empregada! –revelou.

— Mas, mãe, você adora a Cris, não é justo! Ela é a sua melhor babá e melhor cozinheira!

— Sim, exatamente. Ela é a melhor administradora do lar que eu já contratei em toda a minha vida, além de ser uma ótima companhia, por isso mesmo eu pedi para que ela vá trabalhar em sua casa de hoje em diante. Faltam poucos dias para o casamento, você precisa começar a ajeitar as coisas. Ela vai te ajudar a preparar seu lar. A propósito, amanhã já podem sair juntas para fazer compras.

— Será ótimo e eu ficarei muito feliz em poder ajudar. – Cristina respondeu com um sorriso ainda maior.

— Se é assim, tudo bem. Arrume suas coisas e venha logo comigo! Vai conhecer seu novo lar! – convocou-a, surpresa com a novidade.

— Daisy, fique tranquila. Eu vou contratar mais uma cozinheira e diarista para ajudar a Cris a cuidar da sua casa.

— Obrigada, mãe. A senhora é a melhor mãe do mundo! – Daisy abraçou Ellen.

***

Quando o carro estacionou em frente à casa, Cristina olhou para Daisy e exclamou empolgada:

— Dona Daisy, você tem muito bom gosto! Esse lugar é mesmo lindo.

— Sim, eu me encantei por tudo aqui. Staten Island, mesmo não sendo um distrito muito prestigiado, tem casas tão belas! Olhe só todas essas árvores e essa natureza ao redor.

— Transmite paz.

— Sim, e não me importo de ter que dirigir todo dia por 50 minutos para chegar a Manhattan. Você ainda não viu nada! Espere só até entrarmos. Ah, quero que me chame apenas de Daisy, nada de “dona” nem de “senhora”.

— Tudo bem, se é assim que prefere.

— Combinado então!

— Desculpe perguntar, mas quanto custou a casa?

— Quatro milhões de dólares. – respondeu, fazendo sinal para que Cristina entrasse na casa.

Logo que ela entrou, os olhos de Cristina brilharam de emoção ao ver todo aquele luxo de beleza incomparável.

— Que lindo! – exclamou, com um olhar radiante. – A sala é enorme e toda decorada!

— Você ainda não viu nada. Tem mais duas salas, e a cozinha é espaçosa e totalmente planejada, com uma bancada enorme, fogão elétrico... Quase maior do que esta sala. Venha ver! – Daisy sorriu ao observar a expressão de encantamento de Cristina.

— Só não repare a bagunça e a sujeira. Eu jamais limparia esse casarão sozinha.

— É tão lindo que nem se percebe a bagunça.

Ao subirem as escadas, a emoção daquela jovem empregada aumentava descontroladamente. Então Daisy parou diante de uma porta e disse:

— Cristina, esse é o seu quarto.

Ao abrir a porta, a nova funcionária exclamou, vislumbrada, percorrendo todo o cômodo:

— Esse quarto é lindo! Essas paredes, essa cama enorme, esses móveis, essa sacada linda, e esse espelho gigante! Não acredito! Esse banheiro é magnífico! Sinceramente, achei que eu ficaria no quarto dos empregados.

— Este é um dos quartos dos empregados. Aqui os quartos têm esse mesmo padrão. Venha ver o meu. É muito mais lindo e maior do que todos aqui! – completou.

— Obrigada, patroa. Isso é muito mais do que eu esperava! – agradeceu feliz.

***

A rotina no novo lar começou tranquila. Tudo era novidade.

— Hoje o Eric virá jantar comigo. Vamos comemorar os poucos dias que faltam pro nosso casamento, e eu gostaria que você preparasse algo especial, algo diferente, um prato típico do Brasil. E também quero aquele doce que você sempre faz, o brigadeiro. – Daisy fez o pedido.

— Estou surpresa que esteja me fazendo este pedido. Geralmente você e ele sempre jantam em restaurantes. – Cristina reagiu um pouco emocionada.

— É que queremos comemorar de um jeito especial.

— Ele virá com você depois do expediente na empresa?

— Sim, nós chegaremos juntos.

— Então fique tranquila. Quando chegarem haverá um jantar maravilhoso os esperando, com direito a música romântica e tudo o mais. Sabe, Daisy, eu acho tão lindo o amor de vocês dois. Espero viver um amor assim algum dia. – Cristina comentou, com os olhos lacrimejando.

— Obrigada! Você tem sido a funcionária do lar mais prestativa que eu já tive, além de ser amiga da família. Mas me diga, ainda não arrumou nenhum namorado aqui em Nova York?

— Ainda não. Quero dizer, tive uns lances, mas nada sério.

— Não se preocupe, logo você encontrará o homem da sua vida.

— Assim espero! – Sorriu.

Eram tantas as opções de comidas típicas brasileiras que Cristina ficou em dúvida sobre o que faria. Depois de muito pensar, preparou como prato principal um delicioso estrogonofe de filé mignon à paulista, acompanhado com salada à brasileira. O brigadeiro, escolhido como sobremesa, ela colocou em mini taças de prata.

Ao perceber que os carros de Daisy e Eric entravam no estacionamento da casa, Cristina apagou a luz, acendeu as velas e colocou a música “I Have Nothing”. O jantar e a sobremesa já estavam na mesa. Ela permaneceu escondida nos degraus de cima da escada, observou o casal entrar e se entusiasmou com a face surpresa de Eric ao ver todo aquele ambiente romântico preparado.

— Meu amor, que legal! Muito romântico! Você mesmo teve a ideia?

— Sim. Eu tive a ideia e a Cris fez o jantar pra gente.

— Hummm! Parece delicioso. O cheiro está ótimo. Percebo que ela fez brigadeiro também. Maravilha! A Cristina é uma ótima cozinheira! Temos que agradecê-la depois, principalmente pelo brigadeiro. Adoro esse doce!

— Sim, ela merece. – E continuou – Mas, antes de jantarmos, vamos dançar. Ela não colocou essa música romântica à toa. – Ela estendeu os braços chamando-o para a dança.

— Tem razão, meu amor.

Eric pegou Daisy pela cintura e começaram a dançar lentamente a música que tocava. Deram o primeiro beijo daquela noite mágica.

— Esta noite é um brinde ao grande amor da minha vida: você, Daisy! – ele se declarou.

Daisy retribuiu o amado com mais um beijo. Em seguida puderam desfrutar daquele jantar especial, durante aquela noite que foi a mais romântica que tiveram antes do casamento.


— Amiga, você vai borrar toda sua maquiagem! – Cristina comentou, tentando enxugar o rosto de Daisy.

— Estou emocionada, ansiosa, mal sinto meus pés tocarem o chão. – Daisy justificou sua lágrima de alegria.

— Normal. Hoje é o seu grande dia, querida, o mais importante na vida de uma mulher – David, o maquiador, comentou, enquanto ajeitava a grinalda da noiva.

— Casar com o homem que eu mais amo nesse mundo é a maior bênção que eu poderia receber – Daisy afirmou diante do espelho, com os olhos marejados de lágrimas.

— Minha amiga, também me emociono com as suas palavras. Você está linda vestida de noiva! Uma verdadeira princesa indo ao encontro do seu príncipe! Um jovem casal cheio de sonhos. Eu repito isso sempre, não por inveja, mas porque, sinceramente, eu gostaria muito de viver esse conto de fadas. Embora eu não tenha tanta esperança, desejo encontrar um grande amor.

— Do jeito que você fala, parece até que já perdeu um grande amor – David comentou curioso.

— Sim, eu perdi mesmo. Há uns anos eu amei muito um rapaz, mas não pudemos ficar juntos devido a vários impedimentos. Eu tive com ele momentos inesquecíveis, e de lá pra cá ninguém mais me fez sentir algo tão forte como ele fez.

— Que triste – David comentou.

— É melhor pararmos com essa conversa porque hoje é o grande dia da Daisy. É um dia de alegria.

— Cris, você tem sido uma amiga maravilhosa pra mim, além de uma funcionária muito competente! Eu desejo que muito em breve você encontre o homem que será feliz ao seu lado – desejou a amiga.

— Muito obrigada. Você é a minha melhor patroa. – Abraçou-a.

— Que lindo ver duas amigas se emocionando, mas acho que falta um toque final na maquiagem, e nem invente de chorar de novo agora, senhorita Daisy. – David aproximou-se de novo da noiva retocando a maquiagem.

— Para os homens tudo é mais fácil: basta vestir o terno, os sapatos e pronto! As mulheres sofrem mais, têm que arrumar os cabelos com penteados diferentes, tem a maquiagem, vestido, sapato, unhas, depilação, etc. – Cristina comentou, animada.

— Você tem razão. As mulheres, principalmente as noivas, sofrem muito! – Daisy completou.

— Minha filha, aproveite este momento porque ele é único – Ellen disse ao entrar no quarto e vislumbrar a cena. – Cris, vamos juntas no carro da noiva.

***

No altar da St. Patrick's Cathedral, vestido elegantemente em seu fraque, Eric aguardava ansioso a chegada de sua noiva.

Cristina saiu do carro, desejou sorte à Daisy, entrou na catedral e ficou vislumbrada com tanta beleza e com a majestosidade do lugar impecavelmente enfeitado com flores brancas. Sentou-se ao lado de outros convidados.

Ellen seguiu para o altar, onde, ao lado dos padrinhos, esperou a entrada da filha, que seria conduzida por Jefferson.

A igreja estava repleta de convidados. A maioria era de empresários nova-iorquinos e fazendeiros de Idaho, amigos da família Olsen e da família Preston. Os músicos e o coral aguardavam a entrada da noiva, que depois de alguns minutos foi vista às portas.

— Preparada, Daisy? – Jefferson perguntou, já de braços dados com ela antes de entrarem.

— Sim. – Ela sorriu.

Os olhos de Eric brilharam ao contemplarem a mulher de sua vida se aproximar vestida de branco. Iniciou-se a melodia e o canto que anunciava o momento era de J S. Bach - "Jesus Bleibet Meine Freude”. A noiva não conteve as lágrimas; as vozes do coro eram semelhantes às dos anjos, como se anunciassem um milagre.

Cristina chorou sem parar. Vertia o pranto da emoção sem se importar com a sua maquiagem, que ficaria borrada em poucos segundos. Sussurrou a si mesma: “Essa é a cena mais linda que eu já vi em toda a minha vida.”

De pé, os convidados observavam a noiva passar pelo tapete coberto de rosas. Muitos estavam emocionados com a música e as vozes do coral. Ellen sussurrou para uma das madrinhas: “A Daisy está linda! Que vestido belo esse, cravejado de pedras de cristal.” E a madrinha respondeu: “A tiara é de pedras de brilhantes, está reluzindo daqui.”

Os cabelos dourados de Daisy estavam soltos, caídos sobre seus ombros. O som dos violinos ressoava, e a sinfonia esplendorosa invadiu suavemente todos os ouvidos, marcando para sempre aquele momento divino.

A cerimônia durou cerca de quarenta minutos. O padre proferiu um discurso que tocou o coração de todos. Cristina relembrou sua solidão e todas as vezes que se apaixonou por rapazes que nunca a amaram.

Depois de serem declarados casados pela autoridade eclesiástica, enfim Eric beijou pela primeira vez a agora sua esposa. Em outras vezes havia beijado sua namorada e noiva, mas de agora em diante Daisy era a sua amada mulher.

— Chegou a hora de jogar as rosas nos noivos! – Ellen exclamou, comemorando.

Todos jogaram flores e iniciaram-se os cumprimentos na porta da catedral.

— Daisy, foi tudo tão lindo. Desejo que você seja feliz. – Cristina abraçou-a com carinho.

— Obrigada, amiga. Sei que serei feliz e te desejo o mesmo – Daisy agradeceu.

— Eric, meus parabéns. Você fez a melhor escolha da sua vida. Ela é a mulher certa. – Cristina cumprimentou o noivo com um aperto de mão.

— Muito obrigado, Cristina, por toda amizade que tem demonstrado à minha esposa. Será incrível ter você cuidando de nossa casa. A Daisy precisa de você. – Ele sorriu retribuindo a gentileza.

A festa aconteceu no glamoroso salão do Plaza Hotel's Palm Court. Cristina jamais entrara antes em um local tão lindo quanto aquele, repleto de lustres, poltronas, cadeiras e mesas impecáveis. Apesar do vislumbre, ela quase não participou da comemoração, não dançou e comeu pouco; preferiu apenas observar o momento, introspectiva, como se tudo aquilo fosse um sonho.

No momento em que os recém-casados dançaram a tão esperada valsa, a jovem babá pensou consigo debruçada sobre a mesa: “Será que um dia eu vou viver um amor tão lindo quanto esse?”

***

A lua de mel aconteceu na paradisíaca ilha Galesnjak, na Croácia. Daisy e Eric seguiram viagem logo após a festa.

A madrugada estava fria. Em passos apressados, Cristina adentrou sua casa nova, que estava vazia. As outras empregadas só viriam depois que os noivos retornassem da viagem de núpcias. Ela trancafiou-se no quarto, jogou-se na cama e ficou pensando naquele dia tão maravilhoso, no qual viu o amor acontecer na mais antiga catedral da cidade.

“O coral, a música, o vestido e o amor dele ao ver sua amada se aproximando... Dizem que eu sou romântica demais, mas agora eu sei que conto de fadas existe. Para poucos, mas existe.” Essas foram as palavras de Cristina enquanto relembrava as cenas com a cabeça afundada no travesseiro.


— Cris, gostaria de nos acompanhar até Manhattan? Vamos dar um passeio pela Estátua da Liberdade. Já esteve lá, não é? – Daisy a questionou.

— Vocês nem vão acreditar. Passei muito rápido por lá, vi de longe, nem apreciei direito. Muitos afazeres. Fiquei mais no Central Park. Não cheguei a conhecer a Ilha da Liberdade.

— O quê? Não é possível! – Daisy ficou admirada.

— Mas agora posso ir com vocês realizar esse sonho nesse fim de outono. O inverno está aí para congelar a gente. Aproveitarei para comprar casacos novos. Será minha primeira grande compra na Times Square! – Cristina completou.

— Hoje você é apenas nossa amiga! – Daisy afirmou.

— Obrigada! Vocês têm sido tão bons pra mim, os melhores patrões! Nem sei como agradecer. – Retribuiu com um sorriso.

Inquieto, Eric esperava na sala as mulheres da casa se arrumarem.

— Até que enfim! Pensei que não fôssemos mais a Manhattan hoje. Mulheres são sempre assim – reclamou, ao mesmo tempo achando graça.

— Acostume-se. Sua esposa foi quem demorou a escolher o casaco. Todos são tão lindos que fica difícil decidir. No fim eu fui quem escolheu pra ela – Cristina justificou a demora.

— Cristina, não queira colocar toda a culpa na sua patroa, sei bem que as mulheres são iguais quando se trata de beleza. Sempre querem estar mais bonitas que as outras. Competem entre si – Eric a contradisse.

Todos riram.

***

— Quase não acredito que estou aqui! Que emoção! Chego a me arrepiar toda – Cristina exclamou, com os olhos fixos na Estátua da Liberdade.

— Seus olhos brilham de alegria, minha amiga – disse Daisy.

— A Estátua é linda! Ah, esqueci o meu iPhone no banheiro do museu. Espero que o guarda o tenha encontrado. Já volto, vou buscar para tirar fotos. Quero uma selfie com vocês, os meus melhores amigos e os melhores patrões que já tive! – Cristina estava empolgada. Respirou fundo os ares da Ilha da Liberdade. Sentiu algo diferente, uma espécie de prenúncio de algo bom.

— Eric! Escuta! A nossa música está tocando! Temos que dançar. – Entusiasmada, Daisy percebeu a canção que se iniciava.

— Sim, meu amor. Vamos dançar agora mesmo – ele concordou.

— Pronto! Estou de volta. Esse é meu primeiro iPhone. No Brasil custa muito caro, nunca pude comprar um lá. – E então Cristina percebeu a cena. – Eu ouvi enquanto me aproximava. Então a música “Friends”, do Ed Sheeran, é a canção de vocês. Acho legal essa coisa dos casais terem sua música preferida – Cristina comentou, admirando a alegria dos patrões.

— Sim, eu cantava pro Eric quando ele vivia dizendo que éramos apenas amigos. Foi antes dele me pedir em namoro – Daisy explicou.

— Cristina, por gentileza, você pode nos filmar dançando? – Eric pediu, esticando os braços para entregar seu iPhone.

— Claro. Pode deixar que eu filmo com meu aparelho e envio paro o seu WhatsApp. Faço questão de filmar cada minuto deste momento lindo de vocês. – Ela acatou o pedido de Eric.

— Obrigado – ele agradeceu, colocando o iPhone de volta na bolsa.

Delicadamente, Eric pegou Daisy pela cintura e iniciaram a dança como de costume. Manhattan ficou pequeno perto de toda a emoção que o casal esbanjava naquele balanço de corpos. Aquela cena fez de Cristina uma mera espectadora de um momento que talvez ela nunca fosse viver.

***

— Cristina! – Daisy chamou por ela ao entrar na cozinha.

— Boa noite, patroa. Terminei agora de arrumar tudo por aqui. Estou cansada, foi um dia de muito trabalho. Vou me deitar. Precisa de mais alguma coisa?

— Esquece a patroa agora. A hora do expediente já acabou. Neste instante sou sua amiga de novo. Desde o início do meu casamento eu já tinha reparado, mas agora eu tenho certeza: eu vejo uma dor no seu olhar toda vez que você diz que gostaria tanto de viver um amor como o amor que eu tenho pelo Eric. O que aconteceu? Quem foi o homem que partiu seu coração? Eu sou sua amiga e quero te ajudar a se libertar dessa dor.

— Eu agradeço a sua ajuda, mas é que eu não acho conveniente incomodar você com minha triste história.

— Triste história? Não vai me incomodar. Eu quero mesmo te ajudar a amar alguém de novo. Você merece ser feliz.

— Está certo, Daisy. Mas eu peço que não comente nada com ninguém, nem mesmo com o Eric. Por favor.

— Eu prometo que não conto nada pra ninguém.

— Então tá. Lá vai. Eu sempre achei linda a sua história de amor com o Eric, e toda vez que eu presencio os momentos de felicidade de vocês, e até as brigas, eu penso que eu também poderia estar sendo feliz com o rapaz que eu sempre amei. Ele era o homem da minha vida. Quando estávamos juntos, o resto do mundo desaparecia, era como se existisse somente ele e eu. Vivemos momentos lindos, maravilhosos e quase nunca brigamos.

— E o que foi que aconteceu para vocês se separarem?

— Ele teve uns problemas graves na família. O pai dele morreu em um acidente causado por embriaguez, depois que sua mãe abandonou o lar pra ficar com outra pessoa. O rapaz que eu amei não teve forças pra encarar tudo isso e começou a usar drogas e a beber muito. Eu tentei ajudar, fiz de tudo pra que ele se tratasse, mas o meu amor não foi suficiente para curá-lo. Até que um dia ele foi embora e eu nunca mais o vi. Minha mãe tem contato com a irmã dele, mas também sabe pouco do que está acontecendo, e garante que ele ainda está bebendo, ou até usando drogas.

— E você desistiu de lutar por ele, pelo seu grande amor?

— Não é que eu tenha desistido. O fato é que eu não poderia passar minha vida inteira insistindo nem lutando por alguém que já me disse que não quer saber de mais nada e que entrou para um caminho quase sem volta. Ele acabou comigo. Ele destruiu meu coração. Já chorei demais por ele, agora não choro mais. Estou aqui realizando os meus sonhos.

— Minha amiga, eu sinto muito por tudo isso. – Daisy a abraçou.

***

— Dona Ellen, já faz três meses que eu cheguei à Nova York e sinto que aos poucos meus sonhos e expectativas estão se concretizando. Comecei a juntar dinheiro pra estudar na universidade. – Cristina abriu seu coração em uma tarde de visita à ex-patroa.

— Fico feliz que sua experiência na casa da minha filha esteja sendo boa. A Daisy só tem elogios pra você. Será um progresso você começar a estudar. Se pretende melhorar sua vida aqui na América, graduar-se em uma universidade é uma ótima opção. Vai dar tudo certo.

— Não sou tão perfeita assim, às vezes faço algo que o Eric não gosta. Mas aos poucos vou aprendendo. Sua filha é mais do que uma patroa, é uma grande amiga.

— E o coração?

— O que tem meu coração? Não se preocupe, não sofro de problemas cardíacos, tenho a saúde muito boa.

— Eu quero saber se não conseguiu nenhum namorado aqui. Você é uma morena muito linda. Os rapazes americanos adoram as morenas.

— Tive uns flertes, mas não deu nada certo.

— Não sei por quê, você é tão simpática e divertida.

— O problema está em mim, os americanos não têm culpa. Eu ainda não encontrei meu grande amor.

— A Daisy me contou tudo sobre o que aconteceu com seu ex-namorado no Brasil.

— Não acredito que ela fez isso! A Daisy me paga! Prometeu que não contaria nada a ninguém. Mentiu pra mim.

— Não diga isso! Ela só quer te ajudar. Eu fiquei muito chateada por você nunca ter me revelado seu problema. Achei que era minha amiga.

— Nunca imaginei que minha desgraça amorosa fosse do interesse das minhas patroas. Vamos mudar de assunto. Eu quero esquecer isso.

— Tudo bem, como quiser. Desculpe.

***

Daisy chegou em casa mais cedo. Por ter reuniões marcadas para depois do expediente, Eric ficou por mais algumas horas na empresa. Cristina estava fazendo compras na Times Square, ainda indignada por ter seu segredo revelado por Daisy.

Ficou emocionada sobremaneira ao ver pela primeira vez a neve intensa tornar branca toda a paisagem ao redor. O Natal se aproximava. As avenidas estavam cobertas de gelo. “Este é o lugar dos meus sonhos e é isso que importa”, ela pensou consigo.

— Cristina, ainda bem que chegou! Preciso lhe contar algo muito importante – Daisy interpelou-a ainda enquanto entrava na sala. Era sua confidente.

— Eu também preciso falar com você. Por que contou para sua mãe o meu segredo? Prometeu que ficaria só entre nós duas. Você traiu minha confiança, Daisy. A essa hora o Eric também já sabe, não é mesmo?

— Eu só queria te ajudar. Você só finge que está bem, mas é infeliz. Pare de mentir para si mesma. Assuma que você não tem coragem de entregar seu coração a outro homem.

— Eu não vou assumir nada! Com licença, patroa, eu vou para o meu quarto! – ela se retirou furiosa.

— Cristina, espera! – Foi atrás da amiga.

Daisy entrou no quarto.

— A sua raiva vai passar. E não se preocupe, o Eric não sabe de nada. – Daisy tentou tranquilizar Cristina.

— Tudo bem. Esquece. Eu só fiquei um pouco nervosa porque essa história ainda me perturba. Mas pode falar. Parece apreensiva, o que aconteceu?

— Minha amiga, aconteceu a melhor coisa do mundo! – Daisy começou a revelar a novidade.

— Então me diga logo! O que é?

— Estou grávida há seis semanas – contou com um sorriso radiante.

— O quê? Já? Quero dizer, você tem certeza, Daisy? – perguntou, surpresa com a notícia.

— Eu sei que é cedo. Mas... E não é só isso. Fiz o ultrassom, estou grávida de gêmeos.

— Gêmeos?

— É!

— Sendo assim, terá que contratar mais uma babá, porque eu sozinha não vou conseguir cuidar de dois bebês ao mesmo tempo. – Cristina afirmou, preocupada e até em tom agressivo.

Daisy riu muito da cara de boba que sua empregada fez ao saber que teria que cuidar de duas crianças.

— Acalme-se, você não vai cuidar sozinha das crianças. Eu decidi que vou sair do meu trabalho para cuidar dos meus filhos. E você vai me ajudar. Eu só confio em você, Cris.

— Entendo, mas ainda teremos que contratar mais uma empregada para cozinhar. Já que teremos crianças, não terei tempo de cozinhar como antes. Sua mãe ficou de contratar uma cozinheira e até agora nada. Conformaram-se comigo e com as faxineiras.

— Faremos isso, não se preocupe. Eu é quem deveria estar nervosa e não você, Cris. Se acalme!

— Eu não estou nervosa. Fico feliz por você e pelo seu marido. Se quer ter filhos, é melhor tê-los logo. E o Eric, já sabe?

— Ainda não. Vou contar ainda nesta noite. Só hoje fui ao médico para confirmar.

— Então faça isso. Ele será o homem mais feliz do mundo.

— Sabe, eu pretendo ficar integralmente com meus filhos até eles terem idade suficiente para frequentarem o jardim de infância. Então eu voltarei a trabalhar, mas só por meio período. Não perco a infância deles por nada desse mundo, muito menos por dinheiro.

— Sábia decisão. A família tem que estar em primeiro lugar.

***

Aquele era o primeiro natal de Cristina nos Estados Unidos. Ela estava emocionada com as luzes e enfeites da cidade de Nova York. Era tudo como havia visto nos filmes de Hollywood: as luzes coloridas iluminando as ruas e as casas, os prédios, a paisagem branquinha coberta pela neve, a árvore de Natal imensa no canto da sala, um jantar maravilhoso à mesa.

A festa aconteceu na casa de Ellen. Todos reunidos à mesa fizeram um brinde à gravidez de Daisy.

— Aos novos descendentes da família Olsen Preston! – Jefferson brindou.

***

Eric saiu mais cedo naquela manhã. Já estava em seu escritório quando seu telefone tocou:

— Eric!

— Cristina?

— Sim, sou eu mesma.

— Aconteceu alguma coisa? Você nunca me liga a essa hora.

— Daisy passou muito mal. Ela está aqui no hospital. Eu achei que você tinha que ser o primeiro a saber de tudo. Vem pra cá. Eu preciso falar com você.

— Meu Deus! Ela está bem? O que aconteceu? E os bebês?

— Se acalme. A situação está sob controle, mas você tem que vir agora. Hospital Mont Sinai.

— Estou indo agora mesmo.

***

Ele acelerou. Queria chegar logo. Entrou correndo no hospital, quase tropeçando em seus próprios passos.

— Cristina, onde está minha esposa? Eu quero vê-la agora!

— Tenha calma. Ela está sedada, passou por fortes dores, precisa descansar.

— Onde está o médico? Eu quero falar com ele.

— O obstetra foi realizar um parto de emergência, mas eu posso te explicar tudo que ele me disse, e depois você fala com ele. Sente-se aqui.

— Eu não quero sentar. Conte-me logo tudo. – Ele estava aflito.

— A Daisy está enfrentando uma gravidez de alto risco. Ela terá que ficar em repouso durante os meses que ainda faltam para os bebês nascerem. Todo cuidado é pouco.

— Eu não entendo. Ela é tão jovem, parecia tão saudável.

— Essas coisas acontecem mesmo com mulheres jovens. Terá que ser assim. Se ela não seguir o repouso absoluto à risca, poderá perder as crianças e até morrer. É sério. É prudente que você contrate uma enfermeira pra aplicar as medicações nela e ajudá-la com banhos e no que mais for necessário. Eu cuido da casa e do resto.

— Sim, eu farei isso o quanto antes. Não quero que minha mulher sofra.

— Eu vou para casa agora. Você pode ficar aqui e esperar ela acordar para conversarem.

— Obrigado por estar ao lado dela nesses momentos difíceis.

— Não precisa me agradecer. Faço o que faço de coração. Até mais. – Ela despediu-se saindo em seguida.

— Até mais. – Eric acompanhou-a com o olhar.

***

A tradicional festa de comemoração da empresa se aproximava. Todos os anos a família Preston comemorava seu faturamento anual, além de homenagear os melhores executivos do ano anterior. Eric seria um dos homenageados naquela ocasião.

— Pai! Eu já disse que nesse ano não irei à festa. Cancele as homenagens. Depois conversamos sobre isso. Tchau. – Eric desligou o telefone.

— Eric, por que desligou o telefone na cara do seu pai? – Daisy perguntou.

— Ele insiste para que eu vá à festa da empresa. Eu nunca deixei de ir a nenhuma, mas dessa vez não irei. Eu jamais iria sem você, meu amor.

— Mas você tem que ir. Você será um dos homenageados. Não é justo com seu pai. Será lindo.

— Entenda, não quero te deixar aqui. Depois das homenagens haverá o grande baile. Como poderei ir sozinho, sem você? Eu nunca fui a festas sem você.

— É simples. Você pode conseguir outra companhia, mas terá que ir de qualquer maneira. Não aceito que você perca seu grande momento só porque não posso sair dessa cama.

— Enlouqueceu? Eu não vou com a minha prima Shirley nem que disso dependessem todos os dólares que eu tenho no banco! Ela é insuportável. Já fui a festas com ela, que nem sequer me fez companhia. Ela só quer saber de paquerar os executivos. Me fez passar vergonha.

— Eu não estou falando da Shirley.

— Não?

— Não.

— De quem então?

— A Cristina vai te acompanhar nessa festa tão importante. Ela é minha melhor amiga e tem toda a minha confiança pra vigiar e proteger você contra os olhares devoradores das secretárias da empresa. A Cris é perfeita, além de ser uma ótima companhia. Está decidido: você vai com ela.

— A Cristina? Mas será que ela aceita?

— Eu tenho certeza que sim. Esse é um pedido meu. Amanhã mesmo eu falo com ela. – Respirou aliviada por ter encontrado a companhia certa para seu marido.

***

Cristina acordou cedo e preparou o café da manhã de sua patroa, como fazia todos os dias, com frutas, suco, torradas. Foi ao quarto levar a refeição. Eric já havia saído para trabalhar e não levou muito a sério a ideia de ser acompanhado por sua empregada.

— Bom dia, patroa. Aqui está seu café da manhã. Eu caprichei. Quero que os meus afilhados nasçam fortes e belos como os pais deles. – Ela colocou a bandeja na cama ao lado de Daisy.

— Bom dia, Cris. Que bom que está aqui.

— Eu sempre estou aqui.

— Tenho um pedido especial a lhe fazer. Um pedido de amiga. – Daisy começou o assunto.

— Agora fiquei curiosa. Que pedido é esse?

— Todo ano há uma festa na empresa do Eric.

— Ah, sim. Eu sei. E o que eu tenho a ver com isso?

— Tudo a ver. Nesse ano eu não poderei ir.

— Claro, você tem que ficar bem quietinha nessa cama.

— Sim, por isso o Eric não quer ir sem mim.

— Ele faz bem. Ele não quer te magoar nem ir sem você.

— Mas ele tem que ir. Nesse ano a festa é especial, ele será homenageado, fechou contratos incríveis para a empresa. Ele tem que ir. Depois das homenagens há o baile e ele não quer ir sozinho e nem com a Shirley.

— Quem é Shirley?

— Shirley é uma prima chata que só sabe paquerar os executivos.

— Ainda não entendi o que eu posso fazer para resolver a situação.

— É simples! Cris, você vai com o Eric à festa.

— Eu? – Cristina ficou assustada com o convite.

— Sim. Você é a única pessoa em quem eu confio para vigiá-lo e protegê-lo dos olhares das secretárias da empresa que assediam meu marido o tempo todo.

— Eu fico lisonjeada com o seu convite, mas não sei se estou à altura para representar você, que é uma mulher tão fina e elegante. Imagina!

— Acho que você não entendeu. Isso não é um convite. Eu exijo que você vá.

— Sério?

— Seríssimo. Eu só confio em você. Quero que o Eric vá, e tem que ser com você, Cristina.

— Eu nem tenho um vestido caro para usar.

— Não se preocupe. Eu tenho muitos. Abra a porta do meu closet – Daisy pediu, apontando a direção.

Cristina abriu e entrou no closet.

— Está vendo um vestido preto, cravejado de pedrinhas de cristal?

— Sim. É lindo esse vestido!

— Então já o leve para o seu quarto. No próximo sábado você vai vesti-lo.

— Eu não sei o que dizer. Assim fico nervosa.

— Pois se acalme. Meu maquiador virá arrumar você no fim de semana. Você ficará linda!

***

O coração de Cristina acelerou. David finalizava a maquiagem quando Ellen entrou no quarto.

— Cris, o Eric quer saber se você já está pronta. Ele está te esperando na sala. A Daisy quer te ver antes de você sair.

— Já terminou. Mas estou nervosa.

— Fique tranquila e aproveite. Eu estarei aqui com a minha filha lhe fazendo companhia. A nova cozinheira já chegou também.

— Então eu vou lá falar com a minha amiga.

— Cris, você está linda! Será um sucesso!

— Obrigada, dona Ellen!

— Vá lá se despedir da Daisy.

***

Cris bateu na porta.

— Pode entrar.

— Com licença, patroa. – Ela entrou.

— Você demorou tanto que o Eric subiu de novo pra me dar mais um tchau! Cris, você está linda!

— Obrigada. Eu fico até sem jeito.

— O que estão esperando? É hora de ir!

— Fique bem, meu amor. Estarei pensando em você o tempo todo. – Eric despediu-se da esposa beijando-a.

— Está certo. Eu sei disso, querido.

— Vamos, Cristina? – Eric sorriu para ela.

— Vamos, patrão – ela disse, tímida.

***

Dentro do carro, sentada ao lado de Eric, Cristina sentiu-se estranha.

— Está tudo bem? – ele perguntou a ela, enquanto dirigia, já passando os cem primeiros metros em direção a Manhattan.

— Sim, estou bem.

— Está tão calada. Por que não me diz alguma coisa? São cinquenta minutos até Manhattan. Esse silêncio me consome.

— Apenas estou nervosa. Nunca imaginei que eu me sentaria aqui, ao seu lado, assim.

— Já te dei carona várias vezes.

— Mas agora é diferente. Estamos indo juntos à uma festa. É diferente de você me dar carona pra voltar do mercado.

— Relaxa, mulher. Nós somos amigos e estamos indo à uma festa. Não há motivos para você ficar nervosa.

— Não quero decepcionar.

— E não vai. Tenho certeza de que representará a minha esposa com muita dignidade. Agora relaxe e aproveite o momento. Seja você mesma.

— Está certo. Serei eu mesma. – Cristina sorriu.

***

— Eric, meu filho, fico feliz em vê-lo aqui. Hoje é a grande noite da sua homenagem. Fez tanto pela empresa da família! Ficaria triste se não estivesse conosco. – Henry Preston abraçou Eric.

— Pai, agradeça à Daisy, que foi quem me convenceu a vir. Ah, antes que eu esqueça, esta é a Cristina, amiga da família e melhor amiga da minha esposa. Cristina, este é meu pai.

— Nos vimos uma vez no hospital e, é claro, no casamento. Foi rápido, mas eu me lembro do senhor. Prazer em revê-lo.

— Seja bem-vinda à festa da nossa empresa, Cristina.

— Obrigada – ela agradeceu sorrindo.

***

De braços dados, Eric e Cristina foram em direção aos demais convidados. Todos queriam cumprimentá-los. A beleza da acompanhante foi elogiada pelos convidados.

— Tudo bem? – Eric demonstrou preocupação com sua parceira da noite.

— Sim, fiquei nervosa à toa. Vou buscar uns canapés pra gente. – Ela levantou-se da mesa.

Kelvin se aproximou.

— Primo! – chamou por Eric.

— Kelvin! Que surpresa! Você nunca foi de vir às festas da empresa.

— Sua tia me obrigou. Sabe como ela é toda vez que tenta me arrumar uma namorada milionária.

— Sim, conheço bem como ela é.

— E me diga: quem é aquela que veio com você? Não me diga que já trocou de esposa!

— Não seja bobo. Aquela é a Cristina, minha amiga e melhor amiga da Daisy, que, no momento, está em repouso absoluto. Minha esposa está enfrentando uma gravidez de alto risco, mal pode andar sozinha.

— Eu não sabia. Sinto muito. Espero que a Daisy fique bem. Essa sua amiga é muito linda.

— Sim, ela é realmente muito bonita. E inteligente.

— Hoje ela está te acompanhando, mas depois passe o número dela pra mim – Kelvin pediu, enquanto admirava Cristina de longe.

— Claro. Depois eu passo – Eric garantiu.

— Vou deixar você curtir a noite com sua amiga. Tenho que puxar o saco de uns executivos. A gente se fala mais tarde.

— Está certo, primo – despediu-se com um tapinha nas costas.

***

O baile tão esperado começou logo após as homenagens. O coração de Cristina acelerou, sentia uma inquietação inexplicável. O casal de amigos permanecia sentado à mesa, acompanhado dos membros da família Preston.

— Olha só, Eric! Está tocando a música do seu casamento! "Jesus bleibet meine Freude”, de Bach. Simplesmente linda essa cantata! Aquele dia foi mesmo inesquecível! – Cristina comentou.

— É uma surpresa minha para você, meu filho, para que se lembre do dia mais feliz da sua vida – Henry revelou.

— Obrigado, pai!

— Por nada, meu filho. Estou orgulhoso de ver o grande homem que você se tornou.

— Dança essa comigo, Cristina? – Ele levantou-se estendendo a mão para ela.

— Eu?

— Mas é claro! Por acaso tem outra Cristina por aqui? Nesta noite você é a minha companhia.

— Já que é assim, então vamos dançar essa linda melodia. Mas, espere! Como se dança uma cantata?

— Não sei, a gente só dança. Como se fosse valsa. Venha! – Eric pegou Cristina pela mão.

Foram até o centro do salão. Eric segurou-a pela cintura e ela se sentiu uma princesa nos braços do príncipe. A canção entrou profundamente em sua alma de mulher sonhadora. Aos poucos, vários casais já estavam ao redor dançando, mas os olhos da família Preston se concentraram no casal jovem que dançava ali pela primeira vez.

As luzes dos grandes lustres iluminavam os olhares de Eric e Cristina, que irradiavam a face um do outro com sorrisos.

— A noite está maravilhosa – ela comentou, enquanto era embalada por seu par. Mal sentia seus pés no chão.

— Concordo plenamente! – Eric retribuiu com mais um sorriso.

***

Dançaram mais três músicas. O relógio marcava duas horas da manhã quando decidiram voltar para casa. No caminho permaneceram em silêncio; ela acabou dormindo no trajeto.

— Cristina, acorde! – Eric cutucou os ombros dela.

— O quê? – Ela abriu os olhos lentamente.

— Já chegamos em casa. Estamos no estacionamento.

— Me desculpe, Eric, acabei dormindo. Vamos entrar. – Ela saiu do carro.

***

Entraram na sala de estar. Acenderam a luz. Estavam frente a frente. Eric se aproximou mais dela.

— Cristina, adorei sua companhia, de verdade. Foi muito bom estar com você hoje. Obrigado – ele agradeceu com um sorriso sincero.

— A alegria foi minha. Além disso, eu não poderia negar um pedido da minha patroa. Vocês são meus melhores amigos.

— E eu agradeço a Daisy por ter me livrado de passar a noite inteira com a minha prima chata, desagradável e intragável. Pode acreditar – ele disse.

— Ela me contou sobre essa prima, a Shirley.

— É essa mesma.

— Fico feliz por ter representado minha amiga nesta noite tão importante pra vocês.

— E representou à altura, com elegância. Você ficou muito bonita nesse vestido.

— Obrigada, Eric. Eu me senti uma princesa dançando naquele salão imenso, debaixo daqueles lustres. Foi demais!

— E você é uma princesa. Logo encontrará seu príncipe.

— Quem sabe um dia eu encontre... Confesso que essa foi a noite mais linda e emocionante que eu vivi desde que cheguei aqui.

— E não tenha dúvida de que outros momentos incríveis virão. A propósito, meu primo Kelvin, um dos acionistas, ficou muito interessado em você. Mas sabe como é, os homens jovens são um pouco covardes. Deixei seu número com ele; logo receberá mensagem.

— Então tá. Obrigada por tudo e boa noite, patrão.

— Boa noite, Cris. – Ele sorriu, beijou o rosto dela e foi para o quarto. Daisy o esperava.

***

Ele entrou devagar para não fazer barulho. Acendeu apenas a luz do abajur.

— Eric. Chegou cedo, meu amor!

— Pensei que já estivesse dormindo, querida.

— Não consegui pregar o olho de tanta ansiedade para saber como foi a festa. A Cristina se saiu bem? – Daisy estava recostada na cama.

— A festa foi maravilhosa. O baile também foi fantástico. Meu pai pediu pra tocar a música do nosso casamento. E a Cris se saiu muito bem. Ela estava super elegante e despertou inveja nas secretárias que estavam torcendo pra eu chegar sozinho à festa, ou com a Shirley, que é a mesma coisa que ir desacompanhado. Aliás, eu te agradeço muito por ter me poupado de tamanho pesadelo.

— Que bom que foi tudo ótimo.

— Foi tudo ótimo porque eu não fui com a Shirley.

— A orelha dela deve estar vermelha agora. Pobrezinha. – Daisy comentou, rindo baixinho.

Eric sentou-se ao lado da esposa na cama.

— Pensei em você o tempo todo. Mal posso esperar para nossos filhos nascerem, meu amor, e você ficar boa. Sinto a sua falta em todos os lugares para onde vou.

— Eu vou ficar bem e nossos filhos também.

***

Os meses seguintes foram de mimos e cuidados para Daisy, que passou por uma gravidez delicada e cheia de cuidados. Por algumas vezes teve que ficar no hospital e na maior parte do tempo Cristina estava a seu lado.

Finalmente chegara o dia do parto. Todos, principalmente Eric, estavam apreensivos. Ellen, Joliet e Cristina também acompanharam Daisy até o hospital.

O parto já estava previamente agendado; seria feita uma cesariana. Os bebês eram muito grandes. O futuro pai entrou na sala de cirurgia para acompanhar tudo de perto. Estava mais ansioso do que a esposa.

A nova mamãe desejava ver o rosto de seus filhos logo que fossem retirados de seu ventre. Mal podia esperar! Era o seu casal de gêmeos! Primeiramente, o doutor retirou a menina. Naquele instante os olhos de Eric e Daisy brilharam como o farol que ilumina o mar na noite de céu sem estrelas. Em seguida colocou-a nos braços da mãe e depois nos braços do pai. Por fim, retirou o menino. Os dois bebês eram fortes e muito saudáveis, ambos de olhos azuis como o pai. O menino se chamava Matthew Theo e a menina Sally Aveline.

Os primeiros dias com as crianças foram incríveis tanto para Eric e Daisy quanto para Cristina, que jamais presenciara tanta felicidade na vida de um casal. Algumas vezes sentia-se até um pouco intrusa ao participar de momentos tão especiais na vida daquela família.


O sábado de primavera raiou. Era um dia perfeito para passear com as crianças que já estavam crescidas. Contavam com quatro anos de idade. Acordar ao lado da mulher que amava era a maior benção na vida de Eric, que, naquela manhã, ainda na cama, beijou sua esposa e lhe afagou os cabelos como nunca fizera antes.

— Que bom ser acordada assim, com tanto carinho – ela afirmou, bocejando em seguida. – Passaram-se quatro anos desde o nosso casamento e, apesar de nossos desentendimentos esporádicos, eu ainda te amo como no dia em que noivamos. – Ela beijou o rosto dele.

— Meu amor, você merece todos os beijos e todo carinho do mundo – enfatizou, beijando-a uma vez mais.

— Você está tão carinhoso hoje, mais do que o normal. Que horas são? As crianças já devem estar acordadas. Hoje temos que dar um passeio. A folga da Cris é durante a tarde, ela precisa descansar também.

— Daisy, querida, você é a melhor mulher do mundo! E a melhor mãe também. Sempre preocupada com nossos filhos. Eu jamais amaria outra pessoa em minha vida como eu te amo. Sem você eu não sou ninguém. – Ele beijou a mão dela.

— Quanto romantismo hoje! Você também é um homem fascinante e um pai incrível. Sem você a nossa família não seria nada. Quero aproveitar bastante hoje com as crianças, porque na segunda-feira voltarei ao trabalho. Irei bem cedo pra Chicago, e volto no fim do dia. São 2 horas de voo; quero estar em casa o mais cedo possível.

— Eu ainda acredito que você não precisa voltar a trabalhar agora. – Eric desaprovou a decisão da esposa.

— Mas, meu amor, eu preciso. É uma maneira que tenho de me sentir uma mulher mais útil. É minha carreira, entende? Teremos uma reunião na filial de Chicago e eu disse que iria representar a empresa lá. Essas viagens são raras, mas não se preocupe, vou e volto no avião particular da companhia, sem escalas. Vai ser rápido – garantiu.

— Um dia inteiro longe de você já é muito difícil de suportar – Eric disse.

Foi um sábado inesquecível. Daisy, Eric e as crianças passearam no Central Park. Almoçaram no famoso Bouldin New York City Restaurant. Os quatro estavam ao redor da mesa. Eric declarou, com os olhos brilhando:

— Essa é a primeira vez que saímos para almoçar com as crianças desde o início da primavera. O tempo passa tão rápido. Agora já temos a nossa família. Isso é maravilhoso!

— Você está tão sensível hoje. Ouvir sobre os seus sentimentos aumenta ainda mais meu amor por você – Daisy declarou.

Fizeram uma visita surpresa para Ellen. Aquela era uma família rica e feliz, não apenas por terem muito dinheiro, mas também por se amarem mutuamente.

***

Era manhã de segunda-feira. Enfim, depois de longos quatro anos, Daisy voltou ao trabalho. Levantou-se bem cedo. Seu voo sairia às sete horas da manhã. Eric acompanhou-a até a área de embarque particular da empresa.

— Volte logo, meu amor. – Ele despediu-se.

— Te vejo hoje no fim do dia em casa – ela garantiu, abraçando-o em seguida.

Em Chicago ela chegou tranquila e em paz consigo mesma, afinal, era uma mulher realizada, tinha um marido excelente e filhos maravilhosos, além de ter a confiança de sua empregada Cristina, que era, acima de tudo, a sua melhor amiga.

***

O fim de tarde chegou quando a babá foi de carro buscar as crianças na escola. Depois de chegarem em casa, deu-lhes um banho, o chocolate quente e em seguida colocou-as para ver desenho animado nas almofadas do chão da sala.

— Cris, o que eu devo preparar para o jantar? – Lucy, a cozinheira, perguntou, logo que a viu próxima às escadas.

— Escolha o que for melhor. A Daisy não me disse nada hoje. Saiu muito cedo, foi para Chicago, deve estar de volta daqui a pouco.

— Sim. Sente-se bem? Parece aflita, Cristina.

— De repente senti um mal-estar, um aperto no meu coração, sensação esquisita, mas não deve ser nada. Eu vou ficar um pouco no meu quarto para ver se isso passa. Você cuida das crianças um pouco enquanto eu descanso? – Cristina pediu, enquanto sentia uma sensação estranha.

— Tudo bem, vá descansar. Eu cuido delas.

Cristina já estava com a cabeça no travesseiro quando o telefone tocou. Subitamente seu coração acelerou, levantou-se com pressa e atendeu a chamada.

— Alô – ela disse, com voz trêmula.

— Gostaríamos de falar com o senhor Eric Preston – disse a voz do outro lado.

— Ele não se encontra no momento. Quem gostaria? – indagou, com o coração acelerado.

— Quem fala?

— Meu nome é Cristina Müller, sou governanta da casa e amiga da família – ela respondeu quase que sem voz.

— Somos da polícia de Chicago. Temos uma notícia para dar à família. O avião onde se encontrava a senhora Daisy Olsen Preston sofreu um acidente. O piloto teve que fazer um pouso forçado e o impacto foi intenso. Sua patroa encontra-se agora internada no Mercy Hospital and Medical Center em estado grave. É o melhor e maior hospital da cidade. Ligamos para o trabalho do seu patrão, mas ele já não está mais lá e o celular dele está desligado.

— Sim, senhor, ele já deve estar chegando em casa. Obrigada pela informação. Logo eu retornarei para saber maiores detalhes.

— Por nada, senhorita.

O coração de Cristina acelerou ainda mais devido a tamanho desespero. Ela não sabia o que fazer nem o que pensar. Aquilo era mesmo uma tragédia das piores. Instantes antes até ouvira pelo rádio a notícia da queda da aeronave, mas tinha esperanças de que não fosse nada relacionado com sua amiga e patroa Daisy.

Respirou fundo e chamou Lucy para conversar reservadamente no canto do corredor, de modo que as crianças não as escutassem.

— O que houve, Cris? Parece mais aflita do que antes.

— Lucy, aconteceu uma tragédia!

— Tragédia?

— Sim. A Daisy ainda não chegou porque sofreu um acidente de avião e está internada em estado muito grave em um hospital de Chicago.

— Meu Deus! Realmente é uma tragédia! Isso não pode ser verdade!

— O Eric ainda não sabe. Ele deve estar vindo para casa. Fique com as crianças na sala. Quando ele chegar eu darei a notícia. Depois iremos avisar a dona Ellen e o restante da família. Vou arrumar as malas do patrão. Com certeza ele vai querer ir direto ao aeroporto e chegar o quanto antes a Chicago.

Ela tomou um calmante e preparou-se para dar ao seu amigo a tão terrível notícia.

O relógio marcava exatamente dezoito horas quando Eric adentrou a porta da sala.

— Olá, Cristina! Onde estão Daisy e as crianças? Liguei para o celular dela, mas não atendeu. Imaginei que ela já estivesse em casa e vim direito pra cá. O que aconteceu? Por que está me olhando assim? – ele questionou, inconsciente dos fatos.

— Eu nem sei como dizer... – ela olhou para o chão quase sem conseguir levantar a cabeça.

— Sem rodeios. O que quer me dizer? Onde está minha mulher?

— A Daisy ainda não chegou.

— Não? Que estranho. Perdeu o voo?

— Ela ainda não chegou porque sofreu um acidente de avião. Eu sinto muito.

— O quê? Do que está falando? Que acidente é esse? Ela me ligou dizendo que tinha chegado bem a Chicago.

— Lamento ter que dizer essas palavras. O acidente aconteceu na volta pra cá. Logo depois da decolagem, o piloto teve que fazer um pouso forçado lá mesmo em Chicago. Sua esposa encontra-se internada em estado grave no Mercy Hospital and Medical Center. É o melhor hospital da cidade. Eles vão cuidar muito bem dela – anunciou, muito abalada com a notícia.

— Vou agora mesmo pra Chicago. Eu disse que ela não precisava voltar a trabalhar, mas ela não me escutou! – gritou desesperado, transpirando de nervoso. Todo seu corpo estava trêmulo.

— Acalme-se. Acidentes acontecem a todo o momento. Se não tivesse sido de avião, podia ter sido de carro. É uma fatalidade! Não é culpa de ninguém.

— Vou fazer minhas malas e embarcar pra Chicago.

— Eu já arrumei sua bagagem. Está tudo aqui no canto. Temos que ir à casa da Ellen para avisá-la.

— Eu vou direito ao aeroporto. Chame dois táxis, um pra você e outro pra mim.

— Está certo, mas eu só peço que tenha calma, fé e paciência. Pelos seus filhos, não se desespere.

— Muito obrigado pelo seu apoio. Você tem sido uma grande amiga. Vou tentar ficar calmo pra que tudo dê certo. A Daisy é forte, ela vai se recuperar.

— Isso! Vamos pensar assim.

Dentro do táxi, Cristina pensava nas palavras que usaria para dar a notícia à Ellen e ao restante da família. O táxi parou em frente ao edifício.

No elevador, ela já tremia de nervoso. Não conseguiu ficar calma.

Respirou fundo antes de entrar no apartamento. Ellen abriu a porta.

— Cris, querida, você por aqui! Aproveitou o fim do expediente para me visitar e passear por Manhattan? Entre! – recepcionou-a carinhosamente. Cristina entrou na sala e ficou diante de sua ex-patroa, que notou suas feições sérias.

— Dona Ellen, eu vou diretamente ao assunto. Estou aqui para lhe dar uma péssima notícia. Sua filha Daisy viajou hoje cedo pra Chicago, foi participar de uma reunião de negócios e na volta para casa sofreu um acidente de avião. Aconteceu agora à tarde.

— Meu Deus!

— O piloto teve que fazer um pouco forçado pouco depois da decolagem. Ela está internada em estado grave no melhor hospital particular de Chicago. Eu lamento muito.

— Minha filha querida! Ela não merecia isso. Isso não pode ser verdade. Tem certeza que isso aconteceu?

— Infelizmente tenho certeza. Ligaram da polícia e também do hospital para avisar.

— Que horror! Minha pobre filhinha tão linda e tão meiga não merecia tamanho sofrimento. Eu vou agora mesmo pra Chicago. Quero que você vá comigo. Jefferson e Joliet estão no litoral. Vou avisá-los por telefone.

— Claro, eu posso sim te acompanhar. Vou chamar um táxi para nos levar ao aeroporto. O Eric já deve estar lá. Se não demorarmos, poderemos pegar o mesmo voo que ele. No caminho passamos rápido no apartamento para eu arrumar minha mala.

— Sim, querida. Chame o táxi enquanto eu preparo as minhas malas.

Com a mente extremamente perturbada, Ellen esperou dentro do táxi atordoada por pensamentos aflitos, enquanto Cristina entrava em casa para pegar sua bagagem. Entrou rapidamente, colocou algumas peças de roupa na maleta e em uma bolsa menor os documentos pessoais. Pediu a Lucy que cuidasse das crianças durante o tempo que fosse ficar em Chicago. Ao chegarem ao aeroporto, Eric não estava mais lá; já havia embarcado meia hora antes.

Durante a viagem Ellen rezava por sua filha, enquanto Cristina segurava a mão dela.

— Daisy é uma mulher muito forte, é jovem. Vai sobreviver. Precisamos ter fé. A senhora verá que logo ela estará entre nós novamente. – Cristina tentou consolá-la.

— Assim eu espero, minha jovem amiga.

Após deixarem as malas no hotel, seguiram imediatamente para o hospital. Eric já estava na sala de espera, ansioso por notícias.

Ao vê-lo, correram em sua direção.

— Eric, tem alguma notícia da Daisy? – Ellen chamou-o, já perguntando aflita pela filha.

— A Daisy ainda está na sala de cirurgia sendo operada. Tem uma grave hemorragia interna.

— Meu Deus! Minha pobre filhinha passando por isso!

— O impacto foi muito forte.

— Vamos manter a calma, temos que ter esperança. Precisamos acreditar que ela ficará bem. Há quanto tempo ela já está lá?

— Há duas horas.

— Eu acredito que ela sairá de lá bem. Vou até a cantina pegar chá de camomila para nos acalmar. – Cristina demonstrou solidariedade. Ela trouxe as latas de chá em uma sacola. Todos beberam.

Uma hora mais se passou. Eles estavam sentados quando o doutor Simmons chegou para dar notícias.

Ficaram de pé.

— Então, doutor, como foi a operação da minha esposa?

— Ocorreu tudo bem durante a cirurgia, fizemos tudo que podíamos. Ela está na UTI. Esse tipo de caso é muito imprevisível; só o tempo dirá o que vai acontecer. Depende de como o organismo dela vai reagir. Essa cirurgia é complexa, e ela pode demorar muitos dias para acordar. Seus ossos fraturados perfuraram alguns órgãos, que foram comprometidos. Precisará de transplantes de fígado e rins. Manteremos o organismo dela equilibrado enquanto ela se recupera da cirurgia. Depois faremos os transplantes. Sua esposa está em uma condição muito frágil.

— Meu Deus, minha mulher não merecia estar assim!

— Vamos ter fé, afinal, ela está viva – Cristina afirmou, convicta de sua crença.

— Você tem razão, querida. Vamos ter esperança. Ela sairá daqui curada – Ellen concordou.

Elas se abraçaram em demonstração de consolo mútuo.


Após um mês de internação em Chicago, Daisy foi transferida para Nova York City e ficou na UTI do Hospital Mount Sinai, um dos melhores e mais caros hospitais do mundo.

O doutor Smith chamou Eric para conversar e disse que Daisy estava acordada, consciente, embora muito debilitada. Ela falava com dificuldade. No início, nem mesmo entendia direito o que estava acontecendo; não se lembrava do acidente.

Com o coração batendo cada vez mais forte, não de alegria, mas sim de tristeza, a face ruborizada de horror, Eric entrou naquele quarto de UTI. Momentos antes já havia vestido uma máscara e a roupa azul. Observou sua amada pelo vidro da porta, precisava conversar com ela. A mulher que mais amava no mundo encontrava-se na pior das situações, e o medo da morte assombrava a todos.

— Daisy, meu amor, está me ouvindo? – sussurrou ao pé do ouvido dela.

— Eric, você está aqui – ela respondeu, com voz fraca.

— Sim, meu amor, sou eu. Estou aqui.

— Como as coisas são... Veja só como estou. E você me disse tanto para eu não voltar a trabalhar...

— Não se preocupe. Vai ficar tudo bem. Como a Cristina disse, o que aconteceu foi uma fatalidade. Poderia ter acontecido de carro, ou até em casa.

— A Cris, como ela está? Ela é uma verdadeira irmã.

— Ela está aqui, e tem nos ajudado muito.

— Eric, amor da minha vida, estou muito mal. Sei que não vou durar muito tempo. Por isso eu te peço que permita que a Cristina ajude você a cuidar de nossos filhos até que eles cresçam. Não confio em mais ninguém. Eu quero que os tragam até aqui para eu me despedir deles – implorou, forçando a respiração para conseguir falar.

— Não diga isso! Você não vai morrer; logo estará melhor. Voltará para nossa casa e cuidará dos nossos filhos. Vou trazê-los aqui para te ver, assim você melhora mais rápido – ele afirmou, tentando consolá-la enquanto passava as mãos sobre a cabeça dela.

— Eu gostaria de conversar agora com a Cris em particular. Você pode chamá-la? – pediu.

— Claro que sim. Vou chamá-la agora mesmo.

Na sala de espera, Eric dirigiu-se à babá:

— Cristina, a Daisy quer falar com você agora.

— Comigo? – perguntou, surpresa.

— Sim. Em seguida, ela quer falar com você Ellen.

Em passos lentos e ansiosos, Cristina caminhou até o quarto de UTI onde estava Daisy. Ao chegar em frente à porta, respirou fundo. Observou pelo vidro antes de entrar; precisava ter coragem.

Entrou no quarto e se aproximou da cama:

— Daisy – chamou pelo nome da amiga.

— Cristina, é você?

— Sim, minha amiga. Sou eu. Lamento muito pelo o que aconteceu com você. Eu vi na TV a notícia do acidente – afirmou, aproximando-se mais da cama.

— Todos nós lamentamos. Estou tão debilitada que não posso manifestar a tristeza que estou sentindo por saber que não verei mais meus filhos nem meu marido.

— Não diga isso.

— Minha vida era tão maravilhosa. Gostaria de viver mais tempo, ver meus filhos crescerem, se casarem, ser avó. Mas infelizmente não será possível. Por isso quero te pedir um grande favor, o maior de todos. É algo muito importante. – Daisy pronunciava as palavras com voz fraca.

— Peça o que quiser. Ouvir você falar assim parte o meu coração. – Cristina já estava com lágrimas por toda a face.

— Sinto de verdade que não vou sobreviver. E eu quero que você prometa que vai cuidar dos meus filhos até eles crescerem, e do meu marido também. Eu só confio em você.

— Mas você não pode morrer. Não é justo, Daisy.

— Por favor, me prometa. É meu último pedido pra você.

— Tudo bem, eu farei isso que me pede, eu prometo que vou cuidar dos seus filhos, mas, quanto a seu marido, não posso prometer nada.

— Cris, lembra quando eu estava enfrentando a gravidez de risco e eu te pedi pra ir ao baile com o Eric?

— Sim, eu lembro bem, porque inclusive aquela noite foi linda.

— Então, eu estava aproximando você e ele porque eu tinha medo de morrer e deixá-lo sozinho. Cris, cuide do Eric. Fique com ele. Sejam uma família por mim. No começo ele vai resistir e não vai aceitar a minha partida, mas aos poucos o amor virá.

— Amiga, isso tudo que me diz é um absurdo! Mas entendo o seu medo. De qualquer modo, irei cuidar da sua família como eu sempre cuidei, sendo uma boa empregada. – Afagou os cabelos de Daisy.

— Agora chame a minha mãe aqui. Logo não conseguirei falar mais nada.

— Sim, vou chamá-la. – Cristina saiu dali chorando muito, arrasada. As lágrimas corriam por sua face como correm as águas de uma correnteza.

Na sala de espera encontrou Eric e Ellen extremamente aflitos.

— Dona Ellen, sua filha a espera.

Ellen foi até o quarto já com lágrimas nos olhos. Era a sua filha querida que padecia tristemente naquela situação.

— Daisy. – Aproximou-se da cama.

— Mãe, é você? – perguntou, ainda mais fraca.

— Sim, minha filha amada, sou eu mesma. – Ela começou a chorar desesperadamente no leito de Daisy.

— Mãe, não fique assim.

— Minha filha amada, você não merecia esse sofrimento. Ainda é tão jovem.

— Não chore. Logo estarei curada em um mundo melhor do que esse.

— Não merecia partir agora, tão cedo.

— Eu estou quase sem forças pra falar. Quero que me prometa uma coisa.

— Sim, o que você quiser. – Enxugava as lágrimas que escorriam sem parar.

— Prometa que você fará tudo que puder para que a Cristina se case com o Eric depois que eu não estiver mais aqui. Eu quero que ela cuide dos meus filhos e que ela seja a mãe deles. Eu não confio em mais ninguém. Ela será a melhor mulher do mundo para cuidar da minha família.

— Daisy, estou sofrendo muito, mas, se essa é a sua vontade, eu prometo que farei de tudo para que eles fiquem juntos, apesar de saber que não será fácil, já que o Eric te ama demais.

— Mesmo que no começo ela ou ele não queiram, faça de tudo, tente até o fim. Enquanto eles viverem, aproxime-os, faça com que se apaixonem.

— Eu prometo que farei de tudo para cumprir a tua vontade. Minha filha, eu te amo. – Abraçou Daisy.

— Eu também te amo, minha mãe. Diga sempre aos meus filhos que eu os amei muito e que vou amá-los para sempre.

— Sim, eu direi. – Tinha o rosto lavado de lágrimas pelo sofrimento da filha. – Sua irmã está chegando pra te ver.

— Bom saber. Quero falar com a Joliet e dizer que a amo muito e que também amo a Carolyn.

***

Duas semanas depois Daisy respirou pela última vez e partiu. Morreu no leito daquele hospital diante da mulher que lhe deu a vida.

Ellen começou a gritar:

— Daisy! Daisy! Minha filha, não vá embora! Não nos abandone!

As enfermeiras, os médicos, Eric e Cristina ouviram os gritos e todos correram para o quarto de UTI onde estava o corpo de Daisy.

Joliet e Jefferson chegaram logo em seguida.

Eric debruçou-se sobre o corpo da esposa e chorou chamando pelo nome dela.

Todos ao redor estavam aterrorizados. De repente, tudo havia mudado.


As crianças não foram ao funeral de Daisy. Era o que ela desejava. Vestidos de preto, despediram-se de uma mulher tão jovem, que teve a vida interrompida de um modo trágico.

Ajoelhado enquanto o caixão era colocado na cova, Eric jogou rosas dizendo:

— Daisy, meu amor, eu jamais conseguirei viver sem você.

Ellen, também debruçada sobre a cova, com lágrimas que cobriam todo o seu rosto, também jogou flores, dizendo:

— Vá em paz, minha filha.

Joliet, inconsolável pela morte da irmã, foi amparada o tempo todo por Jefferson, que lastimou, abraçando-a fortemente:

— Eu lamento muito, mas estou aqui ao seu lado, pra te apoiar, te dar forças pra vencer toda essa dor.

— Minha irmã se foi pra sempre! – Joliet soluçava enquanto chorava desconsolada.

***

Os dias seguintes foram os mais difíceis. Dormir e acordar sem a amada esposa ao lado era o pior dos castigos para Eric.

Um mês após a morte de Daisy ele ainda não voltara ao trabalho, quase não saía de casa e mal se alimentava. Sentia-se derrotado. Sua vida perdera completamente o sentido.

Cristina costumava levar as crianças à casa de Ellen todo fim de semana. Era a maneira que encontrou de proporcionar a elas um pouco de ternura materna.

O relógio marcava meio-dia. Cristina preparou com carinho a refeição para o patrão, colocou-a em uma bandeja e levou tudo até o quarto dele.

— Com licença. Aqui está o almoço. Preparei seu prato brasileiro favorito, e brigadeiro de sobremesa. – Sobrepôs a bandeja na mesa.

— Obrigado, mas estou sem fome.

Ele estava de pijama, afundado nos lençóis que traziam tantas lembranças boas, mas que naquele instante de pesar tornaram-se as memórias mais cruéis para aquele homem. Muitas vezes as lembranças boas machucam mais do que as ruins.

— Eric, eu sei que não é fácil dormir e acordar sem a mulher que você ama, olhar para o lado e ver sua cama vazia, mas você precisa se alimentar, precisa voltar a trabalhar, seguir a sua vida. Se não por você, então faça isso pelos seus filhos, que precisam do pai agora mais do que nunca!

Eric olhou profundamente nos olhos de Cristina. Começou a chorar, balbuciando:

— Por que ela se foi? Eu não vou suportar! Eu não vou!

Ao ouvir aquela pergunta, Cristina sentiu seus olhos umedecerem. Em uma atitude de compaixão, ela se aproximou ainda mais dele e o abraçou. Eric implorou:

— Por favor, me ajude. Não quero morrer também – ele suplicou, apoiando firmemente sua cabeça sobre os ombros da amiga.

— Sim, eu estou aqui pra te ajudar. Eu vou cuidar de você e dos seus filhos como a Daisy me pediu – ela assegurou, abraçando-o.

***

Duas semanas depois, Eric voltou ao trabalho, mas sem a alegria e ânimo de antes. Tornou-se um homem amargo, sério, distante da família e dos amigos. Distanciou-se inclusive de seus filhos. Trabalhava até tarde trancafiado no escritório de casa, inclusive aos finais de semana.

Ellen, por sua vez, tentava de todas as maneiras unir o jovem viúvo amargurado à babá solitária, mas ele não dava chance; permanecia recluso em seu sofrimento.


Seis meses depois da morte de Daisy, ainda eram cinza o coração e a alma de Eric Preston. Ele tentou, mas não conseguiu voltar a ser feliz. Com muita dificuldade, quase pensando em desistir do plano, Ellen conseguiu convencer seu genro a passar uns dias na casa de praia da família em Miami.

A ideia era fingir que todos iriam para lá, mas Cristina e Eric ficariam a sós naquele paraíso. Seria a grande chance de se conhecerem melhor.

— Que bom que aceitou ir para Miami para passar uns dias de férias. Precisa se distrair, ter mais contato com a natureza. A praia te fará bem. – A babá demonstrou aprovação diante de sua decisão.

— Cristina, sinceramente, eu não tenho ânimo pra passeios. Estou indo só porque minha sogra insistiu tanto que acabou me convencendo. Ela disse que as crianças precisam ter lembranças boas de passeios na praia com o pai – afirmou sisudo, sentado à mesa de seu escritório particular. Mal olhava no rosto dela.

— E a sua sogra tem toda a razão. Matt e Sally precisam de boas lembranças com o pai, precisam da sua presença também. Vou arrumar nossas malas hoje. A Ellen está muito contente por vê-lo mais disposto a se ressocializar com a família. Não esqueça de que não somos estranhos.

— Estou tentando me reerguer apenas pelos meus filhos, não por sentir qualquer prazer em viver – ele enfatizou com amargura.

— O motivo você é quem decide. Ah! Eu quase me esqueço! A dona Ellen perguntou se há problema em irmos para Miami em voos diferentes. Ela vai em um voo mais cedo com as crianças e eu e você iremos juntos em outro voo. Ela não conseguiu passagens na primeira classe para o mesmo avião.

— Problema nenhum. Posso ir com você em outro voo sim.

— Então tudo certo. Para Miami vamos nós! – Ela sorriu em vão, decepcionada por perceber que seu otimismo não surtia efeito em seu patrão.

Cabisbaixa, Cristina saiu do escritório, fechou a porta e encontrou-se pensativa.

Eric e Cristina embarcaram de manhã. Sentaram-se lado a lado. Durante os quarenta minutos de voo ele não pronunciou uma só palavra. Sua indiferença era absoluta, não via brilho nem cores.

Três horas depois, desembarcaram na Flórida. O dia estava ensolarado, o céu mais azul do que antes. Era impossível não sentir a brisa calma que vinha das praias ao redor.

Cristina respirou fundo. Aquela era a sua primeira vez em Miami Beach. Estava fascinada, mesmo diante da tristeza contagiante irradiada pelos olhos de Eric.

O táxi deixou-os em frente à casa da praia. Ela se encantou com tudo o que viu.

— Enfim, aqui estamos. Essa mansão é muito linda. E esse jardim de frente para o mar, hein! Transmite paz – Cristina exclamou alegremente. – Que piscina maravilhosa! É enorme!

— Você está mesmo vislumbrada com tudo. Fazia muito tempo que eu não vinha aqui. – Eric comentou, enquanto olhava para as águas da piscina. Lembrou-se dos dias de alegria que viveu ali com Daisy.

— Então essa é a famosa mansão de 15 milhões de dólares que seu sogro mandou construir antes de morrer.

— Sim, é essa. Eu costumava vir sempre aqui com a Daisy, especialmente quando ainda éramos namorados – relembrou.

— Acredito que você tem muitas lembranças boas desse lugar lindo.

— Sim, tenho, e essas lembranças boas machucam mais do que as ruins.

— Tente sentir paz pelo menos por um momento. É pra isso que estamos aqui.

As horas se passaram e o restante da família Olsen não chegou. O celular de Cristina tocou. Ela estava sentada no jardim, admirando o mar. Era Ellen do outro lado da linha, avisando que o voo havia sido cancelado e que por isso só chegariam a Miami dois dias depois.

— Então seremos apenas nós aqui, por dois dias? – Eric perguntou, depois de já ter passado minutos ao lado dela, mirando o mar.

— Sim, Eric. Espero que isso não incomode você.

— De maneira alguma.

— Então vou preparar algo pra gente comer.

— Não! – ele segurou a mão dela, impedindo que ela se levantasse. – Aqui você é convidada. Temos três empregadas nessa casa, entre elas uma cozinheira. Você não precisa fazer os serviços domésticos. Basta chamar a criada e pedir o que quiser. Fique mais um pouco aqui comigo – ele disse.

Cristina sentiu um arrepio em todo o corpo no instante em que Eric segurou sua mão. Quase gaguejou ao respondê-lo:

— Se é assim, fico feliz em saber que vou poder me divertir. Já que as crianças não chegarão hoje, podemos tomar um banho de piscina e depois caminhar na beira do mar. O que acha?

— Boa ideia, Cristina. – Milagrosamente ele aceitou o convite.

— Por que me chama de Cristina e nunca de Cris?

— É que foi a Daisy quem começou a chamar você de Cris. Eu prefiro evitar porque me faz lembra dela.

— Eu entendo, mas deve se libertar dessa lembrança que te escraviza. Estamos de férias! Venha! – Ela pegou-o pelo braço.

Cristina arrastou Eric até a piscina e o empurrou para dentro d’água. Em seguida se jogou também, de roupa e tudo.

Brincaram de jogar água um no outro. Estavam experimentando uma nova liberdade. Ora se aproximavam, ora se distanciavam na piscina. Houve um momento de insight, como um clique em suas mentes, que os despertou para algo diferente de tudo que já haviam vivido. Sorriram um para o outro com sinceridade; voltaram a ser jovens de coração.

Bem pertinho um do outro, ainda na piscina, permaneceram olhando-se como se reconhecessem em si mesmos algo de especial. Seus olhos brilharam. Eric sugeriu:

— Vamos caminhar à beira mar? Já cansei de ficar na piscina.

— Sim, vamos. Fico feliz com o convite. – Ela sorriu.

A mansão possuía dez quartos. Foi difícil para Cristina ter que escolher apenas um.

Ao pôr do sol, o casal de amigos caminhou à beira mar com os pés na areia. Houve um momento em que Eric parou, olhou nos olhos de Cristina e disse sorrindo:

— Obrigado.

— Pelo quê?

— Por tudo que você tem feito por mim e pelos meus filhos. Principalmente pela sua companhia e amizade. Tem sido tão difícil superar a morte da Daisy.

— Eu sei. Eu é que agradeço por tudo que sua família fez por mim. Me ajudaram a permanecer aqui nos Estados Unidos. Eu também sinto muito a falta da minha melhor amiga. Ainda sofro, mas me esforço pra seguir em frente. – Ela sorriu de modo singelo.

Alguns segundos depois, subitamente ela exclamou:

— Escuta só!

— O quê?

— Está tocando uma das minhas músicas favoritas, “Laura Pausini – Apaixonados Como Nós!”

— Dança comigo? – ele perguntou.

— Agora mesmo – ela aceitou.

Por um instante apenas se olharam e o que se ouvia era apenas o barulho das ondas do mar. Sem pensarem, sem medirem consequências e até mesmo sem entenderem o que acontecia, Eric e Cristina se beijaram.

Aos poucos seus lábios se tocaram pela primeira vez, e o que no começo parecia apenas um tímido beijo foi, na verdade, um grande beijo de amor.

Essa foi a descoberta daquela babá. Ela já amava o viúvo inconsolável. Todos aqueles dias juntos, de ajuda recíproca, fizeram com que o sentimento de carinho e afeto mútuo aflorasse.

Eric não queria assumir, mas também já a amava; tão somente não aceitava a morte de Daisy. Era um tormento que o perseguia; a imagem da mulher falecida era uma tatuagem em sua mente.

— Cristina, me perdoe por isso. /eu não entendi o que eu fiz agora – desculpou-se pelo beijo.

— Eu é que estou sem palavras. Também não sei o que dizer – ela confessou de maneira tímida.

— Então não diga nada. Vamos continuar nosso passeio. Esse mar e essa areia estão maravilhosos – Eric completou, segurando a mão dela.

O plano de Ellen começou a funcionar, pelo menos a princípio. Bastava deixar os dois sozinhos para que descobrissem algum sentimento de amor. Todavia os dias em Miami foram breves.

Logo na primeira semana de volta a Nova York, Eric voltou a ficar sério, deprimido e recluso. Cristina permaneceu como sempre: em seu lugar de babá, à espera das ordens do patrão. Os dias em Miami foram apenas um sonho.


— Ellen, eu preciso muito te contar um segredo. – Cristina aguçou a curiosidade da amiga e ex-patroa.

— Pois me conte logo. Estou muito curiosa! O que é?

— Não sei se foi certo ou errado, mas já está feito.

— O que está feito?

— Eu e o Eric nos beijamos, logo no primeiro dia em que estivemos em Miami. Aconteceu na praia, enquanto caminhávamos à beira mar.

— Que boa notícia! Como foi capaz de me esconder algo tão incrível por tanto tempo? Eu quero muito que vocês fiquem juntos. Aconteceu como eu imaginava. Esse era o desejo da minha falecida filha.

— Não se anime. Aquela foi a única vez. Depois que retornamos pra Nova York, ele voltou a ser o mesmo de antes: sério, depressivo e recluso. Pelo que percebo, as sessões com o psicólogo e com psiquiatras não foram capazes de curá-lo.

— Eu lamento que ele esteja resistente.

— O pior é que descobri que amo muito o seu genro. Todos esses meses ao lado dele e das crianças me fizeram perceber que essa é a família com a qual eu quero estar para sempre.

— Isso é maravilhoso, Cris! Eu vou te ajudar a conquistá-lo de vez.

— Sinceramente, a memória da sua filha será sempre um fantasma na vida dele. O Eric não aceita a realidade, não abre o coração para viver um novo amor. E já faz mais de um ano que a Daisy se foi.

— É uma questão de tempo e paciência. Você vai ver. Tenho certeza de que ele também te ama, só não tem coragem de assumir.

— Minha paciência está chegando ao limite. Suportei até agora pelas crianças. Não é nada fácil ter o homem que eu amo tão perto e ao mesmo tempo tão longe – lamentou, com feição desiludida.

***

Cristina entrou no escritório particular de Eric.

— Passei para saber se está precisando de alguma coisa. Caso não precise, vou para o meu quarto. Tenho que estudar para as provas da faculdade – explicou-lhe. Ele mal olhou para o rosto dela.

— Pode ir para o seu quarto. Estude para suas provas. Eu não preciso de nada agora – respondeu sisudo.

Desiludida com a indiferença dele, ela saiu dali, como sempre, cabisbaixa. De repente, foi surpreendida:

— Espere – Eric pediu.

Ela virou-se.

— Tenho algo a dizer.

— Então diga, estou escutando. – Ela permaneceu de cabeça baixa.

— Por favor, me perdoe por eu ser assim. Você é a única pessoa que está aqui comigo e enxerga a minha dor.

— Sim, eu estive todo esse tempo ao seu lado. Cuido dos seus filhos e te dou todo apoio que precisa – ela concordou, erguendo a cabeça.

Eric levantou-se da cadeira, aproximou-se dela e abraçou-a com toda a força que pôde, como nunca fizera antes. Mais uma vez os olhos daquele homem amargurado e daquela mulher sonhadora se encontraram, e suas bocas se beijaram, demonstrando que se amavam.

— Pare com isso! – Ela tentou rejeitá-lo.

— Por quê?

— Você me beija e depois me pede pra esquecer.

— Cristina, não é essa a minha intenção.

— Então qual é? Pensa que eu sou um brinquedo e que não tenho sentimentos?

— Se não quer, não faço mais.

— Eric, eu sou sua empregada, a babá das crianças ou a sua amante? Nem eu sei. – Ela manifestou sua indignação diante da indecisão do amado.

—Não vejo você como objeto, se é isso que pensa.

— Eu até entendo que você amou muito a Daisy, mas tem que aceitar que ela está morta, e você e seus filhos estão vivos. Eu estou viva! Não se destrua. – Transtornada, Cristina se retirou do escritório, batendo a porta.

Emocionada, tanto quanto revoltada, ela trancou-se no quarto e chorou. Chorou como nunca, tão perto e tão longe do homem que amava. Já não sabia mais por quanto tempo suportaria aquela situação.

***

Os meses seguintes se tornaram confusos e insuportáveis para aquela babá, que já não aguentava mais toda a situação. Viver perto do homem que desejava e ao mesmo tempo estar tão longe já não servia mais para ela, que foi até a casa de Ellen anunciar sua decisão.

— Ellen, eu não suporto mais o que estou passando. Não posso mais continuar naquela casa! O Eric não se decide.

— Pelo seu olhar, percebo que a situação é complicada.

— Posso até cuidar das crianças, mas não lá. Eu quero trabalhar aqui com a senhora. Podem trazer as crianças pra cá todos os dias que eu cuido delas com muito amor e carinho, mas com o seu genro eu não moro mais! Não disse nada a ele ainda. Preferi falar com a senhora primeiro.

— Eu entendo a sua situação. E também concordo com você: o Eric tem que aprender a valorizar o que a vida lhe deu. Arrume suas coisas e venha pra cá. Pedirei ao motorista que traga as crianças aqui todo dia depois da escola. E à noite elas ficam o pai.

Cristina pegou todas as suas coisas e arrumou as malas. Deixou tudo na sala e foi até o escritório particular do patrão para dar-lhe a notícia. Entrou sem bater e, com o semblante desanimado, preparou-se para anunciar sua decisão:

— Eric.

— Sim, o que é? – questionou-a, sem olhar para seu rosto.

— Eu já arrumei as minhas malas e chamei o táxi.

— O quê? – ele ergueu rapidamente a cabeça, assustando-se com as palavras dela.

— Estou saindo desta casa. Vou trabalhar para Ellen a partir de agora. Todos os dias, depois da aula, vou buscar as crianças na escola e levá-las para a casa da sua sogra, que é onde vou morar. À noite o motorista as trará de volta. Não suporto mais a situação em que vivo aqui com você. Com licença. – Ela retirou-se furiosa.

Eric permaneceu sentado, sem reação. Ouviu tudo calado. Seus olhos lacrimejaram. Logo depois que ela partiu, ele trancou-se no quarto e começou a quebrar os objetos que encontrava. Jogou tudo ao chão.

— Droga! Droga! – ele gritava, enquanto quebrava tudo.

Durante vários dias, Cristina não falou mais com Eric. Evitava ao máximo estar perto dele. Quando ele aparecia na casa de Ellen para buscar as criança,s era ignorado pela mulher que tanto o amava.

Houve muitas vezes em que ele, recluso em seu quarto, teve impulsos de enviar-lhe mensagens de texto, mas pensava melhor e não o fazia; preferia fugir do amor que sentia por ela por ter medo de trair a imagem de sua falecida esposa.

***

Uma data especial se aproximava para Ellen. Sua sobrinha mais velha, Karen, iria se casar em três meses. O evento aconteceria em Los Angeles.

— Ellen, eu já adianto que não ficarei na mesma casa nem no mesmo hotel que o seu genro. Aliás, eu prefiro nem ir a esse casamento. É uma festa de família, eu não preciso ir.

— Não seja tão radical, Cris. Quem sabe com esse evento vocês se aproximem mais...

— Não se iluda. O seu genro está apegado demais à imagem da esposa falecida e não abrirá o coração para viver um novo amor. Eu não entendo esse homem.

— Se eu fosse você, tentaria mais uma vez.

— Quer saber de uma coisa? Eu vou sim para Los Angeles, e faço questão de ficarmos todos no mesmo hotel. Quero que ele sinta profundamente como é ser ignorada de perto. – Cristina declarou impiedosa, depois de pensar melhor.

— É assim que se fala! – Ellen concordou reluzente, pois queria definitivamente cumprir a vontade de sua falecida filha.

Chegada a data, todos partiram todos para Los Angeles em um único voo. Ellen sentou-se ao lado de Cristina e das crianças, Eric ao lado de Jefferson e Joliet com sua filhinha.

Ficaram hospedados no Sofitel Los Angeles at Beverly Hills, um dos hotéis mais caros da cidade. Lá, inclusive, aconteceria a festa do casamento. Foram escolhidos quartos no mesmo corredor. Cristina fazia questão de que Eric a visse passar, para ignorá-lo com categoria, afinal, um homem tem que ser corajoso o suficiente para assumir que ama uma mulher.

O Sofitel Los Angeles at Beverly Hills era divinamente lindo, com jardins maravilhosos, piscinas esplendorosas, quartos magníficos e um restaurante luxuoso e impecável. Encantava todos os hóspedes que ali chegavam.

Eric ficou em um quarto com Matt e Sally, Joliet com sua família, Cristine sozinha em um quarto e Ellen em outro.

Depois de deixar sua bagagem no dormitório, Cristina foi diretamente para a piscina. Eric seguiu-a escondido; não queria que ela notasse sua presença. De longe, a observava nadar como uma sereia naquela imensa piscina.

Cristina logo percebeu que estava sendo observada por seu amor e rival, no entanto fingiu que não notara nada; ignorou-o por completo. Minutos depois, saiu da piscina, vestiu seu roupão e seguiu de volta para o quarto. Ele então não resistiu e a abordou:

— Cristina!

Ela virou-se surpresa, ainda no corredor.

— O que é? – questionou, contrariada.

— Tem mesmo que ser assim? Você me ignora o tempo todo. Age como se eu não existisse – protestou, indignado por sentir o desprezo dela.

— Você mesmo escolheu dessa maneira. Poderia ter sido tudo diferente. Não reclame!

Eric aproximou sua face dos olhos dela e declarou:

— Está muito difícil esconder o que eu sinto por você. Eu queria tanto viver esse amor de verdade e dar vazão a esse sentimento, que é tão forte.

— Não parece.

— Confesso que estou enlouquecendo. Quero ter você comigo para sempre do meu lado. Sei bem que preciso mudar tudo para você perceber que tenho certeza do meu sentimento.

— Tem razão. Precisa mesmo.

— Eu quero te amar abertamente, sem jogos sentimentais, ter você a todo o momento, todos os dias, de manhã e de noite.

— Belas palavras, poeta! Mas como eu posso acreditar que são verdadeiras?

— Já se esqueceu dos dias que tivemos em Miami?

— Não, Eric, eu não me esqueci. Quem geralmente se esquece das coisas aqui é você. Me diga uma coisa: como eu posso ter certeza de que amanhã ou depois você não mudará de ideia e me deixará?

— Estou dizendo que eu não vou te deixar.

— Como eu posso ter certeza de que o nosso relacionamento não será assombrado pela memória da sua falecida esposa para o resto das nossas vidas? – questionou-o, impetuosa e cheia de razão.

— Eu preciso que você me ajude a superar tudo isso – ele pediu, com desespero no olhar.

— Te ajudar? De que jeito? Te beijando pra depois você me pedir pra esquecer e assim eu voltar a ser apenas a empregada que te consola? – declarou, com dureza nas palavras.

— A verdade é que eu tive medo, medo de te amar, um medo monstruoso de amar de novo assim tão rápido. Eu deveria ter te dito tudo. Cris, vamos começar de novo. Fique comigo!

— Se você realmente me ama, terá que provar tudo que acaba de dizer agora.

— Eu vou provar.

— Preciso ter certeza de que amanhã ou depois você não vai olhar o retrato da Daisy e chorar, se lastimar, e em seguida me deixar, me abandonar.

— É difícil pra mim. Ela era a mãe dos meus filhos.

— Sim. E saiba que eu acho muito justo e louvável que você guarde em sua mente e em seu coração o amor que você sentiu pela Daisy, afinal de contas, como você mesmo lembrou, ela foi a mãe dos seus filhos, e isso não vai mudar nunca.

— Então você me entende, pelo menos em parte.

— Você deve sim mostrar fotos dela ao Matt e à Sally, contar a eles histórias sobre a mãe que tiveram, e sobre o tempo em que você e ela foram casados. Mas tudo isso não pode impedir que você ame novamente outra pessoa, seja eu ou outra mulher. Eu também sinto muito a falta dela e lamento amargamente a tragédia que aconteceu tão de repente, no entanto estou seguindo a minha vida. Afinal, estamos vivos, não é mesmo?

— Você tem toda razão. Vou provar que eu te amo. Desde o dia em que te vi com novos olhos, meses depois do falecimento da Daisy, eu já te amava sem saber. Quando te beijei pela primeira vez em Miami, foi um sentimento de aventura, amor, paixão.

— Eu sinto o mesmo, mas apenas o sentimento não é suficiente para manter um relacionamento. Há outros fatores a serem levados em consideração.

— Farei tudo que eu puder pra provar ao mundo que eu renasci pra te amar. Você é o meu amor para recomeçar. Retomarei minhas consultas com o melhor psiquiatra de Nova York. Eu quero me curar.

— Assim espero.

— Ninguém nunca vai te desejar tanto quanto eu. Vamos ser felizes juntos. Eu juro – ele prometeu, com toda a força da alma.

— Desejo sorte em seu intento – ela disse descrente, seguindo em direção ao quarto de hotel.

Conhecendo Eric como Cristina conhecia, ela tinha todos os motivos do mundo para não acreditar plenamente que ele conseguiria se livrar da dor. Ela ainda sabia que seu amor por ele não era suficiente pra curá-lo, assim como não foi para seu antigo namorado.

Desanimado, Eric foi até o jardim do hotel onde, admirando a natureza, refletiu sobre as palavras proferidas por sua amada.

O casamento de Karen aconteceu na Cathedral of Our Lady of the Angels. A suntuosa igreja estava impecavelmente enfeitada com flores e arranjos dourados dos mais belos.

A noiva, divinamente vestida de branco, encantou os olhos de todos naquela noite.

Depois da cerimônia, todos seguiram para o salão do hotel, onde aconteceu a comemoração. A festa começou muito animada, com músicas eletrônicas, até porque os recém-casados eram jovens que adoravam um agito.

Cristina sentou-se à mesa com Ellen e as crianças. Eric ficou do outro lado, em uma mesa com um grupo de amigos.

— Cris, fico feliz em saber tudo que o Eric disse a você. Já é um bom começo ele querer provar que te ama – Ellen disse, sorrindo. Bebeu um gole de champanhe em seguida.

— Não tenho tanta confiança nas palavras do seu genro. Eu o conheço muito bem. Basta que ele veja o retrato da Daisy para começar a chorar e se lamentar. Vi isso acontecendo por tantos meses que fica difícil acreditar que vai acabar – demonstrou sua total descrença.

— Eu acho que você está exagerando. Vamos esperar pra ver.

— Sim, vamos esperar pra ver!

— Sim, veremos!

Aos poucos, mais convidados chegavam e o coração de Cristina acelerava na expectativa de que Eric se aproximasse. A música eletrônica começou a rolar, os convidados começaram a dançar e ela continuava sentada.

De longe, ela acompanhava Eric apenas com o olhar, e ele, por sua vez, cumprimentou-a apenas acenando com a mão direita. O coração dela disparou. Ficou imóvel ao vê-lo do outro lado do salão. O juramento que ele lhe fizera era latente em seus pensamentos.

A música continuava e Cristina permanecia parada. Ellen levantou-se e começou a dançar. Foi convidada por um senhor que passou em frete à sua mesa.

Eric dançava em uma rodinha de amigos. A música que tocava no momento era “Icona Pop – I love it”. Durante o refrão, ele mexia o corpo e chacoalhava a cabeça feito um louco ao lado de seus amigos. Toda a sua depressão parecia ter ido embora naquele instante de diversão.

Cristina observava a cena, sem graça, sentada naquela mesa. Enfim Eric estava conseguindo o que queria: chamar a atenção de sua amada e demonstrar a ela que não era mais um homem triste nem depressivo.

A música seguinte foi “Wake me Up – Avicii”. Cristina continuou sentada.

Inesperadamente, começou a tocar “Under Control (Calvin Harris & Alesso – ft. Hurts). Quando Cristina olhou para o lado, mal pôde acreditar no que via. Sim, era ele mesmo, Eric Preston aproximava-se dela dançando no ritmo da música, fazendo gestos convidando-a pra dançar. Imediatamente ela levantou-se sorrindo, segurando a mão dele, e logo entrou também no ritmo da canção que dizia tudo a respeito daqueles dois.

Aquela era a música eletrônica favorita dela, que mal podia acreditar que estava dançando com sua nova paixão. Em alguns momentos o refrão era agitado, depois a canção ficava lenta e assim os dois amantes se abraçavam, ficavam face a face, olhos nos olhos.

Sacudiam o corpo como jamais fizeram antes. Estavam extasiados, pulavam, giravam, sorriam um para o outro, e ele até dublava a música como se estivesse recitando a letra para ela.

Ellen observou a cena de queixo caído. Mal conseguia acreditar que seu genro havia tido coragem de dançar com Cristina em público, e com direito a abraços e quase um beijo. Pensou: “O Eric ou a ama muito ou enlouqueceu de vez!”

Todos na festa observavam com curiosidade a cena da babá latino-americana dançando com o viúvo milionário. Ao fim da canção, sorriram em tom de despedida. Eric voltou para a companhia dos amigos e Cristina voltou feliz e saltitante para sua mesa.

— Cris! – Ellen exclamou.

— Ellen!

— O que aconteceu?

— Seu genro dançou comigo!

Sorriram.

Em seguida tocou “Alesso – Heroes (we could be) ft. Tove Lo”. Dessa vez ninguém dançou. Permaneceram sentados à mesa. Vez ou outra Eric lançava olhares e risos carinhosos para Cristina, que retribuía com vontade.

No final da festa todos foram para a pista de dança formando um grande círculo. Dançaram juntos o som que encerrou a noite, “Summer – Calvin Harris”. Cristina e Eric se olhavam e sorriam o tempo todo um para o outro.


Cristina descobriu o amor da maneira mais difícil e desafiadora possível. Não havia sido da maneira como havia sonhado. Amar um viúvo pai de dois filhos nunca fez parte de seu projeto de vida, mas só até conhecer Eric e tudo mudar.

Ela sabia que os sentimentos dele por Daisy eram algo infinito e quase intransponível. E como saber se o que ele sentia por Cristina era mesmo amor, ou apenas uma simples carência mesclada com carinho e gratidão?

— Ellen, já faz uma semana que voltamos de Los Angeles e seu genro ainda não me procurou. Não me convidou pra sair, não me telefonou. Ele prefere a foto da sua filha falecida do que amar uma mulher viva, de carne e osso. – Cristina comentou irritada, sentando-se no sofá.

— Deve ser o excesso de trabalho. Aposto que ele te liga antes de três dias.

— Veremos como ele pretende provar que me ama.

No dia seguinte, o celular da babá solitária tocou. Era ele mesmo do outro lado da linha.

— Eric!

— Sim, sou eu!

— Que surpresa! Pensei que você tinha me esquecido.

— Nunca. Quero saber se você aceita sair pra dançar.

— Sim, claro que sim. Quando? – Ficou atônita com o convite.

— Ainda esta noite!

— Então ok. Te espero aqui às 22 horas?

— Sim. Estarei aí!

Cristina estava eufórica. Vestiu sua melhor calça e sua melhor blusa. Colocou suas joias mais bonitas para a ocasião e fez a maquiagem mais linda, afinal de contas, aquele seria um encontro com o homem de sua vida.

Naquela noite de céu estrelado, Eric chegou dirigindo seu novo carro, um Porsche 918 Spyder prata de 845 mil dólares. Estava elegante. Da sacada do apartamento, sua amada observou-o chegar.

Ela correu para o elevador. Ainda correndo, chegou à esquina onde ele a esperava.

— Eric, de carro novo?

— Comprei ontem, especialmente pra te levar pra passear – revelou.

— Você é maluco? Gastou quase um milhão de dólares só pra me agradar? Duvido.

— Eu disse que provaria meu amor por você! – riu, sentindo-se leve ao lado dela.

— Você sabe muito bem que não é um carro que fará você provar que me ama. Mas vamos então. – Ela sorriu.

Mais uma vez sorriram um para o outro. Ela entrou no carro sentindo-se uma princesa.

Seguiram para o Boom Boom Room, glamorosa danceteria instalada no 18º andar do Hotel Standard, no bairro conhecido como Meatpacking. O Boom Boom Room tinha uma vista deslumbrante do luar sobre o Rio Hudson ou do edifício Empire State, dependendo do ângulo.

Ao entrarem no local, Cristina encantou-se com o clima ao redor. Ela e Eric foram de imediato apreciar das janelas a vista do luar sobre o rio Hudson.

— Que lindo! – exclamou, emocionada.

— Sim, essa visão é maravilhosa. Espero estar provando que te amo. – Aproximou seu rosto do rosto dela.

— Pode ser que sim.

— Você faz muita falta na minha casa. Minha vida sem você não faz sentido, é vazia. Nesse tempo em que ficamos separados, não consegui tirar você da minha cabeça – ele confessou.

— Eu só volto para sua casa se for como sua esposa.

— Por mim, eu caso com você agora mesmo.

Suas faces se aproximaram e mais uma vez um beijo aconteceu, com mais carinho do que antes.

Foram até a pista de dança. Tocava “Outside ft. Ellie Goulding – Calvin Harris”. Dançaram muito, até não suportarem mais ficar de pé.

— O que vamos fazer agora? – ele perguntou.

— Observar as estrelas no Central Park – ela sugeriu.

O casal apaixonado saiu do Porshe e deitou-se feliz no imenso gramado do Central Park.

— É emocionante olhar ao redor e ver a cidade toda iluminada. Observar as estrelas com a natureza em volta é mais incrível ainda. – Cristina manifestou sua ternura.

— Toda essa beleza é ainda mais bela ao seu lado. – Ele acariciou as mãos dela.

Era por volta de uma hora da manhã e ali estavam eles, deitados no gramado, sozinhos e se amando. Eric teria que provar de maneira consistente que já havia superado a morte da esposa, pois Cristina não suportaria ser perseguida por esse passado.

— Eu mal acredito que estamos aqui sozinhos, nos amando, observando as estrelas do céu – ela expressou.

— Me sinto tão bem com você que poderia ter mil pessoas ao nosso lado e eu nem me importaria. Agora eu percebo o quanto eu te amo, Cris, o quanto eu preciso de você ao meu lado – ele declarou, segurando a mão dela.

O relógio marcava três horas da manhã quando Eric deixou Cristina no apartamento de Ellen. Depois seguiu para seu solitário lar. Ao chegar, foi diretamente para o quarto, onde, sob a luz fraca, tirou a roupa e colocou-as sobre a poltrona de forma mecânica.

De repente, olhou para baixo. Ao lado da mesinha de cabeceira viu o retrato de Daisy caído. Subitamente entrou em prantos.

Dessa vez Eric deu mais atenção ao travesseiro sobrando ao seu lado na cama. Não fazia sentido este estar ali, a não ser como enfeite, pois só uma pessoa ocupava aquele lugar, que deveria ser de descanso, mas era um lugar de aflição e de lembranças boas que machucavam.

Chorou por uns minutos, deitou-se e adormeceu, vencido pelo sono. De fato, Daisy foi o grande amor de sua vida, e esse sentimento era inegável. Ainda sofria demais por essa morte tão cruel. Guardava vários retratos com a falecida esposa, continuava por várias vezes olhando essas fotos e vertendo sua dor. Mas não eram somente as fotos; também mantinha guardadas todas as coisas que deu à Daisy: roupas, perfumes e até bilhetes de conversas durante o expediente na empresa. Pior: Eric ainda usava a aliança de casamento.

Daisy foi a idealização da “mulher perfeita”. Amar uma pessoa que já morreu é mais do que natural, afinal, a mesma foi amada em vida. Com toda a certeza ele jamais a esqueceria. O amor é especial essencialmente por conta de sua habilidade de machucar quando falha. Aprender a seguir em frente e esquecer a pessoa que se amou profundamente é um processo extremamente difícil, que consome muito tempo.

Uma semana depois da noite no Central Park, Eric sonhou com Daisy. Foi um sonho bom, mas que terminou como uma cena de pesadelo. Ele acordou gritando de desespero naquela madrugada cinza. Lucy levantou-se assustada depois de ouvir os gritos e correu até o quarto do patrão.

— Senhor Preston, o que aconteceu? – ela perguntou, espantada ao vê-lo suar ofegante, com uma expressão aflita.

Ele estava sentado na cama, com o rosto molhado de suor, a mão na cabeça e em lágrimas.

— Lucy, eu sonhei com a Daisy! A saudade me obriga a reviver tudo em pensamento, e também a pensar nela para eu encontrá-la em sonho, e assim, mais uma vez, lembrar o amor que tínhamos um pelo outro. Pude sentir o calor dela no meu corpo. Tão claro como a luz do dia, eu vi o rosto dela e a beijei. Senti dentro do meu coração uma emoção forte, como se eu tivesse voltado no tempo, naquele tempo em que ela ainda era viva.

— Meu Deus! Eu lamento muito pela sua dor – Lucy demonstrou compaixão.

— Quando eu acordei e não encontrei a Daisy aqui do meu lado, senti uma saudade e uma dor absurda.

— Imagino. Ouvi seu grito, que até me assustou.

— Como eu queria que ela estivesse aqui comigo... É o meu coração dizendo que ela é e sempre será a minha única paixão, o meu único amor verdadeiro. Eu jamais conseguirei esquecê-la! Eu nunca serei capaz de amar outra pessoa como eu a amei!

— Patrão, dizem que, enquanto ficamos cultivando o ser que partiu, a alma não descansa. Só o tempo pode amenizar uma dor. Não a cura, mas a alivia. – Lucy tentava consolá-lo.

— Eu juro que eu tento, mas não consigo – ele declarou sua debilidade.

— Quando perdemos um amor, junto a isso perdemos o passado em que planejávamos o futuro, o presente, o qual precisa ser reinventado, e o futuro, as nossas expectativas junto à pessoa. Você permanece preso a ela porque não conseguiu renunciar a tudo isso.

— Renunciar?

— É necessário aceitar os fatos, terminar o luto e libertar-se para a nova realidade, novos sonhos, expectativas e planos. Enquanto a sua energia estiver presa na melancolia, você nunca será livre para aceitar, pensar, planejar e encontrar novas possibilidades.

— Isso é o que todos me dizem.

— Daisy está morta. E tudo que existe são apenas lembranças em sua memória. Aceite isso, enterre o que já morreu e liberte-se para viver uma nova vida – aconselhou-o mais uma vez com suas sábias palavras.

— Eu sei de tudo isso, mas não consigo.

— Você não ama a Cristina? Você não estava com ela ainda nesta noite?

Eric ficou em silêncio por uns instantes. Refletiu de forma confusa. Respondeu sem hesitar:

— Sim, eu amo a Cristina, eu a amo muito. Mas eu também amo a Daisy, e nunca vou deixar de amar a mãe dos meus filhos! Os amores não são iguais – ele exclamou, convicto do que sentia.

— É razoável que o amor que sentiu pela mãe dos seus filhos continue guardado em seu coração, mas a Daisy já está morta, e a Cristina está viva. Pense melhor nisso e dê valor à pessoa que pode trazer você de volta à felicidade. – Lucy tentou convencê-lo, dando-lhe em seguida um abraço de mãe.


Por mais de uma semana Eric não procurou por Cristina. E ela sabia exatamente o porquê. Quase perdia as esperanças de que seu relacionamento com ele pudesse se tornar algo sério e definitivo.

Ela foi surpreendida junto à chegada de mais um outono. O Central Park era um lugar lindo naquela época. Os milhares de folhas alaranjadas caídas das árvores criavam a mais bela paisagem para receber o amor.

Eric chegou de carro para buscá-la:

— Central Park? – ela perguntou, surpresa com o convite.

— Sim. Depois daquela noite não fomos mais lá. A paisagem é linda, podemos caminhar e conversar – ele sugeriu.

— Parece um convite irrecusável. É você mesmo? O viúvo milionário, chegando em um belo carro, querendo levar sua princesa para um passeio no cartão postal mais famoso da cidade? Eric, você é o sonho de todas as garotas nova-iorquinas! – Cristina afirmou.

— As outras garotas nova-iorquinas não me interessam. Eu só quero você! – ele enfatizou, convincente de sua declaração.

Sorriram.

A brisa suave, breve e fria tocou o rosto do casal exatamente no momento em que se beijaram no Central Park. Aquele fim de tarde parecia promissor para revelar grandes sentimentos.

Ao cair da noite, seguiram para o restaurante Eleven Madison Park, o melhor da cidade.

— Que lindo! – ela exclamou, ao entrar no local.

— É o melhor de Manhattan! – ele garantiu.

— O jantar deve ser maravilhoso. Nunca tinha vindo aqui, nenhum milionário me convidou antes.

— Sorte sua.

Em certo momento, enquanto jantavam, Cristina questionou-o:

— Eric, como você sabe que me ama?

Ele pensou por uns segundos e sorriu.

— Sei que te amo porque não consigo me imaginar vivendo longe de você. Não posso pensar em ficar sem te tocar. Quando estou com você meu corpo todo treme. Nunca acreditei que eu poderia amar outra mulher como eu te amo.

— Nenhum milionário imagina, não é mesmo?

— Por que diz isso?

— Porque eu era a sua empregada. Que patrão imagina que vai se apaixonar pela babá dos próprios filhos?

— Faz sentido, mas você é uma babá que fez toda a diferença. Você entregou a sua alma e o seu coração para cuidar da minha família e de mim. Foi isso que despertou meu amor por você. Tentei te esquecer, tentei não te querer, mas não consegui.

— Ouvindo essa sua declaração de amor, fico muito emocionada. Quero que sejamos felizes juntos, mas sem fantasmas do passado.

— Confesso que depois que a Daisy faleceu eu até tentei ficar com uma colega da empresa, mas não deu certo. Ela não me fez sentir nada de significativo, não me apaixonei, simplesmente porque eu já te amava de alguma maneira.

— Surpreendente a sua revelação. Então você tentou ficar com alguém antes de mim – ela comentou surpresa, sentindo um leve ciúme.

— Sim, e foi inútil.

— E a lembrança da sua falecida esposa? Ainda chora por ela?

— Eu não vou mentir: sonho com ela quase toda noite. Ainda sinto tristeza pela sua morte.

— Ouça. Eu posso não ser ela, eu posso não ser a mãe dos seus filhos, mas o meu amor por você é sincero. Não tenha medo, me deixe te amar. Eu também já sofri muito por amor, viu?

— Como foi que aconteceu?

— A Daisy nunca te contou?

— Não.

— Ela foi fiel ao meu segredo. Outro dia eu te conto como foi que eu perdi meu primeiro grande amor.

— Não imaginava que tivesse perdido alguém que tivesse amado muito.

— Pra você ver que não é o único que sofre – ela disse.

Abraçados em frente à Estátua da Liberdade, enquanto observavam as águas de Manhattan, conversaram:

— Essa cidade toda iluminada é linda.

— Sim. Me faz lembrar muitas coisas do passado – ela concordou.

— Aquela vez com a Daisy.

— Foi a primeira vez que eu estive aqui na Ilha da Liberdade com vocês. Aquele dia foi muito divertido.

— Cris, de agora em diante eu só quero chorar de felicidade por amar você.

— E eu quero que se lembre da Daisy com alegria. Tem que falar sobre ela aos seus filhos. A vida pode parecer cruel por um lado, mas perceba que você não está sozinho, eu estou aqui.

— Tem toda a razão. Eu não sei o que seria de mim sem você do meu lado.

Abraçaram-se forte e se beijaram.


Tudo indicava que o viúvo deprimido permanecia firme na tentativa de cumprir seu juramento. Cristina estava animada com o namoro de uns meses; chegou a dizer a Ellen que logo seria pedida em casamento. Mas algo de errado aconteceu. Por três dias Eric não a procurou. Ela, cumprindo seu papel de futura esposa, foi até a casa dele.

Eric estava em seu escritório particular analisando alguns documentos da empresa, relatórios, memorandos, circulares, entre outras burocracias. Ao abrir uma das gavetas de sua mesa de trabalho, encontrou por acaso um porta-retratos; havia uma foto de Daisy ali. Ele sentou-se na cadeira, admirando a foto com olhos fixos na imagem de sua falecida esposa. Não demorou muito e o viúvo desabou em lágrimas. Chorou muito enquanto olhava o retrato.

Infelizmente Cristina se aproximava do escritório exatamente naquele momento.

— Quer que eu chame o patrão? Ele não anda muito bem. Não quero desanimá-la, mas ele voltou a ficar deprimido – Lucy alertou-a.

— Não precisa me dizer nada. Obrigada, Lucy. Deixe que eu mesma vá até o escritório falar com ele. – Ela seguiu até a porta.

Ao entrar no escritório e se deparar com Eric chorando enquanto olhava a foto de Daisy, muito decepcionada, Cristina exclamou, quase gritando:

— Eu sabia! Eu tinha certeza de que você nunca mais esqueceria essa mulher!

— Cristina! – ele exclamou, com a face lavada de lágrimas e assustado por ter sido flagrado cometendo o delito.

— Eric, escute o que eu vou te dizer. Se é a dor e o sofrimento que você prefere, então continue assim, porque eu é que não quero mais saber de você! Não me procure nunca mais. De maneira nenhuma vou competir com o fantasma de uma esposa falecida. Não é justo. Você só precisava aceitar que a Daisy está morta e eu estou viva! – ela gritou furiosa.

— Cristina, nem você nem ninguém é capaz de entender a minha dor.

— Você acha que só você sofre! Eu também perdi o homem que eu mais amei nesse mundo. Eu vou te contar agora. Eu amei um rapaz maravilhoso no Brasil. Éramos felizes, mas um problema na família dele fez com que ele começasse a beber e a usar drogas. Foi embora e me deixou. O pai dele faleceu em um acidente de trânsito logo depois de descobrir que sua mãe o deixou por outro homem! Eu soube que ainda hoje ele é um alcoólatra e vaga sem rumo pelo mundo. Eu o amei mais do que tudo. Mesmo assim, consegui superar e comecei a te amar. Mas agora eu percebo que assim como o meu amor não foi suficiente para salvar meu ex-namorado do alcoolismo nem das drogas, o meu amor também não é suficiente para fazer você feliz de novo. Eu não quero um homem que vai passar a vida inteira depressivo chorando pelos cantos a morte de alguém que nunca mais vai voltar. Sabe de uma coisa? Você deveria sorrir ao lembrar-se da Daisy. Deveria ser feliz e grato pelos filhos que ela te deu. Está deixando de lado o Matt e a Sally. Os dias estão passando e você nem dá atenção aos seus filhos. Adeus, Eric! – Ela se retirou, correndo e chorando de decepção.

A babá desiludida chegou à casa de Ellen e foi direto para o quarto. Arrumou suas malas, ligou o computador e comprou uma passagem de volta para o Brasil. Embarcaria em três dias.

Assim que soube, desesperada, Ellen tentou convencer sua amiga a ficar:

— Cris, o que aconteceu? O motorista me disse que você voltou da casa do seu namorado gritando que vai embora de volta para o Brasil!

— Aconteceu que o seu genro prefere o retrato de uma mulher morta a mim, que estou viva! Eu sou palpável; ela é só um retrato, uma lembrança que, mesmo eu não querendo, me assombraria para sempre.

— Oh, não! Aconteceu de novo! Depois de tanto tempo!

— Não se iluda. Eu tenho certeza de que, mesmo depois que começamos a namorar, toda noite antes de dormir ele ainda chorava por causa dela. E eu não quero passar o resto da minha vida competindo com o fantasma de uma esposa morta. Me desculpe, eu sei que a Daisy era a sua filha, mas isso não é justo comigo! Eu vou embora de volta para o Brasil.

— O quê?

— Sim, eu não aguento mais isso. Se eu não posso tê-lo de vez, prefiro ir embora e ficar longe. Já comprei minha passagem.

— Não faça isso, Cris! Por favor! Precisamos de você! Amanhã é noite de Natal. Já planejamos a ceia em Staten com as crianças, Joliet e o Jefferson. O Matt e a Sally precisam de uma noite especial na casa deles com o pai. Esqueceu que você me ajudou a organizar tudo? As crianças sentirão sua falta.

— Não. Eu não esqueci. Ficarei para o Natal. Eu viajo no dia vinte e seis. Mas a minha partida já é certa.

— Você já tentou ser o que a Daisy foi para ele? Mas, é claro, da sua maneira... O que ela fazia que o deixava tão feliz? Se você fizesse isso, talvez ajudasse. Pode ser que dessa forma ele te enxergue como um anjo que veio salvá-lo dessa agonia. Já estão juntos há meses e você ainda não conseguiu isso? Deveria fazê-lo sorrir todo dia, mostrar que a vida é boa ao seu lado, mostrar que quem vive de passado é museu e que chorar não vai trazer a Daisy de volta. Você devia levá-lo para lugares que o agrade, que o faça sentir-se bem. Deveria fazê-lo sentir-se único e especial, assim como ela provavelmente faria. Deveria dizer todos os dias a ele o quanto ele é importante, já que o ama tanto. Deveria lhe fazer surpresas agradáveis, estar com ele em todos os seus momentos bons e ruins.

— Eu tenho que ser a sua filha falecida? Eu sou eu, e ele tem que me amar pelo que sou.

— Realmente já passou da hora dele superar! Por melhor que você faça, ele nunca vai esquecer o quão especial a Daisy foi para ele. Mostre a ele que você também é especial, que você também vale a pena. Traga-o de volta à vida – Ellen aconselhou-a.

— Belas palavras, Ellen, mas eu não sou a Daisy. Eu não fico mais nenhum minuto nesta casa!

— Espere, para onde vai?

— Eu vou ficar em um hotel até o dia do embarque. E não se preocupe, estarei em Staten amanhã à noite para o jantar de Natal.

— Obrigada por tudo, Cris – declarou, pegando suas malas.

— Para que hotel você vai?

— Row NYC Hotel. Mas, por favor, não conte nada ao Eric! – ela respondeu, advertindo-a.

***

As luzes de Natal coloriam toda a cidade de Nova York. A casa da família Preston estava linda, toda iluminada com cores diversas do lado de fora, uma árvore enorme no centro da sala, a lareira acesa. Cristina fez um boneco de neve com as crianças. Joliet, a pequena Carolyn e Jefferson ajudaram-nos. Mesmo o frio intenso não os desanimou nem os impediu de contemplar o momento único.

Todos estavam sentados à mesa. O jantar acabava de ser servido. Faltava apenas a presença de Eric, que permanecia recluso dentro do escritório. Estava no computador, tratando de seus negócios.

Cristina bateu na porta, entrou e tratou-o como seu patrão:

— Senhor Preston, o jantar de Natal está servido. Seus filhos estão te esperando. A noite está linda, a cidade toda iluminada. Coloquei os presentes debaixo da árvore, como fazemos no Brasil – ela comunicou, mas ele nem sequer olhou nos olhos dela.

— Podem jantar. Eu vou ficar aqui, trabalhando – ele respondeu, ainda na mesma posição.

— Não pensa nos seus filhos? – ela questionou-o, despertando nele um furor.

Eric levantou-se da cadeira, olhou nos olhos dela e disse, quase gritando:

— Eu não quero comemorar nada! Será que ninguém me entende? Eu quero ficar sozinho. Só peço que todos me deixem em paz!

Cristina sentiu-se engasgada e abaixou a cabeça; seus olhos lacrimejaram. Ela saiu daquele escritório com o coração partido por ter sido maltratada pelo homem que tanto amou.

Diante de todos explicou:

— Crianças, o papai Eric não vem. Ele está com muita dor de cabeça. – Ela lançou um olhar para Ellen. Os demais presentes entreolharam-se, entendendo a situação.

Jefferson sussurrou ao pé do ouvido de Joliet:

— Como pôde o seu cunhado ter se tornado um homem tão amargo? O Eric nem se importa mais em participar da vida dos próprios filhos.

— Ele nunca vai se conformar com a morte da minha irmã. E por isso vai perder a maior chance da vida dele – Joliet concordou.


A campainha de Ellen tocou. Ela abriu a porta.

— Eric, o que faz aqui? Veio buscar as crianças? Já terminamos nosso almoço de Natal.

— Ellen, eu quero falar com a Cristina.

— Ela não está mais aqui.

— Não? Onde ela está?

— A Cristina foi para um hotel. Ela vai embora de volta para o Brasil amanhã mesmo.

— Embora?

— Sim, Eric. Ela cansou das suas grosserias.

— Me diz o nome do hotel. Eu preciso falar com ela.

— Eu sugiro que vá depressa, antes que seja tarde. Row NYC Hotel.

— Estou indo agora mesmo. Até logo. – Ele correu para o hotel.

***

Ao entrar no saguão, procurou sua amada por todos os lados. Chamou o recepcionista no canto e propôs:

— Eu preciso ver uma pessoa.

— Qual é o nome do hóspede? Eu chamo pelo telefone e ele desce ou autoriza a sua entrada.

— Eu preciso muito falar com uma mulher que está hospedada aqui. Mas ela não vai querer me receber. Terei que entrar no apartamento sem que ela saiba. É uma questão de vida ou morte.

— Vida ou morte? Isso que me pede está totalmente contra a ética do hotel. Se eu permitir isso posso perder meu emprego.

— Eu pago trezentos dólares para que me deixe entrar. Aqui está o dinheiro. E quanto ao seu emprego, não se preocupe: se você for demitido, eu te dou um novo emprego na minha empresa. Mas fique tranquilo, ninguém precisa saber de nada. Fica entre nós dois.

— Me dê uma razão plausível para que eu permita a sua entrada.

— Essa mulher é o amor da minha vida! – tentou convencê-lo.

— O amor da sua vida? Agora entendi tudo. Ok – o homem concordou.

O recepcionista guardou os dólares do bolso e deu a Eric uma cópia do cartão magnético que abria a porta do quarto de Cristina.

***

Entrou no elevador, chegou ao andar, foi até o quarto, colocou o cartão no leitor, entrou e procurou por ela. Cristina estava saindo do banho. Vestida em seu roupão, dirigia-se ao quarto quando foi surpreendida por Eric. Assustada ao perceber a presença dele, encarou-o furiosa:

— Eric, o que faz aqui? Como sabia onde eu estava? Quem te deixou entrar? Como conseguiu acesso ao meu quarto? Que absurdo é esse?

— Cristina, meu amor, você não pode ir embora! Me perdoe. Eu preciso de você – ele implorou, aproximando-se dela. Tentou tocá-la, mas ela se afastou. – Antes de me expulsar daqui, escute bem o que eu tenho pra dizer.

— Você me magoou muito ontem. Foi grosseiro na noite de Natal. Você só me maltrata – ela respondeu com tom de mágoa.

— Você tem que me perdoar.

— Escute você o que vou te dizer. Eu não quero passar a minha vida inteira tendo que te perdoar.

— Não vá embora.

— Eu preciso ser amada de verdade por um homem que me ame completamente. Eu quero ter alguém que esteja sempre do meu lado, saudável, seguro de si. Quero muito mais do que ficar andando pela cidade, lamentando a decepção que é te querer, procurando um olhar de conforto, outro alguém pra sonhar e ser feliz.

— Eu te amo.

— Quero enxergar muito além de tudo que já vivi, quero mais que uma madrugada de passeios e beijos no Central Park. As estrelas que brilham por trás das nuvens não iluminam o meu caminho.

— Eu ainda posso te fazer feliz.

— O que sou pra você? Uma simples babá apaixonada ou nada mais que a distração que te consola? Quando estamos juntos você parece me querer, diz que me ama, mas depois se despede com as suas crises, e volta para sua casa para chorar por uma mulher que já não existe mais aqui nesse mundo. Eu queria ser bem mais que a sua babá atraente por quem você tem uma simples paixão – sentenciou, segura de suas palavras.

Depois de ouvir as duras palavras pronunciadas por ela, Eric aproximou-se mais uma vez e, segurando-a pelos braços, explicou:

— A sua ausência é o castigo que me persegue. Sem você nada mais vai fazer sentido. Estou desiludido, muito arrependido de ter te magoado na noite de Natal. Não foi por falta de aviso. Eu te tirei do meu mundo e agora tenho medo de tudo. Você me disse pra ter cuidado com as minhas atitudes. Mas acredite: todo dia me pego brigando comigo mesmo pelos erros que estou cometendo por não superar a morte da Daisy. Dói demais imaginar que eu posso te perder também. Eu só quero o seu perdão! – ele implorou mais uma vez.

— Eu não acredito em uma só palavra do que você me diz. Eu já cansei de tudo isso e amanhã mesmo eu vou embora de volta para o Brasil. Embarcarei no primeiro voo. Eu quero ficar bem longe daqui. Como você acha que eu me sinto sabendo que você ainda é apegado a uma mulher morta, que não existe mais? Não suporto ver você se lamentar pelos cantos e se deprimir. Quem me garante que amanhã ou depois você não vai me deixar por não conseguir esquecê-la? Procure um médico para tratar a sua mente.

— Estou consciente disso que está me dizendo, eu sei. Assumo, eu tenho todos esses traumas pra esquecer e superar. Acontece que, quando eu acho que poderei viver um novo amor completamente livre das lembranças tristes da morte da Daisy, a desconfiança e o medo vêm e me dominam. Por isso eu te peço mais uma chance. Podemos dar um tempo até eu superar tudo de verdade, mas eu imploro: não vá embora. Entendo até que você não queira mais trabalhar para minha família. Não tem problema, eu te ajudo a alugar uma casa e a conseguir um novo emprego. Mas não vá. Fique! Eu suplico. – Ele tentou pela última vez.

— Basta dessas palavras! Eric, vá embora, saia daqui agora! Amanhã embarco para o Brasil, já está decidido! Adeus! Por favor, retire-se. Estou cansada, amanhã tenho que acordar cedo – ela repetiu suas duras palavras de vez.

Arrasado, Eric saiu dali mudo, cabisbaixo. Entrou no carro e dirigiu até a Ilha da Liberdade, onde sentou-se à beira das águas e chorou, relembrando tudo de bom que havia vivido com Cristina.

Jogou-se na cama e chorou como nunca. Sentia que a amava, mas jamais suportaria o fantasma das lembranças.


Na manhã seguinte Cristina acordou bem cedo para ir embora de uma vez por todas. Saiu com bastante antecedência, pois queria se ver livre o quanto antes daquela situação. Sim, ela havia feito uma promessa a Daisy, mas promessas quase sempre são quebradas.

Seria possível Eric amar duas mulheres ao mesmo tempo? Uma morta e outra viva?

Eric acordou cedo. Estava impaciente com a partida de sua amada. Ele ainda não sabia o que fazer, até que decidiu tentar pela última vez, pois estava prestes a perder para sempre mais uma alma gêmea.

Dirigiu o mais rápido que pôde até o hotel. Queria impedir que Cristina fosse embora. No entanto, ao chegar, foi informado que ela já havia ido para o aeroporto. Não queria desistir. Dirigiu ainda mais rápido até o local do embarque.

Estacionou o Porshe de qualquer jeito em local impróprio. Até esqueceu de ligar o alarme do carro. Correu feito louco percorrendo todo o aeroporto, que estava lotado. Encontrá-la em meio àquela multidão não seria nada fácil.

Desesperado, foi diretamente observar o painel de voos e ficou aliviado ao ver que o voo de Cristina ainda não havia partido. Foi até o check-in pedir informações sobre o embarque.

— Por favor, pode me informar se a passageira Cristina Mueller Rodríguez já fez o check-in? Ela embarcaria no próximo voo para o Brasil.

— Deixe-me verificar, senhor. – A funcionária da companhia aérea conferiu as informações no sistema por uns segundos.

— E então? – Eric estava ansioso.

— Senhor, essa passageira já embarcou em um voo anterior. Havia uma poltrona vazia e ela decidiu trocar a passagem.

— O quê? Então ela já foi?

— Sim, ela já foi. Não está mais aqui – ela confirmou.

***

Os olhos de Eric encheram-se de lágrimas. Seu celular tocou. Era Ellen.

— Alô.

— Eric!

— Ellen.

— E então? – ela quis saber.

— Não cheguei a tempo. A Cristina se foi de volta para o Brasil. Pegou um voo mais cedo.

— Vai aceitar perdê-la?

— Não. Eu não aceito.

— O que pretende fazer?

— Eu vou atrás dela até o fim do mundo. Irei ao Brasil o mais breve possível. Agora que ela se foi, eu sinto um desespero dentro do meu coração. Ellen, sinto como seu eu fosse morrer. – Ele caiu de joelhos no chão.

— Percebe? É isso que a Cristina quer te mostrar. Ela quer que você descubra que a ama de uma maneira que jamais se esquecerá. É o teste da distância. Chegou a hora de fazer a coisa certa, Eric. Você a maltratou demais em todo esse tempo. Se quer mesmo ficar com ela, terá que lutar para provar que mudou.

Ellen desligou o telefone.

Assim como na vida, o fim das histórias nem são sempre são do jeito que imaginamos ou queremos. É difícil aceitar que um amor pode terminar dessa maneira. Mas uma coisa é certa: os amores verdadeiros nunca morrem, apenas adormecem no jardim secreto do nosso coração.

Cristina recostou sua cabeça na janela do avião. Enquanto admirava o céu da América do Norte pela última vez, refletiu sobre tudo que havia acontecido naqueles últimos anos em sua vida. Ela não pretendia voltar. O Brasil era o seu lugar. Assim como Eric, ela também havia deixado um grande amor no passado. Às vezes a vida, ou às vezes a morte, irá nos separar das pessoas que mais queremos por perto.

***

E Cristina também perdeu um amor. Na verdade, ela perdeu a única pessoa que amou de verdade, sem maldade. Eric era mesmo um príncipe norte-americano. Seus olhos inesquecíveis já estavam tatuados na mente dela.

Tantas vezes ele sorriu para ela que sentiu nele o olhar e a presença de um anjo. Sentou-se ao seu lado nas escadas naquelas lindas manhãs de verão, demonstrando alegria em ter sua companhia. Parecia que nunca acabaria.

Com Eric ela podia sentir paz. Mas era um amor complicado, pois o coração daquele homem estava devastado pela morte. Assim como os terríveis furacões devastam as cidades, a perda destruiu sua capacidade de amar de novo.

Cada dia que existia sem a presença de Daisy era só mais um motivo para Eric chorar. O tempo passou, mas tempo nenhum, por mais que passe, é capaz de curar uma ferida tão grande.

Quanto à Cristina, as lágrimas permaneciam. Antes de tudo isso, Cristina havia conhecido Diogo, um jovem sensível que sempre a amou e levou-lhe flores. Sem que ela esperasse, a vida preparou para ela mais uma de suas crueldades. Ela pensava que nunca alguém despertaria o amor dentro do seu coração, mas o destino lhe mostrou o contrário quando Diogo lhe disse “Eu te amo.”

Diogo a entendia e gostava de tudo que ela fazia. Inspirou suas ideias. A primeira vez que se beijaram foi a descoberta de um novo sentimento. Ela quase conseguiu o que tanto desejava. Mas talvez tivesse sido apenas um sonho platônico com sentimento real. No entanto, a força do azar foi mais forte e esse rapaz se afastou. Diogo disse que não conseguiria e simplesmente desistiu. Ele não foi capaz de superar a morte trágica de seu pai. A vida é cheia de mortes trágicas!

Diogo sofreu, Cristina sofreu. Ele preferiu seguir outro caminho e seguiu. Ele se perdeu. O seu jovem amado se perdeu com o tempo, com o vento, se perdeu no caminho do vício, das drogas, do álcool. Hoje ele só anda com más companhias. Não é mais o mesmo.

No fim, ela se entristeceu e pensou, ainda dentro daquele avião: “se ele estivesse do meu lado, isso não teria acontecido.” Foi o primeiro golpe do destino. E agora, com Eric, ela experimentava mais uma vez a rejeição.

O mundo está sendo aniquilado pelo ser humano, com a poluição e a destruição dos animais, da natureza, e Cristina nem teve a chance de contemplar os pássaros e as estrelas ao lado dele.

 

 

                                                                  Jamila Mafra

 

 

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